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Universidade Federal do Amazonas
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
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UCIANO
UCIANO
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VERTON
VERTON
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OSTA
OSTA
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ELES
ELES
A Vida Operária em Manaus:
A Vida Operária em Manaus:
Imprensa e Mundos do Trabalho
Imprensa e Mundos do Trabalho
(1920)
(1920)
Manaus
Outubro de 2008
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Universidade Federal do Amazonas
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
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UCIANO
UCIANO
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VERTON
VERTON
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OSTA
OSTA
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ELES
ELES
A Vida Operária em Manaus: Imprensa e
A Vida Operária em Manaus: Imprensa e
Mundos do Trabalho (1920)
Mundos do Trabalho (1920)
Orientador:
Prof. Dr. Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal do Amazonas em 10 de Outubro
de 2008, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
História.
Manaus
Outubro de 2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Teles, Luciano Everton Costa
A Vida Operária em Manaus: Imprensa e Mundos do Trabalho
(1920) / Luciano Everton Costa Teles. Manaus: [s.n.], 2008, 159p.
Orientador: Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do
Amazonas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Programa de
Pós-Graduação em História
1. História Social. 2. História do Trabalho. 3. Movimentos Sociais.
4. História Operária. 5 História da Imprensa. 6. Amazonas –
Sociedade e Cultura. 7. Amazonas – Política e Governo.
8. Amazonas – História – 1908-1919.
I. Pinheiro, Luís Balkar Sá Peixoto
II. Universidade Federal do Amazonas
III. Título.
Aos trabalhadores de hoje,
na esperança de que acreditam que
por meio de ações coletivas é possível
construir um mundo melhor e mais justo.
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ERMO
ERMO
DE
DE
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PROVAÇÃO
PROVAÇÃO
A Dissertação foi submetida à Banca
Examinadora composta pelos Professores Doutores
Luís Balkar Peixoto Pinheiro (Departamento de
História UFAM), Antonio Emílio Morga
(Departamento de História – UFAM) e Reginaldo
Gomes de Oliveira (Departamento de História - UFRR)
em 10 de outubro de 2008, sendo ali aprovada.
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FICHA CATALOGRÁFICA
Avelino, Alexandre Nogueira
O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A Revista da
Associação Comercial e as Representações Acerca do Trabalho no Amazonas
(1908-1919) / Alexandre Nogueira Avelino. Manaus: [s.n.], 2008, 161p.
Orientador: Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do
Amazonas, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Programa de
Pós-Graduação em História
1. História Social. 2. História do Trabalho. 3. Movimentos Sociais.
4. História Operária. 5 História da Imprensa. 6. Amazonas –
Sociedade e Cultura. 7. Amazonas – Política e Governo.
8. Amazonas – História – 1908-1919.
I. Pinheiro, Luís Balkar Sá Peixoto
II. Universidade Federal do Amazonas
III. Título.
Aos trabalhadores de hoje,
na esperança de que acreditam que
por meio de ações coletivas é possível
construir um mundo melhor e mais justo.
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A
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GRADECIMENTOS
GRADECIMENTOS
O trabalho acadêmico, embora seja feito por uma pessoa que se propõe a dedicar
seu tempo em leitura bibliográfica, pesquisa empírica e escrita, não se reduz a esfera
individual. Antes, ele possui um aspecto coletivo. Pode-se afirmar que existe uma
dimensão individual-coletiva que se faz presente no decorrer de sua elaboração.
Quando me refiro a esta dimensão do trabalho acadêmico estou pensando nas
inúmeras contribuições que deram suporte, fôlego e materialidade a presente
dissertação. Neste sentido, cabe apontar as pessoas e instituições que, de diversas
formas, somaram esforços neste empreendimento difícil e complexo, porém
emocionante e gratificante, que é a produção de um conhecimento histórico e científico
novo.
Correndo o risco de omitir alguns nomes que poderiam estar aqui assinalados,
quero dizer um “muito obrigado” ao Professor Luís Balkar Peixoto Pinheiro, orientador
que não somente acreditou no desenvolvimento desta pesquisa como também sempre se
colocou à disposição para dialogar e propor novos rumos.
Sou grato a Professora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, pelas inúmeras contribuições
advindas das discussões realizadas no interior das disciplinas “Trabalho e Cidade” e
“História e Periodismo”. Esta última cursada durante a graduação e aquela no âmbito do
Mestrado. Cabe registrar ainda que foi a partir do contato que tive, ainda nos anos iniciais
da graduação, com o estudo sobre os estivadores manauaras produzido por Maria Luiza
que o interesse pela História Operária despertou em mim.
No Departamento e no Programa de Pós-Graduação em História recebi calorosa
acolhida e fiz grandes amizades. Eloína Monteiro dos Santos foi peça fundamental, pelas
aulas ministradas e pelos encaminhamentos propostos no âmbito da disciplina “História,
Política e Poder”. Do professor (e colega de Mestrado) Aloysio Nogueira de Melo guardo o
exemplo de homem que vive a História e nela se entrelaça.
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Aos professores Paulo Koguruma () e Antônio Emílio Morga agradeço pela
atenção e pelas críticas e sugestões apontadas no decorrer do Exame de Qualificação.
Na UFAM contei ainda com a colaboração do Grupo de Pesquisa em História Social
da Amazônia e do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas (LHIA), aos quais me
vinculei desde o final do Curso de Graduação em História.
Agradeço a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) que, ao contrário da
Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), concedeu-me uma licença remunerada, por
meio do programa QUALIFICA. Tal ação foi de fundamental importância para que tivesse
tempo e recursos disponíveis para um melhor desenvolvimento deste estudo.
Ao Museu Amazônico e seus funcionários (Valdir, Sidney, Maristela, Rosângela,
Dysson, Eunice e Rosa), agradeço a acolhida e paciência nos momentos em que me vi
mergulhado no rico acervo histórico ali presente. De igual forma, agradeço a Biblioteca
Pública e aqueles que a fazem funcionar, pelo respeitoso e atencioso tratamento
dispensado. Ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) que, enfim de portas
abertas, disponibilizou-me uma série de documentos necessários a este trabalho.
Não poderia deixar de registrar aqui os amigos Fabrício Vieira e Davi Avelino que
para mim tiveram um significado especial, pela convivência, solidariedade e contribuições
sempre generosas e significativas.
Por fim, agradeço de coração à minha família: Raimundo Costa e Cleía Guimarães
Costa, avós maternos que me criaram e me ensinaram a caminhar no mundo; à minha
mãe, Cilene Guimarães Costa, pela força e incentivo; à minha esposa, Redvânia Pinto
Vieira, pela força, incentivo e, acima de tudo, pelas direções estabelecidas na minha vida;
ao meu filho, Lucas Vinícius Vieira Teles, meu inconteste estímulo e fiel companheiro de
trabalho, uma vez que compartilhou durante meses muitas vezes agarrado ao meu
cangote a escrita deste trabalho. Agradeço ainda a Deus, por ter colocado todas estas
pessoas na minha vida.
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R
R
ESUMO
ESUMO
Caminhando no sentido de contribuir para o processo de renovação historiográfica
regional e minorar o campo ainda pouco explorado da História Operária no Amazonas, a
presente dissertação buscou compreender o universo do trabalho e, em especial, as
dimensões da fala, organização e luta operária em Manaus, no início da década de 1920,
filtradas pelas páginas do Vida Operária, um dos mais importantes jornais operários
surgidos no Amazonas. Procura-se também discutir a própria Imprensa Operária, como
uma das mais importantes manifestações da cultura das classes trabalhadoras, inquirindo
acerca do papel desempenhado pelo jornal Vida Operária no interior do periodismo
amazonense, externando sua linha editorial e as características que o singularizam no
interior daquela imprensa, além de identificar as dimensões (tamanho, composição,
características) do universo do trabalho e dos trabalhadores urbanos de Manaus, mapeando
ainda as demandas e denúncias acerca das condições de vida e trabalho e observando a
atuação do jornal mencionado nos processos de organização, conscientização e luta
operária, pontuando os dilemas organizacionais, as disputas internas e as influenciais das
diversas correntes teóricas no interior do movimento político dos trabalhadores
amazonenses.
Palavras Chaves: História Operária; Movimento Operário; Imprensa Operária.
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BSTRACT
BSTRACT
Still walking in the sense of to contribute for the process of renewal regional
historiográfica and to lessen the field little explored of the Labor History in Amazon to
present researches search to understand the universe of the work and, especially, the
dimensions of the speech, organization and fight worker in Manaus, in the beginning of
the decade of 1920, filtered by the pages of the newspaper Labor Life, one of the most
important labor newspapers appeared in Amazon. It is also tried to discuss the own
Imprensa Operária, as one of the most important manifestations of the culture of the
working classes, inquiring concerning the paper carried out by the newspaper Labor Life
inside the journalism amazonense, expressing his/her line editorial and the characteristics
that single out him/it inside that press, besides identifying the dimensions (size,
composition, characteristics) of the universe of the work and of the urban workers from
Manaus, still mapping the demands and accusations concerning the life conditions and
work and observing the performance of the newspaper mentioned in the organization
processes, understanding and fight worker, punctuating the organizational dilemmas, the
internal disputes, you influence them of theoretical currents inside the political
movement of the workers amazonenses.
Key words: Labor history; Labor movement; Labor press.
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S
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UMÁRIO
UMÁRIO
LISTA DE QUADROS, TABELAS E IMAGENS 9
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 10
CAPÍTULO I: IMPRENSA E MUNDOS DO TRABALHO 18
1 – HISTÓRIA E IMPRENSA
2 – A SINGULARIADADE DA IMPRENSA OPERÁRIA
3 – O JORNAL “VIDA OPERÁRIA
19
27
50
CAPÍTULO II: A VIDA OPERÁRIA 62
1 – O UNIVERSO DO TRABALHO URBANO EM MANAUS
2 – A VIDA OPERÁRIA: CONDIÇÕES MATERIAIS DE EXISTÊNCIA
3 – UMA CIDADE CONFLITIVA: MANAUS, ESPAÇO DE DISPUTAS SOCIAIS
63
67
81
CAPÍTULO III: A LUTA OPERÁRIA 92
1 – DENÚNCIAS E DEMANDAS OPERÁRIAS
2 – UMA PROPOSTA DE AÇÃO POLÍTICA OPERÁRIA
3 – O VIDA OPERÁRIA FRENTE A SITUAÇÃO SINDICAL E POLÍTICA NO AMAZONAS
4 – CONSCIÊNCIA E COLABORAÇÃO DE CLASSE NO VIDA OPERÁRIA
5 – O FLERTE COM O POSITIVISMO DE AUGUSTO CONTE
6 – CORRENTES IDEOLÓGICAS E ESTRATÉGIAS SINDICAIS
7 – PELA CONDUÇÃO DA AÇÃO POLÍTICA OPERÁRIA: VIDA OPERÁRIA X EXTREMO NORTE
93
107
117
124
127
130
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS 145
FONTES 151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153
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LISTA DE QUADROS, TABELAS E IMAGENS
IMAGEM 1: PRIMEIRO EXEMPLAR DO JORNAL VIDA OPERÁRIA 12
IMAGEM 2: MANIFESTO À FAVOR DA ORGANIZAÇÃO OPERÁRIA 43
QUADRO 1: COLABORADORES COM MATÉRIAS ASSINADAS 51
QUADRO 2: MATÉRIAS REPRODUZIDAS DE OUTROS JORNAIS 53
IMAGEM 3: EXEMPLAR DO JORNAL VIDA OPERÁRIA – Nº 23 58
TABELA 1: PRODUÇÃO DE BORRACHA NA AMAZÔNIA ENTRE OS ANOS 1827 E 1860 63
IMAGEM 4: MANIFESTO CONTRA A MANÁOS TRAMWAY 76
IMAGEM 5: REFERÊNCIA A KARL MARX EM PANFLETO DOS ANOS 20 133
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ONSIDERAÇÕES
ONSIDERAÇÕES
I
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NICIAIS
NICIAIS
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ONSIDERAÇÕES
ONSIDERAÇÕES
I
I
NICIAIS
NICIAIS
O tema trabalhado nesta dissertação se originou, de forma ainda incipiente, no
ano de 2003. Neste ano, ainda no decurso da Graduação em História, foi desenvolvido, no
interior do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), um projeto de
pesquisa intitulado “De Povo e Barnabés: representações do trabalho e do trabalhador
urbano na imprensa amazonense da década de vinte”. Esta pesquisa tinha como objetivo
compreender como importantes órgãos da imprensa amazonense reagindo aos
acontecimentos da época (crise econômica, desemprego, protestos populares e criação
de associações operárias) discutiram o problema do trabalho e do trabalhador.
Neste processo, percebeu-se, como resultado da pesquisa, que uma parcela
significativa dos grandes jornais, como O Dia e a Gazeta da Tarde, ligados a determinados
segmentos da elite econômica e política, constantemente construíam imagens negativas
do trabalhador. Este trabalhador era invariavelmente retratado em suas páginas como
“preguiçoso”, “indesejável”, “analfabeto”, “alcoólatra” e “maltrapilho”.
1
Por outro lado, ao adentrar no universo dos trabalhadores por meio da imprensa
operária, visando uma melhor compreensão das representações acima citadas (uma vez
que partíamos do pressuposto de que a representação não era uma via de mão única),
vislumbraram-se visões sobre o patronato, construídas pelos jornais ligados aos operários
no processo de defesa dos seus interesses de classe. Assim, só para citar alguns exemplos,
termos como “parasitas da sociedade”, “prepotentes e arrogantes” e “tiranos” se faziam
presentes nestes periódicos.
1
Aqui cabem algumas considerações. A primeira se refere a uma diferença estabelecida nestes jornais
diários entre trabalhador nacional e estrangeiro. O primeiro era visto como “preguiçoso” e ainda lento
para o processo de trabalho racionalizado, enquanto que o segundo estaria, por sua suposta experiência
anterior nesta esfera, apto não para o trabalho, mas também para ser tomado como referência ao
trabalhador nacional. Porém, em momentos de paralisação do trabalho (greves) ou quaisquer outras
manifestações tanto um quanto o outro eram tomados de forma única. TELES, Luciano Everton Costa.
“De Povo e Barnabés: representações do trabalho e do trabalhador urbano na imprensa amazonense
da década de vinte”. Monografia de Iniciação Científica. Manaus: UFAM (mimeo.), 2003, p. 11-26.
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Foi neste processo inicial de pesquisa, sobretudo a partir do contato com o
conjunto dos jornais operários produzidos entre final do século XIX e início do século XX,
que o interesse pelo jornal Vida Operária despertou. Este jornal chamou atenção por dois
motivos principais. Em primeiro lugar pelo número de títulos publicados (26 números),
uma vez que a grande maioria dos jornais operários – com exceção da Tribuna do Caixeiro
que tirou 55 números não passava de dez números. Em segundo lugar, e esse é o
motivo mais importante, pelos conteúdos presentes em suas páginas, colunas e artigos
que tratavam dentre outras coisas de denúncias, demandas, tradições de classe, dilemas
vividos e projetos políticos defendidos.
IMAGEM 1:
PRIMEIRO EXEMPLAR DO JORNAL VIDA OPERÁRIA
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Fonte: Reproduzido do microfilme a partir do acervo do
Laboratório de História da Imprensa no Amazonas.
Ainda neste primeiro contato, na leitura das páginas do jornal Vida Operária,
algumas questões começaram a se esboçar: Qual o papel desempenhado pelo Vida
Operária no interior do periodismo amazonense? Quanto ao universo do trabalho e do
trabalhador urbano, que posições e comportamentos o jornal assumiu? Para que
categorias de trabalhadores ele se dirigia? Qual era a sua proposta de intervenção social?
Quais as bases que o sustentavam? O jornal enfrentava dificuldades de produção e
financiamento para se colocar em circulação? Que dificuldades eram estas? Quais foram
as suas principais características? Enfim, emergia um conjunto de perguntas que
precisavam de respostas.
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Além disso, o clamor existente no ambiente historiográfico no sentido de se tomar
a imprensa enquanto objeto de estudo causou também algumas inquietações, haja vista
o comentário de Renée Barata Zicman, que argumenta que embora os jornais sejam
bastante “consultados e citados (...) são raramente estudados e analisados”.
2
Da mesma
forma, na parte introdutória do catálogo Cem Anos de Imprensa no Amazonas” os
organizadores apontam que “o papel da imprensa na História do Brasil ainda não foi
suficientemente pesquisado”
3
. De forma mais contundente Maria Luiza Ugarte Pinheiro
denuncia:
Se tomarmos os jornais não como fonte, mas como objeto da própria
investigação historiográfica, emerge de forma flagrante a quase inexistência de
estudos no Estado (...). Fora dessa perspectiva, contam-se apenas os trabalhos
relativos à elaboração de instrumentos de pesquisas (Catálogos e Listagens), que,
embora relevantes, no entanto, não trazem uma maior profundidade
interpretativa acerca das matérias alvo dessas publicações.
4
Se os estudos sobre a imprensa de um modo geral são ainda raros, sobre a
imprensa operária em particular um extenso caminho a percorrer. Para Heloísa de
Faria Cruz a imprensa operária, apesar de se constituir como “fonte privilegiada e
indispensável para o estudo das classes operárias no período recente da história social do
trabalho brasileira (...) vem reclamando por estudos que a proponham também como
tema e espaço central de análise e reflexão”.
5
A importância da imprensa operária (mas especificamente do jornal Vida
Operária) como objeto de estudo se deve ao fato de que, sendo ela um importante
veículo dos interesses da classe operária, sua leitura permite dimensionar como eram
propostas as formas de luta e resistência organizada para a classe trabalhadora no
cotidiano”. Além disso, insiste Guzzo Decca, esta mesma imprensa permite identificar os
contrapontos de diversas ordens às iniciativas do poder
6
. Ela se singulariza, sobretudo,
2
ZICMAN, Renée. História Através da Imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História,
nº 4. São Paulo: Educ, 1985, p. 92.
3
FREIRE, Jo Ribamar Bessa (Coord). Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950) catálogo de
Jornais. Manaus: Editora Calderaro, 1990, p. 11.
4
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas, 1880-1920. Tese
de doutorado em História. São Paulo: PUC, 2001, p. 58.
5
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana (1890-1915). São Paulo:
EDUC, 2000, p. 129.
6
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo, 1920-1934.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 98.
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por seus objetivos programáticos e seu caráter doutrinário. Suas falas iam à contramão
dos discursos hegemônicos, sempre visando servir de instrumento para a construção de
um novo mundo, sem exploração, miséria, opressão, fome e outros problemas sociais.
Assim, tomar o jornal Vida Operária como objeto/fonte de estudos foi importante,
uma vez que sobre ele inexistiam – para além de pequena apresentação na tese de Maria
Luiza Ugarte Pinheiro
7
estudos acadêmicos específicos. Produzido e colocado em
circulação no ano de 1920, com vinte e seis números publicados e com o apoio das mais
representativas associações operárias do estado, foi possível observar por intermédio
dele diversas contradições, preocupações e expectativas de várias categorias de
trabalhadores existentes no mundo do trabalho da Manaus da borracha.
A opção metodológica de se tomar o jornal Vida Operária como objeto/fonte de
estudos se apresentou enriquecedora. Não sendo antagônicas, essas posturas podem ser
articuladas, da forma como foi assumida nesta dissertação. Assim, buscou-se investigar o
jornal Vida Operária, tomando-o como objeto de análise, enquanto se explorou o
contexto que o propiciou e, em especial, investigou-se o universo do trabalho e do
trabalhador na cidade de Manaus. Para isso, foi preciso, como sustenta Adelaide
Gonçalves:
Compreender a imprensa como instrumento de intervenção na vida social
em que seu estudo pode se dar como objeto/fonte, uma vez que desaparece a
categoria imprensa na forma abstrata para dar lugar ao movimento vivo das
idéias, protagonistas e, principalmente, para que emerjam dessa produção de
sentidos, como resultado da operação histórica, sujeitos dotados de consciência
determinada na prática social.
8
Esta articulação possibilitou, por um lado, minimizar a lacuna presente no que
tange a análise de jornais enquanto objeto de estudos e, por outro lado, por meio dos
assuntos tratados em seus artigos, contribuir de forma significativa para lançar um novo
olhar sobre o período chamado de “Belle Époque”.
Ainda no campo metodológico, para melhor compreender o jornal Vida Operária e
a condição operária que salta de suas páginas, foi necessário ampliar a base documental
não para o conjunto da Imprensa Operária, como também para as principais folhas da
7
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit., p. 168-174.
8
GONÇALVES, Adelaide (Org). Ceará Socialista – Anno 1919. Florianópolis: Insular, 2001, p. 9.
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Imprensa Diária (grande imprensa), visando iluminar a problemática a partir de outras
angulações.
Da mesma forma, registros como dos poderes públicos (censos demográficos e
socioeconômicos, relatórios de repartições, códigos de posturas, relatórios dos médicos
sanitaristas, etc.) e do próprio patronato (boletins e revistas editados pela Associação
Comercial do Amazonas) também foram utilizados neste sentido.
O confronto das representações emanadas do jornal Vida Operária com as
originárias de outras fontes documentais foi necessário porque o jornal e seus
animadores não agem no vazio, mas no seio de estruturações socioeconômicas
conflituosas e, por vezes, hierárquicas. Como a atuação se de forma relacional, foi
preciso identificar e situar as ações dos setores que se colocavam em tensão e/ou
oposição aos projetos veiculados e defendidos pelo periódico. Entretanto, foi somente
neste sentido que estes documentos foram utilizados, não sendo alvos de reflexões mais
profundas uma vez que o objeto/fonte de estudo proposto é o próprio jornal Vida
Operária. Todavia, tais documentos serviram para pontuar questões e posições mais
amplas do universo operário.
O recorte cronológico adotado na pesquisa tomou por base o ano de circulação do
Jornal Vida Operária (1920), não deixando de lado os avanços e recuos temporais a partir
desta referência. Embora seja um espaço de tempo relativamente curto, ele sintetiza o
término de um período de intensa movimentação operária no Brasil e, em particular no
Amazonas. A literatura que trata do movimento operário nacional aponta, de forma
consensual, para o fato de que entre os anos de 1917 e 1920 ocorreu uma intensificação
das ações operárias. Greves, passeatas, protestos, produções de jornais, dentre outras
ações, foram realizadas pelos operários objetivando melhores condições de vida e
trabalho. Como exemplo de desdobramentos deste processo em Manaus pode-se citar a
“greve geral” ocorrida em 1919, em favor da jornada de oito horas de trabalho (alvo de
manifestações idênticas no sul e sudeste do país). Para conduzir a greve, foi formado um
Comitê de Operários Amazonenses. A formação deste comitê incorporava nomes de
destaque no cenário operário sindical amazonense, como o de Nicodemos Pacheco
(Presidência), Elesbão Luz, Anacleto Reis, Cursino Gama e outros.
9
9
Cf.: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999, p. 171-178.
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Estes nomes se fazem presentes no corpo de colaboradores e redatores do jornal
Vida Operária mesmo após a greve de 1919 ter sido sufocada pela repressão e o Comitê
extinto e expulso do seu local de funcionamento. Desta forma, foi possível inferir acerca
da presença constante de algumas lideranças no universo da organização política
operária, percorrendo caminhos tensos e complexos na luta pelo fortalecimento
organizacional da classe
10
. Este fato tornou o estudo do jornal Vida Operária
interessante, uma vez que este instrumento de comunicação, produzido e direcionado
para a classe operária, acabou por se configurar enquanto passaporte para adentrar no
universo tenso e conflituoso do trabalho.
De uma forma geral, este estudo teve como objetivo compreender o universo do
trabalho e em especial, as dimensões da fala, organização e luta operária em Manaus, no
início da década de 1920, filtrada pelas páginas do jornal Vida Operária, um dos mais
importantes jornais operários surgidos no Amazonas.
Este objetivo maior fragmentou-se em preocupações específicas, como a
necessidade de discutir a própria Imprensa Operária, como uma das mais importantes
manifestações da cultura das classes trabalhadoras. Importante também foi inquirir
acerca do papel desempenhado pelo jornal Vida Operária no interior do periodismo
amazonense, externando sua linha editorial e as características que o singularizam no
interior daquela imprensa. De igual forma, se quis, através do jornal Vida Operária,
identificar as dimensões (tamanho, composição, características) do universo do trabalho
e dos trabalhadores urbanos de Manaus, mapeando ainda as demandas e denúncias
acerca das condições de vida e trabalho. Ganhou destaque também o interesse em
perceber e analisar a atuação do jornal Vida Operária nos processos de organização,
conscientização e luta dos trabalhadores de Manaus, identificando, por seu intermédio,
os dilemas organizacionais, as disputas internas, as influências de correntes teóricas no
interior do movimento político dos trabalhadores amazonenses.
Este quadro de objetivos apontou para a necessidade de discussões de alguns
temas correlatos, sobretudo temáticas relacionadas à História Operária. Como se sabe, a
10
Esta presença de algumas lideranças operárias extrapola o recorte cronológico adotado nesta
dissertação, tanto no recuo quanto no avanço temporal. Com relação a este, é possível identificar, por
meio do jornal comemorativo do de maio de 1928, a presença de Cursino Gama que não organizou
a publicação deste jornal como também produziu alguns artigos nele presentes.
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Imprensa Operária se caracteriza como uma das mais importantes manifestações
culturais da classe operária. Por conta disso, não se pode analisá-la separadamente desta
classe. Pelo contrário, é preciso observar quem a produz, a quem ela se destina, o
conteúdo presente em seus artigos, quem a sustenta, enfim alguns pontos que tornam o
conceito desta imprensa amplo, abarcando, como aponta Maria Nazareth Ferreira
11
, as
associações, os partidos, os movimentos, o próprio operário e demais grupos que,
embora não pertencessem à classe operária, defendiam algumas de suas causas.
Neste sentido, foi fundamental observar as articulações existentes entre as esferas
acima citadas, sobretudo no que tange a produção e confecção do jornal Vida Operária.
Além disso, foi preciso identificar e diferenciar “classe operária” de “movimento
operário”, para não incorrer no equívoco de tomar as “falas” das lideranças, presentes
nos artigos publicados nos jornais operários, em especial no Vida Operária, como se
fossem também as “falas” da própria classe operária.
12
Tratou-se também de observar que a imprensa operária não podia ser analisada
de forma isolada da sociedade, uma vez que ela está inserida no interior desta. Por conta
disso, foi imprescindível na sua análise um modelo de como são as sociedades e de como
funcionam. Além desta questão, o caráter multifacetado presente na História Operária
13
exigiu uma articulação entre os níveis de realidade (Trabalhadores e movimentos, bases e
líderes, etc.) e de análise (político, econômico, social, cultural e ideológico) de modo que
se formasse um todo, sem reducionismos.
14
11
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988, p. 13-14.
12
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000, p. 17.
13
BATALHA, Cláudio Henrique. A Historiografia da Classe Operária no Brasil: trajetórias e tendências. In:
FREITAS, Marcos Cezar (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto/USF, 1998.
14
HOBSBAWM, Op. Cit., p. 27-28.
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APÍTULO
APÍTULO
1
1
I
I
MPRENSA
MPRENSA
E
E
M
M
UNDOS
UNDOS
DO
DO
T
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RABALHO
RABALHO
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CAPÍTULO 1
IMPRENSA E MUNDOS DO TRABALHO
1. HISTÓRIA E IMPRENSA
A imprensa é tomada pela história em dois sentidos: como objeto de estudo ou
como fonte para a pesquisa histórica. Portanto, para elucidar as dimensões desta relação
é necessário considerar esses dois eixos.
A imprensa tomada como objeto de estudo nos remete, num primeiro momento,
aos Institutos Históricos e Geográficos espalhados pelas regiões do país e aos intelectuais
ligados a estas instituições, com destaque para Alfredo de Carvalho e Afonso de Freitas.
Os trabalhos desenvolvidos por estes profissionais consistiam na realização de
levantamentos de jornais e abordagens descritivas sobre os mesmos. Deste modo, a
imprensa era vista por uma perspectiva descritiva, factual e cronológica.
Sobre esta perspectiva Marialva Barbosa alegava que “escrever a história da
imprensa não é, certamente, alinhar fatos e datas, nomes e mais nomes, nem destacar os
personagens que se tornaram singulares na construção engendrada no passado para o
futuro”.
15
Com efeito, a tentativa de construção de uma História da Imprensa no Brasil não
se restringiu a este primeiro momento. Em 1966 surgiu a História da Imprensa no Brasil
16
,
obra de vulto que reflete sobre a dinâmica e evolução dos órgãos de Imprensa e analisa
suas características em diversas conjunturas. Ancorado em um modelo marxista que
atrelava a dimensão cultural ao nível da infra-estruturaaquela era reflexo desta – Sodré
via imprensa como um “aparelho ideológico do estado”. Esta dimensão pode ser
15
BARBOSA, Marialva. Como escrever uma história da imprensa?Texto apresentado no II Encontro Nacional
da Rede Alfredo de Carvalho, Florianópolis de 15 a 17 de abril de 2004.
16
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
P á g i n a | 21
percebida logo no início do livro quando afirma “a história da imprensa é a própria
história do desenvolvimento da sociedade capitalista”.
17
Porém, esta não é a única obra que procurava construir, por um outro viés, uma
História da Imprensa no Brasil. Precedendo a obra de Sodré, Juarez Bahia
18
procurou
discutir não um sentido geral na história da imprensa brasileira, mas também inquirir
essa historicidade em articulação com os processos de incorporação de novas tecnologias
e linguagens. Além de Bahia, Carlos Rizzini
19
e Hélio Viana
20
também desenvolveram
estudos sobre os órgãos de imprensa em perspectiva global.
Considerando as obras que buscavam analisar globalmente a História da Imprensa
do Brasil, Geraldo Pinheiro assim se posicionou:
não obstante a grande contribuição que estes trabalhos trouxeram ao debate
contemporâneo, eles carregam limitações de suas época. Assim pois, Carlos
Rizzini, Hélio Viana e Juarez Bahia estão fortemente marcados por perspectivas
positivistas, enquanto Nelson Werneck Sodré, com a ortodoxia que lhe é
peculiar...
21
Cabe mencionar que os estudos menores e mais regionalizados não ficaram de
fora. Nesta linha, a obra de Ignotus
22
, cuja obra abordou a imprensa no Maranhão entre
1820 e 1880, e Luiz do Nascimento
23
, o qual focalizou a imprensa em Pernambuco, são
exemplares.
Desta forma, a partir da segunda metade do século XIX até meados da década de
70 do século XX os estudos que tomaram a imprensa enquanto objeto de estudo, ora em
17
Idem, p. 01.
18
BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: história da imprensa brasileira. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1990.
19
RIZZINI, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial, 1988.
20
VIANA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869). Rio de Janeiro, Ministério da
Educação/INL.
21
PINHEIRO, Geraldo Peixoto. “Imprensa e Modernidade: relato de pesquisa em curso”. Amazônia em
Cadernos, n 2/3, Manaus, Universidade do Amazonas, 1993/4, p.198. O autor estabelece também a
divisão cronológica realizada por Sodré e Bahia. Enquanto aquele optou por uma divisão que acompanha
a periodização tradicional da historiografia brasileira (Imprensa Colonial, Imprensa da Independência,
Imprensa do Brasil Império e da República, subdividindo esta em dois capítulos: a grande Imprensa e a
crise da Imprensa brasileira), este a divide em três grandes períodos, chamando-os de “Etapa Inicial”
(1808 – 1880), “Fase de Consolidação” (1880 – 1930) e “Fase Moderna” (1930 – 1960). Idem, p. 197-198.
22
IGNOTUS, A Imprensa no Maranhão, 1820-1880: sessenta anos de jornalismo. Rio de Janeiro: Editores
Faro & Lino, 1883.
23
NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco (1821-1954). Recife: Editora Universitária de
Recife, 1972.
P á g i n a | 22
plano global ora em plano regional, caminharam em duas vertentes. Na primeira a
imprensa era encarada de forma descritiva, factual, cronológica e preocupada em fazer
levantamentos de documentação sobre jornais (catálogos e listagens). Nesta perspectiva
um baixo teor explicativo. Na segunda o jornal era visto como “aparelho ideológico do
estado”, o que acaba gerando um empobrecimento analítico resultante do determinismo
econômico.
Nas décadas subseqüentes a noção de imprensa enquanto “prática social que
compunha o tecido social urbano” se difundiu e contribuiu para a emergência de
trabalhos relevantes, com destaque para o trabalho de Heloisa de Farias Cruz
24
que
buscou refletir as relações entre cultura letrada, periodismo e vida urbana no processo
inicial de formação da metrópole paulistana.
No Amazonas o campo da História da Imprensa ainda está por ser desbravado, o
que não significa dizer que não existam produções referentes ao tema. Um pioneiro
estudo sobre a História da Imprensa no Amazonas foi realizado em 1908 por um grupo de
intelectuais locais, com destaque para João Batista de Faria e Souza e Alcides Bahia
25
. Tal
produção foi formulada no bojo das comemorações do primeiro centenário da História da
Imprensa no Brasil. Embora partindo de uma modesta visão de conjunto da imprensa no
Amazonas, esse estudo foi importante por ter chamado a atenção para a riqueza daquela
produção jornalística, a partir da listagem de mais de três centenas de jornais que
circularam na região, desde a implantação da Província, em 1851, até 1908, ano de sua
publicação.
Na mesma linha de preocupação, foi elaborado o Catálogo dos Cem Anos de
Imprensa no Amazonas
26
, produzido por um conjunto de historiadores da Universidade
Federal do Amazonas. Nesta obra buscou-se ampliar o quadro dos jornais publicados no
Amazonas, com rápida apresentação que não reavaliava a dinâmica do periodismo
local, como também reafirmava sua importância como importante fonte para a
renovação historiográfica.
24
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana (1890-1915). São Paulo:
EDUC, 2000.
25
FARIA E SOUZA, João Baptista, SOUZA, Monteiro de e BAHIA, Alcides. A Imprensa no Amazonas,
1851-1908. Manaus: Tipografia da Imprensa Oficial, 1908.
26
FREIRE, Jo Ribamar Bessa (Coord). Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950) catálogo de
Jornais. Manaus: Editora Calderaro, 1990.
P á g i n a | 23
As obras acima referendadas são catálogos e listagens que embora contribuam
enormemente enquanto instrumentos de pesquisa “não trazem uma maior profundidade
interpretativa acerca dos materiais alvo dessas publicações”.
27
Não obstante, mais recentemente o periodismo amazonense foi alvo de adensado
estudo analítico, por onde se buscou não apenas asseverar a heterogeneidade de
formatos, linhas editoriais e projetos político-sociais que embasaram a Imprensa
Amazonense entre os anos de 1880 e 1930, como também discuti-la como peça chave de
expressão e avanço da cultura letrada no Estado.
28
De igual forma, coube a Pinheiro a tentativa de mapear, descrever e analisar as
“folhas operárias” que circularam no Amazonas, abrindo entre nós um campo
consagrado no interior das principais universidades e centros de pesquisa brasileiros.
A utilização da imprensa periódica como fonte para a pesquisa histórica brasileira
ganhou terreno, ainda de forma tímida e lenta, na década de 1970 após a superação de
antigas posturas que marcaram a prática historiográfica, notadamente as noções de
“fonte suspeita” e “repertório da verdade”. De início, os jornais eram vistos com
desconfiança. Os diversos temas tratados e as inúmeras informações veiculadas, por não
serem oficialescas na medida em que não eram documentos comprovadamente
produzidos por agentes do governo eram relegados a um plano secundário. Entretanto,
para aqueles que insistiam em utilizá-los era necessário redobrar a atenção, a fim de não
comprometer, com o uso desses registros, a pretensa objetividade, tão ardorosamente
desejada no interior da disciplina histórica.
Num extremo oposto, foi lentamente se constituindo a idéia de “fato verdade”,
que elegia o jornal como “templo dos fatos”, enaltecendo a objetividade do fato
jornalístico e esboçando uma tendência a utilizar a imprensa como relato fidedigno da
realidade, fonte imparcial e neutra dos acontecimentos.
29
É na década de 70 e início de 80 do século XX que os jornais passaram a ser
encarados de forma diferente. No processo de reavaliação do tratamento dispensado
pelo historiador as fontes históricas, os jornais passaram a se apresentar como espaços
27
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas, 1880-1920. Tese
de doutorado em História. São Paulo: PUC, 2001, p. 58.
28
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit.
29
CAPELLATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1994.
P á g i n a | 24
de representação de inúmeros aspectos da realidade. A partir deste momento, a atenção
se voltou para os elementos constitutivos da construção dos textos jornalísticos. Esta
postura foi difundida e acabou influenciando os historiadores que caminharam no sentido
de romper com a postura que via os jornais como “fonte suspeita” ou, inversamente,
como “repertório da verdade” e permitiu estabelecer questões que procuravam elucidar
não o fato jornalístico em si, mas a construção deste fato. Atentou-se que na construção
do fato jornalístico os elementos subjetivos e os interesses do jornal interferiam
decisivamente. Desta forma, a tarefa preliminar de identificar os elementos construtores
do fato se tornou central na construção historiográfica, uma vez que possibilitava
identificar e localizar o jornal socialmente e, assim, melhor compreender a logicidade de
seus discursos e a emergência de projetos de intervenção social e política que, por vezes,
eles buscavam encobrir.
Assim, a adoção de uma postura cautelosa e crítica no trato com a imprensa, se
tornou referência obrigatória para os pesquisadores. Zicman lembrava que para os que
resolviam tomar a imprensa como objeto/fonte de estudo historiográfico era necessário
atentar para o eixo norteador de sua ação o campo político e ideológico. Esta questão
trouxe consigo a necessidade de estabelecer os principais traços característicos dos
órgãos de imprensa a serem investigados.
30
Era preciso indagar ainda sobre o modo
como os jornais constituem formas de olhar e narrar os eventos e de fixar uma versão,
entre outras possíveis. Era preciso identificar o “lugar social de onde cada jornal fala”.
31
Este processo foi importante uma vez que deu a imprensa um lugar de destaque
nos estudos históricos, tal como sustenta Maria Helena Capelato:
Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, a imprensa
possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos
tempos. O periódico, antes considerado fonte suspeita e de pouca importância,
é reconhecido como material de pesquisa valioso para o estudo de uma época.
32
Como fonte histórica, a imprensa configurou-se como um “manancial dos mais
férteis” para a reconstrução e elucidação do passado. Por meio dela, tornou-se possível
30
ZICMAN, Renée Barata. Op. Cit., p. 91-92.
31
VIEIRA, Maria do Pillar et al. A Pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1989.
32
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1988, p. 13.
P á g i n a | 25
recuperar dimensões sociais importantes, notadamente as lutas, os ideais, os
compromissos e os interesses de diversos setores que compõem a sociedade. A imprensa
possibilitou um melhor conhecimento das sociedades no nível de suas condições de vida,
manifestações culturais e políticas, dentre outros aspectos.
Somado a esta compreensão do significado das fontes está às discussões e
questões sobre a escrita da história. No plano internacional, a história acadêmica, por
volta da década de 1950 e início da de 1960, deslocou seu olhar direcionado até então
aos grandes personagens, às grandes batalhas militares e aos tratados diplomáticos
para as vivências e experiências das “pessoas comuns do povo”. Neste contexto, ocorreu
um processo de valorização e interesse pela História Operária que, embora tenha suas
primeiras produções realizadas fora do âmbito universitário
33
, acabou por conquistar e
consolidar-se em espaços acadêmicos e institucionais.
A construção do campo de estudos da História Operária deu-se ancorada em
linhagens historiográficas inovadoras, cujo exemplo maior é constituído pela chamada
História Social Inglesa, consagrada pelos diversos trabalhos de historiadores como
Edward Thompson, Eric Hobsbawm, Crhistopher Hill, Raphael Samuel e Georges Rudé,
dente outros. Esses nomes acabaram por constituir-se em paradigmas importantes para a
construção de uma História Vista de Baixo que, dentre outras manifestações, consagrou
igualmente os estudos de história operária.
34
No Brasil, essa influência chegou associada a uma mudança na conjuntura política,
uma vez que por volta da década de 1980 estava ocorrendo um processo de abertura
política no país. Com a diminuição da repressão e o crescimento do movimento de
contestação à ditadura militar, incluindo-se a emergência do movimento operário
sobretudo na região do ABC paulista –, componentes da academia, notadamente na área
da História, da Sociologia e da Ciência Política, focalizaram o fenômeno. A partir desse
33
Tanto no âmbito nacional quanto internacional, as primeiras produções acerca dos movimentos
operários ocorreram fora dos muros das universidades. Realizadas por militantes, advogados, jornalistas
e intelectuais de outras áreas, assumiam formas e características específicas. Ver HOBSBAWM, Eric.
Mundos do Trabalho: novos estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987,
especificamente o artigo intitulado “História Operária e Ideologia” e BATALHA, Cláudio. Historiografia da
Classe Operária no Brasil: trajetórias e tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org). Historiografia
Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 145-158.
34
Acerca dessas correntes e tendências, conferir: SHARP, Jim. A História Vista de Baixo. In: BURKE, P. (Org.).
A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 39-62; PAMPLONA, Marcos. A
Historiografia do Protesto Popular e das Revoltas Urbanas. Rascunhos de História, nº 03. Rio de Janeiro:
PUC-RJ, 1991.
P á g i n a | 26
momento, passou-se a criar um interesse significativo em identificar e analisar aquele
protesto operário no passado. Isto contribuiu para uma ampliação significativa no
número de dissertações e teses que procuravam tratar das “pessoas comuns do povo”,
sobretudo os operários e suas manifestações políticas.
Desta forma, do ponto de vista de uma “História através da Imprensa”, é possível
identificar vários trabalhos bastante significativos, articulados a produção de uma História
Operária no Brasil. Entre eles estão às obras de Maria Auxiliadora Guzzo Decca, Sidney
Chalhoub, Francisco Foot Hardman, Ângela de Castro Gomes, dentre outros.
35
Embora o chamado “anos de ouro” da história operária se encontre justamente na
década de 1980, no Amazonas, em que pese o esforço de um conjunto de historiadores
no sentido de revisitar e renovar a produção histórica regional, ainda é preciso ampliar os
estudos.
