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CORPOS E(M) IMAGENS NA HISTÓRIA: QUESTÕES SOBRE
AS MULHERES CATÓLICAS DO PRESENTE
Cristiane de Castro Ramos Abud
Orientadora: Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva
Florianópolis, novembro de 2008
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2
CRISTIANE DE CASTRO RAMOS ABUD
CORPOS E(M) IMAGENS NA HISTÓRIA:QUESTÕES SOBRE AS
MULHERES CATÓLICAS DO PRESENTE
F
LORIANÓPOLIS
-SC
2008
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CRISTIANE DE C. RAMOS ABUD
CORPOS E(M) IMAGENS NA HISTÓRIA:QUESTÕES SOBRE AS
MULHERES CATÓLICAS DO PRESENTE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História do Tempo
Presente/Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial e último
para a obtenção do título de mestre em
História, sob a orientação da Profa. Dra.
Cristiani Bereta da Silva.
Orientadora: Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva
F
LORIANÓPOLIS
,
07
DE NOVEMBRO DE
2008
4
CRISTIANE DE C. RAMOS ABUD
CORPOS E(M) IMAGENS NA HISTÓRIA:QUESTÕES SOBRE AS
MULHERES CATÓLICAS DO PRESENTE
Dissertação aprovada como requisito parcial e último para obtenção de título de Mestre em
Historia, no Curso de Pós-Graduação em História Área de Concentração História do
Tempo Presente, da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC.
Banca examinadora:
Orientadora:
__________________________________________________
Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva
UDESC
Membros:
____________________________________________
Profa. Dra. Joana Maria Pedro
UFSC
__________________________________________________
Profa. Dra. Marlene de Fáveri
UDESC
__________________________________________________
Profa. Dra. Silvia M. Fávero Arend - Suplente
UDESC
Florianópolis, 07 de novembro de 2008
5
Por aquelas que foram bem amadas
E por todas que vivem em segredo
E as que vivem na vida a dor e o medo
Onde o amor é a súbita certeza
Onde voz e silêncio se confundem
Misturando alegria com tristeza
E é com elas que a luz se torna intensa
Como um sol que ilumina a escuridão
Onde o amor brilhará com mais beleza
Só por elas mais forte que paixão
Os sorrisos do mundo esparramado
As sementes que brilham na imensidão.
(Mulheres. Zé Ramalho)
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas e instituições que possibilitaram de forma direta ou
indireta, a produção dessa dissertação:
- Em especial a minha orientadora professora Cristiani Bereta, que com seu olhar carinhoso
e instigante sobre meu texto, pôde torná-lo mais produtivo, dentro de uma abordagem mais
da área da História, mais crítico, processual e provocativo.
- Às professoras da banca de qualificação: Joana Maria Pedro e Marlene de Fáveri, que
apostaram nesta dissertação, por sua disponibilidade e sugestões significativas para os
rumos dessa escrita.
- Aos(as) professores(as) do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, que
sempre estiveram atentos(as) e interessados(as), incentivando-me a percorrer outros
territórios não tão seguros, mas prazerosos.
- Aos(as) colegas de aula com quem partilhei estudos, leituras, amizades, risadas,
nervosismos e afetos.
- Aos(as) funcionários da DAPE pela sua gentileza e prontidão.
- Ao diretor da E.B.M. Luiz Cândido da Luz, Rogério Gonçalves de Castro por todo o seu
incentivo imediato e constante, pela atenção e valorização de meu trabalho como
profissional e parceira “teórica”.
- Às colegas de trabalho Nara Pompeo e Marise Mattos pelo carinho, atenção e auxílio.
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- Aos meus pais e irmã que sempre se mostraram interessados em meus estudos,
contribuindo para minas conquistas e novos desafios.
- Às queridas tia Rosana e vó Chica, por suas contribuições “astrais”.
- Ao meu marido Alessandre por seu companheirismo, amor, sugestões e idéias valiosas.
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RESUMO
A presente pesquisa - inscrita como uma História do Tempo Presente - propôs uma
reflexão crítica sobre as representações de gênero produzidas a partir das imagens
sacras femininas e de como se inscrevem nos corpos das mulheres na
contemporaneidade. Com o auxílio de referências teórico-metodológicos foucaultianos
e outros suportes teóricos incorporados pela História Cultural, analisou-se, neste
trabalho, as formas de atuação do poder exercido e difundido pela Igreja Católica sobre
os usos e cuidados dos corpos das mulheres e a relação desses discursos com as
práticas, através de depoimentos e entrevistas realizadas com 35 mulheres que
freqüentam cotidianamente três igrejas católicas de Florianópolis. O uso da categoria
gênero opera aqui, para que sejam analisados os percursos e experiências destas
mulheres, desvendando imaginários femininos, identidades fronteiriças, sociais,
políticas e culturais. O trabalho procurou problematizar como as mulheres que se
autodenominam católicas redefinem valores religiosos e os relacionam a questões
como sexualidade, corpo, participação feminina em diferentes dimensões sociais e
políticas, forjando novas identidades e metamorfoses sobre a condição feminina na
religião católica hoje. Procura-se, assim, evidenciar o caráter histórico, cultural,
religioso do corpo produzido pelo discurso religioso católico, demarcando seu poder de
criação, saberes, resistências, transformações, materialidade, efeitos, características
binárias entre o sagrado e o profano, o permitido e o proibido. E, ainda, perceber nas
histórias de e religiosidade das mulheres que freqüentam as igrejas, seus papéis, a
diversidade de representações , permanências e mudanças na história do presente.
Palavras-chave: Mulheres; Corpo; Imagens Sacras; Religião
9
ABSTRACT
To present he/she researches - enrolled as a History of the Present Time - it proposes a
critical reflection about the gender representations produced starting from the feminine
sacred images and of as they enroll in the women's bodies in the present. With the aid of
references theoretical-methodological foucaultianos and other incorporate theoretical
supports for the Cultural History is looked for to analyze, in this work, the forms of
performance of the exercised power and spread for the Catholic Church about the uses and
cares of the women's bodies and the relationship of those speeches with the depositions and
interviews accomplished with 35 women that frequent three Catholic Churches of
Florianópolis daily. The use of the category gender operates here, so that the courses and
these women's experiences are analyzed, unmasking imaginary feminine, identities
frontier, social, politics and cultural. The work tried to problematize as the women that if
name catholics definer religious values and they relate them to subjects as sexuality, body,
feminine participation in different social and political dimensions, forging new identities
and metamorphoses about the feminine condition in the catholic religion today. He/she
tries she, like this, evidence the character historical, cultural, religious person of the body
produced by the catholic religious speech, demarcating his/her creation power, you know,
resistances, transformations, concret, effects, binary characteristics between the sacred and
the profane, allowed him/it and the forbidden. And, still, to notice in the histories of faith
and the women's religiosity that frequent the churches, their roles, the diversity of
representations, permanences and changes in the history of the present.
Keywords:
W
oman;Body;
S
acred Images;Religion
10
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1- Catedral Metropolitana de Florianópolis2007.................................................... 34
Ilustração 2- Igreja São Francisco. Florianópolis.2007............................................................37
Ilustração 3- Igreja Santo Antônio. Florianópolis2007............................................................39
Ilustração 4-Altar-Mor da Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007 ..............................48
Ilustração 5- Altar- Central. Igreja Santo Antônio.Florianópolis.2007....................................49
Ilustração 6- Entrada da Igreja Santo Antônio. Florianópolis.2007.........................................62
Ilustração 7- Altar-lateral. Igreja São Francisco. Florianópolis.2007........................................63
Ilustração 8- Mara Madalena. Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007..........................75
Ilustração 9- Santa Catarina de Alexandria. Catedral Metropolitana de
Florianópolis.2007.....................................................................................................................78
Ilustração 10- Vitral Puríssimo Coração de Maria. Catedral Metropolitana de
Florianópolis.2007.....................................................................................................................92
Ilustração 11- Sant´ana. Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007...................................106
Ilustração 12- Nossa Senhora das Graças. Igreja Santo Antônio.2007....................................116
Ilustração 13- Nossa Senhora das Graças. Igreja São Francisco.2007.....................................117
Ilustração 14- Nossa Senhora das Dores. Catedral Metropolitana de
Florianópolis.2007...................................................................................................................124
Ilustração 15- Nossa Senhora das Dores. Igreja São Francisco, 2007.....................................125
Ilustração 16- Entrada da Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007...............................129
11
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS...............................................................................................................6
RESUMO...................................................................................................................................8
ABSTRACT...............................................................................................................................9
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES..................................................................................................10
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................12
1. PRIMEIRA LEITURA.........................................................................................................28
1.1 PERCURSOS DE UMA PESQUISA(DORA) ..................................................................29
1.2.O lugar de encontro com as imagens sacras: relações de poder, fé e devoção no imaginário
das devotas ...............................................................................................................................41
2. SEGUNDA LEITURA.........................................................................................................66
2.1. Corpos divinos e profanos: mulheres ao longo de uma história multifacetada.................67
3. A CELEBRAÇÃO .............................................................................................................113
3.1. “Bendita sois vós entre as mulheres”: corpos e sentimentos desejáveis.........................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................137
FONTES.................................................................................................................................143
1. Fontes impressas ................................................................................................................143
2.Fontes Orais.........................................................................................................................143
2.1. Questionário....................................................................................................................143
2.2. Depoimentos orais...........................................................................................................144
3. Sites consultados................................................................................................................145
4. Jornais.................................................................................................................................145
5. Arquivos.............................................................................................................................146
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................147
ANEXOS................................................................................................................................157
Anexo 1- Questionário...........................................................................................................157
12
INTRODUÇÃO
A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante,
chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a
peça termine sem aplausos (Charlie Chaplin).
A escrita desse texto é um convite, embora breve e provisório, à possibilidade de ir
ao encontro a liberdade de pensamento, concepções e análises teóricas. Do momento
prazerioso da leitura que tenta evidenciar rupturas, conflitos, permanências, através das
palavras, que têm a intenção de dobrar e redobrar o conhecimento para o multiplicar e
torná-lo outro/outros.
É neste movimento que a vida encontra a alegria associada à liberdade de escrita e
pensamento, criando, desconstruindo e brincando com as palavras para torná-las exóticas,
eróticas, ordinárias ou profanas, pois “escrever é traçar linhas de fuga, (...) porque a
escritura nos engaja nelas, na realidade, nos embarca nela. Escrever é tornar-se, mas não de
modo algum escritor. É tornar-se outra coisa” (DELEUZE, 1998:56). É poder tornar-se
mulher, homem, Deus, Deusa, serpente, poeta, mágico/a, um sujeito desejante e por isso
revolucionário, pulsante, desgarrado de si mesmo.
O ritmo pretendido é o do movimento dos corpos, seja caminhando pela cidade de
Florianópolis, subindo e descendo as escadarias das igrejas, entrando nos templos, olhando
suas cúpulas, dirigindo-se até o altar, ajoelhando-se em frente às imagens das santas,
gesticulando o sinal da cruz no peito, observando os seus vitrais, admirando a imagem de
Cristo, o “imenso espelho onde projetamos nossas esperanças, incertezas, ignorâncias”
(BRAUDEL, 2002:352).
É dentro do templo, este grande espelho, que se refletem diferentes imagens divinas
que penetram e atravessam nossos corpos com suas cores, brilho, relevo, formas,
13
transformando-nos em imagens mortais e históricas dos discursos, conceitos e práticas
cristãs. As imagens sacras são produto de um tempo histórico, cultural, estético, artístico e
político determinado, mas que ainda atraem os sujeitos como símbolos de devoção e no
presente, que carregam dogmas e valores patriarcais e eurocêntricos.
Imagens e histórias que dividem o pólo divino do terreno e que, ao mesmo tempo,
se quer tocar, sentir, venerar para torná-las cada vez mais próximas, “quando o mundo real
se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações
eficientes de um comportamento hipnótico” (DEBORD,1997:18). Imagens que produzem
preceitos e conflitos presentes no discurso católico sobre a sexualidade, a virgindade, o
casamento e o corpo feminino.
Analisou-se, neste trabalho, as imagens sacras femininas não como peças
ilustrativas, mas como práticas discursivas e simbólicas do campo religioso, procurando
explorar seu caráter produtivo, na medida em que modelam conceitos, práticas, valores,
saberes, como possíveis verdades do nosso tempo. Com o auxílio de entrevistas feitas a 35
mulheres que freqüentam, hoje, a Catedral Metropolitana, a Igreja Santo Antônio e a Igreja
São Francisco; todas localizadas em Florianópolis, através de questionários com perguntas
abertas e de depoimentos colhidos com essas mulheres, pode-se tecer relações entre o
discurso normativo católico sobre o corpo feminino, virgindade e casamento e seus
vestígios refletidos pelas falas e práticas dessas mulheres, assim como, suas reformulações
e ressignificações.
Ao buscar interpretar e dar voz a essas histórias de devoção e pode-se contribuir
com a produção da história das mulheres e, nesse caso, com a história das mulheres
católicas do presente, história esta relatada a partir de um modelo masculino, onde as
14
mulheres “não tinham história, absolutamente excluídas pela figura divina do Homem, que
matara a Deus para se colocar em seu lugar” (RAGO,1998:9).
Procurou-se olhar o corpo feminino como múltiplo e periférico, constituído
historicamente pelos efeitos de poder dessas imagens sacras que deixam marcas, saliências,
práticas que constituem, experiências com o sagrado, com a cultura, com a sociedade, com
a religião e com a Igreja Católica no seu cotidiano,
A opção metodológica de reconhecer a relevância dos aspectos do cotidiano para
formular as perguntas à realidade possibilita aproximar-se dos desejos, anseios,
ausências e processos de resistência. Na experiência cotidiana, composta por
inúmeros detalhes, acontece, de fato, a construção das relações sociais de poder
(DEIFELT,2004:197).
A partir desse olhar, o corpo está sempre sendo (re)inventado, e todas as marcas
que se inscrevem ou se constroem em torno dele, seja nas artes, na medicina, na mídia,
etc., são sempre provisórias. As rupturas e/ou permanências são características de cada
época, cultura ou grupo social, governo e religião. Como caracteriza Sant´Anna
(2000:237), “da medicina dos humores à biotecnologia contemporânea, passando pela
invenção de regimes, cirurgias, cosméticos e técnicas disciplinares, o conhecimento do
corpo é por excelência histórico, relacionado aos receios e sonhos”, localizado em períodos
determinados na história.
No caso da religião, ela atua como instância legitimadora que naturaliza o sagrado
como dotado de concepções de poder e de gênero, binários, hierárquicos e patriarcais na
generificação dos sujeitos tidos como homens ou mulheres.
A imagem, para alcançar sua eficácia, precisa ser interpretada, de um(a)
espectador(a) que compartilhe dos códigos simbólicos carregados por ela, seja a partir de
uma determinada cultura, linguagem, de um contexto social, assim:
15
Compreendemos que indica algo que embora nem sempre remeta ao visível,
toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende da
produção de um sujeito, imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que
a produz ou reconhece (JOLY,1996:13).
Cabe, aqui, pontuar historicamente quais os efeitos destas imagens sacras vistas e
observadas, até mesmo veneradas sobre os corpos femininos? Quem são as mulheres do
presente que freqüentam estas igrejas? É possível encontrar espaços de resistência, ruptura
com discurso religioso sobre a sexualidade, refletido e corporificado nas práticas e corpos
dessas mulheres? Qual a relação do espaço da Igreja com o imaginário, a sexualidade e o
corpo destas mulheres em suas práticas cotidianas? Que corpo feminino é representado nas
imagens sacras e vitrais femininos? De que forma estes corpos sacros ainda inscrevem o
discurso religioso sobre a mulher no tempo presente?
Para buscar compreender estas questões acerca dos discursos sobre o corpo
feminino, (ou melhor compreendê-las), primeiramente, foi feita uma leitura das obras
consideradas fundamentais da doutrina cristã, como A vida cristã; A cidade de Deus,
Confissões, de Santo Agostinho, da Bíblia Sagrada, da Carta Apostólica Rosarium Virginis
Mariae do Sumo Pontífice João Paulo II de 2002, da Carta Encíclica do Papa Pio XII,
Sacra Virginitas de 1954, do Concílio Ecumênico do Vaticano II. Em seguida, foi
realizada uma análise histórica dos registros e documentos da época de construção das
igrejas de Florianópolis pesquisadas e as características de seus vitrais e imagens sacras
femininas.
Percebendo a relação de devoção e o significado das imagens sacras para seus(suas)
fiéis como processos históricos e do presente, em um primeiro momento da pesquisa foram
observadas e fotografadas as imagens dos vitrais e das santas das igrejas investigadas e,
então, analisadas e classificadas quanto ao tipo de imagens, autor da obra e sua análise
16
iconográfica. Também verificou-se a data de criação e chegada destes vitrais nos arquivos
das igrejas. A partir daí, pesquisou-se, através de livros da história de Florianópolis e de
suas Igrejas, tais como: Oswaldo Cabral em Nossa Senhora do Desterro, Débora Lima em
As igrejas e capelas de Florianópolis: séculos XVIII e XIX, Élio Serpa em Igreja e poder
em Santa Catarina; e em Jornais como: A Fonte, A Época e O Apóstolo, quais eram os
costumes, rituais e práticas da sociedade e das mulheres desta cidade, na época da chegada
destas imagens nas igrejas, bem como os costumes e acontecimentos religiosos da cidade.
Compreender, desta forma, quais as permanências, rupturas e transformações das práticas
de devoção dos(as) fiéis com as imagens sacras e a relação das mulheres com a igreja
católica de Florianópolis e sua religiosidade.
Além das análises dessas leituras, foram realizados questionários e colhidos
depoimentos orais com as mulheres que freqüentam cotidianamente as três igrejas de
Florianópolis atualmente. Os questionários combinaram perguntas quantitativas e
qualitativas e, de certa forma, forneceram vestígios potencialmente instigantes para que se
pudesse pensar a história dessas mulheres, principalmente, nas relações de suas histórias às
das imagens sacras, suas produções de sentido e interpelações de suas memórias, bem
como o trajeto social das entrevistadas, relativas a origem social, inserção profissional e
renda familiar, idade, número de filhos(as), engajamento na Igreja, casamento, idade,
virgindade etc.
A partir disto, foram traçadas relações entre as entrevistas e as imagens sacras
femininas citadas, e o discurso religioso católico, analisando sua permanência, conflito,
tensões e reformulações por parte dos conceitos de sexualidade, casamento, virgindade das
mulheres do presente, o reconhecimento e encarnação destas imagens em suas fiéis.
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Foram entrevistadas, nesta pesquisa, um total de 35 mulheres, 15 na Catedral
Metropolitana de Florianópolis, 10 na Igreja São Francisco e 10 na Igreja Santo Antônio,
sendo que todas freqüentam as igrejas mais de vinte anos, entre 35 a 65 anos, passando
este costume para outras gerações de mulheres de suas famílias. As perguntas do
questionário (em anexo) e os depoimentos apresentados, no decorrer do texto, foram
realizados no interior destas igrejas, com diferentes mulheres, sendo, as respostas
registradas pela própria entrevistadora a pedido delas, ou anotadas pelas entrevistadas no
próprio questionário. Em ambos os casos, as respostas foram concedidas de acordo com o
termo de livre consentimento assinado pelas entrevistadas. Foram estas as igrejas
escolhidas para a realização dos questionários e a análise das imagens, por possuírem um
grande acervo histórico de imagens sacras e por serem as mais freqüentadas no centro da
cidade de Florianópolis, segundo dados de arquivos históricos das próprias Igrejas e da
cidade.
Tem-se como referencial teórico desta pesquisa os Estudos Culturais e de Gênero,
em que o corpo passa a ser compreendido como um artefato social e histórico, e não mais
como uma mera entidade biológica, ou seja, agora articulado como um construto social,
cultural e político, historicamente produzido, multifacetado, um conjunto de signos, de
representações que, por meio de diferentes estratégias buscam fixar uma identidade sobre
ele. Para analisar as práticas discursivas e os dispositivos da sexualidade construídos pela
Igreja Católica com seus documentos oficiais sobre o corpo da mulher, através de seu
controle, produção e disciplina, foram utilizados, como instrumentos de análise teórica, as
ferramentas analíticas de Michel Foucault, como disciplina e controle. E, ao mesmo tempo,
como o poder faz parte destas técnicas, ocorrem as práticas de resistência também
18
evidenciados historicamente pelos usos dos corpos, identidades e sexualidades forjadas
pelas mulheres.
Entendendo a imagem enquanto forma de representação de um discurso que produz
sua eficácia nas formas de recepção em seus(suas) interlocutores(as) e para a análise e
leitura das imagens utilizou-se a metodologia da semiótica de Martine Joly. O uso das
imagens no percurso da história também serviu como objeto de devoção, persuasão, prazer,
medo, disputas, o que possibilita percebê-las como instrumentos de uma religião, crença,
cultura, que a transformaram em evidência histórica da experiência com o sagrado
(BURKE,2004).
Compreender as relações de gênero como pertencentes aos discursos de ordem
social, cultural e religiosa, permite, entender não somente a posição das mulheres, em
particular, mas também a relação entre sexualidade e poder dos atores envolvidos, sejam
eles masculinos ou femininos; onde nero torna-se uma categoria histórica, com imagens
e representações datadas e contextualizadas. Discursos compreendidos além de um
conjunto de signos e significados que se referem a determinadas representações, mas
também, a “práticas que formam, sistematicamente, os objetos de que falam”
(FOUCAULT, 1995:56).
O estudo da história, a partir do uso da categoria de análise de gênero como suporte
teórico para investigação, permite-nos compreender como os diferentes discursos sobre as
mulheres e homens foram sendo gerados e como participam dessas formações discursivas,
enfocando “as tensões e as contradições que se estabeleceram em diferentes épocas”, entre
as mulheres e seu tempo, “entre elas e a sociedade nas quais estavam inseridas” (DEL
PRIORE,2005b:235).
19
O desafio dos(as) historiadores(as) que utilizam a categoria gênero como
instrumento de análise histórica, está em superar os limites de uma história das mulheres,
pois embora possam parecer sinônimos, não o são. não é suficiente demonstrar que as
mulheres tiveram e têm história, e que elas estão presentes nos principais momentos da
história da humanidade. O estudo da história das mulheres e suas práticas religiosas
contribuem para superar a lógica binária e patriarcal da Igreja Católica, atribuída às
diferenças e à mulher, celebrando a história das mulheres enquanto política de
reconhecimento de um grupo com suas histórias de conflito, silêncios, enfrentamento e
transgressão. Na ótica de Scott, trata-se de um desafio teórico, “isso exige uma análise não
apenas da relação entre a experiência masculina e a experiência feminina no passado, mas
também da conexão entre a história e a prática presentes” (1995:74), ou seja, poder
participar do tempo presente, olhá-lo, questioná-lo e poder torná-lo provisório, decifrando
os componentes do passado que contribuíram para promover uma hierarquização ou
sistemas de dominação atuais.
Nesse sentido, penso que o(a) historiador(a) do tempo presente tem o privilégio de
estar mais próximo(a) de suas fontes e de utilizá-las dentro de processos de classificação,
aproximação, bem como de cruzamentos que lhe permitem observar sua diversidade e
ampliar seu campo de investigação e de documentação. O estudo sobre o tempo presente
implica perceber a história em um movimento intenso e inacabado, sendo que o(a)
historiador(a) encontra-se imerso(a) no processo vivido e compartilhado pela pesquisa.
Processo este que comporta riscos, mas que na esteira das novas abordagens e domínios da
História Cultural, produz uma versão dos acontecimentos vividos que sempre poderá ser
revisitada, reinterpretada e (des)construída. Outro desafio é perceber a época e
circunstância que um conceito, por exemplo, é construído e quais novos sentidos ele
20
adquire dentro da temporalidade, suas expectativas, contradições, reformulações e
permanências.
A pesquisa como processo social e histórico, em que cada pesquisador(a) traça seu
caminhar, não está na busca de uma verdade única, porque as verdades são produzidas em
diferentes épocas, contextos, lugares e de diferentes modos, através das coisas que
fazemos, dizemos ou pensamos e que são efeitos de práticas discursivas. Assim, também,
este não é o único modo possível de olhar o corpo e para as representações que se fazem
em torno dele, através das imagens sacras femininas e dos vitrais das igrejas investigadas e
suas formas de apreensão e recepção nos corpos das mulheres, mas uma possibilidade de
se fazer a análise dessas imagens, hoje, através do olhar das mulheres.
Devemos olhar para a história como formadora desses sujeitos, compreender como
ela vai nos tornando o que somos. Para Foucault (1979), é preciso historicizar o
conhecimento, como e por quem ele foi inventado, dentro de relações de poder, jogos de
força, através da história, pois ela, assim “como o saber e a vida é jogo, agonia, é sorte, é
mascarada, é desfalecimento, é corte, é sofrimento e é alegria, é riso e é dor”
(ALBURQUERQUE JR,2004,79).
Nosso cotidiano é demarcado por relações de poder visíveis ou não, que atuam
através de estratégias que nos impõem regras, transformando-se em dispositivos. Estes, por
sua vez, atuam pelas práticas sociais, culturais e religiosas. A religião também possui uma
origem poética, paradisíaca, pois ela foi fabricada pelo poder da palavra, prega asceses
purificadoras dos corpos e das almas, baseadas na vigilância e na confissão das práticas e
desejos corpóreos. Uma invenção poderosa, conflituosa e obscura, carregada de imagens
poéticas e artísticas que disciplinam o corpo e a alma do sujeito. Enquanto construção
social, a religião apresenta-se como um complexo sistema de trocas simbólicas na qual as
21
desigualdades sociais e as identidades são negociadas cultural e socialmente, participando
do universo de símbolos e significados que definem o seu teor e conceitos sacros
(BRANDÃO, 1988).
A arte da disciplina, segundo Foucault (1996), relaciona-se com a distribuição dos
sujeitos no espaço, no exercício do poder realizado pelas instituições e que deixa marcas
nos corpos em sua maneira de agir, comportar-se, falar e desejar. As disciplinas são
técnicas discretas, procedimentos efetivados pelo olhar hierárquico da sanção
normalizadora que se combinam produzindo o exame. A vigilância generalizada irá formar
uma sociedade marcada pela observação.
O corpo disciplinado foi inventado pela sociedade do espetáculo que o utiliza,
produz e reproduz como objeto útil, necessário e obediente, ao corpo se manipula, se
modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”
(FOUCAULT,1996:117). A punição efetiva, antes somente sobre o corpo, evidenciando
suas entranhas, agora age sobre a alma, a conduta, assim, é a vida que surge como novo
objeto de poder da sociedade de controle.
É preciso corrigir, reeducar-se, purificar-se através de técnicas disciplinares para o
bem-estar da sociedade, sob o velho mito “conhece-te a ti mesmo”, para saber de suas
obrigações e punições. Pois, “para que o autoconhecimento seja possível, então, se requer
uma certa exteriorização da própria imagem, um algo exterior, convertido em objeto, no
qual a pessoa possa ver a si mesma” (LARROSA,1995:59).
São essas marcas, códigos, práticas, saberes que se inscrevem sobre os corpos que
se pretende investigar aqui, a partir das imagens sacras femininas e dos vitrais das igrejas.
Faz-se aqui, o esforço de interpretar e analisar essas imagens, as suas formas de recepção e
encarnação, buscando compreender o modo como as mulheres elaboram e produzem
22
sentidos sobre as imagens sacras no presente. Pois elas possuem uma função simbólica e
estética que produz sensações, emoções, subjetividades em sua iconografia, história e
contexto. E, ao utilizar textos e imagens como fontes, percebê-los como traços portadores
de significados que oferecem possibilidades de perguntas, de análises, interpretações, de
problematizar o presente e as questões que lhe são inerentes. Como, por exemplo,
investigar as formas de devoção as imagens sacras femininas, suas histórias e a
representação artística de seus corpos no presente, mesmo com todo apelo atuais de
imagens de corpos protéticos, cibernéticos etc. E ainda, apesar da produção cultural e
tecnológica da individualidade, as mulheres; aqui pesquisadas, ainda buscam afetividades e
individualidades e é no espaço da Igreja que elas encontram isso.
