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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Histó
ria
LINHA DE PESQUISA: POLÍTICA E SOCIEDADE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A FEBRE AMARELA O PODER PÚBLICO E A IMPRENSA
DURANTE A DÉCADA DE 1850, NO RIO DE JANEIRO
Monique de Siqueira Gonçalves
Rio de Janeiro
dezembro de 2005
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
A FEBRE AMARELA, O PODER PÚBLICO E A IMPRENSA
DURANTE A DÉCADA DE 1850, NO RIO DE JANEIRO
Monique de Siqueira Gonçalves
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro-
(UERJ) como requisito à obtenção do grau
de Mestre em História
Orientador:
Prof. Dr. Almir Chaiban El-Kareh
Rio de Janeiro
dezembro de 2005
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ii
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1 - A criação da Junta Central de Higiene Pública e o direcionamento das
políticas de saúde pública pelo Estado
13
1.1 – A febre amarela de 1850 e os debates no legislativo: Cruz Jobim e Paula Cândido em
defesa da medicina alopata
15
1.2 – A formação da Junta Central de Higiene Pública e a centralização das políticas de
saúde pública pelo Estado 32
1.3 – A subordinação da Junta Central de Higiene Pública em favor das elites
conservadoras 44
Capítulo 2 - A morte anunciada: a imprensa leiga e a importância da opinião pública
nos assuntos de saúde 46
2.1 - A imprensa leiga como um espaço aberto às reclamações e à busca de prestígio 82
Capítulo 3 - A busca da legitimação profissional pela imprensa médica: um combate
entre alopatas e homeopatas nas revistas especializadas 86
3.1 – Os periódicos alopatas 90
3.1.1 – O Annaes Brasilienses de Medicina
90
3.1.2 - A Gazeta dos Hospitaes
123
3.1.3 – O Acadêmico 127
3.1.4 – Revista Pharmaceutica 131
3.2 – Os periódicos homeopatas 139
3.2.1 – A Homeopathia 140
3.2.2 – O Athleta: jornal médico-homeopático
144
3.2.3 – Gazeta do Instituto Hahnemanniano do Brasil
149
iii
3.2.4 – Revista homeopática 150
3.3 – Um embate entre alopatas e homeopatas pelas páginas da imprensa especializada 152
Conclusão 154
Apêndices 158
Bibliografia utilizada 165
iv
Resumo
Esta pesquisa se centrou na compreensão das políticas públicas desempenhadas
pelo Estado imperial, em meio às epidemias de febre amarela que se desenvolveram
durante toda a década de 1850, em sua capital. Neste sentido, analisamos a importância da
criação da Junta Central de Higiene Pública, no processo de concentração das medidas de
higiene nas mãos do governo central, objetivando compreender os limites da influência da
“elite médica” no aparelho de Estado. Focando nossas análises na imprensa, visamos
clarificar a crescente relevância dos jornais leigos e especializados no processo de
formação de uma opinião pública a respeito dos assuntos de saúde no Rio de Janeiro.
Atentamos assim, para a importância social e política adquirida pelos jornais, visto que
eles se tornavam, com a liberdade de imprensa legalmente conquistada, os veículos
primordiais na consolidação de interesses públicos e privados.
Résumé
Nous avons voulu, dans cette recherche, comprendre les politiques publiques de
l’Etat impérial brésilien pendant les épidémies de fièvre jaune qui sévirent dans sa capitale
durant les années 1850. Nous avons, donc, analysé l’importantce de la création de la
Commission Centrale d’ Hygiène Publique, dans le processus de concentration des
décisions d’ordre hygiénique entre les mains du gouvernement central, pour mieux saisir
les limites de l’influence de l’“élite médicale” au sein de l’appareil d’Etat. En misant nos
analyses sur la presse, nous avions pour dessein éclairer l’importance croissante des
journaux laïcs et des journaux spécialisés dans le processus de formation de l’opinion
publique ayant traits aux questions de la santé dans la ville de Rio. Enfin, nous avons
dégagé l’importance sociale et politique acquise par les journaux au fur et à mesure qu’ils
v
devenaient, avec la liberté de presse, légalement conquise, les véhicules fondamentaux
pour l’affermissement des intérêts publics et des intérêts privés.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha família e ao meu namorado Fabrício porque,
sem dúvida, sem a existência dessas pessoas eu não teria chegado onde cheguei. À minha
mãe Iliana e meus irmãos, Leonardo e Cristiana devo, sobretudo, a paciência com que me
aturaram no processo de escrita desta dissertação, ao me oferecerem, na medida do
possível, o silêncio necessário para que eu pudesse, no curtíssimo tempo que tive para
escrevê-la, dar o melhor de mim. Não podendo me esquecer neste momento da minha
madrinha Cleuza que apesar de não dividir o dia-a-dia comigo, foi quem me ofereceu a
possibilidade de realizar os meus estudos até a Faculdade, com a sua incrível bondade. Ao
meu namorado, mais do que companheiro, devo dias e noites de carinho, paciência,
compreensão, e incentivo, que me deu com total zelo, principalmente nesta reta final, tão
difícil de ser completada. À minha amiga Vanessa não bastam agradecimentos, estando
desde o começo dessa jornada comigo, trilhando o mesmo caminho difícil e tortuoso,
sofrendo e se angustiando comigo à todo momento.
Além dos laços afetivos que sustentaram o meu empenho devo muitos
agradecimentos ao meu orientador, Almir Chaiban El-Kareh, que com uma dedicação fora
do normal, orientou minhas pesquisas desde a graduação, sendo um verdadeiro mestre, ao
me ensinar, cobrar, criticar e mostrar o melhor caminho que deveria seguir em todos os
momentos do meu trabalho. Também agradeço aos professores que participaram da minha
Banca de Qualificação, Flávio Edler e Marco Morel, pelas importantíssimas críticas feitas
ao meu trabalho e que muito contribuíram para ampliar meus horizontes na confecção
desta dissertação.
Ao PPGH da UERJ e à CAPES, finalmente, agradeço por me proporcionarem a
possibilidade de me dedicar integralmente a esta pesquisa.
1
INTRODUÇÃO
A chegada da febre amarela no Rio de Janeiro, no verão de 1849/50, transtornou
a vida da população carioca. Esta foi a primeira grande epidemia a assolar a capital do
império. Desde fins de dezembro de 1849 a março de 1850 milhares de vidas foram
ceifadas, contabilizando pelas estatísticas oficiais um total de 4.160 óbitos
1
. Infelizmente
esse não foi o único surto a afligir a corte imperial, a febre amarela tornou a aparecer
periodicamente na cidade sob a forma epidêmica durante os anos seguintes, contabilizando
um total de 471 óbitos em 1851, 1.943 em 1852 e 853 em 1853
2
.
Após esta última data, a moléstia se tornou endêmica levando ao túmulo a cada
verão pequeno número de vidas, já sem causar horror à população que se acostumara com
sua presença. Entretanto, no verão de 1857, retomou suas características epidêmicas com
1.425 óbitos, em 1858 contabilizou um número mais reduzido de 800 óbitos, declinando
em 1859 para 500 óbitos. No ano de 1860 voltou a fazer grande número de vítimas, com
um total de 1.249 mortes. No entanto, a década de sessenta foi poupada dos enormes
estragos que haviam assolado a cidade na década anterior. A doença permaneceu
endemicamente na cidade durante todo este período, reaparecendo com intensidade
somente em 1870, ano em que matou 1.117
3
pessoas.
Durante a segunda metade do século XIX a febre amarela não foi, no entanto, a
única doença epidêmica a atormentar a população carioca. A cólera-morbus também levou
a cidade do Rio de Janeiro à desestabilização, causando uma elevação da mortalidade geral
1
José Pereira Rego. História e descripção da febre amarella epidêmica que grassou no Rio de Janeiro em
1850. RJ: Typ. Nacional, 1851.
2
Idem. Esboço Histórico das epidemias que têm grassado na cidade do Rio de Janeiro desde 1830 a 1870.
RJ: Typ. Nacional, 1872.
3
Idem, ibidem.
2
da Corte, em 1855, para 11.018
4
, contabilizando um total de 5.228
5
mortos, só por esta
doença, neste ano.
As estatísticas mortuárias publicadas anualmente nos Relatórios do Ministério do
Império, os trabalhos de José Pereira Rego e até mesmo as cifras dos óbitos diários que
passaram a ser publicadas na imprensa leiga a partir da segunda metade da década de 1850,
nos revelam as febres intermitentes e remitentes, bronquite, pneumonia, lesões do coração,
e, principalmente, a tuberculose, como grandes responsáveis pelo numero de óbitos na
cidade, sem falar no alto índice de mortalidade infantil.
No entanto, a febre amarela foi, de todas, a doença que durante toda a segunda
metade do século XIX, suscitou mais discussões e providências dos poderes públicos. Da
mesma forma que consistia no fulcro das discussões desenvolvidas pela elite médica, e
também de inúmeros debates desenvolvidos na imprensa leiga da Corte imperial.
O processo de centralização do poder em torno da elite conservadora saquarema,
pela consolidação do monarca, tinha se iniciado desde o Golpe da Maioridade, em 1840, e
tivera seu auge nos anos 1850. Esta década seria marcada pela “estabilidade política,
simbolizada pela Conciliação
6
, e o combate às epidemias de febre amarela pelo poder
público seguiria esta tendência.
Com a erupção da primeira grande epidemia, em 1850, o poder central,
objetivando a sua consolidação em torno da legitimação de um Estado “benfeitor e
protetor”
7
, deu seu primeiro passo rumo à elaboração de uma política de saneamento
público. Durante este surto multiplicou-se o número de enfermarias na cidade, aos
4
José Pereira Rego. Opus cit., 1872.
5
Idem, ibidem.
6
Ilmar Rohloff Mattos. O Tempo Saquarema – A formação do Estado Imperial. São Paulo: HUCITEC,
1987.
7
Almir Chaiban El-Kareh. “Estado e assistência pública: as epidemias dos anos de 1850 na cidade do Rio de
Janeiro” in Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), Anais da XVIII Reunião. Rio de Janeiro,
1998, p. 258.
3
cuidados da Santa Casa de Misericórdia, que recebia vultosos subsídios para o tratamento
de doentes pobres. Os remédios cedidos pelas boticas, as roupas de cama, a comida, o
transporte e tudo mais que era necessário para cuidar dos acometidos eram oferecidos pelo
governo imperial
8
.
A aprovação de verbas, em caráter de urgência, na Câmara dos Deputados
9
e a
interpelação dos membros da Academia Imperial de Medicina e lentes da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, no mesmo ano, para a formação de uma Comissão Central de
Saúde Pública, responsável pela confecção de um Regulamento Sanitário, eram sinais
evidentes da vontade do Estado de obstar a expansão da moléstia, que em março alcançara
o seu pico.
A normalidade da vida na cidade ficou comprometida, pois, segundo estimativas
contemporâneas, mais de um terço da população tinha sido acometida pela doença, e que a
Corte em fins de março já “estava sob a influência epidêmica em todos os seus pontos
10
.
Em uma população contabilizada em 266.466 almas
11
, acreditava-se que aproximadamente
90. 658 pessoas tinham sido acometidas pela doença
12
. Segundo Sidney Chalhoub “houve
quem falasse em 10 mil, 12, mil, 15 mil vítimas fatais
13
, o que excede em muito
estatísticas oficiais.
Durante a epidemia ficavam proibidos, pelo Regulamento Sanitário, os dobres de
sinos anunciando os enterros e a publicação de matérias referentes à epidemia sem a
8
Brasil, Império, Ministério dos Negócios do Império e do Interior. Santa Casa de Misericórdia – Ofícios e
documentos diversos. RJ, AN.
9
Brasil, Câmara dos Deputados do Império, Annaes, 1850.
10
José Pereira Rego. Opus cit.. 1851. p. 18.
11
Brasil, Ministério do Império, Relatório, RJ: Typ. Nacional, 1851. Este número tinha sido contabilizado
por Roberto Jorge Haddock Lobo, a pedido do Ministério da Justiça, e é considerado por muitos historiadores
como impreciso. Mattos cita em sua obra um levantamento feito por Milliet de Saint-Adolphe, em 1843,
onde contabilizava a população do Rio de Janeiro em 170.000 pessoas. (Ilmar Rohloff Mattos. Opus cit..
1987. p. 76.). No entanto, pela falta de dados estatísticos confiáveis realizados nesta época, por falta de
estrutura para tal, adotaremos os números apresentados pelo primeiro.
12
José Pereira Rego. Opus cit.. 1851. p. 158.
13
Sidney Chalhoub. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996. p. 61.
4
aprovação prévia da Comissão Central. Pela primeira vez, uma comissão formada somente
por médicos acadêmicos ficava responsável pela tomada de medidas da esfera da saúde
pública, o que para muitos, indicava a consolidação destes profissionais no aparelho de
Estado.
A formação da Junta Central de Higiene Pública, em 1851
14
, denotava, deste
modo, a importância crescente dada aos assuntos de saúde pública, até então da esfera
exclusiva da iniciativa privada, especialmente das ordens terceiras, e, ao mesmo tempo, o
intuito de centralizar no Estado essas funções. Isto porque, a Academia Imperial de
Medicina, que até aquele momento atuava como conselheira do governo central nesses
assuntos, era substituída como tal, por uma Junta subordinada ao Ministério do Império.
A cada surto epidêmico o comércio internacional e a entrada de colonos europeus
ficavam prejudicados. Representações da Coroa Britânica, junto ao governo imperial,
opondo-se à aplicação das quarentenas em seus portos, e exigindo medidas de higiene
pública, eram constantes, e reapareciam nos discursos da dita Junta, numa demonstração
clara de que eram ouvidas pelo governo
15
.
Na disputa entre contagionistas e infeccionistas, os segundos sobressaíram. A
presidência de Paula Cândido, infeccionista assumido, na Junta Central de Higiene Pública
durante toda a década de 1850, apontava para o direcionamento das políticas públicas de
combates às epidemias, com ênfase na salubridade. Mesmo não descartando a realização
14
A Comissão Central de Higiene Pública foi formada em 14 de fevereiro de 1850, depois transformada em
Junta Central de Higiene Pública (1851), quando passou a receber do governo duzentos contos de réis, por
meio do Ministério do Interior, para realizar os melhoramentos sanitários que a cidade necessitava. Ver:
Decreto 598, de 14/09/1850. Coleções de Leis do Brasil (CLB)
. Apud. Tânia Salgado Pimenta. O exercício
das artes de curar no Rio de Janeiro (1828 a 1855). Tese de doutorado. Campinas, SP, 2003.
15
Como verificou Ilmar Rohloff Mattos, a expansão dos interesses da Inglaterra “sobre a face da Terra” tanto
em termos comerciais, como no tocante às idéias e valores, definia relações profundas entre o Império do
Brasil com o armazém e a oficina britânicos. “Deles eram importados produtos alimentícios, remédios,
cosméticos, relógios, móveis, instrumentos musicas, ferragens em geral, maquinaria para o processamento de
matéria-prima para exportação, máquinas para a cana-de-açúcar e, principalmente, tecidos”. (Ilmar Rohloff
Mattos. Opus cit.. 1987. pp. 14 -15).
5
das quarentenas, estas eram realizadas de modo pouco sistemático e recebiam constantes
críticas de árduos defensores do contágio da febre amarela, como Cruz Jobim.
Sendo assim, pretendemos demonstrar de que forma a importância adquirida pela
higiene pública durante esta década refletia a primazia dos interesses do governo central na
definição das medidas de combate às epidemias, em detrimento dos interesses da elite
médica
16
brasileira, que pretendia, por meio de sua “competência científica”
17
, nortear
essas medidas. A formação da Junta Central de Higiene Pública, incentivada pela epidemia
de febre amarela, significava, sobretudo, a reafirmação da autoridade estatal, que primava
pela defesa dos direitos do livre comércio, e pela intensificação da colonização européia,
necessária devido ao surto cafeeiro, que precisava de mão-de-obra para substituir os braços
escravos, cuja importação da África estava definitivamente proibida desde 1850
18
.
A elite médica, por sua vez, não pouparia esforços, na observação de casos
clínicos da moléstia, e mesmo não tendo avançado significativamente na compreensão da
natureza da febre amarela até o desenvolvimento da microbiologia
19
, despendeu grandes
esforços na tentativa de oferecer respostas satisfatórias à sociedade e aos poderes públicos,
em busca da consolidação de seu prestígio enquanto categoria profissional e o
reconhecimento de suas práticas terapêuticas.
16
A elite médica não é formada necessariamente pelos melhores médicos, mas por aqueles indivíduos que
tradicionalmente concentram em suas mãos os diferentes tipos de poder profissional. Ver sobre o conceito de
elite médica no artigo de Weisz. “Les transformations de l’Elite medicale em France.” En: Actes de la
Recherche en Sciences Sociales, nº 74 – septembre 1988, pp. 33/46. Apud Flávio Coelho Edler. As reformas
do ensino médico e a profissionalização da medicina na Corte do Rio de Janeiro (1854 – 1884). Dissertação
de Mestrado, USP, SP, 1992.
17
Seguindo os passos de Paul Starr, que analisou o processo de consolidação da autoridade médica nos
Estados Unidos, acreditamos que a elite médica brasileira na metade do século XIX ainda não tinha validado
o seu conhecimento e que, por isso não tinha condições de alcançar o aspirado monopólio profissional no
Brasil. (STARR, Paul. La transformación social de la medicina em los Estados Unidos de América. México:
Biblioteca de la salud, 1982).
18
Cf. Ilmar Ilmar Rohloff Mattos. Opus cit.. 1987.
19
Cf. Jaime Larry Benchimol. Dos micróbios aos mosquitos: febre amarela e a revolução pausteriana no
Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; UFRJ, 1999.
6
No entanto, isto não seria conquistado com facilidade, e durante toda a década de
1850, tanto por meio da imprensa leiga
20
, como por meio de publicações médicas
especializadas, eles buscariam a consolidação de uma opinião pública favorável às suas
práticas, em oposição às outras terapias tradicionais, em especial, travando uma luta contra
a homeopatia, que alcançava grande aceitação pela população
21
.
A análise da imprensa leiga abrangeu toda a década de 1850, mas se deteve
apenas no Correio Mercantil. Primeiro, porque, certamente, era um dos jornais de maior
tiragem da cidade, vindo depois do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro.
Segundo, porque as sessões de “publicações a pedidos” e dos “anúncios” se davam de
forma quase uniforme pelos jornais da Corte
22
, a não ser quando se tratava de matérias
feitas pelo editorial e de cunho político partidário (que eram priorizadas segundo a
tendência política do veículo). Terceiro, por causa da postura de oposição ao governo
imperial assumida pelo Correio Mercantil, que fazia deste um veículo aberto a matérias as
mais diversas. Enfim, o curto prazo oferecido à realização desta dissertação de mestrado,
que tornava inviável uma pesquisa que se apoiasse em mais de um periódico de grande
circulação.
Pela leitura diária do Correio Mercantil, dando prioridade aos meses de surto de
febre amarela, realizamos uma análise que procurou compreender de que forma os jornais
leigos atuaram como verdadeiras “arenas”, abertas às disputas teóricas e profissionais
20
A denominação “Imprensa leiga” esta sendo utilizada por mim a fim de estabelecer uma diferenciação
entre os jornais diários publicados no Rio de Janeiro, advindos da iniciativa de empresários não pertencentes
ao círculo médico, dos jornais da imprensa médica especializada, por estes profissionais editados. Também
farei referência a esta, em outras vezes, com a denominação de “imprensa não-especializada”. A utilização
destes conceitos visa ressaltar a diferença da natureza destas publicações, deixando evidente a relação entre
os sujeitos enunciadores e o conteúdo enunciado, facilitando a compreensão da análise proposta.
21
A adoção de uma análise comparativa entre a imprensa médica especializada e a imprensa leiga cumpre o
objetivo de clarificar melhor as relações entre a medicina acadêmica e as outras artes de curar, no processo de
busca pelo reconhecimento médico alopata. Pois, se os periódicos médicos passaram a configurar como um
espaço de debates entre pares, os jornais não-especializados se constituíam como uma verdadeira arena,
aberta à veiculação de opiniões opostas acerca da prática médica.
22
Grande parte dos anúncios era publicada em mais de um jornal ao mesmo tempo. O que pudemos constar
com uma análise comparativa entre o Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro e o Correio
Mercantil.
7
relativas à medicina. Tendo em vista que neles coexistiam opiniões opostas sobre os mais
diversos assuntos referentes à prática médica, distintamente dos periódicos especializados,
que se tornaram, a partir desta década, órgãos fechados à veiculação da opinião de leigos.
A importância desta fonte para o nosso objeto de pesquisa se assenta no caráter
“ilustrado” assumido pelos jornais não-especializados, reforçado pela idéia de liberdade de
imprensa, que lhes cingia com uma aura civilizadora e pedagógica. Assim como nos
propõe Marco Morel, a partir da assinatura por D. João VI, em 2 de março de 1821,
suspendendo a censura prévia para da imprensa, “poderia se afirmar que a liberdade de
imprensa estaria instalada no Brasil
23
, “havendo a passagem de um espaço público
marcado pelas formas de comunicações típicas dos Antigos Regimes”, “para um espaço
público onde se consolidava debates através da imprensa”. Onde certamente, a Opinião
Pública teria um papel preponderante, visto que seria a “portadora” da sabedoria da
prudência e da razão. Pois, sendo construída por “esclarecidos” era vista “como o fruto da
reflexão dos indivíduos ilustrados e tornada pública na medida em que visava propagar as
Luzes do progresso e da civilização – e por isso defensora da ordem e da moderação
24
.
Idéia que, sem dúvida, motivou a sua utilização para a expansão de interesses particulares.
Com o acirramento das discussões na imprensa, ela passou a estar no centro das
atenções. Era por meio dela que, tanto o Estado quanto os profissionais médicos, podiam
difundir as suas idéias e atingir de maneira mais ampla e eficaz a população. Este estado de
coisas culminou por conferir à imprensa grande importância social, econômica e política,
além da ideológica que era inerente à sua natureza, na dinâmica da capital do Império.
Os periódicos não foram, deste modo, meros divulgadores de valores e ideários
particulares. Ao cederem, em troca de remuneração, suas páginas para a publicação de
23
Marco Morel. “Em nome da opinião pública: a gênese de uma noção” In: História e imprensa.
Homenagem a Barbosa Lima Sobrinho – 100 anos: anais do colóquio. Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, 1998. p.94.
24
Idem, ibidem. p.95.
8
artigos ou até mesmo para anúncios, estavam a priori assumindo um papel político e
ideológico na sociedade. Acreditamos que, a partir do momento em que os proprietários
dos meios de comunicação tomaram a consciência da importância política e social que
possuíam, passaram a atuar mais ativamente neste processo, alinhando-se politicamente de
acordo com os seus interesses, muitas vezes, antes de tudo de ordem econômica
25
.
Sendo assim, por meio da imprensa leiga, a população (entenda-se a pequena
parcela da população letrada e a que se informava junto a esta e numa cadeia de “bouche à
oreille”) passou a se informar sobre o que se passava no município da Corte e no país, e a
reclamar por medidas de salubridade; bem como o Estado a utilizou para conter os ânimos
populares, a cada surto mais sobressaltados.
Também os médicos, tanto alopatas quanto homeopatas, passaram a utilizar cada
vez mais os periódicos para defenderem seus métodos de cura, procurando formar uma
opinião pública favorável às suas práticas. Estes dois, como veremos nesta pesquisa, não só
publicavam matérias na imprensa não especializada como, percebendo a crescente
influência do meio impresso, passaram a se dedicar com mais afinco à impressão particular
de jornais científicos, exclusivamente dirigidos à difusão e legitimação de seus
conhecimentos.
No seio da elite médica as publicações científicas ganharam, sem dúvida, mais
importância que os periódicos não especializados, em oposição ao que ocorria com os
homeopatas, que utilizavam sistematicamente a imprensa leiga para difundir seus métodos
e combater os ataques feitos por alopatas. O caráter aberto à veiculação de distintas
opiniões da imprensa leiga, entrava em choque com os interesses monopolizadores dos
2525
Notar que mais do que o jornalista é o proprietário do jornal que desponta como agente propagador e
formador de opinião, como intelectual no sentido gramsciano, contrariamente aos jornalistas que escreviam
em pasquins e jornais de tipo panfletário, efêmeros, característicos da primeira metade do século XIX.
(Antonio Gramsci. Os Intelectuais e a Organização da Cultura, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1968).
9
alopatas, evidenciando muitas vezes, ao contrário do que pretendiam, que a medicina
tradicional e a homeopata tinham muita aceitação social.
Uma análise concomitante destas duas fontes nos oferecerá, com certeza, uma
visão mais clara do papel e da importância da elite médica no contexto de sucessivas
epidemias de febre amarela, durante os anos 1850. Nestes momentos de crise é que
poderemos explicitar as dificuldades que os esculápios enfrentaram em busca de
legitimação, comprimidos entre a expansão das prerrogativas do Estado na esfera da saúde
pública e a difusão e aceitação da medicina homeopata pela população.
Os surtos epidêmicos do Rio de Janeiro têm sido há algum tempo o alvo do
interesse de vários historiadores
26
, que sob recortes e perspectivas diferentes nos
auxiliaram na compreensão deste período, assim como nos incentivaram a formular os
questionamentos que estão na origem deste trabalho. Da mesma forma, uma gama de
pesquisadores já se empenhou em compreender o papel do Estado Imperial, da elite médica
alopata e suas corporações científicas, dos homeopatas e, até mesmo, dos periódicos
especializados, durante a primeira e segunda metade do século XIX
27
.
26
Donald Cooper. “Brazil’s long fight against epidemic disease, 1849-1917, with special emphasis on
yellow fever”. In: Bulletin of New York Academy of Medicine, vol. 51, nº 5, 1975, pp. 672-696; _____. “The
new ‘black death’: cholera in Brazil”. In: Social Science History, v. 10, n.4, 1986; Fraçois Delaporte. Le
savoir de la maladie. Essai sur le choléra de 1832 à Paris. Paris: Ed. Puf. (s/d); _____. Histoire de la fièvre
jaune. Paris: Payot, 1989; Sidney Chalhoub. Opus cit. 1996; EL-KAREH, Almir Chaiban. “Estado e
assistência pública: as epidemias dos anos de 1850 na cidade do Rio de Janeiro” In Sociedade Brasileira de
Pesquisa Histórica (SBPH), Anais da XVIII Reunião. Rio de Janeiro, 1998, p.258; _____. “Historie et
Quotidien, ‘Fièvres et Santé Publique: L’Annus Horribilis à Rio de Janeiro”. In Historie, Economie e
Societé. 20e Année, nº3, 3e. Trimestre 2001; Jaime Benchimol. Opus cit. 1999; Tânia Salgado Pimenta.
Opus cit. 2003.
27
Roberto Machado |et al.|. Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. RJ:
Edições Graal, 1978; Simon Scwartzman. Formação da comunidade científica no Brasil. SP: Nacional,
1979; Jurandir Freire Costa. Ordem médica e norma familiar. RJ: Graal, 1980; Denise Pires. Hegemonia
médica na saúde e a enfermagem. SP: Cortez, 1989; Lilia Moritz Schwarcs. O espetáculo das raças. SP:
Companhia das Letras, 1993; Madel Terezinha Luz. As instituições médicas no Brasil: instituição e
estratégia de hegemonia. RJ: Graal, 1979; _____. Medicina e ordem política brasileira: políticas e
instituições de saúde (1850-1930). RJ: Graal, 1982; _____. O Corpo da Cidade. Rio de Janeiro: UERJ/IMS,
1992; _____. “Natural, racional, social; razão médica e racionalidade científica moderna”. In: Razão Médica
e Paixão Política: mecaniscismo organicista x vitalismo homeopata no século XIX. RJ: Campus. 1998. p.
142-143; Ilmar Rolhoff Mattos. O Tempo Saquarema – A formação do Estado Imperial. São Paulo:
HUCITEC, 1990; Edmundo Campos Coelho. As profissões imperiais: Medicina, Engenharia e Advocacia
no Rio de Janeiro (1822-1930). RJ: Ed. Record, 1999; Lorelai Brilhante Kury. O império dos miasmas: a
10
Desde o trabalho pioneiro de Roberto Machado, fortemente influenciado por uma
leitura foucaultiana, muitas pesquisas o sucederam com o objetivo de tentar compreender
as nuances do processo de construção da autoridade médica alopata e as suas relações com
a consolidação do Estado Imperial.
As pesquisas desenvolvidas até fins dos anos de 1980 se concentravam na idéia
desenvolvida por Roberto Machado de que a década de 1850 marcara a entrada dos
médicos alopatas no aparelho estatal (pela criação da Junta Central de Higiene Pública),
que a partir dele se empenhara numa política de medicalização da sociedade. De uma
maneira ou de outra, punham em prática uma análise que primava pela concepção de um
Estado que, tendo instrumentalizado o saber médico, colocava toda esta categoria a favor
de uma política centralizadora e normalizadora.
Novas abordagens feitas a partir da década de 1990 propunham realizar análises
na área da história das políticas públicas, ou das doenças, sob o aspecto da história sócio-
cultural, optando por uma compreensão mais dinâmica entre as políticas desempenhadas
pelo Estado e a complexidade social que as envolvia. Sob o ponto de vista racial,
profissional ou institucional botavam em evidência a importância das interações sócio-
culturais, em constante “duelo” com os poderes políticos hegemônicos. Até hoje se
desenvolvem interessantíssimos trabalhos sob este viés, que têm seu núcleo na UNICAMP.
Academia Imperial de Medicina (1830-1850). Dissertação de mestrado. Niterói: UFF, IFCH, 1990; Flávio
Coelho Edler. As reformas do ensino médico e a profissionalização da medicina na Corte do Rio de Janeiro
(1854-1884). Dissertação de mestrado em história. SP: USP, 1992; _____. A constituição da Medicina
Tropical no Brasil oitocentista: da climatologia à parasitologia médica. Tese de doutorado. Instituto de
Medicina Social (IMS), UERJ, RJ, 1999; Luís Otávio Ferreira. O nascimento de uma instituição científica:
os periódicos médicos brasileiros da primeira metade do século XIX. Tese de doutorado, FFLCH/USP, São
Paulo, 1996. (mimeo); Cláudia Rodrigues. Lugares dos mortos na cidade dos vivos: tradições e
transformações fúnebres no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997; Gabriela dos Reis Sampaio.
Nas trincheiras da cura – as diferentes medicinas no Rio de Janeiro Imperial. Dissertação de mestrado.
UNICAMP, Campinas, 2000; entre outros.
11
Nesta década outros pesquisadores também se empenharam em compreender o
processo de legitimação da elite médica imperial, pelo viés da sociologia das ciências,
dentre os quais merecem destaque os trabalhos de Flávio Edler e Luís Otávio Ferreira
28
.
Para o primeiro, as afirmações de que o saber médico não tinha nenhuma fundamentação
científica e de que a higiene não passaria de uma estratégia bio-política de controle social,
não são verdadeiras. Segundo o autor, a elite médica imperial despendeu grandes esforços
em trabalhos de inovação científica nos campos do diagnóstico e da terapêutica, o que
contraria a hipótese de grande parte dos historiadores que tratam da medicina no século
XIX.
Também Ferreira, a partir dos periódicos médicos produzidos na primeira metade
do século XIX, desenvolveu uma interessantíssima pesquisa demonstrando como que a
imprensa especializada cumpriu um importante papel no processo de busca de legitimação
da medicina alopata, que procurava se sobrepor às demais artes de curar. Trabalhando,
pois, o projeto de consolidação da autoridade médica ressalta a crescente relevância da
imprensa e atenta para a importância da formação de uma opinião pública favorável aos
acadêmicos nos assuntos de saúde.
Estes dois trabalhos, desenvolvidos pela perspectiva da história das ciências,
certamente influenciaram bastante esta pesquisa, pois, apesar de nos concentrarmos na
análise pelo viés da história política procuramos abarcar aspectos destas análises,
objetivando compreender mais densamente o objeto proposto. Trabalhos desenvolvidos
sob a linha da história das ciências da saúde têm como referência a Casa de Oswaldo Cruz
(Fiocruz), na qual um grupo de pesquisadores tem realizado interessantes pesquisas neste
sentido.
28
Edler. Opus cit.. 1999; Ferreira. Opus cit.. 1996.
12
Partindo da produção historiográfica desenvolvida até o momento procuramos
cotejar os aspectos fundamentais na análise das relações entre o poder público e a elite
médica durante a década de 1850. Por isto dividimos a nossa pesquisa em três partes. Na
primeira, nos concentramos na compreensão da relação entre o poder público e a elite
médica, com ênfase na atuação de membros desta categoria no aparelho estatal, procurando
demonstrar os limites de sua influência e a prevalência da aplicação de uma política de
saúde pública de combate à febre amarela, centrada nos interesses do Estado.
No segundo capítulo, fixamos nossas análises nos jornais leigos a fim de
compreendermos a importância adquirida por estes veículos na difusão e formação de
opiniões. E finalmente no terceiro, ao analisarmos a imprensa médica especializada,
procuramos verificar os limites da influência médica alopata na sociedade, procurando
compreender as contradições entre o processo de busca da autoridade médica e o projeto de
centralização estatal encetado naquela década pelos poderes públicos.
O marco teórico metodológico adotado por nós nesta análise será explicitado no
decorrer do trabalho, em notas de pé de página, dinamizando a leitura e a compreensão do
objeto de pesquisa.
13
CAPÍTULO 1
A criação da Junta Central de Higiene Pública e o direcionamento das políticas de
saúde pública pelo Estado
A epidemia de febre amarela de 1850 motivou muitas discussões no ambiente
legislativo do Rio de Janeiro. Dentre os médicos deputados, certamente, José Martins da
Cruz Jobim foi o que mais instigou discussões de cunho médico no plenário, saindo em
defesa de interesses de sua categoria profissional e, principalmente, se empenhando em
defender as suas posições teóricas mediante a definição da natureza da moléstia em
questão. Defendendo a contagiosidade da febre amarela afirmava a necessidade de se
empregar medidas emergenciais, como o estabelecimento de quarentenas e lazaretos, para
impedir a entrada da doença na cidade, e acabava, com isso, indo de encontro aos
interesses do livre comércio.
Acreditamos, portanto, que, se por um lado, o projeto de lei apresentado por
Jobim em plenário incentivou a formação de uma Junta centralizadora das políticas de
saúde pública do Estado, por outro, a sua posição enfática com relação à necessidade da
adoção de medidas de saúde pública voltada para a idéia de contágio, e a sua postura pouco
flexível relativa ao exercício da medicina e à venda de remédios secretos, somados ao seu
objetivo de atuar em prol da consolidação da medicina alopata pela legitimação de suas
instituições científicas, resultou em sua exclusão desta Junta.
As querelas incitadas por ele no ambiente legislativo sinalizavam para a
impossibilidade de se pautar as medidas de salubridade e combate às doenças em uma
corporação científica como a Academia Imperial de Medicina, que por natureza consistia
em um ambiente de debates científicos, logo de muitas divergências entre seus membros.
14
Desta forma, se o Estado pretendia centralizar estas medidas, nada mais eficaz do que a
formação de uma Junta, subordinada ao Ministério do Império, que atuasse apenas como
uma conselheira, sem poder de decisão, podendo ter suas propostas aceitas ou recusadas,
como poderemos ver ao longo deste trabalho.
Ao mesmo tempo, a composição de uma Junta, formada estritamente por médicos
legalmente reconhecidos, legitimava uma postura “ilustrada” do governo brasileiro, e
consolidava a imagem de um governo liberal e assistencialista. Liberal, pois, ao se
empenhar na limpeza dos portos reforçava a importância do livre comércio, que se via
ameaçado pela grande mortalidade de estrangeiros recém-chegados. Assistencialista,
porque transferia para o Estado toda a incumbência de oferecer à pobreza os socorros
médicos necessários
29
.
Pretendemos assim demonstrar que a subordinação da Junta Central de Higiene
Pública ao Ministério do Império não significava a consolidação da elite médica no
aparelho de Estado, como sugerem muitos historiadores
30
, muito pelo contrário: a
implementação de uma política centralizadora das medidas de saúde pública no Estado se
opunha ao intento de consolidação da medicina alopata enquanto autoridade definidora
destas medidas.
Desta forma, a criação da Junta Central de Higiene Pública, nos moldes em que
foi composta, representava um golpe nas pretensões de legitimação médica, especialmente
da Academia Imperial de Medicina, que sofreu um aprofundamento de sua crise, ao perder
o monopólio de suas atribuições de conselheira do governo nos assuntos de saúde pública.
