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Paula Trindade da Silva Selbach
Desafios da prática pedagógica universitária face a reestruturação curricular:
um estudo com professores do Curso de Enfermagem
Orientadora: Profª Drª Beatriz Maria B. Atrib Zanchet
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre.
Pelotas, 2007.
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Dados de catalogação na fonte:
Aydê Andrade de Oliveira CRB - 10/864
S464d Selbach, Paula Trindade da Silva
Desafios da prática pedagógica universitária face a
reestruturação curricular: um estudo com professores do
Curso de Enfermagem / Paula Trindade da Silva
Selbach. - Pelotas, 2007.
109f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação. Universidade Federal de Pelotas.
1. Pedagogia universitária. 2. Práticas pedagógicas. 3.
Ensinagem. I. Zanchet, Beatriz Maria B. Atrib orient.
II.
Título.
CDD 378.17
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Banca Examinadora
Prof.ª Dr. Beatriz Maria B. Atrib Zanchet - UFPel/Pelotas
Prof.ª Dr. Maria Isabel da Cunha – UNISINOS/ São Leopoldo
Prof.ª Dr. Maria Cecília Lorea Leite - UFPel/Pelotas
AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho, fica a certeza de que esta conquista fez-se
possível pela presença de pessoas especiais que estiveram, de várias
maneiras, ao meu lado durante este período. Agradeço a todos que me
ajudaram, me incentivaram, me apoiaram e que talvez nunca possa retribuir a
contento, por hora só me resta agradecer.
Primeiramente ao esposo, Jeferson Selbach que me mostrou a
importância de seguir meus estudos. Sem teu incentivo, não teria investido com
tanta segurança no mestrado. Tu transformaste o meu desejo de seguir adiante
em uma possibilidade real, utilizando tuas próprias palavras: “Quem ama, quer
que o outro voe, com asas próprias”.
A orientadora Beatriz Zanchet, que conheci na entrevista de seleção
para o mestrado e que tivemos mútua afinidade para o trabalho. Admiro-te
porque sei que foi esta afinidade de idéias que pesou na decisão final para o
meu ingresso no programa. Compartilhei contigo momentos ímpares de
aprendizado, dificuldade, superação, inclusive contornando obstáculos como o
da distância. Levo a certeza de que ganhei uma amiga.
Aos familiares que sempre me apoiaram e se orgulharam com as minhas
conquistas: pais queridos, Naura e Renualdo; irmãs, Luciana e Cláudia; avós,
Maria e Adão.
Aos amigos que me acolheram em Pelotas, Marisa, Luiz Alberto e
Tamires. Por alguns meses foram minha família, dedicaram-me atenção e
carinho, compensando estar longe de casa.
Agradeço aos colegas do Curso, com os quais compartilhei muitas
experiências, em especial às colegas Paula Xavier e Cátia Vighi. Juntas,
formamos as “três cajazeiras”, pois permanecemos unidas desde o começo
dessa caminhada. Expresso aqui meu desejo de que esta etapa não encerre a
nossa amizade.
À Universidade Federal de Pelotas, da qual me orgulho de ter feito parte
através do Programa de Pós-Graduação em Educação. Aos professores que
me ajudaram a refletir através de suas aulas, dentre os quais faço um
agradecimento especial à professora Maria Cecília Leite, que me apontou o
Curso de Enfermagem para desenvolver o projeto.
À professora Maria Isabel da Cunha, que oportunizou minha participação
no grupo de pesquisa interinstitucional Trajetórias e Lugares da Formação da
Docência Universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional
(UNISINOS / UFPel), aonde pude aprofundar minhas reflexões através da
interação com pessoas que estudam na mesma área, algo que possibilitou-me
trocar idéias e reflexões. Também à professora Cleoni Fernandes,
coordenadora do subgrupo que me inseri, e a colega Amália Bastos, com as
quais compartilhei preciosos momentos de aprendizado.
5
Meus agradecimentos pela disponibilidade aos professores do Curso de
Enfermagem da UFPel, que cederam entrevista para este estudo. A
contribuição de vocês foi fundamental.
Por fim, a todos os demais que de forma anônima, mas nem por isso
menos importante, contribuíram para este trabalho.
RESUMO
SELBACH, Paula Trindade da Silva. Desafios das práticas pedagógicas
universitária face a reestruturação curricular: um estudo com professores
do Curso de Enfermagem. 2007. 109f. Dissertação (mestrado). Programa de
Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas.
Esse estudo discute como um grupo de docentes do Curso de
Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas expressa suas concepções a
respeito das práticas pedagógicas que desenvolvem e do trabalho coletivo que
estão vivenciando para a construção do projeto político-pedagógico, tendo em
vista as mudanças anunciadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
área da Saúde. A pesquisa percorre um caminho que favoreceu um olhar sobre
os desafios que profissionais enfrentam quando assumem a docência como
sua profissão, pois há razoável consenso de que para exercer a docência no
ensino superior é suficiente o domínio nos conhecimentos específicos e sua
identificação é o exercício profissional na área de atuação dos professores. Os
dados foram obtidos através da aplicação de entrevistas semi-estruturadas
com cinco professores do Curso e foram analisados, preferencialmente, à luz
do referencial de Cunha (1998, 2001, 2002, 2005), Anastasiou (2002, 2005),
Zabalza (2004), Pimenta (2002), Bernstein, (1996,1998, 2000). Os resultados
nos possibilitaram perceber que a formação e a complexidade da docência
universitária são provocativos para alguns profissionais investirem no trabalho
coletivo como forma de construir e sistematizar, através do PPP, um currículo
menos fragmentado que ajude a formar os alunos em uma perspectiva mais
global. Verificamos, também, que esses profissionais, ao tornarem-se
docentes, consideram importante ter estudos no campo do ensinar que os
ajudem a melhor compreender as práticas que desenvolvem.
Palavras-chave: Pedagogia Universitária. Práticas pedagógicas.
Ensinagem
ABSTRACT
SELBACH, Paula Trindade da Silva. Challenges of university pedagogic
practices in face of restructuring curriculum: a study with professors of
the Nursing. 2007. 109p. Master’s Dissertation. Program of Post-Graduation in
Education. Federal University of Pelotas. Pelotas, Brazil.
This study discusses how a group of professors at the Nursing School of
UFPel expresses their conceptions about the pedagogic practices they develop
and the collective work they have been experiencing with a view to building their
political-pedagogic project, considering the changes introduced by the National
Curricular Guidelines for the Health area. The research focuses on the
challenges professionals must face when they take on teaching as their
profession, due to a reasonable consensus that in order to follow teaching in
higher education it suffices to master the specific knowledge of the area, which
is also expressed by their identification with the profession of nurses instead of
teachers. The data have been obtained through applying semi-structured
interviews to a five professors of the Course, and have been analyzed under a
theoretical framework which includes Cunha (1998, 2001, 2002, 2005),
Anastasiou (2002, 2005), Zabalza (2004), Pimenta (2002) and Bernstein (1996,
1998, 2000). Results indicate that their formation as well as the complexity of
higher education teaching have challenged some professionals into investing in
collective work as a way of building and systematizing, through the course’s
political-pedagogic project, a less fragmented curriculum, able to form students
in a more global perspective. They also show that these professionals, as they
become professors, consider important to undergo studies in the teaching field
in order to better understand the practices they develop.
Key-Words: Higher Education Pedagogy. Pedagogic Practices. Teaching and
Learning.
Lista de Tabelas
Tabela 1. Dimensões de Análise, Focos, Questões.................................... 25
SUMÁRIO
1. Na minha trajetória encontro a decisão por estudos na área
da educação
11
2. Caminhos Investigativos
20
2.1
A escolha pelo Curso de Enfermagem da UFPel 20
2.2
Questão de pesquisa: definindo objetivos 22
2.3
O espaço da pesquisa, sujeitos e procedimentos 23
3. A Docência Universitária: tecendo algumas considerações
26
3.1
A identidade do professor universitário 28
3.2
O conhecimento universitário: a necessidade de um
conhecimento contextual
34
3.3
A prática pedagógica do docente universitário: ensinar e
aprender na Universidade
38
3.4
A cultura docente 48
3.5
O processo de ensinagem: novas perspectivas para o processo
de ensinar
51
4.
Curso de Enfermagem: mudança de cenário e algumas
decorrências
56
4.1
O Curso de Enfermagem da UFPel: inserção no cenário
nacional
61
4.1.1
Iniciando o percurso de análise: o que expressam os
interlocutores sobre as repercussões das DCN nas suas
práticas
65
5.
As expressões dos professores sobre o exercício da
docência, práticas e concepções de conhecimento:
continuando o percurso de análise
73
5.1
Explicitando e analisando as falas sobre o trabalho coletivo para
a construção do projeto político-pedagógico
80
10
6.
O que aprendemos nessa caminhada: tecendo comentários
finais
87
7. Referências
95
8. Anexos
98
8.1 Entrevista aplicada aos professores do Curso de
Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas
98
8.2
Resultados parcial obtidos da aplicação das entrevistas 99
1. Na minha trajetória encontro a decisão por estudos na
área da educação
Apresento nesse texto algumas lembranças que me motivaram e
sustentaram minha decisão pela profissão docente.
Meu interesse pela área da educação deu-se desde a infância quando
ingressei no Jardim A, do atual Instituto Estadual de Educação João Neves da
Fontoura de Cachoeira do Sul/RS. Durante as aulas observava atentamente as
professoras e a forma como trabalhavam. Ao chegar em casa, tentava imitá-
las, repetindo as aulas na forma da “brincadeira de escolinha”. Brincava desta
forma até completar 10 anos de idade, quando tentava alfabetizar minha irmã
mais nova contando-lhe historinhas e espalhando cartazes com as letras do
alfabeto pelo quarto.
Até o término do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série) mantinha vivo o
desejo de seguir a carreira docente. Naquela época adorava os trabalhos em
grupos propostos pelas professoras e sempre era a escolhida para ir “falar lá
na frente”. Nas rodas de amigos, colegas e na própria família, sempre que
tocávamos no assunto sobre qual profissão seguir, continuava reafirmando a
vontade de “ser professora”.
Na última série do Ensino Fundamental fazia parte do grupo que
“liderava” a turma e tudo questionava. Lembro-me de uma situação decorrente
desses tempos de questionamentos em que tivemos sete professores de
Língua Portuguesa diferentes, em apenas um ano letivo. Só nos adaptamos
com uma professora que iniciou seu trabalho no final do ano, mas, para nossa
12
satisfação ela prosseguiu com a turma no ano seguinte. No entanto, em função
dos horários, tiveram que tirar essa professora de nossa turma.
Sentindo-me lesada, fui, com mais cinco colegas, argumentar junto à
direção da escola pela permanência da professora. Infelizmente, não
consideraram nossas reclamações e outra professora assumiu a disciplina de
Língua Portuguesa e começou seu trabalho em meados de junho.
Quando a nova professora assumiu a turma, não perguntou quais
conteúdos já tinham sido desenvolvidos. A solução adotada foi repetir todo
programa anual, para que não deixássemos de estudar qualquer assunto.
Percebi, imediatamente, o “equívoco” e agilizei para que, em grupo,
tentássemos resolver esse problema com a professora. Mas ela não nos deu
atenção e seguiu aquilo que tinha decidido.
Ao relembrar esses fatos, percebo que sempre me mantinha atenta nas
aulas e observadora das práticas dos professores. Refletia sobre a forma como
eles ensinavam e percebia que aqueles professores que mais prendiam a
atenção da turma e, conseqüentemente, obtinham sucesso em suas
estratégias de ensino, eram aqueles que possibilitavam momentos de troca e
participação em aula com os alunos. Essas observações pareciam-me que
confirmavam minha escolha de ser professora.
No entanto, muitas dúvidas surgiram quando precisei escolher o Curso
que iria fazer no ensino médio. Na 8ª série, o grupo de colegas com as quais
mais convivia tinham decidido seguir os estudos optando pelo Curso Normal,
que oferecia a habilitação de trabalhar em creches e nas primeiras séries do
Ensino Fundamental (1ª a 4ª). Mas a escola que eu estudava também oferecia
o Curso de Enfermagem e o ensino médio propedêutico. As discussões sobre
as escolhas que faríamos eram freqüentes entre os colegas. Aguçada pelos
testes vocacionais, ficava confusa sobre qual seria a melhor escolha a tomar.
Nas discussões e nas rodas de amigos, muitos argumentavam que o
Curso Normal não dava subsídios em termos de conteúdos necessários para o
ingresso numa Universidade pública, pois não tinha todas as disciplinas
exigidas nos vestibulares.
13
Foi um momento que eu considero muito importante, pois novamente
reafirmei a decisão pela escolha da carreira e optei por ingressar no Curso
Normal. Não posso negar que o fato desse Curso ser profissionalizante
também pesou em minha decisão, pois representava a oportunidade de fazer
concurso e conseguir trabalhar no magistério. Prestei a prova de seleção e
ingressei no Curso Normal, também ofertado pelo Instituto Estadual de
Educação João Neves da Fontoura, com duração de 3 anos, mais 6 meses de
estágio em sala de aula.
Continuamente observava como eram as práticas nas disciplinas que
preparavam os professores e aquelas que tratavam de cultura geral. Via, por
exemplo, que algumas disciplinas direcionavam para o saber-fazer tecnicista,
ensinando como elaborar um plano de aula adequado, como comportar-se na
frente dos alunos, como dividir o quadro-negro e apagá-lo. Outros assuntos
também eram tratados de forma técnica, como se fosse a única forma possível
de aprender a “dar” aulas. Muitas vezes, ensinavam detalhes do tipo: a letra
usada nos cartazes tinha que ser bonita; a matriz onde iríamos escrever a lista
de exercícios para os alunos não poderia estar “borrada”, dentre outros que
eram considerados importantes para a formação do professor para as séries
iniciais.
Nos momentos em que refletia sobre o que estava aprendendo para ser
professora, deparava-me com algumas questões, como por exemplo: mas, o
quê vou ensinar para os alunos? Essa pergunta decorria do fato de perceber
que durante o Curso não estava desenvolvendo habilidades que deveria ter
depois de formada.
Por outro lado, tínhamos disciplinas que se limitavam a abordar técnicas
para desenvolver com os alunos. Enfatizavam aquelas que envolviam
joguinhos e ábaco para explicar matemática, bingo das palavras, para estimular
o aprendizado da língua portuguesa, álbuns de exercícios que poderiam servir
para qualquer disciplina e álbuns de textos para datas comemorativas, dentre
outros.
As leituras de textos que permitiam debates em torno da educação eram
relegadas a segundo plano, fazendo-nos ler, por exemplo, histórias de animais
14
de Rubem Alves. Destas leituras não se sucediam atividades de reflexão que
corroborassem para a prática.
No Curso Normal, era comum pedir para os alunos substituírem
professores que, por alguma razão, não pudessem comparecer às aulas nas
suas escolas. Nesse momento percebíamos nossa fragilidade em relação aos
conteúdos e a forma como trabalhá-los. Sentíamos que faltava algo no ensino
que estávamos recebendo.
Como não conseguia identificar, ou talvez não compreendesse o que
faltava no Curso que nos ajudasse na preparação para sermos professoras,
dedicava-me a aprender cada vez mais as atividades técnicas, pois acreditava
que elas poderiam ser alternativas para aprender a dar aulas.
Terminado o Curso Normal, resolvi prestar vestibular na Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA). Para minha surpresa, não sabia que curso
gostaria de fazer. Ao escrever essas lembranças, percebo atualmente com
mais clareza, que minha dúvida era fruto dos problemas enfrentados durante o
Normal.
As lacunas deixadas na formação de professora de séries iniciais aliadas
ao desprestígio dos professores no mercado de trabalho, eram razões que
pesavam para a definição do curso superior que deveria fazer. Refleti muito
para decidir se deveria tentar cursar Serviço Social ou Pedagogia. Como ainda
mantinha o desejo de ser professora, reafirmei minha posição optando por
Pedagogia. Apesar de poder cursar a habilitação Séries Iniciais, oferecida aos
sábados, na modalidade do Programa Brasil, identifiquei-me com Supervisão
Escolar no regular, pois tinha para mim que esta habilitação me proporcionaria
algo a mais em minha formação.
Iniciei o Curso de Pedagogia em 2001, concomitante ao trabalho de
estágio do Curso Normal. Apesar de ter tirado nota máxima no estágio, estava
decidida que não me sentia a vontade para trabalhar com as séries iniciais do
Ensino Fundamental. Portanto, tinha certeza de ter feito a escolha certa ao
optar pela Supervisão Escolar.
O Curso de Pedagogia despertou meu interesse por leituras, discussões
e reflexões em torno de assuntos que envolviam a educação. Das experiências
15
acadêmicas vivenciadas ao longo do curso, aquela que julgo mais importante
foi a aproximação com a pesquisa. Na época em que ingressei no Curso havia
um intenso movimento na direção de estimular os professores para
desenvolverem atividades de pesquisa com os alunos. Por conta dessa
existência de investimentos para a investigação científica, desenvolvi alguns
trabalhos no decorrer do curso.
No primeiro semestre, pesquisei sobre Alunos Portadores de Altas
Habilidades em escolas convencionais, trabalho apresentado na Mostra de
Iniciação Científica da UNISINOS, em junho de 2001. Nele, procurei analisar
como a escola formal lidava como alunos portadores de altas habilidades,
como ela trabalhava com essas habilidades e como inseria os alunos no meio
escolar tradicional.
No segundo semestre de 2002, desenvolvi a pesquisa A inclusão dos
alunos autistas, na qual procurei entender como se dava a adaptação desses
alunos na escola regular, observando se os professores estavam capacitados
para realizar trabalho nessa direção. Analisei o contexto escolar em geral, para
identificar o êxito do trabalho do professor.
Sempre tive como disciplinas e leituras favoritas aquelas que se
relacionavam diretamente com os temas do trabalho do supervisor. O papel de
gestor que propõe alternativas, que fomenta discussões e reflexões entre os
docentes muito me fascinava. Tinha vontade de vislumbrar este trabalho na
prática, de ouvir experiências de trabalhos bem sucedidos com os professores.
Mas foi justamente nessa perspectiva que o curso apresentava algumas falhas.
Da metade para o final do Curso, as atividades começaram a ficar muito
teóricas. Como a teoria estava distanciada da prática, criou-se uma situação de
inconsistência nas discussões necessárias para preparar-nos para o desafio da
profissão. Observava que muitos professores não avançavam na discussão, e
repetiam clichês, frases de efeitos, sem contextualizar com a vivência
cotidiana.
O conhecimento adquirido na e pela prática do supervisor ficou como
lacuna em nossa formação. Porém, este momento não foi vivenciado
exclusivamente pela Universidade que freqüentei. Em todo país a situação era
a mesma. Aconteciam debates no Ministério da Educação sobre o papel e
16
função do Pedagogo, em especial do Supervisor nas escolas. As próprias
professoras do curso questionavam a denominação “supervisor”.
Argumentavam que havia corrente teórica que associava esta nomenclatura,
instituída na época da ditadura, ao trabalho nas fábricas, o sujeito que cobrava
e fiscalizava os “operários”. No caso da escola, os operários eram os
professores.
Outras discussões que surgiam durante as aulas diziam respeito à forma
de desenvolver a supervisão escolar. Nesse caso, eram apresentadas duas
vertentes: um supervisor burocrático que se preocuparia com a apresentação
dos cadernos de freqüência, que preencheria relatórios; ou um supervisor no
sentido de direcionar suas ações para auxiliar no trabalho docente.
Apesar das situações que relatei, reconheço que o curso possibilitou-me
muitas leituras, oportunizou-me ingressar em atividades de pesquisa e
produção textual.
Ao escrever estas lembranças, tenho a sensação de ter vivido um
momento de ambigüidade na minha formação. Estava fascinada por uma
profissão que parecia extinguir-se,
1
ou pelo menos mudando radicalmente de
concepção. Mesmo assim, refletia sobre a escola, o trabalho dos professores
durante as pesquisas e via muitas possibilidades de atuação do supervisor e
muitas fragilidades no desenvolvimento da prática docente nas escolas,
principalmente no que se referiam às leituras sobre educação.
Atualmente, analiso que um dos aspectos do desprestígio do profissional
que atua na supervisão das escolas é decorrente da visão que predominava
naquela época, quando o supervisor tinha a função de fiscalizar os professores,
cuidando para que eles cumprissem o programa das disciplinas.
Uma experiência significativa na minha formação foi o estágio na área.
Decidi realizá-lo numa escola particular onde lecionava informática. As
professoras orientadoras da Prática de Supervisão não aconselhavam que o
estágio fosse realizado em escolas particulares porque o espaço para o
1
Houve algumas mudanças nas Diretrizes dos Cursos de Pedagogia, durante o período em
que ainda estava cursando. Uma delas foi a extinção da habilitação de supervisão escolar,
ficando apenas a habilitação de séries iniciais.
17
desenvolvimento do trabalho poderia ser limitado. Mesmo assim, optei por
fazê-lo na mesma escola, o que me facilitaria muito, pois ali trabalhava por 30h.
A supervisora titular da escola tinha 30 anos de experiência e me
acolheu para o trabalho. Pude ajudá-la no Projeto Interdisciplinar que
desenvolvia, na época, com os professores. Por outro lado, ela fazia questão
que a auxiliasse nas questões burocráticas, como análise de currículo de
alunos que vinham de outras escolas ou desejavam ir para outros lugares,
preencher relatórios internos, etc. Dizia ela: “isto também é papel do supervisor
e tu tens que saber”.
Como as professoras da faculdade já haviam me alertado, o estágio
acabou sendo um pouco prejudicado pelo fato de estar numa escola particular,
pois não podia organizar reuniões e nem propor atividades com os professores,
como faziam as colegas que optaram por escolas públicas.
O entendimento da direção era que a escola não podia abrir espaços
nas reuniões para experiências propostas por estagiários. Mesmo assim, esse
período foi muito interessante e possibilitou-me analisar e questionar várias
coisas, como o projeto político-pedagógico, comum a todas as escolas da rede,
não importando em que cidade se localizasse. Com o quadro de conteúdos era
a mesma coisa. Na época, desenvolvi uma pesquisa analisando estes
documentos, inclusive o quadro de conteúdos que colocavam disciplinas
similares lado a lado, de maneira justaposta como se, assim, pudessem auxiliar
em atividades interdisciplinares.
Outra experiência marcante foi o Estágio da Docência. De certa forma,
revivi os tempos em que tinha estudado no Curso Normal e tentei fazer um
trabalho diferente, com questões que senti falta durante o curso. Foi nessa
oportunidade que optei por utilizar o portfólio como método de ensino,
aprendizado e avaliação. O trabalho não foi totalmente bem sucedido. As
alunas não gostavam de reescrever os trabalhos, pediam provas objetivas,
marcar respostas certas e completar frases, enfim, o caminho mais “fácil”.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, realizei uma pesquisa que
apresentei na Mostra de Iniciação Científica da UFRGS, em outubro de 2005,
intitulada A utilização do portfólio visando à melhoria do processo de avaliação
18
no Curso Normal de uma escola da rede estadual de Cachoeira do Sul/RS.
Meu objetivo foi analisar como ocorria o processo de ensino e aprendizagem
através do uso do portfólio; verificar como esse instrumento interferia na
desenvoltura oral e escrita dos alunos. Além disso, pretendi observar a
possibilidade dos alunos perceberem seu crescimento intelectual, motivando-os
para novas aprendizagens. A pesquisa foi realizada através da metodologia de
análise dos documentos (32 portfólios) e de observação dos alunos (20 horas
em sala de aula). Constatei que muitos alunos demonstravam dificuldades na
interpretação de textos e de questões. Além disso, apresentavam problemas
para realizar a expressão escrita solicitada nos trabalhos, principalmente,
quando tinham de escrever conclusões e opiniões decorrentes das leituras.
No final do curso, meu interesse continuava voltado para o
desenvolvimento de trabalhos científicos e para a pesquisa, o que foi
determinante para pensar em realizar um Curso de Mestrado em Educação.
A escolha do Curso de Mestrado em Educação e a intenção de pesquisa
a ser realizada estavam alicerçadas sobre fatos ocorridos entre os professores
da Universidade onde eu estudava. Questões que envolviam a docência
universitária começaram a atrair a minha atenção.
Lembro, por exemplo, de alguns destes fatos que eu tomava
conhecimento. Um deles foi quando os professores da Universidade discutiam
o índice de reprovação dos alunos no Exame da Ordem dos Advogados
Brasileiros (OAB). Lá pelas tantas, certo professor, que também era Promotor
Público, afirmou categoricamente: “Precisamos reprovar mais os alunos que
apresentam dificuldades, que não tem condições de prestas a prova”. Fiquei
surpresa ao saber que o professor não havia mencionado nada a respeito da
forma como eram desenvolvidas as práticas docentes, nem refletiu sobre a
possibilidade de direcioná-las para que os alunos melhorassem sua
aprendizagem.
Em outra reunião pedagógica, discutia-se sobre a utilização da pesquisa
como método de ensino. Explicavam para os docentes que práticas dessa
natureza já vinham sendo desenvolvidas em cursos como Pedagogia e Serviço
Social. Durante as explicações, um professor do Curso de Odontologia disse
que “trabalhar com pesquisa é muito fácil na Pedagogia onde se trabalha com
19
o senso comum, mas na Odontologia não é tão simples assim, eu uso uma
broca, e já sei que ela é a melhor e já mostro aos alunos.”
