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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
CURSO DE DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
CRIMES PASSIONAIS E HONRA NO
TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO
Antonia Cláudia Lopes dos Santos
Professor Orientador Dr. César Barreira
Junho, 2008
Fortaleza
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ANTONIA CLÁUDIA LOPES DOS SANTOS
CRIMES PASSIONAIS E HONRA
NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO
Tese de doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia, da
Universidade Federal do Ceará - UFC, como
parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Doutor em Sociologia, sob a
orientação do Professor Doutor César
Barreira.
Junho, 2008
Fortaleza
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CRIMES PASSIONAIS E HONRA
NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO
Antonia Cláudia Lopes dos Santos
Comissão Examinadora:
Prof° Dr. César Barreira, UFC
Profª Drª. Lília Maia de Morais Sales, UNIFOR
Prof° Dr. José Vicente Tavares dos Santos, UFRS
Profª Drª. Linda Maria Pontes Gondim, UFC
Prof° Dr. Martônio Mont'Alverne Barreto Lima, UNIFOR
Fortaleza, 12 de junho de 2008
4
R E S U M O
Esta tese apresenta um estudo de dez crimes passionais julgados pelo
Tribunal do Júri brasileiro, sendo quatro os conceitos-chave que orientam
a discussão: crimes passional, júri, honra, veredicto e sentença. Um dos
principais objetivos do trabalho foi caracterizar o discurso da honra nas
práticas escritas e orais da elaboração do crime passional, entendendo a
honra como o valor do réu aos olhos dele mesmo e, mais ainda, à óptica
da sociedade a que pertence. Na análise que se segue, o discutidos os
conceitos de honra ligados ao pensamento sociológico, antropológico e
jurídico, mais especificamente na figura do homicida passional, mediante
através da apresentação dos casos de crimes passionais e na análise do
argumento da “legítima defesa da honra”, discurso constituído durante a
narração dessas mortes, desde a denúncia do ato até o julgamento pelo
Tribunal do Júri. A elaboração deste texto é fundamentada na tipologia de
estudo de casos, com abordagem qualitativa e método descritivo. Na
montagem da problemática que orienta a discussão desta tese, tem-se a
seqüência: caracterização da honra, apresentação do Tribunal do Júri,
relato de uma sessão do júri, descrição dos casos de crimes passionais e
análise dos ilícitos. Nas conclusões da análise, pode-se perceber que o
crime passional, o discurso, o julgamento e a sentença têm significados
sociológicos relevantes na caracterização desse condensado de idéias,
interpretadas como expressão das tradições sociais, dever moral exposto
na sentença, e fortalecimento dos discursos da honra nas narrativas,
aspectos formuladores do mundo social.
Palavras-Chave: Crime Passional Júri Honra Veredicto
Sentença
5
6
A B S T R A C T
This thesis presents a study of ten cases of crimes of passion tried before
the Jury Court (Tribunal do ri), a Brazilian court with specialized
jurisdiction over each of certain grave offenses in which a life is taken. A
main objective of the study was to characterize the discourse concerning
honor in the written and oral practices in the construction of the crime of
passion, understanding honor as a value of the accused, both through
their own eyes and through the eyes of the society to which they belong.
Concepts of honor are discussed in connection with sociological,
anthropological and juridical thought, more specifically in the figure of the
passionate murderer within the presentation of cases of crimes of
passion and in the analysis of the juridical "legitimate defense of honor", a
discourse constructed in the narrative of these deaths throughout the
process from the charge of the crime to the verdict of the Jury Court. The
development of the text is based upon a typology of the cases using a
qualitative approach and descriptive method. The construction of
questions guiding the discussion in this thesis takes the following
sequence: characterization of the concept of honor, overview of the Jury
Court, account of a jury session, description of the cases of crimes of
passion and analysis thereof. It can be seen in the conclusions of the
analysis that crime of passion, discourse, verdict and sentence all have
sociological meaning as expression of social traditions and moral duty,
strengthening the discourse concerning honor in the narrative and
reinforcing aspects of the construction of the social world.
Keywords: Crime of Passion - Jury - Honor - Verdict - Sentence
7
Em memória sempre querida de Mary
Joseph L. McClure
Em memória de todas as pessoas mencionadas
neste texto, mortas segundo o discurso da
honra, do amor, do ciúme, do medo e do desejo
de pertença.
Em memória de meus pais, Dôra e Batista,
meus primeiros mestres.
8
Para você David
With Love,
With Gratitude,
With Admiration.
Thank you for always making me feel
like I will succeed.
You are a blessing!!!
9
A G R A D E C I M E N T O S
Meus sinceros agradecimentos ao Dr. César Barreira, professor da
Universidade Federal do Ceará UFC. Ele foi fundamental para meus estudos; sua
paciência e competência são inesgotáveis.
Ao Dr. Frederick Hensey, professor da Universidade do Texas UT, com
quem trabalhei durante um ano, pelo Programa de Doutorado no País com Estágio
no Exterior – PDEE, da CAPES, no aprofundamento de algumas das idéias da tese.
À Drª.. Beatriz Heredia, professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Com ela aprendi que, arriscando, é possível conquistar.
Ao Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes, UFC, quem me ensinou que toda
leitura é plural, uma vez que não há pensamento único e sim discursos.
À Drª. Irles Barreira, UFC, que, no primeiro dia de aula do doutorado, nos
ensinou a não fazer da concordância o esquecimento da discordância.
À Drª. Ana Lúcia Pastora Schritzmeyer, professora da Universidade de São
Paulo – USP, pelas discussões iniciais da minha proposta de tese.
Agradeço os comentários redirecionadores e estimulantes dos professores da
banca de qualificação Drª. Irles Barreira e Drª. Linda Gondim - assim como a
orientação do Dr. César Barreira. Não fossem eles, não teria percebido limitações
que deveriam ser ultrapassadas.
À FUNCAP, que financiou um ano dos meus estudos no doutorado, e à
CAPES, que possibilitou a minha ida para a Universidade do Texas, em Austin, a
minha gratidão.
10
Às minhas Irmãs, pelo carinho e torcida. Um agradecimento especial a você,
Lucinha, que, tendo vivido esse momento ímpar de redigir uma tese, teve a
paciência de ler o meu texto.
Às minhas tias, tios, primos e primas, pela torcida constante.
A Gwen e David McClure, pela sabedoria compartilhada, o carinho e as
orações.
Aos meus amigos do dia-a-dia, que colaboraram para minha organização
emocional, com os comentários que resumo aqui em um: vai-dar-tudo-certo!
Obrigada Iraneide, Taiko, Germana, Fernando e Tia Cinda.
Aos amigos de trabalho, Jessé, Noeme, Jaqueline, Marília, Aurilene e
Juliana.
A Demócrito (in memoriam) e Wânia Dummar, grandes amigos, mentores
intelectuais e profissionais.
Ao Dr. Aléxis Mendes, pelo ano que trabalhamos juntos, coletando material
para esta tese.
A Sandra Alexandrino, pela amizade, honestidade e profissionalismo. Com
ela, Renatinha, Gaby e Renoir, partilhei bons momentos de família durante o
período que passei no Texas.
A Ana Claudia, Dany Nilin e Nágila El Kadi, minhas amigas da Sociologia.
Aos amigos Marcus Ponte e Dr. Antonio Dantas de Alencar Filho, que fizeram
ótimas considerações na leitura dessa tese.
Last but not least, agradeço a todas as pessoas que não citei, mas que
iluminaram meu caminho para a composição deste texto.
11
S U M Á R I O
CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 – ELABORAÇÕES METODOLÓGICAS............................................ 26
1.1. O Lócus da Pesquisa.............................................................................. 27
1.2. As Técnicas Utilizadas............................................................................ 28
1.3. Desafios do Estudo................................................................................. 32
CAPÍTULO 2 - AS FACES DA HONRA................................................................... 35
2.1. A Honra na História................................................................................. 39
2.2. A Honra na Literatura.............................................................................. 42
2.3. A Honra na Lei......................................................................................... 44
CAPÍTULO 3 - O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL............................................... 50
3.1. O Sistema Judiciário no Brasil-Colônia................................................... 51
3.2. A Origem do Júri no Brasil....................................................................... 56
3.3. A Competência do Tribunal do Júri......................................................... 58
CAPÍTULO 4 - A CENOGRAFIA DO TRIBUNAL DO JÚRI..................................... 63
4.1. O Juiz Presidente e o Promotor de Justiça............................................. 63
4.2. O Defensor Público e o Defensor Privado............................................... 64
4.3. O Conselho de Sentença, o Réu e a Assistência.................................... 65
4.4. Uma Sessão do Júri................................................................................ 67
CAPÍTULO 5 - CRIMES PASSIONAIS, CRIMES DE HONRA.................................80
5.1. Caso 1: Tragédia da Piedade.................................................................. 81
5.2. Caso 2: Quem Ama Não Mata............................................................... 85
5.3. Caso 3: Caso Daniela Perez................................................................... 88
5.4. Caso 4: Crime de Atibaia......................................................................... 92
5.5. Caso 5: Caso Pimenta Neves.................................................................. 96
12
5.6. Caso 6: Ethel e Flávio ............................................................................ 98
5.7. Caso 7: Nadja e Francinaldo................................................................. 100
5.8. Caso 8: Soraya Kunst, a Iasmin............................................................ 102
5.9. Caso 9: Daniele e Sandro..................................................................... 104
5.10. Caso 10: Osair: Ciúme e Tragédia...................................................... 105
CAPÍTULO 6 - CRIME, JÚRI E SENTENÇA.......................................................... 107
6.1. O Réu e sua Paixão.............................................................................. 108
6.2. O Réu e o Júri....................................................................................... 120
6.3. O Sentenciamento................................................................................. 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 132
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 137
ANEXOS................................................................................................................. 145
Fluxograma para o processamento dos crimes de competência do Júri......146
Sumário dos Códigos Penais do Brasil........................................................ 147
Imagens das Vestes Talares do Tribunal do Júri......................................... 156
Imagens do Plenário do Tribunal do Júri...................................................... 159
Habeas Corpus n ° 72.726 SP..................................................................... 162
13
C O N S I D E R A Ç Õ E S I N I C I A I S
Os grandes julgamentos, no seu desenvolvimento, na apresentação
que deles se faz, levam a dramatização ao seu grau mais intenso.
Impõem uma encenação, um cenário, papéis, motivações secretas
e violências, revelações e efeitos de surpresa os quais geralmente
levam à confissão do acusado. Recorrem ao extraordinário,
incluindo a organização do cerimonial judiciário. São submetidos a
uma lógica implacável, mas seu funcionamento provoca emoções –
da reprovação à cólera e o ódio popular. (...) o que está em jogo no
drama é a morte física ou moral daqueles que o poder acusa em
nome da salvaguarda da forma e dos valores supremos da
sociedade.
(BALANDIER: 1999; 25-26)
O interesse por este estudo começou no final do ano de 2001, quando assisti
ao meu primeiro ri, durante o Curso de Discourse and Practice, na Universidade
do Arizona - UofA, nos Estados Unidos. Os rituais visíveis da Corte a solenidade,
a toga, o povo se levantando à entrada do juiz, o pregão pelo porteiro do auditório, a
campainha, a disputa entre o promotor e o defensor e seus instrumentos
aparentemente tão seguros conduzidos na fala entre o cito e o ilícito, entre a
transgressão e a aceitação, despertaram em mim a curiosidade de entender os
crimes julgados pelo Júri, na perspectiva das ciências sociais.
No Tribunal do Júri, a absolvição e a condenação dou têm um intenso viés
moral, percebido mediante um discurso da honra, utilizado seja para acusar ou
defender o réu. É o olhar público sobre o ato privado, em que a honra, sujeita a
múltiplas definições, mescla e revela papéis e subjetividades.
A narrativa de um crime, do inquérito policial, da denúncia, da pronúncia,
passando pelo cartório em que correm os autos, até chegar ao Júri, ocupa um
espaço privilegiado para observar uma sociedade à espera de ver a correção de
14
seus “desvios”, os pontos críticos das articulações sociais por meio das narrativas
envolvendo o drama que ali se expõe nos argumentos carregados de valores. Aos
poucos, fui percebendo que o desenvolvimento desses argumentos seguia um
sistema de persuasões, cujo discurso da honra causava impacto no veredicto
imposto ao réu, o que me fez olhar nessa direção para formular meu objeto de
pesquisa.
Tendo interesse no Tribunal do Júri e no discurso da honra reproduzido nas
narrações de um crime, comecei os primeiros rascunhos do que se tornou depois
um projeto de estudo. O objetivo era analisar, com algum ineditismo, o papel da
honra em casos de homicídios passionais, com base na leitura de peças
processuais, das falas da defesa, da acusação, do réu e do sentenciamento dado
pelo juiz no Tribunal do Júri. Com esse estudo, quis explorar a hipótese, de que a
honra se apresenta implicitamente, em casos de crimes passionais, como atenuante
da morte. O recorte escolhido foi abordar o relato desses crimes, sentenciados
pelo Tribunal do Júri.
Neste contexto, o crime não é um ato isolado, pois evoca valores morais,
caracterizados pelo discurso da honra, classificado como o elemento atenuante do
crime passional e porta aberta para fortalecer a acusação e a defesa do réu.
Este estudo vai do crime ao julgamento como forma de compreender o
somente o que está escrito na peça processual, mas também perceber que
representações embasam as práticas de um sentenciamento, entendendo a partir
de Geertz, que essas ações tem o pressuposto de que
a parte jurídica do mundo não é simplesmente um conjunto de
normas, regulamentos, princípios e valores limitados, que geram tudo
que tenha a ver com o direito desde decisões do Júri, até eventos
destilados, e sim, parte de uma maneira específica de imaginar a
15
realidade. Trata-se basicamente não do que aconteceu, e sim do que
acontece aos olhos do direito; e se o direito difere de um lugar ao
outro, de uma época a outra, então o que os seus olhos vêem
também se modifica. (2001, p. 259)
Com o apoio de amigos antropólogos, sociólogos e juristas, focalizei o olhar
para a leitura de peças processuais em homicídios passionais, visitas aos tribunais
do júri durante sessões de julgamentos e coleta de livros na área da Criminologia e
da Sociologia Criminal.
1
Diante desse material aparentemente difuso, me fiz alguns
questionamentos: a) qual impacto o discurso da honra elaborado por promotores e
defensores exerce na lei, durante o julgamento de um crime passional? b) Crimes
passionais, nos quais há uma forte presença do discurso da honra pelo réu, evocam
valores morais que servem de atenuantes para esse crime? c) Se a lei é gerada sob
a influência das idéias de uma sociedade (COHEN, 1993), qual a contribuição da
Sociologia para o Direito Penal?
Na busca de respostas, vi-me compelida a adequar a dimensão de minha
subjetividade às mortes narradas nos autos, levadas a Júri, para evitar cair na
armadilha das classificações do que é justo e do que é injusto, do que é certo e do
que é errado, e sim perceber que valores da vida social esses crimes evidenciam. A
princípio, a característica da passionalidade me chamou a atenção pelo fato de que
o crime passional é cometido, geralmente, por indivíduos sem nenhum delito penal,
que podem se tornar criminosos hediondos por este ato. Os acusados de crimes
passionais são pessoas de ambos os sexos, diferentes classes e culturas. Pode-se
encontrar esses homicidas entre pessoas anônimas, celebridades, trabalhadores,
socialites, pessoas sem escolaridade e doutores.
1
Nesse período trabalhava como coordenadora acadêmica de um Curso de Direito e,
constantemente, acompanhava os alunos a visitas orientadas ao Tribunal do Júri.
16
Do latim passionalis, de passio, paixão, crime passional é a terminologia
jurídica para designar o ato que se comete por paixão, por violenta emoção.
Mirabete (1994: p. 234), em sua interpretação do Código Penal, assinala que a
emoção produz uma violenta perturbação do equilíbrio psíquico e a paixão é uma
duradoura crise psicológica que ofende a integridade do espírito e do corpo,
causando a perturbação dos sentidos. Esses crimes, em maior ou menor escala,
fascinam a sociedade, seja por indignação ou curiosidade, e por anos inspiram
livros, óperas, novelas, músicas e artes gráficas.
A Ilíada, (VI a.C), de Homero, por exemplo, conta a história da Guerra de
Tróia, iniciada quando os aqueus (hoje conhecidos como gregos) atacaram a cidade
de Tróia, buscando vingar o rapto de Helena, esposa do rei de Esparta, Meneleu.
Páris foi a Esparta em missão diplomática e se apaixonou por Helena, fugindo com
ela para Tróia. O cerco de Tróia durou dez anos e custou a vida de muitos heróis,
dentre eles, Aquiles (Aqueu) e Heitor (príncipe de Tróia).
Otelo, o Mouro de Veneza, de Shakespere, escrito por volta do ano 1603,
gravita à órbita de quatro personagens: Otelo (um general mouro que serve o reino
de Veneza), sua esposa Desdêmona, seu tenente Cássio, e seu suboficial Iago.
Hábil e profundo conhecedor da natureza humana, Iago sabia que, de todos os
tormentos que afligem a alma, o ciúme é o mais intolerável. Iago insinuou a Otelo
uma traição de Cássio e Desdêmona. Otelo, desconfiando de Desdêmona e
acreditando que ela o havia traído, vai ao quarto da esposa e a mata. Após o crime,
Otelo descobre que matara sua amada esposa injustamente, e, em desespero,
comete suicídio, dizendo: proferi, se o quereis, que sou um assassino, mas por
honra, porque fiz tudo pela honra e nada por ódio!
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Liberdade, paixão, amor, ciúmes e morte são os ingredientes da ópera
Carmem, 1875, de Georges Bizet, escrita por Prosper Merimée, também com
versões para o cinema. Por ciúmes de Carmen, Don José assassinou um oficial dos
dragões, membro do exército de Sevilla; todavia, vários homens disputavam a
atenção de Carmem. Cansada dos ciúmes de Don José, Carmem se envolveu com
Escamillo, um grande toureiro. Don José encontra Carmem durante uma tourada e
suplica que ela volte a ficar com ele. Diante da recusa de Carmem, Don José a mata
no mesmo momento em que Escamillo mata o touro e o público explode em
aplausos. Esse é o final da história na ópera.
A ópera I Pagliacci, 1892, de Ruggero Leoncavallo, é uma história de amor,
ciúmes e morte, na sociedade siciliana. Essa ópera baseia-se num crime passional
real e se passa em um circo. Tônio leva o patrão, um palhaço, para surpreender sua
esposa com o amante. O drama chega ao desfecho, quando o palhaço, em uma
interpretação teatral com sua esposa, no picadeiro do circo, diante de toda platéia a
mata, cantando “(...) Ri, palhaço, sobre teu amor destroçado. Não! Não sou
palhaço; se tenho o rosto pálido, é de vergonha”.
A minissérie Desejo
2
, 1990, conta a história de amor que levou à morte um
dos maiores escritores brasileiros, Euclides da Cunha, autor de Os Sertões. O
enredo relata o drama conhecido como a Tragédia da Piedade das três pessoas
envolvidas num triângulo amoroso: Euclides da Cunha, Anna e Dilermando de
Assis. No domingo, 15 de agosto de 1909, movido por sentimentos contraditórios de
afeto e desafeto, Euclides foi à casa de Dilermando de Assis, amante de Anna,
como ele mesmo disse: para matar ou morrer, e de fato morreu. Sete anos depois,
2
Em 1990, a Rede Globo levou ao ar a minissérie Desejo, baseada no livro Anna de Assis - História
de um Trágico Amor, escrito em 1987 por Jeferson de Andrade. A obra foi tirada de um depoimento
de Judith Ribeiro de Assis, a respeito de sua mãe, Anna, e do pai, Dilermando de Assis, que matou o
escritor Euclides da Cunha em 1909. Glória Perez foi a novelista responsável pela adaptação do livro
em minissérie, com 17 capítulos.
18
Euclides da Cunha Filho, tentando vingar a morte do pai, teve o mesmo fim trágico,
morreu ao ser alvejado por Dilermando.
Os crimes passionais que serão analisados neste estudo não constituem
estórias de personagens fictícias, mas histórias de vidas reais destruídas pela
tragédia. Crimes que comovem e incomodam por se saber que homicida e vítima
tinham proximidade, em alguns casos, conviviam na mesma casa, dormiam juntos.
Após várias leituras e indagações, ao longo da investigação, fui definindo o
alvo de minha pesquisa. No cerne deste ensaio, o leitor poderá perceber duplo
esforço: um voltado para a compreensão do Tribunal do Júri, como espaço de
organização social, e outro destinado ao relato e à análise dos casos passionais, em
que a reputação e a honra estão intimamente conectadas à vida dos atores sociais
envolvidos no crime.
Para caracterizar o crime passional na perspectiva da lei, focalizei o olhar
para o que o atual Código Penal Brasileiro expressa a respeito das paixões, uma
vez que, no passado, chegou-se a considerar o criminoso passional como não
responsável pelo homicídio, sob o fundamento de que agia influenciado por
sentimentos de honra. Hoje, a lei não registra a exclusão da culpabilidade pela
privação dos sentidos e da inteligência”, como o Código de 1890; ou seja, não
exclui a imputabilidade da pena pela exaltação das paixões. Neste sentido, Costa
Júnior (2005: 123) ressalta que:
O Código Penal atual inclui entre as atenuantes genéricas, ter sido o
crime cometido sob influência de violenta emoção, provocada por
ato injusto da vítima (art. 65, III, c). E, entre as atenuantes específicas
do homicídio (...), terem sido esses delitos perpetrados estando os
agentes sob domínio de violenta emoção, seguida à injusta
provocação da vítima (artigos 121, § 1°, e 129, § 4°).
19
Defensores, promotores e juízes se deparam com sérios desafios, no que diz
respeito à fiel interpretação daquilo que seria violenta emoção, referida no art. 65 do
Código Penal Brasileiro, como atenuante da pena. A citação do texto da lei que se
reporta à influência de violenta emoção, provocada, permite deduzir que esta é uma
ocorrência temporal e reativa, ou seja, tem início definido em determinado momento,
e ocorre em reação a algo acontecido. Para ser considerada violenta emoção e
atenuar o delito, conforme realça bem o art. 28, inciso , ao dizer que "A emoção
e paixão não excluem a responsabilidade penal..." é necessário que promotores e
defensores estabeleçam para o Júri a idéia de que, durante a violenta emoção, não
estava em falta para o réu a noção do ato cometido, mas, sobretudo, o domínio
sobre as próprias decisões, estando prejudicada a opção de agir eticamente,
utilizando assim os atenuantes do delito, conforme o Código Penal Brasileiro:
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de
70 (setenta) anos, na data da sentença;
II - o desconhecimento da lei;
III - ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após
o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do
julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em
cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de
violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do
crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o
provocou.
20
Das circunstâncias atenuantes da pena, em casos de crimes passionais, a
violenta emoção comumente vem balanceada com a tese da legítima defesa da
honra, uma vez que essa, singularmente apresentada sob o argumento sexista
3
,
passou a ser considerada para alguns juristas como inconstitucional. Se se pensar
na Constituição Federal de 1988, art. , I, que afirma homens e mulheres como
iguais em direitos e obrigações, a legítima defesa da honra utilizada de forma direta
ou indireta pede uma boa fundamentação teórica, bons argumentos jurídicos e
técnicas de convencimento dos jurados leigos que compõem o Conselho de
Sentença.
Mesmo com os avanços nacionais e regionais de novas leis
4
de proteção da
integridade humana, ainda persistem legislações e decisões jurisprudenciais que
ferem a Constituição Federal, art. 5°, homens e mulheres com direitos iguais e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. , toda pessoa tem direito à vida.
É possível se acompanhar quase diariamente pelos jornais, através do noticiário na
televisão e no rádio, crimes cometidos contra as mulheres, sejam elas solteiras,
casadas, viúvas, desquitadas. Mulheres mortas por pais, irmãos, maridos,
namorados e amantes, uma vez que o homem, por imposição histórica e social,
carrega em si um sentimento de propriedade em relação a “sua mulher” (PITT-
RIVERS in PERISTIANY: 1965). Para ele, uma grande ofensa a sua honra é o
adultério ou o abandono.
3
Neste estudo, sexismo é entendido como a discriminação ou tratamento indigno a um determinado
gênero ou ainda a uma certa identidade sexual.
4
A Lei Maria da Penha, lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, aumentou o rigor das punições das
agressões contra mulheres quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. O nome da Lei é uma
homenagem a uma cearense que, em 1983, foi baleada pelo marido, ficando paraplégica, sofrendo
nova tentativa de assassinato duas semanas depois por eletrocussão durante o banho. O agressor
foi julgado 19 anos depois do crime, passando dois anos na prisão. A lei alterou o digo Penal
Brasileiro, possibilitando que os agressores de mulheres sejam presos em flagrante ou tenham prisão
preventiva decretada, não podendo mais cumprir penas alternativas.
21
Percebe-se é que, embora haja na legalidade direitos iguais para homens e
mulheres, é possível verificar que as representações de mundo, utilizadas pela
defesa em um crime passional, são feitas, por vezes, referenciando o culturalismo
jurídico e o Direito Natural, marcados pela tradição. Conceitos morais típicos das
camadas sociais médias e altas podem ser notados nos discursos de acusadores e
defensores, a mesmo de testemunhas, discursos como: “tem trabalho fixo”, “é
honrado”, “tem bons hábitos”, “tem residência própria”, “nunca cometeu um crime”.
Durante um julgamento no Tribunal do Júri, o advogado Evandro Lins e Silva,
defendendo um homicida passional, disse: A ‘mulher fatal’, nesse caso, é o que leva
o homem a se desesperar, esse homem é levado, às vezes, à prática de atos em
que é contra a sua própria natureza. Senhores jurados, a ‘mulher fatal’, encanta,
seduz, domina, como foi o caso de Raul Fernando do Amaral Street. Absolvei-o,
jurados, e tereis feito justiça!
5
Em outro caso, o réu foi absolvido sumariamente de tentativa de homicídio
praticado contra o amante de sua esposa, amparado pela tese da legítima defesa
da honra. Na sentença lê-se:
(...) Verifica-se que o acusado, chegando a sua residência, encontrou
sua esposa com a vítima em seu quarto, demonstrando cabalmente o
adultério, o que naturalmente incitou no increpado um sentimento de
ferida em seu interior, o que o fez reagir para a proteção de sua
integridade moral, de sua família e de seu casamento, configurando
dessa forma a excludente criminal de legítima defesa.(...) Tendo em
vista que o acusado usou moderadamente do meio empregado,
ferindo o amante de sua esposa com apenas um golpe de faca, não
5
Raul Fernando Amaral Street, conhecido por Doca Street, matou com três tiros, dois no rosto, um
na nuca, Ângela Diniz, com quem vivia. Segundo ele, “matou por amor”. O Conselho de Sentença
aceitou a tese da legítima defesa da honra e o juiz fixou a pena de dois anos de detenção ao réu.
Posteriormente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio anulou o julgamento, mandando Raul
Fernando Street a novo Júri. No segundo julgamento, o qual não participou o advogado Evandro Lins
e Silva, o réu foi condenado a cumprir pena de 15 anos, por homicídio.
22
vejo motivo suficiente para que este seja condenado. (...) é muito fácil
alegar-se que a honra ultrajada é a do cônjuge infiel e que a conduta
deste não fere a honra do outro cônjuge. Mas tal questão fica
colocada nos livros, longe da realidade, sabido que, especialmente
entre nós latinos, não é esse o conceito popular: a honra ultrajada é a
do cônjuge não culpado.
6
quase sempre a exploração de uma honra feminina e de uma honra
masculina. A masculina é baseada na habilidade de manter a reputação da
virilidade, a coragem e a habilidade de prover o sustento para sua mulher e crianças
(TILLION: 1983), ao passo que a honra feminina, normalmente, vem ligada à
sexualidade e à honra da família (MOBERG: 1997), bem como ao comportamento
esperado do grupo social onde está inserida.
Honra, neste estudo, é entendida como o valor do indivíduo aos olhos dele
mesmo, e mais ainda, aos olhos da sociedade a qual pertence. (BOURDIEU: 1989;
PERISTIANY & PITT-RIVERS: 1992; RICHES: 1979); ou seja, a honra obtida
mediante dois aspectos: nascimento e reputação. Quando a honra é baseada na
reputação, normalmente o indivíduo tem ações que sustentam a identidade de
honrado. (HATCH: 1989). Para essa análise, a honra será vista também como uma
elaboração social, em vez de uma formulação biológica, ou uma qualidade jurídica
(primariedade do réu).
Embora a tendência moderna, no Tribunal do Júri, seja de amenização das
discriminações estabelecidas entre homens e mulheres, não conformidade nos
casos julgados de crimes passionais. A título de exemplo, cabe mencionar a
seguinte decisão em Júri:
6
Recurso de Ofício - Acórdão número 01.001.650-3 Rio Branco - Acre – 01/03/2002
23
Resumo do Caso: O acusado, ao surpreender a mulher em situação
de adultério, mata-a juntamente com seu acompanhante. A tese da
legítima defesa da honra foi aceita por expressiva maioria do Júri e
confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou
provimento ao apelo do Ministério Público, mantendo a decisão do
Júri. (apelação 137.157-3.1, 23 de março de 1995)
Argumentação: Antonio, antes ferido na sua honra, objeto de
caçoada, chamado, agora sem rodeios de chifrudo por pessoas de
sua comunidade, mal sabia o que lhe esperava. Entrou em casa e viu
a esposa com outro homem, dormindo a sono solto, seminus, em sua
própria cama e na presença do seu filho, cujo berço estava no
mesmo quarto. Saísse ele daquela casa sem fazer o que fez e sua
honra estaria indelevelmente comprometida (...) sabe-se, é claro que
a questão relativa à legítima defesa da honra não é nova. Nem por
isso, perde a atualidade. O assunto também não é pacífico, quer na
doutrina, quer na jurisprudência. (...) O adultério, em geral, em todos
os tempos, em todas as leis as mais primitivas e modernas, sempre
foi considerado um delito, um ação imoral e anti-social. A ofensa do
adultério não ocorre somente em relação ao indivíduo, mas, também,
às normas de conduta do grupo social. Reage o indivíduo em função
de sua dignidade e em função do sentimento comum de valorização
da coletividade. Reage porque a honra pode ser entendida e
existir sob um duplo caráter e sob o dever para consigo mesmo e
para com a sociedade. Na luta por seu direito, outra não pode ser a
sua atitude ou conduta como pessoa e como membro de um grupo
em uma dada coletividade organizada. (...) Quem age em defesa de
sua personalidade moral, em qualquer dos seus perfis, atua como um
verdadeiro instrumento de defesa própria ao combater o delito, a
violência, a injustiça, no próprio ato em que se manifestam. Baseado
nisso peço a absolvição do réu.
Logo, a relevância do estudo de uma sentença, em especial nos casos
passionais, vem da possibilidade de se analisar a reprodução de estereótipos,
preconceitos e discriminações percebidas nas relações sociais. É exatamente sob o
aspecto da honra expresso no discurso jurisprudencial e no abrandamento da
24
sentença que este estudo centrará sua abordagem descritiva e analítica. Vou
explorar como as atitudes sociais, mais especificamente, as crenças na honra,
podem influenciar a defesa nos casos de crimes passionais. Se, nas discussões em
Júri, o Conselho de Sentença entender como razoável a argumentação posta da
vítima como perturbadora da ordem social, o réu poderá ter a sentença reduzida.
É interessante perceber que, ao mesmo tempo em que a ordem social
distingue, classifica, hierarquiza, traça limites (...) ela encerra, em condições, papéis
e modelos de comportamento. (BALANDIER, 1999: 43). Pensemos aqui em um
julgamento, em que a coação impõe um estilo, uma forma distinta a uma
coletividade. Expresso de outra forma, a desordem que um crime pode provocar,
quando encenada no Júri, passa a assegurar a observância da ordem social. Nas
palavras de Balandier:
A ordem e a desordem da sociedade são como a cara e a coroa de
uma moeda, indissociáveis. Dois aspectos ligados, sendo um, do
ponto de vista do senso comum, a figura invertida do outro. Mas a
inversão da ordem não é a sua destruição, é constitutiva, podendo
ser utilizada para seu reforço. Faz ordem com a desordem, assim
como o sacrifício faz vida com a morte, a lei com a violência
apaziguada através da operação simbólica. (1999: 67).
