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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARILCE DA COSTA CAMPOS RODRIGUES
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS
PROFESSORES DO 1º. CICLO DE FORMAÇÃO DE UMA ESCOLA DA REDE
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CUIABÁ - MT
CUIABÁ – MT
2005
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MARILCE DA COSTA CAMPOS RODRIGUES
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS
PROFESSORES DO 1º. CICLO DE FORMAÇÃO DE UMA ESCOLA DA REDE
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CUIABÁ - MT
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do grau de mestre em educação à comissão
julgadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso na área de Teorias e
Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, sob a
orientação da Profª. Drª. Jorcelina Elisabeth Fernandes.
CUIABÁ - MT
NOVEMBRO DE 2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
R696c Rodrigues, Marilce da Costa Campos
Concepções e práticas de organização curricular dos
professores do 1º. ciclo de formação de uma escola da
rede municipal de educação de Cuiabá - MT / Marilce
da Costa Campos Rodrigues. – 2005.
242p. : il. color.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Educação, 2005.
“Orientação: Profª. Drª. Jorcelina Elisabeth
Fernandes”.
CDU –
371.214.1
Índice para Catálogo Sistemático
1.
Organização curricular – Educação
2.
Ensino básico – Integração curricular – Tema gerador
3.
Integração curricular Tema gerador
Educação
básica
4.
Educação – Currículo – Tema gerador
Carta de reconhecimento pelo trabalho de Mestrado de
Marilce da Costa Campos Rodrigues (nossa mãe)
1
Homenagem? Também. Mas vimos aqui lhe render nosso
reconhecimento pela obra, na qual você se propôs a “construir o
saber”, a partir da luz do nosso grande “facilitador da
aprendizagem brasileira”, Paulo Freire. Acreditamos ser este um
dos caminhos para modificar de modo concreto a atual
estrutura metodológica da educação em nosso país. Sendo
assim, aguardamos ansiosos o intercâmbio da teoria com a
prática, cujo fruto você está ajudando a produzir. Um Brasil
educador.
Reconhecemos e agradecemos também, nesse processo, o
inevitável exemplo de mãe-educadora. Papéis que em nossas
vidas não se separam, nem muito menos se opõem. É através
deles que nos ensina a reconhecer as facetas diversas do
conhecimento, o trabalho árduo na sua concretização e,
principalmente, ver que simplesmente você é nossa mãe e
companheira, e somente isso bastaria para nos encher de
orgulho.
Amamos-lhe!!!
Sua família.
1
Mensagem escrita pelos meus filhos e lida por Marcos Vinícius ao final da sessão de defesa pública do
Mestrado.
A Deus, pelo Dom da vida ... E estar aqui neste momento. E aos
meus pais, “Seu Joãozito e Dona Preta” (in memoriam) que nunca
mediram esforços para que seus filhos fossem escolarizados,
mesmo em uma chácara da zona rural de Várzea Grande/MT na
Guarita.
Ao companheiro Manoel, que, no passado, muitas vezes cuidou das
crianças para que eu pudesse estudar. Sem isto, com certeza, o hoje
não seria possível. Pelo amor, compreensão e paciência, mesmo
nos momentos mais difíceis. Às crianças... os jovens... ou ... já
adultos... [Isto não é de fácil distinção para uma mãe]: Marcos,
Maria Auxiliadora e Manoel Junior, que souberam conviver com
minha ausência, neste processo de estudo.
Dedico à colega, amiga, filhinha Érika, também protagonista deste
estudo. O meu agradecimento pelos ótimos momentos que pude
conviver contigo e que, com certeza, não serão os últimos...
Obrigada.
AGRADECIMENTOS
Aos meus irmãos e irmãs, pelos incentivos.
À professora Drª. Jorcelina, que acreditou no potencial de meu projeto de pesquisa e aceitou
orientar-me neste estudo.
Aos colegas Érika e Dirceu, com quem pude discutir a minha pesquisa e jogar um pouco de
conversa nas horas mais dolorosas. Na pessoa da Érika pude ganhar mais uma filhinha,
muito... muito... querida.
A todos da Pastoral da Sobriedade, da comunidade terapêutica Sítio Beato José de Anchieta e
da Casa da Misericórdia. Neste estudo tem um pouco de cada um de vocês.
Aos professores e funcionários da EMEB “Senador Darcy Ribeiro”, que me incentivaram
neste trajeto.
A toda a equipe da EMEB “Jesus Criança”, que aceitou tomar parte, enquanto sujeito, nesta
pesquisa.
À banca examinadora: Professora Drª. Alice e Professor Dr. Ademar, pelas contribuições.
Às pessoas que ajudaram na digitação, revisão e na organização geral do texto da dissertação.
RESUMO
O objeto deste estudo é a organização curricular presente na prática pedagógica dos
professores do 1º. ciclo de Formação da Escola Municipal de Educação Básica “Jesus
Criança” da Rede Municipal de Ensino de Cuiabá MT, com o objetivo de compreender o
processo de organização curricular na prática pedagógica desses professores sujeitos da
pesquisa. Tem como suporte metodológico a pesquisa qualitativo-interpretativa que utiliza
como instrumento de coleta de dados a observação, o registro de comentário dialogado, a
entrevista e a análise documental. A orientação da construção do objeto de estudo se deu a
partir das questões: Quais concepções e práticas de organização curricular orientam a ação
docente no 1º. ciclo de formação? Que modalidade de organização curricular é assumida pela
escola na prática curricular dos professores do 1º. ciclo de formação? Esses questionamentos
ajudaram a compreensão desta organização curricular nos espaços constituídos pelos
momentos de planejamento e pela ação docente em sala de aula. A investigação tem seus
suportes teóricos, especialmente, nos seguintes autores: Beane (1997); Freire (1987); Lopes
(1999); Macedo e Lopes (2002); Sacristán e Gómez (1998); Sacristán (2000) e outros. Os
dados coletados e analisados dão a conhecer um enfoque, na escola, de uma concepção de
organização curricular que flexibiliza com tendências ora mais intensas ao currículo
disciplinar e ora mais intensas ao currículo integrado. As formas de organização curricular
coexistem na prática dos professores do 1º. ciclo de formação na escola pesquisada, sendo
predominante o disciplinar, currículo organizado em uma matriz disciplinar a qual não é
impedimento à integração curricular.
Palavras-chave: Organização curricular. Integração curricular. Tema gerador.
ABSTRACT
The object of this study is to organize the Teachers Practical Curricular of the Primary School
in Basic Education "Jesus Criança" situated in Cuiabá - MT, with the objective of
understanding the process of practical curricular organization in pedagogical of these
professors involved in this research. The research has a methodological support and uses as
instrument of collections of data and subjects: the comment, the register of dialogued
commentary, the interview and the documentary analysis. The orientation of the construction
of the study object if gave from the questions: Which practical conceptions and of curricular
organization guide the teaching action in formation cycle? That modality of curricular
organization is assumed by the practical school in curricular of the professors of the cycle
of formation? These questions had helped the understanding of this curricular organization in
the spaces consisting of the moments of planning and the teaching action in classroom. The
inquiry has its theoretical supports especially, in the following authors: Beane (1997); Freire
(1987); Lopes (1999); Macedo and Lopes (2002); Sacristán and Gómez (1989); Sacristán
(2000) and others. The collected and analyzed data give to know an approach at school, of a
conception of curricular organization, that flexibly with trends: however more intense to the
resume to discipline and however more intense to the integrated resume. The forms of
curricular organization coexist in practical of the professors of 1º the cycle of formation in the
searched school, being predominant disciplining, resume organized in a matrix to discipline
are not impediment to the curricular integration.
Keywords: Curricular organization. Integrated curriculum. Generatine subject
Verificar versão da palavra tema gerador
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................... 13
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................... 14
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 15
INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA .................... 16
A natureza da pesquisa ......................................................................................................... 18
Escolha da escola .................................................................................................................. 19
Sujeitos da pesquisa .............................................................................................................. 20
Instrumentos e coletas de dados ........................................................................................... 22
I RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS PROPOSTAS DE CICLOS NO BRASIL .... 27
1.1 Implantação do ciclo no contexto educacional brasileiro ............................................... 27
1.1.1 Experiência do ciclo em Belo Horizonte ............................................................... 33
1.1.2 Experiência do ciclo em Porto Alegre ................................................................... 38
1.1.3 Experiência do ciclo em Mato Grosso ................................................................... 41
1.1.4 Experiência do ciclo em Cuiabá ............................................................................. 47
1.2 A organização dos ciclos na escola objeto de estudo ..................................................... 58
II CONCEPÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR......................... 62
2.1 A organização curricular disciplinarizada ...................................................................... 65
2.1.1 Currículo disciplinar ............................................................................................. 65
2.1.2 A concepção de planejamento curricular em uma abordagem disciplinar ............ 69
2.1.3 O currículo em ação: o contexto de sala de aula .................................................... 75
2.2 Perspectiva de integração curricular ............................................................................... 78
2.2.1 A organização curricular integrado-crítica............................................................. 81
2.2.2 Currículo integrado ................................................................................................ 85
2.2.3 Concepção de planejamento curricular integrado .................................................. 94
2.2.4 O currículo em ação: o contexto de sala de aula ................................................... 99
2.2.4.1 O tema gerador: uma modalidade de organização do currículo
integrado ........................................................................................................... 109
III ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................................ 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 221
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 227
ANEXOS ............................................................................................................................... 232
ANEXO 1 - PLANEJAMENTO ANUAL DOS PROFESSORES DO 1º. CICLO E
EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................................... 233
ANEXO 2 - CALENDÁRIO ESCOLAR DA EMEB “JESUS CRIANÇA” ................... 236
ANEXO 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTA ....................................................................... 238
ANEXO 4 - FICHA INDIVIDUAL DE ACOMPANHAMENTO DOS ALUNOS DO 1º.
CICLO ................................................................................................................................... 240
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Quadro de professores do 1º. ciclo da EMEB “Jesus Criança”............................. 21
Quadro 2 - Enturmação na Escola ciclada de Mato Grosso..................................................... 44
Quadro 3 - Enturmação na Escola Sarã.................................................................................... 51
Quadro 4 - Base curricular do 1º. ciclo.................................................................................... 55
Quadro 5 - Matriz curricular do 2º. ciclo................................................................................. 55
Quadro 6 - Base curricular do 3º. ciclo.................................................................................... 56
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CBA Ciclo básico de alfabetização
CC Caderno de campo
L Linha de registro no caderno de campo
PA Plano de aula
PDE Plano de desenvolvimento da escola
OS Progressão simples
PPAP Progressão com plano de apoio didático
PPDA Progressão com plano didático de apoio
PPP Proposta Político-Pedagógica
PMAE Progressão mediante avaliação específica
PNEEs Portadores de necessidades educativas especiais
PAP Plano de apoio didático
PASE Progressão com apoio de serviços especializados
RFC Retenção ao final do ciclo
RCD Registro de comentários dialogados
SMED Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
SMEDEL Secretaria Municipal de Educação, Desportos e Lazer de Cuiabá
SEDUC Secretaria de Educação e Cultura de Mato Grosso
SME Secretaria Municipal de Educação
SEE Secretaria de Estado de Educação
SEF Secretaria de Ensino Fundamental
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Rede esquemática para integração curricular................................................92
Figura 2 – Figura esquemática da abordagem multidisciplinar......................................93
INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA
Como professora da Rede Municipal de Cuiabá, há dezoito anos, em meio ao processo
de reorganização curricular das escolas, muitos conflitos e desafios foram colocados à minha
frente, impondo-me, conseqüentemente, a necessidade de refletir sobre a realidade vivida nas
Escolas Municipais com a implantação do Ciclo.
O ingresso no Programa de Pós–Graduação em Mestrado da UFMT trouxe a
possibilidade de compreender mais profundamente esta forma de organização escolar que
demanda toda uma política educativa, pesquisando o cotidiano de uma Escola desta rede com
o foco no 1º. Ciclo: Infância – que é constituído por alunos na faixa etária de seis a nove anos,
período em que se a aquisição das aprendizagens formais do ler e escrever e a construção
do pensamento lógico-matemático, numa construção coletiva, em co-autoria com minha
orientadora.
Neste momento histórico em que a Educação brasileira e, em especial, a Educação do
Município de Cuiabá travam constantes questionamentos sobre a falta de qualidade no ensino
de nossas escolas, é fundamental compreendermos como se a construção desta prática
pedagógico-curricular inovadora, onde o currículo se impõe como mecanismo pelo qual o
conhecimento escolar é socializado e organizado em uma visão de currículo integrado-crítico,
por tema gerador, porque as práticas curriculares substanciais serão encontradas no saber dos
professores que praticam os currículos que estão a todo momento sendo construídos no
coletivo escolar.
Partindo desses aspectos, o processo de inovação curricular, vivenciado nas Escolas da
Rede Municipal de Educação de Cuiabá com a implantação dos Ciclos de Formação, vem
demonstrando um caráter de aparente contradição, com uma dimensão problemática que é
anunciada pelas referências, às vezes, informais da comunidade, outras experienciadas
pessoalmente por mim enquanto professora desta Rede de Ensino e também pelos recentes
debates presentes na sociedade brasileira sobre qualidade em educação.
O ciclo de formação tem sido colocado como o grande vilão do fracasso escolar das
nossas crianças. Na fala de alguns professores, podemos reconhecer que antes a escola era
perversa por ser excludente, seletiva e não dava direito à continuidade e terminalidade dos
estudos aos alunos, e agora os promove de uma etapa à outra sem aprendizagem. E muitos
responsabilizam o ciclo, os pais, o sistema etc. pelo insucesso dos alunos.
Diante da situação anunciada, coloco como orientação da construção do objeto em
estudo algumas questões:
Quais concepções e práticas de organização curricular orientam a ação docente no
1º. ciclo de formação?
Que modalidade de organização curricular é assumida pela escola na prática
curricular dos professores do 1º. ciclo de formação?
Assim, propus esta pesquisa que tem como objeto de estudo a organização curricular
na prática pedagógica dos professores do 1º. ciclo de formação da Rede Municipal de Ensino
de Cuiabá, com a finalidade de compreender o processo de construção da organização
curricular na prática pedagógica dos professores do 1º. Ciclo de Formação.
E para atender aos questionamentos formulados e construir o percurso com vista ao
alcance do objetivo proposto, organizei os aspectos metodológicos da pesquisa, partilhando:
natureza da pesquisa, escolha da escola, sujeitos da pesquisa, instrumentos e coleta de dados,
que descreverei a seguir.
Como a pesquisa tem seu foco centrado na organização curricular dos professores do
1º. ciclo que está direcionada metodologicamente pelo ensino globalizado, cujo veio condutor
é o tema gerador, a constituição do objeto em estudo posiciona os aportes teóricos que
marcam as concepções de educação e currículo que esta investigação assume: uma concepção
de educação crítica onde o currículo apresenta uma visão de construção coletiva pelas ações e
decisões da comunidade escolar.
Para a compreensão desta organização curricular, optei por recorrer aos espaços
constituídos pelos momentos de planejamento do professor e pela ação docente em sala de
aula. Compreendendo, porém, que a prática pedagógica vai além do planejar e agir, a
multidimensionalidade, enquanto um aspecto caracterizador desta, torna-a complexa e envolta
de muitas interações.
A natureza da pesquisa
Para compreender a dinamicidade e complexidade das interações que constituem a
prática pedagógica curricular dos professores no processo de organização do currículo,
explicitado no planejamento e ação dos professores no contexto de sala de aula, recorri à
metodologia de pesquisa qualitativa e interpretativa.
O próprio objeto em estudo impõe-se a este tipo de metodologia. Uma metodologia
capaz de apreender os mecanismos e significados das interações que ocorrem, agindo e
interagindo ao mesmo tempo no contexto da escola pesquisada.
Neste processo de apreensão do objeto em estudo, a metodologia qualitativa revela-se
a partir de algumas características, segundo Bogdan e Bicklen (1999, p. 47-50), que descrevi
enquanto características que foram evidenciadas e assumidas nesta pesquisa:
1- A investigação qualitativa teve como fonte direta de dados o ambiente natural da
unidade escolar, em especial a sala de aula dos professores do 1º. ciclo da escola pesquisada.
Minha pessoa, a investigadora, constituiu-se no instrumento principal de recolha dos dados.
2- Os dados foram recolhidos em forma de palavras e imagens captadas por mim. As
descrições das observações em cadernos de campo, transcrições das entrevistas e dos registros
de comentários dialogados gravados e outros registros configuram-se como uma segunda
característica da investigação qualitativa: a de ser descritiva.
3- Ao optar pela pesquisa qualitativa, interessei-me mais pelo processo do que
simplesmente pelos resultados ou produtos. O processo das interações, ocorrido nos
momentos de planejamento e também no contexto das aulas observadas, é que foi apreendido,
numa tentativa de busca minuciosa e descritiva desses dados.
4- O processo de análise dos dados realizou-se de forma indutiva, pois estes não
visavam à comprovação ou não de uma hipótese inicial. As abstrações foram construídas à
medida que os dados coletados foram sendo organizados com vista à sua análise.
5- O significado que cada professor do 1º. ciclo da escola pesquisada deu às interações
que foram apreendidas durante a coleta dos dados é que foi de importância vital para a
compreensão do objeto em estudo.
Na abordagem qualitativa, o significado tem uma importância essencial. Para
compreender os sentidos que foram sendo compartilhados no processo desta pesquisa, foi
necessário ir estruturando o plano de investigação, com base no próprio estudo, com
flexibilidade. Busquei adequar a realidade pesquisada, porque tinha a preocupação com o
contexto vivenciado na escola, e os locais devem ser entendidos no contexto histórico das
instituições, uma vez que o comportamento humano é influenciado por este contexto.
Procurando o entendimento metodológico da pesquisa, descrevi detalhadamente qual
caminho percorri na busca da compreensão da organização curricular na prática pedagógica
dos professores do 1º. ciclo de uma escola da Rede Municipal de Cuiabá.
Escolha da escola
Em 1999, com a implantação dos ciclos de formação na Rede Municipal de Cuiabá, 42
unidades escolares fizeram sua opção
2
pela organização escolar em ciclos. A partir de 2000,
mais 26 escolas optaram pela implantação dos ciclos de formação.
Meu primeiro recorte para a escolha da escola se deu com base nos seguintes critérios:
Escolas que vivenciaram o processo de elaboração da proposta curricular iniciado
em 1989 na rede pública municipal de Cuiabá. Processo resgatado em 94, a partir do projeto
de “Reorganização Curricular das Escolas da Rede Municipal de Cuiabá”, que assume um
marco curricular e metodológico pelo ensino globalizado por tema gerador.
Escolas que são cicladas em sua totalidade
3
.
Escolas que assumiram o ciclo desde 1999 e têm o 1º. ciclo.
Escolas que estão localizadas na região urbana.
Mesmo depois deste recorte, o universo de escolas ainda era grande, ficando
aproximadamente 35 escolas.
2
Os documentos oficiais da SMEDEL referem-se à opção das escolas pela implantação dos ciclos de
formação. Para mim, houve uma “indução que destacarei, mais adiante, no contexto da escola pesquisada.
3
Temos na Rede Municipal de Cuiabá escolas que convivem com o ciclo e série simultaneamente. Duas formas
de organização escolar opostas que coexistem em uma mesma Unidade Escolar: a seriação cumpre a função de
escola seletiva e classificatória, enquanto o ciclo se contrapõe a esta lógica, organizando o tempo e espaço
escolar com vista a construir subsídios potencializadores para a democratização do ensino.
Parti para um segundo recorte, para a escolha da escola a ser pesquisada: Localização
na Região Sul da cidade com proximidade ao bairro Jardim Industriário I, visando facilitar o
acesso da escola pesquisada ao meu local de trabalho.
Ainda fiquei com duas escolas: uma no bairro Jardim Industriário II e outra no Nova
Esperança. A escola mais próxima do bairro Jardim Industriário I era a que estava localizada
no Jardim Industriário II, mas esta oferece a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no
período noturno (Elo vida).
Optei pela Escola do bairro Nova Esperança: Escola Municipal de Educação Básica
“Jesus Criança”.
Portanto, a escolha da escola deu-se devido à proximidade dela ao meu local de
trabalho, por ser uma escola totalmente ciclada e também por ter um currículo com
organização do conhecimento escolar por meio do tema gerador.
A opção pelo recorte no 1º. ciclo deu-se primeiramente porque a maioria das escolas
cicladas da rede possui este ciclo inicial e neste período inicia-se a escolarização obrigatória
para uma grande maioria de nossas crianças que não tiveram acesso à Educação Infantil, ainda
pelos constantes questionamentos sobre a qualidade de ensino dos alunos que passaram
pelo 1º. e estão no 2º. ciclo de formação e em meio aos conflitos vivenciados pelo coletivo de
professores do qual faço parte, compartilhando as dificuldades do trabalho com o Tema
Gerador.
Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa são os professores do 1º. ciclo, cuja amostra inicial foi: duas
professoras da I etapa, uma do período matutino, outra professora do período vespertino; uma
professora que trabalha com a II etapa nos dois períodos: matutino e vespertino; e duas
professoras da III etapa do período matutino que atuam na Escola Municipal de Educação
Básica “Jesus Criança”.
O critério utilizado na escolha dos sujeitos pesquisados foi o tempo de trabalho na
Rede Municipal de Educação de Cuiabá e com vínculo efetivo, na tentativa de inclusão dos
professores que vivenciaram todo o processo de reorganização curricular da rede até a
implantação do ciclo de formação.
Quadro 1 – Quadro de professores do 1º. ciclo da EMEB “Jesus Criança”
Nome
Formação
Acadêmica
Turma /
Período
Nº. de
Alunos
Tempo de
Serviço na Rede
Tempo
na Escola
Situação
Funcional
Estela Pedagogia 3ª. etapa D /
Vesp.
25 Seis meses Seis
meses
Contratada
Sara Pedagogia e
Especialização
1ª. etapa A /
Mat.
26 Quatro anos Quatro
anos
Efetiva
Fernanda
Pedagogia e
Especialização
3ª. etapa B /
Mat.
25 Quatro anos Quatro
anos
Efetiva
Manoela
Pedagogia 1ª. etapa B /
Vesp.
26 Quatro anos Quatro
anos
Efetiva
Débora Pedagogia 3ª. etapa C /
Vesp.
25 Seis meses Seis
meses
Contratada
Marcela
Pedagogia –
cursando
3ª. etapa A /
Mat.
25 Quatro anos Quatro
anos
Efetiva
Wilma Pedagogia 2ª. etapa B /
Vesp.
24 Treze anos Treze
anos
Efetiva
2ª. etapa B /
Vesp.
O quadro 1 mostra todos os professores do 1º. ciclo, sua formação, período em que
trabalham, nº. de alunos na sala, tempo de trabalho na rede e na escola e ainda a sua situação
funcional. Os nomes das professoras são fictícios com vistas a preservar a identidade dos
sujeitos da pesquisa, e o nome da escola está declarado, pois me foi permitida essa abertura
em expô-lo.
Dentre esses, apenas cinco fizeram parte da amostra inicial: Sara, Fernanda, Manoela,
Marcela e Wilma, conforme os critérios já anunciados.
Após o período de observação das aulas, decidi fazer um recorte na amostra inicial,
passando para três professores, sendo um de cada etapa, ficando os professores Sara, Wilma e
Marcela. Esta reordenação se deu devido à necessidade de aprofundamento dos dados
coletados, visando à garantia de rigor na análise.
Portanto, a entrevista para aprofundamento e triangulação dos dados foi realizada
apenas com os três professores citados. E a análise documental compartilha documentos
referentes a estes mesmos professores.
Instrumentos e coletas de dados
Partindo do enfoque interpretativo da pesquisa, utilizei a observação não participante,
os registros de comentários dialogados, a entrevista e análise documental como instrumentos
de coleta das informações, com a finalidade de compreender o objeto que foi estudado e
aproximar-me do questionamento:
Quais concepções e práticas de organização curricular
Quais concepções e práticas de organização curricular Quais concepções e práticas de organização curricular
Quais concepções e práticas de organização curricular
orientam a ação docente no 1º. ci
orientam a ação docente no 1º. ciorientam a ação docente no 1º. ci
orientam a ação docente no 1º. ciclo de formação?
clo de formação?clo de formação?
clo de formação?
O primeiro contato com o local da pesquisa se deu a partir de uma conversa informal,
por telefone, com a coordenadora da escola. Prossegui agendando, com a direção, uma data
para conversar sobre a pesquisa e pedir autorização para realizá-la nesta escola. A diretora da
escola concedeu a autorização e solicitou que eu procedesse da mesma forma com o grupo de
professores.
No primeiro dia da semana pedagógica do início do ano letivo (2/02/04), estive na
escola e participei da reunião. Nesta, expus o meu interesse em pesquisar a Escola Municipal
de Educação Básica “Jesus criança”, sendo muito bem-acolhida pelo grupo de professores.
A pedido do grupo, no segundo dia (3/02/04), apresentei o meu projeto de pesquisa
para que todos os professores da escola conhecessem, em linhas gerais, quais seriam os
caminhos que deveriam percorrer no processo de construção da pesquisa. Naquele momento,
eram caminhos ainda pouco claros pela condição de pesquisadora iniciante.
Assim, iniciei o processo de observação não participante, na escola, no período da
semana pedagógica. Neste espaço busquei apreender como os professores planejam suas
ações pedagógicas/curriculares no momento da escolha do tema gerador e de seus subtemas e
visualizar o percurso que os professores fazem ao planejá-lo, até constituir-se como um
planejamento anual dos professores do 1º. ciclo.
As reuniões foram coletivas com todo o grupo de professores. Apenas no momento da
redação do planejamento anual houve a separação dos professores do 1º. ciclo e os do 2º.
ciclo. Eu continuei a observação com o grupo, sujeito da pesquisa: professores do . ciclo.
Esta observação inicial durou quatro dias, perfazendo o total de 16 horas no período de 2 a
6/02/04.
O processo da observação (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26) possibilitou-me chegar
mais perto da perspectiva dos sujeitos os professores, como um alvo importante na
abordagem em que trabalhei: a qualitativa. Ao acompanhar in loco as experiências dos
professores, pude apreender o significado que estes atribuíram à realidade que os cerca e às
próprias ações. Sem estes significados não seria possível compreender o objeto em estudo.
Por isso, foi necessário um período de tempo maior para as observações em sala de aula e
também para os momentos de planejamento dos professores.
As observações não participantes das aulas dos professores se deram a partir do
desenvolvimento de um subtema que abrangeu o tema gerador, com duração de um bimestre
para cada subtema. Observei, durante três dias em cada semana, todas as turmas do 1º. ciclo,
durante o período do 1º. ao 3º. bimestre de 2004, totalizando 111 horas de observação em
sala, de fevereiro a outubro do mesmo ano.
Os momentos de planejamento foram observados no mesmo período de observação
das aulas. Conforme a Lei Orgânica dos profissionais da educação de Cuiabá, todo professor
tem semanalmente quatro horas semanais para planejamento e estudo.
As observações do planejamento foram realizadas somente em duas horas semanais,
aproximadamente, para cada professor. As horas não são exatas, pois em alguns dias o horário
de aula era reduzido e havia conseqüentemente perda deste horário de planejamento. Ao final
do 3º. bimestre, foram contabilizadas 40 horas de observações de planejamento dos
professores.
A observação dos momentos de planejamento se deu levando-se em conta um aspecto
básico: compreensão de como os professores planejam suas aulas com o tema gerador Em
busca da qualidade de vida.
Conforme Vianna (2003), a observação pressupõe uma pesquisa realizada com
objetivos criteriosos, planejamento adequado, registro sistemático dos dados, verificação da
validade de todo o processo e da confiabilidade dos resultados.
Visando garantir a fidelidade das apreensões recolhidas em relação aos dados, as
observações foram devidamente registradas em caderno de campo, para as quais não tinha um
roteiro preestabelecido. As notas de campo relatam, de forma escrita (BOGDAN; BIKLEN,
1999, p. 150), o que eu, enquanto pesquisadora, ouvi, vi, experienciei e pensei no processo de
recolha e reflexão sobre os dados desta pesquisa qualitativa.
Outro instrumento que utilizei foi o registro de comentários dialogados (RCD),
caracterizado como diálogo entre a pesquisadora e o professor. Neste diálogo, enfoquei as
falas dos professores, registradas em gravação, a partir de comentários feitos pela
pesquisadora de aspectos observados nas aulas, com a finalidade de compreender o contexto
vivenciado em sala de aula.
Os registros de comentários dialogados foram gravados após a observação de mais ou
menos cinco aulas, dependendo da relevância e das dúvidas levantadas pela pesquisadora,
durante o processo de coleta de dados, mediante a observação em sala de aula.
A entrevista, paralelamente à observação, foi um instrumento essencial para a coleta
de dados, em especial, pela apreensão feita imediata e correntemente das informações sobre o
objeto estudado.
Segundo Bogdan e Biklen (1999, p. 134), “a entrevista é utilizada para recolher dados
descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver
intuitivamente uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
A entrevista foi realizada num grau de estruturação que não a caracteriza no extremo
do contínuo estruturada não estruturada, mas como semi-estruturada. Parti de um esquema
principal, porém não aplicado rigidamente, o que permitiu fazer as necessárias adaptações no
momento de sua aplicação.
As gravações em fita cassete das entrevistas aconteceram mais ao final do processo de
coleta de dados e foram registradas para elucidar alguns aspectos que ainda precisavam ser
compreendidos. Elas foram realizadas no final do mês de novembro de 2004, no horário das
horas atividades dos professores. As entrevistas, num total de três sessões, uma por professor,
tiveram, aproximadamente, uma hora de duração cada.
A transcrição delas foi um processo lento e demorado. A paciência em ouvir, repetidas
vezes, uma mesma parte da fita gravada foi o determinante principal na manutenção da
fidelidade às falas dos sujeitos entrevistados. Tais transcrições serão apresentadas no texto em
negrito, mantendo a originalidade/autenticidade delas em relação à linguagem coloquial dos
sujeitos. Isto para não correr o risco de deturpar o dito.
Para complementar as informações obtidas pela observação, registro de comentário
dialogado e entrevista, utilizei a análise documental como uma fonte contextualizadora do
objeto estudado, a fim de proceder à triangulação dos dados recolhidos. Esses documentos
foram materiais que os sujeitos professores escreveram sobre os aspectos que fazem parte
de sua prática pedagógica/curricular, como: plano de aula, ficha individual de
acompanhamento dos alunos do 1º. ciclo e o plano anual dos professores do 1º. ciclo.
O plano de aula dos professores foi utilizado, tomando-se a cópia do caderno de
planejamento destes, relativa ao período em que aconteceram as observações em suas salas de
aula. Mesmo sendo um documento interno da escola, e até pessoal do professor, não tive
dificuldades de acesso a estes, talvez pela relação estabelecida entre pesquisadora e sujeitos
da pesquisa: uma relação de confiabilidade e respeito a todo o grupo da escola.
No plano de aula, busquei uma relação com o que observei e gravei na entrevista e no
RCD sobre a prática curricular de sala de aula dos professores. Em cada plano de aula de um
bimestre, recolhi as recorrências nos dados que atendem à categoria da prática de ensino
disciplinar e da prática de ensino integrada por tema gerador.
O plano anual dos professores do 1º. ciclo foi utilizado como fonte complementar dos
dados para compreender como os professores organizaram a redação do processo de escolha e
desenvolvimento do tema gerador e seus subtemas. As recorrências evidenciadas na análise
deste documento contribuíram para elucidar os significados apreendidos sobre as concepções
de planejamento curricular dos professores.
A ficha de acompanhamento dos alunos do 1º. ciclo foi utilizada apenas para
esclarecer dados sobre o planejamento curricular, detalhando o grau de participação dos
professores em sua construção. Portanto, os aspectos que a compõem não foram objeto de
análise nesta pesquisa.
Todo o processo de análise documental foi realizado no momento de organização dos
dados, vislumbrando a análise e a sua produção escrita. Fiz a opção por detalhar o processo de
organização dos dados no momento da análise, mais adiante.
Na investigação, priorizei ações vivenciadas na escola, em especial na sala de aula,
pois concordo com Moreira (2003, p. 30-31) quando afirma que estudar a prática curricular,
que tem pressupostos numa concepção crítica de currículo que está em crise, significa
contribuir para sua renovação e também promover avanços da teoria. E, ainda, Morgado
(2000, p. 172) vai afirmar que pesquisar no campo do currículo significa acreditar que:
[...] ao ser um instrumento de prática pedagógica por excelência, o currículo
relaciona-se intimamente com a profissionalização docente, entrecruza
componentes e determinações pedagógicas, políticas, administrativas e de
inovação, em suma, é o ponto central de referência para a melhoria da
qualidade de ensino, das práticas docentes e da renovação da instituição
escolar em geral.
Portanto, nesta dissertação, organizada em três capítulos, elegi estes aspectos
relevantes, enquanto contribuição desta pesquisa no campo do currículo.
No capítulo I, contextualizei o estudo, realizando uma revisão histórica da literatura
sobre as propostas de ciclo de formação no Brasil e contemplando as experiências de Belo
Horizonte, Porto Alegre, Mato Grosso e Cuiabá.
No capítulo II, fiz a construção teórica do objeto em estudo, tratei das concepções e
formas de organização curricular e busquei os dois grandes enfoques não opositores: a
organização curricular disciplinarizada e a integrado-crítica.
No capítulo III, tratei da organização e análise dos dados coletados numa perspectiva
de fidelidade ao que foi recolhido durante todo o tempo de minha permanência na escola.
À guisa de uma conclusão, apresentei as considerações finais, com o propósito de
vislumbrar a compreensão do que propus como objetivo de pesquisa e, conseqüentemente,
elucidar, clarificar, as problemáticas levantadas no início da pesquisa.
1 RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS PROPOSTAS DE CICLOS NO BRASIL
Considero necessário fazer uma retrospectiva das propostas de ciclos no Brasil para
situar historicamente este estudo que compõe o contexto da proposta de ciclos de formação
em Cuiabá, pois tal proposta foi implementada na rede pública municipal, com base,
especialmente, nas experiências de Belo Horizonte e Porto Alegre.
Assim, entendo os ciclos de formação em Cuiabá, em meio às políticas de educação
implantadas e implementadas no processo de reorganização da escolaridade no Brasil, como
uma reorganização que tem dois propósitos básicos: correção do fluxo escolar (progressão
continuada) e ressignificação do tempo escolar (ciclos de formação).
Destacarei, em primeiro lugar o processo de reorganização no contexto educacional
brasileiro e, em seguida, pinçarei outras experiências localizadas.
1.1 Implantação do ciclo no contexto educacional brasileiro
Esta ntese inicial sobre os ciclos no Brasil é compartilhada, principalmente, com os
estudos de Barreto e Mitrulis, publicado em 2004 sob o título Trajetória e desafios dos ciclos
escolares no Brasil. Em seguida exploro dados informativos sobre os ciclos de formação no
Brasil, com destaque às experiências de Belo Horizonte e Porto Alegre, uma vez que estas
subsidiaram a proposta de implantação da “Escola Sarã” em Cuiabá, contexto de estudo desta
pesquisa, e também as experiências de Mato Grosso e Cuiabá.
Inicio de uma constatação vivenciada hoje no meio educacional brasileiro, onde as
autoras, anteriormente citadas, afirmam que a cada dia mais e mais professores
“compreendem que os ciclos, mesmo não sendo uma solução milagrosa, oferecem um
enquadramento privilegiado para desenvolver uma prática reflexiva, inovar e tentar uma
síntese de todas as aquisições dos movimentos pedagógicos e da pesquisa” (BARRETO;
MITRULIS, 2004, p.189).
Realmente, as propostas de reorganização da escolaridade não podem ser proclamadas
como soluções milagrosas à educação brasileira. Elas, como a progressão continuada, têm
suas finalidades fundamentadas na consolidação de uma educação obrigatória e também como
respostas aos altos índices de reprovação vivenciados no âmbito educacional do Brasil.
Pensar em educação obrigatória significa provê-la de ideais liberais (FREITAS, 2003,
p.25), visto que a escola deve ensinar todos os estudantes com eqüidade. Esta é responsável
por encontrar meios de ensinar tudo a todos. A desigualdade social deve ser compensada no
interior da escola. Portanto, negar o acesso a esta é perpetuar as diferenças sociais. E mesmo
as propostas de reorganização de cunho mais progressista, como os ciclos de formação, que
buscam uma redefinição do papel social da escola, também não as considero como políticas
milagrosas de combate à exclusão e seleção que secularmente a escola pratica.
Concordo com Freitas (2003, p.35) que afirma: “a escola constitui-se em uma maneira
de organizar o trabalho pedagógico a mando de funções sociais que são atribuídas à
instituição escolar. Contrariar esta lógica é, no âmbito de nossa sociedade atual, um processo
possível apenas de resistência”. Tendo isto como considerações primordiais, caminho
apresentando alguns aspectos históricos da trajetória de implantação do ciclo no Brasil.
Os ciclos escolares surgem nos diversos estados brasileiros (Pernambuco, São Paulo,
Rio Grande do Sul e Minas Gerais) em caráter de ensaios, a partir da cada de 60, com a
intenção de regularizar o fluxo de alunos ao longo da escolarização, eliminando ou limitando
a repetência
4
, uma pretensão que parece ousada, mas que vinha sendo defendida desde
1920
5
.
Neste sentido, os ciclos são compreendidos enquanto propostas alternativas de sepultar
a cisão na passagem da 1ª. para a 2ª. série e vão permitir que os períodos de escolarização
ultrapassem as séries anuais, organizados em blocos, cuja duração varia, podendo atingir até a
totalidade de anos prevista para um determinado nível de ensino, uma possibilidade de
superar a fragmentação do currículo resultante do regime seriado. Esta nova ordenação no
tempo escolar é feita, levando-se em conta unidades maiores e mais flexíveis.
4
O Brasil apresentava o índice de retenção mais alto com relação a outros países da América Latina: 57,4% na
passagem da 1ª. Para a 2ª. série do ensino fundamental (BARRETO; MITRULIS, 2004, p.190).
5
Segundo Mainardes, 1998; Barreto e Mainardes, 1999, desde da década de 20, diante da escassez de vagas,
Almeida Junior assinala que Oscar Thompson e Sampaio Dória – educadores e dirigentes do ensino do Estado de
São Paulo já propunham a “promoção em massa”, com vistas a garantir o acesso de um maior número de
alunos à escola (apud SOUZA; BARRETO, 2004, p.12).
Pensar na superação desta fragmentação significa pensar os ciclos escolares em busca
de caminhos capazes de corrigir os prejuízos que causam à organização e ao financiamento do
sistema de ensino e os obstáculos que intervêm no processo de aprendizagem dos educandos
com a retenção escolar.
Estas alternativas de flexibilização do percurso escolar se iniciam pelo campo da
promoção, ou seja, o que fazer para que o percurso escolar dos alunos não seja esfacelado,
que medidas existem para regularizar o fluxo de alunos com detenção do fenômeno da
reprovação. As discussões
6
que decorreram, apontavam para uma forma de flexibilização do
percurso escolar: a promoção automática. Está essencialmente baseada em uma racionalidade
economista: melhorar os indicadores estatísticos para diminuir gastos públicos, sem, contudo,
mudar as condições do ensino com vistas à aprendizagem.
As primeiras experiências partem da região Sul do país, tendo o Rio Grande do Sul
como precursor na implantação da modalidade de progressão continuada, adotando, em 1958,
classes de recuperação para alunos com dificuldades, que, ao se recuperarem, poderiam
retornar às suas turmas de origem.
Muitas das publicações da época que circulavam entre os profissionais do magistério
paulista defendiam a promoção automática com alguns critérios, mas havia vozes
discordantes que afirmavam não ser o regime de promoção automática um caminho de
reconstrução do ensino fundamental do Brasil. Em meio a este contexto polêmico, a partir da
década de 60, começam a surgir outras iniciativas de reordenação dos tempos da escola.
Ao final dos anos 60, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais
flexibilizaram a organização dos currículos, iniciando pela escola primária. Mais tarde,
Pernambuco adotou a organização por níveis em 1968, rompendo com a tradicional
organização curricular por anos de escolaridade ou por séries na escola primária.
No mesmo ano, o Estado de São Paulo reorganizou o currículo da escola primária em
dois ciclos: o nível I, constituído pelas 1ª. e 2ª. séries, e o nível II, pelas 3ª. e 4ª. séries, com o
exame de promoção somente na passagem do 1º. para o 2º. nível e ao final deste. Tal medida,
porém, foi bastante contestada e terminou por não ser consolidada nos anos 70. Sua não-
6
O tema da promoção na escola primária ganhou maior destaque nacional na Conferência Regional Latino-
Americana sobre Educação Primária, Gratuita e Obrigatória, promovida pela Unesco, em colaboração com a
organização dos Estados Americanos (OEA), e realizada em Lima em 1956.
consolidação se deteve no propagado pressuposto de democratização do ensino que ferira
alguns interesses dos setores conservadores da sociedade, obstaculizando sua implementação.
Já, em Minas Gerais, a implantação de um sistema de avanços progressivos se deu em
caráter experimental, por três anos (70-73), pela Secretaria Estadual de Educação, iniciado em
Juiz de Fora.
Entretanto, expressão mais ousada de flexibilização ficou por conta da experiência de
progressão continuada
7
de Santa Catarina, porém pouco conhecida e divulgada no país.
Em atenção aos dispositivos constitucionais de 1967, que ampliavam de
quatro para oito anos de escolaridade obrigatória, o Plano Estadual de
Educação de 1969 instituiu oito anos de escolaridade contínua e obrigatória
na rede estadual, abrangendo o então ensino primário e médio (primeiro
ciclo), o que antecipava a Lei da Reforma do Ensino de 1º. e 2º. Graus
(BARRETO; MITRULIS, 2004, p.196).
Ao novo sistema, iniciado em 1970, em toda a rede catarinense de escolas estaduais,
foram acrescidas novas formas de avaliação contínua dos alunos, abortando a reprovação ao
longo do ensino de primeiro grau. Ao final das 4
as.
e das 8
as.
séries, foram implantadas classes
de recuperação aos alunos com dificuldades em seu processo de aprendizagem. A extinção
deste regime de ciclos acontece ainda na primeira metade dos anos de 1980, em um tempo em
que uma mobilização intensa de amplos segmentos da população em prol da abertura
democrática do país com a conseqüente necessidade de criar sistema de ensino alternativo
capaz de imprimir maior flexibilidade ao processo de escolarização.
Todas essas experiências tiveram como referências o sistema de avanços progressistas
das escolas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Tal iniciativa traz em seu âmago a progressão
social para todos, portanto a progressão se dá, pura e simplesmente, mediante a freqüência às
aulas. Também nelas um marco teórico-curricular com base comportamentalista, onde a
aprendizagem se em ritmo distinto a cada aluno, mas de forma linearizada de
contabilização quantitativa dos conhecimentos acumulados. Talvez seja por isso que a idéia
cumulativa de fase/etapa a cada ciclo ainda continue sendo adotada em muitas propostas de
ciclos, como a de Mato Grosso e, em especial, a de Cuiabá.
7
Para Freitas (2003, p. 9), progressão continuada não pode ser considerada como proposta de ciclo. A estratégia
para organizar a escola por ciclo de formação que se baseie em experiências socialmente significativas para a
idade do aluno é diferente à de agrupar séries com o propósito de garantir a progressão continuada dos alunos.
E uma outra forma de reorganização dos tempos e dos espaços da escola, adotada no
Brasil durante o processo de transição democrática na década de 80, foi o ciclo básico de
alfabetização. Os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná instituíram o ciclo básico,
numa tentativa de encontrar um mecanismo de resolver o estrangulamento vivenciado nas
séries iniciais. O eixo orientador de tais propostas eram as idéias Piagetianas, que dominaram
as orientações comportamentalistas nas escolas brasileiras em décadas anteriores, passando a
ter hegemonia nas propostas curriculares, enriquecidas pelas contribuições da sociolingüística,
psicolingüística e do sociointeracionismo vygotskiano, também na década de 80.
A introdução do ciclo básico ampliou o constante debate sobre a avaliação nas redes
de ensino que o adotaram. Na década de 70, predominava a avaliação do rendimento centrada
no individualismo do aluno; nos anos de 1980, a ênfase se deslocou para a consideração das
interações que ocorrem no contexto escolar e que influenciam no seu desempenho.
Esta experiência não se consolidou nas redes estaduais, como também abriu
precedentes para sua expansão em outros Estados sob novas variações, como bloco único. No
Rio de Janeiro, o bloco único foi incorporado pelo Estado em 1994. Ele apresentava
propósitos semelhantes aos do ciclo básico quanto à flexibilização do tempo de aprender na
escola, embora tenha sido bem mais ousado quanto à sua reordenação. Rompe-se com o
intervalo de 7 a 14 anos, consolidado pela Lei 5.692, como a faixa da escolarização
obrigatória, para adentrar as crianças de seis anos nas classes de alfabetização.
O bloco único terminou por não se manter como forma de organização da escola.
Contudo serviu como inspiração para outras iniciativas que se alastrariam por todo o Brasil,
num período efervecente de discussões sobre a qualidade educacional das escolas brasileiras.
Com isso a escola é questionada diante de seu papel de pura transmissora de conhecimentos e
um novo discurso impera: A escola precisa tornar-se a facilitadora do processo de
aprendizagem dos alunos.
Vale dizer que as prefeituras de São Paulo e Belo Horizonte foram as alavancadoras
das experiências educacionais formuladas pelo Partido dos Trabalhadores, que tiveram
repercussões em todo o Brasil, com mudanças radicais no ensino de 1º. grau, inicialmente.
Uma proposta política fundamentada nos princípios de participação, descentralização e
autonomia. O foco de mudança na organização escolar expressa uma vontade política do
governo municipal. Esta organização em ciclos de formação tem base “nos princípios
8
de
reversão radical das estruturas excludentes da escola, no trabalho coletivo, na relação
dialógica entre o conhecimento sistematizado e as vivências dos alunos e em um especial
empenho de eliminar a seriação [...]” (SOUZA; BARRETO, 2004, p.150).
Partindo desses princípios, acontece uma reorganização curricular, onde as disciplinas
escolares não são mais os eixos orientadores, a integração dos conteúdos realizada com base
nas experiências socioculturais dos alunos é o fio condutor do currículo nos ciclos.
Neste momento as escolas são as verdadeiras produtoras de seus currículos, pois não
havia prescrições oficiais a serem seguidas. O foco principal da avaliação foi deslocado para o
diagnóstico e com uma grande ênfase ao processo de ensino. Esta proposta trouxe uma nova
concepção de qualidade de ensino
9
, marcando mudanças curriculares radicais.
Houve também a experiência de Belém do Pará, quando a prefeitura adotou, em 1991
e 1993, a organização do ensino em ciclos nos primeiros quatro anos do ensino fundamental,
retomou a proposta em 1997, na gestão petista, e iniciou a sua ampliação para as 5
as
. e 8
as
.
séries de forma gradual, introduzindo-a em nove escolas municipais. Umas outras
experiências de flexibilização foram a Escola Cidadã, em Porto Alegre, desde 1997, Escola
sem Fronteiras em Blumenau (1997-2000) e Escola Candanga em Brasília, que seguiu
orientações similares, mas não se organizou em ciclos (BARRETO; MITRULIS, 2004,
p.207).
Desde 1960, o regime de ciclo estava previsto como experiência pedagógica e é
confirmado na Lei 5692/71. A Lei 9394/96 reafirma os ciclos como uma forma de
organização da escola em seu artigo nº. 23 e também suporte à orientação das políticas da
área. Em meio a esta abertura, em 1999, Cuiabá implanta o regime de ciclos nas escolas
municipais, que destaco adiante, enquanto contexto desta pesquisa.
Neste momento a
administração municipal, através da Secretaria Municipal de Educação, Desporto e Lazer
8
Assim, também as escolas da Rede Municipal de Ensino de Cuiabá vivenciaram, a partir de 1993 com a “Lei
nº. 3201, a política de gestão que entendia a escola como LOCUS predominante da construção da qualidade de
ensino, pelo trabalho coletivo, pela prática pedagógica consistente e coerente, criada e gerenciada pela escola”
(Escola Sarã, 2000, p. 15).
9
A qualidade de ensino no ciclo perpassa pelo enfoque político destacado na gestão municipal. Porque [...] a
concepção de qualidade na educação é relativa, pois depende da finalidade social projetada” (CARVALHO,
2005, p.227). A finalidade social da educação projetada pela gestão municipal naquele momento histórico vinha
pelas contribuições da pedagogia crítica, sendo escola e município protagonistas do processo de mudança. A
escola toma a palavra como produtora de sua proposta curricular.
(SMEDEL), incorpora-se às discussões de cunho mais progressista que vinham sendo
consolidadas na rede desde 89 e decreta a implantação dos ciclos em Cuiabá pelo discurso de
construção coletiva SMEDEL e ESCOLA, via constituição de comissões composta por
técnicos da sede e representantes das Unidades Escolares. Contudo, uma construção coletiva
não se dá por representações.
Neste contexto, como Barreto e Mitrulis, digo que:
[...] os ciclos passam a ser muito valorizados como um tipo de resposta ao
fracasso e à exclusão escolar, visto que, na perspectiva das sociedades do
conhecimento que permeia a orientação das reformas na área, é fundamental
que amplos contingentes da população tenham condições de desenvolver
habilidades intelectuais mais complexas, sejam capazes de processar
múltiplas informações e de se organizar nas relações sociais e de trabalho de
modo cooperativo e mais autônomo
(2004, p. 208).
Assim sendo, a proposta alternativa dos ciclos escolares é fortalecida também pelo
Plano Nacional de Educação
10
, que propõe a elevação do nível de escolaridade da população e
a diminuição das desigualdades sociais com relação ao acesso e à permanência nas escolas.
O ciclo como uma proposta alternativa de reorganização do tempo e espaço escolar é
de grande importância para o sistema de ensino brasileiro, e concordo com Freitas (2003,
p.11) que “sua importância está ligada à resistência necessária à lógica da seriação e à função
excludente da escola do que ao seu uso como solução pedagógica”.
E é com esse olhar que situei as experiências de Belo Horizonte e Porto Alegre, uma
vez que elas são subsídios à proposta de ciclo em Cuiabá.
1.1.1 Experiência do ciclo em Belo Horizonte
Neste texto, fundamentei-me, principalmente, nos dados oficiais da Secretaria
Municipal de Belo Horizonte MG, publicado pelo MEC no Caderno Educação Básica, série
Inovações (Escola Plural: Proposta Político-Pedagógica, 1994), que apontaram a Rede
Municipal de Belo Horizonte, através de seus profissionais, inserida no movimento de
10
Lei Federal 10.172, de janeiro de 2001.
renovação pedagógica
11
iniciado no Brasil, no final da década de 70, contando com a proposta
denominada Escola Plural que começou a ser implementada a partir de 1995 sob forma de
experiência.
A construção coletiva da política pedagógica da rede municipal iniciou-se, levando-se
em conta um conjunto de ações emergentes que aconteceram nas escolas de Belo Horizonte e
que se baseavam em dois princípios fundamentais: o direito à educação e a construção de uma
escola inclusiva, com base nos quais se articulam os eixos norteadores de construção coletiva
desta proposta. São eles os seguintes: construção de uma escola que considera a formação
humana na sua totalidade, escola como tempo de vivência cultural, escola como experiência
de produção coletiva, escola capaz de assegurar a vivência a cada idade de formação sem
interrupção e escola capaz de assegurar a construção e uma nova identidade dos seus
profissionais.
Oficialmente, a Escola Plural autodenomina-se enquanto uma proposta de implantação
coletiva, mas Barreto e Mitrulis (2004, p. 216) fragilizam esta afirmação, a partir das
considerações dos professores de Belo Horizonte, argumentando que sua implantação foi
imposta, pois “para os professores da Escola Plural tal imposição teria cerceado a tradição,
coerente entre as escolas de construírem projetos pedagógicos próprios e provocando a
desestabilização da prática docente diante de propostas radicais que não estavam muito claras
para eles”.
Parece-me que práticas significativas inovadoras já existiam nas escolas antes do ciclo.
E Arroyo (1999, p. 155) as confirma quando relata que “os documentos que registram essas
propostas [de Belo Horizonte, Distrito Federal e Porto Alegre] baseiam-se nesse dado [das
práticas existentes] e assumem a escola emergente nas práticas dos professores, nos projetos
das escolas”.
Partindo dessas práticas e com base nos eixos norteadores mencionados, a Escola
Plural organizou o tempo da educação básica, considerando a idade e o desenvolvimento
formativo dos alunos, em três ciclos de formação:
11
Pressupondo “projetos políticos com ênfase na autonomia das Unidades Escolares, concepção de currículo
articulada às práticas sociais e ao mundo do trabalho, formação continuada de professores, trabalho coletivo na
escola e flexibilização das rotinas escolares” (BARRETO; MITRULIS, 2004, p. 209).
Primeiro Ciclo Básico (período característico da infância) compreenderá os alunos
(as) que estiverem na faixa de idade entre 6-7, 7-8, 8-9 anos.
Segundo Ciclo Básico (período característico da pré-adolescência) compreenderá os
aluno (as) que estiverem na faixa de idade entre 9-10, 10-11, 11-12 anos.
Terceiro Ciclo Básico (período característico da adolescência) compreenderá os
alunos (as) que estiverem na faixa de idade entre 12-13, 13-14, 14-15 anos.
A implementação desta organização por ciclos de formação se deu com a definição
dos conteúdos escolares básicos das diversas disciplinas, abordados numa perspectiva plural,
dando significado aos conteúdos escolares, quando devem ser incluídos, em cada ciclo,
conteúdos curriculares que ampliem e alarguem a informação escolar, possibilitando o
desenvolvimento das diversas potencialidades dos seus educandos.
Nesta organização, a crítica tecida à Escola Plural pelos professores, na fase de
implantação da proposta, não é recorrente, quando mencionadas as condições de
implementação desta com relação à gestão escolar, mas pressupõe avanços significativos pelo
veio de uma gestão mais democrática.
Pelas falas dos professores, Barreto e Mitrulis (2004, p.217) as retratam assim:
[...] o clima da escola teria mudado favoravelmente em decorrência do
padrão democrático de colaboração entre direção, coordenador pedagógico e
professores existentes na maior parte da rede; tempo de trabalho remunerado
na escola para estudo, pesquisa, reuniões de planejamento e avaliação das
atividades; da grande flexibilidade para desenvolver projetos de trabalhos
com grupos específicos de alunos e para propor formas de atendimento e
recuperação daqueles com dificuldades, a partir de diferentes arranjos de
pessoal.
E várias experiências apontaram nesta direção de consolidação da gestão democrática:
as propostas alternativas de alfabetização que levam em conta a experiência sociocultural das
crianças, trabalho com tema gerador no ensino noturno; trabalhos diversos na perspectiva
construtivista; aprendizagem centrada na pesquisa e leitura da realidade; aprendizado mais
individualizado que leva em conta as defasagens culturais dos alunos; práticas diferenciadas,
tendo como centro as diferenças dos alunos e o ensino de língua.
Nesta proposta, o fio condutor do processo de ensino e aprendizagem não é traduzido
pela finalidade da transmissão de conteúdos prontos, mas, sim,
pela formação de sujeitos
capazes de construir, de forma autônoma, seus sistemas de valores e, a partir deles, atuarem
criticamente na realidade que os cerca.
Neste não mais espaço para atividades isoladas, descontextualizadas, e o que se
busca é uma proposta global de intervenção. Uma intervenção globalizante pode ser
caracterizada por três versões diferentes, conforme o texto oficial da Escola Plural:
A globalização como somatório de disciplinas;
A globalização como um lugar de interseção de várias disciplinas;
A globalização como um processo de formação.
Isso na perspectiva de uma concepção de conhecimento escolar enquanto construção, a
partir do reconhecimento das questões de interesse social, que tenham como referência o
conhecimento acumulado nas disciplinas, apontando para novas concepções de aprendizagens
e, conseqüentemente, de educação escolar construída nas ações coletivas e democráticas.
Esta concepção de conhecimento é referendada também nas outras propostas de ciclo
(Porto Alegre, Mato Grosso e Cuiabá) que serão discutidas mais adiante, refletindo o contexto
sociopolítico e econômico em que vivemos, o contexto da globalização. “A globalização dilui
fronteiras e padroniza condutas e modos de vida e de consumo, mas ao mesmo tempo dando
margem a novos pleitos de cidadania”, conforme argumentação de Garreton (apud Barreto e
Mitrulis, 2004, p. 203).
Neste contexto, as informações multiplicam-se rapidamente, consolidando a idéia de
conhecimento em rede, e a escola necessariamente transforma seu papel de transmissora do
conhecimento para facilitadora do acesso e uso dessas informações pelos educandos. Retrata-
se uma concepção de conhecimento e aprendizagem com orientação construtivista advinda do
comportamentalismo piagetiano, hoje recheado das contribuições da sociolingüística,
psicolingüística e do sociointeracionismo vygotskiano.
Portanto, a proposta da Escola Plural de Belo Horizonte buscou uma concepção de
Escola, onde esta passa a ser espaço significativo de aprendizagem, um lugar de
experimentações, realizações, confrontos
12
, conflitos, êxitos e abertura para o contexto social
de que faz parte. Assim, como em outras iniciativas de ciclos, a Escola Plural baliza no
cenário das inovações educativas em meio às propostas de reorganização da escolaridade,
com relevantes contribuições que tiveram conseqüências nos planos político, cultural e social.
No plano político trouxe uma abertura à heterogeneidade da população propositora de
ações mais democráticas do ensino, garantindo a diversidade e a individualização. Ações
democráticas que flexibilizaram o processo educativo que sempre foi [é] calcificado na lógica
científico-racionalista da padronização pela educação.
Quanto ao aspecto cultural, a Escola Plural, como em outras propostas, vem
ressaltando a cultura. Nesta proposta a escola é entendida como um “espaço de comunicação
entre a cultura sistematizada e as formas de expressões das culturas locais, dos grupos
minoritários secularmente silenciados nos currículos oficiais” [...] (BARRETO; MITRULIS,
2004, p.206).
na dimensão social, o ciclo possibilita a construção de outra lógica de organização
curricular, onde a lógica do conteúdo cede lugar à da formação do aluno. A escola é
ressignificada como locus do processo de aprendizagem, adequando seu tempo às
características dos alunos, democratizando as relações educativas.
Mesmo diante desses aspectos relevantes pautados também na maioria das propostas
de ciclos, a Escola Plural sofreu críticas sobre as práticas de educação continuada adotadas
pela Secretaria de Educação de Belo Horizonte, como ficou retratado na fala dos professores
quando de sua implantação. Houve também queixas sobre a falta de atendimento
individualizado aos alunos que dele necessitavam. Estas queixas também foram partilhadas
por mim e pelos professores do 1º. ciclo da escola pesquisada em Cuiabá, como veremos
adiante.
Vale ressaltar que esse estudo, à semelhança da dissertação de Mestrado de Moreira,
apresentada em 1999 (BARRETO; MITRULIS, 2004, p.17), traz uma análise crítica ao
processo de implementação do projeto político-pedagógico da Escola Plural, afirmando que
há uma perda do potencial mobilizador de seus princípios, quando de sua implantação na rede
12
Confrontos estes inerentes à própria dimensão complexa da prática educativa os quais foram pontuados,
sinteticamente, na fala de alguns professores de Belo Horizonte. E estes, com certeza, enriquecem a dinâmica de
constituição de qualquer proposta educacional.
toda, e ainda que as mudanças preconizadas impõem o manejo com ações sistemáticas,
contínuas e de longa duração, que se chocam com as descontinuidades das políticas públicas.
Porém, fiz a opção de concordância com as argumentações de Arroyo (1999, p.136) e
com a proposta da Escola Plural, quando tecem críticas às inovações por amostragens ao
analisar as virtualidades presentes nas concepções de inovações educativas.
Quando se propõem inovações apenas em algumas escolas estamos
reforçando a política da superação da rotina e tradições por imitação dos
bons exemplos. Esse é o estilo de implementação da maioria das políticas
sociais “inovadoras” financiadas por agências internacionais e apoiadas por
governos e por equipes de profissionais que continuam acreditando que a
escola mudará quando os professores tiverem experiências exemplares a
seguir [...] Uma visão moralizante, misturada com o positivismo, que pensa
que as práticas sociais derivam da lógica das ciências, de princípios
científicos claros, traduzidos para o comum dos mortais em práticas
exemplares, em modelo a imitar.
E que não tem o caráter de tornar-se novo em uma visão crítica de pensar e construir
políticas educativas inovadoras.
1.1.2 Experiência do ciclo em Porto Alegre
A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre socializou os Ciclos de formação
em diversas publicações, mas tomei como referência a de 1996, Ciclos de formação: proposta
político-pedagógica da Escola Cidadã, cadernos pedagógicos de nº. 9, para desenvolver as
informações sobre esta proposta que vem desde 1994 discutindo a organização do ensino
fundamental em ciclo de formação.
