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MARIA DE LOURDES FANAIA CASTRILLON
O Governo Local na Fronteira Oeste do Brasil: A Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai (1859-1889)
Cuiabá-MT
Setembro/ 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Programa de Pós-Graduação- Mestrado em História
O Governo Local na Fronteira Oeste do Brasil: A Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai (1859-1889)
MARIA DE LOURDES FANAIA CASTRILLON
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial para obtenção de título de
Mestre em História, sob orientação da
professora Drª Maria Adenir Peraro.
Cuiabá-MT
Setembro/ 2006
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FICHA
CATALOGRÁFICA
C355g Castrillon, Maria de Lourdes Fanaia
O governo local na fronteira oeste do Brasil: a
Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1859-
1889) / Maria de Lourdes Fanaia Castrillon. – 2006.
150p. : il. ; color.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Programa de Pós-Graduação em História, 2006.
“Orientação: Profª Drª Maria Adenir Peraro”.
CDU – 94(817.2)
Índice para Catálogo Sistemático
1.
Vila Maria do Paraguai (MT) - História
2.
Cáceres (MT) – Política - História
3.
Câmara Municipal – Cáceres (MT) - História
4.
Cáceres (MT) – Espaço Urbano
TERMO DE APROVAÇÃO
O Governo Local na Fronteira Oeste do Brasil: A Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai (1859-1889)
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre no
Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
UFMT, pela Banca examinadora composta pelos seguintes professores:
Orientadora: Profª Drª Maria Adenir Peraro – UFMT
Banca Externa: Prof ª Drª. Miriam Dolhnikoff – USP
Banca Interna: Prof. Dr. Otávio Canavarros –UFMT
Suplente: Prof. Dr. Oswaldo Machado – UFMT
Cuiabá-MT
Setembro/ 2006
Dedicatória
Aos meus pais, Osiris e Yukie,
que me ensinaram a con
struir o
sentido da vida.
Obrigada.
Agradecimentos
À divina providência pelas bênçãos recebidas.
Às amizades construídas durante o curso: Ângela dos Santos, João
Bosco e Rosangela Oliva. Em muitos momentos vocês estiveram sempre
presentes.
A Naúk Maria de Jesus, pelo fornecimento de materiais e pelos
incentivos recebidos nas horas mais precisas.
Aos meus familiares particularmente aos meus filhos Saulo, Tadeu e
Leandro pessoas que de modo em geral, vibram mediante minhas
realizações.
Aos professores que ministraram as disciplinas que cursei no
Programa de Mestrado em História da Universidade Federal de Mato
Grosso,por proporcionarem o aprofundamento conhecimento das reflexões
que vinha tecendo sobre a pesquisa. Aos professores que participaram do
exame de qualificação: Magnus Roberto Pereira, Oswaldo Machado e
Otávio Canavarros que, mediante críticas e sugestões, contribuíram para o
prosseguimento desta pesquisa, com destaque ao professor Dr. Otávio
Canavarros pelas importantes sugestões bibliográficas.
A professora Drª Miriam Dolhnikoff, pelas prontas respostas em
meus momentos de maiores angústias.
Em especial, à minha orientadora, professora Drª Maria Adenir
Peraro, meu muito obrigada pelas importantes contribuições e incentivos
durante os freqüentes encontros e por ter acreditado na minha proposta de
trabalho.
À CAPES, agência financiadora desta pesquisa.
Resumo
Esta dissertação se insere no campo da
história política e pretende contribuir com
a historiografia brasileira ressaltando a
história da administração pública na
fronteira oeste do Brasil. Seu objetivo
mais geral é dar visibilidade à Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai
(hoje Cáceres), no período de 1859-1889.
O estudo investiga especialmente as
intervenções da Câmara Municipal no
traçado urbano de Vila Maria do
Paraguai, na vida dos moradores e no
mercado econômico. Para tanto, a
investigação aponta a configuração
administrativa da Câmara Municipal, os
discursos proferidos pelos vereadores que
ensejavam concretizar os bons desejos
cujos entraves eram os recursos
diminutos. O estudo também demonstra
como as autoridades políticas da
localidade reagiram diante da Guerra do
Paraguai e as mudanças que se
processaram na referida vila após 1870.
Importante observar que a existência da
rica e farta documentação, em especial as
Atas da Câmara Municipal, que se
encontra no APMC (Arquivo Público
Municipal de Cáceres) possibilitou-nos
visualizar não a história da
administração mas dos homens e
mulheres que viviam na Vila Maria do
Paraguai.
Palavras chave: Câmara Municipal de
Cáceres - governo local - espaço
urbano.
Summary
This dissertation inserts in the area of
history politics and intends to contribute
with the Brazilian historic standing out
the history of the public administration
in the border west of Brazil. Its more
general objective is to give to visibility
to the City council of Village Maria of
Paraguay (today Cáceres), in the period
of 1859-1889. The study investigates
especially the interventions of the City
council in the urban tracing of Village
Maria of Paraguay, in the life of the
inhabitants and the economic market.
With respect to in such a way, the
inquiry points the administrative
configuration of the City council, the
speeches pronounced for the
councilmen who tried to materialize the
good desires whose impediments were
the miniature resources. The study also
demonstrates as the authorities politics
of the locality had ahead reacted of the
war Paraguay and the changes that they
had after processed in cited village
1870. Important to observe that the
existence of the rich and satiated
documentation, in special Acts of the
City council, that finds in the APMC
(Municipal Public Archive of Cáceres)
made possible to not only visualize us
the history of the administration but of
the men and women who lived in the
Village Maria of Paraguay.
Keywords: City council of Cáceres -
local - governement,- urban space.
SUMÁRIO
Lista de Abreviaturas
7
Lista de Quadros e Tabela
9
Lista de Figuras
10
Apresentação
12
Introdução
25
Capítulo I A Administração Camarária de Vila Maria do Paraguai
34
1.1 A Administração Municipal: funções e atribuições 40
1.2 Receitas Diretas 54
1.3 – Receitas Indiretas 56
1.4 As Despesas Camarárias 60
Capítulo II -A Configuração Administrativa da Câmara Municipal
de Vila Maria do Paraguai
68
2.1
Conflitos em Vila Maria do Paraguai: as relações entre
vereadores e autoridades judiciais
86
Capítulo III A Política Urbanística: Ordem, Civilidade e
Urbanidade
96
3.1 Discursos sobre os Recursos Diminutos e os Bons Desejos 102
3.2 – Vila Maria em tempos da Guerra do Paraguai 111
3.3 – Ruas, travessas, moradias e mercado econômico 117
3.4 – Outras atividades comerciais e categorias profissionais 132
Considerações Finais
138
Fontes e Referências Bibliográficas
143
Anexos
151
Lista de Abreviaturas
APNRJ - Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro
BNRJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
APMC - Arquivo Público Municipal de Cáceres
APMT - Arquivo Público do Estado de Mato Grosso
IHGMT - Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso
IMAL - Instituto de Memória da Assembléia Legislativa de Mato Grosso.
NDIHR - Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
NUDHEO – Núcleo de Documentação de História Escrita e Oral
UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso
UNEMAT- Universidade Estadual de Mato Grosso
Lista de Quadros e Tabela
QUADROS
Quadro 1-
provincial em Mato Grosso.
50
Quadro 2- Receitas orçada e realizada para pagamentos dos
funcionários da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864)
62
Quadro 3- Tabela de receitas e despesas da Câmara Municipal de
Vila Maria do Paraguai (1860-1882)
65
Quadro 4- Relação de vereadores da Câmara Municipal de Vila
Maria do Paraguai nas décadas de1860, 1870 1880
76
Quadro 5- Relação dos presidentes da Câmara Municipal de Vila
Maria do Paraguai (1860-1889)
78
Quadro 6- Relação dos ocupantes do cargo de escrivão da Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai, no século XIX
82
Quadro 7- Configuração do traçado urbano de Vila Maria do
Paraguai na década de 1860
119
Quadro 8- Relação de ruas e moradores de Vila Maria do Paraguai
(1864-1870)
122
Quadro 9- Relação de moradores da Rua do Meio dos nos de 1864 a
1870
124
Quadro 10- Relação das ruas e travessas que constituíam o traçado
urbano de São Luis de Cáceres (1879)
125
Quadro 11- Demonstrativo do traçado urbano de São Luis de
Cáceres do ano de 1879
126
Quadro 12-
Relação do proprietários dos principais
estabelecimentos comerciais de Vila Maria do Paraguai (1860-1865)
130
Quadro 13- Categorias profissionais/áreas em Vila Maria do
Paraguai, na década e 1870
133
Quadro 14- Relação das categorias profissionais de Vila Maria do Paraguai
(1860-1880)
133
TABELA
Tabela 1 Contribuintes e lançamento dos impostos dos prédios urbanos da Rua
do Meio de Vila Maria do Paraguai, do ano de 1864
121
Lista de Figuras
Mapa da localização geográfica de Vila Maria do Paraguai no
século XIX.
11
Mapa da rota fluvial no século XIX.
17
Mapa de localização das Vilas da Província de Mato Grosso
43
Imagem da Praça da Matriz de São Luiz de Cáceres, no século
XIX.
110
Traçado urbano da Vila Maria do Paraguai de 1861
119
APRESENTAÇÃO
Escrever História é uma atividade de conhecimento
e não uma arte de viver,
é uma particularidade curiosa da profissão de historiador.
Paul Veyne
O tema em estudo privilegia a Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai-
(hoje Cáceres) nos anos de 1859 –1889. O recorte temporal inicial aqui proposto,
permite-nos demonstrar que, a partir de 1859, o referido local tornou-se vila, ou
município pois passou a contar com sua Câmara Municipal, reguladora do espaço
urbano, do mercado econômico e da relação social dos homens e mulheres que ali
viviam. A segunda baliza temporal 1889, indica-nos o fim do regime imperial no
Brasil, sistema político que se manteve durante o século XIX. Desse modo, os anos
de 1859 a 1889 abarcados nesta pesquisa, apontam os primeiros trinta anos das
intervenções do poder local no espaço urbano de Vila Maria do Paraguai.
O estudo sobre a governança da Câmara Municipal compreende a história
política institucional que ainda parece ser desprezível na historiografia, em decorrência
de que a história política do século XIX e início do século XX, apresentava
características de uma história factual e positivista. Segundo Michel de Certau a
história institucional legitimou e legitima um regime, produzindo discursos como a
transcrição de uma necessidade, de certa forma instintiva, de cada grupo social, de
cada instituição que assim justifica e legitima sua existência, seus comportamentos,
quer se trate da Igreja, do Estado,
1
do exército e da família. No entanto, a história
política revive hoje uma importante fase de recuperação de sua produção não mais
considerada como uma história ultrapassada, tradicional, devido à credibilidade que
ganhou com a Nova História a partir dos anos 1970 pelos novos temas, objetos e
abordagens.
2
Estudar a história institucional, como a da Câmara Municipal, não
significa evidenciar aqui os grandes eventos e seus protagonistas heroínos. O que nos
interessa é apontarmos os efeitos das ações intervencionistas do governo local uma vez
que a função da Câmara Municipal era organizar e regular o traçado urbano, a vida
econômica da localidade interferindo no modo de viver dos moradores. Ainda que na
historiografia brasileira os estudos sobre a administração pública municipal no período
imperial, sejam escassos ou quase inexistentes, foi possível a investigação devido a
riqueza de informações contida nos registros construídos pelos oficiais camaristas de
Vila Maria do Paraguai no século XIX, pois além de inéditas, tais fontes documentais
1
CERTAU, Michel. A escrita da História. In: FERRO, Marc. A História Vigiada.Tradução: Doris
Sanches Pinheiro. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 15.
2
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. A História Política no campo da História Cultural. Revista de
História Regional. Volume: 3. 1998. Sobre a História política ver FALCON, Francisco. História e Poder.
In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 61 a 90. Ver também FERREIRA, Marieta de Moraes. A
Nova Velha história: o retorno da história política. Revista Estudos Históricos. Volume: 5. Nº 10. Rio de
Janeiro, 1992. p. 134-146.
evidenciam as intervenções do poder público, e ao mesmo tempo, a história da
referida Vila.
Cabe ressaltar que as funções desempenhadas pelas Câmaras municipais nas
vilas e cidades não são fenômenos de um único tempo histórico; seus legados residem
na história de Portugal, no século XIII, sendo o modelo de município de inspiração
romana, tornando-se a base de sustentação da monarquia.
3
No Brasil, a administração municipal remonta a 1532 quando foi criada a primeira
Câmara de vereadores na Vila de São Vicente. Segundo Avanete Pereira de Souza, a
criação das Câmaras no Brasil, pode ser compreendida como uma adaptação das
instituições metropolitanas; uma estrutura que não gerava ônus e representava nas
vilas e cidades os interesses da Coroa Lusitana.
4
Da mesma forma que as Câmaras, segundo Otávio Canavarros, a criação das
vilas foi instrumento político da Coroa Lusitana representando o poder local e
constituíam-se em territórios conforme a tessitura do poder político e das relações
econômicas por elas alavancadas em redes de comunicação.
5
Nesse sentido, no período
colonial a Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá e a Vila Bela da Santíssima Trindade
6
eram as únicas vilas da capitania de Mato Grosso que formavam as redes urbanas com
suas Câmaras Municipais. Vila Maria localizava-se entre os núcleos urbanos
mencionados, fundada como uma simples povoação no final da década de 1770 e no
decorrer de sua historicidade adquiriu o status de “vila”, no período imperial.
Vejamos como se processou a tramitação para que o local se tornasse vila
perante o governo provincial, quando o presidente de província, Joaquim Raimundo de
Lamare, em viagem pela província de Mato Grosso ainda nos anos de 1858-1859, ao
passar por Vila Maria, descrevia o local apresentando justificativas para que se
transformasse em município e assim se expressava em seu relato:
[...] banhada pelo rio Paraguai que até esse lugar é de fácil navegação
tem Vila Maria de fruir vantagens que dessa circunstância feliz soem
resultar o seu solo fértil promete-lhe avantajar-se em todos os produtos
3
SANTOS, Antonio César de Almeida & SANTOS, Rosangela Maria Ferreira. (Orgs). Eleições da
Câmara Municipal de Curitiba 1748 a 1827. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003. p. 7.
4
SOUZA, Avanete Pereira. Poder Local, Cidade e Atividades econômicas (Bahia, século XVIII). Tese de
Doutorado. São Paulo: Universidade do Estado de São Paulo, 2000. p. 60.
5
CANAVARROS, Otávio.O Poder Metropolitano.em Cuiabá ( 1727-1752). Cuiabá: Editora UFMT,
2002. p. 16- 17.
6
PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império: Família e sociedade em Mato Grosso no século XIX.
São Paulo: Contexto, 2001. p. 26. A Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá foi fundada em 1719. Antonio
Rolim de Moura, primeiro governador, empossado em 1751, veio com a incumbência de fundar a capital
da capitania de Mato Grosso ( 1752) para impedir que os espanhóis avançassem sobre o vale do Guaporé.
A Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá e a capital Vila Bela da Santíssima Trindade passaram, a partir de
então, a constituir os principais núcleos de povoamento da capitania.
agrícolas: suas ricas matas de ótimas madeiras de construção e suas
abundantes minas asseguram- lhe manancial de riquezas nesses dois
reinos da natureza. O local em que se acha situada a povoação he belo e
aprazível tem capacidade para uma grande cidade e dizem os habitantes
he notável salubre.
7
Raimundo de Lamare não deixou de exaltar as riquezas naturais com destaque
para o rio Paraguai, pois entendia que a navegação fluvial poderia proporcionar
vantagens políticas e econômicas para o governo provincial. O território de Mato
Grosso à época do período imperial era concebido pelos viajantes estrangeiros,
brasileiros e mato-grossenses, segundo concepções ocidentais de “progresso e
civilização” e pelas mesmas lentes das teorias evolucionistas e raciais que dominaram
os horizontes ideológicos e culturais europeus, entre fins do século XIX e início do
XX.
8
Nesse sentido, Mato Grosso era visto como terra da barbárie, sertãopor estar
distante dos grandes centros políticos como o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul. Nessa perspectiva, para as autoridades provinciais a
navegação fluvial representava maior possibilidade de intercâmbio de comunicação e
de crescimento econômico para o território de Mato Grosso, pois as comunicações com
o litoral eram demoradas com estradas precárias e inseguras.
9
O interesse do governo provincial em elevar a freguesia à categoria de Vila
estava diretamente associado com o reconhecimento da mara Municipal e ao
mesmo tempo com a arrecadação de impostos que o local proporcionaria aos cofres da
Província por meio da administração Municipal.
10
Afirmava de Lamare que Vila Maria
era sem contradição um dos pontos mais impo rtantes da província e por sua situação é
de esperar que muito prospere
11
. Assim rezava o decreto:
Artigo primeiro: Fica elevada à categoria de Vila com a mesma
denominação que ora tem.
Artigo segundo: Como vila conservará os limites que tinha quando
freguesia.
7
Relatório do Presidente de província Joaquim Raimundo de Lamare (1858-1859). APMT: Cuiabá.
8
GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos Confins da Civilização: Sertão, Fronteira e Identidade nas
Representações sobre Mato Grosso. Tese de doutorado em História. São Paulo: USP, 2000. p. 22.
