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AGRICULTURA FAMILIAR, EXTENSÃO
RURAL E SISTEMAS AGROFLORESTAIS: A
EXPERIÊNCIA DO CAV NO ALTO
JEQUITINHONHA
ALINI FERNANDA BICALHO NORONHA
2008
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ALINI FERNANDA BICALHO NORONHA
AGRICULTURA FAMILIAR, EXTENSÃO RURAL E SISTEMAS
AGROFLORESTAIS: A EXPERIÊNCIA DO CAV NO ALTO
JEQUITINHONHA
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Administração, área de concentração em
Gestão Social, Ambiente e Desenvolvimento, para
obtenção do título de “Mestre”.
Orientador
Prof. Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
2008
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ALINI FERNANDA BICALHO NORONHA
AGRICULTURA FAMILIAR, EXTENSÃO RURAL E SISTEMAS
AGROFLORESTAIS: A EXPERIÊNCIA DO CAV NO ALTO
JEQUITINHONHA
Dissertação apresentada à Universidade Federal de
Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós-
Graduação em Administração, área de concentração em
Gestão Social, Ambiente e Desenvolvimento, para
obtenção do título de “Mestre”.
APROVADA em 25 de abril de 2008.
Flávia Maria Galizoni UFVJM
Helder dos Anjos Augusto UFLA
Prof. Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro
UFLA
(orientador)
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
2008
DEDICO
À minha família: Mamãe, Alessandra, Alíria, Andréia, Júnior, Mariana,
Marina, Lara e Davi.
À memória de meu pai Edmilson Bicalho Noronha, vovó Bela e tio Zezé que nos
deixaram exemplos de vida e coragem pra nos guiar e confortar.
AGRADECIMENTOS
Agradeço às famílias de agricultores que se dispuseram a colaborar com
este trabalho nos recebendo diversas vezes nas suas casas, nas suas comunidades
nos dando informações, sugestões e contribuições.
Agradeço aos colegas do Núcleo PPJ que participaram desta pesquisa:
Bruno, Camila, Daniel (Piu), Elias, Eduardo, Eduardo (Baiano), Flávia, Luiz
(Juramento), Luiz Henrique (Machado), Leila, Maria, Maria Fernanda, Marina,
Mbatuya, Rafael, Vico e Zé. Aos outros colegas que tivemos um período
prazeroso de convivência: Ana Luiza, Daniel Teco, Fernanda, Izaias, Anna Garfi
e “os novos”: Cris, Deborah, Inês, Laurindo, Thiago e Vinícius. Agradeço em
especial a Flávia pela orientação no PPJ, a Elias e Machado pelas valiosas
contribuições e sugestões na preparação do material de apresentação.
Agradeço a Eduardo Ribeiro pela orientação e apoio no mestrado, pela
amizade e confiança em todos estes anos de PPJ.
À toda a equipe do CAV, em especial João Antônio, Zé Murilo e Baiano
que participaram deste trabalho.
Aos meus colegas de mestrado, pelos momentos de alegria. Apesar das
dificuldades conseguimos tornar esta etapa divertida e prazerosa. Já tô com
saudades...
À Adeilson, que me despertou para apreciar e admirar as belezas, as
riquezas, a sabedoria e a luta da população do campo que faz parte da história
dos Gerais de Minas.
Ao CNPq pela concessão de bolsa e financiamento deste projeto do qual
esta dissertação fez parte CNPq (Projeto 553367/2005-6) e a FAPEMIG que
através do projeto (SHA 1618/05) também financiou atividades desta pesquisa.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS................................................................... i
LISTA DE TABELAS ......................................................................................... ii
LISTA DE QUADROS....................................................................................... iii
RESUMO............................................................................................................ iv
ABSTRACT........................................................................................................ vi
AGRICULTURA FAMILIAR, EXTENSÃO RURAL E SISTEMAS
AGROFLORESTAIS: A EXPERIÊNCIA DO CAV NO ALTO
JEQUITINHONHA.............................................................................................. 1
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
2 OBJETIVO........................................................................................................ 5
3 METODOLOGIA ............................................................................................. 7
3.1 Procedimentos metodológicos........................................................................ 7
3.2 O espaço de estudo......................................................................................... 8
3.3 Amostra e técnicas de pesquisa...................................................................... 9
4 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 14
4.1 O semi-árido brasileiro................................................................................. 14
4.1.1 O semi-árido e a pobreza rural.................................................................. 15
4.1.2 O semi-árido de Minas Gerais................................................................... 19
4.1.3 A sociedade civil organizada: o CAV....................................................... 27
4.1.4 A extensão rural no Brasil......................................................................... 31
4.1.5 SAFS e agroecologia................................................................................. 36
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 42
5.1 Os monitores e os sistemas .......................................................................... 42
5.2 Atuação do monitor com SAFS na unidade familiar ................................... 45
5.3 Envolvimento e participação do agricultor não monitor.............................. 49
5.4 Adoção de técnicas pelos agricultores não monitores.................................. 54
5.5 O trabalho do monitor de SAFS e o elo com outros projetos....................... 57
5.6 Relação dos monitores com os programas e projetos desenvolvidos pelo
CAV ................................................................................................................... 61
5.7 Relação dos monitores com as organizações mediadoras do Alto
Jequitinhonha ..................................................................................................... 63
5.7.1 Formas de atuação nos municípios e na região......................................... 63
5.7.2 Agricultores de referência nas comunidades e atividades desenvolvidas . 66
5.7.3 Avaliação da implantação do saf nas comunidades pesquisadas .............. 68
5.7.4 Viabilidade e possibilidade de propagação da técnica do saf na região:
limites e potencialidades .................................................................................... 71
5.7.5 Diferenças entre comunidades com e sem presença de monitores............ 74
5.8 Avaliação pelos monitores do trabalho com saf........................................... 77
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 81
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 85
ANEXOS ........................................................................................................... 92
i
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
FIGURA 1: Vale do Jequitinhonha e municípios pesquisados, 2007 ...................9
FIGURA 2: Semi-Árido Brasileiro. ....................................................................15
FIGURA 3: Bacia hidrográfica do Rio Jequitinhonha........................................20
FIGURA 4: PIB de Minas Gerais. ......................................................................21
FIGURA 5: Relações construídas a partir do trabalho com o SAF, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.....................................................................80
GRÁFICO 1: Conhecimento das organizações sobre os SAFs, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.....................................................................68
ii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: População dos municípios pesquisados, Vale do Jequitinhonha,
Minas Gerais, 2007. ............................................................................................10
TABELA 2: Área média dos estabelecimentos rurais dos municípios
pesquisados, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007. .................................42
TABELA 3. Tamanho médio do número de moradores nos domicílios dos
monitores da base do CAV, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007. .........44
TABELA 4. Tamanho da área e tipo de solo sob SAF (dentro da classificação
tradicional), Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007. ..................................46
TABELA 5: Principais usos das plantas presentes nos SAFS, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.....................................................................46
TABELA 6: Informações que os agricultores não monitores adquirem sobre os
SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.............................................50
TABELA 7: Avaliação dos SAFs pelos agricultores não-monitores, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.....................................................................51
TABELA 8: Projetos levados para as comunidades, a partir da atuação do
monitor de SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007. .........................59
TABELA 9: Participação dos monitores em projetos ou grupos temáticos do
CAV, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.............................................62
iii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Organizações entrevistadas por município, Vale do Jequitinhonha,
Minas Gerais, 2007. ............................................................................................12
QUADRO 2: Municípios, número de agricultores e organizações pesquisadas,
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007. ......................................................13
QUADRO 3: Agricultores de referência nas comunidades e atividades
desenvolvidas, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007...............................66
QUADRO 4: Limites e potencialidades para a expansão dos trabalhos com
SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.............................................73
iv
NORONHA, A. F. B. Agricultura familiar, extensão rural e sistemas
agroflorestais: a experiência do CAV no Alto Jequitinhonha. 2008. 119 p.
(Dissertação - Mestrado em Administração)
.
RESUMO
O sistema agroflorestal (SAF) é uma técnica de produção agrícola na qual se
combinam espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos
temporários, de ciclo anual. Os SAFs têm a capacidade de, ao longo do seu
manejo, tornar produtivas áreas degradadas, melhorando seu uso produtivo e
ecológico. Tem-se então uma importante ferramenta, apropriada para
agricultores familiares, como base para programas públicos de combate à
pobreza rural, segurança alimentar, conservação de recursos naturais e educação
ambiental. Na região do Alto Vale do Jequitinhonha, a prática do SAF foi
proposta pelo Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, CAV, buscando a
recuperação das áreas intensamente exploradas e degradadas, conhecidas no
local como peladores, a fim de reconvertê-las em áreas produtivas. O SAF, além
de seus ganhos nos aspectos ambientais e econômicos, constitui-se como um
espaço de inovação técnica para a família e para a comunidade. Nesse sentido,
foram avaliadas as suas possibilidades de irradiar efeitos inovadores dentro da
comunidade, tanto da perspectiva do agricultor praticante de SAF como da
perspectiva dos agricultores não praticantes de SAFs, mas que vivem na mesma
comunidade: em que medida o SAF consegue estabelecer diálogos,
exemplificar, potencializar programas de trabalho associados à inovação ou à
conservação ambiental? Buscou-se também investigar em que medida o
acúmulo de experiências vivenciadas por agricultores monitores de SAF
apresenta potencial de influenciar programas públicos locais, e para construir
novas parcerias com as redes de organizações dos municípios que fazem parte.
A pesquisa foi realizada em sete comunidades rurais dos municípios de
Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Veredinha e Leme do Prado, onde
houve participação de profissionais e estudantes da Universidade Federal de
Lavras (Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar), técnicos do CAV e
agricultores familiares (monitores e não monitores do CAV), em oito sistemas
agroflorestais de produção. Entre os resultados, destaca-se a inovação na
metodologia de trabalho adotada pelo CAV, onde os monitores, com seus
saberes e técnicas, são atores de fundamental importância na construção de
políticas de desenvolvimento. Os agricultores são os experimentadores das
Orientador: Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro – UFLA
v
técnicas dos SAFs, opinando e adaptando a técnica às diversas realidades sócio-
ambientais das unidades produtivas. Dessa maneira, a apropriação da técnica
tornou-se mais eficiente, e os monitores transmitem aos seus pares uma cnica
vivenciada, conhecendo em detalhes os benefícios e dificuldades dessa proposta
de produção agroecológica. Esse processo de capacitação também aos
agricultores condições técnicas de propor às agências governamentais ou da
sociedade civil organizada, a construção de programas de desenvolvimento
baseados na realidade do local. O trabalho com o SAF permitiu a construção de
espaços de capacitação de lavradores, de organização comunitária, de reflexão
conjunta de novos projetos. Os processos de produção e adaptação de inovações,
como o caso do SAF, podem crescer e ganhar eficiência e abrangência, sendo
intensificados e enriquecidos pelo apoio do poder público ou por processos de
aprendizagem coletiva e/ou de organização, favorecendo o diálogo, o
intercâmbio e a socialização das experiências e do conhecimento de agricultores
e técnicos.
vi
NORONHA, A. F. B. Household farming, rural extension and agroforest
systems: the CAV experience in Alto Jequitinhonh. 2008. 119. (Dissertation –
Master in Administration).
ABSTRACT
Agroforest system (SAF) is an agricultural production technique in which
woody arboreal species (fruit and/or wood bearing trees) combine with
temporary croppings of annual cycle. SAFs have the capacity, along their
management, to make productive degraded areas, improving their productive
and ecological use. One has, then, an important tool apropriate for familiar
farmers as a basis for public programs for combatting rural poverty, feeding
safety, conservation of natural resources and environmental education. In Alto
Vale do Jequitinhonha region, the SAF´s practice was proposed by the Centro de
Agricyultura Alternativa Vicente Nica (Vicente Nica Alernative Farming
Center), CAV, seeking the recovery of the intensament degraded and exploited
areas, known in the place as peladores, in order to turn them into productive
areas. SAF, in addition to its gains in the environmental and economic aspects
constitutes as a space of technical innovation for the family and community. In
this sense, its possibilities of irradiating innovating effects inside the
community, both from the perspective of the farmer practicing SAF and from
the perspective of the farmer not practicing SAFs, but who live in the same
community: to what extent SAF manages to establish dialogues, exemplify,
potentiate working progams associated with innovation or to environmental
conservation. It was also aimed to investigate to what extent the accumulation of
experiences lived by the monitorial farmers of SAF presents potential to
influence local public programs and to build new participations with the
organization nets of the twons which are constituent of it. The research was
carried out in seven rural communities of the town of Turmalina, Minas Novas,
Chapada do Norte, Veredinha and Leme do Prado, where there was the
participation of professionals and students of the Universidade Federal de Lavras
(Nucleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar = Nucleus of Resarch and
Support to Household Farming) in eight agroforest systems of production. CAV
technicians and household farmers (monitors and non-monitors of CAV) in eight
agroforest systems of production. Among the results, the inovation in the
working methodology adopted by CAV stands out, where the monitors, with
their knowledge and techniques, are actors of
fundamental importance in the
construction of developmental policies. The farmers are the experimenters of the
SAFs techniques, giving opinions and adaptating the technique to the several
Adviser: Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro- UFLA.
vii
socio-environmental realities of the production units. In this way, the adaptating
of the technique has become more effective and the monitors transmit to their
peers a lived technique, knowing in details both the benefits and difficulties of
this proposal of agroecologic production. That capacitating process also gives
the farmers technical condition to propose to the government agencies or to the
organized civil society, the construction of developmentl programs based on the
reality of the site. The work with SAF enabled the construction of spaces of
laborers´ qualification, of communitarian organization, of joint reflection of new
projects. The processes of production and adaptation of innoavations, as in the
case of SAF, can grow and gain efficiency and embracing, their being enhanced
and enriched by the support of public power or by collective learning processes
and/or of organization, favoring the dialogue, the interchange and sociabilization
of the experiences and knowledge of both farmers and technicians.
1
AGRICULTURA FAMILIAR, EXTENSÃO RURAL E SISTEMAS
AGROFLORESTAIS: A EXPERIÊNCIA DO CAV NO ALTO
JEQUITINHONHA
1 INTRODUÇÃO
“Numa terra que não produzia mais nada, plantei 3 litros de feijão e
colhi 100 litros: é assim que o senhor Etelvino fala da sua experiência com o
sistema agroflorestal. Numa parte mais alta do terreno, ele e outras famílias da
comunidade rural de Grota do Porto também experimentam, numa área cedida
para a comunidade, variedades de mandioca com a finalidade de produzir
farinha e polvilho na tenda de beneficiamento, também comunitária.
Os sistemas agroflorestais (SAFs, ou simplesmente “sistemas”, como
dizem os lavradores) são baseados numa técnica de produção agrícola na qual se
combinam espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos
temporários, de ciclo anual. Os SAFs têm a capacidade de, ao longo do seu
manejo, tornar produtivas áreas degradadas, melhorando seu uso produtivo e
ecológico. A cobertura do solo produzida pelos componentes agroflorestais é o
agente promotor dessa recuperação. Os sistemas agroflorestais, como
alternativas de uso da terra, promovem o aumento no vel de carbono orgânico
no solo pela decomposição da matéria orgânica, recompõem e recuperam áreas
com solos desgastados, viabilizando a produção de alimentos e recursos vegetais
ao longo do tempo.
Os sistemas agroflorestais são técnicas baseadas em princípios
agroecológicos. Utilizam poucos insumos externos e não utilizam máquinas
agrícolas pesadas. A adubação do solo é feita por meio do plantio de
leguminosas, gramíneas e podas. Nos primeiros anos, o introduzidas espécies
anuais de rápido crescimento, como as leguminosas e gramíneas, com o objetivo
2
de cobrir o solo, reter umidade e fornecer matéria orgânica. O sistema de podas,
reduzindo constantemente o sombreamento, viabiliza o cultivo de vários
produtos de base alimentar. Ao longo dos anos são introduzidos grãos, cereais,
frutíferas semiperenes e perenes e, por fim, as madeiráveis.
Os SAFs têm como meta a produção de uma diversidade de alimentos e
matérias-primas necessárias para o sustento diário da família lavradora. Por ser
cultivada uma gama de produtos, o sistema consegue uma produção durante todo
o correr do ano, ficando o agricultor relativamente mais independente da
sazonalidade da produção tradicional.
Técnicas produtivas de base agroecológica, a exemplo do SAF, exercem
papel de fundamental importância para a segurança alimentar, sustentabilidade
ambiental, social e reprodutiva. Esses aspectos abrangem a totalidade da vida
social, contrapondo-se aos programas produtivistas, que tendem a ser
segmentados e setoriais.
Tem-se então uma importante ferramenta, apropriada por agricultores
familiares, como base para programas públicos de combate à pobreza rural,
segurança alimentar, conservação de recursos naturais e educação ambiental.
Na região do Alto Vale do Jequitinhonha, a prática do SAF foi proposta
pelo Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica, CAV, buscando a
recuperação das áreas intensamente exploradas e degradadas, conhecidas no
local como peladores, a fim de reconvertê-las em áreas produtivas.
O CAV é uma organização não-governamental proposta e criada por
agricultores familiares da região do Alto Jequitinhonha. Atua no meio rural com
ações relacionadas à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural.
O Alto Jequitinhonha é parte do semi-árido mineiro. Apresenta um
quadro fundiário com predominância da agricultura familiar, com unidades
familiares de produção caracterizadas por pequenos sítios ou “terrenos” como
3
se usa dizer na região -, de terras superexploradas, economia de base rural e
pouco diversificada.
O CAV e a prática dos SAFs se sustentam por meio da cooperação com
agricultores que o denominados monitores. Esses são agricultores familiares
associados ao CAV, que assumiram o papel de experimentadores e
multiplicadores das técnicas dos SAFs em suas comunidades. Seus SAFs
funcionam como áreas de demonstração para a comunidade, e os monitores,
além de conduzirem as unidades demonstrativas, são agentes que propagam nas
comunidades as técnicas e resultados alcançados com a experimentação nos
sistemas, que são manejados pelos agricultores, com acompanhamento e
orientação de técnicos do CAV.
Os sistemas têm potencial para produzir grande diversidade vegetal que
normalmente se integra às atividades produtivas do terreno familiar, como
produção de alimentos, adubos verdes, lenha, madeira, fibras, forragens, plantas
medicinais, que traduzem a variedade de produtos agroecológicos da agricultura
familiar.
A prática dos SAFs, proposta pelo CAV em associação com agricultores
familiares do Alto Jequitinhonha, vem sendo praticada desde 1996. Ao longo
desse período, tem acumulado uma série de experiências que podem ser
traduzidas em ganhos ambientais, produtivos, metodológicos e sócio-
organizativos.
Essa dissertação de mestrado procurou investigar os efeitos da prática
dos SAFs sobre a formação de agricultores, sobre a experimentação técnica e
sócio-organizativa, suas implicações para a construção de programas públicos de
desenvolvimento rural.
A pesquisa que deu base a essa dissertação está associada ao “Projeto de
apoio aos sistemas agroflorestais da agricultura familiar da base do Centro de
Agricultura Alternativa Vicente Nica”, no Alto Jequitinhonha, e contou com o
4
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNPq (Projeto 553367/2005-6) e da FAPEMIG (SHA 1618/05), além da
colaboração de bolsistas de Iniciação Científica do CNPq, Fapemig e Pro-
Ex/UFLA. Durante a realização da pesquisa, a autora foi beneficiada por bolsa
técnica concedida pelo CNPq (Projeto 503312/2005-3).
A pesquisa foi realizada dentro do Núcleo de Pesquisa e Apoio à
Agricultura Familiar - Núcleo PPJ - da Universidade Federal de Lavras, em
parceria com o CAV e agricultores monitores. O Núcleo PPJ é formado por
professores, estudantes de pós-graduação e graduação dos diversos cursos da
UFLA e profissionais. O Núcleo
atua desde 1999, em parceria com organizações
associadas aos agricultores familiares. As parcerias mais sólidas estão
localizadas nas regiões do Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais.
A realização desse projeto de pesquisa, da qual essa dissertação faz
parte, contou com a participação de professores, alunos e técnicos que
participam do Núcleo PPJ, técnicos do CAV e agricultores monitores. A
dinâmica de trabalho buscou integrar pesquisa e extensão universitária na
tentativa de diminuir as distâncias que existem entre a universidade e a
sociedade.