A SMED optou por, primeiro, construir coletivamente as diretrizes do congresso
constituinte escolar em 95 para, a partir deste, construir e implementar, em 1996, a proposta
curricular da Escola Cidadã
13
.
Uma proposta, segundo a qual, os ciclos de formação constituem uma nova concepção
de escola
[...] para o ensino fundamental, na medida em que encara a aprendizagem
como um direito da cidadania, propõe o agrupamento dos estudantes onde as
crianças e adolescentes são reunidos pelas suas fases de formação: infância
13
Esta proposta toma como referência o projeto político-pedagógico da Escola Plural.
(6 a 8 anos); pré-adolescência (9 a 11 anos) e adolescência (12 a 14 anos)
(KRUG, 2002, p. 17).
Esta nova concepção parte do entendimento de que a escola é um espaço vivo e
democrático e que privilegia a ação educativa que:
Garanta a todos o acesso ao ensino de qualidade que favoreça a permanência
do aluno;
Seja gratuita, laica e pluralista;
Voltada para o trabalho com as classes populares, uma vez que estas têm sido,
historicamente, excluídas dos bens produzidos pela sociedade como um
todo;
Propicie práticas coletivas de discussão, garantindo a participação de toda a
comunidade escolar;
Viabilize a descentralização do poder no que se refere às definições do seu
projeto de escola, tanto na relação governo/escola como descentralização das
responsabilidades em busca de soluções;
Contribua, através de objetivos estratégicos e articulados com outras
organizações da comunidade, para a construção de uma sociedade diferente
na justiça social, na igualdade e na democracia;
Oportunize o acesso ao conhecimento, sua construção e recriação permanente,
envolvendo a realidade dos alunos, suas experiências, saberes e cultura,
estabelecendo uma constante relação entre teoria e prática;
Que tenha espaços de formação para os educadores, na perspectiva da
construção de sujeitos críticos e de investigação permanente da realidade
social, tendo como objetivo a qualificação da ação pedagógica e o resgate de
sua cidadania;
Que busque superar todo tipo de opressão, discriminação, exploração e
obscurantismo de valores éticos de liberdade, respeito à diferença e à pessoa
humana, solidariedade e preservação do ambiente natural
(PORTO
ALEGRE, 1996, p.34).
Essas ações educativas alicerçaram a construção de uma concepção de currículo
enquanto uma ação, que é trajetória, caminhada construída coletivamente na realidade de cada
escola de forma diferenciada. Um processo dinâmico, mutável, sujeito às inúmeras
influências, portanto, aberto e flexível, marcando uma concepção curricular de processo que
traz as contribuições da teoria crítica de currículo.
Neste referencial curricular, o grande compromisso (KRUG, 2002, p. 45) da Escola
Cidadã é o de possibilitar que todas as crianças e adolescentes tenham acesso ao
conhecimento formal, com a contribuição do conhecimento das fases de formação, situação
social de desenvolvimento, o contexto cultural e a concepção do conhecimento.
Portanto, o conteúdo escolar é organizado na perspectiva de uma pesquisa
antropológica realizada na comunidade, e, a partir desta, é retirado o eixo central dos
conhecimentos para serem trabalhados pela escola. Os três ciclos planejam juntos os
conteúdos escolares, numa visão de planejamento por complexo temático.
Para organizar os complexos temáticos e evidenciar as relações que o estruturem, foi
sugerido o seguinte decálogo:
1ª. Investigação de interesses do coletivo em cada Ciclo ou Escola;
2ª. Definição dos Complexos no coletivo do Ciclo ou Escola;
3ª. Formulação de princípios por área de conhecimento;
4ª. Elaboração do plano de trabalho da área de conhecimento e de cada ciclo;
5ª. Compatibilização e reelaboração no coletivo do Ciclo ou da Escola;
6ª. Seleção de conjunto de idéias que serão trabalhadas por ano em cada
ciclo;
7ª. Plenária de socialização do que cada ano selecionou e definiu como
conteúdo do período;
8ª. Definição coletiva das linhas de ação;
9ª. O coletivo da escola busca ou insere parcerias no processo;
10ª. Problematização da realidade (PORTO ALEGRE, 1996, p. 24).
Após a construção do decálogo, dois outros aspectos foram sistematizados: o período
de duração do trabalho do Ciclo e o desdobramento do complexo temático em temas
secundários.
Os complexos serão sistematizados considerando uma concepção de conhecimento
que é dada pelo processo humano, histórico, incessante, de busca de compreensão, de
organização, de transformação do mundo vivido e sempre provisório e que tem origem na
prática do homem e nos processos de transformação da natureza. O que possibilita a
construção do conhecimento, nesse momento de aventura em busca do novo, é, sem dúvida, o
reconhecimento de que somos seres em construção. É nesse movimento que se instaura o
desejo de aprender. O incessante desejo de conhecer.
Este movimento traz uma concepção de conhecimento, enquanto construção,
referendado pela teoria dialética do conhecimento, que pressupõe a construção recíproca entre
o sujeito e o objeto, que é pela práxis do homem sobre o mundo, que tanto o mundo quanto
o homem se modificam e se movimentam. Baseados nesta teoria dialética do conhecimento, a
ação educativa deverá levar em conta que:
1. A prática social é a fonte do conhecimento;
2. A teoria deve estar a serviço de e para uma ação transformadora;
3. A prática social é o critério de verdade e o fim último do processo
de conhecimento (PORTO ALEGRE, 1996, p. 35).
A prática social, enquanto ponto de partida e chegada, cria a possibilidade de um
entendimento melhor da realidade, a partir das interações entre os sujeitos partícipes deste
processo.
a escola, um espaço democrático e inclusivo, apregoado na proposta da Escola
Cidadã, também inclui as turmas de progressão em todos os ciclos para atender aos alunos em
defasagem idade/escolaridade e também na oferta de apoio educativo, visando contribuir para
a igualdade de oportunidades de acesso e progressão escolar.
Na proposta da Escola Cidadã, fica claro que as crianças não aprendem porque
foram reunidas por idade. Krug (2002, p. 53) enfatiza que as crianças aprendem o
conhecimento formal, quando ensinadas, mediante a qualidade da intervenção que a escola
lhes oportuniza. Assim, “ensinar, na perspectiva teórica dos ciclos de formação em Porto
Alegre, passa pelo estabelecimento de novas relações escolares, pelo reconhecimento das
diferenças de aprendizagem em suas formas e tempo”. Isso fica também evidenciado nas
concepções da proposta de ciclos de Belo Horizonte, já discutidas, e de Mato Grosso e
Cuiabá, onde pretende-se que as crianças apreendam pela modalidade de intervenção que as
escolas oportunizarão, conforme adiante se verá.
Para Arroyo (1999, p. 155), a proposta da Escola Cidadã está dentre as inovações que
se situam na prática educativa: os que pensam e fazem a educação são os sujeitos do próprio
espaço do sistema escolar, onde o diálogo com as escolas se deu a partir das captações das
pluralidades de ações significativas que eram realizadas nas salas de aulas.
1.1.3 Experiência do ciclo em Mato Grosso
A base referencial deste texto é o documento oficial da SEDUC MT: Escola ciclada
de Mato Grosso, publicado em 2001, onde expressa a vontade político-pedagógica do governo
estadual, mediante a Secretaria de Educação. uma busca em construir uma escola
democrática e de qualidade para a sociedade mato-grossense, com o objetivo da implantação
de uma educação transformadora que pudesse fazer da escola um local privilegiado de
reflexão, de estudo e construção da cidadania, onde todos tivessem assegurado o direito de
acesso, permanência e terminalidade da educação básica democrática, gratuita e de qualidade
como direito inalienável.
Essa nova política de governo quis superar a conseqüência de uma cultura escolar
fragmentada, instituída ao longo de décadas em Mato Grosso, com elevados índices (MT:
2001, p. 12) de repetência (19,5%) e evasão (14,9%), alcançando, em 1997, um total de
34,4% de fracasso escolar. Mas, bem antes da implantação dos ciclos, a SEDUC vinha
buscando propostas alternativas ao enfrentamento dos índices mencionados antes, como o
Projeto Terra, e, em 1998, implantou a proposta do (CBA) Ciclo Básico de Aprendizagem,
garantindo a permanência da criança no sistema de ensino, pois houve eliminação da
reprovação no 1º. ano de escolaridade. Essas propostas se somam como elos estratégicos na
política educacional de inclusão social proposta pela SEDUC/MT.
Para dar continuidade à implementação desta política educacional de inclusão social,
no final de 1999
14
, a Secretaria de Estado de Educação propôs a implantação de Ciclos de
Formação para todo o Ensino Fundamental, visando permitir aos alunos que concluíam o
CBA, continuarem seus estudos no mesmo ritmo da proposta do Ciclo Básico de
Aprendizagem.
Os ciclos de formação nas escolas estaduais de Mato Grosso vêm com uma grande
proposição: superar a escola seriada pelos seus elos fragmentativos no processo educativo.
Portanto, a escola ciclada
15
[...] pretende operacionalizar uma visão de totalidade no que se refere ao
Ensino Fundamental, apontando como a escola, nesta modalidade de ensino,
pode ser organizada, evitando a fragmentação e a mudança parcial da
estrutura curricular, pois a História da Pedagogia mostra-nos que as formas
de mudanças parcelares não levaram a uma real alteração da lógica da escola
(MATO GROSSO, 2001, p. 24).
Nesta argumentação estão implícitas as razões de ordem política que garantiram a
implementação do ciclo no Brasil e em Mato Grosso, que o Brasil era o país que mais
reprovava na América Latina, fazendo com que uma reorganização da escolaridade pudesse
universalizar os quatro anos do ensino primário, garantindo a todos a formação comum
14
Em 1999, a Rede Municipal de Ensino de Cuiabá-MT também implanta os ciclos de formação.
15
Grifo do autor.
exigida pelo acelerado ritmo de desenvolvimento e urbanização do país, diante das
motivações de natureza econômica na busca de medidas que pudessem fazer frente à extensão
e à gravidade do fracasso escolar da maioria de nossas crianças (SOUZA; BARRETO, 2004,
p.13).
Para esta operacionalização, a proposta da Escola Ciclada de Mato Grosso trouxe em
seu interior uma visão de educação que se apropria da pedagogia crítica para dar ênfase a uma
concepção pedagógica que tem centralidade no caráter histórico do homem. A educação é
uma construção social. Nesta concepção, a organização curricular assume uma dimensão de
processo, e “o currículo é sempre uma construção sócio-cultural que revela seu compromisso
com sujeitos, com a prática social, com a história, com a sociedade e com a cultura” (MATO
GROSSO, 2001, p. 81).
Coadunando-se com os referenciais da pedagogia crítica, o conhecimento é concebido
como dinâmico e sua construção se num processo espiralado e cíclico. Uma visão de
conhecimento escolar, onde os conteúdos escolares típicos de um universo disciplinar
hegemônico precisam ser ressignificados. O conhecer não é incorporar informações ou operar
transferências de enunciações discursivas sobre certos objetos ou fenômenos; é querer,
compartilhar, dar sentido, interpretar, expressar, viver na diversidade de saberes.
Ancorada nos referenciais da educação crítica, a organização do ensino em Ciclo de
Formação:
[...] possibilitou um atendimento mais adequado e atencioso aos educandos,
considerando não apenas os aspectos cognitivos tradicionalmente
considerados na organização do currículo escolar –, mas também os aspectos
sociais, morais, éticos e afetivos, constitutivos da natureza humana, num
tempo escolar demarcado por critérios diferentes dos estabelecidos numa
escola seriada, embasada teórico-metodologicamente no paradigma
positivista e funcionalista que, pela sua natureza, ignora a flexibilidade, a
mobilidade e a possibilidade diferenciada de avanços na apropriação do
conhecimento e na constituição da cidadania
(MATO GROSSO, 2001, p.
26).
Nessa organização escolar, a Escola Ciclada de Mato Grosso ampliou para nove anos
o Ensino Fundamental, definindo o início da escolarização aos seis anos, dando oportunidade
de acesso a objetos, conhecimentos e rituais do repertório escolar, num período maior de
tempo. O eixo desta nova organização foram os processos de desenvolvimento e
aprendizagem, organizando o ciclo da seguinte forma: O primeiro ciclo Infância; o segundo
ciclo – Pré-adolescência; e terceiro ciclo – Adolescência e juventude.
Então, na Escola Ciclada, as turmas de cada fase são formadas agrupando os alunos
com base em critérios, como: idade, desenvolvimento socioistórico e cultural,
desenvolvimento afetivo e cognitivo e também, conforme o histórico escolar, ou seja, o
estágio de escolaridade.
A seguir, o quadro nº. 2 mostra o processo de enturmação na Escola Ciclada, que teve
como critério idades aproximadas:
Quadro 2 – Enturmação na Escola ciclada de Mato Grosso
Ciclos Fases Agrupamentos Fase de Desenvolvimento
Turma de Superação
I Ciclo
1ª. Fase
2ª. Fase
3ª. Fase
6 a 7 anos
7 a 8 anos
8 a 9 anos
Infância
Maiores de 9
II Ciclo
1ª. Fase
2ª. Fase
3ª. Fase
9 a 10 anos
10 a 11 anos
11 a 12 anos
Pré-Adolescência
Maiores de 12
III Ciclo
1ª. Fase
2ª. Fase
3ª. Fase
12 a 13 anos
13 a 14 anos
14 a 15 anos
Adolescência
Maiores de 15
Fonte: MATO GROSSO, 2001, p. 52.
Ampliando o entendimento processual da implantação da escola ciclada em Mato
Grosso, passarei a explicitar as progressões, ou seja, como acontece a mobilidade dos alunos
nos ciclos e fases, o que expressa a vontade político-pedagógica da Escola Ciclada de Mato
Grosso, deste modo: “todo estudante terá assegurado o direito à continuidade e terminalidade
de seus estudos [...]. Os alunos têm suas progressões garantidas pelas: Progressão Simples
(PS), Progressão com Plano de Apoio Pedagógico (PPAP) e Progressão com Apoio de
Serviços Especializados (PASE)” (MATO GROSSO, 2001, p. 53).
Uma das grandes dificuldades, se não a maior, para nós professores dentro dos ciclos é
a progressão do aluno fase/etapa e de um ciclo no outro. ainda uma carapaça
pedagógica
16
, onde se confirma que o nosso controle sobre as aulas advém do nosso poder de
reprovar. Ao perdê-lo, há uma desorientação do professorado, fazendo com que trabalhe ainda
na lógica mais próxima da seriação nas salas de aulas. Enfim, “[...] os ciclos são por enquanto
apenas uma intuição; não somos capazes de concebê-los e de fazê-los funcionar promovendo
uma ruptura [...] com a segmentação do curso em anos letivos com programas bem
definidos[...]” (PERRENOUD apud BARRETO; MITRULIS, 2004, p. 218). Vale ressaltar
que, para chegar a uma visão para além da intuição, necessidade de se passar por esta
primeiramente. Aí está o processo cíclico de construção que nós estamos vivendo.
Uma lógica mais totalizante nas ações docentes vino processo da construção de um
outro trato ao conhecimento. Enquanto houver privilégio das relações hierarquizadas e
dicotômicas, também haverá muitas dificuldades em romper com a lógica das séries nas
escolas.
Para romper com essa lógica, foi preciso relativizar o poder do professor neste
processo de progressão. Esta progressão é realizada grupalmente, onde a decisão sobre ela,
além do coletivo dos professores da turma, deve envolver o professor regente e o professor do
atendimento especializado (Sala de Recursos ou do Ensino Itinerante), responsáveis pelo
atendimento educacional do aluno. A retenção acontece na passagem de um ciclo para outro;
o aluno poderá ficar Retido no Final do Ciclo (RFC) por um período que não pode ultrapassar
1 (um) ano letivo, podendo avançar para o ciclo seguinte em qualquer época do ano, assim
que tiver superado as dificuldades.
Na proposta de Mato Grosso, também as turmas de superação que atendem aos
alunos defasados idade-ciclo. Essas turmas têm a organização do tempo-ano diferente do ano-
ciclo, podendo esses alunos avançarem para o ciclo seguinte em qualquer época do ano, desde
que tenham superado os obstáculos que prejudiquem sua progressão. Não se pode esquecer da
possibilidade de criação das Turmas de Aceleração de Aprendizagem.
A existência das Turmas de Superação e Aceleração é provisória, porque, à medida
que a Escola Ciclada consiga promover aprendizagens efetivas e excluir a repetência, os
alunos estarão matriculados nas fases correspondentes à sua faixa etária. Assim, deixa-se de
produzir o contingente de alunos que constituem as Turmas de Superação e Aceleração.
16
Grifo desta pesquisadora.
Neste sentido, a proposta trabalha com uma metodologia que permite a maior
integração possível do conteúdo de ensino e fornece alternativas metodológicas
17
compatíveis
com o desejo de mudanças, apresentando algumas sugestões como os Temas Geradores,
Projetos de Trabalho, Projetos Integrados e Unidades didáticas integradas. O caráter global na
organização do conhecimento escolar também é identificado na proposta de ciclos em Cuiabá.
Complementando as informações históricas do ciclo de formação, em especial em
Mato Grosso, abordo brevemente a avaliação. Situo avaliação como um condicionante
bastante questionado na reorganização curricular pelos ciclos de formação, não eliminando
a possibilidade de reprovação dos alunos, mas também enquanto enfrentamento a um
problema crucial: o estímulo para o estudo está externo à curiosidade pelo conhecimento. “A
lógica da avaliação não é independente da gica da escola. Ao contrário, ela é produto de
uma escola que, entre outras coisas, separou-se da vida, da prática cial [...]. Isso colocou
como centro da aprendizagem a aprovação do professor, e não a capacidade de intervir na
prática social” (FREITAS, 2003, p. 40). Então, lidar com esse problema nas escolas é o
desafio, que a avaliação, querendo ou não, ainda regula a nossa relação com os alunos e
vice-versa.
Em meio a essas reflexões, quero acrescentar que a Secretaria Estadual de Educação
fez a opção por uma proposta de avaliação educacional para a Escola Ciclada de Mato
Grosso, como mecanismo de diagnóstico da situação de aprendizagem do educando, de
replanejamento, de intervenção, tendo em vista o seu avanço, crescimento e não a estagnação
disciplinadora. Uma nova concepção de avaliação, a de ser um exercício de metacognização
ou meta-aprendizagem, transformando-se em um instrumento do aprender, com a finalidade
de promover a aprendizagem significativa, capaz de levar o aluno a tomar consciência da
evolução de sua aprendizagem.
Neste texto, procurei apresentar as intenções da proposta de ciclos de formação em
Mato Grosso, tendo como referência o documento oficial da SEDUC, que mais uma vez
reafirma o compromisso de governo expresso no início deste texto: “Trata-se de imprimir
mudanças que revertam os dados, não apenas de reprovação e abandono escolar, mas que
interfiram contribuindo para a qualidade do aprendizado dos alunos que freqüentam as escolas
17
A SEDUC/MT não fechou com apenas uma alternativa metodológica, como na Rede Municipal de Cuiabá na
fase de implantação dos ciclos, onde o tema Gerador foi unitário enquanto perspectiva de organização do
conhecimento escolar no currículo integrado.
mato-grossenses” (p. 189). E o sucesso desta nova organização do tempo e espaço escolar
dependerá da participação de todos os profissionais que se co-responsabilizem pelo processo
ensino-aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.
Em suma, uma participação da comunidade subjaz um entendimento e adoção desta
proposta por todos da escola, mas na escola acontece um confronto de lógicas: seriação x
ciclos de formação. A cultura da escola foi totalmente afetada pela introdução dos ciclos e
hoje convive diariamente neste terreno de confrontos que, para Souza e Barreto (2004, p. 18),
são confrontos com “valores que tradicionalmente têm pautado de modo dominante a
organização escolar, até condições que se fazem necessárias para que as propostas não
traduzam apenas na extinção da aprovação”.
Estes estão tensionando as relações intra e extra-escolares, fazendo com que muitos
educadores se posicionem, mesmo que em conversas informais, contrários aos ciclos de
formação com a pregação de um retorno premente à seriação. Neste contexto, o ciclo precisa
ser caracterizado como uma forma de resistência, retratado, pois resistir significará o início
da construção de caminhos ainda inexploráveis no coletivo da instituição de ensino em busca
da escola que a sociedade requer.
Porém há que se destacar que à proposta de Mato Grosso e à de Cuiabá acondicionam-
se conceitos de inovação pedagógica, mudança curricular e anseios de uma nova escola, como
diria Arroyo (1999, p. 132), “nem sempre há acordo quanto à concepção de inovação e às
estratégias de mudança entre aqueles que formulam políticas e decidem para a escola e para
seus mestres, entre aqueles que pesquisam e teorizam sobre a escola, e aqueles, os
professores, que pensam e fazem a escola”. Neste espaço, as tensões se fortificam trazendo
um aspecto de não-definição organizativa na ação educativa dentro da escola: nem série e
nem ciclo de formação, até porque o caminho é esse mesmo: construção e (des)construção
interagindo mutuamente. Essas discussões também se convergem como indicadores presentes
no ciclo de formação na Rede Pública de Ensino de Cuiabá, mostrados na seqüência.
1.1.4 Experiência do ciclo em Cuiabá
Relatar sobre a experiência do ciclo em Cuiabá significa escrever sobre minha história
profissional e até pessoal como professora nesta rede de ensino, mesmo que isto represente
perpassar por todas as informações documentais expressas nos textos oficiais da SMEDEL de
Cuiabá. Esta trajetória acompanha o movimento de reorganização da escolaridade do Brasil,
explicitada, que desencadeia um processo de discussão nas escolas, comandada pela
política oficial de gestão municipal da educação daquele momento histórico.
Para início, destaquei a experiência de gestão democrática de 1988, idealizada e
implementada pela SMEDEL como um projeto arrojado e “revolucionário para os padrões da
administração escolar no estado de Mato Grosso” (CUIABÁ, 2000, p. 15). A partir deste,
ações de cunho mais democrático emergiram nas escolas, sob a égide de que a escola é o
locus da construção da qualidade
18
de ensino. Com a mudança de governo municipal, este é
renegado até 1992 e retomado em 1993 com a aprovação da Lei nº. 3201 de gestão
democrática.
Neste processo de retomada das discussões, surge a necessidade de repensar o tempo e
espaço de aprendizagens vivenciadas nas escolas, culminando com a implantação do projeto
de reorganização curricular das Escolas da Rede Municipal de Cuiabá, em 1994, cujo eixo
metodológico do currículo era o ensino globalizado por tema gerador. Neste momento, as
escolas começaram a gerenciar o seu papel de produtora do currículo: a escola toma a
palavra
19
.
O coordenador pedagógico é o mediador entre SMEDEL/ESCOLA neste processo em
que a escola tomou a palavra, inicialmente, quando o coletivo não propunha a implantação
dos ciclos na rede. Naquele instante, tínhamos clareza de que a escola que queríamos não era
aquela que tínhamos, mas uma outra escola ainda precisava ser construída.
A Secretaria Municipal de Educação, envolta deste processo de conflitos nas escolas, a
partir de uma nova gerência educacional, apodera-se dos anseios
incertos
da escola,
trazendo para discussão o Projeto Saranzal: uma proposta de reorganização da escolaridade
por ciclos de formação em Cuiabá – MT, em 1998.
Naquele contexto, o grande intento da educação brasileira, em Cuiabá, não era
diferente, era (é) diminuir o índice de repetência e garantir o direito de continuidade e
terminalidade dos estudos dos alunos expressos na LDB e nas escolas municipais. A realidade
18
Qualidade de ensino para nós é referendada pelos referenciais da educação crítica. E “[...] significa colocar-se
à disposição da construção do projeto de educação popular na perspectiva da escola cidadã que visa ao
desenvolvimento
do ser humano enquanto sujeito histórico-social” (CARVALHO, 2005, p. 227).
19
Expressão determinantemente usada naquele contexto de discussão da proposta curricular da escola.
excludente é reafirmada pela produtividade da Rede municipal de Ensino/1997: “Dos 40 011
(quarenta mil e onze) alunos matriculados, 10699 (dez mil, seiscentos e noventa e nove)
voltaram a cursar a mesma série em 98, totalizando uma perda de 356 (trezentos e cinqüenta e
seis) turmas de 30 (trinta) alunos” (CUIABÁ, 2000, p. 27-28).
Portanto, o ciclo de formação veio para corrigir o fluxo escolar numa justificativa de
ordem política e social com vista a garantir o direito de todos à educação como medida de
inclusão social pelo veio da democratização do saber e do ensino.
Para cumprir essas funções, foi necessário:
[...] desenvolver uma nova proposta que superasse a fragmentação e rupturas
na construção do conhecimento encontrado na escola seriada [...] Instituindo
uma comissão composta por técnicos da Secretaria Municipal de Educação e
representantes das unidades escolares. Os estudos e pesquisas deste grupo
resultaram no “Projeto Saranzal”
(CUIABÁ, 2000, p. 20).
Esse projeto foi lançado para apreciação em fevereiro de 1998, para análise e
discussão de toda a comunidade escolar e, na fala da SMEDEL, este surgiu em razão das
necessidades dos educandos e educadores
20
municipais. “No decorrer das discussões,
proposições e deliberações, essa proposta passou a representar as aspirações das comunidades
escolares e de toda a sociedade envolvida” (CUIABÁ, 2000, p. 21).
E possível perceber que o próprio órgão educacional reconhece que a proposta não
representava as aspirações da comunidade na sua elaboração, mas passou a sê-la após as
discussões que se realizavam, revelando-se no texto da proposta, assim: “tendo como
princípio fundamental a construção coletiva da proposta, ou seja, o projeto deveria ser
analisado, discutido, reelaborado por todos os segmentos da escola pais, professores, alunos
e funcionários contribuindo para sua efetivação” (CUIABÁ, 2000, p. 20).
O processo de construção coletiva se deu pelo caminho alguém de fora do contexto
da escola formula proposta de intervenção escolar e os partícipes da escola fazem algumas
adaptações –, como se isto garantisse o caráter de construção coletiva. Arroyo (1999, p. 134)
argumenta que isto se traduz em uma:
[...] cultura política, que pensa a educação básica do alto, que decide de fora
para os seus professores, vem se mantendo com os mesmos traços por
20
Como já afirmei, naquele momento nossas necessidades não encaminhavam para uma reorganização da escola
via administração central.
década. Apenas podemos notar que tenta se democratizar conforme o estilo
de formulação das políticas de intervenção. Para a intervenção do alto ser
mais “democrática”, criam-se canais para que os professores dêem palpites
[propostas de alterações que as escolas encaminharam a SMEDEL] no
momento de planejar e elaborar as propostas, para que se sintam mais
comprometidos com elas e as adaptem à realidade específica de SUA escola
e de SUA turma. Uma solução insuficiente, por mais democrática que
pareça. Não se muda por intervenção, nem se quer construindo
‘participativamente’ intervenções[...].
Após essas considerações críticas, pautando-me nos textos oficiais, que cruzam com
minha percepção vivida concretamente na escola e com os teóricos educacionais, continuo o
processo de análise da implantação da Escola Sarã, ainda mencionando o Projeto Saranzal,
que vai sendo sistematizado com base nas propostas de alteração enviadas pelas unidades
escolares que foram sistematizadas pela comissão do projeto e apresentadas para a discussão e
deliberação do Fórum Deliberativo do Projeto Saranzal, com a participação de delegados
representantes de todos os segmentos das escolas, do SINTEP (Sindicato dos Trabalhadores
da Educação Pública) e do Colegiado de Diretores
21
. E, ao final, conclui com o documento:
Escola Sarã – um novo contexto político-pedagógico para as Escolas Municipais de Cuiabá.
Neste processo, tem início o ciclo de formação em Cuiabá, na Rede Pública de Ensino,
após as deliberações sobre os princípios e diretrizes de sua implantação, com a inserção de 42
unidades escolares à Proposta da Escola Sarã, em 1999. Em 2000, mais 26 escolas
implantaram os Ciclos de Formação. No referido ano, a realidade do sistema de Ensino
Público Municipal apresentava-se com 83 unidades escolares, das quais 68 estavam
organizadas em Ciclos de Formação.
Vale dizer que o fundamento orientador das decisões educacionais na Escola Sarã
estava atrelado à concepção de Educação Crítica, onde qualquer tomada de posição tem
caráter ético-social e histórico, que constitui o substrato essencial das políticas pedagógicas
com suporte teórico e orientação crítica. E ainda, o eixo filosófico-epistêmico foi assumido
pela concepção dialética que procura superar as racionalidades positivistas, que não
conseguem mais dar resposta aos problemas colocados pela sociedade contemporânea. Trouxe
também, em seu interior, uma concepção de Pedagogia Crítica que levantou a necessidade da
primazia ao social, cultural, político e econômico, Pedagogia essa comprometida com os
imperativos emancipatórios de conferir poder ao indivíduo e de provocar a transformação
21
Colegiado constituído pelos diretores escolares da Rede Municipal de Educação de Cuiabá-MT e atualmente
colegiado da Equipe Gestora da Escola.
social. Logo, a proposta da Escola Sarã de Cuiabá marcou teoricamente sua opção pela
pedagogia crítica.
Atendendo aos aspectos preconizados nos estudos sobre desenvolvimento humano, a
Escola Sarã organizou o ciclo em: Infância (6 a 9 anos), pré-adolescência (9 a 12 anos) e
adolescência (12 a 15 anos), a partir das contribuições de Piaget, Wallon, Feizi e Vygotsky.
Esta estruturação dos ciclos de formação na Escola Sarã possibilitou uma enturmação dos
educandos, demonstrada no quadro nº. 3, considerando seu desenvolvimento formativo e
observando alguns critérios, como:
Idade;
Desenvolvimento sócioistórico-cultural e afetivo;
Desenvolvimento cognitivo
(CUIABÁ, 2000, p. 65).
Quadro 3 – Enturmação na Escola Sarã
CICLOS
22
ETAPAS AGRUPAMENTOS FASE DE DESENVOLVIMENTO
1º. Ciclo
1ª. Etapa 6 e 7 anos
Infância
2ª. Etapa 7 e 8 anos
3ª. Etapa 8 e 9 anos
2º. Ciclo
1ª. Etapa 9 e 10 anos
Pré-Adolescência
2ª. Etapa 10 e 11 anos
3ª. Etapa 11 e 12 anos
3º. Ciclo
1ª. Etapa 12 e 13 anos
Adolescente
2ª. Etapa 13 e 14 anos
3ª. Etapa 14 e 15 anos
Fonte: CUIABÁ, 2000, p. 66.
Quanto aos aspectos metodológicos da prática curricular, a Escola Sarã (CUIABÁ,
2000, p. 59) fez a “opção
23
por um desenvolvimento curricular dialético, voltado para uma
metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo como eixo condutor o Tema Gerador, é uma
22
O quadro de nº. 3 representa a enturmação por etapa em cada ciclo em Cuiabá, diferenciando-se do de nº. 2 da
proposta do Estado de Mato Grosso que se refere à enturmação por fase.
23
Importante lembrar que a organização curricular da Escola Sarã incorpora a prática existente nas escolas da
metodologia globalizada por tema gerador.
forma de pensar e fazer currículo de modo reflexivo, crítico, integrando a teoria e a prática, o
fazer e o pensar”.
Esta opção vinha sendo implementada desde 1994
24
, quando do processo de
reorganização curricular das escolas da rede. Portanto, o trabalho com tema gerador não
advém da implantação dos ciclos de formação, mas bem antes destes.
Durante este processo, as escolas eram atendidas pela SMEDEL via assessoria da
Universidade Federal de Mato Grosso, com estudos sistemáticos nos referenciais da educação
crítica. Começamos [faço parte na escola na função de coordenadora pedagógica] a construir
a proposta curricular organizando inicialmente o diagnóstico educacional. Após o
levantamento de dados, sua organização
25
se deu a partir dos seguintes aspectos: Políticas
educacionais do município, caracterização socioeconômica do bairro e da escola, com um
breve histórico, e elementos da estrutura física e administrativa. No trabalho docente, a
proposta curricular incluiu os métodos e técnicas pedagógicas, as condições de trabalho, a
situação financeira da escola e as considerações finais.
Um momento importante na escola foi quando nós, professores, coletamos e
organizamos os dados, durante todo o ano de 1993. Somente em 1994, iniciamos a estrutura
da proposta curricular mais voltada para as ações docentes de sala de aula, explicitando os
pressupostos e princípios do currículo pela educação crítica, seus objetivos, estrutura
orientadora técnico-metodológica com eixo teórico na globalização, integração e
interdisciplinaridade e também definição da concepção e sistema de avaliação.
Em suma, as escolas da rede municipal que passaram por este movimento tiveram, a
partir de 1995, um documento sistematizado na estrutura já mencionada. O referido
documento consolidava nossos anseios e preocupações da época, a partir de um esforço
teórico-prático dos professores, creditando grande importância na figura do coordenador
pedagógico das escolas. Foi percorrido então um caminho de 1994 a 1998 com o tema
gerador até a chegada do ciclo de formação em 1999.
24
É um momento histórico, pois na época acontecia uma grande enchente do Rio Cuiabá, e todas as escolas da
rede são chamadas a trabalhar o tema gerador enchente, enquanto um aspecto significativo da realidade
idealizado para o trabalho, no momento de formação dos professores.
25
Esta organização se caracterizava por uma redação preliminar do diagnóstico educacional da escola.
Com o ciclo de formação, a organização metodológica do tema gerador é reafirmada
pelos conhecimentos Lingüísticos, Lógico-matemático, Ciências físicas e naturais, Ciências
socioculturais, Arte, Língua estrangeira e Educação Física, que se constituem em subsídios ao
estudo da temática problematizada, subsídios contemplados no plano de aula com o Tema
Gerador, a partir dos três momentos que o compõem. Esses momentos não são dissociados
um do outro, estão sendo apresentados separadamente, apenas para efeito didático, nos itens
que se seguem, conforme o texto da Escola Sarã (CUIABÁ, 2000. p. 63-64):
a) Problematização - atividades da prática: Síncrese
A problematização é o ponto de partida. Nessa etapa inicial, os alunos expressam suas
idéias, pensamentos, crenças, conhecimentos sobre o problema em questão. Este passo é
fundamental, pois dele depende todo o desenvolvimento da aula. Vale ressaltar que os alunos
não entram na escola como uma folha em branco, trazem hipóteses explicativas, concepções
sobre o mundo que os cerca.
E é dessa hipótese que a intervenção pedagógica precisa partir, pois, dependendo do
estágio de compreensão inicial dos alunos, o processo toma um determinado caminho. É nessa
fase de problematização que o professor detecta o que os alunos sabem e o que ainda não
sabem do tema em questão. É também a partir das questões levantadas nesta etapa que o
estudo é organizado pelo grupo.
b) Desenvolvimento – atividades de teorização: Análise
Este é o momento em que se criam as estratégias para buscar respostas às questões e
hipóteses levantadas na problematização. É preciso que os alunos se defrontem com situações
que os obriguem a confrontar pontos de vista, a rever suas hipóteses, a colocar novas
questões, a confrontar-se com novos elementos pelas diferentes áreas do conhecimento.
Para isso, é preciso que se criem propostas de trabalho que exijam a saída do espaço
escolar. A organização em pequenos e grandes grupos, o uso da biblioteca, a exposição aos
conhecimentos anteriores que explicitem conceitos, que iluminem a realidade estudada,
filmes, entrevistas, e a vinda de pessoas convidadas pela escola, com novas observações da
realidade, são estratégias indispensáveis nesse processo.
Os alunos têm que utilizar todo o conhecimento que possuem sobre o tema e se
defrontar com conflitos, inquietações que os levem ao desequilíbrio de suas hipóteses iniciais
e à volta ao imediato e cotidiano com uma nova explicação da realidade para transformá-la.
c) Sistematização e expressão – atividades da prática: Síntese
Durante este processo, as convicções iniciais vão sendo superadas e outras mais
complexas vão sendo construídas. As novas aprendizagens passam a fazer parte dos esquemas
de conhecimentos dos alunos e vão servir de conhecimentos prévios para outras situações de
aprendizagem.
Essas aprendizagens podem ser explicitadas na construção de maquetes, painéis,
dramatizações, livros, poesias, crônicas, paródias, panfletos, faixas, cartas ou mesmo
intervenção na própria realidade com mutirões, campanhas etc.
O que se aprende é organizar o ensino de uma forma metodológica para facilitar a
aprendizagem e o desenvolvimento pessoal dos educandos, considerando os aspectos
cognitivos e afetivos na sua constituição biossocial e cultural. A base curricular de cada ciclo
foi organizada para dar suporte a esses aspectos.
A seguir, os quadros mostram como os componentes da Base Curricular se estruturam
e integram o currículo em cada Ciclo de Formação, em cada área do conhecimento, e a carga
horária semanal e anual das aulas.
Base Curricular do 1º. Ciclo de Formação
Quadro 4 – Base curricular do 1º. Ciclo
Dimensão Globalizada Interdisciplinar C.H.S.
C.H.A.
ÁREAS DE
CONHECIMENTOS,
BASE NACIONAL
COMUM,
LEI
Nº. 9.394/96. – ART. 26
Conhecimento Lingüístico
Conhecimento Lógico-Matemático
Ciências Físicas e Naturais
Ciências Socioculturais
Arte
Educação Física
TOTAL 20 800
Fonte: CUIABÁ, 2000, p. 66.
Base Curricular do 2º. Ciclo de Formação
Quadro 5 – Base curricular do 2º. Ciclo
Dimensão Globalizada Interdisciplinar C.H.S.
C.H.A.
ÁREAS DE
CONHECIMENTOS, BASE
NACIONAL COMUM,
LEI
Nº 9.394/96. – ART. 26
Conhecimento Lingüístico
Conhecimento Lógico-Matemático
Ciências Físicas e Naturais
Ciências Socioculturais
Arte
Educação Física
PARTE DIVERSIFICADA
ART. 26 §5º.
Língua Estrangeira Moderna
TOTAL
20 800
Fonte: CUIABÁ, 2000, p. 67.
Base Curricular do 3º. Ciclo de Formação
Quadro 6 – Base curricular do 3º. Ciclo
Dimensão Globalizada Interdisciplinar C.H.S.
C.H.A.
ÁREAS DE
CONHECIMENTOS, BASE
NACIONAL COMUM,
LEI
Nº 9.394/96. – ART. 26
Conhecimento Lingüístico
Conhecimento Lógico-Matemático
Ciências Físicas e Naturais
Ciências Socioculturais
Arte
Educação Física
PARTE DIVERSIFICADA
ART. 26 §5º.
Língua Estrangeira Moderna
Filosofia
TOTAL
20 800
Fonte: CUIABÁ, 2000, p. 68.
Por essas bases curriculares, os alunos com defasagem na relação idade-ciclo também
são atendidos nas aulas de superação/aceleração, e os alunos que precisam de atendimento
específicos são atendidos nas Salas de Apoio à Aprendizagem, Classe Especial e Sala de
Recurso.
Um outro aspecto do trabalho pedagógico muito importante na construção dos ciclos
de formação em Cuiabá é a avaliação. Foi buscada uma modalidade de avaliação mediadora,
que concebe o aluno como sujeito do seu próprio desenvolvimento.
Para falar de avaliação, foi considerada a concepção de que esta é produto da lógica da
escola, portanto não está dissociada do nosso conceito de educação, currículo, aprendizagem
etc., consubstanciado pelas concepções em que a nossa formação se pauta. Para Freitas (2003,
p. 46), “os procedimentos de avaliação estão, portanto, articulados com a forma que a escola
assume como instituição social, o que, em nossa sociedade, corresponde a determinadas
funções: hierarquizar, controlar e formar os valores impostos pela sociedade (submissão,
competição, entre outros)”.
Com os ciclos de formação, quer se inverter esta função, passando pela
democratização, trabalho coletivo, onde o homem é um ser histórico que pode intervir na
construção de sua trajetória social. Por isso, nesta concepção de avaliação, o papel do
educador toma novas dimensões; nestas novas dimensões, ele não simplesmente atribui
conceitos ou notas, mas a cada atividade realizada se fazem anotações significativas, tanto
para o seu trabalho pedagógico como para o aluno, apontando-lhes soluções e possibilidades
de aprendizagem. E é este um dos grandes desafios a nós educadores, que fazemos parte deste
processo: Construir uma escola de qualidade em meio às tensões de lógicas, vivenciadas nas
escolas hoje.
Na tentativa de assegurar o caráter de universalidade, a proposta da Escola Sarã tem a
progressão nos Ciclos como um direito assegurado a todo educando, assim como a
continuidade e a terminalidade dos seus estudos. Para tanto, foram propostas três formas de
progressão: Simples (PS), com Plano Didático de Apoio (PPDA), Mediante Avaliação
Específica (PMAE) e Mediante Processo de Avanços (PMPA). A Retenção acontece no final
do Ciclo RFC no Ensino Fundamental que é organizado em 1°., 2°., 3°. ciclos, cada um
com três etapas de 200 (duzentos) dias letivos, perfazendo um total de 600 (seiscentos) dias
de acordo com a Lei n°. 9.394/96.
Em suma, pode se dizer que a proposta de ciclos de formação em Cuiabá chegou
mediante um modelo para que os professores os adaptassem à sua sala de aula. Mas “a
questão é repensar esse tipo de inovação escolar via modelos e via consenso e adesão na
aplicação” (ARROYO, 1999, p. 134), visto que um modelo não possibilita envolvimento dos
diversos segmentos educativos. Ciclar uma estrutura organizacional de escola significa
romper com uma cultura escolar que resulta em transformações dos nossos valores e práticas.
Acredita-se que isto que ser construído nas Escolas Municipais de Cuiabá, para que o ciclo
seja uma proposta consolidada com os fundamentos de um projeto de inclusão escolar e social
e com a função social da escola ressignificada pelos eixos da democratização, autonomia e
participação.
E como Pacheco (2000b, p. 14) digo “que não basta decretar, é imprescindível a
alteração das práticas curriculares dos professores e a melhoria das estruturas de gestão do
currículo”. Portanto, os mesmos caminhos de (des) construção conflituosos das concepções e
práticas que nós professores vivenciamos hoje na escola, a Secretaria de Educação, enquanto
órgão legitimador das propostas advindas das escolas, precisará também trilhar. Logo,
reconheço a limitação das experiências inovadoras quando propostas verticalmente aos
professores. Concordo com Arroyo (1999, p. 152) que a inovação tem núcleo nas práticas
cotidianas da escola. O órgão central deve criar mecanismos de incentivos e de subsídios
estruturais a essas inovações vindas das Unidades Escolares.
Para Carbonell (2002, p. 30), a principal força impulsora da mudança são os
professores (as) que trabalham coletivamente nas escolas e se comprometem a fortalecer a
democracia escolar. “Nesse sentido, é importante que as administrações sejam mais sensíveis
ao reconhecimento e apoio das experiências de base e criem um clima mais favorável para a
liberdade de ação docente e a renovação pedagógica”.
Por conseqüência, o papel da administração central, para mim, será partilhado com
Paraskeva e Morgado (1998), quando argumentam que deve o:
[...] Estado limitar-se apenas a definir com clareza o que fazer
26
, ou seja, o
que pretende da educação em particular e da sociedade em geral e, por outro
lado, deve o local conseguir conquistar a confiança - através de predicados
meritocráticos – da sociedade por forma a chamar a si o como fazer,
27
isto é,
a práxis determinante e determinada pelo contexto geográfico, material e
humano (p. 121).
Com este pensar, a seguir, passo a caracterizar o locus da pesquisa e a escola
pesquisada, que faz parte da proposta da Escola Sarã: Cuiabá nos ciclos de formação.
1.2 A organização dos ciclos na escola objeto de estudo
A EMEB “Jesus Criança” está situada na Travessa J, s/nº., do bairro Parque Nova
Esperança em Cuiabá MT. O seu nome foi dado por pessoas de um grupo de oração que na
época catequizavam as crianças do bairro.
O início de funcionamento se deu em 28/3/87 nas dependências do salão onde se
realizavam as reuniões com os moradores, hoje Centro Comunitário. Criada como Escola
Emergencial, em 1987, pelo Decreto nº. 1713 de 25/8, a pedido dos moradores, por meio das
lideranças comunitárias, para atender às crianças em idade escolar da Pré-escola e 1ª. série.
O prédio foi construído no mesmo ano com quatro salas de aulas, uma cantina, uma
secretaria, uma sala de professores, uma sala da direção, uma de supervisão e banheiros
26
Grifo do autor.
27
Grifo do autor.
masculino e feminino para os alunos, um pátio coberto e um depósito para merenda.
Atualmente suas instalações foram ampliadas, com a construção de mais três salas para
atendimento dos alunos dos 1º. e 2º. ciclos e sala de recursos para portadores de necessidades
especiais.
Em 1999, a escola assumiu os ciclos de formação, fazendo, assim, parte do grupo das
42 unidades escolares pioneiras na adesão à proposta da Escola Sarã, funcionando desde seu
início com os dois ciclos. No recorte desta pesquisa, somente o 1º. ciclo de formação humana,
constituído por criança no período da infância, constitui-se no objeto pesquisado.
Para compreender como a escola em estudo implantou o ciclo de formação, busquei
com a coordenação pedagógica os elementos que esclarecessem esse processo. A
coordenadora preferiu escrever um texto contando o histórico de adesão à política educacional
expressa na proposta da “Escola Sarã” a gravar informações mediante entrevista, como foi
realizado com as professoras do 1º. ciclo. Para garantir fidelidade ao pensamento da
coordenadora, transcrevi na íntegra o referido texto, deixando apenas em anonimato o
Secretário de Educação citado no texto.
Em 1999, a escola foi convidada juntamente com mais 41 para mudar de
série para ciclo. E foi através de reuniões com diretores, coordenadores,
secretários de escolas e outros representantes de escola, no segmento
professor, ora com a Secretaria Municipal de Educação, ora com SINTEP.
(Sindicato dos Trabalhadores da Educação Subsede Cuiabá) ora às vezes
conjuntamente, para discussão sobre a implantação do ciclo. Foram
realizados estudos referentes às áreas do conhecimento, onde cada escola
teve a sua representação.
Na época houve muita preocupação quanto ao registro da avaliação que era
em relatório, a progressão automática dos alunos da 1ª. e 2ª. etapas de cada
ciclo. Mas a equipe responsável pela implantação do ciclo tinha como
suporte para esta progressão o atendimento na sala de apoio.
Além disso, foram realizados estudos sobre os ciclos de formação com a
comunidade interna e externa e inclusive votação para aprovação do projeto.
Mesmo porque na ocasião o secretário da época, a fim de garantir maior
adesão das escolas aos ciclos, dizia que as escolas cicladas teriam mais
atenção por parte da Secretaria Municipal de Educação, fazendo com que as
unidades escolares mesmo inseguras aderissem à implantação dos ciclos de
formação. E a Escola Jesus Criança foi uma delas
. (Texto escrito pela
coordenadora pedagógica da Escola em 7/12/2004).
A fala da coordenadora retratou o que foi anunciado quando se discutiu a proposta
de ciclo de Cuiabá. Pela discussão, a Escola Sarã se configura com um estilo de inovação
(ARROYO, 1999, p.134) que vem de fora das instituições escolares envolvidas por um
messiânico pensamento de que “a cada nova proposta vinda do alto a escola se renovará”, e,
para que a escola aderisse a esta, foi necessário demonstrar incentivos externos. Portanto, a
escola não fez uma opção pelos ciclos de formação, ela foi induzida
28
a pensar que naquele
momento quem não implantasse, seria renegado a segundo plano pela administração
municipal.
As práticas emersas na escola não foram levadas em consideração, pois nelas é que
está o núcleo inovador do ato educativo, onde “os sujeitos da ação pedagógica são os sujeitos
da inovação” (ARROYO, 1999, p.152). E é por isto que o nosso olhar de pesquisadora está
centralizado nesta prática.
Ao implantar os ciclos, a EMEB “Jesus Criançacontinuou o seu desenvolvimento
curricular dialético voltado para uma metodologia globalizada e interdisciplinar, cujo eixo
condutor foi o tema gerador, como faziam todas as escolas envoltas nesta proposta. Continuou
porque esta passou pelo processo de reorganização curricular desde 1994, quando se inicia o
trabalho com tema gerador, antecedendo ao ciclo de formação na Rede Municipal de Ensino
de Cuiabá.
Portanto, a escola em estudo teve um Projeto Político-Pedagógico que garantiu
metodologicamente uma prática curricular numa perspectiva integradora, mesmo sem ter um
documento escrito que sistematizasse esta concepção de pensar e construir o currículo. E
partindo desta orientação curricular, pressupôs um planejamento de ensino que teve como
ponto de partida a investigação do universo temático
29
e o plano de aula com tema gerador,
configurando-se pelo plano dialético de ensino que se compõe de três momentos: atividade da
prática (síncrese), atividade da teorização (análise) e atividade da prática (síntese).
Porém, a estrutura dos ciclos de formação da Escola Sarã estava associada a alguns
entraves na escola pesquisada, como o atendimento aos alunos que apresentavam dificuldades
de aprendizagem na construção do conhecimento realizado pela sala de apoio à aprendizagem.
A proposta da escola ciclada previa que o professor promovesse uma investigação criteriosa
sobre o processo de desenvolvimento da aprendizagem dos alunos atendidos na sala de apoio
e, por ser um atendimento específico, deve-se trabalhar “com grupos pequenos de alunos
(mais ou menos 10) ou mesmo individualmente conforme as dificuldades específicas de cada
educando” (CUIABÁ, 2000, p. 72).
28
Grifo desta pesquisadora.
29
Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido, 1987.
Este atendimento na EMEB “Jesus Criança” acontecia de forma precária, dificultando
o alcance da proposição inicial ressaltada na proposta da Escola Sarã, pois apenas um
professor
30
fazia este trabalho, e no horário normal de aula dos alunos (neste caso, no período
matutino), e ainda num espaço físico improvisado, pela não-existência de uma sala apropriada
para ele. No período vespertino não existia o atendimento.
A seguir, passarei a discorrer sistematizando os referenciais teóricos que fundamentam
as concepções e formas de organização curricular presentes na discussão do tema em estudo.
30
Dados de 2004. Conforme a normativa de atribuição de classes e/ou aulas, toda escola tem direito ao professor
de apoio, excetuado para as I etapas do 1º. ciclo, mas por contenção de despesas houve redução do quadro de
professores da Rede neste ano.
II CONCEPÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
Minha discussão inicial de marco teórico abrange as concepções e formas de
organização curricular, por entender que qualquer estudo faz parte de um campo teórico-
prático, neste caso, em especial, o campo do currículo.
Qualquer concepção de currículo que se adote tem seu valor maior na prática, ou seja,
um currículo em ação. Toda concepção se traduz em uma prática, como afirma Sacristán
(2000, p. 201):
O valor de qualquer currículo, de toda proposta de mudança para a prática
educativa, se comprova na realidade na qual se realiza, na forma como se
concretiza em situações reais. O currículo na ação é a última expressão de
seu valor, pois, enfim, é na prática que todo projeto, toda idéia, toda
intenção, se faz realidade de uma forma ou outra; manifesta-se, adquire
significações e valor, independentemente de declarações e propósitos de
partida.
Ao analisar o currículo em ação, como proponho neste estudo, entendo a prática
pedagógica dos professores sob múltiplas determinações; local em que se projetam todas as
decisões do sistema curricular, onde há também as manifestações dos processos de autonomia
dos professores e alunos. Estas múltiplas determinações da prática pedagógica são entendidas
pelas contribuições da teoria crítica de currículo. Assim, defini a opção dentro do campo
teórico-curricular.
Uma teoria que pensa o currículo (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 7-8) como artefato
social e cultural e não concebe a transmissão do conhecimento social de forma neutra e
desinteressada, pois nele estão implicadas as relações de poder, transmitindo visões sociais
particulares e interessadas. Portanto, tem uma história que está vinculada às formas e
contingentes de organização da sociedade e da educação.
Optar por uma visão crítica de currículo não significa deixar de mencionar a crise
desta teoria curricular, e em particular no Brasil. Moreira (2003, p. 13) constatam esta crise
em seus estudos de 1996, entrevistando especialistas em currículo.
Suas falas sugerem uma situação de crise. A opinião dominante é que os
avanços teóricos afetam pouco a prática docente; embora conferindo maior
prestígio ao campo no meio acadêmico, as discussões travadas dificilmente
chegam à escola, deixando de contribuir, como se desejaria, para sua maior
renovação.
A essência condutora que perpassa toda essa crise, traz em seu âmago a discussão
sobre a relação teoria/prática no processo educativo. Moreira e Macedo (2000, p. 102)
sugerem uma tensão: prestígio acadêmico X fins utilitários, que oscila entre a valorização de
uma produção de cunho mais acadêmico e a preocupação com a prática, com a escola.
uma vasta produção literária sobre a teoria curricular crítica no Brasil, desde a
década de 70, ano de sua propagação no âmbito educacional brasileiro, até a segunda metade
da década de 90. Mesmo assim (MOREIRA, 2003, p. 19), toda a sofisticação teórica não foi
suficientemente capaz de contribuir no processo de construção de uma escola de qualidade no
Brasil.
Mas, nos períodos de crise, subjaz uma fertilidade, argumenta Marcondes (2005,
p.31), que move a possibilidade de novos pensamentos. Essas possibilidades emergem da
prática e estudá-la significa defender a superação da crise pela sua centralidade. E para
Lather
31
, a prática é o motor da inovação, sem, contudo, desvalorizar a teoria.
Para Moreira (2003, p. 30-31), a superação da crise vem pelo desenvolvimento de
estudos da prática curricular com os que nela atuam, subsidiadores de políticas de currículo
que favorecem a renovação da prática e promovem o avanço da teoria. Estudar a prática
significa apreender as acepções da tarefa educacional. Tal tarefa educacional, segundo
Santomé (1998, p. 95), é realizada na escola por meio de uma seleção, organização dos
conhecimentos, crenças, destrezas e hábitos resultantes de desenvolvimento socioistórico,
portanto, aceitos como valiosos por uma determinada sociedade. Uma seleção que determina
diferentes formas de organizações do conhecimento escolar.
Para Lopes e Macedo (2002b, p. 73), os estudos em currículo que investigam a
organização do conhecimento escolar, demonstram que podem ser divididos entre os
pesquisadores que defendem ser a organização do conhecimento escolar uma seqüência de
conteúdos selecionados e divididos em campos do saber, onde a lógica da disciplina
prevalece, cabendo basicamente à escola simplificar o conhecimento para o ensino, e por
outros pesquisadores que defendem um processo mais amplo de construção dos saberes,
31
Lather (1991) é citado por Moreira, 2003, p. 30.
cabendo à escola a produção dos saberes escolares, onde, pela lógica da integração, teremos
subsídios teórico-práticos para a implementação de uma proposta curricular integradora.
Nas discussões que se seguem, essas gicas serão aprofundadas: a da
disciplinarização e da integração. Mas cabe dizer que fiz opção pelo marco teórico da
integração, por ser a que se alinha com minha concepção prática de relação com o
conhecimento, tendo em vista uma abordagem mais globalizante do conhecimento sobre a
realidade.
Porém, essas lógicas de organização curricular não são visões que se separam
rigidamente. Elas convivem nas práticas das escolas, mesmo quando há predomínio do
disciplinar. Tendo em vista isto, parece sensato flexibilizar os elementos caracterizadores
dessas gicas de organização curricular, chamando-os de tendências de uma ou outra forma
organizacional do currículo.
Faz-se necessário refletir sobre a minha opção em utilizar o termo “tendência”, ao
referir-me à organização curricular. Tendência para mim vai caracterizar os elementos de
propensão a uma determinada lógica de organização curricular, mas que obrigatoriamente não
a revela, pois ainda, muitas vezes, encontraremos ações docentes pautadas pela concepção de
currículo disciplinar, ações que agregam condicionamentos de uma outra base curricular mais
integrada ou vice-versa e, muitas vezes, há algumas experiências de currículo integrado
desenvolvido numa visão não-crítica. As duas formas coexistem nas práticas educativas em
nossas escolas. Então não podemos vê-las como formas distintas e dicotômicas. A separação
foi realizada com a finalidade de retratar algumas características que tendem mais ao
disciplinar e outras que tendem mais à integrada, numa perspectiva crítica. Por conseqüência,
na análise dos dados, estes por si demonstram essa oscilação entre uma e outra forma de
organização curricular.
Portanto, mesmo a organização disciplinar tendo assento predominante na história do
conhecimento escolar, não se caracteriza como impedimento à integração. Analisei, a seguir,
a organização curricular disciplinarizada e a integrado-crítica, destacando as concepções e
práticas de currículo, de planejamento curricular e de prática de ensino em sala de aula.
Convém dizer que, doravante, as características aqui apresentadas tendem a estas formas de
organização, mas obrigatoriamente não as revelam, tanto na organização curricular disciplinar
como na integrado-crítica.
2.1 A organização curricular disciplinarizada
A organização disciplinar é a forma mais clássica de organização do conhecimento
escolar, que ainda predomina nos dias atuais. Mesmo diante desta hegemonia, muitas críticas
ao currículo e ao ensino destinam-se ao currículo disciplinar implementado na maioria de
nossas escolas. Por isso se faz necessário refletir sobre esta forma de organização curricular.
Lembrando, uma vez mais, que o eixo de discussão deste estudo não é dicotomizar o
currículo integrado e o disciplinar, pois os professores trabalham conjuntamente com as duas
formas de organização, ora mais atentos a elementos de uma, ora mais atentos a elementos de
outra, ora ainda mesclando elementos das duas. Com esta proposição, discutirei, em seguida,
o currículo disciplinar, concepções de planejamento disciplinar e o currículo em ação no
contexto da sala de aula do ensino disciplinar, contemplando as características que tendem à
esta forma de organização curricular.
2.1.1 Currículo disciplinar
O currículo por disciplina ainda é uma forma mais usada de organização do
conhecimento escolar, uma forma que não existe de maneira pura e singular na prática.
Porém, em nossas escolas tende a ser implementado com algumas implicações na organização
do conhecimento, onde as disciplinas constituem o eixo balizador do currículo, representando
diferentes parcelas da experiência e do conhecimento humano que são passadas aos alunos,
utilizando-se de linguagem e métodos específicos que legitimam uma maneira própria de
explicar a realidade. Esta organização disciplinar tem sido hegemônica na história do
currículo. E, em muitas vezes,
Os resultados deste tipo de propostas curriculares são, entre outros, a
incompreensão daquilo que é estudado à força, por coerção mais ou menos
manifesta, pois tal fragmentação de conhecimento causa dificuldade para
compreender o que foi estudado-memorizado
(SANTOMÉ, 1998,
p. 104).
Neste caso, o conhecimento não é utilizado como instrumento para entender, analisar,
refletir e agir na realidade problemática em que os estudantes vivem, pois, segundo Sacristán
(2000, p. 40), o currículo se concretiza no “sylabus” ou lista de conteúdos. Não são
incentivadas as formas de compreensão de que o conhecimento (SANTOMÉ, 1998, p. 105) é
produzido em um contexto social, econômico e político específico que o mediatiza e o
condiciona.
A razão organizativa do currículo por disciplina agrega grande ênfase na estética da
apresentação, tanto quanto ao conteúdo trabalhado. A metodologia de trabalho em sala de aula
baseia-se principalmente na aula magistral. A transmissão ocupa o primeiro lugar, com o
aspecto estético da oratória. É importante ressaltar que esse aspecto também é incorporado na
perspectiva crítica de currículo integrado, em uma visão de negação da transferência do
conhecimento, pela preleção, mas em uma perspectiva de palestra libertadora (SCHOR;
FREIRE, 1986, p. 55); por isso eles, o disciplinar e o integrado, não se separam com tanto
rigor.
Ao organizar o conhecimento escolar por disciplinas, uma propensão de que estas
configurem-se enquanto disciplinas isoladas no contexto educacional, onde o conhecimento
aparece como um fim aistórico –, como algo dotado de autonomia e vida própria, à margem
das pessoas, fazendo com que os alunos não consigam perceber a necessidade de outras
disciplinas para um desvelamento crítico da realidade estudada.
Ao funcionar contemplando a fragmentação, a disciplina escolar (LOPES; MACEDO,
2002, p. 83) aproxima-se da disciplina científica, que favorece o controle das relações de
trabalho e dos processos de conhecimento e ainda fortalece a diferenciação das identidades
dos sujeitos sociais que vivenciam a escolarização, ou:
[...] para a maior parte dos jovens, incluindo aqueles que são privilegiados, a
abordagem por disciplinas oferece pouco mais que uma variedade incoerente
e não relacionada de factos e de competências. Não existe unidade, nenhum
sentido real em tudo isso. É como se na vida real, quando confrontados com
problemas ou situações intrigantes, passássemos a perguntar qual parte é
ciência, qual parte é matemática, qual parte é arte e assim sucessivamente
(BEANE, 1997, p. 51).
