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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS LITERÁRIOS
LINHA DE PESQUISA: LITERATURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR
SARAH CASAGRANDE
A POESIA DE SYLVIA PLATH: TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE LADY
LAZARUS E WORDS POR GRADUANDOS DE CURSO DE LICENCIATURA
EM LETRAS
MARINGÁ – PR
2008
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SARAH CASAGRANDE
A POESIA DE SYLVIA PLATH: TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE LADY
LAZARUS E WORDS POR GRADUANDOS DE CURSO DE LICENCIATURA
EM LETRAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras (Mestrado), da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em Letras, área de
concentração: Estudos Literários.
Orientador: Prof. a. Dr. a. Vera Helena Gomes
Wielewicki.
MARINGÁ
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Casagrande, Sarah
C334p A poesia de Sylvia Plath : tradução e recepção de Lady
Lazarus e Words por graduandos de curso de Licenciatura em
Letras / Sarah Casagrande. -- Maringá : [s.n.], 2008.
204 f.
Orientador : Profª. Drª. Vera Helena Gomes Wielewicki.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá, Programa de Pós-Graduação em Letras, área de
concentração: Estudos Literários, 2008.
1. Ensino de poesia em língua inglesa traduzida para o
português. 2. Educação de ensino superior. 3. Tradução
literária. 4. Plath, Sylvia, 1932-1963. 5. Poesia em inglês
e traduzida para o português. 6. Recepção de poesia. 7.
Teorias da recepção. 8. Ensino de Literatura de língua
inglesa - Cursos de licenciaturas de Letras. I.
Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação
em Letras. II. Título.
CDD 21.ed. 811
SARAH CASAGRANDE
A POESIA DE SYLVIA PLATH: TRADUÇÃO E RECEPÇÃO DE LADY
LAZARUS E WORDS POR GRADUANDOS DE CURSO DE LICENCIATURA
EM LETRAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras (Mestrado), da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial para
a obtenção do grau de Mestre em Letras, área de
concentração: Estudos Literários.
Aprovado em 09 de setembro de 2008.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________
Prof. a Dr. a Vera Helena Gomes Wielewicki
Universidade Estadual de Maringá - UEM
- Presidente -
_____________________________
Prof. Dr. Thomas Bonnici
Universidade Estadual de Maringá - UEM
_____________________________
Prof. a Dr. a Regina Helena Machado Aquino Corrêa
Universidade Estadual de Londrina – UEL/Londrina - PR
DEDICO ESTE TRABALHO
A todos que acreditaram, incentivaram e ajudaram, mesmo que inconscientemente, para a sua
realização. Tantos que os nomes não caberiam nessa folha, graças a Deus! Sartre disse que
“O inferno são os outros”, descobri também que “O [paraíso] são os outros”.
AGRADECIMENTOS
A Deus.
Ao meu pai, pela criação e educação éticas e sólidas, que me proporcionou, sua
maior herança. Alicerces que me ajudaram a chegar até aqui sem desistir pelo caminho,
saltando, mesmo sentindo dor, sobre as pedras que não pude remover. Aos familiares, amigos
e amigas (que restaram), colegas, e todos que entenderam e/ou tentaram entender a razão e
necessidade do isolamento. Aos que ajudaram financeira, espiritual, psicologica e
inconscientemente, tantos que os nomes não caberiam nessa folha, graças a Deus! Em
especial, ao Prof. Ms. em Música Rael Bertarelli Gimenes Toffolo, pelos conhecimentos
preciosos e perigosos compartilhados e transmitidos, compreensão, paciência e ajuda
contingente-ambivalente, intelectual, psicológica, espiritual e musical...
Ao e às garrafas de café, paçocas e chocolates.
Aos que deveriam ajudar, mas atrapalharam porque não entenderam ou não quiseram
entender. Com isso aumentaram minha coragem para continuar: Nietzsche não nega a
existência do mal, mas diz que o mal pode ser direcionado para coisas boas, positivas...
Ao Programa de Pós-graduação em Letras (Mestrado) e Departamento de Letras da
Universidade Estadual de Maringá, por proporcionarem, através de seus professores e
funcionários, ambiente propício para o desenvolvimento deste trabalho. À secretária do
Programa, Andréa Regina Previati, pela paciência e compreensão: às vezes, a ajuda vem de
onde menos se imagina.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil,
pela bolsa de estudo concedida durante o ano de realização dessa pesquisa.
Aos alunos que participaram desse estudo, que seguindo os princípios da pesquisa
etnográfica não posso revelar os nomes, para preservar a identidade dos sujeitos pesquisados.
A todos os professores das disciplinas que cursei: professores de Verdade,
inesquecíveis. Em especial, ao Prof. Dr. Thomas Bonnici, pelos conhecimentos
compartilhados e transmitidos, pelas inesquecíveis aulas de poesia - que me apresentaram à
poesia de Sylvia Plath - e humanidade; paciência, incentivo, ajuda e confiança ao longo dos
anos da graduação e do mestrado: sem você nada disso seria possível! E, finalmente, à Prof. a.
Dr. a. Vera Helena Gomes Wielewicki orientadora “agüentadora”, pelos conhecimentos
compartilhados e transmitidos, paciência e compreensão: “O término de um percurso significa
abrir outros caminhos. No que se refere a este, muitas portas foram abertas, pois procurar é
também encontrar o que não se procurava, como demonstra Heidegger” [S.l:s.n,19--].
Ars longa, vita brevis
(Ditado latino traduzido do filósofo grego Hippocrates)
RESUMO
Esta dissertação é uma pesquisa etnográfica, que investiga e analisa como ocorreu a recepção
da poesia da poeta norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) na sua língua original, o inglês,
e traduzida para o português, focalizando-se dois poemas, Lady Lazarus e Words (1965), por
alunos de um curso de Letras, em uma universidade de uma cidade brasileira de porte médio.
Em pesquisas anteriores (WIELEWICKI, 2002; WIELEWICKI e OLHER, 2006), foram
detectados em cursos similares frustração e desinteresse pela literatura de língua inglesa pelos
alunos que, devido a não proficiência, usam traduções literárias contra a vontade do professor
para sanar o problema. Dessa forma, foi proposto como prática pedagógica o uso e estudo da
tradução literária pelos estudantes e na sala de aula como ferramenta didática, para amenizar o
problema, despertar e melhorar o interesse pelo texto-fonte. Para desenvolvimento desta
pesquisa, os poemas foram apresentados aos alunos que foram perguntados sobre suas
opiniões a respeito de estudar e usar tradução juntamente com o texto-fonte, para detectar se a
prática pedagógica funciona. Plath, estudada nesse curso, foi escolhida devido a sua poesia
complexa, servindo, assim, aos interesses da pesquisa. As informações foram analisadas
apoiando-se em Teorias da Recepção: Estética da Recepção (JAUSS, 1994; 1999), Teoria do
Efeito Estético (ISER, 1996; 1999 a; 1999 b) e Reader-Response Criticism (FISH, 1980),
considerando uma pedagogia crítica e o aluno-leitor como agente do seu processo de
aprendizagem. Foi constatado que estudantes não proficientes tendem e precisam usar
tradução, entretanto, eles, assim como os estudantes proficientes, consideram tal uso de forma
negativa com uma opinião tradicional sobre tradução literária; além de um baixo interesse
pela poesia de Plath e por poesia de modo geral. Dessa forma, sugere-se que a tradução
literária, além de poder ser utilizada como uma ferramenta didática eficaz, deveria ser
estudada sob um ponto de vista lingüístico, cultural, ideológico e político juntamente ao
literário seguindo-se abordagens contemporâneas, fundamental para a formação de alunos de
Letras (VENUTI, 2002), constituindo assunto para futuras pesquisas e discussões.
Palavras-chaves: Educação de ensino superior. Tradução literária. Sylvia Plath
.
Poesia em
inglês e traduzida para o português. Recepção de poesia. Teorias da
Recepção.
ABSTRACT
The Poetry of Sylvia Plath: Translation and Reception into Portuguese of Lady Lazarus
and Words by Undergraduate Students of an Arts Course in Literature in Brazil. This
dissertation it is an ethnography-based research which investigates and analyses how the
reception of the poetry of the North-American poet Sylvia Plath (1932-1963) occurs in its
language, English, and translated into Portuguese, focalizing two poems: Lady Lazarus and
Words (1965), by students of an undergraduate Arts Course (“Letras”) in Literature in Brazil,
at a university in a middle-sized town. In previous researches (WIELEWICKI, 2002;
WIELEWICKI; OLHER, 2006), a lack of interest and frustration in similar courses by
students in relation to literature in English were detected, due, in great part, to non-proficiency
in the language, leading them to use literary translations against the will of the professors to
solve the problem. Thus, a pedagogic practice was proposed of studying and using translation
by them and in the classrooms as a didactic tool, in order to suggest a possible solution to the
problem, and wake and improve the interest in the original text. To develop the research, the
poems were presented to the students asking their opinion about studying and using
translation together with the original, to detect if the pedagogic practice works. Plath, studied
in this course, was chosen because of her complex poetry, serving the aims of the research.
The data were analyzed supported by reader-oriented approaches “Reception Theories”:
Aesthetics of Reception (JAUSS, 1994; 1999), Aesthetics Response Theory (ISER, 1996;
1999 a; 1999 b) and Reader-Response Criticism (FISH, 1980), considering a critical
pedagogy being the student-reader agent of her/his process of learning. It was detected that
students with no proficiency in English tend and need to use translations; however, they, as
those who have proficiency, see such use with a negative and traditional opinion about literary
translation, besides a low interest in the poetry of Plath, and in poetry in general. Thus,
besides being used as an efficient didactic tool, the literary translation should be studied
focusing its linguistic, cultural, ideological and political features together with the literary one
in a contemporary view, fundamental to the formation of such students (VENUTI, 2002),
constituting subject for future researches and discussions.
Keywords: Undergraduate literary education. Literary translation. Sylvia Plath
.
Poetry in
English and translated into
Portuguese. Poetry reception. Reader-oriented
approaches.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO..............................................................................................1
1.1 Aspectos Preliminares........................................................................................................ 1
1.1.1 Problematização e Justificativas....................................................................................... 1
1.1.2 Objetivos........................................................................................................................... 4
1.1.3 Hipótese............................................................................................................................ 5
1.2 Roteiro da dissertação........................................................................................................5
1.3 Revisão da literatura...........................................................................................................6
1.3.1 Estudos sobre Sylvia Plath no Brasil................................................................................ 8
1.3.2 Fortuna crítica de Sylvia Plath.......................................................................................... 9
1.4 Metodologia...................................................................................................................... 25
CAPÍTULO 2: A POESIA NOS ESTADOS UNIDOS PÓS-II GUERRA MUNDIAL E
SYLVIA PLATH.................................................................................................................... 31
2.1 Introdução.........................................................................................................................31
2.2 Poesia e a leitura poética .................................................................................................31
2.3 Os Estados Unidos pós-II Guerra Mundial....................................................................35
2.3.1 Contexto literário.............................................................................................................40
2.3.2 A poesia.......................................................................................................................... 45
2.3.2.1 Os Confessionalistas ....................................................................................................50
2.4 Sylvia Plath: vida e obra.................................................................................................. 56
2.4.1 Lady Lazarus e Words.................................................................................................... 64
CAPÍTULO 3: TRADUÇÃO E TEORIAS DA RECEPÇÃO ...........................................80
3.1 Introdução..........................................................................................................................80
3.2 Tradução........................................................................................................................... 80
3.3 Tradução poética: a possibilidade do impossível? ........................................................89
3.4 Os poemas de Sylvia Plath traduzidos no Brasil: Lady Lazarus e Words.................. 105
3.5 Teorias da Recepção...................................................................................................... 111
3.5.1 Reader-Response Criticism: Wolfgang Iser e Stanley Fish…….................................. 118
3.6 Tradução e recepção e ensino de literatura de língua inglesa em sala de aula de
ensino superior .....................................................................................................................129
CAPÍTULO 4: OS DADOS ................................................................................................140
4.1 Introdução........................................................................................................................140
4.2 Análise dos dados ...........................................................................................................143
4.3 Resultados ......................................................................................................................172
4.4 Discussão ........................................................................................................................179
4.5 Considerações finais ......................................................................................................181
CONCLUSÃO.......................................................................................................................184
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................189
APÊNDICES.........................................................................................................................195
A - Resumo............................................................................................................................196
B - Questionário....................................................................................................................199
ANEXOS ...............................................................................................................................200
Anexo A - Lady Lazarus / “Lady Lazarus”.. ......................................................................201
Anexo B - Words / “Palavras” .............................................................................................204
1
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1 Aspectos Preliminares
Essa dissertação está vinculada ao projeto de pesquisa intitulado Ensino de literatura:
leitura e tradução, do qual participei de agosto de 2006 a dezembro de 2007. O projeto, com
vigência até julho de 2008, é desenvolvido no Curso de Graduação em Letras, e no Programa
de Pós-graduação em Letras (Mestrado): Estudos Literários, na Linha de Pesquisa: Literatura
e a Formação do Leitor, da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM), sob coordenação
da Prof. a. Dr. a. Vera Helena Gomes Wielewicki.
O tema dessa pesquisa, abordado sob uma perspectiva etnográfica, consiste em
investigar como ocorre a recepção da poesia da poeta norte-americana Sylvia Plath (1932-
1963), do texto-fonte em língua inglesa e de sua tradução para a língua portuguesa, por uma
turma de alunos, em situação de pesquisa em sala de aula, do curso de Licenciatura Plena em
Letras Habilitação Dupla: Português-Inglês e Literaturas Correspondentes, do quinto e último
ano, do período matutino (o curso também é oferecido no período noturno), de uma
universidade estadual, localizada em uma cidade de porte médio do interior do Brasil.
Analisa-se a recepção de dois poemas plathianos, que constituem o corpus da pesquisa: Lady
Lazarus e Words (1965), traduzidos como “Lady Lazarus” e “Palavras” (2005).
1.1.1 Problematização e Justificativas
Justifica-se a escolha do tema devido à constatação por professores e pelos próprios
alunos, obtida por meio de relatos e pesquisas acadêmicas de outros pesquisadores
(WIELEWICKI, 2002 e OLHER; WIELEWICKI, 2006), conversas informais com alunos e
colegas, testemunhos e experiência próprios, da recepção problemática da literatura em língua
inglesa por alunos de cursos de Licenciatura em Letras. Segundo as pesquisadoras citadas,
uma das principais causas dessa recepção é porque a maioria dos alunos não atinge um grau
de compreensão satisfatório dos textos literários por não possuírem proficiência na LI
1
, e/ou
pelos textos antigos serem de difícil compreensão, e/ou por requererem muito tempo para
terem a leitura concluída, mesmo para leitores proficientes. Os alunos, então, se sentem
1
A partir daqui usa-se a sigla LI para língua inglesa.
2
pressionados nas aulas, provas e trabalhos em que a compreensão e interpretação dos textos
são cobradas pelos professores sob forma de avaliação. Conseqüentemente e “ilicitamente”,
traduções, além de resumos, análises, comentários, e outros materiais em ngua portuguesa,
de qualidades e procedências duvidosas, na maioria das vezes, são vastamente utilizados e re-
utilizados, e até mesmo comercializados ano após ano. Tais usos ocorrem “à revelia” dos
professores, que reprimem e recriminam a prática, são enganados ou fingem que ela não
acontece. Como resultado, o aluno não experiencia significativamente, mas superficialmente,
o contato com as LLI
2
, e uma relação problemática entre a exigência dos professores e o
desempenho do aluno é estabelecida.
Assim, essa pesquisa pretende investigar como ocorre a recepção da poesia em LI e
sua tradução para a língua portuguesa, em situação de pesquisa em sala de aula. Procura-se
investigar se a tradução pode ser um recurso didático válido em relação à recepção, ensino,
aprendizagem e prazer de leitura dos receptores/leitores/estudantes de poesia de LI pelo texto-
fonte. Mais especificamente, esse estudo é inserido no contexto de trabalhos sobre as LLI e
seu ensino no Brasil. Nesse sentido, a pesquisa “A Poesia de Sylvia Plath: Tradução e
Recepção de Lady Lazarus e Wordspor Graduandos de Curso de Licenciatura em Letras”,
justifica sua importância como uma contribuição, devido ao pequeno número de estudos sobre
a obra plathiana no Brasil; sendo que não nenhum que trate da recepção de sua poesia com
o texto-fonte e traduzida para a língua portuguesa, pelo aluno de terceiro grau, leitor e
estudante desta. Há, embora em pequeno número também, estudos e pesquisas brasileiros que
tratam do ensino de literatura de língua estrangeira, mais especificamente de LLI e a recepção
destas por tais alunos, e que proponham como proposta pedagógica o uso da tradução como
ferramenta didática e objeto de estudo em sala de aula. Portanto, esse trabalho justifica-se no
contexto acadêmico sobre o assunto de LLI, mais especificamente de poesia de LI,
focalizando a poeta e sua obra poética, analisando a recepção de dois poemas com o texto-
fonte e com sua respectiva tradução para o português, por alunos de terceiro grau, leitores e
estudantes desta.
Evidencia-se Plath, por esta possuir uma poesia complexa, mesmo para falantes
nativos, e por sua vida e obra serem estudados no curso, disciplina e série dos alunos em
questão. Além disso, a poeta e sua obra têm sido objeto de estudo e pesquisa da autora dessa
pesquisa (desde 2002), servindo, assim, aos propósitos que se visam investigar. Selecionou-se
o corpus, estabelecendo-se como critério de adequação à pesquisa, a escolha de um poema
2
A partir daqui usa-se a sigla LLI para literaturas em língua inglesa.
3
com vocabulário e tema menos complexos: Lady Lazarus, e outro com um grau maior de
complexidade em relação a esses itens: Words.
Esse estudo envolve, também, educação literária no ensino de LLI em nível superior,
orientada pela pedagogia crítica (WIELEWICKI, 2002). Para a pedagogia crítica, os alunos
não são meros objetos do processo educacional, mas agentes atuantes na produção de sentido,
que pode ocorrer, por exemplo, no contato do aluno com o texto literário em aula de literatura.
Tal visão pressupõe a relação dialógica - sem a oposição sujeito/objeto - entre o professor e
aluno, sendo este agente no seu processo educacional de ensino-aprendizagem, sem
desconsiderar o papel do professor como compartilhador e transmissor de conhecimento.
Sobre a pedagogia crítica com orientação pós-moderna, Pennycook (1999 apud Id.
Ibid., p.74) afirma que,
uma abordagem crítica que pretenda emancipar pessoas através de uma percepção
maior de suas condições é arrogante e fadada ao fracasso. Uma forma mais plausível
seria um “compromisso crítico com as aspirações, desejos e histórias das pessoas, ou
seja, uma forma de pensamento que leve as pessoas constantemente a questionar em
lugar de pontificar” (Tradução de Id. Ibid.).
Pennycook cita Giroux, para quem as salas de aulas devem ser locais onde a
construção do conhecimento possa ser desafiada, não vista como “um processo de descobertas
de verdades universais e inevitáveis, mas como um processo especial de formação
cognoscitiva e de clamores de verdades”. Para Pennycook, ensinar de forma crítica é
subsumir-se à natureza política da educação, pois nenhum conhecimento é neutro ou apolítico
- assim, aprender a LI e LLI não pode ser visto como um processo natural e neutro. Em um
ensino crítico, o conceito de voz, que implica em ela não ser concedida, mas também
ouvida, é fundamental; citando Wlash, Pennycook aponta que esse conceito refere-se a um
espaço contestado do uso da linguagem como prática social. Essa noção de voz sugere uma
pedagogia que leve em conta a exploração das histórias dos alunos, as localizações culturais e
as limitações e possibilidades apresentadas por línguas e discursos, “espaços” em que pode
ocorrer a agência crítica contingente da qual fala Bhabha (1994 apud Id. Ibid.).
Wielewicki (2002) elaborou, em sua tese de doutorado, uma analogia com a agência
crítica contingente bhabhiana e a agência discente da pedagogia crítica pós-moderna,
entendendo-a como ação reflexiva e transformadora, pressupondo auto-reflexão sobre
histórias pessoais e sociais e evolvendo pensamento crítico e ação. Sem ser uma
autodeterminação humana, é instruída por discursos ideológicos que possibilitam, mas
também restringem a produção de significados, e atua, assim, nos entretempos das
4
significações, ocorrendo sem hora marcada, de forma contingente, imperceptível, às vezes,
pelo aluno e professor.
Em relação aos Estudos Culturais, entende-se a interface da produção literária em LI, e
a tradução e/ou adaptação para a língua materna, ou seja, a língua portuguesa, compreendendo
a dimensão cultural da relação, uma vez que, de acordo com os Estudos Culturais, língua é
cultura e vice-versa. Em relação ao ensino e aprendizagem de LI e LLI, deve haver
conscientização dos alunos a respeito da aculturação e da importância da procura em
entender, respeitar e/ou questionar as diferenças, se necessário. No caso da LI, essa tarefa
revela-se complexa, mas extremamente necessária, devido ao status de superpotência mundial
econômica que os Estados Unidos e a Inglaterra ocupam contemporaneamente, além da
polêmica globalização e a homogeneização implícita que ela implica. Uma posição de acordo
com os Estudos Culturais seria compreender as diferenças entre culturas como fato intrínseco
a elas, e que estas possuem características positivas e negativas, dependendo do e relativas ao
“olhar” que as observa e analisa, mas não superiores em termos de qualidade e valor entre si,
assim como suas línguas e manifestações culturais, como a literatura, por exemplo. O
conhecimento de tais posturas pode auxiliar na formação de alunos-leitores, futuros
professores, mais críticos e agentes do seu processo educacional e de aprendizado no processo
ensino-aprendizagem, caracterizando o contato com a LLI como consciente e dotado de mais
sentido (Id. Ibid.). E, conseqüentemente, na análise da questão cultural, política, ideológica,
social e histórica, em relação à tradução literária de LLI para a língua portuguesa.
1.1.2 Objetivos
O objetivo geral é analisar a recepção de poesia em LI pelos alunos em questão,
somente com o texto-fonte e deste com o uso e estudo da sua tradução para a língua
portuguesa, verificando se essa prática pedagógica revela-se um recurso didático válido e
necessário em relação à recepção, aprendizagem e interesse por esse tipo de poesia.
Os objetivos específicos são: observar e registrar as aulas da disciplina de poesia de
LI; tecer considerações sobre leitura poética; contextualizar, historicamente, os momentos
socio-econômico, cultural e, principalmente, o literário poético norte-americanos em que se
inserem vida e obra de Plath e analisar os dois poemas em questão; apresentar fundamentação
teórica acerca da tradução e TL
3
, enfatizando-se a tradução poética e as traduções dos poemas
3
A partir daqui usa-se a sigla TL para tradução literária.
5
analisados; tecer considerações sobre as Teorias da Recepção utilizadas no estudo e, comentar
sobre tradução e recepção e ensino de LLI em sala de aula de ensino superior; confeccionar o
instrumento para a coleta de dados, coletá-los e analisá-los.
1.1.3 Hipótese
O problema ou pergunta de pesquisa é: Como ocorre a recepção de poesia em LI e
desta traduzida para a língua portuguesa por alunos de Cursos de Licenciatura Plena em
Letras Habilitação Dupla: Português-Inglês e Literaturas Correspondentes?
As hipóteses são três: 1) Conhecimento insuficiente da LI pelos alunos; 2) Uso
“ilícito” de traduções e outros materiais similares em língua portuguesa, de procedência e
qualidade duvidosas; 3) Desinteresse por poesia.
A proposição consiste em constatar a validade e necessidade e, propor a inserção da
prática pedagógica do estudo da TL em sala de aula de LLI juntamente com o texto-fonte, ou
seja, a utilização pelos professores da tradução e seu estudo como ferramentas didáticas, para
estimular a recepção, aprendizagem e interesse pelo texto-fonte por parte dos alunos.
1.2 Roteiro da dissertação
A disposição dos itens da pesquisa segue a ordem: Introdução, seguida dos Capítulos
teóricos e de análise dos dados, Conclusão, Referências, Apêndices e Anexos.
No “Capítulo 1: Introdução”, apresentam-se o tema da pesquisa e sob que perspectiva
é abordado, a problematização e as justificativas, os objetivos geral e específicos e a hipótese.
Seguidos da disposição e ordem dos itens, compreendendo o roteiro da dissertação. Na
revisão da literatura, é exposto o status de SP e de sua produção literária, perante leitores
especializados, críticos e teóricos e do público leitor comum. São feitas considerações sobre
estudos acadêmicos realizados no Brasil principalmente e em outros países sobre a poeta e/ou
sua obra, e sobre sua fortuna crítica. Especifica-se a metodologia utilizada na pesquisa
descrevendo-se os materiais e os métodos usados na sua elaboração.
No “Capítulo 2: A Poesia nos Estados Unidos Pós-II Guerra Mundial e Sylvia Plath”
comenta-se sobre poesia e a leitura poética. Em seguida, expõe-se o contexto sócio-histórico
norte-americano pós-II Guerra Mundial, ressaltando a literatura e, focalizando-se a produção
poética e o movimento Confessionalista, no qual se insere SP e obra. São, também, tecidos
6
comentários sobre a vida, obra e estilo, além da análise crítica-interpretativa dos seus poemas,
que são o corpus da pesquisa.
No “Capítulo 3: Tradução e Teorias da Recepção”, sobre fundamentação teórica,
apresentam-se, de modo geral, considerações sobre a Teoria da Tradução e a questão
complexa e problemática da TL, enfatizando a teoria da e a tradução poética contemporâneas.
Fazem-se comentários sobre os tradutores e as traduções do corpus utilizado na pesquisa.
Sobre as Teorias da Recepção, trata-se do histórico e fundamentação teórica, enfatizando a
vertente do Reader-Response Criticism. E, ainda considerações sobre ensino de LLI no ensino
superior brasileiro em curso de Letras e TL.
No “Capítulo 4: Os Dados”, analisam-se os dados coletados de modo interpretativo-
crítico qualitativa e quantitativamente, procurando articular a prática com as teorias
apresentadas nos Capítulos 2 e 3. Expõe-se a análise e discutem-se seus resultados, com o
propósito de verificar a validade e necessidade ou não da proposta defendida, seguidos das
considerações finais sobre o estudo.
Na Conclusão, faz-se um apanhado dos pontos principais, desde a justificativa de
abordagem do tema e problema exposto, para o qual se visou propor uma solução possível,
bem como os passos que foram seguidos para argumentar e validar a proposta, e quais
resultados foram obtidos a partir da análise dos dados coletados.
Nas Referências bibliográficas, citam-se os autores e obras utilizados para a
fundamentação teórica e realização do estudo. Seguidas dos Apêndices, consistindo dos
materiais elaborados utilizados para a coleta de dados. E, finalmente, dos Anexos, contendo o
corpus utilizado na pesquisa.
1.3 Revisão da literatura
Tanto a pessoa Sylvia Plath e sua vida quanto a poeta Sylvia Plath e sua produção
literária são polêmicas, controversas e paradoxais, devido, em grande parte, ao seu suicídio
aos trinta anos, fato que a transformou ao mesmo tempo em um mito, sendo uma das poetas
mais mitificadas do século XX, uma vez que sua morte prematura confirmaria o mito trágico
e romântico do poeta genial jovem, infeliz, melancólico, depressivo e suicida, que se
transforma em mártir. E, também, uma imagem freqüente da mítica contemporânea, a do
artista morto no auge de sua carreira e criatividade, em que a morte assumiria o emblema da
perfeição, pacto sereno, experiência-limite, por meio de “suicídio literário”, envolvendo-a em
uma aura cult e fascinante em torno de sua figura e obra (LOPES, 2005). Tal fascínio, que
7
atrai muitos leitores e repele outros, se explicaria por sua poesia confessional e densa, que
transforma fatos reais de sua vida em ficção poética, confundindo e fundindo autor e obra.
Sua morte na década de 1960 coincidiu com a segunda onda feminista nos Estados Unidos e
adicionado ao fato de ser considerada tima da sociedade da época, do American Way of
LifeModo de Vida Americano”, diagnosticada como maníaca depressiva, tendo passado
por tratamento e internação psiquiátricos envolvendo eletrochoques, foi transformada,
também, em mártir e ícone do feminismo. Como SP
4
era considerada uma mulher bonita,
inteligente e poeta talentosa, algumas feministas radicais atribuíram as razões de sua vida
trágica, bem como a causa incerta de seu suicídio, como resultado de seu relacionamento
conjugal conturbado com o marido, o poeta inglês Ted Hughes (ASCHER, 1998).
SP foi pouco conhecida na época de sua morte, mas sua reputação e popularidade,
principalmente em relação a sua obra poética, aumentaram rapidamente logo depois, e
continuam a crescer firme, polemica e paradoxalmente. Revelou-se como uma das vozes mais
fortes e originais da poesia norte-americana, sendo considerada e reconhecida como uma das
mais importantes e melhores poetas norte-americanas da segunda metade do século XX, e a
mais notável dos confessionalistas por considerável parcela da crítica por volta de 1970. Sua
produção literária, principalmente a poética, é assunto polêmico, que gera discussões, parte da
crítica, teóricos e leitores especializados a reconhecem como uma grande poeta, enquanto é
criticada por outra parte, que consideram as críticas positivas exageradas as suas obras como
resultante de seu suicídio. Muito conhecida e cultuada pelo público leitor jovem em vários
países, inclusive no Brasil, fato constatável, por exemplo, nos vários sites de s clubes e
páginas na Internet dedicados a ela, desse modo, SP pode ser considerada uma poeta
acadêmica e popular ao mesmo tempo.
Tais características propiciaram inúmeras traduções para várias línguas. No Brasil,
quase toda a sua obra foi traduzida, sendo que rios livros foram traduzidos por vários
tradutores diferentes, fato que revela o interesse e atualidade, tanto acadêmico quanto não
acadêmico, envolvendo seu nome e obra no país. E geraram e continuam gerando uma
enorme quantidade de estudos, pesquisas, artigos, dissertações de mestrado e teses de
doutorado, que vão além da área da literatura, sobre a poeta e sua obra, no seu país de origem
e ao redor do mundo. Entretanto, esse quadro não se repete no Brasil, em pesquisa extensiva
sobre o assunto foram encontradas quatro teses de doutorado (Banco de teses/dissertações da
CAPES), e nenhuma trata do tema dessa pesquisa.
4
A partir daqui usa-se a sigla SP para Sylvia Plath.
8
1.3.1 Estudos sobre Sylvia Plath no Brasil
A primeira tese, “Escrita com fim, escrita sem fim: a poética do suicídio em Sylvia
Plath” (1998), de Ana Cecília de Carvalho, da Universidade Federal de Minas Gerais, em
Estudos Literários, envolve Literatura Comparada na linha de pesquisa de Literatura e
Psicanálise: Estudo da articulação específica entre as conceituações elaboradas pelas teorias
psicanalíticas e a literatura, visando à investigação das formações inconscientes na produção
do texto literário. A partir de obras ficcionais e, principalmente poéticas de SP, Carvalho
teoriza sobre a função e os limites dessa escrita, investiga e identifica as formações
inconscientes na sua criação. Essa tese foi publicada como livro, intitulado A poética do
suicídio em Sylvia Plath, pela editora da UFMG, em 2003.
A segunda tese, “Interferindo no cânone: a questão do Bildungsroman feminino com
elementos góticos” (1998), de ntia Carla Moreira Schwantes, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, em Letras, envolve Literatura Comparada na linha de pesquisa de Estudos
Culturais e Literários de nero: Investigação de problemas de textualidade
(discurso/representação) e as articulações de gênero a partir das teorias críticas que se
desenvolveram no contexto do Feminismo e Pós-estruturalismo. Realiza uma crítica feminista
de quatro romances de autoras diferentes do culo XX em língua portuguesa e em LI:
Ciranda de Pedra de Lygia Fagundes Telles, Fuga de Tânia Jamardo Faillace, Thank You All
Very Much de Margaret Drabble e The Bell Jar de SP.
A terceira tese, “Demeter and Persephone: the mother-daugther bond in To The
Ligthhouse”, The Bell Jar” and “Surfacing” (2001), é de Rosalia Angelita Neumann
Garcia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Letras. Sobre Literaturas
Estrangeiras Modernas na linha de pesquisa de Teorias Críticas e as Literaturas de Língua
Inglesa: As teorias críticas contemporâneas e seu diálogo com as formas narrativas, poéticas
e dramáticas nas Literaturas de Língua Inglesa. Trata de crítica feminista também, ao
comparar pontos em comuns de três romances de autoria feminina em LI: To The Lighthouse
de Virginia Woolf, Surfacing de Margaret Atwood e The Bell Jar de SP.
A quarta e última tese, “Experiência (do) limite: Ana Cristina Cesar e Sylvia Plath
entre escritos e vividos” (2005), de Anélia Montechiari Pietrani Alves, da Universidade
Federal Fluminense do Rio de Janeiro, em Letras, envolve Literatura Comparada na linha de
pesquisa de Literatura e Vida Cultural: Estudo da literatura em suas diferentes articulações
com o processo cultural. Compara e analisa textos poéticos e ficcionais, cartas e diários de SP
com as da poeta brasileira Ana Cristina Cesar, buscando um diálogo com a crítica
9
contemporânea sobre estes e a abordagem sociopolítica e filosófica elaborando um quadro
crítico-interpretativo. Discute também o caráter de auto-referencialidade da obra literária e o
estudo da tríade, escrita/vida/morte, que toca no tênue limite entre vida e arte, confissão e
ficção, objetividade e subjetividade, sociedade e lírica, vida e morte.
1.3.2 Fortuna crítica de Sylvia Plath
SP é conhecida pela aura mítica em torno de sua figura, que a transformou em um
mito literário e objeto de culto, devido ao seu suicídio. Tal fator contribui(u), para que sua
obra, principalmente a poética tenha o poder de repelir ou fascinar leitores facilmente, bem
como gerar leituras e crítica equivocadas, sendo seu valor como poeta e de sua obra
obscurecida e depreciada ou exaltada em demasia. Sua fortuna crítica vastíssima divide-se em
positiva ou negativa, e dentro dessas posições há várias posturas, opiniões e argumentos
diferentes, às vezes, imparciais e/ou passionais.
Inicialmente, a recepção da obra plathiana pela crítica foi negativa, reduzindo e
rotulando sua poesia somente como confessional, por utilizar amplamente dados
autobiográficos como temática de culto ao eu e atração mórbida pela morte, sendo ligada,
assim, ao Romantismo no século XIX e, vinda de uma poeta com distúrbios mentais
evidentes. Tendeu-se a privilegiar os aspectos temáticos confessionais em detrimento dos
estilísticos e estéticos, resultando em análises superficiais, ligando vida e obra em uma
espécie de crítica impressionista. Posteriormente, sua obra adquiriu maior respeito e prestígio,
devido às análises que focalizaram os aspectos técnicos, estéticos e estilísticos poéticos, além
da identificação de outros temas abordados, como o feminismo, distúrbios psíquicos,
alienação e tom intensamente existencial, entre outros. Entretanto, algumas dessas críticas,
principalmente as feministas, acabaram sendo passionais, e foram responsáveis também pela
mitificação em torno da poeta como mártir do feminismo. Mas, a divisão da crítica
permanece, ao confrontarem-se opiniões discordantes analisando as razões e quais fatores
influenciaram essas respectivas recepções ao longo do tempo de aproximadamente cinqüenta
anos.
O fator mais explorado pelas críticas negativas relaciona-se ao culto da poeta pelo
público leitor fascinado pelo seu suicídio, o que impediria leitura e julgamento realistas. O
leitor se sentiria sensibilizado pela dor e sofrimento existenciais expostos de maneira tão
pessoal e intensamente dolorosos, o que seria um obstáculo para a realização de uma leitura
crítica e a constatação de que tal poesia não apresenta qualidade. Mesmo, alguns críticos
10
julgam sua obra valendo-se de crítica impressionista, por sua poesia ser confessional, buscam
em seus dados biográficos, informações, a “chave” para interpretá-la, sem considerar os
aspectos estéticos e estilísticos.
O leitor ou se sente atraído ou repele esse tipo de poesia rapidamente, devido aos
temas tratados de modo pessoal, ligados a fatos biográficos trágicos. Mas, uma análise crítica
das características estéticas e estilísticas constata grande habilidade técnica poética, revelando
superficialidade de muitas críticas desfavoráveis. Estas, muitas vezes, ignoram que em arte, o
que importa para um julgamento crítico primeiramente é “como” não “o que” se diz. O que
não significa descartar informações biográficas, pois, contemporaneamente, se considera que
vários fatores influenciam na leitura, e podem ser usados para interpretar e julgar uma obra
literária.
Kiernan (1988) comenta sobre a poesia de SP, em relação aos outros poetas
confessionalistas, como uma poesia de intensidade extravagante e febril em auto-aversão
masoquista, que vai além do confessional até a loucura ditirâmbica dionisíaca domada
apolineamente. Os poemas iniciais prenunciam a força bruta e primitiva dos poemas finais, ao
longo dos quais se apresenta uma série de vozes, desde uma alegria infantil e auto-afirmação
até um tom sombrio e resignado em relação à morte. As imagens surrealistas se tornam uma
espécie de êxtases, como Robert Lowell, ela liga loucura e sofrimentos pessoais à demência
pública, ao invocar, polemicamente, o holocausto dos judeus, por exemplo. Mais
dolorosamente que ele e Anne Sexton, é atravessada e expressa nos últimos poemas solidão,
insegurança e desejo de aniquilação. A sintaxe elíptica e alusiva, e oscilação entre o artifício
imagístico e revelação honesta seriam indicações dos seus distúrbios mentais.
Macquade et al., (1987) comentam que, após casar-se, mudar-se para a Inglaterra e ter
dois filhos, sua vida emocional se desenvolveu profundamente apoiada pelo marido, e SP
conseguiu se expressar melhor:
A intensidade, pureza e dispersão dos últimos poemas de Sylvia Plath deram a sua
carreira curta um peso fora de proporção em relação a sua brevidade. Mesmo vindos
de uma vida trágica e freqüentemente tratando de um assunto trágico, estes poemas
são (...) seguros do seu caminho (…) de técnica fria, de um talento sem medo dos
seus próprios extremos. É também um talento bem dirigido, alguém que assimilou a
poesia de D. H. Lawrence, Theodore Roethke, e Robert Lowell e adicionou por si
próprio um humor negro selvagem (…) (p. 2544, tradução minha).
Os trabalhos publicados postumamente são bem considerados, sendo os principais
temas, além do recorrente de morte e suicídio, casamento, criação dos filhos, infidelidade, a
mulher artista, conflitos femininos interiores e exteriores. A linguagem apresenta expressões
11
precisas, mas com vocabulário comum, é ardente expressando, compressão e violência em
metáfora, e tom autoritativo e muito irônico, em verso livre junto ao metrificado clássico. SP
foi aluna de Lowell, e provavelmente seguiu seu exemplo, ao escrever seus últimos poemas
em verso livre. Seu verso livre não é solto e intimista como os dele em Life Studies, possuem
métrica e sintaxe fechadas e densas, apoiados firmemente por rimas internas e visuais, por
paralelismo, aposição, aliteração, e outros recursos; apresentam regras tão controladas quanto
um verso formal. um uso intensificado de rimas em todas as suas manifestações, que
ultrapassam sua função básica e participam da estrutura e do sentido dos poemas, além de
preocupação com a musicalidade das palavras, principalmente em relação à estrutura
entonacional nos poemas finais. SP é comparada a Emily Dickinson porque não usa um verso
feminino convencional e, sua linguagem é emocional e explicitamente desafiante.
Ela tem uma auto-observação aguda e fria que domina suas linhas flamejantes,
domando-as à forma, meditando seus estados atormentados de mente, trabalhados por uma
alta inteligência. Seus melhores poemas são peças compostas e pensadas cuidadosamente, que
expressam uma imagística pessoal e foco intenso. Poeta de grande habilidade estilística e
sobriedade, triste e séria, que produziu uma poesia de preenchimento triunfante, chocante, ao
mesmo tempo em que intensa e dolorosa, de percepções e sentimentos intensos e
extremamente pessoais (MCQUADE et al., 1987).
Assunção (1991) comenta que SP escreveu a maior parte de sua poesia durante as
décadas de 50 e 60, quando a literatura tradicional norte-americana foi atacada violentamente
pela beat generation. Mas, suas influências são os poetas mais velhos: Williams, Wallace
Stevens, Dylan Thomas, Lowell e Dickinson. Talvez, por sua sede de viver de maneira que
tivesse sentido real e não alienante, e por seu destino trágico, ela se aproxime do lendário
lema dos Beats: “Permaneça lindo, morra jovem”. O autor cita Leonardo Fróes, um admirador
brasileiro de SP, que afirma que sua poesia não sofreu influência dos Beats, porque é muito
mais contida, há um sentimento de revolta e violência, rancor contra o sistema de vida norte-
americano da época (ver Capítulo 2, seções 2.3 a 2.4); mas, é uma revolta voltada para dentro,
“como se fosse uma bomba detonada dentro dela mesma”. E também o poeta brasileiro
Sebastião Ochoa Leite, para quem SP é o nome mais importante da poesia de LI surgida nos
últimos 30 anos, e a única capaz de ombrear com Lowell: “A poesia dela é muito curiosa
porque não é hiper-intelectualista. Nem é existencial. É ditada por impulsos emocionais,
mas, ao mesmo tempo, é uma poesia de grande autocontrole. Ela vem de uma forma poética
tradicional, mas utiliza uma sintaxe realmente muito estranha” (s/p).
12
Lopes (2005) trata da questão com lucidez, e declarada admiração pela poeta e sua
poesia, em um artigo excelente: “Sylvia Plath: delírio lapidado” muito bem elaborado e
fundamentado. Em sua opinião, SP faz parte de uma galeria de artistas e poetas mortos no
auge da sua carreira e criatividade. Sua morte assumiu, como é comum nesses casos, o
conhecido emblema da perfeição, do pacto sereno, experiência limite e ainda, o suicídio de
um poeta como conseqüência e parte integrante da obra: suicídio literário. Tal culto do gênio
literário trágico e suicida, do mártir precoce, que remonta ao Romantismo é conhecido na
história da literatura do século XX, além de SP, nas figuras de Cesare Pavese, Ernest
Hemingway, Woolf, Vladimir Maiakóvski, Sexton, Hart Crane, Mishima, entre outros. A arte
precisa de suas vítimas e mártires, para manter sua aura extra-humana construída, e o público
também. Devido a esses fatores, algumas críticas sobre tais escritores, tende a valorizar os
aspectos biográficos e da personalidade, e desconsiderar ou não considerar e atentar para o
seu valor estético.
No caso de SP, após seu suicídio, as circunstâncias que precederam sua morte foram
exploradas e espetacularizadas ao máximo pela mídia e academia. A publicação do romance
autobiográfico The Bell Jar, semanas antes de seu suicídio (ver seção 2.4), teria sido
responsável para que ele se tornasse best-seller nos Estados Unidos e, contribuiu ainda mais
para consolidá-la como mito literário, quase ignorando que ela foi uma poeta. Essa
mitificação foi responsável pelas leituras estreitas e recepção equivocada, que Ariel (ver seção
2.4), livro póstumo de poesia, publicado em 1965 recebeu da crítica da época. Lopes cita
como exemplo o livro The Art of Sylvia Plath, editado por Charles Newman, publicado em
1970, que destaca o “problema” de SP e não seus poemas. Houve um boom de estudos
críticos, seguido de várias biografias díspares em menos de três décadas, aprofundando a
distância entre a obra da poeta e seus leitores, que perdurou até recentemente, intensificada
por críticas que não buscaram entender sua arte poética em termos de qualidade literária,
incapazes de desvendar seu processo criativo.
Lopes cita como contra-exemplo, a crítica norte-americana Marjorie Perloff, que
afirma que a produção poética plathiana interrompida precocemente, embora com imagens e
ritmos limitados, conseguiu o principal e mais difícil para qualquer poeta surgido nos EUA no
período após T. S. Eliot, Wallace Stevens, Robert Frost e W. D. Auden: inovar dentro do
convencional e transcender o cânone: “O dilema de Plath foi o de qualquer poeta: como
conseguir, por meio da prática textual, uma voz inconfundível e inovadora” (PERLOFF apud
LOPES, 2005, p.118).
13
O rótulo de “confessional” e “extremista”, também, limitou uma leitura mais justa de
sua obra. Forçou-se um vínculo entre ela e poetas de linhas opostas, postura de Alvarez,
crítico literário britânico, que no livro The Savage God, publicado em 1971, afirmou que
poetas como Lowell, Sexton, John Berryman, Roethke e SP estavam levando suas
experiências poéticas a uma situação limite, guiadas por um mesmo projeto poético.
Produzindo poemas de linguagem violenta e sempre na primeira pessoa, “um ritual de
exorcismo, autoterapia desgovernada”, que poderia levar à destruição. Lopes defende que,
em SP “confessional” não é uma “poética do confessionário”, de choro ou desabafo. Ela
evitou essa facilidade e transformou suas experiências pessoais num desafio a sua própria
linguagem e habilidade poéticas. Argumenta tais afirmações com declarações da própria
poeta, que em vida falou sobre o assunto e enfatizou a importância do controle e manipulação,
a nível poético, de experiência pessoal de qualquer tipo, mesmo as mais extremas com uma
mente inteligente. Para ela, a experiência pessoal era importante, mas não puramente narcísica
e fechada, pois um colapso nervoso ou registro instantâneo de um delírio não pode resultar em
um poema de qualidade, sem uma técnica poética idem. Essa tentativa de formar uma escola
extremista ou “confessional” “achatou” historicamente um período, homogeneizou dicções
poéticas diferentes e ricas. O crítico não considerou que, se essa teatralização do “eu” não
consegue controlar sentidos, sensações e emoções através das palavras, têm sua qualidade
ameaçada poeticamente. Se o poeta não consegue controlar as experiências por intermédio de
associações verbais que as canalizem para uma atitude estrutural poética, sua qualidade é a
mesma de uma confissão, de uma notícia pública.
Alvarez justificou a obra plathiana pelo seu extremismo, sensacionalizando de modo
maniqueísta seu suicídio de causas incertas. Seguindo seu ponto de vista, só porque um poeta
tem uma vida trágica e suicida, sua obra deve ser necessariamente excepcional e vice-versa.
Influenciado pelo existencialismo, exagerou o aspecto do suicídio como fundamental para a
compreensão da escrita de SP, que não utiliza material autobiográfico em estado bruto, seus
poemas são um “delírio lapidado por um método”. Restringir a leitura deles ao que a vida dela
teve de trágico e curioso significa desprezar seu método de escrita, que tinha como um dos
paradigmas o controle da linguagem. O material autobiográfico ou referências históricas são
represados e filtrados pelo artesanato com que a poeta manipula sua emoção. A confissão se
torna “conficção”, via artifício lingüístico e poético, e poeta e eu-poético se confundem. Ler
SP como Alvarez, é confirmar que a poesia dela somente tem importância por ser comentário
sobre sua vida, desconsiderando seu potencial e valores estéticos: “Nem tudo o que é
importante sobre um poema é o que ele nos revela do mundo exterior. O sentido do poema
14
está dentro do mundo, em toda parte, assim como a linguagem” (LOPES, 2005, p.120).
Considerar SP somente confessionalista obscurece os pontos de contato num nível temático e
textual, que ela possa ter com poetas de tendências não confessionais ou distintas
estilisticamente, como Frank O’Hara, Robert Duncan, Gary Snyder e Denise Levertov, que
trabalharam com o pessoal, mas com dicções poéticas diferentes entre si, partem do
confessional para o “conficcional”. SP não viu sua poesia como mero desabafo ou grito do
coração”, transcendeu a confissão, manipulando minuciosamente e rigorosamente eventos
verídicos, para que eles se encaixassem em sua poesia.
Lopes criou um termo para definir a poesia de SP: “imagismo plathológico” (p. 120),
considerando que ela mesma reconheceu seu débito ao imagismo poundiano. Sua poesia
retoma a descrição imagista dos objetos desenvolvida por Ezra Pound, e “objetivisados” por
Williams, de que o objeto natura é sempre o símbolo mais adequado e de que a imagem é um
complexo de relações emotivas lançadas na imaginação visual. SP considerava e percebia na
imagem uma possibilidade expressiva importante, por poder ser conseguida nas entrelinhas,
na brecha perceptiva, que pode provocar no leitor “um salto, uma iluminação”. Relacionou,
assim, o objetivismo de Williams (conceito de “idéias - só nas coisas”) ao conceito de
“Coisas” em Rilke, o humano pensado em termos não-humanos, e o Zen, aproximando-se do
animismo poético de Roethke e D. H. Lawrence, ao procurar, nos poemas, as qualidades que
este compartilha com o mundo vegetal e animal.
Constatável, quando a poeta se apropria de objetos como cobaias, para que possa falar
de um modo irônico da relação e confissão psicanalíticas. O uso desse recurso permite que ela
fale de forma alusória, ilusiva; é um imagismo interior ou subjetivo, que desumaniza o
humano e humaniza o inanimado. Objetos, animais e eventos são exagerados e descritos na
medida em que servem para iluminar e descrever a condição emocional do eu-poético durante
a cena do poema. Nos poemas finais, essas imagens vão se rarefazendo, e os objetos não são
mais designados, tornando os poemas mais ambíguos e subjetivos.
SP apresenta perícia no uso da ambigüidade, multiplica os sentidos de uma mesma
palavra e/ou confere-lhe um sentido novo, inusitado. Um mesmo significante permite várias
leituras, ao descrever e falar de si mesma, descreve e usa o mundo “lá fora” para intensificar
tal descrição. Suas imagens dirigem as transfigurações de sua persona nos poemas para o
interior e para a paisagem “física” ou “dinâmica” montadas por ela. Uma imagem não retém
ou sugere um sentido por muito tempo, levando à outra imagem e, assim, sucessivamente.
uma certa urgência, pressa expressiva, por uso máximo de “fusão metafórica”, porém, o
sujeito da escrita consegue fixar suas imagens virtuais e fugazes, às vezes, fica difícil saber
15
se o eu-poético fala de si mesma ou de outra pessoa: seu sujeito se funde e se “finge” nas
imagens e observações do mundo exterior. A presença do próprio corpo nos poemas, que
ocupa um lugar de destaque na composição do discurso, reforça o subjetivismo do seu
imagismo. Essa incorporação/absorção do mundo exterior para descrever estados interiores de
emoções, sensações e pensamentos reflexivos é uma das características mais marcantes em
sua poética.
A ênfase no dinamismo textual se dá no oral, na importância da vocalização dos
poemas de 1962 e 63, como ela mesma afirmou, e mesmo fez gravações orais destes, escritos
para serem lidos em voz alta e interpretados durante a leitura: “A lucidez que possa emanar
deles vem do fato de eu ter de lê-los para mim mesma, em voz alta” (PLATH apud LOPES,
2005, p. 123). Em alguns poemas, pode-se falar de poesia como uma performance. Esta
presença oral indica a tensão da escrita e dessa ocorrência, pois é o registro de alterações
física e emocionais, controladas pelo ritmo de sua respiração. Ao declamar, a poeta vira
performer do texto, em uma improvisação pessoal controlada, com inflexões coloquiais,
nuanças de expressão, e quase sempre apresenta uma pose num dinamismo quase teatral, pois
exige a presenças da persona. Tal recurso é usado claramente em Lady Lazarus (ver seção
2.4.1).
O palco, nos poemas de 1963, parece se deslocar de um teatro para uma sala funerária,
onde se pode perceber os elementos-síntese de sua poesia, que antecipariam sua última
performance. Sua dor é apresentada de modo nobre, clássico e resignado e parece selar sua
obra e vida com um suicídio, como uma obra de arte, um poema bem-acabado. Ao perseguir
uma “voz”, tentar marcar em sua linguagem uma presença que lhe desse “um nome, um
sentido”, SP tomou uma via negativa: seus poemas finais, que narram o processo de nascer e
morrer desta escrita provam e simulam, via linguagem, sua própria extinção. O registro de um
processo que celebra em tom resignado, sua própria desaparição, sugere que cada poema é o
último: o registro de uma passagem rápida. A intensidade dessa “‘mini-estética’ do
desaparecimento” (p. 125), indica que o impasse revelado em Words (ver seção 2.4.1) se
resolve no abismo niilista de Edge: as palavras são riderless: sem cavaleiro, rédeas, à solta,
sem autor, e readerless: sem leitor.
Mendonça (2005) no artigo “Sylvia Plath: Técnica & Máscara da Tragédia” menciona
a larga repercussão de Ariel, publicado respectivamente em 1965 e 1966 em Londres e Nova
York, que envolveu a arte de SP e ela própria em uma aura de mitificação, promovida pela
imprensa e crítica. Tal mitificação foi desencadeada por alguns poetas e críticos importantes
da época: Lowell, Hughes, George Steiner, e o também biógrafo Alvarez, adicionada ao fato
16
de que na década de 60, a psicanálise gozava de período de exegese literária; e pelas
experiências de “desregramento dos sentidos”, “arte e loucura”, que emanam da poesia de SP,
que casaram com a atmosfera do momento. Além de uma leitura moralista de sua obra que
agravava a equação: mãe, mulher traída, loucura e suicídio, tendo como amálgama a poesia.
Tal entrelaçamento propiciou um fascínio simplista que SP exerceu e continua a exercer.
O autor cita, também, Perloff (1990), que denunciou a manipulação de Hughes na
seleção dos poemas de Ariel, que teria contribuído para a aura mítica em torno dela e de sua
obra, ao confrontar a lista de SP com a dele, e conclui que a narrativa através dos poemas
daria conta de idéias díspares. A dele reforçaria uma SP suicida, que aceita a traição, heroína
trágica; enquanto a dela enfatizaria não a morte, mas disputa e vingança, o reconhecimento
que o ser amado é também o traidor. Ele se redimiu ao publicar a lista de SP em The
Collected Poems, em 1980. Porém, a fama de SP como “poeta extremista” estava
consolidada, e a visão de vários estudiosos ainda oscilavam. Fato compreensível, pois sua
poesia comporta duplo enfoque: à primeira vista, um caráter tipificado cientificamente como
esquizofrênico, que talvez permitisse uma leitura psicanalítica; por outro lado, ironia refinada;
inteligência aguda e crítica estética, características de poesia de qualidade, escrita por
esquizofrênicos ou não. A discussão crítica prosseguiu, e começou-se a afirmar que sua poesia
não poderia ser rotulada apenas como uma “reação contra a condição opressiva de mulher,
louca e poeta”. Existia outra SP, com uma poesia-ação, uma artesã, que dominava sua
expressão poética, capaz de uma convincente realização técnica, elementos sem os quais sua
obra não despertaria respeito. Mendonça afirma que é nesse sentido que procura contribuir
com uma crítica sobre os poemas plathianos, segundo ele, hoje clássicos. Focalizando suas
construções, para demonstrar porque constituem poesia perturbadora e de qualidade,
baseando-se, também, como Lopes, nos comentários da própria poeta:
Penso que a minha poesia seja fruto direto da experiência de meus sentidos e da
minha emoção, mas devo dizer que não posso ter simpatia por aquele ‘grito do
coração(...). Creio que se deva saber controlar, manipular as experiências, até as
mais terríveis, como a loucura, a tortura (...). E se deva saber manipular com uma
mente lúcida que lhe dê forma (...) (PLATH apud MENDONÇA, 2005, p. 129)
A partir dessa citação é possível conhecer como o registro das emoções e dos temas se
operava poeticamente para ela, que evitava o jorro desordenado das emoções, evitando o
“dramalhão” em busca de um grande controle da escritura, dando-lhe forma. Seus poemas,
assim, não lidam com a loucura como sinônimo de desordem criativa, mas o contrário.
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A maneira que a poeta exercia controle sobre suas experiências e lhe davam forma se
junta ao fato de que buscou uma pessoalidade, “voz própria”, que a individuasse. O caminho
trilhado por ela em busca de seu artesanato poético foi árduo. O único livro de poemas
publicado em vida, em 1960, The Colossus and Other Poems, revela uma poeta
experimentadora e concentrada. Mendonça cita o ensaísta John Frederick Nims, em The
Poetry of Sylvia Plath: “Cada página de Plath demonstra a sua preocupação constante com o
valor musical da palavra” (p. 129). Ela tentou exaustivamente novos ritmos, novas
combinações de rimas, arriscou metáforas sob influência de poetas como Roethke, Hughes,
Dylan Thomas, Lowell, Stevens, Dickinson, Bishop, Sexton, entre outros. É o livro de SP
aprendiz em preparação para a síntese madura de Ariel.
Em relação a esse livro, seus influenciadores casavam-se com a sua busca de “voz”,
de pessoalidade e individualidade do “eu” poético. Divergindo das colocações de Eliot tais
como: “A evolução do artista é um contínuo auto-sacrifício, uma contínua extinção da
personalidade” (p. 130) e, revelando seu culto à poesia confessional: “Os poetas que a aprecio
são possuídos por seus poemas do mesmo modo que pelo ritmo de sua respiração” (p. 130).
Ariel apresenta sua evolução qualitativa, mas ela recuou na experimentação técnica,
mostrando um estilo mais tradicional, contido. Em vez de partir para uma radicalização
formal, se apegou às conquistas de Dickinson, usando métrica convencional, rimas e imagens,
sem deixar, “e reside seu gênio”, de alterar esses elementos com sua visão pessoal. Num
contexto em que a ruptura do discurso poético e a invenção eram superestimadas, como o
lema de Pound Make it New” (“Faça-o Novo”), SP provou que era possível escrever poesia
de qualidade com uma técnica existente. Os artistas da palavra lidavam com a impossibilidade
de escrever, devido à literatura vanguardista moderna, mas, ela demonstrou brilhantemente,
que era preciso que essas conquistas, junto com as antigas, funcionassem, isto é,
possibilitassem o fazer e não o calar poético. Nims sugeriu que o lema de SP talvez fosse
Make it Do“Faça-o Funcionar”, o abismo da impossibilidade de criação não existia para
ela: “Diremos que Sylvia Plath é uma tanto conservadora? Em Ariel, do ponto de vista
técnico, não poderia ser mais conservadora, e esta é uma das razões pelas quais o livro nos
parece tão original. (...) quanto mais um poema é brilhante, tanto mais seu ritmo é tradicional”
(p. 131).
Tal volta aos padrões convencionais, concebidos como ultrapassados
equivocadamente, é constatável, por exemplo, no metro pentâmetro iâmbico, que possui um
fundamento fisiológico, correspondendo a cinco pulsações por respiração, seguindo as batidas
cardíacas, ocorrendo em qualquer língua; tal metro tradicional predomina na arquitetura dos
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poemas. A rima retorna também, quase de modo obsessivo, residindo nesse aspecto uma das
características mais interessantes do seu artesanato. Ela tece um espectro de rimas, que os
ensaístas denominam de “rima-fantasma”, fantasmas de sons. Um exemplo de tal técnica
ocorre em Lady Lazarus (ver seção 2.4.1), em que há deslocamento de rimas de suas posições
normais e “fantasmas de sons”. A questão da rima conduz à sonoridade e a cantabilidade,
que os poemas eram feitos para serem lidos em voz alta. Sua obra, nesse aspecto, apresenta
exemplos contundentes de maestria, de ouvido para a música do verso. O aparato poético
“sinfônico” completo aparece em aliterações, assonâncias, rimas convencionais ou não, e
internas principalmente. Mendonça menciona a insistência do som /i/, que remete ao pronome
I“Eu”, o seja, correria pelo texto nesse aspecto, indiretamente, a auto-afirmação do “eu”
plathiano. O que prova que, uma artista de qualidade conseguiria trabalhar, à exaustão,
para que em seu texto se espelhassem as sutilezas emocionais que moldam a palavra.
O domínio consciente da palavra por SP é indiscutível, como o domínio sobre a
metáfora, em que Mendonça a compara a Safo. Seu olhar dirige-se com precisão, concebendo
comparações originais, insólitas, reunindo elementos do cotidiano, comuns, na maioria das
vezes, que aparentemente pode parecer simplificar sua linguagem poética complexa, por meio
de um vocabulário simples. Muitas de suas metáforas hoje se elencam no repertório poético
anglo-americano. SP desenvolveu uma inovação técnica, um cluster de metáforas”:
superposição de imagens aparentemente desconexas que se fundem e refundem. Tal técnica,
denominada de melting-fusion”, assemelha-se ao conceito de alegoria, entendida como
sucessão ou encadeamento de metáfora, em que o poeta tem total liberdade para atribuir
sentido a suas imagens, resultando em um caráter fechado, esotérico e hermético. A lição de
composição de Charles Olson, também se aplica à idéia plathiana de sucessão imagética:
“uma percepção deve conduzir, direta e imediatamente, a outra percepção” (p. 134). E à
colocação de Perloff, que afirmou que o estilo de SP comporta uma analogia com as
concepções poéticas de D. H. Lawrence que diz que “a unidade do verso livre é dada pela
imagem e não pela medida externa...” (p. 134).
Tais afirmações explicam e auxiliam na compreensão da aparente loucura, que seduz
no discurso plathiano. Sua poesia desconcerta, também pelo clima alucinatório de imagens
fechadas que provoca na imaginação visual do leitor. Em jargão poundiano seria uma
“fanopéia-alucinógena” (p. 134), na qual a passagem ou fusão entre elas aparentemente é
arbitrária. Ao visar uma manipulação do material emocional e, a partir, de fatos e emoções da
vida real desencadeia uma série de imagens e metáforas, em operações metafóricas inusitadas,
em que uma leva a outra.
19
Outra contribuição técnica seria sua leitura crítica da configuração estrófica de Dante
Alighieri. Ela transgride a harmonia métrica, das rimas, e do ritmo da terzina dantesca, em A
Divina Comédia, de rimas precisa e rigorosamente posicionadas. Parece criar uma respiração
pessoal, um deslocamento para causar suspense e expectativa. A percepção de SP rompe a
harmonia dantesca estilhaçando-a com uma respiração pessoal e misteriosa, por exemplo, em
Lady Lazarus (ver seção 2.4.1). Além disso, a técnica de Dante pautava-se também em
linguagem direta evocando imagens visuais claras, e se liga, de certo modo, com sua
utilização de imagens, mas metaforicamente. SP remete, assim, a leitura de seu texto poético
para a atemporalidade das criações literárias de valor absoluto. Tal diálogo, que para Eliot
tinha um caráter de recuperação textual: “o inferno dantesco a que os homens-ocos dessa
época estão irremediavelmente condenados”, para ela, refletirá em sua composição em
visualidade de imagens e estrofação.
Quanto aos temas, baseiam-se na existência do seu “eu” centralizador “que estende os
tentáculos sobre um epos doméstico”. Fala da condição humana de modo geral indiretamente,
por meio de si mesma, em poemas de clima reflexivo, sombrio e noturno, cujos temas se
detêm na morte, suicídio, ódio, sangue, ferimentos, deformidades físicas, febres, operações,
abelhas, filhos, infidelidade. Construindo personagens quase inanimados, narrando ora com
ódio, ora com medo, histeria, masoquismo, e principalmente ironia. Todos sob controle e
persuasivos, porque a voz de SP possui autoridade, e uma sincera confidência ao leitor, às
vezes, denuncia diretamente, seduzindo-o pela “verdade dos fatos” comuns a muitos. Controla
tal “voz”, sendo esta uma de suas metas, o controle dos fatos para lhes conferir o caráter de
verdade, através de sua poesia, que não revela irracionalidade, mas é premeditada e
competente. A singularidade dos poemas reúne sua percepção emocional, ao fluxo de imagens
em estilhaços, alegorizando-os, produzindo impacto com sua aparente desorganização;
somados à conciliação da dicção coloquial e atualizada com uma técnica extremamente
clássica. A resultante é coesão, unidade sólida, que retrata seu ego vigoroso e fascinante,
chamando atenção “a unidade dos estilhaços imagéticos, o fôlego que não deixa o poema
cair”.