29
Nos Relatórios do Ministério do Império, assim como em alguns artigos publicados pelo governo,
partidários ou admiradores do Imperador, no jornal, era ressaltada a figura caritativa de D. Pedro II, que
mediante as epidemias, retirava do seu “bolsinho” dinheiro para dar assistência aos pobres. A construção
desta imagem certamente seria consolidada com a centralização das medidas de saúde pública no aparelho
administrativo estatal.
30
Cf. Roberto Machado |et al.|. Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil.
RJ: Edições Graal, 1978.
15
Objetivando comprovar as hipóteses acima expostas exploraremos no primeiro
item deste capítulo os debates travados, em 1850, na Câmara dos Deputados, estimulados
pela epidemia de febre amarela, que representaram uma clivagem na importância dada aos
assuntos referentes à saúde pública pelos poderes políticos. E, ressaltaremos tanto a
posição e importância da presença de médicos no legislativo, especialmente, o papel
exercido por Cruz Jobim neste processo.
No segundo item, procuraremos, por um lado, provar como a formação da Junta
Central de Higiene Pública pôs em segundo plano as corporações científicas do Império,
em especial a Academia Imperial de Medicina, visto que retirava desta parte substancial de
suas prerrogativas. E, por outro, a partir da análise dos relatórios emitidos pelo Ministério
do Império e pela própria Junta, procuraremos compreender os limites das políticas
empenhadas por este órgão, analisando a sua importância para os intentos de concentração
destas prerrogativas sob o poder do Estado.
1.1 – A febre amarela de 1850 e os debates no legislativo: Cruz Jobim e Paula
Cândido em defesa da medicina alopata
As primeiras discussões que se desenvolveram na Câmara dos Deputados com a
chegada da febre amarela no Rio de Janeiro são bastante interessantes para esta análise,
visto que a partir delas podemos compreender a evolução dos debates referentes às
medidas de saúde pública pelos poderes públicos. A presença de dois importantes
representantes da elite médica brasileira no legislativo, José Martins da Cruz Jobim
31
e
31
Cruz Jobim, pertencente ao “Conselho de S. M. I., Comendador da Ordem de Cristo no Brasil, e Oficial da
Imperial da Rosa; Senador do Império, eleito em 1851 pela província do Espírito Santo e antes Deputado da
Assembléia Geral legislativa pela da sua naturalidade: Bacharel em Ciências Físicas, e Doutor em Medicina
pela Faculdade de Paris; Lente de Medicina legal na Faculdade do Rio de Janeiro, onde exerceu o
professorado por vinte e dois anos, a contar de 1833; Diretor da mesma Faculdade desde 1841, votado
16
Francisco de Paula Cândido
32
, reforça, ao mesmo tempo, a importância desta fonte para a
compreensão das relações desenvolvidas entre o Estado imperial e a categoria profissional
médica, representada por eles.
Propomos, assim, compreender como os debates incitados no poder legislativo
por representantes da elite médica, influenciaram no estabelecimento de medidas de saúde
pública pelo Estado, na primeira epidemia de febre amarela, e de que forma eles
direcionaram as providências do poder público, consolidadas com a formação da Junta
Central de Higiene Pública, em 1851.
Dentre os 110 deputados da 8º legislatura (1849-1850), apenas quatro eram
médicos
33
, e as discussões sobre a epidemia de febre amarela que começavam a agitar o
ambiente legislativo, no início de janeiro de 1850, já demonstravam a importância de uma
intervenção do Estado na esfera da saúde pública. Sendo assim, a presença de Cruz Jobim
e Paula Cândido na Câmara dos Deputados fez deste recinto um palco de intensas
discussões de caráter científico sobre matérias referentes à epidemia e às suas possíveis
formas de combate, como também se tornou um meio de legitimação legal da medicina
sucessivamente em listas tríplices, e escolhido pelo governo até o ano de 1854, em que pela nova organização
teve a nomeação definitiva do mesmo cargo, que ainda agora exerce; Médico da Câmara Imperial desde
1831; Membro da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, Sócio correspondente da Academia
Real das Ciências de Lisboa, da de Nápoles, e de varias outras sociedades e corporações científicas e
literárias do Brasil e da Europa etc, nasceu na cidade de Rio Pardo, província do Rio Grande do Sul, em 26
de Fevereiro de 1802, filho do tenente José Martins da Cruz (natural da freguesia de Santa Cruz de Jobim, no
bispado do Porto em Portugal), e de D. Eugenia Fortes, oriunda dos Açores. Fez os estudos preparatórios no
Seminário episcopal do Rio de Janeiro, e os de Medicina em Paris, aonde se doutorou em 1828. Voltando
depois para o Brasil, aí tem prestado muitos e importantes serviços á sua pátria, no desempenho de comissões
e trabalhos científicos, e tomado, por vezes, parte notável e enérgica na política do país, na qualidade de
membro das Câmaras legislativas”. In: Dicionário Bibliográfico Português. Volume V (letras J-M), tomo
XIII. p. 62.
32
Paula Cândido, pertencente ao “Conselho de S. M. I., Comendador da Ordem da Rosa, Doutor em
Medicina pela Faculdade de Paris, e Lente da Escola de Medicina do Rio de Janeiro, onde exerceu o
magistério por mais de trinta anos; Medico da Câmara Imperial; Presidente da Junta Central de Higiene
Pública; Deputado da Assembléia legislativa em quatro legislaturas consecutivas; Membro titular, e três
vezes eleito Presidente da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, etc., etc. – Nasceu na província
de Minas Gerais em 1806, e morreu em Paris em 5 de Abril de 1864”. In: Dicionário Bibliográfico
Português. Volume IX (letras C-G). p. 354.
33
Além dos dois já citados compunham a assembléia legislativa os médicos José Agostinho Vieira de Mattos
e Antônio Gabriel de Paula Fonseca. Na 8º legislatura, que se iniciara naquele ano, Góis Siqueira, outro
médico alopata, passou a fazer parte da Câmara dos Deputados e em 1851 Cruz Jobim sairia da Câmara
devido à sua nomeação para o Senado do Império.
17
alopata. No entanto, ao mesmo tempo em que estes atuavam em favor do estabelecimento
de leis que beneficiassem a categoria médica, também explicitavam a falta de
homogeneidade dela, dividida por divergências teóricas internas.
Com a eclosão da epidemia, a febre amarela e seus assuntos correlatos se
tornaram o foco das atenções do poder legislativo, que se empenhou em aprovar verbas
para o combate ao flagelo. O primeiro assunto a ser posto em pauta neste ambiente foram
as quarentenas, por representarem as medidas emergenciais implementadas imediatamente
pelas autoridades do porto, influenciados pela inicial constatação feita pelos médicos da
Academia Imperial de Medicina de que a moléstia tinha sido importada.
As medidas quarentenárias que estavam sendo postas em vigor no porto da cidade
do Rio de Janeiro começavam a ser questionadas por membros do legislativo e por
autoridades estrangeiras, e os deputados já criticavam as políticas públicas de combate à
epidemia, que até aquele momento tinham sido postas em prática sem nenhuma
sistematização. Como as observações desenvolvidas por médicos ressaltavam a possível
entrada da moléstia por um navio vindo do porto da Bahia, onde grassava a epidemia, o
seqüestro das embarcações começou a ser o centro das discussões desenvolvidas na
Câmara. Neste sentido que o deputado Souza Franco, tratando do estado de insalubridade
no qual se encontravam os navios afirmava:
“Quero ainda chamar as vistas de S. Ex. sobre o modo porque
se fazem as quarentenas no porto desta cidade, sobre este modo de
salvar os muitos às custas de poucos. Chega um navio, ancora ou
fundeia mesmo em frente da cidade, e aí vai fazer quarenta; de sorte que
se há à bordo foco de moléstias pode contaminar a cidade. Os poucos
que vêm dentro, como aconteceu ultimamente no vapor que chegou do
18
norte, são inevitavelmente sacrificados por este modo de quarentena, e
em lugar deste estado de comodidade comparativa que se tem no mar,
onde o choque do navio, a frescura da ventilação do mar, o desejo de
chegar à terra alimenta os espíritos, em lugar disto, a impaciência, a
raiva concentrada do que é condenado à quarentena à vista da terra, sob
o sol abrasador, privado da ventilação que não é tão ampla quanto no
mar largo e navio em marcha, estes inconvenientes são bastantes para
agravar, senão produzir moléstias, sacrificando-se assim os viajantes. E
não seria mais conveniente acabar com este sistema de quarentenas e
achar meio de desinfetar desde logo o foco das epidemias que vêm nos
navios? De separar os indivíduos imediatamente, dar-lhes ar, dar-lhes
comodidade?(...)
34
A criação de um lazareto na Ilha de Jurujuba, em 1850, atenderia, assim, às
reclamações contra o seqüestro dos navios. No entanto, como poderemos ver mais adiante,
a instalação de um lazareto nesta ilha não foi feita levando-se em consideração todas as
exigências das regras de salubridade, e por isso, foi motivo de muitas críticas veiculadas
pela imprensa leiga. Mesmo assim, o seu estabelecimento denota os primeiros esforços do
governo para atenuar as causas da grande expansão da doença.
A Câmara tornou-se palco de infindáveis discussões de cunho médico e José
Martins da Cruz Jobim, certamente, foi o deputado que mais assiduamente se propunha
discutir assuntos referentes à sua profissão. Entrando, quase sempre, em choque com Paula
Cândido, por defender a natureza contagiosa da febre amarela, em oposição a este, que
pautava suas explicações sobre o desenvolvimento da doença no Rio de Janeiro a partir da
34
Souza Franco. Anais da Câmara dos Deputados. 31/01/1850. p. 383.
19
teoria No dia 12 de fevereiro de 1850, Jobim apresentou em plenário a proposta de
formação de um conselho geral de saúde pública, que tudo indica inspirou a formação da
Junta Central de Higiene Pública. Por ora, demonstraremos de que forma este deputado
construiu, enquanto médico, o arcabouço da aspirada consolidação da autoridade médica
alopata, pela legalização de um conselho que regrasse os assuntos de saúde pública no
país
35
.
A formulação de um projeto de lei, em torno da centralização das medidas de
higiene por uma comissão central, subordinada ao Estado, evidenciava o processo de
consolidação do poder estatal, empenhado pelas elites políticas, que tivera início em
1840
36
. Colocando sob os auspícios do governo as medidas de saúde pública, confirmava a
tendência de centralização das políticas públicas nesta esfera, e ao mesmo tempo abria uma
oportunidade para a legitimação da elite médica imperial, que seria, no final das contas, a
responsável pela elaboração das normas de higiene, podendo, desta maneira, impor a sua
vontade de combater tanto a prática ilegal da medicina e a produção de remédios secretos,
quanto o seu projeto de monopolização da arte de curar.
Também nesse projeto, colocava em relevo o papel da Academia Imperial de
Medicina
37
, que além de sediar as reuniões da dita comissão, seria a responsável pela
emissão de pareceres sobre as suas decisões, reafirmando a sua função de conselheira do
governo. Tendo em vista que neste momento Cruz Jobim, ocupava o cargo de presidente
da Academia Imperial de Medicina, que passava por intensas discussões em torno da
necessidade de sua revitalização, esta asserção é bem compreensível.
35
Na transcrição do projeto de lei reduziremos alguns artigos em sua essência para não tornar a citação muito
longa e de leitura exaustiva, tirando do projeto o essencial, sem, no entanto, modifica-lo nem suprimir deste,
partes importantes. (Apêndice; p. 158-161)
36
Ilmar Rolhoff Mattos. Opus cit., 1990.
37
Neste ano Jobim ocupava o cargo de presidência da Academia Imperial de Medicina.
20
Entretanto, o ponto mais interessante deste projeto de lei era a proposta de
substituição da autonomia da Câmara Municipal, na limpeza e asseio da cidade, onde um
membro desta comissão assumiria o cargo de superintendente de uma polícia médica.
Intuito que, como veremos mais adiante, foi obstado pela municipalidade, que não abriu
mão desta prerrogativa, entrando por vezes, em conflito com a Junta Central de Higiene
Pública.
A confecção desta proposta nos conduz à compreensão da importância do papel
exercido por Cruz Jobim, enquanto membro do legislativo e representante dos interesses de
uma elite médica, que pretendia alcançar a autoridade nas artes de curar. Ao mesmo tempo,
explicita um conflito entre os interesses desta categoria profissional e a política do governo
de concentração das atribuições da saúde pública em torno do Estado. O que se torna mais
visível quando, ao analisar a formação da Junta Central de Higiene Pública, percebemos
que, deste projeto, a única prerrogativa não modificada em sua totalidade foi a
centralização das decisões relativas à saúde no governo central.
No dia 4 de junho do mesmo ano, na resposta à fala do Trono, Jobim voltou a
insistir na importância da formação de uma comissão que, sendo composta de alguns
poucos representantes acadêmicos, porque “segundo nossos hábitos, quanto maior o
número de membros de uma corporação destas, menos se fará
38
, se empenhasse em
estabelecer regras enérgicas e de “extraordinário vigor” a fim de impedir a entrada e o
desenvolvimento de moléstias no país.
Ressaltava em seu discurso a importância da categoria médica acadêmica na
definição de medidas de higiene, afirmando que sua proposta se inspirava na formação de
um tribunal de saúde estabelecido em Nova Iorque, denominado Board of health. Com
poder de polícia, os inspetores do porto e as comissões paroquiais ficavam responsáveis
38
Cruz Jobim. “Discurso de resposta à fala do trono”. Anais da Câmara dos Deputados. 4/06/1850. p. 299.
21
pelos assuntos pertencentes à saúde pública, tendo até mesmo o direito de imputar penas
pecuniárias e prisões aos infratores das leis de salubridade, depois que estes fossem
julgados por um tribunal especial
39
. Segundo Jobim, as autoridades governamentais
deveriam seguir este sistema de tribunais de saúde pública, adotado nos Estados Unidos e
não o modelo francês de inspeção, sugerido por “um de seus ilustres colegas”, porque:
“É necessário que atentemos bem para a diferença que há
entre os costumes franceses e os nossos: entre os franceses há um
respeito supersticioso pela opinião dos homens profissionais, o que não
acontece entre nós; entre nós cada um se julga sábio, capaz de decidir
sobre todas as matérias, tão sábio como o homem mais sábio, que tem
consumido toda a sua existência lendo e estudando constantemente.
(...)
40
A falta de autoridade dos médicos na sociedade brasileira era reconhecida por um
dos mais eminentes de seus membros e justificava a proposta de formação de uma
comissão que centralizasse as medidas de higiene do país. No entanto, nem o papel ativo
da Academia Imperial de Medicina, nem, a fiscalização dos trabalhos de limpeza da
cidade, pautada em um poder de tribunal, seriam seguidos pelo governo no
estabelecimento da Junta.
Sendo criada para aconselhar o Estado nos assuntos de saúde, a JCHP acabou
substituindo a Academia Imperial de Medicina. Subordinada ao Ministério do Império, a
39
Na Inglaterra, durante o século XIX, estas discussões em torno do estabelecimento de comissões de saúde
também se fizeram presentes, e apresentam muita semelhança com o sistema adotado pelos Estado Unidos,
citado por Cruz Jobim. Sobre este assunto ver: Christopher Hamlin. “Sanitary Policing and Local State,
1873-1874: A statistical study of English and Welsh Towns”. In: Social History of Medicine – Published by
the Society of the Social History of Medicine. Volume 18; Number 1: April, 2005. (ps. 39-61).
40
Idem. Ibidem.
22
Junta era a responsável pelo estabelecimento de medidas de combate às epidemias (que
poderia se ater a medidas ora de quarentenas e lazaretos, ora de saneamento da cidade),
que dependiam da aprovação do governo. Não tinha, portanto, plena autonomia nem
quando se tratava de fiscalizar os trabalhos da Câmara no asseio das ruas e na repressão de
boticas ilegais. Pelas discussões suscitadas na imprensa especializada e não-especializada,
poderemos perceber mais profundamente os limites da influência da Junta Central de
Higiene Pública, explicitando melhor o que agora afirmamos.
Pela análise do Regulamento da Junta Central de Higiene Pública, criada pelo
Decreto nº 598 de 14 de setembro de 1850, mas que só entrou em vigor em janeiro de
1852, podemos ter uma medida dos limites que lhe foram impostos. Aos seus membros era
fixada uma quantia anual de 800$000, ou seja oitocentos mil réis, e ao seu presidente
1:200$000, um conto e 200 mil réis
41
, pelo qual se comprometiam a relatar anualmente o
estado sanitário da cidade, a marcha das moléstias epidêmicas e endêmicas, e propor
medidas de saúde pública a serem implementadas pelo Ministério do Império, o que os
tornava funcionários públicos.
Por seu regulamento ficava definido o assento da Junta na Corte, mas não na
Academia Imperial de Medicina, como pretendia Jobim, estando as suas prerrogativas
totalmente desvinculadas desta. A inspeção de saúde dos portos era incorporada à Junta,
ficando sob a sua direção, a quem também caberia a responsabilidade por toda a
deliberação das medidas de combate às epidemias contagiosas (que após serem formuladas
deveriam ser submetidas à aprovação do governo) bem como a inspeção da vacinação.
Vários itens de seu regulamento também se centravam na fixação de regras para o
exercício da medicina e da farmácia, regulamentando a prática de boticários e droguistas,
desde a fiscalização de seus estabelecimentos por uma polícia sanitária, até a proibição da
41
Brasil, Ministério do Império, Relatório, 1851. p. 28.
23
venda de medicamentos de qualquer substância medicinal, que não fosse reconhecida pela
Junta, com o fito claro que fortalecer o monopólio da cura pelos alopatas e, mais
precisamente, pelas faculdades de Medicina do império:
“Art. 25. Ninguém pode exercer a medicina, ou qualquer dos
seus ramos, sem título conferido pelas Escolas de Medicina do Brasil.
Nem pode servir de perito perante as autoridades judiciárias ou
administrativas, ou passar certificados de moléstia para qualquer
freguesia. Os infratores incorrerão na multa de 100 mil réis pela
primeira vez e nas reincidências em 200 mil réis e quinze dias de cadeia.
Art. 26. Os médicos, cirurgiões e boticário, nacionais ou
estrangeiros, formados em escolas estrangeiras que forem ou tiverem
sido professores de qualquer universidade ou escola de medicina,
reconhecida pelos seus respectivos governos, poderão exercer
temporária ou perpetuamente as suas profissões sem dependência de
exame perante as escolas de medicina.
Art. 27. O governo, ouvida a escola de medicina da Corte,
poderá dar licença aos médicos, cirurgiões ou boticários formados em
Universidades ou escolas estrangeiras para exercerem suas profissões
no império, no caso de que sejam de bem estabelecida reputação
literária, independente de qualquer outra formalidade.
Art. 28. Os médicos, cirurgiões, boticários, dentistas e parteiras
apresentarão os seus diplomas, na Corte e província do Rio de Janeiro,
24
à Junta Central, e nas províncias, às comissões e aos provedores de
saúde pública.”
42
Ao menos legalmente, a autoridade médica era reconhecida, mas deixaremos para
o próximo ponto deste capítulo a discussão em torno da aplicabilidade ou não destas
normas. Por enquanto, basta-nos a compreensão da importância do papel exercido pelos
acadêmicos na Câmara dos Deputados, principalmente o de Cruz Jobim que utilizou o
plenário, sistematicamente para pôr em discussão assuntos relativos à medicina,
combatendo veementemente a prática ilegal de sua profissão e propondo sucessivas
medidas que visavam a legitimação e reconhecimento da medicina alopata, enquanto única
forma de cura.
Sua trajetória como deputado não pode ser de maneira alguma desvinculada da
defesa de seus interesses profissionais. Jobim levava constantemente para as sessões
legislativas muitas querelas e preocupações que tinha enquanto membro da Academia
Imperial de Medicina e diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, procurando
pela sua influência e posição política, atuar na consolidação dos interesses profissionais de
sua categoria.
No mês tal de maio, deste mesmo ano de 1850, entrou em discussão na Câmara
um outro projeto defendido por Jobim, que tinha como objetivo autorizar o governo a dar
estatutos às Escolas de Medicina e Direito
43
; estabelecendo o ano de 1851 para a sua
aprovação pelo legislativo. Esta matéria, que há algum tempo estava retida na Câmara,
motivou um discurso inflamado de Cruz Jobim, que mediante um pedido de adiamento da
sua aprovação por outro deputado, não soube conter suas críticas à dificuldade com que
42
“Capítulo IV – Do exercício da Medicina”. Regulamento da Junta Central de Higiene Pública. In: Revista
Pharmaceutica: jornal da sociedade pharmaceutica brasileira. RJ: Typ. Brasileira de Francisco Manoel
Ferreira. Dezembro de 1851.
43
“Estatutos para as Escolas de Medicina”. Anais da Câmara dos Deputados. 24/05/1850. p. 176.
25
aquele projeto tramitava no legislativo, dificultando o andamento das mencionadas
escolas
44
. Também neste assunto demonstrava o seu interesse em fazer andar projetos de
lei que beneficiassem os profissionais médicos:
“Eu lamento muito a sorte das escolas de medicina do Brasil;
todas as vezes que se trata delas aparece uma tal complicação de coisas,
tais embaraços aparecem logo, que nada podem conseguir; é uma
fatalidade que as persegue há 16 ou 17 anos! Faz-se uma lei
organizando duas escolas de medicina no Brasil; nessa mesma lei
determinou-se que as mesmas escolas fizessem os seus estatutos, e os
submetessem à aprovação do corpo legislativo. A escola de medicina da
Bahia tendo igual direito, exerceu-o isoladamente, e como tinha então
nesta câmara um procurador excelente, que era o falecido Dr. Paula
Araújo, aproveitou-se dele para faze-lo passar logo; não eram perfeitos
nem completos; mas antes esses do que nada; foram pois aprovados sob
a proteção e amparo do Sr. Paula Araújo. A escola de medicina do Rio
de Janeiro, não foi tão feliz. Quis organizar obra mais completa; levou
nesse trabalho sete anos, consultando os estatutos de quase todas as
faculdades conhecidas, e todos os anos, conforme a leitura, a discussão e
a experiência lhes mostraram ser necessário, fazia novas alterações.
Depois de organizados estes estatutos, foram submetidos à aprovação do
44
Este assunto já foi bem explorado por Flávio Edler, em sua dissertação de mestrado, que sobre o assunto
afirma: “Criada em 3 de outubro de 1832 a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro esperaria 21 anos para
obter seus estatutos. Essa demora, bem como as diversas tentativas frustradas de reformar-se o ensino médico
após 1854, é expressão da posição subalterna que os profissionais da medicina teriam na condução da política
que definiria a organização das instituições voltadas para a expansão do uso do conhecimento médico. Como
veremos adiante, o movimento iniciado pelos médicos para dar corpo ao seu projeto foi arrastado pela maré
conservadora provocada por outro movimento mais profundo e abrangente destinado a organizar e disciplinar
o conjunto da vida nacional e cujo epicentro foi a Coroa.” (EDLER, Flávio Coelho. “Os estatutos de 1854 e
os impasses do ensino médico na Corte”. In: Opus cit., 1992. p. 24.).
26
corpo legislativo.Havia na lei orgânica das escolas uma disposição que
dizia que elas se regulariam pelos estatutos da escola de medicina de
Paris na parte que lhes fosse aplicável, enquanto não tivessem estatutos
próprios. Para cumprimento desta disposição, a escola do Rio de
Janeiro via-se embaraçadíssima, porque a lei era diversa, os costumes
eram outros, e não era possível fazer em muitos casos esta aplicação
[...]
45
Em seu longo discurso, após tratar das dificuldades apresentadas na formulação
de um estatuto e na adoção temporária das regras da Escola de Medicina de Paris,
continuava tratando da sua aprovação pelo governo, que ciente da demora de sua
deliberação pelo legislativo, tinha posto em vigência interinamente os tais estatutos,
cerceando, no entanto, “muitas cousas particularmente na área penal
46
, o que tornava
difícil, para seu diretor, Cruz Jobim, o funcionamento do estabelecimento.
À semelhança do papel exercido pelo Dr. Paula Araújo, que segundo Jobim, tinha
atuado como um procurador dos interesses da Faculdade da Bahia ao facilitar a provação
do seu estatuto, deixava implícito o reconhecimento de sua importância, assim como de
outros representantes médicos, no legislativo, enquanto defensores dos interesses da
categoria médica, diante da morosidade dos trabalhos nas duas instâncias deste poder:
“Os estatutos submetidos à aprovação do corpo legislativo
estiveram cinco anos sem que o corpo legislativo desse o menor
andamento a eles. (Apoiados) No fim deste tempo, tendo nós a fortuna de
ver nesta casa alguns colegas médicos, e lentes, fizeram-se nesses
estatutos novas alterações que a experiência tinha mostrado serem
45
Cruz Jobim. “Discurso”. Anais da Câmara dos Deputados. Ibidem.
46
Idem. Ibidem.
27
necessárias, com aprovação da mesma escola; e estes estatutos assim
modificados foram remetidos para o Senado. Então no senado houve
quem entendesse que se deviam fazer novas alterações, que se devia
mudar o sistema estabelecido pela própria escola de medicina, quando
por toda a parte se entregam matérias semelhantes aos juízo dos homens
profissionais; mas no senado entendeu-se que se deviam fazer alterações
consideráveis, e em quase tudo; depois de várias discussões, como um
meio de sair-se da dificuldade, apareceu-se um projeto autorizando o
governo para dar estatutos à escola de medicina, tirando assim da
escola de medicina uma atribuição que já a lei lhe tinha dado, o que
pouco importava, ficava pois o governo autorizado a dar a escola de
medicina estatutos debaixo de certas e determinadas condições; estas
condições não foram aprovadas por esta casa, foram julgadas mesmo
pelos homens profissionais como pouco vantajosas ao ensino.”
47
Continuando a relatar a dificuldade enfrentada na aprovação dos tão almejados
estatutos, ressaltava que desde 1848 tinha se apresentado um novo projeto na Câmara dos
deputados, mas que este tinha sido rejeitado e deixado para ser discutido quando houvesse
a reunião das Câmaras, completando:
“Ora, parece-me inadmissível que uma corporação tão
numerosa como é esta câmara e o senado, possa nunca discutir
semelhantes estatutos, que têm 200 ou 300 páginas pouco mais ou
menos. Não é mesmo um absurdo que a assembléia geral entre em
47
Idem. Ibidem.
28
semelhantes discussões? Quanto tempo levará cada membro da
assembléia geral para mostrar erudição nessas matérias? (...)”
48
Apesar do seu projeto ter sido aprovado no dia 28 do de maio ficara claro o
quanto era questionável a autonomia médica, mesmo na definição de seus próprios
interesses.
A importância da atuação de Cruz Jobim enquanto deputado, no entanto, não se
limitou a estes dois projetos. Sempre que encontrava brechas nas propostas postas em
pauta, ainda que muito de leve pudessem ter a ver com a sua profissão, discursava a fim de
ressaltar algum aspecto inerente à medicina ou à salubridade da cidade. Como, por
exemplo, quando do debate da “Fixação das forças de mar”, ele aproveitou para “continuar
a lamentar a maneira porque o serviço sanitário no porto do Rio de Janeiro vai se fazendo
durante o nosso inverno
49
, sem esquecer de lembrar, em suas asserções, da importância
do emprego de médicos na fixação e observância das medidas de saúde pública.
“Se o governo está nesta persuasão, se ela lhe foi sugerida por
médicos, considero semelhante opinião como fatalíssima para o país.
Creio, senhores que não há absurdo, não há idéia, por certa
extravagante que seja, que não tenho sido sustentada em medicina. (...)
Nós vemos o descrédito em que vai caindo o porto do Rio de Janeiro, e
que deve necessariamente continuar, se ao menos não fizermos alguma
diligência para evitarmos tal descrédito; quase que não chega aqui
embarcação alguma estrangeira que não seja logo afetada (...)”
50
48
Idem. Ibidem.
49
Cruz Jobim. “Fixação da forças de mar”. Anais da Câmara dos Deputados. 17/06/1850. p. 440.
50
Cruz Jobim. “Requerimento sobre a febre amarela”. Anais da Câmara dos Deputados. 01/07/1850. p. 317.
29
Analisando os discursos de Cruz Jobim, compreendemos que ele não atuava no
poder legislativo enquanto defensor da totalidade da categoria médica, porque não existia
uma coesão de concepções e objetivos dentro dela
51
. Seus projetos se concentravam na
defesa das corporações às quais dirigia, e aos preceitos teóricos por ele aceitos como
verdadeiros.
O seu testemunho sobre a crise por que passava a Academia Imperial de
Medicina, em 1850 (e que perdurou por toda a década) é precioso:
“(...) A questão em que vou entrar, relativa ao primeiro período
da fala imperial, é sem dúvida da competência de uma corporação
científica, mas quando nós vemos que a única profissional que havia no
país desapareceu completamente, o que fazer senão apelar para a nação,
senão falar a ela deste lugar? A Academia Imperial de Medicina, Sr.
presidente, seria a única corporação competente para tratar destas
matérias, mas o que é feito dessa sábia corporação que tanto serviu ao
país? Desapareceu, morreu, e o charlatanismo a matou; e então, o que
fazer neste estado de penúria e desgraça, senão procurarmos fazer sentir
deste lugar a importância desta matéria, e a importância dos serviços
que aquela corporação pudera ter prestado ao país, a fim de que sinta o
mesmo país e o governo a conveniência de fazer reviver essa falecida
corporação. (...) Ora, a Academia Imperial de Medicina composta sem
dúvida de homens inteligentes, instruídos e animados do melhor desejo
de fazer o bem ao seu país, probos e conscienciosos, não podiam deixar
de perder todo o ânimo e coragem quando viram uma dedicação tão
51
Ao tratar da imprensa médica especializada e não-especializada chamaremos a atenção para o papel de
Jobim, assim como ressaltaremos a falta de homogeneidade da categoria médica na década de 1850.
30
lamentável da parte do povo a um charlatanismo tão vergonhoso! Como
que ocorridos de semelhante desgraça, abandonaram o assento da
ciência, e há oito meses que não é mais possível haver sessões na
Academia Imperial de Medicina, e com pesar o digo, parece que os meus
colegas, membros dessa falecida academia, nomearam-me seu
presidente somente para assistir à sua morte. Antes de falecer fez ela o
seu testamento, a pedido meu, rogando ao governo que depusesse de
seus bens, e que das suas cinzas fizesse renascer outra; entretanto há
talvez oito meses que esse sucesso teve lugar, e o s eu pedido ainda não
pôde ser atendido. (...)
52
Por meio deste discurso conseguimos inferir o golpe dado pela expansão das
outras formas de cura, principalmente da homeopatia, que em períodos de epidemia se
fortalecia
53
, às pretensões de consolidação de uma medicina oficial. Evidenciando não só a
falta de legitimação da medicina alopata, mas também, implicitamente, a grande procura
da população por outras terapias. Pois, segundo Tânia Pimenta, “apesar do reconhecimento
de que as medicinas acadêmicas e populares não constituíam dois pólos isolados das artes
de curar, a elite médica se empenhava em restringir as atividades terapêuticas não
acadêmicas
54
.
O apelo de Cruz Jobim estaria relacionado ao objetivo de se realizar uma reforma
nos estatutos da Academia, que segundo seus membros, deveria ser encaminhada pelo
governo. Posição que expressava a idéia de que a proteção imperial lhes garantiria um bom
funcionamento, mas que foi negada por diversas vezes pelo Estado, que alegava
52
Cruz Jobim. “Resposta à fala do trono”. Anais da Câmara dos Deputados. 4/06/1850.
53
Esta afirmação foi bem demonstrada por Tânia Salgado Pimenta. Opus cit., 2003.
54
Idem. Ibidem. p. 106.
31
peremptoriamente não ter direito de elaborar estatutos para uma corporação privada, que
somente havia recebido o título de “Imperial” a mérito de reconhecimento de sua
importância para o progresso do país. Esta situação se estendeu por toda a década de 1850,
não dando nenhuma resposta favorável aos acadêmicos, que viram sua influência decrescer
progressivamente conforme a consolidação da Junta Central de Higiene Pública.
A presença de médicos como Cruz Jobim e Paula Cândido na Câmara dos
Deputados pode nos dar uma medida da importância que adquiriu neste recinto matérias
referentes à saúde pública e à medicina. Desta forma, quando se apresentavam
requerimentos que iam de encontro aos interesses gerais desta categoria, os dois se uniam
contra a sua aprovação, e sendo assim, conseguiam, mesmo que só legalmente, impedir o
reconhecimento das outras medicinas.
Durante a epidemia de febre amarela João Vicente Martins, médico homeopata,
enviou um requerimento à comissão de saúde pública da Câmara, propondo a “adoção da
homeopatia com certas condições
55
. Esta matéria seria discutida alguns dias depois de sua
apresentação. Os deputados Pacheco e Moraes Sarmento defenderam o estabelecimento de
uma enfermaria homeopática, que deveria ficar a cargo de ummédico diplomado”.
Obviamente esta proposta não deixaria de gerar um choque entre os deputados, que se
dividiram contra e a favor deste estabelecimento.
Longa foi a discussão envolvendo esta matéria, e neste assunto Jobim e Paula
Cândido se uniram. No entanto, mais uma vez Cruz Jobim sustentou o discurso mais
inflamado, característica própria deste deputado, onde sempre fazia os mais insistentes
ataques à homeopatia, ou a qualquer prática “ilegal” da medicina.
O modo incisivo com que defendia as suas posições profissionais no poder
legislativo, empenhando críticas às políticas de saúde pública realizadas pelo Estado,
55
“Expediente”. Anais da Câmara dos Deputados. 19/02/1850. p. 608.
32
afirmando e reafirmando a natureza contagiosa da febre amarela, fazendo críticas
enfurecidas aos praticantes ilegais da medicina e clamando por medidas de ajuda às
corporações científicas, talvez tenha influenciado na escolha, pelo governo, do seu colega
de plenário, Paula Cândido, menos radical, como presidente da Junta Centra de Higiene
Pública.
Que outra explicação se poderia dar para o fato do governo imperial não cogitar a
presença de Cruz Jobim nesta Junta, que provavelmente fora criada a partir de seu projeto,
sendo inclusive um dos médicos de maior reconhecimento acadêmico do país? Não
tivemos acesso a nenhuma fonte que nos indicasse qualquer pretensão do governo em
escolhê-lo como presidente dela, o que nos leva à conclusão de que a sua posição
consolidada e inflexível a respeito de algumas matérias referentes à saúde pública, pudesse
entravar de alguma forma o projeto estatal de centralização se seu poder em questões de
higiene. De qualquer forma, a atuação de Cruz Jobim na Câmara dos Deputados durante
este ano, já que seguinte ele seria nomeado Senador do Império, foi muito importante para
compreendermos os principais assuntos que afligiam a categoria médica e aferirmos de que
forma a sua presença no legislativo foi decisiva na defesa da legalidade da medicina
alopata, em face às outras formas de cura.
1.2 – A formação da Junta Central de Higiene Pública e a centralização das políticas
de saúde pública pelo Estado
A formação de uma Comissão Central de Higiene Pública
56
, em 14 de fevereiro
de 1850 pelo governo imperial, em meio à expansão da epidemia de febre amarela, era um
56
Esta comissão tinha como membros os médicos: Cândido Borges Monteiro (presidente), Manoel do
Valadão Pimentel, Roberto Jorge Haddock Lobo, Antônio Félix Martins, José Maria de Noronha Feital, José
Bento da Rosa, José Pereira Rego, Luiz Vicente De-Simoni, José Francisco Sigaud e Joaquim José da Silva.
33
demonstrativo dos seus primeiros esforços. Ao interpelar membros da elite médica,
pertencentes à Academia Imperial de Medicina e à Faculdade de Medicina, para
confeccionarem medidas emergenciais de combate à moléstia, o governo aguçava as
expectativas destes profissionais, que tomaram esta atitude como uma brecha para a
consolidação de suas pretensões profissionais. Neste sentido, o regulamento fixado por esta
comissão atentava para aspectos inerentes à consolidação da medicina alopata, ao propor o
controle da prática médica, da produção e venda de remédios secretos, como de interesse
da saúde pública
57
.
Ao acrescentarem, em meio às medidas de salubridade da cidade, pontos de
interesse à consolidação da profissão médica, explicitavam a importância da interpelação
feita pelo Estado, em um momento em que as políticas administrativas centralizadoras
obstavam a obtenção de prestígio político e social, por uma via alternativa ao
apadrinhamento político pelas classes conservadoras que estavam no poder.
No entanto, a “euforia” pela formação de uma comissão desta natureza não
duraria muito tempo, e a formação da Junta Central de Higiene foi uma prova da
preponderância do poder político central conservador, sobre as pretensões legitimadoras da
categoria médica acadêmica.
