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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA EM LEITURA E LETRAMENTO
A CRIANÇA NA BIBLIOTECA PÚBLICA COMUNITÁRIA “SABER COM
SABOR” EM CUIABÁ – MT: FORMAÇÃO LEITORA LITERÁRIA
Leila Aparecida de Souza
Cuiabá – MT
2006
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LEILA APARECIDA DE SOUZA
A CRIANÇA NA BIBLIOTECA PÚBLICA COMUNITÁRIA “SABER COM
SABOR” EM CUIABÁ – MT: FORMAÇÃO LEITORA LITERÁRIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, como requisito à
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira
Cuiabá – MT
2006
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À memória de minha mãe, Maria Luíza de Souza, com quem
aprendi a ser “gauche” na vida; de quem guardo as mais ternas
e saudosas lembranças.
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu Pai, pela proteção e auxílio permanentes.
Ao meu anjo invisível, companheiro fiel e constante.
Aos meus anjos visíveis: Fernando Velasco, Serginho Almeida, Suzi Porfírio,
Jacira Chamberlem, Márcia Medeiros, Diná Balsanelli, Elmirian Brasil;
imprescindíveis na motivação, incansáveis no apoio.
À Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira, cujo privilégio da convivência, ao longo da
pesquisa, foram aulas de respeito ao ser humano e às suas potencialidades.
À Profa. Dra Maria das Graças Rodrigues Paulino, à Profa. Dra. Filomena M. de
Arruda Monteiro e ao Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes pelas valiosas
contribuições na qualificação.
À Profa. Dra. Elzira Divina Perpétua e à Profa. Dra. Filomena M. Arruda Monteiro
que gentilmente aceitaram o convite para participar da banca de defesa da
dissertação.
À Creusa Maria Sousa Guimarães e aos demais funcionários da Biblioteca “Saber
com Sabor” por contribuírem com a pesquisa.
Às crianças entrevistadas por me permitirem ler as suas leituras.
RESUMO
A pesquisa desenvolvida ouviu quinze crianças entre nove e doze anos
freqüentadoras da Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor” da praça
Clóvis Cardozo, em CuiaMT, a fim de investigar a formação leitora literária
delas. Na fundamentação teórica, enfatizou-se a biblioteca como espaço de
mediação de leitura sob diferentes conceitos; as concepções de linguagem e a
abordagem da leitura em cada uma delas, além do enfoque à leitura literária e à
Literatura Infantil e Juvenil como produção artística que, ao longo do tempo,
firmou-se como linguagem literária que absorve e disponibiliza material para
outros campos disciplinares. Cunhada na abordagem qualitativa interpretativa,
além das crianças investigadas, a pesquisa ouviu três mediadores de leitura da
referida biblioteca, cujas informações serviram, principalmente, para a
apresentação da organização e funcionamento dela. Os instrumentos de coleta de
dados foram: entrevista semi-estruturada gravada, dois documentos da biblioteca
(Projeto de Ações a serem desenvolvidas na Biblioteca Alternativa “Saber com
Sabor” e Relatório das Bibliotecas Alternativas “Saber com Sabor” 2002, 2003 e
2004) e a fotografia. A apresentação e interpretação dos dados estão organizados
em dois capítulos: no primeiro, foram tecidas considerações acerca da
organização e do funcionamento da biblioteca e, no segundo, foram analisadas as
informações coletadas das crianças acerca de sua formação leitora literária. A
leitura dos dados serviu para constatar um trabalho de mediação de leitura ainda
limitado da Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor”, mas
importantíssimo por ser uma das poucas opções de acesso ao livro,
principalmente para os leitores dos bairros periféricos. No aspecto da formação
leitora das crianças, o desenvolvimento da competência literária de cada uma
delas apresentou estágios diferenciados com interferência de instituições
mediadoras como família, escola e biblioteca de modo particular e diverso.
Palavras-chave: Biblioteca, criança leitora, leitura, Literatura Infantil e Juvenil
RÉSUMÉ
La recherche développée a entendu quinze enfants entre neuf et douze ans,
habitués de la Bibliothèque Publique Communautaire ‘‘Saber com Sabor’’ située
place Clóvis Cardozo, à Cuiabá - MT, afin d'enquêter sur leur formation de
lecteurs littéraires. Dans le fondement théorique, on a més en relief la bibliothèque
comme l'espace de médiation de lecture sous différents concepts; les conceptions
de langage et l'abordage de la lecture dans chacune d'elles, outre l'approche à la
lecture littéraire et à la Littérature Enfantine et Juvénile comme la production
artistique qui, à la longue, s'est affermie comme une langue littéraire qui absorbe
et met à la disposition du matériel pour d’autres champs disciplinaires. Basée
dans l'abordage qualitatif interprétatif, au-dela des enfants enquêtés, la recherche
a entendu trois médiateurs de lecture de la bibliothèque déjà mentionnée, dont les
informations ont servi, principalement, pour la présentation de son organisation et
de son fonctionnement. Les instruments de collecte de données ont été une
entrevue semi-structurée enregistrée, deux documents de la bibliothèque (Projet
d'Actions à être développées dans la Bibliothèque Alternative ‘‘Saber com Sabor’’
et Rapport des Bibliothèques Alternatives ‘‘Saber com Sabor’’ de 2002 à 2004) et
la photographie. La présentation et l'interprétation des données sont organisées
en deux chapitres: dans le premier, ont éfaites des considérations concernant
l'organisation et le fonctionnement de la bibliothèque et, dans le deuxième, ont été
analysées les informations rassemblées chez les enfants concernant leur
formation de lecteurs littéraires. La lecture des données a servi à constater un
travail de médiation de lecture encore limitée de la Bibliothèque Publique
Communautaire ‘‘Saber com Sabor’’, mais très importante car elle est presque
l’unique option d'accès au livre, principalement pour les lecteurs des quartiers
périphériques. Dans l'aspect de la formation lectrice des enfants, le
développement de la compétence de lecture littéraire de chacune d'entre eux a
présenté des stages différenciés avec l’interférence d'institutions médiatrices
comme la famille, l’école et la bibliothèque de manière particulière et diverse.
Mots-clé : Bibliothèque, enfant lecteur, lecture, Littérature Enfantine et Juvénile
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
CAPÍTULO I
1. OS CAMINHOS DA PESQUISA 14
1.1 O Método de Abordagem 14
1.2 O Contexto da Pesquisa – Processo de Escolha 16
1.2.1 Da Definição à Delimitação do Espaço
da Pesquisa 17
1.2.2 A Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor”
da Praça Clóvis Cardozo 18
1.3 Os Sujeitos da Pesquisa 27
1.4 Os Instrumentos de Coleta de Dados 29
1.5 Apresentação e Interpretação dos Dados 32
CAPÍTULO II
1. A BIBLIOTECA – EXPLORANDO CONCEITOS 34
1.1 A Biblioteca – Depósito de Livros e Coleção 35
1.2 A Biblioteca – Lugar de Memória 37
1.3 A Biblioteca Território de Produção de Sentidos 55
2. O PERFIL DO BIBLIOTECÁRIO NOS CONCEITOS 58
CAPÍTULO III
1. A LEITURA – CONCEPÇÕES E PRÁTICAS 62
1.1 As Concepções de Linguagem e a Leitura 63
1.2 Os PCNs e o Trabalho com a Leitura 69
1.2.1. O Texto Literário no Livro Didático 70
1.3 Ações Governamentais pela Promoção da Leitura 72
1.4 A Leitura Literária 74
1.5 As Finalidades da Leitura 77
CAPÍTULO IV
1. A LITERATURA INFANTIL E JUVENIL – FORMAÇÃO E
PRODUÇÃO
79
1.1 Origem, Natureza Específica e Função da
Literatura Infantil e Juvenil 80
1.2 As Contribuições das Perspectivas Disciplinares
para a Base Teórica da Literatura Infantil e Juvenil 93
1.3 Algumas Características da Produção Literária
para a Criança Brasileira a Partir dos Anos 70 111
CAPÍTULO V
1. BIBLIOTECA PÚBLICA COMUNITÁRIA – POR UMA PRODUÇÃO
DE SABERES E SABORES NA LEITURA 115
1.1 A Biblioteca – Aspectos Históricos e Administrativos 116
1.2 A Biblioteca – Aspectos Pedagógicos 126
1.3 As Demais Bibliotecas 132
CAPÍTULO VI
1. ENTRE VOZES E LEITURAS – NA VOZ DA CRIANÇA, IMPRESSÕES
E SUA FORMAÇÃO LEITORA 135
1.1 Noções de Leituras 138
1.2 Critérios de Escolha 149
1.3 Leitores e Leitoras 158
CONCLUSÕES DO TRABALHO 226
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 231
ANEXOS 243
Anexo 1 – Ata da 1ª Reunião 244
Anexo 2 – Roteiro de entrevista para os sujeitos leitores 246
Anexo 3 – Roteiro de entrevista para os sujeitos mediadores 247
Anexo 4 – Ficha Cadastral para Leitores da Biblioteca 248
Anexo 5 – Cronograma das Atividades (fevereiro e março de 2002) 249
Anexo 6 – Registro da Biblioteca na Fundação Biblioteca Nacional–FBN
254
Anexo 7 – Lei de Criação de uma biblioteca pública municipal 255
10
INTRODUÇÃO
Eram histórias e mais histórias que chegavam aos meus ouvidos... Da boca
de minha mãe, vinham os contos maravilhosos, os contos de fadas, as suas
“artes” de criança, todos acompanhados de uma sonoplastia tão ressonante que
enchiam de vigor as imagens constituídas no imaginário. Pela boca de meu avô,
os seres mais tenebrosos formavam-se, não enquanto ele falava, mas depois
que tudo era silêncio e escuridão. Por causa do velho cabisbaixo no meio da
casa, por muitos anos só dormi com a cabeça coberta. Os “causos” de esperteza,
os contos engraçados era meu primo quem os trazia quando estávamos
deitados. E assim, cada um no seu canto, dormíamos todos agraciados pelas
graças de Malazartes. Outras histórias, porém, não eram contadas, eram lidas em
voz alta pelas minhas irmãs mais velhas e vinham de livros que não eram de
histórias, eram os livros didáticos de Comunicação e Expressão no qual elas
estudavam e compartilhavam conosco, os que não possuíam e nem liam o
escrito, os fragmentos literários contidos neles, aguçando em nós, os menores, a
vontade de ter e de ler. Assim a leitura me descobria.
A explicação do bê-a-bá deu-se através de palavras e frases reproduzidas
da cartilha para o quadro de giz a fim de que pudéssemos ler, continuando a
literatura a chegar a mim mais pela família que pela escola e mais pela oralidade
que pela escrita. Desprovidos de biblioteca e contando apenas com os
fragmentos de histórias dos livros didáticos, seguiram-se os anos escolares até a
rie do ensino fundamental, quando finalmente adquiri o meu primeiro livro
literário: No ano passado, de Lannoy Dorin, por sugestão da professora de
Português. Era um período em que vivia ávida à procura de um boa leitura, por
isso os fragmentos dos didáticos que tinham em casa não eram suficientes
para a minha necessidade de ler. Os romances da série Júlia e Sabrina, que
enchiam as gavetas da cômoda de minha prima tinham sido visitados e
revisitados (cheguei a ler cinco vezes um mesmo livro). Então, foi assim,
querendo ler, que li a folha de rosto de um livro sujo e sem capa, amassado entre
os didáticos. Era Cazuza, de Viriato Corrêa. Deliciosa recompensa para a minha
busca! Sorvia encantada o todo que olhos e os retinham em ritmos
compassados.
11
Depois de Cazuza, vieram Capitães da Areia (empréstimo de uma amiga),
praticamente todos da série Vaga-lume e alguns clássicos da Literatura Brasileira,
tudo isso porque pude cursar a série numa escola privada que possuía
biblioteca e, além disso, a professora de Português levava para a classe a sua
caixa de livros literários, todos cuidadosamente encapados com papel vermelho, e
permitia que nós os levássemos para ler em casa. Durante a fila da entrada,
recomendávamos e éramos recomendados às leituras uns dos outros.
Eu me constituía leitora numa fase de difícil diálogo com a família. Por isso,
com os livros, eu, inclusive, dormia. Eram eles companhia constante e, através
deles, eu buscava auto-estima para vencer discriminações, determinação para
traçar conquistas, clareza para saber o que não queria, distração para amenizar
longas caminhadas entre local de estudo e de trabalho. Assim eu descobria a
leitura.
De auxílio para resolução de questões existenciais, a leitura passou a
significar também formação profissional. Aos dezoito anos, concluído o magistério
e começando a cursar Letras na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a
leitura tornara-se pesquisa, análise, referência para o trabalho em sala de aula,
tanto da estudante de Letras quanto da professora de 1ª série do primário.
Nesse período de estudante universitária, ocorreu o encontro com a
Literatura Infantil e Juvenil Brasileira como disciplina e daí o crescente interesse
em pesquisá-la. A oportunidade veio com o estudo monográfico, cuja temática foi
O símbolo e seu valor na narrativa de Lygia Bojunga Nunes A bolsa amarela.
Outro estudo enriquecedor nessa área foi feito em 2001, sob orientação da Profª
Drª Maria Lúcia Pimentel de Sampaio Góes, na Universidade de São Paulo: O
Zoomorfismo na Literatura Popular e Literatura Infantil de Portugal/ Brasil/ África –
Adaptações e Recriações – Fábula, paralelamente às aulas de Literatura Infantil e
Juvenil I, II, III e IV ministradas pela mesma professora para a graduação, às
quais assisti como ouvinte. Assim a leitura vai me formando.
Da ouvinte-leitora enredada por histórias e “causos” na infância para a
estudante-professora, a leitura foi adquirindo tons vários e finalidades diversas
que, agora, me movem ainda mais para o campo da pesquisa a fim de investigar:
- O que crianças freqüentadoras da Biblioteca Pública Comunitária Alternativa
“Saber com Sabor”, em Cuiabá-MT, revelam sobre sua formação leitora literária?
12
Porque é prática social no desempenho profissional, a formação literária de
crianças instiga tanto interesse, principalmente por questões teóricas relacionadas
à conceituação do que seja leitura para elas ou de como o conceito de leitura são
por elas assimiladas. Por conta disso, as questões norteadoras elaboradas para a
coleta de dados, interrogaram: Que noções de leitura têm as crianças quando
podem decidir sobre o que ler? As noções de leitura que as crianças possuem
interferem nas suas escolhas do livro e no seu desempenho ao ler textos
literários? Que lugar ocupa o livro literário nesse processo de escolha? Os
critérios de escolha, apontados pelo leitor, destacaram que gêneros da produção
feita para a criança? Em relação à narrativa, que categoria (aventura, suspense,
etc.) interessa mais a esse leitor? Que elementos da produção (códigos da
linguagem verbal e não verbal) podem ter determinado essa preferência? Que
papel desempenha a biblioteca como mediadora no processo de formação desses
leitores que a procuram?
Ao empregar o termo noções de leitura em vez de conceitos nas duas
primeiras questões norteadoras, respaldei-me em Maffesoli (1988) quando opõe a
heterogeneidade e polissemia de que conta a atitude nocional contra a dureza
e a rigorosidade do conceito. Oliveira (2001) referencia-se nessa dualidade ao
negar em sua pesquisa o rigor do conceito fechado ao tratar das teorias que as
crianças constituíram sobre leitura, antes, prefere comentar as noções de leitura
que transparecem em suas falas, como extensão do que lhes foi transmitido.
Delineadas as questões, estabeleci como objetivo geral da pesquisa:
- Analisar a formação leitora da criança em práticas de leitura espontânea do livro
literário mediadas pela Biblioteca Pública Comunitária Alternativa “Saber com
Sabor”.
E como específicos:
- Identificar, por meio da fala da criança, as suas noções de leitura.
- Reconhecer os critérios usados pelas crianças para escolha do livro literário.
- Analisar a interferência das noções de leitura adquiridas pelas crianças em suas
escolhas do livro literário e no modo como lêem literariamente.
- Evidenciar o trabalho mediador da biblioteca como projeto cultural de promoção
da leitura, através de observação de atividades realizadas na e pela biblioteca, de
análise documental e de entrevista com três mediadores de leitura.
13
Os dados levantados, ao longo da pesquisa, foram organizados e
distribuídos em seis capítulos, a saber:
O primeiro capítulo descreve os caminhos da pesquisa, evidenciando
práticas, objetos e escolhas sob a orientação de autores que explicam os
processos de uma abordagem qualitativa interpretativa, entre eles Bogdan e
Biklen (1982), Ludke e André (1986), Triviños (1987).
No segundo capítulo, a biblioteca está destacada como espaço de mediação
de leitura a partir de conceitos dados pelo sentido etimológico da palavra, pelo
sentido de biblioteca como lugar de memória em Jacob (2000) e Milanesi (1989) e
pelo sentido de território de produção de sentido elaborado por Nóbrega (2002).
No terceiro capítulo, a leitura foi situada no interior das concepções de
linguagem à luz dos estudos lingüísticos sob a referência de Câmara Jr. (1986),
Orlandi (1990), Goodman (1996), Smith (1989), Geraldi (1996) entre outros, além
da ênfase dada à leitura literária.
O quarto capítulo aponta o percurso da Literatura Infantil e Juvenil para
firmar-se como linguagem literária que absorve e disponibiliza material para
outros campos disciplinares a partir do que referenciam Góes (1991), Zilberman
(1986), Lajolo e Zilberman (2002), Coelho (1991, 2000) e Colomer (2003) e
destaca os recursos de que a produção literária tem se utilizado para alcançar
crianças leitoras com desejos e pensamentos próprios, agentes de seu
aprendizado.
No quinto capítulo, estão apresentados a organização e o funcionamento da
Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor” da praça Clóvis Cardozo em
seu trabalho de mediação de leitura.
No sexto capítulo, está enfatizada a voz das crianças para destacar sua
formação leitora literária.
E assim foi que, de leitura em leitura, eu fui compondo essa escrita.
14
CAPÍTULO I
1. OS CAMINHOS DA PESQUISA
Neste capítulo são apresentados os aspectos metodológicos que sustentam
o estudo, destacando o tipo de abordagem metodológica, o contexto da pesquisa,
os sujeitos investigados, as técnicas e os instrumentos de coleta e as categorias
de análise dos dados.
1.1 O Método de Abordagem
A pesquisa qualitativa interpretativa, de acordo com os autores Wilson
(1977), Bogdan e Biklen (1982), Himes (1978) e Lofland (1971), originou-se nas
práticas desenvolvidas pelos antropólogos em inserir os sujeitos no campo da
pesquisa para observar os fenômenos relativos aos estudos culturais, depois aos
sociólogos em seus estudos sobre a vida em comunidade. Nesse momento,
Trivinõs (1987, p.125) afirma que foi dominada pelo funcionalismo e estrutural-
funcionalismo, com raízes no positivismo porque, citando um exemplo do campo
da Antropologia com Malinowski, diz que “ele ainda se esforçava na interpretação
e explicação das realidades culturais que estudava buscando leis com validades
generalizadas”, ou seja, em variáveis que pudessem ser objetivamente medidas.
Lüdke e André (1986, p.13) remetem a Bogdan e Biklen que caracterizam
esse todo qualitativo-interpretativo de abordagem como aquele que considera
“a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a
situação pesquisada, enfatiza mais os processos que o produto e se preocupa em
retratar a perspectiva dos participantes”, sendo, por isso, adequado a uma
investigação que evidencia a percepção dos sujeitos investigados sobre suas
práticas de leitura mediadas pela biblioteca.
Essa postura que o pesquisador assume de estar em contato direto com o
objeto de investigação é necessária porque
apenas na imersão em seu próprio objeto de investigação e na trama
social que o envolve, é possível ao pesquisador encontrar as respostas
adequadas, os formatos metodológicos mais precisos, os procedimentos
mais fecundos para o delineamento de sua pesquisa. (CARVALHO;
VILELA; ZAGO, 2003, p.8)
15
Lüdke e André (1986, p.11) endossam essa aproximação entre os sujeitos
envolvidos na investigação, destacando como principal característica da pesquisa
qualitativa o “contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a
situação que está sendo investigada através do trabalho intenso de campo.”
A partir das idas e voltas ao campo, “um palco de manifestações de
intersubjetividades e interações entre pesquisador e grupos estudados,
propiciando a criação de novos conhecimentos”, (Minayo, 1994, p.54), é que a
estrutura da pesquisa vai tomando forma pela acomodação das respostas
encontradas e pela busca de soluções para outras que vão surgindo no percurso.
No campo educacional, a abordagem qualitativa, de acordo com Triviños
(1987), começou a despertar crescente interesse, a partir da década de 70, em
alguns antes, em outros depois, dos países da América Latina.
Para Teixeira, uma pesquisa em educação precisa ser:
edificada por entre planos, vigas e eixos devidamente escolhidos e
combinados que assegurem sua criação a construção do conhecimento
que lhe é peculiar. É como uma arquitetura traçada no objeto de estudo,
um objeto científico erigido mediante combinação de fatos, questões,
observações, teorizações, análises, raciocínios. (TEIXEIRA, 2003, p.82)
Assim sendo, delimitei como primeira viga da construção o problema da
pesquisa:
- O que crianças freqüentadoras da Biblioteca Pública Comunitária Alternativa
“Saber com Sabor”, em Cuiabá-MT, revelam sobre sua formação leitora literária?
Além do enfoque na leitura e na literatura para a criança, a pesquisa reitera
o que escreveu Demartini (2002, p.2) sobre “a importância cada vez maior, em
nossos dias, de aprender a ouvir as crianças e os jovens”, partindo do princípio de
que “uma criança de qualquer grupo social, após breves espaços de tempo
construiu um tipo de identidade, tem uma memória construída” pelo que Pollak
(1992, p.200) complementa ressaltando que “a construção dessa identidade não
pode ser pensada sem se considerar o processo de socialização da criança com
o outro com quem convive”. Considerando isso, estabeleci como objetivo geral
para a pesquisa:
16
- Analisar a constituição leitora da criança em práticas de leitura espontânea do
livro literário mediadas pela biblioteca pública.
E como objetivos específicos:
- Identificar, por meio da fala da criança, as noções de leitura por ela assimiladas.
- Reconhecer os critérios usados pelas crianças para escolha do livro literário.
- Analisar a interferência das noções de leitura adquiridas pelas crianças, em suas
escolhas do livro literário e no modo como lêem literariamente.
- Evidenciar o trabalho mediador da biblioteca como projeto cultural de promoção
de leitura, a partir de observação de atividades realizadas na e pela biblioteca, de
análise documental e de entrevista com três mediadores de leitura.
Após essas delimitações e formulações descrevi o plano da investigação
que, de acordo com Triviños (1987, p.109), “deve permitir a coleta dos dados e a
análise das informações na forma mais racional possível, a fim de economizar
esforços, recursos financeiros e tempo.” Começo pela descrição do processo de
escolha do contexto da pesquisa.
1.2 O Contexto da Pesquisa – Processo de Escolha
A opção de pesquisar o muito explorado a leitura como temática e o
pouco considerado o discurso do sujeito infans (etimologicamente desprovido
de palavra) como um dos referenciais de análise encaminhou a investigação
para um espaço no qual o encontro entre eles fosse motivado pela finalidade da
fruição no “ler por ler”, no “desinteresse pelo controle do resultado”, (Geraldi,
2004, p.98). Assim, a biblioteca pública emergiu como o espaço privilegiado para
mediar esse tipo de interação entre esse leitor e essa leitura.
Na função de mediadora, a biblioteca foi pensada como o espaço em que,
no aspecto material, funciona como porta de acesso para o contato do leitor com
diferentes gêneros e suportes de leitura e, no aspecto social, como a provocadora
de situações significativas de uso da leitura, propiciadas pela escolha do livro,
pelo prazer da descoberta inusitada, pela troca com a família, pela troca
planejada na biblioteca através de rodas de leitura, recitais, concursos, mostras,
etc.
Calham com esse tipo de contribuição à formação do leitor que o espaço
biblioteca desperta, as palavras de Arena (2003):
17
Considero que não nem hábito a ser formado, nem gosto a ser criado,
nem prazer a ser desenvolvido ou despertado nas práticas de leitura.
necessidades provocadas pelas circunstâncias criadas pelas relações
entre os homens, ancoradas no conhecimento, sobre a língua e sobre as
operações que estabelecem a relação grafo-semântica entre o leitor e o
escrito. (ARENA, 2003, p.60)
As necessidades provocadas pelas circunstâncias encaminham o leitor para
a biblioteca e lá, em contato com a escrita, prazer, gosto e hábito podem vir sob
as mais diferentes práticas de leitura, com os mais diferentes gêneros e suportes,
porque a linguagem, sob os mais diversos códigos, é prática social presente no
dia-a-dia do indivíduo, considerado ou não leitor.
Ao optar pela leitura literária, a pesquisa pretendeu investigar as
necessidades que provocaram as buscas desse material pelas crianças, movidas
pelas noções de leitura que possuem e que influenciam no modo como o lêem,
sem desmerecer práticas leitoras outras.
1.2.1 Da Definição à Delimitação do Espaço da Pesquisa
Foi pelo noticiário local na televisão que tomei conhecimento da Biblioteca
Pública Comunitária “Saber com Sabor”, quando vi e ouvi Creusa Maria Sousa
Guimarães, coordenadora das bibliotecas, como funcionária da Secretaria
Municipal de Educação (SME), falar sobre o seu funcionamento. Pensei alto: “é
com ela que eu preciso falar”.
No outro dia, fui a SME, interroguei sobre o projeto, peguei telefone e
endereço, mantive contato e não demorou para eu estar na biblioteca da praça
Clóvis Cardozo, na região central de Cuiabá - MT. Entrei como leitora curiosa
debruçando sobre o acervo, acomodando-me e verificando as acomodações,
parando para ler A bruxinha atrapalhada, de Eva Furnari. Voltei à pesquisa, então,
me apresentei, mostrei o projeto, ouvi Creusa falar sobre as demais bibliotecas
que foram criadas e o alcance do trabalho que realizam, fui autorizada a
pesquisar e manifestei a minha felicidade em ver livros sendo semeados pela
cidade. Era abril de 2004.
18
Em outros retornos à biblioteca da praça, observei o movimento de leitores,
chequei as fichas de cadastro a fim de listar nomes e telefones das crianças,
fotografei eventos (lançamento do livro No caminho dos pés descalços, do grupo
de poetas A arte ainda por , vinculado à biblioteca e a festa de São João na
Praça), acompanhei viagem da biblioteca itinerante (Saber em Movimento) à
comunidade de Três Pedras para atender alunos de escola rural; lá, participei de
leitura com as crianças, li os depoimentos que eles escreveram no livro de
registro da biblioteca, fotografei os leitores na itinerante, conversei informalmente
com os funcionários do ônibus-biblioteca sobre o trabalho deles. Percorri também
duas bibliotecas localizadas em bairros periféricos. Entre maio e julho de 2004, eu
vivia a euforia de conhecer a abrangência do trabalho desenvolvido pela “Saber
com Sabor” para optar por uma das seis bibliotecas existentes.
Em agosto de 2004, eu propunha como espaços de pesquisa em projeto
analisado durante a disciplina Seminário Avançado de Pesquisa I, a biblioteca da
praça e a biblioteca itinerante “Saber em Movimento (ousadia ingênua de
pesquisadora principiante!). Fui aconselhada por minha orientadora a optar por
um dos espaços, então, apesar do grande interesse pela itinerante, fiquei com a
biblioteca da praça por ter sido a pioneira, gerando o projeto de ação que se
estendeu às demais. Passo, agora, a descrever a composição do cenário
delimitado, baseando em anotações das observações feitas, em entrevista
gravada com três funcionários da biblioteca e em consulta a dois documentos: o
primeiro intitulado Projeto de Ações a serem desenvolvidas na Biblioteca
Alternativa “Saber com Sabor”, de março de 2002, e o segundo sob o título
Relatório das Bibliotecas Alternativas “Saber com Sabor” 2002, 2003 e 2004, de
novembro de 2004.
1.2.2 A Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor” da Praça Clóvis
Cardozo
Proposta de Criação
A criação da Biblioteca Pública Comunitária Alternativa “Saber com Sabor”
da praça Clóvis Cardozo, a princípio, não foi fruto de nenhum projeto de política
cultural e nem de nenhuma reivindicação popular. A história de sua criação
19
começa com a recuperação, pelo Ministério Público, de um espaço que era
ocupado por uma floricultura. Por infração de acordo por parte do comerciante, o
Procurador da Justiça Pública do Meio Ambiente, Dr. Domingos Sávio Arruda,
embargou o espaço e o encaminhou à Secretaria Municipal de Educação de
Cuiabá com a sugestão de que se instalasse nele uma biblioteca pública. Caso
isso não fosse concretizado, o espaço seria demolido.
Na época, o secretário de educação do município, o Prof. Carlos Alberto
Reyes Maldonado, propunha que o local fosse um ambiente alternativo e atrativo
de leitura, com todos os tipos de livros infantis disponíveis a quem quer que
passasse pela praça e desejasse sentar-se para ler o livro ou mesmo levá-lo para
casa, sem o compromisso da devolução, pois não haveria funcionário e nem livro
de registro para regular empréstimos. A exceção feita a funcionários, seria a
presença de um guarda para tomar conta dos condicionadores de ar.
Destituído da intenção da biblioteca anárquica por sua equipe de trabalho,
no dia 14 de dezembro de 2001, sem decreto de criação, o secretário e seus
colaboradores inauguravam na praça Clóvis Cardozo uma biblioteca infantil
semelhante às demais, ocupando com livros o espaço das flores.
Pouco mais de um mês depois, acontecia a primeira reunião da equipe
responsável pela biblioteca com o objetivo de elaborar plano de atividades
culturais e examinar as necessidades de recursos físicos, técnicos e humanos,
conforme se pode ler na ata em anexo.
Placa de inauguração na área externa
20
Localização
A biblioteca, que hoje não é mais infantil, está localizada na praça Clóvis
Cardozo, bairro Goiabeiras, região central de Cuiabá – MT. Ela tem à sua frente a
esquina da avenida São Sebastião com a rua 24 de outubro, à esquerda a
avenida Isaac Póvoas e atrás a travessa Léo Edilberto Griggi.
Área Externa
A praça Clóvis Cardozo, na qual se situa a biblioteca, é um espaço bem
arborizado, oferecendo com isso sombra e aconchego nos bancos que estão
espalhados por ela. Além da biblioteca, ela acomoda uma banca de jornais e
revistas e, nas árvores, aves, ficando envolta por uma mistura interessante de
sons de pássaros que cantam, de buzinas que soam e de motores que rangem.
A arquitetura peculiar da biblioteca, constituída basicamente de vidro e
madeira, é um ponto de atração que leva para o seu interior (acessível por duas
entradas em pólos opostos), além de leitores, curiosos, dentre os quais os que,
traídos pelo estômago, enxergam só o sabor da placa de entrada e entram
pensando tratar-se de uma lanchonete.
Fachada principal
21
Área Interna
A área interna não é ampla e está dividida em espaço para os leitores, uma
sala para a coordenação e funcionários e um banheiro.
O mobiliário do espaço dos leitores é composto de quatro mesas redondas
com cinco cadeiras, todas almofadadas e para uso adulto; um balcão com
gavetas atrás do qual ficam os funcionários quando vão efetuar registro e sobre o
qual estão o livro de presença, o livro de registro de empréstimo e devolução dos
livros e uma caixa de sugestões; dezenove prateleiras com o acervo, além de dois
suportes rotatórios de livros; um bebedouro; um armário fechado, dois
condicionadores de ar e dois extintores de incêndio.
Em alguns espaços das paredes podem ser vistos cartazes com divulgação
de eventos culturais (espetáculos teatrais), cartazes de campanha comunitária,
cartazes de advertência quanto ao silêncio necessário no ambiente, um quadro
dos estilos de época da Literatura Brasileira, um mapa etnográfico ilustrado, um
relógio e um pôster na parede próxima a uma das entradas, no qual se lêem o
objetivo geral e os objetivos específicos da biblioteca.
Na sala da coordenação estão a mesa da coordenadora, três cadeiras, um
arquivo, uma geladeira, um computador para uso externo, livros ainda não
catalogados e uma pia com torneira. Deveriam estar também guardados nessa
sala o som e o microfone que haviam sido roubados.
Área para os leitores
22
Sala da Coordenação Balcão de Recepção
Quadro de Funcionários
Compõe o quadro de funcionários uma coordenadora (responsável também
pelas outras bibliotecas que fazem parte do projeto), formada em Letras com
especialização em Educação Infantil; cinco técnicos em biblioteca (foi esse o
termo empregado por eles próprios para designá-los), que são funcionários
concursados da Prefeitura para serviços gerais e receberam da Secretaria de
Educação curso de Técnico em Multimeios com ênfase em biblioteca, dos cinco
funcionários um já concluiu o ensino médio, dois estão cursando o ensino superior
e outros dois concluíram, com formação em Letras e História, além de dois
vigilantes.
O quadro seguinte detalha as informações. Nele, os técnicos estão
identificados pelos números 1, 2, 3, 4 e 5 e os vigilantes pelos números 1 e 2.
QUADRO DE FUNCIONÁRIOS
COORDENAÇÃO
Identificação
conclusão
Informações profissionais
Coordenador
a do Projeto
das
Bibliotecas
Saber com
Sabor
Letras – UFMT – 1999
Especialização em Educação
Infantil-Convênio SME e UFMT
– 2001
Regime de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 60 h
Período: Integral das 8 às 19
h
Tempo de magistério: 23 anos,
sendo 04 na função de
coordenadora do projeto
23
TÉCNICOS EM BIBLIOTECA
Identificação
conclusão
Informações profissionais
Técnico 1 Cursando Administração de
Empresa ICEC (Instituto
Cuiabá de Ensino e Cultura)
Regime de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 30 h
Período: matutino
Tempo de atuação: 02 anos
Técnico 2 Cursando Pedagogia - UFMT
Regime de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 30 h
Período: Integral aos finais de
semana
Tempo de atuação: 04 anos
Técnico 3 Ensino Médio Colégio São
Gonçalo – 1984
Regime de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 30h
Período: matutino
Tempo de atuação: 02 meses
Técnico 4 Letras – UNIVAG (Universidade
de Várzea Grande) – 2005
Cursando Especialização em
Leitura e Produção de texto
pela mesma universidade
Regime
de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 30 h
Período: vespertino
Tempo de atuação: 02 anos
Técnico 5 História – UFMT – 2005
Regime de Trabalho
:
Concursada / Efetiva
Carga Horária: 30 h
Período: vespertino
Tempo de atuação: 04 anos
VIGILANTES
I
dentificação
Formação
Informações profissionais
Vigilante 1 Educação Básica até a 4ª série
Regime de Trabalho
: Contratado
Carga Horária: 36h
Período: Noturno
Tempo de atuação: de abril de
2005 a dezembro de 2005
Vigilante 2 Ensino Fundamental completo
Regime de Trabalho
:
Contratado
Carga Horária: 36h
Período: Noturno
Tempo de atuação: de abril de
2005 a dezembro de 2005
A biblioteca fica aberta todos os dias da semana das 8h às 20h, inclusive
aos sábados e domingos.
24
Acervo
Constam no acervo 10.554
1
produções entre livros e periódicos, sendo os
infanto-juvenis aproximadamente três mil livros. Além de Literatura Brasileira que
compõe a maior parte do acervo, ainda literatura estrangeira, predominando
obras dos autores Sidney Sheldon, Agatha Christhie e Harold Robins, um suporte
rotatório com livros de auto-ajuda, uma prateleira com Literatura de Mato Grosso
(livros e revistas), uma prateleira de literatura religiosa, sobressaindo obras da
denominação católica, da evangélica e da espírita, uma prateleira com revistas
(Super Interessante, Veja, Época, Nathional Geographic, Saúde, Globo Rural,
gibis), alguns poucos livros didáticos, dicionários, enciclopédias, livros com
desenhos para colorir reservados para os professores fotocopiarem para os seus
alunos. A biblioteca ainda conta com a assinatura de um jornal local (Diário de
Cuiabá) feita pela SME e ainda não possui material específico para atender os
leitores que ainda não dominam o código escrito, como álbum de imagens, livros
de pano, de plástico, etc. e nem para atender os leitores portadores de
necessidades especiais.
A aquisição de obras para compor o acervo ocorre de três formas: a
primeira por meio de listas que são encaminhadas às editoras e estas repassam
as doações; a segunda por iniciativas das próprias editoras e livrarias,
consideradas parceiras, que enviam diretamente as obras à biblioteca; a terceira
consiste em doações feitas pela Biblioteca Pública Estadual “Estevão de
Mendonça”, Fundação Biblioteca Nacional e doadores particulares.
Programa de Atividades
Atualmente, um programa flexível de atividades, por causa da
dependência do voluntariado para comandá-las. Até metade de 2004, havia uma
programação fixa, período em que, de acordo com relatório, a biblioteca chegou a
atender um número expressivo de pessoas com oficinas de arte, aula de
capoeira, contação de histórias, concurso de pipa, concurso de leitura, concurso
Pequeno Escritor.
1
Esse mero de produções que compõem o acervo foi retirado do Relatório das Bibliotecas Alternativas
“Saber com Sabor” 2002, 2003, 2004; de novembro de 2004.
25
Algumas datas comemorativas também constam na programação da
biblioteca como o dia internacional do livro, aniversário da cidade, São João na
praça, festa do folclore, dia da Consciência Negra, como mostram estas imagens
que fazem parte do seu acervo fotográfico.
Concurso Pequeno Escritor (2002) Oficina Pintura em tela (2002)
Comemoração ao Dia da Consciência Negra (2002)
26
Apresentação do grupo de Flauta Doce (2003) Cantores do Siriri
2
- Aniversário de Cuiabá (2002)
Movimento de Leitores
Constavam, em outubro de 2005, no cadastro da biblioteca, 2521 leitores,
entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Checando as fichas de
cadastro, em maio de 2004, constatei 213 crianças e adolescentes entre cinco e
catorze anos, verifiquei também a existência de cadastro de leitores na faixa
etária entre dois e cinco anos, numa proporção não muito representativa. Os
plantões na biblioteca serviram para observar uma clientela cativa de estudantes
adolescentes de duas escolas públicas vizinhas (uma estadual e outra federal)
que usam a biblioteca para estudar, fazer trabalhos escolares, ler gibis, jornal e
revistas e também para emprestar livros literários. Principalmente aos domingos,
a biblioteca é freqüentada por idosos e por jovens que aproveitam o ambiente
tranqüilo, no interior dela, a fim de se prepararem para concursos públicos e para
o vestibular da UFMT. Segundo o livro de presença, diariamente circulam em
média 60 pessoas pela biblioteca.
2
O siriri é uma dança das mais populares do folclore mato-grossense, praticada especialmente nas cidades e
na zona rural da baixada cuiabana, fazendo parte das festas de batizados, casamentos e festejos religiosos. É
uma dança que lembra os divertimentos indígenas, da qual participam homens, mulheres e até crianças, numa
coreografia bastante variada e sem uma interpretação definida, sendo praticada em sala de casa ou mesmo em
terreiros (quintais). A música é simples e bastante alegre, falando de coisas da vida. Os tocadores são também
os cantadores, em solo ou em coro com os participantes da dança. Os instrumentos musicais usados no
acompanhamento da dança são basicamente a viola de cocho, o ganzá e o mocho ou tamboril.
27
1.3 Os Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos da pesquisa estão divididos em dois grupos cujas informações
são usadas para finalidades distintas. Os dados coletados com o primeiro grupo,
denominado sujeitos leitores, são usados para análise da formação leitora literária
desse grupo investigado. Com o segundo grupo, identificado como sujeitos
mediadores, os dados de sua entrevista complementados com a análise
documental serviram para pôr em evidência o trabalho de mediação de leitura
desenvolvido pela biblioteca.
Participam como sujeitos do primeiro grupo, quinze leitores que freqüentam
a Biblioteca “Saber com Sabor” da praça Clóvis Cardozo com idade entre nove e
doze anos, sendo dois com nove anos cursando a quarta série; três com dez
anos, um cursando a quarta rie e dois a quinta série; oito com onze anos, dois
cursando a quinta série e seis a sexta série; dois com doze anos, um cursando a
sexta série e outro a sétima série. Eles foram selecionados por estarem numa
etapa em que dominam os mecanismos da leitura, que Soares (2003, p.9)
nomeou de “necessária ‘especificidade’ do processo de alfabetização”, ou seja, “a
autonomização das relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico”,
ressaltando, contudo, o entendimento de que a aquisição do sistema
convencional da escrita é simultâneo ao processo de desenvolvimento de
habilidades nas quais as práticas sociais que envolvem a língua escrita devem ser
usadas.
Como primeira estratégia de acesso a esses leitores, foi usada a consulta às
fichas de cadastro (em anexo) para anotação de nome e telefone dos pais das
crianças a fim de estabelecer o contato que autorizasse as entrevistas. Desses
contatos (trinta e cinco ao todo), foram agendadas oito entrevistas (porque foram
as autorizadas pelos pais das crianças), as quais aconteceram três no domicílio
da criança, por opção dos pais, e as demais na biblioteca, durante a segunda
quinzena de novembro de 2004 e a primeira de dezembro de 2004.
A segunda estratégia para contato deu-se através de plantões durante os
meses de fevereiro e março de 2005 na biblioteca, quando foram realizadas as
outras sete entrevistas faltantes.
A seguir, apresento um quadro síntese com informações sobre esses
sujeitos, cada um identificado pelo primeiro nome.
28
QUADRO DE INFORMAÇÕES DOS SUJEITOS LEITORES
Leitores Idade Instituição
escolar
Série
Profissão dos
pais
Freqüência
à biblioteca
Data da
entrevista
Amanda 11 Privada
Mãe: psicóloga
Padrasto:
analista de
sistemas
2 anos 17/02/2005
Catharine 09 Privada
Mãe:
empresária
Pai: militar
1 ano 20/02/2005
Camila 10 Privada
Mãe e pai:
comerciantes
3 anos 14/03/2005
Ellen 12 Privada
Mãe: do lar
Pai: piloto
2 anos 30/11/2004
Greice 11 Privada
Mãe: do lar
Pai:
representante
de vendas
2 anos 01/12/2004
Larissa 10 blica
Avó:
pensionista
3 meses 13/03/2005
Paola 12 Privada
Mãe e pai:
comerciantes
3 anos 13/03/2005
Paulo 11 Privada
Mãe: do lar
Pai:
economista
1 ano e
meio
28/11/2004
Ricardo 12 Privada
Mãe: do lar
Pai: taxista
2 anos e
meio
17/03/2005
Sílvio 11 blica
Mãe: secretária
Pai: pedreiro
2 anos 22/11/2004
Thalita 11 blica
Mãe: do lar
Pai:
comerciante
9 meses 22/11/2004
Tathyane 11 blica
Avó:
aposentada
2 anos 23/11/2004
Vítor 10 Privada
Mãe: do lar
Pai:
empresário
2 anos 30/11/2004
William 09 Privada
Mãe:
vendedora de
salgados
Pai:
cardiologista
1 ano 13/03/2005
Zózimo 11 Pública
Avó:
pensionista
1 ano e
meio
17/03/2005
Por terem sido os mais receptivos à pesquisa, foram três os sujeitos
mediadores entrevistados: a coordenadora do projeto e dois técnicos em
biblioteca, todos funcionários efetivos da Prefeitura Municipal de Cuiabá,
29
respectivamente identificados a partir de agora como mediador 1 (coord.),
mediador 2 e mediador 3.
O mediador 1 (coord.) é formado em Letras pela UFMT (1999) e tem
especialização em Educação Infantil também pela UFMT em convênio com a
SME (2001). Os últimos cursos de atualização e capacitação de que participou
foram: Literatura Infantil, cento e vinte horas, entre 1997 e 2000, pela UFMT;
Neurolingüística, sessenta horas pelo SEBRAE, em 2000; Motivação para leitura
e envolvimento na biblioteca, pelo Ministério da Educação e Cultura, em março de
2005 e Dominando o público pela fala, pela SR Treinamento, em julho de 2005.
Atua vinte e três anos no magistério, sendo os últimos quatro anos dedicados
à coordenação da Biblioteca Pública Comunitária Alternativa “Saber com Sabor”,
com carga horária de sessenta horas.
O mediador 2 atua como técnico na biblioteca quatro anos, com carga
horária de trinta horas. Para isso, recebeu capacitação da SME através de um
curso técnico em multimeios com ênfase em biblioteca. Está cursando Pedagogia
na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
O mediador 3 possui o ensino médio completo, concluído numa escola
pública em 2001. Recebeu a mesma capacitação do mediador 2 e atuou na Saber
com Sabor, com carga horária de trinta horas. Atualmente, exerce a mesma
função em uma biblioteca escolar da rede municipal de ensino.
1.4 Os Instrumentos de Coleta de Dados
Durante todo o período de coleta, que foi de abril de 2004 a maio de 2005, a
observação, além de ser instrumento de pesquisa que permitiu apreender as
práticas de leitura mediadas pela biblioteca, serviu também para definir o uso de
outros instrumentos que ampliassem essa apreensão, procurando ater-se sempre
para o esclarecimento dos sujeitos sobre a pesquisa a fim de garantir uma relação
de confiança entre mim e eles, durante a coleta.
Para situar o contexto da pesquisa, Biblioteca Saber com Sabor da praça
Clóvis Cardozo, a fotografia foi usada como instrumento descritivo complementar
à descrição verbal.
A análise documental que, segundo Lüdke e André (1986, p.38), “pode se
constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja
30
complementando as informações obtidas por outras cnicas, seja desvelando
aspectos novos de um tema”, consistiu em instrumento complementar à entrevista
semi-estruturada, gravada com os sujeitos mediadores para apresentar as
considerações acerca do trabalho desenvolvido pela biblioteca sob a perspectiva
do prescrito e dos que o executam. Além desses instrumentos, fiz uso dos
seguintes materiais de apoio: uma publicação do Ministério da Cultura e
Fundação Biblioteca Nacional intitulada Reuniões Internacionais de Políticas
Nacionais de Leitura América Latina, Caribe, Mercosul, Pacto Amazônico e
Grupo dos Três 1992-1994 e de conversa gravada com o ex-secretário de
educação de Cuiabá, Carlos Alberto Reyes Maldonado, acerca da não existência
de uma lei de criação autônoma para a Biblioteca “Saber com Sabor”.
A entrevista semi-estruturada gravada que foi realizada com os sujeitos
leitores (ver anexo) organizou-se em duas etapas: a primeira contendo quatro
blocos – Bloco A – com três questões relativas a noções de leitura, Bloco B – com
cinco questões relativas a critérios de escolha do livro literário, Bloco C – com oito
questões relativas à freqüência da criança na biblioteca e Bloco D com sete
questões relativas ao histórico de leitura da criança; a segunda etapa implicou na
narrativa pela própria criança sobre a leitura que fez da obra. Com os três leitores,
cujas entrevistas foram feitas em domicílio, pedi para que listassem as obras
lidas com o mesmo fim já descrito.
Sobre a entrevista semi-estruturada, Triviños (1987) destaca que
ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas
as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a
espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação. (TRIVIÑOS,
1987, p.146)
Durante as entrevistas, não percebi qualquer constrangimento dos sujeitos
leitores, eles foram espontâneos ao falarem de suas experiências com o livro
literário. Houve apenas um sujeito, cujas respostas foram curtas e, às vezes,
evasivas.
O tempo de duração de cada entrevista variou muito de leitor para leitor,
principalmente na segunda etapa, devido ao diferenciado histórico de leitura de
31
cada um. Isso me remeteu a Geraldi (2004, p.98) quando fala sobre “o respeito
pelo caminho do leitor”, como ponto a ser considerado no momento da análise.
Essa simultaneidade de procedimentos do pesquisador frente aos
momentos da pesquisa é referenciada por Lüdke e And (1986, p.45) ao
considerarem que “o uso de procedimentos analíticos está presente em vários
estágios da investigação, tornando-se mais sistemática e mais formal após o
encerramento da coleta”.
As entrevistas semi-estruturadas com os mediadores buscaram informações
referentes ao perfil dos leitores, ao acervo para atender os leitores infanto-juvenis,
à atuação deles como mediadores de leitura, à formação acadêmica, à
capacitação e à relação pessoal com a leitura. ,
Foram entregues ainda para os seis mediadores que atuam na biblioteca
uma ficha para preenchimento de alguns dados pessoais, profissionais e relativos
à formação acadêmica com o objetivo de identificar o perfil dos mediadores de
leitura da Biblioteca Saber com Sabor da praça Clóvis Cardozo. um mediador
pediu para não preenchê-lo.
Durante a entrevista gravada com os três mediadores selecionados,
tamanha foi a tranqüilidade com que ela transcorreu que duas delas chegaram a
manifestar emoção com princípio de choro num determinado ponto da gravação.
Essa reação das mediadoras remete à referência feita por Oliveira (2001) à
entrevista, a qual considera:
um acontecimento que envolve emoção e razão, perturbando a ambos:
entrevistados e entrevistador. Nesta circunstância, a inquietude é desafio,
porque o Eu entrevistador lança o desafio da pergunta para que o Outro se
revele na resposta. Uma entrevista é sempre farta de mistérios a serem
desvendados, por isso é também um processo de aprendizado.
(OLIVEIRA, 2001, p.37)
Ao desafio lançado aos sujeitos investigados, um outro foi devolvido. As
vozes ecoadas do gravador são informações que, sistematizadas e analisadas à
luz dos referenciais teóricos, cumprem o ritual da pesquisa: da inquietação à
busca, da busca à sistematização e análise, da sistematização e análise ao
conhecimento, porque ele nos assegura a existência de novas inquietações.
32
Com relação à transcrição das entrevistas, procurei preservar muitas
marcas lingüísticas dos sujeitos a fim de que o seu discurso o fosse
descaracterizado, ainda que não tenha feito a transcrição alfabética
3
.
1.5 Apresentação e Interpretação dos Dados
Os dados coletados com vistas a responder ao problema levantado pela
pesquisa foram organizados e agrupados em dois capítulos. No primeiro, estão as
considerações acerca da organização e funcionamento da Biblioteca blica
Comunitária “Saber com Sabor” como instituição de mediação de leitura e, no
segundo, estão as informações fornecidas pelas crianças quanto à sua relação
com o livro literário em práticas de leitura mediadas pela biblioteca, apresentadas
em categorias.
Sobre a categorização Bardin (1977) explica:
A categorização é uma operação de classificação de elementos
constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por
reagrupamento segundo o gênero (analogia) com critérios previamente
definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um
grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de
conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão
dos caracteres comuns destes elementos. (BARDIN, 1977, p.117)
No capítulo V, onde estão descritas e comentadas a organização e o
funcionamento da biblioteca “Saber com Sabor” da praça Clóvis Cardozo,
consultei dois documentos: o Projeto de Ações a Serem Desenvolvidas na
Biblioteca Alternativa “Saber com Sabor” (que chamarei de documento 1) e o
Relatório das Bibliotecas Alternativas “Saber com Sabor” referente a 2002, 2003 e
2004( que chamarei de documento 2) e a entrevista gravada com os três sujeitos
mediadores selecionados, além dos instrumentos de apoio citados
anteriormente . No capítulo VI, os aspectos explicitados nas categorias de análise
estão ligados às noções de leitura, aos critérios de escolha do livro literário e às
3
A transcrição alfabética consiste em considerar, entre outras ocorrências, o registro de todas as omissões de
fonema ocorridas ao longo da fala.
33
instâncias - família, escola e biblioteca – que interferem na formação leitora
literária da criança. Embora o locus central seja a biblioteca, família e escola
foram consideradas por estarem muito próximas das vivências dessas crianças.
