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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
LUCILIA LAURA PINHEIRO LOPES
AS RELIGIÕES NAS CELAS: UM ESTUDO DAS OPÇÕES
RELIGIOSAS DAS MULHERES AFRO-DESCENDENTES NOS
PRESÍDIOS FEMININOS DA CAPITAL PAULISTA
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2005
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LUCILIA LAURA PINHEIRO LOPES
AS RELIGIÕES NAS CELAS: UM ESTUDO DAS OPÇÕES
RELIGIOSAS DAS MULHERES AFRO-DESCENDENTES NOS
PRESÍDIOS FEMININOS DA CAPITAL PAULISTA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião, Faculdade de Filosofia e
Ciências da Religião, Universidade Metodista de São
Paulo, como requisito parcial à obtenção do Grau de
Mestre em Ciências da Religião.
Orientador: Dr. Dario Paulo Barrera Rivera
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2005
3
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________________________________
Dr. Dario Paulo Barrera Rivera (Presidente - UMESP)
Universidade Metodista de São Paulo
______________________________________________________________________
Dra. Sandra Duarte de Souza (UMESP)
Universidade Metodista de São Paulo
______________________________________________________________________
Dr. José Rubens Jardilino (UNINOVE)
Centro Universitário Nove de Julho
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DEDICATÓRIA
______________________________________________________________________
Dedico este trabalho a todas as mulheres e em especial às presas afro-descendentes
que na prisão vivem o anonimato mais profundo e cruel que um ser humano pode perceber.
Que este estudo possa dar visibilidade ao que está escondido nos presídios femininos. Ao ler
estas linhas que o leitor entenda que ainda que escondam de nós a realidade, existe um mundo
no qual mulheres estão lutando para sobreviver diante de um sistema que as condenam
quando também são vítimas de todo um processo histórico e que a religião nestes espaços é
mais um elemento que pode ser usado como caminho para a vitória, mas que ao mesmo tempo
poder ser também instrumento de derrota para muitas vidas.
5
Onde estão aquelas pombas, que voavam e pousavam nas praças?
Por onde anda aquele bem-te-vi, que toda manhã e à tardinha cantava
perto de minha casa?
Hoje sinto saudades até dos pardais.
Vejo-me enclausurado em um cubículo de quadro paredes.
Entre pessoas que não conheceram a minha infância.
Quisera eu poder voltar no tempo.
Quando era acalentado e abraçado por minha mãe.
Então, novamente me tornaria como criança, tendo a proteção e o
calor do corpo de alguém.
Esse alguém que mesmo eu sendo tão pequeno sentiria que me ama.
Mas, a realidade é cruel e só posso dizer:
Vida dura essa na prisão!
Então, eu choro na calada da noite.
Eliseu F. de Almeida, 2005.
6
AGRADECIMENTOS
______________________________________________________________________
Inicialmente agradeço a minha família por ter me apoiado nos momentos em que
estive ausente, por conta do processo de estudo. Ao meu marido, Eliseu, o meu amor, pois
minha falta neste período foi suprida pela compreensão e orgulho de ver a esposa
ultrapassando os limites. Ao meu filho, Vinícius, o carinho eterno, pois em muitas noites e
dias não nos víamos acordados, o carinho de dormirmos juntos nos uniu ainda mais. À minha
mãe Celeste, mulher que me inspirou a lutar e estudar para não viver uma vida sofrida como
ela superou, meus mais profundos agradecimentos junto com o meu amor. Aos meus irmãos
Sandra e Lourival, ainda que não tão próximos, se fizeram presentes e me apoiaram com o
respeito e admiração necessários para que eu não desanimasse, o meu obrigada e que
possamos continuar esta luta.
Meu reconhecimento mais profundo a Profª. Sandra Duarte que acolheu minha
proposta inicial de projeto e que me orientou de maneira que eu percebesse que o meu desejo
de pesquisa não poderia ser realizado no curso de mestrado e que era necessário reduzir em
alguns aspectos para assim poder sonhar e realizar. Agradeço aos professores Lauri Wirte
(Diretor da FAFIR até janeiro de 2005), Leonildo Silveira e Yara Nogueira Monteiro, que
durante o curso sempre demonstraram interesse pela minha pesquisa. A Léia secretaria do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, até janeiro de 2005, meu muito
obrigada pela paciência em orientar em muitos aspectos e a nos tratar com muito respeito e
amizade. Ao Profº. Antônio Carlos de M. Magalhães (atual Diretor da FAFIR), meus
agradecimentos. À Ana Maria Fonseca, que me apoiou e animou em momentos difíceis, o
meu obrigada de coração.
Agradeço a amiga Rose Maria de Souza que sendo um marco em minha vida e
contribuiu de maneira fundamental, desencadeando uma vontade de viver para que eu
7
iniciasse e concluísse esse mestrado, a minha admiração. À amiga Suze de Oliveira Piza que
de maneira generosa me estimulou nos momentos em que eu achava que não iria conseguir
continuar, o meu agradecimento especial. Ao amigo Marcos Lisboa que me apoiou com textos
e indicações para que eu pudesse formular melhor minhas idéias meus agradecimentos. Todos
os três professores da UMESP, sem o apoio dos quais não seria possível sonhar em caminhar
por estas veredas.
A UMESP meus agradecimentos pela concessão de bolsa durante os meses de janeiro
de 2003 a maio de 2005, que através do IEPG concedeu parte da bolsa e através das Vice-
Reitorias Acadêmica e Administrativa me concedeu a outra parte necessária para que eu me
dedicasse ao Mestrado sem esta preocupação.
Aos colegas de trabalho do Núcleo de Formação Cidadã, Coordenador Danilo Di
Manno de Almeida, Daniel Pansarelli, Regiane Vitalino, Lívia Mercês, Júlio Dib e Alexandre
Santi, agradeço as indicações de leitura, apoio emocional e a força em me motivarem a
continuar.
Aos colegas Valdomiro (Miro), Zélia, Ana Lúcia, Juliana, Armando da Educafro que
compreenderam minha ausência no projeto durante estes últimos meses, e sempre me
apoiaram.
Dario Paulo Barrera Rivera, meu orientador, agradeço pela compreensão, pelo respeito
a minha maneira de trabalhar, por dar incentivo nos momentos difíceis e compartilhar com
entusiasmo o meu percurso nesta pesquisa.
Esse trabalho não seria realizado se não houvesse a colaboração dos funcionários da
Penitenciária Feminina da Capital e do Presídio Feminino do Tatuapé. Agradeço
especialmente as diretoras da reabilitação Marcela Luciana Paolone, Verenice Sampaio e
Elza.
8
Deixo registrados meus agradecimentos e respeito às mulheres em situação de prisão.
Agradeço em especial as 17 colaboradoras, que se prontificaram em aceitar a indicação para
as entrevistas e que de maneira corajosa contaram suas vivências religiosas e outros
momentos de suas vidas.
Agradeço às lideranças das igrejas inseridas no presídio feminino. A todas as
lideranças que se prontificaram em revelar suas experiências no presídio.
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LOPES, Lucilia Laura Pinheiro. As religiões nas celas: um estudo das opções religiosas das
mulheres afro-descendentes nos presídios femininos da capital paulista. Dissertação de
mestrado. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2005.
RESUMO
______________________________________________________________________
Esta pesquisa estuda como se dá a escolha e a participação das mulheres afro-
descendentes nas religiões inseridas nos presídios. Nos concentramos na “instituição total”
denominada prisão. Nesta pesquisa buscamos estudar a religião em dois presídios da capital
paulista. Levando em consideração o depoimento das presas, pretendemos estudar como as
mulheres afro-descendentes (presas) optam por determinadas religiões. Passamos pela
verificação teórica sobre a temática, e confirmamos no campo a situação das mulheres afro-
descendentes. Em relação às religiões nesse contexto discutiremos o que a religião significa
para as mulheres afro-descendentes, como elas optam, praticam e participam da religião
nesses espaços, e qual o sentido da religião escolhida na vida cotidiana no presídio.
Palavras chave: presídio, religião, mulheres afro-descendentes.
10
LOPES, Lucilia Laura Pinheiro. The religions in jails: A study of the religious option of afro-
descendents women in female penitentiaries of the Paulista metropolitan area. Masters
dissertation. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2005.
ABSTRACT
______________________________________________________________________
This research studies the choice and participation of afro-descendent women in the
practiced religions in detention centers. It was based on the “whole institution” named prison.
The present research seeks to investigate the religion in two penitentiaries of the paulista
metropolitan area. Taking into account the declarations of incarcerated women, it intends to
investigate how afro-descendent women (imprisoned), choose certain religions. The
dissertation theoretically verified and the situation of the afro-descendent women was
confirmed in the field of study. Regarding religions in this context, the study discusses what
religion means to these women, how they opt, practice and participate in one on the provided
carcerary space, and what the meaning of the chosen religion is in prison’s daily life.
Keywords: prison, religion, afro-descendent women.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I O PRESÍDIO: UMA CRIAÇÃO DO MUNDO MODERNO
OCIDENTAL
23
1.1 Presídios como “instituições totais” 24
1.2 Prisão como pena 37
1.3 Prisão de mulheres no Brasil 44
CAPÍTULO II AS MULHERES AFRO-DESCENDENTES NOS PRESÍDIOS
DA CAPITAL PAULISTA
49
2.1 As afro-descendentes nos presídios 49
2.2 A memória religiosa afro 55
CAPÍTULO III - AS RELIGIÕES NO COTIDIANO DOS PRESÍDIOS 63
3.1 Presídios femininos da Capital Paulista 64
3.2 Funções das religiões segundo as lideranças religiosas e a direção dos presídios 71
3.3 Funções das religiões segundo as mulheres presas 79
3.4 As afro-descendentes nas Igrejas Pentecostais 84
CONCLUSÃO 89
BIBLIOGRAFIA 92
ANEXOS:
Anexo I Entrevistas 96
Anexo II Questionários 130
Anexo III - Fotos Presídio Feminino da Capital 132
Anexo IV - Fotos Presídios Feminino do Tatuapé 138
12
INTRODUÇÃO
_____________________________________________________________________________________
Os estudos realizados a respeito da religião, em sua grande maioria, abordam grupos
em liberdade, isto é, a presença das religiões na sociedade comum. Esta pesquisa estuda a
religião nos presídios. Em toda sociedade há regras de convivência que devem ser respeitadas,
as pessoas que desrespeitam essas regras são legalmente sancionadas e colocadas em
presídios. São pessoas que de alguma forma desrespeitaram as normas e, nesse sentido,
consideradas “a-normais”, ou seja, indivíduos que no contexto social não observaram as
normas vigentes. Essas pessoas passam a viver em espaços fechados com novas normas, que
deverão ser aprendidas. Nesses espaços fechados o trabalho, estudo, lazer e religião são
desenvolvidos. Com este trabalho buscamos estudar a religião dos indivíduos que vivem nos
presídios, espaços esses restritos, submetidos a um controle, com disciplina forte e punições
para as pessoas que não cumprem as regras, que não seguem as normas pré-estabelecidas
dessa sociedade. Essas normas deverão ser apreendidas através da convivência neste novo
espaço. Nossa pesquisa se centrará, nesta realidade carcerária, e na religião dentro dela.
Poucos estudos sobre religião nos presídios femininos foram realizados até agora. No campo
das Ciências da Religião o tema é praticamente desconsiderado.
A realidade carcerária é bem mais ampla que os presídios. Lembramos que a
população carcerária do Brasil está distribuída em vários estabelecimentos de diferentes
categorias, incluindo penitenciárias, presídios, cadeias públicas, cadeiões, casas de detenção,
distritos ou delegacias policiais, presídios manicômios. Neste trabalho vamos estudar a
realidade da Penitenciária Feminina da Capital e do Presídio Feminino do Tatuapé. Vamos
utilizar o termo presídio para os dois estabelecimentos, o que facilitará nossa comunicação.
Estudar as opções religiosas nesses espaços é trazer à tona uma faceta importante da vida do
13
ser humano. Num espaço no qual a liberdade não existe, escolher a religião se torna uma
opção. Nessa circunstância a possível opção religiosa passa a ser entendida como liberdade.
Como disse Marina Marigo Cardoso de Oliveira:
Fácil, portanto, imaginar, com a reflexão de apenas alguns segundos, a extensão do
drama dessa população marginalizada e encarcerada, intensificada pela situação
precária, de quase impossível sobrevivência, das suas famílias, e os benefícios que
lhe poderão advir por meio de uma efetiva assistência religiosa, se houver absoluta
liberdade de opção. (OLIVEIRA, 1978: p.72)
A escolha da religião transmite uma sensação de liberdade e alívio em um espaço em
que os indivíduos estão encarcerados e impedidos de prestarem auxílio aos seus familiares
que, em sua grande maioria enfrentam dificuldades. Oliveira (1978) ressalta ainda a eficácia
do atendimento religioso havendo absoluta liberdade de opção, para isso seria necessário que
o pluralismo religioso presente na sociedade comum estivesse inserido nestes espaços
realizando o devido atendimento.
A realidade da religião nos presídios não espelha o pluralismo religioso, existente na
sociedade externa a eles. Conforme dados do IBGE no censo demográfico de 2000, constatou-
se que no Brasil há cerca de 45 religiões, generalizando alguns grupos como “outros
evangélicos”; “outras religiões cristãs”; “outras religiões orientais”, de diversos segmentos e
etnias, incluindo religiões de etnias africanas, como o Candomblé. Isto resulta em uma
sociedade religiosamente plural, em que é possível o exercício religioso de várias culturas,
formando um povo que não teme o sincretismo.
Apesar da possibilidade de um pluralismo, o mundo religioso nos presídios é restrito.
Podemos perceber, por exemplo, que as religiões afro-brasileiras não têm inserção oficial
nestes espaços, mesmo havendo interesse por essas práticas religiosas por parte das detentas,
o que foi constatado em nossa pesquisa de campo.
14
Basicamente, as igrejas inseridas nos presídios femininos da capital paulista são:
Adventista do Sétimo Dia, Assembléia de Deus, Batista, Católica - Pastoral Carcerária,
Comunidade da Graça, Congregação Cristão do Brasil, Deus é Amor, Espírita, Eu sou Vivo,
Renascer em Cristo, Universal do Reino de Deus, Pentecostal do Brasil para Cristo, Adoração
ao Deus Vivo e Testemunha de Jeová.
Considerando a presença dos grupos religiosos nos presídios femininos percebemos a
ausência de grupos de seguimentos afros, o que impossibilita um atendimento mais amplo.
Com esses dados buscamos conhecer como os presídios femininos, se organizam para receber
e facilitar a realização das práticas religiosas nesses espaços. Buscamos conhecer os objetivos
e atividades realizadas pelas religiões com a população dos presídios femininos da capital
paulista, a fim de compreender como as mulheres afro-descendentes optam pelas religiões
inseridas nesses espaços.
A religião, na sua grande maioria, tem o papel de controle social, de apresentar
renúncias ou necessidades de renunciar aos bens materiais e as necessidades físicas. A
renúncia é um elemento comum em todas as religiões inseridas nos presídios. Em nosso
trabalho analisamos como esse elemento passa a ser mais um mecanismo de controle para a
manutenção desse sistema. Essa é uma das nossas hipóteses. Além disso, procuramos avaliar
o papel da religião na vida da encarcerada, especialmente a sua presença como um mecanismo
de controle social nesse espaço restrito.
Neste trabalho estudaremos as opções religiosas das mulheres afro-descendentes nos
presídios femininos da capital paulista. Em nossa pesquisa entrevistamos 17 reeducandas,
sendo 12 da Penitenciária Feminino da Capital Paulista e 5 do Presídio Feminino do Tatuapé.
Após as primeiras visitas, estabelecemos os critérios para as entrevistas individuais. Os
15
critérios foram os seguintes: a) idade entre 30 e 45 anos (percebemos que as mulheres nessa
faixa etária apresentam critérios mais definidos das suas escolhas e que a religião também é
vista de maneira mais responsável), b) racial (afro-descendente preta ou parda, que tivessem
pais ou avós negros, o critério racial foi o mais significativo em nossa pesquisa, pois através
desse critério reconhecemos como o preconceito racial está presente neste universo), c) tempo
de prisão de no mínimo (1) um ano (tentamos priorizar as mulheres que já possuíam um
tempo de convívio neste espaço de prisão), d) Sentença igual ou superior a 3 três anos (esse
aspecto possibilitou que pudéssemos ter uma visão mais ampla da realidade desses presídios).
Nosso trabalho está organizado em três capítulos sendo que no primeiro capítulo
apresentaremos o presídio como uma criação do mundo moderno. Nesse sentido
consideramos que a modernidade traz em si uma idéia de controle social. Buscamos através
de conceitos de Goffman e Michel Foucault entender como os mecanismos de controle
diminuem a ação e a reação das pessoas na sociedade moderna. Aproveitamos o importante
texto de Goffman Manicômios, presídios e conventos (1961) . Entendemos que os caminhos
percorridos pelo autor nos dão apoio para conceitualizarmos as principais questões levantadas
nesta pesquisa. De Foucault utilizamos o texto Vigiar e Punir (1986) que apresenta elementos
essenciais para entendermos os mecanismos controladores. Entendemos que um dos
principais segmentos que utiliza esses mecanismos controladores é a religião.
A “instituição total” aparece como espaço de correção para os indivíduos que
desobedeceram as regras. Com a “instituição total” mesmo o indivíduo que não é levado para
esses espaços modifica seu comportamento pelo fato de temer a possível punição. A prisão
como pena será investigada para entendermos em que momento esse mecanismo passou a ser
utilizado como punição e tornou-se, senão o único, um dos principais mecanismos de coação
para as pessoas na sociedade. Esse aspecto será apresentado para entendermos como o espaço
16
do presídio está aberto, embora de maneira diferenciada, para os grupos religiosos. Em última
análise apresentaremos como se constituíram as prisões no Brasil, principalmente as prisões
de mulheres.
O segundo capítulo, com o título “As mulheres afro-descendentes nos presídios da
capital paulista” enfocou o considerável número de mulheres afro-descendentes nestes
espaços de prisão, para tanto utilizamos a idéia de identidade em construção que foi discutida,
entre outros, por Ferreira (2000). Passamos em seguida a verificar como a memória cultural
afro está presente nas histórias das presas e como nesses espaços de prisão a discriminação
negativa impede um atendimento religioso mais amplo. Este capítulo objetiva analisar a
importância do atendimento religioso mais amplo em um espaço no qual a liberdade existe
apenas simbolicamente.
No terceiro capítulo intitulado “As religiões no cotidiano dos presídios”, apresenta os
espaços nos quais realizamos nossa pesquisa de campo. Esta pesquisa não teve a intenção de
esgotar o assunto ou apresentar dados quantitativos da realidade dos presídios femininos.
Buscou através de um estudo de caso trazer à tona a realidade de dois presídios da capital
paulista. Apresentaremos quais as funções das religiões nos presídios, partindo da visão das
lideranças religiosas que prestam atendimentos nesses espaços e passando pela visão do grupo
dirigente dos presídios. Um outro aspecto que será enfocado neste capítulo é a visão das
entrevistadas, mulheres em situação de prisão, sobre a função das religiões nesses espaços. A
religião inserida no contexto carcerário desempenha um poder ideológico singular sobre o
individuo. Esses indivíduos que já estão impregnados de uma mentalidade culpada, devido a
todo o histórico cultural em que os afro-descendentes percorrem no Brasil, serão facilmente
convencidos da possível liberdade que a religião propõe. Entendemos de fundamental
17
importância este capítulo, pois através das falas de quem vive esta realidade de prisão
poderemos dimensionar a função da religião em lugares como os presídios. O último aspecto
a ser abordado será a participação das afro-descendentes nas atividades das igrejas
pentecostais. Ressaltaremos a discussão sobre a ausência oficial das religiões afro nos
presídios femininos da capital. Essa discussão busca demonstrar como a falta de uma linha
religiosa pode mudar e direcionar a escolha de quem vive num espaço em condições como a
dos presídios. Neste capítulo daremos espaço para as falas das entrevistadas. Entendemos que
suas respostas aos nossos questionamentos demonstram que a busca por religiões
pentecostais, num espaço em que a inserção das religiões afro é inexistente, foi uma saída
para a manutenção de aspectos essenciais de sua cultura, como a dança e o canto. Apesar das
igrejas pentecostais controlarem a maneira de vestir e agir dos fiéis, as mulheres presas tem a
possibilidade de se expressarem, considerando que as igrejas pentecostais permitem uma
expressão corporal, aceitam os vários ritmos musicais, possibilitando que a mulher afro-
descendente se sinta à vontade para expressar aspectos de sua cultura.
18
Nossa pesquisa tem um caráter qualitativo, pois levamos em consideração a
experiência individual das mulheres entrevistadas. A pesquisa de campo foi realizada através
de entrevistas dirigidas a partir de um questionário
1
, que foram gravadas. As entrevistas são
apresentadas no final desta dissertação como anexo. Os mecanismos da instituição total
dificultam o acesso das pessoas nesse espaço. No processo inicial desta pesquisa
enfrentamos a morosidade da burocracia para termos autorização de acesso nesses espaços.
Fomos orientados pela direção do presídio a fazermos um pedido formal para a coordenadoria
responsável pelos presídios femininos, após isso, fomos pessoalmente entregar a solicitação
ao Juiz da Vara de Execuções Criminais. Esse processo utilizou os quatro primeiro meses da
pesquisa. Como parte de nossa pesquisa de campo observamos os encontros religiosos nos
presídios, observação esta, não participativa. Foram realizadas ainda entrevistas com a direção
dos presídios, com as mulheres presas e lideranças das igrejas aí inseridas. Realizamos um
levantamento de como as mulheres afro-descendente exercem sua religiosidade nos presídios
femininos da capital paulista apresentando a visão das lideranças religiosas, da direção dos
presídios e das mulheres em estado de prisão.
O título dado à dissertação “As religiões nas celas - um estudo das opções religiosas
das mulheres afro-descendentes nos presídios femininos da capital paulista” foi elaborado a
partir das visitas aos presídios. Percebemos um número significativo de igrejas que levam sua
religião ao espaço dos presídios femininos da capital paulista, e que as mulheres em situação
de prisão em muitos casos participam de varias religiões como maneira de se sentirem menos
presas.
Na busca de pesquisas sobre religião nos presídios, encontramos os trabalhos de
Marina Marigo Cardoso de Oliveira A religião nos presídios (1978). A autora valoriza a
inserção dos grupos religiosos nos presídios, sua valorização passa pelo aspecto de
1
Ver modelo de questionário anexo.
19
atendimento religioso que deveria apresentar abertura para as várias e diferentes religiões.
Esse estudo foi realizado na década de 1970 nos presídios femininos e masculinos de São
Paulo em que a autora investiga a ação dos grupos religiosos no atendimento aos presídios de
São Paulo. Ela ressalta ainda o apoio das direções dos presídios para que o atendimento
religioso seja efetivado nos presídios.
A respeito da possibilidade e uma situação ideal dentro das atividades
religiosas nos estabelecimentos penais, os orientadores se manifestaram no sentido
de que somente existirá se houver ampla liberdade para a prestação de assistência
religiosa nos presídios, referindo-se alguns ao apoio que têm por parte dos diretores.
( OLIVEIRA, 1978: p.105)
Buscando a percepção da direção, dos líderes religiosos e dos presos a autora
demonstra que o atendimento religioso contribui para a mudança de comportamento do
presidiário. Nas últimas páginas do seu livro a autora apresenta a oração do presidiário, escrita
por um homem que esteve preso no Rio de Janeiro, durante muito tempo e que encontrou
Deus dentro da prisão, conforme segue:
SENHOR,
Bem vês que eu sou um presidiário
Mas, também, sou teu filho, Senhor!
Talvez não tenha sido o filho bom que
tu quiseste mas, desesperadamente,
procuro sê-lo hoje em dia.
Te lembra, Senhor, que foi aqui na prisão
que eu aprendi a te amar,
que foi aqui no cárcere que eu conheci
o valor da tua renúncia.
É tão difícil, Senhor, observar a tua Lei
depois de tanto haver pecado contra ti,
e tanto haver agredido ao meu irmão...
Mas, Senhor, tu és Deus de Misericórdia e Amor!
Permite, Senhor, que eu seja sempre ponte,
que possa com o meu trabalho e com os
meus exemplos motivar, ao menos, um de meus
companheiros de prisão, a seguir os teus ensinamentos.
Faz com que, Senhor, aqueles a quem eu agredi,
possam me perdoar, para que lhes possa
testemunhar o eu arrependimento.
Meu Bom Deus, às vezes, eu sinto a cruz bem pesadinha,
Não deixes que nessa horas, me falte um Cirineu generoso.
Eu cumpro a tua vontade, Senhor, sempre com um sorriso,
Sempre solícito, sempre disponível!
Lembra-te Senhor, que e o teu Filho bem amado
também esteve encarcerado.
Sim , Senhor, seja feira a Tua vontade. A M É M.
20
Outro estudo que abordou a situação da religião nos presídios foi o de Drauzio
Varella, Estação Carandiru (2002). O autor apresenta um subtítulo denominado “O
rebanho”. Nesse subtítulo é relatada a presença oficial de vários grupos religiosos no presídio
masculino.
Padres, pastores, médiuns, pais e mães de santo e até adoradores de satanás
freqüentam o presídio para converter à palavra do Senhor as ovelhas desgarradas. A
crença na ajuda divina é para muitos presos a derradeira esperança de conforto
espiritual, única forma de ajudá-los a estabelecer alguma ordem no caos de suas
vidas pessoais (VARELLA, 2002: p.117).
O autor relata através de fotos a presença da Umbanda, de Católicos e Evangélicos no
Carandirú. Essa pesquisa é interessante para o nosso estudo. Conhecendo um pouco da
religião nos presídios masculinos poderemos questionar com mais propriedade a ausência
oficial de grupos religiosos como os afro-brasileiros nos presídios femininos.
Um outro estudo utilizado foi à obra Prisioneiras: Vida e Violência atrás das grades
de Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz, (2002). As autoras apresentam as diferenças de
tratamento para as mulheres “crentes”: “um critério adotado em todos os presídios do Rio de
Janeiro é o de haver pavilhões ou celas separadas para as “crentes
2
.” (Musumeci, 2002:
p.37). Neste estudo verificamos como a religião possibilita às adeptas outras perspectivas, nos
presídios. Neste estudo temos ainda uma apresentação geral de como as prisões femininas
têm início no Brasil e o papel da disciplina religiosa com as Irmãs do Bom Pastor, religiosas
católicas, como podemos observar no relato abaixo:
... separadas as populações por sexo, fazia-se necessário montar as normas
pedagógicas que vigorariam daí por diante nas prisões de mulheres. ... Como educá-
las para reintegração social e convertê-las em caridosas beatas, voltadas às prendas
do lar, aos cuidados com os filhos, à sexualidade educada para a procriação e à
satisfação do marido? Nada melhor que invocar os ensinamentos religiosos para
auxiliar nessa tarefa, e entregar a missão às profissionais do setor. Com certeza, foi
esse o pensamento de Lemos de Brito (e seus seguidores) ao convidar as Irmãs do
Bom Pastor, com autorização do ministério da Justiça, para tomarem a seu cargo o
novo estabelecimento destinado às prisioneiras (SOARES, 2002: p.57).
2
Segundo as autoras, elas se denominam “crentes” quando pertencem a alguma seita religiosa ligada ao grupo de
igrejas pentecostais (nota 20 do capítulo História da prisão).
21
Um estudo mais recente é Prisão: um paradoxo social de Odete Maria de Oliveira,
(2003). A autora observa que existe total liberdade de escolha religiosa na penitenciária
pesquisada: O direito do interno de receber assistência religiosa, com total liberdade de
culto, era integralmente respeitado na Penitenciária de Florianópolis.(2003: 222). A autora
aponta para uma realidade que não verificamos nos presídios femininos da capital paulista, a
saber, a total liberdade de culto fazendo parte da rotina dos presídios.
O caminho que buscamos traçar já foi apresentado rapidamente quando falamos do
conteúdo de cada capítulo desta pesquisa, no entanto é necessário enfatizar que a discussão
teórica do primeiro capítulo e parte da discussão apresentada no segundo fez com que
entendêssemos a relação de controle que a religião desempenha nos presídios femininos até a
presente data. Enfatizamos ainda que o atual atendimento religioso demonstrou que os
presídios femininos da capital paulista conseguem manter uma realidade de décadas atrás.
Uma realidade em que não se podia expressar o exercício das religiões de seguimentos afro
na sociedade.
Nossa pretensão inicial era estudar as religiões afro nos presídios da capital. Com os
primeiros contatos ainda por telefone, tomamos conhecimento de que não havia atendimento
religioso oficial de grupos afro nos presídios femininos. Entrevistamos ainda o Pai de Santo
Francelino de Shapanann, na ocasião presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do
ABC. Na entrevista ele explicitou que o impedimento ao acesso das religiões afro nos
presídios femininos está na falta de procura. Para que os pais e/ou mães de santo se interessem
em ir aos presídios é necessário que sejam procurados pelos familiares das presas ou pela
direção dos presídios. O pai de santo informou ainda que no Carandirú, ele e outros pais de
santo, haviam feito atendimento. No caso dos presídios femininos da capital, até a data da
22
entrevista (09.03.04), não havia solicitação. Nos foi ainda apresentado outro argumento
sobre a ausência das religiões afro nos presídios femininos da capital. O que poderíamos
considerar é que as religiões afro não possuem o caráter proselitista o que impossibilita a
procura de novos adeptos.
Essas informações contribuíram para que nosso estudo tomasse outro caminho. Esse
novo traçado de caminhada considerou a memória cultural afro das mulheres presas. Todas
nossas entrevistadas confirmaram o critério racial afro-descendente. Sendo evidenciado nas
respostas das próprias mulheres presas que todas possuem uma memória cultural religiosa
afro. Esse aspecto contribuiu para que nosso estudo permanecesse com particularidades da
proposta inicial.
23
CAPÍTULO I
OS PRESÍDIOS: UMA CRIAÇÃO DO MUNDO MODERNO OCIDENTAL
_____________________________________________________________________________________
Na sociedade contemporânea a possibilidade de escolha religiosa é apresentada como
uma faceta da liberdade, na qual os indivíduos estão livres para escolher e exercitar a religião
com que mais se identifiquem, porém afirmamos que nos presídios ela é mais um mecanismo
de controle social. Buscamos neste primeiro capítulo apresentar os mecanismos que os
presídios utilizam para controlar os indivíduos, e posteriormente nos próximos capítulos como
a religião fortalece ainda mais esta ação. No primeiro item deste capítulo apresentaremos a
definição de “instituição total” utilizada por Goffman, na qual a instituição é o local em que
todas as funções são realizadas, sem que a pessoa possa ou necessite ir a outros locais. Toda a
vida do indivíduo é organizada e dirigida no espaço da instituição. Também discutiremos a
noção de “instituição completa” trabalhada por Foucault. Esses dois conceitos serão utilizados
para entendermos o espaço totalizador que é a prisão e a importância desse conceito em nossa
pesquisa.
O momento em que a prisão deixou de ser um espaço no qual as pessoas eram
depositadas até o dia da morte e passou a ser utilizada como principal pena na sociedade
ocidental é o assunto que trabalhamos com mais ênfase no segundo item deste capítulo.
Lembrando como essa prisão nasceu com características de fechamento, sua estrutura
demonstra a intenção de segregar o grupo em questão do convívio social. O exemplo do que
pode vir acontecer com quem não estiver conformado aos moldes estabelecidos é um
elemento importante para a manutenção da prisão.
No terceiro item estudamos o surgimento das prisões de mulheres no Brasil, com o
objetivo de delimitar com mais precisão o objeto de nosso trabalho. Sabemos que no Brasil a
24
situação das mulheres em todos os âmbitos da sociedade ainda é muito desigual em relação à
situação do homem. Nos presídios verificamos que o direito ao atendimento religioso de
maneira mais abrangente não é respeitado, ou melhor, ainda não havia sido questionado antes
da nossa inserção nesses espaços.
1.1 Presídios como “instituições totais”
O objetivo inicial desta pesquisa foi estudar o processo de escolha religiosa das
mulheres afro-descendentes nos presídios femininos da capital paulista. Para poder entender
com maior objetividade esta situação na qual se encontram as referidas mulheres, optamos por
estudar o processo de criação das consideradas primeiras prisões no mundo moderno
ocidental. A fim de evidenciar o significado das instituições totais e da/s escolha/s religiosa/s
realizadas pelas mulheres em situação de prisão, passamos a apresentar idéias e elementos que
influenciaram e continuam marcando significativamente a vida nesses espaços. Essa reflexão
inicial nos permitirá discutir o conceito de “instituição total”
Na realidade do mundo ocidental, a modernidade traz, em seu bojo, algumas idéias de
mudança, essas mudanças passam pela supervalorização da disciplina. A disciplina aqui
entendida como controle das necessidades físicas e das emoções, atingindo o corpo do
indivíduo, realizando um controle detalhado e minucioso sobre seus gestos, hábitos, atitudes,
comportamento e discurso. A ação sobre o corpo opera biológica, somática e
psicologicamente; com esses aspectos pode-se entender o fato de que o corpo humano seja
alvo, pela prisão, não mais para supliciá-lo ou mutilá-lo, como ocorria nos séculos anteriores
ao XVIII, mas para adestrá-lo e aprimorá-lo. São estipulados horários para quase todas as
funções e necessidades, o indivíduo deve ocupar uma função social. Com essa nova maneira
de ver a vida as pessoas que não se enquadram disciplinarmente devem passar por correções.
25
Foucault explica assim a relação entre corpo e a origem da prisão: “A forma geral de uma
aparelhagem para tornar os corpos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu
corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência”
(FOUCAULT, 1986: p.195)
Temos nessa afirmação o início da instituição-prisão, em que a sua função é controlar
os corpos para a sociedade, mas o controle busca também uma produção em que se visa o
acúmulo para geração de capital. A industrialização engendra a necessidade de disciplina para
uma produção em grandes quantidades, deixando de lado o cuidado com a pessoa para se
preocupar com as maneiras de facilitar e gerar mais produto. Lembramos aqui do contexto da
Revolução Industrial no qual a máquina passa a ter mais valor do que o ser humano para a
produção em grande escala. A pessoa deve trabalhar juntamente com a máquina para produzir
em grandes quantidades, gerando mais capital. É importante, assim, constatar o contexto
disciplinador em que surge a prisão e a produção industrial.
