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“P -Mas ele [José Fialho] já tinha trabalhado pros Fonseca?
Adão – (...) Ah, mas com certeza, porque a Fonsecada todo mundo do Barro
Vermelho trabalhava pros Fonseca. O meu avô tinha sido escravo, né. É por
que eu me lembro que eles faziam assim quando tinha plantação, assim eles
reuniam aquela turma, assim, faziam os pixuru como se dizia e o meu avô ia
pra picar rama, que ele não podia fazer outro serviço, ele ia pra picar rama. E
tinha um senhor aqui na Cavalhada que conheceu toda a trajetória dele. (...)
Então quando chegava o meio-dia todo mundo almoçava e ficava no galpão,
ali conversando até chegar a hora da pegada de novo, né. E ele contava o que
o meu avô fazia e meu avô ficava danado, ficava atacado da vida. Porque aí
decerto o pai velho meteu o dedo na moleira, né. Ele, com a idade que ele tava
passou a entender das coisas. Mas diz que ele, se fugia os escravo, o sinhô,
pegava, como meu avo era o braço direito do sinhô, ele mandava o cara matar
os cabra. Aquele bicho que era meio rebelde, mandava matar. Então diz que
eles saiam, meu avô saia com o cara, o fuzil embalado, né, saia com o cara, lá
numa certa altura tinha o mato lá e ele saia conversando, dizia - Olha, é aquele
mato lá, quando chegar numa certa distância tu mete o pé e te some, mas tu
não aparece mais aqui, eu dou um tiro pra cima e digo pro sinhô que eu te
matei. E tu te some no mundo. Ah, aquele pobre daquele miserável, tava
sentenciado já né, chegava numa certa distancia o meu avô mandava ele ir e o
cara enxergava aquele mato e metia o peito. Chegava na entrada no mato ele
levantava o fuzil de cá e derrubava o cara. O velho esse contando meu avô,
bah, ficava danado da vida, porque de certo ele começou, com o tempo ele
começou a analisar o mal que ele fazia, né. Ficava danado. ... Esse era um tipo
de conversa que criança não podia ouvir, né. Aí era só os velho conversando
mandavam os moleque ir lá pra outro lado. Não é como hoje que nós tamo
conversando e as crianças tão tudo aí. Antigamente a coisa era diferente,
certos tipos de conversa os moleque não podiam ouvir. Mas alguma coisa eu
ouvia, só depois eu vi o comentário que o velho saía com essas conversas e o
meu avô não gostava. (...) Que era coisa braba. Diz que o nego era bom de
mira. Levantava o fuzil de cá, já o nego deitava de lá. Nem entrava no mato.
Ehta, que ... coitado do miserável.” (depoimento de Adão Fialho dos Santos ao
pesquisador em 07/11/2006)
Este depoimento traz muitas informações interessantes sobre as formas de
sociabilidade e trabalho - através dos mutirões ou “pixuruns” – destes grupos. Também
eram nestas situações que, durante as pausa para o almoço, as conversas e histórias dos
grupos negros eram atualizadas. Nestes momentos, a honra e a situação de José Fialho
perante os companheiros eram muitas vezes colocadas em questão, por conta de seu
passado de colaboração com os senhores de escravos. Mas se a história dá conta de que
José Fialho teria se tornado o braço direito do Senhor de escravos, do “sinhô” - uma espécie