Na seqüência e, antecedendo a ambos os capítulos de apresentação e
interpretação dos dados, estão as bases teóricas que fundamentaram esse
estudo.
34
CAPÍTULO II
1. A BIBLIOTECA – EXPLORANDO CONCEITOS
Bibliotecas são instituições básicas que antecedem, na verdade, às escolas.
Anísio Teixeira
4
O uso do termo biblioteca no texto tornado epígrafe deste capítulo vem
de uma autoridade autoral que a impregna da área a que se ligam suas obras:
a Educação. Assim sendo, circunscreve a palavra como corporação, no caso,
cultural, que se faz acompanhar do adjetivo cuja sinonímia é fundamental,
essencial. Logo, para ele, elas, porque a desinência de número demarca que
considera os vários tipos, são corporações culturais fundamentais. Para
quem? Para quem as mantêm? Para quem nelas desenvolve sua atividade
profissional? Para quem dos seus materiais se utiliza para pesquisa ou outros
fins? Para todos os citados? Para os omitidos?
Porque “(...) os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos
lidos e as razões de ler (...)” (Chartier, 1999, p.77), é que as respostas devem
explicar e se justificar no contexto em que se inserem. Por isso, o estudo
dessas instituições básicas precisa situar tempo, espaço e interesses
determinantes na elaboração de seu conceito.
De acordo com Oliveira (2001, p.139), “os conceitos estão sempre
ligados a uma determinada idéia de sociedade e de homem”, nesse sentido,
penso que apresentar conceitualmente a biblioteca seja um modo de ler o que
condiciona o seu saber e o seu fazer, nos diferentes momentos e lugares.
Ainda sobre o conceito, Vygotsky (1998) chama a atenção para o caráter
social e dinâmico que o envolve:
um conceito não é uma formação isolada, fossilizada e imutável, mas sim
uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da
comunicação, do entendimento e da solução de problemas. (VYGOTSKY,
1998, p.46)
4
Educador baiano, autor de várias obras, dentre as quais: Educação Progressiva, Educação para a
democracia, Educação e a crise brasileira, Educação não é privilégio, Educação é um direito, Educação no
Brasil, etc.. Entusiasta da Escola Nova, ele foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília/DF.
35
Mendonça (1994) considera os conceitos como construções lógicas ligadas
a um quadro de referências, adquirindo significado a partir de um esquema de
pensamento no qual estão inseridos. Novamente, o contexto é determinante para
a categorização e para a significação do termo conceito e também do conceito
atribuído a outros termos.
Ao imprimir a leitura da palavra, pelos conceitos, procuro estruturar e dar
forma ao capítulo, usando, para explorar o território das bibliotecas, os mapas
traçados por outros, escolhendo, porém, os rumos capazes de explicitar o meu
intento, pois
certamente não existem considerações, por mais gerais que sejam, nem
leituras, tanto quanto se possa entendê-las, capazes de suprimir as
particularidades do lugar de onde falo e do domínio em que realizo uma
investigação. Esta marca é indelével. No discurso onde enceno as
questões globais, ela terá a forma do idiotismo: meu patoá representa
minha relação com o lugar. (CERTEAU, 1982, apud CASTRO, 2000, p.30)
1.1 A Biblioteca – Depósito de Livros e Coleção
Etimologicamente, a palavra biblioteca (do grego bibliothéke; biblíon = livro e
théka = caixa) designa lugar ou móvel em que se guardam os livros, depósito de
livros. Um significado que se sustentou até fins da Idade Média, quando o acesso
ao espaço era permitido apenas para os que fizessem parte de “uma certa
‘ordem’, de um ‘corpo’ igualmente religioso e sagrado” (Martins, 2002, p.71)
Chartier (1998, p.70) alude à biblioteca sem muros, definindo-a de acordo
com o Dictionnaire de Furetière (1690), como “uma coleção, uma compilação de
várias obras da mesma natureza, ou de autores que compilaram tudo o que se
pode dizer sobre um mesmo tema”. Com sentido semelhante, Arroyo (1992,
p.182) destaca que Alexina de Magalhães Pinto, por volta de 1817, foi “a primeira
autora a indicar uma Biblioteca Para a Infância, ou seja, a relação mínima de
livros que se deveria dar aos meninos para lerem”, no Brasil.
Sobre esses conceitos, Milanesi (1989, p.188) diz que a idéia de biblioteca
como depósito de livros ou coleção está “morta várias décadas (...) desde
que o suporte da informação superou a forma do livro e da própria escrita”.
36
Em relação ao tempo de vigência do sentido etimológico, um diferença
entre o limite temporal demarcado por Martins e por Milanesi. Para o primeiro, ele
remonta séculos e para o segundo, décadas.
Para justificar a demarcação que faz, Martins (2002, p.72) salienta que
devido aos lentos progressos de instrução, mesmo entre os nobres, “do ponto de
vista intelectual, a humanidade se dividiu, por séculos e séculos, entre ‘clérigos’ e
‘laicos’, entre iniciados à palavra e os o-iniciados”, sendo compreensível que a
noção de leitores circulando por espaços de leitura não fossem práticas comuns.
Outro argumento de que se utiliza diz respeito à posição arquitetônica dos
edifícios, para o qual toma como exemplo, na Antiguidade, a grande biblioteca de
Nínive, com porta única que dava “para o lugar onde viviam ou permaneciam os
grandes sacerdotes” e as bibliotecas medievais, sem distinção, situadas “no
interior dos conventos, lugares dificilmente acessíveis ao profano, ao leitor
comum” (Martins, 2002, p.72).
A demarcação estabelecida por Milanesi está relacionada ao modo como a
mudança de suporte interfere nas práticas de leitura e escrita, ao transferir o
conteúdo da matéria textual do livro para a tela do computador.
Ao ler na tela, o leitor contemporâneo realiza o cruzamento de duas lógicas
anteriores: a do rolo e a do códex. Ele lê um rolo que se desenrola
verticalmente e que é, ao mesmo tempo, dotado de vários recursos do
códex. O cruzamento dessas lógicas, próprias dos suportes anteriores,
define uma relação com o texto bastante original. O novo suporte, por suas
características específicas, inaugura uma nova forma de textualidade que,
conseqüentemente, pede novas formas de leitura e escrita que trazem
uma outra dimensão para os papéis de autor e leitor. (FREITAS, 2002,
p.32)
E trazem também uma outra dimensão para o perfil da biblioteca como
espaço de mediação de leitura. A mediateca emerge como o espaço que concilia
os vários fluxos de comunicação, propiciados por livros, vídeos, arquivos sonoros,
rede informática, para o desenvolvimento de habilidades culturais tanto no espaço
físico quanto no espaço virtual.
37
Assim como “a revolução do texto eletrônico é ao mesmo tempo uma
revolução da técnica de produção e reprodução dos textos, uma revolução do
suporte da escrita é uma revolução das práticas de leitura”, (Chartier, 2001, apud
Freitas, 2002, p.32), há, sem dúvida, a revolução de um depósito fechado e
escuro convertido em espaço que se abre ao leitor e às possibilidades de leitura
nos mais diferentes suportes, dispostos pela tecnologia e pela vontade política de
quem o organiza e o administra.
É nesse sentido que a assertiva de Oliveira (2001, p.139) de que “o conceito
é um enunciado que expressa uma abstração formada pela generalização a partir
de uma especificidade”, de modo que “a relação entre o conceitual e a prática é
raramente simples e direta, e mesmo os enunciados são somente descritos,
carecendo muitas vezes de maior explicitação” que avanço para a apresentação
de outros conceitos que possam melhor explicitar os que já foram expostos.
1.2 A Biblioteca – Lugar de Memória
Começo por retomar Milanesi, para quem a biblioteca deixou de se
caracterizar como coleção ou depósito de livros para se tornar um centro de
informações a fim de introduzir um conceito relacionado à sua funcionalidade,
trazido pelo referido autor: “a ciência é cumulativa e a biblioteca tem função de
preservar a memória como se ela fosse o cérebro da humanidade organizando
a informação para que todo ser humano possa usufrui-la” (Milanesi, 1989, p.15).
Conceito semelhante foi elaborado por Jacob (2000), concebendo a
biblioteca como :
Lugar da memória nacional, espaço de conservação do patrimônio
intelectual, literário e artístico, uma biblioteca é também o teatro de uma
alquimia complexa em que, sob efeito da leitura, da escrita e de sua
interação, se liberam as forças, os movimentos do pensamento. É um lugar
de diálogo com o passado, de criação e inovação, e a conservação tem
sentido como fermento dos saberes e motor dos conhecimentos, a serviço
da coletividade inteira. (JACOB, 2000, p.9)
38
A associação entre biblioteca e memória feita por ambos os autores
encaminha a explicitação desse conceito de biblioteca à compreensão do
significado de memória. Assim sendo, busco em Le Goff (1994) as informações
de que necessito. Para ele, memória é
Fenômeno individual e psicológico [que] liga-se também à vida social. Esta
varia em função da presença ou ausência da escrita e é objeto de atenção
do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do
passado, produz diversos tipos de documento/monumento
5
, faz escrever a
história, acumular o objeto. A apreensão da memória depende, deste modo
do ambiente social e político: trata-se da aquisição de regras de retórica e
também de posse de imagens e textos que falam do passado, em suma,
de um certo modo de apropriação do tempo. (LE GOFF, 1994, p.483)
O amplo conceito dado pelo autor abarca dois tipos de memória: a memória
relacionada ao campo de estudos da psicologia, da psicofisiologia, da biologia e
da psiquiatria, em relação às perturbações da memória a memória individual; e
a memória relacionada ao campo das ciências humanas e sociais a memória
social ou coletiva.
Para ele, a memória individual é entendida como propriedade de conservar
certas informações, remetendo a conjunto de funções psíquicas pelas quais o
homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele
representa como passadas.
Le Goff (1994) ainda acrescenta que nos aspectos biológicos e psicológicos
os fenômenos da memória são resultados “de sistemas dinâmicos de organização
e apenas existem ‘na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui’”
(ibidem, p.424), por isso alguns cientistas aproximaram a memória de fenômenos
ligados às ciências sociais. Assim, Flores (1972, apud Le Goff, 1994, p. 425)
remete a Pierre Janet que considera o comportamento narrativo ato mnemônico
fundamental, caracterizando-se pela função social porque é “comunicação a
5
Para Le Goff (1994), o monumento, filologicamente, é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a
recordação, podendo apresentar-se sob forma de obra arquitetônica comemorativa ou sob forma de
monumento funerário. O documento, derivado de docere “ensinar”, evoluiu para o significado de “prova”,
usado com recorrência no vocabulário legislativo-jurídico. Na medida em que o documento é um produto da
sociedade que o fabricou, segundo as relações das forças detentoras do poder, o documento passa a ser
cientificamente usado pelo historiador como monumento.
39
outrem, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo”,
por intervenção da linguagem, produto da sociedade.
Atlan (1974), ao estudar os sistemas auto-organizadores, aproxima
“linguagens e memórias”:
A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma
extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa
memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do nosso corpo
para estar interposta quer nos outros quer nas bibliotecas. Isto significa
que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a
forma de armazenamento de informações na nossa memória. (ATLAN,
1974, apud Le Goff, 1994, p. 425)
A respeito do armazenamento de informações, Marques (1997, p.205)
acrescenta que “a memória não é apenas armazenagem, mas estruturação e
organicidade. A boa memória, por isso, não guarda e evoca, mas seleciona e
prioriza o que guardar e evocar”. Esse aspecto regulador da recordação e do
esquecimento estaria ligado, como registra Le Goff (1994, p.426), às
“manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o
desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual”.
Semelhantemente, a memória coletiva também sofre as influências
manipuladoras do poder representado pelas forças sociais que dominaram e
dominam as sociedades históricas, regulando os esquecimentos e as lembranças
convenientes.
Desse modo, o seu estudo mostra como o destino do registro que se faz
dela está ligado à constante transformação da palavra em seus mais diversos
usos, sendo também determinantes para a função delegada aos lugares de
conservação dos registros.
Leroi-Gourhan (1964-65, apud Le Goff, 1994, p. 427) divide em cinco
períodos a história da memória coletiva: “o da transmissão oral, o da escrita com
tábuas ou índices, o das fichas simples, o da mecanografia e o da seleção
eletrônica”. Essa divisão que ele faz serve como princípio norteador para os
recortes que faço, voltados principalmente para a finalidade de criação das
bibliotecas como locais de preservação da memória coletiva, a partir do
40
surgimento da escrita que, de acordo com Manguel (1997, p.206), serviu para
“organizar uma sociedade cada vez mais complexa, com suas leis, éditos e regras
de comércio, (...), uma arte que mudaria para sempre a natureza da comunicação
entre os seres humanos: a arte de escrever.” Contudo, o mesmo autor salienta
que, paralela à essa invenção, aconteceu outra,
uma vez que o objetivo do ato de escrever era que o texto fosse resgatado
isto é, lido a incisão [de uma figura sobre uma tabuleta de argila] criou
simultaneamente o leitor, um papel que nasceu antes mesmo de o primeiro
leitor adquirir presença física. (...) O escritor era um fazedor de imagens,
criador de signos, mas esses signos precisavam de um mago que os
decifrasse, que reconhecesse seu significado, que lhes desse voz.
Escrever exigia um leitor. (MANGUEL, 1997, p.207)
Portanto, o que escreve e o que são habitantes naturais dos locais de
preservação da memória coletiva, ainda que nos percursos históricos de sua
criação nem sempre isso tenha sido visto dessa forma.
Os primeiros documentos escritos de que se tem notícia surgiram por volta
de 4000 a.C., dando início ao período histórico denominado Idade Antiga com
civilizações representativas no Oriente próximo (egípcios, mesopotâmios,
assírios, persas, babilônios, hebreus e fenícios) e no Ocidente (gregos e
romanos).
As classes sociais em que se estruturavam esses povos eram praticamente
três: a nobreza (príncipes, chefes militares, sacerdotes e altos funcionários); os
elementos livres ligados à agricultura, comércio, indústria, culto e funções
públicas civis, religiosas e militares; e os servos e escravos. No Egito, dada à
imponência da organização administrativa, os escribas constituíam uma classe
distinta das demais e gozavam de amplo prestígio.
De acordo com Le Goff (1994, p.434), os soberanos, no Oriente antigo,
incumbiam os escribas de redigir relatos dos seus reinados, destacando suas
vitórias militares, os benefícios de sua justiça e progressos do direito. No Egito,
“desde a invenção da escrita (um pouco antes do início do III milênio) e até o fim
da realeza indígena na época romana, anais foram continuamente redigidos” para
ocuparem as bibliotecas.
41
Surgida entre os egípcios e aprimorada pelos fenícios, a escrita propunha a
transformação no registro da memória coletiva que, nas sociedades sem escrita,
eram registradas pelos “especialistas da memória, homens-memória:
‘genealogistas’, guardiões dos códices reais, historiadores da corte,
‘tradicionalistas’” (Balandier, 1974, apud Le Goff, 1994, p. 429), para duas outras
formas de registro:
A primeira é a comemoração, a celebração através de um monumento
comemorativo de um acontecimento memorável. A memória assume então
a forma de inscrição (...)
A outra forma de memória ligada à escrita é o documento escrito num
suporte especialmente destinado à escrita (depois de tentativas sobre
osso, estofo, pele, como na Rússia antiga; folhas de palmeira, como na
Índia; carapaça de tartaruga, como na China, e finalmente papiro,
pergaminho e papel) (...) (LE GOFF, 1994, p.432)
Porque houve o interesse estatal pelo desenvolvimento dessas formas de
registro de memória que a escrita possibilitou, é que os espaços para a
conservação desses documentos e inscrições foram dinamizados. Nora (1978)
apud Le Goff (1994) classifica esses lugares como topográficos (arquivos,
bibliotecas, museus), monumentos (cemitério, arquitetura), simbólicos
(comemorações, peregrinações, aniversários, emblemas), funcionais (manuais,
autobiografias). Como lugar topográfico da memória, a biblioteca vem sofrendo
transformações nos momentos de evolução do registro desde a escritura.
Perscrutá-la, sob a ênfase da finalidade, é um caminho de entendimento da sua
genealogia e manutenção.
As Bibliotecas na Idade Antiga
Entre as bibliotecas que se destacaram, na Antiguidade, estão as egípcias,
sendo a de Alexandria a mais famosa; as bibliotecas de Nínive e Rodes, na
Mesopotâmia; a biblioteca de Pérgamo e de Atenas, na Grécia e as bibliotecas
públicas romanas.
42
Quanto à criação, Battles (2003) destaca que a biblioteca de Alexandria foi
fundada durante o reinado de Ptolomeu Sóter, no século III a.C., para ser o
espaço capaz de concentrar em si toda a sabedoria acumulada pelo mundo
grego, dando a seus herdeiros domínio sobre ela. Jacob (2000) questiona e
responde sobre a intenção por trás da criação da biblioteca:
Mas por que, precisamente, o fundador da dinastia lágida
6
decide instituir
uma biblioteca universal nos locais do Museu, que acolherá seus raros
leitores? E por que, depois de sua morte em 282 a.C., seus sucessores
manterão a fundação com tanto zelo? Os ganhos políticos e simbólicos
são múltiplos. Nessa terra do Egito onde, segundo Platão, um deus
inventou a escrita quando a civilização helênica estava na infância, os
novos soberanos querem afirmar a primazia da língua e da cultura gregas,
dotar sua capital com uma memória e raízes artificiais, compensar sua
marginalidade geográfica por uma centralidade simbólica: toda a memória
do mundo numa cidade nova, a oeste do delta do Nilo, uma cidade de
imigrados, de colonos, de militares e de aventureiros, de gregos, de
judeus, de núbios e de egípcios.
A memória escrita é uma herança de que é preciso apoderar-se, um ganho
na rivalidade política das potências mediterrâneas. Ganho para quem?
Não para os camponeses egípcios que vão sofrer anos de exploração
violenta, cerceados por uma administração opressora, presos num sistema
fiscal e econômico que constitui o reverso do cenário alexandrino. Nem
para a população cosmopolita que enche as ruas de Alexandria, e se
aperta diante das portas do palácio, nos dias de festa. Mas para a própria
família real, para a corte, para a intelligentsia mediterrânea, seduzida e
recrutada para acompanhar o rei, instruir seus filhos e dar ao reino lágida
um brilho cultural sem par. (JACOB, 2000, pp.47-8)
Localizada no Brucheion, onde ficavam os palácios reais, os quase
setecentos mil volumes que diz terem existido, certamente refletiam a localização
no berço da manufatura do papiro, no centro do comércio livreiro do Mediterrâneo,
possibilitando as condições para a sua criação e manutenção.
6
Os Lágidas ou Ptolomeus governaram o Egito a partir da partilha feita entre os diadochoi, os diádocos, os
generais de Alexandre, o Grande, quando da morte deste em 323 a.C.. Ao todo, a dinastia iniciada em 305
a.C., teve 14 Ptolomeus e 7 Cleópatras.
43
O interesse dos ptolomeus em manter um exército de copistas na biblioteca
e de afirmar o domínio intelectual pela acumulação dos livros são demonstrativos
do tipo de relação que se estabelecia com a leitura e com a escrita nessa
sociedade, lia-se para escrever, copiar. Pelo confisco de obras de outros povos
que eram copiadas, sendo devolvidas as cópias e preservadas os originais, há um
indício de que “o que interessava aos ptolomeus eram os livros, não os textos,
isto é, a posse das obras originais, não das cópias” (Allen, 1924, apud Jacob,
2000, p. 50). Por trás dessa vontade de acúmulo de obras também estava a
necessidade de se livrar da tirania dos sacerdotes e mágicos e da celebração da
morte que eles representavam para celebrar a vida. “Era a hora das múmias e
dos embalsamadores cederem o seu lugar aos tiros e aos cientistas”, era hora
de “afirmar a universalidade de seu poder pelo ajuntamento e acumulação das
amostras, dos seres vivos e dos livros” (Jacob, 2000, p.52).
A finalidade da leitura – ler para escrever – instituía em Alexandria as
tarefas de arquivar, editar, comentar, elaborar mapas, escrever a história,
recensear, estabelecendo, de acordo com Jacob (2000), uma relação paradoxal
com a memória, porque, ao mesmo tempo que permitia ao erudito à proximidade
com o patrimônio escrito do helenismo, distanciava-o pela mediação da escrita,
porque
(...) No âmbito público, era mais seguro para o escriba ser visto não como
alguém que buscava e reconstituía informações (e, portanto, que podia
imbui-las de sentido), mas como alguém que simplesmente as registrava
para o bem público. Embora ele fosse capaz de ser os olhos e a língua de
um general ou mesmo de um rei, era melhor não alardear esse poder
político. (...) (MANGUEL, 1997, p.208)
Fora dos limites de Alexandria, na Antiguidade, Martins (2002, p.76) registra
que, na Grécia, a primeira biblioteca foi estabelecida por Pisístrato (506-527 a.C.),
com caráter de biblioteca pública e com finalidade de “reunir as obras de Homero
e outros rapsodos para realizar o que hoje chamaríamos de primeira edição.”
Sobre a história da biblioteca na Grécia, o autor salienta que os
desencontros de informações da maior parte dos historiadores, dão-se porque,
em sua maior parte, elas pertenciam a particulares e, sobretudo, pelo caráter oral
44
da literatura grega. Além disso, continua Martins (2003, p.77), H. A. Innis (1950)
registrou, com espanto, um “desinteresse” de Platão e Aristóteles pelas
bibliotecas.
Contrapondo-se a isso, Estrabão (ographie, XIII. 1. 54, C 608) destaca
que “Aristóteles é primeiro, ao que se sabe, a ter reunido uma coleção (...) de
livros e a ter ensinado aos reis do Egito a maneira de organizar (...) uma
biblioteca”, ainda, segundo ele:
a biblioteca de Alexandria é o enxerto bem sucedido de uma idéia
ateniense, nascida na escola filosófica de Aristóteles, o Liceu: uma
comunidade de intelectuais, que se dedica à pesquisa e ao ensino e
encontra na biblioteca um de seus instrumentos de trabalho, em domínios
tão diversos quanto a poética, a ciência, a história e, naturalmente, a
filosofia. (ESTRABÃO, XIII, apud JACOB, 2000, p.46)
Também Derrida (1997), no livro A farmácia de Platão, observa interessante
passagem da República, de Platão, que relata a origem mítica da escrita em que,
segundo Sócrates, o deus Toth teria inventado a escrita para que os homens
fossem capazes de preservar sua memória; ao que crates contrapõe-se
dizendo que a escrita, pelo contrário, contribuiria para o esquecimento, não para a
lembrança, uma vez que os homens não precisariam mais exercitar suas mentes
para lembrar-se.
Merece menção, ainda, na Grécia, a biblioteca de Pérgamo, que se
propunha a competir com Alexandria, sendo marcas dessa disputa mercadológica
a briga para atrair intelectuais e poetas para o seu quadro de copistas e a disputa
pelo papiro. O embargo que sofreu por causa do monopólio do papiro, fez com
que se tornasse a “fonte da invenção do pergaminho”
7
(Martins, 2002, p.76),
aquecendo assim a corrida frenética pela aquisição dos livros, de modo que a
supervalorização do produto esquentou o mercado dos “corretores de bibliotecas”
(Pelletier, 1962, apud Jacob, 2000, p.48) e “fez a felicidade dos falsários de todo
gênero” (Canfora, 1986, apud Jacob, p.48).
Sobre os registros da Grécia antiga, Le Goff (1994) destaca que as
informações obtidas sobre a mnemotécnica grega advêm de três textos latinos, no
7
Jacob (2000) não acredita na veracidade desse episódio.
45
qual eles colocam a memória no grande sistema da retórica, sendo a sua quinta
operação e esvaindo-se quando a retórica deixa de se relacionar apenas com os
discursos falados para relacionar-se também com as obras escritas.
Quanto aos romanos, Martins (2002) destaca o seu grande interesse pela
palavra escrita e oral:
é um povo militar e guerreiro, comerciante e prático, imediatista e político,
que admitia a palavra escrita ou oral, como instrumento da ação, que
vai, no mundo ocidental, possuir as melhores bibliotecas e, em particular,
as primeiras bibliotecas públicas. Nisto, aliás, neste último traço, está
gravado o caráter de um povo, voltado para a conquista do mundo e capaz
de imediatamente perceber a utilidade de todas as armas: com os
romanos, o livro passa da categoria sagrada para a categoria profana,
deixa de ser intocável para ser condutor, e, posto ao alcance de todos, é o
veículo por excelência das idéias, dos projetos e dos empreendimentos.
(MARTINS, 2002, p.77)
Num outro olhar sobre as civilizações grega e romana, Veyne (1973, apud
Le Goff, 1994, p. 442) mostra como os ricos “sacrificavam então uma parte da sua
fortuna para deixar uma recordação do seu papel” e denuncia o modo como o
Império Romano monopolizou a memória coletiva construindo “sozinho (...) todos
os edifícios públicos exceção do monumento que o senado e o povo romano
erguem em sua honra)” (Veyne, 1973, apud Le Goff, 1994, p. 442). Entretanto, o
senado romano, farto das intempéries dos imperadores, faz desaparecer o nome
do imperador defunto dos documentos de arquivo e das inscrições monumentais,
apagando a memória arbitrariamente instituída.
Em Battles (2003) estão as informações de que as bibliotecas, na
Mesopotâmia, diferente dos rolos de papiro de Alexandria, resistiram ao fogo
porque tinham os livros gravados em argila. Seu acervo literário continha
profecias, fórmulas de encantamento, hinos sagrados, peças literárias escritas em
diversas línguas da Mesopotâmia. Elas chegaram ao seu apogeu durante o
reinado de Assurbanipal II, que governou a Assíria no século VII a.C.. Foi ele
quem organizou, na antiga cidade de Nínive, uma grande biblioteca que chegou a
abrigar 25 mil placas, a qual era considerada amplamente organizada.
46
As bibliotecas antigas, no conjunto, são assim caracterizadas por Samaran
(1939):
Os antigos povos do Oriente, por exemplo, os assírios e os egípcios,
parecem ter conhecido apenas as bibliotecas religiosas, e a sua noção de
biblioteca se confundia com a de arquivos; não se tratava de bibliotecas
em que um público, mesmo restrito, fosse admitido à consulta; os livros
eram reservados a oficiantes ou comentadores quase funcionários. Com
os gregos, uma evolução se produziu. A biblioteca de Pérgamo, a de
Alexandria foram sem dúvida, ao mesmo tempo, conservadoras de textos
profanos e órgãos difusores do pensamento, sem que saibamos
claramente se eram reservadas somente aos eruditos ou a um público
mais largo. Eram, em todo caso, instituições oficiais, e o seu orçamento
dependia das finanças públicas ou da lista particular do soberano.
(SAMARAN, 1939, apud MARTINS, 2002, p.74)
Como arquivo, a biblioteca retratava os valores do homem na sociedade
pós-escrita através dos usos que ele fazia dela, de maneira que para uma
evolução da memória dependia uma evolução social. Para Leroi-Gourhan (1964-
65):
A memória coletiva, no início da escrita, não deve romper o seu movimento
tradicional a não ser pelo interesse que temem se fixar de modo
excepcional num sistema social nascente. Não é pois pura coincidência o
fato de a escrita anotar o que não se fabrica nem se vive cotidianamente,
mas sim o que constitui ossatura duma sociedade urbanizada, para a qual
o nó do sistema vegetativo está numa economia de circulação de produtos,
celestes e humanos, e dirigentes. A inovação diz respeito ao vértice do
sistema e engloba seletivamente os atos financeiros e religiosos, as
dedicatórias, as genealogias, o calendários, tudo o que nas novas
estruturas não é flexível na memória de modo completo, nem em cadeias
de gestos, nem em produtos. (LEROI-GOURHAN, 1964-65,
apud Le Goff,
1994, p. 433)
Por assim ser é que a memória urbana era também memória real, pois o rei
se desdobrava para a criação das instituições-memória: os arquivos, as
47
bibliotecas, os museus. A destruição deles representava a destruição do poder
soberano, desse modo os lugares topográficos de memória coletiva não
abarcavam toda a coletividade quer seja pelo conteúdo filtrado de seus registros
quer seja pela não possibilidade de seu acesso a ela, por questões políticas e
financeiras, determinadas pelo uso que se fazia da palavra escrita.
As Bibliotecas na Idade Média
Tanto pela composição, quanto pela organização, natureza e
funcionamento, Martins (2002, p.71) considera “que as bibliotecas medievais são,
na realidade, simples prolongamento das antigas”. Ele as denomina, segundo o
poder mantenedor que por elas se responsabiliza: monacais, universitárias e
particulares.
Para Le Goff (1994), no período medieval, a memória coletiva passa por
profundas transformações, essencialmente em virtude da difusão do cristianismo
como religião e como ideologia, quase monopolizando o mundo intelectual e
caracterizando-se pela:
repartição da memória coletiva entre uma memória litúrgica girando em
torno de si mesma e uma memória laica de fraca penetração cronológica,
desenvolvimento da memória dos mortos, principalmente dos santos, papel
da memória no ensino que articula o oral e o escrito, aparecimento enfim
de tratados de memória (...) (LE GOFF, 1994, p.443)
Como “religiões da recordação” (Oexle, 1976, apud Le Goff, 1994, p. 443),
tanto o judaísmo quanto o cristianismo apelam para que se olhe ao passado
porque lá estão os atos de redenção a formar o conteúdo da fé e o objeto do culto
e porque o livro sagrado está repleto de advertências quanto à lembrança.
Sendo esse o princípio que regia o funcionamento das bibliotecas, às
monacais, situadas no interior dos conventos e dos mosteiros, competia, de
acordo com Martins (2002), exercer o trabalho escriturário como dever piedoso,
porém selecionando e condenando ao fogo as produções classificadas como
pagãs. O incêndio em Alexandria seria um exemplo desse extermínio, como relata
Battles (2003, p.30) “por essa época, (...), a expansão do cristianismo foi fazendo
48
com que as bibliotecas entrassem num processo de decadência, (...) os cristãos
passaram a sentir os tesouros helênicos das bibliotecas como uma herança
incômoda”.
Por outro lado, autores como Michon (1931, apud Martins, 2002, p. 84) e
Dahl (1933, idem) reconhecem a importância do trabalho escriturário dos monges
para a preservação de muitas obras da Antiguidade e para a própria origem do
livro no Ocidente. Martins (2002) exemplifica isso, citando o trabalho realizado
pela Ordem dos Beneditinos:
de todas as Ordens, a que mais se identificou com o livro na Idade Média,
foi a dos Beneditinos, a tal ponto que seu nome se transformou num
adjetivo para qualificar o trabalho intelectual de grande valor, minucioso,
paciente e correto. A explicação para o fato é de que esses monges se
tenham entregue ao trabalho de reproduzir a literatura profana ao lado da
escolástica literatura profana que nesse tempo era sinônimo perfeito de
literatura pagã contra tudo o que normalmente se poderia esperar, não
reside, provavelmente, nas tendências literárias de um ou outro monge
menos ortodoxo ou mais esclarecido: o trabalho do livro era um trabalho de
equipe, tarefa oficial na Ordem, em horas especialmente reservadas, e
pouco admitiria essas fugas espirituais aventurosas que tantos autores se
comprazem em imaginar. (...) (MARTINS, 2002, p.85)
Em relação às bibliotecas universitárias, Bonnerot (1927) as descreve como:
um lugar sagrado e augusto, no qual se entra de beca e boné. Quando
a leitura termina é aconselhável refletir e meditar, passeando devagar ao
longo da galeria coberta que rodeia a biblioteca. Depois, quando as
sombras da noite se adensam, cada um se recolhe à sua casa, visto ser
proibido, por prudência trazer lanterna... (BONNEROT, 1927, apud Martins,
2002, p. 90)
A existência do espaço sagrado e augusto nas universidades, contudo,
ainda não representava que as relações com a escrita estivessem mais
socializadas. Le Goff (1994) destaca que, no sistema escolástico das
49
universidades, o recurso à memória continua a fundar-se mais na oralidade que
na escrita e a ter suas bases desenvolvidas na retórica e na teologia.
Sobre as bibliotecas particulares, Martins (2002) aponta que elas eram
mantidas por imperadores e grandes senhores, posteriormente transformadas em
bibliotecas oficiais, empregando copistas para multiplicarem os manuscritos,
como ocorreu nas bibliotecas bizantinas. Segundo o referido autor, teria sido a
fuga dos monges e bios de Bizâncio para o Ocidente, a responsável pelo
acesso deste aos manuscritos greco-latinos, que tornaram possível o resgate
dessa literatura para que houvesse a Renascença.
As Bibliotecas na Idade Moderna
A invenção da imprensa, entre 1450 e 1455, por Gutenberg, é considerada
por muitos autores ponto decisivo para a criação de um grande conjunto de
leitores e para o desenvolvimento de uma atividade de publicação intensa.
Chartier (1999), contudo, diz que um melhor conhecimento de livros e publicação
na China e no Japão mostra como a gravação na madeira estava mais adaptada
às línguas que a tipografia, por manter forte ligação entre o manuscrito e as
publicações e por permitir o ajuste à demanda do mercado, devido à durabilidade.
Foi por todas essas vantagens que, mesmo após a invenção de Gutenberg, a
cópia manuscrita continuou a circular, divulgando gêneros como os panfletos
políticos, os folhetos informativos, os poemas de “escritores não profissionais”,
etc.
Leroi-Gourhan (1964-65) descreve bem como foi a revolução da memória
pela imprensa no Ocidente:
Até o aparecimento da imprensa... dificilmente se distingue entre a
transmissão oral e a transmissão escrita. A massa do conhecido es
mergulhada nas práticas orais e nas técnicas; a área culminante do saber,
com um quadro imutável desde a Antiguidade, é fixada no manuscrito para
ser aprendida de cor... Com o impresso... não o leitor é colocado em
presença de uma memória coletiva enorme, cuja matéria não é mais capaz
de fixar integralmente, mas é freqüentemente colocado em situação de
explorar textos novos. Assiste-se então à exteriorização progressiva da
50
memória individual; é do exterior que se faz o trabalho de orientação que
está escrito no escrito. (LEROI-GOURHAN, 1964-65, apud Le Goff, 1994,
p.457)
Ao que parece a exteriorização da memória cnica, científica e intelectual
disponibilizava-se através dos dicionários, das enciclopédias, publicadas tanto
para uso das fábricas ou dos artesãos quanto para o uso dos eruditos, além dos
escritos da Antiguidade clássica. Novamente, a memória parecia afastar-se dos
mortos para celebrar a vida que, marcadamente, em relação às bibliotecas, se
caracterizava pela laicização, democratização, especialização e socialização.
Martins (2002, p. 323) explica essa mudança, justificando que do mesmo
modo que o livro fora dessacralizado para tornar-se instrumento de trabalho, que
a vida social se submetia cada vez mais aos documentos em vez dos dogmas,
aos contratos em vez dos mandamentos, à crítica em vez das revelações “a
biblioteca passa a gozar, (...), do estatuto de instituição leiga e civil, blica e
aberta, tendo o seu fim em si mesma e respondendo a necessidades inteiramente
novas”.
Para ele, “foi o livro, ou seja, a biblioteca, um dos instrumentos mais
poderosos da abolição do ‘antigo regime’” (ibidem, p.324), devido a um
pensamento democrático que dela emanava através da mentalidade dos
enciclopedistas registrada na enciclopédia. Parece ser isso também o que Le Goff
(1994, p.461) pretendia dizer quando indagou: “A memória aentão acumulada
vai explodir na Revolução de 1789: não terá sido ela o seu grande detonador?”
A uma democratização do espaço, correspondia o preparo do ambiente para
atender as especificidades próprias das necessidades sociais e das relações que
os leitores, agora provenientes de classes diversificadas, passavam a ter com
leitura e a escrita. Desse modo, a biblioteca
não apenas abriu largamente as portas, mas ainda sai à procura de
leitores; não apenas quer servir ao indivíduo isolado, proporcionando-lhe a
leitura, o instrumento, a informação de que necessita, mas ainda deseja
satisfazer às necessidades do grupo, assumindo voluntariamente o papel
de um órgão sobrecarregado, dinâmico e multiforme da coletividade. (...)
(MARTINS, 2002, p.325)
51
O autor continua dizendo que, ao desempenhar esse papel, a biblioteca
também amplia o sentido da palavra “pública”, que passa a não aplicar-se à
biblioteca administrada por órgãos governamentais ou por entidades particulares,
mas passa a ter uma noção de prestação de serviço público, entendido por Cain
(1939, apud Martins, 2002, p. 326) como “tudo o que deve comportar de
flexibilidade e de adaptação a necessidades variadas”. Nuñes (2002) amplia a
missão da biblioteca, defendendo-a como
um centro cultural, um lugar de encontro onde cabem todos os cidadãos,
independentemente de sua idade, formação, sexo, classe social ou
profissional. A biblioteca é para todos e, por isso, deve dar respostas às
necessidades informativas, de entretenimento, etc., que solicitem. Essas
necessidades devem formular-se tanto no continente (edifício) como no
conteúdo (fundo documental de diferente suporte). (NUÑES, 2002, p.242)
As preocupações com o continente e o conteúdo se acentuaram na
contemporaneidade por conta da revolução eletrônica.
As Bibliotecas na Idade Contemporânea
Historicamente, a contemporaneidade começa com a Revolução Francesa,
em 1789, e se prolonga até os nossos dias. Se na “Idade das Luzes” buscou-se
eliminar a morte dos rituais memoriais, logo após a Revolução, assiste-se ao seu
retorno na França e em outros países da Europa através das inscrições funerárias
e das visitas ao cemitério. “O túmulo separado da Igreja voltou a ser centro de
lembrança. O romantismo acentua a atração do cemitério ligado à memória.” (Le
Goff, 1994, p.462).
Além do retorno à memória dos mortos, a Revolução de 1789 marcou o
legado do espírito comemorativo para a celebração da memória, conforme
descreve Mona Ozouf (1976, apud Le Goff, 1994, p.462) “todos os que fazem
calendários de festas concordam com a necessidade de alimentar através da
festa a recordação da revolução”. Para Le Goff (1994), enquanto o culo XVIII
regulava-se pela ordem do saber, o século XIX, emergente, regulava-se pela
52
ordem dos sentimentos e, de certo modo, abandonava a verdade, a educação,
numa “explosão do espírito comemorativo” (ibidem, p.462).
O espírito da comemoração passou a comportar outros suportes de
memória, característicos das atividades sociais, comerciais e culturais das
sociedades. Moedas, medalhas, selos, placas de parede, placas comemorativas
nas casas de mortos ilustres foram todos instrumentos comemorativos-memoriais
emergindo sob o domínio da política, da sensibilidade e do folclore.
Por outro lado, o movimento científico também se ocupava de fornecer
monumento à memória coletiva através dos arquivos nacionais, criados e,
posteriormente, aberto ao blico em vários países da Europa; através dos
museus públicos e nacionais com temáticas diversificadas, como o Museu técnico
Conservatoire des Arts et des Métiers, o Museu de Versailles consagrado a todas
as glórias da França (1833); coleções orientadas para a Idade Média e para a
Pré-história; os museus de folclore, na Dinamarca (1807); o Museu das
Antiguidades nacionais, em Berlim, na Alemanha (1830).
Após a I Guerra, intensifica-se a construção de monumentos aos mortos e o
mundo toma conhecimento de um outro instrumento para registro da memória: a
fotografia, que, segundo Le Goff (1994, p.466), multiplica e democratiza a
memória, “dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas,
permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica.”
Na medida em que acontecia a evolução social e tecnológica, a memória
coletiva diversificava os instrumentos e o conteúdo de registros, de modo que a
biblioteca precisava acompanhar o desenvolvimento e estar disponível e apta a
atender as necessidades diversificadas do público, que o conseguia
armazenar na memória individual o conteúdo das bibliotecas, tal era o seu
volume. A hegemonia da escrita dava sinais de que se estabelecia mediante a
necessidade de um mundo plural.
Contudo, a onda desenvolvimentista ainda reservava uma outra revolução
instrumental para o registro da memória coletiva, no decurso da II Guerra Mundial
a revolução eletrônica, constituindo-se num auxiliar, num “servidor da memória
e do espírito humano” (Le Goff, 1994, p.469), a expandir em todas as áreas do
conhecimento e sendo determinantes para o seu progresso.
A um caráter interdisciplinar instalado entre as ciências sociais, a memória
coletiva sofre transformações, diversificando-se e investindo-se de novos
53
conceitos de acordo com o foco de sua abordagem que pode ser sociológico,
antropológico, histórico, literário, etc., todos, democraticamente, contidos na
biblioteca que, lança mão do recurso eletrônico para abarcar as abordagens,
atenta, entretanto, a descartar o que se torna obsoleto e a incorporar a novidade.
Nesse sentido, em que a tendência à especialização se acentua, as
bibliotecas se dividem, categorizando-se em bibliotecas de conservação e
bibliotecas de consumo. Martins (2002) caracteriza as primeiras como aquelas
nas quais se encontram os livros raros, os manuscritos e os documentos,
acessíveis não a pesquisadores ou outras categorias restritas, mas também
destinada ao leitor comum que por eles se interessar. Quanto às bibliotecas de
consumo, também chamadas de bibliotecas de leitura, ele afirma que elas gozam
de maior elasticidade, devendo eliminar periodicamente os restolhos. Dentre esse
tipo de biblioteca, estão, principalmente, as universitárias, embora muitas delas
possuam “raridades bibliográficas da maior importância, que resguardam
cuidadosamente.” (ibidem, p.342).
O rigor da distinção teórica, todavia, não se aplica a todas as bibliotecas as
quais, simultaneamente, desempenham a função de conservar e de prestar
serviço aos leitores, entretanto uma planificação para a organização do espaço
deve ser considerada. Para Nuñes (2002):
É preciso iniciar o processo de criação e construção de uma biblioteca
contando com uma estreita colaboração entre o arquiteto e o bibliotecário;
é necessário planificar o edifício. A planificação deve responder às
características de funcionamento que a biblioteca solicite; são os seus
aspectos construtivos e técnicos. (NUÑES, 2002, p.242)
O autor também adverte quanto à distinção entre os dois espaços
funcionais: a sala de leitura e o depósito de livros. Para ele, a sala de leitura tem
aspecto mais lúdico, de leitura de ócio, de relaxamento, devendo, por isso, ser um
espaço cômodo, com poltronas confortáveis para o leitor que por passa muito
tempo. Nas zonas de consulta, estariam mesas e cadeiras para acomodar o leitor
que vai a fim de trabalhar com os documentos, fazer anotações, consultas;
permanecendo nelas apenas durante o tempo da realização do trabalho.
54
Ainda em relação à organização do espaço da biblioteca, a diretora da
Biblioteca de Mérida “Juan Pablo Forner”, Magdalena Ortiz
8
Macías faz
interessante descrição de que se apropria Nuñes e da qual também me aproprio,
em parte, para expô-la:
É muito importante saber que biblioteca queremos, que biblioteca
consideramos a mais idônea para nossos usuários, qual vai ser o
funcionamento da mesma e de cada uma de suas seções. Isso requer
conhecer a fundo a cidade e o tipo de biblioteca que vamos planificar e
outras características, como tipo de usuários tanto reais como potenciais,
para adaptar a biblioteca a essas características (...) (ORTIZ, 1996, apud
NUÑES, 2002, pp.243-244)
Uma concepção planejada de lugar topográfico para a memória coletiva
requer de seus criadores - “Estados, meios sociais e políticos, comunidades de
experiências históricas ou de gerações” (Le Goff, 1994, p.473) uma
denominação de memória coletiva como aquilo que
faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das
sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das
classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela
sobrevivência e pela promoção. (ibidem, p.475)
Ele abriga, ao mesmo tempo, a identidade individual e a coletiva, por isso a
sua democratização é fundamental como instrumento que possibilita ao homem o
contato com a produção cultural para fruir e produzir...
8
Essa descrição foi parte da palestra proferida por Ortiz, durante o Seminário Interfacultativo da
Universidade de Extremadura, na Espanha, em 1996, que foi posteriormente publicada na revista Puertas a la
Lectura, 14, Universidade de Extremadura.
55
1.3 A Biblioteca – Território de Produção de Sentidos
Esse conceito é dado por Nóbrega (2002), que principia o seu artigo
interrogando o sentido de território na acepção que faz, por isso dou a palavra
para que ela responda:
(...) biblioteca como território, e não somente como um espaço físico. O
espaço é felicidade se acontecer, se existir, mas a felicidade maior é a
ação. Porque a gente sabe que a biblioteca não é um espaço cercado de
livros por todos os lados, de jeito nenhum. Então, compreender bibliotecas
e salas de leitura como uma ação que envolve acervo, como uma ão
que envolve leitura, é pressuposto fundamental para iniciarmos qualquer
conversa sobre lugares de uma ação cultural com os sujeitos sociais. Ação
que envolve acervos e leitura, para compreender, afinal, que estamos
falando é de informação, é de construção de conhecimento, é de
significação. (NÓBREGA, 2002, pp.348-349)
Para ela, compreender biblioteca desse modo é extrapolar o acervo do
suporte: livros, CDs, álbuns, enciclopédias, dicionários, periódicos, etc. e a leitura
da decodificação de um código escrito, organizado como estrutura social.
Isso requer uma concepção globalizada de leitura, entendida por Nuñes e
Rivera (1987) como a leitura que integra emoção e raciocínio, os aspectos
afetivos e os cognitivos, produzindo um diálogo polifônico no qual o leitor
interpreta plenamente o seu papel. Mas, esse tipo de leitor precisa ser formado e
um aspecto gradual de leitura que precisa ser respeitado, portanto o
conhecimento das atribuições de um mediador de leitura, seja ele o professor, o
bibliotecário, aquele que se propõe a falar de um suporte midiático ou outro
qualquer, precisa adaptar-se às necessidades desse leitor pretendido.
Butlen (2002) aponta que na França, na Espanha e no Brasil têm-se
discutido muito sobre o desenvolvimento de bibliotecas escolares e a criação de
espaços multimídias de leitura e de animação cultural porque os objetivos sociais
da formação de leitores têm variado, gerando a necessidade de se formar o leitor
polivalente. Ele fala em sete grandes competências que devem ser trabalhadas a
fim de que o leitor adquira esse perfil.
56
a) ser capaz de ler em todas as modalidades: em voz alta, para si mesmo,
seletivamente compreendendo os textos que se lêem;
b) ser capaz de ler em todos os tipos de suportes: antigos, modernos;
c) ser capaz de ler todo tipo de textos e documentos: textos literários,
científicos, de divulgação. (...);
d) ser capazes de orientar-se nos lugares de leitura: a biblioteca familiar,
de aula, a biblioteca escolar, a Biblioteca municipal, a livraria. (...);
e) ser capaz de situar nos objetos de leitura:
no texto;
no paratexto: escritos funcionais (prefácio, epílogo, notas, conjunto
crítico); escritos documentais (índice, sumário, tabela de matérias,
glossário);
no intertexto (...) a relação que existe entre um enunciado e todos os
demais enunciados. Em todo texto sempre existe algo já dito em outros
textos e que sempre é retomado. (...);
9
trabalhar no texto, o paratexto, o intertexto é o que constitui o poder do
leitor, é o que lhe dá liberdade para picotar, “pescar” de forma furtiva na
cultura dos escritos. (...);
f) ser capazes de reconhecer-se em sua própria prática de leitor, ou seja,
em suas competências, resultados, hábitos, escolhas,
comportamentos, estratégias de leitor e ser capazes de comparar os
próprios comportamentos com os de outros leitores, ou seja, ser
capazes de manter um discurso crítico no que se refere às próprias
práticas como no que se refere aos textos que se lêem;
g) ser capazes de relacionar a atividade de leitura com os demais
aspectos do domínio da língua, falar, escrever, e estar, assim, em
condições de utilizar o escrito num projeto de comunicação.
(BUTTLEN, 2002, pp.285-286)
Ante o desenvolvimento dessas competências de leitura, a adaptação do
território biblioteca atinge os recursos materiais e humanos, os mediadores de
leitura, cuja formação deve inserir em seu quadro referencial-teórico, autores que
discutam a questão da leitura nas perspectivas que as competências determinam.
9
O autor faz alusão a teóricos que trabalham o conceito de intertexto, como: Bakhtin, Kristeva, Riffatere e
Genette.
57
Se assim for, cumpre-se o que Silva (1991) considera necessário para uma
revolução qualitativa de leitura:
(...) considero impossível uma revolução qualitativa na área da leitura sem
a participação dos bibliotecários para com os processos de mudança e
transformação social. (...), pois, para mim, a formação do leitor não é
apenas uma questão escolar; mas, sim, de todas as instituições e órgãos
culturais, inclusive o trabalho biblioteconômico, no que ele tem de
pedagógico. (SILVA, 1991, p.117)
Dessa maneira, a leitura ocupa um lugar que não é o da aula e não está
circunscrita apenas ao tempo da seqüência pedagógica, ela faz parte de uma
política cultural que, sob muitas formas, e utilizando o talento de diferentes atores
(na família, na escola, na biblioteca, etc.) quer cumprir o programa que lhe cabe:
formar leitores que, ao atribuírem sentidos aos textos, encontrem neles
significação.
Jacob (2000) lembra que a partir da arquitetura, da definição do público, dos
princípios que ordenam as coleções, das opções tecnológicas que determinam a
acessibilidade e a materialidade dos textos, assim como a previsibilidade das
escolhas intelectuais que organizam sua classificação, “toda biblioteca dissimula
uma concepção implícita da cultura, do saber e da memória, bem como a função
que lhes cabe na sociedade de seu tempo” (ibidem, p.10), porque tem definido
qual é o seu programa de ação.
Na acepção território cultura “não é resultado de um processo, a
herança social, o dado acabado, o objeto estático” (Perrotti, 1984, p.15), mas
“criação-recriação de si, do outro e do mundo” (ibidem, p.18); e memória coletiva
deve ser trabalhada de modo que “sirva para a libertação e não para a servidão
dos homens” (Le Goff, 1994, p.477) e o saber, nas suas mais diferentes
representações, está acessível a todos, de modo que o movimento de leitor
dentro desse território, não sentido aos textos com os quais interage, mas
também à razão de ser da biblioteca.
Isso remete, pois, a Borges (1981) quando diz pensar que em toda
biblioteca há espíritos que só despertam quando o leitor os busca. Nessa busca, o
leitor, inclusive, é capaz de transpor as categorias de classificação do livro na
58
biblioteca, uma vez que “categorias são exclusivas; a leitura não o é ou não
deveria ser” (Manguel, 1997, p.227).
2. O Perfil do Bibliotecário nos Conceitos
As transformações no contexto histórico e social ampliam o cenário e pede
diversidade de desempenho aos atores. Assim, no primeiro conceito – a biblioteca
como depósito de livros e como coleção o responsável pelo depósito não passa
de um mero guardador das obras, porque não leitor, não movimento de
leitura, não há sentido de biblioteca.
Como lugar da memória nacional, o papel assumido por ele é o de escriba-
copista e arquivista na Antiguidade; de clérigo que, além dos deveres religiosos,
assumia a tarefa de copiar em equipe e com tempo demarcado, na Idade Média;
de intelectual e técnico a quem competia organizar os compêndios e torná-los
acessíveis para a divulgação do conhecimento racional, durante a Renascença e,
conforme a democratização, a socialização do livro e o modo de relacionar-se
com a escrita iam dinamizando a biblioteca, as funções do lugar foram
determinando o domínio de habilidades, que se acentuaram com a revolução
eletrônica. Com ela, diversificaram-se os suportes de leitura, os espaços de
atividades de leitura e, principalmente exigiu-se do bibliotecário um perfil
multifuncional documentalista, técnico, animador cultural, especialista,
orientador de leitura, animador de leitura, técnico em informática, etc. Estaria ele
formado para tamanha polivalência?