No decorrer do texto faz-se referência aos agricultores e agricultoras,
com a denominação de agricultores familiares. Portanto, o termo agricultores
familiares inclui homens e mulheres.
5
2 OBJETIVO
O modelo tecnológico difundido pela Revolução Verde na agricultura
nacional foi e continua sendo responsável pela deterioração dos recursos naturais
que asseguram a estrutura e o funcionamento dos sistemas agrícolas. A
implantação desse modelo aconteceu sob a forma de pacotes fechados, como
uma receita única para agroambientes com as mais diversificadas características.
Os resultados da agricultura intensiva, especialmente para as
comunidades rurais de agricultores familiares e população rural de baixa renda,
se expressou em elevação dos índices de concentração da terra, intensificação do
êxodo rural, expansão das áreas agrícolas com monocultivos, erosão dos solos,
perda da biodiversidade, descapitalização da agricultura, entre outros.
Diante disso, surgiram políticas públicas que buscam apoiar propostas
locais de desenvolvimento, que passaram a ser discutidas, construídas e
implementadas pela sociedade civil organizada. Surgiram assim programas de
apoio às técnicas produtivas e conservacionistas adaptadas às diversidades
sócio-ambientais de cada região. Essas ações locais são importantes ferramentas
para a construção de propostas de desenvolvimento rural.
Na região do Alto Jequitinhonha, como em outras áreas de cerrado,
encontra-se uma diversidade de paisagens em curtas distâncias: chapada, grota,
campo, carrasco, tabuleiros, onde os agricultores praticam um delicado manejo
dos recursos, e desenvolvem um detalhado conhecimento dos bens e produtos
que se pode extrair de cada ambiente.
Nessa região, a experimentação de SAFs foi implementada como um
contraponto às práticas associadas à Revolução Verde.
O objetivo geral dessa pesquisa foi investigar a prática de sistemas
agroflorestais, como ação extensionista do Centro de Agricultura Alternativa
Vicente Nica: analisar essa como uma experiência de extensão rural, que vincula
6
determinado grupo de agricultores, mediadores a um certo estilo de
conhecimento.
Os objetivos específicos da pesquisa foram analisar os efeitos da
experimentação das técnicas dos SAFs por agricultores e suas possíveis
contribuições para a formação dos agricultores monitores; analisar os efeitos do
trabalho dos agricultores monitores na experimentação técnica e sócio-
organizativa; e avaliar a influência do trabalho dos monitores de SAFs na
construção de programas públicos de desenvolvimento.
O SAF, além de seus ganhos nos aspectos ambientais e econômicos,
constitui-se como espaço de inovação técnica, para a família e a comunidade.
Nesse sentido, foram avaliadas as suas possibilidades de irradiar efeitos
inovadores dentro da comunidade, tanto da perspectiva do agricultor monitor
como da perspectiva dos agricultores não praticantes de SAFs, mas que vivem
na mesma comunidade: em que medida o SAF consegue estabelecer diálogos,
exemplificar, potencializar programas de trabalho associados à inovação ou à
conservação ambiental? Buscou-se também investigar em que medida o
acúmulo de experiências vivenciadas por agricultores monitores de SAF
apresentam potencial de influenciar programas públicos locais, e construir novas
parcerias com as redes de organizações dos municípios dos quais fazem parte.
7
3 METODOLOGIA
3.1 Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi fundamentada na metodologia qualitativa de investigação.
No decorrer da pesquisa sentiu-se necessário agregar e interagir com métodos
quantitativos. Dessa maneira, a pesquisa foi conduzida numa lógica que permitiu
combinar a metodologia qualitativa com a quantitativa. É importante ressaltar
que, apesar da combinação de métodos, privilegiou-se a abordagem qualitativa.
Como sugere Minayo (1994):
“A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”
(Minayo, 1994, p. 21).
De acordo com Bogdan & Biklen (1994), a investigação qualitativa tem
suas origens no século XIX. A primeira discussão prática da abordagem
qualitativa foi feita por Webb (1926), dedicada ao estudo das instituições sociais
e da vida dos pobres. A expressão investigação qualitativa começou a ser
usada nas ciências sociais após os anos 1960, mas investigação qualitativa era
usada pelos antropólogos e sociólogos mais de um século (Bogdan & Biklen,
1994).
O estudo foi orientado pelo paradigma interpretativo. As informações
coletadas com a utilização do método de entrevistas, através de questionários
semi-estruturados, observação não participante em reuniões e seminários e
processo de pesquisa circular
1
.
Para Bogdan & Biklen (1994), as abordagens mais representativas da
investigação qualitativa são a observação participante e a entrevista em
1
Sobre paradigmas da investigação social, métodos de pesquisas sociais, ver Alencar (2000).
8
profundidade. Para os autores, uma importante evolução metodológica foi o
desenvolvimento da entrevista como estratégia central de investigação
qualitativa.
Nas ciências sociais, a entrevista é o método mais sedimentado e
utilizado pelos pesquisadores tanto como técnica principal ou combinada com
outros métodos, como nesse caso, que combinou a técnica de entrevista com a
de observação não participante (Alencar, 2000).
3.2 O espaço de estudo
A pesquisa foi realizada em sete comunidades rurais dos municípios de
Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Veredinha e Leme do Prado
(FIGURA 1), conduzida por profissionais e estudantes da Universidade Federal
de Lavras (Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar), técnicos do
CAV e agricultores familiares (monitores do CAV), em oito sistemas de
produção agroflorestal.
A maioria dos sistemas agroflorestais pesquisados localiza-se em
comunidades rurais do município de Turmalina; isso se justifica pelo fato de ser
o município de origem do CAV. O trabalho com SAFs, iniciado no município de
Turmalina, após certo período de tempo começou a ser expandido para outros
municípios.
9
FIGURA 1: Vale do Jequitinhonha e municípios pesquisados, 2007.
Fonte: PNUD, 2004. Extraído do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil,
com modificações.
(A) Minas Gerais e em destaque a Microrregião Homogênea de Capelinha
(MRH 31011/IBGE)
(B) Microrregião de Capelinha e em destaque os municípios pesquisados
(1) Chapada do Norte
(2) Leme do Prado
(3) Minas Novas
(4) Turmalina
(5) Veredinha
3.3 Amostra e técnicas de pesquisa
A amostragem das áreas de pesquisa foi feita observando os seguintes
critérios:
distribuição das unidades de estudo em todos os municípios da área de
atuação do CAV, com presença de agricultores monitores;
A
B
1
3
2
5
4
10
o tempo de implantação de cada área, dividindo entre SAFs com maior
tempo de implantação, acima de 5 anos (“SAFs antigos”) e SAFs com
menor tempo de implantação, abaixo de cinco anos (“SAFs novos”).
A população dos municípios pesquisados estava, na sua maioria,
localizada na zona rural, e era composta por agricultores familiares (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007; Ribeiro, 2007b). A Tabela 1
apresenta a população total desses municípios e as comunidades pesquisadas.
TABELA 1: População dos municípios pesquisados, Vale do Jequitinhonha,
Minas Gerais, 2007.
Município População total
(número de
habitantes)
População rural
(%)
Nome das
comunidades
pesquisadas
Leme do Prado 4.930 67,46 Palmital
Veredinha 5.732 40,65 Macaúbas
Chapada do Norte 15.444 68,06 Morro Branco
Turmalina 17.219 35,11 Gentio
Lagoa
Poço Dantas
Minas Novas 30.578 74,78 Pinheiro
Fontes: Contagem de população. IBGE, 2007b; Pesquisa de campo 2006/2007.
Foram aplicados questionários semi-estruturados aos agricultores
monitores, a fim de conhecer quais as técnicas de manejo usadas no SAF, a
percepção deles sobre os efeitos dos SAFs, quais resultados haviam sido obtidos
(para o monitor e para a comunidade), com a implantação do SAF. Foram
entrevistados os monitores das comunidades de Palmital, Pinheiro, Macaúbas,
Gentio (2 monitores), Morro Branco, Lagoa e Poço Dantas. Foram realizadas,
portanto, 8 entrevistas em 7 comunidades.
O roteiro de pesquisa aplicado aos monitores foi constituído de duas
partes. A primeira com o objetivo de levantar informações sobre a família e a
11
unidade produtiva; a segunda parte com o objetivo de avaliar os efeitos
irradiadores do SAFs, entre agricultores não monitores. Ao mesmo tempo, foram
entrevistadas famílias de agricultores o monitores nas mesmas comunidades,
visando coletar informações e impressões sobre os SAFs, entre aqueles que não
o praticam. Os roteiros foram aplicados em 2 etapas: a primeira delas em
outubro de 2006; a segunda em janeiro de 2007, quando foi feita nova rodada de
pesquisa a fim de aprofundar informações julgadas importantes que o haviam
sido contempladas na primeira rodada, bem como ampliar a amostragem das
famílias entrevistadas. Foram realizadas 49 entrevistas com agricultores não
monitores e 8 entrevistas com agricultores monitores, em 7 comunidades.
Foi realizado levantamento florístico nas oito áreas de SAFs
pesquisadas, com o objetivo de conhecer a diversidade florística das áreas
estudadas.
Os levantamentos da composição florística das áreas foram obtidos com
base no inventário florestal, utilizando o método de amostragem sistemática,
realizado com parcelas circulares com raio de 1,5m e área de 7m². Esses
levantamentos foram feitos pela equipe de engenharia florestal que participou da
pesquisa, e seus resultados foram aqui incorporados. Assim, em cada área
pesquisada foram lançadas 9 parcelas; a quantidade de parcelas foi definida com
base na porcentagem amostrada de cada área. Em cada área foi amostrada uma
área de no mínimo 5%, sendo essa marca a mais usada para esse tipo de
levantamento. A distância entre uma parcela e outra foi obtida pela fórmula a
seguir, repetindo experiência desenvolvida por Pereira (2005):
np/ADp =
em que:
Dp: Distância entre os centros das parcelas
12
A: Tamanho da área
Np: Número de parcelas
O levantamento florístico foi acompanhado pelos monitores, que
classificavam as plantas pelo nome popular, conhecido na região, e os usos e
funções de cada uma delas no sistema.
Noutra fase foi feita uma pesquisa com o objetivo de conhecer a
percepção das organizações mediadoras do Alto Jequitinhonha sobre os efeitos
do trabalho do monitor de SAFs, nas comunidades rurais. Foram entrevistadas
organizações que têm atuação com agricultores familiares dos municípios de
Turmalina, Veredinha e Minas Novas, Leme do Prado e Chapada do Norte,
conforme mostra o Quadro 1.
QUADRO 1: Organizações entrevistadas por município, Vale do Jequitinhonha,
Minas Gerais, 2007.
Município Organizações entrevistadas
Turmalina Sindicato de Trabalhadores Rurais, Secretaria Municipal de
Agricultura, APLAMT*.
Minas Novas Sindicato de Trabalhadores Rurais, Secretaria de Agricultura,
Emater, Campo Vale, AMPLIAR*.
Veredinha Sindicato de Trabalhadores Rurais, Emater, ADECAVE *.
Chapada do Norte Sindicato de Trabalhadores Rurais, Emater, Secretaria Municipal
de Agricultura, ACHANT *.
Leme do Prado Sindicato de Trabalhadores Rurais, Emater, Secretaria Municipal
de Agricultura e Meio Ambiente.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007
(*) Organizações conveniadas ao Fundo Cristão para Crianças.
Aplicou-se um roteiro de pesquisa padrão, utilizando questionário semi-
estruturado, com duas entradas de dados. A primeira entrada procurou conhecer
a atuação dessas organizações nos municípios em que estão situadas, sua região
de abrangência e as linhas de ações que elas desenvolvem. A segunda parte da
13
entrevista procurou avaliar a percepção dessas organizações sobre os impactos
da implantação dos SAFs, nas comunidades rurais, a relação dos monitores com
as organizações pesquisadas, os limites e possibilidades de propagação dos
SAFs na região e a percepção comparada das organizações sobre os trabalhos
desenvolvidos em comunidades onde presença de monitores, e naquelas sem
monitores. No total foram realizadas 18 entrevistas em 5 municípios,
amostrando 100% dos municípios em que presença de monitores de SAF, na
região do Alto Jequitinhonha.
A amostra total da pesquisa englobou 49 famílias de agricultores não
monitores e 8 famílias de agricultores monitores, 18 organizações que têm seu
foco de trabalho no meio rural. Foram realizadas no total 75 entrevistas, como
observa-se no Quadro 2.
QUADRO 2: Municípios, número de agricultores e organizações pesquisadas,
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Município Número de famílias
não-monitoras
entrevistadas
Número de famílias
monitoras
entrevistadas
Número de
organizações
entrevistadas
Leme do Prado 6 1 3
Minas Novas 8 1 5
Veredinha 9 1 3
Turmalina 18 4 3
Chapada do Norte 8 1 4
Total 49 8 18
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007.
14
4 REFERENCIAL TEÓRICO
4.1 O semi-árido brasileiro
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”
(Euclides da
Cunha, 1967).
O clima do Semi-Árido brasileiro é caracterizado pela irregularidade na
distribuição das chuvas, no tempo e no espaço. Do ponto de vista hídrico, o
Semi-Árido é conhecido pela baixa precipitação, com média anual inferior a 400
mm. Mas, no Semi-Árido brasileiro como um todo, a média sobe para 750 mm
por ano, porque são incluídas áreas a Norte e Sul. Outra característica marcante
é a alta taxa de evaporação, que chega a 3.000 mm/ano, três vezes maior do que
a precipitação. Dessa forma, o Semi-Árido brasileiro apresenta um dos mais
elevados índices pluviométricos entre os climas semelhantes do planeta. O
subsolo é formado em 70% por rochas cristalinas, rasas, o que dificulta a
formação de mananciais perenes e a potabilidade da água é normalmente
salinizada (Malvezzi, 2007; Articulação do Semi-Árido Brasileiro ASA Brasil
(2008).
Geograficamente, o semi-árido brasileiro (FIGURA 2) estende-se por
uma área que abrange a maior parte dos estados da Região Nordeste (86,48%), a
região setentrional do estado de Minas Gerais (11,01%) e o norte do Espírito
Santo (2,51%), ocupando uma área total de 974.752 Km
2
(ASA Brasil, 2008).
15
FIGURA 2: Semi-Árido Brasileiro
Fonte: Extraído de Brasil, 2008b.
4.1.1 O semi-árido e a pobreza rural
No Brasil, as características climáticas dessa região a tornaram sinônimo
de pobreza, seca, de população faminta, criando-se então a
indústria da seca.
O
Nordeste é considerado o lugar de gente pobre, lugar de seca e fome.
Durante muito tempo, acreditou-se que o grande problema do Semi-
Árido era a irregularidade das chuvas e, portanto, a falta de água. Sem dúvida, as
condições climáticas representam um dos grandes desafios da região, mas o o
único e nem o mais importante (Maia Gomes, 2001; Facó, 1963). Para Facó
(1963, p. 21)
a emigração é o fenômeno mais progressista que ocorre nos
16
sertões do Nordeste
”, evidenciando a idéia do Semi-Árido como uma região
difícil de viver e que as populações do lugar têm que sair de lá, procurar regiões
de clima mais ameno, incapazes de viver naquelas condições ambientais.
Mas o semi-árido brasileiro caracteriza-se por apresentar grande
heterogeneidade no aspecto geoeconômico. O meio físico teve forte influência
na ocupação demográfica e econômica da região. A irregularidade
pluviométrica, a diversidade edáfica e a estrutura fundiária concentrada
encontram-se entre os fatores que mais decisivamente influenciaram os tipos e a
localização das atividades econômicas ali praticadas (Andrade, 1980).
Freyre (1967) destaca a heterogeneidade do semi-árido brasileiro,
distinguindo o “Nordeste da cana” e do “Nordeste do sertão/Semi-Árido”.
Evidencia a diferença entre os dois:
“Esse Nordeste da terra gorda e do ar oleoso é o Nordeste da cana-de-
açucar ... o outro nordeste é aquele que range a areia dos sertões,
paisagens duras, doendo os olhos. A doçura das terras de massapê
contrasta com o ranger da raiva terrível das areias secas dos sertões
(Freyre, 1967, p. 6-7).
O autor enfatiza a rudeza do Semi-Árido em contraste com a abundância
da região da mata, mostrando a natureza como inimiga do homem do sertão.
Nesse sentido, Freyre (1967) sedimentou a imagem construída do semi-árido
como lugar de natureza e homens pobres.
Além disso, a essa diversidade natural do semi-árido foram associadas
práticas de manejo do poder marcadas por relações sociais "
arcaicas
" e
"
modernas
",
includentes
e
excludentes
”; por atividades econômicas
tradicionais, de pouca inserção no mercado, com baixo uso de insumos, em
contraste com setores de ponta oriundos da agricultura irrigada. Em ambas as
situações, as conseqüências ambientais são graves. Comporta, antes de tudo,
17
uma alta concentração de terras e uma estrutura sócio-política altamente
paternalista (Andrade, 1980; Maia Gomes, 2001).
Cunha (1967) foi um dos autores que mais destacou a
aspereza do
sertão
. Mas, incluiu na sua obra a descrição da relação criativa da população
com a natureza, que apesar de sua rudeza,
permite a sobrevivência da população
que conhece o meio e domina seus recursos. O conhecimento dessa natureza
árida permite à população sertaneja usar dos mais variados artifícios para
permanecer e viver no sertão. Conforme resumiu o autor: “(...) v
iver é adaptar-
se”
(Cunha, 1967, p. 90).
O clima no Semi-Árido é variável conforme o relevo, mas a seca não
apavora o sertanejo.
É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a
em cenários tremendos”
(Cunha, 1967, p. 103). O sertanejo reage e se prepara
para a seca, primeiro com as orações, depois utilizando alimentos da caatinga
para manter a família e o gado:
mandacaru, juazeiros, ouricuris, umbuzeiros
fazem parte da dieta humana e animal no prolongar da seca. Quando a seca é
muito intensa e a natureza não consegue mais prover o sertanejo, aparecem na
paisagem os retirantes,
“é o sertão que se esvazia (...)”
que retornam ao sertão
quando acaba a seca (Cunha, 1967, p. 103).
Cunha (1967) descreveu a relação que o sertanejo criou com a natureza e
sua forma de lidar com a
aspereza do sertão
:
“Perfeita tradução moral dos agentes físicos da sua terra, o sertanejo
do Norte teve uma árdua aprendizagem de reveses. Afez-se, cedo, a
encontrá-los, de chofre, e a reagir, de pronto. Atravessa a vida entre
ciladas, surpresas repentinas de uma natureza incompreensível, e não
perde um minuto de trégua. É o batalhador perenemente combalido e
exausto, perenemente audacioso e forte; preparando-se sempre para um
reencontro que o vence e em que não se deixa vencer; passando na
máxima quietude a máxima agitação; da rede preguiçosa e cômoda
para o lombilho duro, que o arrebata como um raio pelos arrastadores
estreitos, em busca das malhadas. Reflete, nestas aparências que se
18
contrabatem, a própria natureza que o rodeia passiva ante o jogo dos
elementos e passando, sem transição sensível, de uma estação à outra,
da maior exuberância à penúria dos desertos incendidos, sob o
reverberar dos estios abrasantes. É inconstante como ela. É natural que
o seja. Viver é adaptar-se. Ela trabalhou-o à sua imagem: bárbaro,
impetuoso, abrupto...”
(Cunha 1967, p. 90).
Noutra passagem, o autor valoriza as técnicas construídas pelo homem
para conviver com a natureza dos sertões.
“Fez-se forte, esperto, resignado e prático. A sela de montaria, feita por
ele mesmo... São acessórios uma manta de pele de bode, um couro
resistente, cobrindo as ancas do animal, peitorais que lhes resguardam
o peito, e as joelheiras apresilhadas às juntas. Este equipamento do
homem e do cavalo talha-se à feição do meio. Vestidos doutro modo não
romperiam, incólumes, as caatingas e os pedregais cortantes”
(Cunha
1967, p. 89).
Nesse cenário, têm sido marcantes, principalmente até a década de
1980, as migrações inter-regionais como alternativa à falta de condições de vida
para a população mais vulnerável do Semi-Árido.