A formação e importância da Junta Central de Higiene Pública no contexto de
busca de reconhecimento profissional foram expressas por Tânia Salgado Pimenta da
seguinte forma:
“A criação da Junta constituiu um marco importante para as
pretensões da medicina acadêmica de monopolizar as práticas e os
saberes terapêuticos, representou a institucionalização de sua
57
Relatórios do Ministério do Império. “Regulamento Sanitário mandado observar por aviso desta data nas
Comissões Paroquiais de Saúde Pública, criadas por Aviso de 14 de fevereiro de 1850”, 1850.
34
autoridade. Formada por médicos, fiscalizava e propunha ações
preconizadas pela higiene, tendo uma relação mais direta do que a
Academia Imperial de Medicina (que desempenhava esse papel nas
décadas de 1830 a 1840) com o Governo Imperial, a Câmara Municipal
e a polícia.”
58
Mediante uma pesquisa profunda de fontes da Junta Central de Higiene Pública,
Pimenta verifica, também, a dificuldade enfrentada pela elite médica em impor a sua
autoridade, explicitando, sobretudo, a falta de coesão nos pareceres emitidos por membros
deste órgão em casos referentes, principalmente, à aceitação ou não de certos remédios
com fórmula secreta. Mesmo assim, ressalta em sua tese de doutoramento, o caráter
positivo que a formação da Junta representou para os auspícios de obtenção de hegemonia
pela categoria médica.
Acreditamos, no entanto, que a formação da Junta Central de Higiene Pública, ao
eleger seus representantes, aprofundava a fissura existente no seio da medicina acadêmica,
que teve como um de seus desdobramentos o aprofundamento da crise institucional vivida
pela Academia Imperial de Medicina naquela década. Pois, se num primeiro momento a
formação de um órgão composto exclusivamente por membros da elite médica representou
um avanço sob o ponto de vista representativo, com o passar dos anos, a própria categoria
se deu conta do afastamento que havia se efetivado entre ela, em seu conjunto, e o poder
central.
A atuação da Junta, comandada por Paula Cândido, durante toda a década de
1850, expôs e aprofundou a falta de coesão da elite médica, anulando os seus anelos
monopólicos terapêuticos. Sendo assim, ao enfraquecer as corporações científicas
58
Tânia Salgado Pimenta. Opus cit.. 2003. p. 176.
35
pertencentes a esta categoria profissional, formou um vácuo na sustentação da elite médica,
inviabilizando suas aspirações à autoridade
59
nas artes de curar.
Acreditamos que ao centralizar as medidas de saúde pública no aparelho político-
administrativo estatal, em torno da Junta Central de Higiene Pública, os poderes públicos
não acenavam para o reconhecimento da autoridade científica desta categoria. Seguiam
uma tendência mundial de intervenção na esfera urbana
60
, capitaneada pela Inglaterra, com
o objetivo de manter sob o seu controle o combate às devastadoras epidemias que se
expandiam pelo globo com a intensificação do comércio mundial.
A Junta possibilitava uma interlocução maior entre as questões relativas à saúde
pública e privada, e o Estado; e não, entre a elite médica e o Estado. Em outras palavras,
aquele grupo seleto de representantes médicos alopatas que compunha este órgão, cumpria
a função de otimizar a implementação de políticas públicas que tinham como seus
principais objetivos facilitar o comércio no porto e possibilitar um crescimento
populacional, por meio de um incentivo à colonização européia.
Desde os primeiros trabalhos realizados por médicos da Academia, ou da
Faculdade de Medicina, ficara explícita a maior susceptibilidade de imigrantes recém-
chegados, e não-aclimatados, a contraírem a febre amarela, e a cada estatística anual esta
primeira verificação era confirmada. O epicentro do aparecimento desta moléstia era o
ambiente urbano, se desenvolvendo com mais ferocidade nas regiões portuárias tropicais,
durante as estações calmosas, ou seja, durante o verão. Até a década de 1850, a doença
ainda não tinha se desenvolvido, pelo menos no Brasil, em nenhuma região mais elevada,
ou no interior, o que sustentava estas afirmações e condicionava as medidas de combate à
59
Partimos da concepção de autoridade de Hannah Arendt, como “poder para usar a força ou a persuasão”. A
autora explicita como que primeiro é necessário a validação do conhecimento médico, para que,
posteriormente, uma profissão monopolize-o, e transforme-o em autoridade. (Hannah Arendt. “What is
Autority?”, In: Between Past and Future. New York: Viking, 1961).
60
Cf. George Rosen. Uma história da saúde pública. São Paulo: Ed. Unesp; Ed. Huctec; Ed. Abrasco, 1994.
36
febre amarela. Já na década de 1870, estas afirmações não seriam sustentadas por todos os
médicos, pois o aparecimento desta doença em locais sem as mesmas condições
climatológicas e populacionais litorâneas, levaria a uma inflexão nos seus estudos.
Por ora, as observações apresentadas, quer por contagionistas, quer por
infeccionistas, não negligenciavam as péssimas condições de salubridade da cidade do Rio
de Janeiro. Pois, para os primeiros elas eram as responsáveis pela propagação da moléstia
que havia sido importada, enquanto que, para os segundos, eram o foco causador de
emanação miasmática e do aparecimento da febre amarela. Em uma coisa, entretanto, não
divergiam: o estado sanitário da cidade era calamitoso sob qualquer ponto de vista.
Optando pela idéia de transmissibilidade da febre amarela, os membros da Junta
Central de Higiene Pública propunham a seguinte explicação:
“Temos uma quase convicção de que a comunicação da febre
amarela de um para outro indivíduo, de um para outro país, não se
efetua pela infecção direta da parte do enfermo para o são; mas que
exalações, ou emanações do enfermo, ou do país infecto, levadas de
qualquer modo ao contato, ou vizinhança de substâncias orgânicas,
prestes a se decomporem, determinam nestas substâncias a
decomposição que dá origem ao mesmo produtor da febre amarela; e
que estas substâncias se acham na maior parte das vezes nas praias,
baías marítimas, e objetos que lhe estão vizinhos [...] sem essa
decomposição intermédia não há transmissão.”
61
61
Relatório do Ministério do Império. “Exposição do estado sanitário da capital do Império, apresentado ao
Ministério do Império pelo presidente da Junta Central de Higiene Pública, Dr. Francisco de Paula Cândido.”
(Documento em anexo). 1851. p. 8.
37
Pelo próprio título do documento, Exposição do estado sanitário da capital do
Império, apresentado ao Ministério do Império pelo presidente da Junta Central de
Higiene Pública, Dr. Francisco de Paula Cândido”, podemos compreender que o cerne
das discussões sobre as epidemias tinha como o principal foco de combate, a insalubridade
da cidade. As explicações apresentadas pelos relatórios anuais da Junta não apresentavam ,
certamente, uma posição unânime da elite médica sobre as causas da epidemia, mesmo
porque ela não existia. No entanto, elas tendiam a se fixar na limpeza da cidade, e
principalmente no asseio dos portos.
As primeiras discussões em torno do desenvolvimento desta doença se centraram,
sem duvida, na extinção dos focos permanentes de emanação miasmática, tanto que no
mesmo ano, pelo Decreto 583 de 5 de setembro de 1850, era aprovada a fixação de
cemitérios públicos “extra-muros”
62
. Mesmo não sendo uma lei levada a cabo por médicos,
mas pelo provedor da Santa Casa de Misericórdia e Senador do Império, José Clemente
Pereira, jurista de formação, simbolizava, sobretudo, a preponderância do Estado sobre os
assuntos de saúde pública no Império e sinalizava para a importância que estes teriam
durante todo o Segundo Reinado.
A Junta se centrou, nos seus primeiros anos de existência, no combate à
insalubridade do porto, na regulamentação dos despejos, na construção de um sistema de
esgotos e na limpeza das ruas e praias da Corte. Em 1852, apresentou um Projeto de
Regulamento Sanitário para os Portos Alfandegários do Império, juntamente com a
fundação de um hospital marítimo, o de Santa Isabel (criado por Decreto de 3 de janeiro de
1853)
63
, estabelecido no antigo Lazareto de Jurujuba, em Niterói, contando com um vapor
62
Almir Chaiban El-Kareh. “Um golpe de mestre: enterrar os mortos e cuidar dos vivos. José Clemente
Pereira e a aprovação do projeto senatorial de criação de cemitérios públicos no Rio de Janeiro”. In R IHGB,
Rio de Janeiro, ª 165, n. 422, jan./mar. 2004.
63
“Saúde Pública”. Relatório do Ministério do Império. 1853. p. 9.
38
para os transportes de doentes, substituindo os vagarosos escaleres, que tinham sido usados
no ano de 1851, pelos médicos do porto.
Estas medidas foram tomadas depois que reclamações do governo inglês tinham
sido dirigidas ao Ministério do Império, nas quais criticavam o modo como eram feitos os
recolhimentos dos súditos daquela nação, atacados de febre amarela, que aportavam na
cidade do Rio de Janeiro. Punham em dúvida a validade do estabelecimento de
quarentenas, principalmente em se tratando dos lazaretos, que já em sua definição eram
marcados pela idéia de “separação forçada” de doentes que ofereciam perigo de contágio à
sociedade.
A mudança do nome do estabelecimento hospitalar de lazareto para hospital, no
ano seguinte a esta representação, e o empenho de verbas para a realização de melhorias
nas instalações do dito hospital, demonstrava a relativa influência do governo britânico
para com o brasileiro. Pois, na realidade não se modificava a natureza do tratamento dado
aos doentes, assim como nem ao menos o lugar de recolhimento tinha mudado, mas,
apresentavam, sobretudo, sensíveis melhorias na sua estrutura e recepção aos acometidos.
A reclamação feita pela Inglaterra e a resposta do presidente da Junta que a
sucedeu, retratava também a dificuldade de se definir a necessidade das quarentenas
quando se tratava de uma doença, como a febre amarela, sobre a qual os médicos, das
Escolas de todo o mundo, ainda tinham dúvidas quanto ao seu modo de propagação. A
argumentação apresentada pelo governo inglês, de que a moléstia era natural das cidades
brasileiras, tendo se desenvolvido a partir de um agente infeccionante próprio, não
modificava a postura de Paula Cândido, que em sua resposta, fazia questão de enfatizar sua
oposição à idéia de contágio e à importância da implementação das quarentenas na
prevenção de moléstias de cunho infeccioso.
39
O modo como se estabeleciam essas medidas não era, no entanto, bastante
rigoroso como parece ao tratarmos desta contenda entre os dois governos. Muitas
irregularidades na implementação das quarentenas eram expostas, por diversas vezes, tanto
na Academia Imperial de Medicina, quanto nos jornais da imprensa leiga, por médicos
adeptos à idéia de contagio, como Cruz Jobim. Entretanto, com esta reclamação, se
expunha, implicitamente, a defesa à liberdade comercial que tanto interessava à Inglaterra,
que era a principal exportadora de produtos manufaturados para o Brasil, detentora da
maior parte dos vapores que aqui aportavam.
Ao dirigirem as políticas públicas da Junta Central e Higiene Pública à obtenção
da salubridade do porto, o Ministério do Império, provavelmente, agia em prol da abolição
das quarentenas que, como já pudemos demonstrar, causava um grande incômodo aos
auspícios comerciais ingleses:
“A nova invasão que acabamos de sofrer da febre amarela, veio
demonstrar a urgência que temos de melhorar ainda mais o serviço
sanitário do nosso porto. Não sou, pelo que tenho colhido nos diversos
escritos modernos, e pelo que tenho ouvido de pessoas competentes,
apologista do sistema absoluto e exclusivo de quarentenas. Vão elas,
como tais, sendo banidas dos países mais adiantados, por vexatórias ao
comércio e contrárias à freqüência e rapidez das comunicações, que se
constituem um dos mais belos triunfos da civilização do século (...) Foi
de minha ordem, preparado pelo presidente da junta central de higiene
pública um trabalho no sentido, o qual, com as alterações que me
pareceram convenientes, pode achar-se em pouco tempo em estado de
ser-vos apresentado. É uma coleção de instruções para o regime
40
sanitário do porto, tendo por fim uniformizar o serviço pondo-o sob a
direção de uma só autoridade superior, e regulando-o por maneira que
possa ser efetuado, sem as delongas e contradições que muitas vezes se
há notado, mal grado o zelo e a atividade das pessoas que até hoje t~em
sido incumbidas de desempenha-lo”.
64
Pelo trecho acima percebemos tanto a importância dada pelo governo ao aspecto
da limpeza dos portos, em detrimento das quarentenas que causavam danos ao comércio,
como a subordinação da Junta ao Estado, reafirmando as hipóteses anteriormente
apresentadas. Da mesma forma, o ministro demonstrava bastante insatisfação com o modo
como eram postas em prática as medidas de combate às epidemias nos portos, propondo
mais um mecanismo de centralização desses serviços.
A erupção da epidemia de febre amarela afetava diretamente a colonização, que,
nos relatórios do Ministério do Império e da Junta, aparecia sempre como de suma
importância para o acréscimo da população, que tinha seus índices de mortalidade muito
elevados. As doenças das funções digestivas e respiratórias, a “calamitosa mortalidade da
infância” e a febre amarela eram, veementemente, as maiores preocupações apresentadas
pela Junta.
Neste sentido que, juntamente com as medidas de limpeza da cidade
acrescentavam a necessidade de se irrigar, duas vezes ao dia, as ruas da cidade. Ficando os
moradores responsáveis por molharem suas testadas durante todo o verão. Assim como
também fora estabelecido desde 1852
64
Ministro Luiz Pedreira Couto Ferraz. Relatório do Ministério do Império. 1857. p. 35.
41
“a ordem expressa de serem remetidos imediatamente para a
Ilha de Sapucaia todos os colonos que aqui aportassem, não se
consentindo o abuso de virem para terra contra as ordens dadas, e nela
permanecerem; do que resulta serem afetados logo da febre, com o que
avultava o algarismo dos mortos, e aumentava o número de focos
miasmáticos.”
65
Este recolhimento seria o alvo de muitas críticas das autoridades estrangeiras.
Principalmente das portuguesas, de onde vinha o maior número de colonos, em busca do
enriquecimento. No entanto, tais resoluções eram entendidas como necessárias para se
preservar aqueles que vinham se fixar no Brasil, e que pelas estatísticas médicas, eram os
principais alvos da moléstia. Nas décadas seguintes essa prática não seria mais realizada e
a Ilha de Sapucaia, a partir da década de 70, passaria a ser um local de despejo de lixos.
Na década de 1850 as estatísticas começaram a ganhar bastante importância,
constituindo-se como o centro das argumentações de médicos e estadistas. Tanto que nos
relatórios desses anos, muitas vezes era ressaltada a necessidade de se incrementar os
mecanismos de sua realização, a fim de torná-las mais confiáveis. Sendo assim, apareciam,
anualmente estatísticas mortuárias e patológicas, meteorológicas, de casamentos, de
batismos, de hospitais, e de entrada e saída de estrangeiros. Todas cumpriam o objetivo de
justificar e direcionar as políticas de saúde pública desempenhadas pelo Estado, mas
juntamente com as estatísticas populacionais, não podiam ser consideradas exatas, pelas
dificuldades encontradas no registro de certas atividades. Entretanto, basta-nos
compreender que a realização de contabilizações nos alerta para o intuito de
65
Relatório do Ministério do Império. 1853. p. 20.
42
sistematização, por parte do Estado, e nos sugere um controle maior sobre o andamento da
população.
Bem explícita era a posição do governo mediante o encaminhamento das políticas
de saúde pública pelo poder central. Pois, mesmo a Junta desempenhando intensos
trabalhos de observação e sistematização dos aspectos referentes à patologia brasileira e às
causas de seu desenvolvimento, as políticas empenhadas eram estabelecidas, sobretudo, de
acordo com as conveniências comerciais das elites conservadoras que estavam no poder.
Por outra parte, mesmo a Junta Central de Higiene Pública ainda não tinha
apresentado uma resposta unívoca sobre a necessidade ou não do estabelecimento de
quarentenas, optando por uma postura que conciliava as duas hipóteses (infeccionista e
contagionista)
66
. A sua definição acabava sendo determinada pelo governo central, que
tramitava entre a sua aplicação em momentos de pico epidêmico, e a sua extinção tendo
passado esta época. Mesmo quando era determinada, por vezes havia divergências quando
se tratava de uma embarcação que viesse de algum porto onde grassava a doença, mas que
não tinha a bordo nenhum infectado declarado.
Ainda era ressaltado, nos relatórios, o modo irregular como eram feitas as
fiscalizações dos navios chegados no porto da Corte, que não tinha, até metade da década,
fiscais remunerados para exercer a função. A insalubridade das embarcações aportadas no
Rio de Janeiro também era uma constatação corriqueira, assim como o desleixo com que
eram tratados muitos tripulantes que só eram dirigidos aos hospitais marítimos depois de
estarem praticamente moribundos.
Desta forma, ficava a cargo do Ministério do Império adotar ou não as medidas
fixadas pela Junta, que só tinha a função de conselheira do Estado. Este órgão não tinha
nenhuma autonomia na aplicação das indicações feitas nos relatórios. Cabia ao governo
66
Tânia Salgado Pimenta. Opus cit.. 2003. p. 188.
43
estabelecer, dentre as observações feitas pela JCHP, aquelas que eram ao seu ver mais
condizentes, limitando-as de acordo com a verba anual disponível para a saúde pública.
67
Durante a década de 1850 ficou evidente que as autoridades públicas se
empenharam prioritariamente no atendimento emergencial às vítimas em momentos de
epidemia. Nestes, as enfermarias se multiplicavam, e tudo o que era necessário para o
socorro à pobreza era oferecido pelo governo central. No entanto, as medidas de
saneamento da cidade, que eram postas como essenciais, pela dita Junta, não eram
realizadas de forma sistematizada, mas esporadicamente, segundo a quantidade de
reclamações feitas pela população e veiculadas na imprensa leiga.
Os despejos ganharam uma grande importância para as autoridades públicas, com
a implementação de novas regras no seu armazenamento e transporte, assim como a
limpeza das ruas teve seus horários definidos para impedir que a população sofresse
inconvenientes na realização desses serviços. Nem por isso cessaram as reclamações
quanto a esses trabalhos e a cada surto epidêmico elas se tornavam mais intensas.
A cada ano a Junta aconselhava que fossem fiscalizados todos os serviços
prestados pela Câmara Municipal, ou por contratos particulares, indicando
sistematicamente, medidas como drenagem dos pântanos, construção de um sistema
satisfatório de esgotos e de distribuição de águas, alargamento das ruas, etc. As indicações
se repetiam a cada ano e, somente nos períodos em que a doença não reinava
epidemicamente, o estado sanitário da cidade era considerado satisfatório pelas
autoridades. Do contrário, se multiplicavam as denúncias de imundícies.
O controle da produção e venda de remédios secretos, assim como a fiscalização
do estabelecimento de boticas, e da prática ilegal da medicina, eram postos em prática com
grande dificuldade, como demonstraremos melhor nos capítulo seguintes. Do mesmo
67
Relatório do Ministério do Império. Rio de Janeiro: Typ. Nacional. (1850-1860). BN.
44
modo, os grandes inimigos dos médicos alopatas, os homeopatas, continuavam a exercer
sem nenhuma repressão a medicina, e angariavam prestígio a cada surto epidêmico
68
.
A subordinação da Junta Central de Higiene Pública ao Ministério do Império
colocava a elite médica em uma posição pouco confortável, pois transferia a competência
de estabelecer medidas na esfera da saúde pública, de uma corporação científica
representante desta categoria, para centralizá-las em um pequeno grupo, fiscalizado pelo
governo, que nem sempre correspondia, ou tinha chance de corresponder, aos intentos de
legitimação destes profissionais.
1.3 – A subordinação da Junta Central de Higiene Pública em favor das elites
conservadoras
A centralização das medidas de saúde pública no Estado não surtiu o efeito que
sonhava Cruz Jobim. A Junta Central de Higiene Pública, subordinada ao Ministério do
Império, tinha pouco espaço para atuar em favor da legitimação da categoria médica
alopata, que mesmo tendo definido legalmente uma base de repressão aos outros
terapeutas, não conseguia pô-las efetivamente em prática. Ao eleger um punhado de
acadêmicos para compor este órgão, o governo central tirava esta competência da
Academia Imperial de Medicina, acentuando ainda mais a fissura já existente na elite
médica por conta das divergências teóricas.
Ao contrário do que já afirmaram muitos historiadores, a medicina alopata não
conquistou, nos anos 1850, a sua legitimação; ao contrário, sofreu um grande golpe com a
centralização dos assuntos de saúde pública no Estado. As discussões em torno do contágio
ou infecção da febre amarela contribuíram para a indefinição destas políticas e acabaram
68
Esta verificação foi feita, anteriormente, por Tânia Salgado Pimenta em sua Tese de Doutorado. Opus cit..
2003.
45
dificultando o reconhecimento da elite médica que, com a interpelação do governo,
almejava se consolidar enquanto a única forma de cura.
Pelo menos, legalmente, as outras terapias populares e a homeopatia não eram
aceitas, confirmando a importância da presença de médicos na Câmara dos Deputados, no
Senado e na Câmara Municipal. No entanto, a aceitação social destas práticas pela
sociedade tornava necessária a sua tolerância, mesmo porque a terapêutica alopática não se
diferenciava sensivelmente delas a ponto de se impor como única verdade científica.
A Junta Central de Higiene Pública reforçava, deste modo, a política encetada pelas
elites conservadoras de centralização do poder em torno do governo central, e botava em
evidência a importância delegada ao livre comércio e à entrada de imigrantes europeus no
país. A sua formação, motivada pelo surto de febre amarela de 1850, demonstrava a
urgência da aplicação de medidas em combate a esta doença, em detrimento de outras
doenças como a tuberculose, que anualmente ceifava mais de mil vítimas só na Corte, ou
mesmo em face ao altíssimo índice de mortalidade infantil.
A erupção da epidemia proporcionou ao governo e aos médicos o pretexto que
tanto aguardavam para pôr em prática os seus interesses legitimadores. No entanto,
somente o Estado saiu fortalecido deste momento, estendendo sua influência sobre as
definições de saúde pública e contendo as pretensões monopolizadoras da “elite médica”.
46
CAPÍTULO 2
A morte anunciada: a imprensa leiga e a importância da opinião pública nos assuntos
de saúde
O papel da imprensa leiga
69
da Corte imperial, no que tange aos assuntos de
saúde pública e privada, suscitados com a erupção das epidemias de febre amarela na
década de 1850, não deve ser negligenciado. Por meio de sua análise podemos
compreender mais claramente as interações, oposições e concordâncias, na relação
estabelecida entre as leis e regulamentos de saúde pública advindas do aparelho estatal
70
,
os interesses das categorias médicas, e a sociedade que transitava entre suas tradições
culturais
71
e as “transformações” das formas de percepção da doença e da morte
72
.
Por meio dos discursos veiculados nas páginas dos jornais diários, nos editorias,
“Parte Oficial”, “Publicações a pedido”, “Correspondências” e “Anúncios”, assim como
69
A denominação “Imprensa leiga” ou “imprensa não-especializada” foi utilizada por nós a fim de
estabelecermos uma diferenciação entre os jornais diários publicados no Rio de Janeiro, advindos da
iniciativa de empresários não pertencentes ao círculo médico, dos jornais da imprensa médica especializada,
editados por estes profissionais. A utilização destes conceitos visa ressaltar a diferença da natureza destas
publicações, deixando evidente a relação entre os sujeitos enunciadores e o conteúdo enunciado, facilitando a
compreensão das análises realizadas.
70
Para Gramsci o exercício do poder pode se dar por duas instâncias: pelo domínio direto (mando ou
coerção), ou pela hegemonia do grupo dominante sobre o conjunto da sociedade. O primeiro mantido com
freqüência em reserva, para os “momentos de crise de mando e direção, nos quais o consentimento
espontâneo se dissipa”; e o segundo que consiste na hegemonia do grupo dominante sobre o conjunto da
sociedade, e que se traduz no consentimento espontâneo da população. Esta hegemonia, no entanto, depende
dos organismos da sociedade civil (categoria que é utilizada para designar o conjunto dos organismos
privados constitutivos do conteúdo ético do Estado). (Antonio Gramsci. Cadernos do cárcere, volume 2. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000).
71
Cf. Pedro Nava. Capítulos da história da medicina no Brasil. Cotia, SP: Ateliê Editorial; Londrina, PR:
Eduel; São Paulo: Oficina do Livro Rubens Borba de Moraes, 2003.
72
A ideologia oficial é considerada por Bakhtin como “relativamente dominante”, a qual procura imprimir
uma visão única de mundo, enquanto que a ideologia do cotidiano é aquela que nasce dos encontros casuais,
fortuitos
72
. A primeira é considerada como relativamente estável, com estrutura e conteúdo, enquanto que a
segunda se apresenta de forma relativamente instável, como um acontecimento. A ideologia acaba
extrapolando a visão de falsa consciência, sendo tomada como uma tomada de decisão determinada. (Mikhail
Bakhtin. Marxismo e filosofia da linguagem. SP: Hucitec, 1997).
47
nos editoriais dos periódicos expressos de diferentes maneiras, procuraremos compreender
a importância e o papel da opinião pública em meados do século XIX.
Da mesma forma, procuraremos confirmar a hipótese de que os jornais eram os
principais veículos de informação e divulgação de idéias no ambiente urbano, e, na medida
em que se tornaram os mais importantes instrumentos formadores de opiniões, atuavam
como parceiros necessários e alvos dos interesses dos grupos que disputavam o apoio da
opinião pública a fim de legitimar suas práticas. Importância esta que fez da imprensa um
importante “agente político” do Império do Brasil.
Neste sentido, verificamos que a primeira epidemia de febre amarela, em 1850,
significou um momento de inflexão nas discussões de cunho médico no Rio de Janeiro.
Pois, o seu combate colocou em evidência as contradições que existiam entre os objetivos
de legitimação da categoria médica alopata e o projeto de consolidação do governo de
Pedro II, enquanto Estado liberal e representativo. No entanto, estas contradições só se
tornariam evidentes, nos periódicos não-especializados, após a formação da Junta Central
de Higiene Pública.
O primeiro surto desta moléstia, na capital do Império, mobilizou toda a
sociedade, apavorada com a sua rápida expansão. A partir de fevereiro começaram a surgir
muitas matérias referentes à epidemia que grassava na cidade, fazendo pesadas críticas às
autoridades públicas e aos médicos alopatas, mas que logo foram respondidas com a
aprovação das Medidas de Saúde Pública, formuladas pela Comissão Central de Saúde
Pública. Estas medidas se concentravam principalmente em dois pontos: primeiro, na
definição de regras de salubridade e, segundo, no combate à multiplicação de matérias de
cunho homeopático na imprensa leiga, assim como das críticas feitas por leigos, acima
referidas. Esta resolução foi comentada pelo Correio Mercantil, na editoria “Resenha
Parlamentar”, da seguinte forma:
48
“A assembléia geral legislativa resolve:
Art 1º. Fica proibido o abuso da pública credulidade feita por meio de
publicações avulsas em jornais populares e políticos sobre a natureza e
meios preventivos ou curativos da epidemia reinante.
Art 2. As publicações que se quiserem fazer a tal respeito serão
apresentadas a uma comissão de médicos ilustrados, nomeados pelo
governo, os quais apresentarão em jornais científicos com as
observações razoáveis que merecem semelhantes artigos ou
correspondências.
Art 3. Aqueles que infringirem as precedentes disposições terão a pena
de seis meses de cadeia.
Principiaremos por dizer ao respeitabilíssimo mestre que em virtude de
uma cousa chamada – constituição – os abusos de imprensa são
reprimidos, e nunca proibidos, como pretende no projeto anti-
credulidade [...] Ora aí está uma grande novidade! Um projeto que
proíbe os abusos da credulidade pública por meio da imprensa é um
projeto de saúde pública! Que poderoso meio para combater a febre
amarela e para tornar saudável esta capital!”
73
Referindo-se ao projeto defendido por Cruz Jobim, namara dos Deputados, o
mesmo periódico fazia severas críticas ao embate travado abertamente entre alopatas e
homeopatas, e alimentado com a presença diária de matérias de cunho homeopático nos
principais jornais da Corte. E que também podia ser percebido pelas intensas discussões
73
Matéria não assinada. “Resenha parlamentar”. Correio Mercantil. 01/03/1850. p.1.
49
nas sessões parlamentares, diariamente estampadas nas páginas da imprensa leiga, e que
recebeu do Correio Mercantil uma atenção especial, em sua “Resenha Parlamentar”:
[...] cumpre dizer que importantíssima e porfiada esteve a briga
das duas patas: a honrada sala converteu-se em um grande consultório
homeopático e alopático; alguns representantes defenderam a causa da
pata dos semelhantes, outro a pata dos contrários. Desde já prevenimos
que não vamos nos meter no que não entendemos uma pitada; temos
muito medo de passarmos por charlatães, e apenas faremos as reflexões
que nos sugerir nossa acanhada razão; e portanto não digam depois que
a Resenha é homeopata ou alopata. Ora pois! não nos metam em
barulhos. O Sr. Moraes Sarmento foi o cabeça de tal encarniçada luta
médica com a emenda que ofereceu para a criação de um lazareto
homeopático, e o Sr. Pacheco o primeiro que sobre ela falou. O Sr.
Representante por S. Paulo apresentou escrúpulos de acabar com a
medicina oficial votando pela moção do Sr. Moraes Sarmento. Ora em
verdade muito escrupuloso é o Sr. Pacheco! Medicina oficial! Que
bichorôco é este? Será o que cura e mata por ofício? Não: é a que
exercem os médicos formados pelas novas academias. Ah! Isto é outra
cousa! Mas então desde que os médicos oficiais exerçam a homeopática
fica esta sendo oficial? Logo não haja escrúpulos, porque os que não têm
diplomas em conformidade com as leis, cuidem de plantar batatas ou de
outro qualquer ofício, porque a vida não é cousa com que se brinque,
entregando-se aí a qualquer ferreiro, alfaiate, sapateiro ou caixeiro, que
se arvorou em médico [...] Tudo que não for proceder por esta forma é
50
dar lugar a que o povo acredite não só em doutrinas errôneas, mas
também a que ele se persuada que a vozearia levantada contra os
homeopatas mais provém da lesão ou ofensa dos interesses da
sacrossanta bolsa do que da convicção ou do absurdo e inutilidade da
homeopatia”.
74
O Correio da Tarde também dedicou suas páginas às contendas travadas contra a
homeopatia que tiveram como protagonista Cruz Jobim, e referindo-se a uma matéria
publicada no dia 5 de dezembro de 1850, no Diário de Pernambuco, tratando de uma
representação dirigida por este ao governo contra a prática e tolerância da escola
homeopática, concluíam:
“A guerra encarniçada que entre nós, tem a velha Alopatia
declarado à nova medicina, é certamente a causa e o maior
desenvolvimento desta: seria melhor que os sectários daquela dessem de
mão à sua birra e cedessem à evidencia dos fatos. Negar hoje que a
Homeopatia seja um recurso terapêutico muito poderoso e de grande
eficácia nas moléstias agudas é negar a luz do Sol, que todos vêem; o
que é certo, sim, é que ela não é a medicina absoluta e vice-versa; mas
tem incontestavelmente a vantagem de não ligar aos sofrimentos da
moléstia o martírio dos visicatórios, bichas e sangrias.”
75
Obviamente, o descontentamento com a cobertura da imprensa, se dava também
pelas opiniões nela veiculadas acerca das determinações feitas pela Comissão e até mesmo
74
“A briga de duas patas”. Correio Mercantil. 11/03/1850. p.1.
75
“Notícias”. Correio da Tarde, 26/02/1850. p.1.
51
pelas críticas às infindáveis discussões que se sucediam na Academia Imperial de
Medicina, sobre a natureza da moléstia:
“Delenda Cartago. Srs. da Ilma Câmara, mandai açaimar os tigres.
Mandai pôr uma tampa nos barris de manteiga, porque não há bacio
sem tampo; mandai fazer os despejos depois que o Aragão der a ultima
badalada; mandai pôr canos nas beiras dos telhados, para que a água
caia sobre as pedras da calçada, e não sobre os corpos dos nossos
resignados municipais. Philopolis vai divertir-se à custa da febre
amarela e dos Médicos. Já tínhamos febre encarnada; agora temos febre
amarela; falta-nos somente a febre azul (a cólera) para podermos
formar uma belíssima bandeira tricolor.
Que confusão! Quantas disputas! Quantas teorias vãs ou absurdas!
Para uns a febre é amarela, para outros não é amarela. É contagiosa?
Não é contagiosa? Veio de fora? Nasceu na Bahia, na África ou nos
Estados Unidos? Ninguém se entende, nem sobre a natureza da febre,
nem sobre a sua origem, nem tão pouco sobre os meios preventivos; e, o
que é pior, sobre o seu curativo.
Que a febre viesse ou não de fora, que seja ou não seja contagiosa,
pouco importa: o que importa é saber como se cura, e nisto é em que,
infelizmente, divergem os que têm falado ou escrito a este respeito.
Abrir as veias é abrir a sepultura, diz um. Não, diz outro: abrir as veias
é abrir as portas da vida. Calomelanos e sangria, diz um; sudoríferos e
purgas, diz outro; não, diz um terceiro, acônito, arnica em doses
infinitésimas; fora charlatães, grita um discípulo de Galeno, o que
unicamente pode salvar, são altas doses de sulfato de quinina.
52
Pobres médicos! Mísero público!
O que dá vontade de rir (se rir se pode com tão grande calamidade) é
ver o terror de que se acham possuídos os médicos e a maneira
maladroite com que querem persuadir ao Público que se não deixe
persuadir do terror.
A tribuna e a imprensa vomitam todos os dias discursos e escritos a
perder de vista sobre os sintomas, e a marcha horrível da enfermidade.
Mas todos se ajustam em dizer por fim: “Ah! Não tenham medo, que a
moléstia não se sabe ainda se é contagiosa”. Na verdade ela ataca a
todo mundo, porém os que não morrem ficarão vivos (...) Quanto à
Comissão Médica, ela só serviu para lançar o grito de salve-se quem
puder, estamos cortados: quem puder escapar, escape. É este o grito do
covarde na ocasião do perigo, grito punido de morte no regulamento da
guerra. Os meios preventivos têm sido objeto de risota.”
76
Como podemos perceber, pelas matérias acima transcritas, as críticas feitas aos
médicos alopatas não eram amenas e justificavam o empenho de alguns de seus
representantes em reprimir a sua publicação. A partir de abril, as matérias referentes à
febre amarela diminuíram sensivelmente nos periódicos da Corte, desaparecendo
principalmente os espaços que se dedicavam a criticar os trabalhos da Câmara. Nos meses
posteriores, a leitura das páginas do Jornal do Comércio e do Correio da Tarde, por
exemplo, nos revela a ausência de matérias que envolvessem a prática da medicina, assim
como as relativas às medidas de saneamento ensejadas pelas autoridades. E se apesar disto,
o Jornal do Commercio ainda continuava a publicar anúncios da Salsaparrilha de Sands e
76
Matéria não assinada. “Philopolis”. Correio da Tarde, 9/03/1850. p.2.
53
de outros remédios de origem desconhecida, já podemos inferir a presença de contradições
entre os objetivos dos médicos alopatas e do Estado presentes nas folhas diárias
77
, e que
seriam mais claramente expressas nos jornais especializados.
O Correio Mercantil, no entanto, pela sua postura em oposição ao governo nos
possibilita analisar mais de perto as disputas que continuaram se desenvolvendo na
imprensa, nos assuntos de saúde. Pois, franqueando suas páginas a qualquer matéria
mediante o seu pagamento, nos oferece um interessante material para que compreendamos
a evolução das relações entre as categorias médicas, alopata e homeopata, e o Estado.
Assim, também podemos verificar, mesmo que em uma pequena medida, visto que
deixaram de publicar a editoria “Resenha Parlamentar” onde veiculavam pesadas críticas
aos membros da Câmara, a expressão da opinião pública nos assuntos referentes às
epidemias, às políticas de salubridade, e aos métodos de cura.
É interessante ressaltar que o abandono de uma postura radical nas críticas
dirigidas aos membros do governo se deu paralelamente a um processo de censura
direcionado pelo governo, e que foi amplamente expresso nas páginas deste jornal. Por
meio de vários artigos, publicados no início de 1851, o redator do Correio Mercantil
demonstrava a sua indignação com as propostas de implementação de cauções, ou seja, de
impostos, que deveriam ser pagos pelos redatores que quisessem que seus jornais
continuassem a ser publicados, objetivando coibir o “abuso da liberdade de imprensa”.
