RESUMO
De acordo com os pressupostos da teoria histórico-cultural, sobretudo as contribuições de
Vigotski, é na relação com o outro que nos constituímos como humanos. Se a apropriação da
cultura pelo homem ocorre por via da mediação social, ou seja, na relação eu–outro, é
também nesta relação que um professor torna-se professor: por meio das relações sociais
estabelecidas e internalizadas em seu desenvolvimento, em um processo histórico e social. Ao
problematizar a constituição profissional de uma professora alfabetizadora de Ensino
Fundamental da rede pública de Uberlândia (MG), diferenciada em sua prática, o objetivo
desta pesquisa foi conhecer os caminhos de subjetivação profissional desta docente, isto é, os
seus processos de apropriação e internalização do sentido e dos modos de ser professora. A
pesquisa qualitativa foi desenvolvida a partir da orientação metodológica da história oral de
vida e constou de entrevista registrada em áudio, realizada em seis sessões. As cinco
primeiras sessões, conduzidas livremente pela professora, destinaram-se ao relato de sua
história. A sessão final foi semidirigida e destinou-se ao esclarecimento de aspectos tais como
o papel da família em sua escolha e formação profissional; a sua relação com a escola e com a
educação; as professoras que marcaram a sua trajetória escolar; sua percepção a respeito da
construção da própria prática como um todo; o que ela considera importante na formação
docente; enfim, como percebe o próprio processo de subjetivação profissional. Devidamente
transcrita, a entrevista foi lida atentamente com o intuito de melhor apreender na narrativa
como a participante constituiu-se professora. Buscou-se destacar os temas mais recorrentes e
significativos, de maneira que pudessem configurar categorias de análise, ilustradas pelas
falas e episódios biográficos que perpassaram a formação profissional da educadora. Os dados
da pesquisa têm como substrato a memória da professora, reconstruída a partir da
reconstituição de sua história de vida, com recordações daquilo que foi sendo significado e
internalizado a partir das mediações e dos sentidos construídos acerca do que representa, para
ela, ser professora. Como afirma Vigotski, a memória é uma função psicológica superior que
se constitui histórica e socialmente pela mediação social. Verifica-se que a história de vida da
docente foi e é permeada por experiências marcantes que revelam, desde muito cedo, um
contato com o universo escolar atravessado por relações afetivas, especialmente na figura de
uma tia, a primeira professora de Clara, que a apresentou à leitura, à fantasia e à imaginação.
As outras professoras, ao longo de sua formação, também foram importantes para que ela
aprendesse e desenvolvesse reflexões em relação à função educativa, mesmo quando não
condiziam com sua compreensão acerca da profissão. O contato com os pares, supervisoras e
alunos igualmente constituíram aprendizagens significativas para que a professora que se
tornou alfabetizadora pudesse fazer emergir, em seus projetos, suas concepções acerca da
escola e da educação, refletidas em uma prática pedagógica diferenciada. Em seus relatos, fica
evidente que a subjetivação profissional, no caso da docência, não se inicia no momento da
escolarização formal, profissionalizante, mas principia nas vivências que envolvem situações
de ensino e de aprendizagem que, dialeticamente, constituem o sujeito.
Palavras-chave: formação docente, história oral de vida, memória, subjetivação profissional,
aprendizagem e desenvolvimento