Mesmo observado a situação de fora, apenas como acadêmica do curso
de Pedagogia, esses fatos aguçaram-me no sentido de melhor compreender as
questões referentes à prática docente na Universidade, pois sabia que muitos
dos profissionais que ali atuavam, apesar de serem considerados docentes de
fato, não tinham formação pedagógica.
Associava as leituras do Curso sobre o papel do supervisor com os fatos
ocorridos na Universidade. Percebia que o supervisor poderia contribuir ou
auxiliar em discussões entre os professores para despertar-lhes a reflexão
sobre as práticas que desenvolviam.
Essas situações, junto com as leituras que fazia, despertaram-me o
interesse para as questões que envolvem a Pedagogia Universitária.
Nessa perspectiva, desenvolvi esta pesquisa para tentar compreender
como docentes do Curso de Enfermagem da UFPel expressam suas
concepções a respeito das práticas pedagógicas e do trabalho coletivo
que estão vivenciando para a construção do projeto político-pedagógico
do curso.
2. Caminhos Investigativos
Neste capítulo, explicito e justifico as decisões de natureza teórico-
metodológicas assumidas no planejamento e no desenvolvimento da
investigação. Apresento, assim, o que me levou a escolher o campo empírico,
os objetivos e o tipo de estudo realizado, descrevendo o espaço e os sujeitos
da pesquisa, os instrumentos e procedimentos da investigação, bem como o
tratamento dos dados.
2.1 A escolha pelo Curso de Enfermagem da UFPel
Minha inserção no projeto de pesquisa Trajetórias e Lugares da
Formação da Docência Universitária: da perspectiva individual ao espaço
institucional
2
desenvolvida em parceria por grupos de pesquisa dos PPGEs em
Educação da UNISINOS e UFPel, ajudou-me a compreender a docência
universitária em suas múltiplas dimensões, bem como motivou-me a questionar
as diferentes alternativas e lugares da formação do docente universitário. Na
investigação mencionada direcionamos os estudos para a formação
pedagógica nos espaços/cursos que qualificam os sujeitos a manter sua
condição de docente, pois se costuma esperar que eles possuam
conhecimento do campo específico de sua área, tendo como pressuposto o
paradigma tradicional de transmissão do conhecimento.
2
A pesquisa citada é coordenada pela Prof.ª Dr.ª Maria Isabel da Cunha, e dela participam um
grupo de professoras pesquisadoras, mestrandos, doutorandos e bolsistas de iniciação
científica.
21
Paralelamente ao mapeamento das alternativas de qualificação dos
docentes universitários e delineamento dos focos de estudo na pesquisa
citada, questões complementares, ou talvez, questões anteriores, surgiam em
meu pensamento a partir das discussões que fazíamos nos seminários do
Curso de Mestrado. Neles estudávamos a formação de professores, as práticas
pedagógicas, os saberes docentes e, também, questões ligadas à estrutura
curricular e aos valores que caracterizam o campo científico das carreiras
universitárias.
Encontrei-me envolvida com diversas provocações sobre a docência
universitária e, cada vez mais, me instigava a possibilidade de relacionar as
questões que emergiam dos trabalhos que desenvolvia para alicerçar sobre
elas meu projeto de pesquisa. Porém, mesmo que tivesse clareza das
questões gerais que estruturariam o projeto de investigação, gostaria de
desenvolver a pesquisa em um curso previamente determinado,
3
embora
conhecesse as restrições colocadas por muitos cursos para pesquisas que
envolvam a sala de aula e a estrutura curricular das carreiras universitárias.
Para minha satisfação, não tardou em aparecer a possibilidade que
almejava, quando soube que um grupo de professoras do Curso de
Enfermagem da UFPel buscava, junto aos docentes da Faculdade de
Educação,
4
a possibilidade de constituir um grupo de estudos para discutir e
melhor compreender suas práticas, bem como buscar subsídios teóricos para
alicerçar alterações na estrutura curricular do Curso de forma a atender as
novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Enfermagem e
Obstetrícia.
Comecei a assistir as reuniões do grupo de professoras para tentar
perceber se suas preocupações iam ao encontro das questões que
estruturavam o projeto de pesquisa que estava elaborando.
5
3
Estou me referindo ao desenvolvimento da investigação em algum curso ligado às carreiras
ditas mais autônomas, que estivesse disponível e que assumisse compromisso com as
questões da pesquisa para que pudesse analisar com profundidade as questões
relacionadas à docência universitária.
4
As professoras do Curso de Enfermagem procuraram os professores Álvaro Hypólito e Maria
Cecília Leite por saberem que suas pesquisas eram direcionadas ao estudo do currículo e ao
ensino universitário, respectivamente.
5
O convite me foi feito pela professora Maria Cecília, pois naquele momento eu participava da
Leitura Dirigida que ela havia ofertado no Curso de Mestrado.
22
Observei, então, que as preocupações e as expectativas explicitadas
pelas professoras se constituiriam em um terreno fértil para discutir as
questões que me impulsionavam a desenvolver uma pesquisa nessa direção.
2.2 Questão de pesquisa: definindo objetivos
A pesquisa teve por objetivo revelar como um grupo de professores do
Curso de Enfermagem assume sua condição de docente universitário e
expressa concepções sobre o conhecimento, sobre as práticas pedagógicas e
sobre as mudanças provocadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais no
projeto político pedagógico do Curso.
Com vistas a atingir tal objetivo, propuseram-se especificamente a:
1. perceber o sentimento compartilhado pelas professoras
quando refletem sobre suas práticas a partir da formação
acadêmica profissional que tiveram;
2. problematizar suas expressões quando falam sobre os
desafios que vivem na docência;
3. conhecer como os aspectos trazidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Enfermagem
repercutem em suas práticas e como estão enfrentando as
mudanças propostas;
4. explicitar em que medida os docentes estão engajados no
trabalho coletivo para a construção do Projeto Político
Pedagógico (PPP);
5. observar como a sua formação e experiência profissional
influenciam na concepção de uma nova organização dos
conteúdos.
A pesquisa desenvolvida é de natureza qualitativa, assumindo a ótica de
que a pesquisa não é uma realidade definitiva, nem dogmática, embora não
prescinda do rigor para um trabalho percuciente. Vale lembrar o que diz
Oliveira (1998, p. 17), quando estuda a importância do método na construção
da pesquisa em ciências humanas:
23
O método não representa tão-somente um caminho qualquer entre outros,
mas um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a
maior coerência e correção possível as questões sociais propostas num
dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador.
Nesta pesquisa buscou-se por informações factuais nos documentos a
partir de questões ou hipóteses de interesse. Partindo desta perspectiva, os
documentos pesquisados constituíram-se numa fonte estável e rica, aos quais
recorremos várias vezes, dando mais estabilidade aos resultados.
2.3 O espaço da pesquisa, sujeitos e procedimentos
Minha inserção no campo empírico começou quando ainda elaborava
meu projeto de pesquisa e fui convidada pela Profª. Drª. Maria Cecília a assistir
um dos encontros de um grupo de professores da Enfermagem na Faculdade
de Educação (FaE) com o propósito de discutir o currículo do Curso. Durante a
discussão, expliquei minha proposta de pesquisa e solicitei permissão para
gravar, colocando-me como observadora para identificar professores que
fariam referências as suas práticas pedagógicas e se manifestariam sobre a
relação ser professor e ser enfermeiro, pois esses eram meus focos principais
de estudo.
Seus posicionamentos deram-me pistas para mapear aquelas
6
que
poderiam fazer parte da amostra da pesquisa.
Soube, naquele encontro, que nem todos os professores estavam
participando do grupo. Ao final, perguntei às selecionadas durante a
observação, quais delas teriam disponibilidade e gostariam de fazer parte do
estudo que iria desenvolver. De imediato também indaguei quais os
professores que não faziam parte do grupo de estudo e que elas indicariam
para eu contatar.
Infelizmente, não houve mais oportunidade para eu participar dos
encontros, pois como o Curso de Enfermagem estava mudando de prédio,
precisaram interromper as reuniões por um período de tempo. Durante esse
6
Embora o Curso tenha professores homens, esse grupo era composto só por mulheres.
24
tempo fiz as entrevistas e optei por um trabalho de análise apenas das
entrevistas já que o tempo não me possibilitou “esperas”.
7
Assim, a pesquisa contou com uma amostra de cinco docentes do Curso
de Enfermagem da UFPel, que se disponibilizaram em realizar a entrevista.
Dos cinco (5) docentes, quatro (4) eram mulheres e faziam parte do grupo de
discussão/estudos na Faculdade de Educação e um (1) docente, homem, que
não participava do grupo. A faixa etária foi de 40 a 60 anos e no tempo de
magistério superior encontramos oscilação entre 14 e 30 anos. Os
entrevistados fazem parte do corpo docente do curso há mais de 10 anos,
alguns deles tendo iniciado sua carreira logo após a criação do Curso. Os
professores tinham exercido a profissão de enfermeiro (a) antes, ou
paralelamente ao seu ingresso na carreira docente. Uma das professoras atuou
11 anos como enfermeira; 2 professores atuaram durante 6 meses e 2
trabalharam como enfermeiros por 6 anos. Três docentes têm mestrado em
enfermagem, sendo que uma dessas tem especialização em Metodologia do
Ensino Superior; uma professora tem mestrado em educação e doutorado em
enfermagem; outra tem mestrado e doutorado em enfermagem.
Para a realização da investigação utilizei como instrumento para a coleta
de dados a entrevista semi-estruturada, as quais, de acordo com Minayo (2007,
p.64), possibilitam que o entrevistado tenha a oportunidade de discorrer sobre
o tema em questão sem se prender à indagação formulada. Nesse sentido, as
expressões dos docentes sobre sua experiência constituíram-se em importante
material de análise. A intenção foi encaminhar questões na entrevista que
ajudassem a desvendar alguns aspectos importantes para a pesquisa.
Organizei as perguntas em torno dos itens: Formação acadêmica como
sustentação para a prática; Ações pedagógicas pautadas pela identidade
profissional; ser professor; concepção de conhecimento.
8
Na perspectiva de buscar informações necessárias para dar suporte
teórico às interlocuções desenvolvidas durante a tessitura do texto, utilizei a
análise de alguns documentos, tais como as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos da Saúde e o projeto político-pedagógico do Curso de
7
Por motivos pessoais mudei para o município de Chapadinha-MA.
8
Explicitado na tabela a seguir.
25
Enfermagem e Obstetrícia da UFPel. Não houve preocupação em proceder-se
a análise documental, como “uma operação ou um conjunto de operações
visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da
original, a fim de facilitar num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”
(BARDIN, 1979, p. 45), mas uma consulta a esses documentos para melhor
entender as mudanças por eles anunciadas.
DIMENSÕES
DE ANÁLISE
FOCOS
QUESTÕES
Prática docente
Saberes/conhecimentos que os
professores- enfermeiros julgam
importantes para estruturar suas ações
como docentes.
Como percebes a
contribuição da tua
formação acadêmica e
da tua experiência
profissional para o
desenvolvimento da tua
prática pedagógica?
Identidade
profissional:
professor e
enfermeiro –
enfermeiro e
professor
O profissional que é formado para atuar
em outros áreas do mercado que não a
carreira docente, “carrega” características
específicas quando passa a atuar na
docência – em que medida elas tornam-se
um diferencial - concepção de
conhecimento que impera quando
assumem-se professores.
Fale sobre os desafios
na tua profissão com
relação ao processo de
ensino e de
aprendizagem e as
contribuições que a
formação como
enfermeiro trouxe para a
docência?
A partir das tuas
experiências na docência
quais as características
que consideras mais
primordiais para ser
professor?
Trabalho
coletivo na
construção do
projeto político-
pedagógico
Comprometimento/inserção no grupo de
estudos e nas discussões que envolvem a
construção do PPP.
Como é realizada essa
discussão e como
percebes a tua
participação e o teu
compromisso com o
projeto pedagógico no
desenvolvimento do teu
trabalho.
Repercussão
das DCN na
sala de aula e
no currículo
Os professores percebem as mudanças
trazidas na DCN interferindo em suas
práticas e/ou no currículo do curso.
As alterações das DCNs
trazem repercussões
para a tua prática
docente?
3. A Docência Universitária: tecendo algumas
considerações
Diante da era da informação, da automação do trabalho, e da presença
de outras transformações pelas quais passou a sociedade nos últimos anos,
observamos que a Universidade vem enfrentando vários desafios. Dentre eles,
poderíamos citar alguns, como a falta de recursos para o ensino superior, a (in)
definição de sua identidade como produtora efetiva do conhecimento e o
crescimento da demanda social que trazem consigo a necessidade de repensar
as práticas pedagógicas que acontecem nas salas de aula universitárias.
Da Universidade, espera-se desde a formação de qualidade até a
resolução de problemas sociais através da pesquisa e da extensão. No
entanto, mesmo que existam muitas expectativas, ela tem sido atingida por
escassez de recursos para sua manutenção e por um agressivo “boicote” em
seu funcionamento. Como explica Santos (1999, p.187), “um pouco por todo o
lado a Universidade confronta-se com uma situação complexa: são-lhe feitas
exigências cada vez maiores por parte da sociedade ao mesmo tempo em que
se tornam cada vez mais restritivas as políticas de financiamento das suas
atividades por parte do Estado”.
Frente a esse contexto, entendemos que é necessário preservar a
Universidade como uma instituição que, historicamente, tem se preocupado em
manter um ensino superior de boa qualidade (RIOS, 2000), e que tem, de
acordo com Santos (1999, p.188), três fins principais: a investigação, o ensino
e a prestação de serviços. Alerta o autor que no cumprimento dessas
finalidades a função da investigação colide freqüentemente com a função do
27
ensino, uma vez que a criação do conhecimento implica em mobilização de
recursos financeiros, humanos e institucionais dificilmente transferíveis para as
tarefas de transmissão e utilização do conhecimento. Para ele, no domínio da
investigação, os interesses científicos dos investigadores podem ser
insensíveis ao interesse em fortalecer a competitividade da economia e, no
domínio do ensino, os objetivos da educação geral e da preparação cultural
colidem, no interior da Universidade, com os da formação profissional dos
alunos ou da educação especializada. Essa última é uma contradição
detectável na formulação dos planos de estudos da graduação e na tensão
entre esse nível e a pós-graduação. Nessa perspectiva, as tensões, de forma
geral, estão presentes no cotidiano do ensino superior e são elas que tornam
vivos e sempre atuais os debates sobre a Universidade e seu papel social,
conforme a análise de Cunha (2001, p.42).
As transformações do trabalho interno na Universidade, a premência de
soluções alternativas para o ensino superior e o mercado têm se constituído
em alguns condicionantes para que alguns docentes elaborem propostas para
seu trabalho em sala de aula que caminhem ao encontro de novas
perspectivas para o ensino.
Geralmente, os professores ingressam em departamentos, recebem as
ementas das disciplinas que ministrarão e planejam individualmente a docência
que vão exercer. É possível perceber que, nesse processo, inexiste a
preocupação em oferecer discussões de cunho pedagógico que os auxilie a
pensar sobre o ensino que irão desenvolver e suas finalidades no contexto do
curso de graduação onde irão atuar.
9
Com o passar do tempo, é possível que o
professor limite-se, cada vez mais, ao mundo das técnicas do trabalho, ao
saber-fazer e não se dedique a entender as questões de sala de aula de forma
complexa e em sua amplitude. Como conseqüência, acaba fragmentando, cada
vez mais, os conteúdos em áreas e subáreas.
Pimenta (2002, p.37), explica que o que impera entre estes docentes é o
“desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de
aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em
9
Cabe salientar que estamos direcionando essa situação para cursos de graduação que
formam profissionais das chamadas ciências “duras”, não as licenciaturas.
28
que ingressam na sala de aula”. Assim, o despreparo para o exercício da
profissão se agrava no trabalho solitário de planejamento de aulas, escolha de
metodologias de ensino e de avaliação a partir das ementas prontas que
recebem.
Olhar para a docência universitária apenas no espaço da sala de aula é
algo limitado porque “a questão da docência universitária ultrapassa os
processos de sala de aula, pondo em discussão as finalidades do ensino da
graduação”, como afirma Pimenta (2002, p.37).
Nesse contexto, com a intenção de ampliar a discussão sobre a
docência universitária, consideramos importante abordar algumas questões
acerca do papel do professor universitário, de sua identidade docente e de sua
prática em salas de aula universitárias, pois são nelas que se concretizam as
tensões mencionadas, ao mesmo tempo em que nelas existe o clima favorável
para a construção do conhecimento.
3.1 A identidade do professor universitário
Ainda que nos deparemos, freqüentemente, com visões distintas sobre o
papel do docente universitário, há razoável consenso em torno da idéia de que
é do professor a responsabilidade pela formação do aluno para o exercício de
uma profissão. Igualmente é consenso que a identidade do professor
universitário irá ser dada pelo conhecimento específico, isto é, aquele que é
típico de sua especialidade. Pode-se afirmar que muitos docentes universitários
são identificados mais no âmbito científico com o qual trabalham – biólogos,
matemáticos, engenheiros, advogados, etc. – do que como docentes
universitários – como professor de biologia, professor de física, etc. Nessa
lógica, sua identidade costuma estar centrada em suas especialidades
científicas e não em suas atividades docentes. Para o professor universitário
que atua em áreas especificas e tem sua carreira profissional definida, parece
ser de difícil compreensão a idéia de que a profissão docente passa a ser
também sua carreira, embora, em alguns casos, as instituições de ensino
superior e o próprio profissional professor não atentem para isso.
Em geral, dos docentes universitários costuma-se esperar certo
conhecimento do campo científico de sua área, alicerçado nos rigores da
29
ciência e em um exercício profissional que legitime esse saber no espaço da
prática. Como explica Cunha (2006, p.20)
Diferentemente dos outros graus de ensino, esse professor se constituiu,
historicamente, tendo como base a profissão paralela que exerce ou exercia
no mundo do trabalho. A idéia de que quem sabe fazer sabe ensinar deu
sustentação à lógica do recrutamento dos docentes. Além disso, a
Universidade, pela sua condição de legitimadora do conhecimento
profissional, tornou-se tributária de um poder que tinha raízes nas macro-
estruturas sociais do campo do trabalho, dominadas, fundamentalmente,
pelas corporações. A ordem “natural” das coisas encaminhou para a
compreensão de que são os médicos que podem definir currículos de
medicina, assim como os economistas o farão para os cursos de economia,
os arquitetos para a arquitetura e etc.
Ao referir-se sobre a origem acadêmica dos professores universitários,
Pimenta (2002) aponta para direção análoga.
10
Segundo ela, “para os
profissionais oriundos das demais áreas, a construção identitária se dá ao
longo da trajetória, iniciada nos estudos formais da graduação e sistematizados
nos momentos subseqüentes de aprofundamento”. Na graduação serão
definidos os objetivos, o conceito de profissional e profissão, os conteúdos
específicos, o ideal a ser construído, os objetivos sociais, a regulamentação
profissional, o código de ética, o reconhecimento social e a participação em
entidades de classe. Evidentemente que esses componentes são direcionados
para profissões que não a docência.
Observa-se, nesse sentido, que no ensino superior a titulação acabava
guarnecida por uma áurea que legitimava tanto sua atuação no mercado de
trabalho, como também a de professor universitário.
Pimenta (2002, p.79) explica que os professores, quando chegam à
docência universitária, trazem consigo inúmeras experiências do que é ser
professor. Experiências que adquiriram ao longo de sua vida escolar e que lhes
possibilita dizer quais eram os bons professores em relação ao domínio dos
conteúdos específicos, e quais eram os que “não sabiam ensinar”. Muitas
vezes, prevalece a visão que bom professor é aquele que explica o conteúdo
na ordem pré-definida, sem dar espaço, durante as aulas, para que os alunos
10
A autora explica que, se os professores universitários são oriundos da área da educação ou
licenciatura, tiveram a oportunidade de discutir elementos teóricos e práticos relativos à
questão do ensino e da aprendizagem, ainda que direcionados a outra faixa etária de alunos,
com objetivos de formação diferenciados da formação profissional universitária (PIMENTA,
2002, p. 105).
30
exponham e discutam suas idéias. Outras situações, como as de avaliação,
também oportunizam caracterizar o bom professor como aquele que reprova
um determinado percentual de alunos na sua disciplina aplicando provas
difíceis, sob alegação de que os alunos precisam “saber bem” o conteúdo
explicado. Nessa direção, entendemos que alguns professores seguem
reproduzindo crenças e valores, erros e acertos que vivenciaram enquanto
alunos, ancorando seu trabalho nos exemplos de seus ex-professores.
Percebemos que poucas vezes são caracterizados como bons professores
aqueles que discutem suas práticas na direção de entendê-las como práticas
comprometidas com a formação humana.
Zabalza (2004, p.107) ressalta que os docentes universitários
freqüentam congressos, lêem livros técnicos e conversam com colegas,
enfatizando aspectos profissionais relativos à área do seu conhecimento
específico. São raras as vezes que discutem sobre a “didática da sua
especialidade” ou sobre como ensinar o conteúdo que está no programa de
ensino.
Analisando alguns dos motivos pelos quais os docentes universitários
pouco discutem suas práticas é possível depreender, a partir dos estudos de
Cunha (2006),
11
que a pedagogia universitária é um campo epistemológico
inicial, portanto, estabelece certo vazio que favorece o impacto que as políticas
públicas têm na definição dos conhecimentos legitimados que o professor
universitário deve alcançar para ser reconhecido profissionalmente. A
pedagogia universitária ainda está galgando o seu espaço na Universidade
como uma ciência que fornece meios para que os professores estudem e
repensem a sua prática docente. A autora explica essa problemática mostrando
que a despreocupação com saberes próprios para o exercício da docência se
constituiu historicamente pela valorização do saber-fazer, incluindo o
desprestígio do estudo da ciência pedagógica. Realça inclusive, que “o foco
principal da pedagogia foi a criança, honrando a origem da palavra grega que a
constituiu e construindo uma imagem social muitas vezes distorcida da sua
11
Projeto de pesquisa intitulado: Trajetórias e lugares da formação do docente universitário: da
perspectiva individual ao espaço institucional.
31
amplitude e complexidade”. Assim, a legitimação científica dos conhecimentos
pedagógicos foi alcançada tardiamente na Universidade.
Essa situação aparece mais notadamente entre os professores do
ensino superior, que tiveram durante a graduação uma formação voltada para
desenvolver outros papéis no mercado como jornalistas, advogados,
administradores, economistas, entre outros. Os docentes destas áreas
parecem pouco preocupados com a formação pedagógica e desenvolvem a
docência como atividade paralela à sua atuação profissional, assumindo-a
como atividade periférica, que não exige dedicação e preparo para seu
exercício.
Entendemos que ser professor universitário supõe o domínio de seu
campo específico de conhecimento, mas também acreditamos na necessidade
de apropriar-se de conhecimentos que os ajudem a ensiná-los. O profissional
que atua na Universidade parece preocupar-se apenas com as questões
específicas referentes à sua área do conhecimento, gerando um perfil
“acadêmico” de professor universitário baseado na especificidade do
conhecimento que alicerça sua profissão.
Nesse cenário, a idéia que transparece é que quanto mais
conhecimentos específicos o professor acumular, melhor será seu
desempenho profissional como docente universitário. Se os docentes trazem
consigo uma grande bagagem de conhecimentos nas suas respectivas áreas
de atuação profissional, não será inquirido, na maior parte do tempo, sobre o
que é necessário saber para ensiná-los.
Nesse sentido, compartilhamos da idéia de reforçar a importância dos
especialistas se perguntarem sobre o real significado que os conhecimentos
que ensinam têm para si mesmos, o significado desses conhecimentos na
sociedade contemporânea, a diferença entre conhecimento e informação e qual
o papel do conhecimento que ensinam com o mundo do trabalho.
Entendemos que encarar o exercício da docência como atividade
profissional torna-se importante na medida em que essa lhe concede uma
identidade profissional. Nesse sentido, é importante que o professor perceba
que para definir sua identidade profissional como docente precisará, além de
32
ter o domínio do conhecimento científico específico, considerar a “prática” que
desenvolve na sala de aula como condição que também exige conhecimentos
pedagógicos.
Assumir-se como professor universitário, na perspectiva explicada por
Zabalza (2004), está em “segundo plano” para os ditos profissionais que atuam
como docentes, no momento em que reconhecem os alicerces primordiais da
sua identidade, alicerçados no âmbito do conhecimento científico de sua
especialidade e não sobre os conhecimentos pedagógicos.
É interessante ressaltar que Zabalza (2004, p.117) fala sobre a
interferência de alguns “dilemas da identidade profissional” dos docentes
universitários. Utiliza o termo dilema para referir-se às situações complexas e
dicotômicas que estão presentes no dia-a-dia do docente universitário,
apontando-os como dualidades que coexistem: individualismo/coordenação,
pesquisa/docência, generalista/especialista e ensino/aprendizagem. A
característica desses dilemas, para o autor, é que “nenhuma de suas posições
extremas é convincente”. Os pólos destas questões são posições legítimas,
mas, na medida em que tendem em demasia para um dos pólos, acabam por
negar o outro. Na medida em que um dos pólos é negado tornam-se posições
“insuficientes e inapropriadas”.
Em relação ao individualismo/coordenação podemos observar que os
professores universitários têm tendência a construir sua identidade e a
desenvolver seu trabalho de forma individual e isolada. O professor tem muitas
tarefas individuais e poucas coletivas e muito pouco tempo de convívio com os
colegas em ambientes interativos.
Por outro lado, as Universidades dificilmente se organizam em torno de
um projeto político-pedagógico que seja o articulador das iniciativas grupais.