Os trabalhos de renovação neste campo utilizaram, em grande medida, os jornais
como suporte documental. Assim foi que Ednéa Mascarenhas Dias, no terceiro capítulo
de sua dissertação, extraiu de alguns jornais diários e de outros periódicos menores,
informações que a permitiram contrapor às imagens de uma cidade próspera, harmônica,
moderna e higiênica, uma cidade com diversos problemas, como a deficiência do serviço
público, a segregação sócio-espacial, além de outros elementos que apontavam para a
necessária desconstrução da idéia do “Fausto”.
36
Maria Luiza Ugarte Pinheiro, por meio de jornais diários e outros periódicos,
incluindo jornais operários, mergulhou tanto no universo de trabalho dos estivadores
externando problemas relacionados à jornada de trabalho, contratação, salários e uma
série de outros elementos produzidos pela contradição Capital x Trabalho –, quanto em
seu cotidiano. Fora dos locais de trabalho, procurou reconstruir os espaços de
sociabilidades daquela categoria, externando assim a forma como a cidade era
apropriada/sentida por aquele segmento. Além disso, as greves, protestos, enfim, os
embates políticos travados pelos estivadores foram recuperados massivamente dos
35
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo, 1920-1934.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos
trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo: Cia das Letras, 1991, HARDMAN, Francisco
Foot. Nem Pátria, Nem Patrão! Vida operária e cultura anarquista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983 e
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, 1988.
36
DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 1999.
P á g i n a | 27
jornais, apontando para uma freqüente tentativa de intervenção dos estivadores no
sentido de “escrever a própria história”.
37
Quanto à Francisca Deusa Sena da Costa, percebe-se também o largo uso da
imprensa em sua dissertação de Mestrado que focalizou a desarticulação da vivência
popular regional, discutiu a racionalização do espaço e os mecanismos que procuravam
enquadrar e controlar os setores marginalizados. O trabalho não deixa de mencionar,
igualmente, as resistências e os conflitos destes setores frente ao processo urbano.
38
A historiografia regional tradicional ocultou as condições de vida e trabalho das
populações citadinas marginalizadas. Silenciou os ideais, as lutas e os projetos destes
grupos que atuaram de forma bastante efetiva no processo histórico amazonense.
Felizmente este silêncio da historiografia tem sido minimizado por novas abordagens que
surgiram proporcionando novas interpretações do passado.
Procurando contribuir para a renovação dos estudos históricos regionais, a
presente dissertação, encarando a imprensa como “prática social e momento da
constituição/instituição dos modos de viver e pensar”, tem como proposta investigar o
jornal Vida Operária tomado aqui como objeto/fonte de estudos que circulou na
cidade de Manaus no ano de 1920. Recebendo apoio e sustentação de diversas
associações operárias, por meio dos seus 26 títulos publicados é possível identificar
denúncias, dilemas e projetos políticos defendidos em prol da classe operária.
A importância da Imprensa Operária como objeto/fonte de estudo é expressiva.
Como sustenta Maria Nazareth Ferreira:
Seu valor é inegável sob o ponto de vista histórico, pela quantidade e qualidade
das informações que revela ao pesquisador. Qualidade porque todos os
problemas internos à classe, fraquezas, lutas internas, tudo o que acontecia no
meio operário era motivo de debates e informações que ganhavam as páginas
dessa imprensa; quantidade, devido ao grande número de jornais e revistas
publicado, cobrindo todas as regiões do Brasil, onde se destacavam a questão
social e as condições de organização da classe trabalhadora.
39
37
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999.
38
COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana: cotidiano de trabalhadores em
Manaus, 1915-1925. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2000.
39
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988, p. 13-14.
P á g i n a | 28
Com efeito, a imprensa operária se coloca como um instrumento documental
valioso capaz de promover uma integral reavaliação do processo histórico regional, vista
pelo ângulo dos trabalhadores. O estudo dos jornais operários se caracteriza enquanto
suporte para inserção de sujeitos que ficaram a margem do veio central da historiografia
dominante como também para transcender as tradicionais representações ideológicas do
trabalhador que emergem dos registros oficiais.
40
2. A SINGULARIDADE DA IMPRENSA OPERÁRIA
Antes, em período histórico de condições diversas,
houvera pequena imprensa; desde o século XX, porém, grande
e pequena imprensa, e esta se agrupa em dois planos: a que é
pequena tão somente por condições materiais, relegada ao
interior do país e que em nada perturba a estrutura social,
econômica e política dominante (...) e a que agrupa publicações
de circulação reduzida e de pequenos recursos materiais, mas que
mantém uma posição de combate à ordem vigente e cuja
condição deriva dessa posição. Assim, na imprensa, quanto aos
órgãos, revistas e jornais, o que existe, agora, é uma imprensa de
classe: ou da classe dominante, ou da classe dominada, com
todos os reflexos que essa divisão proporciona à atividade dos
periódicos e do periodismo.
41
A epígrafe acima estabelece uma classificação dos periódicos tendo por base os
grupos que os produziam: periódicos de classes dominantes e classes dominadas. A
despeito da divisão bipolarizada e uniforme, característica de um marxismo ortodoxo,
Sodré aponta para a ligação dos periódicos a determinados grupos e a divulgação de suas
respectivas idéias e projetos sociais.
Circulando de forma diferente da grande imprensa e demais periódicos, a
imprensa operária esteve presente na arena jornalística de diversas regiões brasileiras.
40
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte e PINHEIRO, Luís Balkar Pinheiro (orgs.). Op. Cit, p. 9. Os autores
argumentam que não nestes registros oficiais como em outros documentos (jornais que se alinhavam
com segmentos dominantes e que acabavam por defender seus projetos e propostas) observa-se um
discurso unidirecional que buscava uniformizar a imagem do trabalhador a partir de rótulos
depreciativos, entendendo-os comoclasses perigosas” e suas ações como “assunto de polícia”. Idem, p.
10.
41
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 323.
P á g i n a | 29
Localizando o surgimento da Imprensa Operária no Brasil no início da década de 1860,
Foot Hardman e Victor Leonardi, mencionam o fato de que:
Eram pequenos jornais, de tiragem reduzida e de vida geralmente efêmera.
Porém, não se pode negligenciar o papel desempenhado por essa imprensa
operária no processo de formação do proletariado como classe.
42
Para entender a produção e difusão da imprensa, e em particular da imprensa
operária, é preciso destacar duas questões. A primeira questão se relaciona as
transformações econômicas, políticas, sociais e culturais ocorridas no final do século XIX
(abolição da escravidão, a proclamação da República, os processos de industrialização,
ampliação do mercado interno, imigração, etc.) e que conduziram algumas cidades
brasileiras a um processo de ampliação da produção e difusão da cultura letrada e
impressa. Para Cruz
Seria principalmente nas últimas décadas do século XIX, surpreendida pela
turbulência das transformações sociais, que a cultura letrada e impressa
começaria decididamente a avançar para além das elites tradicionais. Nessa
época, em ritmo acelerado, no compasso de um modo de vida que exporta
capitais e invade rapidamente inúmeros espaços do planeta, a história da
formação das metrópoles brasileiras multiplica o tempo e a experiência social.
43
O avanço da cultura letrada para além dos círculos das elites tradicionais nos
remete a segunda questão. Com o desenvolvimento dos segmentos dios urbanos
advogados, médicos, professores, funcionários públicos e outros – ocorre um aumento no
número de pessoas que possuíam o domínio da leitura e da escrita. Este processo
potencializou a possibilidade destes grupos viabilizarem impressos para divulgar suas
idéias, interesses e projetos.
Esta viabilização se deve ainda a questões técnicas de produção dos periódicos. O
surgimento e aumento de mão-de-obra especializada e a superação da escassez de
recursos financeiros e matérias-primas necessárias à feitura das folhas, notadamente em
momentos de expansão econômica, contribuíram de forma relevante para a
42
HARDMAN, Francisco Foot e LEONARDI, Victor. História da Indústria e do Trabalho no Brasil: das origens
aos anos 20. São Paulo: Ática, 1991, p. 103.
43
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinta.... Op. Cit. p. 43.
P á g i n a | 30
diversificação e variedade da produção. Porém, não se deve com isso pensar que os
periódicos nasceram impressos. Muitas folhas começaram a circular manuscritas ou
datilografadas. Nos momentos de “boom” na produção de periódicos (final do século XIX
e as duas décadas iniciais do século XX) as folhas artesanalmente produzidas conviveram
paralelamente com as impressas.
Com a expansão dos grupos produtores de periódicos, temas relacionados com a
cidade e as relações entre os grupos presentes no espaço urbano passaram a ser
retratadas. Neste sentido
A cidade intromete-se na imprensa. O crescimento da cidade, a diversificação das
atividades econômicas, a ampliação do mercado e o desenvolvimento da vida
mundana são incorporados às formas e conteúdos dessas publicações. Através de
novas temáticas, personagens e linguagens, o processo social que transforma a
cidade passa também a configurar as publicações.
44
Entre os grupos que se envolveram neste processo de feitura de periódicos estão
os operários. No Brasil, em especial nas principais capitais brasileiras, a formação da
classe operária ocorreu com o advento da urbanização e industrialização. Não obstante,
como alguns estudos apontam
45
, o surgimento da classe operária deve ser pensado
menos como uma relação mecânica e automática entre indústria e operário este como
conseqüência direta daquela do que como “fenômeno histórico que unifica uma série
de acontecimentos díspares”.
46
Neste sentido, como assinala Batalha, pode-se falar de formação da classe
operária como “um processo conflituoso, marcado por avanços e recuos, pelo fazer-se e
pelo desfazer-se da classe, que surge na organização, na ação coletiva, em toda
manifestação que afirma seu caráter de classe”.
47
44
Idem, p. 80.
45
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. “Que a União Operária seja nossa pátria!”. História das lutas dos
operários gaúchos para construir suas organizações. Santa Maria: Porto Alegre: UFSM/UFRGS, 2001.
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva. IN: FERREIRA, Jorge,
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano Vol 1. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
46
THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987, p. 17.
47
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva... Op Cit., p. 173.
P á g i n a | 31
A imprensa operária é uma dimensão desta manifestação. Maria Nazareth
Ferreira
48
abordou, numa perspectiva global, este tipo de imprensa externando suas
características dificuldades técnicas e financeiras de produção, irregularidade,
efemeridade e outros e sua importância para a politização do operário nacional.
Ferreira ainda fez um levantamento sobre os jornais espalhados pelas regiões do Brasil
desde o último quartel do século XIX até as duas décadas do século atual. Como salienta a
autora:
Apareceram aproximadamente 343 títulos de jornais espalhados pelo território
brasileiro. Desse total, 149 títulos encontravam-se no Estado de São Paulo, dos
quais 22 foram publicados fora da capital; cem títulos foram editados no Rio de
Janeiro, onde apenas sete situavam-se fora da capital; 94 títulos encontravam-se
distribuídos por outros Estados, destacando-se o Rio grande do Sul, Minas Gerais,
Pernambuco, Alagoas e Paraná.
49
Entretanto, em que pese à significativa relevância da obra de Ferreira, a divisão
feita pela autora imprensa anarcossindicalista (1889-1930), imprensa sindical-partidária
(1930-1964) e imprensa sindical (1964-1986) para a primeira república chega a ser
arbitrária.
Para além da imprensa anarquista, outros jornais de tendências políticas diversas
concorreram entre si pela organização e condução da política operária, sobretudo jornais
animados por grupos reformistas. Esta tendência, em algumas regiões brasileiras, como
Rio Grande do Sul
50
e Rio de Janeiro
51
eram hegemônicas. Em Manaus, estudos recentes
52
demonstram a força do reformismo no interior do movimento operário. Isto pode ser
reforçado pelo número de jornais publicados e que se alinhavam em menor ou maior
grau com esta tendência como é o caso do Gutemberg, Operário, Vida Operária, O
Extremo Norte e O Constructor Civil. Porém, antes de abordar a imprensa operária
48
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil... Op. Cit..
49
Idem, p. 14.
50
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. “Que a União Operária seja nossa pátria!”. História das lutas dos
operários gaúchos para construir suas organizações. Santa Maria: Porto Alegre: UFSM/UFRGS, 2001.
51
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1986. BATALHA, C. O Movimento
Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
52
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem
Urbana: cotidiano de trabalhadores em Manaus, 1915-1925. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2000.
P á g i n a | 32
manauara em particular é necessário destacar o surgimento e desenvolvimento dos
periódicos em geral.
A ampliação da produção e difusão de periódicos em Manaus enfrentou algumas
limitações estruturais e técnicas. Com relação à primeira questão o baixo nível
demográfico das vilas e cidades, o isolamento geográfico por elas vivenciado, o caráter
tardio e incompleto da língua portuguesa e a incipiência nos índices de letramento e
alfabetização se colocaram como obstáculos a proliferação de periódicos. Além disso,
problemas propriamente técnicos como a inexistência de uma mão-de-obra especializada
(sobretudo tipógrafos) e a escassez de recursos financeiros e matérias-primas para a
feitura de impressos estiveram presentes.
53
Com o advento da expansão da economia gomífera parte dessas limitações foram
sendo superadas. A cidade de Manaus passou ao mesmo tempo por um processo de
transformação e crescimento e de ampliação e diversificação das atividades econômicas.
Este processo elevou o nível demográfico, interligou a região do extremo norte a outras
regiões do Brasil e do globo (outros países). Porém, a questão do baixo índice de
alfabetização e letramento permaneceram. Como esta questão foi superada?
Pinheiro analisando a dinâmica e o avanço dos impressos no Amazonas, uma
sociedade marcada ainda pela oralidade, salientou que “por vezes, a introdução da
escrita, menos que desarticular ou sobrepujar o pensamento oral, vê-se apropriada por
ele e submetida a seus próprios termos”. Desta forma, é preciso perceber não “as
limitações estruturais, mas também as estratégias empreendidas pela cultura letrada
para se impor dentro desse contexto cultural adverso”.
54
Dentre as estratégias se
apresenta a leitura coletiva realizada nos botequins, bares, clubes, associações de classe,
ambiente escolar e nas ruas.
O primeiro jornal que circulou em Manaus foi o “Cinco de Setembro” em 03 de
maio de 1851. Seu diretor e proprietário era o tenente e tipógrafo Manoel da Silva Ramos
que a convite de Tenreiro Aranha montou a primeira oficina tipográfica de Manaus,
situada à margem esquerda do Igarapé do Espírito Santo (nas proximidades do atual
porto de Manaus). Em 1852, após oito meses de existência seu nome foi substituído por
53
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit, p. 65-66.
54
Idem, p. 55.
P á g i n a | 33
“Estrela do Amazonas”.
55
O “Estrela do Amazonas” circulou até 1866. Neste ano este
jornal foi vendido ao português Antônio da Cunha Mendes que em 09 de julho de 1866 o
transformou em “O Amazonas”. Consoante Souza, O Amazonas” teve vida longa,
chegando até a segunda década do século XX o que era
algo raro entre os jornais, principalmente nesta fase embrionária da imprensa
amazonense e de resto no país como um todo caracterizada por uma produção
artesanal, realizada em pequenas oficinas em que os serviços gráficos de redação,
composição e prensa, eram de responsabilidade quase sempre de um único
profissional tipógrafo, geralmente o dono (...). A maioria dos jornais tinha vida
efêmera e não chegavam a completar um semestre e muitos ficavam mesmo no
seu primeiro mês, como o Vigilante (1859), Checheo (1861), Lei (1867),
Actualidade (1874) que não atingiram meio semestre de existência, o terceiro,
encerrou-se mesmo no seu segundo número.
56
As características levantadas por Souza remetem ao período que se estende de
1851 (ano de circulação do primeiro jornal do Amazonas) a 1880 (ano em que as
exportações da borracha começaram a crescer). Este período é classificado por Pinheiro
57
como sendo a primeira fase da Imprensa no Amazonas tendo o ano de 1880 como marco
divisório. Após esta data se inicia a segunda fase, marcada pela ampliação, proliferação e
diversificação de jornais. Este processo de ampliação e proliferação foi alimentado pelo
“boom” da economia gomífera que possibilitou não somente o capital necessário para o
desenvolvimento de um processo de modernização das oficinas tipográficas (novas
tecnologias) como também a oferta de profissionais especializados (tipógrafos) e a
ampliação do círculo de produtores e leitores de jornais. Para Souza
Entre as últimas décadas do século XIX e primeira do XX, o número de jornais que
a cada dia invadiam diversos recantos da capital, sofre um aumento até então
jamais registrado. Se na entrada da década de 80 circulavam pela capital pouco
mais de vinte impressos, no final desta o número tinha mais do que triplicado,
atingindo a cifra de 71 periódicos, mantendo-se estável até a virada do século
com 77 jornais para finalmente quase duplicar ao término da primeira década.
58
55
FREIRE, José Ribamar Bessa (Coord). Cem Anos de Imprensa no Amazonas Op. Cit. p. 57.
56
SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha (1908-1917).
Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 2005, p. 73.
57
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit . p. 62.
58
SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense... Op. Cit,. p. 76.
P á g i n a | 34
Desta forma, a composição do cenário jornalístico entre os anos de 1880 e 1920
engloba os Pasquins cujo foco é a sátira social. A Imprensa Estudantil que discutia tanto
questões literárias e científicas quanto questões políticas de âmbito local e nacional. As
“Polyanthéas” espécie de impresso produzido em homenagem a governadores, artistas e
instituições políticas e sociais. A Chamada “grande imprensa” composta pelo O
Amazonas, Jornal do Comércio, Diário de Notícias, Correio do Norte, Gazeta da Tarde e
outros. Por fim, jornais de cunho operário que criticavam a ordem política, econômica,
social e cultural vigente. Neste universo, o alvo das investigações é a imprensa operária.
Para abordar a imprensa operária no Amazonas algumas questões se apresentam.
A primeira é a própria definição de imprensa operária. De acordo com Maria Nazareth
Ferreira, quando se fala em imprensa operaria se imagina uma imprensa produzida por
operários. Mas isso se a considerarmos do ponto de vista do emissor. Já do ponto de vista
do receptor, Imprensa Operária seria aquela que se dirige, prioritariamente, ao público
operário e, do ponto de vista da mensagem (conteúdo), pode-se considerar como
Imprensa Operária aquela cuja temática básica são os problemas dessa classe.
59
Para Ferreira é preciso ainda levar em conta outros elementos. O primeiro deles é
a existência de uma razoável quantidade de publicações que, apesar de não serem
produzidas por operários, e sim por elementos de outras classes sociais (professores,
advogados, etc.) visam a esse público, abordam uma temática operária e expressam, de
uma maneira ou de outra, as reivindicações do operariado. Outra questão que se impõe é
a articulação existente entre o partido, o sindicato e o jornal. Estes três elementos,
suporte da luta da classe trabalhadora, devem ser considerados, sobretudo o papel
atribuído ao jornal, muito embora não se possa reduzir a imprensa operária à imprensa
sindical, pois a primeira possui um alcance muito maior. Por fim, a imprensa operária não
pode ser avaliada desvinculada do movimento operário, pois ambos estão inter-
relacionados através das lutas da classe trabalhadora na construção de sua história.
Desta forma, o conjunto de jornais operários publicados em Manaus caracteriza-se
enquanto tal pelo fato de se direcionarem a classe trabalhadora e por serem produzidos e
difundidos em seu nome.
60
59
FERREIRA, Maria de Nazaré. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo, Ática, 1988.
60
Até hoje foram identificados os seguintes títulos (a 1930): O Restaurador (1890), Gutenberg
(1891-1892), Operário (1892), Tribuna do Caixeiro (1908), Confederação do Trabalho (1909), O Marítino
P á g i n a | 35
Em segundo lugar, os termos “Operário” e “Imprensa Operária” devem ser
relativizados. No Amazonas, estes termos que geralmente remete ao trabalhador fabril
são utilizados em sentido mais amplo, abarcando o conjunto dos trabalhadores urbanos.
Por força disso, “um termo mais de acordo com as especificidades regionais para designar
os periódicos (...) seria o de imprensa de trabalhadores”.
61
Entretanto, a opção pela
utilização dos termos operário e imprensa operária se deve pela freqüente utilização
deles nos jornais operários.
Observando o conjunto de jornais operários publicados em Manaus percebe-se a
presença de duas grandes correntes políticas: o Anarquismo e o Socialismo Reformista.
Representando a primeira corrente mencionada, encontra-se o jornal Anarco-sindicalista
A Lucta Social (1914 e 1924). Por outro lado, os jornais Gutenberg (1891), Operário
(1892), O Constructor Civil (1920), O Extremo Norte (1920) e Vida Operária (1920) se
aproximam, embora existam alguns pontos de divergências entre eles
62
, do Socialismo
Reformista.
P. Albert e F. Terrou dizem que “não é fácil delimitar o objeto da história da
imprensa”. Eles destacam quatro pontos de dificuldades de delimitação, entre eles a
questão da diversidade de seus órgãos e a conseqüente nebulosidade da unidade do
conjunto.
63
Para os autores
no século XVII a noção de imprensa periódica abranjia uma massa
muito díspar de publicações e, nos séculos seguintes, seus tipos e categorias se
(1911), Recordação Sociedade Protetora das Artes Gráficas (1911), Marinha Mercante (1913), A Lucta
Social (1914 e 1924), Folha Marítima (1916), O Constructor Civil (1920), O Extremo Norte (1920), Vida
Operária (1920), O Primeiro de Maio (1928). Cf: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte e PINHEIRO, Luís Balkar
Peixoto. Imprensa Operária no Amazonas... Op. Cit. p. 11.
61
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte e PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Imprensa Operária no Amazonas... Op.
Cit., p.14.
62
Como exemplo, menciona-se o fato de que os jornais Vida Operária e O Extremo Norte não negam o
regime republicano, o processo político e eleitoral e o fato de que consideram três elementos
importantes como suporte da luta operária: a organização (associação), o partido político e o jornal.
Entretanto divergem quanto às formas de organização e a natureza do partido operário. Estes pontos de
convergência e divergência entre ambos são abordados no capítulo 03.
63
Os outros três são: (1) não se pode construir uma história da imprensa sem uma constante referência à
evolução geral das sociedades, (2) os limites do domínio da imprensa periódica são imprecisos tanto no
que se refere as demais produções impressas quanto em relação aos outros meios de informação, frutos
do avanço tecnológico como o cinema no final do século XIX e o rádio nos anos vinte do século passado e
(3) a característica de arquivos do cotidiano” e a conseqüente função derivada de fonte dos
historiadores. ALBERT, P. e TERROU, F. História da Imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 1-2.
P á g i n a | 36
diversificaram a tal ponto que muitas vezes a variedade e multiplicidade dos
títulos acabam mascarando a unidade do conjunto.
Além das características comuns a todas as publicações essencialmente
o estatuto jurídico, os dados técnicos de sua fabricação, os dados econômicos de
sua exploração e o aspecto formal do todo –, a originalidade do conteúdo e a
especificidade do público de cada título constituem um obstáculo ao estatuto
global da imprensa. O historiador da imprensa deve tentar conciliar o estudo
individualizado de cada título com a apresentação do mundo da imprensa em seu
conjunto.
64
Com efeito, no decorrer das décadas iniciais do século XX a diversidade dos órgãos
de imprensa é inconteste, não no seu conjunto (Pasquins, Imprensa Estudantil, Grande
Imprensa e outros) como também em cada grupo específico, em especial a imprensa
operária. Desta forma, a opção pelos jornais destacados anteriormente se deve pelo fato
de melhor delimitar o objeto de estudo proposto e compreender o papel desempenhado
pelas chamadas “folhas operárias”.
Neste sentido, o Gutemberg foi o primeiro jornal operário a circular na arena
jornalística amazonense em 15 de novembro 1891 tendo como subtítulo “Periódico
Noticioso e Litterario” e como divisa “um por todos e todos por um”. Sua oficina e redação
funcionavam na praça 5 de setembro 42. Com o formato de 41x29 cm foram editados
25 números dos quais apenas três (nº 01,19 e 25) se encontram microfilmados em
arquivos localizados no Estado do Amazonas (Biblioteca Pública, Museu Amazônico IGHA
e LHIA).
Este periódico era vendido avulso por 60 réis e por assinaturas trimestrais ao
preço de 3$000 para a capital e 4$000 para o interior. Interessante destacar que no seu
primeiro título o jornal trazia o recado de que a venda se daria avulso e não por
assinaturas. Ao que parece houve dificuldades no que tange a venda avulsa sendo aceita
e oferecida à venda por assinaturas. Possuía quatro páginas e três colunas. Nos títulos de
nº 01 e nº 19 as páginas eram preenchidas basicamente com matérias e informações, não
havendo imagens nem anúncios e propagandas. Quanto a estes últimos vão aparecer
na última página do nº 29 do periódico e sem imagens, somente texto.
Como estava ligado à classe dos tipógrafos a distribuição para esta categoria era
gratuita assim como também espaços na coluna do jornal para a defesa de seus direitos
64
Idem.
P á g i n a | 37
políticos e sociais. Segundo o próprio jornal as estações de venda se localizavam nas
tabacarias 22, mercado público e por todos os círculos da cidade. Quanto à tiragem, no
primeiro número o jornal indica a cifra de 1.000 exemplares publicados. O corpo de
redação era composto por Francisco Alves Medeiros, Izidoro Vieira, V. Galvão, R.
Vasconcellos, Ântônio Leão e Marcellino da Exaltação Fernandes.
Comparando os três números existentes se percebe algumas mudanças. A
primeira é o subtítulo. Enquanto no número de apresentação o jornal indicava como
subtítulo “Periódico Noticioso e Litterario”, no número 19, publicado em de Maio de
1892, ele foi modificado para “Órgão do Partido Operário”. Este fato evidencia a
constituição e fundação de um Partido Operário no Amazonas nos anos iniciais da
Primeira República Brasileira. A segunda mudança está no corpo de redação: Francisco
Alves Medeiros, R. Vasconcellos e Izidoro Vieira deixaram de integrar este corpo sendo
incorporado outro de nome Marcellino da Exaltação Fernandes que acabou assumindo
como redator-chefe.
As matérias e informações veiculadas pelo Gutemberg eram variadas. Falava-se de
precários serviços de limpeza de rua, da péssima iluminação pública, da carestia de vida,
da perseguição política além de salientar a importância de um órgão de imprensa e de um
Partido Operário para a defesa da classe tipográfica e operária em geral. Sobre a
constituição do Partido Operário o jornal afirmava:
Em todos os Estados adeantados da União Brazileira está crescendo e
solidamente firmado o Partido Operário.
Entre nós, somente o único Estado onde faltava ser organisada essa
aggremiação de artistas que procuram fazer valer a sua independência e a sua
liberdade, acaba de ficar definitivamente creado e pronpto; por conseguinte, a
trabalhar em prol d’aquilo que o verdadeiro artista sempre, acima de tudo, deve
procurar a sua independência.
Acaba o Partido Operário do Amazonas, de entrar no caminho do
progresso e da prosperidade, ajudado, estamos, convictos d’isto por todos os
artistas e operários, sem distincção de classe e nacionalidades, tendo todos em
mira o engrandeciemnto do mesmo partido.
65
65
Gutenberg, nº 19. Manaus, 1º de Maio de 1892.
P á g i n a | 38
O Operário se apresentou na arena jornalística em 12 de dezembro de 1892. De
formato 37x52 cm com dois números editados se declarava o sucessor do Gutemberg
66
.
Tinha como redatores Izidoro Vieira, Thomas Porto e como colaborador Santos Porto. Era
vendido avulso pelo preço de 300 réis e por assinaturas trimestrais no valor de 5$000
para a capital e 6$000 para o interior. Era de publicação semanal e sua oficina e redação
eram as mesmas do Gutemberg.
O Operário possuía quatro páginas e quatro colunas. Nas duas primeiras páginas e
metade da terceira eram distribuídas as notícias e informações e nas restantes
propagandas e anúncios. Com relação às notícias as críticas sobre os serviços urbanos
continuam. A novidade está em uma coluna específica denominada “Movimento Social”.
Nela há uma espécie de análise do movimento operário no mundo moderno.
Quanto aos anúncios e propagandas aparece além de textos recomendando
serviços médicos e produtos de determinados estabelecimentos comerciais Alfaiataria
do Centro do Mundo Elegante, Sapataria Amazonense, Armarinho Papa Abroz, Casa de
Armador e outros – uma imagem de mulher com ramalhetes de flores (em propaganda da
casa Mascotte). Esta imagem era relativamente simples, mas já figurava no jornal.
Outro jornal operário que se fez presente neste momento foi O Constructor Civil.
Publicado em 1920 tinha como subtítulo “Orgam da Associação de Classe das Quatro
Artes de Construção Civil”. Seus colaboradores eram José Monteiro, J. Ultramar e outros
que assinavam pelas letras iniciais como M. J.S. e A. F. Seu formato era de 25x37 cm e
possuía quatro páginas e três colunas. O jornal foi publicado em uma data comemorativa,
o aniversário da Associação das Quatro Artes, em 5 de Janeiro de 1920. Talvez por isso
não tenha propagandas. Quanto aos artigos produzidos destacavam a importância da
associação para os operários. Como exemplo se pode citar o artigo intitulado “A Minha
Associação”:
Mais um anno! O segundo de lucta em prol da emancipação operária e
contra os seus terríveis inimigos.
66
Em artigo intitulado “Reaparecemos” o jornal externa esta linha: “O reaparecimento do órgão das classes
operárias, sob o nome Operário não é, por certo, um facto que cause surpresa no seio da opinião. Os
graves acontecimentos que se desdobraram no nosso meio e motivaram a suspensão da publicação dos
jornais desta capital, excepção feita do órgão oficial...” Operário. Manaus, 12 de dezembro de 1920.
P á g i n a | 39
Relembra-nos o dia de hoje, todo um passado de sacrifícios, não só contra
o inimigo commum, mas também contra a vontade dos que podendo ser
livres, preferem o degradante papel de escravos.
67
O Extremo Norte apareceu no mesmo ano que o jornal O Constructor Civil.
Encontram-se nos arquivos
68
6 números microfilmados, sendo o primeiro de 08 de abril
de 1920 e o último de 24 de outubro de 1920. Tinha o formato 30 x 43 cm, quatro páginas
e quatro colunas, onde eram distribuídos, na última página, propagandas e anúncios, e
nas três primeiras, artigos e notícias. A sua publicação era semanal e, com relação ao
preço que era vendido, não se tem informações sobre o mesmo.
Tinha como subtítulo “União, Labor e Liberdade”. Sua redação localizava-se à rua
Municipal 239. No lado superior direito do jornal se encontram impresso os termos
“Propriedade de uma empresa”. Entretanto, percebe-se que a produção do jornal se
sustentava menos por se constituir enquanto empresa do que por divulgação e
colaboração dos operários.
Certamente ninguém ignora que a crise do papel, vae se aggravando cada
vez mais, o que dificulta de maneira assustadora a publicação do nosso jornal e
não temos recursos outros que não sejam os que nos o proletariado em geral,
pedimos, aos companheiros que nos auxiliam, attender ao nosso camarada
Manoel Ferreira, que se acha em actividade na gerência do Extremo Norte (O
Extremo Norte nº 37).
Como se pode observar, o jornal tinha como gerente Manoel Ferreira. Seus
redatores e colaboradores eram Nicolau Pimentel, Raul Braga, Themístocles dos Reis, Lyra
Amorim, Joaquim Carneiro, Cursino Gama, Jayme de Medeiros, Sergius Vinicius,
Athanásio Mecena, Manoel Sérvulo, Francis, J. Mellino e José Florindo. Pelas colunas do
jornal O Extremo Norte eram veiculadas denúncias contra a atuação das empresas
estrangeiras que administravam os serviços urbanos da cidade, as relações de trabalho, a
jornada de trabalho, a falta de pontualidade nos pagamentos além de um conjunto de
notícias sobre o movimento operário em algumas regiões do Brasil e do mundo. Também
não ficam de fora as discussões sobre algumas correntes político-ideológicas que
atingiam o movimento operário.
67
O Constructor Civil, nº01. Manaus, 05 de janeiro de 1920.
68
Assim como o Gutenberg, o Operário, O Constructor Civil e o Extremo Norte se encontram microfilmados
na Biblioteca Pública, Museu Amazônico, IGHA e no LHIA.
P á g i n a | 40
No que tange aos anúncios e propagandas ficavam em uma pequena parte da
terceira página e toda a última página. Eles falavam dos Cinemas Odeon e Polytheama, de
farmácias, alfaiatarias e serviços de barbearia, médicos e outros.
o jornal A Lucta Social circulou em Manaus no ano de 1914 graças a “iniciativa
de um grupo de trabalhadores gráficos, articulados com a Confederação Operária
Brasileira (COB), fundada em 11 de setembro de 1910”
69
. Ao contrário dos jornais acima
citados, de orientação reformista, A Lucta Social era de orientação anarco-sindicalista.
Este jornal teve duas fases. Na primeira, no ano de 1914, seu redator-chefe era
Tércio Miranda. Era de publicação mensal. Seus dois primeiros números foram
distribuídos gratuitamente sendo os seguintes vendidos a 200 réis. Os colaboradores
desta primeira fase eram Joaquim Azpilicueta, Virgílio de Sá, José da Mota Veiga, Carlos
Malato, F. Cavalcante e Virgílio de Sá. Algumas publicações de caráter doutrinário eram
transcrições de obras de pensadores Anarquistas. Quanto ao formato era de
22x30 cm. O número de páginas apresentou variações importantes,
provavelmente em função da quantidade do material produzido pelos redatores
ou dos artigos solucionados para transcrição. Assim, o primeiro número saiu com
nove páginas, enquanto os dois números seguintes recuaram para oito. Uma
retração maior apareceu no número quatro, com o jornal reduzido à metade de
seu tamanho inicial (quatro), voltando a ampliar o número de páginas para seis
em seu último número.
70
Os temas abordados obedecem a uma estrutura discursiva lógica que vai “da
estrutura e dinâmica das sociedades, passando pela identificação dos conflitos de classe e
formas de organização do trabalho, até a explicação da consciência de classe do
operariado, a ampliação de suas lutas e a necessária transformação revolucionária da
sociedade”.
71
Na segunda fase o redator chefe era J. Nicoláo Pimentel. Como colaboradores
aparece somente o Gervasio Leal. Esta fase reflete o momento político vivido pelo
Amazonas. O movimento de 1924 ganha as páginas e as colunas do periódico. Da mesma
forma, as críticas direcionadas a gestão Rego Monteiro foram registradas.
69
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit, p.
70
Idem, p. 156.
71
Idem, p. 157-158.
P á g i n a | 41
Esta imprensa operária
72
, que no Amazonas surgiu a partir da publicação do
Gutemberg em 15 de novembro 1891, expressa as diversas tendências políticas e
ideológicas presentes no seio do movimento operário amazonense. Não obstante, em
que pese esta diversidade que são enriquecedoras do ponto de vista das propostas de
participação política num ambiente onde a exclusão política e social era significativa
73
é
preciso salientar que os aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais que se fazem
presentes no seio desta imprensa, contribuem para caracterizá-la no interior do
periodismo local.
Assim, os diretores, redatores-chefes e colaboradores da imprensa operária do
início do século XX, identificando-se com a classe operária amazonense, expressaram suas
tradições, aspirações e conspirações num contexto de transformações socioeconômicas,
políticas e culturais produzidas pela expansão da economia gomífera.
74
Esta expansão econômica que ocorreu entre os anos de 1880 a 1920 produziu um
aumento demográfico significativo. Porém, as levas de trabalhadores migrantes e
imigrantes que chegavam a Manaus não eram totalmente absorvidas pelas atividades
econômicas desenvolvidas no espaço urbano. Como conseqüência desse processo, os
trabalhadores excluídos do mercado de trabalho formal, e mesmo aqueles que foram
incorporados de forma precária, tiveram que enfrentar problemas diversos como de
moradia, alimentação, saúde, baixos salários e outros. Este quadro de preocupações e
insatisfações associado ao processo de proliferação de idéias de crítica social contribuiu
para a emergência de movimentos contestatórios. Deste modo, elementos que antes
inexistiam ou que se faziam presentes, mas de forma tímida, passaram a se tornar
freqüente. Manifestações de protestos, greves, passeatas e demais conflitos de caráter
de classe passaram a fazer parte do cotidiano amazonense. Não se pode deixar de
72
Não foram abordados alguns jornais como O Restaurador (1890), Tribuna do Caixeiro (1908),
Confederação do Trabalho (1909), O Marítino (1911), Recordação Sociedade Protetora das Artes
Gráficas (1911), Marinha Mercante (1913), Folha Marítima (1916) e O Primeiro de Maio (1928). Esta
opção se deu, como foi registrado, para melhor delimitar o objeto de estudo proposto e compreender
o papel desempenhado pelos jornais operários.
73
Neste período imperava, no campo político, um liberalismo excludente sustentado pelas forças políticas
ligadas ao universo cafeeiro. Uma República ortodoxa em termos de política financeira e conservadora
em termos de participação política. Cf.: CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo. ed.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
74
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte e PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Imprensa Operária no Amazonas... Op.
Cit., p. 9.
P á g i n a | 42
mencionar as diversas tentativas de criação de associações de classe e de um Partido
Operário.
Além desse quadro socioeconômico, o avanço mais geral da imprensa no
Amazonas acabou influenciando de forma direta o surgimento da imprensa operária, não
só por conta da proliferação de tipografias e de profissionais envolvidos com a feitura dos
jornais os gráficos
75
como também pela nova linguagem que se apresentou, capaz de
unir interesses comuns e potencializar a atuação de grupos até então incapazes de se
fazerem ouvir no seio da sociedade.
Como parte integrante da crítica social produzida naquele contexto de expansão
da goma elástica, a imprensa se dinamiza e avança, numa sociedade marcada ainda pela
oralidade. É neste universo de transformações e inseguranças que os homens que se
envolveram na produção dos jornais operários vão atuar e desenvolver uma luta política
em busca de melhores condições de vida para os trabalhadores.
Do ponto de vista econômico não devia ser fácil manter em circulação um jornal
operário. Os recursos eram escassos e para agravar a situação, o patrocínio de terceiros
era praticamente inexistente. Porém, em que pese às dificuldades advindas do processo
de confecção dos jornais destinados a classe operária, os diretores e colaboradores
procuravam, por meio de diversos mecanismos, mantê-los em circulação. Entre esses
mecanismos, destaca-se o pedido de colaboração direta ao operário que era evocado
enquanto elemento principal para garantir a sobrevivência das folhas.
Novamente voltando a esse mesmo assumpto, o nosso companheiro Luz
disse que para esse dito fim, preciso se fazia, que cada operário à medida de seus
esforços, também concorressem com o necessário auxílio para a manutenção da
Vida Operária. Jornal das classes proletárias e propositadamente fundado nesse
gênero para viver do operariado e para o operariado...
76
Neste sentido, muitos artigos foram produzidos com a preocupação de externar
ao público alvo o operário a importância de se ter um instrumento de imprensa que
75
A categoria dos gráficos assumiu um lugar de destaque e pioneirismo no interior da imprensa operária.
Esta condição se deu por conta do domínio das técnicas de impressão e da condição de saber ler e
escrever, uma vez que a ampla maioria dos trabalhadores brasileiros era constituída de iletrados. Neste
sentido, desde cedo, os gráficos se destacaram no processo de organização e conscientização da classe
operária, criando jornais e associações sindicais. Idem.
76
Vida Operária, nº 1. Manaus, 08 fevereiro de 1920.
P á g i n a | 43
se posicionasse em seu favor e que defendesse questões relacionadas ao seu viver. O
jornal e seu papel de defesa da causa operária eram destacados ao mesmo tempo em
que se falava das conseqüências que poderiam surgir a partir da ausência destes órgãos.
Portanto, a orientação no sentido de externar a permanente necessidade de um órgão
exclusivo do operariado amazonense estava presente nas colunas de quase todos os
jornais operários.
A produção deste tipo de veículo de comunicação se dava de diferentes formas.
Conforme Pinheiro, o mais freqüente era a produção de jornais operários nas tipografias
das agremiações sindicais mais organizadas, como nos indica os exemplos do Gutemberg
e do seu sucessor, o Operário, ambos saídos das oficinas da Associação dos Artistas
Gráficos, então em processo de formação e cuja Redação e oficina funcionaram na praça
5 de Setembro. Em segundo lugar, parte desses periódicos amazonenses foi produzida
nas oficinas gráficas dos “grandes jornais”, em grande medida, com a permissão dos
proprietários. Por último, alguns gráficos oportunizavam de forma clandestina as prensas
patronais fazendo surgir, mesmo que por um curto período de tempo, algum jornal.
77
Os jornais operários produzidos em oficinas próprias carregam consigo as marcas
da presença de técnicas artesanais de produção. Esta presença está materializada na
estrutura e diagramação dos mesmos. Este caráter artesanal de produção pode ser
explicado pelo alto custo da compra e manutenção das modernas máquinas de linotipo, o
que acabava tornando a sua utilização um empreendimento difícil para esses grupos.
Com efeito, as irregularidades das publicações acompanhavam esses jornais. Alguns
apareciam, desapareciam e reapareciam tempos depois com outra configuração. Outros
traziam em seu formato as marcas dessas dificuldades, saindo, algumas vezes, em menor
tamanho.
Em virtude dos diversos entraves que desde o segundo número vem
tendo este nosso jornal, de maneira nenhuma nos foi possível dal-o no Domingo
ultimo, attendendo a impossibilidade da sua confecção na officina de onde foi o
mesmo publicado. Porém, muito embora saia hoje o Vida Operária em menor
tamanho, mesmo assim encontrarão os nossos leitores um regular número de
matérias em assumptos diferentes.
78
77
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit, p. 128-173.
78
Vida Operária, nº 3. Manaus, 24 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 44
No caso do Constructor Civil, em seu primeiro número, observa-se que a
possibilidade de futuro desaparecimento era algo presente e por isso, os editores alertam
que “se não ficarmos n’este número único, será o nosso programma defender e orientar o
operariado em geral, e os da construcção civil em particular”
79
. Mais que proféticos, uma
vez que o Constructor Civil tirou apenas esse número, os editores estavam apenas dando
mostra de sua plena consciência na grandiosidade da tarefa de se publicar uma folha
operária.
Além das dificuldades de financiamento tipográfico, o esforço para ter acesso aos
materiais necessários à feitura dos jornais parece ter sido significativo. O Extremo Norte,
em seu número 17, não deixou de registrar em suas colunas esse esforço, sobretudo em
1920, quando o jornal publica um artigo que fala do aumento do preço do papel e da falta
de recursos, elementos que complicavam a sustentação de sua publicação.