Nos processos que a chamada industrialização trouxe, destacamos, a necessidade de
que as pessoas, para serem consideradas socialmente aceitas, precisavam de um trabalho
regular e regulado: regular porque a pessoa passa a trabalhar todos os dias em horários
previamente estipulados, regulado, pois fica em um posto de trabalho, no qual o espaço que
ocupa é o suficiente para que se movimente o mínimo possível e esteja atenta ao empenho de
produzir. O trabalho que exige hora para entrar, tomar café, almoçar e hora para sair é o
mecanismo que Foucault denomina prisão.
Nesse trabalho o indivíduo passa cerca de um terço de sua vida diária, desenvolvendo
atividades que não exigem uma compreensão do todo. A vida passa a ser marcada por
26
momentos previsíveis e precisos, de modo que os indivíduos devem gerar, produzir, deixando
suas necessidades imediatas para outro momento e desempenhar o papel de mão-de-obra. A
inversão dos papéis é um elemento a ser analisado no contexto da industrialização. A pessoa
perde suas funções intelectuais e a liberdade de escolha passando a exercitar uma função
mecânica e repetitiva. Perde temporariamente sua capacidade de intervenção no modo de
produção e a pessoa passa por um estado de alienação. Tal alienação pode ser compreendida
“no sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um
grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos,
enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade.” (BOTTOMORE, 1983:
p.5). Dessa maneira alienada a produção na modernidade transforma corpos em máquinas.
Foucault considera essa nova maneira de orientar a vida para o trabalho de instituição-
prisão, no sentido em que o trabalho passa a ser o aspecto principal na vida social do
indivíduo. Nesse contexto a prisão-castigo torna-se a punição por excelência, deixando de
lado todas as outras possibilidades de correção.
No espaço das prisões esse mecanismo é utilizado como instrumento de controle e de
garantia para que a disciplina seja efetivada. O trabalho como produção também é cobrado
enfaticamente nas prisões, sendo valorizado como maneira de diminuição da pena. No Brasil
com a insuficiência de trabalho para todos, na orientação da vida social nos presídios, é a
religião que ocupa esse espaço, de maneira a controlar as pessoas assumindo esse papel
orientador. Percebemos ainda que a religião mantém a pessoa alienada a medida em que
controla seu comportamento para ter determinadas atitudes diante das situações previstas
nesses estabelecimentos. Nesse sentido a palavra alienação está caracterizada por outra idéia.
A idéia de um Deus criado pelo homem e que transforma a realidade. “Para Feuerbach, o
homem não é Deus auto-alienado, mas Deus é o homem auto-alienado: é apenas a essência
27
abstraída, absolutizado e dele distanciado.” (BOTTOMORE, 1983: p. 6). É essa alienação que
facilita o controle disciplinador das mulheres através das religiões inseridas oficialmente nos
presídios. A religião ao apresentar um Deus salvador que liberta os arrependidos, fortalece a
idéia de culpa nas pessoas, culpa que deverá ser perdoada por um deus.
Os mecanismos utilizados nos presídios para inculcação da culpa são eficazes, uma
vez culpado essa situação não é apagada da vida da pessoa. Após o cumprimento da pena, a
marca de malfeitor permanece registrada para sempre na vida da pessoa e em sua existência
cívica
3
, dificultando o seu retorno social. Essa marca de malfeitor é um pouco mais enfatizada
na medida que as igrejas apresentam a culpa como caminho para a salvação, ou seja, o
delinqüente com a orientação religiosa reconhece suas culpas e muitas vezes participa de um
processo de aceitação da pena como um elemento divino para obtenção do perdão de Deus.
Nesse caminho para o perdão a idéia de liberdade toma outra dimensão, deixando de ser física
para ser espiritual.
Na prisão, no entanto, a liberdade é o critério que juntamente com o tempo dará a
noção de igualdade. Liberdade aqui considerada como possibilidade de escolha das funções,
bem como as maneiras e momentos de efetivá-las. O isolamento social, a restrição a
informações e a ausência de liberdade, tornam-se pena para as pessoas desajustadas
socialmente. Segundo Paixão “esse isolamento tem múltiplas funções, dentre as quais a mais
óbvia e, talvez por isso mesmo, menos enfatizada nos relatos convencionais é a de retirar os
indivíduos, desajustados de circulação” (PAIXÃO, 1987: p.20). Ao retirar esses indivíduos do
convívio social são criados pequenos redutos sociais entre muros. Nesses redutos serão
enfocadas outras questões consideradas delituosas, tomando uma dimensão de oficina ou
universidade do crime.
3
Entendemos aqui como existência cívica a existência documentada da pessoa em uma sociedade.
28
A pena que limita as atividades intelectuais, físicas, emocionais, morais e artísticas de
uma pessoa passa a ser a pena por excelência da sociedade moderna. Os vários tipos de
pena, como o martírio e outros suplícios, são substituídos pela “prisão-castigo”. Como um
importante meio de punição a prisão-castigo em pouco tempo passa a ser a principal, senão a
única maneira de corrigir os indivíduos considerados desajustados. Foucault acentua que
desde o começo a prisão deveria ser um instrumento tão aperfeiçoado de transformação e ação
sobre os indivíduos como a escola, o exército ou o hospital. Isso nos faz pensar nos objetivos
da prisão e principalmente no papel da religião nos presídios. Considerando que a religião
também desempenha a função de transformar os indivíduos, nos presídios a religião,
principalmente com a atuação das igrejas cristãs, contribui para que a disciplina seja
cumprida.
A disciplina passa a ser o mecanismo de controle mais eficaz sobre os corpos nos
presídios. Foucault, em Vigiar e Punir, estuda os mecanismos da disciplina, como o poder
exercido sobre os corpos. O poder em todas as sociedades está fundamentalmente ligado ao
corpo, uma vez que é sobre ele que se impõem às obrigações, as limitações e as proibições.
No campo religioso essas limitações e proibições são consideradas como renúncias em
benefício da alma.
Quatro técnicas disciplinares são explicitadas por Foucault: espaço, tempo, vigilância
e saber. Em relação ao espaço, existe o quadriculamento celular dos espaços, onde perdura a
idéia do enclausuramento na organização física, evitam-se as distribuições por grupos e
decompõem-se todas as aparições coletivas. O tempo é organizado pela disciplina, pelo
controle e regulamentação das atividades que se repetem a cada dia, deixando de ser
individual para ser coletivizado pelo sistema de controle. A vigilância aparece como algo que
deve ser contínuo, ininterrupto; sendo necessário que os indivíduos sujeitos a ela a percebam,
29
a vejam e a incorporem. O saber é o resultado da disciplina empregada, pois o controle das
ações leva o indivíduo a uma produção de saber que gera poder. Esse saber somente será
possibilitado na medida que a pessoa se disciplinar, organizando suas atividades e buscando
aprimoramento do conhecimento. Essas técnicas disciplinares são a garantia para o
adestramento, para a subordinação dos corpos. Os presídios como instituições completas
utilizam-se dessas técnicas disciplinares em toda a vida do indivíduo:
... A prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve
tomar a seu cargo todos os aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão
para o trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; a
prisão muito mais que a escola, a oficina ou o exército, que implicam sempre numa
certa especialização, é “onidisciplinar”. Além disso, a prisão é sem exterior nem
lacuna; não se interrompe, a não ser depois de terminada totalmente sua tarefa; sua
ação sobre o indivíduo deve ser ininterrupta: disciplina incessante. Enfim ela dá um
poder quase total sobre os detentos; tem seus mecanismos internos de repressão e de
castigo: disciplina despótica. Leva a mais forte intensidade todos os processos que
encontramos nos outros dispositivos de disciplina. Ela tem que ser a maquinaria
mais potente para impor uma nova forma ao indivíduo pervertido; seu modo de ação
é a coação de uma educação total.
(FOUCAULT, 1986: p. 211)
A prisão em nossa pesquisa mostrou divergências nos aspectos completos que
Foucault apresenta como sem exterior nem lacuna. Verificamos que com a presença de
igrejas, cursos, ONGS e outros grupos nesses espaços, o exterior está presente e as lacunas
ampliadas. Sabemos que a troca de informações é efetivada cada vez que esses grupos visitam
os presídios levando notícias sobre a realidade exterior aos muros. Dos grupos que transitam
pelos presídios diminuindo essas lacunas ressaltamos as igrejas que intensivamente
desempenham a ação de disciplinar os corpos pela doutrina apresentada. A religião é um dos
principais setores que no espaço dos presídios tem muito maior poder sobre os indivíduos
dentro do que fora desses espaços, pois ela está impregnada de um caráter libertador, ao
mesmo tempo em que a religião é vista como libertadora ela faz um contraponto assumindo
também a função de governo que orienta a vida na prisão.
30
Nesse sentido as instituições totais apresentadas por Goffman como lugares de limites
e difícil acesso, mostram as características disciplinares e disciplinantes que Foucault
explicita. As regras e as normas são as principais estratégias de controle dos indivíduos e com
a religião sendo utilizada como governo, as normas são transmitidas de maneira sutil e eficaz
para que os corpos sejam controlados.
O conceito de instituição total nos dará base teórica para compreendermos o papel
totalizador da prisão na vida dos indivíduos. Para Goffman as instituições possuem tendência
de fechamento, sendo que em algumas instituições essas tendências estão mais enfatizadas das
seguintes maneiras:
Seu “fechamento” ou caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o
mundo externo e por proibições à saída, que muitas vezes estão incluídas no
esquema físico por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos,
água, floresta ou pântano. (GOFFMAN, 1961: p.16)
As instituições totais se encontram num grau intenso de restrições. Estas restrições são
vistas nas várias dimensões da vida do indivíduo perpassando todo o seu cotidiano.
Goffman organiza essas instituições em cinco grupos, ressaltando o papel protetor das
penitenciárias. Ele apresenta em primeiro lugar “as casas para cegos, velhos, órfãos e
indigentes”, consideradas pessoas incapazes e inofensivas. O segundo grupo está composto
por “sanatórios para tuberculosos, hospitais para doentes mentais e leprosários”,
estabelecimentos “para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e
que são também uma ameaça à comunidade”, ainda que de maneira não intencional. Como
terceiro grupo são apresentadas as “cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra,
campos de concentração”, organizados com o objetivo de proteger a comunidade contra
perigos intencionais, nesse terceiro grupo não existe uma preocupação imediata com o bem-
estar das pessoas isoladas. Os “quartéis, navios, escolas internas, campo de trabalho,
colônias e grandes mansões”, são apresentados em quarto lugar, com a intenção de realizar
31
alguma tarefa de trabalho de modo mais adequado. Em quinto e último estão as “abadias,
mosteiros, conventos e outros claustros”, estabelecimentos destinados a servir de refúgio do
mundo.(GOFFMAN, 1961; p.16-17)
Nesse trabalho fixamos o olhar sobre a instituição prisão. As penitenciárias e
presídios fazem parte do terceiro tipo de instituição total, definidas por Goffman, instituídas
para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem estar das pessoas que assim
isoladas não constituem problema imediato. Essas instituições se encontram num grau intenso
de restrições. Tais restrições são vistas nas várias dimensões da vida do indivíduo,
perpassando por todo o seu cotidiano. Goffman define a instituição total como:
Um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos
com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.
(GOFFMAN, 1961: p.11)
Com o mecanismo disciplinador, a instituição total prisão passa a ser um espaço social
com características específicas. O isolamento é uma dessas características suas construções
são efetivadas em áreas grandes e habitualmente distantes do centro comercial e populacional,
com muros altos e guaritas para a vigilância constante. As prisões foram pensadas para o
isolamento das pessoas em suas celas lembrando os mosteiros e conventos. Nas celas o tempo
é sempre um inimigo que atormenta constantemente. Não obstante a pressão desse
isolamento, as pessoas buscam maneiras de se comunicarem, seja por gestos codificados,
insistindo em um espaço individual ainda que ocupem a mesma cela duas ou mais pessoas,
seja pelos detalhes bordados em suas roupas e objetos que lhes diferenciam.
Um outro aspecto que podemos ressaltar é a uniformização dos indivíduos, que para a
equipe dirigente facilita a identificação imediata das reclusas. Tivemos a possibilidade de
32
verificar esse mecanismo quando em uma de nossas visitas ao campo observamos que as
presas vestiam calça bege e camiseta branca. Para o grupo recluso é uma maneira de igualar
a todas, fazendo com que a identidade individual seja quase que totalmente eliminada em seus
costumes de vestimenta. Sem identidade o controle dos corpos é facilitado, pois a maneira
como cada uma se apresenta carrega em si o jeito de ser individual da pessoa, com a
uniformização esse jeito é paulatinamente eliminado, fazendo com que a pessoa assuma um
comportamento coletivizado, com o princípio de igualdade, todas são tratadas de maneira
geral, com pouquíssimas diferenciações.
Ainda podemos lembrar da disciplina através do horário pré-estabelecido para grande
parte das funções e necessidades. Funções como o trabalho tem o horário de entrada,
intervalos e saída previstos pela instituição. Interessante ressaltar que os momentos para
educação formal, além de cursos profissionalizantes, lazer e atendimento religioso são todos
previamente instaurados.
Na instituição total denominada prisão a negação da liberdade é o principal elemento
controlador. Nessa sociedade onde a liberdade de expressão é valorizada como o bem maior, a
“prisão-castigo” deixa seu rastro de pavor e cumpre a função de punir. Punindo os corpos com
a privação da liberdade procura-se controlá-los socialmente. A prisão é utilizada ainda, como
exemplo de condenação para todos os que forem pegos infringindo a ordem estabelecida.
Gerar o medo é um outro elemento que a prisão-castigo traz em si, pois quanto mais medo os
indivíduos tiverem de ser presos, menos comportamento contra a situação pré-estabelecida
será desenvolvido. Mantendo assim uma considerada ordem nas relações.
33
O aspecto central das instituições totais é apresentado por Goffman como a ruptura das
barreiras que separam as três esferas da vida, a saber “dormir, brincar e trabalhar em
diferentes lugares” (GOFFMAN, 1961: p.17). Podemos acrescentar aqui a quarta esfera, a
religião, o espaço onde os indivíduos praticam a religião na sociedade civil, também é
diferente. Os espaços sagrados passam a ter um momento específico para ser freqüentado,
com comportamentos também estabelecidos. As instituições totais rompem essas barreiras, o
indivíduo passa a realizar todas as suas atividades no mesmo lugar.
Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob
uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do
participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de
outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas
coisas em conjunto. Em terceiro, lugar, todas as atividades diárias são
rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva, em tempo
predeterminado, à seguinte, e toda a seqüência de atividades é imposta de cima, por
um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as
várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente
planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição. (GOFFMAN, 1961: p.
17-18)
A religião consegue criar um clima de heterogeneidade transformando o espaço do
presídio em espaço sagrado. Apesar da religião ocupar o mesmo espaço total nos presídios,
existe uma separação, ainda que simbólica, pois os encontros religiosos tomam uma dimensão
diferenciada das outras atividades realizadas nesses espaços. É interessante compreender que
ainda que estando isoladas as mulheres conseguem atingir uma dimensão espiritual como se
estivessem em outras condições.
As instituições totais são organizadas com “um grande grupo controlado”, que
Goffman denomina “grupo de internados”, e uma pequena “equipe de supervisão”. A
supervisão nesse espaço é possibilitada porque existe uma atmosfera simbólica de vigilância.
Os próprios internos cobram uns dos outros, ou melhor, controlam com rigor a vida nas ações
de cada um.
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A burocracia da instituição total permite de maneira concisa o controle dos indivíduos
tanto do grupo de internos quanto da equipe de supervisores. “O controle de muitas
necessidades humanas pela organização burocrática de grupos completos de pessoas é o fato
básico das instituições totais.” (GOFFMAN, 1961: p.18). Segundo Goffman, as pessoas
quando fazem as atividades em grupos ficam mais fáceis de serem vigiadas. Esse controle é
facilmente detectado nas instituições chamadas prisão. A equipe dirigente mantém um
contado restrito com os internados. Desenvolvem-se dois mundos sociais e culturais
diferentes, que caminham juntos com pontos de contato oficial, mas com pouca penetração”
( GOFFMAN, 1961: p. 20)
Para Goffman essa divisão equipe dirigente-internado é uma conseqüência básica da
direção burocrática de grande número de pessoas, uma segunda conseqüência refere-se ao
trabalho. (GOFFMAN, 1961: p. 20). O trabalho nas instituições totais desempenha papel
diferente do que na sociedade externa, tudo o que se recebe em troca do trabalho realizado
não se pode gastar com liberdade. Muitas vezes os trabalhos são realizados em troca de uma
ração maior de alimento. “... existe uma incompatibilidade entre as instituições totais e a
estrutura básica de pagamento pelo trabalho de nossa sociedade”.(GOFFMAN, 1961: p. 22)
Um outro elemento decisivo de nossa sociedade que é incompatível com a realidade da
instituição total é a família. Nesses espaços existe a necessidade de destruir todas as
possibilidades de laços familiares.
A vida familiar é às vezes contrastada com a vida solitária, mas, na realidade, um
contraste mais adequado poderia ser feito com a vida em grupo... Independente do
fato de determinada instituição total agir como força boa ou má na sociedade civil,
certamente terá força e esta depende em parte da supressão de um círculo completo
de lares reais ou potenciais.
(GOFFMAN, 1961: p. 22)
35
Num sentido mais sociológico, a instituição total busca transformar os indivíduos
através do controle do corpo, de suas ações e necessidades, fazendo experimentos com as
vidas. Considera-se que se os corpos forem controlados mais enfaticamente por determinado
período, serão reabilitados ao convívio social. Muitas vezes, estes espaços acabam por se
transformar em desorganização geral das vidas, pois muitas e diferentes situações de
experiências são confrontadas influenciando-se de maneira que são verdadeiras fábricas de
criminosos.
A instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade residencial,
parcialmente organização formal... Em nossa sociedade, são estufas para mudar
pessoas: cada um é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu.
(GOFFMAN, 1961: p. 22)
Essa afirmação é importante porque sugere a idéia do que acontece com qualquer
grupo humano em estado de controle total. Os internados vivem na instituição e têm contato
restrito com o mundo existente fora de suas paredes.Geralmente não têm conhecimento das
decisões quanto ao seu destino”.(GOFFMAN, 1961: p. 20). O mundo do internado passa
inicialmente por uma adaptação, que se durar por muito tempo pode levar a um
destreinamento, ou seja, a pessoa perde a habilidade de resolução de problemas anteriormente
vividos. “Para o internado, o sentido completo de estar dentro não existe independente do
sentido específico que para ele tem sair ou ir para fora”.(GOFFMAN, 1961: p. 23).
A pessoa perde o auxílio das disposições prioritárias para o seu desenvolvimento
moral, passando por mutilações. Essas mutilações se caracterizam das seguintes maneiras: a
perda do papel ou dos papéis sociais; a perda do nome; despir-se de sua aparência usual, ou
seja, perda do conjunto de identidade; processo de admissão empregado pela equipe dirigente
como: obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões, procurar e enumerar
bens pessoais para que sejam guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos,
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distribuir roupas da instituição. Nesse processo de enquadramento o indivíduo fica sujeito às
regras dos estabelecimentos, temendo em algumas situações a perda da integridade física. Um
outro aspecto que pode ser levado em consideração é o poder de informação que a equipe
dirigente tem sobre a vida do internado. Ao entrar no presídio a pessoa precisa fazer um
dossiê de sua vida, ou seja, sua história anterior. Esse dossiê pode servir como motivo de
indução dentro do espaço carcerário, o que Goffman denomina de violação da reserva de
informação quanto ao eu.
Um outro aspecto interessante nesse contexto é a exposição contaminadora. Essa
exposição se qualifica de várias formas: através da sujeira no corpo ou nos objetos mais
íntimos, na comida, nos locais onde a pessoa vive constantemente, alimentação forçada,
contaminação por contato interpessoal imposto e por vezes indesejáveis; apelidos para os
internados. A exposição contaminadora passa pelo contato de um estranho com a relação
individual íntima daqueles que são significativos para o internado, ou ainda presenciar um
ataque físico a alguém com quem tem ligações, e sofre a mortificação permanente de nada
poder fazer.
Durante a permanência do internado na instituição o mesmo pode sofrer um
desencadeamento de perturbações como o circuito, ou seja, uma agência que cria uma
resposta defensiva do internado e que, depois, aceita essa resposta como alvo para seu ataque
seguinte. Nesse sentido o internado não tem uma estabilidade a respeito de suas respostas,
pois o que em um momento serve como defesa em outro poderá ser a resposta que
desencadeará uma nova agressão.
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Realizar um estudo sobre a escolha religiosa de um grupo nestas condições é
possibilitar que olhemos para uma parte significativa da nossa sociedade que, segundo fomos
educados, não devemos lembrar, mas está presente e somos afetados por ela. Afetar significa
que mesmo o que não é visto faz parte do corpo social, sofremos juntos como um todo social
interligado. Somos afetados quando tomamos consciência dessa realidade. Sabemos que
existe uma mediação para que essa realidade se torne conhecida. Os principais mediadores
são primeiramente a equipe dirigente desses estabelecimentos, que por mais que queiram
ignorar a realidade vivida pelas pessoas presas, levam ao conhecimento da população externa
vários fatores. Lembramos ainda dos familiares dessas presas que ao visitá-las participam
parcialmente dessa situação de isolamento e punição. Os grupos de igrejas, educadores e
outros profissionais também participam dessa intermediação. Todos os grupos mencionados
levam informações da realidade externa para as pessoas presas e recebem inúmeras
influencias desse espaço onde estão alojadas as mulheres e homens que cometeram delitos.
Com esses mediadores tomamos consciência dessa realidade e somos todos afetados
pela situação existente nos presídios, pois a consciência humana é formada intencionalmente,
isto é, os fatos são apresentados, sendo que os reflexos e contribuições sensíveis são
elementos que participam diretamente dessa construção. Inútil seria deixar de lado essa
realidade, muito mais quando temos uma população grande de mulheres pretas e pardas
vivendo essa situação de perda de liberdade. Ressaltamos aqui a situação das mulheres pretas
e pardas, por se tratar do grupo específico que nossa pesquisa focaliza.
1.2 Prisão como pena
Durante o tempo em que a pessoa cumpre a pena, ela é isolada do convívio da vida
civil, da vida comum, normal. Muito mais do que o isolamento da vida civil podemos
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enfatizar que essa mudança de espaço pode levar à quebra dos vínculos sociais, isto porque
coloca a pessoa numa condição de isolamento. Os vínculos com os familiares vão diminuindo
e com o passar do tempo pode chegar ao rompimento total. A pessoa que está presa perde o
contato com os amigos e familiares, deixa de saber dos acontecimentos da vida social. Como
podemos conferir no relato de uma presa entrevistada:
P: Sua filha vem te de visitar?
E: Faz um ano que ela não vem me visitar ela mudou de cidade. Ela me escreve,
uma vez no mês. Ela tem dois filhos.
P: Fora sua filha vem alguém?
E: Não, vinha a minha mãe, mas agora ela está doente, não anda... também é muito
longe. (Entrevista com PS)
E: 3 filhos, 2 meninos e uma menina, de 13, 10 e 4 anos.
P: Eles vem te visitar sempre?
E: Não tudo em Alagoas. Os dois maiores ficaram lá e a pequena tava aqui comigo
só que agora depois que eu vim pra cá minha sobrinha viajou com ela e tá para
voltar. (Entrevista com JM)
Nesse período de isolamento social, a pessoa aprende novas regras de convivência,
seu tempo é organizado conforme as normas rígidas do estabelecimento prisional. A prisão
passa a ser o mundo, com suas próprias regras como podemos perceber na entrevista de uma
mulher em situação de prisão:
P: Esse processo inicial de Adaptação alguém explica para você?
E: Dizem que é assim na adaptação você passa por algumas aulas com diretores, não
foi o meu caso, eu passei com assistente social; não falei com todos, na verdade é no
dia a dia aqui. Quando eles perguntam como foi o processo aqui eu digo que foi
regular pra não dizer péssimo. Não é fácil qualquer mudança é difícil; ser presa é
difícil, eu não acho bom porque eu estava em um estagio ai teve a rebelião mudou
tudo. Eu acho assim, antes eu tinha um intuito de ajudar as presas, mas agora Deus
tem que tocar muito meu coração. (Entrevista com VC)
Para entendermos com maior precisão o processo pelo qual a prisão tornou-se o
castigo por excelência consideramos o estudo sobre as prisões, realizado por Odete Maria de
Oliveira, (2003). Em principio há que lembrar que as penas privativas de liberdade e as
prisões eram ignoradas pelos povos primitivos. A pena de morte quando existia era utilizada
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como medida suprema. Nos casos de crimes graves eram adicionados suplícios à pena de
morte. (OLIVEIRA, 2003: p.47)
Com o desenvolvimento da sociedade e o crescimento da vida coletiva se intensifica a
responsabilidade se tornando individual. A detenção aparece na história no século V como
medida preventiva e mais tarde assume um caráter repressivo tornando-se um tipo de
penalidade. As primeiras prisões aparecem localizadas nos palácios dos reis, nas dependências
dos templos, nas muralhas que cercavam as cidades.
Em Roma, é na fortaleza real que se encontrava a mais velha prisão; na Idade
Média, no castelo senhoril e nas torres das muralhas que rodeavam as cidades; na
Judéia, em fossas baixas; no antigo México, em gaiolas de madeiras, onde eram
amarrados os acusados. ( OLIVEIRA, 2003: p. 47)
Pouco se sabe da história das prisões primitivas, no entanto como as condições
econômicas e sociais da época não favoreciam a construção de estabelecimentos penais
propícios, eram usados os mais variados sistemas de detenção, utilizavam até buracos em
forma de fossas, de maneira que o condenado era remetido para depois ser exposto e lhe
aplicarem suplícios, apodrecendo na imundície no meio de vermes. Isso nos leva a perceber
que a sociedade primitiva tinha o consenso, sendo cúmplice na forma de aprisionamento de
uma pessoa que cometesse algum crime grave até ser punida com a morte.
No entanto, estas formas de prisão não constituíam penas propriamente ditas, nem
eram ligadas a crimes definidos. Foi somente na sociedade cristã que a prisão tomou forma de
sanção. Conforme Mariano Ruiz Funes:
A Igreja instaura com a prisão canônica o sistema da solidão e do silêncio.
A sua reforma tem profundas raízes espirituais. A prisão eclesiástica é para os
clérigos e se inspira na moral católica: o resgate do pecado pela dor, o remorso pela
má ação, o arrependimento da alma manchada pela culpa . Todos esses fins de
40
reintegração moral se alcançam com a solidão, a meditação e a prece. (FUNES,
1953: p.153)
Temos nessa citação a menção de como a religião institui a disciplina como pena para
modificar os comportamentos de seus membros e posteriormente é assumida pela sociedade
como um todo. É essa relação e esse poder disciplinador que procuramos estudar nesse
trabalho. O poder espiritual controlando os corpos para uma realidade material.
Segundo Pimentel (1977), nascida no século V, a prisão celular foi aplicada apenas
nos mosteiros. A Igreja estava impedida de aplicar penas seculares, principalmente a pena de
morte, daí então a necessidade da separação que favorecia a penitência. Com a instauração da
pena de reclusão houve o enfraquecimento progressivo da pena de morte. No início a prisão
celular funcionou como prisão preventiva, passando posteriormente para prisão na forma de
pena privativa de liberdade. No século XVIII foi reconhecida como pena definitiva
substituindo a pena de morte. Para Foucault, a prisão imposta ao condenado significa:
... privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito
e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de
coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do
corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte
de sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça
ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância,
propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais ‘elevado’.
Por efeito dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicas veio substituir o
carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os
psiquiatras, os psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do
condenado, eles cantam à justiça o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que
o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva. (FOUCAULT,
1986: p. 16)
Antes, a simples prisão não sendo considerada suficiente era complementada com
outras privações como: carência alimentar, utilização de cintos, entraves, colar de ferro e
outros instrumentos. Com o Código Penal francês e sua revisão em 1832 foram deixados de
lados todos os demais suplícios.
41
Nos séculos XVII e XVIII são criados grande número de estabelecimentos de detenção
para os condenados, com os mais diferentes nomes: cárcere, calabouço, ergástulo, enxovia,
aljube, masmorra, penitenciária, cadeia. Esses estabelecimentos não obedeciam a nenhum
princípio penitenciário, e não atentavam a nenhuma norma de higiene, pedagogia e moral.
Essas prisões eram geralmente subterrâneas, sem o mínimo de condições para a sobrevivência
dos condenados. Os prisioneiros eram ali deixados ao mais completo abandono, sofrendo
cruéis torturas.
Podemos considerar dois fatores como principais para o crescimento das prisões nesse
período: primeiramente, a mudança de mentalidade que deixa de ser medieval e passa a ser
moderna. Na mentalidade medieval o suplício é o espetáculo da punição, na mentalidade
moderna a punição é velada. Foucault, se referindo a narração do suplício que inicia a obra
“Vigiar e Punir” afirma: “apresentamos exemplo de suplício e de utilização do tempo. Eles ao
sancionarem os mesmos crimes, não unem o mesmo gênero de delinqüentes. Mas definem
bem, cada um deles, um certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos.”
(FOUCAULT, 1986: p.13)
O segundo fator é a revolução industrial na qual os trabalhadores são excluídos do
campo, pois acontece uma nova configuração do trabalho. Com essa nova configuração
aumenta o número de mendigos e desocupados nas ruas, essas pessoas passam a ser vistas
como infratores pelo novo sistema e consideradas perigosas, pois não estão na produção, com
isso torna-se necessário a criação de mais espaços para punir esta população, aumentando
assim o número de prisões neste período.
42
Em 1777 ocorreu na Inglaterra, um movimento revolucionário para humanizar as
regras disciplinares da detenção penal e o regime prisional da época. O inglês John Howard
(1720-1796) com o seu livro, State of Prisons in Ingland and Wales, foi um dos principais
responsáveis por essas manifestações, segundo Oliveira, (2003). Após a morte de John
Howard suas idéias deram frutos através do criminalista e filósofo inglês, Geremias Bentham
( 1748 1832) que apresentou um modelo de estabelecimento prisional de maneira diferente,
conhecido como panóptico, um tipo de prisão celular, caracterizada pela forma radial, onde
uma só pessoa podia exercer a vigilância dos internos das celas, de um posto de observação.
Como descreve Foucault:
O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O
princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre;
esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a
construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura
da construção; elas tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas
da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco,
um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz,
pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas
silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em
que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível.
O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e
reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes,
de suas três funções trancar, privar de luz e esconder só se conserva a primeira
e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que
a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha.” (FOUCAULT,
1986: p. 177)
Um novo conceito de punição começa a ser fortalecido através da privação de
liberdade e pelo surgimento destes elementos constitutivos. O que era considerado maldade
quando visto pelas ruas, agora atrás dos muros torna-se justiça. O panóptico não significa
somente uma nova arquitetura de um edifício, de celas individuais, mas pretendia guardar os
prisioneiros com maior segurança e economia, sob o efeito de uma reforma moral de
educação e boa conduta. Em 1800 nos Estados Unidos, na cidade de Richmond, Virgínia foi
construída a primeira penitenciária panóptica.
43
Conforme Oliveira, (2003); para Jeremy Bentham a prisão era considerada como um
lugar que privava a liberdade do homem, que dela havia abusado, para prevenir novos crimes
e desviar dele os demais indivíduos, pelo terror e pelo exemplo. A casa de correção devia
propor a reforma dos costumes das pessoas reclusas, a fim de que seu regresso à liberdade
não constituísse uma desgraça à sociedade nem aos encarcerados.
Como mencionado anteriormente, fora do cárcere e dentro da sociedade civilizada, o
cidadão também é controlado. Recebe registros de sua identificação, encontra-se cercado de
compromissos cívicos, submete-se a horários de entrada e saída no trabalho, na escola, nos
parques e em outros espaços. O que difere nesses casos é que o cidadão livre pode escolher,
tem a oportunidade de mudar em determinadas situações, como optar por outra escola,
emprego e assim por diante, enquanto que o detento deve suportar as regras que a ele foram
impostas após a condenação.
Temos ainda na história das prisões outros cinco sistemas prisionais que em muito
influenciaram o sistema prisional brasileiro. O Sistema Filadélfia, iniciado em 1790 na cidade
de Filadélfia, chamada Solitary Confinement, estava impregnada de conceitos religiosos
católicos dos cárceres monásticos. Esse sistema impunha o isolamento absoluto e constante,
sem trabalho ou visita, sendo estimulado unicamente pela leitura da Bíblia. O sistema de
Auburn, que surgiu em 1821 em New York, exigindo, também, silêncio absoluto, mas um
regime de comunidade durante o dia e isolamento noturno. O sistema de Montesinos
enfatizava o sentido regenerador da pena. Criou uma forma de trabalho remunerado para o
preso não ser explorado e suprimiu os castigos corporais. O sistema progressivo inglês, surgiu
em 1846. Segundo esse sistema a duração da pena dependia da boa conduta do preso, de seu
44
trabalho produzido e da gravidade do delito. O condenado recebia marcas ou vales quando seu
comportamento era positivo e os perdia quando não se comportava bem. No sistema
progressivo irlandês foi adotado o sistema de vales acrescido de um período de preparação à
vida livre, que consistia em transferir o recluso para as prisões intermediárias, com suave
regime de vigilância, sem uniforme, com permissão para conversar, sair até uma certa
distância, trabalhando fora do campo, esse regime foi adotado no Código Penal brasileiro,
excluindo o uso de marca ou vales. Sabemos que outros modelos de prisões foram criados
nos anos seguintes, no entanto o que buscamos nesse trabalho é verificar com mais detalhe a
prisão de mulheres no Brasil.
1.3 Prisão de mulheres no Brasil.
Quando pensamos em prisão imediatamente nos vem à mente a figura masculina como
sendo objeto desta situação. Nesta pesquisa priorizamos a mulher como principal vítima da
prisão. No Brasil, a prisão foi instaurada desde o início da ocupação pela colônia Portuguesa.
