3. A vocação para a liberdade
No primeiro momento, o da pedagogia do oprimido, objeto da
análise deste capítulo, estamos em face do problema da
consciência oprimida e da consciência opressora; dos homens
opressores e dos homens oprimidos, em uma situação concreta
de opressão. Em face do problema de seu comportamento, de sua
visão do mundo, de sua ética. Da dualidade dos oprimidos. E é
como seres duais, contraditórios, divididos, que temos de encará-
los. A situação de opressão em que se “formam”, em que
“realizam” sua existência, os constitui nesta dualidade, na qual se
encontram proibidos de ser. Basta, porém, que homens estejam
sendo proibidos de ser mais para que a situação objetiva em que
tal proibição se verifica seja, em si mesma, uma violência.
Violência real, não importa que, muitas vezes, adocicada pela
falsa generosidade a que nos referimos, porque fere a ontológica
e histórica vocação dos homens – a do ser mais
(FREIRE, 1987,
p.37).
Não podemos simplesmente partir do pressuposto que a liberdade é
desejada, naturalmente, por todos. Podemos elocubrar que existe uma situação
existencial “comum”, em que nascem a idéia, a necessidade e o desejo da
liberdade, que é, justamente, a privação da liberdade. O que nos possibilita
compreender o conceito de liberdade é a sua antítese, a falta de liberdade, sua
privação. Vamos a esta outra citação de Paulo Freire, certamente um trecho
fundamental na pedagogia do oprimido e em toda a sua obra.
Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora
atual, se propõem a si mesmos como problema. [...] O problema
de sua humanização, apesar de sempre dever haver sido, de um
ponto de vista axiológico, o seu problema central, assume, hoje,
caráter de preocupação iniludível. Constatar esta preocupação
implica, indiscutivelmente, reconhecer a desumanização, não
apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade
histórica. É também, e talvez, sobretudo, a partir desta dolorosa
constatação que os homens se perguntam sobre a outra
viabilidade – a de sua humanização. Ambas, na raiz de sua
inconclusão, os inscrevem num permanente movimento de busca.
Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto
real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como
seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas se
ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que
chamamos de vocação dos homens. Vocação negada, mas
também afirmada na própria negação. [...] A desumanização [...] é
distorção possível na história, mas não vocação histórica.
(FREIRE, 1987, p.29-30).