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Marta Vieira Caputo
COMUNICAÇÃO E CIBERATIVISMO
BOICOTES: NOVAS PRÁTICAS PARA O EXERCÍCIO DA
CIDADANIA
Bauru SP
Agosto, 2008
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Área de concentração: Comunicação Midiática
MARTA VIEIRA CAPUTO
Comunicação e Ciberativismo
Boicotes: novas práticas para o exercício da cidadania
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de s-
Graduação em Comunicação Área de Concentração:
Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho” UNESP, Campus de Bauru, como requisito
parcial para obtenção do tulo de Mestre em Comunicação, sob
orientação do Prof. Maximiliano Martin Vicente.
Bauru SP
2008
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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP BAURU
Ficha catalográfica elaborada por Maria Thereza Pillon Ribeiro CRB 3.869
Caputo, Marta Vieira.
Comunicação e ciberativismo: boicotes: novas
práticas para o exercício da cidadania / Marta
Vieira Caputo, 2008.
124 f. : il
Orientador: Maximiliano Martin Vicente
Dissertação (Mestrado)Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação, Bauru, 2008
Boicote. 2. Ciberativismo. 3. Hegemonia. 4.
Sociedade civil. 5. Informacionalismo. I.
Universidade Estadual Paulista. Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Área de concentração: Comunicação Midiática
Dissertação de Mestrado apresentada por Marta Vieira Caputo ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Área de Concentração: Comunicação Midiática da
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho UNESP, Campus de Bauru, para a obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob orientação do Professor Doutor Maximiliano Martin Vicente.
Banca Examinadora
Membros:
_____
PROFª. DRª. TÂNIA MÁRCIA CEZAR HOFF (ESPM)
_____
PROFª. DRª. REGINA CÉLIA BAPTISTA BELLUZO (UNESP)
Presidente e Orientador:
____________________________________________________
PROF. DR. MAXIMILIANO MARTIN VICENTE (UNESP)
Bauru, 21 de agosto de 2008.
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À memória de meu pai,
o primeiro anti-imperialista que conheci.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a cordial acolhida que recebi no Programa de Pós Graduação em
Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, na
figura de seus coordenadores Professora Ana Sílvia Lopes Davi Médola e Professor Luciano
Guimarães, bem como aos demais docentes do programa e aos funcionários da secretaria da
s-Graduação, Helder Gelonezi e Silvio Decimone.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), agradeço o
apoio financeiro, providencial para a consecução deste trabalho.
Ao Professor Maximiliano Martin Vicente, orientador da presente dissertação, minha
gratidão pela sua generosidade, equilíbrio e especial senso de partilha do conhecimento. À
Professora Regina lia Baptista Belluzzo e ao Professor Murilo Cesar Soares, agradeço as
contribuições e sugestões pertinentes, por ocasião do exame de qualificação. À Professora
Tânia Márcia Cezar Hoff e novamente à Professora Regina, agradeço a disponibilidade para a
composição da banca examinadora e os valiosos aportes concedidos por ambas.
Aos colegas do Grupo de Estudos Mídia e Sociedade, sou grata pelo intercâmbio de
idéias e companheirismo. Aos amigos virtuais da lista de discussão do movimento Boycott
Bush no Brasil, na Argentina, no Uruguai, Bélgica, Alemanha e Estados Unidos agradeço as
indicações de fontes fidedignas na abordagem de fatos freqüentemente omitidos pela dia
oficial e as discussões acaloradas, mas tão importantes diante da urgência em se discutir
temas freqüentemente ardilosos, cuja compreensão em profundidade extrapola o caráter
corriqueiro da notícia.
Ao economista Hugo Penteado, o meu reconhecimento por ter me apresentado a sua
Ecoeconomia – Uma nova abordageme por ter me explicado que, segundo este approach, a
regra é: (...) quanto mais viável economicamente, mais inviável ambientalmente”, o que
significa dizer também, mais deletério socialmente, caso não sejamos capazes de priorizar a
preservação do meio ambiente por meio de um pacto de relações mais humanizadas e
humanizadoras. As escolhas, faremos nós.
À minha mãe, a Professora Elza Vieira Caputo, agradeço seus hercúleos esforços para
educar um ser tão renitente quanto eu.
Às minhas irmãs, Beatriz e Ângela, minha gratidão pelo carinho, apoio, amizade e
presença, nos bons e nos maus momentos.
ix
Agradeço também à Helga e ao Ivan, ao Thales e ao Pedro, porque junto deles, a vida
sorri despreocupada.
Gostaria também de registrar o meu agradecimento a três pessoas muito especiais,
amigos de longa data, porque muito me ensinaram e porque muito aprendemos juntos: ao
advogado e historiador José A. Sacchetta Mendes Ramos Júnior, por ter compartilhado
comigo seu peculiar gosto por mapas, desde a infância, ensinando-me mais Geografia,
História e Potica do que aprenderíamos juntos na escola. Ao geólogo Henrique Rosa, pelas
aulas de Geologia, Mineralogia e Rock‟n‟roll; pelos passeios ao Pico do Itacolomy e Serra do
Caraça e, principalmente, porque ele sabe que a Rebordosa não morreu... À Nádia Victória
Schurkim agradeço os sábios ensinamentos da ancestral arte da manipulação de metais
nobres, sem jamais me esquecer da lição principal: a jóia mais bonita é a compaixão o resto
é só vil metal.
Por último, mas não menos importante, agradeço a Jorge Luiz Maskalenka,
interlocutor pontual, pela sugestão do tema deste trabalho, sem esquecer o indispensável
afeto, a serena dedicação e a sábia paciência do meu querido companheiro.
Marta Vieira Caputo
Bauru, agosto de 2008.
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CAPUTO, M.V. Comunicação e ciberativismo. Boicotes: Novas práticas para o exercício
da cidadania. 2008. 124f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Midiática. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP, Bauru, SP, Brasil, agosto, 2008.
RESUMO
Este trabalho investiga os modos de organização do ativismo digital, ou ciberativismo,
bem como os processos comunicativos impcitos nessa prática. Especificamente, enfoca-se
aqui uma iniciativa ciberativista que se utiliza das estratégias e táticas de boicotes para
instaurar possibilidades de negociação entre a sociedade civil, as corporações e os governos,
diante de conflitos de interesses decorrentes das relações entre essas dimensões sociais.
Buscou-se, primeiramente, entender os fundamentos básicos da organização social e sua
evolução a partir dos conceitos de bloco histórico, hegemonia, superestrura, sociedade civil e,
mais recentemente, do conceito de sociedade civil global. Tal entendimento se faz necessário,
diante das implicações poticas dos usos das Novas Tecnologias da Informação e da
Comunicação e, para isso, recorreu-se também ao conceito de “informacionalismo” para
sustentar a compreensão do cenário econômico, político e social aqui delimitado, com vistas a
identificar novas práticas para o exercício da cidadania.
Palavras-chave: boicote, ciberativismo, hegemonia, sociedade civil, informacionalismo,
cidadania.
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CAPUTO, M.V. Communication and cyberativism. Boycotts: new practices for the
exercise of citizenship. 2008. 124p. Mastership in Mediatic Communication. Dissertation.
(Post-Graduation Program in Mediatic Communication). Architeture, Arts and
Communication College. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP,
Bauru, SP, Brasil, August, 2008.
ABSTRACT
This dissertation investigates the organizing methods of digital activism or ciberactivism and
the communicative processes implicit in those practices. Specifically, it focuses a ciberactivist
initiative which uses the strategies and tactics of boycotts to establish possibilities of
negotiation between civil society, corporations and governments, considering the conflicts of
interests which arise as a result of relationships between those social dimensions. The aim
was, firstly, to understand the basic fundamentals of social organization and its evolution
from the concepts of historical bloc, hegemony, superstructure, civil society and, more
recently, the concept of global civil society. This understanding is necessary, given the
political implications of the uses of New Information and Communication Technologies and,
therefore, has also appealed to the concept of "informacionalism" to sustain the understanding
of the economic, political and social environment defined here, aiming to identify new ways
for citizenship practices.
Keywords: boycott, ciberativismo, hegemony, civil society, informationalism, citizenship.
xii
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LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura 1: Manifestação da União Nacional dos Estudantes (UNE) quando
da visita de George W. Bush ao Brasil em 2005...............................................
Figura 2: 12 de março de 1930. Gandhi lidera a Marcha do Sal, também
conhecida como Satyagraha do Sal ..................................................................
66
69
Figura 3: Rosa Parks no momento de sua detenção em 22 de fevereiro de
1956, pois liderava cerca de 100 pessoas acusadas de violar as leis de
segregação racial do Estado do Alabama, EUA ...............................................
70
Figura 4: A potica do apartheid nos EUA, representada em foto de
Margaret Bourke-White (1904-1971). A foto é de cerca de 1940 ...................
71
Figura 5: Mapa da distribuição mundial dos usuários de Internet ..................
73
Figura 6: Página inicial do portal www.boycottbush.org , porta de entrada
para a web site ativista em sete idiomas diferentes ..........................................
82
Figura 7: Página inicial da web site da Boycott Bush Network, em português
82
Figura 8: Garrafas de Mecca-Cola à venda em Paris ......................................
86
Figura 9: Versão em português de peça de contrapropaganda largamente
difundida em web sites difusores de ações pró-boicotes aos produtos norte-
americanos ........................................................................................................
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1
INTRODUÇÃO
O objetivo geral desta dissertação é entender como determinados segmentos sociais se
organizam e defendem suas propostas ativistas, mobilizando-se em favor de ões de boicote,
utilizando-se da mídia Internet para espalhar sua mensagem pelo Planeta e analisar os efeitos
e/ou influências dessas práticas para o exercício da cidadania.
Para tanto, entende-se ser necessário: a) refletir sobre a natureza dos movimentos
sociais concretos, decorrentes das mobilizações antiglobalização tendo sempre em conta as
implicações poticas das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação para suas
ações e desenvolvimento, por meio da análise do discurso dos atores dos movimentos pró-
boicotes (individuais e coletivos), reconhecendo como se vêm influenciados pelas novas
tecnologias; b) reconhecer os parâmetros que norteiam o surgimento de uma nova categoria
de cidadãos conscientes do poder de suas ações conjuntas, quando coletivamente optam pela
seleção crítica dos produtos e serviços que consomem, a partir da observação e entendimento
das posturas políticas e sociais das empresas produtoras de bens e serviços e das instituições
governamentais e não governamentais, em relação aos interesses da comunidade.
Para dar conta desses objetivos, algumas questões se colocam de imediato: qual a
importância da comunicação para a transformação da sociedade? Como os movimentos
sociais usam as tecnologias para divulgar diferentes propostas de sociedade e que alcance elas
têm? Como compreender o mundo contemporâneo pelas forças dominantes, considerando
que a Internet favorece a organização de comunidades virtuais em torno de interesses que lhes
são próprios? De que modo se modifica o conflito político, em meio ao processo que ora se
convencionou denominar globalização? Como se transformam os conflitos de classe, em
função dos paradigmas da globalização? Quais as conseqüências das Novas Tecnologias da
Informação e Comunicação para a geração e produção de conhecimento político e para a
intervenção potica? Quais papéis desempenham novas experiências, especialmente aquelas
desenvolvidas pelos coletivos da contra-informação e, neste sentido, com que peso os apelos
pró-boicotes contribuem para novas práticas de exercício da cidadania?
Este trabalho se justifica pela constatação de que os movimentos pró boicotes vêm se
multiplicando, constituindo-se não só em um fenômeno social, especialmente no seio da
sociedade civil, mas também um fenômeno da comunicação cibertica, envolvendo milhões
de internautas em todos os países muitos dos quais, os ciberativistas - fazem uso potico
das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação para protestar contra a globalização
neoliberal e, assim, provocam mudanças nos paradigmas da militância política, introduzindo
inovações nos modos de pensar a vida, o mundo e a sociedade.
2
Metodologicamente, este texto foi construído em função das questões levantadas, e
buscou-se as respostas na literatura existente, respostas essas que se tentou construir sem
sobrepor a elas a rigidez teórica ou o interesse ideológico, mas tão somente a interpretação da
realidade, pois esta não é de todo evidente e porque a comunicação não é unívoca. Desse
modo, a hermenêutica ou interpretação é necessária e inevitável. Tal pesquisa literária
embasou o presente estudo de caso, que esta é uma técnica de pesquisa que faz uso de um
conjunto de ferramentas para levantamento e análise de informações.
Como esclarece Duarte (2006), com fundamento em vários autores, o estudo de caso é
considerado um método qualitativo que, (...) como todas as estratégias, apresenta vantagens
e desvantagens”; às vezes, erroneamente (...) identificado com o uso de técnicas menos
fidedignas e que é “(...) freqüentemente considerado como um tipo de abordagem intuitiva,
derivada da observação participante” e que contém “vícios e distorções resultantes de pontos
de vista pessoais sobre a realidade social” (DUARTE, 2006, p.215-6).
Entretanto, analisando algumas definições de estudos de caso, Duarte assinala que o
estudo de caso:
(...) para Yin (2001), é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o
fenômeno e o contextoo é claramente evidente e onde múltiplas fontes de
evidência são utilizadas; (...) para Goode e Hatt (1979), é um meio de organizar
dados sociais preservando o caráter unitário do objeto social estudado; (...) para
Stake (1994), não é uma escolha metodológica, mas uma escolha do objeto a ser
estudado; (...) para Bruyne, Herman e Schoutheete (1991), é a análise intensiva,
empreendida numa única ou em algumas organizações reais (Duarte, 2006, p. 216).
Com visões tão diversas a respeito do que é o estudo de caso, a autora acima citada
prossegue sua análise, sob vários enfoques, trazendo as considerações de uma multiplicidade
de autores para, por fim, considerar que
(...) o método do estudo de caso revela, além da sua riqueza de possibilidades de
pesquisa, um traço distintivo inerente à sua aplicação que é a possibilidade de
compartilhar conhecimentos. Visando a descoberta, o pesquisador trabalha com o
pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas que está sempre em
construção e por isso faz parte de sua função indagar e buscar novas respostas ao
longo da investigação. (...) o estudo de caso é o método que contribui para a
compreensão dos fenômenos sociais complexos (...) das peculiaridades, das
diferenças daquilo que o torna único e, por essa mesma razão, o distingue ou o
aproxima dos demais fenômenos (Idem, p.233-4).
Tendo em vista o objetivo geral e seus desdobramentos, bem como os
questionamentos suscitados, estruturou-se o presente texto com esta introdução, quatro
capítulos e algumas considerações finais.
No capítulo I, intitulado Sociedade e comunicação no início do século XXI,
procurou-se compreender a organização social e sua evolução a partir, principalmente, das
idéias de Antônio Gramsci e também de outros autores que, em diferentes momentos e sob
3
pontos de vista diversos, pensaram e elaboraram teorias a respeito da vida e do pensamento
social.
O capítulo II, Capitalismo e informacionalismo, teve como preocupação central a
análise daquilo que vem sendo chamado de « revoluçãos industrial » em função das Novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação : reestruturação do capitalismo em escala
global; emergência dos Estados Unidos da América como potência mundial; desregulação dos
mercados e conseqüências decorrentes; consolidação do neoliberalismo; surgimento, a partir
de meados do século XX de uma nova sociedade que, neste início do século XXI, vem sendo
chamada de « sociedade da informação e do conhecimento », a qual apresenta características
próprias em função de estruturar-se sob um paradigma, cada vez mais tecnológico que, em si
mesmo, não pode ser dito que é bom ou que é mal, mas tamm não é neutro, uma vez que
modifica a vida e a mente das pessoas.
O capítulo III, Comunicação, conflito social e ciberativismo trata da natureza dos
conflitos sociais sob a perspectiva de que estes são processos básicos de convivência, na
medida em que constituem manifestações concretas dos antagonismos de grupos e classes,
por meio do qual se evidencia a experiência da construção de sujeitos sociais. Ainda neste
capítulo, o tema ciberativismo será abordado, apreciando-se as dimensões cidadãs dessa
emergente forma de ativismo.
A comunicação, entendida como um mecanismo de intervenção social, adquire
significado relevante no mundo atual. Se pensarmos na predominância das Novas Tecnologias
da Comunicação, dentro da perspectiva social dos movimentos sociais e da veiculação de
conteúdos disponíveis para os usuários da Rede, depara-se com uma situação bastante
desafiadora que exige verificar se a própria comunicação está imune aos embates do capital e
da iniciativa privada. Assim, é possível checar as formas pelas quais se pode realizar um
movimento de resistência, como podem ser os boicotes.
No quarto capítulo, Ciberativismo e práticas contra-hegemônicas, explica-se o
boicote como instrumento eficaz de contestação política, pois nem sempre as ações violentas
causaram transformações sociais. Dessa maneira, não como questionar a validade dessa
forma de ação na sociedade e, fechando este capítulo, apresenta-se o contexto no qual se
insere o movimento Boycott Bush reunindo-se os argumentos que justificam a existência
desse espaço contra-hegemônico.
Finalmente, em anexos, incluiram-se documentos provenientes do site desse
movimento e que se destinam à realização de campanhas que podem acontecer nos limites do
ciberespaço e também, além dele.
4
CAPÍTULO I
SOCIEDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Neste primeiro capítulo será apresentado um referencial teórico importante para
entender e decodificar a maneira como se organiza e se estrutura a sociedade, sempre tendo
em mente que o objetivo principal deste trabalho consiste em entender como se organizam e
se defendem, via boicotes, determinados segmentos sociais, num contexto recente. Assim,
entende-se pertinente mostrar, inicialmente, a contribuição de Gramsci pela relevância da sua
obra, da qual se procurou extrair algumas de suas iias basilares que, no início do século
XX, fundamentaram sua concepção potica relacionada ao funcionamento social. Num
segundo momento, sem desviar do objetivo proposto, ou seja, compreender o funcionamento
social, outras versões foram apresentadas, algumas não tão próximas de Gramsci, mas
fundamentais para compreender a sociedade contemporânea, denominada por alguns de
sociedade global.
Isso não significa que a contribuição de Gramsci apresente lacunas ou se restrinja a
uma determinada época. Acontece que se trata de dois momentos, com suas particularidades
que, mesmo sendo ambos dominados pelo capital, apresentam peculiaridades importantes e,
portanto, merecem ser observadas e avaliadas mediante o uso de recursos e ferramentas
apropriadas para entender melhor seu funcionamento.
1.1 A contribuição de Gramsci para o pensamento social
O conceito de sociedade civil resulta em um dos mais citados no campo da teoria
política contemporânea, mas nem sempre seu sentido é definido de maneira clara e precisa.
Na maioria das vezes, acaba preso ao contexto social e histórico no qual se enquadra aquele
que tenta defini-lo. Num mundo cada vez mais globalizado, onde as relações e interações
aumentam constantemente, é necessário deixar claro o sentido que se atribui à sociedade civil,
pois, teoricamente, estaríamos nos referindo a uma sociedade global ou mundial, visão ampla,
sujeita às mais diversas interpretões. Dessa forma, no âmbito da globalização, se ultrapassa
o conceito mais tradicional e aceito de sociedade civil, entendido, de maneira bastante ampla,
como os segmentos não estatais da sociedade. Assim, para deixar registrado o conceito que
será utilizado neste trabalho, será realizado um resgate histórico sucinto de como se construiu
e se entendeu a sociedade civil em tempos mais recentes, notadamente depois do Iluminismo,
momento considerado como o início da contemporaneidade.
5
Durante muito tempo, a iia de sociedade civil foi entendida como sinônimo de
Estado, referindo-se a uma comunidade potica arraigada aos princípios da cidadania. Nesse
sentido, pode-se afirmar que até o século XVIII, os pensadores poticos se preocupavam em
identificar as formas e maneiras pelas quais as pessoas se encaixavam numa sociedade regida
por um acordo tácito contrato e fugiam de um estado de natureza anárquico e sem normas
definidas. Por esse motivo, a sociedade civil era vista como um estágio avançado da
humanidade, justamente pelo fato de terem governo e civilidade.
Bobbio, (1987) referindo-se a essa contraposição entre estado de natureza” e
“sociedade organizada”, identifica três grandes eixos nos quais se inserem os pensadores
políticos mais conhecidos. O primeiro vê o Estado de maneira totalmente antagônica ao
estado da natureza, apontando Hobbes
1
e Rousseau
2
como os defensores desse ponto de vista.
O segundo estaria próximo de uma situação intermediária, na qual o Estado seria um
aperfeiçoamento do estado de natureza e não uma alternativa radical, tal como defendida
pelos autores anteriores citados. Locke
3
e Kant
4
se enquadrariam, segundo Bobbio, nesse
1
Thomas Hobbes (1588-1679) filósofo inglês em uma de suas obras mais conhecidas, o Leviatã (1651),
polemiza com a tradicional tese aristotélica, segundo a qual a sociedade é resultado de um instinto primordial.
Hobbes sustenta a tese de que no gênero humano, diferentemente do animal, o existe sociabilidade instintiva.
Para ele, entre os humanos não existe um amor natural, mas somente uma explosiva mistura de temor e
necessidade recíprocos que, se não fosse disciplinada pelo Estado, originaria uma incontrolável sucessão de
violências e excessos. Precisamente porque o contrato de fundação de toda sociedade humana tem caráter
artificial, faz-se necessário que o Estado seja absoluto, soberano e poderoso, capaz de suprimir qualquer
tentativa de fazer prevalecer o interesse pessoal. Somente reconhecendo todos como súditos de uma autoridade
externa (o Estado), os homens podem suprimir qualquer forma de antagonismo recíproco, que, segundo
Hobbes, predominaria se os súditos se transformassem em cidadãos, adquirindo o direito de julgar a coisa
pública (NICOLA, U. 2005 p. 236).
2
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra. Foi inconformista, inquieto, individualista, mas
também coletivista certamente iluminista e, sob certos aspectos, um romântico. É, talvez, o filósofo mais
diversamente interpretado da história. Alguns o vêm como o teórico da Revolução Francesa; outros o
entendem como autor de uma crítica global da sociedade moderna e quem o veja como o nostálgico
sonhador de uma perdida inocência primitiva da humanidade. Todos concordam, porém que sua mais
importante obra foi o Emílio ou Da Educação (1762), pois com ela teve início a pedagogia moderna. Todavia é
em O Contrato Social (1762) que ele expressa suas idéias sobre a sociedade, de onde se extraiu as seguintes: a)
A história da humanidade não é uma evolução, mas uma degeneração; b) Enquanto princípio, a liberdade é um
bem irrenunciável, a ser defendido inclusive com a força; c) A ordem social não é natural; d) A sociedade
nasce quando o estado de natureza (no qual os indivíduos vivem isoladamente em estado selvagem) não é mais
praticável; e) A vantagem da vida social é a agregação das forças individuais; f) O contrato que funda a
sociedade deve garantir, ao mesmo tempo, a liberdade individual e o respeito às normas comuns; g) Os
princípios do contrato social, mesmo quando não explicitados, fundam o direito e tornam-se evidentes quando
são violados; h) Toda sociedade se funda no princípio da reciprocidade: cada indivíduo renuncia à liberdade
somente se todos os outros fizerem o mesmo; i) As normas do contrato são impessoais, vinculadas a todos os
membros da sociedade; j) O contrato transforma a soma das vontades individuais em uma única vontade geral;
l) Pode-se pensar a sociedade como um organismo do qual os indivíduos constituem os membros; m) Todas as
instituições políticas experimentadas na história são tentativas de dar forma organizada a esse organismo (Op.
cit. p. 305 a 307).
3
John Locke (1632-1704) nasceu em Wrington. Seus ritos podem ser relacionados às rias áreas dos
conhecimentos: grego, retórica, ciências médicas, pedagogia, filosofia, potica etc. No terreno político é
considerado: o teórico da democracia”, o “pregador da tolerância”, o “profeta de uma nítida separação entre
Estado e Igreja”. Em sua obra Dois Tratados sobre o Governo (1690), polemiza com Hobbes e sustenta a idéia
de continuidade entre a condição natural-primitiva e aquela social-política do homem. Para ele, uma sociedade
não deve ser pensada como um evento artificial, em oposição a um instinto solitário e natural do indivíduo,
mas como o aperfeiçoamento de uma exigência fundamental de socialização presente mesmo nas civilizações
6
grupo. Finalmente, o terceiro eixo adotaria o princípio de entender o Estado como algo novo,
que não representaria uma negação da fase anterior. Hegel aparece citado como um
representante ilustre dessa concepção.
As diferenças na classificação de Bobbio merecem uma melhor especificação. Apesar
de Hobbes ser considerado o referencial de Locke e Rousseau, há diferenças importantes entre
eles, notadamente aquela que diz respeito ao papel da propriedade privada na evolução da
sociedade civil. Rousseau é radical em suas colocações ao afirmar que a instituição da
propriedade marca a efetiva institucionalização da sociedade civil. Locke mantém um
posicionamento mais ambíguo, em parte por constatar mudaas significativas no campo, o
que prenunciava um modelo mais relacionado com o capitalismo. Autores como Marx e
Adam Smith abordariam mais detalhadamente essa separação operada entre o sistema
produtivo e a sociedade civil.
No final do século XVIII e durante boa parte do século XIX a preocupação inicial dos
iluministas abriu espaço para outra dimensão destinada a responder como a sociedade foi
evoluindo nas suas formas, deixando de lado o sentido contratualista, base das afirmações
desses pensadores. Assim, o entendimento potico da sociedade voltava-se para as
interpretações mais voltadas para a economia. Nessa evolão, deixando claro que não se
pretende uma descrição linear, sobressai a contribuão de Hegel. Esse pensador destacaria
uma visão de sociedade civil na qual se materializaria a interação social dos indivíduos. Essa
interação adquiria uma tripla dimensão: a economia e todas suas implicações, a questão dos
direitos assegurados pelo sistema legal no qual se assenta a sociedade e, finalmente, o que
denomina de potica de cooperação entendida como a singularidade de cada época na qual a
sociedade se constituiu. Hegel destaca o papel das corporações e associações na preservação e
mais atrasadas. Sempre polemizando com Hobbes, formula os princípios da democracia liberal a qual
compreende a propriedade privada como um direito inegociável e a divisão do poder em legislativo e executivo
(Op. cit. p. 268 e 275-6).
4
Emanuel Kant (1724-1804) nasceu em Königsberg, hoje Kaliningrado e é considerado o mais importante
filósofo da era moderna e, talvez, de todos os tempos. Suas obras: Crítica da Razão Pura (1781) e Crítica da
Razão Prática (1788) são as mais conhecidas, talvez por representarem a grande “virada” epistemológica da
filosofia moderna: o criticismo. Suas idéias de caráter social e político estão expostas na Metafísica dos
Costumes (1787) e em Pela Paz Perpétua (1795). Na primeira sua preocupação é com a possibilidade de
eliminar as guerras e refletir sobre as condições necessárias para se realizar a paz perpétua e mundial. Para ele,
o problema da paz mundial não deve se tornar uma discussão puramente teórica, mas deve ser pensada como
um evento possível e se tornar uma idéia reguladora da conduta dos homens políticos. Na segunda, ele se
coloca as seguintes questões: qual a melhor forma de Estado? A agressividade humana torna a guerra
impossível de ser eliminada? A tese de Kant em torno destas questões é a seguinte: mesmo reconhecendo que o
antagonismo e a agressividade são elementos fundadores e, portanto, não elimináveis da psicologia humana,
ele afirma a própria confiança na utopia pacifista. Entende que não poderiam existir guerras civis em um
Estado de direito capaz de salvaguardar os prinpios da igualdade social, da liberdade individual, da
representação e da divisão de poderes e defende que a constituição republicana é o melhor instrumento para a
paz Ele defende que a construção de uma liga mundial dos Estados determinaria a instauração de um direito
constitucional eficaz e, portanto, o fim das guerras. (Op. cit. p.221 e 336-7).
7
manutenção de determinados privilégios quando se pensa na relação entre o indivíduo e o
Estado.
Tal papel deve ser entendido dentro da obra e dos conceitos apresentados por Hegel.
Na verdade, sua proposta tenta responder à forte alienação sofrida pelas pessoas na sociedade
moderna e almejava a ativa participação dos cidadãos, maneira efetiva de participar da
sociedade civil. Pelo menos duas contribuições podem ser extraídas da obra de Hegel. A
primeira diz respeito ao reconhecimento das associações independentes como forma de
mediação da sociedade civil entre o Estado e os indivíduos e a necessidade da consciência das
pessoas nesse tipo de sociedade regida pela interação da economia e da potica.
Uma reação à noção de sociedade civil oferecida por Hegel é dada por Marx. Para esse
pensador a sociedade civil não pode ser entendida fora dos parâmetros do sistema produtivo e
de seu caráter histórico como limiar da modernidade. Para ele, a sociedade civil se entende
pela luta de classes que a mesma realiza no âmbito do sistema produtivo. As relações de
poder dessa sociedade moderna se definem pelo antagonismo das classes envolvidas no modo
de produção: operários e burgueses. O protagonismo seria exercido pela burguesia, que desde
o final do absolutismo consolida sua concepção de modo produtivo e relações de poder. O
Estado refletia tal embate, motivo pelo qual é entendido como elemento repressor de qualquer
processo de mudança benéfico para os trabalhadores.
Em suma, pode-se observar, nessa breve trajetória, como ocorreram mudanças e
transformações no entendimento do que seja a sociedade civil. Tais mudanças devem-se ao
fato de que cada autor responder a questões peculiares à sua época, marcadas pelas
especificidades econômicas, poticas e sociais. Mesmo assim, para efeito deste trabalho, uma
nos interessa especificamente: a contribuição de Gramsci sobre a sociedade civil e outras
questões relacionadas com seu entendimento sobre o funcionamento da sociedade e a relação
desta com o Estado.
Gramsci se alinha ao pensamento marxista embora sua contribuição, tal como se
pretende mostrar a seguir, tenha algumas particularidades consideradas importantes para
entender o significado do tema desta dissertação. A maioria dos leitores desse marxista
italiano o considera como o teórico da superestrutura na qual inclui a filosofia, o direito, a
política, a educação, a religião etc., elementos esses que colaborariam na construção da
subjetividade humana, tanto quanto a estrutura econômica, no processo de transformação e de
implementação de uma sociedade diferente da capitalista. A interação dos elementos da
superestrutura e infra-estrutura considerados por Gramsci, no mesmo patamar de importância,
resultaria na formação de um bloco importante para constituir o imaginário da sociedade.
8
Seguindo essa linha de raciocínio Portelli (1977) defende que Gramsci, ao cunhar o
conceito de bloco histórico, considerou que este era constituído por superestruturas edificadas
sobre dois pilares basais: a sociedade potica agrupadora do aparelho de Estado e a
sociedade civil, que comporia a maior parte da superestrutura. Ainda, seguindo as
observações de Portelli, a concepção gramsciana de sociedade civil distingue dois grandes
níveis superestruturais: o primeiro pode ser denominado de sociedade civil, entendida como o
conjunto de organismos comumente denominados privados” e que exerce função
hegemônica sobre a totalidade da sociedade, constituindo-se em “grupo dominante”. Assim, a
sociedade é que provê o conteúdo ético do Estado, já que é dela que emana o fundamento
intelectual e moral que o alicerça. Num segundo nível, continua Portelli, Gramsci fornece
diversas definições de sociedade civil, todas coincidentes. Em termos gerais, sociedade civil
é, para o pensador italiano, o conjunto dos organismos, vulgarmente dito privados, que
correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade.
Neste segundo nível, a sociedade civil estaria em oposição à sociedade potica (ou ao
Estado). A matéria constituinte de sua base e de seu conteúdo ético seria, então, o elemento
definidor da direção intelectual e moral do sistema social e, por conseqüência, o fundamento
intelectual e moral do Estado, que este é constituído pela sociedade potica e pela
sociedade civil.
Ainda, segundo Portelli (1977, p.30-32), Gramsci não se debruçou de maneira a
aprofundar o estudo da sociedade potica, pois, na teoria marxista clássica, tal estudo se
orientava mais para a observação do aparelho de Estado do que para a direção ideológica e
cultural da sociedade
5
.
Todavia, nos seus escritos dos Cadernos do Cárcere, Gramsci (2006) e em
evincia algumas definições de sociedade potica tais como: a) Estado, com fuão de
dominação direta ou de comando ou de governo jurídico; b) Ditadura, como aparelho
coercitivo para conformar as massas populares ao tipo de produção e economia de um
determinado momento; c) Governo Potico, entendido como aparelho de coerção de Estado
que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que recusam seu acordo, seja de modo
5
A não de sociedade civil, originariamente é de Hegel (1770-1831), como mencionado; Marx a interpreta
como o conjunto das relações econômicas; esta é decisiva na sociedade civil. Gramsci interpreta como o
complexo da superestrutura ideológica. Em Marx, o conjunto das relações econômicas é a que determina a
sociedade civil. Marx e Engels em "A Ideologia Alemã" a definem como o centro, o verdadeiro palco da
História, abrangendo o conjunto da estrutura econômica e social. Gramsci concebe sociedade civil
diferentemente de Marx e Engels ao considerá-la como o complexo da superestrutura ideológica. A sociedade
civil é dada pela trama das relações que os homens estabelecem em instituições como os sindicatos, os
partidos, a Igreja, a escola e assim por diante.
9
passivo ou de modo ativo, mas que é constituído para o comando e direção do conjunto da
sociedade, como previsão aos momentos de crise, quando falha o consenso espontâneo.
Nesses modos de conceber a sociedade potica, Gramsci deixa transparecer que ela
tem por função o exercício da coerção, da manutenção da ordem estabelecida pela força, não
só através do aparato militar, mas igualmente por meio do aparato legal, conforme seu vínculo
mais ou menos estreito com a sociedade civil: ditadura pura e simples (quando é autônoma) e
hegemonia potica (quando dependente da sociedade civil), limitando-se ao nível técnico-
militar pelo simples uso da força, ou político-militar pela direção política da coerção.
Para qualificar a sociedade potica, Gramsci se utiliza quase sempre do termo Estado,
precisando bem que se trata da concepção clássica, para ele superada, uma vez que diz
respeito ao Estado-guardião da época liberal, período em que o exercia nenhuma função
econômica e ideológica direta, mas limitava-se à garantia da ordem pública e do respeito às
leis, através do poder coercitivo administrado por um pessoal intelectual bem delimitado: a
burocracia que, em certa medida, se tornava uma casta.
Entretanto, Gramsci (2006) destaca que, em certos casos, o aparelho coercitivo do
Estado pode não exercer o monopólio da força em nome da classe dirigente, especialmente
quando se julga impotente para sufocar uma crise orgânica. Nesse caso, essa classe pode
suscitar no seio da sociedade civil a criação de organizações para-militares que se integrarão
ao Estado. Assim, o estudo das relações recíprocas entre sociedade civil e sociedade potica
revela que ambas são estreitamente imbricadas no seio da superestrutura do bloco histórico.
Na caracterização da sociedade civil, Gramsci considera que, como a ideologia é a da
classe dirigente, ela abrange todos os ramos das atividades humanas: a arte, a ciência, a
economia, a potica, o direito, a educação etc. Como concepção de mundo, difundida em
todas as camadas sociais para vinculá-las à classe dirigente, a ideologia se adapta a todos os
grupos. Advém daí seus diferentes graus qualitativos: filosofia, religião, senso comum,
folclore. Desse modo, a direção ideológica da sociedade, articula-se em três níveis essenciais:
a ideologia propriamente dita, a estrutura ideológica” (isto é, as organizações que a criam e
difundem) e o “material” ideológico, isto é, os instrumentos técnicos de difusão da ideologia
tais como o sistema escolar, as bibliotecas, a mass media etc.
Geralmente, se aceita a idéia de que maioria das pessoas adquire conhecimentos pela
via da tradição, através de seus ascendentes e, ao longo de suas vivências, vão acrescentando
os resultados de suas experiências vividas na coletividade a que pertencem. Desse modo,
formam um “conjunto de iias” que lhes permite interpretar a realidade, bem como um corpo
de “valores” que orienta suas avaliações, julgamentos e ações. A essas idéias e valores
costuma-se dar o nome de “senso comum”. É o que pensa Gramsci quando escreve:
10
O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço: é o
“folclore” da filosofia e, como folclore, apresenta-se em inumeráveis formas; seu
traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção (inclusive nos
rebros individuais) desagregada, incoerente, inconseqüente, conforme a posição
social e cultural das multidões do qual ele é a filosofia. (GRAMSCI. 2006, v.1,
p.114).