Conforme relata Soares:
Do início do século XVI a meados do século XVIII, vigoraram no país as
Ordenações Filipinas, que foram por mais de duzentos anos, a legislação responsável
pelas práticas punitivas adotadas na colônia. Além de sua rígida lei, os fidalgos
portugueses trouxeram, como parte do carregamento das naus, uma população
indesejada para a Coroa, constituída de degredados, pessoas expulsas de Portugal e
que eram deixadas nos novos territórios. (SOARES, 2002: p.51)
Compreendemos com essa informação que o Brasil serviu, no início de sua
colonização, como um território-castigo para os degredados de Portugal, as mulheres faziam
parte dessa população de excluídos do país português. As circunstâncias que levavam à
degredação de mulheres eram inúmeras, no entanto as degredadas para sempre eram as
amantes de clérigos ou de outra pessoa religiosa, chamadas “barregãs”; as “alcoviteiras” e as
mulheres que se fingissem grávidas ou que assumissem parto de outra como sendo seu.
45
Segundo Soares, os registros sobre mulheres presas no Brasil são datados do século
XIX no Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, de 1870 apresentando um
mapa do movimento do Calabouço: a prisão para escravos, que nessa ocasião funcionava
conjunta à Casa de Correção da Corte. Entre 1869 e 1870, passaram por lá 187 mulheres
escravas, juntamente com homens escravos. No início do século seguinte, em 1905, num
Relatório da Casa de Correção da Capital Federal foi feita a menção de melhoramentos
realizados para alojar as presas. (SOARES, 2002: p.52)
A população das primeiras prisões no Brasil era composta por escravos homens e
mulheres, mais uma confirmação da relevância desse estudo, pois constatamos menção de
mulher presa por 25 anos, escrava, Isabel Jacinta, no relatório de 1872 no Distrito Federal.
Lembramos ainda que a chamada abolição da escravidão de negros no Brasil foi assinada em
1888, evidenciando que negras em situação de escravidão eram presas.
Segundo Soares, no começo de 1923 Lemos de Brito foi encarregado, pelo então
ministro da Justiça, João Alves, de elaborar um projeto de reforma penitenciária. Para
conhecer a situação penitenciária da época, ele percorreu o país visitando todas as prisões e
apresentou um plano geral, em 1924, aconselhando a União a construir um reformatório
especial para todas as mulheres em situação de prisão. A proposta de construir espaço de
prisão diferenciado e específico para mulheres vinha da idéia de que as mulheres conjuntas
aos homens poderiam corromper ainda mais os homens presos, um argumento que tirava toda
responsabilidade do homem e atribuía à mulher toda a culpa pela inevitável piora do homem e
da mulher nestas circunstancias. (SOARES, 2002: p.53)
46
Em 1928, Cândido Mendes de Almeida, então presidente do Conselho Penitenciário
do Distrito Federal, comenta a situação das mulheres condenadas e propõe a criação de uma
penitenciária agrícola para as mulheres. Segundo Cândido Mendes, esse local traria vantagem
para a mulher pois elas seriam “educadas na prática de trabalhos rurais e agrícolas próprios
para as mulheres, como a avicultura, a apicultura, a sericultura, a pequena lavoura e a
jardinagem” (Almeida: 1928). Os motivos para a prisão de mulheres nessa época eram a
prostituição, alcoolismo, infanticídio, aborto, furto, além da própria escravidão que permitia
a prisão para os homens e mulheres escravizados.
Criada em 1924 a instituição do Patronato das Presas, seguia o modelo do Cárcel de
Mujeres das repúblicas Argentina e Uruguaia. Nesse Patronato, as mulheres que trabalhavam
como carcereiras eram distintas senhoritas de importantes famílias brasileiras e religiosas da
Congregação do Bom Pastor. Além de oferecer seus serviços de carceragem, elas saíam as
ruas em companhia da Condessa Cândido Mendes de Almeida, presidente desse patronato,
para procurar casa adequada para instalar a prisão de mulheres. Interessante notarmos como
as elites da época e as congregações religiosas desempenhavam o papel assistencialista e
filantrópico na condução de casas para mulheres desviadas da lei. (SOARES, 2002: p.55)
Conforme afirma Soares, foi criada em 1942, através do decreto 3971 de 02.10.1941 a
primeira penitenciária feminina no Brasil:
É dessa forma que nasce, em 9 de novembro de 1942, criada pelo Decreto
n º 3971, de 2/10/1941, a primeira penitenciária feminina do antigo Distrito Federal.
Constituída especialmente para tal fim, em Bangu, bem distante dos presídios para
homens, a prisão feminina esteve sob administração interna e pedagógica das freiras,
que se incumbiram da educação disciplina, trabalho, higiene e economia, ficando a
cargo da Penitenciária Central do Distrito Federal (PCDF) os serviços de guarda,
transporte, alimentação, roupa de cama e lavanderia, assistência médica,
farmacêutica e funerária. (SOARES, 2002: p.58)
47
No Brasil inicialmente a Igreja Católica, através das freiras, desempenhou um papel
disciplinador e porque não dizer castrador das mulheres presas, desde o início da criação legal
dos presídios femininos. Verificamos em nossa pesquisa de campo que essa instituição
religiosa, juntamente com outras instituições continuam realizando papel moralizador nos
presídios femininos da capital paulista.
O papel moralizador se efetiva a medida que as igrejas inseridas nos presídios
femininos apresentam uma moral de resignação, onde a pessoa deixa de lado seus desejos
para abraçar os desejos da considerada instituição. A sexualidade é um aspecto que foi
observado em nossas visitas, onde a liderança religiosa expulsa o considerado espírito que
possui a mulher e a faz ter atitudes homossexuais, observamos que esse tipo de prática é uma
forma de controle social exercida nas prisões. A carência afetiva, pela ausência de visita
intima é vista pela liderança da igreja Universal do Reino de Deus como a presença do
demônio, aqui temos a realidade física sendo substituída pela espiritual e o controle social
através da religião.
Outros presídios femininos foram criados no Brasil, como é o caso do Instituto Penal
Romeiro Neto, que teve origem em 1966, pelo Decreto n.º5.685, de 29 de março de 1966,
como Instituto Social de Recuperação Feminina, no Rio de Janeiro. A penitenciária Feminina
de São Paulo criada em 1973 com direção inicial das freiras católicas. Como enfatiza Oliveira
(1978), em seu estudo A Religião nos Presídios, na ocasião o atendimento religioso era
prestado unicamente pela Igreja Católica.
A Penitenciária Feminina "Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira" situada no bairro
do Butantã existe desde 1989, com regime semi-aberto e fechado. O Presídio Feminino do
Tatuapé São Paulo, unidade inaugurada em novembro de 1991. Os presídios femininos da
capital paulista, como todos os presídios, fazem parte do universo totalizador das instituições
criadas no mundo moderno ocidental. Nos espaços dos presídios as religiões desempenham
48
papel de controle social. A mulher nesses espaços passa ser vítima do controle e da
discriminação social. Apresentamos, no capítulo seguinte, as mulheres que foram objeto de
nossa pesquisa e como elas são reconhecidas na sociedade da instituição total presídio.
49
CAPÍTULO II
AS MULHERES AFRO-DESCENDENTES NOS PRESÍDIOS DA CAPITAL
PAULISTA
___________________________________________________________________
O primeiro item a ser destacado neste capitulo é a presença das afro-descendentes nos
presídios. Estudaremos o conceito “afro-descendente” que nos ajudará a entendermos quem
são essas mulheres, como elas se autodenominam e são percebidas pela direção e colegas,
assumimos este desafio, pois temos consciência de que a construção desse conceito é muito
recente em nosso país e que grande parte dessa população não se reconhece como tal.
Apresentamos a memória religiosa afro das mulheres entrevistadas
Enfocamos no segundo item deste capítulo como a memória religiosa afro, sendo parte
da cultura brasileira, sofre a discriminação negativa. Essa abordagem é importante para
entendermos como a ausência de religiões de origem africana nos presídios incorre em
prejuízo para a mulher e de maneira especial para a mulher afro-descendente que possui em
sua memória religiosa aspectos das religiões afro. A mulher afro-descendente que na
sociedade como um todo sofre a tríplice (sexo, classe, raça/etnia) discriminação negativa, nos
presídios não tem a possibilidade de optar pelas religiões de origem africana.
2.1 As afro-descendentes nos presídios
O Brasil é um país mestiço. A mestiçagem resulta da mistura
genética entre diferentes grupos populacionais catalogados como raciais. A
mestiçagem também possui elementos culturais. Afro-descendente é, ao pé da letra,
o reconhecimento da descendência africana, mestiça ou não. Considerando o
contexto da mestiçagem, ser negro possui vários significados. Em nosso país ser
negro é uma escolha de identidade, a da ancestralidade africana. (Dados sobre a
desigualdade racial, 2005).
50
Falar de afro-descendente no Brasil é um desafio, considerando que esse conceito é
recente e esta identidade está em processo de construção. Passamos por um momento crucial
desta discussão, o ano de 2005 foi declarado o ano da promoção da igualdade racial, sendo
impossível manter oculta a realidade de desigualdade que os afro-descendentes enfrentam.
Para abordar o conceito de afro-descendente utilizamos o trabalho de Praxedes,
Reflexões sobre uma identidade afro-descendente (2003). Essa identidade que como a autora
diz é mutável e depende de contextos sociais específicos passa a ser reconhecida e construída
na sociedade brasileira.
...reflexões sobre a noção de identidade para tentar dimensionar o significado do
contexto atual brasileiro, no qual está em processo uma redefinição da identidade
dos afro-descendentes. As diferentes construções identitárias nascem em contextos
sociais específicos e devem ser pensadas em uma perspectiva relacional, ou seja,
como resultantes das relações sociais que ocorrem no cotidiano dos atores sociais, e
não como propriedades intrínsecas compostas por uma essência imutável.
(PRAXEDES, 2003)
Utilizando uma abordagem política mais que conceitual a autora, enfatiza que ocorre
um deslocamento da identidade dos afro-descendentes, sendo pensada do ponto de vista
relacional, como proveniente das relações sociais. São essas relações sociais que
possibilitarão que o indivíduo ou o grupo tenha uma identidade.
Aprofundando ainda mais esta idéia, buscamos a definição da formação da identidade
em Berger, (1985) que afirma:
É possível resumir a formação dialética da identidade pela afirmação de
que o indivíduo se torna aquilo que os outros o consideram quando tratam como ele.
Pode-se acrescentar que o indivíduo se apropria do mundo em conversação com os
outros e, além disso, que tanto a identidade como o mundo permanecem reais para
ele enquanto ele continua a conversação. ( BERGER, 1985: p. 29)
51
O afro-descendente tem sua identidade construída nesse movimento, tem uma
percepção de si e é percebido pelo outro. Nessa relação com o outro é reconhecida sua a
própria identidade, que conforme Berger (1984):
...a identidade é formada pela visão que temos de nós mesmos e também pela forma
que o outro nos vê, “... quer a identidade seja atribuída ao indivíduo, quer seja
adquirida por ele, ela sempre é assimilada por um processo de interação com outros.
São outros que o identificam de certa maneira. Só depois que uma identidade é
confirmada pelos outros, é que pode tornar-se real para o indivíduo ao qual pertence.
Em outras palavras, a identidade resulta do intercurso da identificação com a auto-
identificação. Isto explica até as identidades deliberadamente constituídas pelo
próprio indivíduo.” (BERGER e BERGER, 1984: 212).
Essa identidade torna-se fonte de significado para seus atores. A formação da
identidade permite que a pessoa organize significados duradouros em espaços específicos e
contexto social e político marcado pelas relações de poder.
Castells observa que as identidades “constituem fontes de significado para os
próprios atores, por eles originadas, e constituídas por meio de um processo de
individuação”, o que torna toda e qualquer identidade resultante de uma construção,
que tem como objetivo organizar significados que se mantenham ao longo do tempo,
em um determinado espaço e em um contexto social e político fortemente marcado
por relações de poder. (In. PRAXEDES, 2003)
Nessa construção de identidade o afro-descendente busca suas próprias conquistas, e
resgata sua cultura. A situação de negação da identidade ou as práticas racistas podem gerar
uma resistência, fazendo com que o afro-descendente fuja das posições predeterminadas para
ele na sociedade.
Considerando que o processo de identificação jamais pode ser tomado como uma via
de mão única, a difusão da ideologia e das práticas racistas geram a conformação de
uma identidade de resistência, que pode ser exemplificada pelas estratégias de
distinção desenvolvidas pelos afro-descendentes para fugir das posições
predeterminadas para o negro pelas formas de identidade legitimadora difundidas
pelas instituições e classes dominantes. (PRAXEDES, 2003)
52
Nessa construção da identidade percebemos como a religião está inserida como
elemento que possibilita a pessoa se perceber parte de um grupo. A mulher afro-descendente
em situação de prisão é protagonista de nosso estudo. Entendemos por afro-descendente as
mulheres pretas e pardas descendentes dos negros africanos trazidos de diversos países do
continente africano. Considerando que: “...o Brasil é o maior país do mundo em população
afro-descendente, fora do continente africano. E que foi o último país a abolir a escravidão
negra. Foi também o país que mais importou africanos para serem escravizados: 4 milhões.”
(Dados sobre a desigualdade racial, 2005)
A população feminina nos presídios sofre com a precariedade do sistema.
A discussão das desigualdades que atingem as mulheres negras no
Brasil comumente aponta para a presença de uma tríplice discriminação: por ser
mulher, negra e pobre. Se por um lado esse esquema de análise torna mais fácil a
compreensão de três poderosos fatores determinantes da violência estrutural que nos
atinge, por outro requer a compreensão de que a mulher negra, enquanto ser
indivisível, vivencia simultaneamente graus extremos de violência decorrente do
sexismo, do racismo e dos preconceitos de classe social, em um bloco monolítico e
tantas vezes pesado demais. ( WERNECK, 2005)
A realidade retrata uma forma de exclusão que a população negra sofre desde os
tempos da colonização com a escravidão no Brasil, em que milhões de africanos foram
trazidos de vários países da África, como mão de obra escrava, ficando nesta situação por
cerca de 300 anos sendo considerados como animais sem alma. Essa exclusão é percebida
fora dos muros das prisões, onde os negros e negras são os que têm níveis inferiores de
estudo, baixos salários, moradia em situação precária, saúde prejudicada pela falta de recursos
e direcionamento da medicina para as doenças específicas das etnias negras. Nos presídios a
exclusão continua através da discriminação negativa das religiões afro, poucas oportunidades
de atendimento jurídico, psicológico, por baixas condições econômicas.
Interessante percebermos em nossas pesquisas de campo que quando solicitado à
direção dos presídios a entrevista com mulheres afro-descendentes de características físicas
53
próximas do tipo negro, nos foi relatado que seria difícil encontrar mulheres negras nesses
espaços. Segundo Ferreira (2000, p. 42) “a pessoa afro-descendente, cujas características a
aproxima do tipo branco tende a ser mais valorizada, e aquela cujas características são
próximas do tipo negro tende as ser desvalorizada e socialmente, repelida.” Perceber a pessoa
como negra afro-descendente é um início para o reconhecimento da pessoa e para o
fortalecimento da construção de sua identidade.
O termo afro-descendente traz em si um caráter de identidade, que segundo Ferreira
(2000, p. 47) é “... considerada como uma referência em torno da qual o indivíduo se auto-
reconhece e se constitui, estando em constante transformação e construída a partir da relação
com o outro”. É essa relação com o outro que possibilita uma percepção mais ampla de si e
viabiliza a construção equilibrada da identidade. Nesse sentido a mulher afro-descendente nos
presídios femininos está em desvantagem, pois ao não ser percebida como descendente de
negro também pode não se identificar como tal, prejudicando todo seu desenvolvimento
pessoal e social.
Identidade tem relação com individualidade... transforma-se ao longo do
tempo; com sociabilidade só pode existir em um contexto social; com
historicidade vista como configuração localizada historicamente, inserida dentro
de um projeto e que permita ao indivíduo alcançar um sentido de autoria na sua
forma particular de existir. (FERREIRA, 2000: p. 48)
Ser afro-descendente no Brasil é lutar contra uma história de escravidão que a cada dia
ressuscita e nos faz repensar como a população de ascendência afro foi deixada à margem da
história. Essa discriminação negativa fez com que muitos dos afro-descendentes não se
reconhecessem como tal. Segundo Ricardo Franklin Ferreira:
Em vários países, como no Brasil, constatamos uma expressiva presença
demográfica de afro-descendentes. Conforme o último censo, na população
brasileira, a porcentagem de pessoas de origem africana gira em torno de 44,3%.
Entretanto, como o brasileiro está submetido a uma ideologia do branqueamento,
54
muitas das pessoas cuja constituição contém traços constitucionais do negro, ao
responderam os quesitos do recenseamento, negam tais características, vindo a
determinar uma estatística que não reflete, de fato, o perfil etno-racial do brasileiro.
( FEREIRA, 2000: p. 39)
Nos presídios femininos da capital paulista a história não é diferente, ao serem
questionadas sobre a cor/raça verificamos resistência por parte das entrevistadas em dizer que
eram pretas ou pardas da raça negra. Foi muito interessante essa experiência, pois nas
primeiras visitas conseguimos contato com algumas mulheres que consideramos afro-
descendente, no entanto ao serem questionadas as mesmas não se identificaram como tal,
somente no decorrer das conversas elas expressaram que os país ou os avós eram negros.
Uma das entrevistadas relatou: - É minha mãe vem da raça dos índios, a minha
bisavó é índia legítima. Só meu pai é preto, negro, minha mãe é branca. Eu me
considero morena, é que estou bem desbotada, as minhas netinhas são bem morena.
(Entrevista com PS)
Outra entrevistada disse ser parda e seus pais também eram pardos. Expressei para ela
que eu era preta. Ela disse que não achava, e que eu era parda. (Entrevista com RC)
Ao questionar sobre a quantidade de mulheres afro-descendentes nos pavilhões
tivemos a confirmação de que as prisões concentram um número significativo de afro-
descendentes. Suas respostas foram as seguintes:
-“Mais da metade eu acho que é. Tem um grupo pequeno de branca, mas dá pra contar no
dedo.” (Entrevista com PS)
- “A maioria é negra, bastante mesmo, tem até Africana aqui, parece que é da Angola.”
(Entrevista com JM)
- “Tem uma que chegou esses dias, mas eu não sei o nome dela, ela é bem pretinha, mais que
eu. Eu acho que tem menos que a metade.” (Entrevista com ANA PAULA-TA)
- “Se tem 155 no meu pavilhão 70 são negras. Aqui é o pavilhão que mais aterroriza.”
(Entrevista com SE)
55
-“Quando eu cheguei no presídio em noventa e seis tinham mais pessoas negras. Agora são
mais, são mais brancas do que negras. Mais da metade são brancas.” (Entrevista com EP)
2.2 A memória religiosa afro.
Ser segregado da sociedade expõe o indivíduo a uma porção de perigos que ele é
incapaz de enfrentar sozinho; num caso extremo ao perigo de extinção iminente. Ser
separado da sociedade inflige também ao indivíduo intoleráveis tensões
psicológicas, tensões que se fundam no fato radicalmente antropológico da
socialidade. O perigo supremo de tal separação é, no entanto, o perigo da ausência
de sentido. Esse perigo é o pesadelo por excelência, em que o indivíduo é
mergulhado num mundo de desordem, incoerência e loucura. A realidade e a
identidade são malignamente transformadas em figuras de horror destituídas de
sentido. (BERGER, 1985: p. 35)
Com essa afirmação discutimos o efeito da discriminação negativa sobre a separação
das mulheres afro-descendentes nos presídios. Essas mulheres separadas do convívio social
por terem realizado atos contra a ordem estabelecida não reconhecem sua própria identidade,
ou melhor, necessitam de uma redefinição de identidade, pois não se percebe como preta, no
entanto ao indicar que pardos descendentes de africanos, são afro-descendentes elas se
percebem como tal.
Na busca dessa identidade percebemos que a memória religiosa afro permanecia
presente. Nesse sentido nosso estudo buscou através de entrevistas compreender se a mulher
afro-descendente possuía uma memória religiosa afro. Consideramos como memória religiosa
as experiências vividas pela entrevistada. Essas experiências religiosas vivenciadas durante o
processo de sua vida, que marcou a maneira de ser e crer dessas mulheres.
Mesmo estando em situação de prisão e tendo anteriormente uma formação com base
no cristianismo, verificamos que a memória cultural afro é mencionada por todas as
entrevistadas. Ao serem questionadas sobre a participação em alguma religião de origem
afro, tivemos as seguintes respostas:
56
Minha mãe era ligada, minha vó principalmente, minha tia que hoje é evangélica
também entendeu, o meu avô que já é falecido, a minha mãe eu não digo tanto assim
porque né, mas a minha tia, meu finado padrinho, uma tia minha que morreu a
pouco tempo e que também ela era muito macumbeira, só que ela morreu
evangélica, creio eu né, que ela morreu evangélica, prima, assim, entendeu. É foi, e
era uma coisa que eu gostava, entendeu, eu gostava daquilo, eu tenho uma madrinha,
que eu chamo ela até hoje de madrinha, né. Era uma coisa que eu gostava, só que
agora pra mim já num, eu..., agora não já de muito tempo que eu vejo que..., e
mesmo ali, mesmo eu vendo que não resolve nada, que ... entendeu, porque tudo vai
da sua fé eu creio que tudo vai da sua fé,... (Entrevista com CR)
Outra entrevistada SS ao ser questionada disse que “ia em Candomblé” e que da parte
de sua mãe “todos participavam...” Ela “ia para participar mas não recebia nada não, ia só pra
ver. Antes de eu ir presa eu participei”. (Entrevista com SS). Ela continua relatando a
memória afro.
É que eu me sinto bem, quando eu era mais nova , quando eu nasci e meu avô que
era africano, foi escravo, e quando eu nasci ele passou a mão na minha cabeça e
disse que eu era filha da mãe Joaquina e mãe Joaquina é uma preta velha, então.... eu
guardo isso comigo, graças a Deus não aconteceu nada de ruim comigo, nem aqui
dentro graças a Deus, já cheguei a sonhar com ela, e passei a descobrir quem ela era
depois que eu estava na rua, então é isso, eu tinha uma imagem dela... eu tenho uma
tia que participa não larga por nada, tá na raça da gente. Tenho uma fé tremenda em
Deus e não concordo com algumas coisas que os Evangélicos falam, eu tenho uma
fé em Nossa Senhora Aparecida e tenho uma imagem dela na minha cela é uma
coisa difícil de entender. (Entrevista com SS)
Outra mulher presa respondeu:
O lado do bem quando eu participava achava legal, em Atibaia, chamava Centro de
Umbanda Caboclo Sete Flechas. Ah... eu conheci com 10 anos, sempre que minha
mãe ia eu ia, bem dizer criança...tomar banho de descarrego.... não tenho nada contra
nem falo mal deles. Eu tinha uma amiga quando eu tinha 15, 16 anos e ela tinha uma
filha que tinha “fogo selvagem’” e ela foi em tudo quanto hospital aqui em São
Paulo, aí eu levei ela em Atibaia e a mulher benzeu a criança, mandou dar banho
com uma erva chamada erva de bicho e depois a criança sarou.... eu tive hepatite e
não fui curada pela medicina... (Entrevista com PS)
Ao perguntar a SE, sobre a participação em religiões de origem africana, ela respondeu
que nunca havia ido e que gostaria de participar. Em sua família tem a irmã e todos os irmãos
que participam do Candomblé. (Entrevista com SE)
Constatamos na primeira parte da nossa pesquisa de campo que na ausência das
autoridades religiosas a mulher afro-descendente exercita sua religião e se sente responsável
57
pela divulgação da religião no espaço do presídio, no entanto as autoridades dos presídios
femininos não consideram essa prática, ao contrário buscam inibi-la através de atitudes e
comentários que menosprezam essas práticas. Uma das entrevistadas mencionou sobre a ação
proibitiva em relação a sua prática religiosa: “Tenho a Bíblia, um livro de oração, tinha uma
linha do guia, mas quando eu entrei eles me proibiram. É que na época há cinco anos atrás
eles não permitiam que entrassem...” (Entrevista com SS)
A memória cultural e religiosa afro faz parte de nossa sociedade. Consideramos
cultura afro os traços das muitas culturas vindas da África através das populações
escravizadas. Percebendo como traços da “cultura afro” resistiram e permanecem na cultura
brasileira, buscamos lembrar neste momento como foi realizada essa resistência e qual o
papel da mulher afro nesse episódio. Ressaltamos os aspectos religiosos desses traços
culturais, para que possamos num segundo momento entender porque tais grupos não fazem
parte das religiões inseridas nos presídios femininos da capital paulista.
Queremos lembrar a grande contribuição das religiões africanas principalmente de
dois grupos lingüísticos: sudaneses e bantos, na formação religiosa brasileira. Detectamos o
sincretismo religioso na Umbanda, religião que abarca em si vários seguimentos religiosos.
Os Candomblés ou nações, religiões afro-brasileiras que conseguiram manter em si elementos
religiosos e culturais dos negros africanos de forma a ser um reduto de memórias para os
negros e negras brasileiras. “A religião negra, que na Bahia se chamou Candomblé, em
Pernambuco e Alagoas, xangô, no Maranhão, tambor-de-mina e no Rio Grande do Sul
batuque” . ( PRANDI, 2000: p.52-65)
58
Os terreiros de Candomblé contribuíram e contribuem de maneira importante para a
sobrevivência da cultura afro no Brasil, se tornando redutos onde pesquisadores e interessados
das questões, que envolvem a temática, vão buscar informações e experiências. Para
entendermos como o Candomblé tomou a dimensão que conhecemos atualmente vale citar
um parágrafo de Edison Carneiro, (1964) no qual específica como eram designados os grupos
de negros trazidos de diversas partes da África, como escravos, para o Brasil:
Durante a escravidão, chamava-se novo ou boçal o negro recém-chegado
da África, aturdido com o tipo de sociedade que encontrava aqui, incapaz de
exprimir-se senão na sua língua natal e ainda distinguível pelas marcas tribais que
trazia no rosto. Desse estágio inicial o negro africano passa a ladino, após
acostumar-se ao português, ao trabalho nas fazendas ou nas minas, ao serviço
doméstico, à disciplina da escravidão e às artimanhas dos seus pares, com quem
convivia, para evitar punições e desmandos e garantir-se proteção ou segurança. Era
crioulo o negro nascido no Brasil. (CARNEIRO, 1964)
Sabemos que vieram negros de vários países da África e que todas as tribos tinham as
suas religiões particulares. Os primeiros negros trazidos como escravos que aportaram ao
Brasil vinham da região da Guiné Portuguesa, zona que se estendia para o norte, até o
Senegal, e para o Sul, até a Serra Leoa. As pessoas trazidas como escravas de Guiné,
chegadas à área dos canaviais, principalmente Bahia e Pernambuco, eram na maioria fulas e
mandingas, tribos que praticavam o Islã, mas não inteiramente islamizadas. (CARNEIRO,
1964: p. 42-46)
Angola foi, desde os primeiros anos do século XVII, a grande praça de escravos do
Brasil. De Angola e do Congo vieram para o Brasil negros de língua banto, conhecidos por
nomes geográficos e tribais, caçanjes, banguelas, rebolos, cambindas, muxicongos,
utilizados nas culturas de cana-de-açúcar e do tabaco. Da região de Moçambique, conhecida
anteriormente por Contra-Costa, chegaram ao Brasil poucos negros. Da Costa da Mina
vieram negros do litoral, nagôs, jêjes, fantis e axantis, gás e negros do interior do Sudão
59
islamizado, que foram desembarcados na Bahia, e transferidos, pelo interior, para as catas de
ouro e de diamantes de Minas Gerais.
Dessa forma o tráfico dispôs o campo para o intercâmbio lingüistico, sexual e
religioso entre escravos e ex-escravos. Na Bahia os nagôs se concentraram devido ao
desinteresse dos minerados pelos negros, pois não precisavam dos negros procedentes da
Costa da Mina; nem se dispunham a pagar os altos preços que os traficantes por eles pediam.
A religião dos nagôs, com as suas divindades havia dado padrão para todas as religiões dos
povos vizinhos, com a ajuda das divindades dos jêjes, ou seja, todos os negros procedentes do
litoral do Golfo da Guiné professavam religiões semelhantes à dos nagôs.
Segundo Bastide, (1989) o sincretismo marca uma das condições dos países de
escravidão que é a mistura de raças e de povos, a coabitação das mais diversas etnias num
mesmo lugar e a criação, acima das “nações” centradas sobre si mesmas, de uma nova forma
de solidariedade no sofrimento, “uma solidariedade de cor”.
A cultura de origem africana que é transportada ao Brasil sofre duplo
processo de mesclagem: um entre as próprias etnias africanas que se encontram
aqui; outro entre a cultura negra e as demais influências culturais que vieram a
formar a Cultura Brasileira. Essas manifestações culturais, como o Candomblé e o
samba, foram duramente perseguidas nas primeiras décadas do século vinte. Mais
recentemente foram tomadas como símbolo de identidade e de autenticidade
nacionais. (SILVA, 2003: p.37)
A memória cultural dos africanos foi de uma maneira prioritária preservada nos
terreiros de Candomblé, onde a comida as vestimentas, a fala é cada vez mais utilizada pelos
brasileiros. O Candomblé é um fenômeno extraordinário de sobrevivência cultural e de
desenvolvimento de tradições massacradas pelo tráfico de escravos. Iorubas, daomeanos, os
fanti-ashanti, os bantos, contribuíram de diversas maneiras para a religiosidade afro-
60
brasileira, introduzindo variantes rituais. A corrente Jejê-Nagô, no entanto, constituiu-se
como a principal referência estruturante a partir do século XIX.
O Candomblé, uma espécie de síntese de alguns valores civilizatórios africanos, ora
está em conflito com o modo de vida ocidental, ora o absorve. Trata-se de uma religião de
matriz africana porque reúne diversos cultos a orixás da África num só panteão, preservando
uma estrutura mítica semelhante aos cultos africanos. Esta religião possui um sistema mítico
que contrasta e conflitua com a ordem racionalista e excludente do mundo ocidental.
(SOUZA, 2005)
Percebemos como a mulher contribuiu para a manutenção desses aspectos culturais
através das religiões afro. A importância da mulher tanto no ritual das religiões de origem
africana no Brasil, quanto na sustentação da vida social da família, tem motivos históricos. A
mulher negra, após a “abolição da escravatura”, viu-se frente a uma estrutura social em que o
homem negro, alijado do mercado de trabalho, expropriado de sua força de trabalho e
marginalizado por sua condição racial já não podia manter o núcleo familiar. Diante deste
quadro a mulher negra assume a responsabilidade de encontrar alternativas de sobrevivência
da família, para a sobrevivência do grupo.
Ao homem negro, despreparado e marginalizado do processo de industrialização
nascente, restam as tarefas sociais mais humilhantes e marginalizadas. Neste contexto, a
mulher negra tomará para si a responsabilidade de manter a unidade familiar, a coesão grupal
e preservar as tradições culturais, particularmente as religiosas. Apesar das condições
subumanas que a escravidão após a “liberdade” deixou à população negra, as mulheres negras
lograram encontrar maiores opções de sobrevivência do que o homem negro. Elas foram para
61
as cozinhas das patroas brancas, foram para os mercados vender quitutes, desenvolveram
estratégias de sobrevivência; assim criaram seus filhos carnais, seus filhos de santo abrigaram
seus Candomblés, adoraram seus deuses, cantaram, dançaram e cozinharam para eles,
buscando manter a sua identidade através da tradição religiosa. Como enfatiza Barrera:
Qualquer tradição deve a sua existência à eficácia na transmissão de uma memória
que, em última instância, se remete a um fato fundador original. As tradições
religiosas, expressadas em ritos e processos litúrgicos, mais ou menos estruturados,
nada mais são que sistemas institucionalizados de recursos destinados a preservar
uma memória religiosa. O processo de produção e conservação da memória religiosa
articula-se em torno do poder religioso, com o objetivo de garantir a continuidade da
religião; e este processo é paralelo e complementar a outro processo: a representação
imaginária da sociedade no mundo. ( Barrera, 1998: p. 59)
A mulher negra, dessa maneira, encontra no Candomblé não apenas plenas
possibilidades de realizar-se religiosamente, como também política e socialmente. Na
cosmovisão das religiões de matriz africana não existe uma distinção muito nítida entre o
sagrado e o profano, estas duas esferas interpenetram-se. Ela que cotidianamente, no mundo
Ocidental, vive em conflito com o social, porque relegada a um plano inferior da existência
em sociedade, encontra nos ritos do Candomblé a forma de ritualizar este conflito. Assim se
cozinhar é uma tarefa menor, sem valorização social, como as atividades domésticas em geral,
no Candomblé tais tarefas possuem um valor inestimável. A realização das referidas tarefas é
um privilégio que não cabe a todos, essa valorização redimensiona o papel da mulher tanto no
plano místico do Candomblé, quanto no plano social. Como a mulher, no Candomblé,
geralmente dirige os “terreiros” na figura da yalorixá, da mãe-de-santo, ela conhece todos os
rituais e segredos da administração da “roça”. Ora, aprendendo e ensinando a religião dos
orixás, a mulher negra desenvolve suas próprias capacidades administrativas, político-sociais,
humanas e religiosas. O Candomblé um rito essencialmente de transe e de possessão de
mulheres, as filhas de santo, de modo especial, por parte de deuses, para sentir a força do
divino, para colocar o natural em contato com o sobrenatural, freqüentemente para
62
contrabalançar momentos de desânimo, de sofrimento, de impotência para suportar a vida.
Trata-se de um rito que resgata toda uma história de opressão, de miséria e de lembranças dos
deportados africanos nas terras brasileiras.
Considerando a grande influência, das religiões de origem africana, na cultura
brasileira é interessante revelar a ausência oficial dessas religiões nos presídios femininos.
Com a pesquisa realizada nos presídios femininos da Capital paulista, podemos perceber que
por falta de um interesse tanto por parte das autoridades responsáveis pelos presídios,
lideranças das religiões de origem africana e das próprias mulheres em situação de prisão,
essas religiões estão ausentes oficialmente nestes espaços. A ausência oficial das religiões
afro nos presídios femininos da capital paulista diminui a possibilidade de escolha religiosa
das mulheres afro-descendentes nesses espaços. Ressaltamos que a memória cultural religiosa
permanece na vida dessas mulheres.
Na ausência do grupo religioso que ajude na manutenção dessa memória quais sãos os
caminhos, ou melhor as igrejas em que as mulheres afro-descendentes participam? Esse é o
principal aspecto a ser enfocado no próximo capítulo.