Castro (2000) faz um alerta em relação a isso:
os discursos levantados e analisados sobre o Ensino de Biblioteconomia,
(...), ocupam, ainda, as mesmas características nas décadas posteriores,
alcançando o presente momento. Certamente, o que demonstra que a
Biblioteconomia é um campo que precisa avançar muito, principalmente
agora que estamos adentrando na era da globalização. Ao contrário, se
permanecer SERVA DA CIÊNCIA, tende a ser sucumbida por outras
profissões mais dinâmicas e por profissionais mais capacitados, aqueles
que correspondam às necessidades e interesses da ciência, da tecnologia,
da cultura, da educação, da economia, da sociedade. Enfim, profissionais
59
abertos à incorporação de novos saberes e menos presos às normas e
regras de catalogação, classificação, como se estas fossem o fim último de
suas práticas. (CASTRO, 2000, pp.262-263)
Ante às exigências da contemporaneidade é preciso o esquecer que,
essencialmente, independentemente de estar ou não informatizada, on-line, a
biblioteca é um território de produção de sentidos e precisa estar articulada para
isso, portanto precisa considerar em seu programa de ação o que preceitua
Nóbrega (2002):
1.uma linha de ação política, priorizando a visibilidade de programa,
articulando os vários segmentos envolvidos biblioteca/sala de leitura,
escola, comunidade, mídia, poder público;
2.uma linha de ação teórico-metodológica, a fim de contextualizar os
projetos e atividades a serem desenvolvidas;
3.uma linha de ação pedagógica, cujos pressupostos estão relacionados
à questão da leitura em sua dimensão social e à questão das bibliotecas e
salas de leitura como espaços de animação cultural. (NÓBREGA, 2002,
p.356).
Nesse sentido, as atividades da biblioteca devem ser articuladas
coletivamente, combinando os conhecimentos de diferentes atores, não
circunstanciais, mas integrados ao programa. Desse modo, ao bibliotecário
compete a habilidade de trabalhar conjuntamente com outros profissionais, tendo
em vista que a formação que recebe não abarca todas as exigências da
contemporaneidade.
A respeito desse trabalho integrado Cebrian (1999) escreve:
Não se trata simplesmente de interconexão de tecnologias e, sim de
interconexão de seres humanos pela tecnologia. Não é uma era de
máquinas inteligentes, mas de seres humanos que, pelas redes, podem
combinar sua inteligência, seu conhecimento e sua criatividade para
avançar na criação de riqueza e desenvolvimento social. Não é apenas
uma era de conexão de inteligência humana. É uma era de muitas
60
promessas novas e de possibilidades inimagináveis. (CEBRIAN, 1999,
pp.18-19)
Desde que o leitor passou a ser o motivo da existência e da conservação da
biblioteca, a sua função de formar leitores não se altera. Os tipos de biblioteca
que se apresentam apenas vão exigir habilidades diferentes de seus mediadores,
para ao fim, alcançar o mesmo objetivo: formar leitores.
Sendo assim, se a característica da biblioteca é a especialização, “caberia,
então, ao bibliotecário especializado em bibliografia científica a difícil tarefa de
facilitar, ao estudioso, a localização e a consulta de volumosas e extensas
coleções.” (Castro, 2000, p.124). Nesse caso, ele desempenha o papel de leitor-
pesquisador capaz de orientar e dialogar com o pesquisador que é o seu blico-
alvo, no entanto Fonseca (1997) ressalta:
O único ponto negativo que vejo na especialização do bibliotecário em uma
área do saber científico, tecnológico ou humanístico seria a de fechar-
se em sua especialização, desconhecendo o que se passa em outras
áreas e recusando a interdisciplinaridade. Mas a especialização tem
muitos pontos positivos como: 1º) evitar que o bibliotecário fique em
posição de inferioridade quando abordado por especialistas altamente
diferenciados; 2º) tornar o bibliotecário capaz de indexar e resumir artigos
científicos de determinada área do saber. A especialização, entretanto,
deve ser combinada com um sadio generalismo, sem que o bibliotecário
caia no ridículo de pretender conhecer tudo, como um Aristóteles ou um
Leonardo da Vinci. (FONSECA, 1997, apud CASTRO, 2000, p.125)
Às bibliotecas universitárias, cujos freqüentadores também estariam em vias
de tornarem-se pesquisadores, caberiam profissionais com perfis semelhantes
aos que atendem nas bibliotecas especializadas.
As bibliotecas escolares e públicas, por formarem o leitor para circular com
desenvoltura pelas universitárias e pelas especializadas, deveriam ter à sua
disposição recursos materiais e pessoais qualificados. Rösing (2002) destaca que
a relação dos profissionais responsáveis pela biblioteca com acervos constituídos
de livros e de revistas pode se dar através de níveis diferenciados:
61
em primeiro lugar, através do interesse e da necessidade de manuseá-lo
para identificar dados necessários à sua catalogação com vistas a registrá-
lo num caderno de capa dura, numa ficha ou, mais sofisticadamente, para
preencherem os campos de um programa específico em meio eletrônico
para serem acessados presencialmente ou a distância; em segundo lugar,
e se efetivamente acontecer esta segunda opção, examinar a obra, fazer
uma leitura mais ou menos rápida da mesma para poder anunciá-la, ou
ainda, indicá-la aos usuários da biblioteca. Esta segunda finalidade fica
prejudicada se for realizada de forma automatizada. Começa a se impor,
nesta etapa do trabalho, a função de responsável pela biblioteca enquanto
leitor que, além de conhecer as obras, precisa dinamizar o processo de
envolvimento dos usuários da biblioteca com as mesmas. (RÖSING, 2002,
p.394)
Nuñes (2002) defende que atividades de animação à leitura devam ser
realizadas tanto nas bibliotecas públicas quanto nas bibliotecas escolares através
de atividades intrínsecas, incidindo sobre as dificuldades do material de leitura,
nas do sujeito ou na de ambos, ou com atividades extrínsecas, através de
concursos, semanas do livro, etc. Nesse caso, o bibliotecário é o animador
cultural a promover a leitura.
Enfim, os diferentes tipos preservam a mesma função: favorecer o diálogo
entre leitor e texto impresso, filmado, exposto na tela do computador, pintado em
tela, fotografado, noticiado, documentado... Porque caminhamos demais para
nos conformarmos com o depósito.
62
CAPÍTULO III
1. A LEITURA – CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
(...) líamos para inaugurar tudo, para alfabetizar, para interpretar, para saber
como pôr no mundo as escritas que nós – e não os outros – queríamos para nossas
vidas.
Nilma Gonçalves Lacerda
Na história da educação brasileira, discussões fomentadas durante as
décadas de 60 e 70 em relação à reformulação do modo de ensinar a língua
ganharam consistência no início dos anos 80 impulsionadas por pesquisas
lingüísticas que, desprendidas da tradição normativa e filológica, enveredaram
seus estudos pelos domínios da variação lingüística e da psicolingüística.
Essas discussões se normatizaram ao longo do tempo e foram organizadas
em documentos denominados Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB,
1971) e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998) a fim de que o instituído
fosse tornado prática educativa. Contudo, é preciso ressaltar que prática
pedagógica não depende de normatização, mas também, e não somente, de
estudo, no qual o confronto entre velha e nova ordem torne conhecidas as suas
fundamentações para que aquele que se pretende educador determine a postura
pela qual pautará a sua prática.
Em relação à leitura, o documento de 1998 institui que a tarefa de formar
leitores e usuários competentes da escrita não se restringe à área de Língua
Portuguesa, que todo professor depende da linguagem para desenvolver os
aspectos conceituais de sua disciplina. Assim sendo, os profissionais da leitura,
que são todos os professores e, acrescento, aqueles que com ela lidam fora dos
limites da escola precisam entender
a linguagem como ão interindividual orientada por uma finalidade
específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais
existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos
momentos de sua história. Os homens e mulheres interagem pela
linguagem tanto numa conversa informal, entre amigos, ou na redação de
uma carta pessoal, quanto na produção de uma crônica, uma novela, um
poema, um relatório. (PCNs – Língua Portuguesa, p.20)
63
Como nem sempre ela foi concebida dessa maneira, a formação de muitos
profissionais da leitura em outras concepções de linguagem e,
conseqüentemente, de leitura, está arraigada em suas práticas pedagógicas,
reproduzindo saberes que não mais se adequam ao dinamismo e multiplicidade
de linguagens com que convivemos hoje.
Por acreditar que o conhecimento das concepções é um dos fatores que
pode determinar as práticas do educador no trabalho de mediação da leitura,
apresentá-las, à luz da Lingüística, é um modo de localizar no interior de cada
uma delas a abordagem que se faz dela e que, repassadas aos leitores,
contribuem para a definição de suas noções de leitura.
1.1 As Concepções de Linguagem e a Leitura
A Lingüística ou Ciência da Linguagem é bastante nova. Câmara Jr. (1986)
registra que ela começou a existir na Europa no início do século XIX e Orlandi
(1990) aponta que ela inaugurou-se no começo do século XX com o objetivo de
explicar a linguagem humana oral ou escrita. Antes dessa época, Câmara Jr.
(1986) destaca a existência de uma Pré-Lingüística e de uma Paralingüística na
cultura ocidental.
Na Pré-Lingüística estão situados três tipos de estudo da linguagem: o que
surge para legitimar os traços lingüísticos das classes superiores para que não
ocorresse alteração em seu modo de falar ao entrar em contato com outros
modos das camadas sociais. Segundo o autor, esse tipo de estudo cria a
gramática e é denominado como o Estudo do Certo e Errado; o segundo tipo de
estudo nasce das condições básicas de intercâmbio lingüístico entre línguas de
sociedades diferentes e é denominado o Estudo da Língua Estrangeira; o terceiro
tipo compara as formas lingüísticas escritas do passado e do presente, fazendo
comparação entre a linguagem. É chamado de Estudo Filológico.
Quanto ao valor científico de cada um desses estudos, o primeiro, adverte o
autor, não é ciência, é prática do comportamento lingüístico; o segundo apresenta
alguns aspectos científicos na medida em que se baseia na observação e na
comparação de objetivos, mas também não é ciência porque não apresenta o
verdadeiro significado dos contrastes descobertos e não desenvolve qualquer
64
método científico para focalizar sua matéria; não se pode dizer o mesmo sobre o
Estudo Filológico.
Na Paralingüística estariam inseridos dois tipos de estudo: o Estudo
Biológico da Linguagem que, a partir do desenvolvimento da ciência, possibilitou
que se levantassem características biológicas que permitiram aos homens o uso
da linguagem e o Estudo Lógico, fruto da junção do estudo filosófico e lingüístico,
nasceu da necessidade de tornar a linguagem um instrumento eficiente para o
pensamento filosófico e de disciplinar o pensamento através do disciplinamento
da linguagem. Por combinar-se com o Estudo do Certo e Errado, um caráter
científico à orientação lingüística das classes superiores.
Tanto o Estudo Biológico quanto o Estudo Lógico o considerados
paralingüísticos porque não entram no domínio da linguagem propriamente dita,
permanecem nos seus limites.
A Ciência da Linguagem começou a se definir a partir de dois tipos de
estudo considerados o âmago da lingüística o Estudo Descritivo e o Estudo
Histórico.
O Estudo Histórico considera os estudos da linguagem em detrimento de
outros estudos e procura desenvolver sua natureza como um acontecimento
histórico, o Estudo Descritivo enfatiza a função da linguagem na comunicação
social e analisa os meios pelos quais ela a preenche. Em ambos os estudos, a
linguagem é tomada como traço cultural da sociedade e para chegar à sua
natureza é preciso explicitar a sua origem e desenvolvimento através do tempo ou
o seu papel e meio de funcionamento real na sociedade.
Os estudos pré-lingüísticos e paralingüísticos desenvolvidos na Antiguidade,
na Idade Média e nos tempos modernos que antecederam à Linguüística,
contribuíram para a sua evolução, influenciando grandemente o ensino de língua
e, por outro lado, envolvendo em sua asserção estudos desenvolvidos em outras
áreas como a Psicologia, a Biologia e a Antroplogia.
As concepções de linguagem a que faço referência a partir de agora, estão
situadas no interior desses estudos de linguagem e, segundo Geraldi (1996)
relacionam-se com as três principais correntes dos estudos lingüísticos: a
Gramática Tradicional, o Estruturalismo e a Lingüística da Enunciação.
Até a década de 60, a concepção de linguagem como expressão do
pensamento predominou e definiu a língua como um código homogêneo a
65
estabelecer, via regras do modo de falar das classes superiores, o que era certo e
o que era errado. Todo aquele que não dominava essas normas, que não se
expressasse conforme o padrão estabelecido estava alijado do sistema
lingüístico, porque
para os teóricos dessa concepção, a linguagem é uma faculdade divina. O
homem nasce com a capacidade de exteriorizar seu pensamento que é
gerado no seu psiquismo. De sua capacidade de organizar o pensamento,
dependerá sua exteriorização. Se o homem não consegue uma
organização lógica para o seu pensamento, sua linguagem estará afetada,
isto é, desarticulada. Logo, o pensamento deve ser organizado,
obedecendo a uma determinada lógica. Isso significa que se um indivíduo
não se utilizar dessa lógica, dificilmente terá condições de organizar seu
pensamento. Equivale dizer que se ele não consegue se expressar com
logicidade é porque não é capaz de pensar. Assim, presume-se que
regras a serem seguidas para se alcançar a organização lógica do
pensamento e, conseqüentemente, da linguagem. Linguagem equivale,
portanto a pensamento. (POSSARI e NEDER, 2001, p.22)
Nessa concepção de linguagem, o ato de escrever é considerado
transcrição fonética e o ato de ler decodificação e oralização dos símbolos
gráficos. Acreditava-se que o significado do texto se revelava à medida que
ocorria a materialização das palavras e frases através da oralização, de modo que
o leitor não participava da produção de sentido do texto, apenas recuperava-o. A
atribuição de sentido estava sob o domínio do autor.
Na década de 60, estudos desenvolvidos no campo da Lingüística elaboram
uma outra concepção de linguagem a linguagem como instrumento de
comunicação. Nessa concepção, a língua é o código usado para transmitir a
mensagem de um receptor que precisa dominá-lo para que haja comunicação.
Fechada nos limites do código e da sistematização, essa concepção não
considerou “os interlocutores e a situação de uso como determinantes das
unidades e regras que constituem a língua” (Travaglia, 1996, p.22). Assim, não há
interlocutores, mas codificadores e decodificadores, diante da descrição e
explicação de fatos lingüísticos e de exercícios estruturais. Freire (1991) chama a
atenção quanto a esse alheiamento do contexto, afirmando que “não é possível
66
pensar a linguagem sem pensar o mundo social concreto em que nos
construímos. Não é possível pensar a linguagem sem pensar o poder, a ideologia”
(Freire, 1991, p.46).
Se até aí, a leitura ainda era decodificação, com a cada de 70, um
movimento de valorização da leitura, impulsionado pela criação da LDB, no qual a
leitura foi instituída como a chave do sucesso para a escolaridade, levando à
difusão do pensamento de que ela não se realiza pela junção de fonemas,
sílabas, palavras, pois não se separando as palavras em partes, mas tentando
perceber o todo, atribuindo-lhe significado e posteriormente, se necessário,
identificando suas partes (Goodman, 1996, Smith, 1989). A leitura, desse modo,
centra-se no leitor, na utilização dos conhecimentos prévios que ele possui para
formular previsões de leitura e apreender os significados.
Centrado no leitor, esse modo de ler ainda não considerava a interação
como atividade intrínseca da leitura. Então, a partir da década de 80, estudos
desenvolvidos por lingüístas russos e tornados conhecidos para o mundo vão
influenciar o advento de uma outra concepção de linguagem a linguagem como
processo de interação, na qual ela é vista como:
atividade constitutiva, cujo locus de realização é a interação verbal. Nesta,
relacionam-se um eu e um tu e na relação constroem os próprios
instrumentos (a língua) que lhes permitem a intercompreensão. (...) É
neste sentido que a linguagem é uma atividade constitutiva: é pelo
processo de internalização do que nos era exterior que nos constituímos
como sujeitos que somos, e com as palavras de que dispomos,
trabalhamos na construção de novas palavras. (...) Por isso a língua não é
um sistema fechado, pronto, acabado de que podemos nos apropriar. No
próprio ato de falarmos, de nos comunicarmos com os outros, pela forma
como fazemos, estamos participando, queiramos ou não, do processo de
constituição da língua. (GERALDI, 1996, p.53)
Nessa concepção, a leitura é compreendida como processo de interação
entre autor e leitor, sendo o texto o mediador do processo, através dele fala a voz
de um indivíduo histórica e socialmente situado para outro também
contextualizado, por isso
67
leitura é interação verbal entre (...) indivíduos socialmente determinados: o
leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o
mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura
social, sua relação com o mundo e com os outros. (SOARES, 1991, p.18)
No processo de interação verbal, a leitura envolve um trabalho lingüístico do
leitor, para o qual precisa ativar tanto o seu conhecimento prévio da língua e seu
funcionamento quanto o conhecimento sobre o assunto abordado no texto, ou
seja, interação, porque conhecimento lingüístico, conhecimento textual e
conhecimento de mundo foram postos em ação para construir o sentido do texto.
De outro modo, o autor também ativou esses níveis de conhecimento para a
produção do texto, por isso também interação entre um eu que se constitui na
relação com um tu, construindo sentidos e se constituindo enquanto sujeitos.
Razão por que a palavra
é determinada tanto pelo fato de proceder de alguém, como pelo fato de
que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto de interação do
locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão de um em relação
ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em
última análise, em relação à coletividade. Palavra é uma espécie de ponte
lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra, apóia-se sobre o meu interlocutor. (BAKHTIN, 2002,
p.113)
Diante dessa concepção de linguagem, que postula um outro enfoque para
a leitura e para o leitor, os suportes de leitura deslocam-se das unidades básicas
letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas e frases para ter como unidade
básica do ensino o texto, assumido como o gerenciador do trabalho com a
linguagem, sendo resultado de uma atividade comunicativa.
Organizados dentro de restrições temáticas, composicionais e estilísticas os
textos se caracterizam por pertencerem a este ou àquele gênero, de maneira que
contemplar a diversidade deles é utilizar a língua de modo variado para produzir
diferentes efeitos de sentido, adequando-os a diferentes situações de interlocução
oral e escrita. Sendo assim, desenvolve-se um dos aspectos da competência
68
discursiva do sujeito leitor que abrange também a reflexão sobre a língua e a
linguagem.
Por competência, de modo geral, Ferreira (1999, apud Alessandrini, 2002, p.
164) entende-se “qualidade geral de quem é capaz de apreciar e resolver certo
assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade.
[Está relacionada à] oposição, conflito, luta.” Por estar relacionada à capacidade
de fazer, a competência envolve uma série de habilidades, ou seja,
notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes
aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão
específica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderança,
talento especial para artes e capacidade psicomotora. (FERREIRA, 1999,
apud ALESSANDRINI, 2002, p.164)
Daí que um ensino que vise trabalhar competências e habilidades tome por
referência:
a educação que se propõe libertadora porque também problematizadora,
[e] pauta-se pelo ato consciente do sujeito diante do mundo. Sua
referência é a prática da liberdade, a partir da qual o homem pode fazer
suas próprias escolhas, como sujeito do seu conhecimento. É próprio da
educação libertadora/problematizadora, o diálogo entre o educador e os
educandos. (FREIRE, 1983, p.63)
Imprescindível então que esse diálogo comece pela postura pedagógica
assumida pelo educador, mediante a escolha da concepção de linguagem
determinante de uma prática educativa que o facilite e capacite o educando ao
desenvolvimento das competências leitoras, sejam em práticas pessoais ou
sociais.
69
1.2 Os PCNs e o Trabalho com a Leitura
A postura de assumir o texto como gerenciador do trabalho com a
linguagem pressupõe utilizá-lo em sua dimensão oral e escrita, considerando a
função de sua produção. Desse modo, contempla-se a diversidade de gêneros
nas atividades de ensino.
Na medida em que as práticas discursivas presentes nas práticas sociais
incorporam diferentes gêneros textuais, a formação de um leitor capacitado a
reconhecer e ler essa diversidade normatiza-se com propostas de ação
documentadas e teoricamente embasadas para isso.
Marcuschi (2002) liga o surgimento dos gêneros ao aspecto funcional nas
culturas em que se desenvolvem, sendo assim estão ligados a práticas reais e
concretas de comunicação, de modo que
Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de comunicação, sendo
isso que denominamos de gêneros textuais. A riqueza e a diversidade de
gêneros do discurso são infinitas, porque são inesgotáveis as
possibilidades da multiforme atividade humana porque, em cada campo
dessa atividade, é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce
e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica em
determinado campo. (BAKHTIN, 2003, p.262)
Então, ao considerar a heterogeneidade proposta pelo uso dos gêneros, os
PCNs (1998, p.24) recomendam “que as situações escolares de ensino de Língua
Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem”,
selecionando aqueles que favoreçam “a reflexão crítica, o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos
artísticos da linguagem”.
Assim, o uso dos textos orais traz a possibilidade de trocar informações,
confrontar opiniões, negociar sentidos e o que mais envolver essa prática
discursiva fundamental nas práticas sociais. Os textos escritos, não fragmentados
de modo a interferir na sua produção de sentido e nem descaracterizados de suas
finalidades, devem contemplar diversidade de seleção e de recepção.
70
Tanto em nível de oralidade quanto de escrita, salientam os PCNs (1998,
p.26) o respeito às especificidades do texto literário como uma “forma peculiar de
representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a
intenção estética” e, por isso, requerem a formação de um leitor com a
competência para reconhecer, no processo da leitura, os elementos lingüísticos
característicos de sua constituição, que “obedecem à sensibilidade e a
preocupações estéticas” (ibidem, p.27).
A chamada licença poética de que o texto literário se utiliza consiste na
possibilidade de romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos da
língua em detrimento de um trabalho artístico com a linguagem, capaz de produzir
sentidos polissêmicos. Por isso, a leitura que ele propõe é a do reconhecimento
das sutilezas lingüísticas de que o texto se constitui para expressar a
subjetividade do eu que escreve, dando liberdade ao eu que lê de também
manifestar a sua.
A proposição do documento de 1998 é de que o eu que media, na escola,
ao selecionar os gêneros, rompa com práticas de ensino artificiais, desvinculando
os gêneros textuais das situações concretas nas quais eles se organizam,
suscitados por diferentes relações sociais. Especificamente, ao texto literário,
espera-se que seja permitida a manifestação da subjetividade do leitor sem,
contudo, fugir ao confronto lingüístico com a palavra articulada na criação do
autor, pelo uso criativo dos recursos que a língua oferece.
1.2.1 O Texto Literário no Livro Didático
Apesar da prescrição e das orientações documentais, o modo mais
comumente pelo qual a literatura tem chegado a grande parte das escolas, que é
através do livro didático, tem recebido críticas em relação às estratégias
empregadas para abordar a leitura do texto literário. Ao escrever sobre a
escolarização da leitura literária Soares (2003) chama a atenção para as
inadequações mais freqüentemente encontradas em muitos livros de Língua
Portuguesa na composição do material de leitura, destacando procedimentos
como: a exclusão de gêneros textuais de grande circulação social quando da
seleção dos textos para compor o material de leitura; a substituição de textos
autênticos por outros que visam atender a uma demanda didática e, ao mesmo
71
tempo, desvencilha-se de prováveis dificuldades que o texto possa apresentar; a
fragmentação inadequada de textos autorais de modo a prejudicar as
características do gênero textual e a própria coerência do texto.
Em um parecer divulgado pelo MEC (Ministério de Educação e Cultura)
sobre o tratamento dado à leitura literária nos livros de Língua Portuguesa de 5ª a
8ª séries, constatou-se:
um enfoque historiográfico centrado nas características dos estilos de
época e nos elementos estruturais de composição (foco narrativo,
caracterização de personagem, ritmo e rima na poesia). As principais
habilidades trabalhadas são a localização de informações e paráfrase.
Com relação à exploração estilística e estética, muitas vezes as propostas
limitam as possibilidades de experimentação pelo leitor, quando, por
exemplo, solicitam do aluno [...] ora apenas identificar as intenções do
autor [...], ora utilizar poemas exclusivamente para estudo de conteúdos
gramaticais [...] ora passar do sentido conotativo para o sentido denotativo,
o que é questionável. (MEC, 2001, p. 56, 79, 90, 116)
Como professora de Língua Portuguesa que atua tanto nas séries do ensino
fundamental como nas séries do ensino médio tenho visto a tentativa de
adequação às teorias e orientações prescritas nos documentos, nos livros
didáticos que chegam às escolas públicas pelo PNLD (Programa Nacional do
Livro Didático) para uso dos alunos que cursam o ensino fundamental; entretanto
é preciso ressaltar que não cabe ao livro mudar a prática do professor, mas ao
mestre esclarecido buscar nos livros, nas revistas, nos filmes, nos cartazes que
poluem visualmente a cidade, na música, etc., aquilo que se adequa às suas
estratégias de trabalho.
72
1.3 Ações Governamentais pela Promoção da Leitura
De modo geral, a leitura e a leitura literária circunscrita ao livro didático ou
ao livro de literatura, ao longo do tempo, têm merecido do sistema governamental
ações com vistas a promovê-las. Lajolo e Zilberman (2002) registram que, a partir
dos anos 60, multiplicaram-se no Brasil instituições e programas voltados à
promoção da leitura e à discussão da Literatura Infantil e Juvenil. Durante esse
período, nasceram instituições como a Fundação do Livro Escolar (1966), a
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de Estudos de
Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias associações de Professores de
Língua e Literatura, além da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil
(1979).
Teixeira (2002) registra a preocupação com a educação nos governos de
Jânio Quadros e João Goulart (1961-64), com finalidade de torná-la mais
abrangente e adequá-la ao processo de urbanização e industrialização por que
passava o país. Nesse período, foi instituído no Ministério da Educação e Cultura
o Programa Nacional de Alfabetização, baseado no método Paulo Freire, porém
revogado antes mesmo de sua implementação pelo movimento de 1964.
Os governos militares posteriores assinaram vários convênios entre o MEC
e seus órgãos e a Agency Internacional Development (AID), que objetivavam a
assistência técnica e a cooperação financeira dessa agência na organização do
sistema educacional brasileiro.
Em 1970, surge o Mobral com a finalidade de erradicar o analfabetismo e, a
partir desse período, a escola assiste a um conjunto de iniciativas, tanto do poder
público federal quanto da iniciativa privada, em favor da promoção do livro e da
leitura.
Na década de 80, a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) promove
vários programas de incentivo ao livro didático e também o programa FAE – Salas
de leitura (1984) com o objetivo de compor na escola um espaço para a leitura
literária, mas fatores como descontinuidades dos programas, que precisavam de
patrocinadores, a falta de compreensão dos professores de como trabalhar a
leitura em sala de aula, o não-envolvimento da comunidade escolar com a
proposta e a dificuldade em mensurar o alcance do trabalho, foram apontados por
Teixeira (2002) como desarticuladores dos programas.
73
Nos anos 90, outros programas de incentivo à leitura começam a ser
desenvolvidos: o PROLER Programa Nacional de Incentivo à Leitura, da
Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura e o Pró-Leitura Projeto Pró-
Leitura na Formação do Professor Programa de Cooperação Educacional Brasil
- França, Ministério da Educação e do Desporto; Secretaria de Educação
Fundamental, ambos criados em 1992. Em 1997, o MEC institui o Programa
Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que, como os demais, inscreve entre seus
objetivos promover a leitura e o conhecimento de obras literárias entre
professores e alunos.
Crítica comum a esses programas, em muitos congressos de leitura que
ocorrem pelo país afora, diz respeito ao alcance deles como distribuidores do livro
e não, necessariamente, como promotores da leitura. É possível que Rangel
(2003), ao chamar para a reflexão sobre o que cabe ao livro didático de Português
ou ao livro literário que chega às bibliotecas das escolas por meio desses
programas (acrescento) e o que incumbe à escola, esteja alertando quanto ao
papel que compete a cada um executar, ou seja, a quem compete distribuir, fazê-
lo; a quem compete formar leitores, formá-los. No que conclui o autor, diz que tal
reflexão “certamente nos obrigará a incluir explicitamente no projeto pedagógico
(...) uma política, uma pedagogia, uma ética e uma estética da leitura” (Rangel,
2003, p.144).
Como prescrição esse projeto existe, porque o documento recomenda
que:
A escola deve organizar-se em torno de uma política de formação de
leitores, envolvendo toda a comunidade escolar. Mais do que a
mobilização para aquisição e preservação do acervo é fundamental um
projeto coerente de todo o trabalho escolar em torno da leitura. Todo
professor, não apenas o de Língua Portuguesa, é também professor de
leitura. (PCNs – Língua Portuguesa, 1998, p.72)
Ante a elaboração de um projeto escolar que considere esse tipo de
trabalho com a leitura, o professor que se dispuser a inserir o texto literário em
seu planejamento não pode deixar de incluir nele o tratamento didático adequado
para a produção de sentido requerida por essa leitura.
74
1.4 A Leitura Literária
Sob o lema “Quem lê, viaja” o Ministério da Educação divulgava, em 1997,
uma campanha de incentivo à leitura. Em junho do mesmo ano, o Boletim
Informativo (BI) n.6, v.19, p.6 da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil) trazia o seguinte comentário sobre a campanha: ”Esperamos que, no
próximo ano, a campanha da mídia, além de divulgar o prazer da leitura, se
detenha também na visão crítica e questionadora que a leitura pode
proporcionar”.
Ante o lema da campanha e o comentário do BI, muito oportuno é
acrescentar a observação de Lacerda (2003, p.94) de que “(...) fazer da leitura
uma festa pode ser o nocivo quanto deixá-la como o cálice sagrado, Graal do
qual poucos vão beber” para início de discussão.
As pressuposições de que a leitura nos conduz ao sonho e de que no livro
literário estariam a fantasia, o espaço lúdico e a livre criação são, de acordo com
Paulino (2003, p.73), “equívocos com conseqüências negativas para a vida
cultural de sociedades em desenvolvimento como a nossa”, uma vez que a
autora, remetendo ao texto de Anne-Marie Chartier Leitura e saber ou a Literatura
Juvenil entre ciência e ficção retoma as palavras da escritora francesa ao dizer
que “um livro sobre as baleias pode fazer-nos sonhar tanto quanto um romance, e
que um romance de Júlio Verne pode fazer-nos descobrir o mundo de modo tão
eficaz quanto um documentário.” (ibidem, p.73). Esse modo de encarar a leitura
considera as diferentes expectativas, preferências e repertórios que os leitores
trazem consigo.
Para Pacheco (2004, pp.211-212), literatura é, acima de tudo, arte; pertence
à esfera da estética, para a qual busca definição:
Estética tem sua origem em estesia, ou seja, sensação, sensibilidade,
sentido. Em contraposição, temos a palavra anestesia, negação de
estesia, em que os sentidos, as sensações e as sensibilidades são
bloqueados. (PACHECO, 2004, pp.211-212)
A autora ainda acrescenta que, sendo a literatura arte, provoca fruição
estética que não aciona só o belo e o prazer tranqüilo, mas também o incômodo e
75
o desconforto. Isso remete a Barthes (1996) e a distinção que faz entre texto de
prazer e texto de fruição:
Texto de prazer: aquele que contenta, enche, euforia; aquele que vem
da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável de
leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que
desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas,
culturais, psicológicas do leitor, a consciência de seus gostos, de seus
valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a
linguagem. (BARTHES, 1996, pp.21-22)
Tudo isso pode a leitura literária de fruição porque envolve
“simultaneamente a razão e a emoção em atividade” (Paulino, 2003, p.74), pois
ativando-se a emoção “o envolvimento emocional do leitor com a narrativa de
ficção ou a identidade imediata entre o mundo do texto e o mundo do leitor opõe-
se à leitura crítica e ao estudo sistemático” (Britto, 2003, p.86).
Então, que competências deve ter o leitor para realizar leitura crítica e
estudo sistemático? Como entender o texto literário? Que estratégias de leitura
devem ser aplicadas? De acordo com Paulino (2003),
os livros literários quando são literários e a leitura também é literária
constituem universos textuais extremamente complexos, em que o prazer
é sofisticado, exigindo muitas habilidades de inferenciação e interpretação
de seus leitores. Não se trata de uma brincadeira gratuita, em que vale
tudo e não existem regras nem uso da inteligência. (...) Os padrões
literários existem e devem ser também conhecidos pelo leitor. (PAULINO,
2003, p.74)
Aos padrões literários corresponderia, como enumera Soares (2003), o
conhecimento destas habilidades: análise do gênero do texto, dos recursos de
expressão e de recriação da realidade, das figuras autor-narrador, personagem,
ponto-de-vista (no caso da narrativa), a interpretação de analogias, comparações,
metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos, enfim, o estudo daquilo
que é textual e que é literário.
76
O desenvolvimento dessas competências no leitor é o que compete à
mediação, ainda que “o seu caráter polissêmico, as suas lacunas a serem
preenchidas pelo leitor propiciam a formação de sentidos que escapam ao
controle do mediador” (Walty, 2003, p.52). Daí a caracterização ao texto literário
(e por que não ao mediador) como conciliador de antagonismos, pois ao propor
regras para atribuir sentido, não limita a negação delas, se assim o texto permitir.
Um outro conceito formulado para a leitura literária vem de Aguiar (2003):
O conceito de leitura literária que propomos, (...) não concebe as relações
do leitor com o texto artístico como um momento único, desvinculado da
realidade circundante, mas (...) salienta a multiplicidade de fatores
presentes. (...) [o livro] é entendido como produto cultural ativo, integrado
ao sistema de trocas da comunidade, desde sua criação até seu consumo,
passando pelas ingerências de edição e circulação. (AGUIAR, 2003,
p.326)
É possível afirmar pelo conceito esboçado que a leitura literária está situada
entre a festa e o cálice sagrado, porque não é apenas pensada como
um procedimento cognitivo ou afetivo, mas principalmente como ação
cultural historicamente constituída, articulada com o conjunto de valores e
saberes socialmente dados, resultando em uma ação política que vai
requerer de seu leitor um ato de posicionamento político também, porque
não toma o que como verdade ou como criação original, mas sim como
produto. (BRITTO, 2003, p. 84)
Sendo o componente político intrínseco ao produto, o autor supracitado
alerta para “o equívoco de transformar prática social em ato redentor” (ibidem,
p.83), pelo que Lacerda (2003, p.104), ao usar a prática para argumentar a prática
formulada por Britto, classifica-a como arguta e, argutamente, conclui: “uma
questão de trabalho a leitura. Trabalho e arrebatamento. Caos. É o caos o lugar
da leitura”.
O caos é desordem, ou, como diz Paulino (2003):
77
a modificação de um repertório (habilidades e conhecimentos de mundo,
de língua e de textos) que vai se desestabilizando pela pluralidade e
ambigüidade comum no processo de produção de conhecimento
característico da autêntica leitura literária. (PAULINO, 2003, p.75)
A leitura que pode motivar a outras leituras para que cada um componha a
sua escrita. Trabalho, arrebatamento, caos, construção e reconstrução - o
percurso da leitura.
1.5 As Finalidades da Leitura
A leitura como prática para suprir necessidades pessoais e sociais dos
sujeitos apresenta algumas funções estruturadas por autores que tomam por base
a situação em que elas ocorrem.
No contexto da realidade educacional brasileira, Silva (2000) explicita as
seguintes funções da leitura:
1. Leitura como atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais
essencial à própria vida do homem. Tendo em vista que o patrimônio
cultural do homem está registrado pela escrita, a leitura seria uma via de
acesso a esse patrimônio, sendo uma das formas de o homem se situar
com o mundo de forma a dinamizá-lo.
2. Leitura como atividade que propicia o sucesso acadêmico, por isso não ser
alfabetizado adequadamente pode significar grandes dificuldades na
aquisição do currículo escolar.
3. Leitura como instrumento de discussão e de crítica, uma vez que a ciência
e a cultura chegam às escolas através do livro; negar isto é formar o
modelo da escola ideal, mas não considerar concretamente as escolas.
4. Leitura como recurso de criação, transmissão e transformação da cultura,
de modo a combater a massificação imposta, principalmente pela televisão.
5. Leitura como possibilidade de aquisição de diferentes pontos de vista e
alargamento da experiência, sendo o livro o recurso mais prático para a
difusão do conhecimento.
Geraldi (2004) também descreve algumas práticas leitoras desenvolvidas
com diferentes funções e em contextos diferenciados, são elas: a leitura estudo
78
do texto realizada principalmente na escola e mais em outras aulas do que na
de Língua Portuguesa, ela deveria servir para desenvolver as mais variadas
funções de interlocução leitor/texto/autor, buscando especificar a tese defendida
no texto, os argumentos apresentados em favor da tese defendida, os contra-
argumentos levantados em teses contrárias e a coerência entre a tese e os
argumentos. O outro tipo, denominado a leitura do texto-pretexto, envolve,
segundo o autor, uma rede muito grande de questões, pois a utilização do texto
para o desenvolvimento de outra atividade pode revelar desígnios outros que não
o da interlocução entre as instâncias de produção de sentido. O terceiro tipo de
leitura discriminado por ele é a leitura fruição do texto na qual não a
preocupação em controlar o resultado, por isso mesmo praticamente ausente das
aulas de Língua Portuguesa. A leitura é gratuita e não está circunscrita ao
texto literário, o pagamento da gratuidade é conseqüência do aprendizado que, de
certo modo, toda leitura gera.
Arena (2003) destaca três fatores fundamentais na relação do sujeito com a
leitura: a satisfação da necessidade, uma intenção e uma finalidade. Nesse
sentido, as práticas de leitura pensadas pela mediação, no ambiente escolar,
devem contribuir para a satisfação deles em situações reais de comunicação, de
modo que, ao buscarem as leituras em outros espaços de mediação, possam
estar habilitados a interagir com a diversidade de leituras propostas.
À biblioteca como mais um espaço de mediação da leitura compete também
ter o conhecimento das funções da leitura a partir das especificidades dos textos
e das propostas de leitura que eles encerram a fim de que o trabalho de formação
de leitores alcance maiores e melhores níveis.
79
CAPÍTULO IV
1. A LITERATURA INFANTIL E JUVENIL
10
– FORMAÇÃO E PRODUÇÃO
(...) A literatura infantil é aquela que a criança também lê.
Vera Teixeira de Aguiar
Como produção cultural para a criança e na estruturação de seu campo
teórico muito já foi alcançado pela Literatura Infantil e Juvenil, mas algumas
discussões relativas à sua origem e ao seu conceito no que concerne à
especificidade de seu leitor e à sua ligação com a instituição escolar são sempre
pertinentes de serem abordadas a fim de situá-la e de se situar nela. Acredito ser
esse o começo necessário para entender os percursos da evolução da Literatura
Infantil e Juvenil que, deixando cada vez mais distante o marginalato que lhe
impuseram, firma-se como produção artística com função estético-formativa.
Desse modo, o capítulo que ora se estrutura parte das questões polêmicas
que envolvem origem, natureza específica e função da Literatura Infantil e Juvenil,
destaca, posteriormente, as contribuições de perspectivas disciplinares da
Psicologia, da Literatura, da Sociologia e da Didática na estruturação de seu
campo teórico, em seguida, aponta algumas características da produção literária
infantil e juvenil, a partir dos anos setenta, no Brasil.
Contudo, antes dessa estruturação específica da Literatura Infantil e Juvenil,
importante alertar quanto, uma vez que o está exposto aqui, às polêmicas
conceituais que envolvem o termo literatura, porque
Tal como acontece com quase todos os vocábulos que exprimem a
atividade intelectual e artística do homem, a palavra “literatura”
11
apresenta-se fortemente afetada pelo fenômeno da polissemia, tornando-
se por isso muito difíceis o estabelecimento e a clarificação do conceito de
literatura (...) (AGUIAR E SILVA, 1968, p.19)
10
São muitas as posições sobre o adjetivo que acompanha o termo literatura, contudo sem discuti-las, optei
pelo uso de infantil e juvenil, considerando as obras direcionadas para ambos os públicos no mercado
editorial.
11
Sobre o conceito de literatura, ver Aguiar e Silva (1968, pp.19-51), Eagleton (1983, pp.1-17), Wellek e
Warren (1955, pp.17-34), Castro b (1985, pp.31-62), Souza (1986, pp.39-45).
80
Logo, imersa nesse campo semântico de acirradas discussões que
ultrapassam cadas, a Literatura Infantil e Juvenil e o que a ela está relacionado
também estão envoltos em polêmicas conceituais.
1.1 Origem, Natureza Específica e Função da Literatura Infantil e Juvenil
No que diz respeito à origem, existem dois momentos distintos em que os
autores a situam: o primeiro considera que a sua origem está na idade oral do
mito, o outro entende que ela encontra-se na segunda metade do século XVIII, no
contexto da ascensão burguesa, quando a criança seria “um dos eixos em torno
do qual a burguesia se organiza” (Zilberman, 1986, p.18).
Mas antes de adentrar a essa questão, é importante situar outra: a ausência
do sentimento de infância na Idade dia de que fala Ariès (1981) e o modo
como essa tese ecoou entre os historiadores da infância, porque favorece o
entendimento sobre os dois momentos em que situam a Literatura Infantil e
Juvenil.
Atento à repercussão de sua tese entre os historiadores da infância, o
próprio Ariès assim se manifesta sobre ela, no prefácio da segunda edição da
obra de sua autoria História Social da Criança e da Família:
Minha primeira tese é uma tentativa de interpretação das sociedades
tradicionais. A segunda pretende mostrar o novo lugar assumido pela
criança e a família em nossas sociedades industriais.
(...)
Se a minha segunda tese encontrou uma acolhida quase unânime, a
primeira (a ausência do sentimento da Infância na Idade Média) foi
recebida com mais reserva pelos historiadores.
Entretanto, hoje se pode dizer que suas grandes linhas foram aceitas. Os
historiadores-demógrafos reconhecem a diferença que persistiu até muito
tarde em relação às crianças, e os historiadores das mentalidades
perceberam a raridade das alusões às crianças e às suas mortes nos
diários de família, (...) (ARIÈS, 1981, p.11).
Como o próprio Ariès considera as críticas mais construtivas do que as
aprovações, ir a elas é um modo de atentar para a sua consistência.
81
(...) os estudos que têm sido realizados mostram que a consciência da
existência de diferentes períodos da vida humana, por parte dos adultos,
assim como as atribuições e representações relacionadas às
características específicas de cada um deles incluída a particularidade
infantil -, pode ser identificada desde a Antiguidade e nas mais diversas
culturas. (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2004, p.16)
Os autores que registram a constatação desses estudos a atribuem a
Becchi & Julia (1996), Cambi & Ulivieri (1988), Riché & Alxandre-Bidon (1994)
entre outros. E, indo a outros, encontrei esta fala de Gélis (1991):
O interesse ou a indiferença com relação à criança não são realmente a
característica desse ou daquele período da história. As duas atitudes
coexistem no seio de uma mesma sociedade, uma prevalecendo sobre a
outra em determinado momento por motivos culturais e sociais que nem
sempre é fácil distinguir. A indiferença medieval pela criança é uma fábula,
no século XVI, como vimos, os pais se preocupam com a saúde e a cura
de seu filho. (GÉLIS, 1991, p.328)
A idéia da coexistência de interesse e indiferença apresentada por Gélis é
aprazível no sentido em que ele encaminha a sua tese descrevendo o percurso
de individualização da criança inserida numa sociedade em que a uma cultura
não oficial vai-se sobrepondo uma oficial (escolarizada), de maneira que o corpo
da linhagem torna-se o corpo do desejo de viver a própria vida e dela dispor com
liberdade; a uma consciência de um ciclo de vida circular, em harmonia com os
desígnios da terra-mãe, irrompe uma mais linear, segmentária primeiro nas
classes abastadas, depois nas populares; a uma convivência do público e do
privado na formação da criança a ampliação dos direitos da mãe e principalmente
do pai sobre os filhos.
Portanto, fruto de mudanças estruturais na família durante os séculos
clássicos, acrescendo-se a isso a interferência da Igreja e do Estado, o
sentimento de infância no século XVIII, de acordo com este autor, deve ser
interpretado como
82
o sintoma de uma profunda convulsão das crenças e das estruturas de
pensamento, cujos sentidos retiram a criança, rebento do tronco
comunitário, integrado à coletividade para incorporar os interesses e os
sistemas de representação da linhagem, a uma educação pública de tipo
escolar, destinada também a integrá-la, facilitando o desenvolvimento de
suas aptidões. (GÉLIS, 1991, p.324-325)
Feita a referência a essa polêmica importante para o percurso, volto à
questão da origem da Literatura Infantil como etapa distinta do surgimento do livro
infantil, por isso situada na idade oral do mito, começando pelo que expõe Góes
(1991):
Consideramos literatura infantil literatura, portanto arte que existe desde
que o homem iniciou suas primeiras manifestações artísticas. Não damos
à palavra literatura apenas o conceito de letra impressa, mas de
manifestação artística do homem através da linguagem. (GÓES, 1991,
p.19)
Essa forma de situar a origem da literatura está muito ligada à localização
histórica em que a autora situa a criança, argumentando que ela “sempre existiu e
existirá, independente do espaço que o adulto reservará ou reservou para ela”
(ibidem, p.19). Por isso, segue argumentando:
O narrar artístico do homem nasceu a partir do momento em que sentiu
necessidade de procurar uma explicação qualquer para os fatos que
aconteciam a seu redor.
Na antigüidade, como é sabido, os homens não escreviam. Conservavam
suas lembranças na tradição oral; onde a memória falhava, entrava a
imaginação para supri-la, e a imaginação era o que povoava de seres o
seu mundo. Foi este momento a etapa infantil da humanidade. (GÓES,
1991, pp.63-64)
Esse ponto de vista também está explicitado em Coelho (1991):
83
Quando hoje falamos nos livros consagrados como clássicos infantis, os
contos-de-fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen,
ou as fábulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos)
que esses nomes não correspondem aos dos verdadeiros autores de tais
narrativas. São eles alguns dos escritores que, desde o século XVII,
interessados na literatura folclórica criada pelo povo de seus respectivos
países, reuniram as estórias anônimas, que há séculos vinham sendo
transmitidas, oralmente, de geração para geração, e as transcreveram por
escrito. (COELHO, 1991, p.12)
Mantovani (1974, p.25) compartilha dessa opinião quando diz que “o livro
infantil é conquista moderna. Não assim a literatura infantil, cuja remota origem
ascende a idade remota do mito”, esclarecendo mais uma vez a diferença entre
situar a origem da Literatura Infantil e situar a origem do livro infantil.
Sendo assim, Góes (1991) é conclusiva:
situar as origens no Panchatantra, Perrault, Fénelon ou Júlio Verne
dependerá da concepção que se tiver do livro infantil: uma história de
animal, uma fábula, um conto maravilhoso, iniciação à ciência ou ao
mundo real.
Assim, as fontes da literatura infantil estariam no Calila e Dimna
12
que se
desdobrou no Roman du Renart, na Disputa del Asno, de Frei Anselmo
Turnedo, em Boccacio, nos “fabliaux”, no Conde Lucanor, de Juan Manuel,
nos contos e provérbios da Disciplina Clericalis, na compilação de Pedro
Alfonso, em La Fontaine ou no Sendelbar, traduzido do árabe para o
castelhano. (GÓES, 1991, p.57)
A outra forma de encarar a questão, localizando a origem literária infantil no
século XVIII, demonstra uma maneira diferenciada de conceber a Literatura
Infantil, conforme se pode ver nessas duas transcrições de uma mesma autora. A
primeira retirada de publicação datada de 1986:
12
Tida como a mais antiga das narrativas que estão nas origens da Literatura Popular européia, Calila e
Dimna teria surgido na Índia, por volta do século V a.C., e dali saído pela primeira vez, no século VI d.C.,
através de uma tradução persa (Coelho, 1991, p.14)
84
Natureza intrinsecamente social da literatura infantil decorre das
circunstâncias que provocaram seu aparecimento. Emergindo
paralelamente a um novo fenômeno o de idealização da criança e da
infância -, sua existência não pode ser compreendida sem que seja
vinculada à nova posição que ocupa a burguesia na sociedade européia
durante o século XVIII. (ZILBERMAN, 1986, p.18
)
e a segunda em publicação de 2002 em parceria com outra autora:
As primeiras obras publicadas visando ao público infantil apareceram no
mercado livreiro na primeira metade do século XVIII. Antes disto, apenas
durante o classicismo francês, no século XVII, foram escritas histórias que
vieram a ser englobadas como literatura também apropriada à infância (...)
(LAJOLO e ZILBERMAN, 2002, p.15)
Ambas as citações levam à compreensão de que para a autora o conceito
de literatura infantil está muito ligado à publicação de obras para atender o leitor
infantil que, antes do período delimitado por ela, não possuía literatura dirigida
especificamente. Também fica evidente que, nesse conceito, o valor que recebe a
criança é dado pelo poder sócio-político que se institui no período, explicitado nas
instituições e nos produtos culturais criados para atender às necessidades das
crianças, segundo os critérios que se julgavam necessários.
Nesse contexto, de ascensão burguesa ao poder, com profundas
transformações na estrutura social, “a literatura infantil transformou-se no
instrumento que, aliado à pedagogia nascente, procurou converter cada menino
no ente modelar e útil ao funcionamento da engrenagem social” (Zilberman, 1986,
p.18). Era um período em que a escola se dinamizava pela ênfase dada à
alfabetização e à escrita, ao mesmo tempo em que o mercado editorial
intensificava a sua produção e carecia de um público consumidor para ela.
A proximidade entre a literatura e a pedagogia para servir a uma ideologia
encaminha para a discussão da natureza específica da literatura infantil enquanto
arte literária ou pedagógica. Se literária, o seu discurso
emocional, imaginativo, ambíguo, irônico, paradoxal, alusivo, metafórico,
etc., tende a fazer da obra uma estrutura de significados autônoma que
85
diverge profundamente do discurso científico, referencial, racional,
cognoscivo e puramente instrumental. (ROSENFIELD, 1976, p.53)
Porque existe essa diferença de focos discursivos é que se questiona os
limites da convivência de um em outro e vice versa. Então, se por um lado, ela é
motivada pelo “pacto entre produtores e distribuidores” (Lajolo, 1987)
13
, por outro,
a apropriação do discurso literário pela escola é que impingiu nele o aspecto
pedagogizante, por isso Soares (2003) considera inadequada essa apropriação
quando:
há uma seleção limitada de tipos e gêneros, porque há uma escolha pouco
criteriosa de autores e obras, e sobretudo, porque os textos são quase
sempre pseudotextos, isto é, fragmentos sem textualidade, sem coerência;
e ainda porque as atividades que se desenvolvem não se voltam nem para
a textualidade e nem para a literariedade do texto. (SOARES, 2003, p.47)
Coelho (2000) considera que ambas as intenções (divertir e ensinar) estão
presente em doses diferentes, nas variedades de produção direcionada à criança
e que a opção do escritor por uma ou outra intenção está relacionada, também,
com a tendência predominante em sua época; e ainda, acrescento, com as
ideologias da política dominante.