O senso comum é a primeira forma de o homem pensar e, nisso, não há nenhum
demérito. Mas a vida social evolui pela superação desse primeiro estágio do conhecimento em
direção a uma abordagem mais crítica e coerente, características estas que não precisam ser,
necessariamente, as formas mais requintadas de conhecer como a ciência e a filosofia, o que
significa, mais imediatamente, que o senso comum precisa ser transformado em “bom senso”,
isto é: em elaboração coerente do saber e como explicitação consciente das intenções dos
indivíduos livres. De maneira bastante clara, tal idéia se manifesta na seguinte passagem:
No ensino da filosofia dedicado não a informar historicamente ao aluno sobre o
desenvolvimento da filosofia passada, mas a formá-lo culturalmente, para ajudá-lo
a elaborar criticamente o próprio pensamento e assim participar de uma
comunidade ideológica e cultural, é necessário partir do que o aluno conhece da
sua experncia filosófica (após lhe ter demonstrado que ele tem uma tal
experncia, que é um “filósofo”
6
sem o saber). E, que se pressupõe uma certa
média intelectual e cultural nos alunos, que provavelmente não tiveram ainda mais
do que informações soltas e fragmentárias, carecendo de qualquer preparação
metodológica e crítica, não é possível deixar de partir do “senso comum”, em
primeiro lugar, da religião em segundo, e, numa terceira etapa, dos sistemas
filosóficos elaborados pelos grupos intelectuais tradicionais (GRAMSCI, 2006, vol.
1, p.119).
Em sentido amplo, a palavra ideologia não significa mais do que um conjunto de
idéias, concepções e opiniões sobre algum assunto sujeito à discussão. Nesse sentido ela pode
ser uma doutrina ou uma teoria.
Enquanto doutrina” a ideologia é um corpo de idéias com determinado
posicionamento interpretativo sobre determinados fatos. Nesse sentido se fala em ideologia
liberal, ideologia marxista, ideologia comunista, ideologia democrática, ideologia cristã etc.
A “teoria” é a ideologia no sentido de organização sistemática de conhecimentos
destinados a orientar a ação efetiva. Assim, se pode, por exemplo, falar da ideologia de uma
escola que orienta a prática pedagógica; da ideologia religiosa que regras de conduta aos
fiéis; da ideologia de um partido potico que estabelece determinada concepção de poder e
fornece diretrizes de ação a seus filiados.
6
“De Benedetto Croce, filósofo italiano de grande influência nos meios oficiais, Gramsci retira a maior parte de
seus temas, reapropriando-os, reinterpretando-os, contestando-os. Gramsci começa observando e nisto é
direta a influência de Croce que „todos os homens são filósofos‟, que todos os homens são intelectuais.
Todavia, isto não quer dizer que todos assumam essa condição, porque o serão designados socialmente
como intelectuais aqueles que trabalham com meios expressivos „populares‟. Aqui encontramos o problema
central da obra gramsciana: a relação entre os intelectuais que cumprem essa função com reconhecimento
social e os que a sociedade não reconhece como intelectuais, pois seus meios de expressão cultural são
„baixos‟ ou „subalternos‟” (GONZALEZ, 1981, p.88).
11
Em sentido restrito, a palavra ideologia tem sido empregada de modos específicos,
segundo vários autores, mas é, sobretudo, com Karl Marx que a explicitação do conceito
enriqueceu o debate em torno do assunto e de sua aplicação. Para ele, diante da tentativa
humana de explicar a realidade e de dar regras à ação, é preciso considerar as formas de
conhecimento ilusório que levam ao mascaramento dos conflitos sociais. Assim, na
concepção marxista, a palavra ideologia adquire um sentido negativo, pois é sempre um
instrumento de dominação; tem influência marcante nos jogos do poder e na manutenção dos
privilégios que plasmam a maneira de pensar e de agir dos indivíduos na sociedade. Na
concepção marxista, a ideologia seria de tal forma insidiosa que até aqueles em nome dos
quais ela é exercida não percebem o seu caráter ilusório
7
.
Gramsci se aprofunda no significado da palavra ideologia e depois de analisá-la sob a
ótica de vários autores que a empregaram escreve:
A “ideologia” foi um aspecto do “sensualismo”, ou seja, do materialismo frans
do século XVIII. Sua significação original era a de “ciência das idéias, e, que a
análise era o único método reconhecido e aplicado pela ciência, significava “análise
das idéias”, isto é, investigação da origem das idéias”. As idéias deveriam ser
decompostas em seus elementos” originários, que não poderiam ser senão as
“sensações”: as idéias derivam das sensações. Mas o sensualismo podia associar-se
sem muita dificuldade com a fé religiosa, com as crenças mais extremadas na
“potência do Espírito” e nos seus “destinos imortais” (...). A maneira pela qual o
conceito de Ideologia como “ciência das idéias”, como “análise das idéias”, passou
a significar um determinado sistema de idéias”, deve ser examinado
historicamente, que logicamente o processo é fácil de ser captado e
compreendido. (...). O próprio significado que o termo “ideologia” assumiu na
filosofia da práxis contém implicitamente um juízo de desvalor, o que exclui que
para os seus fundadores a origem das idéias devesse ser buscada nas sensações e,
portanto, em última análise, na fisiologia: esta mesma “ideologia” deve ser
analisada historicamente, segundo a filosofia da práxis, como uma superestrutura
(GRAMSCI, 2006, p. 207-8) (grifo do autor).
Mais adiante, na mesma obra, Gramsci observa que há um elemento de erro quando se
considera o valor das ideologias e isto, segundo ele, se deve ao fato (não casual) de se
denominar como ideologia tanto à superestrutura necessária a uma estrutura, como às
elucubrações arbitrárias de determinados indivíduos”. Assim, o sentido pejorativo da palavra
tornou-se exclusivo, o que modificou e desnaturou a análise teórica do conceito de
ideologia” e adverte que:
O processo deste erro pode ser facilmente reconstituído: 1) identifica-se a ideologia
como sendo distinta da estrutura e afirma-se que não são as ideologias que
modificam a estrutura, mas sim vice-versa; 2) afirma-se que uma determinada
solução política é “ideológica”, isto é, insuficiente para modificar a estrutura,
enquanto crê poder modificá-la se afirma que é inútil, estúpida etc.; 3) passa-se a
afirmar que toda ideologia é “pura” aparência. É necessário, por conseguinte,
distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a
uma determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalistas, voluntaristas”.
Enquanto são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é
“psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o terreno no qual os
7
Essas idéias foram retiradas da seguinte obra: MARX, Karl. Para a crítica da Economia Política. [Tradução de
Edgard Malagodi]. São Paulo: Nova Abril Cultural, 1996 (Colão Os Pensadores).
12
homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc. Enquanto
são “arbitrárias”, não criam mais do que movimentos” individuais, polêmicas, etc.
(nem mesmo estas são completamente inúteis, que funcionam como erro que se
contrapõe à verdade e a afirma) (GRAMSCI, 2006, p.237-8).
As “ideologias orgânicas”, ou seja, aquelas vinculadas a uma classe fundamental são
essenciais. Em um primeiro momento a ideologia limita-se ao nível econômico dessa classe,
tendendo a se propagar na medida em que a hegemonia se desenvolve sobre todas as
atividades do grupo dirigente, a partir da criação de uma ou várias camadas de intelectuais
que se especializam em um aspecto da ideologia do grupo dominante como as ciências, a arte,
o direito etc. Tais aspectos, embora aparentemente independentes, constituem aspectos de um
mesmo todo que, como bem coloca Portelli (1977, P.23) é “a concepção de mundo da classe
fundamental”.
Portanto, Gramsci considera que, enquanto concepção de mundo, a ideologia tem a
função positiva de atuar como “cimento social”. Quando incorporada ao que chamou de
“senso comum”, ela ajuda a estabelecer o consenso, o que, em última análise, confere
hegemonia a uma determinada classe, que passará a ser dominante.
Contrário a uma concepção puramente mecanicista, Gramsci (1989) não considera que
os dominados permaneçam sempre submissos, pois intelectuais surgidos da própria classe
subalterna poderão trabalhar, a partir do senso comum, elementos de bom senso e de
sentimento de classe para levar a classe dominada a uma conscientização filofica, em que a
realidade concreta seja descoberta pela análise da gênese do processo e, daí, à formulação de
um discurso contra-ideológico.
Na concepção marxista cssica as características da ideologia podem ser assim
resumidas: a) conjunto de representações que procura ensinar aos homens a pensar, valorizar,
sentir e agir/fazer; b) tem por função assegurar determinada relação dos homens entre si e
com suas condições de existência, adaptando os indivíduos às tarefas prefixadas pela
sociedade e manter a dominação de uma classe sobre outra; c) camufla as diferenças de classe
e os conflitos sociais, ora com a descrição da “sociedade una e harmônica”, ora com a
justificação das diferenças existentes; d) procura assegurar a coesão dos homens e a aceitação
sem críticas das tarefas mais penosas e pouco recompensadoras, em nome da vontade de
Deus” ou do “dever moral” ou simplesmente como decorrente “da ordem natural das coisas”.
Além disso, o discurso ideológico, segundo a concepção marxista clássica, é abstrato, lacunar
e faz uma análise invertida da realidade separando o pensar e o agir.
Contrapondo-se a essa concepção marxista clássica, Gramsci diz que se pode dar à
ideologia,
(...) o significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as
manifestações de vida individuais e coletivas isto é, o problema de conservar a
13
unidade ideológica de todo o bloco social, que es cimentado e unificado
justamente por aquela determinada ideologia (GRAMSCI,1989. p.16).
Desse modo, Gramsci proe a possibilidade de um discurso contra-ideológico, com
vistas ao preenchimento das lacunas pela busca da gênese do processo. Para ele, a ação e o
pensamento humanos nem sempre se acham totalmente determinados pela ideologia no
sentido em que ela é concebida pelo marxismo clássico. Sempre espaços para a crítica,
fendas que possibilitam a elaboração de outro discurso e, insurgindo-se contra a força da
ideologia dominante, Gramsci se pronuncia dizendo que
(...) se torna necessário demonstrar sempre a futilidade do determinismo mecânico, o
qual, justificável enquanto filosofia innua da massa e tão somente enquanto
elemento intrínseco de força, quando é elevado à filosofia reflexiva e coerente por
parte dos intelectuais, torna-se causa de passividade, de imbecil auto-suficiência; e
isto sem esperar que o subalterno torne-se dirigente responsável. Uma parte da
massa, ainda que subalterna, é sempre dirigente e responsável, e a filosofia da parte
precede sempre a filosofia do todo, não como antecipação teórica, mas como
necessidade atual. (GRAMSCI, 1989, p. 24)
Todavia, o trabalho de desvelamento da realidade, não é simples. Cada indivíduo
nasce mergulhado numa ideologia presente na educação familiar e escolar, nos meios de
comunicação de massa enfim, em todos os terrenos da vida cotidiana impedindo a
flexibilização das formas de pensar e agir e determinando a repetição de fórmulas tidas como
prontas e acabadas. Entretanto, é exatamente nesses espaços, nessas fendas deixadas pela
ideologia veiculada que é possível o início de um processo de conscientização que pode vir a
se contrapor à ideologia vigente.
Isto não significa que é possível, de imediato, contrapor um discurso pleno ao discurso
lacunar da ideologia vigente, mas é possível a elaboração da “crítica”, do contra-discurso, que
revele a contradição interna do discurso ideológico e que o faça implodir. É esse o papel da
teoria, encarregada de desvendar os processos reais e históricos dos quais se origina a
dominação de uma classe sobre outra, enquanto a ideologia visa exatamente o contrário, ou
seja, a dissimulação dessa diferença ou a justificação dela. Além disso, a teoria estabelece
uma relação dialética com a prática, ou seja, uma relação de reciprocidade e simultaneidade, e
o hierárquica como no discurso ideológico. A essa relação indissolúvel entre teoria e
prática, Gramsci chamou de práxis, para explicar que não agir humano que não tenha sido
antecedido de um projeto, da mesma forma que a teoria não é algo que se produza
independentemente da prática, pois seu fundamento é a própria prática. Ora, os homens
conhecem as coisas na medida em que as produzem e, por isso, toda teoria se torna lacunar
e, portanto, ideológica sem o trânsito entre o fato e o pensado.
Assim, pode-se dizer que o saber que resulta da prática (ou do trabalho) é um saber
instituinte” e, nesse sentido, é vivo, móvel, com toda a força decorrente do processo de se
fazer. Ao contrário, o saber ideológico é “saber instituído”, esclerosado, morto. Daí a
14
importância da filosofia da práxis, como crítica da ideologia, para romper as estruturas
petrificadas que justificam as formas de dominação. Nesse sentido, Gramsci afirma: “Uma
filosofia da práxis pode apresentar-se, inicialmente, em uma atitude polêmica e crítica
como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou
mundo cultural existente)” (GRAMSCI.1989, p.18). E mais adiante acrescenta:
A posição da filosofia da práxis é antitética (...): a filosofia da práxis não busca
manter os “simplórios” na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao
contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência
do contato entre intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica
e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar
um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso
intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais.
(GRAMSCI,1989, p.20).
Essas colocações remetem a uma das questões mais particulares do pensamento de
Gramsci e que diz respeito à separação, ou não, entre a teoria e a prática, uma vez que coloca
os homens como centro do avanço da história. Entretanto, como se nota no trecho
anteriormente mencionado, os homens desempenham um papel importante na evolução e na
transformação social de qualidade. Contudo, adquirir essa qualidade é algo destinado aos
intelectuais que não devem se afastar das bases, daqueles que não chegariam a decifrar as
relações mais complexas da sociedade. Por essa razão, das contribuições de Gramsci pode-se
extrair que a teoria precisa ser difundida até a sua compreensão total. Tal processo não
significa uma simplificação da teoria, mas uma elevação cultural e intelectual do povo,
fortalecendo sua formação e consolidando suas convicções, o que resulta num aumento da
capacidade crítica e prática da sociedade na qual se encontra inserido. Deste modo, o
indivíduo deixará de ser objeto para tornar-se sujeito ativo, construtor da história.
Na tentativa de viabilizar essa aparente dicotomia entre teoria e práxis, Gramsci situa
dentro da sociedade civil, a luta pela hegemonia, entendida como um embate entre o grupo
que detém o controle da sociedade e aqueles que almejam sua chegada ao poder. Contrariando
o pensamento marxista clássico, notadamente as contribuições de Lênin que via no
proletariado e na luta revolucionária o meio para se chegar ao poder, o pensador marxista
italiano sugere que, para que uma classe possa se tornar dirigente deve lutar dentro de suas
concepções ideológicas, entendida como uma visão de mundo, na sua organização e na sua
superioridade moral e intelectual. Sem o reconhecimento dessa superioridade pelas demais
classes, dificilmente a classe que almeja o poder atingirá seus objetivos (a conquista do
poder), pois não formará o denominado bloco histórico, ou seja, um sistema articulado e
orgânico de alianças sociais ligadas por ideologias e culturas comuns.
Ora, se os grupos no poder criam problemas para a sociedade e para os menos
favorecidos, a hegemonia implica em oferecer soluções para tais problemas. Justamente essa
15
alternativa é a responsável principal e desencadeadora da crise dos grupos dominantes, bem
como pela capacidade e reconhecimento dos grupos alternativos. Entretanto, não conm
esquecer que o mesmo procedimento será utilizado pelo grupo que se encontra no poder.
Estabelece-se, dessa forma, uma guerra de informações e contra-informações sempre
procurando legitimar pontos de vista, visões e interesses de classes. Gramsci lembra que a
função hegemônica de um grupo é adquirida pelo consenso, conseguido pelo controle da
sociedade civil.
Seria utopia pensar que uma classe hegemônica detenha todo o controle sobre os
demais componentes e grupos sociais. Quem está no poder, lembra Gramsci, tem uma
colaboração daqueles que acreditam nas suas concepções, mas têm que dominar o resto que
discorda deles. Por isso, seria oportuno crer na impossibilidade do domínio ou submissão total
de um grupo na sociedade. Um grupo que almeja à direção da sociedade deve ser dirigente
antes mesmo da conquista do poder, além de manter uma coesão sem a qual sua ação ficaria
dificultada e mal compreendida.
Desde o momento em que busca o poder, esse grupo tem que agir dentro das
superestruturas da sociedade civil, mostrando nela todas suas convicções e crenças. Sem essa
ação, dificilmente se conseguia tão necessária unidade nas manifestações do grupo que
procura o poder. Esse seria o sentido dado por Gramsci à afirmação anterior de que se deve
dirigir a sociedade antes mesmo de parecer hegemônico, pois dessa maneira, o grupo em
questão já apresentaria soluções para os problemas sociais. Esse seria o campo de atuação dos
intelectuais.
Efetivamente, o intelectual, na visão de Gramsci, deve ser orgânico o que equivale a
afirmar que a existência desse membro da sociedade liga-se totalmente às bases nas quais
nasce, cresce e vive. Estabelece-se, dessa forma, um vínculo de fidelidade entre ele e o grupo
que representa. Por meio desse vinculo e presença constante o intelectual divulga sua
ideologia e suas creas tornando-a hegemônica e clara para os demais membros da
comunidade. Seria uma espécie de base na qual e pela qual passariam os mais variados temas
do cotidiano da sociedade, ou como ele mesmo deixa entrever um elo de ligação entre a
estrutura e superestrutura ideológica. Sem essa junção a produção intelectual seria inútil e não
passaria de meras considerações sem que cheguem a ter sentido dentro do grupo no qual se
encontra inserido.
Apesar da prioridade dada a Gramsci neste trabalho, não se pode deixar de apresentar
outras concepções, também relevantes, seja por realizar uma releitura do marxista italiano,
seja por contribuir na tentativa de decifrar algumas vies e concepções de tempos mais
recentes, posteriores ao universo vivenciado por ele.
16
1.2 Alternativas para a compreensão da sociedade global
Norberto Bobbio (1909-2004), contemporâneo de Gramsci, também vivenciou o
movimento fascista fundado por Benito Mussolini, em 1922, o qual tinha, assim como o
nazismo, a crença na superioridade de uma "raça" sobre as demais, além de uma forma de
governo autoritária que suprimia as liberdades individuais e praticava a violência contra
àqueles que se opunham a sua visão de mundo. Tanto um como outro foram presos por suas
idéias e sofreram a repressão. Todavia, Bobbio teve a oportunidade de ver a queda de
Mussolini e conhecer outras formas de governo ao longo de sua trajeria o que não aconteceu
com Gramsci que viveu apenas 46 anos, muitos dos quais vividos no cárcere. Por essa razão,
sua curta existência acabou sendo marcada pela presença forte de um modelo autoritário como
era o fascismo italiano.
Na opinião de Celso Lafer, Gramsci foi homem de ação, de grande intelincia,
capacidade de mobilização e de discurso que desafiava Mussolini; Bobbio foi homem de
contemplação e que fez uso público da razão para desatar nós, pensando e olhando para os
diversos lados de um problema, o que o caracterizou como um filósofo analítico,
especialmente na área da filosofia do direito e das ciências sociais.
8
Bobbio, considerado um dos mais respeitados leitores da obra de Gramsci e de Marx,
bem como de outros grandes pensadores da política, procurou atribuir um significado à
palavra ideologia, levando em consideração as contribuições de outras áreas como a filosofia,
a sociologia e a potica (tanto prática como científica). Nessa sua empreitada apontou duas
tendências gerais na gama de significados atribuídos ao conceito de ideologia, conceitos esses
concentrados no que denominou de: “significado fraco” e “significado forte”.
Mario Stopino explica essas designações de Bobbio da seguinte maneira:
No seu significado fraco, Ideologia designa o genus ou a species diversamente
definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores
respeitantes à ordem pública e tendo por função orientar os comportamentos
políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de
Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e
se diferencia claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro,
diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores a noção da
falsidade: a Ideologia é uma crença falsa. No significado fraco, Ideologia é um
conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante de crenças
políticas. No significado forte, Ideologia é um conceito negativo que denota
precisamente o caráter mistificante da falsa consciência de uma crença potica
(STOPINO, 1998, p.585).
Segundo Stopino (1998), contemporaneamente, o significado fraco da palavra
ideologia, tanto na acepção geral quanto na particular, é predominante na sociologia potica e
8
LAFER, C. “Prefácio”. In BOBBIO, N. O tempo da memória: De senectude e outros escritos autobiográficos.
[Tradução de Daniela Versani]. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
17
nas ciências em geral. Encontra-se tanto nas tentativas teóricas tradicionais como nas
inovadoras, bem como na interpretação dos vários sistemas poticos e na análise comparada
dos mesmos. É possível localizá-la, também, nas investigações empíricas que têm por objeto
averiguar os sistemas de crenças poticas que se apresentam nos estratos politizados ou na
massa dos cidadãos.
Para o mesmo autor, nas épocas mais recentes, aquilo que é considerado “ideológico
é contraposto, implícita ou explicitamente, ao que é pragmático”, de tal modo que a acepção
da palavra ideologia ficou reduzida “a uma crença, a uma ação ou a um estilo potico” que se
fundamenta ou em uma doutrina, ou em um dogma ou em um forte componente passional, os
quais são diversamente definidos e organizados por vários autores (especialmente sociólogos)
que costumam ligar o significado fraco de ideologia a questões de ordem teleológica ou ao
tema do declínio das ideologias nas sociedades industriais do Ocidente. Esse modo de pensar
originou, a partir dos anos 50 e 60 do século XX, um complexo e longo debate que, sob certos
aspectos, ainda o terminou.
Quanto ao significado forte da ideologia, Stopino (1998, p.586) assinala que sofreu
“singular evolução”, tomando duas direções. A primeira seria com o pensamento de Vilfredo
Pareto (1848-1923) cuja crítica é “minuciosa e incansável a respeito da falsidade e dos tipos
particulares de falsidade das teorias sociais e poticas” e também quanto à gênese da
ideologia como elemento de domínio social que “passa para segunda ordem e deixa lugar para
os instintos fundamentais da natureza humana”. Nesse mesmo sentido, Bobbio afirma que
aquilo que para Marx é (...) produto de uma determinada forma de sociedade, para Pareto
torna-se um produto da consciência individual” (STOPINO, 1998, p. 586). Desse modo, como
diz Stopino, é Pareto quem
(...) abre o caminho para a interpretação neopositivista, segundo a qual a Ideologia
designa as deformações que os sentimentos e as orientações práticas de uma pessoa
operam nas suas crenças, travestindo os juízos de valor sob a forma simbólica das
asserções de fato. Deste modo é mantido o requisito da falsidade da Ideologia,
mesmo se interpretado de modo muito particular; mas perdeu-se completamente a
sua gênese social” (Idem, ibidem).
A segunda direção diz respeito à crítica feita por Karl Mannheim (1893-1947) que,
segundo Stopino, desprezou a gênese marxista da Ideologia (as relações de dominação) e
deslocou a atenção para o fenômeno, muito generalizado, da determinação social do
pensamento de todos os grupos sociais enquanto tais, ou seja, colocou no mesmo plano todas
as crenças e visões de mundo das diversas sociedades, classes, igrejas, seitas etc. atribuindo-
lhes igualmente o estatuto de “verdadeiras” e abandonando o conceito de ideologia no seu
significado originário.
18
Ainda, segundo Stopino, a ciência potica contemporânea, bem como as ciências
sociais, em geral, tendem a r de lado os significados originais de ideologia relegando-os ao
domínio da crítica ou da sociologia do conhecimento e considerando-os, explícita ou
implicitamente, como de pouca utilidade para o estudo dos fenômenos sociais e/ou políticos.
Assim sendo, pode-se concluir que os conceitos de ideologia forjados por Marx (falsa
consciência) e Gramsci (concepção de mundo que atua como cimento social) foram tentativas
importantes para se explicar como e por que as relações sociais se davam de tal modo nos
contextos históricos e nos espaços geográficos vividos por eles. Entretanto, tais conceitos
foram perdendo a força teórica no mundo do século XX que viveu duas guerras mundiais, a
revolução russa, o comunismo, o fascismo, o nazismo, Auschwitz, Hiroshima, o fim da guerra
fria e a desagregação da URSS, o terrorismo internacional, entre outros episódios, para os
quais se tornou necessário buscar outras explicações e propor novas maneiras de pensar.
Com as Novas Tecnologias da Informão e da Comunicação, o mundo se tornou uma
aldeia global” e, graças a elas, pode-se saber que todos os povos a despeito de suas
especificidades, creas, usos e costumes depois dos eventos dramáticos vividos no século
XX estão, seguramente, em busca de paz, liberdade, democracia e garantia de direitos
individuais e de cidadania. Nesse contexto, é de fundamental importância estabelecer alguns
parâmetros para determinar o que se entende, mais contemporaneamente, por sociedade civil,
agora denominada sociedade civil global. Nesse sentido, John Keane, professor de potica da
Universidade de Westminster e do Wissenschaftszentrum Berlin, pesquisador das origens da
idéia de sociedade civil e das suas transformações a define como:
(...) um espaço social vasto, interconectado, composto por múltiplas camadas que
compreendem muitas centenas de instituições auto-direcionadas ou não-
governamentais e modos de vida. Pode ser comparada utilizando-se, por um
momento, um modelo ecológico a uma dinâmica biosfera. Essa complexa biosfera
se conforma e se comporta de forma poliárquica, plena de tensões horizontais,
conflitos verticais e acordos, principalmente porque compreende uma
desconcertante variedade de habitats e espécies que interagem entre si:
organizações, iniciativas cívicas e empresariais, coalizões, movimentos sociais,
comunidades lingüísticas e identidades culturais. (KEANE, 2003b, p.23).
9
Ainda de acordo com Keane, a noção contemporânea de sociedade civil global é
radicalmente distinta de qualquer visão precedente de sociedade civil, conformando uma nova
cosmovisão que se origina a partir da intersecção de sete correntes temáticas, que se
sobrepõem, originadas no pensamento de diversos intelectuais no final dos anos 1980: 1) o
9
Traduzido de Global civil society is a vast, interconnected, and multi-layered social space that comprises
many hundreds of thousands of self-directing or nongovernmental institutions and ways of life. It can be
likenedto draw for a moment upon ecological similesto a dynamic biosphere. This complex biosphere
looks and feels expansive and polyarchic, full of horizontal push and pull, vertical conflict, and compromise,
precisely because it comprises a bewildering variety of interacting habitats and species: organisations, civic
and business initiatives, coalitions, social movements, linguistic communities, and cultural identities‖.
(KEANE, 2003b, p. 23) [Tradução livre da autora].
19
renascimento da velha linguagem da sociedade civil principalmente a partir do leste
europeu; 2) uma grande apreciação das conseqüências da revolução tecnológica para os meios
de comunicação; 3) a crescente consciência fomentada pelos movimentos ambientalistas e
pela paz de que todos os seres humanos são co-participes do mesmo mundo; 4) a
consciência de que o fim do bloco soviético implica a necessidade de uma nova ordem
política global; 5) a difusão global da economia capitalista de mercado e do neoliberalismo; 6)
a desilusão com as promessas o cumpridas pelos Estados pós-coloniais; 7) a crescente
preocupação com a miséria e os perigos produzidos pelo colapso de impérios e Estados e o
início de guerras civis (KEANE, 2003b, p.23-4).
Portanto, para Keane, a sociedade civil global constitui um projeto inacabado que
compreende grupamentos de instituições sócio-econômicas e indivíduos que se organizam
através das fronteiras, com o objetivo deliberado de redesenhar o mundo com outros
contornos. Tais instituições e atores não-governamentais se empenham em pluralizar o poder
e a problematizar a violência, com a intenção de que, mediante suas ações, seus efeitos
pacíficos ou “civis” sejam sentidos em todas as partes, em âmbito planetário (KEANE, 2003b,
p.8).
Por seu caráter não-governamental, a sociedade civil global aglutina indivíduos,
organizações com e sem fins lucrativos, movimentos sociais, comunidades lingüísticas e
culturais abarcando, nesse sentido, clubes e instituições filantrópicas, intelectuais
proeminentes, think-tanks, grupos de lobby, grandes e pequenas corporações, a dia
independente, grupos organizados via Internet e web sites, federações de empregadores,
sindicatos, comissões internacionais, cúpulas paralelas e organizações esportivas que, em
conjunto, instituições e indivíduos, constituem um espaço o-governamental vasto e
interconectado de milhares de formas de vida mais ou menos auto-direcionadas. Tal
diversidade possui, ao menos, um aspecto em comum: a despeito das barreiras temporais e
das imensas distâncias geográficas, se organizam de forma deliberada, conduzindo suas
atividades sociais e poticas através das fronteiras das estruturas governamentais.
Entretanto, Keane considera que a sociedade civil global constitui mais do que um
mero fenômeno não-governamental. Antes, trata-se de uma forma de sociedade um conjunto
dinâmico de processos sociais interligados. Visto dessa forma, na sociedade civil global,
atores individuais ou coletivos se encontram inter-relacionados e funcionalmente
interdependentes. Na medida em que se trata de uma “sociedade de sociedades”, ela é mais
ampla do que qualquer ator individual ou organização ou até mesmo, do que a soma
combinada de todas as suas partes constituintes, partes estas que, paradoxalmente, muitas das
vezes, o se conhecem presencialmente.
20
Em suma, a sociedade civil global é um conjunto complexo de formas diferenciadas e
sobrepostas de ação social cuja civilidade é o aspecto mais ressaltado pelo cientista potico
australiano. Neste sentido, e ainda que longe de ser um paraíso na terra, a sociedade civil
global se caracterizaria por ser um “(...) espaço multi-dimensional da o-violência” devido
ao fato de muitos de seus participantes “compartilharem uma perspectiva pacificamente
cosmopolita do mundo” no qual os atores que a constituem, admiram e envidam esforços,
cada um, a sua maneira, para a manutenção da paz (KEANE, 2003b, p.12 e 145).
Conseqüentemente, cultivam os princípios da não-violência para os quais a educação seria,
assim, potencialmente uma das grandes defensoras e catalisadoras da sociedade civil global e
de seu ethos.
Dentre as normas do comportamento da sociedade civil global, observadas por Keane,
destacam-se as seguintes: flexibilidade, abertura, disposão para respeitar os outros, auto-
organização, curiosidade, experimentação, não-violência, implementação das redes pacíficas
através das fronteiras e, principalmente, um forte sentimento de responsabilidade pela
biosfera.
Considerando-se as forças e processos que operam a partir da sociedade civil, não
uma linha clara de separação entre o nacional e o global: ambas as dimensões se cruzam e se
redefinem constantemente. Desse modo, no que tange ao entendimento das dinâmicas da
sociedade civil global não uma fronteira identificável entre o interior e o exterior, mas,
antes, padrões de interdependência e co-dependência entre partes distintas sejam locais,
nacionais ou globais. Portanto, a consciência da sociedade civil global é relevante na medida
em que qualifica indivíduos, grupos e organizações a empregar suas forças para além das
fronteiras convencionais provendo estruturas e regras não-governamentais e, assim,
possibilitando que indivíduos e grupos se engajem nas mais distintas situações
transfronteiras para oferecer oportunidades para a denúncia e para a redução da violência,
resgatando a cultura do cosmopolitismo de sua conotação negativa.
Mesmo reconhecendo a existência de “bolsões de incivilidade”, Keane (2003b, p.12)
enfatiza o aspecto civilizado da sociedade civil global. Mas, por um lado, o autor o se
empenha em fazer um minucioso exame das raízes que originam tais redutos e, por outro, seu
raciocínio deixa claro que um dos aspectos mais promissores da sociedade civil global seria o
conjunto de suas tradições ligadas às poticas civilizadoras. Em suas palavras: (...) à
capacidade de seus atores de criar redes de campanhas publicamente organizadas contra os
arquilagos de „incivilidade‟ existentes dentro e além de suas fronteiras” (KEANE, 2003b,
p.153).
21
Contudo, identifica-se aqui um problema: como a sociedade civil global pode ser uma
promotora da paz, a partir do momento em que uma de suas grandes forças motrizes o
turbocapitalismo, para usar um termo do próprio Keane se reproduz e se desenvolve
gerando uma série de desigualdades e conseqüências deletérias tanto para a biosfera quanto
para a própria humanidade? Não seriam, por exemplo, os grupos e corporações empresariais
parte de tal “sociedade civil global civilizadora” responsáveis pela produção e
comercialização de armas?
No esforço de atualizar o conceito de sociedade civil, e especialmente de sociedade
civil global, percebe-se que, a partir dos eventos que tiveram Seattle como palco, em 1999,
durante a terceira conferência ministerial da Organização Mundial do Corcio (OMC)
provavelmente a primeira manifestação de contestação política global largamente difundida
em tempo real pela mídia e talvez, a primeira oportunidade de se observar, in loco e de
qualquer parte do Planeta aquilo que Marshall Macluhan chamou de “aldeia global” tantos
teóricos liberais assumidamente cosmopolitas (KALDOR, 2003) quanto comunistas céticos
(FROST, 2001), têm se apropriado do termo enquanto, principalmente, uma categoria
normativa ou ética que deve ser promovida e cultivada pelo mundo afora. A partir dessa
formulação, a sociedade civil global tem sido apresentada como o conjunto de atores,
instituições e práticas que provavelmente reproduzirão as rendições aos valores liberais da
democracia, da liberdade, da participação e da cidadania em escala global. Até esse ponto, tais
proposições sugerem que a sociedade civil global deveria ser um programa normativo a ser
fomentado para que se torne realidade.
Entretanto, entende-se também que o conceito pode ser compreendido de uma forma
alternativa que considere a sociedade civil global como uma realidade histórica em vez de um
projeto potico; como uma categoria crítica destituída de qualquer atributo liberal-
democrático, mas mais exata e especificamente retratada como o locus das lutas sócio-
políticas da modernidade, as quais contêm muitos projetos ideológicos, freqüentemente
incompatíveis. Isso não exclui a possibilidade de inclusão de significados éticos ou
normativos ao conceito de sociedade civil global, mas implica na ênfase da necessidade de
embasar ambos os atributos histórica e sociologicamente, através da identificação de suas
estruturas concretas e dos processos que dão suporte às normas éticas e aos valores associados
à sociedade civil.
Primeiramente, a globalização da sociedade civil é um processo que tem se
desdobrado de forma desigual, é fato pelos últimos três séculos, principalmente como
resultado de um impacto histórico mundial que remonta ao período mercantilista e colonial.
22
Em um segundo momento, todavia, percebe-se que essa irregularidade na reprodução global
da sociedade civil gerou complexas e variadas expressões de sociedade civil global.
Como conseqüência desse fenômeno, supõe-se que as muitas expressões da sociedade
civil global contemporânea podem ser vistas como reações negativas às inúmeras tentativas
neoliberais para promover uma sociedade civil global como um projeto a ser realizado”,
cujas bases são fundamentadas não a partir de demandas que brotem de forma legítima dos
anseios dos cidadãos, expressos pelas propostas articuladas por inúmeros coletivos integrantes
da sociedade civil, mas como continuidade de um projeto ideológico articulado mais no
sentido de socializar perdas para a grande maioria dos indivíduos de um lado, enquanto, de
outro, se protege os interesses do capital, em primeira instância.
Pelo exposto anteriormente não resta dúvida com relação à existência, como uma
espécie de pano de fundo, de interesses econômicos em jogo toda vez que se pensa na
sociedade civil, seja nas reflexões de Gramsci ou dos demais autores apresentados no
transcorrer das páginas anteriores. Embora Gramsci seja um dos tricos importantes para
identificar esses grupos, não se pode ignorar que hoje, as sociedades nacionais ou locais m
seus limites de ação ultrapassados, se inserindo em um contexto dominado pelo capital,
capital esse, também globalizado. Por esses motivos, ao tentar identificar e conceituar as
dimensões desse bloco dominante é importante resgatar a trajetória pela qual o capital acabou
se afirmando num mundo cada vez mais globalizado. Essa será a grande questão que se
pretende abordar no capítulo seguinte.
23
CAPÍTULO II
CAPITALISMO E INFORMACIONALISMO
―A moeda é nossa, mas o problema é de vocês‖.
John Connally
Secretário do Tesouro norte-americano
O viés descrito no capítulo anterior constitui um dos elementos no qual a sociedade
civil deve ser inserida para compreender como se manifestam suas contradições internas.
Entretanto, convém apontar outros componentes importantes na hora de identificar os
mecanismos presentes na sociedade contemporânea, preocupação principal de nosso trabalho.
Nessa tentativa de aproximação para decodificação, duas partes importantes comem o
presente capítulo. Num primeiro momento, será discutida a maneira pela qual se passou do
padrão-ouro para o modelo neoliberal. A intenção desse estudo reside em compreender como
um país passou a fazer valer seus pontos de vista, os quais lhe deram a liderança ecomica e
política no cenário global. Num segundo momento, dentro deste segundo capítulo, se
abordada uma das manifestações mais palpáveis do capitalismo contemporâneo, o
denominado informacionalismo e as manifestações sociais portadoras de pontos de vista
contrários aos valores imbuídos nessa configuração do capitalismo recente.