63
CAPÍTULO III
AS RELIGIÕES NO COTIDIANO DOS PRESÍDIOS
______________________________________________________________________
No primeiro item enfocado neste capítulo apresentaremos nossa entrada nos
presídios femininos da capital paulista. Com as impressões que tivemos dos estabelecimentos
visitados damos aos nossos leitores uma noção do espaço em que acontece a prática religiosa
nos presídios femininos da capital paulista. Com a visita a dois dos três presídios femininos da
capital paulista, colhemos dados essenciais para a pesquisa sobre a religião nestes
estabelecimentos. Consideramos de grande relevância este capítulo, pois a pesquisa teórica é
complementada na medida em que podemos fazer um paralelo com a realidade vivida nos
presídios.
Na segunda parte deste capítulo apresentamos como as religiões desempenham um
papel de grande importância no mundo dos presídios. Lembramos como nos momentos de
crise o ser humano busca o sagrado e nesse sentido os presídios são espaços que estão abertos
para as religiões proselitistas. Daremos ênfase às opiniões das igrejas que fazem trabalho nos
presídios e das pessoas que dirigem os presídios, sobre a função da religião nesses espaços.
Na terceira parte deste capítulo trataremos das experiências consideradas religiosas
pelas mulheres em situação de prisão. Nesse sentido buscamos valorizar os depoimentos das
mulheres e apresentar uma análise sobre essas situações. Buscamos mostrar a função das
religiões nos presídios segundo a visão das mulheres presas.
Na quarta parte deste capítulo estudamos a opção das mulheres afro-descendentes
pelas igrejas pentecostais. As semelhanças das religiões afro e igrejas pentecostais contribuem
para que as mulheres afro-descendentes optem por participar das igrejas pentecostais inseridas
64
nos presídios. Estudaremos as escolhas das mulheres afro-descendente, ressaltando as opções
pelas igrejas pentecostais. Interessante notarmos que todas essa mulheres possuem um
histórico religioso com memória cultural afro e expressam nas entrevistas essas histórias.
3.1 Presídios Femininos na Capital Paulista
Da ampla realidade carcerária se escolheu os presídios femininos da capital paulista,
por serem de fácil acesso. Dos três presídios femininos da capital estudamos primeiramente a
Penitenciária Feminina da Capital. Esta Penitenciária Feminina é considerada modelo. Foi
criada em 1973 com a direção inicial das freiras católicas, com possibilidade para receber
256
4
reeducandas. Atualmente está com uma população de 618 presas, quase três vezes mais
do que comporta. O termo “reeducanda” é utilizado pela equipe dirigente dos presídios para
referir às mulheres em situação de prisão, este termo é muito importante porque mostra o
sentido disciplinador do presídio.
Num segundo momento estudamos o Presídio Feminino do Tatuapé, antiga FEBEM.
A unidade foi inaugurada em 16 de novembro de 1991, tendo capacidade para 612 presas
cumprindo regime fechado, segundo noticiado no Informativo do Mandato. Nº 3. 2003, da
Vereadora Flávia Pereira. A penitenciária foi uma unidade de recepção da FEBEM um local
provisório onde os internos poderiam ficar somente 72 horas nas celas. No entanto, aquilo se
transformou em penitenciária feminina, sem adaptações, de acordo com o padre Júlio
Lancelotti da Pastoral Carcerária. (Informativo, 2003)
Na Penitenciária Feminina "Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira” do Butantã, não
foi possível fazer entrevistas devido nossa escolha em trabalhar com pesquisa de campo em
4
Esse dado foi retirado do relatório O Brasil atrás das grades, 2000.
65
apenas dois estabelecimentos, considerando o pouco tempo disponível. Situada no bairro do
Butantã, a penitenciária existe desde 1989. Dois anos depois o prédio foi destinado às presas,
com segurança média, destinando-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade em
regime fechado e semi-aberto. Tem como objetivo a execução da pena, a promoção de
reintegração e ressocialização das reeducandas dentro do Sistema Progressivo de Pena. Na
penitenciária do Butantã são desenvolvidas as seguintes atividades: cursos de Alfabetização,
aulas de informática, curso de cabeleireiro, atividades de arte terapêutica, prática de esportes,
curso de contador de histórias.
Apresentamos as primeiras impressões dos presídios femininos, em que fomo visitar o
campo. Para ter acesso aos estabelecimentos foi necessário realizar os procedimentos
burocráticos, contatando por telefone a coordenadoria dos presídios da capital paulista,
encaminhando solicitação por escrito para a referida coordenadoria e, após orientação,
encaminhar pedido ao Juiz da Vara de Execuções Criminais de São Paulo e apresentando
pessoalmente em data anteriormente agendada para entrevista com o Juiz. Somente depois dos
mencionados procedimentos foi possível agendar a primeira visita aos estabelecimentos.
Em 23 de dezembro de 2003 fiz a primeira visita oficial no Presídio Feminino do
Tatuapé, cheguei no local às 09h40, pois tinha agendado anteriormente com a então Diretora
da Reabilitação, Verenice Sampaio. Foi necessário aguardar durante vinte minutos até ter
autorização para entrar no local. Durante o tempo de espera observamos uma senhora de
aproximadamente sessenta anos de idade, que estava varrendo o lixo do pátio, percebi pelas
roupas que ela era uma mulher cumprindo pena, suas roupas são como um uniforme: calça
bege ou cinza e a camiseta branca.
66
Passando pela portaria tem um estacionamento, com uma torre da caixa d’água, em
seguida tem outro estacionamento com uma passagem com um detector de metais, passando
por essa passagem tem uma rampa que dá acesso a entrada principal. Nessa entrada estão as
salas da direção e o acesso aos pavilhões.
Orientaram-me a deixar a bolsa com meus pertences em uma sala na portaria e entrei
apenas com o material necessário para a entrevista, juntamente com um documento de
orientação. Ao entrar fui informada que um grupo de evangélicos coreanos estava ali para
fazer o culto e eram várias igrejas reunidas.
A diretora da reabilitação me apresentou para o grupo e seguimos para o pátio, onde
deveria acontecer o culto. O grupo estava composto por aproximadamente cinqüenta pessoas
se dividiu em dois grupos menores, indo para dois pátios simultaneamente. Foi montada uma
mesa, cobriram com toalha branca, colocaram algumas cadeiras para as senhoras coreanas. As
mulheres presas foram se reunindo até que todo o grupo se instalou no espaço. Cerca de cento
e trinta mulheres participaram desse momento. O grupo de coreanos levou um teclado,
microfones com caixas amplificadoras e uma enorme faixa com a frase: Igrejas Evangélicas
Coreanas do Brasil. Todas ficaram encostadas na parede, os coreanos ficaram atrás da mesa.
Pude observar quatro casais homossexuais, que circulavam tranqüilamente de mãos dadas
trocando carícias entre as outras reeducandas.
67
O culto foi iniciado por Daniel, pastor da Igreja Missionária Oriental de São Paulo
5
,
com um hino, que foi cantado repetidas vezes até as mulheres cantarem juntas. Muitas
mulheres em situação de prisão tricotavam tapetes, conversavam, no entanto logo pararam e
se envolveram no culto, elas choravam muito ao cantar o hino. Em seguida houve um
momento de leitura de um trecho da bíblia, a passagem em que Paulo está na cadeia e é
visitado por um anjo que abre todas as grades das celas, no entanto os presos não fogem.
(Atos 16:20-31) Após a leitura um outro hino foi cantado, repetidas vezes até que as mulheres
cantaram juntas.
O novo diretor havia chegado havia poucos dias e participou do culto. Três mulheres
presas cantaram um hino para o grupo, elas se emocionaram e emocionaram a todas as
pessoas ali presentes. O hino era um pedido para que Deus as fizesse como as crianças e
tivessem o coração puro. Interessante notarmos que a idéia de culpa está impregnada na
mente dessas mulheres e que ao cantarem buscam um momento de piedade divina.
O diretor agradeceu a participação de todos e prometeu continuar levando outros
grupos, se elas continuassem se comportando bem. Em seguida houve a fala da diretora de
reabilitação, dirigindo-se às mulheres presas como mãe das mesmas, dizendo que a partir
daquele momento elas tinham um pai na figura do diretor. As mulheres demonstraram um
carinho pela diretora da reabilitação, ao ouvirem suas palavras. No final da celebração o
grupo de coreanos distribuíram sacolas com material higiênico para as mulheres.
Com essa atividade tive a possibilidade de entrar no pátio do presídio e de conversar
com três mulheres, uma delas estava grávida de quatro meses, pela sua contagem, pois não
tinha recebido acompanhamento médico até aquele momento. Uma outra mulher, Tais, pediu
5
Essa Igreja está situada na Rua Mamoré, 71 Fone: 227-4123.
68
que eu levasse livros para ela estudar e se fosse possível queria participar das entrevistas.
Uma das mulheres que cantou o hino, Sônia, pediu para que eu orasse para ela sair logo dali.
Pude perceber ainda, um número grande de mulheres loiras, brancas, estrangeiras nesse
presídio. Dentre as estrangeiras estão coreanas, argentinas e africanas, segundo fui informada
pela carceragem.
Em conversa com a diretora da reabilitação fui informada que neste presídio tem o
atendimento das igrejas: Universal do Reino de Deus; Pentecostal o Brasil para Cristo; Deus é
Amor; Comunidade da Graça; Adoração ao Deus Vivo; Pastoral Carcerária Católica; Casas
André Luiz Espírita; Testemunhas de Jeová, Renascer em Cristo; Convenção Batista de São
Paulo; Congregação Cristã do Brasil. Interessante notarmos que predomina a presença de
igrejas neopentecostais.
A diretora me informou ainda, que para a inserção dessas igrejas foi necessário que
elas atendessem as solicitações da Secretaria da Administração Penitenciária conforme
Resolução SAP nº 91 de 26/11/2002 que disciplina o credenciamento das entidades religiosas
exigindo que a entidade esteja com a documentação em ordem.
No mês seguinte fizemos a primeira visita à penitenciária da capital. No dia 21 de
janeiro de 2004 fui conhecer a Penitenciária Feminina da Capital, localizada na rua Av.
Zanchi Narchi, 1.369 - Carandirú, São Paulo. Chegando às 13h30, solicitei ao atendente da
portaria que me anunciasse, aguardei durante 30 minutos para ser encaminhada à Diretora do
Núcleo Interdisciplinar de Reabilitação, Marcella Luciana Paolone. Com formação em Letras
e concursada, ela estava substituindo a Diretora Elizabete. Ao entrar na penitenciária, me foi
69
solicitado deixar a bolsa e documentos na portaria em um armário, juntamente com outras
bolsas. Confesso que não confiei muito, mas não tive escolha.
Passando pelo portão central tem a portaria onde foi necessário me identificar
apresentando cédula de identidade. Logo após uns dez metros há outro portão com detector
de metais. Em seguida tem um pátio com alguns canteiros e ao lado esquerdo de quem entra
está localizado o prédio da Direção. Em frente há uma redoma com uma imagem de Nossa
Senhora Aparecida. Tive a sensação de entrar em um colégio de freiras. A impressão inicial
é de que o espaço é religioso, impressão esta que será dissipada assim que temos acesso aos
pavilhões.
Conversei durante uma hora com a diretora da reabilitação, que me informou o ano em
que a Penitenciária iniciou suas atividades em 1973 sob a direção de freiras católicas.
Possuindo quatro pavilhões, a penitenciária feminina da Capital comporta 256 reeducandas,
no entanto está com a população de 618 reeducandas, o que gera uma situação difícil para a
direção e para as próprias reeducandas. A grande maioria está presa por envolvimento no
tráfico de drogas, com idade de 19 anos até 70 anos. As reeducandas têm atividades durante o
dia todo, algumas trabalham nas oficinas que estão instaladas no presídio por firmas como as
Abster - com roupas para dobrar; Recruta costura de roupas; Esquadrone montagem de
rodízios de cadeiras de escritório; Centrure com roupas para passar, dobrar e empacotar. Da
população total 128 não trabalham, pois não tem vaga para as mesmas, essas estão com o
nome numa lista de espera para que ao liberar e/ou aumentar vagas possam trabalhar, outras
ainda trabalham na higiene do ambiente, varrendo jardins e pátios; na recepção da biblioteca;
no atendimento em vários espaços.
70
Fui informada e posteriormente constatei a inserção dos seguintes grupos religiosos
nesta penitenciária: Adventista do Sétimo Dia; Assembléia de Deus; Batista; Católica -
Pastoral Carcerária; Comunidade da Graça; Congregação Cristã do Brasil; Deus é Amor;
Espírita; Renascer em Cristo; Universal do Reino de Deus.
Não existe restrição para inserção dos grupos, no entanto é necessário que o grupo ou
igreja interessada em fazer o atendimento religioso as reeducandas esteja com a
documentação em dia, conforme Lei das penitenciárias e tenham autorização do Juiz. As
visitas são realizadas aos sábados no período da manhã das 9h ás 11h30 e no período da
tarde - das 13h30 as 16h, os membros das igrejas se dividem entre os quatro pavilhões, o
berçário e a enfermaria. Durante essas visitas as reeducandas interessadas se aproximam e
conversam com os religiosos, alguns religiosos buscam conversar com as reeducandas de
forma individual. As visitas acontecem enquanto as mulheres estão lavando roupa, arrumando
cabelo, pintando as unhas entre outras atividades. Uma vez ao mês é possível a realização de
um encontro grande como uma missa, culto; onde as interessadas se reúnem na Capela ou no
pátio.
Segundo o Censo Penitenciário Funap (2002), os presídios femininos cumprem uma
rotina. Na chegada ao presídio à pessoa deve passar por um mês de “estágio”. Nesse período
elas ficam isoladas para adaptação e conhecem as normas do sistema. Passando esta fase
inicial a pessoa vai para o convívio. Esse período é considerado difícil, pois as presas que já
estão há mais tempo no presídio se sentem “donas do pedaço”. Disciplina e horário para tudo,
marcam o dia a dia da prisão.
71
3.2 Funções das religiões segundo as lideranças religiosas e a direção dos presídios
Religião seria alguma forma explícita e, portando, reconhecível, de crença e prática,
com doutrina e ética peculiares a determinado grupo social (não classe social). A
religião pode se confundir com a totalidade cultural em sociedades não complexas
ou com segmentos sociais em sociedades complexas e de estratos culturais
diversificados. A religião, nesses moldes, tende a institucionalizar-se.
(MENDONÇA, 1998, p. 43)
Considerando que a religião desempenha um papel de relacionar o ser humano com o
sobre-humano que ele acredita, percebemos como essa dependência é acentuada em situação
de grandes crises. No presídio pudemos encontrar essa realidade muito visível. Num
momento em que todas as respostas são negativas, a religião apresenta uma saída que consola
e que anima, dando esperança de uma mudança em breve. Segundo Berger, a religião tem o
poder de legitimar a ordem social:
.... a religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação.
Toda legitimação mantém a realidade socialmente definida. A religião legitima de
modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções
da realidade erguidas pelas sociedades empíricas. As tênues realidades do mundo
social se fundam no sagrado realissimum, que por definição está além das
contingências dos sentidos humanos e da atividade humana. (BERGER, 1985, p. 45)
A participação nas atividades religiosas nesses espaços toma uma dimensão simbólica
de libertação. Essa liberdade simbólica possibilita a mudança de comportamento dessas
pessoas. Ao acreditar que existe liberdade, em um espaço de prisão, a mulher busca o auto
controle, a tolerância e outras ações que contribuem para o funcionamento disciplinar desses
espaços. Nesse sentido as religiões que prestam atendimento nos presídios femininos, além de
divulgar sua crença religiosa, contribuem para o controle social dessas pessoas.
Presenciamos as atividades das igrejas inseridas nos presídios femininos da capital
paulista. Grupos representativos de igrejas que contribuem para manter a ordem estabelecida
nos presídios. Interessante notarmos que religiões de origem africana não ocupam
72
oficialmente esses espaços, no entanto sua existência é percebida nas falas das mulheres
entrevistadas:
Eu tinha uma amiga que tava aqui, que era do Candomblé. Ninguém gostava dela.
Eu era a única pessoa que ela gostava muito. E eu sentava na cama dela e
conversava, chorava falava as coisas pra ela. E ela falava: Você é a única pessoa que
me entende! E eu falava não a gente te ama! Mas ela chorava. Ela queria mais. As
pessoas não entendiam o jeito dela, ela já era agressiva. As pessoas não entendiam e
eram também agressivas com ela. Quando ela foi embora o pessoal falava pra mim:
Vai ver o monte de coisas que sua amiga tem na cela. Eu fui ver e tinha vela, papeis
com nomes de outras, boneco com nome amarrado. (Entrevista com EP)
Em entrevista com alguns líderes religiosos confirmamos a diversidade de interesses.
Conversando com a Irmã Margarete Gaffaey, religiosa das Irmãs Missionárias do Santo
Rosário e líder da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo
6
, foi apresentado que
elas prestam atendimento às reeducandas desta Penitenciária desde a criação em 1973, com a
Irmã Assunção, uma das Diretoras na época. No atendimento desta igreja, são realizadas
conversas sobre a situação da reeducanda, de seus familiares e do andamento do seu processo.
Em uma das visitas pude constatar a existência de um grupo de teatro das reeducandas
participantes da igreja católica. Segundo Oliveira:
... a melhor solução é proporcionar a religião aos homens livres ou
encarcerados. Não com o sentido de pregar um credo, mas com a intenção de
oferecer-lhes a oportunidade de vivenciarem-na livremente e de propiciar-lhes a
grande abertura de caminhos para uma pacificação de ânimo através do
conhecimento e da assistência espiritual. (OLIVEIRA, 1978: p.16)
Conversando com Cristina Mariana, líder do grupo Espírita
7
, que visita esta
penitenciária há mais de vinte e cinco anos, ela nos relatou que inicialmente o grupo era
composto por seis representantes e atualmente são quatro pessoas. Perguntei se existia algum
grupo específico entre as reeducandas para o atendimento religioso e obtive a seguinte
resposta: “Elas quem nos escolhem”. As atividades de atendimento se resumem ao
6
A Pastoral Carcerária da Arquidiocese de S.P está localizada na Rua da Consolação, 21- 8º andar - Fone 3151-
4272 / 3272-3002.
7
A Sede do Grupo Espírita é na Rua Norivaldo Alécio Cuevas, 13 Vila Izolina Mazei Fone 5031-6398.
73
atendimento religioso, atividades como leitura e explicação dos textos espíritas, realizadas
somente no interior da penitenciária.
No entender da líder Cristina, a função da religião Espírita é inicialmente fazer uma
visita fraterna levando palavras de esperança para que as mulheres em situação de prisão se
tornem pessoas melhores. Buscam ainda que as reeducandas se perdoem. Que percebam que a
evolução depende de cada um. A promoção humana através dos momentos de reflexão e
mudança de comportamento. Ela enfatizou que, por conta do racionalismo que a religião
Espírita apresenta o grupo não é muito procurado. Segundo a líder Espírita as mulheres presas
preferem as igrejas que cantam e fazem louvores no presídio.
A missionária Lídia Silva Gomes, líder do grupo da Igreja Batista afirmou que o
grupo é composto por 20 pessoas e faz atendimento religioso nos presídios há 15 anos.
Segundo ela, o grupo representa 1350 igrejas Batista do Estado de São Paulo. No presídio
Feminino da Capital dezesseis pessoas estão inscritas para prestar atendimento.
Semanalmente o grupo visita os presídios em quatro pessoas, somente em dias de festas como
Natal, é que se reúnem os outros membros. Ao ser questionada sobre o direcionamento da
pregação, Lídia respondeu: “É pra todos!”.
A líder do grupo de Igrejas Batista relatou a preocupação pela existência do
lesbianismo no presídio feminino. Acredita que essa situação é enfatizada pela restrição à
visita íntima, pelo abandono dos maridos e companheiros. Segundo Lígia, elas ficam muito
carentes. Segundo a líder, existe uma discriminação negativa contra as mulheres presas,
mesmo na igreja não são todos que apoiam o atendimento nos presídios. O grupo luta para
tornar conhecido o trabalho.
74
Ela considera que a mensagem é bem aceita, principalmente a oração, no entanto quem
vive e pratica são poucas. Para Lídia a prática é a mudança de vida, mas ela percebe que não
existe interesse de mudança, pelas presas. Segundo a líder “Quem passa para o evangelho tem
que mudar de vida!”
A Igreja Batista presta atendimento de várias dimensões como estudo, apoio
psicológico, orientação, visita aos parentes, apoio material entre outros. Observou que a
maioria tem muita religiosidade e que buscam esse momento. “Todas sem exceção!”. As
maiores dificuldades encontradas pelo grupo são: o espaço e o tempo para atender as
mulheres presas. O espaço é reduzido, não existe um lugar apropriado para o atendimento,
não podem entrar nas celas; duas horas é um tempo reduzido para fazer o atendimento
individual. A direção não dá liberdade para o grupo ajudar na parte social como estudo e
outros cursos.
Em entrevista com o pastor Edeval Alves Silva da Igreja Universal do Reino de
Deus, o mesmo nos relatou que há dez anos faz trabalho nos presídios. No presídio feminino
da capital faz reuniões uma vez por mês, quando preside a santa ceia e faz o batismo e as
obreiras estão presentes todos os sábados. Segundo o pastor, as obreiras que fazem
atendimento aos sábados estão em média de dez. Elas se dividem entre os pavilhões para
orientar e convidar as mulheres presas para a reunião especial, o culto, que acontece uma vez
ao mês. O trabalho é direcionado a todas sem distinção, fazendo uma reunião que envolve
todas as mulheres presas, o fundamento do seu trabalho é a palavra de Deus, a bíblia. Através
da pregação ele leva a palavra, e ao ser questionado sobre um trabalho direcionado às
mulheres afro-descendentes, respondeu o seguinte: “As pessoas acham que por ser de cor é
tratada com diferença, eu olho todas iguais. Deus não olha a cor, olha o coração”.
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Para o pastor quem mais poderia dificultar o trabalho da igreja seria a direção.
Sabendo dessas eventualidades o grupo tenta conquistar a amizade da direção, através da
oração. Ao ser questionado sobre como as mulheres recebem a mensagem da Igreja Universal
do Reino de Deus, ele disse: “As presas estão prontas em ouvir a palavra de Deus e em
receber a igreja”.
Interessante notarmos que dos quatro grupos entrevistados, as lideranças de três
grupos são mulheres e que somente uma liderança é homem. Verificamos que no grupo
Espírita não tinha nenhum homem naquele dia, com o grupo de quatro mulheres, enquanto
que na pastoral carcerária tinha um homem e três mulheres, no grupo da igreja Batista dois
homens e três mulheres; no grupo da igreja Universal do Reino de Deus estava um homem e
doze mulheres.
Na capela da PFC, assistimos à missa católica. Essa capela é usada para as atividades
de todas as igrejas, além de outras atividades como palestras, filmes etc. Na missa estavam as
religiosas que geralmente prestam atendimento e um padre. Duas reeducandas participaram
efetivamente tocando violão e puxando as músicas da liturgia. Notamos que cinco presas
estavam com seus filhos, bebês, participando da celebração. Essas mulheres estavam sentadas
nos últimos bancos da capela. (Ver foto 3 do anexo III.)
No encontro da Igreja Universal do Reino de Deus, assistimos a uma peça de teatro da
paixão e morte de Cristo, encenada pelas presas. Nessa celebração o pastor fez uma exortação
inicial, para que todas se arrependessem de seus pecados convidando-as para serem batizadas.
Na entrada da capela colocaram uma piscina de plástico, na qual as mulheres foram batizadas,
enquanto acontecia o batismo o pastor exortava uma das presa a mudar de vida. Ele enfocava
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a exortação para a vida sexual dessa mulher, pois ela tinha uma pratica homossexual no
presídio. (Ver foto 10 do anexo III )
Assistimos uma atividade religiosa da igreja Batista, esse culto aconteceu na sala de
oração em um dos pavilhões. O pastor iniciou a celebração com a leitura da bíblia, depois
passou a palavra para uma das mulheres presas. Essa mulher fez uma oração de
agradecimento enquanto as outras seis que participavam oravam em paralelo. (Ver foto 1 do
anexo III)
Em conversa com uma agente penitenciária, que trabalha há quinze anos na
Penitenciária Feminina da Capital, perguntamos como ela via a participação das mulheres
presas nos encontros das igrejas. Ela respondeu que muitas se apegam a religião, no entanto
percebia que algumas participavam dessas atividades para não ficar no pavilhão, ou seja,
buscando uma saída. Conforme relato da agente essas presas participam das reuniões de todas
as igrejas. Ela percebe que quando as igrejas fazem “festinhas” as presas buscam participar
para sair e ver alguma coisa diferente. Segundo ela todas as igrejas são procuradas pelas
mulheres presas. Nas entrevistas pudemos conferir essa participação das mulheres presas em
várias igrejas:
Não, às vezes eu vou ver os cultos da Universal, vou ver os cultos da Deus é amor ,
vou ver os cultos da Renascer em Cristo, para ver cada um que fala a respeito de
Deus. Pra ver o que cada um acha. Cada coisa que eles falam eu tô aprendendo mais
a respeito de tudo, mas eu tenho a consciência eu sei que Deus existe um só. Assim
como existe as árvores, existe o mar, existe as chuvas, existe o céu, o dia e a noite,
existe um Deus só que fez tudo isso. (Entrevista com AR)
Outra entrevistada disse:
Já participei de todos... todos não, já fui Espírita, já fui nas Igrejas Evangélicas:
Deus é Amor; Reino de Deus; Igreja da Graça e a Igreja Católica, acho que é assim a
gente fica num lugar desses e precisa de Deus pra alertar, eu ia na Igreja Católica,
mas não me sentia bem, tinha outras igrejas e quando você fala de Afro Brasileiro se
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fala em Espiritismo e hoje você lendo a Bíblia não dá pra seguir o Espiritismo,
apesar que eu sou uma pessoa que não consigo imaginar um Chico Xavier indo para
o inferno entendeu.... mas não sigo, sigo a Evangélica. A partir do momento que
falam de Deus é muito gratificante, as pessoas vão e voltam bem eu acho...
(Entrevista com VC)
Conforme depoimento da diretora interdisciplinar do presídio feminino do Tatuapé o
limite de igrejas que prestam atendimento nesse presídio é de treze grupos. As igrejas devem
ter autorização da coordenadoria e depois podem freqüentar o presídio. O trabalho é realizado
aos sábados na parte da manhã e da tarde. Os grupos se organizam e se dividem entre os
quatro pavilhões. Ela relata que uma presa se uniu a mais cinco e fundaram um ministério
“Nova Vida”. Em um determinado momento elas queriam vestir uma bata e sair todos os dias
para evangelizar. A diretora não autorizou, pois ficou entendido que era uma desculpa para
transitar nos outros pavilhões. A diretora ressalta que “enquanto ela está nessa é bom. É bom
pra cadeia, que ela chame as meninas.” Perante a diretoria elas mudam o comportamento.
Enquanto elas freqüentam as igrejas elas não usam droga e na fala da diretora: “ Isso é
ótimo!” Nas entrevistas tivemos a confirmação de que a religião controla as atitudes das
mulheres, como mencionou uma das entrevistadas:
é... tem o evangelho... a gente tem que perdoar tudo, porque Jesus perdoou tudo... as
vezes tenho que engolir cada sapo... ai eu conheci a religião Espirita aqui, que
quando eu vim pra cá eu fiquei muito deprimida e através delas eu encontrei muita
força, aprendi a ser mais meiga, a perdoar mais o próximo e não ter inimigos...
(Entrevista com PS)
Segundo Elza, diretora interdisciplinar, são poucos os grupos religiosos que levam a
sério a evangelização. “Eles vêem mais pra orar e batucar”. As igrejas Universal do Reino de
Deus e Renascer levam shows para o presídio. Conforme relato da diretora, estatisticamente
não existe um resultado eficiente do atendimento das igrejas nesse presídio. A reincidência de
crimes de mulheres que aderiram as atividades de alguma igreja é uma constante. Quando
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questionada sobre a inserção das religiões de origem afro no presídio, ela respondeu que na
cadeia as pessoas já caminham para o lado do mal, porque não existe o companheirismo. A
participação das presas nessas religiões aguçaria ainda mais a maldade. Ressalta ainda que:
“Todas as igrejas vêm no presídio para disciplinar”. Percebemos nessa afirmação a concepção
discriminadora das religiões afro.
Notamos que existe uma desconfiança em relação à participação sincera das presas.
Por parte da direção e de algumas lideranças essa desconfiança é mantida. Realmente o
espaço do presídio é um espaço em que a dúvida em relação à sinceridade das presas é uma
constante. Temos essa desconfiança também por parte das mulheres presas, conforme um dos
relatos:
mas meu modo de pensar é muito diferente de muita gente aqui dentro, se
eu tô seguindo ali, tô pra buscar a Deus não tô pra palhaçada, e muitas ali vai ali
com palhaçada, mulher com mulher que tem casos tá entendendo, e desde o
momento que eu conheço os mandamentos de Deus e Ele não perdoa mulher com
mulher o levianíssimo e Deus já fez o homem e a mulher, também os drogados,
largava a oração e ia fumar um baseado, então não tava ali porque queria buscar a
Deus, tava ali só no momento de perigo, então eu parei de ir... (Entrevista com SS)
Como relatamos anteriormente, nos presídios as pessoas ficam muito mais sensíveis e
a religião toma uma dimensão muito maior do que quando a pessoa está em liberdade. A
confiança de que Deus realiza os pedidos é um fator de grande importância para essas
pessoas. Através das trocas simbólicas as coisas vão acontecendo e o tempo vai passando
nesses espaços em que o tempo é um dos maiores inimigos. As trocas simbólicas são colhidas
das próprias palavras das presas:
Bom no dia 26... eu estava presa já na cadeia de Itapevi, no dia 26 de.... de
dezembro, de novembro eu fiz um propósito com Deus, que se ele desse a liberdade
do meu filho e do meu marido eu aceitaria a minha condenação sem reclamar e sem
blasfemar o nome dele. Aí o que aconteceu. No dia dez de dezembro de 2003 meu
marido saiu da cadeia né e dia doze de fevereiro eu fui condenada três anos e seis
meses aí no dia primeiro de agosto agora do ano passado né, meu filho saiu da
cadeia, só que infelizmente agora a duas semanas atrás ele foi preso de novo, depois
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de sete meses, tando sete meses na rua ele foi preso de novo, no mesmo artigo 157
assalto. (Entrevista com CR)
Insistindo, disse ainda: “-Ah! Sim, deixe eu te falar quando a gente tava falando do
propósito então, eu acredito que isso foi mesmo Deus ele.... ” (Entrevista CR)
Aqui fica evidente o que Bourdieu apresenta como o “capital de autoridade
propriamente religiosa de que dispõe uma instância religiosa”. (2003: 58) É esse poder
simbólico que influencia nas idéias e nos comportamentos das pessoas em situação de
fragilidade. A troca é evidente quando detectamos na fala da entrevistada que Deus vai
atender o seu propósito, pois ela está dando a sua vida em troca da liberdade do marido e do
filho. A insistência em que foi ação de Deus é outro elemento que faz parte dessa articulação
simbólica de poder.
Se eu faço o meu erro aqui dentro é a derrota do meu filho lá fora. Eu estou
aprendendo fazer a minha parte, faz pouco tempo que eu parei, ai o meu filho está
trabalhando. Se eu usar a droga o meu filho também voltara a usar. O meu filho está
trabalhando, servindo a Deus na Congregação. Não tenho como não falar que Deus é
na minha vida, as coisas não acontecem por acaso, cada vez que eu acerto mais na
minha vida, Deus me dá mais. ( Entrevista com TA)
Suas ações estão voltadas para a realidade externa ao presídio, com um sentimento de
troca. Nessa leitura a presa entende que a punição será lançada sobre seu filho que está em
liberdade.
3.3 Funções das religiões segundo as mulheres presas
O que as religiões pregam é, em suma, a transformação do homem mau em homem
bom: o equilíbrio das paixões e dos instintos; a reescalonação de valores mal
colocados pelo ser materialista; o encontro e a aceitação dos valores espirituais face
à perspectiva de uma vida eterna dento da qual o período terreno corresponde a um
simples instante de prova e de trabalho; o amor a Deus, nosso Pai, e ao próximo; o
amor criando raízes na Terra e infiltrando-se em todos os seres. ( OLIVEIRA, 1978:
p.93)
80
Nessa afirmação Oliveira apresenta aspectos disciplinares das religiões inseridas nos
presídios nos anos de 1970. Sabemos que com a mudança de pensamento na sociedade
também esses aspectos tomaram outras formas. O número de igrejas inseridas nos presídios
femininos teve um aumento significativo. Com esse aumento, as possibilidades de atividade e
participação por parte das mulheres presas também se ampliou. As igrejas que usam de
mecanismos moralizadores somente através das palavras já não têm tantos interessados, pois
nesse espaço em que a disciplina cotidiana é pesada o suficiente, a descontração através da
música e dos louvores é mais atraente.
Apresentamos uma questão para as mulheres entrevistadas. Como a religião que ela
segue dentro do presídio contribui em sua vida? E tivemos as seguintes respostas:
Ah, a Renascer ela ajuda muito a gente, ela dá as palavras que o pastor fala, ele dá
muito ânimo pra gente. Ele passa muita fortaleza. Ele falando nunca desista, você
não pode desistir. Por mais que seja dor, por mais que tudo aconteça, vocês não têm
que desistir, vocês tem que ajoelhar no chão conversar com o seu Deus, porque você
tem um Deus na sua vida e nele você vence, mais do que ele não existe. Então ela
passa uma coisa positiva pra gente, muito positiva. E aí anima, não é só aquele
negócio de gritar, gritar, tem igreja que você passa, aí aquela gritação, aquela
gritação. Só grito, só grito, só grito, não eles passam animo na gente. A gente canta,
a gente dança, a gente... tem gente que dá testemunho, o pastor fala, o pastor conta a
vida dele, ou uma das obreiras também fala é muito bom, não é uma coisa chata, que
nem você assistir um culto da Assembléia, da Universal , um culto vamos dizer da
Deus é Amor é totalmente diferente, ali você tá presa, ali você não tem como você
se soltar. Eu acho que prá você tá ali com Deus no pensamento você tem que tá a
vontade. (Entrevista com CR)
Segundo as mulheres entrevistadas a religião apresenta um aspecto positivo, dando
ânimo para que elas não deixem de lutar, além de possibilitar a dança, o canto e um momento
de liberdade.