Essa condição torna difícil ou desnecessária a coordenação. Um efeito
importante da ausência de coordenação pode ser percebido no acúmulo de
repetições que, em geral, são observadas nas diferentes disciplinas de um
curso.
Nessa direção, Zabalza (2004, p.119) chama a atenção para o fato de
que em um ambiente tão individualista como o universitário, “é que qualquer
33
tentativa de priorizar as estruturas organizacionais [...] pode ser lida como uma
agressão ao atual equilíbrio da situação ou aos interesses de indivíduos ou
grupos”.
Em relação à dialética pesquisa/docência, salienta que “é fundamental
que os professores de Universidade pesquisem, mas isso não é funcional para
o projeto de formação, no qual participam como formadores deixando a
docência à margem”. Para ele, “a idéia, não tão correta assim” de que “o
investimento em pesquisa redunda na qualificação da docência é sedutora,
mas não corresponde ao que ocorre habitualmente”. Ocorre que, no decorrer
do trabalho, as exigências da pesquisa se distinguem das exigências para a
sala de aula e os professores acabam vivendo o esforço e a dedicação à
pesquisa como algo distinto e, em alguns casos, opostos às exigências da
docência.
Também é importante lembrar que, como são praticamente inexistentes
as conexões horizontais e a interação entre as distintas áreas disciplinares,
cada professor restringe suas atividades dentro do marco profissional e da
especialização do que lhe é próprio. O dualismo generalista/especialista é, em
parte, conseqüência da progressiva compartimentalização dos conteúdos
disciplinares que acaba gerando variações nos títulos de especialistas sem
coerência e conexão interna entre os títulos obtidos e os projetos de formação
profissional.
Cabe salientar que a docência universitária não está limitada apenas à
atividade docente do professor na sua sala de aula. Pelo contrário,
paralelamente, os professores universitários pesquisam. Através das
investigações que desenvolvem, aprofundam o conhecimento específico da
sua área de estudo. Conseqüentemente, essa condição repercute no fato dos
alunos, como futuros profissionais, se familiarizarem com os problemas e
perspectivas da disciplina e da especificidade apenas do conhecimento em
estudo.
Entretanto, o modelo de formação que vem sendo enfatizado na
docência do ensino superior tem na pesquisa seu alicerce principal. Tanto os
planos de carreira das instituições como os órgãos governamentais centram o
parâmetro de qualidade nos requisitos estabelecidos para a pós-graduação
34
stricto sensu. É sabido que os programas de mestrado e de doutorado estão
organizados a partir da especialização em determinado recorte do
conhecimento e na capacitação para a pesquisa. Como explica Cunha (2000,
p. 45) “há um imaginário nessa perspectiva que concebe a docência como
atividade científica, em que basta o domínio do conhecimento específico e o
instrumental para a produção de novas informações para que se cumpram
seus objetivos”. Nesse sentido, a concepção de que a formação do docente
universitário se estrutura sobre atividades de pesquisa tem feito parte da
perspectiva construtora do perfil existente nas últimas décadas no ensino
universitário. Não que essa perspectiva deva ser negada.
O que nos parece importante pensar nesse panorama é a concepção,
muitas vezes reducionista, da formação de professores como especialistas em
conhecimentos fracionados que dão suporte ao paradigma da ciência moderna.
Essa perspectiva direciona-nos para repensar sobre a ordem dos
conteúdos e a organização do conhecimento que dá sustentação para as
práticas que os docentes desenvolvem na Universidade.
3.2 O conhecimento universitário: a necessidade de um conhecimento
contextual
Acentua-se, atualmente, a perspectiva de que o mundo está cheio de
incertezas, colocando em questão a contribuição da ciência. Os desafios que a
sociedade impõe ao homem já não podem ser respondidos somente tomando
por base os enfoques fragmentados, gerados pela lógica da ciência moderna.
A realidade é complexa e requer pensamento abrangente, que possibilite
construir conhecimento que pondere a amplitude e a complexidade do real. A
abordagem que analisa o mundo em partes independentes precisa ser
repensada, para gerar um novo tipo de pensamento, que compreenda o
universo como um todo e em contínua evolução. Torna-se necessário
estabelecer um diálogo entre homem, natureza, ciência e sociedade, a fim de
se tentar encontrar um equilíbrio que venha a solucionar os problemas
enfrentados pela humanidade.
Este contexto nos faz questionar os conhecimentos que ensinamos e a
lógica de sua organização.
35
O paradigma adotado pela ciência moderna fortaleceu as concepções de
que conhecimento verdadeiro, real, racional e objetivo seria aquele que poderia
ser formulado quantitativamente, tornando-se universal e válido em todos os
tempos. A verdade aceita seria aquela que se legitimaria pelo conhecimento
científico. E este, tanto para seu melhor desenvolvimento como para sua
transmissão, precisaria ser parcelado e ordenado.
Há de se reconhecer, entretanto, que tais proposições permitiram o
desenvolvimento científico-tecnológico presente no mundo atual, bem como
tiveram papel preponderante na construção da ciência moderna. Este
reconhecimento não impede, porém, que se faça a crítica de seus limites e das
circunstâncias de sua produção, especialmente de sua repercussão na lógica
da organização do conhecimento escolar e acadêmico.
O modelo de racionalidade utilizado nas ciências naturais foi estendido
para as ciências sociais, passando, como conseqüência, a serem estudadas
como fenômenos naturais, originando um modelo global de racionalidade
científica. Esse modelo é, para Santos (1998), um modelo totalitário, pois nega
o caráter racional a todas as outras formas de conhecimento que não se
enquadram nas regras ditadas pelos seus princípios.
É interessante perceber que junto com as novas descobertas da física
quântica, estudos como os de Born, Heisemberg e Prigogine, contribuíram para
a possibilidade de se pensar caminhos alternativos para fazer ciência, que não
exclusivamente os da racionalidade instrumental, base da ciência moderna.
À essa nova maneira de pensar o conhecimento, Santos (1998) chama
de paradigma emergente, que tende a ser não-dualista e funda-se na
superação das distinções entre natureza/cultura, vivo/inanimado,
mente/matéria, sujeito/objeto, coletivo/individual, até então consideradas
insubstituíveis no paradigma dominante da racionalidade científica.
A nova forma de pensar o conhecimento e, conseqüentemente, a
ciência, acabou repercutindo na sociedade contemporânea e possibilitou
alternativas de se pensar a educação, por conseguinte, a organização do
conhecimento em conteúdos de ensino.
36
Esse novo posicionamento, geralmente chamado de visão pós-moderna
da ciência, coloca outras alternativas para pensar as práticas que são
desenvolvidas em salas de aula, pois aceita a transgressão metodológica e
permite o entendimento de que a inovação científica consiste em inventar
contextos persuasivos que conduzam a aplicação dos métodos fora de seu
sistema natural. Permite entender, também, o objeto como continuação do
sujeito e compreender que todo conhecimento possibilita autoconhecimento,
tornando-se, assim, conhecimento autobiográfico (Santos, 2000).
As últimas décadas do século passado colocaram desafios à
universidade, que, apesar de continuar a ser a instituição por excelência de
conhecimentos científicos, começou a perder a hegemonia que tinha e foi se
transformando, pouco a pouco, num alvo fácil de crítica social.
Como explica Santos (2004, p. 39), “na última década se começaram a
alterar significativamente as relações entre conhecimento e sociedade e as
alterações prometem ser profundas ao ponto de transformarem as concepções
que temos de conhecimento e de sociedade”. Nessa direção, o autor aponta
que a comercialização do conhecimento científico é o lado mais visível dessas
alterações, embora isso seja apenas a ponta do iceberg, pois as
transformações em curso são de sentido contraditório e as implicações são
múltiplas, inclusive de natureza epistemológica.
O conhecimento cientifico foi, ao longo do século XX,
predominantemente disciplinar o que gerou um processo de produção cientifica
pouco relacionado às premências da sociedade. Nessa lógica, os
pesquisadores, na maioria das vezes, são aqueles que definem quais os
problemas científicos para os quais devem buscar solução, definindo sua
relevância e estabelecendo o método e o ritmo da pesquisa. Para Santos
(2004) esse é um conhecimento homogêneo na medida em que agentes que
participam de sua produção têm em comum os mesmos objetivos de produção
de conhecimento, têm a mesma formação e a mesma cultura científica e
fazem-no segundo hierarquias organizacionais bem definidas. O conhecimento
produzido na lógica desse processo provoca a distinção entre conhecimento
científico e outros conhecimentos, e, consequentemente, faz distinção entre
ciência e sociedade. Salientamos, também, que a Universidade produz
37
conhecimento que a sociedade pode aplicar ou não, e essa opção torna-se
indiferente para quem produz o conhecimento.
Entendemos que a organização universitária e o ethos universitário
foram moldados por este modelo de conhecimento. Entretanto, as alterações
trazidas nas últimas décadas desestabilizaram este modelo e passaram a
apontar para a emergência de um outro modelo. Santos (2004, p. 41) designa
essa transição por passagem do conhecimento universitário para o
conhecimento pluriversitário. Explica o autor que o conhecimento pluriversitário
é um conhecimento contextual na medida em que o princípio organizador da
sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada. Nessa perspectiva, diz que:
Como essa aplicação ocorre extra muros, a iniciativa da formulação dos
problemas que se pretende resolver e a determinação dos critérios da
relevância destes é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e
utilizadores. É um conhecimento transdisciplinar que, pela sua própria
contextualização, obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de
conhecimento, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais
adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de
organização menos rígida e hierárquica (SANTOS, 2004, p. 41).
No entanto, é preciso estar atento, pois o conhecimento
pluriversitário tem tido a sua concretização mais consistente nas parcerias
Universidade - indústria e, portanto, sob a forma de conhecimento mercantil.
Em alguns países pluriétnicos e multinacionais o conhecimento
pluriversitário está emergindo ainda no interior da própria Universidade quando
estudantes de grupos minoritários confrontam-se com a tábua rasa que é feita
das suas culturas e dos conhecimentos próprios das comunidades donde são
originados. Isso obriga o conhecimento científico a confrontar-se com outros
conhecimentos exigindo um nível de responsabilização social mais elevado às
instituições que o produzem e, portanto as Universidades, como nos explica
Santos (2004).
Diante dessas transformações, observamos que a Universidade fica
exposta a exigências contrapostas, mas com o efeito convergente de
desestabilizarem a sua institucionalidade atual. Para Santos (2004) a
instabilidade causada pelo impacto destas pressões contrapostas cria
impasses onde se torna evidente que as exigências de maiores mudanças vão
frequentemente de par com as maiores resistências à mudança.
38
Percebe-se, assim, que a passagem do conhecimento universitário para
o conhecimento pluriversitário é, portanto, um processo muito mais amplo que
a mercantilização da Universidade e do conhecimento por ela produzido.
Nessa perspectiva, o conhecimento não pode ser proposto como algo
acabado, mas como produto determinado e situado dentro de relações sociais
específicas e, ao mesmo tempo, dependente de determinada visão de mundo.
A concepção e a organização dos conteúdos de ensino ainda são
decorrentes da ótica da racionalidade científica, que constituiu a base da
ciência moderna. Os conhecimentos foram organizados em disciplinas de
estudos, e os programas de ensino de cada disciplina delimitaram a área de
seu saber. Como resultado, tem-se, na maioria das vezes, um ensino
fragmentado, que não traduz a realidade interdisciplinar do conhecimento
(ZANCHET, 2000, p.32).
A função do professor, ao desenvolver sua prática na perspectiva de
tomar o conhecimento com o qual trabalha como produto de relações sócio-
históricas e contextualizadas, torna-se mais complexa, pois seu trabalho terá
que levar em conta essas condições e possibilitar ao aluno confrontar com o
quadro científico, teórico e prático atual da área estudada. Além disso, a prática
pedagógica não pode ser previsível e nem quantificada, devendo ser encarada
como processo em constante aprimoramento.
Essa perspectiva nos remete a pensar nos processos de ensinar e de
aprender que estão presentes no cotidiano das salas de aula da Universidade.
3.3 A prática pedagógica do docente universitário: ensinar e aprender
na Universidade
Um dos elementos básicos para discutir as práticas pedagógicas refere-
se à compreensão do que é ensinar, do que é aprender e apreender. É comum
ouvirmos que ensinar é apresentar ou explicar certo conteúdo, expondo seus
os tópicos que fazem parte do assunto em questão. Nessa lógica, toma-se a
simples transmissão da informação como ensino e o professor fica sendo a
fonte da informação, torna-se o portador da verdade sobre a ciência com a qual
trabalha.
39
Acreditamos que para desenvolver uma prática pedagógica que tenha
significado tanto para os alunos como para os professores é necessário
ultrapassar a lógica dessa visão mecanicista do ato de ensinar. Torna-se
importante, também, perceber que a sala de aula é o lugar privilegiado onde
atua o professor. Ela é o lugar para onde afluem as contradições sociais, os
conflitos psicológicos, as questões da ciência e as concepções valorativas
tanto dos professores como dos alunos. Uma visão mais simplista diria que a
função do professor é ensinar e poderia reduzir este ato a uma perspectiva
mecânica e descontextualizada.
Entretanto, o professor não ensina no vazio ou para alunos idealizados.
O ensino é sempre situado, com alunos reais em situações definidas. Nessa
definição, interferem os fatores internos da instituição, assim como as questões
sociais mais amplas que identificam o momento histórico-político. Com isso,
estamos nos referindo ao ensino como um ato socialmente localizado
(ZANCHET, 2006, p.23).
Zabalza (2004, p.110) chama a atenção para a complexidade existente
na direção de um ensino efetivo, já que ensinar é um grande desafio social,
“com altas exigências intelectuais; ensinar efetivamente consiste em uma série
de habilidades básicas que podem ser adquiridas, melhoradas e ampliadas por
meio de um processo consistente de formação”. Desta forma, a prática não
bastaria por si só, seria incapaz de fornecer todos os elementos necessários
para a formação do professor, o que “não significa dizer que a prática não seja
necessária ou que não aprendamos com ela”. Para o autor, em qualquer
profissão “a prática constitui uma fonte de conhecimento; porém, é
insuficiente”.
Acreditamos que no espaço da sala de aula, o professor reflete sobre o
que sabe, expressa o que sente e se posiciona quanto à sua concepção de
sociedade, de homem, de educação, de Universidade, de aluno e de docência.
Enfim, produz saberes acerca de seus processos de ensinar e das condições
sociais concretas que condicionam suas próprias experiências.
Trazer a experiência cotidiana dos professores como sendo carregada
de sentidos e não sendo menos importante do que os saberes tradicionalmente
40
considerados como formadores do professor, traduz-se em significativa ruptura
com o paradigma da racionalidade técnica (CUNHA et al, 2002, p.239).
12
Cunha (2001, p. 43) explica que “entender a sala de aula como espaço
de reprodução e também de inovação pode contribuir para a construção de
teorias pedagógicas alternativas, através das quais as práticas vivenciadas
tornam-se a inspiração para a construção de novos conhecimentos”, o que
estaria encaminhando para uma resignificação com perspectiva emancipatória
para as práticas pedagógicas desenvolvidas em salas de aula universitárias.
Em geral, o que se observa nas salas de aula universitárias é a
prevalência da prática docente estruturada sob a lógica de o professor “ensina”
aos alunos que “não sabem”. Nessa perspectiva, a docência na Universidade
continua colocando a ênfase no processo de ensino. Também é possível
observar que a metodologia adotada pelos professores, na maioria das vezes,
está centrada na transmissão do conteúdo acabado, predominando a imagem
da obrigatoriedade do cumprimento de programa preestabelecido.
Nessa lógica, prevalece a idéia que cabe ao professor transmitir o corpo
de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e pela cultura,
como se nada de “novo” pudesse ser acrescentado a este programa. O
elemento fundamental do ensino, nessa perspectiva, é a lógica organizacional
do conteúdo a ser ensinado, suas partes e pré-requisitos, sem maiores
preocupações com os sujeitos da aprendizagem e o contexto em que essa
deveria acontecer.
Na Universidade, mais especificamente, observamos que o
conhecimento científico que é trabalhado pelo professor está organizado na
lógica que privilegia a estrutura curricular de grade ou coleção de conteúdos.
Porém, entendemos que o conhecimento científico não pode ser posto como
algo acabado, constituindo uma organização curricular ordenada por grade ou
coleção de assuntos que não facilitam ações integrativas dos saberes por parte
dos professores. A organização curricular ordenada por grade ou coleção
12
Estamos nos referindo ao modelo de racionalidade adotado pela ciência moderna que
fortalece as concepções de que conhecimento verdadeiro, real, racional e objetivo é aquele
que pode ser formulado quantitativamente, tornando-se universal e válido em todos os
tempos. A verdade aceita é a que se legitima pelo conhecimento científico, e este, tanto para
seu melhor desenvolvimento como para a sua transmissão, precisa ser parcelado e
ordenado (SANTOS, 1998).
41
privilegia a visão cartesiana na qual um conhecimento não interage com outros
conhecimentos, além de reforçar a idéia da fragmentação do saber. A
fragmentação por si mesma nem sempre dá conta da compreensão de vários
fatos ou problemas.
Em relação ao ensino desenvolvido em sala de aula, importa ressaltar
que a prática desenvolvida pelo professor caracteriza-se como prática social.
Nesse sentido, Sacristán (1999) esclarece o significado da prática docente
como prática educativa. Para ele, a diferença entre prática e ação reside no
fato de que a prática é institucionalizada, são as formas de educar que ocorrem
em diferentes contextos institucionalizados, configurando a cultura e a tradição
das instituições. A ação, refere-se aos sujeitos, seus modos de agir e pensar,
seus valores, seus desejos e sua leitura de mundo. A ação se realiza nas
práticas institucionais nas quais os sujeitos se encontram, sendo por estas
determinadas e nelas determinando. Importa entender essa imbricação de
sujeitos com instituições, de ação com prática, a fim de que se possa contribuir
para a melhoria do ensino na Universidade.
Refletir sobre as práticas implica em relacioná-las com a forma de
organização dos conteúdos a serem desenvolvidos, pois a estrutura e a
organização dos assuntos, por si só, manifesta uma posição teórica da
concepção de conhecimento que carrega bem como manifesta, também,
reflexos das estruturas sociais que regulam a distribuição de poder e controle
social, como explica Bernstein (1996).
O poder e o controle se manifestam através de diferentes formas de
comunicação e variam de um contexto para o outro transmitindo os códigos.
Bernstein (1996, p.27) utiliza o conceito de código com o intuito de mostrar
“como a distribuição de poder e os princípios de controle são transformados ao
nível do sujeito”. Ele afirma que estes princípios de controle posicionam o
sujeito sendo os códigos também chamados de dispositivo de
posicionamento
13
culturalmente determinados. Os códigos posicionam o sujeito
13
Bernstein (1996, p.28) explica que o termo posicionamento é usado para designar o
estabelecimento de uma relação específica com outros sujeitos e a criação de relações
específicas no interior dos sujeitos.
42
numa determinada relação de classe que não deixa de ser uma relação
hierárquica.
Bernstein (1996, p.29) define código como “um princípio regulativo,
tacitamente adquirido que seleciona e integra significados relevantes, formas
de realização e contextos evocadores”. Vale ressaltar que os códigos são
adquiridos de maneira implícita e são reveladores do que é legítimo e ilegítimo.
Nas relações que se estabelecem na Universidade são criados
diferentes contextos, que podem ser as disciplinas ou uma área do
conhecimento, que favorecem a manutenção dos códigos. De uma maneira
indireta o código aparece direcionando as formas de realizações e os
significados relevantes, em que contextos devem se desenvolver.
O código toma diferentes formas para se manter, para expressar o que
quer e, ao selecionar e integrar, significados, contextos e formas de realização
relevantes ele pressupõe o que é irrelevante e ilegítimo.
Ainda na concepção de Bernstein (1996, p.29) “o conceito de código é
inseparável dos conceitos de comunicação legítima e ilegítima e pressupõe,
assim, uma hierarquia nas formas de comunicação, bem como na sua
demarcação e nos seus critérios”. Para um código se manter ele precisa
delimitar seu espaço, demarcar fronteiras, isolar os contextos.
O código se mantém dentro de uma relação hierárquica e quando o
código muda “muda também aquilo que se conta como significados relevantes,
como realizações apropriadas e como contextos evocadores” (FISCHER, 2004
apud Domingos et al., 1985, p.218). No caso da Universidade, quando se
alteram as diretrizes para um curso pode haver uma mudança de códigos, pois
há, em geral, uma mudança hierárquica na distribuição dos conhecimentos.
Conforme Bernstein (1996) ao regular relações entre contextos o código
regula as relações no interior dos contextos. Neste sentido esse autor
diferencia essas duas dimensões explicitando que o controle estabelece formas
de comunicação legítima e o poder, as relações entre categorias. Assim, o
poder vincula-se às relações que se instituem na prática pedagógica e o
controle refere-se aos dispositivos do discurso pedagógico que as regula.
43
Bernstein (1998, p.37) explica que o poder cria, justifica e reproduz os
limites entre distintas categorias. Na prática docente, entende-se que o poder
direciona o trabalho do professor, pois este já predetermina o que deve ser
objeto de estudo e de ensino. O autor acrescenta, também, que o poder atua
sempre para provocar rupturas, para produzir marcas no espaço social.
14
Para melhor traduzir as relações de poder e controle, o autor introduz os
conceitos de classificação e enquadramento, explicando que a classificação é o
meio através do qual o poder se mantém, instituindo-se como legítimo.
O enquadramento, para Bernstein (1998), controla as relações que
acontecem dentro de uma categoria, de certa área do conhecimento ou
disciplina. O enquadramento atua para manter a ordem no interior destes
contextos. Já os princípios que regem a classificação fazem com que o caráter
arbitrário do poder desapareça nas relações entre as disciplinas. É como se a
classificação criasse mecanismos para justificar a separação dos
conhecimentos que fazem parte da disciplina “A”, dos conhecimentos que
compõem a disciplina “B”. Isto é fundamental para que o poder se mantenha e
perdure.
Na tentativa de fazer uma articulação dos conceitos anteriores e a
estrutura curricular dos cursos universitários, para fins desse estudo,
entenderíamos as categorias como sendo as disciplinas que constituem o
currículo dos cursos. Nessa direção, o enquadramento seria uma forma de
controle do trânsito entre os conhecimentos definidos para cada disciplina e
não permitiria que os conteúdos de cada disciplina ultrapassassem os limites
impostos pela classificação.
Percebe-se, sob essa perspectiva, que os conhecimentos estariam
presos a esses limites, impedindo a possibilidade de serem trabalhados sob
outra lógica de organização mantendo, assim, o poder instituído como o único
legítimo.
Para o autor, o conhecimento transmite-se por três sistemas de
mensagens: currículo, pedagogia e avaliação. O currículo define qual o
14
Livre tradução de: “el poder actúa siempre para provocar rupturas, para producir marcadores
en el espacio social”.
44
conhecimento que é válido, a pedagogia qual a forma de transmissão e a
avaliação qual a realização adequada do conhecimento, conforme explicam
Cunha e Leite, (1996, p. 20). As autoras dizem também que
quem tem o domínio da forma de transmissão exerce o controle (simbólico),
possui o poder de distribuir o capital cultural (recursos materiais e
simbólicos). E na sociedade de classes, os sujeitos têm acesso diferenciado
aos bens simbólicos por estarem diferentemente posicionados na estrutura
social. (CUNHA e LEITE, 1996, p.20).
Na Universidade, o estabelecimento dos limites de cada disciplina pode
ser uma das causas que interfere na forma como os professores lidam com os
conhecimentos da disciplina com a qual trabalham. As disciplinas estão
organizadas sob determinada lógica dentro da estrutura legitimada para o
conhecimento. Nesse contexto, poucas são as chances do professor encontrar
alternativas para a sala de aula e seu trabalho segue na direção de dar conta
de ensinar os conteúdos previamente recebidos nas ementas e na ordem
estabelecida para seu desenvolvimento. Essa condição nos permite pensar que
o poder também é atuante nas relações entre as disciplinas.
15
Bernstein (1998) explica ainda, que a prática pedagógica pode ser
entendida como dispositivo transmissor, um transmissor cultural, um dispositivo
unicamente humano, tanto para a reprodução como para a produção da
cultura.
Em contrapartida, assumir a perspectiva de que a docência se estrutura
sobre saberes próprios, intrínsecos à sua natureza e objetivos, é reconhecer
uma condição profissional para atividade do professor. Com isso, a docência
universitária passa a ser considerada como atividade profissional complexa que
requer formação específica, mas não desvinculada da reflexão analítica sobre
os saberes necessários para que os professores sejam agentes que
interpretam propostas, idéias, e atuem como autores de projetos curriculares
flexíveis.
Na maioria das vezes, não se leva em conta a perspectiva tão bem
caracterizada por Lucarelli (2000, p.36), quando explica que a pedagogia
universitária é espaço de conexão de “conhecimentos, subjetividades e cultura,
15
Aqui estamos associando o termo categoria, definido por Bernstein, à disciplina de ensino.
45
exigindo um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamente
especializado e orientado para a formação de uma profissão”.
Assim, a formação dos docentes universitários, no sentido da
qualificação científica e pedagógica, é um dos fatores básicos para a melhoria
da qualidade do ensino que é desenvolvido na Universidade. No entanto, os
docentes universitários costumam esperar o conhecimento do campo científico
de sua área, alicerçado nos rigores da ciência, e o exercício profissional que
legitime esse saber no espaço da prática. As análises e reflexões em torno dos
saberes necessários para a prática docente ficam alijadas da discussão que
envolve a formação e a atuação do professor universitário.