Não foi publicado, no entanto, a solução para este confronto que, aparentemente,
foi decido em favor governo. Conclusão tirada por nós, com a percepção da mudança na
77
Durante a década de 1850, os donos de jornais “não-especializados” tiveram contra eles algumas propostas
tramitando no legislativo, que visavam obstar casos de “abuso” da liberdade de imprensa. Visando coibir
críticas sobre decisões tomadas pelo aparelho político-administrativo, empenharam certo limite à liberdade
de expressão. Uma repressão que não se limitou ao projeto que acabamos de analisar, mas que estaria
presente em outras propostas. Sendo assim, o Estado conseguia pôr em prática uma pequena repressão sobre
a imprensa, mas que, não se estendeu aos intuitos dos representantes médicos presentes no aparelho de
Estado, demonstrando assim, uma contradição entre os seus interesses e o objetivo de legitimação da “elite
médica”.
54
linguagem expressa em suas páginas. As questões relativas à saúde pública continuaram
presentes nas edições deste periódico, mas de uma forma bastante diferente. Limitavam-se
às editorias “Publicações a pedidos”, “Correspondências” e “Anúncios”, realizadas por
meio de pagamentos, sem nenhum pronunciamento do ponto de vista do jornal.
Dirigindo nossas análises para as matérias publicadas por terceiros podemos
verificar, de uma forma também eficaz, os meandros das relações desenvolvidas entre
membros da Junta Central de Higiene Pública e da elite médica carioca, assim como a
relação dos homeopatas com os dois agentes supracitados. Visto que, tornando públicas
matérias por meio de pagamentos, carregavam consigo, mesmo que implicitamente, o ideal
de legitimarem seus interesses junto à opinião pública.
No dia 25 de fevereiro de 1851 aparecia a primeira matéria sobre a epidemia de
febre amarela que naquele ano voltara a grassar na cidade
78
. Escrita pelo Dr. A. J. Peixoto,
refletia as divisões teóricas acerca da doença que ainda eram debatidas no seio da elite
médica e que estiveram presentes nos jornais durante toda a década:
“Já principia a algazarra, e se nossas Câmaras estivessem
reunidas, veríamos, como no ano passado, elas darem-se o ridículo
espetáculo de sua transformação em corpo acadêmico para afinal
decretarem a miserável soma de duzentos contos a empregar-se na
repressão da epidemia!!! As medidas extremas, o modo assustador, já
começam, assim como as leis compressivas contra a propriedade e
liberdade dos infelizes capitães, que procuram no porto inospitaleiro,
onde, em vez de encontrar algum alívio para os males que neles vieram
78
Segundo o livro de José Pereira Rego, Esboço Histórico das epidemias que têm grassado na cidade do Rio
de Janeiro desde 1830 a 1870, a doença que parecia ter abandonado a cidade, reapareceu em caráter
epidêmico em 1851, 52 e 53. Em 1851, de fevereiro a maio, ceifou um total de 471 vítimas, dentre as quais
254 eram de pessoas provenientes do mar e 205 da terra.
55
contrair, lá vão desterrados para uma ilha inculta, desabrigada, sem
água, sem recurso algum, longe de todas as providências. [...] Nosso fim
é mostrar que a febre amarela, a cólera, a peste e de todos os flagelos
chamados contagiosos ou transmissíveis de qualquer maneira não são
mais do que palavras de terror, homicidas prevenções, falsos corolários
da ciência; que o terror e boatos espalhados nessas circunstâncias, e
confirmados, mesmo oficialmente, dão um golpe funesto à saúde pública,
agravando cada dia nossas mais leves indisposições, e que o médico
levado pelo zelo de enxergar nelas os primeiros sinais do mal que se
teme, acaba com suas prescrições cegas e muitas vezes infelizes e
intempestivas, de explicar-nos o mistério da mortalidade excessiva
atribuída a esses flagelos imaginários e fictícios.”
79
Neste artigo estão presentes três questões importantes. Primeiro, a presença de
uma crítica aos trabalhos desempenhados pelo poder legislativo, que, com base nas
discussões não conclusivas a respeito da doença, desenvolvidas pelos acadêmicos, se
empenhou em aprovar tal verba como uma medida urgente, mas que não teve nenhuma
sistematização na sua aplicação. Pois, se em princípio o combate à insalubridade era o seu
ponto central, o próprio autor ressaltava, em outro ponto de seu artigo, o modo incompleto
como essas providências eram tomadas:
[...] algumas ruas já se regam com água salgada, e os
habitantes desta Corte podem ao menos economizar alguns vinténs,
apanhando nos largos regos e sobre-rodas das calçadas o sal que se
79
A. J. Peixoto. “Comunicado”. Correio Mercantil. 25/02/1851. pp. 1-2.
56
cristaliza por meio da evaporação; as praias já estão limpas, mas todos
os dias milhares de asquerosos barris ali se vão entornar a toda e
qualquer hora; os particulares já varrem suas testadas, porém os
empregados da Câmara Municipal deixam ficar o lixo no meio das ruas;
o campo de Santana, os lagos do Rocio, pequeno, as ruas do Conde, do
Lavradio, e outras, os mangues de S. Cristóvão, os depósitos de madeira
e borda do mar, etc., etc., continuam a exalar os pestilenciais miasmas
que de todos os tempos têm envenenado e ceifado a população desta
asseada Corte. E depois disso querem que a febre amarela tenha sido
importada por um desgraçado navio que certamente não teria tido a
bordo semelhante moléstia se não houvesse aportado em nossas imundas
praias.”
80
Juntamente com as denúncias aos trabalhos de limpeza feitos pela
municipalidade, o Dr. A. J. Peixoto se posicionava favoravelmente à idéia de que a doença
tinha sua origem na própria cidade, se opondo à tese de sua importação, majoritária na
Academa Imperial de Medicina. Ele propunha, com esta publicação, a formação de uma
opinião pública favorável às medidas de salubridade que deveriam se desenvolver em
combate à febre amarela. Demonstrando com isso, a importância desta opinião no combate
às medidas quarentenárias, e apoiando a idéia de que não se deveria obstar o livre curso do
comércio sem a comprovação de que a doença tinha realmente vindo de fora.
O terceiro ponto estaria relacionado às constantes críticas feitas ao Ministério do
Império, na imprensa não-especializada, a respeito da alocação de um lazareto na Ilha do
Caju, que sem as devidas condições sanitárias, ia de encontro com a tese de que era
80
Idem. Ibidem.
57
necessário, acima de tudo, atentar para as regras de higiene. Trazia implicitamente
também, as discussões que foram travadas pelo Ministério do Império e a pela Junta
Central de Higiene Pública no ano de 1851, sobre as reclamações feitas por autoridades
estrangeiras contra o encaminhamento de seus compatriotas a esses lazaretos, às quais nos
referiremos com mais cautela adiante.
Por ora, as acusações de inviabilidade do seu estabelecimento em Jurujuba,
Niterói, eram o fulcro das acusações também veiculadas no Diário do Rio de Janeiro e que
nos esclarecem melhor a respeito dos questionamentos feitos por A. J. Peixoto:
“Acabamos de ser informados que se tem já contratado uma
chácara na Jurujuba, a fim de estabelecer-se um lazareto. Caímos das
nuvens quando nos disseram que chácara era essa! (...) Não entramos
agora na questão de ser ou não a Jurujuba o lugar conveniente. Como
escolhem um lugar que não tem água? Como escolhem um lugar que é
baldo de todas as condições, deixando imediato terreno, onde existe
água potável, e uma casa grandiosa onde se poderiam acomodar para
cima de 100 pessoas!”
81
Desde janeiro, o Correio Mercantil também vinha apresentando uma grande
variedade de anúncios de remédios secretos, à revelia das sucessivas reclamações
encampadas por renomados médicos alopatas, mesmo após ter entrado em vigor o
Regulamento da Junta Central de Higiene Pública, que fazia, em tese, pesadas restrições à
fabricação e venda de remédios secretos. A salsaparrilha de Sands, o Xarope do Bosque e o
Lírio do Japão eram os principais remédios anunciados. A comercialização da primeira,
81
Matéria não assinada. “Comunicado”. Diário do Rio de Janeiro. 14/01/1851. p.2.
58
que intensa queda de braço tinha gerado entre membros da Academia Imperial de
Medicina e os da Câmara Municipal em torno da sua liberação, apresentava os maiores
anúncios, que ocupavam um terço de página do jornal e que custavam muito caro, onde
apareciam relatórios de Torres-Homem (médico e vereador) e até mesmo de Paula Cândido
(médico e presidente da Junta), aprovando-a.
Anúncios de comemoração do segundo ano da Gazeta dos Hospitais, publicação
médica especializada, também foram exaustivamente veiculados no Correio Mercantil,
assim como do Annaes Brasilienses de Medicina, que no momento estava sob a redação de
José Pereira Rego. Este último, também utilizou a seção de anúncios para a divulgação do
lançamento de seu livro, História da Febre amarela, que a partir de março apareceu
inúmeras vezes. Certamente, a divulgação destas publicações médicas em um jornal “não-
especializado” nos evidencia o interesse, por parte dos médicos, de se expandir o público
leitor leigo, a fim de reafirmarem suas posições mediante os assuntos de saúde pública e
privada da Corte.
Ademais, também apareciam propagandas de consultórios de médicos alopatas e
homeopatas periodicamente, assim como de boticas homeopáticas e de barcas de banho, o
que reafirmava a importância da imprensa como um meio de consolidar práticas
profissionais e empreendimentos comerciais, que em épocas de epidemia eram bastante
procurados pela população. Visto que os jornais leigos se configuravam como veículos de
ligação direta com a sociedade.
A implementação de medidas pelo governo seguia em concomitância com a sua
aceitação por parte da população, que fazia dos jornais diários o palco de variadas
discussões envolvendo assuntos de saúde pública e expondo sua opinião sobre eles.
Principalmente, em períodos de surto epidêmico, matérias deste cunho se disseminavam,
explicitando a sua importância com a divulgação de querelas e problemas que atingiam de
59
frente a sociedade da Corte, que estava a cada dia, mais atenta aos aspectos referentes à
saúde e salubridade da cidade.
Desta forma, a questão do estabelecimento de cemitérios extra-muros, em
compasso com a proibição dos enterramentos nas igrejas, se configurou como o principal
assunto abordado nas editorias dedicadas às correspondências e às publicações a pedido a
partir de 1851. Da mesma forma, cartas se referindo a questões de asseio e salubridade, em
oposição à instalação de um cemitério no Catumbi, se tornaram constantes, e nos chamam
atenção para a principal problemática que se desenvolveria em 1851
82
. A aprovação da lei,
neste ano, que regulamentava os cemitérios públicos e tirava essas atribuições das igrejas,
se refletiria, obviamente, nas páginas deste jornal. Demonstrando, sobretudo, que a
população havia incorporado bem a idéia de que a proximidade com os mortos era
prejudicial à sua saúde.
Como se acreditava que a epidemia de febre amarela estava ligada à emanação
miasmática provinda dos corpos em putrefação, as providências relativas ao afastamento
das matérias em decomposição dos centros urbanos, eram o principal ponto de atuação das
autoridades sanitárias, no início dos anos 50. Não obstante, os enterramentos se tornaram o
foco das atenções neste primeiro momento, sobre os quais, por meio das representações
legislativas, se alinhavaram as primeiras medidas de saúde pública. E se por um lado, essa
nova legislação atingia de frente os costumes funerários da população carioca, por outro,
atingia àqueles que já acreditavam que a proximidade de um cemitério botava em risco a
sua saúde privada, expondo-os ao perigo da epidemia. Gerando contestações sobre a
localização de novos cemitérios na cidade.
82
Cf. Cláudia Rodrigues. Lugares dos mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações fúnebres no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997; Almir Chaiban El-Kareh. “Um golpe de mestre: enterrar
os mortos e cuidar dos vivos. José Clemente Pereira e a aprovação do projeto senatorial de criação de
cemitérios públicos no Rio de Janeiro”. In R IHGB, Rio de Janeiro, ª 165, n. 422, jan./mar. 2004.
60
Na 10ª Pacotilha
83
, de 14 de abril de 1851, aparecia a primeira referência a uma
querela entre Ferraz (inspetor da alfândega) e Borges Monteiro (presidente da Câmara
Municipal), a respeito da realização dos despejos. Ferraz havia impedido a sua realização
nas pontes que tinham sido construídas para este fim, que depois de uma disputa com o
presidente da Câmara que era a favor, acabou sendo liberada.
A disputa entre as duas autoridades, no entanto, não ficava restrita a este
acontecimento e logo, a Pacotilha anunciaria satiricamente mais um impasse:
“Puxe e estique o Sr. Ferraz; aperte-o e escove-o, Sr. Cândido
Borges; mostrem para quanto prestam; nada de assear, que eu quero ver
qual dos dois é vencedor. Cá por mais dou mais pelo Sr. Borges; pode
ser que me engane, não será a primeira nem a última vez. Mas o que
quer dizer o Carijó? Perguntam os fregueses. O que quero dizer é boa;
já o devem saber; é o negócio do despejo que continua a despejar
artilharia grossa; as águas imundas cada vez se remexem mais, e a
questão já lá anda pelas alturas! O fiscal da Candelária fez uma
tremendíssima, própria de um rapagão que é; a guarita da sentinela dos
tigres foi-se, já não existe por determinação do mesmo fiscal. Apre! Isto
é muito ofender a prosápia e melindre do Sr. Ferraz, isto é que se chama
arrumar mesmo na bochecha. Não era possível que o Sr. inspetor da
alfândega sofresse calado tal afronta; imediatamente oficiou ao Senhor
83
A seção “Pacotilha”, que surgiu no Correio Mercantil no início de 1851, era publicada somente três vezes
ao mês, quando por ocasião ocupava toda sua primeira página e pedaço da segunda, atuando como um
editorial deste periódico. Mesmo com um tom mais ameno do que o verificado na antiga “Resenha
Parlamentar”, abria um novo espaço para comentar os fatos que ocorriam na cidade. Assinada com o
pseudônimo “Carijó”, fazia comentários irônicos sobre variados assuntos, figurando dentre eles, muitas
vezes, acontecimentos referentes aos assuntos relacionados à saúde pública.
61
ministro narrando o caso horrendo e triste. Arrancar a casinha da
morada da sentinela-despejo ou tigre sem licença sua, Sr. Ferraz, é ferir
em essência as leis fiscais do império, e o regulamento da alfândega,
quando trata dos sentinelas; é desconhecer a prática das nações
civilizadas nas suas alfândegas. Mas o que fez o senhor Ministro da
fazenda? Remeteu uma portaria à Câmara mandando que o informasse
sobre o fato denunciado pelo Sr. inspetor da alfândega. (...) Em sua
portaria a Câmara Municipal diz que não podia meter o Sr. Ferraz o
nariz na ponta dos despejos (ou nessa por certo não cairia), por ser
propriedade sua; e arremata assim a portaria: “A Câmara tem tido
todas as condescendências com o inspetor da alfândega, assim como as
têm sempre com todas as autoridades; mas não está disposta a sofrer
usurpações de ninguém, e no estado em que as coisas têm chegado,
levados pelo inspetor da alfândega, ainda menos.”
84
A queda de braço pela autoridade sobre as questões sanitárias, entre Ferraz e
Borges Monteiro, exemplificava bem as contradições geradas com a fixação das
prerrogativas da Junta Central de Higiene Pública, de zelar pela salubridade da cidade,
inclusive do porto do Rio de Janeiro. Estando o inspetor da alfândega subordinado à
referida Junta, a sua atuação se dava em compasso com os conselhos formulados por esta.
No entanto, a limpeza da Corte ainda estava a cargo, legalmente, da Câmara Municipal e à
Junta era dado o poder, somente, de formular medidas que podiam ou não ser seguidas
pelos poderes governamentais. A preponderância do poder municipal sobre a Junta ficava
clara com o resultado desta contenda, a favor de Borges Monteiro.
84
“O Carijó”. “11ª Pacotilha”. Correio Mercantil. 20/04/1851. p.1.
62
A publicação desta querela demonstrava, deste modo, a importância que os
assuntos referentes à salubridade tinham adquirido para os habitantes da cidade do Rio de
Janeiro. Pois, certamente, a escolha das matérias que compunham os jornais (ainda mais
quando se tratava de uma editoria própria) seguia uma referência à importância que elas
tinham entre o público leitor.
A aceitação da homeopatia pela população da Corte não ficava explícita somente
pelos anúncios de boticas ou consultórios. Durante esta década eram publicados,
constantemente, propagandas do livro “Medicina Doméstica Homeopática”, ou, como
também era chamado, “Guia prático de curar homeopaticamente”. Em dois volumes, e
escrito pelo Dr. Cochrane, punha em evidência não só a utilização de medicamentos
homeopatas na cura das doenças pela população (visto que já estava na segunda edição),
como também revela um projeto de legitimação encetado pelos homeopatas, na utilização
sistemática da imprensa leiga para divulgar o seu método.
Não estando respaldados pelas leis do Império e tendo contra si importantes
representantes da medicina alopata, presentes em diversas esferas do poder público,
pautaram o seu reconhecimento no acolhimento da opinião pública. Sua estratégia
consistiu em oferecer consulta e/ou remédios gratuitamente aos pobres, intensificando
estes trabalhos em épocas de epidemia; publicar anúncios e artigos diariamente em jornais
da imprensa leiga exaltando a homeopatia e saindo em defesa contra os ataques feitos por
médicos alopatas; e editar jornais, guias e livros de medicina homeopática. Enfim, fizeram
tudo o que podiam, e com bastante intensidade, para angariar o apoio da opinião pública. O
seu êxito ficou estampado na tolerância por vezes velada, e por outras explícita, à prática
homeopática, durante todo o período analisado.
63
Além das publicações em favor dos homeopatas, periodicamente apareciam no
Correio Mercantil denúncias contra membros da elite médica. Uma delas, dirigida contra
Pereira de Carvalho (membro da AIM e seu presidente a partir de 1859):
“É voz constante e corrente que um sr. dr. sob direção de quem está
a enfermaria da Praia Vermelha, provisoriamente criada, tem por
costume remover os doentes, que em perigo de vida julga não poderem
escapar, a fim de contar vitória; de maneira que a mortandade naquela
enfermaria só tem lugar quando ele, segundo o seu louvável costume,
falta alguns dias, e nesse ínterim algum doente periga e morre; ou
quando por descuido ou ignorância da gravidade do mal, não envia a
pobre vítima para terminar seus dias no hospital militar, onde a semana
passada ainda entraram três no estado o mais lamentável (removidos!!)
que foram postos na enfermaria do 1º médico, o Sr. conselheiro Torres-
Homem, que segundo me referem, bem pode isto atestar! É horroroso
semelhante procedimento e de nenhum modo deve ser tolerado.”
85
Em 1852 esta situação não mudaria, e as páginas da imprensa não-especializada
continuariam a ser palco de intensas e variadas discussões. Em fevereiro, a prática dos
enterramentos continuou a gerar muitas discórdias que, desta vez, no entanto, não estavam
ligadas ao estabelecimento dos cemitérios, mas à determinação de um decreto fixado para
otimizar o registro de nascimentos e óbitos da cidade. Por este, os juízes de paz se
tornavam responsáveis pelo registro de cada ocorrência, tendo que assinar, por exemplo, a
autorização para o enterro do defunto.
85
Matéria não assinada. “Publicações a pedido”. Correio Mercantil. 28/04/1851. p.2.
64
Esta medida, que tinha sido posta em prática para realizar a organização de um
senso geral da população, gerou muitas reclamações. Correspondências eram publicadas no
Correio Mercantil, e demonstravam a sua pouca popularidade, pelo grande atraso gerado
no enterro dos corpos. Muitos defuntos demoravam mais de dois dias para serem
sepultados, e se multiplicavam na imprensa relatos de corpos entrando em estado de
decomposição e até mesmo de situações em que pela demora o cadáver era conduzido em
um caixão aberto pela cidade, por não caber mais no recinto encomendado devido ao seu
inchamento. Com o aumento do número de óbitos no mês de janeiro, a inviabilidade da
execução desta medida ficou patente e o governo teve de recuar diante dos protestos da
população. O decreto foi suspenso
86
.
No dia 10 de fevereiro, a 53ª Pacotilha não deixou este fato sem comentário:
“Chegou finalmente o dia em que os homens de antes quebrar e
torcer, os homens que tudo fazem segundo os seus caprichos, obstinação
e vontade rancorosa, recuaram ante a voz geral que se levantou contra
este regulamento. (...) O regulamento dos nascimentos e óbitos, a
confusão em que ele lançou o império, e enfim a sua suspensão, é um
monumento que imorredouro passará de geração a geração para honrar
a glória dos dominadores da atualidade.”
87
Este acontecimento pode demonstrar, até certo ponto, a importância da imprensa
como veículo na intermediação entre os interesses da população e os poderes públicos. O
que fortalece a hipótese de que a imprensa, gozando de liberdade legal, se tornava um
86
Parte Oficial – Ministério do Império. “Decreto n. 907 de 29 de janeiro de 1852. Suspende a execução dos
regulamentos para a organização do senso geral do império, e para o registro de nascimentos e óbitos”.
Correio Mercantil. 5/02/1852. p. 1.
87
“O Carijó”. “53ª Pacotilha”. Correio Mercantil. 10/02/1852. p. 1.
65
importante veículo de formação de opinião pública, como lugar de reivindicações e luta
entre os diversos grupos de interesses.
Durante este ano, apesar da contabilização oficial total da mortalidade na Corte
ter sido bem superior ao ano seguinte, de 1853
88
, as matérias que se propuseram a discutir
assuntos de saúde pública foram relativamente poucas. Apenas algumas diminutas notas
publicadas por J. Peixoto, nas quais dava conta de operações realizadas em sua clínica, e
uma e outra crítica à política de salubridade pública da Junta, além de algumas
reclamações contra a serviço de despejos da municipalidade.
“Que culpa terão os moradores da praia do Flamengo, ao pé da
ladeira da Glória, para que o fiscal mandando fazer os despejos defronte
de suas casas o privem até de chegar à janela para não respirarem os
delicados aromas destes montes de lixos? Não seria melhor que S. S
tivesse alguma atenção para com essas pessoas, mandando que tais
despejos se dessem defronte e há meia distância do paredão do terreno
do Sr. M. P. da Fonseca aonde já se fizeram, e por aí não haver casa
alguma a ninguém incomodará? Os moradores destas proximidades
serão obrigados a mudar de residência se S. S. persistir em que se façam
aí depósitos de quantas imundícies há, do que pode resultar o
desenvolvimento de alguma peste.”
89
O ano de 1853 apresentou um número de matérias dedicadas aos assuntos de
saúde pública bem maior. Já em janeiro começaram a ser publicadas, diariamente, o
88
Vide tabela, p. 162.
89
Anônima. “Publicação a pedido – O fiscal da Glória e as imundícies da Praia do Flamengo”. Correio
Mercantil. 14/02/1852. p. 3.
66
número de óbitos diários da cidade do Rio de Janeiro. Neles constavam o nome da pessoa,
sua condição civil, nacionalidade, ocupação profissional e a doença da qual falecera. Por
esta contabilização podemos acompanhar o aumento, neste ano, no número de mortos da
febre amarela, acompanhando sua evolução (de janeiro a fevereiro), seu ápice (em março),
e queda (em maio).
Em mais um ano, a quantidade de falecimentos de estrangeiros era bem maior do
que a de nacionais (assim como o verificado por médicos nas epidemias anteriores), e a sua
publicação, certamente, levaria a intensas discussões na imprensa acerca da imigração no
Rio de Janeiro e no Brasil, e a sua imprescindibilidade para o aumento da população.
Expondo assim, a importância dos periódicos leigos, que ao veicular certas notícias em
suas páginas, acabava incitando intensos debates, tanto entre os seus leitores, quanto pelos
poderes públicos, que se manifestavam sempre quando percebiam o vulto tomado por tais
discussões.
No dia 19 de janeiro de 1853, na editoria “Publicação a pedido”, aparecia a
divulgação de um ofício que tinha sido dirigido ao Ministério do Império, por Joaquim
Cândido Soares Meireles, quando era membro da Junta, em julho de 1852, a respeito da
manutenção de lazaretos, para os quais eram encaminhados os estrangeiros infectados pela
febre amarela. Pedindo o fechamento do lazareto de Jurujuba, iniciava uma série de
discussões a este respeito, que demonstrariam que as dúvidas quanto à definição da
infecciosidade ou contagiosidade da moléstia, continuaram gerando grandes celeumas
quando se tratava de defender ou contrariar o estabelecimento de quarentenas:
[...] Eu disse como se poderia considerar a febre amarela hoje
como endêmica (porquanto debaixo desta acepção designamos as
moléstias particulares de certos países, de certas localidades), mas
67
porque as suas causas, que os médicos ignoram, encontrando um clima,
uma atmosfera, e condições análogas às dos países onde esta moléstia é
reputada endêmica por aí se ter aclimatado, produziam os mesmo
efeitos. E, assim sendo, de que meios lançaremos mão para destruir
semelhante gérmen e tornar o nosso país livre de um tal flagelo, a não
ser os que a higiene prescreve? Será mandando os pobres estrangeiros
para o Lazareto de Jurujuba que conseguiremos um semelhante fim? Por
que não obrigamos os nossos marinheiros e soldados a irem para outro
local, e não para os seus respectivos hospitais? Por que não obrigamos
os outros doentes a irem para o Lazareto de Jurujuba? Dizia eu à
Junta!”
90
Constatamos mais uma vez que, a forma incompleta como eram postas em vigor
as determinações de saúde pública eram contrariadas diariamente na imprensa leiga. Ora
por médicos, ora por membros da população, que botavam em cheque a credibilidade das
medidas, desacreditando assim a autoridade dos que as formulavam.
Críticas feitas pelo Ministro da Inglaterra, remetidas por um ofício à Paula
Cândido (enquanto presidente da Junta), sobre a realização “inútil” das quarentenas, não
ficaram sem uma resposta do referido médico, que, inclusive, tornava-as públicas,
juntamente com as suas respostas, reafirmando a posição assumida pelo governo na
aplicação de medidas quarentenárias. Apresentava primeiro as críticas e depois suas
respostas a elas:
90
Joaquim Cândido Soares de Meireles. “Publicações a pedido – Lazareto de Jurujuba”. Correio Mercantil.
19/01/1853. p. 2.
68
“1º Que o tratamento dos doentes no lazareto (isto é, fora do
povoado, pois tal é o fim proposto na criação do lazareto) é uma
doutrina obsoleta e errônea; 2º Que os marinheiros são afetados não a
bordo, mas nas casas imundas e pestilenciais às quais se permite recebe-
los; 3º Que a febre amarela se originou no Rio de Janeiro, onde se acha
localizada; 4º Que o transporte dos doentes em escaleres, expostos aos
rigores do tempo, é fatal.”
91
Em seguida, Paula Cândido expunha suas respostas aos argumentos a ele
formulados no ofício pelo Ministro britânico:
“Quanto ao primeiro argumento [...] me parece que não foram
exatas as informações que subiram ao conhecimento de S. Ex.; devendo
eu inferir de suas expressões que estas informações supõem que a
doutrina de contágio (ali sustentada ainda hoje por ilustrações médicas
inglesas e outras), e não a da dispersão, arejamento, etc, produziu a
criação dos lazaretos e não a coisa em si hospital que inspiram aversão.
[...] A fundação deste lazareto repousa no princípio de moléstias por
infecção, e de nenhuma sorte na hipótese de contágio. [...] A
denominação de lazareto não supõe pois necessariamente a adoção de
idéias errôneas e obsoletas da meia idade recebidas indiscretamente;
assim como as medidas – quarentena – em outubro próximo findo,
mandados executar pelo almirantado inglês para com os navios
precedentes de lugares de onde reina a cólera, não supõe naquele ilustre
91
Paula Cândido. “Parte Oficial – Ministério do Império”. Correio Mercantil. 20/01/1853. p. 1.
69
tribunal o regresso a doutrinas condenadas por errôneas, e obsoletas
pelas luzes do século. Quanto ao segundo argumento [...], o governo
imperial não o desconhece; tem se esmerado em realizar medidas que
possam, guardados os respeitos aos direitos alheios, remediar este mal;
a junta tem visitado essas casas, e tem se informado a seu respeito. São
ainda de recente data as medidas que eu submeti à consideração de V.
Ex. para desenraizar este mal, começando por uma inspeção geral das
habitações. A realização, porém de medidas próprias para evitar ou
remediar os males que provém da acumulação de indivíduos, falta de
esgotos, de asseio, de ar suficientes puro, etc., etc., medidas que não se
têm ainda verificado em Serra Leoa e em outros domínios ingleses (onde
continua ainda a febre amarela a dizimar a população, em Liverpool, e
até mesmo em Londres, a despeito da força e ilustração do governo
britânico secundado pela corporação médica e associações
filantrópicas, é por certo difícil empresa, e não é de espantar que se não
tenham realizado no Brasil, não devendo portanto ser isto atribuído,
senão á dificuldade da coisa em si mesma, à vista de tantos interesses
chocados, etc., e não o descuido, ignorância ou erros.[...] Quanto ao
terceiro argumento [...] merece desculpa o Brasil por não haver
resolvido, quando ainda pendentes se conservam questões idênticas e
análogas, quando a história da febre amarela [...] trás ainda dúvidas a
ilustrações médicas inglesas.[...] O tratado das nações, entre as quais
figura a ilustrada nação inglesa, elaborado em 1852, consagra este
70
princípio do contágio, especificando as quarentenas para a febre
amarela. [...].”
92
A enorme carta feita por Paula Cândido e que aqui tentamos condensar ao
máximo, retirando os seus pontos principais, nos leva a interessantes verificações. A
primeira, e creio que a mais importante, está relacionada com a produção de
conhecimentos e estudos a respeito da natureza da febre amarela, por médicos brasileiros.
Assumindo uma postura anti-contagionista e baseando sua defesa na tese de infecção do
ambiente, defendida por muitos esculápios, demonstrava que as observações desenvolvidas
no Brasil não diferiam em qualidade das realizadas por médicos ingleses, ou de qualquer
nacionalidade. Estando todos, naquele momento, ainda em litígio sobre a definição da
doença.
Sendo assim, expunha também a dificuldade de se implementar medidas de
salubridade, que não se chocassem diretamente com os interesses privados e até mesmo,
implicitamente, se referia à falta de recursos para o empreendimento de outras medidas
tidas como urgentes, como a construção de encanamentos de esgoto e etc. Construindo o
seu discurso com base na comparação, reconhecia a posição inferior ocupada pelo Brasil
na escala do progresso, e justificava, por meio da naturalização, a atitude do governo nos
assuntos de saúde pública.
Juntamente com a expansão da epidemia crescia o número de correspondências
de congratulação às curas efetuadas por médicos homeopatas, enquanto nenhuma do
mesmo gênero era dirigida em favor de algum médico alopata. A primeira apareceu em 31
de janeiro de 1853, e se dirigia ao médico homeopata Domingos de Azeredo Coutinho
Duque-Estrada. Devidamente assinada, fazia referência ao tratamento empenhado por este
92
Idem. Ibidem.
71
médico, que o tinha posto em perfeitas condições de saúde sem o recebimento de nenhuma
remuneração, e que em troca deste ato, o agradecia pelo “procedimento ilustrado e
caritativo”.
Outra correspondência também assinada, publicada em 27 de fevereiro, dirigida à
Paula Menezes, membro da Academia, também em agradecimento pelos seus serviços, nos
dava uma demonstração da atuação de um médico, que tendo assumido publicamente a
adoção de métodos homeopáticos, era aceito e respeitado dentro daquela corporação, como
demonstraremos no próximo capítulo.
“Sr. redator – Rogo-lhe o obséquio de me conceder um
pequeno espaço na sua acreditada folha para agradecer ao Ilmo Sr. Dr.
Paula Menezes as atenciosas e delicadas maneiras com que S. S. me
tratou durante minha moléstia de febre amarela, que com tanto zelo,
atividade e acerto soube combater com as muito eficazes doses
homeopáticas, às quais depois do Ente Supremo devo hoje minha
existência. Sobreveio-me aquela terrível enfermidade no dia 1º do
corrente, e com tal intensidade que ao terceiro dia se tornou bem
manifesto o vômito preto, o qual em 48 horas me foi extinto com um
único vidro da homeopatia; seguiu-me uma hemorragia de sangue pela
boca, e também foi extinta com um só vidro da milagrosa homeopatia em
36 horas; hoje acho-me totalmente restabelecido. Receba pois o Ilmo Sr.
Dr. Paula Menezes os meus puros e sinceros protestos de gratidão.”
93
93
Caetano da Costa Martins. “Ao Ilmo Sr. Dr. Paula Menezes”. Correio Mercantil. 27/02/1853. p. 2.
72
A adoção de métodos homeopatas, por reconhecidos médicos alopatas, figurou
como o problema mais difícil a ser enfrentado pela elite médica na década de 50. Pois, se
de uma certa maneira era possível contrapor-se à venda de remédios secretos, ou até
mesmo à prática da medicina por pessoas leigas, difícil era combater um profissional
devidamente formado que tinha optado pela homeopatia. Sendo assim, se os argumentos se
centravam na obtenção do reconhecimento legal para a prática da medicina, nestes casos
não existiam formas de se opor a esses práticos.
A divulgação de agradecimentos, por meio de correspondências enviadas às
redações dos jornais, nos indica também para a importância adquirida pelos periódicos
não-especializados como um veículo de prestígio. A importância social dos médicos, nesta
década, era constantemente evidenciada pelas qualidades relativas à caridade e à ilustração,
como podemos perceber pela primeira carta citada.
Com isso, era em cima desses valores que se assentavam as propagandas feitas
por homeopatas, na veiculação de anúncios ressaltando sempre os seus préstimos por
pouca ou nenhuma remuneração, de acordo com a condição financeira do cliente. O que,
certamente, tornava popular o tratamento por eles empenhado e angariava as simpatias da
população. Esta postura também justifica em parte porque que em momentos de epidemias
a homeopatia preocupava tanto os médicos alopatas, que saíam em combate contra esta
prática, chamando-os de charlatães e desmoralizando as suas teorias. Atitude que se dava
tanto por meio das publicações não-especializadas aqui postas em análise, como pelos
periódicos médicos, que melhor analisaremos no próximo capítulo.
A publicação anônima de “Sonetos”, na seção “Publicações a pedido”, no mês de
março pode exemplificar bem o que acabamos de afirmar:
“Para glória dos míseros mortais,
73
Um médico de gênio assaz profundo,
Julgou poder curar a todo mundo,
Já físicas moléstias, já morais;
Agora todos vão ser imortais,
Ninguém cairá mais no arco fundo,
Vai riscar-se a palavra moribundo,
Mil delícias, mil bens vão ser gerais.
Oh! Povo felizmente eternizado,
Cantai pomposos hinos de alegria,
Erguei-lhe um monumento agigantado,
E nele gravai esta alegoria:
Em honra de escritor tão afamado
Que encontrou mel de pão na homeopatia!”
94
Esta não era a primeira, e também não seria a última publicação de soneto, que se
ocuparia de fazer críticas irônicas através de rimas, contra a disseminação de artigos e
cartas, tratando de curas feitas por homeopatas. Ao mesmo tempo, muitos alopatas se
empenhavam em publicar notas sobre as curas efetuadas nos hospitais ou enfermarias nos
quais trabalhavam. Atitude que levantava, por algumas vezes, oposições dos próprios
colegas de profissão que ainda apresentavam discordâncias sobre os melhores meios
terapêuticos a serem utilizados no tratamento da febre amarela:
94
“Ass.: O que não come gato por lebre”. “Soneto”. Correio Mercantil. 11/03/1853. p. 2.
74
“Há dias o nobre Dr. Leslie anunciou pelo Correio Mercantil outra
nova descoberta que havia feito para curar a febre amarela, quase com
infalibilidade, com altas doses de quinina. Ora muito notável se tornam
estas descobertas do Sr. Leslie porque é de todos sabido que os médicos
mais distintos e mais práticos, não só desta cidade como da Bahia,
Pernambuco e Maceió, pelas observações e estudos aturados que
fizeram das febres reinantes, reconheceram que os meios seguros eram
as aplicações transpirativas e purgativas, e que tocar no sangue em
semelhante moléstia era sumamente perigoso e quase sempre seguido de
morte.”
95
Seguia a correspondência tratando da utilização de sangrias pelo mesmo médico.
Afirmação que seria negada em uma edição posterior, mas que não ficaria sem resposta
pelo acusador:
“Podereis negar que sois apologista das sangrias, e que delas fazeis
aplicações em ampla escala? Não; porque não podeis por uma simples
negativa renegar o vosso presente, e o vosso passado; (...) Os médicos de
maior nomeado e abalizados conhecimentos como sejam o Dr. Paula
Cândido presidente da Comissão de higiene pública; o provecto Dr.
Valadão, e tantos outros de igual merecimento têm proibido as sangrias
como tratamento reconhecidamente pernicioso, e vós Sr. Dr. fazeis a
95
“Veritas”. “Correspondência”. Correio Mercantil. 16/02/1853. p. 1.