2.1 Do padrão-ouro ao neoliberalismo
A partir das três últimas décadas do século XX, uma nova revolução, fundamentada
nas Tecnologias da Informação e da Comunicação, vem modificando de forma acelerada a
sociedade s-industrial. Esse período, que surge após a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), pode ser caracterizado pela automação, pela substituição do trabalho intelectual por
aquele realizado pelos computadores e pela intensa comunicação entre os povos, em função
da sistemática difusão das Tecnologias da Informação e da Comunicação. Essas mudaas
redundaram em significativas transformações do paradigma econômico reestruturando o
capitalismo, na medida em que a maioria das economias do planeta passa a interdepender
umas das outras, em escala global. Constata-se também, nesse período, a descentralização e
interconexão das empresas, o aumento do capital frente ao trabalho, com o decnio do
sindicalismo e crescente desemprego, a incorporação massiva da mulher no mundo do
trabalho, além da queda do Estado soviético, alterando a geopolítica internacional, em
conseqüência do fim da Guerra Fria, bem como a intervenção dos Estados para desregular os
mercados de forma seletiva, desmantelando o sistema de bem-estar social, e a difusão da
lógica das redes em todas as formas de organização.
Em 1978, Poulantzas afirmava que:
24
O específico do Estado capitalista é que este absorve o tempo e os espaços sociais,
estabelece suas matrizes e monopoliza sua organização, convertendo-a, por sua
ação, em redes de domínio e poder. Por isso, a nação moderna é produto do Estado.
(POULANTZAS. Apud FERNANDES-CARRIÓN p.109).
10
Manuel Castells, por sua vez, assinala que "(...) o controle estatal sobre o espaço e o
tempo se superado cada vez mais pelos fluxos globais de capital, bens, serviços,
tecnologia, comunicação e poder" (2000, p. 271).
Entretanto, a esse propósito, concorda-se com as colocações de Fernández-Carrión,
quando diz que é de fundamental importância enfatizar que tal relação de dependência
supranacional se em função da atuação hegemônica dos EUA, fato ignorado tanto por
Poulantzas, quanto por Castells.
Para consolidar-se como a única potência mundial, os Estados Unidos conformaram
um novo modelo institucional, de valores culturais e estrutura social peculiar, que tende a
uniformizar os países desenvolvidos e os em desenvolvimento e, em conseência, sua
cultura, sua política e sua economia, ou seja, todo o conjunto da sociedade. Esse fenômeno
tem sido chamado de globalização, e seu sentido foi assim definido por Noam Chomsky:
Seu interesse é o capital (antes de tudo, o capital financeiro); as pessoas são
secundárias. O sentido técnico da globalização é o de uma forma concreta de
integração internacional imposta durante os últimos vinte e cinco anos, mais ou
menos, pelas grandes potências, principalmente pelos Estados Unidos e suas
instituições, o Banco Mundial e o FMI. (CHOMSKY, 2002, p.122).
11
Não se pretende realizar aqui um inventário das tragédias desencadeadas pela ação
direta ou indireta dos EUA a partir da Segunda Guerra Mundial, fruto da sua supremacia
hegemônica. Entretanto, não se podem esquecer alguns fatos relacionados com essa questão:
o bombardeio atômico dos EUA em Hiroshima e Nagazaki, que ocasionou a morte de
centenas de milhares de seres humanos pelo uso das bombas atômicas; os resultados da sua
presença no Vietnam e no Camboja, na América Central e América do Sul, que não trouxe,
para esses países, outros resultados senão a morte, a destruição e a completa desestabilização
econômica e social; centenas de milhares de civis iranianos acabaram mortas pelo Iraque com
armas e dinheiro ofertados a Saddhan Hussein pelos mesmos estadunidenses que, mais tarde,
se tornaram seus inimigos. É necessário lembrar, ainda, dos inúmeros afegãos que também
perderam suas vidas nas mãos do Talibã, equipadas com armas e dinheiro dos EUA; das
muitas timas resultantes da invasão do Panamá e dos bombardeios em Kosovo; do mais de
10
A observação em referência consta do texto do autor mencionado, intitulado "Aproximación a las relaciones
de poder en la red", publicado em:
http://www.cibersociedad.net/congres2004/grups/fitxacom_publica2.php?grup=66&id= 271&idioma=gl
11
Traduzido de: "Su interés es el capital (ante todo, el capital financiero); las personas son secundarias. El
sentido técnico de la globalización es el de una forma concreta de integración internacional impuesta durante
los últimos veinticinco años, más o menos, por las grandes potencias, principalmente por Estados Unidos, y
sus instituciones, el Banco Mundial y el FMI" (CHOMSKY, 2002, p.122). [Tradução livre da autora].
25
um milhão de iraquianos mortos
12
, em função do bloqueio que os EUA impuseram ao seu país
e dos bombardeios ali realizados.
Fora os milhões de timas contabilizados até aqui, em função de conflitos militares,
aponta-se também a injusta concentração de riquezas gerada pelo capitalismo e fomentada
pelas ditaduras econômicas impostas pela nação mais rica do planeta. Tais fatores são
responsáveis pela criação de uma massa de 800 milhões de famintos no planeta, conforme a
Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO/ONU)
13
, matando
anualmente mais pessoas do que Hitler o fez em toda a história do nazismo.
Os Estados Unidos da América também são os responsáveis pelo maior dos crimes
contra o meio-ambiente, a natureza e toda a humanidade, recusando-se a assinar o Tratado de
Kioto, e outras convenções internacionais para cessar a poluição ambiental. Assim, o mundo
observa perplexo que a habilidade dos EUA em conquistas imperiais, como a que se faz no
Iraque, depende da sua óbvia supremacia militar e do jogo de interesses ecomicos
defendidos por suas mega-corporações. A hipocrisia usada para justificar esses atos se
evidencia no fato de que as alegações sempre se apóiam em motivos de natureza ética e
social, como o desrespeito aos direitos humanos ou a ausência de um regime democrático.
Verifica-se, entretanto, que as razões pelas quais a potica externa norte-americana se
mobiliza prestam-se, em primeira instância, a cumprir sua agenda expansionista visando o
controle geoestratégico de reservas de bens naturais que não lhe pertencem.
A supremacia militar norte-americana, como observam Hensman e Coreggia, em
artigo publicado pelo The Economic and Political Weekly ndia)
14
, está baseada no uso do
dólar como moeda global de "aceitação geral" (currency). É a hegemonia do dólar que serve
de base para o domínio ecomico dos EUA em geral, para seu aparente ilimitado uso do
poder, que os permite manter centenas de milhares de soldados estacionadas em todo o
mundo.
Em um estudo intitulado U.S. Competitiveness in the Global Financial Services
Industry
15
, Lawrence G. Franko observa que poucas pessoas, nos EUA, percebem que a
12
Segundo pesquisa conduzida pela Bloomberg School of Public Health da Johns Hopkins University,
Baltimore, Maryland, EUA, junto à School of Medicine Al Mustansiriya University, Baghdad, Iraq, em parceria
com o Center for International Studies Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cambridge,
Massachusetts, cujos dados estão dispoveis em http://web.mit.edu/cis/pdf/Human_Cost_of_War.pdf , da
invasão do país em março de 2003, até julho de 2006, 654.965 pessoas haviam morrido em conseqüência direta
da guerra. Outra pesquisa mais recente, conduzida pela Opinion Research Business (ORP) sugere que cerca de
1.106.591 iraquianos haviam morrido em decorrência da invasão militar do país, até agosto de 2007. Os
números revelados por essa pesquisa estão disponíveis em:
http://www.opinion.co.uk/Newsroom_details.aspx?NewsId=78
13
Conforme dados obtidos em documento publicado pelo FAO, intitulado "Undernourishment Around the
world", disponível em: ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/008/a0200e/a0200e01.pdf
14
Artigo intitulado "US Dollar Hegemony - The Soft Underbelly of Empire" publicado em:
http://www.epw.org.in/showArticles.php?r oot=2005&leaf=03&filename=8404&filetype= html
15
http://www.financialforum.umb.edu/documents/Franko%20Fin%20Svcs%20Global%20Comp. pdf
26
marca norte-americana mais reconhecida internacionalmente, por décadas, não é nem a Coca-
Cola nem o MacDonald's, mas o lar americano. A maioria dos investimentos financeiros,
lícitos ou ilícitos, legais ou ilegais, observa Franko, são financiados em lares. O autor
afirma ainda que 90% das transações monetárias internacionais envolvem a moeda americana,
de acordo com o Bank for International Settlements, (apud HUGHES e GUHA, 2004).
Assim, continua Franko, se alguém quer comprar petróleo, ou armamentos, ou desfrutar de
um padrão de vida decente em Cuba, ou comprar passagens aéreas para destinos
internacionais, é preciso que, de alguma maneira, obtenha lares. E, aqueles que vendem
commodities, minerais ou produtos provenientes da atividade agrícola, ou armamentos ou até
mesmo drogas, cotam tudo emlar e exigem que o pagamento seja feito na referida moeda.
Muitos desses pagamentos, afirma Franko, são feitos em notas de 100 dólares, o que o
autor considera uma das mais conhecidas dias norte-americanas, junto com os cartões da
American Express, os travellers checks e os cartões VISA. Assim, para o mencionado autor, o
rosto do americano mais famoso do mundo deve ser o de Benjamin Franklin, embora no
Japão e na China, Benjamin Franklin concorra, em popularidade, com o rosto do “Coronel
Sanders, menino propaganda da Kentucky Fried Chicken, a renomada cadeia de fast food
norte-americana e concorrente do McDonald’s.
Ainda de acordo com Franko, antes dos anos 50 e da criação do euro, havia uma tida
preferência global por dólares e por instituições financeiras norte-americanas. Os dólares
conseguidos para financiamentos de negócios eram obtidos junto a instituições financeiras
norte-americanas, e a receita resultante desses novos negócios, acabava sendo depositada nos
EUA. Os negócios internacionais e os fluxos financeiros fixados em lares eram de donio
exclusivo dos bancos norte-americanos, e desde o início do século XX, uma extensa rede
bancária se estabeleceu na América Latina, constituindo-se no que hoje é o Citibank na
Argentina e que, no Brasil, deu origem ao Banco de Boston.
O mecanismo e a trajetória do dólar para tornar-se a moeda dominante tem sido
descrito extensivamente por muitos autores
16
. Aqui, pretende-se sumarizá-lo abreviadamente.
Para entender as engrenagens econômicas que garantem a hegemonia norte-americana, é
importante retomar as origens do padrão-ouro, quando moedas cunhadas nesse metal eram
usadas como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor, adquirindo status de
instituição legal em 1819, com a aprovação do parlamento inglês.
Para compreender como se deu o advento de adoção do padrão-ouro, Barry
Eichengreen (2000, p.33-39) relata que os estatutos monetários de diversos países, no século
16
William Clark em particular, relata um caso impressionante, com grandes evidências, em seu ensaio virtual:
―Revisited: The Real Reasons for the Upcoming War With Iraq: A Macroeconomic and Geostrategic Analysis
of the Unspoken Truth‖, que é uma versão revisada do seu ensaio original de janeiro de 2003, disponível em:
http://www.ratical.org/ratville/CAH/RRir aqWar.html
27
XIX, aceitavam a cunhagem e a circulação simultâneas de moedas tanto de ouro quanto de
prata, praticando padrões bimetálicos. Nesse período, o Império Austro-Húngaro, a
Escandinávia, a Rússia e o Extremo Oriente cunhavam apenas moedas de prata, embora
aceitassem o padrão bimetálico. a Grã-Bretanha havia adotado plenamente o padrão-ouro.
Na prática, tal padrão adota o seguinte procedimento: primeiramente, a unidade monetária não
era ouro em espécie, mas definida em termos de ouro. Supondo-se que essa unidade
correspondesse a um grama de ouro, o banco emissor deve possuir certa quantidade de ouro
em seus caixas, chamada reserva de ouro, e o Estado estabelece que qualquer um pode ofertar
notas ao banco para retirar ouro ou dar ouro para retirar notas. Isto é, as notas são
conversíveis.
A conversibilidade entre ouro e notas é realizada ao par, ou seja, seguindo a paridade
em ouro: um grama de ouro se troca no banco por notas que tenham o valor de uma unidade
monetária. Caso uma emissão de notas maior que a quantidade correspondente em ouro (o
lastro em ouro) seja feita, a conseqüência é um aumento geral do nível de preços. Uma
situação típica é aquela em que o Estado deve enfrentar despesas extraordinárias. Um
exemplo de tal circunstância é o caso da hiperinflação alemã durante a Primeira Grande
Guerra. Sob essas condições, para cobrir as despesas não é suficiente nem o aumento de
impostos nem a contratação de dívidas; o único recurso do qual o Estado pode lançar mão é a
emissão de notas que são postas à sua disposição pelo banco emissor. Dessa forma, também o
preço-ouro das mercadorias aumentará e, quando um determinado valor superar uma unidade
monetária por grama atingindo, por exemplo, duas unidades monetárias por grama, todos os
possuidores de notas tenderão a ir ao banco para trocar as notas por ouro. Assim procedendo,
comprarão ouro por uma unidade monetária e o venderão por duas. Desse modo, a quantidade
de notas em circulação diminuirá o nível geral de preços e, conseqüentemente, também
diminuirá dando, automaticamente, uma solução à excessiva emissão de notas.
Ao contrário, se a emissão de notas for escassa, dará lugar a uma diminuão dos
preços e o preço do ouro-mercadoria diminuirá. Quando esse preço tenha descido à meia
unidade monetária, por exemplo, todos os possuidores de ouro tenderão a ir ao banco trocar o
ouro por notas, pois assim, vendendo o ouro por um, poderão comprá-lo por metade do valor
inicial no mercado livre. Entretanto, desse modo, o banco deverá emitir notas para comprar o
ouro que é ofertado. A circulação de notas aumentará, o nível de preços subirá, e será dada,
automaticamente, solução à emissão insuficiente das mesmas.
A necessidade da Grã-Bretanha em controlar o sistema monetário internacional, ou,
dito de outra forma, a necessidade do capital implantar um sistema monetário internacional
que fosse controlado pela potência econômica durante a Revolução Industrial inseriu diversas
28
nações do globo na ordem monetária denominada padrão-ouro”. Fazer parte de tal ordem
custou, para muitas nações como, o Brasil, por exemplo a dilapidação de seu patrimônio
natural e o estreitamento de laços de dependência com a Europa, especialmente até o fim do
ciclo do ouro, por volta de 1790. A Grã-Bretanha, principal defensora do livre mercado, à
custa da espoliação dos demais continentes, vinculou a libra ao ouro com o intuito de
encampar os mercados de diversos países, vislumbrando, por meio de tal mecanismo, um
grande “balanço de pagamentos mundial” de soma zero. Ou seja, por esse sistema, as
diferenças entre as trocas de valores realizadas seriam compensadas por transferências em
ouro.
Em artigo intitulado “A era de ouro‟: o padrão-ouro, de 1879 a 1914 um exemplo de
ideologia na ciência econômica”, Luiz Eduardo Simões de Souza explica o seguinte:
O estabelecimento da libra como numerário internacional vincula-se à Revolução
Industrial, na qual a Grã-Bretanha deteve a primazia, pondo-se rapidamente a
produzir em escala mundial, adquirindo matérias-primas e vendendo manufaturas.
Nesse contexto, o controle do comércio internacional pela Grã-Bretanha que lhe
permitisse comprar barato e vender caro veio da dominação política e econômica
exercida sobre suas zonas de influência, fossem elas potências decaídas da Europa,
ex-colônias americanas de base produtiva agroexportadora, ou mesmo colônias
ofertantes de produtos primários. As condições que asseguraram à G-Bretanha o
controle desse sistema foram: a supremacia marítima, a posse de um número
considerável de colônias esparsas pelo planeta e o livre acesso aos mercados da
América, Ásia e África. A supremacia da marinha britânica permitiu o
monitoramento de praticamente todas as transações comerciais legais que
envolvessem transporte marítimo. À evidente vantagem de direcionamento da
natureza dessas transações, somou-se a garantia de fatias generosas dos fretes
internacionais. A posse de colônias permitia o abastecimento de matérias-primas,
fornecia um mercado para as manufaturas, de acordo com as potencialidades de
consumo da colônia. A abertura de mercados extra-europeus às manufaturas
britânicas, sobretudo na América, deu volume ao balanço de pagamentos britânico.
Mas, historicamente, a implantação do padrão-ouro na Grã-Bretanha esteve também
vinculada à oferta mundial de ouro.
17
A intermediação das casas bancárias britânicas em tais transações foi decisiva para
essa forma de ajuste internacional, reforçando ainda mais a supremacia da libra esterlina no
mercado mundial, durante o século XIX, bem como para a difusão da ideologia hegemônica
que se embute em tais preceitos econômicos.
A primeira Revolução Industrial e a decorrente acumulação de capital foram
asseguradas pelo desenvolvimento das finanças brinicas que desde muito sabia explorar
seu crédito nos centros bancários e no mercado de títulos. Como conseqüência da vasta
exportação de capital, durante esse período, constata-se a redução no déficit da balança
comercial de ativos, promovida pelas rendas dos investimentos ultramarinos e significativos
ganhos provenientes do transporte marítimo, dos seguros das cargas, das taxas bancárias e das
17
Artigo disponível em: http://www.fea.usp.br/publicacoes/controversa/0019-5.html
29
tarifas aduaneiras. Tais condições refletiram-se no equibrio das transações, assegurando a
estabilidade do balanço de pagamentos britânico e a estabilidade da libra.
Assim, o volume e dinâmica da grande maioria das atividades macroeconômicas
mundiais passaram gradativamente ao campo decisório britânico, circunstâncias que
determinaram a natureza do desenvolvimento econômico de quase todo o resto do mundo.
Ferrovias seriam construídas, safras seriam financiadas com capital proveniente das
instituições britânicas e até para a implantação de indústrias complementares à agro-
exportação nas ex-colônias visando à realização de ganhos futuros do capital financeiro da
Grã-Bretanha.
Entre os anos de 1870-80, uma proporção crescente do comércio mundial passou a
recorrer ao mercado de letras de câmbio britânico e Londres tornou-se a câmara de
compensações do mercado internacional. Entretanto, entre 1870-86, a produção de ouro nos
EUA sofreu drásticos reveses com o esgotamento das minas da Califórnia. A rigor, o que
sustentou o padrão-ouro nesse período foi a facilidade com que uma determinada ordem
econômica foi imposta pelo Reino Unido às potências capitalistas emergentes, e não as
condições de oferta da espécie, já que as vantagens do padrão institdo eram muito preciosas
para serem abandonadas pela escassez do nobre minério. De toda forma, a insuficiência de
ouro teve seus efeitos, constituindo-se em um dos principais fatores na depressão dos Estados
Unidos de 1888-85 e na estagnação posterior de 1891-97. Em ambos os casos, houve uma
saída de ouro dos Estados Unidos, principalmente para a Inglaterra.
Pode-se fazer uma analogia dessa situação dos Estados Unidos com a da Grã-Bretanha
após a Segunda Guerra Mundial: ambas as nações mantinham taxas de câmbio fora da
realidade desses períodos. Entre os anos de 1879 e 1914, a conversibilidade da libra em ouro
embasou o primeiro sistema monetário internacional, de forma bastante estável. Assim, em
1890, os EUA institucionalizam a relação dólar-ouro, com o objetivo de limitar o crescimento
monetário e assegurar a estabilidade dos preços mundiais. Posteriormente, Alemanha, Japão e
outros países também adotaram o mesmo padrão como referência para suas trocas
econômicas.
O padrão-ouro foi suspenso durante a I Guerra Mundial, pois os países financiaram
seus gastos militares emitindo moeda, e assim, arremessaram várias nações em direção a um
gigantesco processo inflacionário. Durante o período hiper-inflacionário na Alemanha, por
exemplo, um jornal que em janeiro de 1921 custava 30 centavos de marco, passou a custar
70.000.000,00 marcos em novembro de 1922. Em função da hiper-inflação, o padrão-ouro
volta a ser utilizado nos EUA em 1919 e, em 1922, Inglaterra, França, Itália, e Japão firmam
um acordo para o retorno ao padrão, que só vai ser abandonado durante a Grande Depressão.
30
As esse período, o padrão ouro volta ao cenário econômico apenas em 1944, com os
Acordos de Bretton Woods, em New Hampshire, EUA. A solidez da economia dos EUA
depois a Segunda Guerra Mundial favoreceu o lar americano, tendo o ouro como lastro,
tornando-se a moeda de câmbio nas operações comerciais em todo o mundo e, em decorrência
dos acordos de Bretton Woods, fica determinado que cada país seja obrigado a adotar uma
política monetária que mantivesse a taxa de mbio de suas moedas dentro de um
determinado valor em termos de ouro cerca de um por cento. Durante esse encontro, foram
assinados também os artigos do acordo da criação do Fundo Monetário Internacional (FMI)
que estabeleceu taxas de mbio fixas para o ouro em relação ao dólar norte-americano cujo
valor era de U$35 por onça.
18
Os eventuais desajustes da taxa de câmbio deveriam ser
corrigidos, pelos países, por meio de intervenções no mercado a partir do uso de reservas
cambiais, recursos esses provenientes de empréstimos concedidos pelo FMI, pois, de país
para país, alguns desajustes eram permanentes. Nesses casos, o país seria considerado em
desequilíbrio fundamental, e o sistema aprovaria a variação da taxa de câmbio.
Entretanto, os EUA abandonaram o padrão ouro para a cotação de sua moeda, pois no
período de 1971-1973, o valor dolar estava excessivamente alto. Os bens norte-americanos
eram caros com relação ao resto do mundo. Tais condições recessivas da economia aliadas
aos déficits do Estado, fomentaram dúvidas acerca da capacidade de os Estados Unidos
manterem a convertibilidade do dólar em ouro.
Assim, conforme Spiro
19
(1999, p.9-12), o lar permaneceu imbatível, e sua posição
foi impulsionada em 1974 quando os EUA firmaram um acordo com a Arábia Saudita, no
qual o lar seria a única moeda no comércio do petróleo. A maioria dos países importa
petróleo e, obviamente, isso explica a hegemonia da moeda americana. Os países do Terceiro
Mundom ainda mais razões para poupar dólares, no sentido de proteger, suas frágeis
economias e moedas, de um repentino colapso e desvalorização.
Diante de tal quadro, em que todos clamam por dólares, tudo o que os EUA têm que
fazer, é imprimir papel-moeda que são aceitos pelos outros países, em pagamento por suas
exportões. Estes dólares voltam aos EUA para serem investidos em nus do Tesouro e
outros instrumentos, contrabalançando a saída de dólares.
18
A onça é uma unidade de peso que equivale a 28,35 gramas.
19
SPIRO, David E., The Hidden Hand of American Hegemony: Petrodollar Recycling and International
Markets, Cornell University Press, 1999. (P. 9-12). Obra disponível em formato de e-book em:
http://books.google.com.br/books?id=I3vWgRS_itIC&dq=david+e+spiro+the+hidden+hand+of+american+he
gemony+petrodollar+recycling+and+international+markets+cornell+university+press+1999&pg=PP1&ots=i6
SnPIXXuj&sig=GOTrtV2hnAHGrD1YYVw5Zklk-Ao&hl=pt-
BR&prev=http://www.google.com.br/search?hl=pt-
BR&q=David+E.+Spiro,+The+Hidden+Hand+of+American+Hegemony:+Petrodollar+Recycling+and+Intern
ational+Markets,+Cornell+University+Press,+1999&btnG=Pesquisa+Google&sa=X&oi=print&ct=title&cad=
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31
Pierre Lecomte, um analista de finanças francês e apoiador da campanha "Dette et
dollar" (Para rejeitar o dólar como moeda) diz: "Enquanto o resto do mundo tem que
trabalhar duro para poupar dólares que são gastos em compra de mercadoria no mercado
exterior, ou pagar a dívida externa, os EUA somente têm que imprimir cédulas"
20
.
Ou ainda, como Frédéric Clairmont escreveu no Le Monde Diplomatique (abril 2003):
"Viver do crédito, é o credo da mais conhecida potência do mundo".
A principal vantagem da economia dos EUA, a fonte do seu donio financeiro e de
sua hegemonia reside no papel peculiar da sua moeda. Sendo o dólar a moeda mundial de
necios, fica clara a razão pela qual os EUA são capazes de manter o seu duplo déficit: fiscal
e comercial. Sua superioridade militar torna-se a razão pela qual, provavelmente, pelo menos
a médio e curto prazo, o venham a sofrer nenhum tipo de embargo. Contudo, uma pergunta
fica no ar: por quanto tempo mais poderão viver por meios próprios, em função da hegemonia
de sua moeda?
David Ludden
21
(2004) resume assim a constituição da liderança e da hegemonia
norte-americana:
Após 1945, o imperialismo adquiriu um novo formato sob a liderança norte-
americana. Primeiro, a Guerra Fria permitiu que os EUA expandissem seu poderio
militar, econômico e político pelo mundo, forjando uma cruzada contra o
comunismo, compromissado com a modernização liberal. Em 1989, a Guerra Fria
termina e então, a globalização econômica, a segurança global e a guerra contra o
terrorismo vieram justificar mais ainda essa expansão norte-americana. Desde 1945,
o poder norte americano vem se expandindo de forma constante e dramática,
cobrindo o mundo das nações, mas não assume formalmente o discurso do
imperialismo. Ao contrário, o país a si próprio como líder mundial. Os norte-
americanos lideram o progresso global, enfrentam inimigos e obstáculos em todos os
lugares. Com esses pretextos, usam seu poder para influenciar instituições
internacionais, como a ONU, mas golpeando a si próprios, quando inevitável. Os
EUA se recusam a permitir que leis internacionais operem dentro de suas fronteiras,
a menos que estejam em conformidade com suas próprias leis. Dessa forma, os EUA
projetam seu poder sobre o mundo, mas o mundo não pode responder. Tal
desequilíbrio é próprio de parâmetros imperialistas, mas os norte-americanos
encaram tal situação como uma caractestica natural do "único super-poder
mundial”
22
.
20
Pierre Lecomte. Comment sortir du piège américain?, ed. F.X. de Guibert, Paris 2003.
21
Em artigo intitulado America’s Invisible Empire disponível em:
http://ricardo.ecn.wfu.edu/~cottrell/ope/archive/0411/0023.html
22
Traduzido de: "After 1945, imperialism acquired a new format under American leadership. First, the cold war
allowed the US to expand military, economic, and political power around the world, posing as a crusader
against communism, committed to liberal modernisation. In 1989, the cold war ended; then economic
globalisation, global security, and a war on terrorism came to justify more US expansion. Since 1945, US
power has expanded steadily and dramatically; it now covers the world of nations, but does not deploy the
formal discourse of imperialism. Rather, the US sees itself as the world's leader. Americans lead global
progress, facing enemies and obstacles everywhere. In this guise, America uses its power inside international
institutions, like the UN, but strikes on its own when necessary. America refuses to allow international laws to
operate inside US borders unless they conform to US law. Thus, US power projects itself onto the world, but
the world cannot respond; this imbalance is typical of the imperial settings, but Americans think of it instead
as a natural state for the 'world's only superpower". (Apud Hensman & Correggia, op.cit).
32
Ludden prossegue com suas afirmações e sustenta que "o império não dará marcha à
ré até que sua realidade e custos se tornem visíveis para os americanos".
Entretanto, a história recente demonstra que, no que depender das prescrições e da
censura governamental, a dia daquele país se valerá de inúmeras estratégias para que os
cidadãos norte-americanos sejam mantidos como personagens de um colossal Show de
Truman fomentado por uma bolha de ilusões criada por um estado decepcionante. É
justamente a cumplicidade da mídia, aliada a outros fatores, a responsável pela criação da
alienação dos cidadãos com relação à realidade desse império.
Embora seja importante destacar as considerações anteriores como verdadeiras,
salienta-se que o autor deixa uma questão pouco clara, notadamente quando afirma que "(...)
os votantes e os que pagam os impostos pagam o custo total do império dos EUA". Ora, se tal
colocação fosse procedente, os cidadãos americanos já teriam percebido a impossibilidade de
arcar com os custos de um império tão onipotente e se oporiam a ele. Na verdade, é o resto do
mundo que arca, prioritariamente, com esses custos e, por isso, é justamente dentro dos EUA
o lugar onde o império acaba que isto é menos percebido. Sabe-se que uma economia é
imperialista quando traz benefícios do exterior, sem nenhuma reciprocidade, como no caso da
atuação do Reino Unido com relação à imposição da ordem econômica que estabeleceu o
padrão-ouro a partir de 1819. Atualmente, entretanto, os EUA dependem mais do resto do
mundo que ao contrário, justamente para manter sua hegemonia econômica e militar.
Por isso, sua avidez por colocar as mãos nos recursos naturais do planeta determina as
estratégias que asseguram tal hegemonia. Para contrabalançar sua dependência econômica,
devem manter-se ao menos simbolicamente no centro das atenções. Necessitam
demonstrar sua "onipotência": é por isso que fazem a guerra contra inimigos militarmente
fracos. Ao mesmo tempo, precisam aparecer como benfeitores, assim como no episódio dos
países afetados pelo tsunami, em 26 de dezembro de 2004, quando a ajuda "humanitária"
oferecida pelos norte-americanos foi muito bem capitalizada, rendendo-lhes proveitosos
dividendos e contribuindo para que, naquele momento, "ficassem bem na foto". A hegemonia
do dólar oculta os custos do Império, o qual vem efetivamente sendo financiado pelos
cidadãos americanos para que estes possam comprar o resto do mundo. Outros países são
induzidos a aceitar títulos cambiais, por não terem alternativa. O lar norte-americano torna-
se a única moeda reconhecida em todo o mundo.
Segundo Hensman e Correggia
23
, em 2002 o Iconverteu mais da metade de suas
reservas cambiais no estrangeiro, para euros. Tanto o Irã quanto o Iraque são produtores de
petróleo e o impacto de tal atitude pode ser significante. Acrescente-se a este quadro o fato
23
Op. cit. em nota nº 12, p.25
33
que Hugo Chaves contra quem os EUA apoiaram um levante, e que segue sob ataque do
regime de Bush tem mantido uma grande parte do mercado de petróleo fora do alcance do
dólar estadunidense, mesmo sendo este país o maior comprador do petróleo venezuelano. As
compulsões ecomicas que dirigem a potica exterior dos EUA tornam-se então, ainda mais
claras. Sob esse espectro, fica óbvio que o poder militar sozinho, não pode ser visto como
base de sustentação de um império: o poder econômico é crucial. E, para a decadente
economia dos EUA, a supremacia do dólar é essencial para manter seu feudo econômico.
Entretanto, não se pode ignorar que a manutenção desse poder e supremacia carregam
uma base teórica na qual se assentam posicionamentos destinados a tornar aceitáveis posturas
duvidosas. Gramsci, ao se referir ao bloco hegemônico, como se pode observar no capítulo
anterior, já alertava para esse tema denominando-o de superestrutura, no qual é necessário
decodificar as bases mentais legitimadoras dasões exercidas pelo grupo predominante.
Nesse sentido, boa parte da literatura consultada aponta para o neoliberalismo como o suporte
desse momento mais recente no qual se forjam e constroem novas maneira de pensar e de ver
o mundo.
Na primeira metade do século XX o termo “neoliberalismo significou a doutrina
proposta por economistas franceses, alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos
princípios do liberalismo cssico (corrente do pensamento político que defende a
maximização das liberdades individuais mediante o exercício dos direitos e da lei) às
exincias de um Estado regulador e assistencialista. A partir da década de 1970, entretanto,
passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta liberdade de mercado e sua
desregulamentação, restringindo a intervenção estatal sobre a economia, sendo que esta
deve ocorrer em setores imprescindíveis e, ainda assim, em grau nimo.
Valorizando a competição em todos os âmbitos da vida ecomica, a doutrina
neoliberal prega a total liberdade para que todos produzam e comercializem seus produtos
num mercado em constante expansão. O neoliberalismo proe uma inversão dentro da
sociedade: se antes, ao Estado cabiam as responsabilidades com as demandas sociais, agora, a
própria sociedade deve decidir sobre as questões relacionadas com a saúde e a educação, por
exemplo. Apenas para ilustrar, vale à pena ressaltar uma situação simples. Antes da
implementação do neoliberalismo a seguridade social permanecia sob a custódia do Estado,
responsável final pelas garantias dos indivíduos na hora da sua aposentadoria. na
concepção neoliberal, cabe a cada um decidir se quer e quanto quer contribuir para sua futura
seguridade social. Assim, segundo a doutrina liberal, a opção de decidir poupar, ou não, para
sua aposentadoria futura cabe ao próprio indivíduo.
34
Nessa visão, os críticos do neoliberalismo, mais uma vez, mostram o excessivo
reducionismo da realidade social embutido nessa visão de mundo e de sociedade. Senão
vejamos: antes do jovem poder se decidir a contribuir para sua previdência privada, certas
premissas precisariam estar asseguradas. É preciso que esse jovem tenha a seu alcance,
permanentemente, um emprego (com um salário que lhe permita não apenas sobreviver, como
também poupar), o que é uma hipótese bem distante da realidade na maioria dos países
emergentes. Ainda deve-se salientar que sob a regência do neoliberalismo nunca o
desemprego mundial cresceu tanto. Diante desse quadro, como esse jovem pode pensar numa
contribuição real, efetiva e de longo prazo se não sente a certeza de ter um emprego?
A doutrina neoliberal prega, ainda, o estímulo da economia por meio da criação de
empresas privadas, apoiando também a redução da tributação sobre a renda, além da redução
genérica da carga fiscal. Os neoliberais supõem que a competição econômica, em escala
global (onde todos os países teriam idêntica liberdade de comércio) seriam elementos
reguladores e promotores de eficiência global. Tais premissas o questionadas pelos
opositores do neoliberalismo, que as consideram por demais simplistas, alegando que tais
princípios podem ser válidos apenas quando numa transação: duas partes (e somente duas)
estão envolvidas e cada uma delas pode decidir o que é melhor para si. O mesmo princípio
o se sustenta quando, em virtude de uma transação realizada entre duas partes, um terceiro,
que não participou da transação, é prejudicado (ou beneficiado), fenômeno que, em
Economia, é denominado “externalidade”.
O pensamento neoliberal defende a instituição de um sistema de governo em que o
indivíduo tenha mais importância que o Estado, sob o argumento de que quanto menor a
participação deste na economia, maior é o poder dos indivíduos e assim, a sociedade poderia
se desenvolver e progredir mais rapidamente, para o bem dos cidadãos.
Entretanto, no contexto neoliberal imposto pela hegemonia norte-americana, constata-
se a profissionalização da potica vinculada aos partidos poticos, submissa ao lobby de
poderosos grupos financeiros e dos monopólios e oligolios nacionais e/ou internacionais.
Assim, a sociedade civil perde importância, da mesma forma que o Estado "deixou de ser um
lugar para converter-se em um digo, um digo simlico ou cultural" (CASTELLS: 2002,
p. 53)
24
. Verifica-se então, que atualmente, os instrumentos que a sociedade civil dispõe
(sindicatos, partidos, instituições do movimento operário etc.) não são mais suficientes para
assegurar direitos, em função de uma pretensa obsolescência histórica, imposta justamente
pela ideologia neoliberal. Diante de tal quadro, Castells afirma que o Estado tem agora, uma
função especial de poder e que se
24
Traduzido de: "... ha dejado de ser un lugar para convertirse en un código, un código simbólico o cultural"
(CASTELLS, 2002, p.53).
35
[...] o poder está em nossas mentes, atuamos obedecendo aquilo que pensamos, e,
daquilo que pensamos, depende nossa relação com um mundo de símbolos e
comunicação (...) [e] (...) a única maneira de opor resistência à abstração do poder
seria a reconstrução alheia à lógica inscrita nas redes do poder (Idem, p.53-4).
25
Como observa Canclini,
Se a burocratização técnica das decisões e a uniformidade internacional imposta
pelos neoliberais na economia reduzem o que está sujeito a debate na orientação das
sociedades, pareceria que estas são planejadas desde instâncias globais inalcançáveis
e que a única coisa acessível são os bens e as mensagens que chegam à nossa própria
casa e que usamos “como achamos melhor” (1999, p.37).
Assim sendo, segundo Canclini, verifica-se que a identidade do cidadão comum é
ditada mais pelo consumo privado de bens, insuflado pelos meios de comunicação, do que por
dados relacionados às suas origens territoriais, o corpo de leis de sua comunidade, os direitos
promovidos por estas ou por seus representantes. Nesse contexto, a fonte básica de
significado social passa a ser a busca de identidade, quer seja ela coletiva ou individual,
atribuída ou constrda.