Antes mesmo de Balandier, Durkheim (1983) percebia a sociedade como
algo decorrente da interação cotidiana dos indivíduos, bem como suas crenças e
ações. Para ele, a lei simbolizava a solidariedade social na medida em que
ordenava os valores que uniam os indivíduos. Assim, o processamento do crime
pelo sistema de justiça criminal representa as operações do sistema de
solidariedade necessárias à continuidade da sociedade. Por isso, os rituais de
25
punição se conformam à dramatização das crenças coletivas, o que permite reforçar
a solidariedade social, fazendo com que a sociedade se ordene.
Querendo-se explorar mais essa interação sociedade, crime e Júri, pode-se
dizer que os atores sociais envolvidos em um julgamento expressam um mundo de
regras morais, sociais, econômicas que na verdade, as têm, socialmente
internalizadas. O que o Júri permite é uma leitura dessas regras por via das
argumentações durante a elaboração da peça processual que relata o crime e, mais
especificamente, durante o julgamento.
Este estudo foi elaborado em seis capítulos. O Capítulo 1, Elaborações
Metodológicas, narra o detalhamento das decisões de coleta e tratamento dos
dados da pesquisa.
O Capítulo 2, As Faces da Honra, desenvolve uma revisão dos vários
conceitos de honra, passando pela história, a literatura e a lei. Fiz esse percurso
para melhor subsidiar a leitura e a compreensão do uso da categoria da honra na
presente tese.
O Capítulo 3 aborda a Origem do Tribunal do Júri no Brasil, relatando
episódios históricos da formação do júri, sua dinâmica na atualidade e o papel do
júri em casos de crimes passionais.
O Capítulo 4, A Cenografia do Tribunal do Júri, apresenta a hierarquização,
composição e atuação dos atores em plenário, iniciando com o juiz, que ocupa no
Júri, função gestora, passando pelo promotor, os defensores e o Conselho de
Sentença, que produzem e reproduzem as angústias, valores, medos, modelos de
conduta; o réu, posto como vítima e vilão, e a assistência, formada de
representantes da sociedade, assim como os jurados leigos. Nesse capítulo,
26
reconstituo a reconstrução de uma sessão no Tribunal do Júri, com suporte em
anotações feitas no diário de campo, durante a pesquisa.
Crimes Passionais, Crimes de Honra, Capítulo 5, introduz cinco casos
escolhidos como representativos para discussão dos crimes passionais acontecidos
em Fortaleza - Ceará, e cinco eventos julgados em outros tribunais brasileiros. Cada
caso vai ser apresentado individualmente, para refletir mais adequadamente o Júri,
a honra e o crime. Dada a extensão desses casos, recorto apenas os dados
necessários para a análise sociológica, tendo adotado o critério sugerido pelos
juristas na finalização de uma peça processual: privilegiar os dados oficialmente
relevantes.
Com efeito, analisarei esses casos apresentados anteriormente, no Capítulo
6, Crime, Júri e Sentença. Como não um conceito uniforme sobre o crime,
fundamentei a discussão entendendo o crime pela transgressão da lei, como
manifestação da resistência do réu e da vítima, marcados por aspectos
socioculturais. Nesse contexto, o Júri será o espaço simbólico para a percepção,
produção e reprodução de valores em torno da ordem social, lugar de poder e
drama.
Nas Considerações Finais, retomo as várias perguntas feitas ao longo deste
estudo, com assento nas sutilezas e riquezas reveladas, elaboro algumas respostas
e reflexões finais da análise.
27
C A P Í T U L O 1
E L A B O R A Ç Õ E S M E T O D O L Ó G I C A S
Inicialmente, escolhemos o objeto por acaso, porque as
circunstâncias de nossa carreira levaram-nos em tal ou tal direção,
e depois também por razões que dizem respeito a afinidades ou
antipatias pessoais (...). se disse muitas vezes não sei se é
geralmente exato, mas certamente é verdade para muitos de nós
que o motivo que nos levou à etnologia é uma dificuldade de nos
adaptarmos ao meio social no qual nascemos.
(LÉVI-STRAUSS, IN CHARBONNIER, 1989, 13,14-15)
Optar por uma metodologia de trabalho não é tarefa simples. Muitos seriam
os caminhos viáveis para a construção deste texto, e eu dispunha de uma
quantidade imensa de material, acumulado durante anos de estudo, e que não
sabia como seqüenciar. O maior problema era resolver a cisão entre os dados
informativos e históricos, os exames efetivos das peças processuais e minhas
elaborações. Estes dois últimos eram o foco principal do trabalho, mas não podia
prescindir por completo dos primeiros. Afinal, apresentar um estudo sobre Tribunal
do Júri exigia um mínimo de contextualização histórica e informativa. A diferença
de formulações, porém, entre as partes da tese eram muito visíveis e não se
harmonizava como um todo. O texto parecia composto por uma sucessão de
discursos desconexos e não me satisfazia.
Como um dos objetivos norteadores de Crimes Passionais e Honra no
Tribunal do Júri Brasileiro era analisar o papel da honra em casos de homicídios
passionais, através da leitura de peças processuais, das falas da defesa e
28
acusação do réu e do veredicto; o mais adequado foi seguir os rastros deixados por
esses acontecimentos, selecionando casos processados em delegacias e
acompanhando os julgamentos no Tribunal do Júri.
1.1 O LOCUS DA PESQUISA
A proposta se converteu na apresentação primeiramente, do locus da
pesquisa, o Tribunal do Júri, por meio dos informativos históricos e
contextualizadores, e de minhas elaborações. Para isso, recorri aos diários de
campo e dividi o texto em patamares delimitados pela metodologia.
Por ser o Júri um espaço de prestígio social e distinção, com acentuada
consciência do poder e do dever de seus atores (Bourdieu: 1974), a dinâmica das
falas, das sentenças, postas em evidência em um julgamento, descaracteriza a
dimensão exclusivamente técnica e jurídica das práticas discursivas.
A linguagem das peças processuais possui algumas das principais
características do que Balandier (1999) denomina linguagem do poder, porque
evoca justiça tanto para o que já foi consumado, quanto para o que poderesultar
da absolvição ou condenação do réu durante o julgamento. Schritzmeyer (2001)
acentua que reparação e prevenção são objetivos evocados, direta ou
indiretamente, no Júri. Logo encaminhei minha proposta para a compreensão das
práticas discursivas do crime ao julgamento.
O seqüenciamento da discussão na tese ficou conectado aos conteúdos
coletados, deixando a apresentação do Tribunal do Júri conexa a outras formas do
discurso. Foi Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (1977), quem conceituou a lei
29
como parte integrante de um conjunto muito mais amplo de momentos institucionais
de normatização, do que a pura legalidade. Então, para dar conta dessas outras
formas, foram utilizadas algumas técnicas de coletas de dados.
(II) AS TÉCNICAS UTILIZADAS
Durante aproximadamente quatro anos, de 2001 a 2004, transitei pelos
Tribunais de Júri de Fortaleza Ceará. Embora em nenhum momento tenha havido
a intenção de trabalhar com amostras estatísticas das sessões, orientei minhas
visitas para anotações em diários de campo através da técnica de observação não
participante.
Como pesquisadora, passei por um período de adaptação sobre o que olhar
durante a observação. A princípio, anotava tudo e não tinha uma depuração maior
do objeto de pesquisa. Foi somente depois de algumas sessões registradas e de
conversas com outros pesquisadores que redirecionei a perspectiva, me
concentrando em crimes passionais com vítima. Como não é permitido gravar o
transcurso das sessões de Julgamento, anotava o mais que podia. Depois de algum
tempo, é possível desenvolver uma espécie de taquigrafia que mesmo o
pesquisador é capaz de entender. Como a duração dos julgamentos estudados foi
de no mínimo oito horas e em alguns casos ultrapassaram as 72 horas, tive muito
tempo para me dedicar às anotações no Júri.
Voltei ao Tribunal do Júri nos anos de 2007 e 2008, primeiro para depurar
minha análise, na redação da tese, e depois por ocasião do julgamento de um
crime passional de grande repercussão midiática, que não analisei neste estudo, por
ter sido solicitado em ri um novo julgamento, ainda sem data marcada. Ao todo,
30
foram observados quinze casos de crimes passionais, doze dos quais nos anos de
2001 a 2004 e mais três casos nos anos de 2007 a 2008. O importante nesses
casos não é a quantidade, mas a relevância que o conjunto formado teve para a
feitura da tese.
Dos quinze casos acompanhados em Júri, utilizei cinco. A escolha ocorreu
porque em três deles houve pedido de novo julgamento. Em dois não houve óbito,
e, para essa análise, escolhi casos com óbito. Quatro não comportavam elementos
de passionalidade e sim divisão de bens, falta de pagamento da pensão alimentícia
e morte acidental a eletrocutou seu marido, sendo aceita a tese de acidente no
Júri. Por fim, o outro crime era passional, todavia, acontecido entre um casal
homossexual, o que não era o foco da pesquisa.
Acompanhei em delegacias mais seis crimes passionais, acontecidos nos
anos de 2006 a 2008, mas, como a demora para o julgamento vai de três a dez
anos, não foi possível trabalhá-los, uma vez que, para este estudo, analiso a
sentença dada no Tribunal Júri.
Para complementar a observação não participante, fiz sete entrevistas não
estruturadas: uma com um juiz presidente, duas com promotores blicos, uma
com um defensor público, duas com jurados do Conselho de Sentença e uma com
um advogado criminalista. Essas entrevistas não permitiam quaisquer análises
quantitativas estabelecer percentuais a fazer generalizações de resultados de
modo que não segui um texto único e estruturado; preferi privilegiar, em cada
questão, aquilo que o contexto melhor propiciava para o debate.
Outra fonte de dados foram os documentos jurídicos, como: sentenças
judiciais, laudos arbitrais, peças processuais e artigos de doutrina e jurisprudência.
Neste caso, é preciso dizer que o documento foi analisado não tanto como normas
31
do Direito Positivo, mas em relação ao contexto social no qual está inserido o
fenômeno jurídico contido no documento. As quinze peças processuais
acompanhadas em Júri foram fotocopiadas, algumas com três volumes de mais de
300 páginas cada uma
7
. Parte desses autos vem com imagens e desenhos de
laudos, tornando a peça processual quase um livro de suspense. Concomitante à
leitura, prossegui com a técnica do fichamento, descrevendo o resumo do caso, o
que me permitiu depois redigir um a um os crimes passionais estudados. Algumas
vezes voltei às próprias peças para esclarecer alguma dúvida na hora da análise, o
que demandou tempo, mesmo as tendo arquivado ordenadamente.
Como complementar a essas fontes, fiz o levantamento das notícias de
crimes passionais veiculadas nos principais jornais do Estado do Ceará, Jornal O
Povo e Diário do Nordeste. Coletei dados de homicídios passionais acontecidos em
de 1992 a 2007. O recorte iniciado em 1992 teve razão de ser: como acompanhei o
Júri do caso de Ethel e Flávio em 2006, quis saber as notícias da época do crime,
1992. Considerei o levantamento das notícias em jornais um material válido para
analisar seu emprego nas peças processuais e no Júri. Não é difícil encontrar
promotores e defensores fazendo uso de informações veiculadas pela mídia quando
na apresentação iconográfica de fotos de jornal, tabelas com dados estatísticos
retirados de jornais e comparação de crimes utilizando o mesmo expediente.
Especialmente no terceiro ano de doutorado (2006), por insistência do meu
co-orientador da Universidade do Texas em Austin - UT, trabalhei com documentos
literários e históricos. Examinei vários livros que tratavam do Tribunal do Júri
brasileiro, fui a óperas com passagem na cidade, nas quais a temática da
passionalidade estava posta, e li várias obras da literatura clássica da mesma
7
O Caso Daniela Perez, tem mais de 2.000 páginas distribuídas em nove volumes. Para este estudo
copiei parte do processo. Muitas páginas são utilizadas para as correspondências entre as partes.
32
temática. Assim como ocorreu com as entrevistas, várias idéias decorrentes desse
material não foram aproveitadas diretamente neste texto, mas o orientaram e me
ajudaram a redigir. De fato Bourdieu tinha razão, nada mais divertido no trabalho
intelectual, que descobrir a mesma idéia, com poucas diferenças de forma, em
autores diferentes. (1989: p. 65).
Uma fonte de dados que, inicialmente, considerei válida e depois abandonei
a análise do material, foi à coleta dos casos passionais, dos tribunais norte
americano. Iniciei selecionando o caso de O. J. Simpson
8
, 1994, terminando com o
Caso de Petterson
9
, 2003. Como a legislação nos Estados Unidos é diferente da
Legislação Brasileira, embora as características da honra estejam presentes de
forma semelhantes nas duas legislações, me pareceu um esforço desproporcionado
analisar os crimes passionais dos dois países na elaboração dessa tese.
Ao constatar que enriqueceria este estudo, coletei mais quinze casos de
crimes passionais julgados em outros tribunais do júri brasileiro, com o
objetivo de ter elementos complementares e relacionados à discussão da honra.
Parte deles coletei em livros e por meio de cópias das peças processuais. Foi de
muita ajuda o fato das pessoas me perceberem emaranhada no objeto da tese, pois
davam ótimas informações, me auxiliavam com as petições para copiar os casos e
traziam alguns de presente. Após dolorosa depuração, queria analisar os quinze
8
Orenthal James Simpson, conhecido por suas iniciais 'O.J.', foi acusado de matar a facadas sua
esposa, Nicole Brown e Ronald Goldman, na casa dela. O motivo alegado pela acusação foi ciúmes.
O Júri formado por 9 negros (O.J. é negro), dois brancos e um hispânico pronunciou o veredicto de
“não culpado” após 372 dias de julgamento. A peça processual do caso tem 50.150 páginas e foram
ouvidas 133 testemunhas, sendo um dos Júris mais famosos e comentados nos Estados Unidos.
9
Scott Peterson foi acusado de matar sua esposa, Laci Peterson,afogada, para ficar com Amber
Frey. Em 2005 ele foi sentenciado de morte pelo Tribunal do Júri. Laci estava com oito meses de
gravidez, o que agravou a situação de Scott, que hoje permanece no corredor da morte, enquanto
aguarda o apelo que fez para a Suprema Corte da Califórnia.
33
casos, mas optei por ficar com cinco, aqueles com fortes características de
passionalidade e com a atenuante da pena pela violenta emoção no ato do crime
Escolher um caminho metodológico representou os primeiros passos da
análise, o desafio de vencer a tempestade de idéias que nasce quando se começa a
coletar dados. Por várias vezes, me fiz parar e refletir sobre que percurso seguir, um
exercício com meus limites e com as exigências estipuladas pela comunidade
acadêmica. Não bastasse isso, vivi e vivo a pesquisa. Na ocorrência de qualquer
crime passional noticiado, algum amigo, aluno ou colega telefona para comentar
e/ou informar. Não para deixar de ir a um bom julgamento, como meus amigos
costumam dizer. Cheguei estabelecer um certo viver-para-a-tese, pois nunca parei
de coletar dados... E é assim que os desafios para reelaborar o pensamento vão se
colocando, desafios que tenciono discutir.
1.3 DESAFIOS DO ESTUDO
Especialmente durante o ano de 2006, quando estava totalmente dedicada à
elaboração da tese, examinei vários livros que tratavam da historiografia do Tribunal
do ri e dos crimes passionais. Quase invariavelmente, os livros apresentavam
breve histórico da Instituição, apontando suas origens, sem, contudo, discutir os
diversos contextos sociopolítico pelos quais passou o Brasil. Após constatar o
quanto se repetia esse modelo, me propus a apresentar o Tribunal do Júri,
contextualizando o Júri a sua origem à atualidade.
Tendo concluído essa análise, comecei a compilar o material dos crimes
passionais estudados. Optei por apresentar cada caso separadamente, uma vez
que eles representam a essência desta tese. Como o relato do crime na peça
34
processual é feito superficialmente pelo escrivão de polícia, algumas vezes utilizei
as falas do Júri para compor a história do crime.
Idealmente, esse estudo deveria ter desenvolvido entrevistas com os autores
de crimes passionais ou com as famílias das vítimas. Infelizmente, isso não foi
possível, considerando que os autores quase nunca se dispõem a falar sobre os
crimes cometidos e algumas famílias até preferem enterrar o assunto com a vítima.
Como os crimes são dados a público no Tribunal do Júri por meio do número
do processo e do nome completo dos envolvidos, e os casos analisados possuem
material de domínio público (jornais, revistas, artigos e livros), não houve
necessidade de preservar o anonimato dos atores sociais envolvidos na discussão
dos casos, o que aumentou o desafio de tratar cada personagem com a maior
imparcialidade que a escolha de uma abordagem possa ter.
Embora as peças processuais reproduzam a dinâmica do caso, esse material
se apresenta muitas vezes de forma unidimesional: somente a história do réu é
exibida com todos os argumentos; à vítima cabe aguardar a palavra da promotoria.
Algumas vezes, o fato é redesenhado segundo a visão de quem defende ou de
quem acusa.
Ainda se pode observar que o estudo de crimes passionais apresenta um
déficit de estatísticas oficiais, ficando difícil discernir claramente as mudanças nas
ocorrências. Muitas mortes com características passionais não são assim
consideradas em virtude da obstrução de dados, seja pela família da vítima, seja
pelo autor(a) do crime, ficando ainda mais difícil saber quantos crimes passionais
são cometidos por ano.
Após o diálogo com a Banca de Qualificação da tese, refleti bastante a
respeito de para quem escrevi este texto. Para Sociólogos? Antropólogos?
35
Profissionais do Direito? Leigos interessados no Júri? Para todos esses? Para
interessar aos antropólogos, possivelmente, deveria ter investigado mais
amplamente a respeito dos ritos do Júri, da etnografia de uma sessão, muito bem
elaborada por Schritzmeyer (2001). Os profissionais do Direito pediriam mais
páginas das normas estudadas. Todavia como socióloga, meu interesse se
encaminhou para uma pesquisa que demonstrasse, com base na literatura da área
e exemplos do material empírico, a maneira como a honra indutora de um
discurso apropriado por diferentes atores sociais na formulação da peça processual
do crime e do Júri subsidia a condenação ou absolvição do réu, baseando-se em
regras da vida social.
Em essência, essa análise quer trazer mais argumentos aos estudos dos
crimes passionais e auxiliar aqueles que trabalham com a dinâmica do Tribunal do
Júri a olhar com os olhos da Sociologia, uma sociologia a ser compartilhada com
outros sociólogos, antropólogos, profissionais do Direito e interessados no Júri, na
honra, no crime.
36
C A P Í T U L O 2
A S F A C E S D A H O N R A
É um erro considerar a honra como um conceito constante e único
mas que como um campo conceitual é um espaço onde
encontramos uma forma de expressar amor próprio e estima pelos
outros. (...) A honra é de um lado, uma questão de consciência
moral e um sentimento ao mesmo tempo, e de outro lado, um feito
de reputação e precedência alcançado em virtude de nascimento,
poder, riqueza, santidade, prestígio, astúcia e força.
(PERISTIANY, J.G & PITT-RIVERS, J. 1992, 20-21)
No Brasil, o Código Penal retirou a expressão mulher honesta para
caracterizar vítimas de delitos de ordem sexual, todavia ainda se percebem, no
conteúdo de argumentos jurídicos e decisões judiciais, alguns estereótipos,
preconceitos e discriminações, convertendo a vítima em réu. Essa prática aufere
maior expressão nos crimes de honra, nas agressões e homicídios contra mulheres,
praticadas por seus maridos, namorados e companheiros, sob a alegação de
adultério, ou o desejo de separação por parte da vítima.
A título de defender a honra conjugal, de ter a honra abalada pelo
comportamento impróprio da parceira, como justificativa para o crime e garantir a
liberdade do réu ou diminuir a pena, operadores do Direito se utilizam, com ou sem
discrição, da tese da legítima defesa da honra, somada a violenta emoção, bem
como qualquer outro recurso que desqualifique e inculpe a vítima de crimes
passionais.
Nesse sentido, vale a pena examinar o que a literatura relata sobre a honra,
algo que ocupa a mente humana por séculos. Veremos que sua conceituação foi e é
37
influenciada pelas crenças religiosas, pela política e pelas realidades econômicas de
cada época.
Como expresso, a honra ocupa lugar importante nos crimes passionais e
pode proporcionar uma base para a compreensão da sentença. No Tribunal do Júri,
a apresentação do crime é comumente fundamentada nos documentados
produzidos durante as investigações, na honra individual do réu, no que desqualifica
e qualifica a vítima e na honra coletiva da sociedade. Tudo isso é objetivado pela
opinião do Conselho de Sentença, dos promotores, defensores e advogados, e na
compreensão do juiz para o estabelecimento da pena.
O Tribunal do Júri, como expressa Schirtzmeyer (2001), ilustra uma base
teatral das manifestações da existência social, postas mediante um rito. Um
julgamento expressa o drama de um ato criminoso levado a público, e o drama, de
acordo com Balandier (1999), apresenta sentido duplo, o de agir e o de representar.
A ação geradora do caso e a representação no seu julgamento é o que provoca as
descobertas contidas nas questões humanas das ações sociais no decurso do rito.
Logo, os vínculos da honra com o rito são evidentes, porquanto, como afirma
Peristiany, J.G. e Pitt-Rivers, J. (1992), os ritos estabelecem o consenso acerca de
como as coisas são, constituindo, assim, a legitimidade do fato. Aqui trabalharemos
não o rito em si, mas a honra posta nas práticas ritualísticas do Tribunal do Júri.
O conceito de honra de modo mais preciso aparece na literatura com as
obras de J. G. Peristiany e J. Pitt-Rivers durante a década de 1960. na
introdução da obra Honra e Vergonha: Valores das Sociedades Mediterrâneas
(1965), Peristiany explica que honra e vergonha fazem parte de um sistema de
condutas ou regulamentos sociais que implicam a hierarquização dos indivíduos.
38
Uma contribuição à primeira parte da obra é apresentada como o segundo
volume do livro, de 1965. É a obra Honor and Grace in Anthropology, editada
pelos dois autores em 1992. Rohden (2007) comenta que:
(...) nessa obra a honra deixa de ser conceituada em termos de
demonstração de precedência ou poder e passa a ser considerado o
fato de que o controle de sua definição é também um meio de mantê-
la. (p. 104)
Nesse sentido, o conceito estaria mais próximo de Bourdieu (1974) que
privilegia as estratégias individuais na manipulação das regras impostas pela
sociedade, dando uma abertura à honra como elemento de mediação entre os
padrões sociais e sua atualização no comportamento individual.
Nessa direção, Peristiany & Pitt-Rivers (1992) assinalam que tanto a honra
como a graça são conceitos mediadores, ou seja, servem para interpretar os
acontecimentos de acordo com os valores da sociedade, pondo assim um selo de
legitimidade na ordem estabelecida. Pode-se pensar, assim, por que um crime
passional chama a atenção da sociedade de forma tão singular e outro não, por que
um vai contra os valores mais profundos da sociedade e outro, embora tenha os
mesmos aspectos, nas particularidades do caso, não produz o efeito de sensibilizar
essa mesma sociedade. Para Bourdieu (In J. G. PERISTIANY E J. PITT-RIVERS:
1992), a ciência social deve ter presente o feito de eficiência simbólica dos ritos de
instituição, o poder que possuem de atuar sobre o real, acentuando assim a
representação da realidade. (p. 115).
Pensando no Tribunal do ri, vemos que, ao vestir a toga preta, o juiz
presidente exerce uma eficácia simbólica completamente real, transformando-se na
pessoa autorizada diante dos demais para o controle do plenário. Primeiro, porque é
39
transformada a imagem que ele tem de si mesmo, passando ele a ser o
representante máximo da lei; segundo, porque o comportamento adotado se une a
essa imagem, conferindo-lhe as credenciais que aumentam a extensão e a
intensidade de seu valor, de sua autoridade. O juiz presidente passa a ser o porta-
voz autorizado
10
da lei.
Ainda de acordo com Bourdieu (1989: p. 14), existe um poder simbólico que
se define na relação entre os que exercem o poder e os que lhe são sujeitos, sendo
o poder invisível exercido com a cumplicidade dos que não querem saber que lhes
são sujeitos ou que o exercem. Ele formula a realidade, estabelecendo uma ordem,
um sentido, para a sociedade. O que faz o poder das palavras, poder de manter a
ordem ou subvertê-la, é a crença na sua legitimidade e na daquele que as
pronuncia.
Os signos externos, como a roupa, a linguagem, o ambiente, expressam uma
posição tão clara que enseja barreiras e proibições explícitas no ato e não na fala.
No Tribunal no Júri, como discutido em seções anteriores, as demonstrações de
respeito são muitas, das quais menciono o ato de ficar de pé à entrada do juiz, a
obediência a todos os sinais de silêncio, o acompanhamento atentivo de sua fala. É
o reconhecimento, por meio do magistrado, à Instituição que o autorizou. Daí
Bourdieu (1989) asseverar que a crença de todos ao ritual é uma condição para que
o ritual seja eficaz. Essa crença é em parte resultado das ilusões de óptica social,
uma vez que a força das aparências compõe a força do Tribunal do Júri. De onde,
contudo, vem toda essa idéia de honra, de força, de poder, na sociedade? A honra
10
Para Bourdieu (In J. G. PERISTIANY E J. PITT-RIVERS: 1992), o porta-voz autorizado é objeto de
crédito garantido, certificado. Possui a realidade de sua aparência, é realmente o que cada um crê
que é, porque sua realidade não está fundada em sua crença ou pretensão singular, mas na crença
coletiva, garantida pela Instituição e materializada pelo título e pelos símbolos como galões,
uniformes e outros atributos. (p. 122)
40
acompanha a evolução das sociedades e passa por alguns percursos, na história,
na literatura e na lei, como veremos agora.
2.1 A HONRA NA HISTÓRIA
Na história, a honra é classificada ora como um valor externo, adquirido e
atribuído, ora percebida como sinônimo de fama, ligada à dignidade, constituída
pelo indivíduo mediante suas próprias ações, cabendo a ele tão-só preservá-la por
meio de seu comportamento.
O poema épico Ilíada, de Homero, documenta a idéia e o valor da honra
inserido na Antigüidade, na sociedade ocidental. Aristóteles (1984: p. 107) define
a honra “como a boa opinião que os outros fazem de nós, sendo ela o maior dos
bens exteriores”. Na tradição jurídica romana, são estabelecidas punições para os
que ofendem a honra de outro indivíduo. Foi na Idade Média, no entanto, que a
honra adquiriu fundamental importância, sobretudo no sistema feudal, em que os
valores preponderantes eram coragem, força, lealdade e respeito.
O duelo e os combates, mais especificamente pela honra, foram, por
definição, parte da aristocracia e da nobreza do Medievo. Esse grupo acreditava
que o zelo de honra o diferenciava das massas, das pessoas comuns. (KIERNAN,
1988).
As causas dos duelos eram numerosas, desde a simples discussão entre
conhecidos, a insultos pessoais, e à morte de componentes familiares. O
pagamento para a restauração da honra do insultado em alguns casos pedia o
derramamento de sangue. A família que decidisse não vingar o insulto ou a morte
de um dos seus membros sofria sanções sociais por parte do grupo a que pertencia,
41
ou seja, a sua comunidade (MOBERG, 1997), como os membros da aristocracia
familiar, dependiam uns dos outros, não somente pelo reconhecimento, mas
também pelo suporte muitas vezes financeiro e pela continuidade do status; vingar
era o esperado.
Na honra cavalheiresca, o ofendido deveria reconquistá-la a custo de
qualquer outro bem, fosse esse a vida ou a liberdade, e normalmente o duelo era
inevitável. Para Schopenhauer,
(...) se não fossemos educados na ilusão de que um insulto é uma
ofensa a honra, esse insulto não provocaria mais suscetibilidade, mas
recairia imediatamente sobre quem o empregou e ofenderia e ele
próprio. (...) a honra de alguém estaria nas suas próprias mãos.
Muitas vezes, vêem-se pessoas, geralmente sensatas e capazes,
cometerem estupidez de enfrentarem-se, para servirem de alvo umas
às outras, e isso porque alguém lhes fez acreditar que a honra o
exige. (2003: p. 69-76).
Nesse aspecto, é interessante perceber que o sentimento de honra e a
necessidade de revidar uma ofensa ligam-se à crença e ao aprendizado de que,
para restabelecer o sentimento da dignidade, aparentemente perdido pela ofensa
recebida, faz-se necessário devolver esse insulto, por meio até da morte.
Para alguns pensadores modernos, o código de honra é um mecanismo de
controle (HARDY: 1963; TILLION: 1983; SCHNEIDER: 1971). Eles colocam que a
regulação da vida social passa pela percepção que a comunidade tem da honra.
Nesse caso, as famílias criam uma identidade coletiva em que a honra é constituída
nas famílias e não nos indivíduos. (CANTARELLA: 1991; PERISTIANY: 1965). Essa
prática de insultos e vinganças permaneceu até a primeira metade do século XIX.
Com o crescimento do nacionalismo, os duelos cessaram. Os indivíduos
42
começaram a se perceber como cidadãos e menos como membros de pequenos
grupos. Os governos passaram a assumir muitas das funções que antes eram de
família.
O particular código de honra dos duelos foi escasseando com a
industrialização e a urbanização. Os indivíduos sentiram-se menos inclinados a
brigar pelo nome da família e pelos seus membros, uma vez que não tinham mais o
mesmo tipo de segurança e proteção.
Nasce, pois, uma nova ordem a burguesia, com seus valores (KIERNAN:
1988). Esses valores eram circundados pelo trabalho e pelo orgulho de conquistas
pessoais (OWEN: 1968), como a castidade feminina, em conexão com a honra
masculina.
A honra sexual, sujeita a múltiplas definições, passou a se estabelecer na
sociedade burguesa como um dos pilares da ordem. Muitas vezes definia a vida
cotidiana da comunidade. A virgindade feminina continuou sendo importante para
casamentos honráveis.
A honra, de uma forma geral, era entendida como retidão de caráter e
relacionada à opinião alheia, como a imagem passada para o outro, não regida pela
ética ou pela moral, mas pela reputação que tem o outro para a comunidade, o que
é conduzido pelo julgamento da ação visível e não da intimidade.
No Brasil, a partir de 1937, com Getúlio Vargas no poder, a relação entre
honra sexual e intervenção do Estado em prol da manutenção de uma ordem social
foi estabelecida mais fortemente. Nesse período, insistiu-se na idéia de honra
nacional, enraizada na moral pública e na família. Esse interesse aparecia expresso
em debates públicos (ESTEVES: 1989) e também, de maneira mais particular, nas
queixas que chegavam ao sistema jurídico-policial envolvendo vários tipos de delitos
43
que contrariavam a moral sexual vigente (CAULFIELD: 2000). Os casos atraíam a
atenção não apenas dos juristas, policiais, advogados, mas também da opinião
pública em geral
11
. A honra perpassava discussões empreendidas por autoridades
políticas, religiosas, profissionais (FAUSTO: 2001), era a relação entre a importância
da honra na manutenção da família e assim, no futuro do país.
2.2 A HONRA NA LITERATURA
Em 1965, o antropólogo J.G. Paristiany elaborou um livro com vários artigos,
intitulado Honra e Vergonha: Valores das Sociedades Mediterrâneas. O interesse
pelo tópico aumentou desde então (GILMORE, 1987; FIUME, 1989; PERISTIANY &
PITT-RIVERS, 1992). Na introdução dessa obra, Peristiany esclarece que honra e
vergonha fazem parte de um sistema de condutas sociais comuns às sociedades,
ou seja, todas as sociedades têm formas de honra e de vergonha. Percebe-se hoje
que um estudo envolvendo honra passa por essa produção, ainda que tenha a
perspectiva da crítica ao conceito.
Outra contribuição de Peristiany, em parceria com Pitt-Rivers, foi apresentada
como o segundo volume do primeiro livro, intitulado Honor and Grace in
Anthropology, editado em 1992. Para Rohden (2007), dois pontos o inovadores
nessa obra: primeiro, a dimensão mais abrangente que o conceito aufere na
dinâmica social, entendendo a honra não como um conceito constante; segundo, a
honra deixa de ser conceituada em termos de demonstração de precedência ou
11
No livro Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-
1940),Sueann Caulfield analisa 450 inquéritos e processos envolvendo crimes ocorridos entre 1918 e
1940. Caulfield demonstra, por meio dos depoimentos de vítimas, réus e testemunhas, como os
indivíduos lidavam com a noção de honra no seu cotidiano.