Do ponto de vista político, a imprensa operária permanentemente se colocava
como um instrumento de conscientização, mobilização e luta dos trabalhadores. Em suas
colunas se identificam denúncias sobre as condições de trabalho (jornada de trabalho
extensa, falta de segurança nos locais de trabalho, demissões arbitrárias, penalidades e
multas, etc), condições de vida (carestia dos gêneros alimentícios, aluguel, estado
sanitário, escolarização, etc.), a opressão patronal e a exclusão social.
... no dia 10 de janeiro último o conductor chapa 13, Luiz Ventura da Silva,
na occasião em que procedia a cobrança, perdendo o equilíbrio, foi cuspido
violentamente ao chão, recebendo forte pancada e diversas escuriações,
prostrando-o sem falta durante todo o dia. Pois bem. O director da Companhia ou
quem quer que fosse, mandou recolher o chapa 13 à Beneficente Portugueza,
arbitrando-lhe o salário de 5 horas de trabalho durante o tempo que estivesse em
tratamento. Ora, sabem os nossos companheiros qual foi o resultado dessa
amabilidade da Tramways? Lá vae.
Logo que o nosso companheiro Luiz Ventura voltou ao trabalho o gerente
mandou que lhe fosse descontada mensalmente uma certa importância até final
amortisação das despezas feitas na beneficente.
Agora pergutamos nós:
Onde está a lei que regula o accidente de trabalho?
80
79
O Constructor Civil, nº 1. Manaus, 05 de janeiro de 1920.
80
Vida Operária, nº 7. Manaus, 21 de março de 1920.
P á g i n a | 45
Na citação acima, destacada como exemplo, a denúncia é direcionada a dois alvos.
Além de criticar a postura da empresa concessionária dos serviços de bonde e energia
elétrica em Manaus por não ter arcado com as despesas de seu empregado, contesta-se
também a posição do Estado com relação ao não cumprimento da lei de acidente de
trabalho, elaborada em 1919. As empresas procuravam constantemente burlá-la e, ao
que parece, havia uma preocupação quanto à ausência de fiscalização e intervenção por
parte do Estado na questão.
As matérias publicadas nesses periódicos possuem um caráter crítico e
contestatório. Nesta linha afirma Pinheiro:
A novidade principal dos jornais operários, no entanto, não estava na
técnica, mas no conteúdo por eles veiculado. De suas páginas emergiam temas e
questões que foram tratados de uma maneira extremamente diferenciada do
formalismo e refinamento estilístico pretendidos pelos jornais barés. O conteúdo
político (e mesmo panfletário) das matérias, a crítica lancinante do mundo social,
o tom acentuado de denúncia e o pragmatismo das propostas apresentadas foi à
tônica.
81
A estratégia construída,
defendida e difundida pela maioria
dos jornais operários e considerada
capaz de assegurar aos
trabalhadores melhores condições
de vida e trabalho estava
intimamente ligada ao
enfrentamento das questões
organizacionais. A organização dos
trabalhadores era vista como um
instrumento sumamente importan-
te para a luta social e política, como
se pode observar no panfleto (ao
lado) que os trabalhadores faziam
IMAGEM 2:
MANIFESTO À FAVOR DA ORGANIZAÇÃO OPERÁRIA
81
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte... Op. Cit., p. 133.
P á g i n a | 46
circular na cidade.
Fonte: “Panfletos Operários” – Acervo Digital (LHIA).
Neste sentido, duas questões aparecem como funda-mentais: o debate e a difusão
de idéias e o processo de organização dos trabalhadores. É inegável o papel
desempenhado pela imigração com relação à difusão e ao debate de um conjunto de
idéias de crítica social. Estas idéias se fizeram presente em Manaus com a vinda de
portugueses, espanhóis, italianos e outros estrangeiros e, associadas ao universo de
insatisfações produzido pelo quadro socioeconômico e político presente na região,
contribuíram para a emergência de um cenário político novo para o Amazonas.
Consoante Pinheiro
Ao abrir as portas do país à imigração européia, o Estado brasileiro não se
deu conta, pelo menos de imediato, de que estaria recebendo também pessoas
que, em maior ou menor grau, estavam articulados com o processo cruento de
luta e conscientização dos trabalhadores e cujo movimento, cada vez mais denso
em toda a Europa, mantinha-se em contato direto com propostas políticas as mais
diversas. Muitas dessas propostas, como o socialismo (em suas diversas matizes)
e o anarquismo, eram identificadas e especialmente dirigidas à classe operária,
representando um risco efetivo para a manutenção da estrutura capitalista.
82
82
Idem, p. 130.
P á g i n a | 47
Ainda segunda a autora, com o ingresso dos primeiros imigrantes, Manaus
acolheu também uma gama de militantes anarquistas e socialistas que, desde cedo,
procuraram dar vazão às suas convicções políticas, qualificando tensões e lutas que
começavam, timidamente, a se esboçar. Mesmo antes das primeiras grandes
manifestações de trabalhadores ocorrerem em Manaus, esforços organizativos ligados ao
ideário socialista vigente já se faziam notar através da montagem dos jornais operários,
da criação de agremiações sindicais e até mesmo através da criação de um partido
político para os trabalhadores em 1891.
Em que pese às diferenças existentes entre os jornais operários de orientação
Reformista e Anarquista uma questão era ponto comum: a importância dos trabalhadores
se organizarem em prol de melhores condições de vida e trabalho. Neste sentido, a
organização dos trabalhadores era vista como essencial para empreender movimentos
visando mudanças e melhorias.
Mas, como oppormo-nos a estas condições, como obtermos a melhoria
de nossa situação, forçando o capital a concedel-as? É bem justo pedirmos, mas o
operariado pedindo sozinho e desamparado do apoio de seus companheiros de
classe, fica em situação inferior ao patrão. O medo de perder o seu trabalho tira-
lhe a coragem de protestar ou pedir. É certo que um operário só, ou os operários
de uma fábrica izolada das outras, não tem meios de defender-se, pois o
patrão é quem pode exigir e dictar as condicções. Recuzando o pedido de seus
operários, o patrão está certo da victória, porque as necessidades de manter a
família, e a própria fome, os forçarão, em poucos dias, a capitulação ao trabalho.
De facto, o patrão pode registar longo tempo; o operário só, não. Os
recalcitrantes são substituídos facilmente mas trabalho novo é difícil de
encontrar, porque o patronato fica os conhecendo como rebeldes.
(...)
Desta situação nasceu a necessidade das associações (...) a associação,
nós bem o sabemos, ao operariado cohesão e meios de pedir, e de exigir, se
necessário for resistindo por longo tempo, pois a associação solidariza os
operários (...). Assim, os patrões perdem as vantagens de tratar com um
operário, fraco e izolado, e serão obrigados a tratar com a associação, tão forte
como elles.
83
Eram constantes as tentativas de esclarecimentos acerca da importância da
organização em torno de sociedades operárias. Caso contrário apontava-se para as
83
O Extremo Norte, nº 19. Manaus, 20 de maio de 1920.
P á g i n a | 48
dificuldades advindas do processo de enfrentamento contra as “imposições” e os
“desmandos” do patronato e do Poder Público, uma vez que, com a falta de organização,
as possibilidades de intervenção eram mínimas.
Com efeito, o discurso presente no jornal operário se localiza no contraponto ao
universo patronal e outras formas de poder constituído. D que para o jornal operário
apareça como óbvia a tarefa de “trabalhar com todas as nossas forças ao lado daquelle
que nos garanta a queda do patronato e [em favor da] a regulamentação entre Capital e
Trabalho”.
84
Caminhando na contramão do poder dominante, a imprensa operária e seus
colaboradores passaram a ser fortemente vigiados e, em inúmeras oportunidades, a
defesa de um mundo justo e humano lhes custaram caro. A repressão, empastelamentos,
intimidações, prisões e agressões físicas estiveram presentes em seu cotidiano.
85
A efemeridade dos jornais operários é fruto deste universo conflituoso e tenso
que ele está inserido. Entretanto, somente a repressão não é suficiente para explicar esta
efemeridade. Como foi mencionado anteriormente, as dificuldades de financiamento do
trabalho tipográfico e o acesso aos materiais necessários a sua feitura contribuíram
fortemente para esta situação.
Do ponto de vista social, além dos elementos que possibilitam adentrar no
universo de atuação profissional dos operários espaço de trabalho, instrumentos
utilizados na realização das atividades laborais, horário, relações de trabalho e outros
identifica-se nos jornais a construção de uma identidade e de uma auto-imagem que são
também reveladoras da situação operária no interior da sociedade vigente. Embora
existissem controvérsias entre as diversas correntes político-ideológicas quanto à forma
de organização e atuação política dos trabalhadores em busca de melhores condições de
trabalho e vida, a crítica destinada ao lugar ocupado por este operário na sociedade
contemporânea está presente nos discursos construídos pelo conjunto dos jornais.
84
Vida Operária, nº 17. Manaus, 06 de junho de 1920.
85
“Se existe circumscripções deste paiz colosso uma nesga onde o operário solfra os reveses da
indifferença dos poderes, certamente esta circumscripções é o Amazonas. O operário aggremiado era
considerado “indesejável”. As associações de classe eram fechadas pela polícia e os seus dirigentes
insultados por Mário Monteiro que alem de ameaçal-os de extermínio, trancafiava-os no xadrez”. A Lucta
Social, nº 7. Manaus, 10 de agosto de 1924.
P á g i n a | 49
O operário é quem forja, amolda e faz, e a burguesia [se] senhoria deste
feito.
O operário funde e rebate o arado, e outro sulca a terra; o capitalismo
esconde-lhe a grandeza.
86
Os jornais operários frequentemente associavam o trabalho desenvolvido pelo
operário à produção de riquezas materiais. Ao contrário dos discursos oficiais em que o
trabalho também assumia, entre outras, esta função, as injustiças sociais não eram
escondidas. Neles apareciam artigos que explicitavam a falta de acesso do operário às
riquezas produzidas por ele próprio.
Sabeis p’ra que servem essas palavras amenas, bonitas, que os burgueses
empregam em seus livros, em seus jornais, nos seus discursos, enfim? Servem
para enganar-nos, porque desse modo elles não trabalham e querem que nós
produzamos tudo do que eles carecem, fazendo-nos ver que o trabalho é uma
virtude e que nós temos o dever de trabalhar até morrer, emquanto elles se
divertem nos lupanares immundos, desviando-se por completo da prática de tal
virtude, isto é - do trabalho.
Assim, pois, camaradas, é chegada a hora de ajustar contas com elles, nós
que tudo produzimos (...) e nada possuímos; é necessário, é indispensável pois,
que todos os que vivemos do trabalho pensemos ao menos cinco minutos no
nosso futuro e no de nossas famílias.
87
Nestes periódicos, os operários aparecem como “a força motora” do mundo
contemporâneo, como o “fator do progresso”, como o braço que influi no “dinamismo
comercial, agrícola e industrial de um povo”; enfim, como detentor de um papel
essencial, que não é reconhecido pelos setores dominantes, nem no interior das
sociedades. Desta forma, a construção de uma auto-imagem positiva o que explica as
propagandas de combate ao álcool e aos jogos dava-se no sentido de construir este
reconhecimento, a fim de garantir um espaço que possibilitasse a participação no campo
político.
Além disso, havia em alguns desses jornais, como no A Lucta Social, a presença de
um nível significativo de conscientização, identificação e pertencimento à classe operária.
Observa-se isto em seu primeiro número, quando o jornal se apresenta no cenário
jornalístico.
86
Vida Operária, nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
87
A Lucta Social, nº 01. Manaus, 29 de março de 1914.
P á g i n a | 50
Não somos eruditos, nem somos herodotos; não freqüentamos
Universidades ou Academais para adquirir um papel pelo qual se nos autorizasse a
viver sem trabalhar. Os nossos pais não eram burgueses nem mandões, por isso
quem pensar encontrar nessas colunas linitivo ao espírito ocioso que produz o
riso do burguês engana-se. A nossa escola é outra: somos operários (...) nós que
tudo produzimos e nada possuímos ...
88
Do ponto de vista cultural, embora se possa mencionar uma série de elementos
ainda pouco estudados dentro deste universo (produção de peças de teatro,
conferências, músicas, poemas e a própria elaboração das festas operárias, dentre
outros), destacam-se os elementos culturais que compõem a chamada cultura
associativa
89
. Neste caminho, os jornais operários publicaram alguns artigos que
expressam todo um universo ritual e simbólico existente no seio daquelas agremiações.
Além de um conjunto de datas festivas (Fundação da associação; 14 de julho,
Queda da Bastilha; de Maio, Dia do Trabalhador, etc.) que eram mencionadas e
comemoradas por meio de programações diversas – conferências, apresentações
musicais, cortejos, reuniões e outros –, havia toda uma gama de regras e procedimentos
realizados nas associações que eram, em grande medida, publicado nos artigos desses
jornais.
Em que pese à realização de comemorações e programações referentes a certas
datas e todo o universo ritual e simbólico presente nelas, destaca-se o que está presente
na maioria dos jornais e que parece ser a mais importante das comemorações do
universo operário: o de Maio. A comemoração desta data é tomada aqui não na sua
relação com a religião, o Estado, a cidade ou outros setores, mas no que pode esclarecer
quanto ao universo da “cultura associativa”.
O primeiro ponto a ser destacado é o elemento central presente nos discursos
sobre esta data, qual seja: as memórias sobre os acontecimentos de Maio de 1886 em
88
A Lucta Social, nº 1. Manaus, 29 de março de 1914.
89
Segundo Cláudio H. M. Batalha, o termo “cultura associativa” possui um duplo significado. Em primeiro
lugar, remete ao hábito de associar-se, à tendência de conferir uma certa institucionalidade a formas de
sociabilidade diversas. O seu segundo significado é o de cultura das associações. Neste último significado,
entende-se por cultura não apenas a produção cultural, no sentido de peças de teatro, conferências,
música, mas as celebrações, os costumes, as normas que regiam as associações operárias. É neste último
significado que se está empregando o conceito. BATALHA, Cláudio Et al (org.) Culturas de Classe:
identidade e diversidade na formação do operariado. São Paulo: Unicamp, 2004, p. 96-100.
P á g i n a | 51
Chicago. Neste ponto se pode identificar tanto a divergência de concepção e
particularidades locais da celebração, quanto à disputa travada entre anarquistas e
socialistas reformistas pela direção do movimento operário em Manaus. No que concerne
a esta última questão, enquanto os anarquistas pretendiam evidenciar a filiação nesta
corrente dos “Mártires de Chicago”
90
, os socialistas reformistas buscavam na decisão do
Congresso Socialista Internacional, reunido em Paris, a origem desta data.
91
Embora essas divergências estejam presentes nos discursos sobre o de Maio, a
comemoração, em suas diversas faces, frequentemente assumia um caráter ritualístico,
conforme se nota no O Extremo Norte, que trouxe uma série de informações acerca das
atividades que seriam realizadas nesta data pelas associações existentes em Manaus,
como é o caso do Sindicato dos Estivadores.
Pela manhã de hoje, esta novel associação fará em conjunto com as
demais sociedades, uma romaria ao Campo Santo, em signal de lembrança aos
restos mortaes dos companheiros que jazem eternamente. Às 20 horas haverá
sessão magna! E posse dos corpos dirigentes, para a qual não convite
especial.
92
Era prática da maioria das associações operárias realizar a sessão solene de posse
da nova diretoria nesta significativa data. Além disso, no interior dessas agremiações
havia toda uma série de atividades voltadas para o Dia do Trabalho.
Em sua sede social à rua Barroso, reuniram se às 17 horas do dia 28, os
corpos dirigentes das Artes Graphicas do Amazonas, para deliberarem sobre (...)
De carácter extraordinário, a sessão esteve bastante movimentada e bem
concorrida, trocando-se idéias e tomando-se medidas diversas.
90
“A Federação dos trabalhadores dos Estados Unidos e Canadá reunida num congresso em Chicago, em
1881, deliberou votar a greve geral no dia de maio de 1886 para a conquista da jornada de oito horas.
Chegado este dia, produziu-se um formidável movimento e a polícia atropela, mata e fere muitos
grevistas (...) e em vez de buscar o verdadeiro autor do atentado, prenderam oito libertários...” A Lucta
Social, nº 02. Manaus, 1º de maio de 1914.
91
“A idéia da festa do trabalho tem encontrado partidários por toda a parte. A iniciativa de sua creação
partiu do Congresso da Federação do Trabalho, reunido em S. Luiz da América do Norte, em 1888, cuja
primeira manifestação foi em favor do dia de 8 horas de trabalho. No Congresso Internacional dos
operários em Paris de 1889, foi acceita a idéia americana, ficando accordado que o de Maio de 1890,
fosse festejado em toda a Europa. A idéia da festa espalhou-se por toda a parte ...”. Vida Operária, nº 13.
Manaus, 1º de maio de 1920.
92
O Extremo Norte, nº 16. Manaus, 1º de maio de 1920.
P á g i n a | 52
Officios, communicações e cartas de outras sociedades desta capital, tudo
concernente à magna data de 1º de Maio, foi que constou o expediente.
Terminada esta parte, ficou assentada a realização de uma sessão
solemne a effectuar-se hoje, às 19 horas, conforme marca os seus estatutos, para
a qual são convidadas todas as associações de Manaós.
O sr. Presidente nomeou em seguida várias comissões, que tomarão parte
nos festejos de hoje.
Durante a sessão solemne, terão a palavra oradores commissionados e,
depois, será franca a quem della quizer fazer uso.
93
As comemorações sobre o de maio se davam tanto no interior das associações
como também acabavam por assumir uma dimensão pública. Sobre este ponto, Michelle
Perrot informa que por ser um ato político deliberado dos trabalhadores, esta data
frequentemente assumia esse caráter, o que ilustra o lado voluntário da construção de
uma classe na tentativa de criar uma identidade universal.
94
Esta dimensão pública pode ser identificada, de forma contundente, em um artigo
publicado pelo jornal A Lucta Social.
Foi assim que o operariado amazonense interpretou e sagrou a de
Maio levando a cabo manifestações diversas quer internas quer externas. Aquelas
nas associações de classe, e estas na praça pública, tendo como ponto de partida
o largo de São Sebastião, o qual às 16 horas se juntaram proletários e estudantes
dando início ao comício. Adail Couto que pronunciou uma bem improvizada
alocução, discorrendo sobre o de Maio e terminando, saudou o operariado em
nome da classe dos estudantes da Universidade de Manáos. Algumas vivas
coroavam as palavras deste acadêmico, o qual foi procedido no uso da palavra
pelo artista gráfico J. Azpilicueta...
95
Enfim, ora em local público, ora entre as paredes das agremiações operárias ou
em ambos, palestras, conferências, discursos, cortejos e outras formas de atuação que
externam elementos de uma “cultura associativa” operária estiveram presentes na
comemoração desta data importante para os trabalhadores de então.
Assim, a produção, manutenção e distribuição dos jornais, sua característica
enquanto instrumento de conscientização, mobilização e luta, seu direcionamento à
93
Idem.
94
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988, p. 127-138.
95
A Lucta Social, nº 3. Manaus, 1º de Junho de 1914.
P á g i n a | 53
classe operária e suas referências quanto ao universo cultural desta classe são os
elementos que singularizam este tipo de imprensa no interior do periodismo
amazonense.
3. O JORNALVIDA OPERÁRIA
O jornal Vida Operária passou a circular na arena jornalística a partir do dia 08 de
fevereiro de 1920. Neste momento Manaus havia passado por modificações
significativas em sua estrutura espacial e socioeconômica. Conforme a literatura que trata
da expansão da economia gomífera foi entre os anos de 1890 e 1920 que o espaço
urbano não somente sofreu intervenções no seu aparato físico como também recebeu
um número considerável de imigrantes e migrantes que passaram a atuar junto aos
nativos nas atividades produtivas e comerciais que foram surgindo neste processo de
expansão.
Entretanto, no ano que o impresso Vida Operária se apresentou à sociedade
amazonense, o Estado estava imerso numa grave crise econômica oriunda da gradativa
marginalização da borracha nativa no mercado mundial fruto da penetração da borracha
cultivada no continente asiático. Este processo de marginalização da borracha nativa se
materializou em falências, desempregos, carestia de vida e toda uma gama de problemas
políticos e sociais que vão ganhar as páginas do jornal.
Sobre o Vida Operária foram publicados vinte e seis números sendo o primeiro em
8 de fevereiro de 1920 e o último no dia 26 de setembro do mesmo ano. Era de
publicação semanal e vendida avulso por $200 (duzentos réis) e também por assinaturas
anuais ao preço de 10$000, semestrais ao preço de 6$000 e trimestrais ao preço de
3$500. Tinha grande formato, de 30 x 43 cm, quatro páginas e quatro colunas.
Nas duas primeiras páginas eram distribuídos os artigos e as notícias. Ao analisar a
distribuição de ambos se percebe a existência de dois eixos principais no discurso do
jornal. O primeiro está ligado à elaboração de críticas ao sistema capitalista e sua atuação
exploradora e opressora sobre o operário. O segundo está associado à orientação para
uma determinada ação operária no sentido de se obter uma mudança social.
P á g i n a | 54
Os desdobramentos que surgem a partir daí trazem como questões a importância
de um veículo de comunicação para a discussão e difusão de idéias, as desigualdades
sociais presentes no mundo moderno, a situação política do operariado amazonense, a
ação operária a ser seguida, a organização dos trabalhadores em associações, a fundação
de um partido operário, a importância do processo político-eleitoral e denúncias sobre
questões do trabalho (acidentes de trabalho, demissões arbitrárias, multas e penalidades)
e da vida (carestia dos gêneros de primeira necessidade, alcoolismo, jogatina e outros).
As matérias veiculadas nas páginas do jornal eram assinadas por diversas pessoas
como demonstra o quadro abaixo:
QUADRO 1
COLABORADORES COM MATÉRIAS ASSINADAS
AUTORES ARTIGOS
Oswaldo Mário Como Surgimos nº 01.
Flávio Remar Operariado nº 02; A Carestia da Vida nº 03.
Guilherme de Oliveira Aurora Promissora nº 01; Outro Rumo nº 06.
João do Monte Collaboração nº 02; A Postos nº 04.
Santos Filho Aproxima-se nº 04.
Manoel Sérvulo Palavras Simples nº 06.
Cursino Gama O Momento nº 09.
Salustino Liberato Não se Illudam nº 12 ;União e Coragem nº 16.
Hemetério Cabrinha Está na Hora nº 13.
Elesbão Luz Sem Comentários nº 13.
Rita da Conceição Alves O Dia do Trabalho nº 14 e nº 15.
Arnaldo de Barcellos Reportagens Oportunas nº 16.
Maia Filho
Operariado Amazonense e as Demais Classes Trabalhadoras do Amazonas
nº 17.
J. Pimenta Finanças da Vida Operária nº 18.
Venicius O Futuro Governo e as Demais Forças Vivas do Estado nº 19.
Nicodemos Pacheco Bilhete aos Reaccionários nº 20.
Fulton O Dia 14 de Julho e a Eleição Governamental do Amazonas nº 21.
Benjamin de Araújo Lima Aos Operários do Amazonas nº 23.
Plínio O Sr. Camilo Prates em Luta Contra o Operariado Nacional nº 23.
P á g i n a | 55
Mauro Santos Amor e Trabalho nº 25.
Cleomenes Honório Dias O Que é o Operariado nº 26.
Nomes como Guilherme de Oliveira, Manoel Sérvulo, Cursino Gama, Nicodemos
Pacheco, Hemetério Cabrinha, Elesbão Luz, Oswaldo Mário, Flávio Remar e J. Pimenta
aparecem ligados a sociedades operárias (Sindicato dos Cigarreiros, Centro Operário,
União Operária e outros). Porém, percebe-se que em momentos tidos como especiais,
notadamente o 1º de maio e as eleições, outras vozes se colocavam como a da professora
da Escola de Aprendizes-Artífices Rita da Conceição Alves falando sobre o de maio de
1920 e as de Maia Filho, Fulton e Venicius tratando das eleições governamentais. Existiam
ainda artigos que não eram assinados.
É importante destacar a constante presença no cenário político amazonense de
nomes como Nicodemos Pacheco, Elesbão Luz, Anacleto Reis e Cursino Gama. para
citar um exemplo desta presença: em 1919 ocorreu uma “greve geral” em favor da
jornada de oito horas de trabalho, alvo de manifestações a nível nacional. Em Manaus foi
formado o Comitê de Operários Amazonenses para conduzir a greve. Este comitê era
composto pelos senhores acima citados e seu presidente era Nicodemos Pacheco.
Mesmo após a greve de 1919 ter sido sufocada pela repressão e o Comitê extinto
e expulso do seu local de funcionamento, este grupo parecia não desistir de lutar em prol
da melhoria das condições de trabalho e vida da classe operária, como demonstra a sua
presença na elaboração, produção e difusão do jornal Vida Operária e, após o
desaparecimento deste, no jornal “comemorativo” denominado de maio (1928), cujo
diretor era Cursino Gama.
Era prática dos animadores do jornal Vida Operária a transcrição de artigos e
informações de jornais que circulavam em outras regiões do país. Este fato indica que
havia uma articulação de idéias e, longe de atuar de forma isolada na região, os
articulistas estabeleciam contato com lideranças operárias em nível nacional. As
transcrições presentes no jornal estão relacionadas no quadro abaixo:
P á g i n a | 56
QUADRO 2
MATÉRIAS REPRODUZIDAS DE OUTROS JORNAIS
ARTIGO JORNAL DE ONDE FOI EXTRAÍDO
Política Operária A Razão do Rio de Janeiro. Escrito por Mariano Garcia
O Que Dizem Todos os Médicos
Eminentes (sobre o álcool)
Relatório Inglês (não há maiores informações)
Para o Syndicatos Camaradas Hora Social de Recife
O Syndicato Como Escola de Energia Jornal do Povo do Pará
A Internacional Hora Social de Recife
Hymno Gil Blás do Rio de Janeiro
Acto de Fé do Operariado Gráphico do Rio de Janeiro.
O Rico e o Lázaro Baptista Amazonense
também informações sobre a luta operária em outros países como Espanha,
Portugal, França, Alemanha, Argentina para citar alguns exemplos. Estas informações
aparecem nos primeiros números do jornal nas colunas intituladas “O Que La Por
Fora” e “Notícias Interessantes”. Estas colunas desapareceram nos títulos posteriores.
Desnecessário é dizer que a transcrição de artigos de jornais de outros Estados
bem como as informações sobre os movimentos operários de outros países visavam
sustentar as posições e argumentos sobretudo políticos e sociais defendidos pelo
jornal. Assim, a existência de afinidades políticas era critério para que a transcrição
ocorresse, além, é lógico, do grau de importância da matéria.
Identificam-se também no jornal duas colunas presentes em todos os números:
Vida Social e Noticiário. Na primeira coluna as informações são sobre casamentos,
nascimentos, viagens, aniversários, agradecimentos e outros aspectos presentes no
cotidiano manauara. Para citar um exemplo:
P á g i n a | 57
No dia 25 encher-se-a de fastas o lar de nosso prezado camarada,
Nicodemos Pacheco, pelo anniversário natalício de sua interessante pequerrucha
Ena Christina.
A anniversariante e aos seus desvelados paes, desejamos milhares de
venturas.
96
É preciso dizer que na coluna Vida Social figuravam não somente operários, mas
também pessoas de outros segmentos sociais tais como comerciantes, advogados,
políticos e médicos.
Com relação à coluna Noticiário, os assuntos veiculados neste espaço são
variados. Estão presentes informações sobre troca de redatores, reuniões de associações,
atraso de salários, demissões e admissões além de reclamações sobre a situação das ruas
e calçamentos da cidade. Nesta coluna também se publicava informações do tipo abaixo:
Com o fim de cooperar-mos na prodaganda contra o anaphabetismo,
avisamos aos nossos caros leitores, que d’oravante, manteremos uma secção
intitulada Educandários, onde se encontrará uma relação dos Institutos Collégios
e Escollas particulares, existentes nesta capital.
Para a referida secção chamamos a atenção dos nossos leitores.
97
Após a publicação desta informação na coluna Noticiário, o Vida Operária
incorporou a seção Educandários nos números subseqüentes. Esta seção geralmente se
localizava na terceira página do jornal e esteve presente até a saída do último número do
mesmo (26 de setembro de 1920).
Nas duas últimas páginas restantes ficavam as propagandas e anúncios.
Observando estes espaços é possível identificar a existência de serviços de médicos,
leiloeiros, advogados, companhia de seguros, casas comerciais com operações de
natureza bancária além de produtos produzidos por Tabacarias (Avenida e Globo),
Sapatarias (Novo Mundo, Porfírio Bezerra, Flores e Arone), Farmácias (Lopes, Vieira e
Hermes), Marcenarias (União e ABC), Funilaria (União), Alfaitarias (Bezerra, Costa
Rodrigues e Elite) e Armazéns (Armazém da Avenida e do Mercado). Estas páginas
comportavam algo em torno de 24 publicações de produtos e serviços por título. As
publicações variavam de um título para o outro.
96
Vida Operária, nº 03. Manaus, 24 de fevereiro de 1920.
97
Vida Operária, nº 06. Manaus, 14 de março de 1920.
P á g i n a | 58
Fazendo uma comparação entre os nomes que apareciam associados a produtos e
serviços na parte das propagandas e anúncios com nomes de pessoas que auxiliaram
financeiramente a publicação de alguns números do jornal (veiculados no décimo
primeiro e décimo oitavo títulos), sobretudo os dois primeiros, percebe-se uma questão:
a presença de alguns nomes nos dois espaços, como é o caso da Pharmácia do Povo,
Restaurante Mineiro, José Lopes dono da Pharmácia Lopes, Asensi que é comerciante e
outros. Este fato evidencia no mínimo o uso das propagandas e anúncios como uma das
fontes de receita (a outra era a venda) para custear a publicação do jornal e também uma
importante amplitude de circulação do mesmo, a ponto de atrair o interesse dos
comerciantes por este serviço de propaganda.
Quanto a esta última questão, o jornal era distribuído em espaços restritos como
associações dentre as quais se tem a União Operária Nacional, Centro Operário
Nacional, Associação de Classe das Quatro Artes da Construção Civil, Sociedade
Beneficente União dos Foguistas, Sindicato dos Estivadores, Artes Gráficas, União dos
Moços e Marinheiros, União de Classe dos Pedreiros, Sindicato dos Cigarreiros,
Associação dos Construtores Civis e por fim a Coligação dos Oficiais da Marinha Mercante
– Colégios, Institutos e nos bares e botequins.
A leitura empreendida era coletiva e se realizava nos espaços acima descritos e
também nas esquinas das ruas. Aqueles que tinham o domínio da leitura e da escrita,
geralmente os segmentos médios urbanos (professores, comerciantes, militares, etc.) e
parcelas de operários qualificados – uma vez que a esmagadora maioria dos operários era
analfabeta liam em voz alta. Este tipo de leitura se coloca enquanto estratégia da
cultura letrada para se fazer presente dentro de um quadro cultural adverso presente em
Manaus, ou seja, da marcante oralidade.
Com efeito, os responsáveis pela produção desta folha não pertenciam
propriamente à classe operária, mas aos segmentos médios urbanos. O jornal tinha como
diretor o professor Elesbão do Nascimento Luz e como redatores Hemetério Cabrinha,
poeta e Paulino Carvalho, funcionário da Delegacia Fiscal. Como gerente estava Anacleto
Reis, que segundo Pinheiro
98
era uma destacada liderança dos estivadores manauaras, e
como auxiliar, Jorge Benedito Ferreira.
98
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit.
P á g i n a | 59
Observa-se neste ponto que existia um grupo segmentos médios urbanos
propenso a fazer uma espécie de “aliança para baixo” e no meio operário um setor que
aceitava fazer alianças com outros segmentos que viessem somar com a causa operária,
era a chamada “colaboração de classes” para usar os termos de Boris Fausto.
99
Como
explicar esta aproximação?
Para responder a esta pergunta é preciso destacar dois elementos fundamentais.
O primeiro são as transformações socioeconômicas ocorridas em algumas das principais
cidades brasileiras dentre as quais Manaus se inclui. Estas transformações fizeram surgir e
ampliar categorias de trabalhadores urbanos advogados, professores, funcionários
públicos, operários e outros que passaram a exigir participação nos espaços de decisões
políticas. O segundo elemento se refere à exclusão social e política presente na Primeira
República Brasileira. Tanto os operários quanto os segmentos médios eram excluídos
politicamente e, desta forma, criticavam o sistema político da Primeira República. Talvez
esta exclusão seja o elemento de atração e aproximação entre eles fazendo brotar daí
projetos de participação política.
Desta forma, identificando-se com a classe operária, os animadores do jornal
tratavam de assuntos relacionados ao viver operário e, claramente, os tinham como
público alvo. Por si só, tais características como foi mencionado bastavam para que
o jornal fosse definido enquanto integrante da Imprensa Operária.
Em seu primeiro número, em artigo intitulado Como Surgimos, o jornal registra o
espaço em que foi idealizado, quem o idealizou e como, enfim, surgiu. Assim, numa
espécie de “bohemia espiritualizada”, numa banca de mármore (provavelmente em
algum botequim), entre tragos de cigarro e café, cinco indivíduos Elesbão Luz, Oswaldo
Mário, Hemetério Cabrinha, Anacleto Reis e Nicodemos Pacheco interessados na idéia
de fundar um jornal operário o conceberam.
Sim a Vida Operária...
Responde o Velho professor.
Surgirá! Exclama Oswaldo enthusiasmado! E brilhará! Murmura Cabrinha
agitado, dizendo; o Luz será o diretor! E parte da litterária é sua exclama Oswaldo
irrevogável! Pois você é o sucurijú da prosa e a águia do verso!
99
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel, 1986.
P á g i n a | 60
E é logo alli sobre a mudez impenetrável do mármore que se idealiza o
artigo de fundo ... a vida mundana ... a vida mundana ... o programma...
Nada! Diz o Cabrinha com os dedos entre os cabellos desalinhados.
Há de ser assim...
E a passarada celebrava os funeraes do sol, quando dalli sahimos
intoxicados de jornalismo, e de ideas grandes.
E foi assim que surgimos!
100
Os idealizadores da folha reservaram espaço na primeira página do segundo
número do jornal para informar como foi recebido o novo periódico no cenário
jornalístico amazonense. Neste espaço é citado o comentário de seis jornais: A Imprensa,
Jornal do Comércio, Gazeta da Tarde, Imparcial, Extremo Norte e União Portuguesa.
O Jornal “A Imprensa” assim escreveu:
Recebemos, hontem, o primeiro número da Vida Operária, órgão de
defesa das classes laboriosas de Manáos.
É um periódico de alevantadas idéas, bem redigido e que traz matéria
interessante na sua parte editorial.
101
O Jornal do comércio e o Gazeta da Tarde, jornais representantes da chamada
“grande imprensa”, limitam-se a indicar os nomes do diretor, redatores e auxiliares.
Somente o Gazeta da Tarde que vai mais além e menciona algum tipo de sucesso ao
jornal Vida Operária: “Ao nosso confrade, que appareceu com uma optima edição,
almejamos perennes felicidades, na lida que se impõe”.
102
O acanhado comentário de ambos reflete a atuação dos grupos que os dão vida.
Sendo veículos de difusão e defesa de propostas políticas e socioeconômicas ligadas aos
grupos econômicos (seringalistas, grandes comerciantes, funcionários públicos de alto
escalão e outros), a chegada de um órgão que se propunha a defender as classes
laboriosas era no mínimo arriscada. Neste sentido, até a felicidade supostamente
desejada pelo Gazeta da Tarde poderia se diluir, como talvez tenha ocorrido, a partir do
confronto de idéias e projetos políticos divergentes.
100
Vida Operária, nº 1. Manaus, 08 de fevereiro de 1920.
101
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
102
Gazeta da Tarde. Manaus 09 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 61
Quanto ao Extremo Norte e a União Portuguesa, o primeiro, sendo integrante da
imprensa operária, desejava “vida longa e prosperidades mil”. Porém, alerta que o lema
adotado pelo novo impresso “é o mesmo que (...) usamos em o nosso semanário”, alerta
que indica uma possível disputa futura entre ambos pelo controle do movimento
operário. Quanto ao segundo, da mesma forma, almeja “uma longa existência ao novo
confrade”
103
. A posição da União Portuguesa com relação ao surgimento do “novo
confrade” reflete, em grande medida, a relação estabelecida entre ambos que culminou
com a impressão, nas oficinas deste jornal, do segundo número do Vida Operária.
Sobre a impressão do jornal Vida Operária, o primeiro número foi confeccionado
nas oficinas do Diário Oficial a um custo de 80$000. O segundo, como mencionado no
parágrafo acima, foi impresso nas oficinas da União Portuguesa e custou 90$000.
Somente a partir do terceiro número que o jornal aqui abordado será produzido em
oficina própria situada a rua municipal 54.
104
Entretanto, no mês de agosto, a redação
deste periódico mudou deste endereço e passou a se localizar na Praça São Sebastião
9.
105
IMAGEM 3:
EXEMPLAR DO JORNAL VIDA OPERÁRIA – Nº 23
103
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
104
Vida Operária, 18. Manaus, 13 de junho de 1920. Nesta edição, o jornal publica não os nomes das
pessoas, empresas, colégios e associações que colaboraram financeiramente para a publicação da edição
especial de de maio como também um balanço sobre as finanças do periódico, especificamente da
publicação dos até então 18 títulos.
105
Vida Operária, nº 24. Manaus, 29 de agosto de 1920.
P á g i n a | 62
Fonte: Reproduzido do microfilme a partir do acervo do
Laboratório de História da Imprensa no Amazonas.
O layout” do jornal foi se modificando conforme as mudanças foram se
sucedendo. Ao sair das oficinas do “Diário Oficial” sua configuração era a que aparece na
Imagem 1. Com a impressão do jornal nos equipamentos da “União Portuguesa” houve
pequena modificação e do número três ao número vinte e dois as publicações seguiram
sem modificações no “layout”. A partir do número vinte três o jornal sofre outra pequena
modificação.
Comparando as duas imagens é possível perceber que as diferenças estão numa
melhor distribuição dos conteúdos, sem o uso de fontes pequenas usadas anteriormente
para compactar as matérias mais longas. O resultado é, na verdade, uma legibilidade
P á g i n a | 63
maior. Contudo, as modificações não atingiram o número de colunas que permaneceram
quatro por página. Quanto às páginas gravitavam em torno de quatro, sendo ampliadas
em edições especiais e comemorativas (como o de maio) e diminuídas frente a
dificuldades técnicas, financeiras e políticas.
Com efeito, a opção pela criação do jornal estava ancorada na compreensão que
seus produtores tinham do potencial da imprensa no interior da vida moderna. O jornal
era, antes de tudo, transformador e, dessa forma, “a palavra quando bem applicada
poderá remover todos os empecilhos”.
106
O jornal surgiu com o objetivo claro de atuar como elemento aglutinador dos
interesses e das reivindicações operárias amazonenses. Como porta-voz da classe
operária, procurava chamar a atenção dos setores dominantes e do poder público para
questões que afligiam os trabalhadores. Não era, contudo, veículo de discursos
revolucionários. Pelo contrário, em observância das leis constitucionais e sem propor
alterações da ordem, a defesa do operário era traçada em suas páginas.
Assim sendo, a Vida Operária, lança-se hoje à luz, como defeza exclusiva
do operariado desta terra maravilhosa, prompta para deffender, dentro dos
limites da ordem, o interesse de uma classe esquecida e velipendiada pelos que
nada produzem, a não ser a brutalidade espantosa de augmentar o capital.
107
Como se falou anteriormente, a produção dos jornais operários era repleta de
dificuldades, seja pela falta de financiamento tipográfico para este tipo de imprensa, seja
pelo acesso extremamente penoso aos materiais necessários para produzi-los. Estas
dificuldades estiveram presentes na elaboração e sustentação das publicações do jornal
Vida Operária. Entretanto, algumas estratégias foram tomadas para contornar esta
situação. Entre elas, e de forma imbricada, podem-se citar duas: a construção de uma
articulação entre as diversas associações existentes para a sustentação do jornal e a
colaboração direta do operário.
Quanto ao primeiro ponto, percebe-se nos artigos o esforço de seu diretor e
colaboradores em constantemente visitarem as sedes das associações operárias. As
propagandas do jornal eram realizadas no Centro Operário do Amazonas, na União
106
Vida Operária, nº 4. Manaus, 29 de fevereiro de 1920.
107
Vida Operária, nº 1. Manaus, 08 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 64
Operária Nacional, na Sociedade União dos Foguistas e na Associação das Quatro Artes da
Construção Civil, para citar algumas.
Em o dia 25 do mez p. findo, foi este Centro (Centro Operário do
Amazonas) visitado por um dos nossos companheiros de redacção que ali fora em
propaganda deste órgão.
Recebido distinctamente pelos camaradas em plena sessão, após a leitura
do expediente, de posse da palavra expoz numa brilhante allocução o fim de sua
visita.
Entre outras cousas, disse o nosso companheiro, que se achando o
operariado amazonense organisado e forte, tornava-se preciso antes de tudo,
manter em nosso meio um jornal que fosse a sua legítima defesa, sendo as suas
últimas palavras abafadas por uma estrondosa salva de palmas.
Terminada a sessão os camaradas dessa bem organisada sociedade,
manifestando a mais clara satisfação, acompanharam o nosso companheiro até a
porta, de uma maneira que só podemos agradecer.
108
Nestas visitas, identifica-se um discurso que atentava para a formação, entre os
operários, de uma família e de um ideal. Isto é revelador de que as divergências
existiam no interior do movimento. Percebida a contradição, os dirigentes do jornal
procuravam combatê-la, por meio da afirmação de propostas unificadoras.
O jornal, por identificar-se com as classes operárias e por colocar-se como
instrumento essencial para a construção da defesa dos interesses de classe, falava
diretamente aos trabalhadores, chamando atenção para a importância de contribuírem
para a manutenção daquele órgão. Vários artigos foram publicados não falando das
dificuldades de sua produção, como também da necessidade de auxílios para mantê-lo.
Num deles, é possível ler:
Companheiros! A Vida Operária, como verdadeira pioneira, como batel
deslisando sobre os encapeladas ondas do mar, de defender como forte
baluarte, com viva manifestação, a nossa dor, os nossos soffrimentos.