Nos anos 1960/1970, o processo de integração econômica dos mercados
nacionais unificou as diversas regiões brasileiras sob os mesmos parâmetros
econômicos, abolindo grande parte das diversidades regionais e as economias
locais. Dessa maneira todo o Semi-Árido brasileiro tem sua economia
comparada com as economias mais dinâmicas do país, como da região de São
Paulo e Norte do Paraná, fortalecendo o estigma construído como o Semi-Árido
da seca e da pobreza (Ribeiro et al., 2007c).
Assim, foi criada uma identificação:
“A imagem difundida do semi-árido, como clima, sempre foi distorcida.
Vendeu-se a idéia de uma região árida, o semi-árida. É como se não
chovesse, como se o solo estivesse sempre calcinado, como se as matas
19
fossem secas e as estiagens durassem anos. As imagens de migrantes, de
crianças raquíticas, do solo estorricado, dos açudes secos, dos
retirantes nas estradas, dos animais mortos, da migração da Asa
Branca essas imagens estão presentes na música de Luiz Gonzaga, na
pintura de Portinari, na literatura de Graciliano. É um ponto de vista,
ao mesmo tempo, real e ideológico, que, muitas vezes, serve para que se
atribua à natureza problemas políticos, sociais e culturais,
historicamente construídos. Está em gestação um novo conceito
civilizatório para a região: a convivência com o Semi-Árido (
Malvezzi,
2007, p. 11).
Faz-se, então, necessário partir para a construção de políticas públicas,
com foco integrado simultaneamente em aspectos sócio-econômicos, político-
institucionais, culturais e ambientais.
4.1.2 O semi-árido de Minas Gerais
De maneira análoga, o Semi-Árido de Minas Gerais as regiões Norte
do estado e o Vale do Jequitinhonha também é caracterizado pela distribuição
irregular de chuvas durante o ano, concentrada principalmente no verão e pela
alta taxa de evaporação. A precipitação entre 700 e 1.200 mm não consegue
restituir a quantidade de água evaporada no correr do ano (Schistek, 2001).
Da mesma forma que o semi-árido dos estados do Nordeste do Brasil, a
porção do Semi-Árido de Minas Gerais foi historicamente tratada como região
da pobreza e recebe programas públicos descontextualizados com as
especificidades locais. Esse é o caso do Alto Jequitinhonha.
A região do Vale do Jequitinhonha é localizada na porção Nordeste de
Minas Gerais, parte do Semi-Árido mineiro. Recebe esse nome por causa do rio
Jequitinhonha, que banha os estados de Minas Gerais e da Bahia. Ele nasce no
município de Serro, atravessa o Nordeste do estado de Minas Gerais e deságua
no Oceano Atlântico, em Belmonte, no estado da Bahia.
20
A bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha (FIGURA 3) está
compreendida entre os paralelos 16º e 18°S e os meridianos 39º e 44ºW,
totalizando uma área de 70.315 km². Dessa área, 66.319 km² situam-se em
Minas Gerais, enquanto 3.996 km² pertencem à Bahia (IBGE, 2008).
A área de abrangência da bacia do Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais,
é dividida em três macrorregiões: o Alto, o Médio e o Baixo Vale. Nesse estudo
faz-se referência apenas à porção do Alto Jequitinhonha.
Em 2000 o Censo Demográfico contabilizou, na região, uma população
de 699.884 habitantes, 36,5% residentes no Alto Jequitinhonha, 38,8% no Médio
Jequitinhonha e 24,7% no Baixo Jequitinhonha (IBGE, 2008).
FIGURA 3: Bacia hidrográfica do Rio Jequitinhonha.
Fonte: IBGE, 2008.
A região do Alto Jequitinhonha é caracterizada pela predominância da
agricultura familiar. O trabalho e gestão das unidades produtivas é executado
pela família. A economia é pouco integrada, com baixo dinamismo, a região
21
apresenta alta taxa de migração (Galizoni, 2000; Ribeiro et al., 2007c).
Apresenta um dos PIBs mais baixos de Minas Gerais, conforme indica a
FIGURA 4. É importante ressaltar que o percentual de 2,2% indicado no mapa,
envolve também a economia dos municípios que compõem a região do Vale do
Mucuri (Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas, 2008).
FIGURA 4: PIB de Minas Gerais
Fonte: IDENE, 2008.
As unidades familiares de produção são localizadas nas partes mais
baixas do relevo – as grotas - próximas às fontes de água, aproveitando a
fertilidade natural dos solos. Praticam sistemas produtivos que demandam
poucos insumos externos, utilizando ferramentas como foice, machado, facão e
enxada, e quando as condições topográficas e monetárias permitem usam da
mecanização por tração animal. Utilizam-se de técnicas de
pousio queima
-
plantio
em um sistema que depende, em grande parte, das dádivas da natureza
(Boserup, 1987; Ribeiro & Galizoni, 2000; Noronha, 2003). Dessa forma,
22
“São nas áreas de grotas que a família cultiva a lavoura de
mantimentos para consumo direto e comercialização que, na maioria
das vezes, é feita em feiras livres. Grotas se opõem e, ao mesmo tempo,
complementam as chapadas, que são áreas altas, planas e de baixa
fertilidade, mas abundantes em recursos naturais. A complementaridade
grota-chapada impõe a descontinuidade de áreas produtivas, e a
agricultura familiar tradicional da região ajusta a produção à
disponibilidade de recursos naturais, usando técnicas baseadas no
conhecimento que desenvolveram no convívio com a natureza”
(Ribeiro
& Galizoni, 2000).
No Alto Jequitinhonha, o acesso à terra se principalmente pela
herança
2
. O trabalho da família e a íntima relação com o meio - a terra e a
natureza asseguram a sobrevivência. A agricultura familiar na região é
fundamentada numa estreita e dependente relação que envolve família, terra e
força de trabalho
3
.
Para caracterizar a agricultura familiar do Alto Jequitinhona foi usada a
conceituação desenvolvida por Bruschini (1989), Chayanov (1974) e Galizoni
(2000).
Bruschini (1989) define a família:
“(...) a família tem sido conceituada (...) como um grupo de indivíduos
ligados por elos de sangue, adoção ou aliança, socialmente
reconhecidos e organizados em cleos de reprodução social. É um
grupo de procriação e de consumo onde incide a divisão sexual do
trabalho, em função da qual determina-se o grau de autonomia ou
subordinação cultural das mulheres”
(Bruschini, 1989, p. 4).
Chayanov (1974) observa que a força de trabalho familiar é o elemento
tecnicamente organizativo de qualquer processo de produção associado ao
campesinato. A composição da família em termos de número de componentes é
que determina sua força de trabalho.
2
Sobre herança no Jequitinhonha ver Galizoni (2000).
3
A caracterização da agricultura familiar no alto Jequitinhonha é analisada por Noronha (2003).
23
Galizoni (2000) descreve como a reprodução e produção familiares estão
ancoradas no profundo conhecimento do ambiente e do manejo, que é adotado
pelas famílias agricultoras.
“O complexo chapada-grota é uma moldura onde se desenrola a trama
das famílias lavradoras com a terra. É uma moldura interativa: ao
mesmo tempo que delimita as ões das pessoas, é reelaborada pela
intervenção humana. As diferenças ofertadas pelo meio são
significadas, reordenadas pela discriminação, intervenção e trabalho
das famílias lavradoras. Sobre um meio desigual, agricultores
construíram um sistema de produção, que abarca essa desigualdade,
tirando mesmo proveito dela. No alto Jequitinhonha, o princípio do
ajuste das famílias ao ambiente baseia-se na variabilidade do meio e na
mobilidade das atividades produtivas”
(Galizoni, 2000).
A população rural dos municípios do Alto Jequitinhonha que compõem a
amostra dessa pesquisa está, em sua maioria, localizada no meio rural. Na
região, a produção e a economia são fortemente ligadas ao setor produtivo da
agricultura familiar (Ribeiro et al., 2007c). A importância da agricultura
familiar, tanto no Jequitinhonha, como para a totalidade do país, é evidenciada
por estudos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2004):
“O segmento familiar da agropecuária brasileira e as cadeias
produtivas a ela interligadas responderam, em 2005, por 9,0% do PIB
brasileiro.... Tendo em vista que o conjunto do agronegócio nacional foi
responsável, em 2005, por 27,9% do PIB, é patente o peso da
agricultura familiar, na geração de riqueza do país. Ao longo do
período analisado, aproximadamente um terço do agronegócio
brasileiro esteve condicionado à produção agropecuária familiar”
(Guilhoto, 2007, p. 22).
O povoamento e a exploração da região começou no início do século
XVIII com o garimpo do diamante. Já na segunda metade do século, a produção
de diamantes e também de ouro encontrava-se reduzida, coincidindo com o
24
esgotamento de outros recursos naturais, como a fertilidade dos solos devido ao
uso contínuo. Ocorreu então o início do declínio da economia da região
provocado pelo esgotamento dos recursos naturais minerais e queda na
fertilidade das terras agrícolas (Ribeiro, 1996).
Com o esgotamento das minas de diamante e ouro e degradação das
áreas mais férteis, a região passou a ser considerada, na segunda metade do
século XX, o “vale da pobreza” e das migrações
4
.
As políticas de desenvolvimento, no Brasil, sempre atuaram para
conduzir, para as regiões menos dinâmicas, o patamar tecnológico das regiões
mais dinâmicas (Assis, 2005). E assim a população do Alto Jequitinhonha, bem
como aquelas de outras regiões do Brasil, tornou-se alvo de vários programas
públicos, que procuraram levar
o desenvolvimento para as regiões atrasadas
:
“A diversidade cultural do sertão era convenientemente vista como
“atrasada”, os circuitos econômicos que alimentavam toda uma
economia local e regional, (eram vistos) como marginais, incapazes,
portanto, de ‘gerar riquezas e sair da condição de subdesenvolvimento´.
Da mesma maneira, os condicionantes agro-ambientais com os quais a
agricultura tradicional desenvolveu estratégias singulares de
convivência ao longo dos séculos, passam a serem vistos como males a
serem combatidos a idéia do combate à seca” passa a fazer parte
do vocabulário político. Os arsenais dessa guerra vão sendo então
transferidos para o sertão: tratores de esteira, correntões, motosserras,
sementes híbridas, adubos químicos, agrotóxicos(...) desconfigurando o
sertão, os saberes de seus povos, em mais uma tentativa de
embraquecimento dessa região,(...) sem, no entanto, concretizá-lo
plenamente.”
(D’Angelis & Dayrelll, 2006, p. 8)
É seguindo essa lógica que são propostos os programas de
desenvolvimento para as regiões de economia menos dinâmicas, como o caso do
Jequitinhonha.
4
Sobre migrações Woortmann (1990), Martine (1994); migrações no Jequitinhonha ver Galizoni
(2000), Ribeiro (1993; 1997).
25
Dessa forma, nos anos 1970, o Alto Jequitinhonha recebeu incentivos
para produção de eucalipto, estimulada pelos governos federal e estadual, com a
criação dos Distritos Florestais. O Distrito Florestal do Vale do Jequitinhonha se
concentrou na região do Alto Jequitinhonha, e a implantação dos maciços de
eucalipto foi feita nas áreas de chapadas, consideradas pelos
de fora
como áreas
sem uso
5
.
A transformação tecnológica avançou no campo, trazendo para as
populações locais implicações ecológicas e sociais:
“O processo de ‘desenvolvimento´ ocorrido a partir dos anos 1970 (...),
não levou em conta as populações camponesas... que viviam
secularmente. privilegiando as oligarquias tradicionais e os setores
industriais e agroindustriais da sociedade, deu-se início à
modernização da região. Foram priorizados investimentos públicos e
financiamentos subsidiados destinados a grandes projetos de pecuária,
irrigação, reflorestamentos monoculturais de eucalipto e pinus,
estímulo à monocultura do algodão, difusão de práticas agrícolas ditas
modernas, associadas com a instalação de um parque agroindustrial e
de indústrias extrativas e de ponta (têxteis, cimento, cerâmica,
biotecnologia, veterinária, ótica, etc” (
Dayrell, 1998
).
Até os anos 1970, a população rural do Alto Jequitinhonha, como já
descrito, utilizava as terras de grotas para uso produtivo familiar e usava em
comum as chapadas para coleta de frutas, para
solta
dos animais e para coleta
das plantas medicinais, ornamentais, lenha e madeira (Ribeiro, 2007a).
“Por conta desse uso difuso o domínio das terras de chapadas era
impreciso, regulado por direitos frágeis e compartilhados, que
dificilmente eram compreendidos na noção de “propriedade”, que se
exercia de forma plena apenas nos terrenos férteis das grotas. A
chapada era de ninguém e de todos, uma terra “coletiva, costumeira e
indivisa”. As comunidades regulavam o uso dos recursos naturais
5
Sobre reflorestamento no Alto Jequitinhonha consultar Ribeiro et al. (2007), Calixto (2006),
Lima (2006).
26
disponíveis e foi justamente a gestão comunitária que os conservou até
os anos 1970”
(Ribeiro, 2007a, p. 5).
A ocupação das chapadas pela monocultura de eucalipto, a partir dos
anos 1970, com as técnicas da Revolução Verde, deixou muitas seqüelas na
região, muitas delas irreversíveis. As chapadas do Alto Jequitinhonha se
converteram em desertos verdes:
após três décadas de plantadas nimo
uso econômico dos eucaliptais para madeira ou carvão
(Calixto, 2006). Essa
situação, resultou em um processo de concentração das terras, desequilíbrio do
ecossistema como secamento de nascentes e rios diminuindo o volume das
fontes naturais de água que abastecem a região e, conseqüentemente, a
regularidade das chuvas e desarticulação da produção da agricultura familiar
6
. A
terra concentrada passou a ser fundamento da dominação e da exploração,
provocando além de sérios impactos sociais negativos, processos de
desagregação ecológica, fazendo secar córregos e nascentes. Com isso, as
comunidades de agricultores familiares tiveram que restringir suas áreas de uso
produtivo, forçando um aumento constante na exploração dos recursos naturais.
O saldo que ficou foi a degradação das terras agricultáveis, diminuição das
águas, e conseqüentemente, o êxodo rural de muitas famílias na busca de
melhores oportunidades em outras regiões do Estado e do País (Martins, 1981;
Calixto, 2006; Lima, 2006).
Os resultados dos programas públicos foram, em geral, modestos ou
nulos. Isso aconteceu porque esses programas queriam mudar radicalmente as
técnicas de produção usadas por esses agricultores, acarretando fracassos e
prejuízos para a sociedade e o setor público.
6
A escassez da terra onde o trabalho dos membros do grupo doméstico possa se materializar,
representa um dos problemas fundamentais enfrentados pelo pequeno produtor.” (Heredia, 1979,
p. 137) Sobre impactos do reflorestamento do eucalipto nos recursos hídricos ver Lima (2006);
Oliveira (2000); Lima (1996).
27
A população do Alto Jequitinhonha se organizou para reagir a esse
pacote desenvolvimentista imposto sob coordenação do Estado. Assim, foram
surgindo propostas alternativas com foco no desenvolvimento local, em
consonância com as condições e vocações ambientais, produtivas e econômicas
da região. E nisso uma lógica ao privilegiar as atividades de pequena escala,
pois, de acordo com Veiga (1991), as sociedades capitalistas no século XX que
mais se desenvolveram foram aquelas que fizeram a opção pela agricultura
familiar. O predomínio da agricultura familiar nesses países está diretamente
ligado às características de intervenção do Estado.
4.1.3 A sociedade civil organizada: o CAV
O processo de ocupação das terras de chapadas para reflorestamento e
outros programas desenvolvimentistas que foram implementados no Alto
Jequitinhonha encontraram reação por parte da população. Os agricultores
familiares procuraram se organizar para se opor à dominação econômica e
ambiental imposta.
O momento de emergência dos movimentos sociais rurais no Brasil
ocorreu por volta da década de 1970, vinculado às Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), movimento da Igreja Católica, de iniciativa pastoral, cuja
metodologia se baseia na proposição da ação transformadora da realidade
opressora em que vivem os marginalizados, a partir da dinâmica
ver-julgar-
agir”
(Frei Betto, 1981; Freire, 1999).
Na década de 1970, a Igreja Católica, através das CEBs, iniciou sua
atuação na região do vale do Jequitinhonha estimulando reflexões, participação
comunitária e reivindicações coletivas. Dessa ação, surgiram os movimentos
organizados: sindicatos, associações, conselhos comunitários, marcados pela
consigna que afirma: “
Igreja é povo que se organiza, gente oprimida buscando a
libertação (... )
”. Dessa forma, as CEBs contribuíram para a capacitação dos
28
agricultores através das reflexões sobre os temas mais caros a essa população: o
acesso à terra, à produção e à representação social (Ribeiro et al., 2008).
Tem-se então, no cenário nacional, os grandes projetos agrícolas
modernizadores e desenvolvimentistas em oposição à tentativa de permanência
das famílias agricultoras nas suas terras, adaptando sistemas produtivos às
condições naturais. Na região do Alto Jequitinhonha, os agricultores familiares
se organizaram, e os sindicatos de trabalhadores rurais expressaram isso, como o
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Turmalina, que criou em 1994 o Centro de
Agricultura Alternativa Vicente Nica, o CAV, uma ONG com atuação no
aspecto produtivo das comunidades rurais.
Segundo Diniz & Matos (2002) somente após a II Guerra Mundial, as
organizações da sociedade civil passaram a ser denominadas de Organizações
Não-Governamentais (ONGs), na nomenclatura do sistema de representação das
Nações Unidas. As ONGs , nos anos 1990, assumiram um papel relevante em
diversos espaços, uma vez que o Estado diminuiu sua presença nas políticas
sociais
agravando o processo de exclusão social e econômica da população
menos favorecida
” (Diniz & Matos, 2002, p. 4).
A gestão das ONGs fundamenta-se por "
um gerenciamento mais
participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de
diferentes sujeitos sociais
" (Tenório, 1998, p. 12). Ainda, segundo esse autor, a
gestão social "
deve atender, por meio da esfera pública, ao bem comum da
sociedade".
Outros autores completam:
“Assim, com origem ou sustentação na cultura da gestão social, a
estrutura organizacional das ONGs veio a constituir-se tendo como
base certos valores culturais originais, ou práticas a eles associados, as
Referências Institucionais Originais
:
fortes orientações ideológicas,
orientações religiosas, idéias desenvolvimentistas, voluntariado,
informalidade da ão, independência em relação ao Estado e ao
mercado, igualdade e participação democrática na gestão dos
29
processos administrativos, caráter reinvidicativo e denunciador”
(Diniz
& Matos, 2002, p. 4, 5).
Esse processo de organização da sociedade civil em ONGs, expande
com grande força, pois encontra nas diversas regiões brasileiras, como também
no Vale do Jequitinhonha, um cenário de exclusão nos mais variados aspectos,
sejam eles de ordem ambiental, social, cultural, econômica. O processo de
exclusão social que acontece no Jequitinhonha tem uma história própria com
raízes seculares que tem moldado as relações sociais, desde o início do
povoamento e ocupação da região até a contemporaneidade. É uma realidade
marcada por aspectos singulares, mas de caráter universal.
Na tentativa de amenizar o intenso processo de exclusão social, cultural
e econômica os agricultores familiares do Alto Jequitinhonha idealizaram e
criaram a ONG denominada de Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica.
O CAV foi criado na perspectiva de fortalecer a cidadania e a luta pela
construção e implementação de programas públicos, ancorados na realidade
local. A organização foi
construída e animada
por agricultores e sindicalistas na
busca de alternativas produtivas para a agricultura familiar, por meio da
sustentabilidade ambiental. A entidade recebeu o nome do agricultor e
sindicalista Vicente Nica, que junto com outros agricultores
“travaram uma
grande luta (...) pela permanência em suas terras...
”(Daniel, 2000).
Em 2008, o CAV atua em 23 municípios do Alto e Médio Jequitinhonha.
Tem sua base firmada com atuação sistemática em cinco municípios da região:
Turmalina, Veredinha, Leme do Prado, Chapada do Norte e Minas Novas,
coordenando atividades produtivas e emergenciais em outros 18 municípios.
O CAV atua alicerçado em três grandes objetivos: 1) implantar sistemas
produtivos sustentáveis, replicáveis e de reduzido uso de insumos; 2) viabilizar a
comercialização de produtos da agricultura familiar e; 3) promover a inclusão
30
das suas ações experimentadas e debatidas por agricultores nas políticas
públicas.