Entre os significados e as intenções do(a) emissor e a forma de leitura e
interpretação do(a) receptor, uma linha tênue que permite a releitura do discurso e a
criação de representações próprias por parte do(a) receptor(a). Assim, “as significações
múltiplas e móveis de um texto dependem das formas por meio das quais é recebido por
seus leitores” (CHARTIER,1991:178), a construção de sentido, seja na leitura e escuta de
um texto, discurso ou do olhar sob uma imagem, é o resultado de um processo
historicamente determinado; cujos modos e modelos variam de acordo com os tempos,
espaços e comunidades.
O ouvir, o ver e o observar estiveram em constante conexão no trabalho de campo,
buscando compreender, através das falas, silêncios, gestos, olhares, suspiros das
entrevistas, suas histórias e relação com as imagens sacras,
Através da sensibilidade e da intuição, de uma escuta de caráter imediato, não
somente passando pela mediação do pensamento, mas realizando-se. Isso vale
tanto para quem fala quanto para quem escuta. (...) O entrevistado tece seu
discurso com gestos, acentos, tonalidades, silêncios e reticências. (MELLO,
2004:58).
23
Os silêncios serão compreendidos aqui de acordo com Orlandi (1995:13), como “a
respiração (o fôlego) da significação, um lugar de recuo necessário para que se possa
significar, para que o sentido faça sentido. Eles são o reduto do possível e do múltiplo”. Os
relatos orais possuem silêncios que podem se tornar fonte de escuta, revelando medos,
lutas, prazeres individuais pertencentes a experiências subjetivas divididas em
determinados momentos ou lugares, assim,
(...) é a história, colocando seu passado e seu futuro no presente. Cada
entrevistado expressa o mundo, os outros, a existência, seus amores, suas
revoltas, seu desespero de um modo particular e único. Compreender seu
pensamento é penetrar na sua vida, em seu estar nele corporificado. Para escutar
esse Ser corporificado que se imbuir e se impregnar de suas palavras e gestos
(MELLO, 2004:58).
Essa escuta também faz parte da experiência do(a) entrevistador(a), de sua
subjetividade, de memórias e experiências que o aproximam temporalmente e
culturalmente do(a) entrevistado(a), podendo assim, resgatar experiências e vivências
individuais para as apromixar, confrontá-las em um determinado grupo social. Neste caso,
uma mulher entrevistando mulheres tem suas especificidades, autonomia e vivências
comuns, mas, ao mesmo tempo, não devem ser universalizadas ou naturalizadas.
O(a) entrevistador(a) deve perceber nas histórias cotidianas, entre o dito e o o
dito, a diversidade de representações, permanências e mudanças na história do tempo
presente, acerca dos modelos de feminino. Fala-se, aqui, de mulheres e de mulheres do
nosso cotidiano, pois “é contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e
o sentido que atribuímos ao que nos acontece, que damos a nós próprios uma identidade no
tempo” (LARROSA,2002:45). Identidades reveladas pelos seus relatos e depoimentos
orais, articulados com as fontes visuais e escritas da religião católica, pois,
24
[...] escrever um trabalho situado no presente não significa isolar os seus objetos
de estudo num espaço e tempo determinados. (...) É justamente a possibilidade
de lidar com o instante e ao mesmo tempo inscrever o trabalho na duração que o
legitima como histórico(SILVA,2006:271).
E que também é político, resgatando fragmentos de falas e gestos que constituem a
identidade de um grupo e lhes atribui um significado social e original.
A partir dos relatos orais, dos discursos sobre os fragmentos da vida, das
experiências é que se pode compreender e transitar entre as identidades daquelas que
parecem viver anônimas no interior das igrejas, sejam elas donas de casa, viúvas, solteiras,
casadas, empregadas, estudantes, ricas, pobres, mães, brancas ou negras. Compreender,
através das evidências e discursos das entrevistas, além do que é naturalizado, a trajetória
de um grupo social determinado, mulheres que se encontram na Igreja e que também
fazem parte da história das mulheres de Florianópolis.
É na pesquisa de campo, diz, metaforicamente, Fonseca (1992:44), que é necessário
dar voz ao método, pois o(a) pesquisador(a) é aconselhado(a) a captar “sua carne e seu
sangue”, ou seja, aproximar-se da vivência das representações de sexualidade dessas
mulheres para ir em busca de discursos que vão além de comportamentos padronizados e
estereotipados.
Historicizar a experiência possibilita evidenciar suas marcas, formas de
representação, pois, “quem narra suas lembranças, recria e comunica experiências
marcadas pelas diferenciações estabelecidas pelas construções de gênero”
(PISCITELLI,1997:347). Sendo que as narrativas das mulheres entrevistadas contribuem
para produzir a realidade de um grupo, suas relações e interações cotidianas.
O estudo sobre o funcionamento, as relações de um grupo cria possibilidades para
que se encontre nos silêncios, nos gestos, nos olhares, outra forma de reescrever a história,
25
desconstruindo-a e tornando-a provisória. A construção das identidades de um grupo se
a partir dos contextos sociais dos quais ele emerge, a partir das múltiplas relações sociais
que o delimitam e o produzem, explorando seus acontecimentos, instabilidades e
diversidade de representações.
Os capítulos dessa dissertação foram organizados com o objetivo de recriar partes
de uma missa, proporcionando a manifestação e a prática da devoção em uma cerimônia
coletiva, formada pela soma das orações individuais (LEBRUN,1991:73). Realizando,
desta forma, um percurso histórico entre o místico, o sagrado, o profano, o proibido;
demarcado por desejos, sons, cheiros, gestos, narrativas de mulheres do nosso presente.
A parte denominada “Primeira Leitura”, no primeiro item, apresento o percurso
percorrido pela pesquisa de campo, o encontro com as fontes e o trajeto traçado pela
pesquisadora e a reflexão sobre as mesmas. No segundo item deste capítulo, busco
entender e problematizar o quanto espaços sagrados como o templo religioso católico e
suas imagens sacras o transpassados por relações de poder, produzindo o imaginário
social do que significa ser uma devota católica, sua aproximação política com instituições e
o Estado, investidos de poderes econômicos, históricos e culturais dentro do espaço
urbano.
Na “Segunda Leitura” tem-se a preocupação em apresentar o corpo feminino como
lugar de investigação histórica, através da sua emergência nos discursos científicos,
biológicos, higienicistas, normalizadores e disciplinadores que o produziram como ideal ou
anormal, seja silenciando-o, amaldiçoando-o, negando-o ou celebrando-o em um processo
de conflitos, rupturas, sobrevivências e transformações ao longo do tempo. Serão
analisadas, também, as representações do feminino, vislumbradas através do discurso
católico de exaltação a Maria e dos documentos oficiais publicados pela Igreja Católica. O
26
ideal de virgindade e casamento propostos por este discurso normativo, operando como
uma forma de controle da sexualidade e do que é tido como pecado ou erótico, e os
símbolos de devoção e castidade e sua relação com as imagens sacras femininas e as falas
das mulheres entrevistadas, através de sua permanência ou ressignificação, produzindo
identidades e representações de modelos do ser feminino em determinados contextos
históricos.
É importante ressaltar que esta dissertação não teve por objetivo fazer um estudo da
Igreja Católica, mas analisar as imagens sacras como um de seus discursos normativos e
que, por conta disso, engendram hierarquias de gênero. O termo Igreja significa, para este
estudo, a hierarquia clerical ligada diretamente ou indiretamente ao Bispo de Roma, que
teve por objetivo controlar a sociedade, tanto no âmbito do poder espiritual quanto no
âmbito temporal, por meio de sínodos e concílios, pelo uso do direito canônico, intervindo
tanto no ocidente quanto no oriente, apoiando ou se opondo aos poderes seculares.
Em “A Celebração” serão trabalhados os discursos encontrados nas entrevistas,
através dos relatos, gestos e olhares das mulheres, identificando de certa forma, corpos que
questionam e subvertem a uma determinada ordem, moral, disciplina e que se constituem
em uma forma de poder do ser feminino deste grupo de mulheres, bem como a relação de
suas falas com as imagens sacras femininas enquanto um discurso visual que produz
reflexos nos corpos e práticas de devoção dessas mulheres. Entendendo que o poder se
efetua e funciona em rede, onde se encontra também a multiplicidade de mecanismos de
resistência, compondo uma rede de antidisciplina (CERTEAU,1994:41).
Cabe destacar que as imagens apresentadas, aqui, são ilustrativas e se constituem de
outra forma visual daquela observada na prática pelas mulheres nas igrejas, ou seja, aqui
estas imagens são fotografias que compõem a análise da pesquisa. O olhar da fotógrafa,
27
apesar de mulher, branca, católica, casada, também produzida e demarcada por esses
discursos, foi o de pesquisadora, diferentemente do ângulo e perspectiva do olhar das
mulheres que veneram e cultuam essas imagens.
28
1. PRIMEIRA LEITURA
Disse o Senhor a Moisés: No primeiro dia do primeiro mês,
levantarás o tabernáculo da tenda da congregação. Porás, nele, a
arca do Testemunho e a cobrirás com véu. Porás o altar de ouro
para o incenso diante do Testemunho e pendurarás o reposteiro da
porta do tabernáculo. Porás a bacia entre a tenda da congregação e
o altar e a encherás de água. E tomarás o óleo de unção, e ungirás o
tabernáculo e tudo o que nele está, e o consagrarás com todos os
seus pertences; e será santo. Ungirás também o altar do holocausto
e todos os seus utensílios e consagrarás o altar; e o altar se tornará
santíssimo. Vestirás Arão das vestes sagradas, e o ungirás, e o
consagrarás para que me oficie como sacerdote (Êx 40, 2-13).
29
1.1
PERCURSOS DE UMA PESQUISA(DORA)
Quando o sino toca, elas caminham em direção às Igrejas, sobem suas escadarias
segurando seus terços, Bíblias, pequenos crucifixos, santos(as), e carregam, na bolsa,
batons, espelhos, escovas de cabelo etc. Ao observar a rotina dessas mulheres no interior
das igrejas, onde se sentavam, que santas mais observavam e tocavam, como se vestiam,
com quem conversavam, pôde-se perceber que formavam um grupo, constituído por
características próprias como idade, aparência, classe social, escolaridade.
Aos poucos fui compartilhando um espaço nos bancos onde elas sentavam,
conversando sobre suas histórias de devoção, religiosidade, até que elas se sentissem à
vontade para registrar suas falas, desejos e confidências. Compreendeu-se que levam na
alma o pedido de uma graça, a saudade de um(a) ente falecido(a), a vontade de rezar, o
desejo de se confessar, comungar, tocar nas imagens sacras, serem purificadas. Ao mesmo
tempo, querem conversar, cantar, serem ouvidas com atenção, sorrir e até se emocionar.
Trocam lembranças, saudades, histórias de vida, desejos, experiências plurais e diversas
com um laço comum: são mulheres, mas mulheres católicas que freqüentam as igrejas no
presente; neste caso, “ser católico praticante acentua no fiel, traços de prática e de uma
identidade de católico, reconhecendo-se na religião por participar da Igreja” (BRANDÃO,
1988:53).
Também pôde-se conhecer melhor as igrejas e o próprio discurso religioso católico,
ao penetrar nos templos para registrar fotos das imagens sacras e dos vitrais, observando
sua arquitetura, sua simplicidade e, ao mesmo tempo, sua magnitude e riqueza.
30
Percorri escadarias, subsolos da Catedral em conversas com o Padre, que contou
histórias da cidade e dos(as) fiéis. Assisti às missas, fiz amizades, até comunguei. Poderia
ser eu uma fonte da minha própria pesquisa?
Por mais que estivesse tomada e encantada pela pesquisa, tive de encontrar a
distância necessária para a perceber em um processo histórico e discursivo, lançando
olhares que a tornassem múltipla, com diferentes significados e interpretações, exercendo a
experiência de pesquisadora para desvelar as relações de poder sob o objeto ao longo da
história e seus vestígios e conseqüências até o presente.
O traçado na cidade, as histórias das Igrejas investigadas, o caminho percorrido em
busca das fontes será descrito a seguir, com inspiração de outras disciplinas como da
etnografia e da antropologia que contribuíram no decorrer da pesquisa sob o olhar da
pesquisadora. O que em outro momento poderia ser aprofundado em um trabalho de campo
com maior abrangência, o que talvez revelaria a subjetividade e as práticas cotidianas
dessas mulheres em seus lares e outros afazeres. Buscou-se, portanto, uma certa inspiração
antropológica, apenas inspiração porque não foi feito exatamente um trabalho de cunho
antropológico e sim histórico. Contudo, em determinados momentos, apropriou-se da
“descrição densa” de Geertz; assim ao caminhar pela cidade, ao entrar nas Igrejas me vi
observando, analisando as pessoas, as imagens, os detalhes, os rituais, buscando interpretá-
los, explorando os seus significados produzidos nas relações estabelecidas em cada
contexto e tempo, ou seja, seus sinais culturais. Desta forma, também não tive a intenção
de ser a porta-voz da realidade observada e compartilhada, mas realizar uma mediação das
cenas apresentadas, pois elas não se constituem, aqui, em uma única verdade, do que de
“fato” acontecia em uma cópia fiel da realidade, mas na sua apropriação significativa para
ampliar a compreensão de suas redes discursivas e espaços de poder. Procurou-se exercer
31
uma certa suspeita sob o observado, em torno daquilo que se apresentava como “natural”
ou cotidiano, buscando compreender de que forma e através de que meios as narrativas da
mulheres foram naturalizadas.
Subindo as ladeiras e esquinas das ruas do centro da cidade, passando pelas índias
amamentando seus(sua)s filhos(as) nas calçadas, pelos homens jogando o tradicional
dominó nos bancos das praças, pelo vai e vem de pessoas pelas lojas, chegamos às
escadarias da, hoje, chamada Catedral Metropolitana de Florianópolis, localizada em frente
à Praça XV de novembro.
No passado, antes da sua criação, Padres Jesuítas, Franciscanos e Carmelitas
prestavam assistência e auxílio religiosos aos(as) moradores(as) da ilha. Neste local
concentrava-se a vida econômica, política e social de Desterro
1
, pois ao seu redor se
encontram palácio Cruz e Souza desde 1979, a Casa do Governo que Silva Paes construíra,
a Câmara e a cadeia, antigas e tradicionais casas da ilha (CABRAL,1979).
Segundo alguns dados históricos, antes da chegada de Francisco Dias Velho, por
volta de 1651, havia uma pequena capela neste local. Em 1679, Dias Velho
providenciou que fosse erguida uma igreja em homenagem a Nossa Senhora do Desterro,
então padroeira do município. A igreja foi projetada por José da Silva Paes, o primeiro
governador da antiga Capitania. Um alvará de 1712 cria a Paróquia Nossa Senhora do
Desterro e, somente em 1773 sua construção é concluída
2
.
O primeiro casamento foi celebrado pelo Frei Agostinho da Trindade, em 1714, e o
primeiro batizado em 1715 pelo frei Tomé Bueno. Em 1823, a Vila Nossa Senhora do
1
A capital do Estado de Santa Catarina possuía o nome de Desterro ou, Nossa Senhora do Desterro. A partir
de 1894, porém, passou a se chamar Florianópolis em homenagem à Floriano Peixoto, como conseqüência da
Revolução Federalista (NECKEL,2003).
2
Disponível em http://cat.arquifloripa.org.br.
32
Desterro foi elevada à categoria de cidade. No primeiro governo de Hercílio Luz (1894),
Desterro passou a chamar-se Florianópolis em homenagem a Floriano Peixoto (A
NOTICIA,2004:8-9).
Nossos olhos se elevam ao observarmos sua torre, com uma função simbólica,
alegórica e urbanística que carrega toda sua força e simetria para cima. É em torno dela
que a cidade se constitui e em um horizonte circular. Em 1897, foi instalado na torre da
Igreja Matriz um relógio vindo da Alemanha. Aos trinta dias de maio de 1902 foi bento o
grupo de imagem em madeira talhada à mão, vindos da Áustria, chamado “Fuga para o
Egito”. Com a criação da Diocese de Florianópolis em 1918, a Igreja passa à condição de
Catedral. Quanto ao termo catedral, “por definição significa a igreja do bispo, portanto, a
igreja da cidade” (DUBY,1993:99). Em 1922, passa por uma grande reforma e ampliação,
quando também, neste ano, chega da Alemanha o conjunto de sete sinos, sendo o maior da
América do Sul. Os vitrais foram confeccionados em São Paulo em 1949 (LIMA,1984).
Na Catedral atuam grupos de assistência social e filantrópica mais de cinqüenta
anos como a Associação de Santa Zita que trabalha com empregadas domésticas, dando-
lhes assistência jurídica; o grupo Narcóticos Anônimos, Grupo Damas da caridade que
auxilia moradores(as) de rua; a Sociedade Vicentina subdividida em Grupo Masculino e
Grupo Feminino que arrecadam agasalhos e a Proteção ao Berço, que presta cuidado às
crianças cujas mães trabalham
3
.
A Catedral possui, ao todo, sete altares, o da capela-mor de 1753, da capela do
Santíssimo, da Capela Nossa Senhora das Dores, dois do arco do cruzeiro com a Imaculada
Conceição e o Sagrado Coração e dois altares laterais, de São José e de Sat´ana. Todos
3
Disponível em http://cat.arquifloripa.org.br.
33
bem decorados, demonstrando a riqueza da arquitetura e dos detalhes empregados na sua
elaboração.
Em 1930, foi expedido o segundo regulamento para o toque dos sinos, por Dom
Joaquim:
Um sino tocará as Ave-Marias. O menor do Carrilhão anunciará, por meio
minuto, as Missas de cada dia. O segundo do mesmo Carrilhão anunciará, com
os devidos intervalos, as funções religiosas da noite, pelo mesmo espaço de
tempo. Todos, menos o maior, tocarão aos sábados e vésperas de dias santos, ao
meio-dia e às seis horas da tarde, e aos domingos e dias santos, e às seis horas da
manhã, por tempo de três minutos. O Carrilhão tocará nas vésperas e dias de
grande solenidade, à meia-noite de 31 de dezembro e por ocasião da chegada, à
Catedral, do Prelado Diocesano (LIMA,1994:51).
Um grande evento programado pela Catedral, ainda hoje, é a festa de Nossa
Senhora do Desterro, no mês de maio próximo ao dia da Padroeira.
Na parte superior da igreja, à esquerda, o grande vitral central é referente ao
Puríssimo Coração de Maria, ladeado pela Imaculada Conceição e a Encarnação do verbo.
A Catedral é patrimônio histórico tombado pelo município e pelo Estado de Santa
Catarina.
No presente, a Catedral é uma das igrejas mais visitadas na cidade, recebendo cerca
de 300 pessoas por dia, segundo dados dos arquivos e do site desta igreja. passou por
reformas e ampliações que contribuíram para se tornar um ponto turístico da cidade,
atraído por sua beleza e obras históricas. Em frente, encontra-se, desde 1891, a figueira
centenária, com a superstição de que a mulher deve dar três voltas ao seu redor para
conseguir um marido.
34
Ilustração 1- Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007
4
4
Imagem disponível em http://cat.arquifloripa.org.br.
35
Percorrendo a cidade em direção ao Mercado público, pelas calçadas em estilo
açoriano, pelos(as) vendedores(as) ambulantes, por praças, lojas que vendem utensílios e
roupas, bem como objetos da cultura da cidade, chegamos a outra Igreja muito tradicional
na cidade que é a de o Francisco. Em 1745, foi constituída a Ordem Terceira de São
Francisco, com o trabalho inicial feito pelo Irmão Alexandre de Santa Cruz, o qual
solicitou ao Padre Provincial que cedesse um espaço na Igreja Matriz de Florianópolis,
localizada em frente à Praça XV de novembro. E ali se constituiu a sede da capela São
Francisco de 1745 a 1815 (SOUZA,1981).
Em 1803, ocorreu a solenidade de lançamento de sua pedra fundamental, no terreno
doado por Domingos Francisco de Araújo, com frente para a Rua dos Quartéis, atual Rua
Deodoro no centro da cidade. Segundo Cabral (1979:419), essa cerimônia ocorreu da
seguinte forma:
A procissão é pobre, não música, nem mesmo cânticos, acompanhada pelo
povo que balbuciava as suas preces. Desce o Largo, entra pela Rua dos Moinhos
de Vento, chega até a rua Nova dos Quartéis, onde já estava armado um altar em
que foi depositada a pedra, aos s do Santo Lunho. Os sacerdotes cumprem as
fases do ritual, benzem-na, fazem as aspersões, incensam-na, recitam as orações
prescritas.
Somente em 1815, a Igreja foi considerada concluída, sendo que a mudança da
Matriz para a nova sede se deu em 1851.
Atualmente, a Ordem Terceira de São Francisco é responsável pelo atendimento de
sete instituições de caridade, portadores de Aids, tuberculose, jovens carentes e recém-
nascidos, moradores do bairro Monte Cristo. Entre as instituições vinculadas ao lar estão: o
Lar dos idosos de São Francisco, Casa de Oração, Berçário Santa Clara. Antigamente,
36
também realizavam enterros e sepultamentos, quando em 1925 foram transferidos para o
cemitério de São Francisco, no Itacorubi (Jornal A Notícia,199:7-8).
As primeiras imagens que a Igreja São Francisco recebeu foram a de Cristo e São
Francisco de Paula, em 1771, doados por um devoto. Em 1789, a de Nossa Senhora da
Conceição; as posteriores datam do século XIX, os sinos são de 1819(SOUZA,1981:88).
Ao longo de duzentos anos, a igreja sofreu poucas intervenções e reformas,
mantendo seu estilo barroco mesclado com o neoclássico. No seu interior encontra-se o
colorido original das paredes, a delicadeza e simplicidade do altar e diversidade de
imagens sacras. Possui poucas janelas, o que torna o ambiente escuro, iluminado somente
pelas velas acesas pelos(as) fiéis e por uma senhora de 62 anos, responsável por abrir,
cuidar e pela venda de objetos religiosos no interior da Igreja.
Localizada no centro da cidade, é ladeada pelo comércio e pelo movimento de
pessoas que cruzam sua fachada. Em frente à entrada principal, crianças de indígenas,
idosos(as), cadeirantes e outros portadores de necessidades especiais, que ficam
diariamente pedindo esmolas, talvez por terem a idéia de que os(as) fiéis da Igreja o
caridosos(as) e solidários(as).
37
Ilustração 2- Igreja São Francisco. Florianópolis.2007
5
5
Imagem disponível em http://www.skyscrapercity.com.
38
Saindo da Igreja São Francisco e indo para a direção oeste da cidade, passando por
árvores, pombos, subindo ruas íngremes, chega-se a um dos pontos mais altos da cidade
onde está a Igreja Santo Antônio, localizada na rua Padre Schuler.
Em 1908, os Padres Franciscanos que residiam em um anexo da Igreja São
Francisco construíram a Igreja Santo Antônio. Em 1966 foi criada a Paróquia Santo
Antônio, através de decreto Arquiepiscopal, assinado por Dom Afonso Niehues. Esta
Igreja possui como associações de assistência à comunidade, o movimento Mãe
Paroquiana, Legião de Maria, Alcoólicos Anônimos, Al-Anon, Comedores compulsivos
anônimos e Narcóticos Anônimos. Há cerca de 50 anos, foi construído no mesmo terreno o
convento franciscano com o Centro de Atividades Pastorais
6
.
Inspirada em modelos românticos, as janelas são alongadas em arco, com tradição
medieval. Possui um jardim na entrada lateral da igreja, lembrando o claustro medieval. No
seu interior, segue-se o modelo neo-romântico, com janelas altas, compostas por vários
vitrais que conferem uma luminosidade mística a todo o ambiente (SILVA, 2002:38).
É menor que as outras Igrejas, decorada com simplicidade, mas com obras sacras
que atraem pelo colorido e disposição. Na entrada lateral, uma senhora de 65 anos
responsável pelo atendimento da secretaria da Paróquia.
6
Disponível em http://san.arquifloripa.org.br
.
39
Ilustração 3- Igreja Santo Antônio. Florianópolis.2007
7
7
Imagem disponível em http://san.arquifloripa.org.br
.
40
Ao transitar pela cidade, pelas suas Igrejas com suas histórias, cores, texturas, sons,
luminosidades, através de um olhar de estranhamento sobre isto, compreendi que era
necessário estudar o estudo das imagens sacras na longa duração da cultura cristã,
analisando tanto suas formas iconográficas como suas funções e usos nos contextos e
práticas sociais, políticas, culturais. Refletindo-se sobre suas formas de encarnação e
produção no imaginário do sujeito católico.
41
1.2. O lugar de encontro com as imagens sacras: relações de poder, fé e
devoção no imaginário das devotas
[...] a posição central da igreja ou catedral é a chave do traçado da cidade
medieval; dentro da sua área reduzida, as suas torres ou as sombras que
lançam são visíveis de toda parte, e a diferença de tamanho entre as
paredes elevadas e as pequenas casas que se amontoam na base é um
símbolo da relação entre os assuntos sagrados e profanos
(MUNFORD,1961:64).
A ilha de Santa Catarina foi umas das principais portas de acesso para o Brasil
Meridional, constituindo-se em um ponto estratégico para o Sul e a Bacia do Prata. Os
registros a respeito do povoamento europeu inicial da ilha datam do início do século XVI.
A fundação efetiva de Nossa Senhora do Desterro tem sido narrada como sendo de
iniciativa do bandeirante paulista Francisco Dias Velho em 1672 (CABRAL,1979).
O ponto mais elevado da cidade era de onde partia a construção dos templos
religiosos, para, depois, ser o seu entorno coberto pelas outras construções. O poder
religioso, representado pelas Igrejas nos centros urbanos, produziu a identidade da
sociedade baseada na ordem e nos mandamentos da Igreja Católica, sendo esta a
responsável pela organização de eventos sociais, “exigindo práticas comportamentais,
legitimadas por uma discursividade homogeneizadora correlata aos interesses
governamentais (SOUZA, 1999b:108).
As Igrejas desempenhavam um papel estratégico na cidade, próximas ao mar,
realizavam atividades de assistência social, cultos, procissões, encontros entre os(as)
moradores(as) tradicionais em Desterro; eram lugares para votar ou sessões eleitorais,
assim cada paróquia oficial tinha como sede uma Igreja e,
42
[...]incluía um certo número de casas de residenciais e, com elas, crescia o
número de votantes, que eram os eleitores do primeiro turno. As eleições se
precediam nas sacristias das igrejas, centro espiritual da paróquia. (...) O
Presidente da sessão jurava, após a missa, sobre os Evangelhos, com a mão
aberta sobre eles, depositados no altar-mor. Jurava respeitar a Constituição e as
leis do Império, promover o bem público e cumprir os seus deveres, terminando
por dizer: “Assim Deus me ajude” (CABRAL,1979:445).
As Igrejas também realizavam, nesta época, o registro de óbitos, nascimentos e
casamentos, interferindo na vida social e comunitária como uma forma de promover a
reunião social e a oportunidade de se distrair e divertir.