Companheiros! Se quereis luctar, faz-se preciso para que possamos
proseguir nessa lucta insana, prestar os vossos auxílios a Vida Operária, por que
ella sem titibiesa e com plena convicção demonstrará a nossa emergência, e, se
por accaso necessário for retirarmo-nos dessa lucta pela conquista dos nossos
ideaes, grandemente será redobrado os nossos soffrimentos!...
109
108
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
109
Vida Operária, nº 4. Manaus, 29 de fevereiro de 1920.
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Além desses dois aspectos principais um terceiro: a divulgação e difusão dos
jornais nas escolas, colégios e institutos. As colunas do Vida Operária se apresentavam
enquanto espaço onde questões do universo operário eram mencionadas e discutidas.
Assim, em suas páginas além das denúncias contra os baixos salários, a carestia de vida, a
prepotência e arrogância dos patrões e os acidentes de trabalho
110
, encontram-se um
conjunto de demandas operárias que vinham a público.
111
Enfim, o jornal Vida Operária procurava atuar enquanto elemento vital de
conscientização e organização, colocando-se como um instrumento criado para fomentar
a mobilização e luta dos trabalhadores manauaras, numa tentativa de construir uma
intervenção operária na construção de sua própria história.
110
Como o jornal passou a circular num momento de crise econômica, situações específicas oriundas deste
contexto foram veiculadas. Desta forma, as demissões que ocorriam neste momento eram criticadas em
suas colunas. Também a carestia de vida era denunciada e contestada, inclusive com fortes acusações
sobre alguns comerciantes locais, apontados como “açambarcadores” e “aproveitadores”. um
conjunto grande de denúncias contra as empresas concessionárias dos serviços urbanos, sobretudo as
estrangeiras Manaós Tramways, Manáos Harbour e Manáos Improviments, todas acusadas não de
explorar os seus empregados como também de não se preocupar com os equipamentos que funcionavam
em estado precário, causando inclusive acidentes de trabalho.
111
As denúncias e demandas operárias são abordadas no capítulo 03.
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APÍTULO
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A V
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IDA
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PERÁRIA
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PERÁRIA
1. O UNIVERSO DO TRABALHO URBANO EM MANAUS
Na primeira metade do século XIX (meados de 1830 em diante) a borracha
presente na Amazônia era exportada, ainda que em quantidades modestas, para as
nações industrializadas. Na chamada “indústria de produtos de borracha ela era utilizada
enquanto matéria-prima para a produção de bens industriais e bens de consumo.
Entretanto, a sua utilização era limitada em virtude das influências que sofria com as
mudanças de temperatura.
112
Esta limitação foi superada após o processo de vulcanização (1839)
empreendido por Charles Goodyear que tornou a goma elástica resistente ao calor e ao
frio. Assim, a chamada “borracha vulcanizada” passou a ter sua utilização ampliada.
Rodas dentadas, correias, mangueiras e outros produtos passaram a ser produzidos
tendo-a como matéria-prima. Este crescimento da borracha enquanto matéria-prima
pode ser observado no quadro abaixo:
TABELA 1
Produção de Borracha na Amazônia Entre os Anos 1827 e 1860.
ANO KG ANO KG
1827 31.365 1846 673.725
1830 156.060 1850 1.446.550
1836 189.225 1856 1.906.000
112
A borracha possuía alta sensibilidade a mudanças de temperatura, por exemplo, “botas de borracha
tornavam-se duras como pedra no inverno e grudentas como piche no verão”. WEINSTEIN, Bárbara. A
Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec, 1993, p. 22.
P á g i n a | 68
1840 388.220 1860 2.673.000
FONTE: WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: expansão e
decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec, 1993, p. 22.
O processo de vulcanização acabou por impulsionar o consumo de borracha pelas
nações industrializadas. Tal consumo se tornou ainda mais intenso com a produção e
difusão da bicicleta, em 1890, e a popularização do automóvel a partir de 1900
(sobretudo pelo desenvolvimento de pneumáticos).
Conhecida e utilizada pelos indígenas da Amazônia, a hévea torna-se
produto comercial de crescente importância após a descoberta da vulcanização
da borracha, em 1840. Neste período praticamente toda a borracha era extraída
na área amazônica, em território brasileiro ou de países limítrofes, sendo
comercializada nos portos de Manaus e Belém. (...) a borracha ganha (...)
destaque em nossa pauta de exportação [ Brasil ] a partir de 1851-60, ocupando o
terceiro lugar nela em 1881-90 e o segundo a partir de 1891 até o fim da Primeira
Guerra Mundial.
A demanda da borracha nos países industrializados crescia fortemente,
devido à utilização da mesma na fabricação de pneus de veículos: de bicicleta
primeiro, de automóveis depois.
113
Desta forma, no decorrer do século XIX, sobretudo a partir das três últimas
décadas, a Amazônia foi incorporada ao mercado mundial articulado. Neste sentido,
como aponta Paul Singer na passagem citada acima, duas cidades tornaram-se centros
comerciais: Belém e Manaus.
No Amazonas, o processo de expansão econômica trouxe consigo um conjunto de
transformações que atingiram sua capital Manaus. Neste processo de expansão dois
elementos foram de profunda importância: a implantação de uma rede de
comercialização da borracha e o desenvolvimento de uma infra-estrutura necessária para
o escoamento do produto.
Com relação ao primeiro elemento, o que interessa destacar é a atuação das casas
aviadoras. Conhecidas também como “casas recebedoras” possuíam uma posição central
na cadeia comercial da Amazônia. Eram estes estabelecimentos que tinham a função de
113
SINGER, Paul. O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional (1889-1930). In: Fausto, Boris. História
Geral da Civilização Brasileira vol. III. O Brasil Republicano (1889-1930). São Paulo, Civilização Brasileira,
1997, p. 360-361.
P á g i n a | 69
financiar e comercializar a borracha, decidindo inclusive quando e a quem vender este
produto extrativo. Além disso, assumiam múltiplas funções: negociavam com as casas
importadoras, as mercadorias que seriam passadas para o negociante do vilarejo, ao
regatão, ao seringalista e por fim ao seringueiro; providenciavam o transporte e a
distribuição dos retirantes que se deslocavam do nordeste, fugindo dos problemas
gerados pela seca, em busca de trabalho no Amazonas (seringais); atuavam como
representante legal e financeiro de seus clientes mais ricos que residiam no interior e por
fim, realizavam a abertura de novos seringais.
114
O papel desempenhado por esses estabelecimentos comerciais foi o de
financiar e comercializar a borracha na região, fazendo chegar os implementos
necessários à organização e funcionamento da vida econômica dos seringais, bem
como recebendo deles, no final do período de extração, as remessas de borracha
que, posteriormente seriam exportadas para a Europa e Estados Unidos.
115
Como a borracha se mostrou um empreendimento rendoso, o capital estrangeiro
passou a atuar na região com objetivo de viabilizar a exploração do produto, contribuindo
desta forma não para reconstrução/revitalização da cadeia comercial desenvolvida na
Amazônia, ancorada no sistema de aviamento, como também para a construção, na
cidade de Manaus, de uma infra-estrutura que possibilitasse o escoamento do produto.
Neste ponto reside o segundo elemento. A infra-estrutura era importante para o
escoamento da produção, facilitando a circulação de pessoas e capitais. Como a produção
da borracha se dava fora do espaço urbano (nos seringais), a cidade se colocava como
ponto de escoamento deste produto, daí a necessidade de criar uma gama de atividades
econômicas ligadas à circulação, consumo e serviços (transportes, limpeza pública, água,
luz, esgoto).
Desta forma, o capital estrangeiro, sobretudo inglês, tornou-se o maior
responsável pela execução dos grandes projetos de reforma da cidade.
116
Conforme
Pinheiro praticamente todos os serviços urbanos, por concessão, estavam nas mãos de
firmas inglesas que passaram a agenciar melhoramentos ou mesmo criar serviços até
114
WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia... Op. Cit., p. 33-34.
115
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999, p. 37.
116
DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 1999, p. 50.
P á g i n a | 70
então inexistentes na cidade. Empresas como a Manáos Markets, Manáos Tramways and
Light, Manáos Improviments, Manáos Harbour, Amazon Engineering, Amazon Telegraph,
Booth Line e Amazon River, passaram a manter relações cotidianas com a população
local.
117
A cidade de Manaus passou a assumir a função de centro comercial. Diversas
atividades, em grande medida moldadas pela posição econômica assumida pela cidade,
foram desenvolvidas no interior do espaço urbano. Além das firmas estrangeiras que
atuavam na administração dos serviços urbanos (porto, transporte, energia,
abastecimento de água, etc.) ocorreu uma ampliação significativa da praça comercial.
Diversos estabelecimentos comerciais passaram a comercializar uma variedade de
produtos nacionais e importados, assim como uma gama variada de serviços (hotéis,
restaurantes, botequins, etc.) passaram a ser oferecidos na cidade. Além disso, a cidade
passou a presenciar o surgimento de Marcenarias, Sapatarias, Alfaiatarias, Fábricas de
Tecido, Fábricas de Roupas, Fábricas de Cestas e Vassouras, Funilarias, Tabacarias,
Fábricas de Panificação, Fábrica de Cerveja e Gelo, Fábrica de Sabão e outros.
118
Enfim,
os ramos econômicos desenvolvidos tinham como alicerces as atividades de circulação e
consumo, havendo a atuação, em pequena escala, de oficinas/fábricas específicas. Com
efeito, a ampliação do mercado de trabalho manauara se deu ancorado nestas bases.
Cabe lembrar também que a imigração foi essencial para a ampliação das
atividades acima destacadas. A partir do final do século XIX, Manaus passou a recepcionar
uma onda imigratória crescente. Um número significativo de pessoas, entre estrangeiros
e nacionais, acabou por chegar ao universo urbano e a disputar espaços de trabalho nas
mais diferentes atividades. Este processo se intensificou ainda mais a partir do aumento
das exportações da goma elástica. Segundo Dias:
É no decorrer desse processo [de expansão econômica] que Manaus passa
a vivenciar a ampliação e remodelação de seu espaço, assim como o aumento de
sua população. Se em 1852 a cidade contava com uma população de 8.500
habitantes, em 1890 tem sua população ampliada para 50.300, sendo o
processo migratório o principal responsável por este crescimento populacional. O
centro urbano se constitui como pólo de atração de gente das mais diversas
117
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 42.
118
COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana: cotidiano de trabalhadores em
Manaus, 1915-1925. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2000, p. 53.
P á g i n a | 71
nacionalidades: ingleses, alemãs, portugueses, espanhóis, italianos, franceses,
deslocam-se para cá, com também imigrantes de vários estados do país.
119
Assim, a ampliação do mercado de trabalho manauara se deu em virtude da
expansão econômica associada ao crescimento populacional.
2. A VIDA OPERÁRIA: CONDIÇÕES MATERIAIS DE EXISTÊNCIA
Os trabalhadores urbanos em Manaus vão desenvolver suas atividades
profissionais e garantir sua sobrevivência no mercado de trabalho acima desenhado. É a
partir das relações de trabalho estabelecidas e do retorno material daí advindos que os
trabalhadores vão conduzir sua vivência.
Porém, as informações sobre a vivência operária presentes no jornal Vida Operária
são fragmentárias e escassas. Temas como vestuário, transporte e lazer operários não
constam em suas colunas e os assuntos relacionados com a remuneração, gastos com
alimentação, moradia, saúde aparecem minimamente.
Não obstante, é possível partir das informações contidas no jornal Vida Operária,
uma vez que outras fontes, como o conjunto da Imprensa Operária e diária, podem ser
utilizadas para montar o quadro da Vida Operária que no jornal aqui analisado se
apresenta fragmentado.
Com relação à remuneração, esta questão foi retratada no jornal Vida Operária
em um artigo intitulado “Palavras Simples” escrito por Manoel Sérvulo, membro do
sindicato dos Cigarreiros:
Não cousa mais triste, do que a vida do pobre trabalhador numa
quadra como esta (...). A desgraça bate-lhe a porta e vae encontral-o vacilante e
119
DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto... Op. Cit., p. 38.
P á g i n a | 72
acabrunhado, pensando como há de sustentar a prole, com tão mesquinho salario
que percebe (e as vezes não recebe); que não chega a attender as primeiras
necessidades do lar. Então pensativo, e dentro do circulo de ferro em que se acha
exclama: que miséria! Não tenho dinheiro nem crédito!...
É uma verdade. Porque se recorre ao taverneiro que é seu amigo (...)
pede-lhe logo crédito, este logo lhe diz: não posso! Outros dizem sim, mas...
exploram tão estupidamente o pobre trabalhador, que não sabe o meio de julgal-
o. E ai daquele que diz; não posso pagar esta semana; tenha um pouco de
paciência. Fica termitantemente cortado, e entregue à sua própria desventura...
Não sabem elles que o pobre é honrado, e se não lhe poude pagar foi por não ter
recebido, ou teve que attender á doença em casa, e o que ganhou, não deu para o
médico e pharmácia. Mas que há de fazer?...
120
Neste trecho extraído do artigo, duas questões referentes aos salários se
destacam. A primeira envolve indícios que apontam para a baixa remuneração, como na
frase: “se não lhe poude pagar (...) teve que attender à doença em casa”. Ou seja, se
ocorresse qualquer imprevisto no cotidiano do operário que atingisse seu parco
orçamento, a situação se tornava crítica, uma vez que compromissos outros assumidos
(principalmente de dívidas com alimentação) não seriam cumpridos. O segundo se refere
ao atraso nos pagamentos. Esta questão, no decorrer da década de vinte se tornou
freqüente e o jornal aponta para categorias, como os gráficos da imprensa oficial,
professores e demais funcionários públicos que constantemente vivenciavam atrasos nos
seus vencimentos.
Sobretudo por conta dessa situação, reservava-se espaço nas colunas do jornal
Vida Operária para tratar da carestia de vida e o modo como ela afetava a vida do
trabalhador.
É tenebrosso, principalmente para os operários, fallar em Carestia de vida,
porque para dizer o que ela é vae ferir muita gente boa.
A alta dos preços na velha Europa é um facto, porém aqui no Brazil, é uma
fonte de riqueza dos senhores commerciantes que famintos do ouro, e sedentos
de ver os seus capitaes augmentarem de dia para dia, lançam mão de todas as
especulações.
É verdade que em todas as praças houve alterações, devido a exportaçõa,
que até então era nenhuma, mas, o que não chegou a tanto, como os senhores
apregoam.
Admitto mesmo que tudo custe o olho da cara, porém não admitto é a
exploração que esses mesmos senhores são useiros e vaseiros.
120
Vida Operária, nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
P á g i n a | 73
Não admitto que esses senhores sedentos de ouro, amparados pela
mentira convencionada, sustentados pela necessidade do povo, explore esse
mesmo povo, sem dó nem piedade!
(...)
O anno atrasado elles se aproveitaram da miséria do povo, vendendo a
caixa do Kerozene a 80$000, quando as suas duas casas representantes desse
líquido, vendiam a 27$500.
No mesmo anno na quadra calamitosa da grippe, certo taverneiro da E.
Epaminondas vendeu a lata de leite a 5$000!
Durante uma semana o assucar oscilou de 800 a 3$000.
Alguns comerciantes obtiam o leite a 300 reis, e venderam a 3$000. para
esses senhores, ainda não terminou a guerra, as mercadorias, cada dia sobe de
cotação, nunca se fartam, sempre famintos!
A maior parte dos retalhistas, possuem dois ternos de pesos e medidas!
Entra anno, sahe anno, e cada vez tudo mais caro.
O povo além de comprar caro é ludibriado no peso e na medida.
(...)
O freguez, não tem dinheiro sufficiente para satisfazer todas as
necessidades de sua casa, vae comprando de tudo um pouquinho, nesta
mercadoria perde meio tostão, naquella outra, e no fim de suas compras perdeu
200 ou 300 reís.
E quem ganhou? O negociante.
121
A carestia de vida existente em Manaus se explica, consoante à bibliografia que
trata do período em questão, a partir de três elementos. O primeiro corresponde à ênfase
dada ao extrativismo da borracha, o que contribuiu para tornar fracas as iniciativas, tanto
privadas quanto governamentais, de fomentar a produção agrícola. Os gêneros de
primeira necessidade, com exceção do pescado, vinham de outras regiões o que os
encarecia significativamente.
122
Daí a reclamação feita: “não è admissível pelo simples
fato de passar um navio por Pernambuco, e não trazer assucar, para os commerciantes
levantarem o preço dessa mercadoria escandalosamente”.
O segundo está ligado às conseqüências da Primeira Guerra Mundial associada à
conjuntura de crise econômica. Como nos informa a literatura sobre o desenvolvimento
da industrialização na região Centro-Sul, a Primeira Guerra Mundial possibilitou, a uma
parcela de cafeicultores, diversificar seus investimentos, os quais foram destinados a
121
Vida Operária, nº 3. Manaus, 24 de fevereiro de 1920.
122
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 70.
P á g i n a | 74
produção de produtos cujo fornecimento havia sido interrompido pela Guerra,
impulsionando um incipiente processo de industrialização. na Amazônia, os efeitos da
Guerra foram desastrosos, concorrendo para intensificar a crise na cidade de Manaus. A
posição do jornal é esclarecedora, “para esses senhores, ainda não terminou a guerra, as
mercadorias, a cada dia sobem de cotação, nunca se fartam, sempre famintos!”.
O terceiro e último elemento, presente nos jornais operários e também registrado
em outros documentos (discurso dos grandes jornais de circulação, relatórios das
autoridades públicas entre outros), é a centralização da venda de gêneros alimentícios no
mercado público. Nas palavras de Pinheiro:
Com o arrendamento do mercado público em 1905 a Alfredo de Azevedo
Alves e, no ano seguinte o seu repasse a The Manáos Markets Slaughterhouse
Limited, provocou um aumento abusivo dos gêneros, em função das constantes
elevações das taxas que recaiam sobre a utilização de seus boxes e sobre os
gêneros ali comercializados. Essa política de centralização, amparada por um
contrato que dava plenos poderes à firma inglesa, gerou proibições e dificuldades
às vendas dos ambulantes, obrigando dessa forma, a população manauara a
abastecer-se exclusivamente ali.
123
Embora houvesse essa política de centralização no mercado público, nos jornais
operários identifica-se uma atuação importante das “tavernas”, onde os alimentos de
primeira necessidade eram adquiridos pelos operários. Entretanto, este fato não diminuiu
as críticas veiculadas naqueles jornais, críticas estas que tinham como alvo os
comerciantes (não escapando nem mesmo o pequeno comerciante português), acusados
de “exploradores”, “famintos de ouro” e “burgueses pançudos”.
Embora não existam informações precisas sobre a remuneração de modo a traçar
um quadro claro e seguro sobre o valor dos salários dos operários e seus gastos com
alimentação, moradia, saúde, vestuário, transporte e lazer, por meio das informações
acima extraídas do jornal Vida Operária se observa à existência de um descompasso
significativo entre salários e custo de vida.
Aliás, esta questão encontra-se presente em outros jornais da época, sobretudo
no conjunto dos jornais operários e remonta inclusive para momentos anteriores a 1920,
o que aponta para uma constante defasagem entre salário e custo de vida.
123
Idem, p. 71.
P á g i n a | 75
Num primeiro momento a questão dos altos preços dos gêneros de primeira
necessidade apareceu em um artigo intitulado “A Situação”, publicado no jornal
Gutemberg:
A nossa situação é a mais desesperada possível (...) o governo que diz
representar a opinião pública pela qual diz estar apoiado, faz-se cego e surdo aos
gritos aflitivos do povo que se debate com a mais ameaçadora das mizerias a
fome.
Não gênero algum, mesmo os que são producção do paíz, que o
tenha triplicado de valor: a carne, o peixe, a farinha, o arroz, o assucar, o café,
tudo enfim é vendido por um preço tal que em breve será impossível a população
menos abastada supprir-se dos alimentos indispensáveis à vida.
124
É possível perceber a preocupação dos responsáveis pela publicação e circulação
do jornal (os gráficos) com relação ao aumento significativo do preço dos gêneros de
primeira necessidade e a possível dificuldade de acesso à eles dos que possuem parcos
recursos (o operariado em geral). Esta preocupação evidenciava a existência de um
nível salarial baixo que, quando modificado, dificilmente acompanhava o custo de vida.
Cabe também frisar que não era somente nos jornais operários que havia esses
indícios da relação desigual entre salário e custo de vida. Na chamada “grande imprensa”
esta questão se fez presente. Em artigo denominado “A Miséria no Amazonas”, publicado
na “seção de cartas” do jornal Correio do Norte nota-se isso:
A impressão que se tem ao chegar em Manaus é deplorável.
(...)
O certo é que o funcionalismo público, pelo menos na sua maior parte
está sem receber os seus vencimentos oito ou nove meses... Os gêneros de
primeira necessidade custam os olhos da cara. O mercado onde a população se
abastece ou fingi abastecer-se cobra dos comerciantes pesados impostos à
entrada das mercadorias, peixes, legumes e outros, sejam ou não vendidos.
O aluguel de casas é elevadíssimo. Por uma casa que mal para uma
família pequena, paga-se de 30$000 a 50$000.
Essa carestia podia ser contrabalançada pelos ordenados. Mas o caso é
que não é. O trabalhador ganha, em média 6$000 diários, não chegando
absolutamente para suas mais urgentes necessidades... Os operários são
obrigados a residir, fora da cidade, em barracas, que é como se denominam as
palhoças de cá...
124
Gutenberg, Manaus, 1º de maio de 1892.
P á g i n a | 76
É um horror (...) morre-se de fome em Manaus, é esta a verdade.
125
Outro agravante para os operários, como se pode notar a partir da citação acima,
era o significativo preço das moradias. Neste ínterim, o advento da urbanização
contribuiu enormemente para esta situação. As reformas urbanas empreendidas a partir
da última década do século XIX produziram dois processos simultâneos: a valorização das
áreas localizadas no perímetro urbano da cidade e a formação de um mercado
imobiliário.
Concernente ao primeiro processo, o alinhamento e alargamento das ruas, a
padronização das fachadas dos estabelecimentos comerciais e residenciais, a arborização
e, sobretudo, a implantação de energia elétrica, sistema de abastecimento de água,
coleta de lixo e transporte coletivo geraram uma valorização dos espaços que passaram a
contar com estes melhoramentos e serviços. o segundo processo, que se apresenta
como uma das conseqüências do primeiro, está ligado a formação de grupos que
passaram a investir nas áreas valorizadas constituindo o nascente mercado imobiliário.
126
Os processos acima mencionados foram resultantes do esforço empreendido
pelos grupos mercantis e políticos em viabilizar um projeto de cidade que tinha como
referência a “Paris de Haussmman”. Na tentativa de viabilizá-lo se utilizou uma série de
mecanismos
127
, com destaque para o Código de Posturas.
128
O Código de Posturas enquanto legislação estabelecia um conjunto de
normatizações sobre o espaço urbano. No tocante a moradia, este instrumento proibia a
construção de casas de palha e taipa, casebres e quartos no alinhamento das ruas e
praças da cidade. Para os que existiam, a legislação apontava para a construção de um
muro com no mínimo dois metros e meio de altura.
129
125
Correio do Norte. Manaus, 03 de fevereiro de 1906.
126
COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana. IN: FENELON, Dea Ribeiro
(Org.). Cidades: pesquisa em História. Vol. 1. São Paulo: Olho D’água, 2000, p. 95-99.
127
Dentre eles se destacam as campanhas empreendidas pela chamada “Grande Imprensa” em favor da
urbanização e modernização, as políticas públicas elaboradas e direcionadas para dar visibilidade à
função assumida pela cidade (comercial) e aos grupos dominantes envolvidos neste processo e etc.
128
Até o momento, para o período do Amazonas na Primeira República Brasileira, foram identificados os
Códigos de Posturas de 1890, 1896, 1910, 1920 e 1930. Ver COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando
Viver Ameaça a Ordem Urbana. IN: FENELON, Dea Ribeiro (Org.). Cidades: pesquisa em História. Vol. 1.
São Paulo: Olho D’água, 2000, p. 94.
129
Código de Posturas do Município de Manaus (1890). Coleção das Leis, Decretos e Resoluções do
Município de Manaus, TomoI, Manaus, Typografia do Amazonas, 1898, p.29.
P á g i n a | 77
Deste modo, os moradores de baixa renda (como o operariado) que habitavam as
áreas do perímetro urbano e que não tinham como obedecer as normatizações do Código
de Posturas (especialmente a construção do muro) ou foram empurrados para os
subúrbios
130
ou permaneceram no centro da cidade como inquilinos
131
, uma vez que
estas áreas foram apropriadas por grupos que passaram a investir em edificações e
cômodos para alugar.
Com efeito, o investimento realizado pelos exploradores do mercado imobiliário
132
se resumia, sobretudo, em edificar o dito muro de dois metros e meio de altura,
escondendo atrás dele inúmeros cômodos fétidos e insalubres que os mesmos
esforçavam-se em multiplicar com o objetivo de potencializar seus ganhos. Assim,
pequenos quartos sem divisões com cozinhas e banheiros coletivos eram construídos por
trás das belas fachadas. Como afirma Costa:
Trabalhadores e pobres urbanos ocupavam uma outra cidade,
visualmente disfarçada, habitando vila e cortiços de alvenaria, além de
hospedarias, porões (...) [que] guardavam em comum o fato de serem exploradas
pelo mercado imobiliário e estarem disfarçadas por belas fachadas, assépticas do
ponto de vista externo.
133
Assim, cortiços, quartos de aluguel, casas de cômodos, hospedarias, estâncias,
estalagens e porões se materializaram como moradia dos operários. Estes, por meio dos
jornais, tornaram públicos os problemas vivenciados nesta esfera. Tais problemas
estavam ancorados em dois eixos principais: o alto preço dos aluguéis e as condições
precárias da habitação.
Aqueles que não tinham condições de pagar o aluguel nas áreas centrais da
cidade, deslocavam-se para os subúrbios, edificando aí sua moradia. Embora o jornal Vida
130
A área suburbana era composta pelos bairros de Cachoeirinha, Mocó, São Raimundo, Educandos, Vila
Municipal, Plano Inclinado (Tocos), Flores e adjacências. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os
Ombros... Op. Cit., p. 57 e COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana ... Op.
Cit., p. 90.
131
A preferência dos trabalhadores pelas áreas centrais (Espírito Santo, Remédios e São Vicente) se dava em
virtude dos serviços urbanos presentes e pela proximidade do mercado de trabalho. COSTA, Francisca
Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana ... Op. Cit., p. 98.
132
Segundo Costa, os principais exploradores do mercado imobiliário eram os pequenos herdeiros,
profissionais liberais e comerciantes portugueses varejistas, não excluindo-se a atuação do grande capital
por meio de terceiros. Idem, p. 97.
133
Idem, p. 86.
P á g i n a | 78
Operária não contenha informações sobre a moradia em áreas suburbanas, por meio da
fala dos médicos-sanitaristas do início do século XX é possível apontar tal questão. Neste
sentido, o quadro desenhado pela fala dos sanitaristas chega a ser desolador. Para
Hermenegildo Campos nas áreas periféricas existiam “muitas barracas cobertas de palha
e fechadas ou com tábuas de caixa de querosene, de batatas, ou com folhas de latas
cortadas (...) onde residem pobres com numerosa família”.
134
Além de Hermenegildo Campos, outro médico-sanitarista, Samuel Uchôa,
registrou o problema da falta de moradia para as pessoas (nordestinos) que chegavam à
capital do Amazonas.
Chegam na estação invernosa, dezenas de doentes desprotegidos, sem
um cetil para as primeiras despesas, para o desembarque da bagagem. Casa não
procuram: aboletam-se em baiúcas abandonadas nos arrabaldes, nos baixos da
Serraria Sá, nos patamares dos armazéns, nos alicerces dos edifícios em
construção, e, nessas alfurjas de miséria, curtem dias sombrios de fome e
doenças.
135
A má-alimentação e a moradia precária e insalubre vão tornar o terreno propício
para a emergência de doenças epidêmicas e contagiosas. Os relatos dos sanitaristas
contêm indícios deste processo. Neles estão registrados alguns fatores que contribuíam
significativamente para a expansão de algumas doenças (como por exemplo, a
tuberculose). Assim, de acordo com Alfredo da Matta, entre esses fatores estão os baixos
salários, a alimentação deficiente e o trabalho exaustivo e fatigante.
136
Quanto aos deslocamentos realizados na área urbana pelos operários, as
evidências indicam que estes percorriam os espaços seja da casa para o trabalho ou da
casa para as áreas de lazer e vice-versa na maior parte do tempo a pé, uma vez que a
passagem do bonde pesava em seu parco orçamento.
137
134
Campos, Hermenegildo. Climatologia dica do Estado do Amazonas. Manaus, ACA/Fundo Editorial,
1988, p. 100.
135
UCHOA, Samuel. Dois Annos de Sanitarismo. Manaus: Livraria Clássica, 1924, p. 75.
136
Para o sanitarista era extremamente difícil aplicar as teses profiláticas “em milhares de doentes quando
os higienistas não podem atender e providenciar sobre o horário para o trabalho do operariado;
regulamentar o salário; fornecer alimentação sadia e horas regulares; resolver os problemas das
habitações insalubres; instruir as classes pobres e tantas outras questões vitais?” Citado por PINHEIRO,
Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 77.
137
Segundo Thiago de Mello, a passagem do bonde custava 200 réis. Este dinheiro era entregue ao
condutor que devolvia ao passageiro um cupom numerado com um pensamento no verso, e conclui que
“muita gente andava mesmo era a pé, porque não tinha o dinheirinho para tomar o rangedor”. MELLO,
P á g i n a | 79
Embora o bonde não fosse o único meio de transporte existente, pois havia as
carroças puxadas por tração animal, às catraias e os coches ou carros de aluguel, que
também eram utilizados, ele se destacou no cenário urbano, e isto os documentos da
época evidenciam, por ser um dos elementos que atestavam à presença da modernidade.
Cabe registrar que a idéia que se tem de Manaus recepcionando de imediato um
sistema de transporte de bondes elétricos é equivocada.
138
Segundo Magalhães
A primeira modalidade de veículos empregados para o transporte coletivo
de passageiros, consistiu em locomotivas de tração a vapor, que implantadas pelo
engenheiro Frank Hirst Heblethwait, foram inauguradas de forma provisória em
24 de fevereiro de 1896 na administração de Eduardo Ribeiro.
139
Com efeito, a partir de 1898 a empresa Manaós Railway Company e, após, por
volta de 1908 a Manáos Tramways, não implantaram e ampliaram, com incentivos
promovidos pelo Estado, os serviços de transporte por bondes movidos a eletricidade
como também, sobretudo a Tramways, administraram e exploraram o serviço por
algumas décadas.
140
Não obstante, a ampliação realizada correspondia às regiões do perímetro urbano
e uma parcela da área suburbana adjacente. Consoante o Diário Oficial de 03 de maio de
1901 as linhas existentes eram as de “Flores, Cachoeirinha, Avenida Circular, Plano
Thiago de. Manaus, amor e memória. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1984, p. 102.
138
Assim como é equivocada à imagem construída por alguns intelectuais da região sobre Manaus do
período da borracha como sendo próspera, harmônica e sem conflitos e contradições, conforme a
passagem a seguir demonstra: “Manaus, Cidade rica, progressista e alegre, de ruas retas e largas,
calçadas com granito e pedra de liós importados de Portugal, sombreada por frondosas mangueiras, e de
praças e jardins bem cuidados, com belas fontes e monumentos, tinha todos os requisitos de uma grande
urbe moderna: água encanada e telefones, energia elétrica, a partir de1896, rede de esgotos, em
construção, bondes elétricos a partir de 1895, espantando até os visitantes europeus do raiar do século,
com suas alucinantes velocidades de 40 e 50 quilometros por hora, nas linhas de aço espalhadas por toda
a malha urbana e penetrando na floresta, até aos arrebaldes mais distantes. O seu porto flutuante, obra-
prima da engenharia inglesa, construído a partir de 1900, recebia navios de todos os calados e das mais
diversas bandeiras. O movimentado centro comercial regurgitando de gentes de todas as raças (...). Lojas
bem construídas...”. LOUREIRO, Antônio. A Grande Crise (1908 -1916). T. Loureiro e Cia: Manaus, 1985, p.
33-34.
139
MAGALHÃES, Soraia Pereira. O Transporte Coletivo Urbano de Manaus: bondes, ônibus de madeira e
metálicos. Manaus: Dissertação de Mestrado em Natureza e Cultura da Amazônia defendida em 2003, p.
31.
140
A partir da década de 1920, por conta da crise da borracha, gradativamente foi ocorrendo à falência dos
serviços urbanos que passaram a sofrer um processo de sucateamento, entre eles, o sistema de bondes
elétricos, culminando, no caso deste, com uma discussão no parlamento acerca da nacionalização do
sistema de transporte existente, administrado pela Tramways, nos anos finais da década de 1940.
Portanto, até esta década a Manáos Tramways atuou na exploração deste serviço.
P á g i n a | 80
Inclinado, Circular Cachoeirinha e Saudade, sendo esta última um trecho da primeira,
comprehendido entre as praças 15 de novembro e 5 de setembro”.
141
Quanto aos limites da capital estavam organizados da seguinte forma:
Na zona norte, localizava-se a Vila Municipal, Mocó, Boulevard Amazonas
e Flores; na zona leste, os bairros de Tocos, Plano Inclinado, circundados pelo
Igarapé de São Raimundo; ao sul, o perímetro central alardeado pelo Rio Negro e
a Oeste, a Cachoeirinha. Com exceção dos bairros de Educandos e São Raimundo
(...) os demais bairros dispuseram dos serviços de transportes por bondes
elétricos.
142
Assim, Flores, Cachoeirinha, Tocos e Plano Inclinado eram áreas suburbanas
atendidas, em suas ruas centrais, pelos bondes elétricos. Entretanto, São Raimundo e
Educandos não tinham a visita do “rangedor”, levando os moradores desses bairros, entre
eles alguns operários, a utilizar as catraias.
O serviço prestado pela empresa concessionária do serviço de bondes em Manaus
parece não ter sido dos melhores, contrariando a visão que revela este serviço como
impecável, onde os bondes eram bem cuidados, limpos e pontuais. Por meio dos jornais
da época é possível vislumbrar uma outra dimensão, conforme se pode notar no trecho
abaixo:
Braço estendido ma avenida Eduardo Ribeiro, o guarda de ponto dava
trânsito, com o seu casse teté austero, aos vehiculos que se moviam nessa artéria,
enquanto que ficava, assim, suspenso o movimento de carros na avenida 7 de
Setembro.
(...)
Naquelle momento, descia a avenida 7 de Setembro um bonde rumo da
estação, quando também, pela avenida Eduardo Ribeiro, mesmo rumo, rolava um
carro com o reboque de um wagon cheio de areia, cujo motorista, obedecida a
ordem do guarda continuou o seu caminho.
Outro tanto não poude fazer o carro que descia a 7 de Setembro, pois,
com a grande velocidade e com os breaks em mão funcionamento, não conseguiu
parar, indo de encontro ao outro bonde justamente na altura do desvio das duas
linhas.
141
Diário Oficial, 03 de maio de 1901. Superintendência Geral de Fiscalização. Relatório dos serviços por
electricidade. Manáos, 1901.
142
MAGALHÃES, Soraia Pereira. O Transporte Coletivo Urbano de Manaus ... Op. Cit., p. 45.
P á g i n a | 81
Em outros tempos, o caso teria causado grande escândalo, mas nesses
que correm, os desastres se repetem diariamente, porque o seu Kirk sabe muito
bem que não quem lhe tome contas do ssimo estado a que tem reduzido o
material da viação...
143
As insatisfações em relação aos serviços dos bondes englobavam não somente as
condições físicas do veículo, mas também a falta de troco, a irregularidade de horário, a
poluição sonora, a falta de manutenção nos trilhos e outros, como atesta panfleto
distribuído na cidade:
IMAGEM 4:
MANIFESTO CONTRA A MANÁOS TRAMWAY
Fonte: “Panfletos Operários” – Acervo Digital (LHIA).
O jornal Vida Operária assim se posicionava sobre as condições físicas e os
horários de circulação dos veículos: “sobre os bonds, não há nada peior, immundos, sujos,
quando chove é uma peneira: o horário é mal feito e irregular; as carroças de lixo da
capital federal, tem mais asseio e pontualidade...”.
144
143
O Dia, nº 386. Manaus, 03 de abril de 1926.
144
Vida Operária, nº 08. Manaus, 28 de março de 1920.
P á g i n a | 82
Em que pese estes problemas presentes, os deslocamentos realizados pelo
operariado no interior do espaço urbano, como mencionado anteriormente, eram, na
sua grande maioria, por meio de caminhadas. Percebe-se isto pela permanência de um
número significativo de operários como inquilinos no centro da cidade, com o objetivo de
permanecer próximo ao local de trabalho
145
, como também pelo significado da
implantação de um sistema de bondes, voltado não somente para dar suporte à dinâmica
capitalista como também para atender aos grupos dominantes que necessitavam de
meios de locomoção.
146
Quanto às práticas associadas ao lazer operário, identificam-se alguns elementos
que aparecem constantemente nos jornais da época e que se caracterizam como
expressões desse lazer, dentre eles, o uso de bebida alcoólica. O álcool era condenado
pelos grupos políticos e econômicos dominantes. Estes encaravam o álcool como um
elemento degradante tanto das condições materiais e físicas do operário quanto da moral
e dos bons costumes. Por conta desta posição, várias ações foram desenvolvidas no
sentido de “restringir os espaços de consumo de bebidas alcoólicas e impor horários de
funcionamento de bares, quiosques, botequins, pensões e cabarés, bem como estabelecer
penalidades...”.
147
Alguns jornais diários, como por exemplo, o Jornal do Comércio, reservavam em
algumas de suas colunas um espaço destinado as “queixas do povo”
148
. Neste espaço,
grupos de moradores reclamavam da ausência de serviços básicos (coleta de lixo,
abastecimento de água, etc.) em determinados locais da cidade (sobretudo nos
145
Pinheiro ao mapear os locais de moradia dos estivadores percebeu que eles residiam tanto nas áreas de
expansão quanto nas ruas e bairros centrais da cidade. Porém, destaca que “numa cidade onde o bonde
único transporte coletivo capaz de conduzir os populares que moravam nas zonas afastadas até o centro
começava a funcionar às seis horas da manhã, era de esperar-se que morar muito afastado do porto
pudesse significar para os estivadores uma dificuldade considerável, uma vez que o trabalho nos
armazéns iniciava também naquele horário”. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros...
Op. Cit., p. 57. Costa, ao identificar os trabalhadores urbanos que residiam no centro como inquilinos
comerciários, gráficos, condutores de bondes, carroceiros e outros afirmou que “mesmo vivendo em
condições precárias, habitar no centro era mais viável que morar, como inquilino, em condições ainda
piores nas periferias distantes dos locais de trabalho e sem infra-estrutura”. COSTA, Francisca Deusa Sena
da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana... Op. Cit., p. 109.
146
MAGALHÃES, Soraia Pereira. O Transporte Coletivo Urbano de Manaus ... Op. Cit., p. 45.
147
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 61.
148
SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular na Imprensa Amazonense: Manaus da Borracha (1908-1917).
Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 2005. Este trabalho acadêmico foi desenvolvido
tendo por base a coluna “queixas do povo” presente no Jornal do Comércio. O autor buscou revisitar o
momento histórico da “Manaus da Borracha” tentando se aproximar de uma cidade vivenciada pelos
setores populares, captando alguns de seus instantes por meio do discurso jornalístico.
P á g i n a | 83
subúrbios) e também de condutas e comportamentos tidos como indesejáveis. Neste
sentido, quanto ao funcionamento de botequins e quiosques, surgiam algumas críticas
como a que se segue:
Vários moradores da rua Ramalho Júnior pedem providência ao Chefe de
Polícia contra os proprietários dos cafés localizados no lado do mercado público
que dá para a mesma rua, pois costumam conservar aberto seus
estabelecimentos, até alta madrugada, produzindo-se ali uma algazarra infernal
entre os assíduos freqüentadores, que perturbam o sossego da vizinhança.
149
Não era somente no Mercado e seu entorno que havia a presença de quiosques,
cafés e botequins. Estes estavam pulverizados no interior do espaço urbano, muito
embora os documentos da época apontem não os estabelecimentos presentes na
região do Mercado Público como também os das praças do Comércio e 15 de Novembro
como os mais freqüentados.
Cabe enfatizar que a chamada “Grande Imprensa” e os grupos que a animava
costumavam a se posicionar, e isto não rara vezes, em favor dos projetos políticos
elaborados pelos grupos dominantes, chegando, por vezes, a se antecipar, por meio de
campanhas materializadas em artigos e notícias, no sentido de preparar o terreno para a
ação política efetiva. Com efeito, a condenação do álcool nas colunas desses jornais se
articula com a idéia de “boa conduta”
150
daqueles que residiam numa cidade que estava
sendo conduzida rumo ao “progresso” e a “civilização”.
Outra forma de lazer era o jogo. Entre eles destacam-se o entrudo, a rasa, o bilhar,
a tabola e o quino.
151
A prática do jogo presente no seio do cotidiano operário era
veemente condenada pelos setores dirigentes, sobretudo porque era visto como
“desagregador da moral e do caráter do indivíduo, que representa um ganho sem
trabalho, expõe o indivíduo a uma vida de ócio, à mercê da sorte ou do azar.”
152
149
Jornal do Comércio. Manaus, 05 de outubro de 1917.
150
A “má conduta” consistia, no caso do uso do álcool, no sacrifício da família, indignidade, apatia,
indiferença, falta de energia e incapacidade para o trabalho. a “boa conduta” seria o oposto disso tudo.
SANTOS JÚNIOR, Paulo Marreiro dos. Criminalidade e Criminalização de Práticas Populares em Manaus
(1906-1917). Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 2006, p. 223.
151
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 66.
152
Segundo Dias, o Código de Posturas de 1896, em seu capítulo IX, artigo 23, proíbe os jogos de azar, quer
em casa de tavolagem, quer sob quaisquer pretextos. Quem bancasse tais jogos era multado num valor
que variava de 50$000 a 200$000 réis e quem fosse pego jogando era multado em 50$000 a 100$000
réis. DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto... Op. Cit., p. 151.
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A prostituição, junto com o álcool e o jogo, também fazia parte dessas práticas.