Outra entrevistada revela que a ajuda é espiritual:
Espiritual. Financeira não... e tem também... tipo... tem os Espíritas que ajuda as
pessoas doente, pessoas nervosas... eu acredito e encontro bastante fé em Alan
81
Kardec, fala que o que a gente passa na vida não é por acaso e algumas coisas talvez
seja do passado. (Entrevista com PS)
A tranqüilidade que a religião transmite, faz parte de um mecanismo de controle dos
indivíduos. Acreditar que o sofrimento que passa é por causa de um passado de uma vida
anterior conforta mas, ao mesmo tempo faz com que a pessoa se torne mais controlável neste
sistema.
Uma outra entrevistada disse: - “Eu acho que ajuda muito, eles dão um incentivo pra
pessoa mentalizar as coisas que tá certa ou errada, você tá pagando aquilo que você fez ou que
você não fez, eles ajudam a você mentalizar essas coisas”. (Entrevista com AR)
O significado dessa mentalização está evidente na expressão dessa mulher que,
mesmo sentindo que foi presa injustamente procura aceitar resignada e cumprir a pena
imposta pelo poder judiciário. Condenada a trinta anos de prisão, cumpriu quatorze anos. Seu
crime: homicídio. Ela matou a pessoa que estuprou sua filha de um ano de vida. (Entrevista
com AR)
Outra mulher em situação de prisão disse que as religiões contribuem: No apoio
psicológico, elas chegam abraçam, oram pra elas saírem dessa situação. (Entrevista com JM)
A presença de pessoas que não fazem parte dessa realidade é um tipo de incentivo para a
resistência em uma realidade como a do presídio. Realidade que o abraço e o interesse pela
outra pessoa não é uma constante.
Participar das atividades de todas as igrejas que fazem atendimento religioso no
presídios é mais um elemento de busca da exterioridade. Através dessas atividades a mulher
presa toma conhecimento de situações e fatos da sociedade comum. A participação nas
82
atividades das igrejas possibilita que as mulheres presas ganhem materiais de higiene pessoal,
livros, além de credibilidade da direção.
Outra entrevistada disse que:
Ah! É muito importante pra nós, nossa! No geral, eles transmite uma força muito
grande pra nós, a gente não se sente abandonado, eu só tenho a agradecer, eles são
muito atenciosos com nós, transmite uma coisa muito boa, esperança, perseverança
pra nós todos. (Entrevista com SE)
Como mencionamos anteriormente, o atendimento das religiões de origem africana
não existe nos presídios femininos. Uma outra questão foi realizada, para verificar o interesse
pelas presas em ter atendimento religioso das religiões de origem africana como a Umbanda e
o Candomblé.
Tivemos as seguintes respostas:
- “Ahhh, eu acho eu ia gostar muito, muita gente ia gostar... Ahhh, ia ser legal, deveria ter
sim.. vai ver no meio de tantas presas tem alguma mãe de santo por aqui”.(Entrevista com PS)
-“Eu acho que sim, mas teria mais contra do que pós”. (Entrevista com VC)
-“Sim, tem muita gente que gosta, eu iria...”(Entrevista com JM)
-Maior, seria muito bom. Seria uma macubanhada danada, uma querendo matar a outra só na
macumba”. (Entrevista com SE)
-“Tranqüilamente, eu não posso dizer que não. Isso não depende de mim. Depende da pessoa.
Mas acaba sendo uma coisa muito perigosa”. (Entrevista com EP)
As respostas foram diversas, no entanto o medo é uma realidade que aparece com
freqüência. Segundo podemos verificar elas consideram às religiões afro muito fortes, com
um poder além. Essas religiões sendo desenvolvidas nesse espaço de prisão poderiam ser
usadas para a destruição das rivais. Notamos que a discriminação em relação às religiões afro
aparece também nas falas das presas. Lembramos da questão da identidade cultural abordada
83
no capítulo anterior. A identidade cultural precisa se reconstruída, pois o modelo social que
foi estabelecido não permite que a cultura afro seja manifestada em muitos aspectos, como a
religião.
Questionamos ainda sobre a prática religiosa exercida, por elas, no cotidiano do
presídio. Diante de uma disciplina de horário, locais e vigilância para tudo, como essas
mulheres praticam a religião neste espaço. Tivemos as seguintes respostas:
-"Leio o evangelho, deixo aberto, na hora que eu levanto eu faço uma oração que aprendi
antes de ser presa. A de São Jorge Guerreiro”. ( Entrevista com PS)
-“De manhã abro o evangelho dos Espíritos, tiro uma palavra antes de trabalhar e a noite faço
minhas orações”. (Entrevista com JM)
-“Eu faço oração ao acordar, antes de dormir e durante o dia eu falo com Deus. O privilégio
que eu tenho é de ver as minha falhas. Aí eu peço perdão, não sei se estou certa mas a bíblia
que eu leio diz que é mais ou menos assim”. (Entrevista com VC)
-“Eu oro, falo com Deus, leio os salmos. De manhã, todos os dias! Não sou aquela beata que
fica de joelho...” (Entrevista com “ANA PAULA” TA)
Em suas orações são apresentados pedidos enfocando principalmente a liberdade. No
entanto elas não esquecem da realidade dos familiares, que passam por dificuldades. Podemos
verificar no depoimento das mulheres entrevistadas, esses e outros relatos:
-“Ah eu peço muitas coisas, pra minha mãe. O que eu mais peço é minha liberdade, pagar por
um crime que eu não devo, se Ele (Deus) me deixa aqui é porque ele quer uma obra na minha
vida”. (Entrevista com JM)
A liberdade é pedida enfaticamente por essa mulher entrevista:
É eu peço a minha liberdade e agradeço pela minha vida, não tem mais muita coisa
pra fazer, porque o pão de cada dia... Igual eu tô presa, então o governo tem que me
dar comida. Tenho que trabalhar aqui dentro pra ter a remissão de pena pra mim ir
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embora. É eu peço a minha liberdade e agradeço pela minha vida, não tem mais
muita coisa pra fazer, porque o pão de cada dia, igual eu tô presa então o governo
tem que me dar, tenho que trabalhar aqui dentro pra ter a remissão de pena pra mim
ir embora. Eu sei tudo isso. Eu tenho que se apegar a Deus por toda a vida, por que
ele é a única força que pode me ajudar a sair daqui. (Entrevista com AR)
Uma reeducanda contaminada com o vírus da AIDS há doze anos, confia sua
recuperação na ação divina. Ela se nega a tomar os medicamentos, pois acha que os mesmos
podem levá-la a morte mais rápido. Seu pedido é para que Deus continue lhe dando saúde.
Ela manifesta que está viva por vontade de Deus. ( Entrevista com PS)
A entrevistada apresenta seus pedidos de liberdade, aos orixás, revelando que a
ausência das religiões de origem afro no presídio não a afastou de sua prática anterior
conforme segue: -“Ahh, eu peço para os orixás me dá força aqui dentro. Peço para sair logo”.
(Entrevista com RC)
3.4 As afro-descendentes nas Igrejas Pentecostais.
O ponto de partida do movimento pentecostal, que hoje atinge vários
continentes, foi, em 1906, numa velha igreja metodista de Azulsa Street, em Los
Angeles, Estados Unidos. O interior daquele velho templo abrigava evangélicos,
majoritariamente negros, que em orações prolongadas pela noite adentro, buscavam
a santificação pelo Espírito. E quem primeiro falou em línguas desconhecidas foi
um negro e não um branco, pois nessas reuniões de prece havia protestantes de cor
branca. O fato de um preto haver falado em línguas estranhas, em culto com alegres
cânticos e orações em altas vozes, agitou a imprensa norte-americana que taxava o
episódio como invasão da cultura africana na civilização ianque. Entretanto, o fato
era religiosamente interpretado como sendo a reunião das raças num novo
Pentecostes. (ROLIM, 1987: p. 22)
O pentecostalismo que nasce de uma proposta de luta dos negros, perde suas
características de movimento social, e vindo para o Brasil em 1910 tem uma proposta
espiritual. “No Pentecostalismo, o batismo é considerado a posse da alma do fiel pelo
Espírito Santo, que revela sua presença através de sinais, um deles falar línguas estranhas”.
(ROLIM, 1987: p. 21) As igrejas pentecostais, encontram nos presídios femininos um campo
85
para o proselitismo. Na busca de converter adeptos de outras religiões ao pentecostalismo
essas igrejas encontram oportunidade nos presídios.
Nossa pesquisa coloca em evidência o grito dessas mulheres. Fazer com que das celas
se ouça e compreenda as opções religiosas feitas por essas mulheres é o intuito desse estudo.
Saibamos como ocorrem as escolhas das presas pelas igrejas pentecostais no espaço
dos presídios. Ao entrevistarmos CR ela respondeu:
Bom, eu não me denomino de nenhuma, entendeu, pra ir direto, fui sim, fui de
Umbanda e de Candomblé. Fui um tempo direto. Mas depois que eu parei com isso
não sou de Igreja Católica nem Igreja negócio de ...evangélica, mas ultimamente um
tempinho atrás que eu tava na rua eu ia sim na igreja que eu tenho uma irmã que tá
terminando um curso lá, não seu como é que chama, pra missionária, tenho meu
cunhado que é pastor, a minha mãe é da Adventista, minha, meu irmão é adventista
e essa minha irmã que é missionária ela é da Betel Brasileira, meu cunhado também,
quer dizer são tudo assim, tipo a minha família ela são dividida entre a Betel e a
Adventista entendeu. Então só que eu sou mais de ir na Betel aonde é que a minha
irmã vai porque é menos rígida, entende. É menos rígido, você pode louvar a Deus
em forma de samba, em ritmo de pagode, você pode passar uma pintura, você pode
usar uma saia não precisa ser lá no pé, você pode usar uma calça comprida, você
pode usar um brinco, entendeu. E... nas outras igrejas não pode nada disso, apesar
que eu penso comigo venha do jeito que estiver, né. Então, e eu por eu gostar muito
de pagode, então pra mim que nem a Renascer, a Renascer tá sendo uma, uma como
se fala, uma religião pra mim que eu acho que é com ela mesmo que eu vou ficar
quando eu sair daqui.
(Entrevista CR)
Fica evidente a escolha pela Igreja Renascer, pois é uma igreja que deixa seus adeptos
livres. Sem limitações de roupas ou de gostos musicais. Segundo Reginaldo Prandi, em
entrevista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo. “Nas igrejas neo-pentecostais, passa-se a
idéia de que Deus está ao seu lado para ajudar na superação das dificuldades. É mais eficiente
do que a promessa das religiões afro-brasileiras de conquista das coisas através dos trabalhos
mágicos, das oferendas às divindades”. (2005)
Uma das entrevistadas relata que a participação em igrejas pentecostais aconteceu antes de ir
presa.
Não era, aqui dentro é assim, toda a família desse meu marido era da Assembléia
inclusive ele era Pastor depois desviou e eu freqüentava com eles, mas sempre que
eu ia no Centro de Capinas tinha uma Igreja Universal muito grande e assim que eu
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passava por perto tinha uns hinos muito bonito e eu entrava. Na verdade onde está
falando de Deus eu entro, na Universal, na Renascer. (Entrevista com SS)
Percebemos que os hinos, os louvores chamam a atenção. Em uma situação de prisão
esses elementos que não oferecem risco de controle são os mais procurados. No entanto, nos
hinos percebemos a ideologia que incute a culpa e a necessidade de arrependimento. Esse
mecanismo sutil não é percebido pela pessoa que participa. Lembramos do hino cantado
pelas presas no Presídio do Tatuapé que enfatizava a transformação coração em um coração
de criança, puro. Nas letras dos hinos mantem-se a moral.
Uma reeducanda que participa da Igreja Renascer relata que escolheu essa igreja:
Porque é uma Igreja que eu me identifiquei em todos os sentidos. No modo de falar,
no modo de agir, de passar a mensagem. Não é uma coisa bitolada eu vou se eu
quiser; como em outras igrejas que vem eu não consigo porque tenho experiências
anteriores que não me agradam, então eu acho que a Renascer tem um jeito novo de
falar de Deus. (Entrevista com VC)
Um jeito novo de falar de Deus! Perceber que esse jeito novo não exige uma efetiva
participação e mudança da pessoa. A experiência da liberdade ou possível liberdade encanta
as mulheres que vivem em um sistema de prisão, assim como encanta grande parte da
população na sociedade livre, sociedade que busca uma resposta às necessidades imediatas e
que através das igrejas pentecostais encontram uma promessa. A promessa de receber a
benção do Senhor em pouco tempo e de ser bem sucedida profissionalmente e afetivamente.
No presídio pudemos ver algumas conquistas das mulheres que aderiram as religiões
pentecostais. Em todos os pavilhões da Penitenciária Feminina da Capital tem um espaço de
oração. Em uma antiga cela as pentecostais se reúnem todos os dias num mesmo horário, das
12h às 13h, realizam orações, cantam hinos e fazem pedidos.
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No Presídio Feminino do Tatuapé tomamos conhecimento de uma igreja pentecostal
com o nome de ministério “Nova Vida”, que foi fundada pelas presas sob a liderança de uma
delas. A igreja funciona na própria cela em que vivem seis presas, elas prestam atendimento
às outras presas, fazem momentos de oração permanecendo sempre uma na cela. Esse espaço
é referência para as outras presas que procuram uma palavra de consolo.
Ministério Vida Nova, quer dizer que é vida nova, mudou. O que era não é mais.
Então esse ministério que para poder entrar nele, existe uma cela. É a cela que eu
moro e só moram pessoa evangélica. Elas não podem ter nada de errado, não pode
andar conforme a cadeia. Não pode ter caso com mulher, não ter telefone, não ter
droga, ficar por aí em conversinhas. Pode sair conversar um pouco, mas dentro do
evangelho, tem que evangelizar. Quem não tem esses requisitos, está fora. Pode ir na
igreja, mas não pode fazer parte do ministério. (Entrevista com EP)
A maneira como as mulheres tomam posse da religião é muito interessante. Segundo
a diretora interdisciplinar, as presas que lideram essa igreja conseguem mais atenção da
direção e seus pedidos são analisados com possibilidades de serem atendidos.
Os pedidos dirigidos a Deus, das mulheres afro-descendentes, revelam o asseio pela
liberdade, no entanto as que participam das igrejas pentecostais são voltados para os
familiares. Uma das entrevistadas manifesta a preocupação com os filhos:
Bom, o que eu mais tava pedindo a Deus, mais do que a minha própria liberdade,
como eu falei foi. Era que meus dois filhos viesse morar com o meu marido, porque
eles não estavam morando com o meu marido, eles estavam morando onde morava
esse outro meu filho que foi preso. O que eu mais queria era ver os meus filhos
juntos com o meu marido, agora eles estão juntos, só não a minha filha, porque ela
ainda é menina, vai fazer dez anos no dia primeiro, então ela fica com a minha mãe,
ela estuda onde minha mãe trabalha, então até eu ir embora só ela quem vai ficar
longe. Mas o que eu mais quero mesmo é que Deus ajunte meu marido e os meus
dois filhos, porque o meu filho mais velho não é filho dele, mas também quero que
tenha uma aproximação e com os dele que é o W. e o N é o que eu mais quero, que
os três se dê bem lá na rua, que eles entrem numa sintonia só, entre pai irmão e filho.
Porque aí sim, que Deus me ajudando eu vou tirar minha cadeia de boa sem
preocupação e que livre meus filhos do mundo do crime, porque eu não quero perder
meus filhos pro crime, não quero. Eu já perdi um, assim, que tá lá preso novamente,
mas eu tenho fé em Deus que eu vou recuperar ele, eu não vou dizer pra você que eu
saindo daqui, dali dois meses eu vou me batizar eu vou me evangelizar não, mas que
eu vou eu vou, eu vou morrer em cristo. (Entrevista com CR)
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Nas prisões com o limite de contatos cada vez maior a mulher busca nos grupos
religiosos a possível segurança que trará tranqüilidade para poder passar os anos nesse espaço,
e confiança de que seus familiares, principalmente filhos, estarão bem.
Apresentamos neste capítulo as visitas realizadas nos dois presídios femininos da
capital paulista, demonstrando através das falas das presas a importância das religiões nesses
espaços. O atendimento religioso que possibilita um contato com o mundo exterior, as
experiências consideradas religiosas pelas mulheres presas e a escolha em participar das
atividades de mais de uma igreja, são coisas que fazem parte do cotidiano das mulheres nesses
presídios. Com o predomínio das igrejas pentecostais nos presídios femininos verificamos que
as mulheres afro-descendentes buscam nessas igrejas o conforto para suas mais gritantes
preocupações.
89
CONCLUSÃO
______________________________________________________________________
A prisão-castigo assumida pela sociedade moderna como a pena por excelência, deixa
seu rastro de horror. Em pleno século XXI, quando é apresentada a evolução da humanidade,
em canais e redes de tv ainda não foi superado o modelo de prisão assumido no século XV
pela Igreja Católica. Esse modelo que carregou consigo os muitos mecanismos disciplinares
como: o trabalho, o horário, a uniformização das pessoas e a religião, continuam vigentes. A
privação de liberdade é utilizada como mecanismo definitivo, como nos revela Oliveira:
Banida a pena de morte, surgiu um novo tipo de pena: a privação de liberdade, que
vige até os dias atuais; utilizando somente da prisão como mecanismo definitivo de
apenar, em que o corpo deixou de ser o instrumento direto de punição, pois os
efeitos do encarceramento atingem mais intimamente a vontade, o intelecto e as
emoções. (OLIVEIRA, 2003: p.249)
O papel da instituição total é o de transformar os indivíduos, através do controle das
emoções, de suas ações e necessidades. Quando a religião impõe esse controle aos indivíduos
ela está contribuindo para que a instituição total se mantenha como único e eficiente
mecanismo de punição. Nas entrevistas constatamos que as diversas religiões cumprem essa
função.
A ascendência africana é percebida e reconhecida nesses espaços? Com este
questionamento buscamos entrevistar as mulheres afro-descendentes nos presídios. Essa
priorização causou certo estranhamento na direção e nas lideranças religiosas. As mulheres
presas estranharam, mas foram revelando aos poucos suas ascendências afro, o que
possibilitou fazermos um estudo do comportamento das afro-descendentes. O comportamento
90
de auto desconhecimento, que uma parte muito grande de descendentes de africanos, na
sociedade brasileira ainda não expressa.
A memória religiosa das mulheres afro-descendentes é um dos elementos que aparece
neste estudo. Essas mulheres, mesmo participando das religiões pentecostais, católica e
Espírita apresentam nas entrelinhas uma realidade que a história não apaga. Em suas
memórias a religião de origem africana é latente. A força da religião é uma verdade expressa.
Os presídios femininos, lugares de privação, estão com suas portas abertas para todas
as religiões? Essa foi uma pergunta inicial de nossa pesquisa. Interessante estudarmos essa
realidade no espaço dos presídios. Oficialmente não existem impedimentos para a inserção
dos seguimentos religiosos, no entanto a diversidade religiosa existente na sociedade comum
não foi encontrada nos presídios femininos, pelo menos não na mesma dimensão.
Nosso estudo constatou a ausência das religiões de origem africana nesses espaços.
Não encontramos as religiões orientais e muçulmanas, o que torna ainda mais evidente a
limitação religiosa existente nesses espaços. A direção revela a discriminação negativa em
relação às religiões de origem africana. Expressam que poderia haver uma piora no
comportamento das mulheres, com a inserção dessas religiões. As mulheres presas
entrevistadas se mostraram a favor de ter o atendimento das religiões de origem africana, no
entanto demostraram medo do que essas religiões podem aguçar num espaço de tanta
desunião.
Pela própria natureza e utilidade da prisão, as pessoas que estão excluídas de
liberdade, são obrigadas a obedecer às regras dessa sociedade. Seu tempo de pena faz com
91
que a pessoa se adapte e aceite esse controle. As igrejas inseridas nesses presídios têm a
função de disciplinar para uma aceitação mais passiva. O encarceramento passa a ser uma
punição e não atende ao quesito de ressocialização da pessoa. O controle social através da
religião é um mecanismo utilizado em vários momentos da história, na sociedade brasileira.
As religiões inseridas nos presídios não possuem um atendimento voltado
especificamente para as mulheres afro-descendentes. As lideranças consideram que as
mulheres são iguais e que o atendimento é para quem quer. Uma igualdade aparente que
perpassa todos os seguimentos de nossa sociedade. Em suas pregações verificamos o rigor
moral. Esse rigor é mais enfatizado em relação à necessidade sexual e ao uso de drogas. As
limitações de espaço, tempo de pessoas para fazerem o atendimento devido foram outros
impedimentos apresentados. Esses impedimentos impossibilitam um atendimento mais
específico.
As mulheres afro-descendentes nesse contexto de prisão utilizam das igrejas aí
inseridas. Através das igrejas elas tomam conhecimento das mudanças da sociedade externa
ao presídio, se organizam para orar e falar de suas necessidades, buscam força para enfrentar
o dia-a-dia da prisão e acreditar em uma liberdade próxima.
As presas que participam das religiões pentecostais são mais pacíficas, toleram as
injúrias e não provocam as outras. Em contrapartida buscam benefícios como atendimento
psicológico e liberdade para transitar nos pavilhões. Essa mulheres têm mais liberdade de
expressão nos presídios do que as que não freqüentam essa religiões. Elas são respeitadas
pela direção e tornam multiplicadoras da religião no presídio. Conseguem influenciar a
escolha religiosa dos familiares.
92
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ANEXOS
______________________________________________________________________
Anexo I - Entrevistas com as mulheres presas
Entrevista 1 (30.03.04)
CR- reeducanda da Penitenciária Feminina da Capital , vou fazer algumas perguntas para ela referente a pesquisa
sobre a religiosidade aqui no Presídio Feminino.
Pesquisadora (P): Quanto tempo você está aqui nesta Penitenciária?
Entrevistada (E): Desde o dia 06 de junho, deixe eu ver, julho, agosto setembro, outubro, novembro, dezembro,
janeiro, fevereiro e março, nove meses.
P: Nove Meses. E você vai ficar quanto tempo Regina?
E: Bom a minha... a minha sentença é de três anos e seis meses, eu to tirando um ano e seis meses de cadeia, mas
como eu já te disse né, estou na esperança aí de um semi-aberto, uma desclassificação de artigo, ou uma
apelação ganhando a cadeia toda.
P: Tá, então você está esperando ter um retorno do juiz pra saber se diminui a ....
E: É, ou diminui ou me absolve, ou permanece né, porque uma apelação ela tem... pode acontecer três coisas
com ela: ou ela diminui a sua cadeia, ou ela aceita que você realmente é inocente e é absolvida ou ela diminui a
sentença, entendeu? No meu caso eu tenho essas três chances, como tenho a chance também de ser
desclassificado com o artigo XVI por eu ser realmente dependente, como se diz, dependente porque eu não me
julgo viciada eu me julgo dependente da maconha. E foi achado comigo três gramas de maconha e fui eu
condenada no artigo XII, mas eu creio em Deus.
P: O artigo XII seria o quê?
E: Tráfico.
P: Tráfico?
E:É....
P: E você, com três gramas de maconha, foi condenada ao trafico?
Você, você é.... Da outra vez que eu conversei com você, você falou que dirigia essa situação de ter sido
condenada por um ter feito uma promessa entre aspas que você fez e......
E: Uma promessa não, um propósito!
P: Um propósito. Isso! Fala um pouquinho desse propósito pra gente.
E: Bom no dia 26... eu estava presa já na cadeia de Itapevi, no dia 26 de.... de dezembro, de novembro eu fiz um
propósito com Deus, que se ele desse a liberdade do meu filho e do meu marido eu aceitaria a minha condenação
sem reclamar e sem blasfemar o nome dele. Aí o que aconteceu. No dia dez de dezembro de 2003 meu marido
saiu da cadeia né e dia doze, no dia dez de dezembro meu marido saiu da cadeia, no dia doze de fevereiro eu fui
condenada três anos e seis meses aí no dia primeiro de agosto agora do ano passado né, meu filho saiu da cadeia,
só que infelizmente agora a duas semanas atrás ele foi preso de novo, depois de sete meses, dando sete meses na
rua ele foi preso de novo, no mesmo artigo 157 assalto.
P: É não é fácil! É..... Você assim.......
E: Ah! Sim deixe eu te falar quando agente tava falando do propósito então, eu acredito que isso foi mesmo Deus
ele....
P: Uma ação de Deus.
E: Foi, porque eu penso assim, que nem eu falei, eu num... jamais iria blasfemar o nome dele sendo a
condenação do jeito que viesse e no dia que a minha irmã chegou pra mim visitar, antes dela entrar pra dentro da
cadeia eu perguntei né, falei pra ela assim e o advogado tem alguma notícia, ela é.. eu falei eu já sei fui
condenada né? Ela, é. Eu falei eu sabia! Mas, Deus sabe o que fez. Aí falei ó senhor agora o senhor sabe o que
senhor vai fazer, né.
P: E você participa aqui, acho que da outra vez eu perguntei também, eu estou retomando. Ou melhor, de qual
religião você se denomina, você é de qual religião?
E: Bom, eu não me denomino de nenhuma, entendeu, pra ir direto, fui sim, fui de Umbanda e de Candomblé. Fui
um tempo direto. Mas depois que eu parei com isso não sou de Igreja Católica nem Igreja negócio de
...evangélica, mas ultimamente um tempinho atrás que eu tava na rua eu ia sim na igreja que eu tenho uma irmã
97
que tá terminando um curso lá, não seu como é que chama, pra missionária, tenho meu cunhado que é pastor, a
minha mãe é da Adventista, minha, meu irmão é adventista e essa minha irmã que é missionária ela é da Betel
Brasileira, meu cunhado também, quer dizer são tudo assim, tipo a minha família ela são dividida entre a Betel e
a Adventista entendeu. Então só que eu sou mais de ir na Betel aonde é que a minha irmã vai porque é menos
rígida, entende. É menos rígido, você pode louvar a Deus em forma de samba, em ritmo de pagode, você pode
passar uma pintura, você pode usar uma saia não precisa ser lá no pé, você pode usar uma calça comprida, você
pode usar um brinco, entendeu. E... nas outras igrejas não pode nada disso, apesar que eu penso comigo venha do
jeito que estiver, né. Então, e eu por eu gostar muito de pagode, então pra mim que nem a Renascer, a Renascer
tá sendo uma, uma como se fala, uma religião pra mim que eu acho que é com ela mesmo que eu vou ficar
quando eu sair daqui.
P: Então, aqui dentro você participa da renascer?
E: Da Renascer.
P: Só da Renascer ou você de vez em quando vai em alguma outra?
E: Só da Renascer, não, fui uma vez escutar um, umas palavras da, dum pessoal da Universal ai foi justamente
que vieram falar justamente sobre os adventistas entendeu, aí eu já não gostei como a mulher se expôs sobre os
adventistas, porque eu sou de uma família que tem adventista e eu sei que não é do jeito que ela quis dizer,
entendeu? E também acho que falei pra ela que ali não era o lugar pra ela ta falando mal de religião nenhuma, ela
tinha que cuidar da religião dela, trazer a mensagem que Deus deu pra ela e não fazendo diferença de uma
religião pra outra porque tem várias religiões, mas o Deus é o mesmo, é um só.
P: Me fala um pouquinho dessa experiência que você teve na Umbanda, no Candomblé, você falou que antes de
você participar da Betel, com sua família, você participou da Umbanda e do Candomblé, como que foi, que
tempo, que idade você participou.
E: Aí também, desde pequena, porque aí era toda a minha família era toda ligada ao espiritismo.
P: Mas era a sua mãe, quem era ...
E: Minha mãe era ligada, minha vó principalmente, minha tia que hoje é evangélica também entendeu, o meu
avô que já é falecido, a minha mãe eu não digo tanto assim porque né, mas a minha tia, meu finado padrinho,
uma tia minha que morreu a pouco tempo e que também ela era muito macumbeira, só que ela morreu
evangélica, creio eu né, que ela morreu evangélica, prima, assim, entendeu. É foi, e era uma coisa que eu
gostava, entendeu, eu gostava daquilo, eu tenho uma madrinha, que eu chamo ela até hoje de madrinha, né. Era
uma coisa que eu gostava, só que agora pra mim já num, eu..., agora não já de muito tempo que eu vejo que..., e
mesmo ali, mesmo eu vendo que não resolve nada, que ... entendeu, porque tudo vai da sua fé eu creio que tudo
vai da sua fé, então quer dizer o que é que acontece, você pede uma coisa Deus trabalha naquilo que você pediu
então você consegue aquilo ali, que nem se tem, você ta aqui com câncer vamos se dizer, eu to aqui tem um copo
de água aqui entendeu se eu pensando no espiritismo, na Pomba-gira, no Caboclo, no Zé Pelintra, na Iemanjá,
na Oxum, no que for. Ou pensando em Deus numa Igreja evangélica, mas eu creio que aquele como de água vai
me sarar, entendeu, e eu vou tomar o copo de água, eu vou sarar, mas foi pela minha fé, entendeu. Foi pela
minha fé e Deus viu que apesar da minha fé estar sendo errada, mas era a minha fé, eu tava crendo era nele,
entendeu, porque mesmo que seja no espiritismo pra mim o Deus nosso está lá, porque se existe a religião é
porque ele permitiu, porque não cai uma folha de uma árvore se ele não permitir, eu acredito assim, entendeu,
que nem eu não sei se agente pode dar nome de sina ou destino entendeu, do livro da vida, mas eu creio que
agente tem um livro da vida sim e tudo que agente tiver que passar agente vai passar, e não adianta dizer não
você podia ter evitado. Sim, eu podia ter evitado, mas eu não evitei porque eu tenho que passar pela aquilo, e
Deus dá o peso, dá o frio conforme o cobertor e ele não te dá um fardo que você não possa carregar, ele não te
dá.
P: Mas assim, você.... eu to insistindo um pouco, até pra saber como, porque mesmo que você deixou, foi
insistência da sua família, da sua irmã, do seu cunhado pra você deixar, ou você parou de participar da Umbanda
do Candomblé, você falou não vou mais.....
E: Parei por mim mesmo, parei, achei que não compensava porque quando era alguma coisa pra mim eu não
conseguia, entendeu, e quando era pros outros dava certo. Pra mim não dava, então não pode ser.....
P: Mas você era assim, você era filha de santo... tinha, recebia .....
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E: Sim filha de santo, raspada, na Umbanda eu, como, né, recebia os orixás, agora no Candomblé agente já fala
virar no santo, entendeu, eu virei no santo no Candomblé, na Umbanda eu recebia mesmo também, mas
nenhuma das duas, quando eu precisava de alguma coisa não me atendia, então era só pros outros, então já que é
pra fazer só pros outros eu não quero, quero uma coisa que eu possa me ajudar. É que nem seu eu pedir pra
Deus, ai senhor ajude a minha amiga, mas me ajude também, ele vai ajudar minha amiga e vai me ajudar
também. Agora não eu quero que o senhor ajude minha amiga, tá, quando eu peço pra ajudar a mim, não vai me
ajudar, não então essa parte... Aí eu fui desencantando, achando que... eu não desacredito entendeu.....
P: Permanece acreditando......
E: Que o espiritismo existe sim, que no Candomblé a pessoa virá no santo sim, que na Umbanda a pessoa recebe
um orixá sim, eu acredito sim, entendeu, eu acredito porque eu recebia, entendeu, então eu sei, mas pra mim ir
nem passa mais pela minha cabeça.
P: E essa idéia, vamos dizer que as vezes as igrejas evangélicas, neopentecostais passam de que a Umbanda e o
Candomblé é do diabo, é uma coisa ruim. Isso passaram pra você, tentaram passar em algum momento, ou não.
E: Na igreja?
P: É, ou mesmo sua família, irmã, seu cunhado que participavam.
E: Não, eu vou te falar pra você a minha família, a respeito a mim com respeito a religião deles e a minha
maneira de ser é uma coisa assim extraordinária, porque eles não me forçam a nada, eles não me obrigam a
nada. A minha irmã faz o quê, meu cunhado faz o quê? Oh! Vai na igreja! Eu falo tá. Somente! Não de ficar o
CR posso abrir uma campanha na sua casa, de culto. Pode abrir uma campanha na minha casa. Mas se eu falar
não. Ocha, mas deixa eu quero! Ou vir me buscar, dizendo você vai pra igreja! E eu tenho que ir pra igreja. Não
nunca teve isso. Entendeu. Que nem eu realmente na rua a um tempo atrás antes deu ir presa eu mexia com
trafico, como eu já fui presa outra vez. Entendeu? E eles mesmo eles sendo evangélicos eles nunca me
censuraram a respeito de nada. Nunca foram contra mim, entendeu. Chegar em mim e me recriminaram, não!
Eles não acham certo, mas eles também não me recriminam. Por que eles já sabem eu tô pagando pra justiça e só
Deus que sabe o que a gente já sofre aqui dentro, entendeu? Então eles não me recriminam em nada e não tem
esse negócio de querer me obrigar a ir na igreja, não! Que nem as vezes numa vez foi um grupo de pagode na
igreja que meu cunhado é pastor, né, e inclusive a mulher do cara que era um dos pagodeiros, agente era amiga
de salão de baile, de fumar baseado junto, e foi ela , foi o marido dela, e eu falei nossa que firmeza Edna você é
evangélica, né . Ela disse você também? Eu falei, não, eu vim aqui porque minha irmã me chamou. E Ela já tinha
se convertido, entendeu. Ai eu falei. Então eu quero, eu quero me entregar a Deus assim, eu quero corpo, alma,
espírito e coração, por completo. Enquanto não for por completo eu não quero. Eu não quero! Mas eu quero que
seja num lugar assim, que eu possa dançar, que eu possa cantar, que seja em ritmo de pagode. Não interessa
como você louva a Deus, o importante é que você está louvando e você orar do jeito que você souber orar, eu
acho que Deus escuta, se é que você está falando com ele, ele te escuta, entendeu? Não precisa tá com uma saia
no pé ou com um véu na cabeça e como tem muitas que fazem isso, mas elas tão ali só de enfeite, entendeu? Ela
tão ali só de enfeite. E Deus sabe quando ela tão ali só de enfeite, então é assim que eu penso, eles nunca me
obrigaram a nada.
P: Você já pensou na possibilidade de ter a Umbanda aqui dentro, ou um grupo do Candomblé, como tem dos
outros grupos religiosos. Fala um pouco disso pra mim.