Uma parcela considerável das áreas agricultáveis do Alto Jequitinhonha
está num acelerado processo de erosão devido ao uso continuado para a
produção agrícola. O fato dos agricultores familiares possuírem pequenas glebas
de terra obriga à intensificação do uso, provocando assim a erosão, a exposição
dos solos, a nudez da terra. Essa terra nua é conhecida no Alto Jequitinhonha
como
pelador.
Os solos mais férteis são os mais usados para a lavoura, sendo
também os mais erodidos. É essa porção das unidades familiares que encontra-se
em mais intenso processo de erosão. Dessa forma, a cada ano, os agricultores
perdem as áreas mais nobres para a produção de alimentos, diminuindo as
condições de permanência na terra.
O CAV enfrentou, então, um grande desafio: propor técnicas de
produção que buscassem a persistência dos processos de produção. O primeiro
desafio a ser enfrentado seria a recuperação das áreas quase perdidas,
os
peladores
.
Na busca de implantação de sistemas produtivos sustentáveis,
replicáveis e de baixo uso de insumos, a prática dos Sistemas Agroflorestais
(SAFs) foi proposta pelo Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica,
buscando a recuperação das áreas intensamente exploradas e degradadas para
serem novamente integradas à produção.
O método de trabalho desenvolvido pelo CAV foi a experimentação dos
SAFs pelos agricultores. Nesse sentido, a prática dos SAFs se sustenta por meio
da cooperação com os monitores. “Monitor” de SAF é a denominação dada aos
agricultores e agricultoras que se dispuseram a praticar, experimentar os SAFs,
implantando unidades demonstrativas em seus sítios, trabalhando assim para a
valorização do conhecimento local. Os monitores, além de conduzirem as
unidades demonstrativas, são agentes difusores das técnicas e resultados
31
alcançados com o sistema (Daniel, 2000). Assim, a experiência de extensão rural
na região é tanto uma experiência da organização CAV, quanto experiência das
comunidades e lavradores, pois as ações são animadas pelo CAV, mas lideradas,
implementadas, continuadas por lavradores.
4.1.4 A extensão rural no Brasil
O termo extensão rural costuma ser usado para definir o processo
educativo que tem por objetivo transmitir à população rural conhecimentos que
permitam atingir maiores índices de bem-estar, qualidade de vida, produção e
produtividade nas atividades agrícolas e não agrícolas, ao mesmo tempo em que
busca melhorar as condições de higiene e saúde dessas famílias. O conceito de
extensão rural, porém, é dinâmico, e sua prática vem contribuindo ao longo da
história para lapidar essa definição. Embora seja um conceito bastante
controverso, pois certos autores não admitem a sua utilização plena para
expressar uma determinada prática alguns consideram-no impreciso, como por
exemplo Paulo Freire (1980) a força do bito e a própria definição
institucional levaram ao uso corrente do termo para definir aquelas situações em
que existem interações de conhecimentos entre, de um lado, agências de
inovação, e de outro, populações rurais (Bechara, 1954; Freire, 1980; Fonseca,
1985; Olinger 2001; Brasil, 2004).
A proposta de extensão rural, no Brasil, surgiu no final da cada de
1940, com financiamento e metodologia norte-americana. O modelo
extensionista importado para o Brasil tinha como objetivo ensinar os
agricultores a aumentar a produção e a produtividade agrícola a fim de tirá-los
das condições de
atraso e pobreza
em que vivia o espaço rural brasileiro.
Conforme historia o PNATER:
32
Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural Ater, foram
iniciados, no país, no final da década de quarenta, no contexto da política
desenvolvimentista do pós-guerra, com o objetivo de promover a melhoria
das condições de vida da população rural e apoiar o processo de
modernização da agricultura, inserindo-se nas estratégias voltadas à
política de industrialização do país
(Brasil, 2004,p. 4).
De acordo com Lousa da Fonseca (1985), os conceitos e as
metodologias orientadores da prática extensionista aplicados no Brasil
baseavam-se na difusão de práticas científicas para as populações rurais do
mundo subdesenvolvido
para chegarem a níveis satisfatórios de desenvolvimento
econômico e social. A autora acrescenta que, para atingir esse desenvolvimento
econômico e social proposto, o serviço de extensão rural teria que superar os
aspectos que caracterizavam a sociedade do
“tipo tradicional-onde predominam padrões de conservadorismo, de
afetividade,...., de compadrio”
para a construção de uma sociedade com
valores
onde predominam padrões de lucro, neutralidade afetiva,...,
especializações e soluções técnico-científicas para os problemas
comuns
(Lousa da Fonseca, 1985, p. 46).
Por isso, vários autores observaram que, nesse período inicial, os
serviços de extensão rural eram marcados pela suposição da inexistência de
valores culturais próprios às populações rurais e de desconsideração das práticas
agrícolas aperfeiçoadas nas condições locais por agricultores (Fonseca, 1985;
Brandão, 1986; PNATER, 2004).
Nos anos 1960, o processo de desenvolvimento rural que ficou
conhecido como Revolução Verde encontrou no Brasil um ambiente favorável
para incorporar à sua expansão os serviços de extensão rural que até então
eram autarquias, associações ligadas ao setor público. Esses serviços foram
reestruturados, estatizados, e adotaram um enfoque de revolução tecnológica e
alta produtividade. A Revolução Verde deu à extensão rural a missão de
33
incorporar novas tecnologias para incrementar os processos produtivos, como o
uso intensivo de máquinas agrícolas, defensivos e fertilizantes químicos e o
plantio de monocultivos em grandes áreas, além de responsabilizá-la por
promover a vinculação umbilical do agricultor ao crédito rural (Lousa da
Fonseca, 1985; Caporal & Costa Beber, 2000).
Esse modelo
desenvolvimentista
e
modernizador
procurou desqualificar
valores, tradições e técnicas produtivas da população rural brasileira, bem como
a diversidade ambiental das regiões brasileiras. Apesar disso, segundo Brandão
(1986), agricultores não receberam sem reação esse pacote modernizador e suas
práticas de extensão rural:
“Há evidência de que, mesmo expropriado culturalmente e submetido
ao poder de uma ideologia dominante, o mundo camponês cria e recria
estilos, formas e sistemas próprios de saber, de viver e de fazer...
Comunidades rurais criam, e quando necessário, revêem e atualizam
códigos próprios de relações sociais dentro da classe e nos espaços de
domínio entre ela e outras...”
(Brandão, 1986, p. 15)
Foi a partir dos anos 1980, que agências governamentais e não-
governamentais, animadas pelo movimento social rural que crescia em
organização, iniciaram uma revisão crítica ao modelo da agricultura integrada, e
propuseram mudanças nas perspectivas difusionistas e homogeneizadoras da
extensão rural no Brasil. Dessa maneira, surgiram nos anos 1980, e
principalmente depois dos anos 1990, novos debates acerca da necessidade de se
repensar a extensão rural, enfocando a posição da agricultura familiar, a
valorização do conhecimento e técnicas produtivas tradicionais, o saber
agroecológico da agricultura familiar, promovendo assim a inclusão social dessa
categoria do rural brasileiro (Ruas et al., 2006).
Nessa nova concepção da extensão rural, enfatizou-se então uma
proposta voltada para a valorização do conhecimento dos agricultores familiares
34
e a necessidade de se construir práticas produtivas, com enfoque
conservacionista. Esse novo conceito de extensão firmou-se baseado nas práticas
agroecológicas de produção, que, segundo Caporal & Costa Beber (2000)
exigem revisão dos métodos, pois os processos devem ser baseados na
“intervenção de caráter educativo e transformador, baseado em
metodologias de investigação-ação participante que permitam o
desenvolvimento de uma prática social mediante a qual os sujeitos do
processo buscam a construção e sistematização de conhecimentos que
os leve a incidir conscientemente sobre a realidade. Ela tem o objetivo
de alcançar um modelo de desenvolvimento socialmente eqüitativo e
ambientalmente sustentável, adotando os princípios teóricos da
Agroecologia como critério para o desenvolvimento e seleção das
soluções mais adequadas e compatíveis com as condições específicas de
cada agroecossistema e do sistema cultural das pessoas envolvidas no
seu manejo”
(Caporal & Costabeber, 2000, p.33).
É nessa lógica que a extensão rural deixou de ser concebida como ação
vinculada exclusivamente à ão oficial, e passou a incorporar uma perspectiva
mais ampla, que compreende tanto agências oficiais quanto não-governamentais.
Assim, as bases teóricas da atuação extensionista passaram a compreender a
troca de conhecimentos, pois
“(...) a grande relevância da ação extensionista é poder partilhar a
construção do conhecimento como produção social. Extensionistas,
agricultores e agricultoras, vendo-se como seres sociais, que constroem
e reconstroem a história num processo dinâmico, interativo e
dialógico
(Ruas et al., 2006, p. 37).
Dessa maneira, a participação deve ser concebida como um ato
fundamental na relação interativa que une os diversos atores sociais, nesse caso
agricultores e extensionistas, na perspectiva de conhecer o contexto no qual se
encontram inseridos. As situações que precisam de intervenção e as alternativas
35
para superação de dificuldades utilizarão, para essa finalidade, a mediação e o
ato comunicativo no processo de acompanhamento dos grupos. Trata-se,
portanto de um processo de reflexão-ação, característico dos processos de
comunicação marcados pela participação ativa dos sujeitos envolvidos e pela
valorização do saber local que se inter-relaciona ao saber científico.
Por meio de reivindicações dos movimentos sociais organizados com
atuação no meio rural e das agências oficiais e não-governamentais de extensão
rural, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), através da Secretaria de
Agricultura Familiar (SAF) construiu, em 2003, o Plano Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural (PNATER). Segundo o PNATER:
A nova Ater nasce a partir da análise crítica dos resultados negativos
da Revolução Verde e dos problemas evidenciados pelos estudos dos
modelos convencionais de Ater baseados no difusionismo, pois assim
o Estado poderá oferecer um instrumento verdadeiramente novo e
capaz de contribuir, decisiva e generosamente, para a construção de
outros estilos de desenvolvimento rural e de agricultura que, além de
sustentáveis possam assegurar uma produção qualificada de alimentos
e melhores condições de vida para a população rural e urbana
(Brasil,
2004, p. 3).
Entre os princípios do PNATER está a adoção de procedimentos
metodológicos de planejamento participativo e de gestão coletiva e
democratizadora das decisões, e uma pedagogia construtivista e humanista,
tendo sempre como ponto de partida a realidade e o conhecimento local.
O desafio das agências oficiais e não-governamentais de extensão é criar
estratégias para colocar em prática metodologias participativas de ATER
(Assistência Técnica e Extensão Rural), que incluam os agricultores familiares
desde a construção, a gestão e a aplicação das tecnologias, transformando-os em
atores ativos no processo, valorizando seus conhecimentos e respeitando suas
demandas.
36
É nesse contexto que o CAV tem procurado, desde sua criação,
incorporar agricultores familiares ao extensionismo, criando e/ou reelaborando
práticas metodológicas nas quais os agricultores familiares participam desde a
composição da diretoria da organização, das experimentações técnicas de
produção e da divulgação e irradiação das técnicas experimentadas para as
comunidades rurais das quais fazem parte.
4.1.5 SAFS e agroecologia
O uso indiscriminado dos recursos naturais demandados pelo modelo da
Revolução Verde, materializado pelo uso intensivo de máquinas agrícolas,
defensivos químicos sintéticos, fertilizantes minerais, fontes energéticas não
renováveis encontrou a reação de um contingente de críticos a este modelo,
incentivando a criação de propostas alternativas de organização tecnológica dos
sistemas produtivos agrícolas (Altieri, 2000).
Segundo Meirelles (2004) o impacto da Revolução Verde em relação à
soberania alimentar, foi paradoxal. Produziu alimentos suficientes para alimentar
a população mundial, e mesmo assim cresceu a população que passa fome,
principalmente nas regiões mais empobrecidas do planeta.
“O mundo produz alimentos em quantidade suficiente para suprir as
necessidades nutricionais de todos os seus 6 bilhões de habitantes.
Ainda assim, cerca de 800 milhões sofrem de desnutrição...
Infelizmente, o mundo ainda parece longe de dar uma resposta para o
problema da fome, que não diz tanto respeito à produção de alimentos,
mas sim à distribuição de renda”
(Relatório da FAO, publicado na
Folha de São Paulo, 2000, apud Meirelles 2004, p. 2).
O que pode ser explicado pela
concentração da terra, êxodo rural,
descapitalização da agricultura, incremento dos monocultivos, erosão dos
solos”
(Meirelles, 2004, p. 2).
37
No Brasil, foram as ONGs que introduziram a perspectiva da
agricultura sustentável
” ou “
agricultura alternativa
” -, que mais tarde passou a
ser conhecida como agroecologia - como proposta produtiva dirigida aos
problemas ambientais e sociais provocadas pelo
arsenal
tecnológico da
Revolução Verde. A proposta agroecológica surgiu num discurso mais amplo,
que envolvia a busca de padrões tecnológicos ancorados na perspectiva da
sustentabilidade ambiental, do desenvolvimento sustentável.
Desenvolvimento Sustentável, segundo a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - CMMAD (1991) da Organização das Nações
Unidas,
é aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a
possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias
necessidades”
(CMMAD, 1991).
O desenvolvimento sustentável buscaria o equilíbrio entre proteção
ambiental e desenvolvimento econômico e social. Foi nessa perspectiva que se
criou a Agenda 21 aprovada na ECO 92:
“O desenvolvimento sustentável nao é um estado permanente de
harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos
recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as
necessidades atuais e futuras” (CMMAD, 1991).
Sachs (1994) trouxe para a discussão de desenvolvimento sustentável
outras duas categorias que precisam ser consideradas na formulação de políticas:
a sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural aliadas à sustentabilidade
ambiental, econômica e social. O autor chamou a atenção para a necessidade de
uma “
configuraçao
rural-urbana mais equilibrada”
e que o desenvolvimento se
traduza
em um conjunto de soluções específicas para o local, o ecossistema, a
cultura e a área”
. (Sachs, 1994, p. 38 )
38
Segundo Altieri (2000), que sistematizou mais o conceito, a
agroecologia traz a perspectiva de um método técnico-agronômico capaz de
orientar as diferentes estratégias de desenvolvimento rural, avaliando as
potencialidades dos sistemas agrícolas através de uma perspectiva social,
econômica e ecológica. A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos
para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto
preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis,
socialmente justos e economicamente viáveis (Altieri, 1989).
A agroecologia é assentada em pesquisa científica que agrega os
diversos aspectos dos sistemas tradicionais de conhecimento, de maneira que
ganham importância destacada para a agroecologia o conhecimento sobre o meio
ambiente, a natureza experimental do conhecimento tradicional, o conhecimento
das práticas agrícolas, o controle de sucessão e proteção de cultivos.
Dentro dessas premissas da agroecologia, os sistemas agroflorestais,
surgem como uma técnica de produção que valoriza as formas tradicionais de
uso da terra. É uma combinação de técnicas capaz de melhorar as condições da
agricultura, podendo fornecer bens e serviços integrados a outras atividades
produtivas. Eles se constituem numa combinação integrada de árvores, arbustos,
culturas anuais e/ou animais, com enfoque na totalidade do sistema e não nos
produtos a serem obtidos (Viana, 1995), e se caracterizam pela existência de
interações ecológicas e econômicas significativas entre os componentes (Copijn,
1988; Montagnini, 1992, citado por Amador,1998).
Os sistemas agroflorestais (SAFs) são técnicas de uso da terra na qual se
combinam espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou madeireiras), com cultivos
anuais. Esses sistemas têm a capacidade ao longo do seu manejo, tornar
produtivas áreas degradadas, melhorando sua função ecológica, proporcionando
rendimento sustentável ao longo do tempo. Com o desenvolvimento do SAF, as
áreas vão sendo recuperadas, tornando ao seu aspecto de mata sem perder a
39
finalidade de produção de alimentos Isso ocorre pelo arranjo consorciado de
árvores nativas, plantas adubadeiras, frutas e cultivo de vários produtos da base
alimentar.
Os SAFs têm como meta a produção de uma diversidade grande de
alimentos e matérias-primas necessárias para o sustento da família lavradora.
Por ser cultivada uma gama de produtos, consegue-se com esse sistema uma
produção durante todo o correr do ano, ficando o agricultor mais independente
da sazonalidade da produção tradicional, promovendo maior fixação do homem
ao campo, maior diversidade de produtos e maior ocupação do trabalho familiar.
Esses sistemas podem fornecer vários bens e serviços, integrados a
outras atividades produtivas do terreno familiar, como: produção de adubos
verdes, lenha, madeira, fibras, forragem, plantas ornamentais, produtos
medicinais e alimentos, traduzidos numa variedade de produtos agroecológicos
da agricultura familiar. Existem, entre as plantas, interações ecológicas e
econômicas, podendo-se combiná-las de forma complementar e sinérgica. Os
SAFs apresentam grande potencial estratégico para desenvolvimento local, pela
conservação dos solos e da água, a diminuição do uso de fertilizantes e
defensivos agrícolas, adequação à pequena unidade de produção, conservação da
biodiversidade e recuperação de fragmentos florestais e matas ciliares
(Amador,1998).
Em termos ecológicos, a experiência mostra que as áreas manejadas com
SAFs são capazes de controlar a erosão dos solos. As diferentes arquiteturas de
copas reduzem o impacto da chuva e a insolação direta, promovem o acúmulo de
matéria orgânica na superfície do solo e contribuem com a melhoria da
fertilidade. Sob o aspecto econômico, os SAFS oferecem diversidades de
produtos, podendo gerar várias fontes de renda para o produtor, ao mesmo
tempo que contribuem para minimizar os prejuízos com a quebra de alguma
safra (Oliveira, 2005).
40
De acordo com Franco (2000), os sistemas agroflorestais são uma boa
opção para os produtores rurais, uma vez que representam um novo enfoque de
desenvolvimento rural, uma nova perspectiva de uso da terra, e não uma simples
técnica agrícola ou florestal que objetiva o aumento de produção.
Para que os objetivos dos SAFs sejam atingidos, Macedo (2000, p.12-
13) indica que é necessária a concretização dos seguintes pré-requisitos:
“a) manter-se sustentável;
b) conferir sustentabilidade aos sistemas agrícolas;
c) aumentar a produtividade animal e vegetal;
d) direcionar técnicas para o uso racional do solo e água;
e) diversificar a produção de alimentos;
f) estimular a utilização de espécies para uso múltiplo;
g) diminuir os riscos do agricultor;
h) amenizar os efeitos adversos dos fatores de produção;
i) minimizar os processos erosivos;
j) combinar a experiência rural dos agricultores com o conhecimento
científico”.
Segundo Posey (1987), a ação preservacionista das populações
tradicionais é fruto de uma estreita relação, centenária e em alguns casos
milenar, do homem com a natureza, apropriando-se dela de forma a garantir sua
conservação e evolução.
7
Autores como Cardoso (2004) e Abramovay (2003) evidenciam que,
devido às grandes diferenças regionais que o Brasil apresenta, as políticas
públicas devem assumir um caráter mais regionalizado, procurando localizar as
potencialidades regionais ou serem ainda mais associadas ao local. Para Cardoso
(2004), as políticas públicas para serem efetivas devem assumir um caráter
flexível, buscando soluções no local, com a efetiva participação e engajamento
das comunidades beneficiárias.
7
Sobre população tradicional consultar Altieri (1989), Noronha (2003) e Ribeiro et al. (2007).
41
Estudos (Ribeiro et al., 2000) indicam que, no Alto Jequitinhonha os
Sistemas Agroflorestais, implantados numa parceria que envolvem famílias de
agricultores e o CAV (Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica) têm se
mostrado como uma possibilidade de desenvolvimento para agricultura familiar
da região, pois apresentam bons resultados: reduz a erosão dos solos, eleva a
diversidade produtiva, diminui o consumo de insumos externos e minimiza os
impactos das secas sobre as atividades produtivas e incentiva a participação dos
agricultores na experimentação técnica e sócio-organizativa.
42
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1 Os monitores e os sistemas
Os monitores de SAFs são agricultores familiares, como descrito
anteriormente, que compõem o universo de outros tantos lavradores do Alto
Jequitinhonha. Esses agricultores monitores usam dos SAFs, experimentando e
adequando técnicas produtivas ao sistema tradicional de manejo agroambiental.