Segundo Pinheiro sua oferta começou a crescer em fins do século XIX e com a crise da
borracha ela aumentou, tornando o comércio do corpo cada vez mais barato e acessível,
a ele entregando-se os trabalhadores de baixa renda.
153
O discurso produzido pelos setores dirigentes com relação à prostituição se
assentava em dois elementos principais: a defesa da família e dos bons costumes. Desta
forma, por meio da imprensa diária e de periódicos de cunho social e humorístico estes
discursos faziam-se presentes identificando e desqualificando determinadas zonas e
grupos de pessoas envolvidas neste tipo de atividade, como se pode observar abaixo:
Essas pollacas em sua grande maioria, mulheres estragadas, cançadas
da vida e acharcadas de moléstias, que em sua terra o imprestáveis, fazem do
corpo um verdadeiro mercado na exploração do qual, pouco estão ligando em
deagraçar a esse ou àquele.
154
Com efeito, os setores dirigentes se esforçavam para erradicar esta prática,
presente de forma intensiva “tanto nas ruas próximas ao porto (Demetério Ribeiro,
Vivaldo Lima, Monteiro de Souza, Itamaracá, Instalação, Frei José dos Inocentes) quanto
nas praças que a ele estão ligadas (Comércio, Tamandaré e República)”
155
, não poupando
esforços no sentido de criar mecanismos de controle que proporcionassem seu
enquadramento, diminuição e invisibilidade.
Outro elemento que compõe o lazer operário é o banho nos Igarapés. Neles eram
realizadas reuniões com os amigos, onde se perpetuavam, minutos após minutos,
momentos de descontração e lazer. Não obstante, os banhos nos Igarapés passaram a ser
denunciados pela “Grande Imprensa”: “na Cachoeirinha, nas proximidades das represas,
costumavam certos indivíduos desocupados e sem o menor respeito ao decoro público,
banhar-se no Igarapé, de parceria com mulheres sem imputabilidade moral”.
156
Com
efeito, em virtude de ser caracterizado pelo Poder Público como ofensa à moral pública,
passou a ser proibido pelas posturas municipais nas áreas do perímetro urbano, sendo
tolerado em alguns igarapés mais distantes.
153
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 63.
154
A Marreta, nº 02. Manaus, 13 de outubro de 1912.
155
Idem, p. 63.
156
Jornal do Comércio. Manaus, 12 de janeiro de 1910.
P á g i n a | 85
A participação em touradas, carrosséis, cabarés de última categoria, arraiais,
passeios de bonde aos domingos
157
, circos e espetáculos teatrais em hotéis pardieiros
158
além das quermesses, das rinhas, dos folguedos juninos, do cinema e do futebol eram
realizadas pelos populares, em especial, os operários.
159
Como se pode observar, as práticas ligadas ao lazer operário constantemente se
colocavam na contramão das normas, regras e preceitos morais implantados e
defendidos pelos grupos dominantes. Assim, estas práticas eram vistas como
transgressões à ordem pública e, portanto, passíveis de fiscalização, controle e repressão
jurídico-policial.
Cabe lembrar que os grupos dominantes se faziam presentes também em cafés,
bilhares e botequins. Porém, ao contrário dos cafés e botequins populares, considerados
de classe e vistos como “lugares da maledicência, onde mulheres de vida airada
ofendiam a moral com homens turbulentos, denegrindo os bons costumes”, os espaços
destinados aos grupos abastados, classificados de 1º classe, eram utilizados para
confraternizações diversas, onde se degustavam os caríssimos “whiskys, cognacs,
champagnes e licores”.
160
Quanto à prostituição, como afirma Dias “se por um lado se defende a necessidade
(...) de controle sobre os possíveis escândalos públicos de prostituição, por outro faz-se
vista grossa aos luxuosos bordéis freqüentados pela elite extrativista, muitas vezes por ela
financiados...”
161
, ou seja execrava-se a prostituição popular e, dentro de determinados
parâmetros, aceitava-se a prostituição de luxo.
A condenação realizada pelos setores abastados sobre as práticas ligadas ao lazer
popular e operário desenvolvidas no espaço urbano envolve uma questão específica: o
trabalho. Consoante Paulo Marreiro dos Santos Júnior:
157
No universo operário, o bonde parece se situar na órbita do lazer (passeios aos domingos) do que como
meio de transporte, como já se mencionou.
158
COSTA, Selda Vale da. Eldorado das Ilusões. Cinema e Sociedade: Manaus (1897-1935). Manaus: EDUA,
1996, p. 24.
159
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 68.
160
SANTOS JÚNIOR, Paulo Marreiro dos. Criminalidade e Criminalização de Práticas Populares em Manaus...
Op. Cit., p. 123-128.
161
DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto... Op. Cit., p. 151.
P á g i n a | 86
Conforme o discurso hegemônico de elites políticas e intelectuais, a noite
estava reservada ao descanso, ao acúmulo de energias para o trabalho da manhã
seguinte. Por isso, os espaços de divertimento e prazer de populares eram os
espaços do não-trabalho, da vadiagem, da preguiça, da noite mal dormida, do
descompromisso na manhã seguinte.
162
Disciplinar e controlar os espaços do lazer operário era fundamental para os
grupos dirigentes não somente para moldar condutas e comportamentos que estivessem
em consonância com uma cidade que se queria “moderna” como também para formar o
homem trabalhador.
Não obstante, os embates e conflitos que emergiam a partir daí tornam a cidade
um espaço de disputas sociais, sobretudo porque à medida que os setores dirigentes
tentam conduzir e implantar um projeto de cidade em sintonia com as idéias
hegemônicas da época de “modernidade”, “civilização” e “progresso, as práticas,
costumes e hábitos populares cada vez mais ganham um significado marginal,
configurando-se como antítese da “modernidade”.
3. UMA CIDADE CONFLITIVA: MANAUS, ESPAÇO DE DISPUTAS SOCIAIS
A acumulação de capital proporcionada pela exportação do látex produziu, por
volta de 1890, um processo de modernização e urbanização na capital do Amazonas.
Produziu também o deslocamento de um conjunto significativo de pessoas tanto do
estrangeiro quanto das demais regiões brasileiras (sobretudo do nordeste) que, atraídas
pelas propagandas institucionais acerca das potencialidades econômicas da região
163
,
passaram a se fazer presentes na cidade.
Por conta disso, a elite política e econômica desenvolveu um conjunto de ações
em torno de dois eixos principais: o próprio espaço urbano e as relações nele
162
SANTOS JÚNIOR, Paulo Marreiro dos. Criminalidade e Criminalização de Práticas Populares em Manaus...
Op. Cit., p. 128.
163
Maior exemplo neste sentido é o álbum sobre a região produzido pelo Barão de Santa-Anna Nery,
divulgado e distribuído por diversas regiões do globo. Ver DAOU, Ana Maria. A Cidade, O Teatro e o País
das Seringueiras: práticas e representações da sociedade amazonense na virada do século XIX. Tese de
Doutorado. Rio de Janeiro, 1998, p. 205-212.
P á g i n a | 87
desenvolvidas. No que tange ao primeiro eixo, ocorreu uma “intervenção cirúrgica”
visando à adaptação do espaço urbano as exigências econômicas e sociais surgidas neste
momento (são as obras de infra-estrutura e a implantação dos serviços urbanos). Estas
intervenções nortearam a ocupação de novas áreas e definiram os rumos da expansão
urbana, com destaque para os padrões de edificação (prédios e casas construídos com
fachadas padronizadas) e de arruamento (ruas largas com traçado em ângulos
perpendiculares de 90º graus).
164
A reordenação da espacialidade urbana veio acompanhada de um conjunto de
regras de condutas que visavam eliminar os comportamentos e hábitos classificados, a
partir de então, como indesejáveis. Neste ponto se encontra o segundo eixo das ações:
Em lei promulgada em julho de 1893, ficavam proibidas dentro de
“determinado perímetro da cidade” as hortas, capinzais e cocheiras e eram
autorizadas por lei a colocação de placas de denominação das ruas e a numeração
das casas. Eram inúmeras as medidas que promoviam a regularização e o controle
do espaço da cidade, racionalizando seus usos e expulsando do perímetro urbano
comportamentos indesejáveis que viessem a macular a imagem de “progresso”
pretendida.
165
Os Códigos de Posturas produzidos neste momento, e que foram mencionados
anteriormente, eram os instrumentos por excelência a impor as regras de condutas e o
uso racional do espaço. Porém, como se viu, a atuação dos populares, sobretudo dos
operários, contrariavam as regras impostas pelos setores dirigentes.
Além disso, a demanda populacional recepcionada na cidade foi superior à
capacidade de absorção do mercado de trabalho, o que produziu um contingente de
desempregados, carentes e marginais. Estes “excluídos do látex” acabaram por
desenvolver no espaço urbano estratégias de sobrevivência diversas
166
que também
caminhavam na contramão da cidade idealizada pela elite local.
164
Cabe lembrar que as transformações ocorreram nas áreas comerciais e seus entornos. Desta forma,
podem-se destacar dois pólos irradiadores: a Avenida Eduardo Ribeiro e a Rua Municipal. Consoante
Costa, as normatizações das posturas faziam-se presentes nesses dois pólos e nas vias secundárias em
redor. COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana 1900-1915. In: FENELON,
Dea Ribeiro. Pesquisa em História Vol. I. São Paulo: Olho D’água, 2000, p. 95.
165
DAOU, Ana Maria. A Cidade, O Teatro e o País das Seringueiras... Op. Cit., p. 193.
166
São elas o roubo, o furto, a gatunagem, a mendicância, a venda ambulante dentre outros.
P á g i n a | 88
Assim, a exclusão social, presente no bojo das transformações socioeconômicas
que ocorreram no final do século XIX e início do século XX em algumas das principais
capitais da Primeira República Brasileira, gerou um processo conflitivo entre grupos
sociais.
Para o contexto carioca Menezes destacou algumas das ações desenvolvidas por
grupos presentes tanto no Mundo do Trabalho quanto por aqueles que viviam à sua
margem e que eram vistas pelos setores dirigentes como desordem urbana. Assim,
aqueles que
por palavras ou ações, voltavam-se contra a ordem política, econômica, moral e
social existentes, considerados nocivos à sociedade e perigosos à segurança
pública regra geral, aqueles que, por meios variados, contestavam a
propriedade, o trabalho, a família, a moral cristã e os poderes constituídos,
apresentando-se como desviantes aos padrões de comportamento socialmente
aceitos – desordeiros, na apreensão global do termo.
167
Além do Rio de Janeiro, São Paulo
168
, Porto Alegre
169
, Fortaleza
170
, Belém
171
e
outras capitais do Brasil presenciaram, cada uma a seu modo, embates e conflitos
desenvolvidos no interior do espaço urbano por grupos sociais que se relacionavam.
Não resta dúvida que o espaço urbano se caracterizou, ao longo da Primeira República
Brasileira, como palco principal das contradições e conflitos desenvolvidos.
Em Manaus não foi diferente. Filhos da expansão da economia gomífera e de seus
desdobramentos, com destaque para a urbanização e modernização, as contradições, os
embates e os conflitos não fizeram-se presentes no espaço urbano manauara como
também o transformaram em palco de disputas sociais. Estas disputas se materializaram
nas questões referentes à moradia, saúde, lazer e trabalho.
167
MENEZES, Lená Medeiros de. Os Indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e
expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996, p. 91.
168
HARNER, June. Pobreza e Política: os pobres urbanos no Brasil, 1870-1920. Brasília: UDUNB, 1993.
169
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma Outra Cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São Paulo:
Cia Editora Nacional, 2001.
170
BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Entre Casas de Palha e Jardins: Fortaleza nas primeiras décadas do
século XX. IN: FENELON, Dea Ribeiro (Org.). Cidades: pesquisa em História. Vol. 1. São Paulo: Olho D’água,
2000, p. 153-171.
171
SARGES, Maria de Nazaré. Um Outro Olhar Sobre a “Paris dos Trópicoa” (1897-1911). IN: SOLLER, Maria
Angélica, MATOS, Maria Izalda. A Cidade em Debate. São Paulo: Olho D’água, 2001, p. 49-73.
P á g i n a | 89
No bojo dessas disputas sociais uma questão se apresenta como fundamental: a
organização do trabalho. Sobre esta questão afirma Gizlene Neder:
A modernização das cidades (...) constitui, contudo, um dos aspectos do
processo histórico de passagem ao capitalismo que envolve, na virada do século
XIX para o século XX, o aprofundamento do aburguesamento, com a implantação
do regime republicano. Neste contexto, deve-se considerar a passagem do regime
de trabalho escravo para o trabalho livre e seus desdobramentos no tocante às
formas históricas de controle social definidora dos marcos de exclusão social que
se vão imprimindo na cidade.
172
A implantação do regime republicano veio acompanhada da necessidade de
organização do trabalho livre. Para os grupos que compunham a elite política e
econômica era necessário elaborar, desenvolver e implantar mecanismos de disciplina e
controle que garantissem ao mesmo tempo a presença do trabalhador no espaço de
trabalho e uma significativa produtividade.
Neste sentido, a construção da noção de vadiagem e o desenvolvimento de um
aparato jurídico-policial tiveram papel preponderante. No que tange a primeira assertiva,
nota-se que a construção da noção de vadiagem está intimamente associada à
elaboração e difusão de uma nova ética do trabalho. Segundo Chalhoub em 1888, ainda
no período Imperial, foi apreciado na Câmara dos Deputados um projeto de repressão à
ociosidade de autoria do ministro Ferreira Vianna. Este projeto foi motivado pela
Abolição da escravatura, sobretudo porque ela significava “uma ameaça à ordem porque
nivelava todas as classes de um dia para o outro, provocando um deslocamento de
profissões e de hábitos de conseqüências imprevisíveis”.
173
O projeto de combate à ociosidade produziu no Parlamento inúmeras discussões
acerca do trabalho e do trabalhador. Produziu também um consenso: o de que com o
término da escravidão a ordem estava ameaçada.
Este sentimento acabou se refletindo no Código Penal de 1890 que definiu a
vadiagem como um delito de grande amplitude. Por meio deste instrumento a vadiagem
era definida como:
172
NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e Exclusão Social. In: Tempo, Rio de Janeiro, nº 3, 1997, p. 111.
173
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
Époque. 2º ed. São Paulo: UNICAMP, p. 67.
P á g i n a | 90
Deixar de exercitar profissão, ofício ou qualquer mister em que ganhe a
vida, o possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite;
prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente
ofensiva da moral e dos bons costumes.
174
Não resta dúvida que a noção de vadiagem foi construída tendo como
contraponto a construção da valorização do trabalho. O trabalho, considerado outrora
como aviltante e degradante, era agora elevado ao patamar de ordenador da sociedade,
visto como elemento essencial para a produção de riquezas. Como valor social supremo
da modernidade, o trabalho era fundamental para a sociedade e o indivíduo.
O Código de Posturas de Manaus (1890) assim se posicionava a respeito da
vadiagem:
O indivíduo que viver sem indústria, emprego ou profissão habitual certa,
honesta e suficiente é considerado vadio e vagabundo e como tal obrigado, desde
que for intimado pelo Fiscal a tomar uma ocupação honesta dentro de 15 dias e
no fim desse tempo deve provar ter tomado um emprego ou ocupação que lhe
garanta a subsistência.
175
Portanto, a vadiagem (o não trabalho) como contravenção se assentou na idéia
que se construiu de que ela se configurava como pré-condição para o crime. Deste modo,
abarcava em seu universo vários crimes, o que permitiu englobar “num conjunto (...)
tanto mendigos, bêbados e desocupados” quanto gatunos, falsários e vigaristas, o que
demonstra sua grande amplitude.
176
Com efeito, a idéia de vadio não somente contribuiu significativamente para a
elaboração de um aparato jurídico-policial como nele se fez presente. É possível perceber
este fato a partir do processo de reordenação do espaço urbano ocorrido em Manaus no
período em questão. Este processo trouxe em seu bojo um conjunto de leis que passaram
a nortear inclusive ação policial no sentido de moldar padrões de conduta e
comportamentos desejáveis. Com base nos relatórios da chefatura de polícia e nas
mensagens dos governadores a respeito da segurança pública é possível perceber na ação
174
Código Penal dos Estados Unidos do Brazil. Cap. XIII, art. 399. Collecção de Atos do Governo Provisório.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
175
In: DIAS, Ednéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto... Op. Cit., p. 33.
176
MENEZES, Lená Medeiros de. Os Indesejáveis... Op. Cit., p. 132.
P á g i n a | 91
policial um “caráter inibidor-repressivo”
177
, o que contribuiu significativamente para a
construção de uma fronteira separando o “mundo da ordem” (do trabalho) do “mundo da
desordem” (do não trabalho).
Com efeito, desenvolveu-se a partir de então uma fiscalização e vigilância daquilo
que seria considerado “desvio de conduta” ou “comportamento indesejável”. Em
mensagem lida perante o congresso por ocasião da abertura da primeira sessão ordinária
da sétima legislatura em 10 de julho de 1910, o governador do Estado Antônio Clemente
Ribeiro Bittencourt apresentou algumas informações sobre os delitos criminosos em
Manaus. Tais informações identificavam a época do ano em que os delitos ocorriam com
maior intensidade, a sua natureza e causas sociais. Quanto às duas últimas questões os
crimes são considerados “de natureza leve”, cujas “causas principaes são o alccolismo e a
prostituição”. Aponta ainda a mensagem que “de 381 prisões effectuadas de janeiro a
maio, todas foram por embriaguez” e finaliza condenando o jogo, o alcoolismo e a
prostituição.
Nos relatórios da chefatura de polícia a embriaguez, os
distúrbios/algazarras/desordens, a vadiagem, a gatunagem e os pequenos furtos são os
delitos mencionados neste momento. Desta forma, práticas como jogo, prostituição,
bebida alcoólica, elementos vistos como integrantes do “mundo da desordem”, foram
focalizadas e condenadas pelo Poder Público e jornais da Imprensa Diária que se
esforçavam em desqualificá-las, construindo imagens estereotipadas daqueles que nelas
estavam inseridos (como os operários). Nas palavras de Decca:
Os meios operários eram vistos por instituições e grupos dirigentes como
extremamente perniciosos para a “moral e disciplina do trabalho”, focos de
agitação e revolta social. Hábitos operários no escasso tempo de lazer eram,
considerados vícios, e a recreação do operariado era considerada
“improdutiva”.
178
Inseridos no quadro de delitos presente nos relatórios da Chefatura de Polícia, as
práticas ligadas ao lazer operário eram vistas como comprometedoras da “capacidade de
trabalho”. Desta forma, é possível entender a solução apresentada pela mensagem do
177
NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e Exclusão Social... Op. Cit., p. 106-134.
178
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920-1934).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 89.
P á g i n a | 92
executivo acima citada que destacava a construção e funcionamento de espaços que
promovessem a educação (e neste aspecto a tentativa de se construir uma ética do
trabalho) e a vida em família. Portanto, pelo menos dois aspectos do cotidiano operário
eram alvos de preocupação e controle para os grupos dirigentes de Manaus, o lazer e a
moradia.
Essas duas esferas privadas do cotidiano operário foram objetos de discussões e
debates entre os setores dirigentes. Tais discussões e debates giravam em torno da
criação de padrões de conduta e comportamento que viabilizassem um maior vigor para
o trabalho. Pensadas como extensão do espaço de trabalho, estas esferas tinham que
proporcionar ao operário a renovação de sua capacidade de trabalho.
Neste ínterim, com relação à moradia, Margareth Rago ao procurar entender o
processo de formação da família nuclear moderna destacou que
A habitação (...) não escapará ao desejo de disciplinarização do
proletariado manifesto pelos dominantes. Na moradia operária, a burguesia (...),
os higienistas e os poderes públicos visualizam a possibilidade de instaurar uma
nova gestão da vida do trabalhador pobre e controlar a totalidade de seus atos,
ao reorganizar a fina rede de relações cotidianas que se estabelecem no bairro
(...), na casa e, dentro desta, em cada compartimento. Destilando o gosto pela
intimidade confortável do lar, a invasão da habitação popular pelo olhar vigilante
e pelo olfato atento do poder assinala a intenção de instaurar a família nuclear
moderna, privativa e higiênica, nos setores sociais oprimidos.
179
A tentativa de “reorganizar a fina rede de relações cotidianas” se fez presente
também na esfera do lazer. Procurando desenvolver atividades de lazer que fossem de
encontro aos valores presentes no mundo do trabalho (como a competitividade e a
disciplina) o poder público buscou associá-los e torná-los constantes no dia-a-dia
operário.
É somente no interior deste quadro que se pode iluminar o posicionamento do
jornal Vida Operária sobre questões como o jogo e o álcool. Em artigo intitulado “A
Jogatina” esta prática era condenada:
179
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil (1890-1930). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p. 163.
P á g i n a | 93
Campeia livremente até altas horas da noite, em diversos pontos desta
cidade, o cancro social o jogo onde centenas de pessoas vão deixar o dinheiro
que ganharam durante o dia com mil sacrifícios.
A maior parte das vezes, infelizes operários, atrahidos por esse maldito
quino, perdem o último vintém, e no dia seguinte, as suas famílias ficam
entregues aos negrumes da fome.
Além de tudo esses antros perniciosos converte os habitues em
alcoólatras inveterados, maus cidadãos e maus chefes de família.
Terminando, pedimos em nome do operariado enérgicas providências ao
exmo. Snr. Desembargador Raposo da Câmara, d. d. chefe de polícia, para que
ponha termo a essa jogatina desenfreada.
180
Percebe-se que no artigo extraído do jornal o álcool é mencionado. A bebida
alcoólica, da mesma forma que o jogo, era contestada nas páginas do Vida Operária:
Outro vício não menos pernicioso é o álcool, que contaminou quase
todos os habitantes da terra (...) apellamos para a Assembléia Legislativa do
Estado que se acha em trabalhos, para que nos leis, que cohiba, o álcool, o
jogo, a prostituição e alguma cousa mais.
181
Como se pode notar, o conteúdo presente nos dois artigos publicados é o mesmo
presente nos discursos produzidos e difundidos pelos setores dirigentes sobre aquilo que
se constituem práticas do lazer operário. E mais, ainda se pede providências para as
autoridades cercearem estas práticas.
Ao que tudo indica menos que reproduzir passivamente a voz das instituições e
setores dirigentes, a posição assumida pelo jornal Operário parece ter uma lógica
subjacente. Esta lógica se configura ao longo de suas páginas por meio da presença de
uma proposta de valorização do trabalho e do trabalhador.
Aliás, esta proposta de valorizar o trabalho e aquele que o desenvolve esteve
presente em outras regiões do país. Ângela de Castro Gomes analisando o primeiro jornal
socialista A Voz do Povo produzido no Rio de Janeiro nos anos iniciais do regime
republicano identificou uma proposta neste sentido. Segundo a autora, como a vida do
trabalhador passou a ser alvo de discussões em várias esferas da sociedade, sobretudo
nas instituições do governo, o jornal A Voz do Povo, não se eximindo da questão,
180
Vida Operária, nº 21. Manaus, 25 de julho de 1920.
181
Vida Operária, nº 22. Manaus, 08 de agosto de 1920.
P á g i n a | 94
posicionou-se a respeito destacando dois elementos considerados como fundamentais
para o trabalhador brasileiro: a revelação e o destaque de sua existência e a construção
de uma identidade.
182
No primeiro caso “a operação implicava inverter os sinais pelos quais a categoria
trabalho era identificada na sociedade de então”. Antes visto como sinal de desgraça e
atraso, era agora encarado como elemento de prosperidade, riqueza e progresso (tanto o
trabalho como o trabalhador). Quanto ao segundo, à construção de uma identidade do
trabalhador era necessária para unificar elementos diferenciados em torno de um
programa de ação conjunta, uma vez que o “povo trabalhador era um conglomerado
heterogêneo e disperso que precisava ganhar contornos para si mesmo e para a
sociedade em geral”. Ou seja, era preciso construir uma identidade social para o operário
e dar-lhe lugar e presença no mercado, destacando o seu papel essencial na produção de
riquezas.
183
Neste sentido, a ação do operário por meio do trabalho era fundamental para a
sociedade em geral na medida em que sua labuta diária estava diretamente associada ao
desenvolvimento material de uma região, e mais amplamente, de um país.
No jornal Vida Operária a questão da valorização do trabalho e do trabalhador se
apresenta em torno da idéia da produção de riquezas e da regeneração moral. No
primeiro caso se tem que
O trabalho (...) gera a electricidade, o telegrapho, que transmite os nossos
pensamentos atravez dos continentes; (...) o vapor, que leva os transatlânticos
por todos os mares desde o estreito de Behring ao cabo de Horn e da Islândia ao
cabo da Boa Esperança.
(...)
Para que haja progresso numa nação, para que adquira logar saliente
entre as demais, a primeira condição é que seus cidadãos sejam amigos do
trabalho.
A nação será o que seus filhos por seus actos, por seus trabalhos
determinem; e o caracter do cidadão será o caracter da nação de que faz parte.
184
182
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p.
23-25.
183
Idem.
184
Vida Operária nº 14. Manaus, 09 de maio de 1920.
P á g i n a | 95
Portanto, para o jornal o papel desenvolvido pelo trabalho era o de construir os
rumos do progresso, entendido como avanço tecnológico e material. No bojo desta
construção aparece o trabalhador, cuja função era desenvolver com afinco o seu papel
social de gerar riquezas para sua região e/ou país. Daí que para o periódico citado o
operário é aquele que desenvolve atividades na terra “indo arrancar das adherências
nativas o carvão que arde nas fornalhas candentes das usinas que condessam a
electricidade”; é todo aquele que o “braço influe no dynamismo commercial, agrícola e
industrial de um povo”; é aquele que “age construindo os tectos que nos abrigam, calçam
as ruas que transitamos, aformoseam a cidade”, ou seja, o que por meio de sua atividade
produz riquezas.
185
Enfim, trabalho e trabalhador são definidos pelo jornal como instrumentos
necessários para o desenvolvimento material de um povo. Além disso, o trabalho é
encarado também como regenerador moral:
O trabalho encurta o tempo, enchuga as lágrimas, esquece os desgostos
soffridos, evita crimes horríveis e dissipa os males. Elle é um bem: aqui, curando
feridas da alma; alli, evitando maos pensamentos e além fazendo a felicidade do
que pratica.
186
Neste fragmento extraído do jornal se observa, além de outras coisas, que o
trabalho “evita crimes horrríveis”. Aqui se está claramente diante da noção de vadiagem
(do não trabalho) que está associada aos crimes. Também se está diante da idéia de que
o ocioso contribui significativamente para a decadência de uma nação como demonstra a
citação a seguir: “se seus filhos forem ociosos, entregando-se somente ao trabalho
deshonesto como o roubo ou por outras palavras não forem firmes e pontuaes no
cumprimento dos seus deveres, a nação jamais conquistará o respeito e o progresso das
demais”.
187
Diferentemente do jornal analisado por Gomes, que tinha na sua proposta apenas
a definição de trabalho como produtor de riquezas, no jornal Vida Operária as duas
noções (trabalho enquanto produtor de riquezas e regenerador moral) estavam
185
Vida Operária nº 05. Manaus, 07 de março de 1920.
186
Vida Operária nº 14. Manaus, 09 de maio de 1920.
187
Vida Operária nº 15. Manaus, 16 de maio de 1920.
P á g i n a | 96
presentes. Cabe destacar também que, nesta folha operária, o trabalho possuía uma
outra dimensão onde a exploração burguesa era sentida e denunciada. Porém, no que
tange a questão da valorização do trabalho e do trabalhador esta dimensão assumia uma
posição secundária, ao contrário de quando se enfatizava a luta política, sob a qual a
exploração burguesa por meio do trabalho era explicitada.
Quanto ao trabalhador foram identificados dois tipos: o honesto cumpridor de seu
papel social e aqueles que desenvolviam outros tipos de atividades consideradas nocivas
(como roubo, gatunagem, furto, etc.). Deste modo, assim como as ações dos grupos
politicamente dominantes, o jornal queria supostamente separar o trabalhador do não-
trabalhador, mas com um propósito bem definido: legitimar a luta política.
No interior da sociedade em que o jornal estava inserido, mostrar-se enquanto
trabalhador e cumpridor de seus deveres (isto incluiu a exclusão do jogo e do álcool
considerados nocivos e responsáveis por prisões, que eram delitos) era fundamental,
uma vez que o simples fato de não possuir trabalho poderia significar uma visita ao
xadrez (já que era justificativa para se levar ao mesmo, conforme o Código Penal
Brasileiro e o Código de Posturas Municipal, ambos de 1890). Esta forma de cercear a
liberdade do indivíduo foi largamente utilizada nas décadas iniciais do século vinte e foi
denominado de “prisão para averiguações”
188
(inserida nas ações policiais de caráter
inibidor-repressivo).
Grande parte dos chamados “indesejáveis” era da classe trabalhadora que, nos
anos iniciais da primeira república, sofria com os baixos salários, falta de assistência
social, instabilidade no emprego e demais contingências que os colocava constantemente
à margem do processo produtivo. Geralmente ficavam desempregados, caíam na
mendicância, etc.
A possibilidade de mudar esta situação se colocava como um desafio e a ação
coletiva dos trabalhadores era clamada como essencial para este fim. Porém, os
movimentos coletivos dos trabalhadores como protestos, passeatas e greves podiam
ser enquadrados como desordem pública e os envolvidos presos por isso
189
. Neste jogo, o
188
Prisão para averiguações “era o modelo de prisão por 24 horas, na qual o elemento era ainda
considerado suspeito. Era o tempo exigido pela polícia para as investigações”. Ver SANTOS JÚNIOR, Paulo
Marreiro dos. Criminalidade e Criminalização de Práticas Populares em Manaus... Op. Cit., p. 157.
189
Conforme Bretas no Rio de Janeiro várias manifestações de trabalhadores foram encaradas e
enquadradas como ameaça a ordem pública (portanto caracterizadas como desordem e os envolvidos
P á g i n a | 97
reconhecimento social e profissional (valorização do trabalho e do trabalhador) era
extremamente fundamental para legitimar uma luta política em prol de melhores
condições de vida e trabalho.
como desordeiros). Deste modo, eram passíveis de repressão policial. Ver BRETAS, Marcos Luis. A Guerra
das Ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
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APÍTULO
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1. DENÚNCIAS E DEMANDAS OPERÁRIAS
Como mencionado no capítulo anterior, a expansão da economia gomífera
contribuiu para transformar Manaus em importante centro econômico. A capital do
Estado do Amazonas, assumindo a função de centro comercial, passou a vivenciar em seu
espaço urbano o surgimento, ampliação e diversificação de atividades econômicas
ligadas, sobretudo à circulação, consumo e serviços que passaram a absorver uma
quantidade significativa de trabalhadores.
Com efeito, as denúncias que aparecem nas colunas do jornal Vida Operária
refletem esta posição econômica assumida pela cidade. Uma primeira questão que se
coloca nos artigos é a falta de segurança nos locais de trabalho. Ao que parece, a
conjuntura de crise, produzida pela gradativa absorção no mercado mundial da borracha
asiática e a conseqüente marginalização da borracha nativa, materializada, sobretudo na
década de vinte, ano de circulação do jornal, teve desdobramentos nas condições
materiais das firmas estrangeiras, que por motivos diversos, sobretudo econômicos,
deixaram de realizar as manutenções nos equipamentos, aparelhos e demais
instrumentos de trabalho tornando-os precários.
Desta forma, tendo como alvo a Manáos Tramways, alguns artigos foram
elaborados e publicados na “folha operária” visando chamar a atenção da empresa e do
poder público para a precariedade dos equipamentos e condições de trabalho existentes.
As machinas estão completamente estragadas, os mancaes escorados
com madeiras; as bobinas dos motores estão sendo cheias com fios velhos e as
caldeiras em lamentável estado, podendo de uma hora para outra tudo aquillo
virar pelos ares.
190
190
Vida Operária, nº 8. Manaus, 28 de março de 1920.
P á g i n a | 100
Conforme a notícia, os operários da Manáos Tramways realizavam suas atividades
laborais em precárias máquinas de força e de luz localizadas na usina do Plano Inclinado.
Entretanto, as denúncias não se restringem ao espaço de trabalho interno das empresas.
Alguns operários da Manáos Tramways e também da Amazon Engineering desenvolviam
uma série de atividades que envolviam pequenos reparos, manutenção ou troca de
materiais de equipamentos localizados em área externa. A situação de trabalho destes
operários que agiam externamente era encarada pelo jornal como arriscada, uma vez que
se apontava para as péssimas condições dos fios de iluminação pública e dos cabos
condutores de correntes bem como dos materiais inadequados usados por estes
trabalhadores nos exercícios de suas funções. Estes pontos, referentes às condições de
trabalho tanto na área interna quanto externa, eram constantemente destacados pelo
jornal como elementos em potencial capazes de ocasionar acidentes.
191
Quarta-feira última estando o nosso camarada Francisco Isaphe,
machinista da Uzina Central da Manáos Tramways, a manejar com um fiche das
mesmas officinas, aconteceu que o referido apparelho, devido o mau estado em
que se encontra, rebentando um cabo que o sustentava, apanhou
desastradamente esse nosso amigo, atirando-o ao solo (...) lamentamos o estado
em que se encontra o referido apparelho, chamando a attençaõ da Companhia
afim de evitar outro accidente.
192
As péssimas condições de trabalho se apresentavam enquanto problema a ser
enfrentado por aqueles que atuavam nos espaços de trabalho das empresas estrangeiras.
Não obstante, acidentes ocorreram e ganharam as páginas do jornal Vida Operária que
não deixou passar despercebidas as questões referentes a esta questão.
Quarta-feira última, as 17 horas, o nosso companheiro de classe Otellino
de Souza, empregado nas officinas da Manáos Tramways, estando a furar uma
barra de aço, essa em dado momento, desequilibrado-se, cahiu, apanhando-o
191
Com relação à Manáos Tramways: “O estado lamentável em que se acham todos os serviços dessa
companhia, é tão extraordinário, que não sabemos por onde começar a nossa reclamação. No nosso
numero passado, falamos sobre a Usina do Plano Inclinado, que graças ao seu estado de ruínas, ameaça a
qualquer momento, um grande sinistro, sem que até hoje, houvesse qualquer providência tomada a
respeito”. Quanto aos fios e cabos condutores se tem a seguinte pergunta: “porque os fios da illuminação
pública e os cabos conductores de corrente, conservam-se nus em diversas partes, e quando são
concertados, são com fios velhos ?” Vida Operária, nº 10. Manaus, 11 de abril de 1920.
192
Vida Operária, nº 3. Manaus, 24 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 101
desastradamente, cortando-lhe o dedo médio da mão direita, e machucando-lhe
os restantes. Socorrido por seus companheiros, foi levado à Pharmacia Borba,
recebendo os primeiros curativos. Agora resta saber se esses tratamentos foram
feitos á espensa da victima ou da Companhia, e se à mesma levou o facto ao
conhecimento das auctoridades legaes, para que seja facultado os direitos que lhe
assistem pela lei do accidente do trabalho!
Esperamos.
193
O tema acidente de trabalho está vinculado a duas questões. A primeira envolve
as relações com as péssimas condições de trabalho (péssimas condições de trabalho =
acidente de trabalho). A segunda, como se pode observar na citação acima, envolve a
cobrança da execução de uma lei aprovada em 1919
194
(acidente de trabalho x lei 1919).
Este último ponto evidencia uma questão pouco mencionada na historiografia. Ao
contrário do que foi propalado por um tipo de produção histórica que contribuiu para a
construção de uma visão idealizada do golpe de trinta e de Getúlio Vargas sobre a relação
da classe operária com o Estado, “nem tudo começou a partir dessa data”. Já nos anos de
1910, o Estado Nacional foi pressionado a fazer aberturas em relação à classe operária e
nos anos 1920 tornaram-se mais freqüentes os ensaios de legislação trabalhista. Foi no
bojo deste processo que a lei de acidente de trabalho foi elaborada
195
. Pelos artigos
publicados no jornal se percebe uma preocupação com o não cumprimento da respectiva
lei.
[Que] ... não aconteça como está acontecendo com a lei de accidentes do
trabalho, que alguns proprietários de officinas e companhias diversas, além de
não darem a devida publicidade da lei, procuram leval-a ao esquecimento, usando
de todos os ordis, para fugirem a sua observância...
196
Quando se publicava algo sobre acidente de trabalho, além da narração de como
ocorreu o acidente, o jornal procurava acompanhar o desenrolar do tratamento e de seu
custeio. Tentava-se identificar os sujeitos que arcaram com a despesa. Neste sentido, a
193
Vida Operária, nº 1. Manaus, 08 de fevereiro de 1920.
194
Em 1919 surgiu uma Lei que passou a regulamentar o acidente de trabalho. Por meio deste instrumento
jurídico a empresa era obrigada, em caso de acidente no trabalho, a prestar assistência ao acidentado,
custear o tratamento e manter o pagamento integral ao mesmo (mesmo que este estivesse
impossibilitado de retomar suas atividades imediatamente).
195
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Proletariado Industrial na Primeira República. IN: FAUSTO, Boris (Org).
História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 137.
196
Vida Operária nº 1. Manaus, 08 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 102
empresa que agisse de acordo com o que estabelecia a lei, tinha sua postura mencionada
nas colunas do jornal
197
. Porém, se a empresa procurasse, por meio de alguns
mecanismos, burlá-la, o jornal abria espaço em suas páginas para denunciar tal atitude.
No dia 10 de janeiro último o conductor chapa 13, Luiz Ventura da Silva,
na occasião em que procedia a cobrança, perdendo o equilíbrio, foi cuspido
violentamente ao chão, recebendo forte pancada e diversas escuriações,
prostrando-o sem falta durante todo o dia. Pois bem. O director da Companhia ou
quem quer que fosse, mandou recolher o chapa 13 a Beneficente Portugueza,
arbitrando-lhe o salário de 5 horas de trabalho durante o tempo que estivesse em
tratamento. Ora, sabem os nossos companheiros qual foi o resultado dessa
amabilidade da Tramways? Lá vae.
Logo que o nosso companheiro Luiz Ventura voltou ao trabalho o gerente
mandou que lhe fosse descontada mensalmente uma certa importância até final
amortisação das despezas feitas na beneficente.
Agora pergutamos nós:
Onde está a lei que regula o accidente de trabalho?
198
Nesta situação, o salário do empregado da Manáos Tramways foi cortado em mais
ou menos 50% durante o tratamento e no seu retorno, após recuperação, foi subtraída
uma quantia, em parcelas mensais, referente ao restante da despesa. Esta era uma forma
de burlar a lei e firmemente denunciada pelo jornal. Por outro lado, os casos em que a
empresa arcava com as despesas de tratamento, ao mesmo tempo mantendo em dias o
pagamento do empregado vitimado, davam-se menos por questões humanitárias do que
por lei elaborada para regulamentar os casos de acidente no trabalho.
No que tange ainda a esta questão, não eram somente as empresas
concessionárias dos serviços urbanos que eram denunciadas. Segundo o jornal, os
proprietários de oficinas de Manaus estavam procedendo do mesmo modo que as ditas
empresas.
197
Quanto a esta tentativa de acompanhar o desenrolar da atitude da empresa frente às despesas do
acidentado, temos a postura assumida pela Manáos Tramways a respeito do Otellino de Souza que havia
se machucado ao tentar furar uma barra de aço, acidente que se mencionou ainda pouco em citação. Nas
colunas do jornal foi noticiado: “Fomos informados de que a Manáos Tramways promptificou-se a acorrer
com toda a despeza do tratamento do camarada Otellino de Souza, victima de um accidente no trabalho,
e que tratemos no nosso número passado” (Vida Operária 02). Vida Operária, 2. Manaus, 15 de
fevereiro de 1920.
198
Vida Operária, nº 7. Manaus, 21 de março de 1920.
P á g i n a | 103
Estamos informados que o sr. Carvalho, proprietário de uma officina,
mechanica à rua de S. Vicente o tem ate hoje ligado importância à Lei do
accidente do trabalho. alguns accidentes se teem dado em sua officina e nunca
tomou em consideração, nem tão pouco tem a mesma Lei afixada em logar
visível, como manda a mesma.
Sabemos ainda, que outros proprietários de officinas procedem do
mesmo modo. Com todos esses camaradas, estaremos de atalaia.
199
Outro ponto mencionado é a questão das demissões. Neste ano (1920), a crise
havia atingido diversos setores da sociedade manauara. No comércio, vários
estabelecimentos comerciais fecharam suas portas, demitindo seus funcionários. Com a
diminuição do movimento comercial, outras categorias de trabalhadores que possuíam
atividades ligadas de forma direta ou indireta com o comércio sofreram redução. A crise
gerou falências e desempregos.
200
As empresas estrangeiras, como se mencionou, foram atingidas pela crise. As
demissões ocorreram, atingindo “Foguistas”, “Chaufeurs do automóvel de transporte”
“empregados da lancha” e outras categorias que perderam seu espaço de atuação
profissional.
Sabemos que no dia 11 do corrente foi inopinadamente despedido do
cargo de cahufieur (...) da Manáos Engenering o companheiro Menezes, sem dar
para isso motivo algum.
A sua conducta e exemplar, podemos attestal-a. Basta dizer, como
sorteado e praça do nosso exército, que chegou a ser cabo, e a sua caderneta, não
tem a menor nota, e, como operário se tem conduzido na mesma norma de vida.
O snr. Menezes, procurando saber do director da Companhia qual motivo
de sua demissão teve o silêncio por resposta.
Mais outro absurdo! Mais outra monstruosidade praticada por um patrão,
inconsciente e sem coração.
Não contente ainda o snr. Makense, e faminto de vinganças, demitiu
também o snr. Herculano, empregado da lancha da mesma Companhia.
201
199
Vida Operária, nº 7. Manaus, 21 de março de 1920.
200
WEISTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: Expansão e decadência. São Paulo: Huicitec,1994, p.
261-271.
201
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 104
As denúncias sobre as demissões traziam em seu bojo uma série de qualificações
sobre o patronato. Neste ponto, Michele Perrot
202
faz um alerta para a necessidade dos
historiadores darem maior atenção a esse aspecto da relação entre patrões e
empregados. Segundo a autora, o foco neste aspecto possibilita uma maior visibilidade à
forma como os patrões são percebidos pelos trabalhadores, apontando para uma melhor
percepção das dimensões e densidades das tensões existentes entre esses segmentos.