Uma característica importante é que poucos poemas falam sobre o passado ou futuro,
as ações estão no presente e a posição da poeta é de vítima: desamparada pelo pai e marido,
sendo mãe afetuosa, mas doente; o que a leva a ironizar a terminologia psicanalítica
sistematicamente. Suas palavras sugerem impossibilidade de agir e um niilismo de dicção
coloquial. Seus símbolos herméticos e obsessivos são incessantemente citados: lua, água,
vela, cavalo espelho, nuvem, estátuas, árvore, abelha etc.
20
O grande tema, o símbolo morte, subjaz em quase toda a obra e, é representado,
aludido o tempo todo, mesmo nas entrelinhas. Os dados biográficos confirmam que ela tentou
suicídio mais de uma vez, e sugerem que não haveria desfecho que não resultasse nesse tipo
de morte. Morte em sua obra significa o quer significar, mas como consta de seu próprio
depoimento, faz com que ela se lance ao trabalho incansavelmente. O percurso “morte-
ressurreição” é subtendido como mensagem poética plathiana, em ciclo que envolve a
adoração do ser amado: submissão, ressentimento, ódio, morte e ressurreição. Os melhores
momentos são os que ilustram tanto a totalidade quanto o vazio do Universo.
Parece que SP previu seu leitor potencial ou pelo menos como ele se comportaria.
Teria, talvez, a ambição de constituir um estatuto de verdade fatual e biográfico, por
intermédio da poesia, a verdade dos fatos seria contada através dos poemas. Isso explicaria os
detalhes minuciosos de seu cotidiano, e utilização de uma técnica sintática coloquial sem
grandes desvios. Para que suas denúncias chegassem ao leitor sem meio termo, reforçado pelo
fato de datar a maior parte de sua obra. Dessa forma, o leitor insatisfeito com as conclusões
extraídas dos poemas, busca um desfecho que aprofunde e esclareça esse suicídio, quase
forçados a “migrar” dos poemas para a(s) biografia (s) díspares. E a tragédia de SP é vista
como o fecho para a confirmação desses poemas, sem a qual, talvez, perdessem seu teor de
verdade constituída e de perturbação moral para tais leitores.
A poeta quis expressar seu ego, sua pessoalidade, mas sem se transformar em
personagem. Com a mitificação erigida sobre sua vida, os poemas são esquecidos e ela torna-
se uma personagem fictícia empobrecida: “Sua tragédia pessoal deve nos remeter antes à
tragédia primordial do ser humano, que é, em última análise, a de rotular com sentido,
palavras, o vazio da existência” (p.139).
Semelhantemente a Lopes, embora se detendo mais à temática da poesia de SP, a
crítica norte-americana Ratner (1982) considera a imagem construída da poeta associada a de
uma poeta torturada e condenada, devido mais a sua biografia, do que por sua poesia tida
somente por uma preocupação com alienação, morte e autodestruição, adicionada a de poeta
talentosa, mulher bela, jovem e suicida que fascina tanto o leitor, e pode prejudicar uma
leitura crítica, mesmo por um leitor especializado, ou por julgamentos superficiais ou não
simpatizantes. Sendo sua poesia reflexão crítica profunda sobre estes e outros temas, que
acabaram sendo generalizados. Prova disso, é o fato de que muitos críticos se contradizem ao
analisar sua produção, o conhecimento de suas informações biográficas é importante, mas não
é a única via, para compreender a obra plathiana, principalmente a poética.
21
Como muitos críticos, Ratner afirma que a poesia de SP ultrapassa a mera confissão de
dor, pesar e sofrimento interior e; ainda, que sua técnica estava começando amadurecer
quando morreu. Liga-a aos poetas românticos como Lord Byron, Pierce Shelley e John Keats,
considerando-a uma poeta romântica, em relação à temática e sua imagem pública de suicida
e morte prematura e, clássica e neoclássica quanto à técnica e estilo. O livro de poemas mais
importante, Ariel, não é confessional, mas pessoal, pois confessa suicídio, morte e
ressurreição ao mesmo tempo. Os poemas evocam visões profundas, experiências místicas,
lidam com imagens, mais do que fatos, estas não são símbolos arbitrários, mas reorganizações
de fatos biográficos e da vida cotidiana. Ratner cita Judith Kroll (1976), que analisando
esboços constatou que os fatos biográficos eram eliminados, se não se adequavam a uma
correspondência com o que a poeta desejava expressar.
Para Fallon (1992), cuja crítica em relação à obra plathiana é feminista e liga vida e
obra, detendo-se mais aos aspectos temáticos, SP é muito conhecida como uma figura cult que
cometeu suicídio, cujos poemas são vistos como autodestrutivos, escritos por alguém que
expressa um desejo forte de morrer, irônico e mórbido, atraído pela idéia de suicídio. Seu
suicídio e morte trágica certamente contribuíram para que o público e crítica ligasse sua vida e
obra como morbidamente atraídas pela morte com nada além disso, criou, assim, um culto e
levou o público a tornar-se mais interessado na sua vida do que na sua poesia, chamado por
Thwaite (1996) de “The Plath’s industry”, “A indústria Plath”.
Em Ariel alguns poemas são bastante depressivos e relacionados à morte, pois foram
escritos semanas antes da morte da poeta e refletem sua tendência suicida. Mas, momentos
de força em que o eu-poético assinala sua nova independência após sua separação do marido.
Os poemas são sobre força e renascimento, não falam da morte como destruição física real,
mas simbólica, como necessária para se ressuscitar psicologicamente. SP não escreveu
somente poesia confessional e autodestrutiva, versa sobre autodestruição psicológica e
simbólica, necessária a um sujeito, que renasce positivo e afirmativo. Superou a dominação
patriarcal masculina na vida e na literatura, afirmando um renascimento psicológico em tom
feminista em vários poemas, principalmente nos iniciais de Ariel e em The Bell Jar.
Ascher (1998) comenta a relação de SP com o feminismo. Na opinião do crítico, a
poeta se tornou objeto ou vítima de culto, admiração e de um grande número de estudos
equivocados, que a transformaram em um mito. E o contexto que favoreceu tal fato foi a
emergência da segunda onda do feminismo norte-americano na década de 1960. O feminismo,
movimento excepcionalmente letrado e literário, além de civil e social, precisava de pelo
menos um mártir mulher, e SP, jovem, bonita, inteligente, poeta, traída pelo marido e
22
precocemente morta por suicídio se adequou ou foi adequada sob medida, para o papel de
poeta feminista e mártir do feminismo. Mártires pressupõem um carrasco, no caso, o marido,
declarado culpado sem julgamento, pelo fim trágico da mulher: homem, marido infiel, inglês
e poeta (que o tornava um competidor). Sendo desconsiderado que ela sofria de crises de
depressão e tinha tentado se suicidar duas vezes antes da vez fatal, além do fato de que vários
poetas norte-americanos contemporâneos a ela cometeram suicídio também.
SP não é uma grande poeta, mas um mito construído de poeta grandiosa. Sua opinião
contrasta com a de vários críticos, que a situam entre as melhores poetas mulheres norte-
americanas pós-II Guerra Mundial, como Bishop, Sexton e Adrienne Rich, que escreveram
também poesia feminista de cunho social e político, reivindicaram um espaço literário para as
escritoras e se rebelaram contra as vozes femininas convencionais na literatura e como a
mulher era representada literariamente.
Para Bawer (2007) que, semelhantemente, não considera a obra da poeta de qualidade,
SP se tornou ícone do feminismo e de adolescentes infelizes, - na maioria do sexo feminino -
devido à temática que aborda, atraentes a esse tipo de leitor. Estes não se preocupam com e
não são capazes de julgar e avaliar características e qualidades estéticas e estilo poéticos. São
interessados na e se identificam com história de vida trágica dela, que os fascinam, não em
julgar sua arte. Sua história de vida é fascinante, sem dúvida, mas, para a crítica, como análise
e estudo para estabelecer relação entre arte, ambição e psicologia. E, também para investigar,
por exemplo, os poemas de Ariel, escritos pouco antes de sua morte, considerados a quinta-
essência da poesia confessional do século XX, e não por mero interesse e curiosidade.
Para Bloom (2001), o valor da obra poética de SP é exagerada por críticas passionais,
principalmente feministas, admite que Ariel apresenta traços de gênio, mas a poesia plathiana
é somente confessional e popular, sem qualidade literária.
O crítico considera com reserva a eminência de SP, cuja permanência como grande
poeta permanece incerta, e somente a passagem do tempo pode consolidá-la como grande
poeta, o que ele acha difícil. SP é reconhecida como tal, devido a Ariel, sendo uma atitude não
sábia discutir com seus partidários passionais. Bloom “confessa” que se sentiu comovido pelo
livro, devido ao pathos que ele evoca, mas não o considera um trabalho durável ou poesia de
eminência autêntica. Segundo ele, a poesia norte-americana do século XX é rica de mulheres
poetas gênios: Gertrude Stein, Hilda Doolittle, Marianne Moore, Louise Bogan, Léonie
Adams, Laura Riding, Bishop, May Swenson, Amy Clampitt etc, dentre as quais SP pode
ser descrita como uma poeta sincera.
23
SP, claramente, responde uma necessidade, nem estética, nem cognitiva, mas
profundamente afetiva, emocional. Nesse sentido, é representativa e o fenômeno da sua
popularidade é válido para meditação crítica. Talvez, ela devesse ser considerada na categoria
de poesia popular, como a poeta - bem diferente dela - Maya Angelou. Uma vez que, as
influências de SP são, por exemplo, Wallace Stevens, W. H. Auden etc., a comparação pode
ser um pouco estranha inicialmente; mas, certamente, o que importa sobre SP é a audiência.
Seus poemas são poemas para pessoas que não lêem poemas, e para ideólogos feministas, que
a consideram como um mártir exemplar para os absurdos patriarcais. Portanto, para ele a
questão é somente estética, sendo SP uma poeta popular, que produziu poesia popular
confessional com ar de respeitabilidade literária para confissões pessoais, para leitores
voyeurs, considerando que a poesia popular é uma aliada de confissões verdadeiras.
Nas notas do editor e na introdução de Bloom’s Modern Critical Views (2007), ensaios
críticos sobre SP e sua obra, ele mantém o mesmo ponto de vista da edição anterior de 1988.
Após reler Ariel, suas reservas em relação a sua eminência estética aumentaram, apesar de
saber que a maioria da crítica discorda de suas opiniões. Como exemplo ele comenta, que de
todos os ensaios da coletânea, somente um, de Bruce Bawer, entre dez é desfavorável à poeta
e sua obra, ao indicar limitações da poesia confessional em Ariel, sendo o restante “litania de
idolatria”. Jacqueline Rose trata do poema Daddy no contexto do feminismo, como
concretização dos ideais deste. Nancy D. Hargrove elogia os poemas de 1957 estetica e
estilisticamente como transição a Ariel. Sandra M. Gilbert, em Berck-Plage uma versão
moderna elegíaca de um poema de Matthew Arnold. Caroline K. B. Hall afirma ser Crossing
the Water uma transição para a melhor fase poética de SP. Christina Britzolakis considera que
SP encontrou o oposto do mito construído pelo homem de mulher fatal em sua obra. Tim
Kendall afirma haver nos poemas finais uma sublimidade que transcende “nossos modos
inadequados de ler”. Susan Gubar defende a poesia plathiana sobre o holocausto. Linda
Wagner-Martin louva o tom feminista, e Susan Basnett aponta a religiosidade na poesia de
SP.
Bloom conta que conheceu e gostou de SP em Cambridge, e leu seus primeiros
poemas com interesse respeitoso. Após ler The Colossus, ele esperava um pouco mais do que
encontrou, o considerou derivativo, mas de qualidade. Sobre Ariel, diz que, talvez, teria
gostado mais dos poemas, se seus poucos méritos não tivessem sido tão exagerados por seus
muitos admiradores. SP não possui a força de Christina Rossetti ou de Elizabeth Barrett
Browning, e ao compará-la a uma poeta de sua geração, original e poderosa como May
Swenson, ela não resiste, sendo sua reputação contemporânea um guia inadequado para a sua
24
sobrevivência canônica. Os “admiradores mais fantasiosos (grifo meu) de SP”, a comparam
a Dickinson, para ele, a consciência mais original e o intelecto mais formidável entre todos os
poetas de língua inglesa após William Blake. Uma comparação mais justa seria com Felicia
Hemans, poeta romântica inglesa, cuja morte precoce e trágica lhe rendeu fama temporária.
Dessa forma, SP e sua obra são vistas por ele como moda de um certo momento da história
literária.
Bloom cita dois críticos que se manifestaram negativamente em relação a SP antes
dele: Irving Howe e Hugh Kenner, para os quais insanidade histérica não é algo que dura em
verso, poesia depende de estilo, estética, não de sinceridade. Após reler Ariel, depois de
quinze anos, diz ter se encontrado murmurando os versos de Oscar Wilde: “Toda poesia ruim
é poesia sincera” (tradução minha). Considera o polêmico uso e apropriação da imagem dos
mártires judeus nos campos nazistas em alguns poemas, gratuito e ofensivo, retórica coerciva,
que não transforma nada. O uso que a poeta faz dessas alusões faz com que o leitor se sinta
coagido, não persuadido. As críticas feministas, que defendem a criação de um novo modo de
ler SP, e de um vocabulário crítico para interpretar sua obra, que ainda não existe, o
incomodam, ele se diz perdido ao ler SP, e levado a duvidar de sua competência como leitor,
devido a essas críticas idolatrantes. A questão que importa é estética, não crítica feminista
baseada em dados biográficos e, arremata, com certa razão que, se a poesia de SP é tão
poderosa, que clama por uma nova estética”, então que esta seja elaborada, mas não sob
forma de crítica feminista.
Em Casagrande (2007), defendeu-se, que considerada de estética clássica e
neoclássica, a poesia plathiana, também, utiliza, recontextualiza por meio de
intertextualidades diversas e retrabalha temas, estilos e elementos das estéticas clássica,
romântica e moderna também, configurando-se como pós-moderna, seguindo os “conceitos”
referentes ao pós-moderno e pós-modernidade de Berman (1986), Rybalka (1991),
Compagnon (1996), Perrone-Moisés (1998) e Hutcheon (apud PERRONE-MOISÉS, 1998).
Enquanto o Confessionalismo, por analogia poderia ser entendido como um Romantismo
moderno ou, ainda, pós-moderno, pela temática similar a dos românticos de culto ao eu, à
morte e suicídio, recorrentes nessa poesia de temas autobiográficos tratados de modo
confessional, mas sob um ponto de vista mais realista, reflexivo e radical do que o idealista e
platônico dos românticos. SP usa estratégias em busca de descontinuidade, ao mesmo tempo
em que de continuidade e diálogo com a herança e modelos literários e culturais clássicos
principalmente por meio de mitos clássicos. Tal postura é pós-moderna, pois ela realiza uma
readequação desses mitos aos seus interesses expressivos e época próprios, utilizando-os ao
25
lado de temas e ditados populares contemporâneos, por exemplo. Além de utilizar metros e
ritmos clássicos “misturados” ao verso livre e prosa poética (Modernismo), trabalhados por
técnica pessoal. Busca criar formas próprias para a expressão da sua subjetividade, sem
abandonar ou negar formas e regras existentes retrabalhando-as e, assim, cria algo
“original”, característica pós-moderna (ver seções 2.3.2.1 e 2.4.1).
1.4 Metodologia
Quanto à tipologia, essa pesquisa é etnográfica, e seguindo Silva (2005), caracteriza-se
por ser híbrida: pura e aplicada. Pura, porque visa contribuir para a ciência humana, buscando
desenvolver conhecimentos científicos, ciente da transitoriedade dos mesmos. Seu
desenvolvimento tende a ser formalizado, objetivando generalização por exemplaridade, sem
pretender universalidade, considerando as exceções, visando construção de teoria. Aplicada,
porque depende também das descobertas da pesquisa pura e se enriquece com o seu
desenvolvimento; mas tem como característica fundamental o interesse na aplicação,
utilização e conseqüências práticas dos conhecimentos. Sua preocupação está menos voltada
para o desenvolvimento de teorias de valor universal do que para a aplicação imediata numa
realidade circunstancial. A pesquisa etnográfica foi considerada como a mais adequada à
proposta, porque não se partiu de determinada teoria para aplicá-la, mas observou-se uma
situação social e procurou-se na teoria formas de compreendê-la e sugerir mudanças,
percorrendo-se o caminho situação social-teoria e vice-versa.
Seguindo os preceitos da pesquisa etnográfica (WIELEWICKI, 2001) tenho
consciência de que minha interferência como pesquisadora nos resultados obtidos com essa
pesquisa é inegável. Minha presença na sala de aula, observando e registrando pode ter
alterado o comportamento do professor e alunos. O compromisso de que não seriam
identificados não garante que estes tenham agido de forma habitual, enquanto observados e
questionados. As aulas assistidas, com a permissão do professor, agendadas antecipadamente,
podem ter sido, mesmo que inconscientemente, preparadas de forma não habitual. O professor
e os alunos podem ter se sentido intimidados com minha presença e as gravações, e terem
alterado seus comportamentos habituais. Ao responder ao questionário, os alunos podem ter
tentado adivinhar as respostas que eu queria “ouvir” ou fornecido respostas que não lhes
comprometessem, e temendo represálias podem ter “escondido” informações, que talvez, na
opinião deles, viriam a prejudicá-los em relação ao professor. Minha posição de pesquisadora
não é neutra ou distanciada, suposições, histórias de vida e acadêmicas norteiam minhas
26
buscas e direcionam meus achados. Apesar de utilizar elementos que validam a pesquisa
academicamente seguindo princípios estabelecidos, como a triangulação (entrevistas
informais, observações de aula, questionários escritos, além de teorias), minha voz está
presente na pesquisa toda, e minha posição como pesquisadora está mesclada à do professor e
dos alunos pesquisados. Sou também agente do processo que pesquiso, ao interferir nele e
propor mudanças de forma direta ou implícita. Todos esses elementos contribuem para a
formação do discurso que é essa pesquisa etnográfica.
Dessa forma, não se pretende nessa pesquisa revelar e criticar a recepção e a aula de
poesia de LI, apontando soluções para problemas detectados. Procura-se entender algumas
questões relevantes para que uma situação de ensino mais significante socialmente para os
que dela participam seja possível.
Quanto à metodologia, o estudo iniciou-se a partir de pesquisas, relatos informais e
testemunhos próprios e de alunos e professores de LLI, de uma universidade e curso já
mencionados (ver seção 1.1), acrescidos de observações e registro das aulas da disciplina de
poesia em LI dessa mesma instituição. Seguiram-se leituras teóricas e informativas sobre
poesia; SP, sua obra, estilo e crítica; tradução; TL; tradução de poesia; tradução da poesia
plathiana para o português no Brasil; Teorias da Recepção: Jauss (1994); Iser (1996; 1999 a;
1999 b) e Fish (1980). Finalmente, foi confeccionado e aplicado o instrumento para coleta de
dados, um questionário escrito, antecedido pela contextualização e apresentação do corpus
aos alunos. Buscou-se investigar como ocorre a recepção do corpus em questão, pelos alunos
em questão, em sala de aula em situação de pesquisa, por meio de observação, coleta e análise
dos dados. Seguindo-se, em parte, o raciocínio de ciência empírica: observação de fatos,
coleta e análise de dados, elaboração de conclusão mediante os resultados dos dados
analisados. Para tanto, procurou-se seguir as seguintes tipologias de pesquisa: 1) Estudo por
observação e exploratório; 2) Pesquisa bibliográfica-teórica histórica e crítica qualitativa e
quantitativa e 3) Pesquisa descritiva e experimental empírica-prática qualitativa e quantitativa.
Os materiais utilizados no estudo por observação e exploratório foram gravador e fitas
cassetes para registrar as aulas observadas. Na pesquisa bibliográfica-teórica histórica e crítica
qualitativa e quantitativa, após definido o levantamento bibliográfico-teórico semi-extensivo,
utilizou-se livros, artigos, resenhas, resumos e cópias. Na pesquisa descritiva e experimental
empírica-prática qualitativa e quantitativa, utilizou-se três materiais elaborados em LI em
folhas escritas impressas: um resumo a respeito de informações teóricas sobre o assunto
abordado (APÊNDICE A), para servir como dispositivo metodológico preliminar à
apresentação do corpus aos alunos (ANEXOS A e B) e, um em folhas escritas, impressas e
27
manuscritas: o questionário (APÊNDICE B) aplicado aos alunos, caracterizando-se como
instrumento para a coleta de dados, que foram coletados por meio das respostas manuscritas
em português, sendo estas, os dados, o material de análise do estudo.
Foram observadas duas aulas no período noturno (Turma 02), em seis de setembro de
2006, e duas no período matutino (Turma 01), em onze de setembro de 2006, na disciplina de
Literatura Anglo-Americana IV. O questionário foi aplicado na Turma 01, do período
matutino, no dia nove de outubro de 2007, durante a hora final da aula. A população
investigada e estudada, em relação às aulas observadas, foram aproximadamente cinqüenta
alunos, sendo que cada turma era de vinte cinco, mas no dia da observação houve algumas
ausências. Quanto à aplicação do questionário, vinte alunos responderam às perguntas, sendo
que da turma de vinte e cinco, cinco estavam ausentes na ocasião.
Dentre os métodos específicos, utilizou-se o método observacional no estudo por
observação e exploratório, em que se observou algo que acontece. Dentre as formas da
pesquisa descritiva, esta se realizou por meio do estudo exploratório: observação e registro
dessas aulas. O método comparativo foi usado na análise da observação destas, para sondar se
os pesquisados compreendiam o texto em LI e o nível de interesse deles por poesia de LI.
Esses passos iniciais foram realizados com o objetivo de familiarizar-se com o assunto a ser
pesquisado, perceber ou descobrir novos fatos, por isso, ocorreram aproximadamente um ano
antes da coleta dos dados.
Foram utilizados também métodos científicos gerais e específicos das ciências sociais
aplicadas. Dentre os gerais, utilizou-se o método dedutivo, ao observaram-se fatos
(observação das aulas), coletou-se e analisaram-se os dados, procurando-se verificar como
ocorreu a recepção do corpus e sugerir uma proposta após confrontação com os dados
observados, coletados e analisados: a inserção da prática pedagógica do uso do recurso
didático sugerido. Utilizou-se também o método indutivo, aplicou-se o questionário para cada
indivíduo, analisaram-se todos os questionários respondidos de modo particular, seguindo o
raciocínio indutivo, observando e estudando casos particulares para confirmar uma realidade
geral, nesse caso, não universal. Seguiu-se a forma de indução incompleta ou científica, que
não deriva de elementos enumerados ou provados pela experiência, mas permite induzir de
alguns casos observados, sob vários pontos e, às vezes, de uma observação, aquilo que se
pode dizer, afirmar ou negar do restante de uma mesma categoria. Como os elementos
fundamentais para a indução são a observação dos fenômenos, a descoberta da relação entre
eles e a generalização dessa relação, realizou-se na primeira etapa da pesquisa (observação
28
das aulas), na etapa empírica (aplicação do instrumento para e coleta dos dados) e na análise
dos mesmos.
Quanto à coleta de dados, os primários foram obtidos através de relatos, depoimentos,
entrevistas informais de professores, colegas e alunos e testemunho próprio da pesquisadora,
no e fora do ambiente em que se realizou o estudo. Os secundários foram obtidos por meio da
observação das aulas mencionadas e da aplicação do questionário (os dados). E através de
informações disponíveis nos materiais teóricos utilizados- especificados no item materiais.
Para a elaboração do instrumento de coleta de dados, baseou-se principalmente nas
Teorias da Recepção, citadas, com ênfase para o Reader-Response Criticism (FISH, 1980).
Este consiste de um questionário estruturado por uma seqüência lógica de perguntas. Quanto à
tipologia, estas variam entre abertas, em que o informante responde livremente o que pensa
sobre o assunto; semi-abertas, em que o informante responde a uma das opções e depois
justifica ou explica sua resposta; e encadeadas, a pergunta seguinte depende da resposta da
anterior e com ordem de preferência, possibilidade de escolha e/ou opinião. Para cada dado a
ser levantado, elaborou-se pelo menos uma pergunta codificada, numerada em série crescente
e encadeada no total de seis, que pressupunham respostas por escrito e individuais. Procurou-
se adequar os tipos de perguntas em relação ao tempo disponível para respondê-las.
Elaboraram-se instruções para o preenchimento do instrumento, confeccionado de modo a
parecer impessoal e adequado à linguagem dos alunos e, seguindo princípios da pesquisa
etnográfica, sem solicitação de identificação do informante. O interesse principal foi
investigar como ocorreu a recepção da poesia em LI, e a reação e opinião deles diante da
proposta pedagógica. Procurou-se, também, sondar o nível de conhecimento de LI dos alunos,
e se ou não desinteresse por poesia, devido ao conhecimento insuficiente da LI ou por
outro motivo, considerando-se as respostas como uma dos pontos para legitimar ou não a
proposta.
A análise e interpretação dos dados, seguindo Demo (2001), ancoram-se nos
métodos/técnicas qualitativo e quantitativo descritivos, com perspectiva etnográfica e
fenomenológica analítica interpretativa-crítica reflexiva. Procurou-se articular teoria e prática
e vice-versa quantitativa e qualitativamente, para discutir a análise e seus resultados. Os
métodos adotados não foram seguidos rigidamente, pois ao longo da análise ocorreram
caminhos alternativos, como em todo o desenvolvimento da pesquisa etnográfica, que supõe e
implica tal postura. A análise atenta para a opinião dos sujeitos pesquisados diante da
recepção da proposta apresentada em situação de pesquisa em sala de aula. Buscou-se
compreender as particularidades de tal opinião, e o relacionamento entre esta e as referências
29
teóricas, e com os conhecimentos anteriores obtidos por observação, informações, relatos e
depoimentos, objetivando organizar e interpretar os dados, a fim de avaliar os resultados e
investigar os mecanismos que os acarretaram.
A técnica quantitativa é utilizada porque o problema formulado tem intenção de saber
a opinião dos pesquisados diante da proposta apresentada, dessa forma, descrevem-se e
analisam-se os dados também por meio do método estatístico, buscando a média ou
percentual. Procurou-se estabelecer um “diálogo” entre a pesquisa quantitativa e qualitativa,
mas enfatizando a análise qualitativa das informações.
A técnica qualitativa pressupõe investigação com o objetivo de atingir uma
interpretação da realidade, interpretação que nunca é total. As abordagens qualitativas que se
apóiam na perspectiva etnográfica e fenomenológica tentam compreender o significado que os
acontecimentos e interpretações têm para as pessoas em situações e contextos particulares. Tal
técnica é usada em pesquisas que tratam de temas que se interessam mais pela intensidade do
que pela extensão dos fenômenos. Busca o aprofundamento subjetivo, procurando estabelecer
exemplaridade, para evitar subjetivismos e universalidade. Não se opõe à pesquisa
quantitativa, apenas focaliza “mais de perto” dados considerados qualitativos.
Para tanto, utilizou-se também a lógica da análise fenomenológica para descrever,
analisar e interpretar os fenômenos considerados informação qualitativa: fatos que acontecem
no ambiente pesquisado e os dados coletados neste, sendo as experiências pessoais da
pesquisadora elementos importantes na compreensão e análise dos dados observados sob a
ótica de alguém interno à organização, buscando-se uma compreensão do contexto da
situação, enfatizando-se o processo dos acontecimentos, ou seja, a seqüência dos fatos ao
longo do tempo. Foram seguidos alguns passos do método fenomenológico contemporâneo na
análise dos dados, também, porque a pesquisa busca analisar os dados coletados objetivando
mostrar o que é o dado e o compreender, ciente dos fatores mediadores e influenciadores
desse processo. A perspectiva fenomenológica coloca em evidência que o “comportamento
humano” tem tantos significados quanto os acontecimentos pelos quais ele se manifesta. A
idéia fundamental é a noção de intencionalidade, ou seja, o como o sujeito compreende o
mundo tem pressuposto sua vivência e intuito, intensificando, assim, a relevância do sujeito
no processo da construção do conhecimento. Optou-se pela perspectiva fenomenológica,
porque esta pressupõe análises mais abrangentes e “reais” de uma situação estudada, o que se
casou com o interesse desse estudo em compreender as características dos dados obtidos,
procurando interpretá-los e reinterpretá-los.
30
A análise realizou-se de forma dedutiva e indutiva, do particular para o geral, e da
prática para a teoria e vice-versa. Sendo, como já mencionada, a opinião do pesquisado
considerada, com os significados que atribuiu, percepções, representações que elaborou e
apresentou, considerando-se como e quais os fatores individuais e coletivos que influenciaram
na recepção da proposta. Para evitar subjetivismos, generalizações e universalidades
extremos, procurou-se exemplaridade com profundidade e intensidade na interpretação. A
pesquisa etnográfica utiliza base teórica, observação e coleta de dados para estabelecer o
contexto mais abrangente possível do campo-sujeito-objeto. Implica uma interpretação das
opiniões, crenças e compreensões sustentadas e partilhadas pelas pessoas que constituem o
mundo social. Estas não podem ser analisadas fora dos contextos em que são produzidas e
interpretadas, e, compreende-se melhor a fala de alguém se, procurarmos conhecer o mundo
de opiniões e crenças que a cerca. Assim como, buscar entender sua história de vida, seus
projetos sociais coletivos e individuais, o entorno das tradições culturais que demarcam os
sentidos comuns e os duplos sentidos, modos de relacionamento com os outros, constituição
do grupo de relações mais próximas, e assim por diante.
Seguiram-se três passos para organizar a informação analisada: 1) Estabelecimento de
categorias: as respostas foram organizadas em categorias, agrupadas a determinado item em
um pequeno número de categorias, estabelecendo-se como princípio de classificação as
opiniões favoráveis, desfavoráveis, “neutras”, oscilantes, exceções e outras, em relação à
proposta da pesquisa; 2) Codificação: numeraram-se as perguntas de 1 a 6, o número destas
são os códigos; 3) Análise estatística dos dados: utilizou-se a porcentagem e a média em
cálculos transcritos. Cada questão foi analisada separadamente, bem como os resultados e
discussões destas análises foram agrupadas posteriormente. A letra A refere-se a aluno,
seguida de um número em ordem crescente de 1 a 20. Selecionaram-se respostas e trechos de
respostas que se harmonizaram com a proposta, bem como os discordantes, supostamente
neutros, e exceções. Como o objetivo foi verificar o que os alunos acharam da proposta posta
em prática, não sendo preocupação a quantidade de reações positivas ou negativas, mas, sim
tentar compreender o porquê das opiniões, selecionou-se trechos considerados pertinentes,
para formular uma opinião geral, sem desconsiderar as isoladas. Tendo-se consciência que a
situação de pesquisa, a análise dos dados, bem como os objetivos que se pretendeu investigar,
e expor a partir desta, são artificiais e não neutros, sujeitos a vários fatores, - comentados -
tanto para os pesquisados quanto para a pesquisadora. Buscou-se entender os alunos não
como meros objetos de pesquisa, ciente de que, como diziam os clássicos: de individuo non
est scientia “Do indivíduo não existe ciência” (DEMO, 2001, p. 117).
31
CAPÍTULO 2
A POESIA NOS ESTADOS UNIDOS PÓS-II GUERRA MUNDIAL E SYLVIA PLATH
2.1 Introdução
Na primeira seção desse Capítulo, tecem-se considerações, de modo geral, sobre a
leitura poética. Vários fatores se interligam e (se) influenciam na “origem”, conceituação e/ou
“definição”, bem como na função do que é determinada arte, para que serve e, se serve para
alguma coisa, bem como na interpretação e crítica artísticas e, na apreciação, experiência e
julgamento do expectador comum ou especializado. Tais fatores - históricos, sociais,
culturais, políticos, econômicos, ideológicos, biográficos, individuais, conhecimento de
mundo entre outros - podem, e em alguns casos, como dos alunos pesquisados, devem fazer
parte de conhecimentos prévios e textuais para a interpretação de um texto poético.
As próximas seções tratam, de modo geral, sobre os contextos socio-histórico, cultural
e literário, dos Estados Unidos pós-II Guerra Mundial (seções 2.3 e 2.3.1, 2.3.2 e 2.3.2.1) que
em que surgiu e está situada a produção de SP, enfatizando os principais movimentos poéticos
da época, especialmente o Confessionalismo, em que está inserida SP. Faz-se, também,
considerações e comentários a respeito de sua biografia, obra e estilo, e produção literária, a
poética principalmente e, análise dos poemas (seções 2.4 e 2.4.1). Procura-se articular esses
pontos aos abordados sobre leitura poética e no próximo Capítulo sobre tradução poética, e à
análise da tradução desses poemas (seções 3.3 e 3.4). Considerando estes como os objetos a
serem recebidos, ou seja, lidos, percepcionados, compreendidos e interpretados pelos sujeitos
da pesquisa (ver Capítulo 4).
2.2 Poesia e a leitura poética
Segundo Cortez; Rodrigues (2003), se se considerar a matéria-prima do poeta rico o
sentimento e a poesia lírica como seu estado emocional lírico, o maior interesse da poesia não
é a realidade física e histórica, e a leitura da poesia refere-se mais à busca de um estado, de
uma emoção específica, aliada a fatores estéticos e intelectivos. Tal emoção alimenta-se de
algum modo na realidade, que é resultado de institucionalizações. O entendimento da poesia
como comunicação de um “estado psíquico”, revela o seu interesse: propor ao leitor uma
experiência cognitiva mais imaterial, que pode aceitar ou recusar, apreender ou não o sentido
do “sentimento”, do “estado psíquico” sugerido no poema. Ler um poema seria também
32
buscar o estado poético do poeta, mas não no sentido do que o poeta ou o eu-poético “quis
dizer”, pois se sabe que o sentido desse dizer tende a variar de leitor para leitor.
Dessa forma, a criação e a leitura de poesia orientam-se menos pela busca de uma
realidade (física, social, histórica etc.) e mais pela demanda de um estado, de uma emoção
particular de modo introspectivo. O leitor pode se identificar com ou repelir a emoção ou
estado sugeridos pelo eu-poético, como também confundir poeta e eu-poético, pois a relação
entre estes dois pares é bastante complexa, intensificada ainda mais em poemas que se
apresentam em primeira pessoa.
A mensagem poética, embora possa conter um fato ou fatos narrativos, busca, ainda,
acionar estados, vivências, idéias, pensamentos, sutilezas. Não se nega à poesia tentativa de
força representativa ou expressiva, mas de destacar, pelos recursos que normalmente aciona
suas proposições suplementares. Essa mensagem de sentido costuma emanar dos vários
estratos do poema com intenções ambíguas. Considerando-se a metaforização, é incoerente
evocar a questão da inverossimilhança, principalmente a externa, em relação à poesia. Ela tem
um modo de ser diferente da prosa, se a inclinação imediata do leitor em face da prosa é
buscar a realidade representada, diante da poesia essa tendência precisa ajustar-se aos
parâmetros sugeridos pelo poema, mesmo que este seja narrativo. Nesse caso, não se trata
apenas de reconhecer no poema por si só, ações e atitudes de algum personagem, mas também
um estado ou uma emotividade estética; assim, outro sentido se instala na ação ou atitude
descrita.
O contato do leitor com a poesia, seja com objetivo de fruição espontânea ou analítico,
requer um “ajuste de espírito” e da inteligência para uma experiência emotiva e intelectiva
específica, intensificada, ativação de intuição e de sensibilidade. Um poema pode sugerir
hermetismo extremo, nonsense aparentemente gratuito, que requerem um leitor sensível e
sofisticado. O poema funciona como uma caixa de ressonância, onde pulsa cada fonema, cada
palavra, cada frase, e assim por diante. Como objeto estético que é, tende a “singularizar”,
estilizar sua mensagem e sentido, para melhor explorar e prender os sentidos do leitor. Assim,
a condição poética de um texto não depende somente da figuração explícita, de recursos
sonoros intensificados geralmente considerados como características que tornam um texto
poético. A revelação do poético/lírico depende também da atitude do leitor, que deve
mobilizar a inteligência e o espírito para o reconhecimento da natureza da poesia, de suas
exigências. Dessa forma, torna-se ele mais apto a dialogar com ela de modo mais proveitoso.
Para uma análise mais detida, esse diálogo pressupõe ainda certo conhecimento de recursos
técnicos e teóricos poéticos, isto é, o leitor deve ser iniciado, digamos, “treinado” para ler
33
poesia. O reconhecimento desses recursos pode agilizar o ânimo investigativo propiciando
ilações e relações importantes. Num quadro de múltiplas sugestões, a interpretação divergente
e a polêmica apenas chancelam o alto índice de variação do olhar poético, sujeito a todo tipo
de interferência: biográfica, emocional, individual, histórica etc.
Costuma-se associar a poesia à mensagem, à informação que, sendo estética, é também
testemunho de subjetividade. Ela não representa, não é representação, nem expressão de
sentimento, mas pode apresentar, derridianamente, uma emocionalidade inserida numa forma,
num invólucro, que é o poema. Cada leitor tende a ler e “sentir” um poema de modo
particular, mas fruir a criação poética reconhecendo alguns fundamentos técnicos e teóricos
pode ser mais enriquecedor. Ensinam os manuais que ler poesia é destrinçar os estratos do
poema: o semântico, o sonoro, o lexical, o sintático e o gráfico ou visual. Reconhecer tais
elementos, avaliá-los, sondar seus entrelaçamentos e suas repercussões para o sentido do
poema em maior ou menor grau é importante, mas a sensibilidade, o gosto, o prazer do leitor
para a poesia também são importantes, caso contrário a leitura pode ser meramente mecânica.
Ao mesmo tempo em que, uma leitura bem sucedida de um poema, como de qualquer outro
texto literário ou não, não depende necessariamente de conhecimentos técnicos e teóricos
poéticos, que podem enriquecer a leitura.
Fala-se e teme-se muito “a dificuldade da poesia”. Cada poema é, assim, considerado
uma porta que conduz o leitor para um caminho que leva a um espaço inesperado,
inexplorável ou intransponível. uma certa dose de razão nessa crença, não é possível
“transitar” de modo muito fácil por certos poemas, porque a poesia requer um modo de
leitura não convencional. A leitura de um poema não é a mesma que de um texto de outro
gênero literário, este requer a leitura em voz alta, que em alguns poemas pode ser
imprescindível, podendo revelar muito de seu sentido, devido ao ritmo e à musicalidade das
palavras. Há, também, um desencontro entre o leitor e o poeta, que não consiste apenas em o
primeiro deparar-se com uma linguagem diferente, mas na sua recusa em proceder a mais de
uma leitura, que o próprio texto pode requerer muitas vezes.
A dificuldade da poesia não resulta sempre de uma obscuridade intencional, mas do
uso pelo poeta de um conjunto de imagens ou palavras que, progressivamente, se afastam do
leitor, seja pelo tempo, seja pelo vocabulário, tendo perdido seu sentido convencional. Outro
fator que se deve levar em conta é a mudança - Cortez; Rodrigues (2003) usam a palavra
evolução, que, não é um termo adequado para referir-se a nenhum tipo de arte - da arte
poética e a quebra do equilíbrio entre o artista (o poeta) e o leitor. Essa mudança é quase
sempre determinada por uma mudança nos meios de divulgação e forma de expressão artística
34
e lingüística. Lidar e ultrapassar esses desníveis que se manifestam entre o poeta (criador de
valores estéticos) e o leitor (que procura tomar consciência desses valores) na tentativa de
descobri-los em cada poema não é tarefa fácil, mas é possível. A explicação poderia estar no
conhecimento e estudo das várias razões que contribuíram para a definição dessa cultura
através de certa concepção de vida, orientação ideológica, seleção de atitudes, onde a arte
poética acabaria por estar, também, incluída. Sem dúvida, um conjunto de condições sociais e
culturais específicas cujo peso se impõe e que o poeta oculta ou refere-se a elas nas suas
obras. Os problemas, as dificuldades de interpretação que essas obras apresentam, podem ser
amenizados em grande parte com um estudo prévio desse condicionalismo, além do
conhecimento sobre os movimentos literários, que podem auxiliar na solução dos vários
“enigmas” que podem se apresentar sob forma de tropos, temas ou alusões contextuais
históricas.
Outro caminho para solucionar possíveis dificuldades seria a leitura do poema tendo
como ponto de partida a sua realidade expressiva. Deve-se ter um conhecimento básico da
linguagem utilizada, considerando-se o aspecto lógico do seu desenvolvimento. Sem esse
conhecimento prévio e cuidado, o texto mostra-se incapaz de fornecer ao leitor sentido e valor
que o poeta propõe. Essa “invenção” da linguagem não se trata, porém, de um jogo hábil e
gratuito que o poeta elabora, mas se apresenta como um caminho que se abre sobre uma
realidade cujo sentido seria desvalorizado ou transferido, caso o poeta o dispusesse de tal
recurso como possibilidade expressiva. A ciência valoriza a função lógica da linguagem,
procurando estabelecer em face do real um sistema de designações que permite formular leis
rigorosas, capazes de descrever - mas não totalmente - fenômenos. A poesia, na tentativa de
descobrir o que a ciência não consegue esgotar, faz uso de um registro diferente da
linguagem, a partir da tentativa de apreensão da ou reflexão sobre a realidade de modo mais
abstrato, permitindo-se a incidência de um conjunto de valores expressivos que conduzem a
alterações e/ou rearticulação do sentido convencional. Entretanto, o conhecimento deste é
imprescindível para a construção de sentido de um texto poético.
As palavras poéticas o solidificam um conceito, um sentido convencional e fixo,
mas apresentam uma tensão resultante de suas potencialidades significativas e/ou de seu valor
contextual. Por isso, um poema pode se isolar em si mesmo, fechando-se nos seus enigmas e
afastando-se das possibilidades de entendimento, de construção de sentido do leitor em
relação às palavras que resistem à solidificação. Entretanto, esse afastamento ou dificuldade,
dificilmente consegue anular completamente o sentido das palavras que, como já mencionado,
35
possuem conteúdos semânticos pré-existentes, isto é, convencionais, que no caso de uma
leitura não bem sucedida podem prevalecer.
2.3 Os Estados Unidos Pós-II Guerra Mundial
Após a II Guerra Mundial (1939-1945), o pensamento da humanidade consciente em
todos os setores mudou radicalmente, bem como o modo dos artistas pensarem sobre e
produzirem arte. Houve uma onda de pessimismo, mas também de reflexão e crítica, em face
aos estragos causados por uma guerra de atrocidades imensas em nome de conquista
territorial, dinheiro e poder às custas de milhões de vidas humanas perdidas brutalmente. A
opinião pública, intelectuais, filósofos, cientistas políticos, sociólogos, artistas, entre outros,
do mundo todo, inclusive, norte-americanos, manifestaram-se contra o desenvolvimento e
conseqüências do conflito. Um dos destaques foi o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que
refletiu polemica e influentemente sobre o assunto com sua filosofia existencialista aliada ao
marxismo.
Enquanto os países envolvidos foram devastados economica e humanamente, pois
grande parte da população masculina jovem ficou inválida ou morreu em combate, os Estados
Unidos saiu praticamente ileso e rico do conflito, sendo a nação que mais lucrou com ele,
devido, principalmente à venda de armamentos licos para as nações que participaram da
guerra. Com sua população e riquezas intactas, foi refúgio para estrangeiros europeus,
principalmente, no período da guerra e posterior a ela. Abrigou grandes nomes e
personalidades de vários campos do saber e das artes, tais como, os cientistas Albert Einstein
e John Von Neumann; os sociólogos Hannah Arendt e Herbert Marcuse; os arquitetos Walter
Gropius e Luwing Mies van der Rohe; os artistas plásticos Piet Mondrian, Joseph Albers e
Marcel Duchamp, e os compositores musicais eruditos Arnold Schönberg e Igor Stravinsky,
entre outros. Muitos permaneceram no país e contribuíram para a sua cultura, mesmo depois
da guerra, mas a maioria voltou para a Europa com o fim do conflito.
Muitas obras desses artistas foram representativas para a cultura deles ao mesmo
tempo em que contribuíram para que a norte-americana se livrasse, de certo modo, do seu
anterior isolamento provincial. Graças a muitos deles e sua obras, o país tornou-se o centro
cultural ocidental de produção de arte, - posição anteriormente ocupada pela França - pela
primeira vez na sua história. Tal fato mudou sua cultura, que não era um centro tradicional
de produção artística, devido, em parte, ao oferecimento de “liberdade” de expressão
36
reprimida em outros países, desde que não houvesse manifestações contrárias à política e
interesses nacionais (KOSTELANETZ, 1982).
Houve um revival do American Dream, “O Sonho Americano”, também chamado de
American Way of Life, “Modo de vida americano” ou Americanism, “Americanismo”: ordem
política, econômica e social liberal progressista, cuja origem idealista, ética e utópica remonta
à euforia da colonização inglesa. Promovido por uma aceleração do crescimento econômico
visando a expansão da economia capitalista, prosperidade adquirida devido à produção de
armas bélicas tecnológicas e químicas, e no setor da aviação; e no envolvimento com a Guerra
Fria e a Guerra da Coréia, em que o país conquistou um monopólio no comércio
internacional com sua produção industrial. Adicionado ao baby boom e explosão de
consumismo desenfreado e irresponsável de bens materiais não-duráveis como suposta fonte
de prazer, melhora para a auto-estima, auto-realização e felicidade individual.
Tal consumo foi incitado pelo governo, o que originou uma cultura consumista que
sustentou essa economia. Incentivou-se compras a prazo, criou-se o cartão de crédito e o
shopping center, que se tornou um símbolo desse consumismo, além de local de maior
atividade recreativa principalmente dos jovens; e onde problemas, tais como infelicidade e
baixa auto-estima seriam, supostamente, resolvidos através de compras, caracterizando a
shopping culture cultura shopping”. Distorceram-se as idéias originais do Sonho
Americano na ilusão de que auto-realização e felicidade materiais e popularidade
corresponderiam à auto-realização e felicidade existencial, levando o indivíduo a acreditar
que é livre. Substituiu-se um idealismo nobre, embora utópico, por individualismo e
materialismo, gerando, aparentemente, um clima geral de satisfação e otimismo baseados em
tais idéias e “ideais” em uma sociedade e cultura conformistas. Tal mentalidade teve, e
continua tendo, conseqüências psicológicas negativas seríssimas, quando essas metas não
eram/são atingidas, não só no país, mas por onde se espalhou. E, tornam-se problemática
também quando o indivíduo as atinge, e não se sente realizado, mas vazio existencial e não
liberdade, auto-realização e felicidade.
Com o envolvimento do país nas Guerras Fria, da Coréia e do Vietnã, as tensões
sociais criticadas nos campos intelectuais e artísticos, ignoradas pelo conformismo de vários
setores nos anos 50 emergiram nos anos 60. As implicações da Guerra do Vietnã foram
cedidas diante da pressão do ativismo político radical e opinião pública. Houve uma explosão
cultural e de movimentos de ativistas políticos através de apoio dos universitários contra o
conflito, a afirmação negra e das mulheres, o movimento hippie, outros movimentos de
contracultura, entre outros. O resultado foi uma maior consciência das minorias sociais,
37
étnicas, de raça, gênero e sexo e restabelecimento da tolerância aos desvios políticos e sociais.
A idéia de que o povo era homogêneo foi fraturada, e a crítica social radical e os intelectuais
declararam-se contrários às instituições políticas oficiais durante a época de Dwigth D.
Eisenhower e John F. Kennedy. Principalmente, após os assassinatos em série, de líderes que
apoiaram causas e movimentos sociais e raciais: John Kennedy (1963), Malcom X (1965),
Martin Luther King (1968) e Robert Kennedy (1968):
Era como se o abatimento cultural esperado depois da II Guerra Mundial tivesse sido
adiado. Os assassinatos do presidente Kennedy, do Senador Robert Kennedy e do
líder negro Martin Luther King pareceram evidenciar que na vida americana havia
algum mal profundo, e a impopularíssima Guerra do Vietnã e os escândalos da
presidência Nixon serviram ainda mais para desencantar grande número de
americanos, principalmente os cultos e os jovens. A mentalidade de estado de sítio
dos anos 50 foi suplantada por uma impressão dominante de que os inimigos
estavam do lado de dentro dos portões - não por haverem transposto as muralhas,
mas porque eram cidadãos ali nascidos (KIERNAN, 1983, p. 11-12).
O setor intelectual dividiu-se entre o apoio e a crítica à sociedade conformista. O
economista John K. Galbraith alertou que sustentar o crescimento econômico e gabar-se de
sua prosperidade não resolveria problemas sociais norte-americanos, e que a nação tinha de
atentar para a pobreza das cidades e das áreas rurais. Críticos culturais questionaram a suposta
felicidade e bem-estar oferecidos pela vida da classe-média suburbana. John Keats criticou
acidamente a vida suburbana, para ele, as pessoas estavam vivendo em um inferno pós-guerra,
assombradas por insegurança financeira, alienadas e imersas em uma rotina de mediocridade
massificante (TINDALL; SHI, 1989). David Riesman, psicólogo social, detectou uma
mudança fundamental na personalidade e comportamento social dominante da classe-média
conformista norte-americana, de inner-directed” “dirigido internamente” para other
directed” dirigido pelo outro”. O primeiro tipo possuía uma gama de valores implantados
em suas personalidades através da educação. Princípios e valores fixos e seguros de tradição
puritana e protestante: piedade, religiosidade, diligência e economia financeira referentes ao
século XIX (KIERNAN, 1983).
O rápido desenvolvimento da ciência e tecnologia desse período, conhecido como
era atômica ou nuclear, inquietou e dividiu opiniões, em relação à energia nuclear, à
tecnologia computacional, à televisão e sua transmissão em tempo integral, à bomba de
hidrogênio, o pouso na Lua, a identificação do DNA, as descobertas astrofísicas, como os
quasars, as radiogaláxias e os buracos negros etc. Tais desenvolvimentos provocaram um
sentimento embriagador de progresso, mas, também, um sentimento perturbador de que a
38
ciência e a tecnologia seriam cancerígenas para a humanidade. Os progressos na física,
cibernética e tecnologia ultrapassavam a capacidade humana para lidar com suas implicações
morais, éticas e sociais e alguns desses desenvolvimentos pareciam ameaçar com um conflito
cataclísmico, em particular, os riscos de uma guerra nuclear. Outra área de preocupação foi a
inteligência artificial, que propiciaria uma mecanização do pensamento e da informação,
dominando a criatividade humana. Os opositores a essas descobertas e aos usos desenfreados
da tecnologia temiam que os seres humanos estariam destinados a se tornarem técnicos e
zeladores de máquinas mais sofisticadas do que eles. Enquanto, Marshall McLuhan afirmou
que o mundo havia sido “retribalizado” pelos modernos sistemas de comunicação, que uma
“aldeia global” havia recapturado, pela tecnologia, a escala íntima de vida tida como destruída
pela tecnologia (KIERNAN, 1983).
Quanto aos setores culturais e artísticos, como houve um período de incertezas, devido
às conseqüências terríveis da Guerra e à ameaça de outra catástrofe nuclear com a Guerra
Fria, a crítica intelectual, artística e de outros setores do saber se manifestou indiretamente;
por meio de consciência de alienação, desengano radical, repulsa universal, angústia,
sentimento de absurdo ou pesadelo vivente de um lado; ácida e explicitamente crítica de outro
e, ainda conservadora em outro. Tais manifestações ganharam corpo no Modernismo tardio,
principalmente nos movimentos artísticos vanguardistas e no Pós-modernismo (ver seção
2.3.2.1).
Pode-se considerar que houve dois períodos booms importantes da produção
artística cultural norte-americana do pós- guerra, fase de transição do Modernismo para o Pós-
modernismo. O primeiro ocorreu por volta do fim do conflito até o final da década de 50,
período que alguns historiadores e críticos culturais, artísticos e literários afirmam que “nada
aconteceu” aparentemente, pois houve uma reação mais intelectual do que prática nos vários
campos do saber e das artes.
Na música, o compositor Aaron Copland é o mais notável; na dança, Martha Graham
e, no cinema, James Dean e Marlon Brando. Na pintura, destaca-se Edward Hopper, que
retratou em suas telas o homem urbano extrema e profundamente alienado, desolado,
melancólico, anônimo, imóvel e solitário, fruto do modo de vida industrial urbano da
sociedade corporativista e da cultura consumista e conformista. As cenas e figuras evocam
uma atmosfera de silêncio ensurdecedor, sugerindo a monotonia tomando conta do indivíduo
e a alienação o absorvendo. Destacaram-se, também, os expressionistas abstratos, que
desenvolveram uma nova técnica de pintura, pois as anteriores não podiam expressar a nova
época de confusão, impossível de ser retratada somente com formas definidas. A sociedade do
39
pós-guerra era tão irracional e caótica, que não comportava uma representação literal, o ato de
pintar era tão importante quanto o resultado final. A pintura não tinha mais de ser
exclusivamente mimética, mas, também representar os pensamentos e ações pessoais do
pintor por meio de traços, cores e formas abstratas.
No fim da década de 50, um movimento contra cultural importante se manifestou
através dos Beats, Beatniks, originando o movimento e cultura Beat. Formado por um grupo
de jovens artistas da boemia underground nova-iorquina, ficaram conhecidos como a Beat
Generation” Geração Beat”: escritores, poetas, pintores, músicos, entre outros; anárquicos e
rebeldes inconformados, que protestaram contra os horrores e alienação da vida da sociedade
e cultura conformistas e consumistas. McQuade et al., (1987) ressaltam a música popular,
principalmente os concertos de rock como fundamentais, pela característica inerente à música
de atrair e unir pessoas, e pelas letras de protesto que conscientizaram e uniram a juventude
beat, e mais tarde os hippies. Na literatura, que teve função similar a da música, houve muitas
parcerias de produções entre poetas e músicos (ver próxima seção).
Os Beats conseguiram atrair a atenção dos jovens através de suas manifestações
artísticas, que criticavam a sociedade e cultura norte-americanas conformistas. Tornaram-se
uma força contracultural chocante e “perigosa” para a sociedade, ao pregarem solução pessoal
apolítica e não comprometida socialmente para suas esperanças, ansiedades e problemas
através de uma alegria anárquica e evasiva por meio de drogas, álcool, sexo livre, jazz, vida
da rua dos guetos urbanos, religiões orientais e velocidade nas estradas. Propiciaram o
surgimento dos hippies nos anos 60, jovens que pregaram esses valores e colocaram a maioria
deles em prática. Nenhum outro movimento jovem na história ocidental até hoje, foi tão
polêmico e significativo quanto os hippies. Conquistaram vitórias, entre outras, ao
protestarem por meio de passeatas e discursos contra a guerra do Vietnã, conseguindo
mobilizar a juventude e pressionar o governo para o fim do conflito. Abriram, desse modo,
caminho para os jovens norte-americanos e de outras partes do mundo se conscientizarem e,
se rebelarem ativamente contra injustiças políticas e sociais, incomodando mentalidades
forças contrárias.
O segundo período da produção artística cultural norte-americana s-II Guerra
Mundial situa-se por volta de 1959 até o fim da cada de 1960. As características desse
momento de mudanças radicais foram propiciadas pelas mudanças ocorridas nas artes
plásticas após I Guerra Mundial, por meio das vanguardas modernistas que se estenderam
para as outras artes. Foi a era da arte pop, do minimalismo, intermídia, artes formadas por
mais de um tipo de arte: happenings, meios cinéticos, poesia visual, texto sonoro etc., sendo o
40
campo artístico que mais se destacou o da pintura e das artes plásticas. A liberdade de
expressão do momento propiciou uma criação artística mais audaciosa e livre do que em
qualquer período antecessor, tanto na arte erudita quanto na popular.
Discutiram-se os conceitos de e a distinção entre arte popular, arte comercial e arte
erudita e, houve uma tentativa de romper a barreira entre esses tipos de arte. Vários trabalhos
polêmicos, principalmente no campo das artes plásticas tentaram unir as características de
ambas, ao mesmo tempo em que refletiam e discutiam o próprio fazer artístico e o status do
que é ou não é considerado arte. Muitas dessas obras, ironicamente, acabaram consideradas
como arte de alta qualidade por especialistas, e agradaram o gosto da elite, se tornando
objetos de desejo de colecionadores e investidores - e de ladrões e quadrilhas especializados -
negociados por quantias absurdas. E vários autores destas, que criaram o conceito de antiarte,
contrários à idéia romântica do artista como gênio e ser superior aos outros seres humanos, se
tornaram muitos famosos e celebridades, tais como os pintores e artistas plásticos Andy
Warhol e Marcel Duchamp (KOSTELANETZ, 1982).
2. 3.1 Contexto literário
Por volta de 1940, a literatura norte-americana estava sendo ensinada em
universidades do país e fora dele, e por professores especializados. O prêmio Nobel de
Literatura que Sinclair Lewis recebeu em 1930, foi visto como um tributo duplo, a sua arte e
também à literatura do país, e incentivou e propiciou a produção de uma literatura
independente de influências coloniais britânicas.
O governo estabeleceu uma política literária com a criação do National Endowment
for the Arts somente no início da cada de 1960, mas que não teve muito impacto na
literatura. Época em que Nova York era o centro comercial de publicação e
conseqüentemente, central de exportação literária, mas não o centro da criação literária.
Houve, nesse período, uma expansão educacional, um dos fatores que mais contribuíram para
tornar a indústria do livro mais lucrativa do que nunca. A preocupação das editoras
comerciais, em conjunto com corporações diversificadas nova-iorquinas, era vender o maior
número de livros no menor tempo possível sem preocupar-se com a qualidade, o que originou
os best-sellers. E, a publicação de literatura de qualidade e crítica literária ficou a cargo de
poucos editores novos e modestos, os “editores alternativos” espalhados pelo país, que
publicaram a melhor literatura da década 70.
41
A cena literária situava-se afastada da capital do país e do governo. Escritores e poetas
notáveis viviam em várias regiões dos EUA, isolados uns dos outros ou em grupos unidos por
preocupações literárias e/ou ideológicas similares e restritas, tais como: literatura de ficção
científica, de vanguarda, questões acadêmicas, étnicas, raciais, de gênero e sexuais etc.
No fim de 1950, surgiu um grande número de escritores e poetas comprometidos com
sua arte, devido às aulas ainda na escola, e à criação de cursos dedicados à criação literária.
Estes visavam desmistificar o mito romântico da aura divina do escritor como seres especiais,
que criavam mediante talento e inspiração - os famosos e polêmicos cursos de escrita criativa,
em que se pregava que qualquer pessoa adequadamente estimulada, direcionada e ensinada
poderia produzir literatura de qualidade- para capacitar a produção literária profissionalmente.
Sendo possível obter um diploma de curso superior, mestrado e doutorado em criação
literária. A maioria dos novos escritores saiu desses cursos, o que influenciou o trabalho deles.
A profissão da maioria desses estudantes tornou-se mesmo ensinar, ministrar aulas de escrita
criativa por razões financeiras. Na década de 70, foram também oferecidos cursos de criação
literária nas escolas, que acabaram por estimular os jovens a reconhecer e apreciar literatura.
Todos esses fatores aumentaram o número e a qualidade de leitores e escritores do país. Estes
se caracterizavam pela diversidade de estilos aceita parcialmente, isto é, um mesmo escritor
possuía reputações diferentes dependendo do público que lesse e/ou analisasse seu trabalho.
Essa variedade incentivou e deu oportunidade para vários estilos de produção literária,
originando muitos grupos distintos e não um central e particular (KOSTELANETZ, 1982).
Kiernan considera que a literatura norte-americana pós-II Guerra Mundial compreende
o período de 1940-1976. Não um movimento central nos rios gêneros literários, mas
vários grupos distintos nos interesses e modos de expressão. Com feições estéticas e
estruturais modernistas e pós-modernistas, temas principais relacionados à guerra e suas
conseqüências, bem como questões posteriores a ela, fortemente existenciais, políticos,
sociais e nacionais. Alguns autores preferiram o protesto crítico intelectual intimista e
pessimista, principalmente na década de 50. Essa literatura foi influenciada pelos primeiros
modernistas norte-americanos: Pound, Eliot, William Carlos Williams, Wallace Stevens,
Hemingway, Dos Passos, e William Faulkner. Tal influência propiciou o naturalismo
experimental e o realismo na ficção e o neoclassicismo eclético na poesia, com novas vozes
contestando as antigas ou servindo-se delas como influência (FEDER, 1988). Outros autores
produziram uma literatura de protesto, engajada e acidamente crítica no fim da década de 50 e
início da de 60.
42
O aspecto variado e “amorfo” da literatura, e das outras artes do período seria reflexo
da atmosfera nacional norte-americana. Diversos acontecimentos políticos, sociais,
econômicos, intelectuais e culturais tenderam a tecer esses anos sem emprestar-lhes forma ou
direção definidas, características dos tempos pós-modernos. O autor discute quais são as
grandes questões dessa literatura dispersa, mas de qualidade. Valoriza tanto a produção
literária estabelecida do passado como a contemporânea, convencido do empobrecimento de
se concentrar somente nos “grandes” autores, em vez de no fluxo total da literatura, até
meados da década de 80, focalizando grandes nomes e autores significativos, e outros e
escolas menos populares e isolados.
A literatura regional floresceu com surpreendente vigor na década de 50, quando um
país homogeneizado parecia ser o ideal nacional, e como a sociedade adquiriu um caráter cada
vez mais urbano, os escritores sulistas celebraram insistentemente uma sensibilidade rural e
tradicionalista. Os escritores judeus e negros também apresentaram seus personagens em
oposição ao meio-ambiente urbano.
Os autores rejeitaram as formas literárias vigentes, como a narrativa lírico-realista e o
verso formalista, por exemplo; consideraram-nas demasiado lúcidas para a obscuridade do
período, e se dedicaram a uma literatura de sensibilidade tortuosa adentrando no solipsismo e
na loucura. Na poesia, o verso formal cedeu lugar à prosa poética e à improvisação. Os poetas
buscaram falar com mais simplicidade a um blico maior (ver próxima seção). Escritores
como Flannery O’Connor e Robert Lowell refletiram os interesses religiosos variados da
época, enquanto Thomas Pynchon e Norman Mailer trataram da tecnologia e mídia em
ebulição, e John Barth e Donald Barthelme retrataram a nova ideologia da comunicação. E, a
literatura dos negros, e a feminista inspiradas pelo Black Power e pelo Movimento Feminista
respectivamente, iniciaram uma relação complexa, rica e crítica entre literatura, cultura e
sociedade. Na ficção, especificamente no romance, a etnicidade travou uma luta com a
metaficção, cada uma delas lucrando com os ataques a outra, mantendo caráter e público
distintos.
Para Klarer (1998), similarmente a Kiernan (1983), no Pós-modernismo norte-
americano, por volta de 1960, questões modernistas, como técnicas inovativas foram
reavivadas e adaptadas de modo acadêmico ou formalista. Desenvolveram-se, também,
características estruturais do Modernismo, tais como, técnicas narrativas com múltiplas
perspectivas, enredos complexos e experimentos tipográficos. E, tratou-se de temas
relacionados à guerra e suas conseqüências, por exemplo, os crimes nazistas e a destruição
nuclear. Trabalhos de John Barth, Thomas Pynchon, Raymond Federman, e de John Fowles,
43
levaram o movimento a ser reconhecido pela crítica literária. Enquanto o Drama do Absurdo
de Samuel Beckett e de Tom Stoppard e o filme pós-moderno adaptaram muitos elementos da
poesia e ficção pós-moderna para seus meios.
