entre nós como entre os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos
prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e
amizade, como também com os que são mais poderosos que nós, os deuses. Em
conclusão, talvez também eu, louvando o Amor, muita coisa estou deixando de lado,
não todavia por minha vontade. Mas se algo omiti, é tua tarefa, ó Aristófanes,
completar; ou se um outro modo tens em mente de elogiar o deus, elogia-o, uma vês
que teu soluço já o fizeste cessar (PLATÃO. O Banquete, 188 d - e).
Inicia-se, então, a fala de Aristófanes, que elabora um dos discursos mais
importantes dessa obra para a análise das relações pederastas em Atenas neste período: O
Mito dos Andróginos. Aristófanes afirma que no princípio existiam três gêneros humanos: o
masculino, o feminino e o andrógino. Esse último era um ser duplo, com duas faces e oito
membros, possuindo uma grande força. Havia andróginos com uma metade masculina e outra
feminina, e outros com as duas metades masculinas ou duas femininas. Certo dia, os
andróginos revoltaram-se contra os deuses e foram divididos em dois, sendo assim
condenados por Zeus a procurarem por toda a humanidade a sua metade verdadeira. Desde
então, as pessoas passam a buscar na sua “outra metade” aquilo que não encontram em si; a
esse desejo, Sócrates em Lísis, dá o nome de philia.
Para Aristófanes não é o prazer em si que atrai os amantes, mas a saciedade que
tal prazer pode lhes proporcionar, de forma que o prazer não é o que determina o amor, mas é
o que acalma o ardor que move a natureza humana (SANTORO, 2007: 98 – 99).
Após relatar a estória dos andróginos, Aristófanes eleva a honra e moral dos que
procuram sua outra metade nos rapazes, afirmando que, ao invés de ser uma atitude
vergonhosa, é uma prova de audácia e coragem por parte de quem a pratica:
“E todos os que são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são
crianças, como cortículos do macho, gostam dos homens e se comprazem em deitar-
se com os homens e a eles se enlaçar, e são estes os melhores meninos e
adolescentes, os de natural mais corajoso. Dizem alguns, é verdade, que eles são
despudorados, mas estão mentindo; pois não é por despudor que fazem isso, mas por
audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante. (...) E
quando se tornam homens, são os jovens que eles amam, e a casamentos e
procriação naturalmente eles não lhe dão atenção, embora por lei a isso sejam
forçados, mas se contentam em passar a vida um com o outro, solteiros.” (PLATÃO.
O Banquete, 191e – 192 b).