E: Eu pensar em ter aqui, eu nunca pensei, entendeu? De eu entrar, por que eu tenho certeza que deve ter sim,
mulheres presas aqui que são da religião Espírita, Umbanda ou Candomblé.
P: Tá, mas vir o grupo, fazer atividade
E: Não, não tem. Isso não tem.
P: Você já ouviu alguém comentando que gostaria que tivesse essas religiões aqui dentro?
E: Não isso eu nunca ouvi ninguém comentando.
P: E você pensa o que sobre isso, de nunca ninguém ter pensado nisso. Ninguém gosta, tem gente que é, mas
também não liga de pedir pra vir fazer a visita.
E: Eu acho que eles num vem, não é por causa das presas não pedirem, eu acho que é por que eles não querem.
Porque eu acho que se eles conseguissem viessem aqui falassem com a diretoria que queria um espaço, como
tem pra evangélico, tem pra católico, eles queriam um espaço pro espiritismo, que tem gente que é dessa
religião, que segue. Umbanda, Candomblé, eu acho que aconteceria, poderia, porque como eu falei pra você da
outra vez na casa de detenção tinha, entendeu! Aqui não é. E as presas também não. Sei lá.
P: Nunca teve ninguém pedindo.
E: Nunca vi tocar no assunto que queria, nem nada, mas se no caso. Que nem no meu caso se quando eu viesse
presa tivesse ainda nessa religião eu faria um jeito, inventava um jeito inventava uma moda de poder continuar
seguindo a minha religião aqui dentro. Por que cada um faz a sua.
P: Você está no pavilhão dois , né?
E: Três.
P: É, Lá nesse pavilhão você conhece algumas colegas que sejam da Umbanda ou do Candomblé. Não precisa
falar nomes, só falar se conhece ou não.
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E: Conheço algumas.
P: E elas falam naturalmente, que são ou elas têm receio de falar .
E: Não. Falam naturalmente, que são. Aí eu respondo pra elas é eu também já fui, já mexi com esses baratos,
agora já não ligo mais. Mas eu acho que o negócio é ir direto no dono dos porcos. Então você vai direto a Deus,
que é mais fácil.
P: Você falou que participa da Renascer, aqui dentro. Como que é a sua prática religiosa durante a semana. Você
falou que gosta da Renascer, dos louvores, da animação quando eles vem. Durante a semana como você faz sua
oração, você tem um horário pela manhã ou a tarde.
E: Não eu não tenho horário nenhum. As vezes eu é assim, eu é de cinco minutos. Agora tem um quartinho de
oração que as meninas conseguiram, cada semana tem oração todos os dias, cada semana abre campanha pra
alguma coisa, entendeu
P: Mas de quem é, de qual grupo que é este espaço? É de todos?
E: É de todos....
P: Tá então tem um quarto de oração, e é pra todos?
E: É prá todos.
P: Não é de um grupo ou de uma igreja só, não.
E: Não é não. Então quer dizer, eu creio que não, porque eu vejo Adventista, também eu só vejo Adventista
aqui. Ah não, parece que tem a Assembléia que veio, e a Universal. Bom a Universal ela bate cartão.
É mas aí na hora que agente vai orar agente se une por baixo, independente da religião, entendeu, agente se une,
porque como se diz na bíblia onde tiver uma ou duas pessoas pode acreditar que lá eu estarei, então é assim
entendeu. Eu tem dia , tem semana que eu vou direto, todos os dias, tem semana que eu não vou.
P: No espaço de oração tem todo dia culto?
E: Todo dia.
P: Que horas?
E: No horário... é mais assim no horário do almoço.
P: Do meio dia a uma mais ou menos.
E: É, entendeu? Pelo menos lá no pavilhão três é assim. Agora a tarde eu não seu. A tarde as meninas já falou
pra mim que tem, mas eu não sei, por que eu também não vejo e eu tô la em cima, eu chego tomo um banho vou
fazer carta, limpar cela. Tem semana que eu já não vou, que eu falo não estou bem eu não vou, e eu não vou.
Tem semana que eu vou lá fora e escuto um louvor que eu gosto eu entro, aí eu canto aquele louvor e saio pra
fora, e é assim. Que nem sábado eu fui, teve o batismo e teve uma apresentação que o salgadinho veio, o
Katinguelê, veio cantar pra gente com o grupo da Renascer. E tem esse espaço que eu te falei que muita gente se
reúne todo o dia , só que eu não tô ali todo dia. As vezes a bíblia tá lá, porque ela fica aberta direto em cima da
minha cama. Aí eu olho pra ela e falo não vou ler não, sabe eu fiz alguma coisa de errado não dá pra mim pegar.
As vezes eu faço alguma coisa, terminei de fazer, vou lá e pego a bíblia, leio a bíblia, mas assim tudo quando me
dá aquele negócio. As vezes me dá aquela vontade, mas eu não consigo chegar até a bíblia, é que nem as vezes
me dá vontade de ir no culto, mas eu não consigo ficar muito tempo, parece que tem uma coisa que não me deixa
ficar lá dentro então é assim eu vou quando eu quero. Eu leio a bíblia, quando eu quero.
P: Você pede o quê nas suas orações, normalmente?
E: Bom o que eu mais tava pedindo a Deus, mais do que a minha própria liberdade, como eu falei foi. Era que
meus dois filhos viesse morar com o meu marido, porque eles não estavam morando com o meu marido, eles
estavam morando onde morava esse outro meu filho que foi preso. O que eu mais queria era ver os meus filhos
juntos com o meu marido, agora eles estão juntos, só não a minha filha, porque ela ainda é menina, vai fazer dez
anos no dia primeiro, então ela fica com a minha mãe, ela estuda onde minha mãe trabalha, então até eu ir
embora só ela quem vai ficar longe. Mas o que eu mais quero mesmo é que Deus ajunte meu marido e os meus
dois filhos, porque o meu filho mais velho não é filho dele, mas também quero que tenha uma aproximação e
com os dele que é o W e o N é o que eu mais quero, que os três se dê bem lá na rua, que eles entrem numa
sintonia só, entre pai irmão e filho. Porque aí sim, que Deus me ajudando eu vou tirar minha cadeia de boa sem
preocupação e que livre meus filhos do mundo do crime, porque eu não quero perder meus filhos pro crime, não
quero. Eu já perdi um, assim, que tá lá preso novamente, mas eu tenho fé em Deus que eu vou recuperar ele, eu
não vou dizer pra você que eu saindo daqui, dali dois meses eu vou me batizar eu vou me evangelizar não, mas
que eu vou eu vou, eu vou morrer em cristo.
P: Como você vê a presença da Renascer aqui dentro, no que ela contribui pra você?
E: Ah, a Renascer ela ajuda muito agente, ela dá as palavras que o pastor fala, ele dá muito animo pra gente. Ele
passa muita fortaleza. Ele falando nunca desista, você não pode desistir. Por mais que seja dor, por mais que tudo
aconteça, vocês não tem que desistir, vocês tem que ajoelhar no chão conversar com o seu Deus, porque você
tem um Deus na sua vida e nele você vence, mais do que ele não existe. Então ela passa uma coisa positiva pra
gente, muito positiva. E aí anima, não é só aquele negócio de gritar, gritar, tem igreja que você passa, aí aquela
gritação, aquela gritação. Só grito, só grito, só grito, não eles passam animo na gente. A gente canta, agente
dança, agente... tem gente que dá testemunho, o pastor fala, o pastor conta a vida dele, ou uma das obreiras
100
também fala é muito bom, não é uma coisa chata, que nem você assistir um culto da Assembléia, da Universal,
um culto vamos dizer da Deus é Amor é totalmente diferente, ali você tá presa, ali você não tem como você se
soltar. Eu acho que prá você tá ali com Deus no pensamento você tem que tá a vontade.
P: Você se considera de que cor?
E: Eu sou negra!
101
Entrevista 2 (30.03.04)
AR- reeducanda da Penitenciária Feminina da Capital . Vou fazer algumas perguntas para ela sobre a vida
religiosa aqui no Presídio.
Pesquisadora (P): Rosana você disse que tem 41 anos e é da Bahia.
Quanto tempo você está neste presídios?
Entrevistada (E): 14 anos.
P: Quanto tempo você vai ficar no total ?
E: Eu tô condenada a 30 anos, mas eu acho que eu não vou ficar tudo isso. Eu acho que cumprindo a metade eu
saio. Falta um ano pra cumprir a metade.
P: Qual a sua religião?
E: Eu sou católica.
P: Você era católica antes de vir pro presídio?
E: Sempre.
P: Você falou que é da Bahia. Sua família também, todos são católicos ou tem algum que participa de alguma
religião afro.
E: Só a minha mãe, minha mãe é da Umbanda.
P: Sua mãe mora na Bahia?
E: Minha mãe mora.
P: E o tempo que você morava com ela, você nunca participou da Umbanda ou você já participou?
E: Não, eu não gostava muito de ir porque eu não entendia, Eu não tinha entendimento das coisas.
P: Quando você deixou sua mãe você era nova?
E: É eu era nova.
P: Quantos anos, você lembra?
E: Uns seis pra sete anos, que eu vim estudar aqui em São Paulo.
P: E você veio morar com quem?
E: Com a minha avó. Minha avó era evangélica, pensa bem que mistura.
P: O que você acha dessas religiões, como a Umbanda, o Candomblé?
E: Eu acho o seguinte, que agente tem que acreditar em uma coisa só né um Deus. Que nem o vento, o mar, as
árvores tudo que existir é Deus que quer. Então tem um Deus, que tem todo o poder que é a força da pessoa. Só
tem um Deus só. Só um Deus.
P: Aqui dentro você tem visita da Pastoral Carcerária - Católica.
E: É da pastoral carcerária, que eu gosto mais.
P: E você participa de outras igrejas aqui dentro?
E: Não as vezes eu vou ver os cultos da universal, vou ver os cultos da Deus é amor , vou ver os cultos da
Renascer em Cristo, para ver cada um que fala a respeito de Deus. Pra ver o que cada um acha. Cada coisa que
eles falam eu tô aprendendo mais a respeito de tudo, mas eu tenho a consciência eu sei que Deus existe um só.
Assim como existe as árvores, existe o mar, existe as chuvas, existe o céu, o dia e a noite, existe um Deus só que
fez tudo isso.
P: Como que é a sua prática religiosa durante a semana, você tem ....
E: Eu quando eu levanto, eu acordo, eu agradeço a Deus pela noite, pelo dia que eu vou passar e peço licença a
Deus, pelo amor de Deus que me ajude a sair desse lugar, e peço mesmo todo dia, todo dia quando eu acordo eu
peço isso, quando eu vou dormir eu falo obrigado por mais um dia que eu vivi apesar de presa né. (Nesse
instante ela começou a chorar) Eu agradeço a ele pela minha vida.
P: O que você pede mais a Deus é a sua liberdade e agradece a ele pela sua vida.
E: É eu peço a minha liberdade e agradeço pela minha vida, não tem mais muita coisa pra fazer, porque o pão de
cada dia, igual eu tô presa então o governo tem que me dar, tenho que trabalhar aqui dentro pra ter a remissão
de pena pra mim ir embora. Eu sei tudo isso. Eu tenho que se apegar a Deus por toda a vida, por que ele é a única
força que pode me ajudar a sair daqui. Não é advogado, não é juiz não é ninguém, é Deus que vai me ajudar sair
daqui tenho certeza. Ë Só pra ele que eu me humilho e peço misericórdia, só pra Deus . E só ele que alcança
com os olhos dele em todos os lugares, a mão dele alcança todos os lugares e abençoa todo mundo. Deus
abençoa todo mundo . Tem que pensar nele e pedir de coração. Uma coisa ele tem capacidade de fazer prá
pessoa.
P: Fora o seu quarto, esse momento que você tem ......
E: Não é quarto é cela, aqui é uma cela de presídio. Lá fora na sua casa é seu quarto, mas aqui eu tô presa é
minha cela, enquanto eu tiver presa.
P: Então, fora a sua cela, no seu espaço você participa de algum grupo durante a semana... Você está no pavilhão
um?
E: É pavilhão um.
P: No pavilhão um tem algum grupo religioso durante a semana?
102
E: Tem, durante o dia as meninas se reúne e faz oração. Aqui elas gostam de fazer pra Deus é Amor, elas canta
hino, ora, faz oração, pedido. Não tem pastor, não tem ninguém.
P: Mas tem um quarto ou cela que elas fazem ou fazem no pátio?
E: Na sala de televisão.
P: Na sala de televisão. Ah, tá. E aí elas se reúnem na oração da Deus é Amor. Só da Deus é Amor ou tem outras
que não são.
E: Vão umas meninas da Universal do Reino de Deus também.
P: Mas quem comanda, quem teve iniciativa era da Deus é Amor.
E: É Ah, minha preferência é de orar sozinha.
P: Você não participa, você prefere fazer suas orações sozinha de manhã, na hora que você deita e na hora que
você acorda?
E: É, antes de tomar banho, antes de assistir televisão, escutar rádio, antes de qualquer coisa primeiro eu faço
minha oração, é a primeira coisa. Agradeço o dia, o poder de ver o dia, de Deus me dar a visão e eu agradeço a
ele por isso.
P: Porque você foi presa?
E: Por homicídio.
P: Você matou uma pessoa porque?
E: Por desespero. Ele estuprou a minha filha.
P: A sua filha estava com quantos anos?
E: Ela tava com um ano.
P: Isso a quatorze anos atrás? Agora ela já está uma moça?
E: É.
P: Ela vem te visitar?
E: Vem. Claro.
P: Você tem mais filhos fora ela?
E: Tenho! O W., tenho o A que vem me ver também, o Jorge Wilson também que vem me ver, a Leila que vem
me ver que é a casada, e a Maria de Fátima que é a casula que nasceu eu já tava presa. Eu tava com um mês de
gravides quando eu fui presa. Quando eu fiquei gravida dela eu fui presa. Eu tive ela na cadeia, eu amamentei,
daí me tiraram ela de mim.
P: Mas ela está com as irmãs, tá com....
E: Não, tá com a minha prima.
P: Tá com seus parentes?
E: É graças a Deus. Eu tinha medo que tirassem ela de mim e colocasse numa instituição ou num outro lugar.
P: Ela é católica também ou ela é de outra ...
E: Não ela é católica, ela fala pra mim que ela gosta do Padre Marcelo. Ela gosta daquela música: Tem anjos
voando em todo lugar..... Ela acredita que em todo lugar tem um anjo. Eu também acredito nisso. Todo lugar
tem um anjo. Naquele dia você veio conversar comigo, eu tava tão triste, sentada sozinha e hoje foi a mesma
coisa eu tava me sentindo tão sozinha e você veio me ver. Eu nem esperava que era você. Você veio de novo me
ver.
P: Eu vou vir outras vezes
E: Olha que legal, então eu não tenho que me preocupar de mostrar meu manual pra você, que você vai vê.
P: Você tinha falado que precisa de uma carta pra ter a possibilidade de sair.
E: É uma carta de emprego......
P: Mas é uma condição que o juiz coloca pra poder sair.
E: É. Pra Ter garantia que a pessoa vai se reabilitando. Se eu trabalho aqui dentro, eu não vou trabalhar lá fora
por qualquer coisa, até por um pedaço de pão. As pessoa pensam ao contrário, é por causa que a maioria deu
esse problema, o juiz deu uma oportunidade e voltou de novo a reincidência, perdeu a confiança.
P: Fala um pouco... você falou que foi atropelada, você estava no presídio do Butantã, né. Fala um pouco ... Lá o
regime é fechado.
E: Tem dois regimes, fechado e semi aberto. Aqui é tudo fechado.
P: Mas como foi que você fugiu.
E: Fugi porque lá não tem muro. Não é que nem aqui que tem muro. Aqui realmente é fechado. A penitenciária
feminina é fechada, aqui é realmente fechada, aqui não tem semi aberto. Aqui todo mundo é fechado. Você quer
semi aberto pode ir pro Butantã, porque lá tem os dois regimes, fechado e aberto.
P: Mas não tem muro, nada que isole da rua pro interno.
E: Não, tem um alambrado, que eu tentei fugir.
P: Como você vê a contribuição da igreja católica na sua situação aqui no presídio?
E: Eu acho que ajuda muito, eles dão um incentivo pra pessoa mentalizar as coisas que tá certa ou errada, você tá
pagando aquilo que você fez ou que você não fez, eles ajudam a você mentalizar essas coisas
103
Entrevista 3.1 (08.04.04)
PS- reeducanda da Penitenciária Feminina da Capital
P: Qual a sua idade?
E: 39 anos
P: Nasceu onde?
E: Em Santos
P: Quanto tempo você vai ficar neste presidio?
E: Eu já estou ha 10 anos e meio.
P: Quanto tempo é a sua pena?
E: 19 anos.
P: Falta pouco para você sair, como está a sua pena?
E: Tá um horror, eles não me mandam embora. Pela lei eu posso cumprir fora... desde que eu entrei eu
trabalho...
P: Qual é a sua religião?
E: Alan Kardec
P: Você é Espírita Kardecista?
E: Isso....
P: O que você fazia antes de ser presa?
E: Eu trabalhava em casa de família.
P: Trabalhava como Doméstica?
E: Trabalhava e cuidava de duas crianças.
P: Babá e Doméstica, as duas funções?
E: Tinha dia que cuidava só das duas crianças e deixava a casa né...não dava para fazer tudo.
P: Você é casada, tem filhos?
E: Sou... tenho uma filha de 23 anos e dois netos.
P: Você foi presa porquê?
E: Fui presa bem dizer numa tentativa de homicídio devido ao que aconteceu..... a pessoa morreu de hemorragia.
P: O que aconteceu?
E: Ah... ele se machucou, furou o abdominal da pessoa, ficou muito sangue na barriga.
P: Era seu parente, seu conhecido, seu amigo?
E: Não... conhecia de vista só... nós tivemos uma discussão, ele caiu, ele mesmo se machucou... só que ninguém
prestou socorro pra ele, os próprios amigos dele não socorreu. Só que no dia seguinte eu chamei a ambulância
pra ele, só que era muito tarde e ele já tinha morrido...
P: Teve uma discussão com ele, ele caiu se machucou...
E: Em Atibaia, numa casa a noite, aí virou homicídio.
P: Você ficou algum tempo em Atibaia.
E: É... depois eu fui para Tremembé e depois vim para cá por causa da minha filha que se envolveu muito cedo
com o marido, eu tô aqui 9 anos acho, sei que cheguei em 77 não... 87 nem me lembro mais.... há.. em 97 e a
minha filha já tava grávida. Já fez seis laudos o ultimo foi favorável só que sumiu lá em cima.
P: Você falou que trabalhava, Você estudava também antes?
E: Não... aqui já estudei, fiz computação e parei deixei a vaga pra outra. E aqui vai muita gente embora eu queria
alguém da OAB para me ajudar eu não posso pagar um Advogado. Pra fazer uma condicional tá dois mil reais,
aqui eu ganho duzentos e quarenta.
P: Tem alguém da sua família acompanhando?
E: Advogado? Não porque o processo tá aqui e minha família está em Atibaia, minha mãe já é velha, veio aqui
duas vezes não veio mais. As vezes tenho vontade de pedir para um da OAB um recém formado né!
P: Para pedir o que é necessário?
E: Precisa ir ao Fórum, levar o papel, precisa do endereço eu não tenho... só tem quatro advogados pra 600
presas, muita ilusão, eu já fui iludida. Só que tem pessoas que servem de espelho, são primárias, pessoas boas de
comportamentos, se a gente tem um advogado bom a gente sai mais depressa mas também já vi pessoas ir e
voltar, e eu falo como pode já foi e voltou e eu estou aqui não ficou nem dois meses...
P: Você já era Kardecista antes de vir para o presídio?
E: Não
P: Você era de qual religião?
E: Minha mãe é Católica ai...ai eu conheci a religião Espirita aqui, que quando eu vim pra cá eu fiquei muito
deprimida e através delas eu encontrei muita força, aprendi a ser mais meiga, a perdoar mais o próximo e não ter
inimigos...
P: Mas você acha ter sido justo você ser presa por causa disto?
104
E: Em partes... deles ter me prendido sim, só que agora já passou do tempo de eu ir embora, eles estão sendo
injusto, já paguei pelo meu erro.
P: Mas você acha que foi culpa tua?
E: Eu.. não sei... bem dizer tive culpa porque empurrei a pessoa nê, mas um acidente, não sei se tive que passar
por isso, mas o Promotor disse que eu ia para o aberto mas aqui é tudo devagar. A cela é pequena, o banheiro é
pequeno, aqui não tem aonde por nada, minha roupa coloquei dentro de um saco, aí falaram pra mim que eu
tinha que comprar cesto, aí eu disse que não ia comprar porque estava gastando muito dinheiro para o tratamento
dos dentes.
P: Você já participou de alguma religião Afro da Umbanda, Candomblé?
E: Já, já...
P: Antes de você ser Católica ou durante?
E: Ah... durante, sendo Católica, aqui dentro eu acredito que a Umbanda faz bem e faz mal e melhor ficar no
bem né..
P: Você aprendeu isso com quem?
E: Com os livros, com os Kardecista, eu fiz cursos...
P: Esses livros apontam que existem coisas boas e ruins?
E: Não, eles não citam, não criticam ninguém, apenas a gente fala..... não fala a mesma linguagem, fala que são
as pessoas que estão sem luz por isso, que eles vivem assim mas eles não tem culpa....
P: Você acha que era ruim quando você participava?
E: O lado do bem quando eu participava achava legal, em Atibaia, chamava Centro de Umbanda Caboclo Sete
Flechas.
P: Participou quanto tempo?
E: Ah... eu conheci com 10 anos, sempre que minha mãe ia eu ia, bem dizer criança...tomar banho de
descarrego.... não tenho nada contra nem falo mal deles. Eu tinha uma amiga quando eu tinha 15, 16 anos e ela
tinha uma filha que tinha “fogo selvagem’” e ela foi em tudo quanto hospital aqui em São Paulo, aí eu levei ela
em Atibaia e a mulher benzeu a criança, mandou dar banho com uma erva chamada erva de bicho e depois a
criança sarou.... eu tive hepatite e não fui curada pela medicina...
P: Então a sua mãe sempre participou da Umbanda?
E: É minha mãe vem da raça dos índios, a minha bisavó é índia legitima.
P: Você tem negros na família?
E: Só meu pai é preto, negro, minha mãe é branca.
P: Você se considera branca, negra, parda, como você se considera?
E: Morena, é que estou bem desbotada, as minhas netinhas são bem morena.
P: Sua mãe participava da Umbanda, levava você para se benzer e ia na Igreja Católica?
E: É... ela sempre participou..
P: No Candomblé você participou alguma vez?
E: Eu acho bonito só que eu acho as roupas caras...
P: Você conhece alguém aqui dentro que participa?
E: Conheço...
P: Vocês se dão bem?
E: Eu me dou bem com ela, ela falou que sou filha de Oxóssi.
P: Você conhece Oxóssi?
E: Não!
P: Oxóssi é filho da mata..
E: Ah... é um caboclo então...
P: É
E: Ah... que legal... ela falou.... eu tenho a mamãe Oxum... paguei seis reais, ficou bonito.
P: Então você tem colegas que são do Candomblé?
E: É tem uma aqui que é mesmo!!! Continua aqui dentro não mudou de religião.
P: O que você acha das religiões Afro?
E: Eu gosto delas..
P: Você não acha que é coisa do diabo?
E: Não acho, não... acho bonito, se algum dia eu tiver oportunidade eu vou me desenvolver...
P: Você acha que deveria ter atendimento religioso da Umbanda, do Candomblé?
E: Ahhh eu acho eu ia gostar muito, muita gente ia gostar...
P: Vocês já pensaram em pedir?
E: Ahhh ia ser legal, deveria ter sim.. vai ver no meio de tantas presas tem alguma mãe de santo por aqui.
P: E por que você escolheu fazer parte da Espirita Kardecista?
E: Por que eu acredito muito nas almas...
P: Como você se tornou desta religião? Você vai na Kardecista e na Católica?
105
E: Não só na Kardecista.
P: Você não participa de nenhum outro grupo?
E: Não... eu comprimento todo mundo, mas quando me convidam eu não vou.
P: Mas como você passou para Kardecista?
E: Ahh elas vem aqui, comecei a conversar com elas, deu um livro para mim ler.
P: Você não participa de nenhuma outra.
E: Não..
P: Como é a sua pratica religiosa?
E: Leio livros de romances...
P: Mas é orientação?
E: Não é que lendo aprende-se bastante.
P: Eles orientam vocês a lêem tudo?
E: Não, se a pessoa gosta de ler, lê, senão lê só o evangelho, deixa aberto, na hora que eu levanto eu faço uma
oração que aprendi antes.
P: Qual?
E: A de São Jorge Guerreiro!
P: Então você faz essa oração que você aprendeu na Umbanda?
E: é... tem o evangelho... a gente tem que perdoar tudo.
P: Você acha isso mesmo?
E: Acho, porque Jesus perdoou tudo... as vezes tenho que engolir cada sapo... já paguei o que tinha que pagar, só
tive castigo de bobeira aqui dentro, porque eu estava falando alto com a minha colega, porque esqueci a blusa no
pátio...
P: O que você pede pra Deus todos os dias?
E: Pra que Ele me dê muita saúde.
P: Como é o seu dia-a-dia?
E: Se eu não tomar banho de manhã eu não sou eu e.. tomar o meu cafezinho, então... Eu confio muito em Deus
entendeu? Da minha maneira, não sou tipo crente nem nada, eu penso que Deus tem o dom Dele eu tenho... sou
portadora do soro positivo a doze anos e eu não tomo remédio.
P: Não toma medicamentos?
E: Não, eles dão remédio uma vez... se eu tiver que morrer será por Deus, senão o dia em que Ele quiser eu
morro. Eu tinha perdido dez quilos mas porque? A comida da Casa não presta, eu tava sem roupa, aí como teve
roupa eu comprei bastante coisa de comer de beber, ai.... eu recuperei o meu peso, mas eu não tomo remédio.
Mas graças a Deus nunca tive nada, pego gripe mas saro rapidinho... eu jamais vou por coquetel na minha boca...
a minha vida está nas mãos de Deus.
P: Mas você não toma porquê?
E: Eu não tomo porque o remédio não cura ninguém...
P: Ajuda?
E: Ajuda nada eu já vi tanta gente morrer ai, quando não morre perde o cabelo fica sem unha...como eu já tive
hepatite eu sei que eu não posso tomar muito remédio, eu tenho o fígado fraco. A Casa dá leite para todo mundo
só um pouquinho, porque é muita gente, meio copo de leite, então... se depender de mim pra tomar coquetel eu
não tomo. Quando eu tô ruim eu vou fazer avaliação, eu vou e falo pró médico vou ser sua cobaia enquanto eu
estiver viva mas coquetel eu não tomo, até aí estou indo pela minha fé, por esta parte a minha fé é muito forte,
nada abala minha fé nesta parte. Agora tem gente que não tem nada e vive caído...
P: Deixa eu te perguntar mais uma coisa, como que os Kardecistas contribuem para você. Qual a ajuda que eles
te dão realmente. Se é espiritual, material, psicológica?
E: Espiritual. Financeira não... e tem também... tipo... tem os espiritas que ajuda as pessoas doente, pessoas
nervosas.. eu acredito e encontro bastante fé em Alan Kardec, fala que o que a gente passa na vida não é por
acaso e algumas coisas talvez seja do passado.
P: Você acha que é isso mesmo?
E: Ahhh eu tenho as minhas duvidas nê, quando eu morrer vou ver qual é o certo qual é o errado. Uma fala que
vai pra um lugar outro fala que vai pra outro depois que morrer vou saber qual é o certo.
P: Me fala uma coisa você falou que tem filhos...netos, você tem marido?
E: Eu não moro com ele não eu tô a 10 anos presa aí eu levei o maior chifre né....
Na época que aconteceu o acidente que pra mim foi um acidente né?
É... pra Psicóloga também, ela falou.... ela é uma psicóloga muito boa veio da casa de Detenção, ela viu essa
pintinha aqui.... nossa e me tirou como bandida.. quando eu fiz essa pintinha eu tinha 15 anos e ela disse que essa
pintinha é o símbolo de quem mata e eu falei.... vige Maria....
P: Não sabia, achava que era pinta de nascença!
E: Eu falei que quando eu sair vou fazer uma estrela aqui. Ela falou que sabe todos os símbolos nesta parte, ela
veio, da cadeia de homem.
106
P: Quando você foi presa você estava com seu marido?
E: É, tava, mais ou menos com ele...
P: Você já ficou 10 anos?
E: Já, sem por o pé na rua um dia. Minha filha ia fazer 13 anos, quando eu vi aquele carro escuro, fiquei
apavorada. Teve muita gente que me acusou, falando coisas que não deveria, isso me prejudicou.
P: Agradeço muito por você ter participado da minha pesquisa.
PS- Entrevista 3.2 (13.10.04)
P: Como eu tinha falado com você antes, você disse que participa da religião Espirita. Como você vem neste
processo participando desta religião?
E: Eles vem só no sábado.
P: Você participa só da Alan Kardec?
E: Só, não vou nas outras.
P: Você estudou até que série?
E: Até a quarta. Quando eu sair vou continuar estudando, fazendo cursos.
P: Você não fez nenhum curso aqui dentro.
E: Não, aqui eu sou costureira, pretendo continuar lá fora.
P: O que você fazia antes de vir?
E: Eu era babá.
P: Você foi presa antes?
E: Não.
P: Você é casada?
E: Só no papel, a gente se separou depois que eu fui presa, no começo ele me visitava, depois não. Quando eu
sair eu vou ficar com a minha filha de 24 anos.
P: Sua filha vem te de visitar?
E: Faz um anos que ela não vem me visitar ela mudou de cidade. Ela me escreve, uma vez no mês. Ela tem dois
filhos.
P: Fora sua filha vem alguém?
E: Não, vinha a minha mãe, mas agora ela está doente, não anda.. também é muito longe.
P: Seus pais você vê de que cor preta, branca?
E: Minha mãe é branca mas meu pai é preto.
P: A religião deles qual é?
E: Minha mãe é Católica, mas gosta de ir na Umbanda. Meu pai vai de vez enquanto.
P: Na sua cela você tem algum objeto religioso?
E: Só a bíblia. Outras coisas eu não acredito.
P: Se tivesse aqui dentro algum grupo da Umbanda ou do Candomblé você freqüentaria?
E: Sim.
P: O que você acha de não ter?
E: Acho chato, porque é uma religião também, mas eles criticam muito, diz que são coisa do diabo, mas eu não
acho.
P: Quem acha?
E: As outras religiões.
P: Então você considera a Capela um lugar para rezar?
E: É tem a capela.
P: Quantas mulheres tem no pavilhão que você esta?
E: Umas centos e pouco.
P: Quantas você considera Afro descendente?
E: Mais que a metade eu acho que é. Tem um grupo pequeno de branca mas dá para contar no dedo.
P: Como que é o meio de comunicação aqui dentro?
E: Tem TV, rádio, mas a gente compra.
P: Tem algum espaço em comum?
E: Não antes tinha uma salinha pra assistir, mas agora não.
P: Você sabe mexer no computador, vocês tem acesso a Internet?
E: Tem para estudar, não pode bater papo com a família, mandar e-mail.
P: Para estudar aqui como que é?
E: É por seleção.
P: Não tem nenhum jornal aqui interno.
E: Não, mas tem revista.
P: Tem concurso.
107
E: Tem de poesias, tem um coral.
P: Qual a semelhança que você vê do Espiritismo com o Candomblé?
E: A única coisa parecida e que eles acreditam nas almas.
P: Os pretos velhos quem acredita é o Candomblé?
E: É mais a mesa branca também acredita.
P: Teve rebelião, como foi, você ficou com medo?
E: Ah eu fiquei na cela.
108
Entrevista 4.1 ( 08.04.04)
JM - Gosta de ser chamada de Lia
P: Qual a sua idade?
E: 36 anos
P: Nasceu aonde?
E: Em Alagoas em Leão dos Palmares
P: Essa cidade em Alagoas é rural ou urbana?
E: É rural.
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: Aqui três meses, puxando tudo... um ano e quatro meses.
P: Você vai ficar quanto tempo?
E: Quatro anos e seis meses. Já tô um ano e quatro meses.
P: Você foi presa porque motivo?
E: Tipo 12, trafico.
P: Você estava usando?
E: Não, estava dormindo..
P: Como assimmmm?
E: Me pegaram eu tava dormindo, tava lá sete horas da manhã, teve incêndio eu fui dormir em outro barraco né,
neste barraco acordei de manhã com a polícia já, acordei, tava eu e minha bebê dormindo, eu tenho uma bebê de
três anos eu acordei e era a rota....
P: Você foi presa em uma casa, barraco que não era sua e pegaram droga e você foi acusada num lugar que não
era o seu ambiente. Você tem uma filha, quantos anos ela tem?
E: 3 anos
P: Você é casada?
E: Não sou solteira, mas convivo com o pai da minha filha.
P: Qual é a sua religião?
E: Olha eu antigamente eu era Católica, mas aqui sou mais a Espirita.
P: O que você fazia antes de ser presa? Você estudava, trabalhava?
E: Trabalhava na padaria, trabalhava como auxiliar de padaria.
P: Você era balconista na padaria ou fazia pão mesmo?
E: Eu era balconista, mas assava também, ajudava o padeiro.
P: Várias atividades no trabalho. Estudava também?
E: Não parei.
P: Parou em que série?
E: Parei no primeiro ano do colegial, quando tive as meninas parei.
P: Quantas?
E: 3 filhos, 2 meninos e uma menina, de 13, 10 e 4 anos.
P: Eles vem te visitar sempre?
E: Não tudo em Alagoas. Os dois maiores ficaram lá e a pequena tava aqui comigo só que agora depois que eu
vim pra cá minha sobrinha viajou com ela e tá para voltar.
P: Você falou que era da Católica e aqui dentro você participa da Espirita. Mas antes de você vir para cá você
participava mesmo da Igreja Católica, ia a missa?
E: Freqüentava, ia a missa e tudo..
P: Você participou de alguma religião Afro a Umbanda a Candomblé?
E: Já, mas assim... tinha curiosidade de ir ver como é...ia olhar porque tinha curiosidade, só para olhar.
P: Mas com que freqüência?
E: Não assim... de vez enquanto quando eu estava em Alagoas, faz 4 anos que estou em São Paulo.
P: Você ia assistir qual? Umbanda ou Candomblé?
E: Não , do Candomblé, ia porque tinha curiosidade.