Na ficção e no romance, houve influência da filosofia de Sartre. Os personagens
refletem sobre os dramas e conseqüências da guerra ou mesmo participaram dela, num
verdadeiro pesadelo vivente. Durante e depois do conflito, mulheres escreveram sobre
inocência e experiência utilizando a técnica do fluxo de consciência e monólogo interior em
prosa feminina, procurando descrever e entender a atmosfera do momento em tom intimista e
individual. Tais escritoras refletiram sobre solidão e incertezas relacionadas à vida da mulher
em meio a esses acontecimentos, produzindo literatura feminista. Tindall; Shi (1989)
destacam que muitos dos melhores romances e peças do período lidaram, assim como as
outras artes, com o tema central a imagem discutida por Riesman, da sociedade norte-
americana moderna conformista como “lonely crowd”, de indivíduos, alienados e/ou solitários
vazios no centro, tateando por um sentido de pertencimento e afeição. McQuade et al., (1987)
destacam os escritores Vladimir Nabokov, James Agee, Eudora Welty, Wright Morris,
Tennessee Williams, John Cheever, Tillie Olsen, Ralph Ellison, Bernard Malamud, Saul
Bellow, Arthur Miller, Walker Percy, Gwendolyn Brooks, Norman Mailer, William Gass,
James Baldwin, Flannery O’Connor, John Barth, Donald Barthelme, John Updike, Susan
Sontag, Philip Roth, N. Scott Momaday, Joan Didion, Larry McMurtry, Thomas Phyncon e
Joyce Carol Oates.
No teatro, a década de 50 foi marcada pelas peças de Edward Albee e Tennessee
Williams e Arthur Miller, que retrataram e refletiram sobre o drama do homem norte-
americano do pós-guerra em meio a uma sociedade e cultura consumistas, conformistas e
opressivas de modo assustadoramente real e crítico. A ficção também retratou esse drama,
devido também às conseqüências dos horrores da guerra, como o holocausto e o terror e a
ameaça nuclear constante. Muitos escritores recusaram celebrar o modo de vida e valores
norte-americanos modernos e reagiram para desnudar as ilusões de seu tempo. Características
de romances de James Baldwin, Saul Bellow, John Cheever, Ralph Ellison, Joseph Heller,
James Jones, Norman Mailer, Joyce Carol Oates, J. D. Salinger, William Styron, John Updike
e Eudora Welty, entre outros. Não há quase finais felizes e muito menos celebrações do modo
de vida da sociedade e cultura conformistas. Os personagens tendem a ser atormentados,
inquietos, impotentes e incapazes de ajustarem-se a uma auto-imagem satisfatória, não
conseguem encontrar nem contentamento nem respeito em um mundo onipotente, hostil e
impessoal. Sofrem de alienação moderna e estranhamento em relação à sociedade, a todas as
44
pessoas, e a eles mesmos como indivíduos. Outros personagens são receosos e assombrados
pelo medo de serem diferentes; ou são atormentados ou solitários demais para se sentirem, no
mínimo, com direito de estar e viver no mundo; ou ainda tão dominados por intolerância,
hostilidades reprimidas, incertezas encobertas, ou medos secretos, que a violência deles acaba
se voltando contra eles mesmos ou contra os outros. Principalmente negros, judeus e
imigrantes de outras nacionalidades, sentem-se alienados e estranhos, em relação ao mundo
ao seu redor e a si próprios. Encontram-se divididos entre a perda de um país que eles amam,
mesmo que nunca o tenham conhecido de fato, ao mesmo tempo em que repudiam o único
país em que já viveram.
Os escritores da década de 50 usaram e direcionaram indignação, desespero e
desilusões para servirem à experimentação e reinvenção. Na ficção, a herança da literatura e
da história do passado foi transformada em algo artisticamente inédito, e o hostil e o sombrio
foram fundidos de modo experimental. Tom predominante até o início da literatura engajada e
de protesto dos anos 60, em que se destacam os Beats, Joseph Heller, Kurt Vonnegut, Thomas
Pynchon, John Gardner, James Baldwin, Philip Roth, Robert Coover, entre outros.
O clima frenético e a intensidade nas experiências com drogas alucinógenas, bebidas
alcoólicas e liberdade sexual foram os assuntos das obras dos Beats, produzidas por jovens
anárquicos e rebeldes, inconformados com os horrores e alienação do modo de vida e da
cultura da sociedade conformista e consumista. O protesto e crítica social e política
prenunciaram a literatura que retrata a dissolução do eu, e tiveram grande êxito junto aos
jovens. Allen Ginsberg, Jack Kerouc, Gary Snyder, William Burroughs, Neal Cassady e
Gregory Corso são os principais escritores. Ginsberg, autor de Howl, publicado em 1956, e
Kerouc, autor de On the Road, publicado em 1957, são considerados os melhores escritores,
autores das duas obras mais representativas do movimento, que incitaram o sarcasmo e a raiva
de muitos críticos tradicionais. On the Road se tornou um best-seller e logo o termo beat
generationou beatnikpassou a ser usado para se referir a qualquer jovem rebelde que se
manifestava e renunciava aos ideais e conforto do modo de vida e cultura conformistas
(TINDALL; SHI, 1989) (ver seção anterior).
Na década de 1980, a literatura feminina (SP, Doris Lessing, Erica Jong, Margaret
Atwood, entre outras), das minorias étnicas, raciais, de gênero e pós-coloniais principalmente
na ficção, conquistaram importância na crítica literária. Demonstram retorno à técnicas
narrativas e gêneros mais tradicionais, privilegiando mensagens críticas sócio-políticas,
apresentando-se como literaturas engajadas, mas também preocupações estéticas e estilísticas.
Embora se discuta muito sobre o valor destas, alegando-se que as mensagens
45
conscientizadoras que veiculam, quando não-panfletárias, relegariam a qualidade literária a
um segundo plano na maioria das obras. Ao mesmo tempo em que, geraram teorias e críticas
literárias para tentar compreendê-las e, contribuíram para uma mudança no panorama da
literatura contemporânea (KLARER, 1998). Esta apresenta tom engajado e trata de temas
mais globais e internacionais, tais como, por exemplo, globalização, diáspora,
transculturalização, terrorismo, ficção científica, tecnologia computacional e o universo cyber,
entre outros.
2.3.2 A poesia
A geração de poetas que produziu após a II Guerra Mundial tinha algo em comum:
precisava se estabelecer em relação aos seus predecessores modernistas. A poética e a estética
norte-americanas foram estabelecidas pela primeira geração modernista de poetas norte-
americanos do século XX. T. S. Eliot e Ezra Pound fizeram com que a poesia do país
adquirisse um caráter internacional e elegeram o verso livre como o modo modernista por
excelência. Escreveram como homens educados, leitores de história e nguas estrangeiras,
“homens de cultura”. Demonstraram e utilizaram-se de grande conhecimentos de outras
culturas, referências históricas e alusões em seus poemas de estilo neoclássico modernista
conservador, principalmente os eliotianos. Robert Frost estabeleceu e defendeu o direito de a
poesia norte-americana representar seu caráter nacional por meio da sintaxe e sotaque local, e
William Carlos Williams produziu uma poesia urbana lacônica de realismo extremo.
Langston Hughes e outros escritores da Renascença do Harlem reivindicaram valor poético
para o inglês dos negros e para a representação da vida do gueto. Wallace Stevens, o mais
alusivo dos modernistas, trouxe ceticismo filosófico para a poesia em estilo meditativo,
irônico e elaborado sintaticamente, adequado à complexidade do assunto abordado em seus
poemas.
A segunda geração modernista herdou essas características, em parte, procurou não
imitar a poesia inglesa, não acreditando mais na inferioridade cultural em relação à Inglaterra
ou à Europa, e abriu-se para influências internacionais. A maior delas foi o vienense Sigmund
Freud e seu modelo da vida interior humana, que dividiu o eu em três componentes: superego,
id e ego, substituindo o modelo clássico e cristão de faculdades como o intelecto, a vontade e
a imaginação. Analisando-se com distanciamento temporal, não surpreende o fato de que a
ênfase freudiana nos impulsos violentos, obscuros; tidos como imorais e, por isso, reprimidos,
46
mas que viriam à tona através de violência ou loucura, apelou a uma geração que acabara de
experienciar a II Guerra Mundial (MCQUADE et al., 1987).
Além das conseqüências físicas e mentais ocasionadas pela guerra, e dos conflitos
entre lutas de classes, as teorias freudianas defenderam que a vida humana é influenciada
profundamente por forças além de classe social, modo cultural ou de gênero e raça,
“gentilidade”, ética ou educação. Teólogos chamam essa força de mal, e os psicólogos, talvez,
de libido; de qualquer modo, são forças de desintegração que destroem os velhos padrões da
civilização. Suas faces públicas podem ser, por exemplo, as das duas guerras mundiais, de
seus campos de concentração, genocídio, e a ameaça de uma guerra nuclear.
Entretanto, a poesia para ser moderna ou do pós-guerra não precisa necessariamente
lidar com questões psicológicas ou com os horrores do/ou posteriores ao conflito. Precisa é de
seriedade, compromisso, habilidade e disposição do poeta para encarar (suas) experiências,
não utilizando saídas fáceis de estímulo reação/resposta convencional ou incoerência
chocante. A psicologia deixou suas marcas na poesia desse período, primeiro, porque o poeta
não pôde mais negar com segurança a existência dos medos e desejos que ele não quer
encarar e enfrentar; ele sabe que eles estão lá obscuramente, mesmo que tente encobri-los.
Segundo, tendo reconhecido tal existência, o poeta não é mais absolvido da necessidade de
usar sua habilidade para fazer sentido poético deles. Desse modo, no contexto freudiano, a
dicotomia romântica entre emoção e inteligência se tornou sem sentido (KOSTELANETZ,
1988).
Mas, foi outra parte da teoria de Freud que influenciou amplamente a poesia dessa
época, principalmente a dos poetas confessionalistas (ver próxima seção), que consiste na
conjetura de que o comportamento dos pais de uma pessoa contribui significativamente para o
sentido do eu e da vida adulta dessa pessoa (MCQUADE et al., 1987).
Outra influência importante foi a poesia estrangeira, como Arthur Rimbaud, Herman
Hesse, Cesar Vallejo, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade e outros poetas da
América do Sul, Ted Hughes, poesia budista e Constantine Cavafy. W. B. Auden tornou-se a
principal influência britânica para os jovens poetas norte-americanos. O interesse pela poesia
estrangeira não foi de maneira eliotiana ou poundiana, que adotaram modos europeus de fala
na poesia. Os poetas estrangeiros foram absorvidos no inglês norte-americano, e através de
estruturas e tipos de imagens novos. Houve pouca tentativa de imitar uma voz européia ou
internacional, mesmo quando a perspectiva do poeta é global ou internacional, é expresso em
tons norte-americanos, como em Lowell, Ginsberg ou Snyder. Através de Ginsberg, a voz do
imigrante entrou na poesia norte-americana de modo poderoso pela primeira vez. A sua
47
documentação social rica marcou uma nova era na lírica do país, em que foram retratados
judeus, beatniks, protestantes contra a guerra do Vietnã e homossexuais urbanos.
Começou-se, também, a publicar poemas escritos por poetas negros. O
reconhecimento da etnicidade, como assunto e na linguagem, marcou uma nova diversidade
na poesia do país e reagiu contra a impessoalidade modernista da primeira geração. Contra a
história convencional da poesia norte-americana como descendente da poesia inglesa, a nova
etnicidade insistiu que a predecessora da poesia nacional era a produzida pelos primeiros
habitantes do país, os índios norte-americanos. O que também funcionou como estímulo para
os nativos se reapropriarem de sua própria literatura e continuarem a produzi-la.
Uma crescente diversidade regional também se apresentou na poesia e, pela primeira
vez, uma escola poética importante foi fundada na costa oeste. Apesar de vários escritores
beats” serem da parte leste, outros eram nativos da costa oeste. Ambos os grupos celebraram
a paisagem e a ecologia, por meio de consciência e preocupação ecológicas tratadas por Gary
Snyder e John Haines. No Sul, Allen Tate, John Crowe Ransom, e Robert Penn Warren
continuaram a tradição das belas letras. E outras regiões mantiveram ou iniciaram atividade
poética.
Programas e cursos de escrita criativa proliferaram pelo país (ver seção anterior) em
universidades, e a união de velhos e jovens poetas nessas ocasiões mudou a constituição dos
departamentos de inglês. Universidades e outros lugares se tornaram locais para leituras e
palestras de jornais e de poesia, reunindo grandes audiências, tornando a leitura de poesia em
um rito social popular.
Poetas da segunda geração trataram da realidade social, política e histórica. pouca
documentação lírica sobre a II Guerra Mundial, sendo notável exceção os poemas de guerra
de Randall Larell. Os principais acontecimentos políticos discutidos foram a guerra do Vietnã
e os assassinatos políticos de 1960. O modo como tais assuntos foram tratados por esses
poetas foi muito importante, pois eles polarizaram a sociedade se aliando aos jovens e contra
a política oficial do governo. O sentido entre eles, de que tinham uma mensagem importante,
necessária e de propósito sério para passar, aboliu da poesia o tom formal e meditativo
cultivado durante os anos 50. Os poetas participaram também de eventos públicos de protesto
político e social da época. A amargura expressa em relação à América na poesia dessa época
reflete uma dupla desilusão: com a guerra do Vietfora do país e os assassinatos dentro dele
(ver seção anterior). Com o fim do conflito, a força política da poesia diminuiu, e com a
exceção da poesia negra e feminista, adentrou em uma fase meditativa novamente.
48
Os temas abordados foram o subconsciente, o social e político e, mais sutilmente o
científico. A maioria dos poetas não aceitou o modelo científico para o conhecimento, ao
mesmo tempo em que não tinha uma religião ou credo político. A concepção de universo
deles não continha mais um Deus onipotente e propósito teleológico, estavam familiarizados
com descrições e descobertas físicas e químicas do universo, mas poucos incorporaram o
vocabulário da ciência. Entretanto, por analogia com o universo complexo (várias camadas de
ordem: macrocosmo e microcosmo; dinâmica complexa da evolução física e biológica), as
propriedades formais de um “bom” poema, na concepção deles, deveria representar a
propriedade formal do universo que o poema representa, e um universo complexo não pode
ser representado por uma estrutura estática. Dessa forma, a liberdade do verso livre moderno é
tão filosófica quanto experimental, e a difusão do fechamento é um gesto em direção à
multiplicidade dos processos que existem no universo e como ele passou a ser explicado.
A linguagem da poesia de uma era geralmente costuma refletir sobre o entendimento
do eu de tal época. Nesse período, a desconfiança em relação ao excessivamente racional
apresentou-se em muitos poetas através da desconfiança da linguagem adulta. Também para
dar forma à linguagem do inconsciente através, por exemplo, de fala infantil ou retorno a
contos de fadas. A linguagem poética passou a incorporar palavrões, ironias, coloquialismos
de todos os tipos, gírias das ruas; e a noção do eu como um composto do seu passado,
originou uma amálgama de linguagem, em que a história pessoal é entrelaçada com a história
do mundo. O contrário da linguagem emblemática de Emerson, na qual um objeto natural é
feito para revelar realidade espiritual, aparece em A. R. Ammons, que constrói um estado
interior real unindo-o à natureza. A linguagem da poesia chinesa e japonesa ganhou nova vida
nos versos minimalistas de W. S. Merwin e Gary Synder; e cantos budistas influenciaram
Ginsberg. O inglês norte-americano, que se fez notar pela primeira vez em Whitman e
Dickinson, conquistou certa independência em relação ao inglês britânico.
É visível a continuação de muitas tentativas iniciadas pelos primeiros modernistas. O
poema longo na colagem poundiana (Olson), ou por meio de seqüência poética (Stevens,
Lowell, Ammons), o poema discursivo longo (Ashbery, Ammons), “poema conversa” longo
(Merril). Experimentos na disposição das palavras na página (Ammons, Merril, Ashbery),
poema em prosa (Ashbery, Ginsberg e Rich), bem como o verso livre e o formal continuaram
a disputar terreno. Essa variedade de formas comprovou que muitas formas poéticas são
possíveis, que modos de expressão e formulação são tão variados quanto a psique humana; e a
contribuição norte-americana mais importante para a poesia foi seu encorajamento da
diversidade. Costuma-se denominar a poesia norte-americana pós-II Guerra Mundial de pós-
49
moderna, que resiste a uma tentativa de descrição definida. Após a formalidade dos anos 50,
veio a retórica e declaração política dos anos 60, seguidas por tom mais intimista, interior e
irônico nos anos 70. Todos esses momentos realizaram a tarefa da poesia: registrar e analisar,
em cada época, a vida interior e exterior da humanidade e cultivar a frescura, a imaginação e a
invenção da língua (MCQUADE et al., 1987).
Kiernan (1983) caracteriza a poesia norte-americana pós-II Guerra Mundial, de modo
geral, compreendendo o período de 1940-1970 aproximadamente, como uma luta entre o
Modernismo e o Romantismo; o acadêmico contra o movimento beat; o movimento
reconhecido contra o marginal; o conservador contra o liberal. Os escritores eram caras-
pálidas” (elegantes e controlados) ou peles vermelhas(intensos e espontâneos). A estética
apolínea de Eliot considerou que a poesia deveria ser impessoal e celebrar a coerência formal
- W. B. Yeats, Frost, Wallace Stevens e Auden - e perdurou de 1940 até por volta de 1960,
quando os seguidores de Pound e de suas idéias dionisíacas reagiram contra a estética anterior
e, a partir de 1970, a poesia apresentou-se desfocada, mas serenamente reflexiva.
Os poetas desse período se situam em vários grupos ou “escolas” diferentes, sendo os
mais importantes: The Movement “Poetas Formalistas e Acadêmicos”, Black Mountain Poets
“Poetas de Black Mountain”, San Francisco Poets e os Beats “Poetas de São Francisco e os
Beats”, The Confessionalists “Os Confessionalistas”, New York Poets “Poetas de Nova York”,
Deep Image Poets “Imagistas Profundos”, Black Poets “Poetas Negros” e The Independents
“Os Independentes”.
Mcquade et al., (1987) consideram importante a poesia feminista produzida por poetas
mulheres denominadas de Women Poets “Poetas Mulheres”, tais como, Elizabeth Bishop,
Sexton, SP e Rich. Não formaram uma “escola” com uma estética comum, entretanto, a
poesia feminista, incluindo a poesia lésbica (Rich e Audre Lorde), tinham um objetivo
político em comum, a reivindicação de espaço literário para as vozes das mulheres, estas que
antes dessa geração não tiveram acesso, da mesma maneira que os homens, à educação e
espaço literários. Essa poesia se rebelou contra os modos tradicionais patriarcais de como a
mulher era representada literariamente e contra a voz convencional da mulher na literatura:
obediente, dócil, religiosa, tímida ou louca e megera. No século XIX, mulheres escreviam
sobre natureza, amor, Deus, morte, etc.; influenciadas pelos poetas modernistas em aspectos
técnicos e estilísticos, as “Poetas Mulheres” não abandonaram esses temas tradicionais, mas
os trataram de modo irônico e denunciatório em relação ao tom patriarcal, versificando, por
exemplo, sobre as condições de filha, esposa e e. Além de escreverem com maestria sobre
50
assuntos considerados tradicionalmente ideais para serem abordados por homens,
consolidando voz feminina na poesia norte-americana.
2.3.2.1 Os Confessionalistas
O termo “poesia confessionalista” foi criado pelo poeta Robert Lowell em Life
Studies, publicado em 1959. Durante uma visita aos poetas de São Francisco em 1957, ele se
deu conta, negativamente, de que o estilo e tom de seus poemas eram distantes, simbólicos e
complexos. Já tendo abandonado a influência de Hopkins, Eliot e Allan Tate para o modo
confessional que iria resultar em Life Studies, escrevendo prosa e sua autobiografia, ele
concluiu que o melhor estilo para a poesia era a prosa de Chekhov ou Flaubert, Bishop e
William Carlos Williams.
O uso de linguagem direta e coloquial, truques com o metro e/ou abolição deste,
liberdade nova com rima e adaptações dos ritmos da fala, tom prosaico, foram técnicas que
ele desenvolveu para a sua autodescoberta em poesia. Os poemas evocam o passado e a
juventude de seus pais, e conforme a relação entre passado e presente se desenrola, a história
da América aparece em pedaços de diálogos ou incidentes breves para acabar em frustração
pessoal, sofrimento e loucura. Nos últimos trabalhos, às vezes, retornou para o metro formal e
imagens míticas abandonados. Escreveu em vários estilos e formas tradicionais, do soneto ao
verso livre, mas sua obra como um todo é consistente em um ponto, como ele mesmo disse “o
fio que amarra toda ela é minha autobiografia” (FEDER, 1988, p. 347, Tradução minha). Em
todos os estilos, a livre associação é o impulso, força motriz interessante e perigosa, ao
mesmo tempo em que anula a incoerência por meio de grande precisão e inteligência no modo
de usar as palavras, conferindo a suas versões da história e da experiência pessoal e íntima um
caráter dramático extraordinário.
A poesia de Lowell apresenta sintaxe e tom tensos, uma espécie de fúria contida. Os
poemas iniciais relacionam tensamente seu catolicismo ao espírito de uma época que
cultivava a religião hipocritamente. Seu psiquiatra sugeriu que ele escrevesse o diário de suas
experiências de infância, que se tornaram 91 Rever Street”, uma memorialística em prosa no
centro de Life Studies. Um impulso psicanalítico para pesquisar os recessos obscuros da
consciência persistiu nos poemas que acompanham o diário sobre sua infância, família,
casamento e internações como paciente mental. Mas, o livro, também, contém poemas que
descrevem um mundo mais vasto que se dirige às pressas para o apocalipse e, assim, o poeta
51
assimilou o mal-estar cultural e político dos Estados Unidos a suas confissões pessoais
(FEDER, 1988).
Alvarez (1988) considera Life Studies o grande passo inicial contra a poesia anterior
que cultuava a impessoalidade eliotiana. Lowell, que antes tentou externalizar seus distúrbios
utilizando-se teologicamente do catolicismo e retoricamente de certos maneirismos de
linguagem, nesse livro tentou lidar com eles sem evadir-se, transparentemente. Mas, esse
desnudamento não lhe garantiu feito artístico de qualidade, e vários poemas parecem mais
“preocupados” com processos de psicanálise do que com processos poéticos.
Desde Life Studies, Lowell foi reconhecido como a voz mais importante e original da
poesia norte-americana pós-II Guerra Mundial. O livro mostrou-se mais um ponto decisivo
para a poesia do que para o próprio poeta, que sua aventura através da épica pessoal foi
apenas parte de uma incansável busca de modelos para conter seu estilo ressonante.
Seguindo seus passos, por volta da década de 50 até a de 70, poetas denominados The
Confessionalists “Os Confessionalistas” expressaram através de poesia confessionalista a
condição mais extrema da alienação moderna norte-americana pós-II Guerra Mundial, em
relatos autobiográficos que acabavam na fragmentação e dissolução do eu, loucura e/ou
suicídio, percorrendo o percurso vida real/ficção poética e vice-versa. Tal preocupação com a
loucura difere da dos surrealistas, que acreditavam que os produtos do automatismo psíquico,
mesmo que a loucura servia para unir o poeta com outros em uma consciência revolucionária
social e estética. A abordagem da loucura pelos confessionalistas variou entre eles, mas todas
convergiam para isolação extrema na sociedade, medo e fascínio simultâneo com a dissolução
de suas próprias psiques, o “abismo” do eu. A influência de Freud foi bastante representativa
para esses poetas, principalmente a conjetura de que o comportamento dos pais de uma pessoa
contribui ampla e significativamente para o sentido do eu e da vida adulta dessa pessoa.
Muitos confessionalistas fizeram psicanálise e/ou terapia psicanalítica, e o trabalho das
sessões terapêuticas, comumente lembranças da infância e da juventude, apareceram como
temas na poesia deles. A abordagem terapêutica freudiana, pregando a exploração dos
instintos e desejos obscuros e inconscientes da mente humana, levava a “confissões” feitas
nas sessões e transferidas para os poemas.
O que foi inovador nessa poesia foi que vários tabus quebrados nos Estados Unidos
nessa época passaram a ser tratados como tema, e expressados em revelações de experiências
muito privadas atípicas. Além da exposição de fatos biográficos muito íntimos e idéias pós-
freudianas em relação à doenças mentais, e tratamento da temática da loucura explicitamente
na literatura. Outro tabu quebrado foi em relação à nova liberdade pessoal e sexual como uma
52
rebelião política pela geração que atingiu maturidade nos anos 60. Poetas que protestaram
contra a guerra do Vietnã ou se envolveram no movimento feminista escreveram sobre essas
questões. Além da constatação de que o indivíduo não possuía mais um papel estável na
sociedade, o que colocou a existência do sujeito autônomo em dúvida (FEDER, 1988).
Tais poetas revelavam sentimentos e percepções muito ou intensamente pessoais,
íntimas e dolorosas sobre si mesmos. Temas tratados de maneira extremamente sincera em
poemas de estrofes improvisadas, sintaxe desigual, métrica densa e prosa póetica. O que
funcionaria como uma terapia auto-imposta para uma psicose real ou imaginária, sendo
considerada franca e sincera por eles, já que acreditavam que a época histórica em que viviam
necessitava de tal franqueza. Essa poesia foi o maior desafio para o formalismo neoclássico
que pregou a impessoalidade poética na década de 50, pois poesia com o sofrimento do poeta
no seu centro é característica romântica. E, pelo sofrimento do poeta estar no e ser o centro
dessa poesia, ela foi discriminada e considerada geralmente apenas como outra manifestação
do Romantismo do século XIX. Ao julgar superficialmente tal poesia sem valor literário e
aplicar a ela o rótulo confessionalista pejorativamente, alguns críticos não distinguiram entre
vida e arte, e não atentaram para o fato de que a revelação pessoal sempre existiu na arte, e
que tal característica não implica, necessariamente, baixa qualidade literária. Por ser
extremamente sincera, é polêmica, porque revela com grande veracidade quase sempre um ser
humano vulnerável, sofrido e oprimido pelas realidades exterior e interior que o cercam. As
opiniões a respeito são paradoxais entre críticos, teóricos e leitores especializados ou não.
Bishop chamou os confessionalistas de poetas da “Escola de Angústia”: “Eu odeio poesia
confessionalista, e tantas pessoas a estão escrevendo nesses dias” ela disse a um aluno seu da
Universidade de Washington em 1966: “Além do mais, eles raramente têm algo interessante
para ‘confessar’ de qualquer modo. A maioria deles escreve sobre um monte de coisas que eu
acharia melhor não serem ditas (WEHR apud ERKKILA, 1992, p. 149, tradução minha).
O Confessionalismo assemelha-se em relação à postura dos poetas e em alguns
pontos temáticos, estéticos e estilísticos ao Romantismo. Em Casagrande (2007), defendeu-se
que pode ser considerado uma “espécie” de Romantismo moderno do século XX levado às
últimas conseqüências, principalmente em relação à visão e culto do eu e da morte. Ou ainda,
um Romantismo pós-moderno, seguindo os conceitos” referentes ao pós-moderno de
Berman (1986), Rybalka (1991), Compagnon (1996), Perrone-Moisés (1998) e Hutcheon
(apud PERRONE-MOISÉS, 1998) (ver seção 1.3.2).
O centralismo do poeta romântico implica uma alta avaliação do ser individual e da
individualidade humana, enquanto o poeta confessional, também, apresenta individualidade
53
humana intensa, mas bem menos auto-estima. É fascinado pelos sintomas da sua psicose e
dificilmente moraliza ou sente necessidade de moralizar sua condição ou buscar solução(ões)
para o(s) seu(s) conflito(s) fora do isolamento, loucura, ou morte por suicídio, que se estende
da realidade para a ficção poética e vice-versa.
King (1979) diferencia o Confessionalismo do Romantismo, no qual os poetas
desenvolveram uma consciência das suas próprias identidades. Os românticos argumentavam
que podiam usar a consciência de suas experiências pessoais para exporem emoções e
pensamentos mais generalizados e universais. Ao “falarem” diretamente dos seus próprios
sentimentos eles estariam criando a forma espiritual de uma imaginação universal. Enquanto
os confessionalistas referem-se às experiências, impressões, explorações e expressões quase
estritamente pessoais e íntimas de seus estados interiores, sem se preocuparem em generalizá-
las, mas isso acaba ocorrendo também. Em relação à morte, para os românticos era Ideal,
cultuada platonicamente, para os confessionalistas, era bem mais real, uma necessidade e
atração, sendo que rios deles se suicidaram, e até mesmo pressagiaram o próprio suicídio
nas suas obras. Entretanto, o sentido da morte como algo positivo e melhor que a vida real ou
solução ou fim para os seus problemas é similar para ambas as concepções.
O Confessionalismo também parece se “encaixar” no período pós-moderno, que se
iniciou durante um período de incertezas que sucedeu a II Guerra Mundial, devido as suas
conseqüências terríveis e à iminência de uma mais aterrorizante catástrofe nuclear com a
Guerra Fria. A crítica intelectual, artística e de outros setores do saber se manifestou de forma
indireta por meio de consciência de alienação, desengano radical, repulsa universal, angústia,
sentimento de absurdo ou pesadelo vivente de um lado, e ácida e explicitamente crítica de
outro e, ainda, conservadora em outro. Tais manifestações ganharam corpo no Modernismo
tardio, principalmente nos movimentos artísticos vanguardistas, e mais tarde no Pós-
modernismo, tendência nova e polêmica, surgida por volta do início da década de 60 e que
perdura indefinível até os dias atuais, que ora se opõe, ora não, ao Modernismo e aos outros
movimentos precedentes.
Para Compagnon (1996), o movimento anterior ao Pós-modernismo, as vanguardas do
início do século XX, tiveram como preocupação estética e estilística centrais, a busca pelo
novo e a destruição do passado. A partir da década de 1980, a consciência do moderno e de
sua falência aumentaram e perguntou-se se o pós-moderno seria o auge do moderno ou sua
recusa, se se estaria recuperado da busca do novo e o moderno acabado, dando lugar ao pós-
moderno. O autor “define” o termo pós-moderno “provisoriamente”, ciente de que muitas
opiniões diferentes, como novo clichê dos anos 80, que invadiu as artes, de modos
54
diferenciados, decepcionadas com as vanguardas, suas aporias e rupturas, que a partir dos
anos 60, integraram-se ao fetichismo da mercadoria na sociedade capitalista e à publicidade.
Tendo como característica utilizar-se de elementos temáticos, estéticos e estilísticos de todas
as épocas, de maneira não depreciativa, mas irônica e/ou crítica. Um revivalismo de antigos
estilos com efeito de amálgama ou hibridação, citação, pastiche, paródia não necessariamente
depreciativa, dialoguismo entre diversos registros de fala, combinação de diversos jogos de
linguagem, aliados à crítica engajada social, política, econômica, filosófica e estética.
Berman (1986, p. 13-14) expõe sinteticamente o sentido ainda em discussão da pós-
modernidade:
(...) ser [pós-] moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição, (...) É ser ao
mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto às novas possibilidades da
experiência de aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual muitas das
aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda
quando tudo em volta se desfaz. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é
preciso ser antimoderno. (...) [e] a mais profunda seriedade moderna dev[e]
expressar-se através da ironia.
Assim, se se relacionar o pós-moderno a algumas características temáticas, estéticas e
estilísticas do Confessionalismo, constata-se seu caráter pós-moderno, além do romântico,
sendo possível estabelecer uma ponte entre ambos. Pode ser considerado como reflexo das
desilusões e incertezas políticas, que sucederam com o fim da II Guerra Mundial e início da
Guerra Fria. Tais incertezas provocaram nas artes uma atitude de consciência de alienação,
desengano radical, repulsa universal, angústia, sentimento de absurdo ou pesadelo vivente; em
que o eu se volta para dentro de si em asco à ciência e tecnologia, e sociedade modernizadas,
desenvolvidas, mas não o espírito humano.
Além das confissões pessoais íntimas e dolorosas, nem sempre agradáveis, o
Confessionalismo, desse modo, representa uma reação intelectual no campo poético,
engajamento indireto, aparentemente alienado, que ocorreu praticamente como um
movimento acadêmico de professores universitários de literatura e, também, poetas. Como
resultante dos fatos que se desenrolaram durante e após a II Guerra Mundial, que geraram
mal-estar socio-cultural e político, e das pressões da sociedade e cultura conformistas, que
tentou moldar os indivíduos a padrões pré-estabelecidos, bem como incitá-los a atingir ideais
nem sempre facilmente atingíveis ou desejáveis por todos. O poeta e, conseqüentemente, o
eu-poético, vêem-se oprimidos e fragmentados como indivíduos não autônomos, que não
têm personalidade própria individual ou não podem manifestá-la publicamente, - pressagiando
55
a fragmentação do sujeito pós-moderno (FOUCAULT, 1995; HALL, 2004) - e voltam-se para
dentro de si, de seu mundo interior e refletem sobre tais fatos do mundo exterior que os
oprimem. Fato que, às vezes, nem os poetas tinham consciência, e que acabava resultando
além de em poesia, em conseqüências para a vida real, tais como distúrbios e colapsos
mentais, dissolução do eu, loucura e/ou morte por suicídio, este considerado muitas vezes a
única saída, tanto na vida real quanto na ficção. Superficialmente analisada, essa poesia pode
parecer alienada, mas sua intenção é exatamente o oposto.
O crítico norte-americano M. L. Rosenthal (apud KING, 1979) denominou essa poesia
de “confessional” porque procurava remover qualquer máscara do eu-poético, que é o próprio
poeta retratando seus momentos mais íntimos com veracidade, confessando realmente. É
justamente nesse ponto, nessa junção de difícil separação entre o poeta (real) e o eu-poético
(ficcional) que se instala a problemática e o perigo do Confessionalismo, tanto para o próprio
poeta, quanto para o leitor. Ambos podem ser levados a confundir e não diferenciar vida e
arte, realidade e ficção, e poeta e eu-poético, pois uma linha muito tênue separa esses pares,
que se estabelecem em intercâmbio.
Sobre esse aspecto do Confessionalimo, Alvarez (1988) comenta que surgiu nos
EUA após a II Guerra Mundial, fator que auxilia ao se tentar explicar as razões e
características dessa poesia, antecedida por uma poesia de impessoalidade neoclássica e
formal. Durante o final da década de 20 e 30, devido aos alcances cnicos e a reavaliação
radical da tradição literária que ocorreram, os seguidores de tal técnica foram questionados.
Durante os anos 40, quando a poesia inglesa estava em crise, o Confessionalismo apresentou-
se com uma nova geração de poetas, que tinham assimilado as “lições” de Eliot e dos anos 30,
concordavam que um poeta deveria ser muito talentoso, original e inteligente, mas não
estavam interessados na luta eliotiana com os últimos românticos. Contra o culto da
impessoalidade gida, essa poesia de imensa habilidade técnica e inteligência combinava-se
com e refletia abertamente o imediato de experiências extremamente pessoais e confessionais
e, às vezes, no limite da desintegração e do colapso do eu.
O Confessionalismo chocou-se com o New Criticism “A Nova Crítica” que quis
provar tecnicamente que não havia conexão necessária ou significante entre a arte,
especificamente a poesia, e suas razões com a vida do artista. Tais colocações se chocam com
a poesia confessional, em que se confundem poeta/eu-poético, fato ou emoção reais e
fictícios, não havendo uma divisão tida entre esses pares, e com algumas abordagens pós-
estruturais e contemporâneas, que consideram uma linha de separação muito tênue e
intercambiável entre esses pares.
56
Lowell e John Berryman foram os melhores poetas confessionalistas, e contribuíram
para mudar a sensibilidade poética mais que quaisquer outros poetas de sua geração. W. D.
Snodgrass, Sexton e SP são também confessionalistas notáveis; todos, exceto Snodgrass,
suicidas. Com limites confundindo-se com os da poesia autobiográfica são considerados
também confessionalistas: Theodore Roethke, Clayton Eshleman, Sandra Hochman, Marvin
Bell, Stanley Pumly, Willian Heyen, entre outros. Apresentam dignidade serena na franqueza
autobiográfica. Lidaram de outra forma com o impulso confessional que vigorou
intensamente na década de 60, ao recuar da fronteira da loucura, se colocando à meia
distância do ego, reconhecendo seus “pecados”, mas, também, o respeito por si mesmos,
caracterizando-se como confessionalistas equilibrados (KIERNAN, 1983).
2.4 Sylvia Plath: vida e obra
Vida
SP nasceu no dia 27 de outubro de 1932 em Boston, no estado de Massachusetts, nos
Estados Unidos, e morreu em Londres, Inglaterra, em 11 de fevereiro de 1963 suicidando-se
ao inalar gás de cozinha. Existem várias biografias sobre a poeta e cada uma delas destaca um
viés diferente de sua personalidade, tentando decifrar sua vida, quem foi SP, através de
diferentes ângulos de visões. Além das biografias, foram publicadas as cartas que a poeta
escreveu para sua mãe e seus diários, e feito um filme biográfico sobre sua vida. A vida da
poeta é de grande interesse para o público leitor pelo seu status de mito, e segundo alguns
críticos e estudiosos, importante para se tentar compreender sua obra.
Anne Stevenson, também poeta, é autora de uma das biografias mais polêmicas e
controversas, tendo vivido quase na mesma época que SP. Bitter Fame: A Life of Sylvia Plath,
teve a primeira edição publicada em 1989, e a segunda, com algumas modificações e ainda
mais polêmica, em 1998, traduzida no Brasil por Lya Luft, como Amarga fama: uma biografia
de Sylvia Plath, publicada em 1992. Stevenson focaliza e retrata sem rodeios - e sem
elegância - minuciosamente, após meticulosamente pesquisada, a vida da poeta desde os anos
de faculdade nos EUA, de mestrado, na área literária, na Inglaterra, e a vida de casada até sua
morte. Auxiliada pela irmã do marido de SP, que forneceu informações íntimas, e por trechos
de poemas, diários, cartas, fatos biográficos, depoimentos de amigos, colegas, professores,
parentes, conhecidos e inimigos; construiu um mosaico dessas informações. Os depoimentos
das pessoas que conviveram com SP são paradoxais, alguns falam de alguém meigo e
57
especial, outros de uma pessoa egoísta, excêntrica, imatura e infantil, desagradável e
inconveniente.
SP é retratada como uma universitária muito bonita, inteligente, calculista, uma pessoa
difícil; ao mesmo tempo em que ingênua, imatura, vulnerável, de vida sexual bastante intensa,
superficial e volúvel. Muito agradável com quem simpatizava e muito desagradável com
quem não simpatizava, com mudanças de humor pidas e atitudes inesperadas.
Completamente transtornada quando não era bem sucedida, não conseguia lidar com
momentos difíceis e perdas, o que contribuiu para sua primeira tentativa de suicídio aos vinte
anos. Ciente de seu talento, ambiciosa, obcecada em ter seus trabalhos publicados e atingir
fama literária, ser reconhecida como poeta, desde a infância, quando teve seus primeiros
contatos com poesia e escreveu seus primeiros versos. Poeta talentosa e invejosa de amigos e
amigas poetas reconhecidos. Algum tempo após o casamento, começou a sofrer de crises de
ciúmes infundadas, agravadas após o nascimento de sua primeira filha e a insegurança com
sua forma física. O poder de sedução do marido a levou a vigiá-lo e sufocá-lo, tornando-se
uma mulher perturbada psicologicamente, anti-social, de personalidade difícil, transformando
a vida de amigos e familiares em um inferno.
O mito é, assim, desmistificado, a poeta é vista como causadora dos problemas que a
atingiu, sendo o marido vítima, sofrendo nas garras de uma mulher psicologicamente
perturbada, com crises de ciúmes, não lhe restando outra saída a não ser arrumar uma amante,
o que teria sido a causa de seu suicídio. Para Steveson, SP conseguiu fama literária e ser
reconhecida como uma grande poeta, mas uma “fama amarga” que lhe custou a vida,
realizando-se às custas de sua própria morte. Desse modo, sua vida e arte poética são vistas
como inseparáveis. Mas, remetendo-me, também, ao título da biografia, essa é uma versão da
vida de SP, não a vida de SP e sua personalidade real, que nunca será conhecida, mas
especulada e construída de inúmera formas, contribuindo para a imagem positiva ou negativa
da poeta.
Dentre tantas biografias, há mais duas consideradas importantes, de acordo com Bawer
(2007): Sylvia Plath: Method and Madness, de Edward Butscher, publicada em 1976, e Sylvia
Plath: A Biography, de Linda Wagner-Martin, publicada em 1987. Butscher, faz um retrato
somente psicológico da poeta, tenta explicar sua vida, a partir de termos da teoria psicanalítica
aplicados aos seus problemas e distúrbios mentais. A poeta possuiria várias facetas diferentes
e conflitantes entre si, Stevenson teria simplificado essas facetas em duas, uma SP artificial,
gentil e alegre, garota norte-americana universitária e poeta talentosa; e uma SP real,
demoníaca, invejosa, calculista, maquiavélica, ressentida de sua mãe e dos planos que esta fez
58
para sua vida, que os teria inculcado em sua cabeça, desde criança, e que ela tinha de atingir a
qualquer preço. Tal ponto de vista é afirmado a partir das leituras das cartas à mãe, em que SP
se mostra gentil e feliz, e de trechos dos diários, em que expõe sua raiva e ressentimento.
Linda Wagner-Martin faz uma análise muito superficial de SP, e não explora seu lado literário
ou psicológico. Considera a depressão suicida da poeta como se não fosse algo relacionado ao
dia-a-dia dela, e sugere que ela era “normal”, até Hughes aparecer em sua vida, e vê seu
suicídio como uma tragédia doméstica feminista.
Os diários, publicados com algumas omissões, foram publicados na íntegra em 2000
(comentados a seguir), - embora não se tenha certeza de que suas informações também não
tenham sido manipuladas. Em 2003, foi feito um filme biográfico sobre sua vida na Inglaterra,
chamado Sylvia, traduzido para o português como Sylvia, Paixão Além das Palavras, dirigido
pela neozelandesa Christine Jeffs. Retrata sua vida pouco antes de ela conhecer Hughes até
sua morte, enfatizando a vida conjugal, foi bastante criticado, por falhar como retrato de uma
poeta, porque seu universo e fazer poéticos, seu domínio das e luta com as palavras não foram
explorados.
Muitos biógrafos e estudiosos da vida e obra de SP atribuem a causa de seu suicídio
não ao fim do casamento como alguns, principalmente partidários de ideologias feministas,
mas como decorrente de tratamento psiquiátrico inadequado:
Como seus diários mostram, SP tinha uma ansiedade ilimitada; ciclos de
planejamentos maníacos seguidos de colapsos depressivos ocorreram ao longo de
toda sua vida, causando uma tentativa de suicídio frustrada aos dezenove anos e uma
bem sucedida aos trinta. A doença maníaca-depressiva não era bem entendida na
época, e SP (…) passou por terapia eletro-convulsiva, internamento involuntário em
um hospital psiquiátrico e terapia psiquiátrica. Estes tratamentos paliativos não
preveniram a recorrência dos sintomas (MCQUADE et al., 1987, p. 2544, tradução
minha).
E, ainda, o fator social pode ter contribuído, para seus distúrbios mentais e seu fim
trágico, se considerados como resultante negativa da ideologia que ditava o modo de vida da
sociedade da época: o revival do American Dream e reflexão pelo próprios poetas
confessionalistas sobre os resultados negativos acarretados pela II Guerra Mundial (ver
seção 2.3). E, também, da ideologia da educação norte-americana, em que somente ser o
melhor, o primeiro importa. Problemas psicológicos e suicídios em grande escala entre jovens
no país ocorreriam, porque tanto a sociedade quanto a educação escolar acabam impondo
padrões altos e homogeneizantes que nem todos os jovens conseguem, ou mesmo, desejam
atingir, fato constatável até os dias atuais.
59
Sob uma perspectiva psicológica e social pós-moderna sugere-se o prenúncio da crise
identitária - devido à desestabilização da crença no sujeito autônomo, em detrimento das
várias posições de sujeito, “o sujeito híbrido” - pela qual passa o homem contemporâneo
(FOUCAULT, 1995; HALL, 2004). A busca e a ênfase dos confessionalistas no eu, como em
um retorno, de certo modo, ao Romantismo (ver seção 2.3.2.1), ilustra o fato de que esse eu
estabilizado, centrado não pode ser encontrado a não ser como ilusão, construção fadada ao
fracasso. O eu-poético é fragmentado, sofre de distúrbios e colapsos psicológicos e mentais,
complexo, paradoxal, confuso, mentalmente perturbado. Problemas que a sociedade da época
tentou solucionar com a psicanálise freudiana, ao tentar estabilizar, normalizar e, nivelar o ser
humano e sua personalidade/identidade. Um verso de SP, do poema Stings, de Ariel, ilustra a
questão: “(...) I/have a self to recover (...)” “Eu/tenho um eu para recuperar” (FORD, 1988, p.
534, tradução minha). Esse self’” “eu” uno não pode ser recuperado pelo eu-poético, porque
ele nunca existiu, a não ser como construção discursiva, pensando-se foucaultianamente
(1995). A insistência nessa busca é fadada ao fracasso, porque o objeto de busca não existe, o
que pode culminar em perda de sentido na vida, problemas, distúrbios e colapsos psicológicos
e mentais, loucura, e suicídio tratados nos poemas. Tanto o eu-poético, quanto o poeta vêm na
morte a única solução de encontro com esse eu, o que remete ao Romantismo do século XIX.
Entretanto, considerando-se a pluralidade de sentidos de um texto, pode-se interpretar esse
selfcomo a subjetividade e o sentido de dignidade humanas perdidas do eu-poético, que
precisam ser resgatadas.
Obra
SP escreveu poesia e ficção, durante sete anos como escritora profissional, mais de
duzentos e cinqüenta poemas, dezenas de contos para revistas, e para a BBC, uma peça para o
rádio, um livro de poesias infantis, um romance, além de um diário extenso e muitas cartas
para sua mãe, ambos publicados. Dois livros foram publicados em vida, e o restante
postumamente.
The Colossus and Other Poems (1960), primeiro livro de poesia, apresenta grande
habilidade, controle técnico e estilística. Em versos livres com estilo e regras próprias, firmes,
parece terem sido escritos e rescritos à exaustão, cuidadosa e vagarosamente (KING, 1979).
Sobriedade, de visão individual forte e marcante, imaginação não usual e intensa e pressão de
sentimento. O tom é de pavor e vulnerabilidade profundos da experiência, sentido em relação
à hostilidade do universo e às forças mais sinistras e ameaçadoras da vida interior, com
60
subserviência ao passado. Projeta suas emoções em um universo em que as pessoas se
retiraram e/ou com as quais não experiencia relacionamentos genuínos e, o senso de eu
autêntico é ameaçado pelo nada (ver seção 1.3.2).
The Bell Jar (1963), único romance, é autobiográfico e confessional. Descreve em tom
irônico, perturbador, indiferente e de humor, a depressão, o colapso mental, a tentativa de
suicídio e recuperação de uma jovem universitária (RATNER, 1982). SP teria dito: “O que eu
fiz foi juntar acontecimentos da minha própria vida, romanceando-os para dar mais colorido -
é uma caldeira, realmente, mas acho que mostrará a quão isolada se sente uma pessoa que está
sofrendo um colapso nervoso. Tentei retratar o meu mundo e as pessoas dentro dele como
vista através das lentes de uma redoma de vidro” (ASSUNÇÃO, 1991, s/p) (ver seção 1.3.2).
Ariel (1965), segundo livro de poesia, publicado postumamente, é considerado o
melhor. Escrito em um tempo muito curto, no momento de maior e melhor inspiração de SP,
estabeleceu sua reputação como grande poeta norte-americana do século XX, e uma das
figuras centrais dos Confessionalistas. Sucesso comercial, entretanto, considera-se que isto
ocorreu, devido ao culto atraído pela sua morte trágica. Os poemas são notáveis por sua
liricidade original, imagens vidas e surpreendentes e tom espirituoso. Ela atingiu, segundo
Lowell, uma “realização/preenchimento espantoso e triunfante”, em poemas de intensidades
tão grandes quanto dolorosas (ver seção 1.3.2).
Crossing the Water (1971) são poemas escritos antes e na mesma época de Ariel,
considerados inferiores e deixados fora deste. Remetem ao tom contido e controlado e, ao
estilo trabalhado dos poemas iniciais. Considerados poemas da fase de transição de SP.
Winter Trees (1971) reúne poesia escrita entre The Colossus e Ariel, com características
semelhantes aos poemas iniciais, e uma peça escrita para o rádio.
Letters Home: Correspondence 1950-1963 (1975) consiste de cartas selecionadas
escritas para sua mãe, compiladas, editadas e comentadas por Aurélia. The Bed Book (1976)
são poemas para crianças. The It-Doesn’t-Matter Suit (1976) é um livro para crianças. Johnny
Panic, and the Bible of Dreams (1979) é uma coletânea de ensaios, enxertos de diários, contos
e prosa escritos em sua maioria na época da faculdade, para revistas femininas, que
apresentam nuances de morte, futilidades femininas e falta de humanidade.
The Collected Poems (1981), editado por Ted Hughes, reúne quase todos os poemas
escritos após 1956, e alguns selecionados de antes desse período apresentados
cronologicamente datados por SP, além de trazer a suposta ordem dela de Ariel. Ganhador do
Pulitzer Prize em 1982, ajudou a consolidar o prestígio da poeta na cena literária.
61
The Journals of Sylvia Plath (1982) são os diários editados polemicamente por
Frances McCullough e Hughes, este escreveu também a introdução e teria omitido
informações e partes importantes, principalmente relacionados ao suicídio de SP (RATNER,
1982). The Unabridged Journals of Sylvia Plath 1950-1962 (2000) são diários na íntegra,
estando ausentes dois referentes aos últimos três anos de vida, que Hughes alegou ter
destruído para preservar a memória dos filhos, mesmo tendo afirmado a importância-chave
deles para a compreensão do processo de composição de Ariel. É fundamental para se
conhecer melhor sua vida e obra. Vida que, depois de várias biografias, um filme, esmiuçada
em vários e muitos detalhes e ângulos, permanece em dúvida. Não um consenso sobre
quem foi SP, mas: “Com os diários, escritos por alguém que quis viver com a intensidade da
arte, pelo menos temos [a maior parte de] sua própria versão” (LOPES, 2004, s/p).
SP abordou alguns assuntos polêmicos e tabus para sua época, tais como, obsessão,
atração e culto à morte, suicídio, autodestruição, perda e tentativa de afirmação da identidade,
busca pela realidade e sentido do eu e do mundo, alienação, distúrbios e colapsos psíquicos,
loucura e dor, pesar e sofrimento interiores físicos e existenciais, condição feminina na
sociedade, erotismo, entre outros. Geralmente em tom confessional, quase sempre em
primeira pessoa, transcendendo ao universal, melancólico, depressivo, sério e resignado; sua
voz controlada, às vezes, se torna fria, irônica, ácida, e violenta. O tema recorrente, que
permeia quase todos os poemas, mesmo implicitamente, é a morte, seja em sentido físico/real,
psicológico, simbólico, negativo ou positivo, devido à crise existencial e perda de sentido no
eu, na vida e no mundo. A interpretação do sentido da morte na poesia plathiana é variada.
Holbrook (1988) argumenta que por SP ter sido esquizofrênica, foi capaz de por meio
de sua poesia ter iluminações, momentos que os existencialistas denominam de Sorge, o
“pavor”, que espreita a existência comum. Indo contra o que Heidegger observou, de que, não
há como viver em concentração única, “de olho completamente aberto” consciente em relação
ao destino terrível da nossa existência, que é a inevitabilidade da morte. O eu-poético em
vários momentos experiencia um pavor genuíno de estar viva e de ser um “ser-para-a-morte”
no sentido heideggeriano, principalmente nos poemas iniciais.
Para Feder (1988), a preocupação central da poesia de SP foi o suicídio, como um
construto mítico de poder transcendente, o que não ocorreu na vida real. A morte é o inimigo,
que ela incorpora e possui o poder de transcendência e mudança. Nenhum poeta tratou de
modo melhor e tão minucioso, o conflito do suicídio e de um suicida. Nos últimos poemas,
detalhes realistas de doenças, partes de rostos e corpos, odores e sons emergem como imagens
alucinatórias, que seriam “a voz do nada” procurando identidade na linguagem.
62
King (1979) analisa a questão seguindo Holbrook (1988), e a ordem cronológica das
obras. Em The Colossus and Other Poems, a morte é vista pelo eu-poético como uma ameaça,
inevitável para o ser humano, que é o “ser-para-a-morte”, e o mundo - os objetos do mundo,
principalmente os da natureza - é indiferente a isso. Em Ariel, nos poemas iniciais, a morte é
vista como uma possibilidade de renascimento e de uma existência e senso de sentido de
sujeito autêntico. Nos últimos, seduz o eu-poético, que a considera como uma solução final
para uma vida/identidade que não é autêntica, mas enquadrada em padrões sociais. Tal
solução é concretizada através do suicídio, que se estendeu à vida da poeta. King lamenta que
a poeta de uma poesia de uma linguagem, imagem e ritmo tão vigorosos, de entusiasmo e
criativos, embora tratando de um colapso de identidade, não tenha encontrado sentido para si
própria, para sua vida na sua arte, nas suas palavras repletas de sentido, que é, também, o seu
sentido. Sua poesia, mesmo nos momentos mais abismais, possui uma força vital, que
permanece como um exemplo para se considerar em oposição a uma existência sem sentido.
Essa afirmação de sentido foi deixada em testamento, ao leitor capaz de entender esse poder
de sua poesia.
Holbrook (1988) afirma que não é possível entender ou criticar os Confessionalistas
sem considerar a psicanálise e o “inconsciente”, além de disciplinas fenomenológicas na
interpretação dos símbolos de distúrbios internos, relacionando-os ao eu e à perda da
identidade desse eu, que permitem que se adentre na complexidade da vida desses poetas.
Considera o Confessionalismo de valor universal, por expor um problema social e histórico e
profundamente existencial e complexo, relacionado à sociedade norte-americana da época: o
colapso de valores culturais e individuais tradicionais, que pode levar o indivíduo ao colapso
de identidade, principalmente entre jovens nos Estados Unidos, e em outros países, ao
experienciar grande perda de sentido na vida, e conseqüente desejo de morrer e suicídio,
como solução para esse problema.
Esses poetas sofreram, falaram e trataram desses problemas da consciência moderna
ocidental, e sua busca por um senso de sentido, devido a fracassos no amor, dos
relacionamentos humanos, e da falta de uma experiência familiar adequada, além do modo de
vida e da cultura da sociedade. Os poemas tratam ou aludem ao espírito infantil, pavor terrível
do mundo em que se encontram, mas, também alegria, prazer e mistério da existência. Tal
consciência, que não consegue encontrar nada para acreditar exceto no eu, encontra no âmago
do eu um vazio. dois extremos de variação para esse simbolismo interno. Um de raiva e
ódio contra as pessoas e si próprio. E outro, reconhecimento de um eu profundamente
imaturo, como uma criança que nunca tenha nascido e procura começar a nascer, ser; e a
63
constatação de que as potencialidades totais do eu nunca foram, nem serão experimentadas
existencialmente. Assim, a vida perde o sentido, o eu não tem mais sentido de identidade
estável, sofre uma perda de identidade, reflete sobre isso e não suporta essa descoberta,
culminando em colapso mental, suicídio, morte. Esta o meio desconhecido, pelo qual essa
identidade possa, talvez, ser recuperada. A sociedade oferece como ajuda tratamentos
psicológicos e psiquiátricos, enquanto os poetas a buscam no álcool, sexo e suicídio. uma
opinião corrente no mundo literário de que esses problemas não existem ou que a crítica
literária não deve tratar deles. Holbrook cita Alvarez, que aprovou o cultivo da psicose pelos
Confessionalistas, pois o melhor trabalho de um artista nasceria do cultivo da sua psicose.
Mas, muitos poemas deixam a “desejar”, sendo alguns muito bem sucedidos.
Instala-se, assim, um enorme perigo do cultivo da psicose, se estendido para a vida
real, porque a solução psicótica pode pertencer a uma falsificação total da realidade e
dissociação total de razão, culminando em suicídio. É possível que, ao experienciar uma
ilusão psicótica na poesia, como a crença de SP nos poemas finais, de que o suicídio
representava uma chance de renascimento, o poeta possa seguir uma lógica e solução
invertidas ou equivocadas também na vida real. Isso é, talvez, o que a poesia de SP fez por
ela, segundo Brink, citado por Holbrook. A poeta poderia ter continuado viva e tratando de
seus problemas na poesia, mas fria e deliberadamente, devido a sua psicose, se devotou ao
argumento que a matou. Esse tipo de poesia pode ser perigoso para o leitor, envolvendo-o na
sua loucura, e este pode acabar compartilhando desse caminho mais fácil, que se apresenta
como solução para o problema.
A psicanálise freudiana e pós-freudiana se tornaram assunto sério na poesia
confessional, que explorou como tema, por exemplo, fatos descobertos e discutidos nas
sessões. Vários poetas passaram por terapia psicanalítica e/ou fizeram psicanálise, ou mesmo
tratamentos psiquiátricos mais sérios. SP foi diagnosticada com vários problemas
psicológicos: anti-social, neurótica, dupla personalidade, melancólica e esquizofrênica. Após
sua primeira tentativa de suicídio, foi considerada maníaca-depressiva, sendo submetida à
terapia eletro-convulsiva em internamento involuntário em hospital psiquiátrico. Após
recuperar-se, aparentemente, voltou à psicanálise e antidepressivos após uma recaída. Nessas
sessões, descobriu problemas em seu relacionamento com os pais e outras pessoas e os
transformou em poesia, período considerado de mais rápida e fértil inspiração de sua carreira.
Seus problemas psicológicos não afetaram sua inteligência, habilidade, técnica e estilo
poéticos. Pode-se arriscar a dizer que, tenham influenciado seus processos de construções
poéticas criativos, insólitos e originais. Tais processos podem ser ligados com o
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funcionamento mental esquizofrênico e/ou alucinação, mas são racionalmente controlados.
Sua linguagem expressa a vida sentida de modo intenso com observação exuberante e
eficiência de apreensão em relação aos sentidos (THWAITE, 1985). King (1979, p.171) fala
de mindscapes”, que seriam “paisagens mentais” pessoais da mente particular de uma
pessoa, recorrentes, que SP teria desenvolvido de forma poética original, construindo
metáforas insólitas a partir de imagens, objetos, elementos da natureza e pessoas, para fundir
os sentimentos e emoções pessoais a elementos externos. A maioria dos poemas são peças
trabalhadas cuidadosamente, notados por estas imagens pessoais reconstruídas mental,
metaforica e surrealisticamente de foco e modo intensos, em reorganização e reelaboração de
fatos e imagens pessoais, que ultrapassa o confessional literal e direto. O Surrealismo faz com
que as coisas, os objetos e as pessoas do cotidiano adquiram funções novas e fantásticas. SP,
muitas vezes, anima o inanimado e desanima o animado, projeta suas emoções e estados
mentais e psicológicos em figuras e objetos distantes e inanimados metaforicamente.
Mendonça (2005, p. 133) menciona o “cluster de metáforas” e Lopes (2005) o “melting-fusion
techiniqui” e o “imagismo plathológico” (ver seção 1.3.2).
Tais marcas caracterizam o estilo poético plathiano com considerável hermetismo,
ressaltado também por elementos recorrentes que se tornam símbolos. Essas características
conferem complexidade e dificultam a construção de sentido por parte do leitor, que se não
bastante atento, pode ser surpreendido por imagens inusitadas, aparentemente de uso gratuito,
sem nexo ou sentido, em poemas que, muitas vezes, necessitam de releituras. Sua poesia
requer grande participação do leitor, pois sua vida e morte saltam de quase cada linha, criando
um mundo intenso, a partir do estado psicológico e mental, uma “paisagem mental”
emocional de crise profunda; sendo outras pessoas, natureza e/ou realidade externa, às vezes,
inteiramente modificadas pela sua consciência (KING, 1979).
2.4.1 Lady Lazarus e Words
King (1979), como muitos críticos e autores, afirma que os poemas Daddy e Lady
Lazarus (ANEXO A), ambos pertencentes a Ariel, publicado em 1965 (ver seções anterior e
1.3.2), são os mais famosos de SP. Daddy é um dos mais poderosos, e Lady Lazarus um dos
mais originais. Ela passou a ser considerada poeta confessionalista morbidamente atraída pela
morte pejorativamente por uma parcela da crítica, devido ao tom e conteúdo pessoais e
autobiográficos referentes as suas tentativas frustradas de suicídio tratadas nesses poemas.
Estes não passariam de demonstração pública de obsessões privadas, em tom confessional,
65
intenso, doloroso, mórbido e histérico, vindos de uma poeta com problemas e distúrbios
mentais, interessando ao público leitor, que ligaria autora e obra por fascínio ou curiosidade.
Não representam o artesanato, técnica e estilo poéticos característicos iniciais, mais
controlados e tradicionais. Escritos pouco tempo antes de sua morte, refletiriam seu estado de
mente perturbado: “Ela foi uma poeta notavelmente disciplinada e controlada, e fazemos uma
injustiça a sua poesia, se colocarmos nossos esforços em louvar os poemas escritos quando
este controle começou a falhar e seu processo criativo perdeu o controle(THWAITE, 1996,
p. 62, tradução minha).
Para outros críticos, ambos apresentam originalidade e qualidade, tais poemas mais
“descontrolados” começaram a demonstrar a verdadeira técnica de SP, mais poderosa e
original a ser desenvolvida. Por mais que incitem os leitores a explorar aspectos biográficos,
também ampliam experiências privadas a nível universal. Através de comparações críticas
referentes a fatos históricos da II Guerra Mundial, sugerindo que os sofrimentos da poeta não
são indiferentes a estes, além de serem tão intensos quanto. Colocações atacadas como
oportunistas, desrespeitosas e insensíveis (BLOOM, 2007) (ver seção 1.3.2). Apresentam
também uma reação forte contra o patriarcalismo e podem ser lidos como poemas feministas.
O tema de Ariel é a morte, segundo King (1979), - que analisa a obra de SP sob um
viés existencial, além de atentar para os aspectos estéticos competentemente - há duas rotas no
livro que parecem levar à morte. Na primeira, há preocupação com o sentido de identidade do
eu-poético e seu relacionamento com outras pessoas. A segunda, lida diretamente com a
morte, particularmente a tentação do suicídio, sendo o tom mais positivo do livro, porque trata
da morte de modo simbólico como um renascimento psicológico ou, ainda, como uma
resignação e aceitação da morte como forma de transcendência. Lady Lazarus e Words
pertenceriam à segunda rota.
Lady Lazarus
Lady Lazarus (1965), datado pela própria SP em 23-29/10/1962, remete a fatos
autobiográficos. Trata das tendências suicidas e tentativas frustradas de suicídio, fatos
biográficos reais transformados em ficção poética, pois a poeta se o direito de mudá-los,
adequá-lo ao efeito de sentido que busca, uma vez que ela teria tentado se matar duas vezes
na vida real e não três, como exposto no poema. Alguns biógrafos comentam uma suposta
primeira tentativa aos dez anos de idade; sendo comprovadas a segunda vez, aos vinte por
overdose de tranqüilizantes, e a terceira, em que ela teria jogado seu carro fora da estrada com
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intenção suicida pouco antes da vez fatal. O eu-poético relata e reflete sobre acontecimentos
anteriores e posteriores a essas tentativas, e as razões que a levaram a cometer tais atos, bem
como os resultados que eles acarretaram.
Lady Lazarus lida com a temática poética plathiana usual de morte e suicídio que,
frustrado várias vezes, culmina em um renascimento psicológico. Sobre o tema, SP em
introdução a esse poema, que ela recitou na BBC, disse: “O narrador é uma mulher que possui
o grande e terrível dom de renascer. O único problema é que ela tem de morrer primeiro. Ela é
a Fênix, o Espírito Libertário, o que você quiser. Ela é também uma mulher bem-sucedida,
boa e honesta” (PLATH apud LOPES; MENDONÇA, 2005, p. 101).