Neste aspecto, quando o jornal publicava algum artigo sobre demissões, externava
também a sua visão sobre o patrão.
O gerente ou coisa que o valha, senhor de baraço e cutello da “Manáos
Tramways”, (por infelicidade nossa) num acesso de prepotência inqualificável,
despediu segunda-feira última 9 do corrente o foguista Flaviano Borges de Lima,
honrado chefe de família, que vinha prestando os seus serviços profissionaes
aquella companhia, há cerca de 6 mezes, sem a menor nota desabonadora.
203
O patrão visto como “prepotente”, “arrogante”, “sem coração” em oposição ao
operário “sem a menor nota desabonadora”, ou seja, cumpridor de seus deveres
evidencia a tentativa da construção de um discurso de boa conduta do operário x patrão
autoritário. Ao que parece, isto se deve menos a tentativa de fazer com que o patrão
repensasse a medida tomada e mais a vontade de tornar público as demissões ocorridas,
inserindo-as no interior da contradição entre Capital e Trabalho, acentuada no interior de
uma conjuntura de crise e desemprego.
204
Embora as demissões contribuíssem para conduzir os operários destas empresas a
uma situação de desemprego e de privação dos elementos necessários a sobrevivência,
percebe-se que alguns procuravam outros espaços de trabalho e obtinham êxito.
O nosso companheiro Herculano Soares, que fora dias dispensado da
“Amazon Engeering” devido a prepotência e arrogância do gerente daquela
companhia, acha-se os misteres de sua profissão, na casa Miranda Corrêa e C.
205
202
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988, p. 81-125.
203
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
204
Ainda segundo Perrot, essas representações do patronato são bastantes vagas e difíceis de serem
percebidas. Em linhas gerais, reduzem-se a pequenas frases, num “vocabulário de insultos” onde “mais se
qualifica do que se descreve o patrão”, conforme se pode perceber em alguns termos extraídos de artigos
do jornal Vida Operária: “paunçudo”, “parasita”, “fedorento”, etc. Idem.
205
Vida Operária, nº 5. Manaus, 07 de março de 1920.
P á g i n a | 105
Este ponto traz indícios de que havia uma rotatividade no emprego no seio da
classe operária e que o mais qualificado “misteres de sua profissão” –, embora ficasse
na situação de desocupado por algum espaço de tempo “há dias dispensado” possuía
uma probabilidade maior de retornar a situação de empregado. Porém cabe não
superestimar esta situação, pois pelos artigos que trazem esses indícios, a preocupação
maior era com a falta de recursos necessários a sobrevivência, como sugere o título de
um deles “Um pae de família sem pão”.
Além das visões sobre o patronato, da situação de instabilidade no emprego, as
denúncias sobre as demissões apontam também para as conseqüências geradas pela
adoção, por parte da empresa, de uma política de modernização.
O sr. Makfald, homem sem entranhas e sem coração, procura por todos
os meios, inutilisar e oprimir a esses desventurados estivadores, vomitando sobre
elles a sua peçonhosa cólera de burguez faminto. Esse inqualificável burguez, de
volta de sua terra, trouxe para experiência um carrinho automóvel, para
transportes de mercadorias, nos armazéns da Manáos Harbour, cujas
experiências, deram optimos resultados, e o sr. Makfald fez encommenda de mais
5 desses carrinhos.
Com os taes carrinhos a Manáos Harbour, economisará 70% de
trabalhadores, sendo bem provável que em breve esse Makfald, faça nova
viagem, e na volta traga apparelhos automáticos e electricos, afim de substituir
todos os empregados e trabalhadores da Manáos Harbour.
Não vamos de encontros ao progressos da sciencia, mas vamos de arrojo
contra esse Albion nojento, que ostensivamente proclama num autoritarismo sem
qualificativo, que trouxera de sua terra um título nobiliarchico como garantia,
para poder fazer aquilo que bem entender...
206
A política de modernização realizada pela empresa que administrava os serviços
portuários, a Manáos Harbour, era vista pelo jornal como um instrumento produtor das
demissões e era este o ponto criticado.
Boris Fausto
207
ao analisar a greve ocorrida na Companhia Paulista em 1906,
destacou que um dos motivos que contribuíram para a eclosão do movimento paredista
foi à política de modernização adotada pela empresa, que afetou em primeiro lugar o
nível salarial, em virtude do estabelecimento de três feriados não pagos por mês. No
206
Vida Operária, nº 9. Manaus, 04 de abril de 1920.
207
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
P á g i n a | 106
segundo momento, o nível de emprego, quando centenas de operários começaram a
passar por um processo de demissões. Neste ínterim, os dirigentes sindicais buscaram
manter um diálogo com os diretores da empresa a fim de resolver o problema das
demissões.
Da mesma forma, procurando combater as demissões provenientes do
aperfeiçoamento tecnológico que afetou os gráficos (introdução das máquinas de
linotipo), a Voz do Trabalhador
208
defendeu o uso das máquinas e a manutenção no
emprego de todos os trabalhadores, com uma jornada de 4 horas e salários mais
elevados.
Embora não se tenha outro artigo tratando desta questão nos 26 números
existentes, a frase “não vamos de encontro aos progressos da sciencia, mas de arrojo
contra esse Albion nojento...” sugere uma posição próxima a dos líderes do movimento
ocorrido em São Paulo e a do jornal A Voz do Trabalhador.
Grande parte das demissões foi noticiada pelo jornal Vida Operária em março de
1920. No mês seguinte, O Extremo Norte estampou em sua primeira página um artigo
intitulado “Explorações da Tramways” tratando da ampliação da jornada de trabalho pela
empresa.
Os nossos companheiros de lucta que começavam o seu trabalho
quotidiano as seis e meia horas e largavam para almoçar às onze; recomeçavam
às treze e concluíam às dezesete e meia, e aos sábbados às dezesete, agora, são
obrigados a trabalhar de seis às seis.
209
O título é bem sugestivo, pois embora não se possa situar a luta pela jornada de
oito horas de trabalho ao longo da década de 1910, pois essa luta é anterior a esta data
208
A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, 15 de junho de 1909.
209
O Extremo Norte, nº 13. Manaus, 08 de abril de 1920.
P á g i n a | 107
210
, o que se observa é que ao longo dos três últimos anos deste período ocorreu uma
ampliação e intensificação deste processo.
Este fato é destacado pelas obras que abordam o movimento operário na Primeira
República Brasileira. Esta literatura estabelece os anos de 1917 a 1920 como o ápice do
movimento, cujas ações passeatas, comícios, greves e demais manifestações foram
intensificadas. Como exemplo deste fenômeno se tem a criação no Estado de São Paulo
entre os anos acima citados do Comitê de Defesa Proletária com um programa que
contemplava entre outras questões às oito horas de trabalho, semana de cinco dias e
meio, fim do trabalho infantil, segurança do trabalho, pagamento pontual e aumento de
salários.
211
A luta pela jornada de oito horas de trabalho em Manaus remonta a última década
do século XIX. A partir das décadas iniciais do século XX esta luta sobrevive e ganha corpo,
sobretudo no ano de 1919, quando eclodiu uma greve geral que acabou levando os
operários a se confrontar
de forma incisiva com o patronato e as autoridades locais para fazer vigorar na
cidade a jornada de oito horas, alvo, naquele momento, de intensas
manifestações operárias no Sul e Sudeste do país. Nitidamente a greve aparece
como sendo uma forma de pressão pela aprovação do projeto de lei que
tramitava na Câmara Federal em vias de ser votado em plenário.
212
Desta forma, o aumento da jornada de trabalho pela Manáos Tramways
caminhava na contramão da luta operária, o que foi alvo de ferrenha crítica pela
imprensa operária.
210
A luta pelas oito horas de trabalho se inicia no alvorecer da República. Líderes socialistas como Gustavo
de Lacerda, França e Silva, Vicente de Souza e José Augusto Vinhaes, de alguma forma, haviam
recepcionado esta demanda do operariado, difundido-a por meio de jornais, panfletos e até mesmo nos
discursos e Anais da Câmara dos Deputados. Como afirma Gomes: “Lauro Muller, em 1892, fizera
transcrever nos Anais da Câmara do Deputados todo o programa elaborado pelo grupo de França e Silva
por ocasião do de maio, defendendo o dia de oito horas de trabalho. Barbosa Lima, em 1903,
discursara na mesma casa justificando as demandas dos operários das oficinas do Estado”. O próprio
primeiro de maio, comemorado a apartir de 1891 tornou pública esta bandeira de luta, levando alguns
autores a afirmar que o 1º de maio é indissociável da luta pela jornada de oito horas de trabalho. CASTRO
GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo. 2º ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 44. Ver
também PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Proletariado Industrial na Primeira República.. Op. Cit., p. 162-170,
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social... Op. Cit, p. 44-47.
211
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Proletariado Industrial na Primeira República. Op. Cit., p. 156-161.
212
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999, p. 172.
P á g i n a | 108
Outra questão pontuada no jornal se refere ao convívio tenso entre as categorias
de trabalhadores que atuavam numa mesma companhia estrangeira. Para entender esta
questão é preciso considerar as diferentes funções existentes no interior da hierarquia da
empresa. Os diferentes cargos ocupados obedeciam a uma ordem hierárquica que
ordenava as relações num âmbito de subordinação e obediência, o que gerava tensão
entre as diferentes categorias de trabalhadores, principalmente quando havia vigilância
quanto ao horário, execução do serviço e outros pontos referentes ao labor. Neste
sentido, a Amazon Engineering foi alvo de denúncias quanto aos olhares atentos dos
vigias sobre os operários que trabalhavam na oficina desta companhia.
Chegou ao nosso conhecimento que o gerente da “Amazon Engeniering”
determinou aos vigias das officinas que não consinta os operários passar mais de
cinco minutos na sentina. É uma medida vexatória e anti-hygiênica do sr. Gerente,
que pode occasionar aos operários moléstias, taes como o volvo ou uma infecção
intestinal, devidotemperamento da nossa região, além de tudo essa medida pode
trazer outras conseqüências como há poucos dias, acconteceu de haver um
atricto entre o vigia e um operário.
213
Com base na citação acima se percebe que a tentativa de vigilância sobre as
atividades dos operários se faz presente. Neste caso, não seria exagero propor que se
procurava observar e controlar a hora da chegada, o desenrolar das tarefas, o horário do
intervalo para o almoço (início e fim do intervalo) e as paradas para as necessidades
básicas. Segundo o artigo, esta situação acabou por gerar atritos entre aqueles que
encarnavam a autoridade do patrão (vigias) e os operários da oficina (Amazon
Engeniering).
Pinheiro
214
destacou este ponto ao analisar os estivadores. Segundo a autora, os
estivadores partilhavam, em seus espaços de trabalho, do convívio com elementos de
outras categorias. Convívio muitas vezes tenso, como o que era estabelecido com os fies
e capatazes, que pressupunha submissão e obediência. No porto, o capataz tinha a
responsabilidade em imputar ao estivador penalidades e multas, motivadas por inúmeras
posturas consideradas transgressões como: morosidade no serviço, saída dos armazéns
sem autorização, pequenos furtos, sabotagens no serviço e outras posturas consideradas
213
Vida Operária, nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
214
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 110-111.
P á g i n a | 109
nocivas ao processo de trabalho. Por conta desta relação, contra eles era dirigida boa
parte de queixas feitas pelos estivadores.
Sobre as penalidades e multas, no jornal Vida Operária não se encontram notícias
a respeito. Não obstante, no jornal O Extremo Norte elas estavam presentes e tinham
como alvo a Manáos Tramways. Segundo o artigo, o operário que “chegasse atrasado no
trabalho, teria descontado no seu salário uma hora de trabalho”.
215
Infelizmente não se
tem base empírica para melhor compreender este ponto. Entretanto, nestes anos de
vigência da chamada Primeira República Brasileira, as relações de trabalho eram
regulamentadas pelo patronato, o qual estabelecia normas e regras a serem seguidas. Por
conta disso, as penalidades e multas referentes à “desvios de conduta” deveriam ser
aplicadas, como sugere a passagem retirada do O Extremo Norte, do estudo sobre os
estivadores e de grande parte da literatura que trata dos operários do Sul e Sudeste do
país.
Os elementos acima destacados vigilância, penalidades e multas por atraso
constituem-se instrumentos que expressam a tentativa de construção de uma disciplina
de trabalho, capaz de garantir a presença dos operários nos espaços de atuação
profissional e o controle sobre seu tempo e ritmo de trabalho.
Tanto Thompson
216
, que aborda a realidade inglesa, quanto Perrot
217
, que aborda
a francesa, viam a manufatura e a fábrica e a relação de trabalho assalariada a elas
correspondentes como uma possibilidade de controle sobre o tempo e ritmo de trabalho
do produtor direto, visando cortar as suas “sobras” de tempo. Segundo os autores este
processo é anterior em muitos casos à introdução de qualquer avanço tecnológico
significativo em termos de maquinário.
Desta forma, as denúncias sobre vigilância, penalidades, multas e ampliação da
jornada de trabalho veiculadas nos artigos publicados pelo jornal Vida Operária e
direcionadas as empresas inglesas concessionárias dos serviços urbanos na capital do
Amazonas expressam esta tentativa de controlar o tempo e o ritmo de trabalho de seus
empregados. Ainda sobre esta questão, não se pode deixar de considerar que o conflito
215
O Extremo Norte, nº 13. Manaus, 08 de abril de 1920.
216
THOMPSON, E. P. Costumes em Comuns: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das
Letras, 1998.
217
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História... Op. Cit.
P á g i n a | 110
oriundo deste processo envolveu concepções diferentes, entre o patronato inglês e os
trabalhadores nativos e imigrantes, sobre trabalho e tempo. Segundo Pinheiro
218
, o
capital inglês chegou à Amazônia atrelado a práticas de racionalização do trabalho, o que
acabou por gerar um embate entre essa racionalização e as práticas culturais presentes
na região, o que se materializou nos diversos conflitos e afirmações muitas vezes
preconceituosas de que os nativos eram “preguiçosos” e pouco afeitos ao trabalho.
Quanto aos níveis salariais, não existem artigos que se refiram de forma direta e
com exemplos numéricos a respeito. O que se identifica, como se viu no capítulo II, são
denúncias veiculadas pelos jornais, sobretudo o Vida Operária, sobre a carestia de vida e,
a partir daí, indícios de que os salários andavam em descompasso com o custo de vida.
Esta situação fez emergir críticas direcionadas, sobretudo aos comerciantes (não
escapando nem mesmo o pequeno comerciante português), acusados de “exploradores”,
“famintos de ouro” e “burgueses pançudos”.
Até agora, percebe-se que a grande maioria das denúncias foi direcionada as
empresas concessionárias dos serviços urbanos em Manaus e outra parte para os grandes
e pequenos comerciantes que vendiam gêneros alimentícios e demais produtos
necessários à sobrevivência dos operários. Um número bastante reduzido de denúncias
era dirigido às oficinas/fábricas existentes no espaço urbano. O que explica esta situação?
Comparando as empresas estrangeiras com as oficinas/fábricas existentes em
Manaus é possível observar algumas diferenças que podem explicar a existência de maior
tensão entre patrões e empregados na Manáos Tramways, Amazon Engeniering e
Manáos Harbour. Nestas empresas havia uma maior especialização de seu quadro
funcional, uma maior concentração de operários, uma hierarquia de comando que
coordenava as relações no sentido de mando e obediência e uma relativa distância social
entre patrão e empregado, dificultando o acesso deste ao patrão. Os elementos que
compõem este quadro tornam o terreno propício para a emergência de tensões nas
relações existentes, principalmente entre categorias diferentes (vigias e operários, por
exemplo).
Por outro lado, nas oficinas/fábricas a mínima capitalização e a base técnica
artesanal criavam elementos para uma relação menos conflituosas nestes espaços. , o
218
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 118.
P á g i n a | 111
operário possuía um “saber de ofício”. Havia também uma menor distância social entre
patrão e empregado, estando inclusive ausente grande parte da hierarquia de comando
presente naquelas empresas. O patrão não constituía uma figura de difícil acesso, sua
presença era tangível e despertava menos contradições. Saído com freqüência dos meios
operários (portanto conhecedor da técnica profissional), era antes um modelo viável de
ascensão para cada um dos seus empregados. Estes elementos presentes nestes espaços
parecem explicar o número reduzido de denúncias sobre as mesmas e um maior
direcionamento para as firmas estrangeiras. Estas empresas são alvos da grande maioria
das denúncias presentes no jornal Vida Operária. Denúncias sobre falta de segurança no
espaço de trabalho, acidente de trabalho, aumento da jornada de trabalho, prepotência e
arrogância dos patrões, penalidades e multas, demissões arbitrárias dentre outras.
Não se pode deixar de mencionar um outro elemento presente no jornal e
identificado no artigo intitulado “A Limpesa Pública”. Este elemento é a denúncia sobre a
admissão de trabalhadores imigrantes em detrimento dos nacionais.
Este artigo trata das propostas apresentadas pelos concorrentes Lima Ruas, José
Tolentino e Jorge Santos para celebração de contrato de prestação de serviços de
Limpeza Pública. Segundo o jornal, a reunião em que os projetos e as propostas foram
apresentados ocorreu no Paço Municipal e contou com a presença dos empregados da
categoria, dos proponentes, das diversas pessoas gradas e dos representantes da
imprensa, entre estes os colaboradores do jornal Vida Operária.
Os representantes do jornal Vida Operária, presentes na reunião acima
mencionada, ao apreciarem as propostas chegaram à conclusão que não deveriam ser
aceitas, pois feriam
de modo insophismavel, as disposições das leis 962 de 4 de Setembro de 1918
e 979 de 25 de Ontubro de 1918, aquella estadual e esta municipal.
Clara nas suas interpretações, dizem as citadas Leis que, em nenhum
serviço público feito administrativamente ou por arrendamento, não poderá
deixar de trabalhar, pelo menos dois terços de operários e trabalhadores
nacionaes, sendo os concorrentes obrigados a respeitarem, nas suas propostas
estes dispositivos.
219
219
Vida Operária, nº 11. Manaus, 18 de abril de 1920.
P á g i n a | 112
Para eles nenhuma das propostas apresentadas à superintendência respeitava
essa obrigação. Desta forma, em tom de denúncia, o jornal acusou o Sr. Jorge Santos, que
era o atual responsável por este serviço, de não ter admitido operários brasileiros.
Batalha
220
ao falar sobre a imigração e seu impacto sobre a classe operária
destacou que ela pode ser vista mais como elemento de dissenso do que de consenso
entre os trabalhadores. Deste modo, os estrangeiros que chegavam a Manaus e que
passavam a disputar os espaços no mercado de trabalho com os nacionais, acabavam por
causar ressentimentos nestes. Ainda mais com a crise econômica existente (o que
acabava por diminuir a oferta de emprego) e a preferência do patronato pelos
trabalhadores estrangeiros.
Talvez isto explique a proposta de proibição da imigração presente no jornal. O
discurso construído para sustentar tal proposta se baseava em dois elementos citados:
a crise econômica e a falta de trabalho.
Consoante o jornal, os imigrantes europeus que haviam se deslocado de seu
continente em direção à América, mas especificamente a Manaus, poderiam ter escapado
“do fuzil e da granada”, porém não escapariam das negruras da fome oriundas da falta de
emprego. A “Canaam falada” não passava de uma imagem criada, denunciava o jornal. E
mais, dizia que a esperança de dias melhores, que acompanhava os imigrantes no
processo de deslocamento, poderia se materializar numa grande desilusão.
A prohibição da immigração extrangeira na presente epocha, em que a
europa está escangalhada, e vós aqui? A braços pela falta de trabalho, vendo as
vossas esposas e os vossos filhinhos nus e crus, sem terdes remédio a dar, quanto
mais, quando entrar centenas de milhares de immigrantes, pensando que esta
terra é a Canaam fallada !...
Evitando a immigração, é uma obra de caridade, que fazeis aos vossos
irmãos.
Elles escaparam do fuzil e da granada, porém não escaparão da fome ...
221
Muito embora em contextos e conjunturas diferenciadas, esta discussão contra a
imigração não se deu no Amazonas. Em reuniões realizadas no Rio de Janeiro, em
220
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva. IN: FERREIRA, Jorge,
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano Vol 1. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 166.
221
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 113
Santos e em São Paulo, no ano de 1913, o movimento operário chegou a realizar uma
campanha contra a imigração para o Brasil. Essa campanha, longe de representar uma
reação contra este elemento, tinha por objetivo explicitar aos candidatos potenciais a
imigração, assim como aos seus governos, as condições adversas que encontrariam no
Brasil. Sobretudo numa conjuntura de perseguição e repressão ao movimento operário e
ao estrangeiro em particular sujeito ao enquadramento na Lei de Expulsão de
Estrangeiros elaborada e aprovada em 1907 e ampliada, em seus dispositivos no ano de
1913.
222
Nesta linha, o jornal Vida Operária buscava destacar as condições adversas que os
imigrantes encontrariam em Manaus. Principalmente para tentar minimizar a chegada de
estrangeiros e, consequentemente, os atritos gerados entre estes e os nacionais. Assim,
percebe-se que o tema da imigração aparece ligado a duas questões fundamentais: a
concorrência no mercado de trabalho entre brasileiros e estrangeiros e a contratação
deste último em detrimento daquele e o desrespeito à legislação que reservava 2/3 das
vagas aos trabalhadores nacionais no serviço púbico feito administrativamente ou por
arrendamento.
Das vivências e experiências os operários manauaras construíram uma série de
demandas que visavam modificar e melhorar as suas condições de vida e trabalho. O
jornal Vida Operária recepcionou algumas delas com destaque para a diminuição da
jornada de trabalho (estipulada em 8 horas diárias), pontualidade no pagamento,
elevação dos veis salariais, criação de tribunais arbitrários para julgamento de conflitos
entre patrão e empregado (com destaque para uma atuação do Estado enquanto árbitro
da questão), estabilidade no emprego, enfim, uma série de pontos a serem discutidos e
implementados.
Porém, na vigência de um regime liberal e excludente, sendo a participação
política direito de uma minoria, as demandas operárias, embora atingindo mesmo que de
forma modesta os espaços institucionais, pouco eram ouvidas. Desta vivência política
resultou uma das principais demandas operárias – a luta por direitos políticos.
222
GYTAHY, Maria cia Caira. Ventos do Mar: trabalhadores do porto, movimento operário e cultura
urbana em Santos, 1889-1914. São Paulo: Unesp, 1992, p. 69-71.
P á g i n a | 114
2. UMA PROPOSTA DE AÇÃO POLÍTICA OPERÁRIA
Sabe-se que a partir do final do século XIX o sistema capitalista em expansão
assumiu uma nova fase. Esta nova fase de expansão do capitalismo contribuiu para que
regiões remotas do globo fossem incorporadas ao palco da reprodução de capitais. Para
Eric Hobsbawm
O fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que
atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada vez
mais densa de transações econômicas, comunicações e movimento de bens,
dinheiro e pessoas ligando países desenvolvidos entre si ao mundo não
desenvolvido.
223
É neste contexto que a Amazônia foi incorporada ao mercado mundial, uma vez
que as indústrias norte-americanas e européias exigiram uma maior demanda de matéria-
prima (borracha) em virtude do surgimento do processo de vulcanização realizado por
Goodyear, tornando a borracha impermeável e potencializando sua utilização industrial.
Com efeito, duas cidades sofreram profundas transformações em suas estruturas
socioeconômicas em função da posição econômica assumida: Belém e Manaus. Nesta, o
universo do trabalho urbano foi modificado e ampliado com o advento da urbanização
oriundo deste processo de expansão da produção gomífera. Este fato produziu, no espaço
urbano, um conjunto de relações sociais tensas determinadas pela contradição Capital x
Trabalho.
Atento para a presença do capitalismo em Manaus, os articulistas do jornal Vida
Operária produziram uma série de imagens sobre este sistema. Para o jornal, o
capitalismo ao se fazer presente em Manaus trouxe consigo um conjunto de opressão e
exploração. Longe de ter uma postura humanista, o Capital através de uma “prepotência
sanguinária” queria tudo submeter. Geralmente assumia uma forma de “polvo faminto”
que procurava “envolver com seus tentáculos” o operário procurando “suga-lhe a última
gotta de energia vital”.
223
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 95.
P á g i n a | 115
O capitalismo na immensa brutalidade de tudo conquistar tem opprimido
victimas indefezas e arrastado em turbilhões, pela ambição (...) e pelo direito da
força.
O operariado esmagado, pela prepotência sanguinária do capital de
saccudir o jugo em que se acha manietado, e proclamar debaixo da ordem aos
quatro cantos os seus direitos conspurcados pelo próprio capital.
224
A burguesia (em Manaus representada pelos representantes das firmas
estrangeiras, pelos grandes comerciantes e seringalistas) sendo a gerenciadora do
processo de expansão capitalista pelo globo, era acusada pelo jornal de lançar a classe
operária “ao inferno”, produzindo e reproduzindo, pelas relações sociais de produção
estabelecidas, as desigualdades sociais e, por meio delas, conduzindo o operário a
condições precárias de vida e trabalho.
A “modernidade” e o “progresso” tão mencionado e propalado pelo Poder Público
e pelo patronato como elementos que caracterizavam as nações “civilizadas”, cuja
presença trazia regozijo, para os operários parecia ter um significado diferente,
representando opressão, exploração e miséria.
Os operários, sentindo-se oprimidos, explorados e excluídos, construíram uma
série de demandas dentre as quais se destacam a luta por direitos políticos e sociais. Para
entender este ponto, principalmente a luta por direitos políticos, é preciso traçar, em
linhas gerais, o contexto político da época.
No Brasil, as duas décadas finais do século XIX foram marcadas por profundas
transformações políticas e sócio-econômicas que se materializaram na diluição das
relações sociais baseadas na escravidão e no desgaste da ordem monárquica vigente.
É no decorrer desses processos que a República é implantada, em 15 de novembro
de 1889. Para Gomes, este processo de mudança da ordem político-institucional foi,
sobretudo, fruto de uma crise política.
O golpe vitorioso de Deodoro concluía, contudo, um processo que se
iniciara décadas atrás, envolvendo questões cruciais como a abolição do trabalho
escravo e a participação política dos militares, e que se materializara numa
campanha com significativo grau de mobilização e organização, como o
224
Vida Operária, nº 4. Manaus, 29 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 116
demonstra o Partido Republicano. Os interesses e a composição dos segmentos
que se reuniram em nome da República são reconhecidamente diversos e
complexos. A proclamação, se não é um momento de política revolucionária, é ao
menos um momento de crise política que guarda uma característica fundamental
dos episódios que inauguram novas experiências históricas: a instabilidade.
225
Ainda segundo a autora, o momento que se segue após a Proclamação da
República pode ser entendido como o da busca da definição de seus próprios contornos.
Assim como outros setores da sociedade, os trabalhadores elaboraram e tornaram
público a sua proposta de intervenção e participação política, numa clara tentativa de
contribuir no processo de formação da Primeira República Brasileira.
Esta posição tomada pelos trabalhadores se explica pelo sentido que atribuíam à
República. A sua implantação era encarada como abertura de novos horizontes,
sobretudo quanto à expectativa de reconhecimento social e participação política.
Em Manaus, este sentimento quanto às potencialidades de reconhecimento e
participação política no novo regime esteve presente.
Esta data, na ampulheta do tempo é inapagável e, na senda da política
moralisada ella é, então – sublime e toda republicana.
É d’entre as lettras acima fluctuantes que, veio de juntarem-se dois
acontecimentos na historia revolucionaria: a proclamação da República no Brazil e
o apparecimento do Guttemberg na Imprensa do Amazonas.
O dia de hoje, devéras, não passará dessapercebido para os incansáveis
populares de 1889, aquelles que, prasenteiros o abrilhantavam de palmas e de
risos pomposamente festivaes.
A redacção d’este periódico, vivamente de jubilo, commemora e assignala
a proeminente data do 2º anniversario da Republica brazileira.
226
Não obstante, a desilusão quanto a esta possibilidade foi gerada a partir do
momento em que o novo sistema político se mostrou incapaz de atender aos anseios da
classe operária.
227
225
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit., p. 19.
226
Gutenberg, nº 1. Manaus, 15 de novembro de 1891.
227
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva. IN: FERREIRA, Jorge,
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano Vol 1. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 173.
P á g i n a | 117
A passagem da “esperança” para o “desencanto” ocorreu a partir do rumo que se
traçou para a República. Neste sentido, em linhas gerais, dois grandes projetos de
República (com propostas crescentemente polarizadas) se colocaram em disputa entre os
anos de 1892 a 1904. De um lado, os partidários de um governo forte, centralizador,
intervencionista, cuja tarefa era promover o “progresso”
228
do país. Era uma proposta
nitidamente positivista em sua inspiração básica, combinando as idéias de um Estado
forte e democrático, já que voltado para o desenvolvimento econômico e para o
“progressivismo social”. Do outro lado, situava-se a proposta elaborada pelo
republicanismo civil e liberal de núcleo conhecido como o dos republicanos históricos
paulistas. Tratava-se de construir uma República Liberal Excludente, federalista,
francamente agrarista e ortodoxa em termos de política financeira.
229
A segunda proposta se sobrepôs a primeira a partir da presidência de Campos
Salles. Mas nos anos iniciais da implantação da República podemos perceber esta
tendência por meio do texto produzido em 1891 a respeito dos direitos políticos.
Pelo texto de 1891 teriam direitos políticos seriam cidadãos plenos
todos aqueles maiores de 21 anos que fossem alfabetizados. Eliminava-se o
requisito da renda, mas mantinha-se o indicador social como o saber ler e
escrever ao mesmo tempo em que se eximia o Estado da obrigação de dar
instrução primária, o que existira no período imperial.
230
Este texto alijava uma parcela significativa da população brasileira do exercício do
voto, tornando marginal a sua participação política. Como agravante deste processo de
exclusão política, tem-se a elaboração de alianças entre as oligarquias que conduziam à
política em nível federal com as que conduziam a nível estadual e municipal (Política dos
Governadores).
228
Progresso entendido, segundo Gomes, como o reverso do atraso colonial, ou seja, da herança do
domínio português, que permanecia viva numa economia exclusivamente agrária e numa sociedade de
privilégios estatuídos. Por isso, o progresso comportava a atenção para as atividades da indústria e do
comércio nacional (e não português) e permitia vislumbrar uma sociedade mais permeável à
incorporação ordenada do trabalhador assalariado, enfim, uma sociedade mais aberta ao povo. CASTRO
GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit., p. 39.
229
Idem.
230
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987, p. 45.
P á g i n a | 118
Nesta relação de alianças, a harmonia e os atritos caminhavam em paralelo. No
Amazonas a situação não era diferente, embora os atritos entre os poderes estadual e
federal fossem profundos por conta da posição marginal dada a região pelo Poder
Central. Entretanto, tais atritos políticos se intensificaram no decorrer da década de 1910
e 1920. Contribuíram para este processo tanto a crise econômica, que acabou agudizando
as crises políticas que emergiam das dissensões no interior do Partido Republicano
Conservador do Amazonas, quanto à posição do Poder Central
231
frente aos conflitos que
emergiam entre as facções locais. Deste modo, os conflitos políticos regionais assumiam a
característica de disputas movidas por interesses particulares e específicos, sobre os quais
as facções digladiavam-se pelo controle do poder. Fato que, segundo Santos, se expressa
“na dualidade do Legislativo e pela violação das leis que regiam o processo eleitoral”. Em
1912, por exemplo, “realizaram-se eleições para a Assembléia, havendo duplicata de
apurações e reconhecimentos”.
232
O jornal Vida Operária materializa os conflitos e as características da política local
por meio das críticas elaboradas contra o chamado “desvirtuamento” do regime
republicano. Os conflitos políticos entre as facções pelo poder, a utilização das
instituições a serviço de interesses particulares, o uso do erário público para deleites
pessoais são mencionados. Os interesses particulares em jogo, que se sobrepunham aos
coletivos, eram tidos como elementos contributivos da situação de marginalização e
desamparo vivido pela classe operária.
Os entrechoques políticos, que seguramente quase um mez, vem
constituindo a principal ordem do dia aqui em Manaos ou para melhor dizer, em
todo o Amazonas e no paiz inteiro perante os verdadeiros responsáveis pelo
destino da nossa terra, não passam os mesmos de uma peça verdadeiramente
cômica no scenario amazonense; cuja paixão política de uns e os interesses
inconfessáveis de outros, nos pode é trazer o descrédito como habitantes que
somos desse tão opulento e quão infeliz Estado.
(...)
Em tudo isso o que vemos?
é mais do que a negação da lealdade e da puresa do regimen das nossas
instituições concretisadas no interesse do próprio eu; do que o resultamento do
231
O Poder Central deixava de intervir na política local, deixando-a que fosse conduzida por interesses
próprios e que as facções se digladiassem para assumir o poder, desde que seus interesses não fossem
atingidos.
232
SANTOS, Eloína Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 3º ed. Manaus: Editora Valer, 2001, p. 53.
P á g i n a | 119
bem estar deste Estado e da sua própria collectividade, na verdadeira senda do
seu pleno evoluir.
233
A condução do Regime Republicano realizada pelos grupos oligárquicos e a
conseqüente exclusão política e social existentes contribuíram de forma incisiva para que
o operariado realizasse uma série de contraposições. Desta forma, algumas respostas
foram elaboradas pelos operários para combater a situação política e social vivida neste
momento. No jornal Vida Operária existe uma proposta de participação política. Nela três
elementos são considerados importantes para a luta operária, são eles: a associação, o
partido e o próprio jornal.
Com relação ao primeiro ponto eram constantes as tentativas de esclarecimentos
acerca da importância da organização dos operários em torno de organismos que os
representassem. Em contrapartida, percebe-se uma preocupação quanto à falta de
organização. Neste sentido, apontava-se para as dificuldades advindas no processo de
enfrentamento contra as “imposições” e os “desmandos” do patronato, uma vez que,
com a falta de organização, as possibilidades de intervir para a modificação das condições
de trabalho e vida diminuíam.
A própria atuação do patronato em construir associações para tratar e discutir
assuntos referentes ao universo do trabalho era destacado, reforçando a imperiosa
necessidade de congregação dos operários, caso contrário, corriam riscos de serem
“inutilisados pelo braço potente do Capital”.
Operários, martyres da democracia moderna, escravos da prepotência do
capital, abnegados da sorte escutae, e prestae como verdadeiros apóstolos, nesse
momento de convergimento os vossos esforços em pról da sacro-santa causa da
immancipação dos povos.
Não vacileis um instante, não percaes um momento congregae-
vos, - porque um momento de vacilação, redundará num aniquilamento
inqualificável para vós que, sois a força motora, de tudo que se vê nesse immenso
orbe!
organização é o mais forte baluarte, é a mais viva manifestação, é a arma
da defeza, é o reducto impenetrável da conquista dos direitos de uma classe e de
um povo!
233
Vida Operária, nº 16. Manaus, 30 de maio de 1920.
P á g i n a | 120
São amesquinhados, vituperiados, trucidados e finalmente escravisados
pelo braçço potente do capital, os operários sem organização, porque é um
rebanho sem pastor e um exercito sem comando.
Urge pois o congrassamento de todas as classes para o operariado ser
forte, poderoso, coheso e valoroso porém, se ellas continuarem nessa indolência
inexplicável, as suas dores multiplicarão mil vezes mais, porque a burguezia está
sempre apostos.
234
A associação era vista como um instrumento capaz de produzir “união” e
“coesão”, elementos considerados necessários ao processo de luta operária. Ainda, em
seu interior, era possível abrir espaço para discussões acerca de temas referentes às
questões de trabalho e vida da classe operária. Certamente, a associação, enquanto
organismo institucional constituído juridicamente, possibilitava uma maior articulação
interna, congregando os operários e veiculando suas demandas de uma forma mais
segura.
Para Batalha
235
o mundo associativo criado era em parte a resposta produzida
pelos trabalhadores frente a um sistema político que os colocava à margem da sociedade.
Ainda segundo o autor, o associativismo criado se materializava por meio de uma rede
extremamente diversificada e rica de associações.
O próprio jornal aqui abordado expressa as diversas formas associativas
existentes: Associações Beneficentes, Associações Mutualísticas, Sindicatos, Uniões,
Federações e Sociedades (União Beneficente dos Foguistas, União dos Marinheiros,
Sindicato Operário dos Cigarreiros, Sindicato dos Estivadores, União Operária Nacional,
Centro Operário, União dos Pedreiros, Sociedade das Artes Gráphicas do Amazonas). Essa
gama variada de associações expressa a construção de um espaço de discussão política.
Porém, a construção e manutenção deste espaço no período histórico da Primeira
República exigia uma constante superação das dificuldades presentes na constituição dos
arranjos associativos (problemas de associalização, financeiros, perseguição política, etc.).
Neste ínterim, Pinheiro
236
ao falar sobre a organização política dos estivadores
destacou os três momentos de seu arranjo associativo. Num primeiro momento, com a
estréia dos estivadores no cenário das confrontações políticas com o patronato manauara
234
Vida Operária, nº 5. Manaus, 07 de março de 1920.
235
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva... Op. Cit., p.180.
236
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus
(1899-1925). Manaus: Edua, 1999, p. 143.
P á g i n a | 121
em 1899, sem organismo representativo. Em outro momento, entre os anos de 1909 e
1914, com a subordinação da categoria a associações mutualísticas (União Operária
Beneficente Mútua dos Estivadores, Sociedade Beneficente dos Estivadores e Carroceiros
do Amazonas) legalmente constituídas, com estatutos definidos e uma liderança eleita
em Assembléia Geral. Por fim, o Sindicato dos Estivadores, fundado em 1914.
A criação de três associações distintas (União Operária Beneficente Mútua
dos Estivadores, Sociedade Beneficente dos Estivadores e Carroceiros do
Amazonas e Sindicatos dos Estivadores) num espaço de tempo tão reduzido (6
anos) não deve levar a uma percepção de que a organização de uma categoria
como a dos estivadores fosse algo fácil de ser realizado. Na verdade, se esses
dados indicam que estava havendo um debate interno e que tal debate estivesse
apontando para a necessidade de criação de entidades congregadoras para levar
a frente às reivindicações dos trabalhadores mais difíceis de serem
encaminhadas individualmente e sem uma articulação coletiva mínima por
outro lado, a própria sucessão dessas entidades indica, ou a dificuldade de
manutenção desses organismos por parte dos estivadores, ou a ineficácia dessas
associações para conduzir uma pauta mínima de reivindicações , o que geraria
desânimo e/ou inconformismo capaz de mover os associados a substituir aqueles
organismos por um outro modelo que se afigurasse mais eficientes.
237
Este exemplo possibilita, em termos de constituição dos arranjos associativos,
perceber as dificuldades enfrentadas pelos grupos que tomavam a iniciativa de se
organizar.
238
Em que pese às dificuldades existentes, os esforços e a persistência de grupos que
se direcionavam para tal fim eram significativos. Nesta linha, atuou o jornal Vida
Operária, atribuindo à associação um peso significativo para a construção da participação
política dos operários
239
. Porém, como afirma Batalha, “a capacidade e mesmo à vontade
por parte dessas sociedades de buscar espaços na política formal eram relativamente
237
Idem.
238
No que tange as Associações Mutualísticas, a presença do patrão se fazia forte no corpo administrativo,
o que poderia limitar a atuação política a favor dos operários. Em contrapartida, o Sindicato poderia se
configurar como um instrumento de maior autonomia. No entanto, as reflexões sobre o movimento
operário têm demonstrado que as tensões internas entre as lideranças e as bases (surgidas pela falta de
sintonia em torno de objetivos a serem traçados, de ações a serem desenvolvidas e de propostas a serem
estabelecidas) se dão mesmo sobre a vigência de um sindicato e que as tentativas de cooptação patronal
não deixam de existir. De qualquer forma, a pressão existe em todas as formas de associação, em menor
ou maior grau, sendo a busca pela autonomia uma constante luta do movimento operário.
239
O próprio mundo associativo representava um espaço de participação política, pois se configurava como
uma espécie de contra-sociedade onde os operários se posicionavam por meio de opiniões, propostas e
críticas a determinados aspectos da sociedade capitalista e dentre outros assuntos. Ver BATALHA,
Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva... Op. Cit., p. 180.
P á g i n a | 122
limitadas. Coube às organizações de cunho eminentemente político, os partidos operários,
desempenhar este papel”.
240
O Partido Operário é o segundo elemento da luta operária. Observa-se que o
jornal não deixa de mencionar em suas páginas a necessidade de constituição de um
Partido Operário. Este fato indica que, para os articulistas, havia uma compatibilidade
entre as questões do trabalho e as da República que resultaria do entendimento da
defesa dos princípios clássicos de igualdade e fraternidade, que se concretizaria pela
incorporação dos operários (e do povo em geral) numa ordem econômica (novo regime
de trabalho) e política (nova forma de representação).
As nossas leis, constitucionaes, são as mais libérrimas possíveis, porém o
ouro, o celebre ouro e a ambição dos homens têm as reduzido a um papel sujo, os
direitos do povo a uma garrafa de vinagre com o rótulo de champagne.
Faz-se preciso que o operário surja, que os governos dêem liberdade ao
povo e que esse povo se eduque, se organise, se constitua, se remodele, e
retoque as nossas próprias leis, para que ellas não sejam um facto e sim uma
verdade.
É preciso que o lemma do regimen que nos governa que é o de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade,o mais se conserve nessa fictícia illusão, servindoo
somente de reclamo garrafal, para esse burgo podre que é o povo.
241
No seu primeiro número, por meio da apresentação de seu programa, o jornal
havia delineado as linhas gerais da atuação política a ser defendida. Esta atuação
obedeceria “as leis constitucionaes deste paiz de liberdade” e representaria o desejo do
operário de ter “o seu direito na vida social”.
Os diretores e colaboradores do jornal propunham como elemento de inserção
dos operários na vida política, o partido político, uma vez que o mesmo era um
instrumento reconhecido pela nova forma de governo. Em torno dele os operários se
organizariam e se mobilizariam em prol de suas causas, articulando um conjunto de ações
e reivindicações a serem defendidas e implementadas.
Daí o esforço, dos expoentes que colaboravam na produção do jornal (Elesbão Luz,
diretor do jornal, Anacleto Reis, Nicodemos Pacheco colaboradores, e outros) de fundar
um Partido Operário Amazonense.