O tamanho da unidade rural de produção familiar dos municípios
pesquisados é, em média, segundo o IBGE, 17,6 ha, conforme mostra a Tabela
2. O tamanho do terreno dos agricultores monitores pesquisados, segundo
declaração dos mesmos, varia entre 2 a 16,5 ha, área menor que a média da
região estudada e menor que o módulo rural para a região, que é de 40 ha
8
.
TABELA 2: Área média dos estabelecimentos rurais dos municípios
pesquisados, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Município Área média dos estabelecimentos
rurais em hectares
Área dos terrenos rurais
dos monitores em hectares
Chapada do Norte 9,25 3,0
Minas Novas 10,82 3,0
Leme do Prado 18,82 15,0
Veredinha 21,29 2,0
Turmalina 27,82 16,5
Média 17,60 7,90
Fonte: Dados obtidos a partir do Censo Agropecuário, 2007 a IBGE; pesquisa
de campo 2006/2007.
Isso quer dizer que os monitores possuem menos da metade da área
média de terra considerada necessária para garantir a produção e para manter a
8
O módulo rural, segundo o INCRA, “é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca
exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e
condições do seu aproveitamento econômico.” (Incra, 2008).
43
família no campo. O inciso II, do art. , do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64),
define propriedade familiar.
“Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente
explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de
trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e
econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de
exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros”
(Brasil,
2008a).
Dessa maneira, os agricultores monitores do CAV são estruturalmente
forçados a desenvolver outras atividades para completar a renda da família,
como migrar temporariamente para outras regiões onde conseguem trabalho
assalariado ou serviços de comércio ambulante.
Por serem áreas de fertilidade desigual, as áreas plantadas com lavouras
ficam espalhadas por todo o terreno familiar de acordo com a vocação que o
saber tradicional considera natural a cada ambiente, aproveitando as manchas
mais férteis para a produção de bens que compõem a dieta alimentar humana.
Segundo Ribeiro (2007b), 75,70% dos agricultores feirantes do Alto e
Médio Jequitinhonha dispõem de terras próprias. Os domicílios familiares
pesquisados por esses autores têm, em média, 4,11 moradores sendo que o
número de filho é superior a esta média: 4,46 por família (Tabela 3). Esse
tamanho da família está muito próximo daquele apontado para a região, pelo
Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000): 4,0 pessoas por domicílio.
Segundo os dados dessa pesquisa de campo, os agricultores/monitores
estão, na sua maioria, na faixa etária acima dos 45 anos.
A alimentação é adquirida principalmente pela lavoura diversificada:
plantam milho, feijão, mandioca, cana e hortaliças. Vale lembrar que cada
produto é cultivado no tipo de solo e ambiente próprio. A classificação e uso de
cada produto/ambiente são feitos gerações, pela população local. A pauta
44
alimentar é complementada com a criação de animais: porcos e galinhas e
reforçada com a coleta de produtos do extrativismo, coletados nas áreas de
campos e chapadas (Noronha, 2003).
TABELA 3. Tamanho médio do número de moradores nos domicílios dos
monitores da base do CAV, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Composição Média
Nº de moradores na casa 4,11
Nº de filhos 4,46
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007; Relatório CNPq 2008.
O sistema produtivo é regulado pelo clima, definido pelas estações da
chuva e da seca. A lavoura é a principal atividade na época das chuvas. E,
quando passa a época das
invernadas -
como é chamado o período chuvoso na
região -
dando lugar à época das secas, a atividade produtiva da família é
concentrada no beneficiamento dos produtos da lavoura: do milho fabricam a
farinha, iguaria muito apreciada na região; da mandioca se faz farinha e
polvilho; da cana são fabricados a rapadura, a cachaça e o açúcar mascavo. São
os produtos processados, denominados pelo IBGE como da Indústria Doméstica
Rural, que vão conferir a melhor renda monetária. A comercialização dos
produtos é feita principalmente nas feiras livres da região.
9
De maneira muito resumida é nessa combinação de diversas atividades,
em diferentes épocas do ano, e em diversos agroambientes que as famílias
lavradoras vão
tocando a vida
, garantindo assim a sobrevivência de seus
membros, aquecendo as economias locais e mantendo a pauta alimentar cultural
com os apreciados produtos
que
tiram da terra
, coletam e beneficiam.
É dentro dessa lógica produtiva que os SAFs são experimentados e
manejados pelos lavradores. Não possuem um modelo de SAF a ser seguido. É
9
Sobre as feiras livres do Jequitinhonha, ver Ribeiro (2007), Araújo (2006), Ângulo (2002).
45
pela observação e experimentação que aplicam os princípios agroecológicos da
técnica. Assim vão modelando essa técnica às necessidades de cada família e às
condições ambientais de cada unidade de produção familiar.
5.2 Atuação do monitor com SAFS na unidade familiar
O manejo do SAF é um trabalho da família, fazendo parte da dinâmica
das atividades da unidade de produção. Na maioria das vezes, o monitor maneja
a área de SAF junto com toda a família, ou apenas com a(o) esposa(o). Também
é realizado com os filhos ou outras pessoas que não são parte do núcleo familiar.
Em 100,0% dos casos, o envolvimento do monitor é cotidiano na lida com o
sistema, sendo que, em 61,9% dos casos, o trabalho envolve pelo menos mais
um membro da família.
Dos oito agricultores monitores pesquisados, sete são homens e uma é
mulher. O agricultor monitor é aquele que assume junto ao CAV o trabalho de
experimentação, manejo e introdução de inovação nas áreas de SAFs, mas as
práticas de manejo envolvem toda a família. A maioria dos monitores esna
faixa etária entre 40 e 55 anos, apenas um é mais jovem, com 23 anos de idade.
As áreas manejadas com SAFs são distintas em cada unidade familiar;
essa distinção ocorre em função do tamanho das áreas de SAFs e das
características agroambientais de cada área, como observa-se na Tabela 4, a
seguir.
O manejo das áreas de SAFs, feito pelos agricultores monitores, está
relacionado à vocação natural de cada tipo de solo, que é classificado pelos
agricultores de acordo com a posição no relevo e o grau de fertilidade de cada
ambiente, aliando ao suprimento das necessidades de cada família. Dessa
maneira não existe um modelo de SAF, mas vários estilos de SAFs, que são
criados e manejados de diversas formas, dependendo das características do meio,
da composição da família e dos interesses agroecológicos de produção.
46
TABELA 4. Tamanho da área e tipo de solo sob SAF (dentro da classificação
tradicional), Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Área do SAF
(hectares)
Porcentagem
(%)
Tipo de solo
(etnoclassificação)
Porcentagem
(%)
De 0,1 a 0,25 65,00 Cultura 78,26
De 0,25 a 0,30 5,00 Campo 8,70
De 0,30 a 0,50 25,00 Vargem 8,70
Acima de 0,50 5,00 Transição campo para vargem 4,34
Total 100,00 Total 100,00
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007.
A Tabela 5 revela como os monitores manejam suas áreas de SAFs,
aliando os princípios agroecológicos de produção com as necessidades
particulares de cada família, e em função das plantas no sistema.
TABELA 5: Principais usos das plantas presentes nos SAFS, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
SAF/localização por
município
Número de
espécies
inventariadas
Principais usos
SAF 1-Município de
Veredinha
21
Alimentação humana e animal, cobertura e
adubação do solo, madeira, apícola, fibras.
SAF 2-Município de
Leme do Prado
21
Alimentação humana e animal, adubo,
apícola, lenha, medicinal.
SAF 3-Município de
Minas Novas
36
Alimentação humana e animal, cobertura e
adubação do solo, madeira, apícola,
medicinal, insumo para a indústria doméstica
SAF 4-Município de
Chapada do Norte
27
Alimentação humana e animal, cobertura e
adubação do solo, madeira, lenha, apícola,
medicinal.
SAF 5-Município de
Turmalina
22
Alimentação humana e animal, cobertura e
adubação do solo, madeira, apícola,
medicinal.
Continua...
47
TABELA 5: Continuação.
SAF/localização por
município
Número de
espécies
inventariadas
Principais usos
SAF 6-Município de
Turmalina
74
Alimentação humana, de animais domésticos
e silvestres de pequeno porte, lenha,
bioindicadores, apícola, madeira, cobertura do
solo, adubo, medicinal, fibras.
SAF 7-Município de
Turmalina
41
Alimentação humana, animais domésticos e
animais silvestres, cobertura e adubação do
solo, lenha, madeira, fibras, corante,
medicinal, bioindicadores, apícola.
Fonte: Pesquisa de campo, 2007.
As áreas destinadas à experimentação dos SAFs são, na sua maioria,
inferiores a ¼ de hectare; até essa magnitude estão compreendidas 65% delas.
Apenas 30% dos monitores usam mais que 1/3 de hectare, e somente 5%
experimenta SAF em mais que 1/2 hectare. São áreas que, num primeiro olhar,
podem ser consideradas pequenas, mas quando comparadas à área total
disponível desses agricultores, são áreas consideráveis, representativas em
expressão dentro da unidade familiar de produção. De acordo com a pesquisa de
campo, a dimensão do terreno dos monitores entrevistados varia de 2 ha a 16,5
ha. Dessas, em média, são áreas agricultáveis apenas 30 a 40% do total (Ribeiro,
2007b).
Observa-se, através da análise dos usos indicados para as plantas
presentes nos sistemas, que os agricultores deixam várias espécies que
aparentemente não tem uso algum; mas, quando indagados, esclarecem que
manejam certa planta porque ela é importante alimento para fauna silvestre, ou
tem uso medicinal, ou serve para cobrir o solo, deixando a terra mais fresca, ou
que são espécies com potencial apícola. Muitos cipós são usados para amarrio de
cercas, construção de instalações para animais, entre vários outros usos.
48
De acordo com os agricultores monitores, os principais usos dados aos
produtos do SAF são: alimentação humana, alimentação de animais de criação
ou fauna silvestre (pássaros, pequenos animais “rasteiros”), apícolas, cobertura
do solo, adubo, lenha, madeira para construções e cercas, medicinal, amarrio,
indicadoras de qualidade do solo, corantes, cabos de ferramentas, vara de bater
feijão, artesanato (gamela, colher), uma substância produzida por planta de SAF
é utilizada para limpar garapa, o caldo da cana para fabricação de rapadura,
açúcar mascavo e/ou cachaça (Tabela 5).
Muitas dessas plantas têm mais de um tipo de uso, que, quando
combinados, totalizam aproximadamente 45 diferentes usos. Como exemplo,
uma mesma planta pode ser usada para alimentação e ter potencial apícola;
quando podada servirá como adubo e lenha.
Dayrell (2000) evidencia que, entre as diversas estratégias produtivas de
sobrevivência da população rural tradicional, a mais evidente é a associação de
diversos cultivos, com diversidade e variedade genética desenvolvida e adaptada
para uma diversidade de agroambientes. Segundo o autor
é
no aproveitamento da biodiversidade nativa que os agricultores
familiares buscam o complemento mais seguro para a subsistência, uma
vez que as adversidades climáticas afetam, com freqüência, os cultivos
anuais”
(Dayrell, 2000).
Percebe-se então, de maneira muito clara, o que motiva as diversas
combinações que são feitas nos SAFs: os agricultores manejam plantas nativas,
plantas cultivadas para alimentação da família, outras para serem processadas
como a cana-de-açúcar, mandioca e milho, e outras ainda para fornecerem adubo
ao solo, entre muitos diversos usos.
O SAF expressa, nessa lógica, o conhecimento dos agricultores sobre o
ambiente e o uso do mesmo de acordo com suas necessidades e estratégias de
49
reprodução. No SAF 6, por exemplo, considerado um SAF novo, é cultivada
apenas uma variedade de feijão; mas as espécies espontâneas presentes têm
diversos usos, desde o mais básico para o ser humano como a alimentação, até
fabricação de acessório primordial no manejo do SAF e de outras áreas de
lavoura como uso de certas madeiras para fabricar cabo de enxada e vara de
bater feijão, uma ferramenta de beneficiamento usada pelos lavradores.
Outro ganho potencial que os SAFs apresentam é a retenção de água no
solo, por ser uma prática que cria grande amplitude de cobertura horizontal e
vertical do solo. Segundo Lima (2006), em um estudo na região do Alto
Jequitinhonha, a vegetação nativa, no caso o cerrado, tem capacidade de reter
49,6 % das águas da chuva para o abastecimento de suas reservas. Nesse caso,
os SAFs, quando no seu estágio de amadurecimento, aproximam-se mais das
características de uma área coberta com vegetação nativa em contraste com as
áreas em franco processo de erosão e desgaste dos solos que, inicialmente, eram
as características das áreas onde foram implementados.
A cobertura do solo, proporcionada pelos resíduos culturais deixados na
superfície, é fator fundamental na redução das perdas de solo por erosão hídrica,
obtendo-se boa eficácia já com 30 % de cobertura. Ela atua ainda na redução da
velocidade do escoamento superficial e, conseqüentemente, da capacidade
erosiva da enxurrada (Cogo et al., 2003).
5.3 Envolvimento e participação do agricultor não monitor
Para os monitores a divulgação dos SAFs não é tarefa fácil. Nem sempre
a comunidade quer participar de dias de campo ou outras atividades propostas na
comunidade ou na área do monitor.
Dessa maneira vão tentando driblar as dificuldades aproveitando outros
espaços de divulgação: aproveitam alguns momentos de reunião comunitária
para divulgar o SAF; esses são, principalmente, cultos religiosos realizados aos
50
finais de semana. Outra maneira encontrada pelos monitores são as conversas
mais individualizadas. Assim, explicam batendo um papo, convidam para dar
uma volta na área, ou até mesmo quando o monitor vai trabalhar no sítio de
outra pessoa.
Procurou-se avaliar qual o conhecimento que as famílias de agricultores
não monitores adquirem ao conhecer as áreas de SAFs e quais julgam mais
importantes. Os lavradores das comunidades apreendem do SAF,
principalmente, o manejo: dois terços deles observam que o manejo do SAF é
distinto daquele empregado na lavoura tradicional (Tabela 6).
TABELA 6: Informações que os agricultores não monitores adquirem sobre os
SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Informações sobre o SAF Percentual (%)
Manejo 64,44
Arranjo das plantas 4,44
Não sabe explicar 2,22
Não sabe nada 20,00
Não respondeu 8,90
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007.
Apesar de algumas dificuldades, um grande efeito de divulgação do
trabalho do monitor de SAF. Os lavradores falam com muita propriedade do
trabalho do monitor:
“O monitor não queima os ciscos e folhas viram adubo. Recupera a
terra, mudando o jeito de capinar, tem árvores, frutas, laranja,
banana”. “É mais cil, pois não tem que cortar, capinar, queimar.
Conserva
[a umidade do solo]
na seca”. “Não estraga a terra. Não
capina, não corta, não queima, mistura as plantas. Sabe da relação do
SAF com a preservação das árvores e de recuperação de áreas
degradadas. Recuperação da terra, se algumas pessoas não adotam o
sistema, pelo menos criou uma consciência”
(Agricultores não
monitores entrevistados).
51
Os monitores são modestos ao falar sobre o trabalho que desenvolvem.
Um deles, dizia numa reunião, que no
início teve apoio de 5% da comunidade,
hoje
[outubro de 2006]
tem 45% da comunidade que apóia o trabalho com
SAF”
. Mas a pesquisa com os agricultores não monitores indica que mais da
metade da população das comunidades rurais pesquisadas (55,56%) tem algum
tipo de interesse, curiosidade, ou reconhece a importância desse trabalho, apóia a
iniciativa do monitor, como pode ser observado na Tabela 7.
TABELA 7: Avaliação dos SAFs pelos agricultores não-monitores, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Avaliação Porcentagem (%)
Percebem a importância do sistema 38,89
Não se interessam pelo sistema 22,22
Não acreditam que o sistema pode dar certo 22,22
Já utilizam algumas técnicas do SAF 11,11
Se interessam em conhecer melhor o sistema 5,56
Total 100,00
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007
A dificuldade inicial com o sistema é retratada na fala de um agricultor
da comunidade do Gentio:
“Quando começou, a comunidade criticou muito.
Hoje sem fogo, eles em o resultado, principalmente pela água
[que retorna ao
terreno]
”.
O manejo do SAF é reconhecido pelos agricultores não monitores como
diferente do manejo tradicional: não queima o cisco; enleira ciscos, faz curva de
nível; espalha esterco pela terra; não queima, usa cobertura morta,
produz sem
deixar a terra vazia
”, não usa agrotóxico.
A recuperação dos solos é destacada como o principal resultado do
manejo. A terra responde ao trato que lhe é dispensado:
52
O monitor poda e pica o material no meio para proteger a terra e as
plantas e manter a terra mais úmida. Conserva a umidade
principalmente na seca. Não estraga a terra
.”
“Antigamente
descabelava tudo.
[Hoje]
ele roça com o facão, tirou a enxurrada para
não levar os estrumes. Tem rios tipos de planta. Ele carrega folha e
põe nos pés das plantas. Molha a bananeira”
(Agricultores
entrevistados).
Os resultados do processo de recuperação dos solos são materializados
em uma variedade de alimentos apreciados na região, de forma que o SAF se
tornou uma descoberta onde o lavrador
Aprendeu que pra plantar de tudo, banana, acerola, abacate. Não
precisa mais ir buscar banana na cidade.”
(Agricultores entrevistados).
Eles notam os resultados sobre a terra, principalmente naqueles lugares
em que a situação original era mais crítica, como na comunidade Macaúbas,
onde a monitora escolheu para trabalhar uma área muito degradada, sem
qualquer cobertura vegetal, em estágio avançado de erosão, um típico “
pelador
”.
Segundo um lavrador vizinho, a solução veio do
“(...) jeito de colocar vitamina na terra. O terreno de D. Maria não
achava nem mundiça
[ervas invasoras]
prá nascer. Hoje tem até o
esterco da
terra, cem por cento melhor. Era um pelador e agora
bonito, tá cobertinho” (
José Alves, agricultor entrevistado).
O arranjo das plantas no SAF também tem lugar de destaque na
observação dos agricultores. Eles percebem que diferença no desenho do
plantio. É outra maneira de plantar, tudo plantado junto, árvores com plantas
rasteiras, cultivos tradicionais como milho, feijão-andu, cana-de-açúcar, junto
com espécies madeireiras, plantas medicinais, frutas, formando um mosaico de
53
árvores, arbustos, gramíneas, ervas rasteiras, frutíferas e mantimentos, que é, ao
mesmo tempo, simples e sofisticado.
Apesar do grande conhecimento que a maioria dos agricultores tem do
trabalho do monitor de SAF nas comunidades, 22,22% deles não conhecem ou
não sabem explicar como é o trabalho desenvolvido pelo monitor de SAF.
Acredita-se que a parcela dos entrevistados que não responderam (8,90%) é
porque o têm conhecimento suficiente para opinar. Assim, pode-se considerar
que 31,12% dos entrevistados não têm conhecimento do trabalho do monitor, na
comunidade (TABELA 7).
Os próprios monitores ressaltam a dificuldade de envolver os
agricultores no trabalho. Já é cristalizada, na formação dos agricultores, as
práticas tradicionais de manejo e muitos têm resistência a experimentar novas
técnicas. Fala um monitor:
“Marca reunião e o povo o vai. O povo quer ver o sistema gerar
dinheiro, produção. O povo é que nem S. Tomé, é difícil de explicar. É
trabalhoso. Nós não tivemos educação ambiental. È mais difícil lidar
com os jovens. Desfazem da cultura da gente. Os mais velhos dão valor,
os mais novos acham que é bobeira, não preocupam com o futuro e
acham que o SAF não produz”
(Sr. Pedro, monitor da comunidade
Palmital).
Os monitores creditam a falta de conhecimento e o desinteresse sobre as
experiências com SAFs ao fato de ser uma técnica que exige paciência, cujos
resultados aparecem apenas ao longo prazo:
A pessoa para trabalhar com o
SAF tem que ter paciência
(monitor da comunidade do Gentio). Não é uma
técnica como a da agricultura modernizada que, incorporado o calcário no solo,
obedecidas as recomendações de adubação e as exigências nutricionais das
culturas, adquirindo sementes selecionadas, feito o plantio nos espaçamentos
indicados, pode-se colher muito na safra. A fala de um agricultor descreve esse
54
dilema universal entre a produção e sustentabilidade, pois a prática do SAF é
feita:
“(...)
como um jeito de não desmatar, de não por fogo. Aquilo guarda
mais a umidade da terra. Muitos acham que a enxada e por fogo anda
mais rápido”
(Agricultor entrevistado).