A Igreja, assim como outras instituições, possui regras e procedimentos estratégicos
para manter e consolidar a organização e a identidade de um grupo social, seja através da
determinação de valores morais, modos de ser e agir em torno de um “mercado lingüístico”
(BOURDIEU,1989), que produz um tipo de sujeito e uniformização social, passando pelo
corpo e pela alma de seus(suas) fiéis. É este discurso sacramental e do divino que a Igreja
busca manter e ao mesmo tempo domesticar, através da constituição de símbolos e práticas
pertencentes à esfera do religioso, que legitima relações de poder hierárquicas e
tradicionais. A experiência com o sagrado move corpos, desejos, o espírito do sujeito que
exerce sua em contato com seu Deus. Para Durkheim (1996:24), “as coisas sagradas são
aquelas que as proibições protegem e isolam. As coisas profanas, aquelas a que se aplicam
essas proibições e que devem permanecer à distância das primeiras”.
O sagrado estaria em oposição ao profano e teria origem na própria vida social, a
relação do homem com sua sociedade, seus valores, dogmas. É através da experiência do
homem com sua realidade que ele obtém a consciência como pertencente a este mundo,
cultura ou religião,
[...] pela experiência do sagrado, o espírito apreendeu a diferença entre o que se
revela como real, poderoso, rico e significativo, e o que é desprovido dessas
qualidades, a saber, o fluxo caótico e perigoso das coisas, as suas aparições e
seus desaparecimentos fortuitos e vazios de sentido (CORREIA, 2002:12).
43
Ao mesmo tempo, essa experiência entre o sagrado e o profano transcende o limite
do que pertence ao real e ao irreal, sendo a religião uma construção social concebida em
um campo de disputas e de discursos construídos na e pela cultura, onde suas “verdades
divinas ou sagradas” são negociadas, dribladas ou rearranjadas.
É nos templos e santuários que se encontra uma realidade diferente da “natural”,
do cotidiano, algo único, que se constitui como pertencente a um lugar sagrado,
reproduzindo o mundo celeste e paradisíaco, onde o tempo parece estacionar e retornar ao
instante da Criação; como nas falas das mulheres, ao responderem sobre seus sentimentos
ao estarem dentro da Igreja:
Me sinto bem, aliviada(L.M .47 anos); Sinto paz ao olhar para as imagens
sacras(A.G.37 anos); Me sinto feliz e tranqüila, diferente da violência do mundo
fora(I.N.53 anos); É um ambiente acolhedor e espiritual(T.A.60 anos);Encontro aqui
silêncio para rezar e ler(D.C.39 anos). Como também, lhes traz paz, amor,
espiritualidade, como se revitalizássemos nossos corpos(L.A.57 anos).
Sentimentos que se complementam no momento do encontro com o mistério, uma
adoração em contraste com o medo que fascina e atrai, seja pelas imagens sacras ou pelo
silêncio do local. O tempo da Igreja exige que não se tenha pressa de rezar, “a escuta e a
meditação alimentam-se de silêncio, após a escuta da Palavra e a concentração no mistério,
é natural que o espírito se eleve para o Pai” (Rosarium Virginis Mariae,2002:15).
Sons e objetos que fazem parte do conjunto de símbolos que produzem o sujeito
católico, desde o momento que ele entra no templo, faz o sinal da cruz, escolhe um lugar
para sentar-se, ajoelha-se em frente à imagem de algum(a) Santo(a).
44
Com a distribuição dos objetos dentro dos santuários, da forma de sua arquitetura,
das suas orações, a Igreja produziu uma linguagem simbólica própria para manter o
espírito do(a) fiel vivo, é “graças ao símbolo, que a experiência individual é ‘despertada’ e
transmudada em ato espiritual” (ELIADE, 1991:227), o que identifica e confere aos(as)
cristãos(ãs) uma doutrina religiosa.
Buscar compreender e desvendar um símbolo coloca o sujeito em um estado de
transcendência mística, pois é através dele que se procura a comunicação e o conhecimento
sobre o sentido do mundo, o que “contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem
social” (BOURDIEU, 1989:10). O símbolo pode se referir tanto a um som, objeto ou sinal
que representam algo importante que está ausente e adquire significado perante uma
realidade cultural que o elabora. É através das práticas culturais que os sujeitos instituem
modos de compreender e representar a si mesmos e a sociedade em que vivem, com a
produção de significados; como a linguagem e os objetos, que ao se apropriarem destes
signos, atribuem valor aos seus sentimentos e ações, situando-se e sentindo-se pertencente
a um grupo (HALL,1997b).
A arquitetura do templo confirma este simbolismo e a representação do lugar como
um espaço do sagrado. A cada passo que o(a) fiel no interior da igreja ele(a) está em
uma parte do “mundo celestial”, sendo que:
[...] as quatro paredes do interior da igreja simbolizam as direções do mundo. O
interior é o Universo. O altar é o paraíso. A porta imperial do altar denomina-se
também porta do paraíso. As quatro partes do interior da igreja simbolizam as
quatro direções do mundo” (ELIADE, 1992:58).
Quanto mais o homem está sob o poder do sagrado, más está à margem de si
mesmo, “o sagrado é o obstáculo por excluir a sua liberdade. O homem se tornará ele
45
próprio quando estiver radicalmente desmistificado, quando tiver matado o último Deus”
(ELIADE,1992:165).
O discurso da Igreja Católica acaba por sacramentar o sagrado afirmando a
autoridade e a permanência do ritual litúrgico. Através deste espetáculo ritualístico, a
sociedade se constitui a partir de um tipo ideal de sujeito e do seu imaginário social e
religioso, com imagens e valores normativos próprios da Igreja e de seu templo, onde “o
imaginário social é uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e
em especial do exercício da autoridade e do poder” (BAZCKO,1985:310). Ao se
ajoelharem, levantarem as mãos, ficarem de em determinados momentos, agradecer e
louvar como fazem as mulheres observadas durante a celebração da missa, elas estão
participando de um ritual padronizado por uma comunidade religiosa.
A sacralização do espaço da igreja vem contrapor o caráter profano em nome da
sociedade perfeita, baseada em valores morais, através de práticas devocionais de
disciplina de seus corpos e almas. A própria Igreja Católica de Santa Catarina incorpora
seu papel político e nacionalizador, na “criação de valores e de projetos de vida que
apareceram como realidades únicas na concretização do novo mundo e na consciência
individual”. Estas práticas de normatização e vigilância podem ser evidenciadas a partir de
1950, quando a Igreja Arquidiocesana de Florianópolis foi responsável pela administração
de hospitais, hospícios, asilos, leprosários, instituições de ensino que produziram um
determinado tipo de sujeito, consciência e verdades sobre si e os outros, através de seus
ensinamentos, regras, práticas e discursos. (SOUZA,1999a:74).
Estes(as) fiéis são nominados(as), localizados(as), identificados(as) por suas
assinaturas no livro Ata presente na porta de entrada da Catedral Metropolitana de
46
Florianópolis, desde 1970, deixando seus nomes, registros, marcas e lembranças de
momentos de devoção e agradecimento a Deus.
A instituição Igreja acaba exercendo um papel de legitimar o discurso social,
político e científico vigente, gerenciando e controlando condutas, valores como no
exemplo publicado no Jornal O Apóstolo de Florianópolis em 1946:
A jovem Germana Durverseau morreu de pneumonia por causa da indecência no
seu modo de vestir-se. Eis as tristes declarações que fez em seu leito de morte:
“Sou uma vítima da moda. O desejo de mostrar-me perdeu-me..Fui educada no
regaço de uma mãe piedosa...era Filha de Maria...Perdão, meu Deus! Perdão!
Sou culpada por meus escândalos. Diga a minhas amigas, a todas as moças que
eu morri tima da moda e lhes peço que nunca sejam escândalo por seus
vestidos indecentes.
Para Foucault (1995:237), “não é apenas uma forma de poder que comanda, o sujeito
deve também estar preparado para se sacrificar pela vida e pela salvação do rebanho”,
sendo ainda, “incitado a produzir e fazer proliferar o discurso sobre o estado de sua alma e
os desejos de seu corpo” (DREYFUS,1995:193), como faz a jovem Germana ao publicizar
seu relato e produzir um discurso em consonância com os valores e preceitos éticos e
religiosos da época. As imagens e a arquitetura das igrejas também contribuem para
disseminar e legitimar esses discursos.
Para ele, também, “os discursos não são combinações de palavras que
representariam as coisas do mundo. Eles não são conjunto de signos, mas práticas que
formam sistematicamente os objetos de que falam” (1987:56). Os significados que
compõem os discursos existem a partir do momento em que são enunciados, ou seja, o
significado não existe antes de ser citado. Os discursos, por sua vez, mais que descrevem
as coisas do mundo, fazem-nas existir. Eles criam e são sentido para a realidade em que
nos encontramos, é através dos discursos que materializamos as verdades da nossa cultura.
O discurso dá vida, dá movimento, sentimento ao corpo social e também ao corpo físico.
47
Ao se ouvir o som da grande porta central abrindo, o olhar foca a imagem do altar
central, com seus símbolos ritualísticos, a Bíblia, o cálice, a toalha, a vela, as flores, o
tapete vermelho representando o sangue de Cristo. Ao redor, observa-se uma vasta
variedade de santos(as), com suas vestimentas coloridas e suntuosas. As paredes e altares
são decorados com detalhes que brilham com o entrar dos raios de sol pelos vitrais da
igreja. Ali se encontra a experiência mística, a produção da devoção, da fé, a fusão do
sagrado com o profano.
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Ilustração 4- Altar- Central. Igreja Santo Antônio.Florianópolis.2007
8
8
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007
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Ilustração 5- Altar- Central. Igreja Santo Antônio.Florianópolis.2007
9
9
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007
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A imagem de Cristo pregado na Cruz retifica que o Deus na cruz é uma maldição
sobre a vida, um indicativo para se redimir, através do castigo, do pecado, da absolvição e
da purificação; assim os símbolos religiosos sagrados dramatizam tanto valores positivos
como negativos, há existência do bem e do mal e o conflito que existe entre eles
(GEERTZ,1989:96) As cores vermelhas presentes no tapete e no altar lembram o sangue e
o amor de Jesus, mescladas pelo branco da paz e da purificação, com as flores que
significam o amor divino, Maria como Rosa perfumada e divina, o Paraíso ou Éden
(CARR-GOMM,2004:97).
A prática cristã é fundada através do sacrifício e da dor de um homem santo, mas
com o corpo ensangüentando: Este é o meu corpo, este é o meu sangue”, disse Jesus,
segundo o Novo Testamento, durante a ceia. Esta frase é lembrada na hora da celebração
eucarística, durante a realização das missas nas Igrejas; o sangue é elevado perante todos
dentro do cálice, erguido pelas mãos de um homem, o Padre, e mantido à distância do
sangue impuro do(as) fiéis (LE GOFF,2006:39-40). Copo que assume tanto representação
divino quanto humana, através da imagem que celebra vida e morte, encarnação e
crucificação, passível de sofrimento e transcendência.
As dores de Cristo e seu corpo, expressando todo seu martírio e morte, produzem
sentimentos de contemplação, mas também de estranheza diante das outras imagens com
representações de serenidade e beleza, o que é expresso em um depoimento de uma devota
ao ser questionada sobre o que sente ao observar essa imagem (fig. 05): A única imagem
que não gosto é a de Jesus na Cruz, ele parece sentir dor, é muito triste, parece estar
morrendo (R.M., 33 anos). Vida e morte confundem-se, a redenção pela morte é expressa
através do corpo sem vida de um Santo.
51
Todas as imagens integram o símbolo central da igreja- o Altar, lembrando que a
concentração do poder, em um lugar, é destinada a determinados sujeitos, quando o
Imperador Constantino em 311 d.C. atribuiu à Igreja Cristã o poder do Estado; a
exploração do imaginário através das artes visuais constituiu um instrumento didático
pedagógico do clero (GOMBRICH,1999).
O altar constitui-se de um palco de disseminação de uma moral cristã produzindo
sujeitos, homens e mulheres, fiéis à sua Igreja e à sua Pátria. O altar é um dos quatro
elementos fundamentais do espaço litúrgico, os demais são: a mesa da Palavra, o espaço da
assembléia e a cadeira da Presidência. Cada qual com sua dimensão simbólico-
sacramental, com seu sentido teológico-litúrgico. O significado da palavra altar em
hebraico, mzbeah, significa “lugar onde se sacrifica”. O Cristianismo irá utilizar o termo
mesa, para representar a Eucaristia como celebração da ceia do Senhor (PASTRO, 1998).
A partir da oratória do Padre é que seus discursos passam a se tornar parte da
experiência dos que o ouvem, pois “as palavras produzem sentido, criam realidades, e às
vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação” (LARROSA,2002:21). A
encenação e a aceitação da autoridade religiosa fazem parte do ritual religioso da missa,
através do reconhecimento daquele que detém o saber, mas também da crença atribuída
pelo grupo; “não basta que ele seja compreendido, é preciso que seja reconhecido enquanto
tal para que possa exercer seu efeito” (BOURDIEU,1996:91). É através da autoridade que
o discurso interpela os sujeitos, materializando-se em múltiplas representações que supõem
modos de os sujeitos relacionarem-se com o saber e com o conhecimento, desta forma, as
relações são estabelecidas no interior da instituição com definições de padrões de
comportamentos próprios de acordo com os interesses da própria instituição,
O fiel vai à Igreja; não precisa conhecer o celebrante ou o confessor, basta-lhe
receber a eucaristia ou o sacramento da penitência; a relação é anônima e cada
um desempenha sua função.(...) por um lado o clero a quem cabe a gerência do
52
sagrado e a condução da vida eclesial e por outro a massa dos fiéis
(BOFF,1983:463).
Para Foucault, os discursos são, em sua materialidade, constituidores de sentidos,
fabricadores de realidade, estão ligados à questão da constituição dos sujeitos, sendo estes
efeitos discursivos. O que está em questão, portanto, é que as práticas de poder e os jogos
de verdades são produzidos pelos discursos e colocados em funcionamento nas práticas
institucionalizadas. Então, o sujeito aparece como resultado da articulação entre, de um
lado, as práticas institucionalizadas que o captam e, de outro, as práticas discursivas que o
posicionam, nomeiam, produzem, julgam, evocam, (des)qualificam, hierarquizam,
enunciam e o orientam. E é sobre o corpo que a Igreja exerce o controle dos gestos na
realização do ritual litúrgico, do espaço na distribuição do(as) fiéis e das imagens e do
templo pelas suas celebrações, rituais, comemorações.
Essa visão hierárquica, de quem fala e os(as) que ouvem, demarca a linha divisória
entre aquele que fala por Deus; seu porta-voz autorizado e os(as) que, em submissão,
escutam-no, constituindo uma diferença também no âmbito social. Este homem, a figura
do Padre, que está na posição mais alta e central da Igreja, observa e controla a todos(as)
presentes, iluminados pelas velas do local, pois “a luz e o olhar de um vigia captam melhor
que o escuro que, no fundo, protegia. Assim, o individuo vigiado não cessa de passar de
um espaço fechado para outro, cada um com suas leis” (FOUCAULT, 1979:210). O
discurso religioso utiliza-se, portanto, de fatores propriamente religiosos, como a fé,
crença, rituais, como de seus artefatos culturais e artísticos presente no cotidiano das
cidades como mecanismos de persuasão e controle dos sujeitos, produzidos dentro de
estruturas de poder históricas que se consagram nas normativas e práticas legitimadas por
esses sujeitos.
53
As imagens, dentro da religião, desempenham a função de expressar diferentes
visões sobre o sagrado, o profano, o sobrenatural, o demoníaco, e de informar sobre o que
é considerado santo(a) ou pecador(a), pertencente ao céu ou ao inferno,
O realismo da pintura religiosa cristã conquistou muitos adeptos e fiéis,
misturando, sempre, as realidades representadas e a narrativa histórico-
biográfica, da qual tradicionalmente lançava mão. (...) a iconografia e as
figurações de memória podem complementarem-se e, em um tempo de longa
duração permanecer (...) determinando julgamentos, formas de organização
social, visões de mundo, valores, práticas cotidianas. (...) O intuito era
demonstrar como algumas dessas representações gestadas, impostas e
alimentadas pela Igreja, ajudaram a controlar e a formatar o comportamento de
homens e mulheres em várias partes do mundo (PAIVA,2002:36-52).
O uso de imagens, seja através de obras de arte, da pintura ou do cinema, constitui-
se em uma forma de transmitir prazer, informação, conhecimento sobre cultura, história,
religião, como também, a possibilidade de se tornarem objetos de devoção.
As transformações dessas imagens ao longo da história são uma importante
evidência para os(as) historiadores(as), a partir de um contexto determinado, cada
representação artística possui um significado intrínseco que transcende a simples
ornamentação, tornando-se acontecimento e documento historiográficos. Assim, “pinturas
que foram realizadas para despertar emoções podem seguramente ser utilizadas como
documentos para a história dessas emoções” (BURKE,2004:60).
As imagens desempenham, também, um papel de mediadoras entre os sujeitos e o
mundo, com valor representativo, ou seja, vinculando-se ao domínio do simbólico. As
imagens são percebidas pelo(a) receptor(a), quando fazem parte do mundo reconhecido nas
unidades culturais, sendo que sua heterogeneidade revela suas diferentes possibilidades de
significação dentro do contexto deste(a) receptor(a). Recorrendo ao significado do termo
imagem, do latim imago,
[...]designa a máscara mortuária usada nos funerais na Antiguidade romana. Essa
acepção vincula a imagem, que pode também ser o espectro ou a alma do morto,
54
não só a morte, mas também, a toda história da arte e dos ritos funerários
(JOLY,1996:18).
Desempenhando, portanto, um valor simbólico, também epistêmico e estético, ou
seja, significam as relações que os sujeitos estabelecem, a partir das imagens, com a
realidade, pois, foi no campo da estética que se pôde ver os sujeitos refazendo,
incorporando novas condutas, estilos, lugares habitados e freqüentados, homens e mulheres
modernos” (FLORES,2006:16).
É através da imagem que o sujeito pode “vivenciar” o paraíso perdido, deixar-se
seduzir por artefatos estéticos, objetos visuais de patrimônio ou de memória que produzem
modos de ser e de pensar, dentro de um mundo criado, investido de poder e de diferentes
formas de agenciamento dos sujeitos e de suas subjetividades pois,
[...] o homem, ao invés de se servir de imagens em função do mundo, passa a
viver em função das imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como
significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como
conjunto de cenas” (FLUSSER,2002:99).
As imagens produzem e veiculam saberes, elas não são independentes, pois sempre
estão ligadas a um determinado regime de poder, organizando experiências, induzindo o(a)
espectador(a) a ver algumas coisas e não outras, exercendo uma prática discursiva;
produzindo e reproduzindo identidades, culturas e ideologias,
Aprender a olhar é racionalizar e estabilizar tanto o olhar quanto o espaço. É
acostumar o olho a deslocar-se ordenadamente, a focalizar de forma conveniente,
a capturar os detalhes significativos. É também converter o espaço, uma simples
cintilação, em uma série de contornos, de formas reconhecíveis, de fundos e
figuras, de continuidades e transformações. Um olhar educado é um olhar que
sabe onde e o que deve olhar (LARROSA, 1995:80).
A estética pode ser a característica fundamental da arte, mas a função estética
avança sobre o domínio do campo artístico e pode se manifestar em outros campos e
circunstâncias da sociedade humana. Os limites da estética são dinâmicos e dependem do
55
contexto social, cultural, geográfico e temporal. E quando se tenta estabelecer fronteiras
entre o que é arte e o que não é e entre o estético, pode-se estar estabelecendo parâmetros
que são de nossa cultura, com nossas lentes de valores etnocêntricos.
Na arte sacra e em seu culto, coexiste o religioso e o estético. Por sua vez, a
natureza, o fenômeno sem a interferência cultural, é capaz de produzir o mesmo efeito que
uma obra de arte produz em quem a aprecia. O estético, para Mukarovisky (1988), não é
universal, único, sua função não está nos domínios individuais, mas sim na esfera da
coletividade humana. A esfera do estético está no campo da consciência coletiva, que por
sua vez é um fato social, que é exterior, generalizante, coercitivo e objetivo em uma
determinada sociedade.
Assim, os efeitos da obra de arte estão nas formas de recepção e nas práticas dos
sujeitos que a observam e são interpelados pelas imagens. Aquele(a) que olha produz uma
prática discursiva, é seu(sua) interlocutor(a), interpreta e atribui significados às suas cores,
formas, texturas, luminosidade, compartilha experiências e histórias. A imagem, por mais
diversa que seja, foi produzida por alguém, possui uma intencionalidade temporal, uma
época, uma história, projeta representações, reflexos que são ofuscados em um(a) outro(a)
espectador(a).
Nosso olhar foi culturalmente gerando, aflorando-se em diferentes modos de ser,
segundo atribuições de sentidos culturalmente produzidos. O objeto, ao ser olhado, torna-
se o próprio sujeito em um processo de ver a si mesmo, revelar-se, “como um dispositivo
que desencadeia revelações, emoções e recordações, aflorando subjetividades individuais e
coletivas” (SOUZA,2006:212). O olhar do(a) devoto(a) deixa persuadir-se pela
procedência histórica e contextualizada de cada imagem, gerando um processo de
comunicação e de afetos entre a obra e o(a) receptor(a).
56
Para Joly (1996), a imagem pode ser considerada um signo icônico, pois forma uma
relação interpretativa e representativa com seu objeto, além de possuir signos plásticos e
lingüísticos, isto é, ela é representativa na medida em que se utiliza de um processo de
semelhança entre o que é fabricado e o que é gravado. A imagem fabricada imita um
modelo ao ponto de torná-lo uma ilusão do real.
Por sua pureza, brilho e simplicidade atraem os olhos bem como revelam sentimentos
e desejos de uma das entrevistadas sobre as imagens sacras femininas: São lindas, adoro
admirá-las, sei a vida de cada uma e para quem pedir a cada auxílio (L.M.47 anos).
Objetos de veneração, comemorações, missas, doações, promessas, os(as)
Santos(as), dentro da arte sacra, abrem espaço para o sagrado e o profano, com festas que
misturam o colorido e a música, histórias de vida de entrega, sacrifícios, culpa, pecados e
penitências; personagens dispostos em uma cena repleta de simbologia, misticismo e
atributos terrenos. Sendo a figura do(a) Santo(a) um modelo guia, um sinal de Deus que
merece honra e veneração (BEINERT,1990:22).
Nas Sagradas Escrituras, Santidade é a qualidade do que é divino. Deus seria, dos
Santos, o único absolutamente Santo. A idéia de santidade, com os profetas, também
adquiriu sentido relacionada à moralidade e ao espiritual; com a difusão do cristianismo, a
noção de santidade se tornou um elemento de grande importância para a compreensão de
certas civilizações e épocas. Ser Santo(a), para o catolicismo, é uma atribuição da Igreja,
por meio de um processo de canonização, àqueles(as) que se destacaram pela realização
comprovada de milagres e por serem exemplos de vida cristã e digna; as santas também
eram casadas e mães, com bom casamento e uma vida cheia de ritos e dignidade
(DUBY,1988:101).
A partir do século XVI, o culto aos(as) santos(as) se difundiu,
57
[...] a multiplicidade de devoções, constituiu-se um forte elemento da expressão
religiosa colonial. Cada devoto montava seu próprio panteão, nos oratórios
domésticos ou quarto dos santos, começando com Nosso Senhor e a Virgem
Maria, com suas várias invocações e complementos, depois com seu anjo da
guarda, além de seus santos protetores(JURKEVICS,2004:33).
Desde os primeiros tempos do cristianismo, a Virgem Maria, os apóstolos e Cristo
eram os Santos mais venerados pelos(as) fiéis. Com rezas, orações, cantos, “simpatias”,
promessas, “o devoto não precisa da autoridade eclesiástica para cultivar seu santo de
devoção. Ele o elege e se sente eleito por ele, com ele realiza uma sacralização simbólica
da vida cotidiana” (Id., ibid.,199).
É através da devoção aos(as) santos(as), que a sociedade fala de si, desde as suas
formas para converter e disciplinar os(as) escravos(as), unindo suas diferentes culturas e
etnias, em nome da celebração, representada na arte barroca, onde, “um ideal moral,
religioso e poético ganha expressão estética entre a vida comum e a arte”
(MONTES,1998:104).
As representações artísticas dos(as) santos(as) transitam entre a arquitetura da
cidade e a intimidade dos quartos e salas das casas, controlando espaços públicos e
privados do(a) fiél, sua moral, conduta e costumes em nome da virtude, da fé e da
modernidade em toda a sociedade da época, como na Província de Sarmiento:
O espírito de inovação de minhas irmãs atacou em seguida aqueles objetos
sagrados. (...) Aqueles dois Santos, tão grandes, tão velhos: Santo Domingo, San
Vicente Ferrer, enfeitavam decididamente a parede. Se minha mãe permitiu que
os retirassem e fossem postos em um dormitório, a casinha tomava um novo
aspecto de modernidade e de elegância refinada, porque era sob a sedutora
forma de bom gosto que se introduzia em casa a moda do século XVIII
(SARMIENTO, 1979:136-137).
A ornamentação dos(as) Santos(as) dentro do espaço do lar também seguia regras
de etiqueta, como o local mais apropriado do oratório, do altar, a disposição dos quadros
58
com imagens de santos(as), o que conferia aos(as) seus(suas) moradores(as) bom gosto e
modernidade.
Em Santa Catarina, a partir do século XVIII, a devoção aos(as) santos(as) decorava
oratórios nas famílias burguesas e, nas menos favorecidas, a imagem do(a) santo(a) era
exposta na parede da casa (SERPA,1997). Este ritual simbólico também se expande às
casas e demais instituições, afirmando uma relação discursiva de poder entre o Estado
nacionalista, por exemplo, e a Igreja; como cruzes em escolas e nas paredes das casas, a
Bíblia aberta com imagens de santos(as) ao seu redor em altares nas casas etc. Este cidadão
católico é forjado dentro de um ideal, a partir de 1930, no Brasil, de sujeito trabalhador,
saudável, honesto e crente a um Deus.
Ainda hoje esta prática pode ser evidenciada como nos depoimentos das mulheres
entrevistas: Sempre fomos muito católicos, na casa de meus pais tinha uma Bíblia sobre a
mesa da sala e na minha, hoje, ainda tenho a mesma Bíblia. (A.C.65 anos); Tenho
algumas imagens de santas em casa, mais gosto de vê-las aqui na Igreja mais de perto e
poder tocar nelas. (A.R..62 anos); Sou muito devota, tenho santinhas em casa em um
pequeno oratório na cabeceira da cama.(R.F.70 anos).
A afirmação “sempre fomos católicos” também possibilita que analisemos a
questão do pertencimento, que pistas do que não se é. se pode dizer o que se é a
partir do que não se é; esta mulher não é, então, espírita, crente etc. Identidade e diferença
se constroem em um processo conjunto, pois acabamos tomando a norma pela qual nos
descrevemos por aquilo que não somos, tanto a identidade como a diferença são
construídas culturalmente.
Objetos de cultos, adoração, as imagens de santos(as) se constituem em agentes
disseminadores da cultura cristã e da experiência e do desejo do toque. Suas cores, formas,
59
estética atraem o olhar e a vontade de tocá-los(as), “a exaltação pictória do corpo constitui-
se de uma erótica da pintura” (ARASSE, 2008:564).
Os espaços dentro da Igreja são distribuídos com o oratório e a capela em torno das
imagens de santos(as). Esse percurso dentro da Igreja até o altar com a imagem do(a)
santo(a) é demarcado por relações de poder entre o homem e o(a) santo(a), a Igreja e a
mulher, a Igreja e o povo. Segundo Hoonaert (1983:294),
[...]
a própria construção de igrejas no Brasil português partia desta mesma
dialética entre o poder central, nas mãos dos donos de terra, e um poder
marginalizado, expresso pelo esforço comum (mutirão) do povo. Algumas
igrejas são evidentemente construídas pelo poder central.