P: Alguém da sua família participou dessas religiões Afro?
E: Não, ninguém, todos Católicos, só meus irmãos que são Crentes.
P: Qual religião.
E: Não sei...
P: Você conhece alguém que participa aqui do Candomblé ou da Umbanda?
E: Eu tenho uma colega que gosta eu vejo ela com colares...
P: Você se dá bem com ela?
E: Sim
P: Não tem nenhum afastamento por causa da religião?
109
E: Não
P: O que você acha das religiões Afro, no caso da Umbanda e Candomblé?
E: Não sei nem explicar, não sei explicar.
P: Você não conheceu bem então, você só viu algumas vezes?
E: eu, ahhh no meu caso eu só tinha curiosidade, uns diziam faz isso faz aquilo, não faz nada, tudo invenção..
P: Mas você acha que é bom que é ruim?
E: Não é certo nada, porque o bem ninguém quer fazer, se fosse pra fazer o bem...
P: Você acha que deveria ter o atendimento dessa religião aqui dentro?
E: Acho que não.
P: Por que você escolheu aqui dentro fazer parte da Espírita?
E: Por que é assimmmm a minha parceira ela é, pertence a essa religião e eu me adaptei as irmãs, elas gostam
muito de mim, eu também gosto muito delas, aí pronto, já vou fazer o curso agora, nós duas ficamos na mesma
cela.
P: Como foi que você se interessou? As missionárias falaram que você deveria participar? Como foi?
E: Não elas não impuseram nada, elas freqüenta quem quiser, mas me chamou a atenção é assim, eu tinha uma
curiosidade, porque sempre falava de mesa branca e a minha irmã freqüentava e eu pensava como é a mesa
branca é..... tem contatos com os espíritos assim é bom e eu queria ter contato com a minha mãe, recebi uma
mensagem dela, gamei na mensagem que minha mãe mandou pra mim, chorei bastante.
P: Que mensagem, dá pra falar um pouquinho. Desculpe não precisa falar... Ai elas incentivaram você a
participar?
E: Elas falaram que eu tinha o dom, agora entrei nos livros, as irmãs trouxeram aqui, outros peguei na biblioteca,
e eu me apeguei nos livros... que é bonito as mensagens, fala de Deus, como vai ficar o mundo... as pessoas. As
religiões tem que ser unida, a Espirita com a Católica, ficar tudo junto.
P: Como é aqui no dia a dia? Existe alguma rivalidade?
E: Não, não.. aqui não, só teve uma vez que a menina chegou pra mim e disse que essa religião é macumba e eu
me senti mal né, eu disse não, não é macumba, o Espirita é mesa branca, ela disse que eu ia endoidar de vez de
tanto livro e eu disse que ela como evangélica não poderia chamar outro ser humano de doido,. Já tá pecando, aí
ela se afastou, depois me pediu desculpa. Também eu não saio da cela, até as guardas para me encontrar é difícil.
Só no sábado que eu vou para a Igreja.
P: Seu companheiro está preso?
E: Tá preso, pegaram eu e ele, tá em Peró pra lá de Sorocaba, pegou 10 anos.
P: E os advogados como vê isso?
E: Meu advogado! Quem mexe com isso é a minha sobrinha, como ela está viajando não sei como está...
P: Mas você cumprindo a metade?
E: Eu sou primária, a Assistente Social, a Psicóloga também disse que com 2 anos posso mandar a minha
condicional, posso responder na rua. Eu saio mais depressa com o meu comportamento. Tô aqui trabalhando
com a mão cheia de calo. A maioria daqui é toda Espirita.
P: Me fala uma coisa você participa de outra Igreja aqui dentro?
E: Não, Não...
P: Hoje vai ter uma celebração da Igreja Católica você vai?
E: Vou, quando tem missa eu vou.
P: E quando vem da Batista e outros grupos?
E: Não vou.... fico aqui. Só vou na missa e na Espirita.
P: Como é sua prática religiosa durante a semana?
E: De manhã abro o evangelho dos Espiritas, tiro uma palavra antes de trabalhar e a noite faço minhas orações.
P: E nas suas orações você pede alguma coisa pra Deus?
E: Ahh eu peço muitas coisas, pra minha mãe o que eu mais peço é minha liberdade, pagar por uma coisa que eu
não devo, se Ele me deixa aqui e porque ele quer uma obra na minha vida.
P: Você acha que Ele quer te deixar aqui. Você sabe que foi uma injustiça?
E: Eu penso que não... Deus não quer a gente aqui, Ele sabe que tenho meus filhos pra criar, minha casa, minha
família...
P: Acredito que Ele te dá força para enfrentar essa situação?
E: Ele está me dando, porque logo que fui presa entrei em depressão..
P: Como você vê a contribuição da Espirita na sua vida?
E: No apoio psicológico, eles são excelentes, elas chegam abraçam, oram pra gente sair dessa situação. Ninguém
merece estar aqui.
P; Você vai continuar freqüentando a Espirita e a Católica, quando sair daqui?
E: As duas. Foram as duas que me deram forças para continuar...
P: Agradeço a oportunidade de conversar com você.
110
JM- Entrevista 4.2 (13.10.04)
P: O horário que você trabalha aqui dentro é o dia inteiro?
E: Das oito as quatro e meia.
P: O que você fazia antes?
E: Trabalhava de balconista, fazia tudo.
P: O que você pretende fazer quando sair daqui?
E: Pretendo montar uma lojinha de doces, salgados.
P: Você já foi presa antes.
E: Não
P: Tem filhos.
E: Tenho, duas meninas e um menino.
P: Quanto tempo você está aqui?
E: Dois anos.
P: Vem alguém te visitar?
E: Só a minha sobrinha.
P: Porque você escolheu a religião Espírita, já freqüentava antes.
E: Já freqüentava lá fora, era Espirita mesmo. Foi através de uma colega
P: Quando você sair você vai continuar a participar?
E: Vou
P: Seus pais, qual a raça deles?
E: São de Alagoas, Caboclo misturado. Meu pai era branco o resto tudo moreno. Meu Avô era bem preto de
cabelo bom, minha mãe morena de cabelo bom.
P: Você tem algum objeto religioso na sua cela.
E: Não.
P: Livros?
E: Não, eu só leio livro Espírita.
P: Imagens, terço.
E: Não
P: Quais locais aqui você considera religioso?
E: Só a Capela, cada sábado é uma igreja que vai lá, fazem festa lá também.
P: Aqui dentro tem algum meio de comunicação?
E: A família manda da rua, TV, rádio só pequeno.
P: Quantas mulheres negras você acha que tem no pavilhão 3?
E: A maioria Negra, bastante mesmo, tem até Africana aqui, parece que é da Angola.
P: Você conhece alguém que participa da religião Afro?
E: Conheço mas está lá no pavilhão 4 e ela trabalha muito.
P: Você está contente com o apoio religioso que dão aqui?
E: É eles dão apoio assim... eles conversam, alivia a nossa mente.
P: E quando teve a rebelião, como foi?
E: Eu fiquei dentro da cela, eu fiquei até doente, tremia, só Deus mesmo e mais ninguém.
P: Você trabalha no quê aqui?
E: Trabalho com material reciclavel.
P: Você acha que se tivesse algum apoio do grupo da Umbanda, do Candomblé, as pessoas participariam?
E: Sim, tem muita gente que gosta, eu iria...
P: Você estuda aqui.
E: Não
P: Nem computação?
E: Não trabalho muito.
P: Na cela tem chuveiro, privada?
E: Tem, lá fora também e grande a cela, cada um tem seu colchão. O piso é muito frio, quando levanto o colchão
está molhado, eu estou com um problema sério na coluna.
P: O que você acha que tem em comum as religiões?
E: São as mensagens, o espirito de luz. No Candomblé tem o espirito de luz e do mal no Espiritismo também.
P: Obrigada por sua participação
111
SS Entrevista 5 (13.10.04)
P: Aonde você nasceu?
E: No interior de SP em Campinas
P: Campinas e uma área rural?
E: Não, não é urbano.
P: Quantos anos você tem?
E: Tenho 37 anos
P: Em relação a sua cor você se considera negra, parda ou branca?
E: Negra.
P: Os seus pais eram de que raça
E: Negra também
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: 5 anos
P: E você vai cumprir quanto tempo no total?
E: Tenho que cumprir mais 4 anos, total 9 anos para poder entrar com a condicional, mas o total da minha pena
são 28 anos.
P: Qual foi o motivo de você ser presa?
E: É assalto.
P: Você já tinha sido presa antes?
E: Não
P: Qual a sua religião?
E: Evangélica, da Universal.
P: Antes de você vir para cá você era da Universal?
E: Não eu era da Assembléia de Deus.
P: O que você fazia antes de ser presa?
E: Quando eu tinha vinte a vinte cinco anos eu trabalhava e estudava aí eu amasiei com um rapaz eu freqüentava
a Igreja nesta época e parei de freqüentar depois que conheci ele, aí foi quando cometi o meu crime e vim parar
aqui.
P: Você falou que estudava, você estudou até que serie?
E: Estudei até a sétima série, parei porque tive os meus filhos.
P: Com Ele?
E: Não..
P: Quantos filhos você tem?
E: Tenho quatro filhos.
P: Aqui dentro você falou que participa da Universal, mas aqui tem a Assembléia também.
E: Eu participo de todas na verdade.
P: Assim da Católica, da Espirita.
E: Vou...
P: Você já participou de alguma religião Afro?
E: Eu ia em Candomblé, da parte da minha mãe todos participavam.
P: Aqui dentro não tem né, se tivesse você participaria?
E: Não
P: Por que?
E: Por que é uma ilusão.
P: Você falou que da parte da sua mãe...
E: É toda da minha mãe participava, depois foram saindo aos poucos.
P: Você participava da Assembléia, antes disso você chegou a participar?
E: Eu ia para participar mas não recebi nada não, ia só pra ver.
P: Isso com quantos anos mais ou menos?
E: Ahhhhh antes de eu vir presa eu fui .
P: Era Candomblé mesmo ou era da Umbanda porque tem diferença?
E: Eu não entendo, eu sei que eu ia e sei que tem o do mal e do bem , onde eu ia era esse negocinho de Cosmo e
Damião tá entendendo..... tinha orixás...
P: Aqui dentro você conhece alguém que participa, que é da Religião
E: Tinha uma mas já foi embora, outra era mas agora ela é Evangélica mesma.
P: Mas quando ela veio presa ela era?
E: Na rua ela era do Candomblé a Rosemeire com a Valeria e elas podem falar melhor essas coisas pra você
porque eu assimmmm.
P: Eu sei que no presídio masculino tem vários grupos religiosos, mais do que as mulheres, tem os budistas..
112
E: Deixa eu falar uma coisa pra você cadeia de homem é muito mais fácil, se eles pedem uma vela, entra e
cadeia de mulher é tudo mais difícil, homem vai mais rápido, primeiro do que a mulher e cadeia de mulher é
tudo mais difícil, muita discriminação.
P: Você acha que tem uma diferença nas religiões Afro em relação as religiões não Afro.
E: Ah! Tem muito
P: O que por exemplo?
E: Aqui dentro tipo assim, a pessoa procura mais Deus quer estar mais perto de Deus e lá fora as pessoas não tem
tempo pra Deus, quer ir no Centro de Macumba pra resolver os seus problemas mais rápido.
P: Mas você acha que a Umbanda a Candomblé e a Macumba que é uma outra religião...
E: Pra mim é tudo a mesma coisa..
P: você acha que não é de Deus?
E: Eu acho, porque tem gente que vai fazer mal para os outros, Deus não faz mal pra ninguém, muitos vão para
fazer o bem outros para fazer o mal, mas a maioria vão para fazer o mal.
P: Quando você participava você via isso?
E: Eu via, por que eu via mulher ir lá fazer macumba pro homem voltar para amarrar ele, muitas pessoas iam pra
isso, pra fazer o mal para os outros. Que nem minha mãe falava pra mim esse negócio de fazer mal pros outros
não existe, é muita ilusão, antes de eu vir presa eu freqüentava, o Centro pedia isso e eu comprava e eles falavam
que não iam me pegar, então o que tem que acontecer acontece. Depois que eu parei de freqüentar isso, buscar
mais a Deus minha vida melhorou, não tem uma coisa que eu peça a que eu não alcance.
P: Por que você aqui dentro escolheu a Universal?
E: Não era aqui dentro é assim, toda a família desse meu marido era da Assembléia inclusive ele era Pastor
depois desviou e eu freqüentava com eles, mas sempre que eu ia no Centro de Capinas tinha uma Igreja
Universal muito grande e assim que eu passava por perto tinha uns hinos muito bonito e eu entrava, na verdade
onde esta falando de Deus eu entro, na Universal, na Renascer.
P: Você é batizada na Universal.
E: Sou batizada na Universal
P: Foi batizada na Católica também ou não.
E: Fui
P: E no Candomblé..?
E: Não cheguei a fazer nada
P: Você tem interesse em participar da Religião que você se sinta bem?
E: É que eu me sinto bem, quando eu era mais nova , quando eu nasci e meu avô que era Africano, foi escravo, e
quando eu nasci ele passou a mão na minha cabeça e disse que eu era filha da mãe Joaquina e mãe Joaquina é
uma preta velha, então.... eu guardo isso comigo, graças a Deus não aconteceu nada de ruim comigo, nem aqui
dentro graças a Deus, já cheguei a sonhar com ela, e passei a descobrir quem ela era depois que eu estava na rua,
então é isso, eu tinha uma imagem dela... eu tenho uma tia que participa não larga por nada, tá na raça da gente.
Tenho uma fé tremenda em Deus e não concordo com algumas coisas que os Evangélicos falam, eu tenho uma fé
em Nossa Senhora Aparecida e tenho uma imagem dela na minha cela é uma coisa difícil de entender
P: Me fala uma coisa, você falou que tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida fora isso você tem algum
outro objeto religioso?
E: Tenho a Bíblia, um livro de oração, tinha uma linha do guia mas quando eu entrei eles me proibiram.
P; Como assim, me explica?
E: É que na época há cinco anos atrás eles não permitiam que entrassem...
P: Você lembra de que guia era.
E: Não lembro..
P: Se tivesse a inserção do Candomblé da Umbanda aqui dentro você iria.
E: Eu iria sim
P: Você iria em todas
E: Iria em todas da mesma forma
P: Como é sua prática religiosa durante a semana, eu sei que aos sábados tem os grupos.
E: É que nem eu estou falando pra você, antigamente...
P: Antigamente é um ano....
E: Não é meses, um 5 a 6 meses eu ia freqüentava, mas meu modo de pensar é muito diferente de muita gente
aqui dentro, se eu tô seguindo ali, tô pra buscar a Deus não tô pra palhaçada, e muitas ali vai ali com palhaçada,
mulher com mulher que tem casos tá entendendo, e desde o momento que eu conheço os mandamentos de Deus
e Ele não perdoa mulher com mulher o levianíssimo e Deus já fez o homem e a mulher, também os drogados,
largava a oração e ia fumar um baseado, então não tava ali porque queria buscar a Deus, tava ali só no momento
de perigo, então eu parei de ir, agora o que eu faço, quando chega mais ou menos uma 8, 9 horas tem a Igreja da
Graça, na TV então eu faço a minha oração ali, dentro da minha cela eu e Deus e minhas companheiras.
P: Aqui tem algum espaço de oração?
113
E: Tem o refeitório, que é dividido.
P: Mas isso é no final de semana, na semana tem alguma coisa?
E: De semana tem todos os dias, essa Irmã Meire vem e faz as orações.
P: Tem vários grupos?
E: Essa oração é pra todos que tem vontade.
P: Você tem televisão na sua Cela
E: Todo mundo tem, radio, televisão.
P: Mas são vocês que compram?
E: A gente compra, ou a família manda pra gente.
P: Na Cela que você fica...
E: Fica eu e mais duas. Dorme duas na cama e uma no colchão no chão.
P: Alguma religião ou todas trás algum beneficio pra você?
E: Me ajuda espiritualmente.
P: Mas não tem doação..
E: Não só espiritualmente.
P: Seus familiares vem alguém te visitar.
E: Vem, quando não vem a mãe, vem os meus filhos.
P: Seus filhos estão com quantos anos?
E: Um tá com 25, outro com 22 e outro com 20 anos e a menina de 9 anos.
P: Você trabalhava antes em que?
E: Eu era vendedora autônoma, vendia roupa.
P: Aqui dentro você trabalha no quê?
E: Peças hospitalar, peças de soro, sabe..
P: Quando você sair daqui você pretende trabalhar no quê?
E: Pretendo montar o meu negócio, eu gosto de vender as coisas, outra coisa que eu gosto também é da cozinha,
gosto de cozinhar, essas coisas, uma lojinha de congelado, alguma coisa vou montar.
P: Você já tinha sido presa antes?
E: Não. Fui pra delegacia, mas entrei e sai.
P: Você falou que foi roubo
E: Foi fiança, foi assim tinha uma menina que veio da Bahia e trabalhava na casa de uma colega minha e essa
minha amiga precisou mudar de Campinas e essa menina não tinha onde ficar ai eu fiquei com dó e levei para a
minha casa nesse intermédio ela falou que ia na casa da ex-patroa dela que estava devendo pra ela e perguntou
se eu ia com ela, eu fui, fiquei esperando ela dentro de um barzinho, demorou e ela saiu com bastante coisa, no
mesmo dia a polícia foi na minha casa, ela virou pra polícia e disse que foi eu quem roubei tudo, e a polícia
disse que iria investigar o caso, demorou sete dias e a polícia voltou e me levou presa, e depois de um mês a
vítima morreu e o Juiz me condenou como latrocínio e o laudo médico tá lá que a mulher morreu de diabetes e
nisso tudo tô aqui já ha cinco anos.
P: Você adere isso a que?
E: Foi falha minha, se eu tivesse falado a verdade eu não estava aqui.. vou falar a verdade pra você eu detesto
mentira e naquele momento eu pensei que se eu falasse que era ela eu era vítima e ela podia fazer qualquer coisa
com os meus filhos, então eu fiquei entre a cruz e a espada.
P: Eu agradeço a sua participação.
114
RC- Entrevista 6 (13.10.04)
P: Onde você nasceu?
E: Em SP da cidade de Imirim
P: É interior de SP
E: Não é daqui, pertinho.
P: Qual a sua idade?
E: 39 anos
P: Você se considera de cor, parda, negra ou branca?
E: Parda
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: Aqui estou um ano.
P: Quanto tempo você vai cumprir
E: Quatro anos e sessenta e dois dias.
P: Qual é a sua religião?
E: Sou Espirita.
P: Aqui dentro você pratica
E: Não
P: Você é Espírita de qual, tem várias?
E: Umbanda
P: O que você fazia antes de ser presa?
E: Trabalhava em uma escola particular eu era servente.
P: Você estudava?
E: Fazia uma semana que eu tinha parado de estudar, estava na sexta série.
P: Aqui dentro do presídio você trabalha?
E: Trabalho na cozinha central sou açougueiro.
P: A Umbanda que você participava era mais com a linha do Candomblé?
E: Não era Kardecista
P: Aqui dentro você participa?
E: Não porque eu trabalho direto aos sábados e feriados.
P: Alguém da sua família participa?
E: A minha mãe só, ela tem centro e a minha irmã também.
P: Você conhece outras aqui dentro que participam da Umbanda e/ou do Candomblé?
E: Tem umas...
P: Aqui dentro você não pratica?
E: Aqui tem os Evangélicos os Kardecista mas eu não posso participar porque eu trabalho direto.
P: Mesmo que viesse a Umbanda você não participaria porque trabalha direto?
E: Posso visitar!
P: Eu só estou perguntando eu não participo de nenhuma eu só estou fazendo uma pesquisa. Você falou que vai
ficar mais um dois anos?
E: Não eu só estou esperando a minha condicional, por causa da cozinha que ajuda muito.
P: Você foi presa por quê?
E: Por causa do meu marido, os caras foi atras dele na minha casa, chegaram perguntaram por ele eu disse que
não sabia aí eles me bateram e me levaram no lugar dele, deram 48 horas para que ele comparecesse ele não
apareceu então eu assinei no lugar dele, me coloraram como traficante.
P: No seu trabalho..
E: Não eu tive testemunha a meu favor.
P: Você é casada?
E: Sou amasiada a 20 anos e tenho 8 filhos.
P: Quantos anos?
E: O mais velho vai fazer 21 anos, a menina com 19 que vai ganhar nenê a qualquer momento, eu tenho um com
18 que é gêmeo com outro que faleceu, eu tenho uma menina de um aninho que eu crio ela, tenho um de 15 anos
que é gêmeo com outra e tenho um outro com 13 anos.
P: Essa de um aninho que você pegou?
E: É do pai dos meus filhos, a mãe mexia com drogas aí eu peguei.
P: Mas você falou que esta a dois anos.
E: Ficou com os meus filhos.
P: O pai está com eles?
E: Não...
P: Você pretende continuar a estudar quando sair e a trabalhar?
115
E: Pretendo e vou trabalhar no ramo da cozinha.
P: Você gostou?
E: É gostei, aqui mesmo estando presa aprende várias coisas, dá bastante oportunidade.
P: Seus pais?
E: Meu pai é falecido, minha mãe é viva.
P: Seus pais são de que cor?
E: São pardos.
P: Você acha que eu sou de que cor?
E: Parda.
P: Eu sou negra.
E: Eu não acho...
P: A sua mãe já participou..., ela tem um Centro, ela começou como?
E: Eu não era nem nascida.
P: Você tem descendente de Africanos.
E: Tenho
P: De qual pais?
E: Ahhh não sei o pai da minha mãe que era, a minha avó era de uma cidadezinha perto de Campinas.
P: Aqui dentro você já chegou a participar de alguma religião?
E: Não, é só trabalhar.
P: Pra ter uma redução da pena?
E: É .. e também por causa do dinheiro eu mando um pouco para os meus filhos já ajuda muito.
P: Mas seus filhos não estão todos grandes..
E: Estão.. mas minha mãe cuida deles...
P: Você ganha quanto?
E: 240 reais.
P: Você manda tudo?
E: Não, mando uma parte eles. Não deixam mandar tudo.
P: Você tem que comprar algumas coisas pra você.
E: É verdade...
P: Mesmo você não participando porque você trabalha direto, você gostaria de ter o atendimento da Umbanda
aqui dentro?
E: Gostaria
P: Como é a sua pratica religiosa, mesmo você não participando, você tem algum momento de oração, o que
você faz?
E: Ahh eu peço para os Orixás me dá força aqui dentro, peço para sair logo. Em primeiro lugar Aquele lá de
cima.
P: Você tem algum objeto religioso dentro da sua cela?
E: Tenho a minha guia.
P: O que é a sua Guia?
E: A corrente, feito de miçanga vermelha
P: Mas você tem alguma imagem?
E: Não só tenho o folheto de Nossa Senhora Aparecida
P: Você fica em uma cela sozinha?
E: Não tenho a minha companheira.
P: E ela é da Umbanda também?
E: Não ela é da Católica.
P: E tem algum problema?
E: Não, ela respeita e eu respeito a dela.
P: Aqui vem a sua mãe te visitar?
E: Minha mãe não, vem os meus filhos a minhas irmãs.
P: Eles vem todo final de semana.
E: Todo final de semana.
P: Que horário e que dia são as visitas?
E: Das 8 ao meio dia e depois da uma as três aos domingos, quanto cai algum feriado aí reveza aos sábados.
P: Quais os locais que você considera religioso, mesmo não participando, tem algum lugar?
E: Tem eu respeito muito os evangélicos, tem a capela de vez em quando eu do uma olhadinha mesmo não
participando é bom né.
P: Em que pavilhão você está?
E: Estou no quarto?
P: No pavilhão quatro tem algum espaço religioso, alguma sala de oração?
116
E: Tem o quartinho né, em todo pavilhão tem, vem a Renascer, eu freqüentei.
P: Como que é o meio de comunicação vocês tem jornal, televisão?
E: Tem televisão, radio..
P: Todo mundo tem?
E: Cada uma tem na sua cela, a maioria tem.
P: Tem jornal, que conte o que acontece aqui dentro?
E: Não, tem um comunicado que eles colocam nos pavilhões.
P: No pavilhão quatro, você acha que tem muitas mulheres Afro descendentes, você acha que é a maioria, a
memória?
E: Eu acho que tem mais no terceiro, aqui no geral deve ter umas 150.
P: Das 150 quais você considera com a cor igual a nossa?
E: Umas cinco.
P: Uma cor mais clara que a nossa mais de cabelo duro?
E: Tem
P: São Afro também, tanto na cor, como no cabelo.
E: É tem bastante a metade.
P: Você falou que o seu marido foi embora quando você foi presa, quando você sair daqui você pretende
procurá-lo?
E: Não
P: Pretende casar de novo?
E: Aí só Deus sabe.
P: Eu vou voltar aqui mais vezes, você diz que a sua mãe mora aqui perto, você pode me dar o endereço dela?
E: Posso.
P: É que uma parte da minha pesquisa eu pretendo conversar com a família. Já peguei de outra aqui, e como a
sua mãe está perto pretendo ir lá também. E conhecer mais da sua cultura religiosa. Você já se perguntou porque
não tem o Candomblé ou a Umbanda aqui dentro?
E: Não, porque no Carandirú tinha né.
P: Você esta me falando, e aqui dentro tem algumas que participam?
E: Tem
P: E vocês não conversam?
E: Conversa
P; E vocês falam sobre o que?
E: Ahhh gente conversa sobre as festas de Cosmo, conversa...
P: A sua mãe faz trabalho pra você, alguma obrigação.
E: Faz.
P: E aqui dentro
E: Aqui dentro é um lugar muito carregado, muito pesado, e a gente que tem o dom espirita, não acho legal,
falar, conversar tudo bem, mas trabalho eu não acho legal.
P: Se fosse pra ter aqui dentro como você gostaria de fosse?
E: Eu acho que deveria ter os ensinamentos, explicações, mas trabalho, aqui é muito puxado.
P: No pavilhão que você está você conhece quantas que participam?
E: Tem duas que eu conheço
P: Tem alguém do pavilhão que você acha que gostaria de conversar sobre religião.
E: Tem a Rosângela que é da cozinha.
P: Ela é Afro descendente.
E: É tem a feição assimmmm, eu acho que ela gostaria.
P: Eu estou inconformada de você ser presa no lugar de seu marido.
E: E mais tem muita gente aqui nesta situação.
P: Você conhece alguém aqui dentro que participa do Candomblé?
E: É elas não falam Candomblé elas falam centro. Candomblé eu não participo não.
P: Qual a diferença?
E: Candomblé é muito puxado, muita matança.
P: Na Umbanda também não faz?
E: Faz mas não é como no Candomblé.
117
VC- Entrevista 7 (20.10.04)
P: Qual a sua idade?
E: 31 anos
P: Onde você nasceu?
E: SP, Capital
P: Você considera de que cor?
E: Negra
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: Quase 3 meses.
P: Quanto tempo você vai ficar presa?
E: Minha pena é de 10 anos, mas eu já cumpri 3 anos provavelmente vou embora em dezembro.
P: Então você estava em outro presidio?
E: Sim na 89 DP do Morumbi, presídio feminino que tem poucas presas é considerado especial.
P: O que é especial?
E: É pra quem tem nível superior; funcionário publico.
P: Qual a sua religião?
E: De nascença Católica, só que hoje sou Evangélica da Renascer. Aqui os dias em que a Religião pode entrar é
os sábados aí eu me identifiquei mais com a Renascer.
P: O que você fazia antes de ser presa, na parte de estudo trabalho?
E: Eu era funcionária pública, trabalhava na Secretária da Administração da Penitenciária.
P: Você estudou até que serie?
E: Até o terceiro colegial
P: Aqui você pretende estudar?
E: Não
P: Mas tem possibilidades de estudar pra você que já tem o terceiro colegial?
E: Tem outros cursos; informática. Só que o que tem eu já fiz eu pretendo ir embora.
P: Você vai sair em liberdade?
E: Ai é Deus quem sabe, existe um processo pra que isso aconteça.
P: Você disse que não era da Renascer, você participava da Católica antes?
E: Já participei de todos... todos não, já fui Espirita, já fui nas Igrejas Evangélicas: Deus é Amor; Reino de Deus;
Igreja da Graça e a Igreja Católica, acho que é assim a gente fica num lugar desses e precisa de Deus pra alertar,
eu ia na Igreja Católica, mas não me sentia bem, tinha outras igrejas e quando você fala de Afro Brasileiro se fala
em Espiritismo e hoje você lendo a Bíblia não dá pra seguir o Espiritismo, apesar que eu sou uma pessoa que não
consigo imaginar um Chico Xavier indo para o inferno entendeu.... mas não sigo, sigo a Evangélica. A parti do
momento que falam de Deus é muito gratificante, as pessoas vão e voltam bem eu acho...
P: Quando você fala em Espirita você acha que é Afro descendente?
E: Não porque o Afro descendente é o Candomblé, eu conheço também o Candomblé, mas não entendo muito...
já fui em Centro de Candomblé.
P: Quanto tempo assim?
E: Ah não sei, não sei dizer, já vi em cadeia de homem eles fazem o ritual semanalmente, sei lá... ainda fizeram
uma pergunta,: Como é que os santos se vestem sem a cachaça? Aí eles falam assim... há duas coisas... eu não
tenho nada contra, a gente tem que ir aonde se sente bem, pra mim Deus é o maior não existe uma luz uma
energia, existe Deus. Eu tenho uma irmã que era Alan Kardec, agora foi pra Seicho-Noie, é... essa eu nunca fui,
acho que tudo é relativo na vida, uma hora você está frágil. Você sabe que a força maior é Deus e uma pessoa
chega pra te ajudar e você está frágil, ela fala vamos ali comigo e você vai.... uma palavra de amor de carinho, de
verdade ela te levanta.
P: Você disse que freqüentou o Candomblé, a Umbanda também?
E: Sim já.
P: Alguém da sua família participou ou participa do Candomblé ou da Umbanda?
E: Provavelmente os meus avos paternos eram, meu pai tem 79 anos e se meu avô tivesse vivo teria 150 anos e
vem da escravidão.
P: Seu pai era Africano?
E: Não é Piracicabano.
P: É negro?
E: É
P: Vem de Africanos?
E: Sim
P: A gente é Afro descendentes a sua mãe era negra?
E: A minha mãe é negra. É filha de negro com branco
118
P: Por que você tem traços.
E: A minha mãe diz que minha avó, eu não sei se era minha avó ou bisavó; a minha família era de família negra
com olhos claros, a mistura foi ali.
P: Você sabe que em alguns países da África tem negros com olhos claros?
E: Eu sei.. só que a minha mãe não, ela tem traços diferentes da família do meu pai que são todos bem negrinhos.
A minha história eu adquiri muitos deles, eles são a minha história.
P: Então você não tem certeza, mas seus avos por parte de seu pai participavam do Candomblé?
E: Eu acho, porque o meu pai ele gostava. Por que assim... eu dei problema, assim “garota problema” a única.
P: Você é a mais nova?
E: Sou a caçula e meu pai gostava de ir para o Centro, como eu dei muito problema ele começou ir nas Igrejas
pra saber o que ele fez de errado, ele ia atrás da solução. Meu pai teve problema de saúde e ia no Centro. Dois
irmãos da minha mãe era da Umbanda.
P: Você conhece alguma mulher aqui dentro que participa mesmo não tendo a religião aqui inserida?
E: Eles não falam da palavra Candomblé, Umbanda, fala Espirito.
P: Eles falam Espirito relacionando ao Candomblé, a Umbanda e não ao Kardecismo?
E: O que se diz é língua popular, eu acho assim, você quer uma pessoa e a pessoa não vem pra você, você faz um
feitiço. Eu já ouvi dizer de pessoas que aqui não pode fazer macumba.
P: Você acha que se tivesse o atendimento religioso da Umbanda e do Candomblé teria uma participação
E: Eu acho que sim, mas teria mais contra do que pós.
P: Quando veio a Renascer você foi avisada que viria?
E: Eu não sei porque eu entrei agora, eu acho que se viesse teria pessoas que iriam.
P: Não daria pra fazer assim a “magia” no caso?
E: Não dá por causa do preconceito, ao mesmo tempo que tem os guias tem lá os exús que dizem que é ruim e
quem tem os exús diz que não é ruim, eu acho que tem muito preconceito pra se fazer o ritual, eu estou falando
da visão da onde eu estou eu não tenho a visão total de 4 pavilhões, 700 mulheres. Quando você falou se eu
tenho algum preconceito eu acho que aqui tem o preconceito eu não sei explicar.
P: Por que você escolheu a Renascer para participar aqui dentro?
E: Porque é uma Igreja que eu me identifiquei.
P: Em que sentido?
E: Em todos, no modo de falar, no modo de agir, de passar a mensagem; não é uma coisa bitolada eu vou se eu
quiser; como em outras igrejas que vem eu não consigo porque tenho experiências anteriores que não me
agradam, então eu acho que a Renascer tem um jeito novo de falar de Deus.
P: Além da Renascer você participa de alguma outra quando vem aos sábados?
E: As vezes participo.
P: De quais?
E: As vezes, já fui em todas.
P: Esse processo inicial de Adaptação alguém explica para você?
E: Dizem que é assimmm na adaptação você passa por algumas aulas com diretores, não foi o meu caso, eu
passei com assistente social; não falei com todos, na verdade é no dia a dia aqui. Quando eles perguntam como
foi o processo aqui eu digo que foi regular pra não dizer péssimo. Não é fácil qualquer mudança é difícil; ser
presa é difícil, eu não acho bom porque eu estava em um estagio ai teve a rebelião mudou tudo. Eu acho assim,
antes eu tinha um intuito de ajudar as presas mas agora Deus tem que tocar muito meu coração.
P: Você foi presa por que?
E: Roubo
P: Como que a Renascer contribui prá você?
E: Eu acho que contribui assim, a palavra de Deus renova a toda hora, o que foi de ruim quando você supera
você vai plantar uma sementinha no coração de outras pessoas, com o testemunho de fé de perseverança, de tudo
o que mudou em sua vida. Não é a primeira vez que participo da Renascer, quando eu tinha 19 anos eu já tinha
ido, só que eu achava uma igreja muito louca, porque ele tinham um Rock muito louco, mas hoje eu acho que
eles fazem uma música com letras bonitas que entra na sua cabeça, mas também não é uma coisa dominante. O
tempo aqui é curto, no sábado tem que limpar a cela e se arrumar para a visita no domingo.