44
poder, passando a ser considerado o fato de que o controle da definição do que se
entende por honra é também um meio de obtê-la e mantê-la.
Claramente, para Peristiany e Pitt-Rivers (1992), o conceito de honra
representa tanto uma questão de consciência moral e um sentimento quanto um
fato de reputação ou precedência (ligada à virtude do nascimento, ao poder, à
riqueza, à santidade e ao prestígio, dentre outros).
Muitos compreendem a honra referida a frases como: “sou um homem de
palavra”, “sou uma mulher honrada”, “... um ataque à honra”, “fiz em nome da
honra”, “preciso lavar minha honra com sangue”. Honra, nesse sentido, funciona
como atributo individual. É o valor que a pessoa tem aos seus olhos e à visão da
sociedade por meio da conformação de determinadas formas de conduta. Aqui,
importa a relação entre honra e pessoa física. Em um crime passional, é comum se
perceber que os sentimentos evocados pelas falas de defensores e promotores
importam mais do que ação, do que o crime em si, uma vez que o dano causado à
reputação está relacionado ao fato de ter o alcance da opinião pública dentro da
qual se difundiu. A opinião da comunidade é o tribunal da reputação
12
. Em um Júri, o
Conselho de Sentença, freqüentemente, segue esse padrão.
De acordo com Brandes (In GILMORE, 1987), a palavra honra pode ser
entendida também como estima, respeito, prestígio, ou mesmo uma combinação
desses atributos, dependendo do local onde a palavra é utilizada. Westermarck
(1917, p. 137) assevera que um homem de honra pode ser definido como a riqueza
moral que ele possui aos olhos da sociedade da qual ele é membro. Esta é uma
das mais antigas definições oferecidas por um antropólogo. O sociólogo Flynn
12
A fofoca é uma fonte de informação e comunicação para muitas pessoas da comunidade
(CAMPBELL: 1964; WASSERFALL: 1990). Por meio da fofoca são expressos os papéis dos gêneros,
em particular, a conduta sexual feminina. A fofoca pode ainda ser pensada como capaz de controlar
o comportamento das pessoas.
45
(1977, p.49) a honra como algo culturalmente instalado, uma concepção do
comportamento como um objeto sagrado. Uma das mais conhecidas definições de
honra vem de Julian Pitt-Rivers, que define honra como a manifestação de um
sentimento em conduta e a avaliação dessa conduta por outros. (In J. G.
PERISTIANY E J. PITT-RIVERS: 1992, p.22).
Percebe-se que uma dos primeiros grupos ligados pela honra é a família (J.
G. PERISTIANY E J. PITT-RIVERS: 1992; TILLION: 1983). A família é divisada
como a mais importante e poderosa instituição na organização da honra. Campbell
define a honra como o valor da família, simbolizado em sangue (1964; 1966). Para
atingir a honra, deve-se preservar a pureza na linha sangüínea por meio de
mulheres castas. A reputação de uma família expressa pela honra é usada como
barganha nas atividades sociais, econômicas e políticas. Para Tillion (1983), as
questões de honra perpassam as gerações presentes, afetam as gerações
passadas e futuras. Se, para alguns estudiosos, essa relação honra e família é
importante, na lei ela vai se fortalecer ainda mais.
2.3 A HONRA NA LEI
A dicotomia entre a conduta sexual masculina e a feminina é discutida
através de séculos de mudanças sociais, políticas, legais e econômicas. A primeira
preocupação referente à conduta sexual feminina surgiu na Lei Romana sob o
domínio de Augustus (63 a. C). A lei Julia de Adulteriis e Stuprum foi instituída para
estabelecer que qualquer relacionamento sexual fora do casamento fosse tratado
como ilegal (FOUCAULT: 1980). Com a introdução de leis como essa, os pais
dessas mulheres que tinham relacionamentos sexuais fora do matrimônio
46
continuaram sendo os principais vingadores dessa ofensa, conhecida como crime
contra a honra. Considerando que muitos dos Códigos Penais da Europa derivaram
dessas leis, mesmo com a declaração de igualdade entre homens e mulheres após
a Revolução Francesa, em 1789, a “natural ordem” da supremacia dos maridos sob
suas mulheres e a legitimação do homicide honoris causa foram afirmadas pela lei
(CANTARELLA: 1991).
Sob a legislação de Napoleão, o adultério feminino podia ser punido com a
morte da esposa e do amante pelo marido desta. Até o final doculo XIX, inicio do
século XX, o crime de honra podia ser cometido nas famílias italianas sem causar
temor à comunidade; somente em 1981, o homicídio por honra foi removido do
Código Penal italiano.
Outras nações da Europa ainda exibem um tratamento preferencial para os
crimes de honra, devendo ter a presença de dois elementos: a) testemunha do
adultério e b) surpresa da reação do njuge traído. Alguns códigos expressam
ainda as seguintes circunstâncias admissíveis para o cometimento do crime: na
Espanha, art. 428, se o crime for cometido pelo pai, e a mulher tiver menos de 23
anos, morar em casa, ou pelo marido se esta for casada”; Portugal, art. 372, se o
crime for cometido pelo pai, e a mulher tiver menos de 21 anos e morar em casa;
Kuwait, em caso de adultério, a mulher pode ser morta pelo pai, irmão e filho (AL-
SHAYA, 2006); Egito (SERHAN: 1997), pelo marido.
Na America Latina, inúmeros são os conteúdos discriminatórios para crimes
de honra. Alguns países chegam a tratá-los como delitos contra a honra e os bons
costumes, ou delitos contra a liberdade sexual ou a integridade sexual. O adultério,
em algumas leis penais substantivas, é crime, e, na descrição da lei, é possível
encontrar termos relativos a: honestidade da mulher, agressor do matrimonio, delito
47
de adulterar contra o marido. Nesse sentido, examinarei brevemente alguns desses
aspectos.
13
Na Argentina, em 1998, por força da Lei 25.087, o Título de Delitos contra a
Honestidade foi substituído por Delitos contra a Integridade Sexual. Embora tenha
sido eliminada a isenção da pena do agressor sexual, caso este case com a vítima,
criou-se a figura do avenimiento, um tipo de acordo entre vítima e violador,
especialmente em casos de delitos sexuais, quando tenha havido uma relação
afetiva entre ambos (art. 132 do Código Penal)
14
. Vítimas maiores de 16 anos
podem propor um acordo com o agressor, em Tribunal desde que formulado
livremente e em condições de plena igualdade –, quando, levada em conta a
especial e comprovada relação afetiva preexistente, como forma de harmonizar o
conflito, e resguardo para o interesse da vítima. O efeito do acordo é a extinção do
processo penal, negociação que se encontra associada ao conceito de reparação
da honra.
No Equador, apesar das modificações no Código Penal para os delitos
sexuais a expressão mulher honesta permaneceu no dispositivo que se refere ao
delito de estupro
15
e, no art. 22, no Título Das Infrações em Geral, estabelece,
quanto à legítima defesa da honra conjugal e do pudor, que não infração alguma
13
Para aprofundamento no tema, sugiro ver, PANDJIARJIAN, Valéria. Os Estereótipos de Gênero
nos Processos Judiciais e a Violência Contra a Mulher na Legislação. 2003. Disponível em:
www.cladem.org/htm. Acesso em: 02/05 de 2008.
14
Código Penal de la Republica Argentina - Art. 132.- En los delitos previstos en los artículos
119: 1°, y párrafos; 120: 1° párrafo; y 130 la víctima podinstar el ejercicio de la acción penal
pública con el asesoramiento o representación de instituciones oficiales o privadas sin fines de lucro
de protección o ayuda a las víctimas. Si ella fuere mayor de dieciséis años podrá proponer un
avenimiento con el imputado. El Tribunal podrá excepcionalmente aceptar la propuesta que haya sido
libremente formulada y en condiciones de plena igualdad, cuando, en consideración a la especial y
comprobada relación afectiva preexistente, considere que es un modo más equitativo de armonizar el
conflicto con mejor resguardo del interés de la víctima. En tal caso la acción penal quedará
extinguida; o en el mismo supuesto también podrá disponer la aplicación al caso de lo dispuesto por
los artículos 76 ter y 76 quater del Código Penal.- (Nota: texto conforme ley Nº. 25.087)
15
Código Penal do Equador - Art. 509.- Chama-se estupro a cópula com uma mulher honesta,
empregando a sedução ou engano para alcançar seu consentimento.
48
quando um dos cônjuges mata, fere ou golpeia o outro, ou ao correspondente
amante, no instante de surpreendê-los em flagrante adultério, ou quando uma
mulher comete os mesmos atos em defesa de seu pudor, gravemente ameaçado.
No Uruguai, o art. 116 do Código Penal vigente conserva a possibilidade de
extinção de certos delitos ou penas por meio do matrimônio do agressor com a
vítima. Em casos de homicídio e lesões, motivados pela paixão e provocado pelo
adultério, o u poderá receber o perdão judicial se: o delito for cometido pelo
cônjuge que surpreenda in fraganti o outro cônjuge; se a vítima for este ou o seu
amante; se o réu tiver bons antecedentes e se a oportunidade para cometer o delito
não for provocada ou simplesmente facilitada, mediante conhecimento anterior da
infidelidade conjugal. É atenuante da pena a provocação, que consiste em haver
ocorrido sob o impulso da cólera, produzido por um fato injusto, ou em estado de
intensa emoção, determinado por uma grande desventura. A provocação é
entendida pela infidelidade ou o fim da relação amorosa
16
.
No Brasil, o Código Penal (1940) a recentemente utilizava as expressões
mulher honesta; mulher virgem para os crimes de sedução. Com sua reforma,
todavia, pela Lei 11.106, de 28 de março de 2005, esses itens foram modificados.
Dentre os principais pontos das reformulações há: a) eliminação do requisito
normativo cultural mulher honesta. Essa terminologia exigia um juízo valorativo de
quem julgava, deixando a mulher exposta ao que o juiz decidisse entender por
mulher honesta. Hoje, os Arts. 215 e 216 mencionam mulher, sem a qualificativa
16
Consoante Informação fornecida pelo Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos
Direitos da Mulher CLADEM, pela Coordenadora Nacional do CLADEM - Uruguai, Moriana
Hernández Valentini, In: PANDJIARJIAN, Valéria. Os estereótipos de gênero nos processos judiciais
e a violência contra a mulher na legislação. 2004. Disponível em: www.cladem.org/htm. Acesso em:
02/05/2008.
49
honesta. Para Gomes e Bianchini
17
(2006), no mundo dos crimes sexuais, o que
importa é a liberdade sexual, ninguém pode ser compelido a praticar ou presenciar
qualquer ato atentatório à sua liberdade. Fundamental, portanto, é a liberdade, não
a honestidade. b) eliminação do delito de adultério. Praticamente já não se via
condenação penal por esse motivo. Pelos costumes, a sociedade brasileira não
acreditava na eficácia do Direito Penal para evitar o adultério, logo a lei caiu em
desuso; c) em sua Parte Geral, no Art. 107, o Código Penal revogou o dispositivo
legal que determinava a extinção da punibilidade pelo casamento do agente com a
vítima em todos os delitos sexuais, chamados crimes contra os costumes. Toda
dogmática penal, na atualidade, só concebe a existência de crime sexual que atente
contra a liberdade sexual ou contra o normal desenvolvimento da personalidade da
criança. Fora isso, não é admissível a incidência do Direito Penal, sob o risco de se
confundir Moral com Direito. O casamento dou com atima, nos crimes sexuais,
não extingue a punição por si, mas, convém recordar, a regra nesses crimes é a
ação penal privada. Nesse caso, o casamento representa o perdão do réu, que é
também causa extintiva da punição, logo, nos crimes de ação penal privada
18
, o
casamento ainda terá relevantes efeitos penais.
A forma como os Códigos Penais foram pensados, nas nações citadas, pode
até ser atribuída ao poder governamental no período da sua elaboração, incluindo
17
GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher.
2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em 03/05/2008
18
Ação Penal Pública é aquela promovida pelo Poder Público, pelo Ministério Público. A Ação Penal
Privada (Art. 100 CP) é aquela em que o interesse do ofendido se sobrepõe ao menos relevante
interesse público, ou seja Dos Crimes Contra a Honra Art. 138 a 145 CP - calúnia, difamação e
injúria. Para se saber se a ação penal é pública ou privada, basta atentar para o que o CP diz, após a
descrição de cada delito; se disser "...somente se procede mediante queixa", a ação será
exclusivamente privada, como ocorre, p. ex., nos Arts. 145, caput, 161, § ; 167; 179, caput; 225,
caput; 236, Parágrafo único; e 240, § ; todos do CP. In: SOUZA, Romildo Bueno de. Ação Penal
Privada Subsidiária da Ação Penal Pública. BDJur, Brasília, DF. 21/02 2008. Disponível em:
http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16485. Acesso em 03/05/2008
50
alguma influência colonial. Não necessariamente refletem posições religiosas, ou
costumes tradicionais, como muitos sugerem. De fato, pode-se pensar que não
exprimem posições religiosas, uma vez que as tradições judaico-cristã, islâmica e
budista põem em seus preceitos: Não Matar!
Na prática, como expressei, o crime passional, com lesões e até a morte,
de esposas, namoradas, companheiras, encontra-se presente, transpondo certos
aspectos da legislação, presentes nos argumentos de defensores, promotores e
juízes, que incorporam estereótipos, preconceitos, discriminações e, por que não,
dos que repudiam tais atitudes. No dizer de Valéria Pandjiarjian:
O Brasil é um dos países da região latino-americana com o
mais tradicional, largo e profundo histórico de decisões
jurisprudenciais que acolheram – e muitas vezes ainda acolhem
– a tese da legítima defesa da honra em crimes de homicídios e
agressões praticados contra mulheres por seus companheiros e
ex-companheiros, ainda que não haja expressa previsão na lei
penal a esse respeito. (2004: p. 22)
Embora muito se tenha caminhado rumo a um aprimoramento das
discussões das relações sociais de igualdade sob a perspectiva dos Direitos
Humanos, ainda é possível encontrar casos de morte em que a defesa da honra
está ligada essencialmente à idéia de posse e controle de um parceiro sobre o
outro. Tanto a honra masculina quanto a honra feminina repousam sobre um
aspecto simbólico que, no discurso de acusação ou defesa no Tribunal do Júri, se
torna relevante para a compreensão dos crimes passionais.
No capítulo seguinte discuto a origem do Tribunal do Júri brasileiro, suas
atribuições e ritos, e especificamente, o lugar onde o discurso da honra se efetiva.
51
C A P Í T U L O 3
O T R I B U N A L D O J Ú R I N O B R A S I L
O poder estabelecido pela força, ou pela violência, teria uma
existência constantemente ameaçada, o poder iluminado apenas
pela luz da razão teria pouca credibilidade. O poder não consegue
se manter nem pela autoridade brutal, nem pela justificação
racional. Não se faz, nem se mantém senão pela transposição,
pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua
organização num quadro cerimonial.
(BALANDIER, 1999, 21-22)
Observar o Júri é uma forma de perceber a sociedade em ação por
intermédio dos pontos críticos das articulações sociais. O drama que se expõe no
Júri pode ser interpretado através de um jogo, com rituais dicos e teatralizados,
como o fez Schritzmeyer (2001), e ainda um lugar de debates políticos, ideológicos,
como expresso por Mariza Correia (1981). Esses dois aspectos de estudo me
chamaram a atenção, porque, ao interpretar o papel da honra em crimes passionais,
é impossível não ver a ritualística do ri e não perceber a exposição dos
argumentos que são, na verdade, formulações cuidadosas de um discurso.
Neste capítulo, introduzo uma breve história do nascimento do Tribunal do
Júri no Brasil, dos seus primórdios até a caracterização de suas atividades na
atualidade.
O sistema do júri nasceu no reinado de Henrique II (1154-1189) na Inglaterra,
no uso que o rei fazia do Inquest. Um grupo de pessoas era intimado por um
funcionário público para dizer a verdade sobre algum caso, com base no vere
52
dictum, isto é arrimado na obrigação de dizer a verdade (KANT DE LIMA:1995). Os
jurados deviam decidir segundo o que sabiam, independentemente de provas,
que estas eram de responsabilidade de 12 homens, recrutados para formar o Júri.
É importante observar, como aponta Kant de Lima (1995: p. 32), que, assim
como a instituição praticada na Grécia não incluía todo o povo, mas somente os
cidadãos atenienses, o modelo inglês também não atingia a totalidade da
população, mas apenas os pequenos e grandes proprietários, os freeman.
Em 1215, o Rei João Sem-Terra expandiu o sistema do júri inglês como
modelo geral de arbitragem e julgamento, mediante uma carta assinada por ele, 12
barões e 12 bispos. A Magna Carta dizia que: ninguém poderá ser detido, preso ou
despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude do julgamento
de seus pares, segundo as leis do país. (RANGEL: 2005, P. 492) E foi após a
edição da Magna Carta do Rei João Sem-Terra, que ori saiu da Inglaterra para a
França e depois para outros países da Europa, chegando aos Estados Unidos e
vindo para o Brasil. Sua origem passa pela tradição jurídica, com aspectos
democráticos, aferidos pela participação de um conselho de jurados leigos.
3.1 O SISTEMA JUDICIÁRIO NO BRASIL-COLÔNIA
No Brasil colonial, o que estava em vigor no sistema judiciário de Portugal
eram as Ordenações Afonsinas (de 1446 até 1512), passando depois para as
Ordenações Manuelinas (de 1512 até 1521), sendo enfim substituídas pelo Código
de Dom Sebastião (até 1603). Esse início de história combinava com o crescimento
do País como colônia portuguesa. (SILVA: 1985)
53
Em 1586, Felipe II, rei de Portugal, iniciou seus estudos para a reforma
judiciária nas colônias portuguesas, incluindo o Brasil. Não foi sem polêmica que a
implantação desse sistema judiciário aconteceu. De um lado, alguns portugueses da
Corte achavam excessiva a implantação de um Tribunal em uma terra tão pobre
como o Brasil era como gastar vela com defunto ruim. De outro lado, os
portugueses que moravam no Brasil destacavam a necessidade da corte judicante,
como forma de humanizar e desenvolver a Colônia por intermédio das leis.
Após muitas discussões, em 1588, Felipe II autorizou a criação do Tribunal.
No entanto, durante a viagem dos dez primeiros desembargadores enviados para o
Brasil, o navio sofreu avarias e foi obrigado a retornar para Portugal. O projeto do
judiciário Foi, então, adiado.
Com o falecimento de Felipe II em 1598, assumiu o comando de Portugal
Felipe III. Este, mantendo a vontade de seu pai, criou no Brasil, em 11 de janeiro de
1603, o primeiro Código Penal, conhecido como Código Filipino ou Ordenações
Filipinas. (NEDER: 2000)
As Ordenações Filipinas, com 143 tulos
19
, quatro tomos, foram o mais
duradouro código legal português, vigorando plenamente no Brasil até 1830. Entre
as penas, a que mais predominava era a morte, a mutilação e a exposição pública
do réu. Dentre alguns títulos do Código, estão: Título XVI - Do que dorme com a
mulher que anda no Paço, ou entra em casa de alguma pessoa para dormir com
mulher virgem, ou viuva honesta, ou scrava branca de guarda; Título XXIII - Do que
dorme com mulher virgem, ou viuva honesta per sua vontade; Título XXIV - Do que
casa, ou dorme com parenta, criada, ou scrava branca daquelle, com quem vive;
Título XXV - Do que dorme com mulher casada; Título XXVI - Do que dorme com
19
Um sumário com todos os títulos do Código Penal Filipino ou Ordenações Filipinas está nos
anexos da tese.
54
mulher casada de feito, e não de direito, ou que está em fama de casada; Título
XXVIII - Dos barregueiros casados e de suas barregãas; Título XXIX - Das
barregãas, que fogem áquelles, com quem vivem, e lhes levão o seu; Título XXXVIII
- Do que matou sua mulher, pola achar em adultério.
A pena de morte era prodigalizada. O morra por ello” se encontrava a cada
passo e comportava várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na
forca; a morte para sempre”, em que o corpo do condenado ficava suspenso e,
putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que fosse recolhido pela
Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano; e a “morte pelo” fogo, até
o corpo ser feito em pó. Aplicavam-se, também, os açoites, o degredo para as galés
ou para a África e outros lugares; mutilação das mãos, da língua, queimadura com
tenazes ardentes, capella de chifres
20
na cabeça para os maridos tolerantes e
polaina vermelha na cabeça dos “alcoviteiros”.
O Brasil de 1603 não era um território de população tão instável quanto a
África ou a Índia, colônias de Portugal. Enquanto nessas colônias a ambição pelo
lucro rápido e fácil atraía aventureiros desejosos de retornar a Portugal com
riquezas e honrarias no menor tempo possível, o Brasil sem especiarias e
porcelanas visíveis a princípio, sem produção de escravos, uma vez que os índios
não se adaptavam a escravidão, somente oferecia oportunidades para aqueles que
trabalhassem na terra ou na pecuária, atividades que dependiam de assentamentos
estáveis e levavam tempo para dar lucro digno da apreciação dos portugueses.
(FAORO: 1975; PEDROSA: 1998).
20
O marido que flagrasse a esposa em adultério deveria matar o seu desafeto. Caso dispensasse
essa prerrogativa de matar, deveria usar em público algo semelhante a um chapéu ornado com dois
chifres para que todos o reconhecessem como um homem que não “honrou” a sua condição de
homem.
55
Mesmo sem ter despertado o interesse imediato dos portugueses, o Brasil
era um reconhecido território em desenvolvimento, com grande potencial de
produção. Da economia inicial, que era a extração do pau-brasil, seguiram-se logo
no início do século XVI, antes mesmo da outorga das capitanias, as primeiras
experiências na cultura da cana.
A instalação do Governo Geral no Brasil encontrou cinco engenhos
funcionando, ao que Gilberto Freyre (1983) exclama: veja o sucesso dessa colônia
fundada quase sem vontade e com um sobejo de homens!
Em 7 de março de 1609, Felipe III estabeleceu em regimento que as
povoações que não tivessem governador lhe ordenassem um juiz particular, que
fosse português, cristão, e que ouvisse e julgasse as causas. Nas povoações
maiores, foi definida assim a composição do Tribunal: dez desembargadores, sendo
um chanceler, um ouvidor-geral, um juiz da coroa, da fazenda e do fisco, um
procurador da coroa, da fazenda e do fisco, um promotor de justiça, um provedor de
resíduos, dois desembargadores extraordinários e três desembargadores de
agravos.
Na continuação do regimento, havia disposições sobre as acomodações
necessárias para a equipe de desembargadores e a verificação da existência das
cadeias. O documento segue cuidando da imagem dos magistrados e do próprio
tribunal, que deviam atender a padrões detalhadamente estabelecidos. Não era
permitido o uso de armas dentro do tribunal, os juízes vestiriam toga e sentariam
em cadeiras com assento estofado, de encosto alto, tendo à sua frente uma mesa
coberta de panos de seda e lã. Sobre a mesa, haveria um tinteiro e uma campainha
de prata.
56
Antes de cada sessão, era celebrada a missa dentro do Tribunal e somente
depois da cerimônia é que os magistrados despachariam por quatro horas,
marcadas em ampulheta. Esses juízes conservavam deliberadamente um aspecto
sobre-humano, expresso nas roupas especiais e solenes dos magistrados, de cor
preta, na proibição de ter uma esposa, de ter afilhado e até mesmo de propagar as
razões de suas decisões, uma vez que não era necessário explicar nada, apenas
ao rei.
Ainda era comum a aplicação da pena de morte em casos de furto ou mesmo
por dormir com uma mulher que fosse casada com outro homem. Delitos contra a
Igreja, como heresia e apostasia, ou contra o corpo incesto, sodomia eram
punidos com o fogo, deixando a pessoa queimar até tornar-se para que nunca
de seu corpo e sepultura pudesse haver uma memória, dizia as Ordenações
Filipinas. Também eram aplicados castigos físicos, principalmente, a flagelação,
executada publicamente e a tortura era admitida como meio de indagação, tanto
para obter confissões como para obrigar os culpados a denunciar seus cúmplices.
Essa forma de Tribunal vigorou até D. Pedro I introduzir o Tribunal do Júri no
Brasil, uma iniciativa que estava sendo estabelecida em quase toda a Europa.
Chama atenção o fato de que a formação do Tribunal do Júri no País não foi
cercada dos antecedentes históricos de lutas e conquistas como nos países da
Europa. Não houve aqui uma sociedade que, organizada, impusesse sua
participação na aplicação da justiça; não havia considerações favoráveis ou
desfavoráveis a respeito de a lei em vigência ser injusta, ou algo dessa natureza. É
o que trabalharei a seguir.
57
3.2 A ORIGEM DO JÚRI NO BRASIL
O Tribunal do Júri foi fruto de uma lei de 18 de junho de 1822, portanto, antes
da Independência em relação a Portugal e da primeira Constituição, de março de
1824. Era responsável por julgar os delitos de opinião e de imprensa, caracterizado
pela forma de inquirir a população, na tentativa de descobrir e reprimir conflitos
nascentes pelo desejo de separação do domínio luso.
Dom Pedro I, por meio de um Decreto Imperial, estabeleceu um tribunal
composto por vinte e quatro "juízes de fato" - homens bons, honrados, inteligentes e
patriotas - que tinham competência para julgar crimes referentes à opinião e à
imprensa. De sua decisão, havia a possibilidade de se recorrer apenas à clemência
Real, não havendo, portanto, tribunal superior competente para julgar os recursos.
A Independência do Brasil aconteceu no mesmo ano, 7 de setembro de 1822,
mas a Constituição demorou dois anos, outorgada que foi em 25 de março de 1824,
dando status constitucional aos trabalhos do Tribunal do Júri para julgamentos de
todo tipo de infração penal e ainda para fatos civis. A Constituição deu
prosseguimento à idéia de manter membros da comunidade participando dos
julgamentos. Posteriormente, dando a Carta Maior uma ordenação mais específica,
lei de 1830 instituiu o Júri de Acusação e o Júri de Julgação.
Logo a seguir, veio o Código de Processo Criminal do Império, em 1832, que,
seguindo o modelo dos Estados Unidos, instituiu o Tribunal do Júri para o
julgamento de casos civis e penais, estabelecendo como jurados apenas os
cidadãos que pudessem ser eleitores sendo de reconhecido bom senso e
probidade”. (Art. 23 do CPCI)
58
Com a queda da monarquia e o início do período republicano, a Constituição
promulgada em 1891 recepcionou o Júri em seu artigo 72, § 31, que, conferindo a
lei posterior a determinação de suas atribuições e organização, expressa:
mantida a instituição do Jury”.
A Constituição de 1934 também manteve o Júri com a organização e as
atribuições dadas pela lei anterior. A alteração de fato, o Júri foi submetido com o
Estado Novo e a Constituição de 1937, na qual o instituto não foi inserido. Rangel
(2005: p. 508) assinala que ditadura e júri não o bons amigos. Não convivem no
mesmo ambiente, pelo menos enquanto o júri for visto como uma instituição
democrática.
Logo depois da Constituição, em 5 de janeiro de 1938, foi promulgado um
decreto-lei que regulava a instituição do Júri, mas determinava que o veredicto dos
jurados perdia a soberania, admitindo a apelação para uma instância superior.
O Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1941, e vigora até
hoje, manteve o Júri com essa mesma estrutura, sendo alterada em 1946, com a
Constituição pós-vargas, que estabelecia no art. 141, § 28, que fosse ímpar o
número dos jurados, garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e
a soberania dos veredictos. Daí até a vigência da Constituição atual, o Júri foi
mantido com a mesma estrutura pela Constituição de 1967, ou seja, para julgar
crimes dolosos contra a vida, o homicídio, o infanticídio, o aborto e a instigação ao
suicídio.
A Constituição de 1988, após restauração do regime democrático, manteve o
julgamento pelo Tribunal do Júri com competência para os crimes dolosos contra a
vida, sedimentando no art. 5°, que é reconhecida à instituição do Júri, com a
organização que lhe der a lei, assegurados: plenitude de defesa, sigilo das
59
votações, soberania dos veredictos (...)”, com o objetivo de fazer com que os
autores de crimes com dolo sejam julgados por seus pares, isto é, por membros da
comunidade.
3.3 A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
Começando pelas determinações legais, conforme expresso, o Tribunal do
Júri é regulado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal,
de 1941, que determinam desde os crimes que devem ir a Júri, os chamados crimes
dolosos, contra a vida, até como se deve desenrolar o processo de julgamento pelo
Júri, passando pela função dos jurados, organização do Júri, o julgamento em si e
as atribuições do Juiz Presidente. O ponto culminante de procedimentos legais para
punir os delitos dolosos é, sem dúvida, o julgamento pelo Tribunal do Júri.
Um dos grandes objetivos apregoados pela Lei é fazer com que o Júri julgue
os autores de crimes dolosos contra a vida homicídio; infanticídio; induzimento,
instigação ou auxílio ao suicídio; auto-aborto; aborto consentido; aborto sem o
consentimento da gestante; aborto com o consentimento da gestante e aborto
qualificado por membros da comunidade, e não por juízes de carreira como é a
regra.
O Código Penal define homicídio, matar alguém, como alvo de severas
punições desde os primórdios da civilização, logo é importante a classificação dos
tipos de homicídio para o estabelecimento da sentença.
a) Homicídio Simples
Define-se homicídio simples por exclusão: o que não é nem privilegiado
nem qualificado. A pena é de seis a vinte anos.
60
b) Homicídio Privilegiado
Define-se homicídio privilegiado como aquele que emerge com a
presença de uma das três circunstâncias: valor moral, valor social,
domínio de violenta emoção, seguida de provocação da vítima. A pena é
diminuída de um sexto a um terço, ou seja, possibilidade de redução da
pena para quatro anos. Normalmente a defesa do homicida passional
apresenta essa versão. Se comparada à pena mínima prevista para
homicídio simples, de seis anos, a pena de homicídio privilegiado é bem
menor, mas se comparada à pena mínima prevista para homicídio
qualificado, de doze anos, a diferença é considerável; todavia, por mais
que a defesa se esforce, a maioria dos crimes passionais vai a Júri como
homicídio qualificado.
c) Homicídio Qualificado
Define-se como homicídio qualificado o crime com características de:
motivo fútil, meios cruéis empregados e modos de execução com
emboscada. O homicídio qualificado tem por pena a reclusão de doze a
trinta anos. Em se tratando de crime passional, o Ministério Público,
comumente, apresenta as qualificações para o crime, conforme
seqüenciado:
a) Motivo Torpe (Art. 121 § 2°, I, do Código Penal): vingança, ódio
reprimido que leva o agente à prática do crime”
21
. Para a Justiça, na
maioria dos casos de crimes passionais, o homicida terá agido por
21
TJSP, Rel Weiss de Andrade, RT 560-323 In Alberto Silva Franco et all. Código Penal e sua
Interpretação Jurisprudencial. São Paulo, Revista dos Tribunais. 1997.
61
motivo torpe, logo, a acusação fundamentará seu argumento nessa
linha de raciocínio, agravando ainda mais a pena.
b) Motivo Fútil (Art. 121 § 2°, II, do CP): de pequena importância,
insignificante, desproporcional entre a causa e o crime perpetrado.” O
ciúme não é considerado fútil e a vingança só é fútil se é decorrente de
uma agressão também por este motivo. Quando discussão entre
partes antes do crime, em geral, é retirada a qualificadora da futilidade,
pois a troca de ofensas é importante para a compreensão das
características do crime. Normalmente o mesmo crime não deve ser
qualificado por motivo fútil e torpe ao mesmo tempo. A acusação deve
escolher a que melhor se enquadre ao caso.
c) Emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, ou meio outro
insidioso e cruel. Pode-se caracterizar insidioso o crime em que a
vítima não tem noção a priori de que será ferida, e cruel como “aquele
que produz padecimento físico inútil ou mais grave que o necessário
para a consumação do crime.” (HUNGRIA: 1942, P. 144)
Seguindo a lista dos crimes dolosos, o suicídio pode ser definido como a
supressão dolosa da própria existência. A autodestruição não é incriminada na
quase-totalidade das legislações penais, sob o fundamento principal da iniqüidade
da punição, em considerar-se crime um fato em que o sujeito ativo e o sujeito
passivo não seriam a mesma pessoa.