75
apologia das sangrias nas febres reinantes e aplicais amplamente este
tratamento.”
96
As disputas profissionais, teóricas e práticas ganhavam grande incremento em
épocas de epidemias. Nestes momentos, as páginas dos jornais leigos se tornavam palco
das mais variadas disputas, assim como atuavam como veículos de divulgação, legitimação
e prestígio para aqueles médicos que, em época de surto epidêmico, se tornavam os
principais alvos da atenção da população.
No dia 26 de março de 1853 era anunciada, no início da primeira página e em
letras maiores, a venda do Correio Mercantil, que deixava de ser de propriedade de
Rodrigues e Comp., para pertencer a J, F. Alves Branco Muniz Barreto. Esta mudança
obviamente gerou grandes modificações nas matérias veiculadas por este órgão, que até
este momento era o principal veículo de oposição ao governo, de grande circulação, na
cidade do Rio de Janeiro. A partir de março, as matérias que criticavam a manutenção da
escravidão, o governo conservador ou a pirataria exercida pela Inglaterra, sumiram das
páginas deste periódico e os artigos nele publicados ganharam um tom bem mais ameno.
Nos primeiros meses de 1854, 1855 e 1856, períodos em que a febre amarela não
reinou epidemicamente
97
, as discussões referentes a esta moléstia obviamente foram
sensivelmente reduzidas. Apesar disso, continuavam presentes (e não eram poucas) as
propagandas dos remédios “infalíveis”, como as “Pílulas de Halloway”, a “Salsaparrilha de
Sands”, o “Lírio do Japão” e o “Xarope de Saúde de Arrault”, entre outros. Da mesma
forma, alguns médicos alopatas (como A. da Costa e Liberato de Castro) continuavam
publicando estatísticas anuais dos tratamentos por eles realizados em suas clínicas.
96
Idem. Ibidem. 04/03/1853. p. 2.
97
Vide a tabela, p. 162.
76
Durante estes três anos, a questão da colonização ocupou a atenção de muitos
artigos, nas páginas do Correio Mercantil. Acompanhava, pois, a verificação de que a
imigração era necessária para o acréscimo da população, que tinha um número de
nascimentos bem inferior ao de óbitos; assim como era incentivada pela proibição do
comércio negreiro e pela necessidade da substituição de “braços” para as regiões
cafeicultoras que se expandiam
98
.
Sendo assim, se tornou constante a publicação de estatísticas sobre a entrada e
saída de estrangeiros no porto da Corte a cada ano. As quais vinham acompanhadas de
pedidos de medidas que deveriam ser tomadas pelo governo para tornar o Brasil um país
mais atraente para a colonização:
“Supor que o movimento do nosso porto nos dê em pouco tempo o
resultado espantoso de um aumento da população, como apresentou New
York no decênio de 1840 a 1850, fora uma vaidade sem fundamento. Não
se passa com tanta facilidade de 312 mil habitantes a 515. [...] As
condições com que os Estados Unidos têm obtido o acréscimo da
população européia, com cujo poderoso auxílio da União pôde em 1850
apresentar o dobro da população que tinha em 1830, não pertencem ao
domínio dos milagres: são condições naturais e conhecidas. A respeito
de algumas já estamos em pé de igualdade, senão de vantagem; a
98
Na década de 70, trabalhos sobre a mortalidade infantil, escritos por médicos, colocavam em evidência a
importância dada à colonização nas décadas anteriores, devido ao constante crescimento das cifras mortuárias
da cidade. Sobre isto ver: J. Remédios Monteiro. Da mortalidade na cidade do Rio de Janeiro. Tese de
doutorado, RJ: 1876; José Pereira Rego. Apontamentos sobre a mortalidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: [s.ed.], 1878.
77
respeito de outras, basta que os poderes públicos se empenhem
verdadeiramente em cumprir os seus altos deveres.”
99
De 1851 a 1854 foram contabilizadas as entradas anuais de 9.685, 6.870, 9.645 e
8.673 estrangeiros no Rio de Janeiro, respectivamente a partir do primeiro ano. Dos quais,
de um total de 34.873, 25.669 eram portugueses, 4.650 alemães, 1.603 franceses e 972
ingleses. Entre as saídas, estas nacionalidades também contavam como a maior quantidade,
com um total, no quatriênio, de 3.369 portugueses, 327 alemães, 1.141 franceses e 801
ingleses.
O interessante, no entanto, é perceber que no ano de 1852, quando a epidemia de
febre amarela grassou com a maior força do quatriênio, foi o ano em que se apresentou o
menor número de entrada de estrangeiros no porto do Rio de Janeiro. Com uma redução
em torno de 40% nas entradas, com relação à média dos outros anos.
A importância dada pelas autoridades públicas à febre amarela, talvez tenha
nesses números um indicativo, visto que os médicos em suas periódicas observações já
haviam concluído que os estrangeiros mal-aclimatados eram as principais vítimas fatais
desta doença. Chamando a atenção para o problema que a permanência da febre amarela na
cidade gerava para a necessidade de se incrementar a população da Corte. Desta forma,
apontamos para a compreensão da importância que as discussões em torno da febre
amarela adquiriram em detrimento de outras moléstias, como a tuberculose, que ceifava
mais de mil vítimas por ano.
Uma nova epidemia de febre amarela, em 1857, voltou a intensificar os debates
na imprensa, que em janeiro já apresentava muitas matérias e anúncios relativos à saúde.
No dia 1º de janeiro, na seção “Anúncios” constava a divulgação do lançamento da terceira
99
Não assinado, editorial do jornal. “Movimento da população estrangeira no porto do Rio de Janeiro”.
Correio Mercantil. 4/01/1855. p. 1.
78
edição do livro “Medicina doméstica homeopática” do Dr. Cochrane, nos atentando, mais
uma vez, para a grande aceitação da homeopatia. Ao mesmo tempo, multiplicavam-se
propagandas de consultórios médicos e boticas homeopatas, assim como de “publicações a
pedido”, de cunho claramente divulgador, que ressaltavam a eficácia de alguns remédios.
Artigos, afirmando a eficácia dos tratamentos homeopáticos também ganharam
grande incremento neste início de ano, atentando sempre para os valores caritativos da
medicina homeopática:
“Foram tratados durante o ano passado 3.227 doentes, destes 1.673
foram pobres, à quem, além de medicamentos, conselhos, animação, etc.,
outros meios foram dados para a sua completa cura. Como o número de
doentes pobres figuram por dois terços, ao menos esses moços
portugueses que aqui chegam sem proteção, e aquém seus patronos em
suas enfermidades enviam, ou para a Santa Casa, ou para os diversos
consultórios; eles os preferem naturalmente, porque aí encontram maior
facilidade e liberdade em seu tratamento ou pela eficácia nos meios
homeopáticos, a exemplo de seus compatriotas, que em idênticas
circunstâncias gozaram das mesmas vantagens. Os srs. Doutores,
respeitando a máxima de seus mestres, que os melhores doentes são os
pobres, porque Deus se encarrega de pagar por eles, não exigem para a
serem aceitas as suas consultas mais do que o seu testemunho, pois que
ninguém deseja ser olhado como tal.”
100
100
José Ferreira Pinho. “Clínica no ano de 1856”. Correio Mercantil. 08/01/1857. p. 2.
79
Era preciso demonstrar que em momentos de necessidade, ou seja, em anos de
surtos epidêmicos, como o de cólera que acabava de cessar, o atendimento dado pelos
homeopatas era feito com base na ilustração, visto que o autor do artigo ressaltou a palavra
doutores, e se pautava acima de tudo, na caridade aos pobres. Atitude que, como
afirmamos antes, agia como um meio de popularizar esta prática médica.
A idéia de que era necessária a obtenção de um diploma que legitimasse a prática
da homeopatia, que como veremos, estava presente nas publicações especializadas no final
desta década, também se tornou assunto de muitos artigos assinados por médicos
homeopatas, na imprensa leiga, objetivando quebrar o principal argumento utilizado pelos
alopatas contra a homeopatia, quando a tratava como uma prática de charlatães. Sendo
assim, o artigo intitulado “Homeopatia” confirmava:
“O único cuidado, pois, que deve hoje preocupar é o de completar e
elevar esta ciência ao maior grau possível de perfeição. Se ainda não
atingimos este desideratum, é porque nenhum ramo dos conhecimentos
humanos pode alcançar a perfectibilidade em tão curto espaço de tempo
como o que conta de existência o sistema de Hahnemann. É preciso que
nos desenganemos. Para ser bom homeopata não basta que se possua
uma inteligência clara, como muitos pensam; é ainda mister não só ter
todos os conhecimentos quantos possui um esclarecido médico alopata,
mas também outros que são peculiares à doutrina dos semelhantes. É
verdade que qualquer indivíduo que tenha estudado a homeopatia, e seja
dotado de bom senso, pode fazer algumas curas brilhantes, como
atestam os fatos; mas a exceção não destrói a regra, e portanto fica fora
de duvida que só podem bem aplica-la aqueles que conhecem a fundo a
80
organização, a fisiologia e a patologia do corpo humano, isto é, aqueles
que alcançaram o diploma de médico à custa dos mais afanosos
trabalhos.”
101
Neste ano, como já se fazia há algum tempo neste jornal, era publicado o
obituário diário da cidade, e se em janeiro a média de mortos por febre amarela já era de 5
pessoas por dia, em fevereiro esta média subiu para 10 óbitos, chegando ao seu ápice em
março, com uma média de 20 vítimas.
Em fevereiro, com o aumento do número de mortes, Bento Maria da Costa,
responsável pelo hospital marítimo de Santa Izabel, começou a enviar estatísticas semanais
aos jornais da Corte, que segundo o próprio, cumpriam o objetivo de desmentir boatos de
uma cifra mortuária superior a qual estavam presenciando. Fazia pública também a sua
indignação quanto ao desleixo apresentado pelos estrangeiros chegados ao porto, ao não
recorrerem imediatamente às autoridades médicas quando aparecia em suas embarcações
casos suspeitos de febre amarela. Sendo assim, delegava aos próprios estrangeiros a
responsabilidade pelo grande número de óbitos, baseando-se no fato de que muitos doentes
eram dirigidos aos hospitais depois estar a doença bastante evoluída:
“Damos prova do quanto alguns estrangeiros desprezam as mais
simples recomendações de higiene a até de caridade para com o
próximo, lembrando que há muito pouco tempo morreu de febre uma
pobre mulher francesa, tendo-se apenas chamado o médico cinco dias
101
Dr. Domingos Azeredo Coutinho Duque-Estrada, Dr. Antônio Cândido Nascentes Azambuja, Dr. Brás
Dias Motta. “Homeopatia”. Correio Mercantil. 23/01/1857. p. 2.
81
depois de estar de cama, e quando começava a agonizar! (...) Enfermos
em tais condições é impossível salvar sem fazer milagres.”
102
Em outro artigo também reiterava a opinião de que a grande mortalidade
verificada no hospital pelo qual era responsável se dava pelo desleixo dos estrangeiros,
referindo-se implicitamente à acusações publicadas no Jornal do Commercio, à falta de
capacidade deste hospital em atender aos doentes :
“A razão da maior mortalidade notada ultimamente não é
devida, como se supõe, a maior gravidade da epidemia ou a um
tratamento menos regular que recebem os doentes no hospital, porém
sim ao descuido de quem quer que seja, a bordo ou em terra, que só nos
têm enviado alguns doentes em estado terminal.”
103
Matérias que propunham abordar aspectos da salubridade da cidade voltavam à
tona juntamente com esta nova epidemia, suscitando muitas discussões inclusive em torno
dos despejos, que ainda não tinham sido regularizados satisfatoriamente, apesar das
intervenções anteriores. No entanto, as matérias fazendo referências a curas feitas por
homeopatas foram a tônica das publicações veiculadas por este jornal. Onde se
multiplicaram a presença de artigos escritos por homeopatas, que faziam questão de
afirmar a suas opiniões a acerca da doença calcando-se na sua legitimação pelo diploma de
médico legalmente reconhecido.
Durante os primeiros meses deste ano, nos quais a febre amarela reinou, não foi
veiculada nenhuma matéria de cunho alopático em suas páginas, que objetivasse fazer
102
Bento Maria da Costa. “Rio de Janeiro”. Correio Mercantil. 06/02/1856. p. 1.
103
Idem. “Hospital marítimo de Santa Isabel”. Ibidem.
82
comparações ou até mesmo críticas à homeopatia. Toda publicação feita por estes
objetivava dar conta de tratamentos realizados por eles nos hospitais, com a apresentação
de estatísticas mortuárias, e muitas vezes, observações meteorológicas.
Nos últimos anos da década, com a ausência de epidemias, os assuntos referentes
à saúde pública praticamente desapareceram de suas páginas. Continuavam, no entanto, as
propagandas de remédios secretos, assim como de consultórios e boticas homeopáticas.
Entretanto, percebemos uma significativa diminuição de matérias e, até mesmo, de
anúncios feitos por médicos alopatas, que, obviamente não desapareceram, mas se
tornaram diminutos.
2.1 - A imprensa leiga como um espaço aberto às reclamações e à busca de prestígio
Como pudemos verificar neste capítulo, durante os anos de surto epidêmico, e
especificamente durantes os meses em que a doença grassava na cidade do Rio de Janeiro,
as matérias referentes aos assuntos de saúde se multiplicavam. Demonstrando, assim, a
importância adquirida pela imprensa não-especializada no ambiente urbano, como um
agente político com grande potencial, capaz de atuar em favor da formação de opiniões a
respeito dos mais diversos aspectos da vida na Corte.
No que diz respeito às decisões governamentais, os periódicos atuavam como um
significante veículo de legitimação, pois por meio destes, era possível tornar público seus
atos (na editoria “Parte Oficial”), que sendo oportunamente justificados como tendo sido
tomados em favor da resolução dos problemas da sociedade, consolidavam a imagem de
um governo liberal e representativo. A liberdade de imprensa, deste modo, significava
mais do que a simples possibilidade de expressão da população por meios de comunicação,
83
antes, cumpria o objetivo de consolidar uma imagem do Estado brasileiro, enquanto um
governo ilustrado, fortalecido pela figura de um monarca benfeitor e protetor
104
.
Estas afirmações podem ser bem verificadas com relação às políticas de saúde
pública visto que, mesmo nas críticas veiculadas diariamente nos jornais da cidade,
relativas ao desleixo com que eram empreendidas as medidas de salubridade da Corte,
nenhuma delas era dirigida ao poder central. Todas as reclamações se fixavam nos
trabalhos desempenhados pela municipalidade, que sendo legalmente responsável pela
limpeza recebia todo o ônus pelas poucas providências tomadas nesta esfera.
O poder municipal, por sua vez, apoiava-se nas inconclusivas discussões
desenvolvidas pelos representantes da elite médica carioca na década de 1850, que assim
como as corporações científicas da Europa e dos outros países das Américas, não tinham
chegado a conclusões quanto à natureza da febre amarela, nem tampouco quanto às suas
formas de cura.
Certamente, a fixação das políticas públicas de combate às doenças epidêmicas
no saneamento da cidade cumpria uma tendência mundial no século XIX
105
, no qual as
representações governamentais dirigiam suas atenções para a insalubridade do ambiente
urbano, apoiados no desenvolvimento das teorias médicas que tinham os miasmas
106
como
os principais causadores das doenças pestilenciais. Da mesma forma, as atenções dos
poderes públicos às questões de saneamento, indicavam para uma mudança de parâmetro
nas discussões relativas à realização de quarentenas, e na concepção de contagiosidade.
104
Almir Chaiban El-Kareh. “Estado e assistência pública: as epidemias dos anos de 1850 na cidade do Rio
de Janeiro” in Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), Anais da XVIII Reunião. Rio de Janeiro,
1998, p. 258.
105
George Rosen. Opus cit., 1994.
106
T., F., X Sigaud. Du climat et des maladies du Brésil ou Statistique médicale de cet empire. Paris: Fortin,
Masson et Cie Libraires, 1844; François Delaporte. Histoire de la fièvre jaune. Paris: Payot, 1989; Lorelai
Brilhante Kury. Opus cit..1999.
84
Em prol dos interesses do livre comércio, e pautando seus argumentos nas
liberdades de ir e vir de todo cidadão, as críticas dirigidas ao estabelecimento de cordões
sanitários se tornaram o fulcro das queixas feitas pelos principais países exportadores de
produtos para o Brasil, tais como Inglaterra e Portugal. Neste sentido, a contenda
apresentada neste capítulo entre Paula Cândido e o ministro da Inglaterra exemplifica bem
estas afirmações.
O encaminhamento dos debates na imprensa, que direcionavam a opinião pública
para a aceitação da idéia de infecciosidade da moléstia, em oposição à opinião de
renomados médicos como Cruz Jobim e Pereira Rego, defensores da contagiosidade,
também nos aponta para a compreensão das matérias mandadas à redação pelos leitores
dos periódicos. Estes, fixando suas queixas nos despejos, nos enterramentos, e na limpeza
da cidade em geral, refletiam uma nova mentalidade que teve seu gérmen nesta época, e
que ganhou grande intensidade nas décadas posteriores, pautando o progresso do país nos
avanços, expressos pela necessidade de reformas urbanas.
Nessa década, a epidemia de febre amarela de 1850 não só impulsionou como
tornou possível uma transformação na prática dos costumes funerários da população
107
.
Esta, mediante o medo de uma nova epidemia, que era justificada pelas autoridades
públicas como sendo resultado da emanação de miasmas dos corpos em putrefação,
modificou paulatinamente a sua percepção quanto à necessidade de proximidade com os
restos mortais de seus entes. A proibição dos enterramentos na Igreja e a criação de
cemitérios extra-muros demonstram bem esta transformação. E a imprensa, obviamente, se
tornaria o palco dos debates sobre as mudanças que estavam ocorrendo na sociedade
carioca.
107
Cf. Cláudia Rodrigues. Opus cit.
85
A aceitação da homeopatia pela população do Rio de Janeiro também é outro
aspecto interessante a ser ressaltado na imprensa leiga e nos faz compreender a
importância delegada por membros da elite médica, às publicações médicas especializadas.
Pois, se por meio da leitura diária destes periódicos ficava explícito o acolhimento pela
sociedade dos tratamentos empenhados por homeopatas, pouco podiam os alopatas fazer
contra isso, visto que mesmo as autoridades públicas toleravam bem esta prática.
O objetivo de legitimação da categoria médica alopata por meio da imprensa não-
especializada não seria com isso obstada, e a presença de estatísticas dos trabalhos clínicos
por eles realizados estariam sempre presentes em suas páginas, substituindo o combate
direto que no início da década era travado contra os homeopatas.
Sendo assim, se por um lado a multiplicação de matérias de cunho homeopático
reflete a aceitação da população de seus métodos de cura, por outro, nos indica para a sua
falta de reconhecimento legal. Pois, faltando-lhes a proteção do Estado, o meio mais eficaz
de continuarem a atuar livremente no país encontrado pelos médicos homeopatas, seria
pautando a sua permanência na aceitação social, que não tinha melhor maneira de ser
demonstrada do que pela imprensa.
Com base nos aspectos acima postos em evidência verificamos a importância do
papel político assumido pela imprensa no século XIX e avançamos não só na compreensão
da importância das folhas diárias para a legitimação dos interesses das diversas categorias
sócio-profissionais, como constatamos a importância deste veículo de comunicação para a
consolidação da figura de um Estado liberal e calcado na figura de um monarca ilustrado.
86
CAPÍTULO 3
A busca da legitimação profissional pela imprensa médica: um combate entre
alopatas e homeopatas nas revistas especializadas
“É, – como mui bem diz Schlegel, grande filósofo alemão – O
jornalismo científico e literário é a locomotora dos conhecimentos
humanos que vai marchando rápida e sem estorvos para o século futuro”
(...) “Assim, pois, tanto mais fina e apurada for a instrução de um povo,
tanto maior e mais extenso será o catalogo de suas publicações, vindo
d’aqui a seguir-se que o movimento da imprensa de uma nação será o
termômetro por onde só se deva julgar do seu progresso e adiantamento
nas ciências.”
108
Ao analisar os primeiros periódicos médicos brasileiros, que surgiram entre os
anos de 1827 e 1843, Luiz Otávio Ferreira constata a importância destas publicações
como um instrumento utilizado pelas sociedades de medicina na tentativa de forjar um
opinião pública a respeito dos problemas de saúde no país
109
. Desvenda, deste modo, a
importância estratégica assumida por estes periódicos, no que se refere à profissionalização
108
Trecho do editorial dos Annaes Brasilienses de Medicina, escrito pelo seu editor, o Dr. Roberto Jorge
Haddock Lobo, em outubro do 1849.
109
Luiz Otávio Ferreira. “Medicina impopular. Ciência médica e medicina popular nas páginas dos
periódicos científicos (1830-1840)”. In: Artes de curar no Brasil – capítulos de história social. (orgs: Sidney
Chalhoub, Vera Regina Beltrão Marques, Gabriela dos Reis Sampaio e Carlos Roberto Galvão Sobrinho).
SP: Editora Unicamp. p. 119. Sobre este assunto ver também: ______. O nascimento de uma instituição
científica: os periódicos médicos brasileiros da primeira metade do século XIX. Tese de doutorado,
FFLCH/USP, São Paulo, 1996. (mimeo)
87
dos médicos e à sua afirmação científica. No entanto, constata que na falta de um público
leitor especializado, estes jornais se ocupavam de matérias que interessassem a um público
leitor leigo, em busca de popularidade. O que obrigou os médicos a dialogar com a
tradição médica popular, “disputando em condições desfavoráveis, a autoridade cultural
no campo da arte de curar
110
. Deste modo, o autor, afirma que os conflitos socioculturais
entre os “representantes da ciência médica e os praticantes dos diferentes tipos de medicina
popular”
111
se evidenciaram pela penetração das opiniões e valores leigos nas páginas dos
periódicos científicos.
Esta última característica verificada por Ferreira, todavia, não se fez presente na
“imprensa científica” da segunda metade do XIX. Pois, mesmo não tendo se multiplicado o
público leitor especializado (logicamente não podemos constatar qual a proporção de
leitores leigos e especializados, visto que não era dado espaço à simples leitores), estas
publicações deixaram de conferir espaço para a veiculação da opinião de leigos, propondo
a divulgação somente de trabalhos realizados por médicos, que conforme acreditamos,
objetivava consolidar uma “separação” entre o que era científico ou não, entre quem
poderia ou não emitir opiniões sobre assuntos de saúde. Quanto às outras práticas de cura,
todo o espaço que era delegado para debates que as envolvesse cumpria o objetivo de
desmoraliza-las e ridiculariza-las, a fim de não deixar dúvidas quanto à ineficácia delas.
As publicações médicas especializadas que surgiram na década de 50 do século
XIX, publicadas por membros da “elite médica”, na cidade do Rio de Janeiro,
apresentaram uma significativa mudança em seus perfis editoriais com relação às
publicações do mesmo gênero editadas até então. Situadas num contexto de constantes
surtos epidêmicos, que assolavam a capital do império, passaram a se dedicar com mais
110
Idem, ibidem.
111
Idem, ibidem. p. 120.
88
veemência às doenças que preocupavam a população carioca, onde a febre amarela
ocupou, sem dúvida, um local privilegiado.
Da mesma forma, resistindo aos constantes ataques veiculados pela “elite
médica”, e fortalecidos pela grande procura de cuidados médicos durante os períodos de
surtos epidêmicos
112
, os homeopatas também se empenharam em divulgar o seu saber,
combatendo a medicina alopata, por meio das páginas de periódicos redigidos por
iniciativas particulares, em concomitância com a publicação reiterada de anúncios e artigos
publicados nos jornais leigos.
A disputa entre alopatas e homeopatas se acirrou com as constantes epidemias de
febre amarela, pois, ao mesmo tempo em que a elite médica necessitava formular medidas
de higiene pública e viu na formação da Junta Central de Higiene Pública a oportunidade
de consolidar a legalização da prática médica por meio de Regulamentos Sanitários, os
homeopatas tinham nas sucessivas epidemias um grande impulso
Como já constatamos no capítulo 1, desde o primeiro Regulamento Sanitário,
feito pela Comissão Central de Saúde Pública, por ocasião da primeira grande epidemia de
febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, a questão da fiscalização do exercício da
profissão médica e a proibição da venda de remédios não autorizados estavam presentes,
ao lado das medidas de salubridade e de combate à doença:
“Art. 18. Não consentirão que pessoas não autorizadas por Lei
vendam remédios compostos ou simples debaixo de qualquer forma ou
denominação; e a ninguém consentirão a venda de remédios de
composição secreta, sem prévia licença da Autoridade competente.
112
Afirmação demonstrada no capítulo 2, quando verificamos pela análise da imprensa leiga, a intensa
aceitação da população pela homeopatia, que já foi ressaltada por Tânia Salgado Pimenta em sua tese de
doutoramento. Opus cit. 2003.
89
Art. 19. Fiscalizarão a prática da medicina, cirurgia e farmácia
em tosos os seus ramos e dependências, conhecendo das habilitações dos
que a devem exercer, a fim de que só o facão pessoas competentemente
habilitadas nas formas das Leis em vigor.”
113
Sem dúvida, o empenho da “elite médica” em regularizar o exercício da medicina
e a venda de remédios, principalmente na Corte imperial, foi a motivação principal de
muitas matérias publicadas não só na imprensa especializada, onde o Annaes Brasilienses
de Medicina merece destaque, como na imprensa leiga já analisada.
No entanto, a medida que os periódicos alopatas não se limitavam ao combate
direto com as outras formas de cura, propunham a expansão dos seus conhecimentos
médicos, bem como de seus métodos de tratamento, ocupando-se prioritariamente de
matérias relacionadas à clinica médica. Os periódicos homeopatas, ao contrário, se
preocupavam prioritariamente com a defesa aos ataques empreendidos pelos alopatas e
com a publicidade da homeopatia, não se empenhando em demonstrar as formas de cura,
mas se centrando na simples afirmação da sua eficácia.
Distintamente dos jornais da imprensa leiga, que atuavam como verdadeiras
“arenas”, abertos à publicação de opiniões opostas, a imprensa especializada
desempenhava a função de consolidar um interesse particular, formulando opiniões a
respeito de assuntos de seu proveito, sem conferir espaço aos seus opositores.
Uma análise comparativa, das publicações da “elite médica” e dos homeopatas,
antecedida de uma análise da imprensa leiga, se torna bastante importante porque nos
permite compreender melhor as disputas que subjaziam a prática médica na década de
113
Brasil, Ministério do Império, Relatório, “Regulamento Sanitário mandado observar por Aviso desta data
nas Comissões Paroquiais de Saúde Pública, criadas por aviso de 14 de fevereiro de 1850”. Rio de Janeiro:
Typ. Nacional, 1850.
90
1850. Assim, intercruzando os discursos publicados nos mais diversos veículos de
comunicação podemos compreender mais satisfatoriamente a importância e a pertinência
dos assuntos ressaltados. Pois, para entendermos melhor o papel destas publicações no
tocante à disputa pelo monopólio da cura, não podemos também deixar de atentar para a
importância da imprensa, seja ela especializada ou não, na formação da opinião pública e
na sua atuação enquanto “sujeito histórico fundamental
114
. Só desta forma podemos nos
inteirar dos reais papéis destes periódicos.
Sendo assim, este capítulo se dividirá em duas partes. A primeira, dedicada à
análise das publicações empenhadas pela elite médica alopata, onde figuram: o Annaes
Brasilienses de Medicina (de 1850-1860), a Gazeta dos Hospitaes (1850-1852), a Revista
brasileira: jornal da sociedade Pharmacêutica Brasileira (1851-1856), e o O acadêmico
(1855-1856). E a segunda, onde consta a análise dos seguintes periódicos homeopatas: o A
Homeopahtia (1850), o O Athleta (1852) e a Gazeta do Instituto Hahnemaniano do Brasil
(1859) e a Revista homeopathica (1859-1860).
3.1 – Os periódicos alopatas
3.1.1 – O Annaes Brasilienses de Medicina
O Annaes Brasilienses de Medicina
115
, jornal da Academia Imperial de Medicina,
foi certamente o periódico médico de maior duração. Fundado em 1835, recebeu a primeira
denominação de Revista Médica Fluminense, que após 1841 passou a se chamar Revista
114
Como o conceito utilizado por Carla Siqueira em: “A construção da memória histórica na imprensa carioca
no início da República” in História e imprensa. Homenagem a Barbosa Lima Sobrinho – 100 anos: anais do
colóquio. Lúcia Neves e Marco Morel (orgs.). RJ: UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 1998.
115
Annaes Brasilienses de Medicina: jornal da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro. RJ: Typ.
Imparcial de Francisco de Paula Brito, 1848-1851. BN.
91
Médica Brasileira, sendo finalmente modificado seu nome para Annaes Brasilienses de
Medicina em 1845
116
. Denominações que segundo Lorelai Brilhante Kury eram
indicadores não só da maturidade da Academia, como a sua penúltima denominação
significava um esforço para unificar o grupamento médico do país em torno da
instituição
117
.
Acreditamos, no entanto, e pretendemos provar neste capítulo, que o processo de
consolidação da cidade do Rio de Janeiro, enquanto capital do Império e centro das
decisões político-administrativas, sobretudo a partir do Golpe da Maioridade de 1841,
atingindo o seu auge com a política saquarema, proporcionou à Academia Imperial de
Medicina a possibilidade de se tornar o centro da elite médica brasileira. O apoio e o
reconhecimento oficiais dados a esta instituição, parte do projeto hegemônico do Estado
imperial, em vistas da organização e concentração da cultura na Corte
118
, ao mesmo tempo
em que colocava sob os seus auspícios este grupo de intelectuais, lhes conferia prestígio.
Na verdade não pretendiam se pensar somente como um órgão unificador, mas
antes de tudo centralizador da produção médica no Brasil. Uma aspiração à superioridade
científica que seria respaldada pelo reconhecimento da instituição enquanto Imperial, mas
que só poderia se legitimar, conforme explicitou por diversas vezes Cruz Jobim, no Annaes
Brasilienses de Medicina, e mesmo na Câmara dos Deputados, se os membros da
Academia comparecessem com mais assiduidade às sessões, produzissem mais trabalhos.
Enfim, agissem com mais afinco para consolidar este grupo que se aglutinava em torno da
Academia Imperial de Medicina que, na sua opinião, encontrava-se “moribunda”.
116
Referências tiradas do catálogo da Biblioteca Nacional.
117
Lorelai Brilhante Kury. Opus cit.. 1990. p. 120.
118
Cf. Almir Chaiban El-Kareh. “Um golpe de mestre: enterrar os mortos e cuidar dos vivos. José Clemente
Pereira e a aprovação do projeto senatorial de criação de cemitérios públicos no Rio de Janeiro”. In R IHGB,
Rio de Janeiro, ª 165, n. 422, jan./mar. 2004. p. 2.
92
No entanto, juntamente com a criação da Junta Central de Higiene Pública,
verificamos que se reduziu sensivelmente o grau de otimismo desta instituição, afirmado
por Kury em sua pesquisa, nas décadas anteriores. A posição de liderança que, segundo a
autora, era exercida pela Academia Imperial de Medicina, devido à sua importância
enquanto veículo de progresso para o país, foi muito abalada na década de 1850. E, se por
um lado, a perda das suas atribuições referentes à saúde pública desferiu um golpe na sua
importância no cenário nacional, por outro, nos revela uma certa contradição entre os
ideais do governo e dos membros da Academia
119
. Pois, o que justificaria a formação de
uma Junta, diretamente subordinada ao Ministério do Império, com a atribuição de definir
as medidas de saúde pública, se esta prerrogativa era estatutariamente uma das atribuições
da Academia? Pela análise das discussões desenvolvidas nas sessões da Academia, e das
demais matérias que compunham o Annaes Brasilienses de Medicina, esperamos responder
satisfatoriamente este questionamento. Assim como procuraremos perceber melhor a
importância das publicações de cunho científico na década de 50, dentre as quais o Annaes
tem grande relevância.
Por meio deste jornal pretendemos compreender, sob um ponto de vista mais
amplo, a importância da Academia e as conseqüências que esta sofreu no processo de
centralização das medidas de saúde pública no governo central. Partimos do pressuposto de
que este, como um órgão de divulgação do andamento dos trabalhos desenvolvidos nas
sessões da Academia Imperial de Medicina, acabou refletindo o esvaziamento causado pela
119
Pretendemos sustentar nesta análise um caráter dialético da relação entre o Estado e a sociedade civil
(GRAMSCI, Antonio. Opus cit., 1968). A criação da Junta Central de Higiene Pública demonstraria uma
contradição entre o projeto hegemônico do Estado e os intuitos de legitimação da categoria médica. Pois, a
medida que os membros desta corporação, mergulhados em discussões de cunho teórico em torno da natureza
da febre amarela, demonstravam o interesse em aprofundar os conhecimentos sobre a moléstia, para com isso
poderem formular acertadamente as medidas de combate à epidemia, não correspondiam às expectativas do
Estado que necessitava de uma resposta mais rápida que viesse a contornar os inconvenientes sofridos pelo
comércio, pelos colonos, e até mesmo pela população que se achava aterrorizada.
93
substituição da Academia pela Junta, no desempenho da função de conselheira do Estado
nos assuntos de saúde pública.
A intensa crise, representativa e financeira, vivida pela Academia nesta década,
que de outubro de 1854 a março de 1856, teve as suas edições interrompidas, depois de
uma série de desentendimentos com a tipografia Dois de Dezembro de Francisco de Paula
Brito, acerca da pequena quantia paga para a confecção e distribuição deste jornal, era
expressa abertamente neste periódico. Segundo o impressor, o jornal da Academia não lhe
dava lucro, visto que lhe sendo entregue o original redigido, devia diagramá-lo e imprimi-
lo, entregando certo número de exemplares à Academia e ficando, ainda, responsável pela
distribuição dos demais. Por isso, não conseguia ter lucros com sua venda, mas apenas
prejuízo.
Pela resposta de Paula Brito a Noronha Feital, por meio do tesoureiro da
Academia, às reclamações sobre o grande atraso em que estavam as edições do periódico
em maio de 1854, já se poderia prever o futuro desta publicação que logo em seguida seria
interrompida:
“Diz que não existe um contrato escrito firmado, mas de boca,
pelo qual dão 500$ anuais para a publicação do jornal ao tipógrafo e
que este dá um exemplar a cada membro da Academia e alguns
exemplares para o uso da Academia, ficando o resto para ele distribuir
por sua conta aos assinantes. Diz que o jornal não lhe dá lucro nenhum,
mas prejuízo e diz ter resolvido ficar com a publicação até o fim do ano
atual do jornal (até setembro de 1854).”
120
120
“Sessão de 22 de maio de 1854”. Annaes Brasilienses de Medicina. Junho de 1856. p.63
94
A dificuldade de se manter a publicação do Annaes Brasilienses de Medicina,
ressaltada por Paula Brito, também era sentida por seus redatores, que aproveitavam
periodicamente as páginas deste jornal, durante toda a década, para fazer suas reclamações.
Neste sentido que o anúncio da publicação da Gazeta dos Hospitaes, em 1850, era
acompanhado de um desabafo por parte do redator, Jorge Haddock Lobo
121
, das
dificuldades de se levar adiante uma publicação especializada, pela falta de interesse por
parte da própria elite médica, em assinar a publicação:
Muitas dificuldades tem que vencer o nosso esforçado colega;
entre elas será a mais forte e invencível, como a mais vergonhosa e
ridícula – a falta de subscritores capazes de fazerem face às avultadas
despezas de impressão! Creia-nos o contemporâneo há de encontrar,
não um ou dois, mas vinte, trinta e mais membros da classe médica a
quem nunca o recebedor achará em casa; ou que quando o acha recebe
uma desculpa, e muitas vezes uma injúria, em vez da ridícula espórtula
da subscrição. Quando se não quer ler de graça quanto mais por
dinheiro?”
122
Também no que se referia ao interesse expresso pelos membros da Academia em
publicar artigos no jornal da instituição, os redatores tinham muitas queixas:
“(...) Avisados, como estamos, pelos embaraços com que
lutamos no primeiro ano de nossa redação, e pela indiferença com que
foi acolhido o apelo que fizemos para o auxílio das luzes e ilustração de
121
Haddock Lobo foi redator deste jornal de out. de 1848 a out. de 1850.
122
Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Janeiro de 1850. p.120.
95
nossos inúmeros colegas, abandonaríamos sem dúvida o posto que nos
foi confiado, se por ventura não tivéssemos tanto amor à ciência que
cultivamos, e desejo de concorrer com o nosso fraco contingente para o
progresso e difusão dos conhecimentos médicos no Brasil, e si,
sobretudo, não contássemos com a continuação do auxílio daqueles
poucos colegas, que nos têm até hoje ajudado no espinhoso e difícil
encargo, que sobre nós pesa.”