Disse um monitor
“Hoje o povo está acreditando mais
”: esse é o
resultado que vem aparecendo com a maturação das experiências com o SAF,
começam a aparecer os resultados. À medida que a técnica vai se consolidando e
apresentando resultados a olhos vistos, muitos agricultores adotam práticas,
conservacionistas e/ou produtivas, experimentadas pelos monitores, que as
avaliam como positivas e passíveis de replicação nos seus sistemas de produção.
5.4 Adoção de técnicas pelos agricultores não monitores
A pesquisa mostrou que, apesar das inúmeras dificuldades citadas
anteriormente e de encontrar várias barreiras, os agricultores-monitores do Alto
Jequitinhonha também estão inseridos nessa discussão que é mundial: praticar
agricultura buscando aliar produção e conservação ambiental, social e
econômica.
Dessa forma, as técnicas experimentadas pelos monitores que
apresentam resultados mais
visíveis
vão sendo adotadas pelos agricultores. Pode-
se afirmar, através dos dados dessa pesquisa, que muitos agricultores não
adotam, não implantam o SAF nos seus sítios. Mas adotam, sim, algumas
práticas que julgam importantes para refazer a vida do agroambiente em que
lidam.
O manejo adotado visa principalmente a conservação dos solos e das
águas, que influencia diretamente a produção, pois permite criar condições
55
favoráveis de fertilidade, proteção dos solos e retenção da umidade. As práticas
mais adotadas são, segundo os agricultores não-monitores:
plantio de gramíneas e leguminosas para cobertura e incorporação
de matéria orgânica ao solo;
enleiramento dos ciscos;
plantio em nível;
corte seletivo de árvores;
mudança na forma de arar a terra, usando o arado para corte mais
raso;
não soltar gado bovino na palhada (resto cultural que fica no solo
depois de colhida a lavoura);
diminuição das queimadas, principalmente no preparo do solo.
Embora em menor proporção, práticas de cultivos propriamente dita
também são adotadas, como:
plantio de árvores frutíferas mais resistentes à seca;
produção de sementes próprias de milho e feijão;
plantio consorciado de frutíferas: banana, acerola, abacaxi, caju;
plantio consorciado de gramíneas como o capim-napier (
Pennisetum
purpureum
), colonião (
Panicum maximum
) e cana-de-açucar com
espécies frutíferas, grãos e cereais.
Dessas práticas, aquelas que são mais expressivas em termos de
mudança de comportamento são: deixar de colocar animais na palhada
(62,50%), enleiramento ou incorporação do cisco no solo deixando de queimá-lo
56
(é usual), com 52,95% de adesão e a redução do desmatamento (55,56%),
principalmente próximo às fontes de água.
Os monitores demonstram preocupação com as práticas de produção que
foram massivamente difundidas e analisam a necessidade de adoção de técnicas
agroecológicas de produção:
“Eu acho que todo agricultor vai ter que usar
[SAF]
, porque daqui uns
ano ... eles vão ficar com a braquiária e o eucalipto e o gado.
Então eu num sei se lá fora vão conseguir produzir, pra ficar mandando
direto pra cá. Qualquer hora pode empobrecer, né?”
(Sr. Antônio,
monitor entrevistado).
A adoção de técnicas de SAF e não o conjunto do sistema é justificado
pelo fato do sistema agroflorestal não conseguir os mesmos índices de
produtividade individual para culturas como feijão, milho, mandioca e cana-de-
açúcar quando plantadas no sistema de cultivo solteiro ou de consórcio
simplificado, como é tradicionalmente cultivado na região. E o esses os
produtos que abastecem as despensas dos agricultores, além de ter mercado
garantido na região.
Os indicadores de produção nos SAFs apontam produção bruta em
quilogramas, em média quatro vezes maior que a lavoura tradicional, com um
diferencial que pode ser considerado aspecto positivo quando se avalia a
diversidade de produtos colhidos e sua distribuição ao longo do ano. O aspecto
negativo é que não se tem mercado garantido na região, para a variedade de
produtos alimentares, especialmente as frutas, que mostram ser o produto de
maior potencial nos SAFs já consolidados.
Um dos desafios para o sucesso dos SAFs é a colocação desses produtos
no mercado. Dois monitores, um da comunidade de Gentio e outro da
comunidade Morro Branco, onde as áreas de SAFs superaram a fase de
recuperação do solo e já conseguem produzir alimentos em quantidade para
57
mercado, encontraram nas feiras livres de Capelinha e Chapada do Norte
clientela para seus produtos. Segundo esses monitores, o SAF permite uma
variedade de produtos para levar na feira, no correr do ano.
Na feira as pessoas gostam, as verduras são sadias”
(Sr Roxo,
monitor entrevistado).
Em janeiro e fevereiro tem feijão de corda, milho verde, fava, maxixe,
quiabo, abóboras. A partir de abril começa a safra do feijão-andu e feijão-de-
corda, muito apreciados na região. o as frutas os produtos de maior expressão
no decorrer do ano agrícola, permitindo que o monitor leve à feira, a cada
semana, produtos diferentes. As frutas mais produzidas são: banana, acerola,
abacaxi, abacate, laranja, mamão, caju, maracujá, limão, manga, goiaba.
Amendoim, urucum, plantas medicinais também compõem a cesta que o monitor
leva para comercializar na feira.
5.5 O trabalho do monitor de SAFS e o elo com outros projetos
Um fato que chamou a atenção, durante as entrevistas com os
agricultores não-monitores, foi a resposta que davam quando perguntados sobre
o trabalho do monitor de SAF e a respondiam associando o monitor ao CAV.
Verificou-se, então, que o monitor, animado pelo CAV, participa de outros
espaços de organização comunitária, conduzindo a possibilidade de outros
programas públicos para serem discutidos e construídos junto com a
comunidade. O trabalho do monitor extrapola a experimentação com SAF. Mas
“(...)
se não fosse o SAF não tinha outros projetos, não tinha resolvido a
[questão da]
água
” (Monitor entrevistado).
58
Aos poucos, as interrogações que foram surgindo no decorrer da
pesquisa, como o paradoxo de os agricultores valorizarem o trabalho do monitor,
mas não aderirem à prática de SAF na mesma proporção que a valorizam, foram
sendo esclarecidas. O esclarecimento veio, em parte, por ser o agricultor monitor
mais que um monitor de SAF, mas um agente comunitário com participação
ativa na comunidade, agregando a ela novas possibilidades de programas e de
projetos. Passou-se, então, a indagar qual o resultado do trabalho do monitor na
comunidade. Dos entrevistados, 87,81% avaliam o trabalho do monitor como
importante para a comunidade, com respostas incisivas:
“o monitor traz projetos
pra comunidade
”.
“Se o tivesse monitor o teria nada na comunidade. Passa
experiência para a comunidade. O órgão se instala na comunidade”.
“Passa os ensinamentos e trouxe o CAV para a comunidade”
(Agricultores não-monitores).
Esses projetos citados pelos agricultores são de ordem produtiva, de
conservação ambiental, de disponibilização de água, conforme indicado na
Tabela 8.
O monitor assume o importante papel de mobilizador comunitário e
interlocutor das comunidades com as organizações que possuem atuação
municipal e regional.
“...É bom ter um monitor pra comunidade... com certeza, ele abre novas
portas e influência a comunidade. Não é aquela de coisa de uma noite
pro dia, é um trabalho demorado, mas de qualquer forma já é... A
própria questão da queimada. Eu sempre lembro a questão da
queimada, já foi um grande avanço. A questão da pessoa praticamente
varrer a roça, queimar... as pessoas ainda usam a queimada na questão
do roçado. Mas assim, temos uma experiência aqui na lavoura
comunitária, que roçou de trator então, não usou queimada. Tem alguns
agricultores falando que se a prefeitura disponibilizar o trator que
59
eles não vão roçar pra queimar... Com o trator, depois ele faz a leira e
planta no meio... sem precisar queimar.”(
Anderson, monitor
entrevistado
)
TABELA 8: Projetos levados para as comunidades, a partir da atuação do
monitor de SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Caracterização Programas/Projetos
Produção Produção comunitária de mandioca;
Plantio de mudas frutíferas.
Conservação ambiental Técnicas de conservação de solos e água.
Programa de cercamento, recuperação e conservação de
nascentes.
Recursos hídricos Programa 1 Milhão de Cisternas – P1MC
10
;
Programa de cercamento, recuperação e conservação de
nascentes
11
;
Construção de bacias de contenção das águas da chuva;
Construção de barragens para acúmulo de água da chuva.
Assessoria técnica e social Assistência técnica do CAV;
Produção de remédios caseiros;
Abertura para participação no Grupo de Mulheres;
Mobilização comunitária para discutir projetos e ações
educativas de cunho ambiental e produtivo.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007
A fala de outro monitor mostra como o trabalho iniciado com o SAF
desdobra-se em vários outros programas nas comunidades rurais:
“... a comunidade de Gentio eu considero que ela através do monitor,
cobra, fala junto com o CAV. Porque o CAV às vezes não vai poder
resolver o problema, mas ele pode falar, pode mostrar e também pode
dispor de buscar. Aquilo que eu falo que a comunidade sendo muito
bem atendida em termos de bacia de contenção, tudo eu considero que
foi uma discussão do CAV muito forte lá nos outros projetos. Consegui
2, faz 2 anos que eles o vindo fazer, fazer bacia de contenção,
até barraginha e
[cercamento]
de nascente, então eu acho que tudo é
vantagem do monitor, porque o monitor tá vendo o problema. Agora
10
Informações detalhadas sobre P1MC ver ASA Brasil (www.asabrasil.org.br)
11
Sobre programa de proteção e conservação de nascentes ver publicações do Núcleo de Pesquisa
e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers em www.ufla.br/nucleo ppj
60
hoje nós já discutimos muito sobre a conservação da terra, agora a
gente partiu também a discutir sobre a água, sobre nascente.
Também tem sido fechada muita nascente aqui na comunidade e tudo eu
considero que é através do monitor que levando a causa,
reforçando. O dia que tem uma reunião geral no CAV, tem poder
público, tem outros órgãos, a gente deixa o debate crescer lá dentro.
Eu acho que é através disso que a comunidade tem muita vantagem, a
comunidade às vezes em si própria, da própria pessoa não tem tido
vantagem, não tem esforçado muito assim, em termos de produção do
sistema, de implantar o sistema na sua propriedade”
(Sr. Luiz,
monitor da comunidade do Gentio)
.
Outro monitor também chama a atenção sobre um dos efeitos
irradiadores do trabalho é a aproximação com as outras organizações do
município. Em entrevista, o monitor relata:
“Mas então, eu acho que hoje mudou um pouco mais. eu acho que,
no princípio, era bem pior. Deixava mais de lado, porque o pessoal,
tinha a muitos deles, que num tinha conhecimento do trabalho,
também achava que não valia a pena. Agora, hoje, o. Porque hoje
tem um engajamento do município, por exemplo, o município hoje, até a
prefeitura quer se reunir com a gente, o poder público quer se reunir, a
Emater, por exemplo, também está interessada
(Sr. Luiz, monitor entrevistado).
De maneira que, na medida em que os SAFs vão apresentando
resultados, as outras organizações, assim como os agricultores das comunidades,
valorizam e procuram se aproximar. E, dessa forma, os monitores vão atraindo
outros programas e projetos que são de interesse para suas comunidades.
61
5.6 Relação dos monitores com os programas e projetos desenvolvidos pelo
CAV
Procurou-se conhecer como o monitor faz o elo entre a comunidade e
outras organizações mediadoras do Alto Jequitinhonha, bem como em quais
organizações ele tem participação efetiva. Primeiro analisou-se a participação do
monitor nos programas desenvolvidos pelo CAV e em seguida com as outras
organizações que têm atuação nas comunidades rurais dos municípios
pesquisados.
No CAV, os monitores participam de várias atividades de formação e de
espaços de representação. Um dos métodos de trabalho usados pelo CAV, além
dos SAFs, são os Grupos de Trabalho, conhecidos com GTs, ligados a temas
produtivos e de organização. A entidade gerencia o P1MC (Programa Um
Milhão de Cisternas), na região do Alto Jequitinhonha, desenvolve programa de
proteção e conservação de nascentes. A atuação se também nas feiras livres,
estimulando a economia solidária na região.
A formulação e a gestão desses programas são feitos numa parceria que
envolve técnicos do CAV e agricultores. Os monitores participam de acordo
com suas áreas de interesse e a necessidade das comunidades das quais fazem
parte. Um dos monitores entrevistados descreve esse processo de participação e
construção de programas que envolvem a instituição animadora - nesse caso o
CAV- e os monitores e seus pares - os agricultores familiares. Um monitor
esclarece que agora está
“(...)tendo esses recursos de conscientização até de... informação,
sabe? Isso é o que a gente não tinha. Hoje a gente vê, muitas vezes, as
pessoa tomando água da nascente cercada aí, sabe? Muitas vezes eles
não tinham... eles não tinham essas água. Ou teria perdido, a
maioria...,até da forma dessas barraginhas, fui eu que pesquisei. Foi
muito esforço. Quero dizer: quantas barraginhas a gente fez aqui. Aí
depois que eu fui monitor, de muitas formas contribuí pra comunidade.
62
Porque hoje tem alguém que tá destruindo, a gente não sabe porque, se
é ganância, se é confusão... Mas eu acho que
é
falta de
conscientização.
..
Porque até aqui, na Escola Família mesmo, que a
gente falou que teria que pregar muito isso, na Escola Família”
( Sr.
Antônio, monitor da comunidade Gentio).
A Tabela 9, mostra a participação dos monitores nos programas
desenvolvidos e gerenciados pelo CAV.
TABELA 9: Participação dos monitores em projetos ou grupos temáticos do
CAV, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Grupo temático/projeto Porcentagem (%)
P1MC 46,15
GT Apicultura 38,46
GT Mulheres 23,08
Não participa 23,08
GT Cana 15,38
Fundo Rotativo 15,38
Nascentes 7,70
Diretoria do CAV 7,70
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007; Relatório CNPq 2008.
A maior participação do monitores é em projetos relacionados à água,
que compreende o P1MC e o grupo temático Nascentes, que juntos representam
53,85% da participação dos monitores. Em reunião com grupo de agricultores e
monitores, eles refletiam que os projetos relacionados à disponibilidade de água
e à conservação de recursos hídricos são os que surtem mais efeito e geram
maior engajamento das comunidades.
Mas a participação dos monitores não é restrita às ações desenvolvidas
em parceria com o CAV. Muitos deles são sindicalistas, participam da
Articulação PACARI (rede formada por instituições, ONGs e associações
comunitárias com
enfoque nas plantas medicinais do Cerrado), fazem parte da
diretoria de EFA (Escola Família Agrícola), são parceiros das associações
63
vinculadas ao Fundo Cristão para Crianças, são interlocutores da comunidade
com as entidades como Emater, Secretarias Municipais de Agricultura, de
Educação, participam de Conselhos Comunitários. Buscou-se conhecer as
principais organizações que possuem atuação direta no meio rural e o
entrosamento dos monitores junto às mesmas.
5.7 Relação dos monitores com as organizações mediadoras do Alto
Jequitinhonha
Com o objetivo de conhecer a percepção das organizações mediadoras
do Alto Jequitinhonha, acerca dos SAFs, e da repercussão da atuação dos
monitores nas comunidades rurais, foram entrevistados os representantes dos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), Emater, Secretaria Municipal de
Agricultura, Associações vinculadas ao Fundo Cristão para Crianças. Essas
organizações estão presentes nos municípios de Turmalina, Leme do Prado,
Chapada do Norte, Veredinha; no município de Minas Novas, além das
organizações citadas, entrevistou-se também o representante do Campo Vale,
ONG de atuação regional.
5.7.1 Formas de atuação nos municípios e na região
As entidades conveniadas ao Fundo Cristão para Crianças atuam
diretamente com famílias rurais que têm crianças em situação de risco
nutricional. Desenvolvem projetos de segurança alimentar, como hortas e roças
comunitárias, pomares domésticos, programas de proteção de nascentes,
melhoria de qualidade de água, apadrinhamento de crianças, acompanhamento
de gestantes. No que diz respeito às ações conjuntas das agências associadas ao
Fundo Cristão com outras organizações, evidenciou-se a parceria formada com o
CAV, no Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), parcerias com as
Prefeituras, em programas de educação infantil, educação ambiental, parceria
64
com a Emater em programas relacionados à produção de alimentos, construção
de barragens para irrigação e acompanhamento técnico-produtivo.
Os STRs enfocam, todos eles, trabalhos voltados para a defesa dos
direitos do trabalhador rural: declaração do trabalhador junto ao INSS,
regularização de documentação de posse da terra pelo trabalhador rural,
participação nos congressos da categoria, emissão de carta de aptidão do
trabalhador rural para acessar o PRONAF, participação em Conselhos
Municipais de Saúde e Educação e o Conselho Municipal de Desenvolvimento
Rural Sustentável (CMDRS). Os dirigentes sindicais entrevistados citaram
várias ações em parceria com outras entidades em diversos campos de atuação,
entre eles cursos de capacitação para agricultores, curso de alfabetização de
adultos, projetos de inclusão digital, P1MC, apoio à feira livre de agricultores
familiares e, no caso específico do STR de Veredinha, apoio à construção da
Escola Família Agrícola na comunidade rural da Gameleira, que é voltada para
formação e profissionalização de filhos de agricultores, que queiram trabalhar na
terra.
O CAMPO VALE é uma organização sediada em Minas Novas, com
atuação regional. A entidade trabalha com assessoria política contra a violação
dos direitos humanos especialmente aos atingidos por barragem e atingidos
pelos reflorestamentos de eucalipto. Está envolvido com a gestão do P1MC, no
município de Minas Novas, e participa do CMDRS, atuando também com
assessoria técnica agroecológica. As parcerias regionais são o CAV, os STRs de
Chapada do Norte e Minas Novas. Existem outras parcerias, como a Articulação
Mineira de Agroecologia e Rede Cerrado de Organizações Não-
Governamentais.
Outras duas entidades, Emater e Secretarias Municipais de Agricultura,
se diferenciam das anteriores por serem órgãos governamentais, enquanto as
citadas são entidades constituídas pela sociedade civil organizada.
65
Nas Secretarias Municipais de Agricultura, o enfoque dado ao trabalho é
a assistência à agricultura familiar. Os municípios têm ações no campo
produtivo envolvendo questões de acesso à energia elétrica, água para consumo
e produção, apoio às feiras livres. Os entrevistados mencionaram programas
voltados para questões ambientais, viveiros municipais de espécies nativas e
frutíferas para recuperação de áreas degradadas e matas ciliares, cercamento de
nascentes e construção de pequenas barragens ao longo das estradas rurais, para
contenção das águas da chuva.
No caso da Emater, os trabalhos acontecem com os grupos organizados,
as associações. Segundo os entrevistados a instituição tem o objetivo de
desenvolvimento das comunidades rurais, onde o maior desafio é o acesso à
água, seguido da organização da produção, organização social e a
comercialização. A Emater atua em parceria com as prefeituras, STRs, CAV,
associações ligadas ao Fundo Cristão para Crianças.
Observa-se uma integração entre as organizações de alcance municipal e
regional, porém fica evidente que essa integração ocorre de maneira pontual.
Todas essas organizações demonstraram nas entrevistas o interesse e a
necessidade de trabalhos mais integrados entre si. Em alguns campos,
especialmente na questão referente à água, o P1MC é o maior integrador,
seguido das ões ambientais conservacionistas e preservacionistas, também
relacionadas à água, como os programas de cercamento de nascentes.
Na região do Alto Jequitinhonha, o acesso à água de qualidade para
consumo e produção é uma das questões mais críticas e relevantes para a
população rural, o que justifica a maior integração e envolvimento das
organizações governamentais e não-governamentais nos programas que enfocam
o acesso à água.
66
5.7.2 Agricultores de referência nas comunidades e atividades desenvolvidas
Outro item julgado importante foi conhecer quem são os agricultores
interlocutores de cada organização nas comunidades onde monitor de SAF.