Da leitura do artigo 23 do Código Penal, que tipifica o infanticídio, temos
uma definição legal: matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, no
momento do parto ou logo após. A morte pode ser causada por ato comissivo
62
(sufocamento, estrangulamento), omissivo (deixar de fazer a ligadura do cordão
umbilical seccionado) ou omissivo-comissivo (deixar dolosamente a criança morrer
de inanição durante o estado puerperal).
Cientificamente, o fenômeno do aborto consiste na interrupção da gravidez,
com a morte do feto. O direito inicia a sua proteção penal desde o instante em que
as duas células germinais se fundem, com a resultante do ovo, até o momento do
parto.
Para cada um desses crimes, é estabelecido um Júri, composto basicamente
por: juiz presidente, promotor de justiça, advogado de defesa ou defensor público e
o Conselho de Sentença. Esse procedimento é formado em duas fases a da
Formação da Culpa e o Julgamento pelo Júri.
22
A fase de Formação da Culpa se inicia com o recebimento da denúncia, um
pedido escrito entregue ao juiz para que ele tome conhecimento da existência do
crime, investigado pela polícia e denunciado pelo Ministério Público, na pessoa do
promotor de justiça. A denúncia normalmente deverá conter: nome do juiz, nome do
acusado, fatos e fundamentos da acusação, classificação do crime, pedido de
condenação e o nome das testemunhas. Caso considere necessário, após receber
a denúncia o juiz poderá decretar a prisão preventiva do acusado.
Seguindo o procedimento processual, o juiz expedirá o mandado para a
citação do acusado, ou seja, o chamará para um interrogatório. No interrogatório,
deverá estar presente o defensor do acusado e, caso o juiz solicite, o promotor de
justiça, embora somente o juiz possa interrogar.
Encerrado o interrogatório, o juiz passará a ouvir as testemunhas, iniciando
com as testemunhas de acusação e concluindo com as testemunhas da defesa.
22
Em anexo, um fluxograma do funcionamento do Júri.
63
Concluída esta etapa, o juiz poderá chegar a quatro decisões: pronúncia,
impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação.
A pronúncia é escrita caso o juiz esteja convencido de que o acusado é o
autor do crime, devendo este ser julgado pelo Tribunal do Júri. A Impronúncia é
escrita quando o juiz não admite o julgamento do caso pelo Tribunal do Júri por falta
de provas do crime, o que não impede outra investigação que poderá produzir um
novo processo. a Absolvição Sumária, por falta de provas do crime, e a Decisão
Desclassificatória, que afasta o acusado da competência do Júri e o encaminha a
um Juiz singular.
Concluída a fase de Formação da Culpa e proferida a pronúncia pelo juiz, é
iniciado o libelo, uma exposição escrita do crime e de suas circunstâncias, relatadas
uma a uma, de forma clara e simples, para a elaboração dos quesitos, perguntas
referentes ao crime, feitas aos jurados leigos na fase do Julgamento pelo Júri.
Com o libelo concluído, o processo é preparado para o julgamento por meio
da convocação da sessão do Júri pelo juiz mediante editai. É sobre esse aspecto
que centraremos nossa atenção na parte seguinte deste estudo, apresentando uma
cenografia do Tribunal do Júri.
64
C A P Í T U L O 4
A C E N O G R A F I A D O T R I B U N A L D O J Ú R I
(...) se pode ler um ritual ou uma cidade, da mesma maneira
como se pode ler um conto popular ou um texto filosófico. O
método de exegese pode variar, mas, em cada caso, a leitura é
feita em busca do significado.
(DARNTON: 1986; P. XVI)
O julgamento pelo Tribunal do ri ocorre em um espaço especialmente
preparado para esse momento. Os lugares são demarcados, os participantes são
convocados, as roupas referentes às funçõeso organizadas para os membros do
Júri e as pautas das sessões o afixadas nos corredores dos tribunais e na
secretaria dos cartórios onde o processo está situado.
Antes de narrar uma sessão do Júri, cabe delinear os principais
representantes das narrações, projeções e identificações do fato, nas pessoas do
juiz presidente, do promotor de justiça, do defensor público ou privado, dos jurados
membros do Conselho de Sentença, do réu e da assistência.
4.1 O JUIZ PRESIDENTE E O PROMOTOR DE JUSTIÇA
Tudo o que acontece em um processo penal que vai a julgamento pelo
Tribunal do Júri tem a participação de um magistrado. O promotor de justiça,
membro do Ministério Público, é o responsável direto pela denúncia, mas o
comando do Júri ficará sempre nas mãos de um juiz de Direito, e cabe a ele a
65
palavra final de absolvição ou condenação do réu, após a votação do Conselho de
Sentença.
Pela Constituição Brasileira, art. 127, o Ministério Público é essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais. Cabe ao Ministério Público
promover e fiscalizar a execução da lei, especificamente no âmbito criminal. O
promotor de justiça, assim, é o responsável pela pretensão punitiva do Estado,
quando levada a juízo. Com efeito, o promotor de justiça atua obrigatoriamente no
Júri, mesmo que a família do réu tenha contratado um assistente de acusação, um
advogado particular.
Os promotores têm maiores possibilidades de desenvolver relacionamentos
amigáveis com o Conselho de Sentença, uma vez que atuam mais em um mesmo
tribunal do que os defensores públicos, por vezes substituídos por advogados
contratados pela família. Outra peculiaridade dos promotores é que, embora
representem o Estado, podem pedir absolvição do réu, sem ferir o principio da
unidade da instituição responsabilizada pela punição do acusado. Também é
possível que se em um ri o réu foi condenado, em outro, tendo o caso ido parar
nas mãos de outro promotor, este pode acatar o pedido de absolvição. Cabe ao
promotor agir, sem necessariamente concordar com as observações do promotor
que o antecedeu.
4.2 O DEFENSOR PÚBLICO E O DEFENSOR PRIVADO
Como a figura do acusador, também a do defensor. Segundo Tourinho
Filho, a função do defensor é a de apresentar a quem de direito tudo o quanto possa
66
legitimamente melhorar a condição processual do réu, e que possa contribuir para
dirimir ou reduzir a pena. (1995: p 415). Em um processo criminal, o réu pode ser
defendido por um advogado contratado por ele ou por um defensor público. O
contato dos defensores públicos com o juiz, normalmente, não é tão estreito como o
do promotor de justiça, uma vez que sua participação no Júri nem sempre é
necessária, caso o réu opte um defensor particular.
No ordenamento pátrio o direito de defesa é considerado necessário,
devendo ser exercido mesmo contra a vontade do réu. Rui Barbosa explica a
importância da defesa quando ensina:
Ora, quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem
legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação
e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o
delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do
que a primeira. A função da defesa consiste em ser ao lado do
acusado, inocente ou criminoso, a voz de seus direitos legais.
(1985; p. 45)
4.3 O CONSELHO DE SENTENÇA, O RÉU E A ASSISTÊNCIA
O Conselho de Sentença é composto pelos sete jurados que atuam no ri
durante a sessão. Como o serviço do Júri é obrigatório, o digo Processual Penal
no Brasil enumera as pessoas isentas: o Presidente da República e ministros de
Estado; governadores, prefeitos e secretários do Distrito Federal; membros do
Congresso Nacional, do Conselho de Economia Nacional, das assembléias
legislativas dos Estados, das câmaras municipais, serventuários; funcionários da
Justiça, autoridades e funcionários de segurança publica; militares na ativa;
mulheres que provem que o serviço do Júri atrapalhará suas funções domésticas;
67
os que tiverem exercido da função no ano anterior, desde que não inviabilize a
realização do Júri local; os médicos; ministros religiosos; os farmacêuticos e as
parteiras.
Caso o jurado queira ser liberado dessa função, deve pedir ao juiz. Se não
lograr a dispensa do juiz, pode ainda tentar ser liberado do Júri pelo promotor ou os
defensores, que por lei podem dispensar até três jurados da sessão.
A lei manda que anualmente seja feita uma lista de quinhentas pessoas, dos
quais vinte e um são sorteados para compor o Conselho de Sentença em cada Júri.
Dos vinte e um que vão à sessão do Júri, a acusação e a defesa escolhem sete
para compor o Conselho de Sentença.
A listagem com os quinhentos nomes é publicada em novembro, tendo um
prazo de dez dias para a uma possível troca de jurados, sendo a listagem definitiva
publicada em dezembro.
Esses quinhentos jurados são tomados aleatoriamente. O juiz envia ofícios
para as repartições blicas, sindicatos e órgãos de classe, solicitando que os
responsáveis por esses lugares indiquem pessoas maiores de 21 anos, que residam
na Capital onde o crime ocorreu e seja idôneo.
Geralmente, do dia 15 ao dia 20 de cada mês é feito o sorteio dos jurados.
Normalmente o juiz pede a um menor de 18 anos que retire de uma urna o nome
dos jurados. As cédulas sorteadas são lidas em voz alta pelo juiz e colocadas em
outra urna que será fechada a chave, ficando esta em poder do juiz. O magistrado
pede que sejam sorteados normalmente em torno de 25 a 30 cédulas, uma vez que
nem todos os jurados podem atender a convocação para se fazerem presentes à
sessão. Com o nome dos jurados em mão, o juiz envia a convocação para “servir ao
Júri” e registra tudo no livro chamado “Livro de Sorteio de Jurados”.
68
A função do jurado leigo que compõe o Conselho de Sentença é julgar de
acordo com sua consciência, resultado de sua vivência na comunidade. Seus
direitos são: a) o sofrer descontos nos vencimentos, em dias de comparecimento
às sessões do Júri; b) caso cometa um crime, deve permanecer em prisão especial,
até o julgamento definitivo; c) gozar de preferência, em igualdade de condições
entre os candidatos, nas concorrências públicas.
O réu, mesmo acompanhado pela defesa, permanece solitário em meio às
discussões, cabendo a este observar e respeitar as regras, tendo sua mobilidade
completamente dependente da decisão do juiz. Desdobrarei, no capítulo seis, um
pouco mais as características da participação do réu no Júri.
A assistência de um Júri, normalmente, é formada por observadores,
pessoas envolvidas com o réu ou com a vítima, admiradores de alguns dos
membros da promotoria, defensoria, ou do juiz e estudantes de Direito que gostam
do ri. No relato da sessão do Júri, percebe-se mais a participação da assistência
em um Júri.
4.4 UMA SESSÃO DO JÚRI
Retratar o Júri, sem o auxílio das imagens, dos sons, do movimento, do
silêncio, representou um grande desafio para este estudo. A saída encontrada foi
pensar nos registros feitos, mediante as observações e anotações, com a riqueza
de estruturas simbólicas escritas, para apresentar uma sessão do Tribunal do Júri,
sob a perspectiva etnográfica.
Uma das lições de Malinowski, no clássico trabalho realizado nas Ilhas
Trobriand, é de que o etnógrafo não vai encontrar no campo os fatos formulados em
69
um código de leis escrito ou explicitamente expresso, pois toda a tradição e a
estrutura da sociedade encontram-se incorporadas no mais evasivo de todos os
materiais que é o ser humano (1922; 1975). Daí minha opção por elaborar a sessão
com base nos movimentos percebidos em uma narrativa, com nove das principais
etapas, que comumente compõem um julgamento pelo Tribunal do Júri:
1. Abertura da Sessão
2. Anúncio do Processo e Pregão das Partes
3. Advertência ao Conselho de Sentença
4. Interrogatório ao Réu
5. Relatório e Leitura das Peças do Processo
6. Inquirição das Testemunhas
7. Sustentação Oral da Acusação e da Defesa, com Réplica e Tréplica
8. Consulta ao Conselho de Sentença e Leitura dos Quesitos para a Votação
9. Leitura da Sentença.
Na solenidade, podem ser observadas as roupas, a arrumação das peças do
mobiliário e as posições que as personagens ocupam no plenário. O juiz fica
sentado em uma cadeira de espaldar alto, estofada de vermelho, à frente de uma
mesa larga, dispostos, mesa e cadeira, em uma superfície que, mesmo estando o
juiz sentado, ficará sempre em posição destacada no Tribunal do Júri.
23
Somando-
se ao conjunto das peças de mobiliário, encontram-se as bandeiras do Brasil e do
Estado onde o Tribunal está alocado. A veste talar
24
(roupa comprida, até o
tornozelo), que um dia vestiu imperadores e membros da classe alta, no Império
23
Estão inseridas nos anexos, algumas imagens de Tribunais do Júri no Brasil.
24
Imagens das vestes talares de juízes, promotores e defensores, conformes o modelo utilizado no
Brasil, estão nos anexos.
70
Romano, que na Renascença e ainda durante o século XVIII, era usada por homens
proeminentes na sociedade, está presente no Júri. O juiz se apresenta envergando
beca preta, longa, com renda nos punhos, e o debrum que contorna a gola, branco,
caracterizando a justiça que irá ser feita após a sentença.
A beca tem o papel de permitir a ruptura com o mundo profano e
de lembrar as responsabilidades no Tribunal do ri (...) não se
destina a despertar em quem usa o sentimento de superioridade
pessoal, mas oferecer um escudo simbólico contra o crime.
(SANTOS, 2005: P. 171).
Tanto o juiz como o promotor e o defensor usam a beca. Como atores do
Júri, a beca e os espaços ocupados no Júri auxiliam a unificação do rito em torno da
idéia de justiça, como um valor comum. À direita do juiz fica o promotor, com sua
beca mais curta, do tipo pelerine, e debrum de cor vermelha
25
. Do lado do promotor,
fica o Conselho de Sentença, composto de sete jurados. À mesa, à direita do juiz,
está o oficial de justiça que auxilia o juiz nos trabalhos. O defensor fica do lado
esquerdo do juiz, com beca igual à do promotor, sendo o debrum de cor verde.
.
O
réu fica posicionado do lado da defesa, acompanhado por um ou dois policiais
militares. Após esse grupo, separados por uma divisória de mais ou menos 50 cm
de altura, que vai de parede a parede, ficam os membros da assistência, formados
por estagiários de Direito, pessoas da família do réu, da vítima, os amigos destes,
curiosos e estudiosos do Júri.
25
Desde a origem do Ministério Público, a cor vermelha veio junto com a beca, associada à força da
vida, à defesa da sociedade, assim como a cor verde, para a Defensoria, ligada à esperança do réu.
71
Figura 1: Plenário Padrão
Fonte: SCHRITZMEYER, 2004
As falas, tanto da Promotoria como da Defensoria, são feitas no centro do
plenário e dirigidas ao Conselho de Sentença. Se, durante a argumentação, for
passada alguma parte dos autos para eles, o oficial de justiça vai de um a um, para
que nenhum deles se comunique. Durante as sessões, são servidos água e café
para o Conselho de Sentença e, em caso de necessidade de ir ao banheiro, é
comunicado ao oficial de justiça para que este comunique ao juiz e este decida a
hora de fazer um intervalo.
A mobilidade dos atores do Júri ria. Dois grupos são completamente livres
para transitar a qualquer hora a assistência e os oficiais de justiça. os
promotores e defensores, embora possam entrar e sair conforme suas
72
necessidades físicas, devem obedecer a certos critérios de permanência no Júri
para que este se legitime. O réu não tem mobilidade livre, que dependerá da
permissão do juiz para qualquer saída. O juiz, se cumprir a lei á risca, cada vez que
se ausentar da sala, deverá acionar uma campainha para que todos se levantem e o
mesmo ritual deverá ser cumprido no seu retorno. O Conselho de Sentença tem sua
mobilidade supervisionada pelos oficiais de justiça e não podem se comunicar uns
com os outros durante a sessão. O plenário pode, então, atuar como um delimitador
de posições e um lugar de rito.
“O plenário, ao reorganizar o mundo, transformando-o em uma
sala de audiência, encarna a própria ordem, na qual as
desigualdades de fato são substituídas pela hierarquia
temporariamente perfeita. Trata-se de vencer o caos e permitir
a aprendizagem da norma.” (SANTOS: 2005; P.169)
Uma sessão do Júri se inicia com a verificação, pelo juiz, da presença do
promotor de justiça e de pelo menos quinze jurados. Estando estes presentes, ele
prossegue com a preparação da sessão.
O Júri relatado aconteceu em 13 de dezembro de 2007. O acusado, Marcelo,
atirou em Roberta, na época, sua esposa. O convite para esse ri partiu de uma
estudante de Direito, que foi minha aluna. Ela enviou um e-mail perguntando do
meu interesse em estar presente á assistência. Logo respondi que, se ela
conseguisse a senha, eu estaria presente. havia tentado conseguir uma senha,
sem sucesso, tamanho era o número de expectadores para esse Júri.
Cheguei às 12h30min, uma hora antes do início da sessão, e fiquei na fila
para entrar, jamais havia acontecido de presenciar uma fila tão longa na Vara do
Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza Ceará. Soube depois, por amigos
73
jornalistas, que foram distribuídas 188 senhas para ingressar no Tribunal do Júri.
Em outro auditório, outras 80 pessoas acompanhariam o julgamento pelo telão.
Sentei-me no meio das fileiras; queria observar o réu, o juiz, o promotor, a equipe de
defensores, mas também queria ver o comportamento da assistência. Como de
ordinário, não foi permitido gravar ou fotografar. O julgamento daquele dia era
esperado quase dez anos pela família da vítima. O réu era acusado de atirar na
cabeça de sua esposa, deixando-a ferida no Instituto Dr. José Frota IJF, um
hospital público de Fortaleza. A vítima foi submetida a dez cirurgias, perdeu partes
da visão, da audição e da locomoção.
Na Abertura da Sessão, às 13h30min, o Juiz Presidente, impecável em sua
toga preta, adentrou no Tribunal, tendo consigo o promotor de justiça e os
advogados de acusação do réu e advogados de defesa. O réu entrou logo em
seguida. Vestia-se com simplicidade, jeans e camisa social, sem gravata ou paletó.
Sentou-se no lugar destinado a ele e permaneceu de cabeça baixa. No plenário, era
possível identificar oficiais armados, convocados para auxiliar a tranqüilidade dos
trabalhos no Júri.
Antes do sorteio do Conselho de Sentença, como é necessário em todos os
julgamentos, o juiz verificou a urna contendo as cédulas com os nomes dos vinte e
um jurados sorteados previamente e advertiu aos jurados presentes dos
impedimentos e incompatibilidades legais para ser jurado, caso estes fossem
parentes do juiz, promotor, defensor, advogado, réu ou vítima. Advertiu também da
impossibilidade de se comunicarem entre si, fazer sinais afirmativos ou discordantes
e manifestar opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho. Logo
depois, determinou ao escrivão que procedesse à chamada dos jurados para a
composição do Conselho de Sentença. Nesse momento, o promotor e o defensor
74
podem recusar até três jurados, respectivamente, sem dar explicação para a recusa,
respeitando a lei. Quando chamados, o jurado sorteado, aceito pelas partes,
encaminha-se ao seu lugar no Tribunal. Didaticamente, o juiz explicou para os
jurados que, para a instalação do Conselho de Sentença, todos prestam um termo
de compromisso, em uma solenidade. Assim, dando continuidade à sessão, o juiz
disse: Em nome da Lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a
proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.
Ao serem chamados nominalmente, e após o termo, os jurados ergueram a mão e
responderam: Assim prometo! Nesse julgamento, os jurados não sorteados e
recusados foram dispensados pelo juiz às 13h50min, com agradecimentos pelo
comparecimento.
Com palavras firmes e tom de voz neutro, o juiz anunciou o processo
2000.0015.7721-3 e ordenou ao oficial de justiça que apregoasse às partes e às
testemunhas, passando assim pelo chamado Anúncio do Processo e Pregão das
Partes. Em alguns júris, o juiz manda distribuir aos jurados do Conselho de
Sentença as pias da pronúncia e do libelo, além de outras peças que considerar
necessária para o entendimento do crime.
O primeiro ato instrutório de um julgamento em plenário é o interrogatório do
réu. Renova-se, então, perante o Tribunal do Júri, o interrogatório a que foi
submetido o acusado na fase da Formação da Culpa, observando-se as mesmas
formalidades descritas no capítulo 3. Durante o interrogatório, não poderão intervir o
promotor e nem o defensor. No julgamento em relato, antes de iniciar o
interrogatório do réu, o juiz alertou que o público presente deve manter o
comportamento adequado, durante todo o julgamento, ou seja, os senhores o
podem se manifestar nem entabular conversas paralelas. Caso isso ocorra, eu
75
ordenarei o esvaziamento do plenário.” O u foi Interrogado pelo juiz de forma
breve e concisa. Novamente em tom didático, o juiz explicou que era importante
esse interrogatório para o esclarecimento do que estava sendo julgado. O réu será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. (CF, Cap. V,
item 2.1.4). Marcelo não optou pelo silêncio. Interrogado sobre o dia 12 de
dezembro de 1998, relatou: “Cheguei ao nosso apartamento e encontrei minhas
roupas do lado de fora. Bati na porta e ela (Roberta) abriu. Começou a gritar para
que eu fosse embora. Deitei na cama e adormeci, mas logo acordei quando ela me
deu um chute. Discutimos e ela insistiu para que eu fosse embora, pois o nosso
casamento tinha acabado(...)” Interrogado sobre o tiro, ele disse: “Comecei a pegar
minhas roupas para ir embora. Puxei os cabides, colocando as roupas em uma
mala. A pistola, que estava em uma caixa aberta, caiu. Ela continuou mandando eu
ir embora, me dizendo palavrões. Então, nesse momento, sem nem perceber, eu
puxei o gatilho”. Quando Marcelo fez esse relato, a assistência se manifestou
discretamente, mas o juiz pareceu não notar, e, como não houve repreensão para a
assistência, o interrogatório continou. O juiz perguntou a respeito do socorro à
vítima. Marcelo respondeu:Tive um arrependimento horrível. Procurei salvar a vida
dela. Arrastei Roberta até o elevador, levei para a garagem e coloquei dentro do
carro. Estava muito assustado, deixei Roberta no Instituto Doutor José Frota e fui
para a casa de meus pais. Estava transtornado”. Após ouvir a versão do réu, o juiz
folheou o processo com ar de quem prosseguiria o interrogatório, mas deu por
finalizado, declarando-se “satisfeito”. (14h35min).
Após o interrogatório, são iniciados o Relatório e Leitura das Peças do
Processo. Quem faz essa leitura é o juiz, expondo o fato em julgamento, as provas
e as conclusões das partes, conforme instrução do Art.466 do Código Penal.
76
(14h55min). Não é incomum em alguns júris perceber membros do Conselho de
Sentença cochilando, o que incomoda muito o juiz. Nesses casos, o oficial de justiça
leva café ao jurado sonolento para que este acorde.
Tendo lido o processo para o Conselho de Sentença, dá-se início à
Inquirição das Testemunhas, feita inicialmente pelo juiz e depois pelas partes.
Somente serão ouvidas em Júri as testemunhas que a Promotoria e Defensoria
considerarem imprescindíveis para o processo, no máximo cinco para cada parte.
Tratando-se de testemunhas de acusação, serão inquiridas, sucessivamente, pelo
juiz, pelo acusador, pelo assistente e pelo advogado de defesa. Quando se tratar de
testemunhas de defesa, o serão, nessa ordem, pelo juiz, pelo advogado do réu, pelo
acusador particular, pelo Promotor de Justiça e pelo assistente. No julgamento em
relato, foram três as testemunhas de acusação (irmã, pai e filha da vítima) e três as
testemunhas de defesa (irmã, funcionária e amiga do réu). As testemunhas falaram
por quase seis horas de julgamento (20h10mim).
Após a apresentação de todas as testemunhas do caso, quando os relatos
são longos, o Juiz pode dar um breve intervalo, antes de ser iniciada a Sustentação
Oral da Acusação e da Defesa. A palavra é dada inicialmente ao representante do
Ministério Público, para proferir a acusação; logo depois, a defesa se manifesta a
favor dos interesses do réu, rebatendo as acusações feitas. O tempo destinado por
lei é de duas horas para defesa e acusação, respectivamente, podendo, contudo,
haver réplica e tréplica por mais meia hora.
A defesa de Marcelo o apresentou como um homem que tinha profissão e
se sustentava na época do crime e agora, uma pessoa religiosa, discriminado pela
família de Roberta por ter condição financeira mais desfavorável do que ela, um
homem calmo, honesto, trabalhador”. A acusação apresentou Marcelo, como um
77
homem agressivo, de pavio curto, fanfarrão, sustentado por Roberta”. Mostrou aos
jurados as fotos de Roberta
26
, em sua luta para se recuperar, e pediu a condenação
de Marcelo.
Encerrados os debates, realizadas a réplica e a tréplica, o juiz pergunta
aos jurados do Conselho de Sentença se estes se consideram habilitados a proferir
sua decisão. Prestados aos jurados os esclarecimentos solicitados, o juiz passa à
leitura dos quesitos. Quesitos são perguntas elaboradas pelo Juiz e direcionadas ao
Conselho de Sentença, para a votação. As perguntas são formuladas seguindo
critérios precisos, Dentre os mais importantes, estão: a) materialidade do crime (fato
principal); b) quesito relativo à letalidade, quando for o caso; c) quesito da defesa,
com fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o
desclassifique; d) quesito formulado por meio do requerimento do Ministério Público,
referente às causas de aumento ou de redução de pena.
Antes de proceder à votação de cada quesito, o juiz pede ao oficial de
justiça que distribua aos jurados pequenas cédulas, contendo a palavra SIM e
outras contendo a palavra NÃO, para que estes votem secretamente. Os jurados
votam, colocando as cédulas com o SIM ou o NÃO dentro da urna apresentada pelo
oficial de justiça. Não necessidade de unanimidade do veredicto do Conselho de
Sentença. As decisões do Júri são tomadas “por maioria de votos” (art. 488 CPP).
26
Lana Viana, prima de Roberta descreveu sua situação na atualidade: “Sou prima da Roberta.
Cresci e convivi com ela (...) Roberta sempre foi uma pessoa determinada, e é por essa
determinação que está hoje viva. Realmente ela vai a shopping, passeia, e até vai a festas, mas isso
não quer dizer que ela tem saúde e que leva uma vida normal. Tem dores de cabeças terríveis (...)
anda com muita dificuldade. Faz uso constante de botox, para não atrofiar, fala pouco e não
consegue enxergar direito, aquilo que esta na sua frente (...) É isso que se acha de levar uma
vida normal? Comer, andar, sorrir? (...) ela não tem e nunca terá uma vida normal.” Depoimento da
prima de Roberta Carneiro, Lane Viana, dia 19 de abril de 2008, retirado do Blog
http://blogs.diariodonordeste.com.br/roberto/internet/roberta-carneiro/, acesso dia 25 de abril de 2008.
78
No ri em narração, concluídos os longos debates, o juiz indagou ao
Conselho de Sentença se eles estavam prontos para julgar. Reunidos em Sala
Secreta
27
, na presença dos advogados de defesa, do promotor e dos advogados de
acusação, o juiz passou a leitura dos quesitos para os membros do Conselho de
Sentença, orientando-os para as conseqüências das respostas positivas ou
negativas.
Figura 2: Sala Secreta Padrão
Fonte: SCHRITZMEYER, 2004
27
Quando no Tribunal do Júri o sala secreta, o Juiz pede a retirada do réu do plenário, bem
como da assistência, para que ocorra a votação.
79
Após a votação, a sentença é redigida pelo juiz com base na maioria dos
votos a favor ou contra o réu. São as chamadas Consulta ao Conselho de Sentença
e Leitura dos Quesitos para Votação.
No Júri em relato, a sessão foi concluída às 04h35min, com a Leitura da
Sentença do réu pelo juiz, na presença dele, do Conselho de Sentença, das partes
e da assistência, depois de quase quinze horas de trabalho, sobre uma peça
processual de quatro volumes, de mais de 800 páginas
28
. Marcelo Maia foi
condenado a nove anos de prisãopor tentativa de homicídio qualificado por motivo
fútil e através de meio que impossibilitou a defesa da vítima”.
A sentença a ser proferida pelo juiz deverá produzir atos decisórios do
Conselho de Sentença e o próprio pronunciamento do juiz, fundamentado, sob pena
de nulidade. Uma ata é lavrada, em livro próprio, contendo fiel e minuciosa
descrição do julgamento. A inexistência dessa ata poderá resultar em nulidade do
processo. É importante salientar que, se o réu for condenado a pena igual ou
superior a vinte anos de reclusão, referente à prática de apenas um delito, poderá
ser solicitado novo julgamento, independentemente de qualquer outro fundamento.
Esta providência denomina-se “protesto por novo julgamento”. Normalmente os
juízes evitam esse tipo de sentença. Outra possibilidade de defesa, é que a parte
que não se conformar, em Júri, poderá interpor recurso imediatamente. Foi o que a
defesa de Marcelo fez.
O recurso da defesa foi anunciado logo após a longa sessão que terminou
na condenação do réu, na madrugada do dia 14 de dezembro de 2007. Por
unanimidade de votos - cinco a zero - o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
28
O processo, considerado um dos mais polêmicos da Justiça cearense, tramitou por quase dez
anos. A acusação levantou a tese de tentativa de “homicídio qualificado”, enquanto a defesa alegou
“arrependimento eficaz” e “desistência voluntária de matar”.
80
Brasília, concedeu habeas corpus para o empresário cearense Marcelo Fontenele
Maia, condenado a nove anos de prisão por tentativa de homicídio contra sua
mulher, a também empresária Roberta Fontenele Carneiro”. A relatora do processo,
ministra Laurita Vaz, afirmou em seu voto que a prisão do empresário, decretada
pelo juiz da 3ª Vara do Júri da Capital Cearense, José de Castro Andrade, era
ilegal, pois fora decretada sem fundamento”. A defesa alegou que o réu
acompanhou toda a instrução processual em liberdade e que, conforme a Lei,
poderia aguardar o julgamento do recurso em liberdade, uma vez que a
Constituição garante o princípio da presunção da inocência.
Plagiando Geertz, posicionar-se por sobre os ombros de reús, jurados, juizes,
defensores, promotores, advogados, testemunhas, assistência, para tentar perceber
o que eles estão percebendo (1978: p. 321) é um exercício eficaz para este estudo.
Etnografando essas sessões, pude perceber que no Júri, além do vocabulário
técnico, prevalecem o sentimento, a emoção, o desejo de absolver ou condenar.
Não raras vezes, observei o choro no Júri, o encantamento com o discurso, a
perplexidade com a tragédia. A crença para os que participam do ri é de que a
sociedade julga a sociedade.
81
C A P Í T U L O 5
C R I M E S P A S S I O N A I S, C R I M E S D E H O N R A
Tanto a honra como a graça são conceitos mediadores; interpretam
os acontecimentos de acordo com os valores da sociedade, pondo
o selo de legitimidade na ordem estabelecida. Juntos constituem o
marco de referência por meio da qual as pessoas e as situações
são julgadas. Proporcionam o ponto de união entre o mundo ideal e
real, o sagrado e o profano, a cultura e a sociedade.
(PITT-RIVERS, IN PERISTIANY, J.G & PITT-RIVERS, J. 1993, 318)
O crime de honra, também conhecido como crime passional, exerce grande
fascínio no Júri. Ao julgamento de cada caso acorrem muitos estudiosos, curiosos e
interessados na temática. Em linguagem jurídica, no dizer de Eluf (2003),
convencionou-se chamar de “passional” somente os crimes cometidos em razão de
um relacionamento sexual e/ou amoroso.
Nos julgamentos dos crimes passionais, o homicida quase sempre invoca a
honra como motivo propiciador do crime. É comum ainda perceber no passional
uma necessidade de dominar e um cuidado com a sua reputação.
Na cena do crime, as reações mais comuns são: o silêncio de quem
testemunhou e a denúncia às autoridades, culminando com a prisão do homicida
pela polícia. O silêncio pode ser interpretado como o acordo sem fala de que a
vítima merecia ser morta pelo seu comportamento (KRESSEL: 1992), o medo de se
ver envolvido como testemunha em um crime e o desejo de não falar e, em havendo
a prisão, a habilidade do advogado vai ser determinante para a permanência ou não
do réu na cadeia, até o aguardo do julgamento.