Assim, ao organizar-se mediante princípios de um currículo disciplinar que tende à
fragmentação, a escola está favorecendo a propagação de uma cultura da objetividade e da
neutralidade, mais com o risco de gerar um modelo de educação bancária, segundo Freire
(1999), do que com o propósito da negociação, diante das dimensões da contradição e do
conflito inerentes à realidade social e, portanto, ao ato educativo.
Esta cultura da objetividade e da neutralidade advém do modelo ou paradigma que
organiza o pensamento e a visão da ciência e da realidade: o positivismo. Neste referencial, há
uma apropriação do conhecimento disciplinar fragmentado, segundo Santomé (1998, p. 60), é
construído pela seleção de dados significativos e rejeição dos não pertinentes sob o controle
deste paradigma. Um conhecimento, sem uso cotidiano pelos sujeitos, servirá como
requisito para passar nos exames aos quais os alunos serão submetidos.
Esta visão contribuiu para ocultar várias dimensões da realidade e camuflar as
conseqüências negativas de sua própria aplicação científica e tecnológica. Desta forma,
Santomé (1998, p. 110-111) identifica 11 pontos de crítica ao currículo baseado em
disciplinas:
1. Presta insuficiente atenção aos interesses de alunos e alunas, quando
estes deveriam ser um dos principais pontos de um programa
educacional. Também não se trata de motivar esses interesses.
2. Não leva suficientemente em conta a experiência prévia de estudantes
concretos, seus níveis de compreensão, seus modos de percepção
individual e seus ritmos de aprendizagem, o que não contribuirá para a
estimulação dos necessários conflitos sociocognitivos, favorecendo
assim um trabalho intelectual quase exclusivamente memorístico.
3. A problemática específica de seu meio sociocognitivo e ambiental
costuma ser ignorada com muita freqüência, especialmente quando o
principal recurso educacional é o livro-texto [...].
4. O currículo quebra-cabeça obstaculiza ou não estimula, com grande
freqüência, as perguntas mais vitais, pois as mesmas não podem ser
confinadas dentro dos limites das áreas disciplinares.
5. Também ocorre uma inibição das relações pessoais entre alunos e
professores, devido ao desmembramento artificial da realidade em
disciplinas, auxiliada também pela tirania do livro-texto. Ao assumir a
“irrealidade” e, conseqüentemente, a dificuldade de muitos conteúdos
trabalhados, não é preciso pedir muito mais esclarecimentos.
6. Com enorme freqüência ocorrem dificuldades de aprendizagem
provenientes de uma constante mudança de atenção de uma matéria para
outra [...].
7. O currículo por disciplinas costuma causar uma incapacidade para
ajustar ao currículo problemas ou questões mais práticos, vitais e
interdisciplinares como a educação sexual, a educação para a saúde e
contra as drogas, a paz e o desarmamento, a greve, a poluição e, em
geral, quase todas as questões atuais.
8. Os alunos não captam as ligações que podem existir entre as diferentes
disciplinas, e tampouco são proporcionados suportes para poder fazer
isto.
9. O currículo centrado em disciplinas também causa inflexibilidade na
organização, tanto do tempo como do espaço e dos recursos humanos,
por esta razão atividades educacionais muito positivas como, por
exemplo, visitas, excursões, saídas fora da sala de aula, seminários de
maior duração temporal, experiências etc. não podem ser realizados ou
têm de superar grandes obstáculos.
10. Estrutura de disciplina desanima, não incentiva iniciativas dos estudantes
para o estudo nem a pesquisa autônoma. Não estimula a atividade crítica
nem a curiosidade intelectual.
11.
Por outro lado, na medida em que se limitam a acompanhar um livro-
texto, professores e professoras transformam-se em “organizadores e
organizados”, carentes de autonomia, sem poder de decisão e sem
controle. Figura totalmente oposta à tão defendida atualmente do “corpo
docente pesquisador”, capaz de diagnosticar o que sucede nas salas de
aula, de tomar as decisões necessárias, de oferecer uma ampla variedade
de recursos didáticos, de avaliar adequadamente tanto o projeto como o
desenvolvimento de qualquer currículo.
Partindo desses argumentos críticos, parece-me que Santomé (1998) reforça a divisão
do currículo disciplinar e do integrado-crítico. para o autor uma constatação de que o
currículo disciplinar limita a integração dos saberes, não amplia os conhecimentos em uma
visão de globalidade da realidade dos alunos e ainda não traz a prática social deste para a sala
de aula, fazendo com que se torne o processo de aprendizagem doloroso e difícil. A
organização curricular fragmentada centra-se no conteúdo científico, ignorando a
problematização e todo o conflito inerente a todo projeto curricular. Mantém uma estrutura
linearizada do conhecimento, em que primordial é a acumulação somatória deste
conhecimento.
Neste enfoque dado por Santomé (1998), os aspectos negativos da prática pedagógica
recorrem sob o currículo disciplinar e, conseqüentemente, os positivos estão sob a égide do
currículo integrado. Saliento que vou buscar uma compreensão socioistórica do currículo com
outros autores, para além das argumentações epistemológicas, psicológicas ressaltadas por
este autor, pois Lopes e Macedo (2002 a ou b) trabalham com concepções distintas às de
Santomé. A direção a ser seguida se coaduna com as discussões das duas pesquisadoras sobre
a da área do currículo no Brasil.
Então, encaminho meu posicionamento, buscando uma compreensão de não-dicotomia
entre as duas formas de organização curricular: disciplinar e integrado-crítica.
2.1.2 A concepção de planejamento curricular em uma abordagem disciplinar
Ao planejar o currículo, foram considerados aspectos de ordem técnica e pedagógica
primordiais, pelos quais ele adquire forma, preparando-o para a implantação na prática. De
acordo com Sacristán (2000, p. 281), o planejar tem a ver com a operação de dar forma à
prática do ensino, e ao dar essa forma há um acúmulo de decisões no currículo, caracterizando
a sua própria ação, sendo a ponte entre a intenção e a ação, entre a teoria e a prática. Portanto:
O planejamento do currículo relaciona-se com o momento de prever o
desenvolvimento ou a realização do ensino para que as finalidades do
primeiro sejam realizadas em coerência com certas teorias ou princípios
pedagógicos, organizando os conteúdos e as atividades em função de certas
teorias de aprendizagem humana, princípios metodológicos, previsão de
determinados meios, condições dos ambientes de aprendizagens etc.
(SACRISTÁN, 2000, p. 282).
Para isto, é preciso ter clareza da amplitude da prática, ou seja, dar uma previsibilidade
à prática do ensino, prever as próprias condições do ensino no contexto escolar e também fora
dele, para poder concretizar as condições de execução do currículo. O planejamento do
currículo seria então, conforme Beauchaup (apud SACRISTÁN, 2000, p. 282), a organização
das finalidades educativas e dos conteúdos culturais de tal forma que evidenciem a progressão
potencial pelos diferentes níveis de escolaridade.
Neste sentido, falar de planejamento curricular com abordagem disciplinar implica
reconhecer que este é mais preponderante nos pressupostos com relação ao currículo que está
marcado sob esta posição:
A que privilegia, de modo particular, a preocupação em transmitir o
conhecimento já produzido. Procurar as formas mais adequadas possíveis
para que os conhecimentos produzidos sejam da melhor qualidade, tanto
para as escolas mais centrais ou bem-organizadas, quanto para as escolas
mais distantes e periféricas da nossa rede de ensino. A preocupação frontal é
transmitir conhecimento produzido, seja ele de uma classe ou não, mas um
conhecimento já elaborado, tido como conhecimento universal, reconhecido
por todos como um fator necessário
(CHIZZOTTI, 1984, p. 63).
Porém, planejar um currículo por disciplina não significa negar a integração curricular
e nem somente trabalhar num processo educativo privilegiando a transmissão passiva dos
conhecimentos aos alunos, mas buscar novos referenciais conceptuais ao que hoje marcamos
fortemente como “disciplina-compartimento” de conteúdos.
Em uma abordagem disciplinarizada de planejamento curricular, este tende a
caracterizar muitos elementos de uma visão de planejamento instrumental, onde o controle é
essencial neste enfoque de planejamento curricular, trazendo no seu interior a lógica técnica e
racional do currículo que tem influências da teoria administrativa científica de Taylor (DOLL
JR., 1997, p. 57), introduzindo no meio educacional os princípios de eficiência, racionalidade,
divisão do trabalho, produtividade e outros que marcadamente exemplificam um modelo
burocrático assumido por uma concepção de currículo. Um currículo-produto que tem a
previsibilidade, predeterminação, planejamento a prióri, exatidão, objetividade,
mensurabilidade etc. como pressupostos garantidores da consecução dos objetivos previstos,
harmonizando os resultados. Os meios são separados dos fins, numa linearidade sem
perspectiva de processo. Lembro, porém, mais uma vez, que a visão de planejamento
instrumental não convive somente em uma concepção de planejamento curricular disciplinar,
pois o instrumental serve como uma tecnologia de controle do currículo, e o controle é
exercido tanto no currículo disciplinar como no integrado.
A lógica da necessidade e da eficiência perpassa o discurso político da
integração e do consenso, e as relações entre educação e sociedade são
consideradas neutras. As questões da ideologia, do conhecimento e do poder
são ignoradas, cedendo lugar ao metodológico e instrucional
(SILVA,
1990, p. 5).
Vejo que a administração do currículo assimila a gestão científica, e Sacristán (2000,
p. 45) argumenta que esta é para a burocracia o que o taylorismo foi para a produção
industrial em série, estabelece os princípios de eficácia, controle, previsão, racionalidade e
economia na adequação de meios e fins, como elementos essenciais à prática, fazendo surgir
uma tradição de pensar o currículo, cujos esquemas subjacentes se converteram em metáforas
que atuam como
metateorias do mesmo objeto que gestionam
.
Neste sentido, o currículo encaminha-se com propensão a caracterizar-se como um
instrumento de manutenção do status quo, pois o conhecimento é distribuído e selecionado de
forma a assegurar a reprodução social. Um currículo hegemônico que padroniza os
comportamentos dos indivíduos. O poderio estatal é reforçado com o grupo que está no poder,
a educação assegura a manutenção da segregação aos trabalhadores que não detêm o poder
cultural, econômico, político e educacional.
A tecnocracia na educação e no currículo é reificadora do homem e traz
como característica a absolutização dos meios, a sonegação dos fins e a
negação da dimensão política. O processo decisório, submetido aos critérios
da racionalidade técnica, produz o fortalecimento do poder dos cnicos e
conseqüentemente o enfraquecimento do poder decisório do professor em
sala de aula para orientar os rumos da ação educativa
(SACRISTÁN,
2000, p. 9).
Configurando-se em um currículo prescritivo que antecipa resultados do ensino,
preestabelece o que deve ser ensinado, e o trabalho docente se restringe ao mero cumprimento
de instruções de outros que estudam, pensam e prescrevem o currículo fora do contexto da
escola. Para Sacristán (2000, p. 45), o conhecimento sobre a realidade se separa da habilidade
para obtê-la ou executá-la. É um modelo em que o produto está fora das possibilidades do
fazedor deste. “O gestor pensa, planeja e decide; o operário executa a competência puramente
técnica que lhe é atribuída, de acordo com os moldes de qualidade também estabelecidos
externamente ao processo e forma prévia a essa operação”.
A dimensão de globalidade é perdida, pois a dimensão histórica, social e cultural do
currículo é ocultada para que se possa governar, controlar e gestar todas as ações educativas,
numa perspectiva acrítica de teorizar o currículo e, conseqüentemente, a educação.
Nesta perspectiva, o planejamento do currículo tem a técnica como controle e
fundamentalmente exerce seu papel numa proposição de definição clara daquilo que deve
chegar à escola, enquanto proposta de plano para ser experimentado, concretizado e adaptado,
ou seja, repartindo a competência de controle sobre a própria prática.
Um planejamento curricular que exerce uma função de controle, implica que o
professor atue de forma dependente, renunciando à sua capacidade de decisão, torna-se
dependente de materiais e livros didáticos. O professor tem um guia seguro que ordena seus
passos na ação docente, mas isso é possível a partir da simplificação da realidade.
Sacristán e Gómez (1998, p. 204) afirmam que para simplificar a realidade haveria de reduzir
os elementos de considerações desta mesma realidade. Portanto,
[...] o esquema de como planejar foi pensado como uma pauta oferecida
desde fora; se partisse das situações reais que os professores/as e
planejadores do currículo em geral devem enfrentar, se comprovaria que não
há esquema simples válido para enfrentar a realidade. Planejar qualquer
prática educativa é uma operação complexa e querer reduzi-la à rotina e
esquematismos não anula essa condição, apenas a desconsidera
.
Este esquema de planejamento da educação se consagrou na década de 60 nos meios
governamentais e acadêmicos brasileiros, a partir de modelos economicistas e empresariais,
sem maiores adaptações no sistema educacional.
Paralelamente institui-se a figura do supervisor escolar que passou a ter,
entre suas tarefas, a de exigir a elaboração de planos por parte dos
professores. (É claro, diga-se de passagem, que a própria instituição da
figura do supervisor deveu-se a aproximações entre o que se fazia para a
produção de parafusos na indústria e o que se passava a pensar sobre a
eficiência da escola)
(GANDIN; CRUZ, 1995, p.13).
Na concepção de planejamento curricular, enquanto produto, o professor atua numa
instituição homogênea e rotineira, submetida ao controle e à regulação curricular, dependente
de livros-texto, sujeito à supervisão, que não permite que este opte por alternativas que
mudem, transgridam esse marco que é predefinido por outros fora do contexto escolar.
O planejamento é uma adaptação e tradução de outros olhares estranhos à sua sala de
aula, de especialistas que planejam previamente a ação docente, regulando o currículo. Nesta
regulação, busca-se uma ordenação e hierarquização irreal, pois os agentes intervêm nos
contextos de forma própria e singular. A estrutura interna do conhecimento é seguida
linearmente, pois certos conteúdos dependem do domínio de outros prévios. A ordem é
indispensável no modelo da racionalidade positivista, sem levar em consideração a forma de
apresentação desses conteúdos e ainda os determinantes existentes nos contextos em que se
ensina e aprende.
O professor é um tradutor de outras práticas, pois:
A dotação de espaços para desenvolver repertório reduzido de atividade, a
regulação do tempo, a disponibilidade de recursos possíveis, a oportunidade
de aproveitar os estímulos culturais externos, o conteúdo geral do currículo,
a distribuição do conhecimento em parcelas, a obrigatoriedade de realizar
controles sobre os/as alunos/as, as relações entre os docentes, são decisões
que vêm determinadas para o professor/a
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998,
p. 206).
Nessa ótica, cabe a ele apenas uma preocupação fundamental com a transmissão
linearizada do conteúdo, enfatizando uma educação que reflete a opressão social, reforça a
cultura do silêncio e a conseqüente naturalização da relação opressor-oprimido. Para Freire
(1987, p. 59), inaugura-se uma educação bancária, onde:
O educador é o que educa; os educando, os que são educados.
O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem.
O educador é o que pensa; os educandos, os pensados.
O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam
docilmente.
O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados.
O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que
seguem a prescrição.
O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que
atuam, na atuação do educador.
O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais são
ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele.
O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que se opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes
devem adaptar-se às determinações daquele.
O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objetos.
Portanto, a função que os professores têm no planejamento do currículo são de
reprodutores ativos do sistema, a partir de alguns materiais que são organizados para esses
fins. “Não é infreqüente que os professores, socializados na dependência, renunciem à sua
capacidade de decisão neste aspecto, dependendo do planejamento da prática que, de fato, os
materiais didáticos ou os livros-texto que eles seguem, realizam” (SACRISTÁN, 2000, p.
296).
Como esta concepção de planejamento curricular advém do modelo de planejamento
empresarial, este é traduzido em sala de aula por um quadrinho, que todo professor conhece
muito bem, conforme Gandin e Cruz (1995, p. 14), o qual se apresenta da seguinte forma:
Conteúdos Objetivos Estratégias Recursos Avaliação Observação
Fonte: Gandin e Cruz: 1995, p.14.
Nos princípios lógicos de Tyler (DOLL, JR., 1997, p. 68), isto é a demonstração de
onde vem a estrutura linear, de causa-efeito desse planejamento, a partir de algumas
perguntas:
1. Que propósitos educacionais as escolas devem tentar atingir?
2. Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para tornar
mais provável que esses propósitos sejam atingidos?
3. Como essas experiências educacionais podem ser efetivamente
organizadas?
4. Como podemos determinar se esses propósitos estão sendo atingidos?
Essas perguntas nos levam conseqüentemente aos aspectos contemplados no modelo
de planejamento do quadro anterior, onde tais aspectos determinam os fins da educação antes
de qualquer experiência, controlando o ensino pela seleção de conteúdo, metodologia de
ensino e pela avaliação. Doll JR (1997, p. 70), afirma que:
Os princípios lógicos de Tyler encontraram nos currículos escolares através
do movimento pela educação baseada na competência da década de 1970 e
do modelo de Hunter da década de 1980. Em todos eles o padrão é o mesmo:
objetivos preestabelecidos, seleção e direcionamento de experiências,
avaliação. Juntamente com o ordenamento linear desta seqüência e sua
separação dicotômica dos fins e dos meios, existe uma visão instrumentalista
ou funcionalista da natureza da educação.
E como este não se caracteriza como planejamento da ação educativa, logo foi
perdendo credibilidade, mesmo assim é encontrado em muitas de nossas escolas. Para Gandin
e Cruz (1995), alguns aspectos que revelam a presença deste modelo de planejamento
curricular nas escolas, como: os conteúdos que são preestabelecidos pela cultura escolar são
repetidos ano a ano sem questionamentos, o planejamento passou a ser uma lista de
possibilidades o que deveria ser feito e não o que de fato se iria fazer, e ainda como
resistência e como desculpa por parte dos professores, de quem se exigia tal lista de intenções,
marcou-se a idéia de planejamento flexível, que na verdade equivale dizer que não precisa ser
seguido.
O planejamento em sala de aula fica sem sustentação teórico-prática, atendendo
apenas à burocracia, pois se a função do educador é trabalhar com conteúdos
preestabelecidos, não necessidade de planejamento, basta pensar um “pouquinho” antes da
aula e formular alguns encaminhamentos do como fazer, ou seja, de como vai conduzir sua
aula. As ações docentes são direcionadas por fatores externos à sala de aula, o livro-didático
torna-se o eixo principal do planejamento, mesmo que este não seja de uso diário dos alunos.
O mais importante é o conteúdo a ser transmitido e não a prática social dos sujeitos
participantes do ato educativo.
Quando a disciplinarização do currículo configura-se como um produto que tende a
reforçar a fragmentação do conhecimento, o planejamento adquire o caráter de um
planejamento instrucional. Segundo Sacristán (2000, p. 283), uma lógica determinada quanto
à seqüência e componentes de conteúdos a aprender, demonstrando um esquema simples, a
prática, mas esta deve incorporar outros critérios além desta seqüência.
Ao incorporar referenciais para além da seqüência dos conteúdos, encaminhamo-nos
para uma lógica de planejamento curricular, mesmo em um currículo por disciplina. Portanto,
um planejamento em uma visão mais totalizante do conhecimento pode ser implementado
também em um currículo disciplinar.
2.1.3 O currículo em ação: o contexto de sala de aula
A forma de organização do conhecimento escolar mostra determinadas ressonâncias
na prática de ensino. Portanto qualquer concepção que se adote terá sua expressão na ação
pedagógica dos professores. É um currículo que organiza o conhecimento escolar por
disciplina, propenso a estratificar e compartimentalizar o conhecimento, apresenta algumas
implicações na prática de ensino, e, com base nelas, busquei categorizar essa prática, sem
perder de vista que a disciplinarização não é impedimento à integração, como será mostrado
mais adiante.
Porém, ao fragmentar-se o conhecimento escolar em disciplinas, com referência na
disciplina científica, pode ocorrer um privilegiamento de algumas disciplinas sobre outras. As
que já se estabeleceram no status das disciplinas como mais importantes possuem mais tempo
na carga horária escolar, sobrepondo-se às consideradas como apêndice do currículo
disciplinar. A inter-relação entre as disciplinas é dificultada nesta organização curricular.
A matemática é importante, especialmente algumas nuanças da mesma,
embora não compreendam bem para que serve nem qual é a sua utilização na
vida cotidiana, porque simplesmente não são problemas básicos. Também
pensam que a matemática é mais valiosa e substancial que as ciências sociais
e as artes; que é mais decisivo saber gramática que saber expressar-se
corretamente ou que certos vocábulos ou línguas são mais importantes do
que outros etc. Em suma, na maioria das ocasiões, o resultado é uma espécie
de sacralização ou idolatria do saber, porque ele não é compreendido e sua
utilidade e funcionalidades não são captadas
(SACRISTÁN, 2000, p.
107).
Uma organização curricular que reforça a fragmentação do conhecimento tende a uma
garantia da inoperabilidade social do conhecimento escolar. Este é ministrado aos alunos de
forma paralela (que nunca se encontra) aos conhecimentos sociais,
o qual não será utilizado
para resolver problemas vividos nas situações cotidianas. Esta forma é exeqüível em sala de
aula pelo recurso de aula ministral, como afirma Santomé (1998, p. 105), onde os professores
demonstram seu poder e autoridade, legitimando em dogma os conhecimentos que
transmitem. Assim sendo, os (as) professores (as) dirigem e controlam em todos os momentos
as interações possíveis no ato educativo. A transmissão ocupa o primeiro lugar, enfatizando-
se aspectos como domínio verbal e relegando outros, como a pesquisa, discussão e reflexão.
Estes controles, em sala de aula, são exercidos pelas padronizações das ações, que
podem ser explicitadas nas duas formas de organização curricular: disciplinar e a integrado-
crítica, pois a homogeneização que a vida escolar e a rotina impõem em nossos hábitos,
enquanto professores, reflete-se no trabalho metodológico, em um grau de variações muito
baixo nas atividades e não permite (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p.194) a expressão de
distintos estilos de aprender, condições e capacidades pessoais, com um escasso número de
tarefas acadêmicas representando uma grande porcentagem de tempo escolar utilizado no
desenvolvimento dessas tarefas.
Os ritmos de trabalho, os estilos pessoais, a expressão individual não
importam; ficam, na melhor das hipóteses, para a ampliação ou arremate do
trabalho escolar em casa. Os mais lentos farão as atividades sozinhas, fora
do tempo de aula. O professor/a se socializou numa forma de trabalhar que
tolera mal a simultaneidade de atividades e ritmos distintos na aula, onde
alguns trabalham mais independentemente e outros com mais assistência. É
inclusive, muito freqüente que o trabalho dos alunos/as comece com o
professor/a, e estes, por sua conta, realizem o verdadeiro processo de
aprendizagem que mais tarde será corrigido e avaliado
(SACRISTÁN;
GÓMEZ, 1998).
Para Gómez (apud SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998), é o momento em que a prática
escolar assume a dimensão técnica. O objetivo fundamental é atingir a eficácia na atuação do
professor, regulando a prática docente como um modelo de intervenção tecnológica que se
apóia nas atividades do conhecimento científico. Então, a intervenção pedagógica reduz-se à
escolha e ativação dos meios necessários para que se alcancem os objetivos preestabelecidos
externamente.
A eficácia requer o respeito ao conhecimento científico e suas derivações
tecnológicas. Assim sendo, quanto maior for a parcela de intervenção que se
possa regular e determinar de antemão, por especialistas externos, mais
garantias existem de evitar a subjetividade na atuação docente, ou de outros
agentes que distorcem e perturbam a intervenção científica eficaz
(p. 83).
A tarefa do docente fica reduzida à simples escolha de procedimentos e à aplicação
deles com competência, como garantia de aprendizagem. A complexidade da vida da aula é
camuflada, pois se quer que o ensino atinja o status e o rigor de uma ciência aplicada. Mas os
problemas da vivência na aula são ambíguos e conflituosos, e o professor precisa ter
conhecimentos e capacidades para diagnosticar as situações e propor fórmulas de
experimentação curricular.
Por que a aprendizagem escolar se realiza em grupo, sem que isto signifique
que se estimule necessariamente a uniformidade. A intervenção técnica se
apoiou seguidamente na agrupação homogênea dos indivíduos por
capacidades, na consideração de um currículo comum e um ritmo de
aprendizagem também idêntico para todos os alunos/as de um grupo[...] A
perspectiva técnica desenvolve a idéia de que a aprendizagem, de qualquer
maneira, é uma experiência individual, impondo-se na escola como na
sociedade a ideologia do individualismo, da ênfase na competição e da
importância das aquisições individuais como único valor na vida da aula
(GÓMEZ, 1998, p. 83- 84).
Quando a prática escolar assume esta dimensão técnica, pode ocorrer que o professor
trabalhe eminentemente com atividades memorísticas, a repetição é usada como mecanismo
de reforço e, conseqüentemente, traduz uma concepção de aprendizagem pela reprodução e
imitação mecanizada das atividades propostas com base em conteúdos escolares
predeterminados externamente.
Porém, a prática de ensino disciplinar tem propensão a traduzir uma dimensão mais
técnica na prática escolar de sala de aula, que restringe o espaço da complexidade,
indeterminação e de criatividade da prática educativa mencionada ao abordar nossa concepção
de prática pedagógica. Isto não quer dizer que foi desprezado o caráter técnico em qualquer
situação da prática educacional, mas os argumentos apresentados até aqui negam a
possibilidade de considerar a intervenção na aula como uma atividade exclusiva e
prioritariamente técnica, porque, conforme mez (1998, p. 88), o que se busca nessa
concepção é uma qualidade de ensino com enfoque instrumental que ressalta a qualidade dos
produtos.
No enfoque instrumental a qualidade de qualquer empreendimento ou
atividade relaciona-se fundamentalmente com a eficácia. O valor da prática,
portanto, aparece vinculado com clareza à realização dos objetivos
preestabelecidos. Os meios, os métodos e os processos não têm mais
significação em si do que a função instrumental que cumprem para conseguir
os objetivos apresentados, são, portanto, independentes dos fins e se
justificam pela eficácia que conseguem. O fim justifica os meios, e estes são
em si mesmos eticamente diferentes
.
Contudo, ao afirmar que as formas de organização curricular não existem
separadamente, implica dizer que a dimensão técnica da prática também coexiste na ação
docente, com uma outra dimensão. Nesta ação, os mecanismos que caracterizam, convivem
conjuntamente com os de uma dimensão de uma prática heurística.
Compreendo que alguns aspectos ora apresentados têm propensão a caracterizar a
prática de aula em uma abordagem disciplinar, mas que, necessariamente, não a marca
nitidamente, pois tais aspectos podem conviver menos ou mais intensamente em nossas
práticas de ensino e até mesmo em uma mais integrada.
Para o entendimento desta prática mais integrada, tomei como referência uma visão
mais ampliada do ato educativo, que parte da organização curricular integrada numa
perspectiva crítica, passando pelo veio do currículo integrado, concepção de planejamento
curricular integrado, até chegar ao currículo em ação no contexto da sala de aula.
A seguir, farei uma abordagem a respeito dessa perspectiva de integração curricular,
assumindo, assim, a integrado-crítica.
2.2 Perspectiva de integração curricular
Ao falar sobre a organização curricular integrada, necessidade de discutir os
diferentes mecanismos de integração, denominados perspectiva de integração curricular. Para
abordar o mecanismo de integração na organização do conhecimento escolar, utilizarei a
seguinte premissa: a disciplina e a globalização não são formas distintas ou dicotômicas de
organização do conhecimento na escola. A disciplinarização (PACHECO, 2000b, p. 27) do
conhecimento escolar permite certa globalização, quer no âmbito das variantes
pluridisciplinares e interdisciplinares, quer nos programas em unidades didáticas. Partindo
dessas idéias, discorro sobre as diversas formas de integração, passando inicialmente pela
integração vertical ao nível de ensino, pelo plano da organização curricular horizontal e
também dentro do aspecto mais generalizado da integração.
Na integração vertical, entre diferentes anos e/ou ciclos de um nível de ensino, depara-
se com as seguintes abordagens:
a) A interdependência e conexão entre temas e tópicos dentro de uma
matéria no decurso de períodos limitados ou em ciclos prolongados de
tempo;
b) A gradualidade na profundidade com que são tratadas as mesmas
temáticas, seguindo-se a seqüência em espiral;
c) A continuidade quanto à valorização de determinadas qualidades do
conhecimento outorgadas nas diferentes disciplinas (por exemplo, em
Matemática, considerar mais correto o raciocínio da operação do que o
resultado dela obtido, ou, em Português, valorizar mais a correção
ortográfica do que a capacidade de expressão);
d)
A continuidade que é dada num período longo de tempo a determinados
objectivos gerais do ensino que dizem respeito a valores, a habilidades
do aluno enquanto cidadão
(SACRISTÁN apud PACHECO, 2000b,
p. 27-28).
Na organização curricular horizontal, as disciplinas e seus conteúdos estão
globalizados dentro de um determinado tempo de escolarização. E uma integração, de uma
forma mais geral, pode ser realizada de diversas maneiras
32
, que são:
a) Organização pluridisciplinar: correlação entre duas ou mais disciplinas,
embora estas mantenham a sua identidade, sendo os conteúdos estudados
no mesmo horizonte temporal; correlação entre duas ou mais disciplinas
(curriculum fusion) em que se fundem os conteúdos de tal modo que dão
origem a um novo saber;
b) Integração de destrezas interdisciplinares que podem ser reforçadas por
todos os docentes (por exemplo, a ortografia);
c) Integração de idéias, temas, através da construção de unidades de
aprendizagem globalizante, numa síntese que deriva de vários campos
disciplinares e que corresponde ao currículo laminado (curriculum
lamination);
d) Integração de questões do contexto local e que são decididas pelos
alunos;
e)
Integração focalizada nos projectos de trabalho: questões práticas que
constituem situações problemáticas para os alunos e que requerem
múltiplas fontes de informações
(PACHECO, 2000b, p. 28-29).
Independentemente da configuração escolhida, necessidade de reconhecer que o
discurso sobre integração curricular e sobre interdisciplinaridade na história do currículo vem
sendo construído sob diferentes princípios integradores e que, muitas vezes, estes não se
coadunam com uma discussão mais crítica em currículo (LOPES, 2002, p. 147). Em vista
32
Segundo Glatthorn 1997; Ribeiro, 1990; D’Hainaut, 1980; Tanner e Tanner, 1987; Gimeno, 1992; Torres,
1994, citados por Pacheco (2000b, p. 28).
disso, a isso, pode ocorrer integração em uma perspectiva curricular crítica e não-crítica.
Mesmo assim, as construções teóricas realizadas neste processo histórico do currículo
integrado não foram em sentido contrário à organização das disciplinas na escola.
Ao longo da história da escolarização, as disciplinas escolares convivem
com diferentes mecanismos de integração, podendo um currículo disciplinar
organizar processos de integração em níveis diversos ou mesmo as próprias
disciplinas escolares se constituírem de forma integrada
(LOPES, 2002, p.
148).
Segundo Pinar (apud LOPES, 2002, p. 149), o pensamento curricular pode se situar
sobre a organização do conhecimento em três grandes pensamentos: o currículo por
competência, o currículo centrado nas disciplinas científicas e o currículo centrado nas
disciplinas escolares.
O currículo por competências é organizado por módulos, onde a organização
curricular não tem como centro o conhecimento escolar e nem as disciplinas escolares,
organizando-se por módulos que transcendem as disciplinas, com um conjunto de saberes
próprios. Neste sentido, as “competências por si constituem-se como princípios de
integração do conhecimento: necessidade de articular saberes diversos para o
desenvolvimento de um conjunto de habilidades e comportamentos e para aquisição de
determinadas tecnologias”. (LOPES, 2002, p. 150). Mesmo assumindo um potencial
integrador, o currículo por competência não possui caráter crítico, visando apenas ao processo
de inserção social descompromissado com a discussão de mudança do modelo social vigente.
Nesta concepção de currículo centrado nas disciplinas de referências, as disciplinas de
referências e o conhecimento especializado são os fundamentos do currículo no processo de
escolarização, um pensamento disciplinar com princípios integradores. Estes princípios
caracterizam-se pela integração de conceitos, estruturas, formas de domínio do conhecimento
de referência, e é neste conhecimento que ela se ancora. Nesta concepção, a
interdisciplinaridade, como uma forma de inter-relacionar problemas e temas comuns,
valoriza as disciplinas e suas inter-relações.
Nesse sentido, constitui-se uma submissão ao campo científico
especializado, o que, por sua vez, o contribui significativamente para uma
perspectiva crítica da educação. Especialmente porque o conhecimento desse
campo não é questionado, nem problematizado à luz de suas finalidades
educacionais
(LOPES, 2002, p. 153).
E ainda, o currículo centrado nas disciplinas ou matérias escolares tem suas funções
definidas em prol das finalidades sociais que não são do mundo produtivo, com interesses
associados aos da criança e da sociedade democrática. Este estudo encaminha-se,
posicionando-se em favor e com a perspectiva de pensamento curricular integrado.
A partir dessas três matrizes de pensamento sobre organização curricular, é que se
pode compreender que a defesa do currículo integrado se relaciona com as diferentes formas
de entendimento das disciplinas escolares numa visão clássica de currículo, sendo alvo de
crítica pelos pensadores da concepção crítica de currículo, onde a fragmentação disciplinar é o
chamariz da crítica.
Por estas, vemos que alguns teóricos
33
de currículo, partindo de argumentos diferentes,
defendiam algum nível de integração no currículo. Tanto em uma visão tradicional como
em uma perspectiva crítica, há esta comunhão em defesa da integração (LOPES, 2002, p.
146), mas que conjugam preocupações com a integração curricular, sob princípios distintos.
Ao defender a integração curricular, reporto-me ao alerta de Lopes (2002, p. 172) de
que a integração é complexa e matizada por vários aspectos e que, para compreendê-la,
devemos ter clareza de quais princípios norteiam esta integração, a que finalidades
educacionais a integração curricular está sendo submetida e, ainda mais que defender um
currículo integrado não é chamariz ao inovador ou a uma educação emancipatória.
A integração curricular em uma perspectiva potencializadora da educação crítica é a
direção seguida.
2.2.1 A organização curricular integrado-crítica
Nesta parte do estudo, para o qual estou construindo o seu corpo teórico, trabalharei a
integração curricular em uma perspectiva crítica, pois podemos tê-la num currículo não
crítico.
A integração curricular é uma concepção curricular (BEANE, 1997, p. 30) que está
preocupada em aumentar as possibilidades para a integração pessoal e social através da
33
Como Kilpatrick, 1918; Dewey, 1952; Bernstein, 1981; Santomé, 1998, citados por Lopes, 2002.
organização do currículo em torno de problemas e de questões significantes, identificadas em
conjunto por educadores e jovens, sem considerar as fronteiras das disciplinas.
Numa perspectiva crítica de currículo, a organização curricular tem relação com a
condição de classe social do sujeito e com as relações de poder e controle que se estabelecem.
Portanto, não é apenas uma defesa ao integrado, mas pensar na relação entre organização
curricular e estratificação social.
Os estudos mais atuais
34
sobre currículo integrado com raízes no pensamento de
Dewey apontam como princípio integrador a valorização das experiências e das vivências dos
alunos, trazendo um potencial crítico e afastando-se do pensamento cientificista de Dewey,
que traz uma concepção liberal de democracia e redimensiona os saberes dos alunos como
saberes de classe, segundo Lopes (2002, p. 156). Este está sendo o princípio norteador da
maioria dos discursos progressistas sobre integração curricular. Ao tomá-lo, como
exclusividade, a autora chama atenção sobre esta apropriação com caráter de universalidade e
aponta-nos para um discurso sobre integração que vai além da simples unificação de
fragmentos do currículo, mas capaz de relacionar conteúdos e suas interconexões, como
apresentado nos estudos de Apple e Beane (apud LOPES, 2002, p. 155), que para nós seria
uma educação com um currículo de cultura integradora, situando-se, portanto,
[...] numa perspectiva de resistência e de busca de uma alternativa frente a
uma prática dominante na cultura e sociedade modernas. Esta pretensão não
é fácil, pois a integração do saber não dispõe dos espaços, nem dos meios,
nem das pessoas, nem do apoio dos interesses que mantêm a especialização
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 184).
Contudo, uma especialização não significa abdicar da disciplinarização e do
aprofundamento do conhecimento das disciplinas, mas o combate para nós está na
fragmentação do conhecimento.
Nesse sentido, considero que, no atual desenvolvimento da ciência, a
especialização redimensiona, mas não exclui a disciplinarização. Ou melhor,
exclui a noção de disciplina como controle do conhecimento, limites rígidos
e atemporais, e passa a estruturar a noção de disciplina como campos de
saberes, áreas de estudos e conjuntos de problemas a serem investigados, que
inter-relacionam aspectos das disciplinas tradicionais e outros sequer
pensados tradicionalmente
(LOPES, 1999, p.196).
34
Como os de Hernández (1998); Hernández e Ventura (1998); Santomé (1998); e Beane (1995; 1996; 2000).
Assim, ao ir além da concepção de integração curricular como simplesmente uma
questão de reorganização dos planos e lições (BEANE, 1997, p. 15-20), ao buscar integração,
sobrepor áreas de estudos, onde as bases de compreensão estão nos conhecimentos, que são
mais importantes que o tema integrador e problematizador para desvelar a realidade estudada,
parti de quatro dimensões defendidas pelo autor quando argumenta sobre integração
curricular: integração das experiências, integração social, integração do conhecimento e
integração como concepção curricular.
Na integração das experiências, a escola deve se organizar pedagogicamente de forma
a propiciar que os alunos tenham subsídios necessários para fazer a integração dos
conhecimentos estudados com seus esquemas de significados, que os façam passar de um
estágio para outro, mais avançado cognitivamente falando. Aqui a concepção de
conhecimento é baseada na futuridade, há necessidade de acumulá-lo agora para usá-lo
quando surgir no futuro.
A integração social propõe um currículo organizado com base em questões sociais e
pessoais de forma colaborativa e implementada por aluno e professor que optaram por uma
integração do conhecimento na busca de um modo de vida democrático, onde usarão
democraticamente o conhecimento para resolução de problemas.
Com vista à integração do conhecimento, Beane (1997, p. 18) argumenta que quando
usamos a integração com relação ao currículo, estamos fazendo referência a uma teoria de
organização e uso do conhecimento. Historicamente, na escolarização, convivemos com o
isolamento e a fragmentação do conhecimento, mas na integração o uso do conhecimento
depende da situação ou problema a ser discutido/resolvido, pois, na tentativa de alternativas
viáveis de resoluções, buscamos diversos conhecimentos independentemente de uma área
específica.
Conceber a integração do conhecimento como instrumento para resolver problemas
concretos vividos pela comunidade escolar traz-nos um aprofundamento no significado de
uma vivência democrática nas escolas, onde os problemas serão enfrentados individual e
coletivamente, enquanto tomada de decisão participativa.
E, a última dimensão, Beane (1997, p. 20) vai chamá-la de integração como concepção
curricular e afirmar que possui várias características: o currículo é organizado à volta de
problemas e de questões que são de significado pessoal e social no mundo real, as
experiências de aprendizagem em relação ao centro de organização são planificadas de modo
a integrar o conhecimento pertinente no contexto dos centros de organização, e o
conhecimento é desenvolvido e usado para responder ao centro de organização normalmente
em estudo, em vez de preparar para qualquer teste posterior e subida de nível. A ênfase é
colocada em projetos e/ou outras atividades que envolvem a aplicação real do conhecimento,
aumentando assim a possibilidade de os jovens integrarem as experiências curriculares nos
seus esquemas de significação e de experimentarem o processo democrático de resolução de
problemas.
Diante dessas dimensões apresentadas por Beane (1997) retomo mais uma vez a minha
premissa inicial: a integração curricular não pressupõe a inexistência da organização
curricular por disciplinas, mas preserva a construção do campo de conhecimento que é
resultante da confluência de diferentes conhecimentos disciplinares, como afirma Pacheco
(2000 b), sem fragmentá-los.
Ao tomar como referenciais os argumentos da integração de Beane e Lopes, a
pretensão é esclarecer que divergências significativas no pensamento dos dois autores.
Beane (apud LOPES, 2002, p. 149) afirma haver diferença entre disciplinas científicas e
disciplinas escolares, mas defende ser o currículo integrado compatível com as disciplinas
científicas e “inimigo” das disciplinas escolares. E, para Lopes (2002, p. 149), a defesa do
currículo integrado ao longo da história do pensamento curricular não se desenvolveu em
sentido contrário à organização das disciplinas na escola. O foco de confronto dos defensores
do currículo integrado é com a reprodução das especializações da ciência no contexto escolar,
derivada das disciplinas científicas.
Nesta perspectiva, também não é negar as disciplinas, mas buscar uma posição
diferente de seu papel que secularmente foi apropriado, sem, contudo, esquecer que, ao
procurar trabalhar numa dimensão do currículo integrado, estamos expressando nossa vontade
político-educacional por uma educação que se configura em uma prática que não pode ser
decretada como uma moda pedagógica de inovação curricular, segundo Pacheco (2000b, p.
32). Mas uma forma de perseguir não a melhoria da aprendizagem dos alunos, como
também consolidar a função social da escola marcando nosso posicionamento, enquanto uma
perspectiva curricular crítica em que apostamos. A seguir, enfoco o currículo integrado numa
visão de crítica. E, doravante, as concepções e práticas de currículo, planejamento curricular e
prática de ensino vão refletir os referenciais da integração curricular numa educação crítica,
contemplando características que tendem a esta concepção e prática de organização curricular.
2.2.2 Currículo integrado
Hoje vivemos num mundo cada vez mais interligado e globalizado, e o ensino, numa
perspectiva de integração, está em destaque, mais uma vez, nos recentes debates educacionais
que orientam a construção de propostas curriculares, como neste estudo, no contexto da
Escola Sarã em Cuiabá Mato Grosso. Assim, inicio pela construção de uma visão histórica,
contextualizando tanto os aspectos histórico-sociais como também os educacionais para ter
uma compreensão ampliada do significado atribuído ao tão discutido currículo integrado.
Faço esse percurso histórico, retomando-o a partir do século XX.
Neste século acontece a revolução no funcionamento do sistema de produção nas
empresas a partir de uma política de fragmentação dos processos de produção, a qual
ocasionou uma grande concentração dos meios de produção e capital na mão da minoria.
Partindo de uma estratégia de degradação do trabalhador que passa a ser utilizado como mão-
de-obra barata ao capital, houve uma desapropriação de seu conhecimento e sua não-
participação nos processos de tomada de decisão e de controle empresarial. Um modelo de
gestão baseado na divisão social e técnica do trabalho com a separação do trabalho manual e
intelectual, onde a totalidade do processo de produção era conhecido somente por alguns
privilegiados.
Trata-se de uma linha de inovação tecnológica, organizativa e disciplinar que
implica uma política de modificação qualitativa dos processos de produção,
para fortalecer os sistemas de controle direto dos trabalhadores. A
fragmentação das atividades de produção transformou-as em
incompreensíveis; passou-se a oferecer apenas um salário à classe
trabalhadora como motivação para desenvolver seu trabalho; foi negada a
responsabilidade de intervir em questões tão importantes e humanas como o
que deve ser produzido, por quê, para quê, como, quando etc.
(SANTOMÉ,
1998, p. 13).
O contexto vivenciado na época era questionado pelos movimentos sindicais
contrários às políticas de produção planejada e pelos intelectuais democratas. O movimento
pedagógico da globalização e da interdisciplinaridade nasce das reivindicações dos grupos
progressistas que lutavam por uma sociedade mais democrática, tendo em vista que os
processos de desqualificação das atividades produtivas também foram reproduzidos nos
sistemas escolares.
Na escola é vivenciado o descaminho do taylorismo, onde nem o professor e nem o
aluno participam do processo de discussão sobre o cotidiano da comunidade em que está
inserida a escola. As disciplinas são trabalhadas de forma fragmentada e descontextualizada.
A divisão que o sistema produtivo reforçava era fielmente reproduzida na escola, onde apenas
quem elaborava as diretrizes e os livros-texto compreendia o processo. A comunidade
educativa escolar apenas executava o que um grupo pensou.
Ao final do século XIX, com a “revolução copernicana”, os alunos passam a ser o
centro, e a infância tem seu auge de reconhecimento. Os estudos referentes à infância têm
repercussão nas teorias e práticas pedagógicas, aonde as inovações educacionais chegam pelo
veio da criatividade, pela liberdade da expressão pessoal e original.
O conhecimento dos processos de aprendizagem incide cada vez mais em
seu caráter singular e pessoal, de maneira que o problema de ensinar não se
situa basicamente nos conteúdos, mas em como se aprende,
conseqüentemente, em como se deve ensinar para que essas aprendizagens
sejam produzidas
(ZABALA, 2002, p. 22).
Há grande reconhecimento nos estudos sobre como se produz a percepção da realidade
a partir de Claparéde e Decroly que vão explicar que a percepção humana de uma primeira
aproximação da realidade é de caráter global, e por isto temos que partir dela para chegarmos
a um aprofundamento de síntese (SANTOMÉ, 1998, p. 35). Uma explicação que traz um
vínculo do conhecimento à capacidade de análise sobre situações que têm um caráter global,
trouxe para as escolas uma nova discussão sobre o modelo de organização dos conteúdos com
base nas experiências dos alunos. A liberdade e a criatividade passam a ser os eixos de
condução das práticas pedagógicas progressistas, onde os conteúdos de aprendizagens devem
dar conta de responder aos problemas de conhecimento que a experiência estabelece em um
determinado momento histórico.
Os conteúdos devem ser organizados por uma lógica mais ampla e complexa do que as
de organização das disciplinas com referenciais nas disciplinas científicas, para se
compreender e investigar os problemas mais importantes de nossos tempos, partindo de uma
cooperação interdisciplinar no âmbito dos estudos.
A própria necessidade de integração do saber no campo da ciência também faz com
que a educação busque meios que superem a parcialização do conhecimento na escola. As
teorias psicológicas passam a ser o ponto de apoio dos modelos curriculares das inovações em
educação desta época.
A pedagogia de Montessori tem seus referenciais no sensualismo
35
e
associacionismo
36
, e a de Decroly, na Teoria da Gestalt
37
. Neste contexto, surge o termo
globalização no início do século XX.
Este conceito, em sua acepção diferencial frente ao de interdisciplinaridade,
costuma estar fundamentado sempre em razões de caráter psicológico
relacionadas com a peculiar estrutura cognitiva e afetiva da criança, o que
levará ao desenho de modelos curriculares que respeitem essa idiossincrasia
do desenvolvimento e da aprendizagem infantil. Conseqüentemente, este é
um termo intimamente relacionado com uma forma metodológica específica
de organizar o ensino para facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento
pessoal dos alunos
(SANTOMÉ, 1998, p. 33).
A metodologia proposta por Decroly é oposta às da época, a analítico-sintética, mas
com uma educação centrada na infância, respeitando as capacidades e ritmo de
desenvolvimento de cada criança. Esta proposta metodológica utiliza em sala de aula três
etapas: a observação, a associação e a expressão.
A partir da década de 20, intenso questionamento em relação ao academicismo e à
memorização de conteúdos pelos alunos, quando se busca o respeito às dimensões individuais
e à especificidade das crianças como base para a elaboração de novas propostas educacionais.
A integração assumiu um novo significado, enquanto psicólogos,
organicistas e gestálticos introduziram o conceito de uma personalidade
integrada e descreviam processos pelos quais as pessoas supostamente
procuravam a unidade entre os seus comportamentos e valores, entre o eu e o
meio circundante etc.
(BEANE, 1997, p. 14).
Um outro argumento em favor da metodologia globalizada está nos estudos de Jean
Piaget, que procura explicar as características e mudanças que ocorrem nas formas de
35
Sensualismo: Doutrina segundo a qual todo conhecimento provém das sensações e apenas delas (Dicionário de
filosofia de André Lalande).
36
Associacionismo: Psic. Em geral, doutrina segundo a qual a associação, segundo certas leis, certos estados de
consciência elementares, é o princípio geral do desenvolvimento da vida mental (Dicionário de filosofia de
André Lalande).
37
A psicologia da Gestalt ocupa-se com o estudo da percepção enfatizando os sistemas holísticos, onde o todo
não pode ser inferido das partes separadamente.
pensamento das crianças com suas três etapas: sensório-motor, operações concretas e
operações formais
38
. Essas etapas de desenvolvimento cognitivo trouxeram mudanças nas
metodologias de ensino.
A própria psicologia piagetiana também oferece razões para defesa da
organização da aprendizagem, ao prestar atenção às peculiaridades
cognitivas das pessoas, independentemente de sua idade, etapa de
desenvolvimento. Para Piaget, a aprendizagem capaz de facilitar o progresso
das estruturas cognitivas é controlada por processos de equilibração. Os
conflitos cognitivos ou desequilíbrios são os motores das aprendizagens, o
que significa que o organismo humano não assimila qualquer informação
que lhe é oferecida; isto acontece na medida em que estiver ligada aos
seus interesses e às possibilidades cognitivas oferecidas pelos esquemas
anteriormente construídos. as questões interessantes e motivadoras, que
podem ser problemáticas para a pessoa, têm a possibilidade de gerar
conflitos cognitivos e, conseqüentemente, aprendizagens
(SANTOMÉ,
1998, p. 39).
Essas situações de aprendizagens implicam também uma visão interdisciplinar, onde o
eixo condutor é a descoberta
39
e o espaço para as crianças aprenderem sozinhas. Para facilitar
a aprendizagem, temos as construções experienciadas na interação social pelas crianças e as
intervenções pedagógicas planejadas pelo adulto que faz a mediação nesse processo.
Historicamente, nas décadas de 70 e 80, o acelerado processo de intercomunicação e
interdependência das economias dos países desenvolvidos, como características de seus
modelos econômicos, segundo Santomé (1998, p. 15), força a queda dos modelos Taylorista e
Fordista de produção. É preciso então construir um novo modelo de gestão, uma nova forma
de organização do trabalho produtivo, com maior participação da classe trabalhadora, com
programa e avaliação dos resultados de suas tarefas, e com empresários investindo nos
programas de formação permanentes dos trabalhadores, permitindo uma flexibilização do
modelo de organização, uma adaptação às necessidades do mercado, sem perda do controle
pelos empresários.
Uma ênfase na integração curricular relaciona-se com o entendimento de
que, no contexto do paradigma pós-fordista, necessidade de formação de
habilidades e competências mais complexas e superiores, as quais seriam
mais facilmente formadas em uma perspectiva integradora. Igualmente é
entendido que os próprios processos de produção do conhecimento são cada
38
Recomendo, para
leitur
a
de aprofundamento das etapas, as obras de Piaget e de seus interlocutores.
39
O método da descoberta hoje é questionado por basear-se em uma concepção epistemológica em desacordo
com a ciência moderna e por contribuir para uma falsa imagem de facilidade da ciência e dos propósitos de
ensino (não objetivamos formar cientistas-mirins, não apenas por ser impossível, mas por não ser essa a função
da escola) (LOPES, 1999, p. 181).
vez mais integrados e, assim sendo, as pessoas precisam ser formadas para
trabalhar nessa “nova” forma mais integrada
(LOPES, 2002, p. 162).
Ainda é um modelo de organização da produção que requer um trabalhador
individualista que tem dificuldade de se ver enquanto parte de uma classe maior e fica sob o
controle de seus patrões. Esta política de flexibilização de administração passa a ser um
caminho de abertura dos mecanismos de participação democrática, com a consagração das
discussões sobre igualdade de oportunidade nas constituições modernas, oferecendo o acesso
obrigatório às instituições escolares, com vista a se obter uma educação de qualidade.
Uma nova concepção de sociedade, baseada em novas práticas e valores
derivados do mundo industrial, começou a ser aceita e difundida.
Cooperação e especialização, ao invés de competição, configuram os núcleos
de uma nova ideologia. O sucesso na vida profissional passou a requerer
evidências de mérito na trajetória escolar. Ou seja, novas credenciais, além
do esforço e da ambição tornaram-se necessárias para se “chegar ao topo”
(MOREIRA; SILVA, 2002, p. 10).
Este pensamento possibilitou uma reflexão sobre a importância do papel da educação
para o desenvolvimento das pessoas, reacendendo o conceito de educar para a vida para
responder aos problemas que a vida em sociedade apresenta, uma urgente necessidade do ser
global.
Nesse sentido, a especialização permanece como forma de regulação do
conhecimento, mas passa a ser necessário um especialista capaz de dialogar
com outros campos do saber. Um trabalhador com habilidades mais
complexas, capaz de solucionar problemas em situações contingentes e de
utilizar sua criatividade para assimilar mudanças cada vez mais rápidas dos
processos de trabalho (LOPES, 2002, p. 163).
Portanto, há um discurso que regula e projeta, no meio educacional, mecanismos
capazes de fazer com que a educação sirva às novas formas de organização do trabalho.
Nesta mesma linha de pensamento, amplio os referenciais justificativos ao currículo
integrado (SANTOMÉ, 1998, p. 112-119), a partir das argumentações epistemológicas e
metodológicas, com bases em razões psicológicas e sociológicas. Porém, faço opção pelas
discussões socioistóricas, a partir dos referenciais, principalmente, de Lopes e Macedo (2002
a ou b?), do currículo que será destacado mais adiante.
Os argumentos epistemológicos e metodológicos são relacionados com a estrutura
substantiva e sintática da ciência, porque esta possui duas estruturas, uma conceitual a
substantiva, e a outra metodológica a sintática, e os avanços acontecem quando cientistas
conseguem com base em conceitos, modo de pensar e método de uma determinada disciplina
pesquisar outros campos de conhecimento. Ao referendar uma ciência com ensino integrado,
quero que os educandos reflitam os problemas não mais somente na óptica de uma única área,
mas sob a luz de diferentes áreas do conhecimento.
Com base em razões psicológicas, os argumentos em defesa do currículo integrado são
agrupados em três subgrupos: os argumentos sobre a idiossincrasia da psicologia infantil,
razões derivadas do papel da experiência na aprendizagem e considerações sobre a
importância dos processos na aprendizagem.
Temos no século passado uma marca que caracteriza a defesa de um currículo
integrado que é a primazia ao atendimento às necessidades e interesses da criança, levando em
conta as etapas de desenvolvimento cognitivo destas.
A idéia de globalização nasce com esforços de organização psicopedagógica
da aprendizagem e representa novos olhares sobre os conteúdos, os alunos e
os professores. Ainda que existam variados modelos de globalização – desde
os centros de interesse de Decroly, os métodos de projecto de Kilpatrick, às
unidades didácticas de Morison e à escola activa de Dewey –, todos têm
como denominador comum a organização de projectos orientados para as
necessidades e problemas concretos através da exploração de conteúdos que
possibilitam uma aprendizagem contextualizada em função da experiência
dos alunos
(PACHECO, 2000 b, p. 25).
A experiência tem papel primordial na aprendizagem, tendo como eixo a análise da
realidade, e esta deve ser apresentada de forma global para que seja estimulado o interesse
motivador na atividade construtiva de aprendizagem.
Os argumentos psicológicos em favor do currículo integrado, centrado na criança
numa perspectiva de individualização do processo integrador, com ideais liberais como no
escolanovismo no Brasil, não abarcam os princípios de uma educação transformadora numa
dimensão crítica no processo histórico do currículo. Busco aprofundar os referenciais tendo
como veio o caráter socioistórico da educação e pensar a integração para além dos aspectos
psicológicos e em dialogicidade com os aspectos sociais e culturais em meio aos
educacionais, porque:
A integração não passa pela reorganização dos conteúdos de algumas
disciplinas em torno de determinadas temáticas, ou seja, pela travestização
de um discurso e de um texto curricular construído na base da
sequencialização. Pelo contrário, implica tanto a organização de temas
extraídos das próprias experiências de vida, quanto uma sensibilidade
profunda e cuidada com questões que transportam significado social e
pessoal
(PARASKEVA, 2000, p. 76).
Ao optar por projetos curriculares integrados, buscamos meios que possibilitem
melhor motivação à aprendizagem, onde liberdade para escolher os problemas a serem
estudados, a partir de questões mais próximas da realidade dos alunos, tornando-se, assim, os
temas a serem discutidos mais relevantes. Os programas integrados favorecem a compreensão
das relações entre os saberes e a sociedade quando auxiliam a reflexão crítica dos valores
promovidos e favorecidos por um conhecimento.
Os argumentos sociológicos, que Santomé (1998, p. 118) defende, concebem a
integração como uma maneira de vislumbrar a educação como instrumento que possibilita
uma visão da realidade na qual nós somos sujeitos históricos e essenciais no desvelamento
deste nas intervenções humanas. A necessidade de organizar o conteúdo partindo de um
enfoque globalizador vem ao encontro de uma formação integral das pessoas para que possam
compreender e intervir na sociedade, buscando caminhos com vista à sua qualidade de vida.
Parto do pensamento de uma educação para um mundo global no qual tudo está
relacionado, onde nenhum aspecto numa dimensão financeira, cultural, política, ambiental,
científica etc. pode ser compreendido de maneira adequada à margem dos demais, onde,
segundo Santomé (1998, p. 27), o currículo globalizado e interdisciplinar assegura as diversas
práticas educacionais desenvolvidas nas salas de aulas, contribuindo para melhorar os
processos de ensino e aprendizagem. Contudo, não podemos esquecer que nem todo discurso
sobre integração curricular é crítico e inovador.
Para Beane (1997, p. 21), as concepções curriculares matizadas pela integração, no
contexto histórico da educação, apresentam-se confusas, quanto ao uso de seu termo. Muitos a
usam quando tratamos multidisciplinaridade ou áreas de estudos múltiplas como sinônimas.
Para esclarecer as dúbias interpretações, apresento dois esquemas, conforme o autor, que
mostram os aspectos convergentes e divergentes nas duas abordagens.
Figura 1 – Rede esquemática para integração curricular
Fonte: Beane, 1997, p. 22.
A figura 1 demonstra que, na integração, a planificação começa com um tema central e
prossegue com a identificação de grandes idéias ou conceitos relacionados com o tema e as
actividades que poderiam ser utilizadas para os explorar (BEANE, 1997, p. 21-22). Na
abordagem multidisciplinar, o eixo central está nas áreas de estudo, nos conteúdos. As
identidades são retidas na seleção dos conteúdos, e os estudantes se alternarão de uma
disciplina para outra à medida que o conteúdo e/ou as competências de cada uma são
ensinados de acordo com o tema, como nos mostra a figura 2.
Actividades
Actividades
Actividades
TEMA
Conceitos
Conceitos
Conceitos
Conceitos
Conceitos
Actividade
Figura 2 – Figura esquemática da abordagem multidisciplinar
Fonte: Beane, 1997, p. 23.
Uma abordagem disciplinar e multidisciplinar tem seu início e fechamento nas
disciplinas com uma ordenação seqüencial dos conteúdos preestabelecidos. Os conhecimentos
científicos funcionam como o cerne central do tema, sendo mais importante que a
problemática a ser estudada (BEANE, 1997, p. 22). Na integração curricular, a
problematização inicial e final depende da contextualização do tema que está sendo tratado,
reconhecendo o conhecimento externo, mas seqüenciado de acordo com a relevância do
problema. O fundamental é o desvelamento do tema pela prática social dos sujeitos
envolvidos, sem, contudo, desprezar os campos disciplinares do conhecimento, ou seja,
independentemente das linhas de demarcação das disciplinas.
Beane (1997, p. 47) afirma que a verdadeira integração curricular deve considerar as
disciplinas do conhecimento seriamente. Mais adiante, evidencio as diferenças entre
disciplinas escolares e disciplinas científicas que, para o autor, são disciplinas de
conhecimento. Porém, quero reafirmar a minha opção teórico-prática pela integração numa
perspectiva crítica, não pelas disciplinas de conhecimentos, como afirma o autor, mas pelas
disciplinas escolares, pois:
TEMA
Tecnologia
Ciência
Arte
Ed. Física
Família/
consumidor/
Ciência
Música
Matemática
Estudos
sociais
Inglês
linguagem
No fundo, a integração curricular transmite a mensagem de um currículo em
que os vários conteúdos se encontram subordinados a uma idéia-chave,
reduzindo-se assim o isolamento que cada um foi cristalizando entre si,
entendendo-se o conhecimento como algo que se constrói socialmente. O
texto da integração cria assim uma multiplicidade de discursos que
deambulam entre as dinâmicas de um currículo redutor assente num código
de coleção e um currículo aberto assente num digo de integração
(PARASKEVA, 2000, p. 70).
A discussão clássica de currículo num código de coleção e num código de integração
realizada por Bernstein (1996) será apresentada mais adiante. Assim, para discutir integração
curricular, o fundamental é esclarecer qual concepção de disciplina vamos adotar neste
processo.