O professor é um sujeito que vive em um tempo determinado e em uma
sociedade concreta, atravessando e sendo atravessado pelas contradições e
pelas incertezas desse tempo e dessa sociedade. É um ser individual, com
história de vida, ligado a um meio social e familiar que interfere, de alguma
maneira, no desempenho de sua função de professor.
A lógica que permeia a prática pedagógica do professor universitário,
muitas vezes, valida a idéia de certo descomprometimento com as questões
educacionais. Existe pouca reflexão entre os professores universitários, sobre
sua função e sobre os fins e valores que dão sustentação às suas práticas de
ensinar. Não se leva em conta a discussão sobre o tipo de homem que se
deseja “formar” a partir da convivência em sala de aula na Universidade.
A educação não é tomada como processo histórico, social e coletivo,
pois desconsidera, na maioria das vezes, o espaço dos sujeitos, professores e
alunos como seres históricos, determinados mas também determinantes, da e
na realidade social (ANASTASIOU, 2005, p. 40).
Na tentativa de melhor compreender a ausência dessas discussões
entre os docentes universitários, é preciso lembrar que o contexto onde se deu
sua formação preparou-os para atuarem no mercado exercendo funções
específicas da área e não para atuarem como docentes na Universidade.
Em praticamente todas as áreas de atuação, o mercado espera
profissionais graduados com características peculiares, como autonomia,
generalização, liderança, pesquisa, comprometido com questões sociais,
46
constante processo de formação e atualização. Isso poderia levar a crer que
tais características tornaram-se importantes apenas recentemente. Ao
contrário, essas condições sempre estiveram presentes na formação desses
graduados, entretanto, atualmente, elas são exploradas mais enfaticamente no
discurso neoliberal. Comprometida com as condições acima mencionadas as
práticas pedagógicas dos professores assumem, consequentemente,
contornos que vão na direção do discurso do mercado.
Bernstein (1996) explica que as formas de acesso ao conhecimento são
distribuídas diferentemente, controlando as relações entre as classes sociais,
16
entende-se que isto também ocorre na Universidade. Dentro dela, nem todos
sujeitos – gestores, docentes, discentes – têm acesso ao conhecimento da
mesma forma. Muitas vezes os professores fazem relações entre os conteúdos
das diversas disciplinas e os alunos, por terem os conteúdos trabalhados
isoladamente em disciplinas específicas, nem sempre conseguem relacioná-
los. Não que os alunos sejam incapazes de fazer essas relações, mas não são
disponibilizados os meios para que o façam, pois a forma fragmentada com
que o conteúdo é estudado limita sua capacidade para re-significar os
conteúdos.
De acordo com Bernstein (1998), não importa o que se transmite, mas a
forma como se transmite o conhecimento. No movimento de transmissão vai
ocorrer a essência do fenômeno de produção de consciência dos sujeitos, ou
seja, como o que está fora se torna dentro, como o socioeconômico condiciona
e determina o individual, como o macro e o micro nível se relacionam, como
pontuam Cunha e Leite (1996, p.19).
Pode-se dizer, a partir dessa perspectiva, que o método de ensinar
depende da visão de ciência, de conhecimento e de saber dos professores.
Como explica Pimenta (2002, p. 195) “se o docente vê o currículo como uma
somatória de disciplinas dispostas lado a lado ou como grade, [...] e toma a
disciplina que leciona como fim em si mesma, adotará um método de
transmissão e reprodução do conhecimento”.
16
Bernstein (1996, p.27) utiliza o termo relações de classe com o intuito de designar
desigualdades na distribuição de poder e nos princípios de controle entre grupos sociais.
47
O entendimento do professor sobre o que é o ensino e sobre o que é a
aprendizagem, interfere na forma como ele vai gerir este processo no decorrer
das aulas e na maneira como vai lidar com o conteúdo e na forma como vai se
movimentar no espaço da sala de aula.
Anastasiou (2005, p.12) alerta para o fato que, muitas vezes, o ensino e
a aprendizagem são considerados e executados como ações disjuntas. De um
lado, o professor que ensina e, do outro, o aluno que aprende, como se
existisse uma barreira invisível separando os dois sujeitos e suas ações. Para a
autora, esta idéia que parece ser comum entre os docentes, pode ser
decorrente do entendimento de que “ensinar é apresentar ou explicar o
conteúdo numa exposição”. Nessa lógica, prevalece a compreensão que o
professor deve expor o conteúdo “com a máxima habilidade de que dispõe”.
É possível perceber que essa compreensão de ensino limita e resume a
prática pedagógica dos docentes à reprodução de uma listagem de conteúdos
que devem ser passados aos alunos.
Neste caso, “a aula é o espaço em que o professor fala, diz, explica o
conteúdo cabendo ao aluno anotá-lo para depois memorizá-lo” (ANASTASIOU,
2005). Porém, a maneira como o conteúdo é abordado, as sínteses
provenientes deste conteúdo e os entendimentos que se acrescenta a um
saber ao fazer uma releitura, é uma construção pessoal, única e exclusiva.
Bernstein
17
explica também estas relações que ocorrem durante o
desenvolvimento da aula no sentido de que, neste espaço, ocorrem “relações
pedagógicas que formam comunicações pedagógicas” nas quais acontecem
várias formas de comunicação.
Esta relação pedagógica acontece através do discurso pedagógico que
se estabelece no interior dos contextos através do controle. Neste processo, o
discurso pedagógico pode ser específico e muitas vezes estar impregnado de
idéias pessoais dos professores e sínteses próprias do conhecimento que
podem interferir no que o autor chama de recontextualização. Para Bernstein
(1994), a recontextualização constitui-se em fortes regras distributivas que
17
Entrevista realizada com Basil Bernstein por Joseph Solomon com o tema Pedagogia,
Identidade e a Construção de uma Teoria do Controle Simbólico. Traduzido por Joice Elias
Costa em Fevereiro de 2007.
48
regulam a formação do discurso pedagógico específico, redistribuindo quem
pode transmitir e o que pode transmitir.
Na esteira de Bernstein (1998, p.63), o discurso pedagógico está
constituído por um princípio recontextualizador que se apropria, realoca,
reorganiza e relaciona seletivamente outros discursos para estabelecer sua
própria ordem.
18
Nesse sentido, importa que os docentes trabalhem em suas aulas na
tentativa de superar apenas o processo de ensino na perspectiva de alcançar,
simultaneamente, o processo de aprendizagem.
3.4 A cultura docente
Como qualquer outra instituição social, a Universidade produz e
reproduz um conjunto de significados e de comportamentos que traduzem uma
cultura que lhe é própria. Esta se expressa nas tradições, rotinas, costumes,
rituais, forças que conservam e reproduzem a Universidade, condicionando o
tipo de vida que nela se desenvolve, além de reforçar valores, crenças, práticas
e expectativas consideradas legítimas pelos grupos sociais que a constituem.
Como explica Zabalza (2004, p.80) “as Universidades têm uma cultura
específica, uma cultura que lhes é própria em termos de categoria institucional
e de instituições independentes (cada uma delas gerando uma identidade
cultural própria)”.
Taylor (apud MARCELO GARCIA 1999, p.128) diz que esse autor afirma
que
As Universidades, escolas universitárias e departamentos possuem uma
cultura material localizada no espaço e no tempo. Os elementos de tal
cultura incluem edifícios,
instrumentos, equipas, mobiliário, livros....Também
possuem a linguagem, rituais, ideologia, mitos e crenças como cultura
simbólica. Cada elemento da cultura simbólica requer um meio para a sua
transmissão. A organização e orientação espacial, procedimentos de
reuniões, normas para a distribuição de recursos, graus acadêmicos,
normas para a sua obtenção, tudo isso determina aquilo a que se chama
cultura organizacional.
18
Livre tradução de: “el discuro pedagógico está constituido por um princípio recontextualizador
que se apropria, recoloca, recentra y relaciona selectivamente otros discursos para
estabelecer su próprio orden”.
49
Por outro lado, não se pode conceber o professor como um sujeito
passivo, acrítico, que assimila as condutas e crenças da organização.
Ainda que existam muitos fatores e agentes que influenciam a cultura da
Universidade e dos cursos que dela fazem parte, entendemos, assim como
Pérez Gómez (2000), que é a cultura dos professores, como grupo social, que
majoritariamente determina e mantém a cultura predominante.
Referimo-nos à cultura dos docentes como o conjunto de crenças,
valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que dito grupo social
considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos
politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e relacionar-se entre si (Pérez
Gómez, 2000). Para esse autor a cultura docente constitui-se como o
componente privilegiado da cultura da instituição, da estrutura de participação
social e da estrutura de tarefas acadêmicas.
A cultura docente se expressa nos métodos utilizados em sala de aula, no
sentido e orientação da relação interpessoal estabelecida entre os professores,
nos processos de tomada de decisão em que o professor atua nas funções
desempenhadas.
A cultura docente não é tributária apenas da experiência historicamente
acumulada nos padrões de atuação desse grupo profissional. Ela é
influenciada pelas pressões e expectativas externas, pelos requerimentos
situacionais dos sujeitos envolvidos. Pérez Gómez (2000) explica que o
comportamento docente reflete um delicado e emergente compromisso entre
seus valores, interesses e ideologia e a pressão da estrutura institucional. Essa
característica põe em evidência a articulação entre a cultura docente e o
processo social mais amplo, isto é, sua dimensão ideológica e política e, por
isso mesmo, não-neutra.
Convém salientar que é a cultura docente que facilita ou dificulta os
processos de reflexão e intervenção autônoma dos próprios colegas e dos
estudantes por isso se constitui no fator imediato de maior importância na
determinação da qualidade dos processos educativos.
50
Nesse sentido, podemos dizer que a cultura docente é um fator
importante a considerar em todo projeto que se pretende implantar na
Universidade em geral, e nos cursos, em particular.
Entendemos também, que a melhoria da prática não requer somente a
compreensão intelectual dos agentes implicados, mas fundamentalmente sua
vontade de transformar as condições que constituem a cultura herdada.
A cultura profissional dos professores tem como principal referência o
conjunto de valores, crenças e saberes que os mantém como um coletivo. Em
seus estudos, Hargreaves (1998) identifica duas dimensões fundamentais que
constituem a cultura docente: o conteúdo e a forma. O conteúdo da cultura
docente é entendido como os valores, crenças e atitudes compartilhadas pelo
grupo de docentes, isto é, consiste nas formas de fazer as coisas. De modo
geral, pode-se dizer que o conteúdo diz respeito a uma variedade de aspectos
que constituem o pensamento pedagógico dos professores. A forma está
configurada pelos padrões característicos que manifestam as relações e os
modos de interações entre os docentes. A forma da cultura docente define as
condições concretas em que se desenvolve o trabalho dos docentes,
especialmente o modo como se articulam suas relações com os demais
colegas. Nessa perspectiva, as formas de relacionamentos entre os
professores têm papel significativo na modificação do modo de pensar e fazer
desses profissionais.
É possível perceber que o conteúdo da cultura docente está
estreitamente relacionado com a função social específica que a Universidade
adquire em cada época e em cada contexto, e sua regulação política e
administrativa, assim como com o conhecimento acumulado na tradição teórica
e prática desse âmbito acadêmico e profissional, como explica Peréz Gómez
(2000, p. 165).
No entanto, é importante ressaltar que as características dominantes da
cultura docente, tanto em seus conteúdos como em suas formas, não supõe a
determinação definitiva da atuação nem do pensamento dos docentes. Para o
autor, elas são marcos simbólicos e estruturais que condicionam, mediam, mas
não determinam a capacidade individual ou coletiva.
51
Como explica Bernstein (1990) o contexto pedagógico reprodutor se
ocupa em definir para cada comunidade e para cada época o conhecimento, as
atitudes, os valores e o comportamento que se consideram social e
epistemologicamente legítimos.
Esse autor considera também que o discurso pedagógico que tem lugar
na Universidade ou nos cursos institucionaliza e legitima o conhecimento e as
competências legítimas que devem ser reproduzidas nessa instancia de
mediação. Portanto, de acordo com Bernstein, todas as atividades instrutivas
ou de relações sociais que se estabelecem na instituição se encontram sob
“paraguas sociais y orientador de las funciones sociales que se adquiere el
discurso reprodutor al sancionar positiva o negativamente um tipo u outro de
conocimientos, capacidades, valores y conductas” (BERNSTEIN, apud PERÉZ
GOMÉZ, 2000, p. 268).
3.5 O processo de ensinagem: novas perspectivas para o processo de
ensinar
Entendemos que é preciso transformar a sala de aula de forma que
professores e alunos possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios
acadêmicos que induzam à colaboração, à experimentação compartilhada e a
outro tipo de relação com o conhecimento e com a cultura, que estimulem a
busca, a crítica, a iniciativa e a construção de alternativas. Nessa direção,
estaríamos advogando a favor da ênfase no processo de aprendizagem, o qual
desencadearia algumas repercussões para as práticas dos docentes.
Para o professor trabalhar no sentido de fazer com que os alunos
aprendam, é necessário desenvolver a habilidade de reorganizar, (re) significar
e re-avaliar os conhecimentos científicos a serem ensinados, numa espécie de
constante movimento entre os saberes científicos e a maneira como irão se
configurar no processo de ensinar e de aprender.
Nessa direção, se o professor entende que a organização do
conhecimento deve estar em grade, como somatório de disciplinas dispostas
lada a lado, tenderá a adotar a transmissão e reprodução do conteúdo com um
fim em si mesmo.
52
Em contrapartida, é possível pensarmos em uma organização curricular
globalizada, na qual a integração se dá pelo próprio desenho curricular.
Anastasiou (2005) explica que um modelo curricular globalizado adota
diferentes formas de processar o conhecimento em parceria estabelecida entre
alunos e professores envolvidos. O conhecimento, organizado sob a forma de
saber escolar e traduzido no nível de assimilação dos sujeitos aprendizes,
torna-se dinâmico e admite alternativas que contestam sua condição de
universalidade.
Mais do que aprender é necessário apreender os conhecimentos
trabalhados em sala de aula. Para apreender é preciso agir, tomar para si,
apropriar-se, pois como explica Anastasiou (2005, p. 14), esse verbo deriva do
latim apprehendere e significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente,
entender, compreender, agarrar tratando-se então de um verbo que exige
ação.
Diante das reflexões sobre os verbos ensinar e apreender que a autora
criou o termo ensinagem,
para indicar uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos,
professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar quanto a de
apreender, em um processo contratual, de parceria deliberada e consciente
para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar, decorrente
de ações efetivadas na sala de aula e fora dela (ANASTASIOU, 2005, p.15).
Desta forma, existem estratégias de “ensinagem” que se inserem na
superação do ensino que se limita unicamente à exposição de tópicos sem
nenhuma preocupação com a aprendizagem. Na exposição de tópicos, a única
garantia é a explanação do conteúdo, sem que nada se possa afirmar “acerca
da apreensão do conteúdo pelo aluno”. No processo de ensinagem, a
aprendizagem torna-se proeminente, sendo que esta expressão é utilizada
para indicar
uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno,
englobando tanto a ação de ensinar quanto a de aprender, em um processo
contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na
construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na
sala de aula e fora dela. (ANASTASIOU 2005, p.15)
53
A partir dessa idéia, chama-se a atenção para uma das condições
necessárias ao desenvolvimento do processo de ensinagem: a “parceria
deliberada e consciente”.
Observa-se que a consciência deste processo por parte dos envolvidos
é de muita relevância para que ele se efetive. Como alterar os processos de
ensino e aprendizagem em prol do aprimoramento e da melhoria da prática
pedagógica, se alunos e professores não tiverem idéia da função que cada um
exerce neste processo, sem ter objetivos estabelecidos? Por outro lado, uma
“parceria deliberada” significa que os dois sujeitos irão opinar, discutir e refletir
juntos sobre a condução do processo na sala de aula.
É preciso considerar que os processos de ensino e de aprendizagem
são distintos e a ênfase em um ou em outro fará com que os resultados da
integração dos dois processos seja diferente, comprometendo a “parceria
deliberada”, nas quais as propostas didáticas ressaltam a importância da
construção do processo de parceria em sala de aula, deslocando o foco do
ensino para a aprendizagem e destinando ao aluno o espaço para aprender.
Como mediador do processo de ensinagem, o docente será o primeiro a
repensar sobre si mesmo, sobre sua função e também sobre a complexidade
exigida para sua tarefa de ensinar. A complexidade dessa tarefa exige
conhecimentos específicos da área científica do professor, “conhecimento
consistente acerca da disciplina ou das suas atividades”, mas não apenas isso.
O conhecimento científico e as práticas que o envolvem são importantes, mas
o conteúdo e a prática não garantem a efetivação da ensinagem.
Para transformar conteúdo em ensino, o professor confronta-o com o
que realmente é necessário aprender, com o perfil do acadêmico que deseja
ajudar a formar, algo que requer atualização “tanto com os novos conteúdos
como com as novas metodologias didáticas aplicáveis a esse âmbito”.
Questionar termos como ensino e aprendizagem e as proporções que
tomam diante das várias interpretações dos professores sobre si próprios, nos
levam a refletir sobre a profissão docente, em especial, sobre a prática e o
ensino que os docentes desenvolvem em salas de aulas universitárias.
54
O domínio que o professor tem dos conteúdos a serem ensinados ou o
reconhecimento de seus méritos como pesquisador em determinada área é
importante, mas não suficiente para o exercício da docência universitária.
Concordamos com Zabalza (2004, p.113), quando diz que a “profissionalização
docente refere-se aos alunos e ao modo como podemos agir para que
aprendam, de fato, o que pretendemos ensinar-lhes”. Dito de outra forma, o
compromisso do docente universitário é fazer com que os alunos aprendam o
que desejam ensinar-lhes.
Torna-se interessante lembrar o que diz Anastasiou (2005), quando
reflete sobre a importância de cada disciplina contribuir em prol da estrutura do
conhecimento mais globalizada e coerente, incluindo em suas reflexões a
dificuldade dos docentes para trabalharem de outra forma.
Percebe-se, assim, que não basta alterar apenas a estrutura do
conhecimento, mas a visão que os professores têm do conhecimento com o
qual trabalham. Na mesma direção, pensamos que qualquer tentativa de tornar
os conhecimentos trabalhados nas salas de aula da Universidade mais
globalizados e integrados implica, também, em pensar a reestruturação do
conhecimento que dá sustentação à formação do profissional que se pretende
formar.
As discussões realizadas até aqui têm o intuito de mostrar parte das
questões que envolvem o fazer pedagógico do professor universitário quando
ensina e que estas se fazem presentes nas discussões que pretendemos
empreender na pesquisa iniciada.
Alguns estudos já apontam possibilidades para se repensar e para
resignificar a identidade e a prática pedagógica do docente universitário.
Porém, ainda que estas discussões apontem possibilidades para o debate,
existem outras condições que precisam ser investigadas. A elas dedicamos
parte desse estudo.
Entendemos ser necessários estudos e proposições mais sistemáticas
de investimentos na formação profissional do docente universitário,
reconhecendo que os saberes para a docência exigem preparação acadêmica
numa perspectiva teórica e prática. Exigem, também, investimento constante
55
que acompanhe os avanços investigativos e as mudanças paradigmáticas que
envolvem os conhecimentos trabalhados e suas relações com os sujeitos nos
processos de ensino e de aprendizagem (CUNHA, 1998).
Partindo do pressuposto que a organização e a estruturação dos
conhecimentos precisam privilegiar um modelo globalizante, cabe perguntar:
quem é o responsável pelas decisões sobre a organização do conhecimento?
Qual a relação entre a organização do conhecimento e as práticas
desenvolvidas pelos professores em sala de aula? Os docentes universitários
reconhecem a necessidade de refletir sobre as práticas que desenvolvem? Os
professores se preocupam em articular os conteúdos com os quais trabalham
com os conteúdos de outras disciplinas? Importa para os docentes
universitários pensar sobre aspectos pedagógicos de suas aulas? Qual a
concepção de conhecimento que dá sustentação as suas práticas? Que
impactos têm as mudanças curriculares sobre suas ações no cotidiano no qual
atuam?
No contexto de discussão de parceria, de esforços conjuntos, de ações
docentes deliberadas em sala de aula é que ancoramos nossos esforços na
construção dessa investigação, tendo como foco de estudos uma amostra de
docentes universitários do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel).
4. Curso de Enfermagem: mudança de cenário e algumas
decorrências
Historicamente, observa-se que a formação em enfermagem esteve
sempre ligada ao contexto de trabalho, dado o caráter essencialmente prático
desta profissão. Entretanto, intervindo no campo da saúde, sua atuação está
sujeita as rápidas transformações, ao nível do saber e da técnica,
confrontando-se, assim, com a necessidade de repensar o seu processo de
trabalho bem como as competências essenciais ao desempenho da profissão,
em um meio em constante mudança.
Como pano de fundo, deparamo-nos com uma profissão que tem sido
fortemente dependente da administração central e cresceu no quadro de uma
cultura que lhe prescreveu os modos de operar e de um saber delegado,
geralmente, pelo médico que lhe determinou os procedimentos técnicos.
Caracterizava-se, até a promulgação das Diretrizes Nacionais, o enfermeiro
como um profissional munido de um conjunto de rituais e rotinas pré-
determinadas tendo limitado o seu direito de prescrever a sua intervenção,
desvalorizando, assim seu saber profissional.
Atualmente, a prestação de cuidados com a saúde
19
, por razões de
natureza social, demográfica e políticas, constitui nas sociedades um campo de
práticas sociais e formativas em plena expansão e diversificação. A ênfase
colocada na promoção da saúde, alargando o conteúdo desse conceito e
19
A Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo sanitário internacional integrante da
Organização das Nações Unidas, define saúde como “estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez”. Disponível em
www.dis.unifesp.br/pg/Def-Saude.pdf. Acessado em 4 de outubro de 2007.
57
articulando-o com contextos sociais e ambientais, corresponde a uma nova
visão paradigmática que tem conduzido ao questionamento e a reformulação
na missão atribuída quer às instituições formadoras, quer aos atores que
protagonizam as políticas de saúde.
Á semelhança de outras atividades sociais e profissionais, o campo da
saúde vive mutações importantes, decorrentes da revolução tecnológica e
informacional que marcou o final do século passado e o inicio desse século.
A importância atribuída à formação, no campo da saúde, tem vindo a
traduzir-se na materialização de uma tendência manifestada nos documentos
oficiais, o que pode ser observado mais recentemente no Brasil, com a
promulgação das DCN para a área da saúde.
É possível perceber que os princípios e objetivos para a saúde brasileira
foram assumidos pelo Estado, inicialmente através da promulgação da
Constituição de 1988 e, posteriormente, pela Lei 8.080 de 19 de setembro de
1990, que estabeleceu a reforma sanitária, conhecida como a Lei do Sistema
Único de Saúde (SUS). Em 2001, foram estabelecidas, pelo Conselho Nacional
de Educação, as Diretrizes Curriculares Nacionais, que alterou o perfil vigente
até então para os profissionais egressos dos cursos da área da saúde. Esses
documentos estabeleceram as prerrogativas para a formação dos profissionais
oriundos dos cursos de Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Enfermagem,
Farmácia, Nutrição, entre outros.
Muitos movimentos
20
poderiam ser citados para aprofundarmos a
discussão em torno do trabalhador da área da saúde mais relacionadas às
macros transformações produtivas, os impactos qualitativos e quantitativos do
Sistema Único de Saúde (SUS) sobre o mercado de trabalho e heranças do
processo histórico de consolidação de disciplinas científicas e profissionais da
área. Poderíamos argumentar sobre a forma como cada profissão da área da
saúde estabeleceu para si aparatos teórico-metodológicos para sua
estruturação e ação. No entanto, nosso propósito nesse trabalho não é discutir
20
Mudanças relacionadas à qualidade, à composição técnica e às funções das profissões
(OPAS), àquelas ligadas ao impacto tecnológico, às práticas de controle social e às relações
entre usuário e trabalhadores. A grande importância do mercado de trabalho formal do setor
da saúde no total de empregos, que aumenta paralelamente a ausência de política do
Estado para o tratamento de recursos humanos em saúde.
58
as questões que permeiam a profissão de enfermeiro, mas situar como as
mudanças do sistema de saúde brasileiro implicam na determinação de novos
padrões para pensar a formação dos futuros profissionais da área da saúde, o
currículo e as práticas pedagógicas dos docentes que atuam nesse curso.
Nessa lógica, observamos que as mudanças do sistema de saúde
brasileiro implicam não apenas em novas concepções sobre a saúde e a
doença e o novo modelo de atenção, mas de práticas que correspondam na
ação aos ideais propalados (RAMOS, 2006).
Depois de aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN),
ocorreu verdadeira “corrida” dos cursos dessa área para cumprirem sua parte.
Professores e dirigentes, coordenadores de cursos, alguns deles pouco
familiarizados com o discurso pedagógico e curricular, com a promulgação da
Lei, precisavam gerir projetos político-pedagógico que atendessem o discurso
oficial.
Explica Ramos (2006) que técnicos da saúde, tornados coordenadores
e líderes de processos de mudança no ensino, muitas vezes alheios até
mesmo ao que se fazia patamar básico de discussão nas suas instituições,
começam a se preocupar em articular e gerir discussões a respeito do projeto
político-pedagógico para os cursos que coordenam.