O tom é bastante ambíguo e irônico. De um lado, seriedade e honestidade em
dicção coloquial e oralizada, usando-se de gírias e sintaxe simplificada, ao mesmo tempo em
que em tom irreverente e bastante exibicionista. De outro, uma ambivalência no tom, que
sugere, ao mesmo tempo, um descarregamento de sentimentos pessoais profundos e também
uma expressão de um tipo de show, exibição pessoal irônica da parte de uma mulher suicida
frustrada.
Para Lopes; Mendonça (2005), a construção da persona em ação, o eu-poético
metaforiza a relação platéia e performer e passa por um ciclo de mortes e ressurreições. SP se
confunde com o eu-poético, que ironiza as suas performances suicidas, transforma em
espetáculo suas tentativas de suicídio, para ressurgir das cinzas como Fênix, e se vinga,
poeticamente, sobre a “claque que assiste”, a qual não percebe o sentido libertário e positivo
que essas tentativas frustradas acarretam. Focalizando a alienação, renascimento e poder
feminino, ameaça e clama por vingança também, sobre os que a levaram a tentar suicídio três
vezes, tentativas que ao fim do poema adquirem um sentido positivo.
SP arrisca em possibilidades coloquiais e orais, e o leitor adquire importância no
poema, em que o eu-poético, às vezes, dialoga com o leitor. O eu-poético dramatiza e se
personifica em uma suicida, prisioneira judia, Lázaro, uma strip-teaser, Elektra, e em fêmea
fatal. O desnudamento de Lady Lazarus, após suas ressurreições milagrosas, tem a função de
persuadir o leitor a penetrar em seu universo. Sua intimidade é apresentada de modo
dramático, como uma “conficção” (Lopes; Mendonça, 2005). um jogo em cena: neste
circo, o leitor se torna a platéia anônima que se diverte, sádica, com a tortura da narradora e
de sua tragédia. SP perverte a relação leitor/autor, stripper/voyeur, ironizando sua dor, lança
adivinhas aparentemente nonsense, e celebra a própria morte - uma performance que repete a
cada poema ou a cada dez anos. Esta atração fatal é intensificada através de uma ironia noir e
repetições enfáticas por meio do uso de nursery rhymes.
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Uma interpretação feminista do poema é quase inevitável, a cada tentativa frustrada de
suicídio o eu-poético, sujeito feminino oprimido, se fortalece, e após a terceira e última
tentativa revolta-se e ameaça seus opressores masculinos. Liberta-se através de auto-
aniquilação psicológica, e as tentativas frustradas adquirem o sentido de renascimento
psicológico. Com a morte do sujeito feminino oprimido, e o nascimento do sujeito feminino
livre passa a ameaçar seus opressores. uma sugestão de que o eu-poético era oprimida por
figuras masculinas, que exerciam poder sobre ela, como uma relação entre carrasco e vítima,
comparada metaforicamente ao carrasco nazista e a vítima judia. O carrasco é representado
pelas figuras do médico, Deus e Lúcifer; e por aproximação com sua biografia seria o pai e o
marido, todos figuras masculinas poderosas e opressoras.
A cada tentativa o eu-poético chega muito perto da morte, a desafia, mas não morre, e
isso a fortalece cada vez mais. A atração e culto pela morte remetem à temática romântica,
que idealizava a morte, como uma sublimação ideal e platônica. Mas o sentido e modo de
tratar esses temas são distintos, não tem sentido ideal, platônico, metafísico, transcendente ou
niilista, mas um sentido psicologicamente positivo, um renascimento psicológico individual e
real. Desse modo, morrer e renascer psicologicamente torna-se tão trabalhoso e vigoroso,
quanto criar uma arte, um objeto artístico; ações intensificadas por um dos versos mais
famosos de SP: “Dying / is an art” (décima quinta estrofe). O sentido dessa metáfora se refere
ao contexto geral do poema, pois o eu-poético é um suicida frustrado, que tentou se matar
várias vezes, tais tentativas foram trabalhosas e criativas, como criar um objeto artístico
também é um processo criativo e trabalhoso. Em que ela foi muito bem sucedida, não
alcançou a morte física, mas uma ressurreição psicológica, um renascimento de autonomia de
sujeito feminino em vida, além de vingança e revide aos seus opressores, que a levaram a
desejar a própria morte, ou mesmo a “mataram” por meio de opressão.
O sentido de morte-ressureição em vida é intensificado, também, por meio de
metáforas e alusões intertextuais, que utilizam mitos cristão e clássico relacionados à morte e
à ressurreição, além de alusão e comparação metafórica ao ditado popular, que relaciona a
relação do gato com a morte, que teria nove vidas na cultura norte-americana. As estratégias
estilísticas pós-modernas (CASAGRANDE, 2007) para estabelecer um diálogo com a herança
literária e cultural representadas por mitos são visíveis, SP utiliza-se de conteúdo mítico
clássico, mas busca formas “originais” para expressar sua subjetividade.
O mito cristão de Lázaro aparece no título, em caráter de intertextualidade, mas
modificado, Lázaro é o eu-poético, uma mulher de trinta anos. O eu-poético sugere a transição
vida/morte/vida, de modo miraculoso, divino, pois o fato de não morrer, passar perto da morte
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e voltar à vida é um milagre. O mito clássico da Fênix, pássaro mágico da mitologia clássica,
que vive por centenas de anos antes de se queimar, para em seguida, renascer das suas
próprias cinzas, é sugerido na última estrofe. Oprimida como sujeito feminino, reduzida à
cinza, a nada, o que a faz querer tirar sua própria vida três vezes ao longo do poema, mas que
ressurge forte, ameaçadora e auto-suficiente, renascida ao fim do poema.
O poema também alude e incorpora informação histórica, para intensificar a relação do
eu-poético com a morte e sofrimento de opressão, o que gerou muita polêmica (ver seção
1.3.2). Tais alusões, que se casam com a identidade oprimida do eu-poético, permitiram que
este se retratasse como um tipo de vítima histórica e eterna, referem-se a fatos da II Guerra
Mundial, às atrocidades dos campos de concentração nazistas e o holocausto dos judeus. Fatos
com os quais o eu-poético se identifica, além de demonstrar crítica em relação a eles. São
valiosas como comparação metafórica, para um poema sobre uma mulher suicida, como
também aplicável ao mundo moderno brutal. A partir de um fato político do mundo real, o eu-
poético metaforiza seu próprio estado interior, funcionando como um efeito de sentido
poderoso, ao auxiliar o eu-poético a expressar seus sentimentos e estados interiores, e
generalizá-los para o leitor. O eu-poético compara seu sofrimento e martírio, sua tentativas de
suicídios frustradas, como tentativas desesperadas de sair da vida, do sofrimento que esta lhe
causa, comparado ao holocausto dos judeus. Parte do particular para o universal: os campos
de concentração foram ignorados por muitas pessoas que sabiam de sua existência, do que
estava acontecendo, mas não agiram contra eles. O eu-poético assimila o problema político e
social e também ético da guerra, que abalou a humanidade tarde demais a sua condição
pessoal, generaliza e universaliza sua dor e estados particulares, se sentindo na vida e no
mundo oprimida e vitimizada injustamente como uma judia num campo de concentração. O
que confere mais intensidade a sua dor e sofrimento e à maneira como expõe os fatos
autobiográficos, do confessional e pessoal para o universal.
Após a abertura aparentemente casual e confessional, os versos seguintes se
apresentam em tom de choque, por alusão intertextual e fusão comparativa metafórica entre a
história pessoal de SP e do eu-poético com estes fatos históricos, em que ela se coloca como
uma vítima judia (nas segunda e terceira estrofes):
(…) my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot
A paperweight,
My face a featureless, fine
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Jew linen.
Tal alusão, que volta a aparecer ao fim do poema, sugere uma tentativa de ligar o
sofrimento e vitimização privado ao público, numa espécie de hipérbole também. Tanto no
mundo privado da poeta como no mundo público da história, a morte é vista como um assalto
à identidade. Os carrascos nazistas queriam destruir a identidade de uma classe toda, enquanto
o eu-poético faz isso, eliminando a identidade de seu eu feminino oprimido a cada tentativa
frustrada de suicídio, para assumir uma nova identidade feminina, passando de oprimida a
opressora. Sugerido na última estrofe do poema, por uma identidade de sujeito feminino não
mais oprimido, como em uma morte em vida, por forças masculinas. Esta é parte do sentido
da imagem da Fênix evocada nas duas últimas estrofes. O eu-poético triunfa, invoca, desafia e
alerta as figuras masculinas poderosas tradicionais de God Deus e Lucifer Lúcifer, a
“tomarem cuidado” com ela, oprimida, mas capaz de reagir e agir contra seus opressores, do
mesmo modo e força com que eles a oprimem, os “devorando” eat”, isto é, anulando a força
opressora deles sobre ela. Herré uma palavra alemã, que significa senhor, que remeteria à
alusões à II Guerra Mundial, e por aproximação biográfica, ao pai de SP de origem alemã. A
cor do cabelo vermelho “red hair”, remete à cor de cabelo comum entre judeus:
Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.
Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.
O posicionamento e ação do eu-poético propõem também uma desconstrução, pois ela
reverte sua situação de sujeito mulher oprimido em sujeito mulher opressora, desafia tanto
God” quanto Lucifer”, tanto o bem quanto o mal. Questiona e critica o patriarcalismo, pois
estes nomes pertencem a figuras masculinas poderosas, dominadoras e opressoras, e o bem e
o mal, forças, também, opressoras e dominadoras. Tais observações permitem também uma
aproximação com a Desconstrução de Derrida.
Outra ligação é estabelecida entre a situação da poeta e a dos judeus nos campos de
concentração, através das referências a objetos, tais como, Nazi lampshade”, e jew linen”,
que seriam feitos das sobras das vítimas, embora não haja comprovação histórica sobre isso.
O eu-poético se sente desnudado e transformado em um objeto de curiosidade, para a família,
amigos, médicos, curiosos, e até para o leitor, indiferentes ao seu sofrimento; e talvez, até
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para si mesmo em tom sarcástico, irônico, auto-irônico e de humor negro, “brinca” com um
assunto sério. Fato estereotipado em se tratando de suicidas, que despertam a atenção das
pessoas, e consideram que o suicida, que não se mata de fato, quer somente chamar atenção.
O eu-poético as compara à platéia de um circo, voyuers de um strip tease”, para a qual ela
representa um performer fazendo um show, sua “arte” teatral para uma platéia curiosa e
insensível, que não considera suas intenções suicidas verdadeiras: It’s the theatrical
(décima sétima estrofe), nas nona e décima estrofes:
(…)
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see
Them unwrap me hand and foot –
The big strip tease.
(...)
Tal ataque aos que conseguem olhar e assistir ao sofrimento dos outros sem simpatia
ou entendimento inclui o leitor, cuja resposta para as primeiras linhas que abrem o poema
podem ter sido de curiosidade em relação à confissão do eu-poético do seu inferno pessoal, e
ao qual este se dirige.
O eu-poético não se mostra arrependido sobre as tentativas de suicídio. uma leve
sugestão da futilidade do ato: What a trash / To annihilate each decade.(oitava estrofe), o
poema muda através de tons diferentes, mas nenhum mostra arrependimento, tais como as
desagradáveis descrições dos efeitos físicos após a tentativa de suicídio: “They had to call and
call / And pick the worms off me like sticky pearls.” (décima quarta estrofe).
Nestas mudanças de tom as tensões subjacentes dos poemas são controladas e
exploradas, tais tensões são expressas em contraste entre conteúdo e forma. O assunto
extremamente sério, pesado e complexo é expresso em verso leve. A dicção é coloquial, a
estrutura das estrofes é simples com muitas linhas com ponto final e repetições freqüentes de
palavras e sons em um padrão semi-regular de rima interna. Tais aspectos contrastam, cujo
efeito é de um tom jocoso, humor sardônico e negro e impressão de uma piada grotesca.
Ao fim do poema essa piada se volta contra o leitor, o ataque do eu-póetico aos
expectadores vai além. Eles se juntam a todos os outros, que não deixam o sofredor sozinho,
como o doutor que traz o suicida de novo à vida, e é ligado ao Doktordos campos de
concentração, que experimentavam com suas vítimas; e àqueles que dão explicações
religiosas para os sofrimentos humanos através de Gode Lucifer”, que não curam a dor,
71
todos são vistos como se mexendo, espalhando as cinzas do morto. Figuras que não deixam a
vítima sofredora morrer em paz, e que não conseguem estancar a dor. O poema, dessa forma,
se torna uma crítica violenta, que acaba na ameaça das linhas finais. Os espectadores não
conseguem entender a dor da vítima, somente após sua morte é que se darão conta do que esta
sentiu, mas de qualquer modo é tarde demais para adiar o sofrimento e abrandar a culpa dos
espectadores. O que remete ao sofrimento dos judeus, sabido, mas não impedido a tempo,
pois quando uma atitude foi tomada era tarde demais. O poema lembra que o que restou
deles foi o ouro, e a lenda de que se fariam sabão da gordura dos seus corpos e abajur com a
pele, em tom de denúncia da indiferença dos espectadores. Mas, para o eu-poético é possível
renascer, pois ela oprimida e morta psicologicamente, mas não fisicamente, é capaz de
rebelar-se, recuperar-se, renascer das cinzas e revidar.
Lady Lazarus possui uma força indubitável, um poder chocante como a dramatização
do estado mental de uma suicida. A histeria subjacente é apresentada e controlada pelas
rápidas mudanças de tom. Estas servem para tirar o leitor da sua posição de observador
indiferente do início do poema, para se solidarizar - não acusar - com o sofrimento intenso da
vítima no seu senso de perda de identidade, devido à opressão. As estrofes iniciais são
casuais, quase indiferentes, como se o eu-poético deixasse o leitor saber de uma fofoca
interessante, e expressam uma certa naturalidade em relação ao assunto. Mas, ao longo do
poema nota-se que essa naturalidade é aparente, o eu-poético identifica seu perfeccionismo
como poeta, sua dedicação e absorção no trabalho com a obsessão com sua autodestruição e
emancipação de modo irônico e ambíguo. Parece querer convencer o leitor da seriedade
implícita com que a possibilidade de morte por suicídio e, de que considera este como um
ato criativo. Tal argumento, quando atinge o leitor, forma ao poema e distancia o mundo
invertido peculiarmente deste da realidade do mundo que o leitor conhece.
A linguagem é coloquial, em alguns trechos um tom oralizado de conversa,
aparentemente simples. Um monólogo confessional em primeira pessoa de um eu-poético
que, várias vezes, se dirige ao e interpela o leitor. Há metáforas densas e inusitadas; em versos
livres, mas trabalhados por regras próprias. De acordo com Rosenblatt (2001), a repetição
obsessiva de palavras e frases confere um grande poder ao estilo e tom aparentemente
“claros” do poema. À medida que o eu-poético fala, parece impor e intensificar sua energia, e
as repetições em staccato das frases constroem uma intensidade de pensamento. A linguagem
coloquial, também, se liga a outra característica do poema, que foi feito para ser declamado. A
voz do eu-poético se regula em vários níveis de intensidade retórica. Esta, construída de modo
72
intencional, requer que ele seja ouvido para ser melhor interpretado e apreciado, devido ao
seu caráter dramático.
O poema é longo, distribui-se em vinte e oito estrofes, e transforma um padrão de
estrofação tradicional para obter seu efeito retórico. Um dos mais notáveis aspectos da poesia
tardia de SP é o diálogo entre formas tradicionais e não-tradicionais. A estrofe de três
linhas/versos, terzina, refere-se à rima terza da tradição italiana e às rimas terza dos
experimentos dos primeiros poemas da poeta. Mas, o poema emprega essa estrofe somente
como uma estrutura geral, para um verso de padrões métricos, ritmo e rimas irregulares. A
medida iâmbica é dominante, mas não é regular, utilizando-se também de encavalgamento,
repetições enfáticas e obsessivas, rimas óbvias, visuais e reversas, principalmente internas,
off-rhymes, aliterações, assonâncias e consonâncias. Todos esses aspectos caracterizam e
sustentam a sonoridade do poema, cuja musicalidade encontra-se na estrutura entonacional
firme e de prosa poética, que foi feito para ser declamado, fator que se liga ao próprio
sentido da sua mensagem.
Mendonça (2005) (ver seção 1.3.2) afirma que a rima retornou em Ariel, sendo SP
obcecada por elas, aspecto em que residiria uma das características mais interessantes do seu
artesanato. Ela tece um espectro de rimas, chamada de “rima-fantasma”. Em Lady Lazarus,
ocorre um exemplo dessa técnica, o deslocamento das rimas de suas posições normais na
terzina. Os dois primeiros versos da primeira estrofe terminam com /n/ e um “fantasma”
de sons em inglês entre /i/ e /a/:
I have done it again.
One year in every ten
I manage it -
A poeta também teria realizado uma leitura crítica da configuração estrófica de Dante
Alighieri, e transgredido a harmonia da terzina dantesca de verso regular e rigorosamente
metrificado e de rimas precisamente posicionadas, para criar uma respiração pessoal, um
deslocamento, muitas vezes, em forma de encavalgamento, que permitisse causar suspense e
expectativa no leitor. Absorve influência de e trunca Dante, remetendo a leitura de seu texto
para a atemporalidade das criações literárias canonizadas, no caso, A Divina Comédia. Rompe
a harmonia regular, assim, uma conformação dantesca que seria:
Herr God, Herr Lucifer, beware, beware.
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Torna-se fragmentada, estilhaçada, com uma respiração pessoal e misteriosa, nas duas últimas
estrofes:
Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.
Há, dessa forma, várias características de épocas e lugares diferentes na construção do
ritmo, aspecto da poesia pós-moderna. A mistura de tais aspectos diferentes gera um ritmo
poético inusitado e único. Enquanto para alguns críticos, o tom violento e histérico
“esconderia” a fragilidade do poema estética e estilisticamente, que não possui uma estrutura
rítmica e métrica racionais e trabalhadas de modo a lhe conferir qualidade.
É detectável em Lady Lazarus a presença de temas, características estilísticas e
estéticas, além de posturas, clássicas, românticas e modernas, o que permite denominá-lo
como pós-moderno. O tema de morte e suicídio como algo positivo, lembra o grande tema dos
românticos, mas é tratado de modo real e simbólico. Não dissolução das formas, mas uso
de verso livre com regras próprias, apoiado em regras clássicas tradicionais também.
Construção de metáforas e de outras figuras de linguagem, bem como alusões e
intertextualidades utilizando-se de mitos cristão e clássico, e fatos históricos. Estes são
retirados de seu contexto e retrabalhados, de maneira não depreciativa, e usados como
ferramentas para enriquecer e intensificar a mensagem e sentido poéticos, adquirindo outro
sentido além do original. SP estabelece um diálogo entre passado e presente de forma
respeitável; utiliza-se de elementos do passado atualizando-os em novo contexto.
Constatam-se características e recursos poéticos pós-modernos, tais como a
sinceridade, a volta do autor (fragmentado e esquizofrênico, ao mesmo tempo em que crítico)
no texto: “Como se separa o personagem fictício de Lady Lazarus e a informação
autobiográfica de SP?” (BONNICI, 2004, tradução minha), e do sentido no texto. Este,
expressado em uma linguagem de prosa poética aparentemente simples, e altamente ambígua
e irônica, que ora mostra, ora esconde, engana, num jogo de sentido desconcertante com o
leitor. O poema é ambíguo, deixa dúvidas quanto ao seu sentido aparentemente de fácil
acesso, pois exige conhecimentos diversos da parte do leitor, para construir e ativar seu
sentido de maneira mais ampla, além do biográfico em relação à poeta que pode auxiliar.
Todos esses aspectos apontados não caracterizam o poema de modo tematica, formal,
estetica ou estilisticamente novo. O que se evidencia é o diálogo entre várias características de
movimentos literários do passado de maneira não depreciativa e não “copiativa”. Revelam-se
74
traços da estética e temática pós-modernas, seguindo os “conceitos” referentes ao pós-
moderno de Berman (1986), Rybalka (1991), Compagnon (1996), Perrone-Moisés (1998) e
Hutcheon (apud PERRONE-MOISÉS, 1998), tais como o diálogo das formas e temas antigos,
intertextualidades e alusões num novo contexto, de uma nova forma, pensando no presente, a
partir do passado, mais do que no futuro e, talvez, assim mais próximo dele. Tais
características tornam o poema uma obra com traços peculiares e, por isso, pode-se considerá-
lo “original”, e por que não “novo”, um novo diferente, pós-moderno (CASAGRANDE,
2007) (ver seções 1.3.2 e 2.3.2.1).
Words
Words (1965), datado por SP em 01/02/1963, é um dos últimos poemas. Segundo críticos
que interpretam sua obra ligando-a a fatos biográficos, seu tom resignado seria prenúncio de
sua morte, confirmado explicitamente nos poemas escritos depois deste. A linguagem, tom e
estilo trabalhados, controlados e meditativos remetem às obras iniciais, que contrastam e
diferem radicalmente do tom explicitamente confessional, irônico e triunfante de Lady
Lazarus. Outros críticos o interpretam como um poema metalingüístico, que trata sobre o
fazer poético e a impossibilidade do poeta de domar as palavras - indomáveis - formal e
semanticamente na composição poética e atingir o sentido “real” delas, e o eu-poético exporia
seu reconhecimento disso.
King (1979) afirma que eu-poético parece retornar ao senso de fracasso nos
relacionamentos, colapso de identidade e para a inevitabilidade da morte como uma solução
pessoal final, o que remete ao tom, temática e estilo dos poemas plathianos iniciais. Expressa
também características dos poemas finais, calmos e resignados, cujas palavras ecoam na
memória do leitor por muito tempo após serem lidos.
As “Palavras” são “machados” que ecoam nas árvores da “floresta” das nossas vidas.
O que elas expressam é a razão do ferimento na árvore de onde The sap / Wells like tears”
(segunda estrofe). Em uma seqüência plathiana típica de transformações metafóricas, as sap /
tears”, os sentidos das palavras, são vistos como água que tenta se restabelecer, mas é
desestabilizada por uma pedra que cai e rola, que se parece com um white skull, / Eaten by
weed greens” (terceira estrofe). As profundezas do eu liberadas nas palavras, incluindo as
palavras do poema, continuam a incomodar muito tempo após serem proferidas. O poema
termina com um sentido de que vidas são determinadas por palavras stars”: From the
bottom of the pool, fixed stars / Govern a life.” (última estrofe), mas nada, nem as palavras,
75
pode alterar os poderes que controlam nosso destino. Nada pode mudar o conhecimento da
poeta e do eu-poético da inevitabilidade da sua morte. King liga, assim, a interpretação do
poema a dados biográficos de SP.
Kendall (2007) também afirma que Words faz parte de outro estilo que SP começou
a desenvolver em seus últimos poemas, ligado ao seu estilo inicial. Words sugere uma
apologia à poesia, a seu novo estilo, que a conscientiza de seu poder de controle limitado
sobre as palavras e seus sentidos.
As “Palavras” e seus sentidos possuem através de comparações metafóricas e
metáforas, um poder “transubstantivo” no poema e, ao seu fim, não são “como os cavalos”,
mas se tornam cavalos que não podem ser montados pela poeta. Mesmo quando o eu-poético
as “encontra” meetanos mais tarde” Years later”, o verbo em inglês meetsugere um
encontro por acaso, e que elas ainda são incontroláveis pelo eu-poético. O sentido de
desolação, presente em muitos dos últimos poemas, também se apresenta, a força metafórica
do poema assegura que ele nunca será “segurado” pelo seu autor: as palavras e seus sentidos
tomam uma existência além do alcance da feitura original do poema. O corte feito pelos
machados na estrofe inicial também se transforma através de comparação metafórica. Como
os cavalos, este percorre uma longa distância via sap, tears, water, mirror, rock, antes de
chegar a “a white skull, / Eaten by weed greens.” (terceira estrofe). A passagem, uma
exploração de metáfora, ilustra como esta desenvolve sua própria gica, controlando o ato
criativo: a metáfora, não a poeta, controla o curso do poema. Essa impressão do poema se
inscrevendo a si mesmo metaforicamente como imagens e através de imagens, origem a
outras e inusitadas imagens, e reinforça um sentido devastador de fatalismo do eu-poético. As
“Palavras” Words”, além de “desgovernadas” riderlesssão “secas” dry”, mesmo tendo
participado da imagem da água. A poeta, por contraste, se evade do mundo da água, a
metáfora, a despeito de todas as suas transformações, ainda leva a poeta para a morte
inescapavelmente, o “crânio branco” “white skull fora da água. Ao fim do poema, a
metamorfose é reposta por fixidez, e o white skull por “estrelas” starsfatais: o destino
da poeta é fatal e está colocado.
Dentre os quatro últimos poemas que SP, Words representaria uma conclusão no
campo poético, sendo uma descrição metafórica de resignação desesperançosa ante um
destino implacável. Essa interpretação também acaba ligando o sentido do poema aos dados
biográficos de SP. E, no campo estilístico e estético, apresenta o trabalho de composição
metafórica plathiana e funcionamento da metáfora característico dos poemas finais.
76
Lopes; Mendonça (2005, p. 104) consideram Words a Ars Poetica de SP, cujo tema é
metalingüístico, problematiza a impossibilidade de domínio por parte do poeta sobre as
“Palavras” e seus sentidos. O eu-poético medita sobre o fazer poético e impossibilidade de
controlar e atingir esse sentido. A linguagem enfrenta o problema de espelhar sempre o
mesmo sentido, e não uma verdade única e imutável, o que é uma impossibilidade. Atentos às
dificuldades do poema, em relação à apreensão de seu sentido, os autores afirmam a presença
de uma forte tensão: se as palavras não podem significar mais nada além do mesmo, SP sente
seu cavalo riderless “sem rédeas”, e sua poesia readerless “sem leitor”.
Lopes (2005) aponta o uso do “imagismo plathológico” (ver seção 1.3.2), que
permite que o eu-poético se expresse de forma alusória, ilusiva, em um imagismo interior ou
subjetivo, através do uso de alguns elementos obsessivos da obra poética plathiana, e que
constituem sua paisagem: cavalos, árvore, cortes, água, espelho, rocha e morte. O olho da
poeta funciona como uma lente de aumento ou um espelho deformante: objetos são descritos
na medida em que ajudam a iluminar e a descrever a condição emocional durante a cena do
poema. Os momentos poéticos mais altos de SP são os que ilustram tanto a totalidade quanto
o vazio do universo, e um dos exemplos mais belos é Words, em que na estrofe final, para
intensificar esse sentido se apropria intertextualmente dos versos de Shakespeare em King
Lear: “The stars above us, govern our conditions” (LOPES, 2005, p. 122).
O assunto do poema parece ser sobre o problema do fazer poético, no âmbito
lingüístico e principalmente semântico, que o caracteriza como metalingüístico. O tema é a
impossibilidade de se atingir o sentido “verdadeiro” e pleno das palavras, além do sentido
convencional, pelo eu-poético, o que representa o dilema de qualquer poeta preocupado com
essas questões, e que persiga tal objetivo. O eu-poético sugere a constatação, por si próprio,
da impossibilidade de domar as palavras formal e principalmente semanticamente, e de atingir
o seu sentido “real”. O título, Words “Palavras” sugere que o poema busca explorar seus
próprios métodos de produção, e que o sentido das palavras não pode ser totalmente atingido
pelo eu-poético, no máximo resvalado, vislumbrado. Mas, o eu-póetico não desiste dessa
busca, que é uma de suas tarefas/objetivos como poeta. Esse é seu conflito insolúvel, que
parece aceitar resignadamente. Entretanto, o reconhecimento de tal fato não impede/anula o
fazer poético, o que seria um caminho mais fácil, e a confecção do próprio poema que revela
esse conflito e o próprio sentido e razão do fazer poético.
A linguagem utiliza um vocabulário aparentemente simples e coloquial, mas o sentido
desse poema hermético articula-se com, situa-se além do sentido literal e convencional das
palavras, conectando-se, assim, ao conflito expressado pelo eu-poético. O poema é uma
77
metáfora sobre o ato de compor um poema, sobre a impossibilidade de domínio formal e
semântico das palavras e apreensão total do sentido “real” delas, fatores que, articulados,
constituem o sentido do poema. Tal sentido conecta-se aos elementos que caracterizam sua
estrutura rítmica e métrica. Construir o sentido e interpretação desse poema, seguindo essa
linha de raciocínio, implica apreender que seu sentido está intrinsecamente ligado à apreensão
de sua métrica e ritmo.
O poema distribui-se em quatro estrofes de cinco linhas, quanto às estruturas métrica e
rítmica, o ritmo é construído através de versos livres, com considerável número de
encavalgamentos, e com regras próprias, por meio de repetições de palavras, rimas internas,
rimas visuais, com ausência quase total de rima de fim de verso, e presença marcante de
assonâncias e aliterações. O ritmo é intensificado pela descrição que gera uma onomatopéia
das batidas insistentes dos machados, que cortam a madeira, e dos galopes dos cavalos
(primeira estrofe). São sugeridas, desse modo, batidas e sons repetitivos e regulares, porém os
cavalos, que representam também as palavras e seus sentidos, se desgovernam ao fim do
poema (última estrofe). A tentativa de metrificar o verso regularmente, de construí-lo com
rimas regulares, bem como controlar as palavras e seus sentidos, não é totalmente controlável.
Pois, as palavras se tornam como cavalos desgovernados e incontroláveis, cujos galopes
produzem sons de cascos incansáveis. Essas imagens metafóricas buscam expressar a
impossibilidade de controle total do eu-poético sobre o ritmo e sobre o sentido das palavras,
como também a imagem do espelho de água sobre a rocha, que cai e rola, que expressa a idéia
de movimento, instabilidade. Esse retinir incessante dos machados na madeira dura,
representado pelas aliterações e assonâncias, sugere as pancadas, a “lapidação” no material
lingüístico formal e semântico também hostil, a perseguição obcecada do poeta pela busca do
sentido “verdadeiro”, poético desses materiais. O ritmo insistente das machadadas produzidas
por um lenhador, que repercute pelo poema, sugere o poeta tentando metrificar, rimar, dar
forma a seus versos.
O poema é construído semanticamente através de uma sucessão de metáforas e
comparações metafóricas, os característicos melting-fusion e cluster de metáforas
palthianos (LOPES; MENDONÇA, 2005), que formam um mindscape (KING, 1979), que
nesse caso, emprestando um termo do vocabulário teórico musical contemporâneo, seria
também uma soundscape “paisagem sonora” metafórica, que evocam sons. Ao ilustrar a
insistência do eu-poético em lidar com as palavras, perseguir o sentido delas, que lhe escapam
onomatopaicamente, como os ecos das batidas dos machados na madeira, estas incontroláveis,
indomáveis, inatingíveis, como cavalos e seus galopes desgovernados, como a seiva, que
78
escorre como grimas, como água, que tenta restabelecer-se sobre uma rocha, que cai e rola.
E, que, de repente, se transforma em um white skull, / Eaten by weedy greens.” “Crânio
branco, / Comido por ervas daninhas.”, que parece cessar esse movimento de busca sugerido
desde o início do poema. Este é um objeto parado, passível e imóvel, que remete à morte, -
tema recorrente na poesia plathiana, que marca presença também nesse poema - e está parado
como as fixed stars“estrelas fixas” no fundo do poço dos dois versos finais, sugerindo que
a busca do eu-poético só cessa com sua morte ou com o fim do poema ou da poesia.
Imagens e metáfora relacionadas à água comuns nos poemas plathianos aparecem
nesse poema também. O sentido inatingível totalmente das palavras é comparado, num ciclo
metafórico, à seiva, transposta em lágrimas, que escorrem como água, que tenta “re-establish
“restabelecer-se” como um espelho de água sobre a rocha, que rola e caia. Há, também, a
imagem de água parada no poço, do fundo do qual as (...) fixed stars / Govern a life.(...)
estrelas fixas / Governam uma vida.”, ao fim do poema.
Essas estrelas podem ser interpretadas como as palavras e/ou o sentido “real” delas. O
eu-poético parece sugerir que, se um sentido das palavras, além do convencional, que ela
não pode conhecer inteiramente, está parado, fixo “no” bottom of the pool “fundo do
poço”. A idéia e imagem de ausência de movimento aparecem ao fim do poema contrastando
com o movimento ao longo dele, o sentido real, fora de alcance do eu-poético, está no fundo
do poço, parado. Fato selado pelo encontro por acaso, após Years“anos” com as Words
“Palavras”, que continuam dry “secas” e riderless “desgovernadas”, incansáveis,
incontroláveis, enquanto “Do fundo do poço”, o sentido delas fixado governam a life“uma
vida”, a vida do eu-poético, essa busca incessante Govern“governa” sentido a sua vida.
Aparece um tom pessoal, através do uso do pronome I“Eu”, e a expressão a life“uma
vida”, mas esse sentido pode ser entendido e estendido à busca do fazer poético de modo
geral.
Por meio de intertextualidade, segundo Lopes; Mendonça (2005), a poeta se apropria e
alude a Shakespeare em King Lear: The stars above us, govern our conditions”, para
intensificar o sentido desses versos finais. Tal sentido buscado através de movimento
incansável e incontrolável, encontra-se na ausência de movimento. O eu-poético descobre,
assim, o mecanismo de funcionamento de entendimento do sentido das palavras, e onde esse
sentido reside, embora não possa atingi-lo. Tal constatação é expressa de modo resignado e
com ar de quem, ao refletir sobre a arte poética, atingiu uma “verdade” sobre ela, não a
verdade do sentido das palavras, mas a verdade de que esse sentido não pode ser apreendido
totalmente pelo poeta humano. Os versos finais, ainda, podem ser interpretados como
79
remetendo à metafísica transcendental de Kant, que afirma que o conhecimento humano tem
limite, mas não se sabe até onde vai esse limite. O eu-poético atinge o conhecimento de que o
conhecimento humano poético do sentido das palavras tem limite, não podem ser atingidos de
modo total, sendo seu conflito buscar pelo real sentido delas, mesmo ciente desse limite. É,
também, tentadora uma ligação intertextual à frase do filósofo grego Demócrito: “Não
sabemos nada sobre a verdade, a verdade se encontra no fundo do poço”, aferições permitidas
a partir dos dois últimos versos da penúltima e dos da última estrofes:
(...)
Years later I
Encounter them on the road –
Words dry and riderless
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.
Nesse Capítulo, discorreu-se sobre a leitura poética, e sobre o contexto socio-
histórico, cultural e literário norte-americanos pós-II Guerra Mundial, para contextualizar a
época a que pertenceu SP e sua produção literária, principalmente a poética. O contexto
cultural e literário foi detalhado com o objetivo de caracterizar sua produção focalizando-se o
movimento poético em que está inserida, o Confessionalismo. Comentou-se, também, sobre
sua a vida, obra e estilo e, fez-se análise crítica-interpretativa dos seus poemas que o o
corpus dessa pesquisa. E procurou-se articular todos esses pontos nas análises interpretativa e
na das suas traduções (feita no próximo Capítulo, seção 3.4).
Considerando, também, os poemas como os objetos a serem recebidos e
percepcionados, lidos e interpretados pelos sujeitos da pesquisa. E, de que todos esses fatores
mencionados se intercomunicam e se influenciam, e se conhecidos pelo aluno-leitor podem
contribuir e/ou influir na leitura poética e na construção de sentido de um poema quando este
é lido, caracterizando-se como conhecimentos textuais e prévios.
80
CAPÍTULO 3
TRADUÇÃO E TEORIAS DA RECEPÇÃO
3.1 Introdução
Nesse Capítulo, comenta-se sobre fundamentação teórica sobre tradução e TL,
principalmente, a literária poética contemporânea (seções 3.2 e 3.3). Além do papel e
expectativas do texto, do tradutor e do leitor em relação à tradução. São feitas também
considerações sobre os tradutores e as traduções da LI para a língua portuguesa do corpus
utilizado nesse estudo (seção 3.4), para caracterizá-lo como os objetos a serem recebidos e ter
suas recepções pelos sujeitos do estudo analisadas.
Discorre-se também sobre as Teorias da Recepção e suas fundamentações teóricas. A
ênfase é sobre uma das três principais linhas de abordagens: o Reader Response-Criticism
(seções 3. 5 e 3.5.1). Tecem-se, ainda, considerações sobre o ensino de poesia de LI e, o uso e
estudo de TL no ensino superior brasileiro em sala de aula de Curso de Letras (seção 3.6).
Abordam-se esses dois assuntos teóricos de modo geral, detendo-se nos pontos
pertinentes ao objetivo da pesquisa que é a análise dos dados (ver Capítulo 4). Tendo em vista
a articulação, mas não a validação dessas teorias focalizadas com a análise, o que se justifica
dada sua base etnográfica (ver Introdução, seção 1.4).
3.2 Tradução
Parece simples dizer o que é tradução, mas a discussão sobre tradução existe muito
tempo e é ativa entre teóricos e críticos contemporâneos importantes. A impossibilidade de uma
tradução perfeita “fiel”, que preserve o sentido exato de uma língua para outra e, ao mesmo
tempo, a necessidade do uso da tradução, fazem do assunto uma questão de discussão histórica
permanente.
Vermeer (1986) aponta a tradução como necessária, devido à mudança de forma /meio
de comunicação entre os seres humanos. A comunicação lingüística social oral face-a-face ou
não se seguiu pela comunicação através do texto escrito, depois a comunicação passou a ser
transcultural, esta precisa geralmente de um intermediário para se realizar, e este é o tradutor
e/ou o intérprete, que buscam e devem transpor barreiras lingüísticas e culturais, para
transmitir uma mensagem de uma língua para outra. Atualmente, considera-se que muitas
implicações e fatores envolvidos e influentes nessa atividade complexa, não somente
81
lingüísticos, mas também históricos, políticos, ideológicos, sociais e culturais, e até pessoais,
se se considerar o tradutor, e outros participantes possíveis do processo tradutório. Atribui-se
ao tradutor uma grande responsabilidade ética em relação ao processo e ao ato tradutórios em
qualquer tipo de texto. Além de dever conhecer os aspectos gramaticais e lingüísticos da sua
língua, precisa conhecer os aspectos gramaticais, lingüísticos, culturais, entre outros, da
língua que traduz.
A tradução, principalmente a literária, é julgada pelo leitor e senso comum como um
ato “conspurcatório” ao texto original “sacrossanto” (AUBERT, 1993), ou como uma
atividade simples, “somente” transpor “completamente” uma mensagem, um conhecimento,
uma informação, transmitir um sentido, comunicar-se de uma língua para outra, bastando para
isso o conhecimento e competência lingüísticos do tradutor. Enquanto o tradutor profissional,
o teórico e o crítico sabem das dificuldades e angústias que podem ocorrer durante o processo
e o ato tradutórios, e os vários fatores textuais e extratextuais implicados em tais atividades,
que não dizem respeito somente à linguagem, mas, também, aos vários aspectos e fatores
ligados a ela.
Diante disso, traduzir poesia, considerando-a uma arte da palavra, é uma tarefa mais
exigente e complexa ainda. Para mentes tradicionais de teóricos, escritores, poetas, tradutores,
professores e alunos, o texto traduzido e a TL é vista pejorativamente, como algo que não
consegue abarcar o sentido total do texto original. Sendo considerada “boa” a tradução fiel,
que busca atingir esse objetivo, mas mesmo nesse caso, não deixa de ser vista como “um mal
necessário”. O tradutor é discriminado e tido como um profissional inferior, que por não
conseguir realizar uma tarefa mais rentável, não lhe resta outra alternativa a não ser a tradução
como “bico”. Enquanto a tradução é, de fato, um trabalho árduo e minucioso, Amorim (2005),
por exemplo, considera o tradutor também um autor do texto que traduz. E o leitor, e mais
ainda, o aluno-leitor universitário que utiliza a TL ou de outros gêneros textuais não é bem
visto.
Segundo Olher; Wielewicki (2006), tal opinião é corrente entre professores e até entre
estudantes universitários, quando se fala em uso de TL por alunos de Cursos de Letras em sala
de aula de ensino superior. A questão torna-se mais complexa, devido à fácil constatação da
prática comum de uso de TL pelos alunos, contra a vontade do professor, muitas vezes
inevitável, por questão de sobrevivência no curso. Esses estudantes, em grande número,
compartilham da opinião de que nada substitui o “texto original”, e sentem vergonha e/ou
desconforto por precisarem utilizar traduções literárias. A razão para tal opinião seria porque
tais alunos não são instruídos teorica e criticamente, pensando-se em abordagens
82
contemporâneas, em como e porque ler e/ou utilizar a TL, e quais seriam as vantagens e
desvantagens desse uso, ou seja, por não estudarem sobre o assunto. (A relação entre o aluno
de Curso de Letras e TL é discutida na seção 3.6 e no Capítulo 4).
Argumentar contra opiniões negativas em relação à TL não é muito difícil. Somente o
fato constatável de que as línguas estão constantemente em mudanças, como algo vivo e
mutável, que depende da tradução para terem seus textos literários ou não, conhecidos em
geração futuras, é suficiente. O que é conhecido como tradução intralingual, necessária para
preservar e recuperar escritos e memórias artísticas e culturais literárias, que precisam ser
revisadas e atualizadas lingüisticamente. Tal aspecto se refere a cada língua em particular, que
precisa ser traduzida, atualizada, de tempos em tempos, para preservar seu sentido para as
gerações futuras. Enquanto a tradução propriamente dita, entre línguas, proporciona o contato
com textos não literários e literários de línguas e culturas diferentes, além de conhecimentos
científicos, os quais muitos leitores só podem ter acesso através da tradução.
Tais constatações conferem à tradução uma característica funcional, utilitária e móvel,
como algo necessário e vendável, um produto, bem ao gosto da época de capitalismo tardio
contemporâneo. Dessa forma, ela se tornou um produto sob encomenda, uma operação que
envolve vários participantes: encomendador, produtor, revisor, vendedor e consumidor, entre
outros; influenciados pelo contexto socio-cultural e histórico em que se situam e por relações
de interesse e poder, tanto políticos, ideológicos e culturais quanto financeiros.
Sobre a tradução hoje, como todos os conceitos em todas as áreas do conhecimento,
ciências humanas e exatas, artes etc.; o “conceito” de tradução foi influenciado, repensado e
modificado após a II Guerra Mundial, com o advento da Pós-modernidade e, devido a
pensamentos teóricos tais como o Pós-estruturalismo, a Desconstrução, o questionamento de
verdades dogmáticas (como as metanarrativas lyotardianas), contra abordagens tradicionais
positivistas e essencialistas, e os Estudos Culturais. Sendo uma das principais características
dessas posturas questionar e/ou desmontar discursos cristalizados ou investigá-los, bem como
os suportes ideológicos que o legitimam.
Seguindo essas abordagens, a teoria e a crítica sobre a tradução, bem como a disciplina
que a estuda, os Estudos da Tradução, preocupam-se e desenvolvem discussões e estudos
voltados para essas características, com preocupações mais culturais e políticas que
lingüísticas. Para o pensamento da pós-modernidade, pós-estruturalista e desconstrutivista, a
tradução é vista como uma adaptação, ou seja, um texto permite muitas traduções diferentes,
que servem a propósitos diferentes, dependendo do objetivo, intenção, contexto socio-
histórico-cultural, bem como da ética e responsabilidade do tradutor, para ser considerada
83
satisfatória. Considerando-se, que o texto traduzido é permeado por fatores políticos,
ideológicos e culturais, que se relacionam a todos os participantes envolvidos no ato
tradutório juntamente com suas ideologias, autonomias e submissões.
Os Estudos da Tradução e/ou Ciência da Tradução elaboram a Teoria da Tradução e da
TL, todas disciplinas acadêmicas, e caracteriza-se por ser uma disciplina acadêmica
interdisciplinar emergida na década de 1990 nos EUA e Reino Unido, que contesta posições
positivistas que permearam o pensamento anterior sobre a tradução. Está inserida na Pós-
modernidade, sendo influenciada principalmente pela Desconstrução de Derrida, Estudos
Culturais e Lingüística.
A crença tradicional positivista na busca pela tradução perfeita, fiel e literal, que se
buscava e acreditava possível, além de traduzir não línguas, mas culturas:
domesticação/aculturação ou estrangeirização/transposição é questionada através de fatores
lingüísticos culturais intraduzíveis, seguindo os Estudos Culturais. O dilema tradução ou
adaptação parece se resolver em muitos casos pelo consenso entre teóricos e especialistas em
tradução, tanto não-literária quanto literária, de que toda tradução é uma adaptação e
interpretação e o ato tradutório não pode ser considerado neutro. Traduzir é interferir, inferir e
produzir significados. Sob o viés dos Estudos Culturais, a tradução é considerada um ato
cultural, político, social e histórico, o que, de fato, ela sempre foi, mas não era discutido às
claras:
A partir de uma dessacralização do “original” e dos conceitos tradicionais de autoria
e leitura, e da conseqüente aceitação de que traduzir é inevitavelmente interferir e
produzir significados, num contexto em que se começam a reavaliar as relações
tradicionalmente estabelecidas entre teoria e prática e ao abandonar a perseguição
inócua da leitura desvinculada da história e suas circunstâncias, a reflexão sobre a
tradução sai das margens dos estudos lingüísticos, literários e filosóficos que (...)
buscaram a repetição do mesmo e o algoritmo infalível da tradução perfeita e
assume um lugar de destaque no pensamento contemporâneo filiado à s-
modernidade (ARROJO, 1996 apud TREVISANI, 2007, p. 36).
A revisão da tradução consiste numa expansão dos limites do texto para o território
socio-hitórico-cultural reconhecido por manter relação estreita com o processo tradutório.
Para Pym (2005 apud TREVISANI, 2007), a valorização de fatores contextuais é uma
tendência geral que influenciou os Estudos da Tradução, principalmente proveniente dos
estudos contemporâneos de disciplinas como a Lingüística, Sociolingüística, Análise do
Discurso, Estudos Literários e Estudos Culturais. O impacto da teoria crítica do discurso,
principalmente com os estudos de Foucault, levou teóricos da tradução a considerarem texto e
contexto em termos de formações discursivas, estendendo a textualidade ao domínio social.
84
A tradução - foucaultianamente - também possui o seu discurso: o discurso tradutório,
que pode ser percebido através da análise da tradução de um texto, que pode revelar como
determinado texto foi traduzido, para que fim e a serviço de qual interesse e/ou ideologia.
Assim como não neutralidade envolvendo a linguagem e seu uso, o ato tradutório não
escapa a uma intenção, não pode ser neutro. A tradução, os recursos de interpretação e
adaptação que a envolvem, considerando-se a questão do poder e do discurso, transita pela
área da Lingüística moderna e dos Estudos Culturais, ao ser considerada como processo e ato
translingüísticos e transculturais (BAKER, 1999). Dessa forma, se apresenta como um
assunto de discussão importante no momento atual de globalização, que revê (pré) conceitos
estabelecidos e aceitos ingenua e/ou ideologicamente, ao mesmo tempo em que um
constante e necessário intercâmbio comunicativo entre culturas e, conseqüentemente, entre
línguas diferentes.
Para as abordagens desconstrucionistas, os pares dicotômicos original/tradução e
tradução/adaptação adquiriram outro sentido, sendo difícil determinar, delimitar onde começa
um e termina outro. Amorim (2005), baseado na Desconstrução de Derrida, afirma que a
adaptação, considerando-se que vários tipos de adaptação, é a única maneira de se tentar
preservar e expressar o sentido, produzindo o efeito semelhante do texto-fonte e respeitando o
“querer-dizer” do autor, e reexprimir os efeitos de sentido do texto-fonte de modo coerente.
Essa afirmativa confirma a tendência de que o conceito de fidelidade tradutória em relação ao
texto-fonte é, ainda, bastante discutido atualmente. Considera-se que a fidelidade é relativa,
como nas colocações de Venuti (2002) sobre estrangeirização e domesticação, que afirma que
se deve buscar a estrangeirização na tradução, mas ao mesmo tempo a domesticação, embora
muitas vezes evitável, é inevitável e inerente ao processo tradutório (ver seção 3.6). Quanto à
qualidade, julgar uma tradução “boa” ou “ruim” tornou-se relativo à finalidade e público a
que ela se destina, e contexto em que está inserida.
A tradução como arte, ciência, disciplina, produto, entre outras denominações que
recebe, revela-se necessária, sem dúvida, ao ser discutida por posturas teóricas e críticas
contemporâneas. Estudiosos, teóricos, críticos e filósofos pós-estruturalistas e pós-modernos
importantes dedicaram-se e, ainda, se dedicam à discussões e produções teóricas e críticas
sobre o assunto, uma vez que a palavra, a comunicação e seu sentido, são de importância
fundamental contemporaneamente, além de estar ligada às construções de discursos
foucaultianamente. E, em plena era de globalização, a tradução é fundamental como um meio
de comunicação trasnlingüístico e transcultural histórico, ligada à estruturas de poder; fato
85
reforçado em relação à tradução da LI, por ser a língua das duas potências econômicas
mundiais atuais: EUA e Inglaterra.
O filósofo alemão Walter Benjamim (2000), no ensaio “A tarefa-renúncia do tradutor”,
publicado em 1923, reflete sobre a tradução e o processo tradutório literário de modo
complexo, em tom metafísico e transcendental, apoiando seus argumentos em conhecimentos
intelectuais, filosóficos e lingüísticos para validá-los. Esse ensaio foi discutido por Derrida,
que aponta dissonância, mas, também, certa consonância entre o pensamento
desconstrucionista e o pensamento de Benjamin sobre tradução, partindo das idéias deste,
para refletir sobre tradução e Desconstrução (comentado a seguir). O mesmo ensaio, também,
foi discutido por Haroldo de Campos em relação à tradução poética (ver seção 3.3).
Benjamin contesta a teoria da tradução tradicional de sua época, tais como a
transposição de sentido literal e da forma de um texto literário, na busca pela fidelidade, de
acordo com as crenças filosóficas e da Lingüística da década de 1920, sendo o texto permeado
por palavras “mal vistas” contemporaneamente, tais como, “verdade”; “puro”;
“essencialmente” e assim por diante. Entretanto, algumas afirmações apresentam-se válidas
para os dias de hoje. Resumidamente, “a tarefa” do tradutor é tentar ser um reconciliador
“babélico” entre as línguas e os seus sentidos, visando a uma suposta “pura língua”; e sua
“renúncia” é à tradução literal, na busca, fadada ao fracasso, por o objeto de busca não existir,
pela reprodução do sentido fiel e exato do texto original na língua em que se traduz, ao invés
de busca por “recriação” desse sentido e do que ele possui de “não-comunicável”, e pelo
encontro, para Benjamin, “babélico” e metafísico dessas línguas através da tradução.
Derrida, no ensaio “Torres de babel” (2005) investe contra a postura positivista e
tradicional sobre a tradução e o tradutor, relacionando-os à Desconstrução, ao desconstruir os
pares original/tradução e autor/tradutor. Em termos gerais, considera a atividade da tradução
necessária e impossível e afirma os limites instransponíveis da tradução, que caracterizam o
ato tradutório como uma atividade complexa e árdua. Utiliza-se de algumas opiniões de
críticos e de teóricos do passado sobre o assunto, que expressam crença tradicional, positivista
e metafísica, para refutá-las e afirmar seu ponto de vista, por exemplo, o mito bíblico cristão
de Babel, entre outros e principalmente o ensaio de Benjamin citado a pouco. O texto
benjaminiano de tom mais metafísico do que binarista, em relação à linguagem, e aos
elementos relacionados à tradução e tradutor, é o ponto de partida para Derrida desenvolver
suas reflexões, sendo que a palavra “tarefa” do título, o levou a chegar a “noção” da “dívida
impagável” do autor e do tradutor para com o texto original.
86
Derrida discorre, metaforicamente, sobre o sentido das palavras e como entende esse
sentido desconstrutivamente, e afirma a impossibilidade da tradução fiel e perfeita, devido à
“dívida” que tanto o autor, quanto o tradutor teriam, e que não podem pagar. Esta “dívida”
consiste no fato de que o sentido que o autor quis expressar é impossível de ser expresso
completamente no texto; e o sentido do texto original que o tradutor quer expressar na
tradução, também, não pode ser expresso completamente sem distorção, modificação ou
prejuízo em relação ao sentido do texto traduzido. Dessa forma, o autor tem uma dívida em
relação ao sentido, que não consegue expressar, e o tradutor tem uma dívida em relação ao
sentido do autor, que não consegue atingir e expressar completamente através da leitura,
interpretação e tradução, e ambas são “impagáveis”, ambos são “eternamente endividados”.
Endividados em relação a esse sentido (embora em situações diferentes: “escritura” e
tradução) intraduzível perfeitamente, “transparência proibida”, “univocidade impossível”,
desde o momento em que estabelecem contato com o texto, seja para escrevê-lo em uma
língua (no sentido de “escritura” de Derrida) ou para traduzi-lo em outra.
Um texto, assim, “traduz e não se traduz”, o tradutor não é capaz de traduzir a intenção
do texto original por completo na sua ou em outra ngua, denominado de “intocável”; por
exemplo, o traço idiomático de cada língua. Mas, pode transmitir algo desse sentido “o
tocável”, pode renovar, interpretar o original, permitir-lhe uma “sobrevida”, entendida como
adaptação, versão, transformação, sem uma fronteira rigorosa. Derrida, em obra anterior
L’oreille de l’autre, publicada em 1982, considerou a tradução como “suplemento” do
original e o original, a priori, “devedor” em relação, ao texto e à tradução: o original solicita a
tradução como seu complemento (apud CHANUT; BONATTI, 2003, p. 87), porque a
tradução, também, é uma interpretação do original, um acrescentar e/ou modificar algo ao/do
original.
Tradução literária
Vermeer (1986) comenta sobre o dilema da TL: ou se distancia o leitor do texto de
chegada, para o qual a tradução se destina através da sua versão dita literal
(estrangeirização/transposição); ou se lhe aproxima o texto adaptando-o aos hábitos em
manutenção da forma e aproximação do efeito (domesticação/aculturação). É o objetivo, a
intenção da tradução, que determina o caminho a ser seguido pelo tradutor. Todo ato
tradutório tem e é regido por uma intenção, para qual público e/ou fim se destina. O texto de
partida não é o fator determinante, nem à fidelidade a este, mas o objetivo, a intenção, o
87
destino que se ao texto de chegada. O fator central de cada tradução é o texto de chegada.
A atenção do tradutor deve deter-se na “produção” do texto de chegada não na “reprodução”
do texto de partida.
Barzotto (2007) no artigo “A tradução literária tecendo sua própria história”,
baseando-se no referencial teórico e histórico da TL sob uma perspectiva cultural, reconstrói a
história da TL ocidental, desde suas primeiras manifestações até a contemporaneidade. E
investiga a TL contemporânea como “parceira” dos Estudos Culturais e da literatura pós-
colonial, abordando como a identidade cultural tem sido constituída e estudada pela TL.
Considera-se que a tradução da literatura iniciou-se sem interdisciplinaridade a par
com a assimilação e incorporação dos valores culturais hegemônicos de cada época. Os
primeiros vestígios datam do século IX, em que a tradução era feita em mosteiros medievais
europeus com o intuito de copiar autores gregos, pelo uso do latim; e autores latinos eram
traduzidos para o latim vulgar. Dessa forma, formou-se a base da literatura medieval, em que
o maior modelo de inspiração foi a antigüidade grega clássica. A história da TL ocidental
mostra que o objetivo da TL sempre teve implicações políticas, lingüístico-culturais e
ideológicas de acordo com a ideologia e interesses, além dos literários de cada nação e época.
Ora se tentava preservar ou domesticar/aculturar sentido e forma, ou ora o sentido, ou ora a
forma em detrimentos de tais interesses.
Nietzsche (2000) tratou da questão da TL e o interesse político, que envolve essa
atividade, discutida contemporaneamente pelos Estudos Culturais, ao afirmar que, o senso
histórico de uma época pode ser avaliado pelo modo como nela são realizadas as traduções e
pelo modo como se incorporam o passado e os livros. Segundo o filósofo, os franceses se
apropriaram da antigüidade romana; enquanto, esta, de modo violento, atualizou e adaptou a
seus interesses “tudo de bom e elevado” (NIETZSCHE, 2000, p. 181) da antigüidade grega,
substituindo o passado grego pelo tempo contemporâneo e romano. Renovaram o antigo se
inserindo nele, não o preservaram, mas o distorceram através da tradução. A antigüidade
romana desvirtuou as obras da antigüidade grega para servir a propósitos políticos e culturais,
para consolidar o império e a língua romanos, ligando, assim, interesse político e tradução.
Nessa época se conquistava quando se traduzia, e a tradução não somente deixava de lado o
que era histórico, mas também costumava incluir insinuação à atualidade, substituir o nome
de um poeta grego por um romano, por exemplo, não entendendo isto como roubo, mas em
nome da consolidação do império romano.
Nietzsche observou, também, que o que de mais difícil para se traduzir de uma
língua para outra “é o tempo do seu estilo” (p. 183). Em outras palavras, a atmosfera da época
88
histórica particular em que um texto foi produzido, os traços culturais e modos de se expressar
peculiar de cada língua, de cada cultura, e cada época, porque essas características mudam
com o passar o tempo. Muitas vezes, não é possível traduzir características culturais de uma
língua para outra, ou seja, o idiomático, o traço intraduzível da língua apontado por Derrida
(2005).
A tendência contemporânea é de que a voz do tradutor seja ouvida e seu trabalho
evidenciado. Os estudos sempre privilegiaram a tradução da poesia, mas a atenção aos outros
gêneros literários vem aumentando, e a teoria vem se aprofundando mais nesse espaço. Além
disso, a característica socioantropológica está fortemente aliada à TL após a
institucionalização dos Estudos Culturais na Inglaterra, sendo a partir de então, possível
expandir, investigar e questionar o valor da TL, enquanto formadora de pensamento crítico de
uma nação e de seus sujeitos.
Os Estudos da Tradução e os Estudos Literários negligenciaram por muito tempo o
papel e importância da TL. A tradução pode ser considerada como um palimpsesto, pois cada
vez que o texto é traduzido, uma “nova” leitura e interpretação passam a ser feitas e, assim,
uma “nova” tradução, quanto mais se traduz mais idéias podem surgir e ser acrescentadas. O
texto literário assemelha-se, então, ao palimpsesto, a cada nova versão acrescenta-se uma
nova e revela-se o que foi traduzido nas versões anteriores, em uma espécie de revisita
constante da mesma obra. É utópico pensar que o autor do texto original pode ser resgatado de
forma íntegra, porque a interpretação que se faz dele é individual e produto da mente do
leitor-tradutor, afastada temporal e culturalmente do autor. O autor é o que se pensa ou o que
se quer que ele seja, mas isso não garante que o conceito sobre esse autor seja verdadeiro. A
leitura e/ou tradução expressa uma visão diferente da do leitor, pessoal do tradutor em relação
ao autor e de suas atenções, levando em conta a história e conhecimento de cada um.
Venuti (2002) menciona que o inglês é a língua mais traduzida atualmente, mas para a
qual menos se traduz. Além do aspecto da heterogeneidade do texto traduzido, o fato de um
texto partir de sua cultura e chegar a outra, resulta na impossibilidade de sua homogeneidade,
sendo tal processo de constante e diferente variação e contato. A tradução deve conservar o
caráter estrangeiro do texto que é estrangeiro, liberando o “resíduo” sem afetar a originalidade
da tradução. O resíduo” seria resquícios da língua “dominada” presentes na língua
“dominadora”, visto que, qualquer uso da língua expressa uma relação de poder que acaba por
desvelar esse procedimento. Como o “resíduo” é liberado em uma tradução e é legível, a
participação do leitor é interrompida só momentaneamente (ver seção 3.6).
89
A heterogeneidade e a estrangeirização da TL podem acusar estranheza diante de sua
leitura, que é um desafio e empreendedorismo da atividade do leitor enquanto agente cultural
e social, pois tem a oportunidade de se aperfeiçoar intelectualmente. O traduzir e a tradução
devem ser existentes de forma visível, o leitor deve poder perceber que se trata de uma
tradução e não da obra original.
A partir dos conceitos de sujeitos híbridos (HALL, 2004) foram se desenvolvendo os
estudos da TL na pós-modernidade, que vêm conquistando um espaço de trabalho, discussão e
propagação para a literatura e para outras artes globalmente. Visto que, muitas nações se
formaram e se propagaram pelos estudos de textos traduzidos até atingirem autonomia da sua
língua oficial e das outras áreas da ciência em idioma particular. A TL é fundamental para a
propagação do conhecimento literário em nível mundial, fator mais singular na era da
globalização, em que a TL continua a tecer sua própria história como campo e fonte de
conhecimento e informação, que serve como interface à nacionalidades, etnias e saberes
diversos.
3. 3 Tradução poética: a possibilidade do impossível?
O texto literário atinge, geralmente, o ponto mais alto de complexidade na poesia,
devido, principalmente, à ambigüidade inerente à linguagem poética, entre outros fatores. Tal
aspecto influi na tradução poética, devido à impossibilidade de tradução exata do sentido
semântico, como figuras de linguagem e expressões idiomáticas, por exemplo; e dos rios
elementos técnicos poéticos nos planos sintático, lexical, sonoro e da forma, tais como o
ritmo, rimas, cadência melódica de cada ngua etc., sendo esses elementos, comumente,
fundamentais para a leitura e construção de sentido de um poema (aspectos comentados no
Capítulo 2, seção 2.2). Diante da complexidade do fazer poético, do poema considerado como
resultado de uma manifestação cultural e artística-literária lingüísticas e um objeto
estético/artístico textual, muito se indaga e discute entre teóricos e críticos e entre os próprios
tradutores sobre como traduzir sem distorcer o sentido sugerido pelo texto-fonte? Qual
sentido sugerir? Como preservar a poesia do poema de uma língua para outra? Isso é
possível? Quem senão um poeta-tradutor para tentar captar essas sutilezas? Há um certo
consenso contemporâneo de acordo com abordagens pós-estruturais e pós-modernas, que
considera a tradução poética como uma versão, que tenta e procura preservar o sentido do
poema do texto-fonte, mas não como uma transposição exata do sentido e dos elementos
poéticos de uma língua para outra, já que isso não é possível.
90
Os signos lingüísticos possuem uma articulação regida por normas particulares a
cada idioma, e cada língua possui uma cadência melódica própria. Desse modo, os elementos
sonoros inerentes aos signos lingüísticos apresentam valor semântico, estrutural e contextual
no texto poético de cada língua; e dimensões estéticas. Os fonemas não são meros elementos
formadores dos signos lingüísticos, mas possuem valor intrínseco no contexto do poema.
Como a poesia apresenta, comumente, linguagem com grau máximo de ambigüidade, além do
impasse do sentido semântico ambíguo relacionado ao léxico e à sintaxe; há, também, o
sentido ambíguo que emana do ritmo e da forma, aspectos que, fatalmente, se perdem e/ou se
transformam em diferentes graus na tradução poética. Ao procurar-se manter o sentido
“original”, provavelmente, altera-se a camada sonora que, também, contribui para a
construção desse sentido e vice-versa. Para a maioria dos teóricos, a tentativa de preservação
do sentido é a alternativa mais coerente, considerando-se que a perda do “sentido original”,
que pode ser adequado ou transformado para a língua traduzida, durante o processo de
transposição de uma língua para outra é incontestável, que ritmo e forma são elementos
geralmente indissociáveis do sentido de um poema. Portanto, consensualmente, considera-se a
tradução poética uma versão e não uma transposição fiel de sentido, ritmo e forma de uma
língua para outra (CARDOSO, 1991).
Deduz-se, então, que traduzir poesia não é uma tarefa fácil, e a qualidade do resultado
do processo tradutório depende principalmente do tradutor. Costuma-se dizer que os melhores
tradutores de poesia são os poetas, porque se pressupõe que tenham maior aptidão para captar
estados e sutilezas poéticos no texto-fonte na busca de seu correlato na língua de chegada.