Para Castells,
(...) a identidade está se tornando a principal e, às vezes, única fonte de significado
em um período caracterizado pela ampla desestruturação das organizações,
deslegitimização das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos
sociais e expressões culturais efêmeras (CASTELLS, 2000, p.41).
Tais condições contribuem para reestruturar nossas sociedades cada vez mais em uma
oposição bipolar entre aquilo que Castells denominou "a Rede e o Ser". Nessa bipolarização,
Castells detecta sintomas de "esquizofrenia estrutural" entre a função e o significado. Assim,
os padrões de comunicação social são submetidos à tensão crescente, redundando, quando
o rompimento da comunicação, na alienação entre grupos sociais e indivíduos. Nessas
circunstâncias, já não nem mesmo comunicação conflituosa (lutas sociais ou oposição
política), mas apenas estranhamento, que pode desembocar em ameaça.
O aspecto drástico das transformações sociais desse período perpassa simultaneamente
as organizações e as atividades criminosas, em todo o mundo, tornando-se ambas as
atividades, globais e informacionais.
Segundo Castells, "(...) tal aspecto propicia o encorajamento de hiperatividade mental
e desejo proibido, juntamente com toda e qualquer forma de negócio ilícito procurado por
nossas sociedades, de armas sofisticadas à carne humana" (1999, p.40).
25
Traduzido de "(... ) el poder está en nuestras mentes, actuamos obedeciendo a lo que pensamos, y de lo que
pensamos depende nuestra relación con un mundo de símbolos y comunicación (...) [e] (...) la única manera
de oponer resistencia a la abstracción del poder sería la reconstrucción ajena a la lógica inscrita en las redes
del poder" (CASTELLS, 2002, 53-54).
36
O autor distingue também a crise estrutural de legitimidade, na qual os sistemas
políticos se vêem mergulhados no momento: arrasados por escândalos com espetacular
cobertura da mídia, a personalização das lideranças e o conseqüente isolamento do cidadão.
O ponto inicial da análise de Castells (1999), em torno da complexidade da nova
economia, sociedade e cultura em formão, reside na revolução da tecnologia da informação.
O autor faz questão de frisar que sua opção metodológica não sugere que a tecnologia
determina a sociedade e tampouco que a sociedade seja a responsável pelo curso da
transformação tecnológica. Antes, o autor afirma que o dilema do determinismo tecnológico é
infundado, uma vez que a tecnologia é a sociedade. Assim sendo, a sociedade o pode ser
entendida ou sequer representada, sem suas ferramentas tecnológicas. Todavia, embora a
tecnologia possa ser determinada pela sociedade, o autor reconhece que esta pode sufocar seu
desenvolvimento, principalmente por intermédio do Estado, que também pode determinar a
modernização tecnológica, o destino das economias, o poder militar e o bem-estar social, em
curto espaço de tempo. Portanto, a habilidade ou inabilidade da sociedade em dominar a
tecnologia é quesito decisivo para estabelecer a capacidade de transformação social e de seu
próprio potencial tecnológico.
A revolução tecnológica atual originou-se e difundiu-se em um determinado momento
no qual o capitalismo se reestruturava globalmente e no qual a tecnologia foi ferramenta
indispensável para as transformações que conduziram a uma nova sociedade, que mantém
relações específicas com o capitalismo global e com a tecnologia informacional. Para Castells
(idem), a revolução da tecnologia da informação foi essencial para a implementação da
reestruturação do sistema capitalista a partir da década de 80, cujos processos,
desenvolvimento e manifestações da revolução mencionada foram moldados pelas lógicas e
interesses do capitalismo avançado. O estatismo, sistema alternativo de organização social
presente em nosso período histórico, tentou redefinir os meios de consecução de seus
objetivos estruturais, preservando a essência de seus objetivos: o esrito da reestruturação
(ou perestroyka, na Rússia).
Entretanto, Castells (idem) atribui o fracasso do estatismo soviético à incapacidade do
regime de assimilar os princípios do informacionalismo, embutidos nas novas tecnologias da
informação. O colapso do estatismo soviético estabeleceu uma relação estreita entre o novo
sistema capitalista global, moldado por sua perestroyka relativamente bem-sucedida, e a
emergência do informacionalismo como a nova base material e tecnológica da atividade
econômica e da organização social.
37
Por outro lado, o autor considera que o estatismo chinês foi, aparentemente, bem-
sucedido, transformando-se num capitalismo liderado pelo Estado e integrando-se nas redes
econômicas globais.
Conforme explica Castells (1999), tanto a reestruturação capitalista quanto o
desenvolvimento do informacionalismo são distintos e sua interação poderá ser entendida
caso sejam separados para análise e propondo distinções e definições teóricas de capitalismo,
estatismo, industrialismo,s-industrialismo e informacionalismo.
Para definir s-industrialismo e informacionalismo, o autor menciona os trabalhos
clássicos de Alain Touraine e Daniel Bell, distinguindo pré-industrialismo, industrialismo e
informacionalismo (ou pós-industrialismo) de capitalismo e estatismo (ou coletivismo,
segundo Bell).
Castells ensina que as sociedades podem ser caracterizadas ao longo de dois eixos (de
forma que tenhamos estatismo industrial e capitalismo industrial), mas que "(...) é essencial
para o entendimento da dinâmica social, manter a distância analítica e a inter-relação empírica
entre os modos de produção (capitalismo, estatismo) e os modos de desenvolvimento
(industrialismo, informacionalismo)" (1999, p. 51).
Para tanto, considera fundamental percorrer alguns domínios da teoria sociológica,
para que seja possível estudar o surgimento de uma nova estrutura social, associada ao
surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo, que se manifesta
sob várias formas, conforme a diversidade de culturas e instituições em todo o Planeta.
2.2 Informacionalismo e movimentos sociais
O informacionalismo, historicamente moldado pela reestruturação do modo capitalista
de produção, no final do século XX, fundamenta-se na perspectiva trica cuja abordagem
postula que as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações
historicamente determinadas de produção, experiência e poder, conceitos que são assim
entendidos por Castells:
a) produção é a ação da humanidade sobre a matéria (natureza) para apropriar-se
dela e transformá-la em seu beneficio, obtendo um produto, consumindo parte dele e
acumulando o excedente para investimento conforme os vários objetivos
socialmente determinados;
b) experiência é a ação dos sujeitos humanos sobre si mesmos, determinada pela
interação entre as identidades biológicas e culturais desses sujeitos em relação a seus
ambientes sociais e naturais. É construída pela eterna busca de satisfação das
necessidades e desejos humanos;
c) poder é aquela relação entre os sujeitos humanos que, com base na produção e na
experncia, impõe a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou
real de violência física ou simbólica.
As instituições sociais, por sua vez, são constituídas para impor o cumprimento das
relações de poder existentes em cada período histórico, controlando e limitando os
contratos sociais decorrentes das lutas pelo poder (CASTELLS:1999, p.51).
38
A produção é organizada em relações de classes que definem o processo pelo qual
alguns sujeitos humanos decidem a divisão e os empregos do produto em relação ao consumo
e ao investimento. A experiência é estruturada pelas relações entre os sexos, historicamente
organizada em torno da família, caracterizada pelo donio dos homens sobre as mulheres. O
poder, por sua vez, tem como base o Estado, que detêm o monopólio institucionalizado da
violência, "(...) encerrando os sujeitos numa estrutura rigorosa de deveres formais e agressões
informais" (CASTELLS: 1999 p.52). As culturas e identidades coletivas, segundo Castells,
são geradas por meio da comunicação simlica entre os seres humanos e o relacionamento
entre esses e a natureza, com base na produção e no consumo, na experiência e no poder, que
se cristalizam ao longo da história em territórios específicos. A produção é um processo social
complexo, segundo o autor, já que cada um de seus elementos é internamente distinto. Para
ele, "(...) a relação entre a mão-de-obra e a matéria no processo de trabalho envolve o uso de
meios de produção para agir sobre a matéria com base em energia, conhecimentos e
informação" (CASTELLS, 1999, p.53).
Assim, a tecnologia traduz a forma específica dessa relação. O produto desempenha
dois papéis sociais: consumo e excedente. As interações entre estruturas sociais e processos
produtivos determinarão as regras para a apropriação, distribuição e uso do excedente e, para
Castells, tais regras constituem modos de produção, elementos definidores das relações
sociais de produção, e determinantes da existência de classes sociais.
O capitalismo e o estatismo são os modos predominantes de produção no século XX.
Se no capitalismo, a separação entre os produtores e os meios de produção, a transformação
do trabalho em commodity e a posse privada dos meios de produção, com base no controle do
capital determinaram o princípio básico da apropriação e distribuão do excedente, no
estatismo, o controle do excedente é externo à esfera econômica e fica nas mãos dos
detentores do poder estatal. Assim, o capitalismo visa à maximização de lucros, ou seja, o
aumento do excedente apropriado pelo capital com base no controle privado sobre os meios
de produção e circulação, enquanto o estatismo visa o aumento da capacidade militar e a
radicalização ideológica do aparato político para impor seus objetivos.
Castells ensina, ainda, que os modos de desenvolvimento são os procedimentos
mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o produto. Assim, no
modo agrário de desenvolvimento, a fonte do incremento de excedente resulta dos aumentos
quantitativos da mão-de-obra e dos recursos naturais (em particular a terra). No modo de
desenvolvimento industrial, a principal fonte de produtividade reside na introdução de novas
fontes de energia e na capacidade de descentralização do uso da mesma ao longo dos
processos produtivos e de circulação.
39
No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade encontra-
se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de
comunicação de símbolos, elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto
que o processo produtivo sempre se baseia no processamento da informação e em algum grau
de conhecimento. Portanto, verifica-se que as bases da Sociedade da Informação se impõem
enquanto processo em formação e expansão, resultante da globalização propiciada pelos usos
das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e se caracteriza, sobretudo, pela
aceleração dos processos de produção e de disseminação da informação e do conhecimento.
O elevado número de atividades produtivas que depende da gestão de fluxos
informacionais mediante o uso intensivo das Novas Tecnologias da Informação e da
Comunicação traz como conseqüência, a padronização de culturas, costumes e identidades
coletivas. O capital, por sua vez, transita entre sociedades anônimas, favorecendo como
nunca, antes, a especulação mediante as apostas nas bolsas de valores.
Entretanto, Castells (1999) observa que a especificidade do modo informacional de
desenvolvimento consiste na ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos, como
principal fonte de produtividade. Afirma, ainda, que os modos de desenvolvimento modelam
toda a esfera do comportamento social, inclusive a comunicação simlica, e enfatiza que o
informacionalismo, com base na tecnologia de conhecimentos e informação, estabelece uma
íntima ligação entre cultura e forças produtivas, razão pela qual se espera o surgimento de
novas formas históricas de interação, controle e transformação social.
De fato, após a uniformização de processos, a reestruturação do capitalismo
prosseguiu com base na derrota potica das organizações de trabalhadores, nos principais
países capitalistas, e na aceitação, pelos países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), de uma disciplina econômica comum.
Essa disciplina estava inscrita na integração dos mercados financeiros globais,
ocorrida após a década de 1970, com a ajuda das novas tecnologias da informação. Constata-
se, então, que sob as condições da integração financeira global, impostas nesse período, as
políticas monetárias nacionais autônomas tornaram-se inviáveis, uniformizando os parâmetros
econômicos básicos dos processos de reestruturação de todo o planeta.
Embora a reestruturação do capitalismo e a difusão do informacionalismo fossem
processos globalmente inseparáveis, as sociedades agiram e reagiram a esses processos de
formas diferentes, conforme a especificidade de sua história, cultura e instituições. Por isso
Castells (idem) considera impróprio referir-se a uma Sociedade Informacional global e única,
o que implicaria na homogeneidade das formas sociais em todos os lugares sob o novo
40
sistema, mas considera que todas as sociedades são afetadas pelo capitalismo e pelo
informacionalismo.
Dirigindo o foco de sua análise para a transformação histórica, Manuel Castells (1999)
enfatiza que o que importa, de fato, aos processos e formas sociais que comem a matéria
viva das sociedades, é a interação real entre os modos de produção e os de desenvolvimento,
estabelecidos e defendidos pelos atores sociais envolvidos em tais processos. Tal interação se
mediante formas imprevisíveis, na infra-estrutura repressora da história passada e nas
condições atuais de desenvolvimento tecnológico e econômico.
Foi durante a Segunda Guerra Mundial e no período seguinte que se deram as
principais descobertas tecnológicas em eletrônica, o primeiro computador programável e o
transistor, fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da revolução da tecnologia da
informação no século XX. Porém, Castells (idem) defende que na década de 1970 as novas
tecnologias da informação difundiram-se amplamente, acelerando seu desenvolvimento
sinérgico e convergindo para um novo paradigma.
As descobertas básicas envolvendo as tecnologias da informação têm algo de essencial
em comum: embora baseadas principalmente nos conhecimentos já existentes e desenvolvidas
como uma extensão das tecnologias mais importantes representou um salto qualitativo na
difusão maciça da tecnologia em aplicações comerciais e civis, devido a sua acessibilidade e
custo cada vez menor, com qualidade cada vez maior. Pode-se dizer, então, que a Revolução
da Tecnologia da Informação, propriamente dita, nasceu na década de 1970, principalmente se
nela se incluir o surgimento e a difusão paralela da engenharia genética mais ou menos nas
mesmas datas e locais.
Cogitando que o mundo e as sociedades poderiam ser muito diferentes se Gorbachov
tivesse sido muito bem sucedido com a perestroyka, Castells (idem) afirma ainda que o fator
histórico mais significativo para a formação do paradigma da tecnologia da informação e suas
conseqüentes formas sociais foi, e continua sendo, o processo de reestruturação capitalista,
iniciado nos anos 1980. Portanto, o autor acredita que o novo sistema econômico e
tecnológico pode ser adequadamente caracterizado como capitalismo informacional.
Resumindo as formas, tanto no âmbito das instituições como do gerenciamento
empresarial, desde a década de 1970, Castells (idem) lembra que as mesmas visavam os
seguintes objetivos principais: a) aprofundar a lógica capitalista de busca de lucro nas relações
capital/trabalho; b) aumentar a produtividade do trabalho e do capital; c) globalizar a
produção, a circulação e os mercados, aproveitando a oportunidade das condições mais
vantajosas para a realização de lucros em todos os lugares, direcionando o apoio estatal para
41
ganhos de produtividade e competitividade das economias nacionais, freqüentemente em
detrimento da proteção social e das normas de interesse público.
Assim, as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, para o capitalismo
global, representam uma realidade limitada, na qual o gerenciamento flexível teria se
restringido à redução de pessoal e à nova rodada de gastos do "cassino global", tanto em bens
de capital quanto em novos produtos para o consumidor; não seriam suficientes para
compensar a redução de gastos públicos.
Dessa forma, fica evidente que o informacionalismo está ligado à expansão e ao
rejuvenescimento do capitalismo, assim como o industrialismo estava ligado à sua
constituição como modo de produção. Constata-se, entretanto, que sob as condições da
integração financeira global, impostas nesse período, as poticas monetárias nacionais
autônomas tornaram-se inviáveis, uniformizando os parâmetros econômicos básicos dos
processos de reestruturação de todo o planeta.
Castells (1999) relembra que se a primeira Revolução Industrial foi britânica, a
primeira Revolução da Tecnologia da Informação foi norte-americana, com tendência
californiana. Nos dois casos, aponta ele, cientistas e industriais de outros países tiveram um
papel muito importante tanto na descoberta como na difusão das novas tecnologias. A França
e a Alemanha tornaram-se fontes importantes de talentos e aplicações da Revolução
Industrial. As descobertas científicas originadas na Inglaterra, França, Alemanha e Itália
constituíram a base das novas tecnologias de eletrônica e biologia. A capacidade das empresas
japonesas foi decisiva para a melhoria do processo de fabricação com base em eletrônica e
para a penetração das tecnologias da informação na vida cotidiana mundial. O setor como um
todo evoluiu rumo à interpenetração, alianças estratégicas e formação de redes entre empresas
de diferentes países. As empresas, instituições e inovadores norte-americanos não
participaram do início da revolução da década de 1970 como também continuarão a
representar um papel de liderança na sua expansão, posição mantida neste início do século
XXI. Mas, sem vida, testemunharemos uma presença cada vez maior de empresas
japonesas, chinesas, indianas e coreanas, assim como contribuições significativas da Europa
em biotecnologia e telecomunicações.
O desenvolvimento da Revolão da Tecnologia da Informação assinala Castells
(1999), contribuiu para a formação dos meios de inovação nos quais as descobertas e as
aplicações interagiam e eram testadas em um repetido processo de tentativa e erro: aprendia-
se fazendo. Esses ambientes exigiam na década de 1990, e ainda exigem apesar da atuação on-
line, concentração espacial de centros de pesquisa, instituições de educação superior,
empresas de tecnologia avançada, uma rede auxiliar de fornecedores, provendo bens e
42
serviços e redes de empresas com capital de risco para financiar novos empreendimentos.
Uma vez que um meio esteja consolidado, como o Vale do Silício na década de 1970, ele
tende a gerar sua própria dinâmica e atrair conhecimentos, investimentos e talentos de todas
as partes do mundo.
Isto posto, pergunta-se: será que esse padrão social, cultural e espacial de inovação
pode ser estendido para o mundo inteiro? Parece que o papel decisivo desempenhado pelos
meios de inovação no desenvolvimento da Revolução da Tecnologia da Informação se
confirma: concentração de conhecimentos científicos e tecnológicos, instituições, empresas e
o de obra qualificada são as forjas da inovação da Era da Informação”. Porém, como
assinala Castells (1999), esses meios não precisam reproduzir o padrão cultural, espacial,
institucional e espacial do Vale do Silício ou de outros centros norte-americanos de inovação
tecnológica, como o sul da Califórnia, Boston, Seattle ou Austin.
Foi o Estado, e não o “empreendedor de inovações em garagens”, que iniciou a
Revolução da Tecnologia da Informação, tanto nos EUA como em todo o mundo. Porém, sem
esses empresários inovadores, como os que deram início ao Vale do Silício ou aos clones de
PCs em Taiwan, a Revolução da Tecnologia da Informação teria adquirido características
muito diferentes e, como cogita Castells (1999), é improvável que tivessem evoluído para a
forma de dispositivos tecnológicos flexíveis e descentralizados, como os que estão sendo
difundidos por todas as esferas da atividade humana. Na realidade, é mediante essa interface
entre os programas de macro-pesquisa e grandes mercados desenvolvidos pelos governos, por
um lado, e a inovação descentralizada estimulada por uma cultura de criatividade tecnológica
e por modelos de sucesso pessoais rápidos, por outro, que as novas tecnologias da informação
prosperam. No processo, essas tecnologias agruparam-se em torno de redes de empresas,
organizações e instituições para formar um novo paradigmacio-técnico.
A primeira característica do novo paradigma tecnológico é que a informação é sua
matéria prima: são tecnologias para agir sobre a informação, o apenas informação para agir
sobre a tecnologia, como no caso das revoluções tecnológicas anteriores. A segunda
característica refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias. Como a
informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os processos de nossa
existência individual e coletiva são diretamente moldados embora, com certeza, não
determinados pelos novos meios tecnológicos. O terceiro aspecto refere-se à possibilidade
de replicação da lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações, com base nos
usos das novas tecnologias da informação. Em quarto lugar, o paradigma da tecnologia da
informação é baseado na flexibilidade. Não apenas os processos são reversíveis, mas
organizações e instituições podem ser modificadas e, até mesmo, fundamentalmente alteradas,
43
pela reorganização de seus componentes. Uma quinta característica dessa revolução
tecnológica é a crescente convergência de tecnologias especificas para um sistema altamente
integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se
distinguir em separado.
A dimensão social da Revolução da Tecnologia da Informação parece destinada a
cumprir a lei sobre a relação entre a tecnologia e a sociedade proposta por Melvin Kranzberg
(apud Castells, 1999, p.81), a qual postula que a tecnologia não é nem boa, nem má, mas
também não é neutra. Ou seja, a tecnologia é uma força que penetra o âmago da vida e da
mente.
Do final do século XX e durante a primeira década do século XXI, vive-se um
intervalo cuja característica é a transformação da "cultura material" pelos mecanismos de um
novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. O
processo atual de transformação tecnológica expande-se exponencialmente em razão de sua
capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital
comum na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida.
Vive-se em um mundo que se tornou digital. Esse é um evento histórico da mesma
importância da Revolução Industrial do século XVIII induzindo um padrão de
descontinuidade nas bases materiais da economia, da sociedade e da cultura.
Diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da transformação que está se
processando refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação. O que
caracteriza a atual revolução tecnológica o é a centralidade de conhecimentos e informação,
mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para geração de mais
conhecimentos e de mais dispositivos de processamento e comunicação da informão, em
um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso, no qual a valorização do ser
humano é um aspecto que pouco se nota. O uso das novas tecnologias de telecomunicações
nas duas últimas cadas do século XX passou por três estágios distintos, segundo Castells
(1999, p.51): a automação de tarefas, as experiências de usos e a reconfiguração das
aplicações. Nos dois primeiros estágios, o progresso da inovação tecnológica baseou-se em
aprender usando. No terceiro estágio, os usuários aprenderam a tecnologia fazendo, o que
acabou resultando na reconfiguração das redes e na descoberta de novas aplicações.
O ciclo de realimentação entre a introdução de uma nova tecnologia, seus usos e seus
desenvolvimentos, em novos domínios, torna-se cada vez mais rápido no novo paradigma
tecnológico. Conseqüentemente, a difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma
infinita, na medida em que os usuários apropriam-se dela, redefinindo-a. Dessa forma, os
usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet. Pela primeira vez
44
na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento
decisivo no sistema produtivo.
As novas tecnologias da informação difundiram-se pelo globo em menos de duas
décadas, entre meados dos anos 70 e 90 do século XX, por meio de uma lógica que é a
característica dessa revolução tecnológica: a aplicação imediata no próprio desenvolvimento
da tecnologia da informação gerada, conectando o mundo através daquilo mesmo que foi
produzido.
Entretanto, grandes áreas do mundo e consideráveis segmentos da população que
estão desconectados do novo sistema tecnológico. As áreas desconectadas são cultural e
espacialmente descontínuas, além do que os caminhos seguidos pela indústria, economia e
tecnologia são, apesar de relacionados, lentos e de interação descompassada. A emergência de
um novo sistema tecnológico na década de 70 deve ser atribuída à dinâmica autônoma da
descoberta e difusão tecnológica, inclusive aos efeitos sinérgicos entre todas as várias e
principais tecnologias.
As afirmações anteriores sobressaem por evidenciar alguns pontos impossíveis de
serem ignorados, uma vez que não se estabelece uma hegemonia sem resistências, tal como
lembrava Gramsci nas suas observações sobre a sociedade civil. Assim, verifica-se a
existência de oposições portadoras de características próprias, suficientemente fortes para se
pensar em reconhecer manifestações de cunho contrário ao proposto pelo modelo social
vigente, no informacionalismo. Nessa trilha, algumas considerações devem ser levadas em
conta, como será visto a seguir.
Na busca por distinções entre movimentos sociais e movimentos ativistas, percebe-se
que as semelhanças nas definições entre essas categoriais são mais numerosas que as
diferenças. Para Sztompka (1998, p. 465, apud KUNSCH, 2005, p. 26) os movimentos sociais
são “agrupamentos coletivos francamente organizados que atuam juntos de maneira não
institucionalizada para produzir uma mudança na sociedade”. Com efeito, Cecília Peruzzo
(1998, p.44) esclarece que
(...) conceitualmente, as expressões movimentos sociais, movimentos coletivos,
movimentos populares, movimentos sociais urbanos, movimentos sociais populares,
entre outras, são [expressões] usadas indistintamente, o que talvez reflita sua grande
diversidade e heterogeneidade em nossa sociedade.
Kunsch (2005, p.26) endossa a classificação dos movimentos sociais de Peruzzo, para
quem os movimentos sociais são aquelas expressões
(...) ligadas aos bens de consumo coletivo, envolvidas na questão da terra,
relacionadas com as condições de vida, motivadas por desigualdades culturais,
dedicadas à questão trabalhista, voltadas à defesa dos direitos humanos e vinculadas
a problemas específicos.
45
Aprofundando esta perspectiva, convém mencionar que na década de 1970, a partir da
problemática urbana, Castells desenvolvia o conceito de "movimentos sociais urbanos",
entendidos como "sistemas de práticas sociais contraditórias que controvertem a ordem
estabelecida a partir das contradições específicas da problemática urbana" (CASTELLS,
1976, p.3). A primeira destas contradições diz respeito ao aumento crescente das exigências
do consumo coletivo, decorrentes do próprio desenvolvimento capitalista, contrapostas à
incapacidade do sistema para resolvê-las satisfatoriamente; a segunda se refere ao modo
individual de aproprião das condições de vida e ao modo coletivo de gestão deste processo.
Ambas as contradições determinam a presença necessária do Estado na gestão dos problemas
urbanos. Tal intervenção, entretanto, só se realiza dentro da lógica imposta pelas forças
sociais existentes: na medida em que o Estado expressa, em última instância, os interesses das
classes dominantes, sua presença termina por implicar dominação e integração.
Assim, para Castells (1976) é neste contexto que emergem os movimentos sociais
urbanos, na gênese dos quais, estariam as "novas necessidades" resultantes do
desenvolvimento das forças produtivas, contrapostas aos objetivos de uma potica que não as
prioriza.
Durante as cadas de 70 e 80 do culo XX, os modos de produção vigentes o
submetidos à uniformização de imeros processos, e é o próprio Castells (1999) quem
demonstra que tais processos conduziram a humanidade ao atual modo informacional de
desenvolvimento. Nessa matriz, a fonte de produtividade está na tecnologia de geração de
conhecimento, de processamento da informão e de comunicação de símbolos, elementos
cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se
baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informação.
A partir dos anos de 1970, a reestruturação do capitalismo prosseguiu, e é nesse
período também que rias formas de niilismo intelectual, ceticismo social e descrença
política se apresentam, por parte daqueles que renunciaram à capacidade de entendimento,
celebrando o fim da história e da razão, particularmente após a derrocada dos regimes
estabelecidos nos países do Leste europeu e na extinta União Soviética. Tal postura, difundida
especialmente a partir da publicação de “O fim da história e o último homem
26
, do nipo-
norte-americano Francis Fukuyama, revela os esforços ofensivos e sem precedentes da
ideologia neoliberal em revigorar a tese de que o capitalismo e a democracia burguesa
constituem o coroamento da história da humanidade. Ou seja, no final do século XX, a
26
O artigo de Fukuyama, com o título "The end of history" apareceu em 1989, na revista norte-americana The
national interest. Em 1992, Fukuyama lançou o livro The end of history and the last man, editado no Brasil
com o título "O fim da história e o último homem" [trad. Aulyde Soares Rodrigues], Rio de Janeiro: Rocco,
1992.
46
humanidade teria atingido o ponto culminante de sua evolução, com o triunfo da democracia
liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes.
A perda da historicidade e o fim da "grande narrativa" são as características axiais do
pós-modernismo, assim entendido por Sérgio Paulo Rouanet:
(...) depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz, depois de
Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela
ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos
ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses
males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na
convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura
leva à convicção de que essa ruptura ocorreu, ou está em vias de ocorrer (...). O
pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-
se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência
pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um
simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa
consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é
também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da
modernidade."
27
Ao cenário esboçado, acrescente-se a fragmentação dos movimentos sociais e o
reagrupamento dos indivíduos em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas,
territoriais, nacionais. Para Castells (1999, p.23) a maior força de segurança pessoal e
mobilização coletiva destes tempos conturbados é, provavelmente, traduzida pelo
fundamentalismo religioso. Aceitando a individualização do comportamento e a impotência
da sociedade ante seu destino, o sociólogo espanhol afirma acreditar na racionalidade, nas
oportunidades de ação social significativa, na potica transformadora e no poder libertador da
identidade, mas o aceita a necessidade da individualização da identidade ou captura desta
pelo fundamentalismo, acreditando também que “(...) observar, analisar e teorizar é um modo
de ajudar a construir um mundo diferente e melhor" (CASTELLS, 1999, p.47).
Em função dos impactos das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação,
Castells (1999) assinala que os movimentos sociais sofrem várias mudanças de paradigma,
como por exemplo, de "comportamento de massa" para "mobilização de recursos", ou de
"processos políticos" para "novos movimentos sociais". Os debates, então, se centram na
aplicabilidade desses eixos, em colocações diversas, através da periodização da ação coletiva,
divergindo ou unificando o impacto de políticas e de identidades, e em função da
conveniência dos compromissos poticos dos investigadores. Constata-se também que redes
de ativistas transnacionais estão desenvolvendo novos repertórios de protesto que desafiam as
abordagens convencionais até então articuladas em torno dos movimentos sociais. Considera-
se que ainda é cedo para prever os desdobramentos e conseqüências do ativismo em Rede.
Entretanto, Denis de Moraes nos chama a atenção para o fato de que
27
ROUANET, S. P., As Razões do Iluminismo, 7ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
47
As ONGs convenceram-se de que, em um mundo interdependente com economia
globalizada e instantaneidade de fluxos eletrônicos, os agentes sociais devem
interconectar-se. Problemas, conflitos, negociações e encaminhamentos adquirem
proporções imprevistas, não raro planetárias, requerendo respostas de igual
amplitude. O que pressupõe articular reações e propostas numa velocidade e numa
dimensão compatíveis com as sucessivas demandas. Daí porque a organização em
redes, dentro e fora da Internet, se revela inovadora. Elas facilitam a
intercomunicação de indivíduos e agrupamentos heterogêneos que compartilham
visões de mundo, sentimentos e desejos. (MORAES, 2001, p.19).
Assim, entende-se que a conscientização acerca da importância da Internet para a
difusão das demandas sociais tende a ampliar significativamente o surgimento de novos
modelos para o intercâmbio comunicacional e para a produção de informação que contribua
para a construção de outra globalização, dinamizando as lutas das entidades civis em prol da
justa social.
Considerando a velocidade com que transformações de toda ordem ocorrem no
momento, principalmente aquelas decorrentes dos usos das Novas Tecnologias da Informação
e da Comunicação, entende-se, como postulava Manuel Castells na ocasião em que publicou
o seu A Sociedade em Rede (1999), que a interação entre ação social consciente e forças
tecnológicas constitui, ainda, tema de investigação, mas a matriz dessas interações, neste
momento, certamente já se aproxima de abordagens que perscrutam o seu destino, a despeito
de questões como info-inclusão x info-exclusão, fratura digital e descontinuidade territorial
dos usos da tecnologia. Prova disso, são as significantes proliferações de web sites ativistas,
indicador relevante de uma nascente predisposição da sociedade civil em fazer uso das Novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação, para ampliar o espectro de sua atuação.
Conflitos sociais de inúmeras naturezas comem os cenários nos quais uma nova
categoria de movimento ativista assenta suas bases, a partir do ciberespaço tornando-se
ingredientes polarizadores de uma nova era de debates e negociações. Contudo, não se pode
pensar que estamos diante do modelo clássico de contradições no qual as ruas, por exemplo,
era palco de manifestações e confrontos das disputas sociais. Isso não significa que tais
confrontos não possam ocorrer, mas, no âmbito deste trabalho, interessa descobrir outros tipos
de embates, alinhados com as denominadas Novas Tecnologias de Informação e da
Comunicação. Aliás, justamente nelas residem os meios usados por aqueles que discordam
dessa nova realidade que vem sendo implementada nos últimos tempos. Assim, a
comunicação adquire grande relevância dentro dessas manifestações, razão pela qual essa
temática será abordada no capítulo seguinte.
48
CAPÍTULO III
COMUNICAÇÃO, CONFLITO SOCIAL E CIBERATIVISMO
A comunicação entendida como um mecanismo de intervenção social adquire
significado relevante no mundo atual. Se pensarmos na predominância das Novas Tecnologias
da Comunicação dentro da perspectiva social dos movimentos sociais e da veiculação de
conteúdos disponíveis para os usuários da Rede, nos deparamos com uma situação bastante
desafiadora que exige verificar se a própria comunicação está imune aos embates do capital e
da iniciativa privada assim como temos que checar as formas pelas quais se pode realizar um
movimento de resistência, como podem ser as ações de boicote. Essas duas questões, a da
comunicação e a dos boicotes serão objetos de estudo neste terceiro capítulo da presente
dissertação.
3.1 Comunicação em tempos de globalização
O quadro apresentado nos capítulos anteriores teve o objetivo de demonstrar como as
Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação atingiram tal predomincia, em parte,
pelas facilidades oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico das comunicações e da
computação. Os meios de comunicação se manifestaram como grandes aliados das elites
controladoras do capital internacional no seu desenvolvimento para tornar-se hegemônico. A
mídia, nessa trajetória, se preocupou mais em divulgar valores relacionados com a iniciativa
individual do que com a prática de iniciativas coletivas tal como afirma Sodré, para quem os
meios de comunicação, “desempenham papéis estratégicos na naturalização ideológica da
economia neoliberal de mercado” (p.35, 2003).
Mas, não seria essa alteração a que ocorreria nos meios de comunicação. Segundo
McChesney (2003), as mudanças resultantes da globalização ocasionariam a privatização dos
serviços de telecomunicação ocorridos no mundo todo nas últimas décadas, por meio de
compras, fusões e parcerias que alteraram radicalmente a economia potica do setor
promovendo, vigorosamente, o processo de oligopolização dos mesmos. A incessante busca
de lucro, na visão de McChesney (idem), aliada a desregulamentação cultural, industrial e de
mercado alimentou a concentração da propriedade atingindo a dia na sua plenitude. Dessa
maneira, constituíram-se verdadeiros oligopólios, implicando em um sistema de mídia tão
altamente concentrado nas mãos dos grandes interesses privados que resulta muito difícil
aceitar a idéia de liberdade e imparcialidade nos meios de comunicação e muito menos, na
defesa da democracia, desejo daqueles que ainda acreditam no seu potencial transformador. O
problema de ter ricos proprietários privados dominando os meios de comunicação de uma
49
sociedade, além de impedir o avanço democrático e plural de iias, resulta no controle
daqueles que se beneficiam da desigualdade existente e da preservação do status quo
(McCHESNEY:2003, p. 232)
Suporte hegemônico da globalização, os meios de comunicação de massa auxiliam
uma espécie de consenso em torno dos valores simbólicos dominantes, procurando excluir as
manifestações contrárias a essa hegemonia. Para se manter, o neoliberalismo, via empresas de
comunicação, adota políticas que reforçam o poderio das empresas e busca ofuscar qualquer
tentativa de um debate crítico, como assevera McChesney (idem) quando afirma que “os
governos devem continuar grandes para melhor servir aos interesses das corporações,
enquanto minimizam quaisquer atividades que possam solapar o donio dos negócios e dos
ricos”
28
.
Essa tentativa de minimizar as atividades que possam por em risco o domínio
econômico, passa pela ação da mídia, que para McChesney (idem) tem um papel decisivo: A
globalização econômica e cultural seria claramente impossível sem um sistema de mídia
comercial global para promover os mercados globais e encorajar os valores de consumo
29
.
Assim como deixa o mercado livre para se auto-regular, o neoliberalismo também atua
desregulamentando a própria mídia: “A peça principal das poticas neoliberais é,
invariavelmente, a reivindicação de desregulamentar a mídia comercial e os mercados de
comunicação. Na prática isto significa que são „re-regulamentados‟ para servir aos interesses
empresariais”
30
.
Com isso, o que se é uma profunda transformação da mídia e da comunicação nas
últimas cadas, que foi acelerada pela evolão tecnológica digital. As pequenas e dias
empresas locais e nacionais cederam espaço para megafusões, o que desembocou numa mídia
formada por oligolios globais. A revolão digital, que propiciou a junção de texto, som e
imagem, forjou também esses impérios da comunicação que administram todo o tipo de
conteúdo midiático.
Em curto prazo, o mercado da dia global passou a ser dominado por sete
multinacionais: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom, Vivendi e
Bertelmann. Nenhuma dessas empresas existia em sua forma atual de empresa de dia
apenas 15 anos
31
.
Além destas, ainda cerca de 70 grandes empresas que dominam a mídia em seus
países ou regiões de origem e formam o que McChesney (idem) chama de segundo escalão.
28
McCHESNEY, Robert W.. Mídia global, neoliberalismo e imperialismo. In: MORAES, Denis (org.). Por uma
outra comunicação. Mídia, mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 218.
29
Ibid., p. 217.
30
Ibid., p. 218.
31
Ibid., p. 221.