Na história da Literatura Infantil brasileira são representativas da ideologia
vigorante as produções marcadamente nacionalistas que se produziram nas
primeiras décadas do século XX, tendo em obras como Contos Pátrios (1904), de
Coelho Neto e Olavo Bilac; História de nossa terra (1907), de Júlia Lopes de
Almeida; Narrativa através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel Bonfim,
encerrando o ciclo com Saudade (1919), de Tales de Andrade, publicado pela
Secretaria de Agricultura do Estado de o Paulo, com um discurso
acentuadamente ruralista, também tendência de um outro foco que prevaleceu na
escrita da época. No caso, o discurso pedagógico se revestiu de literário para
reforçar crenças e valores que interessavam à classe dominante.
A propósito desse caráter de compromisso entre produção e desígnios do
poder, Becker (2002, p.141) considera que “durante a primeira metade do século
13
Soares (2003) recolhe essa fala de Lajolo do jornal O Tempo, Belo Horizonte, 24 de agosto de 1997,
Suplemento Engenho e Arte.
86
XX, produz-se no Brasil, uma literatura infantil, e não uma literatura infantil”, ou
seja, a ênfase no adjetivo relegava os elementos imaginativos e estéticos em
detrimento dos didático-moralistas, exceção feita, contudo, ao sobressalto entre
1920 e 1930 com Lobato e 1940 com Maria Lúcia Amaral, Lúcia Machado de
Almeida e Odette Barros Mott com obras que se desvencilharam da tendência
predominante.
Em suma, Vilassante (1953) lembra que
nos começos da literatura infantil estava a Pedagogia e que, ainda hoje,
muitas vezes, pedagogia e literatura infantil vão de mãos dadas, às vezes
como boas amigas, e outras, a maioria, sofrendo a literatura, como uma
pobre e bela Cinderela, a dura perseguição de sua pedagógica e insidiosa
madrasta. (VILASSANTE, 1953, p.15)
Em relação às obras apontadas na origem da Literatura Infantil e Juvenil,
Coelho (2000, p.45) destaca os contos e fábulas de Calila e Dimna “como
ensinamento da ciência política, ou melhor, da arte de governar” como exemplo
de narrativas que resistiram ao tempo, apesar da exemplaridade explícita, porque
foi expressa em “linguagem simbólica”, perdurando nelas as “verdades gerais” da
arte de governar. Segundo ela, é esse o caráter fundamental da literatura:
traduzir verdades individuais, de tal maneira integradas na verdade geral e
abrangente, que a forma representativa escolhida, mesmo perdendo com o
tempo, o motivo particular que a gerou, continua falando aos homens por
outros motivos, também verdadeiros, no momento em que surgem.
(COELHO, 2000, pp. 44-45)
Por isso, no sentido de que a Pedagogia não seja a madrasta, mas a amiga,
é que a apropriação do discurso literário pelo pedagógico deve considerar dois
aspectos: o da produção da obra e o da atribuição de sentido no processo de
mediação de leitura.
Sobre o processo de produção da obra, Sosa (1978) destaca duas
características a serem evitadas: a puerilidade que se evidencia, em ver a criança
como “um ser à parte, sem inteligência e capacidade crítica”, isso se
manifestando na obra através de uma “linguagem carregada de diminutivos,
87
piegas, onde transparece a falsa simplicidade, com ação e diálogos artificiais” e o
tom moralizador “pelo qual sempre se julgam obrigados a apresentar a virtude
recompensada e o vício castigado. As crianças percebem confusamente o que
de artificial nessa representação e logo se entediam” (Sosa, 1978, p.17). O
fragmento da obra Infância, de Ramos (1995) exemplifica bem essa ocorrência:
Principiei a leitura de má vontade. E logo emperrei na história de um
menino vadio que, dirigindo-se à escola, se retardava a conversar com os
passarinhos e recebia deles opiniões sisudas e bons conselhos.
_ Passarinho, queres brincar comigo?
Forma de perguntar esquisita, pensei. E o animalejo, atarefado na
construção de um ninho, exprimia-se de maneira ainda mais confusa. Ave
sabida e imodesta, que se confessava trabalhadora em excesso e
orientava o pequeno vagabundo no caminho do dever.
Em seguida, vinham outros irracionais, igualmente bem intencionados e
bem falantes. Havia a moscazinha, que morava na parede de uma
chaminé e voava à toa, desobedecendo às ordens maternas. Tanto voou
que afinal caiu no fogo. (...)
O passarinho, no galho, respondia com preceito e moral. E a mosca usava
adjetivos colhidos no dicionário. A figura do barão manchava o frontispício
do livro e a gente percebia que era dele o pedantismo atribuído à mosca
e ao passarinho. (...) (RAMOS, 1995, pp.117-118)
Felizmente, o Brasil conta hoje com produção de autores como Lúcia Góes,
Lygia Bojunga Nunes, Ana Maria Machado, Ângela Lago, Ricardo Azevedo, entre
tantos outros excelentes a mostrarem que literatura infantil é, antes de tudo
“’literatura’, isto é, mensagem de arte, beleza e emoção” (Góes, 1991, p.3).
O outro aspecto, relacionado à atribuição de sentido pelo processo
mediador, está muito ligado à distinção que se deve fazer entre literatura infantil e
livro para crianças. Sobre essa questão, Azevedo (1999) tece reflexões que
considero fundamentais para a compreensão de propostas enviesadas de leitura
do livro literário. Segundo ele, a fatores como descompasso entre o preço dos
livros e a precária condição social de boa parte dos alunos; a falta de bibliotecas e
salas de leitura; a quase inexistência de livrarias, o convívio de crianças com
adultos, inclusive professores, sem o hábito de leitura soma-se a imensa confusão
88
feita diante da variedade de livros oferecidos pela indústria cultural aos leitores
infantis.
Embora considere que todas as categorias sejam importantes, tenham seu
espaço conceitual e sua razão de ser, arrisca-se a tentar separar os livros de
literatura infantil dos livros para a criança, pois acredita que a indiferenciação
entre eles constitui um engano que pode confundir leitores, autores, editores,
professores e críticos e, mais que isso, tem afastado o leitor da literatura.
São estas as categorias que Azevedo (1999) separa:
1. Os livros didáticos: são utilitários, constituídos de informações objetivas que
pretendem transmitir conhecimento e informação.
2. Os livros paradidáticos: também, essencialmente utilitários, abordam assuntos
paralelos ligados às matérias do currículo regular, de forma a complementar os
livros didáticos. Como os didáticos, ao terminar de ler uma obra paradidática,
todos os leitores devem ter chegado a uma mesma e única conclusão.
3. Os livros-jogo: independentemente de seu eventual interesse, não têm nada a
ver com a literatura infantil. Pertencem ao grupo dos jogos e passatempos com
um diferencial, utilizam o livro como suporte.
4. Livros de imagem: são aqueles que contam histórias através de imagens,
abdicando do texto verbal. Podem ser didáticos ou não e, no mundo de
linguagens múltiplas no qual estamos, não é exclusivo para crianças pequenas.
5. O CD-ROM pode atuar como instrumento pedagógico, ser um jogo e,
eventualmente, funcionar como um novo suporte para obras literárias ou
artísticas.
6. Os livros de literatura infantil: sem ter a pretensão de definir a literatura,
Azevedo afirma que
a literatura, por exemplo e em termos, é uma arte (em oposição à ciência)
feita de palavras; utiliza sempre o recurso da ficção (senão seria História,
reportagem, biografia etc.); tem motivação estética (ou seja, em princípio
não tem utilidade fora buscar o belo, o lúdico e o prazer do leitor); não é,
portanto utilitária “inútil” no sentido de que, objetivamente falando, não
serve para nada, nem pretende ensinar nada); recorre ao discurso poético
(quer dizer, preocupa-se com a linguagem em si, com sua estrutura, seu
tom, seu ritmo, sua sonoridade); vincula-se à voz pessoal, à subjetividade,
89
ao ponto de vista inesperado e particular sobre a vida e o mundo (...) pode
e costuma ser ambígua (ao suscitar diferentes interpretações); pode
brincar com as palavras e até inventá-las (...); tem a ver, por exemplo, com
conceitos como a aventura, o romance, o suspense, a tragédia (...), a
comédia etc. A literatura costuma tratar de assuntos subjetivos por
princípio, sobre os quais não tem cabimento dar aula: a paixão, a morte, a
busca do auto-conhecimento, a alegria, os afetos, as perdas, o
desconhecido, o imensurável (o gosto, o prazer, o amor, a beleza etc.), a
busca da felicidade, a astúcia, o ardil, os sonhos, a dupla existência da
verdade, a relatividade das coisas, a injustiça, o interesse pessoal versus o
coletivo, o livre arbítrio, a passagem inexorável do tempo, o paradoxal, o
conflito entre o velho e o novo etc. (...) (AZEVEDO, 1999, p. 3)
As distinções expostas e, principalmente, a caracterização do livro infantil
permite que não se pretendam dar aulas objetivas com obras que procuram, “de
forma poética e lúdica, especular sobre a existência”. Se assim for o ocorrerá o
afastamento do leitor da literatura, pois entenderá que “a vida apresenta inúmeros
aspectos diante dos quais seria inadequado falar em lições unívocas e objetivas”
(Azevedo, 1999, p. 3), ou seja, trata-se de adequar a leitura à especificidade da
obra, considerando os seus aspectos estruturais e discursivos na compreensão
da intenção da escrita.
Perrotti (1990) recolhe do Boletim Informativo 66 da Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil este episódio que demonstra como a interpretação
pessoal de uma obra literária pode resistir aos limites impostos pelo espaço de
leitura, pelo suporte e pela proposta de mediação.
Diante de uma ilustração recortada de um livro, a professora reclama com
o menino, que tem nas mãos a “prova do crime”a figura do Patinho Feio.
Por que você fez isso? Não sabe que o livro é para ser lido e não
recortado? Aí, diz o menino: mas eu cortei o Patinho Feio para tirar ele
daquela família que não gostava dele. Agora ele é meu, eu gosto dele...
(PERROTTI, 1990, p.97)
A manifestação do menino em relação à obra mostrou que a produção
literária não se encaixa em padrões uniformes de leitura, a sua função está em
90
propiciar ao leitor o contato com uma linguagem expressiva, poética, renovadora
a fim de discutir temas que, no fundo, “acabam sempre especulando sobre a
construção do significado da existência” (Azevedo, 1999, p. 4). No processo de
mediação da leitura literária, a libertação do Patinho Feio, é leitura possível dentre
outras que a linguagem polissêmica permite.
É justamente pelo aspecto artístico que a literatura como “um fenômeno de
linguagem resultante de uma experiência existencial/social/cultural” (Coelho,
2000, p.17) resiste ao tempo e encanta as pessoas, dentre as quais as crianças
que, muitas vezes, se apropriam de obras que, a priori, não teriam sido escritas
para ela, porém, de acordo com Sosa (1978, p.16), elas são aceitas porque
“respondem às exigências de sua psique [da criança] durante o processo de
conhecimento e de apreensão, que se ajustam ao ritmo de sua evolução mental,
e em especial ao de determinadas forças intelectivas”, Góes (1991, p.19)
exemplifica, citando:”Robinson Crusoé, As Viagens de Gulliver e As Mil e Uma
Noites, obras clássicas que, nos parece, realizaram muito mais do que uma
simples comunicação imposta pelo adulto à criança”.
Ainda em relação a essa questão, Sosa (1978) acrescenta:
Nem os contos de Perrault, nem os de Grimm, os primeiros a darem uma
significação perfeita à literatura infantil, foram, originariamente, inventados
por crianças ou para crianças, mas são de caráter popular e
correspondem, ao menos por seu tipo e essência, a fases de culturas
primitivas, ou como experiência viva; formam o que Antônio Machado
chama o barro santo (folclore), que serve para modelarmos nossa criação
posterior, sadia e poderosa, a autêntica, que será renovada na recriação
do povo. (SOSA, 1978, p.128)
Nesse aspecto, “Literatura infantil é a literatura que procura despertar na
criança emoção e prazer pelo interesse do narrado: oral ou escrito.” (Góes, 1991,
p.56), mas pode ser também, de acordo com Coelho (2000), um fecundo
instrumento de formação humana, ética, estética, política, que oferece matéria
para formar ou transformar as mentes.
Paulino (1999, p.52) destaca que a arte literária “nos permite conhecer
melhor o existente, ao percebermos outras possibilidades de existir” e acrescenta
91
ser possível um trabalho sério na área de linguagem com a leitura literária uma
vez que “os textos são processos de comunicação que se completam na
interlocução, a leitura literária torna-se fundamental para que esse uso literário da
língua realmente se concretize na sociedade” (ibidem, p.57).
Isso remete ao conceito de Literatura Infantil que Góes (1991, p.17)) toma
emprestado de Pound
14
(1977) para acrescentar e justificar a sua forma de
concebê-la: “Literatura Infantil é linguagem carregada de significado até o máximo
grau possível e dirigida ou não às crianças, mas que responda às exigências que
lhes são próprias.”
São estas as justificativas que ela apresenta para uma definição que julga
simples:
1) “Linguagem carregada de significado até o máximo grau possível”, pois é
literatura. Permitirá sempre releituras e oferecerá novas dimensões para cada
leitor.
O termo “linguagem” tem a vantagem de ser compreendido na significação
atual, não privilegiando a linguagem verbal. Como linguagem pressupõe ou
contém os elementos da comunicação citados na definição de Soriano
15
:
emissor, receptor, mensagem, o código usado e a realidade a qual emissor e
receptor se referem.
2) “Dirigidas ou não às crianças” por ser irrelevante a origem dos livros infantis.
Obras que não consultaram a psicologia infantil, mas que respondem aos
processos totais do ser humano interessam vivamente às crianças.
3) “Mas respondem às exigências que lhes são próprias”: todos os autores
consultados são unânimes em identificar a necessidade de correspondência
do livro infantil e o processo de desenvolvimento das crianças. Todo ser
humano cumpre etapas biológicas de crescimento e desenvolvimento que são
as mesmas para todos. Os interesses variam de acordo com tais etapas. (...)
(GÓES, 1991, p.16)
14
O conceito de Pound (1977, p.32): Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é
simplesmente linguagem, carregada de significado até o máximo grau possível.
15
O conceito de Soriano (1975, p.185): A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (ou
localizada no tempo e no espaço) entre um locutor ou um escritor adulto (emissor) e um destinatário
(receptor) que, por definição, de algum modo ao longo do período considerado dispõe apenas de modo
parcial da experiência real e das estruturas lingüísticas, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a
idade adulta.
92
O conceito dado por Soriano (1975), transcrito no rodapé, chama atenção
para a polêmica (mais uma) sobre a possibilidade de os textos dirigidos às
crianças serem ou não considerados literários e também levanta curiosidade
quanto ao termo que acompanha a literatura destinada a esse público.
Em relação à possibilidade de outorgar status literário para as obras
destinadas às crianças, Colomer (2003) registra algumas opiniões relativas à
questão, como esta de Croce (1974):
A arte pura (...) requer, para ser saboreada, maturidade da mente,
exercício de atenção e experiência psicológica. O sol esplêndido da arte
não pode ser suportado pelos olhos débeis da criança e do adolescente
(...) para eles são adequados certo tipo de livros que tem algo de artístico,
mas contém elementos extra-estéticos, curiosidades, aventuras, ações
audazes e guerreiras. (...) De qualquer modo, se as crianças podem
desfrutar de uma obra de arte pura, esta não terá sido criada para elas,
mas para todo mundo, e por isso não pertencerá à literatura para
crianças” (...) (CROCE, 1974, p.67)
Outras opiniões como a Ferlosio (1972, p.11) em prólogo de uma edição
castelhana de Pinóquio: “Se o pode existir (a LIJ)
16
, pois que não exista algo
cuja existência só é possível na degradação” ou a de Rico de Alba (1986, p.54) de
que “a erradamente chamada literatura infantil é, para a verdadeira literatura, o
que os castelos de areia que construímos na praia para nossos filhos são para a
verdadeira arquitetura” são sintomáticas de uma resistência ao reconhecimento
da literatura infantil como tal.
Nesse sentido, os estudos estruturalistas russos, durante a década de 60,
que objetivaram estabelecer uma ciência literária, encontraram nos estudos de
Jakobson (1923) sobre funções da linguagem importante contribuição. Quando
fala da função poética da linguagem, considera que o traço característico do texto
literário é a literariedade, ou seja, a capacidade de se “desviar” da norma, assim,
aponta Colomer (2003, p.44), “a literatura infantil foi considerada um texto literário
menor, que se trata, geralmente, de um texto menos desviado da norma que
um poema vanguardista, por exemplo”.
16
Literatura Infantil e Juvenil ou Literatura Infanto-Juvenil
93
Outra contribuição que serviu para alargar os limites dessa questão foi a
proposta de Towsend (1971) e Soriano (1975) em equilibrar estudos centrados no
texto com estudos centrados no leitor pela definição de um esquema
comunicativo, conforme se viu no conceito, serviu para ampliar as discussões no
campo filológico ao longo dos anos 70, estendendo-se à definição do caráter
literário das obras infantis.
Soriano (1975, p.189) ainda destaca que a finalidade do conceito dado foi
“enfatizar o diálogo que, de uma época para outra, de uma sociedade para outra
se estabelece entre as crianças e os adultos por meio da literatura”.
Distanciando-se cada vez mais do caráter espúrio que lhe quiseram impor, a
Literatura Infantil e Juvenil (LIJ, como grafarei daqui pra frente), tem incorporado,
de acordo com Colomer (2003, p.77), nestes últimos anos, uma base teórica que
funde conscientemente “o interesse especificamente literário com as perspectivas
psicopedagógicas e socioculturais” que têm evoluído “em seu interesse pela
consideração do leitor”, conforme estarão explicitadas no tópico seguinte.
1.2 As Contribuições das Perspectivas Disciplinares para a Base Teórica da
Literatura Infantil e Juvenil
A incorporação das disciplinas de perspectiva psicológica, literária,
sociológica e didática ao campo de estudo da LIJ além de servirem para
estruturar a sua base teórica tem possibilitado a produção de interessantes
trabalhos no campo de estudo da LIJ em cada uma das perspectivas. Nesse
tópico, porém, compete ressaltar as contribuições que estudos específicos no
campo de ação delas trouxeram para a LIJ.
A principal referência para expor o conteúdo dessas contribuições é
Colomer (2003) e, embora o locus a que se refira seja a Europa, principalmente a
Espanha, os gorjeios de ecoam cá, tornando possível que sejam estabelecidas
algumas relações.
A Perspectiva Psicológica
São duas as ramificações que compões os estudos da perspectiva
psicológica: a primeira, a psicanalítica, valoriza os contos tradicionais folclóricos
94
como produção que se dirige a atender os conflitos psicológicos da criança,
centrando “no efeito dos contos sobre o amadurecimento afetivo das crianças, na
análise de como a experiência literária na infância estimula a criação de
representações que contribuem para a construção da personalidade”; a segunda
ramificação, a psicologia cognitiva, em particular os estudos de Piaget, procura
“delimitar a relação entre a capacidade de recepção dos contos e o grau de
desenvolvimento psicológico das crianças, isto é, o estágio das operações
mentais, que os leitores infantis são capazes de realizar” (Colomer, 2003, pp.81-
82).
A grande influência dos estudos psicanalíticos no campo da LIJ está em
constatar nos contos tradicionais a existência de elementos capazes de ajudar a
criança a resolver os seus conflitos psicológicos, porque
nada é tão enriquecedor e satisfatório para a criança, como para o adulto,
do que o conto de fada folclórico. Na verdade, em um nível manifesto, os
contos de fadas ensinam pouco sobre as condições específicas da vida na
moderna sociedade de massa; estes contos foram inventados muito antes
que ela existisse. Mas através deles pode-se aprender mais sobre os
problemas interiores dos seres humanos, e sobre as soluções corretas
para seus predicamentos em qualquer sociedade, do que com qualquer
outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil. (BETTELHEIM,
1980, p.13)
Sendo uma das principais referências dessa ramificação dos estudos
psicológicos a obra de Bettelheim A psicanálise dos contos de fadas está
repleta de argumentos que reconhecem o poder terapêutico dos contos de fadas
e a insipidez das estórias modernas escritas para as crianças, tendo em vista,
segundo o referido autor, que elas evitam os problemas existenciais quando
relegam temáticas como a morte, envelhecimento, enfim temas relacionados aos
limites de nossa existência. Por outro lado, os contos de fadas “confronta a
criança honestamente com os procedimentos humanos básicos” uma vez que “a
psicanálise foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza problemática
da vida sem ser derrotado por ela, ou levado ao escapismo” (ibidem, p.15 e 17).
95
Benjamin (1980) reconhece nessas narrativas um conselheiro para as
mentes infantis a ensiná-las a enfrentar as dificuldades:
Onde era difícil obter o bom conselho, o conto de fadas sabia dá-lo, e onde
a aflição se mostrava extrema, mais próxima estava a ajuda. A aflição
vinha do mito. O conto de fadas dá-nos notícia dos ritos mais antigos que a
humanidade instituiu para espantar o pesadelo que o mito depositara no
seu peito. (...) mostra-nos, a figura daquele que parte para aprender o
temor que as coisas de que temos medo são transparentes; mostra-nos,
na figura do inteligente, que as perguntas que o mito faz são simplórias
como a pergunta da Esfinge; mostra-nos, que a natureza não está
obrigada apenas em relação ao mito, mas prefere reunir-se em torno do
homem (BENJAMIN, 1980, pp.69-70)
Convencidos do valor das narrativas folclóricas e, fechados sobre elas,
Colomer (2003, p.78) aponta que “a literatura infantil moderna parece ser pouco
familiar aos psicanalistas”, assim, os seus estudos contribuíram para o
questionamento dos modelos didáticos tradicionais (cita Rustin, 1987, com sua
crítica ao personagem exemplar) e também contribuíram para derrubada do livro
didático “já que passou-se a considerar que a ‘bondade’ das condutas com que a
criança leitora devia se identificar podia fazer supor uma nova forma de
repressão, uma nova negação ao lado escuro de suas próprias fantasias” (ibidem,
p.79).
De penetração mais lenta que a psicanálise e de repercussão menos
emocional nos debates suscitados, os estudos psicológicos cognitivos
interessaram-se pela construção do conhecimento e da aprendizagem,
indagando-se sobre como se encontra representado esse conhecimento na
mente. A sua finalidade era “propor hipóteses sobre os processos de construção
do significado através do descobrimento e da descrição formal dos significados
que os seres humanos criam a partir de sua relação com o mundo” (Colomer,
2003, p.80).
A repercussão dos estudos da psicologia cognitiva no campo da LIJ começa
pela descrição da infância que faz Piaget quando classifica os estágios de
desenvolvimento intelectual da criança. A esse respeito Vygotsky (1998) comenta:
96
Em vez de enumerar as deficiências do raciocínio infantil, em comparação
com os adultos, Piaget concentrou-se nas características distintivas do
pensamento das crianças, naquilo que elas têm, e não naquilo que lhes
falta. Por meio dessa abordagem positiva, demonstrou que a diferença
entre o pensamento infantil e o pensamento adulto era mais qualitativa do
que quantitativa.
Como muitas outras grandes descobertas, a idéia de Piaget é tão simples
que parece óbvia. havia sido expressa nas palavras de Rosseau,
citadas pelo próprio Piaget, no sentido de que uma criança não é um
adulto em miniatura, assim como a sua mente não é uma mente de um
adulto em escala menor. Por trás dessa verdade, para a qual Piaget
forneceu provas experimentais, encontra-se outra idéia, também simples
a idéia de evolução, que projeta um brilho incomum sobre todos os
estudos de Piaget. (VYGOTSKY, 1998, p.11)
Essa simples idéia comprovada influenciou os estudos da LIJ em dois
aspectos: na consciência explícita dos problemas de compreensão implicados na
leitura e em alguns critérios genéricos sobre a divisão de livros segundo a idade
do possível leitor.
Nesse sentido, muitas foram as indicações para a leitura dos livros infantis
baseadas em orientações das fases e estádios de desenvolvimento da criança,
dentre elas, Bamberger (1977) que divide em cinco as fases da leitura: de 2 a 5
ou 6 anos idade dos livros de gravura e dos versos infantis, fase de integração
pessoal; de 5 a 8 ou 9 anos, idade do conto de fadas, leitura de realismo mágico;
de 9 a 12 anos, idade das histórias ambientais, leitura relacionada com
acontecimentos vivos; de 12 a 14 ou 15 anos, história de aventuras; de 14 a 17
anos seria a fase da maturidade: o leitor estaria desenvolvido esteticamente.
No Brasil, Góes (1991, pp.32-33) segue a orientação de Bamberger para as
fases de leitura, mas “julga que os adolescentes são menos suscetíveis de
orientação, estando aptos a selecionar suas leituras”, por isso não acata a última
fase.
Para Pondé (1985), às fases do crescimento segue-se uma adequação das
obras ao leitor, sendo que, na primeira fase, o livro deve proporcionar ao leitor o
conhecimento do mundo que o rodeia; depois a leitura projetada ou psicológica,
97
que proporciona ao leitor a liberação de seus medos, pelo que recomenda os
contos de fadas e os contos folclóricos; a terceira é a fase que corresponde à
identificação com os personagens e, por fim, a última fase, sendo aquela em que
a literatura deve proporcionar uma visão crítica do mundo.
Ponto em comum entre os autores citados é a observação que fazem
quanto à flexibilidade dessas informações, porque os fatores subjetivos e externos
podem determinar diferenças de indivíduo para indivíduo.
Por essa observação se mostra um certo acolhimento à evolução seguida
pela psicologia cognitiva, assim descrita por Colomer (2003):
A visão piagetiana da criança remetia à imagem “de uma espécie de
explorador solitário de um mundo inanimado” tal como expressa Tucker
(1992), enquanto que a evolução seguida posteriormente pela psicologia
cognitiva enfatizou a idéia de que a criança encontra uma grande ajuda
nas situações sociais para construir sua compreensão do mundo, e,
portanto, pode manifestar uma certa sofisticação na compreensão dos
aspectos sociais, muito mais avançada intelectualmente do que alcançada
em outros aspectos (Brunner, 1986). (COLOMER, 2003, pp.82-83)
Daí que o conceito de faixa etária ou características comuns a todos os
indivíduos começam a merecer reflexão, dando vazão para que as teorias de
Vygotsky, considerando a relação entre pensamento e linguagem, bem como o
aspecto cultural da aprendizagem passassem a orientar a pesquisa psicológica
“em direção ao estudo da ‘leitura como processo de compreensão do texto’ e do
estudo das formas narrativas do discurso como ‘um sistema cultural
extraordinariamente potente para dar forma à experiência” (Colomer, 2003, p.83).
Vygotsky (1998) expõe e justifica o ponto de discordância entre a sua teoria
e a teoria de Piaget:
Discordamos de Piaget num único ponto, mas um ponto importante. Ele
presume que o desenvolvimento e o aprendizado são processos
totalmente separados, incomunicáveis, e que a função da instrução é
apenas introduzir formas adultas de pensamento da própria criança,
superando-as, finalmente. Estudar o pensamento infantil separadamente
da influência do aprendizado como faz Piaget, exclui uma fonte muito
98
importante de transformações e impede o pesquisador de levantar a
questão da interação do desenvolvimento e do aprendizado, peculiar a
cada faixa etária. Nossa abordagem se concentra nessa interação. Após
ter descoberto muitos vínculos internos complexos entre os conceitos
espontâneos e científicos, esperamos que as futuras investigações
comparativas ajudem a esclarecer a sua independência, e antecipamos
uma ampliação do estudo do desenvolvimento e do aprendizado para as
faixas etárias mais baixas. Afinal de contas o aprendizado não se inicia na
escola. (VYGOTSKY, 1998, p.145)
Essa teoria de cunho sócio-interacionista, descreveu “os processos mentais
de construção do significado, a partir da idéia de que o jogo e a linguagem
representam a capacidade humana mais decisiva para transcender seu ‘aqui e
agora’” (Colomer, 2003,p.83), pois desse modo, os modelos simbólicos – as
narrativas – permitem entender melhor o mundo.
Enfim, a autora resume apontando que a perspectiva psicológica repercutiu
sobre os estudos da LIJ a partir de contribuições psicanalíticas que
revolucionaram o conceito de adequação educativa dos livros infantis, a partir das
teorias piagetianas sobre o desenvolvimento das possibilidades de recepção
narrativa dos leitores que propuseram um quadro de referência para comparação
e classificação dos livros por faixa etária, além da apresentação dos dados sobre
a legibilidade dos textos e a compreensão das histórias, a partir da evolução dos
estudos cognitivos, conduziu à compreensão da narrativa como uma forma de
construção da realidade, propiciando a pesquisa sobre o modelo lingüístico e
cultural exercido pelos contos. Isso repercute tanto na produção cultural para a
criança quanto na ampliação de informações a respeito da infância.
A Perspectiva Literária
A evolução dos estudos na perspectiva literária passa pelos princípios
estabelecidos pelas ciências da linguagem ao centrar sua análise em todo o
circuito comunicativo e não apenas no estudo das obras. Enquanto a psicologia
centrou os estudos no leitor e a teoria literária enfatizou a obra, foi difícil
estabelecer um quadro teórico para a disciplina, tornado possível quando se
99
atentou aos problemas de interpretação e comunicação, convergindo estudos das
ciências da linguagem com outros campos teóricos.
O conceito dado por Soriano (1975) de que a LIJ é comunicação histórica
entre um locutor e um destinatário, destacando que tal definição teve finalidade de
enfatizar o diálogo que, de uma época para outra, de uma sociedade para outra
se estabelece entre as crianças e os adultos, permitiu que alguns conceitos-chave
influenciassem nos estudos sobre LIJ, que passava a ser vista como fenômeno
comunicativo.
A fim de esclarecer a natureza da aprendizagem desse fenômeno
comunicativo era necessário desenvolver a “competência literária”. Colomer
(2003, p.93) liga a origem de sua definição à teoria inatista generativa de
Bierwisch (1965) “como a capacidade humana que possibilita a produção e
recepção de estruturas poéticas”, porém o mesmo autor, posteriormente,
distanciou-a do conceito inatista para defini-la como “um domínio, uma habilidade,
que está determinada por fatores históricos, sociológicos, estéticos, etc.” Desse
modo, os fatores contextuais são determinantes para o desenvolvimento da
competência literária, sendo fundamental o trabalho da mediação.
A relevância dada aos fatores contextuais encaminhava os estudos de teoria
literária para além da obra, fazendo com que surgissem outros estudos como o
realizado por Lotman e outros autores da escola de Tartu (1970, 1979) que, na
perspectiva da “semiótica da cultura”, entendendo cultura como “um mecanismo
estruturador de sua forma de ver o mundo” definiram como literário o texto de
“‘codificação plural’, que nele não intervêm apenas os códigos da língua natural
e as normas literárias de uma tradição concreta, mas também os artísticos,
ideológicos, etc., de todo o sistema cultural de uma sociedade.” (Colomer, 2003,
p.93).
Para essa concepção de texto literário, a literatura tem função de construir
conhecimento, de representar, através da linguagem, a realidade. Sendo assim, a
literariedade, vista “no sentido de trabalhar simbolicamente a realidade” (Khéde,
1986, p.13), afasta mais e mais da condição de refletir mimeticamente as
condições sócio-históricas, porque se assim fosse, como lembra Azevedo (1999),
ela teria mais características de História que de Literatura.
Novas formulações da teoria literária, como a de sistema literário de Even-
Zohar (1978) e do grupo de Tel Aviv, foram incorporadas às contribuições de
100
Soriano para a definição de um campo teórico da LIJ. De acordo com Colomer
(2003), Even-Zohar (1978)
partiu do formalismo russo para definir o fenômeno literário como um
“polissistema”, um “sistema de sistemas”, que implica passar de um
enfoque estático, sincrônico, a outro dinâmico, interessado na mobilidade
dos fenômenos culturais. Este autor dividiu o polissistema literário em um
sistema canônico e um sistema não-canônico, que se subdividem, por sua
vez, em outros subsistemas, de forma que o sistema canônico pode ver-se
como um sistema central rodeado de sistemas periféricos que interagem
entre si. Defende-se, assim, que as mudanças na hierarquia de valores
entre os dois sistemas, canônico e não-canônico, dependem tanto da
evolução diacrônica, como das relações sincrônicas entre os diferentes
subsistemas e que estas mudanças estão estreitamente relacionadas com
as mudanças sociológicas e sociais. (COLOMER, 2003, p.94)
O entendimento e a incorporação do postulado de Even-Zohar serviram
para que Shavit (1986) assinalasse que a definição de literatura infantil deve ligar-
se às mudanças no conceito de infância no século XVIII e a introdução de novos
elementos literários nos livros deve ser relacionado às mudanças sofridas nos
elementos laterais. Exemplifica isso, a conseqüência que os estudos de Piaget
sobre os estádios de desenvolvimento da criança operaram sobre a produção de
livro para a criança, fazendo com que os antigos livros de texto fossem recolhidos,
porque dificultavam a compreensão da criança, para serem gradualmente
substituídos “por livros com mais ênfase gráfica, mais propostas de atividades de
experimentação direta e explicações verbais mais simples e menos numerosas”
(Colomer, 2003, p.80).
Aqui no Brasil, Lobato inaugura um novo fazer literário para a criança, num
período em que, segundo Coelho (1991), o modelo de produção reforçava os
valores vigentes desde meados do século XIX, consolidados pela mescla de
feudalismo, aristocracismo, escravagismo, liberalismo e positivismo, a saber:
Nacionalismo: preocupação com a língua portuguesa falada no Brasil;
preocupação de incentivar os novos entusiasmos e dedicação pela pátria;
o culto das origens e o amor pela terra (com ênfase na vida rural e,
101
consequentemente, idealização da vida no campo, em oposição à vida
urbana).
Intelectualismo: valorização do estudo e do livro, como meios essenciais
de realização social meios que permitiriam a ascensão econômica
através do Saber.
Tradicionalismo cultural: valorização do estudo dos grandes autores e das
grandes obras literárias do passado, como modelos da cultura a ser
assimilada e imitada.
Moralismo e religiosidade: exigência absoluta de retidão de caráter,
honestidade, solidariedade, fraternidade, pureza de corpo e alma, dentro
dos preceitos cristãos. (COELHO, 1991, p.205)
Mas, os bons fluidos que antecederam a Semana de 1922, permitiram a
renovação da linguagem na produção para a criança brasileira, que se sentia e
ainda se sente à vontade dentro de uma situação familiar e afetiva, na qual o
maravilhoso e o mágico penetram com naturalidade, cumprindo o intento de
Lobato (1916), confidenciado em carta ao amigo Godofredo Rangel:
Ando com várias idéias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de Esopo
e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisa para
crianças. Veio-me, diante da atenção curiosa com que meus pequenos
ouvem fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas de memória e vão
recontá-las aos amigos sem, entretanto, prestarem nenhuma atenção à
moralidade, como é natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir
se revelando mais tarde, à medida que progredimos em compreensão.
Ora, um fabulário nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for
feito com arte e talento, dará coisa preciosa. (...) (LOBATO, 1916, apud
COELHO, 1991, pp.226-227)
Contudo, a proposta de Lobato de produzir texto literário no qual a criança
tivesse uma relação ativa com a obra, haja vista as interferências de Pedrinho,
Narizinho e Emília nas histórias contadas por dona Benta e tia Nastácia, não
passou impune, recebendo reações contrárias como a movida por colégios
religiosos, por volta de 1934, em Taubaté, e o seu enquadramento como
comunista durante a era Vargas, constituindo-se demonstrações de que os
102
valores decadentes sentiam-se ameaçados por toda a liberdade de pensamento e
de ação que suas histórias defendiam e suas personagens viviam.
Exceção feita à produção de Lobato, na cada de 1920, a literatura
característica do entre séculos continua a existir, muito embora se acirrassem os
debates sobre as reformas educacionais por influência dos novos métodos
pedagógicos da Europa e dos Estados Unidos. Por isso que, na medida em que a
renovação avança na área educacional, determina os rumos da LIJ brasileira.
Certamente que os questionamentos sobre por que um texto é considerado
literário e como deve ser interpretado esse tipo de texto também influenciaram
nos novos rumos de nossa LIJ. Nesse aspecto, os estudos desenvolvidos pela
teoria da recepção, de tradição germânica, em relação com a evolução da
lingüística textual européia, para quem a coerência do texto resulta das
estratégias de leitura, foram buscar essas respostas.
Assim que para a teoria da recepção “o texto não é o único elemento do
fenômeno literário, mas é também a reação do leitor” (Colomer, 2003, p.95), por
isso é preciso explicar o texto a partir da reação do leitor. Debus (1996) descreve
como foi o percurso literário para chegar ao leitor:
Desde o século XIX até os nossos tempos, as análises e os estudos
literários enveredaram por rumos diversificados que, em síntese, podem
ser definidos como ligando-se, sucessivamente, aos três elementos que
constituem o fato literário: num primeiro momento, concentra-se na
produção da obra, destacando a figura do autor e o seu contexto histórico
(críticas biográficas e deterministas); num segundo momento,
sobrevalorizou-se o texto e o que ele tinha para dizer por si só, confiante
na sua auto-suficiência, uma visão imanentista que se utilizou da
lingüística como ciência prioritária (Formalismo Russo, New Criticism e
mesmo a Crítica Estilística, para chegar ao Estruturalismo); dessa forma,
as pesquisas voltaram-se para o pólo da textualidade, em detrimento do
aspecto comunicativo. A partir das teses desenvolvidas pelos estudiosos
de Constança, no final da década de 60, começou-se a enfatizar a figura
do leitor, ao privilegiar a relação autor-obra-público. (DEBUS, 1996, p.65)
A partir desse enfoque, a leitura passou a ser vista como busca intencional
de significado por parte do leitor e alguns elementos determinaram essa
103
concepção. Para Iser (1976), “o texto apresenta um efeito potencial, que é
atualizado pelo ‘leitor implícito’, como construção teórica diferente do leitor real”, a
interação entre o leitor e o texto dá-se “a partir de uma construção de mundo e de
algumas convenções compartilhadas” o “repertório”, somado às “’estratégias’
utilizadas tanto por parte do autor, como nos atos de compreensão do leitor”.
Assim as lacunas do texto a serem preenchidas pelo leitor implicam na produção
“um ‘leitor modelo’, mas prevê um ‘leitor cooperativo’” no sentido de que
o autor escolheu desde uma língua, uma enciclopédia, um gênero ou um
léxico, até uma competência interpretativa que não apenas se pressupõe,
mas que o texto se encarrega de construir através de pistas. (COLOMER,
2003, p.96)
A contribuição que esses estudos renderam ao campo da LIJ foi a
preocupação as competências literárias, os conhecimentos e os comportamentos
sociais do leitor pretendido e inscrito nas obras, definindo assim o conceito de
criança como leitor e de livro como leitura.
Com a ênfase dada à recepção, interação no processo de leitura porque,
durante a interpretação, estiveram em ação as intenções do autor, o
conhecimento do leitor e as propriedades do texto, ou seja, “o significado do texto
é uma construção negociada por autor e leitor, através da mediação do texto”
(Bajtin e Medvedev, 1985, apud Colomer, 2003, p.98), aciona-se assim um outro
conceito-chave, o conceito de pacto narrativo.
Nesse sentido, o autor de LIJ precisa “avaliar o nível das referências
compartilhadas, detectar os pontos nos quais pode falhar a convergência com o
leitor e oferecer possíveis soluções” (ibidem, p.98). Um livro que compõe a
coleção Contos da Mitologia, intitulado A beleza de Narciso (1999), mostra bem
essa preocupação de antepor-se às possíveis dificuldades do leitor para atribuir
sentido. Logo na primeira página, são narradas ao leitor informações que
localizam o conto cultural, geográfica e historicamente. Além do texto escrito,
um mapa da Grécia antiga nessa primeira página e, ao longo da obra, à medida
em que a história vai-se desenrolando com texto de Adriana Bernardino e
ilustração de Getúlio, o colocadas janelas autônomas como no hipertexto para
dar maiores informações sobre as personagens.
104
Observa-se que, conforme o campo teórico da LIJ vai acolhendo as
distinções estabelecidas pela teoria da recepção e o conceito de pacto narrativo e
outras mais contribuições, as obras vão sofisticando os recursos de criação, não
em relação ao trabalho com os elementos verbais como também com os não-
verbais. Assim, assinala a autora referenciada, dois campos de grande
interesse em analisar os livros infantis no que se refere à intervenção da
ilustração no desenvolvimento literário das crianças: o da iniciação narrativa
através da imagem e o da inter-relação entre texto e imagem.
No primeiro caso, tentou-se precisar o progresso de compreensão do código
em relação à compreensão da narrativa. Os modelos cognitivos de Piaget foram
amplamente usados para esse fim. No segundo caso, a origem dos álbuns, na
década de 60, era um espaço de experimentalismo para estabelecer relação
significativa entre texto e imagem, sendo, a princípio, produto destinado aos
menores, hoje, contudo, no mundo das linguagens ltiplas, como disse
Azevedo (1999), ele deixou de ser exclusivo para as crianças.
No Brasil, Coelho (2000), assinala que, a partir dos anos 70, o livro literário
infantil e juvenil, passa a ser visto como objeto novo por incorporar ao código
escrito recursos não-verbais com funções mais significativas que ornamentais, de
modo que “oferece também ao adulto excelentes meios de leitura crítica do
mundo, a partir das ilustrações, desenhos e imagens que [os] dinamizam” (ibidem,
p.197).
Certamente que o convívio com o objeto novo acentua as exigências para a
produção, para a análise, para a crítica e para o trabalho de mediação e,
enquanto se busca instrumentação para atender a tais exigências, o pós-
modernismo assalta-nos a atenção com mais propostas.
Segundo Santos (1997):
Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências,
nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por
convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a
arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos
anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica
da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no
cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência
(ciência +
105
tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até
microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou
renascimento cultural. (SANTOS, 1997, pp.7-8)
Descrito por Colomer (2003, p.107) como “uma visão relativista do mundo,
acentuada a partir de uma observação descentralizada do indivíduo”, não tem
sido essa, aponta a mesma autora, uma característica muito experimentada pela
LIJ, porque a maioria dos livros infantis evitam a pluralidade de significados,
pressupondo uma leitura inocente por parte do leitor.
O uso da metaficção, tendência do texto “a explicitar as regras do artifício
literário e a propor uma conexão mimética entre ficção e realidade, entre
significado e significante” (Cesarini e De Federicis, 1988, apud Colomer, 2003,
p.109) tem gerado polêmica entre os críticos da LIJ. Alguns, como Towsend
(1971), Bowles (1987), alegam ser impróprio o seu uso para esse tipo de
literatura; outros, como A. Moss (1985), Perrot (1987), Hunt (1992) e G. Moss
(1992) defendem que as crianças estão mais próximas de obras experimentais do
que de textos mais convencionais.
Enquanto a discussão segue centrando-se na avaliação da dificuldade de
interpretação do livro, a arte segue experimentando nos limites da tradição ou nos
limites (ou não haverá limites?) da pós-modernidade e do que vem após, na
expectativa de que o leitor, lendo, dê vida à obra.
A Perspectiva Sociológica
A análise da LIJ a partir de uma perspectiva social começou na década de
70 e foi-se fortalecendo na década de 80, dividindo-se em dois campos de estudo:
estudos sociológicos sobre livros infantis e estudos sobre a ideologia inscrita nos
livros infantis e subjacente nos critérios utilizados pela crítica.
Os estudos sociológicos seguiram duas linhas de estudo, uma se
interessando pela leitura como fenômeno social e pela literatura como instituição
cultural (R. Escarpit, Bourdieu, Dubois, etc.) e outra, na década de 70,
desenvolveu estudos sobre a maneira como as crianças e os jovens, de distintos
setores sociais, aceitam os livros e se apropriam culturalmente dos textos
escritos.
106
Os aspectos quantitativos foram os que predominaram no início desses
estudos que, através de pesquisas feitas por meios de comunicação ou
organizações ligadas à promoção da leitura, destacavam aspectos relativos a
número de livros lidos, tipo de livros, lugares habituais de leitura, etc. e sua
relação com características socioculturais de sexo ou idade dos leitores.
Mas, a pesquisa ressaltando aspectos qualitativos também ocorreu e esteve
vinculada ao movimento bibliotecário de incentivo à leitura e educativos de
renovação pedagógica, visando encontrar formas de melhorar a leitura. Para isso,
levava-se em consideração a nova situação social dos leitores que formavam uma
grande massa escolarizada, constantemente incentivada a desenvolver o bito
de leitura de obras de ficção. A autora registra que Chartier e brard (1995)
“sustentam que foi nos meios bibliotecários do princípio do século que se iniciou o
discurso social moderno sobre a leitura, vista como um ato cidadão, e livre da
tutela eclesiástica primeiro e escolar depois, a que estava submetida.” (Colomer,
2003, p.127).
No Brasil, Zilberman (1991, p.15) fala da difusão do ensino superior nas
redes particulares ocorrido na década de 70, período em que, segundo ela, se
diagnosticou intuitivamente uma crise de leitura, quando o país passava por uma
“expressiva expansão e mudança no panorama cultural”, marcada pela
urbanização, atração pelos meios de comunicação de massa, reforma do ensino,
a vinda do texto literário para a sala de aula. Comitti (2003, p.148) registra que, “a
partir de meados dos anos 70, os livros infanto-juvenis passam a constar como
leitura obrigatória nas escolas”, num período em que o regime político era de
obrigatoriedades.
É preciso reconhecer que por trás de todo esse incentivo à leitura e de
incentivo mesclado com obrigatoriedade aqui, existe um mercado editorial ávido
por público consumidor e, logicamente, outros interessados mais em repassar
valores ideológicos via produção literária, contudo a relevância de um trabalho
consciente com a leitura ganha contornos quando do enfrentamento das
concepções veiculadas e não da aceitação passiva delas.
Atenta talvez a esse aspecto, as pesquisas dos anos 80 procuraram ser
mais cuidadosas na obtenção dos dados, considerando diferentes formas de
leitura e não a considerada “boa” literatura infantil juvenil. Os questionários
aplicados visavam estabelecer diferenças dos leitores em suas atitudes e valores
107
em relação à leitura de ficção. Desse modo, os estudos realizados por Singly
(1989; 1993; 1993b) mostrou o ponto de interesse dos temas abordados pela
pesquisa atual da sociologia educativa:
a relação entre os comportamentos leitores e os valores familiares ou do
grupo de referência, a importância da qualidade do aumento efetivo da
leitura, da mediação adulta, mais do que da quantidade de livros
disponíveis, a relação entre os critérios de seleção e das características do
livro como objeto de consumo, a diversificação de gostos segundo a idade
e a oferta editorial existente, a criação de hábitos de leitura segundo o
lugar concedido aos livros de ficção na primeira fase de aprendizagem
escolar, etc. (COLOMER, 2003, p.116)
Nos estudos sobre a ideologia inscrita nos livros infantis enfatiza-se, através
da análise do texto, a intenção de transmitir valores sociais, procurando detectar a
ideologia nas entrelinhas do enunciado. Guareschi (1987) apresenta ideologia
com os seguintes significados:
1) O estudo das idéias (sentido etimológico).
2) Conjunto de idéias, valores, maneira de sentir e pensar de pessoas e
grupos.
3) Idéias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos da realidade.
(GUARESCHI, 1987, p.14)
A análise ideológica dos livros infantis é especialmente importante,
principalmente quando o terceiro significado dado por Guareschi está latente na
obra. A autora que referencia esse tópico do capítulo, destaca a atitude da crítica
diante de uma obra considerada literariamente boa, mas ideologicamente
“perniciosa”, segundo ela duas formas de resolver: ou minimizando a
importância ideológica expressa no livro e subordinando este critério à
consideração estética e literária, ou avaliando a obra, a partir de seu compromisso
educativo. A esse problema, soma-se outro para a crítica – o de detectar e
descrever a ideologia nas crenças dos personagens ou no discurso explícito do
narrador. Assim, os estudos que analisam a ideologia na superfície do texto são
os mais simples de observar.
108
A obra de Tales de Andrade, Saudade (1919)
17
, por ser ideologicamente
tendenciosa, possibilita a análise da ideologia na superfície, porque está inscrita
num período de produção acentuadamente nacionalista de ênfase ao ruralismo.
Referindo-se a esse período característico da literatura, Zilberman e Lajolo (1993,
p.18) apontam que “inserida no bojo de uma corrente mais complexa de
nacionalismo, a literatura infantil lança mão, para arregimentação de seu público,
do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador”.
De outro modo, a obra também possibilita detectar e descrever a ideologia
tanto no discurso da personagem, como mostra este fragmento que reproduz um
diálogo entre um pai e um filho:
(...)
_ para que tanta muda? Perguntei a papai.
_ Tanta muda? Isso é apenas o começo, meu filho. Esse é o primeiro
pedido que fiz. Pretendo fazer muitos outros ainda.
_ Pedido? Então isso é dado?
_ É dado, sim.
_ E quem é que dá presentes assim?
_ O Governo.
_ O Governo! Então o Governo presentes? Que Governo bom! (...)
(p.103)
Neste outro fragmento, no qual o diálogo tem continuidade, percebe-se uma
certa fusão entre o discurso da personagem e o discurso do narrador que, a
propósito, foi criação de um autor que teve a obra patrocinada pela Secretaria de
Agricultura do Estado de São Paulo. Causa estranhamento, portanto, uma certa
formalidade que envolve o diálogo entre um pai e um filho seria a ideologia da
personagem ou a ideologia do narrador, vinculada ao autor, vinculado a um
projeto político literário?
(...)
_ Você está admirado? Pois olhe: eu mostrarei como isso é uma coisa
muito natural. Olhe, Mário: Você deve saber que a obrigação dos
governantes é fazer tudo quanto possível para que as terras prosperem e
17
Data da primeira publicação
109
enriqueçam. Para conseguir tal prosperidade e enriquecimento, buscam
todas as maneiras. Ora, uma dessas maneiras consiste em prestar auxílio
aos lavradores e criadores. Aqui, meu filho, podemos considerar-nos
felizes pelo que os governos vêm fazendo. Fornecem gratuitamente,
mudas de árvores frutíferas, florestais e ornamentais. Remetem sementes
selecionadas, de todos os cereais e plantas úteis. Concedem prêmios aos
melhores agricultores e criadores. Distribuem publicações em folhetos e
livros com ensinamentos sobre plantas e animais. Pagam uma turma de
inspetores agrícolas que percorrem a lavoura, combatendo pragas e
modos atrasados de cultura. Não cobram impostos sobre máquinas
agrícolas, animais de roça e materiais para adubos. Criam e mantêm
escolas superiores de agricultura, aprendizados agrícolas, núcleos
coloniais, campos de cultura, campos experimentais, hortos, postos
zootécnicos, ensino agrícola ambulante... (...) (p.105)
Outro aspecto relacionado à ideologia nas obras da LIJ que tem merecido
atenção da crítica diz respeito à composição multicultural, ou seja, ao modo como
culturas de outras sociedades e culturas diferentes de uma mesma sociedade são
tratadas nas obras. O reflexo disso na produção está no uso de variantes
lingüísticas próprias de setores sociais marginalizados e em produção de obras
escritas pelas próprias crianças.
Na LIJ brasileira, a variedade de recursos da ilustração, através de
revisitação às matrizes do nosso folclore convivendo com pesquisa de pintura de
outros países em trabalhos de Roger Mello Maria Teresa e Bumba meu boi
bumbá (1996), Griso (1997) refletem a aplicação da multiculturalidade na
produção.