Mas, sob um ponto de vista tradicional, que preza pela fidelidade, ou seja, tradução “boa” é
tradução “fiel” ao sentido e forma; a poesia é intraduzível porque seu sentido demanda
apreensão de estados e sensações nem sempre facilmente tangíveis e expressáveis por escrito,
nem mesmo pela própria composição poética, pela leitura e interpretação e muito menos pela
tradução. É consenso entre teóricos e especialistas em tradutologia afirmar a impossibilidade
da tradução fiel à obra original, devido à dificuldade do processo, mesmo em textos
científicos e ainda mais em textos literários, o que remete ao famoso clichê/trocadilho de
origem italiana de “trad(i)dutor”. Nestes últimos, a questão da interpretação é um fator muito
importante e principalmente em poesia: o grau máximo de dificuldade do processo tradutório,
uma vez que a linguagem poética apresenta grande ambigüidade, além de desvio de
linguagem, e de seu sentido de uso convencional pragmático ou rearticulação deste (ver
Capítulo 2, seção 2.2).
91
Vizioli (1991) enumera três questões fundamentais para um tradutor competente de
poesia: 1) Domínio dos dois idiomas envolvidos no processo tradutório; 2) Gosto pela poesia
e conhecimento de elementos e estruturas poéticas; 3) Conhecer o poeta a ser traduzido.
Cardoso (1991) enumera quatro itens similares: 1) Profundo conhecedor da sua língua e da
que traduz, bem como das características culturais peculiares a esta, ou seja, domínio dos dois
idiomas envolvidos no processo tradutório; 2) Conhecimento sobre teoria poética; 3)
Habilidade no manejo dos recursos comuns (elementos) em linguagem literária; 4)
Capacidade criativa e sensibilidade artística.
Assim como Vizioli, Cardoso, também, ressalta a poesia como arte literária, ao falar
de tradução poética. Em sua opinião, é preciso ser artista da palavra para traduzir poemas,
pois realizar tal tarefa é recriar, esteticamente, um texto, adaptar, remetendo suas colocações
às idéias sobre tradução poética de Campos (1991) (comentadas a seguir). Mas, para Cardoso,
a tradução poética sempre perde para o original; enquanto que para Vizioli, o contrário é
possível, isto é, pode ocorrer que traduções de poemas sejam melhores ou superem os
originais, devido a uma série de fatores e ações realizadas pelo tradutor. Na literatura,
especialmente na linguagem verbal poética, a ngua se transforma em material estético, além
de resguardar ou subverter seu valor pragmático, sofre um tratamento especial em todos os
seus níveis e os elementos adquirem valor particular, sendo passíveis de serem tratados
esteticamente. Nas outras formas literárias (romance, deram etc.), usualmente, a trama assume
uma importância maior do que os outros elementos da composição, e a tradução encontra
barreiras mais facilmente transponíveis, do que as que oferece a poesia. Por exemplo, na
poesia “a orquestração do texto” possui dimensão estética, é fundamental e intraduzível, como
a camada sonora, ou seja, a organização métrico-rítmica do verso, as rimas, os ecos,
repetições, paralelismo de construções, jogos fônicos etc.
Como já dito, para posturas contemporâneas não tradicionais, pós-estruturalistas e pós-
modernas, a tradução fiel é impossível, não há como preservar o sentido exato de uma
mensagem de uma língua para outra, e a tradução é considerada uma adaptação. E seu valor e
funcionalidade são relativos à intenção, aos objetivos e ao público que pretende atingir ou
servir etc. A seguir, são apresentadas alternativas que poetas-tradutores defendem e discutem
para a realização da tarefa, na opinião deles, possível da tradução poética.
Chanut e Bonatti nos artigos “Poesia e tradução” e “Tradução como interpretação ou
compreensão intersubjetiva” (2003), refletem sobre a relação que aproxima o texto poético
original e traduzido, apoiando-se em algumas concepções poéticas e teorias contemporâneas,
92
com ênfase para a psicanálise, que tratam da implicação e da “presença” do leitor-tradutor na
produção do “novo” texto traduzido.
O autor de texto original, primeiro seria o leitor de si mesmo e, depois, reescreve o
próprio texto. O tradutor praticaria o mesmo processo de reescritura, diferenciando-se na
questão de que o texto original é do outro, está escrito em outra língua e é para ele, “estranho-
estrangeiro”. A leitura de si mesmo ou do outro (estrangeiro ou não) seria a mesma, se
existissem sentidos e significados unívocos, estáveis e iguais para todos, em todas as épocas.
Mas, como cada ser é um e mutante, e a língua de cada qual representa o que cada qual é
inserido em sua cultura; leituras de um mesmo texto diferem em construção de sentido,
devido a esses e outros fatores. Dessa forma, pode-se perguntar, como se e se traduz o
outro, e se o que é traduzido é um ato de interpretação ou de compreensão? De apreensão de
sentidos ou de formas?
Não consenso sobre o que ocorre na mente do leitor no ato da leitura (ver seções 3.5
e 3.5.1). Uma linha da hermenêutica moderna considera esse ato uma “compreensão” do
texto, e a psicanálise “interpretação”. Uma visão de mundo não existe isoladamente, não se
expressa em uma voz individual, ela se forma de leituras de outras visões:
(...) as teorias da compreensão postulam que o sentido de suas “expressões” é
acessível ao sujeito mediante um movimento hermenêutico de autocompreensão. As
da interpretação postulam que o sujeito, de um certo modo, não tem acesso enquanto
tal a uma tal compreensão. É todo o conflito da psicanálise e da fenomenologia tal
como está manifestado em Merleau-Ponty e Ricoeur (BERMAN, 2002 apud
CHANUT; BONATTI, 2003, p. 88).
Sendo a realidade considerada contemporaneamente como uma construção subjetiva e
intersubjetiva que, depende da ação dos sentidos e da mente, antes de tudo inseridos em um
contexto socio-histórico que influencia essas ações e sentidos atribuídos a ela. As coisas não
são somente o que aparentam, nada (ou quase nada) é estático, permanente, igual a si mesmo,
tudo tende a se alterar, se transformar, e o mundo não é mais pensado como uma evolução
linear e teleológica.
A arte e seu mundo refletem tal mutação, dessa forma, em relação à poesia e ao poeta
que, ao criar uma nova lógica estrutural do texto diferente da lógica estrutural do texto
padronizada pela gramática convencional, embora parta desta, propõe uma nova visão de
mundo contrária ao convencional e ao bom-senso comum. Por isso, uma das características da
arte contemporânea é considerar o objeto estético artístico em sua “dimensão do provisório”
(CAMPOS, 1969 apud Id. Ibid., p. 89). Tal qualidade distintiva resulta do questionamento
93
filosófico pós-moderno que abalou a idéia da clássica e tradicional obra terminada e da
“estabilidade perfeita e paradigmal dos objetos eternos”, em detrimento da obra aberta e
provisória que se abre a vários sentidos e requer participação ativa e crítica do receptor.
Campos afirma que, tal relativismo não renega os valores permanentes e atemporais da obra
de arte, citando Max Bense: “a qualidade estética nada tem a ver com a fugacidade ou a
eternidade do objeto estático” (CAMPOS, 1969 apud Id. Ibid., p. 89). Tanto o “se-fazer” da
obra, quanto a própria abordagem do objeto artístico ocorrem em meio à instabilidade
identitária, coletiva ou individual, que não anula, mas relativiza seu valor.
Jakobson descreveu as principais funções da linguagem, apontando a função poética
como dominante no espaço do poema, apontando o que a distingue das comunicações verbais
não-poéticas. Valéry argumentou que a linguagem poética contém recursos emotivos
misturados as suas propriedades práticas e significativas. Cabe ao poeta enfatizar e acionar as
potencialidades das palavras quanto a esses recursos, a fim de liberá-las dos elementos que a
tornam convencional na linguagem pragmática. É, também, devido ao ritmo que cria e que a
sustenta que essa palavra recriada volta a ser “poética”, independentemente de apontar um
sentido definido pelos dicionários e considerado correto pelas normas. Nesse espaço de ficção
e recriação, Campos (1969 apud Id. Ibid., p. 89) comenta: “não afirmação ou negação de
nada, nem de verdade alguma”. O poeta busca elaborar efeitos que se configuram na
materialidade da linguagem; e “não importa se a emoção que se instala é real ou
imaginada”. Desse modo, a crítica literária contemporânea incorporou a lingüística, que
possibilitou uma análise mais objetiva para descrever o modus operandi na elaboração da obra
literária artística, e do texto traduzido.
Quanto à Teoria da Tradução, costuma-se atribuir-lhe como matriz a hermenêutica
moderna. Esta remonta à obra de Gadamer: Verdade e todo (1998 apud Id. Ibid.), que
provocou uma mudança radical nos rumos do entendimento da palavra “compreender”.
Resumidamente, a sua perspectiva hermenêutica apontou os limites da metafísica clássica,
enquanto hermenêutica do sentido, fundamentada em valores absolutos, ao defender uma
consciência histórica, pela qual a razão é recuperada na historicidade do sentido. A leitura
de um texto se faz segundo a perspectiva histórica - chamado horizonte hermenêutico -
porque depende do contexto atual de quem e, nesse sentido, reelabora um conceito de
verdade para si, em seu tempo. A “verdade” corresponderia à totalidade da experiência
hermenêutica que “acontece” no momento em que o leitor, vinculado à tradição histórica, ao
mesmo tempo em que é herdeiro dela, pode interpretá-la como um ser inserido num contexto
atualizado, é a onipresença da interpretação. Para Gadamer, o que é (o ser) o pode ser
94
compreendido em sua totalidade; há sempre um “além” daquilo que a linguagem expressa. Os
mestres da hermenêutica moderna, Nietzsche e Heidegger, haviam afirmado que não
objetividade nem, portanto, verdade absoluta ou definitiva no jogo dialógico, mas apenas
pontos de vista, opiniões. E Freud postulou que a verdade é uma interpretação que ocorre
somente no diálogo intersubjetivo.
Dessa forma, a relação desse “além” de Gadamer com a poesia e a tradução, enquanto
atos de escritura, leva a considerar que, quando se traduz, não se aprende, mas se apreende
o sentido da língua e do texto estrangeiros e os surpreende em seu mecanismo, em sua
gênese. Interpretar não o sentido do texto literário, o que é surpreendido pelo tradutor em seu
trabalho refere-se a uma forma que se desfaz e se refaz, não interpretação no sentido de
explicação do texto, porque o significado, supostamente apreendido foi novamente codificado
na ngua poética do tradutor. Sua escrita não é apenas “ato de compreensão” do outro para
comunicar. Os laços estabelecidos entre poeta e tradutor configuram relações mais complexas,
se considerar-se que o “espírito poético” que possibilita uma compreensão do “outro
estranho” enfrenta a problemática da relação com a língua estrangeira:
[...] Afirmar que a tradução é uma interpretação, um ato de “compreensão”, etc. é
uma evidência enganosa. O fato de haver interpretação em toda tradução não
significa que toda tradução seja apenas interpretação ou se baseia essencialmente na
interpretação. A relação com a obra e a língua estrangeiras que se trava na tradução
é sui generis, pode ser compreendida a partir de si mesma. A interpretação visa
sempre um sentido. Ora, a tradução depende tão pouco de uma captação total de
sentido que, afinal de contas, é preciso sempre traduzir textos e línguas que não se
“compreende” totalmente. O ato de traduzir produz seu próprio modo de
compreensão da língua e do texto estrangeiros, que é diferente de uma compreensão
hemermêutico-crítica (BERMAN, 2002 apud Id. Ibid., p. 91, grifos do autor).
O trabalho de tradução começa na mesma língua recorrendo à combinação não
apenas dos seus elementos estruturais, das suas mais íntimas engrenagens, mas às permutas
com elementos vindos do sujeito que criou o texto. Lembranças, leituras, impressões do
sujeito alteram a palavra nesse percurso que vai de sua existência convencional e pragmática
ao emprego único e combinação inédita. E o tradutor, segundo manipulador dessa palavra
modificada, acrescenta novos aspectos diferenciadores: primeiramente, a sua ngua outra,
estrangeira; em seguida, as “suas escolhas” revelando nas entrelinhas as “singularidades” do
sujeito que (se) (re) escreve (FROTA, 2000 apud Id. Ibid., p. 91).
Fala-se aqui de uma interpretação de signos-significantes, dos elementos formais -
Campos fala em materialidade, fisicalidade, iconicidade do signo estético -, porém atento à
introdução do sujeito, que interfere e altera a escolha desses significantes. Isso significa
lacanianamente, poder reafirmar esse ato de reescritura como um “novo texto” que encerra
95
um novo simulacro na medida em que aquilo que a linguagem materializa e simboliza não
deixa entrever o real (inapreensível) do desejo inconsciente, pois este estará sempre sob as
palavras. A consciência da impossibilidade de um sentido absoluto é o que legitima a
tradução, apontando o trabalho com o “jogo de significantes” (BERMAN, 1985 apud Id. Ibid.,
p. 92), como a estratégia possível de leitura do texto poético, na leitura sui generis, que é a
tradução.
Dessa forma, uma abordagem baseada apenas na hermenêutica, lingüística ou filosofia
não explica o evento poético, nem a tradução poética. Tanto no processo intralingüístico
(produção literária), quanto no interligüístico (tradução), deve-se considerar o que está “além”
da materialidade textual. A proposta psicanalítica permite que o escritor ou o tradutor
observem, por exemplo, em que nível suas escolhas lingüísticas operam; no caso do tradutor,
como os “desejos inconscientes” podem alterar sua “percepção” do texto original ou
determinar a forma do texto traduzido: Qual é o tradutor que conhece sua tradução?” (p.
91).
Foram sempre criticados na história da tradução os “contra-sensos”, os absurdos e
disparates praticados pelo tradutor, julgado e condenado como traidor. Chanut e Bonatti
(2003) se perguntam, se estes deslizes são praticados conscientemente ou não, se toda
subversão lingüística é prevista e calculada pelo poeta ou, como diz a psicanálise, se a
linguagem sempre conserva as marcas do desejo inconsciente. Será que o tradutor está sempre
consciente de suas escolhas e possui controle total sobre o texto que reescreve? Tais
questionamentos levam a investigar e afirmar que o poeta-tradutor pode buscar um modo de
compreensão que vai além de uma interpretação dos sentidos das palavras.
O tradutor pode marcar sua presença de autor e de poeta na tradução. Robin (1986
apud Id. Ibid.), poeta e tradutor bretão falecido na década de 1960, afirma que o tradutor tem
o dever de praticar os mesmo atos que o poeta quando traduz, ou seja, de praticar o seu
próprio “contra-senso”, mas em função do modo como o fez o poeta anteriormente. Sendo
o “tom” tão importante, o tradutor tem o direito de mudá-lo, mas com respeito ao tom
original, embora uma palavra, sobretudo a poética, nunca seja a mesma quando repetida. O
dilema, então, é: como repetir o mesmo quando se trata sempre de um outro, em outra língua,
às vezes, em outro tempo ?
Tal “mudança” que o tradutor pode operar em sua língua visando “restituir a rudeza do
texto do outro” não se realiza sem traumas, “ele a violenta, o violenta” (p. 95). Uma
“mudança” no tom original não significa necessariamente uma ruptura radical, e reside o
perigo máximo da tradução: o trabalho sobre a letra, como a busca de “achados engenhosos”,
96
pode levar a um abuso de ornamentações, sobrecarregando o fluir poético característico da
língua e trair o princípio de literalidade. O sentido de mudança afirma que é ilusório pretender
apagar a voz do tradutor, querer evitar a sua interferência, e de sua língua no texto que
reescreve, ao mesmo tempo, a consciência de que a liberdade do tradutor não é compatível
àquela do criador. Segundo Robin, deve-se respeitar o “milagre poético alheio” (apud Id.
Ibid., p. 95). Quando o tradutor consegue reavivar a voz do outro por meio de suas recriações,
consegue uma “literalidade libertária”, ou seja, atém-se ao original, ao mesmo tempo em que
o metamorfoseia, traz elementos novos para a sua língua, enriquecendo-a e libertando-a de
suas injunções, o que seria como que uma união de vozes ou voz individual ao mesmo tempo.
A tradução poética não deve caracterizar-se como uma pretensa atitude servil, que se
limita a uma transposição semântica estrita, nem a uma adequação à morfossintaxe da
estrutura gramatical. Ao contrário, revela respeito ao outro buscando ser fiel à forma, rima, ao
ritmo e às invenções lexicais dos originais; todavia, ao transformar sua própria língua, impõe
sua própria criação. Seguindo Robin, Chanut e Bonatti concluem que a chave do trabalho
poético do tradutor de poemas é surpreender a sua língua, buscando nos idiomas o “lugar
geométrico” que une e liberta as formas esparsas em todas as línguas (p. 96). Tais afirmações
remetem à opinião de Campos (1991) sobre tradução, que é bem mais minuciosa e complexa.
No ensaio “Tradução e reconfiguração do imaginário: o tradutor como transfingidor”
(1991), Campos propõe uma saída para a tradução poética: “a tradução criativa”. Equaciona a
teoria da tradução do lingüista Roman Jakobson com a de Benjamin (2000), pertencente ao
artigo benjaminiano “A tarefa-renúncia do tradutor” (comentado na seção 3.2), baseado
teoricamente em poesia, semiótica e na teoria do efeito estético de Wolfgang Iser. Afirma que
a teoria jakobsoniana está para a benjaminiana, como sica da tradução para a sua metafísica;
e conclui que, se o poeta é um fingidor (Fernando Pessoa), o tradutor é um “transfingidor”.
Para elaborar e operacionalizar uma física para a metafísica da tradução benjaminiana,
Campos, também, se baseia nos “jogos” iserianos dos “fatores intertextuais” (de estrutura
interna ou imanente do texto) (ISER, 1961; 1979 apud CAMPOS, 1991).
Inicialmente, reinterpreta o conceito de “língua pura” (p.18-19) de Benjamin do traduzir
(inspirado na cabala e hermenêutica bíblica, por exemplo) com a noção de Jakobson de
“função poética”. Esta, em sua opinião, central para a compreensão da atividade tradutória
poética e de textos similares; distinta da tradução de mensagem textual de sentido
comunicativo referencial.
Repensa a “língua pura” em termos laicos sem aura” de restituição messiânica, como
se fosse um “lugar semiótico”: espaço operatório da tradução em poesia. Interpreta a tarefa
97
do tradutor benjaminiano como sendo liberar na própria língua a “língua pura” exilada na
estrangeira; libertar na transpoetização a língua que estava cativa na obra. Tal tarefa “sálvica”
é vista como exercício metalingüístico aplicado ao original, que nele desvela o “modo de
representação” ou de “encenação” da “função poética” de Jakobson: que promove a “auto-
referencialidade”, a “materialidade dos signos lingüísticos”. O tradutor “desbabeliza” o
stratum semiótico da língua interiorizado no poema, procedendo como se esse “intracódigo”
de “formas significantes” fosse intencional ou tendencionalmente comum ao original e ao
texto resultante da tradução. “Desconstrói” o original num primeiro momento metalingüístico,
e constrói, paraformicamente, ao original sua “transcriação”: a tradução. Benjamin rejeita a
tradução literal em detrimento da “figuração”, para caracterizar a operação tradutória. Ao
invés de assemelhamento superficial ao “sentido” do original, a “parafiguração” do modo
de “significar” desse original relacionada à idéia de afinidade”. A tradução opera, devido a
uma deslocação reconfigurada, uma reconvergência projetada das divergências, ao
“extraditar” o “intracódigo” de uma para outra língua, em “uma perseguição harmonizadora
de um mesmo telos”.
A tradução, então: a) responderia a sua vocação “para a expressão da mais íntima
relação recíproca entre as línguas”; b) corresponderia ao “grande motivo que domina seu
trabalho”: “uma integração das muitas línguas naquela única, verdadeira”; c) permitiria acenar
para o “reino predestinado e negado da culminação reconciliada e plena das línguas”. Numa
abordagem laica, essa operação é “provisória”, e Benjamin admite que, restringida ao fazer
humano “toda tradução é um modo provisório de discutir com a estranheza das línguas”. Esse
provisório é “histórico”, e substitui o “fim messiânico” dos tempos da teoria benjaminiana do
traduzir pelo câmbio e fusão de horizontes, e caracteriza como uma marca d’água acidentada
todo processo de tradução.
Benjamim nega o caráter “comunicativo” da obra de arte e a consideração ao receptor
desta, seja de qualquer tipo. Pré-marxistamente, sua “discussão teórico-estética” pressupõe a
existência e a essência do homem em geral, porque, em sua opinião, a arte toma como
pressuposição “a essência corpórea e espiritual do homem”, nunca sua atenção”. A partir
dessas afirmações, Benjamin destaca as “características da “má tradução”, que Campos
entende como dirigidas à poesia também: 1) a inessencialidade: preocupação com o conteúdo
comunicativo; 2) a inexatidão: inapreensão do que está além da transmissão do conteúdo do
original: a “língua pura” nele aprisionada. Sendo assim, a tradução” é uma
transmissão inexata de um conteúdo inessencial”.
98
Benjamim inverte o propósito tradicional de “restituir sentido”, suspendendo a
consideração do “conteúdo” de sua transmissão, comunicação ou recepção. Contra a tradução
servil, nega que o objetivo da tradução, como o da obra, seja servir o leitor. Atribui ao original
a tarefa de “preconfigurar”, de ordenar o conteúdo, para desonerar o tradutor desse encargo,
que deve se concentrar na sua tarefa: atestar a afinidade entre as línguas. Tal afinidade não é
necessariamente histórica ou etimológica, e se projeta no plano da intencionalidade oculta, o
que a faz tender para a reconciliação na plenitude da “língua pura”.
Para Campos, nessa suspensão do valor de comunicação e de concepção da obra de
arte e da tradução algo de tático. Benjamin estabelece como essencial para a tradução de
poesia o “resíduo não comunicável”, “cerne” original “intangível” após ter extraído seu teor
comunicativo. Dito de outro modo, estabelece como tarefa do tradutor a “redoação” em sua
língua, não do sentido superficial, mas das “formas significantes” cativas nas obras como
“germes da língua pura”, sob o peso desse sentido denotativo que lhes é alheio.
Segundo Campos, Benjamin não considera pertinente a noção de um receptor de
qualquer espécie para a discussão teórica estética e para a arte, apenas pressupõe a existência
e a essência humanas. Entretanto, a recepção foi tratada por ele por outro lado, que parece
mais interessado num público determinado. Como também Jauss objeta o aspecto
“determinista” da sociologia da literatura de Escarpit, para quem toda compreensão ulterior da
obra, toda nova concretização de sentido, para além do seu público socialmente definido, é
estranho à realidade dela, um “eco deformado”. A recepção junto a esse “primeiro público”
que, para Benjamin, seria o público do tempo histórico da criação da obra, não é pertinente,
tal como a referência de um receptor ideal. Pois, o fato de a obra encontrar ou não um leitor,
ou um tradutor, que corresponda a sua demanda, não impede que a “traduzibilidade” dela seja
vista como algo inerente. O pré-requisito para uma tradução plena, que corresponda “à
essência de sua forma”, está “no valor e no vigor” da linguagem do original; quanto menor for
o teor de comunicação desta, maior o grau de sua elaboração, “mais ela permanecerá
traduzível, ainda que no mais fugidio contato com o seu sentido”.
Benjamin confere importância à tradução em relação à duração da obra, a sua
“sobrevida”, onde se reintroduz a dimensão da história. A tradução é posterior à obra e
responsável por sua sobrevida. Proclama como “tarefa” do filósofo “entender toda a vida
natural, inclusive da vida da obra, como algo a ser encarada “da perspectiva mais ampla da
história”. É o desdobrar do original na recepção das gerações sucessivas, a “era da sua fama”,
o fator que promove a tradução e nela se expande. Tal desenrolar é visto idealisticamente,
sempre renovado e “fundamentalmente eterno”. No entanto, as idéias de câmbio e
99
transformação estão muito presentes nessa historicização da “sobrevida” da obra: em seu
perviver o original se altera, pois perviver implica a mudança e a renovação do que é vivo. Há
uma mudança, inclusive, das palavras que a escrita fixa; o que, no tempo de um autor, pode
ter sido tendência de sua ou da própria linguagem poética, mais tarde pode exaurir-se; outras
podem atualizar-se; o que foi novo pode torna-se gasto; o corrente, arcaico. Benjamin credita
tal processo de mudança não ao câmbio de horizonte dos receptores (o que designa por
“subjetividade das gerações sucessivas”, indagação que lhe parece padecer do “mais cru
psicologismo’), mas sim a uma objetivação orgânica “essencial” da própria “vida da
linguagem” (traço de idealismo ontologizante). A ênfase na inevitabilidade da mudança e da
transformação aponta para a sua ulterior teoria da “história como construção”, tese contida em
seu último escrito de 1940. Em 1931, Benjamin (1978 apud Id. Ibid., p. 21-22) elaborou o
conceito de literatura como a história abrangente do ciclo da vida e do efeito das obras que
têm o mesmo ou, ainda, maior direito de ser considerada do que a história de sua gênese.
Compreende-se o destino delas, a sua recepção de parte dos contemporâneos, suas traduções,
sua fama. As obras assumem internamente a configuração de um microcosmo, não se trata de
apresentá-las no contexto de seu tempo, mas de representar, no tempo em que surgiram, o
tempo que as conhece. A literatura, assim, se transforma num órganon da história”, e a
tarefa da história literária é operar essa transformação, não fazer da literatura o campo
material da historiografia.
Daí a relevância prospectiva, para a relação dialética entre tradução (como forma de
recepção) e tradição: “Longe de ser a ensurdecida equação entre duas línguas mortas, a
tradução, entre todas as formas, é aquela exatamente a qual mais concerne assinalar o pós-
amadurar da palavra estrangeira, as dores de gestação da palavra” (p. 22). A tradução da
tradição vista como “estranhamento” e como maiêutica. Por um lado, pode-se ver
sugestões para uma “poética sincrônica”, a culminar numa “História Estrutural da Literatura”
como a vislumbrada por Jakobson (1960 apud Id. Ibid., p. 22-23): “A escolha de clássicos e
sua reinterpretação à luz de uma nova tendência é um dos problemas essenciais dos estudos
literários sincrônicos”. Por outro, a questão da literatura como órganon da história” pode ser
repensada no sentido da quinta tese jaussiana para uma “teoria da recepção estética”, que
buscando dar uma dimensão histórica à teoria descritiva imanentista, pergunta pelos fatores
históricos que fazem a novidade de um fenômeno literário.
Campos cita o estruturalista tcheco Vodicka (1941), em “História da repercussão (ou do
eco) das obras literárias”, onde se pode encontrar um critério para reformular em termos
laicos, o teologema do “sacro evoluir das línguas”; mediante o qual Benjamin procurava
100
distinguir entre “essência” (“à vida mais íntima da linguagem e de sua obras”) e “motivo
exterior” (“a subjetividade das gerações sucessivas”) nas transformações de “tom” e de
“significado” das obras poéticas através dos séculos. Transformações que caracterizam a
tradução como “um dos mais potentes e frutuosos processos históricos”:
A vitalidade de uma obra depende das prioridades que lhe são potencialmente
intrínsecas com relação à evolução da norma literária. Se uma obra literária é
avaliada positivamente, mesmo quando ocorra modificações da norma, isto quer
dizer que sua vitalidade é maior do que a de outra obra, cujo efeito estético cessa
com a transformação da norma válida em determinada época. O eco de uma obra
literária é acompanhado por sua concretização e a mudança da norma requer uma
nova concretização (...) mesmo a tradução é, em certo sentido, uma concretização
levada a efeito pelo tradutor. O eco de uma obra entre os leitores e os críticos de um
ambiente estrangeiro é com freqüência bem diferente da repercussão encontrada no
país de origem, porque a norma também é diversa (VODICKA, 1941 apud Id. Ibid.,
p. 23-24).
O argumento de Benjamin envolve também a “distração de atenção”, tratada no ensaio
de 1935-36: “A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica”. Ao afirmar a suspensão
do caráter comunicativo da obra, o “distrair-se” do significado (desvalorizando-o do seu valor
de culto sacralizado na teoria da tradução servil), Benjamin enfatiza o processo translatício
para a “essência”, para o “modo de intencionar” (que é também um “modo de formar”, em
termos de ECO) da obra. Assim, a “recepção distraída”, “disseminada” do tradutor-
transcriador, quanto ao significado (que a obra original já pré-ordenou, liberando o tradutor de
ocupar-se com o mero aspecto comunicacional) pré-figura, num outro nível, aquela do
espectador de cinema “examinador distraído”. Por outro lado, o “efeito de choque”, pelo qual
o filme propicia a modalidade de recepção que lhe é peculiar, encontra um curioso paralelo no
tratamento “chocante” que o tradutor deve dar a sua língua, “estranhando-a” ao encontro
violento da obra estrangeira.
Nos dois casos, se trata de reprodução, a novidade na tradução é a “reprodução da
forma”; no cinema, o que é novo são os meios técnicos de massa. Em ambos os casos, um
abalo dos valores de culto “auráticos”, pois, tanto a tradução (na teoria tradicional) e o cinema
(pelo menos no seu início) são “suspeitos” de traição, na medida em que “desprivilegiam” a
unicidade, “autenticidade” e autoridade” (autoria) da obra. O tradutor é um “leitorautor” (p.
25) “traidor” ou “usurpador”. Com os meios de reprodução de massa, a competência do artista
da literatura, tradicionalmente resultado de uma “formação especializada”, é substituída pela
“instrução politécnica” e “cai no domínio público”.
Benjamin considera o original a serviço da tradução, desonerando-o de organizar um
conteúdo pré-constituído, mas não exclui sua “aura”, a diferença categorial ontológica entre
101
original e tradução permanece. Transfere a “aura” do texto de origem para o messiânico da
“língua pura”, acentuando o aspecto “provisório” do traduzir. Mas, ao atribuir à tradução
como “forma” específica, tarefa de “resgate” (de virtual “deslocamento”) da intencionalidade
de uma outra forma (a poética), evoca uma proposição desenvolvida quanto à
reprodutibilidade cnica: “A história de toda forma de arte conhece períodos críticos, nos
quais esta determinada forma visa a efeitos que, sem maior esforço, poderão ser colimados
através de um câmbio do padrão técnico, ou seja, numa nova forma de arte” (p. 25).
Iser (1961 apud Id. Ibid., p. 25) denomina a passagem do texto a sua função, a passagem
dos “fatores intratextuais” (imanentes estruturais) aos “fatores extratextuais” (relação do texto
com a realidade extratextual), entendida na acepção do contexto histórico e na da ambiência
constituída por outros textos literários ou não. É uma pergunta pela “gênese” do texto, porque
“no conceito de função não se cogita do receptor”; mas a pergunta pela validade do texto (sua
“sobrevida” para além das condições históricas em que surgiu) impõe o recurso a um “modelo
de interação entre texto e leitor”.
Campos afirma por analogia com a teoria iseriana que, na operação tradutória, tal
modelo articula-se entre original (texto) e a tradução (leitor). A reconfiguração da estrutura
do texto pela “transcriação” redetermina-lhe a função como seu horizonte de sentido: o
“extratexto do original via de regra situado no passado, sofre a interferência do “extratexto”
do presente de tradução pelo qual ele é “lido”. Essa interferência na determinação do “sentido
do sentido(a função que o texto traduzido é chamado a preencher num novo contexto, afeta
o processo pelo qual “o texto se converte em objeto imaginário, na consciência do seu
receptor” (ISER, 1961 apud Id. Ibid., p. 26).
O texto literário é definido como um “discurso ficcional”, “a recepção não é
primariamente um processo semântico, mas sim o processo de experimentação da
configuração do imaginário projetado no texto”, uma vez que por meio dela “se trata de
produzir, na consciência do receptor, o objeto imaginário do texto, a partir de certas
indicações estruturais e funcionais”. Para Iser, o objeto imaginário é produzido como o
correlato do texto na consciência do receptor”, tal imaginário, em princípio difuso, nunca se
pode integrar totalmente na língua. “Os atos da ficção”, que outorgam ao imaginário sua
“configuração concreta”, podem existir na língua, da qual emprestam o “caráter de
realidade”. Assim, criam um análogo para a, e, a responsabilidade daquilo que não cabe na
língua. Iser cita Jeremy Bentham (“Theory of Fictions”) e Jakobson (“a função poética
predomina sobre a função estritamente cognitiva”, sendo esta “mais ou menos obscurecida”),
para ressaltar o papel das “ficções lingüísticas” no domínio da poesia.
102
Baseado nessas colocações, Campos conclui que, a “transposição criativa”
(Jakobson) e a “transpoetização” ou “transcriação” (Benjamin), pensada de modo laico e não
transcendental, pode designar um processo de “transficcionalização”, e permitir afirmar que o
“fictício” da tradução é um fictício de segundo grau, que reprocessa, metalingüisticamente, o
fictício do poema” (p. 26).
Para desmistificar a “ideologia da fidelidade”, a idéia servil da tradução-cópia,
repensa a tradução enquanto fantasia, ficção (p. 27). Baseia-se em outro ensaio de Iser: “Os
atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional?”, publicado em 1979. Iser descreve uma
“relação triádica” que se estabelece entre o real, o fictício e o imaginário no texto ficcional. O
“ato de fingir” atribui uma “configuração ao imaginário”, repetindo no texto determinados
elementos da “realidade vivencial”, de modo que a “realidade repetida” se transforme em
“signo” e o “imaginário” em um “efeito” desse procedimento.
Campos, então, elabora analogica e semioticamente essa descrição nos termos da
“função gnica” e de sua concepção triádica (Max Bense via Pierce e Morris), e conclui: “o
TEXTO FICTÍCIO é um SIGNO ou mais exatamente, um MACROSSIGNO, um ícone de
relações” (p. 27). Propõe que o texto fictício pode ser representado por um triângulo: um dos
ângulos corresponde à “referência de realidade” objeto, representação ou dimensão semântica;
o outro à “referência de imaginário”, interpretante, expressão ou dimensão pragmática. No
vértice, está o “ato de fingir” visto como “referência de meio” linguagem, dimensão sintática,
onde o fictício se apresenta como “figura de trânsito entre o real e o imaginário” e o
relacionamento, como “produto do ato de fingir”, vem a ser a “configuração concreta de um
imaginário” (BENSE, 1971 apud Id. Ibid., p. 27).
Para Iser, o “ato de fingir” pode ser caracterizado como uma “transgressão de
limites”. A realidade é transgredida para se transformar em signo (em termos semióticos mais
exatos: para se transformar na “referência de objeto” do signo. O imaginário (“referência de
interpretante” do signo) recebe uma “determinada configuração” pelo “ ato de fingir” (no pólo
de mediação, na referência de meio do signo). O imaginário é transgredido, porque passa da
“difusão” da fantasia à determinação” (relativa) da configuração (de um “estado caógeno” a
um “estado de determinação”, na terminologia bensiana). Devido a mediação do ato de
fingir”, o texto ficcional irrealiza (no plano da “referÊncia do objeto”) e realiza o imaginário”
(no plano pragmático da recepção do texto”, o pólo do interpretante, por sua vez, um
processo gnico de revezamento, “semiose ilimitada” (de Eco via Pierce), mais
simplificadamente, uma visão “behaviorista” à Morris , o pólo do “usuário” do texto.
103
Os “atos de fingir”, como atos “transgressores” operam mediante seleção,
combinação e desnudamento da ficcionalidade. A seleção se refere ao “extratexto”: ao
“tematizar o mundo”, o texto procede a uma seleção dos elementos extratextuais; os “campos
de referência” do texto, dados a perceber enquanto sistemas existentes nos seu contexto são
transgredidos. Certos elementos são “destacados” e submetidos a uma nova
“contextualização”, num jogo perspectivístico, “os elementos presentes no texto são
reforçados pelos que se ausentaram”. A combinação refere-se aos fatores “intratextuais”.
Opera através da “ruptura de fronteiras” no plano lexical (por exemplo: a neologia em Joyce;
a rima como produtora de diferença semântica através de similaridade fônica); age também na
combinatória dos “elementos do contexto selecionados pelo texto”, nos esquema
narratológicos que envolvem transgressões dos “espaços semânticos” (articulação de
personagens e ações) etc. O desnudamento da ficcionalidade faz com que o texto exiba a
marcas do seu próprio caráter “fictivo”, enquanto “discurso encenado”, em que o mundo real
é “posto entre parênteses” sob o “signo do fingimento” (o COMO SE).
Os receptores que experimentam o sentido do texto como “uma pragmatização do
imaginário” são compelidos a um “processo de tradução”, para conseguirem assimilar algo de
uma experiência que os transgride (o COMO SE da ficção provoca uma “atividade de
orientação” que se aplica a um mundo irreal, cuja atualização tem por conseqüência uma
irrealização temporária dos receptores”). Iser define “o escalonamento dos diversos atos de
fingir”, na relação dialética entre o real e o imaginário, como “um processo de tradução (...)
gradual, no qual o dado correspondente (...) é sempre transgredido” (p. 30).
Campos propõe a utilização, por analogia, de alguns conceitos da teoria iseriana dos
“atos de ficção”, que recorre constantemente às categorias da “transgressão” e da “tradução”,
para uma teoria da tradução poética como “transcriação” e “transficcionalização” (p. 30). A
tradução como “transcriação” seria o pôr em poesia da poesia. Novalis (apud Id. Ibid., p. 30)
definiu o tradutor como “o poeta do poeta”, o tradutor transcriador pode ser denominado
como o “ficcionista da ficção”.
Ao converter a função poética em função metalingüística, o tradutor opera
transgressivamente em diversos graus uma nova “seleção” e “combinação” dos elementos
extra e intratextuais do original. Como operação “transgressora”, a tradução coloca “entre
parênteses” a intangibilidade do original, “desnudando-o” como ficção e exibindo sua própria
ficcionalidade de segundo grau na provisoriedade do “COMO SE”. Reconfigura, numa outra
concretização imaginária, o imaginário do original, reimaginando-o. As expectativas e reações
do receptor também são reformuladas nessa co-presença transgressiva de original e tradução,
104
onde todo elemento recessivo corresponde ou pode corresponder a um elemento ostensivo, e
vice-versa, do texto de partida ao de chegada, numa perspectivação de segundo grau.
O “imaginário” do texto “transcriado” não pode ser deduzido simetricamente (ponto
por ponto, termo a termo) do “imaginário” do texto de partida. Mantém em relação a este uma
relação de assimetria, de perspectiva “astigmática”, de convergência “assintótica”, de
aproximação sempre deferida:
O texto traduzido, como um todo (como um ícone de relações intra-e-extratextuais),
não denota, mas conota seu original; este por seu turno, não denota, mas conota suas
possíveis traduções. Ocorre assim uma dialética perspectivista de ausência/presença.
A tradução é crítica do texto original na medida em que os elementos atualizados
pelos novos “atos ficcionais” de seleção e combinação citam os elementos ausentes;
o original, por sua vez, passa a implicar as suas possíveis citações translatícias como
parte constitutiva de seu horizonte de recepção (a “sobrevida” do original, o seu
“perviver”, na terminologia de W. Benjamin) (Id. Ibid., p. 30-31).
“A supremacia da função poética sobre a função referencial não oblitera a referência,
mas a torna ambígua” Jakobson afirma, ao retomar, de certo modo, esse problema
recolocando-o do ângulo dos “atos de ficção” (p. 31). Iser fala de conversão da “função
designativa” em “função figurativa”, mediante a “transgressão do significado literal (lexical),
com a paralisação do “caráter denotativo da língua no seu “uso figurativo”. A referência que
permanece no processo “fictivo” não é mais designável, suscetível de tradução verbal literal.
Sua representabilidade se manifesta como figuração “não-idêntica”, “ambígua”: como
“análogo da representabilidade” e índice da “intraduzibilidade” (verbal, literal) daquilo a que
aponta; a essa dimensão analógica é possível, semioticamente, chamar de iconicidade. Nos
plano dos “fatores intratextuais”.
A “transcriação” seria a operação que traduz no poema de chegada a “função poética”
jakobsoniana desocultada do poema de partida, da transposição criativa” (Jakobson) e da
“transpoetização” ou “transcriação” (Benjamin). E a “transficcionalização” poética seria a
partir da teoria iseriana e semiótica. O fictício da tradução é um fictício de segundo grau, que
reprocessa metalingüisticamente, o fictício do poema na língua-fonte: “Nada mais oportuno,
então, no momento em que se desmistifica a “ideologia da fidelidade”, a idéia servil da
tradução-cópia, do que repensar a própria tradução enquanto fantasia, enquanto ficção” (p.
27). E, correlatamente, por “transfiguração” no plano dos “atos de ficção”, a reimaginação do
imaginário do poema de partida pelo poema de chegada através da reconfiguração do
imaginário, do percurso da “função figurativa” iseriana, sendo tal tarefa realizável pela
tradução criativa. A tradução poética deve ser uma “transposição criativa”, uma interpretação
105
do não o poema original, o que se assemelha ao consenso contemporâneo da impossibilidade
de uma só tradução, definitiva de qualquer texto, mas traduções.
3. 4 Os poemas de Sylvia Plath traduzidos no Brasil: Lady Lazarus e Words
Parece haver um consenso entre os tradutores brasileiros dos poemas de SP de que não
apresentam uma tradução difícil, embora complexos, tal complexidade não reside na
linguagem que apresentam, de construção sintática e lexical relativamente simples e até
mesmo de tom clássico. Como se utiliza de palavras usadas no cotidiano, não altera o
significante das palavras, mas o sentido destes, a dificuldade de sua poesia está na pluralidade
de sentidos que evoca; e na exigência de uma leitura não-convencional e atenta para a
construção e apreensão do sentido. Este se constrói principalmente através do uso de imagens
e metáforas inusitadas e insólitas, o leitor tem de aprender a ler o estilo poético de SP,
penetrar no seu mundo poético, para compreendê-lo, o que se estende ao tradutor.
Dantas (1990), que traduziu quinze poemas de SP, publicados em uma revista
especializada em tradução, tece comentários mais sobre a poesia e o estilo da poeta do que
sobre a tradução que realizou. Justifica que traduziu alguns poemas de SP, porque desde que
começou a ler seus poemas ficou intrigado por eles e pela poeta. Declara que os escolheu de
acordo com seu gosto pessoal, dentre as diferentes fases de SP, com ênfase para os escritos no
último ano de vida. Estes, em sua opinião, são as obras-primas de seu “realismo patológico”,
misteriosamente contidos e violentos ao mesmo tempo.
O autor denomina o estilo plathiano de “realismo patológico” porque os poemas
apresentam a descrição de um mundo bastante conhecido, mas tratado sob um ponto de vista
distante e monstruoso: um mundo que pega no mesmo sentido de uma doença. Descrevem os
afazeres domésticos de uma dona de casa, as tarefas de uma mãe, agonias do parto e/ou
aborto, o toque sexual em muitas ressonâncias, incertezas amorosas, “peripaques” cotidianos
diversos, paisagens, lugares e figuras. As imagens são vistas e apresentadas através de uma
lente deformante, reforçam a descrição ganhando vida própria e contagiando os poemas como
um todo. Os sentimentos kafkianos são tarefas e deveres esvaziados de sentido, o desejo é
apenas um mecanismo que funciona por si, opaco ao outro e à experiência humana. A
situação dramática nasce da cozinha, do berço, do quarto ou de um passeio a cavalo. As
descrições tendem à abstração, figurando os sentimentos à maneira de estranhos processos
“metabó-licos”, e metáforas que evocam processos “quimiobiológicos”. Esta “metástase
lírica” tem freqüentemente na morte o ponto superior de onde contempla o mundo. A morte é
106
mais fria que este mundo onde se morre de frieza, mais inerte que a sociedade condenada à
inércia do mesmo. Mas, o gelo e a inércia possuem intensidade e pureza maiores que as da
vida que resta a viver. A intensidade e a pureza são sentimentos impossíveis a uma vida
menos humana e mais histórica, e a morte é incrivelmente humanizada como sentido de
autenticidade. O tradutor recomenda que se leia os poemas e os compare com as fotos da
fotógrafa norte-americana Diane Arbus, que como SP, fala da mesma opacidade relacionada à
realidade.
Dantas afirma que se dispôs a imaginar alguns poemas em português, sendo que o estilo
deles é pouco apreciado pelos poetas brasileiros. O impulso do verso plathiano é descritivo-
expositivo e a forma é alegórica no sentido clássico. O efeito final não é convencional e o
conteúdo de sua figuração dramática extravasa qualquer esquematismo alegórico.
Sobre sua tradução de Words, comenta que este é o mais belo poema, a ars poetica mais
requintada da poesia plathiana. E, identifica influência e semelhança com o universo de Paul
Celan na poesia de SP, em que surge o mesmo imaginário ao holocausto dos judeus, devido à
II Guerra Mundial, empregado em termos biográficos e psicológicos em Lady Lazarus.
Prova da força da poesia de SP, que se projeta nas esferas da rica das trevas, a partir de uma
experiência lírica mais limitada e confessional.
Para o tradutor, os poemas plathianos não apresentam grandes dificuldades, além das
costumeiras de tradução de poesia, mas requerem um rigor especial. Afirma que, é preciso
que o tradutor se prenda às relações “dramáticas” e “situacionais” cifradas
“micrologicamente” em versos concisos e/ou numa coordenação inusitada de símbolos, sendo
estes traços típicos da poesia de SP. É preciso se ater a tais relações para que na transposição
o texto não se obscureça ainda mais; e para assegurar a compreensão dessas relações ou
situações, ele utilizou-se de certas licenças na transposição. Comenta que, ao discutir a
pertinência de certas soluções tradutórias que teve de tomar durante o processo tradutório -
que contou com a participação de outras pessoas - com um especialista em literatura norte-
americana, cuja língua materna é o inglês, concluiu que seus princípios tradutórios eram
estruturais. Pois, costuma relegar a um segundo plano as implicações simbólicas, psicológicas
e “mitopoéticas”, mais “naturais” para quem se relaciona nativamente com o contexto da
literatura de LI. Justifica-se dizendo reproduzir a tradição poética da poesia brasileira em que
se formou, que tende a desqualificar os planos de significação mais arredios à literalidade e à
linguagem direta, desconfiando dos ardis da subjetividade em detrimento de uma
racionalidade antilírica.
107
Assunção (1991) comenta sobre Poemas/Sylvia Plath (2005), cuja primeira edição é
de 1991, que traz poemas de SP traduzidos para o português em edição bilíngüe por Rodrigo
Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça. É a primeira coletânea de poemas de SP
publicada no Brasil, em que foram traduzidos vinte e sete poemas, selecionados de The
Collected Poems of Sylvia Plath, editado por Ted Hughes e publicado pela Harper Collins
Publishers, cuja data de publicação não é mencionada pelos autores, sendo a maioria de Ariel.
Ambos os tradutores são poetas, tendo publicado livros de tradução de poetas de LI,
ingleses e norte-americanos, além de livros de poemas de autoria própria. Apaixonados pela
poesia plathiana desde 1984, iniciaram o trabalho de tradução sistemática três anos antes do
lançamento do livro. Focalizaram a última fase da poeta, segundo eles, porque é a época dos
melhores poemas. Preparados para a tarefa difícil de “desnudar um poema em uma língua e
vesti-lo com as palavras de outra língua”, como Dantas (1990), não encontraram grandes
dificuldades para traduzi-la: “apesar de ter uma poesia extremamente musical, ela não
apresenta uma artesanato difícil. Não é como um Cummings” (MENDONÇA apud
ASSUNÇÃO, 1991, s/p). Embora não exijam operações complicadas de recriação, as
traduções publicadas esparsamente em suplementos e revistas brasileiros não os agradavam.
Mendonça, ciente de vários aspectos debatidos pela teoria e crítica da TL contemporâneos,
comentados nas subseções anteriores, observa que:
Alguns tradutores tentam um certo virtuosismo mas fogem do universo poético de
Sylvia, não conseguem atingir um equilíbrio entre musicalidade e coloquialismo
(...). Tem que levar em conta que é uma mulher escrevendo. É preciso haver um
envolvimento direto com a obra dela. Além disso, poesia é desvio de linguagem.
Muitos tradutores esquecem que a linguagem poética se preza pela concisão. Eles
traduzem de maneira literal (apud ASSUNÇÃO, 1991, s/p).
O maior problema que apontaram foi conseguir verter para o português a técnica de
derretimento e fusão de imagens utilizada por SP, denominada de melting-fusion techniqui”
(ver seção 1.3.2). Que se apresenta a partir de um evento, do qual se inicia uma alucinante
sucessão de imagens, que sofrem rápidas metamorfoses em um processo quase
esquizofrênico: “Procuramos manter o mesmo equilíbrio de ritmo, imagem e sonoridade que
existe no original. Nós queríamos que essas traduções ficassem tão equilibradas que os
poemas dessem a impressão de terem sido escritos em português” (MENDONÇA apud
ASSUNÇÃO, 1991, s/p).
Lopes (2005) fala de outro ponto complexo, que se refere à perícia de SP no uso da
ambigüidade, multiplicando os sentidos de uma mesma palavra, que nos poemas finais
parecem adquirir um sentido arquetípico. As imagens em seus poemas se tornam “iscas” para
108
se compreender sua dinâmica poética. Um mesmo significante se abre a várias leituras,
tornando mais difícil sua tradução, que o autor denominou de “imagismo plathológico”,
construído através de elaboração de metáforas insólitas e originais, os clusters de metáforas”,
(ver seções 1.3.2 e 2.4 e 2.4.1) (MENDONÇA, 2005, p. 133) de tradução complicada. Além
dessa observação, os autores não comentam no livro sobre o processo tradutório, mas somente
sobre o estilo e a obra poética de SP (ver seção 1.3.2).
As considerações a seguir sobre a tradução dos poemas realizada pelos tradutores em
questão são tecidas baseando-se na teoria e crítica da tradução com abordagem
contemporânea. Não se pretende realizar uma análise da tradução desses poemas, mas um
comentário sobre alguns aspectos destas, de como foram realizadas de modo geral, porque
analisar a qualidade e características dessas traduções não é o intuito dessa pesquisa, que
analisa como estas foram recebidas a par com o texto-fonte pelos estudantes de poesia de LI
pesquisados (ver Capítulo 4).
Lady Lazarus
Na tradução de Lady Lazarus, analisado (seção 2.4.1) (Anexo A), os tradutores
(LOPES; MENDONÇA, 2005) optaram, como declararam, por uma tradução praticamente
literal, para dar a impressão de que foi escrito em língua portuguesa. Considerando-se a
intenção deles, a tradução é bem-sucedida e consegue manter o sentido do texto-fonte sem
grandes modificações ou distorções semânticas e formais.
Tentou-se preservar a forma, ou seja, o metro, o ritmo, a sonoridade, a pontuação, e a
rima, esta um aspecto importante em relação ao sentido dos poemas plathianos de modo geral,
para manter um equilíbrio entre esses elementos e as imagens evocadas pela linguagem entre
o texto-fonte e o traduzido.
Foi mantido o mesmo número de estrofes, e os versos também possuem um tamanho
idêntico, e a pontuação é praticamente a mesma que a do texto-fonte. Em relação às repetições
de palavras, de versos inteiros, assonâncias, aliterações, consonâncias, rimas visuais e em sua
maioria internas, também se tentou preservar as mesmas posições. Entretanto, manter o
mesmo timbre, a mesma sensação, que ocorre na leitura em LI não é tão possível. Apesar de
tom de prosa poética, o poema apresenta um ritmo muito forte e característico, devido em
parte ao uso de rima interna, que “segura” o ritmo firme e de dramaticidade irônica, aspecto
perdido na tradução.
109
Em relação aos aspectos lingüísticos, o tom de prosa poético e irônico foi preservado e
conseguiu-se mantê-lo na tradução, devido ao fato de SP usar palavras coloquiais e
vocabulário relativamente simples, sem muitas inversões sintáticas. Entretanto, alguns
aspectos lingüísticos culturais diferentes entre ambas as línguas se destacam, sendo que os
tradutores optaram por estrangeirismo/transposição e não domesticação. Tal fato não
corresponde à intenção declarada por eles, em relação à tradução, de dar a impressão de que
os poemas foram escritos em língua portuguesa.
O título do poema, Lady Lazarus, foi mantido em LI, não foi traduzido, provavelmente
porque o sentido pode ser apreendido facilmente pelo leitor brasileiro acostumado com os
estrangeirismos em inglês correntes no dia-a-dia. Tal decisão revela a proximidade de relação
da cultura brasileira, da língua portuguesa com a LI, pois os tradutores parecem ter tomado a
decisão de não alterar o título do texto-fonte, por suporem que não haveria comprometimento
de sentido pelo fato de as palavras estarem em inglês.
Na sétima estrofe (terceira linha) aparece um ditado popular ou provérbio, que
basicamente possui o mesmo sentido, tanto na LI quanto na língua portuguesa, mas apresenta
uma diferença sutil, devido a uma palavra diferente: And like the cat I have nine times to
die.“E como um gato tenho nove vidas”. A tradução incorporou o ditado popular e optou
pela transposição, isto é, manteve o sentido literal da LI, da língua do texto-fonte, e não
realizou uma domesticação, que seria trocar o nine por sete”, que no ditado em
português o gato possui sete vidas e não nove. O que seria coerente, que o intuito era dar a
impressão que o poema foi escrito em língua portuguesa. Como tal não ocorre, a cultura
norte-americana manifestada através do ditado popular na LI não é anulada pela tradução feita
em língua portuguesa, mas apresentada, o que pode levar o leitor a um certo “estranhamento”
na leitura.
O pronome alemão “Herr”, que significa senhor, repetido duas vezes (na vigésima
segunda estrofe, nos dois últimos versos, e na penúltima estrofe, na primeira linha) também é
mantido na língua alemã pelos tradutores, o que gera efeito semelhante ao descrito acima,
além de contribuir para preservar o sentido do texto-fonte, acrescido do fato de envolver uma
terceira língua diferente. A escolha dos tradutores em manter a palavra em alemão pode
instigar o leitor a pesquisar o sentido da palavra, uma vez que a tradução não oferece legenda
ou qualquer tipo de informação sobre o sentido da palavra estrangeira, ou ainda prejudicar a
construção de sentido do poema.
A tradução do último verso, da última estrofe, soa um tanto estranha, Lopes;
Mendonça (2005), em nota aos poemas e à tradução, comentam que a solução para a tradução
110
desse verso tentou preservar o caráter ambíguo e erótico do texto-fonte: And I eat men like
air. E como homens como ar”. Aparentemente, pode parecer uma transposição literal, mas
é uma domesticação, porque o sentido que o poema parece sugerir com o uso do verbo eat
“comer”, que apresenta um sentido sexual pejorativo na LI como na língua portuguesa.
Entretanto, no contexto do poema em LI parece remeter a um sentido figurado de vingança,
de aniquilar, “acabar com”, devorar o inimigo: os “homens”, e não em sentido sexual. Além
disso, o sentido desse verbo em português envolve uma questão cultural, sendo extremamente
pejorativo sexualmente, uma gíria de forte conotação sexual, que remete a própria realização
do ato sexual, que parece não “combinar” com o sentido do poema, tanto no texto-fonte,
quanto na tradução.
Em relação a esse verso, também, a tradução tentou transpor a repetição da cadeia
sonora para preservar, o que no poema original ocorre com a repetição do som /ai/ do
pronome Ie da conjunção like”, correspondendo à repetição da conjunção “como”. O que
revela a busca e certo sucesso na solução encontrada por um efeito sonoro semelhante, mas
não idêntico, já que isso não é possível.
Words
Quanto à tradução de Words (Anexo B, analisado na seção 2.4.1) é praticamente,
literal, como a de Lady Lazarus. A tradução literal “funciona”, se se considerar a intenção
mencionada pelos próprios tradutores, e de que na língua-fonte o poema também se apresenta
em linguagem literal. Mas, com sugestão de sentido plurissignificativo permitindo várias
leituras e interpretações diferentes, o sentido que parece evocar situa-se além do sentido literal
das palavras (ver seções 1.3.2, 2.4 e 2.4.1). O sentido do poema se constrói por imagens, um
encadeamento de imagens metafóricas em linguagem figurativa, em que o sentido intencional
poético difere do sentido literal convencional.
Quanto à forma, os tradutores mantiveram o metro, o ritmo, a pontuação e a rima,
aspectos importantes e característicos da poesia de SP, fundamentais nesse poema, em que
forma e o sentido se intercomunicam e se complementam. Apesar de tom de prosa poética, ele
apresenta um ritmo forte, marcante e característico, devido em parte ao uso de rima interna e
visual, não havendo quase rimas de fim de verso, aliterações, assonâncias, consonância,
anáforas e repetições. A tradução tentou preservar tal padrão de uma língua para outra, ciente
de que a musicalidade das palavras, o plano sonoro do poema é um fator importante para a
111
interpretação e construção do seu sentido, sendo sugerido por esses elementos, juntamente
com o nível sintático e lexical.
A tradução não prejudicou drasticamente esse aspecto; entretanto, como esses recursos
técnicos poéticos sonoros se apóiam na sonoridade das palavras, em cada fonema, em cada
palavra, alguns aspectos fatalmente foram modificados. Os tradutores parecem ter pretendido
manter as características sonoras, preservá-las em correspondência com a língua portuguesa
ao mesmo tempo em que se preocuparam em manter o sentido “original” da mensagem
semântica. Eles lidam com essas peculiaridades como conhecedores de causa, “sabem o que
estão fazendo”; mas, a tradução do poema caracteriza-se mais como uma tradução no sentido
tradicional do termo, do que uma interpretação, que no caso desse poema funciona.
Quanto aos aspectos lingüísticos e semânticos, Words apresenta as “mindscapes”
características de SP, o maior problema que os tradutores apontaram na tradução de sua
poesia: verter para o português a técnica de derretimento e fusão de imagens utilizada por SP,
denominada pelos críticos de melting-fusion techniqui”, que se apresenta a partir de um
evento, do qual se inicia uma alucinante sucessão de imagens, que sofrem rápidas
metamorfoses em processo quase esquizofrênico. Aliadas à perícia de SP no uso da
ambigüidade, multiplicando os sentidos de uma mesma palavra, e imagens se tornam “iscas”
para se compreender sua dinâmica poética. Um mesmo significante se abre a várias leituras,
que o autor denomina de “imagismo plathológico”, construído através de elaboração de
metáforas insólitas e originais, os clusters de metáforas” de leitura e tradução complicada
(ver seções 1.3.2, 2.4 e 2.4.1).
Os tradutores afirmam terem tentado resguardar a tensão poética original, no caso
específico do verso: Over the rock // That drops and turns, / A white skull, / Eaten by weedy
greens.(segunda e terceira estrofes), tendo optado pelo verbo “rachar”, em vez de “rolar”
turns”, a fim de enriquecer a palavra rocha: “Sobre a rocha // Que cai e racha, / Crânio
branco, / Comido por ervas daninhas.” (LOPES; MENDONÇA, 2005, p. 88-89).
3.5 Teorias da Recepção
Desde o início do século XX, os estudos e teorias na área da literatura ampliaram
notavelmente as possibilidades de leitura e crítica do texto literário, devido a sua ambigüidade
inerente e, que o caracteriza como literatura. A literatura passou a ser considerada como a arte
da palavra, e surgiram várias teorias e críticas literárias, tais como o Formalismo Russo; New
Criticism; Estruturalismo; Teorias da Recepção; Semiótica; Pós-Estruturalismo;
112
Desconstrução; Crítica Literária Feminista, Estudos Culturais etc. Num primeiro momento,
estudaram-se os aspectos intratextuais intrínsecos e qualidade estética, os elementos que
formam o texto e que lhe conferem qualidade literária, considerando-o com significado em si
mesmo. Relegou-se a segundo plano ou ignorou-se preocupações com fatores extratextuais e
contextuais socio-culturais históricos, além do autor, o sentido semântico e leitor, aspectos
tidos como importantes mais tarde. Em seguida, alguns estudos, teorias e críticas literárias
preocuparam-se e procuraram marxista, sociologica e engajadamente estimular e buscar na
literatura a denúncia de problemas sociais, políticos, econômicos etc., enfim, conscientizar o
leitor considerando e utilizando a literatura como um meio para tais objetivos. Tais teorias e
críticas entre várias outras não mencionadas não são ultrapassadas e/ou equivocadas, têm
muito a oferecer, que cada uma se dedicou a analisar uma faceta da literatura, e podem ser
complementares umas as outras, dependendo do modo e do contexto em que são articuladas.
O interesse pelo leitor e pela leitura como elementos importantes para se pensar a
caracterização da literatura é um fato relativamente novo, relacionado à teoria literária
moderna. Eagleton (1989 apud ZAPPONE, 2003) enumera três grandes fases: a primeira,
marcada pelos modelos da teoria romântica em vigor até o século XIX, cujo foco era os
estudos biográfico do autor, sendo a obra literária fruto da genialidade deste. A segunda fase,
por volta das primeiras décadas do século XX, foi marcada pela preocupação com o texto,
como nas tendências do Formalismo e New Criticism. A terceira fase refere-se à tendências
mais contemporâneas que privilegiaram a figura do leitor, como a Estética da Recepção e suas
várias vertentes. A proposta de desenvolvimento da teoria e crítica literárias de Eagleton
mostra que cada um dos elementos envolvidos na leitura desempenhou certa influência sobre
os modelos teóricos que se preocuparam com o estudo da literatura: primeiramente o autor,
posteriormente o texto e, finalmente, o leitor, e, contemporaneamente, o contexto socio-
cultural e histórico envolvendo e explicando todos esses elementos.
As Teorias da Recepção, que possuem várias vertentes, surgiram por volta de 1960, na
Alemanha e mais tarde nos EUA, sendo a primeira vertente a Estética da Recepção.
Inicialmente fundamentadas teoricamente na Fenomenologia de Edmund Husserl,
caracterizam-se como abordagens teóricas que propõem um modelo teórico de leitura,
interpretação e crítica do texto literário e de elaboração da história literária. Entendendo a
leitura e os mecanismos e atividades que ela pressupõe para realizar-se como uma forma de
desvendamento e compreensão do texto literário, da literatura e de sua história. Enfim, o que
o sujeito-leitor faz ao ler ou que processos desencadeiam-se em sua mente quando que, são
questionamentos de teóricos e estudiosos de várias e diversas áreas do conhecimento não
113
no campo da literatura e lingüística. A leitura, enquanto processo, habilidade e atividade
individual e social tem sido bastante estudada. Embora a relação literatura e leitura seja
evidente e inquestionável, os Estudos Literários passaram a tematizá-la a partir das
primeiras décadas do século passado, e sistematica e teoricamente a partir da década de 1960,
conectando-a às novas concepções contemporâneas de linguagem (Pragmática, Teoria da
Enunciação, Análise do Discurso etc.) sobre autor, texto, leitor e contexto.
Quanto ao autor, declarou-se sua morte, como entidade detentora do sentido do texto
que ele próprio escreve. É o produtor do texto, lingüisticamente falando e, para a Análise do
Discurso, é o articulador e organizador lingüístico, mas, não consegue controlar o(s)
sentido(s) que sua produção textual pode suscitar, nem consegue expressar o que realmente
gostaria de dizer, pois a linguagem não consegue expressar o sentido do pensamento, nem do
sentimento humanos de forma total. O autor não pode ser considerado o “dono” do sentido do
texto, sua interpretação de sentido sobre o texto que produziu é mais uma dentre várias.
O texto desvencilhou-se das concepções estruturalistas e funcionalistas que atribuíam
exclusivamente à textualidade as chaves para sua interpretação. Ao considerar-se a relação da
linguagem com a sociedade, o texto deixou de apenas ser entendido como uma organização
lingüística, que carrega e/ou que transmite pensamentos, informações ou idéias de seu
produtor. Para os estudos lingüísticos contemporâneos, a linguagem é incapaz de transmitir,
expressar todas as intenções do autor, de modo completo e perfeito. Tal concepção de
linguagem caracterizou a própria linguagem, assim como o texto literário, como uma estrutura
permeada de lacunas, que podem ser preenchidas ou não, e de não-ditos, sentido implícito,
que pode ou não ser inferido pelo leitor.