50
“As empresas de mídia do segundo escalão dificilmente são „opositoras do sistema global.
[...] Além disso, tem vínculos extensos e joint ventures com as principais multinacionais da
comunicação”
32
. Juntos, esses impérios dominam as mais diversas áreas da comunicação,
passando pela edição de jornais, revistas e livros, gravação e distribuição de música, produção
de rádio e TV, estações de TV aberta e canais da TV paga, sistemas de televisão por satélite,
produção de filmes e salas de cinema.
Para Ramonet, o sistema midiático assim constituído em oligopólios, e com a
tendência de continuar se concentrando cada vez mais, é o segundo poder que rege o mundo
atual o primeiro é o poder econômico e financeiro e que funciona como o aparato
ideológico da globalização: “É o sistema que em certa medida, constitui o modo de inscrever,
no disco gido de nosso cérebro, o programa para que aceitemos a globalização”
33
.
McChesney partilha dessa visão ao afirmar que “a combinação de neoliberalismo com a
cultura da mídia empresarial tende a promover uma despolitização profunda e completa”
34
.
Segundo Ramonet, a tática usada é a do pensamento único, quer dizer: o que a imprensa diz,
a televisão repete, a rádio repete, e não apenas nos noticiários, mas também nas ficções, na
apresentação de um tipo de modelo de vida que se deve apresentar”
35
.
Além de uma empresa copiar” o conteúdo da outra, outro ponto que reforça o
pensamento único é aquele que diz respeito à escolha das fontes. Ao fazer um estudo nos
Estados Unidos sobre a Guerra do Golfo, Kellner (2001, p.264) aponta que foram muitas as
vozes simplesmente excluídas da grande mídia (norte-americana), impossibilitando um debate
sério sobre a reação apropriada dos americanos à invasão do Kuwait pelo Iraque. Mas a
grande mídia se baseava num número limitadíssimo de opiniões e privilegiava sempre os
mesmos altos funciorios do governo e os principais lideres do Partido Democrata
36
.
A competitividade entre as empresas, que poderia evitar essa unificação das
mensagens, praticamente não existe, segundo McChesney. O autor ressalta que muitas das
empresas têm propriedade cruzada, ou seja, possuem partes umas das outras, acionistas em
comum, diretorias que se complementam e que por isso “lutam para minimizar o efeito da
concorrência [...e] são o que Joseph Schumpeter chamava de competidores „co-respectivos‟,
típicos de situações com alto nível de monopolização.
37
32
MCCHESNEY, Robert W. Mídia global, neoliberalismo e imperialismo. In: MORAES, Denis (org.). Por uma
outra comunicação. Mídia, mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003., p. 228.
33
RAMONET, Ignacio. O poder midiático. In: MORAES, Denis (org.). Por uma outra comunicação. Mídia,
mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 246
34
McCHESNEY, op cit., p. 236
35
RAMONET, Ignacio. O poder midiático. In: MORAES, Denis (org.). Por uma outra comunicação. Mídia,
mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 246-7
36
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2001. p. 264.
37
MCCHESNEY, Robert W. Mídia global, neoliberalismo e imperialismo. In: MORAES, Denis (org.). Por uma
outra comunicação. Mídia, mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 230
51
O pensamento único e a falta de concorrência também são motivados pela ganância do
lucro. As empresas não querem se diferenciar muito uma das outras com medo de desagradar
o receptor. Kellner observou esse fato nos veículos eletrônicos americanos na cobertura da
Guerra do Golfo: Os meios de comunicação por televisão e rádio têm medo de contrariar
aquilo que parece ser um consenso popular, de afastar-se do público e de defender pontos de
vista impopulares porque receiam perder sua fatia de audiência e, portanto, seus lucros”
38
.
Ainda olhando o cenário maior do qual a mídia faz parte, McChesney (2003) faz a
devida correlação entre a busca pelo lucro e as idéias neoliberais vigentes quando afirma que
a verdadeira força motriz tem sido a busca incessante de lucro que marca o capitalismo, e que
fez pressão em prol de uma mudança para a desregulamentação neoliberal. Na dia, isto
significa o relaxamento ou a eliminação de barreiras à exploração comercial e à propriedade
concentrada de meios de comunicação
39
.
Uma das saídas apontadas por McChesney é no sentido de promover uma “reforma
estrutural na dia, [...] desmembrar as grandes empresas, recuperar o rádio e a TV não
comercial e sem fins lucrativos, criar um setor de dia independente, não comercial e sem
fins lucrativos, sob controle popular”
40
. Compartilha-se aqui a visão do autor que apregoa o
fortalecimento das emissoras não comerciais, principalmente quando ele enfatiza que o
controle do conteúdo da programação seja democratizado e não fique apenas nas mãos de
uma elite
41
. Tal tendência mundial adquire, segundo a jornalista Teresa Bouza, dimensões
preocupantes
42
. Uma delas seria a inexistência de uma legislação específica e de restrições
legais, na maioria dos países, para evitar a concentração dos meios nas mãos de poucas
empresas. Outro componente preocupante diz respeito ao papel da publicidade nos meios. A
depenncia econômica de grandes anunciantes interfere na divulgação de determinadas
notícias contrárias aos interesses desses grupos.
Contudo, nesse ambiente de concentração, a Internet aparece como um lócus ideal
para a proliferação e manifestação de propostas alternativas à tendência de supremacia
hegemônica exercida pelos grupos midiáticos. Ignácio Ramonet (2003) pode ser considerado
um autor totalmente afinado com a problemática citada anteriormente. Entretanto, sua
abordagem relacionada com a concentração da mídia sugere alguns pontos que adquirem
relevância significativa. Num texto bastante curto, Ramonet avança no sentido de relacionar
38
KELLNER, op cit., p. 273.
39
MCCHESNEY, Robert W. Mídia global, neoliberalismo e imperialismo. In: MORAES, Denis (org.). Por uma
outra comunicação. Mídia, mundialização, cultura e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 221.
40
Ibid., p. 241.
41
Acreditamos que essa democratização possa ser feita com a criação de conselhos que contemplem todos os
setores da sociedade e que atuem junto às emissoras.
42
BOUZA,Tereza. Especialistas alertam sobre perigo de concentração na mídia na América Latina. IN:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/02/21/ult1766u20439.jhtm.
52
os processos de concentração dos grandes grupos midiáticos com outros setores como
eletricidade, informática, armamento, construção telefonia e água
43
. Assim, a junção de
empresas envolvendo dois segmentos (sendo que um deles é o da comunicação) faz com que
Ramonet perceba uma clara predominância da atuação do capital fundamentado na
supremacia do mercado. A luta constante pela obtenção do lucro resulta, no mínimo, no fim
de alguns valores considerados por ele fundamentais, dentre eles, o direito do cidadão estar
bem informado. O exemplo mais ilustrativo, sustenta Ramonet, ocorreu nos Estados Unidos,
onde as regras contra a concentração do audiovisual foram abolidas em fevereiro de 2002. A
América Online adquiriu a Netscape, a revista Time, a Warner Bros e a cadeia de informação
CNN; a General Electric, a maior empresa mundial pela sua capitalização em bolsa, apossou-
se da rede NBC; a Microsoft de Bill Gates reina sobre o mercado de softwares, quer
conquistar o de jogos eletrônicos com o seu console X-Box e, através da sua agência Corbis,
domina o mercado do fotojornalismo; a News Corporation de Rupert Murdoch, tomou o
controle de alguns importantes jornais britânicos e americanos ( The Times, The Sun, The New
York Post), possui uma rede de TV por satélite (BskyB), uma das cadeias dos Estados Unidos
(Fox), além de uma das principais produtoras de filmes(20thCentury Fox). Na França, país no
qual reside Ramonet, a crise da publicidade e de vendas por assinatura ocasionou a passagem
do controle dos meios de comunicação para grupos ligados à indústria bélica, notadamente o
Dassault e o Lagardère, que têm em comum a particularidade de serem constituídos em torno
de uma empresa central cuja atividade é militar (aviões de caça, helicópteros, sseis,
foguetes, satélites...). Como quem antevê uma tragédia, o próprio Ramonet comentaria, em
2003: "O medo está então realizado: algumas das maiores dias estão a partir de agora nas
os dos mercadores de canhões... Na hora das tenes com o Iraque, pode-se supor que estas
mídias não se oporão com verdadeira energia a uma intervenção militar contra Bagdá..."
De maneira bastante detalhada, Ignácio Ramonet, no lançamento da edição espanhola
online do Le Monde Diplomatique, apresentou as idéias predominantes no sistema de
informação em um mundo dominado pelos conglomerados da mídia
44
. Inicia sua argüição
com um posicionamento taxativo: a imprensa está em crise. Tal afirmação se assenta numa
abordagem detalhada das transformações operadas recentemente na concepção do que se
entende por informação.
Para Ramonet, alguns fatores teriam corroborado na descaracterização da informação,
função primordial na profissão do comunicador social, responsável pela formação de
qualidade do cidadão. O primeiro desses fatores está relacionado com a própria idéia de
43
RAMONET. Ignácio. A Mídia concentrada. IN: http://www.umacoisaeoutra.com.br/marketing/ramonet.htm
RAMONET, Igcio. Informarse cuesta. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida de sector3@sector.net em
3 de setembro de 2002.
53
informação. Antes da tal crise por informação, entendia-se a descrição precisa e documentada
do fato a ser publicado. Além disso, as empresas de comunicação precisavam subsidiar o
receptor com dados suficientes para que este compreendesse seu significado mais profundo.
Perguntas chaves como: quem fez o quê, com que meios, onde, porque, e quais as
conseqüências, deveriam ficar totalmente esclarecidas para o leitor. Para Ramonet, o advento
da televisão e sua supremacia como meio de comunicação implicou num duro golpe naquela
concepção antiga de informação. A razão dessa transformação reside no fato de que se pode
assistir ao vivo, em tempo real, praticamente a tudo o que acontece. Com isso, a reflexão e as
explicações passaram para um segundo lugar ou simplesmente foram abandonadas. Como se,
para se estar informado fosse necessário apenas ver o acontecimento, dispensando-se o
entendimento de seu significado.
Outro ponto abordado por Ramonet refere-se à tirania do tempo presente vivenciado
na contemporaneidade. A televisão torna-se, novamente, o alvo de suas críticas. Aceitando
como verdadeira a premissa anterior, é possível concluir que o tempo presente está
determinado pela imagem. Efetivamente, na hora de selecionar os fatos para que sejam
publicados na imprensa escrita, imperam os que possuem imagens e, conseqüentemente, o
resto das notícias fica num segundo lugar, quando não são ignoradas. A televisão, num mundo
de clara predominância visual, estaria ditando as regras ao jornalismo impresso. As notícias
que o aparecem na TV perdem sua importância, mesmo que algumas sejam mais relevantes
que àquelas vistas e aceitas pelo blico como verdadeiras. Dessa forma, a imagem determina
a informação na atualidade. O tempo da informação aparece como outro fator a ser
considerado. Para Ramonet, a informação hoje se resume ao que pode ser comunicado ao
vivo, em tempo real. Quando um fato chega ao leitor, normalmente é considerado
ultrapassado e o potencial de avaliação e reflexão que poderia provocar encontra já um
público "informado". De alguma maneira, no jornalismo, a entrada de fotos coloridas e a
transformação visual da primeira página, valorizando as manchetes e as notícias breves,
representam uma tentativa de adequação a essa predomincia do público das imagens. Com
isso, o espaço anteriormente destinado à exposição de opiniões e análises no jornal impresso
cedeu espaço para as imagens e as notícias resumidas.
Outro componente apresentado por Ramonet diz respeito à veracidade da informação.
Na atualidade, um fato é verdadeiro, não por se aplicar critérios objetivos, rigorosos ou
porque as fontes tenham sido devidamente verificadas. A veracidade se impõe pela repetição
constante e permanente de dados, nem sempre confirmados. Como estamos num momento de
alta competitividade, a mesma notícia veiculada pela televisão, pelo rádio e pelo jornal, torna-
54
se verdadeira. Se a isto se acrescenta a deficiência dos meios de comunicação em avaliar as
estruturas, se chega a uma situação na qual impera o simplismo e a superficialidade.
A soma desses fatores constitui o que Ramonet citava como crise dos meios de
comunicação. Neles, prevaleceria a repetição, a imitação, o plágio e a formatação
padronizada. Informação e comunicação tendem a ser equivalentes, quando em outros
momentos possuíam características bem diferenciadas. Ramonet denomina essa situação de
"censura democrática", ou seja, o poder do sistema em manipular os meios fornecendo-lhes as
mesmas versões e imagens. Aparentemente, se aceita o sistema democrático como o mais
válido e representativo, mas a capacidade da crítica fica diluída dentro dos limites
"verdadeiros" estabelecidos por esse sistema. O excesso de democracia geraria a apatia,
recaindo no público, preso por essa rede de facilidades provenientes das novas tecnologias e
da ausência da crítica.
Para Ramonet (2003), a concentração vigente no atual processo de globalização, deve
ser entendida dentro de duas dinâmicas poderosas e contraditórias: fusão e fissão. Por um
lado, verifica-se como muitos Estados e empresas procuram alianças consideradas necessárias
para sobreviver dentro desse mundo globalizado, movimento denominado de fusão. O efeito
desejado nesse processo consiste na busca e soma de forças, principalmente econômicas, para
conseguir força ou seguridade nas suas operações. Entretanto, alerta Ramonet, em decorrência
desse movimento de integração, diversas comunidades e empresas aparecem e entram em
cena (fissão) perdendo, com o passar do tempo, seus valores e identidades em função do
contato com "aliados" mais poderosos. Por essa razão, Ramonet acredita na existência de um
forte componente destrutivo dentro da concentração midiática e sustenta que as instituições e
organismos internacionais, geralmente usam o saber acumulado das universidades, ou de
alguns membros das universidades, para ampliar e divulgar a nova. Assim, alguns
economistas, jornalistas, escritores, cronistas e dirigentes poticos aceitam os mandamentos
da Nova Tabula da Lei que acabam sendo constantemente repetidos pelos meios de
comunicação de massa. Ele enumera algumas das "bíblias" onde circulam essas idéias: The
Economist, Far Eastern Economic Review, a agência Reuters e The Wall Street Journal. Os
grandes investidores e detentores da riqueza mundial são fiéis leitores dessa literatura. Por sua
vez, os meios anteriormente enumerados o deixam de repetir, sem parar, idéias e fatos que
favorecem e legitimam o mundo globalizado.
A repetição constante, tática usada pelos meios de comunicação para persuadir e
conseguir a adesão da audiência acaba minando as oposições, inclusive a dos marxistas mais
convictos que não ficam incólumes diante do volume de informações. Qual seria a grande
idéia que esses megagrupos querem inculcar nas pessoas? Ramonet é taxativo ao sustentar
55
que apenas desejam que se acredite no trunfo e predomincia da economia sobre a potica.
Aliás, esse seria o primeiro e principal mandamento do pensamento único: o novo deus do
momento é o mercado. Os outros mandamentos derivam do primeiro e principal: "a mão
invisível do mercado corrige as desigualdades e disfunções do capitalismo"; "os mercados
financeiros possuem os sinais para orientar e determinar o movimento geral da economia"; "o
comércio livre sem barreiras é um fator de desenvolvimento econômico e social"; "a
globalização da produção manufatureira e, especialmente, dos fluxos financeiros, deve ser
estimulado a qualquer custo"; "a divisão internacional do trabalho amaina as questões
trabalhistas e diminui os custos com a mão de obra" e "ter uma moeda forte é uma obrigação
para todos os países, assim como deve ser um princípio constante a desregulamentação e
privatização das companhias estatais".
Dessa maneira, podemos afirmar, seguindo o raciocínio de Ramonet, que a nova
ordem estabelecida prega a diminuição do Estado em todas as suas fuões, defende a
necessidade constante de favorecer os interesses do capital em detrimento do trabalho e se
despreocupa com outras questões como, por exemplo, o meio ambiente. Trata-se, portanto, de
um processo totalmente destrutivo. A repetição constante deste novo catecismo em todos os
meios de comunicação de massas e por quase todos os dirigentes do mundo - sejam de
esquerda ou de direita-, confere tanta força a esse pensamento que impede e desestimula o
surgimento de posicionamentos contrários à lógica definida como válida, única e verdadeira
pela globalização.
No que tange à própria nese da Internet e ao surgimento das comunidades virtuais e
suas mobilizações, Manuel Castells, (1999) adverte sobre a necessidade de se compreender a
revolução da tecnologia da informação, ora em curso, as implicações desta no que se
convencionou chamar de "nova economia" e os processos sociais dominantes decorrentes
desses fenômenos, processos esses organizados em torno de redes, a partir do que formula as
teorias: "social de espaço" e do "espaço de fluxos". Castells assinala que “(...) o controle
estatal sobre o espaço e o tempo se superado cada vez mais pelos fluxos globais de capital,
bens, serviços, tecnologia, comunicação e poder” (2000, p. 271).
Como observa Canclini,
Se a burocratização técnica das decisões e a uniformidade internacional imposta
pelos neoliberais na economia reduzem o que está sujeito a debate na orientação das
sociedades, pareceria que estas são planejadas desde instâncias globais inalcançáveis
e que a única coisa acesvel são os bens e as mensagens que chegam à nossa própria
casa e que usamos “como achamos melhor” (CANCLINI, 1999, p.37).
56
A despeito da brutal assimetria dos receptores frente às empresas de mídia, Armand
Mattelart
45
, um dos mais respeitados estudiosos da Comunicação, acredita ser possível uma
ecologia da informãoque se empenhe em construir e eternizar os “contra-poderes”. Ao
ser questionado sobre as formas pelas quais os povos do mundo pudessem usar os meios de
comunicação para dominar a mídia, Mattelart
46
esclarece que:
É a filosofia da ação que motivou o lançamento, em 2002, no segundo Forum
Mundial Social (FMS) de Porto Alegre, do projeto de uma "força ético-moral",
encarnada em um observatório internacional dos meios (Media Watch Global). Este
observatório está destinado a multiplicar-se através de observatórios nacionais,
compostos por profissionais da informação, de todos os tipos de meios; de
universitários e pesquisadores de todas as disciplinas, em particular especialistas dos
meios e da informação; de usuários e observadores críticos da mídia e associações
que os representam. Observar é também estudar as causas estruturais dos silêncios
da cobertura midiática, a razão das censuras, das distorções, estar atento a todos os
debates e iniciativas que concernem às estruturas dos meios. Observar não é
estigmatizar, mas suscitar propostas.
Para compreender a "nova ecologia dos meios de comunicação” e como esta se
organiza na extensão do ciberespaço, também é relevante o paradoxo enunciado por Pierre
Lévy
47
, ou seja, que o ciberespaço, quanto mais universal (extenso, interconectado,
interativo), se torna menos totalizável, que a cada conexão suplementar mais
heterogeneidade se acrescenta; novas fontes de informação, novas linhas de fuga, de maneira
que o sentido global fica cada vez menos legível, cada vez mais difícil de circunscrever, de
encerrar e, portanto, de ser dominado. Nas palavras de Lévy,
(...) esse Universal acesso a um gozo do mundial, à inteligência coletiva em ato
da espécie. Faz-nos participar mais intensamente da humanidade viva, mas sem que
isso seja contraditório; ao contrário, com a multiplicação das singularidades e a
ascensão da desordem (...) a ecologia das técnicas de comunicação propõe, os atores
humanos dispõem. Eles são quem decidem em última instância, deliberadamente ou
na semi-inconsciência dos efeitos coletivos, do universal cultural que juntos estão
construindo. E, para isso, devem ter percebido a possibilidade de novas escolhas
(LÈVY,1999, p.47) (Grifo da autora).
Para esse autor, o ciberespaço pode favorecer uma evolão geral da civilização, na
medida em que propicia o surgimento do que denomina inteligência coletiva, que se
pressupõe universal. O ciberespaço tem otimizado a comunicação entre computadores,
disseminando a pesquisa de informações, bem como a possibilidade de comunicação de
coletivo para coletivo, por intermédio das mailing lists. Alguns desses sistemas, segundo
afirmava Lévy em 1999, funcionavam apenas em redes especializadas de grandes empresas
ou por alguns serviços comerciais. Atualmente, os newsgroups ou simplesmente news, como
45
Em entrevista concedida ao portal Minga Informativa de Movimientos Sociales, dispovel em:
http://movimientos.org/foro_comunicacion/show_text.php3?key=4997
46
Idem
47
“O Universal Sem Totalidade, essência da Cybercultura”, artigo disponível em:
http://www.sescsp.org.br/sesc/conferencias/subindex.cfm?Referencia=168&ID=36&ParamEnd=9
57
são chamadas as conferências eletrônicas via Internet promovem a visibilidade dos grupos de
discussão que são constitdos em função dos assuntos cujo interesse é comum ao grupo.
Nesse mesmo trabalho, o autor menciona também o aparecimento de dispositivos de ensino
em grupo destinados ao compartilhamento de recursos computacionais, antecipando o
conceito do que hoje é chamado de educação a distância ou e-learning. Tais dispositivos
promovem a discussão coletiva e o compartilhamento do conhecimento, bem como o acesso a
tutores online, a base de dados e hiperdocumentos, além de simulações.
Entretanto, como veremos a seguir, existem possibilidades alternativas a esse
processo. Incentivar práticas coletivas de gestão da informação e defender valores humanistas
(que fujam da lógica de mercado) nos conteúdos parece ser uma estratégia válida na luta
contra-hegemônica. Porém, antes de abordar como, principalmente, na Internet se operam
novas manifestações de movimentos alinhados com a crítica a hegemonia do neoliberalismo
resulta importante salientar a existência do conflito social num sistema claramente marcado
pela desigualdade e predominância de uns grupos sobre os outros.
3.2 Conflito social e ciberativismo
As páginas anteriores evidenciaram as desigualdades existentes dentro da sociedade na
qual prevalece o capital. Resulta difícil imaginar que dentro dela não existam contradições e
desigualdades uma vez que, principalmente, um grupo acaba usufruindo os benefícios e
demais vantagens dentro desse tipo de configuração social. Ocorre uma disputa, nem sempre
explícita ou visível, na qual cada segmento procura criar seus argumentos e justificativas para
prevalecer no poder. No entanto, o conflito existe, seja velado ou público, razão pela qual se
torna importante caracterizar as suas dimensões e manifestações.
Ao procurar um sentido para a palavra conflito, é possível encontrar um primeiro
significado no verbo confligere
48
(lutar, brigar, guerrear) o que já expressa e sugere uma
contraposição entre perspectivas, idéias, ideologias, pessoas e ações. Ou seja, conflito
pressupõe confronto entre pontos de vista incluindo neles o as pessoas, como também
suas idéias e posicionamentos. Avançando na tentativa de especificar a natureza do conflito,
uma contribuição bastante elucidativa pode ser a dada por Eugenio Willems, no Dictionnaire
de Sociologie, quando dimensiona o conflito social como:
(...) competição consciente entre indivíduos ou entre grupos, que visa à sujeição ou a
destruição do rival. O conflito pode revestir formas diversas, como a rivalidade, a
discussão, até o litígio, o duelo, a sabotagem, a revolução, a guerra, compreendidas
nele, portanto, todas as formas de lutas abertas ou não (WILLEMS, apud
MIRANDA ROSA,1996, p.78).
48
Segundo o dicionário virtual multilíngüe Babylon, versão 6.0 ( www.babylon.com ), a tradução latim-inglês
do termo conflict em latim é confligo. V. clash| collide; contend/fight/combat; be in conflict/at war;
argue/disagree.
58
As colocações anteriores indicam claramente a necessidade de empreender o
entendimento do conflito social em um contexto no qual sua manifestação nada mais significa
que a manifestação de embates resultantes de uma tentativa de fazer valer visões portadoras
de valores dentro de uma determinada sociedade. Ele é a manifestação concreta dos
antagonismos de grupos e classes e, por meio dele, se evidencia a experiência concreta de
construção de sujeitos sociais, configurando as identidades coletivas a partir de motivações e
interesses compartilhados, os quais vão dar forma às estratégias de luta, às organizações e às
manifestações. É através dos conflitos sociais que o homem provoca mudaas na sociedade.
Se, em essência, conflito social é luta e se a luta pressupõe a defesa de interesses, convém
levar em consideração a maneira como se constroem tais interesses. Não cabe aqui elaborar
um tratado sobre tal problemática, embora não se possa ignorar a necessidade de mapear
algumas contribuições destinadas a construir um sentido para esse processo de embate social.
Para Ralf Dahrendorf (1992) o conceito de conflito social abrange desde as disputas
intrapessoais (de ordem psicológica e de consciência) até atingir os conflitos sociais entre
povos, instituições e nações. Para esse cientista, os conflitos sociais contribuem para o
desenvolvimento do sistema social constituindo a essência da sociedade, desde seus
primórdios até a contemporaneidade. Por um lado, impulsionam a sociedade para mudaas
criativas, mantendo viva a transformação histórica. Por outro, fornecem os elementos
direcionadores da sociedade. Por isso, Dahrendorf (1992:43-44) entende o conflito como o
relacionamento de elementos que se caracterizam pelo contraste entre o objetivo e o subjetivo
que, no caso do conflito social, deriva da estrutura social, configurando uma situação de
confronto entre segmentos sociais distintos e opostos. Comenta, ainda, que as posições dos
atores em um cenário de conflito, são delineadas a partir de interesses. A emergência para que
determinados conflitos irrompam depende da força aglutinadora desses interesses e, na
medida em que tais interesses se ampliam no âmbito de uma determinada coletividade, cresce
a probabilidade de que um conflito venha a se configurar e se manifestar.
Na explicação do mesmo autor, para Marx, a história da humanidade e,
conseqüentemente, da sociedade humana, é uma história da luta de classes, situação extrema
dos conflitos e confrontos entre opressores e oprimidos, que na civilização moderna, se
aglutinam em função dos antagonismos entre as forças produtivas o proletariado e as
forças proprietárias a burguesia. Enquanto houver dependência da propriedade privada dos
meios de produção, haverá classes sociais e, conseqüentemente, a formação de conflitos
sociais, porque propriedade, de um lado, significa donio e, de outro, exclusão e servidão
práticas o aceitas passivamente pela sociedade. A conscientização coletiva (desalienação)
59
da situação de carência e escassez é a condição para que os contrastes se evidenciem,
impelindo ao conflito e ao confronto. Nas palavras de Dahrendorf:
As classes dominantes representam as “relações de produção” características de uma
época. O que significa, neste caso, que elas têm interesse em manter as coisas como
estão; as “coisas” aqui significando acima de tudo os padrões de riqueza existentes,
as leis que lhes dão estabilidade e a distribuição do poder que os sustenta. As classes
oprimidas, por sua vez, extraem seu vigor das novas “forças produtivas”. Estas
forças incluem tudo aquilo que trabalha no sentido de mudanças, tais como novas
tecnologias, novas formas de organização, novas regras do jogo, e novos donos
deste jogo (DAHRENDOF,1992, p.19) (Grifo da autora).
Dahrendorf entende, ainda, que, durante certo período e em função das relações acima
expostas, as forças produtivas encontrarão formas de expressão adequadas às condições legais
e sociais dominantes, mas assinala que, em função do entrave decorrente das relações de
propriedade e de poder, o potencial social de satisfação dos desejos humanos, quando
represado, tende a se incompatibilizar justamente nessa arena (a da satisfação dos desejos
humanos), maximizando a intensidade da luta de classes. Para ele, “As revoluções não são
somente expressões extremas de protesto, mas afirmações de novos modos de organização
social” (Dahrendorf, 1992:20), pois são elas que criam as condições para o desenvolvimento
das oportunidades antes entravadas por um antigo regime.
Mais recentemente, as análises estruturais destinadas a desvendar a noção de conflito
social têm priorizado a segmentação e particularização dos embates sociais. Surgem, nesse
contexto, novas formas de entender a sociedade e de participação visando objetivos mais
específicos como a preservação do meio ambiente ou a defesa de grupos minoritários. De
maneira ampla, todas essas questões acabam sendo colocadas dentro de uma nomenclatura
capaz de abrigar essas manifestações entendidas como uma disputa pela conquista e
ampliação dos direitos das pessoas, ou seja, pelo alargamento da cidadania.
Dahrendorf (1992) relata que na Atenas do século V a.C., o cidadão era o habitante da
cidade, sublinhando que, por cidadão, subentendia-se o indivíduo masculino e livre. Para
sintetizar as características de cidadania, esse autor se vale de um texto de Tucídides (em
tradução feita por CROWLEY, em 1952) a respeito da Guerra do Peloponeso, no qual ele
relata que Péricles explica aos sobreviventes as razões pelas quais seus entes queridos haviam
tombado e descreve a constituição da cidade. Tal texto é o seguinte:
Sua administração favorece a muitos ao invés de a poucos; por isso ela é chamada
de democracia. Se formos às leis, elas permitem justiça igual para todos nas suas
diferenças particulares; se à situação social, o avanço na vida pública é decorrência
da reputação de capacidade, não sendo permitido que considerações de classe
interfiram no mérito; nem, mais uma vez, a pobreza bloqueia o caminho, se um
homem for capaz de servir ao estado, ele o será prejudicado pela obscuridade de
sua condição.
Sem pretender realizar aqui uma retrospectiva histórica e conceitual da noção do termo
cidadania, mas com a intenção de contextualizar tal abordagem para melhor compreender
60
questões pontuais acerca da Sociedade Civil Global faz-se oportuno relembrar que na Grécia
dos séculos VI e V a.C, cidadão era todo aquele que tinha o direito e o dever de contribuir
para a formação do governo, criando-se, assim, a tradição da cidadania potica.
Aquele sentido original de cidadania, em nossos dias sofreu algumas transformações.
Sabemos que em um primeiro momento a cidadania dizia respeito aos direitos e às obrigações
entre o Estado e o cidadão. Portanto, cidadania representava um conceito recorrente ao se
abordar aspectos tais como a justa, os direitos, a inclusão social, a ecologia, a coletividade e
a causa pública no âmbito de determinado estado-nação. Cidadania implicava, portanto, nas
conquistas e nos usos dos direitos civis, políticos e sociais, encerrando, em si mesma, uma
evidente dimensão potica que acabaria sendo ampliada com o passar do tempo.
Margarida Kunsch (2005, p.23) observa, então, que o problema axial da cidadania
reside em quem e como pode exercê-la. Para essa autora, duas distinções são necessárias: a
primeira, diz respeito à cidadania como direito; em um segundo momento, coloca-se a
questão da incapacitação potica dos cidadãos, “(...) em razão do grau de domínio dos
recursos sociais e de acesso a eles” (idem, p.22). Kunsch observa ainda que da mesma
maneira que na ágora grega escravos, mulheres e metekes (estrangeiros) dela o
participavam, no Brasil, por exemplo, a mulher e os analfabetos iriam adquirir o direito ao
sufrágio universal apenas em 1934 e 1988, respectivamente. Portanto, ainda na
contemporaneidade, a cidadania não é exercida de forma homonea entre todos os
indivíduos, em todas as nações. De país para país, dependendo do peodo histórico em
questão observa-se, freqüentemente, que apenas uma parcela da populão pode exercer a
cidadania plenamente. Ressalte-se também que a participação do cidadão prescinde da
organização coletiva. São os agrupamentos coletivos ou movimentos sociais francamente
organizados que atuam juntos, ainda que de maneira não institucionalizada, para transformar a
sociedade. Ou seja, a participação dos movimentos sociais é o que efetivamente constituia
dinâmica e operabilidade daquilo que Gramsci entendia por sociedade civil.
As estruturas institucionais que favorecem a cidadania, portanto, têm origem na esfera
estatal, enquanto a sociedade civil atua na esfera pública, arena na qual grupos se criam e se
engajam em debates e tais associações e organizações, originadas nesse meio, passam a
pressionar em direção a determinadas opções poticas, fortalecendo as estruturas
institucionais que favorecem a cidadania.
Kunsch (2005, p.32) ressalta que:
Se observarmos o que esacontecendo ao redor do mundo, verificaremos que o
inúmeras as novas formas de cidadania que vão surgindo como respostas ao
descontentamento da sociedade ante as atitudes e os comportamentos do Estado, dos
grupos econômicos e políticos, do mercado e em relação aos organismos
internacionais, bem como para encontrar alternativas e soluções para desenvolver
ações construtivas e parcerias entre o poder políticos e a iniciativa privada.
61
É exatamente nesse contexto que a Comunicação passa a ter papel fundamental, na
medida em que será o agente portador de muitas vozes e propostas de ações. Assim, percebe-
se que os meios de comunicação direta, especialmente a mídia alternativa, passam a se
articular em função de estratégias e táticas visando à consecução de objetivos específicos
destinados à valorização dos princípios da democracia, bem como da diversidade, do
pluralismo e da justiça social, no intuito de reinventar a cidadania para enfrentar as investidas
dos aspectos autoritários do processo de globalização ora em curso.
Um desses aspectos, talvez a característica fundamental da globalização em curso,
como já observado no capítulo anterior, diz respeito à ditadura do mercado, no qual fica
evidente a redução do papel do cidadão à mera condição de consumidor. Na tentativa de
entender as alterações por que passaram as possibilidades e as formas de exercício da
cidadania, através do fenômeno da globalização, entende-se que a demonstração da "maneira
de consumir" é um dado fundamental para a compreensão de tais transformações, pois,
segundo Garcia Canclini, “a participação social é organizada mais através do consumo do que
mediante o exercício da cidadania” (1995, p.14).
O mesmo autor salienta que
O consumo é o lugar onde os conflitos entre classes, originados pela desigual
participação na estrutura produtiva, ganham continuidade através da distribuição e
apropriação de bens. Consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que
a sociedade produz e pelos modos de usá-lo (Apud CANCLINI, 1995, p.78).
Isto posto, entende-se que não se pode negligenciar a responsabilidade de proceder à
análise dos aspectos econômicos, poticos e sociais que determinam o modo de produção e as
condições materiais da existência de um determinado momento histórico o que alguma
maneira foi realizado nos capítulos anteriores. Se, por um lado, tais aspectos asseguram
determinados padrões de relação entre os indivíduos, por outro, serão os elementos
desencadeadores de conflitos e disputas que colocarão em cheque a direção moral e
intelectual dos estados e, portanto, a direção ideológica dos mesmos na qual a sociedade civil
é obrigada a conviver aceitando, ou não, tais bases e princípios sustentadores do poder
instituído.
Mas, quando se pensa nas possibilidades oferecidas pela Internet, tal como
evidenciadas nas páginas anteriores, o se pode esquecer, mesmo com todos os avaos e
possibilidades de acesso, que boa parte da população fica ainda fora das possibilidades de
ingresso no mundo da Web. Resulta, em função dessa situação, a origem de alguns termos
bastante elucidativos que expressam essa ocorrência: os incluídos e os excluídos. O problema
dos incluídos versus os excluídos, no âmbito do uso das Tecnologias da Informação e da
Comunicação, passa, prioritariamente, por questões socioeconômicas e pelas discrepâncias
62
tecnológicas entre territórios descontínuos, como já demonstrado por Castells (1999).
Apartheid digital ou infoexclusão são termos que têm sido usados freqüentemente para
designar o fosso tecnológico entre países e pessoas ricas e países e pessoas pobres. Entretanto,
se uma relação direta entre info-inclusão e inclusão social, percebe-se que a recíproca não
é verdadeira:
Pode-se ter condições financeiras suficientes e ser infoexcluído (como parece ser o
caso de 23% dos norte-americanos que não usam a Internet, alegando “falta de
necessidade”; ou, em alguma medida, da auto-exclusão voluntária (...). Mas, via de
regra, não se consegue ser pobre e infoincluído, uma vez que a segunda idéia
presente no conceito deixa implícita a existência de um âmbito (espacial ou
temporal: mundo “digital”, sociedade “da informação”, universo “infotecnológico”,
era da “ciberespacialização”, época “numérica” etc.) considerado como totalidade,
em relação ao qual ou se está dentro ou se está fora e só fica dentro quem cumpre
os rígidos pré-requisitos estabelecidos pela lógica de funcionamento da cibercultura
(BECKER, 2002, p.3)
49
.