Por último, os estudos culturais definidos por Brantlinger (1990, apud
Colomer, 2003, p. 122) como aqueles que “se referem à geração e circulação de
significados nas sociedades industriais” o aplicados no estudo de LIJ à análise
das obras pós-modernistas ou de livros considerados fenômeno ideológico de
autores, que autodefinem sua contribuição como “novo historicismo” ou “nova
história cultural”.
110
A Perspectiva Didática
A relação entre o livro para crianças e a escola foi sempre determinante
tanto para o trabalho da produção da obra quanto para o trabalho da instituição. A
promoção da leitura, iniciada no contexto da filosofia iluminista, legou ao livro o
caráter de principal instrumento de difusão da leitura e, desde então ele perpassa
períodos e períodos de usos utilitaristas, e também, apesar do cerceamento em
determinadas épocas, oferece margem para outras interpretações. A respeito
disso, Zilberman (1991) diz que, no contexto iluminista, o acesso ao livro “na
medida em que propicia o ingresso no ideário liberal elaborado pela burguesia e
que se deposita nas obras escritas [ele] confere-lhe também um caráter
emancipador e libertário, quanto mais independente for a leitura”.
Williams (1980) considera que a sociedade contemporânea ainda vive sob o
signo da longa revolução, consolidada no século XVIII, verificável em três níveis:
- no plano econômico, permanecem os efeitos da revolução industrial,
responsável, por sua vez, por contínuas pesquisas e mudanças nos
campos tecnológico e científico;
- no plano político, ocorre a revolução democrática, resultante do avanço
irreversível das formas de participação popular, na direção de um sistema
comunitário e coletivo fundado na noção de igualdade entre todos os seus
membros;
- no plano cultural, a revolução está marcada pela ênfase na importância
da leitura, habilidade até então considerada de menor valor e mesmo
dispensável, e pela consolidação de um público leitor, contingente de
consumidores de material que circula sob a forma impressa. (WILLIAMS,
1980, apud ZILBERMAN, 1991, p.34)
No âmbito escolar, Colomer (2003) aponta que a LIJ tornou-se mais
presente durante a década de 80, quando se acentuaram as discussões em torno
da importância do livro para a formação de leitores e de leitores literários, de
modo que ele estivesse plenamente integrado às práticas educativas.
Williams (1985) chama a atenção ao fato de que ignorar a forma no uso
escolar da LIJ, por julgar que as crianças lêem as narrativas porque se
interessam só pelo enredo, inexistindo neles as sensibilidades em relação à
111
construção verbal tem sido uma atitude inadequada no trabalho com o texto
literário. O autor acredita que eliminar a análise da forma é reduzir a leitura do
texto, ao passo que a consideração desse aspecto contribuiria para o debate
sobre as definições atuais de competência literária e sobre como se produz o
desenvolvimento do leitor.
Colomer (2003) acredita que a abordagem do uso dos recursos lingüísticos
na produção de sentido, seria uma motivação para a realização de tarefas de
escrita literária, a fim de que os alunos melhorem conscientemente, os textos de
ficção que produzem.
Outros projetos de trabalho com a LIJ na perspectiva didática, aponta a
autora, é o trabalho a partir do gênero literário, destacando aspectos discursivos e
estruturais da obra, e também a produção a partir de reelaboração de textos
clássicos para observar o funcionamento da intertextualidade literária, reforçar a
relação com os outros sistemas de ficção ou aprofundar os recursos de
manipulação do texto.
Enfim, os gêneros de produção literária trazidos para a escola, tendo as
especificidades que sua leitura pede resguardadas, constituem precioso material
para formar leitores.
1.3 Algumas Características da Produção Literária para a Criança Brasileira
a Partir dos Anos 70
Até os anos 70, retomando Becker (2002), produz-se, sobretudo, no Brasil,
uma literatura infantil e não uma literatura infantil, cuja ênfase no adjetivo relegava
os elementos imaginativos e estéticos em detrimento dos didáticos-moralistas,
exceção feita a Lobato (1920/1930) e Maria cia Amaral, Lúcia Machado de
Almeida e Odette Barros Mott (1940). A mudança de foco requereu a
compreensão de que
(...) o pensamento infantil está apto para responder à motivação do signo
artístico, e uma literatura que se esteie sobre esse modo de ver a criança
torna-a indivíduo com desejos e pensamentos próprios, agente de seu
próprio aprendizado. (...) (PALO e OLIVEIRA, 1992, p.08)
112
Nesse sentido, Coelho (2000) destaca que a produção de obras para a
criança a partir desse período, pelas inovações propostas tanto em nível de
linguagem verbal quanto de linguagem o verbal, foi denominada objeto novo
porque propunham um diálogo entre ilustração e texto no qual a um projeto
artístico está agregado um gráfico, um plástico e um literário.
Desse modo, são marcas da produção desse período apontadas pela autora:
o experimentalismo com a linguagem, com a estruturação narrativa e com o
visualismo do texto: a substituição de uma literatura confiante/segura por uma
literatura inquieta/questionadora que irrompe heterogênea no cenário nacional,
evidenciando-se através de três tendências: a realista, a fantasista e a híbrida.
A literatura realista pretende expressar o Real, tal qual é percebido ou
conhecido pelo senso comum, e visa um (ou mais) dos objetivos seguintes:
Testemunhar o mundo cotidiano, concreto, familiar e atual, que o jovem
leitor pode reconhecer prontamente, pois é nele que vive.
Informar sobre costumes, hábitos ou tradições populares das diferentes
regiões do Brasil.
Apelar para a curiosidade e a argúcia do leitor, explorando enigmas ou
aparentes mistérios de certos acontecimentos que rompem a rotina
cotidiana (como os romances policiais).
Preparar psicologicamente os pequenos leitores para enfrentarem sem
ilusões, mais tarde ou mais cedo, as dores e sofrimentos da vida.
A literatura fantasista apresenta o mundo maravilhoso, criado pela
Imaginação, e que existe fora dos limites do Real e do senso comum.
A literatura híbrida parte do Real e nele introduz o Imaginário ou Fantasia,
anulando os limites entre um e outro. É talvez, a mais fecunda das diretrizes
inovadoras. Os universos por ela criados se inserem na linha do Realismo
Mágico. Comumente, seu espaço sico é o próprio cotidiano, bem familiar às
crianças, onde de repente entra, de maneira natural, o estranho, o mágico, o
insólito.
A autora ainda destaca a inovadora produção dos ilustradores que criam
uma linguagem narrativa autônoma através da imagem, além do espaço cada vez
maior dado à poesia no mercado editorial como marcas de uma produção cuja
palavra de ordem é a criatividade.
113
As características assinaladas por Coelho para a produção contemporânea
vão da renovação de 70 até 1984, quando sua obra foi publicada, por isso
acrescentamos a essas características levantadas por ela, outras, retiradas de
publicação mais recente, na qual a LIJ é caracterizada como uma produção que
é heterogênea, com grande diversidade temática, havendo uma tendência
voltada para a discussão de questões existenciais. Quanto às
peculiaridades formais, uma preocupação maior com a linguagem, num
trabalho tanto em nível do significante quanto do significado. (RICHE,
2002, p.
91)
Para essa literatura heterogênea, a autora faz um levantamento de
características, dentre as quais: a revisitação de antigos textos e estilos por meio
de pastiche e paródia; a narrativa fragmentada; a metalinguagem; a
intertextualidade; a perda da onipotência e onisciência do narrador do ponto de
vista tradicional; a incorporação da oralidade; a linguagem como temática; a
recuperação de personagens tipos dos contos de fadas; as personagens
alegóricas e simbólicas como tecelãs, princesas, unicórnios, sereias, por meio das
quais se contestam valores e papéis sociais, a substituição do nacionalismo em
forma de um realismo romântico exagerado pela fala oprimida das origens e
raízes da mestiçagem típica da identidade brasileira; o aprofundamento nos
dramas humanos a partir de temas como aborto, morte, estupro, separação dos
pais, etc., com enfoque não na temática, mas também no trabalho com a
linguagem; a variedade de recursos da ilustração a) revisitação das matrizes do
nosso folclore convivendo com pesquisa de pintura de outros países estilos que
vão da pintura de vasos gregos, de adornos egípcios, das ilustrações medievais a
xilogravuras do cordel brasileiro; b) ilustração tridimensional que Marcelo Xavier,
autor e ilustrador, vem desenvolvendo desde 1996, com ilustrações em que
personagens são moldados em massa plástica, montados em pequenos cenários
e fotografados; c) a arte do bordado como ilustrações para os livros, feitas pelas
irmãs Dumont sobre os desenhos de Demóstenes; d) ilustrações anônimas ou
antigas recuperadas em computação gráfica; o fortalecimento da poesia.
A qualidade da produção cultural contemporânea para a criança brasileira é
reconhecidamente valorizada através de premiações de nossos autores e
114
ilustradores, tanto aqui quanto no exterior, e através da constante produção e
publicação de estudos acadêmicos sobre as muitas vertentes do assunto.
Ao desafio de se fazer uma literatura infantil de ênfase nos elementos
imaginativos e estéticos, como falou Becker (2002), e na qual a criança pudesse
morar, como fez Lobato, está o desafio de democratizar a cultura, conforme
define Soares (2004), por meio da distribuição eqüitativa de bens simbólicos,
aqueles que são fundamentalmente significação e secundariamente mer-
cadoria nos mais diferentes espaços de promoção cultural (casa, escola,
biblioteca, praça...) para que fique definido o lugar da criança na cultura e a sua
ativa relação com os bens culturais.
115
CAPÍTULO V
1. BIBLIOTECA PÚBLICA COMUNITÁRIA POR UMA PRODUÇÃO DE
SABERES E SABORES NA LEITURA
O que melhor a caracteriza [a biblioteca pública] é ela ser plenamente aberta a
toda a população (...); é ser comum a todos
18
A biblioteca pública na praça. Quantas sugerências de leitura! Inerente à
praça, que é do povo, “antro onde a liberdade cria águias em seu calor”, como
escreveu o poeta dos escravos, a palavra “pública” caracteriza a biblioteca. O
cenário está constituído. Nele, há a praça e, no interior dela, entre plantas,
passarinhos, formigas, lagartos, borboletas, cigarras, a Biblioteca Pública
Comunitária.
Ambas, a praça e a biblioteca, abertas ao encontro de pessoas para
conversar, trocar idéias, discutir problemas, namorar, saciar curiosidades, auto-
instruir-se, criar, ter contato com os escritores, participar de atividades culturais e
de lazer, pois vários são os percursos e as motivações dos que o à praça, dos
que adentram a biblioteca.
Vário também é o sentido que se pode atribuir ao termo “público”, entre os
quais “coisa de ninguém” ou “coisa de todos”. No segundo sentido recorrente,
como as instituições de administração popular não comportam todos; todos
escolhem os seus representantes para prestar-lhes serviços, através dos órgãos
públicos que a todos pertencem. Os escolhidos, não fazendo uso pessoal da
máquina administrativa, cumprem os desígnios da democracia; não deixam esvair
a esperança dos que escolhem de que ocorra uma distribuição eqüitativa de todos
os bens, também dos culturais.
A motivação da pesquisa levou-me à biblioteca pública como leitora de
comportamentos, de práticas, de ações educativas, de documentos. Pôs-me em
contato próximo com os bastidores do que envolve um território público,
evidenciando o sentido idealizado de público pelo fazer desprendido do interesse,
da autopromoção e um outro sentido realista, pragmático do fazer pelo interesse
partidário, pelo interesse ao que oferece retorno político.
18
Trecho do conceito de biblioteca pública dado pelo documento A biblioteca Pública administração,
organização e serviços, da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura, 1995, p.16.
116
Diante dessas duas dimensões do fazer, me indaguei sobre os fins da
biblioteca pública, sobre o modo como ela conjuga a idealização e o realismo do
fazer, sobre os entraves administrativos de uso indevido do bem público que
esconde e revela a corrupção, ao mesmo tempo em que ofusca e alimenta,
falsamente, a esperança. Não se pode ocultar a leitura dessas questões, ainda
que a ênfase do olhar esteja sobre um fazer que, desde dezembro de 2001, foi ao
povo sob a forma de extensão itinerante o ônibus-biblioteca “Saber em
Movimento”, está na periferia atendendo a bairros, sendo, talvez, o único meio de
leitores carentes terem acesso à produção literária, quiçá à leitura. O enfoque
escolhido pretende-se lúcido sem perder a ternura.
1.1 A Biblioteca – Aspectos Históricos e Administrativos
Por que na Praça?
O documento 1 (Projeto de ação...) descreve, logo a princípio, o
HISTÓRICO DA ORIGEM DA PRAÇA CLÓVIS CARDOZO, do qual foi possível
extrair informações relativas à praça e à criação da biblioteca.
Em relação à praça, ele registra:
Quase confrontando com este largo [Largo Mãe dos Homens], existia uma
pequena pracinha, que a princípio recebera o nome de 24 de fevereiro, sendo
depois reinaugurada com o nome de Clóvis Cardozo, em homenagem a um dos
ilustres moradores da circunvizinhança (...)
Segundo moradores mais antigos da região, na década de 50, existia ali uma
mina que era freqüentada por crianças que brincavam e caçavam passarinhos.
Posteriormente abrigou um campo de futebol, onde figuras ilustres do cenário
mato-grossense jogavam peladas nos fins de tarde, estes residentes quase todos
na famosa rua 24 de outubro, conhecida também como rua do poder, por abrigar
grande contingente de renomados nomes públicos. (Documento 1, p.5)
Na sua origem, a praça Clóvis Cardozo era um lugar de lazer e poder. O
lazer despretensioso da brincadeira e do jogo e inconseqüente da caça, O poder
ilustre dos posseiros da rua, mas não da praça. Hoje, o lazer depende da busca
117
de cada um, na praça, na biblioteca. E o poder, não necessariamente, o da posse
e nem do destaque no cenário mato-grossense, pode estar na escrita ou na
imagem, pelo uso e pela descoberta feitos por quem a procura.
Quanto ao terreno da praça o documento descreve:
A topografia do local apresentava mata rala e terreno alagado, o que possibilitou o
desenvolvimento de uma plantação de orquídeas pela Srª Maria Inês França, mãe
do atual prefeito Sr. Roberto França.
19
As orquídeas vieram aumentar a beleza
existente no espaço proporcionado pela natureza e pela presença das crianças.
(Documento 1, p.6)
Crianças e flores, uma dupla que insiste em estar na praça. Esteve no
passado remoto e no passado não muito distante, tendo em vista que
Em 1997, gestão do prefeito, Sr. Roberto França, a Prefeitura Municipal de
Cuiabá junto à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, firmam parceria com
empresários
20
: Sr. Sandro Villar, Edson Venega e Sr. José de Souza
,
para
arborizar o espaço, canteiros com jardinagens, bancos, playground e quiosques.
Por força desta parceria os empresários teriam direitos a explorá-la
comercialmente, colocando uma banca de revista, um hot dog e uma floricultura.
(...) Com isso, a praça é novamente um lugar procurado pelos vizinhos e
moradores das imediações que trazem seus filhos para brincar (...) (Documento 1,
p.6)
Com o passar do tempo, as crianças permaneceram, mas as flores foram
substituídas porque
Em 2001, um dos empresários responsável pelo quiosque, onde funcionava a
floricultura (...) infringe o acordo da parceria, o que levou o Procurador da Justiça
Pública do Meio Ambiente, Dr. Domingos Sávio Arruda, embargar a parceria,
19
Roberto França Auad esteve por dois mandatos consecurivos prefeito de Cuiabá (de 1997 a 2004), sendo
marca do seu governo uma acentuada preocupação com a recuperação das praças públicas e com o plantio de
canteiros pela cidade. A biblioteca “Saber com Sabor” da praça Clóvis Cardozo aparece como obra pública
no final do segundo ano de seu segundo mandato (dezembro de 2001).
20
Esses empresários acima nomeados são respectivamente: o ex-dono da floricultura, o dono da banca de
jornais e revistas e o dono do hot dog.
118
devolvendo o local à prefeitura no sentido de viabilizar o espaço para recreação e
cultura infanto-juvenil.
Passando desta forma para a Secretaria Municipal de Educação que instalou a
Biblioteca Alternativa “Saber com Sabor” (...) (Documento 1, pp.6-7)
Cadastrada no Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de Mato Grosso
(SEBIP/MT) como Biblioteca Pública Alternativa “Saber com Sabor” desde a sua
fundação; com a nova administração na Prefeitura de Cuiabá, em 2005, ela foi
registrada no Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) da Biblioteca
Nacional como Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor” (veja registro
anexo).
Embora ela esteja ligada à Secretaria Municipal de Educação (SME) que lhe
tem dado os funcionários, que são todos, nós somos todos efetivos da
SME, algum material permanente e materiais de limpeza (...) (mediador 1,
coord.)
ela não foi cadastrada como biblioteca pública municipal, eximindo a prefeitura do
incentivo cultural a ela sob forma de lei de criação que lhe garantias de verbas
para o desenvolvimento de suas atividades culturais. Nesse sentido, a biblioteca
ainda carece de uma linha de ação política que por ela se responsabilize
plenamente, através da equipação e manutenção de seus espaços e da
preparação de seu pessoal, com uma linha de ação teórico-metodológica bem
definida e com uma linha de ação pedagógica que atenda, amplamente, as
necessidades de seus leitores.
Questionado sobre a não existência de uma lei de criação para a biblioteca,
o ex-secretário de educação, Carlos Alberto Reyes Maldonado, disse:
Não, não cogitamos. uma... uma questão, pra mim é meio ridícula,
né, mas é legal. A legislação brasileira, ela não contempla a biblioteca
dentro do trabalho da educação. A biblioteca deveria ser um trabalho pela
legislação da cultura, que é um absurdo na minha... na minha visão; não
tem... nenhum, nenhum sentido. Mas tive experiência de ter glosado as
contas da educação, reduzindo percentual de educação na educação,
119
porque os recursos que você aplica na biblioteca, no Cuiabá via internet
21
,
na capacitação geral da população não apenas na escola. O entendimento
majoritário do tribunal, num determinado momento, era que não
pertenciam à educação, então eram glosados. Isso é óbvio que é uma, na
minha visão, uma falácia, uma deturpação terrível que afeta
profundamente a educação (...)
[Deixa ver se eu entendi direito: então elas fazem parte do segmento da
cultura e não da educação, por isso não foi possível a lei de criação pela
SME. É isso?]
Na verdade, não é que não foi possível, não é, nós não quisemos. O
entendimento nosso é que a biblioteca, por exemplo, como os laboratórios
de informática, como os demais espaços que você teria a possibilidade de
um acesso público, amplo, geral; elas estão todas contidas num âmbito
mais amplo. Daí, é um conceito que na lei, foi legalizado, que é um
conceito das cidades educadoras. O conceito de cidades educadoras para
a área da educação, tanto na expansão das bibliotecas quanto da
informatização e várias outras atividades da secretaria eram possíveis
independentemente de leis específicas; programas de intercâmbio, por
exemplo.
[E essa falta de lei não é um risco para a inviabilização, para a
manutenção e permanência dessas bibliotecas?]
Eu não acredito, porque nós tivemos agora, né, um caso exemplar que
foi a tentativa do poder público do fechamento da biblioteca do Pedra 90
22
;
e a força da biblioteca não tá na lei, tá na comunidade. Na verdade, não dá
pra gente imaginar que a força das estruturas públicas, né, seja afirmada
nos papéis, nas legislações. Não é aí, são importantes se a população
acha que são importantes. Às vezes, você pode ter instrumentos que
têm um monte de legislação de apoio, mas que não são vistos com bons
olhos pela população, não entram no espaço da demanda. É o contrário
em relação às bibliotecas, eu acho que a força do suporte que elas
possuem é exatamente o que a população enxerga dela, a importância que
a população dá a ela.
21
O ex-secretário refere-se a um programa do município de acesso gratuito à internet para a população em
locais de acesso público como bares e farmácias.
22
Após um assalto sofrido, em janeiro de 2005, o diretor de Recursos Humanos da SME determinou o
fechamento da biblioteca do bairro Pedra 90. Houve manifestação popular articulada à mídia, e a biblioteca
foi reaberta em outro endereço no mesmo bairro.
120
Curiosamente, conforme relatou o ex-secretário, a existência da biblioteca
está marcada pela intervenção e sugestão de alguém diretamente ligado à lei:
Na verdade, ali, nós tivemos uma intervenção também do Ministério
Público, é importante que seja ressaltada, com o promotor Domingos Sávio
que teve à frente desse processo. Recuperou o prédio da floricultura para
a municipalidade e, a partir daí, nós tínhamos que estar discutindo,
definindo o uso daquele espaço. A sugestão para criação da biblioteca
foi do próprio Domingos Sávio. Na verdade, nas conversas com ele, a
principal indicação que ele fazia era exatamente a biblioteca.
Curioso também é perguntar: o que pode o povo sem a lei? O que pode a
força popular? Retrocedendo ao momento histórico da Revolução de 1789 em
que com a força popular, pelos ideais de Liberdade (para deixar de ser servo),
Igualdade (para ter os mesmos direitos da nobreza) e Fraternidade (união para
alcançar um objetivo comum) a burguesia se fez poder. E o povo? E a justiça
social?
Desde que a civilidade norteia a humanidade, a força está nos tratados, nas
leis, na criação e no conhecimento da lei para garantir os direitos.
Assim, a lei de criação
23
de uma biblioteca pública subordinada ao poder
público pode representar para ela: garantia de crédito destinado à despesa,
instalação, manutenção e aquisição de acervo com valor estipulado no orçamento
vigente, a autorização para que o poder ao qual estiver subordinada despenda
pagamentos para funcionários habilitados e qualificados a exercer o trabalho de
promoção da leitura e animação cultural, a autorização do poder ao qual estiver
subordinada para firmar convênios com outras instâncias de promoção da leitura
para recebimento de livro e assistência técnica; de modo que essa questão legal
é imprescindível para a viabilidade e visibilidade de seus investimentos, de seus
gastos, de sua atuação como instância que promove a leitura de maneira
sistemática, embasada e constante, para que o povo conheça mais, queira mais,
lute por mais, exerça plenamente a sua cidadania.
23
Em anexo está uma lei de criação de Biblioteca Pública Municipal da cidade de Juína – MT como
exemplificação ao leitor.
121
Acerca dos Objetivos
Os objetivos, além de constarem no documento 1, estão visivelmente
expostos para serem lidos num pôster dependurado no interior da biblioteca. São
eles:
Objetivo Geral
Oferecer à população Cuiabana, principalmente a infantil, a
oportunidade de leituras agradáveis como meio eficazes de
conhecimento e a participação em atividades cívicas e culturais que
acontecerão na Biblioteca Alternativa “Saber com Sabor”.
Objetivos Específicos
1. Atender a clientela infantil de forma prazerosa, oferecendo-lhes
livros de diversos autores de literatura infantil como também
incentivando o gosto pela arte através de trabalhos de artes visuais.
2. Realizar, conforme cronograma (anexo), atividades culturais e
recreativas incentivando a leitura, a escrita e as atividades lúdicas e
artísticas das crianças.
3. Incentivar a participação dos pais nos eventos e nas atividades de
leituras dos filhos.
4. Organizar um “Espaço Cuiabá” com literatura de autores mato-
grossenses, a fim de divulgar a cultura cuiabana.
5. Receber das parcerias todas as formas de colaboração necessária à
existência e eficácia do funcionamento da biblioteca.
6. Oportunizar reflexões e discussões na praça.(Documento 1, pp 9-10)
Quando os objetivos extrapolam os limites do acervo, o alcance deles fica
comprometido se ausência de voluntário para a realização das atividades,
tendo em vista que
122
o programa, ele existe, mas ele não é fixo, ele é flexível porque tudo é com
voluntário, de repente o voluntário vai embora, a oficina, a atividade
ficou sem ter dado a continuidade, se vem outro, ele quer começar com
outras atividades, né. ( mediador 1 – coord.).
Caso houvesse, a linha de ação política articulada à teórico-metológica e à
pedagógica, os voluntários seriam funcionários habilitados e remunerados ligados
ao programa, desenvolvendo atividades que garantissem a biblioteca como um
centro cultural ativo, permanente e de opções para a população.
Ao senão dos voluntários agrega-se outro, o das incertezas provocadas
pelas mudanças de mandato político, como mostram essas falas:
Então, eu acho que pra dar continuidade... Não sei como vai ser daqui pra
frente, porque tudo mudou... A nova, né, administração é outra, mas eu
estou sentindo que o secretário está com o mesmo objetivo, tanto é que
ele pediu para que eu continuasse, não sei como vai ser, se eu vou... falei
que eu ficaria, né, mas ainda não resolvemos como que vai ser. (mediador
1, coord.)
Ainda não, até agora, renovando o projeto, não sei se (diz o nome do
mediador 1) falou pra você, renovando porque ela ficou sem saber, né,
se ia ficar ou não no governo, então, né, de secretário, então renovando
o projeto. (mediador 2)
Perrotti (1990) denunciava que tanto a literatura outorgada no
filantropismo ingênuo quanto a outorgada no filantropismo competente não o
suficientes para sustentar um projeto de democratização da leitura, por sua vez,
Zilberman (1991) destaca a necessidade de se discutirem as relações entre a
leitura, a escola, a biblioteca (acrescento) e a sociedade no Brasil como ação
imprescindível, antes de endossar, ingenuamente atos de boa fé e filantropia
cultural.
Em relação ao alcance do objetivo específico 04, a biblioteca conta com o
Movimento de Revolução Cultural A Arte Anda Por composto por 18 poetas,
alguns mato-grossenses, outros oriundos de outros estados, mas domiciliados em
Mato Grosso. O Movimento funciona desde 2003 e já publicou três livros de
123
poesia. No começo de 2004 houve uma divisão no movimento e a dissidência
dele se autodenominou Grupo de Poetas Livres. Atualmente, o Movimento de
Revolução Cultural A Arte Anda Por concentra suas atividades na biblioteca
Saber com Sabor, localizada no bairro Dom Aquino e o Grupo dos Poetas Livres
reúne-se na praça da República, no centro de Cuiabá.
O documento 2 registra ações da biblioteca no sentido de alcançar o
objetivo 4:
O esforço para oportunizar a difusão do conhecimento levou a coordenação a
organizar, ainda em 2002, o lançamento de livros de escritores cuiabanos, entre
os quais Lenir Fabris, com “Passeando por Mato Grosso”; Vilmar Santos, com o
“Migrante Guerreiro”; Olavo Reiniere, com “Fases e Fases”; Sebastião C. Gomes,
com o “Mt Terra e Povo/ Perfis Mato-grossense”; e Ênio de Oliveira, com seu
“Guia Gastronômico 2003/MT” (Documento 2, p.2)
A última obra divulgada pela biblioteca foi o livro de poesias Lesões
urbanas, de Beto Maier, em outubro de 2005.
Quanto à Parceria com Órgãos Públicos e Privados
O documento 1 registra:
Com o Projeto “Saber com Sabor” a Prefeitura Municipal de Cuiabá, através da
Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Ministério Público Estadual, livrarias e
editoras da capital, busca meios eficazes de incentivo à leitura. (Documento 1,
p.8)
A participação da SME no “Projeto ‘Saber com Sabor’” foi explicitada
anteriormente. A mediadora 1 (coord.) revela o apoio recebido da Secretaria de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano.
124
No começo era SME e Secretaria de Meio Ambiente. De 2003 a Secretaria
de Meio Ambiente não ofereceu mais parcerias então a gente tá hoje,
mesmo dependendo da SME. (...)
A Secretaria de Meio Ambiente... porque o espaço aqui da praça era da
Secretaria do Meio Ambiente, era uma parceria que tinha feito com alguns
empresários e quando esse acordo, essa parceria findou, o espaço foi
devolvido pra Secretaria de Meio Ambiente e foi que a Secretaria ia
demolir o espaço, então pra não fazer isso, ela ofereceu pra Secretaria de
Educação que fizesse alguma coisa e ela colaborava com o que fosse
preciso. Então a Secretaria de Meio Ambiente, a Promotoria Pública e a
Secretaria de Educação que efetivaram convênio de estar montando aqui
alguma coisa cultural. Nos primeiros dois anos, a Secretaria de Meio
Ambiente nos patrocinava os eventos, nos deu assim um apoio muito
grande, financeiro. Nós fazíamos todo o evento, apresentávamos o
orçamento e a Secretaria de Meio Ambiente cobria tudo, então a gente
tinha um respaldo bom pra fazermos eventos à vontade e depois nós
tivemos que ir atrás mesmo de parcerias com empresas privadas.
(mediador 1, coord.)
A ausência da linha de ação política abre precedente para um não
compromisso permanente das secretarias e dos outros órgãos com a biblioteca,
dificultando os planos de ação e revelando um projeto que sobrevive à margem
de uma política cultural de leitura compromissada com a formação de leitores.
Assim, as atividades ficam comprometidas caso esgote o fôlego dos dotados de
boa vontade para levá-lo adiante.
Institucionalizar a Política Nacional de Leitura através da promulgação de
uma legislação que garanta sua aplicação e permanência (p.11) é colocado
como primeiro nível de estratégias para execução de uma política nacional de
promoção da leitura pela publicação intitulada Reuniões Internacionais de
Políticas Nacionais de Leitura para América Latina, Caribe, Mercosul, Pacto
Amazônico e Grupo dos Três 1992 -1994. Com certeza, isso também vale para as
instâncias municipais.
Entre os órgãos privados que firmaram parceria com a biblioteca estão as
livrarias e editoras da capital que lhe fornecem o acervo que, também recebe
doações da Biblioteca Pública Estadual “Estevão de Mendonça”, Fundação
125
Biblioteca Nacional e doadores particulares. O documento 2, registra a SME como
doadora de acervo uma vez.
Desses 3697 livros, 2000 foram adquiridos pela Secretaria Municipal de Educação
e 1697 incluindo as 737 revistas foram doações dos usuários da Biblioteca “Saber
com Sabor” da praça Clóvis Cardozo. (Documento 2, p.3)
O mediador 1 é quem sai à procura das parcerias com os órgão privados e
revela quais têm sido os seus desafios nesse percurso:
O desafio, acho que é o que todo mundo encontra num projeto cultural,
social, inovador e principalmente público, né? Você não encontra muito
apoio, apesar de que todos falam Ah, seu projeto é maravilhoso, em
frente”, mas se você não correr atrás de parceria, principalmente da
iniciativa privada, não faz nada, porque a secretaria, né, coisa pública
nunca tem verba destinada à cultura, então você tem que correr, é muito
cansativo, ao mesmo tempo que é prazeroso quando você chega numa
empresa e mostra o seu projeto e ele te atende muito bem e daí pra frente
assina parceria com você, né, mas é muito... você tem que andar muito,
correr... (mediador 1, coord.)
Ele também fala sobre o trabalho dos voluntários.
Quando nós fechamos o relatório de 2003, se você ver o número de
voluntários que nós tínhamos aqui, o secretário de educação ficou assim
“não, nós temos que ter uma lei para estar homenageando esses
voluntários”, né, que trabalham ininterruptamente sem nenhuma
remuneração, nem de vale transporte, nem de gasolina, nem de nada,
estavam aqui toda semana colaborando com os eventos, com as oficinas.
Antepondo a lei para homenagear voluntários, deveria estar a lei de criação
e manutenção de uma política cultural de leitura, pois com ela, ao menos
legalmente, para cobrar ação de apoio público, a biblioteca teria as verbas e os
funcionários permanentes e incorporados ao programa para a execução das
atividades.
126
1.2 A Biblioteca – Aspectos Pedagógicos
O Acervo
No documento 2 (de novembro de 2004)
Além da superação dos cadastros e número de visitantes dos anos anteriores e
também o número do acervo aumentou bastante com as doações dos usuários.
(...) Total geral do acervo: 10.554 (Documento 2, p.8)
Na fala dos mediadores 2 e 3, especificamente sobre o acervo infanto-juvenil
É, nós recebemos um acervo bom, infantil, infanto-juvenil muito bom, ele
tem leitura para todos os gostos nessa área; agora tem livros, por exemplo,
aqui que... pra pesquisa que nós não temos muito, né, mas pra leitura tem
muitos livros bons. (mediador 2)
Eu diria que ele está assim no meio termo. Poderia melhorar mais,
qualidade, atualizando, mas é bom, não é ótimo, ele é bom, é bom, pra
fazer um trabalho muito bom com o que nós temos. (mediador 3)
Sobre a satisfação de busca das crianças leitoras no acervo da biblioteca, o
mediador respondeu:
A maioria das vezes, 90%. É muito difícil, até mesmo em pesquisa a gente
faz de tudo pra ver se pelo menos em alguma coisa ele... em revistas, em
livros. Pelo menos eu faço assim, procuro em tudo quanto é assunto pra
ver se ele não consegue sair daqui sem... pelo menos com a pesquisa...
encaminhado já. Porque nós não temos, né, não é informatizado, não tem
computador pra pesquisa. Então a gente se vira com o que tem. (mediador
2)
Como já foi explicitado, o acervo é composto pela doação de livrarias,
editoras e particulares e, sendo um material mais permanente, tem provocado
127
mais satisfação que desapontamento aos leitores nas suas buscas, conforme
revelou este leitor:
(...) tem mapas, atlas, vários livros didáticos, né, que ajudam a gente a
fazer pesquisas escolares, bastante trabalhos. Também leio bastante
revistas, literatura. Procuro a biblioteca mais para o livro literário, porque
para pesquisa, assim, eu não necessito tanto, às vezes, assim, eu não
acho muita coisa na internet ou então nos meus livros antigos, então eu
venho pra cá (...) (Paulo, 11)
O Trabalho de Mediação de Leitura
O documento 2, nas páginas oito e nove, faz referência a todos os
mediadores de leitura, às vezes caracterizando o trabalho desenvolvido por algum
deles como excelente. No material intitulado Reuniões Internacionais de Políticas
Nacionais de Leitura América Latina, Caribe, Mercosul, Pacto Amazônico e
Grupo dos Três 1992-1994 consta como ação indispensável para a mediação:
2. a ênfase da qualificação dos mediadores de leitura professores e
bibliotecários em especial; (p.34)
No que propõe:
A elaboração de uma proposta de capacitação permanente de mediadores de
leitura à luz de uma pedagogia de leitura capaz de qualificar a cidadania e a
interação social dos sujeitos. (p.35)
Ao falarem sobre curso de capacitação que recebem para desempenho das
funções, os mediadores 2 e 3 responderam:
Olha muito pouco treinamento nós tivemos. Eu posso contar nesses quase
três anos que a gente aqui, tivemos um ou dois, assim, oficinas. Olha,
nós tivemos um último, ainda esse ano nós tivemos, no início do ano nós
tivemos um treinamento, mas pra falar sobre leitura, indicação. Pra mim,
eu não achei que foi tanto, porque eu aprendi muita coisa no curso que a
128
gente fez, no curso técnico. Eu gostaria de ter outros cursos pra melhorar,
mas não achei que foi tão proveitoso não. Assim, repetitivo, sabe, coisa
que a gente viu na escola, no curso técnico. Mas é sempre bom. (mediador
2)
Tem, não são muito constantes, mas vira e mexe acontece algum curso. (E
ele auxilia você no seu trabalho?) Um pouco, porque ele deixa sempre a
desejar. Eu acho assim, que a Secretaria, ela deveria investir mais, pra
que a gente, lógico que nós temos que buscar também, nós temos que
estar buscando informações, conhecimento, mas é necessário. Tem
muitas coisas que a gente sabe onde procurar, né, conhecimento. E
muitas vezes você não sabe onde buscar esse conhecimento. (mediador
3)
Quanto às suas condições de leitores, eles demonstram preocupação em ter
desenvolvida essa prática como necessidade para um bom desempenho como
técnico em biblioteca:
Agora eu leio, desde quando começou, eu comecei trabalhar aqui, né, a
gente é pressionado a ler, porque precisa de ler. Eu mesmo não tinha o
hábito. Comecei a ler a partir do momento que eu comecei a trabalhar
aqui. Eu acho importantíssimo, às vezes, eu fico me culpando dizendo meu
Deus, por que é que eu não lia antes?, né, olha o tempo que eu perdi, né,
(...) quando eu comecei a trabalhar aqui eu falei nossa, eu tenho que
conhecer esses livros aqui como é que eu vou indicar? Então eu comecei a
ler vários livros infantis, infanto-juvenis. (mediador 2)
A leitura para mim, eu diria que é a segunda fase da minha vida, porque é
o que eu vivendo agora, né, seria o recomeço. (...) mas a leitura pra
mim, ela trouxe assim uma nova realidade pra minha vida, um mundo
diferente... (mediador 3)
Para o mediador 2, a prática leitora que veio como uma necessidade
profissional, com o tempo, adquiriu importância pessoal para ele, que parece
consciente de que o papel de leitor é uma das habilidades que sua profissão
requer de si.
129
A visão de leitura do mediador 3 é mais particularizada, ele parece ser mais
o leitor deslumbrado com a descoberta da leitura que o mediador que orienta
leituras. Seria o deslumbramento com a leitura um meio facilitador de orientação?
O mediador 3 fala um pouco de sua prática ao orientar os leitores
E nós até aconselhamos, né, porque geralmente as mães falam: “ah, mas
meu filho não sabe ler, a gente orienta: não, seu filho sabe sim, a primeira
leitura dele é a leitura do visual.(...)
Eu gosto de deixar à vontade, porque o nosso objetivo aqui é ensinar eles
a pescarem, entendeu? (...) Mas acontece muito de chegarem e falar:
“olha, tia” - me chamam de tia “hoje eu com vontade de ler tal livro”.
Tem um caso, um não, tem uns três casos aqui de adolescentes e jovens
que eles não lêem livro se não for indicado.
A noção de leitura desse mediador não está circunscrita ao escrito, tendo
em vista a referência feita à orientação para a “leitura do visual”. Ao falar sobre o
objetivo coletivo de ensinar os leitores a pescar, ela pretende dizer que os leitores
que freqüentam a biblioteca “Saber com Sabor” têm liberdade para se movimentar
dentro dela, percorrer os livros prateleira por prateleira para encontrar o objeto de
sua escolha. Não ele, mas todos os demais mediadores demonstraram ter um
relacionamento harmonioso com os freqüentadores da biblioteca, tendo um dos
leitores, durante a entrevista, feito essa referência a um deles:
tem a funcionária que eu considero...assim... como amiga, né, que é essa
que tá aí... (Paola, 12)
Embora esses mediadores esforcem-se por fazer o seu melhor, e o fazem,
com orientações acertadas para os leitores que procuram a biblioteca, falta para
ela a articulação da biblioteconomia mesclada ao conhecimento das
especificidades de leitura e de animação cultural para somar a essa boa vontade
e disposição que possuem e tem levado a biblioteca até então. Em suma, falta a
proposta de capacitação permanente dos mediadores, porque também falta o
programa de ação nas linhas teórico-metodológica e pedagógica.
Enquanto isso, a biblioteca tem funcionado mais como um centro de acesso
ao livro e não, necessariamente, à leitura.
130
As Atividades Propostas
No documento 1 aparece um cronograma das atividades (ver anexo as
páginas referentes aos meses de fevereiro e março como exemplificação),
especificando data, ações, atividades, materiais necessários e apoio abrangendo
os meses de fevereiro a novembro de 2002. Acompanha o cronograma quadros
com memória de cálculos descrevendo os gastos materiais para a realização das
atividades. Como foi dito, o programa é flexível porque depende do trabalho de
voluntários e esteve muito mais ativo até 2004. A fala do mediador 2 sobre o
programa de leitura da biblioteca mostra bem a dependência o do
voluntariado como também da instância política.
Olha, houve [programa de leitura], esse ano a gente ainda, assim, não
sentou pra fazer planos, assim. Eu diria que nós estamos... infelizmente, o
projeto é político, por que político... Então nós estamos assim parados
nessa questão (...) aguardando pra poder tá tomando uma atitude. Porque,
infelizmente, nós dependemos da Secretaria. (mediador 2)
Depender da Secretaria sem respaldo legal é de fato “infelizmente”.
Infelizmente porque nada se pode cobrar de quem vai alegar o dever
obrigação. Então o pouco oferecido é benefício, não é dever e nem compromisso
com o público.
Em relação às atividades desenvolvidas em anos anteriores, o documento 2
registra:
Ao longo de 2002, a coordenação da Biblioteca desencadeou uma série de ações
destinadas ao incentivo à escrita, com concursos de poesias e redações,
envolvendo a participação de escolas públicas e particulares. O concurso
“Pequeno Escritor”, lançado à época, representou um grande marco, com a
inscrição de nada menos 190 poesias, e premiação para primeiro, segundo e
terceiro lugares. no segundo concurso, a participação registrou 269 redações,
sendo 20 classificadas como muito boas, recebendo premiação em medalha de
ouro e prata. (Documento 2, pp.1-2)
131
Nesse mesmo documento (p.3 a 7) estão registradas as oficinas oferecidas
a cada quinze dias durante os doze meses do ano de 2003, com identificação da
pessoa que a ministrou e o número de pessoas atendidas. Ao todo estão
discriminadas 08 oficinas (Pintura country – atendendo a 327 pessoas, pintura em
tela com participação de 620 pessoas entre jovens, crianças e pessoas da
terceira idade, desenho artístico tendo atendido 624 participantes, oficina de
argila – atendeu a 86 crianças, capoeira – contou com 102 participantes, aulas de
violão – atendeu a 96 jovens alunos, reciclagem – foram 58 os participantes
durante oito oficinas, biscuit atendeu a 78 pessoas em três aulas e teatro
participaram das aulas 90 pessoas) e 04 eventos (I Feira Municipal do Livro,
lançamento do livro do grupo dos poetas “A arte anda por aí”, o São João na
praça e o Dia da consciência negra).
No documento ainda se lamenta as poucas atividades desenvolvidas
durante o ano de 2004:
No ano de 2004 pouco pôde ser realizado das atividades do projeto. Inclusive a
segunda feira municipal do livro que foi adiada por ordem da SME que
infelizmente não foi efetivada. Apesar dos nossos esforços as oficinas não tiveram
o mesmo sucesso que o ano anterior, foram acontecendo em menos opções de
atividades, porém com os mesmos números de interesses (sic) dos participantes.
(Documento 2, pp.5-6)
Segundo o mediador 1 (cood.), em conversa informal, enquanto a biblioteca
contou com o apoio do secretário de educação da gestão anterior que, mesmo
não destinando verbas para as atividades, contribuía ajudando a encontrar
“parceiros”, as oficinas e os eventos aconteciam em maior proporção e com maior
freqüência.
132
1.3 As Demais Bibliotecas
Apesar do pouco tempo de existência, a expansão da biblioteca “Saber com
Sabor” através do ônibus-biblioteca e das bibliotecas periféricas mostrou o poder
de resistência e de articulação de todos aqueles que, à revelia de um programa
de leitura e de animação cultural constante, mantiveram o fôlego e têm propiciado
aos leitores o acesso ao livro, à informação e atividades artísticas e culturais.
O documento 2 traz informações dessa expansão as quais apresento
sucintamente.
Biblioteca Comunitária “Saber com Sabor” do bairro Santa Izabel
Inauguração: julho de 2003
Leitores cadastrados: 609
Total de livros já emprestados: 10.000
Acervo: 6.000 entre livros, revistas e gibis
Computadores com acesso à internet:: 04
Freqüência média até novembro de 2004: 81.000 considerando a média diária
Oficinas oferecidas: pintura em tecido, crochê e biscuit
Horário de funcionamento: das 8 h às 19 h, inclusive aos sábados e domingos
133
Biblioteca Itinerante “Saber em Movimento”
Logotipo na lateral do ônibus
Inauguração: julho de 2003
Total de escolas atendidas nos bairros periféricos e na zona rural: 35
Total de pessoas atendidas com oficinas, apresentações musicais teatro infantil e
contação de histórias: 320 crianças
134
Biblioteca Comunitária “Saber com Sabor” Caetano Ribeiro dos Santos,
bairro Dom Aquino
Inauguração: 12/02/2004
Acervo: 696 livros infantis, 4549 livros infanto-juvenis e literatura para adulto, 1100
exemplares entre revistas, atlas e mapas
Oficinas oferecidas: leitura, dramatização, confecção de bonecos de madeira
Participação nas oficinas: 1200 crianças
Eventos: Concurso de desenhos sobre a Independência do Brasil, concurso de
poesias em parceria com o grupo de poetas “A arte anda por aí”, inauguração do
monumento histórico em homenagem à fotografia, dedicado a Hércules Florence
(nome da rua em que está localizada a biblioteca), teatro com o grupo da
Dorotéia, o grupo Cuiabaila, sessões de vídeos infantis, documentário e
apresentação dos Violeiros da Viola de Cocho, apresentação de parte da
orquestra da UFMT.
Leitores cadastrados: 130
Livros emprestados: 2000
Média de freqüentadores até a data do relatório: 5349
Horário de funcionamento: das 8 h às 19 h, inclusive aos sábados e domingos
135
Biblioteca Comunitária “Saber com Sabor”, bairro Pedra 90
Inauguração: o documento diz que ainda não tinha sido inaugurada, mas já
funcionava desde julho de 2004.
Atividade desenvolvida: concurso de pipa
Acervo: 4434 volumes entre livros, revistas e 21 CDs infantis
Horário de atendimento: das 8 h às 19 h, inclusive aos sábados e domingos
Biblioteca Comunitária “Saber com Sabor” Canuta Pereira da Silva, do
bairro Pedregal
Inaugurada no dia 07/12/2004
Acervo: 11.000 volumes
Aberta das 8 h ás 19 h, inclusive aos sábados e domingos.
136
Biblioteca Comunitária Saber com Sabor Nilma Luíza da Silva – “Branca”, no
bairro Osmar Cabral
Inaugurada no dia 07/04/2006
Acervo: 4000 volumes
Aberta das 8 h às 19 h, até maio de 2006 de segunda à sexta-feira, depois,
inclusive aos sábados e domingos.
Essas duas últimas bibliotecas foram inauguradas posteriormente e ainda
não constam no Documento 2. Busquei as fotos dela no acervo da SME e as
informações com o mediador 1 (coord.).
Importante ressaltar que, à exceção da biblioteca itinerante, logicamente,
todas as demais estão localizadas em bairros carentes e periféricos da cidade.
Segundo o mediador 1 (coord.), o critério para a implantação da biblioteca nos
bairros é este: “solicitação da comunidade, de preferência nos bairros periféricos,
né?”
Concluo deixando mais uma vez registrada a necessidade de atentar para a
articulação a que se refere Nóbrega (2002) das linhas de ação política, teórico-
metodológica e pedagógica nas ações da biblioteca como programa cultural de
promoção da leitura, concentrando o sabor em um saber coerente, competente e
consciente de seu papel de formação, quiçá de transformação.
137
CAPÍTULO VI
1. NA VOZ DA CRIANÇA, IMPRESSÕES DE SUA FORMAÇÃO LEITORA
...foram as melhores seis horas que eu já tive com um livro (...)
Paulo, 11 anos
Àquele a quem a obra literária infantil se destina é o destinatário para quem
a voz do adulto demarca a leitura através das instituições: escola, família, livraria,
editora, imprensa, sistema de distribuição, igreja, eventos culturais, biblioteca.
São elas as mediadoras que regulam o percurso do livro literário até o leitor
infantil e juvenil. Por isso, dar a voz a esse leitor é também ouvir o discurso das
instituições através da assimilação do leitor.
No intuito de dar voz ao sujeito infans é que a biblioteca pública foi pensada
como o território no qual estaria menos evidenciado o cerceamento à sua busca.
Assim, parti do pressuposto de que ele vai à biblioteca porque deseja para buscar
o objeto do seu desejo: a leitura.
Um outro pressuposto pelo qual a pesquisa pautou foi o de que, nessas
buscas:
Se for criança de 09 e 12 anos, é mais literário. Vem mesmo só pra buscar
o livro, né. Levam pra casa... Não, pra consulta... É muito difícil eles virem
consultar ou fazer trabalho de escola. (mediador 02)
Quando solicitados a revelarem as suas primeiras buscas na biblioteca, sete
sujeitos leitores destacaram o livro literário, quatro a pesquisa escolar, três os
gibis e um as oficinas oferecidas pela biblioteca.
Tanto no discurso dos mediadores quanto no dos leitores, o literário liderou
as buscas, direcionando a pesquisa para o modo de esses leitores que
freqüentam a Biblioteca Pública Comunitária “Saber com Sabor” lerem o literário.
Para análise dos aspectos que envolvem a formação literária do leitor
infanto-juvenil destaco as suas noções de leitura, os critérios por ele usados para
escolherem o livro literário e a sua formação leitora mediada por três instâncias
institucionais a família, a escola e a biblioteca. Embora o locus principal da
mediação seja a biblioteca pública, a família e a escola foram consideradas por
138
serem instituições muito próximas das vivências das crianças. Depois de
apresentadas as noções, os critérios e a formação leitora mediadas pelas
instâncias já citadas, procuro mostrar a competência leitora de cada criança
investigada, com as obras por eles citadas que, nem sempre, foram literárias. Ao
fim de cada perfil leitor, está um quadro-síntese com elementos que, acredito, são
determinantes na formação leitora da criança, quer seja com o livro literário, quer
seja com o não literário.
A partir de agora, as vozes se materializam na escrita para revelarem
práticas leitoras que, a princípio, propunham-se literárias, mas a fluidez do próprio
termo “literário” e do como “ler literariamente”, levaram em consideração o que
determinaram os dados reveladores das buscas e das leituras que fizeram esses
leitores freqüentadores assíduos e esporádicos da Biblioteca Pública Comunitária
“Saber com Sabor” da praça Clóvis Cardozo, em Cuiabá MT, ainda que
priorizando a proposta da pesquisa.
1.1 Noções de Leitura
A condição de leitor, segundo Azevedo (2003), pressupõe a capacidade de
distinguir uma obra literária de um texto informativo, de ler jornal mas também
poesia, de fazer uso de textos para receber informação, para ampliar visão de
mundo, para entretenimento. Logo, um dos fatores envolvidos na formação desse
leitor liga-se à conceituação do que seja leitura para ele ou de como foi a ele
repassada pelas instâncias institucionais com as quais interage. Dessa interação,
resultaram as noções de leitura manifestadas na fala dos leitores freqüentadores
da biblioteca pública.
Nas respostas que deram as crianças às questões 1 e 2 do Bloco A do
roteiro de entrevista acerca de gosto e significado de leitura, muitas delas
estiveram relacionadas a duas palavras recorrentes: aprendizagem e
divertimento, conforme se pode ler:
139
Amanda, 11
(...)a gente aprende muita coisa (...)ler é... um jeito de se divertir (...)
Catharine, 09
(...) significa aprender, que no gibi a gente aprende palavra diferente. (...)Aprender, se
divertir, rir. (...)
Greice,11
(...) Ler pra mim significa passar o tempo. (...)
Larissa, 10
(...) ler é bom, ler ajuda a gente crescer, ajuda a gente no colégio (...) Apren... aprender
mais, né? É bom ler, eu gosto.
Paola, 12
(...) pra mim saber mais (...)
Paulo, 11
(...) E olha, eu gosto de ler bastante, de divertimento, assim (...)
(...) porque se você passa a ler bastante livros, você aprende várias coisas (...)
Ricardo, 12
(...) Uma coisa que você pode aprender no futuro (...)
Sílvio, 11
(...) A leitura, a leitura pra mim, ajuda eu aprender e a gostar muito, parece que é uma
brincadeira (...)
Tathyane, 11
Gosto, porque é muito legal, diverte. Significado... que... o que é que eu posso dizer...
Eu aprendo mais também. É diversão.
Thalita, 11
(...) ah, aprender mais (...)
(...) É... lendo a gente aprende a filosofar e, com a filosofia, a gente aprende o
significado das palavras (...)