240
Idem.
241
Vida Operária, nº 15. Manaus, 16 de maio de 1920.
P á g i n a | 123
No domingo p. p. realisou-se a primeira reunião annunciada no theatro
Alcazar para a fundação do Partido Operário Amazonense. As 9 ½ horas da
manhã, na presença de um avultado número de operários, o sr. Cursino Gama,
abriu a sessão, expondo aos assistentes o fim da reunião, e em seguida deu a
palavra a quem della quizesse fazer uso.
Falaram os operários Nicolau Pimentel, Raymundo Rodrigues, Anacleto
José dos Reis e Nicodemos Pacheco.
Depois de alguns debates, foi approvado a fundação do partido,
adherindo a idéia, a totalidade dos assistentes.
Hoje as mesmas horas e no thetro Odeon deverá se realisar nova reunião,
afim de ser approvada a regulamentação do Partido.
Concitamos ao operariado em geral para comparecer a reunião de hoje.
Esta redacção fez-se representar pelo nosso director.
242
Ângela de Castro Gomes
243
analisando a proposta dos Partidos Políticos elaborada
por dois jornais socialistas nos anos iniciais da República (o Echo Popular, criado por Luís
França e Silva e A Voz do Povo, por José Augusto Vinhaes) aponta que o grande objetivo
de ambos era a resolução da questão social. As reformas sociais desejadas poderiam
vir através das leis e estas se fariam com a existência de mais representantes das
classes trabalhadoras no Parlamento. Daí a necessidade do Partido Operário e da defesa
de seu objetivo específico.
O jornal Vida Operária procurava desenvolver idéias e ações nesta linha como
sugere o trecho extraído de suas colunas.
E uma vez que o nosso operariado trabalhem em suas sociedades, e
estabelecendo entre os seus associados várias conferencias neste sentido e lendo
ao mesmo tempo os mais necessários tópicos da Constituição Brazileira, e, sobre
tudo na parte que se refere aos direitos civis e políticos do cidadão; creio ser mais
que o bastante, para que cada associado se compenetrem dos seus principaes
direitos e deveres.
E uma vez se trabalhando com esse intuito, tempo virá que quando se
tratar de qualquer renovação para Câmara ou para o Senado da República, os
companheiros serão, não enxergados por um occulo, mas sim reivindicados nos
seus direitos representativos.
244
242
Vida Operária, nº 18. Manaus, 13 de junho de 1920.
243
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit., p. 32-33.
244
Vida Operária, nº 16. Manaus, 30 de maio de 1920.
P á g i n a | 124
Percebe-se que a representação no parlamento é mencionada, o que evidencia a
existência de uma tática de luta: a parlamentar. A proposta política defendida e difundida
pelo jornal apontava para a fundação de Associações Operárias ligadas a um Centro
Federativo (cada Estado da Federação teria o seu). Este Centro se ligaria a Confederação
do Trabalho cuja sede seria na Capital Federal. O Partido Operário estaria ligado ao
Centro Federativo e teria âmbito nacional.
O objetivo era articular os operários em associações ligadas a um Centro que por
sua vez estaria articulado com o Partido Operário que se empenharia em lançar nomes
para participar do processo político-eleitoral a fim de eleger representantes que atuariam
no sentido de realizar, via legislação, as reformas sociais.
Em virtude de problemas ocorridos no decorrer do pleito governamental
245
,
realizado em 14 de julho de 1920, foi produzido e veiculado um artigo reforçando esta
proposta de participação política.
E ao concluir estas desalinhadas linhas, companheiros, o que nos resta
fazer apezar de todos os dissabores, é nos arregimentarmos no grande Partido
Operário Socialista Amazonense; procurando difundir a instrucção entre as
classes; e de entre nós elegermos os nossos candidatos (por nos ser facultado
esse mesmo direito); quer perante o Congresso do Estado como do Município...
246
Nesta construção de “cidadania operária”, a associação e o partido político eram
postos em relevo. Quanto ao terceiro elemento da luta operária, o jornal, este assumia a
função de atuar no sentido de difundir a proposta, procurando conscientizar e mobilizar a
classe operária para tal ação política.
3. O VIDA OPERÁRIA FRENTE A SITUAÇÃO SINDICAL E POLÍTICA NO AMAZONAS
245
Problemas de vigilância e controle do pleito pelos situacionistas, de compra e venda de votos chamada
pelo jornal de “agiotagem do voto” –, corrupção, etc.
246
Vida Operária, nº 21. Manaus, 25 de julho de 1920.
P á g i n a | 125
É somente reconstituindo a proposta de participação política operária veiculada
pelo jornal que se pode compreender algumas questões presentes em suas colunas.
A primeira delas é a posição contrária à greve. Esta era considerada como
produtora de “enormes prejuizos” para a organização sócio-econômica e política de uma
cidade, colocando-se em “completo sobresalto a sua colletividade”.
Além disso, o impacto causado pela greve no meio operário era visto de forma
negativa. A tendência deste impacto era conduzi-lo “a eterna ruína, por um viver
constante no desespero revolucionário...”. Ainda sobre este ponto, o operário grevista ou
manifestante era encarado pelo Poder Público e pelo patronato como “indesejável”,
“elemento perigoso” à organização do trabalho e a ordem pública.
Em artigo intitulado Outro Rumo, produzido por Guilherme de Oliveira, redator do
jornal Vida Operária, a greve e seus resultados contraproducentes eram destacados.
... não desejo que fique sem uma explicação justificativa quanto aos
resultados contraproducentes da greve. Supponhamos que os operários mal
satisfeitos por motivos diversos, sendo o principal o salário, se manifestem em
greve pacifica, geral ou não. Ora, é facto incontestável que os patrões nunca
cedem immediatamente essas exigências, aliás muito justas, por julgarem uma
imposição, e começam as delongas em accordos, intervenções e arbitragens, para
ganhar tempo. Os operários resistem, mas com o estomago a reclamar o
necessário e escasso alimento, não só os seus como os de suas famílias. Vam mais
as necessidades públicas inadiáveis, e que os governos estão na obrigação de
sanar a todo custo, e são sanadas com pessoal estranho, e obrigado, caso este
observado nas greves geraes. Os operários protestam vão a praça pública
justificar o seu protesto! Desesperados de fome censuram os que lhe deram o
furo, e nessa censura saem fora dos limites, e zás!!...
Quando não são mortos ou espancados ali mesmo, são depois de alguns
dias de prisão deportados como perturbadores da ordem pública.
Como isto é edificante, como isto é belo mesmo, para quem satisfeito por
tudo quanto de intamante experimentou o insoburdinado operário, cede algumas
pequenas regalias!!
E depois? vae no outro dia o infeliz das occasiões (pois seja dito de
parte que ao operariado que sabe fabricar e conhece os direitos aos quaes é
expoliado as occasiões o pode fazer infeliz) a passos vacilante, acabrunhado,
maldizendo a sorte, conciso de que se nada poude adquirir em diversos annos de
trabalho, que lhe pudesse ser útil numa situação como esta, não será em pouco
tempo, que poderá recuperar o que perdeu com a sua obstenção, ainda mais
quando sabe que as vantagens que lhes consideram não são duráveis e a qualquer
pretêsto lhes vão sendo diminuídas e augmentadas as suas obrigações.
P á g i n a | 126
Nas greves de classe, acontece a mesma coisa, acrescendo a
circumstância que nem sempre a adhesão é total, assim como também classes há,
que com o augmento, mais lucram os patrões do que o operário, pois se aquelles
augmentam cinco, cobram dez no objecto vendido, especialmente aos operários a
quem acusam como causador da alta que soffreu a mercadoria, e nos
comentários com os collegas dizem: - das costas do consumidor é que de sahir
a differença – e ainda gabam-se de ter feito bom negócio.
Haverá ainda quem possa crer nos bons resultados de greves?
Quando além de tudo quanto fica dito, o operário se não adquiriu um
inimigo perigoso creou para sua classe um desaffecto constante...
Nos resultados econômicos que nós suppomos tirar proveito, de algumas
vantagens, está provado com os factos que todos estes são ephemeros, como
ephemeras são todas as tentativas, que o tem por base os meios previdentes
que nos proporcione uma acção directa, legalmente concedida e que nos garanta
o nosso bem estar, sem encommodar-mos a quem quer que seja...
247
Através das argumentações do redator, não a posição referente à greve é
explicitada, e isto ao mesmo tempo em que a proposta política defendida era reforçada,
por meio do caminho (Rumo) a ser seguido e dos elementos legalmente concedidos
(Partido, Voto, Eleição, Parlamento, Leis, etc.) presentes nele, como também se
encontram indícios quanto a problemas e conflitos vivenciados pelos ativistas.
Dentre esses conflitos destacam-se o tempo decorrido durante o processo de
negociações (quanto mais demorada a negociação, maior as dificuldades financeiras
enfrentadas pelos operários em parede, em virtude da suspensão dos vencimentos,
ocasionando, sobretudo, a falta de acesso aos gêneros de primeira necessidade), a
presença de fura-greves (o qual, arregimentado pelo patronato e pelo Poder Público,
procurava manter em funcionamento as atividades paralisadas, prejudicando, desta
forma, o sentido da paralisação e contribuindo para o surgimento de conflitos entre
ambos fura-greves e grevistas), a repressão e perseguição política (instrumentos
destinados àqueles que caminhavam de forma contrária as normas e regras
estabelecidas), a falta de adesão (problema enfrentado pelo movimento operário) os
resultados de caráter efêmeros e outros.
A segunda questão se refere à situação política do operário amazonense. As
imagens criadas pelo jornal são de “passividade”, de “inércia” e de “indifferentismo”. O
operariado era acusado de não se importar com as questões que o afligiam, de estar
247
Vida Operária, nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
P á g i n a | 127
impossibilitado, pela falta de vontade e de compreensão da importância da articulação e
ação política, de encampar uma luta visando à modificação de sua situação de trabalho e
vida.
E vós operários do Amazonas, porque vos deixais levar, sem direito e sem
força, sem honra e sem integridade, algemado qual Prometeu, pela via dolorosa
da inépcia?
Quebrae essas algemas que vos prende os pulsos, lavae esse borrão que
vos engrandece a alma, marchae exposto embora as intempéries do destino que
vos reclama o sacrifício.
248
Era justamente neste ponto que se daria a atuação do jornal Vida Operária, que se
propunha a rasgar esse “véo do indifferentismo” presente no seio das classes laboriosas,
arregimentado-as em torno de seu programa.
Quanto à instrução, terceira questão encontrada em seus artigos, era vista como
relevante em dois sentidos. Num primeiro momento como geradora de conquistas
intelectuais, morais, sociais e econômicas. Neste sentido, a instrução era o elemento
necessário ao “desenvolvimento collectivo” e “engradecimento de um país.
Também um outro ponto que devemos ter demasiadamente em vista, é a
parte que diz respeito a generalisação por demais intensificadora do ensino
instructivo no seio das classes proletárias
É esta portanto, uma das ideas que devem ser preconisadas dentro das
leis sociaes do nosso operariado ...
Pois, como todos nós sabemos; a instrucção é a grandeza, a alma e a vida
de um povo, e o grande progresso de uma Nação.
Procuremos, por tanto, instruirmo-nos, caros companheiros, visto como
tão somente devido a instrucção, foi que a ortr’ora grande Alemanha; bem como
a Bélgica, a Itália, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte,
se constituíram os principaes Paízes do mundo!
E o que foi que deu lugar a tudo isto?
Respondo-vos.
Foram os diversos inventos das variadas industriais, entrando como parte
activa, o conhecimento da mathematica, da phisica e da chimica; verdadeiras
forças motoras, que em auxílios dos seus trabalhos de arte, lhes foram dado a
executar.
248
Vida Operária, nº 2. Manaus, 15 de fevereiro de 1920.
P á g i n a | 128
Eis ahi portanto, como foram accumulados nos vários paizes que ora me
refiro, esses grandes capitaes de operários.
249
Por outro lado, ela se colocava como fundamental para garantir a inserção do
operário na vida política. Como já foi mencionado, a Constituição de 1891 estabelecia que
somente teriam direitos políticos as pessoas maiores de 21 anos que fossem
alfabetizados. Para que o operário pudesse votar e ser votado, era preciso que atingisse
esta condição. Portanto, uma vez estabelecida e defendida a luta parlamentar, a
instrução tornava-se necessária.
Também não faltará quem deseje ser apresentado pelas classes operárias,
porque terão plena certesa, que ella estará daqui a um certo tempo inteiramente
poderosa, conquistando assim os seus verdadeiros ideais.
E por essa razão, concitamos aos nossos companheiros ainda não
instruídos, que procurem as escolas afim de se alimentarem com o verdadeiro
pão espiritual da instrucção!
O mundo caros companheiros, só se acaba é para quem morre.
Não perdemos portanto as esperanças da victoria, a qual um dia será
nossa.
250
Em virtude disso, o jornal apoiava projetos que buscavam implantar a instrução,
inclusive no interior da associação, procurando incentivar a sua viabilização mesmo com
as constantes dificuldades de ordem econômica e política presentes neste momento
histórico.
Com relação ao voto e a eleição, estes elementos aparecem como importantes.
Pode-se notar este fato tomando por base os artigos publicados no jornal Vida Operária
sobre a sucessão governamental. Esta tinha uma data específica a ser realizada, 14 de
julho. Assim, a partir do dia 04 de abril de 1920 o jornal passou a veicular uma série de
artigos comentando este fenômeno. Neste espaço de tempo entre 04 de abril a 14 de
julho estes artigos, que se fizeram presentes em 12 números consecutivos, tinham por
objetivo explicitar posições e opiniões a respeito do tema.
Desta forma, percebe-se que a eleição se apresentava como um fenômeno que
possibilitava ao operário se manifestar e atuar no sentido de colocar nos espaços formais
249
Vida Operária, nº 3. Manaus, 24 de fevereiro de 1920.
250
Vida Operária, nº 16. Manaus, 30 de maio de 1920.
P á g i n a | 129
de decisão política pessoas que olhassem para os problemas e para as insatisfações
presentes no mundo do trabalho. Homens que se comprometessem a defender as
demandas operárias.
Por outro lado, aqueles que se distanciassem destas demandas, desconsiderassem
a causa operária e se fechassem na defesa de interesses específicos e particulares eram
denunciados. A posição do jornal era contundente na condenação desta prática.
Alerta operários!
Ribomba os horisontes políticos, pesada trovoada; cruzam na immensa
órbita da politicalha, relâmpagos de opiniões; o infinito espaço, enegrece-se de
candidaturas e, copiosa chuva de promessas, ameaça cahir sobre o infeliz povo do
Amazonas!
Operários não vos assusteis!
São elles, sempre elles, de todas as epochas, de todos os tempos!
Sim! São elles, que ahi vem com as suas promessas legendárias!
Todos elles, apresentando-se com direitos adquiridos pelos serviços
prestados, mas, - todos esses serviços, estão plenamente comprovados, que não
foram para o povo!...
Milhões de promessas, grandes emprehendimentos, colossaes problemas,
enormes melhoramentos (...) passadas as eleições? Todos esses castellos não
passaram nem passarão de confeccionados estratagema adredemente
preparados, para serem lançados ao povo.
(...)
Uma vez reconhecidos e empoleirados, afirmam que sua victória,
dependeu exclusivamente do prestígio de seu partido, depois desconhecem o
eleitorado, renegam os amigos, trahem a sua própria política, e acabam fazendo
do erário público balcão de negociatas.
(...)
Diante de todos esses factos, nós operários (...), o único eleitor,
poderemos assistir passivos a todas essas farças lançadas sobre nós, sem o menor
protesto?
Não! Mil vezes não!
Deveremos compenetrados nas nossas forças, nos nossos direitos, repelir
todos aquelles que, pelos seus actos tenham demonstrado o quilate de seu
caracter.
Devemos reagir moralmente com todo o furor de nossa dor, esses
vendilhões banaes, que vendem o seu caracter, e tentam subjugar o nosso e o
nosso trabalho...
251
251
Vida Operária, nº 10. Manaus, 11 de abril de 1920.
P á g i n a | 130
O instrumento capaz de repelir aqueles que marginalizavam as demandas do
operariado é o voto. O voto era a operacionalização ao mesmo tempo do protesto e da
renovação e mudança. Por meio deste instrumento, o operário poderia retirar ou inserir
candidatos na cadeira governamental ou no parlamento. Neste sentido, o jornal alertava
para a importância do debate e da discussão, no seio das sociedades operárias, de nomes
que se alinhavam com a causa operária.
De dezenas de nomes apresentados a curul governamental, apresentam-
se três que se destacam por batejos de correntes oppostas. Não queremos
hostilisar este ou aquelle, porém orientamos ao Povo principalmente ao
operariado em geral que devemos cerrar fileiras ao lado daquelle que consultar os
interesses do povo.
Devemos trabalhar com todas as nossas forças ao lado daquelle que nos
garanta a queda do patronato e a regulamentação entre o Capital e o Trabalho,
por que são as aspirações dos nossos idéaes, e será um passo agigantado que
daremos na evolução da nossa vida associativa.
(...)
Avante operários!
(...)
É chegado o momento das nossas reivindicações!
Cada operário, deve correr as urnas suffragando um nome...
252
Tanto a eleição quanto o voto eram destacados como essenciais. Não obstante, o
processo político-eleitoral trazia consigo problemas que afetavam a classe operária. Um
deles, denunciado nas páginas do jornal Vida Operária, referia-se a “agiotagem do voto”.
Por meio dos artigos publicados esta prática era informada e condenada, uma vez que era
encarada como nociva à organização e luta dos operários. A “agiotagem do voto” era
destacada e apontada como extremamente danosa capaz de gerar não somente a falta de
dignidade como também a “delapidação dos direitos” operários.
Em artigo intitulado “Fascinação do Ouro”, as bases desta prática eram
externadas. Segundo o artigo “o ouro na sua faina de tudo conquistar” pretendeu imperar
contra a consciência do próprio homem, sobretudo daquele que vive próximo da fome,
uma vez que “na fome e na nudez o ouro tem mais brilho”. Os “burocratas”, convencidos
252
Vida Operária, nº 17. Manaus, 06 de junho de 1920.
P á g i n a | 131
deste fato, “aproveitaram-se da falta de de uns, da fraqueza e covardia de outro” para
implementar tal ação.
253
Em que pese à presença desses elementos (eleição, voto e compra e venda do
voto), é preciso dizer que o número de operários que participava do processo político-
eleitoral (como candidato, mas, sobretudo como eleitor) era reduzido. Como se falou
anteriormente, no sistema que vigorava votavam apenas homens, brasileiros, maiores de
21 anos, alfabetizados e alistados como eleitores, o que alijava do processo um número
significativo de operários. Neste sentido aponta Cláudio Batalha
Todo o processo eleitoral era controlado pelo partido situacionista,
propiciando fraudes, e não havia voto secreto, deixando os eleitores a mercê de
todo tipo de pressão. Assim, durante a Primeira República, as eleições de
candidatos operários foram fenômenos raros, limitados a uns poucos casos: como
o do tipógrafo João Ezequiel, eleito deputado estadual, em 1913, em Pernambuco
graças a sua inclusão na lista oficial do governador general Dantas Barreto; e, em
1928, a eleição dos comunistas Minervino de Oliveira e Octávio Brandão para o
Conselho Municipal do Distrito Federal pelo Bloco Operário e Camponês. As
características do funcionamento dos legislativos, com garantia de ampla maioria
para o situacionismo, tornavam as eleições de eventuais candidatos muito mais
um feito propagandístico do que uma possibilidade para mudanças significativas
no sistema político.
254
Manaus parece não fugir a este quadro. Os documentos não apontam, para o
período da Primeira República, operários amazonenses ocupando o parlamento estadual
ou o conselho municipal. Entretanto, a posição do jornal frente aos aspectos
mencionados se deve a duas questões. A primeira é que seu diretor e seus colaboradores,
não pertencendo à classe operária (eram professor, funcionário público, poeta, etc.), mas
direcionando o jornal a ela e tratando de conteúdos referentes ao universo dela, votavam
(assim como os operários qualificados) e buscavam, por meio dos dispositivos
constitucionais (dos direitos civis e políticos), apresentar a possibilidade de participação
do operário no processo político-eleitoral, e neste sentido a associação, o partido e a
instrução eram fundamentais.
A segunda questão consiste em lançar críticas ao sistema vigente e, a partir da
repercussão delas, pressionar moralmente as autoridades a fim de gerar uma reforma
253
Vida Operária, nº 21. Manaus, 11 de julho de 1920.
254
BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva... Op. Cit., p. 180-181.
P á g i n a | 132
política. Não se pode deixar de mencionar que embora o jornal Vida Operária se dirigisse
ao operariado em particular, volta e meia, estendia-se ao Povo, sobretudo no momento
que antecedeu ao processo de sucessão governamental, o que se coloca como um
importante indício na direção desse processo.
Enfim, o jornal Vida Operária defendia três elementos como suporte da luta
operária por direitos políticos e sociais: a associação, o partido e o próprio jornal. Não
negava o regime republicano (mas sim a forma como estava sendo conduzido), não
negava o processo político-eleitoral (mas sim o sistema que vigorava e que excluía uma
parcela significativa de operários e populares) e aceitava a colaboração entre as classes.
4. CONSCIÊNCIA E COLABORAÇÃO DE CLASSE NO VIDA OPERÁRIA
A colaboração entre as classes é destacada em pelo menos três artigos. No
entanto, este tema é preciso ser tratado com atenção, cuidado e cautela, visto que, uma
análise superficial, tende a reforçar idéias de submissão, manipulação e controle por
parte dos setores políticos e econômicos dominantes sobre aqueles envolvidos na
produção do jornal e das notícias veiculadas.
Neste sentido, ao entrar em contato com alguns documentos oficiais da época é
possível observar alguns conflitos que saltam de suas páginas e que podem explicar esta
questão. Geralmente os conflitos envolviam quatro grupos: as empresas estrangeiras
concessionárias dos serviços urbanos, o poder público, setores do comércio manauara e
segmentos médios urbanos. No que tange aos dois primeiros grupos a relação
estabelecida era tensa e conflituosa, principalmente quanto às questões referentes à
responsabilidade sobre a realização de determinados serviços no interior do espaço
urbano. Assim, alguns embates ocorriam como o estabelecido entre a Manáos Tramways
e o poder público. Aquela ao ampliar ou fazer reparos e manutenções nos trilhos dos
bondes acabava por danificar as ruas e calçamentos centrais da cidade sem, no entanto,
consertá-los, causando insatisfações e discussões na esfera pública estadual. Esta
P á g i n a | 133
situação era criticada não na imprensa diária como também nas mensagens dos
intendentes municipais.
255
Este fato contribuía para que constantemente emergissem
conflitos entre ambos. Além disso, setores do comércio manauara por serem
prejudicados pela situação precária das ruas e calçamentos acabavam engrossando os
embates, ora criticando a atuação das empresas estrangeiras, ora cobrando uma posição
enérgica do poder público estadual para resolver o problema.
Cabe destacar também que algumas denúncias veiculadas nas páginas do jornal
Vida Operária contra a Manáos Tramways chegavam mesmo a extrapolar as questões
referentes ao universo do trabalho, estendendo-se ao universo do consumidor dos
serviços prestados pela empresa (setores médios urbanos).
Os srs. Cascabulhos da Tramways, amparados por meia dúzias de homens,
dirige desastradamente, a seu bel talante, sem que haja uma providência, quer do
governo, quer do povo que vem soffrendo os seus absurdos inqualificáveis.
Essa companhia exige como é sabido um depósito em dinheiro dos seus
consumidores!
Ora esse depósito sobe a uma somma avultadíssima dado ao grande
número de instalações existentes nesta capital e que depositada numa casa
bancária, produzirá juros fabulosos, em proveito dessa hydra, sem que ella,
offereça a menor vantagem ao consumidor, a não ser deixa-lo as escuras, como
tem acontecido muitas vezes.
E os audaciosos srs. Da Tramways, em que baseia semelhante estorsão
aos consumidores?
No inqualifficável contracto?
(...)
A Manáos Tramways, não passa de um verdadeiro sorvedoiro das rendas
do Estado, parasita do fisco federal e sangue-suga do povo.
256
Com efeito, os elementos responsáveis pela publicação do jornal buscaram
estudar o contrato desta empresa com o objetivo de encontrar dispositivos não
cumpridos ou atuação considerada irregular. Assim, destacaram que “os trilhos
empregados na construcção, não são os estipulados no contracto, assim como as linhas
255
O próprio jornal Vida Operária denunciou esta situação em suas páginas: “A companhia alem de lesar o
Estado, de menospresar as nossas leis, com pleno consentimento de quem quer que seja, ainda estraga
os belíssimos calçamentos de nossa Urb, com seus constantes concertos, nas suas podres linhas, como
poderemos ver alli, no fim da rua 10 de julho e outros pontos...” Vida Operária, nº 10. Manaus, 11 de abril
de 1920.
256
Idem.
P á g i n a | 134
não são duplas, como resa o farrapo”.
257
Porém, em que pese o esforço de tornar
públicas as irregularidades, todas as decisões referentes à atuação destas empresas
estrangeiras eram tomadas na esfera federal – e não na municipal ou estadual – e sempre
a favorável às mesmas.
Estas contradições existentes, sobretudo no interior do patronato, ajudam a
entender, em parte, os artigos produzidos e direcionados ao congraçamento das
chamadas “as três classes productoras do Estado: o operariado, o commércio e a
indústria”. Isto fica claro quando se observa que o uso do termo “productoras” se
colocava enquanto componente de diferenciação destes grupos frente aos ingleses
denominados de “pançudos” e “parasitas”.
258
Ou seja, havia uma insatisfação comum a
estes três grupos que acabava por criar interesses opostos aos das firmas estrangeiras
(inglesas).
Desta forma, alguns artigos foram elaborados visando incentivar a união das três
“classes produtoras”, encarada como algo extremamente urgente e necessário para
modificar a atuação “soberana”, “irresponsável e “exploradora” das empresas
estrangeiras e contribuir para o reerguimento econômico do Estado do Amazonas.
A grande crise insolvente porque hoje se debate o nosso infeliz Amazonas,
faz com que a gente fique abroquelado na esperança duvidosa de melhores dias;
e se não formos de antemão imprevidentes, muito precipitadamente atiraremos
na fogueira os esforços da nossa modesta luta pela vida, e que a custa de muito
trabalho e sacrifício até da própria saúde, honestamente adquirimos n’uma
década de annos!
Assim sendo, preciso se faz que um gesto nosso se inicie com a maior
presteza possível, no sentido de salvarmos a nós próprio o muito principalmente a
esse infeliz Estado, que cada vez mais se debate em extertorante agonia;
arrastando-nos caudalosamente num completo desfallecimento e sem termos a
menor esperança de salvação!
(...)
Para conseguirmos esse desideratum, faz-se mister, que as três forças
productoras do Estado; isto é o commercio, o proletariado e o industrial,
257
Idem.
258
Estes termos refletem as críticas estabelecidas no jornal e direcionadas aos ingleses. Neste sentido, o
termo “parasita” era utilizado para expressar a exploração do trabalho alheio, ou seja, daquele que vive
(inglês) do trabalho do outro (operário). Já “pançudo” representa a idéia do não esforço e da alimentação
em demasia. Desta forma, os ingleses eram aqueles que estavam presentes em Manaus, explorando a
região, o trabalhador e consumindo a melhor comida e bebida.
P á g i n a | 135
arregimentando as suas respectivas classes, organizem aqui na Capital uma
grande aggremiação composta dos três elementos acima mencionados...
259
Esta agremiação composta pelos três elementos do Estado não ficaria restrita a
capital. Estenderia-se ao interior por meio de agremiações filiais. E não parava por aí. O
jornal destacava ainda que era preciso, no seio das três corporações, qualificar e
arregimentar o maior número de elementos enquanto eleitores, para assim obter “no
devido tempo o suffrágio dos nossos candidatos” que
Juntamente com o futuro poder executivo do Estado, assim exercermos as
funcções que nos são também outorgadas constitucionalmente por lei, quer na
Assembléia Legislativa, ou na municipalidade, como legítimo representante dos
três poderes productores do Amazonas (...) que, em igualdade de circunstâncias,
são também conferidos aos candidatos dos partidos officialmente políticos, ou
apontados pelo próprio governo para o mesmo desempenho, como os legítimos
mandatários do povo!
E desde que esses três poderes tenham legítima representação blica
liberal; o Amazonas tomará outro rumo, e várias outras idéas surgirão em
proveito do Estado!
260
Para entender este discurso presente no jornal Vida Operária é preciso levar em
consideração não somente as contradições existentes no seio da elite econômica e
política manauara, o que acabava por permitir aproximações, mas também a situação
social e política do operariado amazonense.
Assim, a questão da colaboração entre as classes se coloca muito mais como
estratégia para qualificar (criar condições para que o operário participasse politicamente)
e inserir o operariado no campo político do que expressão de cooptação e manipulação.
Esta estratégia fica evidente em outro artigo que toca neste ponto mais explicitamente.
O governo o deve se restringir apenas na escolha dos amigos do seu
partido, afim de gracial-os com mandatos electivos, quer nas Municipalidades ou
no Congresso do Estado.
Não! Elle deve também procurar no seio dos representantes das classes a
quem elle pediu o voto pelo menos um cidadão de cada uma das mesmas classes,
e fazel-os eleger seus representantes.
259
Vida Operária, nº 24. Manaus, 29 de agosto de 1920.
260
Vida Operária, nº 24. Manaus, 29 de agosto de 1920.
P á g i n a | 136
Peçam o voto do operário, do commerciante e do industrial, mas
reconheçam que esses também tem o mesmo direito representativo, como
igualmente todos os partidos deste ou daquelle governo.
261
Além disso, nos artigos que conclamavam a colaboração das classes produtoras,
outra questão se apresenta: a presença de elementos do pensamento cientificista,
sobretudo do positivismo.
5. O FLERTE COM O POSITIVISMO DE AUGUSTO CONTE
A influência do positivismo é percebida em alguns artigos que versam sobre a
situação do operariado universal bem como a ação operária a ser desenvolvida. Tais
artigos expressam idéias de “evolução social”, “civilização” e “progresso”, elementos do
pensamento Comtiano. Segundo Boris Fausto:
Em termos muito gerais, o princípio básico das concepções de Comte
residia na conhecida lei dos três estados, segundo a qual a mente teria uma
tendência inata a passar das interpretações teológicas da experiência para as de
tipo abstrato ou metafísico até chegar ao ponto de alcançar a compreensão
científica e positiva. Esta doutrina era a um tempo uma teoria do conhecimento,
uma filosofia da história e um programa de reconstrução social.
262
Quanto à reconstrução social seria alcançada a partir da evolução intelectual.
Neste sentido, era necessária a formação de uma categoria de intelectuais capazes de
criar uma doutrina comum e um sistema de educação para difundí-la. Neste processo de
reconstrução da sociedade, “o poder temporal seria exercido por um triunvirato de
banqueiros influenciados pela moral positivista e o espiritual que daria coesão à
sociedade pelos intelectuais formados na doutrina, com apoio do proletariado”.
263
Com
relação a este, para que pudesse exercer seu papel era fundamental que fosse
incorporado a sociedade moderna.
261
Vida Operária, nº 19. Manaus, 27 de junho de 1920.
262
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social... Op. Cit., p. 48.
263
Idem.
P á g i n a | 137
Esta estrutura, hierárquica inclusive, está presente numa transcrição de um artigo
elaborado pelo major Cezimbra Jacques no “Gil Blas” no dia 15 de Julho de 1920 e
publicado no jornal Vida Operária no dia 12 de setembro do mesmo ano:
... Procuraria obter entre os nossos intellectuaes, pessoal capaz de operar
um movimento de propaganda contra idéias dissolventes.
E a esse pessoal preparado, engarregaria da dita missão (...) mediante
conferencias oraes, a que também a convite, deveriam assistir capitalistas e
burguezes, essencialmente industrialistas.
Nessas conferencias, visando principalmente harmonizar, o orador,
procuraria falar ao coração dos chefes industriaes e dos obreiros convidando-os
como si constituíssem uma família, de modo que, chefes e sobordinados
venham a participar dos prazeres e das lagrimas reciprocamente de forma que os
primeiros venham a ser os protectores dos segundos; e que estes venham a
estimar os chefes: - A protecçao do forte para com o fraco; e veneração do fraco
para o forte. A subordinação é a base do aperfeiçoamente. Subordinae-vos
dignamente.
264
A ação das “classes productoras” seria orientada por uma categoria de intelectuais
responsáveis por criar caminhos para o “progresso moral e material. O papel a ser
desenvolvido pela classe operária era no âmbito do trabalho. Consoante o jornal, o
trabalho era visto como produtor de riquezas e como elemento que integrava o homem a
sociedade moderna. Entretanto, a incorporação do homem a sociedade moderna estava
comprometida pelas injustiças sociais, pelo egoísmo e ganância daqueles que conduziam
os rumos da República e do Estado (a elite política e econômica).
Benito Bisso Schmidt ao examinar a difusão de teorias cientificistas no movimento
operário gaúcho no período da Primeira Republica Brasileira, sobretudo o positivismo,
observou que esta teoria assumia, em grande medida, a forma de uma etapa de transição
para o socialismo
265
. Além disso, aponta a existência de uma cosanguinidade entre
positivismo e socialismo/marxismo/comunismo materializada em três traços comuns. Em
primeiro lugar, ambas as correntes buscam uma sustentação racional e científica para a
forma como interpretam a realidade e para suas propostas de transformação social. Em
segundo lugar, a perspectiva evolucionista (das formas inferiores às formas superiores de
organização da sociedade). Por último, a crítica ao individualismo burguês.
264
Vida Operária, nº 25. Manaus, 12 de setembro de 1920.
265
SCHMIDT, Benedito Bisso. O Deus do Progresso: a difusão do cientificismo no movimento operário
gaúcho da Primeira República. Porto Alegre: Mimeo.
P á g i n a | 138
Estes traços (diga-se elementos) estão presentes no jornal aqui abordado. Porém,
ao contrário do positivismo que propunha ao operariado somente a obtenção de direitos
sociais e não políticos, a posição do jornal Vida Operária, como foi demonstrado,
constituía-se na difusão e defesa de instrumentos que possibilitassem conquistas de
direitos políticos e sociais.
O que se percebe é que a influência positivista está associada ao contexto político
e intelectual da época. Os últimos anos do culo XIX e os primeiros do século XX foram
marcados pela difusão de teorias cientificistas (evolucionismo, darwinismo social,
positivismo e outros) que foram recepcionadas no Brasil e acolhidas, principalmente
pelos grupos urbanos e setores da elite política e intelectual nativa.
Para Gomes
266
, resgatando o depoimento de José Veríssimo, o positivismo
começou a ter força após a Proclamação da República. Devido à influência militar,
principalmente de Benjamin Constant, o positivismo transformou-se numa “religião de
estado”. Pulularam neste momento os adeptos desta doutrina e uma “gíria positiva”
passou a pontuar todos os discursos. Segundo a autora, neste ambiente, certamente era
fácil absorver a retórica e a visão de mundo positivista em sentido amplo e utilizá-las para
compor uma proposta cujo conteúdo central era diferente: a defesa e a luta pela elevação
social e moral do trabalhador, passando pelo exercício dos direitos políticos de
representação.
O jornal enquanto instrumento de difusão de idéias buscava, por meios diversos,
abrir espaços para a participação política do operariado amazonense. Ao que tudo indica,
o grupo dirigente do jornal se apropriou da retórica positivista (presente na questão da
colaboração entre as classes), reelaborando-a no sentido de construir uma proposta de
participação política dos trabalhadores.
6. CORRENTES IDEOLÓGICAS E ESTRATÉGIAS SINDICAIS
266
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit., p. 26.
P á g i n a | 139
No Brasil, no final do século XIX e no decorrer das duas décadas iniciais do século
XX, surgiu uma série de grupos políticos dispostos a conduzir a ação dos operários. Entre
eles se destacam uma gama de grupos socialistas, “a começar pelo círculo socialista
fundado em Santos (SP) em 1889, seguido pelo Partido Operário criado na Capital
Federal” o que, a partir deste momento, contribuiu para uma proliferação de partidos
socialistas de expressão, em grande medida, local e de caráter efêmero. Os anarquistas
que começaram a se difundir, sobretudo a partir dos anos 1890, através de grupos de
propaganda e periódicos, onde os pioneiros foram “os jornais Gli Schiavi Bianchi (1892),
L’Asino Umano (1894-1894) e L’avvenire (1894-95), todos publicados em São Paulo”. Os
positivistas representados na Capital Federal pelo Círculo dos Operários da União (1909) e
o Círculo Operário Nacional (1916). A corrente católica materializada no Centro dos
Operários Católicos (1899) em São Paulo, que mais tarde passaria a chamar Centro
Operário Católico Metropolitano (1907), Confederação Católica do Trabalho (1919) em
Belo Horizonte, espécie de central de sindicatos católicos e a Federação Operária Cristã
(1910 e 1920) em Pernambuco. Os sindicalistas corporativistas, corrente ligada à
atividade de propaganda em favor das cooperativas empreendida por Custódio Alfredo
de Sarandy Raposo e materializada na Federação Sindicalista Cooperativista Brasileira
“substituída no ano seguinte pela Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira”.
Por fim, no rastro da influência Russa de 1917, a consolidação de uma nova corrente no
Brasil em 1922, com a fundação do Partido Comunista.
267
Cada grupo era influenciado por correntes ideológicas cujas linhas de força eram
diferenciadas. Com relação aos socialistas pregavam a construção de um partido operário
para atuar na defesa de um programa de reformas políticas e sociais, procurando atender
as demandas operárias. A concretização das reformas se daria por meio de pressões
(políticas e morais) e eleição de candidatos (de dentro ou de fora da classe operária)
comprometidos com a causa operária. Portanto, este grupo não negava o regime
republicano, pregava a inserção político-partidária dos operários e, em grande medida, a
colaboração de classes.
268
267
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p.
21-37.
268
CASTRO GOMES, Ângela de. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit., p. 49-53.
P á g i n a | 140
No que tange a segunda corrente, o anarquismo, em que pese às diferenças entre
as diversas matizes (anarco-comunismo, anarco-individualismo, etc.), é possível
identificar um tronco comum. Neste caso, esta corrente visava realizar modificações
profundas na estrutura da sociedade, substituindo a autoridade do Estado por algum tipo
de forma de cooperação não governamental de indivíduos livres. A ação a ser
desenvolvida para tal fim se limitava ao campo econômico (luta econômica) e ideológico,
com a propaganda da “ação direta” e a negação da luta político-parlamentar.
269
Quanto aos positivistas, estes buscavam a chamada “incorporação do operariado
à sociedade moderna”. Esta incorporação se daria pelos mecanismos legais do regime
republicano vigente, por meio de apelos as autoridades constituídas. A atuação deste
grupo levava em consideração a melhoria das condições de vida e trabalho dos operários.
Porém, eram contrários à greve e a formas de luta mais radicais. Pode-se dizer que os
positivistas apontavam para a conquista de direitos sociais, mas não políticos.
270
A corrente católica pregava o entendimento entre trabalhadores e patrões, era
contrária às greves e ao socialismo além de denunciar timidamente os males da
industrialização. A atuação deste grupo se dava pela pressão moral (e não pela luta
político-parlamentar) sobre as autoridades constituídas, as quais reconhecendo a justeza
das reivindicações dos trabalhadores atuariam no sentido de resolver as questões.
271
os sindicalistas cooperativistas andavam próximos aos positivistas no que diz
respeito à forma de ação. Esta corrente está ligada de perto à atividade de propaganda
em prol das cooperativas empreendida por Custódio Alfredo de Sarandy Raposo, que
data do início dos anos de 1910, quando dirigiu o Escritório de Informações sobre
Sindicatos e Cooperativas do Ministério da Agricultura. Quanto aos comunistas, diferiam
tanto dos socialistas quanto dos anarquistas, uma vez que a proposta defendida era a de
um partido com uma organização centralizada e nacional que buscasse uma mudança
revolucionária, mas não descartasse a participação nas eleições. Neste ponto, a eleição
era vista ao mesmo tempo como uma forma de propagar idéias como também um
mecanismo de negociações objetivando conquistas a curto prazo para o operariado.
272
269
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Proletariado Industrial na Primeira República... Op. Cit., p. 150.
270
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República... Op. Cit., p. 25-26.
271
Idem, p. 27.
272
Idem, p. 26-35.
P á g i n a | 141
Assim, como se viu anteriormente, atuação do jornal Vida Operária se dava em
torno de quatro pontos principais. Em primeiro lugar, uma posição de crítica moderada
ao universo social em disputa. Neste caso, é preciso esclarecer que este “moderado” é
tomado em contraponto aqueles que tinham por base a transformação radical da
estrutura social. Portanto, para os articulistas do jornal, a ordem e a lei estabelecidos
eram destacados e observados, ou seja, a atuação se daria obedecendo a estes dois
elementos. Em segundo lugar, a inserção de representantes da causa operária (de dentro
ou de fora da classe operária) na esfera representativa republicana. Deste modo, a
existência de um partido operário era primordial para levar adiante a luta operária. O
partido político atuaria apresentando e apoiando candidatos e difundindo e defendendo
um programa de reformas. Esta defesa se daria por meio de pressões morais e pela
eleição de representantes operários que por meio de leis garantiriam as demandas da
categoria. Em terceiro lugar, a organização e a instrução, dois elementos que se
colocariam como suporte deste projeto político. A organização garantiria a união e
coesão do grupo, transformando-o em uma força social capaz de produzir mudanças. A
instrução, considerada como elemento fundamental para o enriquecimento moral e
político, garantiria a interlocução social em “condições paritárias”. Por último, o diálogo
entre as classes, visando à colaboração.
Por estes pontos, é possível afirmar que este jornal tinha uma nítida influência do
socialismo reformista. Não obstante, tomando por base a posição do jornal quanto à
greve, o regime republicano (e nele a eleição e o voto) e, sobretudo a questão da
colaboração entre as classes, expressa no tema das “três classes produtoras do Estado”,
percebe-se a influência de elementos do positivismo, com doses, moderadas de
evolucionismo. A própria realidade observada pelo jornal indica a presença de um viés
cientificista marcado pela proposta política elaborada e apresentada.
Como atenta Batalha, os socialistas deste período professavam como ideologia um
“socialismo eclético, marcado pelo viés cientificista e positivista que caracterizava o
socialismo da Segunda Internacional, cuja proximidade da matriz marxista era, por vezes,
mais simbólica que real”.