82
De forma condensada, apresento alguns dos casos julgados. Uns foram
retirados das peças que compõem o processo, impressas com permissão de juízes,
promotores e defensores. Outros casos foram retirados dos livros que os
reportaram, e outros de anotações elaboradas durante os anos de estudo acerca da
temática dos crimes passionais que foram julgados pelo Tribunal do Júri.
Caso 1
Tragédia da Piedade
Euclides da Cunha, Anna da Cunha e Dilermando de Assis
Autor do Crime: Dilermando de Assis, 21 anos
Profissão: Militar
Vítima: Euclides da Cunha, 43 anos
Profissão: Escritor, Sociólogo, Militar Repórter de Guerra
Ano do Crime: 1909
Ano do Julgamento: 1911
Apesar de aborrecido por um número de contrariedades, julgo que
não o tratei mal. Na sua idade, nunca se é um homem baixo. Não
creio que houvesse lhe feito tal injustiça. A minha casa continua
aberta sempre aos que são dignos e bons. Não poderá fechar-se
para você, se assim se considerar. Quando souber a razão do meu
aborrecimento, avaliará a injustiça que fez a si próprio e a mim. Até
sábado. Estude, seja sempre o mesmo rapaz de nobres sentimentos.
(Carta de Euclides para Dilermando, 23 de
Janeiro de 1906
29
)
No ano de 1905, Anna da Cunha tinha 30 anos, três filhos com Euclides da
Cunha (Sólon, Euclides Filho e Manoel Afonso) e um amante de 17 anos,
Dilermando de Assis. No retorno de uma temporada de trabalho no Acre, em janeiro
de 1906, Euclides encontra Anna grávida.
29
Galvão, Walnice Nogueira. Crônica de uma Tragédia Inesquecível, Editora Albatroz: Rio de
Janeiro, 2007.
83
havia a desconfiança, por parte de Euclides, de que Anna e Dilermando
fossem amantes, uma vez que cartas anônimas chegavam constantemente para
Euclides. Mesmo assim, quando Mauro nasce, em 1906, Euclides o registra como
filho. Mauro vive somente sete dias, morrendo de debilidade congênita.
Dilermando e Anna continuavam com os encontros, o que ensejava inúmeras
discussões com Euclides. Na noite do dia 14 de agosto de 1909, Anna, esposa de
Euclides, pernoitou na casa de Dilermando, provavelmente alheia ao turbilhão de
emoções que se passava com Euclides.
O fato é que, logo cedo, Euclides vai à casa de Angélica Rato, tia de
Dilermando, e pede o endereço do sobrinho, o que mais tarde Dilermando comentou
no Diário de São Paulo (16 de Junho de 1949), provavelmente sua tia estivesse
interessada em ver romper o vulcão. De posse do endereço, passa na casa de um
vizinho e pede uma arma emprestada, com a desculpa de que era para matar um
cachorro doido.
Às dez horas da manhã, Euclides é recebido por Dinorah, irmão de
Dilermando. Entrando na sala armado, diz: vim para matar ou morrer! Atira duas
vezes em Dilermando; Dinorah, vendo o irmão ferido, tenta desarmar Euclides e é
atingido na coluna, o que o deixou paralítico.
Dinorah pratica suicídio nove anos após a Tragédia da Piedade,
amaldiçoando o irmão como o principal causador de seu sofrimento, atitude que
feria profundamente a Dilermando. Na troca de tiros de Dilermando com Euclides,
Dilermando é ferido na virilha, na altura do ombro e nas costelas, e atira em
Euclides no ombro e mortalmente no pulmão direito. “Neste momento, Solon, filho
de Euclides, chegou correndo. Vendo seu pai caído, voltou-se para mim,
exclamando: mataste meu pai! Sacou sua arma, procurando dispará-la contra mim.
84
Antes que o fizesse, dominei-o. Aproximei-me de Euclides, Dinorah e Sólon
estavam a meu lado. Perguntei-lhe: que loucura foi essa? Que desvario!! Veja o que
o senhor fez! Euclides respondeu: que gente... odeio-te... honra!
30
Dilermando ficou preso até o dia do veredicto. O Promotor Público, Pio
Duarte, pediu a condenação de Dilermando de Assis, baseado no fato de que ele
sabia do compromisso matrimonial de Anna, e, mesmo assim, insistiu no
relacionamento. Falou que Euclides conhecia os fatos do relacionamento de Anna e
Dilermando, guardando o segredo de sua desonra para não envolver os filhos
nessa contenda.
No depoimento de Anna, ela descreveu Euclides como sendo um homem
bom e que a amava, mas que ela não correspondia a esse sentimento, pois a um só
homem dedicava o seu afeto, a Dilermando, o réu.
O advogado de defesa, Evaristo de Moraes, criticou a ação da imprensa que
nivelou o u aos homicidas comuns, quando na realidade ele estava no exercício
da legítima defesa, não somente em relação a sua própria pessoa, como em defesa
da adúltera. Argumentou que a condenação seria injusta com Dilermando e
convidou o Conselho de Sentença a exercer sua nobre função sem receio dos
conceitos alheios e apreciações de censura ou aplauso. O Conselho de Sentença
reconheceu a tese da legítima defesa e absolveu Dilermando de Assis.
A tragédia estava, no entanto, longe do final. Em 1916, cinco anos depois de
absolvido pela morte de Euclides, Dilermando estava em uma visita ao Cartório a
propósito da tutoria do menor Manoel Afonso Cunha, filho de Euclides da Cunha
com Anna, quando foi alvejado por Euclides da Cunha Filho; após curta troca de
tiros, Dilermando mata Euclides Filho. Do casamento de Anna com Euclides da
30
Diário de São Paulo, Setembro de 1949, In ELUF, Luiza Nagib. A Paixão no Banco do Réus. São
Paulo: Saraiva, 2003
85
Cunha, ficou somente Manoel Afonso Cunha, uma vez que Sólon morreu como
Delegado de Polícia no Acre, antes da morte de Euclides Filho.
Mais uma vez Evaristo de Moraes sai em defesa de Dilermando. Ora, por
mais rigoroso que se pretende ser, julgando Dilermando, não se pode desconhecer
que: a) ele tinha sérios motivos para sentir a sua vida em perigo, quando,
gravissimamente ferido, buscava uma saída e era alvejado pelo agressor, que
ninguém continha; b) que o se lhe apresentara, ao espírito, naquela ocasião,
outro meio de escapar à morte, diverso do que empregou; c) que ele não estava
apenas emocionado, mas sim, completamente perturbado em razão das graves
lesões recebidas, das quais quatro, porém, eram mortais.
31
A Auditoria de Guerra da Capital Federal, em 27 de setembro de 1916,
absolveu o acusado com base na justificativa da legítima defesa, prevista no artigo
26, parágrafo 2º, do Código Penal Militar.
Com 50 anos, Anna descobriu que Dilermando, 37 anos, tinha uma amante,
sendo dela a célebre frase: você é o único homem que não tinha o direito de trair!
Tendo feito essa descoberta, Anna foi embora de casa levando os cinco filhos que
teve com Dilermando e não o perdoou até agonizar em um leito de hospital.
Aos 75 anos de idade, Anna aceitou receber Dilermando e, a seu pedido de
perdão, ela fez o sinal da cruz, o que Judith, filha do casal, interpretou como sendo
um ato de perdão. Anna morreu de câncer no Hospital Central do Exército, em
1951, no Rio de Janeiro. Seis meses após a morte de Anna, Dilermando morreu de
um derrame, com 63 anos de idade.
Caso 2
31
PAULO FILHO, Pedro. Grandes Advogados, Grandes Julgamentos: No Júri e Noutros
Tribunais. São Paulo: Ordem dos Advogados do Brasil. 1985. (p 72 -74)
86
Quem Ama não Mata
Lindomar Castilho e Eliane de Grammont
Autor do Crime: Lindomar Castilho, 44 anos
Profissão: Cantor
Vítima: Eliane de Grammont, 26 anos
Profissão: Cantora
Ano do Crime: 1981
Ano do Julgamento: 1984
Meu sonho acabou, mas guardo na memória que
você nunca me amou!!! Aqui eu sorri e aqui eu sofri.
Não sei se esse amor eu vou esquecer ou se vai
comigo sempre viver. Lembranças desencontradas
de chorar isso e dor de doces memórias será
sempre o nosso amor.
(Lindomar Castilho, música: Doce Memória)
Eliane de Grammont conheceu Lindomar Castilho em 1977, na gravadora
RCA, na qual ambos gravavam discos. No mesmo ano iniciaram um namoro.
Casaram em 1979 e da união nasceu a filha Liliane.
Por conta da gravidez, Eliane parou de cantar para se dedicar à família, um
acordo que fez com o esposo. Lindomar, além de ciumento, não gostava que Eliane
trabalhasse. Mesmo sem atuar profissionalmente, as discussões com Lindomar não
diminuíam, e a conduta violenta do esposo forçou Eliane a pedir separação.
Formalizada a separação e tendo nascido a filha, Eliane de Grammont voltou
a cantar. Estava seis meses trabalhando como cantora, quando no dia 30 de
março de 1981, no Café Belle Epoque, onde cantava, seu ex-marido, Lindomar
Castilho, coroado “Rei do Bolero”, chegou e disparou cinco tiros a uma distância de
87
quase dois metros da vítima. Eliane foi alvejada no peito, Carlos Randal, primo de
Lindomar, foi alvejado no abdômen e os outros tiros ficaram fixados na parede.
Lindomar estava com ciúmes de Eliane com seu primo Carlos Randal.
Lindomar foi preso, mas, após um mês de prisão, seu advogado conseguiu
que ele aguardasse julgamento em liberdade. Foi pronunciado por homicídio
qualificado por motivo fútil, pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da
vítima, além da tentativa de homicídio contra Carlos Randal.
Recorrendo da decisão do Tribunal de Justiça, a qualificadora “motivo fútil” foi
afastada. O Desembargador Prestes Barra entendeu que “o ciúme, fonte de paixão,
não pode ser considerado motivo fútil”.
Em agosto de 1984, quase três anos após a morte de Eliane de Grammont,
Lindomar Castilho, com 46 anos, foi ao Tribunal do Júri, sendo condenado por
quatro votos a três, por homicídio qualificado, pelo emprego de recurso que
impossibilitou a defesa da vítima. Em relação a Carlos Randal, ele foi liberado da
acusação de tentativa de homicídio, ficando a acusação de lesão corporal.
O advogado de acusação de Lindomar Castilho, Dr. Márcio Tomaz Bastos,
em entrevista concedida à Folha de São Paulo, declarou: Não se aceita mais um
crime como este. Os ventos mudaram. Esse é o chamado falso crime passional.
Lindomar se dizia apaixonado e traído pela esposa, mas eles estavam
separados. Foi um crime premeditado. Quando Lindomar entrou no Café Belle
Epoque, ele entrou para matar Eliane. “Quem ama não mata.”
32
A frase “quem ama não mata”, elaborada por ocasião da morte de Angela
Diniz, morta por Doca Street, nesse caso, ganhou força. O caso foi de grande
repercussão para o nascente Movimento Feminista Nacional. Em 1985, foi criada a
primeira Delegacia da Defesa da Mulher do Brasil e, em 1990, instituída a Casa
32
Folha de São Paulo, 23 de agosto de 1984.
88
Eliane Grammont, um centro especializado no atendimento às mulheres vítimas de
violência doméstica e sexual. O julgamento foi acompanhado por várias pessoas do
Movimento Feminista Nacional, portando faixas e cartazes com as frases: quem
ama não mata; bolero de machão se canta é na prisão; sem punição as mulheres
morrerão e justiça seja feita!
A pena para Lindomar foi fixada em 12 anos. Em 1986, ele progrediu para o
regime semi-aberto de cumprimento da pena; em 1988 recebeu a liberdade
condicional e em 1996 conquistou a sua liberdade.
Como ele mesmo afirmou, somente retornou à carreira graças aos pedidos
de sua filha Liliane. No ano 2000, Lindomar gravou no Teatro Goiânia, pela Sony
Music, o álbum, Lindomar Castilho ao vivo. Suas músicas “Eu vou rifar meu
coração” e “Você é doida demais” fizeram parte da trilha sonora do filme
Domésticas, dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival. Em 2001, “Você é
doida demais” se tornou tema de abertura do seriado Os Normais, da TV Globo,
com Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães.
Hoje, com 62 anos, ele aconselha: “Não registro do que aconteceu em
minha cabeça. Eu a amava com certeza total. Qualquer pessoa sob forte emoção é
capaz de fazer o mesmo. Me desliguei da realidade. Meu conselho é que no
desespero não conte até dez. Conte até dez bilhões e, depois, vá até a praia contar
grão por grão de areia.”
33
Caso 3
Caso Daniela Perez
Daniella Perez, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz
33
LOPES, Juliana. Paixão Condenada. Gente, São Paulo, p. 25-26, 03 de agosto de 2002
89
Autores do Crime: Guilherme de Pádua, 23 anos
Paula Thomaz, 19 anos
Profissão: Ator da Rede Globo de Televisão
Estudante
Vítima: Daniella Perez, 22 anos
Profissão: Atriz da Rede Globo de Televisão
Ano do Crime: 1992
Ano do Julgamento: 1997
Aquele dia 28 de dezembro de 1992, nunca será esquecido. 15 anos
depois, continua difícil relembrar, é um dia de recolhimento (...). Dói
demais a sapatilha quieta presa na parede, o lugar na mesa que
sempre vai estar vazio, os silêncios onde antes eram música e risos
de alegria. O futuro que ela sonhava que nunca vai chegar e os netos
que nunca vão nascer.
(Carta de Glória Perez sobre a filha Daniella Perez
34
)
Na noite de 28 de dezembro de 1992, a atriz Daniela Perez foi encontrada
morta, com 18 golpes de um “instrumento perfurocortante”, escoriações no rosto,
pescoço e ombro esquerdo, em um matagal na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Em menos de 48 horas, graças às placas dos carros parados no local do
crime, anotadas pelo advogado Hugo da Silveira, os policiais chegaram a Guilherme
de Pádua e a sua esposa, Paula Thomaz. Na época, ele contracenava com Daniella
Perez na novela De Corpo e Alma, da Rede Globo de Televisão.
Guilherme de Pádua disse na polícia que teve um caso com Daniela Perez e,
quando Paula Thomaz descobriu, para provar que rompera com a Daniela, ele
34
Trecho da carta de Glória Perez, lida na Missa de 15 anos de falecimento de sua filha Daniella
Perez, em 28 de dezembro de 2007.
90
marcou um encontro com a atriz, permitindo que Paula ouvisse a conversa
escondida no carro. Segundo ele, Paula, não se contendo, saiu do Santana e
atacou Daniella, terminando por matá-la a golpes de tesoura.
O difícil para Guilherme foi provar que teve um namoro com Daniela. O
advogado de acusação esclareceu no Júri que Guilherme não apontou nenhum
local de encontro, um amigo comum que soubesse do caso, ou mesmo um dono de
restaurante ou porteiro de motel/hotel que os tivesse visto juntos. A acusação
esclareceu ainda que Daniela era casada com o ator Raul Gazolla e estavam com
vários projetos comuns de teatro e dança.
O Promotor José Muiños Piñeiro Filho e seu assistente, o advogado Arthur
Lavigne, acusam Guilherme de Pádua e Paula Thomaz de homicídio premeditado e
por motivo torpe. Diz a Promotoria que os réus saíram de casa dispostos a matar a
atriz e, para escapar das conseqüências, até adulteraram antecipadamente a placa
do carro.
A acusação defende o argumento de que a morte de Daniela foi o clímax de
um relacionamento obsessivo e doentio. Para ilustrar o que diz, fala das tatuagens
feitas pelo casal ela gravou o nome de Guilherme na virilha e ele escreveu Paula
no pênis. Segundo a promotoria, Guilherme e Paula não deram chance de defesa à
vítima, que foi imobilizada e desacordada antes de ser atingida pelos golpes
mortais.
Paula Thomaz, em suas primeiras declarações à polícia, relatou que estava
escondida no banco de trás do Santana, carro de Guilherme, ouvindo a conversa
dele com a atriz. Ouvindo as “investidas” de Daniela para com seu marido, saiu do
carro com uma chave de fenda e desferiu um golpe na atriz. Guilherme, que
91
segurava Daniela, deu uma “gravata” na atriz e esta desmaiou, foi quando Paula
voltou com a tesoura e começou a golpeá-la, sendo ajudada por Guilherme.
Posteriormente, Paula negou essa versão e disse ter estado em um shopping
do Rio de Janeiro, onde passou mais de sete horas sem comprar nada e sem ser
vista ou notada por ninguém. Disse ainda que o lençol e o travesseiro que uma
testemunha viu no banco de trás do carro serviam, respectivamente, para proteger
suas costas contra dor na coluna e para esconder um rádio enorme, que Guilherme
de Pádua adorava ouvir quando estava dirigindo.
As versões de Guilherme e Paula foram alteradas e um acabou acusando o
outro de ser o responsável pelos golpes mortais na atriz. Havia somente uma
certeza: o casal matou a atriz.
Eles foram levados ao Tribunal do Júri em 15 de janeiro de 1997. A sessão
durou sessenta e seis horas, um dos Júris mais longos da história do Judiciário
Fluminense. Guilherme foi condenado a 19 anos de reclusão. Paula foi condenada a
15 anos de reclusão.
Guilherme de dua e Paula Thomaz foram beneficiados com a progressão
no regime prisional e cumpriram parte da pena em liberdade condicional. Guilherme
saiu em outubro de 1999 e Paula em novembro de 1999, após cumprirem seis anos
e quatro meses de prisão.
Deve-se a Glória Perez a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes
hediondos, previstos na Lei 8.072/90. Nesta lei ficou estipulado que os condenados
por crimes hediondos, bem como os apenados por tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e terrorismo, deviam cumprir a pena em regime integralmente
fechado, ou seja, proibiu-se a progressão de regimes. A lei inibe ainda, a concessão
de graça, indulto e anistia para o preso.
92
A impossibilidade de concessão de liberdade provisória também está
presente na Lei dos Crimes Hediondos. O ponto principal de discussão da Lei é o
inciso I do art. 2º, expressando que a pena por esses crimes deve ser cumprida
integralmente em regime fechado.
Em 1994, após colher 1,3 milhão de assinaturas para o respectivo projeto de
lei, Glória assistiu pessoalmente à aprovação do projeto no Senado. Encaminhada à
Presidência da República, a lei foi sancionada por Itamar Franco, mas não alcançou
os assassinos de Daniela Perez, porque o delito foi cometido antes da inclusão do
homicídio qualificado dentre os crimes hediondos.
35
Hoje, com 38 anos, Guilherme de Pádua mora em Belo Horizonte, sua cidade
natal, tornou-se membro da Igreja Evangélica Batista, localizada em um bairro de
classe média baixa, trabalha na informatização do templo e é casado com a
produtora de moda Paula Maia, 24 anos, da mesma Igreja.
Paula Thomaz, 34 anos, é casada com o advogado Sérgio Rodrigues Peixoto
e assina como Paula Nogueira Peixoto, sendo também ela uma advogada.
Em entrevista à Revista Gente, Raul Gazolla concluiu: “Sofri com a
criminalidade como milhares de pessoas também sofreram, mas agora sofro é
com a impunidade”. Considero um absurdo saber que as pessoas que mataram
minha esposa com 18 facadas e que deveriam ficar 19 anos na prisão, estão na
rua, livres.”
36
Caso 4
Crime de Atibaia
37
35
Crimes Hediondos são os crimes considerados de alto potencial ofensivo, dentre os quais o
seqüestro, o latrocínio, o estupro, o genocídio, o tráfico de drogas, o atentado violento ao pudor e,
desde 1994, o homicídio qualificado.
36
LOPES, Juliana. Paixão Condenada. Gente, São Paulo, p. 25-26, 03 de agosto de 2002
37
O Crime de Atibaia está baseado em matéria da imprensa e no Processo n. 51.812.0/4 do Tribunal
de Justiça de São Paulo.
93
Patrícia Ággio Longo e Igor Ferreira da Silva
Autor do Crime: Igor Ferreira da Silva, 34 anos
Profissão: Promotor de Justiça, Estado de São Paulo
Vítima: Patrícia Ággio Longo, 27 anos
Profissão: Advogada
Ano do Crime: 1998
Ano do Julgamento: 2001
Igor encontra-se na clandestinidade, na esperança de que, um dia, as
suas súplicas sejam ouvidas e que tenha a oportunidade de se ver
julgar pelo Tribunal Popular do Júri, como qualquer brasileiro, em
casos semelhantes, abdicando do falso privilégio de ser julgado pelo
Tribunal de Exceção, como ocorreu nesse caso.
(Declaração do pai de Igor, autor do livro Alegações Finais
38
)
Na madrugada de junho de 1998, em Atibaia (60 km de São Paulo), a
advogada Patrícia Longo, 27 anos, foi encontrada morta no carro de propriedade de
seu esposo, com dois tiros na cabeça, disparados a uma distância entre 5 e 20 cm.
Na versão de seu esposo, Igor Ferreira da Silva, 34 anos, o casal estava a
caminho de casa em Atibaia, quando, no portal de entrada do Condomínio
Shangrilá, foram rendidos por um assaltante. Ameaçados com uma arma de fogo,
Igor foi expulso do carro e Patrícia Longo coagida a permanecer com o assaltante,
sendo encontrada morta.
O casal se conheceu na Faculdade de Direito. Ele, professor. Ela, aluna do
quinto ano. Ele fora um dos primeiros da turma no concurso para a carreira de
delegado de polícia e, pouco tempo depois, novamente se destacava entre os
38
MARTEL, Caire Henrique. Alegações Finais. São Paulo: Letras Jurídicas, 2004
94
primeiros no concurso para o Ministério Público, quando optou pela carreira de
promotor.
A história do assalto seguido de morte, contada pelo promotor Igor da Silva,
começou a ser contestada na mesma madrugada pela polícia e ele foi acusado pela
Procuradoria Geral de Justiça de homicídio qualificado e de abortamento sem o
consentimento da gestante. Igor da Silva negou o crime, mas as provas encontradas
pela polícia foram a base para a condenação, por unanimidade, em 2001. A
acusação foi feita pela Procuradora de Justiça Valderez Abud e a defesa pelo
advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos.
A representante do Ministério Público iniciou a sua fala mencionando o
desconforto e o desgosto da Instituição ao ser obrigada a cortar a própria carne,
acusando um de seus membros. Pela sua condição de promotor, Igor Ferreira da
Silva foi julgado pelos 22 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os
argumentos apresentados na Procuradoria-Geral de Justiça durante o julgamento,
pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, condenaram Igor da Silva
a 16 anos de reclusão. Os motivos foram:
1. A versão do assalto não convenceu os membros da Procuradoria, uma
vez que, segundo a Procuradora de Justiça Valderez Abud, um marido
zeloso, diante da esposa indefesa e grávida, não teria acatado a ordem
do assaltante para sair do carro, especialmente o promotor Igor da Silva
que andava armado. Além disso, nenhum pertence foi tirado do carro.
2. Igor da Silva não conseguiu convencer a audiência de que houvesse
optado pelo caminho mais difícil e arriscado para fugir do trânsito, uma
vez que na hora em que viajavam não havia tanto movimento.
95
3. Igor da Silva disse ter sido abordado pelo assaltante próximo à portaria de
um condomínio, mas não pediu socorro. Preferiu caminhar três
quilômetros pela Rodovia Fernão Dias, passando por outros condomínios,
até chegar ao posto da polícia rodoviária. o vigia do Condomínio
Shangrilá, em serviço na noite do crime, Daniel Francisco Matos,
reconheceu Igor como o homem que, ao cruzar com ele enquanto
caminhava, preferiu virar o rosto a pedir ajuda.
4. Na noite do crime, os policiais solicitaram que Igor da Silva fizesse exame
pericial residuográfico, para verificar vestígios de pólvora. Antes do
exame, ele pediu para ir ao banheiro onde, segundo testemunhas,
ouviram o mesmo lavar prolongadamente as mãos.
5. O paletó que Igor da Silva vestia na noite do crime, requisitado pela
perícia para o exame residuográfico, desapareceu.
6. Cápsulas de bala encontradas na residência do casal eram iguais às duas
cápsulas encontradas no carro onde Patrícia morreu, ou seja, foram
disparadas pela mesma arma que matou Patrícia.
39
Em depoimento, Igor
admitiu que possuía uma pistola idêntica à do crime. Alegou haver
vendido a arma há cerca de um ano, mas não sabe quem a comprou.
7. Nos autos, ficou comprovada a desastrosa tentativa de um dos irmãos de
Igor da Silva de forjar um autor para o crime. O escolhido foi João
Genivaldo Ramos, que estava cumprindo sentença na Penitenciária de
Guarulhos, por estupro e latrocínio. Por um pagamento de 5 mil reais,
Genivaldo escreveu uma carta à juíza da Corregedoria de Atibaia
assumindo a autoria da morte de Patrícia Longo. No entanto, a farsa foi
desmascarada pela esposa de Genivaldo, Lúcia Ramos.
39
A arma de fogo Taurus 380 mm ejeta o estojo vazio após o disparo.
96
Até hoje, não se sabe com certeza por que Igor Ferreira da Silva matou
Patrícia Ággio Longo. A hipótese é de que Igor Longo tenha descoberto que o filho
por nascer não era dele. A informação veio de um exame de DNA elaborado pela
perícia técnica da Polícia Civil de São Paulo, contestado mais tarde pela família do
casal.
O réu Igor da Silva não esteve presente ao julgamento, iniciado na manhã de
18 de abril de 2001. Mas estava perto dali, no quarto de um hotel no bairro da
Liberdade. Por telefone, o pai e os irmãos o informavam do andamento. Seu
advogado, o experiente e respeitado Márcio Thomaz Bastos, prometera que o
apresentaria, em caso de condenação. No final da noite, foi anunciada a sentença:
por 22 votos a zero, o Tribunal de Justiça decidiu pela culpa do réu.
Condenado, Igor da Silva nunca se apresentou, como seu advogado
prometera. Desapareceu antes que a polícia pudesse encontrá-lo e até hoje
continua desaparecido. Nos autos, consta a declaração do delegado Fernando
Vilhena, na época, diretor da Divisão de Capturas da Polícia Civil: andei atrás dele
por mais de três anos e não cheguei a nada, se ele não aparecer em lugar público e
não fizer contato com a família ou com os amigos, vai ser difícil prendê-lo. Igor foi
delegado de polícia e promotor, sabe muito bem como se manter na
clandestinidade.
Caso 5
Caso Pimenta Neves
Sandra Gomide e Pimenta Neves
Autor do Crime: Antonio Marcos Pimenta Neves, 63 anos
Profissão: Jornalista, Diretor de Redação de O Estado de São Paulo
97
Vítima: Sandra Florentino Gomide, 32 anos
Profissão: Jornalista, Repórter Especial de O Estado de São Paulo
Ano do Crime: 2000
Ano do Julgamento: 2006
”Foi com profunda tristeza que tomei conhecimento de sua entrevista
com o departamento pessoal do "Estado" e de coisas que anda dizendo
a meu respeito. Eu deveria responder e deixar registradas as queixas do
Dr. Rui com a seção que vo chefiou e contra as suas matérias,
algumas delas por escrito. Não farei nada disso. Eu havia corrido um
risco ao trazê-la para cá, você nunca reconheceu isto. Aliás, nunca
reconheceu nada do que fiz. Eu era apenas objeto de uso para ser
descartado quando conveniente. Suas suspeitas sobre meus sentimentos
em relação a você eram produto de encenação. Você sabia muito bem
que eu a amo sobre todas as coisas e que não tinha outro propósito
senão o de viver com você o resto de minha vida. Mas o emprego era
mais importante. Tudo era mais importante do que nosso relacionamento.
Você é egoísta e cruel com as pessoas que gostam de você. Prefere ser
carinhosa com estranhos. Você fala sobre meu poder (se é que tem
algum) e de como o uso. Ignora, com tudo, o poder que você tinha sobre
mim e de como o usou para extrair vantagens e punir-me
emocionalmente. Mas podemos esquecer tudo, começar de novo, iniciar
o relacionamento limpo e honesto, transparente e amoroso. Venha para
casa."
(Pimenta Neves para Sandra Gomide
40
)
Depois de quatro anos de namoro, Pimenta Neves matou Sandra Gomide
com dois tiros, em um haras, no Município de Ibiúna, no Estado de São Paulo, o
motivo foi o rompimento do namoro por Sandra.
A Promotora de Justiça, Lúcia Bromerchenkel Cunha, introduziu esse caso
na Vara Judicial da Comarca de Ibiúna/SP como sendo “um crime por motivo
torpe” (ciúme) e “recurso que impossibilitou a defesa da tima” (tiro pelas costas).
Já o Advogado da Defesa, alegou passionalidade, uma vez que Pimenta Neves teria
agido “movido por violenta emoção”.
40
E-mail divulgado pelo laudo do Instituto de Criminalística de São Paulo, como parte dos autos do
Processo número 270/00 enviado por Pimenta Neves a Sandra Gomide, dia 17 de julho de 2000.
98
Sandra, ao chegar ao haras, foi para a selaria, onde surpreendentemente
encontrou Pimenta Neves. Ele queria conversar com ela, para mais uma tentativa
de reatar o namoro, o que ensejou uma discussão.
Pimenta Neves chegou a arrastar Sandra para o carro, alegando que tinham
muita coisa para conversar, mas Sandra conseguiu se desvencilhar e após poucos
passos do carro, recebeu um tiro nas costas; já no chão, ela recebeu o segundo tiro,
na cabeça. Um dia antes, Pimenta Neves almoçou na chácara dos pais de Sandra
Gomide, com a família dela.
Após o crime, Pimenta Neves saiu do haras em seu carro, abondonando-o a
cerca de 3 km do local; depois, telefonou para um amigo que o encontrou na
estrada. Esse amigo levou Pimenta Neves para um apartamento em o Paulo,
onde ele tentou suicídio, por ingestão de medicamentos. Tornou-se um assassino
aos 63 anos de idade. Ele ficou preso sete meses, entre carceragem e clínica
psiquiátrica. Depois foi beneficiado com uma liminar do Supremo Tribunal Federal
(STF), que lhe permitiu aguardar o julgamento em liberdade. Em maio de 2006, ele
foi julgado e condenado a 19 anos de prisão pelo homicídio de Sandra Gomide.
Entretanto, não teve sua prisão decretada em virtude de entendimento anterior com
o STF e recorrerá da sentença em liberdade.
41
Caso 6
Ethel e Flávio
Ethel Angert Carneiro e Flávio Carneiro
Autor do Crime: Flávio Carneiro, 39 anos
41
Relato baseado nos autos do Processo número 270/00 da Vara Criminal de Ibiúna SP e em
matérias publicadas no Jornal Folha de S. Paulo
99
Profissão: Empresário
Vítima: Ethel Angert Carneiro, 28 anos
Profissão: Empresária
Ano do Crime: 1992
Ano do Julgamento: 2006
Estou aqui por um sentimento de amor e admiração que tenho por
meu pai. Acompanhei tudo e eu o perdôo. Meu pai e meu irmão,
que também está aqui, são a única família que tenho. Muitos
pensam que meu pai passou 14 anos em liberdade, mas ele
responde (pelo crime) aonde vai. As pessoas olham para ele e
comentam entre elas sobre o caso. Quero um julgamento justo (...)
Não estou aqui para condenar a minha mãe, por tudo que ela fez,
mas para pedir pela liberdade de meu pai.
(Pronunciamento da filha do casal Ethel e Flávio
Carneiro no dia do Julgamento).
42
No dia 15 de outubro de 1992, uma ação de despejo culminou com a morte da
empresária Ethel Angert por seu ex marido Flávio Carneiro. O crime aconteceu no
interior da Loja Tok Discos, situada no Centro da cidade de Fortaleza - Ceará.