Na teoria e na prática, a integração curricular vai além da área de estudo e da
identificação disciplinar, o conhecimento tem sua utilidade sem fronteiras, limites, em área de
estudo ou disciplina. Na integração, as disciplinas participam como subsídios para se chegar
ao contexto do tema explorado.
A essência deste dilema, definição da concepção de disciplina escolar e científica, será
abordada logo em seguida, como elemento subsidiador para elucidação da organização
curricular presente na prática pedagógica dos professores ao trabalhar com o tema gerador,
enquanto unidade integradora do conhecimento escolar no currículo integrado, com
referenciais na teoria crítica de currículo.
Enfoco, a seguir, a concepção de planejamento curricular integrado. São implicações
dos pressupostos do currículo integrado em uma perspectiva crítica na prática do
planejamento curricular.
2.2.3 Concepção de planejamento curricular integrado
A ênfase na globalização traz no interior da discussão a necessidade de discutirmos
que a concepção de currículo deve contemplar esse princípio. Quais serão as funções do
currículo neste momento socioistórico, quando a educação deve contribuir para a formação de
pessoas que possam assumir responsabilidades e, assim, tornar-se autônomas, solidárias e
democráticas.
Para Sacristán (2000, p. 15), quando definimos o currículo, estamos descrevendo a
concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento
histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama
institucional etc. Portanto, o “currículo é uma construção social que preenche a escolaridade
de conteúdos e orientações que nos leva a analisar os contextos concretos que lhe vão dando
forma e conteúdo, antes de passar a ter alguma realidade como experiência da aprendizagem
para os alunos” (SACRISTÁN, 2000, p. 20).
O currículo se configura em uma prática e, para isto, coaduno-me com as idéias de
uma orientação curricular perspectivada na dialética teoria-prática, buscando maior autonomia
neste processo, para que o coletivo escolar possa moldar sua própria prática, e, na efetivação
desta, o professor é o elo primordial. Para compreendê-la, necessário se faz analisar os
sujeitos ativos no processo. “O currículo molda os docentes, mas é traduzido na prática por
eles mesmos a influência é recíproca” (SACRISTÁN, 2000, p. 165). O pressuposto
fundamental é que não se trata de planejar situações fechadas, mas moldáveis, onde os
professores têm papéis ativos e conhecimentos significativos para intervir em tais situações.
Então, discutir o planejamento de currículo nesta visão é dar ênfase à perspectiva do
currículo como ciência crítica, segundo Silva (1990, p. 11), um currículo-formação que abarca
as questões éticas, políticas, sociais, culturais e não técnicas e instrumentais. Nesta
concepção curricular, o professor é o curriculista que reconhece os conflitos e trabalha com
eles no cotidiano da escola. “No campo educacional, a escola e a sua cultura interna não se
tornam um campo exclusivo de reprodução, mas um espaço para a produção de contestação e
resistência” (SILVA, 1990, p. 12).
Nesse espaço de luta e contestação, o trabalho docente tem como premissa o diálogo
permanente e crítico com a comunidade escolar, e as idéias vão tomando parte do processo de
recriação constante, onde o conhecimento é um processo alcançado pelo diálogo, buscado
pela concreticidade das respostas na cotidianidade do aluno e na cultura como emancipação
do homem. Segundo Grundy (apud SACRISTÁN, 2000, p. 49), um currículo com interesse
emancipatório deve ser entendido como práxis e apóia-se nos princípios:
Deve ser uma prática sustentada pela reflexão enquanto práxis, mais
do que ser entendida como um plano que é preciso cumprir, pois se
constrói através de uma interação entre o refletir e o atuar, dentro de
um processo circular que compreende o planejamento, a ação e a
avaliação, tudo integrado por uma espiral da pesquisa-ação;
Uma vez que a práxis tem lugar num mundo real e não em outro,
hipotético, o processo de construção do currículo não deveria se
separar do processo de realização nas condições concretas dentro das
quais se desenvolve;
A práxis opera num mundo de interações, que é o mundo social e
cultural, significando, com isso, que não pode se referir de forma
exclusiva a problemas de aprendizagem, que se trata de um ato
social, o que leva a ver o ambiente de aprendizagem dentro de
determinadas condições;
O mundo da práxis é um mundo construído, não natural. Assim, o
conteúdo do currículo é uma construção social. Através da
aprendizagem do currículo, os alunos se convertem em ativos
participantes da elaboração de seu próprio saber, o que deve obrigá-
los a refletir sobre o conhecimento, incluindo o do professor;
Do princípio anterior se deduz que a práxis assume o processo de
criação de significado como construção social, não carente de
conflitos, pois se descobre que esse significado acaba sendo imposto
pelo que tem mais poder para controlar o currículo.
Com esses princípios, vemos que a perspectiva prática é assumida na organização
curricular, onde todas as atividades práticas giram em torno do currículo que, por sua vez, não
anula a dimensão cultural e técnica presente nele.
Nesta perspectiva prática sobre currículo, Sacristán (2000, p. 51) argumenta que há um
resgate do estudo no âmbito do como se realiza o fato, o que acontece quando está se
desenvolvendo. As intenções e a prática interagem e não se separam, determinando uma teoria
de currículo que se chamou de processo.
Neste entendimento, o planejamento curricular terá de se fundamentar numa
concepção de educação que, conforme Veiga (apud, VEIGA; CARDOSO, 1991, p. 83):
Pressupõe que o aluno seja sujeito de seu processo de aprendizagem;
Privilegia principalmente o saber que deve ser produzido, sem relegar a
segundo plano o saber que o aluno já possui;
As atividades de currículo e ensino não são separadas da totalidade
social e visam à transformação crítica e criativa do contexto escolar, e
mais especificamente de sua forma de se organizar;
Essa transformação ocorre através do acirramento das contradições e da
elaboração de propostas de ação, tendo em vista a superação das
questões apresentadas pelas práticas pedagógicas
.
Com isso estamos buscando pressupostos de aproximação da realidade, onde os
elementos básicos desta sejam levados em consideração. É quando o professor intervém na
direção de todo o processo, num trabalho de coletividade escolar, onde este se configura como
um esquema que pode funcionar a realidade e não uma previsão dos passos a serem dados. “O
ensino um processo social complexo desenvolvido num meio que não permite que tenha
ilusões de rigor, precisão e previsibilidade, exceto para conteúdos e objetivos muito limitados
e bem definidos” (SACRISTAN; GÓMEZ, 1998, p. 204).
O planejamento curricular é configurado como um processo que deve servir para o
professor pensar a prática antes de realizá-la, identificar os problemas, refletir sobre sua ação
no coletivo escolar, tomar decisões, posicionar-se diante dos frente aos conflitos pedagógicos
que possam existir, autonomizar-se a partir da coletividade, onde o plano vai configurar-se
como a arquitetura da prática numa construção criativa e intencional do professor. “E a sua
utilidade está em nos dispor de um esquema que represente um modelo de como pode
funcionar a realidade, antes de ser uma previsão precisa dos passos a serem dados”
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 203).
Não se deve esquecer, todavia, de que o ensino tem uma intencionalidade e, assim
sendo, é uma ação intencional que tem um objetivo e, para sua concretização, não existem
planos absolutamente seguros e nem uma única orientação no caminho a ser percorrido, ou
seja, não podemos pensar num único caminho possível para desenvolvê-lo, porque:
Planejar a prática é algo mais amplo que atender aos objetivos e conteúdos
do currículo, porque supõe preparar as condições de seu desenvolvimento,
uma vez que também se atende a este. É concretizar as condições nas quais
se realizará o currículo, e isso supõe estabelecer uma ponte para moldar as
idéias na realidade, um elo que liga as intenções e a ação
(SACRISTÁN,
2000, p. 282).
Neste sentido, o planejamento, numa visão crítica de currículo, não consiste na
execução de uma cnica restrita, numa cópia fiel de um esquema organizado, como se fosse
uma planificação linear que advém de um dado conhecimento. O planejamento é um esboço
da realização de uma prática que é complexa e nos leva a decisões deliberativas, e que não se
têm nem técnicas e nem estratégias rigorosas neste processo de tomada de posicionamento.
O currículo é um instrumento de formação profissional para os professores, e
as formas de planejá-lo até torná-lo prática concreta, os esquemas seguidos
para isso, têm incidência no desenvolvimento da profissionalização docente.
Daí a importância de ir resgatando essa função para os professores, função
que uma taylorização dos currículos subtraiu dos mesmos. Uma proposição
que preconiza a necessidade de que eles participem numa função tão
decisiva para modelar a prática e para ativar suas habilidades profissionais
(SACRISTÁN, 2000, p.291-292).
Portanto o planejamento curricular é intencional, atua numa dada realidade
educacional e considera várias orientações pertinentes a conhecimentos também diversos, não
tendo meios para uma planificação linear e rígida como uma instrução programada.
Contrapondo se também a esta visão, temos um currículo que é planejado fora do
âmbito dos professores e é quando a estes cabe a função de executar uma prática pensada por
outros estranhos ao contexto da escola, supondo que o professor não tem condições de
controlar o ensino, e este está nas mãos de quem planejou exteriormente o currículo: na
administração, nas secretarias de educação, nos materiais pedagógicos e/ou livros didáticos.
Um modelo sobre como planejar que não leva em conta os contextos
profissionais reais, são dados como propostas técnicas neutras, que não
questionam tampouco essas coordenadas; até podem acentuar a dependência
e desprofissionalização dos docentes, quando propõem fórmulas impossíveis
de serem realizadas por estes
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 207).
Mas, quando o professor assume, enquanto planejador de sua prática, segundo
Sacristán (2000, p. 292), abre-se-lhe uma gama de possibilidades e/ou limites, mais ou menos
flexíveis e diferenciados nas áreas do currículo, que funcionam como delimitadores de
margens.
a) As diretrizes curriculares que, com maior ou menor precisão e rigidez,
estabelecem o currículo e sua seqüência para um determinado nível,
curso, ciclo ou modalidade de ensino.
b) O tipo de avaliação ou controle externo que se exerce sobre o currículo,
que não é o que o próprio professor pode realizar.
c) A dependência que possa existir nos professores quanto aos materiais
didáticos, livro-textos etc., dependência condicionada não apenas pela
formação dos professores, mas também pela variedade de sua oferta e
pela legislação e normas administrativas a respeito. Essa dependência
diminui o papel profissional do docente e torna-se empobrecedora do
mesmo quando a oferta é homogênea.
d) A operatividade de sua formação profissional para identificar as
variáveis que determinam a experiência e os resultados de
aprendizagem, atuando sobre as mesmas.
e) A formação para poder intervir no que chamamos de tradução
pedagógica
40
dos conteúdos curriculares, que lhes proporcionará
autonomia real para selecioná-los, ponderá-los, organizá-los ou
adaptá-
los às necessidades dos alunos. Professores com escasso domínio da
matéria mal podem traduzi-la pedagogicamente.
f) O campo organizativo da escola que, quando tem um projeto educativo
conjunto, estabelece as grandes coordenadas dentro das quais se
desenvolve a atividade de cada professor.
40
Grifo do autor.
g)
As possibilidades materiais reais para dedicar-se a esta função de
preparação da prática, prévia à realização do ensino, devido às condições
de seu trabalho
(SACRISTÁN, 2000, p. 292-293).
Contextualizarei, em seguida, como os significados do planejamento curricular
integrado são contemplados na prática de sala de aula, consubstanciados pela visão de
educação crítica.
2.2.4 O currículo em ação: o contexto de sala de aula
Ao conceber a escola como a produtora e executora em potencial do currículo,
estamos proporcionando aos atores escolares o direcionamento do processo educativo. É a
possibilidade de que o professor seja o interventor e facilitador dos processos de reconstrução
e transformação do pensamento e das ações dos alunos. E, notadamente, estou-me
posicionando a favor desta concepção.
Toda ação educativa tem sua intencionalidade. Para isto, segundo Gómez (1998, p.
81), temos que “compreender a complexa rede de influências que tanto a estrutura de tarefas
acadêmicas quanto a estrutura de participação social vão mediar, estimular ou impedir a
realização desta intencionalidade”.
O currículo não é um elemento inocente e neutro. Ele se encontra em uma área
contestada, é uma arena cultural. Portanto,
[...] o currículo e a educação estão profundamente envolvidos em uma
política cultural, o que significa que são tanto campos de produção ativa de
cultura quanto campos contestados[...]. Pode ser movimentado por intenções
oficiais de transmissão de uma cultura oficial, mas o resultado nunca será o
intencionado porque, precisamente, essa transmissão se em um contexto
cultural de significação ativa dos materiais recebidos. A cultura e o cultural,
nesse sentido, não estão tanto naquilo que se transmite quanto naquilo que se
faz com o que se transmite
(MOREIRA; SILVA, 2002, p. 26-27).
Neste sentido, a escola construirá mecanismos de participação como possibilidade de
pensar, de tomar a palavra em igualdade de condições, de gerar diálogos e acordos, de
respeitar o direito das pessoas de intervir na tomada de decisões que afetam sua vida e de
comprometer-se na ação (CARBONELL, 2002, p. 91).
Nesta perspectiva, a educação, que tem educandos social e pessoalmente
heterogêneos, requer um trabalho com variedade de atividades, oportunizando assim o
atendimento aos diferentes interesses, ritmos de aprendizagem e formas de aprender. Os
recursos metodológicos, segundo Sacristán e Gómez (1998, p. 194), servirão para responder
às diferenças psicológicas e culturais, pois a variabilidade de traços pessoais, de gênero ou de
procedências culturais faz com que cada atividade atenda melhor a um aluno do que a outro.
As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos
aprendizes, que correspondem, em boa parte, às experiências que cada um
viveu desde o nascimento; a forma como se aprende e os ritmos de
aprendizagem variam segundo as capacidades, as motivações e os interesses
de cada um dos estudantes; enfim, o modo como produzem as aprendizagens
são resultados de processos que sempre são singulares e pessoais
(ZABALA, 2002, p. 92).
A psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem vem referendar alguns princípios
que possibilitam uma compreensão da complexidade do processo de ensino e aprendizagem.
A estrutura cognitiva dos seres humanos está constituída por uma rede de esquemas de
conhecimentos que nos fazem definir quais representações temos de um dado objeto de
conhecimento em um determinado momento de nossas vidas. Esses esquemas são
constantemente modificados para se adequar ao que está sendo vivenciado, tornando-se cada
vez mais ricos em novas relações. Uma aprendizagem pode ser caracterizada por um processo
de contínua revisão e construção de esquemas de conhecimento sobre o objeto que está sendo
estudado.
Todavia para que se desencadeie esse processo, não basta que os alunos e as
alunas deparem-se com conteúdos para aprender; é necessário que diante dos
conteúdos possam atualizar seus esquemas de conhecimento, contrastá-los
com o que é novo, identificar semelhanças e discrepâncias, integrá-los em
seus esquemas, comprovar que o resultado tem uma certa coerência [...].
Quando tudo isso acontece – ou à medida que acontece –, podemos dizer que
está sendo produzida uma aprendizagem significativa dos conteúdos
apresentados. Ou dito de outra maneira, estão sendo estabelecidas relações
não-arbitrárias entre o que faz parte da estrutura cognitiva do aluno
e da aluna e o que se ensinou a eles
41
(ZABALA, 2002, p. 102).
Evidencia–se, então, que o ensino em nossas escolas tem que possibilitar que os
alunos construam esses vínculos entre os conhecimentos dos novos conteúdos e os
estabelecidos, quanto mais que permitam a situação durante a intervenção pedagógica pelos
professores. A intervenção será um meio de subsidiar o processo de construção de
41
Grifo do autor.
conhecimento do aluno, fazendo com que este avance para além do ponto que se encontre
cognitivamente falando. Portanto, temos:
A necessidade de que as atividades de aprendizagem tenham como
desencadeantes situações que sejam percebidas pelas crianças de maneira
suficientemente estimulantes para colocar problemas que as obriguem a
revisar seus conhecimentos. Situações problemas que, para ter relação com
sua estrutura de conhecimento, deverão partir de situações significativas, isto
é, que tenham sentido para o estudante. Para que ocorram essas condições, o
ponto de partida, o objeto de estudo imediato, deverá ser algo situado na
esfera experiencial dos alunos, ou seja, em uma situação ‘real’
evidentemente de caráter global e, portanto, dificilmente associada a uma
disciplina ou matéria
(ZABALA, 2002, p. 129).
Neste caso, o professor será mediador da participação ativa dos alunos na elaboração
das próprias estratégias de aprendizagem e das trocas entre eles e na interação com o social.
Para Gómez (1998, p. 84), a prática assume uma dimensão heurística, e a intervenção
pedagógica é o veio condutor da aprendizagem. Isto não significa ocultar a dimensão técnica
na ação, mas ressignificá-la a partir de referenciais socioistóricos da educação.
Vamos concebê-la no espaço da sala de aula e considerar o caráter subjetivo das
variáveis que intervêm nos processos de ensino-aprendizagem. As relações que se constroem
na aula são como uma rede viva de troca, criação e transformação de significados.
A intervenção docente na aula encaminha-se para orientar e preparar as
trocas entre os alunos/as e o conhecimento, de modo que os sistemas de
significados compartilhados que os estudantes vão elaborando sejam
enriquecidos e estimulados.Intervir de maneira relevante nessa rede viva de
troca de significados, sentimentos e atuações requer do professor/a uma
atitude heurística, que busque todas as chaves que caracterizam a aula. O
professor/a deve atuar como clínico que diagnostica permanentemente a
situação e elabora estratégias de intervenção específicas e adaptadas para a
situação concreta da aula, comprovando as reações, esperadas ou não,
lógicas ou irracionais, dos alunos/as e avaliando o significado das trocas que
se produziram em conseqüência
(GÓMEZ, 1998, p. 85).
Aqui a intervenção pedagógica será sempre um ato criativo e intencional que busca
envolver e engajar os educandos na vida e na aula. Entendo que a maneira eficaz de envolver
os estudantes nas atividades de aprendizagem é partir de seus esquemas de pensamentos e
atuação, favorecendo uma intervenção que determine a estrutura, o conteúdo e a seqüência
dessas atividades. Diante dessas argumentações, Gómez (1989, p. 87) afirma:
Que não é o currículo comum, nem a metodologia homogênea que garante a
igualdade de oportunidades para os diferentes grupos e culturas que chegam
à escola, mas a atenção às diferenças individuais mediante uma metodologia
e um currículo suficientemente flexíveis e diversificados que estimulam a
troca e a participação ativa de todos e cada um dos alunos/as nos processos
de aprendizagem, experimentação e comunicação.
Quando o professor toma as diversidades de sua sala de aula como uma fonte de
possibilidade e não como problemas cansativos e enfadonhos, a mediação pedagógica tem um
sentido de intervenção para a aprendizagem.
Assim, por exemplo, sentem-se tão entusiasmados com o trabalho de um
aluno que tem mais dificuldades, como com o trabalho de um que seja
conhecedor. Interessar-se-ão pelas diferenças culturais entre jovens, na
cultura popular elevada, e na chamada cultura juvenil, e procuram,
constantemente, levar estes temas para discussão. A própria concepção desse
trabalho evidencia o seu desempenho em dar espaços aos vários estilos de
aprendizagem, modos de expressão etc
. (BEANE, 1997, p. 76).
Assim, possibilitar que os vários estilos de aprendizagens sejam trabalhados em sala é
aceitar que podemos propor um atendimento diferenciado aos alunos. E, segundo a
argumentação de Perrenoud (2004, p. 103), essa aceitação se no espírito da discriminação
positiva e no princípio do respeito a cada um, conforme suas necessidades. Alunos diferentes,
situações de aprendizagens diferentes, sempre que forem pertinentes.
Da mesma forma, falar em uma dimensão heurística da prática educativa significa
também discutir o conteúdo escolar que se tem constituído nesta prática: o conhecimento
escolar. A linha que mediatizará a discussão sobre conhecimento escolar e o seu processo de
constituição pela mediação didática, está na maneira como compreendemos o processo de
produção do conhecimento científico e o processo de ensino.
Se buscarmos compreendê-los no sentido de os assemelharmos, reportamo-nos a uma
concepção continuísta do conhecimento aonde diversos saberes se confluem nos mesmos
processos de construção (LOPES, 1999, p. 180), trazendo aparentemente um caráter de
facilidade da ciência e, conseqüentemente, do ensino. Entretanto, se compreendermos os dois
eixos partilhando-os das diferenças, estamos assegurando que ao “ensinar o processo histórico
de construção das idéias científicas, os erros e impasses da ciência, não significa o mesmo que
produzir ciência e que sempre uma distinção entre o processo de exposição, de construção
de raciocínio, de preparação do conhecimento para torná-lo ensinável”. (LOPES, 1999, p.
181).
Logo, organizar o conhecimento científico em disciplinas, tornando-o ensinável,
possibilita, por si só, uma ação modificadora do conhecimento científico, passando a se
constituir enquanto conhecimento escolar.
Neste processo, estamos construindo novos conteúdos e não uma ciência, pois, como
Lopes (1999, p. 181) afirma, o conhecimento escolar toma parte, compõe uma instância
própria do conhecimento. Esses conteúdos são escolares e fazem parte dos códigos
curriculares (PACHECO, 2002, p. 180), que são princípios fundamentais pelos quais os
conteúdos escolares são selecionados, organizados e transmitidos. Então, o conhecimento
escolar é constituído essencialmente para fins de ensino pelo processo da mediação didática,
como já afirmei anteriormente.
O conhecimento escolar é fruto de uma seleção cultural, condicionada por
fatores de ordens diversas, socioculturais, político-econômicos, para além de
critérios exclusivamente epistemológicos. Esse reconhecimento é entendido
como organizado para fins de ensino, por mecanismo de pedagogização,
constituindo o conhecimento escolar
(MACEDO; LOPES, 2002, p. 75).
Para entendermos a constituição do conhecimento escolar, necessariamente devemos
passar pela compreensão da organização deste na escola, milenarmente, uma organização que
estratifica e compartimentaliza o conhecimento. Compartilhando da a discussão clássica de
Bernstein (1996) sobre a organização da transmissão do conhecimento, pautando-o sobre duas
grandes estruturas: o código de coleção e o código de integração, podemos discutir os
processos de compartimentação dos saberes, a partir desse referencial.
Essa estrutura ou tipologia curricular está intimamente relacionada aos conceitos de
classificação e enquadramento pertinentes ao conhecimento escolar. A classificação refere-se
às relações entre conteúdos, ao grau de limites impostos aos conteúdos (BERNSTEIN, 1996,
p. 41), ao grau de fronteiras entre os conteúdos. E o enquadramento refere-se à forma do
contexto no qual é realizada a transmissão do conhecimento, ou seja, na relação pedagógica:
professor e aluno.
O princípio da classificação legitima-se pelas relações de poder, usando como conexão
o isolamento entre as categorias. Neste caso, o conteúdo caracteriza–se como categoria.
“Quanto mais forte o isolamento entre categorias, mais forte será a fronteira entre uma
categoria e outra e mais definido o espaço que qualquer categoria ocupa e em relação ao qual
ela é especializada” (BERNSTEIN, 1996, p. 42).
Nesta perspectiva, um forte isolamento entre as categorias possibilita um princípio
forte de classificação, e se um fraco isolamento entre as categorias, também um fraco
princípio de classificação. Uma mudança no princípio de classificação sempre será precedida
da mudança do grau de isolamento. Então, podemos afirmar, com base neste posicionamento,
que quanto mais fraca a classificação maior inter-relação dos conteúdos e, conseqüentemente,
um fraco isolamento.
Na seqüência de estruturação da organização da transmissão do conhecimento, temos
o enquadramento que Bernstein (1996, p. 59) define como:
Princípio que regula as práticas comunicativas das relações sociais no
interior da reprodução de recursos discursivos, isto é, entre transmissores e
adquirentes. Quando o enquadramento é forte, o transmissor, explicitamente,
regula as características distintivas dos princípios interativos e
localizacionais que constituem o contexto comunicativo. Quando o
enquadramento é fraco, o adquirente tem um grau maior de regulação sobre
as características distintivas dos princípios interativos e localizacionais que
constituem o contexto comunicativo
.
Em suma, o enquadramento caracteriza o grau de controle de professor e alunos
(LOPES, 1999, p. 186) sobre a seleção, organização e ritmo do conhecimento transmitido e
recebido nas relações pedagógicas. Para entendermos melhor, vejamos o significado de
enquadramento forte e fraco, e neste caso, para nós, o transmissor é o professor, e o
adquirente é o aluno.
Enquadramento forte quando o transmissor controla a seleção, a
organização, o compassamento, os critérios da comunicação e sobre a
posição, a postura e a vestimenta dos comunicantes, juntamente com o
arranjo da localização física. Um enquadramento fraco quando o adquirente
tem mais controle sobre a seleção, a organização, o compassamento, os
critérios da comunicação e sobre a posição, a postura e a vestimenta dos
comunicantes, juntamente com o arranjo da localização física
(BERNSTEIN, 1996, p. 60).
A partir da análise dos princípios da classificação e enquadramento presente nos
estudos de Bernstein, é que posso então discorrer sobre a organização dos tipos de códigos de
conhecimento escolar, citados anteriormente e sobre o qual busco aprofundar.
Segundo Bernstein, o código curricular é identificado como sendo um código de
coleção, quando os conhecimentos mantêm entre si uma relação fechada, dentro de certos
limites; o código é de integração, se os conteúdos mantêm entre si uma relação aberta em
função de um tema (apud PACHECO, 2002, p.178-179).
Os conceitos de currículo enquanto código de coleção e código integrado de Bernstein
precisam ser entendidos como exemplos extremos e ideais, pois entre os dois modelos
vários níveis de gradações. Como Lopes (1999, p. 187) afirma, são conceitos que possibilitam
a análise da estrutura de conhecimentos educacionais, pois, na configuração real dos
currículos, teremos várias formas de coleção e diferentes níveis de integração. Por isso as
formas de organização curricular disciplinar e integrado-crítica coexistem na prática dos
professores.
As idéias de Bernstein (1996, p. 60) configuram-se opositoras ao currículo de coleta,
apoiando-se na integração curricular como uma forma de ameaçar as estruturas básicas da
sociedade, o poder e o controle, ou melhor, o autor conclama que uma modificação na
estrutura de transmissão do conhecimento escolar mudaria as relações de poder na escola e,
conseqüentemente, na sociedade.
Concordo com Lopes (1999, p. 189) quando considera “que os objetivos almejados
por Bernstein não são alcançados por uma perspectiva de integração e questionamento das
disciplinas, o que, por sinal, seria supervalorizar o efeito das mudanças curriculares sobre as
relações sociais”. E ainda Bernstein (1996) busca nos códigos integrados uma forma de
socialização do conhecimento, uma educação mais igualitária numa concepção de unidade do
conhecimento, visando ao combate à estratificação dos saberes. Para essa discussão, uma vez
mais associo-me aos referenciais de Lopes (1999, p. 190), onde sua fala é de não-
concordância com autores de currículo que buscam o combate da estratificação dos saberes
pela falácia de falsa homogeneização destes, ou seja, um projeto de questionamento da
estratificação dos conhecimentos não deve contribuir para um mascaramento das
diversidades. Portanto, a unidade do conhecimento, por si só, não supera a polêmica da
divisão dos saberes.
Nesses conflitos da estratificação e da compartimentalização do conhecimento é que a
mediação didática assume o papel de alavancadora emergente na constituição e organização
do conhecimento escolar. Fiz neste trabalho a opção pela mediação didática e não pela
transposição didática, como comumente nós professores referimos.
Segundo Forquin (apud LOPES, 1999, p. 206), a noção de transposição didática surge,
pela primeira vez, em 1975, na França, usada por Varret. Em sua tese, a base é:
A compreensão de que a educação escolar não se limita a fazer uma seleção
entre o que disponível da cultura num dado momento histórico, mas tem
por função tornar os saberes selecionados efetivamente transmissíveis e
assimiláveis. Para isso, exige-se um exaustivo trabalho de organização, de
estruturação ou de transposição didática
.
Ao me referir à transposição didática, reporto-me à idéia de reprodução, movimento de
transportar de um lugar a outro, sem mudanças significativas (LOPES, 1999, p. 209), mas ao
adotá-la e me referir ao processo de transformação do conhecimento científico em
conhecimento escolar como mediação didática, concordo com a autora quando concebe este
processo “no sentido dialético: um processo de constituição de uma realidade a partir de
mediações contraditórias, de relações complexas, não imediatas. Um profundo sentido de
dialogia”.
Tendo isto em vista, o processo de mediação didática não é um processo em que se
busca vulgarizar ou adaptar um conhecimento produzido fora do contexto escolar, mas é
papel da escola tornar o conhecimento acessível com vista à sua transmissão, numa concepção
de instituição produtora e socializadora de conhecimentos. Isto é o grande desafio para nós
profissionais da educação em conjunto com toda a comunidade escolar.
Um dos aspectos que tal desafio requer é entendermos qual a significação de disciplina
científica e disciplina escolar, para fazermos a opção em qual base disciplinar se contemplará
a integração. Por isso, caminhamos neste trilho de entendimento das disciplinas, pois é objeto
de tensão na escola, enquanto concepções teóricas diferenciadas, como veremos. Mesmo
sabendo que a organização de um currículo em matriz disciplinar não é impedimento à busca
de mecanismo de integração (MACEDO; LOPES, 2002, p. 74), tanto por disciplinas
integradas quanto pela articulação entre as diversas disciplinas de que faz parte esta estrutura.
Em ambos os casos, a matriz disciplinar persiste como instrumento de
controle, independentemente do discurso da articulação. Em outras palavras,
a administração do currículo, visando cumprir suas funções de controle,
acaba por gerar mecanismos que criam novas disciplinas mesmo em
processos de integração. Essas disciplinas são usualmente frutos de
integração de conteúdos ou disciplinas anteriormente existentes.
O eixo diferenciador na organização do conhecimento, num currículo integrado, é a
concepção de disciplina que notadamente traz seu caráter científico ou escolar. Por isso, a
disciplina é entendida como uma tecnologia de organização curricular, uma forma de
estruturação própria da escola que dita a forma como os professores irão trabalhar, como será
organizado o tempo e o espaço no contexto escolar, uma forma de organizar as ações
escolares, portanto, disciplina escolar e não uma disciplina científica que tem campo de saber
delimitado.
A disciplina escolar é construída social e politicamente, de forma contestada,
fragmentada e em constante mutação. Nesse processo, os atores envolvidos
empregam recursos ideológicos e materiais para desenvolverem suas
missões individuais e coletivas. Dessa forma, as disciplinas escolares
respondem a objetivos sociais da educação
42
, segundo rumos de
intitucionalização próprios [...] As tentativas de articulação de campos
disciplinares no currículo escolar seguem a mesma lógica de constituição das
disciplinas escolares, a matriz disciplinar persiste como instrumento de
controle do currículo. Ainda que as atividades curriculares possam estar
organizadas segundo lógicas diversas das aceitas na constituição de campos
científicos, as disciplinas escolares tendem a se manter como ‘tecnologia’ de
organização curricular relacionada aos fins sociais do conhecimento e da
educação
(MACEDO; LOPES, 2002, p. 80 - 82).
Assim, uma disciplina do conhecimento (disciplina científica) e sua área de estudo
escolar (disciplina escolar) não são a mesma coisa, embora tenham corpos de conhecimentos
semelhantes. Busquemos os estágios de suas constituições para as entendermos melhor, pois
segundo Boaventura (apud MACEDO; LOPES, 2002, p. 76-77), na constituição da disciplina
científica, podemos localizar três fases:
1) fase pré-paradigmática, na qual a ciência tem uma estrutura mínima e,
portanto, torna-se disponível para múltiplos objetivos sociais;
2) fase paradigmática, na qual a ciência visa sobretudo à construção de uma
teoria básica que coerência aos seus conhecimentos iniciais obtidos
na fase anterior. É um ponto em que a ciência valoriza especialmente
seus objetivos teóricos e não se dispõe a atender objetivos sociais;
3)
fase pós-paradigmática, na qual a disciplina científica adquire
maturidade teórica e entra num processo acelerado de especialização do
objeto investigado. Nesse ponto, a ciência atinge seu máximo de
disponibilidade aos objetivos sociais. É quando a ciência torna-se uma
arma poderosa a serviço dos interesses da classe ou grupo dominante
[...]. Podemos compreender como as disciplinas científicas constituem
um mecanismo simbólico de redução das finalidades sociais do
conhecimento em direção aos interesses de grupos restritos
.
42
Grifo desta pesquisadora.
Para esclarecer a grande tensão e confusão, na sala de aula, sobre disciplina científica
e escolar, incorporo os argumentos de Layton ao definir três estágios de evolução da
disciplinar escolar:
No primeiro estágio, Layton descreve uma situação em que a disciplina é
introduzida no currículo escolar tendo como argumentos justificadores a
pertinência e a utilidade. O interesse dos alunos está relacionado à
capacidade da disciplina de dar conta de questões de seu interesse, e o
corpo de professores raramente tem formação específica para a tarefa.
No segundo estágio, começa a se estabelecer uma certa tradição
acadêmica para a disciplina e inicia-se o processo de formação de
especialistas que passam a atuar como professores. Paralelamente, se
constitui uma lógica interna da disciplina que funciona como
direcionadora da seleção e da organização dos currículos. Na medida em
que os currículos deixam de atender diretamente ao interesse dos alunos,
começam a se mesclar dois mecanismos legitimadores: a utilidade e o
status acadêmico;
No terceiro estágio, a disciplina se encontra estabilizada, contando
com um corpo de professores treinados e com um conjunto de regras e
valores estabelecidos. São regras e valores que direcionam a seleção e a
organização dos conteúdos, priorizando a inserção dos alunos em uma
tradição escolar aceita
(apud LOPES, 2002, p.79).
Com este pensar, vemos que uma disciplina escolar tem sua consolidação plena no
currículo, quando no processo consegue passar de uma visão pedagógica e utilitária para uma
visão mais acadêmica. Sua constituição histórica não é mérito somente das contribuições da
disciplina acadêmica e científica. O corpo de conhecimento desta não é simplesmente
xerocopiada ao nível escolar, por isso a constante tensão. Não podemos falar em disciplina
sem seu contexto, pois esta incorpora e define objetivos e possibilidades sociais de ensino
que, muitas vezes, consolidam práticas de distribuição desigual de conhecimento.
Assim, passa a controlar os objetivos sociais da educação, ficando em nível do
isolamento de cada discurso disciplinar, mas, ao organizar os conhecimentos em disciplinas
por si só, coaduna uma interface de mudança no conhecimento científico, passando à
constituição de um conhecimento escolar.
Por isso estabeleço uma distinção entre disciplina escolar e disciplina científica.
De um lado, porque nem toda disciplina escolar está diretamente voltada
para o ensino de uma ciência específica. De outro lado, porque, mesmo
havendo esta correspondência, são diferentes as formas pelas quais se
apresenta a disciplina científica
43
enquanto um conjunto de postulados,
43
Grifo da autora.
conceitos, leis, princípios etc. de uma dada ciência ou “campo”científico
(acumulados e organizados, em acervo, à disposição da humanidade) e a
disciplina escolar
44
(abrangendo tal conjunto, porém, organizado
especialmente para fins de ensino)
(SAVIANI, 1994, p. 188).
Mesmo na distinção, há que se resguardar a correspondência nitidamente visível
quando falamos em disciplina escolar e científica
45
. Neste estudo, referendo a concepção de
disciplina escolar partilhada por Chervel (apud LOPES, 1999, p. 179), o qual defende que:
A disciplina escolar é constituída por uma combinação, em proporções
variáveis, de constituintes diversos, tais como: ensino de exposição,
exercícios, práticas de incitação e de motivação, sistema de avaliação. Tais
constituintes atuam isoladamente e em estreita colaboração, diretamente
associados às finalidades educacionais.
A disciplina do conhecimento (disciplina científica) é um campo de investigação
acerca de algum aspecto do mundo do mundo físico, do curso dos eventos ao longo do
tempo, das estruturas numéricas e assim sucessivamente, pois:
[...] a abordagem por disciplina carrega o legado do humanismo clássico ao
estilo ocidental, que o mundo em compartimentos divididos. Esta visão
foi reforçada, no século passado, pelas teorias da psicologia das faculdades e
da disciplina mental que descreviam a mente como um músculo
compartimentado, cujas partes deveriam ser exercitadas separadamente por
disciplinas particulares
(KLIEBARD apud BEANE 1997, p. 51).
É importante dizer que tomei como referência para a integração a concepção de
disciplina escolar, coadunando com Lopes (2002) e, conseqüentemente, negando a concepção
de integração pelas disciplinas científicas.
2.2.4.1 O tema gerador: uma modalidade de organização do currículo integrado
várias formas de integração, mas optei, neste momento, pelo tema gerador por ter
ele uma interface com o meu objeto de pesquisa. Ao investigar os temas geradores, estou
planejando o seu desenvolvimento que tem como objetivo principal a captação dos seus temas
básicos para a organização dos conteúdos programáticos na ação com eles. Ao investigá-los,
estou também fazendo a síntese cultural como uma das características da teoria da ação
44
Grifo da autora.
45
Para um melhor detalhamento sobre o assunto, ver SAVIANI, 1994, p. 193-194.
dialógica. Busquei, na Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1987), os aspectos essenciais
na investigação dos temas geradores. Esses aspectos se constituem nas etapas do processo de
construção de um tema numa concepção freireana. Essas são básicas na organização do
conhecimento escolar numa visão de integração curricular crítica pelo tema gerador.
1- Primeira etapa: Delimitação da área
O passo inicial é conhecer a área e obter um número significativo de pessoas que
aceitem tomar parte da investigação dos Temas Geradores. Neste momento, os investigadores
visitam a “área vão fixando sua ‘mirada’ crítica na área em estudo, visualizando a área como
totalidade, onde registram as expressões do povo, sua linguagem, suas palavras, sua sintaxe,
que não é o mesmo que sua pronúncia defeituosa, mas a forma de construir seu pensamento”
(FREIRE, 1987, p. 105).
Os registros de sistematização dos dados levantados acontecem ao redigir um relatório
preliminar para discutir na reunião da equipe (seminário) com investigadores profissionais,
auxiliares, representantes do povo. Este seminário deve ser no ambiente de trabalho, na
comunidade, para que todos participem. Nesta primeira etapa, os investigadores chegam à
apreensão mais ou menos aproximada do conjunto de contradições, e não é ainda a
estruturação do conteúdo programático da educação dialógica.
2- Segunda etapa: Apreensão do conjunto das contradições nos dados recolhidos
Nesta fase, os investigadores, com os dados em mãos, chegam à apreensão daquele
conjunto de contradições. Em equipe, escolhem algumas contradições para elaborarem a
codificação, as quais vão servir à investigação temática. Para a efetivação desta etapa, que
se preverem algumas condições:
1ª. condição - As contradições devem representar situações conhecidas pelos
indivíduos;
2ª. condição - Realização da codificação das situações existenciais e uma reflexão
crítica para abrirem na direção de outros temas. Isto é o que Freire (1987) chama de leque
temático.
Todos os elementos levantados devem encontrar-se em interação, na composição da
totalidade. Desta percepção de apreensão, surge uma nova percepção e o desenvolvimento de
um novo conhecimento. Este se prolonga na implantação do processo educativo. Essas
codificações são estudadas por equipe interdisciplinar em todos os ângulos temáticos que
existam.
3- Terceira etapa: Círculos de investigação temática
Buscando uma melhor compreensão nas reuniões de descodificação, é necessário que
o grupo tenha no máximo vinte pessoas como participantes.
A estas reuniões de descodificação nos círculos de investigação temática,
além do investigador como coordenador auxiliar da descodificação,
assistirão mais dois especialistas um psicólogo e um sociólogo – cuja
tarefa é registrar as reações mais significativas ou aparentemente pouco
significativas dos sujeitos descodificadores
(FREIRE, 1987, p. 112).
Neste processo de descodificação, cabe ao investigador, auxiliar deste, não apenas
ouvir os indivíduos, mas desafiá-los cada vez mais, problematizando, de um lado, a situação
existencial codificada e, de outro, as próprias respostas que aqueles vão dando no decorrer do
diálogo.
4- Quarta etapa: Estudo sistemático e interdisciplinar dos achados
A equipe de estudo é a responsável por esta etapa de sistematização dos dados
levantados na investigação dos temas geradores e deve:
Ouvir gravação por gravação do círculo de investigação temática;
Temas são classificados num quadro geral de ciências (delimitação temática);
Cada especialista apresenta à equipe interdisciplinar o projeto de redução de seu tema.
E, assim, pode-se passar para a fase seguinte.
5- Quinta etapa: Redução do tema
Neste estudo de redução da temática significativa, a equipe reconhecerá a necessidade
de colocar alguns temas fundamentais que não foram sugeridos pelo povo, quando da
investigação. Estes são os temas dobradiços e têm as seguintes funções:
Redução-cisão (divisão) dos temas enquanto totalidade, buscando cleos
fundamentais que são as suas parcialidades;
Compreensão entre dois temas, preenchendo possíveis vazios entre ambos;
Contêm em si relações a serem percebidas entre o conteúdo geral da
programação e a visão do mundo que o povo esteja tendo.
6- Sexta etapa: Codificação
Aqui acontece a escolha do melhor canal de comunicação para o tema reduzido, a fim
de que se tenha uma melhor apreensão do que foi levantado na redução. Então o programa é
elaborado, com a temática reduzida e codificada, onde se confecciona o material didático,
para a apresentação do programa geral da campanha para o povo. Esta etapa visa a que:
O importante do ponto de vista de uma educação libertadora e não bastante é
que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar,
discutindo o seu pensar, sua própria visão de mundo, manifestada, implícita
ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros. Porque
esta visão de educação parte da convicção de que não pode sequer presentear
o seu programa, mas tem de buscá-lo dialogicamente com o povo, é que se
inscreve como uma introdução à pedagogia do oprimido, de cuja elaboração
deve ele participar
(FREIRE, 1987, p. 120).
Nesta perspectiva de acompanhamento destas etapas, temos o conteúdo da educação
libertadora proclamado durante todo o processo de investigação dos temas geradores.
Organizar os conhecimentos escolares partindo de um tema gerador, no currículo integrado, é
criar situações desafiadoras, que geram dúvidas nos professores e alunos e que, pelo diálogo
com os campos disciplinares do conhecimento, buscarão caminhos para a construção do
conhecimento significativo. E para Paraskeva (2000, p. 80), este é o momento de interferência
substancial na alteração da cultura escolar, uma construção que pode ser atingida se tiver
repercussões ao nível da estrutura da própria escola.
A alteração da cultura escolar é uma ação transformadora da realidade em que se
acham os oprimidos, segundo Freire (1987, p. 166-181) aponta e leva-nos a refletir sobre a
teoria da ação dialógica como fundamento do trabalho com o tema gerador, a partir de suas
características: a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.
A “colaboração” é uma característica que vem ao contrário da conquista para
manipular, como uma coisa que se tem como propriedade, mas um processo colaborativo que
serve para transformar o mundo. “Não há, portanto, na teoria dialógica da ação, um sujeito
que domina pela conquista e um objeto dominado. Em lugar disto, sujeitos que se
encontram para a pronúncia do mundo, para a sua transformação” (FREIRE, 1987, p. 166).
Neste sentido, a colaboração, como característica da ação dialógica, acontece nos
sujeitos em suas funções comunitárias e só pode realizar-se pela comunicação, onde todas as
denúncias dos problemas vividos são feitas com as vítimas em busca da libertação em co-
laboração com eles.
E na união, vemos que esta é a “união dos oprimidos, é um quefazer que se no
domínio do humano e não no das coisas. Verifica-se, por isto mesmo, na realidade, que
estará sendo autenticamente compreendida quando captada na dialeticidade entre a infra e
superestrutura” (FREIRE, 1987, p. 174). Porque, na teoria antidialógica da ação, os
dominadores propagam a divisão dos oprimidos para manter a opressão, enquanto na teoria
dialógica, pelo contrário, a liderança se obriga ao esforço incansável da união dos oprimidos
entre si, e dele com ela, para a libertação. A libertação humana de todas as situações de
opressões é o veio revolucionário da ação dialógica.
Uma outra característica da ação dialógica é a organização. Para que aconteça a
libertação dos homens em comunhão consigo mesmos e com os outros, eles precisam estar
organizados, enquanto massas populares que têm autonomia em suas ações de contraposições
às opressões. Então:
[...] a organização não apenas está diretamente ligada à sua unidade, mas é
um desdobramento natural desta unidade das massas populares, porque ao
buscar a unidade, a liderança já busca, igualmente, a organização das massas
populares, o que implica o testemunho que deve dar a elas de que o esforço
de libertação é uma tarefa comum a ambas (FREIRE, 1987, p. 175).
E é na organização que as massas populares começam a dizer sua palavra e instauram
o aprendizado da pronúncia do mundo, aprendizado verdadeiro, por isto, dialógico. Neste
processo da teoria da ação dialógica, a organização implica autoridade e não pode ser
autoritária, implica ainda liberdade e não pode ser silenciosa.
A síntese cultural, enquanto mais uma característica da ação dialógica e concebida
como “toda ação cultural é sempre uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide
sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la como está ou mais ou menos como está,
ora no de transformá-la” (FREIRE, 1987, p. 178).
A investigação dos temas geradores não acontece separada da ação da síntese cultural,
visto que o que caracteriza a ação cultural dialógica é a superação de qualquer aspecto
induzido, onde o povo tem seu querer-fazer autêntico e revolucionário e não uma invasão
cultural de outros. Portanto, na síntese cultural, onde não espectadores, a realidade a ser
transformada para a libertação dos homens é a própria ação dos atores que vivem nesta
comunidade. Nesta perspectiva, “na síntese cultural, se resolve e somente nela a
contradição entre a visão do mundo da liderança e a do povo, com o enriquecimento de
ambos” (FREIRE, 1987, p. 181).
É importante dizer que toda essa investigação também é objeto incorporado às
diretrizes político-pedagógicas da SMEDEL, pois a concepção curricular que se configura,
nos Ciclos de Formação em Cuiabá, tem como eixo do trabalho metodológico a globalização
no currículo integrado-crítico. Portanto, o princípio da globalização presente no tema gerador
não é uma adição de matérias e conteúdos, mas sim um amplo processo de reflexão que
requer tempo e formação. Então, não possibilidade de improvisar e juntar simplesmente os
diversos conhecimentos e nem tentar fazer surgir conexão onde não existe, forçando a
integração.
O tema gerador possibilita na ação pedagógica uma mediação com a realidade sócio-
cultural dos alunos, com o desenvolvimento infantil e com os interesses da criança e ainda
com os conhecimentos produzidos pela humanidade. Esta organização curricular possibilita
uma nova relação entre currículo e realidade local que se interagem, dando um fundamental
significado aos conteúdos escolares, e o planejamento tem como elo inicial a investigação do
universo temático, e é:
A partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto das
aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da
educação ou da ação política [...]. É na realidade mediatizada, na consciência
que dela tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo
programático da educação. O momento de este buscar é o que inaugura o
diálogo da educação como prática da liberdade. É no momento em que se
realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o
conjunto de seus temas geradores
(FREIRE, 1987, p. 86-87).
E também porque uma teoria dialógica de constituição do conteúdo programático da
educação não pode ser elaborada a partir das finalidades do educador, a partir do que acha ser
necessário ao seu aluno. Os temas a serem trabalhados têm caráter histórico e não estão
desconectados do contexto social, permanecendo em relação dialética com os demais e
encontrados somente na relação homens-mundo. O conjunto desses temas em interação
formará o universo temático vivenciado naquele dado momento.
O tema gerador sempre traz em si a potencialidade de novas discussões que, por sua
vez, farão com que surjam novas ações a serem organizadas na concretização deste em sala de
aula. Investigar os temas geradores é desvelar o pensar dos homens, da comunidade que
freqüenta a nossa escola, é pesquisar como estes agem e interagem com sua realidade, que é
sua práxis.
A investigação temática, que se no domínio do humano e não no das
coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico. Sendo processo de busca, de
conhecimento, por isto tudo, de criação, exige de seus sujeitos que vão
descobrindo no encadeamento dos temas significativos a interpenetração dos
problemas. Por isto é que a investigação se fará tão mais pedagógica quanto
mais crítica e tão mais crítica quanto pedagógica, deixando de perder-se nos
esquemas estreitos das visões “focalizadas” da realidade, se fixe na
compreensão da totalidade
(FREIRE, 1987, p. 100).
Uma investigação temática (diagnóstico da realidade) precisa ter um caráter
conscientizador e por isso se faz pedagógica e reflete uma investigação do pensar. Uma
investigação em que os problemas levantados sugerem direções novas e alternativas para se
repensar a pedagogia como uma forma de política cultural voltada para um projeto de
esperança e possibilidade (GIROUX; SIMON, 2002, p. 96). Então uma pedagogia crítica
nunca estaconcluída, sua existência nos possibilita constantes reflexões e mudanças, um
trabalho em cima do que ainda não se consolidou e é possível e, ainda mais, pelo que
devemos lutar em nossa ação enquanto profissional da educação.
O trabalho dos educadores será devolver à comunidade investigada os dados
recolhidos como problema a ser investigado e não como dissertação pronta e acabada. Toda
investigação da realidade para levantamento dos temas é uma ação cultural, onde os agentes
são sujeitos de seu pensar que será dialogado com seus pares, onde cada qual tem uma visão
de mundo e a compartilhará na direção do desvelamento deste. A organização do
conhecimento escolar por temas geradores pressupõe uma educação cujo programa não
podemos dar de presente, mas busca-lo dialogicamente com o povo. Agindo assim,
intencionalmente, para criar a experiência que irá (des) estruturar os entendimentos de nosso
mundo natural e social. Uma forma singular de ensinar e aprender. Para MacLaren (apud
MOREIRA; SILVA, 2002, p. 104), é “uma pedagogia que ratifica a realidade concreta da
diferença e da vida cotidiana como base para se levantarem questões da teoria e prática”. Esta
perspectiva busca a superação do discurso dominante, que deprecia a pedagogia enquanto
forma de produção cultural, assim como também menospreza a cultura popular
(GIROUX;
SIMON, 2002, p. 97).
Pistrak (1981, p. 40-44) também proclama uma educação como uma forma de ação
político-cultural fundamentada na auto-organização dos alunos e na sua autonomia. No
ensinar e no aprender estão contemplados os objetivos da educação do estudante, o professor
é colocado na condição de parceiro na construção dos novos conhecimentos, e a organização
do programa escolar será pelos complexos temáticos eleitos no plano social e não somente no
pedagógico.
Cada complexo proposto aos alunos não deve ser algo de fortuito, nem um
fenômeno ou um objeto insignificante (seja qual for, num dado momento, a
importância propriamente escolar deste objeto), mas, ao contrário, um
fenômeno de grande importância e de alto valor, enquanto meio de
desenvolvimento da compreensão das crianças sobre a realidade atual
(PISTRAK, 1981, p.107).
Neste pensar, pressupõe-se que entender a voz do estudante é lidar com a necessidade
humana, que vem de um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada, capaz
de confirmar a própria existência no mundo. Logo, calar a voz do estudante é destituí-lo de
poder (GIROUX; SIMON, 2002, p. 137).
No contexto de trabalho com o tema gerador, onde a educação tem base na pedagogia
crítica que questiona como poderemos contribuir para a construção da imaginação social em
benefício da liberdade humana, o professor assume o papel de investigador dos elementos da
realidade para que possa balizar suas ações no cotidiano escolar. O professor é o agente ativo
no desenvolvimento desta proposta curricular numa perspectiva de inovação educacional, com
uma atuação tanto pedagógica como intelectual. Porém, “não se trata de exigir que os
professores suprimam ou esqueçam o que sabem e como sabem. Na verdade, a luta
pedagógica se enfraquece sem tais recursos. Entretanto, professores e alunos precisam
encontrar maneiras de evitar que um único discurso se transforme em local de certeza e
aprovação
(GIROUX; SIMON, 2002, p. 106).
Assim, é importante ressaltar que o trabalho que vem sendo desenvolvido na Rede
Pública Municipal de Cuiabá é o de repensar as práticas educativas em torno da idéia do
ensino como forma de política cultural, buscando formas de construir caminhos “numa
pedagogia crítica que examina, por meio do diálogo, as vias pelas quais as injustiças sociais
contaminam os discursos e as experiências que compõem a vida cotidiana e as subjetividades
dos alunos que neles investem” (GIROUX; SIMON, 2002, p. 106).
No momento em que estamos dando o caráter pedagógico ao diagnóstico da realidade,
levantado junto à comunidade, é que problematizamos as questões sociais, pois acreditamos
que a utilização de um currículo integrado, organizado por tema gerador se dá:
por propiciar um vínculo significativo entre conhecimento e
realidade local;
por não ser uma abordagem curricular burocraticamente
preestabelecida;
por envolver o educador na prática de “fazer e pensar currículo”;
por relacionar realidade local com um contexto mais amplo;
por entender que o conhecimento não está pronto e acabado e que a
escola é também local de produção de conhecimento;
por estabelecer uma relação dialética entre os conhecimentos do
senso comum e os já sistematizados;
por buscar uma forma interdisciplinar do conhecimento
(ROCHA,
1995, p. 19).
Ao buscar a origem do tema gerador em Corazza (2003, p. 20), esta faz algumas
considerações que são esclarecedoras para compreendermos o objeto de estudo desta
pesquisa. Tomei a liberdade de fazer a citação das idéias da mencionada autora por completo,
mesmo correndo o risco de ser a citação antididática pela extensão do texto, mas o fiz
intencionalmente, pois os elementos explicitados aqui são de pouca ou quase nenhuma
preocupação, quando discutimos o Tema Gerador em nossas escolas. Assim:
1. “É Freire quem realiza o invento conceitual dos TEMAS
GERADORES
46
.
2. Assim como Pistrak, Freire refere-se aos ‘temas’, desde a
etimologia grega de ‘théma’, como o assunto a ser tratado.
3. Tanto Freire, quanto Pistrak, elegem os ‘temas’, advindos da
vida concreta dos sujeitos, como a centralidade do processo
educativo, porque ambos se utilizam do mesmo paradigma
epistemológico, qual seja, o dialético, que supõe partir da
prática, teorizar sobre ela e voltar à prática para transformá-
la.
4. Pistrak trabalha com ‘temas’ da atualidade, para que os
alunos ‘compreendam esta atualidade. Esta categoria,
priorizada por Pistrak, refere-se à realidade da União
Soviética, logo após a Revolução de outubro (1917), onde o
que buscavam era a construção de uma nova sociedade e de
um homem novo. Logo, existia uma relativa hegemonia
revolucionária nas representações temáticas que, da
sociedade, faziam os sujeitos.
5. Freire lera Freyer e pensara os ‘temas’ desde sua
contextualização nas unidades epocais históricas. Contudo,
ao contrário de Pistrak, Freire estava produzindo a partir de
sociedades estruturalmente desiguais e conjunturalmente
dependentes (Brasil e Chile). Por essa situação, precisou
colocar, no âmago dos ‘temas’, a categoria da contradição.
Os temas’ de Freire não podiam referir-se à atualidade de
Pistrak (mais ou menos hegemônica), tinham de vir
marcados pela luta de concepções que classes antagônicas
produzem. Ou seja, eram ‘temas classistas Classes
populares’.
6. Afora as diferenças conjunturais, Freire, tanto quanto
Pistrak, propõem que se parta da realidade de vida dos
alunos e dos temas que a impregnam, entendendo que esta
realidade reflete e produz a prática social geral. Por isso a
temática não pode ficar particularizada a um grupo social,
mas estar sempre referida às relações que tem com os temas
históricos do contexto societário global.
7. Freire e Pistrak realizam, através dos ‘temas’, a aplicação
didática do método dialético. Estabelecem critérios para a
educação (institucionalizada ou o), que promovem uma
ruptura epistemológica com a educação livresca, autoritária
e academicista. Tais critérios advêm do plano social e não
do meramente pedagógico – e para ele retornam.
8.
Se Freire agrega aos ‘temas’ a conotação de ‘geradores’, por
estar pensando e fazendo alfabetização de adultos e, por
46
Destaque da autora.
isso, influenciado pelo método analítico-sintético de
alfabetização (o mais avançado “cientificamente” na época);
por outro lado, essa original adjetivação imprime aos
‘temas’ uma insígnia poderosa de dinamicidade e de
possibilidades criativas. Além do que, na polifonia das
palavras – TEMA e GERADORES
47
–, desdobramentos
muito interessantes e possíveis de serem encontrados
(CORAZZA, 2003, p. 20-21).
Partindo destas interlocuções com Corazza (2003), salvaguardamos todos os atributos
de originalidade do tema Gerador ao grande educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire,
nascido em 1921 e falecido em 1997, com quem partilhamos os referenciais sobre tema
gerador para uma educação libertadora. Em suma, o tema gerador é o eixo articulador da
integração numa concepção de currículo integrado em uma perspectiva crítica e o eixo que
conduz toda a ação docente na escola. Esta se inicia e termina na prática social dos sujeitos.
Partindo dos dados levantados e do quadro teórico que acabo de socializar, começo a
análise dos dados levantados nesta pesquisa, com vista a problematizar o objeto em estudo e,
conseqüentemente, elucidar as questões problemáticas enunciadas anteriormente.
47
Grifo da autora.
III ORGANIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
De posse dos dados levantados pelos instrumentos de coleta: observação, registro de
comentário dialogado, entrevistas e análise documental, explicitados nos aspectos
metodológicos desta pesquisa, e também de posse do marco teórico que visa elucidar as
apreensões recolhidas no contexto da escola pesquisada à luz dos teóricos por quem optei-me
embasar, passo à organização e análise dos dados coletados.
A organização dos dados se deu com base nos aspectos caracterizadores a que tendem
as categorias, que foram elencados no quadro teórico: Concepção de currículo disciplinar e
integrado-crítico, planejamento curricular e prática de aula.
Neste processo, elaborei um quadro de organização dos dados por categoria e por
professor. O trabalho aconteceu de forma lenta, pois busquei todas as recorrências nos
registros dos diferentes instrumentos de coleta dos dados e das subcategorias apresentadas.
Assim, organizei os dados em três grandes eixos de análise:
1 – Organização e estruturação do conhecimento escolar
2 – Concepção e prática de planejamento curricular
3 – Organização curricular da prática de sala de aula
Nesses eixos, fiz a opção por analisar os dados por professor, tendo em vista que cada
um trabalha com uma etapa do 1º. ciclo de formação, e cada professor tem sua ação
pedagógica constituída de singularidades próprias que refletem suas experiências pessoais,
profissionais, de formação inicial e continuada etc. Mas, ao final de cada eixo, fiz uma análise
sintetizando os significados das concepções e práticas curriculares no conjunto dos sujeitos
pesquisados, uma discussão-síntese que contempla os marcos teórico-práticos, evidenciados
nos dados recolhidos dos professores.
De agora em diante, optei por me referir aos professores, designando-os também pelo
sexo, que todos os sujeitos da pesquisa são mulheres. Portanto, tratá-los-ei pelo gênero
feminino, ou seja, professoras, buscando caracterizar uma aproximação mais fidedigna do que
pesquisei na escola. Passo ao processo de análise dos dados, partindo do primeiro eixo de
orientação desta parte do estudo.
1- Organização e estruturação do conhecimento escolar
Neste primeiro eixo de organização da análise, os dados levantados nos revelaram
como os professores do 1º. ciclo da escola pesquisada organizavam o conhecimento escolar.
Destaquei duas categorias de análise: o currículo disciplinar e o currículo integrado-
crítico, analisado com flexibilização em ambas, pois, na prática, suas características não
existem puras. Elas tendem a oscilarem entre uma e outra concepção, determinando um fluxo;
ora mais em uma e ora mais em outra. As categorias estão caracterizadas por suas
subcategorias, e essas são tendências, como: fechamento nas disciplinas, integração pelas
disciplinas, consolidação dos saberes disciplinares, produção dos saberes escolares,
priorização do conhecimento dos educandos, desconsideração do conhecimento dos
educandos, inflexibilidade na organização pedagógica/curricular e flexibilização na
organização pedagógica/curricular. Destaquei, a seguir, o que os dados me revelaram,
partindo da professora Sara.
1.1 Professora Sara, do 1º. Ciclo de formação
A professora Sara trabalha com alunos da faixa etária entre 5 e 6 anos que estão em
início do processo de alfabetização. Ao agrupar os dados da professora sobre a organização do
conhecimento escolar, tais dados nos revelaram recorrência com predominância na categoria
do currículo disciplinar. Ressalto, como afirmei, que são dados que tendem a caracterizar o
currículo como disciplinar, mas que, por muitas vezes, obrigatoriamente, a professora não o
declara, como veremos, a seguir.