Do ponto de vista daqueles indivíduos que estão na base da pirâmide socioeconômica,
info-inclusão é um conceito cuja possibilidade de viabilização de recursos ou de meios
demanda, de acordo com Becker (2002, p.3-5): 1) infra-estrutura e equipamentos
(microcomputador, softwares, multimídia, scanner, impressora, linha telefônica ou outro tipo
de conexão cabo, ondas de rádio), placa de rede ou de fax-modem e serviços de um provedor
de acesso, mais as condições financeiras para as constantes atualizações que propiciem
compatibilidade com a velocidade tecnológica; 2) instrumental cognitivo, que compreende
tanto a própria alfabetização digital quanto a velocidade operatória necessária para participar
ativamente tanto da recepção como da elaboração de conteúdo próprio para circular na rede,
mais as habilidades para localizar, qualificar e tratar a informação visando transformá-la em
conhecimento; 3) compreender tanto quantitativa como qualitativamente a ampliação da
circulação em rede de informações, saberes e criações de grupos diversos, organizações e
comunidades locais; 4) acesso público e gratuito, que disponibilize um mínimo de conteúdo
necessário ao desenvolvimento do conhecimento cidadão, já que o acesso a grande número de
sites (por exemplo, aqueles de jornais e revistas) são franqueados apenas aos assinantes da
edição online ou aos usuários de determinados provedores de acesso, ou exclusivamente a
portadores de cartões de crédito. Portanto, a info-inclusão resolve antes os problemas dos
ricos que o dos pobres e parece válida a assertiva de Maria Lúcia Becker quando afirma que
(...) o exercício da cidadania, atualmente requer desde a construção da
autoconsciência até a ação coletiva planejada, informada e sincronizada no espaço-
tempo local, regional, nacional e global, passando obviamente pela constituição de
sujeitos de enunciações/atores sociais com capacidade de resolução de problemas
locais e globais, o que implica uma integração menos assimétrica dos pobres à
cibercultura. (idem nota 6, p.13)
49
In “Cidadania na era da cibercultura. considerações epistemológicas sobre a infoinclusão no Brasil”, artigo
disponível em: http://www.comunica.unisinos.br/tics/textos/2002/T2G4.PDF
63
Assim, embora os termos infoinclusão e cidadania não possam ser tomados como
sinônimos e, em uma análise mais acurada, a lógica da cibercultura se demonstre excludente
sob vários aspectos, a história da Internet e o uso que dela vêm fazendo os movimentos
sociais, as organizações não-governamentais e as entidades civis de todo o Planeta, percebe-
se, pelo exame de fenômenos de comunicação específicos decorrentes do ativismo digital, que
os ciberativistas têm envidado esforços para subverter tal lógica a partir da militância com
foco nos mais variados tipos de desigualdades e em torno de conflitos de inúmeras naturezas.
Durante os anos de 1990, antes mesmo de a Internet tornar-se a grande teia planetária
que é hoje, uma significativa parcela das Organizações Não-Governamentais (ONGs)
empenhou-se em se organizar em
(...) redes preocupadas em se articular de forma a deflagrar ações locais e globais,
particulares e universais, intraorganizacionais (divisões e ramificações de uma
mesma entidade) e interorganizacionais (entre diferentes ONGs) (MORAES:2001,
p.68-73).
Moraes (idem) nos explica também que as razões dessa reconfiguração se deram em
função das exigências de intensificação de parcerias diante da internacionalização de conflitos
sociais e ambientais, priorizando-se a necessidade de ampliação de mecanismos de oposição
ao neoliberalismo e seus efeitos deletérios: em função do absolutismo do mercado e do lucro,
as décadas de 1980 e 1990 trouxeram o esvaziamento dos poderes públicos e o conseqüente
desprestígio das instituições de representação popular - o sindicalismo, em especial. Constata-
se também, nesse período, o crescimento das taxas de desemprego e o empobrecimento de
significativas parcelas da população, principalmente nos países em desenvolvimento, bem
como a competição desenfreada, premissa maior da economia de mercado.
Em reação às imposições da globalização neoliberal, as muitas vozes que se somam no
ciberespaço representam grupos identificados cujo objetivo geral visa à proposição e
consolidação de novos modelos de democracia participativa e de desenvolvimento econômico
comunitário, entendidos como antídotos para os efeitos perversos da globalização capitalista.
Potencializando as possibilidades de intercâmbios entre produtores, emissores e receptores, a
Internet contribui para dinamizar as lutas em favor da justiça social num mundo que globaliza
desigualdades de toda ordem.
Desestruturando a clássica hierarquia comunicacional, na qual os meios ocupam o
topo da pirâmide, enquanto os destinatários das mensagens que os primeiros produzem são
represados em sua base, o ciberespaço possibilita que seus usuários se assumam como atores
comunicantes que pensam, analisam, combinam e produzem em função de preocupações e
interesses comuns. Nessa nova ecologia comunicacional, cuja substância é composta por um
imenso hipertexto e que se comporta auto-organizando-se e retroalimentando-se,
continuamente, a partir de interconexões generalizadas, esse organismo vivo, como sugere
64
Moraes (2001)
50
, “põe a memória de tudo dentro da memória de todos”. Diante de tal cenário,
a atual relação dos movimentos sociais com os meios de comunicação configura-se em
fenômeno inédito, na medida em que possibilita a horizontalidade da comunicação,
inaugurando um modelo de militância descentralizada, porém interligada pela Internet,
colocando em xeque a estrutura piramidal da grande mídia e favorecendo o surgimento e a
visibilidade de novos campos de expressão contra-hegemônicos.
Em meio a essa profusão de possibilidades interativas, a cibermilitância se mobiliza
deflagrando campanhas, distribuindo manifestos e informações em tempo real, realizando
oficinas de cidadania, cursos à distância para formação de ativistas e desempenhando o papel
de centrais de denúncias de violações dos Direitos Humanos. Os recursos dos quais os
ciberativistas dispõem são o correio eletrônico, os grupos de discussão, as bases de dados
compartilhados, os fóruns para a discussão de poticas públicas e parcerias em eventos, o
compartilhamento de deos e de arquivos em áudio e texto.
Segundo Moraes (2001)
51
, as experiências conduzidas pelos ciberativistas
(...) buscam compatibilizar programas e objetivam o fortalecimento dos laços
comunirios na contramão, portanto, do ideário neoliberal, que menospreza a
organização social e desqualifica a política como ação pública transformadora.
Dessa forma, o modus operandi dos ciberativistas confere flexibilidade às
mobilizações sociais e possibilita, ao mesmo tempo, a coordenação das lutas nos níveis locais
e globais, condição essencial para a globalização das resistências à ordem dominante.
Moraes (idem, nota 7) esclarece que as possibilidades da Internet, enquanto ferramenta
para o ativismo digital passaram a ser percebidas a partir de junho de 1999, quando a
Associação pela Taxação das Transações financeiras para a Ajuda das Cidadãs e Cidadãos
(ATTAC), um movimento internacional pelo controle democrático dos mercados financeiros
e suas instituições, fundada por Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique
(também fundador da organização Media Watch Global) promoveu, em Paris, um encontro
internacional cujo objetivo era o debate acerca de alternativas de atuação para os movimentos
sociais em escala mundial. O documento final resultante dos debates decorrentes desse
encontro enfatizava a necessidade de promover o amplo conhecimento das lutas e ações em
curso, quer nacionais quanto internacionais, relacionadas à resistência à ditadura dos
mercados, em especial através de redes que estreitassem o contato entre as organizações de
diversos países. O referido documento acrescentava:
Desde já, é preciso desenvolver redes em escala internacional, para facilitar as trocas
e fazer circular as informações sobre as lutas e as ações dos distintos movimentos. A
50
Em artigo intitulado Comunicação alternativa e redes virtuais: os movimentos sociais na Internet”,
disponível em: http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera03/perfil/mat1/txtmat1.htm
51
Em texto intitulado O ativismo digital”, disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/moraes-denis-ativismo-
digital.htm
65
Internet é o meio mais econômico e mais eficaz. A lista de discussões via Internet
denominada "transattac" deve reassumir seu papel de local de trocas do movimento
internacional. Listas específicas e pontuais serão montadas para compartilhar as
informações sobre as diferentes ações adotadas.
52
Dessa ocasião em diante, percebe-se que as ONGs convenceram-se de que, com a
economia globalizada e em função da instantaneidade de fluxos eletrônicos, os agentes sociais
deveriam interconectar-se, pois problemas, conflitos, negociações e encaminhamentos
adquirem proporções imprevistas, inclusive planetárias, o que requer respostas nas mesmas
dimensões. Assim, a partir do segundo semestre de 2000, a incursão das ONGs na Web
acentuou-se. As mobilizações virtuais influenciaram os protestos antiglobalização que
aconteceram em Seattle, Nice, Praga, Quebec, Barcelona, Gotemburgo, Washington, Davos e
Gênova, por ocasião das reuniões de cúpula do G8 (os sete países mais ricos do mundo, mais
a Rússia) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), reuniões essas denominadas de “Rodada
do Milênio”, promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
As estratégias e táticas adotadas pelos ciberativistas privilegiam a ação direta, com
efeitos imediatos, já que a web cria condições para uma conexão sem intermediários entre o
emissor e a audiência. Foi o que se verificou durante a cobertura da reunião anual do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial, de 26 a 28 de setembro de 2000, na República
Tcheca, quando agências de notícias vinculadas a ONGs que promovem os Direitos
Humanos, como a Indymedia (www.indymedia.org) e a Direct Action Media Network
(www.tao.ca/earth/damn), montaram um verdadeiro quartel general em Praga. Munidos de
notebooks acoplados a modems, os ativistas enviavam a inúmeras instituições e veículos
independentes relatos do que se passava dentro e fora do encontro, com ênfase nos protestos
contra o FMI (MORAES, idem nota 8).
Essa mesma estratégia de difusão virtual foi utilizada em nova, em 2001. Nessa
ocasião, a web desempenhou papel fundamental na convocação de centenas de entidades civis
européias, unidas em protesto contra a reunião dos líderes do G8. Agências de notícias
independentes denunciaram o barbarismo patrocinado pelo aparato policial do governo de
Silvio Berlusconi, com fotos e vídeos que se espalharam pelo mundo em instantes e quem
acompanhava o desenrolar dos acontecimentos por meio da web e pela TV, pode constatar
que os ativistas divulgaram os fatos em primeira mão, com larga vantagem em relação à
cobertura televisiva.
Apoiados em processos interativos mediados pelas Novas Tecnologias da Informação
e da Comunicação, cujo escopo reduz a dependência dos meios tradicionais, o modelo de
expressão adotado pelos ciberativistas desafia a mídia oficial e sua crônica desconfiança nos
52 Documento disponível em: www.geocities.com/CapitolHill/Congress/7782/textos/docparis.rtf
66
movimentos ativistas. Alicerçando campanhas e aspirações à distância, a rede propicia, graças
à plataforma digital, os chamados à mobilização social. No ritmo da globalização de muitas
causas (preservação do meio-ambiente, Direitos Humanos, combate à fome e desigualdades
de toda ordem, luta por um sistema de comunicação pluralista etc.), o ciberativismo,
congregando as entidades civis, faz uso da Internet enquanto canal blico de comunicação,
livre da rígida regulamentação e dos controles externos e internos dos outros meios para
disseminar informações e análises que contribuam para o fortalecimento da cidadania,
questionando as hegemonias constituídas.
Por meio da rede, as intervenções dos movimentos sociais ganham agilidade e
visibilidade, além do que, a constituição de comunidades virtuais em seu entorno reforçam a
sociabilidade potica e ―a prática de uma ética assentada em princípios de diálogo, de
cooperação e de participação‖ (MORAES: 2002)
53
.
Para compreender a articulação das ferramentas virtuais que compõe o arsenal
comunicacional utilizado pelos ciberativistas, o próximo capítulo examinará a web site que
congrega a Boycott Bush Network, a partir da metodologia de estudo de caso, considerando
que tal metodologia se adéqua à formulação das muitas indagações suscitada pelos boicotes
enquanto forma de ativismo, ao mesmo tempo em que possibilita o compartilhamento dos
conhecimentos obtidos durante a investigação desse objeto.
Figura 1: Manifestação da União Nacional dos Estudantes (UNE) na Avenida Paulista,
em SãoPaulo, quando da visita de George Bush ao Brasil em 2005
Fonte: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=13568 (acesso em 22/06/2007)
53
In “Comunicação alternativa e redes virtuais”. Semiosfera, Rio de Janeiro. v.3, 2002 também disponível em:
http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera03/perfil/mat1/txtmat1.htm
67
CAPÍTULO IV
CIBERATIVISMO E PRÁTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS
A ação sempre será mais controversa que a inação‖
Samuel Adams
Nos capítulos anteriores, construiu-se um cenário destinado a identificar os
componentes formadores e legitimadores de um grupo que faz valer seus pontos de vista
usando de instrumentos e idéias para a consecução de seus interesses. Resta agora verificar
como tal empreitada é questionada por um dos muitos movimentos que usam as novas
tecnologias para expressar convicções contrárias aos setores predominantes. Assim, três
partes comem este capítulo. Na primeira, será desenvolvida uma explanação do boicote
como instrumento eficaz de contestação na sociedade. Nem sempre as ações violentas
causaram transformações sociais. Dessa maneira, reitera-se aqui a concordância com essa
forma de ação na sociedade. Na segunda, apresenta-se o quadro no qual se insere o
movimento Boycott Busch, assim como se coloca algumas das informações oferecidas para
justificar seu posicionamento contrário à expansão e intervenção da potica externa norte-
americana. Finalmente, na última parte, de maneira bastante concisa, algumas considerações
serão tecidas, destinadas a interpretar a validade da teoria de Gramsci dentro do objeto de
estudo selecionado.
4.1 O boicote como expressão da sociedade civil
Segundo o Dictionary of World History, originalmente publicado pela Oxford
University Press (2000) , o termo “boycott” originou-se na Irlanda em 1880, quando o militar
inglês Charles Cunningham Boycott (1832-1897), a serviço do latifundiário britânico, o nobre
Lord Earne, foi “boicotado por fazendeiros irlandeses famintos, arrendatários das terras em
posse de Boycott, por recusar-se a reduzir o preço do aluguel das mesmas, onde moravam e
trabalhavam. Aconselhados pelo líder nacionalista irlandês Charles Stewart Parnell (1846-
1891), os arrendatários das terras fiscalizadas por Boycott desencadearam um processo de
o-comunicação com Boycott, recusando-se a prestar a ele e sua família qualquer tipo de
assistência. Dessa forma, essa comunidade condenou seu senhorio ao ostracismo e o
procedimento que integrou parte de uma campanha pelos direitos dos trabalhadores irlandeses
deu à ngua inglesa o verbo "boycott", significando, em um primeiro momento, “colocar em
ostracismo”. A palavra inglesa deu origem, em português, à palavra boicote.
68
Ainda segundo o Dictionary of World History (2000), a campanha contra Boycott se
tornou uma cause célèbre na imprensa britânica. Durante seus desdobramentos, os jornais
britânicos enviaram correspondentes ao oeste da Irlanda para sublinhar o que eles viam como
a vitimização de um agente do governo britânico, pelos camponeses irlandeses. Cinqüenta
Orangemen
54
do Condado de Cavan viajaram para a propriedade de Lord Earne para salvar a
colheita, enquanto que um regimento de militares e mais de 1000 homens da Royal Irish
Constabulary foram mobilizados para proteger os trabalhadores rurais assentados nessas
terras. O episódio inteiro teve o custo estimado, para o governo britânico, de cerca de 10.000
libras esterlinas enquanto que o valor da colheita de batatas não ultrapassou as 350 libras
esterlinas, de acordo com as estimativas do próprio Capitão Boicote.
Desde então, o boicote tornou-se um método padrão da desobediência civil e potica
o-violenta e a história que deu origem a essa prática foi retratada no filme Captain Boycott
(1947), com direção de Frank Launder.
Desde a sua origem, os boicotes marcaram manifestações de importância histórica e,
portanto, merecem ser relembradas, para dimensionar o alcance que pode atingir um
movimento dessa natureza. O político indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) liderou o
movimento de libertação que resistiu ao maior império daquela época, o do Reino Unido. Em
sua militância contra as desigualdades sociais e pelo fim do Império Britânico em seu país,
Gandhi preconizou a luta o violenta, a desobediência civil e a potica do swadeshi - o
boicote a todos os produtos importados, especialmente os produzidos na Inglaterra. Em 1930,
Gandhi liderou também a Marcha do Sal, levando milhares de pessoas ao mar a fim de
coletarem seu próprio sal, boicotando os impostos que incidiam no preço final do produto.
55
O
resultado dessas ações acabou minando e colocando em xeque a supremacia dos
colonizadores ingleses, tornando irreversível o processo da independência indiana.
54
Segundo The Columbia Encyclopedia, (2008, 6ª.ed. dispovel em http://www.encyclopedia.com/doc/1E1-
Orangeme.html ) a Instituição dos Homens de Orange, geralmente conhecida como a Ordem dos Orange, é um
organização fraternal protestante fundada na Irlanda do Norte e na Escócia, com “lojas” ao longo da
Commonwealth e dos Estados Unidos. Foi fundada em Loughgall, município de Armagh, Irlanda em 1795; seu
nome é um tributo ao rei protestante holandês, nascido na Inglaterra, William III da Inglaterra (William II da
Escócia), da Casa de Orange-Nassau, significando, literalmente, “Homens de Orange”.
55
Cf. informações colhidas em http://www.gandhifoundation.org/history.html
69
Figura 2: 12 de março de 1930. Gandhi lidera a Marcha do Sal, também conhecida como
Satyagraha do Sal.
Fonte: http://byfiles.storage.live.com/
As ações de boicote ganharam aclamação popular como ferramenta de protesto não-
violento com o boicote aos ônibus em Montgomery, Alabama, EUA, organizado pelo Dr.
Martin Luther King Jr. em meados dos anos 1950, momento decisivo do movimento pelos
direitos civis da comunidade negra dos EUA. O episódio em questão teve início quando a
cidadã afro-americana Rosa Parks foi detida por se recusar a ceder seu assento no ônibus para
uma pessoa branca, impulsionando de forma inédita o movimento pelos direitos civis locais
mediante o desafio às leis segregacionistas. A grande repercussão do movimento levou o
Supremo Tribunal norte-americano a proibir a segregação racial nos transportes públicos em
1956. O boicote tornou-se um dos meios de protesto utilizados por organizações pacifistas e
que pregam o ativismo o-violento, desde então
56
.
56
Fonte: “The Montgomery Bus Boycott”, in African American Odyssey, dispovel em
http://lcweb2.loc.gov/ammem/aaohtml/exhibit/aopart9.html
70
Figura 3: Rosa Parks no momento de sua detenção em 22 de fevereiro de 1956,
pois liderava cerca de 100 pessoas acusadas de violar as leis de segregação racial
do Estado do Alabama, EUA.
Fonte: AP Photo/Gene Herrick.
Dispovel em http://www.montgomeryboycott.com
A partir dos anos 1990, os boicotes tornaram-se cada vez mais populares, recebendo
uma crescente atenção por parte da grande mídia. Uma das vitórias mais significativas dos
boicotes resultou na abolição do apartheid na África do Sul. As campanhas de boicote aos
produtos da Shell, Kellog`s e Coca-Cola, entre outras, haviam sido lançadas, mundialmente,
para protestar contra as políticas racistas do governo sul-africano. As companhias afetadas
pelo boicote receberam manifestações de acionários solicitando o não investimento no país,
catalisando as circunstâncias para a abolição do apartheid em 1994. Óbviamente, não se
pretende comparar as situações, mas novamente, é possível observar a dimensão social e
política desse movimento da sociedade civil, o que de alguma maneira, remete à
indepenncia indiana. Colocar em evidência uma situação tão injusta quanto aquela sofrida
pelos indianos originou transformações significativas para a população negra, tão
discriminada pela elite branca.
71
Figura 4: A política do apartheid nos EUA., representada em foto de Margaret Bourke-White
(1904-1971). A foto é de cerca de 1940.
Fonte: http://masters-of-photography.com/images/full/bourke-white/b-w_living.jpgg
Outra campanha pró-boicote, recente e significativa, foi lançada em 1995 pelo
International Peace Bureau, em oposição aos testes nucleares franceses na Polinésia Francesa.
Em especial, a indústria vinícola francesa foi duramente atingida por essa campanha, por
causa de sua popularidade internacional. De acordo com Bruce Hall, coordenador do
Comprehensive Test Ban Clearinghouse, o boicote combinado aos protestos, teve um impacto
real: o número de testes foi reduzido em 25%. Adicionalmente, o presidente francês Jacques
Chirac comprometeu-se a assinar o TIPT (Tratado Inclusivo de Proibição de Testes).
Finalmente, em 1998, a França ratificou o TIPT.
Algumas campanhas pró-boicotes são significativas pela sua duração. A mais longa
durou 12 anos, lançada pelo Irish National Caucus contra a Ford Motors. Essa campanha
terminou em 1998, quando a companhia concordou em implementar os princípios de
McBride. Estes princípios impediram que empresas dos EUA subsidiassem a discriminação
anticatólica na Irlanda do Norte. O mesmo país no qual os boicotes tiveram sua origem
continuam a se valer dessa prática para aprimorar direitos e estabelecer uma relação dialógica
entre distintas instâncias da sociedade.
Enquanto formas não-violentas de protesto, os boicotes agregam a essa característica
outros pontos positivos relevantes: quando bem organizados, são bem sucedidos na maior
parte das vezes e podem ter grande impacto nas atitudes e práticas das companhias além de,
72
conseqüentemente, influenciarem as poticas de governo. Segundo a Revista Insight,
(26/10/87, p.44), pesquisas feitas nos EUA demonstram que deres em negócios consideram
os boicotes mais eficazes do que outras técnicas utilizadas pelo consumidor, tais como ações
legais de classe, campanhas de cartas à empresa, ou lobby potico. Os boicotes ameaçam
diretamente as vendas e, portanto, os líderes das empresas os levam a sério, mesmo quando
apenas uma pequena parcela dos clientes é influenciada. De acordo com John Monogoven (na
mesma publicação acima referendada), vice-presidente senior da Pagan International Inc.,
empresa de relações públicas norte-americana, o sucesso da ação de boicote significa mais do
que apenas uma queda nas vendas. Muito raramente o impacto é sentido nas caixas
registradoras. Na verdade, eles têm problemas com a moral dos empregados empregados
o gostam de trabalhar para uma empresa que está sendo criticada e questionada, além do
que, atingem diretamente a imagem das marcas boicotadas, esse sim, considerado um estrago
relevante para qualquer indústria ou instituição do sistema produtivo. Na tentativa de
recuperar sua credibilidade e imagem perante a sociedade, executivos e profissionais de alto
nível desperdam boa parte de seu tempo tentando contornar os efeitos de tal prática, quando
na verdade poderiam estar desempenhando outras fuões estratégicas. Pela mesma razão, as
empresas têm problemas em recrutar os melhores estudantes de faculdades e universidades
que não desejam ver seus nomes associados a empresas envolvidas em processos rechaçados
pela população ou colocados em evidência pelas denúncias que partem da sociedade civil.
Desde os anos 90 do século XX, as campanhas pró-boicotes estão ficando mais
organizadas e têm recebido mais atenção da mídia. Se a grande mídia, por motivos óbvios,
o lhes dá o espaço devido, as dias alternativas têm se empenhado não em divulgar tais
campanhas, mas atuam ativamente, também, em todo o processo de mobilização, organização,
difusão e até mesmo, de aferição dos resultados obtidos. Como conseqüência, as campanhas
pró-boicotes tendem a se tornar cada vez mais eficazes em um período de tempo menor do
que os boicotes antecedentes. Hoje, por meio da Internet, um boicote feito por consumidores
pode receber o apoio de milhões de pessoas. Se a causa for mundial, a repercussão dos apelos
pró-boicotes podem atingir níveis não imaginados até bem pouco tempo atrás.
Conforme dados fornecidos pelo Internet World Stats, 1.407.724.920 de pessoas já
estavam on line em junho de 2008
57
e o gráfico da página seguinte revela a porcentagem da
distribuição dos internautas em função das regiões do globo.
57
Conforme publicado em http://www.internetworldstats.com/stats.htm
73
Figura 5: Mapa da distribuição mundial dos usuários de Internet. A fonte encontra-se abaixo do próprio gráfico.
Considerando que as novas tecnologias da informação têm popularizado os boicotes, e
que estes são instrumentos legítimos de exercício da cidadania, entende-se que a investigação
de suas causas, de seu modus operandi e seus efeitos deve ser realizada de maneira detalhada
e precisa, oferecendo subsídios para a difusão de mecanismos que privilegiem o consumo
ético e o aprimoramento das relações entre os produtores de bens e seus consumidores, as
instituições governamentais e a população.
Ainda, na tentativa de resgatar tais práticas e lançando o olhar para o Brasil, podemos
constatar como essa forma de exercitar os direitos civis também marcou nossa trajetória.
Dando um salto no tempo, no Brasil, em 1979, donas-de-casa se uniram para boicotar o
consumo de carne, devido aos altos e abusivos preços do produto. O movimento conseguiu
uma queda de 20% no preço do produto, segundo o Instituto de Defesa do Consumidor
(IDEC).
Em outubro de 2003, em mais um ataque aos bancos por causa da cobrança de altos
juros, surpreendentemente, o próprio vice-presidente da República do Brasil, José Alencar,
sugeriu que toda a sociedade boicotasse as instituições financeiras, não tomando empréstimos
ou contratando financiamentos, até que as taxas de juros caíssem. Recentemente, o IDEC
propôs um boicote às empresas de telefonia, o Caladão”, para pressionar a Presincia da
República a rever, junto com as empresas mencionadas, os reajustes abusivos das tarifas. O
instituto propõe o boicote ao uso dos telefones fixos às quintas-feiras entre 12h e 13h, tanto
para fazer como para receber chamadas, disponibilizando, no site do Instituto, um selo para
ser afixado nos telefones, cuja função é lembrar aos usuários a adesão ao boicote. Outra ação
de boicote, ora em curso no Brasil, foi deflagrada pela classe médica, contra as operadoras
74
dos planos de saúde. Segundo entidades médicas, há cerca de dez anos os médicos não
recebem quaisquer reajustes das empresas de planos de saúde, que, por sua vez, seguem
impingindo pesados aumentos para os pacientes. nos últimos sete anos, os planos subiram
248%, isso sem contar a recente majoração de 11,75% autorizada pela Agência Nacional de
Saúde. O Índice do Custo de Vida (ICV), no mesmo período, foi de 72,63%, segundo o
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos cio-Econômicos (DIEESE).
Enfatizando o contexto brasileiro, a partir do surgimento da Internet, os conceitos de
info-inclusão e cidadania, certamente, não podem ser tomados como sinônimos, embora se
reconheça que a info-inclusão se constitui direito de cidadania na fase atual da sociedade
tecnológica. Segundo Eugênio Trivinho (2000, p.222), a info-inclusão é “(...) um novo direito
em uma nova época como direito a essa época”.
Segundo informações colhidas em http://www.idbrasil.gov.br/, no Brasil, a inclusão
digital caminha a passos largos, favorecendo a mobilização popular e, a partir da edão pelo
governo federal do Decreto n.º 4.769, de 27 de junho de 2003, aprovou-se o Plano Geral de
Metas de Universalização (PGMU). Esse plano obriga as concessionárias de serviços de
telecomunicações a alinharem-se com as necessidades da sociedade, decorrentes das
inovações tecnológicas, tais como: Terminais de Acesso Público (que permitirão acessar
provedores de Internet a partir de terminais de uso público, os chamados "orelhões"); redução
das desigualdades sociais, por meio da implantação das Unidades de Atendimento de
Cooperativas (que levarão progressivamente serviços de telefonia e Internet para as
comunidades rurais); Defesa do Consumidor e Geração de Empregos, (mediante a instalação
gradativa de postos físicos de atendimento pessoal, para utilização de serviços e reclamações,
distribuídos no território nacional) e ampliação dos meios de Atendimento a Portadores de
Necessidades Especiais (com a adoção de telefones de uso blico adaptados para esses
usuários).
Além disso, foi aperfeiçoado o programa Governo Eletnico Serviço de atendimento
ao Cidadão (GESAC), objetivando a ampliação dos meios de acesso e universalização das
informações pela Internet. Com este programa foram implantados 3213 unidades de
comunicação, em banda larga, em parceria com o Ministério da Educação. O Ministério da
Defesa está instalando 400 unidades de conexão à Internet em regiões de fronteiras. No
âmbito do Programa Fome Zero, juntamente com o Ministério da Segurança Alimentar,
foram estruturados "Telecentros" em 3195 localidades abrangidas pelo Programa.
58
Para o Ministério das Comunicações brasileiro, segundo se lê em
58
Conforme dados colhidos em:
http://www.idbrasil.gov.br/localidades/ponto_presenca/controlador/pontopresenca/paginas/mapa_pt?perfil=publi
co
75
http://www.idbrasil.gov.br/menu_interno/docs_telecentro/sw_livre
(...) inclusão digital é sinônimo de software livre, para que seja econômicamente
sustentável e vinculada ao processo de autonomia tecnológica nacional, mediante a
utilização de plataformas abertas e o proprietárias. Considerando que o simples
fato de desenvolver softwares livres é um elemento de afirmação de nossa
cidadania, de nossa inteligência coletiva, de redução da depenncia tecnológica e
do pagamento de royalties ao Primeiro Mundo, o Ministério das Comunicações
prega que a essência do software livre reside em quatro liberdades que seus
usuários devem exercer:
1. liberdade de executar o programa para qualquer propósito; 2. liberdade para
estudar o programa e adaptá-lo às suas necessidades, ou seja, de ter acesso ao seu
digo-fonte; 3. liberdade de redistribuir suas cópias originais ou alteradas; 4.
liberdade para aperfeiçoar o programa e liberá-lo para benefício da comunidade.
O Plano de Inclusão Digital e Alfabetização Tecnológica aprofunda a visão da
educação, entendida como prática social transformadora da sociedade. A reflexão
crítica da sociedade e da mundialização será utilizada para fomentar práticas
criativas de recusa de todos os sentidos da exclusão social, inclusive de sua feição
tecnológica e concentradora de conhecimento em círculos fechados do Primeiro
Mundo. Por isso, “o uso do software livre é uma decisão político-educacional”.
Todo esse exercício em prol da inclusão digital supõe-se, demandará a contrapartida
da formação do cidadão, de suas apties e condições para o exercício da democracia. E,
mobilizar-se em torno de interesses comuns, é também uma forma de exercer a cidadania.
As os ataques às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001
em Nova York, e a subseqüente ofensiva militar dos Estados Unidos da América ao Iraque,
em 23 de março de 2002, a prática dos boicotes às multinacionais que apoiaram a candidatura
de George W. Bush à presidência dos Estados Unidos da América se disseminou rapidamente
por meio da rede mundial de computadores, contra as posturas assumidas por aquele governo,
sob o pretexto de combater o terrorismo.
Nos EUA concentra-se a maioria dos comis pró-boicotes, embora braços dos
mesmos sejam encontrados em todos os continentes. Este tipo de manifestação não-violenta
tem sido usada para protestar sobre questões globais ou nacionais, tais como práticas
trabalhistas injustas, liberdades civis, discriminações, direitos humanos, proteção aos animais
e ao meio ambiente, tendo por alvo práticas de companhias ou poticas de governo
envolvidas nessas questões.
Constata-se, portanto, que a partir dos anos 1990, o processo de globalização se
estende sobremaneira também pelo âmbito das relações sociais, influenciando a ação dos
agentes poticos coletivos. Imbricada na dialética da globalização que, ao mesmo tempo em
que a constrange também a coloca diante de novas possibilidades de ação potica, a sociedade
civil global influencia e é influenciada por tal processo. As bases onde o fenômeno dessa nova
sociedade se assenta são constrões autoconscientes que se erguem a partir de redes de
conhecimento e de ações descentralizadas que transpõem as fronteiras reificadas dos Estados,
desafiando-os por baixo, o que vem representar um projeto de reconstrução e re-imaginação
da potica mundial. Para os novos transnacionalistas, as fronteiras espaciais da sociedade
76
civil são distintas das fronteiras estabelecidas pelos Estados. Assim, a autonomia da sociedade
global, frente às fronteiras delimitadas pelos sistemas de Estados a impele a buscar novos
espaços poticos.
As a ofensiva militar norte-americana no Iraque, grupos ativistas em todos os
continentes se organizaram, por meio da Internet, em torno de um objetivo comum: boicotar
os produtos norte-americanos, no intuito de pressionar o governo dos EUA a juntar-se à
comunidade internacional, respeitando suas leis e submetendo-se às regras da Organização
das Nações Unidas (ONU), violadas pela forma como a invasão se deu.
O movimento partiu da organização o-governamental belga For Mother Earth
(www.motherearth.org) , que por sua vez é ligada à Friends of the Earth International
(www.foei.org), rede de ativistas, presente em mais de 150 países. No Brasil, o movimento
Friends of the Earth International assume o nome de Núcleo Amigos da Terra - Brasil
(NAT).
59
Os militantes do movimento Boycott Bush, alocados na URL www.boycottbush.org,
argumentam que algumas das multinacionais norte-americanas mais conhecidas em todo o
planeta, têm uma ligação financeira clara com a administração Bush: todas elas, segundo uma
entidade da sociedade civil denominada The Center for the Responsive Politics, doaram
vultuosas somas para as campanhas que conduziram George W. Bush à Casa Branca, tanto no
pleito de 2000 quanto no de 2004.
The Center for the Responsive Politics se define como:
(...) um grupo de pesquisa apartidário e sem fins lucrativos, com base em
Washington, D.C., que rastreia o dinheiro utilizado na política e seus efeitos nas
eleições e nas políticas públicas. O Centro administra pesquisas informatizadas
relacionadas a assuntos de finanças de campanha, fornecendo tais dados para a
mídia, para acadêmicos, ativistas e o público em geral. O objetivo principal da
entidade é o de criar um eleitor mais educado, um cidadão coletivamente envolvido
e um governo mais responsável.
60
Em função das evincias do envolvimento financeiro dessas multinacionais com a
administração do atual presidente dos EUA, os ativistas do Boycott Bush deflagraram sua
campanha de boicote aos produtos norte-americanos, argumentando que o Partido
Republicano tem interesses econômicos no Iraque, particularmente no petróleo e denunciam o
envolvimento da ExxonMobil/Esso, da General Motors e da American Airlines na invasão
daquele país.
Assim, os ativistas do movimento em questão exigem que os EUA: a) permita que a
59
Fonte: www.motherearth.org
60
Traduzido de: ―The Center for Responsive Politics is a non-partisan, non-profit research group based in
Washington, D.C. that tracks money in politics, and its effect on elections and public policy. The Center
conducts computer-based research on campaign finance issues for the news media, academics, activists, and
the public at large. The Center’s work is aimed at creating a more educated voter, an involved citizenry, and
a more responsive government‖; de acordo com a apresentação da instituição, disponível em
http://www.opensecrets.org/about/index.asp (Tradução da autora).
77
Organização das Nações Unidas (ONU) tome conta da administração civil no Iraque o mais
cedo possível e acabe com os ataques preventivos em outros estados; b) procure ativamente
uma solão para a Palestina e Israel, convencendo Israel a cessar fogo no bano; c)
reconheça a competência do Tribunal Criminal Internacional para julgar criminosos de
guerra e cancele todos os acordos bilaterais que comprometam tal competência; d) adote o
protocolo de Kyoto para controlar o aquecimento global; e) pare de forçar o uso de comida e
agricultura geneticamente modificada no mundo; f) acabe com o uso de duplos padrões no
que diz respeito às armas de destruição em massa (como por exemplo, as de Israel e as do
próprio estoque norte-americano); g) abandone o National Missile Defense ; h) ratifique o
Vasto Tratado Contra Testes Nucleares, respeite o Tratado da Não-Proliferação Nuclear
e esforçando-se para firmar um tratado de completo desarmamento nuclear; i) ratifique o
Protocolo da Convenção de Armas Biológicas, fortaleça a Convenção de Armas Químicas
e ratifique também o Tratado de Minas Terrestres.
Para tanto, conclamam a população ao boicote dos produtos das seis multinacionais
que mais contribuíram para a candidatura do republicano George W. Bush nos pleitos de 2000
e 2004, em fuão das claras ligações financeiras dessas empresas, segundo os dados
fornecidos pela Comissão de Eleição Federal dos Estados Unidos da América e divulgadas
pelo The Center for Responsive Politics, uma organização apartidária e sem fins lucrativos
com base em Washington, D.C. que procede ao rastreio dos recursos financeiros destinados à
política, bem como a alise dos efeitos desses investimentos nos resultados das eleições e
das poticas públicas. A instituição, conforme a apresentação da mesma em sua web site
conduz pesquisas automatizadas relativas aos usos de recursos de campanha, disponibilizando
os resultados para a dia, para pesquisadores acadêmicos, ativistas e para o público em
geral, com o intuito de criar um cidadão coletivamente envolvido e, conseqüentemente, um
governo mais responsável. O apoio ao Center for Responsive Politics é proveniente de
contribuições institucionais e individuais, sendo que a entidade não aceita doações de
empresas privadas nem de sindicatos trabalhistas.