A enfermagem não foge dessa lógica, pois, mesmo que tivesse uma
posição histórica diferenciada no que se refere à capacitação de professores e
cursos no campo da educação, vê surgir nos fóruns de discussão a presença
de faculdades que até então estavam ausentes desse processo, conforme
explica Ramos (2006). A autora complementa dizendo que frente ao
crescimento desordenado e desigual dos cursos na área da saúde, era de
supor que nem sempre a implantação das DCN foi entendida e praticada em
contextos de mudanças dos cursos, com discussões realmente balizadas nas
propostas contidas no texto e nas possibilidades de cada instituição, ou seja,
sustentada por avaliações críticas ao seu conteúdo.
Princípios como o de formação generalista, autonomia, flexibilidade,
pluralidade, integração e interdisciplinaridade sempre acompanhadas de
teorizações e interpretações diversas se mostraram noções abertas e
59
imprecisas para aqueles que esperavam formulações prescritivas e
uniformizadoras. Ao discutir a situação da enfermagem, Ramos (2004) mostra
questões onde é possível reconhecer que em muitas das profissões de caráter
técnico, a formação sempre esteve fundada na premissa de um ensino prático.
Sem abrir mão do recurso à prática, o que tem sido superado são
visões estreitas sobre a técnica. Na análise que faz, a autora mostra que se a
prática é tida como instrumental na formação profissional, a idéia de “saberes
operantes” acaba por remeter que saberes “postos em ação” irão produzir os
impactos desejados e daí chega-se a necessidade de precoce inserção e
compromisso com a realidade de saúde, não apenas “visitada” como campo de
possível atuação futura.
Para o Curso de Enfermagem e Obstetrícia, as DCN enfatizam a
necessidade de um aluno egresso que tenha perfil de profissional generalista,
capaz de atender doenças básicas, de trabalhar no espaço coletivo, apto a
trabalhar com os mais diversos tipos de pacientes. Esses documentos realçam
também, a importância de desenvolver profissionais que atendam ao aspecto
preventivo, não resumindo sua ação ao curativismo, sendo esse capaz de
intervir para a melhoria da qualidade de vida da população e comprometendo-
se com a transformação social.
As políticas e estratégias de ação no campo da saúde tendem, por um
lado, a colocar a tônica no pólo da prevenção, em contraponto a uma ação
centrada nos processos de cura. É o alargamento da noção de saúde, bem
como o caráter estratégico das práticas de prevenção que fazem emergir a
educação para a saúde como uma problemática central nas instituições
formadoras de profissionais para essa área.
A reconfiguração do perfil e nas funções do profissional egresso desses
cursos correspondem, em alguns casos, a uma reformulação no interior da
profissão com a revalorização de determinados ramos. Entendemos que esse
movimento, no curso de formação, pode dar-se em dois sentidos, pois, por um
lado, pode produzir a emergência de novas especializações e, por outro lado,
questionar a tendência da especialização baseada numa abordagem
segmentada da saúde humana.
60
Nessa perspectiva, o discurso oficial que define o perfil desse
profissional leva os docentes a pensarem na articulação entre os processos de
formação que desenvolvem no Curso e no mundo do trabalho que será
encontrado a posteriori. O enfermeiro, que antes assumia o perfil de
profissional que atuava em hospitais, clínicas e laboratórios, precisar estar
habilitado para trabalhar também, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)
localizada nos bairros, e de se envolver em Programas da Saúde da Família
(PSF).
Além disso, o novo perfil, juntamente com a possibilidade de assumir
outras funções, interfere na estruturação curricular do curso, principalmente
nas práticas desenvolvidas pelos professores durante o período da formação,
pois os docentes direcionam seu trabalho no sentido de corresponder às
exigências que lhe são colocadas para a formação dos alunos.
As mudanças trazidas pelas DCN para a função e para o perfil do
profissional formado no Curso de Enfermagem provocaram, nos docentes
desse Curso, reflexões em torno das práticas que desenvolvem, incluindo
também, reflexões sobre as concepções de conhecimento que sustentam suas
ações docentes. Nessa direção, a perspectiva da racionalidade técnica está
concretizada pela organização do conjunto de disciplinas que fazem parte da
organização curricular dando um caráter pontual a cada ramo do conhecimento
da formação e dirigidas á capacitação individual, sem unidade entre elas e sem
inter-relações visíveis.
Refletir os momentos de ensino de técnicas mais do que o processo de
desenvolvimento de profissionais aptos a enfrentarem o mercado de trabalho
abdica a utilização de recursos da formação e a experiência dos respectivos
profissionais que atuam como docentes no Curso.
De algum modo, cenários de mudança são comuns no mundo do
trabalho e da Universidade. No entanto, por mais que se tenham motivos para
não crer em mudanças, as evidências de avanços importantes não devem ficar
escondidas, e, nesse sentido, a pesquisa torna-se um meio de divulgação e de
socialização dessas mudanças.
61
4.1 O Curso de Enfermagem da UFPel: inserção no cenário nacional
A Universidade Federal de Pelotas, atendendo prioridade do Ministério
da Educação e Cultura (MEC), segundo orientação do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) no sentido da criação de novos cursos de
enfermagem, abriu o Curso de Enfermagem e Obstetrícia em 24 de agosto de
1976, o qual obteve reconhecimento em junho de 1980, ano em que graduou
sua primeira turma de alunos.
21
O Curso de Enfermagem e Obstetrícia foi criado vinculado a
Faculdade de Medicina, como um departamento dessa Faculdade, mas
mantinha as características de um curso independente. Era constituído por
órgãos responsáveis pelo ensino, pesquisa e extensão, um Departamento de
Enfermagem, um Colegiado de Curso - Graduação, um Conselho
Departamental, uma Coordenação de Especialização - modalidade de
expansão através da Rede de Pós-Graduação em Enfermagem da Região Sul,
conforme consta em seus documentos.
22
Em 1984, o departamento de Enfermagem desvinculou-se da
Faculdade de Medicina constituindo-se em Curso de Enfermagem e
Obstetrícia, com mais autonomia para gerir suas ações, transformando-se em
Faculdade logo após, em 1988, através de Portaria Ministerial.
O projeto político-pedagógico (PPP) que vigora no Curso de
Enfermagem data de 1997 e nele encontram-se informações de que o curso
surgiu em decorrência da expansão dos cursos de Enfermagem em âmbito
nacional, incentivados pelo MEC como forma de tentar resolver a desigualdade
da relação que havia entre o número de enfermeiros e o número de habitantes
do Brasil.
Segundo Luz (1991), na década de 70 assistia-se a um ensino médico
desvinculado da realidade sanitária da população, o que exigia um aumento de
profissionais na área da saúde para atender as necessidades da população.
21
Informações retiradas do site http://www.ufpel.tche.br/feo/sobre.html Acessado 09 de
setembro de 2007.
22
Informações retiradas do site http://www.ufpel.tche.br/feo/sobre.html Acessado 09 de
setembro de 2007.
62
Essa situação exigiu não apenas a formação de profissionais enfermeiros, mas
estendeu-se a formação de profissionais em outras áreas da saúde.
É interessante pontuar que no projeto político-pedagógico do Curso de
Enfermagem está escrito que o currículo mínimo dos cursos de graduação em
enfermagem era deliberado pelo Conselho Federal de Educação, através do
parecer 163/72, explicando que “o currículo vigente até 1996, relacionado na
proporção de 60% de atividades na área hospitalar e 40% na área
comunitária”.
23
Cabe salientar que nos anos que antecederam a reforma do currículo
alguns setores – escolas de enfermagem, associações de classe, conselhos
regionais e federal – desenvolveram estudos sobre os currículos dos cursos de
enfermagem. Tais discussões resultaram “na determinação da portaria
ministerial em dezembro de 1994, reeditada em 1996, que estabeleceu um
prazo limite, ou seja, o 1° semestre do ano de 1997, para a implantação do
novo currículo que previa carga horária mínima de 3.500 horas, tendo o Estágio
Curricular como disciplina obrigatória para a integralização curricular”.
24
Uma comissão de docentes do Curso de Enfermagem da UFPel foi
instituída para que, dentro do prazo estabelecido, estudasse e elaborasse uma
proposta curricular afinada com o discurso previsto na Portaria. Em setembro
de 1996 a proposta foi encaminhada e aprovada e nela consta que “o novo
currículo foi implantado, conforme previa a lei, em março de 1997, com carga
horária de 3.600 horas distribuídas em 9 semestres”.
Com essa determinação observa-se que, até 1996, o enfoque do
ensino da enfermagem era predominantemente para a área hospitalar
ocupando 60% das disciplinas do currículo e apenas 40% eram destinadas a
estudos que envolviam a área comunitária. O percentual acima referido estava
diretamente relacionado às exigências do Conselho Federal de Educação que
indicava para a formação de profissionais que, através da compreensão do
homem como elemento bio-pscico-social, em constante adaptação no meio,
fosse capaz de atuar nas várias fases do ciclo saúde-enfermidade. Percebe-se
23
Retirado do projeto político-pedagógico de 1997 do Curso de Enfermagem.
24
Informações retiradas do site http://www.ufpel.tche.br/feo/sobre.html Acessado 09 de
setembro de 2007.
63
que o foco da formação estava mais voltada para a assistência em
enfermagem do que para a saúde pública e comunitária.
O que se pode observar é que não houve mudanças significativas no
currículo além de pequenas alterações na grade curricular oriundas de estudos
específicos. De certa forma, é possível perceber que a formação de
profissionais preparados para tratar problemas da saúde pública não aconteceu
paralelamente às mudanças que ocorriam na sociedade com a implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS)
25
que regulamenta o direito de acesso à saúde
pública para todos. É como se a Universidade estivesse formando um perfil de
profissional cada vez mais questionado pela sociedade.
Nessa perspectiva, cabe ressaltar que a criação do Curso de
Enfermagem e Obstetrícia da UFPel deu-se em um momento político nacional
de tensionamento e discussões entre a saúde pública e a saúde de “massa”
26
cujo resultado delineava um novo cenário para tratar questões da saúde no
Brasil.
A discussão em nível nacional sobre os temas de saúde pública e
saúde de massa mobilizou os professores do Curso de Enfermagem em torno
da preocupação de como incorporar e priorizar no currículo as idéias que
permeavam as concepções em debate. Não houve, naquele momento,
preocupação dos docentes em melhor entender essa discussão em um cenário
nacional mais abrangente, inseridas nas políticas públicas para a saúde
brasileira. Aparentemente suas preocupações estavam voltadas para
materialização dessa discussão, através da inserção de disciplinas no currículo
do Curso que atendessem pelo seu conteúdo programático as novas
perspectivas explicitadas no discurso oficial.
Da leitura dos documentos
27
do Curso é possível observar que entre os
anos de 1992 a 1996 a Faculdade de Enfermagem oferecia Cursos de
Especialização em Saúde Comunitária o que de certa forma, mostra que as
25
A Lei do SUS é de 1990 e foi implementada pelo Decreto 99.438 / Decreto 4.878 / Decreto
4.699.
26
Termo usado por Luz para descrever o modelo de saúde massificado instaurado no Brasil
período da Ditadura Militar (1964-1984).
27
Informações retiradas do projeto político-pedagógico
64
preocupações para com a saúde pública já faziam parte das discussões
realizadas entre o corpo docente.
Em 1997, foram acrescidas disciplinas pedagógicas com carga horária
total de 270 horas transformando o Curso de Enfermagem e Obstetrícia em
Curso de Licenciatura Plena em Enfermagem e Obstetrícia.
Não encontramos no projeto político-pedagógico uma justificativa
explícita para a introdução das disciplinas pedagógicas que o transformou em
Curso de Licenciatura. Nesse sentido o que sabemos a respeito
28
é que com a
criação de diversos cursos
29
, em escolas de educação profissional que formam
técnicos de nível médio
30
em enfermagem houve uma procura por profissionais
da área que tivessem habilitação para serem professores nesses cursos.
Em agosto de 2001, o Parecer CNE/CES de nº 1.133 instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem,
Medicina e Nutrição. Esse documento expressa o perfil “exigido” para a
formação do profissional de enfermagem dizendo que o enfermeiro precisa ter
formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional qualificado
para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e
pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os
problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil
epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação,
identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes.
Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso
com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.
Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para atuar na
Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem.
No entanto, mesmo que o projeto político-pedagógico do Curso, de
1997, esteja em estudos para possíveis reformulações é possível observar que
o perfil de enfermeiro nele expresso, mostra que existe preocupação com uma
formação voltada para a saúde comunitária.
O fragmento a seguir, que trata do perfil do enfermeiro, extraído do
texto do PPP diz que:
28
Obtivemos essas informações em conversas informais (não gravadas) com professores do
Curso.
29
Pelo menos em Pelotas existem várias escolas que ministram esse curso.
30
O SENAC, dentre outras, é uma das Escolas que criou o curso técnico de nível médio em
enfermagem.
65
O enfermeiro é o responsável legal pela equipe de enfermagem (formada
por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), atentando para a
promoção, manutenção e recuperação da saúde de indivíduos, famílias e
comunidades. Participa do diagnóstico, planejamento e direcionamento das
ações de saúde institucional, municipal, regional e nacional, concretizadas
através da assistência, do ensino, da pesquisa e de projetos específicos
para grupos ou comunidades.
Também se encontra explicitado no PPP considerações a respeito do
currículo que complementam a idéia anterior. Nele é mostrado a dificuldade de
trabalhar no sentido de uma formação integral do aluno quando o currículo é
apresentado de forma fragmentada, com disciplinas isoladas, pois “observa-se
ementas e conteúdos não integrados entre si, o que fortalece uma visão de
homem e sociedade desvinculada da realidade”.
31
Nesse sentido podemos
inferir que o trabalho desenvolvido na perspectiva de proporcionar ao aluno
uma visão mais global das suas possibilidades de atuação e responsabilidades,
quando ingressam no mercado de trabalho, é dificultado pela forma como está
estruturado o currículo do Curso.
A perspectiva de pensar alternativas de estruturação para o currículo
que atenda ao que está explicitado na Lei, foi uma das razões que levou o
grupo de professoras do Curso de Enfermagem à Faculdade de Educação,
conforme já mencionado anteriormente.
Entretanto, para além de estruturar uma nova grade curricular, existe
preocupação por parte desses docentes em refletir e estudar práticas que
efetivem as mudanças apontadas.
Assim, analisar suas expressões sobre as práticas que desenvolvem,
sobre as reflexões que fazem a respeito das possibilidades de mudanças,
sobre as identificações que tem com a carreira docente e sobre as implicações
das DCN sobre suas práticas mobilizou esse estudo.
4.1.1 Iniciando o percurso de análise: o que expressaram os
interlocutores sobre as repercussões das DCN nas suas práticas
As diretrizes curriculares apontam que “os conteúdos essenciais para o
Curso de Graduação em Enfermagem devem estar relacionados com todo o
processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à
31
Fragmento extraído do item que trata do marco metodológico.
66
realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das
ações do cuidar em enfermagem”
32
. Nessa perspectiva as iniciativas no Curso
de Enfermagem de tornar o currículo e as práticas pedagógicas mais
integradas e mais globalizadas além de facilitar o processo de ensinagem
33
também estarão respaldando o que está exposto nas DCN. Entende-se que
todas as disciplinas deverão estar relacionadas com a finalidade primordial do
cuidar em enfermagem.
Para alguns docentes já existe o exercício de uma prática na direção
de integração de disciplinas e de conteúdos conforme está explicitado nas
DCN. Entretanto, há que se complementar que alguns deles expressaram que
esse trabalho só é realizado efetivamente no último semestre do Curso. Nesse
sentido, uma das professoras entrevistadas explica que é mais fácil integrar
porque o aluno já passou por todas as disciplinas e enfatiza que a modalidade
de pensar os conteúdos de forma integrada é pouco trabalhada ainda nos
semestres anteriores, então quando chega no nono semestre fica mais fácil
porque é a formação dele. Complementa dizendo que o princípio da formação
mais integrada está na formação do aluno concluinte que a gente vem fazendo
há bastante tempo, eu acho que (as DCN) só vem reforçando, é uma coisa que
a gente vem fazendo.
Esta professora trabalha com o aluno concluinte e através da sua fala
entendemos que ela procura facilitar, através do estágio, a integração dos
conhecimentos. Elucidando essa idéia, Leite (apud Anastasiou, 2005, p.49)
alerta para o conhecimento tratado como produto, que dessa maneira cabe
perfeitamente em uma formatação de grade curricular onde cada professor dá
conta de uma parte, que cabe a sua disciplina, despreocupando-se com as
demais. Ficaria assim, sob a responsabilidade do aluno, fazer a síntese no
momento do estágio ou do trabalho de conclusão de curso, os temidos TCCs,
temidos porque ali o aluno terá que fazer por si e solitariamente as sínteses
que o currículo em grade não facilitou nem propiciou.
32
Trecho extraído das Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem.
33
Expressão criada por Anastaziou para referir-se a um processo de ensino e aprendizagem
que se desenvolva através de parceria deliberada em professor e aluno.
67
Por outro lado a capacidade de trabalhar coletivamente na direção de
buscar integração entre as disciplinas do curso parece ser uma barreira a ser
transposta por alguns docentes, pois de acordo com um dos entrevistados isso
que mais mexe... porque eu penso que não sou só eu, que a maioria de nós
não sabe muito trabalhar junto, o que me assusta é como a gente vai aprender
a trabalhar junto, nós colegas.
Outro docente expressou-se no mesmo sentido dizendo que pensar
assim como que eu vou sentar com o colega de uma outra área específica que
eu nem sei direito o que ela pensa e trabalhar com um grupo de alunos junto
com ela, isso que mais vai mexer comigo. Porque é muito fácil e cômodo como
está agora eu faço o planejamento, vou lá, dou as aulas....não preciso ficar
fazendo esse tipo de interação com outro colega. Tem colega que eu convivo
há 14 anos e nem sei direito o que ele faz dentro da sala de aula. Não sei o
que ele pensa e acho que o desafio maior para mim das diretrizes é “o que nós
vamos dar conta de integrar”.
Expressões como as anteriores nos remetem as reflexões de Anastasiou
(2005), quando ressalta a importância de cada disciplina contribuir em prol da
estrutura do conhecimento mais globalizada e coerente, incluindo em suas
reflexões a dificuldade dos docentes para trabalharem de outra forma.
Percebe-se que não basta alterar apenas a estrutura do conhecimento,
mas também a visão que os professores têm do conhecimento com o qual
trabalham. Na mesma direção, pensamos que qualquer tentativa de tornar os
conhecimentos trabalhados nas salas de aula mais globalizados e integrados
implica, também, em pensar a reestruturação do conhecimento que dá
sustentação à formação do profissional que se pretende formar.
Essas reflexões nos remetem ao que Santos (2004) diz referente às
situações de integração de conhecimentos que obriga o conhecimento
científico a confrontar-se com outros conhecimentos, exigindo um nível de
responsabilização social mais elevado às instituições que o produzem, como as
Universidades.
Para Santos (2004) a instabilidade causada pelo impacto destas
pressões contrapostas cria impasses onde se torna evidente que as exigências
68
de maiores mudanças vão freqüentemente de par com as maiores resistências
à mudança.
Ao discutir a situação da enfermagem, Ramos (2004) mostra questões
onde é possível reconhecer que em muitas das profissões de caráter técnico, a
formação sempre esteve fundada na premissa de um ensino prático.
As reflexões de Ramos (2004) aparecem na fala de um docente quando
se refere às mudanças e aos impactos da DCN no Curso. Perguntada sobre as
possíveis mudanças na sala de aula, ela diz ela que haverá mudança sim, na
prática de sala de aula e, na prática do campo de estágio acho que vai ter
bastante. Não sei se nós estamos preparados pra essa mudança que a gente
está querendo implantar. Acho que é uma mudança bastante grande em
relação ao currículo atual.
Na mesma perspectiva, uma professora complementa essas idéias
dizendo que as DCN dos cursos da área da saúde estão fundamentadas no
SUS e o que a gente vê hoje, os nossos alunos tem pavor da saúde pública.
Por que lá não tem equipamentos, não tem coisas mais sofisticadas, não tem
pacientes muito graves, eles vão ter que trabalhar na perspectiva da
prevenção, da atenção básica da saúde, porque como o SUS é uma porta de
entrada eles só chegariam ao hospital quando realmente houvesse
necessidade, os alunos têm uma dificuldade tremenda eles chegam numa
Unidade Básica, dizem: ah não tem nada pra fazer. Porque não tem um
curativo grande, não tem um paciente grave, esse tipo de coisa, muito
tecnicista. E com as diretrizes os alunos vão aprender desde o primeiro
semestre a trabalhar essas questões, fazer a intervenção, não só na questão
da doença, mas da prevenção para não chegar a doença. Eu acho que as
diretrizes curriculares avançaram muito nessa situação e que vai mudar
realmente a formação.
Utilizando o conceito bernsteiniano de códigos, é possível afirmar que o
novo enfoque trazido pelas DCN, traz juntamente consigo um novo princípio
regulativo, que acaba conflitando com o código compartilhado pelos
professores até então.
69
Ao regular as formas de consciência, os códigos expõem algo como
verdadeiro fazendo com que os sujeitos eles ajam de determinada forma a
partir da posição em que se encontram. Daí uma explicação para a dificuldade
de se transformar alguns aspectos do processo de ensino e aprendizagem na
Universidade em prol da aula mais dinâmica, pois os códigos que regulam o
contexto da prática docente, na maioria das vezes, foram reconhecidos e
assumidos como legítimos. Sendo assim, os códigos exercem poder de
coerção sobre os sujeitos, o que faz com que ele possa perdurar por muito
tempo. Mas ao mesmo tempo em que posiciona e que expõe algo como
legítimo e verdadeiro os códigos também trazem consigo um potencial de
mudança. Como afirma Bernstein (1996, p.51), o código “traz consigo o que
ainda não foi vocalizado”, o que ainda não foi pensado e que pode constituir-se
em uma potencial de mudança, de nova relação de poder.
Portanto, não está se afirmando que o código irá se alterar
repentinamente, mas este é o início do processo que está começando a
delinear neste curso novos significados relevantes, novas formas de realização,
novos contextos evocadores (BERNSTEIN, 1996). Com a nova proposta das
DCN, as contradições existentes em toda a relação de poder vão se tornando
mais visíveis possibilitando mudanças.
Porém, ao mesmo tempo que foram assumidos e reconhecidos como
legítimos ainda para ser vocalizado
As expressões dos professores deixam transparecer que as mudanças
pretendidas só serão levadas a efeito se forem pensadas numa concepção
epistemológica diferente da tradicional. Alguns deles revelaram que a
percepção de conhecimento que está presente no conteúdo que ensinam
precisa ser revisitada. Uma professora disse que não sei se a gente tem
conhecimento... a minha maior preocupação é se a gente vai ter suporte
suficiente para implantar essa mudança, tão radical em relação ao que é hoje.
Acabando praticamente disciplinas, porque o grande problema hoje é que se
discute as disciplinas, cada um com coisas pontuais sem ter muito essa
interligação, entre o que um dá e o outro dá. Complementa dizendo que o que
mais mexe em relação ao trabalho é a possibilidade da integração, de como tu
70
trabalhar esse conhecimento que não seja de uma forma tão disciplinar e que
esse conhecimento possa ser mais integrado.
Por mais difícil que seja trabalhar coletivamente e integrando
conhecimentos é através de tentativas como essas que a visão do
conhecimento por parte dos professores poderá reconfigurar. Retomando
Anastasiou (2005, p.49), “mesmo que o docente pretenda apenas lidar com
uma parte do conhecimento, terá dificuldades em não favorecer a interação,
pois o Projeto Político-pedagógico já se organiza nessa outra forma”.
Outros depoimentos também expressam preocupação nesse sentido
quando os docentes explicam que o fato das DCN dizer que tem que ser
integrado e o fato da gente pensar até aonde nós conseguimos integrar. Para
mim esse é o maior desafio, é o que mais vai mexer com o meu processo de
trabalho hoje. Eu acho que precisa mais, na verdade mais leitura e mais
conscientização dos professores porque a gente ainda está naquela linha
antiga, que isso (conteúdo) é meu e ninguém mexe.
Um interlocutor referiu-se a formação dizendo que ela às vezes é meio
rústica para mudança, quando tem que ter a mudança... acho que em todo o
processo quando tu tem uma mudança, há uma resistência muito grande em
querer se adaptar as novas diretrizes, acho que aquilo (conhecimento) é meu e
tem que morrer comigo, e tem que ficar só comigo.
Na estrutura curricular do Curso, o estabelecimento dos limites de cada
disciplina pode ser uma das causas que interfere na forma como os
professores lidam com os conhecimentos da disciplina com a qual trabalham.
As disciplinas estão organizadas sob determinada lógica dentro da estrutura
legitimada para o conhecimento. Nesse contexto, torna-se difícil que o
professor encontre alternativas para a sala de aula que integre os conteúdos.
Essa condição nos permite pensar no que Bernstein (1996) chama de poder
explicando que o poder também é atuante nas relações entre as disciplinas.
34
A maneira como o poder se manifesta e se mantém é denominado por
Bernstein de classificação. A classificação atua entre as disciplinas
estabelecendo barreiras entre elas, legitimando o que é aceito ser estudado na
34
Aqui estamos associando o termo categoria, definido por Bernstein, à disciplina de ensino.
71
disciplina “A” e o que de responsabilidade da disciplina “B”. Uma classificação
forte
35
estabelece sólidas barreiras entre as disciplinas dificultando o diálogo e
qualquer tipo de interação. Através das expressões destes docentes percebe-
se a dificuldade existente em relacionar os conhecimento entre si e com outros
de modo a favorecer outras maneiras de organização dos conteúdos.