A ocupação do espaço da Igreja, pelos(as) fiéis e os(as) santos(as), também é
evidenciada, para Hoornaert, na distribuição e nas formas de se ocupar os lugares dentro da
Igreja:
O recinto central é reservado às mulheres, que ficam agachadas ou ajoelhadas,
num plano mais baixo do que o dos recintos laterais. Os recintos laterais, num
plano mais elevado, são reservados aos homens bons ou homens livres, que
ficam em pé, simbolizando assim sua posição característica, tanto diante do clero
como diante das mulheres e dos escravos. O espaço em torno da porta é
reservado para os pretos e escravos em geral, que ficam também em pé, espiando
os santos, como o povo costumava dizer. Essa distribuição dos lugares revela
uma situação de separação, de discriminação, de fronteiras que ninguém
ultrapassa (1983:294).
A Igreja Católica também teve uma relação conflituosa com a exposição de
imagens de santos(as) nos altares das igrejas. Durante o Império Bizantino, entre os
séculos VIII e IX, a disseminação e o culto de imagens foram proibidos pelo interdito da
imagem, seus(suas) adeptos(as) eram executados(as) e as obras de arte queimadas em
praça pública. Segundo Machado (2001:10-11):
Uma terceira investida contra as imagens ocorreria no século XVI, na Idade
Média, com a Reforma protestante, causando novamente a destruição dos ícones
e a perseguição dos adeptos. Embora a Reforma tenha sido logo absorvida pelos
imperativos da modernidade e do progresso tecnológico, dela permaneceram a
60
desconfiança com relação às imagens. As igrejas protestantes não não
admitem imagem alguma no interior de seus templos e nas casas dos fiéis, como
também acusam os católicos e os ortodoxos de serem idólatras por prestarem
culto às imagens e às esculturas. Os católicos rejeitam as imagens durante a
Quaresma. Eles encaram com profundo temor a crescente interferência das
imagens na vida cotidiana de seus fiéis, através de meios de comunicação como
cinema e a televisão. Até fins da primeira metade do século XX, católicos,
ortodoxos e protestantes, não admitiam a presença de fiéis nas salas de cinemas
ou na frente dos televisores.
Essa adoração aos(as) santos(as) era considerada idolatria por retirar a honra de
Deus, pois um dos dez mandamentos diz: “Não farás para ti imagem de escultura, nem
semelhança alguma do que em cima nos céus, nem embaixo da terra, nem nas águas
debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes dará culto” (Ex 20,4-5), dando ênfase à
intelectualidade sobre a sensualidade. Mas na própria Bíblia apresenta exemplos de
tolerância para obras com finalidades estéticas, como em Êxodo 25,18-19; Farás dois
querubins de ouro, de ouro batido, nas duas extremidades do oráculo”.
O repúdio às imagens foi superado com o Concílio de Trento (1545-1563),
reafirmando a importância de imagens sagradas para a disseminação da religião cristã e de
seus dogmas. Para os protestantes somente no século XVII a beatificação se constituiu
numa fase anterior à canonização dos(as) santos(as). Para a tradição Católica:
Cada um dos Cristãos Católicos devem ter santos padroeiros para quem orar vez
por outra, e que indubitavelmente teriam um particular interesse pelo nosso bem-
estar, ajudando-nos em épocas de dificuldade. Pode ser o Santo cujo nome
tomamos no Batismo ou na Confirmação; pode ser o Santo padroeiro da Pátria,
paróquia ou igreja; pode ser um Santo que viveu em circunstâncias similares à da
vida da própria pessoa, ou pode ser simplesmente um Santo cuja vida e caráter a
pessoa admira (LUCAS,1969:419).
A imagem do(a) santo(a) expressa a busca de se ver algo pleno,divino, o reencontro
com o grande Santo, pois Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; é a imagem
que se torna dona de s, que nos aprisiona ao ser observada, por suas representações de
sagrado, belo, modelos de homem, mulher e família, assim,
61
[...]família e Igreja se articulam em linhas de força e operam entre sujeito e
discurso. (...)aparando arestas, lapidando as saliências, atravessando as mais
diferentes camadas do corpo até que se instale nele; até que pareça vir
naturalmente dele; até que, enfim, passe a ser irremediavelmente o próprio corpo
(FRAGA,2000:114).
A mensagem é revelada pelo olhar,a beleza e fragilidade das imagens expressas
pelos seus rostos e gestos representam tanto seu martírio como sua redenção.
Na maioria das Igrejas Católicas, é a imagem de Cristo crucificado a central, como
na figura 05, onde o olhar de Cristo defronta-se com o olhar do(a) fiel/espectador(a),
interpelando-o(a) a olhá-lo como algo próximo da sua realidade, quando o(a) fiel se ajoelha
perante ela, “a imagem literalmente se inclina para os fiéis, tudo o que eles têm a fazer é
ajoelhar-se em massa e abaixar os olhos, como que tocados por um olhar insustentável”
(DIDI-HUBERMAN,1998:152). Poder que nos afronta ao demonstrar os conflitos sobre o
corpo, seja a imagem da perfeição do corpo de Cristo e, ao mesmo tempo, seu sangue e dor
expostos, com a representação da morte.
E ainda, quando os olhos da noiva são ofuscados pelas imagens dos vitrais
presentes na Igreja Santo Antônio (figura 06), da entrada até o altar, pelas flores que
representam a dama ideal a qual todo cavalheiro desejava colher na Idade Medieval; seu
corpo atua como filtro pelo qual atravessam as luzes dos vitrais sagrados marcados por
histórias e discursos religiosos.
62
Ilustração 06- Entrada da Igreja Santo Antônio. Florianópolis.2007
10
Fazendo o percurso entre as igrejas para entrevistar as mulheres, encontrou-se em
seus interiores, imagens sacras populares e eruditas distribuídas em altares, representando
santos(as) de devoção para os(as) fiéis que as freqüentam.
10
Imagem fotografada com Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
63
Ilustração 7- Altar-lateral da Igreja São Francisco. Florianópolis.2007
11
Ao observar a imagem do altar lateral da igreja, as representações dos(as)
santos(as) percebe-se na sua sincronidade de ângulos, disposição, cores e formas,
simbologias, códigos culturais de status ou classe sociais, pois é o conjunto das obras que
produzem seus significados. Encontramos permanências nos trajes dos(as) santos(as) que
cobrem o corpo com todo seu peso, espiritualizando-o e eliminando-o, onde o vestuário
enfatiza um ritual social e cultural que se manifesta através de sua função signa, para
Barthes (2005:364):
O homem vestiu-se para exercer sua atividade significante. O uso de um
vestuário é fundamentalmente um ato de significação, além dos motivos de
poder, adorno e proteção. É um ato de significação, logo um ato profundamente
social, alojado no próprio cerne da dialética das sociedades.
11
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.
64
O cinto assume papel de demonstrar o símbolo que compõe o traje em uma
determinada cultura, símbolo de honra, virgindade, assunção. O cinto fechado, apertado,
significa a justiça e a fidelidade, como em Isaías 11, 5: “A justiça será o cinto dos seus
lombos e a fidelidade, o cinto dos rins” (PALLA,1999).
A cabeça coberta identificava as virgens; os pés descalços revelam santidade,
pobreza e humildade, passando a identificar o(a) santo(a) com Cristo e suas vestes simples
e seguindo seu exemplo, “Não leveis nem bolsa nem sacola, nem sandálias” (Lc 10,4). O
branco presente nas vestes significa vitória, purificação e boas obras. O vermelho o intenso
amor; o verde juventude e esperança. As mãos estendidas benção e acolhimento, as mãos
sobre a face indicam melancolia (PALLA, 1999).
Por terem sido humanos(as), os(as) santos(as) tornaram-se mais próximos(as) da
vida dos(as) devotos(as) e, por isso, suas vidas cheias de virtude e graça; também se
tornaram símbolos de devoção e exemplo. Em pesquisa feita pela Folha de São Paulo em
06 maio de 2007, nas páginas 03 e 04, 49% da população de brasileiros(as) dizem ter
um(a) santo(a) de devoção e 18% têm preferência por Nossa Senhora Aparecida.
Em Santa Catarina, especificamente, foi a partir do século XIX que imagens de
santos masculinos ganharam maior culto, a de São Sebastião e a de São Francisco,
padroeiros contra as doenças e a pobreza, período em que a ilha esteve assolada por pestes
e males. Acerca das imagens sacras no Brasil, Etzel (1979:31), ressalta:
As primeiras imagens do Brasil são portuguesas, vindas com os primitivos
colonizadores. Este fluxo de imagens iniciada com a armada de Pedro Álvares
Cabral foi engrossando à medida que a divulgação da Católica se ia alargando
com a formação dos núcleos populacionais. Durante os séculos XVI e XVII
vieram imagens portuguesas e espanholas durante os 60 anos de unificação da
Coroas Ibéricas (1580-1640).
65
Imagens, portanto, pertencentes ao plano do sagrado, permeadas por relações de
poder e saber que produzem efeitos sobre os sujeitos que os observam, criando um
imaginário da e do divino. Discursos, imagens, sons, aromas, luzes que ofuscam e
penetram nos corpos de seus(suas) fiéis, através da instituição da Igreja Católica e da sua
produção da sexualidade feminina,
Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um
conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a
roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a
imagem que dele se produz, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele
exibem, a educação de seus gestos (GOELLNER, 2003:29).
O corpo, constantemente, se revela, se mostra, se insinua seja através de textos ou
imagens que o colocam no centro da experiência religiosa, seja como divino e perfeito pela
imagem de Cristo ou o inferior e incompleto como o feminino. Corpo que carrega tanto a
inocência, como a beleza e a luxúria, estará ele nu ou vestido no julgamento final?
66
2. SEGUNDA LEITURA
Não sabes que vossos corpos são membros de Cristo? E eu,
porventura, tomaria os membros de Cristo e os faria membros de
uma meretriz? Absolutamente, não. Ou não sabeis que o homem
que se une à prostituta forma um corpo com ela? Porque, como
diz, serão os dois uma carne. Mas aquele que pratica a
imoralidade peca contra o próprio corpo. Acaso não sabeis que
vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que estão em vós, o qual
tendes parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?(Co 6,15;19).
67
2.1. Corpos divinos e profanos: mulheres ao longo de uma história
multifacetada
É chegado o tempo em que o corpo da mulher irá nascer das palavras das
mulheres (Elizabeth Ravoux-Rallo, 1984).
A imagem do corpo feminino com seus contornos, cores, tamanhos, formas estão
em toda parte, nas esculturas, pinturas, nos objetos decorativos, na mídia, outdoors das
cidades; sendo cada vez mais exposto à observação, especulação, controle, saber e fetiche.
Corpo que encarna uma construção simbólica, além do que é visível e esculpido para o
deleite de si e dos outros, sendo que, “nessa transformação do vivo em visual, o corpo
torna-se um alter ego, e o ego é medido pelo peso dos halteres que se deve levantar a cada
dia para enfim conquistar a sua própria ‘semelhança”’ (MALYSSE, 2002:3).
O corpo é entendido, também, como expressão e materialização de uma condição
social e de um habitus traduzido na forma de posturas corporais, gestos e investimentos na
sua produção, que denunciam uma determinada posição social. Neste sentido, o corpo é
concebido como um signo social na medida em que, a partir dele, proliferam-se técnicas
corporais de determinados grupos sociais.
Sendo assim, ele passa a pertencer ao campo da cultura, ou seja, o corpo e a
corporeidade serão tratados como constructos sociais, atravessados por intermédios
culturais, políticos, econômicos e sociais transitórios, portanto:
Os corpos são significados pela cultura e são continuamente por ela alterados.
Talvez devêssemos perguntar, antes de tudo, como determinada característica
passou a ser reconhecida como uma marca definidora de identidade (LOURO,
2000:14).
É preciso não esquecer que há, “em qualquer formação cultural, uma grande
discursividade de significados sobre qualquer questão, assim como existem muitas
68
maneiras de interpretá-los e representá-los” (HALL,1997a:2); desta forma, as
representações são sempre múltiplas, mas elas podem se transformar ou se contrapor.
É no corpo que marcas e símbolos culturais são inscritos e funcionam como modos
de classificar, agrupar, ordenar, qualificar, diferenciar etc. Essas marcas posicionam de
diferentes modos os sujeitos na escala social, determinando quem pertence ou não a certas
classificações de corpo: magro, alto, belo, branco, jovem, heterossexual, saudável, entre
outros. Esses marcadores identitários não são fixos ou estáveis, são objetos de contínua
construção que nos interpelam e marcam constantemente.
O corpo é o local onde muitas lutas em busca de significados, inscritos em torno do
social e do cultural se concentram, desdobram-se e se fazem representados. Ele é
produzido como um elemento discursivo de múltiplas instâncias econômicas, sociais e
culturais, como da mídia, artes e medicina. Produzido desse modo, o corpo expressa visões
de mundo de grupos que têm o poder de representar e dizer pelo outro, esses grupos
exprimem verdades que se legitimam e se tornam hegemônicas, produzindo, assim, sempre
novos processos de significação que posicionam, de modos diferenciados, os sujeitos na
ordem social. As múltiplas identidades que constituem os corpos não são dadas ou
naturais; “as identidades parecem fixas e sólidas quando vistas de relance” (BAUMAN,
2001:98).
A identidade, enquanto construção simbólica, ganha sentido na interpelação com o
outro e seu pertencimento ou não a um determinado grupo e seus aparatos simbólicos e
sociais instáveis e fronteiriços, pois “toda identidade tem necessidade daquilo que lhe falta,
mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado e inarticulado”
(HALL,2000:110). Investe-se sobre esse corpo, analisa-se os seus sintomas, penetrando-se
nos seus espaços mais íntimos e inesperados para utilizá-lo como objeto de saber, “um
69
longo aprendizado vai, afinal, colocar cada um no seu lugar” (LOURO, 1997:60). Esses
discursos, portanto, através de suas práticas prescrevem modos de ser, investindo um poder
regulador que o ajusta em seus menores detalhes, impondo-lhe limitações, autorizações,
obrigações presentes das formas mais sutis da vida cotidiana. O investimento político dos
corpos produz uma microfísica do poder que é definida como o mergulho do corpo no
campo político. Investe-se, age-se, aprisiona-se o corpo ao trabalho, às cerimônias
religiosas em relações recíprocas, procedimentos e técnicas de poder que realizam um
controle detalhado sobre gestos, atitudes, hábitos e valores. Teríamos, para Foucault, que
olhar os procedimentos de sujeição a este poder, analisar seus efeitos, investimentos sobre
os corpos e instituições, seus instrumentos de intervenção e aprisionamento.
Muitas vezes nos perguntamos o que é o corpo? Aquele cantado em versos ou
aquele da ciência? Aquele que a mão acaricia ou aquele da estética? Aquele da mídia e do
mercado de consumo ou aquele descrito como natural? Aquele da religião ou da lei? Como
se vê, diversas representações de corpo que passam pela medicina, pela biologia, pela
poesia, pela cultura, pela arte, pela economia ou pelo social. alguns modelos de corpos
vistos como padrão, hegemônicos; também, aquele desviante que insiste em fugir às
regras. Enfim, o corpo é tudo aquilo que nos escapa, que nos ultrapassa, transcende, que
não nos pertence. A reposta para a questão do que é o corpo, remete-nos há alguns
exemplos de muitos esforços da humanidade e das diferentes instituições para se
apropriarem do corpo, principalmente do corpo feminino, ao longo dos tempos.
É neste cenário que as palavras produzem discursos e mitos que irão ser forjados
em novos arquétipos femininos culturalmente produzidos, através do discurso judaico
cristão como, por exemplo, o Primeiro livro de Moisés chamado Gênesis, descrito na
70
Bíblia. Nele, surge a imagem de uma mulher, através da qual a serpente infernal conseguiu
fazer penetrar seu veneno mortal na humanidade.
Disse mais o Senhor Deus: o é bom que esteja só, far-lhe-ei uma auxiliadora
que lhe seja idônea. (...) Então, o Senhor Deus fez cair pesado sono sobre o
homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com
carne. E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-se numa
mulher. (...) Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o
Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: Não comereis de toda árvore do jardim?
Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer. (...)
Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. (...) Vendo a mulher
que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e a árvore desejável para
dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele
comeu. (...) Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me
deu a árvore, e eu comi. Disse o Senhor Deus à mulher: Que é isso que fizeste?
Respondeu a mulher: A serpente me enganou e eu comi. (...) E deu o homem o
nome de Eva a sua mulher, por ser mãe de todos os seres humanos (Gn 2-3,18-
20).
Assim, para esse discurso é a mulher que se deixa seduzir pela serpente tentadora e
será responsável pela desobediência de seu marido, como seu próprio nome significa: Eva,
a desgraça, a indomável, feita através da costela de Adão; tem em sua carne todos os
pecados e culpabilidade por ser a primeira Mulher, que com seu corpo nu seduz e leva o
homem à sua humilhação, queda e expulsão do paraíso.
Eva, assim, assume um papel paradoxal, apesar de sua audácia e ousadia teve que
ser silenciada, culpada na história judaico-cristã; “a astúcia feminina é usada para
satisfazer um outro defeito geralmente condenável, o egoísmo estrutural e a sua obstinação
pela posse do homem que não quer perder a todo custo” (FRANCO,2007:108). Possuidora
de um corpo sedutor e de uma conduta que levou o homem à sua ruína, constituindo-nos
em pecadores(as), “por haver-se feito assim por vício e por castigo, gerou seres sujeitos ao
pecado e à morte” (AGOSTINHO,1990:99).
O corpo da mulher passou a ser concebido como pertencente ao homem, pois foi
feito a partir de uma parte do corpo masculino, da costela de Adão, um homem perfeito,
completo; da mulher ele necessitou para não permanecer sozinho. Sua moral e costume
71
jamais serão as mesmas, tendo que seguir padrões e valores normativos para não ser
excomungada novamente, “a mulher virtuosa é a casa de seu marido, mas a que procede
vergonhosamente é como podridão nos seus ossos” (Pv 12,4).
Desta forma, a imagem da mulher confunde-se com o Diabo, o pecado, a traição,
representações simbólicas, ideológicas e religiosas que produziram conceitos normativos,
tidos como naturalmente aceitáveis e necessários, nesse sentido, cabe ao(a) pesquisador(a)
analisar a maneira pela qual opera toda oposição binária, derrubando e deslocando sua
construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como real, como evidente por si ou como
sendo da natureza das coisas” (SCOTT,1990:13).
A concepção de mulher relacionada ao mal, ao carnal, ao profano no campo
religioso parte da diabolizante imagem de Eva, entretanto, a salvação da mulher para esse
discurso,
[...]está no alcance de seu corpo, de sua fecundidade, da possibilidade de
reproduzir, sobretudo o masculino. Em seu lado obscuro as mulheres carregam o
pecado e a fraqueza física e moral, em seu lado luminoso, o dever e a alegria da
maternidade na dor e na abnegação, única saída para apagar o pecado original
(NAVARRO-SWAIN,2000:52-53).
Essa busca pela absolvição de seus corpos pelo ato de procriar, constatou-se nas
entrevistas às mulheres onde todas as 35 possuem filhos(as), pois o ato sexual relacionado
ao ter filhos(as), não significa pecado para o discurso católico:
A hora da concepção de minha filha foi mágica, eu sei o dia e a hora que foi, nos
preparamos para isso.(P.G., 46 anos);
Ter meus filhos foi uma benção para mim, para meu marido e para o nosso
casamento. Enfim, pudemos nos tornar uma família. (MA.S., 51 anos).
72
Associam, também, sexo ao amor, à entrega e à fidelidade, por isso ele é abençoado
por Deus. O pecado não estaria relacionado aos desejos da carne, mas o fazer mal aos
outros(M.S. 48 anos), desvinculado, portanto, dos desejos da carne.
O corpo feminino, considerado em muitos discursos como “morada do pecado”, do
proibido, teve que ser coberto, revestido por tecidos, padrões de beleza, gestualidade,
condutas e valores, pois “os céus proíbem que você olhe em si mesmo” (ELIAS,1994:138).
Como se pode observar nas imagens de santas nas igrejas as quais, com tecidos e mantos
cobrem seus corpos do pescoço aos pés. Apenas nas imagens artísticas do menino Jesus,
aparece o seu corpo descoberto, despido do pecado original, concebido no plano do divino.
O Cristianismo produziu a idéia do Pecado Original como fruto dos desejos
pecadores da carne, fixando uma linha divisória entre as práticas sexuais lícitas e ilícitas.
Na lista dos pecados graves, até o final do século XVIII, encontram-se o estupro, o
adultério, o rapto, o incesto espiritual ou carnal, a sodomia e as carícias recíprocas; “a
respeito delas previno-vos, como tinha dito, que os que tais fazem não possuirão o reino
dos céus” (AGOSTINHO,1999c:133). Violar uma virgem era considerado algo mais grave
do que a uma viúva, assim, “a masturbação, a homossexualidade, a bestialidade obcecaram
os homens da Igreja, os magistrados civis e os doutores em medicina durante toda a Idade
Moderna” (GRIECO,1991:108).
É no século XVIII que o sexo começa a ganhar outro discurso, aparentemente, de
liberdade, através do nu que passa a ser representado novamente nas esculturas e pinturas
como beleza, amor e como algo real. Apesar de muitas pinturas retratarem os corpos de
mulheres nuas, ele ainda persiste como tabu, procurando vesti-lo de intenções morais e
estetizantes em nome do Belo/Sagrado, o pudor que encobre seus membros. É neste
período, também, que a Igreja Católica ordena cobrir com vestes as pinturas de seus
73
templos; o Cristo pregado na cruz, agora com panos na região do baixo-ventre, pois estar
despido como Adão era estar vulnerável, o Antigo Testamento determinava que “a
nudez de teu pai e a nudez da tua mãe tu não descobrirás”.
O corpo também é um local de memórias, de experiências e de trajetórias de
mulheres que foram silenciadas e amaldiçoadas pelos discursos normativos e disciplinares
da ciência sobre os “segredos” da carne, principalmente, no século XVIII, onde ele passa a
ocupar a “mesa de dissecação”(LAQUER,2002:25); as mulheres eram entendidas como
seres inferiores ou imperfeitos, com órgãos sexuais masculinos internos, objetos de
intervenção, pesquisa e mito. A diferença sexual foi, então, tematizada e remetida ao plano
anátomo-fisiológico, a partir de preceitos médicos e princípios estéticos vigentes.
No século XIX, a anatomia patológica determinou que a mulher continuasse
confinada a esse universo inespecífico e marginal, por ser incompreensível para a ciência
fenomenológica.
Durante o começo do culo XX o discurso médico oficial era o do estereótipo da
mulher assexuada, onde o saber biológico em torno do corpo gerava afirmações
imperativas que sustentavam e mantinham o que era correto ou não às mulheres fazerem
para seu bem- estar e da própria sociedade; portanto, a identidade de gênero se constituía a
partir de pressupostos anatômicos, médicos e biológicos.
Os processos de significação pelos quais o corpo tem sido narrado, permitem
percebê-lo como lugar da história, permitem entendê-lo como foi fabricado no seu
cotidiano. Isso quer dizer que o corpo não tem em si mesmo um lugar intrínseco, ele é um
conjunto de signos, de representações que, por meio de múltiplas estratégias, buscam
“fixar” uma identidade sobre ele. Assim, as relações de poder atuam sobre os corpos, em
74
determinados contextos, produzindo efeitos de sentido, produzindo identidades sociais e
culturais particulares.
Para purificarem seus corpos e almas, as mulheres entrevistadas “alimentam-se” do
corpo de Cristo, realizando, assim, um casamento místico com o sagrado. Recebem a
comunhão um pouco antes do final da missa, realizando uma espécie de jejum espiritual,
ou seja, uma prática social que exige vigilância e disciplina, mas em troca recebem a
benção do Senhor. Como a maioria das Santas que jejuaram antes das suas mortes para
irem “limpas” para o céu,
O místico vive de maneira permanente uma dupla relação com o corpo divino.
Pela comunhão, ele o assimila; por seu desejo de partilhar os sofrimentos do
Redentor, ele aspira fundir-se ou incorporar-se no corpo divino. Se o corpo é o
principal obstáculo para chegar a Deus, ele pode também ser o meio para operar
sua salvação (GÉLIS,2008:53).
A prática do jejuar pode se refletir hoje na busca pela espiritualidade, corpos
perfeitos e eternos, almejados, principalmente, pelas jovens contemporâneas que acabam
anoréxicas, controlando seus corpos e almas para não cometerem o pecado da gula.
Esse vínculo entre Cristo e as mulheres corresponde à experiência do amor eterno,
do prazer sem pecado, algo sobrenatural; “ao consumirem o seu corpo, as mulheres
tornavam-se Cristo. O corpo de Cristo tornava-se o seu Corpo, a sua paixão, a própria
paixão delas” (KESSEL,1991:216). O jejum, as orações, a penitência, a eucaristia fazem
parte da devoção à Jesus Cristo e à Maria; “o que come a minha carne e bebe o meu
sangue, permanece em mim e eu nele” (Jo 6,57).
Dentre as imagens mais citadas pelas mulheres, duas remetem a essa relação do
amor a Cristo, redenção dos pecados, sacrifício, jejum, evidenciada nas falas das fiéis, a de
Maria Madalena e a de Santa Catarina de Alexandria.
75
Esta imagem de Maria Madalena está localizada no altar-mor, pertence
ao conjunto
de imagens que representa o Monte Calvário; imagem artística erudita do final do século
XIX, feita de amianto na Áustria por Hans Demetz. Possui 110 cm de altura, 30 cm de
largura e 25 cm de profundidade (LIMA,1994:105).
Seu traje é decorado com motivos em flores que compõem o vestido e seu manto
com características da Idade Média. A imagem da santa está de cabelos soltos, seu corpo
Ilustração 8- Maria Madalena.Catedral Metropolitana de Florianópolis-2007.
Imagem disponível em Lima, D.,1994.p.104.
76
ajoelhado, com um cinto que prende seu vestido, ela está segurando o manto com as mãos
erguidas como se estivesse fazendo uma oração, seus olhos estão voltados para o alto.
O movimento do caimento do tecido do manto, assim como de seu rosto dão um estilo
realista à obra. A imagem está posta sob uma base retangular. O rosto apresenta uma
expressão de sofrimento, diferentemente das demais obras desta época, as quais
apresentam aparência serena e tranqüila. Os cabelos são compridos até o ombro, o que nas
outras obras do período aparecem cobertos por mantos ou véu. Estes detalhes são
específicos da representação de Maria Madalena, para diferenciá-la das representações
artísticas das demais santas, consideradas pelo misticismo popular como mais puras e
ingênuas (Id., ibid.:23).
No dia 22 de julho, a Igreja Católica comemora o dia de Santa Maria Madalena,
primeira testemunha da Ressurreição e a receber a tarefa de anunciar a boa nova aos
discípulos. O nome Magdalena refere-se à cidade de Magdala que significa torre; “do alto
da torre, Maria Madalena viu longe, com a acuidade de visão que já se constatou e serviu-
lhe para escrutar o sepulcro vazio. Ela tinha olhos para ver o que os outros homens e
mulheres, confusos, não viam” (DE TOMMASO,2006:81). Segundo a tradição cristã, o
culto a Madalena teve início no século XII em Borgonha, onde foram descobertos seus
restos mortais, os primeiros registros em sua homenagem foram feitos por religiosos de
Vézelay (BARROS,2001).
No testamento de Maria de Magdalena contido nos textos cristãos gnósticos que
enfatizam o ensinamento dos mistérios, ela lembra: “Aparecia de repente, em momentos
inesperados. Podíamos estar pescando, cozinhando ou caminhando e, de repente, ali estava
ele! Ele me dizia:‘Lembre-se, estarei sempre com você, até o final desta
era”’(GEORGE,2002:583).