Ante à recorrência dos termos, duas principais noções de leitura puderam
ser destacadas da fala dessas crianças: ler é aprender... e ler é divertir.
Ler é aprender...
Quando Geraldi (2004, p.97) faz alusão à leitura do texto-pretexto, esclarece
a sua preferência em “discordar do pretexto e não do fato de o texto ter sido
140
pretexto”. O autor ainda enfatiza que o pretexto envolve uma rede muito grande
de questões, daí que, no que diz respeito às finalidades dos leitores da Biblioteca
“Saber com Sabor” que contribuíram com esta pesquisa, esteve bastante
acentuada, nas escolhas da obra para ler, a ligação com a tradição
pedagogizante.
Assim, alguns se enquadram na denúncia de Azevedo (2003, p.77) de que
“boa parte de nossas crianças é levada a acreditar que todos os livros existentes
são necessária, intrínseca e essencialmente didáticos (...) e contêm regras, leis,
métodos, lições e informações unívocas que precisam ser aprendidas.”
Desse modo, a leitura relacionada à aprendizagem apareceu como pretexto
para contribuir com o desenvolvimento vocabular:
Gosto, ai, eu gosto, pra mim saber mais, né? Saber falar mais as palavras,
acho que é por isso também.(...) ler... ajuda a você falar melhor, se
expressar melhor (...) a conviver o dia-a-dia com as palavras, às vezes
você tem que falar bem correto, a leitura ajuda a você fazer isso também.
(Paola, 12)
Significa aprender, que no gibi a gente aprende palavra diferente, tem uma
palavra que aprendi lá, nem lembro, no gibi que eu li da Mônica.
(Catharine, 09)
É... lendo a gente aprende a filosofar e com a filosofia a gente aprende o
significado das palavras. (Vítor, 10)
A preocupação de Paola em ligar a leitura ao “falar bem correto”, a “falar
melhor” liga-se muito ao estudo de língua baseado numa concepção tradicional
de certo e errado, de outro modo, quando ela antepõe ao “falar bem correto” a
expressão “às vezes”, dá indícios de que um conhecimento pautado na
adequação ao contexto e ao interlocutor também não foge à sua compreensão.
Porém, a relevância ao padrão normatizado é evidente pela recorrência do “falar
melhor”, apenas dito de forma diferente “expressar melhor” (duas vezes) e “falar
bem correto”, fazendo com que o “também” empregado por ela duas vezes nada
acrescente à ênfase que ela dá à sua compreensão de leitura.
141
Para defender a sua preferência de leitura, Catharine identificou nela uma
utilidade – aprender palavra diferente. Embora não se recorde da palavra, lembra-
se qual foi o gibi, propondo que, a utilidade por ela apontada, não é o seu objetivo
com a leitura do gibi, foi um pretexto encontrado para dar àqueles que porventura
lhe façam cobrança de um uso utilitário para eles, de modo a resguardar sua
preferência.
Vítor encontra na atitude filosófica despertada pela leitura, um modo utilitário
de leitura pelo qual pode aprender o significado das palavras.
A relevância dada ao utilitarismo na leitura tem servido de entrave para que
muitos mediadores e mediandos não enxerguem que “o prazer e crescimento
humanos que uma experiência artística pode trazer nunca seriam perda de
tempo” (Paulino, 1999, p.53), logo não qualquer obrigatoriedade em regular a
sua função ou gosto pelo aprendizado.
Como aprendizagem, a leitura esteve também relacionada ao bom
desempenho em Língua Portuguesa e ao sucesso escolar
Gosto. É porque sou meio, mais ou menos bom de Português que não leio
muito não, mais ou menos. [Ler é...] uma coisa que você pode aprender no
futuro.
(Ricardo, 12)
Gosto. É... ler é bom, ler ajuda a gente crescer, ajuda a gente no colégio.
(Larissa, 10)
Embora diga, a princípio, que gosta de ler, por ser “mais ou menos bom” em
Português, Ricardo admite que a leitura pode ser aprendida no futuro, ou seja,
não há utilidade para ela em seu presente, não há para ele interesse em enfrentar
a leitura porque também não pretende enfrentar as dificuldades em Português,
uma vez que esestabelecido que ele é “mais ou menos bom”. É caso de
pensar sobre o modo como a leitura tem sido trabalhada nas aulas de Português
assistidas por Ricardo.
Smith (1991) apud Oliveira (2001, p.178) aponta que “o direito de as
crianças ignorarem o que não podem compreender pode ser a primeira de suas
liberdades a ser tomada, quando ingressam na escola”. Como não estava na
142
escola, Ricardo se permitiu revelar, ao final da resposta, que gosta “mais ou
menos”, em virtude do motivo apresentado.
Anne-Marie Chartier (2005) alude às últimas pesquisas realizadas pelo
sociólogo francês François de Singly como desmistificadoras dessa relação amor
pela leitura e sucesso escolar, pois adolescentes que são ávidas leitoras de
romance e assíduas freqüentadoras de biblioteca apresentaram evidente
processo de fracasso escolar. Também o inverso tem acontecido.
Diante das revelações colocadas pelas pesquisas de Singly, a autora
enfatiza a necessidade de se procurar conhecer a qualidade do que se e tornar
novamente prioritária a formação do gosto dos leitores, recolocando a questão da
literatura.
O gosto de Larissa está muito ligado ao escolarizável, ao pedagogizante, de
modo que é essa a finalidade da literatura assimilada por ela. Recolocá-la para
ela não vai implicar em formação de gosto, que Larissa disse ter, mas em
apresentá-la com o tempero que lhe mantém o sabor encorpado, que faz dela um
prato apreciável, de sabor penetrante, marcante.
Ainda como aprendizagem, leitura não foi pretexto para opor aprendizado e
diversão na prática leitora de Tathyane:
Gosto, porque é muito legal, diverte.
... eu aprendo mais também... é diversão” (Tathyane, 11)
Diferentemente do também empregado por Paola anteriormente, no também
empregado por Tathyane, à diversão ela acrescenta o aprendizado sem excluí-lo,
ou seja, ela diverte e aprende mais também com a leitura; na resposta de Paola, o
também nada acrescenta a função da leitura de falar melhor, apenas dita de
forma diferente – expressar melhor (duas vezes) e falar bem correto.
Então, para essas crianças ler é aprender, predominantemente, o que é útil.
Numa sociedade de bens e consumo, muito cedo, entendemos que aprender o
“inútil” não lucro. Enquanto a formiga trabalhava, a cigarra cantava; e a
ênfase no trabalho da formiga ainda é a tônica da mensagem dada na leitura
dessa fábula para muitos leitores. Investir no aprendizado de que ler é aprender
“o nada” do que não está escrito, mas sugerido; “o nadacontido na reflexão que
uma canção, que um poema propõe, “o nada” da forma auxiliando na
143
compreensão do conteúdo ainda não é o que de mais “útil” se tem visto fazer. É
bem possível que ao ler as “inutilidades”, ou outro objeto que a transitividade de
ambos os verbos (ler, aprender) possam admitir, o ser humano capte a
abrangência da noção de que ler é aprender...
Um aprendizado que, de acordo com Soares (2004), implica em desenvolver
habilidade de traduzir sons em sílabas isoladas, habilidade de pensamento
cognitivo e metacognitivo, incluindo, entre outras, a habilidade de decodificar
símbolos escritos, de captar o sentido de um texto escrito, de interpretar
seqüências de idéias ou acontecimentos, analogias, comparações, linguagem
figurada, relações complexas, anáforas; e ainda, fazer predições iniciais sobre o
significado do texto, de construir significados combinando conhecimentos prévios
com informações do texto, de controlar a compreensão e modificar as predições
iniciais, quando necessário, de refletir sobre a importância do que foi lido, tirando
conclusões e fazendo avaliações. Tudo isso é processo e pede a ação de
mediadores na família, na escola, na biblioteca, nas vivências sociais com as
quais interage a criança. Sendo a escola o espaço privilegiado do ensino, recaem
sobre ela as principais cobranças quanto ao desenvolvimento dessas habilidades,
todavia as demais instâncias não se podem omitir dessa função.
Ler é divertir...
Quando Barthes (1996, pp.21-22) faz a distinção entre texto de prazer e
texto de fruição, expõe que este “faz vacilar as bases históricas, culturais,
psicológicas do leitor, a consciência de seus gostos, de seus valores e de suas
lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem”, enquanto aquele
”contenta, enche, euforia; (...) vem com a cultura, não rompe com ela, está
ligado a uma prática confortável de leitura.” Sem poder mensurar, nesse
momento, se os textos apontados pelas crianças como livros de que gostavam de
ler propiciaram, além do prazer, a fruição; registro aqui os materiais apontados
por eles como aqueles que possibilitaram uma leitura “divertida”, o tipo de material
de que gostam de ler. Foram eles o livro literário e as histórias em quadrinhos.
Elas:
144
- como primeira busca;
(...) ah... eu olho primeiro nos gibis, depois é que eu vou ver os livros.
(Tathyane, 11)
- pela extensão da história e dinamicidade da leitura;
É que eu gosto mais de ler gibi, não gosto de ler muito livro, é que... o gibi
é mais curto, não gosto de ler... gibi eu deito na cama e leio rapidinho.
(Catharine, 09)
- porque todas contribuíram para que desejasse ler mais;
Alguns livros não, mas todos os gibis sim. (Vítor, 09)
- porque é opção de “livro” que gosta de ler;
É revista em quadrinhos e... revista em quadrinhos [...] porque elas são
mais legais e melhor (Thalita, 11)
Dde... que fala sobre Chico Bento [Então é gibi] é gibi. [e livros?] Livros?
(...) (Camila, 10)
- porque as considera entre os “livros básicos”;
Gibi, com um livro de piada, de o que é o que é, um monte de coisa,
livros básicos. (Ricardo, 12)
- porque gosta de ler coisa de banca;
Eu gosto de ler muito gibi, assim, sabe, essas coisas de banca, gibi,
livrinho de história, tudo (...) (Paola, 12)
Sobre as histórias em quadrinhos, Kaufman (1995, p.39) destaca que elas
buscam “a participação ativa do leitor por via emocional, assistemática, anedótica
145
e concreta”, enquanto Coelho (1991, p.245) as defende como “literatura antes de
serem quadrinhos” porque “são representação simbólica de experiências
humanas, essenciais; e nisso estará, com certeza, o ponto comum que os faz ser
amados em qualquer ponto do globo, independente das semelhanças ou
diferenças de contextos sociais, econômicos ou políticos”.
Diante do gosto das crianças pelos quadrinhos e das considerações autorais
sobre eles, está o trabalho da mediação que fica entre o respeito à caminhada do
leitor e a necessidade de levar esse leitor a apreciar “o jeito diferente que o autor
inventou para contar essa história” (Paulino, 1999, p.54); um jeito diferente, de
trabalho artístico com a linguagem, que não se restringe aos quadrinhos, mas
aos poemas, às fábulas, às narrativas fantásticas, às narrativas de suspense, às
narrativas não verbais..., diversificando, assim, os suportes e os gêneros para
apreciação da linguagem artístico-literária. Parece que, nos espaços de
mediação, os quadrinhos ainda não têm sido aproveitados como pretexto para
uma reflexão que distinga uma atividade de consumo de uma atividade de
interpretação na qual o intérprete responda “criticamente ao objeto consumido”
(Amarilha, 2000, p.31).
No livro literário, a leitura “divertida” despontou:
- como passaporte imaginário
Adoro, desde pequenininha tudo o que eu mais gosto de fazer é ler,
porque lendo é como se eu viajasse. É uma coisa maravilhosa...É como se
eu esquecesse de tudo...é maravilhoso...eu leio um livro, depois eu fico
imaginando, imagino tudo. (Ellen, 12)
Gosto, porque... nas páginas, assim, você se sente muito feliz por estar
dentro de um livro (...) (Sílvio, 11)
- como passatempo
Ai, ai, ai... ler pra mim significa passar o tempo. (Greice, 11)
-
como divertimento para as férias
146
Adoro, eu comecei a ler bastante quando eu descobri... É ... quando eu
tinha sete anos assim, eu descobri a ler a leitura, o gosto da leitura
mesmo. E olha, eu gosto de ler bastante, de divertimento, assim, eu gosto
de ler mais nas férias é que assim eu tenho mais tempo livre (...) (Paulo,
11)
A metáfora da leitura referenciada por Ellen é explicitada por Jouve (2002,
p.109) como “uma entrada insólita em outra dimensão que, na maioria das vezes,
enriquece a experiência: o leitor que, num primeiro momento deixa a realidade
para um universo fictício, num segundo tempo volta ao real nutrido da ficção”. Ao
retornar ao real, Ellen retorna também à biblioteca, sendo uma das mais assíduas
freqüentadoras, em busca de novos passaportes para excursionar pelo universo
fictício.
Benjamin (1984) descreve muito poeticamente a capacidade que o discurso
integrador de linguagens na literatura para a criança tem de trazer o leitor para o
interior da obra ao dizer que “(...) não são as coisas que saltam das páginas em
direção à criança que as contempla a própria criança penetra-as no momento
da contemplação, como nuvem que sacia com esplendor colorido desse mundo
pictórico. (...) a criança é recebida como companheira. (...)” (Benjamin, 1984,
p.55).
O passatempo de Greice é também o divertimento de Paulo, que reserva a
tranqüilidade das férias para entreter-se mais com a leitura entre as outras
atividades que certamente pratica em seu tempo livre.
Outras noções de leitura
Em proporção menor, outras noções de leitura puderam ser lidas nas falas
das crianças, como:
- Leitura que faz pensar sobre a criação do autor
Ler é bem legal, a gente aprende muita coisa por muitas histórias diferentes, a
gente fica pensando de onde esse cara tirou essa idéia, assim, pra... pra
mostrar aquilo que ele pensa.
(Amanda, 11)
147
Estar em contato com a criação do autor faz pensar sobre a sua idéia e
sobre a maneira encontrada por ele para escrevê-la. Na medida em que tem
desenvolvida a sua competência literária, a “educação pela palavra-arte, (...) a
educação literária” (Leahy, 2004, p.206), o leitor vai extrapolando a sua
capacidade de pensar sobre e de observar o como.
A leitura de prazer para Amanda não exclui a leitura de conhecimento e, na
ordem em que aparecem na sua fala, o conhecimento não é fim primeiro de uma
leitura de prazer, mas pode vir em conseqüência dela. A leitura também desperta
nela a reflexão sobre conteúdo e forma de expor esse conteúdo na obra,
demonstrando que a leitura feita por ela valoriza a habilidade do autor em
estruturar com recursos lingüísticos e não lingüísticos a sua forma de contar,
encantar e levar à reflexão.
- Leitura como pensamento
[Ler] É... Pensamento.
(Zózimo, 11)
Como Amanda, fiquei a pensar “como entender essa noção de leitura dele?”
e, pensando, inferi que o pensamento poderia estar ligado à razão, no contexto
mais iluminista da palavra, ou talvez à imaginação na acepção mais reprodutora
que criadora. Enfim, são inferências ante um dado que, para mim, não é fácil de
ser lido.
- Leitura como “tudo [...] tudo de bom”
Ler é tudo [...] tudo de bom.
(Willian, 09)
Essa resposta dada por Willian quanto ao significado da leitura para ele
precisa ser lida junto a outra resposta que ele dá revelando gosto pela leitura:
Metade. [...] Porque às vezes eu brinco, às vezes não.
148
A dependência da brincadeira para ter o gosto garantido faz pensar sobre
uma pedagogia do prazer que trabalha com essa necessidade da atração, da
alegria e da satisfação de aprender, desconsiderando, muitas vezes, que nem
toda aprendizagem passa necessariamente por esse processo. Afinal de contas
em qual das duas respostas a voz de Willian manifesta realmente a sua noção de
leitura? Quando fala do prazer total ou quando fala do prazer parcial?
Certamente, essas interrogações levam as instâncias a repensarem sobre
“verdades” difundidas por elas e desmentidas pela realidade.
- Leitura silenciosa
Ler baixo
(Camila, 10)
A leitura silenciosa, muito defendida pelos teóricos da Escola Nova, era vista
como aquela que alargava a experiência individual do leitor, sendo reconhecida
como uma leitura inteligente, relacionada com o conteúdo em oposição à leitura
em voz alta, associada à forma. Para eles, o livro como suporte da leitura, “em
lugar de ser reverenciado, (...) deveria ser amado, conquistado pelo leitor,
transformado em instrumento de seu deleite ou trabalho” (Vidal, 2002, p.345). É
possível que a resposta dada por Camila esteja remetendo a uma relação muito
reservada entre ela e o livro no momento em que está lendo.
- Leitura como algo sagrado
É algo sagrado, desde os antigos povos, assim, se o homem não tivesse
descoberto é... a escrita. Se ele não tivesse escrito... ô... nós não teríamos
tanto contato de comunicação. E os livros é um deles... (...)
(Paulo, 11)
Embora ele considere a leitura algo sagrado, não considera o livro
instrumento único de comunicação, ele é mais um entre outros. Parece que a
sacralização a que se refere é mais para a descoberta que possibilitou o registro
que para o suporte no qual ele está mais acessível.
149
Descrita por Manguel (1997) como criações simultâneas, a leitura e a escrita
mantém uma estrita relação entre “o fazedor de mensagens, o criador de signos”
e o “mago” para decifrá-los, para dar-lhe voz. Como Paulo referendou, essa
relação atravessa os tempos de modo a revelar o sagrado, o profano, o diferente,
o proibido, o interessante; retirando-a da solidão do pedestal, do mundo “dos
espíritos mortos” a que aludiu Borges (1981) para estar nas práticas cotidianas
dos homens, das mulheres, das crianças.
1.2 Critérios de Escolha
24
Os critérios apontados pelas crianças para a escolha do livro literário foram
organizados e analisados em quatro categorias: Elementos não verbais e
elementos verbais, categorias narrativas, personagens humanas e personagens
bichos e ambientação cronológica, apresentadas nessa mesma seqüência.
Elementos Não Verbais e Elementos Verbais
Foram estas as opções de elementos apresentados às crianças para que
elas apontassem aqueles que mais consideram quando escolhem o livro para
leitura
Título Assunto Ilustrações Capa Espessura Resumo Autor Escrita
15 11 07 04 04 03 03 01
Como se no quadro, a predominância do título e do assunto aponta para
as preferências temáticas em relação às categorias narrativas que mais atraem
esses leitores, conforme se pode ler nessas respostas:
Geralmente, pelo título, por exemplo, olha só, neste ano, quando eu fui
fazer o último livro meu de Português, tinha uns livros lá, quando eu vi O
ouro do fantasma, foi o livro que eu escolhi. Eu pensei assim, deve ser de
mistério porque começa assim O OURO DO FANTASMA... deve ser uma
coisa suspense... e eu adoro... (Paulo, 11)
24
Foram consideradas e incluídas na tabela todas as ocorrências apontadas pelos leitores, optando, muitas
vezes, por mais de um critério.
150
Depende assim do título do livro. Eu prefiro assim aventura e romance,
entendeu? Mas, agora, terror eu também gosto bastante, fábulas, no geral,
tudo, depende muito do título. (Ellen, 12)
É o título. É a frase. [se tiver a palavra princesa, você pega?] Aí, não. [E se
tiver a palavra violência?] Violência... mais ou menos...pego. [a palavra
ouro?] Pego. [sangue] Pego. [natureza] Pego também. (Zózimo, 11)
É bem importante porque o título mostra o que o autor quer dizer...sobre o
que é o livro, né? (Amanda, 11)
Atraído pelo título, Paulo desconfiou de que o livro pudesse tratar de sua
categoria narrativa preferida, como revelou em outro momento da entrevista, leu
e, foi com ele, que Paulo passou as suas melhores seis horas com um livro.
Ellen e Amanda também buscam no título pistas para identificar a categoria
narrativa de que gostam de ler, sendo importante para elas a redação deles.
Quando Zózimo demonstra rejeição à palavra princesa pode estar revelando
que os contos clássicos não se incluem entre as suas leituras preferidas, uma vez
que tal palavra está muito ligada a esse gênero.
Em terceiro lugar na lista dos critérios de escolha, aparecem as ilustrações
que se constituem num recurso que pode convergir, desviar ou mesmo
contradizer o texto. Camargo (1998) aponta onze funções para a ilustração, das
quais destaco as quatro mais comumente usadas na produção literária para a
criança: a representativa - quando imita a aparência do ser ao qual se refere, a
expressiva - quando representa sentimentos e valores do ser representado, a
lúdica - que predomina nos livros jogos e a estética - que explora a forma da
mensagem visual e não deve ser considerada decorativa.
Desde que o livro literário infantil brasileiro tornou-se objeto novo, a
ilustração funciona como elemento que acompanha o texto, sendo recurso de
produção de sentido. Entretanto, Ellen parece não vê-la dessa forma, quando diz:
Eu prefiro sem ilustrações porque assim eu posso imaginar melhor (...)
pequenininha eu preferia com desenhos porque eu era menor ... (Ellen, 12)
151
Quando revela a preferência pelo livro sem a ilustração, Ellen está
desconsiderando a sua função representativa, porque quer ela mesma
representar no imaginário as suas ilustrações. Coelho (2000) postula cinco
categorias de leitor a partir dos conhecimentos da psicologia experimental, são
elas: o pré-leitor (dos 15 aos 17 meses aos 06 anos), o leitor iniciante (dos 06 aos
07 anos), o leitor-em-processo (dos 08 aos 09 anos), o leitor fluente (dos 10 aos
12 anos) e o leitor crítico (dos 12 aos 13 anos). Em relação à ilustração, a autora
destaca um decréscimo de interesse dos leitores até chegarem à categoria de
leitor fluente, quando a ilustração já não é um recurso indispensável.
Considerando o que disse Ellen e o que postula Coelho, fui conferir as
respostas que os dois leitores de nove anos deram à pergunta: O que mais
chama a sua atenção na hora de escolher o livro para ler?
As figuras, o jeito das personagens. (Catharine, 09)
A capa. Os desenhos, o título e depois olho as páginas. (Willian, 09)
Para esses leitores, as ilustrações foram apontadas como resposta a uma
pergunta direta. Entre os demais leitores, uma menina também considerou os
desenhos ao responder à mesma pergunta:
Os desenhos... Ah, princesa, príncipe, ah, essas coisas assim. (Paola, 12)
A prioridade dada à ilustração como critério é uma resposta que destaca um
não apagamento dela numa sociedade que prioriza o escrito, mas não é suficiente
para identificar o tipo de leitura que se faz dela. Se eles a consideram como
elemento de produção de sentido, no momento em que lêem os livros.
A resposta que Catharine para essa questão fornece elementos que
apontam para uma leitura da ilustração com função representativa:
As figuras, o jeito dos personagens. (Catharine, 09)
152
Quando se referem à capa, os leitores demonstraram estar atentos a vários
elementos presentes nela, como fatores determinantes para a escolha dos que a
levam em consideração.
Pela capa, que é assim uma capa diferente, uma capa legal, chama a
atenção, né? (...) que tipo, mostre no desenho mais ou menos o que quer
dizer o livro, né, de... do... se tiver um personagem na capa, a expressão
dele ... (Amanda, 11)
A capa e o nome. Vejo como que ela é, se ela é alegre, se ela é triste, vejo
o nome do livro. (Larissa, 10)
A capa, que também se utiliza da ilustração, destaca na fala dessas
meninas a função expressiva da ilustração.
A espessura, quando considerada, foi citada três vezes como opção pelos
finos e uma vez como opção pelos grossos. Foi um elemento que, no geral não
teve tanta relevância.
Apenas três vezes foram destacados o resumo e o autor, ocorrendo com o
segundo um apagamento de sua imagem em detrimento da obra. Quando
solicitados a citar o escritor preferido, três o fizeram,
Eu adoro livros de... deixa eu ver... de... Carlos Drummond de Andrade,
Sylvia Orthof e... eu já li bastante da série Vaga-lume. (Paulo, 11)
Posso dar J. K. Rowling, autora de Harry Potter e Pedro Bandeira. (Ellen,
12)
Ruth Rocha, ela tem uns livros bem legais. (Amanda, 11)
Os três leitores que apresentaram um histórico diferenciado de leitura pela
quantidade, pela variedade de gêneros e pelo diálogo estabelecido com a obra,
extrapolando o enredo, mostraram prontidão em revelar os seus autores
preferidos, porque demonstraram ler a obra como criação artística de um autor
por meio da linguagem. Os autores citados têm a sua escrita consagrada entre os
leitores, demonstrada pela boa aceitação no mercado editorial; de outro modo, a
153
preferência de Ellen também revelou uma característica mercadológica para atrair
o leitor com a produção em série, explorada tanto no mercado editorial quanto no
cinematográfico.
Uma leitora confessou a invisibilidade do autor para ela:
Sempre que eu leio um livro, eu nunca vejo o nome do autor... (Catharine,
09)
Como critério, Ellen, 12, destacou a escrita do autor, em resposta à
pergunta: Que tipo de livro você gosta de ler? Por quê?
Depende muito do título, da maneira como o livro é escrito. (...) É o título,
não pelo tulo... é... assim... é como se fosse o tipo de livro, entendeu? Eu
leio sempre o resumo atrás (...)
O seu perfil de leitora revelou por que o modo como se conta é tão relevante
para ela.
Categorias Narrativas
O termo “categoria” de que me utilizo, apóia-se em Bardin (1977), sendo
entendido como classes com caracteres comuns, ou seja, a estrutura narrativa da
base de sua organização é o eixo comum de sua classificação.
O quadro seguinte mostra as preferências por estas categorias narrativas
apontadas pelos leitores.
aventura
Suspense
Divertidas
fábulas Contos
clássicos
Gibi Moralizantes
Meio
malucas
12 09 09 06 06 05 03 01
Nem sempre os leitores souberam justificar a preferência pelas categorias
narrativas citadas, como se pode ler nas respostas selecionadas entre as
categorias mais apreciadas – aventura, suspense e divertidas:
154
É livro que tenha aventuras, livros que contenham aventuras. (Vítor, 09)
O que eu mais gosto de ler agora é aventura, aventura e mistério... dá uma
emoção de ler aqueles livros. (Greice, 11)
Vítor sabe do que gosta, sem ter o porquê, enquanto o porquê de Greice é a
emoção, presente em seu agora através da aventura. Para outros leitores, o
mistério que, no momento de Greice, também é emoção, representa desafio:
Mistério e suspense, porque você e você vai descobrindo as coisas no
meio do livro. Quando chega no final, você pensa assim: pode ser o seu
resultado, mas às vezes não é. Isso uma emoção final. vontade de
ler uma, duas, três, quatro vezes mais... (Paulo, 11)
Livros que têm suspense... a gente vai lendo o livro e fica sabendo no
final, fica curioso. (Larissa, 10)
O embaralhamento dos fatos, a investigação, as várias pistas, as falsas
pistas são todos ingredientes que desafiam leitores detetives ou testemunhas,
despertam a curiosidade e afloram a emoção, incontida, agitada, própria do
espírito juvenil. Esse jogo de esconde e revela, de levantar suspeita sobre o não
culpado, de colocar o assassino acima de qualquer suspeita, requer habilidade de
criação e de uso da linguagem para bem criar com ela. Quando o autor consegue
isso em sua criação, ele ganha a palavra e também pode ganhar um leitor que se
dispõe a ler até quatro vezes.
A vontade de ler mais que o suspense despertou em Paulo, ocorreu também
durante a leitura de uma história que Catharine classificou como divertida e
despertou nela essa vontade.
...uma vez a Adrielle, minha vizinha, me emprestou O menino maluquinho,
eu li umas três vezes... (Catharine, 09)
Foi mais uma vez que essa história que vendeu milhões de exemplares e
atraiu crianças para o cinema provocou na criança a vontade de ler mais, entre
outros aspectos relevantes na construção literária, porque o menino maluquinho é
155
menino, desfrutando plenamente a sua meninice nas brincadeiras
inconseqüentes, na relação afetiva com os pais, na invenção de brinquedos e
brincadeiras, no gozo pleno da infância. Outro aspecto que explica o interesse de
Catharine por essa narrativa de Ziraldo é o diálogo que ela estabelece com os
signos do objeto preferido de leitura para Catharine, os quadrinhos.
Os contos clássicos e as fábulas trazem embutidos em si o encantamento
que as narrativas primordiais provocam ao longo de séculos tanto em crianças
quanto em adultos. Os quatro livros apontados por Sílvio, 11, em seu histórico de
leitor pertencem ao universo dos contos clássicos: A bela e a fera, Branca de
Neve, Cinderela e Pinóquio, Paola, 12, também revela o seu interesse por esses
contos quando diz:
Desde pequena, né, eu sempre li contos de fada (...) Ah, princesa,
príncipe, ah, essas coisas assim. (Paola, 12)
Entretanto, Vítor, 10, manifestou uma opinião muito particular quando perguntado
sobre o interesse pelos contos de fadas:
Eu não acho porque... eu acho que é meio de menina (Vítor, 10)
O comentário de Vítor pode remontar o discurso das instâncias institucionais
quando classificam o que deve ser lido por essa ou por aquela faixa etária, ou o
que interessa para os meninos e o que interessa para as meninas, estabelecendo
uma diferença social de gênero. Se num micro-universo de pesquisa, em que se
investigam quinze leitores, as diferenças que afloram não permitem estabelecer
qualquer padrão, calcula-se em um universo mais amplo.
Afora as diferenças, os contos sobrevivem e marcam as experiências
leitoras de várias gerações, não enquanto são crianças, como revelou uma
mediadora de leitura da biblioteca.
Ai, você vai rir de mim. Ai, Chapeuzinho Vermelho, é, foi a primeira leitura
que eu fiz quando criança, mas que trago até hoje. Que até hoje, vira e
mexe, eu tenho gosto de pegar e ler, porque faz parte da minha vida, é
interessante, interessante, né, mas eu amo, eu amo. Não ele, mas
todos os outros. (mediador 03)
156
Uma aceitação maior das fábulas em relação às histórias moralizantes
indicativo de que o como se escreve é fundamental para um diálogo entre o leitor
e a obra. Embora as fábulas também apresentem um discurso moralizante, a
alegoria de que elas se revestem seduzem tanto a ponto de ofuscar a moralidade,
que, segundo Lobato (1916 apud Coelho, 1991, p.227), “fica no subconsciente
para ir se revelando mais tarde à medida que progredimos em compreensão”.
Sobre o interesse pelos gibis, creio que as considerações feitas no
subtópico Ler é divertir... são suficientes para justificar essa preferência. Ademais,
o interesse de uma criança por histórias denominadas por ela de meio malucas:
Eu gosto bastante de histórias meio inventadas, assim, meio malucas (...)
(Amanda, 11)
Em outro momento da entrevista, Amanda ao referir-se às histórias
divertidas diz:
Eu gosto também de...de...de me embaraçar toda, de fazer uma confusão.
(Amanda, 11)
O non senseque uma história meio maluca propõe é aceito por ela. A
propósito disso, Palo e Oliveira (1992) apontam que o riso e o universo do
avesso, a subversão dos padrões por meio da paródia é um modo de que o
narrador se utiliza a fim de incorporar o padrão da oralidade, tentando uma
comunicação mais próxima com a criança ao mesmo tempo em que imprime à
narrativa um estilo próprio de escrever que, no caso de Amanda, despertou
interesse.
Embaraçada na obra, ela compactua com ela, aceitando a falta de senso
proposta pelo autor para ler a recriação do imaginário a partir do uso
desembaraçado da linguagem. Em épocas diferentes, autores como Júlio Verne,
João Carlos Marinho e os pós-modernistas alimentam com suas obras mentes
dispostas a ler o aparente absurdo. Haveria critérios para regular esse interesse
do leitor infanto-juvenil?
157
Personagens Humanas e Personagens Bichos
Personagens humanas Personagens bichos Ambos
05 04 06
A preferência pelas personagens bichos quando foram justificadas,
destacou como critério a antropomorfização pela aceitação e pela não aceitação,
estando a aceitação relacionada aos quadrinhos e a não aceitação condicionada
ao papel desempenhado pelo animal:
Acho legal, porque... assim... na Mônica, tem o Bidu que eu acho legal...
(Thalita, 11)
Se os animais forem assim... falsos... coisa assim, eu não gosto muito. Se
já tem outro papel, assim... de ecologia, eu já prefiro. (Ellen, 12)
Entre a preferência pelas personagens humanas, pelas personagens bichos
e pela aceitação de ambas houve um equilíbrio, que pode estar relacionado
uma irrelevância desse critério para esses leitores quando escolhem o livro para
ler.
A Ambientação Cronológica
Passado Presente Ambas
04 08 02
Ao destacar a sua preferência pelas histórias ambientadas no passado, uma
das leitoras revela a sua preferência pelos contos folclóricos, cuja delimitação de
tempo não se mede cronologicamente, tendo em vista que os seres
personificados por esses contos encontram-se no imaginário popular e resistem
na tradição, sendo repassados de geração a geração, encantando ou assustando
a milhares de ouvintes-leitores.
158
Época passada, sim, porque sempre que minha mãe trazia livros pra nós,
a gente pedia assim, de Caipora, de Saci Pererê, lendas, né. (Thalita, 11)
A transposição da oralidade para a escrita dessas histórias, demonstra um
interesse pelo popular influenciada pela mudança de enfoque nas concepções de
linguagem e, conseqüentes mudanças no modo de conceber e trabalhar a leitura,
considerando gêneros e suportes vários; isso remonta também à própria origem
da Literatura Infantil e Juvenil.
Sobre a consideração de ambas as ambientações, uma outra leitora
revelou:
Desses de época eu leio mais pra fazer estudos... legal saber o que
aconteceu antes. (...) na atualidade, eu acho que sim, porque tem
bastantes livros que eu li, né, que falam de problemas... tipo, desemprego,
assalto, essas coisas,. (Amanda, 11)
Para essa leitora a ambientação cronológica no passado está ligada ao
conhecimento dos acontecimentos passados e, no presente, a temas engajados.
Bordini (1980) faz referência a Bamberger (1977) e a relação que faz entre o
desenvolvimento psicológico da criança e os interesses de leitura, aludindo às
cinco “idades de leitura”, segundo as definições de Schliebe-Lippert e A. Beilinch.
Quando fala da terceira fase (de 09 a 12 anos), o autor classifica como a idade da
história ambiental ou “factual”, sendo um período em que a criança começa a
orientar-se no mundo concreto, subsistindo o interesse pela leitura maravilhosa,
persistindo o desejo de desvendar o meio aprendendo com os livros, através de
histórias e acontecimentos vivos; por isso a proximidade com os fatos foi
determinante para a predominância da ambientação cronológica no presente.
1.3 Leitores e leituras
Entre os objetivos da Biblioteca “Saber com Sabor”, como apresentados no
capítulo anterior, estão: oferecer a oportunidade de leituras agradáveis como meio
eficazes de conhecimento e a participação em atividades cívicas e culturais;
atender à clientela infantil, oferecendo-lhes livros de diversos autores de literatura
159
infantil; realizar atividades culturais e recreativas incentivando a leitura, a escrita e
as atividades lúdicas e artísticas da criança; oportunizar reflexões e discussões na
praça.
O quadro seguinte sintetiza um pouco o foco sob a perspectiva daqueles a
quem são dirigidas essas ações: os leitores infantis ou, pelo menos, quinze deles.
Os leitores na biblioteca
freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além
do livro
Participação em
atividades de leitura,
artística ou cultural
Amanda
11
1 x por
mês
3 ou 4 livros Pesquisa
escolar
Não
Camila
10
6 x por
semana
1 a cada ida
(não está
cadastrada)
Pesquisa
escolar, revistas
Não
Catharine
09
Há mais de
1 ano não
vai
2 ou 3 Pesquisa
escolar, gibis
Sim (artística)
Ellen
12
2 ou 3 x
por
semana
em período
letivo
2, 3 ou mais Pesquisa
escolar
Não
Greice
11
1 x por
mês
1 ou 2 livros Pesquisa
escolar
Não
Larissa
10
1 x por
semana
1 a cada ida
(não está
cadastrada)
Gibis Não
Paola
12
Quase
todos os
dias
1 ou 2 a cada
ida (não está
cadastrada)
Desenhos, gibis,
jornais
Não
Paulo
11
1 x por
mês
4, 5 ou 6 Raramente
pesquisa
escolar, revistas
Não
160
Ricardo
12
4 x por
semana
1 livro Pesquisa
escolar, gibis
Sim (artística)
Sílvio
11
2 x por
semana
2 livros Aula de capoeira
Sim (cultural)
Thalita
11
2 x por
mês
Mais ou
menos 5
Nenhum Não
Tathyane
11
2 x por
mês
2 ou 3 livros Pesquisa
escolar, gibis
Não
Vítor
10
nas
férias
2 livros Gibis Não
Willian
09
Às vezes 1 livro Pesquisa
escolar, jornais
Não
Zózimo
11
3 x por
mês
1 ou 2 livros Pesquisa
escolar
Não
Em relação à freqüência desses leitores, os mais assíduos: Camila, Ellen,
Larissa, Ricardo, Sílvio e Paola, foram os que revelaram ter maior facilidade de
acesso à biblioteca. Camila e Paola porque os pais são os donos da banca de
jornais e revistas que fica na praça, onde elas passam todo o tempo que tem livre;
Ricardo porque o pai trabalha como taxista na praça e ele costuma acompanhá-
lo, Ellen porque para ir à escola, que fica próximo à biblioteca, passa pela praça e
pára para emprestar livros, Larissa e Sílvio porque não moram tão distante.
A propósito, Ellen e Ricardo destacam bem a importância da biblioteca
“Saber com Sabor” como facilitadora do acesso ao livro para eles:
Olha, no início, minha mãe comprava, ela tinha que comprar porque... eu
não tinha nenhuma biblioteca. (...) conhecer essa biblioteca foi melhor pra
mim, né. Eu conseguia livros na biblioteca da escola, mas era mais
complicado.
(Ellen, 12)
Antes da biblioteca eu não lia.
(Ricardo, 12)
161
Os leitores menos freqüentes destacaram a distância entre a biblioteca e as
suas casas e a não disponibilidade dos pais em levá-los com mais freqüência
como principais empecilhos para as poucas idas à “Saber com Sabor”:
Faz tempo que eu não vou, né, porque, sabe, MEU PAI NÃO LEVA. Se ele
levar, eu freqüento ela.
(Catharine, 09)
Eu não vou muito freqüentemente porque tá muito corrido, né. Minha
família não tem como se locomover. meu pai que trabalha e ele tem
um carro. Minha mãe sabe dirigir, mas só que ela tem um trauma, um treco
que não pra ela dirigir. Então, se ela dirigisse, seria ótimo, milagre, eu
viria todo dia, facilitava demais. Mas agora eu vou mudar pra um
apartamento. É pertinho. Se eu quiser, eu venho a pé... Facilita demais!
(Paulo, 11)
Minha mãe trabalhou nove meses lá perto, daí, ela sempre trazia livros pra
gente. (...) não, não era toda semana, era de vez assim. Um sábado sim ia
minha irmã, aí depois a outra, aí depois eu ia. Cada um uma vez (...)
(Thalita, 11)
(...) deve fazer uns dois anos que eu tenho meu cadastro (...), mas
é um pouco longe daqui de casa (...), então eu não pego muitos livros (...)
(Amanda, 11)
A média de empréstimo revelada pelos leitores nem sempre foi condizente
com o número de livros aos quais se referiram na segunda etapa da entrevista.
Por exemplo, Camila que está na biblioteca de segunda a sábado, toda semana,
três anos, e que disse ler um livro a cada ida à biblioteca, fez alusão a oito
livros em seu histórico de leitura.
Quando a quantidade do empréstimo anunciada ultrapassou o limite
permitido na biblioteca (dois livros por pessoa), foi porque a cota de algum
parente cadastrado na biblioteca foi usada, como justificou Ellen:
162
Aqui o limite é 2, mas se eu tenho oportunidade, eu peço 3 pelo menos.
Ou então, eu peço pro meu pai que também pega livro aqui, eu peço pra
ele levar algum pra mim.
(Ellen, 12)
Pelas buscas dos leitores, a biblioteca é o espaço no qual estão a
informação dos acontecimentos regionais, nacionais e mundiais; a informação
para a sua formação acadêmica e o entretenimento. E lá, nos limites do acervo, à
revelia de um programa de ação, as buscas vão acontecendo... As leituras? É
possível. Nas propostas de atividades leitoras? Não. Nas oficinas artísticas e
culturais? Três vezes. Num universo de quinze leitores que, assídua ou
esporadicamente freqüentam a biblioteca e precisam ser a razão de sua
existência, de sua articulação para informá-los e formá-los.
No território-biblioteca, os leitores têm expectativas evidenciadas nas
buscas de fruição, de prazer, de informação, de formação, de entretenimento e,
também, procuram assegurar o direito à escolha, ainda que restrita aos limites de
um acervo, conforme manifestaram estes quatro leitores:
Normalmente, eu não peço muita indicação, porque eu gosto de ver
bastante o livro, porque cada um tem um gosto diferente. Alguém pode
gostar de uma coisa, eu posso não gostar, entendeu? Aí, eu prefiro
escolher eles, ir olhando prateleira por prateleira, assunto por assunto. (...)
(Amanda, 11)
(...) eu prefiro escolher por conta própria, meu estilo.
(Ellen, 12)
(...) eu prefiro escolher o livro, porque, assim, às vezes, eu quero um livro
de mistério (...) Eu já vou pelo meu gosto mesmo. (...)
(Paulo, 11)
Eu mesma ir na prateleira. Daí, eu já venho, já pego e já leio.
(Larissa, 10)
163
A garantia da escolha está na possibilidade das opções. A biblioteca que
oferece opções articula-se política, metodológica e pedagogicamente para tornar
viável e visível o seu programa de leitura e de animação cultural, constituindo-se,
assim, território de produção de sentidos para o leitor, para a leitura, para a
sociedade.
A leitura na família
Muito comum é ouvir, principalmente nas instituições escolares, falar em
omissão parental no acompanhamento escolar da criança, fato contestado por
Bernard Lahire (1997) que, pelo estudo que fez, considera tal omissão um mito
produzido pelos que ignoram a lógica das configurações familiares.
A configuração familiar dos leitores entrevistados, concernente à situação
sócio-econômica mostrou que os responsáveis, em sua maioria, estão em
condição funcional de se manterem sem benefícios assistenciais dos programas
governamentais (conferir o quadro dos sujeitos leitores na página 29). Em relação
à leitura como prática social que detém o interesse da família, o quadro seguinte
aponta, nas quatro primeiras posições, à condição de pais e responsáveis frente à
leitura e, na última, a leitura como prática entre irmãos.
Leitores
incentivadores
de leitura
Compradores
de livros
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Amanda
11
Mãe Sim Sim Sim Sim
Camila
10
Mãe e
pai
Sim Sim Não Não
Catharine
09
Pai e
mãe
Sim Sim Sim, o pai Sim
Ellen
12
Pai e
mãe
Sim Sim Sim Sim
Greice
11
Mãe Sim Não Não Sim
Larissa
10
Avó Sim, a avó Sim Não Não
164
Paola
12
Pai e
mãe
Sim Sim Não Não
Paulo
11
Pai e
mãe
Sim Sim Sim Sim
Ricardo
12
Pai e
mãe
Sim Não Não Não
Sílvio
11
Não Sim Não Não Sim
Thalita
11
Mãe Sim Não Sim, a mãe Sim
Tathyane
11
Mãe Sim, a mãe Não Não Não
Vítor
10
Não Sim Não Não Não
Willian
09
Não Sim Não Não Não
Zózimo
11
Não Sim, a avó Não Não Não
Ao revelarem a condição de leitores e não leitores dos pais ou responsáveis,
as crianças também apontaram materiais e ambientes de leitura encontrados no
lar. Em relação ao ambiente convidativo à leitura, selecionei estas quatro falas:
Eu ganhei bastante do colégio e lá na casa da minha avó tem um monte de
livro (...)
(Larissa, 10)
(...) em casa tem a Barsa, tem livros também. (...) Minha mãe compra,
minha irmã que tem 10 anos tem um monte de coleção, tem coleção de
livro, CD, tudo.
(Paola, 12)
Tenho quase uma biblioteca. (...) A minha mãe e a minha irmã que
aprendeu ler agora também gostam de ler.
(Greice, 11)
165
Tenho, tenho... agora não tenho muitos porque a maioria que tinha, eu
tinha lido várias vezes, sabe, eu doei, né? Eu dei pra escolas públicas,
pras filhas da moça que trabalhava aqui, né? Elas tavam, assim, em
alfabetização (...) eu dei pra elas bastantes livros, foram “trocentos” livros
(...)
(Amanda, 11)
O livro é um objeto que, junto a outros, compõe o cenário na casa dessas
meninas, faz parte do cotidiano delas e, na casa de Paola, além dele, outros
objetos se dão a ler, são portadores de texto. Também, ao que parece, o livro é
compartilhado entre a família e, no caso de Amanda, transpôs o território
doméstico.
Quando fizeram referência ao material que lêem os pais, algumas crianças
destacaram objetos de leitura de interesse particular dos pais ou livros lidos pelos
filhos, conforme se pode ler:
(...) Meu pai ama ler, meu pai, ele mais do que eu, mais do que minha
mãe. A minha mãe que não muito. Ela bastante coisa, que de
conta, de... da coisa da sorveteria.
(Catharine, 09)
Meu pai, ele fica lendo à noite, eu e minha mãe, meu irmão. [Seu pai o
quê?] da igreja e jornal. [E seu irmão?] Meu irmão gibi, gibi e
charada.
(Ricardo, 12)
(...) meu pai não gosta muito de ler livros, ele prefere revistas, jornal;
agora, minha mãe, sempre que eu levo um livro pra casa, ela também,
opinião, fala se é muito forte pra minha idade, assim, que ela gostou,
achou interessante, a gente comenta o livro. Então, são bastante
informados nessas coisas.
(Ellen, 12)
Como leitores de livros que interessam aos filhos, fica registrada pela fala de
Ellen, a preocupação da instituição família em demarcar, via faixa etária, a leitura
apropriada ou não apropriada para a criança, mas fica também demarcada, pela
166
mesma fala, a possibilidade de se comentar o livro com o filho, opinando e
apontando aspectos interessantes ou desinteressantes da obra.
Se o quadro mostrou que nem sempre os mediadores da família foram
considerados leitores pelas crianças, todos, a seu modo, foram apontados como
incentivadores de leitura:
- ao solicitarem leitura;
Ela [a avó] fala pra mim ler bastante (...)
(Zózimo, 11)
- brincando de ler;
Minha mãe... a minha mãe que me falava... a gente brincava de quem erra
mais no texto.
(Tathyane, 11)
- tornando acessível o elo com a biblioteca;
Minha mãe que trabalhava, daí ela ia lá, aí ela falou que tinha uma
biblioteca lá perto do serviço dela. Aí, a primeira vez que ela trouxe a gente
lemos tudinho e... gostamos. (...) Não, não era toda semana, era de vez
assim. Um sábado sim ia minha irmã, depois a outra, depois eu ia.
Cada uma, uma vez. (...)
(Thalita, 11)
- provendo material de leitura;
(...) Meu pai trazia gibis do trabalho pra mim.
(Vítor, 10)
- recomendando leituras;
Dão, dão [opiniões, sugestões], principalmente meu pai (...) Eles dão mais
sugestões sabe por quê? Porque eu entrando na adolescência... e eles
gostam mais mesmo que eu pegue livros de adolescência (...) porque
167
assim, ó, o adolescente fica com traumas (...) por causa das mudanças,
entendeu?
(Paulo, 11)
(...) [sugeriram leituras] que é o da igreja, eu comecei a ler o da
igreja.
(Ricardo, 12)
-auxiliando na escolha;
(...) muitas vezes quando eu vou comprar um livro, né, eu peço opinião
dela (...), leio a sinopse pra ela (...)
(Amanda, 11)
A avó de Zózimo, embora não tenha sido considerada leitora por ele, parece
ver na leitura uma atividade positiva para contribuir com a aprendizagem do neto.
Com a mãe de Tathyane, a aparente permissão para errar parece ser uma
não permissão, que, tratando-se de uma brincadeira, é inconseqüente, não tem
punição, embora se evidencie o erro, ao brincar de ler.
Enquanto a mãe de Thalita fez um esforço considerável para tornar o livro
acessível aos filhos (a casa deles fica num município vizinho a Cuiabá), para o pai
de Vítor, ao que parece, trazer-lhe o gibi requer menor esforço; contudo o
interesse tanto dessa mãe quanto desse pai é que estão sendo evidenciados em
sua função de mediar ou tornar acessível o material de leitura aos filhos.
Nas recomendações de leitura, tal qual a mãe de Ellen, os pais de Paulo
demonstraram preocupação em recomendar leituras apropriadas à faixa etária e,
no caso específico de Paulo, que servissem para orientá-lo nas incertezas
características da adolescência. Para Ricardo, porém, a recomendação foi
demarcada pela formação religiosa do pai.
Por essa fala selecionada de Ricardo, não fica claro se a recomendação do
pai por leituras da igreja tenha representado a interdição das outras ou a
aceitação espontânea delas por parte dele, uma vez que quando o encontrei na
biblioteca ele lia muitas revistas e selecionou para empréstimo livros de
adivinhações. Contudo, para Paulo, a preocupação com a faixa etária levou a
mãe a esconder dele duas obras: A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e Os
168
Lusíadas, de Camões; a primeira lida integralmente, às escondidas, e a segunda
parcialmente, conforme disse:
(...) minha mãe chegou até a esconder livro de mim pra eu não ler (...)
Eu li, assim, dois livros escondido. Eu pensei assim, por que
escondiam? A escrava Isaura, minha mãe nunca deixava eu ler, não sei
por quê, tem novela lá, não sei por que não deixa e... eu quase cheguei a
ler Os Lusíadas, que eu não li ele por inteiro (...) Cheguei na parte da
terra dos ciclopes, acho que eu parei por aí, nessa parte.
A proporção de pais e ou responsáveis compradores de livros e
freqüentadores de biblioteca foi a mesma: cinco sim e dez não. Apontar se as
causas são estruturais ou culturais os dados dessa pesquisa não alcançam,
porém comparando esses com os que revelaram os pais e ou responsáveis
leitores e incentivadores de leitura é possível dizer que a família não é omissa em
seu papel na mediação de leitura, mas se limitada por fatores externos que
interferem numa implicação efetiva no processo de formação leitora da criança,
uma vez que nem sempre é possível a ela acompanhar a criança na aquisição do
livro e da leitura.
Quando solicitados a falarem de leituras compartilhadas com os irmãos
menores, dentre os que responderam positivamente, essa prática leitora
possibilitou um momento de ludicidade:
(...) minha irmãzinha, Maeli, (...) Ela me pede pra ler, que eu conte
historinhas que eu li, né, ela, de vez em quando... mas agora que ela
aprendeu a ler ela sozinha. Ela gosta que eu leia pra ela porque eu faço
vozes diferentes para os personagens, mas... ela lê sozinha, normalmente.
(Ellen, 12)
(...) ela [a irmã menor] gosta de um desenho que chama Barney, né? ,
meu pai comprou uns li... um monte de livrinhos de Barney, de ursinho pra
ela, daqueles que saem, faz barulhinho, sai os rostinhos, assim, né? Eu
não leio, eu interpreto pra ela...
(Amanda,11)
169
Percebe-se que existe na casa dessas meninas um ambiente propício para
o desenvolvimento da leitura que vai envolvendo a todos, mesmo antes do
domínio do código escrito.