No entanto, existe um movimento no sentido de mobilizar os
professores para estudar as DCN e viabilizar a prática do discurso oficial,
embora alguns professores expressem que a concepção de formar um
enfermeiro generalista já é presente no Curso. Como disse um docente essa
faculdade de enfermagem já vem desde a sua fundação com uma idéia
bastante voltada pra enfermeiro generalista.
Em relação à implantação das DCN um docente afirmou que o grupo
vem discutindo e amadurecendo essas idéias, conversando... pensar como que
nós vamos botar isso na prática. Então acho que estamos tentando nos
conscientizar dessa necessidade para depois então aplicar.
No mesmo sentido outro docente complementa que é importante e
necessário discutir mais porque as diretrizes trazem uma proposta muito boa
para a mudança do currículo. Perguntar “que enfermeiro nós queremos
formar”? Então através da leitura das Diretrizes, a gente consegue absorver
para poder fazer as mudanças que são necessárias e importantes.
O que se pode observar das falas dos professores em relação às
repercussões das DCN em seu trabalho cotidiano é que eles estão construindo
um processo de discussão e compartilhamento de idéias para darem conta da
mudança que precisa ser empreendida. Os docentes já perceberam que uma
mudança dessa natureza só será possível quando for alterada a lógica de
organização do conhecimento na proposta curricular.
Não foi possível aprofundar a partir das falas o conceito de currículo
integrado de Bernstein. Os professores têm uma idéia de que o currículo
precisa sofrer alterações, mas não descrevem alternativas sobre uma nova
reestruturação dos conhecimentos. Pode-se exemplificar com uma das falas
35
Bernstein (1996) aponta quatro níveis de classificação que oscila entre forte e fraca. Quanto
mais forte a classificação, mais forte os limites que a definem.
72
quando uma das professoras foi questionada sobre os impasses enfrentados
para atender as DCN, ela responde Mudar o nosso currículo, acho que isso é
uma das coisas. Pra isso precisa instrumentalizar os professores,... pra tomar
essa posição segura... A gente não ta querendo só cumprir uma formalidade, a
gente ta querendo realmente mudar, mudar e aproveitar essa oportunidade pra
mudar, porque a gente acredita também que esse currículo não ta mais
atendendo as necessidades do mercado então do que hoje é preconizado.
Importa ressaltar que esta entrevista foi realizada num determinado
momento do processo de reflexão e estudo do grupo, que atualmente já pode
ter tomado outras formas, o que pode ter interferido em novas concepções
entre os professores.
As DCN enfatizam a importância do projeto político-pedagógico “buscar
a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre
o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência”.
Quem vai elaborar o projeto político-pedagógico são os professores
deste curso através de uma leitura e interpretação dessas diretrizes para a
comunidade em que este curso se insere. Neste sentido recorremos
novamente a Bernstein (1994) quando fala sobre a recontextualização que
significa trazer para o contexto específico o que está estabelecido nas
diretrizes resignificando para o novo campo e, conseqüentemente, gerando um
novo discurso pedagógico específico. Os professores são os reprodutores do
que está estabelecido nas DCN e os alunos os adquirentes.
Entendemos que essa é uma etapa que requer mobilização coletiva,
tempo e conquista do espaço para a mudança.
Os relatos dos professores mostraram que a estrutura do Curso está
organizada para um modelo de ensino e de aprendizagem que desarticula o
conhecimento favorecendo espaços individuais. Isso faz com que o professor,
de certa forma, proteja seu espaço e não se abra para o que é coletivo, o que
torna mais difícil a construção de propostas que rompem com a lógica da
fragmentação.
5. As expressões dos professores sobre o exercício da
docência, práticas e concepções de conhecimento:
continuando o percurso de análise
Conforme descrito anteriormente, os profissionais que atuam como
professores no ensino superior possuem identidade profissional que se mescla
entre a docência universitária e a carreira profissional que desenvolvem no
mundo do trabalho. Como docentes universitários, suas ações se alicerçam
mais no âmbito da pesquisa científica do que com propostas alternativas para a
sala de aula, ou seja, para o ensino que desenvolvem. Em nenhum momento
lhes é exigido estudos referentes à sua prática pedagógica, nem no ingresso
como docentes universitários e nem posteriormente durante a sua atuação.
Essa condição, na maioria das vezes, faz com os docentes universitários
repitam os modelos aprendidos com seus ex-professores, perpetuando a idéia
de que basta uma sólida formação científica para dar conta do ensino que
devem desenvolver, repetindo conteúdos sem grandes questionamentos sobre
sua utilização no momento atual.
No entanto, algumas iniciativas são vislumbradas e nelas encontramos
algumas possibilidades de ruptura com o discurso que enfatiza que para
ensinar basta saber os conteúdos específicos de suas disciplinas.
Com o intuito de entender como nossos entrevistados posicionam-se
diante da sua formação de origem e o exercício da docência, observou-se que
eles valorizam esta formação como um condicionante importante para serem
professores.
74
Perguntados sobre as contribuições que a formação específica na área
da enfermagem dá para o desenvolvimento de suas aulas os professores, são
unânimes em afirmar que é importante alicerçar suas aulas em conhecimentos
específicos, mas externaram preocupações com a questão pedagógica.
Dos cinco interlocutores, três fizeram, explicitamente, referência a
necessidade de formação pedagógica quando assumem a docência. Eles
responderam que acho que a gente tem a formação técnica e teórica para
desenvolver a prática, mas para dar aula eu acho que falta a parte teórica
pedagógica... eu diria que dentro da sala de aula, no exercício da docência eu
preciso uma sustentação teórica para aquela prática, para as ações...aspectos
referentes ao ensino eu preciso de sustentação teórica, só a prática não dá
conta... o que contribuiu muito para eu ser professora foi o mestrado em
educação pois me propus a estudar muitas outras coisas que minha formação
como enfermeira não me deu, pensando no campo da educação.
Embora não expresse diretamente a necessidade de formação
pedagógica, uma professora fala da importância de um aprofundamento
teórico, ao explicar que muitas ações de enfermagem que eu faço eu posso
fazer, mas dentro da sala de aula, no exercício da docência, eu preciso de uma
sustentação teórica para aquela prática, para aquelas ações.
O relato acima mostra como um aspecto importante para ser professor a
necessidade de levar para os alunos uma justificativa para as ações da
enfermagem. Diz que precisa de uma explicação teórica que mostre a
importância das suas ações indicando que há necessidade de sistematizar,
reorganizar as ações da enfermagem que ela exerce na sua prática profissional
para torná-las objeto de ensino. Pensar sobre as suas ações profissionais para
levá-las para a sala de aula, faz com que a professora pense sobre as suas
ações, e o que é realmente relevante ser transformado em objeto de ensino.
Conforme explica Anastasiou (2005) este processo é único e pessoal e
mesmo que se possa levá-los aos alunos, chegará um momento em que o
graduando por si só terá que percorrer o mesmo caminho da professora.
Outra professora contou que fez o Curso fora de Pelotas e que nele
cursou uma disciplina chamada Didática aplicada a Enfermagem explicou que
75
através dessa disciplina eu acho que ela me deu subsídios ... e essa disciplina,
assumindo a docência, me deu embasamento que pude trazer para a prática
de enfermeira...
Zabalza (2005, p.111) argumenta que ensinar requer altas exigências
intelectuais e por esta razão apenas a disciplina de didática seja pouco para
fornecer um conhecimento mais rico para o exercício da docência visto que, na
visão deste mesmo autor, educar também exige:
saber agir de acordo com as condições e características apresentadas pelo
grupo de estudantes com que se tenham de trabalhar (...); ser capaz de
estimulá-los a aprender, a pensar e a trabalhar em grupo; transmitir-lhes a
paixão pelo conhecimento, pelo rigor científico, pela atualização, etc.
Apenas um dos entrevistados não fez referência à questão pedagógica e
disse que é extremamente importante a formação profissional para poder
passar (para os alunos). Não só a graduação, depois principalmente a
especialização ajuda bastante nessa questão de sala de aula. Sendo
especialista numa determinada disciplina dá mais segurança para chegar lá
(sala de aula) e conversar com o pessoal e transmitir.
Pimenta (2002) mostra que a identidade do professor universitário ainda
está alicerçada primeiramente da sua área de formação na graduação. Quando
se tornam professores, esta visão ainda permanece muito arraigada, inclusive
nas suas ações como professores. Para essa autora, a construção da
identidade docente é gestada a partir dos estudos formais iniciados na
graduação seguido das especializações.
Um entrevistado explica: preciso buscar outros conhecimentos, outras
formações, me atualizar, buscar outras práticas independentes do título que eu
tiver como enfermeira, eu preciso buscar me atualizar, o fato de eu ter um título
de doutor não significa que eu seja ótima, excelente, o que basta para ser
professor.
Outro docente diz que a formação como enfermeira não é suficiente mas
ela é importante porque a enfermagem é extremamente educativa.
No mesmo sentido foi enfatizado por um de nossos entrevistados que o
enfermeiro por si só já é um educador, porque se ele não tem a sala de aula
ele tem a equipe dele, tanto nas instituições hospitalares, quanto nas Unidades
76
Básicas de Saúde, que ele é um líder da equipe, sempre líder da equipe, então
ele tem a função e a própria formação nossa já nos leva a ser um educador,
então na sala de aula pelo menos por causa do tempo, eu não sinto tanta
dificuldade, de domínio de sala e de domínio de classe.
O depoimento de um deles foi que para me dar sustentação para a sala
de aula só a formação docente não dá conta, mas só a formação como
enfermeira também não, eu acho que preciso me instrumentalizar, ter
sustentação teórica, um referencial teórico.
Analisar as diferentes concepções expressas pelos docentes nos remete
ao que afirma Zabalza (2004, p.18) quando diz que
a cultura das organizações está relacionada com a sua própria identidade
diferencial: o modo de ser e atuar de um grupo de indivíduos é o que os
diferencia uns dos outros. Dentro de um grupo podem se criar hábitos,
valores e idéias em comum.
Como o autor revela, não é fácil identificar os “hábitos das instituições
universitárias”
36
mas é algo relevante na medida em que auxilia-nos a ver não
só os costumes, mas principalmente os significados dos acontecimentos no
mesmo local de trabalho.
Na perspectiva de Pérez Gómez (2000) o comportamento docente
reflete um delicado e emergente compromisso entre seus valores, interesses e
ideologia. O campo profissional de origem e o lugar que a disciplina ocupa na
grade curricular do curso também é um fator a ser mencionado, pois reflete
concepções e compromissos do docente com o trabalho que desenvolve.
Essa situação foi enfatizada por um docente quando afirmou que
trabalha disciplinas bem profissionalizantes e é extremamente importante a
formação e a vivência, não só a formação mas a vivência. Os exemplos que a
gente usa são exemplos que a gente vivencia na prática. É extremamente
importante a formação profissional.
Salientou também, que a minha área é enfermagem psiquiátrica, dentro
da psiquiatria como um todo, há a grande discussão da reforma psiquiátrica e
dos hospitais psiquiátricos. Eu penso que os dois são importantes e os dois
36
Termo utilizado por Zabalza (2004).
77
têm o seu momento. Uma coisa que eu não concordo por exemplo, com a idéia
da reforma psiquiátrica é o fechamento da instituição. Eu acho que no
momento que o paciente está naquela fase... ele precisa vir pra cá.
Na resposta desse docente foi apontado à importância de desenvolver
suas aulas em um local específico, alegando ser isso muito, pois ela requer
espaço apropriado devido a sua especialidade.
É importante salientar que esse depoimento pode ser entendido na
esteira de Hargreaves (1998) quando se refere ao conteúdo e a forma da
cultura docente. Segundo ele, a forma da cultura docente define as condições
concretas em que se desenvolve o trabalho dos docentes, especialmente o
modo como se articulam suas relações com os demais colegas. Nessa
perspectiva, as formas de relacionamentos entre os professores têm papel
significativo na modificação do modo de pensar e fazer desses profissionais.
Zabalza (2004, p.84) explica que “diversos componentes da cultura das
Universidades estão especialmente relacionados com tipo de práticas
formativas nelas desenvolvidas”. O lugar de atuação, as disciplinas que os
professores ministram dentro de um currículo também contribuem para a sua
formação.
São maneiras distintas de encarar a profissão que, em alguns casos, se
relaciona com a identidade de cada professor, ligadas as suas área de
formação, de ação na profissão a partir de lugares epistemológicos distintos e é
a partir dessas diferenças que se constrói e se mantém a cultura da
Universidade.
Na concepção de Zabalza (2004, p.84) “a idéia de cultura institucional
deve ser compreendida como um conjunto harmônico de facções e não como
uma unidade sólida”. As diferenças corroboram para a manutenção da
identidade que o autor denomina de “sistemas compartimentados de
convivência”.
Na esteira de Bernstein (1998) podemos entender que a delimitação da
área específica do conhecimento explicitado por esse respondente delimita seu
campo de atuação ao hospital e a uma disciplina específica. Percebe-se que
existem indícios do que Bernstein (1998) chama de enquadramento, como
78
sendo algo que controla as relações que acontecem dentro de uma categoria,
de certa área do conhecimento ou disciplina. O enquadramento atua para
manter a ordem no interior destes contextos, criando mecanismos para
justificar a separação dos conhecimentos que fazem parte de disciplinas
específicas. Isto é fundamental para que o poder se mantenha e perdure.
Outra dimensão de análise foram os desafios enfrentados na carreira
docente, uma vez que sua profissão de base é a enfermagem. Perguntados
sobre esse aspecto e sobre seu ingresso na carreira um professor respondeu
que no início tem aquela coisa da própria insegurança de quem está
começando... outro desafio, que este a gente leva a vida inteira, é o desafio da
atualização, porque se a gente está como profissional trabalhando como
enfermeiro numa instituição, claro que tem que se atualizar mas a exigência
não é tão grande de quem está na instituição (de ensino). Então eu acho que o
grande desafio é enfrentar esse contato com aluno, este dia a dia com aluno,
que ele nos cobra, nos conhecimentos, nos cobra atualização. E acho que este
é um grande desafio.
No mesmo sentido, outra entrevistada disse que a atualização torna-se
atualmente um grande desafio para o professor. Ela explica que na carreira
como docente os desafios é estar sempre atualizado, é correr atrás do
conhecimento, hoje com todos os meios de comunicação, internet... os alunos
estão buscando, se atualizam muito rapidamente e isso faz com que o
professor tem que correr atrás, muito mais do que em outras épocas.
Expressões como as anteriores revelam que a sala de aula torna-se um
constante desafio, pois como bem explica Cunha ( 2007, p. 18):
O acesso a informação cada vez mais prescinde da instituição
escolar/universitária para sua circulação. A revolução tecnológica está
produzindo a fórceps uma nova profissionalidade docente. Não há mais
lugar para a clássica percepção do professor como principal fonte de
informação, depositário da verdade e das certezas que, na frente dos
alunos, esmera-se para transmitir tudo o que sabe. É necessário que o
professor seja ponte entre o conhecimento disponível e as estruturas
cognitivas, culturais e afetivas dos educandos.
É interessante salientar que uma das professoras refere-se aos desafios
relacionando-os ao retorno que os alunos devem dar em sala de aula,
vinculando o ensino que desenvolve ao processo de aprendizagem. Explica
79
que os desafios foram os mais variados possíveis: eu digo para os meus
alunos a Universidade não forma, informa, e a partir daí tu busca uma
especialização, um mestrado, um doutorado, tu busca outras referências..
Então eu tive dificuldades de sala de aula, era muito preocupada com o que eu
ia aprovar junto ao aluno, os planos de ensino, os objetivos do plano de ensino,
depois os feedback o retorno do conteúdo que eu dava, tudo isso são barreiras
que a gente passa. Nesse sentido, podemos entender que a professora
procura trabalhar na perspectiva apontada por Anastasiou (2005) quando
chama a atenção para uma das condições necessárias ao desenvolvimento do
processo de ensinagem, que é a parceria deliberada e consciente. Para a
autora, “parceria deliberada” significa que os dois sujeitos irão opinar, discutir e
refletir juntos sobre a condução do processo na sala de aula.
Optou-se também, em pontuar, a partir das falas dos professores, como
eles se posicionavam quanto aos saberes profissionais para o exercício da
docência. Eles indicam os saberes oriundos da profissão de base para
estruturar o conhecimento específico que devem trabalhar em sala de aula.
Nessa direção um docente explicou que os saberes da profissão de enfermeiro
lhe deram a fundamentação para entender o que é específico dessa profissão
de enfermagem: Para isso! Porque eu considero que eu sou uma docente que
trabalho com a especificidade de ser enfermeiro. Os saberes e práticas da
saúde mental que eu penso que são coisas do campo não são coisas
específicas do núcleo do ser enfermeiro. É claro que eu entendo que o fato de
eu ser enfermeira e trabalhar cinco anos como enfermeira, foi fundamental para
conseguir ensinar um pouco o que é essa profissão.
Interessante salientar que um interlocutor disse que como a enfermagem
é extremamente educativa, grande parte das nossas ações tanto na prática
como na teoria, elas são educativas, a gente trabalha com a promoção da
saúde, com prevenção e cuidados curativos como a gente pode dizer. Para
tudo acaba usando sempre a educação. Na maioria dos trabalhos e coisas que
a gente faz aparece a educação e a comunicação como uma das nossas
práticas mais importantes, eu acho que em tudo o que a gente faz ela
(educação) passa interligada.
80
Depoimentos como esses ajudam a entender que os professores
empenham-se em desenvolver uma prática na direção de vislumbrar os
princípios declarados nas DCN quando esses referem-se a formação
generalista, autonomia, flexibilidade, pluralidade, integração e
interdisciplinaridade sempre acompanhadas de teorizações e interpretações
diversas. Entender que a educação é um processo que acompanha os
acontecimentos em sala de aula e o processo de ensino é fundamental para
tratar os conteúdos de ensino.
5.1 Explicitando e analisando as falas sobre o trabalho coletivo para a
construção do projeto político-pedagógico
As Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecem que aspectos devem
ser priorizados na formação discente a fim de se atingir o perfil do aluno
egresso que ela estabelece. Fica a cargo da Universidade definir estratégias
para alcançar tais objetivos através da organização dos conteúdos, das
atividades a serem desempenhadas na condução do processo de ensino e
aprendizagem, entre outros.
Nesse sentido entende-se que os professores precisam ler, discutir e
refletir sobre as DCN a fim de definir estratégias e maneiras de sistematizá-las
através do PPP. Estas reflexões e discussões necessitam ser feita em conjunto
para se criar um projeto comum que tenha contribuição de todos os docentes
oriundos de diferentes áreas. Como explica Veiga (2004) o projeto exige
“reflexão compartilhada de pontos de partidas e concepções iniciais”.
O projeto político-pedagógico é o documento que deve reunir a re-
leitura das DCN e sistematizar quais as ações a serem desenvolvidas dentro
da realidade do Curso. O projeto apresenta as especificidades da instituição, as
necessidades da comunidade onde os alunos atuarão. Este documento é fruto
de discussões entre os professores e, na concepção de Veiga (2004, p.75) o
projeto político-pedagógico “é complexo, porque procura compreender o
sentido político do que realizamos como professores e pesquisadores”. O
debate que leva a elaboração do PPP é um importante momento onde
conflitam idéias e concepções diferentes e onde se problematizam, também, as
questões das Universidades.
81
Na tentativa de compreender como ocorre a participação dos
professores nas discussões que envolvem leitura e elaboração do projeto
político-pedagógico incentivamos os entrevistados a falar sobre esse tópico.
Um aspecto em comum encontrado na fala dos professores é que as
discussões referentes ao projeto sempre foi motivada por fatores externos, por
cobranças externas que exigiam reformulações no currículo.
Uma interlocutora, que ingressou na faculdade em 1980 e assumiu
funções do colegiado do curso até 1997, explica que as discussões para a
elaboração do PPP ficavam restritas à organização de disciplinas no semestre,
diminui, aumenta carga horária, troca pré-requisito. Outro respondente disse
que quando se iniciou o curso, o nosso curso fez 30 anos, eu cheguei aqui 1
ano depois, nós tínhamos uma proposta que seguir, uma tábua curricular, o
currículo mínimo e nesse currículo nós trabalhamos vários anos.
O enfoque do currículo também era outro, conforme explica uma
docente até 97, ele era só voltado praticamente para área hospitalar, um
percentual muito grande para a área hospitalar e quando chegava na saúde
pública ele reduzia consideravelmente.
Na esteira das considerações de Veiga (2005, p.51) isto poderia ser
decorrente da visão de que “o projeto político-pedagógico é uma ferramenta
ligada à justificação do desenvolvimento institucional nos moldes empresariais”.
Portanto, é compreensível que as discussões ficassem condicionadas
ao tipo de profissional que se pretendia “entregar” ao mercado e, nesse
sentido, a atuação do professor limitava-se a estes condicionantes.
Ainda recorremos a Veiga (2005) quando explica que a racionalidade
técnica se vale de ferramentas para a manutenção do que está estabelecido de
diferentes formas e talvez uma delas, dentro da Universidade, seja a idéia que
perpassa de que não há outras formas de se reorganizar o conhecimento, de
se repensar um novo projeto político-pedagógico.
Porém, em 1997 começou a se fazer necessário mais reflexões sobre o
perfil de enfermeiro que se queria formar e, conseqüentemente o enfoque do
currículo do curso sofreu alterações significativas. Como explica uma
professora: pegamos uma reforma, foi onde a gente conseguiu botar 50% (do
82
conteúdos) para cada área. Eu já vinha fazendo essa discussão conseguiu-se
fazer aquela mudança, onde a gente mostrava que não era só a grade
curricular, trazia o perfil do nosso aluno, as competências, habilidades, já tinha
uma preocupação maior, para que ele (o aluno) ia servir.
Atualmente, os professores estão discutindo sobre o profissional que
precisam formar e, cada vez mais, são instigados a se interar dessas
discussões. No entanto, como até então prevalecia o perfil de profissional de
enfermagem formado para trabalhar na área hospitalar, acredita-se que as
mudanças não irão acontecer em um curto espaço de tempo, pois é necessário
que os docentes estejam familiarizados com o “outro” perfil explicitado nas
DCN.
Para socializar esses conhecimentos o estabelecimento de métodos
que favoreçam uma apropriação coletiva é importante (ANASTASIOU, 2005).
Diante das novas perspectivas para a formação do enfermeiro deu-se início a
um processo de busca de alternativas para discutir para se compreender no
coletivo o que é esperado do profissional em enfermagem. Este é um
momento, segundo Veiga (2005), de se reafirmar a competência da
Universidade de propor, executar e avaliar um projeto de formação de
profissionais em nível superior.
Ao contar sobre esse momento vivenciado na Universidade, outra
professora critica que as discussões eram sempre muito preocupadas em
termos de tábua curricular, conteúdo, e se trabalhava um pouco o perfil do
profissional enfermeiro que nós queríamos formar, mas quando terminavam
essas discussões sempre estava direcionado, fechadinho a tábua curricular.
Embora existam tentativas de fazer diferente, a lógica da organização
curricular em disciplinas fragmentadas, ainda é muito presente. Como explica
Anastasiou (2005, p.49), muitas instituições tentam integrar o currículo mas
sem alterar a sua lógica. No processo de reconfiguração de conhecimentos ele
poderá ser apresentado tanto como algo pronto e acabado, como algo
potencializador de novas experiências, de novas formas de pensar o
conhecimento. A lógica de organização dos conhecimentos compartilhada
pelos professores é baseada numa visão cartesiana e “o modelo racionalista
83
está de tal forma entranhado que não facilita ações integrativas dos saberes
por parte dos alunos”.
Ao falar sobre a dimensão humana do projeto político-pedagógico Veiga
(2005, p.78) explica que como geralmente os professores e alunos são aqueles
que concebem, executam e avaliam este documento, ele é um produto de uma
ação humana. Para a autora “as relações entre sujeitos se assentam nas
relações entre a instituição educativa e o contexto social mais amplo”. Mais
importante do que definir objetivos, talvez seja as estratégias para atingi-los. As
relações humanas no interior da Universidade devem ser reforçadas, entre os
docentes e entre os alunos, que podem ser convidados para discutir e refletir
sobre as atividades curriculares, algo que os tornará mais comprometidos com
o seu próprio processo de formação.
Uma das entrevistadas expressa que faltam ações mais concretas em
prol da concretização de um projeto comum: a gente vem discutindo há muito
anos, eu acho que está faltando mesmo isso sair do papel e botar na prática.
Ela ainda diz que o momento de discussão vivenciado atualmente na instituição
deixa-os com a corda no pescoço, tem que mudar o currículo e assim vai...
afrouxa e aperta de novo.
Como as DCN trazem a necessidade de trabalhar um currículo integrado
que forme um aluno que não tenha uma visão unilateral da ciência, mais do
que nunca é importante investir no trabalho coletivo dentro da Universidade.
Como explica CUNHA (2007, p. 18)
Qualquer proposta curricular que pretenda uma articulação em torno de um
projeto de curso exige a condição de trabalho coletivo. Requer um professor
que dialogue com seus pares, que planeje em conjunto, que exponha suas
condições de ensino, que discuta a aprendizagem dos alunos e a sua
própria formação; um professor que transgrida as fronteiras de sua
disciplina, que interprete a cultura e reconheça o contexto em que se dá seu
ensino e no qual a sua produção acontece.