Reproduz-se nas próximas páginas os dados fornecidos pelo www.opensecrets.org ,
relativos às doações em lares americanos, realizadas pelas seis empresas norte-americanas
(denominadas pelos ativistas the top 6‖), alvos principais da corrente ação de boicote, bem
como a soma de suas contribuições, tanto para os republicanos quanto para os democratas,
conforme dados atualizados em 11 de junho de 2006.
78
TOP 1: Altria Group (Philip Morris, Kraft Foods)
Election
Cycle
Total Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$797,753
$280,053
$517,700
35%
65%
2004
$1,232,907
$449,420
$782,237
37%
63%
2002
$4,062,175
$935,905
$3,126,270
23%
77%
2000
$3,880,651
$722,197
$3,157,754
19%
81%
2000 2006
$9,973,486
$2,387,575
$7,583,961
24%
76%
Source: Center for Responsive Politics (July 11, 2006)
TOP 2: ExxonMobil (Esso)
Election
Cycle
Total Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$406,557
$51,307
$355,050
13%
87%
2004
$925,166
$102,582
$820,134
11%
89%
2002
$1,180,246
$108,950
$1,070,846
9%
91%
2000
$1,391,955
$144,550
$1,242,705
10%
89%
2000 2006
$3,903,924
$407,389
$3,488,735
10%
90%
Source: Center for Responsive Politics (July 11, 2006)
79
TOP 3: ChevronTexaco
Election Cycle
Total
Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$242,487
$52,562
$189,925
22%
78%
2004
$499,242
$86,511
$412,731
17%
83%
2002
$1,307,081
$328,481
$978,600
25%
75%
2000
$1,565,826
$423,872
$1,140,954
27%
73%
2000 2006
$3,614,636
$891,426
$2,722,210
25%
75%
Source: Center for Responsive Politics (July 11, 2006)
TOP 4: PepsiCo Inc
Election
Cycle
Total
Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$159,142
$62,065.38
$97,076.62
39%
61%
2004
$439,930
$131,979
$307,951
30%
70%
2002
$1,324,326
$225,135.42
$1,099,190.58
17%
83%
2000
$852,255
$144,883.35
$707,371.65
17%
83%
2000 - 2006
$2,775,653
$564,063.15
$2,211,589.85
20%
80%
Source: Center for Responsive Politics: 2006 | 2004 | 2002 | 2000 (July 11, 2006)
80
TOP 5: Coca-Cola Company
Election
Cycle
Total
Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$190,670
$70,547.9
$120,122.1
37%
63%
2004
$311,504
$109,026.4
$196,247.52
35%
63%
2002
$849,208
$356,667.36
$492,540.64
42%
58%
2000
$779,753
$389,876.50
$389,876.50
50%
50%
2000 2006
$2,131,135
$926,118.16
$1,198,786.76
44%
56%
Source: Center for Responsive Politics: 2006 | 2004 | 2002 | 2000 (July 11, 2006)
TOP 6: McDonald's
Election
Cycle
Total
Contributions
Dems
Repubs
%
to Dems
%
to Repubs
2006
$116,475
$20,965.5
$95,509.5
18%
82%
2004
$358,268
$75,236.28
$283,031.72
21%
79%
2002
$270,994
$62,328.62
$208,665.38
23%
77%
2000
$466,787
$98,025.27
$368,761.73
21%
79%
2000 2006
$1,212,524
$256,555.67
$955,968.33
21%
79%
Source: Center for Responsive Politics: 2006 | 2004 | 2002 | 2000 (July 11, 2006)
Note-se que as empresas em questão efetuam doações tanto para o Partido
Republicano, quanto para o Democrata, sendo evidente o favorecimento percentual do
primeiro.
Apesar das seis empresas, alvo dos boicotes, não serem as maiores doadoras para as
duas últimas campanhas eleitorais norte-americanas, figuram no topo da lista dos ativistas em
função da atuação global das mesmas, razão pela qual o boicote pode ser praticado por
81
cidadãos em todos os continentes. Segundo essa lógica, constata-se, por exemplo, que o
Mcdonald’s não é um grande doador, mas hoje, essa cadeia de fast-food é, para muitos, a
primeira companhia norte-americana que lhes m em mente, quando questionados sobre as
multinacionais estadunidenses. É o símbolo do imperialismo norte-americano. E, assim como
muitas embaixadas dos Estados Unidos ao redor do mundo se tornaram fortalezas militares, o
Mcdonald’s, para os ativistas pró-boicotes, também se tornou a mais natural embaixada
daquele país.
Os segmentos de atuação das empresas-alvo dos ativistas foram assim categorizados
por eles: as empresas produtoras de armas (General Electric e Boeing), as empresas
petroferas (ExxonMobile Esso e Chevron Texaco), as empresas símbolos do imperialismo
(Altria, proprietária das marcas Philip Morris e Kraft Foods, a Coca-Cola Company, o
McDonald’s, a Microsoft, a PepsiCo Inc., a Pfizer e a Walt Disney), as companhias aéreas
(American Airlines e Northwest Airlines) e as companhias automobilísticas (Ford, General
Motors e Daimler Chrysler)
61
.
Analisando-se a interface comunicacional apresentada pela web site dos ativistas do
www.boycottbush.org , verifica-se que o conteúdo do mesmo é apresentado em sete idiomas,
a saber: inglês, holandês, francês, português, espanhol, húngaro e árabe. No âmbito desta
análise, centraliza-se a observação nas páginas em português, traçando-se paralelos com as
demais, quando e se necessário.
As seções que comem a interface são: “home”, quem somos, notícias, blog, artigos,
material de campanha, compras, doações, voluntários, links e contato. A seção “home” da
web site, locada na URL principal, www.boycottbush.org , apresenta a logomarca do
movimento, composta por um círculo cujo plano de fundo contém doze outros círculos
menores que exibem, por sua vez, as logomarcas das empresas e de seus produtos, alvos das
ações de boicote, a saber: Marlboro (Phillip Morris), Kraft (divisão alimentícia da Phillip
Morris), Gatorade (produto da Kraft), Pepsi, McDonald‟s, Chevron, Texaco, EssoMobil,
Coca-Cola, Fanta e Sprite. Sobre esse plano de fundo, está grafada a mensagem “Boycott
Bush” com fontes cuja textura remete-nos aquela utilizada pelos grafites, pinturas feitas em
muros e paredes nos centros urbanos e que, muitas vezes, contém mensagens de protesto
diante de realidades oprimidas. Abaixo dessa logomarca, encontram-se os links para as
páginas do site, nos idiomas mencionados.
61
Cf. discriminado em http://www.boycottbush.org/cies_pt.php
82
Figura 6: Página inicial do portal www.boycottbush.org , porta de entrada para a web site ativista em sete
idiomas diferentes
Figura 7: Página inicial da web site da Boycott Bush Network em português
83
Todas as páginas da seção que armazena as páginas em português contêm um
cabeçalho de apresentação onde se lê REDE INTERNACIONAL DE BOICOTE A BUSH.
Abaixo dos dizeres introdutórios, o slogan do movimento: ―Como consumidores, não
queremos que nosso dinheiro seja usado para promover guerras por petróleo, nem para a
destruição ambiental ou para a violação dos Direitos Humanos!‖ Note-se que o slogan, na
primeira pessoa do plural, remete ao coletivo, resumindo os pressupostos que norteiam as
ações desses ativistas.
A cooperação entre ativistas de culturas e idiomas diversos fez com que um
mecanismo para o cadastramento de tradutores voluntários fosse criado, dando origem a
coordenadorias de tradução. O ritmo da tradução das páginas o obedece a um critério de
simultaneidade, em todos os sete idiomas. Portanto, a ngua inglesa é o idioma default.
Assim, quando uma determinada notícia é incluída pelo webmaster, será exibida em inglês em
todas as diferentes seções idiomáticas do site, até que seja traduzida. O coordenador de cada
idioma, então, se incumbirá de distribuir cada notícia para sua equipe de tradutores.
Entretanto, constata-se que por diversas vezes, os tradutores voluntários assumem a
responsabilidade das traduções antes que qualquer apelo lhes seja feito, o que contribui para
que esse trabalho flua de forma descentralizada. A web site conta também com um blog
coletivo no qual notícias relacionadas à política internacional norte-americana e ações
militantes podem ser inseridas. Exibidas por data de publicação, o internauta pode selecioná-
las por tema ou, ainda, usar uma palavra-chave para localizar notícias de acordo com seus
próprios critérios. Os links para as notícias, muitas vezes, conduzem o internauta não para
reportagens ou artigos, mas também para documentários, noticiários e entrevistas em formato
de vídeo. Na maioria das vezes, o material em vídeo é proveniente dos sites de
armazenamento desse tipo de mídia como o http://www.youtube.com ou o
http://video.google.com/
Um diversificado elenco de peças de contrapropaganda come a seção de material de
campanha (ANEXOS 1 e 2), disponibilizando cartazes e panfletos para impressão, banners e
códigos HTML para inserção de mensagens em outros sites que apóiam o movimento e até
mesmo um kit para a organização de ações de boicotes (ANEXO3), com licenças copyleft.
Uma seção destinada à coleta de doações também está disponível. As doações
destinam-se a cobrir os custos com o escritório em Gent, lgica, e podem ser feitas pelo
sistema Pay-Pal
62
.
62
O Pay Pal (www.paypal.com ) é um sistema de transferência de valores online que possibilita a realização de
transações financeiras por meio de sistema próprio, pelo qual digos de transações financeiras são gerados e
enviados aos usuários. Tais digos são então convertidos em valores que podem ser sacados em instituições
financeiras. O sistema possibilita ainda que movimentações possam ser realizadas por meio de conta banria,
cartões de crédito e até mesmo via telefone celular (Nota da autora).
84
A web site dos ativistas, ora em questão, mantém ainda uma seção de vendas de
produtos cujos dividendos destinam-se a prestar apoio às campanhas que levam a termo.
Nessa seção, é possível adquirir produtos das mais variadas procedências, desde camisetas
com o logo da Friends os the Earth International, ou com mensagens ativistas, buttons,
adesivos, roupas de bebê, cartões e pequenos objetos de decoração.
Numa seção, denominada “voluntários”, faz-se o apelo para que tradutores,
coordenadores de equipes de tradução e interessados em estabelecer contatos intercontinentais
se juntem aos militantes do grupo, fortalecendo as equipes de trabalho. Nessa seção, estão
disponíveis os contatos com os atuais coordenadores de tradução nos idiomas árabe, chinês,
alemão, húngaro, português e espanhol.
A seção de links da web site exibe uma extensa lista de sites ativistas, inclusive de
outras campanhas contra a guerra no Iraque, pesquisas sobre as conexões financeiras e de
poder entre o governo Bush, pessoas sicas e corporações transnacionais envolvidas em tais
conexões, além de um link para o movimento norte-americano que pede o impeachment do
atual presidente dos EUA, o www.impeachbush.org
Pela seção de contatos do website, constata-se que o movimento que propõe o boicote
às multinacionais que apóiam as poticas intervencionistas e radicais do presidente Bush, tem
representantes em todos os cinco continentes.
A relação completa das empresas que são alvo dessa ação de boicote
63
inclui, para
cada empresa, um dossiê de cada uma delas, contendo um breve histórico, o ramo de
atividade, as quantias destinadas a apoiar as candidaturas de George Bush à Casa Branca, os
envolvimentos com os grupos de lobbying para que leis ou projetos contrários aos interesses
do bem comum fossem aprovados, as denúncias de práticas abusivas nas quais a empresa
esteve envolvida, o desrespeito ao meio ambiente, o uso de trabalho infantil, a negligência em
relação aos direitos dos trabalhadores, dentre outros comportamentos socialmente abusivos.
Na seção destinada ao armazenamento de artigos, um deles chama a atenção. Com o
sugestivo título Is brand Amerika Broken? o artigo foi veiculado pela Thunderbird’s
Magazine que é uma publicação da prestigiosa Thunderbird’s Executive Education a escola
de negócios internacionais norte-americana que, segundo o Financial Times, é uma das
melhores do mundo. O artigo, de autoria de I.J. Schecter e D.J. Burrough foi publicado em 1º.
de abril de 2005 mas, posteriormente, removido de sua versão online, não sem antes causar
grande exaltão no mercado publicitário. Questionando se as marcas americanas estavam
quebradas”, os autores iniciam o artigo dizendo que,
“Neste momento,
64
parece que as coisas estão um tanto melhores para a America no
63
Disponível em http://www.boycottbush.org/cies_pt.php
64
Abril de 2005 quatro anos após a invasão do Iraque (nota da autora).
85
cenário global. A nação amenizou as tensas relações com seus aliados - chave,
demonstrado boa vontade no episódio do tsunami que atingiu o Oceano Índico e,
mais dramaticamente, conseguiu créditos consideráveis no balanço em direção à
liberdade e à democracia no Oriente dio, amenizando as reclamações de todo o
mundo com relação à invasão do Iraque.
65
Assumindo sem quaisquer escrúpulos que a “disseminação” da democracia foi um
fator secundário para a invasão do Iraque, os autores sugerem que essa motivação tornou-se
uma tendência pró-democrática a somar dividendos à gestão Bush, em decorrência da boa
condução das eleições no Iraque, com a estabilidade conseguida no Afeganistão e que, não
fosse a “contribuição” norte-americana, países como a Síria, o Líbano e a Arábia Saudita não
estariam caminhando no sentido a implementarem suas democracias, como estavam, na
opinião dos autores, naquele momento. O artigo segue relatando os esforços e escolhas
acertadas de George Bush na condução tanto de sua potica externa quanto da interna,
sublinhando a escolha de Condoleezza Rice para secretária de estado e “principal instrumento
de sua nova diplomacia”, para, por fim, questionar o porquê, apesar de tantos “acertos”, as
marcas norte-americanas permanecem envoltas por uma pátina tão desfavorável na percepção
de consumidores de todas as partes do Planeta. Com relação a esse aspecto, os autores
mencionam uma pesquisa de opinião realizada junto a consumidores ingleses, franceses,
espanhóis e alemães, conduzida pela Associated Press em 2004, que demonstrou que mais de
50% dos entrevistados em todos os quatro países se mostravam avessos às marcas norte-
americanas, em função da política externa conduzida por Bush. Até mesmo na Inglaterra, país
aliado dos EUA, nos episódios que sucederam aos ataques de 11 de setembro de 2001 ao
World Trade Center, os resultados dessa pesquisa repercutiram no sentido de ampliar o
descontentamento geral da opinião pública internacional, ao ponto do London Daily Mirror
estampar, sobre a notícia da vitória de Bush no pleito de 2004, um banner com os seguintes
dizeres: How can 59,054,087 people be so DUMB?”
66
, em clara referência ao número de
votos que deram mais um mandato a George Bush.
Em função da magnitude da percepção negativa dos consumidores em relação às
marcas norte-americanas, até mesmo produtos alternativos foram criados com para
intensificar as ações de boicote e até mesmo questionar as posturas norte-americanas na
condução de sua política externa, configurando-se em inusitados cases de marketing e de
contrapropaganda. Um caso emblemático é o da Mecca-Cola, assim definida pela
65
No original: ―Times seem somewhat better FOR America on the global stage these days. The nation has
patched up some of the strained relationships it had with key allies, displayed humanitarian goodwill in the
wake of the Indian Ocean tsunami and, most dramatically, garnered considerable credit for a swing towards
freedom and democracy in the Middle East to help assuage complaints from around the world in the wake of
the Iraq invasion‖. (Tradução da autora).
66
―Como é que 59.054.087 pessoas podem ser tão ESTÚPIDAS?‖ (Tradução da autora).
86
Wikipedia
67
:
“Mecca-Cola é um refrigerante produzido pela Mecca Cola World Company, com
objetivo de se instalar no mercado onde as marcas relacionadas aos Estados Unidos
não são bem vindas, como na Palestina, comercializado como uma alternativa a
marcas como Coca-Cola e Pepsi-Cola para consumidores “islamicamente corretos”.
(...) Parte de sua filosofia incorporada é a de doar 10% de seus lucros para fundar
projetos humanitários nos territórios palestinos, que “estão sofrendo indiferença e
cumplicidade geral, estes que são os mais miseráveis e os atos mais desprazíveis de
apartheid fascista sionista” e outros 10% para caridades nos países nos quais a
bebida é vendida. A posição ativista da marca fica explícita no slogan “Agite sua
consciência! Beba com compromisso!” presente nas embalagens dos refrigerantes,
que também apresentam pedido para que as pessoas evitem misturar a bebida com
álcool. Além da Mecca-Cola, a empresa também fabrica sob sua marca refrigerantes
de sabores como romã, laranja e limão.
A bebida foi a patrocinadora oficial da Organização da Conferência Islâmica (OIC),
realizada na Malásia, em outubro de 2003”.
Figura 8: Garrafas de Mecca-Cola à venda em Paris
Fonte: http://www.cbsnews.com/stories/2003/02/07/world/main539891.shtml
Em represália às ações de boicote aos produtos norte-americanos na França e após a
negativa desse país membro do Conselho de segurança das Nações Unidas - em apoiar os
EUA na invasão do Iraque, uma contra-ação foi deflagrada pelos EUA, tendo como foco os
vinhos daquele país. Os apelos para o boicote aos vinhos franceses teve o endosso do Wall
Street Journal, do New York Times, do USA Today e do apresentador de TV Bill O‟Reilly. Os
pós-graduandos Larry Chavis e Phillip Leslie, da Stanford Graduate School of Business
mediram as conseqüências desse apelo, conduzindo um estudo
68
durante seis meses, no ano
de 2003, junto às maiores cadeias de supermercados nas cidades de Boston, Los Angeles,
Houston e San Diego, chegando à conclusão de que os boicotes realmente dão resultado, pois
estima-se que, nessa ação, as vinícolas francesas deixaram de ganhar cerca de 112 milhões de
dólares. Outra conclusão” desses pesquisadores salta aos olhos, em função de sua obviedade:
67
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Mecca-Cola . A opção por citar essa fonte, em especial, teve por
objetivo explicitar a magnitude das transformações da percepção e do comportamento do consumidor em
função dos episódios políticos em foco.
68
Em artigo intitulado Consumer Boycotts: the impact of the Iraq war on French wine sales in the U.S.
disponível em http://www.stanford.edu/~pleslie/wine%20boycott.pdf
87
a de que o estudo em questão documenta um exemplo de como a potica externa do governo
pode, indubitavelmente, impactar a lucratividade dos negócios de formas imprevistas. Os
vinhos franceses símbolos máximos da indústria daquele país - não foram os únicos alvos
da insatisfação dos norte-americanos em relação ao país europeu e incluiu, inclusive,
tentativas de renomear as tradicionais french fries, que passariam a se chamar freedom fries.
Esse episódio deu origem a curiosas peças de contra-propaganda, como a estampada a seguir
e que tive ampla circulação na Internet, sendo reinterpretada por arte-ativistas em vários
países e traduzidas para diversos idiomas.
Figura 9: Versão em português de peça de contrapropaganda largamente difundida em web sites difusores
de ações pró-boicotes aos produtos norte-americanos. Autoria desconhecida.
Fonte: http://www.rizoma.net/interna.php?id=205&secao=intervencao
88
Monroe Friedman (1999, p.213), especialista em psicologia do consumidor e um dos
poucos estudiosos a se debruçar sobre a questão dos boicotes como modelo de ativismo de
grupos consumidores, identifica duas características fundamentais nesse tipo de manifestação,
ambas de importância histórica. Fruto do exame de muitas ações de boicote em terreno norte-
americano, onde esse tipo de ativismo integra tradicionais práticas de comunidades de
consumidores, a primeira característica faz a distinção entre o boicote orientado para o
mercado e aquele orientado para a mídia. Essa distinção se relaciona ao aspecto mais primário
dos boicotes, pois um boicote orientado para o mercado também pode ser orientado para a
mídia e vice-versa. A segunda distinção decorre da observação de que os boicotes podem ser
diretos ou indiretos no que diz respeito à parte ofendida”. Se, como é comum, a parte
ofensora é uma entidade ecomica, com consumo corrente para venda direta ao público (por
exemplo, uma grande corporação que produza produtos alimentícios), os ativistas podem,
evidentemente, atacá-la diretamente, recusando-se a consumir esses produtos. Se, por outro
lado, a parte ofensora não é diretamente acessível através do mercado, uma ação indireta pode
ser possível. Isto é o que acontece quando um grupo está insatisfeito com o governo, com as
políticas de uma cidade, estado ou país estrangeiro, e assim, deflagram uma ão de boicote
indireto a empresas que operam na área geográfica afetada. Para tanto, utilizam-se de técnicas
elaboradas para relacionamento com a mídia, no intuito de trazê-la para junto de suas ações e
tirar o proveito necessário para o sucesso de seus esforços.
69
No caso dos boicotes às corporações transnacionais que apoiaram George Bush
por dois mandatos, parece claro que a hegemonia do capital cria uma terceira categoria de
parte ofensora, constituída por instituições privadas e poder potico. Nesse caso, ambas as
estratégias anteriormente descritas são necessárias para lograr o êxito dos boicotes: não
adquirir os produtos de empresas coniventes com decisões poticas ilegais e criminosas é
uma atitude que, após a ofensiva militar do EUA ao Iraque, passou a fazer parte, de maneira
concisa, do ideário de práticas de consumo em muitas partes do mundo. As preocupações em
atrair a atenção da dia, nesse caso específico, chegaram a ser desnecessárias, tão rápido os
apelos de boicote se propagaram pelo mundo, via Internet, constituindo-se em um exemplar
fenômeno de mídia espontânea.
69
Vide ANEXO 3: Boycott Action Kit, item 5: Mobilising for your campaign, p. 12 e item 7: Get your story in
the media, p. 13. Este material contém uma série de orientações concernentes ao relacionamento que os
ativistas podem e devem estabelecer com a mídia.
89
4.2 A Rede como espaço contra-hegemônico
A Internet, tal como pode ser observado ao longo deste trabalho, tem uma função
dupla, pois ora aparece como uma tecnologia da informação e da comunicação, ora como
tecnologia do social. Como tecnologia do social, se manifesta como um lócus no qual
diversos atores criam redes de sociabilidade capazes de interagir originando comunidades
identificadas com suas propostas e concepções de mundo, neste caso específico tendo um alvo
bastante claro: reagir contra as empresas patrocinadoras” da potica expansionista do
presidente americano.
Tal concepção da Internet serve de base para explicar e dar conta das dinâmicas dos
movimentos sociais nesse espaço, proporcionado pela ligação de redes, constituindo o que
Castells (1999) definia como sociedade em rede e que não necessariamente fica sob o controle
dos grupos hegemônicos de uma sociedade. Sua fuão estratégica é sem vida alguma,
inquestionável, pois propicia não a divulgação da informação e a proposição do debate,
mas também, a construção das resistências e coligações entre movimentos sociais, no espaço
físico ou virtual. Importa, portanto, questionar em que medida estes meios servem aos
interesses e preocupações dos atores sociais protagonistas da trama que se evidencia nesta
dissertação e que revelam suas iias, ideais e pontos de vista por meio de sua militância a
partir da web site ativista Boycott Bush.
Pode-se observar que, sem negar a existência de contra-fluxos da informão - que os
ativistas em foco podem ser ocultados pelo poder não democrático, tal como ocorre com os
movimentos contra-hegemônicos na China por exemplo. A informação que circula na
Internet, especificamente no site aqui observado, permite a sua ampla difusão, o que não
aconteceria pelo uso dos meios tradicionais. Aliás, uma das características distintas da
utilização da Internet, por parte dos ativistas globais, consiste em acreditar que as mensagens
de protesto podem, na realidade, ultrapassar os limites geográficos e midiáticos, a fim de
facilitar seu crescimento por permitir o ingresso de novas informações e conseguir adeptos
identificados com a causa em questão.
Convém salientar que este processo não pode ser totalmente dissociado da informação
veiculada por outros meios de comunicação que interagem, sob diversas formas, com os
fluxos de informação que circulam na Web. Talvez em função dessa interação digital a
interação das pessoas se instensifique. Ser ativista, diante dessa situação, adquire novas
dimensões voltadas para a divulgação e propagação do conhecimento numa sociedade onde a
informação está cada vez mais ao alcance das pessoas.
Os usuários e militantes, dessa maneira, devem estar estimulados para explorar as
capacidades da Internet para que estas produzam algum potencial transformador para os
90
movimentos sociais. Tal estímulo pode ser observado amplamente no objeto deste estudo, o
site do movimento anti-Bush. O uso de diversos idiomas, as dinâmicas locais que as
manifestações pró-boicotes adquirem, a atualização constante do seu conteúdo e o acréscimo
quantitativo de militantes confirma sua dinâmica ativa.
Mas, não se deve perder de vista que existem filtros e outras formas pelas quais a
informação sofre a ação subjetiva de seu(s) enunciador(es). Assumir que a difusão da
informação é também difusão da interpretação e avaliação da mesma parece uma questão
básica para a compreensão dos processos de comunicação, dos argumentos e dos debates que
são difundidos no espaço da Internet pelos movimentos sociais, nos limites do site estudado.
Essa ressalva permite olhar criticamente para a associação freqüente entre a Internet como um
espaço, por excelência, de informação alternativa. Afinal, não se pode ignorar que os
membros de uma sociedade expressam pontos de vista influenciados pela realidade que os
circunda. Se a isso acrescentamos que o site, por ser recente, ainda está em construção,
constata-se a possibilidade real de que algumas contribuões, difíceis de representar a
convergência ideológica, potica e cultural na sua totalidade é, segundo Gramsci, condição
importante para consolidar a contra hegemonia.
Contudo, é fato que a Internet é constitda por espaços independentes que promovem
um debate plural e cujas ações comunicativas integram as perspectivas daqueles que são
frequentemente silenciados ou esquecidos pelos grandes meios de comunicação de massa. Por
essa razão, pode-se afirmar que as redes escapam ao controle do poder das instituições
estabelecidas e escapar das investidas dos controles convencionais significa constituir um
repertório que ciberativistas vem ampliando com significativo espaço para as devidas
manobras que protejam os interesses desse tipo de atuação, garantindo a circulação de iias,
as chamadas para a mobilização e a independência de sua atuação, em relação aos demais
meios.
Não se pretende deixar, portanto, de assumir que grande parte da informação aqui
contida pode estar sujeita a um debate plural, de acordo com a configuração dos diferentes
espaços onde ela se encontra. Se numa página da Internet, associada a um movimento social,
a informação pode ser linear e quase estática, a discussão das diferentes perspectivas e
interpretações que ela suscita pode ter, de fato, lugar, já que paralelamente à divulgação da
informação estão disponíveis listas de discussão, fóruns e outros recursos que favorecem a
interação e disputa de sentidos, abrindo e pluralizando o debate. Portanto, o caráter
democrático do tipo de ativismo desenvolvido pelo Boycott Busch oferece mecanismos que
propõem soluções para a problemática apresentada, de maneira bastante satisfatória. Verifica-
se, portanto, que as ferramentas construídas pelos ciberativistas oferecem uma participação
91
ativa e livre para os usuários, contribuindo e ampliando o conhecimento dos agentes
envolvidos nas questões poticas delimitadas pelos problemas ali enumerados.
70
O Boycott Bush, tal como pode ser encontrado na rede, comprova a existência de
movimentos de resistência organizados, que fugem ao caráter restrito e local do movimento
de contestação. Verifica-se uma rede de movimentos identificados em torno de propostas
claras que procuram tornar viável, no âmbito local, as ações de boicote aos grupos de apoio a
Bush e sua potica de intervenção mundial. Dessa maneira, os ativistas deixam bastante claro
a necessidade de se questionar a atuação das corporações que constituem o grupo hegemônico
e responsável final pela sustentação da política intervencionista e militarista de Bush. Ou seja,
é possível afirmar que enquanto grupo contra-hegemônico, tal como anunciado por Gramsci,
oferecem cosmovisão diferenciada potica, econômica, cultural e socialmente da defendida
por Bush e seus seguidores.
Ainda, se observa que sua estrutura de ação, via rede, se manifesta de maneira bastante
precisa, pois procura envolver movimentos internacionais, nacionais e regionais além de
organizações não governamentais e outras associações da sociedade civil. Tal como
apresentado pelo site, pode-se afirmar que se configura sim, a partir dele e de diversas
experiências semelhantes, uma autêntica rede de movimentos sociais tal como sugerida por
Castells (1999) e que ultrapassa as organizações idealizadas e estruturadas empiricamente,
como poderia acontecer com os movimentos fora da rede. Ainda se pode comprovar que o
movimento em questão possibilita a criação da consciência coletiva e individual, por
apresentar informações relevantes alimentadas pelos mais diversos membros que aderem ao
movimento, membros esses espalhados pelos mais diversos países do mundo, resultando num
movimento articulado em torno de valores, objetivos e projetos contrários a uma situação.
É importante sublinhar também que a proposta do site em questão, objeto deste estudo,
propõe que o movimento não fique restrito ao campo da virtualidade ou do ciberespaço. O
debate proposto pelo movimento, em torno dos problemas sociais, tem se materializado em
encontros e fóruns reunidos num espaço concreto, conduzindo a propostas de ação que se
refletem na Internet, mas que acabam resultando nas ações de boicote, propriamente ditas. Os
resultados apresentados nos capítulos anteriores evidenciam a efetividade das ações de
boicote e salientam que essa categoria de ação ativista é relativamente nova, mas, apesar de
recente existência, é possível cogitar que e propostas contra-hegemônicas como essa tenham
um futuro bastante promissor, a julgar pela rápida penetrabilidade das novas tecnologias na
70
Deve-se reconhecer que são muitas as resistências à ação coletiva na Web. Destaca-se a censura e as
desigualdades de acesso e participação, as falsas identidades, o rumor e a mentira que se generalizam com
apelos a uma solidariedade que evoca situações de fragilização humana e gera desconfianças, resistências que
inibem a participação dos sujeitos, tornando-os renitentes em contribuir para a difusão de mensagens falsas.
92
vida das pessoas e a crescente transformação da mentalidade dos consumidores e de seus
descontentamentos. Afinal, um boicote como o proposto pelos ativistas aqui em foco, não
ataca o capital, mas coloca em xeque os valores morais e éticos das mega corporações,
questionando a atuação das mesmas, questionamento esse que, como evidenciado
anteriormente, representa intercorrência temida pelas corporações, em função dos efeitos
devastadores que podem causar à imagem das mesmas.
A hegemonia, tal como defendida por Gramsci, tem portanto a capacidade de unificar
através da ideologia e de conservar unido um bloco social que o é hogemônico, mas sim
marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e
dominante até o momento em que através de sua ação potica, ideológica e cultural
consegue impedir que o contraste existente entre tais forças se manifeste, provocando assim
uma crise na ideologia dominante, que leve a sua recusa, fato que irá coincidir com a crise
política das forças.
A mera existência da web site em questão sinaliza para uma profunda discordância
em relação aos grupos que servem de sustentação à ordem estabelecida. Destaca-se,
novamente, que para Gramsci, a dominação “física” é auxiliada pela instauração do consenso.
O poder de coesão conectado ao consenso constituiria o predonio de uma visão social de
mundo e de convívio, o que parece não existir em função do conteúdo e da reação pregada
pela Boycott Bush Network. A crítica ideológica e a disputa cultural a que ela se refere são
decisivas na orientação prática dos homens, sendo um momento indispensável da luta pela
construção de uma nova hegemonia, tal como sugere Gramsci luta essa que implica em uma
ação que, voltada para a efetivação de um resultado objetivo no plano social, pressupõe a
construção de um universo intersubjetivo de crenças e valores.
Na sociedade moderna, então, não é suficiente ocupar fábricas ou entrar em confronto
com o Estado. O que também deve ser contestado é toda a área da “cultura”, definida em seu
sentido mais amplo, mais corriqueiro. O poder da classe dominante é espiritual assim como
material, e qualquer contra hegemonia” deve levar sua campanha potica a esse donio, até
agora negligenciado, de valores e costumes, hábitos discursivos e práticas rituais. Os
movimentos sociais podem atuar contra hegemonicamente em diversas esferas, inclusive na
Internet. Justamente na Internet, os movimentos colocam seus programas e projetos para
oferecer opções à sociedade, diferentes daqueles expressos pelo grupo dominante.
O Boycott Bush tem a missão de não apenas fornecer ao público os fatos que lhe são
negados, mas também, de pesquisar e propor novas formas de desenvolver uma perspectiva
de questionamento do processo hegemônico e fortalecer o sentimento de confiança do blico
93
em seu poder de engendrar mudanças construtivas, posição essa claramente assumida por
Gramsci na sua proposta de crítica ao poder institdo.
Os participantes do Boycott Bush podem ser vistos como membros de uma
comunidade ativista que interage junto às classes subalternas para o fomento de uma contra
hegemonia, ou melhor, de uma nova cultura e de uma nova prática comunicacional e de ação,
que se oporia aos intelectuais organicamente ligados ao bloco dominante a serviço dos
interesses dos aliados de George W. Bush. O objetivo desses ativistas seria o de criar formas
participativas de gestão da informação, de processos educativos e de formação política com
vistas a trazer grandes avanços aos movimentos sociais que atuam de forma midiática, ou
seja, articulando estratégias de comunicação alternativa, tal como proposto por Gramsci.
Dessa maneira, considera-se esse movimento e a Internet, óbviamente, espaços de contestação
para o qual o exercício das práticas contra-hegemônicas representam uma clara e nova forma
de exercitar a oposição diante de circunstâncias, como visto dominadas pelo pensamento
único e pela tendência unificadora de posicionamentos e posturas.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
―Don’t hate de media. Be the media‖
Jallo Biafra
Ciberativista e ex-vocalista da banda de punk-rock Dead Kennedys
Este trabalho partiu de algumas preocupações relacionadas com a ordem social,
econômica e potica decorrente da supremacia do capital, concretizada em ideologias e
formação de grupos de interesses por meio dos quais se legitima uma situação desigual e
antagônica dentro da sociedade.
No transcorrer do trabalho, resgatou-se o sentido de sociedade civil e as formas pelas
quais o modelo capitalista se consolidou, projetando países e grupos responsáveis pelo
estabelecimento de uma ordem que interessava a poucos.
Também se comprovou que a atuação desses grupos corresponde ao que Gramsci
denominou de hegemonia, motivo pelo qual as alises desse pensador italiano mostraram-se
válidas para nortear uma ação contra hegemônica para se definir uma nova ordem, mais justa
e comprometida com a ética e a cidadania.
Entretanto, o pensamento de Antonio Gramsci precisou ser contextualizado, razão pela
qual as considerações de Manuel Castells colocaram em evidência a necessidade de
dimensionar as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e seu papel na
construção da contemporaneidade mais recente.
No tocante à sociedade civil, viu-se que a incorporação do conceito de globalização
remete ao conceito de hegemonia. Aqui, então, a questão que se coloca tangencia tanto o
âmbito da economia potica global quanto os veis locais, nacionais e regionais.
Considerando que a potica não se realiza no espaço abstrato, torna-se impreterível que o
problema do entendimento e da transformação da ordem mundial seja direcionado para o
âmbito de uma sociedade civil que vem se transformando, em uma época de globalização. Os
inúmeros conflitos identificados nessa polarização de forças sugerem que somente uma guerra
de posição transnacional pode, a longo prazo, gerar transformações estruturais orgânicas, o
que implica na construção de uma base potico-social através da crião de um novo bloco
histórico global contra-hegemônico.
Foi também inteão deste trabalho demonstrar que as transformações desencadeadas
pelos avanços das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação vêm acelerando
processos de transformações, sem precedentes, neste início do século XXI.
95
A difusão dessas tecnologias, disseminadas por todo o sistema econômico e, portanto,
distribuídas no sistema produtivo, permeiam o tecido social de forma cada vez mais acelerada
e intensa, modificando profundamente as relações entre os indivíduos (inclusive consigo
mesmos) e destes, com as instituições. As conseqüências dessas transformações já podem ser
sentidas quando se observa a atuação dos movimentos sociais, agora também inseridos em
uma nova ordem digital.
Justamente nessa configuração procurou-se mostrar a validade dos movimentos sociais
e das novas práticas e manifestações, denominadas de ciberativismo, que se espalham pelos
mais diversos lugares do Planeta. Enquanto movimento social comprovou-se que os mesmos,
quando articulados via Internet, ultrapassam as fronteiras nacionais, mobilizam diversas
organizações, se atualizam constantemente despertando novos valores entre seus componentes
e questionando eticamente os grupos que se comprometem com a manutenção da
desigualdade ecomica e social.