9
VOLPATO, Luiza. R.R. Cativos do Sertão: Vida cotidiana e Escravidão em Cuiabá. Cuiabá: Marco
Zero / Editora da UFMT, 1993. p. 41 a 45. A ligação entre o Rio de Janeiro e Cuiabá pela navegação do
Prata demandava cerca de 30 a 40 dias e, para os presidentes de província, um dos perigos das viagens
terrestres eram os ataques indígenas considerados “bárbaros.”
10
As primeiras atividades da Câmara Municipal se deram em 17 de outubro de 1859. In: Livro de
correspondências 190, entre os presidentes de província, Câmara Municipal, párocos e juizes de paz e
Diretório Geral do Índio. (1850) APMT: Cuiabá.
11
Relatório do Presidente de Província Joaquim Raimundo de Lamare (1858-1859). APMT: Cuiabá.
Artigo terceiro: A vila será instalada logo que haja casa em que se faça
as suas sessões a Câmara Municipal e o júri e em que se dêem as suas
audiência às autoridades locais. Essa casa será feita às expensas dos
respectivos habitantes ajudados do auxílio que for-lhes concedido pelo
cofre provincial
12
.
Quanto aos limites territoriais de Vila Maria, configuravam-se pela parte norte
com o rio Jauru; a leste com o sangrador do Melo; ao sul com Albuquerque
13
e a
oeste, o limite foi estabelecido somente na segunda metade do século XIX com o
Tratado de La Paz de Ayacucho de 1867 que estabelecia a demarcação de limites e a
navegação fluvial entre o Brasil e a Bolívia
14
.
12
Idem. Op. Cit.
13
A freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque foi fundada em 1778 à margem direita do
rio Paraguai, próximo à vila de Corumbá, divisa com a fronteira castelhana, nas proximidades da
freguesia de Santa Cruz de Corumbá e a 14 léguas do Forte de Coimbra. Atualmente o local é
denominado Albuquerque. p. 39-40. In: MELGAÇO, Barão. Dicionário corográfico da província de
Mato Grosso. Cuiabá-MT, 1868.
14
O Tratado entre os países referia-se às demarcações de fronteiras e a navegação fluvial. In: Tratados de
Limites Internacionais que interessam a Mato Grosso. Cuiabá-MT: Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso, 2002. Ver também: COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles; o Exército, a Guerra do
Paraguai e a crise do Império. São Paulo: HUCITEC, 1996.
Essa demarcação de limites consta no relatório de 1869 do presidente de
província de Mato Grosso, Augusto João Manoel Leverger, que assim se expressava a
respeito:
Incertos ou contestados, mais de um século, os limites ocidentais das
freguesia de Albuquerque,Corumbá, Poconé, Vila Maria e Mato Grosso
que são também limites do império com a república da Bolívia [...] foram
definitivamente fixados pelo supro mencionado Tratado de 1867, que
define a fronteira do seguinte modo: Partirá do rio Paraguai, na latitude
de 20º10’ onde deságua a Bahia Negra; seguirá pelo meio desta até seu
fundo e daí em linha reta até a Lagoa Mandioré e a cortará pelo seu
meio, bem como as Lagoas Gahiva e Uberaba, em tantas retas quantas
forem necessárias , de modo que fiquem do lado do Brasil as terras Altas
da Pedra de Amolar e de Ínsua. Do extremo norte, a Lagoa Uberaba irá
em linha reta ao extremo sul da Corixa grande, salvando as povoações
brasileiras e bolivianas, que ficarão respectivamente do lado do Brasil.
15
O documento acima indica-nos que rios, lagos, riachos serviam para demarcar
as divisas entre os dois países, quais sejam, o Império do Brasil e a República da
Bolívia. O “extremo sul da Corixa”
16
localizado no território de Vila Maria a 600
metros da República Boliviana foi o espaço que serviu de divisa de fronteira com o
Brasil especificadamente com a província de Mato Grosso, e nesse local, segundo o
presidente de província Augusto João Manoel Leverger, havia uma colônia militar
razão pela qual mencionou em seu relatório as “povoações do lado brasileiro.”
Cabe ressaltar que nos anos 1850 a Coroa Imperial buscava consolidar o regime
mantendo a unidade territorial na procura de resolver os conflitos pelas demarcações
de fronteiras. Nas palavras de Capistrano de Abreu, citado por Ilmar Mattos, os anos de
1850 não se caracterizavam apenas pela estabilidade política, pois na conjuntura
política estava a preocupação com a extinção do tráfico negreiro intercontinental, os
sucedidos conflitos pelas demarcações das fronteiras e a navegação fluvial, a
construção de ferrovias, a expansão cafeeira e a lei de terras.
17
Um dos projetos políticos da Coroa Imperial segundo Ilmar Mattos, era manter
os olhos na Europa o que significava erigir um império à semelhança dos estados
europeus, ou seja, o modelo de Nação Civilizada, ao mesmo tempo manter os pés na
15
Relatório do Presidente de província Augusto Leverger. (1869). APMT: Cuiabá.
16
Apontamentos do Dicionário Corográfico da Província de Mato Grosso pelo Barão de Melgaço. Corixa
fica localizada a 60 quilômetros de Cáceres; é um ribeirão que nasce numa gruta da serrinha a poucas
léguas da cidade de São Luis de Cáceres; corre a sul e vai desfazer-se um tremedal, cujas águas
provavelmente se esgotam na Lagoa Uberaba. Os bolivianos ocuparam por algum tempo o lugar situado
meia milha aquém da dita nascente e tendo se retirado em 1868 estabelecendo-se ali um Destacamento
Brasileiro.
17
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. Rio de Janeiro: Hucitec, 1998. p. 12- 13.
América protelando as negociações com os britânicos sobre a extinção do tráfico
negreiro.
18
Desse modo, a monarquia era considerada a flor exótica na América, cujo
fundamento maior da política liberalista era o trabalho assalariado, porém buscar
semelhanças nas nações européias evidenciava uma diferença fundamental: a
persistência da escravidão.
19
Além disso, uma outra questão que também fazia parte da estrutura política do
Império no século XIX, era a ideologia científica já que prevalecia uma sociedade
escravocrata, cujos discursos racistas eram fortalecidos pelas teorias positivista,
evolucionista e darwinista que naturalizavam as diferenças.
20
Dessa forma, a
discriminação e o estigma recaíam principalmente sobre os escravos africanos uma vez
que, o indivíduo era visado pela maneira de ser, de vestir e pelos objetos que portava
21
.
Segundo Maria Adenir Peraro a população da província de Mato Grosso, marcada pela
heterogeneidade, tanto para o século XVIII como para o XIX, caracterizava-se pela
presença significativa de mestiços (pardos, caboclos) em relação aos negros africanos e
brancos.
22
Mediante essa ideologia científica os vereadores com funções legitimadas pela
Lei de 1828, reproduziam e proferiam o discurso da ordem e da civilidade, sabiam do
que falavam e por que falavam. Dessa forma territorializavam uma ordem social, e ao
fazerem, desterritorializavam porque “o outro” muitas vezes era desqualificado.
23
Vale
lembrar que, em Vila Maria do Paraguai na cada de 1860, havia aproximadamente
1.800 habitantes
24
, compostos por negros escravos, índios, pardos e brancos. Nesse
sentido o escravo era tido como “o outro” pois é citado nas atas da Câmara Municipal
dessa cidade quase sempre como o “transgressor”. O pano de fundo dessa (re) produção
do discurso era forjar uma ordem ‘absoluta’ criando exclusões na reordenação dos
espaços e nas delimitações das ações dos indivíduos, livres ou escravos.
Após estas breves considerações com vistas a situar Vila Maria do Paraguai,
geográficamente e socialmente podemos dizer que a administração pública desse local,
ao legitimar a sua representação política, econômica, social e cultural elaborava
18
Idem Op. Cit., p. 126-127.
19
Ibidem. p. 12.
20
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no
Brasil (1870-1980). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 65.
21
Idem. Op. Cit, p. 23.
22
PERARO, Maria Adenir. Op. Cit., p. 95.
23
MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismo e Jogos de Poder: Um crime célebre em Cuiae suas
verdades jurídicas: 1840-1880. Tese de Doutorado: São Paulo: UNICAMP, 2003. p. 123.
24
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai. 1862. APMC: Cáceres.
propostas para a boa governança citadina, mas não sem produzir exclusões constituídas
pelos discursos que definiam o lugar de cada indivíduo, bem como o lugar da própria
Câmara pois a maneira como cada grupo social se posiciona numa sociedade remete
a um estatuto e uma posição.
25
Analisar a administração local de Vila Maria do Paraguai, somente se torna
possível como observamos, pela existência de um riquíssimo acervo documental em
arquivos públicos localizados nas cidades de Cáceres e de Cuiabá, composto pelos
livros atas que se encontram no Arquivo Público Municipal de Cáceres (APMC) e no
Arquivo Público de Mato Grosso, em Cuiabá (APMT). Essas fontes fornecem
importantes informações sobre as ações dos governantes, das pessoas que compunham
o cargo de governança local e dos moradores da vila.
Para uma melhor compreensão do período de 1859 a 1889, outras fontes foram
necessárias e se encontram em diferentes arquivos e instituições, em especial no
Arquivo Público de Mato Grosso (APMT), no Núcleo de Documentação de História
Escrita e Oral de Cáceres (NUDHEO) e no Instituto de Memória da Assembléia
Legislativa de Mato Grosso ( IMAL). No Arquivo Público Nacional do Rio de Janeiro
(APNRJ), localizamos as atas referentes às eleições nos anos de 1840 e 1850 da
Câmara Municipal da Vila de Poconé com vistas a analisar a representação política de
alguns homens livres que exerceram cargos políticos nessa vila e que ocuparam o
cargo de vereadores no espaço urbano em estudo. Ainda lançamos mão de fontes
impressas como os relatos do viajante francês Francis Castelnau, que passou por Vila
Maria no século XIX; os relatos de Joaquim Ferreira Moutinho do ano de 1868 e o
Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso localizados no Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT).
Entre as fontes consultadas encontram-se também Leis, Decretos, Resoluções
imperiais e provinciais, os quais legitimavam e instituíam os estatutos municipais. O
conjunto de fontes que permite visualizar o dinamismo de ações intervencionistas do
poder local também compreende: Os Códigos de Posturas, Décimas urbanas, livro
orçamentário, fontes cartoriais e paroquiais, jornais, relatórios dos Presidentes de
Província e dos Chefes de Polícia.
A respeito dos livros atas, datados dos anos de 1860 a 1880, ressaltamos que
algumas atas, mais precisamente as que se referem aos anos de 1887 e 1888, encontram-
25
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre as práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel
Bertrand, 1986. p. 23.
se na Câmara Municipal de Cáceres sem ainda, tratamento de arranjo e catalogação. No
Arquivo Municipal de Cáceres, constam livros atas do século XIX que compreendem os
anos de 1860 a 1889 e as do culo XX compreendem os anos de 1890 a 1940. Esses
documentos referentes ao século XIX estão constituídos em livros, organizados em
caixas; os livros registros são legíveis e, em sua maioria, encontram-se em bom estado
de conservação.
As atas do século XIX compreendem um total de quarenta e três livros, reunidos
em sete caixas e, os documentos avulsos encontram-se em apenas uma caixa, com
algumas folhas ressecadas e rasgadas. Os documentos avulsos compõem-se de uma
diversidade de peças documentais, como: recibos de pagamentos referentes à limpeza
pública fornecidos às pessoas que não tinham “agência”; recibo de compra de velas para
iluminação da cadeia; recibos pagos ao fiscal da Câmara, ao porteiro e ao secretário. Os
livros contêm o termo de abertura e o de encerramento, assinados pelo presidente da
Câmara e pelo escrivão. Todas as páginas são numeradas e rubricadas.
Nesses livros estão registradas as correspondências recebidas e expedidas e aquelas que
circulavam na localidade. As correspondências recebidas, geralmente eram aquelas
que os vereadores recebiam do Presidente de Província. As correspondências expedidas
eram aquelas enviadas pelos vereadores aos presidentes de Província e ao imperador.
Por sua vez, as correspondências internas eram aquelas que circulavam entre a Câmara e
autoridades locais como: Comandante da Guarda Nacional, comandante do distrito
militar, delegado de polícia, juiz de paz e juiz de direito. Assim, mediante uma leitura
atenta podemos perceber essas classificações se recebidas, expedidas ou internas e,
desta forma, efetuarmos a seleção para efeito do presente estudo.
Geralmente o termo de abertura dos livros atas, era da seguinte forma:
Há de servir este livro para registro de toda a correspondência feita pela
Câmara Municipal desta Vila, suas folhas são todas por mim numeradas,
rubricadas com o apelido que eu Jorge assino levando no fim termo de
encerramentos: Vila Maria [...]
26
.
As atas da Câmara Municipal de Vila Maria demonstram a hegemonia do poder
público que pelas múltiplas ações administrativas revelam aspectos relacionados à vida
orçamentária da Câmara, o processo urbanístico, o processo eleitoral e o papel dos
segmentos sociais no espaço urbano.
26
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai, 1860. APMC.Cáceres.
O Código de Posturas foi um dispositivo elaborado pelos vereadores no qual
constam as prescrições que regulavam o cotidiano da vila. Localizamos dois Códigos
de Posturas para Vila Maria, o de 1860 e o de 1888. Importante observar que fizemos
apenas o uso do Código de 1860 pois o Código de 1888 abarca apenas um ano do
recorte cronológico desta pesquisa. O Código de 1860 é composto de menos artigos
que o de 1888
27
. Os itens contidos no Código de 1860 referem-se à saúde pública,
venda dos gêneros alimentícios, concessão e alinhamentos das ruas, limpeza pública,
ornamento das ruas, obras públicas, medidas preventivas, estradas, conservação das
matas e artigos regimentares.
Por sua vez, no livro primeiro do orçamento do Município, que compreende
os anos de 1860 a 1865, e dos livros registros da coletoria da Província, focalizamos
alguns aspectos sobre as receitas e despesas, as atividades comerciais, seus
proprietários, o consumo dos gêneros alimentícios pela população e o perfil sócio
econômico dos vereadores.
Para identificarmos os moradores citadinos foi de suma importância utilizar as
fontes denominadas por “Décimas Urbanas’’
28
que atualmente dizem respeito aos
impostos prediais. É preciso destacar que na historiografia regional não ainda
pesquisa que enfoque essa fonte que apresenta a lista nominativa dos moradores desse
ou daquele local. A documentação em análise é inédita, pois possibilita redesenhar a
cartografia do espaço urbano de Vila Maria do Paraguai, enfocando os moradores e as
intervenções do governo local.
Os registros que compreendem as Décimas Urbanas” estão distribuídos em
aproximadamente 18 livros escritos de maneira legível, com algumas páginas em
branco. Todos os livros contém o termo de abertura e de encerramento. Informo ainda,
que estas fontes se encontram no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT) e carecem
de organização e catalogação. Registram os nomes dos moradores, os nomes das ruas,
travessas e praças, o valor do imposto pago e o valor do imóvel e compreendem aos
anos de 1863 a 1880. Os impostos sobre as Décimas Urbanas eram enviados ao
presidente de província, pois a receita passou a ser recolhida pela província desde 1835.
Essa receita era fiscalizada pelos coletores, funcionários públicos nomeados pelo
presidente de província ligados ao órgão administrativo do Tesouro Nacional que
atuavam no município.
Outras fontes como os documentos paroquiais e cartoriais do ofício de
Cáceres e as atas das eleições de Poconé possibilitam completarmos algumas
informações principalmente no que se refere às funções e aspectos do perfil
sócioeconômico dos vereadores. E finalmente, fonte ainda de suporte para a presente
pesquisa, foram os jornais da província como o “Popular”, a “Situação” que indicam
conflitos entre as autoridades locais de Vila Maria bem como indícios dos efeitos
deixados pelo conflito da Guerra do Paraguai nesse espaço social.
27
O Código de Posturas de 1888 vigorou na localidade durante a Primeira República, composto por 17
capítulos e 91 artigos, além disso, consta nele o regulamento do Cemitério Público. Os assuntos contidos
nesse Código são os que já estavam apontados no Código de 1860 acrescidos de outros como: a vacina, as
armas proibidas, o contrato das amas de leite, os enterramentos e os depósitos.
28
As Décimas Urbanas eram impostos cobrados no século XIX sobre a propriedade urbana, os quais
compreendiam a décima parte do valor venal do imóvel. A esse respeito ver SILVA, Plácido. Dicionário
Jurídico. Vol. 1. Rio de Janeiro: Florense, 1998.
Assim, o conjunto das fontes utilizadas nesta pesquisa possibilita entender a
forma de gerenciamento dos governantes sobre o espaço urbano, alguns aspectos das
atividades comerciais e informações sobre os homens e mulheres, que dinamizavam a
vila.
A partir das pistas apreendidas nas investigações, procuramos expor os três
capítulos da forma que se segue:
No primeiro capítulo, denominado de “Administração Camarária de Vila Maria
do Paraguai”, apresentamos os discursos proferidos em 1850 referente à criação da
Câmara Municipal de Vila Maria acontecimento de curta durabilidade que antecedeu a
efetivação dessa administração no ano de 1859. Para tanto foi preciso evidenciar a
organização política do governo provincial. Um destaque importante deste capítulo é a
função da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai no século XIX, onde as
finanças públicas do município, são a pedra fundamental para o funcionamento da
Câmara Municipal.