Procurou-se conhecer quais programas e ações os monitores desenvolvem em
parceria com essas organizações, conforme apresentado no Quadro 3.
QUADRO 3: Agricultores de referência nas comunidades e atividades
desenvolvidas, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Agricultores de referência Organizações
monitor não monitor
Principais programas e atividades que
o monitor participa junto às entidades
Associações
conveniadas o
Fundo Cristão
para crianças
x x P1MC, acompanhamento do estado
nutricional de crianças, programa de
gerenciamento de recursos hídricos e
educação ambiental, articulação entre
as demandas da comunidade com a
entidade.
Campo Vale x x P1MC, movimento dos atingidos pelo
reflorestamento de eucalipto.
Emater x x Programa de recuperação de nascentes,
formação de banco de sementes
crioulas, articulação entre a
comunidade e a instituição.
Secretaria de
Agricultura
x x Programas de educação ambiental,
programas produtivos, interlocução da
comunidade com a secretaria.
STRs x x Formação política, encaminhamento
dos trabalhos do STR nas comunidades
rurais.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007
Com relação aos STRs dos municípios estudados, todos os agricultores
de referência fazem parte das suas diretorias. Na comunidade do Gentio, por
exemplo, um dos monitores também é o agricultor de referência do STR na
comunidade. Todos eles desenvolvem trabalhos de formação política e
encaminhamento dos trabalhos dos STRs, nas suas comunidades.
67
Nas entidades vinculadas ao Fundo Cristão para Crianças, os agricultores
e agricultoras de referência desenvolvem atividades como o acompanhamento
do peso das crianças, levantamento da demanda de trabalho e agendamento de
reuniões, que são atividades comuns em todos os municípios. Além disso, fazem
levantamento de demandas para o P1MC, nos municípios de Turmalina e Minas
Novas. Em relação às atividades de gerenciamento de recursos dricos e
recuperação ambiental em Minas Novas, o interlocutor da entidade com a
comunidade é o monitor.
No caso do CAMPO VALE, o monitor é a pessoa de referência da
organização na comunidade e acompanha o P1MC, faz parte do CMDRS e
participa dos espaços de discussão sobre os impactos do reflorestamento de
eucalipto na região.
Segundo os técnicos da Emater, os agricultores de referência do CAV
junto às comunidades, participam dos programas de recuperação e formação do
banco de sementes crioulas, de recuperação de nascentes, distribuição de
sementes, e têm a função de articular as associações comunitárias e a Emater.
De acordo com os entrevistados, os monitores e monitoras de SAF,
mesmo nos casos em que não são os interlocutores entre as organizações e a
comunidade, assumem papéis importantes, que se expressam no envolvimento
nas questões de caráter ambiental, agroecológicas e de organização comunitária.
Por possuírem uma carga de conhecimento adquirido nos diversos espaços
comunitários em que participam, tanto no município quanto na região, os
monitores trazem suas experiências para a comunidade, contribuindo e
enriquecendo as atividades desenvolvidas pelas organizações em parceria com
as comunidades rurais.
Percebe-se o entrosamento dos monitores em todas as organizações e
instituições pesquisadas, mostrando o seu perfil como atores engajados e
participantes dos diversos espaços construídos pela sociedade civil e aqueles
68
constituídos formalmente pelos governos estadual e municipal. Talvez esse
também seja um dos motivos de serem experimentadores e divulgadores da
técnica agroecológica de produção, como é o caso do SAF.
5.7.3 Avaliação da implantação do saf nas comunidades pesquisadas
A maioria das organizações entrevistadas têm conhecimento da
experiência do monitor de SAF em seus respectivos municípios e de outras
experiências que acontecem nos municípios vizinhos. Esse conhecimento é
adquirido por meio de visitas feitas à área do monitor de referência, ou de visitas
a outros monitores, até por informações a respeito do trabalho desenvolvido
pelos monitores do município ou de outro município vizinho, como observa-se
no Gráfico 1.
Não visitou o SAF, mas
conhece o trabalho do
monitor
Conhece o SAF Não conhece o SAF
GRÁFICO 1: Conhecimento das organizações sobre os SAFs, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007
Mais de 90% das organizações entrevistadas possui conhecimento da
experiência do monitor no SAF em seus respectivos municípios e de outras
36, 40 %
9, 10 %
54, 50 %
69
experiências que acontecem nos municípios vizinhos. Esse conhecimento vem
de visitas feitas ao terreno do agricultor-monitor de referência desse estudo ou
de outros monitores de outras comunidades e municípios, e também por
informações a respeito do trabalho desenvolvido pelos monitores.
Essas entidades avaliam positivamente a implantação do SAF,
principalmente como ganho para a conscientização ambiental dos agricultores.
Com isso também tem surgido nas comunidades iniciativas de conservação
ambiental por parte dos agricultores não-monitores. As comunidades
pesquisadas nesse trabalho, segundo os entrevistados, são marcadas por uma
acentuada fragilidade ambiental relacionada às águas, ao desmatamento e à
perda de solos por erosão. Esta situação torna iniciativas de caráter produtivo,
aliadas às práticas conservacionistas apropriadas por agricultores, um elemento
de forte potencial de transformação no meio rural.
Os municípios em questão enfrentam sérios problemas relacionados à
disponibilidade de água, e o SAF tem potencial para aliar produção, recuperação
ambiental e ocupação produtiva para as famílias agricultoras. Outro fator
associado ao SAF é a contribuição para a diversidade de produção de alimentos
e conservação dos solos.
No município de Turmalina evidenciou-se a contribuição do SAF para
conscientização em relação às queimadas, prática utilizada para preparo das
terras para plantio:
“Em Turmalina hoje é difícil ver alguém preparar a terra com fogo
(Técnico entrevistado).
Fica evidente que a grande contribuição do trabalho do monitor de SAF,
nessas comunidades, é a conscientização ambiental e a disponibilização de
técnicas facilmente apropriadas por agricultores, que aliam conservação
ambiental à produção de alimentos. A região estudada enfrenta enormes
70
problemas relacionados ao acesso à água, solos enfraquecidos e degradados pelo
uso contínuo.
Em Turmalina, percebe-se que o enfretamento de problemas ambientais
é o maior mobilizador. O monitor, através de seu trabalho com o SAF e outros
projetos que participa na comunidade e fora dela, vai sensibilizando a
comunidade: “
Nestas comunidades as pessoasm preocupação com controle
de erosão e derrubada de árvores”
(técnico entrevistado).
Segundo informações do técnico da APLAMT, o produtor deixou de
roçar as encostas de morro e mobilizou recursos financeiros junto a empresas
presentes na região, para construção de barraginhas de contenção das águas das
chuvas. De acordo com o mesmo entrevistado, os agricultores avançaram mais
nas questões relacionadas à preservação ambiental; nas áreas de cultivo é mais
difícil devido ao pequeno tamanho dos terrenos desses agricultores.
Para as organizações de Minas Novas, o trabalho desenvolvido pelo
monitor do CAV fez a comunidade aparecer:
antes era uma comunidade
esquecida
”. O trabalho do monitor é referência e estímulo para outros
agricultores continuarem trabalhando e produzindo. Tem-se maior diversidade
de produção e maior segurança alimentar:
“Muitas famílias vêem o exemplo do monitor e começam a fazer
algumas práticas do SAF. Muitas famílias têm o quintal pelado” e o
exemplo do SAF na comunidade vai mudando. O quintal é o alimento
mais próximo da cozinha, e o exemplo do SAF pode contribuir para
potencializar os quintais” (
Técnico entrevistado).
Em Veredinha, os entrevistados destacaram a importância do trabalho do
monitor como uma possibilidade que os agricultores têm de ver na prática as
mudanças no ambiente. A comunidade precisa de um forte trabalho de
recuperação ambiental:
É uma das possibilidades do agricultor ter uma vida
digna e pensar no amanhã”
(agricultor, presidente do STR de Veredinha).
71
A fala dos representantes das organizações deixa clara a preocupação em
estabelecer modelos produtivos mais sustentáveis, abrangendo as possibilidades
futuras de produção e reprodução no meio rural.
5.7.4 Viabilidade e possibilidade de propagação da técnica do saf na região:
limites e potencialidades
Procurou-se investigar como as organizações avaliam o potencial e os
limites da expansão do trabalho dos monitores de SAFs, nos municípios e
região.
O STR de Minas Novas acredita que existe potencial para a adoção dos
SAFs na região, no entanto, é imprescindível o apoio da prefeitura, firmado na
Secretaria de Ação Rural. Um dos limites apontados pelo STR de Minas Novas
é o não envolvimento do governo municipal. Para a entidade, sem a participação
do poder público fica muito difícil a expansão do SAF no município, uma vez
que sua população rural gira em torno de 22.866 pessoas
12
. Qualquer ação para
alcançar pelo menos parte dessa população é dificultada pela ausência de
participação do poder público que dispõe de recursos técnicos, econômicos e de
infra-estrutura.
A AMPLIAR considera viável a possibilidade de adoção dos SAFs na
região, desde que exista empenho e dedicação por parte de toda a comunidade.
A entidade considera ainda como uma potencialidade o fato dos
trabalhadores rurais serem
“politizados
”, a comunidade ser engajada em
trabalhos comunitários e ter grande potencial para expansão dos SAFs.
Em Minas Novas fica claro que, mesmo dentro do próprio município, as
organizações m visões diferentes sobre o assunto. A AMPLIAR ressalta a
união já existente dos agricultores como potencial para desenvolvimento dos
SAFs, enquanto a Emater acredita que os agricultores precisam aprimorar a
12
Dados do Censo Demográfico (IBGE, 2000) e Contagem de População (IBGE, 2007b).
72
união e organização para potencializar a expansão dos SAFs, sendo esse ponto
visto como limite para a instituição citada.
A APLAMT considera haver viabilidade de irradiação do SAF, embora
tenha pouco conhecimento técnico sobre o assunto. Acredita que o sistema pode
ser de suma importância para recuperação de áreas degradadas. Os agricultores
da região, mesmo o praticando o sistema integralmente, utilizam algumas
práticas do SAF, o que contribui muito para a conservação do solo e do meio
ambiente.
O principal limite percebido pela APLAMT está relacionado ao tamanho
das unidades familiares rurais. Ressaltam que deixar parte do terreno para
plantio diferenciado - o SAF - faz falta para produção de alimentos naquela área,
uma vez que a região é caracterizada por unidades familiares de área reduzida.
Como potencialidade ressalta a possibilidade de recuperação do ambiente, aliada
à produção, potencializando a terra disponível para a família agricultora. Isso
também foi ressaltado pela Emater de Minas Novas, como mostrado
anteriormente.
A Secretaria Municipal de Agricultura de Turmalina avalia que o
trabalho dos monitores traz resultados positivos, evidenciando a necessidade da
presença de um monitor em cada comunidade a fim de potencializar a expansão
do SAF no município. Outro ponto relevante, para a Secretaria, é a realização de
debates entre as entidades presentes no município para avaliar a possibilidade de
expansão do sistema.
A ADECAVE considera o trabalho de educação ambiental uma
necessidade urgente, para a irradiação dos SAFs na região.
O STR de Veredinha aponta como limite para a expansão dos trabalhos
com SAF, na região, a capacitação dos agricultores, que pode representar uma
barreira à irradiação dos SAFs. O sistema necessita de ajustes técnicos que são
inovadores para grande parte dos agricultores, embora a entidade acredite que
73
exista possibilidade de expansão do trabalho. O entrevistado citou vários casos
de agricultores, incluindo ele mesmo nesses casos, que tiveram um pouco mais
de acesso à educação e cursos de capacitação; ficaram em situação de vida muito
melhor que muitos funcionários públicos e comerciantes do município.
A Emater de Veredinha considera um limite para a irradiação dos SAFs,
na região, a falta de crédito agrícola diferenciado para os agricultores. Seria
necessário um crédito diferenciado, pois no SAF o capital e a terra investidos
têm um período de retorno mais demorado, de longo prazo. A relação
custo/benefício também deveria ter outras medidas, por exemplo, se fosse
incorporado na avaliação econômica do SAF, o retorno ambiental.
Para a Emater, os agricultores familiares de Veredinha têm grande
resistência ao uso de defensivos agrícolas, considerando que o município
apresenta um ambiente de grande potencial para experiências agroecológicas, se
se firmar nessa técnica de produção agrícola.
O Quadro 4 apresenta uma síntese da opinião das organizações
entrevistadas, em relação às potencialidades e limites de expansão das práticas
de SAFs, nos cinco municípios pesquisados e na região do Alto Jequitinhonha.
QUADRO 4: Limites e potencialidades para a expansão dos trabalhos com
SAFs, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Município Limites Potencialidades
Minas Novas - Não existe parceira com o
governo municipal;
- Participação apenas de
lideranças formais nos conselhos
municipais;
- Falta de união dos agricultores;
- Falta de assistência técnica.
- Agricultores são
organizados;
- Já existe trabalho com SAF
desenvolvido por agricultores.
Continua...
74
QUADRO 4: Continuação.
Município Limites Potencialidades
Turmalina - Deixar parte exclusiva do
terreno para o SAF.
- Recuperação ambiental
aliada à produção;
- Possibilidade da presença de
um monitor em cada
comunidade.
Veredinha - Capacitação técnica dos
agricultores;
- Falta de crédito diferenciado.
- Consciência ambiental dos
agricultores.
Leme do Prado - Indisponibilidade de terras e de
águas.
- Bons resultados em relação à
conservação ambiental.
Chapada do Norte -Tamanho reduzido das unidades
de produção;
- Disponibilidade de terras.
- Recuperação dos solos,
incorporação de matéria
orgânica;
- Produção de frutas.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007.
5.7.5 Diferenças entre comunidades com e sem presença de monitores
Uma outra questão levantada nessa pesquisa relaciona-se com as
percepções que as diferentes entidades pesquisadas têm quanto ao trabalho
desenvolvido em comunidades onde há ou não presença dos monitores. Foi
perguntado se as entidades percebem ou não diferenças de participação.
No município de Turmalina, a Secretaria de Agricultura, analisa que a
presença dos monitores torna a comunidade mais engajada nos projetos
desenvolvidos pela Secretaria. A Emater percebe que nas comunidades onde
existe monitor maior organização, dedicação, e participação dos agricultores
nos programas desenvolvidos pela entidade.
Em Minas Novas, o STR afirma que, nas comunidades onde
atividade dos monitores, os agricultores são envolvidos nos trabalhos
comunitários. Existe maior comprometimento por parte das pessoas o que torna
mais fácil a atuação do sindicato, nessas comunidades. Com relação às
comunidades onde não existe o trabalho do monitor, as pessoas o mais
acomodadas. A Secretaria de Agricultura de Minas Novas confirma a análise
75
que a Secretaria de Agricultura de Turmalina faz quanto à maior participação
das pessoas nas comunidades onde há presença do monitor.
Acrescenta-se o fato da presença do monitor facilitar a existência de
outros projetos produtivos e de organização:
O monitor agrega as pessoas ao
serviço, puxa projetos para a comunidade
(técnico entrevistado), situação
evidenciada também pelos agricultores. Para a Emater e o Campo Vale, a
presença do monitor facilita os trabalhos comunitários.
O STR de Veredinha percebe a presença do monitor como um agente
facilitador para a atuação do Sindicato nessas comunidades, considerando ainda
que é um facilitador da comunicação do Sindicato com a comunidade. Nesse
município, a Emater ressalta que o trabalho do monitor nas comunidades facilita
a organização dos trabalhos e projetos, dessa forma a instituição aproveita a base
de organização da comunidade:
“Nas comunidades onde tem trabalho do CAV facilita a organização
dos trabalhos e projetos, aproveita a base de organização da outra
entidade”
(Técnico entrevistado).
No município de Leme do Prado, o STR e a Emater evidenciam que, na
comunidade, com presença do monitor uma maior conscientização dos
problemas ambientais ligados à questão dos recursos hídricos e técnicas de
produção mais sustentáveis.
Percebe-se que as organizações entrevistadas têm projetos individuais,
cada uma ocupa um determinado campo de atuação. Mas todas têm o objetivo
comum de apoiar o agricultor familiar em suas mais diversas necessidades,
sejam esses aspectos, jurídicos, de produção, de alimentação, de organização
entre outros. Nesse aspecto, observa-se um ponto em comum: a preocupação que
todas as organizações têm em relação à disponibilidade de água de qualidade
para o consumo e para produção nas comunidades. Projetos como P1MC e
76
programas de Cercamento de Nascentes se destacam como integradores das
organizações.
Os agricultores monitores, para as organizações pesquisadas,
apresentam-se como atores participativos e pessoas de referência, elos de ligação
da comunidade com o meio externo, nos diferentes espaços, sejam eles civis ou
governamentais, dentro e fora da comunidade.
Ademais, os monitores de SAFs se destacam por assumirem um papel de
suma importância para as comunidades onde estão inseridos, pois são eles os
responsáveis por criar um diálogo e uma conscientização nas comunidades sobre
temas relacionados a questões ambientais e agroecológicas; efeitos irradiadores
dos seus trabalhos desenvolvidos com os SAFs.
Na percepção das organizações, a questão ambiental é um ponto que
mobiliza e une as comunidades, pois a grande maioria delas apresenta sérios
problemas relacionados ao ambiente natural. Então, projetos que visam
desenvolvimento sustentável e recuperação do ambiente, são sempre bem
aceitos. E quando um agricultor da própria comunidade conduz e compartilha os
benefícios adquiridos com uma técnica de produção onde se buscam esses
objetivos, facilita a sua propagação. Portanto já é possível observar mudanças no
manejo do ambiente, e a organização da própria comunidade também é
conseqüência do papel desempenhado pelos monitores de SAFs.
As entidades colocam a questão da assessoria técnica e do crédito rural
diferenciado, para a agricultura familiar, como um dos pontos fundamentais para
a expansão dos sistemas agroflorestais na região. Ressaltam que a assessoria
técnica deve promover a capacitação de agricultores de maneira que eles possam
construir, remodelar e atualizar os sistemas produtivos locais, fugindo da técnica
com modelagem uniforme, que é criada para locais e realidades diferentes.
77
5.8 Avaliação pelos monitores do trabalho com saf
Procurou-se conhecer como os monitores avaliam o trabalho que
desenvolvem com SAFs. Buscou-se investigar o aprendizado com o manejo do
sistema; o resultado que a implantação do SAF teve para as comunidades, nas
práticas e na atitude.
Quando se pergunta ao monitor qual foi o aprendizado ao trabalhar com
este tipo de sistema, a resposta é imediata: destaca os ganhos ambientais, o
aprendizado ao observar a resposta da natureza ao manejo e aos tratos que se
dispensa às áreas de SAFs. Em geral, indicam que os principais resultados são:
recuperação das terras: esse é um resultado que, pode-se dizer, seria
o mais esperado, uma vez que a proposta de trabalhar com SAFs
surgiu da necessidade de recuperação de solos em intenso processo
de degradação;
incorporação de práticas de manejo: construção de curvas de vel;
plantio em nível, plantio de espécies com finalidade de incorporação
de matéria orgânica no solo - as chamadas plantas adubadeiras-,
enleiramento e/ou espalhamento do cisco e redução das queimadas;
produção diversificada de alimentos;
aprendizado com a observação da natureza: potencializando o uso
da natureza como aliada no processo de recuperação de solos e
produção;
produção diversificada: produzindo numa mesma área, alimentos,
adubos verdes, madeira, alimentação para animais silvestres, plantas
com valor medicinal e diversas matérias-primas;
participação em diversos espaços de capacitação, como reuniões,
dias-de-campo, seminários, visitas técnicas à universidade e outras
organizações, que atuam no meio rural.
78
Do ponto de vista dos monitores, os ganhos para as comunidades o
retratados na conscientização ambiental que elas têm adquirido: a redução das
queimadas, a incorporação das técnicas do SAFs nos sítios: cobertura do solo,
plantio de adubos verdes, plantio diversificado de frutíferas. Os monitores
acreditam que os resultados para a comunidade ainda são modestos, analisam
que ainda falta um maior envolvimento das pessoas. Mas as atitudes isoladas de
alguns agricultores vão fortalecendo o trabalho do monitor, nas comunidades.