Foi importante compreender o reconhecimento dos docentes de que há
um saber pedagógico a ser apreendido para fundamentar as propostas. Uma
professora explicou que quando começaram as discussões sobre o PPP, o
grupo sentiu falta de embasamento nos aspectos mais relacionados a
educação, por exemplo, currículo. Então entendemos que seria interessante
84
uma interlocução com alguém da educação pra discutir um pouco a questão do
currículo em si, conhecer outros tipos de currículo no sentido também da gente
se instrumentalizar e sensibilizar os nossos colegas, para motivá-los na
verdade, para eles sentirem necessidade disso. A gente achava que trazendo
pessoas de fora que pudessem contribuir que isso ia ser um fator positivo
nessa investida nossa, e realmente foi.
Interessante observar que os professores que procuram este tipo de
formação já haviam participado de outro tido de discussões anteriormente.
Zabalza (2004, p.151) faz uma constatação que “os professores que mais
procuram a formação são justamente aqueles que mais formação tiveram”. São
estes professores que acabam sensibilizando os demais e mostrando aos
colegas como a formação para ensinar poderá contribuir para enfrentar com
melhores condições a “complexidade da docência universitária atual”.
Um interlocutor disse que a gente faz discussões, teve uma boa
assessoria da faculdade de educação, por vários encontros que eu acho que
nos ajudou muito, nos acrescentou muito, fez a gente repensar, estudar. É que
nem tudo a gente tem muito claro, essa é a nossa maior dificuldade e aí
precisaria de uma ajuda externa. Complementam ainda que não é mais
possível discutir currículo e terminar numa proposta de tábua curricular, aquilo
fechadinho, o nosso fechadinho, com pré-requisito.
Cabe salientar que as falas anteriores mostram que, mesmo que o
conhecimento específico seja importante para dar os primeiros passos na
estruturação do PPP, é importante que exista uma estrutura de apoio que
auxilie a reflexão coletiva.
Disse-nos uma professora que o último documento que a gente tem é de
1997,só que agora a gente tem que escrever de novo o nosso projeto
pedagógico, porque temos clareza que aquele não está dando conta mais, de
novo a gente está retomando, tem que dar uma conversada com a Cecília
porque a gente queria um pouco da ajuda deles, para discutir mais ainda a
questão da metodologia, como é que a gente vai trabalhar isso?
A valorização dada ao apoio pedagógico também pode ser percebida
quando a professora refere-se à formação pedagógica como suporte para as
85
ações de discussão coletiva. Expressou que eu não fiz Mestrado em Educação
foi em Enfermagem, mas por curiosidade, por leitura, quando a Mabel estava
aqui eu fazia muito curso, estava sempre fazendo um processo de educação
continuada.. E aí a gente achava que os nossos colegas também precisavam
se sensibilizar e achavámos que nós não dávamos conta disso, então a gente
sentiu necessidade de trabalhar e eu fiz contato com o pessoal da educação.
Nota-se que a idéia não é receber receitas prontas e nem ficar na
dependência de outras instâncias, mas de procurar um espaço que favoreça a
articulação do trabalho coletivo e da reflexão sobre os processos e as
condições em que eles acontecem.
A fala a seguir ajuda a ilustrar o processo que os docentes estão
vivenciando no grupo de estudo quando diz que vamos discutir as diretrizes,
quem prepara, quem lê os textos, a gente se divide, cada um faz uma parte,
que eu acho que não é um processo para viabilizar só administrativamente nós
estamos nos preparando para fazer a mudança. Eu sinto um pouco isso, eu
estou tentado a ajudar a preparar as pessoas e a me preparar para fazer essa
mudança. Em contrapartida expressam a preocupação de não terem a
totalidade dos colegas participando das discussões e dizem que nem todos os
colegas vêm para os debates, para os encontros, para as oficinas e aí nós
começamos assim: se não vão todos, então vão aqueles que têm interesse
para poder modificar, e esses que estão participando que vão ter o cuidado de
trazer os outros para poder se interar e se integrar ao processo.
O que fica muito evidenciado nas falas são idéias diferentes sobre o
modo de encarar a docência, e é perceptível a relação entre as idéias com o
tipo de formação pela qual passaram os professores. Nas relações internas
essas idéias divergentes se chocam e se convertem numa disputa interna
sobre o que cada grupo de docentes acredita, pois eles acabam expondo as
suas concepções. Romper internamente com modelos culturais faz parte da
dinâmica habitual das instituições universitárias, o que é compreensível
tratando-se de um tema como pedagogia na Universidade, pois como explica
Cunha (2006), a pedagogia universitária é um campo epistemológico ainda
frágil, ainda em construção passível de reflexões.
86
Entre alguns traços que compõe a cultura dos participantes da pesquisa
reconhecem a importância da graduação em enfermagem juntamente com
outros aspectos para desenvolver a profissão.
6. O que aprendemos nessa caminhada: tecendo
comentários finais
Nessa pesquisa propusemo-nos a analisar e discutir teoricamente as
expressões de um grupo de professores do Curso de Enfermagem e
Obstetrícia da UFPel, na sua condição de docente universitário quando foram
instigados a falar sobre suas práticas pedagógicas, sobre as repercussões das
DCN sobre seu trabalho cotidiano, sobre o trabalho coletivo que desenvolvem
para a construção do Projeto político pedagógico e seus desafios ao assumir a
docência como sua profissão.
Tratou-se de, não apenas descrever suas falas, mas apreender o que
os professores revelaram, ao mesmo tempo em que tentamos aprender com
eles o processo que vivenciam como docentes. Foram diferentes histórias,
distintos estilos, percepções e crenças. A essa diversidade não podemos
deixar de acrescentar a condição do olhar da pesquisadora.
Para analisar o material coletado, extraímos categorias da obra de
Santos (1988, 2000, 2001, 2004), de Zabalza (2004), Pimenta (2002), Cunha
(1998, 2003, 2004, 2007), Bernstein (1994, 1996, 1998, 2000), dentre outros.
Partindo desses pressupostos teóricos, procuramos estabelecer dimensões
para a análise dos dados, obtidos através de entrevistas semi-estruturadas,
tendo em vistas os focos que nos mobilizaram durante o desenvolvimento da
pesquisa.
88
Talvez a dificuldade maior na reflexão que fizemos sobre as respostas
dos professores tenha residido no conhecimento “precário” que temos da
realidade complexa em que se situa o trabalho do professor universitário.
No entanto, procuramos levar em consideração o “lugar” dos sujeitos
que produziram os relatos e compreende-los a partir do processo que vivem
atualmente. Cabe salientar que a análise realizada tem uma intencionalidade e
é significativa para o investigador, o que entendemos que não invalida o
esforço empreendido nessa investigação.
Algumas categorias orientaram a análise ao mesmo tempo em outras
emergiram dos próprios dados. Organizamos, então, os elementos presentes
nas respostas dos interlocutores e explicitamos-os como:
a) existência de um documento oficial (DCN) que propõe uma
nova visão para a formação do profissional enfermeiro, que
ocasionou uma desacomodação tanto em suas práticas
como no currículo do Curso;
b) nas suas práticas pedagógicas os docentes enfatizam a
necessidade de constante atualização sobre os conhecimentos
específicos, mas alguns têm dificuldades em perceber que,
além desses, existe conhecimento pedagógico que poderá
dar suporte à construção de suas aulas;
c) o trabalho coletivo desenvolvido de forma mais efetiva com o
comprometimento de um maior número de professores poderia
favorecer a construção do Projeto político pedagógico do
Curso assim como poderia proporcionar uma maior
“aproximação” entre os docentes que trabalham em
diferentes lugares epistemológicos do currículo;
d) a percepção que os professores têm do conhecimento com o
qual trabalham define, de alguma maneira, uma estrutura de
poder (na concepção bernsteiniana) criando espaços
singulares;
89
e) por terem a formação específica em enfermagem, e essa
ser reafirmada em Cursos de Mestrado e Doutorado na área,
existe a preocupação com o cumprimento da ordem formal e
fragmentada dos programas, dificultando pensarem outra
lógica para a estrutura do currículo.
Nas declarações da maioria dos interlocutores foi possível constatar que
existe compreensão sobre as práticas pedagógicas que ultrapassam a lógica
de que para ensinar basta saber, apenas, os conhecimentos específicos de sua
profissão de origem. Embora alguns deles não tenham declarado
explicitamente necessitarem de conhecimentos pedagógicos, mencionaram
que a sala de aula é um constante desafio frente à avalanche de informações
que os alunos estão expostos. Nessa perspectiva, evidenciaram a necessidade
de estarem sempre atualizados tanto em relação aos conhecimentos
específicos como na forma de trabalhá-los na sala de aula. Contudo, não
podemos deixar de mencionar que estes professores foram formados para
serem enfermeiros, em um período em que o mercado valorizava um
profissional especialista que deveria estar apto para atuar na área hospitalar.
Por outro lado, a formação para a docência não é uma exigência da própria
Universidade que faz a seleção dos professores alicerçada na lógica dos
conhecimentos específicos da área, não exigindo ou oferecendo programas
para a formação pedagógica de seus professores, com raras exceções.
Assim, diante das mudanças significativas trazidas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação do profissional enfermeiro, os
professores depararam-se com a necessidade de rever o Projeto político
pedagógico do Curso para dar conta das exigências da Lei.
Além disso, percebem que as alterações necessárias ultrapassavam a
simples organização de uma nova “grade” curricular, exigindo estudos que os
ajudassem a estruturar um currículo integrado e significativo para os alunos,
preparando-os para atuarem na área da saúde coletiva e na prevenção da
doença.
90
A proposta das DCN causa desacomodação tanto nos professores que
levam a cabo o ensino estruturado na organização dos conhecimentos
construída sob a lógica da racionalidade técnica, como nos professores que
percebem a necessidade de construírem um outro referencial para pensarem
suas práticas e um novo currículo para o Curso.
A partir das análises sobre as respostas, percebeu-se que há
preocupação por parte de alguns docentes em encontrar meios de favorecer a
integração das disciplinas. Eles reconhecem essa necessidade e expressam
que mudanças como essas só poderão ocorrer no momento que houver
trânsito entre as áreas do conhecimento. No entanto, suas preocupações
centram-se em “como” por em prática a integração de conteúdos, alegando que
existe uma desarticulação entre os docentes o que dificulta o trabalho coletivo.
Nessa perspectiva, Zabalza (2005) ajuda-nos a explicar que uma das
questões que prejudica a interação entre os conhecimentos está na identidade
profissional destes docentes que se sentem legitimados pela formação de base
e não admitem “invasão” em sua individualidade de sala de aula.
Nesta lógica, voltam-se para questões que dizem respeito ao
pragmatismo do conhecimento em sala de aula e não percebem que as
mudanças anunciadas ultrapassam a lógica de organização de conteúdos.
Poucos foram os docentes que se referiram a necessidade de discussão
coletiva e de cunho epistemológico que ajudasse a construir um currículo
globalizado (ANASTASIOU, 2005).
Zabalza (2005, p.127), ao referir-se aos docentes universitários, afirma
que falta “a capacidade de dar esse salto qualitativo da visão individual para
nos sentirmos membro de um grupo de formadores e de uma instituição que
desenvolva um plano de formação”. O autor ainda ressalta a importância de se
pensar no papel que cada disciplina contribui para a construção do “todo” que
se quer desenvolver no aluno.
Essa perspectiva nos remete as reflexões de Cunha (1998, p. 81) sobre
os achados de uma de suas pesquisas quando explica que
91
as afirmações dos professores encaminham a idéia de que trata-se de
diferentes formas de conceber como se constrói o conhecimento: a
concepção dicotômica que compatimentaliza o conhecimento e trata-o de
forma estática; e outra, de sentido dinâmico, que articula dialeticamente
ação (prática) e reflexão (teoria).
Para que o processo de discussão auxilie na busca de novos
caminhos, entendemos que os docentes precisam pensar em mudar sua
postura frente ao conhecimento. Precisam estar dispostos a transgredir limites
impostos pelo currículo fechado e reconhecer que a ciência pode ser pensada
sob outra ótica, tornando-a mais flexível e possibilitando meios de interação
com outras áreas. O conhecimento, até então inquestionável, precisa tornar-se
objeto de reflexão e discussão e, neste processo, o docente tem que estar
aberto a ver que este conhecimento pode assumir outras formas. Esta é uma
condição pessoal que apenas um trabalho coletivo não terá alcance.
A cultura da Universidade é um aspecto que influencia nas escolhas e
no que é valorizado pelo grupo e pelos professores. Dependendo do que é
priorizado em uma estrutura administrativa pode-se favorecer ou não o trabalho
em grupo.
Nota-se que os professores valorizam a formação específica para o
exercício da docência bem como suas experiências profissionais, pois é
através delas que eles dizem que podem levar para a sala de aula exemplos
vividos na prática de enfermeiros.
A maioria dos entrevistados apontou para a importância que a formação
pedagógica pode assumir, tanto no contexto das mudanças pretendidas, como
no espaço da sala de aula e, nesse sentido, alguns deles expressaram que
sentem falta de qualificação na área da educação para melhorar no exercício
da docência.
Outros professores disseram que a enfermagem é uma profissão que
está muito ligada à educação, pois o enfermeiro, em geral, trabalha em equipe,
ou com equipes, o que exige do profissional manter contato com pessoas,
sempre mediado pela relação humana.
Foi possível identificar nas respostas dos interlocutores que a
valorização que alguns deles dão para uma formação que os prepare para o
exercício da docência está vinculada à área com a qual trabalham e o lugar
92
que a disciplina ministrada ocupa no currículo do Curso. Nesse sentido,
prevalece a idéia de que quando os professores trabalham com disciplinas que
fazem parte dos últimos semestres do Curso a formação prática, tanto deles
quanto dos alunos, precisa ser mais enfatizada em troca da formação
pedagógica. Assim, os professores que trabalham com disciplinas
profissionalizantes, consideradas mais técnicas, entendem que é necessário
que sua formação seja mais específica, ratificando a idéia de que quanto mais
conhecimento cientifico tiver em sua especificidade mais condições de passar
37
o conteúdo para os alunos terão.
Em contrapartida, alguns dos entrevistados que trabalham com
disciplinas que enfocam um tipo de conhecimento não tão específico do campo
do conhecimento da enfermagem
38
sentem necessidade de discussões que
envolvem questões ligadas ao ensino. Nessa perspectiva, alguns docentes
entrevistados expressaram a necessidade de uma formação continuada que os
ajude a enfrentar os desafios do ato de ensinar.
Em geral, o professor universitário considera que sua formação deve
acontecer a partir do aprofundamento de conhecimentos da sua área de
formação acadêmica e essa pode se dar a partir de pesquisas em cursos
stricto sensu e, às vezes, pela função que desempenhou como profissional no
mercado de trabalho. Essa parece ser uma das razões que, em alguns casos,
o professor universitário demonstra não possuir uma identidade bem definida
(por ele mesmo) porque ao ingressar na docência assume outras funções que
não eram aquelas para as quais foi formado ou que estava exercendo no
mundo do trabalho. Cabe trazer aqui a fala de uma professora que explicita
essa situação quando ela diz que eu já fui enfermeira por muito tempo, só
exercendo a função de enfermeira, quando eu passei para docência eu já tinha
alguns anos atuando no mercado como enfermeira em vários locais diferentes,
unidades diferentes. Aí eu tive muita dificuldade em deixar de ser enfermeira e
assumir só a docência, tanto que até hoje eu tenho dificuldade de escrever que
eu sou professora, que sou professora–enfermeira, eu escrevo primeiro que
sou enfermeira-professora. Eu não consegui ainda assumir essa
37
Expressão utilizada por um sujeito da pesquisa.
38
Poderíamos citar, como por exemplo, a ética.
93
característica, ou então esse papel de ser apenas docente e não enfermeira.
Eu tive, acho que ainda tenho, dificuldade até hoje, pois não consegui fazer
isso ainda. (grifos da pesquisadora).
Um dos desafios apontado por os professores foi a própria sala de aula,
como lócus de um trabalho direcionado para o ensino, pois consideram que
ensinar em sala de aula é uma ação muito diferente, e exige mais, do que a
assistência ou os atendimentos realizados em postos de saúde ou hospitais,
características essas que alicerçaram sua formação acadêmica. Incluem nesse
aspecto o pouco tempo que permanecem com os alunos alegando que é
insuficiente para desenvolver todo o conteúdo.
Sabendo dos impactos que as DCN causaram nos professores, tanto no
aspecto estrutural de organização do currículo, como nos aspectos que
permeiam a concepção da formação e/ou do perfil do enfermeiro. Entendemos
que eles estão mobilizados e empreendendo um movimento que conta com o
apoio de alguns professores da Faculdade de Educação, com vistas a
cooptarem todos os docentes do Curso para a construção do projeto político-
pedagógico. Acreditamos tratar-se de um processo de constituição de um
grupo que seja comprometimento com a construção de um projeto de Curso a
partir do trabalho coletivo.
Identificamos que as discussões referentes ao PPP sempre foram
motivada por fatores externos, sejam eles alguma mudança na política para a
área da saúde, ou aqueles que envolvem questões administrativas locais.
Atualmente, através do contato com o grupo de docentes que
desenvolve o trabalho junto a FaE, pudemos observar que, mesmo que
novamente tenha havido intervenção externa que provocou-os para as
mudanças estruturais, já existia um movimento interno por parte de alguns
docentes que entendiam ser necessário maior flexibilização do currículo.
Mesmo que não soubessem explicitar o motivo de tal movimento e o que
entendiam por flexibilização, deixaram transparecer em suas respostas que era
necessário engajar-se nos movimentos nacionais de atualização dos currículos
dos Cursos de Enfermagem.
94
Interessante citar o que diz Zabalza (2005) referindo-se a formação de
professores universitários. Diz o autor que “os professores que mais procuram
a formação são os que mais formação tiveram”. Os professores que participam
do grupo de discussão e que foram entrevistados nessa pesquisa apresentam
uma trajetória marcada por participações em processos de mudança de
diversas ordens, inclusive aquelas que envolvem as questões de administração
da Universidade.
Ainda incluímos em nossas reflexões finais que os professores valorizam
o apoio pedagógico que estão recebendo dos professores da Faculdade de
Educação
39
, admitindo que possuem dificuldades em reorganizar e sistematizar
sozinhos uma nova proposta. Eles ainda expressam o entendimento de que
precisam dos colegas para efetivar a reestruturação curricular e preocupam-se
com a não-participação de todos.
Enfim, é preciso reconhecer que um trabalho coletivo na direção
apontada pelo grupo de docentes do Curso de Enfermagem e Obstetrícia da
Universidade Federal de Pelotas, por si só, não garante mudanças imediatas
no currículo nem rupturas no processo de ensinar. É preciso que os
professores acreditem em novas alternativas para pensar a ciência e o
conhecimento com o qual trabalham. Mas não há como deixar de reconhecer
que o movimento que pudemos presenciar, o qual contempla as possibilidades
de discutir múltiplas racionalidades, favorece e articula novas possibilidades,
dando suporte e legitimidade às iniciativas grupais.
39
Referiram-se e destacam, principalmente, tanto o apoio recebido como a competência da
professora Maria Cecília Leite para conduzir um processo dessa natureza.
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Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação.
8. Anexos
8.1. Entrevista aplicada aos professores do Curso de Enfermagem da
Universidade Federal de Pelotas
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
O projeto de pesquisa que estou desenvolvendo tem como objetivo
compreender as concepções que os professores do curso de
enfermagem têm sobre suas práticas pedagógicas. Gostaria também de
compreender melhor os processos que os professores vivenciam no
contexto da implementação das DCN e as mudanças que delas induzem
no cotidiano docente.
Questões:
1. Como pensas que a tua formação acadêmica (de enfermeira) pode estar
contribuindo para o desenvolvimento das práticas que desenvolves em
sala de aula? Ou seja, pensas que as tuas ações como professora tem
sustentação na tua formação como enfermeira ou existem outros
aspectos que julgas importante para ser professor?
2. Que características possuem os professores que assumem a docência
universitária como a sua profissão? (ao invés da carreira de profissional
- enfermeira). Na tua trajetória como docente tens identificado desafios
para desenvolver as tuas aulas? Quais são eles?
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome do completo professor (a):
E-mail:
Formação acadêmica:
Há quanto tempo atua no Curso de Enfermagem da UFPel:
Quanto tempo atuou na profissão de enfermeiro (a):
99
3. Que condições ou aspectos são trazidos nas DCN que repercutem
diretamente no teu trabalho de professor?
4. Poderias contar um pouco sobre a tua participação nas discussões do
PPP do curso de enfermagem?
5. Que impasses o Curso e os professores estão enfrentando para
implementar o discurso trazido pelas DCN para o perfil do aluno
egresso?
6. Que condições consideras importantes e que precisam ser revistas,
tanto no curso como nas práticas dos professores, para formar os alunos
com o perfil “desejado” pelas DCN?
8.2. Resultados parcial obtidos da aplicação das entrevistas
40
1. Como pensas que a tua formação acadêmica (de enfermeira) pode
estar contribuindo para o desenvolvimento das práticas que
desenvolves em sala de aula? Ou seja, pensas que as tuas ações
como professora tem sustentação na tua formação como
enfermeira ou existem outros aspectos que julgas importante para
ser professor? (prática)
R – Não, com certeza até porque a gente... eu trabalho com as disciplinas bem
profissionalizante, e... e é extremamente importante a formação e a vivência,
não só a formação mas a vivência, porque antes de ser professor eu trabalhei
em hospital, então eu tive 6, 7 anos como enfermeiro de hospital depois que eu
passei a ser professor, aí os exemplos que a gente usa, são exemplos que a
gente vivencia na prática, então tira aquela coisa assim do livro. O exemplo do
livro, é o exemplo da vivencia da gente na prática. Então, por isso que eu acho
que é extremamente importante a formação profissional, pra gente poder
passar.
- (RETOMEI A QUESTÃO) Pensas que as tuas ações como professor...
R- Claro que não só a graduação mas também, depois principalmente a.. a
especialização ajuda bastante nessa questão da sala de aula. Que... sendo
especialista numa determinada disciplina dá mais segurança pra chegar lá,
conversar com o pessoal.. e transmitir. Eu não sei se eu peguei? A sustentação
seria nesse sentido...
40
Optou-se por omitir o nome dos professores neste anexo. Foram selecionadas apenas duas
entrevistas das cinco que foram analisadas.
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Formação acadêmica – Mestrado em Enfermagem
Há quanto tempo atua no Curso de Enfermagem da UFPel – 29 anos /
30 (como professor)
Enfermeiro – 6 anos
100
- Seria da tua formação como enfermeiro. E na prática, teria alguma outra
questão?
R – Sim aí... eu acho que a especialização ajuda bastante.
2. Que características possuem os professores que assumem a
docência universitária como a sua profissão? (ao invés da carreira
de profissional - enfermeira). Na tua trajetória como docente tens
identificado desafios para desenvolver as tuas aulas? Quais são
eles? (prática)
R – É... no nosso caso, aqui na Universidade todos os professores são com
dedicação exclusiva. Então todos eles tem uma... uma dedicação a
Universidade. E aí além da coisa, da prática que é o estágio que a gente faz
aqui, tem também a parte teórica e aí entra o famoso tripé pesquisa, ensino e
extensão.
- (RETOMEI A QUESTÃO) Na tua trajetória como docente... podes falar
desde que ingressou na docência, no espaço da sala de aula.
R- Claro no início... é no início tem aquela coisa da própria insegurança de
quem tá começando... eu acho que esse sim foi o grande desafio e outro
desafio, que este a gente leva a vida inteira é o desafio da atualização,
porque... se a gente tá como profissional de uma instituição, profissional...
trabalhando como enfermeiro numa instituição, claro que tem que se atualizar
mas a exigência não é tão grande de quem está na instituição. Sala de aula
não, sala de aula o aluno cobra muito. Então eu acho que o grande desafio é
enfrentar esse contato com aluno, este dia a dia com aluno, que ele nos cobra,
nos conhecimento, nos cobra atualização. E acho que este é um grande
desafio.
- Algo mais como desafio na tua prática, em relação as aulas?
R- De início sempre dá aquele friozinho na barriga e tal... mas hoje já são 30
anos então já ta... já não tem um grande desafio ... a não ser este de estar
sempre se atualizando.
3. Que condições ou aspectos são trazidos nas DCN que repercutem
diretamente no teu trabalho de professor? (prática)
R – Ele... de uma certa forma e... e a minha área se presta muito pra isso
porque a minha área é enfermagem psiquiátrica, então dentro da enfermagem
psiquiátrica, dentro da psiquiatria como um todo, há a grande discussão da
reforma psiquiátrica e dos hospitais psiquiátricos. Eu penso que... que os dois
são importantes e os dois têm o seu momento.. uma coisa que eu não
concordo por exemplo, com a idéia da reforma psiquiátrica é o fechamento da
instituição. Eu acho que no momento que o paciente está naquela fase... ele
precisa vir pra cá. E isso a gente tem como vantagem aqui na... na UFPel,
porque nós oferecemos pro aluno os dois campos e eu acho que isso faz com
que ele tenha uma visão mais crítica do problema, ele possa não só pelo
discurso teórico ou do pessoal que trabalha no hospital ou do pessoal que
101
trabalha mas com a reforma psiquiátrico, mas ele pode tirar a conclusão dele
eu acho que está é a grande repercussão que tá tendo...
E isso aí se estende também pra essa questão do SUS dentro do hospital...
dentro da sala de aula, que... que por enquanto ainda tá muito no discurso, que
na verdade a gente sempre trabalhou enquanto universitário, sempre trabalhou
direcionado – a enfermagem se presta muito pra isso - ao paciente SUS. É
diferente de outras profissões que preparam pro consultório, a enfermagem
prepara pra comunidade e essa comunidade pode ser hospitalar, pode ser
essa...