Por sua vez, no segundo capítulo, A Configuração Administrativa da Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai”, apontamos o papel dos vereadores no cargo de
vereança, alguns aspectos sobre o perfil sócioeconômico e as pessoas que compunham a
administração pública pois, de uma maneira ou de outra, exerceram funções para que
os vereadores pudessem manter uma determinada proposta política administrativa.
Outra questão levantada neste capítulo diz respeito às relações conflituosas que
ocorriam entre os vereadores e demais autoridades existentes no local.
E no terceiro capítulo, intitulado por “A Política Urbanística; ordem, civilidade e
urbanidade”, analisamos as intervenções dos vereadores no traçado urbano, na vida dos
moradores e do mercado econômico; além disso, enfatizamos o discurso urbanístico
proferido pelos vereadores para que “os bons desejos” fossem concretizados. Mediante
as intervenções da Câmara destacamos o Código de Posturas de 1860, dispositivo
utilizado na cobrança de impostos. Outro ponto importante deste capítulo, foi examinar
de que forma a Câmara Municipal reagiu durante a Guerra do Paraguai, bem como o
traçado urbano de 1860 e as alterações ocorridas na década de 1870. Também
analisamos neste capítulo aspectos das intervenções políticas, que revelam as formas de
arrecadações da Câmara e aspectos das atividades econômicas no espaço urbano em
estudo.
Em suma, se fazer história é uma prática, estabelecer uma relação com o
tempo
129
por meio da abordagem historiográfica, procuramos exercer o ofício do
historiador, tentando articular, na prática, os referenciais teóricos com a
documentação levantada. Para evitarmos as interpretações generalizadas foi preciso
especificar nas fontes o lugar social e o momento daqueles que falavam e exerciam o
poder.
INTRODUÇÃO
29
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Op. Cit., p. 78.
O passado não conhece
seu lugar está sempre presente.
Mário Quintana
A abordagem sobre a Câmara Municipal no período imperial, permite focalizar
as intervenções do governo local bem como evidenciar a história do espaço urbano de Vila
Maria do Paraguai que no decorrer de sua historicidade adquiriu várias categorias de
“freguesia”, “vila” e “cidade”.
A povoação de Vila Maria do Paraguai foi fundada em 6 de outubro de 1778, pelo
governador e capitão-general Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres
30
, como
parte da política da Coroa Metropolitana portuguesa de defesa da fronteira oeste, contra a
invasão dos espanhóis. Importante lembrar que embora a povoação tivesse sido fundada e
designada na ata de fundação com a categoria de “vila”, fora apenas uma questão nominal
pois até então era apenas uma “freguesia”, categoria adquirida em 1780 que perdurou até
1859.
Segundo Caio Prado Júnior, freguesia era uma circunscrição eclesiástica, que
formava a paróquia, sede de uma igreja paroquial e que servia também para a
administração civil.
31
A passagem de uma povoação a freguesia dependia do
reconhecimento da igreja e seus adros pela metrópole e, além disso, o nome de um
santo, geralmente o do padroeiro freqüentemente dava nome ao lugar. Nesse caso, a
referida localidade quando elevada à categoria de freguesia no ano de 1780, foi
30
Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres era nobre de alta estirpe. Décimo Senhor de Morgado
do Casal Vasco, Nono Senhor de Morgado dos Melo e Sousa, vindo de Portugal, visava assegurar a
ocupação e consolidação do domínio luso, objetivava a defesa e a política de povoamento. O capitão-
general Luis de Albuquerque, por exemplo, expressaria a tenacidade e habilidade administrativa dos
governadores da capitania de Mato Grosso. Em seu governo foram edificadas as grandes fortificações
com o fito de impedir a sonegação de impostos de ouro, ataques indígenas e frentes de penetração
espanhola. In: PERARO, Maria Adenir. Op. Cit., p. 27.
31
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1957. p. 304.
denominada de: “São Luiz de Vila Maria do Paraguai”.
32
O topônimo da localidade
“São Luis”, advém do santo padroeiro, Luís rei IX de França e possivelmente também
associado ao nome do fundador Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.
Quanto às outras designações do topônimo como “Maria” e “Paraguai”, indicavam
homenagem à rainha de Portugal Dona Maria
33
I e a localização geográfica da
povoação, situada à margem direita do rio Paraguai.
34
Ainda com relação à
toponímica do local em estudo, ressaltamos que no período imperial Vila Maria obteve
duas designações toponímicas pois no ano de 1874, o referido local adquiriu a
categoria de cidade, passando a partir de então a ser denominada de São Luiz de
Cáceres, e por esta razão optamos utilizar nesta pesquisa apenas uma designação para a
localidade em estudo, qual seja, Vila Maria do Paraguai.
Em parte as designações de “freguesia” e “vila” para a localidade no período
colonial, tem provocado confusões na historiografia local como os estudos de Fátima
Moraes
35
que, evidentemente, contribui com a historiografia de Cáceres, por reunir e
analisar importantes informações bibliográficas e documentais sobre Vila Maria no século
XVIII porém, a localidade que a época do período colonial era freguesia foi designada
pela autora como “vila”. Da mesma forma, Roberta Marx Delson, ao enfatizar o
planejamento espacial das vilas coloniais mais afastadas da faixa litorânea aponta a
referida localidade como vila.
36
Segundo Murilo Marx, um dos critérios para que um local se tornasse vila
dependia de um ajuntamento esparso de casas em torno de um templo, e principalmente de
um certo aumento populacional ( maior que o da freguesia), bem como o aumento da
32
Sobre a freguesia de São Luis de Vila Maria do Paraguai, ver MENDES, Natalino Ferreira. História de
Cáceres: história da administração municipal. Tomo I. 1973 e Ata de fundação de Vila Maria 1778. p.
28.
33
O nome de Dona Maria I era Maria Francisca Isabel Josefa Antonia Gertrudes Rita Joana, e governou
Portugal entre 1777 a 1792. Casou-se com seu tio D. Pedro, que era príncipe do Brasil; do casamento
nasceram D. José - príncipe da Beira e Duque de Bragança, D. João - Infante de Portugal, D. João VI,
Dona Maria Clementina, Dona Maria Isabel, Dona Mariana Vitória Josefa. In: SERRÃO, Joel. Pequeno
dicionário da História de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1976.
34
MENDES, Natalino Ferreira. História de ceres: História da Administração Municipal. Cáceres-MT,
1973. In: MALDONADO, Hênio. O Legislativo Municipal. Cuiabá: Gráfica Gênus, 1998. p. 28.
35
MORAES, Maria de Fátima Mendes Lima de. Vila Maria do Paraguai: um espaço planejado para
consolidar a fronteira oeste 1778-1808. Dissertação de Mestrado. Cuiabá-MT: UFMT.
36
DELSON, Roberta Marx. Novas vilas para o Brasil: planejamento espacial no século XVIII. Tradução
e revisão, Fernando Vasconcelos Pinto. Brasília: Alva - ciord, 1997. p. 79.
riqueza material.
37
Mas, uma questão fundamental que elevava um local à condição de
vila era o reconhecimento da casa da Câmara.
38
A Câmara Municipal fazia parte da estrutura política do governo imperial, órgão
administrativo que conjugava com as decisões da Coroa imperial cujos estatutos foram
legitimados pela Lei de 1828, hoje denominada de Lei Orgânica. Com a instalação da
Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai em 1859, pelo decreto provincial de 1,
uma nova etapa surgia no município de Vila Maria do Paraguai visto que a administração
citadina passava a ser conduzida pelos vereadores.
No que se refere à organização política do Estado imperial, de acordo com Ilmar
Mattos, a partir de 1834 e pela Lei conservadora de 1840, que revia o Ato Adicional de
1834, a unidade territorial e a consolidação do regime imperial estiveram concentradas nas
mãos da elite política que se encontrava na Corte e que se impunha sobre as demais regiões
por meio dos ministérios que compunham o executivo.
39
Essa elite foi também destacada
por José Murilo de Carvalho ao argumentar que a construção do Estado e a unidade
territorial do país dependeram da formação social da elite política do Rio de Janeiro. Nas
palavras de Murilo essa elite se caracterizava pela homogeneidade ideológica e de
treinamento e, com isso, fazia reduzir os conflitos intra - elite e fornecia a concepção e a
capacidade de implementar determinado modelo de dominação política.
40
Outros autores,
como Caio Prado, fundamentam que a organização do Estado Nacional foi demarcada a
partir do processo político da Independência sob o comando das classes superiores da
colônia.
41
Numa outra vertente, Miriam Dolhnikoff aponta que no primeiro reinado, o Ato
Adicional de 1834 foi um projeto liberalista, uma condição necessária para manter a
unidade territorial com participação das elites provinciais que representavam no governo
central a Câmara de deputados.
42
Desse modo, para a autora, a divisão de competências
do governo geral e governo provincial e as Assembléias legislativas criadas nas províncias
37
MARX, Murilo. Cidade no Brasil Terra de Quem? São Paulo: Edusp Nobel, 1991. p. 62.
38
ROSA, Carlos Alberto. & JESUS, Naúk Maria de. (orgs). A Terra da Conquista: História de Mato
Grosso Colonial. Cuiabá: Adriana, 2000.
39
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit., p. 198 a 213.
40
CARVALHO, Murilo José. A Construção da Ordem. Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: UFRJ-
Dumará, 1996. p. 18. Segundo o autor essa elite se reproduziu ao concentrar a formação de seus futuros
membros em duas escolas de Direito, ao fazê-los passar pela magistratura, ao circulá-los por vários cargos
políticos e por várias províncias.
41
PRADO JUNIOR, Caio.(org). História. São Paulo. Ática: 1982. p. 55.
42
DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 294.
a partir do Ato Adicional davam uma certa autonomia às províncias pois a Constituição de
1824 não havia delimitado essa divisão entre governo central e provincial.
Embora as vertentes historiográficas apresentem divergências, muitos aspectos
apontados pelos referidos autores contribuem para pensarmos o Estado Imperial. Se Murilo
não ressalta as elites provinciais, como observou Miriam, de outro lado, aponta a dialética
das ambigüidades do governo central que expressava as pompas e rituais embora o sistema
político apresentasse variadas contradições e, entre elas, estavam a escravidão e a
ideologia do trabalho livre. Segundo o referido autor, nas observações do conservador
Paulino Soares, conhecido como Visconde de Uruguai, o Estado era macrocefálico, tinha
cabeça grande, mas braços curtos, não alcançando as municipalidades e mal atingia as
províncias.
43
Da mesma forma, Ilmar Mattos, ao evidenciar que a administração do Estado
imperial se concentrou nas mãos de uma elite que se encontrava na Corte segue apontando
que umas das estratégias forjadas pela política imperial era o enquadramento do território
e dos homens por meio de: mapas, plantas, cartas topográficas e corográficas, permitindo a
delimitação do território, das circunscrições administrativas, judiciárias e eclesiásticas,
possibilitando assim, um conhecimento mais detalhado das potencialidades do território
imperial. Por meio desse enquadramento as Câmaras municipais das vilas e cidades
permitiam atender as decisões do governo central.
O conjunto de pessoas que desempenhavam funções na administração pública,
remunerada ou eleita nas províncias, vilas e cidades, era composto da seguinte forma:
presidentes de província, chefes de polícia, juízes de paz, de paz e de órfãos, de direito,
membros do Tribunal das Relações e redatores de jornais locais, médicos, comandantes da
Guarda Nacional, coletores, bispos e párocos, professores e, por fim, além dos vereadores
os funcionários que compunham a administração local como os fiscais, escrivães, porteiros,
procuradores. Desse modo, a configuração do sistema político brasileiro, nos permite
refletir sobre as estratégias utilizadas pelo Estado Imperial que influenciava na localidade
de Vila Maria do Paraguai fosse por meio da existência dos partidos políticos Liberais e
Conservadores, que se constituíram a partir das regências; do governo provincial, das
legislações impostas pelo sistema e mesmo pela função e intervenção da própria Câmara
Municipal da vila em estudo.
43
CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit., p. 384.
Ao investigarmos as intervenções da Câmara Municipal no traçado urbano, no
mercado econômico e na vida dos moradores de acordo com os objetivos propostos
levantamos algumas questões:
Como era a composição administrativa da Câmara Municipal de Vila Maria?
Qual o perfil daqueles que assumiam os cargos de vereança? Como os oficiais
camaristas se relacionavam com os moradores? Como eram as relações sociais entre os
vereadores e as autoridades políticas existentes no local - conflitos ou trocas de favores? Se
a Câmara interferia na vida dos habitantes, de que forma essa interferência pode ser
observada? Como os vereadores pensavam a cidade naquele momento, que discursos
elaboravam e para atingir quais fins?
Percebemos pelas leituras das atas as constantes reclamações feitas pelos
vereadores ao Presidente de Província que diziam sobre a insuficiência da arrecadação
municipal, responsável pelo entrave para que ‘os bons desejos fossem realizados, e
aquelas outras voltadas para as obras públicas de Vila Maria. Se as rendas adquiridas por
essa Câmara, eram ou não suficientes, de que forma os vereadores governavam a cidade?
Essa é uma das questões que procuramos desenvolver durante a investigação.
dissemos que no Brasil, são escassos os estudos referentes à história da
administração municipal no período imperial, em particular da província de Mato Grosso.
No entanto, bibliografias que apontam aspectos sobre o poder público no século XIX, nos
proporcionaram reflexões acerca da realidade administrativa de Vila Maria. Vale lembrar
que sobre o período colonial na capitania de Mato Grosso, existem as contribuições
historiográficas de Otávio Canavarros e de Carlos Alberto Rosa que focalizam a Câmara
Municipal na Vila Real do Senhor do Bom Jesus do Cuiabá.
44
Canavarros focaliza a
composição administrativa do poder local e os conflitos na capitania de Mato Grosso e
Rosa enfatiza as funções da Câmara Municipal no espaço urbano.
Os estudos de Miriam Dolhnikoff, nos ajudou a pensar a organização política do
governo provincial e nos possibilitou entender o elo político entre os presidentes de
províncias e o governo local.
45
Outro aspecto importante abordado pela autora são os
impostos recolhidos pelas províncias a partir do Ato Adicional de 1834, que nos permitiu
reflexões sobre as finanças públicas do governo local. Ainda sobre o sistema tributário as
pesquisas de José Fernando Amed e Plínio Vergueiros também demonstram a
44
Sobre a Câmara Municipal no período colonial, ver CANAVARROS, Otávio. Ibidem.; ROSA, Carlos
Alberto. & JESUS, Naúk Maria de. Ibidem.
45
DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. Op. Cit., p. 155-284.
complexidade do sistema tributário imperial tornando-se importantes referências
bibliográficas.
46
Outros autores como Raimundo Faoro, Maria Sylvia de Carvalho e
Fernando Uricoechea, são referências utilizadas em alguns aspectos da pesquisa pois
focalizam variados aspectos referentes ao Estado Imperial como: a centralização
governamental, a dicotomia entre o poder público e privado, as contradições do sistema
político, o funcionamento do sistema judicial e o papel da Câmara dos Deputados e da
Câmara Municipal .
47
Os estudos de Magnus Roberto Pereira e Antonio César de Almeida Santos,
48
são
referências para compreendermos a administração pública no século XIX, pois os autores
analisam o espaço urbano de Curitiba, por meio do Código de Posturas elaborado pelos
vereadores. Pelos referidos regulamentos podemos pensar a governança citadina, em
particular as fiscalizações, como uma das estratégias instituídas pela Câmara.
Sobre a Câmara Municipal de Cáceres existem algumas contribuições, que somam
com a historiografia citada, ainda que apontem enfoques e temporalidades diferenciadas.
Tais contribuições como os estudos de Natalino Ferreira Mendes e Hênio Maldonado, que
mencionam a administração municipal e diversos acontecimentos políticos ocorridos na
cidade nos anos de 1859 a 1970.
49
Romyr Conde
50
, aponta aspectos referentes à economia e à população da
província de Mato Grosso, bem como de Vila Maria no período de 1800 a 1840. Outra
contribuição de Romyr é a transcrição do livro de orçamento de Vila Maria que
compreende os anos de 1860-1865 bem como o artigo (ainda não publicado) referente às
eleições da localidade a partir da década de 1860. Ainda sobre o século XIX, Domingos
Sávio também realiza um estudo sobre a Província de Mato Grosso, destacando
principalmente o período da Guerra do Paraguai.
51
46
AMED, Fernando José & VERGUEIROS, Plínio José Labriosa de Campos. História dos Tributos no
Brasil. Sinafresp, 2000.
47
FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato público brasileiro. In: CARVALHO,
José Murilo de. Ibidem.; FRANCO, Maria Sylvia. Homens Livres na ordem escravocrata. São Paulo:
Fundação Editora da Unesp. 1997; URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial: A Burocratização
do Estado Patrimonial Brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
48
PEREIRA, Magnus de Mello & SANTOS, Antonio sar de Almeida. (orgs). Posturas Municipais do
Paraná: 1829-1895. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003.
49
MENDES, Natalino Ferreira. Idem. Op. Cit., p.51-59
50
GARCIA, Romyr Conde. Mato Grosso (1800-1840): Crise e Estagnação do Projeto Colonial. Tese de
Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003.
51
GARCIA, Domingos Sávio da Cunha. Uma Província na Fronteira do Império.(1850-1889)
Dissertação de Mestrado. Campinas: Unicamp, 2003.