Ethel acompanhava a execução de uma ordem de despejo decretada pelo Juiz
da sétima vara, Dr. Edmilson Cruz Neves, conta o ex esposo. O casal estava
separado, segundo Flávio Carneiro, por infidelidade de Ethel, e brigavam na justiça
pelos imóveis e pelos filhos. Flávio Carneiro, proprietário da Rede Tok Discos,
mantinha uma loja no prédio pertencente aos pais de Ethel. Após um processo
judicial, Ethel conseguiu ganhar na justiça a determinação de desocupação imediata
do imóvel. Durante a ação de despejo iniciada às 15 horas, Ethel permaneceu no
local acompanhando a mudança. Por volta de 20 horas, foi alvejada com oito tiros
42
Depoimento coletado durante o Julgamento. Notas da autora.
100
disparados pela pistola de Flávio. Ele fugiu do local e Ethel foi levada para o
Hospital, onde morreu quando estava sendo atendida no setor de emergência.
43
O Julgamento de Flávio Carneiro aconteceu em setembro de 2006 e ele foi
condenado, por cinco votos a dois, a 13 anos de prisão. O Conselho de Sentença
rejeitou a tese da defesa de que Flávio cometeu o crime “agindo por violenta
emoção” e aceitou a tese da promotoria de que ele agiu por motivo torpe e com
surpresa, não permitindo a vitima nenhuma chance de defesa. Condenado, ele não
foi conduzido ao presídio porque a defesa recorreu da sentença.
Flávio Carneiro aguardará em liberdade o recurso no Tribunal da Justiça. Ele
tem endereço fixo, profissão e é réu primário.
Na defesa, o advogado contratado pelo réu chegou a expor para o Conselho
de Sentença os amantes da vítima e a perseguição que esta fazia ao ex-esposo.
Durante sua sustentação oral no Júri, dirigindo-se ao Conselho de Sentença o
advogado perguntou: o que você faria? Agüentaria uma coisa dessa? Sobre o
comportamento de Ethel, no dia do crime, ele frisou que Ethel procurou a sua
morte! Ela clamou a sua morte com todas as provocações!”, o que causou
desconforto no Júri.
Caso 7
Caso Nadja e Francinaldo
Nadja Ribeiro de Sousa Bezerra e José Francinaldo Bezerra
Autor do Crime: José Francinaldo Bezerra, 35 anos
43
Relatos compilados pelo site: www.apavv.org.br, pertencente à Associação de Parentes e Amigos
de Vítimas de Violência; pelas matérias dos Jornais: O Povo e Diário de Nordeste e pela narração
dos fatos durante o julgamento do caso pelo Tribunal do Júri.
101
Profissão: Agente, Polícia Federal
Vítima: Nadja Ribeiro de Sousa, 31 anos
Profissão: Terapeuta Ocupacional
Ano do Crime: 1994
Ano do Julgamento: 1997
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
(Cecília Meireles, Despedida)
Nadja Ribeiro vinha sofrendo com os maus-tratos do esposo, Francinaldo
Bezerra, algum tempo, segundo depoimentos de testemunhas no processo
001.01.003307-7. Amigos, colegas, vizinhos, que tinham contato com o casal
relataram discussões e violências por parte de Francinaldo. Nadja chegou até a
registrar queixa contra o marido na Delegacia da Mulher de Fortaleza - Ceará, por
espancamento, todavia jamais abandonou a família.
No que parecia ser um dia comum, a tragédia aconteceu. Dia 19 de março de
1994, após chegar do trabalho, Francinaldo foi encontrar com a esposa no quarto da
102
filha do casal, com sete anos de idade. Nadja estava na cadeira de balanço com o
filho de dez meses no colo.
Segundo o depoimento da filha do casal, “eles começaram a discutir”, e Nadja
foi atingida com um tiro na cabeça. Segundo o laudo pericial, a bala penetrou o
nariz da vítima, saindo pela nuca, em uma trajetória vertical de cima para baixo,
esfacelando o crânio e causando o trauma de morte.
Francinaldo alegou que o tiro foi acidental quando “estava tirando o revólver da
cintura para guardar”. Por conta própria, foi à delegacia prestar depoimento, mas,
diante das investigações policiais e por insistência da família de Nadja Ribeiro, um
mês depois foi decretada a sua prisão por homicídio doloso.
Por ser policial, Francinaldo ficou detido menos de um mês na
Superintendência da Polícia Federal, tendo a sua liberdade de volta, por um habeas
corpus preparado pela sua defesa.
Em 1997, Francinaldo, até então em liberdade, foi julgado pelo Tribunal do Júri
e condenado a 15 anos de prisão. A pedido do Advogado de Defesa, Francinaldo
Bezerra foi transferido para Natal, Rio Grande do Norte, onde residia antes do crime
e onde moram seus pais.
Atualmente cumpre pena em regime semi-aberto na Superintendência da
Polícia Federal de Natal-RN. No ano de 2006, Francinaldo conseguiu um indulto
condicional e aguarda concluir sua pendência com a lei em 20 de dezembro de
2008, quando então estará definitivamente em liberdade.
Caso 8
Soraya Kunst, a Iasmin
Soraya Iglesias Van Der Kunst e Daniel Nascimento Câmara
103
Autor do Crime: Daniel Nascimento Câmera, 23 anos
Profissão: Funcionário do SOS Fortaleza
Vítima: Soraya Iglesias Van Der Kunst, 36 anos
Profissão: Biológa, Assistente de Planejamento da FUNCEME
Ano do Crime: 1997
Ano do Julgamento: 1998
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
(Vinícius de Moraes, em
Soneto da Separação)
Soraya, ou Iasmin, como era chamada, foi morta pelo namorado Daniel
Nascimento Câmara, de quem esperava uma filha, no dia 4 de maio de 1997 em
Fortaleza - Ceará. O casal vinha brigando por conta da gravidez de Iasmin e dos
constantes ciúmes dela que, por estar em estado de gravidez avançada, não podia
acompanhar Daniel em todos os momentos de lazer.
Daniel telefonou para a casa de Iasmin, por volta de 18 horas, pedindo que
ela fosse buscá-lo nas proximidades do Clube Cajueiro Drinks, no Município de
Eusébio, porque estava sem carro. Nas mãos, ele tinha uma sacola com roupas que
Iasmin colocou no porta-malas do carro.
Segundo relatos contidos no processo de mero 2000.0141.2942-7/0, da
Comarca de Eusébio, Daniel mara entrou no carro de Iasmin e, após alguns
minutos, pediu que parasse no acostamento da pista para conversar. O lugar estava
ermo e a noite facilitou o assassinato.
104
Daniel tentou estrangular Iasmin, mas não conseguiu. Foi quando iniciou as
agressões com chutes e pedradas, levando também a óbito a filha do casal, uma
vez que Iasmin estava com 8 meses de gravidez. No laudo pericial, consta que “a
vítima possuía lacerações múltiplas na cabeça e impressões de sola do calçado nos
dois lados do rosto e na barriga.” Após matar Iasmin e a menina, Daniel trocou de
roupa no local, enterrou as roupas ensangüentadas e abandonou as vítimas no
interior do carro. Na tentativa de ter um álibi para a noite do crime, dirigiu-se ao
clube chamado Cajueiro Drinks, onde ficou até meia noite, com amigos e familiares,
bebendo e conversando. Segundo depoimentos: “estava tenso e nervoso, mas não
parecia ter matado alguém.”
Tendo como assistente da promotoria um advogado de acusação, Daniel
Câmara foi julgado em novembro de 1998 e condenado, por homicídio triplamente
qualificado, a 19 anos de prisão.
A defesa de Daniel ainda alegou o ciúme que Daniel sentia, porque Iasmin
não lhe dava mais atenção, centralizando seu afeto na filha por nascer. O Conselho
de Sentença, todavia não se convenceu do argumento e, por unanimidade, votou
pela condenação de Daniel. Segundo o advogado de acusação do réu:Soraya foi
atraída para a sua morte. Grávida de oito meses foi espancada cruelmente,
estrangulada e abandonada em seu próprio carro para morrer. Essa fala, junto às
imagens mostradas em Júri, foi fundamental para o convencimento do Conselho de
Sentença.
Caso 9
Caso Daniele e Sandro
Danielle Sousa da Silva e Sandro Gomes da Silva
Autor do Crime: Sandro Gomes da Silva, 27 anos
Profissão: Soldado, Polícia Militar do Estado do Ceará
105
Vítima: Danielle Sousa da Silva, 16 anos
Profissão: Estudante
Ano do Crime: 1997
Ano do Julgamento: 2006
não se encantarão os meus olhos nos teus
olhos, não se adoçará junto a ti a minha dor.
Mas para onde levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.
(Pablo Neruda)
Danielle e Sandro namoravam pouco mais de um ano, quando ela,
alegando os ciúmes que ele tinha, rompeu o namoro.
Tudo parecia correr bem em relação à conclusão do relacionamento e ele até
voltou a freqüentar a casa de Danielle em Fortaleza Ceará, de onde às vezes
saiam para conversar. Sandro continuava a insistir com a família de Danielle para
que a aconselhassem a voltar para ele.
Em um desses dias de passeio, Danielle foi assassinada. Sandro ainda
tentou forjar um assalto, e levou Daniella gravemente baleada na cabeça para um
hospital, mas ela chegou morta.
Durante as investigações, foi descoberto que Sandro atirou na cabeça de
Danielle. O laudo pericial constante no Processo de número 1996.01.08137-2 afirma
que o tiro foi disparado com menos de 5 cm no sentido esquerda-direita, estando o
autor do disparo sentado no banco do motorista”
A defesa de Sandro da Silva alegou que Danielle foi morta em um assalto. A
acusação pediu a condenação de Sandro da Silva por homicídio duplamente
106
qualificado, com o agravante de ter sido praticado contra uma adolescente de 16
anos.
Após 21 horas de julgamento, Sandro da Silva foi condenado a 16 anos de
prisão.
Caso 10
Osair: Ciúme e Tragédia
Francisco Osair Pereira Melo, Raimundo Pereira Silva e Euza Maria Araújo
dos Santos
Autor do Crime: Francisco Osair Pereira Melo, idade não identificada
Profissão: Comerciante
Vítima: Raimundo Pereira e Silva, idade não identificada
Profissão: Funcionário da Secretaria da Fazenda - SEFAZ
Ano do Crime: 2001
Ano do Julgamento: 2004
Não se situa a honra de um homem entre as
coxas de uma mulher (...) não acode ao homem a
título de legítima defesa da honra sacrificar a
mulher havida adúltera, por constituir dita honra
atributo do réu(...) descabe ao macho ferido em
melindres vigorantes eliminar, escarmentado pelo
ciúme, mulher frívola, a teor de resguardar suposta
honra ferida.
(Desembargador Jaime de Alencar Araripe,
publicado no Diário da Justiça, número 13.966, p.1)
No dia 21 de agosto de 2001, em Fortaleza – Ceará, Osair Melo foi à casa de
Euza dos Santos, na tentativa de reatar um relacionamento rompido por esta.
Na ocasião, encontrou Euza acompanhada de Raimundo Pereira a quem
tinha avisado para afastar-se de sua ex-namorada, contrariando os desejos desta,
que era de namorar Raimundo Pereira.
107
Durante a discussão, Osair Melo esfaqueou Raimundo Pereira, causando-lhe
a morte, e feriu com lesões leves Euza dos Santos que tentou defender o
namorado.
Acusado de homicídio, processo 2002.01.02136-6, relatou na delegacia que
agiu motivado pelo ciúme e por ter sido abandonado por Euza. O caso foi a Júri e o
réu foi condenado a 12 anos de reclusão.
108
C A P Í T U L O 6
C R I M E, J Ú R I E S E N T E N Ç A
As trocas, sejam elas quais forem, não constituem a globalidade do
funcionamento de uma sociedade, não bastam para explicar a
totalidade do social. A par das “coisas”, dos bens, dos serviços, das
pessoas que se troca, existe tudo aquilo que não se e que não se
vende, e que é igualmente objeto de instituições e de práticas
específicas que são uma componente irredutível da sociedade como
totalidade e contribuem, também, para explicar o seu funcionamento
enquanto tal.
(GODELIER, IN: O ENIGMA DA DÁDIVA, 1996, P. 85
Os casos apresentados no capítulo 5 têm em comum a motivação da
passionalidade para o cometimento do crime. Este aspecto, quase sempre, altera a
estrutura e o objetivo dos casos na sua apresentação perante o Júri, uma vez que o
réu pode ser defendido por sua primariedade (quando for o caso), por possuir
residência fixa e profissão comprovada.
A leitura de homicídios passionais, nas peças processuais, normalmente está
ligada a questões como honra seja honra masculina, seja honra feminina
violenta emoção, ciúme e morte. Não como negar que a boa fama é um dos
requisitos para uma adequada vida social na comunidade, pois enseja sinais da
confiabilidade de quem possui para quem percebe. O Código Penal Brasileiro,
explicitamente, inventaria os crimes contra a honra em seu capítulo V. A saber: Art.
138: É crime contra a honra caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido
como crime. Art. 139: É crime difamar alguém imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação. Art. 140: É crime injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro”.
109
Logo, percebe-se que as ofensas contra a honra consubstanciam-se em várias
formas, no entanto, a averiguação da existência desta ofensa ainda é difícil de ser
verificada, uma vez que o caráter subjetivo está quase sempre presente. Nessa
análise, trabalharemos um pouco mais a característica da honra como uma
atenuante para o crime cometido, nos casos já apresentados.
6.1 O RÉU E SUA PAIXÃO
A conceituação do criminoso, abordando aspectos biológicos, sociológicos,
psicológicos e antropológicos, surgiu inicialmente nas obras dos autores Lombroso
(1976) e Ferri (1934), elaboradas na Europa. Partindo deles, as concepções da
criminologia foram adquirindo maior consistência, sendo incorporadas à literatura
brasileira por diversos autores, dentre os quais citamos Lyra (1975) e Moraes
(1933).
Lombroso formulou uma “abordagem científica” do crime, que se opunha às
doutrinas penais da Escola Clássica, cuja preocupação central era o caráter
expiatório da pena. Para os principais representantes dessa Escola (BECCARIA:
1764; BENTHAM: 1832; CARRARA:1890), o crime era uma infração à lei, ao pacto
social que estava na base do Estado e do Direito. A pena era o castigo justo pelo
comportamento reprovável, voluntário e consciente do criminoso. Para a Escola
Positiva, que tinha Lombroso e Ferri (1934) como representantes, o crime era um
fenômeno social e a pena um instrumento de defesa da sociedade, devendo servir
para recuperar o criminoso. Logo, enquanto a Escola Clássica se preocupava
principalmente com a pena, a Escola Positiva se preocupava com o criminoso e as
circunstâncias que o levaram à prática do crime. Lombroso, na obra L'Uomo
110
Delinquente, desenvolveu as principais idéias acerca das raízes do crime. Para ele,
o criminoso nato”
44
tem algumas peculiaridades da espécie humana, reconhecíveis
pelas características externas. A tipificação do criminoso estudada por Lombroso
partia do lugar do sujeito para estabelecer os dois tipos de crimes recorrentes na
sociedade: os crimes cometidos por atavismo (típicos das sociedades pouco
esclarecidas e nas classes populares pobres, rudes, como a martirização, as
pancadas, as mutilações, os suicídios); e os crimes cometidos por evolução, que se
cometeriam nas sociedades civilizadas, como envenenamentos lentos e
sistemáticos e vinganças pessoais refinadas. No primeiro tipo, incluíam-se os
indivíduos com constituição fisiológica e psicológica enfermiça. No segundo, a
criminalidade se revelava mais na intenção do crime, pois substituía a força e a
violência pela astúcia e pelo dolo (CANCELLI, 2001: P. 42).
A Escola Positiva foi alvo de algumas reformulações, com Ferri, que via a
gênese do crime não somente nas condições individuais e psíquicas do criminoso,
mas também nas condições ambientais e nas necessidades sociais. Assim, a pena
não deveria ser a retribuição de uma culpa moral com um castigo proporcionado,
senão um conjunto de medidas sociais (preventivas e repressivas), que
44
“O criminoso tem uma estatura mais alta, uma envergadura maior, um tórax mais amplo, uma
cabeleira mais escura e um peso superior ao normal e ao dos alienados; que ele apresenta,
sobretudo entre os ladrões reincidentes e menores uma série de submicrocefalias maiores do
que normalmente, mas menores que entre os alienados; que o índice do crânio, comparado em geral
ao índice étnico, é nele mais exagerado; que o delinqüente oferece assimetrias cranianas e faciais
freqüentes,sobretudo entre violadores e ladrões, mas mais raras entre loucos, pois têm, os
delinqüentes, sobre esses últimos, superioridade em face de lesões traumáticas na cabeça e nos
olhos oblíquos; têm, menos freqüentemente, o ateroma das artérias temporais, a situação anormal
das orelhas, a raridade da barba, o nistagmo, a assimetria facial e craniana, a midríase e, ainda mais
raramente, a calvície precoce. Em proporções iguais: o prognatismo, a desigualdade das pupilas, o
nariz torto, a fronte fugidia. Mais freqüentemente que os loucos e que os homens os, têm os
delinqüentes: uma face mais longa, um grande desenvolvimento das apófises zigomáticas e dos
maxilares, o olhar sombrio, a cabeleira espessa e negra sobretudo os ladrões de estrada. Os
corcundas, muito raros entre os homicidas, são mais freqüentes entre os violadores, falsários e
incendiários. Esses últimos, e mais ainda os ladrões, têm todos uma altura, um peso e uma força
muscular inferiores a dos bandidos e dos homicidas. Os cabelos louros são abundantes entre os
violadores; os negros, entre ladrões, homicidas e incendiários.” (LOMBROSO. O Homem
Delinqüente. São Paulo, Editora Ícone, p.288)
111
preservassem o indivíduo e a sociedade. Ferri, na obra O Delito Passional na
Civilização Contemporânea, trabalhou especificamente o conceito do criminoso
passional. Para ele, se deveria considerar como criminoso passional aquele que,
dono de uma paixão, comete o crime, sendo este tipo de paixão toda aquela que
não é contrária aos interesses da coletividade e agindo o criminoso por
impulsividade e afetividade. O autor sustentou a necessidade da coexistência de
certos requisitos para ficar caracterizado o criminoso passional, ou seja, aquele que
fosse movido a cometer um delito por influência de uma paixão teria que apresentar
os seguintes requisitos: personalidade de precedentes imaculados; motivo
proporcionado que não ferisse a sociedade; após o crime mostrar-se arrependido; e,
em certos casos, chegando o homicida ao suicídio ou a uma tentativa de suicídio.
O Código Penal de 1940 recebeu grande influencia da Escola Positivista,
especialmente na caracterização de criminoso passional cunhada por Ferri. As
discussões Jurídicas desse período, quase sempre, tendiam ao enquadramento de
homens e mulheres nessas regras idealizadas. Mariza Correa aponta, em seu livro
Crimes de Paixão, que a condenação ou absolvição dos acusados ante o Júri, era
em cima da conduta social do acusado, e da vítima, e não o crime cometido. (1981:
p.68).
Foi Roberto Lyra (1935), autor da obra O Suicídio Frustro e a
Responsabilidade dos Criminosos Passionais, quem iniciou a discussão da tese
da passionalidade, como isenção do crime, tentando pôr limites ao número de
assassinatos passionais no País. Lyra, ao lado de Afrânio Paixoto e Nelson Hungria,
criaram o Conselho Brasileiro de Higiene, órgão formado por proeminentes
juristas, com o objetivo de discutir a passionalidade em um crime. Os membros
deste grupo combatiam a idéia de que a honra masculina dependia do
112
comportamento feminino e que o amor contrariado devesse ser vingado pelo
sangue.
É importante destacar a idéia de que, até a promulgação do Código Penal de
1940, existia a figura do individuo que sofria da perturbação dos sentidos e da
inteligência, o que facilitava a defesa total do criminoso passional. No Código Penal
de 1940, porém, ainda em vigor, essa excludente foi substituída pelo homicídio
privilegiado
45
, com a aplicação de pena menor.
Solidificou-se, então, a legítima defesa da honra e da dignidade, que, embora
não seja comumente alegada em plenário por alguns juristas que a consideram
inconstitucional, está presente na subjetividade do discurso, expressa por
defensores no fato de que a infidelidade de um dos cônjuges afronta os direitos do
outro e é um insulto a sua moral e honra.
Ao se pensar nos crimes passionais, de Eliane e Lindomar Castilho; de
Patrícia Aggio e Igor Ferreira; de Sandra Gomide e Pimenta Neves; de Ethel e
Flávio Carneiro; Danielle Sousa e Sandro Gomes e de Osair Melo e Euza Maria, em
todos esses casos a tese da legítima defesa da honra estava presente nas
entrelinhas da argumentação da defesa.
Em 1981, o cantor Lindomar Castilho deu cinco tiros em sua ex-
esposa Eliane de Grammont, de 26 anos de idade, vinte dias após
a formalização do desquite. A tese de defesa do cantor, que
alegava ter matado Eliane por amor, e em defesa da honra da
família, foi desmontada em praça pública através das passeatas
organizadas pelas mulheres. Quem ama não mata” virou slogan
45
O art. 133º do Código Penal Brasileiro, trata do Homicídio Privilegiado e diz que é construído com
base em três conceitos-tipo de natureza emocional, embora de forma bem mais acentuada nuns
casos que noutros a emoção violenta; a compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo
de natureza ético-social – um motivo de relevante valor social ou moral. (...)
113
das feministas e foi o principal argumento utilizado pela acusação.
Lindomar Castilho foi condenado.
46
A advogada de defesa de Pimenta Neves, Ilana Muller, contestou
na Justiça a qualificadora de motivo torpe, por ciúme, do
homicídio. No processo criminal, a defesa afirmou que ele agiu sob
“forte emoção e não premeditou o assassinato, ele se sentiu traído
pessoalmente e profissionalmente”.
47
No julgamento de Flávio Carneiro, acusado de matar, Ethel Angert,
a filha do casal, trabalhando como assistente de defesa, ao lado
dos advogados, afirmou em testemunho: "Não estou aqui para
condenar a minha mãe, por tudo que ela fez". O "por tudo que ela
fez" reforçou o discurso dos advogados de defesa de Flávio
Carneiro, que expuseram em seguida “os inúmeros casos de
traição conjugal” da vítima, finalizando a preleção com um "perdoe,
Flávio. você não sabia. Todo mundo sabia, você não sabia".
Um dos advogados de defesa impressionou o Júri quando disse
que com seu comportamento "A própria vítima procurou a sua
morte, procurou não, ela quase clamou!"
48
No dizer de Ferri (1934), ceder ao ímpeto da paixão, sem experimentar o
freio inibidor da solidariedade humana, é desventura que impõe a consciência moral
da sociedade antes mesmo do que da lei. (p. 73). Daí a complexidade que é julgar
um crime passional, em que a emoção ocupa lugar de destaque para entendimento
de alguns crimes, para a compreensão da defesa e da acusação do réu. O réu está
no Tribunal do Júri para se defender, e, seja a acusação injusta ou não, ele vem
46
Retirado do Boletim Especial da CUT, sobre o Caso Lindomar Castilho e Eliane Grammont, no
Jornal em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, 2007.
47
Texto retirado do AGRAVO DE INSTRUMENTO 702.363 - SP (2005/0135056-7), Relator:
Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Nome do Agravante: Antonio Marcos Pimenta Neves, Nome da
Advogada: Illana Muller, Nome do Agravado: Ministério Público do Estado de São Paulo.
48
Anotações da Sessão do Tribunal do Júri de Ethel Angert e Flávio Carneiro, em 16 de setembro de
2006, 12 horas de julgamento.
114
preparado para obter o melhor resultado, que pode ser a absolvição ou uma
condenação mínima.
Uma coisa que observo é como o réu vem vestido. Tem que ter
respeito pelos jurados, não pode vir vestido como uma ocasião
qualquer, afinal está sendo julgado em caso de vida ou morte. É, digo
vida ou morte, porque ficar preso é muito ruim, e ser absolvido é bom,
mas às vezes não dá. Não precisa vir de paletó, mas também vir de
camisa de malha não é bom, acho uma falta de respeito. (...)
Jurada.
49
Ajuda sim o réu mostrar algum sentimento. Não me convence de que
não matou, mas demonstra que não é insensível, uma pessoa
perigosa para o convívio em sociedade. (...) – Jurada.
A ação geradora do caso e a representação no seu julgamento é o que vai
provocar as descobertas contidas nas questões humanas das ações sociais. Nos
dez casos analisados, a fala autorizada dos atores sociais no Tribunal do Júri exigiu
a arte da persuasão, fosse essa para incriminar, fosse para libertar o réu. Como
disse Mariza Corrêa (1983), us que não o “trabalhadores”, “bons pais de
família”, ou jovens solteiros e honestos, que não ajudam financeiramente a família,
são agressivos, têm vários parceiros, filhos com mais de um deles, consomem
álcool e outras drogas, não têm emprego fixo, ficam mais vulneráveis às falas da
acusação. Essas marcas sociais estarão em jogo nos julgamentos, uma vez que
permitem caracterizar o réu e a tima em seus comportamentos cotidianos e,
dessas discussões, em grande parte, dependerá o desfecho dos julgamentos,
pensado pelo Conselho de Sentença.
No ano de 1997, o promotor José Muiños Piñeiro Filho e seu assistente, o
advogado Arthur Lavigne, acusaram em Júri Guilherme de Pádua e Paula Thomaz
49
Anotações de uma entrevista feita com uma Jurada do Conselho de Sentença.
115
de homicídio premeditado e por motivo torpe. Os réus saíram de casa dispostos a
matar a atriz e, para escapar das conseqüências, até adulteraram antecipadamente
a placa do carro. A morte de Daniela Perez foi o clímax de um relacionamento
obsessivo e doentio. Para ilustrar o que diziam, falaram das tatuagens feitas pelo
casal
50
, apresentando a declaração do tatuador, e mostraram fotos e Daniella Perez
viva, depois morta e o slogan “E se fosse sua filha?”, pedindo a punição dos réus.
A advogada de defesa, Illana Muller, apresentou cartas de amigos de
Pimenta Neves, acusado de matar Sandra Gomide. Os amigos do réu atestaram
sua idoneidade. A carta do empresário, escritor, membro da Academia Brasileira de
Letras, Dr. José Mindlin, diz:
Conheço Antônio Pimenta Neves e somos amigos mais de
40 anos, acompanhando desde então sua vida e sua carreira.
Quer como jornalista em São Paulo, quer como correspondente
de “O Estado de S. Paulo” em Washington, ou quando
assumiu funções de grande responsabilidade no Banco
Mundial, Pimenta Neves sempre agiu com a maior seriedade e
competência. Graças a isso, foi dos poucos jornalistas
brasileiros a granjear amizade e respeito nos altos escalões da
administração brasileira e americana. Visitei-o várias vezes em
sua casa em Washington, ali também constatando um ambiente
familiar normal, de bom entendimento e muita simpatia. Quando
voltou a viver em São Paulo, retomou suas atividades
jornalísticas, sempre revelando sua grande competência e
integridade. Nossa amizade se manteve sempre cordial, e
continua a existir. Todos nós seus amigos lamentamos a
tragédia em que se envolveu, assim como lamentamos a perda
de uma vida, mas podemos atribuir seu ato a um grave
processo de perturbação mental, pois foi inteiramente contrário
50
Ela gravou o nome GUILHERME na virilha e ele escreveu o nome PAULA no pênis.
116
ao espírito ponderado e ao seu procedimento correto que
sempre o caracterizou.”
51
A carta do editorialista sênior do jornal O Estado de São Paulo desde 1953,
Prêmio Nacional de Cidadania, 2004, Robert Appy diz:
Nascido e diplomado em economia na França sou redator e
editorialista de O Estado de S. Paulo desde 1953. Como tal tive
oportunidade de acompanhar de perto a brilhante carreira de meu
amigo Antônio Marcos Pimenta Neves na imprensa brasileira (...).
Pimenta era muito exigente, mas justo, leal e polido. Nunca elevou a
voz para criticar seus colaboradores. Conheci de perto sua esposa,
Carole e, depois, suas filhas Andréa e Stephanie, nascidas em 1970.
Pimenta era um marido atencioso e delicado e falava de sua mulher,
com quem se casara nos Estados Unidos, com respeito e admiração.
Em relação às filhas, sempre foi pai carinhoso e orgulhoso. Graças
ao exemplo dos pais, ambas tiveram sucesso em sua vida acadêmica
e profissional. Quando Pimenta se mudou para os Estados Unidos,
em 1974, como correspondente, nossos contactos diminuíram em
freqüência, mas não em calor humano. Eu viajava para Washington
pelo menos duas vezes por ano, para cobrir, como comentarista, as
assembléias do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.
Nessas ocasiões, encontrava-me com ele e visitava sua família. (...).
Foi com grande satisfação que o vi voltar ao Brasil, primeiro para
assumir a direção da Gazeta Mercantil e, depois, de O Estado de S.
Paulo. A ambos regressava pela segunda e terceira vez,
respectivamente, prova da reputação que havia angariado ao longo
de sua vida de grande profissional e de homem de grande caráter.
Em ambos os jornais deixou sua marca, dando-lhes nova vida com as
profundas transformações que introduziu. Era particularmente digna
de nota a maneira como tratava, com cortesia e respeito, os
51
Os debates entre a defesa e a acusação aconteceram em segredo de justiça. A decisão foi tomada
pelo juiz titular do Tribunal do Júri de Ibiúna, Diego Ferreira Mendes, a pedido da promotoria. Os
promotores alegaram que usariam peças do processo protegidas pelo sigilo judicial para expor os
argumentos da acusação. O mesmo tratamento foi, portanto, estendido à apresentação da defesa.
Essa carta foi divulgada na imprensa pela da Folha de São Paulo, 23 de março de 2006.
117
funcionários das empresas, dos mais simples aos mais graduados, o
que pode ser facilmente confirmado numa conversa com os
contínuos e motoristas. Nunca o ouvi elevar a voz para criticar ou
condenar um companheiro e procurou, de imediato, regularizar a
situação funcional dos que não trabalhavam dentro das normas
profissionais e legais. Em meados de 2000, eu e alguns colegas
notamos mudanças acentuadas no comportamento de Pimenta
Neves. Ele vinha trabalhando num ritmo crescente e exaustivo.
Mostrava graves sinais de estresse e preocupava-se com a doença
de uma das filhas, diagnosticada com câncer, queixava-se da perda
de visão e falava em deixar o jornal, contra o que todos reagimos.
Ruy Mesquita, diretor responsável do Estado, disse depois ao grupo
de editorialistas subordinados diretamente a ele, que havia recusado
o pedido de demissão de Pimenta Neves e lhe havia indicado um
psiquiatra conhecido. Poucas semanas depois, numa tarde de agosto
de 2.000, tomei conhecimento, incrédulo, da tragédia que envolvera
meu amigo e Sandra Gomide. Até hoje não consigo compreender o
que ocorreu. Sei apenas que pode ter sido um curto-circuito
mental de tal proporção que, por alguns segundos, desligou meu
amigo de sua história de homem impecável. isso pode explicar
que tenha atirado contra Sandra e tentado o suicídio. Quero deixar
claro que continuo amigo de Pimenta como sempre fui, sabendo-o
devastado pela tragédia e rogando que escolha a sobrevivência. (São
Paulo, 9 de Setembro de 2002)
52
Ainda em relação ao caso Pimenta Neves e Sandra Gomide, a advogada de
defesa, Illana Muller, apresentou o depoimento do psiquiatra Marcos Pacheco, que
o avaliou após o crime e depois do suicídio malsucedido. Para ele, a morte de
Sandra não foi premeditada. O psiquiatra disse, ainda, em Júri que, após ter atirado
na ex-namorada, a vida do jornalista se desorganizou e ele passou a apresentar
sintomas de estresse agudo ou pós-traumático.
52
Carta também divulgada na imprensa através da Folha de São Paulo, 23 de março de 2006.
118
No caso de Ethel Angert e Flávio Carneiro, o Conselho de Sentença no
Tribunal do ri foi formado por três homens e quatro mulheres. Tanto a Defesa
como a Promotoria, durante a sustentação oral de defesa e acusação do u,
levaram o caso para discussões sobre valores morais, comportamentos e honra. A
defesa do u optou por expor rumores da época, quando Ethel Angert teria se
separado de Flávio Carneiro por causa de amantes. Desde então, segundo a
defesa, Ethel vinha humilhando e perseguindo o réu. O que você faria? Vo
agüentaria uma coisa dessas?, bradou um dos advogados em direção aos jurados
do sexo masculino, do Conselho de Sentença. Voltando-se para as juradas,
argumentou: Honradas senhoras, não sou contra as mulheres. Mas era o que
outras mulheres falavam de Ethel Angert. Foram apresentadas testemunhas de
defesa do réu no sentido de fortalecer esse discurso.