- Tu achas que estas questões já eram contempladas?
R- Eu acho que a enfermagem de uma certa forma sempre foi... já por
característica própria da profissão. Claro que ela teve... na sua história ela teve
aqueles momentos do “bum” hospitalar que foi na década 70-80 então todas as
ações eram direcionadas somente para o hospital com muito pouca ação a
nível comunitário e hoje não, hoje... se pegar o nosso currículo mesmo a maior
parte do currículo é voltada pro serviço comunitário. Então a enfermagem já ta
atendendo... e a sala de aula é assim.
- E as questões novas das diretrizes, como o profissional generalista,
preventivo?
R- Eu tive uma professora que estava fazendo mestrado que ela dizia que... ela
queria ser generalista por acúmulo de espacializações, então a soma de
especializações daria o generalismo. Talvez eu não chegue a tanto assim. Mas
eu acho que a faculdade em si, a graduação, ela dá uma visão bem
generalista, agora eu acho que o papel do especialista também é importante.
Eu acho...principalmente quem é de áreas definidas...
4. Poderias contar um pouco sobre a tua participação nas discussões
do PPP do curso de enfermagem? (trabalho coletivo)
R- É... nós começamos a discutir o novo currículo em 80 e alguma coisa, na
época eu era o diretor da faculdade. Então foram as primeiras... as primeiras
reuniões quando começou a se estabelecer o currículo mínimo de
enfermagem. Depois eu tive uma passagem pela coordenação do colegiado do
curso onde se trabalhou diretamente com o Projeto Político Pedagógico e... a...
eu acho que isso aí foi uma experiência bastante rica porque a gente
conseguiu ver assim várias visões pra tentar trazer pra nossa realidade é... e
mais ou menos por aí.
- Sempre participastes das discussões?
R- Agora nesses.. nesse último ano é que eu resolvi começar a entrar num
outro processo que é de preparação pra aposentadoria. Claro a gente participa
da reuniões do departamento, da reuniões do colegiado e tal, mas é aquela
coisa muito mais... não é com a intensidade que era antes.
- Eu gostaria que tu falasse um pouco mais das discussões anteriores do
projeto pedagógico, das discussões, do comprometimento dos
professores, das mudanças repercutindo nesse documento.
102
R- É, o grande problema quando se trabalha num grupo grande é que
normalmente a... algumas, algumas a... algumas pessoas e principalmente as
que estão mais a nível de comando, são as que se entregam mais e os outros
ficam mais esperando. E... e eu acho que o grande problema é que nessas
mudanças, quando dá mudança é de não haver a preparação da cabeça das
pessoas pra mudança. Então, até por não haver comprometimento é... muitas
vezes há uma mudança de nome mas não de conteúdo. Então modifica o
nome de uma disciplina e o conteúdo continua sendo o mesmo, por exemplo.
Eu acho que tá faltando ainda pra fazer esta mudança, eu acho que mexer um
pouco com a cabeça das pessoas, que estão envolvidos no processo né. Como
agora mesmo ta essa proposta da Universidade Federal da Bahia, para uma
nova Universidade né...não sei se...
- Não.
R- ...seria a formação de... de quatro anos, seria a formação em alguns eixos
em que trabalharia assim... pintura, coisas artísticas, conhecimento geral, tá.
As pessoas terminariam os quatro anos e sairia formado da Universidade, mas
não era formado em nada. E... e aí a partir daí faz mais três, quatro anos e aí
se especializa em uma das áreas que seria ciências da saúde, ciência
biológicas, ciências exatas e humanas. Não sei, no que que daria isso, minha
cabeça não conseguiu ainda entender, mas é a grande discussão que ta vindo
aí.
5. Que impasses o Curso e os professores estão enfrentando para
implementar o discurso trazido pelas DCN para o perfil do aluno
egresso? (currículo e prática)
R- Eu acho que a principal coisa, é... o principal impasse, ainda ta na
motivação das pessoas pra mudança. Então eu não sei se as pessoas estão
motivadas pra mudança. Por que o grande problema é quando começam os
discursos muito mais ideológicos do que qualquer outra coisa né... Porque essa
questão do SUS mesmo, o SUS a gente já vem trabalhando a muito tempo,
hoje ta sendo dado nome SUS. Desde a minha época de formação já se
trabalhava mais ou menos assim, só que hoje ta sendo dado outro nome. E
esta... a grande dificuldade é as pessoas aceitarem a mudança.
- Até porque é um outro perfil de enfermeiro não é?
R- É, isso.. seria um outro perfil e que teria muito mais aquela atuação da
prevenção e a prevenção muito mais atuando no núcleo familiar, mais uma
atuação na família, e aí entra os PSF aí né, que é o programa de saúde da
família,e... que aí a enfermagem de certa forma já está incluída nele a muito
tempo, até para no curso de pós graduação aqui em Pelotas.
6. Que condições consideras importantes e que precisam ser revistas,
tanto no curso como nas práticas dos professores, para formar os
alunos com o perfil “desejado” pelas DCN?
R- Eu acho que seria... basicamente uma... uma participação maior das
pessoas, no entendimento maior das mudanças, no conhecimento das
mudanças... e uma entrega maior a... a esta... a questão do, do novo. Eu acho
103
que se houver a mudança, se o pessoal aceitar o novo, aí a coisa pode
caminhar... senão pode até mudar o nome mas eu acho que o conteúdo vai
continuar o mesmo. Se houver assim uma discussão de todo mundo, uma
participação de todo mundo... não ficar só dois, três iluminados pensando.. mas
que haja uma discussão maior, mais global. De todos o comprometimento de
todos, essa aí é a palavra chave pra mudança.
- Interferência tem alguma coisa que na estrutura que tu achas que
precisa mudar?
R- Exato... é.. o grande problema é que o pessoal tá partindo de uma idéia.. tu
precisa da terra arrasada, tá tudo ruim vamos começa do novo... acho que aí ta
sendo o grande problema, querer começar do zero. Eu acho que não pode se
abandonar o conhecimento que se tem... acho assim por exemplo a questão do
próprio pré-requisito, que é uma discussão a nível de país. O pré-requisito acho
que ele não pode amarrar a vida do aluno como um todo, mas tem alguns pré-
requisitos que eu acho que são importantes. Por exemplo, na nossa área
mesmo, na nossa área de formação, não adianta tu querer ensinar a aplicação
de uma injeção se o aluno não sabe o que é músculo, então ele vai precisar
primeiro ter uma... uma visão de anatomia pra depois chegar lá e executar a
técnica. E a idéia predominante hoje é isso aí acabar... a mesma coisa na
questão da psiquiatria... a idéia é acabar o hospital psiquiátrico e transformar
num... e transformas, as internações ocorrerem em hospital clínico. Mas
hospital clínico ainda não está preparado pra isso. Eu imagino o paciente
psiquiátrico num hospital clínico, na pior unidade que tiver, cheio de grade e
ainda os pacientes de outras unidades quando estiverem cansados vão lá ver
os... os loquinhos internados lá embaixo, então vai virar zoológico. Por isso que
eu ainda não concordo, eu acho que essas coisas, que as pessoas, pelo
menos os que estão pensando, vão ter que convencer disso. Seria acabar com
todos os hospitais psiquiátricos e o atendimento ser a nível de... seria a nível
de... comunitário, seria na comunidade e quando o paciente precisasse de
internação teria alguns leitos no hospital clínico, só que os hospitais clínicos
ainda não estão fazendo a... o que eles tem que fazer, sempre ta faltando leito,
sempre ta faltando coisa.. aqui, este hospital aqui mesmo são 200 leitos, então
vamos diminuir 200 leitos. E essas pessoas? Que estão aqui, que precisam.
Então eu acho que essas coisas que a gente tem que repensar e... claro eu
não concordo com muita coisa dentro do hospital, acho que tem que humanizar
o hospital, acho que tem que se tornar muito mais... menos agressivo. Mas ele
tem seu papel, no momento agudo é aqui e no momento que o paciente ta
bem, fica lá no quarto, inserido na sua família, na sociedade, que acho que isso
é muito importante.
- Essa questão de humanização, vocês já vem trabalhando?
R- É... o nosso, o nosso estágio, o nosso fazer, o nosso dia a dia é em cima
disso. Em cima da relação interpessoal eu acho que... e aí dá pra perceber a
diferença, por exemplo da enfermagem pra outras profissões a própria
medicina que tá mais próxima, eu acho que nós cuidamos... que a medicina
cuida da úlcera do seu João, da ferida do Seu João e nós enfermeiros temos
que cuidar do Seu João da ferida, eu acho que aí é que ta a grande diferença
das profissões, embora sejam muito parecidas. E... eu acho que isso é que a
gente tem que transformar esse currículo eu acho que a gente tem que fazer
com que o aluno saia com esta visão. Não a visão do profissional que ta
104
cobrando, que ta lá gerenciando, acho que tem que ser participativa, trabalhar
com a comunidade, ele tem que trabalhar com as pessoas e na na
enfermagem psiquiátrica o nosso fazer é a relação interpessoal.
- Anteriormente falasse da questão dos pré-requisitos pelo menos para
algumas disciplinas, e a possibilidade de integração dessas disciplinas,
como percebes?
R- Ah claro que esse... claro que até pra ter aprendizado eu acho que seria
melhor. Como a própria... se pegar as nossas disciplinas atuais, anatomia e
fisiologia, uma é num semestre a outra é no outro. Anatomia estuda os órgãos
e a fisiologia estuda os órgão em movimento e eu acho que essas duas
precisam ser integradas. Como o próprio exemplo né.. ensina o músculos e já
ensina como é que aplica injeção naquele músculo, porque que as fibras são
assim, né... eu acho que é muito mais fácil de permitir o aprendizado.
1. Como pensas que a tua formação acadêmica (de enfermeira) pode
estar contribuindo para o desenvolvimento das práticas que
desenvolves em sala de aula? Ou seja, pensas que as tuas ações
como professora tem sustentação na tua formação como
enfermeira ou existem outros aspectos que julgas importante para
ser professor? (prática)
R- Não, a minha formação é uma formação ativa né, porque... até porque eu
me formei há muitos anos, eu me formei em 76 na Bahia, entende? E vim pra
Pelotas pra exercer a profissão de docente, me envolvi muito na parte
administrativa coordenação do colegiado, coordenação de curso, diretora. E
naquela época, é nós tínhamos a disciplina que tem até hoje né, a disciplina de
“Didática Aplicada a Enfermagem” e através dessa disciplina eu acho que ela
me deu um subsídio, e a... naquela época essa disciplina, assumindo a
docência, ela me deu um embasamento que eu pude trazer pra minha prática
de enfermeira.
- Tu achas que a tua formação como enfermeira auxiliou na tua prática,
em que sentido?
R- Ajudou, na minha prática, na minha prática de docência. Olha eu acho que
em vários sentidos, o domínio na sala de aula, o conteúdo, tu pega o material,
busca e te instrumentaliza pra poder transmitir para os alunos, então eu acho
que ajudou em vários aspectos.
- Tem algum outro aspecto fora a tua formação que tu julgas importante
para ser professor?
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Formação acadêmica – Graduação em Enfermagem e Mestrado em
Enfermagem
Há quanto tempo atua no Curso de Enfermagem da UFPel – 29 anos
Quanto tempo atuou na profissão de enfermeiro (a) –– 4 ou 5 meses
105
R- Que assim ó, para a docência né, eu acho que sim, eu acho que a formação
educacional ajuda bastante pra que a gente tenha o domínio de classe na
docência né. Quando tu vai para um concurso público dentro de uma
faculdade, e... não é necessário... atualmente são os títulos mestrado e
doutorado pra tu poder fazer aquele concurso né, então se você não tiver... se
não tiver licenciatura, como é o nosso caso, tu faz concurso e vai pra docência
do mesmo jeito, mas eu acho que falta é... sem ter essa formação eu acho que
às vezes dificulta um pouco o domínio de técnicas, o domínio de comando, o
domínio de sala de aula.
2. Que características possuem os professores que assumem a
docência universitária como a sua profissão? (ao invés da carreira
de profissional - enfermeira). Na tua trajetória como docente tens
identificado desafios para desenvolver as tuas aulas? Quais são
eles? (prática)
R- Olha, ensinar, educar é um processo árduo pra qualquer... qualquer
educador não é. E o enfermeiro por si só ele já é um educador, porque se ele
não tem a sala de aula ele tem a equipe dele né, tanto nas instituições
hospitalares, quanto nas Unidades Básicas de Saúde, que ele é um líder da
equipe, sempre líder da equipe, então ele tem a função e a própria formação
nossa já nos leva a ser um educador né, então... na sala de aula pelo menos
por causa do tempo, eu não sinto tanta dificuldade, de domínio de sala de
domínio de classe. Agora que claro que... assim olha, se me colocarem, eu
tenho uma formação né e na enfermagem de uma determinada área, a área é
enfermagem mas as disciplinas são i, x, e y e se me colocarem numa outra
disciplina, que eu não tenho domínio eu vou ter outras características, eu vou
ter outras necessidades, de busca, de domínio tu entende? Não é domínio de
classe, mas domínio de conteúdo. E isso a gente tem que ter muito cuidado
não é, quando tu vai pra uma sala de aula tu não pode... por mais que tu queira
contribuir tu não pode se expor, se me botarem pra dar uma aula de psiquiatria
eu vou ter que estudar 1 ano pra depois... me acha segura e apta pra poder
começar.
- Então tu achas que estas características são importantes, alguma outra
característica que queiras acrescentar?
R- É... domínio de técnicas pra... educacionais, pra poder, pra poder
desenvolver qualquer manejo de sala, não só sala, em grupo, no convívio com
aluno não é.
- Na tua trajetória...
R- Na minha trajetória eu já enfrentei alguns desafio ta, porque... então vindo...
quando eu vim eu era recém formada, entende? Trabalhei em... fiz a
graduação, depois fiz a seleção pra fazer residência, fiz a residência, depois de
um ano eu vim pra sala de aula, trabalhei um pouco instituição pública
hospitalar e depois eu vim pra docência. Então os desafios foram os mais
variados possíveis, porque... até porque qualquer curso... eu digo pros meus
alunos a Universidade não forma, informa, e a partir daí tu busca uma
especialização, um mestrado, um doutorado, tu busca outras referências, não é
verdade. Então eu tive, tive dificuldades de sala de aula, era muito... assim
106
preocupada com o que eu ia aprovar junto ao aluno, os planos de ensino, os
objetivos do plano de ensino, depois os fadback daquele retorno do conteúdo
que eu dava, então tudo isso são barreiras que a gente passa né, tem que
construir e passar e fazer.
- E hoje tu ainda enfrenta desafios?
R- Olha nem dá mais trabalho (risos). Não é claro que, que não é verdade,
assim... fica muito mais fácil né, porque Paula? Por que... a própria experiência
já nos dá um certo direito de domínio né, claro que a tecnologia ta aí, claro que
as informações chegam mais rápido até os alunos muito mais do que nós,
quanto ao domínio dos recursos que são usados. Mas hoje eu, depois de 29
anos de ensino, quase 30, então a gente se dá o direito pelo menos de achar,
achar, achar que... não tem dificuldade, mas quando eu encontro dificuldade
então eu já tenho um outro domínio, já conduzo de uma que não... não me
assusta, não me amedronta.
3. Que condições ou aspectos são trazidos nas DCN que repercutem
diretamente no teu trabalho de professor? (prática)
R- Bom, as diretrizes eu acho que a gente teria que... é discutir mais né,
porque as diretrizes ela traz uma proposta muito boa para a... a mudança do
currículo que se pretende “que enfermeiro nós queremos formar”, entende?
Então através dela, da leitura dela, a gente consegue absorver pra poder fazer
as mudanças que são necessárias e importantes né. As diretrizes... é nós
estamos trabalhando, a Afra ta muito mais inteirada com... com esse trabalho
porque ela pegou bem a finco, nós precisamos fazer essas modificações, nós
já fizemos várias, várias, vários estudos, debates e ela já ta nos trazendo,
principalmente a minha disciplina que ela é a última da formação do aluno,
então o aluno do nono semestre, então as diretrizes ela ta sendo implantadas
nos semestres anteriores quando o aluno chega no nono que é a formação
dele, então a gente já vê ela... já repercutindo ela um pouco diferente, mas
precisa melhorar viu Paula? Ela não ta totalmente ainda trabalhada, eu acho
que ela não ta totalmente ainda... sendo absorvida por nós, sendo é
transmitida, eu acho que precisa mais, na verdade mais leitura e mais
conscientização dos professores porque a gente ainda ta naquela linha antiga,
que isso é meu e ninguém mexe, né? E as diretrizes não conduzem pra isso,
as diretrizes ela dá uma abertura que... é uma continuidade né? Então tu não
tem disciplinas, tu tem um conjunto de informações, o aluno busca... tem
aquela parte das competências, então tem que buscar as competências.
- Então tu já consegues fazer vínculos das diretrizes no nono semestre?
R- Ela já... porque ela já ta sendo trabalhada a algum tempo e... pouco
trabalhada ainda nos semestres anteriores, então quando chego no nono então
fica mais fácil porque é a formação dele né? É a conclusão, é o aluno
concluinte, o formando.
107
4. Poderias contar um pouco sobre a tua participação nas discussões
do PPP do curso de enfermagem? (trabalho coletivo)
R- Olha Paula já... passei por vários processos de reforma curricular, de projeto
político pedagógico, de LDB, de tudo o que tu pode imaginar, entende? Nós já
tivemos assim ó, quando se iniciou o curso, no início do curso, o nosso curso
fez 30 anos né, eu cheguei aqui 1 ano depois, nós tínhamos é... uma... era uma
proposta de... que nós tínhamos que seguir uma tábua curricular, o currículo
mínimo, entende? Já, já é imposta pelo MEC, e, e nesse currículo nós
trabalhamos vários anos, depois nós sentimos a necessidade de se fazer uma
outra estrutura, mas sempre assim ó muito preocupado em termos de tábua
curricular, conteúdo, e se trabalhava um pouco o perfil do profissional
enfermeiro que nós queríamos, o enfermeiro que nós queríamos formar, mas
quando terminavam essas discussões sempre tava direcionado, fechadinho a
tábua curricular certo? Depois surgiu a proposta, depois veio a proposta
através da LDB né, Leis de Diretrizes e Bases da Educação, que surgiu
justamente a... as Diretrizes Curriculares né? E nós fizemos vários encontros e
nós não tínhamos é... convidamos alguns professores inclusive daqui, pra
poder nos ajudar, nos dar base, a Mabel foi uma que nos ajudou bastante, a
Cleonice foi outra também que nos ajudou bastante. E teve um tempo que nós
ficamos paradas. Agora eu não.. eu acho que tem uns 3 ou 4 anos que retorna
de novo a necessidade, então novos encontros, novos debates, novas reuniões
e agora nós muito mais inteiradas com a essa proposta. Agora assim ó, uma
coisa que eu quero deixar claro pro teu trabalho, é que sem a ajuda da
formação do pessoal da educação, a gente não tem muito domínio do que a
gente é...precisa fazer, por isso que essas oficinas estão sendo maravilhosas,
tá mexendo demais pra quem vêm, que nem todos vêm não é, e... tiveram
algumas reuniões que eu não pude vir, estava de férias, estava com
problemas. Mas o pessoal que tem formação educacional na área da educação
tem nos ajudado bastante e tem o domínio muito melhor porque são outras
leituras não é, (...) então são outras leituras, são outras formas de enxergar o
processo, e nós... e.... sem a ajuda deles eu acho que a gente não... é por isso
que estava dizendo eu acho que a gente precisa voltar a conversar, voltar a
discutir, precisa trabalhar mais, principalmente com o pessoal da educação,
não da faculdade mas com o educadores né, pra nos dar um melhor respaldo,
melhor domínio de... abrir um pouco as nossas cabeças para as mudanças.
Porque não sei se.. é... a formação nossa à vezes ela é meio rústica pra
mudança, quando tem que ter a mudança... acho que em todo o processo né,
quando tu tem uma mudança, há uma resistência muito grande em querer se
adaptar as novas diretrizes, acho que aquilo é meu e tem que morrer comigo, e
tem que ficar só comigo, entende? Aí tu tem dificuldade disso. Mais os
encontros tem nos deixado assim... os que eu vim, tem me deixado mais
abertos para que possamos... sem ser aquela coisa assim, tem que fazer
porque exige uma exigência de um poder maior que é o Ministério da
Educação, pra poder se adaptar a essas diretrizes, o diálogo, os debates, os
encontros, a leitura, o material, entende?
- E como tu vês isso repercutindo no documento do PP?
R- Eu acho muito bom, eu acho bom e acho que... nós estamos... agora no
caminho de se adequar o que nós já fazemos acontecer, nós sabemos demais,
nós não sabemos... às vezes não sabemos onde colocar as coisas né. E
108
quando tu tem alguém que te dá uma orientação, um respaldo, aí tu termina...
tu foi naquela oficina que nós fizemos lá não né? Ai Paula tava tão boa, foi tão
boa aquela... muito boa, porque nós chamamos os colegas das instituições da
comunidade né, e teve um debate... teve participação de alunos, as
inquietações dos alunos, mas depois a Cecília, por isso que eu te digo entende,
a Cecília fechou conduzindo de uma forma que era o objetivo da proposta,
porque se estava ali discutindo aquela temática, foi boa, foi bem boa, mas eu
acho que tu tem que caminhar junto.
- Na verdade essas mudanças (debates, discussões, oficinas) ainda estão
repercutindo porque vocês ainda estão com o documento antigo não é?
R- Estamos com o antigo... é por isso que eu estou te dizendo... então todos
esses debates, mas nós ainda temos a resistência... vamos ter que fazer,
agora não adianta entende, vai ter que fazer. Mas ainda tem a resistência...
tanto tem Paula, que nem todos os colegas vem pros debates, pros encontros,
pras oficinas e aí nós começamos assim ó, se não vão todos aí vão aqueles e
esses que tem interesse pra podes modificar, e esses que estão participando
que vão ter o cuidado de trazer os outros pra poder se interar se integrar ao
processo. Mas nós já tivemos vários momentos ta, mas assim... agora não,
agora quem está tem a consciência de que o projeto político pedagógico tem
que ser feito, tem que ser aceito e tem que ser executado. Não dá mais pra
discutir é... currículo e terminar numa propostas de tábua curricular, aquilo
fechadinho, o nosso fechadinho, com pré-requisito, tu entende? Com... o aluno
não pode evoluir nada além daquilo, não se trabalha com competências... mas
nós ainda estamos... agora temo que adequar o que nós temos e que é feito
dentro da escola, com a proposta nova. Eu acho que vai ficar um trabalho
muito bonito, nós estávamos precisando. Do pessoal que está participando
existe comprometimento, e são esses que vão trazer os outros né?
5. Que impasses o Curso e os professores estão enfrentando para
implementar o discurso trazido pelas DCN para o perfil do aluno
egresso? (currículo e prática)
R- Assim ó, podemos pensar que, o impasse seria... alguma coisa da... eu
acho assim olha, pra que não houvesse impasse nós teríamos que ter... estar
100% com os nossos colegas, professores enfermeiros, é... de cabeça na
proposta né. No momento que tu tem um número, a metade, um pouco menos
da metade e os outros não se juntam pra poder... é... se agregar a nós, pra
poder reforçar o processo, então nós vamos sentir os impasses da própria não
aceitação, da própria resistência, da própria dificuldade de mudança pra que
seja implantado o processo, pra que os nossos egressos já sintam lá fora o que
é que mudou a nível das Diretrizes Curriculares.
6. Que condições consideras importantes e que precisam ser revistas,
tanto no curso como nas práticas dos professores, para formar os
alunos com o perfil “desejado” pelas DCN?
R – Iii... Paula, aí a gente vai ter que fechar tudo e construir um novo curso
(risos). Desde o zero, fecha tudo e vamos construir tudo novo, tudo conforme...
é, ter uma proposta diferente. Não eu não... acho que não tem, não tem
109
grandes dificuldades, é... uma das dificuldades que a gente discuti entre nós,
voltando aos benditos das aulas teóricas, conteúdo fechadinho não é? De que,
e os alunos comentam isso, que o discurso que se faz na teoria ele não se
adequa a realidade prática, quando chega em um... numa instituição hospitalar
entende, então tu vê que... aquilo que foi instrumentalizado em sala de aula ele
é pouco compartilhado na prática do nosso aluno, talvez seja esse o mais...
dificuldades e os comentários que se faz.
- Tu achas que por parte dos professores?
R- Não, não só dos professores, é muito mais próprio das instituições onde se
desenvolve a prática, que nós estamos num curso eminentemente prático, né.
É... que assim olha, a última disciplina do nono semestre ela tem 270h aulas,
ela tem 300h, ela tem 270h práticas e só 30 pra a construção do TCC, que o
aluno aplica muito mais, usa muito mais tempo junto com o seu orientador, mas
na própria disciplina, na verdade foi feito um cálculo diferente e vai aumentar a
carga horária, entende? Então o nosso curso ele é um curso eminentemente
prático, e à vezes o que a gente diz pra ele em sala, no blá, blá, blá, no cuspe,
no giz, no recurso que tu quer usar, quando chega na realidade prática tu não
encontra essa.... esse elo de ligação entre uma coisa ou outra. Mas é
institucional, é federal, é estadual, é municipal, entende? Por que quando tu
chega numa instituição de Unidade Básica de Saúde ele é gerenciado por uma
instituição estadual, então...
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