Sobre o sistema judicial do século XIX em Mato Grosso os estudos de Oswaldo
Machado Filho
52
, possibilitou-nos reflexões sobre, aspectos do papel da polícia na
província de Mato Grosso que produziu nos seus relatórios discursos estratégicos
legitimados pelo Código de Processo Criminal.
Por fim, para apontarmos a conjuntura política processada na província de Mato
Grosso, nos apoiamos também nas pesquisas de Luiza Volpato e de Maria Adenir Peraro,
pois as autoras apresentam o cenário da cidade de Cuiabá principalmente durante a Guerra
do Paraguai. Volpato ao enfatizar o medo gerado durante o conflito bélico em Cuiabá nos
ajudou a pensar como o governo local de Vila Maria reagiu perante a situação.
53
Peraro, nos indicou caminhos para refletirmos sobre certas influências que se processaram
na capital da província de Mato Grosso com a reabertura da navegação fluvial.
54
As
referências bibliográficas mencionadas abarcam temas e temporalidades diferenciadas, mas
foram úteis para entendermos a influência do governo provincial na vila em estudo, o
sistema judicial, o sistema tributário, os reflexos deixados pelo conflito bélico, a economia,
população e atividades comercias, da Vila em estudo.
Desse modo, a partir de então passaremos a analisar no primeiro capítulo, a função
da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai no recorte em estudo.
CAPITULO I
52
MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit. p. 209 a 241.
53
VOLPATO, Rios Ricci Luiza. Cativos do Sertão: Vida Cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850-
1888. Op. Cit. p. 60.
54
PERARO, Maria Adenir. Op. Cit., p. 20-27.
Tem esta Câmara a robusta fé
de que será bem acolhida
pela Assembléia Legislativa Provincial
apresentando o seu relatório d’algumas
necessidades que julga mais urgentes
do seu município.
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria, 1865.
A ADMINISTRAÇÃO CAMARÁRIA DE VILA MARIA
DO PARAGUAI
Focalizamos neste capítulo a função e atribuições da Câmara Municipal da Vila
Maria do Paraguai reveladoras das intervenções camarárias e, para isso, apontamos as
formas de arrecadações e das aplicações das rendas recolhidas pelos cofres do
município em estudo, na segunda metade do século XIX.
Antes, porém, iremos discorrer a respeito de um fato político ocorrido na
localidade de julho de 1850 a janeiro de 1851. Em meio a nossa investigação,
verificamos que nove anos antes da criação efetiva da administração municipal de
Vila Maria do Paraguai, ocorrida em maio de 1859, o governo provincial de Mato
Grosso criava, mediante o Decreto de 8 de 1850, a Câmara de vereadores e elevava
o local à categoria de vila apesar da revogação do mesmo seis meses após.
Ainda que esse referido e intrigante acontecimento acima apontado não
compreenda o recorte temporal de nossa pesquisa, permite-nos, quiçá, em parte, retirá-
lo do silêncio historiográfico pois apontamos pequenos esclarecimentos que podem
subsidiar pesquisas futuras. Para percorrer esse caminho, foi preciso evidenciar a
organização política do governo provincial e o papel das autoridades existentes no
período, tanto da província quanto da localidade.
Iniciaremos com a análise da revogação do Decreto Nº 8 de 1850 sancionado no
relatório do Presidente de província João Manoel Augusto Leverger como segue:
As leis 8 e 12 de 28 de junho e 5 de julho do ano passado elevarão à
categoria de vilas as freguesias de Vila Maria e Albuquerque,
prescrevendo que se realizasse a elevação logo que se tivesse dado
começo à construção dos edifícios públicos, que os habitantes devem
levantar á sua custa; o que até agora se não verificou. Entendo senhores,
que as ditas freguesias não estão por ora em circunstâncias de mudarem
de condição pela sua escassez de meios e pela sua
pequena população
que disseminada sobre uma
superfície relativamente muito vasta, não
pode fornecer o pessoal preciso para os cargos municipais, judiciais e
policiais
55
.
Para o presidente de província, Augusto João Manoel Leverger, o decreto fora
revogado dado a escassez de pessoas aptas para exercerem os cargos de oficiais
camaristas e pela falta de interesse por parte da população pela construção do edifício
público. É ainda importante perceber que o presidente de província ao destituir Vila
Maria da categoria de vila indica pistas de que não houve o funcionamento dessa
instituição durante os meses de julho de 1850 a janeiro de 1851.
afirmamos que um dos critérios para que um local se tornasse vila dependia
de o mesmo apresentar aumento populacional maior que o da freguesia e da riqueza
material
56
, porém o presidente de província Augusto João Manoel Leverger ao dizer
sobre a pequena população omite que havia uma correlação entre o mero de
55
Relatório do Presidente de Província Augusto João Manoel Leverger (1851). APMT: Cuiabá. p. 8
56
MARX, Murilo. Op, Cit., p. 62.
moradores com as arrecadações dos impostos pois quando um local se tornava vila, de
imediato criava-se a Câmara Municipal e as despesas feitas em pról da localidade
correriam por conta dessa administração, através do pagamento de impostos pelos
munícipes.
O texto da documentação acima deixa explícita que o mesmo fato ocorria com
a freguesia de Albuquerque, localizada na fronteira espanhola, ao sul da província de
Mato Grosso. Porém, é intrigante quando essa autoridade provincial justifica que era de
suma importância em Vila Maria tivessem pessoas habilitadas não para exercer o
cargo de vereador como também o de juiz e de delegado de polícia, discurso que,
em parte, contradiz o relato do cientista social Francis Castelnau.
A descrição de Francis Castelnau, que passou por Vila Maria em 1845 em
sua descrição demonstra que já havia na localidade pessoas que compunham o judiciário
muito antes dessa resolução provincial acima mencionada até porque a instituição
policial foi criada pelo governo provincial na província de Mato Grosso, em 1842.
Francis Castelnau afirmava o seguinte:
[...]
A cidade
parece destinada a rápido crescimento: mas o
descaso do
governo, e também dos próprios habitantes, de par com a
falta de comunicação, côo baixo Paraguai, tem impedido que ela se
desenvolva como era de esperar. Sua população não vai além de
quinhentas ou seiscentas pessoas e toda a freguesia de que ela é centro
não possui mais de mil e oitocentos habitantes de todos os matizes,
inclusive cerca de duzentos escravos. Conta-se entre os habitantes uns
seiscentos descendentes, diz-se dos chiquitos da Bolívia...Vila Maria é a
principal cidade Mato Grosso do lado da fronteira boliviana. As
autoridades são um subdelegado e um juiz de paz.
57
Para o viajante francês, o descaso do governo provincial era um dos entraves
para que Vila Maria do Paraguai fosse elevada à categoria de vila, porém, na sua visão
os escravos e chiquitanos dessa localidade eram também indícios de atraso.
58
57
CASTELNAU, Francis. Expedição às regiões centrais da América do Sul. Belo Horizonte/Rio de
Janeiro: Itatiaia, 2000. p. 421.
58
Atribuído pelos europeus, no século XIX, o termo chiquitano é a designação genérica de diversas etnias
distintas que habitavam uma vasta região compreendida ao norte, pelo paralelo 15, ao sul pelo Chaco, a
leste pelo Rio Paraguai e pelo Rio Grande a oeste. In: COSTA, José Eduardo Fernandes Moreira da. O
manto encoberto: territorialização e identidade dos chiquitanos. Revista Territórios e Fronteiras.
Volume: 3. 2. Cuiabá-MT: UFMT, Jul-dez de 2002. p. 59. Segundo MENDES, Natalino Ferreira.. Op.
Cit., p. 32; em Cáceres-MT, chiquitanos eram índios castelhanos que se estabeleceram em Vila Maria na
época de sua fundação, oriundos das províncias de Chiquitos e Moxos. Ver ainda Ata de fundação de Vila
Maria de 6 de outubro de 1778, na fundação de Vila Maria, havia 78 chiquitanos de ambos os sexos.
Cáceres. APMC.
É importante ressaltar que a existência dessas referidas autoridades na localidade
evidencia a organização política do Estado Imperial e, para tanto, apontamos uma
rápida descrição de suas funções.
Ao governo provincial cabia a organização da instituição policial criada na
província de Mato Grosso desde o início da década de 1840, sob o comando do chefe de
polícia que residia na capital com jurisdição em toda a província, como trataremos mais
adiante. Tanto a função do delegado como a do subdelegado eram cargos indicados
pelo Presidente de Província subordinados ao chefe de polícia e distribuídos nas vilas e
cidades. Vale lembrar que tanto o delegado como o subdelegado a partir da década de
1860, nessa localidade participavam juntamente com o juiz de paz da elaboração da lista
de qualificação de votantes, principalmente no que se refere à divisão de uma localidade
em quarteirões sendo que cada um deveria conter pelo menos 25 casas habitadas.
59
As funções policiais estavam determinadas pelo Código do Processo Criminal de
1831, como sendo: cuidar da “tranqüilidade pública’’ dos habitantes de um
determinado local, fazer assinar “o termo do bem viver”, prender, julgar “desordeiros” e
intervir nas infrações municipais era entendido como aquele que deveria exercer o
controle sobre o abastecimento, a circulação, a salubridade e saúde pública, o trabalho
e a moral pública.
60
A promulgação da lei Constitucional de 1827 estabelecia o cargo de juiz de
paz nas vilas e cidades e entre os candidatos que podiam exercer esse cargo
encontravam-se homens livres, como os proprietários, funcionários públicos,
negociantes e oficiais da Guarda Nacional.
Segundo Oswaldo Machado Filho, as principais intervenções do juiz de paz nas
pequenas causas eram:
[...] evitar brigas, colocar em custódios bêbados, durante a embriaguez,
admoestar vadios e mendigos, obrigando-os a viver honestamente; corrigir os
bêbados por vício, turbulentos e meretrizes consideradas escandalosas,
obrigando a todos os que perturbassem a ordem blica a assinar o termo de
bem viver, destruir quilombos e avisar a polícia e seus subordinados, a respeito
da existência de criminosos em seus distritos.
61
No entanto, a partir da Reforma Judicial de 1841 que vigorou até 1871,
estabeleceu-se que o juiz de paz passava a ter menores encargos judiciais que os chefes
59
Artigo 63 do Regulamento nº 120 de 31, de janeiro de 1842. Rio de Janeiro. APMT. Cuiabá-MT.
60
MAUCH, Claudia. O policial e a cidade: um olhar vigilante. Porto Alegre, final do século XIX. In:
PESAVENTO, Sandra Jatay & SOUZA, Célia Ferraz. Imagens urbanas: Os diversos olhares na
formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. p. 72.
61
MACHADO FILHO, Oswaldo. .Op. Cit., p. 234.
de polícia. Sua maior influência residia com o processo eleitoral que detinha nas
mãos o controle da lista dos votantes. Embora essas autoridades representassem o
Judiciário na localidade como parte da estrutura política do regime imperial,
possivelmente tal fato não explica a revogação do Decreto de nº 8 de 1850.
Para melhor entendermos como o governo provincial legitimava qualquer
resolução, decreto e projeto político e, mais precisamente sobre essa referida tramitação,
é preciso apontar a organização política e administrativa da província.
O cargo do Presidente de Província representava na província o poder central
nomeado pelo imperador e indicado pelo Conselho de Ministros. Segundo Carlos
Correa, os presidentes de província, geralmente tinham curtos mandatos, eram
desconhecedores dos problemas locais e das reivindicações naturais de suas populações
e o sistema de nomeações se caracterizava pela freqüente mobilidade dos titulares, em
muitas províncias sucessivamente, formando verdadeiros profissionais do cargo.
62
Como essas autoridades podiam ser oriundas de outros lugares, havia uma
rotatividade no preenchimento do cargo o que não significa que fosse regra geral, pois,
segundo Miriam Dolhnikoff, alguns presidentes podiam demorar mais tempo no
cargo.
63
No caso de Mato Grosso, podemos citar como exemplo Augusto João Manoel
Leverger que presidiu o cargo de forma contínua aproximadamente quatro anos e por
mais de uma vez.
64
Outros presidentes da província de Mato Grosso, ficaram no cargo
em torno de dois a três anos sendo eles: Raimundo Delamare, Francisco Cardoso
Júnior, José de Miranda Reis. Além disso, tinham participação no processo eleitoral,
mas dependiam de acordos com a elite provincial, e com as clientelas de fazendeiros
que compunham o grosso dos votantes nas diversas localidades.
65
Em linhas gerais os presidentes de províncias representavam a extensão do
poder do governo central, eram como os olhos menores, tendo como objetivos não se
opor aos interesses particulares.
66
Observando os relatórios dos presidentes de províncias de Mato Grosso,
percebemos variados pontos tratados como: saúde, segurança e tranqüilidade pública,
divisão territorial, orçamentos, educação pública e catequese de índios e,
principalmente, os meios de comunicação sejam térreos, ferroviários ou fluviais. Além
desses tópicos, outros podem ser observados como a divisão territorial das
62
CORREA, Carlos P. Humberto. A Presidência da província no Império. In: Anais Eletrônico. XII
Simpósio Nacional de História ANPUH. UFPB: João Pessoa-PB, 2003. p. 1. Sobre isso ver também
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 100 – 118.
63
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 102.
64
SILVA, Pitaluga Costa e. Governantes de Mato Grosso. Cuiabá-MT: APMT, 1993. Augusto João
Manoel Leverger presidiu o governo de Mato Grosso no século XIX; era oficial da Marinha e recebeu
título de Capitão de Fragata. Tomou posse no governo de Mato Grosso nos anos de 1851 a 1857. No ano
de 1863 ficou no cargo de presidente mais seis meses; assim como em 1865 por quatro meses, em 1866
por dois meses e nos anos de 1869 a 1870, exerceu esse mesmo cargo durante dez meses. p. 40 a 45.
65
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 108.
66
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit., p. 210.
freguesias, vilas e cidades e a demarcação de limites das fronteiras entre a província e
as repúblicas vizinhas relativa à navegação fluvial, cujas negociações políticas
processaram-se na década de 1850.
Como sabemos, as vias de comunicações térrea, ferroviária e fluvial, eram pontos
que também interessavam ao governo central e provincial por serem canais que
proporcionariam o crescimento econômico das províncias. Por essa época a navegação
fluvial pelo rio Paraguai era mais restrita e a comunicação térrea ligava a Província de
Mato Grosso a outras províncias. Segundo Maria Adenir Peraro a utilização da
navegação fluvial pela bacia do Prata se deu principalmente a partir de 1856 cujas
exportações mato-grossenses foram incentivadas para os mercados platinos e para
outras províncias, como a do Rio de Janeiro
67
.
Na composição do governo provincial estavam as Assembléias Legislativas
criadas a partir do Ato Adicional de 1834 e representadas pelos deputados que, para
serem eleitos, tinham que ter influências em toda a província e não apenas na
localidade.
68
Cada província tinha um determinado número de representantes na bancada da
Câmara dos deputados que fazia valer os interesses de suas províncias
.69
As de
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo contariam com 36
deputados, as do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul, com 28
e as demais com 20.
70
A função dos membros da Assembléia Legislativa era determinar os impostos à
serem recolhidos frente às despesas tanto provinciais quanto municipais. Também eram
responsáveis pela construção de obras públicas, por manter a força policial, promover o
ensino público, controlar os empregos provinciais e municipais. Dessa forma o poder
local estava submetido às assembléias uma vez que a elas também competia a divisão
civil e judiciária da província.
71
Observando as atas da Assembléia Legislativa da província de Mato Grosso
verificamos pontos referentes à votação, aprovação e revogação de Leis, ou seja, a
criação de projetos dependia dos deputados e não do presidente de província.
Importante observar que a publicação das leis estava amparada pelo regimento
67
PERARO, Maria Adenir. Op. Cit., p. 32-37. A navegação fluvial pelo rio Paraguai era mais dificultosa
à medida em que os governantes paraguaios impediam a navegação estrangeira dentro de seu território.
68
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 98.
69
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 93-97.
70
Idem. Op. Cit., p. 97.
71
Ibidem. p. 104.
interno da Assembléia Provincial, cujos decretos eram encaminhados ao presidente de
província
72
. No caso de revogação de leis principalmente se fossem inconstitucionais,
cada elite provincial dependia da sua bancada para fazer valer seus interesses.
73
No
entanto, o decreto que elevaria Vila Maria à categoria de vila e ao mesmo tempo
autorizaria a criação da casa da Câmara, não era uma Lei inconstitucional pois eram
questões que estavam prescritas na Constituição de 1824 e na Lei de 1828. Além disso,
o governo provincial quando criava uma câmara numa determinada localidade tinha
grande participação nas arrecadações dos impostos das vilas e cidades destinados ao
gerenciamento provincial
74
e prescritos pelo Ato Adicional de 1834.
A escassa navegação fluvial na província de Mato Grosso no ano de 1850,
talvez tenha sido um outro fator a interferir nesse fato mencionado pois, a partir de
1856
75
o comércio fluvial dessa província integrou o território de Mato Grosso a
outras províncias, proporcionou maior crescimento econômico tanto à província quanto
à localidade pelos impostos recolhidos que, inclusive, beneficiaram não o cofre do
governo provincial, mas ao do governo central. Nesse comércio fluvial, Vila Maria
teve grande participação principalmente após 1870 .