123
O problema atestado por Pereira Rego neste artigo pode-se verificar facilmente
pela análise das edições deste periódico durante toda a década. Poucos membros efetivos
enviavam trabalhos para publicação, e por vezes alguns membros correspondentes se
empenhavam em tal tarefa. Com isso, cada redator ficava responsável, ao ocupar este
cargo, pela redação da maior parte dos artigos que compunham este jornal. Situação que
não se modificou e que, por isso, tinha sempre novas reclamações.
Com a eleição de De Simoni para redator do Annaes em 1857, a publicação que
já tinha passado por um largo período de interrupção ganhava novo impulso, que mais uma
vez seria obstado pelo pouco interesse dos demais membros em contribuir com o
periódico. Mesmo com a inserção da uma seção voltada para a publicação de artigos
editados em jornais médicos estrangeiros, com a atualização dos resumos das sessões da
Academia, que desde o início dos anos 50 eram publicados com mais de um ano de atraso,
e com o aumento da consignação paga ao impressor Paula Brito para 1.000$ (além de uma
compensação de 500$ pelas perdas por eles sofridas), o periódico não se ergueria.
123
José Pereira Rego. “Introdução”. Annaes Brasilienses de Medicina. Outubro de 1851. p.1.
96
Em 1859, com a sua saída, ocupou a posição Bezerra de Menezes (o sexto e
último redator deste jornal da década de 1850)
124
, que não tardaria a ver seus esforços se
esvaírem.
“Ontem tanta abundância, e hoje tanta falta de matéria prima
para a construção do artigo de fundo, que tanto prometi no prólogo
deste volume. São assim todas as coisas da vida: um verdadeiro
equilíbrio estável só na física se encontra; na vida ativa ou moral dos
homens, o que predomina é o instável; até mesmo porque Deus o firmou
com a sua imutável sentença de elevar os humildes e abater os
orgulhosos, o que é traduzido em linguagem vulgar para a seguinte
frase: Ninguém se veja faminto, que logo não esteja farto. É uma
verdade: porém infelizmente eu mesmo me acho hoje no caso contrário;
de farto e poderoso que já fui, hoje me vejo faminto e humilhado, como
redator. Também não é por culpa minha que isso me sucede. Um redator
não merece de Deus a graça de uma varinha mágica, como a de que
servia Mayres para tirar água das pedras e abrir caminho exato por
entre as águas de um mar. Pobre pecador, o que hei de fazer, quando a
Academia entender que nada devo fazer?”
125
Discurso bastante diferente do enunciado em sua posse, ao criticar os redatores
anteriores, que ocupavam praticamente todas as páginas do periódico com matérias de
autoria própria:
124
Os redatores do Annaes foram, por ordem cronológica (durante o período que pesquisamos): Haddock
Lobo (out. 1847- out. 1850), José Pereira Rego (out. 1850- out. 1853), Noronha Feital (out. 1853 – maio
1854), Antônio da Costa (março - out. 1856), De Simoni (março 1857 – março 1859) e Bezerra de Menezes
(março 1859 – março 1863).
125
Bezerra de Menezes. “Editorial”. Idem. Novembro de 1859. p. 171.
97
“O jornal da Academia nunca será em minhas mãos senão o
órgão da ciência que professo; porque entendo que o jornal de uma
corporação científica não é propriedade de seu redator, e que só é órgão
daquela corporação, enquanto representa suas idéias e opiniões no
círculo da ciência”
126
O estado no qual se encontrava o jornal da Academia Imperial de Medicina, para
muitos de seus membros, no entanto, era o resultado da decadência da própria instituição:
Reforma da AIM – o estado de languidez que de anos a
esta parte se nota nos trabalhos da Academia, por modo tal que muitas
vezes apenas se reúnem membros em número suficiente para abrir a
sessão, parece que tem em breve de desaparecer. Foram conferidos pela
Academia em sessão de 20 deste mês, amplos poderes ao sr. conselheiro
Jobim, para poder propor e obter do governo a reforma da mesma
Academia.”
127
Como já constatamos no primeiro capítulo, Jobim não se negaria a apresentar,
como membro da Câmara dos Deputados, um pedido ao governo central de auxílio à
Academia, na realização da reforma de seus estatutos. Incluindo-a também no projeto de
criação de uma Comissão central de saúde pública, pelo qual reforçava a sua importância
na confecção de medidas na esfera da saúde e procurava reafirmar a sua necessidade. No
entanto, este pedido que foi muitas vezes repetido, não seria acatado pelo governo, que
para tal negativa baseava-se na idéia de que a Academia Imperial de Medicina era uma
126
Bezerra de Menezes. “Editorial”. Idem. Março de 1859. p. 1.
127
Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Outubro de 1849. p. 48.
98
corporação privada, que apenas à título de mérito, pela sua importância para o progresso do
país, tinha recebido a denominação de Imperial, o que não lhe dava o direito para realizar
uma intervenção nos seus estatutos.
Sem dúvida, a suplantação da Academia pela Junta, enquanto conselheira do
Estado, levaria a um aprofundamento desta crise, que apesar de não ser mencionada
diretamente, motivava muitas discussões entre os membros da Academia Imperial de
Medicina, mesclando problemas corporativos com os de ordem pessoal.
Em dezembro de 1850, após a publicação do decreto que criava a Junta Central
de Saúde Pública, um interessante artigo escrito por De Simoni, em oposição à opinião por
diversas vezes emitidas abertamente por Haddock Lobo e Cruz Jobim de que a Academia
estaria moribunda, defendia que esta instituição estaria somente passando por um período
de crise:
“Moribundo não é quem simplesmente não está bem como
devera estar, nem quem gravemente está mal, nem o indivíduo cujo mal
ainda seja susceptível de remédio; e muito menos moribundo é quem esta
melhor do que esteve em outros tempos, ou está com um mal
consuetudinário, com o qual ordinariamente se tem sempre vivido com
poucas alternativas e diferenças de grau: é sim e tão somente,
moribundo, quem, além de estar muito mal, o mal dele tem progredido de
tal maneira e chegado a tal ponto que já não tem remédio, e não só está
perigoso, mas próximo à morte, para ele terminação inevitável.”
128
128
De-Simoni. “Academia Imperial de Medicina – estará ela realmente moribunda?”. Annaes Brasilienses de
Medicina. Dezembro de 1850. p.67.
99
Segundo o autor, a Academia estava em todos os casos primeiramente
mencionados, mas certamente, não estava moribunda, acrescentando que os redatores da
Academia confundiam o enfermo propriamente dito com o agonizante. Para comprovar
suas afirmações, em oposição direta a Haddock Lobo, apresentava neste artigo o número
de reuniões que ocorreram na Academia desde 1838, e a estatística de comparecimento dos
membros, juntamente com a produção de trabalhos.
A partir destes números procurou provar que a Academia estaria passando por
dificuldades, mas que estas seriam contornadas com a admissão de novos membros. No
entanto, esquecia de mencionar que esta aquisição só poderia se dar mediante uma
renovação nos estatutos da Academia, por diversas vezes já requisitada por Jobim e outros
membros, que por diferentes impedimentos sempre acabava ficando na gaveta, à espera de
um auxílio do Ministério do Império.
A resposta de Haddock Lobo ao artigo de De Simoni foi publicada na edição de
janeiro de 1851, na qual afirmava estar respondendo às ofensas pessoais, que segundo o
autor, teriam se misturado às opiniões referentes à corporação, introduzindo-a da seguinte
forma:
“Se o ilustre secretário se limitasse a desenvolver a minha tese
em sentido contrário àquele porque eu o fiz, por certo que pouco teria eu
que ver com o seu arrazoado, porque de há muito lhe conheço indigente
desejo de atenuar, se não mesmo de ocultar o verdadeiro estado
decadente daquela corporação, a que S. S. como eu, ambos
pertencemos.” (...)
129
129
Jorge Haddock Lobo. “Correspondências”. Annaes Brasilienses de Medicina. Janeiro de 1851. ps. 88-89.
100
Este não seria, no entanto, o último desentendimento envolvendo o andamento da
Academia, outros redatores também tornariam pública a sua insatisfação com o pouco caso
demonstrado por muitos membros, pela ausência nas sessões desta instituição. Tanto que,
no curto período que Antonio da Costa
130
ocupou essa posição, botou à tona a necessidade
de uma reforma nos estatutos da Academia:
“Dever-se-á convidar de novo a fazer parte da nova
organização aqueles antigos membros de reconhecido saber, que por
motivos que não indagaremos, deixaram, de comparecer às sessões.
Chamar aqueles médicos que não eram membros, assim como deixar
alguns lugares para os menos conhecidos (...) Os membros da Academia
pagarão uma mensalidade, mas receberão por cada vez que assistirem
às sessões um disco metálico, que será também recebido como
pagamento de mensalidade, de maneira que as despesas recaiam sobre
os que não comparecem. Depois de certo número de faltas sem
justificação, o membro será riscado, e, se a maior parte deixar de
comparecer, o Secretário avisará ao governo para que este mande
fechar a Academia e não autorize despesa inútil. Dever-se-á pedir ao
governo que incorpore a Junta de Higiene à Academia; que alguns dos
membros desta façam parte do júri nos concursos públicos (...)”
131
Logo em seguida deste artigo vinha uma representação levada ao conhecimento
do presidente da Academia, que no ano de 1856 era Pereira Rego, reforçando a
130
Antonio da Costa foi redator do Annaes Brasilienses de Medicina de março de 1856 a outubro do mesmo
ano.
131
A. da Costa. “Reforma e reorganização da Academia de Medicina”. Idem. Abril de 1856. p. 29.
101
necessidade de se revitalizar a instituição, e que acabava por confirmar aos seus leitores a
situação pela qual passava a Academia:
“Sr. Presidente: (...) É verdadeiramente triste, meus
senhores, que um corpo científico que conta em seu seio tantas
ilustrações, e que poderia tão proveitosamente utilizar ao país e à
humanidade, jaza nessa apática podre e indiferente que tudo mata, tudo
aniquila!”
132
No entanto, não era somente a crise representativa e financeira, nem mesmo a
parca presença dos componentes da Academia em suas sessões que mais incomodava os
membros da “elite médica” atuantes nesta corporação.
Já no final do ano de 1849, a venda de remédios não autorizados, que foi uma
tônica de todo o período estudado, aparecia neste periódico. Contra a venda da
Salsaparrilha de Sands, José Martins da Cruz Jobim, presidente no mesmo ano da
Academia Imperial de Medicina, enviou uma representação ao governo contra a
deliberação da Câmara Municipal, acerca da permissão da comercialização deste
medicamento, pondo em evidência as querelas que seriam por repetidas vezes
desenvolvidas entre a “elite médica” da Corte e a municipalidade:
“Consiste esta resolução em permitir a dita Câmara a venda de
um remédio secreto sem receita do facultativo, e por pessoa
incompetente que não está autorizada na forma da lei para vender
remédios ou ter botica, quando de mais a mais na forma dos estatutos da
132
Idem. “Apelo à AIM”. Annaes Brasilienses de Medicina. Abril de 1856. ps. 30 -31.
102
Academia, mandados executar pelo governo Imperial, sem licença da
Academia, ou da Faculdade de Medicina, não é permitido vender
remédios secretos, nem mesmo aos boticários; e tal licença não podia
deixar de ser negada.”
133
Após a transcrição desta representação vinha publicada uma segunda, tratando do
mesmo acontecimento, seguida da publicação de umProtesto do Sr. Dr. Cândido Borges
Monteiro apresentado em sessão da Câmara Municipal de 9 de outubro de 1849
134
,
criticando a decisão da mesma e alegando ilegalidade da deliberação. Na mesma edição,
reafirmando a oposição à municipalidade, umRegulamento provisório para a execução
das leis vigentes de saúde pública
135
, tratava da parte relativa à polícia médica,
ressaltando as normas sobre a inspeção de alimentos e bebidas, a visita das boticas e a
venda de remédios. Apesar de toda esta bravata, o governo não transigiu e manteve a
decisão da municipalidade.
A mesma edição estava recheada de matérias referentes a essa disputa. Tanto é
verdade que, na editoria “Notícias diversas”, duas interessantes notas resumiam a querela
na qual estavam, em lados opostos, médicos pertencentes à “elite médica”, e que nos
demonstram as divisões dentro desta categoria profissional. A primeira delas comentava:
Uma perda lucrativa – O Sr. Dr. Torres-Homem deu a sua
demissão de membro titular da Academia na sessão de 28 do corrente.
Havia quatro anos que S. Sª nem comparecia às sessões nem se
133
José Martins da Cruz Jobim. “Representação da Academia Imperial de Medicina ao Governo de S. M. O
Imperador contra a deliberação ilegal da Ilustríssima Câmara Municipal, tomada na sessão de 2 de outubro
do corrente ano”. In: Annaes Brasilienses de Medicina. Outubro de 1849. p.30.
134
Cândido Borges Monteiro era presidente da Câmara Municipal e médico.
135
Jorge Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Outubro de 1849. pp. 44-46.
103
encarregava de trabalho algum; de maneira que a permanência de seu
nome na relação dos membros da Academia, longe de lhe ser proveitosa
era antes um entrave para a aquisição de algum outro que com mais
proveito para ele viesse ocupar aquele lugar; visto que o número de
membros efetivo é limitado!”
136
E a segunda:
Decisão da Câmara sobre a questão Sands – Como era de
prever a maioria da Câmara aprovou em sessão de 27 do corrente o
parecer do vereador Torres-Homem, que justificava para como governo
a celebérrima resolução da – salsaparrilha – e desprezou a dos Srs.
Vereadores Tavares e Borges Monteiro que concluía pedindo a
revogação da tão disparatada deliberação. Remeteu-se tudo ao governo,
que em sua alta sabedoria resolverá como for de justiça.
Consta-nos que o ilustre conselheiro com aquela arrogância
que todos lhe conhecem, proferia na discussão grosseiras injúrias contra
a Academia e especialmente contra alguns de seus membros; dizendo
entre outras belezas – que os signatários da representação Eram
perfeitas niilidades! Que lhe agradeça o elogio o Sr. Dr. Jobim.”
137
Como podemos perceber, a “alta sabedoria” resolveu pela aprovação da
deliberação. Durante o ano seguinte, assim como por toda a década, a Salsaparrilha de
Sands, bem como muitos outros medicamentos não reconhecidos pela Academia,
136
Idem. Ibidem. p. 48.
137
Idem. Ibidem.
104
continuaram a ser vendidos, e suas propagandas veiculadas diariamente nos jornais leigos
da Corte, como o Jornal do Commercio e o Correio Mercantil. Aparecendo inclusive,
anúncios da Salsaparrilha, com o parecer do Dr. Torres-Homem, à revelia também do
Regulamento da Junta Central de Higiene Pública de 1852, que rejeitava veementemente a
venda de remédios de composição secreta e não autorizados pelas autoridades médicas.
A venda desses remédios, no entanto, era bastante rentável para os seus
comerciantes, e não foram poucas as apelações à Junta para poderem continuar vendendo
as formulas que haviam comprado
138
. Pelo trecho abaixo percebemos também que não era
só no Brasil que seus comerciantes angariavam grande fortuna devido à aceitação destes
remédios pela população:
Os charlatães são por toda parte os mesmos – Não é só no
Brasil que os charlatães ajuntam grossos capitais, recebem atenção, e se
vêem queridos e estimados dos grandes homens de estado. Também lá
pela Europa culta se dá a mesma anomalia; bem certo é o ditado que –
cá e lá más faz há. Vejam os nossos leitores o que a este respeito vem
consignado no nº 5 do jornal dos conhecimentos médicos deste ano.
‘Consta-nos que as fortunas reunidas de cinco principais
charlatães de Londres estimam-se em 1 milhão de libras, ou 25 milhões
de francos. Em Paris os charlatães não adquirem somente proveito
pecuniário, mas ainda honras. O famoso Chaumonnot, diz Carlos
Alberto, falecido há dois anos de um cancro no estômago, vivia há muito
138
Cf. Tânia Salgado Pimenta. Opus cit. 2003.
105
retirado em um hotel na rua do Faubourg – Saint – Honeré, onde tinha o
prazer de ver pares da França sentados à sua mesa.’”.
139
Depois da saída de Haddock Lobo, a comercialização desses remédios não seria a
motivação de matérias até a entrada de De Simoni na redação do Annaes, que adotando
uma linha editorial bastante polêmica, gerou interessantes discussões durante o tempo em
que permaneceu nesse cargo. Retomando a publicação de “folhetins” no rodapé das
páginas
140
, redigidos por ele mesmo, foi motivo de muitos debates nas sessões da
Academia. Em seu primeiro número já estava presente o Folhetim denominado “Unguento
Santo Brasiliense”:
“Por honra da classe médica do Rio de Janeiro, e por interesse
e crédito dos mesmos signatários do mesmo atestado, pedimos a estes
nossos colegas, e a outros quaisquer: que quando queiram ser oficiosos
e favorecer a alguém com seus atestados, meditem e pesem bem antes o
que vão dizer e garantir, com a sua firma; pois que, nada há que possa
ser mais fatal ao conceito deles, e ao deste país e da sua classe médica,
que documentos deste lote, que correr não só todo o império, mas todo o
mundo ilustrado, perante o qual podem desacreditar todos nos meios das
várias nações estranhas, e fazer pensar acerca do Brasil coisas que,
apesar de falsas, de modo algum lhe podem ser vantajosas.”
141
139
Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Outubro de 1849. p. 48.
140
Também ausentes deste a época de Haddock Lobo.
141
De Simoni. “Ungüento Santo Brasiliense”. Annaes Brasilienses de Medicina. Março de 1857. pp. 1-8.
106
Referindo-se a propagandas veiculadas em “jornais comerciais”, ou seja,
publicadas no Jornal do Commercio e no Correio Mercantil, do Xarope de Saúde de
Arrault (desde 1856), fazia críticas diretas a importantes membros da Academia. As
propagandas desse remédio apareciam com letras enormes, e por muitas vezes, ocupavam
uma página inteira, na qual apareciam enumeradas suas diversas finalidades, que iam das
moléstias venéreas, como a sífilis, a qualquer outra doença manifestada nos membros
inferiores, a exemplo da elefantíase. Quase sempre apresentava relatórios aprovando a sua
utilização, assinados por diversos médicos, dentre eles, Torres-Homem, Haddock Lobo e
Paula Cândido.
Apesar de se predispor a combater a venda de remédios secretos, objetivo
previsto inclusive nos regulamentos da própria Junta, e muitas vezes ressaltado como
imprescindível nas sessões da Academia, acabava criando uma situação constrangedora
dentro da corporação, visto que fazia referências e críticas pesadas a três de seus
reconhecidos membros.
Denominados pejorativamente “charlatães”, no entanto, não seriam somente os
que se prestavam a vender remédios comrmula desconhecida, nem se restringiria aos
terapeutas que praticavam a medicina tradicional, mas também àqueles que exerciam a
homeopatia. Os homeopatas eram o foco de diversas matérias que procuravam desmerecer
e desacreditar a teoria encetada por Hanhemann e seus seguidores. Matérias que, conforme
acreditamos, eram motivadas pela sua tolerância por parte das autoridades políticas, assim
como pela sua forte aceitação social:
“Chegaríamos facilmente a provar que a lei terapêutica,
fundada no emprego das doses infinitesimais, nenhuma atenção deve
merecer de todos os homens que tem um pouco de senso; que o
107
diagnóstico em homeopatia, fundado todo em fatos imperfeitos e
insuficientes para conter o grau de extensão e gravidade das alterações
mórbidas do organismo, é por isso incapaz de nos guiar na escolha dos
meios apropriados a fazer cessar essas mesmas desordens, que os
princípios da doutrina repugnam com a filosofia; que suas leis
fundamentais derivam de um princípio metafísico, que é, não poder uma
substância estar sujeita a dois modos diferentes, são inaplicáveis ao
mundo físico, com quem esse princípio é heterogêneo, mormente ao
organismo humano, cujos fenômenos são tão variados, e tão diversas as
leis que presidem a esses mesmo fenômenos. Chegando assim a
provarmos a falsidade das bases fundamentais, segue-se como
conseqüência necessária, que teríamos provado a falsidade de todos os
princípios daí deduzidos, e portanto, de toda a doutrina, e que em vista
disto, dado o caso de acharmos nela alguma coisa aproveitável, nunca
poderíamos aconselhar, nem encoraja-la como um sistema terapêutico
capaz de substituir a qualquer outro, quanto mais considera-la superior
aos existentes, como querem os seus sectários.”
142
Bastante difícil para os acadêmicos, entretanto, era a constatação da presença de
médicos alopatas, membros da academia, que realizavam tratamentos homeopáticos. Uma
querela envolvendo o nome de Paula Menezes, que havia assumido a prática da
homeopatia publicamente, se arrastou por quase toda a década. Começando por um
142
Noronha Feital. “Relatório do Sr. Dr. José Pereira Rego sobre a memória do Sr. Dr. Noronha Feital acerca
da homeopatia, Hanhemann e seus escritos, lido e aprovado na sessão geral de 4 de junho de 1846.” Idem.
Maio de 1852. ps. 183-184.
108
protesto feito por Lallemand em abril de 1850, contra a presença deste médico na
Academia:
Incidente Acadêmico – É sabido que nos dias de maior
luto e pranto para a cidade do Rio de Janeiro, nestes nefandos dias em
que a especulação e a ganância disputavam o ouro das vítimas, (...), um
membro da Academia – o sr. dr. Francisco de Paula Menezes renegando
todos os princípios da ciência, rasgando de meio a meio o pergaminho
que lhe dava uma posição nobre e descente entre os médicos honestos, se
convertera à traficância especulopata. Ninguém julgava, ninguém podia
mesmo acreditar, que depois de um semelhante passo, se lembrasse o sr.
dr. de ir sentar de novo nos mesmo bancos de onde em 1845 havia tão
fortemente fulminado semelhante seita. (...) Pois bem: o sr. dr. Paula
Menezes com a maior impavidez do mundo foi tomar parte dos trabalhos
desta sessão. O sr. dr. Lallemand, indignado com semelhante
comportamento, julgando que nenhum médico digno desse nome deveria
sentar-se a par de um homeopata no próprio templo da ciência, mandou
uma indicação à mesa, despedindo-se de membro e retirando-se
efetivamente do recinto acadêmico. Não sabemos que destino teve essa
indicação, ou que deliberação pretende acerca dela tomar a Academia:
o que é certo é, que se não for a que requer o sr, dr. Lallemand, será isso
mais um golpe que se vai desfechar sobre a moribunda Academia, como
109
muito bem lhe chamou no parlamento o seu muito douto e ilustrado
presidente.”
143
O resultado do “incidente” seria relatado com grande indignação, em uma edição
posterior a esta, por Haddock Lobo. Os membros da Academia, além de não aceitarem a
saída de Lallemad, não se propuseram a mover nenhuma oposição à Paula Menezes. Sua
contrariedade a essa resolução levaria o redator a publicar uma correspondência de
Lallemand acerca do ocorrido:
“A Academia quer de um lado que eu continue a ser um
membro, mas quer de outro que o medico homeopata continue também a
ter assento na Academia. (...) A resolução da Academia me surpreendeu
muito; mas com ela também a Academia Imperial de Medicina do ano de
1850 suicidou-se. (...) Por uma admissão silenciosa da homeopatia toda
a Academia confessou a sua derrota, o seu erro muito culpável”
144
A admissão por parte de Cruz Jobim, presidente da Academia naquele ano, e dos
demais membros, da permanência do um membro que acabava de assumir a adoção da
homeopatia levava consigo um outro forte argumento: Como poderiam rejeitar um
acadêmico que, formado pela Faculdade de Medicina, reconhecido pelos títulos legalmente
exigidos, optara por esta prática, sem, no entanto, renegar a alopatia?
O protesto feito por Lallemand e encampado por Haddock Lobo no jornal da
Academia caía pela primeira vez, no vazio. Em suas sessões não foram aceitas as
representações contra Paula Menezes, que nem sequer uma vez expressou sua opinião
143
Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Abril de 1850. p. 164.
144
Lallemand. “Correspondência médica”. Idem. Maio de 1850. p.182.
110
sobre as críticas dirigidas em sua oposição. Ou, se a emitiu, não foi expressa nem nos
extratos das sessões, nem por artigo qualquer no Annaes.
Outro membro dela, o doutor Reys, no entanto, não omitiu suas opiniões e saiu
em defesa do colega em sessão de março de 1850 na Academia, afirmando que respeitava
sua opção em utilizar a homeopatia e que por isso não via motivos para tirá-lo da
instituição. Defendendo o princípio da “independência das opiniões” e da liberdade do
exercício da medicina, afirmava que para exercer a profissão, só deveria se achar
competentemente habilitado, ou seja, legalmente titulado.
Seguindo seus passos, Paula Candido também se manifestou:
“(...) pode opinar e curar como entender, para o que sendo ele
médico legítimo se acha ampla e plenamente habilitado, devendo-se
desejar que o sr. Lallemand reconheça também estes princípios relativos
à liberdade médica e que reforme a sua resolução.”
145
Esta não foi, no entanto, a última reclamação de Lallemand contra Paula
Menezes. Em 1854, ele voltava a insistir na sua luta solitária contra os membros
homeopatas, subentenda-se, contra Paula Menezes e talvez até mesmo contra outros que
ele não declarava o nome, fazendo uma irônica proposta relativa ao exercício da
homeopatia:
“Ou que haja na Academia uma sessão homeopática especial,
ou que a Academia continue a expelir do seu seio todos aqueles que
145
Paula Cândido. Sessão de março de 1850, publicada em julho de 1851. p.221.
111
abandonam o nosso campo para professarem o sistema homeopático,
como por uma vez ela fez por unanimidade de votos.”
146
A Academia resolveu não levar em consideração a proposta feita por Lallemand,
que desde 1850 se debatia contra a presença de médicos homeopatas naquele recinto.
Desde então nada foi feito e nem seria, ninguém foi expulso, e ele, mesmo tento ameaçado
se retirar da Academia, não o fez.
No que diz respeito às observações clínicas realizadas pelos acadêmicos e
publicadas neste jornal, a febre amarela ocupou muitas de suas páginas durante toda a
década. Matérias acerca da “epidemia reinante”, surgiriam em concomitância com a
interpelação da Academia pelo Estado. Na edição de janeiro de 1850, publicada somente
em março
147
, era divulgado o “Parecer da Comissão nomeada para encaminhar os casos
que se dizem ter aparecido de febre amarela e para propor medidas higiênicas e
preventivas que o povo possa utilizar”. Assinado pelos Drs. Feital, José Pereira Rego,
Francisco Júlio Xavier, Bompani e Lallemand, propunham quarentenas para os navios
vindos de portos infectados, assim como medidas a serem tomadas pelo povo, que
incluíam os hábitos alimentares, a higiene e os passeios em lugares arejados. Ao final,
pediam desculpas às autoridades por não terem ainda o conhecimento necessário da
moléstia.
Em seguida, depois de fazer comentários sobre várias medidas tomadas pelo
Ministério do Império, louvava a formação de uma Comissão Central de Saúde Pública por
este, assim como as demais iniciativas tomadas, concluindo: “Satisfez uma necessidade há
146
Lallemand. Idem. Ibidem.
147
É necessário levar em consideração que esta edição que aparece com a data de janeiro de 1850 só foi
publicada em março do mesmo ano, pois, segundo a justificativa do próprio periódico, quase todos os
compositores estavam doentes. Sendo assim, os dados que aparecem nesta edição são justificados pela data
na qual é realmente redigido e impresso.
112
muito reclamada pelo voto geral da população do Rio de Janeiro, qual a de nomear uma
comissão de médicos, como juízes competentes, para entender sobre tão delicado
assunto.”
148
Nesse mesmo número, Haddock Lobo já afirmava, na editoria, “Notícias
diversas”, que pelos seus cálculos e “orçando a população desta cidade em 250.000
indivíduos, três quartos têm sido acometidos pela epidemia reinante, no entanto que a
mortalidade pouco mais se elevará que 6.000
149
. Um cálculo, certamente, bem superior
ao apresentado posteriormente pelas as autoridades, que contabilizaram em torno de um
terço da população doente, para 4.160 óbitos
150
.
Nos meses seguintes a epidemia continuou a ser o assunto predominante e a
posição da Academia Imperial de Medicina, ou pelo menos de sua maioria, a favor das
quarentenas, já começava a ser expressa nas páginas deste periódico. Fossem partidários ou
não do contágio, o consenso optava pela adoção do seqüestro dos navios vindo de portos
infectados, mesmo porque estavam conscientes, pela litigiosidade deste assunto tanto entre
os médicos da Europa quanto os do Brasil, que o melhor era optar pelo resguardo da saúde
pública:
“Tomadas estas medidas sanitárias evitando-se a entrada no
país de muitas causas de mortes, se extensivas forem a todas as
províncias, e mesmo a comunicação dos portos não infeccionados com
os infectados propagar-se-ão grandes despesas e vítimas. Digam embora
que é apoquentar o comércio – a vida e a saúde dos cidadãos está acima
de tudo, - e já em 1720 o chanceler de Aguessau dizia que: ‘o bem
148
Haddock Lobo. Annaes Brasilienses de Medicina. Janeiro de 1850. ps. 93-94.
149
Jorge Haddock Lobo, redator. Annaes Brasilienses de Medicina. Janeiro de 1850. p.120.
150
Relatórios do Ministério do Império. 1850.
113
público exigia que o governo fizesse persuadir ao povo que a peste não é
contagiosa; mas que o ministério se conduzisse sempre em suas medidas
como se acreditasse o contrário’”. (...)
151
O trecho acima é bastante significativo para compreendermos o papel da
imprensa durante os surtos epidêmicos de febre amarela. De um lado o comércio,
principalmente o externo, que tinha na Inglaterra a principal interessada e que muitos
esforços diplomáticos empenhou no sentido de impedir a implementação de um cordão
sanitário, e de outro a necessidade de se preservar a saúde pública e a ordem social,
acalmando a população diante dos estragos causados pela epidemia.
Neste sentido, podemos avançar na hipótese de que sendo a Academia
majoritariamente a favor do estabelecimento das quarentenas e apresentando em suas
sessões sucessivas e infindáveis discussões sobre a matéria, talvez a criação de um órgão
subordinado diretamente ao governo, que agisse em prol de seus objetivos, e que ao
mesmo tempo oferecesse a legitimação necessária oferecida pelo título médico (já que
seria composta por estes profissionais), fosse o melhor caminho a ser seguido pelos
poderes públicos.
Além de defender a execução de medidas que impedissem a “introdução das
causas mortíferas”, Noronha Feital acrescentava a necessidade de se botar em prática
medidas de higiene, concomitantemente à repressão ao charlatanismo e às boticas
irregulares. Ressaltando aspectos da saúde pública e particular para os quais as autoridades
deveriam dirigir suas atenções, e insistindo veementemente em seu discurso na oposição à
prática ilegal da medicina. Argumento que estava presente em quase todos os artigos que
se propunham a tratar da doença em curso.
151
Noronha Feital. “Memória sobre as medidas conducentes a prevenir e atalhar o progresso da febre
amarela”. Annaes Brasilienses de Medicina. Março de 1850. p. 133.
114
Em outubro de 1850, com a entrada de Pereira Rego no cargo de redator do
jornal, e já tendo se verificado naquele momento, inclusive, o final do surto epidêmico, as
matérias referentes à febre amarela não desapareceram. Situação que refletia o interesse
pessoal desse médico, que dedicou muitos de seus estudos à compreensão dessa moléstia.
Da mesma forma, nas sessões da Academia esse assunto continuava presente, e a questão
das quarentenas ainda era sua pauta principal. Mesmo havendo intensas oposições entre
contagionistas e infeccionistas dentro da Academia, seus membros continuavam a
sustentar, mesmo com muitas contradições, a necessidade da instituição de lazaretos e
quarentenas. Logo, sendo Rego adepto da teoria contagionista e árduo defensor do
estabelecimento destas medidas, era natural que o jornal por ele redigido se tornasse o
principal palco desta discussão.
Em sua primeira edição, juntamente com a procura permanente pela fixação e
consolidação da importância dos médicos, que em sua opinião eram as “únicas”
autoridades competentes para formular as medidas de salubridade, Pereira Rego introduzia
no periódico da Academia outra questão que foi bastante explorada não só nesta década
como nas seguintes: o crescimento progressivo da mortalidade em detrimento de um
número de nascimentos bastante inferior
152
. A necessidade da intensificação da imigração
para o Brasil foi motivo de uma longa matéria escrita pelo seu redator neste mês:
“E quais são os meios mais diretos de aumentar a população
de qualquer país, além do estabelecimento por leis que firmem a paz e a
estabilidade das instituições? São, por certo, as leis que pacifiquem a
imigração dos estrangeiros laboriosos, e de leis relativas ao
melhoramento da saúde publica que, afastando ou diminuindo as causas
152
J. Remédios Monteiro. Da mortalidade na cidade do Rio de Janeiro. Tese de doutorado, RJ: 1876; José
Pereira Rego. Apontamentos sobre a mortalidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: [s.ed.], 1878.
115
da insalubridade desse país o tornem menos doentio, e conseguintemente
concorram para a mortandade menor de seus habitadores.”
153
No ano seguinte, as questões relativas à febre amarela continuavam presentes
com a exposição das observações que tinham sido desenvolvidas pelos médicos, membros
da Academia, durante a grande epidemia de 1850. Os estrangeiros não-aclimatados
apareciam, nas estatísticas, como as principais vítimas da moléstia, e acabavam acirrando
ainda mais as discussões referentes à imigração no país. Da mesma forma, a chegada da
estação calmosa, passaria a preocupar anualmente a população e as autoridades, que nestes
períodos precisavam tomar medidas urgentes para obstar uma nova epidemia. Estudos
sobre a etiologia, sintomatologia, terapêutica e anatomia patológica da febre amarela
passaram a ser publicadas constantemente nas páginas do Annaes, escritos na sua maioria
por Noronha Feital, Lallemand, José Pereira Rego, De-Simoni, Costa, Júlio Moura,
Bompani e Manoel Valadão Pimentel.
Sempre atentando para o serviço que prestavam para o progresso do país,
procuravam nas observações clínicas, colhidas no dia a dia dos hospitais, enfermarias e
consultórios nos quais trabalhavam, apresentar respostas às demandas da sociedade.
Propunham, desta forma, à revelia de todos os estudos desenvolvidos na Europa sobre a
doença, conhecer a sua atuação no país, de acordo com as suas características
climatológicas, topográficas, urbanas, populacionais, etc. Para com isso, saber quais as
causas que propiciaram o desenvolvimento da doença, dentro das características inerentes
ao Brasil.
Em praticamente todas as sessões da Academia Imperial de Medicina, desde a
erupção da “febre reinante”, esta continuou sendo a pauta principal das discussões, e em
153
José Pereira Rego. “Algumas reflexões sobre o acréscimo progressivo da mortandade no Rio de Janeiro”.
Annaes Brasilienses de Medicina, Outubro de 1850. ps. 25-33.
116
maio de 1851 vinha à página do jornal uma sessão de fevereiro de 1850, na qual Noronha
Feital, como relator da uma comissão especialmente formada para dar respostas ao
governo sobre moléstia, leu em sessão um parecer reproduzido no Annaes. Nele,
confirmando se tratar realmente da “verdadeira” febre amarela, reconhecia a sua
transmissibilidade, sem, contudo distinguir ou discutir, se ela era ou não transmitida por
contágio, ou simplesmente por infecção. No entanto, defendia a tese da importação da
febre amarela por navios vindos do norte do Brasil e propunha diversas medidas ao
governo para obstar uma maior propagação, entre elas a que provocava mais polêmica e
controvérsia, a quarentena.
No entanto, apesar da maioria dos representantes da Academia se colocar a favor
dessa providência, essa opinião não era compartilhada por todos. Sendo assim, Corrêa dos
Santos proferia suas críticas a ela, e que também foram reproduzidas nas páginas deste
jornal:
“(...) com quanto, hoje em dia, predomine no mundo o fato e
princípio de ser a pobreza sempre guerreada, maltratada e oprimida
pela riqueza e o poder, ele contudo julga que em geral o sábio não deve
nem deve seguir esse princípio, nem armar-se contra o pobre,
concorrendo por qualquer modo para que ele venha a padecer, e sentir
todo o grave peso da maior miséria e desgraça, que sempre se segue às
medidas, cujo efeito é derramar o susto entre o povo, transtornar o curso
regular e próspero do comércio, e dar origem à falta de gêneros
necessários à vida e à comodidade desta, de onde surgem a carestia, a
117
fome, a doença, e a morte, inconvenientes e desgraças que se seguem ao
temor e ao vexame causado pelas quarentenas, etc.”
