Escravos, forros e ingênuos em processos educacionais e civilizatórios na sociedade escravista do Maranhão no século XIX.
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O mencionado Africano está convencido de que tem acabado uns dez anos, porque
devia servir a Nação, e que pode agora estar onde quiser, e fazer o que lhe parecer, e
o fez persuadir de tal idéia, porque Exmo. Sr. ignore quem fosse, sendo certo que ele
pensa firmemente que já ninguém o pode constranger a estar onde não quiser.
Reconheço também Exmo. Sr. que o procedimento do Agente foi não só
imprudente, como oposto ao que me vê praticar em iguais casos, que lhe usar de
toda a paciência para tolerar as ocorrências próprias do serviço desta casa, com as
dificuldades que V. Ex.ª se dignará de avaliar na Sua Alta Sabedoria, e encerrando
crenças, alguns que ainda a pouco deixaram de o ser e que em algumas vezes ainda
se mostram tais, alguns homens que não tem ainda podido compreender a natureza
do estabelecimento em que estão empregados; e Africanos, para poder ir
conservando, como tenho tido a fortuna de conservar a quase dez anos, a mesma
casa acreditada, para poder ter a honra de conservar a confiança do Exmo. Governo
da Província. Porém Exmo. Sr. o Agente apenas tem 24 anos de idade, com
nenhuma prática do mundo, por ter para aqui entrado em menoridade, e ter se
conservado aqui até hoje, o que é também um dos inconvenientes que aqui existem,
por que Exmo. Sr., como a Ilustrada Consideração de V. Ex.ª reconhece, o segundo
empregado desta casa que é o verdadeiro administrador do serviço material dela,
deve ser um homem quase tão apto como o Diretor, e ter um estipêndio que lhe
compensa o peso do serviço que desempenha, o que não sucede com o atual Agente,
e nem tem sucedido desde que existe o Estabelecimento. E tenho a honra de
submeter a Sábia Consideração de V. Ex.ª que tenho por preciso à conservação da
regularidade da Casa, tolerar ao Agente Educando, algumas faltas como ao que ao
atual praticou, por não me parecer fácil achar presentemente o homem que se
precisa, estipendiado como deve ser, e ele serviu como convém, sendo o emprego de
uma categoria inferior, muito pensionado, e que não poderá ter uma gratificação
avultada; tenho a honra de recomendar a Respeitável Benignidade de V. Ex.ª o já
dito procedimento do Agente, que não sendo como é necessário que seja, é contudo
o melhor que aqui pode haver presentemente, esperando que V. Ex.ª se dignará de
usar da Sua Venerável Magnanimidade para com ele. E tenho a honra de concluir
aguardado com todo o respeito as Sábias Determinações de V. Ex.ª (Ofício do
Diretor da Casa dos Educandos Artífices do Maranhão ao Presidente da Província,
em 14 de Abril de 1851, Avulsos, , Cx. 1841-1851, APEM).
Como pode ser apreciado no texto do documento, o educando Paulino, africano que
passa a considerar-se livre do dever de servir a nação pelo tempo de dez anos, por pensar já o
haver cumprido, parece ter um perfil contraditório ao indicado por Falcão para os educandos
de pele escura. Ao que parece, Paulino chegara muito novo à Casa de Educandos Artífices do
Maranhão e desempenhava uma função de confiança do diretor.
A função de agente fazia parte de um conjunto de cargos que compunha a hierarquia
da casa. A primeira classe da hierarquia era composta por funções nomeadas pelo presidente
da província, sendo estas: diretor, capelão, facultativo, escrivão e professor. A segunda classe
era nomeada pelo diretor por meio da distribuição de competências entre os educandos, a
exemplo de: agente, fiel do corpo, fiel do almoxarifado, amanuense, enfermeiro e
contramestres das oficinas. Dentre as funções delegadas aos educandos, a de Agente, além de
ser apresentada nas tabelas dos empregados educandos sempre em primeiro lugar, é a que