76
Além da incipiente navegação fluvial na província de Mato Grosso, nos anos de
1850 e 1851 podemos aventar outras hipóteses: conforme as palavras do presidente de
província, nessa tramitação, um dos critérios utilizados como entrave para que o
Decreto 8 do ano de 1850 fosse revogado teria sido o contingente populacional e ao
mesmo tempo o recolhimento dos impostos. Isso revelaria que o governo provincial
estava mais interessado nas arrecadações dos impostos da localidade e menos com a
falta de pessoas habilitadas a exercer os cargos judiciais e de vereança. Desta forma,
observamos que, se naquele momento, mediante revogação do referido decreto a vida
política da Vila Maria do Paraguai não fora alvo de interesse da Assembléia
provincial, isso não alterava a organização política do Estado nacional, sendo uma
questão efetivamente resolvida a partir de 1859, como passaremos a tratar.
72
Consta no regulamento interno da Assembléia Legislativa, Art. 70, de 1847: A Assembléia Legislativa
da província de Mato Grosso dirige ao Presidente de província o decreto ou resolução incluso que julga
vantagens à província e pede a V. Exª se digne sancioná-lo.
73
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 264.
74
Sobre os impostos recolhidos pela província e pelo município trataremos mais adiante, neste mesmo
Capítulo.
75
O Tratado de Amizade, Navegação e Comércio de 1856 prescrevia a demarcação de limites entre o
Império do Brasil e a República Paraguaia. In: Tratados de Limites Internacionais que interessem a Mato
Grosso/vários. Cuiabá. Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 2002. p. 71.
76
Os impostos exportados ou importados após o término da Guerra do Paraguai, referentes à localidade
serão abordados mais adiante.
1.1 A Administração Municipal: funções e atribuições
Mas o que era a Câmara Municipal do século XIX?
Que funções essa instituição municipal desempenhava numa vila ou cidade?
Entre os séculos XVI e XVIII, conforme as Ordenações Filipinas, as Câmaras
municipais tinham funções administrativas, judiciais, fazendárias e de polícia.
77
No
século XIX, elas compreendiam o poder executivo e o legislativo, legitimadas pela
Constituição de 1824 e pela Lei de 1828
78
, sem as funções judiciárias. A partir do
Ato Adicional de 1834, essas instituições foram vinculadas ao governo provincial,
pois, o fato de uma localidade obter uma Câmara, não significava a obtenção da
autonomia política, ou seja, os municípios não decidiam sozinhos sobre questões de
ordem políticas, econômicas dentre outras.
Raimundo Faoro aponta que as Câmaras Municipais organizadas pela Lei de
1828 ficaram aquém da palavra constitucional, pois, em lugar de uma célula viva
diretamente nascida da sociedade como pretendia a Constituição de 1824, saíram
municípios tutelados uma vez que ficaram como corporações meramente
administrativas, sem jurisdição contenciosa como no período colonial, convertendo-se
em peça auxiliar do mecanismo central.
79
Da mesma forma, Sérgio Buarque também faz referência ao aniquilamento da
Câmara Municipal do século XIX pela Assembléia Provincial, se comparada com a do
século XVIII. Na análise do referido autor, o Ato Adicional de 1834, descentralizou o
governo provincial do central, mas por outro lado, reforçou a centralização da
instituição municipal já que esta estava vinculada ao governo provincial.
80
Para Miriam Dolhnikoff, as Câmaras municipais também eram departamentos
administrativos, pois não podiam administrar a cidade ou vila, sem prestar conta às
77
No século XVII, no contexto da União Ibérica foi realizada uma revisão na legislação existente.
Assim, em 1603, em substituição as Ordenações Manuelinas, foram editadas as Ordenações Filipinas que
agregavam a legislação portuguesa e orientando-se pelo direito romano desvincularam o direito civil e
canônico. In: SANTOS, Antonio César de Almeida & SANTOS, Rosangela Maria Ferreira dos.(orgs)
Eleições da Câmara Municipal de Curitiba. 1748 a 1827. Curitiba. Aos quatro ventos, 2003. p. 7.
78
Essa Lei autorizava o processo eleitoral, regulava o mercado econômico, estabelecia a arrecadação das
rendas, o sistema de pesos e medidas.
79
FAORO, Raimundo. Op. Cit., p. 345.
80
HOLANDA, Sérgio Buarque. A Herança Colonial, sua desagregação. In: Historia geral da Civilização
Brasileira: o processo de emancipação. Tomo II. Volume I. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1976. p. 24
e 25.
assembléias, não podiam desse modo decidir livremente quer sobre a arrecadação, de
impostos, quer sobre sua aplicação; tornavam-se meros agentes administrativos
sujeitos aos interesses da assembléia provincial.
81
Segundo a autora, a autonomia das
províncias se concretizava com o Ato Adicional uma vez que à assembléia provincial
cabia as decisões sobre os municípios e a estratégia do projeto liberal era equilibrar os
interesses locais com os provinciais cuja finalidade era impedir que os localismos
colocassem em risco a integridade do novo Estado.
82
Nesse sentido, a instituição municipal era um agente administrativo do governo
provincial, pois uma condição fundamental que reforçava os laços políticos estava na
dependência do repasse de recursos da província para o município. Entretanto, essa
relação política não se reduzia a apenas nisso, pois o governo provincial era movido
pelos recursos recolhidos pela Câmara Municipal, dessa e de outras vilas devido a
alguns impostos que lhe eram reservados e repassados, prescritos pelo Ato Adicional,
o que não significa evidenciar o governo provincial como um grande arbitrário nas
questões locais. Vejamos quais eram as vilas que possuíam as suas Câmaras no
território de Mato Grosso no período imperial: Cuiabá, a capital da província ( 1727),
Vila Bela da Santíssima Trindade (1746), Diamantino (1820), Poconé (1831), Santana
do Paranayba (1857), Nossa Senhora do Carmo de Miranda (1857), São Luis de Vila
Maria do Paraguai (1859), Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque (1862),
Nossa Senhora do Rosário (1872), Santa Cruz de Corumbá (1873) e Nossa Senhora do
Livramento (1883).
83
Devemos considerar que, embora com poderes limitados, a Câmara Municipal
no âmbito da estrutura do governo imperial se tornava a única instância com funções
executivas e deliberativas representando na localidade as decisões políticas e
econômicas da Coroa imperial. Apesar disso, os homens livres que compunham os
cargos de vereança dessa ou daquela Câmara não tinham participação nas decisões
políticas do governo central ou provincial. Desse modo, o governo municipal coroava
a consolidação da monarquia e, ao reproduzir o discurso civilizador, buscava forjar
uma política que tinha como uma das metas políticas, tanto para o governo central
81
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 86.
82
Idem. Op. Cit., p.119.
83
AYALA & SIMON. Álbum Gráphico do Estado de Mato Grosso (EEUU0). Corumbá: Hamburgo
Editores, 1914. p. 351. As freguesias eram: Sé, Chapada dos Guimarães, São Gonçalo, Nossa Senhora
de Brotas, de Nossa senhora da Guia, Santo Antonio do Rio Abaixo e Barão de Melgaço. Outras vilas
que compreendiam o território de Mato Grosso no final do século XIX fizeram parte do governo
Republicano como Nioac (1890), São José de Herculanea, hoje Coxim, (1898).
como para o provincial, erigir um império à imagem das nações européias apesar das
tantas contradições existentes no país. Acrescenta-se ainda, que a Câmara Municipal de
Vila Maria era também um espaço de negociações e de conflitos. Os vereadores e
representantes das instituições judiciais como juízes, comandante da Guarda Nacional e
a polícia podiam conflitar-se, sem que isso viesse alterar a estrutura política do
governo provincial.
A Câmara Municipal em estudo, por ser um órgão administrativo, tinha por
atribuição primordial, zelar, cuidar e legalizar a regras políticas, econômicas e culturais
que interferiam no modo de viver dos moradores e, nesse sentido, “policiava” a vila.
As funções administrativas da Câmara Municipal nas vilas eram diversas e, de
modo geral, não variavam muito de uma para outra. Em Vila Maria do Paraguai, as
deliberações mais freqüentes instituídas pela Câmara correspondiam à manutenção da
tranqüilidade dos municípios, da segurança, da ordem pública, da saúde e da
comodidade dos habitantes, a construção dos edifícios públicos e privados, a abertura de
esgotos e limpeza de ruas, iluminação, regulação das tabelas de preços dos gêneros
alimentícios, autorização da abertura de lojas e vendas e podiam ainda editar as
arrematações dos contratos. Em suma, todas as deliberações do governo municipal
estavam relacionadas à urbanidade.
Também competia à Câmara, editar o Código de Posturas e, por meio desse
dispositivo, arrecadar os tributos. Importante ressaltar que o governo provincial
interferia tanto na elaboração das prescrições das posturas, como nos impostos a serem
cobrados pelo município, aspecto que trataremos mais adiante.
Segundo Caio Prado Júnior, as Câmaras tinham patrimônio que se compunham
de terras que lhes pertenciam no ato da criação da vila; constituíam estas terras o rossio
destinado para edificações e logradouros que compreendiam a parte urbana. O termo
compreendia toda a área do município
84
. Dessa forma os patrimônios constituíam
porções de terras cedidas por um senhor, ou por vários vizinhos para servir de moradia e
de meio de subsistência a quem desejasse morar de forma gregária.
85
A delimitação da
área do município, do seu termo, constituía uma das providências a serem tomadas pela
administração municipal tendo em vista os interesses dos habitantes e dos
concessionários de terras.
86
Uma vez que o local se tornava vila, a mudança do espaço
físico se dava lentamente. Era o momento pois da definição dos limites com outros
municípios mais antigos; da constituição de uma administração provisória até a primeira
eleição para a Câmara; da definição da área determinada no espaço de uso comum
especialmente para a casa da Câmara e da cadeia.
87
Geralmente a Câmara Municipal localizava-se próximo à praça da Matriz.
Fátima Moraes em seus estudos questiona se a inexistência desse edifício em Vila
Maria no período colonial advém da falta de moradores ou da falta de recursos
88
Reafirmamos que a casa da Câmara nessa localidade se constituíu apenas nos meados
do culo XIX. A administração local de Vila Maria ficava nas proximidades da
praça da matriz,
89
mais precisamente onde atualmente é a Loja maçônica. A travessa da
Câmara,
90
criada em 1860, demonstra o significado que possuía no local, pois se um
84
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Op. Cit., p. 314. Sobre o rossio e o
termo, ver MARX, Murilo,. Op. Cit., CANAVARROS, Otávio. Op. Cit., p. 126.
85
MARX, Murilo. Op. Cit., p. 38.
86
Idem. Op. Cit., p. 67.
87
Ibidem. p. 62.
88
MORAES, Maria de Fátima Mendes Lima de.. Op. Cit., p. 74.
89
Atualmente praça Barão do Rio Branco.
90
Atualmente Rua Comandante Balduíno.
prédio não contém nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na
organização da cidade bastam para indicar a sua função.
91
O prédio da Câmara recém criada era um sobrado, onde no térreo funcionava a
cadeia pública, e como ocorria em todas as outras Câmaras do Império, em uma das
salas estava o arquivo. Em uma das atas, com data de 1877, podemos observar
referências a respeito do prédio mediante os dizeres:
Esta municipalidade só possui de bom imóvel um pequeno sobrado com
duas salas, um corredor e um pequeno quarto aonde existe o seu arquivo
cofre servindo os compartimentos de baixo de cadeia publica cujo
edifício acha-se colocado em um local de poucas proporções custando
para a municipalidade a quantia de oitocentos reis.
92
Um outro dado importante sobre a Câmara dessa vila é a lista de mobílias, que
foram adquiridas no ano de 1862 na cidade do Rio de Janeiro e transportadas até
Corumbá, lembrando a importância da navegação fluvial para a província de Mato
Grosso. Na relação dos móveis constavam um quadro com a figura do imperador,
uma cadeira grande de encosto, quatro bancos, duas mesas pequenas com gavetas, um
estrado para colocar a mesa, uma escrivaninha, quatorze globos e um sino. A
incumbência em adquirir os móveis para a referida Câmara era do capitão Joaquim
Mendes Malheiros, e a quantia destinada a essas compras, compreendia o valor de
585$725 rs.
93
Pela relação das mobílias, notamos alguns aspectos do interior desse recinto
público. É interessante perceber que dentre as peças citadas, chama-nos a atenção, o
quadro com a figura do imperador, D. Pedro II. No caso do quadro com a imagem de
D. Pedro II, este representava naquele momento, a figura maior do Estado-Nação, ou
ainda, simbolizava a imagem de todos os que exerciam os cargos de ministros,
deputados, presidentes de província, na Corte imperial, nas províncias e nos municípios.
Observamos que vários foram os mecanismos utilizados pela Coroa para consolidar o
regime imperial entre eles estavam as imagens de D. Pedro II difundidas nos jornais,
nas repartições, nos lenços e moedas cujo objetivo era produzir um imaginário da
realeza.
94
91
CALVINO, Ítalo. Cidades Invisíveis. Tradução Diogo Mainard. São Paulo: Companhia das Letras,
1990. p. 18.
92
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1877). APMC: Cáceres.
93
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1862). APMC: Cáceres.
94
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 88.
Para Lylia Schwarcz, esses mecanismos contribuíram para consolidar os
objetivos da política imperial, como a manutenção da unidade territorial do país e a
garantia da ordem social. A iluminação da casa da Câmara no dia 2 de dezembro, data
em que se comemorava o aniversário de D. Pedro II, demonstra também um outro tipo
de manifestação que representava a consolidação do regime nessa vila.
95
. Nesse sentido,
para Schwarcz, o poder simbólico de um “rei”, acima das divergências de ordem
particular, acaba se impondo como saída.
96
Outro objeto da compra das mobílias da Câmara Municipal foi o sino que podia
representar o “tempo do trabalho, a regularidade do trabalho urbano
97
”, ou seja, podia
ter utilidade para indicar horários que no período “toque de recolher” era o termo que
indicava o estabelecimento de horários para a livre circulação das pessoas prescrito nas
posturas municipais. Além disso, o sino possivelmente indicava também os horários de
funcionamento das sessões Camarárias.
A Câmara também participava da organização dos festejos civis e religiosos
98
,
pois as festas eram momentos que expressavam os laços de sociabilidades e,
principalmente, a reafirmação do poder do governo imperial.
A exemplo, citamos aqui um festejo civil comemorado pela Câmara Municipal e
que movimentou os habitantes da vila, ou seja, o nascimento em 1866 do filho da
princesa Leopoldina, filha do Imperador D. Pedro II. Esta comemoração indica a
sintonia da Câmara dessa Vila com a Corte, bem como a manifestação do poder
imperial que se estendia à Vila Maria. Os vereadores em ata de 1866, demonstram a
reverência feita ao nascimento do príncipe, pois no momento que souberam da notícia
os governantes de Vila Maria, convocaram os moradores para que iluminassem as
residências por três dias e ao longo das ruas uma orquestra saudava a coroa imperial.
Na sacada do edifício da Câmara foram colocadas as efígies do imperador, e as
felicitações se deram por meio de vivas que ecoaram pelas ruas, principalmente em
frente da travessa da Câmara.
99
Outro exemplo de festa civil organizada pela Câmara ocorreu em 1874 com a
elevação da Vila Maria do Paraguai, à categoria de cidade, adquirindo a denominação
95
Livro de Receitas e Despesas de Vila Maria do Paraguai. 1860-1865. APM.T.Cáceres.
96
Idem. Op. Cit., p. 37.
97
LE GOFF, Jacques. O Apogeu da cidade Medieval. São Paulo: Matins Fontes, 1992. p.194.
98
JESUS, Maria Nauk. A Cabeça da República e as festividades na fronteira oeste da América
Portuguesa. In: A terra da conquista: História de Mato Grosso Colonial. Cuiabá. Adriana, 2003. p. 104.
As Câmaras Municipais participavam na organização dos festejos ocorridos na capitania de Mato Grosso,
no século XVIII.
99
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1866). APMC: Cáceres.
de cidade de São Luis de Cáceres. Ao que consta na documentação da Câmara, em
1878 Vila Maria possuía uma proporção três vezes maior que na década de 1860
num total de 4.723 habitantes.
100
Esse festejo civil organizado pela Câmara também movimentou os habitantes
de Vila Maria. Como o ato religioso completava algumas solenidades políticas e
administrativas na ocasião, foi celebrada missa na igreja Matriz com o “Te Deum
Laudamus”.
101
Após a missa, a notícia foi comemorada pelas ruas da cidade com
grande entusiasmo pela banda do 19º Batalhão de Infantaria. Conforme os vereadores, a
festividade prosseguiu da seguinte forma: O povo entusiasticamente aplaudirão tão
digno ato seguindo-se a noite de bailes e mais festejos próprios das ocasiões dessas
festas populares
102
.
Se a função da Câmara era zelar pelo gerenciamento urbano, este era efetivado
por meio da cobrança de impostos, pois o conjunto de arrecadações era importante para
a manutenção das despesas.
Para compreendermos o sistema fiscal da Câmara de Vila Maria faz-se
necessário apontarmos um panorama geral sobre o sistema tributário do país.
Segundo Miriam Dolhnikoff, a autonomia tributária para os governos
provinciais, veio a ocorrer com o Ato Adicional de 1834, que dividia a competência
tributária entre o governo central e provincial
103
. Dessa forma, o governo provincial
passou a ter autonomia tributária, reservando uma parcela insignificante para as
municipalidades
104
que enviavam os relatórios orçamentais ao governo provincial.