154
As divergências, dentro da Academia, deixavam em aberto uma questão que, para
muitos, era vital para evitar uma nova epidemia. Os argumentos contra o estabelecimento
das quarentenas revezavam-se. Ora se apoiavam na não contagiosidade da doença, outras
na afirmação de que a moléstia tinha se originado no Brasil e não tinha sido importada.
Outras vezes, faziam barulho em cima de um suposto vexame pelo qual passavam os
doentes (estrangeiros) que eram postos em recolhimento, ou até mesmo faziam referência
aos obstáculos causados ao livre curso do comércio.
Mesmo a concordância sobre a necessidade do estabelecimento das quarentenas
seguia lógicas diferentes:
“O sr. Feital diz, que a idéia e utilidade das quarentenas e
lazaretos são baseadas na idéia de transmissibilidade das moléstias e
que não se deve tratar deste objeto sem se admitir, primeiro esta
transmissibilidade, na qual ele admite crer inteiramente, atribuindo
portanto a calamidade da epidemia de febre amarela, porque acaba de
passar este país, à falta destes dois meios preventivos”
155
Enquanto que para Paula Cândido:
154
Correa dos Santos. “Sessão extraordinária de 6 de fevereiro de 1850”. Annaes Brasilienses de Medicina.
Maio de 1851. p. 171.
155
Feital. “Sessão geral em 12 de setembro de 1850”. Annaes Brasilienses de Medicina. Setembro de 1851.
p. 4.
118
“Julga por tanto, sem admitir o contágio na acepção vulgar,
que as quarentenas e os lazaretos são úteis e necessários, porque
impedindo aos indivíduos afetados de chegarem ao interior das cidades e
ao meio das povoações, impedem que eles venham estabelecer nelas um
fermento”
156
Certamente, o litígio acerca das quarentenas não apresentava poucas
argumentações. Pelos exemplos dados acima, podemos perceber quão contraditória era esta
questão, a partir da qual podemos inferir a problemática que envolveu a Academia. O
Estado central, deste modo, visando estabelecer, à toque de caixa, medidas de combate à
moléstia, a fim de atenuar os prejuízos, principalmente comerciais, gerados pela epidemia,
optou pela formação de uma Junta, que subordinada diretamente ao seu poder, facilitava a
tomada de decisões.
No ano de 1851, apresentando um total de 471 óbitos
157
, a febre amarela não
causou tantos estragos na cidade, sendo mais mortífera nos estrangeiros recém-chegados ao
porto do Rio de Janeiro. Mesmo assim, as edições do Annaes Brasilienses de Medicina
continuaram a dedicar muito espaço para esta matéria, apresentando, no entanto, uma
importante mudança. A maior parte dos artigos publicados passou a se dirigir às discussões
sobre a doença, sem conceder muito espaço às propostas de medidas que deviam ser
tomadas pelo governo. O que refletia, certamente, o momento de afastamento do poder
central, no qual se encontrava a Academia, com a criação da Junta.
156
Paula Cândido. Idem. Ibidem.
157
Brasil, Ministério do Império, Relatório, RJ: Typ. Nacional, 1851.
119
A partir de 1852, relatórios da Junta Central de Higiene Pública começaram a ser
publicados nas páginas deste jornal
158
, ao mesmo tempo em que a Academia deixava
definitivamente, pelo menos por esta década, de se dedicar aos assuntos da esfera da saúde
pública. No entanto, apesar de não continuarem a escrever trabalhos sobre as medidas que
deveriam ser tomadas, não deixavam de apresentar críticas quando acreditavam que as
medidas implementadas pela Junta se davam em oposição ao que julgavam ser necessário.
Na sessão de 18 março de 1852, objetivando comprovar a natureza infecciosa da
febre amarela e justificar as medidas empregadas pela Junta Central de Higiene Pública
sob o seu comando, Paula Cândido iniciou o debate afirmando a presença de uma epidemia
de febre amarela no Rio de Janeiro antes de 1849. O aparte de Pereira Rego a esta
comunicação explicitava que a definição da importação ou não da febre amarela,
culminava no reconhecimento da necessidade ou não da realização das quarentenas, que
foi reproduzido no jornal desta forma:
“o sr. dr. Paula Cândido parecia querer proclamar outra
doutrina diferente da que admite a importação, e para isso foi buscar
outras épocas antigas para provar a existência da febre amarela aqui no
país anteriormente á epidemia que principiou no fim de 1849 (...) parece
que ele se iludiria a respeito da natureza, origem e causa da febre
amarela e de sua identidade ou semelhança com as febres perniciosas.
(...) A causa essencial promotora da febre amarela não existe
naturalmente no país e nele foi importada. (...) Todos os fatos estão de
acordo, demonstrando que o elemento produtor é estranho ao país, que
158
Neste ano Paula Cândido acumulava a posição de presidente da Junta e ao mesmo tempo da Academia
Imperial de Medicina. Parte do tempo em que esteve neste cargo a redação do jornal estava sob a
responsabilidade de Pereira Rego (também membro da Junta), o que justificava a publicação de documentos
emitidos pela Junta.
120
ele veio de fora, e foi importado, introduzido e propagado pelo comércio
marítimo ou fluvial.”
159
Cruz Jobim, outro árduo defensor da idéia de contágio, na sessão do dia 22 de
abril do mesmo ano, não deixaria de expor suas críticas a certas medidas tomadas pelo
governo, que se opunham a esta idéia:
“Por um lado estabelecem lazaretos, o que indicaria a idéia de
contágio ou transmissibilidade, ao passo que nenhuma providência se
toma para que os indivíduos ali tratados se comuniquem com os outros e
permite-se mesmo que dali saiam e venham para cidade, e nela se
espalhem por todos os bairros sem contenda alguma (...) Isto parece,
segundo ele mostra, um ceticismo completo a respeito da
transmissibilidade desta moléstia inteiramente em oposição com a idéia
de lazaretos. Acha a falta destas providências muito grande e fatal, ao
mesmo tempo que são enormes e incertas as despezas que por outro lado
se fazem à título de saúde pública, ao passo que, formados tais lazaretos,
nada se faz senão mandar limpar as praias e arrancar capim pelos
fiscais, deixando tudo o mais entregue à providência e ao mesmo destino,
como se fôssemos o povo mais ignorante e menos civilizado do mundo,
teimando em acreditar na idéia de que a moléstia é conseqüência ou
efeito de uma infecção local, fantasma banal que sempre está presente à
imaginação dos que não sabem ver, ou não querem reconhecer a
159
Idem. “Sessão de 18 de março de 1852”. Março de 1853. p. 122.
121
verdadeira causa deste flagelo, entretido e propagado pela incúria, e
pela falta absoluta de providências salutares."
160
Em resposta, Paula Cândido dizia não ser o responsável pelas medidas adotadas
pelo governo, afirmando que “nada tinha com isso”, pois lhe bastava a transmissão de
opiniões e conselhos. E que desta forma, o governo poderia fazer proveito ou não das
informações passadas pela Junta. Concluía ainda que, o governo, em vez de ser criticado
deveria ser visto como prudente, pois, segundo ele não havia nenhuma opinião fundada a
respeito do assunto.
Certamente a discrepância de opiniões entre os próprios médicos deixava em
aberto a eficácia das medidas até o momento tomadas. No entanto, até o fim do Segundo
Reinado essa questão não teria sido resolvida e ainda seria o assunto principal de muitas
discussões acirradas tanto na Academia, quanto nos outros círculos médicos.
Intimamente relacionadas com a contagiosidade ou infecciosidade da moléstia, as
quarentenas, eram tidas como necessárias por grande parte dos membros desta instituição,
e a deliberação de Paula Cândido, enquanto presidente da Junta durante toda a década de
1850, contra o seu estabelecimento regular, nos dá uma medida dos incontáveis debates
ocorridos nas sessões da Academia sobre esta matéria. Mesmo sem um consenso sobre a
natureza da moléstia e a sua forma de transmissão, tendia-se a optar pela defesa de medidas
preventivas à sua importação. Posição, que resultava de observações desenvolvidas por
estes médicos durante as epidemias, que constataram a manifestação da doença
inicialmente em marinheiros estrangeiros, assim como pela verificação da grande
intensidade com que a febre amarela se dava no porto e em suas imediações.
160
Cruz Jobim. “Sessão de 22 de abril de 1852”. Annaes Brasilienses de Medicina. Abril de 1853. p. 174.
122
Certamente, na década de 50 a discussão em torno das quarentenas foi
predominante e justifica a importância dada à definição da natureza da moléstia, tão
debatida pelos membros da AIM, e bem demonstradas nas edições do Annaes Brasilienses
de Medicina. Se por um lado, obstar o livre andamento do comércio prejudicava o
“progresso” da nação, por outro, era preciso se responsabilizar pela saúde da população,
tornando-se um porta-voz dos seus interesses.
Apoiando os seus discursos na defesa do bem-estar da sociedade, mesmo que
para isso fossem em oposição aos interesses do comércio e até mesmo às determinações do
governo, argumentavam em favor de sua legitimação, enquanto autoridade médica.
Propunham, deste modo, não sair em defesa de posições que pudessem comprometer a
consolidação profissional tão almejada, não agindo mecanicamente em favor dos interesses
ideológicos do Estado. Argumento que a criação da Junta Central de Higiene Pública, por
si só, nos confirma.
Da mesma forma que os interesses da corporação se sobrepuseram, nesta década,
aos interesses do Estado, pudemos constatar o ostracismo em que a Academia Imperial de
Medicina entrou com o afastamento do governo. O que facilmente verificamos pelas
disputas internas e externas tão exaustivamente demonstradas neste capítulo.
Por ora, as iniciativas particulares, ganhavam o seu primeiro impulso com a
epidemia de febre amarela, e sairiam em defesa do monopólio da cura pela medicina
alopata, enquanto a Academia se afundava em intrigas e se ressentia pela perda de seu
prestígio mediante a sociedade e o Estado.
123
3.1.2 - A Gazeta dos Hospitaes
A Gazeta dos Hospitaes surgiu em março de 1850, em pleno pico do primeiro
surto epidêmico de febre amarela. Editada pelo Dr. Carlos Luiz de Saules, e impressa
quinzenalmente até fevereiro de 1852, esta gazeta pretendia explicitar à sociedade os
tratamentos que eram aplicados aos doentes que se dirigiam aos principais hospitais e
lazaretos da cidade, como o Hospital da Misericórdia, a Casa de Saúde do Saco do
Alferes, o Lazareto da Ilha de Bom Jesus, o Hospital da Marinha, o Lazareto da Praia
Formosa, o Lazareto do Hospício da Nossa Sra. do Livramento e as enfermarias do
Hospício Pedro II.
Em seus números eram apresentadas autópsias feitas em marinheiros
estrangeiros, vítimas fatais da febre amarela, que tinham chegado ao porto da cidade do
Rio de Janeiro e que, tendo apresentado sintomas da moléstia, tinham sido levados ao
Hospital da Santa Casa de Misericórdia, onde faleceram após o tratamento.
As matérias subseqüentes davam conta dos tratamentos empregados aos
“amarílicos”, e apontavam os sintomas apresentados por cada um deles. O vômito de “um
líquido de cor preta avermelhada” e “evacuações da mesma natureza
161
eram
observações constantes sobre os doentes que, assim como as autópsias, demonstravam
sempre que o fígado deles era bastante afetado.
Os tratamentos também eram descritos e demonstram que a utilização de
sangrias, sanguessugas ou ventosas era o recurso emergencial para o paciente que
estivesse em estado de saúde grave. Não havia, contudo, uma freqüência na utilização de
outros medicamentos, que variavam entre cataplasmas emolientes, sinapismos, bebidas
161
Bompani. “Observações anatomo-patológicas acerca da febre amarela, apresentada à Academia Imperial
de Medicina em suas sessões de 30 de janeiro e 6 de fevereiro de 1850”. Gazeta dos Hospitaes, 01/03/1850,
p. 2.
124
ácidas, calomelanos, sais neutros, sulfato de quinina, bebidas refrigerantes e nitradas, óleo
de ricino, sal de Glauber, água destilada de louro-cerejo, visicatórios, afusões frias, até
gelos, ameixas cozidas, limonada muriática e banho morno.
Em uma estatística apresentada pelo Lazareto da Ilha de Bom Jesus
162
, desde a
sua fundação, 18 de janeiro até 28 de fevereiro de 1850, verificamos que dentre os
falecimentos e saídas 86,5% eram estrangeiros e dentre estes 40,28% eram portugueses. De
um total de 427 doentes, nesta estatística, somente 23 eram brasileiros, números que
acabam confirmando a grande incidência da doença em não-aclimatados. Essa verificação,
decorrente das observações clínicas, se tornou parâmetro, como já afirmamos, nas
discussões entre os médicos que defendiam as causas climatológicas da epidemia e até
mesmo a sua importação, e ensejou intensos debates dentro da categoria médica alopata
nesta década.
Nenhuma referência, no entanto, era feita à prática homeopática. Apesar dela
apresentar um entrave ao monopólio da cura almejado pelos médicos alopatas, em nenhum
momento eles são sequer citados, nem mesmo pejorativamente, nesta publicação, como
acontecia nas outras revistas analisadas neste capítulo. Talvez o silêncio possa nos indicar
para os objetivos dos redatores desta gazeta, como veremos a seguir.
Na medida em que apresentavam tratamentos, autópsias e até mesmo, indicações
de tratamentos para acometidos, os “médicos oficiais” pretendiam popularizar mais suas
práticas, mas sem, entretanto, franquear qualquer de suas páginas à opinião de leigos.
Certamente não pretendiam publicar estes jornais somente para seus pares, visto que
verificamos inclusive que seus números eram enviados à Câmara dos Deputados
163
. O que
pretendiam então estes médicos, ao publicarem uma Gazeta em pleno auge epidêmico?
162
“Estatística do Lazareto da Ilha do Bom Jesus desde a sua fundação, 18 de janeiro, até 28 de fevereiro de
1850”. Idem, Ibidem, p. 4.
163
Anais da Câmara dos Deputados, 18 de março de 1850. pg. 161.
125
Ao verificarmos que não há nenhuma referência à atuação de homeopatas,
acreditamos que a divulgação dos tratamentos aplicados pelos alopatas, e a demonstração
de sua prontidão no atendimento aos doentes de febre amarela, cumpriam a função de
legitimar as suas técnicas de cura diante da sociedade e, com isso, objetivavam estender as
suas prerrogativas nos assuntos referentes à saúde pública da cidade. Daí o oferecimento
desta Gazeta aos parlamentares, ou seja, aos responsáveis pela elaboração e aprovação das
leis referentes à saúde pública e às práticas médicas.
A veiculação de propagandas, na sessão de anúncios do Correio Mercantil,
também nos indica para a afirmação acima feita. Em um momento de fragilidade da
sociedade mediante a expansão da doença, a divulgação de seus trabalhos e resoluções a
respeito da febre amarela cumpria o objetivo de legitimar seus métodos, em busca do
monopólio da cura.
Mesmo direcionando suas páginas à divulgação dos tratamentos empenhados em
tempo de epidemia, algum espaço acabou sendo reservado para as críticas à
municipalidade, ao mesmo tempo em que exaltava os “louváveis esforços” que estavam
sendo realizados pelos médicos da Santa Casa, com a multiplicação do número de
enfermarias pela cidade:
“No meio de toda essa atividade, no meio de todos esses
louváveis esforços, apresenta-se sempre a mesma Ilma Câmara
Municipal! Sempre as mesmas imundícies por aí espalhadas, sempre o
mesmo desleixo, a mesma incúria; é triste mas é forçoso confessa-lo!
164
164
Matéria não assinada. “Febre reinante”. Gazeta dos Hospitaes. 15/03/1850. p. 12. Provavelmente escrita
pelo seu redator, Carlos Luiz de Saules.
126
Neste trecho, as acusações nada caluniosas, visto que os relatos nos jornais da
época
165
, e até mesmo os Relatórios oficiais não deixam desmentir, do total desleixo da
Câmara Municipal no asseio das ruas da cidade, capital do Império do Brasil, apareciam
pela primeira e única vez neste periódico. Carlos Luiz Saules se dedicava, quase que
exclusivamente, à divulgação de tratamentos e conhecimentos clínicos obtidos no curso da
epidemia.
Sendo assim, se por um lado, a Gazeta dos Hospitaes cumpria o objetivo de
divulgar os serviços prestados pela Santa Casa de Misericórdia, contribuindo para a
consolidação da alopatia, em contrapartida à imensa procura por consultórios
homeopáticos em tempos de epidemia. Por outro, demonstrava o esforço dos médicos desta
instituição em estabelecer, mediante a observação clínica, esclarecimentos sobre a natureza
da febre amarela e os tratamentos necessários para a cura dos acometidos.
A divulgação dos trabalhos empenhados, por meio de uma publicação de
iniciativa particular, reforça mais uma vez a importância adquirida pela imprensa
especializada para a “elite médica”, e confirma a necessidade de formação de uma imagem
pública positiva sobre as técnicas de tratamento desempenhadas pelos médicos alopatas,
que ainda angariavam a sua legitimação.
165
A leitura, principalmente do Correio Mercantil de 1850 em diante, nos fornece as críticas feitas
diariamente não só pelo editorial do jornal, como também por cartas dirigidas à sua redação e que relatam o
estado de “abandono” no qual estava a cidade do Rio de Janeiro. Os Relatórios do Ministério do Império
também explicitam a falta de atitude da Câmara Municipal, que diante de suas interpelações sempre se
justificava pela falta de verbas, o que não era contestado pelo Ministério, que parecia compreender
completamente suas faltas.
127
3.1.3 – O Acadêmico
O periódico O Acadêmico: periódico científico, literário, especialmente
médico
166
, cuja primeira edição foi em julho de 1855, também teve seu primeiro exemplar
em um período de surto epidêmico, dessa vez o de cólera, que flagelou a cidade durante
aquele ano. Redigido por alunos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, suas edições
se ocupavam, majoritariamente, da legitimação da “elite médica”, ora frente aos
homeopatas, ora com relação aos jornais leigos que circulavam na cidade, ou até mesmo no
tocante às relações estabelecidas entre os médicos alopatas e o governo.
Em suas páginas o assunto predominante era o combate ao charlatanismo. Em
quase todas as suas edições uma matéria se ocupava em tratar destas “teorias opostas”,
como algo que servia para encobrir a “verdadeira ciência” e trazer “terríveis males” à
população. O Acadêmico, de forma mais enfática que as outras publicações analisadas
neste capítulo, periodicamente dava relevo à ciência médica, em vista do enaltecimento da
medicina alopata, por meio de comparações com as outras práticas que pretendiam afirmar
a inferioridade.
A homeopatia foi, deste modo, por diversas vezes, o título e o alvo de seus artigos.
Na edição de agosto de 1855, com a matéria assim intitulada, diziam que estando os
homeopatas desarticulados, estavam utilizando a expansão da epidemia para “refazer suas
fileiras há pouco rotas (...) “exaltando e preconizando a todo o país a eficácia
incontestada de suas niilidades, a ação miraculosa e infalível de seus específicos
infinitesimais!
167
.
166
O Acadêmico: periódico científico, literário, essencialmente médico. Rio de Janeiro: Typ. Fluminense de
D. L. dos Santos, 1855-1856. BN.
167
Bezerra de Menezes. “Homeopathia”. O Acadêmico, 08/55. p. 4.
128
Ao desfecharem essas acusações, seus redatores acabavam demonstrando , assim,
a preocupação com o fortalecimento da homeopatia em épocas de surto epidêmico, como
já pudemos verificar pela multiplicação de propagandas e cartas nas páginas dos jornais
leigos do Rio de Janeiro, em favor do sistema de Hahnemann. Ao mesmo tempo, se
preocupavam com a permanência da utilização de práticas pertencentes à tradição médica,
como o demonstrado em um artigo de outubro de 1855, na ocasião da epidemia de cólera:
Estes preceitos são simples e fáceis de por em prática: mas, por
isso mesmo, repugnam ao vulgar, que repele as indicações fornecidas
pela razão para não dar apreço aos meios mais desusados e
extraordinários. É assim que, no tempo da cólera, viu-se um grande
número de pessoas recorrer a substâncias odoríficas as mais bizarras,
estabelecer-se à roda de si uma atmosfera carregada de cheiros,
esperando expelir assim o princípio desconhecido que se supunha
espalhado no ar. Bem longe disso, esses meios determinaram acidentes
como cefaléias, vômitos e etc. Outros, apoiando-se em resultados
fornecidos pela observação, pensavam destruir o princípio miasmático,
saturando com fumigações de cloro o ar das habitações: mas resultou
para estes a tosse, anginas e sintomas ainda mais perigosos para
indivíduos de peito delicado, sem por isso subtraí-los a invasão do mal.
O melhor é pois seguir as regras higiênicas, que temos traçado, cuja
observação rigorosa nos parece própria para, senão afastar
inteiramente, ao menos reduzir o perigo.
168
168
H. de Hollanda. “Breve notícia da cólera-morbus”. O Acadêmico, 10/55. p. 1.
129
A partir de uma análise mais atenta, se sobressai não só o combate aos princípios
opostos à medicina alopata pela ridicularização das práticas populares em meio à epidemia,
como também fica evidente a falta de respostas, pela própria “medicina racional”, dos
meios de propagação e de cura da cólera-morbus. Deste modo, procuravam se apoiar nos
preceitos da higiene, sustentando a teoria de que os gases emanados dos corpos em
putrefação, associados às condições climáticas próprias, seriam os princípios de tal
moléstia
169
.
A afirmação da necessidade de iniciativas particulares, na publicação de jornais
científicos, se fez presente em O Acadêmico. No artigo intitulado “Crônica literária”, seu
autor afirma que, tendo o governo de D. Pedro II alcançado grandes progressos, se achava
limitado pelo curso do Jornalismo que, dependente do governo, estava revestido de
“parcialidades”, apontando censuras e apoios nascidos de conveniências derivadas desta
relação com o Estado. E no final do seu artigo afirmava: “Fazendo abstração da política,
também nada mais vimos em nossos jornais, que tenha o nome de ciência (...)
170
.
Certamente, estava se referindo à profusão de artigos e, principalmente de anúncios de
consultórios homeopáticos, assim como de “fórmulas” e “substâncias” não conhecidas,
veiculadas diariamente nos jornais da Corte.
A crítica escancarada aos preceitos médicos não agradava nada aos alopatas, que
ficavam, freqüentemente, bastante irritados com a liberdade concedida aos jornais para a
publicação daquilo que, “legalmente”, era interdito. De certa forma, essas manifestações
de descontentamento nos fazem concluir que eles se sentiam ameaçados, pela falta de
credibilidade social e, até mesmo, política, enquanto a única forma de cura.
169
Sobre este assunto ver: Jaime Benchimol. Opus cit., 1999; Lorelai Brilhante Kury. Opus cit., 1990;
François Delaporte. Opus cit., 1989.
170
Anônimo. “Crônica literária”. 10/55. p.4.
130
A falta de legitimidade junto à população era bem exposta no seguinte trecho de um
artigo publicado por este órgão da imprensa médica, em 1856, pelo qual procuravam
demonstrar o pouco caso com que eram vistas as corporações científicas, como a
Academia Imperial de Medicina e a Faculdade de Medicina, ao não terem suas idéias
aceitas pelo Estado:
Segue-se que: os médicos, que no Brasil se arrastam pela
superfície do belo solo que nos viu nascer, são aqui tão rasteiros e não
ocupam uma posição tão elevada como a dos juristas, por exemplo:
porque o governo não os enxerga
171
.
A ausência de visibilidade, afirmava seus redatores, era tanta que, se durante a
epidemia de cólera os médicos e estudantes de medicina haviam sido interpelados, após a
sua passagem, tinham sido congratulados os deputados e a população, os quais eram
reconhecidos como os “verdadeiros heróis”. Nada melhor para comprovar a falta de
legitimidade social dos alopatas, do que um periódico médico da própria categoria que
reconhecesse este vazio de legitimidade, ainda que fosse através da denúncia de uma
“injustiça” social e política contra a mesma categoria.
171
Bezerra de Menezes. “Crônica médica”. O Acadêmico, 08/56. pp. 21-35.
131
3.1.4 – Revista Pharmaceutica
Com a fundação da Sociedade Pharmaceutica Brasileira (em 30 de março de
1851), veio em seguida à tona, a Revista Pharmaceutica
172
, em julho do mesmo ano. Com
duração até 1856, e com edições mensais, objetivava a consolidação da classe
farmacêutica, enquanto uma área importante da medicina. Pelo trecho da matéria que
inaugurava esta publicação, podemos ter uma idéia do espírito que a encetava:
“No oscilar dos interesses mais ou menos vis, em que quase
todas as classes estão de olhos fixos, a ciência é abandonada, seus filhos
desprezados e algumas vezes ridicularizados por aqueles mesmos que a
este pertencem. Lutas renhidas e provocadas por interesses mesquinhos,
invejas, ódios, notícias tudo de antemão contamos. De bastante
coragem e sangue frio nos achamos revestidos para passivamente sofrer
o mesmo veneno da malévola crítica. Os zangões vivem a custa do
saboroso mel elaborado pelas industriosas abelhas.”
173
A epidemia de febre amarela de 1850 trouxe consigo intensas disputas, pois como
já pudemos demonstrar anteriormente, com ela a homeopatia ganhou grande impulso. A
intensificação da publicação, na imprensa leiga, de anúncios sobre a venda de remédios
com fórmula secreta e não reconhecidos pela Academia Imperial de Medicina, nem pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, assim como de boticas homeopatas não
172
Revista Pharmaceutica: jornal da sociedade pharmaceutica brasileira. RJ: Typ. Brasileira de Francisco
Manoel Ferreira, 1851-1852 / Typ. Guanabarense, 1851-1856. BN.
173
Ezequiel Corrêa dos Santos. “Introdução”. Revista Pharmaceutica. Julho de 1851. p. 2.
132
legalizadas, gerava grande incômodo à elite médica, e especialmente, aos farmacêuticos
titulados.
Da mesma forma, a disputa entre representantes da Academia e vereadores da
Câmara Municipal, sobre a liberação da venda da Salsaparrilha de Sands, já mencionada
anteriormente, causou, certamente, uma enorme preocupação dentre os seus representantes,
que não tardaram em apresentar uma resposta.
Sendo assim, a instalação da Sociedade Phaarmaceutica do Brasil, que tinha
como presidente Ezequiel Corrêa dos Santos (doutor em medicina pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro e farmacêutico aprovado pela mesma), cumpria o objetivo de
consolidar a classe farmacêutica, combatendo os “abusos” cometidos com o
estabelecimento de boticas e droguistas ilegais e com a venda de remédios secretos. E da
mesma maneira, visavam estabelecer uma reforma nos estatutos da Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro que desse mais visibilidade à farmácia, com a formação de uma Cadeira
própria.
Cruz Jobim, um árduo combatente contra a fabricação e venda de remédios
secretos, estava presente à inauguração desta sociedade e refletia a enorme importância que
uma corporação deste cunho representava para a categoria médica, tendo em vista o
momento pelo qual passavam. Guerrear contra o charlatanismo, que a despeito de toda e
qualquer lei, continuava a atuar no país, consistia como o principal objetivo desta
associação, como nos informa um trecho da sessão pública de sua instalação:
“A criminosa indiferença por tudo quanto interessa à saúde
pública, a imoralidade que se resulta de se fazerem leis por ostentação e
luxo para se fechar depois os olhos a favor dos que as transgridem e a
credulidade do povo sempre ignorante de seus mais palpitantes
interesses têm sido os mais poderosos incentivos para animar essa horda
133
de aventureiros charlatães. Contudo, a Sociedade Pharmaceutica não
vacila ante a luta que o charlatanismo há de com ela travar porque é
vencedora por seus esforços e boa vontade dos que governam este
país.”
174
No discurso proferido por seu presidente, Ezequiel Corrêa do Santos, no ato da
instalação da Sociedade, ele reafirmava a importância da união da categoria farmacêutica e
botava em relevo a preocupação com a multiplicação de anúncios de remédios secretos na
imprensa leiga
175
:
“Honra e glória para essa classe! Não foi dela que saiu a
chusma de saltimbancos que quotidianamente tocam pela imprensa a
trombeta do embuste dos Dulcamaras do Brasil. Honra para os
farmacêuticos que na torrente de abusos não reprimidos, que na inaudita
proteção dada ao charlatanismo que levou sua ação deletéria às mais
pobres regiões do corpo social, se conservaram fiéis aos mandatos da
lei, e razoavelmente desinteressados no exercício da profissão,
franqueando suas boticas aos desvalidos, como fizeram todos durante a
passada epidemia!”
176
Pelos trechos acima transcritos podemos compreender a urgência e os fins desta
Sociedade, visto que a questão das boticas configurou-se como um dos principais
174
Idem. “Sessão pública de instalação da Sociedade Pharmaceutica Brasileira”. Revista Pharmaceutica.
Ibidem. p. 6.
175
Esse discurso foi publicado no Correio Mercantil do dia 17 de abril, na seção “Rio de Janeiro” (matéria
paga), pp. 1-2.
176
Idem. “Discurso pronunciado no ato da instalação da Sociedade Pharmaceutica Brasileira”, no dia 30 de
março, pelo presidente da mesma. Revista Pharmaceutica. Ibidem. p. 11.
134
problemas enfrentados pelos alopatas por toda a década de 1850. Tornando-se assunto para
muitas discussões ocorridas, inclusive, na Academia Imperial de Medicina, onde alguns de
seus representantes, durante toda a década, se posicionaram contra a venda ilegal de
remédios por boticas não autorizadas.
Objetivando controlar e monopolizar a produção e venda de remédios na Corte,
argumentavam contra os droguistas não oficializados, pautando-se em supostos prejuízos
causados à saúde pública. De modo que, em agosto de 1852, representantes da Sociedade
Pharmaceutica apresentaram-se formalmente ao Imperador, pedindo-lhe a proteção, mas
que, durante toda a década, não lhes foi concedida
177
.
No Estatuto redigido por seus membros, e publicado nesta revista, explicitavam
suas funções, concernentes à saúde pública:
“Art. 2. Ocupar-se segundo suas forças de tudo quanto
interessar à saúde pública, como seja o exame dos remédios secretos,
das substâncias alimentares, das águas potáveis e minerais e tudo o mais
com relação à farmácia”
178
Como podemos perceber, suas funções não se limitavam à farmácia.
Apresentavam a pretensão de poderem influir nos assuntos de saúde pública, que tinham se
tornado tão importantes na eminência de uma nova epidemia. No entanto, o
estabelecimento da Junta Central de Higiene Pública representava, também para esta
corporação, o impedimento real de sua interferência nesses assuntos. O que só
constatariam depois de diversas tentativas de intervir na tomada de medidas na esfera da
177
Idem. Matéria não intitulada. Revista Pharmaceutica. Agosto de 1851.
178
“Estatuto da Sociedade Pharmaceutica”. Revista Pharmaceutica. Outubro de 1851. p. 53.
135
saúde pública, em especial nos aspectos referentes à regulamentação do estabelecimento e
funcionamento das boticas.
No primeiro ofício dirigido à Paula Cândido depois do estabelecimento da Junta,
ofereciam a sua coadjuvação na execução dos artigos 57 e 79, que constavam no seu
Regulamento, e consistiam em formular tabelas que dessem conta de todos os remédios,
vasilhames, instrumentos, utensílios e livros necessários ao estabelecimento de uma botica.
Oferta que foi aceita pela Junta, mas não teve um final tão satisfatório como os membros
da Sociedade Pharmaceutica imaginavam.
Pois, aproveitando a aceitação da Junta em formularem as ditas tabelas,
aproveitavam para fazer-lhe mais uma proposta:
“Este passo da Junta Central de Higiene Pública demonstra o
que tivemos ocasião de dizer na sessão de instalação da Sociedade
Pharmaceutica a incontestável necessidade que tem a Junta do
concurso de farmacêuticos esclarecidos. Em todos os países civilizados
os farmacêuticos fazem parte dessas juntas de higiene ou conselhos de
salubridade; entre nós porém julgou-se que a junta, composta
exclusivamente por médicos, aliás de reconhecida ilustração, satisfizesse
todas as necessidade.”
179
A resposta a esse último requerimento viria em maio de 1852, quando a Junta
nomeou Ezequiel Corrêa dos Santos, presidente da Sociedade, como um adido, para a
participação das visitas que deveriam ser feitas às boticas. No entanto, essa pequena
concessão não seria vista de forma tão positiva pelo próprio redator, que escreveu uma
179
Idem. Matéria não intitulada. Revista Pharmaceutica. Dezembro de 1851. p. 96.
136
nota anunciando a deliberação da Junta Central de Higiene Pública, concluindo-a dessa
forma:
“Resta agora que a obra começada se aperfeiçoe, que o
farmacêutico nomeado possa desempenhar com proveito público quanto
tem e pode fazer como membro da Junta e não com adido para
visitar as boticas. E os droguistas, e os armazéns de comestíveis, o
exame dos vinhos, dos vinagres e outros gêneros de que o povo usa
diariamente em sua alimentação, por quem hão de ser examinados?”
180
No entanto, o pedido feito por Corrêa dos Santos foi atendido por todo o período
de existência deste jornal e, cremos que desta Sociedade. O que trouxe por certo, não só a
inconformação de seus membros, como denotou a estrangulamento desta corporação
privada pela Junta.
A terceira tentativa da Sociedade Pharmaceutica em participar ativamente dos
trabalhos realizados pela Junta viria em agosto do mesmo ano, quando ofereceram as
páginas da Revista Pharmaceutica para a publicação dos resumos de seus trabalhos.
Segundo seu redator, que neste ano era Oliveira de Araújo, este pedido objetivava tornar a
revista mais interessante e, ao mesmo tempo, dar conta das deliberações da Junta à
população.
A oferta, sem dúvida, não foi aceita pela Junta, que no mesmo ano ainda faria
restrições às tabelas de medicamentos e utensílios necessários para a abertura e
manutenção de uma botica, apresentadas pela Sociedade Pharmaceutica. Em abril de 1853,
a revista publicava a resposta da Junta sobre as discussões que haviam se iniciado por
180
Idem. Matéria não intitulada. Revista Pharmaceutica. Maio de 1852. p. 198.
137
ocasião dessa divergência, no ano anterior. Na matéria, a Junta afirmava que a retirada de
alguns medicamentos havia seguido a idéia de constar na lista, somente aqueles que fossem
imprescindíveis aos farmacêuticos, viabilizando o pronto atendimento à população. Por
isso, tinha retirado os de preço avultado (que eram na sua totalidade importados), julgando
que a Junta não podia exigi-los, tendo em vista que eles poderiam ser produzidos no Brasil,
pelos próprios farmacêuticos.
Em julho do mesmo ano, a insatisfação com as negativas da Junta foram bem
expressas na “Introdução” ao terceiro ano da Revista, escrita por Pires Ferrão, seu novo
redator:
“Quando, pois, tudo e todos tão avessos se mostram como
vimos, a quanto não seja questão político-financeira, a farmácia, essa
filha não apreciada, e antes de tempo enjeitada até por seus próprios
pais – os médicos – por força que nenhuma atenção deve merecer, e
como sempre, será talvez considerada ainda de um interesse muito
secundário na classe das ciências médicas.”
181
Neste mesmo número, Pires demonstrava enfaticamente a sua insatisfação com
os trabalhos levados a cabo pela Junta, apresentando, assim, uma inflexão no discurso
dirigido a esta, que até esse momento não era feito de maneira tão negativa:
“Quando lendo os jornais científicos farmacêuticos e médicos
de países estrangeiros, todos os dias deparamos com acusações,
denúncias, e punições oficiais feitas e dirigidas, aquelas pelos membros
181
Pires Ferrão. “Introdução”. Revista Pharmaceutica. Julho de 1853. p.6.
138
das diversas Associações desses países, que para isso gozam de um livre
e louvável direito, sendo ainda mais animados pelos resultados por eles
assim obtidos; se estas infligidas por essas mesmas corporações e pelas
autoridades próprias, que vigilantes e inabaláveis jamais se descuidam
da punição às infrações das leis de polícia médica, não podemos deixar
de lamentar que outro tanto não nos seja dado, ou que, pelo menos, não
valha a pena faze-lo, pelos já bem conhecidos resultados, só contrários à
nós, que em tais casos poderemos alcançar, e que costumam aparecer
sempre. Também temos leis a este respeito, mas que desgraçadamente ou
jazem esquecidas, ou desmoralizadas logo de princípio de suas
meteóricas execuções, como por exemplo o, Regulamento da Junta
Central de Higiene Pública, ainda há bem pouco criado, só servem para
onerar e prejudicar aos que a quiseram e sabem executar e respeita-
las.”