Concomitantemente à presença de movimentos sociais tradicionais na Web, outros
movimentos sociais exploram as possibilidades de atuação no ciberespaço e aqui, pretendeu-
se observar a presença de um movimento anti-consumo que tem como característica principal
uma peculiar postura política: aquela que assinala que as grandes corporações e os governos,
principalmente o dos Estados Unidos da América, mantêm proscuas relações econômicas e
de poder que extrapolam suas funções, comprometendo a segurança e o bem estar dos
cidadãos e do próprio Planeta.
Reconhecendo o poder corporativo, a intransigência da administração de George Bush,
bem como a insanidade do mesmo em levar adiante a ofensiva militar e a ocupação do Iraque,
que já dura dolorosos cinco anos, os ativistas da Boycott Bush Network reconhecem que, ao
cidadão comum, pouco resta a fazer diante do belicismo, da censura e da “caça as bruxas” que
tal establishment têm promovido. Entretanto, esses ativistas, empregando a estratégia da o-
violência, conclamam os cidadãos a refletirem sobre sua condição de consumidores: “nosso
poder está em nossas carteiras”, pregam.
É preciso reconhecer, todavia, tanto as possibilidades quanto as limitações da reflexão
em torno do discurso dos ativistas em questão. Entretanto, não como negar que, diante de
tantos conflitos contemporâneos, esforços significativos têm sido feitos no sentido de
legitimar o discurso anti hegemônico, revelar novas identidades poticas e propor estratégias
e táticas que possibilitem lidar” com o acirramento dos totalitarismos.
Afinal, teria a guerra a capacidade de restaurar a paz obliterada por uma disputa ou
curar as injustas do mundo? Em toda a história da civilização humana, períodos difusos de
relativa paz têm pontuado contínuas batalhas entre povos de diferentes graus de
96
relacionamento político, econômico e de poder militar. No entanto, ao se considerar a história
de uma nação tão nova como a dos Estados Unidos da América, é possível cogitar que o
oposto também é verdadeiro: a guerra, apenas periodicamente, é perturbada pela Pax
Americana. As guerras em que os EUA se envolveram, declarando-se vitoriosos, serviram
apenas para justificar, junto à consciência coletiva (não do próprio país, mas de todo o
mundo), que o uso da força e da ameaça de violência legitima o progresso civil.
A percepção, nos Estados Unidos, construída por tal expediente potico e filtrada por
uma mídia insidiosa, confere um senso de legitimidade moral à guerra, especialmente diante
de inimigos que lhes causam danos ou parecem constituir ameaça a sua segurança, aos seus
interesses ou ao seu orgulho. Sob tais condições, pouco se pode fazer, então,[ diante das
intervenções militares cujas justificativas se assentam na restituição de sua tranqüilidade
doméstica.
Junto às “liberdades” (e libertinagens, não como esquecer), as guerras parecem
resultar, para os vitoriosos, em dolorosos ressentimentos e, para os vencidos, em um longo
rancor. Para os primeiros, perdura a falsa sensação de seguraa, pois os adversários não
perderão oportunidades para lembrar-lhes de suas ofensas, e os períodos de trégua serão
apenas ilusórios, enquanto que os conflitos permanecerão insolúveis, ampliados, agora, pelas
muitas agressões acumuladas.
Somado a essas circunstâncias, constata-se que a comunicação eixo mestre deste
trabalho desempenha, no mundo contemporâneo, papéis de indeléveis ambiidades. Se,
por um lado, os meios de comunicação a grande dia, especialmente são denunciados,
constantemente, por seu caráter anti social, por outro, a profissionalização da comunicação no
mundo contemporâneo resulta cada vez mais segmentada e dirigida a blicos-alvo
específicos, cujos perfis estereotipados pelas pesquisas de marketing se delineiam apenas com
a intenção de que produtos lhes sejam oferecidos, criando assim o modus vivendi necessário
para a perpetuação do capitalismo predatório, da cultura do consumo como forma de
entretenimento, fomentando, assim, um status quo acrítico, cuja razão instrumental é incapaz
de entender os fenômenos estruturais da sociedade ou elaborar uma crítica à economia
política. Dessa forma, a ambigüidade da comunicação, em nossos dias, reside no fato de que
ela própria é a responsável também por interceptar as relações sociais, mediando o fluxo, a
qualidade e os matizes da informação em função de interesses pontuais e, assim, essa mesma
comunicação minimiza as possibilidades de criação de repertórios individuais suficientemente
astutos para participar criticamente do próprio processo comunicativo na medida em que
sonega, ao indivíduo, a possibilidade da construção de conhecimento transformador.
97
Para legitimar a sociedade de consumo, não faltam intelectuais da comunicação (pós-
modernistas, hipermodernistas) que saem em sua defesa, argumentando que essa sociedade (a
do consumo) mais libera do que oprime; que a publicidade e a moda são emancipadoras; que
a principal função da comunicação é divertir, distrair, entreter; que pesquisas mostraram
que a mídia pode influenciar na vida das pessoas, mas ela não desempenha um papel
determinante no essencial; ou ainda, que as teorias da alienação pela comunicação e pelo
entretenimento são frágeis e têm enfrentado revisões e refutações constantes e... “Isso é que
é!”, diz o slogan do produto mais conhecido do mundo!
Em meio à tirania retórica de tal monta, entendemos que a cultura de consumo não é
provavelmente, uma realidade cristalizada, definitiva e imutável. Verifica-se, pois, que, das
contradições da cultura de consumo, das dificuldades crescentes para a sua concretização,
surgem movimentos e grupos sociais dispostos a questionar de forma contumaz essa
sociedade, promovendo uma ruptura com o imaginário pós-moderno e com os dogmas
neoliberais ainda dominantes, que insistem em reiterar a impossibilidade da mudança do
mundo. Paradoxalmente, nesse cenário, é justamente a comunicação o elemento facilitador da
construção de novas estratégias e táticas para a viabilização de consensos capazes de
minimizar as discrepâncias entre tantos conflitos de interesses. É por meio da comunicação,
em seu sentido mais arcaico, e não por meio da grande mídia, que podemos existir e
compreendermo-nos na relação com o outro, pois é justamente na comunicação que está
contida a idéia de encontro e este só se realiza quando se participa de um destino comum.
A mensagem clara dos consumidores ativistas, enfocada neste trabalho, apenas
começa a ecoar. Se a consciência de que suas ações conjuntas podem influenciar, ou não,
muitos aspectos concernentes à vida em sociedade, constit questão cuja evolução deverá ser
observada, constantemente, por profissionais das mais diversas áreas e seus resultados
destinados a informar a sociedade amplamente e de forma imparcial. Novamente aqui, a
comunicação desempenhará um papel cujo compromisso com a sociedade e com a cidadania
será sua premissa maior. Assim, as indagações iniciais desta dissertação foram respondidas e
a idéia de que a Internet representa um desafio para a sociabilidade contemporânea, fica
claramente estabelecida. Também se pode apontar, novamente, que as contribuições de
Gramsci, quando contextualizadas e atualizadas mostraram-se válidas para dimensionar
movimentos ativistas, como foi o caso do Boycott Bush.
É neste sentido que se desenvolveu este trabalho, na esperança de que o conhecimento
aqui reunido possa vir a ser acrescido por outras contribuições e questionamentos que se
prestem a aprimorar as relações entre comunicação, consumo e cidadania.
98
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http://www.montgomeryboycott.com
(acesso em 17/06/2008)
104
ANEXOS
105
ANEXO I
Poster “Doadores de Bush” . (Frente) Disponível em todos os idiomas nos quais o site está
disponível. Todas as peças mostradas aqui estão disponíveis para download em
http://www.boycottbush.org/download_pt.php#poster . Destina-se a ser impressa e distribuída.
ANEXO II
Poster (Verso): “Quem tem armas de destruição em massa?”
ANEXO II
Cédula Boicote ao dólar. Frente/Verso. Utilizando como suporte gráfico o layout de uma nota de U$ 1,00,
esta peça traz o slogan do movimento em sua face frontal e no verso, a lista das 6 empresas alvo da ação de
boicote, os produtos elencados por gênero (alimentícios: refrigerantes, água engarrafada, café, cereais,
aperitivos, queijos, molhos, chocolates, doces, refeições, fast food; combustíveis, bebidas e cigarros)
oferecendo como alternativas, os produtos orgânico .
ANEXO III
Boycott Action
Kit
Contact
For Mother Earth Voor Moeder Aarde
p.a. Gents Ecologisch Centrum
K. Maria Hendrikaplein 5
Belgium - 9000 Gent
Tel +32-9-242 87 52
Fax+32-9-242 87 51
pol@motherearth.org
www.motherearth.org
Update: November 2003
BOYCOTT ACTION KIT
A guide for the International Day of Boycott Actions,
March 20th, 2004
Table of contents
1. Why boycott US products 4
2. Background Information 5
A. History of Boycotts 5
B. Successful boycotts 5
C. The Power of Boycotts 5
3. No money for War! Boycott Bush’s campaign 6
A. How is this boycott organized? 6
B. The Boycott’s Targets 7
C. Brands Hits 7
D. The boycott time frame 7
4. TOP 3 of actions for The International Day of Boycott Actions
March 20
th
, 2004 8
A. TOP 1. US Petrol Companies 8
B. TOP 2. Phillip Morris International 9
C. TOP 3. Coca Cola 10
D. Other Possible Actions: Supermarkets and Microsoft 11
5. Mobilising for your campaign 12
6. Outreach to different groups 12
7. Get your story in the media 13
Appendix 1: Further Reading 14
Appendix 2: List of Bush donors 15
INTRODUCTION
Critical consumers: the new political superpower
There are two superpowers today: the USA and the people who oppose the Bush
administration’s policies. Many people realise that the way they can most make a difference
is as a consumer: No money for war! Boycott Bush!
There are many examples of effective consumer boycotts, some of which you can find in this
Boycott Action Kit. In the words of the Dalai Lama: "If you think you are too small to make a
difference, try sleeping with a mosquito." In our words: critical consumers are the new
political superpower. Let's be aware of the power of our spending money, and let's get
organised effectively.
Boycott Action Kit: a guide to prepare the International Day of Boycott Actions
The Boycott Action Kit has been first released during the US war in Iraq for the first global
day of boycott actions on April 15th 2003 as a source of advice for anyone who wants to take
part in, or organise an action to inform consumers about how US corporations are shaping
and supporting the politics of the Bush administration.
Following success of this first global day of boycott actions, we are now moving ahead with a
second International Day of Boycott Actions on March 20th 2004, marking the first
anniversary of the illegal attack on Iraq and reproving its illegal ongoing military occupation.
We already received positive responses from people and groups in i.e. Australia, Bahrain,
Brazil, Belgium, Canada, Egypt, Greece, Italy, Japan, Spain and United States for
participation. However, this is not enough. We are looking for people to take action in many
more places.
And let us be clear, we don't expect mass mobilizations. Small groups of people can make
the difference. A well organized action might attract the sympathy of many and can get
positive mass media coverage.
What you are reading now is an updated Boycott Action Kit for this second global day of
boycott actions. It will give you some background for running effective boycott action
campaigns. Translate it if you can. Let us know if you translate this Boycott Action Kit:
magali@motherearth.org. We will upload it on our website... and please send us feedback on
how useful you find it and what could be improved.
Have a nice reading,
The Boycott TEAM of For Mother Earth
Anu Korhonen
John Axiak
Magali Fontanel
Pol D‘Huyvetter
Rein Meyts
7
1. WHY BOYCOTT US PRODUCTS?
By boycotting US products, we want to put
pressure on the US government to join the
international community, complying with the
rules of the United Nations and international
law. With the military attack Iraq in March
2003 and its occupation, the USA act as a
―rogue state‖ and violate the UN charter.
The US multinational companies targeted by
the boycott have a clear financial link with
the Bush administration: they all contributed
money for the 2000 election campaign for the
Republicans or/and have economic interests
in Iraq, particularly petrol, armament, airlines
and car companies such as ExxonMobil/Esso,
General Motors and American Airlines.
Today we need to hit where it hurts. The only
language Washington understands is
economical. More than ever US companies
seem to have a major impact on the policy of
the US administration. The US government
policy has increasingly been marked by
arrogance and self-interest.
We demand that the US
allow the UN to take over the civil
administration in Iraq as soon as possible and
end 'pre-emptive' attacks on other states
actively pursue a two-state solution for
Palestine & Israel
recognize the competence of the
International Criminal Court to prosecute war
criminals and cancel all bilateral agreements
adopt the Kyoto protocol to stop global
warming
stop forcing the use of genetically
modified food and farming on the world
stop the use of double standards
concerning Weapons of Mass Destruction
(e.g. those of Israel and the US's own stocks)
abandon National Missile Defense &
reinstate the ABM Treaty
ratify the Comprehensive Nuclear Test
Ban Treaty, respect the Nuclear Non-
Proliferation Treaty and move towards a
Treaty for complete nuclear disarmament.
ratifies the Biological Weapons
Convention Protocol and strengthens the
Chemical Weapons Convention and ratifies
the Landmine Treaty
These unilateral policies must stop now and
all US troops must leave Iraq immediately.
" As consumers we do not want our
money to be used to fuel wars,
environmental destruction and human-
rights violations".
According to World Watch Institute, world
military expenditures in 2001 were
conservatively estimated at 739.33 thousand
million euros almost 100 million euros
every hour or 2.000.000.000 euros each day.
The United States is now the world‘s sole
military colossus, accounting for 36 percent
of all military spending, or 266.13 thousand
million euros. U.S. spending is now projected
to rise to 364.82 thousand million euros (in
2001 euro) by 2009, or 1.000.000.000 euro
per day
Source: Vital Signs Fact of the Week #16
source Thursday, September 18, 2003
You can sign-on for the boycott at:
http://www.motherearth.org/USboycott/inde
x.php
2. BACKGROUND INFORMATION
A. History of boycotts
The term originated in Ireland in 1780 when
English estate manager Charles Cunningham
Boycott was "boycotted" by famine-
threatened Irish farmers for refusing to lower
rents.
Since then, boycotts are used to protest
national or global issues such as unfair labor
practices, civil liberties, discrimination,
human rights, animal protection,
environment, etc. by targeting companies'
practices or government policies involved in
those issues.
Boycott action won acclaim as a non-violent
tool with the Montgomery, Alabama bus
boycott organized by Dr. Martin Luther King
Jr. in the 1950s, which became a defining
moment of the Civil Rights Movement for the
Black community in the USA. It has become
one of the means of protest used by peace
organizations. Boycott helped overthrow
apartheid South Africa and end French
nuclear tests as well.
B. Successful boycotts
Apartheid
One of the most significant boycott victories
was the abolition of apartheid in South Africa.
The boycotts of Shell, Kellogg's and Coca
Cola among others had been launched
worldwide to protest the racist policies of
South Africa's government. The companies
targeted prompted shareholder resolutions
demanding divestment from the country. This
became the catalyst for the abolition of
apartheid in 1994.
French nuclear testing
Another recent significant boycott was
launched in 1995 by the International Peace
Bureau in opposition to French nuclear
testing in the French Polynesia The French
wine industry was hit especially hard by the
boycott because of its international
popularity. According to Bruce Hall,
coordinator for the Comprehensive Test Ban
Clearinghouse, the boycott combined with the
protests had a real impact: the number of
tests were reduced by 25 %. Additionally,
French President Chirac committed to signing
on to a Comprehensive Test Ban Treaty.
France eventually ratified the CTBT in April
1998.
More info at:
www.motherearth.org/archive/archive/boycot
/boyidx.html
The McBride Principles : a long-term
boycott
Some boycotts are significant for their length.
The longest was the 12-year boycott of Ford
Motor launched by the Irish National Caucus.
It ended in 1998, when the company agreed
to implement the McBride Principles. Those
principles prevent US companies from
subsidizing anti-Catholic discrimination in
Northern Ireland.
Scott Paper : the shortest boycott
Occasionally the threat of a boycott can make
a company yield to the demands of people
willing to boycott. In the United Kingdom,
Survival International threatened Scott Paper
with a boycott because its plans for a
eucalyptus plantation and paper mill in
Indonesia threatened the survival of tribal
peoples. In a letter to Scott Paper, Survival
International wrote, "if we call a boycott, we
will mobilize our 20,000 members, and it will
also be endorsed by the Sierra Club which
has two million members." In response to the
threat, Scott Paper abandoned its plans.
You can find more significant boycott
victories in Co-op America's Boycott
Organizer's Guide (See: Further Reading).
C. The Power of Boycott
Well-organized boycotts are successful most
of the time and can greatly impact
companies' attitudes and practices, and can
consequently influence government policies.
A survey in the USA found that business
leaders consider boycotts to be more
effective than other consumer techniques
such as class action suits, letter writing
campaigns, and lobbying. They directly
threaten sales and so the company leaders
take them seriously - even if it's likely to
influence a very small percentage of their
customers. (Friedman, 1991)
According to John Monogoven, senior vice
president of Pagan International Inc., a public
relations firm, the success of a boycott action
is more than just a decrease in sales. Very
rarely is the impact felt at the cash register.
Actuality, they have problems with employee
morale: employees don't like working for a
company that is being criticized and
questioned. For the same reason, they have
problems with recruiting the top students
from colleges and universities. And top-level
executives spend a large amount of time on
the issue when they should be doing other
things. (Insight, 10/26/87, p. 44)
Since the 1990s, boycotts are becoming
better organized and have got more media
attention than ever before. As a
consequence, they can be very effective in a
shorter time period than previous boycotts.
Today, with the web network, a consumer
boycott can be endorsed by hundreds of
millions of people (605.6 million people online
in Sept. 2002 ; Source : Nua Internet
Surveys :
http://www.nua.ie/surveys/how_many_onlin
e/).
3. ‘NO MONEY FOR WAR! BOYCOTT BUSH’ CAMPAIGN
A. How is this boycott organized ?
Today the Belgium-based For Mother Earth
NGO (www.motherearth.org) coordinates
this global No Money For War Boycott Bush
campaign. The first call to boycott was
launched in an attempt to prevent war in
Iraq, one month before the USA attacked on
March 20, 2003. During the upcoming
European (Paris, Nov. 2003) and World Social
Forum (Mumbai, Jan. 2004) For Mother Earth
will continue to set up a Global Council with
campaigners from around the planet to
coordinate this campaign and agrees to act
as an international switch-board for this US
boycott campaign.
The number of organizations that are
endorsing and spreading our call to boycott
US goods is increasing and we expect this to
continue.
For this boycott campaign, we have a media
strategy which is based on :
The use of non-violent direct actions
involving politicians as members of the
European Parliament (MEP) and national and
international VIP. MEP took part in the
blockade of Esso and Texaco petrol stations
in Brussels, Belgium.
More info at:
www.motherearth.org/USboycott/essoaction_
en.php#15_4
Press releases about those actions with
photographs for media and consumers
Informational materials: flyers, posters,
Boycott Action Kit...
Resources to download at:
http://www.motherearth.org/USboycott/reso
urces_en.php
This boycott action campaign has been
marked by the first International Action
Boycott Day on April 15th 2003. The call for
this international day was launched by For
Mother Earth and the International Peace
Bureau.
We are now calling for another International
Day of Boycott Actions on March 20th 2004,
marking the first anniversary of the illegal
attack on Iraq to put one more time
international attention on US unacceptable
policies and get more people participating
and getting involved in the boycott campaign.
B. The Boycott Targets
We must be ready to justify why we chose
our targets to consumers and to media.
The US multinational companies targeted by
the boycott have a clear financial link with
the Bush administration: they all contributed
money for the 2000 election campaign for the
Republicans or/and have economic interests
in Iraq, particularly petrol, armament, airlines
and car companies such as ExxonMobil/Esso,
General Motors and American Airlines.
Amongst the complete list of the US
companies targeted by our boycott campaign,
some of them belong to the 30 biggest
Republican Party donors in the 2000 election
cycle.
List of Bush donors in annexes or at:
http://www.motherearth.org/USboycott/dono
rs_en.php
The US companies targeted are clearly guilty
by association. They may not have directly
pressed the Republicans to wage war on Iraq,
but they must bear responsibility for the
government that their funds have helped to
elect. They, as corporations, made their
choices, and now we as consumers must
make ours.
In addition, we have included US companies
which are symbols of US imperialism such as
McDonalds and Coca Cola for people who
want to endorse a blanket boycott of all US
products.
All those companies have strong businesses
and/or financial ties with the US government
and/or the US Army. They are visible, easy to
identify and image-conscious. They are also
able to exert substantial pressure on US
government (i.e. oil, car and plane
companies).
List of ‗Bad companies‘ in annexes or at:
http://www.motherearth.org/USboycott/inde
x_en.php#companies
As a result, we want the US companies
targeted to pressure the US government into
yielding our demands.
This boycott should pressure the companies
selected both by impacting their products
sales and spirits and by attacking their
reputation and media-image as we expose
their complicity in the unacceptable policies
of the Bush administration, i.e. the war and
the occupation of Iraq. The reputation impact
is easier to accomplish as companies pay
more attention to cultivating more socially
concerned images. However, companies
remain highly sensitive to any consumer
concern which appears to affect purchasing
behaviours.
We are also collecting the pledge of people
and NGOs who sign the call to boycott US
products on our web site. In this way, we are
preparing to present numbers to the
companies to show the support for and
strength of the boycott.
C. Brands hit
According to an independent research done in
30 countries the US boycott has already had
a damaging effect on leading US brands. The
boycott calls are successful, as the brand
image of various topline US products suffer.
In a recent article in the London-based
Independent, it was stated that ―of the top
10 global US-based firms, only one saw an
increase in its brand-power compared with a
year earlier. All of the others were either
unchanged, which is bad enough, or in
negative territory.‖ This survey which was
carried for the fifth time saw US brands
starting to sink for the first time. In contrast,
the survey showed gains for the best-known
non-US brands, the article pointed out. The
survey results were originally published in the
Newsweek magazine.
D. The boycott time frame
As far as we know, the global boycott of US
products is positioned to become the biggest
boycott in human history as the opposition
against the war in Iraq was gigantic !
This is a long-term action. It could go on for
years as boycotts can take years before
achieving the desired result. We have to
consolidate our resources to continue in order
to get results. We have to be prepared for an
extended battle. This is one of the reasons to
organize a second global boycott action day
on March 20
th
2004 to put together all the
boycott forces.
TOP 3 OF ACTIONS FOR THE
INTERNATIONAL DAY OF BOYCOTT ACTIONS
MARCH 20
th
, 2004
Here in Belgium we came up with several proposals for common actions we could take on Saturday
March 20
th
2004. Following are all relative small, fun and easy actions which can attract positive
reactions and good news-coverage.
If you want to participate, please contact us ASAP and please send us feedback and your idea(s).
TOP 1. US petrol companies
Brands: Chevron, Esso, Exxon, Mobil, Texaco
US petrol companies obviously make pressure on the Bush administration‘s foreign policy such as
the war in Iraq For this reason, we encourage people to organise an action at a petrol station from
Exxon-Mobil (Esso in Europe) or Chevron-Texaco. Together these companies donated 2 million US
dollar to the Republican Party's election fund in 2000. According to the Wall Street Journal
(www.motherearth.org/USboycott/oil_en.php#wallst) oil-industry officials say Mr Cheney's staff
hosted an informational meeting to discuss the future of Iraq's oil reserves with industry executives
in October 2002, with Exxon Mobil Corp, Chevron-Texaco Corp, ConocoPhilipps and Halliburton
among the companies represented.
ACTION: close symbolically an Esso-Mobil or
Chevron-Texaco fuel station... We had
positive experiences with this action. A
separate handbook will go on-line ASAP.
There are different possibilities:
* One possibility is to wrap Esso-Mobil or
Chevron-Texaco gas station in black plastic
with a message on it and spread flyers. A
French local Attac group did it during the
alternative summit of G8 in France, 2003. We
will find out more details.
* Another possibility is to blockade the
station with red and white hazard tape and
spread flyers.
* Or only give flyers to car drivers if it‘s not
possible to blockade the station.
Brussels, 2 April 2003
TOP 2. Philips Morris International
Tobacco Brands : Apollo Soyuz, Bond Street, Caro, Chesterfield, Diana, F 6, Fajrant, L & M,
Lark, Longbeach, Marlboro, Merit, Multifilter, Muratti, Optima, Parliament, Peter Jackson, Petra,
Philip Morris, Polyot, Red & White, SG, Start, Vatra, Virginia Slims.
Source: www.altria.com/about_altria/01_04_03_pmi.asp
Food: Miller, Kraft, Nabisco, Maxwell House, Kenco, Bird's, Cracker Barrel; Jacobs Suchard,
Toblerone...
Let us know which brands they sell in your region and be sure to inform people to stop smoking
their cigarettes. Philip Morris donated $2.9 million to the election campaign of the Republicans in
2000.
ACTION: have people with a mask of Bush and a Marlboro costume (enlarged cigarette pack)
armed with a (toy) machine-gun to give out flyers near tobacco shops and in crowded
(commercial) streets. We are in the process of making such a costume an will get picture and
handbook on-line ASAP.
See also posters in at: www.motherearth.org/USboycott/resources_en.php
TOP 3. Coca Cola
More than 300 brands in over 200 countries…
Source: www.coca-cola.com/worldwide/flashIndex1.html
ACTION: close Coca Cola vending
machines with hazard tape or wrap Coca
Cola vending machines in black plastic
and hazard-tape and open info-stall with
alternative drinks to sell in front of it.
Here we can put forward the local
alternatives to US brands compromised
because of funding the Bush electoral
campaign. Organic and/or fair-trade
drinks; public transport and bikes or Q8
gasoline; how to quit smoking or
alternative brands; information on Linux as alternative to Microsoft....
OTHER POSSIBLE ACTIONS
Supermarkets
You can find many US brands in most of the supermarkets in the world. There is something to do...
ACTIONS at supermarkets with an info-stall
with alternatives (cfr. above) and a banner.
You can also play some street theater like the
Basque anti-war group people who staged a
die-in next to Coca Cola bottle (photo
below)...
Microsoft
Brands : Windows, Internet Explorer, Word
Microsoft Corp donated $2.400.000 to Bush his campaign in 2000. Probably the biggest American
monopoly is to be found in software: Microsoft. No wonder that Microsoft-boss Bill Gates is the
richest person on earth. But there is a non-commercial alternative for windows now: the Linux
operating system. Free, open and much more stable than Windows. These days Linux is as user-
friendly and easy to operate and has as much choice in utility-software as Windows or Apple.
ACTION: You want to participate in the boycott by sitting in your office or home? It is possible!
Boycott Microsoft! If you plan to start the change to Linux, send the story of your intention or
change to your network of friends and colleagues. Let us know.
Linux: Check www.linux.org , www.linux.(your country code) or for a user-friendly distribution
www.mandrake.com.
Free softwares: If you don't want to dump Microsoft yet, try some free software that runs on
windows
www.openoffice.org looks just like MS Office and is compatible with it
www.mozilla.org is a good alternative for Internet Explorer
www.gimp.org is just as good as Photoshop
A choice for free software is also a choice against patents and for free information:
www.eurolinux.org
MOBILISING FOR YOUR CAMPAIGN
To get more people than just the organising
core group (or even just you as one person!)
to your actions you need to outreach. There
are countless ways of letting people know
about your plans and convincing them to join
you.
Make a flyer and distribute it in cafes,
bookshops - and other people's mailings.
Hand it out on the street or at other
demonstrations.
make a poster and put it in public places
invite the members of your organisation
make a contact-list of the activists taking
part in your action and invite them next time
write an article to be published in
activist/alternative-media
get the date of your action published in
the listings and magazines of other groups
and organisations that you invite to join the
action
keep your website updated and create
links with other webpages
send info, an article etc. to different email
list-servers, and activist websites such as the
Independent Media Centre
http://www.indymedia.org.
create and use an e-mail signature about
your actions
use your friendly press contacts to get
your plans published in newspapers, radio...
talk about your actions in meetings and
info-evenings
go to actions and demonstrations of other
groups and organisations to invite people
(use the flyer!)
invite your friends, family, neighbours...
These are some examples on how to spread
the information and reach activists, and to
people who are
not (yet) involved in peace movement.
OUTREACH TO DIFFERENT GROUPS
Be aware that different groups and people
may have different reasons for joining the
campaign. Here are some examples:
Bar, shop & restaurant owners
In the campaign, these individuals -who are
not activists- have been very important to
visualize and communicate the opposition to
the US policies and to demonstrate
alternatives.
Development groups
Military spending cuts down on development
aid programs.
Environmental groups
Environmental impact of the Bush
administration‘s policies.
Families and parents groups, Medical
organisations
Enormous military budgets cutting in social
funding programs.
International issues/justice
organisations
Violation of UN charter and international law.
Use of double standards and hypocrisy
around issue of weapons of mass-destruction.
Peace organisations
Opposed to wars.
Political parties & lawyers groups
Legislators are very concerned about the
recent events and the impact for the UN &
International law. It can be very helpful for
your campaign to get politicians on board. It
gives you a lot more credibility with
mainstream press, the public and other
NGO's.
Public spending campaign groups
Military spending
If your campaign is going to be successful, it
is vital that you reach people who are outside
of the activist "scene". This will show that
there is broad public support for your
message, and stop you from being
marginalized or criminalized.
GETTING YOUR MESSAGE IN THE MEDIA
Through the years campaigners & activists have realised that there is effort and skill
needed to get a campaign published in the mainstream and alternative media. These
guidelines are to give you a start.
Publishing your campaign is not just about attracting attention to yourself or even to your
political issue. It is also about responsibility. Today you want to stop the violation of the
UN charter and international law and get this information to the public and political
leadership.
Be aware that members of the media - like all of us in some way - have their own
agendas. You need to be aware that sometimes your words and even your issue may be
manipulated, even by sympathetic journalists. In other cases your action may not be
reported at all, however much effort you put into getting the media there.
Non-violent actions are very good tools to get public attention to your campaign
1. Before the event:
First of all, realise that members of the corporate press are not our friends, but also not
our enemies. They need us as much as we need them.
Try to identify a contact person(s ) at every media outlet, and keep him/her informed.
Provide him/her with background papers, and let them know that you are committed to
the issue.
Don't be afraid to ask about the needs of reporters: how they work, deadlines, etc.
Please be aware of deadlines! Don't call in middle of radio-news, or five minutes before
closing time of the news desk at the TV-station.
Always keep your message short and simple. Speak slowly. Remember your audience.
Be aware that only a few sections of the media will give us the opportunity for a more in
depth story, (for example some magazines or the opinion-page in newspapers).
Write a short invitation/news release with 'The Five Ws' in first paragraph : who, what,
why, when and where. Always mention contact the contact details.
Create a 'visual' action. Brainstorm about the image you want to relay to the general
public. Create a photo-opportunity which contains all the elements you want to
communicate - five Ws! Think about the image when planning a protest or event. Make
clear clean banners (black print on white or yellow)!
Remember that television and photos are the most powerful communication tools today.
Camera people and radio reporters want a good interesting story, and - do not forget- they
want (contrary to newspaper reporters) movement and sound.
Contact the wire services (AP, Reuters, your national agency) first, as they will
distribute your story to TV, radio, newspapers and magazines. Wire services provide one of
the best ways to insure successful coverage. Don't forget the national and international TV
and photo-agencies if you can guarantee a good story. A good photo-story might be picked
up by several newspapers and reach millions of people.
If you have an important story, arrange for your own camera (Betacam, digital or Hi-8)
and photographer. Absent agencies might be interested in your video-footage and photos.
Send your pictures to the picture desk with your photo-story (with 5 w's)
2. During the event:
Radio news and news agencies cover events as they happen. Their news desks are
among the first to call when your protest has started. Call them with regular updates if
your event takes several hours, and brief them once it has ended.
Don't forget to appoint one activist responsible for the contacts with the media during
the event, to give regular briefings, point out spokespeople and photo-opportunities, take
note of their names and contacts, deal with press calls on the mobile, etc.
SPECIAL MEDIA TERMS
EMBARGO- give information under 'embargo' if it's confidential until a certain time.
POOL- release your photographs or TV-footage as a 'pool' so other reporters can also
make use of them (not exclusive).
OFF THE RECORD- Go 'off the record' if you don't want this information being quoted (but
be aware that some journalists might not respect this - so be careful what you tell them).
EXCLUSIVE- You can give a reporter an 'exclusive' story (one which you don't give to
other reporters) if this might help to break the news. You might be able to give it to other
reporters afterwards, but it's important to be careful.
ATTENTION: TOO OFTEN FORGOTTEN
3. After the event:
From experience we know that this is
very often neglected.
Go from A all the way to Z
Please write news-reports and send
photos to mainstream and alternative
media the same day! In the ideal
situation you have someone doing this
during the action for news-agencies &
radio-stations as they want breaking
news. Have a final report mailed
immediately after the action to your
complete media list. Also post your news
on your website and on your local outlets
(e.g. www.indymedia.org).
After the action, send an objective
report to your contacts. Mention agencies
on your action-report (for example TV
footage and photographs through
Reuters). This might encourage a local
TV station or a newspaper to pick up the
story.
Spread the word yourself, using your
own media - your own newsletters or
magazines, or information evenings and
video showings. Publish it on your
website as the campaign develops
Use for example www.indymedia.org
to publish your story and pictures. Check
your regional and local outlets for your
'breaking news' on the internet.
Good Luck!
FURTHER READING
The "Boycott Organizer's Guide"
www.coopamerica.org/boycotts/boycott_organizer_guide.pdf
Links to boycott campaigns & resources
http://www.motherearth.org/USboycott/links_en.php
LIST OF BUSH DONORS
The following companies were the largest donors to the Republican party election campaign 2000,
it excludes trade bodies or associations.
These figures are based on the official information provided by The Federal Election Commission of
the United States. This information is available on the web site of The Center for Responsive
Politics, a non-partisan, non-profit research group based in Washington, D.C. that tracks money in
politics, and its effect on elections and public policy:
More info: Center for Responsive Politics:
www.opensecrets.org/overview/topcontribs.asp?Cycle=2000&Bkdn=DemRep
1. MBNA $3.0m
2. Philip Morris $2.9m
3. Microsoft $2.4m
4. AT&T $2.4m
5. UPS $2.3m
6. Bristol Myers Squibb $2.1m
7. Verizon $2.0m
8. Pfizer $1.9m
9. SBC $1.9m
10. Enron $1.8m
11. Citigroup $1.8m
12. Federal Express $1.7m
13. Time Warner/AOL $1.6m
14. Credit Suisse $1.6m
15. Ernst & Young $1.5m
16. UST $1.5m
17. Morgan Stanley Dean Witter $1.5m
18. Lockheed Martin $1.5m
19. Union Pacific $1.5m
20. Freddie Mac $1.4m
21. Bell South $1.4m
22. Glaxo Wellcome $1.3m
23. Amway $1.3m
24. Price W'house Coopers $1.3m
25. Deloite & Touche $1.3m
26. Eli Lily $1.3m
27. Goldman Sachs $1.2m
28. Anderson W'wide $1.2m
29. Merrill Lynch $1.2m
30. Exxon Mobil $1.2m
31. WorldCom Inc $1.2m
32. Lehman Brothers $1.1m
33. International Paper $1.1m
34. General Electric $1.1m
35. Global Crossing $1.1m
36. MGM Mirage $1.1m
37. Koch $1.0m
38. Aflac $1.0m
39. Paine Webber $1.0m
40. American $1.0m
41. Financial Gp
Boeing $1.0m
42. Southern Co $1.0m
43. Ltd Inc $950k
44. BP Amoco $950k
45. KPMG $900k
46. Am'can Airlines $900k
47. Schering Plough $900k
48. Williamson $880k
49. Bank Pharmacia/Upjohn $850k
50. One $850k
51. Qwest $850k
52. Anheuser Busch $850k
53. Cintas Corp $828k
54. MandalayResort 55. Gp $810k
56. Lehman Bros $810k
57. Reynolds Tobacco $810k
58. Fannie Mae $800k
59. Bank of America $800k
60. American Int Gp $800k
61. GAF $800k
62. Chevron Texaco $800k
63. Paso $790k
64. CSX $770k
65. Burlington North $770k
66. General Dynamics $750k
67. American $740k
68. Home Prods
69. Joseph Seagram $740k
70. PepsiCo $720k
71. Chase Manhatten $700k
72. FPL Group $685k
73. Prudential $900k
74. USX Corp $650k
75. Northwest Airlines $650k
76. Aventis $650k
77. First Energy $640k
78. Reliant Energy $640k
79. Walt Disney $640k
80. WalMart $630k
81. Cisco Systems $630k
82. Texas Utilities $630k
83. AEI Resources $630k
84. Westwood One $620k
85. Amgen $600k
86. K Mart $590k
87. UAL Corp $570k
88. Home Depot $560k
89. Duchossois Inds $550k
90. Archer Daniels Midland $530k
91. Edison Int'l $530k
92. Ford $510k
93. General Motors $510k
94. Daimler Chrysler $500k
20
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