77
É na igreja que as mulheres entrevistadas sentem a companhia de um único homem,
que em seus suspiros, nos relatos, evidenciam sua veneração a ele, quando dizem: Eu sinto
sua presença entre nós(L.S.63 anos); Aqui me encontro com Ele e comigo mesma(O.R.55
anos); Venho aqui para sentir o seu amor(P.M..61 anos).
uma única passagem no Novo Testamento que revela que Jesus e Madalena
estiveram sozinhos; está descrito em João 20, 11-18:
Maria de Madalena, entretanto, permanecia junto à entrada do túmulo, chorando.
Enquanto chorava, abaixou-se, e olhou para dentro do túmulo, e viu dois anjos
vestidos de branco. (...) Então, eles lhe perguntaram: Mulher por que choras? Ela
lhes respondeu: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram. Tendo
dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus em . (...) Disse-lhes Jesus: Maria! Ela,
voltando-se disse: Mestre. Então, saiu Maria Madalena, anunciando aos
discípulos: Vi o Senhor!
Santa Catarina de Alexandria, imagem citada pelas mulheres entrevistadas por
marcar suas vidas, também demonstra a relação de amor a Cristo, que, em momentos de
seu martírio rogou:
- Meu único desejo é oferecer minha carne e meu sangue a Cristo como ele se
ofereceu a mim. Ele é meu Deus, meu amante, meu pastor e meu único esposo.
Ouviu-se uma voz que respondeu a ela: - Venha amada, minha esposa e veja! Os
portões do céu abriram-se para você e para aqueles que celebrarem a sua paixão
com as mentes devotas (PEREIRA,2003:54).
78
Ilustração 9 - Santa Catarina de Alexandria. Catedral Metropolitana de Florianópolis-2007
12
A escultura é feita em madeira policromada, em 1902, por Ferdiand Demetz, na
Áustria, e chegou à Catedral em 1922. Ocupa hoje o altar-mor da igreja, acima do altar
central. Possui 1,60cm de altura e 20 cm de espessura. Está sob sua cabeça a Coroa das
12
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
79
Virgens, feita de prata e rubis originais. Seu traje é dourado, com manto verde decorado,
demonstrando sua origem nobre (LIMA,1994:65).
A imagem de Santa Catarina de Alexandria está segurando o lado esquerdo do
manto, na altura do seio, o qual foi decepado e dizem ter saído leite dele, possui o cinto ao
redor do ventre que revela sua virgindade, assim como nas outras imagens. Ao seu lado
esquerdo está a roda, instrumento com o qual foi torturada até a morte aos 18 anos no
século IV, por sua ousadia em professar o cristianismo, enfrentando o Imperador
Maximino. Acima dela estão representados os nove anjos que levaram seus restos mortais
ao monte Sinai no Egito, os quais foram encontrados no século VIII e construído um
templo em Alexandria. Era conhecida por sua beleza, doçura, inteligência e ousadia, pois
enfrentava os reis em nome do Cristianismo e defendia seu povo. Era rica e morava em um
palácio sozinha, usava roupas de rainha, sapato preto fechado, não costumava fazer
pregações na rua, ia diretamente aos reis e aos seus palácios (PEREIRA,2003).
Foi inspirada nessa imagem que o Estado de Santa Catarina recebeu este nome.
Uma outra versão sobre a denominação de Santa Catarina, também é citada pelos seus
historiadores:
Discutiu-se, então, se a denominação se deveu a tê-la feito a 25 de novembro, dia
da decapitação consagrada a Santa Catarina de Alexandria-razão que aceitamos,
com outros autores- ou se deveu a uma homenagem que o navegador Martin
Afonso Dias, quis prestar à sua esposa, Catarina Medrano, com quem casara em
segundas núpcias e, que, segundo consta, era um verdadeiro pesadelo em sua
vida, maltratando-o e sujeitando-o a tão ridículos papéis que o navegador,
sempre que podia, metia-se em alguma expedição que o levasse para longe do
lar, em busca de uma tranqüilidade que nele não encontrava
(CABRAL,1979:25).
Ambas as vestes, a de Madalena e a de Santa Catarina de Alexandria (figuras 08 e
09) são da cor verde, tom atribuído às obras sacras como ambíguo, significando tanto
juventude, esperança e remissão dos pecados (CARR-GOMM,2004:63).
80
Esses sentimentos de amor, e entrega a Cristo e a Igreja, expressos pelas
mulheres entrevistadas, evidenciam serem, de certa forma, afetados pelos vestígios dos
corpos e das histórias das imagens sacras, Madalenas e Catarinas em busca do amor e da
absolvição eternos. Foi através do perdão de Cristo a Madalena, por exemplo, que as
mulheres dentro do discurso religioso católico, sentiram-se lembradas e resgatadas, pois foi
Madalena aquela que reuniu todos os apóstolos ao seu redor, para admirarem-na e respeitá-
la.
Na oração de Santa Catarina, encontram-se os seguintes versos: “Ó Santa Catarina
de Alexandria, virgem e Mártir, vossa vida continua a inspirar homens e mulheres no
mesmo ideal de viver a fé cristã na vida e na morte”.
A Igreja Católica pregou o discurso da integridade feminina necessária entre corpo
e alma, “as mulheres, a sua maior parte crentes ou não, piedosas, aprenderam que o corpo é
o inimigo da alma e o maior obstáculo no caminho da salvação”
(KNIBIEHLER,1991:351); manter-se virgem ou casta para o Evangelho, era a ascensão ao
reino dos céus, e as solteiras e viúvas digo que lhes seria bom se permanecessem no
estado em que também vivo” (1 Cor 7,8); e ainda, “todavia, será mais feliz se permanecer
viúva” (1 Cor 7,40).
Essa ênfase a viuvez pode ser evidenciada nas características das mulheres, onde
das 35 mulheres , 65% são viúvas, 35% casadas e 10% solteiras.
Em busca, talvez, de esperança, conforto ou mesmo remissão de seus pecados, uma
jovem de 18 anos, negra, mãe solteira que mora com os pais, com o segundo grau
incompleto, freqüenta a Igreja São Francisco uma vez por semana, durante toda a sua
gestação. Para ela: É na Igreja que encontro a paz, o amor, o carinho e a minha benção.
Sou sozinha e vejo em Nossa Senhora a mãe Santa para abençoar meu filho(M.A.F.). Ela
81
está só, observa as imagens sacras, contempla-as e encontra, talvez, nelas e na própria
Igreja a sua companhia, afago e estímulo para que continue com a vontade de ser mãe, na
busca do perdão por ter cometido o pecado da carne. Os sujeitos que transpõem os limites
e as fronteiras estabelecidas entre o certo e o errado, o puro e o impuro são colocados,
muitas vezes, por diferentes discursos e práticas, em uma posição marginal, produzindo
uma definição sobre o que pode esperar deles; neste caso, o perdão por ter engravidado
antes do casamento e por ter se tornado mãe solteira.
As mulheres que se permitissem ou admitissem sentir prazer no cuidado com o
próprio corpo, principalmente a partir do século XIX, deveriam sentir-se culpadas. A
ênfase do corpo feminino ainda repousava em sua capacidade de ser mãe, pois “a alma da
beleza está no aparelho reprodutor feminino, insistem os conselheiros e os discursos
publicitários” (SANT´ANNA,1995:124). Era criticada a mulher que não demonstrasse
controle sobre seu corpo: excessos na alimentação, preguiça para as práticas esportivas,
desleixo e falta de cuidado consigo e com sua família. O discurso da mãe higiênica surgia
através de um duplo movimento histórico, “por um lado, emancipação feminina do poder
patriarcal e, por outro, colonização da mulher pelo poder médico” (COSTA,2004:255).
O descontrole e a falta de cuidados das mulheres com seu corpo poderia acarretar
fraqueza e doenças e, de acordo com os discursos médicos que vigoravam, o corpo
feminino deveria ser “forte e saudável porque útil à sociedade, são atribuídas diversas
privações que objetivam proteger as características da feminilidade e preservar a fertilidade
da mulher” (GOELLNER,2000:87). Essas eram, ainda, características dos padrões
eugênicos que visavam ao fortalecimento da raça através da preparação adequada da
mulher mãe. A partir do século XIX, a mulher, esposa, mãe e praticante religiosa são os
82
suportes do catolicismo, produzindo a “feminização do catolicismo”, onde as orações,
ternuras e lamentos são as armas de persuasão” (GIORGIO,1991:200).
A imagem de Maria, segurando no colo seu filho Jesus, encontra-se na maioria das
Igrejas Católicas, reforçando o laço harmonioso, doce e maternal entre ambos. O papel
materno é associado ao místico, à santa mulher, assim, “a maternidade é concebida no
século XIX a partir de Rousseau como um sacerdócio, uma experiência feliz que implica
também, necessariamente, dores e sofrimentos. Um real sacrifício de si mesma”
(BADINTER,1985:249). A imagem da mãe, através das inúmeras publicações deste
período, era de cuidar de seus(suas) filhos(as), inclusive amamentando-os(as), tentando
instituir desta forma, o amor espontâneo pelos(as) filhos(as) que passaram a ser
considerados(as) como uma peça fundamental da família. (BADINTER, 1985). A
referência à maternidade de Maria pode ser evidenciada nos depoimentos das mulheres
entrevistadas, ao responderem sobre seus sentimentos ao verem a imagem de Nossa
Senhora na Igreja:
Sinto amor, carinho e proteção(M.I.R.39 anos).
Sinto que estou sendo cuidada (E.B.62 anos).
Vejo minha mãe(F.C.59 anos)
Deste modo, os preceitos da maternidade passam, também, a ser deflagrados como
construção social que determina o papel da mulher, seu dever frente à família, à sociedade,
ao Estado e à Igreja, pois “a família que reza unida permanece unida” (Rosarium Virginis
Mariae, 2001:19). A Igreja, através de seus discursos, contribuiu historicamente e
culturalmente para que a maternidade fosse produzida como algo pertencente ao plano do
divino, onde a sexualidade permitida seria aquela com o objetivo da reprodução. Para
algumas das mulheres entrevistadas, a maternidade significa: Uma dádiva de Deus
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(M.I.R.39 anos); Algo inexplicável, divino, um amor incondicional relacionado à mãe e ao
seu filho (E.B.62 anos); Um acontecimento divino, uma felicidade por ser mãe e mulher
(F.C.59 anos).
Por terem seus corpos produzidos pelo discurso moral católico como morada do
pecado, as mulheres historicamente foram proibidas de penetrar no altar durante a missa.
Nas missas celebradas em Desterro, o Padre deveria lembrar aos(as) fiéis que o espaço da
Igreja era sagrado, onde as mulheres deveriam seguir normas gidas de como se portar,
como no Novo Testamento, onde diz:
Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar;
mas estejam submissas como também a lei determina. Se, porém querem
aprender alguma coisa, interroguem em casa a seu próprio marido; porque para a
mulher é vergonhoso falar na Igreja (Cor 14,34-35).
A Igreja negou a sexualidade das mulheres enquanto amantes ou discípulas, assim
como a participação delas nas celebrações de seus rituais, aceitando-as como penitentes,
ajoelhadas pedindo-lhe perdão pelos seus corpos pecadores e tentadores, como a imagem
de Maria Madalena (fig. 08). Ranke-Heinemann lembra que em 1917 o livro das leis da
Igreja afirmava:
A mulher não pode ministrar. admite-se exceção, se não de dispuser de um
homem e houver bom motivo. Mas as mulheres não podem em caso algum subir
ao altar e só podem dar respostas de longe. (...) Como os cantos na igreja ocupam
um ponto litúrgico, as vozes femininas não podem ser usadas na musica sacra
(1996:147).
Mas algumas evidências do contrário nos próprios documentos católicos, nas
Igrejas primitivas as mulheres eram chamadas ao serviço do Diaconado e também
orientavam as celebrações das Igrejas domésticas. No Novo Testamento, alguns
exemplos de mulheres fiéis a ao amor de Cristo que profetizavam, “No dia seguinte,
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partimos e fomos para Cesaréia e entrando na casa de Filipe, o evangelista, que era um dos
sete, ficamos com ele. Tinha este quatro filhas donzelas que profetizavam(AT 21,8-9)”.
Quanto à ordenação das mulheres, a posição da igreja de não admiti-las está
baseada nos fundamentos da Sagrada Escritura, afirma o Papa João Paulo II no Documento
Pontifício Ordinatio Sacerdotalis, de 1994:
[...] não é admissível ordenar mulheres para o sacerdócio, por razões
verdadeiramente fundamentais. Estas razões compreendem: o exemplo-
registrado na Sagrada Escritura- de Cristo, que escolheu os seus Apóstolos de
entre os homens; a prática constante da Igreja, que imitou Cristo ao escolher
homens; e o seu magistério vivo, o qual coerentemente estabeleceu que a
exclusão das mulheres do sacerdócio está em harmonia com o plano de Deus
para a sua Igreja (1994:1).
Apesar desta proibição, o espaço da Igreja no Brasil Colônia,também estimulava o
encontro e o flerte entre homens e mulheres, por abrigar o sagrado e o profano:
A luz ofuscante, os acordes e as colunas, os múltiplos altares laterais ofereciam
recantos resguardados da curiosidade alheia, onde se podia até mesmo tentar
gestos mais ousados, como um beijo ou um aperto de mão. (...) Abrigos de
amantes, a Igreja logrou converter-se, em certas circunstâncias, em num dos
raros espaços provados de conversações amorosas e jogos eróticos, os quais
envolviam nada menos do que os próprios confessores” (DEL
PRIORE,2005a:6).
Em Desterro, no século XIX, quando as donzelas solteiras iam à missa, era comum
os homens ficarem em frente à Igreja Matriz, para as observarem levantarem
cuidadosamente as barras de seus longos vestidos, conforme a moda da época e mostrarem
seus calcanhares (CABRAL,1979:334), sendo que havia diferenças entre o vestuário das
solteiras e das casadas. Hoje, as mulheres usam roupas que deixam seus corpos mais à
mostra; algumas ainda cobrem seus rostos ao receberem a hóstia e podem chegar perto
do altar neste momento.
85
O Jornal A Época de Florianópolis, em 11 de janeiro de 1913, fazia
recomendações de como as mulheres deveriam agir no interior da Igreja Matriz:
Em sinal de respeito aos anjos do santuário, quer o Paulo que as mulheres, na
Igreja, tenham a cabeça coberta. Todavia, especialmente para receber o
sacramento da comunhão e da confissão é louvável substituir o chapéu por um
simples véu. É proibido aproximar-se demasiadamente do confessionário, pelo
perigo de perturbar o penitente inspirando-lhe o receio de ouvi-lo. No ato da
comunhão, deve-se ter a cabeça levantada, os olhos baixos e a língua até os
lábios.
Era preciso vigiar e controlar as mulheres dentro das igrejas, segundo as normas das
Constituições das Províncias Eclesiásticas meridionais do Brasil de 1915; os
confessionários deveriam ficar à vista de todos, em locais amplos e iluminados, pois ao se
tratar de um espaço reservado, eram perigosos os encontros entre os sacerdotes e as
mulheres com seus segredos sedutores, segundo os bispos neste documento:
[...] proibimos severamente aos confessores estabelecer e entreter longas
conversações com mulheres no confessionário, quer pelo perigo que correm os
mesmos confessores e suas penitentes, quer pelo escândalo que dão ao povo,
quer pela perda de tempo, com prejuízos dos deveres sacerdotais (I.C.
BISPOS,1915:63).
Apesar destas proibições, elas sempre estiveram presentes nas igrejas, fiéis
seguidoras e porta-vozes dos ensinamentos cristãos, como por exemplo, as chamadas
Damas da Caridade de Desterro na década de 20; na festa de D. José de Camargo Barros:
“(...) saíram da Catedral 80 meninas vestidas de branco, acompanhadas pelo coadjutor da
paróquia e pelo desembargador Ermelino Leão. Uma das meninas, à frente, conduzia um
estandarte de seda que dizia: Ecce Sacerdos Magnus” (SERPA,1997:33).
As mulheres entrevistadas que cantam e tocam violão durante a missa celebrada
pelo Padre da Catedral Metropolitana de Florianópolis, hoje, ocupam, por um momento,
o altar. Ao proclamarem as palavras do Evangelho ao microfone, são ouvidas por fiéis que
lotam os bancos das Igrejas.
86
Todos os dias pela manhã a senhora responsável pela Igreja São Francisco, no
centro da cidade, abre as portas do salão principal, organiza a Igreja, faz a limpeza das
imagens sacras nos altares, atende ao público, vende velas e objetos sacros, mas sabe que
na hora da missa ela não poderá subir até o palco principal, o altar onde é celebrada a
missa é reservado somente ao Padre e aos coroinhas, Eu sei da importância do meu papel
aqui, tenho minhas responsabilidades, conheço a história de todas as santas (A.R.62
anos).
Outros depoimentos revelam que as mulheres percebem a importância de seu papel
e trabalho para a Igreja:
Para mim é um ofício. Desde que fiquei viúva passa as tardes ou manaqui.
Ajudo na secretaria. Me sinto realizada em manter a fé. (G.K.68 anos); Me sinto bem aqui,
depois que meu velho faleceu, venho mais. Tem que ter vocação mesmo para estar sempre
aqui. (R.F.70 anos.).
A própria Igreja brasileira percebeu este movimento das mulheres dentro das
igrejas e criou organizações que difundiram e promoveram ações de reflexão sobre a
condição feminina religiosa, como a Comissão de Estudos sobre a Mulher na Sociedade e
na Igreja em 1973, a Pastoral da Mulher Marginalizada, a Pastoral da Criança e curso de
Teologia dirigido ao público feminino. Para a Igreja, este trabalho é reconhecido e
necessário; na Carta as Mulheres escrita pelo Papa João Paulo II à Conferência Mundial da
Mulher, ele expressa “especial gratidão às mulheres que atuam numa maternidade afetiva,
para além da família, em creches, escolas, instituições de assistência, paróquias,
associações, no trabalho de formação especialmente em prol dos mais débeis e indefesos”
(JOÃO PAULO II,1995:135-136). Esta justificativa refere-se à condição dada pela Igreja
87
para que a mulher atue fora do espaço doméstico, ligada a trabalhos manuais, não teóricos
e filantrópicos por uma causa social e religiosa:
Neste horizonte de serviço é possível acolher também, sem conseqüências
desfavoráveis para a mulher, uma certa diversidade de papéis que brota da
peculiaridade do ser masculino e do feminino. Se Cristo confiou somente aos
homens a tarefa de ser ícone da sua imagem de pastor e esposo da Igreja através
do exercício do sacerdócio ministerial, isto em nada diminui o papel da mulher.
de fato a feminilidade da mulher crente, e especialmente da mulher
consagrada uma espécie de profecia imanente, que se realiza plenamente em
Maria e exprime bem o ser mesmo da Igreja, enquanto comunidade consagrada
com a dimensão de absoluto de um coração virgem para ser esposa de Cristo e
mãe dos crentes (Id. Ibid.137).
Para o Cristianismo, assim como o pecado entrou no mundo por meio da mulher,
também a salvação haveria de chegar à humanidade, pelas mãos benevolentes, humildes,
cheias de graça de Maria, a nova Eva, Ave, significando agora Vida, redenção,
propagadora da missão católica e provedora dos valores fundamentais como a família, e
a unidade sacralizada pela Igreja Católica. Modelos históricos resgatados e reforçados pela
fala do Papa João Paulo II em Roma, em 1980, sobre o resgate da dignidade da mulher por
intermédio de Deus quando: “É a carne humana da Virgem Maria que a Igreja honra como
Mãe de Deus, chamando-a nova Eva e propondo-a como modelo de mulher redimida”
(DOCUMENTOS PONTÍFICIOS,1982:28).
Ela veio com o papel de recolocar o lugar do feminino na economia da e de
incorporar a Igreja em seu corpo e alma, o sonho das núpcias sem máculas ou pecado,
metáfora da própria Igreja. Nessa perspectiva, a Igreja teceu toda uma ética, disciplina,
negação do corpo, vigilância que produziram estratégias de controle sobre a sexualidade e
o feminino, pois:
A fabricação de imagem de uma mulher, sonhada e desejada, acabou por
sobrepor-se a histórias de vidas femininas complexas, confusas, perpassadas de
paixões e preconceitos. Importante é que o rótulo moral mascarava
desigualdades raciais, sociais e econômicas, e a implantação do projeto de mãe
ideal fazia-se a serviço de um padrão cultural que procurava integrar todas as
88
mulheres às necessidades específicas de modernas instituições de poder, como
Estado e a Igreja (DEL PRIORE,1995:123).
Modelo ideal de mãe, cuidado, zelo, dedicação, sofrimento, recato e resguardo, “a
mariologia disseminou-se como culto da figura materna sobre a metáfora de Maria
Imaculada” (FLORES,2002:58), e a veneração a uma mulher pura. No Brasil, a devoção
mariana foi trazida por Pedro Álvares Cabral com a imagem de Nossa Senhora da
Conceição a bordo de sua caravela, em 1500, e seu revigoramento, em 1931, com a
Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, reconhecida por Getúlio Vargas
(ROCHA,2005:46).
O discurso moral cristão produziu a idéia de que, através da virgindade de Maria,
obtém-se o amor e caridade, próprios de todos os cristãos que vivem na bem-aventurança,
pois Maria manteve seu corpo intacto antes e após o parto, portanto,
[...] a manutenção deste dogma pode ser vista como uma condição
imprescindível para, não manter instável a moral sexual no ocidente, como
também para legitimar a violência e dominação machista, responsáveis pela
coerção sobre os direitos da mulher no modelo de sociedade que vivemos- a
patriarcal. Desta forma que, em matéria de comportamento, visa a reprimir toda e
qualquer forma de vivência sexual que não conduza à procriação
(FURLANI,2003:144).
Maria é a Virgem Imaculada, cheia do Espírito Santo, é virgem espiritualmente, em
todo o seu corpo e alma. Sua virgindade é espiritual por essência e corporal enquanto sinal,
pois conceber sua virgindade corporalmente não a purificaria totalmente; renunciar-se a
si é agir como Maria- “vigiai e orai”. Seu corpo livre do pecado original, segundo a
doutrina católica, concebeu o parto sem dor, ao contrário de todas as outras mães que
foram punidas com as dores do parto: “Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua
gravidez, em meio de dores darás a luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te
89
governará” (Gn 3, 16). O que, para as mulheres entrevistadas essa dor, torna-se graça e
benção, destinadas às mulheres.
A representação feminina de fragilidade e submissão de Maria é o elo entre a Igreja
Católica e as suas fiéis, como algo a ser desejado e pertencente a um plano superior, ou
seja, a forma como cada representação interpela os sujeitos vai depender do significado
culturalmente estabelecido e compartilhado por estes mesmos sujeitos
(FURLANI,2005:33)”. Descortinando representações de mulheres que devem cumprir os
papéis de modelos a serem seguidos como exemplo de família, valores e fé; “o que a
Virgem Eva atou com sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o pela fé. A morte veio
para Eva, e a vida por Maria” (CONCÍLIO ECUMÊNICO,1967:191). A beleza sagrada e
inocente das imagens artísticas de Maria substituíram a beleza provocante e tentadora de
Eva, agora é o rosto o objeto da admiração e o o corpo nu, principalmente a partir do
século XIII com o advento do estilo gótico (LE GOFF,2006:143).
Tem-se, assim, que as virgens mártires eram as mais agradáveis a Deus, eram elas
que o seguiam e o rodeavam em suas peregrinações,
Jesus andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando
o evangelho, e os doze reis iam com ele e também algumas mulheres que haviam
sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades...(...) Joana, Suzana e
muitas outras, as quais lhes prestavam assistência com seus bens” (Lc 8,3).
Maria pertence ao reino dos céus, representa o sagrado; já seu oposto, Eva, o
profano, o mundo das trevas. Mas as imagens de ambas produziram o imaginário
masculino e feminino de mulheres irreais, inatingíveis e, ao mesmo tempo, idealizadas por
ambos. O corpo, como fonte de pulsões, tornar-se fragmentado e, também, um ideal a ser
alcançado, seja de prazer, beleza ou pureza.
90
A “carne” tem sido, há muito tempo, o alvo do pecado, tornando, os que não
seguem as normas da cultura e da moral, “pecadores”; possuidores de desejos impuros,
“um mal que atinge o homem e sob as mais secretas formas” (FOUCAULT,1999:23). O
orgasmo feminino somente para a fecundação teve sua substituição, no século XIX, por um
modelo reprodutivo, demarcando a diferença dos corpos masculinos e femininos.
Surgiram, neste período, discussões sobre o sexo não procriativo e o aparecimento das
tecnologias médicas do sexo.
A pregação e a apologia à virgindade das mulheres, pelo discurso cristão, era “feito
por homens para educar as mulheres, dissuadi-las de casar, mantê-las virgens”
(VAINFAS,1986:10), sendo este o verdadeiro casamento entre as mulheres e Cristo e as
mulheres e a Igreja, a castidade por amor do Reino dos Céus deve ser tida como exímio
dom da graça. (...) Do que faz com que a Igreja tenha a Cristo como seu único esposo”
(CONCÍLIO ECUMÊNICO,1967:307). Pregando assim, através do discurso moral a
docilização e produção de condutas adequadas sobre o corpo das mulheres católicas, pois,
como a castidade, a pobreza e a obediência também fazem parte das ordens monásticas.
Hoje, através das entrevistas realizadas com as mulheres, constatou-se que 80%
casaram-se virgens e gostariam de manter essa tradição em sua família como símbolo de
dignidade social e familiar, como nos depoimentos abaixo:
Casei virgem mesmo. Os jovens devem entender o significado do amor verdadeiro e
da entrega. (G.K.68 anos); Milha filha se cuida desde cedo, mas acho que casou virgem como
eu.(A.C.65 anos).
Abdicar dos desejos impuros da carne em nome do amor divino, constituiu-se na
“erótica celeste, onde o exercício do amor se confundia com o coração e a salvação da
alma” (VAINFAS,1986:50), através do sacrifício, da caridade e da renúncia ao corpo.
91
Corpo este envolto por panos e tecidos celestiais que revelam sua sabedoria, poder
e virtude: “Trouxeram-lhe, então, todos os doentes, suplicando-lhe que, ao menos, os
deixasse tocar na orla de sua capa. E todos aqueles que a tocaram, ficaram complemente
curados” (Mt 14,35-36).
Vestes que, também, atraem e produzem saberes sobre as fiéis, como no exemplo
da fala de uma das entrevistadas: Sinto paz, tranqüilidade ao ver seu manto azul, ela é a
mãe de todos. (L.G.49 anos), ao se referir à imagem do vitral presente nas igrejas da
Catedral Metropolitana e Santo Antônio.
92
Ilustração 10- Vitral Puríssimo Coração de Maria. Catedral Metropolitana. Florianópolis.2007
13
Na parte superior de ambas as igrejas, o vitral referente ao Puríssimo Coração de
Maria, também chama a atenção das fiéis, feito em São Paulo em 1889 (LIMA,1994:54).
Nossa Senhora está usando vestes azuis e brancas; possui uma aréola com cores em branco e
vermelho em volta da cabeça. Seus pés estão calçando uma sandália, estão sob uma base de
13
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
93
retângulos branco e roxo. Em seu peito, vê-se um desenho em forma de coração vermelho,
circundado com dourado.
Um vitral é feito sob várias etapas, segundo registros da Casa de Restauros de São
Paulo, responsável pelas restaurações dos vitrais da Catedral Metropolitana de Florianópolis;
a primeira consiste em colorir o vidro, adicionando-se diversos produtos químicos ao vidro
derretido. Depois, são feitas as placas de vidro; para isso, o método mais utilizado é o da
produção de um tipo de vidro chamado antique. O artesão acumula uma pequena quantidade
de vidro fundido na extremidade de um tubo e imediatamente começa a soprar, até formar
uma bolha de vidro cilíndrica. A seguir, cortam-se suas extremidades, depois, ainda quente,
corta-se o cilindro em sentido longitudinal, achatando-o até se conseguir obter uma placa.