Ressaltam-se dois pontos observados durante a pesquisa que, embora
pouco explicitados verbalmente pelos monitores e agricultores não-monitores,
são os resultados mais fundamentados, mais enraizados, mais sedimentados e
que apresentam um aspecto muito caro aos programas de desenvolvimento rural:
os espaços de formação e participação que os monitores construíram, se
integraram, e destacam os ganhos na formação de capital humano.
Os avanços e ganhos de ordem social-político-organizativo apresentam-
se como os principais resultados do trabalho do monitor de SAF, mostrando-se
muito maiores e importantes para os agricultores monitores e para os outros
agricultores das comunidades, do que aqueles resultados alcançados com as
técnicas dos SAFs.
A construção de espaços sócio-organizativos democráticos é o alicerce
primordial para que os agricultores familiares possam ser ativos atores sociais
capazes de construir propostas de desenvolvimento que considerem sua cultura,
sua sabedoria, suas tradições e a natureza do lugar.
“É porque eu no começo... eu por exemplo, não participava de nada,
né? Eu era como se diz: esquecida lá no canto. Depois que o Luís
começou a trabalhar com esse trabalho
[SAFs]
, então através do
trabalho que ele fazia a gente também foi chegando junto e foi abrindo
espaço. Foi onde a gente fez trabalho da APLAMT, fez trabalho da
Escola Família Agrícola também. Através dessa participação, então não
deixou de abrir um leque a mais.” (
Lia, esposa de monitor).
79
Outro aspecto que merece destaque é a incorporação dos princípios
agroecológicos de produção às áreas de lavoura tradicional, tornando possível ao
longo do tempo e com o aprimoramento da técnica, aliar produção de
mantimentos e conservação ambiental.
Autores como Abramovay (2003) têm chamado a atenção para a
necessidade das políticas públicas privilegiarem espaços de formação. Os
programas devem ser focalizados, para determinada população, com
características bem delimitadas.
Em entrevista com técnicos das organizações, o espaço de
aprendizagem, formação e troca de experiências é ressaltado como diferencial
positivo nas comunidades onde há monitor de SAF.
O que mais fortalece o trabalho é o conhecimento. Nas comunidades
onde não tem monitor as pessoas são mais midas, não se expressam.”
(Técnico entrevistado).
A Figura 5 ilustra, de maneira resumida, as relações que foram sendo
construídas a partir do trabalho com o SAF. A metodologia de trabalhar com
agricultores experimentadores, que assumiram a missão de multiplicar os
resultados da experiência, apresenta-se como método eficiente para abrir espaços
de participação e construção coletiva em outros programas e projetos, criados a
partir da realidade e necessidade de cada localidade.
80
FIGURA 5: Relações construídas a partir do trabalho com o SAF, Vale do
Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
Fonte: Pesquisa de campo 2006/2007.
A prática e manejo dos SAFs é proposta pelo CAV com o objetivo de
oferecer aos agricultores do Alto Jequitinhonha técnicas de apoio produtivo de
alimentos, madeira, lenha, fibras, aliadas à conservação do ambiente que
manejam (conservação de solos, água e da biodiversidade). Os agricultores
monitores, que formam a base do CAV, ao se envolverem e se identificarem
com a proposta de trabalho, a partir de SAFs, o transforma também em uma
bandeira política à medida que os agricultores atraem para si os confrontos
técnico-políticos associados à conservação ambiental, produção de alimentos e
outras matérias-primas.
SAFs/
MONITORES
ASPECTO
AMBIENTAL
ASPECTO
PRODUTIVO
ASPECTO
SÓCIO-
ORG
A
NIZATIVO
- Recuperação de solos;
- Educação e Conservação
Ambiental.
Produção diversificada de
alimentos, madeira e
outras matérias-primas.
- Capacitação/formação;
- Novos espaços de participação
(GTs; Grupo de Mulheres);
- Outros programas/projetos
(P1MC, Nascentes, Barraginhas,
EFA, Apicultura).
81
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo, como já descrito anteriormente, foi parte do
“Projeto de
apoio aos sistemas agroflorestais da agricultura familiar da base do Centro de
Agricultura Alternativa Vicente Nica, no Alto Jequitinhonha”
. Procurou-se fazer
um recorte, com ênfase na propagação e multiplicação dos efeitos do trabalho
desenvolvido pela parceria do CAV com agricultores familiares. Mas o estudo
aqui apresentado não revela a totalidade e a riqueza dos dados que foram
coletadas durante a pesquisa de campo, menos ainda a riqueza de informações
que a realidade dessa região oferece. Como já descrito foi apenas um recorte,
focalizado em alguns aspectos que envolvem extensão rural, que vem sendo
construído e vivenciado por uma organização criada por agricultores familiares
do Alto Jequitinhonha. Tem-se a clareza de que se enfocou apenas uma pequena
parte da atuação dos monitores e do CAV - pequena por contemplar apenas
alguns aspectos desse trabalho, que é de grande relevância e muitas questões
importantes não foram aprofundadas, merecem outras voltas a campo e mais
tempo de dedicação para melhor estudá-las, entendê-las e analisá-las.
Ressaltam-se, então, alguns pontos que merecem maior destaque.
A metodologia de extensão rural adotada pelo CAV, em que os
agricultores, com seus saberes e suas técnicas, são atores fundamentais na
construção de políticas de desenvolvimento. Os agricultores são os
experimentadores das cnicas dos SAFs, podendo opinar e adaptar a técnica às
diversas realidades sócio-ambientais das unidades produtivas. Dessa maneira, a
apropriação da técnica tornou-se mais eficiente, tendo os agricultores-monitores
a possibilidade de transmitir, para seus pares, uma técnica vivenciada, podendo
falar
de
carteirinha
dos benefícios e dificuldades de uma proposta de
produção agroecológica. Esse processo de capacitação também permite aos
agricultores ter condições técnicas de propor junto às agências governamentais
82
ou da sociedade civil organizada a construção de programas de desenvolvimento
mais assentados na realidade do local.
O SAF foi proposto como uma técnica de recuperação de áreas
degradadas para torná-las novamente produtivas. Nesse processo, o trabalho
com o SAF toma dimensões maiores, construindo espaços de capacitação de
lavradores, de organização comunitária, de reflexão conjunta de novos projetos.
Esse é um aspecto que merece ser aprofundado, pois poderá contribuir e
potencializar a formulação das estratégias de ação do CAV, junto às
comunidades rurais.
Dessa maneira, ao trabalhar com os SAFs numa perspectiva
multidimensional, o CAV e os monitores estão conseguindo atingir os objetivos
a que se propõem, enquanto organização que atua como educadora, enquanto
grupo, como espaço de experimentação de técnicas agroecológicas e de abertura
de novos espaços de participação social.
Manuel Correia de Andrade (1980), na sua obra
A terra e o homem no
Nordeste
chamava a atenção para a necessidade de uma política pública
diferenciada para a agricultura familiar do Semi-Árido.
Os processos de produção e adaptação de inovações, como o caso do
SAF, podem crescer e ganhar eficiência e abrangência, sendo intensificados e
enriquecidos pelo apoio do poder público ou por processos de aprendizagem
coletiva e/ou de organização, favorecendo o diálogo, o intercâmbio e a
socialização das experiências e do conhecimento de agricultores e técnicos.
A maioria dos SAFs estudados são considerados SAFs novos, com
tempo de implementação inferior a cinco anos; portanto ainda não atingiram a
produtividade plena que indica o seu potencial. Entretanto, essas áreas de SAFs
apresentam uma série de resultados positivos de ordem ambiental e social. É
uma
lavoura
em que a produção é diversificada e agroecológica. Os SAFs
consolidados apresentam, como principal potencial, a produção de frutas. Fica
83
colocado o desafio da inserção desses produtos no mercado. Qual mercado tem
condições de absorver uma produção diversificada em número de produtos e ao
longo do ano? Acredita-se que a garantia de acessos aos mercados tornará a
atividade mais atrativa para outros agricultores, aumentando assim a adesão às
práticas agroecológicas de produção.
Verificou-se que, nas organizações pesquisadas, os temas geradores das
suas ações são relacionados à educação e conservação ambiental, produção,
segurança alimentar e recursos hídricos. Atuam de forma sinérgica, com temas
semelhantes, muitas vezes, com enfoque e métodos diferentes e recursos de
fontes diversas. Percebeu-se que estas organizações reconhecem, respeitam e
valorizam o trabalho umas das outras. A maioria delas, principalmente aquelas
que têm atuação no mesmo município, reconhecem a importância e necessidade
de um planejamento conjunto das atividades que tenham o mesmo caráter, que
tratam de temas semelhantes.
Percebe-se um ambiente favorável à criação de espaços conjuntos de
planejamento, que poderá ser um dos caminhos para potencializar e fazer render
os recursos humanos e financeiros que são despendidos no trabalho das
organizações. O canal está aberto e os resultados dessa pesquisa mostram que os
monitores estão inseridos em todas as organizações. Sugere-se que o CAV e
demais organizações inspirem-se nos exemplos dos monitores, que juntaram as
suas forças para atrair para suas comunidades novos projetos, novos programas,
satisfazendo as demandas coletivas mais urgentes das comunidades das quais
fazem parte.
Essa articulação pode contribuir para criar ou facilitar novos espaços e
novas oportunidades sociais de diálogo. Nesse sentido, economiza-se tempo,
trabalho e recursos na tentativa de driblar a superposição de ações desenvolvidas
individualmente, potencializando assim a construção de projetos mais
integradores e sustentáveis.
84
Por fim, é importante esclarecer que o trabalho do CAV e dos
agricultores monitores não é um processo linear com início meio e fim
delimitados no tempo. Os espaços de concertação, do qual tanto o CAV quanto
os monitores fazem parte, estão sendo construídos, reajustados, reformatados e
experimentados na medida em que se julgam necessário fazê-los. São espaços
dinâmicos e estão em constante formação.
85
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2006.
92
ANEXOS
93
ANEXO A
Relação de comunidades, agricultores e agricultoras pesquisados.
ANEXO B
Relação de organizações e técnicos pesquisados.
ANEXO C
Roteiros de entrevistas.
1C – Roteiro de entrevista com monitores de SAFs
2C – Roteiro de entrevista agricultores não-praticantes de SAFs
3C – Roteiro de entrevista com as organizações mediadoras
ANEXO D
Ficha para levantamento florístico
ANEXO E
Fotos
94
ANEXO A
Relação de comunidades e agricultores pesquisados
Comunidades Agricultores-monitores Agricultores não-monitores
Macaúbas Maria Alves de Souza Adão Alves de Souza;
João Batista de Jesus;
Delmira Rocha Guimarães;
Vitor Aparecido Luiz dos Santos e
Marlene Cordeiro da Silva;
Maria do Rosário Lopes;
José Alves dos Santos;
Tereza Alves de Oliveira;
Antônio Luiz dos Santos.
Morro Branco Osvaldo Soares de Matos Andrelina de Matos Lemos;
Ana Ramos Rodrigues;
Arlindo Leme de Matos;
Gilsa Maria Soares Rodrigues e
Antônio Moreira Rodrigues;
Maria Valdecir Soares de Souza;
Odete de Souza Matos;
José Soares de Matos.
Poço Dantas Domingos José da Cruz Arlindo Meira dos Santos;
Antônio Francisco da Rocha;
Maria Helena Pinheiro de Oliveira;
Maria Aparecida Gonçalves Sodré;
Maria Rocha Santos;
Maria José Oliveira;
Tereza Alves Afonso.
Pinheiro Anderson Aparecido
Barbosa
Valdinei Alves da Silva;
Noberto Fernandes Moreira e Maria da
Penha Matos Rodrigues;
Valdemar Gonçalves dos Santos;
Aparecida de Souza Silva;
Leonídio Marcelino do Carmo;
Manuel Clemente Pinheiro.
Gentio Antônio Rodrigues
Luiz Alves
Sueli Cordeiro de Azevedo;
José Soares Pereira;
Maria do Carmo Alves Pereira e
Sebastião Alves Pereira;
Expedito Alves Pereira;
Manoel João dos Santos.
95
Comunidades Agricultores-monitores Agricultores não-monitores
Palmital
Pedro Alves de Castro Flávia Aparecida de Souza Gomes;
Maria das Dores Xavier;
Elza da Cruz;
Ana Ramos Alves;
Francisca Moreira de Oliveira.
Lagoa Luiz Gonçalves de
Azevedo
José Jorge Gonçalves de Macedo e
Maria das Dores de Macedo
Raimunda Souza e Sebastião Costa;
Rita Alves da Costa;
José Maria Gonçalves;
Marcelino Gonçalves de Azevedo;
Vicente Gonçalves da Rocha.
96
ANEXO B
Relação de organizações e técnicos entrevistados
Organizações
Técnicos
Associações conveniadas ao Fundo
Cristão para Crianças.
Jaqueline Mana M. Coelho;
Antônio Nunes Araújo;
Rodrigues Gomes Silva;
Maria de Cássia Moreira Martins.
Campo Vale
Rodrigo G. de Souza.
Emater
Geraldo Agostinho;
Geraldo Magela Coimbra;
José Mauro de Azevedo;
Ronisley Damasceno Costa.
Secretarias de Agricultura
Vicente de Paula Figueiredo;
Ademir Luciano de Souza;
Noraldino Francisco de Oliveira.
Sindicatos de Trabalhadores Rurais
Américo Rodrigues de Oliveira;
Fernando Pinheiro;
José Praxedes de Souza;
José Borges de Souza;
José Valter Neto Alves.
97
ANEXO C
Roteiros de entrevistas
1C – Roteiro de entrevista com monitores de SAFs
ROTEIRO DE ENTREVISTA – MONITORES
Nome do entrevistado/monitor (a)
Local
Data
Nome do pesquisador(s)
1 Dados da família
1.1) Quantas pessoas moram na casa?
1.2) O terreno é próprio?
1.3) Qual o tamanho do terreno?
1.4) Qual a principal atividade dos membros da família?
2 Efeitos irradiadores
2.1) O que você aprendeu ao trabalhar com est tipo de sistema?
2.2) A comunidade demonstra algum interesse em conhecer o SAF? E outras
comunidades?
2.3) Você percebe se na comunidade existe alguma sobre as práticas adotadas do
SAF?
2.4) Como o Sr. (Sra) divulga/explica o SAF na comunidade?
2.5) Qual momento o Sr. (Sra) usa para divulgar?
2.6) Qual (is) as “práticas” do SAF que o Sr. (Sra) divulga?
2.7) Qual a maior dificuldade em divulgar o SAF dentro da comunidade?
98
2.8) Qual a maior dificuldade na lida com o SAF/Sistema?
2.9) Algum produtor adotou alguma prática do Sistema? Quais? Por quê?
2.10) Quantos agricultores?
2.11) Qual resultado a implantação do SAF teve para a comunidade, nas práticas
e na atitude?
99
2C – Roteiro de entrevista agricultores não praticantes de SAFs
ROTEIRO DE ENTREVISTA – AGRICULTORES NÃO PRATICANTES
DE SAFS
Nome do entrevistado/Agricultor(a):
Local:
Data:
Nome (s) do(s) pesquisador(s):
OBJETIVOS:
Dimensionar consumo de água de famílias de comunidades rurais,
visando conhecer as demandas por água e sua distribuição no correr
do ano.
Avaliar as políticas públicas com relação a água.
Avaliar os efeitos irradiadores do SAFs entre agricultores não
monitores.
1 Dados da família
1.1) Quantas pessoas moram na casa?
1.2) O terreno é próprio?
1.3) Qual o tamanho do terreno?
1.4) Qual a principal atividade dos membros da família?
100
2 Efeitos irradiadores
2.1) O sr. (a) conhece o terreno do (nome do monitor)?
2.2) Conhece a área “experimental” onde o sr (nome do monitor) trabalha?
2.3) Como ficou sabendo do sistema? Através de quem?
2.4) Teve algum contato com o SAF?
2.5) Se não teve, por que? Falta de interesse? Dificuldade de acesso (longe,
informação, etc)?
2.6) O que você sabe sobre o sistema?
2.7) Sabe como o monitor lida com ele?
2.8) Como você e a comunidade avaliam o sistema?
2.9) Existe algum resultado do trabalho do monitor?
2.10) Conhece alguém que adotou alguma prática do sistema?
2.11) Você adotou alguma prática do sistema?
2.12) Você teve (ou tem) dificuldades em adotar alguma destas práticas?
2.13) Qual resultado o trabalho do monitor traz para a comunidade?
2.14) Vocês adotam alguma prática de conservação ambiental?
2.15) Onde você aprendeu esta prática?
2.16) Você participa de alguma organização (EFA, Fundo Cristão, CAV, STR, e
outras organizações)?
101
3C – Roteiro de entrevista com as organizações mediadoras
ROTEIRO DE ENTREVISTA - ORGANIZAÇÕES MEDIADORAS DO
ALTO JEQUITNHONHA
Objetivos: captar a percepção das organizações mediadoras do Alto
Jequitinhonha acerca dos SAFs e da repercussão da atuação dos monitores, nas
comunidades rurais.
Nome da organização
Nome do entrevistado
Cargo (função)
Local e data da entrevista
Entrevistadores
1- De que forma a organização atua no município ou na região?
2- Quais as linhas de ação que a organização desenvolve?
3- Quem são os agricultores(as) de referências e ou interlocutores da
organização na comunidade?
4- Quais atividades eles desenvolvem em conjunto com a organização.
5- Vocês conhecem o trabalho de agrofloresta na(s) comunidade(s)?
6- Como avalia a implantação do SAF nesta comunidade?
7- Qual é a opinião sobre o trabalho desenvolvido pelos agricultores (as) com
seus SAFs nesta (s) comunidade (s)?
8- Qual opinião sobre os produtos originados no SAF?
Produtos que são produzidos no SAF.
102
9- Como avalia a viabilidade e a possibilidade de irradiação dos SAF para a
região. Quais limites e potencialidades?
10- Você percebe diferenças no trabalho em comunidades onde há a presença de
monitores e naquelas sem monitores?
103
ANEXO D
Ficha para Levantamento Florístico
FICHA DE CAMPO PARA O LEVANTAMENTO FLORÍSTICO
Identificação da área
Monitor
Data
Comunidade
Município
Pesquisadores
Nome popular Nome
científico
Quantidade Usos Localização da
parcela
104
ANEXO E
FOTO 1: Unidade familiar de produção – Comunidade Macaúbas – Veredinha
Alto Jequitinhonha, Minas Gerais, 2007.
FOTO 2: Sistema Agroflorestal – Comunidade Palmital – Leme do Prado – Alto
Jequitinhonha – Minas Gerais, 2006. Arquivo Núcleo PPJ
105
FOTO 3: Agricultores monitores de SAFs, técnicos do CAV, alunos e
professores da UFLA em reunião no CAV - Alto Jequitinhonha Minas Gerais.
Arquivo Núcleo PPJ.
FOTO 4: Agricultores monitores de SAFs, técnicos do CAV, alunos e
professores da UFLA em reunião no CAV - Alto Jequitinhonha Minas Gerais,
2006. Arquivo Núcleo PPJ.
106
FOTO 5: Casal de agricultores monitores de SAFs (Kito e Ana Maria)
comunidade Lagoa - Alto Jequitinhonha Minas Gerais, 2006. Arquivo Núcleo
PPJ.
FOTO 6: Agricultor monitor de SAFs (Antônio) e sua família– comunidade
Gentio – Turmalina - Alto Jequitinhonha Minas Gerais, 2007. Arquivo Núcleo
PPJ.
107
FOTO 7: Área onde foi implantada área experimental com SAF na comunidade
Macaúbas em 2001– Veredinha Alto Jequitinhonha Minas Gerais, 2001.
Arquivo Núcleo PPJ.
FOTO 8: Área onde foi implantada área experimental com SAF, em processo de
recuperação – comunidade Macaúbas – Veredinha – Alto Jequitinhonha – Minas
Gerais, 2004. Foto: Zé Murilo Alves – CAV.
108
FOTO 9: Agricultor monitor de SAF (Osvaldo sr Roxo) com a produção do
SAF para comercializar na feira livre de Chapada do Norte Alto
Jequitinhonha– Minas Gerais, 2006. Foto: Zé Murilo Alves - CAV
FOTO 10: Visita técnica de agricultores monitores de SAFs à Universidade
Federal de Lavras – Lavras - Minas Gerais, 2007. Foto: Arquivo Núcleo PPJ.
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