No caso de Sandro Gomes da Silva, que matou Daniele Sousa, foi enfatizada
pela acusação a personalidade do réu: policial, que deveria proteger e matou;
homem que gostava de beber até ficar embriagado, possuidor de um temperamento
esquentado. Em relação a Daniele, foi colocada a sua condição de estudante,
menor de idade, menina de família estruturada.
53
Pode-se perceber que o debate e a capacidade de criar efeitos que
favorecem a identificação do réu com o que se quer expressar, são fundamentais
para a análise do caso pelo Conselho de Sentença. Logo, a linguagem utilizada por
acusadores e defensores normalmente é composta por situações cotidianas, por
experiências comuns da comunidade de onde vêm o réu e a vítima.
Atualmente, técnicas modernas são usadas para produzir um bom efeito no
Tribunal do Júri, complementando a boa oratória dos argumentos da defesa e da
acusação, acudidos pela expressão corporal e vestimenta.
53
Anotações feitas no Tribunal do Júri.
119
Para além dos tópicos discursivos, são usados muitos outros
instrumentos retóricos (...) provérbios, referências bíblicas, máximas
(...) clichês, slogans e sinais. Todos esses pequenos recursos
funcionando como lubrificantes do discurso (SANTOS: 1988, P. 25)
Evaristo de Moraes (1933) diz que a pena “deve ser a expressão das reações
coletivas, provocadas no seio da sociedade”. Para Enrico Ferri (1934), outro grande
jurista:
O crime passional deve ser julgado, de acordo com os seguintes
critérios: a qualidade dos motivos e a personalidade do autor de
crime. Estes critérios são inseparáveis e se completam. Do modo de
agir da personalidade, dos seus antecedentes, das condições do
meio em que nasceu, cresceu e agiu, se conclui a classificação moral
e legal da ação criminosa. (p.61)
Para o veredicto do Conselho de Sentença, influenciará, por exemplo, a vida
pregressa do réu, conforme seja decente e honesta, ou manchada por atos
imorais. Não menos influenciará a atitude do réu na prática do crime, ferindo
impetuosamente, cessando os golpes logo ao cair da vítima, ou praticando contra
esta atos de crueldade.
No crime cometido por Francinaldo contra a sua esposa, Nadja, o relato em
Júri causou algumas perplexidades nos jurados e na assistência, pela forma como
ele agiu. As testemunhas de acusação ouvidas atestaram sobre a forma violenta
como Francinaldo tratava a esposa, chegando a bater em Nadja. Chocou ainda o
Conselho de Sentença, o fato de ouvir do Promotor a acusação de que Francinaldo
atirou em Nadja quando ela estava no quarto do filho caçula de dez meses, com ele
no colo, colocando-o para dormir. Sem dúvida, o tratamento do réu com sua esposa,
testemunhado em Júri, foi fundamental para a sentença de 15 anos. Pouco
120
convenceu a defesa alegar que o tiro fora acidental, especialmente o tendo
encontrado nenhum elemento desabonador da vítima, Nadja.
A forma brutal como Daniel espancou e matou Iasmin, grávida de oito meses,
e a sustentação oral do advogado de acusação, com imagens fotografadas da
agressão fortalecendo a fala no Júri, garantiram a unanimidade do Conselho de
Sentença para a condenação do réu a 19 anos de prisão.
Ter atraído Daniela para a morte, condenou Sandro a 16 anos de prisão.
Daniele estava em casa quando Sandro foi buscá-la para um passeio e, durante
uma discussão, a matou com um tiro no rosto.
No Júri, a apresentação de fotografias, noticiários reportando o crime, objetos
utilizados no ato de matar e/ou ferir, mostrados na sessão, servem de auxiliar na
fala de defensores e acusadores. Ligar o réu as suas qualidades e a vítima aos seus
defeitos é outra forma de alimentar a decisão do Conselho de Sentença. Nessa
“batalha verbal”, tudo o que reforça a imagem das idéias é importante para a
decisão final do juiz. Balandier (1999) ensina que:
O poder não se faz nem se mantém senão pela transposição, pela
produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua
organização num quadro cerimonial (...). As manifestações do poder
não se dão bem com a simplicidade. A grandiosidade ou a
ostentação, o decoro ou o fausto, o cerimonial ou o protocolo,
caracteriza normalmente o poder. (p. 22-25).
Indo além da suntuosidade da sessão, discutida, é perceptível o fato de
que, dependendo de como as mortes são textualizadas e contextualizadas,
transformadas em imagens e encenadas (SCHIRTZMEYER: 2001), matar pode até
ser considerado “aceitável” pelos membros do Júri em suas posições de: ordenar,
121
regular, acusar, defender, julgar e sentenciar o réu e salvaguardar os interesses da
sociedade.
6.2 O REÚ E O JÚRI
No Júri, a representação é contínua: os dispositivos simbólicos e as práticas
codificadas, conduzidas segundo o rito, servem de suporte às esperanças da
sociedade. É no Júri que a argumentação se alia à demonstração. A persuasão
une-se à fala e ao efeito visual, permitindo uma dramatização que se adapta às
circunstâncias e aos objetivos de quem representa o réu e de quem o acusa.
O mito, o símbolo, o rito e as emoções que assistem ao Júri atuam com a
função de criar, ou tentar criar, laços entre os indivíduos e os grupos aos quais eles
pertencem. No dizer do jurista Evaristo de Moraes (1933):
Quer se admita a identidade de dois estados, emoção e paixão, quer
se pretenda demonstrar que esses estados são até certo ponto
antagônicos, o impulso das paixões são necessariamente atendidos
na gênese da criminalidade, como elemento classificador (...) A
indignação provocada por um crime que tem como motivo o interesse
pecuniário, inveja, não se repete diante de um crime que tem por
motivo um amor infeliz, a traição de um falso amigo, a ofensa ao
pudor da filha. (p.66)
Ao se pensar nos crimes passionais e em seus julgamentos e sentenças, no
espaço do Tribunal do Júri, pode-se relacionar essa imagem com o que Bourdieu
(1999) expressa. Para ele, o espaço social é hierarquizado pela desigual
distribuição dos diferentes capitais. Nessa discussão, tratada em várias de suas
obras, a descrição de uma sociedade vai mostrar a dimensão relacional das
122
posições sociais, ou seja, diferentes formas de capital definem as oportunidades de
vida.
O capital econômico, constituído por fatores de produção e pelo conjunto dos
bens econômicos, está relacionado à posição do indivíduo no espaço social onde se
encontra inserido e condicionado a sua visão de mundo e comportamento. A mira
do futuro depende estritamente, em sua forma, e em sua modalidade, das
potencialidades objetivas que são definidas para cada indivíduo por seu estatuto
social e por suas condições materiais de existência (BOURDIEU: 1979; P. 81).
Logo, o capital econômico merece atenção nesta análise, uma vez que parece ter
forte relação, não tanto na sentença, mas na prisão do réu. A contratação de bons
advogados custa caro e a posição do indivíduo na sociedade, com sua visão de
mundo, são utilizadas a favor do réu.
Igor Ferreira da Silva, ex-promotor de justiça, filho de uma família de classe
alta, acusado e sentenciado a 16 anos de prisão por ter matado sua esposa Patrícia
Aggio, continua desaparecido. No dia 18 de abril de 2008, fez sete anos de sua
condenação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Como é garantido em lei, ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer
que seja a natureza do crime, até que se esgotem todas as possibilidades de
recursos contra a sentença condenatória. Pimenta Neves foi julgado e condenado
pelo Tribunal do Júri, todavia, sua advogada Ilana Muller, logo após a sentença,
entrou com um pedido de Habeas Corpus junto ao Supremo Tribunal de Justiça.
Liminar foi concedida e Pimenta Neves permanece legalmente em liberdade.
54
Condenado pelo Tribunal do Júri a 13 anos de prisão, por ter matado sua
esposa Ethel Angert, Flávio Carneiro aguardará em liberdade o recurso da defesa,
no Tribunal de Justiça.
54
A íntegra desse Habeas Corpus está nos Anexos.
123
Assim como o capital econômico, o capital cultural, ligado ao conjunto das
qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitido pela
família, também assume um importante papel na condenação. O capital cultural
poderá existir de três formas: em estado incorporado; em estado objetivo, como
bem cultural; em estado institucionalizado, isto é, socialmente sancionado por
instituições.
No veredicto e no seu cumprimento, o capital cultural auxilia réus, defensores
e promotores. O assassinato de Eliane de Grammont, em 1981, não apenas
provocou a prisão de Lindomar Castilho, um cantor de sucesso, condenado a 12
anos de prisão, como agitou o movimento feminista no Brasil. Nem isso, porém, foi
suficiente para mantê-lo na constância dos 12 anos de encarceramento. Durante
seu período de prisão, ele foi transferido para Goiânia, onde a família morava e
passava longos períodos fora da prisão, fosse “fazendo shows beneficentes”, fosse
“ensinando música para os mais pobres”.
Pimenta Neves, jornalista respeitado pelo público, teve seu curriculum
educacional esmiuçado no Júri pelos advogados de defesa, o que fortaleceu a idéia
de que ele agiu por “momentâneo descontrole”. No caso de Igor Ferreira da Silva,
apesar de todas as provas o apontarem como culpado pela morte de Patrícia, os
pais dela continuaram acreditando na inocência do genro. Maria Cecília Aggio
Longo, hoje com 63 anos, mãe de Patrícia, afirma “eu sei que meu genro não matou
minha filha”. A convicção de Cecília foi compartilhada pelo marido, José Longo, 64
anos. Pode-se anexar ao somatório do capital cultural, o capital social, uma vez que
as relações sociais dos réus auxiliaram no julgamento.
O capital simbólico, no entanto, mais ligado à honra e ao reconhecimento, é o
que mais se expressa em julgamento de crimes passionais. Esse capital permite
124
compreender que as múltiplas manifestações do código de honra e das regras de
boa conduta não são apenas exigências de controle social, mas são constitutivas
das vantagens sociais com as conseqüências efetivas.
Dilermando de Assis matou Euclides da Cunha, em legítima defesa, e,
mesmo tendo sido absolvido duas vezes em Júri, o foi absolvido pela sociedade.
Morreu como o “assassino de Euclides da Cunha”.
Lindomar Castilho cumpriu a pena dos 12 anos, porém não conseguiu mais
alavancar a carreira solo, mesmo tendo músicas de muito sucesso na mídia. Até
hoje ele faz shows com um público pequeno, e é conhecido com o “Lindomar que
matou a Eliane”.
Paula Thomaz e Guilherme de Pádua, embora tenham cumprido a pena, não
foram absolvidos pela sociedade, não conseguem passar anônimos como cidadãos
que já cumpriram o que deviam à justiça.
O mesmo acontece com Daniel Câmara, que matou Soraya Kunst, que tem
dificuldade para situar-se no mercado profissional e sofre rejeições daqueles que se
lembram do crime.
Ora, para Bourdieu o mundo social funciona como um sistema de relações de
poder e como um sistema simbólico. Neste sentido, é fundamental entender a
sociedade em que se vive, uma vez que o espaço social é hierarquizado pela
desigual distribuição de diferentes capitais que definem as oportunidades na vida:
capital econômico, capital cultural, capital social e capital simbólico.
Para caracterizar um processo de estruturação social, Bourdieu introduz o
seu conceito de habitus de classe. Para ele, mesmo as escolhas mais pessoais,
desde a preferência por carros, compositor, escritor, parceiro, são, na verdade,
frutos de fios invisíveis que interligam interesses de classe.
125
Logo, no Tribunal do Júri, uma vez descoberto o habitus de classe do
Conselho de Sentença, há a possibilidade de o defensor e o promotor trabalharem a
filiação de classe, para gerar a empatia no veredicto.
Muitas vezes, nas falas, percebe-se a tentativa de fazer do u ou da vítima
alguém próximo do Conselho de Sentença. Para Eluf (2003), os debates no Júri são
o momento mais importante do julgamento. Tanto a acusação quanto a defesa
tentarão convencer o Conselho de Sentença de que têm razão. As provas
constantes nos autos do processo são interpretadas livremente pelas partes, o que
permite diferentes conclusões.
A imprensa condena o réu sem a conclusão do julgamento. Pimenta
agiu sob violenta emoção. Foi um crime de ímpeto, de momento,
cometido por um homem de bem. Qualquer um poderia agir da
mesma maneira. Sandra Gomide foi vítima no assassinato, mas
talvez ela o tenha vitimado anteriormente. (Fala da Defesa do Caso
Pimenta Neves).
Pimenta Neves é um falso passional. É um sujeito prepotente, que
agiu premeditadamente e não deu alternativas à Sandra Gomide.
Matou por vingança e ciúme. Usou crueldade, pois escolheu balas
especiais, que provocam uma lesão maior que as normais. A Justiça
tem de ser rigorosa com um sujeito que teve tantas oportunidades de
estudo e profissão como ele. (Fala da Acusação do Caso Pimenta
Neves).
Os defensores de Daniella Perez, logo que souberam da data do
julgamento, prepararam o lobby da defesa. Em 15 pontos principais
da cidade foram espalhados vários outdoors com a foto de Daniela e
a frase “Chega de impunidade” e E se fosse sua Filha?”, uma
cobrança para que veredicto do júri fosse favorável.
126
Com animo de matar Guilherme de Pádua procedeu com motivação
torpe, visando satisfazer seus próprios caprichos e os de sua esposa,
com quem mantinha uma relação conjugal obsessiva, consistente em
exacerbado sentimento recíproco de posse agindo com consciência e
vontade no crime. (...) A negativa de autoria sustentada
informalmente pelo denunciado (...) como também a dissimulação
exercida em falso sentimento de solidariedade junto à mãe e o viúvo
da vítima após a prática do crime demonstraram sua frieza. (Folha
três da denúncia do crime).
Pode parecer uma lógica ambígua ou despropositada, mas o Conselho de
Sentença pune o comportamento desafiante, de acordo com suas regras de
entendimento, seja através da apresentação do caso no Júri, seja considerando
suas sensibilidades ao contrato estabelecido como sociedade ou as duas coisas.
Daí o papel da honra, tanto na linguagem jurídica quanto no repertório comum, de
permanecer ligada à origem do crime, segundo a interpretação compreendida pelo
Júri.
O funcionário público aposentado Octavio Renato Monteiro de
Almeida, quando se sentou no banco de jurados para julgar
Guilherme de Pádua, e Paula Thomaz, pela morte de Daniella Perez,
disse estar tenso. Ele adora ser jurado. O que não significa “que não
enfrente dificuldade com sua consciência”. Segundo ele, "foi difícil ver
o Guilherme e a Paula entrando algemados no Tribunal, fiquei
chocado, dois jovens bonitos, não precisavam estar ali tão
desonrados. Pensei nos meus filhos e senti o peso de acusar alguém
por um crime. Depois pensei na Daniella, nunca vou me esquecer
das
fotos horríveis que os advogados apresentaram dela morta,
brutalmente esfaqueada, depois dela cheia de vida. A minha filha tem
a mesma idade da Daniela.
55
55
SOUZA, Okky de. Rotina Espinhosa 1997. Disponível em: http://veja.abril.com.br/110697/p_56.html.
Acesso em 03/05/2008
127
É grande o desafio do Júri dos que o compõem, dos que o estudam para
lidar com a natureza fluída do discurso da honra, uma categoria tão abrangente e
clamada em crimes passionais. A honra na lei, a honra empregada na fala dos
juristas e a evocação da honra nos crimes passionais têm diferentes níveis. Da
perspectiva do réu, a honra defende o seu ato.
Tanto a honra masculina quanto a honra feminina, pensada como capital
simbólico, se tornam relevantes em crimes passionais. A idéia da fidelidade feminina
passa por identificações da mulher como boa esposa, boa mãe, boa dona de casa,
mesmo que trabalhe fora; é a fidelidade pensada além da sexualidade, mas também
em relação ao papel da mulher dentro da sociedade. Mariza Corrêa diz que o crime
passional, como crime supostamente cometido em legítima defesa da honra (...) é
um crime basicamente masculino, sua fundamentação histórica apoiar-se-ia na
tradição de um patriarcalismo onde a honra sempre foi lavada com sangue. (...).
(1981: p.15-16). Logo, em um julgamento, o que adquire importância é o papel
desempenhado na sociedade pelo réu e pela vítima. É que a honra entra como
valor definido em sociedade, funcionando, então, como capital simbólico a
determinar o que é uma mulher honrada e o que é um homem honrado.
Para resguardar a sua honra, Euclides da Cunha tentou matar Dilermando de
Assis, morrendo na troca de tiros. Pimenta Neves alegou para os amigos que se
sentia “desonrado, desvalorizado, traído”, com o término do namoro por Sandra
Gomide, por isso “perdeu a cabeça”. Flávio Carneiro alegou o mesmo motivo da
honra para matar Ethel Angert, Segundo ele, “estava sendo traído por ela” e
“constantemente perseguido com suas acusações”. Osair matou Raimundo pelo fato
de este, namorar Euza, sua ex-companheira. não estavam mais juntos, não
128
houve, portanto, a “traição” alegada por ele. Em seu entendimento, todavia a Euza
“não tinha permissão para namorar”.
Sandro Gomes da Silva matou Daniele Sousa, por ciúmes. Ela terminou o
namoro e não aceitou a proposta de Sandro para reatar o relacionamento. As
inúmeras recusas de Danielle e um novo namorado fizeram Sandro se sentir traído
e desonrado, causando a morte da jovem. Nesses casos, o fenômeno da honra é
geral e declarado. O receio do ridículo mantém as pessoas observantes; o ataque à
honra mata simbolicamente tanto mais quanto a vítima ou o réu é socialmente
proeminente. Para Balandier (1999):
Cada sociedade, à sua maneira, define as verdades que tolera, os
limites que impõe aquilo que não é a estrita conformidade, o espaço
que concede à liberdade modificadora e a mundana. A sociedade não
para nunca de restabelecer limitações, de reavivar as intenções, de
reproduzir códigos e conversões. (p. 64).
Até hoje, não se sabe com certeza por que Igor Ferreira da Silva matou
Patrícia Ággio Longo, sua esposa, todavia, o desconhecimento do motivo não
significa para a sociedade, para a lei, que não houve crime ou que o acusado não
tenha sido seu autor. A hipótese é de que Igor Ferreira da Silva tenha descoberto
que o filho por nascer não era dele. Mais um crime em que a honra pode ser
percebida nas entrelinhas da morte.
6.3 O SENTENCIAMENTO
Foucault (1977), em Vigiar e Punir, considera que a teoria do contrato social
subsidia uma nova forma de castigar os infratores da lei, estabelecendo assim
princípios na arte de escarmentar e homogeneizando o seu exercício. As práticas
129
sociais, lícitas e ilícitas, para Foucault, devem ser codificadas para o surgimento de
uma nova política sobre a ilegalidade. Pense-se então, no nosso Código Penal de
1940, como sendo essa codificação. Logo, a ruptura do contrato situa o réu contra
toda a sociedade, com a qual tinha firmado o acordo de convivência mútua e,
portanto, sua infração deve ser punida.
Segundo Foucault, o direito de punir é de toda a sociedade que firmara o
contrato, e a medida da punição deve ser determinada levando em conta a
sensibilidade humana das pessoas que compunham o contrato. Seguindo esta
noção, a regra penal deve respeitar não o infrator, mas a sociedade obediente aos
preceitos legais. Portanto, na concepção de Foucault, o que se pune é a desordem
que o comportamento ilícito causou à comunidade em que está inserido. A
representação do preço a ser pago pelo crime funciona como inibidor das ações
ilícitas. Daí alguns crimes passionais despertarem tanto a atenção da sociedade,
enquanto outros, ainda mais brutais, não têm o mesmo efeito.
A sociedade entende alguns crimes passionais como estando o réu privado
de razão, por motivos de infidelidade, considerando a responsabilidade do u mais
desculpável. Essa motivação é dada pela categorização do réu pelos defensores e
acusadores.
O Tribunal do Júri exprime poder, impõe o respeito melhor do que o poderia
fazer qualquer explicação dada. O cenário valorizado pela disposição da mobília
provoca temor e expectativa na assistência. A fala torna-se o espetáculo, a
consagração da ordem social, gerando assim uma apresentação visual e auditiva é
expressa no estilo ritualístico do Júri.
O poder se põe em palco no Tribunal do Júri, incluindo sua forma punitiva no
momento do julgamento do réu, no decorrer do qual é exposto à hierarquização
130
social de Juiz Presidente, Promotor, Defensor, Advogado, Conselho de Sentença
e Assistência –; e à condenação ou absolvição do réu. A leitura da sentença pelo
Juiz Presidente é o ápice do espetáculo.
Na sentença dada pelo juiz Jucid Peixoto do Amaral a Francisco Osair
Pereira Melo, que matou Raimundo Silva, namorado de sua ex companheira, em
resumo da peça há:
DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA
DO QUINTO TRIBUNAL DO JÚRI
ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA
PRESIDÊNCIA DO 5º. TRIBUNAL DO JÚRI
Vistos etc.
FRANCISCO OSAIR PEREIRA MELO, qualificado às fls. 02 dos
autos, foi denunciado pelo representante do Ministério Público como
incurso nas sanções do Art. 121, § 2º, incs. II e IV e 121, § 2º, incs. II
e IV, c/c Art. 14, II, ambos do Código Penal Brasileiro, sob a
acusação de haver abatido, a golpes de faca RAIMUNDO PEREIRA
E SILVA, e tentando contra a vida de EUZA MARIA ARAÚJO DOS
SANTOS. (...)
Submetido a julgamento o egrégio Conselho de Sentença
reconheceu a autoria e a materialidade de delito por unanimidade de
votos. Não reconheceu a tese expendida pela defesa (VIOLENTA
EMOÇÃO), por maioria de votos. Reconheceu as qualificadoras
previstas no Art. 121, § 2º, incs. II e IV do C.P.B. Reconheceu a
atenuante prevista no Art. 65, III, letra "d" do C.P.B, por unanimidade
de votos. (...)
Isto posto hei por bem CONDENAR o réu FRANCISCO OSAIR
PEREIRA MELO, devidamente qualificado nos autos à pena base de
131
doze (12) anos de reclusão, de acordo com as diretrizes do Art. 59 do
C.P.B., por crime previsto no Art. 121, § 2º, inc. II, do C.P.B. (...)
Lance-se-lhe o nome do réu no rol dos culpados após o trânsito em
julgado. Dou as partes por intimadas e publicada a presente decisão
em plenário. Registre-se. Sala secreta do 5º Tribunal do Júri no 2º
Salão do Edifício Fórum Clóvis Beviláqua, Aos doze (12) de agosto
de 2.004.
Dr. Jucid Peixoto do Amaral,
Juiz de Direito
Fórum Clóvis Bevilaqua
Fortaleza- Ceará
Vejamos, ainda, um trecho da sentença do julgamento de Guilherme de
Pádua, acusado de matar Daniella Perez:
"O réu Guilherme de dua Tomaz foi denunciado, pronunciado e
libelado como incurso nas penas do art. 121 §2º, inciso 1 e inciso 4
do Código Penal Brasileiro, por ter no dia 28 de dezembro de 1992,
no período noturno, em local ermo existente na Barra da Tijuca, nesta
cidade, fazendo uso de instrumento rfuro-cortante, desferindo
golpes em Daniela Perez Gazolla, causando-lhe, em conseqüência a
morte, conforme descrito no alto de exame cadavérico de fls. 59/60. A
acusação ainda envolve as qualificadoras do motivo torpe e de
recurso que impossibilitou a defesa da vítima. (....)
A conduta do réu exteriorizou uma personalidade violenta, perversa e
covarde quando destruiu a vida de Daniela Perez Gazolla, uma
pessoa indefesa, sem nenhuma chance de escapar ao ataque de seu
algoz, pois, além da desvantagem na força física o fato se desenrolou
em local onde jamais se ouviria o grito desesperador e agonizante da
vítima.
132
Demonstrou o réu ser uma pessoa inadaptada ao convívio social, por
não vicejarem no seu espírito os sentimento de amizade,
generosidade e solidariedade, colocando acima de qualquer outro
valor a sua ambição pessoal (...)
A leitura da sentença é feita com toda a assistência de e em profundo
silêncio. Essas representações devolvem o consentimento e a obediência da
sociedade à lei, dando continuidade à norma social. A totalidade do Júri, em seus
ritos, se converte em episódios que vão desde as relações sociais definidas pela
ritualística até os valores constituídos pela sociedade e a imagem que essa
coletividade faz da ação criminosa.
133
C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Nada há de mais profundamente desigual do que a
Igualdade de tratamento entre indivíduos diferentes.
Esmeraldino Bandeira
56
Escrevendo essa tese, tive dois grandes objetivos: primeiro, verificar que o
discurso da honra é utilizado no Tribunal do Júri e nem sempre coincide com
códigos, leis, acusações e defesa; segundo, discutir o Tribunal do Júri como espaço
importante para a afirmação do vínculo da Sociedade com a Justiça.
Neste estudo, pude perceber que a sociedade pune, em crimes passionais
sob a alegação de preservar a honra, não somente o crime cometido, mas
especificamente a conduta social de homens e mulheres de acordo com os
costumes estabelecidos por um grupo social.
A sociedade não age somente nos atos previstos nos códigos e normas
jurídicas, restando quase sempre um espaço não alcançado na descrição de um
crime, que nas falas da defesa e da acusação, durante um julgamento, servem para
estabelecer conexões com a sociedade representada pelo Conselho de Sentença.
O Júri considera, por meio da leitura, o que está nas peças, o que a lei
determina, o que está codificado pelo Direito, mas as palavras, os gestos, as
entonações, e as emoções, extrapolam esse conjunto. Narrar, interpretar um crime,
levando em consideração as vivências do Conselho de Sentença, pode produzir
56
Bacharel em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, Professor de Direito Criminal, na Universidade
do Rio de Janeiro e Ministro da justiça no governo de Nilo Peçanha.
134
uma sintonia com o autor desse tipo de fala, levando os jurados à opção por seguir
esse raciocínio.
Esse tipo de linguagem, tendo a emoção como uma parte específica, atua
como linguagens indutoras de ritos apropriados, mobilizados, ressignificados na
apresentação do Júri, constituindo assim importante ponto de partida para
compreender os sentimentos (IRLYS BARREIRA, 2001: P 113). Esses sentimentos
podem ser eficazes na medida em que promovem a identificação dos membros do
Conselho de Sentença na hora de julgar o réu.
Sabe-se que, em uma sociedade, a lei é organizada de acordo com a
compreensão da realidade por esse povo; a sua forma de conhecer o real, de
perceber as mudanças culturais, é que valida esse processo. Portanto, uma sessão
do Júri freqüentemente interpreta valores morais, explora significados e determina
atitudes certas e erradas. O Conselho de Sentença é convidado, conduzido,
liderado, por defensores e promotores, a interpretar valores e não a permanecer
somente no que a lei diz.
A idéia de que a lei é importante para a compreensão da sociedade não é
nova. Durkheim, Marx e Weber tratavam a lei como importante recurso de insights
sociológicos. Para Durkheim (1977), a lei representa não somente símbolo visível de
solidariedade, mas um ponto de referência social. De acordo com Marx (1959: p.43),
lei e sistema legal são designados para regular e preservar as relações capitalistas,
mantendo a sociedade funcionando. Weber (1991) enfatiza a lei mediante o poder e
a autoridade, na forma como é expressa na estrutura normativa e econômica da
sociedade.
O Tribunal do Júri é um lugar de eficácia simbólica e constitui espaço de
negociação, entre o réu e a sociedade a que este pertence, encenando a própria
135
ordem, na qual as desigualdades do fato serão substituídas pela hierarquia
temporariamente ordenada para vencer o caos, permitir a aprendizagem da norma e
restaurar a ordem social através das experiências sociais que, por sua vez,
caracterizam a sociedade.
No Júri, o tempo ordinário é substituído por uma ordenação dos fatos, onde a
narração do crime pode representar a tomada de consciência da sociedade,
representada pelo Conselho de Sentença, de seus próprios valores e de sua
compreensão acerca de justiça. As togas rompem com o tempo comum, lembram
aos membros do Júri da tarefa a ser desempenhada e identificam seus papéis.
Nos discursos, é natural perceber a voz inflexível do juiz, a voz acusatória do
promotor de justiça e a retórica emocional e por vezes teatral do defensor. Numa
oratória cuidadosamente estudada e extremamente hábil o acusador desenvolve
sua argumentação. O humor, a sátira, alusões sutis, provérbios próprios as
circunstancia (...) acompanhados da mais viva gesticulação reforça a acusaçã”.
(LITTMANN, In HUIZINGA: 2004; P.100)
O direito de fala representa um marco divisório nas narrações do crime.
Enquanto juízes, promotores e defensores podem utilizar da fala para organizar,
acusar e defender, o Conselho de Sentença não pode manifestar opinião, mas ouvir
os argumentos e buscar os elementos decisivos para julgar convictamente. Mesmo
que alguém deles cochile durante a sessão, o que não é permitido, troque
acidentalmente as cédulas na hora da votação, ou não compreenda o que
aconteceu no processo criminal, o resultado dos sete jurados normalmente
apresenta coerência com o fato.
Nos capítulos, argumentei que as normas sociais, particularmente aquelas
ligadas ao comportamento de um grupo, podem influenciar a decisão legal dos
136
jurados e conseqüentemente, o veredicto do réu. Tal ocorre porque o Direito e a
Jurisprudência são reflexos das relações sociais. A interpretação adapta as fontes a
novas circunstâncias, onde o Júri se torna espaço desses acontecimentos,
,
de fato a interpretação da lei nunca é um ato solitário de um
magistrado ocupado em fundamentar na razão jurídica um decisão
(...) com efeito o conteúdo (...) que se revela no veredicto é o
resultado da luta simbólica entre profissionais capazes de mobilizar
pela exploração de regras possíveis (...) a relação de força entre os
que estão sujeitos a jurisdição. (BOURDIEU: 2003; P. 224-225).
Os detalhes de um julgamento destacam normas sociais e morais que
evidenciam a realidade “fragmentada e conflituosa” da vida cotidiana. Nesse
aspecto, o Júri atua como “um lugar” onde as subjetividades e as experiências
sociais podem definir e redefinir o que é honra, valores familiares, gênero, conflito,
etc. Aspectos esses, que segundo Balandier (1999), através do agir e do
representar o que está em movimento na sociedade, transforma o imaginário em
presença, especialmente pelas vozes que soam de acusadores, defensores e
testemunhas.
O perturbador (...) o bufão (...) o doido. Eles têm a seu cargo a
verdade: sob a ordem social, a desordem; sob as instituições, a
violência; sob o poder investido na função de manutenção, o
movimento; sob a unidade, os cortes irredutíveis. Mas toda verdade
que não pode ser manifestada, tem que ser tratada. (...) Cada
sociedade, a seu modo, define as verdades que tolera (...) e não para
nunca de restabelecer limitações, de reavivar interdições, de
reproduzir códigos e convenções. (BALANDIER: 1999; P. 63-64)
Embora o Júri tenha seu ritual próprio, marcado pela atuação de seus atores
sociais, pelas togas usadas, pelo tempo de sessão controlada por estes, pela
137
posição que ocupam no plenário, são principalmente, os efeitos dramáticos
produzidos durante a apresentação do caso que sustentam o ri enquanto locus
socialmente reconhecido e legitimado pela sociedade.
A entrada no Tribunal do Júri implica a aceitação tácita de que os conflitos
entre réu e família da vítima vão ser resolvidos; significa ainda exposição do caso,
da vítima, do réu. O Júri traduz os aspectos do crime passional, define os motivos,
expõe o conflito com os argumentos morais e também legais, e sentencia
resolvendo o conflito.