Cada placa é recortada com uma ponta de diamante. A etapa seguinte é a pintar com tinta
opaca preta os detalhes da figura, depois todas essas pequenas placas são encaixadas umas às
outras.
Para uma das entrevistadas, o Sagrado Coração presente na imagem do vitral, como é
chamado, traz sentimentos de amor e proteção relacionados à condição feminina: Sei que elas
me entendem, sou mulher e mãe, elas sabem o que é isso.(A.V.40 anos).Para ser uma mulher
“reconhecida” de fato, é preciso afirmar a questão da maternidade, do cuidado e da
responsabilidade sobre os(as) filhos(as). Seja, também, pelo branco do seu traje e de seus
formas que dão movimento ao corpo, como se Maria estivesse caminhando em direção de
quem a olha. A simplicidade de seus pés, calçando sandálias, revela a vida humilde que
estima as fiéis. O seu cinto ao redor da cintura, assim como seu véu, atribui-lhe a castidade
valorizada nos depoimentos das mulheres acerca da virgindade: A perfeição do círculo em
volta de sua cabeça, representada pela auréola, simboliza a perfeição de Deus, assim como o
dourado em volta do coração próximo às suas mãos desenhado sobre o traje (PALLA, 1999).
94
O branco, símbolo de pureza, também já representou a aparência pura e limpa, pois
no século XVII, acreditava-se que a roupa branca atraia as impurezas, absorvia a
transpiração e protegia o corpo das doenças(GRIECO,1991:77).
A figura do vitral é repleta de linhas verticais, horizontais que integram a imagem
de Maria; os quadrados do chão e de sua aréola, estão na cor vermelha, combinando com o
coração. Suas formas horizontais e verticais revelam calma, perfeição e a elevação da
imagem de Maria, representando sua ascensão espiritual (MANGUEL,2001:71).
O coração que atrai o olhar das fiéis integra um dos discursos religiosos de caridade
e bondade, como o da Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae,“Em Cristo, Deus
assumiu verdadeiramente um coração de carne. Não ter apenas um coração divino, rico de
misericórdia e perdão, mas também, um coração humano, capaz de todas as vibrações e
afecto” (2001:13). A caridade constitui-se em uma das virtudes teologais, representando o
amor de Deus e a humanidade, um exemplo de misericórdia a ser seguido pelos sujeitos,
“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de
pedra e vos darei coração de carne” (Ez 36,26).
Órgão pertencente ao corpo humano, o coração do vitral revela sua relação do
divino e do real, presente em todos(as), aberto e exposto como um elo entre a comunhão e
o amor celestial inseparáveis, “órgão quente e sangrento, mas cheio de vida, é ao mesmo
tempo o coração humano e o coração de um Deus de amor que se encarnou” (GÉLIS,
2008:38). Amor ao próximo revelado pelos pedidos e graças atendidas pelas mulheres
entrevistadas, sempre preocupadas com o outro:
Peço graças ao senhor para cuidar da minha filha(V.B.36 anos);
Que tire meu filho das drogas(E.B.62 anos);
Livrar o mundo de todo o mal(M.I.R.39 anos);
95
Saúde para meu marido(L.F.54 anos);
Agradeço pela cirurgia de meu pai (M.C.42 anos);
Que minha neta saia do hospital (G.G.63 anos).
Confirmando, nestes depoimentos a representação da maternidade e do imperativo
de viver para o outro, que se traduzem em abnegação, sacrifício e renúncia pelo outro.
O apelo à afetividade pregado pela Igreja Católica, através do Sagrado Coração,
representa o corpo doutrinário da Igreja romanizada, da fé e do fervor religioso, da
pregação aos sacramentos da Igreja, da caridade do amor ao próximo, “Então os ricos e
senhores acolherão os justos pedidos dos irmãos mais pobres com bom rosto e coração
aberto” (DE SANCTIS,1972:97), desde o novo mandamento, onde consta no Novo
Testamento, “Novo mandamento vos dou: que vos amei uns aos outros; assim como eu vos
amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo 13,35).
A cor vermelha do coração de Maria, na imagem, representa, para a religião
católica, o amor indivisível a Deus, sua dor e martírios que lhe derramaram sangue pelo
corpo (PALLA,1999). Sangue, também, presente na celebração pelo vinho, representando
a porta de entrada da graça do Batismo e da Eucaristia, “ o Cristo sangrando tornou-se um
argumento de peso na pastoral” (GÉLIS,2008:43), onde o coração seria o elo espiritual dos
sujeitos.
E também, em outras cerimônias religiosas, como nas tribos da Austrália, onde os
adultos cortam suas veias e regam com sangue os mais jovens, não permitindo a presença
das mulheres, pois elas tirariam o poder sagrado do sangue com suas impurezas
(DURKEIM,1996).
O sangue das mulheres, historicamente as transforma impuras, segundo algumas
religiões e culturas, produzindo um corpo sujo ou doente, proibido de se expor em público
96
ou de realizar o ato sexual para procriação durante a menstruação, alvo de prescrições e
determinações, sendo o útero objeto de muitos mistérios, pois
[..]a menstruação como manifestação do corpo, é o que é na cultura; portanto,
seus significados somente podem ser lidos no contexto de uma dada cultura: a
linguagem, os signos, as convenções, os códigos, os cheiros, os comportamentos,
os gestos- são todos dispositivos culturais (FÁVERI e VENSON,2007:75).
O sangue menstrual foi, por muito tempo, alvo de estudos, considerado maldição,
castigo, Esta pois, será a sua imundícia por causa do seu fluxo: se o corpo vaza o fluxo
ou se o seu corpo estanca, está é a sua imundícia. Toda cama em que se deitar o que tiver
fluxo será imunda; e tudo sobre que se assentar será imundo” (Lv 15, 3-4), as mulheres são
condenadas a viver entre os fluxos da menstruação e da sua inferiorização social; seu
sangue jamais irá se equivaler ao fluxo do esperma.
A cor vermelha do sangue assume posição ambígua, pois também significa, nos
adereços dos(as) santos(as) e no interior da igreja, amor e paixão. Nos mitos antigos, o
sangue significava fertilidade, vida, essencial para o conhecimento e para a existência
humana; esqueceram-se, os representantes da Igreja, das histórias do sangue sagrado e
sábio das entranhas femininas, Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos
comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o
pecado”(1Jo 1, 7).
O ideal de virgindade e de negação da sexualidade das mulheres é representado nas
imagens sacras pelo véu cobrindo a cabeça, o rosto, os olhos perigosos, sendo excluídas de
falar e serem vistas em público em nome de Deus, “enclausurá-las seria a melhor solução:
em um espaço fechado e controlado, ou no mínimo sob um véu que mascara sua chama
incendiária” (PERROT,2005:447).
Foram várias as Constituições Apostólicas e regulamentos da Igreja Católica sobre
o uso do véu pela mulher: “Que a mulher cubra a cabeça de forma a garantir o decoro
97
mesmo em público. Suas feições não devem ser prontamente oferecidas aos olhos de um
homem jovem, e por esse motivo deve-se cobrir com véu nupcial” (RANKE-
HEINEMANN,1996:143).
O véu acobertava os cabelos soltos, símbolo de impureza e de cultos pagãos para os
judeus, lembrando o enclausuramento e a repressão sob os corpos das mulheres; somente a
partir do século XV que a pintura e a escultura começam a representar a mulher de cabelos
soltos, a cabeleira pecadora de Maria Madalena , como no exemplo do Novo Testamento,
em que uma mulher de cabelos soltos lavou os pés de Jesus com suas longas madeixas, a
qual foi considerada pecadora pelos seus discípulos (Lc 7,37). Sua cabeleira atraente e
pecadora passa a fazer parte de outras imagens de santas. Em Desterro, na década de 20,
estar com a cabeça coberta não era suficiente, era preciso estar bem trajada e de forma
recatada dentro da Igreja.
As mulheres mais velhas que freqüentam a Catedral Metropolitana, hoje, usam véu
apenas na hora de comungar, símbolo também de transcendência ao sagrado. A maioria
usa calça ou saia, blusa com os ombros de fora, nos dias quentes, cabelos soltos ou com
elaborados penteados e não dispensam a maquiagem, pois segundo uma das entrevistadas:
Tem que estar bonita para encontrar às amigas e a Deus(L.F., 54 anos).
Foi através da consagração prática dessas condutas, representadas pelas imagens
sacras femininas, que se estabeleceram normas disciplinares baseadas em regras e padrões
de comportamento moral, legitimados por interesses masculinos, patriarcais e burgueses
que difundiram a imagem da Sagrada Família como ideal. A disciplina investe sobre o
sujeito por diversas formas de poder, através da sociedade, tendo como um de seus alvos o
corpo, seja para torná-lo mais dócil, utilizado ou aperfeiçoado, ela “fabrica indivíduos, é a
técnica específica de um poder que toma os indivíduos, ao mesmo tempo, coloca-os como
98
objeto e como instrumentos de seu exercício”(FOUCAULT, 1996:172). Cuidar de seu
corpo e de si exigiu investimento, controle, ou seja, modos de relação do sujeito consigo
mesmo que,
[...] permitem aos indivíduos um certo número de operações sobre seu corpo e
sua alma, pensamentos, condutas ou qualquer outra forma de ser, obtendo assim
uma transformação de si mesmo, com o fim de alcançar certo estado de
felicidade, pureza, sabedoria ou imortalidade (FOUCAULT.,1990:48).
O Cristianismo se inspirou em modelos desde a Antiguidade para construir a
vigilância sobre as necessidades da carne. O casamento cristão é bem mais recente; para
muitos, antes do período medieval, não havia a idéia de que devesse ser monogâmico e
indissolúvel. Em seguida, passou a ser um ritual, como instrumento de controle da
sexualidade e, portanto, dos pecados da carne.
Após a queda do primeiro casal no Paraíso perdido, os cônjuges passaram a ter a
incumbência de expressar o ideal de harmonia e felicidade da sociedade, principalmente
depositando, na figura feminina, o fardo dessa responsabilidade,
Durante a instrução a mulher conserve o silêncio com toda sua submissão. Eu
não permito que a mulher ensine ou domine o homem; que ela conserve, pois, o
silêncio. Porque primeiro foi formado Adão depois Eva. E não foi Adão que foi
seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão. Entretanto ela será
salva pela maternidade, desde que, com modéstia, permaneça na fé, no amor e na
santidade (1Tm 2,11-15).
A esposa passa a ser agora, objeto de disciplinarização, onde o casamento era um
dever do(a) cidadão(a), que perpetuaria o corpo cívico da sociedade e do Estado, ao lhe
conferir filhos(as) legítimos(as). Nesta perspectiva, “para Agostinho, são três os bens do
casamento: os filhos, a fidelidade e a indissolubilidade” (JARDIM, 2006:185).
Nos primórdios do Cristianismo, o casamento ainda não tinha valor de sacramento,
o casamento, no Império Romano, tinha valor ritualístico, sendo celebrado nas casas dos
noivos, tendo seu ápice quando, “os noivos, despidos, eram assistidos pelos convidados
99
que se reuniam ao redor do leito nupcial. Esse gesto era para provar a intenção do
casamento, ou seja, a união carnal e a procriação” (BROWN,1990:330). O noivado foi
uma criação dos Romanos que precedeu o casamento durante os séculos V e VI, o qual
passou a exigir a entrega do dote em cerimônias públicas.
Em 1545, no 19º Concílio Ecumênico em Trento, a doutrina do matrimônio foi
definida, consolidando-se de um caráter social, político e econômico, sendo o casamento
um dos principais formadores de elos políticos e de controle durante a Idade Média,
devendo a noiva casar-se virgem ou seguir o discurso da Bíblia, que diz: “E quem não
casa, faz melhor ainda” (1 Cor 7,38). Neste contrato, o corpo da mulher passava a ser de
posse do marido e do Estado, sendo a alma posse exclusiva de Deus, como pode ser
evidenciado no Guia dos Casados, extraído das Sagradas Escrituras, citado por Del Priore
(2005a:9):
[...] que os homens amem suas esposas é tão justo como recomendado, mas que
o exímio afeto com que as tratam se transforme em dano dos mesmos que as
amam é intolerável. É a mulher o centro dos apetites, desejosa de muitas cousas,
e se o homem conviver com seus desejos, facilmente cairá nos maiores
precipícios. É o homem que deve mandar, a mulher somente criada para
obedecer, mas como seja em todos natural a repugnância da sujeição, todo o seu
empenho é serem no mando iguais, quando não podem aspirar a superiores.
Para os gregos, por exemplo, a mulher, para se casar, deveria ter as seguintes
qualidades: “castidade, sensatez, conhecimento de costura, fiação e tecelagem, capacidade
para administrar os empregados, colaborar na conservação dos bens do marido”
(FURLANI, 2003:90). Assim, “padrões de sexualidade feminina são, inescapavelmente,
uma produção do poder dos homens para definir o que é necessário e o desejável- um
poder historicamente enraizado” (WEEKS, 1999:56).
Na Grécia antiga, as mulheres se casavam aos dezoito anos com homens que
haviam completado os estudos, da mesma escala social e cerca de cinco anos mais velhos
100
do que elas. Se mulheres pobres apareciam em público antes do casamento, no século II,
eram consideradas prostitutas, ao passo que as bem afortunadas, após o casamento
andavam pelas ruas com seus maridos, pois “a cidade precisava da riqueza de seus líderes e
que se dispunham a esbanjar honrarias públicas” (BROW,1990:23).
No século XIX o modelo higienista produziu uma mudança nas relações íntimas, no
comportamento, com a assepsia transformou as formas de gestar, o cuidado com o corpo,
com a alimentação, e a prática sexual. Era preciso que a mulher fosse esposa e mãe, mas
uma mãe e um casal higiênicos, com os olhos voltados para o cuidado e controle da prole,
“não se tratava mais de amar o pai sobre todas as coisas, e sim a raça e o Estado como a si
mesmo” (COSTA,2004:218). E ainda, como consta no Concílio Ecumênico do Vaticano,
“o matrimônio e o amor conjugal destinam-se por sua própria natureza à geração e
educação da prole. (..) sede fecundos e multiplicai-vos” (1967:548).
O casal higiênico deveria seguir padrões e características específicas para não
prejudicar a hereditariedade nobre, como o estabelecimento da faixa etária para casar entre
24 anos para o homem e 18 para a mulher; o homem deveria ser sadio, com força moral,
vigor físico e inteligente. Era, através do marido, de seu status e honra, que a mulher; com
seu sacrifício e entrega, poderia alcançar a santidade.
O conceito de contrato lembra uma situação de igualdade entre os pares, mas, como
aponta Chauí (1984:141), isso não ocorreu, pois
[...]estabelecendo a subordinação da esposa ao marido, o casamento não é um
contrato legítimo, ainda que seja legal; em segundo lugar, o Estado reproduz na
forma civil a perspectiva religiosa, em vez de romper com ela; em terceiro lugar,
a fórmula civil inclui no contrato os filhos, exatamente como na fórmula
religiosa do “crescei e multiplicai-vos”, embora dito de outra maneira.
Desde os tempos Bíblicos até a década de 1950, o casamento estava relacionado a
interesses econômicos, onde os homens se casavam com mulheres que tinham dotes e elas
101
com homens que as podiam sustentar, em troca, elas lhes davam sexo, filhos(as) e
cuidavam do afazeres domésticos (YALOM,2002:15). Era através da idéia da mulher obter
garantias e conforto com o casamento que a Igreja difundia o modelo da boa esposa, mãe,
santa e dedicada, como o exemplo exposto na Bíblia:
Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor em muito excede o de finas jóias. O
coração do seu marido confia nela...Ela lhe faz bem, e não mal, todos os dias da
sua vida. Busca lã e linho e de bom grado trabalha com as mãos. E como o navio
marcante, de longe traz o seu o. Levantam-se seus filhos e a chamam de
ditosa; o mesmo faz seu marido, que a louva. (PV 31:10-28).
Discurso este evidenciado também nas entrevistas das mulheres que revelaram
cuidarem com zelo e dedicação e de seus(as) filhos(as), muitas vezes, abdicando de estudar
e de trabalhar:
Para mim a família vem em primeiro lugar. Adoro cuidar da casa, de meus filhos,
do meu marido. Me sinto uma mulher realizada assim. (N.D.P.,47 anos);
Depoimento que silencia, talvez, o que muitas mulheres escondiam a vontade de
sair de casa, trabalhar, colaborar nas despesas, mas que em diversos momentos foram
proibidas por seus maridos e por discursos masculinos e excludentes que não valorizavam
a mulher no mercado de trabalho.
Nas entrevistas realizadas, constatou-se que 65% das mulheres casaram com 20
anos, 35% com 18 anos e 10% com 25 anos. Só agora, viúvas, começam a sair de casa para
freqüentar a igreja, a fazer e a ministrar cursos de bordado e artesanato, realizar
caminhadas. As atividades de lazer, antes, relacionavam-se com o cuidado da casa e da
família, como ir ao supermercado, viajar nas férias do marido com a família. Quanto ao
mercado de trabalho, 70% são aposentadas e 30% são donas de casa ou trabalham no
comércio, sendo a renda familiar de 60% delas de 3 a 4 salários mínimos; 30% de 2
salários e 10%, de um salário.
102
Ser casada, agir como casada e viúva, ou seja, freqüentar espaços legítimos para
esta categoria representa um modelo de mulher respeitado pela sociedade em Desterro; a
partir da Proclamação da República, as mulheres solteiras eram discriminadas, excluídas e
ridicularizadas, pois estavam fora de um padrão social e economicamente desejáveis, casar
virgem era sinônimo de honra para seu marido e família.
O lugar das mulheres era cada vez mais o ambiente recluso do lar, do silêncio, da
solidão; em Desterro, no final do século XX, elas estavam longe do alcance dos olhos dos
transeuntes das ruas, “por entre as cortinas no andar superior do sobrado, deveria caminhar
uma mulher especial, cujas imagens os jornais delineavam, (...) agora, na ostentação exigia
reclusão no andar superior” (PEDRO,1998:31). Uma mulher desejada seria o modelo de
esposa dedicada e mãe exemplar, recatada no resguardo de seu lar; apenas as mais pobres
trabalhavam e eram vistas frequentemente em público. Segundo Duby (1988:99), essa
concepção de mulher reclusa representa a relação da Igreja com o lar, onde para esse
discurso uma esposa não deve abandonar o lar conjugal, as desavergonhadas vão pelos
caminhos sem escolta.
Sendo a maioria das entrevistadas viúvas 65%, também se identificam com a
imagem e a história de Sant´Ana; nos seus depoimentos tiveram um homem na vida,
com o qual foram casadas, sendo eternamente fiéis a ele, seguindo o preceito da viuvez
casta:
Havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, avançada
em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que casara e que era viúva
de oitenta e quatro anos. Esta não deixava o templo, mas adorava permanecer
noite e dia em jejuns e orações(Lc 2,36).
103
E da manutenção dos registros documentados nas Encíclicas e Documentos
Oficiais, tais como, “a viuvez, corajosamente assumida na seqüência da vocação conjugal,
por todos deve ser respeitada” (DE SANCTIS,1972:343).
Encontramos, também, na Bíblia, a passagem onde Tamar, viúva do irmão de Onã,
chamado Er, é obrigada a ter relações sexuais com ele, para dar continuidade a família:
Então, disse Judá a Onã: Possui a mulher de teu irmão, cumpre o levirato e suscita
descendência a teu irmão” (Gn 38:8).
Era através da consolidação moral, higiênica e religiosa do casamento que as
relações sexuais para a procriação entre os casais eram permitidas de forma legítima. Para
Philliphe Ariés (1992), o casamento monogâmico e indissolúvel é um dos grandes fatos
históricos da sexualidade ocidental e do movimento de cristianização e moralização, sendo
os prazeres da carne destinados somente aos homens fora do espaço de sua casa,
principalmente, durante os séculos XIX e início do XX. Isto, muitas vezes, era acobertado
pelas mulheres para manter o casamento dentro das razões religiosas, econômicas e sociais,
direcionando a união conjugal para a exaltação da maternidade e da fidelidade eterna, pois
era a mulher a responsável pela gestação de seus filhos, de limpar a sujeita do coito,
transformando assim um pulsar biológico num ato de vontade divina” (DEL
PRIORE,1995:147).
As mulheres entrevistadas colocam-se como responsáveis pela manutenção e na
posição central do casamento ao exporem seus conceitos de fidelidade como sendo algo
que: Depende do respeito ao Outro(M.S.48 anos); Que exige compreensão, harmonia
para com o Outro (A.V. 40 anos.); Não trair a confiança do marido(A.L.51 anos.).
A consagração do casamento legítimo e abençoado pela Igreja, no zelo e na
disciplina seguida pelo casal, chega ao presente e pode ser evidenciada no depoimento de
104
uma das mulheres entrevistadas na Igreja Santo Antônio: Eu e meu marido agradecemos
nossa união e harmonia e pedimos a Deus que nos mantenha na glória do teu amor(C.S.38
anos.).
O casamento foi elevado ao símbolo de união entre Cristo e a Igreja, “monogamia e
indissolubilidade formavam, assim, o corpo institucional do modelo cristão do casamento,
em oposição ao concubinato e ao divórcio tão freqüentes no Mundo Antigo”
(VAINFAS,1986:13).
Apesar de homens e mulheres serem membros de uma mesma Igreja , neste caso a
Católica, uma diferenciação entre ambos, sobre o cumprimento de regras firmadas em
valores culturais e tradicionais. O modelo feminino é enaltecido com discursos
apresentados pela humildade, submissão, santidade e maternidade que, através de códigos
culturalmente estabelecidos, operam na fabricação do modelo de mãe moderna, com um
poder que representa, identifica e diferencia o sujeito em um regime de representação.
Desta forma, segundo Weeks (1999:42):
Os códigos e identidades sexuais que tomamos como dados, inevitáveis e
“naturais”, m sido freqüentemente forjados nesse complexo processo de
definição e auto-definição, tornando a moderna sexualidade central para o modo
como o poder atua na sociedade moderna.
Homens e mulheres, sujeitos identitários que ouviram, na primeira missa do ano de
2008, celebrada pelo Papa Bento XVI na Basílica de São Pedro no Vaticano, o seguinte
discurso: “A harmonia da família tradicional, celebrada pelo casamento entre um homem e
uma mulher, colaboram para a manutenção da paz mundial”.
Esses discursos inscrevem formas de se perceber como mulher, de agir com
determinados sentimentos e valores tidos, historica e culturalmente, como da ordem do
feminino. Imagens que ao se tornarem visíveis, tornam-se um querer ser. É através da
105
imagem sacra que a Igreja incutiu, nas mulheres, sonhos, desejos, pedidos, súplicas que
definiram seus corpos como ideais e reais.
Todos esses discursos, rituais de poder, organização, produzem a vida social sobre
o corpo, constituindo uma genealogia sobre ele e a história que o articula, marca e o
enuncia, trazendo Maia (2003:81): “A genealogia descreve os efeitos: a produção de almas,
de idéias, de saber, de moral, ou seja, produção de um poder que se conduz sobre outras
formas. O poder ao mesmo tempo é causa e efeito”.
Deste modo, não há, em nenhuma época, uma representação homogênea que serve
para categorizar, indistintamente, todos os corpos, pois cabe salientar que temos acesso aos
seus significados de uma determinada maneira, porque foram representados, para nós, de
certa forma e não de outras. Os sentidos são atribuídos na cultura, através das relações
sociais; eles não são de certa forma desde sempre. O que se percebe é que as
representações são inventadas, produzidas e que, por sua afirmação, tornam-se
hegemônicas e hierarquizam os sujeitos na escala social, de acordo com diversos
atravessamentos como de gênero, classe, etnia, geração, dentre outros. As representações
circulam na esfera do social e legitimam o direito de capturar, nomear, enfim, de
representar os sujeitos; representação esta entendida como um modo de produzir
significados na cultura, os quais são produzidos através da linguagem e implicam relações
de poder.
O sentimento materno da imagem de Maria também aparece em outra imagem
lembrada pelas mulheres entrevistadas como símbolo de ligação entre mãe,filha e a da
Igreja, que é a de Sant´Ana.
106
Ilustração 11 -Sant´Ana. Catedral Metropolitana de Florianópolis. 2007
14
Localizada no lado direito do altar central, a imagem de Sant´Ana é feita em
madeira policromada pelo artista Hans Demetz, possui classificação artística como sendo
erudita. Tem 54 cm de profundidade, 18 cm de altura e 66 cm de largura. Seguindo as
14
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
107
características do autor da obra, possui em suas vestes cores verdes, marrom e branco
(LIMA,1994:75).
A escultura de Sant´Ana está segurando um livro e pelo gesto da mão ao alto parece
ensinar Maria. A imagem de Maria é a de uma criança, portanto com cabelos soltos,
loiros(PALLA,1999). Sua veste possui cor branca, com manto em azul e detalhes em
dourado. Ambas estão em cima de uma base de madeira. As pontas dos pés aparecem
discretamente, sendo que o de Sant´Ana está coberto por um sapato preto fechado e o de
Maria descalço, dando ênfase a sua humildade. Sant´ana foi freqüentemente representada,
ensinando o catecismo à Maria, refletindo o preceito da educação familiar doméstica,
trabalho fundamental para a manutenção do discurso tradicional da “igreja doméstica”.
Seu nome significa cheia de graça, venerada como padroeira das mulheres grávidas,
cujos partos os torna rápidos e bem-sucedidos; também é considerada protetora das viúvas.
Era idosa e estéril, suas preces aliadas à paciência e à resignação lhe deram a filha Maria. O
culto de Sant´Ana é fortificado no culo VIII, quando suas relíquias foram levadas da
Terra Santa para Constantinopla e distribuídas por muitas igrejas do ocidente; seu culto
torna-se popular na Idade Média com a sua oficialização pelo Papa Urbano IV na
Alemanha em 1370
15
. Esta imagem também está presente na Igreja São Francisco em
Florianópolis.
Segundo os relatos das mulheres sobre os motivos que as levaram a freqüentar a
Igreja Católica, podemos traçar relações com a imagem de Sant´Ana e o papel da mulher
em difundir os ensinamentos cristãos:
Eu freqüento a igreja desde pequena, minha mãe me trazia(L.A.F.47 anos);
15
Disponível em www.wikipedia.org/wiki/sant´ana.
108
Freqüento a igreja mais de 30 anos, minha filha também seguirá meu
exemplo(O.R.55 anos.);
Sempre quando posso, trago minha neta, ela adora a missa(P.M.65 anos).
Minha mãe rezava todos os dias, agora eu faço as preces por ela(L.M 47 anos.).
A boa mãe, educadora, responsável pelos ensinamentos da moral cristã da imagem,
reflete-se nas palavras das mulheres, desde o século XVIII onde o papel da mãe letrada era
o de ensinar a filha a se portar, vestir, falar e a dominar os afazeres domésticos para um
bom casamento,
[...]a maternidade também comportava a necessidade de inculcar certos valores
morais de comportamento. (...)Uma filha era o que a mãe fazia dela. (...)Uma
mulher virtuosa, como alguém que imprimia à filha as virtudes da castidade, da
limpeza e da sobriedade, ficaria consideravelmente mais bem colocada nesta
escala de valores (PERROT,1991:63).