Como o texto não é capaz de dizer tudo, e o seu autor não é o dono do seu sentido, o
leitor é tido, então, como fundamental no processo de leitura, considerando-se que
autor/texto/leitor estão inseridos em um contexto socio-histórico amplo e que são bastante
influenciados por este. Individual e coletivamente, subjetiva e intersubjetivamente, é o leitor
quem atribui sentido ao que lê. A materialidade do texto (as letras impressas) adquire
sentido quando um leitor o lê. E os textos são lidos e interpretados de modo variado e não
neutro, de acordo com as possibilidades de leitura, a experiência de vida de cada leitor, de
leituras anteriores, e num certo momento histórico. O leitor, entendido como sujeito não
autônomo inserido numa rede discursiva ampla (FOUCAULT, 1995), é fundamental na
construção de significação desencadeado pela leitura do texto.
O leitor, considerado dessa nova forma, é o principal elemento de estudo da Estética
da Recepção, sendo que o princípio geral das várias vertentes é refletir sobre a experiência de
114
leitura e apresentá-la com base para se pensar tanto o fenômeno literário, quanto a história
literária. Tais vertentes foram fundadas tendo em vista a experiência de leitura do leitor, mas o
leitor tem sentidos diferentes para os representantes diversos, mesmo dentro de uma mesma
vertente. De modo geral, tratam dos leitores não-ideais e do ato da leitura e interpretação do
leitor de um texto literário como elementos fundamentais - além de outros fatores - para
caracterizar esse texto. Interessam-se pelo leitor e seu significado para a leitura do texto, o
sentido que este atribui ao texto, constituindo-se abordagens teóricas, que propõem um
modelo teórico de leitura, interpretação e crítica do texto literário e de elaboração da história
literária, contrariando a Hermenêutica, que afirmava que o texto possuía um único sentido, “o
que o autor ou o texto quer dizer”, sendo os demais sentidos reivindicados, interpretações
equivocadas.
Para as Teorias da Recepção, o texto permite várias possibilidades de interpretação,
mas determinadas pelo próprio texto, e pelas capacidades e possibilidades interpretativas de
cada leitor: o sentido de um texto caracteriza-se, então, como uma indeterminação
determinada, o que anula críticas a essas abordagens como relativistas e pregadoras de vale-
tudo interpretativo e crítico. Esta centralidade no sujeito-leitor implica que não um sentido
fixo para um determinado texto, mas também que suas estruturas textuais limitam sentidos
incoerentes. E cada leitor apresenta uma leitura individual e imprime marcas individuais de
interpretação e construção de sentido, ao mesmo tempo em que sua leitura será similar ao de
outros leitores que tenham modos similares de vida, e pertençam ao mesmo contexto social e
histórico; estabelecendo-se um consenso interpretativo. Ou seja, foucaultianamente, de
mesma forma, que não sujeito neutro, que não seja construído por um discurso, também
não há leitura e interpretação neutras, que não sejam construídas por um discurso (ver
próxima seção).
Algumas investigações procu(ra)ram explicar o aspecto fisiológico e cognitivo do
processo de leitura. Tentam estudar certos mecanismos que são empregados na transformação
dos signos visuais em um texto coerente e com sentido na mente do leitor, como Iser propõe
em sua teoria (ver próxima seção). O leitor é a peça chave, priorizado em relação ao autor e
ao texto; a sua interpretação do texto é importante, contrariando o conceito anterior de que o
texto seria o limite e objeto de reflexões, e os demais campos aos quais se vincula seriam de
investigação secundária e/ou complementar, para a compreensão, interpretação e construção
de sentido; atos de responsabilidade do leitor. O autor não é o “dono” do sentido, sua
intenção/interpretação é mais uma dentre várias possibilidades, o texto permite várias
interpretações diferentes e não é capaz de dizer tudo. E o leitor, sujeito-leitor não autônomo, é
115
considerado fundamental no processo de leitura, pois é ele quem ativa o sentido do texto,
através do ato da leitura.
As mudanças teóricas nas áreas da teoria e crítica literárias são decorrentes em grade
parte do desenvolvimento de modelos filosóficos que afirmam formas novas e diferentes de
ver a realidade e o mundo. O surgimento da Estética da Recepção, a primeira vertente das
Teorias da Recepção, como um modelo teórico de leitura e interpretação do texto e de
elaboração da história literária está relacionado a um desses modelos: a Fenomenologia de
Husserl.
A Fenomenologia, desenvolvida no início do século XX, pelo filósofo alemão
Edmund Husserl propôs que se repensasse o problema da separação entre sujeito e objeto,
consciência e mundo, enfocando-se a realidade fenomênica dos objetos: a maneira pela qual
os objetos são percebidos pela consciência humana. A base desse método fenomenológico
consiste em ver todos os objetos como puros fenômenos, do modo como eles se apresentam
na mente humana, caracterizando a Fenomenologia como um método filosófico, que procura
pensar sobre as condições que tornam possível qualquer forma de conhecimento humano. Este
seria possível quando se compreende qualquer fenômeno de maneira total e pura, que
significa apreender dele o essencial e o imutável:
Se a fenomenologia assegurava, de um lado, um mundo cognoscível, por outro
estabelecia a centralidade do sujeito humano. Na verdade, ela prometia ser nada
menos do que uma ciência da própria subjetividade. O mundo é aquilo que postulo,
ou que “pretendo” postular: deve ser apreendido em relação a mim, como uma
correlação de minha consciência (EAGLETON apud ZAPPONE, 2003, p. 136).
Relacionando-se a fenomenologia husserliana à literatura, um texto seria um puro
fenômeno se se apreendesse sua essência, o que poderia dar-se através do ato e da
experiência de um sujeito leitor através da leitura. Mas, o sujeito e, conseqüentemente, sua
leitura são, inevitavelmente, influenciados por inúmeros fatores: intra e extratextuais, e
intersubjetivos e subjetivos, entre os quais, fatores culturais, sociais, políticos, econômicos,
conhecimento de mundo, horizonte de expectativa, sensibilidade para as artes etc. O texto é
algo, uma realidade, que é dada à consciência/mente do leitor, mas não uma realidade
independente de uma consciência que o percebe. Só seria um texto mediante uma consciência
que o experienciasse, e tal experiência seria propiciada mediante a atuação de um leitor.
Qualquer fenômeno é afetado pela percepção que dele tem aquele que o apreende por meio da
consciência, da própria subjetividade, mas também da intersubjetividade. Ler, desse modo, é
116
criar o texto também. Portanto, as raízes da Estética da Recepção situam-se em princípios da
fenomenologia de Husserl, e as vertentes da Estética da Recepção são uma espécie de
fenomenologia direcionada para o leitor, mas que acompanharam as mudanças e
readequações que essa fenomenologia sofreu ao longo do tempo.
Com o desenvolvimento de outras teorias que, também, influenciaram as Teorias da
Recepção, teóricos e estudiosos admitiram que vários fatores influenciam a construção de
sentido do leitor, inicialmente mais “fechadas” pela influência da fenomenologia husserliana,
buscando construir analogicamente a esta uma fenomenologia da leitura. Enquanto aquela
busca evitar o problema da separação entre sujeito e objeto, consciência e mundo, procurando
enfocar a realidade fenomenal dos objetos tal como eles aparecem para a consciência humana
de modo universal, sem considerar as interferências e mediações externas. As Teorias da
Recepção contemporâneas descartaram a crença fenomenológica husserliana na possibilidade
de conhecer o mundo em sua essência e descrevê-lo tal como ele é dado à consciência, que se
daria de forma universal e sem interferência de fatores intersubjetivos (CULLER, 1999).
Sob o viés desta, o sentido correto de um texto seria o mesmo, de certo modo, para
todos os leitores. Mas, com o surgimento do Pós-estruturalimo, Desconstrução e os estudos de
Foucault sobre os discursos e o poder, passou-se a considerar os fatores intersubjetivos e
extra-textuais que, inevitavelmente, medeiam e influenciam a leitura, a construção de sentido,
e conseqüentemente, a interpretação de qualquer leitor. O contexto socio-histórico e cultural
em que os indivíduos estão inseridos passou a ser considerado fundamental na influência da
formação do gosto individual e coletivo do público leitor, e, conseqüentemente, na construção
de sentido textual, sendo estes os pontos abordados por outra das vertentes das Teorias da
Recepção: A Sociologia da Leitura. O sentido textual não é fixo como afirmou o
Estruturalismo, e a resposta do leitor em relação ao texto é sempre mediada, mesmo que em
diferentes variações e intensidades, devido a diversos fatores. Não uma leitura pessoal e
neutra, livre de influências e interferências, assim como, foucaultianamente, não sujeito
autônomo social neutro, livre de interferências. Entretanto, isto não anula a possibilidade de
uma leitura crítica ser realizada por um leitor, que tenha consciência da existência e
funcionamento desses mediadores da leitura.
Contemporaneamente, as Teorias da Recepção consideram a literatura como categoria
histórica e social e, portanto, em contínua transformação, devido a consideração que tem pela
recepção da literatura pelo leitor. E, o que têm a dizer sobre a leitura e interpretação do texto
literário como contribuição teórica e crítica é, que o contexto socio-cultural e histórico do qual
o sujeito leitor faz parte e no qual está inserido, e os muitos fatores subjetivos e
117
intersubjetivos, intra e extratextuais, influenciam a recepção, a leitura, a interpretação e o
julgamento de um texto literário. marcas da recepção de cada leitor, cada leitura depende
desses fatores e é articulada e influenciada por eles. O leitor é valorizado, fazendo da leitura
ou dos mecanismos ou atividades que ela pressupõe uma forma de desvendamento de texto e
compreensão da literatura e de sua história. Compreende-se, assim, a recepção e a leitura
crítica como o resultado de uma articulação feita pelo leitor entre a materialidade do texto,
que permite várias possibilidades de construção de sentido, que depende da escolha, da
seleção e da ênfase em determinados sentidos em detrimento de outros, além de ser afetada
pelos diversos fatores mencionados. A leitura é construída a partir da articulação dos
elementos que constituem a materialidade sígnica e estrutural do texto, resultado da interação
mediada entre o texto e o leitor, e afirma um sentido socio e historicamente possível e
provisório.
Muitos autores discutiram e teorizaram sobre a literatura a partir do enfoque
recepcional de forma variada, seus pontos de vistas sobre o que enfocar da recepção literária
diferem, mas compartilham o foco a partir do qual estudam a literatura: o de sua recepção
pelo leitor. Tais opiniões diferentes possuem status de vertentes das Teorias da Recepção,
abordagens teóricas que consideram os receptores/leitores e o ato da leitura fundamentais para
caracterizar o texto literário, que se dividem em três linhas principais.
A Estética da Recepção, a primeira delas, é a que mais valoriza a figura do leitor, e
relaciona-se especificamente ao alemão Jauss, o representante mais importante e exponencial
das teorias orientadas para o aspecto recepcional, e entre os autores que consideram o leitor e
a leitura como elementos privilegiados nos Estudos Literários, cujas idéias são conhecidas
como a Estética da Recepção. Desenvolvida por volta do fim da década de 1960 na
Alemanha, e mais tarde nos Estados Unidos. Em linhas gerais, tem como fundamento a defesa
da soberania do leitor na recepção crítica da obra literária, entendida como obra de arte.
Privilegia e considera a interpretação do leitor, o efeito que a obra gera no leitor, para julgar o
valor estético desta, ao longo da história da sua recepção, considerando que esta varia ao
longo da história. Sendo esse efeito estético, individual, social e histórico, a literatura tem
caráter estético e função social: a dimensão da sua recepção e os efeitos que ela ocasiona, os
efeitos que a obra sucinta, desperta no leitor. Sem leitor não há texto.
A Sociologia da Leitura é a terceira linha de abordagem das Teorias da Recepção, de
origem francesa, sendo seu principal representante e iniciador Escarpit, seguido por Chartier e
Bourdieu. O livro de Escarpit: Sociologia da literatura, publicado em 1985, traz as indicações
principais das direções que seguem esses estudos, em que a leitura é focalizada a partir dos
118
elementos que dão base e sustentação para que ela exista: o público leitor, o livro e a leitura.
Escarpit analisa a literatura não a partir de seus elementos textuais, mas como um tipo de
leitura gratuita que permite a evasão, excluindo o aspecto estético de suas pesquisas.
Interessa-se, também, por todos os circuitos que envolvem o livro: sua produção na esfera do
autor, do editor, sua distribuição e circulação. Chartier focaliza a história do livro e da leitura,
privilegiando as apropriações que os leitores fazem dos textos, a história da leitura, e a
“materialidade” dos textos enquanto aspecto que exerce influência direta sobre a(s) leitura(s)
que se pode(m) realizar de um texto (ZAPPONE, 2003).
3.5.1 Reader-Response Criticism: Wolfgang Iser e Stanley Fish
O Reader-Response Criticism, a segunda linha de abordagem das Teorias da
Recepção, desenvolveu-se principalmente nos EUA. Seus representantes são o alemão Iser,
Fish e Culler. O que estes teóricos têm em comum é pensarem especificamente no(s) efeito(s)
que o texto desencadeia no leitor. Contrapõem-se à concepção de que o texto seria uma
estrutura de onde emana um sentido, consideram que, este só ganha existência no momento da
leitura e os “resultados” ou “efeitos” desta são fundamentais para se pensar no seu sentido.
Iser em O ato da leitura: uma teoria do efeito estético (1996; 1999 a), publicado em
1976, desenvolveu alguns pontos mencionados por Jauss (comentados na seção anterior).
Jauss se preocupou mais em criticar a questão da construção da história da literatura contra os
modelos vigentes de sua época apresentando uma proposta e um projeto para escrever a
história da literatura de modo diferente. Em tal projeto, a recepção da obra literária pelo leitor
e os efeitos estético e social que gera sobre este ao longo da história, é fundamental para tal
construção; o efeito estético da obra sob o leitor foi considerado de modo amplo como
histórico e social, individual e coletivo.
O efeito estético gerado pela obra no leitor através da leitura, entendido como prazer
de leitura e senso crítico despertado por uma obra literária no leitor ao lê-la, foi desenvolvido
de modo bem mais teórico e complexo por Iser. Ele explorou a questão, a partir de uma
perspectiva fenomenológica, com colocações inicialmente relacionadas à Fenomenologia de
Husserl. Como Jauss reviu alguns pontos abordados em seu ensaio reconhecendo falhas, Iser
mais tarde (1999 b), também reviu algumas considerações criticadas pelo tom husserliano, e
readequou alguns pontos à Fenomenologia pós-Husserl, como os estudos de Heidegger e
Maurice Merleau-Ponty. A contribuição de Iser é enorme para as Teorias da Recepção,
nenhum teórico antes dele focalizou e se preocupou com o leitor, a leitura, e a interpretação
119
do texto literário e, conseqüentemente, com a literatura do modo teórico e científico que ele
fez; criando a Teoria do Efeito Estético. Seus estudos influenciaram muitos teóricos e
estudiosos importantes na área, - além de em outras áreas do conhecimento, propiciando
estudos nas Ciências Cognitivas relacionados à leitura do texto literário, por exemplo.
Iser discorre de modo bastante complexo e minucioso sobre o processo mental, o que
ocorreria na mente do leitor durante “o ato da leitura”, durante esse processo. Constrói, dessa
forma, uma fenomenologia da leitura, ao discorrer sobre os efeitos que a leitura de um texto
desencadearia na mente do leitor, enquanto este constrói o sentido do texto, utilizando-se
também de outras áreas do conhecimento como a lingüística, a psicanálise etc.
Considera a literatura como arte literária, e o texto como um objeto estético, sendo o
leitor importante no processo da leitura. O texto seria um detentor de sentidos possíveis, em
potencial, virtuais, que teriam de ser ativados, potencializados pelo leitor (sendo que essa
ativação depende também do tipo de leitor, do seu saber prévio, do seu “horizonte de
expectativas”, através do “ato da leitura”, gerando o efeito estético, que é considerado um
objeto estético. Estudou e sondou os mecanismos que devem ser ativados pelo leitor no “ato
da leitura”, e os efeitos que a leitura gera no leitor a partir dessa ativação, na mente do leitor
fenomenologicamente, de modo subjetivo e intersubjetivo. Analisou elementos que fazem
parte da estrutura textual literária que gerariam e caracterizariam tais efeitos durante o
processo de construção de sentido, criando vários termos a partir da combinação desses
elementos, suas respectivas funções e como funcionariam, ou seja, como seriam ativados pelo
leitor durante o ato da leitura e para a construção do sentido, tais como, “lacunas”,
“negatividade”, entre outros. Nitidamente, relacionou sua análise e teoria à textos ficcionais,
mas as idéias, de modo geral, podem ser aplicadas também à poesia.
Reconheceu, mas não considerou muito, o fato de que o contato entre o leitor e o texto
é bastante e inevitavelmente mediado por vários fatores extratextuais, não é um contato
“puro” no sentido husserliano. As Teorias da Recepção em geral foram influentes e de grande
importância na cada de 1970, ao reagir às teorias e críticas que privilegiavam a análise
textual para atribuir sentido ao texto, e não ao leitor e sua interpretação. Mas, foram
questionadas por críticas e teorias, sendo que algumas críticas partiram das Teorias da
Recepção, como a Sociologia da Leitura, e as considerações de Fish (1980), que focalizaram o
texto, como construção discursiva textual e o contexto sócio-histórico, apoiando-se nas
colocações Pós-estruturalistas e de Foucault (1995), em relação ao questionamento da
existência de sujeito autônomo e neutro. Assim como não leitura e interpretação textuais
autônomas e neutras, e sim construídas e determinadas, direcionadas por vários interesses de
120
poder presentes nos discursos legitimados por instituições sociais, que contribuem para a
formação do texto, do autor e do leitor, e que exercem grande influência em relação à
recepção, leitura, interpretação e crítica literárias.
Iser (1999 b) mais tarde, reviu alguns conceitos sobre as “lacunas” e “negações” como
modos de negociar a assimetria entre leitor e texto. A interação entre “fictício” (sentido
“dado”) e o “imaginário” (sentido “não-dado”), e de outras formas possíveis de se negociar os
“espaços vazios/lacunas”, sendo que tal interação pode ser concebida em termos de “jogo”, no
sentido de que, joga melhor quem sabe as regras do jogo, ou seja, um leitor crítico e/ou
iniciado. E, ainda, esclareceu o que entende por antropologia literária relacionada à teoria de
Jauss. Essa frase do autor resume seu trabalho de reflexão sobre a recepção, o “ato da leitura”
e a construção de sentido textuais pelo leitor: “A recepção de algo que escrevemos não pode
ser controlada e muito menos predeterminada” (ISER, 1999 b, p. 131). Afirmação refutada
por Fish (1980).
As teorias de Jauss e Iser surgiram em resposta à discussão sobre a interpretação
literária que, após a descrença na interpretação ancorada na Hermenêutica clássica, e nas
teorias e críticas imanentistas, descambaram em um vale-tudo interpretativo. O Reader-
Response Criticism pode ser considerado como desenvolvimento contemporâneo das idéias
jaussianas e iserianas (SCHØLLHAMMER, 1999). Reader-Response Criticism, traduzido
para o português, seria semelhante a “resposta/reação do leitor em relação ao texto”. Como
mencionado, essa vertente das Teorias da Recepção desenvolveu-se nos EUA, sendo seus
representantes mais importantes Iser, Culler e Fish. Esses autores partilham do fato de
pensarem nos efeitos que o texto literário desencadeia no leitor durante o ato de leitura.
Entendem o texto não como uma estrutura de onde emana um sentido, para eles, o texto
ganha existência e sentido no momento da leitura, sendo os “resultados” ou “efeitos” desta
fundamentais para se pensar nesse sentido (ZAPPONE, 2003). A citação abaixo sintetiza as
colocações de Iser sobre a recepção, bem como a leitura, construção de sentido e interpretação
literárias pelo leitor:
Para o leitor, a obra é o que é dado à consciência; pode-se argumentar que a obra
não é algo objetivo, que existe independentemente de qualquer experiência dela, mas
é a experiência do leitor. A crítica pode, dessa maneira, assumir a forma de uma
descrição do movimento progressivo do leitor através de um texto, analisando como
os leitores produzem sentido fazendo ligações, preenchendo coisas deixadas sem
dizer, antecipando e conjeturando e depois tendo suas expectativas frustradas ou
confirmadas (CULLER, 1999, p. 20).
121
Fish, teórico norte-americano e professor universitário de LLI nos EUA, em Is There a
Text in this Class?: The Authority of Interpretive Communities (1980), trata da recepção e
ensino de literatura em contexto acadêmico, focalizando a interpretação de textos literários,
enfatizando a poesia, pelo aluno-leitor estudante de LLI de curso de Letras. Suas reflexões são
apoiadas nos estudos s-estruturalistas e de Foucault sobre discurso e poder e sujeito não
autônomo, para analisar a leitura do texto literário e sua interpretação pelo leitor, inserido em
um contexto maior e social, que medeia a relação texto-leitor. Fish afirma que, esses sentidos
são muito similares, “nichos” de interpretações, denominados por ele de comunidades
interpretativas”. Embora trate do contexto social acadêmico, suas colocações podem ser
estendidas para outros contextos, ou seja, leitores que pertençam a uma mesma faixa social,
que tenham um mesmo nível de escolaridade, entre outras semelhanças, por exemplo, tendem
a ler e interpretar um texto de modo similar, embora com variação individual e marcas
individuais de interpretação. Dessa forma, a interpretação conta com a subjetividade, mas com
outros fatores também, não é puramente subjetiva; assim, as Teorias da Recepção,
contemporaneamente, examinam a leitura e interpretação literárias e investigam porque, onde
e quando um texto é lido; bem como examinam também certas práticas de leitura de grupos
sociais, étnicos ou nacionais.
De acordo com o Pós-estruturalismo, o sentido textual pode ser múltiplo e não é fixo,
sendo sua construção pelo sujeito leitor mediada por vários fatores inter e extratextuais e,
subjetivos e intersubjetivos. Tal abordagem posiciona-se em relação à linguagem, ao texto, e
ao leitor como um anti-humanismo e anti-essencialismo. A língua é a chave do conhecimento;
o texto é ambíguo e seu significado é relativo: múltiplas interpretações e a interpretação
definitiva é impossível, sendo que é uma construção com estratégias de poder e controle; a
leitura é desempenho através da pluralidade de significados dados pelo leitor. E o indivíduo é
formado por estruturas discursivas sobre as quais ele não tem controle (BONNICI, 2003).
Fish afirma que não há sentidos/significados/interpretações determinados, mas a
instabilidade do sentido de um texto literário defendida pelo Pós-estrurturalismo não é
“verdadeira”, mas construída. Ao analisar os leitores e suas leituras em relação aos grupos
sociais dos quais fazem parte; segundo ele, os leitores produzem leituras e interpretações
textuais literárias similares, condicionadas e mediadas por crenças dos grupos, adquiridas nas
“instituições” em que estão inseridos, que ele denominou de “comunidades interpretativas”.
Estas possuiriam hábitos de leituras viciados, seguidores de modelos de interpretação
estabelecidos ou, pelo menos, dentro de um padrão, construídos discursivamente, aceitos e
122
legitimados consensualmente, servindo aos interesses de poder de estruturas superiores a elas,
as “instituições”.
Tais “comunidades” estabelecem as leituras e as interpretações textuais adequadas”,
que são determinadas pelos discursos (foucaultianamente). Considerando-se a existência não
só das “comunidades interpretativas” universitárias, que segue o discurso acadêmico, da
instituição acadêmica, entre várias outras, por exemplo, a religiosa, a educacional, a de
esquerda, que legitimam e estabelecem o sentido de um texto aceito consensualmente.
Os alunos-leitores estudantes universitários de literatura que se querem, e deveriam ser
críticos, apresentam leituras e interpretações tão condicionadas e dirigidas quanto outros tipos
de leitores, pertencendo à “comunidade interpretativa” universitária. A instituição acadêmica
legitima as críticas e interpretações literárias, que são incorporadas pelos professores e
transmitidas aos e aceitas pelos estudantes de literatura. Sendo o aluno-leitor considerado um
sujeito leitor foucaultianamente, o discurso didático literário acadêmico constrói a
interpretação “crítica” e a legitima/autoriza sendo disseminada através do professor e
repetida/parafraseada pelos alunos.
Os estudos na área da Lingüística sobre compreensão e interpretação textuais
apontam três “conhecimentos” necessários que precisam ser interligados pelo leitor, para a
realização de uma leitura satisfatória, a partir da qual seja possível construir e conferir sentido
coerentemente a um texto literário ou não: 1) Conhecimento prévio (conhecimento de
mundo); 2) Conhecimento lingüístico (língua); 3) Conhecimento textual (gênero textual a que
pertence o texto) (KLEIMAN, 1989 apud RODRIGUES; MENEGASSI, 2005, p. 126).
Kügler (1987) descreve o processo e os níveis de recepção literária no ensino
concebido como um processo de comunicação, não ligado à noção de transporte de mensagem
do emissor a um receptor, mas pelo processo de interação dialética entre leitor e texto. O autor
divide este processo em três níveis de leitura: 1) leitura primária: percepção individual do
texto; 2) leitura secundária: constituição coletiva do significado: confronto com outros
significados (em sala de aula: opiniões e interpretações do professor, de textos de críticos, dos
colegas etc.); 3) modos secundários de ler: leitura crítica e crítica ideológica. Sendo que
nenhum desses modos é neutro e livre de intermediários e influências.
Fish enfatiza o discurso didático literário acadêmico como intermediário legitimador
e estabelecedor de modelos de interpretação e crítica literárias, disseminados pelos
professores e seguidos à risca pelos alunos. Nem o texto e seu sentido, e nem o leitor, são
entidades independentes e estáveis. Se o sentido estivesse no texto, ao leitor caberia a
responsabilidade delimitada de retirá-lo, mas o sentido se desenvolve em uma relação
123
dinâmica com as expectativas, projeções, conclusões, julgamentos etc., do leitor. Estas
atividades, “as coisas que o leitor faz” ao ler com o texto, não são meramente instrumentais
ou mecânicas, mas fundamentais e o ato de descrição deveria começar e terminar com eles.
Na prática, isto substitui a pergunta “o que este texto significa” por “o que este texto
faz/provoca”, evocando esta uma referência a ão/efeito do texto em um leitor, e as ações
feitas por um leitor, enquanto ele negocia com e atualiza o texto. A “resposta/reação”
responsedo leitor não é ao sentido, ela é o sentido; ou pelo menos o meio pelo qual o que
se chama de sentido vem a existir ou se manifesta.
Esse leitor está inserido em uma “comunidade interpretativa” e é uma decisão
comunal do que vai ser considerado literatura dessas “comunidades interpretativas”, que lhe
confere sentido, e das instituições acima destas que o legitima. “A conclusão desta conclusão”
é que o leitor é que “faz” a literatura, embora pareça subjetivismo, não o é, se pensar-se que o
leitor não é um agente agentlivre, mas um membro de uma comunidade, cujas afirmações
sobre literatura determinam o tipo de atenção que ele dispensa ao texto. O leitor e esse ato de
“construir/fazer” não são entendidos sob uma teoria da agência individual autônoma. O ato de
reconhecer a literatura não se deve a algo presente no texto, nem de um desejo independente e
arbitrário, mas procede de uma decisão coletiva sobre o que irá contar como literatura, uma
decisão que vai prevalecer, enquanto essa comunidade de leitores continuar a segui-la e acatá-
la, ou seja, um consenso intersubjetivo.
A noção de uma decisão pela qual uma pessoa acata ou não algo implica que no que
alguém acredita é uma questão de escolha. O sujeito livre ou autônomo não é eliminado, mas
garantido do poder de que pode determinar as crenças que determinam o seu mundo. A leitura
crítica seria a realizada por um leitor informado dessas noções convencionais, como o
resultado de que qualquer “decisão” em afirmar uma crença seria permitida por crenças que
ele não escolheu. Caracterizando dois tipos de sujeito-leitor, em um primeiro tipo, o sujeito é
constituído tanto quanto o texto que ele constitui por modos convencionais de pensamento.
No segundo tipo, o sujeito tem uma posição de vantagem da qual ele consegue perceber
modos convencionais de pensar e escolhe entre eles.
A relação entre interpretação e texto é então revertida, as “estratégias interpretativas”
não são postas em execução após a leitura, mas são o que dão forma à leitura e,
conseqüentemente, ao texto, o construindo, e não como emanado dele. Mas, isso não implica
em deslocar a autoridade do texto para o leitor que o constrói mediante as estratégias de
interpretação. Porque estas estratégias não pertencem a ele no sentido que o fariam um agente
independente, elas não provêm dele, mas das “comunidades interpretativas” da qual ele é um
124
membro; elas são propriedades da comunidade e, como elas permitem e limitam as operações
de sua consciência, ele é também propriedade das comunidades. A noção de “comunidade
interpretativa” é central na argumentação de Fish, pois é ela que produz o sentido do texto, e é
responsável pela emergência de características formais, e não o texto ou o leitor. As
“comunidades interpretativas” são formadas pelos leitores que compartilham “estratégias
interpretativas” não para ler, mas para escrever textos. Estas estratégias são anteriores ao
ato de ler e, dessa forma, determinam a característica e o sentido do que é lido.
Os clamores de objetividade e subjetividades não podem mais ser debatidos porque a
a agência autorizante, o centro da autoridade interpretativa, é ao mesmo tempo ambos e
nenhum. Uma “comunidade interpretativa” não é objetiva porque, como uma gama de
interesses, propósitos particulares e objetivos, sua perspectiva é de interesse e não neutra; e,
pelos mesmos motivos e razões, os sentidos e textos produzidos por uma “comunidade
interpretativa” não são subjetivos porque eles não procedem de um indivíduo isolado, mas de
um ponto de vista público e convencional. Membros de uma mesma comunidade irão
necessariamente concordar porque verão e construirão o texto, em relação aos propósitos e
objetivos defendidos pela comunidade; e da mesma forma, membros de comunidades
diferentes, irão discordar, porque a partir da perspectiva de cada uma delas, a outra não
consegue perceber o que é óbvio e inescapável. Isso explica a estabilidade de interpretações
entre leitores diferentes: eles pertencem a mesma comunidade. Como também explica porque
desacordo e porque eles podem ser debatidos: não porque estabilidade nos textos, mas
pela estabilidade da formação das “comunidades interpretativas” e nas posições contrárias que
elas possibilitam.
Como o que é aceitável em uma comunidade pode não o ser em outra, a respeito do
mesmo texto, conclui-se que não um único modo de ler que seja natural ou correto, mas
somente “modos de leituras” que são extensões das perspectivas da cada comunidade. Assim,
o trabalho da crítica não é determinar um modo correto de leitura, mas determinar de um
número de perspectivas possíveis a leitura interpretativa, trabalhando com a negociação e a
persuasão. Fish discorda do Pós-estruturalismo (ver p. 121), que afirma que o texto possui
estratégias de poder e controle, ao considerar que as entidades que competiram pelo direito
de ditar a interpretação: autor, texto e leitor são “produtos” da interpretação, ou seja, é a
interpretação ditada pelas “instituições”, legitimada pelos discursos e aceita e posta em prática
pelas “comunidades interpretativas” que forma/constrói o autor, o texto, e as intenções dos
leitores.
125
Sobre o conceito de texto e de interpretação textual para alunos-leitores estudantes
universitários de literatura, afirma que estes estão tão inseridos no contexto acadêmico e com
idéias tão marcadas e imprimidas neles pelo discurso didático acadêmico, pela “instituição”
acadêmica que não se dão conta disso, e se pensam sujeitos-alunos-leitores críticos, por
estarem estudando literatura em uma universidade. Não percebem que são produtos das
circunstâncias, pois, desde que um sujeito esteja situado em uma instituição, suas atividades
interpretativas não são livres, mas condicionadas pelas práticas e afirmações da instituição,
antes de pelas regras e os sentido fixados de um sistema lingüístico. As sentenças não são
limitadas/controladas pelo sentido que as palavras têm em um sistema lingüístico normativo;
como não é livre para se conferir um sentido que se queira, pois dependem e sempre estão
inseridos em um contexto. A identificação do contexto e o fazer sentido ocorrem
simultaneamente dentro de uma instituição e de acordo com suas regras.
A autoridade na sala de aula e na crítica literária depende da existência de um
determinado consenso de sentidos porque, na falta de tais consensos, não há um modo
normativo ou público de construir o que alguém diz ou escreve, resultando em interpretação
de construção individual e privada não sujeita a mudança ou correção. Na crítica literária, isto
significa que nenhuma interpretação pode ser considerada melhor ou pior do que outra, e na
sala de aula, os professores devem considerar os estudantes que dizem que sua interpretação é
tão válida quanto a deles. Isto é possível, desde que haja uma base compartilhada de consenso
guiando a interpretação e fornecendo um mecanismo para decidir entre interpretações, o
permitindo um relativismo. Os sentidos vêm calculados, não por causa de normas
incrustadas na linguagem, mas porque a linguagem é sempre percebida, a partir e dentro de
uma estrutura de normas institucionais. Tal estrutura não é abstrata e independente, mas social
e, dessa forma, não é uma estrutura única com uma relação privilegiada ao processo de
comunicação quando ela ocorre em qualquer situação, mas é uma estrutura que muda quando
uma situação, com seus panos de fundo de práticas, propósitos e objetivos dão chance a
outras.
Afirmar que afirmações individuais e opiniões não pertencem ao sujeito não é
solipsismo. O sujeito não é criador das opiniões que emite, é mais plausível dizer que elas são
ele; é a disponibilidade anterior delas que delimita a priori os caminhos que sua consciência
pode possivelmente seguir. No ato de construir o sentido, nenhuma das “estratégias
interpretativas” a sua disposição é unicamente do sujeito. Ele a(s) segue(m) a partir do seu
pré-entendimento de interesses e objetivos que poderia, possivelmente, animar o discurso de
alguém funcionando dentro de uma determinada instituição, interesses e objetivos que não são
126
propriedades de ninguém em particular, mas que se ligam de tal modo que suas características
são tão habituais a ponto de não são percebidas e/ou questionadas. As pessoas são capazes de
se comunicarem e expor essas intenções, não porque os seus esforços interpretativos são
limitados pela forma de uma linguagem independente, mas porque o seu entendimento
compartilhado sobre algo, que pertencem a mesma “instituição” e “comunidade
interpretativa”, resulta na linguagem parecendo para eles na mesma forma. O entendimento
compartilhado é a base da confiança com a qual eles falam e argumentam, mas estas
categorias pertencem a eles somente no sentido de como atores dentro de uma instituição,
eles automaticamente aderem ao modo de produzir sentido da instituição, seus sistemas de
inteligibilidade. Por isso, é tão difícil para alguém que é definido (que tem a sua vida
definida) pela sua posição dentro de uma instituição explicar para alguém de fora dela uma
prática ou um significado que para ele parece não requerer explicação, porque ele considera
isso como natural. É porque é ou porque é óbvio, testificando, assim, que a prática ou o
significado em questão é propriedade comunitária, como ele também é.
Os intérpretes agem como extensões de uma comunidade institucional e, o solipsimo e
o relativismo não são possíveis. Porque a condição para que alguém seja solipsista ou
relativista, a condição de ser independente de afirmações institucionais e livres para criar os
propósitos e objetivos próprios nunca poderia se realizar. Não precisa se temer, os múltiplos
sentido de um texto, se não sujeito autônomo e crítico, da mesma forma, não leitura e
interpretação autônoma e crítica. A crítica de tal sujeito consiste em ele saber que está dentro,
inserido, que faz parte de uma instituição social, de uma “comunidade interpretativa” e que
pode escolher se compartilha dela ou não, em detrimento de outra, mas não a ausência, o
fora de uma instituição ou comunidade.
Os hábitos de leituras desses alunos são direcionados e treinados por um método
interpretativo consensual. Bem como, também, exemplifica que o texto aceita qualquer
sentido que se lhe dê, ele não traz um sentido único, sendo que tais interpretações se mostram
muito coerentes e convincentes em relação a seus argumentos. Além de questionar a questão
que atormenta a crítica literária, sobre as características da linguagem literária que a distingue
da pragmática, que caracterizariam um texto como literário, pois a linguagem de um poema
comportaria as características que são ditas serem próprias dos poemas, que se conhecidas vão
ser reconhecidas. Mas, que não funcionou na lista que Fish apresentou a seus alunos como se
fosse um poema, e que foi vista, lida e interpretada como um poema, enquanto não passava de
uma simples lista de sobrenomes, cuja estrutura lembrava a da poesia concreta moderna.
127
Não é a presença de qualidades poéticas que pressupõe certos tipos de atenção, mas o
é prestar um certo tipo de atenção que resulta na emergência de qualidades poéticas. Logo que
ele disse aos alunos que a lista era um poema, eles começaram a olhar para ela com olhos de
quem estava vendo um poema, com olhos que viam tudo em relação às propriedades que eles
sabem que um poema possui, ensinadas pelo professor, como se estivessem seguindo um
modelo, que dará um resultado interpretativo mais ou menos previsível. Interpretar dessa
forma, é fazer o desejável e o previsível, porque se está fazendo o que se aprendeu a fazer “no
curso” de se tornar um leitor hábil e “crítico” de poesia.
A leitura habilidosa comumente é discernir o que está (no texto), mas diante do
exemplo da lista-poema, é um modo de saber como produzir o que pode ser dito estar lá.
Interpretação não é a arte de “entender” construing”, mas arte de “construir” constructing”.
Intérpretes não decodificam poemas, mas fazem” eles: o pressuposto do Reader-response
Criticism, o texto não emana sentido, o leitor é que constrói, que lhe atribui sentido.
Os objetos/textos são feitos pelas “estratégias interpretativas” do sujeito-leitor, que
não são subjetivas porque os meios de que são construídas são sociais e convencionais. O
sujeito-leitor que interpreta é um sujeito social e não isolado, as operações mentais que pode
realizar são limitadas pelas instituições na quais está inserido. O sujeito é formado por
estruturas sobre as quais ele não tem poder, estas instituições o procede a priori e é, somente
habitando elas, ou sendo habitados por elas, é que tem acesso ao sentido público e
convencional que elas constroem. Então, enquanto é verdade dizer que nós criamos poesia,
nós a criamos através de “estratégias interpretativas” que não são nossas, mas que tem suas
fontes em um sistema público disponível de inteligibilidade. Este sistema (no caso o literário)
nos limita e nos forma, nos moldando com categorias de entendimento, com as quais nós, por
sua vez, formamos o sentido do texto. Então, à lista de objetos feitos e construídos, nós
podemos adicionar nós mesmos, porque nós não menos do que os poemas e listas que vemos
como poemas, somos produtos produzidos por padrões sociais e culturais de pensamento.
A oposição objetividade/subjetividade é falsa porque nenhuma delas existe na forma
pura que daria à outra a razão. Fato ilustrado pelo exemplo da lista-poema, em que se constata
que não se tem leitores autônomos em uma relação de adequamento perceptual ou
inadequamento a um texto igualmente autônomo. Os leitores têm suas consciências formadas
por uma série de noções convencionais que, quando postas em ação constituem um objeto
convencional e convencionalmente visto. Os alunos puderam fazer o que fizeram de forma
quase idêntica, porque como membros de uma comunidade literária eles sabiam o que um
128
poema “era”, o conhecimento deles era público, e aquele conhecimento levou eles a perceber,
“olhar” de tal modo para a lista e atribuir-lhe sentido.
O sujeito-leitor é um agente por extensão da estrutura institucional. O ato
interpretativo não é exclusivamente individual, mas está conectado a ele em algum meio
socialmente organizado, e que são sempre compartilhados e públicos. Se todas as concepções
que preenchem a mente do sujeito são culturalmente derivadas, a noção de um sujeito
autônomo, livre, ilimitado se torna impossível. Se o sujeito não é uma entidade independente,
mas um construto social cujas corporações são delimitadas pelos sistemas de inteligibilidade
que informa ele, então, os significado que confere ao texto, não são seus, mas tem suas fontes
na “comunidade interpretativa” (ou comunidades) das quais ele é uma função. Esses
significados nunca serão subjetivos ou objetivos nos termos tradicionais: não são objetivos
porque, sempre serão o produto de um ponto de vista mais do que ter sido simplesmente lido;
e não são subjetivos porque, este ponto de vista será sempre social ou institucional. Ou os dois
pontos são subjetivo e objetivo: eles são subjetivos porque possuem um ponto de vista
particular e não são universais; e são objetivos porque o ponto de vista que controla eles é
público e convencional, o individual ou único. Mas, se os sujeitos são construídos pelos
modos de pensar e ver existentes nas instituições sociais e, se estas constituem os sujeitos
que, por sua vez, constituem os texto do mesmo modo, então não pode haver relações
adversária entre o texto e o sujeito porque eles são necessariamente produtos relacionados
das mesmas possibilidades cognitivas. Um texto não pode ser destruído por um leitor
irresponsável, não porque se preocupar em proteger a “pureza” de um texto das
idiossincrasias de um leitor. É, somente, as distinções entre sujeito e objeto que fornecem
estas demandas, e uma vez que, esta distinção é questionada ela se esfacela. Então, os leitores
constroem significado da mesma forma que, o significado na forma de categorias
interpretativas culturalmente derivadas constroem os leitores. O leitor não “fala” nada sobre o
texto que não faça parte do consenso da “comunidade interpretativa” a qual ele pertence.
Se se elimina a dicotomia sujeito-objeto, os problemas são desmascarados como nunca
tendo sido problemas. Como na ausência de um sistema normativo de sentidos estáveis duas
pessoas poderiam mesmo considerar a interpretação de uma obra ou mesmo de uma frase? Tal
dificuldade o é somente se essas pessoas são pensadas como indivíduos isolados cujos
acordos devem ser estabelecidos por algo externo a eles. Mas, se os entendimentos das
pessoas em questão são informados pelos mesmos princípios interpretativos, então, o
consenso entre eles é assegurado, e sua fonteo será um texto que impõe sua própria
percepção, mas um modo de perceber que resulta da emergência daqueles que compartilham
129
dele. A forma e o significado que um texto adquire e parece ter é o resultado daqueles que
concordaram em produzi-lo.
3.6 Tradução, recepção e ensino de literatura e de poesia de língua inglesa em sala de
aula de ensino superior
Bonnici (2004) comenta sobre o ensino e estudo de poesia de LI no ensino superior,
em uma antologia de poemas selecionada por ele, que abarca desde o Romantismo até o
século XX da poesia inglesa e norte-americana. Afirma que escolheu os poemas com o
objetivo de propiciar o contato e conhecimento de estudantes universitários brasileiros de
Letras que estudam poesia de LI produzida na Inglaterra e Estados Unidos, com culturas e
estéticas poéticas diferentes. Em sua opinião, os estudantes devem perceber que a poesia
inglesa e norte-americana não é superior à poesia brasileira ou vice-versa. Conhecer outro
mundo, outra cultura, não implica e nem deve implicar, ser dominado ou anulado por este. A
cultura, bem como a poesia brasileira está “na raiz “de nós como sujeitos brasileiros, quer se
queira ou não”. A poesia de outra nacionalidade pode ser uma tentativa de entender, ser e de
viver, como sujeitos em um mundo de cultura plural globalizado. Bonnici menciona a
extinção anunciada de centenas de nguas nas próximas décadas, e que os poemas escritos
nessas línguas podem ser perdidos, sendo o estudante de literatura responsável pela
sobrevivência e manutenção das línguas e dos poemas escritos nestas. Embora Bonnici não
toque no assunto tradução, eu acrescentaria, também, a tradução e adaptação dessas poesias.
Segundo o autor, ler e analisar um poema objetivamente não é uma tarefa fácil na
língua-materna, e muito menos em outra língua; mas, analisar objetivamente não é um termo
adequado para discutir um trabalho humano tão profundo quanto a poesia. Ler e estudar
poesia não devem ser temidos pelos alunos, como uma tarefa árdua, para descobrir o sentido
do poema: “o que o poeta quer/quis dizer”, uma dor de cabeça ou um pesadelo aterrorizante,
mas um prazer. O poema geralmente deve ser lido em voz alta para se apreciar sua beleza e
ritmo poéticos, além de ser necessário conhecimento sobre o contexto histórico e filosófico do
poeta. Leituras complementares podem auxiliar a conhecer e entender sua vida e,
conseqüentemente, seu trabalho, e são importantes para entender sua mentalidade e tema(s)
recorrente(s). Além de um bom dicionário ou enciclopédia, conhecimentos sobre os elementos
técnicos e teóricos e técnicas poéticas, que não devem ser vistos como instrumentos
mecânicos a ser aplicados rigida e automaticamente, mas como itens auxiliares, que
juntamente com a musicalidade das palavras e o tema do poema, podem fazer o leitor apreciar
130
esta faceta da criação artística e vida humanas. Poetas antigos podem ser tornar
contemporâneos pela ativação de sentido do texto poético pelo leitor, ao ler, refletir e “dar
vida, sentido às palavras em uma interpretação nova no contexto da época histórica atual.
Diante dessas considerações não parece árduo estudar poesia em LI, desde que se
goste de ou se interesse pelo assunto e se domine a LI satisfatoriamente, preferivelmente em
nível de proficiência, para desempenhar leituras e refletir sobre estas oral e textualmente
dentro dos padrões de exigências do discurso científico acadêmico. Entretanto, isso nem
sempre acontece, sendo esta a razão/problema dessa pesquisa, detectado por pesquisas de
Wielewicki (2002) e Olher; Wielewicki (2006).
Venuti (2002) afirma que, durante o processo tradutório, o tradutor dissemina no
texto traduzido “resíduos domésticos”: inscrições de valores, crenças e representações ligadas
a momentos históricos e posições sociais na cultura doméstica (de chegada). A exclusão ou a
repressão da tradução na sala de aula faz com que as idéias e as formas pareçam estar
descomprometidas, historicamente soltas, transcendendo as diferenças lingüísticas e culturais
que ensejaram não a tradução, mas também sua interpretação em sala de aula” (p. 147).
Trabalhos publicados na área de estudos de tradução (HATIM e MASON 1990; BAKER,
1992 apud OLHER; WIELEWICKI, 2006) consideram a atividade tradutória como uma
prática discursiva em que inúmeras ações reflexivas são realizadas pelo tradutor: ler,
interpretar, analisar, pesquisar, tomar decisões, entre outras atividades, que vão da escolha de
palavras ou sentenças até o nível do discurso.
Mudanças de paradigmas ocorridas após a II Guerra Mundial que influenciaram
áreas diferentes do saber apontaram uma redefinição do processo tradutório tradicional, como
a desconstrução da oposição binária texto traduzido/texto original. Estruturalistas definiram a
língua como um sistema constituído de signos, em que cada signo representa o resultado da
relação convencional entra a palavra e o significado. A partir do Pós-estruturalismo, tal
sistema foi desconstruído pela instabilidade, indeterminação e pluralidade da construção de
sentidos, devido às particularidades da interpretação. Passou-se a considerar que (ver as duas
seções anteriores) o sentido é construído considerando-se o contexto e os valores históricos
socio-culturais, morais etc., adquiridos e vivenciados pelo sujeito, ao longo de sua experiência
de vida. Tanto o original quanto a tradução, são derivados da interpretação ou “leitura” do
autor/leitor/tradutor. Os sentidos são heterogêneos, porque as culturas de origem e de chegada
comumente também o são.
A tradução, em muitos contextos, passa por “isolamento institucional, divorciada dos
desenvolvimentos culturais contemporâneos e dos debates que a revestem de significado”
131
(VENUTI, 2002, p. 148), como no ensino de LLI. Olher; Wielewicki (2006), a partir de tal
status contemporâneo da tradução, indagam como a TL poderia ser percebida por estudantes
de LLI, considerando-se questões ideológicas e pedagógicas.
Venuti discute a tradução em relação à LI e à LLI considerando os fatores
ideológicos e culturais domésticos envolvidos no processo tradutório despercebidos muitas
vezes. Relaciona tais aspectos em relação ao uso e estudo da tradução por alunos e em sala de
aula de ensino superior até o nível de doutorado nos Estados Unidos e no Reino Unido; e
propõe práticas pedagógicas para o estudo da TL, que podem ser utilizadas também no
contexto brasileiro. Além de evidenciar que o problema envolvendo a falta de conhecimento e
reflexão de estudantes de cursos de Letras sobre tradução e TL em relação a esses aspectos no
ensino superior (graduação, pós-graduação e doutorado) não é unicamente brasileiro. E, que
os professores norte-americanos se utilizam de traduções literárias e não-literárias em sala de
aula, sem atentar para tais características.
Em relação à situação atual em que a tradução em LI se encontra na economia
cultural global, desde a II Guerra Mundial, o inglês é a língua mais traduzida mundialmente,
mas uma para a qual menos se traduz. Tal assimetria assegura a hegemonia dos EUA e Reino
Unido sobre outros países, não somente política e econômica, mas também cultural. A
influência internacional da LI é tão imensa como a marginalidade da tradução na cultura
anglo-americana contemporânea. Embora as literaturas britânicas e americanas circulem em
muitas línguas estrangeiras, comandando o capital de muitas editoras estrangeiras, a tradução
de literaturas estrangeiras para a LI atrai pouco investimento e atenção. A tradução é mal
remunerada, não reconhecida pela crítica e invisível para os leitores de LI. O poder cultural
anglo-americano mundial tem limitado a circulação de culturas estrangeiras em âmbito
nacional, diminuindo as oportunidades domésticas para pensar sobre as diferenças lingüísticas
e culturais. Mas, nenhuma língua pode (nem consegue) excluir inteiramente a possibilidade de
dialetos, discursos, códigos e comunidades culturais diferentes. Fato confirmado pela
variedade de LI em relação às diversas formas culturais e lingüísticas que existem nas nações
em que é a primeira língua. Narcisismo e complacência culturais são possibilitados pela
posição marginal da tradução, tal falta de interesse pelo que é estrangeiro tende a empobrecer
as culturas e promover valores e políticas baseadas na desigualdade e exploração.
Tal marginalidade apresenta-se também nas instituições educacionais de ensino
superior, manifestada através de “uma contradição escandalosa” (VENUTI, 2002, p. 171).
uma dependência quase total de traduções nos ensinos, currículos, pesquisas e publicações e,
uma tendência de omitir o status de textos traduzidos como traduzidos, como se fossem
132
escritos originalmente na língua-alvo. Desde a década de 1970, a tradução ganhou espaço e
reconhecimento como um campo de estudo acadêmico e como uma área de investimento em
publicação acadêmica institucionalizada, como a oficina da escrita criativa, o programa de
graduação, o currículo em teoria e crítica da tradução e as séries de livros dedicadas às
traduções literárias ou estudos da tradução. Mas, a “existência” da tradução continua sendo
reprimida no ensino de literatura traduzida. Venuti explora duas questões relacionadas a essa
repressão: 1) “Quais são seus custos políticos e culturais, isto é, que conhecimentos e práticas
a tradução possibilita ou elimina?2) “E que pedagogia pode ser desenvolvida para tratar da
questão da tradução, especialmente do resíduo de valores domésticos inscritos no texto
estrangeiro durante o processo tradutório?” (p. 171).
Tanto o uso como a repressão de TL no ensino superior são inevitáveis, e de modo
acentuado nos EUA, onde alunos de graduação são obrigados a se matricular em cursos da
“área de humanas” ou de “Grandes Livros” dedicados aos textos canônicos da cultura
ocidental. As leituras consistem de traduções inglesas de língua arcaicas e modernas. Alguns
departamentos de língua estrangeira, devido às matrículas esparsas durante o período pós-II
Guerra Mundial, instituíram cursos nos quais literaturas estrangeiras são lidas somente em
traduções em LI, e a tradução, provavelmente, não é discutida, pois o corpo docente não a
considera como um método de instrução de língua estrangeira.
Desde a década de 80, a tradução possibilitou os desenvolvimentos em teoria
cultural, que transformaram radicalmente a crítica literária anglo-americana, introduzindo
metodologias novas e poder explanatório, ligando a cultura a questões sociais e políticas, e
gerando tendências multidisciplinares como os Estudos Culturais. Esses conceitos, debates e
revisões curriculares estão, em muitos casos, preocupados com a questão da diferença
lingüística e cultural que reside na tradução: por exemplo, as questões das ideologias étnicas e
raciais nas representações culturais; a elaboração da teoria pós-colonial, para o estudo do
colonialismo e das culturas colonizadas no decurso da história mundial; e a emergência do
multiculturalismo para desafiar os cânones culturais europeus. Mas, o ensino e a pesquisa não
tratam da realidade de dependerem da tradução, sem discutir que as interpretações ensinadas
estão afastadas do texto em língua estrangeira, pois são mediadas pelo discurso tradutório do
tradutor.
Ao deixar de discutir e ensinar o status tradutório do texto confirma-se o comentário
de Derrida de que, a tradução é um “problema político-institucional da Universidade: como
todo ensino em sua forma tradicional, e talvez como todo ensino qualquer que ele seja, [a
tradução] tem como seu ideal, com traduzibilidade exaustiva, a obliteração da língua”
133
(DERRIDA, 1979 apud VENUTI, 2002, p. 176). A pedagogia contemporânea entende a
tradução como a comunicação não afetada pela língua que a torna possível ou, nas palavras de
Derrida: “governada pelo modelo clássico da vocalidade transportável ou da polissemia
formalizável”. Pensar na tradução como “disseminação” (Id. Ibid., p. 176), como a liberação
de significados diferentes, devido à substituição por uma língua diferente, levanta um
problema político: questiona a distribuição de poder na sala de aula, expondo as condições
lingüísticas e culturais que complicam a interpretação do professor.
Estudar os significados de uma versão em inglês feita por um tradutor inglês de uma
obra estrangeira, o que a versão inscreve na obra estrangeira, pode enfraquecer a autoridade
interpretativa do professor que ensine que a sua leitura é verdadeira e adequada à obra. A
tradução envolve uma disseminação imprevisível de significado, implica uma relação de
perda e ganho entre o texto da língua-fonte e o texto da língua-alvo, tal ensino presume que
essa relação tenha sido superada, que sua interpretação seja uma tradução transparente em LI.
São preservadas, então, a autoridade da interpretação do professor, e da língua por meio da
qual ela é comunicada. Derrida observa que, o ideal de traduzibilidade que orienta a
universidade também “neutraliza [uma] língua nacional” (Id. Ibid., p. 176), isto é, o fato de
que a língua do professor não é imparcial em sua representação dos textos estrangeiros, mas
nacional, específica dos países de LI. A repressão do uso da tradução em sala de aula oculta a
inscrição dos valores culturais norte-americanos e britânicos no texto estrangeiro e,
simultaneamente, trata a LI como veículo transparente da verdade universal, propiciando o
surgimento de “chauvinismo lingüístico” e “nacionalismo cultural” (Id. Ibid., p. 177) .
Tal prática ocorre principalmente nos cursos da área de humanas, em que a tradução
de um texto estrangeiro canônico pode ser incluída nos programas. A defesa reacionária dos
Grandes Livros, que emergiu na cada de 80, adota freqüentemente, por exemplo, uma
continuidade entre eles e uma cultura britânica ou norte-americana nacional, enquanto ignora
diferenças históricas e culturais importantes, inclusive as introduzidas pela tradução. Quando
a questão da tradução é reprimida no ensino de textos traduzidos, a língua para a qual se
traduz e sua cultura podem ser valorizadas, vistas como expressão da verdade do estrangeiro,
podendo construir uma imagem que sirva aos interesses de certos grupos domésticos.
Uma pedagogia da literatura traduzida pode ajudar os alunos a aprender a serem
autocríticos e críticos de ideologias culturais excludentes, ao analisar os contextos dos textos e
das interpretações. As traduções são sempre inteligíveis para públicos culturais específicos
em momentos históricos específicos. Reprimi-las fazem “com que as idéias e as formas
pareçam estar descomprometidas, historicamente soltas, transcendendo as diferenças
134
lingüísticas e culturais que ensejaram não só a tradução, mas também sua interpretação na sala
de aula” (Id. Ibid., p.178).
Venuti propõe técnicas pedagógicas para a análise e estudo de traduções em sala de
aula. O esforço para reconstruir o período no qual o texto estrangeiro foi produzido, para
criar um contexto histórico para a interpretação não compensa a perda da historicidade, mas
complica e exacerba essa perda. Os alunos acabam considerando tais interpretações históricas
como inerentes ao texto, não determinadas por discursos tradutórios e metodologias críticas
que respondam aos valores culturais de momentos diferentes. Tendem a desenvolver um
conceito de verdade interpretativa, como se fosse uma simples adequação ao texto, sem
perceber que eles o estão constituindo ativamente, ao selecionarem e sintetizarem a evidência
textual e a pesquisa histórica e, que sua interpretação é formada por restrições lingüísticas e
culturais, que incluem sua dependência de uma tradução. Reconhecer um texto como
traduzido e incorporar esse reconhecimento às interpretações em sala de aula pode ensinar aos
alunos que suas operações críticas são limitadas e provisórias, situadas em uma história
transitória de recepção, numa situação cultural, num currículo, e numa língua específicos. E, a
partir do conhecimento dessas limitações, tomam consciência das possibilidades diferentes de
entender o texto estrangeiro e seu momento cultural.
Tal pedagogia força uma reestruturação dos currículos dos cursos, cânones e
disciplinas, uma vez que as traduções são indicadas como leituras obrigatórias porque os
textos estrangeiros que elas traduzem são valorizados, não por causa do seu próprio valor,
mesmo sendo selecionadas mediante vários critérios. Abordar a questão do uso da tradução na
sala de aula torna essas avaliações problemáticas, porque requer um foco duplo, abarcando
não só o texto e a cultura estrangeiros, mas o texto e a cultura da tradução.
Deve-se revisar roteiros de cursos, confrontar o conceito de uma tradução canônica
de um texto idem e, desenvolver materiais que cruzem fronteiras disciplinares entra língua e
períodos. Não só o autor, mas também o tradutor do autor também deve ser abordado:
reconstrução do contexto da obra traduzida e da tradução da obra. Uma justaposição de
trechos selecionados em língua-fonte e na traduzida pode evidenciar características
particulares aos dois textos, bem como seus momentos históricos culturais diferentes. Os
alunos podem ser levados a perceber que os clássicos são tão “Grandes” quanto suas
traduções permitem que sejam, que a canonicidade não depende simplesmente de
características textuais, mas também de formas de recepção que refletem os valores de
comunidades culturais específicas em detrimento de outras.
135
A pedagogia da literatura traduzida procura entender as diferenças lingüísticas e
culturais, e, assim, pode ser considerada um exemplo do conceito de Giroux sobre uma
“pedagogia de fronteira”, segundo a qual, “a cultura não é vista como monolítica e inalterável,
mas como uma esfera mutável de fronteiras múltiplas e heterogêneas na qual histórias,
línguas, experiências e vozes diferentes se mesclam em meio a relações variadas de poder e
privilégio” (GIROUX, 1992 apud Id. Ibid., p. 180). Ensinar a tradução revela como formas
diferentes de recepção constroem o significado do texto estrangeiro, mas também quais dessas
formas são dominantes ou marginalizadas na cultura doméstica em qualquer momento
histórico. Tal pedagogia em relação ao multiculturalismo, não defende que os cânones
literários europeus sejam abandonados, a menos que a cultura contemporânea continue
profundamente enraizada nas traduções culturais européias e dependente das traduções de
seus textos canônicos. O estudo da literatura norte-americana contemporânea, considerado
exemplar do multiculturalismo, requer “não os cânones recebidos das literaturas hispano e
anglo-americana [...], mas um cenário recém-elaborado” (GREENE, 1995 apud Id. Ibid., p.
180), que inclui nomes nacionais e estrangeiros marginalizados. Da mesma forma que, a
tradução é inevitável para o entendimento das literaturas étnicas norte-americanas, não é
viável exclusões de traduções de textos canônicos.
Essa pedagogia questiona, também, uma integração redutora entre textos canônicos e
de culturas excluídas, ou seja, a noção de um cânone multicultural, que promova um
nivelamento, ao remover a especificidade histórica que distingue os textos, criando “o
horizonte de falsa igualdade e uma noção despolitizada de consenso”, ignorando as exclusões
existentes em qualquer formação canônica e instituição educacional (GIROUX, 1992 apud Id.
Ibid., p. 181). O estudo da tradução sugere que o respeito pela diferença cultural - um objetivo
pedagógico do multiculturalismo - pode ocorrer pela historicização de várias formas de
recepção do estrangeiro, incluindo as formas discursivas aplicadas na tradução de textos
estrangeiros, canônicos e marginais. Assim, a pedagogia da literatura traduzida pode servir à
agenda política que Giroux concebeu para a pedagogia de fronteira:
[se] o conceito de pedagogia de fronteira for ligado aos imperativos de uma
democracia crítica, como deve ser, os educadores devem ter um domínio teórico das
formas pelas quais a diferença se constrói por meio de várias representações e
práticas que denominam, legitimam, marginalizam e excluem as vozes de grupos
subordinados na sociedade americana (GIROUX, 1992 apud Id. Ibid., p. 181).
A menção de “americana” sugere que o autor pensou apenas nas variações da LI, e
não nas línguas estrangeiras e na questão da tradução; como outros defensores do
136
multiculturalismo, as únicas fronteiras que entende são aquelas entre as comunidades culturais
norte-americanas. Enquanto os índices de tradução indicam que as culturas estrangeiras são
“subordinadas” em países de LI, como o Reino Unido e EUA. A tradução estabelece um grau
de subordinação em qualquer língua-alvo, ao construir uma representação do texto estrangeiro
que é inscrito com valores culturais domésticos. Ao revelar a domesticação que opera em cada
texto traduzido e seu significado político e cultural, uma pedagogia da literatura traduzida,
como a pedagogia de fronteira de Giroux, pode funcionar como “parte de uma política de
diferença mais ampla [que] torna fundamental a linguagem da política e da ética” (GIROUX,
1992, apud Id. Ibid., p. 182).
Ao considerar que a tradução não é uma simples comunicação, mas uma apropriação
do texto estrangeiro que serve a propósitos domésticos, pode-se questionar movimentos
apropriadores em encontros com culturas estrangeiras. Isso é possível por meio de estudo das
qualidades estéticas ou literárias do texto traduzido, localizando a diferença no nível da
linguagem e do estilo, do dialeto e do discurso. Ensinar a questão da tradução requer atenção
rigorosa às propriedades formais ou expressivas da literatura, que estas são historicamente
situadas e “marcadas” com valores das comunidades culturais pelas e para as quais a tradução
foi produzida. Aprender a respeitar a diferença cultural envolve, então, uma operação dupla:
1) reconhecer as nuanças domésticas que qualificam temas estrangeiros, o que na tradução
não é estrangeiro e altera, inevitavelmente, os possíveis sentidos do texto estrangeiro; e 2)
permitir que tais temas e significados desfamiliarizem valores culturais domésticos, revelando
suas disposições hierárquicas, seus cânones e margens.
A pedagogia proposta examina as diferenças entre o texto estrangeiro e a tradução
dentro da própria tradução. Isso pode ser feito focalizando-se o “resíduo” (p. 183): os efeitos
textuais que operam somente na ngua-alvo, as formas lingüísticas domésticas acrescentadas
ao texto estrangeiro no processo de tradução, que vão contra o esforço do tradutor para
comunicar o texto, tais como, dialetos, registros e estilos, relacionados a vários momentos na
história da língua. Esses aspectos são reprimidos quando a tradução é lida como uma
comunicação transparente e neutra ou como algo indistinguível do texto estrangeiro. Ensinar o
“resíduo” na tradução é chamar a atenção para as formas múltiplas “policrônicas” (Id. Ibid.,
p.183) que desestabilizam sua unidade e obscurecem sua suposta transparência. Abordar
versões traduzidas buscando o “resíduo” no discurso tradutório pode revelar “a mão” do
tradutor, o discurso que segue sua ideologia, e as escolhas que faz. Podendo ser encontrado,
por exemplo, no uso de expressões idiomáticas, na linguagem padrão ou coloquial da língua,
bem como na sintaxe e léxico padrão ou coloquial, que nem sempre corresponde ao texto-
137
fonte, servindo aos interesses e intenções do tradutor, o que não significa, necessariamente,
que a tradução seja má ou incorreta.