O fechamento nas disciplinas é uma característica presente nos dados observados da
professora, dados estes que se constituem enquanto ações pedagógicas, onde um
fechamento que propicia uma fragmentação do conhecimento, com privilégio de algumas
áreas do conhecimento. Este privilégio faz com que o conhecimento científico seja o centro
balizador de todo o trabalho. Porém, como todas as subcategorias são aspectos que por si
não revelam a categoria e sim tendências, vemos, então, que em alguns dados houve
revelações de uma dinâmica entre um ir e vir que flexibilizam as categorias: currículo
disciplinar e integrado-crítico.
No caderno de campo dos dias 13/5, 14/6, 15/6, 22/6, 01/7, 02/7, 05/7, 08/7 e 12/7,
foram registradas aulas onde, fundamentalmente, foram trabalhados os conhecimentos
lingüísticos e, em alguns dias, os conhecimentos lógico-matemáticos a partir da contagem das
letras das palavras usadas para leitura. Como vemos, a seguir, A professora escreve no
quadro:
M MACACO E pergunta: MACACO tem quantas partes?
E, assim, procede em relação a outras palavras e letras do alfabeto:
régua, lápis, caderno, cola e pincel[...](L10-13).E pergunta: Qual a letra
inicial? Quantas partes? Qual palavra tem menos letras: pincel ou cola? [...] (L.32). E,
em seguida, continua escrevendo no quadro: BRENDA BRA BRE BRI BRO
BRU BA BE BI BO BU [...]. Novamente pergunta: Que palavra
começa com BRA? E assim sucessivamente até o BRU [...] (L. 28-30).
É evidente que a professora tem dificuldade na integração do saber que possa
mediatizar uma percepção mais global daquilo que os alunos estão aprendendo. As atividades
que ela propõe, estancam a possibilidade de compreensão da problemática social existente no
subtema Escola e segurança que está sendo explorada neste momento. E mesmo diante desta
dificuldade, a professora até inicia alguns questionamentos com as crianças, tentando
contextualizar a palavra explorada, ainda que superficialmente. Por isso, não posso demarcar
rigidamente as fronteiras das categorias em análises, mesmo que os dados de Sara se revelem
com mais propensão ao currículo disciplinar.
E, com mais algumas atividades escritas no quadro, a professora Sara continua:
Copie e conte:
BOLO ____________
URUBU __________
BANANA__________ [...]. (L.19-25). E ainda [...] Copie e conte:
BALA
BULE
ABACAXI
CABIDE [ ...]. (L.14-27)
O que os dados fazem conhecer é referendado por Lopes (1999, p. 193), ao afirmar
que a compartimentação do conhecimento advém do processo de divisão social do trabalho e
origina-se de uma concepção de disciplina aistórica, portanto o conhecimento é concebido
como compartimentado, fazendo com que a disciplina, que é essencialmente escolar, a partir
de sua constituição de organização da escola, aproxime-se da disciplina científica. Esta
estrutura compartimentalizada na aula também é recorrente nos dias seguintes, quando pede:
[...] Venha aqui ao quadro e mostre a palavra que tenha ï ”. Em seguida, passa no
quadro:
Palavras com 5 letras
Qual número é mais que 5?
Palavra que tenha “o” (L. 9-13) E, ainda, na mesma aula: [...] O que tem ca, co, cu?
Os alunos falam e a professora escreve no quadro: Procure palavras com: CA
CO CU (L.17) e Procure na sala palavras com as quantidades pedidas:
6 letras
3 letras
4 letras
7 letras ... (L.31-35). Dando continuidade, escreve no quadro: CAVALO,
CACHORRO, CAMISETA, COCO, CUCA. Agora conte as letras. (L.36-40)
A turma de alunos da professora Sara se compõe de crianças entre 5 e 6 anos, razão
por que uma preocupação constante com a alfabetização, e este processo inicial de
construção dos códigos das linguagens escrita e falada é realizado pelo tema gerador.
Entretanto, professora afirma que é muito difícil, complicado, porque desenvolver o tema,
aquele tema até a gente consegue, mas a questão é tirar as disciplinas
48
desse tema, eu
acho o ponto principal do tema gerador seria passar pelas diferentes áreas no trabalho
48
A base curricular do 1º. ciclo de formação na Escola Sarã tem como componentes as áreas do conhecimento.
com o tema gerador. Essa parte é a mais difícil. É colocar tudo isso (RCD gravado em
8/7/04). Na argumentação de Sara, encontramos elementos que indicam a preocupação com a
integração das áreas do conhecimento na exploração do tema, mas ela ainda não construiu em
sua prática os elementos didático-pedagógicos que a auxiliarão neste processo mais
integrativo.
Por isso, tem como única preocupação os conhecimentos lingüísticos, torna-os
fundamentais e autônomos para o desvelamento do subtema trabalhado: Escola e segurança.
E isso evidencia que a professora ainda tem dificuldade em trabalhar em uma dimensão
globalizada, restringindo-se em uma das áreas do conhecimento, reforçando, em seu trabalho,
atividades essencialmente de conhecimento das letras do alfabeto e contagem delas.
Em uma das entrevistas gravada em 11/11/04, a professora explica qual a contribuição
dos campos disciplinares no tema gerador: Acho que cada disciplina vai fazendo uma parte
daquele tema. Por ex.: se ficarmos numa parte falando, falando sobre aquele tema, o
aluno não vai conseguir aprender, que é o objetivo. Então você tem que procurar as
disciplinas, no momento de desenvolver aquele tema, procuro usar caça palavras com
palavras que já foram usadas no tema, palavras que eles viram no tema. Agora
mesmo começamos a questão da nota, muitas vezes, ele sabe pela memorização de ter
visto nas propagandas. Então trabalho o nome da loja, fale o nome de uma loja.
Trabalhando o lado da alfabetização, juntando: fale o nome de uma loja que tem quatro
letras.
Pode-se constatar, pela fala da professora, uma confusão entre disciplina e atividade.
Verificamos que, em seu trabalho pedagógico, um enfoque em diferentes tipos de
atividades, com privilegiamento do conhecimento lingüístico na alfabetização e a
superficialidade na tentativa de articulação com diferentes disciplinas. Assim, ainda na
entrevista, na réplica à pergunta: E em sala de aula, como você realiza isto?, a professora
explica: É, por exemplo, na questão do lazer e saúde
49
. Eu coloquei a questão do lazer e li
alguns textos para eles, aí chegou a alimentação, uma alimentação mais saudável para se
ter um melhor lazer, ficar mais animado. E que fui para o lado da alimentação, da
higiene com os alimentos. A questão de horta, eu trabalhei texto, seria o Português
50
,
49
Os trabalhos que a professora irá descrever não foram observados, pois são realizados em outro bimestre e não
no período de minha observação.
50
Grifo meu.
palavras, leitura do texto, pintar espaços entre as palavras do texto, porque tem criança
que escreve grudado. que puxava também a questão da quantidade, quantas
palavras, quantos tipos de alimentos apareciam neste texto. O que tinha nesta horta,
estou trabalhado a questão da quantidade e a parte da Ciência
51
, a gente colocou sobre
as queimadas, né, sobre a saúde, porque a queimada não faz bem para a saúde, traz
doenças. Aí expliquei sobre doenças, o que pode ser feito com as folhas, expliquei sobre a
compostagem. O que pode ser feito para evitar. fui procurando trabalhar vários
conteúdos assim (Gravação em 11/11/04).
Neste momento, a fala da professora retratou que tinha clareza de que necessitava dos
conceitos que estão sistematizados no âmbito dos conhecimentos científicos, mas que, ao
trazê-los, enquanto conhecimento escolar, para ajudar a explicar o tema em estudo, o fê-lo de
forma superficial, descontextualizada e ainda sem levar em conta o estágio cognitivo das
crianças de sua turma.
Porém, vemos uma tentativa de conectar a discussão realizada com o tema explorado e
uma preocupação com a escrita das crianças que escreviam as palavras “grudadas”. Mesmo
diante disto, a fragmentação é preponderante, onde a tendência é para um fechamento nas
disciplinas.
Como as subcategorias não estão desassociadas, uma tende a complementar a outra e,
às vezes, até se reforçam mutuamente. Portanto, vemos que os dados demonstraram, ao
fechar-se em disciplinas, que chegam mais próximas às disciplinas científicas, fazendo com
que haja também uma consolidação dos saberes disciplinares, caracterizando-se
especialmente pela apresentação dos conhecimentos descontextualizados da realidade do tema
gerador explorado. Ao privilegiar um determinado conhecimento, a professora reforça a
divisão dos saberes negando uma cooperação interdisciplinar inerente ao saber do campo da
ciência e, conseqüentemente, no âmbito da escola. Uma outra forma observada de reforço dos
saberes, disciplinares nas aulas da professora foi pelo trabalho seqüenciado do alfabeto. A
ordem alfabética enquanto conteúdo, pareceu a ela mais importante que o tema em estudo. O
trabalho adveio da seqüência alfabética para alfabetizar pelo processo de
palavração/silabação.
51
Grifo meu.
No dia 29/6, estão registradas atividades nas quais a professora destacou palavras do
texto, descontextualizadas do subtema Escola e segurança, para retirar palavras que seguem
a ordem do alfabeto para serem trabalhadas, como: Na recepção às crianças, a
professora canta a música do relógio e depois destaca algumas palavras para
ler, contar as sílabas e letras (C.C. de 29/6. L.4 -5). E em outro dia: após cantar
a música Se és feliz, destaca as palavras mãos, pés, gargalhada, legal,
assobiar, feliz[...]. Assobiar tem quantas partes? E assim fez com outras
palavras. (C.C. de 14/6. L.10-16). E ainda, em outra aula: [...] A professora recorre às
palavras da música do “TIC-TAC” para começar o seu trabalho hoje. E
escreve no quadro: tic, estudar, escola e dormir. Que palavras começam com DO como
dormir? [...] (C.C. de 1/7. L.4 - 6).
Vemos que o ir e vir é constante na prática da professora, por isso tal prática se torna
complexa e singular a Sara. Ao mesmo tempo em que acompanha a ordem alfabética, procura
retirar as palavras exploradas de um texto que as crianças conhecem. Então ela busca uma
compreensão do valor social da escrita, ainda que incipiente, ao utilizar o texto como uma das
formas de linguagem que nós utilizamos, mas mesmo empregando texto com palavras
conhecidas pelas crianças. Este não contextualiza o subtema em estudo, sequer são discutidos
no contexto da aula os significados das palavras com as crianças.
Esta situação é recorrente, quando em outra aula: [...] A professora lê o texto: a
festa no céu e faz a pergunta [...] (C.C. de 2/7. L. 44). E mais outra, pronunciando
assim: [...] Eu vou ler um texto aqui, preste atenção. O nome do texto é o bolo, façam
silêncio [...] (C.C. de 5/7. L. 3-5). E a recorrência continua, sendo verificada na seguinte
atividade: [...] Em seguida mostra o cartaz do texto O relógio e a palavra
brincar, perguntando: O que está escrito aqui? Quantas letras têm?[...] ( C.C. de 21/7.
L. 6-8).
Nesses dias, houve apresentação de textos descontextualizados do subtema proposto
no coletivo de professores do 1º. ciclo, como os citados: a festa no céu, o bolo e o relógio;
apóia-se em um conhecimento acadêmico que se apresenta sem ideologia e
descontextualizado da realidade, reforçando a seqüência alfabética com uso de texto apenas
para retirar algumas palavras para serem lidas, contar letras e formar novas palavras com suas
famílias silábicas, porque tem dificuldades em trabalhar o tema gerador na alfabetização.
Como vemos em sua fala: é que está a dificuldade, né. É entrar essa parte do
planejamento da alfabetização com o tema, porque se for trabalhar quando coloco o
tema, algumas coisas entram, a matemática, ciências e coisas mais. É pouco. No caso
teria que planejar o tema junto com as atividades desse alfabeto, que estou
desenvolvendo. eu tenho um pouco de dificuldade. No alfabeto, eu estou usando o
nome dos alunos. Então estou trabalhando os nomes e acaba ficando diferente e não
está entrando no tema (RCD de 8/7/04).
Constatei que Sara aponta as dificuldades que tem, mas ainda não encontrou uma
proposição de experimentação para superar tais dificuldades, pois a organização metodológica
de seu trabalho se “a prióri”, ignorando as necessidades das crianças de sua turma da I
etapa do 1º. ciclo de formação humana, no período da infância. Nesta fase, as crianças passam
do estágio pré-operacional para o das operações concretas, quando a professora deveria
trabalhar com atividades desafiadoras que lhes possibilitassem elaborar novas suposições e
questões para chegarem a outro estágio cognitivo.
Esta organização metodológica propicia a desconsideração do conhecimento dos
educandos, fato este detectado recorrentemente e que mostrou tendência no currículo
disciplinar. Esta subcategoria está imbricada das relações mútuas e contínuas que se
estabeleceram entre elas. Por isto, esta desconsideração é verificada, mediante os dados,
quando a ordenação seqüencial do conteúdo preestabelecido é o eixo central da ação
pedagógica da professora e não a problematização do subtema Escola e segurança. Ao não
problematizar o tema em estudo, observei que as atividades trabalhadas estiveram
desarticuladas do cotidiano dos alunos, portanto, desvinculadas dos conhecimentos destes,
num trabalho baseado apenas em textos que reforçam as famílias silábicas para posterior
exploração na alfabetização, como disse anteriormente, o que revela ainda a presença
cristalizada de uma concepção conservadora da professora em relação à alfabetização
52
. Esta
não concebe a aprendizagem como um processo de apropriação do conhecimento que se
pelo pensar e agir do sujeito sobre o objeto que ele quer conhecer, mesmo demonstrando
alguns raros indícios que marcam uma outra concepção mais construtivista de alfabetização.
Na prática da professora Sara, esta característica de desconsideração dos
conhecimentos dos alunos também foi evidenciada em outros momentos.
Bem como no dia
52
Uma concepção funcionalista que desconsidera o valor social da escrita e da comunicação.
14/6, ainda trabalhando com o mesmo subtema, propôs a atividade: o que temos na
escola, mas indo diretamente na atividade
O que tem em comum nesses
desenhos? Esses são materiais usados na escola, afirma a professora entregando uma
folha impressa com os desenhos de alguns materiais escolares.(C.C. L.26-27).
Sara não privilegiou os conhecimentos dos alunos, quando explorou os equipamentos
existentes na escola e fala: […] Desenhem equipamentos da escola. O que são
equipamentos da escola? Quais tipos de materiais temos dentro da secretaria? E [...] Os
alunos não respondem e parecem não entenderem a fala da professora (C.C. de
6/7. L. 21-24). O contexto dos alunos é negado, e estes silenciam diante das interrogações da
professora. A professora não explorou o que as crianças conheciam sobre o assunto, e o
universo vocabular dos alunos não foi considerado.
Em outra aula, por estar próximo o dia do aniversário de Cuiabá, propôs, na aula do
dia 5/7, o estudo sobre Cuiabá, pregando um cartaz onde estava escrita a palavra CUIABÁ e
sua família silábica, explorando-as sem antes contextualizar o porquê deste trabalho. Aqui no
cartaz está escrito CUIABÁ, CUIABÁ, CA CO CU é para copiar. (C.C. L.28-30). Ao não
trabalhar o significado das palavras a partir dos conhecimentos dos alunos, a professora
desencorajou, mesmo inconscientemente, as crianças de interferir em seu próprio
desenvolvimento intelectual e reafirmou a necessidade de apenas memorizar a palavra e suas
sílabas.
As crianças desta turma estavam em uma fase que requeria um trabalho com
realidades concretas para que pudessem realizar suas operações mentais no estabelecimento
de hipóteses que ajudarão na construção de determinados conceitos. Assim também todo
trabalho cognitivo exige fundamentalmente a interação sujeito-objeto e não ações
contemplativas, nem passivas, como se deu na aula descrita pela professora.
Em entrevista do dia 11/11/04, a professora demonstrou que reconhecia a necessidade
de considerar os conhecimentos dos alunos, mas isto não foi considerado em sala, quando
falou: Acho que é necessário verificar o que tem do ano anterior, ajuda bastante no
desenvolvimento do tema gerador, porque, na verdade, com o tema gerador não tem
como não priorizar esses conhecimentos, não só da criança, mas da família.
Logo, a argumentação da professora contradisse os dados observados no 2º. bimestre
quando desenvolveu o subtema Escola e segurança e quando, por várias vezes, demonstrara
ter dificuldade em trabalhar o tema gerador na alfabetização, evidenciando uma necessária
busca de outra concepção, porque alfabetizar é conscientizar, e ensinar exige apreensão da
realidade, como afirma Freire (1987, p. 101). Se não partirmos desta concepção, o universo
vocabular do alfabetizando é oprimido e o conhecimento acadêmico é sobreposto aos
conhecimentos da prática social do sujeito.
Ficaram explicitadas que as contradições, conflitos, dificuldades, dão espaço para
construir as possibilidades e limites que emergem na e da ação docente de cada professora. O
que move o processo pedagógico está justamente neste ponto, pois ao ancorar-se mais no
limite do disciplinar, a professora Sara não refletiu (ou não lhe foi possibilitada essa reflexão)
sobre sua prática em busca das possibilidades de uma prática mais integrada e crítica.
E como Schor e Freire (1986, p. 72), diríamos que ao buscar a realização de uma
prática transformadora, aprendemos como fazê-la, mas também aprendemos os limites dentro
dos quais atuamos. Estes são reais em nossa sala de aula ou em outras áreas da sociedade, e,
ao aprendê-los, obtemos conhecimento concreto sobre o quanto ou até mesmo o pouco que
alcançaremos neste momento. Então é no quanto que se ancora as nossas possibilidades
mobilizadoras, em prol de uma prática libertadora.
Esta falta de reflexão ativa de suas ações fez com que a professora Sara marcasse sua
prática pela inflexibilidade na organização pedagógica/curricular, com predominância e
recorrência nas aulas observadas. Isto levou a professora a buscar, como determinante de sua
ação pedagógica, aulas expositivas com o uso de vários tipos de atividades, atividades estas
impressas em folha de papel e centradas nos conteúdos das disciplinas.
A ação pedagógica da professora reduziu-se a esquemas rígidos, tornando o processo
de ensinar não comunicativo, onde o professor deposita no aluno todos os conteúdos que ele
mesmo elaborou ou os que foram elaborados para ele (FREIRE, 1987, p. 102). Esses
esquemas inflexíveis, recorrentes na ação pedagógica/curricular da professora, incidiram em
aulas onde imperou a exposição de palavras no quadro, leitura e cópia das palavras, como
ocorreu no dia 21/6, quando a professora escreveu as palavras: CAVALO, BOI,
GOIABEIRAS, ÁRVORES, MANGA, e, após a leitura destas palavras os
alunos copiaram-nas. (L, 15,16 do CC).
Esta organização foi visualizada também nas aulas subseqüentes, observadas nos dias
13/5, 14/6, 15/6, 22/6, 29/6, 01/7, 05/7, 06/7, 08/7 e 12/7, apenas com mudança das palavras
linearmente trabalhadas. A inflexibilidade fez com que a professora organizasse seu trabalho
sem questionamentos e, ocultada a problematização, centrou-se na linguagem, de forma
fragmentada, numa visão funcional de alfabetização, atuando como simples transmissora de
conhecimento. As diversas experiências enriquecedoras e motivadoras da aprendizagem
foram negligenciadas pela professora, com conseqüente reflexo nas atitudes das crianças em
sala, marcadas por ações dispersivas do grupo, pois a sala de aula não era um espaço
estimulador de aprendizagem.
Estes comportamentos do grupo foram recorrentes nas observações das aulas da
professora. E no dia 08/7, na gravação do registro de comentários dialogados, a professora
manifestou que estava procurando recursos pedagógicos que lhe pudessem auxiliar na
organização disciplinar dos alunos e, conseqüentemente, no processo de aprendizagem destes,
expressando-se assim: Estou procurando é [...]. Modificar os materiais que estou usando
porque não tem dado muito resultado. Comecei a trabalhar jogos, trabalhar atividade
com pintura e recortes, mesmo assim não tem dado muito resultado. Estou tentando
achar uma maneira de estimular estes alunos.
Observei na expressão falada da professora que tinha clareza de que precisava
interferir na organização de suas aulas, mas ainda não sabia como, pois havia ainda a
necessidade da compreensão de que todas as atividades trabalhadas em sala deviam estar
inseridas em um contexto de aprendizagem significativa e de interação. Portanto, deveriam vir
da realidade dos alunos e valorizar o conhecimento prévio destes. Houve, também, uma
dificuldade, já constatada, de integração, porque também algumas crianças não compreendiam
o que a professora estava trabalhando. Mas, mesmo na turma da I etapa do 1º. ciclo, as
crianças não aprovaram a forma de organização pedagógica/curricular com que a professora
trabalhava e, conseqüentemente, a organização metodológica da aula. Tal desaprovação se
evidenciava pela postura de inquietude e dispersividade revelada pelos alunos durante o
período das observações em sala de aula.
1.2 Professora Wilma, do 1º. ciclo de formação
As considerações feitas sobre a prática da professora Sara também foram observadas
ao analisar os dados da professora Wilma: as categorias currículo disciplinar e integrado-
crítico não se separam rigorosamente, estas convivem em nossas práticas nas escolas, mesmo
quando preponderância do currículo disciplinar. Portanto, neste momento de análise dos
dados, tentei captar o movimento dinâmico entre uma e outra categoria que pode estabelecer-
se na prática desta professora.
As aulas observadas e registradas em caderno de campo de 3/8 à 24/9/04, totalizando
19 aulas, revelaram-se contendo um fechamento nas disciplinas, enfatizando um
encerramento em atividades que privilegiaram os conhecimentos lingüísticos e os
conhecimentos lógico-matemáticos, do tipo Faça números de 0 a 200. (C.C. de 3/8. L.14). O
trabalho pedagógico desta professora vem confirmar a argumentação de Lopes (1999, p. 185),
que se referiu à desvalorização de saberes das Ciências Sociais ou mesmo não-científicos,
considerados exclusivamente como pertinentes ao campo da opinião, como destituídos de
racionalidade. Nesta desvalorização, ocorre uma fragmentação dos conhecimentos que
privilegiam atividades com graus de abstrações que não correspondem aos estágios cognitivos
das crianças do 1º. ciclo de formação da faixa etária entre 6 e 7 anos.
Em outra aula, recorreu às mesmas situações: [...] Invente meros e faça continhas
de mais e menos. (C.C. de 5/8. L.49). As crianças demonstraram estar cientes de que a
professora lhes propõe atividades como se elas autonomamente conseguissem a construção
dos conceitos de adição e subtração. A professora não revelou preocupação com a qualidade
das atividades que elaborou para aplicação em sala de aula. Elas, além de reforçarem a
fragmentação, não servem para desenvolver operações mentais próprias das crianças neste
período da infância.
Encontrei recorrências em mais outras aulas, quando a professora registrou no quadro
estas atividades: Faça cinco palavras com duas vogais juntas (C.C. de 12/8. L.16). E ainda,
em outra aula: [...] Faça dez palavras no diminutivo e separe. (C.C. de 20/8. L.41). E nos
dias 3/9 e 10/9, atividades como: Faça dez frases no diminutivo e passe para o
aumentativo e Vamos trabalhar um textinho para trabalhar o am (n), em (n), im (n), om
(n), e um (n). E ainda: o antecessor e sucessor: ---- 17 ------, -----50 ----, ----100 --- e
faça números de 0 a 100 e circule os pares (C.C. de 16/9. L.7-28).
Confirmando a compartimentação do conhecimento, propôs quase sempre atividades
onde os conteúdos são fragmentados, sem perspectiva de integração. Bem assim quando
escreveu no quadro para trabalhar o número de sílabas: Siga o exemplo: uva = dissílaba,
janela = trissílaba, pirulito = polissílaba [...] (C.C. de 24/9. L.34-35). Além disso, nessas
atividades, vi que a professora entende que as crianças irão aprender porque vêem os outros
[ela mesma] escreverem e lerem sobre a classificação das palavras pelo número de sílabas.
Assim, a aprendizagem não foi construída pela interação do aluno sobre o objeto em estudo,
mediada pelo contexto socioistórico em que vive e, especialmente, pelas relações que se
estabelecem com os outros na sala de aula e na escola como um todo.
Esse fechamento foi confirmado durante a gravação dos registros de comentários
dialogados do dia 19/8/4, quando a professora explica como está planejando o subtema Lazer
e Saúde. Nós fizemos da seguinte forma. É, estamos buscando trabalhar dentro de cada área e
planejando assim: O português, um textinho, passando um textinho e dentro do textinho
pode trabalhar Matemática, Português, Geografia e História. Assim, mas no meu caso
como é [...] (fica em dúvida sobre a nomeação da turma e pede ajuda, e eu a ajudo) [...] II
etapa é assim: é mais desenho, produçãozinha de pequenos textos, às vezes, tem lazer
aqui na escola para eles investigarem, perguntarem, lá em casa. Se eles vão ao lazer fora
daqui. Aqui praticamente não tem quase nada, né. alguns que conhecem, outros não,
mas em forma de desenho, também perguntas, questionários para perguntarem para
alguém, mais nesse sentido, assim.
Isto, para Pacheco (2002, p. 191), caracteriza um conhecimento escolar que se divide
numa dualidade que privilegia a estrutura da disciplina como essencial na aprendizagem dos
alunos e, por outro lado, deixa, em segundo lugar, os saberes ligados aos sentidos político,
social e moral da ação humana. Esses saberes se constituem em eixo essencial ao tema
gerador numa visão de educação para a emancipação dos homens. Mas os dados da professora
Wilma revelaram uma prática que tende a ser mais disciplinarizada, limitando a compreensão
desta totalidade.
Os dados obtidos, mediante entrevista, revelaram-me que a disciplina Português
53
é a
que impera no trabalho da professora, pois fala que busca no Português uma maneira de
articulação com outras disciplinas. É assim, dentro do tema eu vou procurando, olhando
no livro alguma coisa que encaixa ali, né. Quando eu não consigo, eu mesma crio o texto.
53
Lembro, mais uma vez, que, na base curricular do 1º. ciclo, não existem disciplinas.
Eu mesma escrevo e passo e momentos em que crio o texto junto com as crianças.
Vamos falar sobre isso e eles vão falando e eu escrevendo ali. Dali a gente forma, faz o
texto. E vê o que dá para trabalhar dali (gravada em 11/11/04).
Todavia, nas aulas observadas, não foi evidenciada produção alguma de texto com os
alunos, sempre a professora indicava um texto que possibilitasse a exploração de uma família
silábica, como:
O banho – nha, nhe, nhi, nho, nhu.
Betinho é o bebê da tia Júlia. Ele é muito delicado.
Leila arruma o banho do bebê.
Ela coloca o patinho na bacia e apanha o sabonete.
Betinho vê o patinho e ri.
Leila fala: Como Betinho é fofinho (C.C.do dia 19/8/04).
A ênfase na família do “nh” é dada pelo traço que a sublinha, revelando-nos uma
fragmentação do conhecimento que reforça a estrutura do fonema na linguagem, podendo
possibilitar um fechamento nas disciplinas, numa visão científica. Nestes casos, na disciplina
Português. Porém, toda matriz disciplinar funciona como um instrumento de organização e
controle da escolarização, segundo Macedo e Lopes (2002, p.74), que não impede a
integração.
O eixo contraditório entre o que a professora pensava e falava e o que fazia em sala
estava presente na ação de Wilma, possibilitando constatar que a professora SOMS, mesmo
não realizando a atividade da maneira como prevê a categoria curricular integrada, sabe da
importância de se valorizarem as produções dos alunos no processo de ensino e
aprendizagem.
Ao fechar-se em disciplina, ficou salientada no trabalho da professora uma
característica do currículo que o aproxima do disciplinar, a consolidação dos saberes
disciplinares, que se configuram numa constância que reflete as relações com a subcategoria
anteriormente analisada, o fechamento nas disciplinas. Um fechamento que possibilita a
fragmentação, fragmentação esta da qual se origina a disciplinarização que propicia a
consolidação dos saberes disciplinares, onde as subcategorias se entrelaçam e se completam.
Esta subcategoria se estruturou nas aulas da professora pela organização de atividades com
conteúdos descontextualizados que são decididos fora do âmbito da escola, conforme
Sacristán e Gómez (1998, p. 206), e, essencialmente, no contexto em que foi observado e
analisado, pelo livro didático. Isto levou a perder de vista as interações, com a separação do
contexto interno e externo, aumentando as fronteiras entre os conhecimentos e dificultando
sua compreensão global.
A revelação disto está registrada no caderno de campo que analisei, iniciando pelas
anotações do dia 20/8. Conforme a instrução e o quadro a seguir: Vamos resolver
problemas: 1 - Simone tem 35 bonecas e Roberta 15 bonecas. Quantas bonecas têm ao
todo? Joyce tem 231 blusas, deu 121 para Naiara. Com quantas blusas ela ficou? (C.C.
de 26/8. L.6-21). Os dados observados nas aulas conduzem-nos a uma análise de um reforço
dos saberes disciplinares, onde as atividades são descontextualizadas, a partir de atividades do
tipo: Vamos colorir de verde as consoantes e de vermelho as vogais e conte (C.C. de 31/8.
L.16-18).
Palavra Vogais Consoantes Total
Ônibus
Mato
Lanha
no trabalho da professora Wilma intensa preocupação com a organização linear da
linguagem, reafirmando a estrutura alfabética, principalmente porque trabalha com alunos em
idade de alfabetização. Na concepção desta, basta o aluno diferenciar vogais e consoantes nas
situações de ensino que propõe, para que a aprendizagem aconteça. Assim agindo, não foi
aproveitado o ato investigativo, intrínseco à construção do conhecimento, em uma realidade
global, pois na abordagem socioconstrutivista de alfabetização, o aluno é, constantemente,
desafiado nas atividades propostas.
E ainda, em outras aulas, a situação prossegue com atividades do tipo: Complete com
o feminino
a) O papai foi à feira.
b) O macaco é feio [...] (C.C. de 14/9. L.9-(21). Os conceitos com os quais a
professora quer trabalhar vogais, consoante e feminino, são realizados mediante atividades
soltas, sem contexto. Tal postura foi recorrente, também em outras aulas, quando trabalhou
com o texto:
As estações do ano
O tempo varia de acordo com as estações do ano que são primavera, verão,
outono e inverno.
A primavera é a estação das flores.
O verão é dias quentes, mas também chove.
No inverno os dias são muitos frios.
O outono tem os dias mais frescos. (C.C. de 21/9. L.15-23).
O texto é retirado de um livro, porque a professora quer trabalhar o dia comemorativo
às árvores. Esta decisão demonstra que, em consonância com as idéias de Sacristán (2000, p.
298), esses conteúdos têm utilidade apenas para o aluno passar de uma etapa a outra. O
conteúdo escolar que a professora trabalhou, não teve como finalidade atender aos fins sociais
da educação, a sua utilização nas situações cotidianas das crianças não foi levada em
consideração.
Assim, as atividades revelaram-me, uma divisão disciplinar do conhecimento que
inviabiliza o desvelamento da problemática social que é o objeto em estudo pelo tema
gerador. A problemática social foi camuflada. Presenciei uma desconsideração do
conhecimento e do cotidiano dos educandos, que não se coaduna com a prática de uma
educação libertadora, pois todas as ações educativas e políticas não podem dispensar o
conhecimento crítico da realidade envolvida, incorrendo no equívoco de se fazer uma
educação bancária ou ainda de ensinar no deserto (FREIRE, 1987, p 87). Um conhecimento
crítico da situação significa, também, priorizar o conhecimento do educando, trazendo à tona
o contexto do tema que nasceu da prática social do sujeito. Isto, porém, não foi observado na
prática da professora Wilma.
Na referência em priorizar os conhecimentos dos educandos, lembro que os dados
analisados da professora Wilma não apontaram para esta característica, mas para a
desconsideração do conhecimento dos educandos que esteve presente nas concepções e
práticas com relação à organização do conhecimento escolar, quando demonstrou a tendência
ao currículo disciplinar.
Esses dados recorrentes foram registrados no caderno de campo dos dias: 20/8, 26/8,
31/8 e 21/9, conforme descreverei a partir de agora. Por exemplo: Paulo Sávio tem 54
carros, deu 12 para Renan. Com quantos carros ficou?
? ?
? Confirmando, mais uma vez, que
não está preocupada com as relações cotidianas das crianças. Houve um constante reforço de
uma ideologia consumista, pois a professora montou os problemas com situações inoperáveis
em nossa vida cotidiana. Também existiram aulas em que a professora escreve o texto no
quadro sem relacioná-lo aos conhecimentos do aluno. O texto serviu exclusivamente para
retirar perguntas para os alunos responderem.
A prática da professora Wilma foi predominantemente caracterizada por aspectos que
têm propensão ao currículo disciplinar, pois a organização metodológica de suas aulas não se
originou de um tema e muito menos do tema gerador Em busca da qualidade de vida, mas
de alguns fragmentos de conteúdos que a professora considerou como relevantes ao seu
trabalho e conseqüentemente importantes de serem transmitidos aos alunos. A perspectiva
crítica do currículo não esteve presente em sua ação pedagógica e, segundo Sacristán (2000,
p. 40), o currículo para a professora confere o valor de uma lista de conteúdos, conteúdos
estes retirados de alguns livros, que ela utilizou/utiliza em suas aulas.
Isto ficou patente, como no dia 31/8, quando a professora começa a trabalhar sobre
meios de transporte, mas novamente não contextualizou esta atividade, apenas iniciou
imediatamente pedindo que os alunos copiassem e respondessem às perguntas que escreveu
no quadro: Qual meio de transporte é mais rápido? Se você fosse inventar um meio de
transporte, como seria? (L. 10-12). Vimos aqui um início de questionamento que incentivou
o aluno a fazer uma atividade intelectual, pensar em outro tipo de meio de transporte que
ainda não temos. Porém, iniciativas deste tipo não foram constantes na prática da professora.
Ela continua a privilegiar atividades que não priorizam o conhecimento do aluno, como em
outro dia, quando iniciou sua aula falando: Hoje é dia da árvore e para abranger sobre isto
vamos estudar as quatro estações do ano e abrangemos tudo. (C.C. de 21/9. L10-11).
Mais uma vez o texto que serve para questionário (perguntas/respostas) e que vai ser
trabalhado teve como preocupação a quantidade de atividades de escrita para os alunos
copiarem e não a prática social dos sujeitos do processo educativo. O número excessivo de
atividades de cópia serviu para acentuar a passividade dos alunos, negando as relações
interativas no processo de aprendizagem.
Contudo, em entrevista, a professora percebeu a necessidade de articulação dos
conhecimentos dos alunos, falando: Eu acho, até porque você pode colocar a atividade no
quadro e estar perguntando o que você entende por isso daí. Daí tem criança que não
fala nada, mas a gente tem uma noção. Eles vão falando e você vai colocando no quadro,
daí você vai fazendo um levantamento e colocando, explicando para eles. É válido, sim.
(Gravada em 11/11/04). As observações realizadas na turma da professora e os dados
analisados e comentados demonstraram uma contradição entre a fala da professora e sua
prática de sala de aula, onde não se leva em conta a cotidianidade dos alunos. Logo, não
houve articulação entre o que a professora pensou e falou e o que ela fez.
Ao ser questionada como tem feito isso em sua sala de aula, respondeu: Às vezes eu
nem coloco o assunto que a gente está trabalhando, a gente nem fala na sala o que é,
avisa quando vai dar uma matéria nova. você fala, suponhamos, por exemplo:
consumismo. O que você entende por consumismo, aí, ah! Consumismo é comprar. Ah!
A professora vai explicar para ele que a mãe muitas vezes não tem condições de
comprar. Aí, você a participação não de todos os alunos, mas daquele que a mãe tem,
pelo menos, um nível de vida melhorzinho, eles até conseguem acompanhar o
raciocínio. A gente trabalha assim, você passa, depois você coloca ali, o que vocês
entendem disso, saem umas coisinhas aqui, ali. Ah! Na minha sala que é 1ª. série
54
,
até saem algumas coisinhas (gravado em 11/11/04).
É importante chamar atenção aqui para a aparente dificuldade que a professora
revelava ao se referir à turma. Demonstrava insegurança e até mesmo incerteza em relação ao
estágio de escolarização/escolaridade dos alunos sob sua regência. A professora sempre
escreveu no quadro 1ª. série e não II etapa do 1º. ciclo. O confronto de lógicas seriação X
ciclo estava muito presente na escola e na professora Wilma. Isto ficou evidente a partir do
ato falho de confundir a nomenclatura de sua turma. As concepções e práticas de organização
da escola série-ciclo projetam, tencionam a prática da professora do 1º. ciclo.
Como pesquisadora, ao repetir a pergunta para a professora, buscando elucidar o que
fora observado em sala,
ela demonstrou o que os dados recolhidos anunciavam: a não
54
Que não é 1ª. série e sim II etapa do 1º. ciclo.
articulação com o cotidiano dos alunos, pois foi ocultado deles até o tema (assunto)
trabalhado. Ao organizar o conhecimento escolar por tema gerador na integração curricular, a
própria vida do aluno seria o centro para aquisição de conhecimento, não espaços para o
domínio de informações fragmentadas que desconsideram o conhecimento dos alunos, como
foi detectado nos dados recorrentes da professora.
Um fator que reforça esse domínio é a inflexibilidade nas ações pedagógicas que
parte de uma centralização na estrutura linear do conhecimento, cujos dados revelaram com
recorrências em números mais significativos que todas as subcategorias têm propensão ao
currículo disciplinar. Apontou o uso de recurso metodológico com base em exercícios
mecânicos, garantidos por atividades com instruções escritas no quadro para o aluno copiar,
exercícios estes que reforçavam a passividade dos educandos. Este recurso foi observado e
registrado no caderno de campo em todas as aulas observadas do bimestre, marcadas pelas
seguintes atividades: Faça cópia de uma música. Faça cinco frases. Faça dez desenhos e
coloque nome. Faça um desenho e invente uma história (C.C. de 12/8. L. 12-14). E no
texto O banho, para explorar a família nha, nhe, nhi, nho e nhu (C.C. de 19/8. L. 7). Dando
continuidade ao texto retire do texto as palavras com nomes próprios. Circule o nh das
palavras: banho, linha, fofinho, dinheiro e carrinho (C.C. de 20/8. L. 8-13).
A estrutura organizacional das aulas observadas da professora Wilma se aproximou
mais de uma educação bancária do que libertadora, como Freire (1996, p. 77) argumenta, ao
afirmar que nesta estruturação há ocultação dos conflitos próprios a toda realidade social que
é histórica e determinada pela ação humana. Isto também foi evidenciado pelo reforço na
quantidade de atividades. A professora propôs, assim: Faça 50 desenhos, coloque o nome e
forme frases. (C.C. de 26/8. L. 10-11). E, ainda, em outra aula: [...] Raquel tem 235 tênis e
ganhou mais 121 de Jussan. Com quantos tênis ela ficou? (C.C. de 27/8. L. 34).
O ato mecânico de copiar do quadro foi consolidado nas quantidades excessivas de
atividades propostas pela professora, sem considerar que muitas das crianças da II etapa do 1º.
ciclo de formação estão em estágio cognitivo, portanto, não realizam hipóteses com operações
mentais concretas. Nesta atividade, utilizou, mais uma vez, situações-problemas com os
nomes dos alunos com quantidades exageradas que nunca chegarão ao cotidiano das crianças
de um bairro periférico e, sequer, a outras crianças de classe social privilegiada. Portanto,
situação/circunstância inexistente na realidade dos alunos.
Uma educação que se compromete com a libertação dos homens não pode concebê-los
como seres vazios, cujo mundo (o professor) possa enchê-los de conteúdo, mas deve assumir
uma visão de homens como corpos conscientes que precisam ser problematizados na relação
destes com o mundo (FREIRE, 1987, p. 67). Uma concepção e prática de organização
curricular, onde o currículo integrado tem como modalidade o tema gerador enquanto eixo
organizador do conhecimento escolar, possibilitam essa problematização como articulador
dialógico da ação docente.
Em outra aula, escreveu no quadro esta atividade como tarefa de casa, sem antes
discutir com os alunos sobre seu significado: Faça uma cópia de versos. Faça um ditado de
dez palavras. Faça dez frases no feminino e passe para o masculino. (C.C. de 3/9. L. 23-
26). A professora se esqueceu de que muitas crianças de sua turma não estavam alfabetizadas
e, por esta razão, teriam muitas dificuldades para realizar esta tarefa sozinha em casa.
A organização pedagógica/curricular de Wilma foi basicamente organizada pelo uso
de vários livros didáticos para retirar atividades que fragmentam a compreensão dos conceitos
que são trabalhados nas aulas, como no texto que escreveu no quadro:
Hoje é domingo
Pé de cachimbo
Bate no jarro
O jarro é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Chifra a gente
A gente é fraca
Cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo, am em im om um an-en-in-on-un (C.C. de 10/9. L. 25-38).
Este texto foi usado para reforçar as famílias silábicas. Também existem atividades do tipo:
Separe as labas com rr: gorro, torrada, bezerro, corrida [...] (C.C. de 14/9. L. 42-44) e
perguntas copiadas do livro.
Em outra aula, após passar o texto das estações do ano, retirado
de um livro didático, passou também as perguntas: O tempo está sempre do mesmo jeito?
Qual a estação do ano que predomina aqui? De qual das quatro estações você mais
gosta? Desenhe e pinte e estação da primavera (C.C. de 21/9. L. 40-44). As atividades
propostas revelaram uma concepção de alfabetização, referendada pela professora, que nega
que o aprender a ler é um processo que se desenvolve ao longo de nossa escolaridade e de
nossa vida. Vale, ainda, ressaltar que a criança quando chega à escola já possui uma leitura de
mundo que a professora desconsidera ao planejar suas aulas.
Os dados da professora Wilma tendem ao currículo disciplinar, caracterizaram-na,
segundo Freire (1987, p. 58), como uma educadora que comanda o processo de aprendizagem,
sendo ela própria o sujeito da narração em sala de aula, conduzindo os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, esta narração transforma os alunos
em recipientes vazios a serem preenchidos por ela. Quanto mais se enchem os recipientes com
seus conteúdos, tanto melhor professora será. Quanto mais os alunos se deixam docilmente
encher, tanto melhores educandos serão, numa visão não-crítica de educação. Nas ações
pedagógicas da professora Wilma, ela era o sujeito da aprendizagem e não os alunos.
Neste caso, o processo pedagógico centra-se na estrutura linear e na inflexibilidade,
havendo necessidade de controle até de leitura por parte dos alunos, dificultando, assim, um
pensar autêntico. Evidenciei isto no trabalho da professora que adotou uma prática de tomar
leitura dos alunos. Um dia expressou-se assim: agora vou tomar leitura e corrigir os
cadernos (C.C. de 27/8/4, L. 32). As leituras são de cartilhas que ela sempre usa em sala de
aula, desconsiderando, assim, que o seu pensar de educadora somente ganhará autenticidade
na autenticidade do pensar de seus educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto,
na intercomunicação (FREIRE, 1987, p. 64).
A necessidade educativa do professor sobrepõe-se às necessidades dos alunos, uma
ordem é dada e precisa ser cumprida. Quero esta tarefa para 5ª. feira. Quem não sabe, se
vire
55
peça ajuda para mãe, colega, amigo, parente, gerente[...] Vocês têm que aprender
(C.C. de 3/9, L. 50-51). Também centra-se em si mesma, quando não oportunidade ao
aluno, sempre e mostra aos alunos como deve ser feito e/ou vai falando as respostas. E
ainda quando realiza um ditado: Errado ou certo quero ver todo mundo escrevendo. (C.C.
de 10/9/4, L. 14 e 60, de 14/9/4, L. 47 e 24/9/4, L. 14). A professora faz o trabalho intelectual
55
Grifo desta pesquisadora.
dos alunos e, ao mesmo tempo, também quer que eles o façam, não importando como,
negando seu papel de mediadora no processo educativo.
Os dados revelaram uma organização do conhecimento escolar com predomínio no
currículo disciplinarizado, realçando a educação como prática da dominação, que mantém a
ingenuidade dos educandos, no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão (FREIRE,
1987, p. 66). Dados que legitimam uma organização do conhecimento escolar de forma
fragmentada e alienante, distanciando-se do trabalho com o tema gerador proposto no Projeto
Político-Pedagógico da escola.
1.3 Professora Marcela do 1º. ciclo de formação
Ao analisar os dados da professora Marcela com relação à organização do
conhecimento escolar, nas categorias currículos disciplinares e integrados-críticos, quero, uma
vez mais, lembrar da premissa que vem concatenando as análises neste primeiro eixo:
currículo disciplinar e currículo integrado-crítico não são excludentes, nós professores
trabalhamos simultaneamente com as duas formas de organização curricular, ora
privilegiando elementos de uma, ora privilegiando elementos de outra, ora mesclando
elementos das duas, mesmo que haja preponderância do disciplinar ou do integrado-crítico.
Na organização dos dados da professora Marcela, foi revelado um fechamento nas
disciplinas, que se apresentou como uma forma de compreender a disciplina escolar, que
remete às idéias de Macedo e Lopes (2002) e as associa aos interesses da formação da
disciplina na lógica dos saberes de referências, sabendo-se que o currículo centra-se nas
disciplinas de referências (científicas). E, ao centrar-se nelas, há uma fragmentação disciplinar
na organização do conhecimento escolar, tendo-as como continuidades dos saberes científicos
com objetivos e lógicas bem-definidas e coerentes a esses saberes que não são escolares
(MACEDO; LOPES, 2002, p. 75).
Os saberes passam a ser incorporados à prática pedagógica da professora de forma a
trabalhar os conhecimentos, em especial, os lingüísticos e lógico-matemáticos de maneira
autônoma e independente. Como vimos e lemos nas instruções. Vamos construir a tabuada:
2x1=
+
= 2 [...](C.C. de 3/8. L.24-28). E em outra aula: [...] Vamos continuar a
construção da tabuada: 4x1=
+
+
+
= 4 [...] (C.C. de 4/8. L.25-27). Isto é recorrente,
pois, no dia 24/8, temos: [...] Escreva como se lê: R$ 2,00, R$ 6,50, R$ 100,03, R$ 1000,00
[...]. Escreva números de 10 em 10 (C.C. L.44-55). E continua em outros momentos, quando
escreve no quadro da seguinte maneira: Qual o valor do
?
1. 1+
= 7
2. 4 +
= 10
3. 10 +
= 25 [...] (C.C. de 2/9. L.14-36).
Este tratamento dado pela professora, privilegiando certas disciplinas em detrimento
de outras e trabalhando isoladamente os campos disciplinares observados em suas aulas,
também é preservado em sua fala, em entrevista gravada no dia 16/11/04. Eu me prendo
muito no saber ler e escrever, né. As operações fundamentais, porque eu vejo assim, que
mais na frente ele vai ser cobrado. Saber compreender um texto e falar, contar o que
leu, contar uma história. Na vida da gente, a gente usa isto. Se você vai ler, por exemplo,
uma receita de bolo, uma bula de remédio. Você tem que ler e entender para estar
interpretando. Então eu levo mais para esse lado: leitura, escrita e as contas, as
operações fundamentais.
Fica retratada na fala da professora Marcela que a função social da escrita é
considerada, mas vale dizer que o processo evolutivo de aprender a ler e escrever passa por
diferentes níveis de conceitualização que revelam as hipóteses construídas pelas crianças. E
essas hipóteses são construídas quando a criança se sente livre e é desafiada para comunicar-
se pela escrita e pela fala, porém, num trabalho fragmentado por disciplina, terá mais
dificuldades na realização deste processo. Embora não negue toda a preocupação da
professora de que a escolarização necessariamente passa pelo domínio dos códigos da leitura
e escrita, a aquisição destes não deve ser motivo para uma parcialização do conhecimento e,
conseqüentemente, para uma divisão dos saberes escolares. Esse domínio, contudo, é
produzido nas múltiplas relações que se estabelecem no processo educativo.
Em outras aulas continuou o predomínio de atividades que reforçaram a gramática de
forma descontextualizada, consolidando, mais uma vez, um enfoque disciplinar como um
padrão de constatação da fragmentação, registrado no dia 22/9, quando a professora
trabalhou: Encontro consonantal; tirando as vogais a e i o u, o resto é consoante (L.
26)[...]. E ainda: separe as sílabas das palavras que têm dígrafos:
Açougue
Lenha
Guarda
Galho[...] (C.C. de 23/9. L.17-21). E em outra aula: [....] Escreva duas palavras com
cada letra do alfabeto:
a
b
c
d [ ...] (C.C. de 30/9. L.25-36). Ao privilegiar a gramática com muita veemência, a
prática da professora revela um trato com o conhecimento numa visão de parcialidade, onde o
importante é entender as estruturas menores da língua para compreender o todo. Assim, a
totalidade foi negada na ação docente da professora.
Em vista disso, incorre em uma consolidação dos saberes que revela uma visão de
transmissão neutra dos conteúdos escolares desprovidos dos conceitos de poder, política,
história e contexto. Traduz uma concepção de educação que tem somente a preocupação em
transmitir o conteúdo escolar sistematizado, um conhecimento universal que muitos
reconhecem como mais necessário, conjugando, assim, uma concepção de aprendizagem
estática, onde o professor é o transmissor e o aluno, o receptor. Nesta visão, aprender significa
tão-somente acumular os conhecimentos para serem devolvidos “ao professor” mediante os
testes de aferição.
Na observação da aula de 15/9, a partir de atividades do tipo: Produção de texto:
observe a figura e escreva uma historinha, a professora trabalhou com os alunos produção
de texto. Em cada livrinho que a professora trouxe tem uma gravura. (L. 40-42).
Esta foi a instrução que deu aos alunos. Essas figuras foram recortadas de livros e/ou revistas
cujos significados não foram explorados. É preciso realçar que uma figura é um texto não-
verbal que precisa ser explorado como tal. E, no dia 22/9, a professora trabalhou sobre:
Encontro consonantal é o encontro de consoantes. Ex.: prato – isolante – branca.
1. Complete com pr, cr, br e nh:
____eto com____ido ____imavera ____eguiça com____a (L.35-36).
Esta atividade me remeteu a uma idéia fixa da professora com o ensino da ortografia,
pois esta ajuda na fluência da leitura, mas ela o faz de forma mecânica e isolada das vivências
dos alunos. As palavras foram trabalhadas de forma abstrata e desprovidas de um contexto. E,
como Freire (1987, p. 62-63), eu diria que essa situação reafirma uma dicotomia, inexistente
em homens-mundo, onde nesta perspectiva o homem recebe o mundo pronto e acabado, e a
educação consolidará sua passividade adaptando-os a este.
Essa prática de dominação pela consolidação de saberes disciplinares de forma
aistórica e neutra continua a ser evidenciada no dia 23/9, quando vai trabalhar com
substantivos próprios, retratado assim: Escreva 10 nomes próprios. Escreva 10 nomes
comuns e depois forme frases (L.37-38). Basicamente todas as atividades observadas no
trabalho da professora configuravam-se essencialmente como: Resolva as continhas e
probleminhas, forme frases, escreva palavras com as sílabas pedidas, complete com os
encontros consonantais, separe as sílabas e os grafos. Percebi que ainda havia uma crença,
por parte da professora, de que o conhecimento se por repetição, numa concepção
empirista de compreender a realidade.
Uma consolidação de saberes disciplinares incorre em trabalhos que demarcam uma
inflexibilidade na organização pedagógica/curricular, onde os dados se revelaram com
recorrências que têm, como eixo caracterizador um trabalho que é conduzido pelas
necessidades próprias da educadora, com predominância de atividades descontextualizadas
do subtema trabalhado, reforçando uma estrutura linearizada do conhecimento, a partir da
ênfase em atividades de fazer continhas, separar labas, fragmentando em unidades menores
a estrutura da língua. Iniciamos pelo dia 4/8, quando houve predominância de atividades
como: resolva as multiplicações com bastante atenção.
6 7 8
x4 x2 x4
_________ ________ ______ (L.78)
Em outra aula, também houve recorrências, assim: A professora retoma a
atividade feita na aula anterior sobre formação de palavras com am, em, im,
om e um, cha, che, chi, cho e chu. E pede a alguns alunos para lerem as
palavras formadas [...].
(C.C. de 17/8. L. 09-10). Uma maneira que incorre, também
nas aulas, em reforçar a inflexibilidade é quando usa atividades do tipo: [...] Separe contando
as letras e as sílabas (C.C. de 18/8. L. 62-68); que aqui esta contagem deveria ser feita em
um quadro, a exemplo do que vemos abaixo:
letras sílabas
escola
merendeira
cozinha
lanche
Esta é uma característica pouco observada nas aulas da professora, pois ela se revelou
uma educadora que sempre estava próxima dos alunos, conversando alegremente, motivando
a participação destes nas aulas. Entre os alunos e a professora havia uma relação de confiança,
afetividade e de compreensão mútua bastante prazerosa. Mesmo trabalhando muitas vezes de
forma fragmentada, ela toma o diálogo [ou tentativa deste] com seus alunos para dinamizar a
relação professor-aluno em sala de aula.
Vale ressaltar que, mesmo diante de todos os aspectos levantados nesta análise sobre o
trabalho da professora Marcela, os quais tendem ao currículo disciplinar, dentre as professoras
do 1º. ciclo de formação, sujeitos desta pesquisa, ela foi a que mais preocupação teve com a
metodologia globalizada por tema gerador, ratificando minha discussão inicial de que os
currículos disciplinar e integrado-crítico não são rígidos a ponto de estabelecermos seus
limites temporais e espaciais. Estes convivem na prática da professora, oscilando entre as
subcategorias de um e de outro, como veremos doravante na continuidade da análise dos
dados da referida docente.
Em conseqüência, mesmo trabalhando com reforço pela divisão dos saberes na escola,
como os dados demonstraram, esta professora buscou priorizar o conhecimento de seus
alunos, apesar de o tema gerador não ter nascido da prática social desles. Portanto, a
priorização do conhecimento dos educandos esteve presente no trabalho dela, embora a
escolha do tema tenha sido feita pelos professores, invertendo a lógica freireana do tema
gerador. Mas isto não tira a possibilidade de a professora considerar os conhecimentos prévios
dos alunos, até porque
ela queria problematizar o tema em estudo, buscando estes
conhecimentos, mesmo que superficialmente (mas temos que destacar, pois são nesses
pequenos momentos que as grandes possibilidades de inovação nascem). Sobre isto, Freire
(1987, p. 74) diria que estava nascendo uma tomada de consciência da situação, os homens
estão apropriando-se da realidade histórica, e isto faz com que criem mecanismos capazes de
intervir nesta realidade.
A professora Marcela começou a assumir uma postura pedagógica/curricular com
características que têm propensão a um currículo mais integrado, onde observei ações mais
dialógicas, como as que ocorreram na aula do dia 5/8/04, ao introduzir o subtema Lazer e
saúde, valorizando a fala das crianças. Qual foi a novidade de casa que tivemos ontem?
Ah! Buscar no dicionário as palavras lazer e saúde. Em seguida, o que as crianças
trouxeram e fala: então o que podemos entender sobre lazer nas palavras de vocês?
É ter folga
Você vai passear
Você vai divertir no circo
Uma pescaria
E saúde, o que quer dizer?
Comer no horário certo
Quando nós não temos saúde o nosso organismo está doente (L. 2-12 do C.C.).
A escola não fez o diagnóstico da realidade para conhecer as aspirações da
comunidade, mas em sala a professora Marcela fez um exercício para privilegiar o
conhecimento dos alunos sobre o tema em estudo. E a ação docente da professora reflete as
condições conjunturais de implementação do Projeto Político-Pedagógico da escola. Naquele
momento, a escola estava iniciando o processo de discussão de seu PPP, ainda de forma muito
tímida. O olhar da professora Marcela foi isolado, o esforço de compreensão da totalidade não
foi um ato que a escola vinha buscando. Uma totalidade em que iremos perceber que a prática
educativa esteve totalmente relacionada com outras práticas sociais. E como isto não foi
construído nas ações político-pedagógicas da escola, deixou a professora desprovida de dados
da prática social dos sujeitos imersos neste contexto escolar.
Verifiquei recorrências na aula do dia 11/8, com: Quais as atividades que fazemos
que são lazer?
A professora pergunta aos alunos. E alguns respondem: andar de
bicicleta, fazer piquenique etc. (L. 9-10). Com a colaboração de Freire (1996, p.
128), digo que a professora percebeu seus alunos começando a aprender a difícil lição de
transformar seu discurso, às vezes necessário a eles, em uma fala com eles mesmos. Os
questionamentos visualizados nas aulas da professora propiciaram um movimento de
entendimento das vozes dos estudantes como uma ão necessária no processo de
aprendizagem das crianças.
A ação é retratada em uma outra aula, quando a professora trabalhou o cardápio da
merenda dos alunos, buscando questionar e ampliar os seus conhecimento: O que é uma boa
alimentação para você? (C.C. de 1/9/04, L. 23). Então, verificamos nos dados que houve um
desassossego com o conhecimento do educando, o que foi confirmado na entrevista. Eu acho
que é importante isso aí, porque, até porque na primeira semana, eu sempre planejei
junto com a Fernanda
56
, né, que é da mesma etapa que eu. Então a gente fez uma
sondagem, como é de praxe para ver o que eles tinham de conhecimento, tanto de
escrita, como oral, né, assim. O que eles sabiam; a partir disto nós fomos planejando as
aulas. Eu acho muito importante isso aí. E fizemos assim: nós fizemos uma pesquisa
sobre onde eles teriam que observar o que tem na casa deles, por ex., de consumo.
Então, eles olharam, analisaram, na minha casa tem isso, aquilo, né. Nós fizemos tipo
uma ficha, questionário para eles responderem, se tudo que tem em casa dele, se é tudo
que precisa ou são coisas desnecessárias, além daquilo, né, ou se falta alguma coisa para
eles, né. No momento nós fizemos essa pesquisa com ele (gravada em 16/11/04).
A fala da professora Marcela me fez reconhecer que o conhecimento do aluno foi
valorizado, ao buscar estratégias diferenciadas para que este fosse expresso, numa atitude
que, segundo Pacheco et al. (2000b, p. 13), é um trabalho voltado para as necessidades e
problemas concretos, através da exploração de conteúdos que buscam uma aprendizagem
contextualizada a partir das experiências dos alunos.
Os dados coletados me permitiram apontar alguns indícios de um trabalho mais
integrado, como em todas as 23 aulas observadas, onde foi constatado o uso da ludicidade
pela música, atividades fora de sala de aula, dando um grau acentuado de flexibilidade no
trabalho da professora, demonstrando recorrências na subcategoria flexibilização na
organização pedagógica/curricular. Como foi verificado na aula do dia 4/8/04, um aluno
56
Outra professora da mesma etapa do 1º. ciclo.
trouxe um livro e mostrou para a professora. Fulano viu um texto sobre a sala de aula, ele
quer ler o texto. Então leia (L. 10).
E ainda em um outro dia, registrado no caderno de campo, assim: [...] no dia
8/9/04, quando traz um texto informativo sobre a baixa umidade do ar, pois
devido a isto a Secretária de Educação baixou uma portaria diminuindo o
horário das aulas, e a professora, a partir das necessidades dos alunos,
trabalhou o texto. Os alunos queriam entender por que iam mais cedo para
casa e ainda o que é isto: baixa umidade do ar (L. 14-26 do C.C.). Notei na
prática da professora, que as problemáticas atuais que interagem no contexto da aula foram
exploradas, concebendo, assim, o ensino como uma ão socializadora de todos que
participam dele, principalmente dos professores e alunos (SACRISTÁN, 2000, p. 52).
A flexibilidade verificada nas aulas da professora decorreu também da crença de que a
autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com os alunos uma segurança
em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com que atua, com que decide
(FREIRE, 1996, p. 102). Tal segurança esteve muito presente no processo pedagógico da
professora, evidenciando o início de uma construção de outros referenciais teórico-práticos,
para além da disciplinarização que tende a reafirmar uma educação bancária.
E, em outro dia, esse caráter de flexibilização das ações permaneceu. Assim vejamos:
Vamos escrever uma cartinha ao colega para convidá-lo para uma atividade de lazer.
(C.C. do 11/8/04, L. 37-38). E ainda quando propôs um outro texto coletivo com as idéias das
crianças. Carolina, estamos te convidando para ir ao cinema assistir ao filme
Procurando Neno, que está fazendo o maior sucesso. Vamos te esperar no Shopping
Três Américas às 17 horas, sábado. Depois iremos passear na praça Ipiranga. Você pode
ir? Um abraço forte dos alunos da III etapa (C.C.de 12/8/04, L. 34-39). A participação dos
alunos foi essencial, a professora não trouxe o texto pronto, mas possibilitou a sua construção
no coletivo da turma. -se uma postura que inverte o eixo da aprendizagem, convergindo
para o aluno e não para o professor.
Verifiquei mais recorrências, no dia 18/8/04, quando a professora estava trabalhando
o cardápio da merenda da escola, a partir das seguintes perguntas aos alunos:
a) Qual o lanche de que você mais gosta?
b) uma sugestão para o cardápio da escola. (L. 42-43). Estas questões
buscavam ampliar a participação dos alunos e uma possibilidade de intervenção destes nas
ações da escola, pois o aluno é o interlocutor ativo do processo.