273
Além disso, as realidades política, econômica, social e cultural
das regiões que compõem o país acabam por influenciar, de modo significativo, o
273
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República... Op. Cit., p. 22.
P á g i n a | 142
comportamento dos mesmos. Não se pense com isso que o propagandismo das diversas
ideologias estivesse ausente do universo operário manauara. Os jornais operários e os
poucos panfletos operários que resistiram ao tempo como o da União dos Operários
Amazonenses (abaixo) – denunciam a circulação das idéias revolucionárias.
IMAGEM 5:
REFERÊNCIA A KARL MARX EM PANFLETO DOS ANOS 20
Fonte: “Panfletos Operários” – Acervo Digital (LHIA).
De qualquer forma, enquadrar rigidamente o jornal em uma dada corrente
ideológica pode conduzir a um processo de empobrecimento de aspectos importantes,
levando a uma compreensão bastante limitada da atuação deste veículo de comunicação
encarado, pelos seus animadores, como fundamental no processo de difusão de idéias e
de organização do operariado. Desta forma, é preciso levar em consideração que o
comportamento do jornal se deu no interior de um determinado contexto sob o qual
paira um repertório de possibilidades de ações. É justamente no interior deste contexto
que se deve entender o alinhamento político do jornal (socialista reformista com
elementos do positivismo, cientificismo e em menor escala do evolucionismo). Entendê-lo
P á g i n a | 143
como fruto de escolhas orientadas pelas possibilidades existentes, ou seja, como uma
opção política desenhada. Compreender a atuação do jornal Vida Operária neste sentido
é fundamental na medida em que esclarece uma série de posições que, vista sob outro
ângulo, poderia conduzir a uma idéia equivocada de sua atuação no interior do
periodismo local.
Com relação às estratégias sindicais, as informações difundidas no jornal apontam
para um sindicalismo reformista.
274
Entre os elementos que acabam por expressar este
aspecto se tem a preocupação, do ponto de vista político, social e financeiro, em manter
organizações fortes e duradouras para alcançar os objetivos traçados, a aceitação de
intermediação de advogados, políticos e autoridades, posição contrária à greve e a
percepção de que os ganhos, sem a consolidação por meio de leis, seriam efêmeros,
podendo ser revertidos em momentos desfavoráveis aos operários.
É preciso destacar que no Amazonas a literatura
275
que aborda a questão das
influências das correntes políticas e ideológicas sobre o movimento operário destaca dois
eixos principais: o anarquismo e o socialismo reformista (e suas matizes). Quanto ao
comunismo, “apresentou-se bastante mido no interior do movimento associativo dos
trabalhadores”.
276
Embora o socialismo-reformista se configure como a tendência mais forte no
interior do movimento operário amazonense, não se pode negligenciar a presença do
Anarquismo, na vertente Anarco-sindicalista, no meio operário. Por meio do jornal A
Lucta Social, que circulou na arena jornalística no ano de 1914, as idéias desta corrente
274
Como afirma Batalha, o sindicalismo de ação direta funda-se na rejeição de intermediários no conflito
entre trabalhadores e patrões, na condenação da organização partidária e da política parlamentar, na
proibição da existência de funcionários pagos nos sindicatos, na adoção de direções colegiadas e não-
hieráquicas, na reprovação de serviços de assistência nos sindicatos, na recusa da luta por conquistas
parciais, na defesa da greve como principal forma de luta, apontando para a greve geral. Quanto ao
sindicalismo reformista aceitava a intermediação no conflito entre trabalhadores e patrões. Neste caso,
toda ajuda era bem vinda, sobretudo de advogados e políticos. Não condenavam a organização partidária
e a luta político-parlamentar, não tinham nenhum problema com relação aos sindicatos manterem
funções mutualistas, aceitavam a luta por conquistas parciais e a greve era utilizada como último recurso.
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República... Op. Cit., p. 28-33.
275
COSTA, Francisca Deusa Sena da. “Manaus e a Imprensa Operária: o discurso do trabalhador também
exclui”. Amazônia em Cadernos, v. 2, n 2/3, 1993/1994, COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando Viver
Ameaça a Ordem Urbana: cotidiano de trabalhadores em Manaus, 1915-1925. Dissertação de Mestrado,
PUC-SP, 2000, P.177, PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros: Trabalho e Conflito no
Porto de Manaus (1899-1925). Manaus: Edua, 1999, PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte:
Periodismo e Cultura Letrada no Amazonas (1880-1920) Tese de Doutorado em História. São Paulo, PUC-
SP, 2001.
276
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 148.
P á g i n a | 144
eram veiculadas. Neste sentido, é importante não somente registrar a existência desta
corrente, e, por conseguinte do jornal, como se faz necessário identificar, a despeito da
conjuntura diferenciada em que os jornais Vida Operária e A Lucta Social circularam,
divergências significativas quanto à organização e as ações operárias.
Nas páginas do jornal A Lucta Social a organização é salientada. Ela é encarada
como um mecanismo relevante não somente para fazer frente às exigências patronais
como também para a construção do processo de “regeneração humana”. Através da
organização os laços de solidariedade se originariam e se consolidariam produzindo, a
partir de então, um processo que culminaria na emancipação integral. Deste modo, os
que vivem do trabalho conseguiriam obter acesso a toda produção existente, sobretudo
aquela “que os burgueses (...) roubaram”.
Associa-te, organisa-te em associações onde encontrarás o antidoto
poderoso que, ajudar-te-á a levar a cabo a grande obra da regeneração humana,
mostrando assim que sabes comprehender os laços de solidariedade que atravéz
das fronteiras se cruzam unisonos, em holocausto da tua emancipação integral.
Sim é ella a solidariedade poderosa que, paralisando em dado momento o
movimento do arado, a força a vapor, fará com que num dia o operariado
recupere aquillo que os burguezes lhe roubaram toda a producção existente,
porque é legado dos nossos antepassados, aperfeiçoados por nós; e para gáudio
deles por honra aos mortos, não devemos consentir que por mais tempo a víbora
se nutra do nosso sangue, e de nossas famílias, condemnando-nos assim, a
perpetuo servilismo.
277
Além de chamar atenção para a importância da organização, o jornal expressa a
defesa do tipo de sociedade operária a ser adotada. Ao contrário dos socialistas,
especificamente daqueles que animavam o jornal Vida Operária, que não viam problemas
em manter associações beneficentes e de auxílios mútuos, A Lucta Social acabou por dar
relevo e defender o sindicalismo de resistência.
Fundemos sociedades de classe, porém, não essas sociedades caça-níkeis,
denominadas Beneficentes porque ellas o a negação absoluta das idéas
reivindicadoras. Organizemo-nos, repito, mas dentro das mais modernas
aspirações libertarias, nas bases sólidas do syndicalismo puro única forma
adoptada na escola operária racionalista; isto é, no Socialismo Libertário, porque
277
A Lucta Social, nº 1. Mnaus, 29 de março de 1914.
P á g i n a | 145
de seu seio surgirá a aurora redemptora da liberdade illuminando a senda
d’uma Sociedade Nova, de Paz e de Concórdia.
278
Com efeito, percebe-se que algumas críticas foram elaboradas e direcionadas a
questão da organização dos trabalhadores em associações de auxílios mútuos e
beneficentes. Estas associações eram acusadas de “caça-níkeis” e de obstaculizar o
processo de emancipação política, uma vez que eram “a negação absoluta das idéas
reivindicadoras”.
Um aspecto que aparece ligado ao processo de organização dos trabalhadores é a
composição do sindicato. Este deve se constituir exclusivamente de trabalhadores,
deixando de fora aqueles que não pertenciam a esta categoria. Como associação de
classe, o sindicato deveria reunir somente os operários, com o objetivo de fortificar a
consciência e estudar as questões referentes ao seu universo e suas necessidades.
Os sindicatos operários não podem de modo nenhum ser comparados aos
clubs políticos, nem as irmandades religiosas, nem às sociedades de arte ou
sciencia.
E os trabalhadores são os únicos a quem diz respeito inteiramente a
defesa dos seus interesses. Por isso eles devem com muita razão excluir dos seus
sindicatos todo aquelle que não fôr trabalhador.
O sindicato operário deve assentar nessa base. Não é bastante visto para
conter não-trabalhadores.
O sindicato operário deve ser constituído unicamente de trabalhadores
largamente despertados pela situação, que pensem, atuem, e olhem pelos seus
próprios negócios, e que nunca esperem obter por meio dos bons ofícios de
qualquer outro o que eles achem muito difícil alcançar por si.
279
Quanto à ação operária, A Lucta Social não acreditava que a ação por meio da
formação de partidos políticos e da luta político-parlamentar – aspectos defendidos pelos
colaboradores do jornal Vida Operária pudesse transformar a sociedade. A ação
defendida era através da luta econômico-sindical e adotando por método a ação direta.
Eram estes os elementos destacados e que conduziriam os trabalhadores em direção a
sua emancipação.
278
Idem.
279
A Lucta Social, suplemento ao nº 1. Manaus, 27 de fevereiro de 1914.
P á g i n a | 146
Teem sido as revoluções os fatores de todos os progressos. Mas a
revolução em que nós co-participamos, não é a revolução que tem por fim tirar o
prestígio do poder a certos homens, para os entregar nas mãos doutros. A nossa
revolução é a revolução econômica. E ella chegará ao seu apojeu, quando a
consciência da Humanidade assim o permita. De nada receiem os homens
destado até este momento.
A nossa propaganda, não é feitas as escondidas. É feita em público, á luz
do dia, diante de todos que nos querem ouvir. E a nossa ação principal é ezercida
nas nossas sociedades, sem coação ou imposição de espécie alguma, mas,
simplesmente fazendo ver os direitos que a todos assiste e os deveres que a todos
compete.
Se os políticos julgam que nós lhe servimos de instrumento; se julgam que
nós nos bandeamos, no seu esclusivo enteresse, enganam-se.
Nós estamos completamente afastados da política, não nos preocupando
que a governança esteja entregue a Pedro ou a Paulo...
280
Sobre o método da ação direta sabotagem, boicote, manifestações públicas e a
greve, parcial ou geral era destacado em detrimento da luta político-parlamentar. Por
este método, a greve assumia um papel preponderante. Manifestando-se enquanto
“episódio de guerra social” a greve, sob a influência do sindicalismo, passou a ser vista
como um fenômeno de expropriação parcial do capital. Assim, reconheceu-se que os
resultados deste instrumento de luta seriam favoráveis a classe operária em dois
aspectos: do ponto de vista moral, a formação de um espírito de luta; do ponto de vista
material, “o assalto contra um lado da sociedade capitalista, que permite uma diminuição
de priviléjios da classe esportadora, que se traduz por um aumento de bem estar e de
liberdade para a classe operária”.
281
Por fim, é preciso ainda apontar dois aspectos presentes no jornal A Lucta Social.
O primeiro se refere aos temas abordados como “O Salariato”, “A Lucta de Classes”, “A
Greve”, “Os Sindicatos Operários”, “Liberdade”, “A Aurora Proletária”. Segundo
Pinheiro
282
estes temas mantém uma seqüência lógica, indo da explicação da estrutura e
dinâmica das sociedades, passando pela identificação dos conflitos de classe e formas de
organização do trabalho, até a explicação da consciência de classe do operariado, a
ampliação das suas lutas e a necessária transformação revolucionária da sociedade.
Quanto ao segundo aspecto, diz respeito às divergências materializadas na disputa pelo
280
A Lucta Social, nº 4. Manaus, 1 de setembro de 1914.
281
A Lucta Social, nº 3. Manaus, 1 de junho de 1920.
282
Pinheiro, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros... Op. Cit., p. 157-158.
P á g i n a | 147
controle das ações operárias, notadamente entre estes e os socialistas. Encontram-se
pelo menos dois artigos que tornam público estas diferenças. No primeiro artigo, ao
informar o falecimento de um “camarada”, o operário socialista Ignácio de Souza, o jornal
alertou que embora estivesse em campo doutrinário opostos, não deixou de registrar o
sentimento devido pela morte do “incasavel lutador da causa operária”. No segundo
artigo, redigido por um tipógrafo socialista chamado Azpilicueta, essas diferenças são
expressas em termos contundentes e sentidas de forma negativa e prejudicial à causa
operária.
Sou completamente contrário á luta entre os operários, porque entendo
que essa luta é inglória, prejudicial e contraproducente, ante os fins que
perseguimos, pois que com discussões de certo gênero, damos ares aos
elementos que devemos combater.
Sou completamente solidário com todos os que queiram concorrer á
futura transformação social, dentro da evolução, chamem-se socialistas de Estado
– grupo a que pertenço – coletivistas ou sindicalistas.
(...)
Acabemos com essas dissensões e, unidos, batalhemos em prol dos
esplorados e contra os esploradores.
283
Entretanto, as diferenças com relação à organização e ação operárias não se
davam somente entre os grupos anarquistas e socialistas. As diferenças estavam
presentes também nos últimos e são percebidas por meio de seus porta-vozes: o jornal
Vida Operária e O Extremo Norte.
7. PELA CONDUÇÃO DA AÇÃO POLÍTICA OPERÁRIA: VIDA OPERÁRIA X EXTREMO NORTE
Comparando os jornais Vida Operária e O Extremo Norte, percebem-se diferenças
sobre a condução da ação operária. Entretanto, se com os anarquistas não se teve a
oportunidade de colocá-los lado a lado em virtude de diferenças cronológicas, não é esta
a situação quanto aos dois periódicos acima citados. Ambos circularam no ano de 1920 e
283
A Lucta Social, nº 3. Manaus, 1 de junho de 1914.
P á g i n a | 148
expressaram ao mesmo tempo em que se posicionaram sobre as questões surgidas neste
momento.
Com relação ao jornal Vida Operária, como registrado anteriormente
284
, surgiu em
08 Fevereiro de 1920 com o objetivo de se dirigir e defender a classe operária. Superando
as dificuldades políticas e financeiras, a direção, os articulistas e as associações que
davam suporte ao jornal sustentaram a publicação de 26 números. Nestes títulos
encontram-se presentes denúncias sobre baixos salários, alto custo de vida e de relações
entre patrões e empregados, sobretudo das empresas estrangeiras enraizadas em
Manaus. Deixou de circular em 26 de setembro do mesmo ano.
Em seus números, o jornal Vida Operária divulgou e defendeu uma proposta de
ação política operária. Nesta proposta, como se viu anteriormente, a associação, o
partido e o próprio jornal eram instrumentos fundamentais da ação operária.
Quanto ao jornal O Extremo Norte, circulou no mesmo contexto e ano que o jornal
anteriormente destacado. Encontram-se nos arquivos 6 números, sendo o primeiro de 08
de abril de 1920 e o último de 24 de outubro de 1920. O conteúdo presente no jornal
tratava de assuntos relacionados ao viver operário e os tinha como público alvo. Quanto
ao seu surgimento, não se encontra artigo relatando este fato como no jornal Vida
Operária, talvez em virtude da ausência dos seus 12 primeiros números.
Da mesma forma que seu confrade, identifica-se em suas páginas a elaboração,
difusão e defesa de uma proposta de participação política operária. Nela os mesmos
elementos destacados no Vida Operária se apresentam enquanto pilares de
assentamento da luta operária: a associação, o partido e o jornal.
No jornal O Extremo Norte a associação era posta em relevo por ser vista como um
elemento capaz de promover a integração e coesão aos operários. o partido político
era o aglutinador das demandas operárias, em torno dele seriam articuladas as ações e
reivindicações a serem defendidas. Do mesmo modo que no jornal Vida Operária, O
Extremo Norte via o partido operário como elemento de inserção destes no universo
político. Quanto ao jornal, seria o instrumento de divulgação, discussão e defesa não
da proposta política criada como também das causas operárias. Assim, ambos os jornais
284
Para uma descrição mais completa sobre o surgimento e atuação do jornal Vida Operária ver o tópico
três do capítulo 1.
P á g i n a | 149
buscavam agir junto aos operários visando criar condições para a intervenção política em
prol de melhores condições de vida e trabalho.
Em que pese às convergências acima citadas (que culminavam na participação no
processo eleitoral, representação no parlamento e elaboração de leis que beneficiassem
o operário e atendessem suas demandas), havia divergências quanto à organização
operária e a natureza do partido operário.
Sobre a organização operária, no decorrer da Primeira República Brasileira
identificam-se três tipos de sindicatos ou sociedades de resistência: as associações
pluriprofissionais, reunindo operários de diferentes ofícios e diferentes ramos, as
sociedades por ofício, reunindo unicamente operários de determinado ofício e alguns
similares e, por último, os sindicatos de indústria ou ramo de atividade.
285
O jornal Vida Operária se posicionava a favor da organização operária tanto por
sociedades de classe (pode-se dizer também ofício) quanto por associações
pluriprofissionais. Observa-se isto não pelas sociedades presentes nas páginas do
jornal, e que indicam alguma influência sobre as mesmas e vice-versa, quanto pelo
próprio diretor, Elesbão Luz, membro do Centro Operário, e dos redatores, Marcelino
Ferreira e Guilherme de Oliveira, este presidente da sede regional da União Operária
Nacional e aquele membro desta.
Quanto ao O Extremo Norte, a leitura de seus artigos aponta para a defesa da
organização dos operários por classe.
É uma necessidade de grande valor a organisação das Associações
Operárias por classe, afim de que a nossa política se possa solidificar, porque
assim o communismo será implantado no Brazil.
Aqui no Amazonas existem Associações Operárias, cujos estatutos não se
coadunam com os princípios básicos do Socialismo.
A União Operária Nacional, por exemplo, está nas condições citadas,
porque não tendo forma federativa, como todos nós sabemos, abrange toda sorte
de operário, prejudicando deste modo a organisação das Associações por classe.
(...)
Mas, para gáudio daquelles que se vem esforçando pela emancipação
operária entre nós, a U.O.N. tende a desapparecer, o que constitue um grande
285
BATALHA, Cláudio. O Movimento Operário na Primeira República... Op. Cit., p. 16-18.
P á g i n a | 150
acontecimento para o proletariado desta terra, porque a sua existência forma um
verdadeiro óbice á concretisação dos nossos ideaes.
Os nossos companheiros de trabalho devem se organisar por classes
distinctas para que o Socialismo no Amazonas não seja uma coisa abstracta.
286
A União Operária Nacional é mencionada e criticada quanto a posição assumida na
organização dos operários. Embora não citado, a crítica estabelecida no jornal O Extremo
Norte atinge também O Centro Operário, uma vez que a posição tomada quanto a esta
questão era a mesma da União Operária Nacional.
Com relação ao Partido Político, pelas colunas do jornal O Extremo Norte que
tratavam deste ponto, materializa-se uma defesa da construção de um Partido Operário
Amazonense sem ligação com as agremiações políticas que atuavam nas disputas pelo
controle do Estado. Além disso, concernente à filiação, esta seria exclusiva de operários.
No próximo domingo, 7, às nove horas, terá logar, no Theatro Alcazar,
gentilmente cedido pelo seu illustre proprietário dr. Raymundo Fontenelle, a
primeira reunião operária para a fundação do Partido Operário Amazonense.
Como medida de precaução, o nosso companheiro Cursino Gama, previne
a todos os nossos companheiros de classe, que o futuro P. O. A. nenhuma ligação
terá com as diversas aggremiações políticas, que se degladiam no Estado; bem
assim que somente aos operários no goso de seus direitos civis e políticos, como
cidadãos brazileiros, será permittido filiarem-se a esse Partido, de accordo com a
Constituição Federal Brazileira, quer sejam ou não eleitores.
Todos os operários, trabalhadores, etc. devem comparecer a essa reunião,
aonde serão apresentadas as bases para a organisação do mesmo.
(...)
Que seja coroado de bom êxito o primeiro passo dos nossos
companheiros, em prol da emancipação operária local, são nossos votos.
287
Por outro lado, pelas informações e artigos produzidos pelo jornal Vida Operária
acerca da organização dos operários e dos rituais e temas presentes nas pautas de
discussões realizadas nas associações, percebe-se a constante presença de advogados,
políticos e outros profissionais não necessariamente pertencentes à classe operária. Esta
situação sugere a possibilidade de ampliar o leque de pessoas que, de alguma forma,
286
O Extremo Norte, nº 21. Manaus, 05 de junho de 1920.
287
Idem.
P á g i n a | 151
poderiam contribuir para o reconhecimento e melhoria de alguns aspectos do cotidiano
operário.
288
Ao que parece, a posição assumida e contrária à do jornal O Extremo Norte,
procura traçar um rumo em que às alianças entre partidos e a filiação de membros não
pertencentes à classe operária não eram de imediato descartados, apresentando-se como
possibilidade de ampliação tanto do reconhecimento social quanto dos adeptos à luta
operária, numa tentativa de aumentar a capacidade das demandas serem atendidas.
Em que pese às divergências, tanto o Jornal Vida Operária quanto O Extremo
Norte se colocavam como instrumento de conscientização e mobilização para a condução
da luta operária, disputando-a.
Na análise das propostas de participação política dos jornais anteriormente
citados, encontram-se presentes artigos de colaboradores que redigiram para ambos.
Tanto nas colunas do jornal Vida Operária quanto do O Extremo Norte, Manoel Sérvulo e
Cursino Gama deram a sua contribuição ao processo de organização e luta da classe
operária amazonense.
Observando os artigos produzidos por cada um desses militantes, percebe-se a
posição, mais contundente ou menos contundente, com relação a determinados aspectos
da existência e da vivência operária.
Manoel Sérvulo era o mais contundente na elaboração das críticas. Produziu no
interior do jornal Vida Operária um artigo intitulado “Palavras Simples”
289
e pelo O
288
“No dia 27 de janeiro próximo findo, pelas 19 horas, foi esta promissora Sociedade (União dos Foguistas)
visitada pelo director da Vida Operária e nosso bemquisto companheiro de redacção, Elesbão do
Nascimento Luz, que alli compareceu em propaganda do nosso jornal, na sede social de nome acima (...)
Presidia as funcções da referida Sociedade o Sr. Alfredo Moreira Lima como o seu Presidente effectivo:
sendo que na supra-mencionada sessão tomava também parte na qualidade de advogado da União dos
Foguistas o muito illustre Sr. Dr. Edggar de Castro, o qual suggeriu a lembrança da criação de uma escola
dentro da própria sede da Sociedade para os seus próprios associados; comprometendo-se até de trocar
idéas com o exmo. Sr. Dr. Governador do Estado no sentido de conseguir alguns materias didáticos para
esse dito fim! Torna-se, portanto, bastante digno aqui na inprensa operária o registro dessas brilhantes
palavras: tanto mais quanto ellas vem de ser proferidas por um illustre magistrado, cujas aspirações se
concretisam os novos haustos de uma verdadeira regeneração civicamente social, e democraticamente
moderna!... ” Vida Operária, nº 1. Manaus, 08 de fevereiro de 1920.
289
“Não cousa mais triste, do que a vida do pobre trabalhador, numa quadra como esta que não há
trabalho. a desgraça bate-lhe a porta e vae encontral-o vacilante e acabrunhado, pensando como de
sustentar a prole, com tão mesquinho salário que percebe (e e as vezes não recebe); que não chega a
attender as primeiras necessidades do lar. Então pensativo, e dentro do circulo de ferro em que se acha
exclama: que miséria! Não tenho dinheiro nem credito!... É uma verdade. Porque se recorre ao taverneiro
que é seu amigo (emquanto vir o interesse) e pede-lhe crédito, este logo lhe diz; não posso! Outros dizem
sim, mas... exploram tão estupidamente o pobre trabalhador, que não sabe o meio de julgal-o. E, ai
P á g i n a | 152
Extremo Norte dois denominados respectivamente de “Luctemos”
290
e “Aos Plebeus”
291
.
Ainda sobre este militante, O Extremo Norte num artigo produzido com o objetivo de
fomentar a organização das classes operárias o citou como exemplo, apontando-o
enquanto referência de iniciativa, esforço e persistência na condução da organização de
algumas categorias profissionais.
Não podemos deixar passar em silêncio a attitude francamente
sympathica do nosso esforçado companheiro Manoel Sérvulo.
Por iniciativa inteiramente sua, foram organisados os Syndicatos dos
Cigarreiros e dos Estivadores; e agora, segundo informações que acabamos de
receber, será organisado o dos trabalhadores e magarefes, ainda sobre iniciativa
de Manoel Sérvulo.
E é de elementos da força desse nosso destemido companheiro que
precisamos, para chegarmos ao termino das aspirações da Humanidade...
292
Quanto a Cursino Gama, no O Extremo Norte publicou um artigo chamado “A
Posto”
293
e no jornal Vida Operária outro denominado “O Momento”
294
. Ambos os
daquelle que diz; não posso pagar esta semana; tenha um pouco de paciência. Fica termitantemente
cortado, e entregue á sua própria desventura... não sabem elles que o pobre é honrado, e se não lhe
poude pagar foi por não ter recebido, ou teve que attender á doença em casa, e o que ganhou, não deu
para o medico e a pharmacia. Mas que há de fazer?... O pobre está sujeito a todos esses dissabores!...”
Vida Operária, nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
290
“Luctar, pelejar sem armas com adversários, diversos é para vencer a todos os obstáculos que se
aprezentem na lucta. Cabe a todos o dever de luctar para adquirir o pão corporal e o pão espiritual.
Devemos todos luctar sem trégoas, com todo o esforço, para retirtar dos nossos companheiros todos os
prconceitos e vícios que corrompem o physico, e a moral social. Luctemos, com carinho, amor e energia,
pela consummação de nosso ideal. Luctemos pela causa magna de todos os que soffrem e morrem dia a
dia privados de recursos, espoliados de todos os bens, exhaustos de todas as forças (...) Luctemos contra
os despotismos da burguezia, que trazem calcados aos pés os nossos direitos. Luctemos pela
emancipação do operariado, eternam,ente perseguido pelos patrões ...” O Extremo Norte, nº 22. Manaus,
12 de junho de 1920.
291
“Companheiros. Sendo nós os plebeus, os que menos valor temos na República, somos forçados a tomar
outro rumo (...) não precisamos nós de defensores. Seremos suficientes para nos defender de todo e
qualquer perigo que nos ameace, bastando para isso a união de todos, formando um corpo, um
ideal, uma política, uma religião e uma sociedade...” O Extremo Norte, 37. Manaus, 20 de
setembro de 1920.
292
O Extremo Norte, nº 21. Manaus, 5 de junho de 1920.
293
“O indifeferentismo do operário as coisas políticas do nosso Estado é um erro irremissível (...) E qual o
meio mais viável de cooperarmos nessa tão anciada salvação? Unificando-nos, e correndo as urnas por
occasião de ferir-se o pleito governamental, afim de collocarmos um homem que reúna, todos os
requisitos indispensáveis a um perfeito chefe de Estado (...) justo, intelligente, honrado...” O Extremo
Norte, nº 13. Manaus, 08 de abril de 1920.
294
“Não deve ser olvidado pelo operariado do Amazonas, notadamente o nacional, o momento político que
se nos apresenta, pois, para nós, elle é assaz aprehensivo. Approxima-se o dia em que deverá surgir das
urnas o nome do varão escolhido para presidir os destinos deste Amazonas infeliz (...) devemos intervir
directamente nesse magno problema; devemos dar um exemplo de civismo, expurgando do scenario
político os elementos perniciosos ao engradecimento do nosso rincão amado, e auxiliando aqeuelles que
P á g i n a | 153
artigos focalizavam a importância do processo político-eleitoral para o operariado e o
voto enquanto instrumento capaz de colocar e excluir do cenário político regional (mas
também num âmbito nacional) candidatos que se colocavam a favor ou contra dos
interesses e das demandas operárias.
É preciso destacar ainda a atuação importante de Nicodemos Pacheco.
295
Este
fazia parte do sindicato dos cigarreiros e atuou ainda como redator do jornal Vida
Operária. Seus artigos sempre procuravam destacar a importância do operário
enquanto elemento fundamental e dinâmico na produção das riquezas no mundo
“moderno”.
Embora cada um desse maior relevância a determinados temas, a presença deles
(Manoel Sérvulo e Cursino Gama) em ambos os jornais indica a tentativa de superar as
divergências. Isto fica evidente quando, ao longo dos artigos produzidos, termos como
“uma só família”, “um só ideal”, “uma só política” e “um só corpo” são utilizados.
Ao que parece, os três (Manoel Sérvulo, Cursino Gama e Nicodemos Pacheco)
atuaram de forma intensa na elaboração, difusão e fundação de um Partido Operário no
Amazonas. Faziam parte da comissão organizadora. Nos jornais, pelos artigos que versam
sobre as reuniões que ocorreram e que trataram desta questão, além de outros nomes
mencionados (entre eles Nicolau Pimentel, Raymundo Rodrigues e Anacleto José dos
Reis), encontram-se os três, sempre a frente dos trabalhos (nos preparativos, na mesa
que conduzia os trabalhos, abrindo as sessões, etc.).
Enfim, a atuação de ambos parecia caminhar no sentido de superar as
divergências encaradas como elemento desarticulador da organização, mobilização e
coesão, necessários a luta operária a fim de entabular uma luta que viabilizasse
mudanças no âmbito do trabalho e vida dos operários amazonenses.
juntem qualidades reaes de honradez, intelligência e justiça...” Vida Operária, 9. Manaus, 04 de abril
de 1920.
295
Nicodemos Pacheco atuou na fundação e redação do jornal Vida Operária. Estabeleceu ligações com
Cursino Gama e Manoel Sérvulo, o que indica a possibilidade de ter caminhado junto com os dois. Dentre
seus artigos destaca-se “Bilhete aos Reacionários” Vida Operária 20. Manaus, 11 de julho de 1920,
onde procura fazer uma distinção entre o operário e o burocrata. Para ele o operário “vive para a
sociedade” e o burocrata “vive da sociedade”. Ou seja, este “parasita” aquele produtor de riquezas.
P á g i n a | 154
Não obstante, não convém idealizar o quadro, uma vez que se identifica, por meio
dos artigos publicados por estes militantes, divergências.
296
Entretanto, a superação das
mesmas parecia ser o interesse comum destes incansáveis mortais.
296
Quanto à organização dos operários, Manoel Sérvulo estava alinhado com a organização por ofício.
Cursino Gama e Nicodemos Pacheco, embora fizessem parte do sindicato dos cigarreiros (por
ofício/profissão), não descartavam a organização pluriprofissionais denominadas de União, Centro, etc.
No que tange ao partido operário, não se tem informações em que possamos nos basear para apontar
possíveis convergências e divergências entre eles.
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C
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ONSIDERAÇÕES
ONSIDERAÇÕES
F
F
INAIS
INAIS
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C
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ONSIDERAÇÕES
ONSIDERAÇÕES
F
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INAIS
INAIS
O crescimento da produção de periódicos no Amazonas remonta ao início do
período republicano e está intimamente associado à expansão da economia da borracha
que como se viu impulsionou não somente a ampliação do mercado de trabalho, com o
surgimento de uma variedade de ocupações urbanas, como também deu suporte ao
próprio crescimento de periódicos (entre eles os jornais operários), tanto no que tange ao
acesso a materiais, equipamentos e técnicas necessários para a confecção dos mesmos
(muito embora a grande maioria dos periódicos publicados fossem produtos de um
processo artesanal), quanto nas questões referentes ao aumento do nível demográfico, à
interligação do Extremo Norte a outras regiões do Brasil e do globo que, de certa forma,
contribuíram significativamente para fomentar tal produção.
Ainda sobre a expansão econômica cabe destacar que a dinâmica produzida e
empreendida no espaço urbano manauara e as questões surgidas a partir daí ganharam
as páginas dos periódicos que, por sua vez, tomavam posições e defendiam projetos
políticos específicos de grupos que se faziam presentes em Manaus.
Neste sentido, o jornal Vida Operária veio à luz em 1920 com o objetivo de falar a
um grupo específico: as classes laboriosas do Amazonas.
297
Pelas pesquisas empreendidas
e pelas páginas produzidas neste trabalho se percebe que este veículo de comunicação
procurou atuar como um instrumento de conscientização, mobilização e luta. Por meio de
suas páginas se podem conferir uma proposta de ação política, denúncias, demandas,
obstáculos presentes no processo organizacional das classes, dificuldades de produção e
manutenção do jornal (dificuldades financeiras, escassez de materiais, perseguição
política, etc.) e outras tantas questões advindas do universo do trabalho e da vida
operária.
297
Embora o jornal Vida Operária desejasse falar e receber o apoio da classe operária amazonense em geral,
conseguiu atingir somente alguns grupos, entre eles os cigarreiros, estivadores, os operários ligados a
União Operária, ao Centro Operário e outros.
P á g i n a | 157
No decorrer da leitura realizada sobre o jornal Vida Operária se observa o
dinamismo, a complexidade e a relação de forças presentes no decorrer de sua
publicação.
É possível perceber o dinamismo a partir das tentativas de superar as dificuldades
financeiras que surgiram e que se colocaram enquanto empecilho à manutenção da folha
operária. Neste ínterim, para superar tais dificuldades os colaboradores do jornal
realizaram uma série de visitas a determinadas associações operárias para pedir apoio
financeiro, muitas vezes conclamando o próprio operário como mantenedor da folha.
Outra questão eram as divergências entre jornais operários, sobretudo quanto à atuação
política e organizacional, questão evidenciada quando se colocou lado a lado o jornal Vida
Operária, O Extremo Norte e A Lucta Social. Tais divergências se colocavam enquanto
obstáculos à própria organização da classe, o que alguns articulistas lamentavam
bastante.
Um outro ponto, talvez o mais significativo do ponto de vista da complexidade e
relação de forças presentes na produção e manutenção de um jornal, refere-se as
diferentes falas (“operários”, “patrões” e “governo”) que constam nos artigos publicados
no Vida Operária.
Pode-se observar esta dimensão a partir da questão do trabalho. O que é o
trabalho? No jornal Vida Operária o que se tem são duas posições, respostas, a esta
questão. Tais respostas variam conforme a idéia de trabalho que um determinado grupo
possui e que está estritamente ligado à visão de mundo e sociedade de cada um.
Desta forma, numa visão mais próxima dos operários, o trabalho é visto como
grandeza, mas nele está contida a exploração burguesa. Portanto, por mais que seja
“nobre”o trabalho, o acesso à riqueza produzida por meio dele era difícil, pois em grande
medida a percepção que se tinha era das duras jornadas de trabalho, da falta de
segurança no espaço de atuação profissional, das demissões arbitrárias, dos baixos
salários que conduziam o operário a um processo de moradia inadequada, alimentação
deficiente, etc. Além disso, a falta de reconhecimento da importância do braço operário
para a construção de riquezas era notória, principalmente por parte dos grupos
dirigentes.
Sendo assim, é possível entender quando alguns artigos eram produzidos tendo
como assunto o trabalho, enfatizando o operário como aquele que “forja” e “faz” e o
P á g i n a | 158
capitalismo como o que ganhava a cena, o destaque.
298
Estes artigos procuravam colocar
e discutir a questão do acesso do operário a determinados bens (melhores salários,
moradia digna, alimentação sadia, etc.)que a riqueza produzida, segundo esta posição,
atingia a uma parcela diminuta da sociedade os grupos econômicos dominantes
por mais que esta riqueza fosse produzida pelas mãos operárias.
Por outro lado, numa visão mais próxima dos grupos dominantes, o que se tem é a
idéia de trabalho como regenerador moral e como elemento produtor de riquezas para a
sociedade em geral. Nesta idéia elementos como a ocupação do tempo, eliminação dos
males e crimes se fazem presentes. Segundo esta posição o trabalho é um bem “curando
feridas da alma”, “evitando os maos pensamentos e (...) fazendo a felicidade de quem o
pratica”.
299
Questões como o emprego do tempo e a ociosidade como pré-condição para
criminalidade evidenciam esta outra idéia de trabalho que, além de trazer estas questões
específicas, procura ocultar a exploração à medida que o trabalho é destacado naquilo
que supostamente tem de positivo.
Estas duas respostas diferentes sobre o que é o trabalho estão presentes no jornal
Vida Operária. A compreensão desta questão foi possível a partir da reconstituição do
universo onde o jornal estava inserido e observando as diferentes relações que o
animavam, mas também as que o limitavam bem como os usos feitos pelos articulistas do
jornal sobre as falas de outros grupos, apropriando-se delas e reelaborando-as de acordo
com os interesses estabelecidos.
Daí à cobrança por melhores condições de emprego, salário e vida está associada
com a questão do reconhecimento social, ou seja, daquele que trabalha para o
engrandecimento da nação. Neste sentido, havia mais uma pressão moral do que
propriamente uma pressão por meio de greves ou atos similares que eram inclusive
condenados pelo jornal Vida Operária, uma vez que os colaboradores entendiam que tais
ações prejudicavam mais do que ajudavam à causa operária.
Com relação ao projeto político defendido pelo jornal (associações operárias,
partido operário e participação nas eleições) o que se observa é uma aproximação entre
setores médios urbanos (professores, militares, advogados, poetas, etc) e a classe
298
Vida Operária nº 6. Manaus, 14 de março de 1920.
299
Vida Operária nº 14. Manaus, 09 de maio de 1920.
P á g i n a | 159
operária. Neste sentido, o próprio jornal Vida Operária era produzido por pessoas ligadas
ao setor médio urbano que abordava questões específicas associadas à causa operária.
Não obstante, percebe-se também que, embora limitado para a época, uma vez
que o número de pessoas que votavam no Brasil era inferior a 5%, o projeto político
defendido dizia respeito muito mais a um pretenso setor médio que se via excluído da
participação política e que por isso procurava construir espaços neste cenário, propondo
reformas e engrossando a luta com o estabelecimento de alianças com outros grupos,
notadamente os operários.
A possibilidade de alianças entre os operários e os setores médios era grande e
efetivamente parece ter ocorrido sendo o jornal Vida Operária produto deste processo.
Entretanto, como se viu ao longo da pesquisa, parcela da classe operária se aproximou e
ajudou a construir o projeto político presente nas páginas desta folha operária. Outras
propostas existiram e se fizeram presentes no cenário regional, absorvendo os demais
grupos operários (como é o caso dos anarquistas, por exemplo).
Uma outra questão que se coloca diz respeito às influencias que o jornal Vida
Operária recebeu de outras correntes políticas. Como se comentou no capítulo três, os
anos finais do século XIX e os primeiros do século XX foram marcados pela difusão de
teorias cientificistas como o evolucionismo, darwinismo social, positivismo e outros
que foram acolhidas em diversas regiões do Brasil por grupos urbanos e setores da elite
política e intelectual nativa.
Elementos presentes nestas teorias cientificistas, sobretudo o positivismo que
assumiu uma posição hegemônica no período denominado de Primeira República
Brasileira, foram absorvidos pelos colaboradores do jornal Vida Operária que os
utilizaram para construir uma proposta política, qual seja, a defesa e a luta pela elevação
social e moral do trabalhador, passando pelo exercício dos direitos políticos de
representação. Desta forma, percebe-se, novamente, a apropriação e reelaboração de
idéias e discursos que permeavam os grupos que compunham a sociedade brasileira
neste momento histórico.
Por fim, cabe destacar que sendo a Imprensa Operária uma manifestação da
cultura operária, ela possibilita atingir o universo tenso e conflituoso do trabalho, fazendo
surgir um mundo onde os conflitos, os embates e as contradições se fazem presentes.
Mundo este que durante alguns anos foi ocultado por uma escrita da História tradicional
P á g i n a | 160
que se preocupava em identificar datas, fatos e acontecimentos ligados à esfera política
bem como em dar destaque a alguns personagens que atuavam nela. Além disso, as
transformações urbanas ocorridas em Manaus no período da expansão da goma elástica
eram destacadas como “imagem do progresso”, o que contribuiu para a construção da
idéia de “fausto” presente neste período. Não obstante, o que se busca atualmente é
desvendar este o outro lado do “fausto” – O Mundo do Trabalho.
A presente pesquisa, com seu espaço, sua temporalidade e recorte específico,
procurou contribuir neste sentido. Entretanto, outros jornais, grupos, questões sobre
este período que precisam ser trabalhadas e discutidas. Além disso, faz-se extremamente
necessário que se avance para as décadas posteriores, com o objetivo de resgatar e
construir a História Operária do Amazonas.
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Tomado como mote e mesmo objeto da reflexão sobre a qual se buscou jogar
alguma luz no contexto operário amazonense, o jornal Vida Operária, foi a grande base
documental sobre a qual nos debruçamos. No entanto, seu entendimento e o
entendimento do período em que ele historicamente se siatua, não podia prescindir da
pesquisa mais larga, que explorasse registros documentais de amplo expectro.
Utilizamos um tanto quanto marginalmente a documentação de tipo “oficial” mais
comum na pesquisa histórica do período, sem que com isso desconsiderássemos sua
importância. Nesse expectro, foram compulsados:
Relatórios dos Governadores e Superintendentes (1889-1925);
Relatórios de Médicos Sanitaristas (1907-1922);
Código de Posturas (1990-1925);
Atas da Assembléia Legislativa (1990-1925)
Atas da Câmara Municipal de Manaus (1990-1925)
Os periódicos aparecem na dissertação com uma maior visibilidade e, de fato, eles
ganharam efetivamente centralidade durante o processo de pesquisa. Sua importância
para a construção historiográfica parece inconteste, mas no contexto amazonense sua
consulta ainda esbarra na forte desorganização arquivísticas. Experiências como a da
instituição do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas LHIA tem contribuído
para minorar essse quadro, mas os desafios ainda são grandes. Da chamada “Grande
Imprensa”, explorei as páginas de três Jornais:
Jornal do Commércio, 1904-1925.
O Dia, 1926
Gazeta da Tarde, 1920 – 1923.
a chamada Imprensa Operária Amazonense, pelas sua importância e também
pelas dimensões mais modestas, pode ser lida integralmente, com destaque para os
títulos:
Gutenberg, 1891-1892
Operário, 1892
A Lucta Social, 1914 e 1924
Vida Operária, 1920
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O Constructor Civil, 1920
O Extremo Norte, 1920
O Primeiro de Maio, 1928
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EFERÊNCIAS
EFERÊNCIAS
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IBLIOGRÁFICAS
IBLIOGRÁFICAS
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EFERÊNCIAS
EFERÊNCIAS
B
B
IBLIOGRÁFICAS
IBLIOGRÁFICAS
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