Para José Amed e Plínio Vergueiros, as províncias podiam criar os seus
tributos desde que não fossem de competência do governo central, muito embora em
algumas províncias pudesse ocorrer a bitributação, ou até mesmo, a tripla tributação em
decorrência de o governo provincial não conseguir se manter com o montante que
arrecadava nas receitas.
105
A dupla ou tripla tributação sobre os produtos vindos de
outras províncias possibilitava aumentar a arrecadação provincial, bem como
implementar uma política protecionista.
106
100
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1878). APMC: Cáceres.
101
Ata da Câmara Municipal de São Luís de Cáceres (1874). APMC: Cáceres.
102
Idem. Op. Cit.
103
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 156-157.
104
Idem. Op. Cit., p. 200.
105
AMED, Fernando José & VERGUEIROS, Plínio José Labriosa de Campos.Op. Cit., p. 207-209.
106
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 167 a 171.
Por sua vez, Ivone Pereira afirma que a partir do Ato Adicional, de 1834, os
impostos de importação, mesmo sendo de competência do governo central, podiam ser
tributados pelo governo provincial, pois mercadorias provenientes de outras
províncias geravam uma “guerra fiscal” entre o governo central e provincial que
perdurou durante todo o Segundo Reinado. Segundo a referida autora, as mercadorias
vindas de outras províncias favoreciam apenas o comércio local e a “guerra de tarifas”
colocava em risco a manutenção da unidade nacional gerando prejuízo à tributação do
governo central.
107
Divergindo da abordagem de Ivone Pereira, Miriam Dolhnikoff aponta que, de
fato, algumas províncias entravam em conflitos com representantes da assembléia
provincial principalmente no que se refere aos impostos de importação, pois o problema
estava na interpretação para uns, os produtos de importação eram aqueles provenientes
de outras províncias, para outros, eram referentes a produtos vindos do estrangeiro.
108
Contudo, os conflitos ocorridos entre membros da assembléia provincial ou entre
membros do governo central, não obstaculizavam a política imperial, ou seja, não
colocavam em risco a unidade territorial, pois o objetivo dos representantes políticos era
defender os interesses da província.
Miriam Dolhnikoff aponta um exemplo dessa guerra fiscal que gerou conflitos
na Câmara de deputados em 1845 entre os representantes das províncias de Minas
Gerais, Mato Grosso e Goiás. O conteúdo desse projeto impunha um imposto aprovado
pela Assembléia Legislativa de 4$000 sobre cada animal que entrasse na província de
Minas Gerais transportando gêneros de outras províncias que não fossem limítrofes. Na
ocasião, os deputados de Mato Grosso e Goiás reclamavam porque os produtos
consumidos pelas suas províncias vindos do Rio de Janeiro que passavam por Minas
Gerais, chegavam na província de Mato Grosso com considerável aumento de preço
devido aos imposto cobrados nas demais províncias. Desse modo, os deputados de Mato
Grosso argumentavam que o impostos de importação além de serem inconstitucionais
prejudicavam os interesses de suas províncias.
109
107
PEREIRA, Ivone Rotta. A Tributação na História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1999. p. 30 a 33.
108
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 263.
109
Idem. Ibidem. p. 265-266. Um outro exemplo de conflitos entre o governo provincial e proprietários
rurais, ocorreu na província de São Paulo ou mais precisamente nas vilas de Guaratinguetá,
Pindamonhangaba, Taubaté e Jundiaí. Esse determinado tipo de conflito referia-se a cobrança das
décimas urbanas, pois o governo provincial entendia que o imposto deveria ser cobrado dos
estabelecimentos que vendiam aguardente localizados nas propriedades rurais.
Para evitar a “bitributação” ou a “tripla tributação,” o governo central propôs a
reforma tributária de 1867 que propunha: Redução sobre os produtos de neros
essenciais, aumento de impostos sobre os bens supérfluos, a proporcionalidade do
imposto de indústria e profissão e sobre a propriedade urbana ( referente a uma légua
de distância do centro urbano).
110
Os conflitos referentes às arrecadações e as reformas
tributárias evidenciam a complexidade do sistema tributário do governo imperial.
Vejamos quais os impostos que eram da competência do governo central e
provincial a partir do Ato Adicional de 1834, demonstrados no quadro que segue:
Quadro 1- Modalidade de impostos dos Governos Imperial e Provincial em Mato
Grosso.
Governo Imperial Governo Provincial
-Direitos sobre importação (15%), sobre o chá
(30%), sobre a pólvora (50%), sobre a
reexportação (2%) sobre armazenagem (1,4%),
sobre a exportação (7%).
-Décima dos legados e herança pagos pelos
herdeiros ou legatórios.
- direitos sobre as embarcações estrangeiras que
passaram a ser nacionais (15%). Lei de
15.11.1831.
-Dízima dos gêneros (açúcar, café, etc.)
-Dízima de chancelaria inicialmente era uma pena
que se impunha aquele que fazia revertendo uma
receita para o fisco 91% (sobre o valor da causa)
conforme Alvará de 25.09.1665. Mais tarde foi
substituído pelo imposto de 2% Lei nº 98 de
31.10.1835.
-Imposto sobre a transmissão da propriedade
móvel.
-Décima adicional das corporações de mão morta -Novos e velhos direitos.
-Siza dos bens de raiz criada pelo Alvará de
30.06.1809 e incidia nos contratos de compra e
venda de arrematação de trocas de doação de bens
de raiz(10%).
-Meia sisa dos escravos ( que sabiam ler).
- Imposto sobre barcos do interior. -subsídio literário com diversas finalidades
assistenciais.
-Impostos sobre despachantes e corretores. -Décima de prédios urbanos (décima urbana); que
incidia sobre proprietários de prédios urbanos (10%
do rendimento líquido criado pelo Alvará
27.07.1854
-Impostos sobre exportação com produto da
arrecadação dividido entre governo central e
provincial.
-Taxa de viação em estradas provinciais e de
navegação em rios internos ( passagem dos rios).
-Imposto sobre mineração do ouro e de outros (
ouro em pó, ouro em barras, Lei de 27.10.1827.
-Imposto sobre casas de leilão e modas. Lei de 15
de 11.1831.
110
PEREIRA, Ivone Rotta. . Op. Cit., p. 30
-Imposto do selo do papel criado pelo Alvará de
17.06.1809 e incidia sobre todos e quaisquer
títulos, folhas de livros, papéis forenses e
comerciais.
- Imposto sobre lojas criado pelo Alvará
20.10.1812, recaindo sobre cada loja,armazém ou
sobrado.
-Imposto sobre jegues,carruagens carrinhos,
Alvará de 20.10.1812.
- Imposto sobre venda de embarcações nacionais(
navios e embarcações). Alvará 20.06.1812.
Fonte: Dados extraídos de AMED, Fernando José & VERGUEIROS, Plínio José Labriosa Campos.
História dos Tributos no Brasil. São Paulo: Sinafresp, 2000. p. 207 a 209.
Os impostos que competiam às províncias eram relativos às heranças e
transmissão de propriedades, bem como gêneros de cae açúcar, subsídios literários,
décimas urbanas e outros, como podemos verificar no quadro acima.
Os impostos como: a dízima sobre gêneros alimentícios, a décima urbana, a meia
sisa de escravos ladinos e a décima de herança e legados foram criados pela Coroa
imperial a partir de 1808 e, em geral, eram impostos existentes recolhidos pelo
governo central, mas transferidos para o governo provincial com o Ato Adicional de
1834 .
111
Nesse sentido, o governo provincial adquiria não só sua autonomia
tributária descentralizando os tributos do governo central tornando mais viáveis as
cobranças tributárias nas localidades.
112
Não por acaso a Coroa Imperial criou, em 1831, o Tesouro Nacional, órgão
responsável em contabilizar impostos, propor condições de empréstimos e distribuir
toda a contabilidade das receitas e despesas do país dirigido pelo Ministro dos Negócios
da Fazenda
113
. Contudo, as variadas interpretações sobre o sistema tributário
estipuladas pelo Ato Adicional, geravam conflitos entre o centro e as províncias.
Segundo José Murilo de Carvalho, principalmente com a Guerra do Paraguai, o
governo central propôs a reforma tributária para alguns impostos com o objetivo de
cobrir os “déficits” acumulados com o processo político da independência, com as
revoltas liberais e com as secas.
114
Uma das reformas tributárias residia na tentativa de
111
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 157.
112
Idem. Op. Cit.,p. 157.
113
FERREIRA, Benedito. A História da Tributação no Brasil. Brasília-DF, 1986. p. 186. De acordo com
o Ato Adicional, no primeiro reinado 58 impostos que correspondiam às rendas provinciais foram
contabilizadas em favor da coroa. p. 64-65.
114
CARVALHO, José Murilo de. Op. Cit., p. 244. O governo central para cobrir os custos recorria a
empréstimos internos e externos.
incluir o imposto territorial que recairia em todos os proprietários rurais, mas a falta de
cadastramento rural dificultou a arrecadação.
115
Outra tentativa de aumentar as receitas públicas do País foi o imposto pessoal
(imposto de renda), porém, abolido em 1862.
116
O registro do imposto sobre as cimas urbanas, atualmente denominados de
imposto predial, se comparado ao imposto territorial, recaía nos cofres públicos de
maneira mais fácil devido à forma de cadastramento gerava conflitos entre governo
provincial e grandes proprietários ocasionando, inclusive, um ônus político.
117
Esse
imposto era contabilizado pelo coletor, e recaía na contabilidade da Província
demonstrando a estratégia tributária do governo central e em parte a limitação
administrativa da Câmara Municipal.
Segundo Amed e Vergueiros, os impostos cobrados nos municípios variavam de
acordo com a província a que pertenciam, sendo que o governo provincial definia os
tributos a serem cobrados tanto pelo município quanto pela província. Para
exemplificar, tomamos os produtos alimentícios produzidos à época para o
abastecimento de Vila Maria do Paraguai, tais como: arroz, feijão, milho, farinha de
mandioca, açúcar, toucinho, carne seca, rapadura e queijo.
118
Segundo Joaquim
Ferreira Moutinho, os preços desses produtos, eram: o alqueire de milho por 5, 6 até
10$000, um dito de feijão por 9, 10 até 16$000; um dito de arroz por 11, 12 até
18$000; uma arroba de açúcar 20$000; uma canada ou 40 garrafas de cachaças
40$000; uma garrafa 1$500; uma vara de fumo 2, 3 e 4$000; uma arroba de café 24,
26 e 30$000.
119
Esses produtos geravam impostos contabilizados pela província, pois
os moradores de Vila Maria pagavam a dízima. As meias sisas de escravos ladinos
também eram impostos recolhidos pelo governo provincial.
120
Esse tipo de imposto
consta na documentação registrada pela coletoria e, conforme podemos observar, João
115
Idem. Op. Cit., 245
116
FERREIRA, Benedito. Op. Cit., p. 65. O imposto de renda foi incluso nos orçamentos públicos
somente no período republicano.
117
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 163.
118
Livro da coletoria sobre produtos alimentícios da Vila Maria de 1860-1880. Cuiabá: APMT.
119
MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Notícia sobre a província de Mato Grosso seguida de um roteiro da
viagem da sua capital a São Paulo: Typ. Henrique Schoreder, 1869. p. 31. Os valores que o autor trata e
de que trataremos a seguir refere-se a réis.
120
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 169-170. Os proprietários ao matricular seus escravos, obtinham
uma espécie de certificado oficial que legalizava sua propriedade, em uma verdadeira operação de
“lavagem.”
Leite da Silva Freire pagou meia sisa correspondente a 800$000 porque comprou de
Jose Dulce e Francisco Villa uma escrava de nome Luzia, e matriculada sob nº 396.
121
Pelos mapas das receitas e despesas do município de Vila Maria do Paraguai,
vemos que os impostos mais recolhidos pelo município e eram exportados para
outras províncias os que arrecadavam sobre produtos como a aguardente, couro,
carne de gado e a poaia,
122
No caso da poaia, segundo o cronista Joaquim Ferreira Moutinho, por arroba
pagava-se em Vila Maria 65$000réis e de frete 12 a 14$000réis por arroba, sendo
vendida no Rio de Janeiro a 3$600 a libra
123
. Na visão de Francis Castelnau, o preço
da arroba da poaia no Rio de Janeiro era de 850réis, e na década de 1830 o preço desse
produto se comparado a épocas anteriores, ainda deixava boa margem de lucros.
124
Quanto ao gado vacum, pagava-se em Vila Maria por cabeça o imposto de 600réis e
65$000 e de frete 12 a 14$000 vendida no Rio de Janeiro a 3$600 a libra. Quanto ao
gado vacum pagava-se em Vila Maria por cada cabeça o imposto de 600réis e pela
canada de aguardente o imposto de 200 réis.
125
Todos esses produtos provinham das
propriedades rurais existentes em Vila Maria do Paraguai.
Mesmo com todo o aparato fiscal e reformas tributárias criados pelo governo
imperial muitos impostos cobrados pela Câmara de Vila Maria, podiam escapar ao
controle do aparelho fiscal. As protelações de pagamentos de impostos indicam muitos
moradores inclusos na vida ativa do município e, dentre esses, os vereadores, sendo
que outros simplesmente escapavam ao pagamento. Essas vivências multiformes que
teciam os lugares da cidade
126
demonstram que embora existisse, o controle fiscal
podia falhar. Tomamos como exemplo o fato ocorrido em 1875, quando os
vereadores da Câmara municipal de São Luis de Cáceres observaram que o
comerciante José Dulce deixava de cumprir com o pagamento do imposto do couro do
gado produto exportado para outras regiões do país pela navegação fluvial após
121
No Livro da Coletoria de Vila Maria de 1879, constam as receitas recolhidas como o imposto urbano
e a lista dos gêneros alimentícios. Cuiabá-MT: APMT.
122
MORAES, Cleonice Aparecida de. História e Trajetória: um estudo sobre o cotidiano dos poaeiros de
Barra do Bugres (1930-1960). Dissertação de Mestrado. Cuiabá-MT: UFMT, 2004. p. 34. A poaia é
também conhecida como Ipeca (Cephalis Ipecacuanha); planta rasteira da família das rubiáceas cujas
raízes tem alta concentração da emetina, um alcalóide muito utilizado na composição de diferentes
medicamentos, como xaropes, pastilhas, pílulas, pós-vomitório, chás e infusões. Essa planta é também
utilidade no sistema respiratório e digestivo.
123
MOUTINHO, Joaquim. Ferreira.Op. Cit., p. 28.
124
CASTELNAU, Francis. Op. Cit., p. 422.
125
Livro de receitas e despesas de Vila Maria do Paraguai. 1860-1865. APMC: Cáceres.
126
CERTAU, Michel. A invenção do cotidiano 1: Artes de Fazer. Op. Cit., p. 176.
1870.
127
Outra demonstração que indica o que hoje chamamos de “atravessadores”
consta numa ata de 1883, quando os vereadores de Vila Maria, comunicavam ao
presidente de província que as mercadorias provenientes da Bolívia eram vendidas a
residentes da cidade que comercializavam o produto no mercado de exportação sem o
devido imposto, prejudicando assim, a receita do município. Dessa forma apelavam
os vereadores de Vila Maria do Paraguai :
[...] muito tem prejudicado a receita municipal, [.] para diminuir o
abuso, deve ordenar ao seu procurador que
não
ponha o visto nos
aludidos sem exigir o que os couros que os acompanham lhe sejam
manifestados na ocasião de terem aqui entrado a fim de verificar se,
confirma com o número indicado.
128
Os demais impostos recolhidos pela Câmara estavam prescritos nas posturas
municipais sancionadas pelo presidente de província.
129
Tais impostos referiam-se às
concessões de lotes urbanos, licenças para casas de negócios e as infrações que
também geravam arrecadações. No sentido de investigarmos de que forma a Câmara
de Vila Maria interferia na vida dos moradores, que estratégias utilizava para governar
a cidade, quais as formas de arrecadar as rendas, e quais impostos eram recolhidos, é
que procuraremos avançar na leitura das receitas e despesas da Câmara Municipal de
Vila Maria no período ora em estudo.
1.2- Receitas Diretas
Como dissemos, dentre as múltiplas funções administrativas da Câmara
municipal, sobressaíam a cobrança e a fiscalização dos impostos como prerrogativas
que possibilitavam a manutenção do gerenciamento do município. Por receitas diretas
denominamos as arrecadações cobradas pelos funcionários nomeados pela Câmara.
Eram várias as arrecadações que compreendiam as receitas diretas da Câmara de
Vila Maria do Paraguai no culo XIX tais como: aferições de pesos e medidas;
licenças para tirar esmolas; concessões de terrenos; multas aplicadas a vereadores que
faltassem às sessões camarárias; multas para quem não tivesse obtido a licença para
abrir “casa de negócio”; licença para o funcionamento de matadouro particular; imposto
sobre cada couro do gado vacum; imposto sobre a poaia; imposto sobre construção de
127
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1875). APMC: Cáceres.
128
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1883). APMC: Cáceres.
129
Sobre a cobrança desses impostos serão mencionados mais adiante, no Capítulo 3.
edifícios; imposto sobre os moradores que possuíam tabuleiros e vendiam gêneros
alimentícios pela vila; taxas para licenças policiais; imposto sobre a aguardente e
impostos sobre chancelarias.