Mas a evidência maior se deu nos rodízios de alunos para realização da culminância
do tema gerador. O trabalho coletivo entre as professoras desta etapa possibilitou um ir-e-vir
de alunos entre as turmas, como foi observado no dia 29/9/04, quando os alunos se revezavam
nas salas, pois em uma sala havia a sessão de brinquedos e, em outras, jogos sobre
alimentação. O aluno o é propriedade do professor e, para aprender, necessariamente não
precisa estar todo o tempo na mesma turma e com a mesma professora. E esse movimento foi
muito agradável aos olhos da criança.
Isto ficou evidente, quando registrei em meu caderno de campo o seguinte trecho:
[...] nos vinte e um dias em que observei as aulas nesta turma, eu nunca
havia visto os alunos tão alegres como hoje. E numa espontaneidade
organizada, onde cada um respeitava seu colega e seus brinquedos durante as
brincadeiras (L. 23-25). Esta alegria, da qual Freire (1996, p. 160) fala, faz-se também
presente, quando o educador consegue centrar sua ação nas necessidades educativas e
interesses dos educandos. É preciso ter em mente que a atividade do professor e a do aluno
não se separa, são experiências alegres por natureza, e isto não as torna menos rigorosa, ria
e descompromissada com a função social de uma educação crítica e emancipatória.
Nos dados analisados da referida professora, pude constatar a presença de
características que inclinam à categoria do currículo disciplinar, mas também características
que tendem ao currículo integrado-crítico. Em Marcela revelou-se uma postura de transição
para o integrado. Portanto, digo, com a ajuda de Freire (1996, p. 111), que ensinar não é tarefa
essencialmente reprodutora da ideologia dominante, como também não é essencialmente uma
força de desocultação da realidade. Não há uma atuação sem obstáculos e dificuldades.
Reiterando o que já vinha pontuando, ouso dizer que não há como demarcar rigidamente esses
pólos: disciplinar e integrado.
Talvez pudéssemos, a partir disto, entender melhor por que os dados coletados da
professora estiveram num ir-e-vir entre o currículo disciplinar e o currículo integrado-crítico,
oscilando entre um e outro. Por ser a prática complexa e carregada de múltiplas
determinações, possibilita-nos esse trânsito dialético na postura de Marcela.
1.4 Sintetizando alguns significados nas concepções e práticas curriculares das
professoras analisadas
Objetivando uma análise para contemplar os dados coletados no conjunto dos
professores do 1º. ciclo, dados consubstanciados nos referenciais teóricos socializados neste
estudo, emerge um marco onde os significados das práticas das professoras do 1º. ciclo de
formação são flexibilizados com tendências que não podem ser caracterizadas como
pertencendo exclusivamente ao currículo disciplinar ou ao currículo integrado-crítico. O eixo
balizador deste marco é dado pela organização do conhecimento escolar que oscila entre
disciplinarização e integração desses conhecimentos.
Essa oscilação se expressa nas práticas das professoras ora mais intensa, ora menos
intensa entre as duas formas de organização do conhecimento escolar no currículo. E é nesse
fluxo que tentei elaborar esta síntese, buscando contemplar o contexto mais geral da atuação
pedagógica de cada professora.
Pacheco et al. (2000, p. 9) afirma que não existe uma visão única para explicar
totalmente a realidade curricular, pois esta prática é resultante de várias forças de influências
que produzem muitas contradições. Portanto, são alguns significados que foram partilhados, a
partir dos dados, que englobam as concepções e práticas dos professores sujeitos da pesquisa,
mas com um olhar teórico-crítico, que procura evitar formas distintas e dicotômicas de
organizar o conhecimento: a disciplinarização ou a globalização.
Mesmo diante desta flexibilização nos dados analisados das professoras, estão
presentes as concepções e práticas que se coadunam mais com a perspectiva de um currículo
disciplinar, pois a disciplinarização do conhecimento escolar permite certa globalização, por
isso não são eixos dicotômicos. Mas a integração curricular requer que, em todas as situações,
haja a elaboração de unidades mais amplas, trabalhos mais flexíveis, a integração no currículo
de várias experiências de aprendizagem e a consagração do princípio da diversificação
curricular (PACHECO et al., 2000b, p. 30). No entanto, algumas situações integradoras do
currículo foram observadas nos dados das professoras, de forma ainda tímida, durante o
processo de recolha dos dados da pesquisa. Por isso reconheço que houve em suas práticas
predomínio do currículo disciplinar.
As interações cotidianas, segundo Santomé (1998, p. 103), que ocorreram nas salas de
aulas das professoras e que foram apreendidas neste estudo, tanto no coletivo de alunos entre
si como com as professoras, assim como os recursos disponíveis e/ou utilizados, foram
criando um conjunto de rituais, rotinas e linguagens que contribuíram decisivamente para a
definição e legitimação de um conhecimento que é considerado pela professora como saber
autêntico e aceitável.
Um saber que a professora evidencia que precisa ser memorizado, [...] ele vai
memorizando e até sair coisas melhores [...] (Entrevista gravada em 11/11/04), mesmo sem
demonstrar clareza de como esses conhecimentos serão explorados no trabalho metodológico
com o tema gerador. Esta fala da professora Wilma registra e sugere que os alunos o
ensinados e vão aprendendo, conforme Santomé (1998, p. 103), de maneira mais ou menos
inconsciente os caminhos para estabelecer critérios de verdade e validade, a partir da estrutura
linearizada do conhecimento que determina a ação pedagógica da professora.
As concepções e práticas presentes no trabalho das professoras do 1º. ciclo de
formação evidenciaram a intensidade de um currículo de coleta que acentua a fragmentação
por disciplina e tende a aumentar as fronteiras entre uma e outra disciplina. E a professora
Sara revelou as fronteiras entre as disciplinas em sua fala: Ah! Eu procuro, tento sempre, é
trabalhar as várias disciplinas, incluindo tudo, que, às vezes, acaba não acontecendo,
mas eu procuro trabalhar sempre tudo. Buscar naquela temática, naquele conteúdo,
naquela questão as disciplinas: Ciências, Português e Matemática. (Entrevista gravada em
11/11/04). Mesmo diante do predomínio das disciplinas, não podemos ser radicais, afirmando
que as professoras trabalharam basicamente com um currículo disciplinar. Houve, sim, uma
propensão a este, como comentei anteriormente.
Nesta propensão, que se ressaltar a flexibilização entre as formas de organização
curricular que nos dados ficaram mais evidentes na prática de professora Marcela.
Esta peculiaridade se traduziu em um processo de construção de organização do
conhecimento escolar pelo tema gerador, mais próximo do currículo integrado-crítico. Até
porque a disciplina escolar é um padrão forte que não é neutro e nem é um esquema
burocrático de ensino, mas um esquema que garante a estabilidade no ensino. Uma mudança
verdadeira na matriz disciplinar tende a ter pouca possibilidade de ser viabilizada em pouco
tempo (MACEDO; LOPES, 2002, p. 93).
Não defendo, porém, uma mudança na matriz disciplinar, mas uma nova maneira de se
conceberem as disciplinas, com uma visão de utilização na educação com caráter de disciplina
escolar. Sendo assim, a matriz disciplinar prevalece, mas a forma de integração curricular, a
partir dela, surge pelo veio da teoria crítica de educação. Mas tudo isso não garante que o
processo será alcançado em pouco tempo, pois temos que discutir a estabilidade curricular em
que a disciplina escolar se encontra, que marca um campo mais próximo dos conhecimentos
científicos do que dos conhecimentos escolares.
Assim, os próprios dados de Marcela, por si só, explicaram esta flexibilidade na
organização curricular, quando deram mostras de características que se configuraram tanto no
currículo disciplinar como no integrado-crítico. Houve a presença de um nível de consciência
pedagógica da professora, indicativo de um grau de compreensão da necessidade da
integração curricular. Os conflitos existentes em sua prática curricular anunciaram a
possibilidade de salto qualitativo, pedagogicamente falando, na direção de práticas
curriculares integradas mais críticas.
A dinâmica desse processo contraditório, contemplado principalmente nos dados da
professora Marcela, indicou que estes também precisam ser apropriados por ela, no sentido
de, também como Sara e Wilma, todas refletirem sobre os limites e possibilidades de sua
ação. Entender as nuances de sua prática como a engrenagem que moverá futuras
intervenções no processo educativo, seria reconhecer e trabalhar com os conflitos do cotidiano
da escola, pautando-se em uma concepção curricular de processo, onde a transmissão do
conhecimento não é neutra e nem desinteressada. Portanto, as relações que se estabelecem no
social estão imbricadas nas relações educativas.
O movimento de que falo é perceptível, quando, ao mesmo tempo em que a professora
busca centrar sua ação nas necessidades educativas e interesses coletivos, como declara na
entrevista, [...] a gente não faz as coisas de acordo com a cabeça da gente, porque a gente
acha que é assim, né. A participação deles (pais e alunos) é essencial, eles são quem fala,
né. Como pais, como alunos, é quem sabe as necessidades deles (Entrevista gravada em
16/11/04), também trabalha com atividades que realçam a divisão do conhecimento,
demonstrando uma nítida fragmentação em seu trabalho, ocultando as relações socioculturais
inerentes ao conhecimento escolar, as quais devem ser desveladas ao organizar os conteúdos
da educação pelo tema gerador.
A prática da professora tende, também, a caracterizar alguns elementos do currículo
integrado-crítico; assim, as fronteiras entre os conteúdos não ficaram bem-definidas. Os
alunos têm mais poder na decisão sobre o que aprendem, e a professora manteve o poder de
colaborar com outros, com relação ao que vai ser ensinado. No caso de Marcela, houve muita
colaboração da outra professora da mesma etapa do 1º. ciclo.
O caráter de transitoriedade presente nas concepções e práticas curriculares de Marcela
remeteu-me a Pacheco et al. (2002, p. 181) que argumenta ser o currículo uma prática
resultante de confrontos com outras práticas sociais, mediados por relações de poder, portanto
é histórico e sinaliza com os indicadores sociais vividos em cada momento. Não é uma
estrutura fechada que para demarcar fronteiras rígidas entre coleta ou integrado, como
referendado nos estudos de Bernstein publicado em 1996. Ele, o currículo, pode (LOPES,
1999, p. 187) ser organizado com várias formas de coleção e diferentes níveis de integração,
permanecendo a matriz disciplinar. Mas as diferentes formas se estabelecem a partir de
pressupostos que engendram as concepções de educação, currículo, conhecimento,
aprendizagem etc. que caracterizam as teorias críticas e não-críticas. Pode existir currículo
integrado com pressupostos no produto, na fragmentação do conhecimento e que nada tem de
progressista ou inovador. Porém, sinalizei anteriormente que fiz opção teórica por um
currículo integrado-crítico.
2 Concepções e práticas de planejamento curricular
Organizei os aspectos que tendem a caracterizar as categorias de planejamento
curricular que são as subsidiadoras neste segundo eixo da análise, aspectos estes que serão
analisados de um modo flexibilizado como no primeiro eixo, tendo em vista que estes têm
propensão ao planejamento curricular em uma abordagem disciplinar ou integrado-crítico,
mas não são os determinantes exclusivos de um ou de outro. Vale ressaltar que algumas
subcategorias, por vezes, serão evidenciadas juntas, mescladas e se reforçando mutuamente.
Nesta categoria do planejamento curricular, trabalharei com as seguintes
características, que mais se aproximam dele, não apresentando aspectos que necessariamente
o definem, por isso trataremos as subcategorias como tendências, sendo as seguintes:
Antecipação dos resultados, resultados construídos no e pelo processo, padronização,
autonomia regulada, ação deliberativa, singularidade dos esquemas de ensino,
descontextualização, aproximação do contexto, individualização, coletividade,
linearidade do conhecimento, problematização do conhecimento, estruturas abertas das
situações de planejamento e estruturas rígidas dos passos de planejamento.
2.1 Professora Sara do 1º. Ciclo de formação
Inicialmente, destaquei a antecipação de resultados enquanto uma característica que
tende mais ao planejamento curricular em uma abordagem disciplinar que se revelou nos
dados da professora com recorrências no momento de discussão para escolha do Tema
Gerador, quando os professores do 1º. Ciclo se reuniram e foram buscar o resultado do
diagnóstico da realidade o resultado da tabulação não estava na escola e sim com o
grupo que prestou assessoria neste trabalho (C.C. do dia 4/2/2004, L. 12 e 13). A
assessoria prestou trabalho em 2003, na construção do Projeto Político-Pedagógico
57
da
escola, e, em 2004, durante minha permanência na escola, não foram observadas
continuidades nas discussões sobre o Projeto Político-Pedagógico.
Quando a escola não detém os resultados de um diagnóstico imprescindível para o
início do planejamento das atividades escolares, está deixando que pessoas, fora do contexto
escolar, guiem suas ações e controlem, mesmo que sem intencionalidade, o processo
educativo da escola. Em Pacheco et al. (2000b, p. 8), vimos que as decisões da escola estão
sendo determinadas pela lógica de um especialista curricular que assume o papel
(essencialmente da escola) ativo na construção dos produtos curriculares e no estabelecimento
de suas regras. Isto fez com que o processo preliminar de apreensão da realidade para a
investigação dos temas geradores fosse desprezado e a realidade assumisse uma simplicidade
que qualquer Tema Gerador basta para desvelar.
No momento de escolha do tema gerador, a escola não fez o diagnóstico, mas os
professores tentavam lembrar o conteúdo de um realizado no ano anterior em conjunto com a
assessoria que trabalhou a formação continuada na escola, como vemos a seguir, num trecho
registrado em meu caderno de campo: [...] Mas lembravam que o grande problema
que surgiu no grupo foi a “insegurança”. Então o grupo escolhe como tema
57
Construir o Projeto Político-Pedagógico significa mostrar” as intenções da escola definindo as ações
educativas e as características que a escola irá assumir para cumprir sua intencionalidade. Um espaço de
construção das decisões democráticas num trabalho coletivo realizado por todos os envolvidos com o processo
educativo da escola.
Em busca da qualidade de vida,
Em busca da qualidade de vida,Em busca da qualidade de vida,
Em busca da qualidade de vida, após surgirem vários temas. Este tema é para
o 1º. ciclo, mas o grau de complexidade será diferente nas etapas, (C.C. de
04/2. L.13-15), fala o grupo de professores.
Vemos, então, que o conteúdo programático da educação, neste planejamento, foi
eleito somente pelos professores. A relação dialética do sujeito com o objeto de estudo é
ocultada. Freire (1987, p. 87) afirma que é na realidade que está o conteúdo programático da
educação. No momento de sua busca é que se inaugura o diálogo da educação como prática da
liberdade. E este é o momento da investigação do universo temático do povo ou o conjunto de
seus temas geradores.
Na fala da professora, em entrevista, ficou evidente que a comunidade escolar não
tomou parte da investigação do tema gerador: Nos outros anos, nós fizemos uma pesquisa,
um questionário com os pais para ver o que deveria ser trabalhado. Neste ano não, este
ano na reunião do começo do ano, s, professores do 1º. Ciclo, nas discussões,
analisamos e vimos o que tinha sido trabalhado em outros anos e fomos vendo o que
dava para trabalhar neste ano (gravado em 11/11/04). Neste fragmento de fala da
professora SAD descortina-se um entendimento de que aqui reside um dos entraves
ocasionados pela falta de articulação da proposta pedagógica na escola. O não-engajamento
coletivo ao eixo norteador das ações educativas que são realizadas na Unidade Escolar.
E Sacristán e Gómez (1998, p. 83) confirmam que o planejar está consubstanciado a
uma pauta oferecida de fora, em uma organização que regula a prática de fora para dentro. Ao
mesmo tempo em que a escola começa a discutir o seu Projeto Político-Pedagógico, depois da
1ª. fase de estudos e discussões, ainda não consegue desvincilhar-se e encaminhar-se,
planejando suas atividades, que o trabalho de assessoria para capacitação tem um tempo
específico e determinado, não tendo a proposta de assumir o papel que essencialmente é da
escola.
A antecipação de resultado é também aludida ao ordenamento seqüenciado na
transmissão do conteúdo, quando, no caderno de campo do dia 1/7/04, foi registrado o
momento em que a professora determinou uma seqüência alfabética nas atividades, e neste dia
o privilégio foi dado à letra “b”, passando para copiar do quadro essas palavras: BALA,
BULE, BOCA, ABACAXI, BANDEIRA, BOLSA, SOMBRINHA, BANANA, BOLITA,
BIGODE, BRAÇO e BRINCO (L. 15-27). A turma era da I etapa, uma classe de
alfabetização, onde parece não haver preocupação por parte da professora com uma
concepção de leitura que essencializa a apropriação pessoal dos alunos, decorrente da
vivência de situações diversificadas de uso da escrita. Talvez por isso ela se restringisse a
ensinar com observância na seqüência do alfabeto, alheia ao tema gerador eleito pela escola.
Esta atitude mostrou a idéia de que a realidade educativa é linear e que as complexas relações
que se produzem, podem ser determinadas por ações preconcebidas e seguidas por planos
aplicados a partir de estruturas que estão fora do contexto escolar.
As ações da professora retrataram sua dificuldade em trabalhar o tema gerador em sua
turma de alfabetização e, por isso, segue a ordem seqüenciada do alfabeto. Na aula do dia
5/7/04, a letra trabalhada foi o “c”, permanecendo, então, a ordem
alfabética. Isto caracteriza um modelo de racionalidade positivista, segundo Gómez
(1998, p. 83), onde a ordem do conteúdo é indispensável, sem levar em consideração a forma
de apresentação e ainda os determinantes que existem no contexto. Esta estrutura possibilita
um ordenamento linear com uma seqüenciação advinda do modelo de planejamento
empresarial, que prioriza uma visão instrumentalista da educação.
Todavia, há que se falar também que esta dificuldade pode residir na própria estratégia
que a SMEDEL vem utilizando para realizar seu papel de órgão responsável pela veiculação
de políticas públicas educacionais para a rede, bem como o de dar suporte financeiro e
humano para a execução de tais propostas.
Ao trabalhar pautada em uma dimensão que reforça a antecipação dos resultados em
sua prática, descortinam-se também espaços para uma padronização dos esquemas de
ensino, a partir de indicadores que revelaram sua presença nos significados das concepções e
práticas sobre planejamento curricular da professora, mesmo que esta incline-se a intercalar
outras subcategorias, tornando-se difícil apreendê-las isoladamente.
Por isso, reafirmo que as subcategorias inclinam as categorias a uma ou a outra
concepção de planejamento curricular, mas não definidoras exclusivamente da concepção.
Isto esta foi sendo verificado a partir dos momentos de planejamento, da seguinte forma: [...]
no momento de horas atividades da professora, ela seleciona e organiza
atividades para as aulas seguintes, seguindo um ritual de rodar bastantes
atividades para os alunos colarem no caderno
(C.C. de 13/5. L. 2-4). Esta situação
foi recorrente nos momentos de planejamento, como nos dias 5/2. L.29, 15/6. L. 35, 29/6.
L.83, 15/7. L.1-3, 1/7. L.1, 6/7. L. 39, 8/7. L. 3, 20/7. L. 32 e 22/7. L.1). e a rotina foi
observada sempre no horário em que a professora preparava suas aulas da semana.
Isto me permitiu descortinar que as atitudes padronizadas de Sara, nos momentos de
planejamento, estão ligadas a uma concepção de pensar o planejamento como uma
organização que racionaliza sua execução, reduzindo-o a ações não flexíveis que marcam
rotineiramente o seu dia-a-dia de planejamento e distanciando-se de pensar de planejamento
curricular-processual, pois o ensino (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 204) é um processo
social e complexo e, ao planejá-lo, não nos É permitida uma ilusão de previsão com padrões
estabelecidos rigidamente.
Num padrão repetido nos dias de planejamento, na semana pedagógica do início do
ano letivo, em que o grupo de quatro professores de referências
58
(Sara faz parte deste grupo)
e 1 de Educação Física do 1º. Ciclo sentam para definir o tema gerador, a padronização das
ações esteve presente, houve a necessidade e a preocupação com o produto final, mesmo que
isto signifique repetição do planejamento dos anos anteriores, como observei em um outro dia
em que os professores continuavam o planejamento anual do ciclo: No grupo de 1º. Ciclo
observei que durante o repasse
59
duas professoras escreviam o projeto fazendo cópia do
de 2003. O projeto do 1º. Ciclo já está pronto (C.C. de 5/2/04, L.2-5).
A estrutura do planejamento anual traz uma ordenação padronizada para
homogeneizar as ações de um ano, prevendo tudo antecipadamente. Assim, não houve
necessidade de discutir o que estava pronto, como vi e registrei, assim: [...] Em seguida os
professores reúnem-se por ciclo. Os do 1º. Ciclo reúnem-se para ouvir e
concordar ou não com o que os outros dois haviam escrito e determinado
no planejamento anual. E passam a ler as partes do desenvolvimento,
avaliação e culminância do planejamento do Tema Gerador. O grupo concorda e
o planejamento
60
espronto (C.C. de 5/2/04, L. 34-38). Aqui confirmo que o que estava
pronto, a partir de um padrão do ano anterior, não é objeto de questionamento, mas sim de
aprovação.
58
Professora de referência é a responsável por uma turma de alunos, com carga horária de 16h.
59
A professora representante no SINTEP faz o repasse das informações da reunião de que ela participou.
60
A cópia do plano anual dos professores do 1º. Ciclo faz parte do anexo deste trabalho de pesquisa.
A lógica do silêncio impera neste momento, (SILVA, 1990, p. 9), pois o que importa é
o instrucional, os passos ordenadamente do plano estão prontos para serem entregues à
coordenadora da escola. A coordenadora
61
explica que devem entregar este material para
que possa ser digitado e cada professor terá sua cópia (C.C de 4/2/04, L. 26-27).
Esta lógica de organização, utilizada na ação de planejar o currículo anual da escola,
reproduziu atos mecânicos que racionalizaram a ação dos professores, fazendo com que estes
sejam meros tarefeiros. Como Sacristán (2000, p. 169), digo que um professor-executor é um
professor desprofissionalizado. Neste sentido estabelece-se uma percepção de que, ao planejar
a prática, o faremos a partir de saberes somente instrumentais, reduzindo ou negando o
movimento dialético existente nesta [a prática] e assim também reduzindo os
encaminhamentos que se possam enveredar para uma ação educativa mais crítica e
transformadora.
A padronização de ações presentes no ato de planejar da professora garante uma
autonomia regulada em seu trabalho pedagógico, que confere recorrências a partir de uma
outra fonte de informação sobre o planejamento curricular referente ao processo avaliativo
dos alunos que será adotado pelos professores. A escola vai usar uma ficha individual de
acompanhamento do aluno do 1º. Ciclo (em anexo na pesquisa).
Esta ficha traduz uma adaptação pedagógica do curso realizado pelo PDE (Plano de
Desenvolvimento da Escola), sem que o professor realmente entenda o seu significado, pois
observei e registrei que no dia 5/2/04, na semana pedagógica, a ficha era para
ser discutida, mas devido a falhas técnicas no retroprojetor esta não foi
mostrada para discussão, mas a coordenadora avisa que uma técnica da SMEDEL
virá à escola para esclarecer sobre a ficha, demonstrando que não foi a
escola que a construiu. Mesmo não havendo discussão, uma professora
comenta: Vou aceitar a ficha se for menos trabalhosa do que é o relatório (C.C de
5/2/04, L. 29). Isto demonstra, mais uma vez, a não-participação dos professores no processo
de construção da ficha.
61
A figura do supervisor foi criada devido à aproximação entre o que se fazia para a produção nas empresas e o
que se passava a pensar da eficiência da escola (GANDIN; CRUZ, 1996, p. 13), tendo a tarefa de exigir a
elaboração de planos por parte dos professores.
O fato de os professores não elaborarem a ficha, leva-me a conjeturar que a atividade
de pensar e criar criticamente os recursos que serão utilizados no processo pedagógico foi
transferido para outrem, reforçando uma dependência profissional dos professores, em
particular de Sara da I etapa do 1º. ciclo de formação. A dimensão deliberativa foi reprimida,
pois, em Sacristán e Gómez (1998, p. 169), lemos que a deliberação se realiza em todo o
processo, em que se tomam decisões: do planejamento, passando pela execução em sala de
aula e, logo depois, quando se faz uma reflexão da ação realizada. E isto não foi evidenciado
naquele momento.
Logo, têm-se, em decorrência disto, mais evidências, tanto no momento de reunião
com a comunidade, como ao final do 1º. semestre, quando a escola realizou uma reunião com
a comunidade escolar, e os pais ficaram separados por ciclos. Eu observei a reunião com os
pais do 1º. ciclo. Vejamos o que foi registrado por mim no caderno de campo: [...] nesta
reunião com os pais dos alunos do 1º. Ciclo para discutir sobre a ficha,
somente a diretora falou: a ficha estará explicando o processo de aprendizagem de
seu filho e as professoras das turmas do 1º Ciclo apenas ouviam (C.C de 2/7/04).
Tal atitude mostrou, mais uma vez, que os professores não entenderam o significado da ficha
de avaliação dos alunos do 1º. ciclo, causando a imobilidade que retrata a perda pelo professor
de sua capacidade de pensar sua própria ação.
O não-entendimento é descortinado também quando a professora demonstrou
mediante sua fala que teve dificuldade em preencher uma ficha que não foi pensada no
coletivo da escola: Porque tem muitos itens, né. Aquelas siglas das habilidades,
habilidades construídas, habilidades não construídas, ficou um pouco confusa. Um
processo de mudança, realmente. E é preciso trabalhar mais em cima dessa ficha para se
ter mais segurança (R.C.D de 8/7/04).
A professora Sara expõe a sua insegurança sobre o processo de sua prática, pois a
ficha avaliativa faz parte deste todo. Esta sua atitude revela que o caráter inovador presente,
supostamente, encontra-se nessa ação e é dificultado pela falta de momentos reflexivos do
coletivo de professores. Manifesta também que esta é uma característica que tem propensão a
uma visão de currículo-produto que minimiza a autonomia profissional dos docentes,
reforçando sua dependência. E as possibilidades de um pensar e agir singular ao professor vão
sendo fragilizadas por essas ações dentro da escola.
Quando a escola substituiu a prática dos relatórios avaliativos pela ficha, numa
tentativa de melhorar a sistematização e socialização dos registros das aprendizagens dos
alunos, tinha como finalidade dinamizar as ações docentes. Mas toda tentativa de mudança
pode ou não ter caráter inovador. Depende de traduzir-se em uma possibilidade de aumento da
dependência ou de aumento da autonomia dos envolvidos.
Ao cercear aos professores a ação de construção coletiva da ficha de avaliação dos
alunos, a escola deu margem ao aumento do grau de dependência de seus docentes, deixando
que outras pessoas que pensam o currículo, façam o papel que é essencialmente da escola.
Constato que se reafirma a argumentação de Sacristán (2000, p. 296), quando diz que,
muitas vezes, o professor está tão sociável à dependência que acaba renunciando à sua
capacidade de decisão. Esta renúncia expropria do professor a qualidade de docente construtor
da ação educativa, passando a executor.
E, ainda, quando a professora Sara afirma que confunde as habilidades construídas e
não construídas, é porque na prática essas habilidades mesclam conceitos, dificultando a
análise pura das habilidades na área da linguagem, na área das ciências humanas e sociais, das
ciências naturais e matemáticas. também evidências de que a não participação na
elaboração da ficha faz com que o seu uso seja artificializado, de maneira a reforçar sua
dependência profissional. Contudo, não se descarta também que, enquanto profissional, ela
precise de formação continuada para atuar diante de um contexto de mudanças. Posso afirmar
que sua fala deixou transparecer indícios de que podem ocorrer algumas mudanças na prática
da professora: eu não sei, mas quero aprender.
As formas em que evidenciei a autonomia regulada tenderam a reforços pela
característica da descontextualização presente nos dados da professora, com recorrências que
são constatadas no período em que a escola vai definir o Tema Gerador. Neste momento, a
escola estava tentando superar a lógica de um planejamento curricular de controle, mas, diante
de uma autonomia que está regulada por fatores externos, tem dificuldade em transpor os
obstáculos da prática pedagógica, fazendo opção pela superficialidade ao escolher o Tema
Gerador. Como a escola não detinha o resultado do diagnóstico mencionado anteriormente,
adotou um tema gerador para ser objeto de estudo com os alunos do 1º. Ciclo: Em busca da
qualidade de vida.
O tema não problematizado fica como os exemplos de planos, de natureza política ou
docente, que falharam porque no processo de construção iniciaram de uma visão pessoal da
realidade e não levaram em conta os homens presentes nas situações sociais (FREIRE, 1987,
p. 84). Assim, uma visão pessoal da realidade leva-nos também a privilegiar as aquisições
pessoais e individualizadas, como fizeram os professores do 1º. ciclo de formação,
imprimindo ao planejamento um caráter meramente mecânico e burocrático, destituído de um
sentido mais qualitativo e desprovido de dados da realidade. Para nós, planejar o currículo é
construir um planejamento a ser desenvolvido em práticas pedagógicas concretas, nas aulas,
conforme Sacristán (2000, p. 288), onde organização de componentes a serem aprendidos
pelos alunos. Um ato que implica ações reflexivas e contextuais.
Com esse pensar, a descontextualização acompanhou as ações da professora nas aulas,
que trabalhou com textos que não problematizavam o subtema Escola e segurança, a
exemplo de se és feliz (C.C. de 14/6. L.11), TIC-TAC (C.C. de 1/7. L.02), o bolo (C.C. de
5/7. L.03), dia do amigo (C.C. de 20/7. L. 16) e o relógio. (C.C. de 21/7. L.06). Os textos
trabalhados são descontextualizados, como constatei na categoria da organização e
estruturação do conhecimento escolar. E, ainda, em outra aula [...] A professora inicia
sua aula organizando o grupo em subgrupos de 4 alunos: O que encontramos no
caminho de casa até aqui, quem sabe escrever, escreve e quem não sabe, desenha (C.C.
de 21/6. L.1-3). Assim procedendo, tira deste momento a essência do diálogo problematizador
da questão a ser estudada. A atividade serve para realçar a passividade do aluno e não a sua
ação enquanto sujeito do conhecimento.
A preocupação da professora foi tão-somente com a transmissão esvaziada do
conhecimento, absolutizando-o. Freire (1987, p. 59) argumenta que o educador opta e
prescreve sua opção e ao educando resta que siga a prescrição, caracterizando uma
educação que o autor chama de bancária. Demonstra que o conhecimento não precisa fazer
parte das experiências cotidianas das crianças, pois retira algumas palavras do texto, escreve
no quadro para lerem e contarem as sílabas e letras, como se estas existissem sem o seu
contexto. O tema do texto não é problematizado e serve apenas para retirar algumas palavras
para leitura na turma de alfabetização.
Esta situação compartilha da compreensão de um conhecimento que é concebido de
forma fragmentada, sem o trato da realidade e do contexto social do aluno, promovendo
percepções que reforçam as características da passividade, da manutenção do “status quo”, as
quais contrariam as possibilidades de uma mudança na realidade oprimida em que vivemos.
Todas essas características, analisadas na prática de Sara, são propensas ao
planejamento curricular com abordagem disciplinar ratificada pela individualização,
enquanto uma característica presente na concepção de planejamento da professora com
recorrências que foram demonstradas nos dados recolhidos dela, no período de horas
atividades que eram realizadas de forma solitária, sem uma reflexão coletiva, como nos dias
5/2. L.29, 15/6. L. 35, 29/6. L.83, 15/7. L.1-3, 1/7. L.1, 6/7. L. 39, 8/7. L. 3, 20/7. L. 32 e
22/7. L.1, quando também foi constatada a padronização nos esquemas de ensino. Sobre isso
Sacristán (2000, p. 291) afirma que o isolamento individual é o estilo muito freqüente num
processo de administração que mantém e reforça a dependência profissional, e nesta condição
não há necessidade de comunicação entre o coletivo de professores.
Os momentos da prática de planejamento de Sara foram individualizados e
empobreceram as probabilidades de diálogos com o grupo de professores e também com a
coordenadora pedagógica, com percursos para trabalhos não reflexivos e distantes de um
pensar coletivo. Este isolamento da professora Sara, única no período matutino da I etapa,
mostrou uma característica peculiar, própria de sua individualização, pois, mesmo quando
tentou relacionar-se com outra professora da mesma turma do período vespertino, ela o fez de
forma que cada uma tomasse decisões isoladamente. A individualização permaneceu,
negando a possibilidade de partilha dos aspectos inerentes à prática educativa, os quais
poderiam indicar elementos constitutivos de uma mudança qualitativa na ação docente.
A professora expressou isso, quando procurou explicar como planejou com a outra
professora da mesma etapa, dizendo: A gente troca atividades através do armário também.
Faço atividade, deixo no armário para ela e ela faz e deixa no armário. ela compra
material, jogo e tal. E quando nos encontramos, ela fala comprei tal coisa, deixei no
armário em tal lugar. Ontem mesmo ela veio de manhã, né. eu troquei. Ela deixou
alguma coisa e eu tinha deixado aquela atividade, sabe: Esconde a fichinha e vai aos
poucos mostrando para os alunos descobrirem a palavra. Mas não temos nenhum
problema juntas (RCD gravado em 17/4/04).
Porém, não podemos negar que, diante das possibilidades concretas, a professora
criou um mecanismo para trocar experiências com outra colega da mesma etapa. Um
mecanismo singular que dificulta a interação da ação pedagógica das professoras, mas esta foi
a possível construída naquele momento.
Pela inexistência/ausência de momento do planejamento no coletivo, a professora
improvisa-o, buscando-o mediante intercâmbio de materiais com outra professora. E o reforço
da individualidade persistiu, pois quando indaguei sobre a discussão do planejamento neste
bimestre, afirmou que foi realizado assim: [...] Foi no começo do ano por ciclo e neste
bimestre não houve, apenas no início do ano. No começo do ano nós fizemos os subtemas
dos quatro bimestres. Eeu planejei melhor o 1º. bimestre. Depois era para haver mais
reuniões, mas não houve (RCD gravado em 22/7/04). A individualidade no planejamento de
Sara está imbricada de marcas de um pensar a prática como não merecedora de discussão
constante, durante todo o ano letivo, e, ainda, a escola não viabiliza esses momentos de
discussões coletivas. Vale ressaltar aqui que, apesar de existir o coordenador pedagógico, este
enfrentou dificuldades em possibilitar essa articulação dentro da escola, até pela estrutura
organizacional dos períodos de horas atividades de todos os professores.
Porém, ao mesmo tempo em que a professora trabalhou individualmente, igualmente
ela demonstrou preocupação e necessidade de maior envolvimento na coletividade, como
ficou patente na gravação, em 22/7/04, do Registro de Comentário Dialogado. Ela assim se
expressou: Então eu tinha sugestão de como trabalhar esse tema, mas eu queria idéias
como trabalhar o tema, o conteúdo na alfabetização. Só que eu não tive essa
oportunidade de trocas, porque idéias, geralmente um tem uma idéia, outro tem outra e
complementa. Fala também que sentiu falta do planejamento no coletivo: Sim, senti porque
tem coisa mais organizada. Quando não envolvimento do grupo, o trabalho não sai,
como no Tema Gerador. Em sua fala houve evidência de uma percepção inicial de que o
trabalho coletivo na escola é um fator importante para a construção de um projeto educativo
de mudança qualitativa. Contudo, a escola também não propiciou momentos de planejamento
coletivo, portanto não houve envolvimento dos professores para um pensar de uma escola
mais coletiva e autônoma.
Com isso, a professora apresentou dificuldades em problematizar os conhecimentos
com os quais lida, deixando transparecer uma Linearidade do conhecimento, descortinada
na falta de autonomia da professora em sua ação docente. Então ela trabalhou o conteúdo de
forma linearizada e absolutizada. A professora transmitiu informações e os alunos seguiram
prescrições, numa seqüência hierarquizada do conhecimento. Isto revelou que a professora
desenvolveu suas atividades pedagógicas ancoradas na concepção de educação que reforça a
organização do conhecimento em seqüência de conteúdos hierarquizados e divididos nos
campos dos saberes.
A linearidade no trabalho da professora foi reforçada quando ela privilegiou a ordem
alfabética para organizar o conteúdo da alfabetização. As estruturas mais simples devem
anteceder às mais complexas, evidenciando que as crianças pré-silábicas devem ser
trabalhadas com as letras e as alfabéticas com frase. Assim se expressou a professora em sua
fala: às crianças que são pré-silábicas, eu peço para procurarem as letras e recortarem e
tal. E quando são alfabéticas, além de recortarem, fazem uma frase em cima do
desenho (RCD gravado em 14/4/04). Nesta fala a professora Sara apontou a necessidade de
imprimir um caráter funcional à escrita, ou melhor, alfabetização funcional, que tem por
objetivo possibilitar condições efetivas para os alunos enfrentarem as diversas situações que o
mundo lhes apresenta pelo texto escrito. Porém, o contexto desta escrita é desconsiderado.
A professora Sara trazia consigo uma concepção de planejamento curricular,
evidenciada mediante os dados recolhidos, que têm propensão a perpetuar a estrutura de
conteúdos ordenada linearmente em que sua continuidade é previamente ordenada para a
seqüenciação de outros conteúdos, desconsiderando os determinantes que se configuram no
processo de ensinar e aprender. Essa desconsideração leva à legitimação de um formato de
organização do conhecimento que esvazia os empenhos que tornariam possíveis o
desenvolvimento de uma educação emancipatória dos agentes educativos.
Esta visão consolida a face conservadora da escola, em que o professor é o executor de
um currículo pensado por outros de fora do contexto escolar, onde o planejamento garante a
não-participação efetiva do docente. Este também reforça a estrutura linear do conhecimento
que está embalsamada nos livros didáticos.
No trabalho da professora Sara também esteve presente uma estrutura rígida dos
passos do planejamento que foram detectados nos seus dados, na execução do plano anual
do 1º. Ciclo e Educação Infantil.
62
O contexto da prática desta professora trouxe uma estrutura
rígida retratando uma forma de planejamento idêntica ao do quadro
63
mostrado anteriormente.
Mudou somente a forma de apresentação, composto pelos itens: tema, justificativa,
62
Em anexo.
63
Quadro esquemático para planejamento apresentado no quadro teórico deste estudo.
objetivo, objetivo específico, subtemas, desenvolvimento, culminância e
avaliação (C.C. de 4 e 5/02). Com a pretensão de dar um trato mais progressista na escolha
do tema gerador, a escola resolveu escrevê-lo em forma de um planejamento anual, mas a
própria constituição estrutural do planejamento anual garantiu a rigidez de seus passos, de
modo a dificultar mudanças durante sua execução.
A não-articulação com o projeto educativo autêntico de uma escola com visão crítica
levou os professores a tomarem atitudes não-reflexivas, reforçando uma educação que detalha
disciplinarmente o conhecimento escolar, que padroniza ações e mantém rigidez nos
esquemas de planejamento, negando o contexto real da comunidade escolar. Como Sacristán
(2000, p. 293) afirmo que, mesmo diante dos limites existentes em nossa atuação profissional,
temos a certeza de que o professor deve desempenhar um papel ativo na função de planejador
da prática. Esse desempenho para nós deve possibilitar o exercício da autonomia profissional
de cada docente, autonomia esta que representará a configuração de ações deliberativas no
coletivo e que não foram visualizadas nos dados da professora Sara do 1º. ciclo de formação.
2.2 Professora Wilma do 1º. Ciclo de formação
A flexibilização das características do planejamento curricular, tanto as que têm
propensão ao disciplinar quanto as que têm ao integrado-crítico se considerada nesta
análise, pois estas características não são exclusivas de uma ou de outra concepção de
planejamento, como já vinha afirmando. A Antecipação de resultados
Antecipação de resultadosAntecipação de resultados
Antecipação de resultados esteve presente nos
dados da professora no momento de escolha do tema gerador. A escola não detinha o
resultado do diagnóstico da realidade. Este estava em poder de outras pessoas fora da
comunidade.
Esta característica também ficou evidenciada no momento da entrevista, quando
SOMS revelou o motivo pelo qual não fizeram o diagnóstico: Foi assim, porque esse papel
veio lá da SMEDEL para que a gente fizesse esse questionário, aí só foi naquele ano. Nos
outros anos eu acho assim que partiria da escola, né. Da gente, mas todo mundo reuniu e
decidiu por isso daqui e não foi feito de novo o diagnóstico com a comunidade (Gravada
em 11/11/04).
Logo, o resultado também é antecipado, quando a Secretaria prescreve o que a escola
deve fazer. Quando faltou a orientação da Secretaria, a escola teve dificuldades de caminhar
sozinha, pois, na verdade, no ano em que a escola realizou o diagnóstico, a Secretaria
Municipal de Educação
64
estava dando as coordenadas que subsidiaram a construção da
prática pedagógica com o Tema Gerador e não porque a investigação para o diagnóstico da
realidade fosse a base principal do trabalho pedagógico, onde o conhecimento escolar é
organizado na integração por Tema Gerador.
Quando Wilma, como todos da escola, não articularam espaços que pudessem
consolidar a realização do diagnóstico da realidade para levantar o universo temático da
comunidade, inviabilizaram uma educação (FREIRE, 1996, p. 96) para a decisão e para a
responsabilidade social e política que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua
problemática (de seus temas geradores).
Houve no trabalho da professora evidências de ações determinantes que se
configuraram como estabelecimentos de padronização dos esquemas de ensino, pois estava
consubstanciada a antecipação de resultado. Este padrão esteve presente quando a professora
escrevia no quadro e os alunos copiavam atentamente, atitudes demonstradas nas 19 aulas
observadas da professora. Iniciando com a cópia do cabeçalho, seguindo de uma
mensagem e depois as atividades, sempre com o quadro lotado. (Padrão das aulas
dos dias 3/8 à 24/9/2004).
O padrão das aulas observadas da professora Wilma, a partir de um esquema
simplificado, dentro de situações complexas, acarretou uma prática rotineira dentro de uma
ordenação linear onde os esquemas de ensino são previamente definidos sem levar em conta
os alunos presentes na situação. E como Sacristán (2000, p. 283), afirmo que esses esquemas
fazem parte de um enfoque que está mais relacionado com a organização de um currículo
como produto. No entanto, dentro da teoria curricular são propostos modelos de planejamento
que se configuram como plano de instrução.
Os padrões recorrentes na prática de Wilma inclinam a um reforço da autonomia
regulada, caracterizada por ação docente que tem caráter individualizado e regulado por
fatores externos, acentuam-se ações não problematizadoras que se constituem numa adaptação
pedagógica que é visualizada nas observações de suas aulas. Nas dezenove aulas observadas
64
Hoje SMEDEL: Secretaria Municipal de Educação, Desportos e lazer.
(C.C de 3/8 à 24/9/04), em todas elas, como a professora segue um padrão de aulas em que os
livros didáticos assumem o papel de guia, sua autonomia também é regulada por eles. Dos
livros didáticos ela retirou textos como o passeio, o banho, hoje é domingo, era uma vez a
chave, as estações do ano e, em seguida, as perguntas sobre os textos, que ela chamou de
Conhecendo o texto.
Quando a professora tomou os encaminhamentos do livro didático como linha-mestre
de suas ações, deixou que o processo deliberativo, numa ação autônoma do coletivo escolar
fosse abafado, e uma autonomia reguladora por fatores externos tomasse conta, o que faz com
que o professor perca o controle de sua prática pedagógica. Foi uma forma de terceirizar o
projeto de escola, configurando uma separação entre concepção e execução, que tira do
professor o direcionamento do processo educativo, restando-lhe a reprodução de planos
prontos. No caso de Wilma, a reprodução foi do livro didático, revelando que o saber não se
encontra na professora, mas nos autores dos livros didáticos que ela seguia, melhor dizendo,
nos autores e livros que norteavam sua prática de sala de aula.
Para a professora o livro a direção em sua prática de planejamento, um modelo a
ser seguido que traz uma seqüência do conhecimento escolar organizada por iluminados
especialistas que pensam e determinam um currículo para a escola. Como Sacristán (2000, p.
292), reconheço que para Wilma ainda falta uma formação que lhe possibilite subsídios
interventores na situação de tradução pedagógica dos conteúdos curriculares, de maneira a
proporcionar-lhe uma autonomia real para selecionar, ponderar, organizar ou adaptá-los às
necessidades dos alunos.
Esta situação é alimentada continuadamente pela escola, pois esta não tem uma
proposta articulada no seu conjunto, que estabeleça as grandes coordenadas mediante as quais
a professora possa desenvolver sua ação pedagógica, levando-a a privilegiar ações
tecnificadas, para as quais a reflexão não tem espaço, inviabilizando um agir mais autônomo
com enfrentamentos que possam subsidiar a construção de uma prática educativa
emancipatória.
Ao traduzir em sua prática olhares de outros, possibilitou a descontextualização,
demonstrada em entrevista (gravada em 11/11/04), quando reafirmou como a escola se
organizou para escolha do tema gerador Em busca da qualidade de vida, que não tinham
realizado o diagnóstico da realidade. Em entrevista ela assim se expressou: Ah! Nós
reunimos e decidimos pelo assunto atual, assim, por exemplo: propaganda, né, gastos.
Decidimos com a turma do 1º. ciclo. decidimos que seria assim: família, como vivem
as famílias, situação financeira, depois a escola e no final o consumismo (Gravada em
11/11/04).
A fala da professora documenta um pensar que está mergulhado profundamente em
uma concepção onde o conhecimento da realidade pode ser artificializado com leituras
fragilizadas desta. Fazendo da busca do universo temático uma ação mecanizada e
concordando com Freire (1987, p. 100), afirmo que toda investigação temática que se na
ação humana não pode reduzir-se a um ato mecânico e esvaziado de significados, como
ocorreu na escola ao escolher o tema gerador.
Assim, os professores do 1º. Ciclo buscaram uma aproximação ao contexto, de forma
que, ao investigar o Tema Gerador, o fizeram simplificando a realidade a partir de esquemas
simples para problematizá-la. Esta atitude foi confirmada pela professora, quando disse:
porque os professores acham que a realidade daqui, da nossa escola, da comunidade é
uma realidade bem assim aquém, as famílias daqui têm baixa renda e m necessidade
de muitas coisas e aí em cima disto trabalhar os alunos para que eles continuem
estudando, para conquistar um lugar ao sol, fazendo que eles entendam que estudar é
uma das prioridades para eles conseguirem avançar e terem um trabalho, lutar pelos
seus direitos (Entrevista gravada em 11/11/2004). Resposta da professora, quando
questionada a respeito de como os professores escolheram o Tema Gerador Em busca da
qualidade de vida.
Em vista disso, mais uma vez, na argumentação de Wilma, notei a presença de
indicadores que tenderam a reforçar a alienação sobre as diferenças sociais, os quais parecem
revelar uma supervalorização do papel da escola, como se ela sozinha pudesse resolver os
problemas sociais de classes. Um olhar ingênuo que camufla as relações conflituosas e
contraditórias existentes nas relações homens-mundo.
Portanto, vemos que na entrevista em que abordo o pensar sobre a prática de
planejamento da professora, a indiferença pelas questões sociais, conforme foi observado nas
aulas, era confirmada, pois as atividades propostas por ela sempre eram desprovidas de
situações contextuais que pudessem levar os alunos a um pensar mais politizado e crítico,
negando, assim, a realidade dinâmica e processual em que se realizam os fatos.
As ações de Wilma são determinadas por elementos que tendem mais a um
planejamento curricular disciplinar, moldado por características bastante peculiares à
professora, o isolamento profissional. Este isolamento este que se deu pela presença da
individualização na prática de planejamento da professora, pois, apesar de ter participado
coletivamente do processo de escolha do tema gerador na semana pedagógica, não conseguiu
efetivar em sua prática as temáticas propostas no coletivo do 1º. Ciclo, individualização
verificada nas ações em sala de aula e registrada no caderno de campo, assim: Hoje
estou no 5º. dia de observação e doze dias no 3º. bimestre e ainda não
consegui observar mais sistematicamente algo sobre o Tema Gerador escolhido
pelos professores do 1º. Ciclo (C.C de 17/8/04, L. 11-12).
Todavia, como a proposta metodológica da escola mostrou marcas do tema gerador, a
professora tentou improvisá-lo. Isto foi confirmado em sua fala quando, em gravação do
registro de comentário dialogado, ela disse que procura contemplar o subtema Lazer e
Lazer e Lazer e
Lazer e
Saúde
SaúdeSaúde
Saúde mais na oralidade, porque é uma classe de alfabetização, mas até hoje
nas aulas que foram observadas, ela nunca fez referência ao trabalho do
tema gerador. Suas aulas são estruturadas basicamente com cópias do quadro
(C.C de 20/8/04, L.52-56), demonstrando a perda da noção de processo e de percepção dos
elementos que possam indicar uma nova organização do conhecimento escolar.
Vale ressaltar que o trabalho da professora se caracterizou como individualizado,
porque o projeto educativo da escola não refletiu ões coletivas e deliberativas do conjunto
da comunidade escolar. Formas de individualização foram observados nos períodos de horas
atividades
65
da professora nos dias 3/8, 5/8, 12/8, 17/8, 19/8, 20/8, 26/8, 29/8, 31/8, 3/9, 16/9,
21/9 e 24/9.
Nesses períodos de horas atividades, a professora ficou na secretaria da escola. Nesse
espaço físico também funcionava a sala da direção e coordenação, onde não houve ações de
planejamento. Estas constatações foram registradas da seguinte maneira no caderno de
campo: O horário de hora atividade da professora é ocupado com atividade
mais administrativa junto à equipe técnica da escola. A professora nunca
fica na sala dos professores. Neste momento, e as poucas vezes em que,
65
Todo professor de RME de Cuiabá trabalha 16 horas em sala de aula e 4 de horas atividades para
planejamento, estudo etc., conforme o projeto educativo da escola.
neste horário, não estava na secretaria, também não estava planejando suas
aulas com o restante dos professores (C.C de 10/9/04, L. de 6-10).
A professora tinha o livro didático como guia, para ela o livro se constituía em
planejamento. Um planejamento que refletia as diferentes atividades fragmentadas, num
somatório de muitas para os alunos copiarem, limitando-se em sua prática, como afirmam
Sacristán e Gómez (1998, p. 206), a aplicar planejamentos realizados pelos livros didáticos
fora do contexto da comunidade escolar. Tal postura deu suporte às mediadas que reforçam a
desprofissionalização docente, pois a prática de planejamento não é uma atividade
descontextualizada do exercício profissional, mas encaixa-se em tais condicionamentos.
Ao ser interrogada sobre o momento em que planejou suas aulas com os outros
professores, que era a única desta etapa, ela respondeu: É, não tenho possibilidade de
planejar em grupo, assim eu com outra. de manhã com a alfabetização (I etapa),
geralmente sou eu sozinha ou juntamente à professora da alfabetização de manhã e à
tarde (RCD, gravado em 5/10/04). A fala de Wilma refletiu mais uma vez uma
individualização com marcas bastante fortes na prática de seu planejamento, pois, ao guiar-se
pelo livro didático, o via necessidade de uma reflexão de sua ação no coletivo. A
individualidade revelou uma interface com a autonomia regulada, já mencionada, na prática
da professora. Assim, seu trabalho era regulado por agentes externos ao contexto escolar, os
quais tornam obsoleta a ação colaborativa, que é referência para a construção da autonomia.
A professora Wilma também demonstrou estar preocupada com a individualização
presente em suas ações pedagógicas. Eu acho interessante o planejamento coletivo dos
professores porque você busca idéias diferentes com os outros, você troca idéias. De
repente, eu estou trabalhando de uma forma e a colega, ah! Eu estou fazendo deste jeito,
e aí você pensa. Ah! É uma troca de experiência, eu acho interessante (Entrevista gravada
em 11/11/04).
Houve uma percepção inicial e até artificializada da professora sobre a importância do
diálogo. Artificializada porque ficou na intenção, no pensar não-reflexivo, e não na ação
crítica. Para ser diálogo precisa ser comunicação, como um fundamento da colaboração
(FREIRE, 1987, p. 165) na teoria da ação dialógica, uma teoria da ação dos homens-sujeito
que se encontram para a transformação do mundo em colaboração. Portanto, a professora, ao
negar-se ao diálogo coletivo, negou-se conseqüentemente, à problematização da ação
educativa.
A negação desta problematização se constituiu em garantia de reforço e
condicionamento das estruturas absolutas do conhecimento, permitindo que, das muitas
atividades em sala, a maioria, era retirada de livros didáticos, conforme registros no caderno
de campo, dos dias: 6/8, 14/9, 17/9 e 21/9/2004. Nesses dias, o livro didático foi usado em
sala de aula, como elemento planejador, para retirar tipos de atividades como cópia de texto e
perguntas para interpretação (Cachimbo, As estações do ano, Hábitos saudáveis, Meios de
transportes, O banho etc.). O uso do livro didático sugeria um tipo de improviso, pois, como
assegurei, a professora não planejava. As anotações recolhidas demonstraram o seguinte:
[...] quando a professora saiu da sala, voltou com um livro didático em sua
mão, procurando alguma atividade, folheando-o em frente ao quadro. Saiu de
novo apressadamente, parece que não encontrou o que procurava no livro,
como observado no dia 6/8/04, L.29-31 do caderno de campo.
Esta postura da professora, observada em sala, permitiu-me reconhecer um
pensamento que assume uma separação entre o pensar e o fazer, pois o conteúdo de sua
prática não foi pensado por ela e sim determinado de fora, pelo livro didático. Uma postura
acrítica que nega o caráter intencional dos conhecimentos com os quais trabalhou, camuflando
as marcas de movimento processual inerente à ação pedagógica.
Quando a professora regula sua ação docente pelo livro didático, ela perde sua
autonomia e se distancia profissionalmente de um professorado nutrido (SACRISTÁN, 2000,
p. 209) de propostas e idéias pedagógicas, construídas na prática em suas escolas e em suas
aulas. É importante lembrar que a ação do ensino não é um puro fluir espontâneo, mas algo
regulado por padrões dinâmicos implícitos nas tarefas que se praticam na aula.
O trabalho individualizado da professora Wilma, que reproduziu olhares externos,
coaduna-se com uma ação pedagógica que evidencia uma visão de conhecimento pronto e
acabado, expressa em sala de aula por atividades que são trabalhadas enquanto fragmentos de
vários conceitos que propõe explorar. Essa visão de conhecimento assim se apresentou
quando a professora falou, na sala de aula:
Hoje tem aula de Educação Física e Artes, não vai dar para fazer quase nada.
Então o que vamos revisar?
O aluno respondeu:
- Números, continhas. A professora passou no quadro:
1- Faça números de 0 a 200. (C.C de 3/8/04, L. 10-14). Em outro dia, mais
atividades, agora como tarefa de casa:
2- Faça cópia de uma música
3- Faça cinco frases
4- Faça dez desenhos e coloque o nome
5- Faça cinco palavras com duas vogais juntas. (C.C de 12/8/04, L. 12-17).
Tal atitude confirmou que muitas características do planejamento curricular
mesclaram umas e outras num contínuo dinâmico, e foi a partir desta movimentação que a
prática de planejar de Wilma tendeu a transparecer mais aspectos caracterizadores do
planejamento curricular disciplinar do que os do integrado-crítico. Nesta dinâmica, a
professora trabalhou com fragmentos do conhecimento escolar, ora um e ora outro, sem uma
organização seqüencial linearizada (como seria previsível, a partir dos dados analisados – uma
linearidade), pois os recortes utilizados faziam parte dos diversos livros didáticos, e, ao
recortá-los, desordenadamente, esta estrutura foi fragilizada, restando a idéia cumulativa do
conhecimento quanto mais atividades melhor, não importando a qualidade delas. Os
sentidos e significados destas atividades não foram considerados pela professora.
Assim, posso concluir que nenhuma estrutura linear do conhecimento teve
continuidade ou foi permanente nas atividades com as quais a professora Wilma trabalhou
com os alunos do 1º. Ciclo. Esta prática traz em seu interior um pensar ingênuo (FREIRE,
1987, p. 85) que acomoda, neutraliza e normaliza a situação problematizadora da existência
humana. Um pensar inverso ao de uma educação como prática da liberdade com a qual
poderíamos contribuir ao trabalhar com o tema gerador.
Ao refletir sobre o uso do livro didático, que traz uma estrutura seqüenciada, ordenada
e que oculta a ideologia do conhecimento que transmite, a professora falou que não havia
possibilidade de trabalhar com tal seqüência no tema gerador: [...] mas você entra no tema
gerador e você que deparou com uma situação, vamos supor de acentuação, você
pode estar entrando ali na situação e não quer dizer que você acompanha rigorosamente
o livro. Eu acho, assim, você vai mais no dia-a-dia, porque deparou com uma situação
que para você entrar naquele conteúdo, você entra. (Entrevista de 11/11/04). Este
trecho da entrevista nos revela uma concepção de conhecimento que vem do nada, aistórico, o
seu surgimento é improvisado, quando a professora afirmou que trabalhou com o livro
didático ao se deparar com uma determinada situação do tema gerador, confirmando os
fragmentos observados em suas aulas.
Na prática da professora, a problematização, enquanto subsídio ao desvelamento do
objeto em estudo no tema explorado, foi anulada, sacralizando um conhecimento que está
calcificado, restando ao professor doá-lo, como um presente, aos seus alunos. Este
conhecimento não serve como instrumento para compreenderem a realidade e muito menos
para nela intervirem, ele cerceia as possibilidades de uma educação problematizadora que,
para Freire (1987, p. 68), rompe com os esquemas verticalizados de uma educação bancária.
Ao referendar uma prática de não-planejamento, apenas cópia das atividades
transcritas no quadro e retiradas de seu caderno de plano de aula, também não se preocupou
com o nível cognitivo das crianças, a partir dos estágios de construção da lecto-escrita. Então,
a professora, mesmo trabalhando com crianças que estão no estágio pré-operacional,
privilegiou atividades do tipo texto/questionário, reforçando a transmissão de conhecimento
como doação. Uma relação verticalizada entre professor e aluno, onde o primeiro passa
conhecimento e o segundo o recebe.
Nesta condição, novamente, como Freire (1987, p. 69), assevero que os alunos não
foram chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo transmitido pela professora. Eles
não realizavam o trabalho intelectual, pois o objeto estudado era de posse da professora e não
fez parte de um conteúdo problematizador da reflexão crítica entre ambos professora\alunos
(as), o que refletiu também um pensar em que a professora quer que as crianças, no processo
de alfabetização, pensem a partir de seus esquemas cognitivos.
Não obstante, para a professora foi importante o trabalho com texto/questionário,
como ratificou em sua fala: É assim, para trabalhar interpretação das crianças, isso ajuda
muito, assim, quando eu vou trabalhar o tema gerador, por que eu penso que ali é uma
coisa minha, junto com eles. Aí dá para trabalhar porque você passa o texto lá e você vai
fazendo os questionamentos, o que aconteceu. É uma forma deles entenderem o que eles
estão lendo. O que eles estão fazendo é uma forma de interpretar o que eles estão
fazendo (Entrevista de 11/11/04). Em sua argumentação, a professora quis tornar evidente
que os textos com que trabalhou estão contextualizados com o tema gerador, mas a prática,
demonstrada, refletiu contradição em relação à sua fala. Mostrou um pensar meramente
técnico que foi desqualificado por suas ações não críticas em sua prática. Um movimento
contraditório que se estabelece entre o pensar e o agir de Wilma.
Ao mesmo tempo em que não nega o uso do tema gerador em sua prática, ela não o
utiliza, o que pode ser comprovado pela maneira como conduziu as atividades em sala. Sua
ação prática deixou transparecer elementos mais condizentes com uma perspectiva de
educação bancária do que libertadora, como pressupõe o tema gerador.
Quando retomei a pergunta em entrevista (11/11/04) como isto acontece, percebi que o
discurso inicial foi camuflado, deixando transparecer as dificuldades de uma concepção de
planejamento integrado-crítico, assim: E neste ano como estou trabalhando com a II etapa
(pergunta para mim o nome da etapa), fiquei meio perdida, porque eu nunca trabalhei. Eu
planejei da seguinte forma, os textinhos eu dou mais nas famílias silábicas, dentro das
famílias silábicas eu vou trabalhando, aquilo que a gente tirou do tema gerador,
algumas coisas, né. A professora denomina de planejamento o ato de retirar do livro didático
as atividades para passá-las aos alunos. É importante relembrar que o livro didático retira do
professor a sua essencial função de planejador do currículo. Se o professor não planeja,
também não tem elementos que possam ser caracterizadores de estruturas rígidas dos passos
de planejamento.