Ensinar o resíduo pode ajudar a interpretar tanto o texto traduzido quanto a versão
traduzida, ao considerar que a tradução é uma interpretação, mas também que esta pode ser
invocada para sustentar ou interrogar as representações no texto original. Ao examinar o
resíduo e pensar sobre essas possibilidades, os alunos podem entender os limites de suas
interpretações. Em sala de aula, pode ser feito com base em passagens breves selecionadas. O
resíduo tem utilidade pedagógica porque pode ser observado na própria tradução, nos rios
efeitos textuais liberados na língua-alvo. Permite uma leitura de tradução enquanto tradução,
como textos que simultaneamente comunicam e inscrevem o texto estrangeiro com valores
domésticos. Tal leitura é também histórica: o resíduo é visível numa tradução apenas quando
seus diferentes discursos, registros e estilos estão situados em momentos específicos da
cultura doméstica. A análise do discurso de uma tradução deve ser combinada à história
cultural. O resíduo é a deflagração no uso-padrão de formas lingüísticas que não fazem parte
do padrão do momento, “o local de inscrição de conjunturas lingüísticas do passado e do
presente” (LECERDE, 1990 apud Id. Ibid., p. 190). O aspecto temporal do resíduo pode ser
identificado quando várias traduções de um único texto são justapostas. As versões múltiplas
revelam os efeitos de traduções diferentes possíveis em momentos culturais diferentes,
permitindo que tais efeitos sejam estudados enquanto formas de recepção afiliadas a
comunidades culturais diferentes. Uma amostragem histórica pode ser útil para desmistificar
uma tradução de status canônica na cultura doméstica: quando uma tradução representa um
texto estrangeiro para um público, quando quer substituir ou ser aquele texto para os leitores.
O resíduo pode mostrar que sua autoridade cultural depende não apenas de sua acuidade ou
precisão estilística, mas também de seu apelo a valores domésticos.
O resíduo pode ser útil também para estabelecer critérios para a escolha de uma
tradução. Comumente, os textos traduzidos aparecem nos programas de cursos porque o texto
estrangeiro é pertinente ao tópico de um curso ou currículo. A prática geral nos EUA e
Canadá é escolher uma tradução com base numa comparação com o texto estrangeiro, e por
considerações extrínsecas, por exemplo, custo e disponibilidade. A acuidade é o critério
aplicado de forma mais consistente, mesmo que os cânones de acuidade estejam sujeitos a
variação. E, quando se ensina a questão da tradução se junta à acuidade outros critérios que
levam em consideração o significado cultural e a função social de uma dada tradução, tanto
no seu próprio momento histórico como no atual. Se um texto traduzido independente de sua
acuidade, constitui uma interpretação de um texto estrangeiro, então, a escolha de uma
138
tradução apropriada torna-se uma questão de selecionar uma interpretação específica, que
ofereça uma articulação eficiente das questões levantadas pela tradução, mas, também, que
trabalhe de forma produtiva com metodologias críticas aplicadas a outros textos do curso.
Dessa forma, escolher uma tradução significa escolher um texto com um “resíduo rico”, por
exemplo, um discurso que deu à tradução uma posição canônica ou marginal na cultura
doméstica; ou, ainda, uma versão contemporânea, que apresente valores culturais idem.
Ensinar o resíduo possibilita que os estudantes percebam o papel desempenhado pela
tradução na formação de identidades culturais. Todo ato de ensino destina-se a formar
subjetividade, equipar os alunos com conhecimento e qualificá-los para posições sociais. Isso
é mais evidente em cursos que ensinam formas e valores culturais e que, com freqüência,
dependem muito de traduções. A criação de sujeitos na sala de aula é a criação de agentes
sociais. Um curso de literatura pode oferecer um capital lingüístico-cultural considerável, não
acessível a todos, capazes de dotar os agentes de poder social. “O programa literário”,
segundo Guillory (1993 apud Id. Ibid., p. 198):
constitui capital em dois sentidos. Primeiro, é capital lingüístico, o meio pelo qual
um indivíduo alcança um discurso socialmente credenciado e, portanto, valorizado,
também conhecido como “Inglês-Padrão”. Segundo, é capital simbólico, um tipo de
capital de conhecimento cuja posse pode ser demonstrada a pedido e que, assim,
habilita seu possuidor a usufruir das recompensas materiais e culturais da pessoa
bem letrada.
Como a literatura traduzida é um meio para a transmissão de capital lingüístico-cultural,
a tradução se torna um meio pelo qual o processo educacional de formação de identidade pode
ser estudado e mudado. Pelo menos dois desses processos operam simultaneamente na
tradução. A diferença cultural do texto estrangeiro ao ser traduzido é, geralmente,
representada de acordo com os valores da língua-alvo, que constroem identidades culturais
para os leitores dos países estrangeiros e para os leitores domésticos. Ao estudar a tradução,
os alunos podem aprender a identificar interesses domésticos, aos quais qualquer tradução
submete o leitor e o texto estrangeiros. Aprender a respeitar a diferença cultural implica
perceber as diferenças que formam a identidade cultural do leitor doméstico, assim, a tradução
pode revelar a heterogeneidade que caracteriza qualquer cultura.
Nesse Capítulo, teceu-se, de modo geral, fundamentação teórica sobre tradução e
TL, focalizando a tradução poética contemporânea. Verificou-se que a questão da TL sob uma
perspectiva contemporânea é complexa, sendo qualquer tradução inevitavelmente uma
adaptação, que não pode transpor o sentido de uma ngua para outra, acarretando a “dívida
139
impagável do tradutor” em relação ao texto que traduz (DERRIDA, 2005), além de implicar
não questões lingüísticas e semânticas, mas lingüísticas-culturais, ideológicas e políticas
(VENUTI, 2002). E, também, de escolhas e ética da parte do tradutor.
Quanto às considerações sobre os tradutores e as traduções do corpus utilizado nesse
estudo, viu-se que a tradução poética implica, além de conhecimento sobre o assunto a ser
traduzido, em ética e em escolha e interpretação da parte do tradutor, que deve ser adequada
ao contexto e propósitos que se visa da sua parte ou de quem ele está a serviço. Sendo uma
adaptação, uma “recriação” do texto original (CAMPOS, 1991). Bem como, a consciência das
questões lingüísticas-culturais, ideológicas e políticas que o processo tradutório implica
(VENUTI, 2002). Sendo que sua qualidade depende dos propósitos que visa, mediante essas
questões.
Discorreu-se, também, sobre as Teorias da Recepção, compreendendo
fundamentação teórica, destacando-se os pontos principais, para esse estudo. Focalizou-se a
linha de abordagem do Reader Response-Criticism, enfatizando-se as considerações de Fish
(1980) a respeito das “comunidades interpretativas” em relação à leitura e interpretação
literárias pelo aluno-leitor de Curso de Letras, que complementam as colocações sobre leitura
poética tecidas no Capítulo 2 (seção 2.2). Comentou-se, também, sobre o ensino de poesia de
LI no ensino superior brasileiro em sala de aula de curso de Letras. E sobre o uso e estudo de
TL, de acordo com Venuti (2002), que destaca a questão não lingüística, mas cultural,
ideológica e política envolvida na TL; comenta sobre o status da tradução de LI, em relação à
globalização e ao fato de ser a língua das duas superpotências econômicas mundiais atuais,
EUA e Inglaterra, no ensino superior desses países e sugere práticas pedagógicas para o
estudo da TL, que podem ser aplicadas em contexto brasileiro.
140
CAPÍTULO 4
OS DADOS
4.1 Introdução
Os dados foram analisados de modo interpretativo-crítico qualitativa e
quantitativamente, procurando articular a prática com as teorias e informações teóricas
expostas nos Capítulos 2 e 3, principalmente as Teorias da Recepção (ver Capítulo 3, seções
3.5 e 3.5.1), e vice-versa. As informações sobre os métodos e técnicas de pesquisa, e sobre os
métodos e técnicas usados na interpretação e na análise dos dados, entre outros, estão
apresentadas na Introdução (ver Capítulo 1).
O intuito do estudo é constatar quais foram as impressões dos alunos em relação à
recepção por eles da proposta da leitura dos poemas traduzidos juntamente com os poemas na
língua-fonte, através da análise de suas respostas às perguntas do questionário aplicado. A
preocupação é investigar se, para o aluno, o estudo e uso de tradução com o texto-fonte no
estudo de poesia de LI é necessário; se é positivo ou negativo, se auxilia ou não, ou “tanto
faz”; se desperta o interesse pelos poemas em LI; pela poeta em questão, SP, e por poesia de
modo geral. A abordagem quantitativa é apenas uma direção, que não é viável apresentar
números exatos, que os dados não permitem, uma vez que as respostas foram oscilantes;
portanto, buscou-se entender a maioria, a minoria e exceções, sem privilégios. Discutem-se
em seguida, os resultados obtidos com a análise, com o propósito de verificar a validade e
necessidade, ou não, da proposta defendida; além de expor pontos inesperados e importantes,
que emergiram das respostas dos alunos e da própria análise.
Como dito na Introdução (Capítulo 1), a proposta pedagógica defendida não é
considerar e relegar o texto-fonte literário a segundo plano em detrimento do estudo e uso da
sua tradução em sala de aula. Mas, questiona-se se, através dessa prática pedagógica, que
propõe o estudo e uso da TL, juntamente com o texto-fonte, pode-se despertar e aumentar o
interesse do aluno pelo texto-fonte. A tradução funcionaria como auxílio, um primeiro acesso
a este, para alunos não proficientes, com um nível de LI aquém do necessário para realizar
leituras e interpretações, análises, trabalhos e seminários dentro dos padrões mínimos do
discurso científico exigido pela academia.
A não proficiência em LI interfere e compromete seriamente a recepção, leitura e
construção de sentido do texto literário em LI (OLHER; WIELEWICKI, 2006). Dessa forma,
indaga-se como é possível para um aluno com tal perfil se relacionar com o texto através da
141
leitura, preencher as “lacunas” e os “espaços vazios” etc., de que fala Iser (1996; 1999 a; 1999
b), fundamentais para a construção de sentido durante o processo do “ato de leitura” (ver
Capítulo anterior, seções 3.5 e 3.5.1) e experienciar a leitura literária e “o efeito estético”,
segundo as concepções de Jauss (1994) e Iser (1996; 1999 a; 1999 b). Acredito que tal não é
possível, resultando em leitura e interpretação superficiais e frustrantes abaixo do nível
requerido pela academia, sendo inevitável o uso de subterfúgios para se, não resolver, pelo
menos amenizar o problema.
O aluno, então, apóia-se nas interpretações do professor, dos colegas que possuem um
conhecimento maior da LI, em adaptações cinematográficas e, em traduções e outros
materiais similares, muitas vezes de procedência e qualidades duvidosas, que complementem
essa leitura, e o auxiliem, pelo menos, a ser aprovado nas disciplinas de LLI. Esses materiais
“traduzidos” são provenientes de várias fontes: sebos, internet, programas de computador,
tradutores amadores, alunos e colegas com maior grau de conhecimento ou proficiência em
LI, sendo mesmo comercializados entre os alunos anos após anos, mesmo em condições
precárias. Tal inserção da prática pedagógica poderia, também, por fim ou enfraquecer esse
“comércio negro” de TL, que ocorre paralelo às aulas de LLI, e se tornou um meio de vida,
uma transação/atividade econômica.
Dessa forma, a formação acadêmica não corresponde à proposta do curso de Letras.
Acredita-se que se deve saber sobre o assunto com o qual se lida, tanto da parte do professor,
como da parte dos alunos. Estes devem ser conscientizados teoricamente a respeito da questão
da TL e dos vários fatores (inter e extratextuais, subjetivos e intersubjetivos) que implicam e
influenciam o ato complexo de traduzir literatura, e o objeto traduzido, pontos que os Estudos
da Tradução e a Teoria da TL contemporâneos discutem. É nesses termos que se propõe
inserir, como ferramentas didáticas, o estudo e uso críticos da TL de LLI, especificamente da
tradução poética, como prática pedagógica em sala de aula de ensino superior de cursos de
Letras, nas disciplinas de LLI; considerando-se a possibilidade de que este uso e estudo
possam desviar-se desses propósitos mencionados, que não podem ser inteiramente
controlados.
Como a recepção dessa proposta pedagógica pelos alunos é o foco abordado na análise
dos dados, justifica-se as implicações para a análise dos Capítulos 2 e 3, pois tais colocações
se relacionam ao objeto de investigação em relação a sua recepção pelos alunos: o texto
poético na língua-fonte e traduzido. A intenção da exposição das informações teóricas foi
relacionar o objeto a ser investigado em relação a sua recepção pelos estudantes pesquisados,
caracterizando-o mediante sua complexidade, ou seja, a leitura poética, considerando a poesia
142
como arte literária; a contextualização sociocultural e literária históricas, principalmente a
poética, dos Estados Unidos em relação à SP e a sua produção poética, bem como
comentários sobre sua vida e obra e a análise de seus poemas que servem como corpus à
pesquisa. E, ainda, considerações históricas e teóricas sobre tradução e TL, enfatizando a
tradução poética, considerando o papel do tradutor nesse percurso; e a análise da tradução do
corpus, objetivando compreender a complexidade e os vários fatores envolvidos no “produto
final”, a ser percepcionado pelos estudantes pesquisados. Essa recepção foi analisada,
também, de acordo com as Teorias da Recepção, e mediante considerações sobre tradução,
recepção e ensino de LLI em sala de aula do ensino superior brasileiro, em relação ao texto
poético traduzido que é lido pelo aluno, que deve estar a par e refletir sobre o percurso que
essa tradução implica e percorre, desde a criação do poema até sua tradução, recepção, leitura
e interpretação.
A seguir, os questionários respondidos, num total de seis perguntas, são analisados
pergunta a pergunta separadamente. Na seqüência, discute-se, de modo abrangente, sobre a
análise e os resultados obtidos a partir desta, seguidos das considerações finais.
143
4. 2 Análise dos dados
A primeira pergunta foi a seguinte: 1) Read the two poems in English: ‘Lady
Lazarus’ and ‘Words’ by Sylvia Plath and present your reading of them in Portuguese.
(Make a brief translation or retell the poems).” “1) Leia os dois poemas em inglês: Lady
Lazaruse Wordsde Sylvia Plath e apresente a sua leitura deles em português. (Faça
uma tradução breve ou reconte os poemas). ”
O objetivo dessa pergunta era investigar como ocorreu a recepção, leitura, construção
de sentido e interpretação dos poemas na ngua-fonte de modo geral, pedindo-se que os
alunos pesquisados fizessem uma leitura interpretativa informal dos mesmos, para constatar
se eles conseguiram realizar o solicitado lendo os poemas em LI e, conseqüentemente, sondar
o nível de proficiência do grupo.
Praticamente todos os alunos realizaram a tarefa requisitada sem dificuldades com a
decodificação lingüística em LI. Entretanto, as respostas foram muito semelhantes, sendo
praticamente uma repetição, uma paráfrase, apenas repetiram minha interpretação ou foram
evasivas e/ou superficiais, exceto algumas exceções. Os estudantes seguem um modelo de
interpretação do professor, o que confirma as colocações de Fish (1980) a respeito das
“comunidades interpretativas”. Não fizeram a associação entre forma e sentido semântico,
prevalecendo este último, por meio de comentário simplificado e sintético sobre o sentido sem
uma argumentação muito elaborada ou convincente e crítica considerando-se os padrões
acadêmicos exigidos de tais alunos, exceto exceções.
Poucas respostas destoaram em relação à interpretação do tema dos poemas que eu
realizei previamente na ocasião da apresentação do corpus a eles (ver Capítulo 2, seção 2.4.1).
São citadas mais as respostas referentes ao segundo poema Words (ANEXO B) porque os
comentários dos alunos se detiveram mais em relação a este, do que ao primeiro poema, Lady
Lazarus (ANEXO A). Os dois trechos abaixo são algumas das exceções, que diferiram da
minha interpretação temática dos poemas:
Lady Lazarus fala sobre a morte de maneira bastante escrachada. Words
também fala abertamente sobre a morte, mas na minha opinião usa mais símbolos
(A3
5
).
5
A partir daqui usa-se a sigla A seguida de números de 1 a 20 (por exemplo: A3), para referirem-se aos alunos
que participaram da pesquisa, vinte no total, que de acordo como o princípio da pesquisa etnográfica, não podem
ter seus nomes revelados. Os trechos das respostas transcritos não foram corrigidos ortografica e
gramaticalmente.
144
Words” tematiza a vida sem movimento do eu-lírico (A6).
Na resposta transcrita abaixo, aparece um termo filosófico: “metafísico”, que não foi
mencionado diretamente durante a apresentação do segundo poema ao grupo. Embora
interessante, a resposta soa um tanto equivocada quanto ao sentido do poema, que discute um
conflito do eu-poético sobre a questão da impossibilidade metafísica em relação ao fazer
poético e, aos sentidos e formas das palavras que não podem ser nem controlados, nem
atingidos e, nem apreendidos totalmente, e não os afirma. Mas, a resposta é válida porque o
aluno revela interesse em não seguir, estritamente, a interpretação do professor, embora
equivocada quanto à articulação do conhecimento prévio, e à leitura e interpretação do poema.
Tal “falha”, digamos assim, é, de certo modo, compreensível, porque o poema possui tema
complexo e requer conhecimentos prévios e textuais, além de (re)leituras e reflexão para sua
interpretação, o que não foi possível na ocasião de sua apresentação:
“Wordstrata sobre o ato de se fazer um poema e a dificuldade de encontrar os
significados das palavras. No poema (que é metafísico), o eu-lírico reflete sobre a
morte, dizendo que só com ela consegue alcançar as palavras (A13).
Nessa outra resposta, chamou a atenção o uso do verbo “compor” remetendo à idéia
de poesia como arte poética, contrastando com a maioria dos alunos que se referiu ao ato de
escrever” poesia, sem considerar o texto poético como arte literária poética, consideração
importante para a interpretação do segundo poema:
Words demonstra a dificuldade do eu-lírico para compor, a luta entre homem
e palavra (A19).
Enquanto outras respostas foram superficiais, óbvias, evasivas ou praticamente
idênticas sobre os dois poemas:
No primeiro poema uma apresentação sobre a maneira de se lidar com a morte e
este assunto é tratado de maneira irônica porque o eu-poético não consegue se matar
(A10).
Lady Lazarusé a história de uma mulher que tenta se matar várias vezes, a vida
para ela é um jogo (A9).
Words”: A reflexão sobre fazer poemas, numa busca do significado das palavras
(A8).
145
Words”: A reflexão sobre fazer poemas em uma busca do significado das palavras
(A9).
Desse modo, como as respostas dessa pergunta foram direcionadas porque eu já tinha
explicado os poemas previamente, os alunos acrescentaram muito pouco da opinião deles a
essa interpretação, simplesmente concordaram com as minhas colocações, parafraseando-as.
Durante a apresentação do material relacionado aos poemas e à poeta, que fornecia
informações de conhecimento prévio básicos sobre estes, não houve problemas de
decodificação relacionado à LI ou de interpretação, mesmo que um tanto redutora, quanto ao
primeiro poema. Mas, foi possível perceber que os alunos não teriam “chegado” no sentido do
segundo poema, sendo que eles próprios declararam isso, mesmo após ler a tradução:
O poema Wordsé bastante complexo; as palavras em si não são difíceis, mas a
compreensão do todo é confuso; as idéias não são facilmente construídas (A18).
Os estudantes decodificaram, mas não compreenderam o sentido da mensagem
poética de Words, já que, nesse poema, o sentido está além do literal, do sentido convencional
das palavras. Como o vocabulário, de modo geral, é simples, a maioria não teve problema em
decodificar o sentido literal das palavras do inglês para o português, mas sim em apreender o
sentido do poema. Instalou-se uma situação um pouco complicada e estranha, pois ao terminar
de ler o poema e pedir que eles dissessem qual era o sentido, imperou um silêncio muito
grande na sala, e eles nem ao menos arriscaram um palpite. Ironicamente, o poema (sendo
esta uma leitura possível) reflete sobre como o/a poeta escolhe e organiza as palavras
adequando-as ao sentido que busca expressar e para dar forma ao poema, ciente de que não
pode apreender o sentido delas de forma total, nem domá-las na forma perfeitamente.
Uma explicação possível para o ocorrido pode ser devido à falta de atenção ao modo
de ler poesia, falha em relação à leitura poética (ver Capítulo 2, seção 2.2) e, portanto, em
relação aos conhecimentos textual e prévio também (ver Capítulo 3, seção 3.5.1).
Visivelmente, houve interesse na situação apresentada da parte do grupo pesquisado e, como
o empecilho não foi o conhecimento lingüístico em LI, infere-se que faltou, também,
conhecimento prévio relacionado ao assunto desse poema, para os alunos conseguirem
compreender além da mensagem denotativa e atribuir sentido de modo satisfatório, como
revela essa resposta:
146
Words”: Palavras só isso! Sem relação pra mim (A5).
A falha em relação ao conhecimento prévio também pode estar relacionada ao não
conhecimento das características da poesia de SP que como mencionado (nos Capítulos 1,
seção 1.3.2, e 2, seções 2.4 e 2.4.1), requer uma leitura bastante atenta, às vezes, várias
releituras de um mesmo poema, o que na ocasião não foi possível, além do fato de os
estudantes não terem tido acesso ao poema, à poeta e a essas informações até aquela ocasião,
e mesmo, assim, de modo bastante básico e conciso. É preciso aprender a ler a poesia
plathiana, ler seu estilo, - assim como de qualquer poeta - condição que faz com seus poemas
tornem-se mais acessíveis e menos herméticos, que seu estilo poético segue a linha desse
poema. Lady Lazarus, uma exceção ao seu modo de expressão poético, por outro lado, não se
apresentou de leitura e interpretação difíceis aos alunos, pois requer conhecimentos prévios
menos complexos, tais como, relacionados à II Guerra Mundial e às mitologias grega e cristã,
por exemplo. Mas, eles não perceberam pontos importantes, ao realizar uma interpretação
redutora, óbvia e superficial.
Sob uma perspectiva jaussiana (1994), pode-se considerar que Words chocou-se com
“o horizonte de expectativas” dos alunos, enquanto que Lady Lazarus atendeu ao horizonte,
por apresentar um vocabulário e mensagem de mais fácil acesso, aparentemente, que esse
poema possibilita várias leituras, sendo este outro ponto problemático da leitura homogênea
realizada pelo grupo pesquisado.
Portanto, conclui-se que o conhecimento lingüístico, a proficiência em LI da maioria
dos estudantes pesquisados, permitiu que eles decodificassem a mensagem denotativa, mas
não a mensagem poética, principalmente em relação ao segundo poema, o que comprometeu a
sua interpretação. Fato ligado à falta e/ou falha(s) em relação aos conhecimentos prévio e
textual sobre a linguagem, teoria e filosofia poéticas contemporâneas, a poeta e seu estilo, a
não consideração da poesia como arte literária poética e à leitura superficial em relação aos
dois poemas.
Constatou-se um fato inesperado que se caracterizou como descoberta da pesquisa
também, que seria o de que os alunos pesquisados possuem uma concepção de leitura e
interpretação de poesia tradicional, e mesmo hermenêutica na busca pelo “o que o autor quis
dizer”, atrelados à interpretação do professor e seguidores de modelos interpretativos,
remetendo às “comunidades interpretativas” de Fish (1980), sem uma opinião crítica diferente
ou divergente daquela do professor. O que, por outro lado, pode ser entendido como uma
questão e estratégia de sobrevivência, ou seja, o estudante possui, sim, uma interpretação
147
pessoal, mas não a revela por temer causar conflitos com o professor e ter sua nota
prejudicada ou, ainda, por temer conflitos com os colegas.
148
A segunda pergunta era: “2) Did you have any problem in reading the poems in
English? What? Why?” “2) Você teve algum problema para ler os poemas em inglês?
Qual? Por quê?”
O objetivo dessa pergunta, extensiva ao objetivo da primeira foi sondar e detectar
possíveis dificuldades relacionadas ao nível de conhecimento e grau de proficiência em LI dos
alunos questionados, e como estas influenciaram na recepção, leitura e construção de sentido
dos poemas em LI.
Na contagem quantitativa das respostas, de vinte alunos, quatro responderam que não
tiveram problemas relacionados ao conhecimento da LI. Um estudante, em exceção,
mencionou ter uma dificuldade de leitura “naturalentre línguas diferentes, ou seja, o fato de
ser um leitor-aluno brasileiro, falante de língua portuguesa lendo em LI, uma língua diferente
da sua. Talvez, remetendo-se inconscientemente ao fator cultural que diferencia uma língua
de outra:
A leitura de poemas não é necessariamente um problema, diga-se que é uma leitura
trabalhosa. Em inglês, claro, é um pouco mais difícil, pois não se trata da nossa
língua natural (A6).
Quinze alunos forneceram respostas oscilantes ao mencionar as dificuldades que
tiveram. Disseram ou ter tido dificuldades com a decodificação de algumas palavras não
familiares de uma língua para outra, e por isso a tradução auxiliou na leitura e interpretação
dos poemas; ou não ter problemas com a LI, mas como o sentido conotativo de algumas
palavras contextualmente, para interpretar figuras de linguagens e com a organização lexical e
sintática, mas do mesmo modo que se os poemas estivessem escritos em língua portuguesa:
Sim, sobretudo o poema “Words”, por não ter familiaridade com o vocabulário
apresentado (A1)
Não tive muitos problemas em ler os poemas em inglês, pois eles m palavras mais
fáceis do que os poemas mais antigos. Tive sim, problemas com algumas palavras
desconhecidas e algumas frases do poema (A16).
Os mesmos que em português, com alguns vocábulos e a própria interpretação em
alguns casos (A5).
A tradução, nesses casos, foi “bem vinda” e funcionou de modo positivo como um
auxiliar funcional decodificador, como um dicionário mais prático, rápido e “sofisticado”.
149
Além de apresentar função didática, ao auxiliar na própria leitura poética que não deve ter seu
fluxo interrompido por consultas constantes ao dicionário, devido a problemas com a
decodificação do vocabulário, como revelam os dois trechos transcritos abaixo:
Sim tive alguns problemas de vocabulário que foram solucionados com a leitura da
tradução (A14).
Tive dificuldade com algumas palavras, por isso leio uma duas vezes, às vezes com
a ajuda do dicionário. A tradução dos dois poemas ajudou bastante (A13).
E, também, referentes, por exemplo, às metáforas e às disposições sintática e lexical
complexas:
Não tive problemas com o poema em inglês, mas com o próprio conteúdo do poema
(A15).
Durante a leitura o significado de algumas palavras e expressões literais e no
contexto do texto trouxeram algumas dificuldades (A9).
A leitura não foi difícil, porém, algumas palavras, para alcançarmos o significado,
deveriam ser contextualizadas (A8).
Outro problema ou dificuldade citado, novamente, foi em relação à apreensão do
sentido do poema Words, que os alunos disseram não ter conseguido interpretar, semelhante
aos comentários mencionados nas respostas da pergunta de número um. Chegar ao ou
construir o sentido desse poema é mesmo tarefa difícil e, como mencionado na análise das
respostas da primeira pergunta. Faltou conhecimento prévio em relação à linguagem poética
de SP, e em relação à linguagem poética de modo teórico, lingüístico e filosófico
contemporâneos, tendo-se em mente, que a leitura literária crítica de qualquer gênero textual
não se realiza apenas por meio do conhecimento lingüístico de uma língua estrangeira e da
decodificação do sentido literal das palavras, mas requer conhecimento prévio e textual
diversificados e articulação entre estes e outros fatores pelo aluno-leitor.
Portanto, a maioria dos alunos conseguiu decifrar lingüisticamente o sentido
convencional pragmático das palavras do inglês para o português, mas não possuíam os
conhecimentos prévio e textual, para interligá-los ao conhecimento lingüístico. Como os
apontados no Capítulo 2 sobre leitura poética, vida, obra e crítica da poeta (seção 1.3.2),
150
contextualizados socio-cultural e historicamente, fornecidos na ocasião da apresentação dos
poemas ao grupo, mas de modo básico e conciso como já mencionado.
Um aluno cita fatores de dificuldade de leitura e interpretação em LI não somente
relacionados ao conhecimento lingüístico, mas, também, ao conhecimento prévio,
especificamente, sobre o contexto de produção textual e da vida do seu autor:
Algumas vezes a dificuldade advém do fato de não conhecer o vocabulário, o
contexto em que o texto foi produzido e também a vida do autor (A19).
Para um leitor de posse desses conhecimentos, o estabelecimento de ligação entre estes e
informações diversas e a interpretação pode tornar-se mais fácil. É pressuposto que alunos
formandos de Letras os possuam, pois estudaram, provavelmente, sobre estas informações,
exceto sobre a poeta em questão e o contexto de sua vida e de produção de sua obra, em aulas
de Teoria Literária e de Lingüística. Dessa forma, o conhecimento prévio faltou, falhou e/ou
não foi suficiente, pois tanto em português quanto em inglês, o sentido não foi atingido de
modo esperada.
Em relação ao conhecimento prévio sobre o contexto de produção da obra e da vida
da poeta, como mencionado na análise das respostas da pergunta de número um, a linguagem
poética de SP é, aparentemente, simples. A poeta se utiliza de vocábulos simples, comuns,
convencionais, mas os arranja de modo que requer conhecimento e articulação do leitor para
construir o sentido da mensagem poética, que em Words é bastante hermética, utilizando-se
dos encadeamentos de metáforas e mindscapespeculiares ao estilo plathiano (ver Capítulos
1, seção 1.3.2 e 2 seções 2.4. e 2.4.1). E, o leitor familiarizado com esse estilo ou que possua
um conhecimento razoável sobre este, pode seguir melhor as trilhas do seu discurso poético,
sendo este, de modo geral, o tom predominante de sua obra poética.
Por outro lado, por mais interpretações variadas que Words permita, também, há uma
certa tendência de se construir um sentido que se relaciona com o fazer poético e com o
poeta e o eu-poético, que não consegue controlar, “agarrar”, atingir, conhecer as palavras, e
o sentido pleno, absoluto, verdadeiro delas além do sentido pragmático e convencional. Enfim
o sentido poético arredio, que lhe foge, remetendo ao fazer poético como arte da palavra, a
relação da poesia com a linguagem, e acerca das Teorias da Recepção, em relação à
concepção pós-estruturalista da linguagem:
151
A linguagem é (...) mais poderosa como experiência das coisas do que a
experiência das coisas. Os signos são experiências mais potentes do que tudo o
mais e, por isso, quando se lida com as coisas que realmente importam, então se lida
com palavras. Elas têm uma realidade que excede, em muito, as coisas a que
designam (grifos meus) (WILLIAM GLASS apud HUTCHEON, 1991, p. 193).
Esse comentário interpretativo é uma ilustração, pois esse poema oferece outras
possibilidades de construção de sentido, por exemplo, sugestão de morte; de uma relação
desgastada entre pessoas em que as palavras e os sentimentos morreram, acabaram; uma
separação, entre outros.
Enquanto Lady Lazarus, um dos últimos poemas, é uma exceção aos anteriores,
apresentando uma linguagem mais direta e próxima da prosa poética. Entretanto, o sentido e
linguagem desse poema são aparentemente menos complexos do que o primeiro, pois oferece
várias possibilidades de interpretação. O grupo pesquisado seguiu mais ou menos a minha
interpretação. Os comentários dos alunos se detiveram mais em relação ao segundo poema,
que realmente os incomodou pela sua dificuldade interpretativa, nas palavras dos próprios
alunos pesquisados: é difícil “tirar” dele o que “o poeta quis dizer”. Mas, não atentaram para o
fato de que Lady Lazarus apresenta várias possibilidades interpretativas e ambigüidades
“disfarçadas” em uma prosa poética simples aparentemente.
Constatou-se, então, em relação a essa segunda pergunta, que a maioria, quinze dos
vinte alunos pesquisados, teve dificuldades com a leitura dos poemas em LI, mas não
relacionadas ao conhecimento da LI, devido ao fato de a maioria ser proficiente na língua. As
dificuldades declaradas por eles são semelhantes as que encontrariam se os poemas fossem
escritos em ngua portuguesa, relacionadas à leitura poética. Tais como a interpretação do
sentido do texto poético principalmente, e ao vocabulário, à organização característica e
complexa do discurso poético da poeta em questão e, a elementos cnicos da linguagem
poética, tais como, o léxico, o sintático e metáfora complexos, principalmente em relação ao
segundo poema. E, principalmente, em relação à interpretação da mensagem poética que
pressupõe conhecimentos prévios e textual e articulação destes na leitura e interpretação.
As conclusões diante da análise das respostas dessa pergunta são, também, extensivas
e complementares as da primeira, devido ao fato de os alunos não terem arriscado uma
interpretação, pois é difícil acreditar que nada tenha vindo à mente deles, o que pode remeter
às colocações de Fish (1980), ou seja, talvez, por temer que sua interpretação não se
encaixasse com os discursos interpretativos acadêmico e do professor, não se expuseram. E,
com isso, perde-se o sentido da aula de literatura e de poesia que, como arte literária, embora
152
esteja sendo interpretada e não criada, deve ser vista e tratada de modo mais livre, “atrevido”
e descompromissado num primeiro momento de contato, o que não é o mesmo que
irresponsável, para construir-se uma análise crítica mais elaborada posteriormente.
153
A terceira pergunta foi a seguinte: 3) Read both poems translated into
Portuguese and compare their respective translations. Are there similarities with the
original ones? Do you agree with the translations? Would you change your reading after
reading the translated poems?“3) Leia os dois poemas traduzidos para o português e
compare as respectivas traduções. similaridades com as originais? Você concorda
com a traduções? Você mudaria a sua leitura depois de ler os poemas traduzidos?”
O objetivo dessa pergunta era investigar como ocorreu a experiência da leitura
bilíngüe dos poemas pelos alunos pesquisados, e como foi a recepção desta por eles, o
posicionamento perante a proposta e, implicitamente, a postura e grau de criticidade em
relação ao assunto tradução poética. Para tanto, pediu-se que fizessem uma comparação
contrastiva após a leitura dos dois poemas traduzidos para a língua portuguesa, em relação aos
poemas lidos na LI, solicitando-os a comparar o texto traduzido com o texto-fonte, indagando
se similaridades entre ambos, se eles concordam com as traduções feitas e, se mudariam a
leitura dos poemas em LI após a leitura destas.
Praticamente todos os alunos, salvo exceções, detectaram similaridades na tradução
em relação ao texto-fonte, concordaram com as traduções, e não mudariam a leitura que
fizeram dos poemas em LI após ler os poemas traduzidos.
A postura deles perante as traduções caracterizou-se por detectarem que a tradução dos
poemas apresentados a eles é literal, considerando tal aspecto como positivo, pois, na opinião
deles, isso significa que os tradutores tentaram preservar ao máximo o sentido do texto
original, sendo as traduções literais e fiéis e, por isso, “boas”. Tal opinião e argumentos
revelam uma concepção tradicional e redutora a respeito de TL poética, sem ligação com
outros fatores relacionados ao julgamento da qualidade de uma tradução, em desacordo com
os estudos teóricos e críticos contemporâneos da TL poética.
As traduções dos poemas utilizadas são literais, e tentam preservar a forma e o sentido
do texto-fonte, como os próprios tradutores (LOPES; MENDONÇA, 2005) afirmaram que foi
o propósito das suas realizações, para dar a impressão de que os poemas foram escritos na
língua portuguesa. Entretanto, as traduções analisadas de modo mais minucioso revelam que a
intenção dos tradutores não foi atingida totalmente, pois os “resíduos” domésticos (VENUTI,
2002) inscritos nelas são perceptíveis (ver seções 3.4 e 3.6).
Nesse caso específico, da situação de ensino de LLI em sala de aula, cuja proposta
pedagógica é oferecer a TL como uma alternativa que proporcione um primeiro acesso aos
alunos que tenham dificuldades com a LI, essas traduções, por serem literais, funcionam
154
como ferramenta didática e são adequadas ao propósito e contexto que se visa. Os alunos
declararam que elas os auxiliaram ou contribuíram para interpretar e analisar melhor os
poemas originais, porque mantêm semelhanças estritas com seu sentido e forma:
As traduções para o português mantiveram-se fiéis aos textos originais e
contribuíram para o entendimento e análise dos poemas. Creio que as traduções
foram adequadas e satisfatórias (A20).
A similaridade das versões se manifesta principalmente na questão métrica do
poema. Eu concordo com as traduções. Acredito que elas não fizeram a minha
leitura mudar, mas sim se aprofundar no entendimento (A1).
Entretanto, alguns alunos declararam que, em relação ao poema Words, a tradução não
auxiliou muito na interpretação. Nesse caso, a tradução funcionou como decodificadora e não
produtora de sentido, já que conseguiu preservar o sentido hermético do texto-fonte:
Na minha opinião o tradutor conseguiu manter-se fiel ao texto original, muitas
semelhanças entre o original e a tradução; eu considero boas as traduções e em
especial a poema Words”mesmo com a tradução não foi fácil compreendê-lo
(A18).
As traduções são similares aos poemas originais e foi feita de uma maneira que eu
considero boa. O primeiro poema apresenta-se de forma mais clara,
independentemente da tradução, porém o segundo foi feito uma boa tradução, mas
ela não ajudou muito na interpretação (A10).
para os estudantes que não apresentam problemas com a LI, essa tradução literal
não acrescentou muito em termos de leitura e construção de sentido, pois é como se
estivessem lendo o mesmo texto duas vezes:
Quanto ao sentido os poemas conseguem ser fiéis, sendo uma tradução quase literal,
dessa forma ler a tradução não acrescenta nada (A4).
Nesse caso, a tradução pode funcionar como objeto de estudo e análise, o que A4 não
considerou, como declarou outro aluno:
155
As traduções tentam manter tanto a estrutura quanto o conteúdo dos poemas.
Concordo com as traduções, embora não para serem trabalhadas sozinhas (A15).
A maioria do grupo pesquisado declarou que concordaram com as traduções e as
acharam “boas”, fundamentalmente porque são literais, fiéis ou bastante similares aos poemas
originais, pois tentaram e conseguiram manter sentido e forma. A maioria mencionou a
fidelidade em relação ao sentido, e alguns comentaram sobre a fidelidade em relação à forma,
à métrica e ao ritmo poéticos:
Achei que as traduções são muito similares aos poemas originais, isso para mim foi
muito bom, e achei que os tradutores fizeram um bom trabalho em tentar manter o
mesmo sentido e ritmo (A16).
A similaridade das versões se manifesta principalmente na questão métrica do
poema. Eu concordo com as traduções. Acredito que elas não fizeram a minha
leitura mudar, mas sim se aprofundar no entendimento (A1).
Houve dois comentários discordantes que apontaram como negativa a transposição
literal feita em um verso de Lady Lazarus em relação a um ditado popular transposto pelos
tradutores, que na opinião de dois alunos deveria ter sido “domesticado”, ou seja, a cultura
brasileira deveria ter sido incorporada para se manter melhor a fidelidade de sentido:
As duas traduções são similares com as originais. Mas na Lady Lazarus”, por
exemplo, poderia ter sido incorporado a cultura brasileira no verso que fala do gato
com nove vidas (A8).
As traduções são similares com as originais, em alguns pontos a cultura brasileira
não é incorporada a tradução, como exemplo o gato de nove vidas que no Brasil é
culturalmente tratado com sete vidas (A9).
A atitude dos tradutores, julgada pelos dois estudantes de modo negativo, promove um
“estranhamento” do sentido do poema ao ser lido em língua portuguesa, “lembrando” o leitor,
implicitamente, que é uma tradução, uma versão, que não quer anular a cultura estrangeira
inscrita na língua estrangeira do texto que traduz. Derrida (2005) aponta o idiomático da
linguagem presente em todas as línguas, que é o traço característico cultural e intraduzível de
uma língua para outra, sendo um dos fatores acarretadores da “dívida impagável” que o
tradutor tem para com o texto original, por não conseguir traduzir o idiomático, o seu sentido
156
de forma plena. E os estudos da Lingüística e dos Estudos Culturais, consideram que a
fidelidade tradutória em TL deve tentar preservar e não anular, estereotipar ou homogeneizar
os traços característicos de cada cultura presentes em cada língua, buscando a
“estrangeirização”, não a “domesticação”; considerando-se a literatura como uma
manifestação cultural e artística lingüística, que carrega”, possui inerentemente,
características da língua e da cultura a qual pertencem, que não devem ser anuladas na
tradução para outra língua. E, ligando-se ao “resíduo” mencionado por Venuti (2002), ou seja,
aspectos culturais, ideológicos e políticos, que “passam” na língua de chegada durante o
ato tradutório, que o tradutor, às vezes, pode, mas, às vezes, não pode ocultar.
O grupo pesquisado demonstrou, assim, uma concepção de TL poética tradicional. A
palavra fiel aparece muito nas respostas, ou seja, tradução “boa” é tradução fiel. Várias
respostas ressaltaram que uma tradução fiel ao sentido e forma corresponde a uma tradução de
qualidade, sendo esse o critério que usaram para julgar a qualidade e adequação da tradução
poética:
As traduções para o português mantiveram-se fiéis aos textos originais e
contribuíram para o entendimento e análise dos poemas. Creio que as traduções
foram adequadas e satisfatórias (A20).
Na minha opinião o tradutor conseguiu manter-se fiel ao texto original, muitas
semelhanças entre o original e a tradução; eu considero boas as traduções e em
especial o poema Wordsmesmo com a tradução não foi fácil compreendê-lo
(A18).
Um aluno menciona, em tom tradicional e simplista, que as traduções “tentaram
manter a essência dos poemas”, considerando tal fator um auxiliar positivo para o seu
entendimento do “significado” do texto poético original:
A métrica dos poemas é mantida nas traduções. Concordo com as traduções, pois
tentaram manter a essência dos poemas. Elas ajudaram em minha leitura, pois a
partir delas compreendi melhor o significado dos poemas (A2).
Ao ligar-se tais comentários às teorias contemporâneas sobre TL e TL poética (ver
Capítulo 3, seções 3.2 e 3.3), constata-se que uma distância e diferença considerável de
concepção sobre TL. Benjamin (1991) fala sobre a impossibilidade da TL fiel, embora deva
ser buscada em sentido metafísico por meio do diálogo/encontro entre as línguas diferentes
157
em uma busca “babélica” da “pura língua”. Ponto que Derrida (2005) retoma nas suas
discussões sobre o idiomático da linguagem presente em todas as línguas, que é um traço
característico cultural e intraduzível de uma língua para outra, sendo um dos fatores
responsáveis pela “dívida impagável” que o tradutor tem para com o texto original, por não
conseguir traduzir o idiomático, o seu sentido de forma plena. Assim, na opinião de Derrida,
como para concepções contemporâneas, qualquer texto traduzido é uma interpretação, uma
versão, sendo a tradução, nestes termos, necessária “possível” e “impossível”.
Como mencionado há pouco, os estudos da Lingüística e dos Estudos Culturais
retomam a questão da fidelidade tradutória como forma de preservar e não de anular,
estereotipar ou homogeneizar os traços característicos de cada cultura, estabelecendo
estratégias tradutórias, tais como a “estrangeirização” ou “domesticação”. O que se liga ao
“resíduo” de Venuti (2002), os aspectos culturais, ideológicos e políticos, que “passam” na
língua de chegada durante o ato tradutório, que o tradutor, às vezes, pode, às vezes, não pode
ocultar. Para Venuti, estudar a tradução contemporaneamente é estudar o “resíduo”.
Outro ponto relaciona-se, estritamente, à tradução poética e ao fato de considerar-se a
literatura e, conseqüentemente, a poesia, como arte da palavra e manifestação cultural e
artística lingüística, o que implica, também, em uma visão menos tradicional e mais complexa
da própria tradução desse objeto artístico e cultural lingüístico que é um poema.
Campos (1991) reflete sobre a tradução poética entendendo-a como arte da palavra, e
considera a tradução poética como “recriação”, como um trabalho artístico do tradutor, que
guarda relações de semelhanças semânticas e formais com o texto poético original, sendo,
ainda, semioticamente um ícone em relação a este. Enfim, várias posições teóricas e críticas
apontam para a impossibilidade da tradução perfeita, da tradução da “essência” do sentido
poético.
Quanto ao estudo da tradução poética em relação à consideração da poesia com arte
poética, é necessário considerar-se que é tradução de arte e, de uma arte de uma língua para
outra ngua. Comentou-se algo sobre essa questão, durante a apresentação dos poemas ao
grupo, e forneceram-se algumas informações teóricas a respeito no material que trazia alguns
conhecimentos prévios. Mas, as respostas, de modo geral, não mencionaram nem
consideraram esse fator como importante, tanto para se interpretar e construir o sentido do
poema quanto para analisar a tradução poética como “recriação”, segundo a concepção de
Campos (1991). Os alunos citaram, como mencionado, alguns fatores lingüísticos poéticos
e culturais, que foram comentados na ocasião da apresentação dos poemas também, mas não
esse. Não consideram o texto poético como arte literária, a poesia como arte da palavra
158
traduzida de uma língua para outra e, nem a complexidade e os inúmeros fatores que
envolvem esse processo, com uma visão superficial, simplificada e redutora, exceto exceções:
(...) A tradução tentou preservar o trabalho “artístico” dos originais (A5).
A tradução de fato é uma nova criação, inevitavelmente uma releitura (A6).
Diante de tais respostas a essa terceira pergunta, que revelam uma concepção
tradicional e redutora de TL poética relacionada à fidelidade de forma e sentido como algo
possível e simples de ser atingido por uma tradução poética, e sinônimo de sua qualidade,
acredita-se que a discussão de concepções de tradução contemporâneas, com ênfase para a
TL, poderia contribuir para uma leitura mais crítica. Tal estudo pode fornecer conhecimentos
de critérios para se reconhecer uma tradução como adequada ou inadequada, bem como julgar
sua qualidade em relação aos propósitos que se visa. Para tanto, os estudantes precisam estar a
par das discussões tanto lingüísticas e literárias, quantos culturais, ideológicas e políticas, que
envolvem a tradução de LI, devido, também, ao status da língua contemporaneamente
(VENUTI, 2002). Tais características que envolvem a TL de LI foram despercebidas ou, pelo
menos, não foram mencionadas pelos alunos pesquisados.
159
A quarta pergunta foi a seguinte: “4) What is the role of the reading of the
translation in your construction of sense of the poems? Did the translation “help”/hinder
the reading?“4) Qual é a função da tradução na sua construção de sentido do poema?
A tradução “auxiliou” /atrapalhou a leitura?”
O intuito dessa pergunta, extensiva e complementar à terceira, foi de investigar a
impressão dos alunos questionados em relação à leitura de texto traduzido e à leitura e
construção de sentido do texto-fonte em relação à leitura da sua tradução, considerando a
leitura do texto traduzido como uma ponte para se construir o sentido do texto-fonte,
acreditando-se que a leitura do texto traduzido seguida da do texto-fonte pode se tornar mais
clara. Procurou-se investigar, então, como funcionou a leitura dos poemas e a construção de
sentido mediante a leitura das traduções, se ela auxiliou ou atrapalhou, enfim, qual foi a sua
função nessa leitura.
De modo geral, as respostas foram oscilantes. Para a minoria que declarou ter
dificuldades com a LI, a tradução funcionou como um auxílio positivo na leitura e construção
de sentido textual dos poemas, enquanto que a maioria dos alunos que declararam o ter
dificuldades com a LI, acharam a leitura da tradução desnecessária ou interessante. Na
contagem quantitativa das respostas, dos vinte estudantes pesquisados, quinze consideraram a
leitura do texto-fonte a par com a sua tradução de modo positivo. Dois afirmaram que não
gostaram da proposta, considerando-a como negativa, e três declararam uma postura de
neutralidade, indiferença, “tanto faz”.
As respostas foram oscilantes entre negativo e positivo dependendo do aspecto. Por
exemplo, a tradução ajudou na dificuldade com o vocabulário, expressões idiomáticas e
figuras de linguagem, nas palavras dos próprios alunos pesquisados: economizando tempo
em trabalho com o dicionário” e agilizando a leitura. Portanto, auxiliou na decodificação da
mensagem denotativa:
O papel da tradução, para mim, foi muito bom, pois me ajudou com algumas
palavras desconhecidas (A16).
A tradução serve para auxiliar na compreensão de certas expressões (A8).
(...) pelo vocabulário específico do poema, as traduções foram úteis para sua melhor
decodificação e posterior entendimento (A1).
160
A tradução ajudou no sentido de “apressar” a leitura sem que precise de muita
explicação (A7).
Ler a tradução ajuda a compreender melhor as palavras, o que atende uma
necessidade quanto ao vocabulário; além disso, quando lemos a tradução temos a
sensação de que realmente entendemos o poema (A3).
Mas, como dito, e contrariando parte da declaração de A3, para A18, somente a
leitura da tradução não é suficiente para a interpretação do sentido da mensagem poética:
Com relação ao vocabulário, podemos afirmar que a tradução auxilia muito na
leitura, mas em muitos casos não acredito que somente a tradução possibilite um
bom entendimento do poema (A18).
Tal declaração confirma o que foi mencionado na introdução desse capítulo, e nas
análises das respostas às perguntas de números um e dois, de que é necessário o conhecimento
de vários fatores (prévio e textual) para a leitura e interpretação de sentido de um texto
poético em LI, além do conhecimento lingüístico. A tradução, que supre a falta de
conhecimento lingüístico, funcionou, nesse caso específico da situação de pesquisa e em
relação ao corpus e a tradução deste utilizada, como um auxiliar decodificador positivo, ou
seja, como uma ferramenta didática funcional, um dicionário mais eficiente, prático e rápido.
Enfim, mais “sofisticado”, considerando-se, por exemplo, a organização sintática e figuras de
linguagem traduzidas etc., o que um dicionário convencional não fornece. Mas, tem de ser
complementada com os conhecimentos prévio e textual, para a realização de uma leitura e
interpretação satisfatórias que ultrapasse a mera decodificação. A4 ilustra esse comentário, ao
mencionar que a tradução não o ajudou na interpretação da mensagem poética do poema
Words, apenas na decodificação do sentido denotativo das palavras:
Não, a tradução não ajudou, uma vez que a complexidade do poema não está na
linguagem, mas nos significado conotativo que as palavras trazem (A4).
Alguns alunos, como discutido na análise da questão de número três, se preocuparam
com a fidelidade e o que perderam ou podem ter perdido do sentido semântico original do
161
poema e do sentido “poético”, principalmente, ao ler o texto poético traduzido, ao invés do
original:
A tradução ajuda muito na leitura, mas mesmo assim, não há como manter o
significado exato de todas as palavras originais, principalmente quando jogo de
palavras (A13).
Para mim a tradução é vista mais no seu aspecto lexical, não se importando muito
com a rima e com métrica. Acredito que a tradução ajude no compreendimento das
palavras, mas talvez haja uma perda no sentido que o autor do texto original quis dar
(A14).
Para mim, ao ler uma tradução eu me baseio mais no léxico, esperando ter um
melhor entendimento das palavras que não conhecia. Não me preocupo muito com a
métrica e com a rima. A tradução me ajuda bastante na compreensão do poema
como um todo. Acredito que a tradução nunca é perfeita em um texto poético, pois
perde um pouco seu sentido e seu lado poético (A11).
Semelhantemente, outro estudante, A17, mencionou “toda a beleza” do original, que
a tradução não conseguiu manter, em sua opinião. Penso que se refere ao sentido e formas
intraduzíveis de uma língua para outra de modo fiel, assim como, o “lado poético”
mencionado por A11. Realmente o “lado poéticoda poesia e “a beleza” de sentido e forma
do texto-fonte não podem ser traduzidos exatamente, mas outra “beleza” emerge da tradução
que pode interpretar e recriar a “beleza” inicial para poder traduzi-la, já que não pode
simplesmente copiá-la (CAMPOS, 1991):
A tradução me ajudou a compreender a poema, mas acho que ela não conseguiu
manter toda a beleza do poema original (A17).
A tradução pode auxiliar e enriquecer a leitura e interpretação, além de enriquecer o
próprio texto literário, que é uma leitura, ou mesmo, uma re-leitura e interpretação do
tradutor em relação ao texto que traduz. De acordo com as colocações a respeito de tradução
poética de Campos (1991), sobre a recriação do poema ao ser traduzido, a tradução pode
enriquecer a mensagem do texto poético original e revelar algo sobre o seu sentido, que é
uma interpretação do tradutor. A12, que revela possuir conhecimentos teóricos-críticos
contemporâneos sobre TL e concordar com estes, toca nesse ponto, mas é exceção:
162
A tradução cumpre um papel relevante na minha prática de leitura, já que torna
possível outra leitura do poema. Ao traduzir o tradutor deixa transparecer sua
interpretação e isso enriquece o texto literário (A12).
A19 e A20 declararam opiniões a respeito do uso da tradução, que vêm de encontro
com a proposta pedagógica, cujo funcionamento essa pesquisa investiga: uso e estudo de
poesia traduzida como auxílio a alunos não proficientes, visando interligar e comparar o
texto-fonte a sua tradução e vice-versa, e não privilegiar a tradução em detrimento do texto-
fonte, embora a resposta de A20 soe um tanto tradicional em defesa do texto original:
A tradução é um instrumento de grande auxílio na leitura, mas não devemos
esquecer do texto original, uma vez que um texto complementa o outro (A19).
Acho importante a leitura da tradução como complementação da análise do poema.
Nestes casos dos poemas de Sylvia Plath, muito pouco se perde na tradução, mas
creio que a leitura do original é indispensável. A tradução irá complementar a
elaboração da análise (A20).
Concluiu-se que a tradução poética pode funcionar como uma ferramenta didática
auxiliar positiva, funcional de característica utilitária, como um dicionário mais “sofisticado”,
eficiente, prático e rápido, porque pode fornecer a tradução de vários elementos da linguagem
poética que um dicionário convencional não é capaz. Dessa forma, pode propiciar um
entendimento melhor do texto-fonte pelo aluno, sendo tal função da tradução bem recebida
pela maioria do grupo pesquisado. Mas, esse entendimento deve ser complementado mediante
conhecimentos prévio e textual articulados à mensagem denotativa, acessada de modo mais
rápida e fácil e, como mencionado, o modo mais adequado à leitura poética, pois consultas
constantes ao dicionário prejudicam tal leitura - para a análise e interpretação. Entretanto,
detectou-se que esse entendimento, geralmente, é complementado pelo professor que
interpreta o poema para os alunos, que o parafraseiam, como apontado na análise das
respostas da pergunta de número um.
Muitos estudantes, também, revelaram concepção tradicional sobre TL e poética,
preocupação com o sentido do texto original, que é perdido, na opinião deles, através da
tradução, por isso preferem ler o texto original, não sendo bem vista a leitura da tradução para
os proficientes e, apenas como necessária aos o-proficientes. Tais colocações revelam que
esses alunos não possuem conhecimento de que a tradução é capaz de possibilitar outra leitura
e interpretação do texto original, e pode enriquecer sua leitura e/ou oferecer oportunidade para
163
se refletir sobre ela e sobre o próprio ato tradutório. Esse enriquecimento pode ocorrer ao
interpretar-se e/ou transformar-se o sentido do texto-fonte via tradução na tentativa de
preservar o sentido original, que uma tradução literal pode comprometer seriamente.
164
A quinta pergunta foi: 5) Did the reading of the poems in English become easier,
more stimulating and pleasurable with the translation’s help into Portuguese? “5) A
tradução dos poemas em inglês se tornou mais fácil, mais estimulante e prazerosa com o
auxílio da tradução em português?”
O intuito dessa questão, extensiva e complementar à anterior, era investigar como a
tradução funcionou em relação à recepção, leitura e interpretação do texto-fonte, se facilitou e
estimulou a leitura e a tornou mais fácil, prazerosa e interessante; propiciando o experienciar
do contato de leitura inicial do aluno-leitor com o texto literário no sentido de prazer de
leitura e do efeito estético pensado por Jauss (1994) e Iser (1996; 1999 b; 1999 a). Objetivou-
se, ainda, sondar e confirmar ou refutar as três hipóteses formuladas para a pergunta de
pesquisa: Como ocorre a recepção de poesia em LI e desta traduzida para a língua portuguesa
por alunos de Cursos de Licenciatura Plena em Letras Habilitação Dupla: Português-Inglês e
Literaturas Correspondentes? A hipótese inicial mais forte das três, com evidências baseadas
em pesquisas realizadas sobre o assunto, seria a não proficiência em LI, sendo a terceira,
desinteresse por poesia.
Para a maioria dos vinte alunos pesquisados, doze, a leitura dos poemas traduzidos
não tornou a leitura dos poemas em LI mais estimulante e prazerosa, mas apenas mais fácil;
enquanto que para oito alunos, sim. Para exceções, sem domínio da LI, a compreensão dos
poemas foi bastante facilitada e melhorada pela leitura da tradução; conseqüentemente, a
leitura deles se tornou mais prazerosa, ou seja, o interesse pelo texto-fonte foi estimulado e
aumentou, devido às traduções:
Sim, a leitura tornou-se mais fácil e mais prazerosa por causa da tradução (A5).
Sim, pois quando você compreende melhor os poemas a leitura fica mais fácil e
prazerosa (A3).
Sim, pois entendendo melhor o poema temos maior motivação para estudá-lo e
interpretá-lo (A1).
A resposta de A7 diferiu das demais, ao mencionar algo importante que pode ser
ligado à cultura, à língua e ao entendimento do texto literário; ou seja, como os nossos
sentidos estão mais ligados a nossa própria ngua, a compreensão do que se está lendo em
165
língua materna é mais imediato do que em um a língua estrangeira e, conseqüentemente, mais
prazeroso e estimulante:
Sim a leitura foi muito prazerosa uma vez que nossos sentidos estão mais ligados à
nossa própria língua (A7).
Como dito na resposta da pergunta anterior de número quatro, para a maioria, a
tradução funcionou como “um facilitador” de leitura, um decodificador mais “sofisticado”
que um dicionário convencional e auxiliou na interpretação também, para os alunos que
declararam ter dificuldades ou problemas com a LI, mas não tornou a leitura dos poemas na
LI mais estimulante ou prazerosa, apenas mais fácil:
Não digo mais estimulante, mas facilitador (A14).
Sim, pois a leitura fica mais fácil com a tradução ao lado. Não tornou a leitura
mais estimulante, mas ajudou (A13).
Na minha opinião a tradução ajudou na compreensão do poema original, mas não
foi ela que tornou a leitura mais prazerosa (A17)
Creio que a tradução ajudou na elaboração de sentido do texto, enriquecendo-o, mas
não tornou a leitura mais prazerosa particularmente (A20).
Acredito que a tradução facilita a interpretação, principalmente quando é feita de
forma comprometida com o texto original, dessa forma o leitor não se prende tanto a
tradução lexical, fixando-se mais na interpretação da subjetividade, assim o apoio
que a interpretação lexical fornece serve de estimulo para a interpretação lexical do
poema (A10).
Outros estudantes mencionaram a leitura bilíngüe e a leitura por comparação entre os
dois poemas como pontos positivos, pois facilitam a leitura do texto-fonte e, também, uma
comparação analítica entre este e a sua tradução como sendo algo interessante, como é um dos
objetivos da proposta pedagógica testada:
Reler o poema em inglês depois de ter lido em português contribui
significativamente para a segunda leitura; as coisas parecem ficar mais claras (A18).
166
Sim. A tradução tornou a leitura do poema mais interessante e prazeroso porque
permitiu uma leitura paralela entre os textos (A12).
Fazer trabalho comparativo entre os dois poemas (original e tradução) é bem,
interessante (A15).
Alguns alunos mencionaram que por a linguagem dos poemas não ser complexa, e
pelo vocabulário ser simples, a tradução é desnecessária, afirmando, em suas opiniões, a
inutilidade da proposta pedagógica nesses casos. Mas, o que é simples para um pode ser
complexo para outro e a proposta, também, inclui um estudo desse texto traduzido em
comparação ao texto que traduz, não sendo este entendido somente como um auxiliar de
leitura:
Não. A preferência é sempre pelos originais. A tradução serviria apenas como uma
ajuda quando a linguagem é muito complexa, como nas obras de Shakespeare e em
textos em dialetos, o que não ocorre nestes poemas (A4).
Novamente, a visão tradicional do texto original e fidelidade versus texto traduzido e
infidelidade evidenciou-se, ler o poema em LI, o original, é preferível. Os estudantes acham
que perderam algo da mensagem do texto-fonte ao ler a tradução, que é diferente de modo
negativo, porque constrói ou pode construir significados” diferentes e inferiores ao texto-
original, por isso não é estimulante:
Com a tradução a leitura fica mais fácil mas nem sempre é mais estimulante, pois às
vezes constrói significados diferentes do original (A9).
E, também, a questão da interpretação do professor é mencionada novamente como
fator importante. A19 mencionou ser necessário como “fundamental” um trabalho de análise e
interpretação realizado pelo professor para a construção de sentido e o contato prazeroso e
interesse pelo texto se realizar, além da leitura da tradução. Esta declaração remete às
colocações sobre a primeira pergunta, em relação à interpretação textual direcionada pelo
professor e seguida e/ou parafraseada pelos alunos, como apontado por Fish (1980):
167
No meu ponto de vista a tradução foi muito importante, pois tornou a leitura mais
fácil. Porém a leitura feita em sala de aula foi fundamental para o entendimento do
sentido literário do texto (A19).
A partir dessas respostas inferiu-se que, para a maioria dos alunos pesquisados, a
tradução facilitou a leitura deles como um decodificador, como mencionado na análise das
duas últimas perguntas. Dessa forma, a tradução funciona apenas como um facilitador, não
tornou a leitura mais prazerosa ou estimulante, despertando o interesse pelo texto-fonte.
O intuito implícito dessa pergunta era sondar se os alunos com dificuldades com a
LI, quando expostos à leitura do texto traduzido, sentiriam mais interesse e prazer em
estabelecer contato com o texto-fonte. Além de investigar qual a razão da recepção
problemática de poesia de LI por alunos de curso de Letras, se seria devido a não proficiência
em LI ou ao desinteresse por poesia. Detectou-se, no grupo pesquisado, que a razão do
desinteresse não reside no falta de proficiência, uma vez que a maioria é proficiente. Inferiu-
se uma apatia e desinteresse, aparentemente, uma não preferência pelo gênero literário da
poesia. Tal razão poderia ser motivo para outra pesquisa, que o questionário desta não se
direcionou, especificamente, para esse lado da questão, não havendo dados para demonstrar,
justificar e validar as causas dessa apatia e desinteresse, percebidos durante a apresentação do
corpus e a coleta do material a ser analisado e ao analisarem-se os mesmos. Tal “clima” de
desinteresse durante a situação de pesquisa, talvez ainda, tenha ocorrido devido à situação
artificial instalada por minha interferência na sala de aula de aula como pesquisadora e
ministrante, alterando o ritmo normal do grupo.
168
A última pergunta foi: 6) Did the interest by Sylvia Plath’s poetry remain the
same or change after the reading of the poems translated into Portuguese? “6) O
interesse pela poesia de Sylvia Plath permaneceu o mesmo ou mudou após a leitura dos
seus poemas traduzidos para o português?”