130
Dessa forma, o mercado econômico, o controle sobre os
homens e sobre o espaço físico da vila regulados pela Câmara evidenciam alguns
aspectos sobre as atividades comerciais bem como as rias formas de atividades da
administração pública municipal.
Um exemplo de intervenção da Câmara Municipal no mercado econômico
estava nas aferições. “Aferir”, significava conferir os pesos e medidas
131
, de acordo com
os padrões da Câmara.
“Aferir” também compreendia averiguar as cobranças que recaíam sobre os
moradores, associadas às licenças para o exercício de profissão e comércio e dos foros
decorrentes da utilização dos bens e imóveis da Câmara como terras, casas e
estabelecimentos comerciais
132
entre outros. Nas atividades comerciais, os produtos
alimentícios normalmente passavam pelas aferições, além das licenças para os
exercícios de ofícios, ou aquelas destinadas ao exercício das atividades comerciais.
A função de aferir, de acordo com o sistema de pesos e medidas, cabia ao fiscal
da Câmara, que deveria visitar as casas de negócios
133
três vezes ao ano, de três em
três meses, ou quando achasse conveniente. Após as visitas, esse funcionário deveria
relatar à Câmara os procedimentos adotados durante a fiscalização. Tal regra se o
fosse cumprida, cabia aplicação do estatuto que prescrevia prisão e multa de
12$réis
134
. No século XVIII, essa função era do almotacé,
135
cargo extinto no século
XIX.
Acompanhando o fiscal nessa atividade estava o escrivão, que registrava todas
as licenças concedidas ou as cobranças das multas. Em algumas províncias as aferições
130
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai (1860). APMC: Cáceres.
131
SOUZA, Avanete Pereira. Op. Cit., p. 147.
132
Idem. Ibidem. p. 147.
133
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai (1860). Capítulo II, Artigo 14. APMC: Cáceres.
134
Idem. Op. Cit..
135
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Almuthasib - Considerações sobre o direito de almotaçaria nas
cidades de Portugal e suas colônias. In: Revista Brasileira de História – Espaços da Política. Volume: 21.
42. ANPUH. São Paulo: Humanitas, 2001. p. 391. A palavra almotaçaria foi usada desde a Idade
Média, tanto em sentido geral para designar a atribuição, ou seja, as atribuições, quanto em sentido
particular para designar as atividades mais correntes do almotacé e depois da Câmara em relação ao
abastecimento das cidades. Almotaçar era fiscalizar o comércio ou garantir que todos pudessem encontrar
alimentos no mercado, ou ainda tabelar preços.
poderiam ser feitas pelas arrematações o mesmo que rendas cobradas por pessoas que
não eram funcionários da Câmara.
136
As infrações, como podemos observar na documentação, acabavam gerando
rendas para a administração pública da localidade.
Os Estatutos de Vila Maria do Paraguai de 1860 e de 1888, prescreviam
punições para a venda de produtos estragados com multas de 12$réis; venda de
produtos sem pesos e medidas com multa de 20$réis; venda de produtos sem licença
da Câmara, com multa de 12$réis; falsificação dos pesos e medidas com multa de
20$réis; venda de produtos sem o regimento na porta do estabelecimento comercial
com multa de 20$réis.
137
Importante lembrar que a existência de um estatuto não
garantia que todos os proprietários das casas de negócios cumprissem com as
normativas prescritas
Além das licenças para os exercícios de ofícios, ou das destinadas ao exercício
das atividades comerciais, havia uma outra forma de arrecadação que eram as licenças
concedidas para as construções públicas e privadas .
Uma das maiores fontes, dizia respeito às concessões de terrenos urbanos,
também chamados por aforamentos. Em outras palavras, competia à Câmara demarcar
o espaço de uso comum e de toda a área do município, era preciso que o morador
tivesse a licença da Câmara. Segundo Carlos Alberto Rosa, o padrão ordenador dos
ambientes urbanos coloniais era extraído das Ordenações do Reino e das normas
eclesiásticas e operacionalizado pelas Câmaras.
138
Dessa forma a cobrança de foros não
era uma política inovadora do século XIX, pois já existia nos séculos anteriores.
Com relação às arrecadações da administração municipal no século XIX, Maria
Sylvia de Carvalho Franco, define que os órgãos municipais estavam muito próximos de
miséria completa, pois a própria política financeira do Império na urgência de fornecer
meios para o governo central, a forte concentração de rendas públicas que realizou
tornou ainda mais desprovidos os já parcos cofres municipais.
139
1.3- Receitas Indiretas
136
A Assembléia provincial de o Paulo propunha que o município de Jacareí aumentasse suas rendas
por meio das arrematações das aferições. In: DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., 2005. p. 202.
137
Idem. Op. Cit., p. 170.
138
ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Naúk. Op. Cit., p. 17.
139
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho.Op. Cit., p. 126 a 128.
Outra intervenção que podia ser utilizada pela Câmara eram as receitas
indiretas, cobranças arrecadadas por aqueles que não eram funcionários da Câmara
mas que podiam executar a função pública contabilizando impostos aos cofres do
município. Em outras palavras, isso significava que a Câmara “terceirizava” essa
atividade para os rendeiros
140
. Essas receitas eram arrecadadas por meio de contratos de
arrendamentos, relativos a alguns impostos que recaíam sobre as atividades do
comércio e do consumo dos gêneros alimentícios.
Segundo Avanete Souza, no Brasil colonial tais receitas foram utilizadas pela
Coroa portuguesa devido a vastidão territorial. A cobrança de tributos e prestação de
serviços exigia do Estado português e de suas instâncias locais, constante vigílância
para manter o controle da situação. Para a autora, isso ocorria porque os órgãos da
administração municipal não possuíam organicidade e estruturas firmes para a eficiência
do processo de cobrança e de vistoria dessa forma de arrecadação de rendas.
141
Virgílio
Correa Filho, aponta que na província de Mato Grosso a Lei orçamentária de 1835
previa as “arrematações”, feitas pelas contratações que nem todos os impostos seriam
facilmente cobráveis.
142
Para Amed e Plínio Vergueiros, as formas de cobranças de
impostos do governo imperial eram variadas e confusas como as “arrematações” uma
espécie de contrato que dificultava a fiscalização e a previsão orçamentária que era
feita por ano.
143
Miriam Dolhnikoff, também aponta a deficiência da máquina
administrativa do governo central e com a divisão de competências entre centro e
província, cada qual estabelecia a tributação e com os rendimentos investiam nas
obras públicas que consideravam prioritárias.
144
Observamos nas atas da Câmara Municipal de Vila Maria que existiam
determinadas arrecadações restritas a algumas pessoas, o que podia revelar uma certa
facilidade para obtenção de monopólios pelos contratos denominados de termos de
arrematação. Um exemplo de contrato de arrematação que indica a monopolização, foi
o pedido de contrato de 1863, para o abastecimento de água por 30 anos em Santa Cruz
140
SOUZA, Avanete Pereira. Op. Cit. , p. 140.
141
Idem. Ibidem. p. 174.
142
CORREA FILHO, Virgílio. Monografias cuiabanas. Cuiabá-MT: Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso, 2002. p. 83.
143
AMED, Fernando José & VERGUEIROS, Plínio José Labriosa de Campos.. Op. Cit., p. 221-222.
144
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 158.
de Corumbá (atualmente Corumbá), proposto por um negociante estabelecido em
Montevidéu.
145
Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, devido à falta de recursos os vereadores
emprestavam dinheiro à Câmara, empregavam seus próprios recursos no reparo ou na
realização de obras públicas, possibilitando preservar a sua própria propriedade.
146
Observamos que em Vila Maria não encontramos pistas que revelassem o emprego de
recursos privados no patrimônio municipal financiados pelos agentes da Câmara. A
arrematação não era um privilégio da Câmara de Vila Maria, pois em outras províncias,
como a de São Paulo e de Pernambuco também havia contratos de arrematações.
147
Em Vila Maria, os contratos oficializados com os arrematantes, geralmente
apontam contratações feitas para as mesmas pessoas e essas, quando contratadas, não
exerciam cargos de governança camarária. Também mediante a documentação em
análise observamos que grande parte dos contratos efetuados entre a Câmara
Municipal de Vila Maria com os arrematantes ocorreram nas décadas de 1880.
Os contratos de arrendamentos das receitas de Vila Maria são referentes a
construções de pontes e de estradas, de gado vacum e a fornecimento de alimentação
aos presos. Na capital da província de Mato Grosso as obras públicas como as calçadas
das ruas podiam ser arrematadas.
148
Em janeiro do ano de 1886, o “cidadão” José Pio Vieira compareceu à Câmara
Municipal de Vila Maria para arrematar o contrato de gado vacum, orçado pela Câmara
no valor de 80$000réis e o lance ofertado para tal concessão foi no valor de
50$000réis.
149
O procedimento para que tal ato se realizasse em sessão camarária dar-se-ia da
seguinte forma. O interessado comparecia no local e o porteiro lia em voz alta sobre
determinado contrato e declarava o lance dado. Esse procedimento de apregoar era
uma prática constituída no século XVIII pela intervenção do porteiro
150
. No ano de
1886, José Pio Vieira foi a pessoa interessada que compareceu á sessão camarária para a
arrematação do contrato de gado e o porteiro Manoel João Leite leu em voz alta o
145
Relatório do Presidente de província de Mato Grosso. 1863. Herculano Ferreira Penna. 08.02.1862 a
12.05.1863. APMT: Cuiabá.
146
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Op. Cit., p.131-132
147
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 177-201.
148
Relatório do Presidente de província de Mato Grosso de 1860. Antonio Pedro de Alencastro.
13.09.1859 a 08. 02.1862. APMT: Cuiabá.
149
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres. (1886). APMC: Cáceres.
150
SOUZA, Avanete Pereira.. Op. Cit., p. 164.
contrato por treze vezes, declarando a contratação. Vejamos como consta em ata esse
referido contrato:
Aos vinte e um dias do mes de janeiro de oitocentos e oitenta e seis no
paço da Câmara Municipal d’esta cidade de São Luiz de Cáceres, as
onze horas da manhã apresentou o cidadão José Pio Vieira, convidado
por edital expedido por esta Câmara a respeito da arrecadação do
direito de cabeça de gado vacum que entra para o consumo.
151
Quanto à forma de pagamento, este era estabelecido em duas parcelas, uma no
mês de junho e outra em dezembro. Assim consta no documento: Pelo que obriga o
mesmo arrematante cidadão Pio Vieira a entrar para o cofre da Câmara com a supra
mencionada quantia em duas prestações sendo uma em trinta de junho e outra em
dezembro.
152
Outro tipo de arrematação datada de 1886 e localizada na documentação que
corresponde à renda pública, era o fornecimento de alimentos aos presos da cadeia
pública de Vila Maria. Na ocasião em que houve essa licitação, foram apresentadas
duas propostas, uma de Dona Izabel Francisca do Sacramento e a outra de Maria
Carolina de Moraes. A contratada foi Maria Carolina de Moraes, com parecer unânime
dos vereadores. Interessante que no ano de 1885, Maria Carolina havia sido
contratada para fornecer gêneros alimentícios aos presos e, de acordo com os
vereadores, Maria Carolina tinha a proposta de fornecer a alimentação no valor de
0,$270réis ao dia a cada preso, não sendo mencionada na documentação a proposta de
Izabel Francisca. Nos termos do contrato das partes interessadas constava:
Fornecer uma ração em generos alimentícios cosidos, e de boa qualidade
que constitui almoço o qual terá lugar as dez horas da manhã mais ou
menos e antes desta refeição, obriga-se a dar a cada um dos ditos presos,
um pão de trigo com uma tigela de mate adoçado. A mesma fornecedora
obriga-se no presente contrato durante o corrente ano, sem direito de
fazer reclamação alguma e a câmara municipal obriga-se a
indenização da referida quantia de duzentos e setenta reis diários a cada
prezo, sendo o pagamento feito no fim de cada mes
153
[...]
Notamos porém fato interessante: no ano de 1880 o Chefe de Polícia da
província de Mato Grosso, João Maria Lisboa, enviou à Câmara de Vila Maria uma
correspondência informando aos vereadores que os presos da cadeia blica haviam
feito uma petição reclamando sobre a falta de alimentação.
151
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC: Cáceres.
152
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC: Cáceres.
153
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC: Cáceres.
Outra contratação feita pela Câmara que ficava por conta do arrematante era a
construção de pontes. Em várias atas dos anos de 1882 e 1883 é apontado esse tipo de
acordo financeiro entre as partes interessadas. Vale ressaltar que nas construções de
pontes ocorridas na década de 1880, localizamos o arrematante José Maria de Pinho,
que já havia exercido o cargo de vereador dessa cidade. Verificamos que José Maria de
Pinho possuía vários contratos com a Câmara, e que no ano de 1883, foram concluídas
as construções de cinco pontilhões. Pontes e estradas eram alvo das atenções dos
governos provinciais, e podiam ser rendas arrematadas. As estradas e pontes meios
pelos quais se escoavam a produção do território para o mercado exportador e
importador, possibilitavam a expansão econômica da província, aumentavam as
rendas possibilitava a circulação de idéias e de produtos, viabilizando a política do
Estado Nacional.
154
Ao que indica a ata de 1883, o valor da arrematação referente a uma das
parcelas pagas ao contratante pelo serviço realizado totalizava-se em 1666$666réis: a
atual municipalidade recebeu de seus antecessor o cofre sem dinheiro algum está por
tal motivo inibido de fazer qualquer pagamento avultado como é o que reclama V. S.
cuja importância sobre a 1666$666réis.
155
Nesse documento ainda consta também que
o empresário José Maria solicitava a segunda parcela pela construção da obra.
Uma outra obra pública que podia ser arrematada dizia respeito à limpeza de
estradas e aqui citamos a estrada que ligava a parte urbana da vila a fazenda nacional da
Caiçara.
156
Vale lembrar que ao governo central cabia a manutenção das estradas que
interligavam províncias e ao governo provincial cabia a construção e manutenção de
estradas da província.
157
Para vistoriar as obras públicas que haviam sido arrematadas
era nomeada pela Câmara Municipal uma comissão composta por três pessoas.
Esses contratos demonstram não as formas de aquisição de rendas públicas
por parte da administração pública, mas também os privilégios concedidos e as
maneiras como os homens e mulheres conviviam no cotidiano da cidade por meio das
atividades econômicas e do aparelho fiscal do município. Mas, se havia uma
arrecadação que gerava receitas para a Câmara Municipal de Vila Maria, faz-se
necessário apontarmos as despesas.
154
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 176-178.
155
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1883). APMC: Cáceres.
156
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC: Cáceres. A distância do rio Paraguai
por água até a boca do braço chamado de Caiçara fica distante da Vila uma légua e um quarto,
correspondente a 30 km. In: CASTELNAU. Francis. Op. Cit., p. 424-425.
157
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 159.
1.4- As Despesas Camarárias
As fontes que se referem às despesas públicas de um determinado período e num
determinado espaço indicam ações do governo local e nos possibilitam analisar de que
forma o público era gerenciado na vila em estudo.
Para tanto, ao falarmos das despesas camarárias, é necessário apontar quais eram
os investimentos públicos feitos no espaço urbano, ou ainda que serviços os vereadores
de Vila Maria do Paraguai prestavam aos moradores da cidade.
No período colonial, em Salvador, os gastos de natureza como o pagamento de
salários, por exemplo, pareceram ser sempre muito mais elevados que os investimentos
em uma política de defesa do “bem comum”
158
.
Para José Murilo de Carvalho, os gastos por parte da corte imperial com
funcionários público eram feitos de forma desproporcional com relação às tarefas
administrativas que executavam, dando origem ao parasitismo e ao custo exagerado
com o funcionalismo.
159
Na província de Mato Grosso, na primeira metade do século XIX, um dos
gastos que oneravam os orçamentos era o pagamento feito aos funcionários da
administração civil, aos religiosos e aos militares
160
. As despesas com os salários dos
funcionários dessa Câmara são apontadas em todos os orçamentos. Como exemplo
observamos aqui: em 1864 era pago ao secretário 300$000réis, ao fiscal 300$000réis,
comissão ao procurador 214$524 e ao porteiro 100$000.
161
Tais pagamentos feitos a
esses funcionários eram autorizados pela Lei de 1828 e pelos estatutos de Vila Maria do
Paraguai aprovados pela Assembléia Provincial. Por vezes, os gastos com funcionários
sobrepunham-se aos gastos realizados com investimentos urbanos. Á exemplo, no ano
de 1877 percebemos na relação de despesas camarárias que o valor gasto com os
pagamentos dos funcionários foi maior que os gastos feitos com as obras públicas. Os
gastos com obras públicas no ano de 1877 totalizava em 153$204réis e as despesas
com pessoal da Câmara, 872$935réis.
162
Entre as despesas camarárias de Vila Maria, encontravam-se a iluminação
pública, limpeza de ruas e drenagem de esgotos, a ponte do sangradouro (localizada nas
158
SOUZA, Avanete Pereira. Op. Cit., p. 201.
159
CARVALHO, José Murilo de.. Op. Cit., p. 150.
160
GARCIA, Romyr Conde. Op. Cit., p. 284.
161
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864). APMC: Cáceres.