A cópia das atividades que a professora fez em seu caderno, chamando a isso de
planejamento, faz-me, como Sacristán (2000, p. 286) considerar que planejar o currículo e o
ensino é uma prática na qual é preciso deliberar. Fazer opções, levando em consideração as
situações contextuais onde se aplicam estratégias rigorosas e de finalidades precisas, das quais
não se podem dispor. Mas, para deliberar, a professora precisa ter conhecimento sobre
planejar e refletir criticamente sobre sua prática. Isto nada tem a ver com o ato mecânico de
copiar repetidamente o que escreve no quadro, assumindo a mesma atitude que imprimiu aos
seus alunos passividade pelo exercício quantitativo de olhar no quadro e transcrever o visto
no caderno, tanto do aluno como da professora.
E quando falamos sobre o conhecimento do professor, assim o fazemos porque este é
parte constitutiva da natureza da ação docente. Quando este é diminuto, estamos perdendo a
capacidade de pensar a nossa própria ação pedagógica, suas implicações, seus conflitos e
contradições, seus avanços, retrocessos etc. Vale ressaltar aqui o papel formativo
preponderante de nossas universidades (públicas e privadas), que a grande maioria de
nossos professores tem curso superior, com graduação em Pedagogia. Pelo contexto educativo
vivenciado hoje no Brasil e, em especial em Cuiabá, não seria interessante pensar uma
Pedagogia envolta num currículo integrado-crítico? Deixmo esta questão como indagação,
pois a presente pesquisa não tem o propósito de respondê-la.
Uma prática recorrente nas aulas observadas, decorrente do não-planejamento, foi o
número elevado de atividades de cópia do quadro, como foi citado, e, para dar conta de
todas as atividades, a professora leu o que estava escrito em uma parte do quadro, deu a
resposta oralmente para poder apagar e escrever mais ainda. O aluno exerceu a função passiva
de ler, copiar e transcrever a resposta, que foi dada pela própria professora, conforme os
significados apreendidos nos dados que ela enunciou na pesquisa. Isto foi observado no dia
10/9/04, depois que a professora passou o texto, seguindo uma atividade de completá-lo,
fazendo a leitura e dando as respostas, antes que os alunos pudessem pensar. É só olhar aqui,
pelo amor de Deus (C.C de 10/9/04, L. 61). A fala austera da professora confirmou que para
resolver a atividade é olhar no texto, copiar e colar no espaço apropriado da atividade,
negando ao aluno tempo e espaço para o pensar autêntico. Freire (1996, p. 29-30) argumenta
que a tarefa docente não é ensinar o conteúdo, mas a pensar certo e este é possível
quando o professor crítico fala e pensa dialeticamente.
Patenteia-se, na situação mencionada, que Wilma estava preocupada com o seu
processo (tempo para trabalhar o conteúdo, organização das fichas de avaliação de seus
alunos, planejamentos, reuniões etc.) e não com o tempo do aluno. O eixo central de
organização do trabalho escolar não está no aluno, ou melhor, o processo de organização de
seu trabalho não é colaborativo em função dos alunos e sim dela mesma. Este comportamento
da professora evidencia, mais uma vez, que não leva em conta que a relação educando-objeto
de conhecimento é mediada pelo educador e não doada por ele. A doação, como forma de
transmissão de conhecimento, revela-nos um tipo de alienação e dominação, que rouba o
caráter emancipador, próprio do tema gerador.
A inquietação da professora Wilma, responsável por uma turma de alfabetização,
esteve nas famílias silábicas, que propiciavam o uso constante de textos reforçando sílabas e
letras isoladas do alfabeto. Um planejamento curricular que atende a um planejamento
instrumentalizado pelo livro didático, vindo de um modelo de planejamento e de pensamento
de uma educação empresarial, conforme os dados analisados por Sacristán (2000, p. 204)
quando afirma que esses modelos não foram pensados considerando a forma com que os
professores/as operam em contextos reais, mas sim modelos de gestão, a partir dos quais
sugerem esquemas e instruções que, dificilmente, servem aos objetivos e conteúdos ricos da
educação.
Em vista do que recolhi nas observações das aulas de Wilma, nas entrevistas com ela,
nas análises realizadas, posso afirmar que os elementos analisados sobre a concepção e prática
de planejamento curricular da referida professora eram muito mais inclinados ao disciplinar.
2.3 Profª. Marcela do 1º. ciclo de formação
Ao analisar os dados da professora Marcela, dados organizados na categoria do
planejamento curricular, ressalto que os elementos caracterizadores desta categoria e
subcategorias são tendências que se incorporam ao planejamento curricular disciplinar ou ao
integrado-crítico. O que determina sua propensão a tal categoria curricular é a forma com que,
na prática, esses indicadores se apresentam. Assim, busquei nesta análise apreender as
acepções decorridas neste movimento de flexibilização entre o disciplinar e o integrado-
crítico que abrangem as concepções e práticas de planejamento curricular desta professora do
1º. ciclo de formação.
Quando a escola optou por um planejamento anual, como observado na semana
pedagógica, antes do início do ano letivo, demarcou uma concepção de planejamento
realizado sem contato com a realidade, perdendo o caráter processual. Isto torna evidente que
o resultado do ensino pode ser antecipado externamente à prática, mostrando uma
característica de antecipação de resultados. A antecipação tem sentido quando a
compreendemos no coletivo de professores do 1º. ciclo, pois os dados que tendem a englobar
esta característica foram apreendidos na semana pedagógica com todos os professores deste
ciclo.
Logo, para Sacristán e GÓMEZ (1998, p. 287), esse tipo de planejamento perde sua
validade, pois a validade do planejamento está na distância que, em educação, é preciso
estabelecer entre a estruturação da ação e a criatividade como prática deliberativa em
contextos reais. E um planejamento anual tende a aumentar na escola a distância das práticas
deliberativas e autônomas em seu contexto. Este foi orientado e desenvolvido enquanto um
instrumento burocrático para responder às formalidades ao preencher os esquemas
predefinidos, deixando o professor como um executor de um trabalho de aplicação técnica.
As características apresentadas no plano anual me permitiram reconhecer, em conjunto
com Sacristán e GÓMEZ (1998, p. 202), que o currículo é uma lista de conteúdo e para
planejá-lo basta fazer um esboço ordenado do que se vai transmitir seqüenciadamente. Cria-se
uma padronização nos esquemas de ensino, e este padrão é revelado nas práticas da
professora HCPR, apenas demarcado pelo plano anual dos professores do 1º. ciclo, mas ela
não o segue, pois, basicamente, em suas aulas não se estabelecem padronizações. Mesmo
tendo um documento padronizante das ações do 1º. ciclo, a professora vai além buscando um
repertório diferenciado para as aulas.
O movimento na ação da professora Marcela fez transparecer os espaços de
contestação de que ela se apropria para flexibilizar sua atuação. Por isso as subcategorias não
podem ser visualizadas como exclusivas do planejamento curricular disciplinar e integrado-
crítico. Em conjunto com Giroux e Simon (2002, p. 121), podemos enxergar na ação da
professora uma noção de pedagogia crítica que começa com uma visão de possibilidade e com
uma incerteza que nos incita a repensar e renovar constantemente o nosso trabalho.
Nesse espaço complexo da prática pedagógica é que as possibilidades emergem,
mesmo tendo uma autonomia regulada por fatores externos ao contexto escolar. Partir de
uma apreensão da realidade simplificada possibilita-nos uma regulação da ação deliberativa
que é verificada no trabalho da professora, que não construiu a ficha avaliativa de seus alunos,
demonstrando insegurança e não-entendimento dela, como vimos em sua fala: sinceramente
eu achei essa ficha muito complexa. No primeiro momento eu tive muitas dificuldades
para estar completando e muita insegurança [...] Mas o ponto positivo é que ela é
detalhada, que para a gente refletir a respeito daquilo que o aluno conseguiu
aprender, mas um ponto negativo é que em vários momentos da ficha eu me perdia,
porque eu me confundia entre um item e outro. Então é por isso que eu a achei complexa
[...] A coordenadora
66
que estava substituindo até propôs a estudar comigo, né, mas
começamos, não foi possível por falta de tempo mesmo (RCD gravado em 28/9/04).
Vimos que a professora Marcela, como as outras, Sara e Wilma, não participaram da
construção da ficha avaliativa. Ela também teve dificuldade em assimilar os seus
encaminhamentos, como foi visto com as outras. Mesmo assim, conseguiu perceber algum
ponto positivo. Ela é detalhada, que para a gente refletir a respeito daquilo que o
aluno já conseguiu aprender (RCD de 28/9/04).
A fala de Marcela indicou uma possibilidade de superação dos limites apresentados
por ela, mas a falta de articulação dos espaços coletivos e até mesmo individual para
discussões desta ficha foi inviabilizada na escola. A rotina tecnificada do dia-a-dia venceu o
tempo formativo e deliberativo em que poderiam ser discutidas as implicações teórico-
práticas do processo avaliativo em uma escola ciclada.
As características evidenciadas na prática docente eram imbricadas e se reforçavam
mutuamente. Isto foi visualizado no contexto da prática da professora Marcela. Entretanto,
não se evidenciavam quando ela esteve com outros professores do mesmo ciclo no início do
ano, ou seja, a padronização que levou ao privilegiamento de ações descontextualizadas no
ato de planejar, poucas vezes foi detectada em sala de aula. Contudo, vale ressaltar que,
quando a referida professora estava junto com outras do 1º. ciclo, tendeu a acompanhar os
encaminhamentos de uma prática mais disciplinarizada. Quando estava em sala, entretanto,
houve uma inversão, pois nesse espaço ela buscou encaminhamentos educativos mais
propensos ao integrado-crítico e não se sentou mais para discutir com as professoras Sara e
Wilma, mas sim com a colega da mesma etapa, como veremos mais adiante. Essa situação
mostrou, novamente, a oscilação entre as concepções e as práticas de planejamento curricular.
A descontextualização que estava presente mais no momento de escolha do tema
gerador, conjuntamente com outros professores do 1º. ciclo, foi demonstrada por algumas
poucas atividades que não refletiam o contexto de sua sala de aula, até porque a aproximação
da realidade da comunidade foi reduzida a um olhar unilateral dos professores deste ciclo de
formação. Porém Marcela buscou ações mais contextualizadas em sua prática de ensino.
66
A coordenadora estava em licença maternidade e retornou em agosto/04, ficando neste período uma técnica da
SME, em substituição à coordenadora pedagógica da escola.
Por alguns momentos esta situação persistiu em sala de aula, pois a
descontextualização foi observada quando a professora buscava uma parlenda para as
crianças lerem na apresentação sobre o folclore. Ao mesmo tempo em que trabalhava
atividade sobre o lazer no bairro, subitem do tema gerador, buscou a parlenda, a partir de uma
apostila da coordenadora, para que os alunos a apresentassem a outros alunos da escola no dia
seguinte. Assim, falou a professora: Os meninos perguntam e as meninas respondem
(C.C. de 26/8/04). Ela falou sobre a parlenda, dizendo-lhes que iria passar no quadro:
Parlenda
Cadê o toucinho que estava aqui?
gato comeu
Cadê o gato?
foi pro mato
cadê o mato
pegou fogo
cadê o fogo
água apagou
cadê a água?
Boi bebeu
Cadê o boi?
tá amassando o trigo
Cadê o trigo?
galinha ciscou
Cadê a galinha
ta botando ovo
Cadê o ovo
Frade comeu
Cadê o Frade
Ta rezando
Cadê a missa
O povo ouviu
cadê o povo
Passou por aqui, por aqui [...] (L. 39-65). A parlenda escolhida pouco tinha em comum com
o folclore, menos ainda com o tema gerador em pauta na escola.
O movimento produtivo recorrente no trabalho de Marcela foi possibilitado por sua
compreensão de que a ação faz parte de uma prática educativa complexa, com a qual
coexistem vários princípios pedagógicos (SACRISTÁN, 2000, p. 282) como adequação a
diferenças individuais, consideração das peculiaridades dos contextos de cada grupo de
alunos, acolhida das experiências etc., não nos deixando possibilidades de pensar um
planejamento descontextualizado de todos esses princípios. Em uma proposta pedagógica
embasada metodologicamente na integração do conhecimento escolar pelo tema gerador,
busca-se um planejamento pedagógico/curricular envolto em todos esses princípios e
contextualizado nos problemas reais da comunidade estudada.
Quando, em entrevista, foi perguntado a ela como os professores do 1º. Ciclo
escolheram o Tema Gerador Em busca da qualidade de vida, responde: Foi pensando na
questão das respostas, né. Foi feita uma análise no Projeto Político-Pedagógico, nem
tudo saiu de lá, né. Durante a reunião cada uma dava uma sugestão, uma idéia,
analisando as condições de vida dos alunos da escola, como é que eles vivem, porque... É,
eles são geralmente alunos bastante conhecidos dentro da escola. Eles m bem
pequeninos e saem daqui quando chega na III etapa, a maioria deles. A gente
acompanha, se eu não acompanho, se todos os anos ele não fica comigo, a colega passa
informações de como é a vida desse aluno. E outra, eles moram todos, 90% ou mais
moram aqui, bem próximos à escola. Acho que foi pensando nisto: Como é a vida desse
aluno fora da escola (Entrevista gravada em 16/11/04).
É neste momento de escolha do tema gerador que o contexto da comunidade deveria
ser levantado, mas a escola não o fez. É interessante observar que a justificativa de Marcela
não se coaduna com as apresentadas por Sara e Wilma quando definiam o tema gerador para o
1º. Ciclo. Na fala da professora Marcela do 1º. Ciclo, houve a revelação de uma sensibilidade
com “as condições de vida dos alunos” que refletiam as condições socioeconômicas da
comunidade escolar. Compreender essa condição referenciada pela professora significa
compreender os papéis dos homens no mundo, mas esta compreensão foi superficial, pois a
escola não conseguiu apreender os temas geradores que nascem das aspirações do povo.
Apesar de o trabalho da professora quase não apresentar dados que revelam
padronizações e ordenamentos seqüenciados a partir de livros didáticos, isso não significa que
a estrutura de Linearidade do conhecimento foi deixada de lado. Atividades que privilegiam
esta estrutura foram observadas em algumas aulas (C.C. de 3, 4, 17, 18 e 24/8; 22, 23, 28 e
30/9), quando a professora manipulou o conteúdo de forma linear, reforçando uma
neutralidade ideológica que o subjaz e ocultando o verdadeiro significado do conteúdo em
estudo. Esta característica foi observada principalmente quando: Vamos continuar, terminar
a tabuada do 4 e fazer continhas.
3 1 4 6 8 4 2 3 5 3 6 9
x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 3 x 3 x 3 x 3 x 3 x 3 x 3
A professora se mostrou muito preocupada com o domínio das quatro operações
fundamentais, mas, ao trabalhá-las, não as problematizou nas situações cotidianas dos alunos.
“As continhas” ficavam soltas, descoladas da situação estudada, mesmo que em muitas
situações a professora buscasse o questionamento e a problematização para conduzir suas
aulas. Isto levou-a a conviver simultaneamente com momentos de mais problematização e
com outros de poucas questões problematizadoras.
A professora Marcela se revelou, a partir dos dados observados, como uma professora
que doa conteúdo. A doação, que reafirma a estrutura linear do conhecimento, dando-lhe um
caráter de absolutismo, caracterizou-se nas atividades dadas, quando não esperava o aluno
pensar, resolver as situações problemáticas, mas, ao contrário, dava-lhes as respostas prontas.
Vou terminar de completar a letra A porque tem gente fazendo confusão (C.C. de
24/8/04, L. 28). Então a professora lia os problemas matemáticos e escrevia as respostas, não
apenas da letra A, mas da B, C e D. Ao final, restou aos alunos colarem a folha com os
problemas no caderno de colagem. Agora colem no caderno de colagem e peguem o
caderno de sala (C.C. de 24/8/04, L. 40). A linearidade fez com que não se precisasse
questionar os assuntos, mas ir diretamente ao resultado.
A estrutura rígida dos passos do planejamento foi observada quando estava no
coletivo dos professores do 1º. ciclo durante a semana pedagógica. Essa estrutura foi
garantida pelos passos do planejamento anual dos professores do 1º. ciclo quando a professora
fez parte, apesar de não segui-lo. Esta postura confirmou os posicionamentos diferenciados no
grupo do ciclo e individualmente na etapa, quando a professora se juntou a outra professora
da mesma etapa, buscando um trabalho mais contextualizado e problematizador.
Todas essas subcategorias analisadas apresentaram mais tendências ao planejamento
de um currículo com abordagem disciplinar, mas os dados da professora Marcela também
revelaram carracterísticas do planejamento curricular integrado-crítico, reafirmando a
oscilação entre as duas concepções de planejamento curricular, conforme analisarei.
Uma busca de singularidade dos esquemas de ensino se desvelara, na prática de
planejamento curricular da professora, singularidade esta que se reflete em sua prática de
ensino. A professora buscou trabalhar com esquemas que aproximam as crianças de uma
forma mais lúdica, com muitas músicas e paródias, como nos dias: 8/9, 15/9, 16/9, 22/9 e
30/9.
A flexibilidade dos esquemas fez com que a professora Marcela trabalhasse com base
no contexto real e nos saberes dos alunos, apesar de ter o tema gerador nascido da
impressão/intuição pessoal dos professores do 1º. ciclo. Nota-se que ela promove suas ões
voltadas para uma concepção de currículo disciplinar, mas de forma mais crítica e
contextualizada, que chamarei de uma tendência que move ora mais para o disciplinar e ora
mais para o integrado-crítico, com predominância no disciplinar.
Mas, mesmo que os dados da professora evidenciem a linearidade do conhecimento
com uma tendência disciplinar, ela não usou a seqüência do livro didático, conforme
afirmei e mostrarei, mediante sua fala colhida em entrevista, quando se expressou assim: a
seqüência não tem tanto sentido para mim. Eu não me prendo a isto, seqüência de
conteúdos (Entrevista de 16/11/04). Para ela, o currículo não é a forma e os conteúdos
estruturados que estão nos livros didáticos. Portanto, o planejamento curricular tomado em
momento de aula tornou-se um instrumento de organização da ão docente da professora,
como uma forma de intervenção na realidade de sua turma, propiciando ações mais
deliberativas em seu trabalho pedagógico.
Esta ação deliberativa, presente nos dados da professora, constituiu-se em ações que
são deliberadas no coletivo das professoras desta etapa, como podemos verificar através da
fala de Marcela: O trabalho que estamos pretendendo nos dias de 20 a 24/9 com a outra
III etapa [...] Vamos deixar para o 4º. bimestre (C.C. de 21/9. L.4-6). Este trabalho era o
intercâmbio de alunos das duas turmas. As duas professoras desta etapa buscavam decidir
suas ações em dupla. Ações programadas independentemente do restante da escola, tomando
iniciativas estratégicas para melhorar o processo de aprendizagem dos alunos. Uma destas
estratégias foi visualizada no dia 28/9, quando propôs uma eleição entre os alunos para líder
de sala, falando: [...] Eu gostaria que vocês falassem sobre a proposta dos candidatos [...]
(L.4). Havia uma preocupação visível da professora em atuar com propostas mais autônomas
e deliberativas, também com seus alunos.
As ações deliberativas aos poucos vão preenchendo o espaço antes habitado por ações
dependentes, como diria Freire (1996, p. 105), uma autonomia fundada na responsabilidade
vem sendo assumida. Com isto, vale ressaltar o salto qualitativo apresentado na prática de
Marcela, pois vimos anteriormente que a professora tinha sobre o seu trabalho uma regulação
por fatores externos, mas isto era invertido nas situações em sala de aula, onde surgiam alguns
indicativos de possibilidades de uma ação mais emancipatória. A ação foi conduzida de uma
forma mais intencional e menos neutra, reforçando posturas mais reflexivas e críticas. E, neste
processo, o conhecimento do contexto é fundamental.
Com a finalidade de aproximação ao contexto, detectei nos dados algumas
apreensões que são determinadas no trabalho da professora Marcela pelo dinamismo da sua
ação docente, pois mesmo diante dos dados que revelam uma apreensão da realidade de
natureza artificial pelos professores do 1º. ciclo, já mencionada, a professora em sala
demonstrava preocupação, em alguns momentos, em contextualizar, a partir das crianças, o
que ela iria trabalhar. A professora buscava uma aproximação ao contexto, quando, na 2ª. aula
observada (4/8/04), ela iniciou a exploração do subtema Lazer e saúde, pedindo: procure
no dicionário o significado das palavras: Lazer e Saúde.
Esta preocupação foi recorrente no trabalho da professora (C.C dos dias 4 e 5/8, 26 e
29/9). A aproximação ao contexto passou a atuar como uma mobilização para o conhecimento
e o momento de provocar o sujeito a partir do contato inicial com o tema em estudo, para
ampliar as possibilidades de interação na relação sujeito e objeto do conhecimento.
Ao possibilitar uma aproximação ao contexto em suas aulas, a professora Marcela
buscou a apreensão da realidade, e Freire (1996, p. 76) afirma que ensinar exige apreensão da
realidade. Ao apreendê-la, apreendemos também nossa própria prática, com os limites e
possibilidades. Assim, junto às limitações estão os esforços por superá-los, desencadeando um
contínuo com os limites e possibilidades e debatendo-os constantemente. Isto foi recorrente na
prática da professora, pois na escola não houve articulação de um projeto pedagógico
coletivo, mas ela buscou fazê-lo em sua singularidade.
Este fazer foi garantido e partilhado pela coletividade e por esta pesquisadora que o
presenciou nesses dias, durante o período de observação das aulas do 3º. bimestre. Havia um
trabalho compartilhado das duas professoras da mesma etapa. As deliberações eram tomadas
no conjunto das professoras desta etapa do 1º. ciclo, com o objetivo de melhorar o processo de
aprendizagem das crianças, como constatado na subcategoria ações deliberativas. Esta
possibilidade vinha sendo apreendida e trabalhada desde o início do ano, quando, no 1º.
bimestre, observava as aulas da outra professora da etapa, mas, ao final, ela não se constituiu
em sujeito da pesquisa. Neste período, as duas professoras partilhavam também seus alunos,
formando grupos de trabalhos envolvendo alunos das turmas A e B desta etapa do 1º. ciclo.
Dando continuidade ao trabalho no 3º. bimestre, a professora assim se expressou:
Vocês lembram que nós fizemos um trabalho diferente com outra turma da III etapa. De
20 a 24 de setembro alguns alunos vão para outra sala e alguns de vêm para cá, para
fazermos novamente este trabalho (C.C. de 1/9/04). A fala permitiu-me descortinar que a
coletividade foi buscada apenas nesta etapa, e o planejamento coletivo ficava inviabilizado ao
grupo de professores do 1º. ciclo.
Entretanto, nos registros de comentários dialogados, a professora tentou explicar
quando e como acontece o planejamento no coletivo, falando, assim: nas horas atividades,
quando é possível, né, porque é. É uma questão bastante difícil também aqui na escola,
nem sempre para a gente reunir. Então a coordenadora faz de tudo para arranjar
esse tempo para todos os professores sentarem neste momento e colocarem suas idéias
[...]. É troca, um momento muito bom, porque é uma troca de conhecimento (R.C.D de
19/8/04).
Na fala de Marcela pude reconhecer os indicativos de uma perda organizacional ao
não ver articulado o trabalho colaborativo na escola. Parece-me que o tempo depõe contra a
prática coletiva. Assim, o planejamento enquanto dimensão formativa, colaborativa e
reflexiva ficou apenas para as duas professoras que transgrediram os espaços temporais
proporcionados no todo da escola.
Por isso, reconheço que um trabalho individualizado pode levar a uma prática
fragmentada e destituída de diálogo, conforme foi mostrado em sua fala na entrevista, quando
a professora revelou que mesmo não havendo reuniões coletivas de planejamento, atribui a
elas uma valorização significativa, dizendo assim: Eu acho importante. Acho que até, por
exemplo, está com dúvida com relação a um aluno, né. Sei lá, alguma coisa, uma
atividade que a gente pretende não sabe se é aquilo ou não para ser trabalhado. Eu acho
que esse momento seria muito bom. Infelizmente a gente não está tendo oportunidade,
mas se tivesse seria ótimo, né. Como você perguntou no começo aí, né, foi no
começo do ano que teve, né, dividido 1º. ciclo e 2º. ciclo [...]. Às vezes, a gente fica em
dúvida, né. Às vezes, até o caminho que a gente deve ir, mas a gente fica naquela
incerteza, insegurança, né. Quando a gente tem idéia, a sugestão do outro, né, a gente
passa a trabalhar com mais segurança (gravada em 18/11/04).
A “dúvida” e a “insegurança”, a que a professora aludiu em sua fala, lembra-me Freire
(1996, p. 102-103), ao afirmar que ensinar exige segurança, e esta fundamenta-se na
autoridade docente que se move implicando uma outra, a que se finca na sua competência
profissional. Prossegue afirmando que nenhum professor, enquanto autoridade docente, pode
exercer sua função ausente desta competência. Esta presença mais intensa ou menos intensa
da competência pode configurar-se num planejamento que se caracteriza por mais flexível ou
com uma estrutura mais fechada e imoldável.
Observei que em Marcela essa competência de uma autoridade docente vinha sendo
construída pela colaboração, diálogo, partilha da experiência, na busca de sua identidade
profissional, formação etc. Uma formação na e pela ação, com referenciais mais próximos ao
de uma educação como prática da liberdade.
Neste veio processual houve dados da professora que evidenciaram a
problematização do conhecimento, especialmente nos momentos em que ela procurou fazer
o papel da educadora mediadora, problematizando o conhecimento e ouvindo mais as
crianças. Esta subcategoria esteve aliada à aproximação ao contexto, pois, ao fazê-la, ela o fez
problematizando o conhecimento, como foi observado na aula do dia 1/9/04: antes de
prosseguir, vou perguntar para alguns o que é uma boa alimentação para você?
Hum! Comer beterraba, comer alimentos saudáveis? E, assim,
sucessivamente, pergunta para vários alunos.
— Boa alimentação é tudo isso e muito mais. É também comer na hora certa: café
da manhã, almoço e jantar (L. 30-35).
Da mesma forma, nos dias: 4/8, 5/8, 12/8, 19/8, 26/8, 29/8, 1/9 e 30/9, percebi que,
mesmo que a escolha do tema gerador tenha sido feita a partir da visão pessoal dos
professores do 1º. ciclo, a professora tentou subsidiar o seu trabalho utilizando alguns
mecanismos de uma prática problematizadora dialógica e com amor fraterno, apresentado-os
na aula, assim: [...] Dando ênfase às produções de seus alunos, incentivando-os.
A professora sempre mostrava atitudes positivas com relação às produções
dos alunos [...] (C.C. de 5/8. L.34-35) e nesta ação pedagógica o conteúdo jamais é
depositado (FREIRE, 1987, p. 86) organizando-se a partir da visão de mundo dos educandos,
de quem/para quem/ de onde se tiram os temas geradores.
Com a preocupação pela problematização dos conteúdos estudados quando o subtema
Lazer e saúde começou a ser investigado, como foi observado na aula de 12/8/04, a
professora propôs a construção de um bilhete coletivo para convidar uma
pessoa para um lazer. Em 19/8/04, ao trabalhar sobre alimentação, num dos
itens do subtema lazer e saúde, a professora busca problematizá-los levando
em consideração o contexto das crianças, perguntando:
1- Seus alimentos preferidos são bons para a sua saúde? Explique?
2- Como você costuma se divertir? (C.C. de 19/8/2004).
Na aula do dia 30/9/04, a professora leu a entrevista que os alunos fizeram com os pais
sobre brincadeiras do passado e do presente. Vamos fazer uma comparação. As
brincadeiras de antigamente são diferentes de agora? Mudou, né. Hoje tem muitos
brinquedos eletrônicos e quase ninguém brinca de peteca, esconde-esconde, perna de
pau, perna de lata etc. Então brincadeiras que passaram de geração em geração, mas
outras foram substituídas por brinquedos eletrônicos (L. 7-11). A fala da professora,
quando propôs a atividade, revelou, que no processo pedagógico com os alunos, ela não
possibilitou que eles fizessem as suas atividades intelectuais. Ela antecipou-as, “dando” as
informações que deveriam ser construídas pelos alunos. A professora normalmente respondeu
no lugar do aluno, demonstrando ainda, com poucos detalhes, que, às vezes, se inclina a ser
uma professora que doa conteúdo, mesmo estando construindo um processo educativo mais
problematizador.
Quando procedia à reordenação do tempo escolar, buscando uma ressignificação para
o processo de aprendizagem, o espaço para o aluno construir suas informações e conceitos de
forma autônoma mediada pelo professor era fundamental, isto é, constituía um momento
bastante significativo que revelou uma concepção de aprendizagem enquanto processo a ser
construído. Porém, quando o professor não esse tempo para o aluno processar, interrogar,
buscar, ao contrário, entrega pronto, aproxima-se do trato que era dado [ou que continua a ser
dado] pela escola seriada. É importante destacar que nisto parece que pouco ou quase nada
mudou com a implantação do ciclo. E ainda, o trabalho com tema gerador pressupõe uma
dialogicidade permanente na relação professor-aluno, onde ambos fazem o trabalho
intelectual. Quando a professora induz o pensamento do aluno e reponde por ele está negando
o processo dialógico nato do tema gerador freireano.
Vale ressaltar que o processo de busca de uma visão mais problematizadora traz
também uma perspectiva com um outro olhar na maneira como a professora ensina os
conteúdos aos seus alunos. Como Freire (1996, p. 52), afirmo que saber ensinar não é
transferir conhecimentos, mas criar os caminhos para a sua construção. E esta tentativa se fez
presente no trabalho de Marcela.
Uma tentativa que passa também por pensar o planejamento com estruturas abertas
de suas situações, o qual se traduz no trabalho pedagógico da professora, como alguns pontos
que indicam o início de um propósito com base numa concepção de planejamento com
estruturas mais abertas e flexíveis. Por isso, o planejamento curricular das aulas da professora
trouxe uma estrutura moldável, que possibilitou a integração dos alunos ao contexto da
comunidade escolar. O subtema Lazer e saúde foi trabalhado de maneira a dialogar com os
diferentes atores do processo educativo: merendeira, alunos de outra turma, professora de
outra turma, pais e coordenadora pedagógica.
O conjunto daquilo que foi observado, em relação às concepções e práticas de
planejamento curricular, evidenciou elementos em que o trabalho, numa perspectiva mais
problematizadora e conscientizadora, iniciou-se pela professora Marcela, o que me leva a
dizer, como Freire (1987, p. 81), que também temos a intensa fé nos homens. Fé no seu poder
de fazer e de refazer. De criar e recriar. E isto não é privilégio de alguns eleitos, mas direito
dos homens. Com esse direito é que nós professores caminhamos incessantemente em busca
de novas possibilidades que possam abrir encaminhamentos para uma educação com
qualidade social em meio aos nossos limites, conflitos e contradições próprios do ato
educativo.
2.4 Sintetizando alguns significados das concepções e práticas de planejamento
curricular das professoras analisadas
Os dados analisados das professoras revelaram uma concepção e prática de
planejamento que tendem mais ao disciplinar, mas que não aprisionam a ocorrência de um
fluxo dinâmico entre as formas de organizar e planejar o currículo na escola.
Neste planejamento curricular temos um eixo que visa a um esquema de instrução que
pode ser usado em qualquer situação, que oculta o contexto, como aconteceu ao não priorizar
o diagnóstico da realidade na investigação dos temas geradores. Portanto, isto deixa de
configurar a idéia, que referendo com Gandin e Cruz (1996, p. 17), onde e quando afirmam
que a educação escolar é um processo de construção da pessoa e da sociedade, que nos
conteúdos preestabelecidos uma força antieducativa. Neste processo, ela, sim, precisa de
muito planejamento, mas na perspectiva de construção da realidade pela transformação da
existente, tendo em vista também que toda prática educativa é intencional e carregada de
valores, atitudes, experiências das pessoas que com ela lidam. Por isto e muito mais, revela-se
de forma complexa e sob múltiplas determinações. Todas essas implicações estão
intimamente imbricadas na ação de pensar e planejar a prática.
Este pensar não se coaduna com um planejamento com estruturas rígidas, que
ordenam seus passos, como no modelo empresarial, mas com uma concepção de
planejamento curricular integrado-crítico com base na participação, onde o coletivo, mediante
o diálogo, constrói as situações que são apresentadas a cada momento.
No entanto, tenho presente também um outro eixo, presenciado principalmente na
prática da professora Marcela, que passava por um processo de transição do planejamento
curricular em uma abordagem disciplinar ao integrado-crítico. Os dados colhidos do trabalho
da mencionada professora e analisados revelaram características tanto de uma concepção,
quanto de outra, uma transitoriedade nas categorias apresentadas.
Assim, é neste processo de transitoriedade que temos a esperança (FREIRE, 1996, p.
85) de que professor e alunos juntos possam aprender, ensinar, inquietar-se, produzir e resistir
aos obstáculos. E ter a convicção de que ensinamos porque a mudança é possível.
As possibilidades emergiram das acepções evidenciadas nas concepções e práticas da
professora Marcela, com base nos dados analisados, revelando um processo de transição
fluindo, ora mais no planejamento curricular disciplinar e ora mais no planejamento curricular
integrado-crítico.
Os significados que a professora Marcela atribuiu em suas concepções e práticas,
apresentaram indícios de busca de uma superação que começava a ser evidenciada e, com
base nos dados, revelaram características do planejamento curricular integrado-crítico em um
processo de transitoriedade. Por isso os dados evidenciaram um estado processual de
transformação, onde o processo de planejar o currículo (SACRISTÁN, 2000, p. 293) ajuda a
exercer a prática de ensino não apenas com vista ao alcance de aprendizagens, mas para que o
próprio sistema educativo se aperfeiçoe e os professores se desenvolvam profissionalmente. O
currículo representa um instrumento de formação profissional para os professores.
Por conseqüência, posso afirmar que as ações em transitoriedade, evidentes no
trabalho pedagógico da professora Marcela, demonstraram que a mudança vem a partir de
uma prática problematizadora, onde os educandos desenvolvem a compreensão do mundo
pelas suas relações com ele, como uma realidade em processo e não como uma realidade
estática (FREIRE, 1987, p, 71), prática esta revelada nos dados analisados sobre a concepção
e prática de planejamento curricular da professora.
Ao organizar o conhecimento escolar por tema gerador, temos que ter a convicção de
que a este subjaz uma prática libertadora que não é alcançada do dia para a noite, mas num
processo de busca permanente, que é próprio do homem, como ser que se apresenta sempre
inacabado.
Temos da mesma forma que apontar o papel preponderante do poder público
educacional, no contexto municipal da cidade de Cuiabá, neste processo de mudança. E nisto
concordo com Sacristán (2000, p. 293) quando argumenta que, ao adotar uma proposta
político-pedagógica, deve-se levar em consideração o contexto real de seus professores,
oferecendo-lhes recursos apropriados para o desenvolvimento de sua profissionalização.
Embora seja uma proposta inovadora, que os professores estão impedidos de executar pela
falta de preparação ou porque não se acomodaram às possibilidades de sua aplicação, é uma
proposta gratuita para eles. Isto deve ser levado em consideração no momento de se
estabelecerem políticas de inovação. Portanto, que se ressaltar nisto a função de instituição
formadora da Secretaria Municipal de Educação, Desportos e Lazer.
A despeito dos dados das professoras Sara, Wilma e Marcela, eles deixaram claro a
necessidade de maiores investimentos tanto em recursos financeiros, como humanos, na
proposta dos ciclos de formação na rede Municipal de Educação em Cuiabá.
Os dados ainda revelaram concepções e práticas com muitos elementos que tendem
mais à acepção de uma educação bancária do que de uma educação libertadora, mesmo que as
linhas político-pedagógicas da SMEDEL/ESCOLA proclamem como eixo metodológico do
currículo o tema gerador. Vale dizer que as formas de organização curricular extremas de
disciplinarização e integração crítica não existem intactas nas práticas pedagógicas dos
professores, pois estas formas fluem ora mais no disciplinar, ora mais no integrado-crítico,
numa visão crítica de pensar e fazer educação.
Para mim, o caráter de mudança reside na apropriação mais intensa dos referenciais da
educação crítica, e isto acontecerá quando nós, professores, refletirmos sobre a nossa própria
prática. A reflexão da prática será o elo inicial, pois assim nos apropriaremos do processo
escolar, percebendo-o como é e como pode ser ressignificado.
3 Organização curricular da prática de sala de aula
Neste eixo da análise, vou trabalhar a partir das categorias da prática curricular na
aula. Nesta prática, optei pelas subcategorias: Disciplinarização e fragmentação dos
conhecimentos, integração do conhecimento, investigação dos temas geradores, presença
de conteúdos científicos, repertório rotinizado, repertório diversificado e desafiador,
intervenção memorística e intervenção construtiva e dialógica.
A lógica de organização e análise dos dados recolhidos, neste eixo de análise,
coaduna-se com a dos dois primeiros: uma análise individual por professor e depois uma
buscando a visão do coletivo no 1º. ciclo da escola pesquisada. Da mesma forma, a
flexibilização nos determinantes das concepções curriculares disciplinar e integrado-crítico,
como já vinha anunciando, não se separa com tanta rigorosidade e, na prática da aula, não é
diferente, até porque muitos dados observados na aula também foram analisados como
características que tendem a se refletir nas concepções e práticas curriculares de uma ou outra
forma de organização curricular. Em vista disso, temos que considerar que os elementos que
organizam as concepções e práticas também não se separam com rigidez nos momentos da
organização do conhecimento escolar, planejamento curricular e prática na aula, pois estes
fazem parte de um mesmo processo. Mas, é na aula, expressão máxima do currículo, que estes
se englobam formando um todo do ato educativo.
3.1 Professora Sara do 1º. ciclo de formação
A professora Sara buscou em seu trabalho um mecanismo de integração que pudesse
articular as áreas do conhecimento com o subtema Escola e segurança, uma vez que a
proposta da SMEDEL, mediante a Escola Sarã, tem o eixo político-pedagógico de sua
organização curricular constituído em uma metodologia globalizada por tema gerador.
Contudo, em suas aulas foram observadas atividades com relação a alfabetização sem
preocupação com o tema gerador, como registradas nos dias de 4/5 à 22/7/04 e nos registros
de comentários gravados em 17/4/04, quando houve demonstração de recorrência, quando
afirmou: Até para trabalhar com tema gerador, mas não para associar com a
alfabetização. Esse é o ponto. Às vezes para trabalhar isto, mas não para associar.
Que nem eu faço. Uma outra atividade de recortar, mas [...]. E coisa e tal. Quando é
saúde, né, aí, aí, eu não consigo fazer aquela atividade, tem muitas vezes, do tema
gerador com a alfabetização que é o forte da I etapa [...]. Quando não para
relacionar, eu trabalho. Às vezes, mais no oral. Quando é uma coisa mais um pouco mais
profunda. O que precisamos compreender que este ano o tema foi escolhido um para o
1º. ciclo, nos outros anos o tema é igual para todos. Então, temas como política, religião,
essas coisas assim que cabiam mais para o 2º. ciclo. Aí eu conversava com os alunos, mas
eles não compreendiam muito bem. Então não dava para associar essa temática com a
alfabetização.
Na fala da professora, verificamos que, segundo ela, as questões que problematizam o
tema, enquanto um instrumento de libertação dos oprimidos, não precisariam ser trabalhadas
com as crianças do 1º. ciclo e sim com as do 2º. Ciclo. Reafirma, desta forma, que não dava
para trabalhar o tema gerador com crianças de seis anos, privilegiando, assim, conteúdos
limitados a um determinado campo, como foram observadas em suas aulas, e reforçando a
disciplinarização e fragmentação dos conhecimentos.
Observei isto, quando a professora trabalhou sobre a escola e trouxe professores de
outras turmas para se apresentarem aos seus alunos e, em seguida, os alunos desenharam a
professora. Essa observação foi registrada no caderno de campo do dia 29/6/04. No plano de
aula da professora (p. 25) estava descrito assim: Atividade inicial: Explanação sobre escola
e segurança. Trazer professores para que se apresentem aos alunos dizendo nome, etapa
que trabalham (1º. ciclo). Pedir aos alunos que desenhem os professores que se
apresentaram.
A atividade serviu somente para os alunos reproduzirem os aspectos físicos dos
professores pelo desenho. Ao ser questionada como ia possibilitar a integração com as
diferentes áreas do conhecimento, ela respondeu: E trabalhei. Busquei trabalhar depois da
apresentação, para os alunos, a questão do esquema corporal para saber se eles já
tinham compreendido. E, na área da ciência, a questão da quantificação. Quantos
professores há de manhã, quantos professores existem na sala da I etapa, quantos alunos
têm na sala, quantas pessoas trabalham na secretaria, a questão da quantidade. E
comecei trabalhar a leitura dessas palavras também [...]. Fazer a integração é a mais
difícil. Seria, eu acho, o ponto principal do tema gerador, seria esse: passar pelas
diferentes áreas no trabalho com o tema gerador. Essa parte é o mais difícil. É colocar
tudo isso (RCD gravado em 8/7/04).
A fala de Sara deu a entender que havia uma tentativa de integração, ainda que
superficial, mas que era dificultada pela própria concepção fragmentada de conhecimentos da
docente, pois, como analisei, o trabalho desta professora tem mais tendências ao currículo
disciplinar do que ao integrado-crítico. Esta situação me revelou que o conhecimento escolar
não seria utilizado pelos alunos para resolver os problemas nas situações cotidianas.
O que observei na prática da professora evidenciou o trato com muitas atividades que
privilegiavam conteúdos em detrimento do tema gerador. Havia a presença de conteúdos
científicos de forma descontextualizada forçando sua fragmentação. Constatei também que as
subcategorias estavam se reforçando mutuamente, por isso elas coexistiam no trabalho
pedagógico da professora, tornado evidente na aula do dia 5/7/04, quando em explicação
sobre “os insetos”, ela expressou-se assim: Na aula passada vocês perguntaram sobre
insetos. Aqui há alguns animais. animais que não têm coluna vertebral e o inseto é
um deles[...]. Insetos são animais que têm seis patas e duas antenas. As antenas servem
para eles perceberem o ambiente como as formigas, abelhas etc. A aranha tem oito
patas, então não é inseto (P. O. de 5/7/04).
A garantia da presença dos conteúdos escolares descontextualizados mostrava-se mais
importante para a professora do que a exploração do tema gerador, porque o tema não nasceu
das aspirações da comunidade, como foi comentado anteriormente. Não obstante, ela explicou
sobre os insetos porque houve questionamentos dos alunos sobre isso, na aula anterior,
provavelmente demonstrando uma tentativa de levar em conta os interesses dos alunos.
Contudo, ao fazê-lo, ela o fez de maneira que as crianças não interagissem com o objeto em
estudo. Os alunos ouviram uma apresentação do tipo oratória e, a partir desta, deveriam
memorizar os conceitos apresentados para que houvesse aprendizagem. Ao considerar este
tipo de aula, Sara não levou em consideração o estágio cognitivo de seus alunos que são
crianças de seis anos e ainda não realizam operações concretas.
Isto foi recorrente, quando em entrevista, a professora explicou como trabalhou os
conteúdos escolares no momento em que estava explorando o tema gerador, expressando-se
desta forma: É, primeiro eu indico pelo lado que ele conhece, que ele tem, eu vou
colocando os conhecimentos científicos, colocando o conhecimento não seria o mais
correto, mais dentro das normas. entram os conhecimentos científicos, às vezes ele
tem um conhecimento sobre o assunto, mas é uma coisa mais informal. Não tem aquelas
explicações certinhas. Eu trabalho com o dicionário, mesmo que eu saiba qual o
significado da palavra, o que é, o que não é. eu busco o dicionário, como no lazer, o
que é: tempo livre, tempo disponível. eu uso o dicionário para poder ajudar nos
conhecimentos [...]. Na maioria das vezes é desta maneira. Às vezes, procuro livros,
porque, às vezes, quero passar determinado conhecimento e sou leiga, acabo
procurando livros, por exemplo, sobre as flores, primavera, expliquei mais ou menos
não para explicar tudo, até porque peguei no livro da faculdade da minha mãe, mas
expliquei porque algumas flores têm uma cor, outras têm outra, sobre polinização, mas
de uma maneira mais simples que eles pudessem compreender (gravada em 11/11/04).
Uma grande ênfase nos conteúdos científicos descontextualizados da problemática que
deveria ser objeto de estudo no tema gerador caracteriza uma organização dos conteúdos
curriculares que tendem a identificar as disciplinas escolares com as disciplinas científicas
(MACEDO; LOPES, 2002, p. 75). Parece-me que o processo de pedagogização que constitui
o conhecimento escolar é fragilizado, e a professora procurava um conhecimento que está
dentro das normas [...] com explicações certinhas [...]. Nega, dessa maneira, o processo de
sua constituição, o conhecimento precisa estar pronto e acabado para o aluno apreendê-lo, o
que dificulta aos alunos e, até mesmo à professora, uma inserção crítica na realidade, pois esta
acontece quando mudança qualitativa da percepção de mundo que se realiza na práxis,
nas relações homens-mundo (FREIRE, 1987, p. 151).
A despeito disso, concordo com (MACEDO; LOPES, 2002, p. 82), que a matriz
disciplinar é um instrumento de organização e controle do currículo. Porém, ao se organizar
aproximando-se da disciplina científica, traz uma tecnologia de organização dos conteúdos
curriculares como uma reprodução fiel dos conhecimentos científicos para os conhecimentos
escolares, como foi observado nos dados da professora Sara, demonstrando uma concepção de
transposição didática e não de mediação didática.
Esta reprodução que compartimenta o conhecimento também reforça o processo de
sua especialização. Uma especialização que aumenta a distância entre os campos
disciplinares, onde cada disciplina representa e organiza seu conhecimento com raciocínios
próprios, independentemente da existência de correlações entre os domínios. O conhecimento
é compartimentalizado em domínio e não se integra (LOPES, 1999, p.193).
A reprodução aumenta a possibilidade de uma ação pedagógica com base num
repertório rotinizado de atividades, conservando-se nos dados da professora, a partir do
plano de aulas do 2º. bimestre e das observações das 19 (dezenove) aulas atividades, assim:
Escreva a letra no início do desenho e complete com a letra que falta, como um padrão
cristalizado enquanto atividades para uma turma de alfabetização, detectado nos dias 3, 4, 5,
13/5; 9, 14, 17/6 nos registros do plano de aula da professora, desta forma:
COMPLETE COM AS LETRAS QUE FALTAM:
A turma da professora era de alunos que estavam no estágio da lecto-escrita entre pré-
silábico e silábico. Os pré-silábicos não faziam ainda associação das letras escritas e sílabas
orais, e os silábicos começavam a fazer essa associação. Contudo, essa caracterização
pessoal dos alunos não implicava que o ensino deveria ser individualizado, mas, pelo
contrário, aprendemos por interação com os outros, nas trocas entre o grupo. Assim, quando a
professora propôs atividades com repertório rotinizado e ainda sem trabalho em grupos, esse
potencial interativo deixou de ser considerado, fazendo com que as atividades fossem
meramente reproduzidas e alienadas do contexto significativo dos alunos do 1º. ciclo com os
quais trabalhava.
Digo como Sacristán (1998, p.194), quando a variação na atividade é baixa, estamos
negando os variados estilos de aprendizagem, condições e capacidades pessoais dos alunos,
criando um mecanismo de controle e tentativa de padronizações das aprendizagens, quando se
trabalha uma mesma atividade para todos, conforme foi verificado nas aulas observadas de
4/5 à 22/7/04.
Este dado foi recorrente tanto nos registros de comentários dialogados, quanto na
entrevista. A professora comentou que proporcionava atividades iguais a todos porque: É a
questão de trabalhar as diferenças e eu tenho dificuldades. Com as crianças que estão
adiantadas até eu consigo, pego uma mesma atividade e acrescento mais coisa, para ela
estar fazendo mais atividades que os outros. Agora para aqueles que estão mais
atrasados, fica um pouco mais difícil[...]. Está sendo mais difícil, então, às vezes, eu
peço alguma coisa a menos que a atividade está pedindo. O que eles vão dar conta ou, às
vezes, eu não peço. Então fica a mesma coisa (RCD, gravado em 22/7/04).
Na fala, pude descortinar que a professora tinha dificuldade em trabalhar com um
grupo heterogêneo. Todavia, neste trabalho também não significa rotular seus
encaminhamentos com atividades para pré-silábicos ou silábicos, mas diagnosticar o que é
significativo aos alunos para trabalhar tanto individual quanto coletivamente. Trabalhar com
crianças que representam estágios diferentes de lecto-escrita significa que os trabalhos de
alfabetização devem ser operacionalizados simultaneamente e não de maneira distinta, para
que possa produtivamente exercitar a heterogeneidade dos diferentes níveis dos alunos em
sala de aula.
Ao mesmo tempo em que a professora apontou suas dificuldades nesse trabalho,
indicava os condicionantes que reforçavam a perda ou ausência mesmo do conhecimento
sobre o processo de alfabetização e, conseqüentemente, das hipóteses que as crianças
formulam no processo de aquisição da leitura e escrita, impedindo-a de mediar essas
construções com seus alunos. Isto ficou demonstrado em entrevista, quando explicou qual o
objetivo desse trabalho igual para todos, desta forma: Porque na verdade a gente pega a
mesma atividade, na verdade acaba ficando mais fácil, mas sempre procuro [...] Quando
vai chegando mais ao final do ano, vai ficando muito distante o nível de um e de outro,
fica mais difícil trabalhar a mesma atividade, por causa de uns que são mais fracos e
outros mais fortes. Então tem que colocar... E acaba colocando atividades diferentes ou
nível de atividade. É pegar a mesma atividade, mas pedir uma coisa para uma e outra
coisa para outro (gravado em 11/11/04). Reconheço nesta fala de Sara que a diferenciação
proposta nas atividades referia-se à quantificação, suprimindo o aspecto qualitativo presente
nas atividades quando se quer provocar um conflito cognitivo para que as crianças
re(construam) suas hipóteses no processo de aprendizagem.
O trabalho da professora, a partir dos dados, fez aparecer uma rotina de ações com
pouca rotatividade nas diferentes atividades. Mesmo assim ela mostrou clareza de que em sala
havia necessidade de levar em consideração os diferentes níveis de aprendizagem, conforme
expressou na entrevista do dia 11/11/04: É importante. Tem que ter uma maneira,
encontrar uma maneira de fazer isso ficar mais freqüente, algumas vezes eu tenho feito,
mas é muito complicado porque eu fico recortando atividades do livro, trabalhei com
muita produção de textos. Mas aqueles que conseguem escrever, estão assim
enjoados de ficar produzindo textos. Eu coloquei figura, cor, animal preferido e tudo
mais. Mas eles estão um pouco enjoados, estão enjoando. Então eu coloquei para
recortar textos de outros livros e recortar atividades um pouco mais fáceis, porque tem
criança que ainda está buscando e colocar em contato com aquela atividade que é para
colocar o numeral e o desenhinho. que é assim: a sala está muito dividida, então
tenho que colocar as atividades e ficar orientando todos e é a hora que eu acabo me
perdendo um pouco [...]. Às vezes, eu tenho atividades na mão, atividades para os mais
adiantados e para outras atividades boas, mas eu acabo dando atenção para um grupo,
acaba deixando um grupo mais avançado para trás ou o menos avançado para trás.
Manifesta-se, na entrevista, que a professora ainda não percebeu que as crianças
aprendem por interação, e isto fez com que privilegiasse atividades que ela mesma considera
desmotivadoras para a aprendizagem dos alunos, quando afirmou: [...] estão assim enjoados
de ficar produzindo textos. E ainda reafirma: [...] eles estão enjoados, estão enjoando. Os
alunos não estavam sendo considerados como um ser pensante e que têm potencial construtor
de seus conhecimentos.
Esta concepção fez com que a professora tivesse uma preocupação com atividades de
repetição, repetitivas, inclusive por verbalizações orais. Isto foi verificado também quando ela
dialogava comigo, argumentando: crianças que têm mais dificuldades, e eu procuro
auxiliar mais individualmente, aelas começarem a compreender o alfabeto, né. eu
vou procurando falar as vogais: a ... e.... i... o ... u, para eles perceberem os sons, muitas
vezes eles começam acertando. eu vou falando várias palavras e vão
compreendendo e começam a perceber o que é. Eu repito as sílabas e vogais várias vezes.
(RCD, gravado em 22/7/04). Esta maneira de agir acaba reforçando uma aprendizagem que se
por repetições, negando uma educação para o pensamento que motiva o aluno à
compreensão do mundo em que vive.
Todavia quando a professora buscou um atendimento diferenciado, ela o fez de um
modo que as crianças não foram levadas a uma interação sujeito-objeto do conhecimento de
forma a realizarem seu trabalho intelectual, como na aula do dia 17/7/04, quando, para cada
aluno que ia terminando as atividades, ela entregava uma gravura e pedia para escreverem um
pequeno texto. Esses alunos eram os alfabéticos (L. 22-24 do C.C.). Essa maneira de
encaminhar o trabalho com os alunos também foi observada nas aulas dos dias 15 e 21/7.
Esses dados, mostra-nos uma intervenção memorística com base na quantificação
mecanizada das atividades: quem sabia menos, também deveria realizar menos atividades, e
quem sabia mais e terminava primeiro, recebia mais atividade. Porém, uma situação
diferenciada foi observada em uma outra aula, quando a professora fala para um grupo que
terminou de copiar: vocês vão trabalhar com jogo de memória, sentando-se ao lado deles.
Pareceu-me que esta situação poderia ser caracterizada como uma possibilidade de
intervenção, a partir de estratégias específicas e adequadas às situações concretas de sala de
aula, pois algumas atividades propostas pela professora tinham em si um potencial desafiador,
as quais se coadunam com uma perspectiva mais construtivista de alfabetização. Mas, ao
conduzi-las, a professora acabava anulando/matando esse potencial, sobrecarregando-lhes de
atividades, de um “fazer para corrigir”.
Como Freire (1987, p. 69), reconheço que o trabalho realizado pela professora Sara
dificultou aos alunos realizarem um ato intelectual, pois não foram chamados a investigar,
questionar, conhecer, e, sim, a reter na memória. Para a superação desta prática, o professor
(GÓMEZ, 1998, p. 83) deve possuir conhecimento e capacidade para diagnosticar as
situações e propor estratégias de experimentação curricular para além das tarefas de
memorização.
Em suma, diante dos dados analisados, assevero que a prática da professora Sara
mostrou elementos com mais propensão a destacar o ensino em uma abordagem mais
disciplinar fragmentado, que não concebe que “o objeto a ser conhecido deva ser colocado na
mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se encontram em torno dele e através dele
para fazer uma investigação conjunta” (SCHOR; FREIRE, 1986, p. 124).
3.2 Professora Wilma do 1º. ciclo de formação
Analisar a prática da aula da professora Wilma, a partir das categorias e subcategorias
mencionadas, significa pensá-la enquanto um espaço complexo e de múltiplas relações, e
não podemos estudá-la partindo de características rígidas de uma ou de outra forma de
organização curricular de aula. As características que engendram essas formas não são puras e
podem oscilar entre um e outro. Então diremos que as características e/ou subcategorias têm
propensão a tais práticas de aulas, mas não as definem.
As aulas observadas da professora de 3/8 a 24/9/04 e registradas no caderno de campo
demonstraram que houve um privilégio em algumas áreas do conhecimento: lingüístico e
lógico matemático, visto. Neste privilegiamento ocorreu pouca inter-relação dos conteúdos
com os quais a professora trabalhava, aumentando a disciplinarização e a fragmentação dos
conteúdos escolares, especialmente partindo das seguintes atividades:
1 - Forme palavras e passe para o diminutivo:
lada ___________
pato ___________
cola ___________
Sa peca __________
lame __________
bido __________ (C.C. de 5/8/04)
2- Escreva três palavras com:
as –
es –
is –
os –
us – (C.C. de 20/8/04)
As atividades que saíram de alguns livros didáticos, de forma descontextualizada tanto
da vida dos alunos quanto do subtema Lazer e saúde, fizeram-me descortinar, em conjunto
com Santomé (1998, p. 107), que o conhecimento é concebido com um fim aistórico, como
algo autônomo e com vida própria e ainda se dá à margem das pessoas que vivem em
situações contextuais. O saber, assim, divorcia-se dos homens no mundo e de seus
compromissos sociais.
Esta fragmentação presente nas atividades que a professora propôs aos seus alunos foi
recorrente, quando preparou as atividades dos alunos em seu caderno de plano como
vimos — assim:
1- Faça números de 0 a 30 e depois coloque em ordem. meros pares e ímpares.
(P. A. p. 2)
2- Escreva em números ordinais:
primeiro
segundo
terceiro
Trigésimo (P. A. p. 3)
3- Leia e copie
sa – sapato
se – selo
si – sino
so – sopa
su – suco
E assim sucessivamente com 14 (catorze) consoantes. (P. A., p. 4- 6)
Estas atividades reforçavam a idéia de acumulação somatória de conhecimento, pois
para a professora o aluno precisava realizar tipos de atividades [como a nº. 3] em que deve
escrever bastantes palavras com as consoantes. Para Freire (1987, p. 59-60), uma
caracterização de uma educação bancária, onde o educador é quem sabe e os educandos nada
sabem. Ao educador, resta-lhe transmitir o seu saber aos educandos.
A fragmentação foi confirmada pela professora quando disse ser a elaboração do
planejamento a integração das áreas do conhecimento no tema gerador: É, no momento
ainda não sentamos para a gente fazer o planejamento. Ainda não estou fazendo em
conjunto, ainda estou diferente [...] Como se diz [...] É [...]. Um em cada área. Não fiz
junto, mas estou tentando e algumas áreas que eu não consigo jogar uma dentro da
outra. Então estou trabalhando separado (RCD, gravado em 19/8/04).
A fala de Wilma confirmou o que observei em sala, pois nas suas aulas o tema
gerador, cuja escolha ela própria ajudou a fazer no início do ano, foi totalmente renegado.
Quando afirmou que trabalhava separado, não era apenas uma separação por disciplina, mas
uma separação do contexto existencial das crianças de sua turma. Ainda, um outro dia,
dialogando sobre o significado do trabalho com tema gerador, ela reafirmou a dificuldade da
integração: Eu acho muito complicado trabalhar com tema gerador, né, mas tento jogar
algumas disciplinas dentro. Tenho dificuldade em trabalhar muito a matemática dentro
do tema gerador, né. De vez em quando saio fora do tema gerador, porque eu acho a
Matemática difícil de estar trabalhando integrado [...]. Por exemplo, eu coloquei [...]. É
[...]. Meio de transporte é [...]. Dentro [...]. É quando estamos trabalhando Lazer e
Saúde, entrou a falta de asfalto no bairro, né. Aí dentro da falta de asfalto, eu entrei com
os meios de transportes para contemplar o aluno que fez uma determinada pergunta
(RCD, gravado em 9/9/04).
Reconheço, a partir da expressão falada de Wilma, as dificuldades de integrar os
conteúdos com os quais trabalhou, pois sua ação docente estava ligada a uma concepção de
conhecimento fragmentada, onde os alunos são levados, segundo Santomé (1998, p. 111), a
compreender as ligações que existem entre as diferentes disciplinas.
Não obstante ser o tema gerador um mecanismo para integração e estar contemplado
na proposta da escola, a professora, mesmo sem conhecimento suficiente a respeito da
maneira de abordagem dessa forma de organização curricular integrada do conhecimento,
improvisou uma justificativa em sua fala, ao relatar como trabalha com ele, expressando-se
desta forma: Eu penso que dá, assim: Quando a gente monta um texto, a gente pode
trabalhar, tem que ver o que ele vai proporcionar ao aluno e que ele possa aprender.
Então eu sempre busco mais de mim, né. O que eu quero, de repente o que eu vejo, a
necessidade que o aluno tem, em cima daquele texto, do tema que a gente reuniu e
decidiu que seria esse, né, para começar a engajar as outras. Eu acho assim, que é [...].
Eu prefiro trabalhar com aquilo que as crianças já sabem para a gente montar ali e ficar
olhando o livro. Eu acho, eu leio, mas prefiro montar da minha cabeça ou então junto
com eles (gravado em 11/11/04).
Contrapondo a sua fala no plano de aula, havia um privilegiamento dos conteúdos
fragmentados que não davam oportunidade à expressão dos conhecimentos que os alunos
possuem. Esta situação pôde ser constatada. Dando-se a conhecer nas ginas 21, 23 e 23 do
plano de aula, assim:
- Se uma passagem custa R$1,60, quanto custariam três passagens?
- Se uma passagem de avião custa R$180,00, quantos reais custariam duas
passagens?
- Faça um ditado com cinco frases.
- Faça cinco frases no masculino e passe para o feminino.
- Faça dez desenhos, escreva o nome e forme frases.
- Faça cinco continhas.