A Igreja Católica soube bem aproveitar o discurso da mãe educadora e zelosa para
difundir seus preceitos cristãos:
Conheço muitas donzelas que desejam consagrarem-se a Deus na virgindade,
mas as suas mães nem as deixam sair de casa para me ouvirem. Se as vossas
filhas quisessem amar um homem, pelas leis poderiam escolher quem lhes
aprovasse. E aquelas que podem escolher um homem, não poderão escolher a
Deus? (Sacra Virginitas,1954:17).
A família, representada pela mulher, cumpriu seu papel de bom comportamento
cristão, modelo que também tinha receptividade sobre os homens. Ciente disto, a Igreja
cedeu às mulheres um espaço nas igrejas, seja zelando pelo local ou realizando orações e
cantos durante as celebrações, como nos depoimentos das entrevistadas: Sempre ajudei na
igreja, desde moça. Atendo aqui muitos anos, meu marido ia trabalhar e eu vinha
ajudar o Frei aqui, cuidar dos livros, dos santos, sempre gostei. (G.K.68 anos); Hoje eu
ensino meus netos a rezarem a e a agradecerem a Deus antes de dormir. (A.C.65 anos);
109
Faço parte das vigílias e no outro turno ajudo na entrada da Igreja, distribuo os livros da
celebração. (A.R.62 anos).
Ao se olhar o vitral feito de vidro, a imagem de Maria (fig.10) reflete-se no(a)
espectador(a), como um espelho; pode-se ver o próprio corpo, aquele dignamente puro,
benevolente a Deus, “Maria, a Bendita entre todos, é o primeiro espelho de Cristo, imagem
da Imagem, do fruto da verdade absoluta, divina” (BURUCOA,2005:49). Neste sentido, a
relação do corpo materno com a bondade, a prática do amor e da caridade, do cumprimento
dos mandamentos cristãos produz nas mulheres entrevistadas, uma identidade católica ao
observarem e encarnarem, de certa forma, essas imagem.
As mulheres católicas do presente, ao exercerem seu papel de acolher os(as) fiéis
antes da missa, de falar no interior das Igrejas durante as celebrações; mesmo que seja por
algum momento, resgatam Eva, sua imagem de força, “o que glorifica no seu corpo é a
robustez rústica das deusas mães” (DUBY,1993:314). Assumem, também sua sabedoria,
inteligência, como Santa Catarina de Alexandria que com sua coragem enfrentava os reis
em nome de seu povo. Poder presente nas mulheres desde as grandes Deusas, bruxas, que
com sua intuição, segredos mágicos de cura, assumem também sua feminilidade, papel de
Mestra, quando; por exemplo, Maria ordena aos discípulos de Jesus que cumprissem as
suas prescrições, “Então, ela falou aos serventes: Fazei tudo o que ele vos disser” (Jô 2,5).
Poder de mãe, educadora, que ensina seus(suas) filhos(as)com dedicação , como
Santa´ana, mesmo que ensinar ou falar em público seja visto com receio pela Igreja e seus
homens, “E não permito que as mulheres façam oração pública e ensinem” (1 Tm 2,12).
Por muito tempo, as filhas de Eva forma silenciadas, nos seus lares, nas ruas, nas
assembléias, na política, nas Igrejas, na história. Quando ocupam a cena social, os olhares
se voltam para elas, para sua beleza encantadora, corpo instigante, carregado de marcas e
110
sentimentos, como nos depoimentos das mulheres entrevistadas: Conheci outras senhoras
aqui e agora estamos organizando cursos de tricô no salão paroquial. É muito bom,
ensinar outras pessoas e aprender também. A gente faz e recebe doações para quem nos
procura. É uma benção de Deus poder ajudar eu me sinto realizada com isso. (R.F. 70
anos.); Eu trabalhava no início, depois meu marido disse que eu não precisava, ele dava
conta. Então, comecei a fazer o que eu gostava, retornei a igreja. Ajudei os grupos de
assistência aos pobres e hoje também faço parte do grupo de celebração daqui. (T. A. 60
anos).
Corpo e alma são capturados por uma disciplina de gestos, comportamentos,
desejos que emergem ao entrarem em contato com a luz ofuscante, o fogo sagrado das
imagens de mulheres Santas que as consome. Mulheres, sujeitos, sujeitados às formas de
dominação do poder, dos discursos sobre o feminino, imagens ideais, de sonhadoras ou
pecadoras.
Desta forma, as mulheres assumem identidades de sexo, de gênero, performativas,
pois produzem aquilo que nomeiam e são nomeadas, representando um ser Mulher, “um
lugar de fala”, que evidencia “o ponto onde falo, do corpo que abriga minha linguagem, do
gênero que me é atribuído, traduzindo representações do mundo e auto representações em
determinados tempo e espaço” ( SWAIN,2005:339).
A inserção do corpo nessa rede de saberes que falam sobre ele estabelece, sempre,
novas relações de poder. O poder, entendido na perspectiva foucaultiana, tem funcionado
como um organizador de sistemas de classificação sejam eles sociais, políticos,
econômicos, contribuindo para que cada um(a) ocupe seu diverso lugare nas
representações que estão em jogo.
111
Assim, os significados são constituídos através de jogos de linguagem que
hierarquizam, classificam, ordenam, imperializam os discursos em um processo de
produção e reprodução de intenções, valores, práticas que constituem sujeitos e
subjetividades. É através da fabricação de seus significados, que esses espaços constituem
práticas discursivas, produzindo efeitos na moral, conduta ou corpo do sujeito, como
afirma Hall (1997a:34): “As práticas sociais, na medida em que dependam do significado
para funcionarem e produzirem efeitos se situam, dentro do discurso, são discursivas.
Moral entendida aqui, como uma “possibilidade de perceber as formas pelas quais os
indivíduos se submetem, ou não, a princípios de condutas que lhes são impostos”, e
também, “às formas pelas quais os indivíduos respeitam ou negligenciam um determinado
conjunto de valores” (SILVA,2003:25).
Identidades que buscam complementação no outro, nas diferenças e que não são
únicas, mas sim fragmentadas e “constituem ao longo de discursos práticas e posições que
podem se cruzar ou ser antagônicas” (HALL,2000:108). Neste caso, identidades de
mulheres produzidas no imaginário para poderem tornar-se mais próximas do divino, seja
pela sua devoção, pela consagração da hóstia e do corpo de Cristo ou pelo amor místico.
Com o auxílio da categoria gênero, pode-se compreender como as características
dos diferentes corpos são representadas e valorizadas nas práticas sociais e culturais,
recolocando, desta forma, o debate no campo social, onde o corpo feminino ainda é um
constante objeto de demonização, seja através de palavras, discursos ou práticas históricas
cada vez mais conflituosas e multifacetadas, seja pela busca da sua readmissão, salvação
purificação.
Por isso, falar de mulheres e de seus corpos é falar no plural, no multidirecional,
onde o “corpo não desaparece, ele se torna uma variável historicamente específica, cujo
112
sentido e importância são reconhecidos como potencialmente diferentes em contextos
históricos variáveis” (NICHOLSON,2000:36).
Escrever sobre o corpo das mulheres torna-se um instrumento de desconstrução na
medida em que resgata o corpo em sua dimensão política, enquanto campo de batalha
histórico e cotidiano que incorpora; na sua construção, movimentos de subversão e
transformação, pois o “corpo tem história e é nossa história” (LE GOFF, 2006:177). E que
apresenta múltiplas interpretações e sentidos ao longo da história, seja pelos seus discursos,
conceitos, imagens, inscrições, “decorrentes de processos de rearticulação histórica (não
linear), de fatores sociais, culturais e políticos, em distintos contextos de interesses e de
relações de poder” (FURLANI, 2005:36). Corpo, que carrega sentimentos, conhecimentos,
desejos, silêncios, sacrifícios e o sangue que celebra sua vida. Acaso não sabeis que vossos
corpos são membros de Cristo?
113
3. A CELEBRAÇÃO
Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre (Lc 1,42).
114
3.1. “Bendita sois vós entre as mulheres”: corpos e sentimentos desejáveis
Apetece-me dizer a todas estas mulheres: a beleza não está nas cores da tua
roupa. Nem na macieza do teu cabelo. Muito menos nas linhas harmoniosas do
teu corpo. A beleza sente-se de olhos fechados. Quando emigras para a lua, no
vôo da serpente (Pauline Chiziane. Uma história de poligamia).
Em meio ao paraíso, encontrava-se um homem forte, sábio, dominava os animais
feito à imagem e semelhança do criador, ao mesmo tempo puro, casto, obediente. Seu fim
enquanto homem superior a todas as coisas da natureza foi decretado ao cometer a fatal
ousadia de desobedecer às ordens de Deus. Por colocar Eva, uma mulher acima do criador,
foi expulso e humilhado. Um amor fiel que irá inspirar casais românticos modernos:
Contudo minha sorte está contigo atada, o certa como um destino a cumprir: se
a morte te acompanha, a morte há de ser minha vida. Tão forte eu sinto dentro do
meu coração. Este laço da natureza que me prende
a ti, pois aquilo que é meu é teu. Não podemos ser separados; somos um- eu te
perder seria perder a mim mesmo (MACFORLANE,1990:188).
O objeto da trama foi o desejo, o desejo de se tornarem autônomos, livres das leis e
regras impostas para desfrutar do paraíso, de deixar a razão em segundo plano, e a
intolerável audácia da mulher em querer comandar. Com seu gesto sedutor ofereceu o fruto
proibido ao homem, o conhecimento, uma outra possibilidade de viver, de obter prazer, de
usar o poder da palavra através da mulher. Eva abriu sua boca para provar do fruto
proibido, utilizando-se dos artifícios da linguagem e libertar todos os males. A partir daí,
forjou-se a hierarquização sexual, onde a mulher passa a ser a pecadora, que engana, seduz
e persuade por sua beleza, portanto, indigna de confiança. Foi a partir do conhecimento
obtido com a queda que surgem as dualidades: bem mal, vida e morte, homem e mulher.
Eva tornou-se o símbolo da visão apocalíptica da mulher, pois retirou do homem
Adão, o poder que lhe foi conferido para nomear e, ao mesmo tempo, de uma igreja
misógina, sacerdotal, masculina e casta. Poder, agora, conferido às mulheres, fonte e objeto
115
de pecado, capaz de desestabilizar as virtudes e normas sacerdotais como ocorreu em
certos momentos da Revolução Francesa:
Foi a primeira vez que indivíduos privados- em sua maioria mulheres e crianças-
assumiram um papal público para defender a Igreja e seus ritos. Segundo o abade
Grégoire, a Igreja constitucional foi estrangulada pelas ‘mulheres devassas e
sediciosas’. Elas escondiam padres refratários, ajudavam a celebrar missas
clandestinas, instigavam maridos a irem exigir do governo a reabertura das
igrejas; recusavam batizar ou casar os filhos com os padres jurados. Em protesto
contra a intromissão do Estado, voltou-se a cultuar santos padroeiros e, nas
regiões mais hostis à Revolução, criaram-se novos mártires. A reza do rosário
nas vigílias se transformou num ato de resistência política (PERROT,1995:34).
Para coibir atitudes das mulheres que reagissem aos sábios, foram produzidos
conceitos que colocaram essa mulher “estranha”, “fora da norma”, à margem da sociedade,
criando estereótipos, “onde o outro é representado por meio de uma forma especial de
condensação em que entram processos de simplificação, de generalização, de
homogeneização” (SILVA,2001:51), desde o Antigo Testamento, como no exemplo a
seguir: “ (...) para te livrar da mulher adúltera, da estrangeira, que lisonjeia com palavras, a
qual deixa o amigo as sua mocidade e se esquece da aliança do seu Deus” (Pr 2,16-17).
Uma das imagens citadas pelas mulheres como símbolo: do poder e do amor da
mulher vencendo todo o mal (D.C.39 anos); Nessa imagem para mim Maria é uma Rainha,
ela nos liberta e salva(A.B.,49 anos). É a de Nossa Senhora das Graças, presente nas
Igrejas São Francisco e Santo Antônio.
116
Ilustração 12- Nossa Senhora das Graças. Igreja São Francisco.Florianópolis.2007
16
16
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
117
17
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
Ilustração 13-Nossa Senhora das Graças. Igreja Santo Antônio. Florianópolis. 2007
118
A imagem da figura 12 está na Paróquia Santo Antônio desde sua criação em 1966,
é de origem paulista feita de madeira cromada. Possui 25 cm de altura e 60 cm de largura.
Ela representa a história da aparição de Nossa Senhora das Graças feita a Catarina Labouré
em Paris em 1830. Segundo a moça de 20 anos, noviça e órfã, a Virgem Santíssima estava
em sobre um globo, segurando com as duas mãos outro globo menor, sobre o qual
aparecia uma cruzinha de ouro. Dos dedos das suas mãos, que de repente encheram-se de
anéis com pedras preciosas, partiam raios luminosos em todas as direções e, num gesto de
súplica, Nossa Senhora oferecia o globo ao Senhor. Ela relatou assim sua visão: “A
Virgem Santíssima baixou para mim os olhos e me disse no íntimo de meu coração: ‘Este
globo que vês representa o mundo inteiro e cada pessoa em particular. Eis o símbolo das
graças que derramo sobre as pessoas que as pedem’. Formou-se em volta da Virgem um
quadro oval, no qual as letras de ouro se liam estas palavras que cercavam a mesma
Senhora: Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós. Ouvi,
então, uma voz que me dizia: Faça cunhar uma medalha por este modelo; todas as
pessoas que trouxerem receberão grandes graças, sobretudo se trouxerem no pescoço; as
graças serão abundantes, especialmente para aqueles que a usarem com
confiança”’(AQUINO,2002).
Nossa Senhora da Medalha Milagrosa é a mesma da imagem da Nossa Senhora das
Graças, por ter a moça Labouré ouvido no princípio da visão: “Estes raios são o símbolo
das Graças que Maria Santíssima alcança para os Homens” (Id.,ibid).
A imagem da Santa está cercada na cabeça por uma coroa com doze estrelas, que
lembram o zelo do apostolado, a recompensa da espera e as doze tribos de Israel. Seu
esquerdo está pisando em uma cobra, com o fruto proibido em vermelho na boca,
119
representando o pecado e a tentação. Ela possui manto azul e veste branca, também com o
cinto que anuncia sua virgindade perpétua
17
. Esta imagem, diferente das outras mais
comuns de Nossa Senhora, não representa somente a maternidade e a simplicidade, nem o
olhar triste e comovente pela dor de seu filho, mas a vitória e a soberania de Maria.
Esta imagem também está presente na Igreja São Francisco, mas a cobra está de
boca aberta sem o fruto pribido, como na figura 13, pois foram produzidas por diferentes
escultores.
Maria representa a vitória de Deus sobre o mal, a nova Eva que veio para esmagar
com seu calcanhar puro e celestial a cabeça da serpente maligna e tentadora, “Porei
inimizade entre ti e a mulher, entre tua descendência e a dela. Ela te ferirá à cabeça e tu lhe
ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15). Somente uma mulher com o espírito e corpo livres de
pecados impuros impediria que a serpente injetasse seu veneno mortífero naqueles que não
entregarem seus sentimentos e condutas a Deus.
A luta contra as tentações e o pecado é vencida pelo novo Adão, agora Jesus Cristo
e a nova mulher Maria para livrar os homens de todo mal. Essa relação “nupcial” foi
produzida pelo discurso religioso desde a Bíblia, onde Cristo seria o novo Adão e a sua
Esposa, a Igreja, “Porquanto eu desposei-vos para vos apresentar, como virgem pura, a um
único esposo, a Cristo. Mas temo que assim como a serpente seduziu Eva, assim sejam
corrompidos aos vossos sentidos” (2 Cor 11,2-3).
No Apocalipse, tanto o dragão como a serpente aparecem como sinônimos do mal,
mas também, animais sábios, “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos
campos” (Gn 3,1). Remetendo a relação de sabedoria entre a serpente a mulher, sinônimos
de sensualidade e do infortúnio de Adão.
17
Disponível em wikipedia.org/wiki/Nossa_Senhora_da_Medalha_Milagorosa.
120
O fruto proibido presente na boca da cobra, em uma das imagens, representa o
Pecado Original, o fruto proibido, sempre presente como tentação, à qual o(a) fiél deve
estar vigilante:
Tem misericórdia de mim, Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas
transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me
completamente da minha iniqüidade, e purifica-me do meu pecado. Porque
conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim
(Salmos 51,1-3).
Agostinho confirmou a relação do pecado original à sexualidade, culpando todos os
filhos de Eva e Adão pelo ato sexual, com a vulgarização do seu pensamento em obras dos
pregadores, confessores e autores de tratados morais, permitiu-se o deslocamento e a
consagração da assimilação do pecado original ao pecado sexual. Para ele a diferença
sexual pertence à natureza humana, criada pela vontade divina com a finalidade da
procriação consagrada pelo matrimônio e como papel a ser desempenhado pela mulher:
“portanto, não descubro para que a mulher foi feita para o homem como auxiliar, se se
prescinde do motivo de dar à luz” (AGOSTINHO, 2005:78)
Essa associação entre o corpo da mulher e o pecado parece ter origem na
desobediência de Eva, que passou da sua nudez desprovida de vergonha para a consciente
e pecaminosa, pois em Gênesis, quando Adão e Eva estavam nus e provam do fruto
proibido, percebem seus corpos descobertos e os cobrem com folhas. Corpos que passam a
ser vestidos e cobertos pelo poder discursivo da Igreja Católica sobre as pulsões sexuais da
carne. É a mulher quem manipula, portanto, através de sua sensualidade e seu corpo e
passa a ser um instrumento associado ao demônio e aos desejos da carne, discursos que
irão influenciar a sociedade, principalmente, a partir da Idade Média.
Ambas as imagens estão localizadas bem em frente às primeiras fileiras de bancos
das igrejas São Francisco e Santo Antônio para lembrar os(as) fiéis de que a tentação foi
121
vencida por Maria, símbolo de amor e entrega imaculada a Deus. Ela está de braços
abertos para acolher, receber e perdoar a todos(as) que cometeram, assim como Adão, a
traição, a “obra , porque o mau fruto produz senão a árvore má”
(AGOSTINHO,1990:151). Transmitindo, também, paz e proteção pelas cores branca e azul
presentes em suas vestes (PALLA,1999).
A Igreja produziu uma série de imagens e normas para o controle do corpo sexuado
de seus(suas) fiéis, em nome da uniformização da sociedade baseada na em um Deus,
onde não espaço para a subversão das regras, principalmente do corpo feminino,
vigiando as filhas de Eva para que não caíssem “nas armadilhas da serpente, afim de que
seus pés inocentes e livres nela ficassem embaraçados” (AGOSTINHO,1999c:150).
Mas, ao olharem estas imagens, as fiéis lembram do poder de Maria, poder
concedido a uma mulher, de pisar, sem medo algum, na cabeça da serpente. O pecado, ao
mesmo tempo que profana, sexualiza e fecunda o corpo de Eva com o fruto proibido.
Diante do poder da mulher, a humanidade se sagrada, profana, sexual, maternal,
demoníaca, pecadora, santa, mutante. É a mulher em sua metamorfose que se transforma
em serpente, dotada de conhecimento superior, venenoso, maligno, rainha do céu e do
inferno, derramadora do sangue impuro e que dá a vida, esposa e prostituta, quando
aparece todos(as) a olham, todos(as) a ouvem, com seus olhos de serpente e lábios de
maçã, que como um selo se inscrevem sobre a pele do homem, queimando-o no desejo e
perdendo-o na morte (MARQUETTI,2007:11).
Por mais que o Senhor Deus tenha ordenado à serpente ou à mulher: “Visto isso
que fizeste, maldita és tu entre todos os animais domésticos, e o és entre todos os animais
selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás todos os dias da tua vida” (Gn 3, 14),
122
as mulheres-serpentes começaram a falar em público, a demonstrar sua sexualidade e
feminilidade, resistentes e poderosas.
Sendo que, Maria para algumas mulheres era uma mulher do povo, comum e que
com sua coragem e valentia, vencia os desafios do seu cotidiano. Para uma das
entrevistadas, ao ser indagada sobre o que sabia sobre as histórias das Santas, ela disse:
Foram mulheres como nós, amaram, sofreram, aproveitaram a vida, depois que morreram
e fizeram milagres é que se tornaram santas (A.R.62 anos).
E se as mulheres deixassem de freqüentar a Igreja? As Igrejas não teriam mais o
chão limpo, as flores conservadas, as imagens limpas e no lugar, as hóstias não seriam
mais feitas pelas freiras, não teríamos mais catequistas, as doações enfraqueceriam, assim
como as procissões, celebrações etc. Mulheres em vestes religiosas, sem votos solenes,mas
que dedicam uma parte de suas vidas ao que acreditam como representações de amor,
caridade, esperança, algo que tem valor porque é feito, propagado e mantido por elas.
A descoberta de seus corpos e sexualidade colocaram Adão e Eva em planos
distintos, hierarquizados, legitimando condutas e saberes tidos como verdadeiros e
necessários a cada um dos sexos. A partir daí, lutas e conflitos históricos, culturais e
religiosos marcaram os corpos das mulheres através do disciplinamento, tornando-os
“tanto matéria de regulação como matéria para emancipação, de classificação e
hierarquização assim como de subversão” (ADELMAN & RUGGI,2007:281).
No final do século XIX, com as crescentes críticas aos pressupostos eugênicos, as
mulheres começavam a se libertar do domínio médico higienista que proclamava o
resguardo, o cuidado e a vigilância do corpo feminino, como sendo apenas para que a
mulher pudesse cumprir sua missão individual e social da maternidade. Com o
fortalecimento, nos anos de 1960, do discurso psicológico dirigido às mulheres, o qual
123
sugeria autoconhecimento, a exploração, o toque, o contato íntimo com o próprio corpo
para torná-lo mais natural, os cuidados com a saúde e a beleza como uma necessidade de
prazer, de autoconhecimento e de auto-estima feminina tornaram-se imprescindíveis.
Beleza e auto-estima, cuidados com a aparência presentes nos depoimentos das
mulheres ao se identificarem com os traços de feminilidade presentes nos trajes elaborados
de Nossa Senhora das Dores (figuras 14 e 15): É a mais bonita(R..O.62 anos); A mais
encantadora (R.B.49 anos); Elas são lindas, bem vestidas e enfeitadas, gosto tocar
nelas. (A.R.62 anos.). Daí nessas idas e vindas a Igreja, conheci na praça, aqui perto, meu
marido. Ele também me acompanhou várias vezes na Igreja, foi sempre muito católico.
(G.G. 63 anos.); Quando mocinha vinha à Igreja, trazia o terço para rezar e pedir um bom
marido (A.L. 51 anos.). A Igreja, também, se constitui, através destes depoimentos, em um
local de sensualidade, do encontro, do flerte, da possibilidade do casamento e do
reconhecimento social.
124
Ilustração 14- Nossa Senhora das Dores. Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007
18
18
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
125
Ilustração 15-Nossa Senhora das Dores.Igreja São Francisco.Florianópolis.2007
19
A imagem da figura 14 é feita em madeira Roca, localizada na capela Nossa
Senhora das Dores no interior da Catedral Metropolitana. De origem erudita, da Bahia, tem
seu corpo formado por sarrafos em madeira, sendo esculpidos somente os pés e as mãos
descobertos, com articulação nos braços, o que permite que suas vestes sejam trocadas em
dia de procissão (LIMA,1994:150).
Possui um arco ao redor da cabeça com sete medalhões, invocando as angústias de
Nossa Senhora, os cabelos são naturais, feitos em salão específico; o manto é escuro, em
azul; seu rosto possui expressão forte e real. Por baixo da roupa, é a única imagem de santa
19
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
126
que possui roupa íntima, uma camisola branca, trocada em dias de festa por mulheres
escolhidas pela própria igreja a portas fechadas.
A representação de Nossa Senhora das Dores refere-se à terceira fase da vida de
Maria com a morte de seu filho Jesus. No Brasil, foi em vila Rica, a partir de 1767 que o
culto à Nossa Senhora das Dores se firmou. A partir de 1722, com o Papa Bento XII, seu
culto teve inicio; a devoção à Nossa Senhora das Dores possui fundamentos bíblicos,
baseados nas sete dores de Maria: o velho Simeão que profetiza a lança que transpassaria o
seu coração Imaculado; a fuga para o Egito; a perda do Menino Jesus; a paixão do Senhor;
crucificação, morte e sepultura de Jesus Cristo
20
.
A devoção da virgem das Dores com os sete punhais é originária da região de
Flandres, no final do século XV. Sua imagem, na Igreja São Francisco (figura 15), também
é representada por uma espada atravessando seu ombro, objeto que foi retirado por duas
vezes pelos(as) devotos(as) em comoção a este símbolo, atravessando o corpo da Santa. A
imagem de Nossa Senhora das Dores também reflete a vida nos engenhos de açúcar no
Brasil (LIMA,1994:70).
O ritual de se arrumar e enfeitar-se para ir à Igreja revelado pelas mulheres
entrevistadas, demonstra que este espaço também se torna um local de sociabilidade, do
encontro com experiências, vivências e confidências entre essas mulheres. Os cabelos
soltos e bem penteados da imagem da Santa atrai as fiéis, que, de certa forma, também se
arrumam com adornos e adereços como os das imagens.
Os cabelos soltos das mulheres, historicamente, também foram alvo de prescrições
pela Igreja Católica, “se a mulher não usa véu, nesse caso que raspe o cabelo” (1 Cr
20
Disponível em www.paginaoriente.com/titulos.
127
11,6).A ênfase demasiada na higiene, nos séculos XVIII e XIX, apontava às mulheres a
necessidade de ficarem atentas a todos os cantos e esconderijos da sujeira, não só do corpo.
A higiene e o cuidado com as mãos, com as unhas, pés, com os cabelos perfumados eram
sinônimos de saúde, beleza e sedução. Em muitos momentos, as prescrições eram
traduzidas enfaticamente por palavras como limpeza, distinção, arrumação, cuidado,
sempre relacionadas ao corpo feminino, como no exemplo a seguir:
A mulher deve orgulhar-se de sua cabeleira, trazendo-a sempre limpa e
discretamente perfumada e sempre arrumada com arte e distinção. A pele
precisa, antes de mais nada, de uma boa limpeza. O uso da água morna e do
sabonete podem fazer milagres (ALENCAR,1958:47).
Um exemplo desse cuidado com o corpo e a aparência pode ser observado nas
imagens de santas nas igrejas que estão sempre com o rosto bem limpo, claro, com os
cabelos escondidos ou bem penteados, quando aparecem.
Neste período, a figura da mãe correta é associada à imagem da Virgem Maria,
“santificada, pura, ingênua, trabalhadora, preocupada com a saúde dos filhos e do marido,
sem corpo, imaculada e sem sexo” (RIBEIRO, 1985:222). Um símbolo de castidade,
pureza, honestidade, ao contrário dos elementos profanos das mulheres sedutoras,
solteironas, públicas que eram ridicularizadas por não contribuírem à sua pátria com o
casamento e a procriação desejáveis.
O cuidado em manter a boa aparência do corpo foi símbolo de distinção social
entre as mulheres, como pentear as longas cabeleiras; o cuidado com o rosto, seio, mãos; o
que ficava à mostra, deveria ter a cor branca com toque de rouge; as jovens entrelaçavam
seus cabelos; as meninas usavam cabelos soltos; “desde a Revolução Francesa, é no corpo
das mulheres, esposas ou amantes, através de seu porte distinto e de seu traje, que se
ostentam o sucesso ou a pretensão dos ambiciosos. Talvez nunca até então as senhoras
128
tivessem gasto tanto tecido para se vestirem” (KNIBIEHLER, 1991:353). Entre as décadas
de 1950 a 1960 baseadas no discurso da mídia de Hollywood, a mulher estava sempre bem
vestida e maquiada, mas não deixava de utilizar os aparelhos domésticos cada vez mais
modernos que, ao mesmo tempo, as mantinha em casa (YALOM,2002:394).