P: No pavilhão que você está tem um lugar de oração?
E: Eu não conheço, as vezes eles usam o refeitório mas como são diversas religiões irritam. Agora esta passando
esta novela Escrava Isaura, os negros tem tudo, sua dança, tudo é muito bonito, só tem uma parte que eles falam
que é do demônio entendeu.....se eu não quero uma coisa eu não acho que você tem que fazer alguma coisa pra
que eu queira entendeu.... esse é o meu pensamento de quem tem uma religião a religião Evangélica.
P: Como você pratica a religião durante a semana?
E: Eu faço oração ao acordar, antes de dormir e durante o dia eu falo com Deus. O privilégio que eu tenho é de
ver as minhas falhas aí eu peço perdão, não sei se estou certa, mas a Bíblia que eu leio diz que é mais ou menos
assim.
119
P: Quando você sair você pretende trabalhar no que?
E: Eu pretendo fazer nutrição ou hotelaria, vou tentar muito fazer isso, mas também a oportunidade que a vida
me der estarei abraçando com as mãos com os braços, já perdi muita oportunidade.
P: Você é casada?
E: Não
P: Tem filhos?
E: Tenho uma filha de 7 anos, uma gata.
P: Você tem algum objeto religioso dentro da sua cela?
E: Não tenho a Bíblia, tenho as minhas coisas que ganho quando eu participo.
P: Quais são os locais que você considera religioso?
E: Não tem local
P: A Capela?
E: A Capela é só o nome, não acho, acho que é um espaço pra eventos, a capela é um lugar que não chove e tem
eventos.
P: Como é o meio de comunicação, aqui tem algum jornal, algum folheto?
E: Acho que o meio de comunicação aqui é a escola. Tem alguns lugares que tem painel e colocam avisos.
Nunca ouvi dizer que tenha jornal.
P: Agradeço a sua participação!
120
TA - “ANA PAULA” Entrevista 8 (20.10.04)
P: Você nasceu aonde?
E: Em Campinas, na cidade.
P: Qual a sua idade?
E: 31 anos
P: Você se considera de que cor?
E: Negra.
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: Dois anos
P: Quanto tempo você tem de prisão?
E: Minha cadeia é de 16 anos eu estou tirando 9 anos e estou esperando o semi aberto em outubro eu faço a
condicional
P: Quando você fala 9 anos isso significa...
E: Eu ja tenho 9
anos, não aqui em outros presídios, aqui eu tenho dois anos.
P: Quais outros você esteve?
E: No Butantã um ano e no Tatuapé 3 anos, é que eu vim de comarcas também, é uma longa jornada..
P: Qual que é a sua religião?
E: Eu sou desviada da Congregação, a minha família inteira é da Congregação Cristã.
P: Mas é desde pequena?
E: Desde pequena.
P: O que você fazia antes de ser presa, trabalho, estudo?
E: Já trabalhei estudei, fui dona de casa e estudei até a quinta serie.
P: Aqui dentro você estuda?
E: Aqui não, já estudei no Tatuapé fiz supletivo.
P: Você sempre foi da Congregação, nunca participou de outra religião?
E: Já participei, mesmo aqui dentro eu participo da Renascer da Assembléia. Mas a minha família inteira e da
Congregação.
P: Você ja participou de alguma religião Afro?
E: Quando eu era pequena eu tenho duas tias que não era da Congregação e elas iam em Centro Espirita.
P: Da Umbanda ou do Candomblé?
E: Ahhh eu não sei...
P: Tinha caboclo..
E: Tinha, tinha baiano..
P: Você chegou a ir?
E: Ela levava a gente ainda mais nas festinhas de Cosmo e Damião.
P: Você conhece alguém aqui dentro que participa da Religião Afro?
E: Não.
P: Nem ouviu falar?
E: Não, sei que tem..
P: O que você acha?
E: Não tenho nada a falar a esse respeito, sobre isso daí não, Candomblé, Umbanda eu não gosto.
P: É que minha pesquisa é sobre isso, sobre a Cultura, sobre uma memória cultural que todos nós temos. Esse
meu trabalho que eu escolhi o Afro que nem você falou da sua tia..
E: Eu ia porque era pequena e minha mãe deixava eu na casa da minha tia então ela levava eu escondido.
P: Quando você fala que é convertida pra Deus, você acha que as religiões Afro não são de Deus.
E: Desde pequena eu aprendi que é uma Religião, mas se for falar sobre isso, Afro eu prefiro não participar..
P: Não são só estas questões, eu quero perguntar sobre a sua religião. Aqui no presídio você participa de qual
mesmo?
E: Da Congregação, da Renascer..
P: Como você participa?
E: Só aos sábados.
P: E como é a sua pratica religioso durante a semana?
E: Eu oro, falo com Deus, leio os salmos.
P: Você tem um horário especifico?
E: De manhã, todos os dias, não sou aquela beata que fica de joelho, mas...
P: Como que a Igreja aqui dentro contribui na sua vida, pra você?
E: E outra coisa, eu não vou sempre, quando ouço uma musica e me toca eu vou, se eu falar que vou todos os
sábados eu estou mentindo.
P: No que você trabalhou antes de ser presa. Você veio pra cadeia com quantos anos?
121
E: Eu vim com dezoito anos
P: Por quer você foi presa?
E: Roubando, assalto
P: Você é casada, tem filhos.
E: Sou viúva, tenho 3 filhos, um de 15 anos, outra de 12 e o outro 8 anos.
P: Seus familiares vêm te visitar?
E: Vem de mês em mês.
P: Seus pais são negros?
E: Meus pais são negros e os avós também
P: Você tem algum objeto religioso em sua cela, a Bíblia...algum outro objeto?
E: Só a Bíblia
P: Quais são os locais aqui dentro que você considera religioso?
E: A capela
P: Tem algum outro espaço?
E: Não
P: Tem um ou dois pavilhões que tem um espaço que chamam de espaço de oração.
E: Tem um no pavilhão um que chama Sharon e elas fazem oração lá e é legal, eu já morei lá.
P: Qual o meio de comunicação aqui dentro, no sentindo de rádio, TV, cada uma tem a sua, ou tem alguma TV
que é comum.
E: Não cada uma tem a sua na cela.
P: Você fica sozinha.
E: Não ficamos em duas.
P: Tem algum jornal aqui dentro.
E: Não quando precisam avisar a gente eles colocam na parede.
P: Tem algum grupo, além de estudo acadêmico, tem alguma dança, teatro?
E: Ahhh tem a banda..
P: Você participa de algum, não tem interesse?
E: Não, eu que tenho uma história aqui dentro da cadeia, a gente fica esperando mais a hora de sair, ainda mais
que o meu laudo já está na mão do Juiz, estou pra semi-aberto, estou mais pra sentar na cama, assistir uma TV,
fazer um Crochê...
P: Quando você sair daqui você pretende trabalhar em que?
E: Na costura, por que a minha tia tem uma oficina de costura e eu pretendo trabalhar com ela.
P: Vocês tem acesso a Internet, primeiro vocês usam?
E: Nunca nem liguei, já coloquei o meu nome, mas não fui chamada.
P: Você esta no pavilhão dois, quantas afro-descendentes você acha que tem? Que você considera parda, negra?
E: Tem uma que chegou esses dias, mas eu não sei o nome dela, ela é bem pretinha, mais que eu. Eu acho que
tem menos que a metade.
P: A maioria é branca?
E: É branca
P: Que não tem a mistura, nem no cabelo, que você olhe e fale que os pais são negros?
E: Não
P: Eu estou insistindo, por que nos outros pavilhões encontrei.
E: Aqui no pavilhão tem uma guardinha, uma senhorinha e um dia ela me deu uma folha e eu coloquei na
parede, não li, depois de alguns dia eu li e gostei, passando algum tempo ela me deu outro, tornei a ler e gostei, e
um dia eu estava dormindo e a minha colega disse que ela estava me chamando, eu assustei e fui ver a guardinha
me disse que estava no Centro e fechou o olho e viu o meu rosto, eu pensei comigo misericórdia, viu meu rosto
justo num centro, e não perguntei mais nada, preciso perguntar..
P: Você acredita que tem uma ligação é isso?
E: Eu acredito assim que nada é por acaso, porque a mulher ia fechar o olho num centro e ver o meu rosto, deve
ter alguma coisa eu vou perguntar pra ela.
P: É pergunta.
E: É lógico eu sou curiosa
P: Se tivesse um grupo aqui dentro, algumas participariam da Umbanda, do Candomblé?
E: Participaria
P: Algumas pessoas ou a maioria?
E: Algumas pessoas participariam.
P: Das Religiões que vêem aqui qual que você percebe que tem um numero maior de mulheres Afro
descendentes participando?
E: A Renascer, a Universal, não é a Renascer é a Universal que tem mais, ahh todas as religiões tem né.
P: Tem um grupo grande de Evangélicos e a Católica
122
E: Aqui tem poucas que participam até mesmo da Congregação é mais da Universal, tem umas que tem o seu
véu guardado, quando vai no grupo de oração coloca.
P: Você tem véu?
E: Tenho comigo aqui.
P: Como que é a celebração na Congregação?
E: É mandada, a gente fica em oração em comunhão. Aí vem a palavra pra gente. O Ancião tira, não é o pastor é
o Ancião.
P: Tem mulher ou é só o homem Ancião.
E: Só o homem, aí ele tira a palavra, ai vem a explicação da palavra, aí tem louvor a gente hora, na Igreja mesmo
a gente dá testemunho.
P: Com essa situação de você ser presa melhorou ou piorou a sua fé a sua participação?
E: Melhorou a gente tem mais fé
P: Você faz alguma leitura religiosa desta situação de você ter sido presa?
E: Eu acho que é livramento de Deus.
P: Explica pra mim o que livramento?
E: De repente a vida que eu estava levando, com drogas, o jeito que eu estava levando, o diabo puxa, Deus dá o
livramento. Livramento é que eu estou pagando o que eu fiz. Teve uma vez que eu fui presa fiquei livre um ano,
ai apareceu uma pessoa que queria me matar, eu estava parada em uma esquina ele apontoou a arma pra mim e
eu disse: Senhor tenha misericórdia” ai apareceu um carro branco ele se apavorou com o carro e saiu cantando
pneu. Depois disso eu fui na Igreja com a minha mãe, aí o senhor disse: Olha tem uma irmã aqui só que ela é
desviada e o Senhor mandou falar que Ele fechou uma sepultura. Eu me senti não sabia que era comigo depois
eu fui presa. Naquele dia eu senti que era comigo, mas como eu não obedeci fui presa. Depois de tanto tempo
tirar cadeia fui para o semi aberto e nesta época a minha mãe me abandonou, trabalhava que nem doida para
pagar divida de drogas, depois de algum tempo fui pra casa de minha mãe, eu tive uma vida assim mas eu sei o
que é Deus operar em minha vida, a ultima vez que usei drogas eu me arrependi até no ultimo, mas sempre
pedindo Deus tem misericórdia de mim tem misericórdia de mim
P: Isso foi na cadeia?
E: Foi, na hora que eu estava saindo disso pedi para me colocar na exclusão, ela disse que não, me perguntou se
eu queria mudar de pavilhão eu disse me coloca em qualquer lugar ai a chefe penal me deu uma cela eu fiquei
sozinha lá é Deus em minha vida, não gosto de falar de outra coisa entendeu... Se eu faço o meu erro aqui dentro
é a derrota do meu filho lá fora. Eu estou aprendendo fazer a minha parte, faz pouco tempo que eu parei, ai o
meu filho está trabalhando. Se eu usar a droga o meu filho também voltara a usar. O meu filho esta trabalhando,
servindo a Deus na Congregação. Não tenho como não falar que Deus é na minha vida, as coisas não acontecem
por acaso, cada vez que eu acerto mais na minha vida, Deus me dá mais.
P: Eu agradeço a você, o meu trabalho aqui é difícil as pessoas não quererem falar e você ficou a disposição. Isso
tudo que você falou vai preencher mais a minha pesquisa, na sua família a sua cultura é a Congregação. Isso tudo
que você está falando eu vou transcrever e colocar na minha pesquisa, mas não vou usar o seu nome, ou o nome
inteiro.
E: Ahh, coloca o meu de Ana Paula, eu gosto desse nome.
P: Deixa eu anotar aqui
123
AM - Entrevista 9 (05.11.04)
P: Qual a sua idade?
E: 34 anos
P: Você se considera de cor branca, parda, negra?
E: Me considero negra.
P: Quanto tempo você esta presa nesta penitenciária ?
E: Nesta penitenciaria 1 ano.
P: Quanto tempo você vai cumprir de pena total?
E: 25 anos. Eu tô cumprindo dois anos e estou no aguardo de minha apelação, pretendo ganhar a minha apelação
e ir embora pra rua.
P: O quê seria apelação?
E: Apelação é assimm... eu já fui condenada aí o processo vai para apelação, vai passar nas mãos do Juiz do
Promotor e vão rever o meu processo e até aonde eu sou inocente.
P: Qual a sua religião?
E: Minha religião é Católica.
P: O que você fazia antes de ser presa?
E: Estudava, cuidava dos meus filhos, trabalhava em uma casa lotérica. Fiz Magistério, parei no segundo ano por
causa dos filhos, já trabalhei na faxina o ultimo trabalho foi na casa lotérica.
P: Você era Católica.
E: É eu sempre fui Católica, depois que fui presa me apeguei mais com Deus e gosto aqui da Renascer.
P: Você já participou de alguma religião Afro?
E: Não, não...
P: Alguém de sua família já participou?
E: Já, meu irmão de criação.
P: Mas você nunca foi nem por curiosidade?
E: Não, não.
P: Você conhece alguém que participa aqui dentro.
E: Não, não.
P: O quê você acha das religiões Afro, acha normal, você tem alguma coisa contra?
E: Eu não tenho nada contra entendeu... mas não gosto.
P: Desde pequena você foi da Católica?
E: Sim, fui batizada... eu não fui criada pelos meus pais, mas as pessoas que me criaram eram Católicos. Sempre
fui muito Católica.
P: Você é de onde?
E: Eu sou daqui de São Paulo mesmo.
P: Como é sua pratica religiosa aqui dentro? Quando vem o grupo Católico você participa?
E: Ahhh nem todas as vezes vou te falar é.... assim... prefiro ficar na cela, pego a bíblia, oro pra Deus e assim
quando vem a Igreja eu gosto de descer pra louvar o Senhor, adoro ficar cantando, escutar o Pastor falar.
P: Você falou que a sua pratica durante a semana e ler a bíblia e você tem algum momento específico?
E: De manhã quando acordo e a noite antes de dormir.
P: Como você começou a participar da Renascer aqui dentro?
E: Quando eu vim presa, todos os sábados eles iam lá aonde eu estava e eu comecei a ouvir e gostei, assim todos
os sábados eu ficava esperando a igreja chegar e é assim vem a Universal, a Batista, mas eu só desço quando
vem a Renascer.
P: O quê você mais gosta na igreja Renascer?
E: Das músicas, do Pastor, do que ele fala de Deus. Eles vem uma vez por mês porque em cada sábado eles vão
em um pavilhão e assim acaba dando uma vez por mês.
P: No que eles participam na sua vida, nesta situação de presa?
E: São as palavras, me aliviam muito, porque eu estou numa situação muito difícil, foi um seqüestro, pequei 25
anos de cadeia. Nunca fiz nada de errado, nunca peguei uma agulha de alguém entendeu.... eu me envolvi com
uma pessoa que era errada e de repente essa pessoa seqüestra um homem leva pra dentro da minha casa e
quando eu vi já era tarde, eu já estava envolvida entendeu.... e por mais que ele falou que foi ele, foi ele não
adiantou, as policias falou que eu dava comida pra vítima, quer dizer, por isso que eu falo pra você que na
apelação.....só Deus pode me liberar daqui.
P: Você já foi presa antes?
E: Nunca, nunca tive vicio nenhum, nem droga.
P: Você é casada?
E: Sou divorciada do meu primeiro marido tenho quatro filhos e desse homem que estou presa, com ele eu tenho
um bebe dele, quando fui presa eu estava gravida de um mês e está com minha irmã de criação.
124
P: Seus familiares vêm te visitar?
E: vem.. minha irmã de criação, meu irmão de criação também vem.
P: As visitas são todos os domingos?
E: É, todos os domingos e é assim.. só entra duas pessoas.
P: Tem autorização para visita intima?
E: Ahhh aqui é tão difícil ter visita intima.
P: Existem regras?
E: Sim existem por exemplo você tem que ser casada, amasiada por tanto tempo. Se eu tivesse um namorado
agora e ele quisesse uma visita intima teria que ir no cartório pegar uma declaração que nós somos amasiados
por tanto tempo... é difícil.
P: Seus pais são brancos, negros?
E: Não conheci meus pais, mas as pessoas falam que minha mãe era mulata e meu pai era chinês.
P: Você tem algum objeto religioso na sua cela?
E: Só a bíblia.
P: Como é o meio de comunicação aqui dentro, vocês lêem jornal, assistem TV?
E: Só TV e é individual, cada cela tem uma, a família manda mas tem várias que não tem.
P: Quantas mulheres negras você acha que tem aqui no seu pavilhão?
E: Acho que um pouco menos da metade.
P: Eu agradeço a sua participação.
125
SE- Entrevista 10 (05.10.04)
P: Quantos anos você tem?
E: 48 anos
P: Quanto tempo você está neste presidio?
E: dois anos e seis meses.
P: Quanto tempo você vai cumprir no total?
E: Vou embora dia 13 de dezembro de 2006.
P: Você se considera de qual cor?
E: Negra
P: Qual a sua religião?
E: Eu era Evangélica da Pentecostal.
P: Aqui dentro você participa?
E: Sou afastada da Igreja mas não de Deus.
P: O quê você fazia antes de ser presa?
E: Eu era artesã de bolsas de carteira.
P: Você estudava?
E: Infelizmente não, estudei até a terceira série primária.
P: Você participou alguma vez da religião Afro?
E: Não nunca, gostaria mas nunca participei.
P: Você tem algum familiar que participa?
E: Tenho a minha irmã.
P: Qual a religião?
E: Todos os meus irmãos são da Candomblé.
P: Você morava aonde?
E: Em São Paulo Capital.
P: Você conheceu alguma mulher aqui dentro que participa desta religião?
E: Conheço uma só.
P: O quê você acha?
E: Acho bonito, interessante. Muito forte.
P: Por que você escolheu participar da Evangélica?
E: Porque eu gosto e me sinto muito bem.
P: Aqui dentro você participa?
E: Vou.
P: Você foi presa porquê?
E: Por causa de dez reais que eu nem roubei.
P: Seu processo está como?
E: Creio em Deus que em 2006 vou embora.
P: Você tem algum objeto religioso dentro da sua cela?
E: Tenho a bíblia.
P: Tem santinho, terço?
E: Terço não, santinho eu tenho porque me dão.
P: Você acha que esses grupos que vem aqui mudam alguma coisa na sua vida?
E: Ah é muito importante pra nós, nossa!
P: Em que aspecto?
E: No geral, eles transmite uma força muito grande pra nós, a gente não se sente abandonado, eu só tenho a
agradecer, eles são muito atenciosos com nós, transmite uma coisa muito boa, esperança, perseverança pra nós
todos.
P: Você acha que se tivesse o grupo Afro aqui dentro teria participação?
E: Maior, seria muito bom.
P: Tanto a Candomblé, como a Umbanda?
E: Seria uma macubanhada danada, uma querendo matar a outra só na macumba.
P: Ia ter rivalidade?
E: Sim, na Igreja não, mas espiritismo é diferente, pediria pra matar uma a outra aqui dentro, na Igreja é
diferente.
P: Você já foi presa antes?
E: Fui, fiquei dois anos, pequei a semi aberta, mas não voltei ai eu devadi quer dizer sai e não voltei, então sou
uma recapturada.
P: Você tem filhos?
E: Tenho dois filhos.
126
P: Você é casada?
E: Não, já tinha separado antes de ser presa. Meus filhos, um tem 30 e a outra 24 anos.
P: Seus pais eram negros?
E: Os dois negros.
P: Nos pavilhões tem algum lugar para a religião?
E: Tem, a Capela, o refeitório.
P: Quais os meios de comunicação que vocês tem aqui dentro, tem telefone?
E: Não telefone eu nunca vi, só a televisão mesmo.
P: Como funciona a comunicação, tem algum evento eles comunicam como?
E: Eles põe no pavilhão bonitinho.
P: Quantas mulheres negras você acha que tem aqui no pavilhão 3?
E: Se tem 155 no meu pavilhão, 70 são negras. Aqui é o pavilhão que mais aterroriza.
P: Como assim?
E: No pavilhão 1 é bem comportado, no segundo também, aqui no meu no terceiro as pessoas são mais
perturbadas, há diferença de comportamentos.
P: Obrigada por sua participação.
127
EP- Entrevista 11 (17 .11.04)
P: Qual a sua Idade?
E: 34 anos, nascida em São Paulo.
P: Qual a sua cor?
E: Negra.
P: Quanto tempo você está neste presídio?
E: Aqui neste presídio eu estou há cinco anos, mas eu estou presa há oito.
P: E antes de vir pra cá você esteve presa em qual presídio?
E: No PFC, no Tremembé e agora aqui.
P: Quanto tempo é a sua condenação?
E: A minha condenação é uma condenação alta. Mais de trinta anos.
P: Qual foi o delito que você cometeu?
E: Seqüestro e várias outras coisas também. Eu era adolescente na época. Quando a gente é imaturo as pessoas
induz muito.
P: Qual a sua religião ou qual igreja?
E: Eu fui batizada na Universal, mas eu gosto de ir na Congregação, na Universal. Eu gosto de ir nas igrejas que
pregam aquilo que está na bíblia.
P: O que você fazia antes de ser presa?
E: A gente tenta esquecer o mundo lá fora. Porque se ficar lembrando a gente não consegue tirar a cadeia.
Tinha saído de casa e estava levando uma vida errada, na prostituição. Andava com gente que roubava e usava
drogas.
P: Você era de qual igreja na ocasião.
E: Eu era cristã, mas não lembro de que igreja.
P: Você participou de alguma religião afro?
E: Já, que algumas pessoas me levaram. Mas não sei qual era. Nunca gostei muito.
P: Alguém da sua família participou?
E: Tinha minha vó. A mãe da minha mãe, que mexia com essas coisas. No Candomblé.
P: Ela participava direto ou era eventualmente?
E: Só de vez em quando, mas tinha algumas coisas que ela fazia na casa dela.
P: Você viu alguma dessas sessões?
E: Quando eu era pequena eu via.
P: E aqui dentro você conhece alguma mulher que participa?
E: Aqui tem algumas que dizem que são. Mas chegando no presídio há um contato maior com Cristo. As pessoas
aqui dentro necessitam muito de Jesus. Então ela acaba saindo fora disso e começa a ir nas religiões evangélicas.
E vai largando disso. Todas as que eu vi foram assim.
P: O que você acha das religiões afro.
E: Eu não considero as outras religiões como não religião. Só que lendo a bíblia eu comecei a amadurecer. E
dentro da bíblia eu comecei a conhecer Jesus. E Deus nos convence dos nossos pecados. E aí você vê a
transformação. Uma pessoa que usava droga vira ex-drogada. Liberta do lesbianismo. Existe uma transformação.
P: Você gostaria que tivesse o atendimento religioso das religiões afro?
E: Tranqüilamente, eu não posso dizer que não. Isso não depende de mim. Depende da pessoa. Mas acaba sendo
uma coisa muito perigosa. Como que eu vou explicar para ela dentro de uma outra religião que não usa a bíblia.
Como eu vou poder passar para ela? Eu vou poder passar com palavras, mas é diferente de você pegar a
passagem de Jesus Cristo, porque Jesus todo mundo respeita. Não há um ser humana que possa dizer assim. Ah
eu não gosto de Jesus. Se existe esse ser humano ele fala daquilo que ele não conhece, ele não sabe quem é
Jesus. Ele é um perdido aí na face da terra que não sabe nada. Mas pra quem tem a mínima idéia de quem é
Jesus, que morreu na cruz pelos nosso pecados, a pessoa já tem uma noção de quem é Jesus. Mas quando você
vai falar disso, a pessoa respeita e reflete. E ela refletindo é convencida de que aquilo é pecado. Ela convencida
que aquilo é pecado, ela não faz mais. Ela vai lutando contra ela mesmo, porque eu não tenho que discutir com
você. Por que eu não gosto de você eu vou ter que fazer mau pra você. Lá fora pra sociedade o que nós somos?
A escória do mundo! Se fizer uma pesquisa lá fora e perguntar. Se acha que tem que Ter a pena de morte. Ah..
tem que ter! Esses bandidos aí tem que morrer, tem que ficar lá na prisão perpétua. Quer dizer a pessoa não tem
noção do que ela tá falando. Se tivesse a prisão perpétua no Brasil, não tinha cadeia. Porque ninguém ia
trabalhar. Porque quem era o PM que ia segurar o preso aqui dentro. Essas bunda de pessoas que estão aí tudo
revoltada. Pessoas revoltadíssimas, mas ao mesmo tempo são pessoas dóceis, ela só tem aquela capa de monstro,
mas quando você vai conhecê-las realmente deita na cama chora desesperadamente, com saudades do filho, da
mãe, arrependida, mas no outro dia ela tem que botar a capa de monstro novamente. Porque aqui dentro ela tem
que mostrar que ninguém bate nela, ninguém põe a mão nela. E aí é o seguinte, se vim tem também. Porque põe
na cabeça muita maldade, começa a sentir perseguida. Daí se entra uma religião que possa fazer o mau contra
128
alguém ele usa aquilo pro seu mau. Eu tinha uma amiga que tava aqui que era do Candomblé. Ninguém gostava
dela. Eu era a única pessoa que ela gostava muito. E eu sentava na cama dela e conversava, chorava fala as
coisas pra ela. E ela falava: Você é a única pessoa que me entende! E eu falava não a gente te ama! Mas ele
chorava. Ela queria mais. As pessoa não entendia o jeito dela, ela já era agressiva. As pessoas não entendiam e
eram também agressivas com ela. Quando ela foi embora o pessoal falava pra mim. Vai ver o monte de coisas
que sua amiga tem na cela. Eu fui ver e tinha vela, papeis com nomes de outras, boneco com nome amarrado....
A pior coisa que tem é a pessoa que guarda o que as outras fizeram pra ela. E aí ela tá numa religião que não
para ela. Ele começa a usar a religião contra... Eu já vi situações de chegar uma pessoa lá na igreja com a gente e
dizer pra nos, com o saco na mão e a gente perguntar que isso? Tô entregando aqui minhas cuecas, se o senhor
fazer um negócio pra mim, eu não vou mais ficar com mulher. Sou sapatão! Se imagina que benção é pra uma
mãe ver isso. O milagre acontece. Um dia desse chegou uma menina e disse. Eu não quero mais fazer mau pra
ninguém, então eu vou entregar um negócio aqui para vocês. Eu pensei em jogar fora, mas eu vou jogar aonde?
Se eu jogara em algum lugar alguém vai pegar e eu não quero que ninguém pegue porque isso é pra fazer o mau.
Eu perguntei o que você tem. Ela respondeu uma faca, e tirou uma faca enorme jogou na mão na minha amiga.
Pegarmos, olhamos e vim aqui na diretoria e entreguei. Então a gente vê muitas transformações dentro do
evangelho, que a gente não vê em outras religiões. Nos fundamos um ministério aqui dentro.
P: Qual ministério?
E: Ministério Vida Nova, quer dizer que é vida nova, mudou. O que era não é mais. Então esse ministério que
para poder entrar nele, existe uma cela. É a cela que eu moro e só moram pessoa evangélica. Elas não podem ter
nada de errado, não pode andar conforme a cadeia. Não pode ter caso com mulher, não ter telefone, não ter
droga, ficar por aí em conversinhas. Pode sair conversar um pouco, mas dentro do evangelho, tem que
evangelizar. Quem não tem esses requisitos, está fora. Pode ir na igreja, mas não pode fazer parte do ministério.
P: Vocês moram em quantas?
E: Estamos morando em oito. A cela é pra cinco pessoas. Uma pessoa teve que ir pra lá porque estava grávida e
tendo problema no pavilhão. As presas queriam bater nela. Foi conversado com a diretoria para deixar ela ir pra
lá até ela ganhar o neném. É um caso de humanidade. Quando existe um problema, geralmente vão procurar as
irmãs.
P: Como vocês fundaram esse ministério?
E: Veio uma irmã (presa) que era do Butantan e explicou pra gente como que era servir no evangelho. Aí ela
passou pra nós. Então ela levantou esse ministério. Ela ficava na palavra, a outra ficava na porta orando e
recebendo as pessoas, a outra guardava a bíblia, outra montava os moveis pra oração. A gente faz orações na
madrugada. Tem o turno e as intercessões. Cada uma tem o seu posto.
P: E você participa das atividades das igrejas aos sábados?
E: No Sábado cada uma pode ir na religião que gosta. Essa Vida Nova é a nossa congregação. A congregação
das calças beges, digamos assim. Eu vou na Congregação.
P: Como é sua prática religiosa durante a semana?
E: Nós estamos numa campanha de vinte um dias. A campanha de Daniel, que é de quebra de condenação. Nós
começamos a orar por aquilo que a gente não vê, que a minha cadeia tá quebrando. Deus vai fazer alguma coisa.
Alguém aí vai se tocar e vai levantar a minha situação. Porque é Deus quem comanda a todos. Nós começamos a
orar pra essa coisas acontecerem. Pra Juizes, advogados, promotores e tal. Então a gente pega, Durante o dia
temos orações. Quando uma precisa sair, sempre fica alguém lá por quando aparece alguém a gente ora. Eu vou
nos outros pavilhões e oro. Oro para as que estão doentes.
P: Qual a contribuição que a igreja traz pra você?
E: Eles vem aqui para pregar o evangelho, para que saiamos dessa vida. Quando eles vê uma pessoa saindo
daqui transformada e eles tem certeza que aquela não volta mais, aquilo é alegria pra eles. Imagina como eles
ficam felizes vindo aqui e vendo que fazemos o culto sem precisar deles. No nosso culto vai cinqüenta e duas
mulheres. Isso é trabalho deles.
P: Até que série você estudou?
E: Até a terceira série primária.
P: Você tem filhos?
E: Sou mãe de seis crianças. O meu mais velho tem dezessete e o meu mais novo tem oito. Eu tive o meu
primeiro filho quando eu ia fazer quatorze anos.
P: Sua família vem te visitar?
E: Minha família vem a cada quinze dias. Nunca me abandonaram.
P: Você é casada?
E: Não, não sou casada, mas eu tenho o pai desse meu ultimo menino, que ele também é presidiário e ele tá
vindo me ver. Ele tá no semi aberto e em todas as saídas dos semi aberto ele vem me ver.
P: Qual é a raça dos seus pais?
E: Os dois são negros.
P: Você tem algum objeto religioso na sua cela?
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E: Só a bíblia.
P: Quais espaços você considera religioso aqui dentro?
E: A igreja. Um espaço que a casa fez pra nós, há um ano. Nós conseguimos com a diretoria. Antes era um
banheiro, que foi quebrado e a gente colocou banco, estante e o púlpito. Esse espaço é só pra oração.
P: Quantas mulheres afrodescentes tem no pavilhão três?
E: Quando eu cheguei no presídio em noventa e seis tinham mais pessoas negras. Agora são mais são mais
brancas do que negras. Mais da metade são brancas.
130
Anexo II - Perguntas Detentas e Lideranças religiosas
Roteiro de Perguntas - Detentas
Data: ___/____/____
1. A)Questionário [___________] B) Unidade Prisional [____________________]
2. Entrevistada: _________________________________________________________.
3. Naturalidade__________________[___]___] A) Rural ( ) B) Urbana ( )
4. A)Idade [_________] B)Cor: Negra ( ) Parda ( ) Branca ( )
5. Quanto tempo você está neste presídio? Quanto tempo falta para cumprir?
______________________________________________________________________.
6. Qual a sua religião?
______________________________________________________________________.
7. O que você fazia antes de ser presa? (estudo/trabalho/outras atividades)?
______________________________________________________________________.
8. Você era dessa igreja antes de vir para este presídio?
______________________________________________________________________.
9. Você já participou de alguma religião afro (Umbanda / Candomblé)? Qual?
______________________________________________________________________.
10. Alguém na sua família participou ou participa de religiões afro (Umbanda / Candomblé)? Qual?
___________________________________________________________________________.
11. Você conhece alguma mulher que participa das religiões afro-brasileiras aqui no presídio? Como é o seu
relacionamento com ela?
12 .O que você acha das religiões afro?
____________________________________________________________________________
12 .a) Você gostaria que tivesse atendimento religioso dessa religião?
____________________________________________________________________________
12.b) Por que escolheu fazer parte de outra religião no presídio?
____________________________________________________________________________
13. Como se tornou dessa religião?
14. Você participa de outras Igrejas no presídio? Quais? Como ?
____________________________________________________________________________
15. Como é a sua prática religiosa durante a semana? Reza/Ora? Faz Leituras (Bíblia/Outros Livros)/ Quantas
vezes na semana? O que você pede a Deus? Onde você faz suas orações?
16. Como essa Igreja contribui/ajuda na sua situação no presídio.
_______________________________________________________ _____________________
131
Esquema:
Questões: 1- 5 > Dados Gerais
6- 7 > Informação sobre mudança religiosa
8-10a > Experiência previa da religiosidade afro.
11-12-14 > Saber grau de importância da religião para as mulheres.
13 > Pluralismo religioso.
15> Contribuição da religião na vida das mulheres presas.
Roteiro de Perguntas - Lideranças religiosas.
Denominação da Igreja: __________________________________________________
Nome: da/o entrevistada/o: ________________________________________________
Função: __________________________________
1. Quanto tempo realiza visitas neste presídio? Em quantas pessoas vocês vêem regularmente?
2. Existe interesse em algum grupo específico dentre as mulheres que estão presas?
3. Que tipo de atividade e/ou ajuda a sua igreja oferece? Explique um pouco qual a importancia desse
atendimento para as mulheres.
4. Um número significativo de mulheres presas são afro-descendentes, este dado influência para orientar o seu
trabalho pastoral?
5. Como a mensagem da sua Igreja é recebida pelas reeducandas?
6. Quais são as dificuldades que vocês mais encontram nestes espaços?
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Anexo III Fotos Penitenciária Feminina da Capital
Anexo IV Fotos Presídio Feminino do Tatuapé