As atividades propostas pela professora reforçam um domínio pelo método de
transferência de conhecimento. Uma transferência que contempla ações fragmentativas que
dificultam a explicação de uma problemática em estudo no tema gerador. Ao
compartimentalizar o conhecimento, ênfase a alguns conteúdos escolares que se
consagraram na escola como essenciais. Estes obstacularizam a vivência dos conteúdos da
prática social dos sujeitos no ato educativo e, assim, impulso a uma organização de aula
onde os conceitos trabalhados estão divididos sob a êgide de algumas disciplinas. Com isso,
não quero afirmar que a organização do conhecimento escolar por disciplina impeça a
integração, mas que é necessariamente uma mudança na compreensão do significado da
disciplina, excluindo a noção de disciplina enquanto controle e limite do conhecimento
(LOPES, 1999, p. 196).
Esta nova significação está amarrada ao processo de transformação do conhecimento
científico em conhecimento escolar. Organizar o conhecimento escolar em disciplina é um
mecanismo que torna acessível este conhecimento aos aprendizes. Para Lopes (1999, p. 207),
o maior entrave é a forma com que a escola se apropria do conhecimento. Ao transformar o
conhecimento científico em escolar pela transposição didática está retirando dos conceitos sua
historicidade e sua problemática. Assim, a professora utilizou conceitos despejados, impostos
aos alunos, antes de lhes determinar a atividade de questionário, como se os conceitos por si
bastassem a eles para a sua aprendizagem, conforme foi observado no seu plano de aula.
Isto demonstra que a professora tende à propagação de um conhecimento esvaziado e
fragmentado, como mostra o texto e as instruções para resolução das atividades:
Os meios de transportes
Para trabalhar, estudar, passear etc., as pessoas usam os meios de transportes.
Eles são usados para levar pessoas e produtos de um lugar para outro e também
geram emprego e progresso.
Os meios de transportes são chamados de:
Aéreo – andam no ar
Terrestre – andam na terra
Marítimo – andam na água.
Em seguida escreve as perguntas para os alunos responderem:
1- Para que serve os meios de transportes?
2- O que os meios de transportes geram?
3- Qual é o meio de transporte utilizado na sua família?
4- Quais os três tipos de transportes que temos?
5- Por que os meios de transportes são chamados terrestres?
6- Por que o meio de transporte é chamado aéreo?
7- Por que o meio de transporte é chamado marítimo?
8- Qual é o meio de transporte mais perigoso?
9- Quanto custa uma passagem de ônibus, de moto-táxi e de táxi?
10- Quanto custa o litro de álcool ou gasolina? [...] (p. 24 e 25).
Os meios de transportes foram trabalhados a partir de texto/questionário que os alunos
copiaram do quadro para responderem no caderno. O conteúdo não foi problematizado na
vivência social dos alunos. Contudo, houve uma tentativa de privilegiar os conhecimentos dos
alunos, quando realizavam as seguintes perguntas:
19- O que tem aqui no bairro para diminuir a velocidade no trânsito?
20- Na sua opinião, qual a principal causa de tanto acidente de carro? (p. 26 do
plano de aula).
Todavia as perguntas ficaram apenas no papel para os alunos opinarem. As questões
problemáticas do trânsito do bairro não foram discutidas pela professora. Vale ressaltar, aqui,
que os alunos de Wilma eram crianças com idade entre sete e oito anos na turma de
alfabetização. Observei uma compreensão diminuta do processo de alfabetização por parte da
professora. Este estágio de escolaridade não é um mero contato da criança com a escrita e
leitura, mas é o período em que a criança tem que ser motivada a agir intelectualmente sobre
as situações problematizadoras que lhe são sugeridas.
Esta compreensão, presente no trabalho da professora, fez com que houvesse uma
padronização de atividades, consolidando-se por um repertório rotinizado de atividades,
baseando-se, especialmente, no texto/questionário, por exemplo: o parque, o banho, as
estações do ano, os meios de transportes etc. (C.C. de 3, 8, 17,19/8 e 19/9/04). Recorrências
houve no plano de aula da professora, ainda com os seguintes textos: hábitos saudáveis (P. 1),
escola (P. 9), parlenda (P. 14), nosso bairro (P. 27), saúde (P. 30). Os textos e questionários
que apareceram no plano de aula, mas não apareceram nos registros do caderno de campo
foram trabalhados nos dias em que não houve observações em sala de aula.
Esta rotina também foi reforçada pela manutenção de uma mesma atividade para todos
os alunos da sala, e ela explicou o porquê disso: É porque é assim. Eu é [...]. Até porque
nos cursos que a gente faz, sempre é colocado para gente não dar atividades
diferenciadas, até porque a gente pode fazer com que o aluno se sinta, assim: Excluído.
Mas aí, você passa igual e você vê, dá uma olhada e que o aluno não está conseguindo
fazer aquilo e você vai sentar e tentar passar para ele de uma outra forma. Mas eu
sempre passo igual e não levo atividades diferenciadas para a sala (Entrevista gravada em
11/11/04).
Descortina-se, na fala da professora, que trabalhar com atividades diferenciadas pode
discriminar as crianças. Entretanto, quando propõe atividades em que é negada a capacidade
intelectual da criança, para interagir com o objeto em estudo, também acontece exclusão das
crianças em relação ao processo de aprendizagem, o que foi recorrentemente observado nas
aulas da professora Wilma.
Não obstante, mesmo trabalhando com atividades iguais para todos os alunos, a
professora teve a percepção da importância de levar em consideração os diferentes níveis de
aprendizagem dos alunos em sua ação docente, como observado em sua fala: Eu acho
importante. Tanto é que quando eu passo as atividades, eu tenho que pensar naquele [...]
Como eu não gosto de trabalhar com atividades rodadas, eu sempre vou ao caderno e
passo atividades, atividades que eu poderia rodar para esses com dificuldades, mas eu
prefiro ir ao caderno (Entrevista gravada em 11/11/04).
Quando a professora afirma que não gosta de trabalhar com atividades rodadas, isto se
coaduna com o que verificamos em suas aulas. Porém, quando prefere escrever no caderno,
ela contempla atividades passivas que servem para passar o tempo, como cópia e repetição de
letras/palavras e/ou frases soltas, rotina constante nas aulas observadas. A rotinização na ação
docente também garantiu uma intervenção memorística no trabalho da professora,
reforçando uma concepção de conhecimento enquanto quantidade reprodutiva das
informações recebidas. Sacristán (2000, p. 220) argumenta que nesta situação está presente
uma concepção de que o conhecimento só é relevante se se constituir em uma soma de
conceitos, sucessão de dados, data e acontecimentos. Esta concepção faz com que o professor
trabalhe com tarefas que exigem formas rotineiras de aprendizagem, com pouca variedade
metodológica, dando ênfase aos aspectos memorísticos e estratégias individuais de
aprendizagem.
As intervenções memorísticas foram visualizadas especialmente nas aulas dos dias 3,
17 e 20/8; 3, 10, 14, 17 e 21/9 e estão registradas no caderno de campo das aulas observadas
da professora da II etapa do 1º. ciclo de formação, assim caracterizadas:
Fulano olha bem a letra da frente. A professora falava silabando para o aluno, mas
ele não conseguia, e ela falava:
Pelo amor de Deus, leva um para casa. Eu peço, e você não lê em casa.
Já falei para você, junta as letrinhas para aprender a ler.
Para os alunos que estão com dificuldades, passou as letras, palavras, números e frases
para cópia no caderno e leu com os alunos.
b com o dá o quê? bo.
1. Junte:
b + a =
b + e =
b + i =
b + o =
b + u =
2. Copie:
hora humano
huno homem
A memorização foi um padrão que se estabeleceu nas aulas da professora, onde a
repetição foi exercida pela leitura, várias vezes, de forma compassada, silabando as palavras.
E ainda por atividades deste tipo:
copie:
a __________________________
b __________________________
c __________________________
d __________________________
O mato é feio
__________________________________
__________________________________
A casa é linda
__________________________________
__________________________________ (C.C. de 3/9/04). E, ainda assim, reafirmou
na fala a memorização. Vamos trabalhar o texto para a gente memorizar melhor o ch
(C.C. de 17/9/04).
Porém, que se ressaltar que temos uma cultura, dentro da escola, junto aos pais,
alunos [até professores] e em todo senso comum social de que os alunos vão a escola para
memorizar informações (GANDIN; CRUZ, 1996, p. 20). Contrariar essa cultura é remar
contra a maré, por isso ainda é muito difícil superar toda essa gama de conceitos que estão
impregnados em nossa cultura social e, conseqüentemente, escolar.
Como Gómez (1998, p. 83), pude reconhecer que a professora Wilma trabalhava
basicamente em uma prática do ensino como atividade cnica, onde a intervenção na aula se
deparava com um problema primordial que era sua incapacidade de enfrentar a natureza dos
fenômenos educativos, fenômenos estes da realidade social que não se enquadram em
esquemas fixos e preestabelecidos.
Isto foi recorrente em uma aula do dia 3/9/04, quando a professora afirmou aos alunos
que aprender é copiar e fazer a tarefa de casa. Mais tarde esta concepção foi confirmada no
diálogo com a professora, quando lhe perguntei qual o significado dessa afirmação, e ela me
respondeu: É assim, eu falo ao aluno para ele aprender, para estimular mais ele, eu passo
a tarefa para ele não ficar assim sem fazer nada em casa. Ele está com dificuldade
aqui, quem sabe em casa a mãe ajudando. Dificilmente eu acho que a mãe ajude em casa
porque ela trabalha, mas eu acho assim, aqui na sala e o pouquinho de tempo que ele
fica lá. Ele fica olhando e não se interessa e eu passo tarefa para fazer em casa para
ver se isso anima mais um pouquinho, mas eu estou achando que não está surtindo efeito
tanto aqui na sala, como quando passo para fazer em casa, nem todos fazem, né!
Aqueles que têm dificuldades não estão tendo apoio da família em casa para ver se
recuperamos esse aluno (RCD gravado em 9/9/04).
Havia na expressão falada de Wilma uma idéia de que a tarefa de casa serve como
reforço da aprendizagem, todavia havia dúvidas se a tarefa estava cumprindo esse papel, pois
havia alunos que não faziam as tarefas de casa. A situação começou a gerar incômodo para a
professora, que iniciou um questionamento sobre as tarefas, mas ainda de forma mecanizada,
pois ao final confirma que quem tinha dificuldades era porque não contava com o apoio da
família na resolução dos exercícios extraclasses. E estes precisavam de muitas atividades em
seus cadernos.
Ainda em diálogo com a professora, em outro dia, ela explicou por que passava
atividades de cópia nos cadernos dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Porque é
assim. É [...] É. Alguns conseguem tirar do quadro e aí, assim, e como não tem aula de
apoio, não está tendo, não tem professor de apoio, então estou tentando da minha
maneira, fazer com eles aprendam a escrever, ler e formar frasezinhas. Tá difícil, mas
estou tentando (RCD gravado em 5/10/04).
A preocupação com a cópia e repetição foi recorrente no trabalho da professora,
quando em entrevista falou: É assim, como eles têm problemas de copiar, ditado, então eu
passo de ligar, construir palavrinhas com as letras, né, caça palavras. Então tudo que eu
poderia estar dando rodado eu prefiro passar no caderno (gravada em 11/11/04). E no
plano de aula as atividades de memorização eram recorrentes, como as seguintes:
Pinte da mesma cor o desenho
67
e palavra que forem iguais e de azul as palavras
que forem diferentes:
janela cavalo
navio menino
67
Não aparecia o desenho.
maçã olho
menino navio
copo janela
sapato mesa
tijolo viola
cavalo sapato
rola tijolo (P. 4)
Leia e copie:
ta tatu ca casa
te tela ce cedo
ti tigre ci cinco
to tomate co colo
tu tubo cu cueca […]. (P. 5)
Em conseqüência, os alunos mostravam um trabalho com privilegiamento da repetição
e memorização, aumentando sua passividade, atividades de repetição e memorização que
negam as vozes dos estudantes, pois, para Giroux e Simon (2002, p. 137), calar a voz de um
aluno é destituí-lo de poder. A prática na aula da professora Wilma mostrou-se carente da
compreensão de que o processo educativo tem marcas da realidade social, é complexo e
imbricado de uma singularidade, onde o movimento, os conflitos, configuram-se enquanto
elementos constitutivos deste contexto.
Ainda assim, ao negar essa dinamicidade, a professora distanciou-se de uma educação
libertadora e dialógica para a qual o trabalho com tema gerador tem grandes contribuições.
Portanto, a prática curricular na aula de Wilma tem mais propensão para destacar o ensino
disciplinar, por causa dos elementos que tendem a caracterizá-la.
3. 3 Professora Marcela do 1º. ciclo de formação
As características reveladas na prática de aula da professora Marcela, assim como na
de outras professoras, serão analisadas tendo por base que essas características tendem a uma
forma ou outra de aula: disciplinar ou integrado-crítica. Em sala de aula, vimos que essas
formas são flexíveis, têm um movimento de vaivém que varia ora mais intenso no disciplinar
e ora mais intenso na integrado-crítica.
A disciplinarização e a fragmentação do conhecimento foram reveladas nos dados
da professora Marcela a partir da observação realizada em sala. Agora nós vamos fazer
atividade de matemática, hoje vamos continuar a trabalhar sobre o real que começou
sexta-feira. A sigla é R$. Vou entregar na folha, depois eu explico tudo certinho. (C.C. de
24/8/04). Em outra aula, a professora escreveu no quadro: atividade de Matemática. (C.C.
de 25/8/04). Isto também incorreu em outras aulas, assim: A próxima atividade é Português
(C.C. de 1/9/04). Na explicação da professora em sala de aula, havia uma demonstração
visível de divisão dos conteúdos escolares em disciplinares, marcadamente a Matemática e o
Português.
O movimento presente nas categorias em análise foi notadamente presente na prática
de Marcela, pois, como vimos, ela apresentou elementos com propensão a uma abordagem
curricular mais próxima ao integrado-crítico, contudo não deixou de fragmentar os conteúdos
em disciplinas.
No comentário, dialogado e registrado, a professora também revelou evidências de
disciplinarização, quando ela explicou como planejava suas aulas, a partir do subtema Lazer e
Saúde, expressando-se assim: Bom nós já tivemos um planejamento dentro desse subtema
e tentamos na maior parte abranger uma maior área do conhecimento dentro desse
tema. Eu não tenho muita facilidade para trabalhar isso não, vou ser bem sincera, tenho
bastante dificuldade de trabalhar, assim tema [...] Não é o tema em si, eu digo, as áreas
do conhecimento encaixarem dentro desse tema, mas abordamos atividades na área
da Linguagem, de Matemática, trabalhamos problemas envolvendo, né,
contextualizados, envolvendo esse tema. O tema que vai ser abordado todo o 3º.
bimestre. Já abordamos também na questão da Ciência, da área da Ciência (RCD
gravado em 19/8/04).
Descortinou-se em sua fala que Marcela apresentava dificuldades em trabalhar de uma
forma mais integrada, pois ainda resguardava uma concepção de conhecimento que, segundo
Santomé (1998, p. 109), foi apresentada aos alunos como pronto e acabado, como uma cultura
já criada, e os alunos não conseguiam compreender por quem, como, quando, por quê, em que
condições o conhecimento ocorreu e continua a se desenvolver.
Ao justificar por que dava mais ênfase a essas disciplinas, ela assim explicou: Bom,
essa pergunta não é muito fácil de responder, mas eu acho que é pelo fato de eu
preocupar que esses alunos vão sair desta etapa sabendo ler, escrever e as operações
fundamentais. Eu acredito que eu estou indo mais para este lado, é por causa disto. E
pela preocupação deles saírem lendo e escrevendo, porque na outra etapa não vão ter
tempo de aprender ler e escrever e fazer as quatro operações fundamentais. Eu acho que
é isso (RCD gravado em 28/9/04).
Pude perceber, por parte da professora, uma preocupação no ler, escrever e contar.
Semelhante idéia foi mostrada em outra ocasião, a exemplo do dia 16/11/04, que analisei
no eixo anterior. A preocupação com o ler, escrever e contar é pertinente, mas, ao trabalhá-
los, ela o faz de forma que a realidade cotidiana seja desfigurada, com informações sem
qualquer ideologia, descontextualizadas e que servem aos alunos com uma única finalidade:
superar barreiras necessárias para passar de uma etapa para outra subseqüente (SANTOMÉ,
1998, p. 104).
Vimos nos dados mostrados que a disciplinarização estava presente no trabalho da
professora, com uma compartimentação do conhecimento em disciplinas, onde estas se
aproximam das disciplinas científicas e, conseqüentemente, distanciando-se das disciplinas
escolares. Entretanto, a compartimentação do conhecimento não será combatida pelo fim da
disciplina e das especializações (LOPES, 1999, p. 195), pois a disciplinarização não é
impedimento à integração. O veio de discussão virá por uma concepção de disciplina escolar
que atenda aos fins sociais do ensino e da sociedade.
A demonstração da disciplinarização nos dados recolhidos da professora trouxe uma
ênfase na presença de conteúdos científicos descontextualizados das vivências dos alunos,
verificados em observação no dia 2/9/04:
Qual é o valor do ?
a) 1 + = 7 f) 10 - = 5 k) x 2 = 6
b) 4 + = 10 g) 7 - = 3 l) x 2 = 18
c) 10 + = 25 h) 3 - = 1 m) x 2 = 12
d) 15 + = 30 i) 16 - = 8 n) x 2 = 4
e) 0 + = 30 j) 20 - = 12 o) x 2 = 10 (L. 14-36).
Os conteúdos escolares foram priorizados pela sua quantificação, a quantidade de
informações passadas é que determinou a aprendizagem dos alunos, privilegiando atividades
descontextualizadas e com datas comemorativas que não ajudaram no esclarecimento do tema
gerador em estudo. Muitas atividades sobre encontro consonantal e vocálico, dígrafos, foram
observadas nas aulas da professora. Uma grande ênfase na estrutura da língua, como mostrei
nos outros blocos de análises.
Em diálogo, comentando com a professora, ela explicou o objetivo do realce na
gramática, dizendo: Eu tenho, como a maioria das professoras, eu tenho dificuldades para
trabalhar e tenho dificuldades para relacionar o conteúdo com o tema gerador. Muitas
vezes que aconteceu, e você deve ter observado, eu saio fora do tema completamente.
Eu até tento colocar aquilo dentro do tema, mas às vezes não dá. É assunto que não tem
como. Aquilo foi assim que eu observei no caderno deles, que eles apresentavam muitas
dificuldades ali nos dígrafos, na hora de separar essas sílabas, principalmente no texto.
Às vezes até no texto copiado do quadro, eles copiam assim: vai até e não chegam à
margem como eu faço, mas então foi assim em termos de ajudar nas dificuldades deles.
Não pode ser relacionado com o tema gerador (RCD gravado em 28/9/04).
A professora expressou uma inquietação com as dificuldades apresentadas pelos
alunos e, para superação destas, ela recorreu a trabalhos pontuais que reforçam alguns
aspectos da língua, sua estrutura gramatical, a partir de palavras isoladas de seu contexto. O
trabalho textual, que possibilita que as crianças compreendam o significado e a funcionalidade
da escrita, não foi considerado neste momento.
E, em conseqüência, para a professora, os conteúdos gramaticais, em particular a
fonética, ortografia, foram prioritários em detrimento do tema gerador. Ao entrevistá-la,
busquei esclarecimentos de como ela estava trazendo os conteúdos escolares na exploração do
tema gerador, e ela esclareceu: Essa é a questão, Marilce. Essa é uma questão polêmica. É,
essa é a dificuldade que a gente tem, mas olha, estou trazendo assim: Estou fazendo,
neste bimestre fizemos dois textos coletivos, tipo assim, chuva de idéias, para eles
estarem refletindo mais a respeito disso. E também fizemos é [...]. Trabalhamos a
questão do meio ambiente. É, colocando assim: A natureza para, assim, levando para o
lado... Vamos ver se você vai entender [...]. Eu não sei explicar direito, mas nós
colocamos assim, trabalhamos os recursos naturais sendo uma coisa importante para
eles, para eles conservarem, nós levamos assim para o lado da compra
68
, né, falamos a
respeito da sociedade capitalista e que tudo envolve o dinheiro. Então, , nós
trabalhamos esse texto, recursos naturais, para mostrar para eles que as pessoas ficam
ligadas ao dinheiro e a consumir cada dia mais, que elas esquecem dessa importância
que tem do cuidado com a natureza, entramos também com as estações para eles verem
que se as estações estão acontecendo como era prevista para acontecer ou se está
acontecendo alguma coisa além, né. Então eles olham, né, então é porque as pessoas não
estão cuidando da natureza. Estão mais preocupada, mais envolvida com a questão do
dinheiro e do comprar (gravada em 16/11/04).
Reconheço na entrevista de Marcela muitas dúvidas e desassossegos que me
pareceram manifestar os conflitos com os quais ela estava convivendo em sua prática, quando
expressou: eu não sei explicar direito [...] e começou a esclarecer que algumas questões
sociais estavam sendo problematizadas: o consumo na sociedade capitalista que pode levar à
degradação do ambiente. Os momentos de incertezas são aqueles que caracterizam o
movimento processual presente no ato educativo. Eles impulsionaram a prática pedagógica da
professora ora para privilegiar conteúdos gramaticais descontextualizados, ora para privilegiar
a problematização do subtema: ideologia do consumismo que foi trabalhado no 4º. bimestre
do ano de 2004.
Em vista disso, a professora estava trabalhando com o tema gerador mesmo dando
ênfase aos conteúdos escolares isoladamente nas disciplinas. Na aula do dia 5/8/04, a
professora fala: Este assunto aqui, mostrando no quadro, onde está escrito Lazer e Saúde,
será nosso tema do 3º. bimestre, o nosso assunto, no 4º. bimestre, será outro. (C.C. L. 20-
21). Ainda assim, em outro dia: Esta atividade está relacionada com Lazer. (C.C. de
11/8/04, L. 5). Recorre, também, em outras aulas, a essas perguntas: Qual foi o tema do
bimestre? O assunto? Saúde e Lazer [...] (C.C. de 28/9/04, L. 46).
Vimos que a investigação dos temas geradores começou a ser instaurada, havendo
recorrência no registro de comentário dialogado quando explica sobre a atividade do cardápio
da escola no subtema Lazer e Saúde: É porque o cardápio é alimentação, e alimentação
faz parte da saúde. A gente se alimentar bem, comer alimentos que vão fazer bem, que
68
O subtema do 4º. bimestre é a ideologia do consumismo.
vão fortalecer, vão ajudar no desenvolvimento das crianças. Elas estão em fase de
crescimento, então eu acho interessante fazer [...]. Pesquisei com a merendeira, eu achei
interessante passar para as crianças, é o que contém passar para a merendeira, eu achei
interessante passar para as crianças, é o que contém a nossa merenda da escola.
legumes, se os legumes são bons, se têm muitas vitaminas que eles precisam. Então é, foi
abordado esse assunto, porque é uma coisa que está dentro do assunto, tema e saúde: a
alimentação tem tudo a ver com a saúde (gravado em 19/8/04).
Nesse espaço de problematização do tema gerador, também foi constatada uma
utilização de repertório rotinizado de atividade, como observado nas aulas da professora,
caracterizado, particular e principalmente, por contas e texto sobre datas comemorativas,
assim:
Vamos fazer as continhas:
3 1 4 6 8 4 2 5 3 6 9
x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 3 x 3 x 3 x 3 x 3 x 3
(C.C. de 3/8/04, L. 62-70). Assim como em outra aula do dia 4/8/04, esta prática foi
recorrente com o mesmo tipo de atividade:
Resolva as multiplicações com bastante atenção:
6 7 5 8 3 24 36 54 73 34 14
x 4 x 2 x 6 x 4 x 3 x 2 x 2 x 2 x 2 x 3 x 3
25 42 17 36 31
x 3 x 3 x 3 x 3 x 3 (C.C. de 4/8/04, L. 78). E ainda em outros dias,
da mesma maneira:
Multiplicação:
256 431 620 279 372 145 2468 402 2564
x 42 x 14 x 53 x 36 x 82 x 48 x 62 x 18 x 49 (C.C. de 22/9/04, L.
67-69).
Resolva as operações:
30 58 46 25 45 78 628 357 48 26
+ 14 + 23 + 03 + 38 24 35 542 214 x 3 x 4
02 08 01 23
458 493 2795 4837 942
x 21 x 56 x 32 x 41 x 7 (C.C. de 28/9/04, L. 39-40)
Os textos sobre datas comemorativas foram recorrentes no plano de aula da
professora, nas ginas 4, 12, 13 e 22, destacando as seguintes datas: Dias da árvore, Dia do
folclore, Dia do soldado etc. Nesta rotina havia uma caracterização, revelada nos dados, por
atividades iguais para todos os alunos, também quando intervenção memorística. Em
entrevista, a professora explicitou o objetivo de propor atividades iguais para todos os alunos:
Eu acho que através dessas atividades eu vou poder saber quem é dos meus alunos que
está conseguindo acompanhar e vou também descobrir quem não está conseguindo
como geralmente isso acontece, por exemplo, no ditado eu vejo, eu faço um ditado igual,
dito para toda a sala no momento do ditado fico olhando ali, né, aquele que não está
conseguindo. E aquele com a [...]. Eu já tenho aqueles alunos que apresentaram
dificuldades. Ela senta na minha mesa, não é todo dia, né, mas um dia eu coloco um, no
outro dia outro, para fazer outra atividade [...]. É uma oportunidade a mais para eles,
né. Que não estão conseguindo acompanhar a turma, né. Que é a minoria da sala, né,
são cinco ou seis, né. Que não estão conseguindo. Acho que é um momento a mais para
ele, mesmo que, às vezes, o aluno não muita importância, não. Depende do aluno
também, às vezes, ele importância de estar ali. Eu coloco para ele que é importante,
eu pego as letrinhas, aquele alfabeto móvel, aquelas letrinhas emborrachadas, pego
quebra-cabeça para eles, ali, mas uns valorizam aquele momento, um momento a mais
para eles (gravada em 16/11/04).
Para Gómez (1998, p. 85), a virtualidade educativa da intervenção do docente reside
em sua capacidade para estimular a participação ativa dos indivíduos na elaboração das
próprias estratégias de aprendizagem de troca entre eles e de interação com a realidade. Não
obstante o cuidado da professora em proporcionar atendimento semi-individualizado para que
os alunos com mais dificuldades aprendessem, em seu plano de aula quase nenhuma atividade
se prestava para estimular a participação ativa dos alunos. Ao contrário, as atividades de
memorização eram destacadas e recorrentes. Assim, os dados recolhidos do plano reforçavam
tão-somente atitudes passivas e memorísticas. Esta constatação dada a conhecer a partir do
plano de aula da mencionada professora, não contrariou o seu discurso, mas também o
pensamento do autor citado.
Atividades com os dígrafos (ch lh nh ss rr gu qu), separação de sílabas, da
seguinte forma:
Separe, contando as letras e as sílabas:
escola –
merenda –
cozinha –
lanche –
aluno –
sala –
professora –
almoço –
corredor –
pátio –
vigilante (P. 11). Também explicou que encontro consonantal é o encontro de
consoantes. Exemplos: prato, isolante, branca. Em seguida passou atividades de
completar, para os alunos, assim:
1- Complete com pr, bl, cr, nh:
____ eto com ____ ido
____ imavera ____ eguiça
____ imeiro ____ ime
____ usa a _____ editou
____ ato _____ eme _____ oco (p. 23).
E, ainda assim, continua em outras aulas, como estava registrado em seu caderno de
plano de aula: Separe as sílabas das palavras que têm dígrafos (ch – nhlh ss – rr qu
– gu)
açougue fogueira
foguete linha
guarda pilha
quando galho
querida carrocel
aquarela correio (p. 24).
Explica, também, as regras gramaticais de ortografia, quando escreve no quadro em
giz, desta forma: Antes de P e B só M eu posso escrever. Logo em seguida, tem mais
atividades de completar:
Complete com m ou n:
ta ___ pa lâ ____ pada pe ____ te
bu ___ bo de ____ te pi ____tura
bo ___ bom ba ____deira ca ____po (p. 26).
Mesmo os dados demonstrando que as atividades de memorização são primordiais na
ação da professora, é importante também destacar a busca dos aspectos que a conduzem a
uma intervenção mais construtiva e dialógica em sua sala de aula. O vaivém estava bem
presente na prática de Marcela, pois havia indicadores de um processo em transitoriedade,
conferindo-lhe mais elementos propensos ao currículo integrado-crítico.
Esta inquietação também foi recorrente durante o registro de comentário dialogado
com a professora, quando ela explicitou como faria o trabalho diferente
69
com os alunos desta
etapa de uma outra turma. E disse: nós vamos fazer assim, pela segunda vez. Ela
70
vai ficar
com os alunos que estão um pouquinho mais avançados, avançados assim, que estão
com os alunos que estão num vel bom dentro desta etapa, e eu vou ficar com os
alunos que estão com dificuldades, que estão indo mais lentamente. E durante a
semana nós vamos aplicar atividades para tentar ajudar essas crianças. Por exemplo:
Eu vou ficar com aqueles que estão [...]. Vamos colocar assim, dividir em níveis, em nível
pré-silábico que aqui na minha sala ainda tem e na sala da professora Fernanda
também tem (gravado em 9/9/04).
A professora buscava mecanismos de intervenção a fim de auxiliar a aprendizagem de
seus alunos. Todavia temos que ressaltar que havia na fala de Marcela uma idéia dominante
em formar turma homogênea, incorrendo em risco de cair no extremo e, mecanicamente,
trabalhar com atividades separadas para os alunos nos estágios pré-silábicos, silábicos e
alfabéticos. Entretanto, não podemos perder de vista que a professora iniciou uma intervenção
mais refletida e elaborada, onde os alunos eram desafiados à aprendizagem.
Esta situação se tornou visível nos dados, no momento em que a professora buscou
problematizar as brincadeiras de antigamente e as de hoje, a partir da pesquisa sobre elas, com
a participação efetiva dos pais. Em seguida propôs Produção de texto no encerramento do 3º.
bimestre, manifestando uma compreensão, ainda que preliminar, mas essencial para qualquer
mudança, enquanto práxis (FREIRE, 1987, p. 92). Práxis que é reflexão e ação
transformadora da comunidade, é fonte de um conhecimento reflexivo e criativo. Em
conseqüência, através de sua constante ação transformadora da realidade, os homens criam a
história e se fazem seres histórico-sociais.
Nesta ação transformadora e permanente, a prática da aula da professora Marcela
oscilou nas categorias do disciplinar e do integrado-crítico, tendendo, em alguns momentos,
mais ao disciplinar e, em outros momentos, mais para a aula integrado-crítica.
3.4 Sintetizando alguns significados nas práticas curriculares de aulas das professoras
analisadas
69
As professoras deixaram este trabalho para o 4º. bimestre.
70
Professora de outra turma da III etapa.
Analisando os dados coletados, que foram organizados nas categorias da prática de
aula, a partir de suas características que tendem a um ou outro modelo de aula, elaborei esta
síntese, consubstanciada no corpo teórico desta pesquisa.
A prática de aula das professoras evidenciou elementos que tendem a uma prática com
propensão ao ensino disciplinar, e isto fez com que atraísse sobre si implicações positivistas
que, segundo Santomé, (1998, p. 57), desconhecem as influências dos processos sociais em
sua construção. As professoras do 1º. ciclo de formação realizaram um trabalho pedagógico
com reforço da fragmentação do conhecimento e da descontextualização dos conteúdos
escolares da prática social de seus sujeitos.
Como Lopes (1999, p. 193), fica evidente que a compartimentação do conhecimento
retrata o processo de divisão social do trabalho que se baseia em uma concepção de que as
disciplinas não são construções históricas.
Vale ressaltar que não pretendemos que seja abolida a estrutura disciplinar em
detrimento do integrado, mas é preciso dizer que hoje as discussões que se travam nos meios
educacionais criticam amplamente o currículo disciplinar. Todavia o integrado é pouco sujeito
às criticas, e, segundo Lopes (2002, p. 101), o currículo integrado promove um discurso que
se traduz em atualidade, inovação e de fácil aceite entre os educadores. Não obstante sua
defesa, nem todo currículo integrado é crítico. Contudo, toda integração mantém a estrutura
com lógica disciplinar, lógica esta que não pode afastar-se dos saberes cotidianos nem do
campo acadêmico educacional.
Por conseqüência, Lopes (2002a, p. 106) assegura que, quando há manutenção e
estados de princípios estabelecidos pelas disciplinas, havendo uma limitação das mudanças
curriculares, as disciplinas tendem a se estabelecer enquanto disciplinas científicas e não
escolares. Isto esteve muito presente nas concepções e práticas curriculares das professoras do
1º. ciclo de formação da escola pesquisada, as quais têm propensão a uma organização
curricular com prevalência no currículo disciplinar.
Esta predominância não obstaculiza o início de uma prática de ensino com tendência
ao integrado-crítico, como se a conhecer nos dados da professora Marcela. A todo esse
processo de (des) construção que a prática da professora demonstrou, chamamos de transitório
de uma prática menos disciplinar para uma mais integrado-crítica. Por este movimento
produzido na prática de Marcela, vimos que a fragmentação e a abordagem integrada do
conhecimento são produzidas na ação, no contexto de aplicação dos conhecimentos. Em se
tratando da busca de uma ação mais integradora na lida com o conhecimento, teremos que
construir outros caminhos para a prática.
Um outro caminho para nós será construído pela concepção de educação enquanto
forma de intervenção no mundo (FREIRE, 1996, p. 110-111), numa perspectiva dialética e
contraditória, não somente reprodutora e nem apenas desmascaradora da ideologia dominante.
Em vista disto, ouso dizer que a prática de Marcela deixou evidências não na visão de um
currículo disciplinar enquanto produto, como também enquanto processo, mesmo que o
produto tenha sido mais marcante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este é mais um momento do processo de apreensão do objeto estudado. Para muitos,
soa como “momentos finais”, mas para mim, que, como Freire (1996), creio que ensinar exige
consciência do inacabamento, é mais uma etapa que se abre a muitas outras que porventura
hão de vir.
Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do
inacabamento do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua
inconclusão é própria da experiência vital. Onde vida inacabamento.
Mas entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente[...]
(FREIRE, 1996, p. 55).
Nesta perspectiva do inacabamento, as considerações finais têm caráter de uma síntese
provisória, delineadas com base nas revelações observadas e analisadas dos dados coletados,
respaldados pelos referenciais teóricos pelos quais fiz opção para teorizar a organização
curricular da escola, na prática dos professores do 1º. ciclo da Rede Municipal de Ensino de
Cuiabá.
Os eixos de construção da pesquisa detiveram-se nos seguintes aspectos: organização
e estruturação do conhecimento escolar, concepção de planejamento curricular dos
professores e a prática do tema gerador em sala de aula. Esta síntese encaminha-se para a
elucidação destas problemáticas, pesquisadas e demonstradas em todo o corpo deste estudo,
consubstanciadas ao objetivo empreendido neste trajeto, que é a compreensão do processo
de construção da organização curricular na prática pedagógica dos professores do 1º.
ciclo de formação.
O alcance deste objetivo esteve subordinado ao desenvolvimento das seguintes
questões: Quais concepções e práticas de organização curricular orientam a ação docente
no 1º. ciclo de formação? Esta foi a questão linha-mestra na qual me detive para responder
nesta pesquisa. Nessa tessitura, a segunda questão, Que modalidade de organização
curricular é assumida pela escola na prática curricular dos professores do 1º. ciclo de
formação, encaminhou-se entrelaçada à problemática maior que foi lançada para esclarecer o
objeto estudado.
Os dados analisados, tecidos pela reflexão teórica fundamentada principalmente em
autores como Freire (1987), Lopes (1999), Macedo e Lopes (2002), Sacristán e Gómez (1989)
e Sacristán (2000), anunciaram o enfoque, na escola, de uma concepção de organização
curricular que flexibiliza com tendências ora mais intensas ao currículo disciplinar e ora mais
intensas ao currículo integrado. As formas de organização curricular coexistem na prática dos
professores do 1º. ciclo de formação na escola pesquisada, sendo predominante a disciplinar.
Logo, empreende-se a discussão sobre se a lógica que orienta a prática tem respaldo na
concepção de disciplina científica ou na de disciplina escolar. Na integração curricular a
matriz disciplinar permanece.
Isto faz com que eu reafirme que a integração curricular e currículo por disciplina não
são posições contraditórias, a disciplina escolar e o currículo disciplinar são tratados como
uma tecnologia de estruturação da escola, conforme Macedo e Lopes (2002, p. 80). Entendida
a disciplina escolar, sem referência a uma matriz científica como princípio organizador do
currículo, este veio permite certa integração.
Porém, a análise realizada, a partir de posições teórico-práticas das professoras do 1º.
Ciclo, marcou uma influência fortíssima no currículo por disciplina. O currículo, ao
organizar-se por uma lógica que se aproxima das disciplinas científicas, afasta-se dos saberes
cotidianos e do conhecimento escolar, com propensão a camuflar as questões sociais numa
visão de currículo não-crítico. E num campo delimitado poucas chances de integração,
ainda mais, uma disciplina científica não se relaciona aos fins sociais da educação.
Nesta visão, a educação não se relaciona com a mudança social. Porém, saliento que
esta situação também é reforçada porque muito de nós, professores, não tivemos oportunidade
de vivenciar salas de aulas libertadoras em nossa formação acadêmica, as quais nos levassem
a discutir nossa aprendizagem e reaprendizagem e, assim, percebermos como chegaríamos à
pedagogia libertadora, conforme afirma Schor e Freire (1986, p. 27). Por isso, a prática de
uma educação emancipatória ainda é tímida para nós professores.
Na perspectiva de flexibilização curricular com prevalência no disciplinar, as
professoras tomam como referência as disciplinas, mais como disciplinas científicas e menos
como disciplinas escolares. Desta forma, a divisão do conhecimento limita a problematização
e a compreensão social, que favorecem a ocultação de elementos significativos da realidade
estudada. Esta ocultação é um obstáculo à aprendizagem crítica, fazendo com que nos
tornemos imersos, cada dia mais, em uma cultura de massa que enxerga acriticamente esta
realidade.
Este movimento de flexibilização curricular presente na prática dos professores
apresenta uma predominância de organização do conhecimento escolar no currículo de uma
abordagem disciplinar. Esta é compreendida pela força simbólica da idéia da disciplina que
esta estabilizada em nossa cultura, não escolar como social, que privilegia a cultura do
mundo disciplinarizado, dificultando a compreensão socioistórica homens-mundo.
Portanto, mesmo diante desta flexibilização, o movimento revelado nas concepções e
práticas curriculares das professoras do 1º. ciclo, com o predomínio no currículo disciplinar,
que ora tende mais às características do integrado e ora mais às do disciplinar, faz-me concluir
que estas professoras distanciavam-se do tema gerador na essência freireana, ao usarem a
integração curricular por tema gerador como uma modalidade do currículo integrado-crítico e
lhe conferir um enfoque emoldurado pela estrutura disciplinar acrítica, empobrecendo um
projeto curricular que visa problematizar a realidade, com a investigação dos temas. Logo,
fazem com que esta integração curricular assuma uma perspectiva não-crítica de currículo.
Tornar um projeto curricular libertador empobrecido não incorre em considerar a
pessoa do professor como inoperante, culpabilizando-o; é preciso fazê-lo refletir a partir do
fato de que trabalhar com tema gerador não é só uma questão de métodos e técnicas. O grande
implemento está no estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a
sociedade. Nesta relação o potencial transformativo de cada atividade deve ser levado em
consideração, em termos de processo e gradualidade, pois toda mudança se
processualmente.
Estabelecer uma nova relação com a sociedade e com o conhecimento significará
conceber a educação como um ato político e o educador como um militante, e, para Schor e
Freire (1986, p. 65), “o militante [...], no ensino examina até mesmo sua própria prática, não
se aceitando como pronto e acabado, reinventando à medida que reinventa a sociedade”.
Todavia, a proposta de organização curricular em ciclos na Rede Pública Municipal de
Ensino de Cuiabá expressa em documentos oficiais uma concepção crítica de currículo,
enquanto processo que se articula com as problemáticas sociais, diante da complexidade do
ato educativo. Mesmo tendo-o como foco de organização curricular, na escola a ação docente
tende a ser mais centralizada na prática disciplinar, isolando as diferentes áreas do
conhecimento, pois a integração curricular pressupõe uma lida com o conhecimento de forma
mais globalizante, que ainda está em construção nas ações docentes na escola pesquisada.
Mesmo diante dessas constatações, a perspectiva de mudança curricular está
embrionária no projeto político-pedagógico da escola. É importante ressaltar que no trabalho
pedagógico das professoras necessidade de uma ação reflexiva de suas próprias práticas.
que se construírem diversos caminhos que possibilitem um envolvimento das professoras
no Projeto Político-Pedagógico da escola e, talvez assim, poderão compreender os limites e
possibilidades existentes em suas práticas. Neste ponto, a figura do coordenador pedagógico é
fundamental, pois ele será o mediador deste processo. Um movimento que desencadeará
ações com possibilidades de superação de práticas que tendem a reforçar uma organização
curricular que compartimentaliza e fragmenta o conhecimento da realidade, caminhando para
uma concepção freireana de tema gerador, (já que este é o eixo organizador do currículo da
escola), numa visão crítica de educação problematizadora e dialógica.
Os desassossegos, inquietações, é que potencializam o inacabamento do homem, dos
professores, efetivamente das professoras do Ciclo, sujeitos desta pesquisa. Ao refletir
sobre essas inquietações, contradições, conflitos e limites, as possibilidades emergirão
traduzidas na afirmação, segundo Freire (1996, p. 55), de uma predisposição à mudança e de
uma aceitação do diferente.
Porém, reconheço que as professoras distanciavam-se do tema gerador, porque as
concepções e práticas demonstradas pelos dados omitiram o movimento de processo inerente
à própria condição social dos homens e do modo como estes organizam seus conhecimentos,
na perspectiva de um olhar mais voltado para uma concepção de currículo como produto, ora
menos e ora mais intensamente, dependendo do momento vivenciado em suas práticas.
Um outro indicativo de distanciamento do tema gerador esteve presente nas
concepções e práticas de planejamento curricular das professoras, determinado pela forma
como que planejaram o tema gerador Em busca da qualidade de vida. Durante esta etapa de
planejamento, a apreensão da totalidade não aconteceu, e o tema foi escolhido por uma visão
pessoal dos professores do . Ciclo, fazendo com que a totalidade social fosse negada. Ao
negá-la, reforçaram-se ações de padronizações e controle no planejamento do currículo,
querendo controlar o que não é controlável, pois o ensino é um processo complexo
(SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 204) que não admite esta condição de estaticidade.
Logo, o planejamento curricular do tema gerador correspondeu à idéia de
seqüenciação do conhecimento em estudo, tendo como preocupação básica ordenar os
conteúdos, apresentá-los e efetivar a sua aprendizagem, referendados, nos dados, pelo plano
anual dos professores do 1º. Ciclo e educação infantil, organizado pelas professoras da escola.
Este foi o resultado de uma ação procedimental que não exigiu uma reflexão na e pela ão,
imprimindo ao processo de investigação dos temas um significado diminuto, onde o fazer
mecânico se sobrepôs ao sentido e significado qualitativo desta etapa do planejamento.
Os dados das professoras preservam uma concepção fragmentada de conhecimento
escolar e mostram que algumas áreas ou disciplinas ficam com uma valoração diminuta em
relação às outras onde incidem status socialmente superiores aos seus conteúdos, reforçando
uma prática de ensino propensa a destacar a divisão disciplinar do conhecimento. E, nesta
perspectiva, dá-se impulso a uma aprendizagem mecanizada e a uma visão de mundo
fragmentada, em que se nega a problematização das questões sociais, distanciando-se, assim,
do tema gerador explorado.
Essas dificuldades se relacionam essencialmente com a nossa imersão em uma
sociedade fundamentalmente disciplinar, como já vinha apontando, pois a educação é parte do
todo da sociedade. Esta sociedade privilegia e socializa uma cultura de massa que a policia
contra sua própria liberdade (SHOR; FREIRE, 1986, p. 37). Este policiamento depõe contra
as práticas curriculares transformadoras, como a proposição do tema gerador, no currículo
integrado-crítico.
Portanto para chegarmos a uma educação libertadora, é necessário que vinculemos o
nosso trabalho de sala de aula com a transformação social. E esta vai além do espaço escolar,
pois tudo isso significa entender o contexto social do ensino. Entender o contexto social do
ensino também significa pensar e encher o espaço da escola com políticas libertadoras.
Porém, Shor e Freire (1986, p. 50) nos alertam que “aqueles que desmistificam a tarefa da
reprodução estão nadando contra a corrente! Nadar contra a corrente significa correr riscos e
assumir riscos”. E só um (a) educador (a) popular corre riscos e assume riscos. Com isso, não
quero desencorajar os (as) educadores (as) e muito menos promover a aceitação da realidade
em que estamos trabalhando, mas conclamá-los (las) para a busca de caminhos que viabilizem
uma educação transformadora para nossos alunos, alunas e docentes da Rede Pública
Municipal de Cuiabá.
Neste processo também é preciso argumentar que as dificuldades apresentadas podem
estar relacionadas com a formação continuada dos professores, pois, em suas falas, vimos que
em muitos cursos realizados pela SMEDEL/ESCOLA, estas instituições não levaram em
conta a proposta de currículo integrado por tema gerador nas temáticas discutidas. E mais, não
existe ainda na rede uma política de formação de professores que os ingresse em ano de
concurso e/ou por via de contratos temporários. Estes, por vezes, desconhecem a proposta de
ciclos de formação da Escola Sarã. Os apontamentos apresentados não se constituíram em
objetos de estudos nesta pesquisa, mas os deixo como inferências de temas para
questionamentos em outros trabalhos.
Um outro aspecto diz respeito à política de continuidade/descontinuidade do trabalho
com a mudança de um governo municipal. O que aconteceu na rede foi a descontinuidade,
logo após a implantação dos ciclos de formação. Em outro governo, as lideranças da
SMEDEL foram trocadas, e as escolas organizadas em ciclos foram renegadas a último plano.
Logo, esta descontinuidade trouxe implicações nos projetos dessas escolas, projetos que
buscavam uma transformação significativa na educação em Cuiabá. Concordo com Fernandes
(1993, p. 8), quando argumenta que:
[...] a continuidade/descontinuidade de trabalho é um ponto que
consideramos de fundamental importância, porque sabemos que elaborar o
currículo numa concepção crítica, transformadora e emancipatória não se faz
somente no papel. As políticas de governo, geralmente conservadoras, na
área da educação, colocam as mudanças dentro do tempo limite de quatro
anos de sua gestão[...] Educação/currículo, prática pedagógica, não se fazem
dessa forma. Política não se efetiva de uma hora para outra. Ela precisa de
tempo para ser concretizada. Não se faz no discurso, precisa de uma prática
coletiva dos agentes envolvidos, principalmente da escola.
Ressalto, porém, que as possibilidades de mudança podem emergir, também, a partir
do papel da pesquisadora neste estudo. Ao investigar a prática curricular/pedagógica dos
professores em uma escola pública municipal, foi-me possibilitada uma melhor compreensão
de minha própria ação docente, enquanto professora em uma escola organizada em ciclos de
formação. Esta pesquisa, talvez, possa ser um instrumento contribuinte na discussão sobre a
prática pedagógica dos professores que atuam na Rede de Ensino em Cuiabá e trabalham com
uma organização do conhecimento escolar pelo currículo integrado por tema gerador.
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ANEXOS
ANEXO 1
PLANEJAMENTO ANUAL DOS PROFESSORES DO 1º. CICLO E EDUCAÇÃO
INFANTIL
PLANEJAMENTO ANUAL DO 1º. CICLO E EDUCAÇÃO INFANTIL
TEMA
Em busca da qualidade de vida
JUSTIFICATIVA
Devido à correria da vida moderna e as pressões no trabalho no social com falta de segurança
entre outras coisas, gera a falta de qualidade de onde os indivíduos em busca do ser necessita
assim de preparamos cidadãos onde esteja preocupado com o desenvolvimento cognitivo,
cognitivo, social e psicomotor ao seu redor, para que consiga no futuro ser agente renovador e
transformador e obter uma vida melhor.
OBJETIVO
Conscientizar o aluno a buscar seus direitos como cidadãos
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
FAMÍLIA
Criar condições para que o aluno perceba que vários tipos de família, cultura e valores que
são importantes para a sua formação.
ESCOLA E SEGURANÇA
Valorizar o conhecimento que o aluno traz, seu interesse enriquecido com o conhecimento
científico e prepará-lo para que conviva da melhor maneira possível com a violência existente
na sociedade.
LAZER E SAÚDE
Incentivar o aluno a construir e valorizar brinquedos construídos com materiais de sucata,
bem como conscientizá-lo para que sua vida seja rica em saúde e saudável, bem como adquira
bons hábitos de higiene pessoal.
A IDEOLOGIA DO CONSUMISMO
Conscientizar do verdadeiro valor e classificar o necessário que precisa consumir,
conhecimentos e valores que lhe tragam bem-estar e tranqüilidade.
SUBTEMAS
Família
Escola e segurança
Lazer e saúde
Ideologia do consumismo
DESENVOLVIMENTO
As atividades serão trabalhadas através de conversas, questionamentos, trabalhos escritos
confeccionados pelos alunos, edesenhos, colagens, interpretações de pequenos textos orais e
escritos, pesquisas de preços, músicas, jogos, histórias, pinturas e dramatização.
CULMINÂNCIA
Serão apresentadas todas as dinâmicas construídas em sala e extraclasse para a comunidade
escolar em geral semestralmente.
AVALIAÇÃO
A avaliação será contínua, individual e coletiva através de observação e análise dos registros
dos alunos e da participação com todo o conteúdo trabalhado.
ANEXO 2
CALENDÁRIO ESCOLAR DA EMEB “JESUS CRIANÇA”
Calendário / 2004
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Dom Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1 2 3 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 1 2 3
4 5 60
7 8 9 10 8 9 10
11 12 13 14 7 8 9 10 11 12 13 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13
14 15 16 17 15 16 17
18 19 20 21 14 15 16
17 18 19 20 11 12 13 14 15 16 17
18 19 20
21 22 23 24 22 23 24
25 26 27 28 21 22 23
24 25 26 27 18 19 20 21 22 23 24
25 26 27
28 29 30 31 29 28 29 30
31 25 26 27 28 29 30t
Maio
Junho
Julho
Agosto
Dom Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1 1 2 3 4 5 1 2 3 1 2i 3 4 5 6 7
2 3 4 5 6 7 8 6 7 8 9 10 11 12 4 5 6 7 8 9 10 8 9 10 11 12 13 14
9 10 11
12 13 14 15 13 14 15
16 17 18 19 11 12 13
14 15 16 17 15 16 17 18 19 20 21
16 17 18
19 20 21 22 20 21 22
23 24 25 26 18 19 20
21 22 23t
24 22 23 24 25 26 27 28
23 24 25
26 27 28 29 27 28 29
30 25 26r
27r
28r 29r
30r
31 29 30 31
30 31
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Dom Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1 2 3 4 1i 2 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4
5 6 7 8 9 10 11 3 4 5 6 7 8 9 7 8 9 10 11 12 13 5 6 7 8 9 10 11
12 13 14
15 16 17 18 10 11 12
13 14 15 16 14 15 16
17 18 19 20 12 13 14 15 16 17 18
19 20 21
22 23 24 25 17 18 19
20 21 22 23 21 22 23
24 25 26 27 19 20 21 22 23t
24 25
26 27 28
29 30t
24 25 26
27 28 29 30 28 29 30
26 27 28 29 30 31
31
Legendas
Período de matrícula I - Início do Bimestre 1º. Bimestre 16/02 a 30/4 = 49 dias letivos 28/2 - Reunião de pais
24/3 - Palestra com os pais
Domingos e feriados T - Término do bimestre 2º. Bimestre 3/5 a 23/7 = 50 dias letivos 8/5 - Dia das mães
10/7 - Feira Pedagógica
Dias letivos R - Recesso escolar 3º. Bimestre 2/8 a 30/9 = 47 dias letivos 17/7 - Festa Junina
7/8 - Festa dos pais
Reunião com os professores e semana pedagógica 4º. Bimestre 1/10 a 23/12 = 56 dias letivos 4/9 - Desfile cívico
27/11 - Feira Pedagógica
ANEXO 3
ROTEIRO DE ENTREVISTA
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1 Como o coletivo da escola se organizou para levantar os dados da realidade a serem
problematizados na escolha do TG?
Quando foi realizado?
Qual sua participação neste processo?
Qual a importância deste momento p/ você?
2 Quais elementos subsidiaram os professores do 1º. Ciclo a escolher o TG Em busca da
melhoria de qualidade de vida?
Por quê?
3 Professora, ao desenvolver o TG, você percebe a necessidade de priorizar os
conhecimentos prévios dos alunos sobre o que está sendo trabalhado?
Por quê?
Como você faz isso nas suas aulas?
4 – Como você traz o conhecimento científico para explorar o TG?
5 Em sua sala de aula, como os alunos estão sistematizando e expressando a construção de
seus conhecimentos?
6 – Por que a seqüência dos conteúdos trazida nos livros didáticos é importante, para você?
Como você trabalha está seqüência no desenvolvimento do TG?
7 Qual a importância, p/ você, do planejamento coletivo dos professores do 1º. Ciclo e das
etapas?
Por que você continua planejando individualmente?
8 – Qual o objetivo de propor atividades iguais p/ todos os alunos?
Por quê?
9 Para você, qual a importância de levar em consideração os diferentes níveis de
aprendizagem dos alunos em sua ação docente?
Como você planeja e executa isso em sua turma?
10 – Como você trabalha as disciplinas no desenvolvimento do TG?
Qual a importância da disciplina neste trabalho com uma metodologia integrada pelo
TG?
ANEXO 4
FICHA INDIVIDUAL DE ACOMPANHAMENTO DOS ALUNOS DO 1º. CICLO
PREFEITURA MUNICIPAL DE CUIABÁ
Secretaria Municipal de Educação
EMEB “JESUS CRIANÇA”
FICHA INDIVIDUAL DE ACOMPANHAMENTO DO ALUNO DO 1º. CICLO
Aluno(a)___________________________________________________ Nº. _______
Ciclo ________ Etapa ________ Turma ________ Período ________ Ano _________
LEGENDA:
HCA = Habilidade construída e aplicada
HC = Habilidade construída
HPC = Habilidade em processo de construção
HPAC = Habilidade em processo avanço de construção
HPAP = Habilidade que precisa de apoio pedagógico
HNT = Habilidade não trabalhada
HNC = Habilidade não construída
(+) (-+) (+++) Indicativo de desenvolvimento da habilidade
HABILIDADES NA ÁREA DA LINGUAGEM 1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
Ler com fluência, boa dicção, textos
Ler com fluência e boa dicção, gravuras
Elaborar textos orais espontâneos
Escreve textos espontâneos
Relatar fatos de textos lidos e/ou ouvidos
Utilizar para expressar a linguagem corporal
Utilizar para expressar a linguagem plástica e
artística
Expressa emoções desejos e sentimentos
Observa no texto aspectos de tempo e espaço
caracterizando o local onde ocorre a história
Utiliza diversos materiais (papel, barbante,
madeiras, figuras para representar variadas
situações)
Descreve as características dos materiais
utilizados para se comunicar
Elabora oralmente relatórios, histórias, músicas e
poesias
Elabora através da escrita relatórios, histórias,
músicas e poesias
Utiliza a escrita no sentido real e imaginário
Identifica as características dos diferentes textos
(poesia, jornalístico)
Reconhece as características dos textos regionais
e culturas
Utiliza a escrita no dia-a-dia, bilhete, lista de
compras, convites, recados
PROFESSORES DA FASE
_____________________
Regente
____________________
Educação Física
____________________
Educação Artes
HABILIDADES NA ÁREA DA LINGUAGEM 1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
Interage com materiais, instrumentos e
procedimentos variados, de modo a utilizá-los nos
trabalhos pessoais
Demonstra autoconfiança com produções artísticas
pessoais e conhecimentos estéticos, respeitando a
própria produção e a dos colegas
Aprecia as produções artísticas presentes em sua
cidade, bem como aquelas que fazem parte da
herança cultural da humanidade
Observa e descreve obras de colegas e suas
próprias criações
Recria imagens em oposição às reproduções
mecânicas vendidas pela mídia
Está em contato com informações e obras de arte
Está em contato com documentos, objetos, rituais
que preservam e divulgam as diferentes culturas
Expressa livremente suas habilidades artísticas
Reconhece seu espaço temporal e ritmo
Reconhece as diferenças e qualidades individuais e
coletivas da cultura corporal, questionando sua
importância
Consegue auto-organização para construção do
lúdico
Privilegia o caráter lúdico solidário nas
manifestações corporais
Identifica nos movimentos sensações objetivas, tais
como medo, insegurança, desequilíbrio, alegria,
prazer, agressividade
Utiliza as habilidades desenvolvidas para a solução
de problemas diversos
Elabora e reconstrói movimentos além dos
materiais para vivenciar as manifestações corporais
individuais e coletivas
HABILIDADE NA ÁREA DAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS
1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
Construir as noções de tempo e espaço, com o objetivo
de entender o contexto social no qual está inserido
enquanto sujeito
Desenvolver a percepção e a representação espacial,
bem como o respeito e a valorização das diferenças e
semelhanças dos aspectos históricos e sociais, criando
uma consciência crítica dos fatos
Saber comparar acontecimentos no tempo, tendo como
referência anterioridade, posteridade e simultaneidade
Perceber a relação cronológica no contexto social,
estabelecendo relação entre o presente e o passado e
identificando documentos históricos, fontes de
informações
HABILIDADE NA ÁREA DAS CIÊNCIAS
HUMANAS E SOCIAIS
1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
Conhecer a memória histórico-cultural, partindo da
sua vivência
Entender o modo de vida de uma coletividade
indígena nas dimensões econômicas, sociais
artísticas e culturais.
Perceber-se enquanto sujeito histórico que ocupa e
contribui para a construção e transformação do
espaço geográfico
Estar em contato com a linguagem cartográfica
(direção, distância, orientação e proporção), na
representação do espaço geográfico
Deslocar-se com autonomia no contexto no qual
está inserido (bairro) e relacionar-se com os seus
semelhantes
Desenvolver atividades responsáveis que venham
contribuir para a preservação do seu espaço
geográfico e, posteriormente, os mais distantes
Entender que as tecnologias contribuem para a
melhoria da vida humana dentro de um contexto
social
Perceber que o espaço geográfico é ocupado por
diferentes povos que se organizam de formas
diferenciadas
HABILIDADES DAS CIÊNCIAS NATURAIS E
MATEMÁTICAS
1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
Observar, elaborar explicações e relatar fenômenos
da natureza
Estabelecer relações entre os seres vivos na
natureza por meio da observação, relatando e
registrando semelhanças entre os diversos
ambientes
Saber que existem transformações físicas e
químicas naturais, tanto no corpo humano, como
no meio ambiente
Saber das defesas naturais do organismo,
relacionando a importância da prevenção ao uso
dos bons costumes
Construir o significado do número a partir de seus
diferentes usos no contexto social, explorando
situações-problema que envolvam contagens,
medidas e códigos numéricos
Explicar suas formas de representar uma situação-
problema confrontá-las com outras formas,
iniciando-se na utilização da linguagem
matemática convencional
HABILIDADES DAS CIÊNCIAS NATURAIS E
MATEMÁTICAS
1º. BM
2º. BM
3º. BM
4º. BM
Medir e comparar medidas, utilizando
instrumentos variados
Explicar percepções de espaços conhecidos a
partir do contato com formas variadas de
representação espacial
Manipular diversos tipos de materiais,
reconhecendo suas características e
diferenciações, usando-os para representar
variadas situações
Desenvolver procedimentos de cálculo mental,
escrito exato, aproximado pela observação de
regularidade e de propriedade das operações
pela previsão e verificação de resultados
Demonstrar interesse para investigar, explorar e
interpretar em diferentes contextos do cotidiano
e em outras áreas do conhecimento os conceitos
e procedimentos matemáticos abordados neste
ciclo
Utilizar a calculadora como instrumento para
produzir e analisar escritos e resolver problemas
CONTEÚDOS, COMPORTAMENTOS E
ATITUDES-LEGENDA SEMPRE (S) AS VEZES
(V) RARAMENTE(R)
1º. BM 2º. BM 3º. BM 4º. BM
É assídua, é pontual na entrada e saída
Relaciona-se bem com colegas (evita agressões
físicas e verbais)
Revela cooperação e boa socialização
Realiza tarefas na escola e em casa
Preserva o patrimônio, zela pela limpeza da
escola
Presta atenção e emite opiniões sobre o assunto
em estudo
PARECER DO CONSELHO DE CLASSE/OBSERVAÇÕES:
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Progressão
1º. Bimestre 2º. Bimestre 3º. Bimestre 4º. Bimestre
Livros Grátis
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