138
B I B L I O G R A F I A
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146
ANEXOS
147
148
Sumário dos Códigos Penais do Brasil
ESCORÇO HISTÓRICO DO DIREITO PENAL BRASILEIRO
As Ordenações do Reino
As Ordenações Afonsinas
As Ordenações Manuelinas
Compilação de D. Duarte Nunes Leão
As Ordenações Filipinas
CÓDIGO FILIPINO
Título I — Dos Hereges e Apostatas
Título II — Dos que arrenegão, ou blasfemão de Deos, ou dos Santos
Título III — Dos feiticeiros
Título IV — Dos que benzem cães, ou bichos sem auctoridade d’El-Rey, ou dos Prelados
Título V — Dos que fazem vigílias em Igrejas, ou vódos fora dellas
Título VI — Do crime de Lesa Majestade
Título VII — Dos que dizem mal del-Rey
Título VIII — Dos que abrem as Cartas del-Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas
Título IX — Das pessoas do Conselho del-Rey, e Dezembargadores, que descobrem o
segredo
Título X — Do que diz mentira a El-Rey em prejuízo de alguma parte
Título XI — Do Scrivão que não põe a subscripção, ou Provisão para El-Rey assinar
Título XII— Dos que fazem moeda falsa, ou a despendem, e dos que cerceam a verdadeira,
ou a desfazem
Título XIII — Dos que commettem peccado de sodomia, e com alimárias
Título XIV — Do infiel, que dorme com alguma Christã, e do Christão, que dorme com Infiel
Título XV — Do que entra em Mosteiro, ou tira Freira, ou dorme com ella, ou a recolhe em
casa
Título XVI — Do que dorme com a mulher, que anda no Paço, ou entra em casa de alguma
pessoa para dormir com mulher virgem, ou viuva honesta, ou scrava branca de guarda
Título XVII — Dos que dormem com suas parentas, e affìns
Título XVIII — Do que dorme per força com qualquer mulher, ou trava della ou a leva per
sua vontade
Título XIX — Do homem, que casa com duas mulheres, e da mulher, que casa com dous
maridos
Título XX — Do Official del-Rey, que dorme com mulher que perante elle requer
Título XXI — Dos que dormem com mulheres órfãs ou menores, que stão a seu cargo
Título XXII — Do que casa com mulher virgem, ou viuva que stiver em poder de seu pai,
mãi, avô, ou senhor, sem sua vontade
Título XXIII — Do que dorme com mulher virgem, ou viuva honesta per sua vontade
Título XXIV — Do que casa, ou dorme com parenta, criada, ou scrava branca daquelle, com
quem vive
Título XXV — Do que dorme com mulher casada
Título XXVI — Do que dorme com mulher casada de feito, e não de direito, ou que está em
fama de casada
149
Título XXVII — Que nenhum homem Cortesão, ou que costume andar na Côrte, traga nella
barregão
Título XXVIII — Dos barregueiros casados e de suas barregãas
Título XXIX — Das barregãas, que fogem áquelles, com quem vivem, e lhes levão o seu
Título XXX — Das barregãas dos Clérigos, e de outros Religiosos
Título XXXI — Que o Frade, que fôr achado com alguma mulher, logo seja entregue a seu
Superior
Título XXXII — Dos Alcoviteiros, e dos que em suas cazas consentem a mulheres fazerem
mal de seus corpos
Título XXXIII — Dos ruffiães e mulheres solteiras
Título XXXIV — Do homem, que se vestir, em trajos de mulher, ou mulher em trajos de
homem, e dos que trazem mascaras
Título XXXV — Dos que matão, ou ferem, ou tirão com Arcabuz, ou Bésta
Título XXXVI — Das penas pecuniárias dos que matão, ferem, ou tirão arma de Côrte
Título XXXVII — Dos delictos commettidos aleivosamente
Título XXXVIII — Do que matou sua mulher, pola achar em adultério
Título XXXIX — Dos que arrancão em presença del-Rey, ou no Paço, ou na Côrte
Título XL — Dos que arrancão em Igreja, ou Procissão
Título XLI — Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai
Título XLII — Dos que ferem, ou injurião as pessoas, com quem trazem demandas
Título XLIII — Dos que fazem desafio
Título XLIV — Dos que nos arruídos chamão outro appellido, se não o del-Rey
Título XLV — Dos que fazem assuada, ou quebrão portas, ou as fechão de noite por fora
Título XLVI — Dos que vem de fora do Reino em assuada a fazer mal
Título XLVII — Que nenhuma pessoa traga comsigo homens scudados
Titulo XLVIII — Dos que tirão os presos do poder da Justiça, ou das prisões, em que stão, e
dos presos que assi são tirados, ou fogem da Cadeia
Título XLIX — Dos que resistem, ou desobedecem aos Officiaes da Justiça, ou lhes dizem
palavras injuriosas
Título L— Dos que fazem, ou dizem injurias aos Julgadores, ou a seus Officiaes
Título LI — Do que alevanta volta em Juízo perante a Justiça
Títulos LII — Dos que falsificão sinal, ou sêllo del-Rey, ou outros sinaes authenticos, ou
sêllos
Título LIII — Dos que fazem Scripturas falsas, ou usão dellas
Título LIV — Do que disser testemunho falso, e do que o faz dizer, ou commette que o diga,
ou usa delle
Título LV — Dos partos suppostos
Título LVI — Dos Ourives, que engastão pedras falsas, ou contrafeitas, ou fazem falsidades
em suas obras
Título LVII — Dos que falsificão mercadorias
Título LVIII — Dos que medem, ou pesão com medidas, ou pezos falsos
Título LIX — Dos que molhão, ou lanção terra no pão, que trazem, ou vendem
Título LX — Dos furtos, e dos que trazem artifícios para abrir portas
Título LXI — Dos que tomão alguma cousa por força
Título LXII — Da pena, que haverão os que achão scravos, aves, ou outras cousas, e as não
entregão a seus donos, nem as apregoão
Título LXIII — Dos que dão ajuda aos scravos captivos para fugirem, ou os encobrem
Título LXIV — Como os Stalajadeiros são obrigados aos furtos e danos, que em suas
Stalagens se fazem
Título LXV — Dos bulrões e inliçadores, e dos que se levantão com fazenda alhêa
150
Título LXVI — Dos Mercadores que quebrão. E dos que se Ievantão com fazenda alhêa
Título LXVII — Dos que arrancão marcos
Título LXVIII — Dos Vadios
Título LXIX — Que não entrem no Reino Ciganos, Armênios, Arabios, Persas, nem
Mouriscos de Granada
Título LXX — Que os scravos não vivão per si, e os Negros não fação bailos em Lisboa
Título LXXI — Dos Officiaes del-Rey, que recebem serviços, ou peitas, e das partes, que lhas
dão, ou promettem
Título LXXII — Da pena, que haverão os Officiaes, que levão mais do conteúdo em seu
Regimento, e que os que não tiverem Regimento, o peção
Título LXXIll — Dos Almoxarifes, Rendeiros, e Jurados, que fazem avença
Título LXXIV — Dos Officiaes del-Rey, que Ihe furtão, ou deixão perder sua Fazenda per
malicia
Título LXXV— Dos que cortão Arvores de fructo, ou Sovereiros ao longo do Téjo
Título LXXVI — Dos que comprão pão para revender
Título LXXVII — Dos que comprão vinho, ou azeite para revender
Título LXXVIII — Dos que comprão Colmêas para matar as abelhas, e dos que Matão bestas
Título LXXIX — Dos que são achados depois do Sino de recolher sem armas, e dos que
andão embuçados
Título LXXX — Das armas, que são defesas, e quando se devem perder
Título LXXXI — Dos que dão musica de noite
Título LXXXII — Dos que jogão dados, ou cartas, ou os fazem, ou vendem, ou dão
tabolagem, e de outros jogos defesos
Título LXXXIII — Que nenhuma pessoa se concerte com outra para Ihe fazer despachar
algum negocio na Côrte
Título LXXXIV — Das Cartas diffamatorias
Título LXXXV — Dos Mexeriqueiros
Título LXXXVI — Dos que põem fogos
Título LXXXVII — Dos daninhos, e dos que tirão gado, ou bestas do Curral do Concelho
Título LXXXVIII — Das caças e pescarias defezas
Título LXXXIX — Que ninguém tenha em sua caza rosalgar, nem o venda, nem outro
material venenoso
Título XC — Que não fação vódas, nem baptismo de fogaça, nem os amos peção por causa
de seus criados
Título o XCI — Que nenhuma pessoa faça Coutadas
Título XCII — Dos que tomão insígnias de armas, e dom, ou appellidos, que lhes não
pertencem
Título XCIII — Que não tragão hábitos, nem insígnias das Ordens Militares em jogos, ou em
mascaras
Título XCIV — Dos Mouros e Judeos, que andão sem sinal
Título XCV — Dos que fazem cárcere privado
Título XCVI — Dos que sendo apercebidos para servir per cartas de El-Rey, o não fazem ao
tempo ordenado
Título XCVII — Dos que fogem das Armadas
Título XCVIII — Que os Naturaes deste Reino não aceitem navegação fora delle
Título XCIX — Que os que tiverem scravos de Guiné, os baptizem
Título C — Das cousas, que se não podem trazer por dó
Título CI — Que não haja Alfeloeiros, nem Obreeiros
Título CII — Que se não imprimão Livros sem licença del-Rey
Título CIII — Que não peção esmola para invocação alguma sem licença de El-Rey
151
Título CIV — Que os Prelados, e Fidalgos não acoutem malfeitores em seus Coutos, Honras,
Bairros, ou Cazas: E dos devedores, que se acolhem a ellas
Título CV — Dos que encobrem os que querem fazer mal
Título CVI — Que cousas do trato da Índia, e Mina, e Guiné se não poderão ter, nem tratar
nellas
Título CVII — Dos que sem licença del-Rey vão, ou mandão á Índia, Mina, Guiné; e dos que
indo com licença, não guardão seus Regimentos
Título CVIII — Que nenhuma pessoa vá a terra de Mouros sem licença d’El-Rey
Título CIX — Das cousas, que são defesas levarem-se a terra de Mouros
Título CX — Que se não resgatem Mouros com ouro, prata, ou dinheiro do Reino
Título CXI — Dos Christãos novos e Mouros, e Christãos mouriscos, que se vão para terra
de Mouros, ou para as partes de África, e dos que os levão
Título CXII — Das cousas, que se não podem levar fora do Reino sem licença de El-Rey
Título CXIII — Que se não tire ouro, nem dinheiro para fora do Reino
Título CXIV — Dos que vendem Náos, Navios a Estrangeiros, ou Ihos vão fazer fora do
Reino
Título CXV — Da passagem dos gados
Título CXVI — Como se perdoará aos malfeitores, que derem outros á prisão
Título CXVII — Em que casos se devem receber querélas
Título CXVIII — Dos que querelão maliciosamente, ou não provão suas querélas, e
denunciações
Título CXIX — Como serão presos os malfeitores
Título CXX — Em que maneira os Fidalgos e Cavalleiros, e semelhantes pessoas devem ser
presos
Título CXXI — Que ao tempo da prisão se faça acto do habito, e tonsura do preso
Título CXXII — Dos casos, em que a Justiça ha lugar, e dos em que se appellará por parte
da Justiça
Título CXXIII — Dos Coutos ordenados para se coutarem os homiziados, e dos casos, em
que lhes devem valer
Título CXXIV — Da ordem do Juízo nos feitos crimes
Título CXXV — Como se correrá a folha dos que forem presos por feito crime
Título CXXVI — Em que casos se procederá por Edictos contra os malfeitores, que se
absentarem, ou acolherem a caza dos poderosos, por não serem presos, ou citados
Título CXXVII — Como se procederá a annotação de bens
Título CXXVIII — Das Seguranças Reaes
Título CXXIX — Das Cartas de Seguro, e em que tempo se passarão em caso de morte, ou
deferidas
Título CXXX — Quando o que foi livre per sentença de algum crime, ou houve perdão, não
será mais accusado por elle
Título CXXXI — Dos que se livrão sobre Fiança
Título CXXXII— Que não seja dado sobre fiança preso por feito crime, antes de ser
condenado
Título CXXXIII — Dos Tormentos
Título CXXXIV — Como se provarão os ferimentos de homens, ou forças de mulheres, que se
fizerem de noite, ou no ermo
Título CXXXV — Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem
Título CXXXVI — Que os Julgadores não appliquem as penas a seu arbítrio
Título CXXXVII — Das execuções das penas corporaes
Título CXXXVIII — Das pessôas que são escusas de haver pena vil
152
Título CXXXIX — Da maneira que se terá com os presos, que não podérem pagar as partes
o em que são condenados
Título CXL — Dos degredos e degradados
Título CXLI — Em que lugares não entrarão os degradados
Título CXLII — Per que maneira se trarão os degradados das Cadêas do Reino a Cadêa de
Lisboa
Título CXLIII — Dos degradados, que não cumprem os degredos
CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL
PARTE I - DOS CRIMES E DAS PENAS
TÍTULO I — DOS CRIMES (arts. 1.o a 32).
Capítulo I — Dos crimes e dos criminosos (arts. 1.o a 13)
Capítulo II — Dos crimes justificáveis (art. 14)
Capítulo III — Das circumstancias aggravantes e attenuantes dos crimes (arts. 15 a 20)
Capítulo IV — Da satisfação (arts. 21 a 32)
TÍTULO II — DAS PENAS (arts. 33 a 67)
Capítulo I — Da qualidade das penas, e da maneira como se hão de impôr e cumprir (arts.
33 a 64)
Disposições geraes (arts. 65 a 67)
PARTE II - DOS CRIMES PUBLICOS
TÍTULO I — DOS CRIMES CONTRA A EXISTENCIA POLITICA DO IMPERIO (arts. 68 a
90)
TÍTULO II — DOS CRIMES CONTRA O LIVRE EXERCICIO DOS PODERES POLITICOS
(arts. 91 a 99)
TÍTULO III — DOS CRIMES CONTRA O LIVRE GOZO E EXERCICIO DOS DIREITOS
POLITICOS DOS CIDADÃOS (arts. 100 a 106)
TÍTULO IV — DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA INTERNA DO IMPERIO, E
PUBLICA TRANQUILLIDADE (arts. 107 a 128)
TÍTULO V — DOS CRIMES CONTRA A BOA ORDEM E ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
(arts. 129 a 169)
TÍTULO VI — DOS CRIMES CONTRA O THESOURO PUBLICO E PROPRIEDADE
PUBLICA (arts. 170 a 178)
PARTE III - DOS CRIMES PARTICULARES
TÍTULO I — DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL (arts. 179 a 191)
TÍTULO II — DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA INDIVIDUAL (arts. 192 a 256)
Capítulo I — Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida (arts. 192 a 218)
Secção I — Homicídio (arts. 192 a 196)
Secção II — Infanticídio (arts. 197 e 198)
Secção III — Aborto (arts. 199 e 200)
Secção IV — Ferimentos e outras offensas physicas (arts. 201 a 206)
Secção V — Ameaças (arts. 207 e 208)
Secção VI — Entrada na casa alheia (arts. 209 a 214)
Secção VII — Abertura de cartas (arts. 215 a 218)
153
Capítulo II — Dos crimes contra a segurança da honra (arts. 219 a 246)
Secção I — Estupro (arts. 219 a 225)
Secção II — Rapto (arts. 226 a 228)
Secção III — Calumnia e injurias (arts. 229 a 246)
Capítulo o III — Dos crimes contra a segurança do estado civil, e domestico (arts. 247 a
256)
Secção I — Celebração do matrimonio contra as Leis do Império (arts. 247 e 248)
Secção II — Polygamia (art. 249)
Secção III — Adultério (arts. 250 a 253)
Secção IV — Parto supposto e outros fingimentos (arts. 254 a 256)
TÍTULO III — DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE (arts. 257 a 268)
TÍTULO IV — DOS CRIMES CONTRA A PESSOA, E CONTRA A PROPRIEDADE (arts.
269 a 275)
PARTE IV - DOS CRIMES POLICIAES
Capítulo I — Offensa da religião, da moral e bons costumes (arts. 276 a 281)
Capítulo II — Sociedades secretas (arts. 282 a 284)
Capítulo III — Ajuntamentos illicitos (arts. 285 a 294)
Capítulo IV — Vadios e mendigos (arts. 295 e 296)
Capítulo V — Uso de armas defesas (arts. 297 a 299)
Capítulo VI — Fabrico, e uso de instrumentos para roubar (art. 300)
Capítulo VII — Uso de nomes suppostos, e títulos indevidos (arts. 301 e 302)
Capítulo VIII — Uso indevido da imprensa (arts. 303 a 307)
CÓDIGO PENAL DE 1890
LIVRO I - DOS CRIMES E DAS PENAS
TÍTULO I — DA APPLICAÇÃO E DOS EFFEITOS DA LEI PENAL (arts. 1.o a 6.o)
TÍTULO II — DOS CRIMES E DOS CRIMINOSOS (arts. 7.o a 23)
TÍTULO III — DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL; AS CAUSAS QUE DIRIMEM A
CRIMINALIDADE E JUSTIFICAM OS CRIMES (arts. 24 a 35)
TÍTULO IV — DAS CIRCUMSTANCIAS AGGRAVANTES E ATTENUANTES (arts.36 a 42)
TÍTULO V — DAS PENAS E SEUS EFFEITOS, DA SUA APPLICAÇÃO E MODO DE
EXECUÇÃO (arts. 43 a 70)
TÍTULO VI — DA EXTINCÇÃO E SUSPENSÃO DA ACÇÃO PENAL E DA
CONDEMNAÇÃO (arts. 71 a 86)
LIVRO II - DOS CRIMES EM ESPECIE
TÍTULO I — DOS CRIMES CONTRA A EXISTENCIA POLITICA DA REPUBLICA (arts. 87
a 114)
TÍTULO II — DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA INTERNA DA REPUBLICA (arts.
115 a 135)
TÍTULO III — DOS CRIMES CONTRA A TRANQUILLIDADE PUBLICA (arts. 136 a 164)
TÍTULO IV — DOS CRIMES CONTRA O LIVRE GOZO E EXERCICIO DOS DIREITOS
INDIVIDUAES (arts. 165 a 206)
TÍTULO V — DOS CRIMES CONTRA A BOA ORDEM E ADMINISTRAÇÃOPUBLICA
(arts. 207 a 238)
154
TÍTULO VI — DOS CRIMES CONTRA A FE PUBLICA (arts. 239 a 264)
TÍTULO VII — DOS CRIMES CONTRA A FAZENDA PUBLICA (art. 265) Cap. Único —
Do contrabando (art. 265)
TÍTULO VIII — DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DA HONRA E HONESTIDADE
DAS FAMILIAS E DO ULTRAJE PUBLICO AO PUDOR (arts. 266 a 282)
Capítulo I — Da violência carnal (arts. 266 a 269)
Capítulo II — Do rapto (arts. 270 a 276)
Capítulo III — Do lenocínio (arts. 277 e 278)
Capítulo IV — Do adultério ou infidelidade conjugal (arts. 279 a 281)
Capítulo V — Do ultraje publico ao pudor (art. 282)
TÍTULO IX— DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DO ESTADO CIVIL (arts.283 a
293)
Capítulo I — Da polygamia (art. 283)
Capítulo II — Da celebração do casamento contra a lei (art. 284)
Capítulo III — Do parto supposto e outros fingimentos (arts. 285 a 288)
Capítulo IV — Da subtracção, occultação e abandono de menores (arts. 289 a 293)
TÍTULO X — DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DE PESSOA E VIDA (arts. 294 a
314)
Capítulo I — Do homicídio (arts. 294 a 297)
Capítulo II — Do infanticídio (art. 298)
Capítulo III — Do suicídio (art. 299)
Capítulo IV — Do aborto (arts. 300 a 302)
Capítulo V — Das lesões corporaes (arts. 303 a 306)
Capítulo VI — Do duello (arts. 307 a 314)
TÍTULO XI — DOS CRIMES CONTRA A HONRA E A BOA FAMA (arts. 315 a 325)
TÍTULO XII — DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE PUBLICA E PARTICULAR
(arts. 326 a 355)
TÍTULO XIII — DOS CRIMES CONTRA A PESSOA E A PROPRIEDADE (arts.356 a 363)
LIVRO III - DAS CONTRAVENÇÕES EM ESPECIE
LIVRO IV - DISPOSIÇÕES GERAES (arts. 405 a 412)
CÓDIGO PENAL - Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940
Título I - DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL (arts. 1.º a 10)
Título II - DO CRIME (arts. 11 a 21)
Título III - DA RESPONSABILIDADE (arts. 22 a 24)
Título IV - DA CO-AUTORIA (arts. 25 a 27)
Título V - DAS PENAS
Capítulo I — Das penas principais (art. 28 a 41)
Secção I — Da reclusão e da detenção (arts. 29 a 34)
Secção II — Da multa (arts. 35 a 41)
Capítulo II — Da aplicação da pena (arts. 42 a 56)
Capítulo III — Da suspensão condicional da pena (arts. 57 a 59)
Capítulo IV — Do livramento condicional (arts. 60 a 66)
Capítulo V — as penas acessórias (arts. 67 a 73)
Capítulo VI — Dos efeitos da condenação (art. 74)
Título VI - DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Capítulo I — Das medidas de segurança em geral (arts. 75 a 87)
Capítulo II — Das medidas de segurança em espécie (arts. 88 a 101)
Título VII - DA AÇÃO PENAL (arts. 102 a 107)
155
Título VIII - DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (arts. 108 a 120)PARTE ESPECIAL
DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
Capítulo I — Dos crimes contra a vida (arts. 121 a 128)
Capítulo II — Das lesões corporais (art. 129)
Capítulo III — Da periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136)
Capítulo IV — Da rixa (art. 137)
Capítulo V — Dos crimes contra a honra (arts. 138 a 145)
Capítulo VI — Dos crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154)
Secção I — os crimes contra a liberdade pessoal (arts. 146 a 149)
Secção II — Dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio (art. 150)
Secção III — Dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência (arts. 151 e 152)
Secção IV — Dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos (arts. 153 e 154)
DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Capítulo I — Do furto (arts. 155 e 156)
Capítulo II — Do roubo e da extorsão (arts. 157 a 160)
Capítulo III — Da usurpação (arts. 161 e 162)
Capítulo IV — Do dano (arts. 163 a 167)
Capítulo V — Da apropriação indébita (arts. 168 a 170)
Capítulo VI — Do estelionato e outras fraudes (arts. 171 a 179)
Capítulo VII — Da receptação (art. 180)
Capítulo VIII — Disposições gerais (arts. 181 a 183)
DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL
Capítulo I — Dos crimes contra a propriedade intelectual (arts. 184 a 186)
Capítulo II — Dos crimes contra o privilégio de invenção (arts. 187 a 191)
Capítulo III — Dos crimes contra as marcas de indústria e comércio (arts. 192 a 195)
Capítulo IV — Dos crimes de concorrência desleal (art. 196)
DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (arts. 197 a 207)
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS
MORTOS
Capítulo I — Dos crimes contra o sentimento religioso (art. 208)
Capítulo II — Dos crimes contra o respeito aos mortos (arts. 209 a 212)
DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES
Capítulo I — Dos crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 216)
Capítulo II — Da sedução e da corrupção de menores (arts. 217 e 218)
Capítulo III — Do rapto (arts. 219 a 222)
Capítulo IV — Disposições gerais (arts. 223 a 226)
Capítulo V — Do lenocínio e do tráfico de mulheres (arts. 227 a 232)
Capítulo VI — Do ultraje público ao pudor (arts. 233 e 234)
DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA
156
Capítulo I — Dos crimes contra o casamento (arts. 235 a 240)
Capítulo II — Dos crimes contra o estado de filiação (arts. 241 a 243)
Capítulo III — Dos crimes contra a assistência familiar (arts. 244 a 247)
Capítulo IV — Dos crimes contra o pátrio poder, tutela ou curatela (arts. 248 a 249)
DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
Capítulo I — Dos crimes de perigo comum (arts. 250 a 259)
Capítulo II — Dos crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e
outros serviços públicos (arts. 260 a 266)
Capítulo III — Dos crimes contra a saúde pública (arts. 267 a 285)
DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA (arts. 286 a 288)
DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
Capítulo I — Da moeda falsa (arts. 289 a 292)
Capítulo II — Da falsidade de títulos e outros papéis públicos (arts. 293 a 295)
Capítulo III — Da falsidade documental (arts. 296 a 305)
Capítulo IV — De outras falsidades (arts. 306 a 311)
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Capítulo I — Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em
geral (arts. 312 a 327)
Capítulo II — Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral (arts.
328 a 337)
Capítulo III — Dos crimes contra a administração da justiça (arts. 338 a 359)
DISPOSIÇÕES FINAIS (arts. 360 e 361)
157
VESTIMENTAS NO TRIBUNAL DO JÚRI
BECA DO JUIZ PRESIDENTE
FONTE: FOTOS DO ARQUIVO DA AUTORA
158
BECA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA
FONTE: FOTOS DO ARQUIVO DA AUTORA
159
BECA DO DEFENSOR
FONTE: FOTOS DO ARQUIVO DA AUTORA
160
TRIBUNAIS DO JÚRI NO BRASIL
FONTE: Tribunal do Júri de Mossoró – Rio Grande do Norte, www.empauta.net
FONTE: Tribunal do Júri de Gramado – Rio Grande do Sul, www.jornaldegramado.com.br
161
TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL
JUIZ
FONTE: FOTO DO ARQUIVO DA AUTORA
PROMOTOR
FONTE: FOTO DO ARQUIVO DA AUTORA
162
DEFENSOR PRIVADO
FONTE: FOTO DO ARQUIVO DA AUTORA
CONSELHO DE SENTENÇA
FONTE: FOTO DO ARQUIVO DA AUTORA
163
HABEAS CORPUS Nº 72.726 - SP (2006/0276683-5)
RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE: ILANA MÜLLER
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES
DESPACHO
Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de ANTÔNIO MARCOS PIMENTA
NEVES, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO que, em sede de apelação, manteve a condenação do paciente pela
prática de homicídio qualificado, no entanto, reduzindo a pena para dezoito anos de
reclusão.
Alega que a autoridade apontada como coatora decretou a prisão do paciente, sem
apontar razões aptas a fundamentar seu acautelamento preventivo, fazendo tabula
rasa de preceitos constitucionais, além de afrontar decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal, nos autos do habeas corpus n. 80.719, de relatoria do
Ministro Celso de Mello, que teria garantido o direito do paciente aguardar em
liberdade até o trânsito em julgado de eventual condenação.
A impetração transcreve os seguintes trechos do citado acórdão do Supremo
Tribunal Federal:
“EMENTA: HABEAS CORPUS — CRIME HEDIONDO — ALEGADA OCORRÊNCIA
DE CLAMOR PÚBLICO TEMOR DE FUGA DO RÉU DECRETAÇÃO DE
PRISÃO PREVENTIVA RAZÕES DE NECESSIDADE INOCORRENTES
INADMISSIBILIDADE DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE PEDIDO
DEFERIDO. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE
NATUREZA EXCEPCIONAL (...)
164
A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe
além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da
existência material do crime e indício suficiente de autoria) que se evidenciem,
com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação de liberdade
do indiciado ou do réu (...)
O CLAMOR PÚBLICO. AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO
CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA
LIBERDADE O estado de comoção social e de eventual indignação popular,
motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, por
si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso,
sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público precisamente por não constituir causa legal de justificação da
prisão processual (CPP, art. 312) não se qualifica como fator de legitimação da
privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se,
nessa matéria, por incabível, aplicação analógica do que se contém no art. 323, V,
do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes
(...)
A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM
PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, POR SI, CIRCUNSTÂNCIA
AUTORIZADORA DA PRISÃO CAUTELAR (...) AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO,
NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO
PREVENTIVA DO PACIENTE (...) DISCURSOS DE CARÁTER AUTORITÁRIO
NÃO PODEM JAMAIS SUBJUGAR O PRINCÍPIO DA LIBERDADE A
prerrogativa jurídica da liberdade que possui extração constitucional (CF, art. 5.º,
LXI e LXV) não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou
jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário,
culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias
fundamentais proclamadas na Constituição da República, a ideologia da lei e da
ordem (...)
165
NINGUÉM PODE SER TRATADO COMO CULPADO, QUALQUER QUE SEJA A
NATUREZA DO ILÍCITO PENAL CUJA PRÁTICA LHE TENHA SIDO ATRIBUÍDA,
SEM QUE EXISTA, A ESSE RESPEITO DECISÃO JUDICIAL CONDENATÓRIA
TRANSITADA EM JULGADO.
O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra
uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em
relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes
houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.”
Após a citação, prossegue a impetração:
"Ora, sendo assim, o Supremo Tribunal Federal analisando exatamente o pedido de
liberdade provisória do PACIENTE, decidiu que este tem, no caso concreto,
DIREITO DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, SOB
PENA DE SE VIOLAR A PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE (ART. 5.º,
INCISO LXVI, DA CF/88). Acatar como lida a determinação tomada nesta data,
mandando-se prender o PACIENTE é nitidamente desrespeitar decisão do Supremo
Tribunal Federal, acima mencionada” (fls. 3-6).
Pede, liminarmente, que se conceda o direito de liberdade ao paciente, levando em
conta os citados precedentes do Supremo Tribunal Federal, em especial aquele
concedido em favor do próprio paciente. E, no mérito, requer a confirmação da
liminar.
É o relatório.
Inicialmente, cumpre consignar que a ordem não se encontra devidamente instruída.
Estando o paciente a aguardar o julgamento da apelação em liberdade, tal direito foi
reconhecido pela sentença; entretanto, cópia de tal decisum não foi apresentada.
Ressente-se, ainda, a petição inicial da falta da cópia integral do ato tido por coator.
Foi juntada apenas a tira de julgamento em que foi determinada a prisão do
paciente.
166
Por meio da leitura de tal singelo documento não há como constatar a alegação de
falta de fundamentação para o encarceramento cautelar. Ora, de acordo com a
petição: “(...) sustenta o voto do eminente relator que a decisão da Câmara é
passível de execução provisória, porque os recursos contra ela impostos não teriam
efeito suspensivos” (fl. 8). No entanto, não se encontra encartado o voto do relator
para que se possa aferir, em profundidade e extensão, o indigitado constrangimento
ilegal.
Tal circunstância impede a análise de eventual plausibilidade jurídica do pedido,
porquanto a concessão de liminar, em sede de habeas corpus, pressupõe a
comprovação, de plano, do constrangimento ilegal invocado. Sobre a conveniência
da plena instrução da petição inicial, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães
Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes prelecionam:
“Apesar do silêncio da lei, é também conveniente que a petição de habeas corpus
seja instruída por documentos aptos a demonstrar a ilegalidade da situação de
constrangimento ou ameaça trazidos a conhecimento do órgão judiciário: embora a
omissão possa vir a ser suprida pelas informações do impetrado ou por outra
diligência, determinada de ofício pelo juiz ou tribunal, é do interesse do impetrante e
do paciente que desde logo fique positivada a ilegalidade.”(Recursos no Processo
Penal, 4ª ed rev. amp. e atual., Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 366)
Ademais, verifica-se, pelo constante da impetração, mormente pelos trechos acima
transcritos que, na verdade, a presente impetração reveste-se de um colorido
próprio de Reclamação, relativamente ao alegado desrespeito ao acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal, habeas corpus n. 80.719, de relatoria do Ministro
Celso de Mello.
Assim, se, de fato, a autoridade apontada como coatora tivesse violado a decisão
do Pretório Excelso, que deferiu liberdade provisória ao paciente, a competência
para apreciar o presente inconformismo pertenceria ao Supremo Tribunal Federal.
Contudo, o acórdão da Corte Constitucional, pelo excerto transcrito na inicial, não
determinou, como se quis levar a crer, que o paciente poderia aguardar o trânsito
167
em julgado em liberdade. Justamente por não ter sido conferido tal direito ao
paciente é que se possibilita o conhecimento da ordem.
Ante o exposto, frente a plausibilidade do direito alegado, antes da apreciação do
pleito preambular, solicitem-se, com urgência, as informações da autoridade
apontada como coatora, especificando-se os motivos que determinaram o
encarceramento do paciente no julgamento da Apelação Criminal n. 9852793/7,
levado a efeito em 13 de dezembro de 2006.
Sem prejuízo, a defesa poderá adiantar-se e trazer a este Sodalício as informações.
Brasília, 14 de dezembro de 2006.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
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