182
No entanto, a trajetória dessa Sociedade não esteve somente ligada a fracassos. A
proposta de reforma do curso farmacêutico das Escolas de Medicina, por ela feita ao
governo, teve uma resposta positiva com a criação de uma Cadeira de farmácia prática no
ano de 1853. Estabelecimento que foi bastante congratulado no início do quarto ano da
revista.
Com a epidemia de cólera os trabalhos da Sociedade acabaram sendo suspensos
por 20 meses e a sua publicação certamente também seguiu este curso. Tanto que as
últimas edições da Revista Pharmaceutica (que durou até fevereiro de 1856), só foram
publicadas em junho de 1857, quando ela não era mais editada.
182
Idem. “Punição de abusos cometidos no exercício da farmácia e da prática ilegal da mesma”. Revista
Pharmaceutica. Ibidem. p. 17.
139
A Sociedade Pharmaceutica, inaugurada em 1851, participou durante quase seis
anos de existência, de um momento muito sensível no tocante à regulamentação da prática
farmacêutica e médica no Brasil. Em meio a sucessivas epidemias e em face de um
crescimento contínuo da mortalidade na cidade do Rio de Janeiro, seus membros
procuraram, por meio desta, reivindicar o cumprimento de leis de repressão à ilegalidade
na prática profissional da medicina, sem, contudo, obter uma resposta positiva. Essa
situação refletia, com certeza, um momento de inúmeros embates com as autoridades
governamentais, em vista de um projeto de legitimação encetado pela categoria médica, e
que não seria posto em prática com facilidade.
Sendo assim, a Revista Pharmaceutica objetivava alcançar a legitimação da
prática da farmácia em meio a um período de pouca sistematização e difícil aceitação
dessas normas pela população carioca, que continuava recorrendo às boticas ilegais. Ao
mesmo tempo, as providências efetivadas pela Junta não se davam de forma concisa,
abrindo espaço para as boticas e droguistas não regularizados, que à sua revelia
continuavam a vender e anunciar remédios com fórmula secreta.
3.2 – Os periódicos homeopatas
Ao analisarmos os jornais homeopatas produzidos durante a década de 1850,
pretendemos compreender a importância adquirida pela imprensa médica especializada, no
processo de divulgação e expansão de interesses profissionais. Pois, se a imprensa leiga,
que abrangia uma grande gama de leitores (maior do que aquela dos jornais especializados
de menor tiragem), tinha se tornado o veículo primordial da propaganda homeopata
140
durante aquela década, o que levariam os médicos homeopatas a editarem jornais de cunho
específico?
Acreditamos que os ataques, constantemente veiculados por componentes da
“elite médica”, motivavam essas publicações, que se propunham a afirmar uma imagem
positiva a respeito da medicina homeopática, contrária às acusações de “charlatanismo”,
comumente feitas por seus rivais.
Utilizando-se de um instrumento que há tempos fazia parte do manancial de
legitimação da “elite médica”, objetivavam concorrer par a par com ela, tanto que o
argumento mais freqüente veiculado nesses periódicos era a necessidade de se obter um
diploma médico para poder atuar como tal. Principalmente no fim da década, essa
característica era bem evidente, como veremos adiante.
3.2.1 – A Homeopathia
Com seu primeiro número em 28 de julho de 1850, e editado por Luciano Lopes
Pereira e T. B. P. de Figueiredo
183
, o periódico A Homeopatia
184
se propunha a propagar a
doutrina homeopática no Brasil, onde, segundo seus redatores, tinham um bom
acolhimento, em oposição aos países da Europa, de onde tinham sido banidos. Expunham
como objetivo principal, a afirmação da teoria de Hanhemann, e, principalmente, a
divulgação dos tratamentos por eles desempenhados em um consultório na rua da
Assembléia. No qual, como afirmavam, os remédios eram ministrados gratuitamente.
183
Segundo as referências escritas neste periódico, J. B. P. Figueiredo era médico da Universidade de
Coimbra e Luciano Lopes Pereira, médico da mesma Universidade e da Faculdade de Paris.
184
A Homeopathia: periódico das doutrinas médicas e ciências acessórias. RJ: Typ. Francesa, 1850.
141
“O Brasil tem sido a pátria adotiva da homeopatia, é uma
pátria onde esta ciência tem vingado como nunca no seu país, ou em
qualquer outra parte do mundo. Isto só basta para fazer conhecer que,
ou as condições naturais de sua propagação aqui lhe são bem mais
favoráveis do que pelos outros países, seja por efeito das diferenças da
polarização terrestre, ou por qualquer outro motivo; ou o espírito
brasileiro mais avantajado que o dos outros povos, pois que a arma do
ridículo que na Europa, assinou esta ciência, aqui veio completamente
embotar-se”
185
Ao tratarem da presença de “charlatães” dentre os praticantes da homeopatia,
seus redatores nos indicam para uma significativa quantidade de pessoas diplomadas que
optavam por exercer esse ramo da medicina. No entanto, afirmavam a necessidade de se
ampliar, com o auxílio da “ilustração brasileira”, a imagem da homeopatia no país.
Referindo-se, logicamente, aos constantes ataques veiculados pelos médicos alopatas, e
concluía:
“Em tal situação, era necessário esperar que os fatos,
desabusando grande número de pessoas, acarretassem para a nova
arena médica personalidades com as quais não se desdenhasse de tratar
a Academia Imperial de Medicina desta Corte, para, por conclusão, se
assentar no valor real da homeopatia.”
186
185
Os editores. “Resumo histórico da homeopatia no Brasil, e sua atual situação na Europa”. A Homeopatia.
28/07/1850. p.1.
186
Idem. Ibidem. P.2.
142
Em seguida, se empenhavam em desmerecer e desqualificar a atitude dos
acadêmicos alopatas, ridicularizando as constantes e variadas observações desenvolvidas
por eles no período de surto epidêmico. Usavam, deste modo, do mesmo tom do discurso
produzido em seu ataque pelos membros da “elite médica”:
“Parece impossível que tenham havido penas médicas
ocupadas em descrever esta terrível moléstia , já por si só fatal e
assustadora, com seus mil e um sintomas horrorosos, sem descreverem a
par deles, mil e um meios curativos para cada sintoma! Nem de
propósito se assustará melhor a humanidade. Ao ver-se uma tal profusão
de fúteis horrores, sem nada de consolador que os destrua, o resultado é
que menos calculam essas penas: é a incredulidade pública na medicina
e na inutilização de imensos facultativos! É ainda essa futilidade que
provoca os espíritos fortes, os Molières, para ridicularizarem uma
ciência que aliás deveriam respeitar! Se por outro lado, encaminhamos
os falazes meios curativos que só tem indicado contra esta moléstia,
ainda pior: são tantas as pobres sentenças, quantas as fortes cabeças! E
a moléstia fazendo sempre os seus estragos, em despeito de todo e
qualquer tratamento.”
187
A febre amarela foi o assunto predominante, e, sem dúvida, justificador, desse
jornal que só teve dois exemplares. Em seu segundo número, continuando a tratar da
doença e visando combater sua compreensão, do modo como era defendida pelos alopatas,
187
Idem. “Da febre amarela”. A Homeopatia. p. 4.
143
traçaram um quadro explicativo do que era a “lei da sensibilidade”, que regia suas
explicações médicas:
“Diremos que a sensibilidade é a consciência que temos, dos
efeitos da nossa própria vitalidade. Ela exprime o modo como, em cada
um de nós, se desenvolve essa vitalidade; qual o seu gênero e o seu grau
de elevação. Em outros termos, ela é a imagem da ordem, ou da
desordem, que nos causa a nossa vitalidade. Por cujo motivo, os gozos e
os prazeres, os gostos e os desgostos, os prazeres e as dores, em
qualquer grau que se dêem, correspondem sempre exatamente ao gênero
e ao grau de ordem, ou da desordem, que dentro de nós se produzem.”
188
Nos dois números deste periódico, aos quais tivemos acesso na Biblioteca
Nacional, o tom combativo e ao mesmo tempo legitimador utilizado por seus editores
explicitava a luta travada em oposição à medicina alopata. Combativo porque deixavam
claro em suas linhas, que lhes movia o ideal de desmentir as acusações feitas pelos
membros da “elite médica”, e legitimador, visto que era com base nas teorias inauguradas
por Hahnemann que propunham se consolidar, à despeito daqueles que não sendo
qualificados para exercer a homeopatia a faziam, desmerecendo os seus seguidores.
Utilizavam-se, deste modo, da mesma estrutura argumentativa apresentada por seus
concorrentes.
Sendo assim, o jornal cumpria a função de distinguir os homeopatas dos
“charlatães”, denominação também dada a eles pelos médicos alopatas, a fim de
desmerecerem essa prática. Objetivavam provar com esta publicação, que o charlatanismo
188
Idem. “Da febre amarela – continuação do nº 1”. A Homeopatia. P.5.
144
não estava relacionado à homeopatia, como propalavam muitas vezes os médicos
acadêmicos, tanto no Annaes Brasilienses de Medicina como por meio de tantos outros
artigos escritos e divulgados em jornais leigos e especializados da Corte, mas ao exercício
da medicina sem o diploma devidamente reconhecido.
3.2.2 – O Athleta
Em 14 de janeiro de 1852, saiu o primeiro número desse periódico
189
, tendo como
objetivo discutir e se opor ao Regulamento da Junta Central de Higiene Pública, que tinha
entrado em vigor naquele mês. Contendo apenas quatro páginas e com três edições mensais
em janeiro e fevereiro, passando a uma de março a maio, apresentava um caráter
abertamente panfletário. Ao mesmo tempo em que os seus redatores se opunham ao dito
regulamento, também procuravam apresentar críticas à pretensão de obtenção do
monopólio pela alopatia, a qual denominavam “velha medicina”.
Mesmo sendo redigido por “uma associação de homeopatas”, como aparecia
escrito em sua capa, todas as suas matérias eram escritas e assinadas por Pedro Ernesto
Albuquerque de Oliveira. Com a exceção de algumas poucas cartas enviadas ao periódico,
em apoio à publicação.
A “introdução”, que inaugurou o seu primeiro número, nos dá uma medida da
importância de uma publicação impressa aos preceitos que se pretendia defender e a
crescente atenção dada à opinião pública. Assim como nos demonstra a idéia de que a
imprensa era o meio mais eficaz de expansão de um conhecimento:
189
O Athleta: jornal médico-homeopático. RJ: Typ. Brasiliense de F. M. Ferreira, 1852. BN.
145
“Em todas as nações livres, é a imprensa o tribunal mais
poderoso, também o mais popular, onde se tratam as grandes questões
de interesse social. É pela imprensa, que o público conhece e analisa as
inovações, as descobertas com que se engrandecem os conhecimentos
humanos; e também as leis que são promulgadas na sociedade. É ainda
pela imprensa que os propugnadores dos diferentes sistemas científicos,
devem sustentar as teorias de suas idéias elucidando-as plenamente, de
maneira a não deixar dúvidas, ainda nos ânimos dos mais incrédulos; e
demonstrar com clareza, sua vantagens, e valor sobre os sistemas que
lhe são adversos.”
190
Valendo-se do grande aceitação por parte da população à medicina homeopata,
bem verificada na imprensa leiga, e tecendo uma referência implícita às críticas
comumente feitas pela elite médica aos homeopatas que se utilizavam dos periódicos da
Corte para divulgarem suas teorias, continuava:
“Se todas as ciências devem ser patenteadas, e discutidas no
público, pois que é o público o verdadeiro juiz de todas essas matérias,
com quanta razão não deve ser submetida à sua opinião se tratada com a
precisa e devida importância, a medicina, que de tão perto interessa o
povo?”
191
Os ataques aos alopatas certamente também não poderiam ficar de fora da
apresentação deste jornal, que, assumindo uma postura visivelmente combativa, visava se
190
Pedro Ernesto Albuquerque de Oliveira. “Introdução”. Idem. 14/01/1852. p.1.
191
Idem. Ibidem.
146
contrapor às críticas, repetidamente feitas aos homeopatas, de que a sua medicina não teria
nenhuma sustentação científica, mas que ao contrário, se apoiava em excentricidades,
como pode ser exemplificado pelo trecho abaixo:
(...) “Quando assim falamos, referimo-nos ao sistema médico
alopático pois que, é ele que tem tido essa vida de tantos séculos, é sobre
ele que pesa essa acusação de estacionário feita por tantas gerações; é
ele finalmente, que sempre envolveu-se em um véu de mistério, e combate
às cegas todos os adversários que com mais filosofia lhe apontam seus
erros, ministrando-lhe ao mesmo tempo o meio de remedia-los. É por
essa razão, que os sectários do velho sistema dos contrários, procuram
atacar a homeopatia, com todas as armas que podem haver à mão, não
hesitando em meio algum com quanto que cheguem aos seus fins, isto é,
a extinção de qualquer sistema, que possa destruir o seu, ou provar-lhes
sua niilidade.”
192
O caráter de embate não foi, certamente, camuflado neste periódico que propunha
se opor, segundo seu redator, ao intento de exterminação da homeopatia, por meio da
confecção de um Regulamento. Sendo assim, todos os outros artigos se dirigiam a sua
contestação:
“Quem confecciona as leis, deve sempre ter em vista que elas
sejam acordes, com os usos e costumes dos povos, com suas
necessidades, e com o seu estado de civilização: quando não aconteça
192
Idem. Ibidem.
147
assim, é escrever em papel pardo; e querer absolutamente que se
cometam abusos, e que pouco a pouco se desprezem as leis, até pelos
mesmos executores. Um dos artigos do regulamento que primeiro nos
deu na vista foi o 25, diz ele: Ninguém pode exercer a medicina em
qualquer de seus ramos, sem título conferido pelas escolas de medicina
no Brasil, nem pode servir de perito perante as autoridades judiciárias,
ou administrativas, ou passar certificados de moléstia, para qualquer fim
que seja. Não trataremos de analisar a sua execução, quanto aos lugares
longe das povoações, porque lá, é naturalmente exeqüível: todos os
fazendeiros têm em suas casas uma, maior ou menor, botica, deste ou
daquele sistema; com esta eles não só curam os seus escravos e sua
família, como também seus compadres, amigos e vizinhos; e enfim, todos
quanto lhe pedem remédios; isto acontece ainda mesmo nos lugares onde
há médico, o que será onde não os há? Há povoações, pelo interior
dessas províncias, onde não há uma só pessoa profissional, que cuide da
saúde pública; e mesmo até mesmo não conviria a médico algum se
estabelecer lá, porque há um, ou mais indivíduos curiosos que tratam da
população gratuitamente, ou por paga, que têm boticas suas, e que
gozando de grande estima e influência, até porque muitas vezes são
autoridades, ou chefes de partido; nas outras povoações onde há
médicos, há sempre estes curiosos, que gozam de influência e respeito.
(...) também reverendos e párocos, uns por princípio de caridade cristã,
e outros (seja permitido dize-lo sem ofensa), pelo especulativo interesse,
148
em muitos lugares exercem a medicina, com satisfação de seus
paroquianos, e têm boticas, de que vendem, ou dão remédios.”
193
A situação, narrada acima por Oliveira, explicitava a dificuldade de se estabelecer
leis que fossem contrárias aos costumes populares e confirmava o problema enfrentado
pela Sociedade Pharmaceutica, tratado anteriormente. A questão das boticas,
principalmente, a proibição da venda de remédios secretos e da prática da medicina sem
um título legitimador, atingia de frente muitos praticantes, dentre os quais constavam
muitos homeopatas.
Distintamente do verificado no periódico A Homeopathia, o editor do jornal O
Athleta pretendia combater os alopatas sem, no entanto, levantar uma bandeira contra o
“charlatanismo”. Obviamente, seu redator não se tratava de um médico formado, o que
pelo visto, não era vetado nas organizações de homeopatas.
Nesse mesmo número, apresentava uma nota tratando da chegada de um médico
português homeopata, que objetivava abrir um consultório médico no Brasil, afirmando a
impossibilidade de se propagar a homeopatia em Portugal. O que nos indica para a
verificação das dificuldades enfrentadas pelos homeopatas, com relação às autoridades
portuguesas, já expressas no periódico anterior, mas que como poderemos perceber pelas
publicações posteriores, não foi uma característica presente em toda a década.
Tratando, repetitivamente, das “vantagens” que os médicos alopatas pretendiam
tirar com o Regulamento, afirmavam que “o fim que se dirige todo esse trem bélico do
regulamento, é a exterminação da homeopatia. Da homeopatia que suplanta a
193
Idem. “Regulamento da Junta Central de Higiene Pública”. O Athleta: jornal médico-homeopático.
14/01/1852. p. 3.
149
alopatia
194
. Sendo assim, por vezes associava as críticas ao mesmo, pelo ponto de vista da
impossibilidade de se aplica-lo sem entrar em conflito com os costumes da população,
outras vezes pela sua oposição à religião cristã. De todas as formas, durante as suas nove
edições, centrou todos os seus artigos na contraposição à viabilidade do Regulamento da
Junta Central de Higiene Pública, usando todos os argumentos disponíveis para convencer
seus leitores de sua falta de fundamentação. Dialogando com a tradição cultural cristã e
com os costumes da população, de arrastão desqualificava a postura médica assumida pela
Junta ao se opor a esses valores.
3.2.3 – Gazeta do Instituto Hahnemanniano do Brasil
Já no fim da década de 1850, surgiu a Gazeta do Instituo Hanhemanniano do
Brasil
195
, publicada quinzenalmente, e sob a redação de Saturnino Soares de Meirelles
(doutor em medicina), tendo edições de agosto de 1859 a janeiro de 1860. Atuou como
porta-voz dessa corporação, com o objetivo principal de se ocupar da homeopatia e, em
especial dos trabalhos do Instituto. Com isso, seu primeiro número tornava público o seu
Estatuto, expondo a sua finalidade e organização. O que de início já nos revela uma
situação mais confortável ocupada por seus membros, que já haviam conseguido se
aglutinar e fortalecer em torno de um grupo mais solidamente estabelecido.
Mesmo com os originais do periódico bastante mutilados interessante foi
perceber que seguiam o mesmo estilo do Annaes Brasilienses de Medicina, com a
transcrição das sessões ocorridas desde julho de 1859 no Instituto, acompanhadas da
194
Idem. “Reflexões sobre o artigo 39 do Regulamento de Higiene”. O Athleta: jornal médico-homeopático.
23/02/1852. p. 2.
195
Gazeta do Instituto Hahnemanniano do Brasil. RJ: Typ. Teixeira e Comp., 1859-1860. BN.
150
publicação de matérias que se ocupavam de observações clínicas feitas por seus membros
na prática médica. Esse jornal também tinha uma editoria denominada “Revista dos jornais
estrangeiros”, na qual publicavam muitas matérias da Gazeta Homeopática Lisbonense. Ao
mesmo tempo, editavam artigos que discutiam a relação e as diferenças entre a alopatia e a
homeopatia, mas que, no entanto, eram apresentadas em um tom bem mais ameno do que o
verificado nas publicações anteriormente analisadas, do início da década de 1850.
Também com uma pequena vida útil, essa publicação era mantida, como ficou
expresso no regimento da instituição, por meio das mensalidades pagas pelos seus
membros. Assim, pelo periódico pudemos constatar que a corporação não era reconhecida
pelas leis do Império, e que havia sido fundada em 1859, tendo como um de seus objetivos
um jornal que visasse divulgar o andamento de suas sessões. Com o seu desaparecimento
não conseguimos, no entanto, compreender melhor a sua importância no contexto de busca
de legitimação profissional, mas já pudemos verificar, pelos poucos exemplares, uma
mudança no tom das críticas dirigidas aos seus opositores, e mesmo uma inflexão nos
argumentos apresentados em favor da consolidação da medicina homeopata. Organizados
em torno de uma instituição, pretendiam basear sua defesa na realização de trabalhos e
observações médicas, calcando-se, sobretudo, na posse de um diploma médico.
3.2.4 – Revista homeopática
Também surgida em 1859
196
, e com uma duração um pouco maior do que a
anterior, de outubro de 1859 a julho de 1860, era redigida por J. S. Rebello (doutor em
196
Revista homeopática – Congregação médico-homeopática Fluminense. RJ: Typ. De F. de Paula Brito.
1859-1860. BN.
151
medicina), e impressa mensalmente. Seu objetivo principal: “honrar a medicina, e
guerrear contra o charlatanismo, eis o duplo pensamento, que encerra o fim
197
deste
periódico. Exaltando principalmente a figura do dr. Mure, responsável pelo
desenvolvimento da homeopatia no Brasil, empenhou-se, por diversas vezes, em desfazer a
ligação entre homeopatas e “charlatães”, tão presente no discurso de médicos alopatas.
Procurando provar a infalibilidade da medicina homeopata no tratamento das
moléstias que mais afetavam a população do Rio de Janeiro, editou em suas páginas
matérias que, retrocedendo às grandes epidemias ocorridas naquela década, afirmavam a
eficácia de seus tratamentos, comparando-os com os métodos alopatas e pautando-se em
índices de mortalidade.
Tratando da aceitação da homeopatia pela população, em contraste com a
dificuldade que encontravam em estabelecer-se em hospitais públicos, afirmava que
enquanto na Europa e na América do Norte a medicina de S. Hahnemann é empregada
em estabelecimentos públicos e particulares, no Rio de Janeiro apenas tentativas têm
aparecido
198
. Apesar de não podermos, pelas pesquisas realizadas para compor essa
dissertação, confirmar as asserções de sua aceitação em outros países, de certo
comprovamos a veracidade da afirmação com relação ao esporádico estabelecimento de
enfermarias, em estabelecimentos públicos, direcionadas a aplicação de técnicas
homeopáticas nas grandes epidemias de febre amarela e cólera, respectivamente ocorridas
em 1850 e 1855.
A primeira enfermaria desta natureza foi estabelecida, segundo seu autor, no
hospital da Sociedade Portuguesa Beneficente, pelo qual ficou responsável o dr. João
Vicente Martins, durante a epidemia de febre amarela; e a segunda, quando da explosão do
surto de cólera, com a autorização, por parte da Santa Casa de Misericórdia, do
197
O redator. “Introdução”. Idem. outubro de 1859. p.1.
198
V. da Costa. “A homeopatia em hospitais do Rio de Janeiro”. Idem. Ibidem. p. 17.
152
estabelecimento de uma enfermaria no hospital da N. S. da Conceição, filiada a esta
instituição.
Afirmava, no entanto, que somente em momentos de graves epidemias, havia por
parte das autoridades, o reconhecimento da eficácia da homeopatia, que segundo Costa, era
muito requisitada pelos pacientes. Comprovava, deste modo, a grande quantidade de
matérias publicadas nos jornais da imprensa leiga durante os surtos epidêmicos, onde seus
autores agradeciam por terem sido salvos pelo tratamento de algum médico homeopata.
Em seus demais números, o periódico se ocupava prioritariamente da divulgação
de conferências sobre a homeopatia proferidas pelo Dr. Duque-Estrada, e de artigos que
sempre visavam provar a eficácia de seus medicamentos. Apresentava também matérias de
cunho clínico, resultantes de várias observações feitas por médicos homeopatas.
Assim como a Gazeta do Instituto Hahnemanniano do Brasil, seu redator
afirmava constantemente não haver mais a necessidade de se utilizar uma linguagem
agressiva, característica de um momento em que a os homeopatas se sentiam acuados. Por
ora, reivindicavam o reconhecimento, pelas autoridades, da necessidade de se autorizarem
o estabelecimento de enfermarias públicas próprias ao tratamento homeopata.
3.3 – Um embate entre alopatas e homeopatas pelas páginas da imprensa
especializada
A crescente importância da imprensa especializada, no contexto de busca da
legitimação por parte da categoria médica, pode ser muito bem expressa pelos periódicos
analisados nesse capítulo. Pois, tanto alopatas, quanto homeopatas, a partir de iniciativas
153
particulares, procuraram estabelecer veículos próprios de propagação de suas doutrinas,
por vezes se opondo e por outras complementando o papel exercido pelos jornais leigos da
Corte do Rio de Janeiro.
No tocante aos periódicos alopatas pudemos perceber que o papel de oposição
preponderou em suas publicações, visto que estando os jornais não-especializados cada vez
mais abertos às divulgações de cunho homeopata, os periódicos médicos cumpriam o
objetivo não só de divulgar a ciência médica, como de estabelecer uma separação entre o
que era ou não científico. Em contraposição, as publicações homeopatas assumiam uma
postura complementar às matérias divulgadas na imprensa leiga, na qual seus
representantes publicavam inúmeros artigos e anúncios em seu favor. Também de caráter
divulgador e amplamente panfletário, os periódicos homeopatas tinham pouca duração e
surgiam principalmente nas épocas em que os embates se intensificavam, a fim de expor
suas idéias em contrário.
O empenho de médicos alopatas e homeopatas em publicar periódicos de cunho
especializado botava em evidência a necessidade de se formar uma imagem positiva a
respeito da atuação de uma e de outra categoria. A “elite médica”, apesar de ocupar uma
posição mais confortável, por contar com o apoio legal à sua prática, ainda não podia
ostentar a posição de autoridade estabelecida e, por isso, se empenhava nessas publicações,
a fim de alcançar o monopólio das artes de curar. Ao mesmo tempo, os homeopatas, pouco
a pouco conquistavam seu espaço na sociedade carioca, e não contando com o apoio oficial
viam-se impelidos a angariar o apoio social que lhes garantisse a tolerância pelo poder
público.
Na busca pela hegemonia do poder médico profissional, ambos reconheciam na
opinião pública o foco de sua disputa. Conquistar o apoio da população, que se via
fragilizada com as constantes epidemias, era meio caminho andado rumo à conquista da
154
autoridade médica. Nesse contexto, a imprensa científica não se configurava somente
como mais um órgão propagador, mas como o meio primordial de divulgação dos
conhecimentos médicos, visto que carregava consigo a idéia de um veículo disseminador
de conhecimentos, legitimado pela ilustração de seus redatores.
155
CONCLUSÃO
Ao propormos a compreensão do papel do poder público em sua relação com os
membros da “elite médica”, alopata, e com os homeopatas, no combate às epidemias de
febre amarela na década de 1850, constatamos a importância da imprensa leiga e
especializada neste processo.
Nos debates desenvolvidos, nas Câmaras dos Deputados e do Senado, sobre
assuntos referentes à saúde pública, verificamos a relevância da presença de ilustres
representantes da “elite médica”, que se aproveitaram daquele espaço privilegiado para
fazer dele, senão um instrumento de reivindicação da primazia do saber médico alopata, ao
menos um lugar para fazer divulgar seus ideais não apenas a nível local, mas também
nacional, uma vez que os discursos aí proferidos ecoavam em toda a imprensa do país,
fosse através dos diários oficiais, fosse nas editorias especiais dos jornais leigos mais
importantes da Corte.
Os debates desenvolvidos naquele recinto adquiriam cada vez mais visibilidade e
importância social, à medida que a opinião pública se fortalecia. Sua divulgação, inclusive,
configurava-se como uma atitude de transparência e um meio de legitimar as políticas
públicas imperiais, consolidando a imagem de um governo liberal e “esclarecido”, e
contribuindo para o estabelecimento da hegemonia dos interesses centralizadores do
Estado.
Muito rapidamente, tanto os médicos alopatas quanto os homeopatas
compreenderam o papel relevante da imprensa leiga no processo de formação da opinião
pública. Deste modo, cada um à sua maneira, se empenhou em utilizar este veículo para
defender suas idéias e fazer prevalecer os seus interesses. Em tempos de epidemia, essa
importância se avolumava, pois, tanto o Estado quanto as diferentes correntes terapêuticas
156
médicas, procuravam tirar partido do pânico que se apoderava da população aterrorizada, a
quem ofereciam, através da imprensa, todo tipo de ajuda e remédio, aproveitando-se de sua
fraqueza e credulidade para fazer valer os seus desígnios.
Ao mesmo tempo, a própria imprensa, naquela década febril, visando sustentar
uma imagem de “portadora do conhecimento e da verdade”, abria suas páginas à
veiculação de qualquer artigo ou anúncio pago (com exceção, de certos veículos, em se
tratando de matérias de cunho político partidário), tornando-se verdadeiras arenas de
disputas entre os atores em pugna.
Esta liberalidade da imprensa permitiu uma verdadeira explosão de matérias
homeopatas, provando com isso que estavam mais bem preparados para conquistar, senão
pelos métodos curativos, ao menos pelas palavras e pelo convencimento, o mercado da
saúde da Corte, abrindo de forma contundente uma brecha profunda nas intenções
monopolizadoras dos alopatas entrincheirados, especialmente, na Academia Imperial de
Medicina. Obrigados a se defender, procuraram contra-atacar desfraldando a bandeira da
cientificidade, que devia ser demonstrada, na prática, com a criatividade, empenhando-se
com mais afinco na produção de publicações especializadas.
O empenho, na década de 1850, da elite médica em editar periódicos
especializados para consolidar a sua autoridade, se intensificou não só pela crescente
influência dos homeopatas na sociedade carioca, como também pelo distanciamento
tomado pelo poder central em relação a ela, com a criação da Junta Central de Higiene
Pública. Assim, paradoxalmente, quando mais parecia que o governo se aproximava dos
interesses da elite médica, foi quando lhe deu o mais forte dos golpes. A criação da Junta
Central de Higiene Pública significou a perda de influência da Academia Imperial de
Medicina na definição das políticas públicas de saúde.
157
Acuada, por um lado, pelas pretensões expansionistas dos médicos homeopatas,
e, por outro, pelas veleidades centralizadoras da monarquia, a elite médica não conseguia
disfarçar a fraqueza de seu discurso e o vácuo de sua legitimidade.
Por seu lado, aproveitando-se desta conjuntura favorável, e sem desconhecer a
crescente importância dos periódicos especializados na consolidação de um saber
científico, os médicos homeopatas, também se empenharam, por meio de iniciativas
particulares, em sustentar veículos que os legitimassem enquanto portadores de
conhecimento, em oposição à idéia, difundida pelos alopatas, de que não passariam de
“charlatães”.
A imprensa, por sua vez, posando de intermediária entre o poder público e a
opinião pública, se consolidava, a priori, como local privilegiado destas disputas por
legitimação profissional, bem como espaço de elaboração e difusão da ideologia
hegemônica de um Estado monárquico, constitucional e liberal.
158
APÊNDICES
159
APÊNDICE I
Projeto apresentado por Cruz Jobim, na Câmara dos Deputados, a respeito da
criação de uma Comissão central de saúde pública
199
:
“Atendendo à necessidade de regularizar-se quanto antes em
todo o império o serviço sanitário dos portos e das povoações, tenho a
honra de propor à consideração desta augusta Câmara o seguinte
projeto:
Art. 1. Haverá na capital do império um conselho geral de
saúde pública composto de três membros, encarregados de executar e de
fazer executar por meio de conselhos provinciais onde os houver, ou de
facultativos hábeis, seus delegados, as medidas gerais sanitárias que
forem julgadas necessárias pelo mesmo conselho geral, depois de
aprovados pelo governo, ouvindo a Academia Imperial de Medicina.
Art. 2. Os delegados na Corte e província do Rio de Janeiro
serão nomeados pelo governo, e nas outras províncias pelos presidentes,
em ambos os casos precedendo consulta do conselho geral. Os conselhos
provinciais criados por lei provincial já existentes, ou que para o futuro
se criarem, serão considerados como delegados do conselho geral para
execução das medidas sanitárias gerais designadas em um regimentos
relativos à polícia médica tanto dos portos como do interior das
povoações, e feitos do modo acima dito.
199
Cruz Jobim. “Expediente”. Anais da Câmara dos Deputados.12/02/1850. p. 533.
160
Art. 3. O conselho geral exercerá a mais severa vigilância
sobre o cumprimento dos deveres impostos aos delegados e aos
conselhos de saúde pública (...)
Art. 5. Ao conselho geral, aos subdelegados e conselhos
provinciais compete: 1º- A polícia de alimentos e das bebidas; 2º - A
visita e polícia das boticas, oficinas, laboratórios e quaisquer
estabelecimentos que possam lesar a saúde pública; 3º - A polícia dos
remédios secretos e dos venenos; 4º - A fiscalização da prática da
medicina e de todos os seus ramos e dependências, tornando do
conhecimento dos títulos e habilitações dos que exercem quaisquer dos
ramos da arte de curar, e vedando seu exercício aos que não tiverem
estudado regularmente na conformidade da lei de 3 de outubro de 1843;
5º - Estabelecer o modelo geral dos atestados de óbito, o modo de se
formarem os mapas necrológicos e os relatórios médico-legais em todo o
império; 6º Inspecionar e regularizar por toda parte o serviço de
vacinação, etc.; 7º - Superintender a polícia médica de higiene pública
no que for relativo à limpeza das povoações, das valas dos aquedutos e
matadouros, ao abuso das bebidas alcoólicas, à prostituição, à extinção
dos pântanos, e de quaisquer focos de infecção permanente ou
temporária.
Art. 6. Para cumprimento dos seus regimentos darão as suas
ordens aos fiscais das Câmaras Municipais, enquanto não tiverem
empregados próprios e com as medidas que exijam despesas dando
imediatamente parte aos presidentes das negligências ou omissões a este
161
respeito que elas cometem. Ficam também autorizados a requisitar das
autoridades públicas o auxílio necessário.
Art. 7. O conselho geral apresentará anualmente ao governo
um relatório circunstanciado de tudo a que tiver efeito a bem dos
diversos ramos práticos do serviço sanitário, os quais ficam todos
debaixo da inspeção mediata ou imediata, propondo ao governo os
melhoramentos necessários.
Art. 8. Este relatório será feito à vista das informações dos
delegados, e dos conselhos provinciais, dos institutos vacínicos e dos
vacinadores de todo o império. As informações serão exigidas e
remetidas pelos presidentes das províncias ao conselho geral, cujo
relatório anual será impresso, e pelo governo remetido à Academia
Imperial de Medicina para dar sobre ele o seu parecer.
Art. 9. As sessões do conselho geral terão lugar na mesma casa
da Academia Imperial de Medicina. O governo marcará os empregados
indispensáveis, e um ordenado razoáveis para os membros e mais
empregados. (...)
Art. 10. O conselho geral, os seus delegados, e os conselhos
provinciais ficam autorizados a impor, na conformidade dos regimentos
sanitários, multas pecuniárias de até 400 contos, e a pena de prisão de
até seis meses, independentemente das penas em que o réu incorrer
perante as justiças ordinárias, para as quais poderá o réu apelar
somente nos casos em que a condenação não versasse sobre objeto que
diga respeito à saúde pública. O produto destas multas será recolhido
pelos cofres públicos.
162
Art. 11. Ficam revogadas todas as disposições em contrário. S.
R. – Paço da Câmara dos Deputados, 12 de fevereiro de 1850 – José
Martins da Cruz Jobim.”
163
APÊNDICE II
Mortalidade da cidade do Rio de Janeiro de 1850 a 1879
200
:
Anos Mortalidade
geral
Mortalidade por
febre amarela
Mortalidade por
varíola
Mortalidade por
tuberculose
Mortalidade por
cólera
1850 11.192 4.160 – (37,2%)
1851 8.809 471 – (5,3%)
1852 9.727 1943 – (20%)
1853 8.575 853 (10%)
1854 7.507 21 – (0,2%)
1855 11.180 5.228 – (46%)
1856 8.085
1857 8.944 1.425 – (16%)
1858 9.681 800 – (8,2%)
1859 9.832 500 – (5%)
1860 11.141 1.249 – (11,2%)
1861 8.642 247 – (2,8%)
1862 8.726 32 – (0,3%)
1863 8.645
1864 8.159
1865 9.600 1.615 – (16%)
1866 8.735 225 – (2,5%) 1.694 – (19,3%)
1867 9.030 423 – (4,6%)
1868 8.414 234 – (2,7%)
1869 8.688 274 – (3,1%)
1870 10.115 1.117 – (11,1%)
1871 9.547 1.000 – (10,4%) 1.773 – (18,5%)
1872 10.338 102 – (0,9%) 1.151 – (11,1%)
200
Dados retirados dos Relatórios do Ministério do Império (1851-1880). Biblioteca Nacional, RJ.
164
1873 15.383 3.659 – (23,7%) 1.629 – (10,5%) 1.626 – (10,5%)
1874 10.262 829 – (8%) 649 – (6,3%) 1.656 – (16,1%)
1875 11.565 1.292 – (11%) 363 – (3,1%) 1.758 – (15,2%)
1876 14.175 3.317 – (23,4%) 169 – (1,2%) 1.785 – (12,5%)
1877 10.068 282 – (2,8%) 103 – (1%) 1.802 – (17,8%)
1878 14.509 1.174 – (8%) 2.175 – (15%) 1.888 – (13%)
1879 11.069 974 – (8,7%) 197 – (1,7%) 1.929 – (17,4%)
165
Bibliografia utilizada:
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