A propósito, conforme revelou Ellen, o conhecimento do código escrito
provocou em sua irmã uma certa autonomia na leitura, de modo que o prazer e a
capacidade de decifrar o código o conquistas que a criança procura garantir,
embora não rejeite uma leitura encenada pela voz do outro.
A leitura feita pelos irmãos para as irmãs também teve acolhida nas casas
de Paulo e Sílvio:
(...) leio, assim, conto histórias, né? Os três porquinhos (...) minha mãe
fala: “lê esse tipo de livro pra ela” (...) ela sabe as historinhas e ela é
esperta pra burro. Olha, muito “estapuleta” ela.
(Paulo, 11)
(...) eu leio pra ela sim; desse de conto de fada.
(Sílvio, 11)
Se de irmãos para irmãs, a leitura dos clássicos sobrevive na casa desses
meninos, na casa de Catharine, a leitura dos gibis entre as irmãs...
Tenho a Caroline, uma pequenininha. A minha mãe fala pra mim ler pra
ela, eu vou ler pra ela, ela fala: “NÃO, eu vou ler minha historinha” que ela
mesmo inventa, que à noite, às vezes, eu lendo, ela pega o gibi e vai
inventando, e fala: “a Catharine pegou, bateu no Cebolinha”, porque eu
sou um pouco gordinha, ela fala “a Mônica é a Catharine, socorro!
Socorro!”
(Catharine, 09)
A leitura que a irmã de Catharine faz da imagem, associada à sua
imaginação, cria uma situação inversa de leitura compartilhada entre irmãos
elaborada em uma questão dessa pesquisa, pois a voz e a inventividade da
pequenina leitora quiseram fazer-se ouvir naquela casa.
Duas outras práticas de leitura compartilhada foram reveladas por Paola e
Thalita:
170
Leio, às vezes eu leio até pras criancinhas que vem na biblioteca.
(Paola, 12)
Foi um da Iara, da Iara e dum boto e da bruxa, que até hoje a gente não
esquece porque “a cuca vai pegar” [fala como se imitasse a voz da cuca].
Era muito legal, porque a da bruxa que a gente ficamos assustados, no dia
em que a gente leu. Minha mãe contou de noite, essa aqui [mostra uma
das irmãs ao lado] ficou assustada, ai, ai... não... foi... deu muito medo e foi
muito legal, aventureiro, né, mãe? Muito legal!
(Thalita, 11)
Além de freqüentadora e leitora na Biblioteca “Saber com Sabor”, Paola
também, às vezes, assume o papel de mediadora de leitura para os menores.
A entrevista com Thalita revelou que a sua família ainda possui um hábito pouco
encontrado entre as famílias hoje, que é a prática da leitura compartilhada, em
família, durante a noite. Um comportamento que se reproduziu, enquanto
gravávamos a entrevista. Foi assim:
Enquanto o irmão mais velho de Thalita carpia o quintal, os demais se
sentaram para acompanhá-la e eram sempre consultados quanto a alguma
dúvida ao falar sobre os livros. Houve um momento em que, solicitada a falar do
livro preferido, ela disse que o irmão o faria melhor. Então, ele parou de carpir,
veio e narrou, longa e detalhadamente, um conto popular que eles haviam lido
durante a noite e que os havia impressionado muito. Enquanto ele narrava, havia
interferência dos irmãos e da mãe que também se sentou para acompanhar.
Desse conto, eles foram se lembrando de outros, também nessa linha do
maravilhoso, dos seres folclóricos e assombrosos, que despertavam neles
expressões de pavor em muitos momentos, enquanto o irmão narrava.
Enquanto a leitura em família foi uma prática evidenciada na casa de
Thalita, a leitura na família esteve inserida, de modo diverso, nos lares dos
demais, porque todos fazem parte de uma sociedade grafocêntrica em que a
leitura é prática social constante e se diversifica conforme as necessidades do ser
humano em sua busca pela informação, pela formação, pelo prazer, pela fruição...
171
A leitura na escola
Nesse subtópico, a pesquisa buscou destacar atividades de leitura que, por
terem sido significativas, de alguma forma, foram lembradas e citadas pelos
leitores, principalmente, quando lhes foi perguntado se a escola solicitava leitura
deles e com que tipo de livros. Dois espaços de mediação, a biblioteca escolar e a
sala de aula, foram evidenciados em suas respostas, de modo que os dados
foram sintetizados em dois quadros: o primeiro destacando motivação e finalidade
da leitura naquela, e o segundo mostrando materiais e finalidades de leitura
nesta.
A biblioteca escolar como espaço de mediação de leitura
Leitores
Por
motivação
própria
Por motivação
do professor
Busca do
livro para
leitura
Pesquisa
escolar
Não
mencionada
Amanda
11
X X X
Camila
10
X
Catharine
09
X X
Ellen
12
X X
Greice
11
X X
Larissa
10
X X
Paola
12
X
Paulo
11
X X
Ricardo
12
X
Sílvio
11
X X
172
Tathyane
11
X X
Thalita
11
X X
Vítor
10
X X
Willian
09
X
Zózimo
11
X X
Citada onze vezes, a biblioteca escolar foi o local em que os leitores podiam
ter acesso ao livro, ao que pareceu, sem maiores dificuldades, como mostram
estas três falas selecionadas:
Antes eu pegava livro na biblioteca da escola.
(Sílvio, 11)
Eu buscava [os livros para leitura] na própria casa mesmo e na biblioteca
do colégio. (...)
(Paulo, 11)
(...) a tia também livros da biblioteca é... assim... eu sei onde fica a
biblioteca, tem duas bibliotecas, é pertinho da minha sala, ao lado da
minha sala.
(Catharine, 09)
Para Ellen, porém, a biblioteca escolar era um lugar de difícil acesso:
Olha, no início, minha mãe comprava, ela tinha que comprar porque... eu
não tinha nenhuma biblioteca. Porque, na escola antiga, tinha uma
biblioteca, mas era muito, muito longe. Não é que era longe, era uma sala
(?) mais isolada (?) e eu tinha medo de ir sozinha... Agora na escola... a
biblioteca já é mais ... mas normalmente está fechada e eu só posso pegar
livros no recreio ou na saída que normalmente eu tenho que ir embora
173
rápido, então eu... conhecer essa biblioteca foi melhor pra mim, né, eu
conseguia livros na biblioteca da escola, mas era mais complicado.
É pena que algumas bibliotecas escolares ainda se conformem em ser
depósito de livros em vez de território de atribuição de sentido, como nomeou
Nóbrega (2002), dificultando o acesso de leitores tão ávidos, como Ellen, pela
leitura. Porém, isso também serve para enfatizar a importância da existência e
manutenção de bibliotecas públicas e alternativas como é a Saber com Sabor”,
resguardadas todas as suas limitações, para que, na falha de uma instituição,
outra condições para que o leitor alimente com a leitura a sua formação, o seu
lazer...
Registrada a dificuldade de acesso à biblioteca na escola em que Ellen
estudou e na que estuda, dez foram os leitores que a apontaram como local de
busca do livro para leitura por motivação própria, como exemplificam Amanda e
Catharine em suas respostas:
(...) numa escola que eu estudava tinha uma biblioteca. Toda hora, na hora
do recreio, eu lanchava, em vez de brincar com minhas amigas, eu ia ler
livros lá. Eu gostava... eu li um que eu demorei umas duas semanas pra
ler. É Perdidos na montanha, parece o nome.
(Catharine, 09)
Tem biblioteca no colégio, tinha também no colégio em que eu estudava e
toda semana, né, a gente, com minha professora, fazia roda de leitura.
Cada um lia um livro, né, escolhia um livro na biblioteca, levava pra casa e
lia e no ou... na próxima semana fazia o resumo do que achou do livro, ou
então um teatrinho, ou é... um texto, né, um resumo falado. É... mas... e
também fora, assim, das rodas de leitura, quando não tinha, semanas que
não tinha, eu pegava alguns livros.
(Amanda, 11)
Pela ordem, a fala de Amanda revela a sua presença na biblioteca motivada
por atividades de leitura planejadas pela professora e, na ausência dessas
atividades, por motivação própria. Isso remete a Vygotsky (1998) quando
considera a ação dos mediadores na zona de desenvolvimento proximal quando
174
os denominados “brotos”, por ele, estão em processo de maturação. Assim, o que
a criança realiza com ajuda hoje será capaz de fazer sozinha depois.
Se com a professora, Amanda teve o interesse despertado para buscar o
livro de leitura na biblioteca escolar, Larissa foi motivada por ela a estar para a
realização da pesquisa escolar. Presente na lembrança dessas duas leitoras
como motivadores para as idas à biblioteca, ela parece não ser um lugar da
escola no qual o professor procura estar, sozinho ou acompanhado pelos alunos.
Quando não esteve motivando a ida da criança à biblioteca, o professor foi
citado por Catharine como aquele que vai à biblioteca para providenciar os livros
de leitura aos alunos.
A leitura na sala de aula
Leitores
Materiais
Finalidades
Amanda, 11 Livro literário Resumo, exposição oral, teatrinho,
roda de leitura
Camila, 10 Gibis e outros livros não
especificados
Não especificada
Catharine, 09 Livro literário “ler por ler”
Ellen, 12 Livro paradidático Não especificada, porém rejeitada.
Greice, 11 Livro paradidático Roda de Filosofia
Larissa, 10 Livro didático Responder às questões propostas
no livro.
Paola, 12 Livro literário Não especificada
Paulo, 11 Livro literário Atividade em grupo não descrita.
Ricardo, 12 Livro didático Não especificada
Sílvio, 11 Livro didático Leitura em voz alta
Tathyane, 11 Não especificado Resumo para leitura na classe
Thalita, 11 Livro didático Não especificada
Vítor, 10 Livro paradidático Complementar conteúdo da aula de
Ciências
Willian, 09 Poemas e outros livros não
especificados
Não especificada
Zózimo, 11 Não especificado Não especificada
175
O livro didático foi evidenciado como o suporte de leituras na sala de aula na
lembrança de quatro leitores:
[Os professores] Costuma pedir. Praticamente aqueles que são da matéria
deles. Aí, eu gosto muito de ler, peço pra minha professora para eu ser o
primeiro, né? Eu quero ser o primeiro.
(Sílvio, 11)
Pede bastante. Não é história, não é história que a gente lá, é coisa do
livro que a professora manda.
(Thalita, 11)
Não pede muito não, porque é particular. Pede pra ler só no livro da
escola.
(Ricardo, 12)
Pede pra ler e responder exercício no livro da escola.
(Larissa, 10)
Embora não especificada na fala de dois leitores, a obviedade no uso do
didático é transmitir conhecimento e informação, sendo, pelo que disseram os
leitores, o principal suporte de leitura na sala de aula deles.
Um dos leitores que não especificou nem o material de leitura e nem a
finalidade, pela resposta dada, revela que as práticas de leitura na escola ainda
estão muito ligadas à área de linguagem, sob a responsabilidade do professor
de Língua Portuguesa:
É a professora de Produção de texto e Literatura.
(Zózimo, 11)
O livro paradidático, cuja função é abordar assuntos paralelos às matérias
do currículo para complementar os didáticos foi evidenciado na fala de três
leitores:
176
Não. Só quando tem roda de Filosofia que eles pedem. Mas é uma vez por
bimestre. Foi um que a gente leu, foi sobre a consciência negra, outro foi
sobre... daquele... é sobre o descobrimento do Brasil. Esses dois que a
gente teve.
(Greice, 11)
Vixe! O tanto que pede! A professora, ela pede livros de Ciências como
esse daqui, ó, O planeta eu, conversando sobre sexo. Aí, a professora nos
orienta em Ciência, porque a gente está estudando sobre sexo (...)
(Vítor,10)
(...) Tem alguns livros que cobraram de mim e eu não gostei, na escola.
Agora eu... Eu não lembro o nome... Eu lembro um livro, em casa, ma
eu não lembro o nome. Tem alguma coisa a ver com história de Cuiabá.
(Ellen, 12)
Tomado por literário, muitas vezes, o livro paradidático garante-se como
leitura recomendada na sala de aula de modo a responder pela realização de
atividades leitoras em outros materiais que não o livro didático e também
resguardando a necessidade de práticas utilitárias explícitas na escola. Para
Azevedo (1999), esse equívoco na proposição pode afastar o leitor da leitura
literária.
Com o livro literário, a finalidade da leitura nem sempre foi especificada
como mostra esta fala:
Ahan. [Que livro você na escola?] Poemas. [poemas?]. Não. [Outros
livros também] Ahan.
(Willian, 09)
Mas, quando especificada, apontou possibilidade de escolha, entre os cinco livros
recomendados pela professora de Português de Amanda, na escola em que ela e
Paulo estudam; a estratégia de leitura em grupo que permite que os alunos, na
sala de aula freqüentada pelos leitores citados, recomendem e sejam
recomendados às leituras uns dos outros; o resumo como atividade recorrente
177
nas propostas de leitura, conforme destacou Amanda e a finalidade de “ler por ler
realizada por uma hora nas aulas de Português leitura assistidas por Catharine:
A minha professora de Português, Rosana, ela faz é... a gente, no meio do
ano mais ou menos, ela escolhe cinco ou seis livros, divide a sala em
grupos e cada um o livro e depois a gente tem que fazer um trabalho,
todos têm que fazer uma pesquisa, depois a gente resume esse trabalho,
né, e faz uma apresentação dele pra professora. Ano passado, o que a
gente leu foi O escaravelho do diabo (...)
(Amanda, 11)
(...) No caso, assim, por exemplo, tinha cinco livros pra eu escolher no final
do ano. A professora montava grupos e, aí, ela tinha: A voz do silêncio, O
ouro do fantasma, O caso da borboleta Atíria, O diário de uma misteriosa
menina (,,,) e O escaravelho do diabo (...)
(Paulo, 11)
A gente leva livro, que nem, pediram Poliana pra mim levar para a escola
pra gente ler. Tem aula de Português,de Português e Português leitura,
que tira uma a meia hora, uma hora, só lendo. (...)
(Catharine, 09)
Em outro momento, Amanda destaca bem a participação da escola e dos
professores em sua formação leitora literária quando disse:
Toda escola que eu estudei, eles trabalhavam muito com essa coisa de ler
livro, sabe, nem que fosse curto, pra você ler em pouco tempo (...) é por
causa, na minha primeira escola, eles incentivavam bastante a leitura (...) a
gente sempre lia um livro, separava dois, três, numa semana, livro infantil
mesmo, de criança, sabe, e... é, os professores também eles lêem, eles
liam pra sala toda, né. Ano passado teve também de ler, acho que foram
bastantes, não que eu li, mas como eu ouvi, né, acho que foram mais
de 50...
Quando fala que era “livro infantil mesmo, de criança”, é como se ela
quisesse deixar bem claro que os livros eram literários, adequados aos seus
178
interesses e trabalhados com a finalidade que lhes é peculiar. Ela também
destaca, nesse trecho, que as atividades de leitura na escola não estavam
circunscritas ao escrito, mas também ao oral, era possível ler enquanto se ouvia
bons modelos de leitores.
Como mediadores de leitura, os professores aos quais Amanda se refere
estavam disponíveis para a leitura. Não eram momentos de leitura para os alunos,
mas momentos de leitura com os alunos.
Por outro lado, estes dois leitores não demonstraram o mesmo entusiasmo
com as sugestões e propostas de leitura de seus professores:
A professora pedia pra ler o livro e falava pra fazer algum resumo. Aí,
depois, lia lá na frente.
(Tathyane, 11)
Pede [leitura na escola] gibi, essas coisas. [E livros?] Também pede.
[Você gostou de ler os livros?] Menos gostei.
(Camila, 10)
Pelos dados fornecidos, não se pode negar que a leitura faça parte das
práticas escolares, entretanto parece que a diversidade de gêneros, abordada em
suas peculiaridades e finalidades, ainda carece de uma maior constância, o que a
articulação de uma política de leitura na escola em muito contribuiria para
expandir, de modo a constar em suas práticas a leitura autônoma, que é a leitura
silenciosa de textos que tenha desenvolvido proficiência; a leitura colaborativa,
em que o professor com a classe e questiona sobre os índices lingüísticos que
dão sustentação aos sentidos atribuídos; a leitura em voz alta pelo professor para
que o aluno tenha acesso a bons modelos de leitores; a leitura programada com
textos considerados difíceis em que o professor separa o texto em partes
segundo algum critério a fim de que os alunos realizem a leitura para discussão
posterior em classe com mediação do professor; a leitura de um gênero
específico para relatar impressões sobre o texto e, também, a leitura literária
como aquela que modifica um repertório que se desestabiliza pela pluralidade e
ambigüidade comum no processo de produção de conhecimento.
179
Os leitores e as obras
Nessa parte, estão esboçados os dados referentes principalmente à
segunda parte da entrevista, na qual os leitores tiveram a possibilidade de relatar
as suas experiências com as obras lidas, que nem sempre foram literárias, para
destacar a competência leitora deles. A apresentação segue apontando
nominalmente os leitores por ordem alfabética e conclui com um quadro síntese
de sua formação leitora.
Amanda, 11
Amanda relatou sua experiência de leitura com vinte e três obras, entre as
quais predominaram os livros literários, sendo quase todas narrativas, 01 livro de
poesia; entre os não literários, foram apresentados 03, conforme mostram os
títulos:
Orelhas de cabeça para baixo, Neil Connelly; il. Carolyn Brackn
Muito prazer; Ana Maria Santos (livro informativo sobre a síndrome de Down)
O alquimista; Paulo Coelho
Lendas do rio Cuiabá; Emílio Antunes
O menino que quase morreu afogado; Ruth Rocha
Cinderela; tradução de Helena Riscino; il. Maria De Filippo e Cláudio Cernuschi
A torre de Babel; adaptação bíblica
Por um simples café; Eliane Ganen; il. Ana Paula
Passarinhos e Gaviões; Chico Alencar
Tantas histórias do outro lado do espelho; Edson Gabriel Garcia; il. Rogério
Borges
A bela borboleta; Ziraldo
A cigarra e a formiga; Fábulas encantadas; il. Carlos Edgard Herrero
No dia em que Deus criou as frutas; Domingos Pellegrini
Contos Clássicos; tradução de Tatiana Belinky
Chuva de flor; Gilda Figueiredo Padilha
Davi e Golias; adaptação bíblica
O homem que comia fogo; Salam Alekun
180
Aventura com a balsa; tradução de Klaus H. G. Rehseld, Katlin Stockhein, il.
Carlos Busquets
O castelo de açúcar; Robson Dias e Vovó Amália
Poliana; Eleonor H. Porter; tradução de Monteiro Lobato
Coleção Valores para a vida, (livros com orientações comportamentais)
Olha só (livro de orientação sobre o uso dos óculos)
Clássicos favoritos de todos os tempos, Walt Disney
Do diálogo que ela estabeleceu com essas obras destaquei alguns pontos
para consideração. Em primeiro lugar, o reconhecimento que ela faz do texto não
literário, ao dizer:
Esse daí é meio que um livrinho, ele é meio informativo, né, que fala sobre
a importância dos óculos.
Esse daí é da minha mãe, eu peguei ele uma vez. Ele fala sobre a
síndrome de down (...) como que acontece de uma criança nascer com
síndrome de down, mais ou menos o comportamento dela (...), quais suas
características, de tempo de vida. (...) ele é mais um livro informativo (...)
Nos livros literários, ela demonstrou captar bem a universalidade da
linguagem e das temáticas literárias, quando fala sobre os contos clássicos:
Acho muito legal esses contos (...) porque eles têm uma história muito
assim, diferente, mas são histórias do passado (...) mas elas mostram
assim, tipo, problemas da realidade. Não tem o Rapunzel, é que acontece
que ela não pode namorar com quem ela quer, tem muita coisa assim que
mãe não gosta, ninguém tá bom pra você. (...) eu entendo de Pinóquio
como se fosse... ele não é aceito do jeito que ele é. Ele é diferente, então
não aceitam ele assim. Ele tem que mudar, ele tem que ficar igual aos
outros. No caso, não é muito, né, porque ele quer ser um menino de
verdade.
181
Além de situar as temáticas dos contos clássicos às questões presentes,
Amanda também percebe como as alegorias, a linguagem figurada está presente
nos textos literários:
Muito bom esse livro, ele fala das diferenças... ele... ele, o Chico Alencar,
aí, ele mostra a diferença entre os pássaros, mas, na verdade, ele
apresenta várias coisas, né, porque tem os chefes, né, os empregados dos
chefes e o povo, né, que, no caso aí, são os passarinhos.
Neste trecho em que fala sobre o livro O homem que comia fogo, de Salam
Alekun, a leitora demonstra atenção ao foco narrativo tanto em sua natureza
verbal quanto não verbal:
É mais ou menos o cachorro falando do dono, o que que ele admira, a
rotina de todo dia, sabe, ele chega do trabalho, olha o pôr-do-sol, fuma um
cachimbo. O cachorro detalha a vida dele de um jeito que você fala “meu,
Deus, um cachorro não observa tudo isso”. É muito legal... as imagens
dele são muito legais, quer ver? Abre ele aí pra você ver. Ele mostra assim
tudo, fala dos lobos... da região, né, que ele espanta os lobos pro dono,
que ele tem uma imensa gratidão por esse dono. [O formato dele também
é bem interessante] é, é, o título, né, O HOMEM QUE COMIA FOGO,
como será isso? Na verdade é um cachorro querendo dizer que ele [o
dono] fumava cachimbo e solta fumaça, por isso que ele comia fogo
Amanda ainda destaca a atividade de releitura como uma possibilidade de
atribuir novos sentidos ao texto, ou seja, entende o valor polissêmico da
linguagem literária:
Se você em diferentes idades, você, você... tipo, tem uma coisa que
você não entendeu, sabe, (...) e quando você de novo, você que...
você diferentes sentidos, né, tipo, em uma frase que ela fala você pode
ver de um jeito diferente e, eu gosto de livros clássicos, tenho bastantes
deles, né.
182
A fala acima de Amanda é parte do relato de sua experiência com os contos
clássicos, momento em que ela também justifica porque, mesmo não sendo mais
tão pequena, como criticam alguns colegas, ela ainda os lê.
Pra mim não são histórias chatas, como um monte de gente fala. Eu nunca
enjôo desses livros, sabe? Tem alguns, assim, tipo, coleção dos
coelhinhos que não vai ler a vida inteira, mas tem livros que... você de
vez em quando é legal porque eles falam uma história, assim, muito
interessante, né?
Ela tem a percepção da atemporalidade da obra artística, da compreensão
de que literatura é a novidade que permanece novidade, como escreveu Pound
(1970).
Com um histórico interessante de leitura, Amanda também se deixa enredar
pelo enredo e se permite influenciar pelo narrado em algumas situações, porém
nos limites das suas necessidades:
Você começa a ler assim... ler... aí, você vai, vai, vai, quando chega de ver
você já tá no final e você acha a parte mais legal o final.
Poliana, assim, é uma história tão... de uma menina tão singela, tão... né,
que faz com que uma cidade inteira... por mais que seja cidadezinha
pequena, ela faz várias coisas na cidade, isso é muito interessante.(...)
Olha, não sei, mas acho que... quando você o livro, a experiência de
uma vida, de uma pessoa, conseqüentemente, você já aprende com aquilo
e muda o seu jeito, né? Então é assim, acho que melhorei, eu era um
pouco meio pessimista, sabe? Tipo, tinha feira cultural no meu colégio,
tava tudo atrasado: “ai, não vai dar certo e não sei o quê”, melhorou um
pouco, agora não estou tão ansiosa para que as coisas aconteçam rápido,
sabe, acho que... não jogar como ela jogava, sabe, mas que deu uma
melhorada, acho que deu.
Ao transpor comportamentos da obra para a sua vida, é igualmente
interessante como foi a realização de Poliana, que ela não reproduz o
comportamento da personagem, mas filtra aquilo que julga adequado para a sua
183
experiência como ser humano. Como afirmou Azevedo (1999), ela se permitiu
especular sobre questões existenciais propiciadas pela obra para fazer as
adequações que houve por bem fazer para transpor os problemas com os quais
se deparava.
No diálogo que faz com a criação do autor, Amanda presta atenção às
intenções do narrador, a partir das escolhas lingüísticas que ele faz, como mostra
o comentário que fez da obra O menino que quase morreu afogado, de Ruth
Rocha.
A história é o seguinte: ele é um menino desorganizado que tem um monte
de lixo no quarto, né, e nunca recolhe esse lixo. Assim, é meio que
verdade, porque o quarto dos meninos de hoje é tão bagunçado. Só que, o
dele, assim, ela quis mostrar de um jeito excessivo (...) pra chamar
atenção.
Amanda demonstra manipular bem os processos de significação propostos
na escrita literária, transitando pelos gêneros textuais escolhidos, procurando
captar as intenções de quem enuncia e fazendo uso da leitura para atender às
necessidades propostas pelas circunstâncias, como fez ao ler este livro:
Lendas do rio Cuiabá, de Emílio Antunes
Esse fala da história do minhocão...de várias histórias do povo mais
antigo, né. Essas histórias de ribeirinho que eles contam: “Ah, eu vi não sei
o quê.... Eu usei ele num monte de trabalho, né, de escola. (...) isso
também é importante porque faz parte da nossa cultura.
O livro que, a princípio, aparentemente, não se prestava a fins didáticos,
acabou sendo usado também para esse fim. Amanda também não deixa de
reconhecer o valor da obra como registro da cultura local.
Ao fazer referência a um outro livro, ela consegue relacionar temáticas a
partir do foco que ela escolheu:
Davi e Golias
Davi e Golias é legal, né? Parece até com aquele Pássaros, Gaviões e
pássaros, Passarinhos e gaviões, porque mostra o pequeno derrotando o
184
grande, né? E, pô, muito inteligente, e foi isso que os passarinhos fizeram;
com muita inteligência, eles de...derrubaram o poder supremo do governo.
O enfoque dado à relação de poder destitui da obra uma abordagem
puramente religiosa, de modo que a leitura não se ateve a uma categoria, mas a
“um tom e um valor particulares” (Manguel, 1997, p.227) determinados pela
leitora.
Camila, 10
Embora Camila tenha afirmado que lê um livro a cada ida à biblioteca (ela já
a freqüenta três anos, seis vezes por semana), no seu histórico de leitura,
foram citados apenas oito livros:
As pintas do preá; Mary e Eliardo França
A banana; Mary e Eliardo França
Passeio na fazenda; Mary e Eliardo França
Você sabe guardar segredos?; Mary e Eliardo França
Atchim; Mary e Eliardo França
Menina bonita do laço de fita; Ana Maria Machado
Quem tem medo de dentista?; Fanny Joly, Jean-Noel Rochut; tradução de Mônica
Stahel e Irami B. Silva
Não me chame de gorducha; Bárbara Philips; tradução de Fernanda Lopes de
Almeida
Os livros apontados por Camila apontaram preferências por discurso
autoral, devido à recorrência às obras de Mary e Eliardo França; a temáticas que
abordam questões supostamente mais relacionadas ao universo infantil, como
medo de dentista, e a temas-alvo de discussões sociais, como o respeito e a
aceitação do diferente, do que foge aos padrões estéticos de beleza, socialmente
aceitos.
Ao falar sobre os livros, Camila limitou-se a contar a narrativa e exprimir o
seu gosto ou não gosto da obra, conforme se pode ver nestas três descrições que
faz de narrativas lidas por ela:
185
As pintas do preá, Mary França e Eliardo França
Ah, é porque vão brincar de esconde-esconde e pinta o outro, um,
que é esse aqui fica pegando o que... um pinta a pedra (?) ele finge
que é, mas não é, e tava igual ele. Foi engraçado.
Quem tem medo de dentista? Fanny Joly e Jean-Nöel Rochut; Tradução
de Mônica Stahel e Irami B. Silva
É assim, é uma menina que ela sempre tem medo de dentista, ela nunca
foi no dentista. Ela sonha que, que, (?) um dentista tinha pegado a mãe
dela e forçou ela a tirar o dente e ela ficou com muito medo, muito medo,
que não quis ir no dentista. Aí ela teve uma bolha no dente dela, só que ela
não quis ir no dentista, aí num dia ela foi no dentista, falou com dentista, aí
ela aprendeu que não tem que ter medo de dentista.
Passeio na fazenda, Mary e Eliardo França
Ah, esse aqui é um passeio que eles dão na fazenda. Aí, um fica, fica, fica
andando de bicicleta, outro fica vendo a árvore, em cima, em cima da
árvore, assim por diante. É gostoso, é muito gostoso.
É possível perceber que para reproduzir a seqüência narrativa,
principalmente ao falar da primeira obra, Camila tem dificuldades, uma vez que
não identifica devidamente as personagens. Com a segunda, omite informações
determinantes para o desfecho, como - por que a menina teria resolvido ir ao
dentista, apesar do medo? Na terceira, que foi para ela uma leitura “muito
gostosa”, ela descreve a ação de duas personagens e conclui com um “assim por
diante” para encerrar por ali a sua descrição.
A formação leitora de Camila faz pensar sobre a possibilidade de conciliar
gosto com “objetivos e modos (...) de ler literariamente textos literários” (Paulino,
2005, p.67).
Catharine, 09
Ávida leitora dos quadrinhos, Catharine fez referência a esses livros durante
a entrevista:
186
Cinderela, tradução Helena Riscino, il. Cláudio Cernuschi e Maria De Filippo
A árvore que dava dinheiro, de Domingos Pellegrini (leitura não concluída)
No país dos anões, Maria do Carmo Vieira (leitura não concluída)
Perdidos na montanha, (autor não identificado)
O menino maluquinho, de Ziraldo (leu três vezes)
Poliana, Eleonor H. Porter
Quando falou sobre as duas obras cujas leituras não foram concluídas,
Catharine assim se expressou:
(...) na hora que eu tava lendo A árvore que dava dinheiro, perdi página, é
que minha irmã mexe, eu desisti, gosto mais de ler gibi, minha casa é
cheia de gibi, adoro ler gibi. (...)
(...) tem um que é do meu pai, que ele ganhou da professora dele, que é
No país dos anões que uma vez eu tava lendo, ainda até marcado até
hoje, mas que não deu tempo pra mim terminar de ler, daí eu não jogo
fora. (...)
A interferência da irmã e a preferência pelos gibis foram os motivos
apontados para a não leitura do primeiro livro, o segundo, embora seja um livro
“histórico” porque acompanha o pai desde a infância, também não teve a leitura
concluída. Pode ser que as dificuldades encontradas por Catharine para a
realização de uma leitura autônoma com essas obras tenham ultrapassado as
apontadas por ela.
Os livros Poliana, que ela cita como leitura recomendada pela escola, e O
menino maluquinho, que disse ter lido três vezes, foram apontados sem maiores
referências. Em relação ao segundo livro, o grande interesse da menina por ele
pode estar relacionado à exploração na obra de signos lingüísticos muito usados
nos quadrinhos, a leitura preferida de Catharine.
Quando falou sobre Cinderela e Perdidos na montanha reproduziu sucinta e
parcialmente o enredo:
Cinderela, tradução de Helena Riscino e ilustrações de Cláudio Cernuschi
e Maria De Filippo
187
É quando a fada madrinha transforma uma abóbora numa carruagem, os
ratinhos num cavalo.
Perdidos na montanha
É um grupo de amigos, tipo da nossa idade, 09, 10, 11 anos, eles foram
fazer um trabalho. O professor deles se perderam deles, eles ficaram
perdidos, aí, até que de repente apareceu um avião e pegaram eles... um
avião.
Ao interesse que Catharine possui pela leitura junta-se a necessidade de
um trabalho planejado de mediação de leitura para que ao nível da reprodução
parcial ou seqüencial completo do enredo estejam os níveis da interpretação, da
infererência, das analogias, das relações complexas, da construção de
significados combinando conhecimentos prévios com as informações do texto,
enfim, o desenvolvimento das habilidades que convém para realizar a leitura.
Ellen, 12
O histórico de leitura de Ellen é bastante amplo, ela calcula que já tenha lido
pelo menos cinqüenta livros e destaca como preferido A droga do amor, de Pedro
Bandeira. Entre os trinta e seis livros referenciados durante a segunda etapa da
entrevista estão as narrativas de aventura, suspense, romance, etc., um livro de
crônicas, dois de poemas, um de fábula e um de contos, como é possível ler:
Anjo da morte, Pedro Bandeira
Droga de americana, Pedro Bandeira
O feijão e o sonho, Orígenes Lessa
A hora da verdade, Pedro Bandeira
Harry Potter, J. K. Rowling
Crônicas; Para gostar de ler v. 7
Descanse em paz, meu amor; Pedro Bandeira
O fantasma do tio Willian, Rubens Francisco Lwchetti
A ilha perdida, Maria José Dupré
Sozinha no mundo, Marcos Rey
188
Quem é quem nesse vai e vem?, Nélson de Oliveira
A droga da obediência, Pedro Bandeira
O cortiço, Aluísio Azevedo
A Moreninha, Joaquim Manuel de Macedo
A ilha do tesouro, Robert Louis Stevenson; adaptação Claire Ubac; il. François
Roca
O Guarani, José de Alencar
O príncipe e o mendigo, Mark Twain e Martin Claret
Amor inteiro para meio irmão, Cristina Agostinho, il. Rogério Borges
O mundo de Mariana, Leda Maria e Robson Araújo
O fantástico mistério de Feiurinha, Pedro Bandeira
Palavras de encantamento (poemas), vários autores
A formiguinha e a neve, adaptado por João de Barro (Braguinha)
Poemas, Vinícius de Moraes
Minhas memórias de Lobato, Luciana Sandroni; il. Laerte
Era uma vez um conto (contos), vários autores
O santinho, Luís Fernando Veríssimo
Hoje tem espetáculo no país dos prequetéis, Ana Maria Machado; il. Gérson
Conforti
Bruxa Onilda vai à festa, E. Larreula e R. Capdevila
Sopa de letrinhas, Teresa Noronha
O porão mal assombrado, Teresa Noronha
Um amor de maria-mole, Jorge Miguel Marinho
Bisa Bia, Bisa Bel, Ana Maria Machado
Uma escola assim que eu quero pra mim, Elias José
Eu chovo, tu choves, ele chove, Sylvia Orthof
O motorista que contava assustadoras histórias de amor; Lourenço Cazarré
Harry Potter e a pedra filosofal, J. K. Rowling
Enquanto ela falava de sua experiência com as obras, foi possível ler no
modo como ela lia as suas habilidades leitoras, explicitadas a partir de agora.
Em relação ao discurso previsível e ao discurso forçado na obra, ela
comentou:
189
É outro morno também, assim, conta a história de um menininho (...) então
eu não gostei muito porque... É porque era muito previsível o que ia
acontecer, então eu não gostei (...)
Esse é meio, meio forjado, não é forjado, é muito forçado, digamos
assim (...) É uma menina que não gostava da vida, um dia, um
desconhecido oferece maria-mole pra ela e ela se apaixona pela maria-
mole e pelo menino, entendeu? Então, ela descobre, vende roupa dela e
tudo por maria-mole, daí eles acabam separados no final, porque o menino
tem que viajar. Então eu não gostei, achei muito forçado, até porque era
um desconhecido que oferece maria-mole pra ela, então...
Ellen demonstra que não duvida do amor à primeira maria-mole, como
também dúvida de certas narrativas que, forjadas para serem literárias, não
conseguem enredar a um leitor mais exigente que não está disposto a ler
“belas histórias sentimentais”, mas bela maneira de se contar essa história,
artisticamente.
Por outro lado, quando é enredada pelo enredo...
Harry Potter, J. K. Rowling (já leu quatro vezes)
Daí eu li, mas não sei explicar direito, vou ter que começar láááááá no
comecinho (...) Ele é um livro de magia... a história, assim, o enredo é
maravilhoso (...) Quando eu quero parar pra alguma coisa, beber água, eu
vou correndo, como se fosse um filme que eu estivesse perdendo. Isso é
maravilhoso (...) São cinco livros seguintes, quatro livros, daí, está vindo
outro, o sexto livro que eu quero que minha mãe compre.
(...) desse eu gostei bastante, as partes se encaixam bem (...)
(...) é a coisa mais imprevisível, imprevisível, eu gostei bastante desse livro
e fiquei até sem dormir algumas noites.
(...) é bem montada, é bem legal. Eu gostei da história, porque é legal, é
bem divertida (...)
190
A magia do enredo, o encaixe das partes e a imprevisibilidade foram fatores
determinantes para que a leitora mantivessem vivos “os espíritos dos mortos” nas
suas buscas.
Outra percepção que Ellen tem quando interage com a obra diz respeito ao
uso da intertextualidade:
Esse aí, assim abusa um pouco da fantasia também, que é uma menina
que parece que é Alice no país das maravilhas e surge um monte de
personagens de contos de fadas, é legal o livro, é assim um pouco
fantasioso (...)
A única coisa que eu lembro que faz muito tempo que eu li esse livro foi
essa da gruta que dois jovens que os pais não queriam que eles se
encontrassem, parece Romeu e Julieta, mas não é, né? (...)
Não é Alice e nem são Romeu e Julieta, mas ela consegue perceber a
relação entre as personagens dos livros e essas personagens clássicas, ativando
o seu repertório de textos livros lidos quando enxerga a apropriação temática de
uma obra para outra.
Em suas buscas pela leitura, Ellen não regula as suas leituras só pelo gosto,
ela é movida pela necessidade de ler, como revela nas experiências de leitura
que teve com estes dois livros:
Quem é quem nesse vai e vem?, de Nélson Oliveira
Eu não li aqui na biblioteca é de uma (?) acho que se fosse pra eu ler na
biblioteca eu não leria porque eu acho que... eu li porque eu estava na
casa de uma amiga... de uma amiga da minha mãe e ela tinha uns livros
e eu já tinha lido todos e eu peguei esse livro pra eu ler.
A ilha do tesouro, de Robert Louis Stevenson, adaptação Claire Ubac,
ilustrações de François Roca
Olha, esse eu vou ser sincera, eu não lembro muito. Foi uma época
assim em que a biblioteca estava em reforma, eu queria porque queria ler
alguma coisa que não tinha nenhum livro pra eu ler, tinha ficado de férias,
né, eu pedi pro meu pai no que ele pegou esse daí (...)
191
Não sendo regulada pelo gosto ou pelo prazer, as práticas de leitura são
desmistificadas, deslocando-se do plano metafísico, onde alguns a colocam, para
estar passível de críticas, de discussões para além do gosto e do não gosto.
Em relação aos clássicos da Literatura Brasileira, Ellen manifesta dois
pontos de vista antagônicos: menos entusiasmado, em relação à obra O cortiço,
de Aluísio Azevedo e mais aceitável, em relação às obras A moreninha, de
Joaquim Manuel de Macedo e O guarani, de José de Alencar.
O cortiço
Eu achei esse um pouco embaralhado. É porque tem muitos
personagens que eu não consigo gravar o nome, entendeu? Complicado.
Então, não teve nenhuma grande cena. Não que eu não tenha gostado
muito, mas é que tem muitos personagens (...) É mais ou menos.
A moreninha
Desse eu gostei, achei bem bonitinho, assim um pouco de fantasia, um
toque de fantasia, mas eu gostei.
O guarani
Esse daí eu gostei, assim de... eu gostei de tudo, não gostei muito do
final, que é uma enchente que eles ficam num tronco de árvore e vão
embora, não gostei, achei muito... (...)
Entre o clássico realista e os românticos, a linguagem dos românticos
mostrou-se mais acessível ao nível de leitura de Ellen, embora ela perceba e
critique a idealização romântica e a estratégia do narrador-novelista em não
comprometer-se ante os valores sociais da época, propondo um happy end para
uma história de amor entre um índio e uma portuguesa. Enquanto a linguagem
romântica sustenta-se na ausência do conhecimento do contexto, a linguagem
realista se empobrece com ela, tendo em vista todos os ideais científicos e
filosóficos que dão sustentação a esse discurso. Quando Ellen escolhe os
clássicos como leitura, ela está antepondo-se a uma demarcação da instituição
escolar de recomendar o trabalho com esses livros a partir do estudo dos estilos
de época da Literatura, durante o ensino médio. Mesmo não cursando o ensino
192
médio, a leitura feita foi capaz de detectar a característica latente de uma obra
romântica – a idealização.
Enquanto ela ainda precisa de pré-requisitos para ampliar a leitura dos
clássicos da Literatura Brasileira, ela reconhece e se encanta por textos bem
escritos pelo autor que dirige a sua escrita a um público classificado como infanto-
juvenil.
O fantástico mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira
Esse daí eu gostei. Eu li quando eu era menor, acho que eu tinha uns...
Assim foi transformando em peça, Pedro Bandeira, né? Assim, são
princesas que descobrem que o Feiurinha não estava escrito em livro
nenhum e parece, assim, que foi seqüestrado, e tentam de todo jeito achar
o livro e pedem ajuda pra um escritor, né? O escritor vai narrando a
história, é bem legal. Eu gostei, até porque foi de Pedro Bandeira, né?
Então foi bem escrito.
Embora tivesse lido a obra enquanto era menor, ela consegue lembrar-se
dos artifícios narrativos empregados para compor o enredo, demonstrando
possuir muita confiança na habilidade narrativa do autor que, além de tê-la
conquistado pelo enredo a conquistou pela escrita, possibilitando a ela uma
satisfatória interação com a obra.
Em relação aos poemas, Ellen destaca a beleza, o gosto e o conteúdo
deles. Não pôs em evidência nenhuma habilidade do poeta com os recursos
lingüísticos.
Eu achei bonitos... tem poemas daí que viraram música, né. Assim, eu
gostei de todos. São todos bonitinhos.
Como prefere “livros com história única”, ela disse não lembrar-se muito
bem das crônicas e dos contos lidos.
Greice, 11
Em seu histórico quantitativo de leitura, Greice disse ter ultrapassado os
50 livros, tendo preferência pela série O cachorrinho Samba, de Maria Jo
193
Dupré. Na segunda parte da entrevista, ela reportou-se a 06 livros, porém não
conseguiu lembrar-se do enredo de todos. Os livros referenciados foram:
A bruxa japonesa, Ana Suzuki; il. Lúcia Hiratuka
A ilha perdida, Maria José Dupré
Menina bonita do laço de fita, Ana Maria Machado
Ai, que preguiça!, Carlos Queiroz Telles; il. Cláudia Scatamacchia
Bruxa Onilda vai à festa, E. Larreula e R. Capdevila
O mistério das jóias coloniais, Carlos Heitor Cony e Anna Lee
Solicitada a falar sobre a leitura que fez das obras, Greice não se lembrou
do enredo de três delas, conforme disse:
A bruxa japonesa, de Ana Suzuki; ilustração de Lúcia Hiratuka
Quando eu li, ele lembrava aquele filme a... não é filme, aquele livrinho
Rapunzel (...) Agora não me lembro mais da história... nem um tiquinho.
Menina bonita do laço de fita, Ana Maria Machado
Eu não me lembro desse. sei que é, acho que esse era poesia. Eu
gostei bastante. Eu nem me lembro mais do que que era, acho que era
poesia. (...) Ela ganhou um coelhinho, né?
Com as outras três, ela limitou-se a fazer descrição narrativa, demonstrando
empolgação quando falou de uma coleção que propunha desafios para transpor
para a próxima página:
(...) teve uma coleção que eu gostei muito, foi uma dos mistérios. É que
cada página tem um mistério pra você descobrir, tem um desenho
inteirinho (...) E aí, você tem que achar a ginga, você vai atrás e
descobre, senão você não consegue passar pra outra página (...)
A ilha perdida, Maria José Dupré
Esse daí é... dois meninos, né, que eles saíam da fazenda de alguém e
começam a andar no rio e depois acham uma ilha. Eu gosto desse livro. É
que eles se perdem, depois descobrem o caminho.
194
A bruxa Onilda vai à festa, E. Larreulla e R. Capdevila
Ah, esse daí é... ela é convidada pra uma festa. Ela vai pra festa toda
elegante e... coloca outra roupa. É bem engraçado!
Além da descrição sucinta da narrativa, Greice percebeu a intertextualidade
entre a obra A bruxa japonesa e o conto clássico Rapunzel.
Larissa, 10
A ligação de Larissa com a biblioteca “Saber com Sabor” vem de pouco
tempo; ela a freqüenta uns três meses, sempre aos sábados. Ainda não está
cadastrada, então no tempo que passa na biblioteca, faz leitura, principalmente,
de história em quadrinhos.
Dos livros que possui em casa, dez vieram num kit que recebeu na escola
(provavelmente do Programa Federal Literatura em minha casa). Questionada
sobre a leitura deles, ela respondeu:
Eu li seis e meio. (...) Era alguma coisa de casamento, assassinato e,
casamento, assassinato, alguma coisa assim.
Nesse caso, o acesso ao livro não representou o acesso à leitura. Hauser
(1977, p.551) considera que “(...) a obra de arte tem que ser traduzida para um
idioma próprio para que resulte geralmente compreensível e para que a maioria
possa gozá-la”. Carvalho (2004, p.271) completa essa consideração de Hauser
afirmando que “as instâncias [são] responsáveis pela ponte ou idioma que garante
a permanência ou não do diálogo entre autor e leitor, via obra, através dos
tempos”.
Larissa não se recorda de quantos livros tenha lido e também não soube
dizer, entre os livros lidos, de qual mais gostou, não tendo sido possível, a
realização da segunda parte da entrevista.
195
Paola, 12
Paola estima ter lido aproximadamente trinta livros, apresentando uma
certa preferência por narrativas que evidenciam conflitos pessoais de quem busca
aceitação social, citando como preferidos Nem sempre posso ouvir você, de Joy
Zelonky; com ilustração de Bárbara Bejna e Shirlee Jensen, tradução de
Fernanda Lopes de Almeida, que trata do drama vivido na escola por uma menina
com problemas de audição e Não me chame de gorducha, de Bárbara Philips;
com ilustração de Helen Cogancherry; tradução de Fernanda Lopes de Almeida,
que, como o próprio título revela, narra o drama de uma menina em conflito
com a balança.
Fez referência a doze obras, predominando sempre a descrição narrativa e
a não lembrança de alguns enredos.
Macaquinho, Ronaldo Simões Coelho; il. Eva Furnari
Nem sempre posso ouvir você, Joy Zelonky; il. Bárbara Bejna e Shirlee Jensen;
tradução de Fernanda Lopes de Almeida
A história do gato, série Lelé da cuca
A história da lesma, série Lelé da cuca
Você sabe guardar segredos?, Mary e Eliardo França
Atchim, Mary e Eliardo França
Passeio na fazenda, Mary e Eliardo França
Fábulas de Esopo, texto Donaldo Buchweitz; diagramação Rafael Camargo
Branca de Neve e os sete anões, Ciranda cultural
Bruxa Onilda vai à festa, E. Larreula e R. Capdevila
Poliana, Eleonor H. Porter
Poliana moça, Eleonor H. Porter
Boas maneiras (livro de orientações comportamentais), Paulo Moura
Dessa lista de buscas, Paola mostra descontentamento com as duas obras
da série Lelé da Cuca e revela o gosto que tem em ler e reler os contos de fadas.
A história do gato, série Lelé da Cuca
196
Ah, eu não gostei muito, não gostei muito, assim... fala sobre um gato,
né? Ah, meio atrapalhado, assim, não gostei muito.
A história da lesma, série Lelé da Cuca
Também não... mas eu li.
Ah, eu gosto, eu falei que gosto de ler esses contos, né? (...) Eu li
bastante e eu leio de novo... Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho. A
Bela Adormecida, A Bela e a Fera.
Na demarcação institucional para a sua faixa etária costumam não estar
incluídos livros da série Lelé da Cuca e nem os contos clássicos. Alheia à
demarcação, ela não gosta muito dos primeiros, mas aceita os contos,
confirmando o encanto que essas narrativas de origem primordial exercem sobre
leitores de diferentes faixas etárias em diferentes épocas.
Quando fala sobre a leitura da obra adaptada Poliana, destaca:
Esse aqui é menor... E os desenhos... Eu gosto dos desenhos, das figuras.
É... Tão certinhos, né? Eu gosto dos desenhinhos.
A ilustração montada a partir de cenários e personagens feitas com
massinha de modelar e depois fotografados foi a motivação para que Paola
escolhesse a obra, ao que pareceu, para olhar os desenhos e não para atribuir
sentido ao texto, relacionando os recursos verbais e os não verbais.
Ao remeter-se ao enredo, sem muitas dificuldades, de uma das obras de
que mais gostou, ela demonstrou estar atenta ao ensinamento moral da história:
Nem sempre posso ouvir você, Joy Zelonky; il. Bárbara Bejna e Shirlee
Jensen
Fala de uma menina que ela não escuta, ela tem um aparelhinho. Aí, ela
vai pra uma escola, pra uma escola normal, assim. Aí, os amigos ficam
falando que ela é surda, que não sei o que, né. Aí, ela não ouve muito
bem, mas ouve um pouquinho. Aí, ó, o professor manda fazer uma fila pra
beber água, ela se levanta e vai, mas é fila dos meninos, todos começam a
rir dela. No final, ela descobre que a diretora tem um aparelhinho assim
197
também. E, aí, os amigos param de ficar falando isso dela. (...) E também
ensina, assim, uma moral... ensina que a... como que fala... assim que tem
pessoas que podem ter uma coisa diferente da gente, né, que, no final,
você descobre que essa pessoa não é do jeito que você pensava que era,
né... era de outro jeito.
A preferência de Paola por obras com propostas de ensinamento bem
direcionadas liga-se à noção de leitura com ênfase no aprendizado que ela
apresentou.
Paulo, 11
Paulo estima que tenha lido pelo menos cinqüenta livros, destacando
como preferido O ouro do fantasma, de Manuel Filho. Entre os vinte e um livros
referenciados por ele estão narrativas de aventura, de suspense, divertidas, etc.
dois livros de contos populares, dois livros informativos e um livro de poemas,
veja lista:
Soneto de fidelidade e outros poemas, Vinícius de Moraes
Poliana menina, Eleonor H. Porter; tradução de Monteiro Lobato
A bomba de chocolate, Manoel Motta e Salmo Dansa
Contos de animais fantásticos, vários autores
Ali-Babá e os quarenta ladrões, adaptação de Edson Rocha Braga
O menino que descobriu o sol, Roberto Gomes; il. Helena Alexandrino
D. Henrique, o príncipe navegador (não literário); Ana Maria Magalhães
Chauá, o papagaio de cara roxa, Rosana Rios e Fernando Calindo
É terminantemente proibido, Yolanda Reyes
A bruxa Zelda e os oitenta docinhos, Eva Furnari
No meio da noite escura tem um de maravilha (contos folclóricos), Ricardo
Azevedo
O escaravelho do diabo, Lúcia Machado de Almeida
Robin Hood, adaptação de Telma Guimarães Castro Andrade
A ilha do tesouro, Robert Louis Stevenson; tradução Alex Marins
198
Coisas que todo garoto deve saber (livro de orientação para adolescentes),
Antônio Carlos Vilela
O nariz do detetive, Stella Carr
Os cavaleiros da távola redonda, Adaptação de Adriana Souza e Mônica Souza
O mistério do cinco estrelas, Marcos Rey
A escrava Isaura, Bernardo Guimarães
Os Lusíadas, Luiz Vaz de Camões (leitura não concluída)
Da sua interação com essas obras, destaquei como primeiros aspectos de
análise, o reconhecimento que faz do livro não literário e a negação da lição
explícita em livros por vezes tidos como literários.
Dom Henrique, o príncipe navegador; de Ana Maria Magalhães
É um livro assim mais de História, que ajuda você... é que tem uma série
(...) Nesse livro, é mais História do Brasil, também de outros lugares.