Mesmo que a Bíblia sugerisse que “as mulheres, em traje decente, se ataviem com
modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro ou pérolas, ou vestuário
dispendioso” (1 Tm 2, 9); exprimindo deveres, moral e estética aos corpos das mulheres,
elas, hoje, fazem do momento da missa um ritual para ornamentar seus corpos com bons
trajes, pintura, penteados, correndo o risco de serem barradas, pois na parte da entrada da
Catedral há uma placa com os seguintes dizeres: “Por favor, respeite este ambiente!”, e em
letras grandes em cores vermelhas alerta: “ Para cada lugar o seu trajar”.
129
Ilustração 16 - Entrada da Catedral Metropolitana de Florianópolis.2007
21
Objetos e símbolos que, através das imagens e das mensagens que carregam,
instituem uma classificação social e de gênero que produzem comportamentos e cuidados
de si, adequados para se fazer parte de um grupo ou instituição.
O vestuário, lembrado nos dizeres da placa da imagem, por exemplo, cobriu os
corpos com símbolos estéticos, culturais e normativos, revestidos de categorias e padrões
sociais, políticos, psicológicos, de gênero, de religião e poder, um artefato histórico, sendo
assim,
O desenvolvimento histórico da vida religiosa feminina acabou por transformar o
uso da veste religiosa, por exemplo, numa negação da feminilidade, na medida
em que, por um lado, pretendia esconder as formas naturais do corpo e, por
outro, incorporava elementos do vestuário masculino. Na verdade, certa imagem
de mulher era veiculada e cultivada, mesmo nessa aparente negação
(AZZI,1993:126).
21
Imagem fotografada por Cristiane de C. Ramos Abud.2007.
130
O vestuário com seus adornos significava, tanto poder, condição social, proteção,
sendo ainda um dos elementos principais em ritos dos mais significativos da simbologia
medieval como a investidura do cavaleiro, a consagração dos reis e a ordenação do monge
(PÄCHT,1993:137).
Desde a moda do século XIX, a mulher de Florianópolis aprendeu como deveria
trajar-se ao sair às ruas:
É um vestido de longa metragem, com fofas, mangas com pufes nos braços e
justas nos antebraços, decotado, para deixar à mostra uma nesga dos seios e o
discreto vale entre ele ou, dependendo da ocasião, afogadinho até o pescoço,
com golinha de rendas e fitas (CABRAL,1979:333).
O jogo do acobertar e do revelar ficava sobre as partes descobertas pela roupa, os
pés e as mãos. Assim como Cristo, as imagens de algumas Santas aparecem descalças,
símbolo de rejeição à riqueza e apego aos votos de pobreza.
Imagens, portanto, que emergem do interior de práticas discursivas que produzem e
vinculam saberes sobre si e sobre as populações, “procedimentos pelos quais o sujeito é
induzido a observar-se a si mesmo, analisar-se, decifrar-se, reconhecer-se como um
domínio de saber possível” (LARROSA,1995:55). Textos, cores e formas que disseminam
mensagens para serem executadas, “a letra ou a palavra pode ocupar um espaço importante
no dispositivo vestimentar e constituir um signo com uma representação múltipla:
ornamental, simbólica ou moral” (PALLA,1999:36). A mulher e seu corpo tornaram-se
objeto e símbolo de desejo,
O lugar mais erótico de um corpo não é onde o vestuário se entreabe? Na
perversão não zonas erógenas; é a intermitência, como disse muito bem a
psicanálise, que é erótica: a da pele que cintila entre duas peças (as calças e a
malha), entre duas bordas (a camisa entreaberta, a luva e a manga); é essa
cintilação mesma que seduz, ou ainda: a encenação de um aparecimento-
desaparecimento (BARTHES,1987:4).
131
Através das imagens sacras, o discurso católico sobre o controle do corpo passa a
“configurar um dever ser’ para o casamento, para a família, para aqueles que transitam
nesse universo: homens e mulheres” (CARVALHO, 2003:41).
É neste espaço, ocupado principalmente por mulheres que suas histórias de vida
como devotas tornam-se comuns e passam a ser partilhadas, construindo uma identidade
social pertencente a um grupo. Este local representa uma posição simbólica que demarca o
discurso do sujeito e o modo como é (re) significado pelos seus demais integrantes; estes
lugares sociais são constitutivos das significações produzidas nas relações sociais. Deste
modo, nos conflitos e nas diferenças, “construímos nossa identidade em relação a histórias
de outras pessoas a nosso respeito e nossas próprias histórias a nosso respeito, histórias a
respeito do nosso passado e nosso presente e acerca daquilo que queremos nos tornar”
(THOMPSON,1981:80).
Essas narrativas de um grupo não são lineares, possuem reminiscências,
contradições, estereótipos históricos, culturais, políticos e de gênero, “o grupo é suporte da
memória se nos identificamos com ele e fazemos nosso seu passado” (BOSI,1994:414).
As mulheres com seus enfeites, perfumes, véus, olhares, sorrisos, cantos,fazem do
momento da missa uma forma de demonstrar que elas estão presentes, seja pelas suas
orações, terços, na organização das toalhas do altar, das flores, do cuidado com as imagens
de Santos(as), ou pelos seus sorrisos e lágrimas durante suas orações, produzindo um ritual
próprio. Evas e Marias que experimentam a fertilidade e o prazer de seus corpos, alvos de
controle por parte dos poderes espirituais e temporais.
Órgãos, sentimentos, desejos, gestos, palavras pertencentes a um corpo desejante de
mulher fiel a Deus e à Igreja, mas, também, aquele que reflete o seu duplo, o proibido, o
transformador à procura de sua identidade. Perceber a historicidade dos corpos, as práticas
132
discursivas e as marcas sutis e invisíveis que o inscrevem, pode criar condições para
questionarmos os dispositivos e as técnicas constitutivos de nossas subjetividades, e, talvez
uma forma de se emergir movimentos de resistência e de outras formas de agir sobre si e
os outros, “é também resistir aos seus significados; é não tomá-los como dados, universais,
suficientes.(...) é também resistir com esses significados” (SANTOS,2002:114).
É através da descoberta de seus corpos encarnados de poder que elas produzem
identidades, seja de gênero, de mulher católica, mãe, amante, vaidosa, reinterpretando e
ressignificando valores impostos no momento de sua criação para forjar uma nova
possibilidade, devires de mulher e metamorfoses do presente, produzindo diferentes e
criativas práticas e significações,
Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma
interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de
referência. Nada de simples ou estável nisso tudo, pois essas múltiplas
identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes ou
até contraditórias. (...) Somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes”
(LOURO,2001:12).
O grupo constituído por essas mulheres católicas torna-se um espaço de encontro e
de ressignificação dos valores ligados ao catolicismo, que tiveram impulso com os
movimentos libertários nos anos 60, no Brasil, como questões ligadas à venda da pílula
anticoncepcional, a manutenção ou não da virgindade como firmamento do casamento, o
sexo como prazer, demonstrando suas táticas cotidianas para abrir brechas nas redes
discursivas dos discursos normativos acerca de suas sexualidades, como um ensaio de uma
“antidisciplina” (CERTEAU,1994).
Apesar de toda condenação da Igreja Católica sobre o uso de métodos
contraceptivos, do sexo antes do casamento, pois segundo o Papa Bento XVI, “O sexo é
um instrumento sagrado somente para a reprodução, onde o casal deve determinar os
133
períodos de fertilidade” (ZH, 2007); sendo partidário aos métodos naturais, algumas
mulheres entrevistadas enfatizam, em suas falas, possibilidade de crenças firmadas em
valores cristãos, mas reelaboradas e próximas ao seu tempo, forjando uma identidade de
mulher católica sem deixar de viver sua espiritualidade.
Um exemplo disto é a opinião e suas práticas quanto ao uso de métodos
contraceptivos, sendo favoráveis a uma reformulação da Igreja Católica para atender às
necessidades e à realidade destas mulheres. Para elas, a sexualidade não interfere de forma
negativa na sua religiosidade, sendo esta ligada à e à vocação espiritual: Casar virgem é
uma benção, mas depois tem que pensar bem sobre quantos filhos se quer ter. Hoje em dia
tem que ter recursos mesmo. Não vejo problema em se prevenir (C.S. 48 anos.);
Cada um sabe a sua hora. Acho que a mulher tem que se cuidar e abrir o olho tem
muito aproveitador por aí (R.B. 49 anos.);
Como eu trabalhava no início do casamento, me prevenia sempre. Acho que isso
faz parte da mulher de hoje, a Igreja poderia entender isso (I.N. 53 anos).
Essa escolha e planejamento quanto ao número de filhos(as), pode ser evidenciada
nas entrevistas, onde 75% têm de 1 a 2, 15% , 3 e 10% mais de 3 filhos(as).
Essas mulheres assumem valores e conceitos do Cristianismo, mas fazem um
releitura da fé, criando novas possibilidades de perceber sua sexualidade, feminilidade,
amor para construir uma identidade religiosa de mulher católica do presente; desta forma,
pertencer a este grupo religioso contribui para a produção de subjetividades não somente
ligadas aos elementos religiosos, mas a valores contemporâneos. Identidades que não são
fixas e sim construídas através de um “desenraizamento”, onde o escape torna-se o
resultado das adaptações do sujeito aos ltiplos contextos proporcionados pela sociedade
ao que Bauman(2001) chama de identidades mutantes. O espaço da Igreja, assim , torna-se
134
um local onde se expressam, produzem e escapam diferenças e identidades que constituem
uma determinada forma de elas se relacionarem entre si e um espaço de participação,
resistência e intervenção, na medida em que “inscrevem em seus corpo suas próprias
marcas e códigos identitários” (FÁVERI,2007:91).
Para Foucault(1995), não poder sem possibilidade de fuga, escapatória ou
resistência, pois o seu exercício envolve a liberdade de outras ações, o investimento do
ponto de apoio pelo poder de, ao ter outras possibilidades, necessita ser acometido pelo
mesmo. O poder atravessa, investe, passa pelos sujeitos modificando-os. E, da mesma
forma, a resistência ou as resistências se encontram pulverizadas em vários lugares por
toda a relação de poder e não de forma exterior a ela. Neste processo de construção dos
sujeitos e seus corpos, a materialização das normas regulatórias se de forma
compulsória, mas os que a elas não se ajustam. Estes sujeitos fornecem a abjeção, as
fronteiras ou os lugares “inabitáveis” para os corpos. Assim, eles são indispensáveis,
também, para a constituição daqueles corpos que “materializam os corpos”
(BUTLER,2001).
Mas não podemos esquecer que tanto Eva como Maria foram produzidas pelo
próprio discurso católico, portanto, imagens necessárias para a produção da condição
feminina. Representações de pureza/impureza, ordem/desordem, pudor/luxúria que
marcam simbolicamente a sexualidade feminina, pois o oposto, a norma, o Outro foram
necessários na produção da rede discursiva para nomear e controlar os sujeitos, mostrando
o certo e o errado. Como o próprio texto de Gênesis que vem sofrendo diversas
interpretações; cada sujeito o recebe de uma forma diversa.
Assumimos tanto Eva como Maria ao reivindicarmos o uso de métodos
contraceptivos e o direito do planejamento familiar, por exemplo, e as mulheres
135
entrevistadas também estão assumindo um papel que lhes é atribuído culturalmente, ou
seja, cuidar, ser responsável e intervir sobre seus próprios corpos.
O que vale é demonstrar as diferentes formas de vivenciar e celebrar seus corpos,
desejos e fé, modos de operar e experimentar-se nas redes discursivas de saber e poder.
Revelar que há corpos, no presente, que não se conformam, que deslizam, são móveis,
cambiantes. O que somos ,agora, num outro momento, lugar ou cultura, pode deixar de ser,
pois os corpos transitam, desejam e são desejáveis por sociedades, conceitos e discursos.
Pode-se, ainda, ressaltar que novas interpretações para a valorização e resgate da
mulher, como na própria leitura da Bíblia, deve ser reinterpretada para a memória daquelas
que acompanham e seguem Jesus, como no Novo Testamento em Mt 26, 6-13:
Ora estando Jesus em Betânia, em casa de Simão,o leproso, aproximou-se dele
uma mulher, trazendo um vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe
derramou sobre a cabeça, estando ele à mesa.Vendo isto, indignaram-se os
discípulos e disseram: Para que este desperdício? (...) Mas Jesus, disse-lhes: Por
que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo. (...) pois
derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento.
Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será
também contado o que ela fez, para memória sua.
O que revela a proximidade e o reconhecimento de Jesus àquelas que eram as
responsáveis em transmitir valores éticos e familiares, com sabedoria e poder, sejam elas,
“senhoras”, donzelas, rainhas, dominadoras,
Mulher virtuosa, quem achará? O seu valor muito excede do de finas jóias. (...)
Ela percebe que o seu ganho é bom; a sua mpada não se apaga de noite. (...)
Faz para si cobertas, veste-se de linho fino e púrpuro. A força e a dignidade são
os seus vestidos, e, quanto ao dia de amanhã, não tem preocupação (Pr 31,10-
25).
Mulheres sábias como esta, que gerencia sua casa e empresa, remetendo a imagem
das Deusas do Antigo Oriente que ensinavam, curavam dominavam, reconhecidas pelo
poder da fecundidade, e, “Em especial nas narrativas principais famílias judaicas do
136
período bíblico, a família do rei Davi, encontra-se exemplos muito sugestivos quanto ao
comportamento da mulher heroína” (BRAGA,2007:14).
Mulheres que tinham bens possuíam autonomia financeira e administrativa, por sua
aprendizagem e dedicação. Sábias e valiosas como as pérolas, com bom gosto, elegância e
beleza (LOPES,2007). Celebrando, portanto, a presença, a atuação e a dignidade da
mulher presentes na Bíblia, colocando sob suspeita preceitos do cristianismo tidos como
verdadeiros e únicos.
Somos seduzidos(as) pela cobra presente nas imagens de Nossa Senhora (figuras 12
e 13), ela nos provoca, inquieta, instiga a pensar: E se Maria tirasse o calcanhar sobre a
cabeça da serpente, o que aconteceria? Será que ela realmente a morderia? Ou lhe
mostraria outras formas de conhecimento, prazer ao enroscar-se em suas pernas e subir
pelo seu corpo?
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos as fraturas da certeza, buscamos a luz para afugentar os fantasmas-
ou maus espíritos. Pensamos e sentimos. Nos arriscamos. Nesses riscos,
nessas arranhaduras, abrimos espaços- frestas e fissuras por onde se oxigena
nosso ser, tão desejoso de sentir, em sua plenitude, a experiência de estarmos
vivos. E nessa experiência- em que as palavras, os sons, as imagens, os
sentimentos têm ressonância em nosso ser mais íntimo- dançamos!
(EIZIRIK,2000:106).
Foi através da observação, interpretação e da análise das imagens sacras femininas, do
ir e vir às igrejas para entrevistar as mulheres, do caminhar pela cidade de Florianópolis, da
pesquisa de registros em arquivos históricos, acervos, que pôde-se perceber o quanto os
corpos movimentam-se em uma dança, que apesar de ser formada pela mesma música; a das
orações e celebrações das missas produz ritmos e nuances diversos e múltiplos. Um caminhar
que coloca o corpo em experiência com o espaço, os sons, os cheiros articulam outros tempos
ao observar os detalhes ao redor, ritmos ao acompanhar outros corpos, colocando o
imaginário no percurso histórico.
Corpos que foram atravessados e marcados por discursos, desejos, medos, prazeres,
gestos, rituais, códigos de inscrições históricas que lhes deram vida social, memórias,
experiências, valores, sentimentos, escolhas. Corpos místicos, encantados, encarnados,
mágicos, nos quais se inscrevem fetiches de rituais onde se efetivam os objetivos da inscrição,
pois “(...) o corpo é em si mesmo uma construção, assim como é a miríade de corpos que
constitui o domínio dos sujeitos com marcas de gênero”(BUTLER,2003:27).
Nessa trajetória de corpos humanos e divinos que o exercício da problematização não
se assentou em bases seguras e estáveis, ao contrário, situou-se em um território de riscos,
incertezas e imprevisões quanto ao que se detêm como verdade; a reflexão sobre a tarefa e a
escolha de refletir sobre os discursos do presente como um desafio do pensar de cada um(a).
138
Partilhando de estudos foucaultianos, entendemos que não podemos escapar, pois estamos
todos(as) inseridos(as) em regimes de verdade, que bom que podemos dizê-los plurais, assim
exercitamos, minimamente, a nossa liberdade.
O que nos resta é problematizar a forma pela qual nos assujeitamos ou não das
verdades do nosso tempo. Mas produzir um pensamento ou uma prática de resistência não
significa ancorar-se em algo seguro, ao contrário, implica arriscar-se a experimentar outras
sujeições e a enfrentar novos rumos incertos e conflituosos, De qual lado você se ligaria
antes de mais nada? É preciso verdadeiramente escolher? Não, não é preciso escolher, mas
para qual lado vo tenderia? Eu tenderia insinuar-me”(FOUCAULT,1990:60). A
característica da escrita torna-se, assim, uma incessante problematização e reproblematização
de si mesmo e de seu tempo. A relação com o presente deve ser construída através de seu
estranhamento, de sua desfamiliarização. Trata-se de produzir em nós e nosso passado,
fraturas, diferenças, mutações, descontinuidades, proibindo a racionalidade retrospectiva,
analisando tudo de um outro ponto de vista, de forma que de constituía uma desrealização do
presente (LARROSA,2005).
Ao registrar e acompanhar as mulheres nas Igrejas, ao ouvir suas falas acerca de sua
religiosidade, sua relação com o corpo, o amor e o desejo, pode-se perceber as formas de
investimento e produção históricas sobre a condição feminina, seu corpo, sua alma e
questionar a maneira pela qual determinadas prescrições e discursos transformam os humanos
em sujeitos, e sujeitos de determinado tipo. Neste caso, compreender como a Igreja Católica,
através de seus registros, práticas, imagens, oratória, investiu, negou e normatizou o que é e
como deve ser a mulher através dos tempos. Seus corpos e almas tornaram-se objetos e alvo
de dominação e submissão, através de diferentes contextos discursivos e disciplinares que os
esquadrinharam, desarticularam e o recompuseram numa sistemática desenvolvida, não
139
simplesmente para que se faça o que se quer, mas para que se opere como se quer, de acordo
com as eficácias e sua utilidade na aplicação do processo disciplinar corpóreo
(FOUCAULT,1996:127).
Ao mapear e cartografar o corpo, suas extensões e interior, ele se tornou mais dócil,
útil, submisso, fortificando um determinado poder, discurso e saber, dentro de redes sociais e
culturais,
Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância; sob a superfície das
imagens, investem-se os corpos em profundidade; atrás da grande abstração da troca,
se processa o treinamento minucioso e concreto das forças úteis; os circuitos da
comunicação são os suportes de uma acumulação e centralização do saber; o jogo
dos sinais define os pontos de apoio do poder; a totalidade do indivíduo não é
amputada, reprimida, alterada por nossa ordem social, mas o indivíduo é
cuidadosamente fabricado, segundo uma tática das forças e dos corpos. Somos bem
menos gregos que pensamos. Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco,
mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos de poder, que nós mesmos
renovamos, pois somos suas engrenagens (FOUCAULT, 1996).
O corpo, portanto, assim como alvo de processos de investimento e intervenções
cotidianas, também é produzido por intenções de gênero. As vozes das mulheres que
percorreram essa escrita relataram formas de manutenção e também de reelaboração para o
seu tempo e práticas que driblam os discursos da religião católica sobre o modelo de mulher.
Produziram e inscreveram novos códigos e marcas identitárias em seus corpos que escapam às
normas e reelaboram novas formas de vivenciar o feminino no presente, sem deixarem de
lado sua religiosidade e fé. A participação delas nas atividades religiosas cria possibilidades
de sua autonomia.
Não se buscou, no decorrer da pesquisa, demonstrar que as mulheres católicas
possuem uma única história, mas sim experiências singulares, alguns desejos e discursos
comuns, formas de assujeitamento, mas, também, práticas que borram as fronteiras do
discurso católico feminino. Mulheres que se aproximam do arquétipo de Maria-mãe, paciente,
serena e das que já ocupam outra forma de vivenciar a experiência feminina de acordo com
140
suas idéias e fé. Não cabe aqui julgar as práticas relatadas por essas mulheres, apenas se teve a
intenção de mostrá-las dentro do percurso histórico da produção dos discursos sobre o corpo
da mulher, principalmente do discurso religioso católico. Também, não teve-se a intenção de
demarcar uma única forma de interpretação e leitura sobre os documentos religiosos e sobre
as imagens sacras, sabemos que outros olhares e leituras podem ser realizados. Por outro lado,
sabe-se que determinados contextos culturais, religiosos, políticos e econômicos irão
influenciar esses olhares, permeados por ideologias, interesses, valores morais.
Ao traçarmos dentro da história os discursos, os locais, os momentos,
[...]as práticas que ensejam a divisão sexual do trabalho, dos espaços, das formas de
sociabilidade, bem como a maneira como os diferentes meios de comunicação e
divulgação constituem as diferenças reforçando e instituindo os gêneros, estamos
escrevendo uma história que questiona as ‘verdades’ sedimentadas, contribuindo
para uma existência menos excludente (PEDRO,2005:92).
No caso das mulheres, seus corpos foram amaldiçoados, feitos por pedaços
masculinos, patriarcais, moldados para repetir a dança desses costumes, crenças e
pensamentos,
[...] sobre o corpo que se encontra o estigma dos acontecimentos passados do mesmo
modo que dele nascem os desejos, os desfalecimentos e os erros; nele também eles
se atam e de repente se exprimem, mas nele também eles se desatam e entram em
luta, se apagam uns aos outros e continuam seu insuperável conflito
(FOUCAULT,1996:22).
As imagens artísticas e os discursos normativos religiosos acerca do corpo da mulher,
tanto o tornam objeto de contemplação, como de aprendizado, saberes que são legitimados e
marcados por verdades e práticas culturais. Corpos que são vistos, venerados, abençoados,
sendo que o “ver se pensa e se experimenta em última instância numa experiência do
tocar” (DIDI-HUBERMAN,1998:31).
Tocamos nas imagens e encarnamos histórias de subordinação e de dominação
patriarcal sobre as mulheres e seus corpos, mas
141
Como podemos designar o pão eucarístico e dizer Isto é o meu corpo, quando os
corpos das mulheres são espancados, violentados, esterilizados, mutilados,
prostituídos e usados com finalidades machistas? Como podemos proclamar
reciprocidade com os homens no corpo de Cristo, quando os homens restringem e
negam nossa liberdade reprodutiva e nossa responsabilidade moral?
(NUNES,2000:12).
O patriarcado, também não se limita ao domínio e à subordinação de mulheres, “mas
toda uma estrutura da sociedade: aristocratas sobre os servos, senhores sobre os escravos, rei
sobre os súditos etc.(RUETHER,1993:57).
Ao demonstrar as cenas e os fragmentos do cotidiano religioso das mulheres
pesquisadas, seus desejos, o que procuram, suas experiências com a religião católica,
revelamos pedaços de um dizer político e de gênero, na medida em que se retira “os véus da
invisibilidade das mulheres como sujeitos históricos (COSTA,2003:187). E em se tratando de
gênero, não se pretendeu utilizar o termo “mulheres”, de forma binária, oposta ao masculino e
pertencente somente aos corpos femininos, pois “podemos utilizar a categoria gênero não
para analisar as relações entre homens e mulheres, mas também para compreender a dinâmica
social e política (FÁVERI,2007:72).
Escrever tornou-se o desafio da alteridade, pois implicou o próprio entendimento
acerca de si. Delirante, às vezes, não num vazio, mas debruçados sobre uma história, uma
imagem, uma narrativa, um arquivo. Daí carregada de fantasias, de ardores, desejos de
possibilidades, que “a história das representações do corpo no universo religioso é hoje um
conteúdo aberto e o essencial da tarefa está diante de nós” (GÉLIS,2008:22). Desnaturalizar
certos discursos colocados em circulação pela cultura católica pode contribuir para que se
pense o corpo, o gênero, a sexualidade e a religião de outras formas na nossa sociedade.
Estudar os sentidos atribuídos pelo catolicismo para estes aspectos, poderá auxiliar-nos a
142
compreender melhor as condições que permitem a emergência de algumas representações e
também de algumas “verdades” católicas sobre a condição feminina.
É na escrita que nos encontramos enquanto mulheres, mães, filhas, trabalhadoras,
pesquisadoras; desejamos, rimos, choramos, sofremos ao conceber e a dar a luz às palavras, às
idéias, mas sabemos que “antes se goza, e muito” (DUBY,2001:62).
143
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Roberta Borges. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 20/05/2007
Maira Inês Rezende. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 10/06/07
Elvira Borba. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 10/06/07
Gertrudes Gouveia. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 10/06/07
Marta Antônia Silva.Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 07/07/07
Aparecida Carneiro. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 07/07/2007
Tânia Alburquerque. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 07/07/07
Maria Cecília. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 07/07/07
- Igreja São Francisco
Anastácia Rocha. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 20/05/07
Luciana Ferreira. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 21/05/2007
Maria Aparecida Feltz. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 10/06/07
Aline Lumertz. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 18/06/07
Lizete Moraes. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 18/06/07
Inês Nogueira. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 07/07/07
Nora D.Prates.Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud 10/07/07
Raquel Fornari.Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 10/07/07
Rita Maria Silva.Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 20/07/07
Diná Cunha.Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 29/07/07
- Igreja Santo Antônio
Frei Gamaliel. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 24/08/2007
Marta Schulla. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 06/04/07
Cátia Silveira. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud 06/04/07
Amélia Visconde. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 15/04/07
Vânia Borges. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 15/04/07
Alice Boernadethe. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 25/05/07
Francisca Costa. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 17/06/07
Luana Garcia. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 17/06/07
Amélia Guimarães. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 03/07/07
Gorgina Kertz. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 03/07/07
Lenara Alves. Entrevista concedida a Cristiane de C. Ramos Abud em 03/07/07.
2.2. Depoimentos orais
Catedral Metropolitana
Aparecida Carneiro. Depoimento concedido a Cristiane de C. Ramos Abud em 02/05/08
Anastácio Rocha. Depoimento concedido a Cristiane de C. Ramos Abud em 02/05/08
145
Igreja Santo Antônio
Gorgina Kertz. Depoimento concedido a Cristiane de C. Ramos Abud em 02/05/08
Igreja São Francisco
Raquel Fornari. Depoimento concedido a Cristiane de C. Ramos Abud em 02/05/08
Lizete Moraes. Depoimento concedido a Cristiane de C. Ramos Abud em 02/05/08
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4. Jornais
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PRÉDIO HISTÓRICO PRECISA DE REPAROS. Jornal A Notícia, Caderno Destaques.
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157
ANEXOS
Anexo 1- Questionário
Roteiro da Entrevista
Data: Horário: Local:
Idade: Naturalidade:
Há quanto tempo mora em Florianópolis?
Estado Civil: Filhos:
Escolaridade: Renda familiar:
Trabalha no quê?
Casou com que idade?
Faz uso de algum método contraceptivo? Qual?
Casou quantas vezes? Casou virgem?
Há quanto tempo freqüenta esta igreja? Quantas vezes por semana?
O que mais lhe atraia nesta igreja?
Qual é o seu sentimento ao estar aqui?
Qual imagem mais lhe chama a atenção? Por quê?
O que significa a imagem de Maria para você?
Qual o vitral que lhe chama mais atenção? Por quê?
Qual imagem ou vitral você não gosta?
Você já teve alguma graça atendida? Qual?
Qual o seu maior pedido a Deus?
Qual a sua atividade de lazer?
158
O que significa fidelidade para você?
O que é pecado para você?
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