O objetivo dessa pergunta era sondar como ocorreu a recepção da poesia de SP pelos
alunos, quais foram as impressões deles em relação à poesia e à poeta, primeiramente, a partir
do texto-fonte, e em comparação com a tradução; se a tradução influenciou de modo positivo
ou o nessa recepção e no interesse. O intuito era investigar se a leitura da tradução por
estudantes que apresentam dificuldades com a LI pode estimular o interesse pelo autor e pelo
texto-fonte, funcionando como um estímulo e intermediário, sendo um primeiro acesso a
estes. Enfim, despertando e aumentando o interesse que seria vedado aos alunos sem
conhecimento suficiente de LI, acreditando-se que o estudante que tenha dificuldades com a
LI e que leia a tradução, seguida da leitura do texto-fonte, pode atingir um melhor
entendimento deste e, conseqüentemente, uma interação mais satisfatória com o texto.
Constatou-se que o interesse pela poesia de SP da maioria do grupo de vinte alunos
pesquisados permaneceu o mesmo antes e depois de lerem a tradução dos poemas. Ler o texto
poético em LI e o traduzido para a língua portuguesa não modificou o interesse de quatorze
alunos, que permaneceu o mesmo, enquanto seis revelaram um aumento de interesse. Tal
interesse não apresentou nuances em relação à opinião da maioria, antes e após a leitura da
tradução dos poemas, devido à proficiência em LI pela maioria e, como a tradução é literal,
conseqüentemente, não fez muita diferença. Para os que declararam ter dificuldades com a LI,
a tradução “tornou a compreensão mais fácil”, mas não mudou ou aumentou muito o interesse
pela poesia plathiana.
A recepção e impressão em relação à poesia de SP, de modo geral, foi fria e
indiferente com respostas curtas e evasivas, que ressaltaram a profundidade e a complexidade
poética plathiana, sendo que pouquíssimas exceções apresentaram uma recepção positiva e
interessada. O poema Words, como dito, incomodou por não ter atendido “o horizonte de
expectativas” (JAUSS, 1994) do grupo pesquisado, compreensível diante de sua
complexidade inerente e característica da poesia de SP, e por ter sido o primeiro contato com
esta, e sem a realização de uma leitura prévia.
Um aluno declarou que a leitura da tradução não tornou os poemas de SP mais
interessantes para ele, mas sim a compreensão destes em LI mais fácil. A tradução, nesse
caso, adquiriu característica funcional didática positiva, ao funcionar como um facilitador de
169
leitura e compreensão de sentido textual para o aluno com dificuldades em LI, embora não
tenha despertado o interesse pela poesia de SP, ou seja, pelo texto-fonte:
Para ser honesto o interesse continuou o mesmo; a tradução não tornou a poesia de
Sylvia Plath mais interessante para mim, somente ajudou e tornou a compreensão
mais fácil (A3).
A13 apresentou uma recepção positiva em relação à poesia plathiana, declarou tê-la
achado interessante, mas a leitura da tradução também não modificou esse interesse. Para esse
estudante, a tradução não adicionou nem significou muito em relação aos poemas na língua-
fonte:
Achei os poemas interessantes, mas após a leitura dos poemas, meu interesse
continuou o mesmo pela autora (A13).
Um aluno destoou da maioria, ao afirmar que o seu interesse pela poesia de SP
aumentou após o contato com a tradução, ou seja, a tradução auxiliou e despertou seu
interesse de modo positivo pelo texto-fonte, além de funcionar como ferramenta didática, pois
ligando-se essa resposta as suas outras respostas, deduz-se que A7 possui dificuldades com a
LI:
Ficou muito mais interessante depois de ler as traduções (A7).
A12, uma das exceções, declarou que seu interesse aumentou pela poesia e pela
poeta após ler os poemas traduzidos e se identificou com a aula e com a poesia de SP. Seus
argumentos para justificar seu interesse são baseados em critérios de gosto pessoais e críticos-
teóricos, articulando suas impressões pessoais aos aspectos temáticos, teóricos e estilísticos
sobre a poesia plathiana e o movimento literário em que está inserida, como esperado pela
academia de tal aluno, que cursa tal curso e série. Sua resposta, como as das perguntas
anteriores, sugere que possui um conhecimento mais aprofundado e teórico sobre tradução e
TL, do que os outros estudantes do grupo pesquisado, além de um conhecimento prévio
também sobre a poeta. O que confirma que possuir tais conhecimentos, além do gosto pessoal,
e conseguir articulá-los, como pressuposto pelo discurso acadêmico, pode fazer a diferença de
modo positivo sobre a recepção e compreensão de determinado autor e obra:
170
A poética de Sylvia Plath é muito interessante, principalmente devido aos temas
trabalhados e seu caráter confessionalista. A leitura das traduções veio a
acrescentar no trabalho de leitura e compreensão dos poemas. Dessa forma, meu
interesse aumentou (A12).
A18, ao contrário, não se identificou com a temática de SP e dos poemas por motivos
e preferências pessoais de gosto, e declarou que a leitura dos poemas em LI ou traduzidos não
fez diferença, não modificou sua falta de interesse pela poesia de SP. Essa resposta diferiu
bastante das demais, não pelo tom enfático e radicalmente negativo, mas também por sua
criticidade. Fato positivo para um estudante de Letras, mostra que o aluno está se
posicionando perante o objeto de estudo e emitindo sua opinião. Mas, embora revele
criticidade perante a poeta, revelando gosto pessoal, se detém no aspecto temático para
expressar sua desaprovação, sem comentar sobre o aspecto estético e qualidade literárias
poéticas, baseando seu julgamento em um critério pessoal e de gosto. Tal julgamento
impressionista é relevante, mas se não articulado com outros critérios teóricos-críticos não é
suficiente e válido para sustentar sua argumentação, considerando-se o nível exigido de tal
aluno pela academia:
Sylvia Plath é uma autora bastante complexa e profunda, sua temática é
suficientemente depressiva e isso não me “encanta” muito, logo não gostei mais nem
menos dela depois de ter lido os poemas (A 18).
Outro estudante, como A12, também, identificou-se com a poesia de SP, e declarou
que seu interesse pela poeta independe em que ngua estejam escritos seus poemas.
Entretanto, suas declarações soam impressionistas, valorizando a figura do autor, mas sem
articular essas impressões a argumentos teóricos e críticos para validá-las. Esse aluno tece
comentários interessantes, mas problemáticos, relacionados ao conhecimento prévio. De
acordo com as abordagens pós-estruturalistas sobre a linguagem e linguagem poética, nem a
linguagem convencional pragmática, nem a poética são capazes de expressar totalmente
sentimentos, sensações e emoções. A6 afirma, de modo interessante e analógico, ao aludir à
palavra tradução, que SP consegue “traduzir em palavras sentimentos e emoções que o
próprio ser humano desconhece” por meio de sua linguagem poética. A sua colocação é válida
se considerar-se que a tradução, de acordo com abordagens contemporâneas, é vista como
uma interpretação que guarda relações com o texto-fonte, constituindo-se em uma versão
171
deste. Mas, revela uma concepção de autor/poeta tradicional, com um fundo de verdade, do
gênio com aura sobre-humana, que possui saberes sobre sentimentos e sensações” que os
outros seres humanos “desconhecem conscientemente”. Tal comentário remete à percepção
mais aguçada sobre objetos, sensações, emoções etc.; que poetas, de modo geral, possuem e
que conseguem transferi-las e expressá-las, de certo modo, para o texto escrito através da
linguagem verbal de modo convincente. Muitas pessoas, também, possuem tal percepção,
entretanto, faltando-lhes a habilidade para fazer essa transferência, essa “tradução”:
O meu interesse pela autora independe em qual língua ela escreva, a autora é
profunda e consegue traduzir em palavras sentimentos e sensações que o próprio ser
humano desconhece conscientemente (A6).
A10 aponta a dificuldade do segundo poema, Words, que, como mencionado, não
depende somente da tradução para ter sua leitura e compreensão realizadas, como empecilho
para o seu interesse pela poesia de SP, enquanto o primeiro poema, Lady Lazarus, de leitura
mais fácil aparentemente, o interessou mais. Dessa forma, o texto de leitura “fácil” é bem
recebido, enquanto o de leitura “difícil” e exigente não, tal postura redutora e cômoda perante
o objeto de estudo não é condizente para um estudante de literatura e aluno de Letras:
O primeiro poema apresenta uma linguagem lexical e interpretativa mais acessível,
logo houve um interesse maior sobre a autora, sua vida e obras, porém o segundo me
desmotivou pois exigiu uma interpretação muito maior (A10).
Outro aluno, também, apontou como problema e empecilho para a sua recepção da
poesia de SP não a decodificação do texto poético, mas da linguagem poética plathiana, que
não depende somente de tradução para ser entendida, mas, também, de conhecimentos prévio
e textual. Sua resposta revela uma concepção de interpretação textual poética tradicional, ao
declarar ser difícil “decifrar” o que a poeta “deseja expor”. Ou seja, para esse aluno,
interpretar o texto poético é “decifrar” o que o poeta quis dizer:
Sylvia Plath é uma autora bastante complexa, e mesmo com a tradução é difícil
decifrar o que ela deseja expor em alguns poemas, como emWords” (A19).
Para A5, a leitura da tradução dos poemas não modificou seu interesse pela poesia de
SP, mas uma colocação pertinente, embora não perguntada, emergiu de sua resposta, ao
172
declarar que se interessou pelo movimento literário em que SP está inserida, o
Confessionalismo, pelos outros poetas confessionalistas, e pela temática que estes abordam,
pontos comentados na ocasião da apresentação dos poemas ao grupo:
Sem mudança. Deu interesse nos confessionalistas em geral, pela temática, mas não
pela tradução (A5).
A15 mencionou algo importante a respeito do interesse pela poesia em LI em relação
a sua tradução para a língua portuguesa, que se estende para além do contexto acadêmico e do
aluno-leitor para o leitor comum. Desse modo, a tradução pode adquirir, também,
característica funcional e utilitária positiva, pois pode tornar acessível e despertar o interesse
de um leitor estudante desta ou de um leitor comum, que não possua conhecimento sobre LI,
pela poesia da poeta norte-americana escrita em LI:
A tradução pode levar alunos/pessoas que não tem contato com a língua inglesa a se
interessar pela poesia de Plath (A15).
A partir dessas respostas, considerando-se que a maioria da turma de estudantes
pesquisados é proficiente em LI, o interesse da maioria deles pela poesia de SP não mudou
após a leitura dos poemas traduzidos para a língua portuguesa, fato reforçado pelas traduções
serem literais. Tal aspecto da tradução auxilia os alunos que possuem problemas com a LI,
mas não oferecem uma oportunidade de nova interpretação e releitura dos poemas. As
respostas forneceram informações semelhantes às comentadas nas análises das perguntas
anteriores, revelando que muitos dos alunos pesquisados possuem uma concepção tradicional
de autor, poeta e interpretação textual poética. Os estudantes utilizaram critérios pessoais,
sem, praticamente, articulá-los a conhecimentos críticos-teóricos, para julgar seu interesse por
um autor e/ou sua obra, remetendo os argumentos ao senso comum ou concepções
tradicionais e/ou redutoras e superficiais. E, ainda, muitas respostas revelaram falhas em
relação ao conhecimento prévio e textual. Poucas respostas, de fato, exceções, são
condizentes com o perfil que a academia pressupõe de um aluno de Letras e de sua relação
com o texto poético e poeta.
4. 3 Resultados
173
Os pontos mais importantes que emergiram da análise das respostas, quanto à
recepção e à opinião do grupo pesquisado em relação à proposta foram os quatro seguintes:
1) A maioria dos alunos não apresentou dificuldades com a LI ao ler os poemas na
língua-fonte porque possuem proficiência em LI. Como as traduções dos poemas são literais,
declararam que a leitura destas não acrescentou “nada” as suas leituras e interpretações dos
poemas, não influiu sobre o sentido que atribuíram ao texto-fonte. Algumas respostas, ainda,
declararam que se as traduções não fossem literais, seriam mais interessantes de se ler.
Revelaram uma visão tradicional sobre a TL poética relacionada à forte idéia de fidelidade: a
tradução “boa” é a tradução fiel. Pôde-se detectar que faltaram conhecimentos prévio e
textual, para a leitura e interpretação dos poemas, que se apresentaram muito similares e
direcionadas pela minha interpretação e comentários, remetendo às “comunidades
interpretativas” de Fish (1980).
Para a minoria dos estudantes que declarou ter dificuldades com a LI, em relação ao
vocabulário, organização sintática e figuras de linguagem, as traduções auxiliaram na
construção de sentido textual, e economizou tempo com o trabalho com o dicionário, tornou a
leitura mais fácil, mas não mais estimulante ou prazerosa. Eles prefeririam não ter de usá-las,
por acharem que a tradução não substitui o original; na visão deles, é como se, ao ler a
tradução, estivessem perdendo o sentido original, o sentido do texto original, que a tradução
não consegue traduzir exatamente. Revelaram, também, uma visão tradicional sobre a TL
poética relacionada à forte idéia de fidelidade: a tradução “boa” é a tradução fiel. Da mesma
forma que maioria proficiente, a minoria com dificuldades com a língua, também, apresentou
falhas em relação aos conhecimentos prévio e textual, para a leitura e interpretação dos
poemas, que se apresentaram muito similares e direcionadas pela minha interpretação e
comentários, remetendo às “comunidades interpretativas” de Fish (1980).
Em relação a essas falhas, quanto a esses conhecimentos, detectou-se que a maioria
dos alunos não apresentou problemas com o conhecimento de LI, foram capazes de
decodificar as palavras, assim como os com dificuldades lingüísticas decodificaram a
mensagem denotativa via tradução, mas não a mensagem poética. O grupo pesquisado como
um todo teve dificuldades interpretativas maiores com o segundo poema, mais complexo, que
requer conhecimentos prévio e textual em relação à teoria, à linguagem e filosofia poéticas e o
seu sentido inapreensível e indescritível totalmente, para uma de suas interpretações possíveis.
Questões abordadas por filósofos e lingüistas contemporâneos pós-estruturalistas e s-
modernos (ver seção 2.2, 3.5 e 3.5.1), relacionadas aos conhecimentos que os alunos
174
demonstraram não possuir, embora sejam estudados nas disciplinas da graduação. Ao aplicar
o questionário, foi feita a apresentação dos poemas, uma breve explicação e uma semi-aula de
interpretação, em que pôde ser constatada tal afirmação, fato conferível, também, nas
respostas que forneceram.
Tais conhecimentos da parte do aluno-leitor são fundamentais na recepção do texto
poético, tanto o original quanto o traduzido, para se realizar uma leitura, construção de sentido
e interpretação no vel mínimo exigido pela academia e atestado e legitimado por ela como
atingido pelos estudantes que concluem o curso. As falhas em relação a esses conhecimentos
comprometeram a leitura e interpretação dos poemas apresentados ao grupo, revelando
também, que a tradução, que nesse caso funciona como decodificador, não resolve o problema
interpretativo por inteiro, sendo que supre a falta de um dos conhecimentos - o lingüístico -
necessários.
2) O grupo pesquisado revelou uma idéia do senso comum, tradicional e redutora
sobre TL, ao declarar que, em sua opinião, a tradução não é a mesma “coisa” que o
original, é diferente deste, porque não consegue manter a essência” de sentido e, por isso,
não é algo positivo. O fato de ser algo diferente do texto-fonte como algo positivo, uma
versão e interpretação, que pode enriquecer a leitura do mesmo, além de funcionar como mero
auxiliar decodificador lingüístico, foi mencionado apenas por um aluno. Os estudantes se
preocupam claramente em apreender o sentido do texto, porque é o que “cai na prova”,
conseqüentemente, e por acharem que a tradução não consegue manter esse sentido original,
consideram-na de forma negativa, pois ela não lhes fornece esse sentido, além de distanciá-los
da sua “essência”, já que não consegue manter o sentido original.
Os alunos, também, não fizeram ligação das implicações entre a tradução da arte
literária poética, considerando a poesia como manifestação cultural e artística lingüística com
características próprias de cada língua e cultura, próximo ao conceito de “recriação” de
Campos (1991), que considera a poesia como arte e a tradução poética como uma
“transposição criativa” que guarda relação estrita com o poema de origem. Embora algo sobre
isso tenha sido mencionado na ocasião da apresentação dos poemas e no material fornecido a
eles.
Considerando-se a poesia como arte, arte poética que pressupõe manipulação
lingüística (de palavra) e manipulação mental (de idéias, sentidos) etc., não seria coerente
aplicar a ela a lógica “dois mais dois igual à quatro”. Os estudantes não refletiram sobre o
fazer poético, sobre a poesia como arte literária, arte da palavra, atentando para os aspectos e
175
elementos técnicos poéticos relacionando-os à tradução, que nesse caso é mais complexo do
que em um texto não literário, porque é tradução de arte também, além da tradução
lingüística. Dessa forma, considerar e refletir sobre a questão da literatura e da poesia como
arte relacionando esse fato à tradução poética, também, faltou como conhecimento prévio ao
grupo pesquisado. Parecem não atentar para ou não considerar como relevante, o fato de que
estão estudando uma arte ao estudar poesia. Questão importante também, e a ser considerada,
ao se tratar da tradução poética, por exemplo, ao se refletir como traduzir de uma língua para
outra uma forma de arte, como se traduzir a arte lingüística.
Tal descaso e desinteresse devem-se, talvez, ao fato de que tais questões não são muito
enfatizadas pelos professores em sala de aula e “não caem na prova”. Os alunos se preocupam
em desvendar (seguindo a interpretação do professor) o sentido do texto que “cai na prova”,
sem relacionar muito este sentido aos elementos técnicos e teóricos poéticos e outros
conhecimentos textual e prévio importantes para a sua construção, que não vêm do nada.
Constatou-se a necessidade do estudo da TL e não literária, pois a falta de
conhecimento prévio prevaleceu nessa questão também. A maioria dos estudantes
questionados domina a LI em nível satisfatório (proficiência); entretanto, considerando-se que
são alunos de Letras formandos, apresentam uma opinião muito tradicional, redutora, ingênua
e, até mesmo, de senso comum sobre tradução; distantes das colocações teóricas
contemporâneas (apresentadas no Capítulo 3) sobre a teoria da tradução e TL. Para eles, a
tradução “boa” é tradução fiel, por isso, declararam que preferem usar e ler os textos
originais, não a tradução porque “não é a mesma coisa”. E, ainda, é necessário relacionar a
tradução às características do objeto que traduz, ou seja, os aspectos lingüísticos, culturais e,
também, artísticos relacionados à literatura e à poesia, considerando-a com arte literária, o que
leva a refletir e questionar sobre a concepção tradicional de fidelidade tradutória poética.
Justifica-se, assim, a necessidade de inserir o estudo da TL em curso de Letras. O aluno de
Letras deve saber da necessidade e da importância da literatura traduzida e entendê-la de
modo crítico, não só em LLI, mas também em relação à literatura universal.
Teço esse comentário, embora não seja professora de LLI no ensino superior,
baseando-me em minha experiência como aluna de graduação, em que tive contato com duas
turmas diferentes, devido ao fato de ter cursado o quinto ano em dois anos. A segunda turma
era interessada em LLI, considerava a literatura como algo sério, interessante, e mesmo uma
arte para poucos e sinônimo de cultura, e possuíam um conhecimento superior de LI, do que a
primeira. Nesta, “vie “testemunhei” muitas “coisas” acontecendo, que me incomodavam,
“coisas” parecidas com os depoimentos que OLHER; WIELEWICKI (2006) relatam, e das
176
quais tratam essa pesquisa, tais como, uso de traduções literárias espúrias e, de resumos de
obras de LI em língua portuguesa referentes à trechos esparsos em LI etc., provenientes das
mais diversas fontes. Além de outras desagradáveis e desconfortáveis, devido ao
conhecimento insuficiente de LI da maioria dos alunos, em contraste com a proficiência de
uma minoria, instaurando um clima de mal estar durante aulas de LI e de LLI e,
principalmente, em exposições de trabalhos orais, seminários, e na temida prova oral das
disciplinas de LI.
Tais “coisas” que presenciei, relacionadas ao descaso com o estudo de LLI por parte
dos colegas, devido, principalmente, à falta de proficiência, dentre outros motivos, sempre me
incomodaram. E, na observação das aulas na disciplina em que foi aplicado o questionário e,
no estágio na graduação (por exigência da CAPES, pelo fato de ter sido bolsista), em que
ministrei aulas de poesia de LI constatei, infelizmente, uma apatia em relação à poesia
semelhante a da minha primeira turma de graduação. Em menor grau, mas uma apatia de
modo geral, com exceções, desinteresse por poesia em LI, não ligado, necessariamente, ao
fato do conhecimento ou não de LI, que me incomodou. Sabe-se que esse desinteresse, de
certo modo compreensível, além de relacionado ao gosto pessoal, ocorre muitas vezes por
motivos de força maior, tais como, por exemplo, os alunos trabalham e não possuem tempo
para realizar e se dedicar às leituras e trabalhos requisitados pelo professor, têm problemas
pessoais etc.; fatores que, adicionados ao problema com a LI, os levam a não produzirem e/ou
apresentarem rendimentos e resultados insatisfatórios dentro dos padrões mínimos exigidos
pela academia e/ou por eles próprios.
3) Em relação ao contato, interação do grupo pesquisado com o texto literário, tal é
mecânico e funcional, sendo o objetivo da situação de leitura artificial instalada na sala de
aula, apreender o sentido do texto poético, ou seja, o objetivo do aluno, sabido pelo professor,
é a compreensão/interpretação do texto, que lhe garantirá a nota para passar na disciplina e de
ano. E como mencionado, objetivo para o qual a tradução pode ser nociva, se não for literal
e fiel ao sentido do texto-fonte. Por isso, para os estudantes do grupo pesquisado, a tradução
“boa” é a tradução fiel.
Como não existe leitura desinteressada, pois sempre intencionalidade(s), objetivo,
como na situação de ensino, por exemplo (RODRIGUES; MENEGASSI, 2005), acrescido ao
fato de eu ter entregue e comentado um material prévio, bem como apresentação deste e
explicação sobre os poemas, antes de os estudantes responderem os questionários, tais
informações contidas nesse material, provavelmente, influenciaram na recepção, leitura,
177
construção de sentido e interpretação dos poemas e nas respostas que forneceram, e em
relação à opinião sobre a proposta pedagógica a que foram perguntados e, ainda, em relação
à recepção da poesia de SP e às impressões sobre a poeta. Tal situação de leitura é artificial,
assim como a sala de aula não é o lugar apropriado para ler literatura, mas o é para se discutir
sobre ela. Considerando-se que a leitura literária e, principalmente, a poética requer interesse
e escolha individuais, e não uma escolha de leitura feita pelo professor, direcionada, que deve
ser lida e ter seu sentido apreendido, dentro de um certo padrão e “estilo” aceitáveis pelo
professor, porque vai cair na prova”, além de tempo, concentração, sossego etc. Como
estratégia didática, os professores, geralmente, solicitam que as leituras dos poemas sejam
realizadas em casa previamente, mas nem todos os alunos o fazem. E, como mencionado, a
tradução fornece outra leitura, embora guarde relação com o sentido do texto-fonte e pode
chocar-se com este, requerido e esperado pelo professor em relação ao texto-fonte e, então, o
texto traduzido é considerado como algo negativo pelos alunos.
As respostas “repetem” mais ou menos e/ou, parafraseiam o que eu disse, a minha
leitura e interpretação dos poemas como “professora”. Sem elas, provavelmente, os estudantes
teriam “chegado” a outras conclusões, e as respostas talvez não fossem tão homogêneas,
remetendo às colocações fishianas sobre a interpretação do texto literário por alunos de cursos
de Letras. As “comunidades interpretativas” (FISH, 1980) são confirmadas, as interpretações
soam muito parecidas, direcionadas, não uma crítica mais “ousada”, revelando uma
homogeneidade preocupante. Por outro lado, tal homogeneidade pode ser entendida como
questão de sobrevivência e não falta de criticidade ou ausência da agência discente. Os
alunos, por temerem não fornecer as respostas que o professor quer “ouvir” e sofrer as
conseqüências, ou seja, nota baixa, não se manifestam como gostariam e guardam suas
opiniões para si. Por um lado, isso pode significar que o aluno não tem consciência do
direcionamento a que está sendo submetido, ou seja, a hábitos viciados de leitura e
interpretação literárias, de acordo com a instituição acadêmica, considerando-se aluno-leitor
crítico enquanto, de fato, não o é, como afirma Fish (1980). Enquanto, de outro lado, talvez o
aluno reflita “por si próprio” sobre o texto que (agência discente), mas sabe que se revelar
tais reflexões pode gerar conflitos entre ele e o professor e, também, com colegas e a própria
turma, então se cala.
Sobressaiu, mesmo que implicitamente, a preocupação que os estudantes têm em
apreender o sentido do texto, interpretá-lo, dentro dos padrões exigidos pelo discurso
científico acadêmico, como se seguindo um modelo a ser cobrado em avaliações pelo
professor. Fato perceptível de modo explícito, principalmente, pela recepção do segundo
178
poema, cujo sentido situa-se bastante além da linguagem denotativa literal, sendo necessária
uma leitura mais elaborada e complexa, requerendo conhecimentos prévios e textuais que os
alunos revelaram não possuir. uma dependência e expectativa em relação à interpretação
do professor, que “revelará o segredo”, o sentido verdadeiro e correto escondido
hermeneuticamente. Vários alunos afirmaram que valorizam o trabalho do professor que,
muitas vezes, acaba interpretando o poema para eles, pois somente a tradução, mesmo se
literal, nesse caso, não garante a apreensão de sentido poético:
No meu ponto de vista a tradução foi muito importante, pois tornou a leitura mais
fácil. Porém a leitura feita em sala de aula foi fundamental (grifo meu) para o
entendimento do sentido literário do texto (A19).
Esse trecho é ilustrativo das “comunidades interpretativas” de que fala Fish (1980),
não que a interpretação e análise do professor não sejam importantes, mas uma aula de
literatura considerada dessa forma não propicia uma interação do aluno com o texto, e muito
menos a experiência literária, do efeito estético, segundo Jauss (1994) e Iser (1996; 1999 a;
1999 b). Pois, a interpretação e a produção de sentido não são discutidas pelo grupo da sala de
aula, sendo coordenado pelo professor, são realizadas e fornecidas aos alunos e não ensinadas
pelo professor, que não é meramente o intermediário desse processo interpretativo, mais o
próprio (re)produtor autorizado pela instituição acadêmica, que tem sua interpretação
legitimada pela comunidade interpretativa” acadêmica e, pelos próprios alunos, sendo estes
repetidores ou parafraseadores (alguns muito bons) desse sentido. E, a agência discente parece
difícil de ser manifestada, sendo o aluno-leitor crítico agente do seu próprio processo
educacional bastante utópico em tal situação, embora ingenuamente, se considere como tal.
Outra possível causa da falta de interação do aluno com o texto seria porque não
um grande interesse por poesia, independente da proficiência ou não na LI. Detectei, de modo
geral, indiferença, apatia em relação ao contato com o texto poético por parte do grupo
pesquisado. Os comentários sobre os poemas feitos por eles se preocupam muito em detectar
o sentido do poema de forma técnica e modelar, com um interesse artificial e funcional de
leitura em uma situação artificial de leitura e ensino. A leitura do texto poético deve ser
realizada de forma menos mecânica e direcionada, mais pessoal, reflexiva e dotada de mais
sentido crítico, mesmo em se tratando de uma situação artificial de ensino e leitura literários
com objetivos pré-determinados (ver seção 2.2).
Tais colocações, obviamente, estão influenciadas pelo meu gosto pessoal por poesia,
tenho consciência de que a poesia é preferência da minoria dos alunos. Mas, talvez, isso além
179
de algo “natural” e relacionado ao gosto pessoal, seja resultado, também, do próprio contato
estabelecido a priori entre aluno e texto poético, já com a idéia de dificuldade inerente a sua
leitura estabelecida não somente pelo senso comum, mas dentro da própria academia, como
um obstáculo a ser saltado por poucos. Enquanto que a leitura do texto poético é diferente,
requer táticas de leituras diferenciadas das do texto ficcional, que significa mais diferença do
que dificuldade; tais como mencionadas (ver seção 2.2): releituras, às vezes oral, percepção
do ritmo musical poéticos, consideração da poesia como arte literária etc.; e não a busca de
modo mecânico e enfadonho pelo o que o “autor quis dizer”.
4) Quanto à recepção da e interesse pela poesia de SP, a análise revelou, de modo
geral, uma certa indiferença e frieza relacionada à recepção da poesia de LI e da poeta, em
respostas breves, vagas e evasivas com pouquíssimas exceções, fato compreensível, de certa
forma, considerando-se que foi o primeiro contato estabelecido com a poeta e sua poesia. Os
julgamentos e argumentos baseados em critérios de gosto pessoal prevaleceram em relação
aos apoiados em critérios teóricos críticos, enquanto que uma articulação entre ambos esses
critérios seria mais condizente com o perfil dos alunos em questão.
Sobre o interesse pela poesia plathiana e pela poeta em comparação com a leitura dos
poemas em LI e após a leitura da tradução, o grupo estudado ficou praticamente dividido. A
maioria do grupo manteve o mesmo interesse antes e após ler a tradução, pela tradução ser
literal e eles não terem dificuldades com a LI na leitura, a sensação declarada por eles foi de
que estavam lendo duas vezes o mesmo poema. Uma minoria se interessou mais pela poesia e
pela poeta após ler as traduções, alguns declararam que como a tradução ajudou na
decodificação, principalmente do segundo poema, que apresenta tema, assunto, linguagem e
sentido altamente metafóricos e organização sintática mais complexos que o primeiro, isso
despertou e aumentou o interesse deles. Portanto, para esses estudantes, a tradução influiu de
modo positivo na recepção dos poemas ao auxiliar na leitura e interpretação e despertar e
aumentar o interesse pelo texto-fonte.
4. 4 Discussão
As informações obtidas e colhidas na primeira etapa dessa pesquisa (ver Capítulo 1,
seção 1.4 Metodologia) em relação ao problema da maioria dos alunos de cursos de Letras
com a recepção “dolorosa e desinteressada” da LLI, devido a não proficiência em LI, foram
discutidas por Wielewicki (2002) e Olher; Wielewicki (2006). Coletaram-se informações,
180
também, através da observação e documentação das aulas, um ano antes dessa pesquisa se
realizar, na mesma instituição e disciplina, em que esse aplicou o questionário em situação de
pesquisa em sala de aula para a obtenção dos dados que foram analisados. Além de acesso a
relatos informais dos próprios alunos, colegas, professores e testemunho próprio, partindo-se,
assim, do meio-social para a teoria e, em relação à análise dos dados, ida e vinda do meio
social à teoria, que é o que caracteriza a pesquisa etnográfica.
Nas aulas observadas, os alunos apresentaram problemas com a LI para a leitura e
interpretação poéticas, devido à dificuldade com a linguagem poética e metáforas, por
exemplo. O professor fornecia a tradução à mediada que lia os versos ou estrofes,
interrompendo a leitura do poema para fornecer tradução, ou pelo menos explicação do
sentido do verso ou estrofe em LI, indagando os estudantes se estavam entendendo o sentido,
partindo da decodificação para a explicação além da linguagem denotativa, enquanto estes
faziam anotações sobre o que ele estava traduzindo e comentando. Sendo, visivelmente, falho
o conhecimento lingüístico em LI, para a realização de uma leitura e interpretação
satisfatórias, além de não haver interação dos alunos com o texto poético e um baixo interesse
e entusiasmo pela aula de poesia.
Em relação à proposta dessa pesquisa, na situação de pesquisa em sala de aula os
alunos, semelhante às aulas observadas, apresentaram uma recepção fria e indiferente, que
persistiu nas respostas demasiado breves, vagas e evasivas, mas que forneceram dados
interessantes e importantes que ajudaram a entender o problema e as causa das hipóteses
propostas (ver Capítulo 1). O fato de as respostas terem sido vagas, talvez, se deva à situação
artificial de pesquisa criada por mim como pesquisadora e, que faz parte da pesquisa
etnográfica; por exemplo, os estudantes podem ter ficado com medo, receio em sofrer
conseqüências ao expor opiniões mais “francas” sobre o assunto.
Alguns resultados foram semelhantes aos das pesquisas anteriores que nortearam essa
pesquisa, em que os alunos pesquisados de cursos similares e com dificuldades em LI
preferem ler o texto original ao invés do traduzido. Somente quando este não é acessível,
devido à falta de conhecimento lingüístico em LI, para realizar uma leitura satisfatória no
nível exigido pela academia é que eles utilizam a tradução “sem o professor saber” (OLHER;
WIELEWICKI, 2006), por uma questão de sobrevivência e permanência no meio acadêmico.
Embora os estudantes pesquisados não tenham apresentado dificuldades com a LI,
revelaram problemas em relação à concepção tradicional, redutora e de senso comum sobre a
TL, atrelados à idéia de fidelidade. Além de uma concepção idem sobre a interpretação
literária poética, na busca e preocupação pelo que o “autor quis dizer” e dependentes da e
181
direcionados pela interpretação do professor, visando o resultado nas avaliações. Não
consideraram, ainda, a poesia como arte literária e manifestação cultural e artística
lingüísticas ao interpretá-la, apresentando falhas quanto aos conhecimentos prévio e textual,
necessários para uma leitura e interpretação satisfatórias, tendo-se em vista a proposta do
curso ao qual pertencem, além de realizarem um julgamento crítico somente impressionista da
poeta e poesia, quanto à recepção da poesia de SP, sem articulação da crítica com a teoria
literária.
Tais constatações estabeleceram uma barreira ao contato do grupo pesquisado com o
texto poético, fortalecida pela poesia ser preferência de poucos e de carregar uma aura de
leitura difícil e sentido vedado a poucos leitores, fora e mesmo dentro da academia.
Sendo esta a concepção de tradução dos alunos, que preferem ler o texto original, este
não corre risco de extinção e de ter seu lugar e status tomado pelo texto traduzido, como
temido pelos professores não simpatizantes ao uso e estudo da TL em sala de aula. O receio
destes é de que os estudantes se distanciem do e não leiam o texto original, devido à
facilidade que a tradução oferece. Tal postura, embora compreensível, e com um certo fundo
de verdade, poderia ser alterada com um trabalho de estudo e leitura mais críticos a respeito
da tradução dos textos traduzidos.
Como o aluno que não domina a LI, segundo pesquisas de Wielewicki (2002) e Olher;
Wielewicki (2006), tende a usar tradução de baixa qualidade, mesmo não “gostando da idéia”
ainda que, devido a concepções equivocadas sobre TL, o mais viável, então, seria habilitá-lo a
reconhecer uma de qualidade (em relação ao contexto e propósito que se visa), conscientizá-lo
teórica e criticamente sobre o assunto por meio do estudo da TL em relação a abordagens
contemporâneas. Ele poderia se tornar um “usuário” responsável e conscientizado, por
exemplo, de acordo com as colocações de Venuti (2002) (ver Capítulo 3, seção 3.6), que não
propõe a exclusão e desvalorização do texto-fonte na sala de aula, mas seu entendimento
crítico a par com sua tradução e os valores lingüísticos, culturais, ideológicos e políticos
inscritos, muitas vezes, inevitavelmente, mas, também, muitas vezes, intencionalmente, nesta
pela cultura de chegada.
Acredita-se que seja possível, assim, reverter o quadro do uso irresponsável de TL,
devido à falta de conhecimento teórico e crítico sobre o assunto, visando contribuir para a
formação de um aluno-leitor crítico e agente do seu processo educacional, condizente com a
formação de um aluno de Letras, e com a própria proposta do curso.
4. 5 Considerações finais
182
Diante dos resultados da análise dos dados e da discussão desta, considerando-se as
hipóteses iniciais da pesquisa, constatou-se a necessidade de se propor a inserção da prática
pedagógica - bem como a sua validade - do estudo e uso da TL de LLI como ferramentas
didáticas no ensino superior em cursos de Letras por dois motivos. Em primeiro lugar, para
contribuir para tornar a recepção de LLI em sala de aula mais consciente, prazerosa e
interessada e menos problemática e superficial pelos alunos, que não dominam a LI em nível
suficiente para realizar uma leitura e interpretação de acordo com o nível exigido pela
academia, e que usam traduções inadequadas em relação à qualidade, para os propósitos da
aula de LLI. E, em segundo lugar, para conscientizar os estudantes, mesmo os que possuem
conhecimento suficiente ou proficiência em LI, sobre os Estudos da Tradução críticos e
teóricos contemporâneos. Estes, que, - entre outras colocações - diferentes dos tradicionais,
consideram o texto poético, por exemplo, como “recriação” (CAMPOS, 1991), uma nova
leitura, reinterpretação do tradutor, uma vez que a maioria do grupo pesquisado apresentou
uma visão tradicional sobre TL, atrelados à idéia de fidelidade, e uma opinião negativa quanto
ao uso e leitura de tradução. Considerando-se, também, a importância fundamental desses
conhecimentos críticos teóricos contemporâneos sobre o assunto para um aluno de Letras.
A prática pedagógica do estudo e uso da tradução, juntamente com o texto-fonte, como
recurso didático, pode ser uma saída possível para o problema da recepção problemática de
poesia de LI por alunos com dificuldades com a LI. Tal estudo deve pressupor complexidade
teórica adequada ao nível de graduação. Além disso, a proposta requer técnicas didáticas que
devem ser (re)adequadas e, mesmo, desenvolvidas pelo professor, de acordo com o e
necessidades do contexto em que for aplicada, debatidas nessa pesquisa de modo geral, ao
citar as colocações de Venuti (2002), que trata do assunto no contexto acadêmico norte-
americano - o que revela que este não é somente um problema do ensino superior brasileiro.
Dessa forma, indagações de como pôr em prática, adequadamente, métodos, técnicas e
estratégias didáticas relacionadas ao assunto no ensino superior brasileiro; bem como
desenvolver modelos e testar, são assunto para pesquisas futuras.
Tal prática pedagógica, se direcionada de modo adequado, não oferece “perigos” e
“riscos” ao texto-fonte pressuposto a ser temido ou desprezado, rejeitado e, até mesmo,
extinto da sala de aula, por professores que não admitem o uso de tradução de LLI pelos
alunos, mesmo sabendo que este ocorre contra a sua vontade por questão de sobrevivência no
meio acadêmico. A prática não seria prejudicial ao texto-fonte, pois ao ter seu sentido
acessado de modo menos “doloroso” e dificultoso, pode ser possível ser despertado o
183
interesse do aluno, pelo texto-fonte e seu autor. Um estudante, que não teria acesso ao seu
sentido sem o uso da tradução pode realizar a leitura da tradução seguida da leitura do texto-
fonte, por exemplo. Além disso, a tradução, nesse caso, funcionaria mais como um auxiliar
decodificador, um primeiro acesso mais “facilitado” ao sentido do texto-fonte e, não como
produtora de sentido textual, sendo que este requer a articulação dos conhecimentos
lingüístico com os prévio e textual, como enfatizado insistentemente ao longo da análise das
perguntas do questionário aplicado.
O estudo da tradução pode, também, ajudar a entender e levar a refletir e questionar
sobre outras questões relacionadas à TL, tais como fatores lingüísticos, culturais, ideológicos,
políticos; estratégias de poder e submissão na relação texto-tradutor; texto-leitor etc., e, ao
próprio status da LI mundialmente relacionado ao fato de ser o idioma das duas
superpotências econômicas mundiais e à globalização (VENUTI, 2002). E, referentes a
própria criação do texto poético, enquanto arte literária, da palavra traduzido, ao articular-se a
uma gama de conhecimentos prévio e textual para a leitura, construção de sentido e
interpretação textual. Dependendo do nível de conhecimento de LI de determinada turma de
estudantes, pode-se optar somente pelo estudo da tradução.
Assim, acredita-se que a inserção dessa prática pedagógica, e mesmo da disciplina que
estude a TL em cursos semelhantes, possa contribuir para melhorar a recepção, o ensino e a
aprendizagem de LLI no ensino superior e para o conhecimento teórico sobre tradução e TL;
considerando-se tais conhecimentos fundamentais para a formação de um aluno-leitor de
Letras, crítico e agente do seu próprio processo educacional, dentro dos padrões mínimos
exigidos pela academia.
184
CONCLUSÃO
O tema da pesquisa, abordado sob uma perspectiva etnográfica, que focalizou a
poesia em LI da poeta norte-americana SP, pretendeu e consistiu em analisar como ocorreu a
recepção desta juntamente com o uso e estudo da sua tradução para a língua portuguesa, em
situação de pesquisa em sala de aula de ensino superior, por alunos de um curso de Letras
Habilitação Dupla: Português-Inglês e Literaturas Correspondentes, de uma Universidade
Estadual, situada em uma cidade de porte médio brasileiras. O objetivo foi investigar se o uso
e estudo da TL podem ser e, até em que ponto, são um recurso didático positivo ou não e
porque, em relação à recepção, ensino, aprendizagem e interesse de leitura desses
receptores/leitores/estudantes de poesia de LI. Para tanto, procurou-se articular teoria e
prática, a fim de analisar por meio de dados observados, coletados e analisados, se essa
prática pedagógica funciona e se pode contribuir de forma positiva para o ensino de poesia em
LI.
Evidenciou-se SP, devido a sua poesia complexa, mesmo para falantes nativos, e por
sua vida, obra e movimento literário em que está inserida serem estudados no curso, disciplina
e série dos alunos em questão, além de a poeta e sua obra serem objeto de estudo e pesquisa
da autora dessa pesquisa desde 2002, servindo, assim, aos propósitos que se visou investigar.
Selecionou-se o corpus, estabelecendo-se como critério de adequação à pesquisa, a escolha de
um poema com vocabulário e tema menos complexos: Lady Lazarus, e outro, com um grau
maior de complexidade em relação a esses itens: Words.
Justificou-se a escolha do tema devido à constatação por professores e pelos próprios
alunos, obtida por meio de relatos e pesquisas de outros pesquisadores (WIELEWICKI, 2002
e OLHER; WIELEWICKI, 2006), conversas informais com alunos e colegas, testemunhos e
experiência próprios; da recepção problemática nas disciplinas de LLI por alunos de tais
cursos. Segundo Wielewicki (2002), e Olher; Wielewicki (2006), uma das principais causas
dessa recepção problemática é porque a maioria dos alunos não atinge um grau de
compreensão satisfatório dos textos literários por não possuírem proficiência na LI, e/ou pelos
textos antigos serem de difícil compreensão, e/ou por requererem muito tempo para terem a
leitura concluída, mesmo para leitores proficientes. Conseqüentemente, desesperadamente e
“ilicitamente”, traduções, além de resumos, análises, comentários, e outros materiais em
língua portuguesa de qualidades e procedências duvidosas, na maioria das vezes, são
vastamente utilizados, re-utilizados, trocados e comercializados ano após ano. Tais usos
185
ocorrem à revelia dos professores, que reprimem e recriminam a prática, ou fingem, ou não
percebem quando ela acontece. Como resultado, o aluno não experiencia significativamente o
contato com a LLI, finge que os romances, peças, contos e poemas em inglês e a aula de
LLI fracassa. Diante desses fatos, a proposta dos cursos que oferecem o estudo de LLI em tais
condições é ilusória, uma vez que um dos objetivos de cursos de licenciatura é formar leitores
críticos e preparar ou iniciar uma preparação a ser complementada em cursos de mestrado e
doutorado, para habilitar profissionais na docência nos ensinos superior e médio,
principalmente nas disciplinas de língua portuguesa, literatura brasileira, LI e LLI. Entretanto,
a LLI traduzida ou não, também, está presente nos textos lidos nas escolas e na literatura que
circula fora destas.
Quanto à tipologia, que seguiu a pesquisa etnográfica, não se partiu de determinada
teoria para aplicá-la, mas observou-se uma situação social e procurou-se na teoria formas de
compreendê-la e sugerir mudanças, percorrendo-se o caminho situação social-teoria e vice-
versa. A pesquisa foi brida, pura e aplicada, pura, porque visou contribuir para a ciência
humana, buscando desenvolver conhecimentos científicos, ciente da transitoriedade dos
mesmos. E seu desenvolvimento tendeu a ser formalizado, objetivando generalização por
exemplaridade, sem pretender universalidade, valorizando exceções e o ponto de vista dos
sujeitos pesquisados, incitando à construção de teoria por futuras pesquisas e pesquisadores.
Aplicada, porque dependeu também das descobertas da pesquisa pura para o seu
desenvolvimento, mas teve como característica fundamental o interesse na aplicação,
utilização e conseqüências práticas dos conhecimentos. Sua preocupação voltou-se, assim,
não para o desenvolvimento de teorias de valor universal, mas para a aplicação imediata numa
realidade circunstancial. Como se revelou na análise dos dados baseada em pressupostos
teóricos e dados observados empiricamente, procurando-se analisar a opinião da maioria, da
minoria, mas, também, das exceções, considerando todas as opiniões coletadas no
questionário importantes, entretanto não fundamentais e exclusivas, para chegar-se à
conclusão de como a proposta pedagógica foi recebida e de seu funcionamento, bem como
sugeri-la como aplicável empiricamente.
O estudo envolveu, também, educação literária no ensino de LLI em nível superior,
orientada por pedagogia e didática críticas em uma visão pós-moderna, e em acordo com os
Estudos Culturais, e com as idéias de Bhabha (1994 apud WIELEWICKI, 2002) sobre estudos
culturais pós-coloniais e agência contingente, entendendo o aluno como agente do seu
processo educacional de ensino-aprendizagem (WIELEWICKI, 2002). A partir da análise dos
dados, acredita-se que tal perfil de aluno, de modo geral, não se manifestou, pelo menos não
186
constatavelmente, revelando concepção tradicional destes em relação à TL e à interpretação
textual poéticas, dependentes e direcionados pela interpretação do professor.
O problema ou pergunta de pesquisa que se fez foi: Como ocorre a recepção de
poesia em LI e desta traduzida para a língua portuguesa por alunos de Cursos de Licenciatura
Plena em Letras Habilitação Dupla: Português-Inglês e Literaturas Correspondentes? A
resposta que se obteve, a partir da análise e interpretação dos dados foi de que esse
desinteresse, em relação ao grupo pesquisado, não foi devido à barreira da falta de
proficiência em LI. De modo geral, o conhecimento da língua foi satisfatório, mas constatou-
se um descaso, apatia e desinteresse perante o estudo da poesia, além de falta de
conhecimentos prévio e textual, necessários para a leitura e interpretação literária no nível
requerido pela academia, sendo, como dito, a interpretação dos alunos dependente e
direcionada pela do professor
As hipóteses iniciais eram três: 1) Conhecimento insuficiente da LI; 2) Uso “ilícito” de
traduções e outros materiais similares em língua portuguesa, de procedência e qualidade
duvidosas; 3) Desinteresse por poesia. A primeira e a segunda hipóteses foram refutadas para
o grupo pesquisado, e a terceira foi confirmada. A recepção da proposta do uso e estudo da
tradução foi considerada como um facilitador de leitura e “poupador” de tempo em relação ao
trabalho como o dicionário pelos alunos em minoria, que revelaram ter problema com a LI,
mas vista de forma desnecessária, para a maioria com proficiência. Em relação aos poemas de
SP, a recepção foi fria e indiferente, sendo que a tradução não incentivou um maior interesse
pela sua poesia, que permaneceu o mesmo depois da leitura da tradução, exceto exceções.
Um ponto inesperado surgiu da análise dos dados, que havia sido constatado na
ocasião da apresentação do corpus e da aplicação do questionário. Os alunos preocuparam-se
com a compreensão do sentido do segundo poema de forma visível, que os incomodaram,
porque não conseguiram atingir o sentido do que a poeta “quis dizer” de modo objetivo
(porque é o que é cobrado nas avaliações), mesmo com a tradução, que nesse caso, funcionou
apenas como um decodificador, um dicionário mais “sofisticado”. Revelaram, assim, uma
postura tradicional, até mesmo hermenêutica, em relação à interpretação textual poética e,
sem estabelecer uma ligação consistente entre forma e conteúdo, além de evidenciarem
conhecimentos prévio e textual insuficientes para realizar uma interpretação dentro dos
padrões mínimos exigidos pela academia. Em relação ao primeiro poema, aparentemente,
com uma linguagem e sentido menos complexos, os estudantes fizeram uma leitura
interpretativa superficial e óbvia com poucas opiniões diferenciadas, prevalecendo a minha
interpretação, de ambos os poemas, como professora naquele momento, sem questionamentos
187
ou discordância, ou que pelo menos não foram manifestadas explicitamente. Dessa forma,
pode-se afirmar que eles seguiram um modelo interpretativo, no caso, o meu, o que confirma
as colocações de Fish (1980) sobre as “comunidades interpretativas”.
Tais constatações revelaram que a interpretação de poesia em LI não depende somente
da decodificação do vocabulário, suprida pela tradução. As lacunas referentes aos
conhecimentos prévio e textual devem ser preenchidas também; além de o texto poético dever
ser visto como arte poética, arte da palavra, que, por exemplo, no caso do segundo poema é
importante para construção de um de seus possíveis sentidos. E, que contribui para se refletir
sobre a tradução poética de modo mais complexo e crítico, considerando a TL poética como
“recriação”, releitura e interpretação (CAMPOS, 1991), e não de maneira redutora e
simplificada, como mera transposição de uma língua para outra, que não consegue abarcar o
sentido poético de modo total e fiel. Sabe-se que, de acordo com as tendências
contemporâneas sobre o assunto, pode-se julgar a qualidade de uma TL mediante à época
histórica, fins e contexto que se vise, bem como também questioná-la.
A proposição consistia em constatar a necessidade e propor a inserção do uso e estudo
da TL em sala de aula de LLI como prática pedagógica, juntamente com o texto-fonte, a
utilização pelos professores da tradução deste e seu estudo como ferramentas didáticas, para
estimular a recepção, aprendizagem e interesse pelo texto-fonte por parte dos alunos. I: Em
relação ao grupo pesquisado, o conhecimento da LI, de modo geral, foi satisfatório, e não
viram necessidade do uso e estudo da tradução, e no que a proposta poderia contribuir para
suas leituras. II: Os alunos que revelaram ter problemas com a ngua acharam a proposta
interessante, mas sem grande entusiasmo, pois a tradução, entendida tradicionalmente por
eles, funcionaria como um auxílio, um dicionário mais “sofisticado” para um acesso ao texto-
fonte, fazendo com eles economizassem tempo com o trabalho com dicionários, e tornando a
leitura e compreensão mais fáceis. O problema para a maioria de ambos os perfis de alunos (I
e II) residiu na dificuldade de interpretação da mensagem poética, seu sentido conotativo, e
não sua decodificação, seu sentido denotativo.
Mas, como todos os estudantes praticamente revelaram uma concepção de TL poética
tradicional, atrelados à concepção de fidelidade como sinônimo de tradução “boa”, ao mesmo
tempo em que impossível de ser realizada, inferiu-se que a proposta, em uma turma com
características semelhantes poderia ser adotada, devido à relevância de conhecimentos
teóricos e críticos contemporâneos sobre TL por alunos de Letras.
Acredita-se que a proposta posta em prática possa contribuir para tornar a recepção,
leitura, ensino e aprendizagem de LLI em sala de aula por alunos-leitores agentes do seu
188
próprio processo educacional no processo ensino-aprendizagem mais significantes,
conscientes, dotados de mais sentido, críticos, prazerosos, e interessados. O conhecimento de
posturas teóricas e críticas contemporâneas sobre o assunto pode auxiliar também na
formação de estudantes considerados como futuros professores, para que possam conhecer e
utilizar critérios de julgamento críticos, de acordo com o contexto e finalidade. O texto-fonte
não é colocado em segundo plano, segundo a proposta, mas pode se tornar acessível e mais
interessante via tradução ao aluno que, talvez, não consiga atingir um grau de compreensão
satisfatório, devido à barreira imposta pela não proficiência na LI; a leitura do texto-fonte
pode ser facilitada, por exemplo, após a leitura da tradução. Ou, dependendo do nível de
conhecimento da língua de determinada turma e o interesse por LLI que, certamente, variam
de uma turma para outra, pode-se optar somente pelo estudo da tradução.
Dessa forma, seria possível sugerir o uso desse recurso didático como uma saída
possível para o problema - passando de “prática ilícita à pedagógica” (OLHER;
WIELEWICKI, 2006) - quando e se esse surgir. Acredita-se, também, na necessidade e
relevância de, se não implementar a disciplina que estude a TL nos currículos de cursos
semelhantes, ao menos estudar o assunto, de acordo com uma postura contemporânea de
abordagem teórica-crítica, enfatizando fatores como os apontados por Venuti (2002):
lingüísticos, ideológicos, políticos e culturais, além dos literários envolvidos no processo da
TL e, em relação ao status atual da LI. Pode-se, também, incitar o desenvolvimento de teoria
e práticas pedagógicas, bem como de materiais didáticos que envolvam o estudo da LLI e o
estudo e uso de tradução no ensino superior brasileiro em cursos de Letras.
189
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195
APÊNDICES
196
Apêndice A – Resumo
United States of America After World War II
The United States of America was practically intact after World War II (1939-1945), it was
the nation which more gained with it, while the other countries involved in the conflict were
devastated. The country offered and became a refuge for intellectuals, philosophers and artists
of all Europe during and after the war, providing freedom’ for all kind of opinion and
expression, since it was not against the North-American interests. It improved the art
produced in the country and it became the center of art of the world. At the end of the decade
of the 40s, there was a baby boom and the revival of ‘The American Dream’, which defended
the idea that material success, consumerism and popularity were guarantee of happiness.
These ideals and ideas led conscious artists to manifest against it, such as The San Francisco
Poets and the counterculture and the pop art of the 60s, which discussed the division between
erudite and popular and commercial art still discussed nowadays.
North - American Poetry After World War II
The poetry of this time was a struggle between Modernism and Romanticism; the academic
against the beat movement; the establishment against the underground movement; the
conservative against the liberal. The writers were divided into pale-faces (elegant and
controlled) and red-skins (intense and spontaneous). The Apollineal aesthetics of T. S. Eliot
which considered poetry as impersonal and which should celebrate the virtues of formal
coherence was current in the 40s and the 50s. In the 60s, the followers of Ezra Pound and his
Dionysiac element reacted against the former aesthetics. By the 70s, American poetry became
defocused but serenely reflexive. There were several groups of poets with ideas in common,
but not a main one. Among them can be stressed: Formalist Poets, Black Mountain Poets, San
Francisco Poets, The Confessionalists, Poets of New York, Women Poets and Black Poets
and The Independent Poets.
197
The Confessionalists
The term ‘confessionalist poetry’ was created by the poet Robert Lowell in Life Studies
(1959), and was adopted by a group of poets that formed the movement denominated
Confessionalism (1940-1973). In very general lines, the confessional poetry is written almost
always in first person, being the poetic I the centre, who reveals him/her painful truths in an
inner, depressive, melancholic and pessimistic tone. The themes are mainly about death,
suicide and psychic disturbances in improvised stanzas, unequal syntax and dense meter. This
would work as a therapy for a real or imaginary psychosis; since these poets were convinced
that a sincere and frank poetry was necessary for that time. The poet is fascinated by his/her
own psychosis, does not moralize his/her condition and does not reach any solution for his/her
problem(s). The reader is led towards the position of the poet, very close to his/her self,
madness and voyeurism. Poetry with the suffering of the poet in the centre and a high load of
human individuality, led some critics to link the Confessionalism negatively to the
Romanticism. The Confessionalism also represented an intellectual reaction against the
North-American consumerism wave by the ending of the decade of 1940: the revival of the
‘The American Dream’ and its alienation. The poetic I turns to inside of himself/herself and
reflects about his/her inner world dilacerated and/or fragmented by the external world.
Sylvia Plath
Sylvia Plath (1932-1963) was born in USA (Boston) and died in England (London) by her
own hands. She wrote fiction and poetry, but is most recognized by her poetic work, linked to
the Confessionalism (1940-1973). Plath divides the critics due to her suicide - that turned her
into a myth, a martyr to the feminism, giving her poetry a value that it does not has - but is
considered the best Confessionalist poet and one of the best North-American poets of the
twentieth century by the major part of them. Her academic, complex and cult poetry at the
same time, utilizes basically autobiographical data in a confessionalist tone. Of high poetic
quality, with Classical, Modern and post-Modern aesthetic features and thematic, her great
stylistic skill can be noticed, for example, through unusual metaphors: mindscapes.
Unmistakable, serious, sober, ironic, intense and painful poetry. The main theme is death and
suicide, but it also deals with psychic disturbances, alienation, feminine condition in society,
eroticism, lost and attempt of affirmation of identity, among others.
198
Translation and Poetic Translation
The discussion of translation exists since a long time and still nowadays is a subject for
discussion between important theorists. The impossibility of a perfect translation, of
preserving the exact meaning from one language to another and at the same time the necessity
of the use of translations make it always a discussed subject. There are a lot of implications in
such a complex activity, from linguistic to political ones. The translator has a great
responsibility - besides his/her language he/she has to know the other’s language cultural
features - in this process, in scientific, ordinary and literary texts. This last one reaches the
highest point of complexity in poetry due to the ambiguity inherent to the poetic language,
since the impossibility of translation of the rhythm, rhymes, melodic cadence of each
language, figures of speech, idiomatic expressions, etc makes it a very complex process. An
alternative is to consider the poetic translation as a version not an exact transposition of
meaning, rhythm and form from one language to the other. For Haroldo de Campos (1991), a
poetic translation is a creative transposition, an interpretation of the original poem, it is not the
same poem. He also stresses that there is not a definite, unique translation of a text, but
translations. The fictional matter of the translation is a fictional matter of second degree that
processes metalinguistically the fictional matter of the poem. The quality of it depends mainly
on the translator. Thus, translating any poem is not an easy task, and those ones as by Sylvia
Plath, with their particular features, makes this task even more difficult.
199
Apêndice B – Questionário
Students from the fifth grade of the Curso de Licenciatura Plena em Letras: Habilitação Dupla
Português-Inglês e Literaturas Correspondentes: I would like to ask your collaboration in
participating of a master’s degree dissertation research developed in the Programa de Pós-
graduação em Letras (Mestrado) - PLE: Estudos Literários from UEM. Please, answer the
following questions:
1) Read the two poems in English: Lady Lazarus’ and ‘Words’ by Sylvia Plath and present
your reading of them in Portuguese. (Make a brief translation or retell the poems).
2) Did you have any problem in reading the poems in English? What? Why?
3) Read both poems translated into Portuguese and compare their respective translations. Are
there similarities with the original ones? Do you agree with the translations? Would you
change your reading after reading the translated poems?
4) What is the role of the reading of the translation in your construction of sense of the
poems? Did the translation “help”/hinder the reading?
5) Did the reading of the poems in English become easier, more stimulating and pleasurable
with the translation’s help into Portuguese?
6) Did the interest by Sylvia Plath’s poetry remain the same or change after the reading of the
poems translated into Portuguese?
200
ANEXOS
201
Anexo A
Lady Lazarus Lady Lazarus
I have done it again. Tentei outra vez.
One year in every ten A cada dez anos
I manage it - Eu tramo tudo -
A sort of walking miracle, my skin Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Bright as a Nazi lampshade, Brilha como um abajur nazista,
My right foot Meu pé direito
A paperweight, Um peso de papel,
My face a featureless, fine Face sem feições, fino
Jew linen. Linho judeu.
Peel off the napkin Livre-me dos panos
O my enemy. Oh, meu inimigo.
Do I terrify? - Eu te aterrorizo? -
The nose, the eye pits, the full set of teeth? O nariz, as covas dos olhos, os dentes postiços?
The sour breath O hálito azedo
Will vanish in a day. Some num só dia.
Soon, soon the flesh Logo logo a carne,
The grave cave ate will be Que a caverna carcomeu, vai voltar
At home on me Pra casa, em mim.
And I a smiling woman. Sou uma mulher que sorri.
I am only thirty. Não passei dos trinta.
And like the cat I have nine times to die. E como um gato tenho nove vidas.
This is Number Three. Esta é a Terceira
What a trash Que besteira
To annihilate each decade. Se aniquilar a cada década.
What a million filaments. Milhões de filamentos!
The peanut-crunching crowd A platéia comendo amendoins
Shoves in to see Se aglomera para ver
202
Them unwrap me hand and foot - Desenfaixarem minhas mãos e meus pés -
The big strip tease. O grande strip-tease.
Gentlemen, ladies Senhoras e senhores,
These are my hands Eis minhas mãos,
My knees. Meus joelhos.
I may be skin and bone, Posso ser só pele e osso,
Nevertheless, I am the same, identical woman. Mas sou a mesma, idêntica mulher.
The first time it happened I was ten. Na primeira vez tinha dez anos.
It was an accident. Foi acidente.
The second time I meant Na segunda tentei
To last it out and not come back at all. Acabar com tudo e nunca mais voltar.
I rocked shut E rolei, fechada
As a seashell. Como uma concha do mar.
They had to call and call Tiveram de chamar e chamar
And pick the worms off me like sticky pearls. E arrancar os vermes de mim como pérolas grudentas.
Dying Morrer
Is an art, like everything else. É uma arte, como tudo o mais.
I do it exceptionally well. Nisso sou excepcional.
I do it so it feels like hell. Faço isso parecer infernal.
I do it so it feels real. Faço isso parecer real.
I guess you could say I’ve a call. Digamos que eu tenha vocação.
It’s easy enough to do it in a cell. É fácil demais fazer isso na prisão.
It’s easy enough to do it and stay put. É fácil demais fazer isso e ficar num canto.
It’s the theatrical É teatral
Comeback in broad day Voltar em pleno dia
To the same place, the same face, the same brute Ao mesmo local, à mesma cara, ao mesmo grito
Amused shout: Brutal e aflito:
‘A miracle!’ “Milagre!”.
That knocks me out. Que me deixa mal.
There is a charge Há um preço
203
For the eyeing of my scars, there is a charge Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
For the hearing of my heart - Para ouvir meu coração -
It really goes. Ele bate forte.
And there is a charge, a very large charge E há um preço, um preço muito alto
For a word or a touch Para cada palavra ou um toque
Or a bit of blood Ou uma gota de sangue
Or a piece of my hair or my clothes. Ou um trapo ou uma mecha de cabelo.
So, so, Herr Doktor. E então, Herr Doktor.
So, Herr Enemy. E então, Herr Inimigo.
I am your opus, Sou sua opus,
I am your valuable, Seu tesouro,
The pure gold baby Seu bebê de ouro puro
That melts to a shriek. Que se derrete num grito.
I turn and burn. Ardo e me viro.
Do not think I underestimate your great concern. Não pense que subestimei sua imensa consideração.
Ash, ash - Cinzas, cinzas -
You poke and stir. Você remexe e atiça.
Flesh, bone, there is nothing there - Carne, ossos, não há nada ali -
A cake of soap, Barra de sabão,
A wedding ring, Anel de noivado,
A gold filling. Prótese de ouro.
Herr God, Herr Lucifer Herr Deus, Herr Lúcifer
Beware Cuidado
Beware. Cuidado.
Out of the ash Renascida das cinzas
I rise with my red hair Subo com meus cabelo ruivos
And I eat men like air. E como homens como ar.
204
Anexo B
Words Palavras
Axes Machados,
After whose stroke the wood rings, Que batem e retinem na madeira,
And the echoes! E os ecos!
Echoes traveling Ecos escapam
Off from the center like horses. Do centro como cavalos.
The sap A seiva
Wells like tears, like the Mina em lágrimas, como a
Water striving Água tentando
To re-establish its mirror Repor seu espelho
Over the rock Sobre a rocha
That drops and turns, Que cai e racha,
A white skull, Crânio branco,
Eaten by weedy greens. Comido por ervas daninhas.
Years later I Anos depois eu
Encounter them on the road As encontro no caminho –
Words dry and riderless, Palavras secas, sem destino,
The indefadigable hoof-taps. Incansável som de cascos.
While Enquanto
From the bottom of the pool, fixed stars Do fundo do poço, estrelas fixas
Govern a life. Governam uma vida.
LOPES, R. G; MENDONÇA, M. A. Poemas/Sylvia Plath: tradução, ensaios e notas. 2. ed.
São Paulo: Iluminuras, 2005, p. 60-65 e 88-89.
205
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