Eu gosto de histórias que deixam um ensinamento, mas, assim, que não
seja tão claro, que sugere, assim, e, às vezes... você vai lendo o livro e
você descobre cadê a lição de moral, essas coisas bem interessantes...
sem que o autor fale... tira do próprio livro.
Entre a História e a história, a diferença está no discurso. Na primeira,
objetivo, explícito, denotativo, monossêmico; na segunda, subjetivo, implícito,
conotativo, polissêmico. O menino leitor distingue isso e não aceita que a história
se revista de um discurso tendencioso, dirigido. Ele quer tirar conclusões próprias.
Tanto a lição quanto o aprendizado é ele quem quer regular, não permitindo
que o discurso tendencioso da obra o faça por ele. É ele quem pretende inscrever
no mundo suas próprias conclusões. É essa descoberta pessoal que o desafia a
ler mais, a descobrir mais sobre os padrões éticos importantes para a nossa
existência e que podem estar representados na obra, de maneira não evidente,
mas sugerida para quem quiser refletir sobre eles.
Outro aspecto que suas investidas leitoras apontam diz respeito às temáticas
de questões contemporâneas abordadas em obras literárias, que tem servido a
ele como fonte de esclarecimento para assuntos sobre os quais tinha dúvida.
199
Eu pensava desse jeito, quando eu tinha sete anos... Eu pensava, cara,
estão lavando dinheiro, como assim lavagem? Aí, esse livro conta essa
história... esclarece tudo, né, vários tipos de crime, você conhece, é...
isso.
Essa percepção da relação existente entre o conteúdo da obra e questões
da realidade, foi feita por ele, mesmo quando não foi essa a intenção imediata na
criação do autor.
Robin Hood, eu li faz um tempinho (...) Conta a história de amizade e de
solidariedade, né, coisa que o brasileiro tem de muito, né? E é bem
interessante também, e o que mais me envolve nesse livro é esse tipo de
ato de tirar o que a pessoa tem, pra dar pra quem não tem, e... no Brasil
também, esse negócio de distribuição de renda é mal distribuída e, aí, o
que acontece, com a distribuição, as pessoas não têm, como é que eu
vou falar assim, não têm muita renda pra se sustentar. E é assim, ó, é
muito pra poucos e pouco para muitos, é desse jeito. E o Robin Hood
consegue... e é bem interessante. Conta assim um fato que marca o país
inteiro, né? É uma conclusão minha... e uma conclusão do que esse livro
quer... porque eu acho assim que cada livro traz um pouco de fatos que
acontece na vida e, nesse caso, o Robin Hood faz isso.
O Robin Hood tanto faz isso que, mesmo pertencendo a um outro contexto
geográfico e histórico diverso do nosso, torna possível estabelecer relações com
a nossa realidade, porque a temática é atemporal e a linguagem tem-se
encarregado de mantê-la viva para que gerações de leitores tirem as suas
conclusões, façam as suas especulações, como Paulo fez a dele.
Enredado pelo enredo, o leitor menino se entregou à leitura de uma
narrativa, chegando a perder a noção de tempo enquanto estava com o livro.
Aí, eu estava numa festa... estava tendo uma festa em casa e eu falei
“vou pegar esse livro e vou ler”, tá, eram seis horas... eram sete horas, fui
terminar o livro, acho que era uma da manhã, meia noite por aí. Acho que
foram seis horas lendo, né, foram as melhores seis horas que eu tive
com um livro (...)
200
Não pelas suas seis melhores horas com um livro, mas pelas outras
também, foram fundamentais as leituras de Paulo para a minha leitura, pois me
tornaram mais crédula de que, conforme defende Paulino (1999), é possível sim
um trabalho sério na área de linguagem com a leitura literária na escola e também
na biblioteca, acrescento de novo. Enquanto “rolava” a festa, Paulo deleitava-se
com a obra, num momento único de cumplicidade e interação dialógica entre a
criação do autor e o leitor.
Foi também com essa obra cuja leitura foi intensa que Paulo buscou
informações para desenvolver um trabalho sobre o Barroco, tudo porque...
olha só, eu cheguei a fazer trabalhos em livros... em livros, assim, de
histórias mesmo... literários. Por exemplo, teve um trabalho agora de
História, falando sobre o período barroco. No livro O ouro do fantasma que
eu estava lendo, tipo aqui, falava tudo sobre o período barroco, peguei
tudinho daqui, meti bala, consegui uma boa nota até. Porque, às vezes,
você pode fazer suas próprias pesquisas nos livros de história, porque
pode ter ficção e não ficção nos livros.
O livro é uma narrativa de suspense que faz retrospecção para ambientar a
trama no contexto do período Barroco, tendo possibilitado ao leitor encontrar as
informações de que necessitava. O livro serviu para que ele desenvolvesse uma
atividade interdisciplinar, segundo as suas necessidades acadêmicas. A leitura
literária se prestou a uma finalidade de ensino e que, diferentemente da
imposição de abordagem com que ela muitas vezes é regulada pela escola, via
livro didático ou não, foi o leitor quem determinou esse uso para ela, sem,
contudo, descaracterizar o tipo de apreciação que lhe é inerente, quando a
utilizou com essa finalidade. A identificação do ficcional e do não ficcional na obra,
fê-lo diversificar os usos que fez da leitura dessa obra.
Sobre os contos populares que leu, Paulo destaca a mescla entre a
estrutura do texto narrativo e a estrutura do texto poético presente em uma das
duas obras referenciadas.
201
Também envolve o gosto de ler poemas, né. Por isso é que é bem
interessante (...) cada história, no final, a lição de moral nos versinhos,
na rima.
Também foram observadas por ele as mudanças que as narrativas de
fontes orais sofrem com o passar do tempo, além das variações por que passam
dependendo do lugar em que são contadas:
Contos de animais fantásticos
Conta várias fábulas, boitatá, de vários animais. São lendas, né? São
fábulas, lendas, histórias, assim, que são de outros países, por exemplo, o
boitatá é do Peru, entendeu? (...) O que mais marcou foi essa nova versão
do boitatá (...) acho que é da África do Sul, se não me engano, bem
interessante (...) E é assim mesmo, uma história, por exemplo, seu avô
pode contar e vai passando, vai modificando com o tempo, né?
Quanto aos poemas, Paulo revelou que eram “lindos”, mas não destacou
nenhum aspecto de leitura da forma para auxiliar na construção do conteúdo, ou
seja, o uso dos recursos lingüísticos na construção de sentido.
Ricardo, 12
Ricardo disse que leu mais de 20 livros, mas não conseguiu lembrar-se
do preferido. Entre os sete livros referenciados por ele, todos foram de piadas e
adivinhações.
Piadas sobre animais
Piadas sobre família
Piadas de Geografia e História
O que é o que é – Português
O que é o que é – animais
O que é o que é – filmes
Charadinhas
202
Quando solicitado a contar uma piada ou falar uma adivinhação, Ricardo
procurava ser conclusivo, ao usar expressões como “um monte de coisa”, para
não estender muito no que contava:
Falava do mundo, espaço geográfico, fala assim “sua cabeça também é
um mundo”, fala um monte de coisa.
(...) que nem o Joãozinho pergunta pra professora, tipo que nem
Matemática, pergunta as vogal, essas coisas.
A proximidade com a oralidade proposto por esse tipo de produção parece
não ter sido suficiente para deixar Ricardo à vontade para contar como foi
contado, como foi lido. O modo evasivo com que ele conclui ao contar liga-se à
sua noção de leitura como aluno “mais ou menos bom de Português” que
considera a leitura “uma coisa” que pode ser aprendida no futuro.
Sílvio, 11
Foram quatro os livros descritos por ele com riquezas de detalhes. Eram
todos contos clássicos:
A bela e a fera, adaptação Dulcy Grisolia; il., Avelino Guedes.
Branca de Neve, adaptação Dulcy Gisoli , il. Carlos Edgard Herrero
Cinderela, tradução Helena Riscino, il. Cláudio Cernuschi e Maria De Filippo
Pinóquio, série Fantasia Disney
Com todos eles, Sílvio demonstrou uma excessiva preocupação em retirar
deles um ensinamento, uma lição moralizante:
(...) porque os anões não se importaram quem que a menina era, mas
que eles fizeram parte muito boa, que deixaram, que deram abrigo à
menina.
(...) então o que mais me chamou a atenção foi que ele desobedeceu o pai
dele, mas no final o guri gosta muito do pai dele, por isso, no final, o pai
203
dele perdoou, então o que mais me chama atenção é perdoar nessa
história.
A felicidade que Sílvio descreveu sentir ao “estar dentro de um livro” em sua
noção de leitura, apareceu aqui restrita a um gênero e a uma preocupação. Para
ele, um trabalho de mediação atento às recomendações dos PCNs (1998)
diversificaria gêneros, finalidades de leitura e, mais importante, ampliaria as
possibilidades de sua felicidade dentro de outros livros.
Tathyane, 11
Em relação ao seu histórico de leitura, a menina prevê ter lido uns 20
livros, destacando A droga da obediência, de Pedro Bandeira como o preferido.
Ela fez referência a seis livros:
A droga da obediência, Pedro Bandeira
O sapo que não era rei, tradução de Tatiana Belinky; il. Luciana Silva
Sopa de Letrinhas, Teresa Noronha
Pensando no futuro (não literário; livro jogo), Ana Paula Escobar, Noemi
Palichenco Loureiro
Anita aprende a nadar (livro não literário, instrucional), Gilbert Delahaye, il. Marcel
Marlier
A cristaleira, Graziela Bozano Hetzel; il. Roger Mello
Desses livros, só se lembrava de parte do enredo de dois deles e de
nenhuma parte de outro.
O sapo que não era rei, tradução de Tatiana Belinky, il. Luciana Silva
Um sapo que brincava com essa menininha. Aí, , um dia ele apareceu
pra ela junto com os pais... Aí não lembro mais.
Pensando no futuro, Ana Paula Escobar e Noemi Palichenco Loureiro
A menina sempre ela pensava no futuro, que ela pensava quando ela
crescesse... o que ela ia... que ela sempre pensava no futuro e na
profissão também, né... Não lembro.
204
A cristaleira, Graziela Bozano Hetzel, il. Roger Mello
Esse daí eu não lembro.
Com outros dois livros, ela reproduziu sucintamente o enredo:
Anita aprende a nadar, Gilbert Delahaye, il. Marcel Marlier
Na escola eles ficavam, na aula de natação eles nadavam... e um
ensinando o outro a nadar.
Sopa de letrinhas, Teresa Noronha
Que tinha um menino... que o irmão do menino vivia falando que ele era
burro. Aí, um dia, ele foi tomar uma sopa de letrinha, daí de repente, ele
ficou inteligente. Foi quando o irmão ficava zoando com ele, de repente
tomou uma sopa e ficou todo inteligente.
Quando falou sobre o livro preferido, contou mais pormenorizadamente,
destacando a parte de que mais gostou e identificou a sua categoria narrativa:
A droga da obediência, Pedro Bandeira
Porque conta daquelas histórias de suspense, de policial. Conta que tinha
um grupo de amigos que tinha um clube dentro da escola, aí, eles sempre
ficavam, eles não sabiam que ninguém ia lá, que ninguém sabia desse
clube, e tinha um menino que faz tempo que ele estava vigiando esse
clube. Aí, teve um dia, ele entrou pra ver se tinha alguém, e ele sabia que
tinha, né? E eles se esconderam, o grupo. E ele falando que sabia que
eles estavam ali. Aí, depois eles saíram e contaram a verdade, né. Aí, eles
começaram... e tinha uma droga que estava atingindo eles, que estavam
sumindo alunos e, aí, eles foram atrás desse daí pra ver quem tava... eles
se fingiam de outros alunos pra ir em outra escola pra investigar, assim... A
parte que eles salvaram os alunos, tinha um monte de aluno tomando
droga. Essa parte eu gostei. Era droga mesmo, que fazia as pessoas
dormirem. Eles ficavam... não sabiam o que estavam fazendo.
A leitura que, para Tathyane, é diversão com a qual também aprende
podem, com um trabalho nas instâncias de mediação, provocar nela além da
205
lembrança dos enredos, outros aprendizados a partir do confronto com os signos
lingüísticos, o que nem sempre poderá ser divertido.
Thalita, 11
Thalita calculou ter lido pelo menos cinqüenta livros. Infelizmente, ela não
compareceu na biblioteca no dia marcado para a realização da segunda etapa da
entrevista e não consegui mais estabelecer contato com a família para agendar
uma outra data, mas, durante a primeira etapa, ela citou os seguintes livros:
Contos para amedrontar meninos, Regina Chamlian, il. Helena Alexandrino
A Iara, Arthur Nestrovsky, il. Caco Galhardo
O boto, Fanny Abramovich, il. Biratan Porto
A hora do caipora, Regina Chamlian, il. Helena Alexandrino
A risada do saci, Regina Chamlian, il. Helena Alexandrino
O primeiro livro referenciado contém vários contos de assombração, cuja
leitura foi compartilhada na família, tendo a e sido a porta-voz das histórias.
Uma delas foi contada pormenorizadamente pelo irmão durante a entrevista.
Os demais livros foram apenas citados por ela, conforme se pode ler:
(...) foi do Saci Pererê que eu li...
Foi um da Iara, da Iara e dum boto.
O conto que eu achei melhor foi A hora do caipora... Não, é dessa mesma
coleção...
A leitura compartilhada na família de Thalita, apontou predominância de um
gênero específico, os contos folclóricos. Ainda que todos da família participassem
dos momentos de leitura, nem todos foram considerados leitores por Thalita.
Eu leio, minha mãe lê, meus irmãos lêem, menos ela [aponta para a irmã
menor], porque ela não sabe ler.
206
Para Thalita, o fato de a irmã não dominar o código não fazia dela leitora,
embora, ao longo de toda a narração do irmão, ela participasse tanto quanto os
demais, ou seja, enquanto ela ouvia, ela também lia. Essa prática de leitura na
família de Thalita mostra que aindaespaço para a figura do contador nos lares
e por que não nas escolas, nas bibliotecas, nas praças, nos teatros, onde houver
leitores atentos à sua voz e à sua expressão enquanto reproduzem, no
imaginário, imagens de leitura.
Vítor, 09
Em seu histórico de leitura, Vítor aponta cinqüenta livros, sendo o preferido
Pega ladrão no Planeta Zug. De Karen King, com ilustrações de Alan Rowe.
Contudo fez referência a quatro obras:
Pega ladrão no planeta Zug, Karen King, il. Alan Rowe
O planeta eu conversando sobre sexo, livro de orientação sexual de Liliana
Iacocca e Michele Iacocca;
A bela adormecida no bosque, de Charles Perrault, tradução de Ana Maria
Machado, il. Gustavo Doré
Pensando no fututo, livro jogo de Ana Paula Escobar e Noemi Paulichenco
Com eles, ele foi capaz de:
- fazer descrição fragmentada da narrativa;
É desse daqui, ó, Pega ladrão no planeta Zug. É que eles inventam
máquinas que eu gostei. Ah, robô, nave espacial, foguete... Para, para
praticar mais ou menos esporte... porque aqui tem bola quadrada, bola
com duas...
- fazer descrição com aparente marca do discurso institucional, quando usa a
sentença “uma leitura prazerosa” e, ao final, confessa que gostou “mais ou
menos” da obra a qual, em outro momento da entrevista, falando sobre livros
207
dessa categoria narrativa, disse não gostar por ser uma leitura mais apropriada
para as meninas;
A bela adormecida no bosque, tradução da Ana Maria Machado
Era uma, uma mulher e aí... Uma leitura prazerosa, porque teve uma
guerra... teve a guerra e depois a bela, a bela adormecida dormiu no
bosque. A bruxa fez ela dormir. Aí, como que ela não dormia sozinha,
existia um deus que mandou todos dormirem junto com ela e, quando ela
acordou, todos acordaram junto com ela. [Você gostou dessa história?]
Mais ou menos.
- fazer delimitação da finalidade da leitura
O planeta eu, conversando sobre sexo; Liliana Iacocca e Michele Iacocca
É que eles perguntam pros pais deles: “É normal falar sobre sexo?”,
começa daqui: “mãe, é feio falar pinto e xoxota?”; essa daqui é uma
pergunta do livro. Aí, esse daqui, a minha professora ficou fazendo
pergunta sobre esse livro. (...)
Durante a entrevista, Vítor revelou que tem um interesse grande por livros
que trazem animais como personagens porque quer ser veterinário, narrativas
fantásticas e pelo livro que abordava assunto ligado à sexualidade.
Willian, 09
Willian estima que tenha lido em torno de 20 livros, mas fez referência a
oito. São eles: três contos clássicos, um livro de lendas, três livros de
adivinhações, um que ensina boas maneiras e um conto popular. Veja os títulos:
O boto, Ciranda Cultural
Ali babá e os 40 ladrões, adaptação Edson Rocha Braga
O que é, o que é filmes, animais e português, Organização Donaldo Buchweitz,
il. Moacir Rodrigues e Irineu Rodrigues
Boas maneiras, Paulo Moura
Rapunzel, Ciranda Cultural
208
Os três porquinhos, adaptação Tatiana Belinky
Quando falou da experiência de leitura com as obras, limitou-se à
reprodução sucinta do enredo da narrativa, conforme mostram estes trechos:
O boto, Ciranda Cultural
Ele fala que uma mulher (?) se transformava nele, no boto. eles se
encontram e começaram a namorar. Foi legal.
Ali Babá e os quarenta ladrões, adaptação de Edson Rocha Braga
Foi legal. Fala dos quarenta ladrões e do Ali Babá. Fala de roubos, fala da
palavra que abria uma caverna. Abra-te, Sésamo. E... e só.
Os três porquinhos, adaptação Tatiana Belinky
Eu achei legal. Conta que um lobo, que tem um lobo, que esses três
porquinhos fazem casa; um de tijolo, um de palha e um de madeira. E o
lobo... o lobo assopra tudo e não consegue assoprar a casa de tijolo.
Recontar sucinta ou fielmente a história não significa fazer leitura literária,
de maneira que ela pode ser desenvolvida com tratamento didático adequado nas
instâncias de mediação.
Zózimo, 11
Zózimo demonstrou ter preferência por livros mais informativos e
instrucionais que literários. Foram citados por ele: Queimada controlada, uma
publicação panfletária e instrucional, de autoria de Paulo Cezar Mendes e
Lucrécia Santos, patrocinado pelo IBAMA; O ambiente da Floresta, de Samuel
Murgel Branco, no qual a aventura de dois meninos em uma floresta é pretexto
para veicular informações sobre a vida animal na floresta; por fim o livro Criaturas
Marinhas, de Judy Nayer, com belíssimas ilustrações de Grace Goldberg. O livro
tem um formato diferente e desenvolve o texto em forma de verbetes informativos
sobre as criaturas marinhas.
Ao falar sobre os livros, destacou o caráter informativo de dois deles e
descreveu resumidamente o outro, destacando a finalidade da ação das
209
personagens, mas sem a percepção de que elas se prestavam a uma intenção de
quem contava.
Queimada controlada, Paulo Cezar Mendes e Lucrécia Santos
É que ele mostra como que tem que, por exemplo, queimar uma parte,
se quiser uma parte de uma chácara, por exemplo; aí, ele mostra como
você deve queimar pra o fogo não se alastrar.
Criaturas marinhas, Judy Nayer, il. Grace Goldberg
Esse aqui fala de animais, é... de peixes, tubarões, vários tipos de peixes.
Se são perigosos ou não, ele fala tudo.
O ambiente da floresta, Samuel Murgel Branco
Aí, mostra dois meninos que foram numa floresta, eles gostavam muito de
animais, quando eles tiravam foto e levavam pra sua turma vê na escola. É
bom.
A preferência de Zózimo por essas leituras remete às palavras de Anne-
Marie Chartier (2003) de que “um livro sobre as baleias pode fazer-nos sonhar
tanto quanto um romance (...)”. Não posso afirmar se zimo chega a sonhar
quando faz a leitura desses livros, mas são eles que Zózimo procura quando vai à
biblioteca nos momentos em que, conforme disse, “não tem nada pra fazer”.
Quando o menino fez referência a uma narrativa, recontou sucintamente o
enredo:
Minha primeira paixão, Elenice Machado de Almeida; Pedro Bandeira; il.
Cláudia Scatamacchia
Fala de romance. De uma menina que ninguém gostava dela. Aí, no meio
da história, assim, ela conhece um menino. Aí, o menino vai gostando
dela, aí, no final, eles terminam junto.
O enfoque no leitor, Zózimo, é o enfoque no indivíduo que, ao não ter “nada”
para fazer, lesse demonstrando habilidades cognitivas, de comunicação, além de
afetivas em contato com a obra.
210
O desafio de formar leitores
Para Azevedo (2003)
Leitores são pessoas que sabem diferenciar uma obra literária de um texto
informativo; pessoas que lêem jornais, mas também lêem poesias; gente,
enfim, que sabe utilizar textos em benefício próprio, seja para receber
informações, seja por motivação estética, seja como instrumento para ampliar
sua visão de mundo, seja por puro entretenimento. (AZEVEDO, 2003, p.76)
Nesse sentido, compreende-se que competências e habilidades foram
desenvolvidas por leitores que tiveram sua formação leitora colocada como
prioridade política e econômica, com reflexos visíveis e efetivos em práticas
propostas nas instâncias de mediação. Desse modo, concernente ao letramento
literário, Paulino (2005) acredita que:
(...) As motivações para a leitura literária teriam de (...) ser encaradas em
nível cultural mais amplo que o escolar, para que se relacionem à
cidadania crítica e criativa, à vida social, ao cotidiano, tornando-se um
letramento literário de fato, ao compor a vida cotidiana da maioria dos
indivíduos. (PAULINO, 2005, p.65)
Naquilo que buscaram os leitores na Biblioteca “Saber com Sabor”, nos
limites do acervo, o livro literário também foi encontrado, até tomado emprestado,
mas nem sempre lido. Lido no nível da interpretação, da inferência, das
“especulações sobre questões existenciais”, lido como obra literária, num
confrontamento com o signo lingüístico. Daí, imprescindível o papel que a
biblioteca desempenha e pode desempenhar na formação desses leitores que,
espontaneamente a buscam, que perscrutam as suas prateleiras. Por isso, a
necessidade de uma política cultural para democratizar “bens incompressíveis”,
promovendo o encontro entre Saber e Sabor, Leitores e Leituras.
211
Quadros Síntese
Amanda, 11
1. Noção de Leitura
É bem legal, a gente aprende muita coisa e também por muitas histórias
diferentes, a gente fica pensando de onde esse cara tirou essa idéia assim pra...
pra mostrar aquilo que ele pensa.
Eu gosto bastante de histórias meio inventadas, assim, meio malucas (...)
2. Principal critério de escolha
25
Pela capa, que é assim uma capa diferente, uma capa legal, chama a atenção,
né. É, é assim, que, tipo, mostre no desenho, mais ou menos o que se quer
dizer o livro, né, a expressão de...do...se tiver um personagem na capa, a
expressão dele (...) E também ler a sinopse dele, também é bom, porque daí
você não gosta de um tema, você vai ler, você vai ver aquilo. (...)
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
1 x por mês 3 ou 4 livros Pesquisa escolar Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Sim Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como um espaço de
busca do livro, motivada por atividades
propostas pela professora e por
interesse próprio.
Na sala de aula
Material: Livro literário
Finalidade: roda de leitura, resumo,
teatrinho ou exposição oral.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Distinguiu texto literário de texto não literário;
Reconheceu a universalidade da linguagem e das temáticas literárias;
Identificou a linguagem figurada nos textos literários;
Destacou a releitura como possibilidade de atribuir novos sentidos ao
texto;
Transpôs comportamentos de personagens da obra para sua vida,
filtrando o que julgou conveniente;
Atentou às intenções do autor na construção do texto;
Usou a obra literária para atender a necessidades propostas pelas
circunstâncias;
Relacionou temáticas, a partir do foco escolhido.
25
Considerei aqui apenas a resposta dada para a pergunta 2 do Bloco B da entrevista: O que mais chama a
sua atenção na hora de escolher o livro para ler?
212
Camila, 10
1. Noção de Leitura
Ler baixo.
2. Principal critério de escolha
A capa. (...) Ah, a capa, os desenhos.
3. Relação com a biblioteca
Freqüên
cia
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
6 x por
semana
1 a cada ida (não
está cadastrada)
Pesquisa escolar,
revista
Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Não foi mencionada.
Na sala de aula
Material: gibi e outros livros não
especificados.
Finalidade: não especificada.
6. Competência leit
ora com obras referenciadas
Recontou a narrativa às vezes com dificuldade para reproduzir a
seqüência narrativa, outras vezes omitindo informações importantes para
o desfecho;
Expôs, sem querer detalhar, ações realizadas pelas personagens.
213
Catharine, 09
1. Noção de Leitura
Significa aprender que no gibi a gente aprende palavra diferente, tem palavra
que aprendi lá, nem lembro, no gibi que eu li da Mônica.
2. Principal critério de escolha
As figuras, o jeito das personagens.
3. Relaç
ão com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
mais de 1
ano não vai.
2 ou 3 Pesquisa escolar,
gibis
Sim (artística)
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incen
tivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Sim, o pai Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi apontada como espaço de procura
voluntária do livro e como local em
que o professor vai em busca do livro
para oferecer aos alunos.
Na sala de aula
Material: livro literário
Finalidade: “ler por ler”
6. Competência leitora com obras referenciadas
Recontou sucinta e parcialmente o enredo.
214
Ellen, 12
1. Noção de Leitura
(...) lendo é como se eu viajasse (...) É uma coisa maravilhosa, é um universo,
assim, em que eu viajo, entendeu? É como se seu esquecesse de tudo,
esquecesse tudo. É maravilhoso (...) eu leio um livro, depois eu fico
imaginando, imagino tudo.
2. Principal critério de esc
olha
Depende muito do título, da maneira como o livro é escrito. (...) É o título, não
pelo título... é... assim... é como se fosse o tipo de livro, entendeu? Eu leio
sempre o resumo atrás (...)
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
2 ou 3 x por
semana em
período letivo.
2, 3 ou mais Pesquisa escolar Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Sim Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Descrita como um lugar pouco
acessível na busca pelo livro.
Na sala de aula
Material: livro literário e livro
paradidático
Finalidade: cobrança não especificada
e não acolhida por ela.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Rejeitou o discurso “forçado” em determinadas obras;
Enredou-se por enredo de partes bem encaixadas e de imprevisibilidade;
Percebeu a intertextualidade;
Procura regular suas leituras não pelo gosto, mas pela necessidade
que sente de ler;
Demonstrou, em leituras de obras clássicas romântica e naturalista, que
o discurso do Romantismo esteve mais acessível à sua compreensão;
Demonstrou confiança e interesse na habilidade narrativa do autor Pedro
Bandeira;
Destacou beleza, gosto e conteúdo dos poemas lidos;
215
Greice, 11
1. Noção de Leitura
Ai, ai, ai... Ler para mim significa passar o tempo.
2. Principal critério de escolha
Me chama atenção o título e a redação que tem atrás. Eu não sei qual é o
nome da redação.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
1 x por mês 1 ou 2 livros Pesquisa escolar Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim, a
mãe
Sim Não Não Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi apontada como espaço de busca
voluntária do livro.
Na sala de aula
Material: paradidático.
Finalidade: roda de filosofia.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Apresentou dificuldade para lembrar-se do enredo;
Descreveu sucintamente a narrativa;
Percebeu a intertextualidade em uma das obras.
216
Larissa, 10
1. Noção de Leitu
ra
Ler é bom, ler ajuda a gente a crescer, ajuda a gente no colégio.
2. Principal critério de escolha
A capa e o nome. Vejo como ela é, se ela é alegre, se ela é triste. Vejo o nome
do livro.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
1 x por
semana
1 a cada ida (não
está cadastrada)
Gibis Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim, a avó Sim, a avó Sim Não Não
5. A leitura na escola
Recebeu da escola um kit com 10 livros literários, leu seis livros e meio e não
descreveu qualquer finalidade de leitura direcionada pela escola.
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como um espaço no
qual faz pesquisa escolar.
Na sala de aula
Material: livro didático.
Finalidade: responder às questões
propostas no livro.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Não se lembrou do enredo de nenhuma obra lida, mesmo as do Kit Literatura
em minha casa que foram lidas.
217
Paola, 12
1. Noção de Leitura
Gosto, ai, eu gosto, pra mim saber mais, né? Saber falar mais as palavras, acho
que é por isso também.(...) ler... ajuda a você falar melhor, se expressar
melhor (...) a conviver o dia-a-dia com as palavras, às vezes você tem que falar
bem correto, a leitura ajuda a você fazer isso também.
2. Principal critério de escolha
Os desenhos. Princesa, príncipe, ah, essas coisas assim.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média
de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação
em atividades
de leitura,
artística ou
cultural
Quase todos
os dias da
semana.
1 ou 2 a cada ida
(não está
cadastrada).
Desenho, gibi,
jornal
Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Com
pradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Não foi mencionada.
Na sala de aula
Material: livro literário.
Finalidade: não especificada.
6. Competência leitora com obras r
eferenciadas
Descreveu narrativa com seqüência adequada dos acontecimentos;
Leu a ilustração em suas funções representativa e expressiva;
Demonstrou atenção ao ensinamento moral da história.
218
Paulo, 11
1. Noção de Leitura
É algo sagrado, desde os antigos povos, assim, se o homem não tivesse...
descoberto é... a escrita. Se ele não tivesse escrito...ô... nós não teríamos tanto
contato de comunicação. E os livros é um deles... É uma dessas formas
influentes de comunicação. É como se eu tivesse comunicando com pessoas
que pensam... Cada livro traz uma lição pra você, e eu acho isso bem
interessante, porque você passa a ler bastante livro, você aprende várias coisas.
Na ética, é importante pra vida.
2. Principal critério de escolha
Geralmente pelo título, por exemplo, olha só: neste, ano, quando eu fui fazer o
último livro meu de Português, tinha uns livros lá. Quando eu vi O OURO DO
FANTASMA, foi o livro que eu escolhi. Eu pensei assim, deve ser de mistério,
porque começa assim O OURO DO FANTASMA (...) Deve ser coisa de
suspense... E eu adoro (...)
Costumo ler o comentário pra saber do que se trata também.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação
em atividades
de leitura,
artística ou
cultural
1 x por mês 4, 5 ou 6 Revista, raramente
pesquisa escolar
Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Sim Sim Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como espaço de
empréstimo, principalmente, de livro
para pesquisa escolar e livro literário.
Na sala de aula
Material: literário.
Finalidade: atividade em grupo não
descrita.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Reconheceu a diferença entre o livro literário e o livro não literário;
Aproveitou-se de questões contemporâneas abordadas em obras
literárias para esclarecer dúvidas;
Fez relação entre o conteúdo da obra e questões sociais;
Fez uso da leitura literária para atender às necessidades propostas pelas
circunstâncias;
Identificou a mescla da estrutura do texto narrativo e da estrutura do texto
poético em uma obra de contos populares;
Observou que as narrativas de fontes orais sofrem variações.
219
Ricardo, 12
1. Noção de Leitura
Gosto. É porque sou meio mais ou menos bom de Português que não leio muito
não. Mais ou menos.
[Leitura] Uma coisa que você pode aprender no futuro.
2. Principal critério de escolha
É o que tá escrito, o que fala que tem no livro.
3. Relação com a biblio
teca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação
em atividades
de leitura,
artística ou
cultural
4 x por semana
1 livro Pesquisa escolar,
gibi
Sim (artística)
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freq
üentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim Sim Não Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Não foi mencionada.
Na sala de aula
Material: didático
Finalidade: não especificada.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Destacou sobre o que falavam os livros, mas não foi capaz de recontar
uma piada ou uma adivinhação.
220
Sílvio, 11
1. Noção de Leitura
(...) ajuda eu aprender e a gostar muito, parece que é uma brincadeira.
Gosto, porque... nas páginas, assim, você se sente muito feliz por estar dentro
de um livro, né, parece que está acontecendo na vida real.
2. Principal critério de escolha
O que me chama atenção é... depende da palavra que está escrita no começo...
eu chego na palavra que está escrita no começo... que me chama atenção.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação
em atividades
de leitura,
artística ou
cultural
2 x por
semana
2 livros Aula de capoeira Sim (cultural)
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Não Sim Não Não Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como o espaço de
busca voluntária do livro literário
Na sala de aula
Material: didático
Finalidade:leitura em voz alta.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Reproduziu pormenorizadamente o enredo;
Preocupou-se em retirar ensinamento moralizante dos contos clássicos.
221
Tathyane, 11
1. Noção de Leitura
É muito legal, diverte. (...) eu aprendo mais também. É diversão.
2. Principal critério de escolha
Eu olho primeiro nos gibis, depois é que eu vou ver os livros. (...) Primeiro, eu
vejo se é um pouco pequeno, se é legal...
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média
de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
2 x por mês 2 ou 3 Pesquisa escolar,
gibis
Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim, a mãe
Sim, a mãe Não o Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como o espaço no
qual procura por motivação própria o
livro para ler.
Na sala de aula
Material: não especifica
Finalidade: fazer resumo para ler na
classe.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Reproduziu o enredo de da obra preferida de modo seqüenciado;
Reconheceu nela a categoria narrativa;
Apresentou dificuldade em recordar-se integral e parcialmente de alguns
enrredos.
222
Thalita, 11
1. Noção de Leitura
Eu não sei... Ah, aprender mais.
2. Principal critério de escolha
A leitura, o assunto.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação
em atividades
de leitura,
artística ou
cultural
2 x por mês
durante os
nove meses
que a mãe
trabalhou
próximo à
biblioteca,
Mais ou menos 5 Nenhuma Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Sim, a mãe
Sim Não Sim, a mãe Sim
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como o espaço de
busca do livro literário por motivação
própria.
Na sala de aula
Material: didático
Finalidade: não especificada.
6. Competência leitora com obras referenciadas
Não houve segunda etapa da entrevista.
223
Vítor, 09
1. Noção de Leitura
Lendo a gente aprende a filosofar e, com a filosofia, a gente aprende o
significado das palavras.
2. Principal critério de escolha
O desenho.
3. Relação com a biblioteca
Freqü
ência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
Só nas férias 2 livros Gibis Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Não Sim Não Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como local de busca
de livros por motivação própria.
Na sala de aula
Material: paradidático
Finalidade: complementar conteúdo da
aula de Ciências.
6. Competência le
itora com obras referenciadas
Descreveu de modo fragmentado;
Descreveu revelando aparente marca institucional;
Delimitou a finalidade da leitura de uma obra paradidática.
224
Willian, 09
1. Noção de Leitura
Ler é tudo. (...) Tudo de bom.
2. P
rincipal critério de escolha
A capa. Os desenhos, o título e depois eu olho as páginas.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
Às vezes 1 livro Pesquisa escolar,
jornal
Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Incentivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Não Sim Não Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Não foi mencionada.
Na sala de aula
Material: poemas e outros livros
Finalidade: não especificada
6. Competência leitora com obras referenciadas
Recontou sucintamente a narrativa.
225
Zózimo, 11
1. Noção de Leitura
É... pensamento.
2. Principal critério de escolha
É o título... É a frase, acho que só.
3. Relação com a biblioteca
Freqüência
Média de
empréstimo
Buscas
além do
livro
Participação em
atividades de
leitura, artística
ou cultural
3 x por mês 1 ou 2 livros Pesquisa escolar Não
4. A leitura na família
Pais
leitores
Inc
entivadores
Compradores
Freqüentadores
de biblioteca
Leitura
com os
irmãos
Não Sim, a avó Não Não Não
5. A leitura na escola
Na biblioteca escolar
Foi mencionada como o espaço de
busca do livro por interesse próprio.
Na sala de aula
Material: não especificado, disse que é
uma solicitação da professora de
produção de texto e literatura.
Finalidade: não especificada
6. Competência leitora com obras referenciadas
Demonstrou ter assimilado as informações lidas.
No percurso da pesquisa, a delimitação não permite que se ouçam todas as
vozes. Muitos teriam muito a dizer sobre a formação literária desses leitores
freqüentadores assíduos e esporádicos da Biblioteca “Saber com Sabor” da praça
Clóvis Cardozo. Aqui, porém, está evidenciada a voz da criança.
226
CONCLUSÕES DO TRABALHO
A proposição da pesquisa em investigar a formação leitora literária da
criança freqüentadora de biblioteca pública a partir de sua fala, ao mesmo tempo
em que focalizou o leitor, também evidenciou o mediador porque as crianças
precisam da interação, da mediação.
Pela voz do leitor, foram apontadas noções de leitura, critérios de escolha
do livro literário e modo de ler literariamente, ou seja, o desempenho do leitor ante
as especificidades que recaem sobre a linguagem literária.
Em relação às noções de leitura, elas estiveram, em grande parte, muito
relacionadas ao aprendizado sistematizado que possibilitasse o desenvolvimento
vocabular, um bom desempenho escolar e como aprendizado que pode ser
acrescido à diversão. Por outro lado, como diversão, a leitura esteve associada
aos quadrinhos e ao livro literário como passaporte imaginário e como
divertimento para as férias.
Se na maioria das vezes essas duas noções predominantes não interferiram
nas escolhas do livro literário, tendo em vista que ele foi procurado para ser lido,
ela interferiu no modo de ler, no desempenho ao ler o literário; revelando leitores
mais hábeis a reproduzirem o enredo, às vezes com riquezas de detalhes, às
vezes com dificuldade de montar a seqüência narrativa, do que a se interessarem
também pela maneira como o enredo foi articulado.
Embora próximos do livro literário, porque ele fez parte das buscas de quase
todas as crianças, grande parte dos leitores não esteve próxima da leitura
literária, revelando que as instâncias mediadoras precisam fazer a interseção
entre o leitor e a leitura. Enquanto o leitor manifesta o interesse em ler, a
mediação pode buscar condições de oferecer livros e leituras.
Numa época em que as discussões sobre os gêneros textuais canalizam
orientações registradas em documentos oficiais e começam a provocar mudanças
nas abordagens de leitura do livro didático de Língua Portuguesa, oferecer livros e
leituras nas instâncias de mediação representa oportunizar o acesso a textos
materializados presentes em nossa vida diária com características sócio-
comunicativas que se definem por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e
composição característica.
227
Desde que a produção da Literatura Infantil e Juvenil, da qual participam as
naturezas verbal e visual, tornou-se “objeto novo”, ela tem apresentado variedade
de gêneros e temáticas, considerando a criança um ser capaz de atender à
motivação do signo artístico. Logo, tanto a biblioteca pública quanto à particular
podem disponibilizar, em seu acervo, essa variedade para os leitores.
Mais do que mudanças nas estratégias de leitura, na variação da produção
que disponibiliza mais suportes e mais gêneros, as discussões têm encorajado a
mediação (escolas, bibliotecas, etc.) a oferecer livros e leituras, de modo a alargar
a noção do que seja ler, do que se pode ler e de como se pode ler.
Concernente aos critérios de escolha do livro, em relação aos elementos
não verbais e aos elementos verbais, a leitura do paratexto apontou que o título é
fundamental no processo de escolha desses leitores que procuram nele a
proposição do assunto abordado pelo autor. Além dele, a observação das
ilustrações indiciou que a imagem, por vezes ignorada nas instâncias de
mediação, também se a ler ao olhar desses leitores que precisam enxergar
nela, além das funções representativa e expressiva, a função significativa em
harmonia com o signo verbal.
A voz da criança mostrou ainda o predomínio do gênero narrativo como
produção mais procurada para a leitura, despontando como categorias preferidas
as narrativas de aventura, de suspense e histórias divertidas.
Predominantemente, foi com essas histórias que as crianças com leituras que
transpuseram a reprodução do enredo demonstraram maior familiaridade e
capacidade de ler literariamente. Embora outros gêneros (poesia, crônica, contos)
constassem em seu histórico, a leitura deles esteve associada a gosto estético,
ao não entendimento e ao não gosto, evidenciando a marginalidade no trabalho
com esses e com outros gêneros nas instâncias de mediação e,
conseqüentemente, no histórico dos leitores.
Entre outras narrativas procuradas pelos leitores, despontaram os contos
clássicos, as fábulas e as histórias em quadrinhos. Os contos clássicos tiveram
uma aceitação como leitura recorrente, independentemente da idade da criança;
as fábulas tiveram uma aceitação em proporção maior que as histórias
moralizantes, de modo que o discurso alegórico, figurado, foi mais aceito que o
discurso tendencioso, não revestido da alegoria. Em relação às histórias em
quadrinhos, elas estiveram ligadas ao tipo de leitura rápida e divertida. Sem
228
dúvida, um elemento da cultura de massa bastante apreciado pelas crianças que,
como o livro, pode ser mais do que uma mercadoria, desde que, agregada ao
consumo, esteja uma ação mediadora que contribua para que o leitor responda
com criticidade ao objeto consumido, dando-lhe sentido, ampliando seu
significado.
O terceiro critério apresentado – Personagens humanas e personagens
bichos não foi tão relevante para a escolha desses leitores, mas o critério da
ambientação cronológica no presente sobrepôs-se ao passado, contrastando com
um artigo escrito por Peter Burke no caderno Mais da Folha de São Paulo no qual
se ressente de que na produção para a criança predominam três tipos de livros: o
tipo que fala sobre animais; o tipo ambientado no passado, essencialmente na
Idade Média européia e o tipo, supostamente, ambientado no cotidiano atual,
porém oferecendo uma imagem do passado, cita como exemplo o trem que
continua a ser a vapor, alimentado com carvão, nas ilustrações dos livros. A
diversidade e a qualidade da produção dos autores e ilustradores brasileiros para
a infância ultrapassam esses tipos apontados por Burke, por isso a criança
brasileira, desde que tenha acesso a essa diversidade de livros, não poderá ter o
mesmo ressentimento que ele. De outro modo, essa preferência pela
ambientação no presente, aponta a identificação desses leitores com
personagens e temáticas que estejam mais próximas de suas vivências.
Quando as instâncias família, escola e biblioteca “Saber com Sabor” tiveram
seu papel evidenciado na formação leitora dos leitores pelos leitores, a família foi
a instituição em que na condição de leitores e incentivadores de leitura os pais
e/ou responsáveis apresentaram melhor desempenho que como compradores de
livros e freqüentadores de biblioteca. Isso mostra que, na configuração familiar,
fatores externos não alcançados pelos dados dessa pesquisa, interferem numa
participação mais efetiva dela na formação leitora da criança.
A escola, como o espaço privilegiado para o ensino, foi onde o livro para
leitura foi procurado na biblioteca escolar, quando acessível, sem uma aparente
motivação do professor para a maioria. Na sala de aula, as práticas de leitura no
livro didático, no livro paradidático e no livro literário nem sempre tiveram
finalidades especificadas por esses leitores. Por isso, pensar sobre a
especificação delas para eles é pensar também sobre propostas e práticas de
leitura realizadas na e pela escola, inseridas em um programa capaz de atender
229
às necessidades nos diferentes níveis que compõe o processo de aquisição da
leitura, de modo que ler o texto literário não represente tão somente reproduzir
enredo como grande parte dos leitores entrevistados demonstraram fazer, alguns
com dificuldade até para isso.
A biblioteca “Saber com Sabor”, carecendo de um programa de ação mais
constante e efetivo, tem contribuído como um centro de acesso ao livro para
esses leitores. Porém, conforme foi exaustivamente falado, não se pode
democratizar bens culturais com filantropia, sem política cultural, sem
articulação entre conhecimentos e práticas leitoras que privilegiem não
diversidade de autores, mas de gêneros, de linguagens, de leituras. Enquanto lhe
faltar autonomia para o desenvolvimento de um programa de ação, ela não pode
ser considerada um território de produção de sentido e de animação cultural.
Ao revelarem sua competência leitora com as obras referenciadas, foi
possível delimitar entre os leitores dois grupos: os que ainda em basicamente o
enredo e os que procuram ler o enredo atentos às estratégias de sua
composição e às possibilidades interpretativas que ele oferece.
Nesse último grupo, despontaram três leitores, dois com 11 anos e um com
12, que apresentaram uma maturidade leitora demonstrando habilidades para
reconhecer as diferenças entre o discurso do livro literário e o discurso do livro
não literário; perceber e ler os recursos lingüísticos e não lingüísticos de que o
autor se utilizou para construir sentido e alcançar sua intenção; identificar a
intertextualidade nas obras, acionando o seu repertório de leitura; fazer a relação
entre as temáticas abordadas na obra e as questões reais/existenciais; negar o
discurso forçado e previsível na produção da obra; não se propor a reproduzir
comportamentos, mas refletir sobre eles para inscrever nos seus comportamentos
os seus próprios quereres; identificar e fazer uso da não ficção presente nos livros
literários para fins funcionais quando lhes aprouve... Enfim, outros aspectos mais
que possam ter escapado à minha leitura ou às circunstâncias da pesquisa.
No primeiro grupo, que comporta leitores entre 09 e 12 anos, às habilidades
de decodificar símbolos escritos e de captar o sentido de um texto escrito
poderiam estar, conforme Soares (2004) concebe a extensão do que seja ler, a
capacidade de interpretar seqüências de idéias e acontecimentos, analogias,
comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáforas, habilidades de
fazer predições iniciais sobre o significado de texto, de construir o significado
230
combinando conhecimentos prévios com informações do texto, de controlar a
compreensão e modificar as predições iniciais, quando necessário, de refletir
sobre a importância do que foi lido, tirando conclusões e fazendo avaliações. O
desenvolvimento de todas essas habilidades passa por estágios de leitura que
precisam estar incorporados aos programas e às ações da escola e da biblioteca.
Sendo a biblioteca “Saber com Sabor” mais um espaço de acesso ao livro
que de promoção da leitura, a mediação feita pela família e pela escola, com o
primeiro grupo de leitores, apontou uma ação mais efetiva de ambas as instâncias
para os dois leitores de 11 anos com pais leitores, incentivadores de leitura,
compradores de livros e freqüentadores de biblioteca e, na escola, com acesso à
biblioteca e com proposta de leitura de livro literário, ao que pareceu, bem aceita
por eles. Com a leitora de 12 anos, a escola pareceu não estar exercendo tanta
influência na sua formação leitora, devido ao difícil acesso à biblioteca escolar e à
proposta de leitura não acolhida por ela, entretanto, na família, o controle sobre a
leitura não representou proibição, mas possibilidade de discutir a obra numa
interessante troca de leitura.
Em relação ao segundo grupo, a ação da família não foi omissa quanto ao
incentivo à leitura e, por vezes à compra de livros, mas os resultados dessa
mediação não apresentaram uma interferência mais efetiva na formação desses
leitores, Quanto às ações da escola, as propostas de leitura, na maioria das
vezes, não evidenciaram a finalidade de leitura e, quando evidenciaram, não
pareceu ter sido tão significativa para a criança.
O registro da voz do leitor é o registro de quem dia-a-dia está nas
instâncias institucionais, faz parte delas, tem delas o direcionamento de um
investimento, de um trabalho que, articulado para ensinar a ler, ensine o
fundamental, o essencial; a fim de que como as narrativas primordiais que, por
séculos, alimentam o imaginário da criança de diferentes épocas, as bases dessa
leitura ouvida, contada e lida perpetue formando leitores que olhem, vejam e
leiam os saberes e os sabores desse universo de criação e articulação chamado
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242
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_________; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças - para conhecer a literatura
infantil brasileira: histórias, autores e textos. 4. ed. São Paulo: Global, 1993.
243
ANEXOS
244
ANEXO 1
245
246
ANEXO 2
Roteiro de entrevista para os sujeitos leitores
Blocos de questões – 1ª ETAPA
A) Noções de leitura
1. Você gosta de ler? Por quê?
2. Qual o significado da leitura para você?
3. Você acha que os livros que você leu contribuíram para você gostar de ler?
B) Critérios de escolha
1. Que tipo de livro você gosta de ler? Por quê?
2. O que mais chama sua atenção na hora de escolher o livro para ler?
3. Você tem algum escritor preferido?
4. Dos elementos apresentados abaixo, indique qual deles você leva em consideração na
hora em que vai escolher o livro para ler:
( ) as ilustrações; ( ) o título; ( ) o autor; ( ) o assunto; ( ) a espessura
5. Dos tipos de histórias seguintes, qual delas você mais lê?
( ) aventura; ( ) divertidas; ( ) suspense; ( ) contos de fada; ( ) fábulas; ( ) histórias com
ensinamento moral; ( ) histórias com animais personagens; ( ) histórias com pessoas
personagens; ( ) histórias com animais e pessoas personagens; ( ) histórias ambientadas
numa época diferente da que você vive; ( ) histórias ambientadas na época em que você
vive.
C) A criança na biblioteca
1. Há quanto tempo você freqüenta a biblioteca Saber com Sabor?
2. Você vem à biblioteca toda semana? Quantas vezes? Em quais dias?
3. Quantos livros você empresta a cada vinda à biblioteca?
4. Além do livro literário, você empresta ou faz uso de que outros materiais fornecidos
pela biblioteca?
5. Como você ficou sabendo da biblioteca?
6. Antes de freqüentar a biblioteca, onde você buscava os livros para ler?
7. Os funcionários da biblioteca sugerem ou sugeriram algum livro para você ler?
Qual? Você gostou de ter lido o livro sugerido?
8. Você já participou de alguma atividade de leitura promovida pela biblioteca? Qual?
D) O histórico de leitura da criança
1. Aproximadamente quantos livros você já leu?
2. Dos livros que você leu, qual deles você mais gostou?
3. Conte rapidamente o assunto do livro. O que foi mais marcante para você nesse livro?
4. A escola solicita leitura de você? Que tipo de livro?
5. Você tem livros em casa? Além de você, quem gosta de ler na sua casa?
6. Seus pais tomam conhecimento do que você lê? Eles dão sugestões ou opiniões sobre
isso?
7. Você lê para seus irmãos mais novos?
2ª ETAPA
1. Levar a criança à estante de livros e pedir que ela retire de lá todos os livros que já leu
2. Espalhar os livros sobre a mesa
3. Livro a livro, pedir para que a criança fale sobre o assunto sem abrir o livro
4. Pedir para que a criança destaque, dentre os livros de que recordou a história, qual
deles gostou mais de ler? Por quê?
247
ANEXO 3
Roteiro de entrevista para os sujeitos mediadores
Bloco de questões
1. Como você descreveria o perfil dos leitores que freqüentam a “Saber com Sabor”?
2. Das crianças que freqüentam a biblioteca, para delimitar uma faixa etária mais
assídua?
3. A criança que vem à biblioteca procura que tipo de material?
4. Já aconteceu de algum livro ser muito solicitado pelas crianças? Qual foi o livro?
Houve alguma justificativa para essa procura?
5. Você costuma sugerir obras para que a criança leia? Em geral que tipo de obras? Por
quê?
6. algum projeto de leitura ministrado pela biblioteca? Qual? Quantas vezes foi
realizado?
7. A biblioteca oferece treinamento para seus funcionários?
8. Se sim, como você avalia a influência desse treinamento no seu trabalho?
9. Você julga que seu trabalho é relevante para a sociedade? Por quê?
10. Você compartilhou ou foi chamado a compartilhar de alguma experiência de leitura
memorável ao longo de seu trabalho na biblioteca? Conte como foi.
11. Como você avalia o acervo que a biblioteca possui para atender leitores infantis e
juvenis?
12. Os leitores infantis e juvenis que vem à biblioteca, normalmente, encontram o que
procuram?
13. Qual o significado da leitura para você?
14. Você lê? Com que freqüência?
15. Qual é a sua formação acadêmica?
248
ANEXO 4
249
ANEXO 5
250
251
252
253
254
ANEXO 6
255
ANEXO 7
Livros Grátis
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