162
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1877). APMC: Cáceres.
proximidades da rua da Manga,
163
gastos com a folha de pagamento dos funcionários,
velas para cadeia pública, pequenos consertos na cadeia, livros para o expediente da
Câmara, armários para o arquivo, reformas da Matriz, da casa da Câmara e da cadeia
pública e, inclusive, despesas com serviços prestados por escravos e livres pobres.
Quadro 2- Receitas orçada e realizada para pagamentos de Funcionários da
Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai - 1864
RECEITAS ORÇADA REALIZADA
1- Ordenado ao secretário da
Câmara
300$000 300$000
2- Gratificação ou fiscal 300$000 159$163
3- Comissão ao procurador 214$524 157$354
4- Ordenado ao porteiro 100$000 100$000
Fonte: Livro Ata de 1864 em sessão extraordinária do dia 11 de março de 1864. Paço da Câmara
Municipal de Vila Maria do Paraguai - MT.
Nos serviços de limpeza pública, a Câmara municipal de Vila Maria podia
contratar na condição de diaristas em serviços eventuais, os presos e pessoas sem
“agência”, ou seja, aqueles que não possuíam ofício, dentre esses, uma parcela de
homens e mulheres livres pobres e escravos urbanos
164
. Geralmente, as pessoas
contratadas estavam inclusas principalmente nos serviços de limpezas de ruas e esgotos,
pequenos consertos na cadeia e, inclusive, nas reformas no prédio da Câmara. Um
exemplo de pagamento está nos recibos feitos aos escravos da seguinte forma: 5 dias
de serviço ao escravo Valentim, 4 dias de serviço ao escravo Pedro no valor de
14$000réis do senhor José G.de Arruda sendo um procedendo a limpeza de esgoto e
outro procedendo o desvio das águas na barranca do rio.
165
Para citar um outro
exemplo de pagamento sobre os serviços públicos da vila, apresentamos o pagamento
efetuado a José Saturnino: Recebi do Sr. Procurador da Câmara a quantia de
163
Atualmente rua Quintino Bocaiúva.
164
ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre. Ministério da
Fazenda. Departamento de Administração. Brasília-DF: 1984. p. 43. O preço de um escravo nos anos de
1840 era de 600$000. Acrescenta-se que o salário do Secretário da Câmara Municipal de Vila Maria do
Paraguai ano de 1864 era de 300$000, equivalente à metade do valor do preço de um escravo. Sobre os
escravos de ganho ver VOLPATO, Luiza Rio Ricci. Op. Cit., p. 141.
165
Recibo pago pela Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai a José G. Arruda referente aos
serviços prestados no cemitério-1887. APMC: Cáceres.
dezesseis mil e quinhentos reis proveniente de meu trabalho como servente nas obras
do cemitério
166
. Assim também foi o caso de Virgílio Araújo, que recebeu em 1887, a
quantia de 12$000 réis referente ao pagamento da pintura feita nas colunas do
Boulevard, na praça da Matriz, atualmente praça Barão do Rio Branco.
Em outras situações a documentação também revela outros tipos de gastos que
expressam uma preocupação com o embelezamento da cidade, como em 1883, quando
foi assentado na praça da Matriz, o marco do Jaurú, símbolo do Tratado de Madri de
1750.
167
Para tanto, o coronel Antonio Maria Coelho, Comandante do distrito militar
no ano de 1880 havia pedido à Câmara o pagamento de 93$975 réis, equivalente ao
gasto com o translado desse marco que, até então, se encontrava nas proximidades do
rio Jaurú. Na ocasião em que Antonio Maria Coelho pediu a restituição à Câmara os
vereadores ficaram em dúvida esperando uma decisão do presidente de província, pois
argumentavam que embora o monumento representasse os limites da possessão
portuguesa e espanhola, este não era de origem Brasileira.
168
Assim consta na
documentação:
Esta Câmara tem a honra de acusar o recebimento do ofício que V. S em
data de ontem se dignou dirigi-lo no qual manifestou a idéia que concebe
o de colocar na praça da igreja Matriz desta cidade o marco que outrora
se destinou para marcar o limite da possessão Portuguesa e Espanha
nesta parte da América. A mesma Câmara conhecedora do gênio
patriótico dos desejos de todo e qualquer melhoramento, assim como o
formoseamento dos pontos que reside não pode ela furtar-se de louvar a
V.S por tão nobre sentimento mas não sendo aquele monumento de
origem Brasileira, individe ela que não deve ser posto na praça.
Entretanto, não querendo que prevaleça sua idéia a tal respeito vai esta
data consultar a
Exmº
presidente e de sua resposta dará ciência a V.S.
169
Outros gastos feitos pela administração municipal referem-se às celebrações
religiosas, como por exemplo, quando no ano de 1880 o presidente de província de
Mato Grosso, Rufino Enéas Gustavo Galvão, conhecido como Barão de Maracajú,
166
Recibo pago pela Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai a José Saturnino, referente aos serviços
prestados no cemitério-1887. APMC: Cáceres.
167
FILHO GOES Synésio Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas; um ensaio sobre a formação
das fronteiras do Brasil. Matins Fontes. São Paulo. 1999. p. 164 a 170. . Em linhas gerais o Tratado de
Madri representou no período colonial áreas legalizadas pelos portugueses como Rio Grande do Sul,
Mato Grosso e Amazônia.
168
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1880 e 1883). APMC: Cáceres.
169
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1880). APMC: Cáceres.
esteve em São Luis de Cáceres e na ocasião, a Câmara contratou Sebastião Pinto de
Moraes, mestre de música para cantar o Te Deum Laudamos, na igreja Matriz.
170
Observamos um aspecto interessante ocorrido no ano de 1885: o francês Félix
Bosse foi contratado como empreiteiro das obras da Câmara por um valor que
correspondia a 4.550$000 réis. Na ocasião foi pago a esse francês a prestação do
contrato feito entre os interessados no valor de 1.000$000réis.
No entanto, observamos que o valor pago ao francês é maior, se comparado com
todas as despesas feitas pela Câmara, no ano de 1882 cujo valor foi de 3.400$000.
Além disso, na relação de despesas desse mesmo ano, são mencionados sem
especificação os gastos com obras públicas o que pode denotar certa desconfiança pela
forma como ocorrera a aplicabilidade e condução dos recursos investidos.
Observamos que, os recursos que foram solicitados para a reforma da casa
da Câmara desde 1860, fora concretizado somente no ano de 1886.
171
Pelos orçamentos apontados no quadro que segue, percebemos que as receitas e
despesas apresentam um certo equilíbrio, especificadamente nas décadas de 1870 e
1880, ou seja, as receitas e despesas não apontam tamanha proporção de déficits o que
não significa que os recursos arrecadados cobrissem todas as demandas do município.
Possivelmente o clamor dos vereadores pela falta de recursos fosse também uma forma
de chamar atenção do governo provincial para que fosse dada maior atenção às
necessidades administrativas de Vila Maria do Paraguai quando ocorresse a
distribuição dos repasses de recursos aos municípios. Se a falta de recursos era
freqüente nos discursos dos vereadores estes também denotam ambigüidades, pois os
investimentos urbanos apresentados na documentação da Câmara de Vila Maria, não
apresentam propostas políticas diferenciadas senão aquelas que os oficiais camaristas
consideravam as mais urgentes e necessárias tais como: abertura e limpeza de ruas, a
construção da ponte do sangradouro, reformas da Matriz, reforma da casa da Câmara e
da cadeia pública.
172
170
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC: Cáceres.
171
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1886). APMC. Cáceres.
172
Sobre esse assunto falaremos no Capítulo 3.
Quadro 3- Tabela de Receitas e Despesas da Câmara Municipal de Vila Maria
do Paraguai (1860-1882)
ANO RECEITAS DESPESAS SALDO
1860 1.408 $234 1.403 $237 + 0.004 $997
1861 1.422 $249 1.427 $258 - 0.005 $009
1862 1.760 $400 1.583 $545 + 0.176 $855
1863 2.260 $800 2.260 $899 - 0,000 $099
1864 1.053 $000 - -
1865 2.524 $200 1.571 $580 + 0,95$262
1877 2.014 $155 2.014 $155 0
1878 3.812 $940 2.969 $000 + 0.84$394
1882 3.411 $309 3.411 $309 0
FONTE: Livros Atas da Câmara Municipal da Cidade de São Luiz de Cáceres: 1860, 1861, 1862, 1863,
1864,1865, 1877, 1878, 1882. APMC: Cáceres-MT.
173
Ao investigar os relatórios dos Presidentes de Província, observamos os
argumentos dessas autoridades com relação aos recursos dos municípios, pois assim
dizia o presidente Herculano Ferreira Penna em 1862:
Com os relatórios das Câmaras municipais são presentes os balanços de
receitas e despesas e nesses documentos vereis mais uma vez repetidas as
provas de um fato, que tendes conhecimento, isto é, quando não
uma
dessas corporações que não levante a impossibilidade de
promover os melhoramentos que seus munícipes reclamam por falta de
meios pecuniários.
174
Nos relatórios dos presidentes de província de Mato Grosso, os orçamentos da
província, também apresentavam saldos positivos embora as autoridades do governo
provincial constantemente também relatassem que as receitas fossem diminutas.
Consta no relatório de 1860: He próspero o estado financeiro da província, com quanto
ainda seja diminuta a sua renda em relação as suas multiplicadas necessidades.
175
Não
sabemos se de fato as receitas do governo provincial de Mato Grosso eram suficientes
para atender todas as demandas das freguesias, vilas e cidades da província. Para
Miriam Dolhnikoff, nas províncias de São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco as
arrecadações atendiam suas demandas.
176
Feita a exposição sobre a função e atribuição da Câmara Municipal
de Vila Maria do Paraguai e da forma como se sucedia a montagem do
aparelho fiscal da localidade em estudo, com prioridade para as receitas e despesas,
173
Os dados em série não foram localizados, e os de 1864 estão incompletos.
174
Relatório do Presidente de província Herculano Ferreira Penna de 1862. APMT: Cuiabá.
175
Relatório do Presidente Província Antônio Pedro de Alencastro (1860). APMT: Cuiabá.
176
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 161.
passaremos para a análise da composição administrativa de Vila Maria do Paraguai,
conforme segue no próximo capítulo.
CAPÍTULO II
Eu farei de minha parte o que
alcançar a minha fraca inteligência e
desde já peço desculpa de alguma
falta que possa cometer seja ela qual
for certifico que não será de minha
intenção.
Ata da Câmara Municipal de
Vila Maria, 1869.
A CONFIGURAÇÃO ADMINISTRATIVA DA CÂMARA
MUNICIPAL DE VILA MARIA DO PARAGUAI
Para uma melhor compreensão dos cargos que compunham a administração
camarária de Vila Maria do Paraguai, apresentaremos as funções e quais os lugares
que as pessoas ocupavam nas instâncias do poder local. Objetivamos também neste
capítulo, destacar alguns aspectos sobre o perfil sócioeconômico dos vereadores e
evidenciar como eram as relações sociais entre os vereadores e demais autoridades
que viviam nesse espaço urbano.
No período colonial, as Câmaras brasileiras possuíam regimentos internos
instituídos pelo Conselho Ultramarino, tornando-se instâncias administrativas de uma
determinada vila ou cidade
177
. No império, como já referido, os estatutos das
Câmaras foram criados pela Corte, com a Lei de 1828 legitimadora da função da
administração municipal nas Províncias, bem como das funções daqueles que iriam
compor os cargos administrativos.
As pessoas nomeadas, ou eleitas pela Câmara, eram os vereadores, fiscais,
escrivães, procuradores e porteiros. A referida Lei ainda legitimava o processo
eleitoral, a aplicação das rendas, regulava o mercado econômico, estabelecia o sistema
de pesos e medidas. A partir do Ato Adicional de 1834, a Assembléia Legislativa
passou a autorizar as nomeações dos funcionários que compunham a administração
municipal, conforme trataremos mais a frente.
No âmbito das Câmaras
municipais do Império brasileiro, ocuparam destaque
os vereadores considerados ”cidadãos ativos”. Esses podiam votar e serem eleitos para
representar o poder público local, desprovidos de remuneração.
A Constituição de 1824, estabelecia que os homens livres com “renda por bens
de raiz” podiam ser admitido nos cargos públicos civis, políticos, ou militares.
178
Segundo Ilmar Mattos, cidadão, na sociedade escravista do século XIX, era aquele que
pertencia “à boa sociedade”, pois defenderia e expandiria os interesses do governo
central e exerceria o poder e teria prestígio.
179
Fazer parte da boa sociedade” era
participar dos cargos da administração pública local distribuídos por todo o território,
177
PEREIRA, Avanete Souza. Op. Cit., p. 91.
178
CAMPANHOLE, Adriano & CAMPOS, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas S.A,
1986. Artigo 179.
179
MATTOS, Ilmar Rohlof. O império da boa sociedade: a Consolidação do Estado Imperial. São Paulo.
Atual. p. 16.
ou ainda, representar outras instituições públicas, bem como pertencer aos grupos dos
proprietários de terras das vilas da província distantes da Corte. Assim homens livres
com maior poder aquisitivo, podiam pertencer à Câmara de qualquer local do império
brasileiro habilitados a exercer o cargo de vereança. Ser vereador, significava verear,
daí policiar, vigiar, cuidar dos bens públicos.
180
No século XIX, nas vilas e cidades os vereadores eram eleitos em número de
sete e o mais votado assumia a presidência nas Câmaras. Nas atas da Vila em estudo,
são apontadas as assinaturas de quatro vereadores, e como eram eleitos sete, os demais
ficavam na condição de suplentes, sendo muito frequente o suplente assumir o cargo
de vereança já que os vereadores podiam pedir afastamento temporário.
Muitos pedidos de afastamentos identificados na documentação de Vila Maria do
Paraguai, são referentes à saúde e/ou viagens a negócios na capital da província e em
Corumbá.
Esta afirmativa encontra respaldo em uma ocorrência datada de 1863, quando os
próprios vereadores enviaram uma correspondência para o presidente da província
informando e, ao mesmo tempo, criticando, que o orçamento de receitas e despesas para
o ano de 1864, havia demorado devido à constante falta de vereadores nas sessões.
181
Para exercer o cargo de vereador o homem livre deveria residir na província ou no
município. Os eleitos não poderiam deixar de exercer o cargo, embora em Vila Maria
do Paraguai, na década de 1860, tenha ocorrido situação em que um dos vereadores
mediante conflitos e facções internas na Vila, se recusou a permanecer no cargo,
conforme mostraremos mais adiante .
De acordo com a Lei 1828, as eleições para vereadores ocorriam de quatro em
quatro anos, no dia sete de setembro, e os eleitos tomavam posse em janeiro. A data de
sete de setembro não era um mero acaso, a intenção era rememorar a emancipação
política do país.
Enquanto nas vilas e cidades ocorriam eleições para vereadores e juízes de paz,
nas capitais das províncias as eleições também denominadas “eleições gerais” eram
não para vereadores mas para deputados e duravam praticamente o ano inteiro-
tendo início em janeiro com a qualificação de eleitores e término em dezembro, com as
eleições dos deputados. A qualificação de votantes era controlada por uma junta
composta pelo juiz de paz, incluindo o delegado ou subdelegado e o vigário. Essa junta
180
SILVA, Paulo Pitaluga Costa e. As Câmaras de Vereadores no século XVIII. Rio de Janeiro, 2000.
181
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai-1863. APMC: Cáceres.
se reunia uma vez por ano para elaborar a lista de cidadãos da localidade habilitados
para o exercício do voto.
182
Havia ainda na localidade o Conselho Municipal de recursos que avaliava a
lista dos votantes qualificados composto por : juiz municipal, o presidente da Câmara
Municipal e o eleitor mais votado na paróquia cabeça do Município.
183
Segundo Miriam Dolhnikoff, após a qualificação de votantes a mesa eleitoral era
composta pelo juiz de paz e por quatro eleitores do local escolhidos pelos votantes.
Nesse processo eleitoral, segundo a autora, os que compunham a mesa eleitoral
procuravam comprovar se a pessoa que se apresentava para votar constava na lista de
qualificação e podiam alegar que o indivíduo que se apresentava não constava na lista,
ou ainda o indivíduo que não havia sido qualificado podia votar com nome falso.
184
Suzana Rosas, observa que nos processos eleitorais na província de Pernambuco
havia para governistas e oposicionistas muito trabalho e tensão pela frente e as eleições
terminavam quase sempre em confusão, pancadarias, prisões e quebra de urna
185
.
Raimundo Faoro ao referir-se à máquina eleitoral das províncias do Império
brasileiro, cita o escritor José de Alencar que denominou o ato eleitoral de “extorsão da
soberania popular”, pois segundo a argumentação deste escritor, nas urnas estavam as
cédulas pagas à vista ou descontadas com promessas de rendosos empregos e
depreciadas condecorações.
186
Ao que consta na documentação da Câmara Municipal de Vila Maria do
Paraguai, por vezes ocorriam fraudes eleitorais e quando isso ocorria, as eleições eram
prorrogadas para o dia 2 de outubro.
Tanto na província de Pernambuco como em outras províncias, comemorava-se
a posse de quem assumia o cargo, momento em que o governo provincial expunha, em
lugar bem visível de determinado prédio público, o retrato do Monarca.
Segundo Suzana Rosas, na província de Pernambuco ao soberano não faltavam
as homenagens contando de forma geral com a presença de bandas de música; era
comum a população aglomerar-se na Câmara em frente ao busto do imperador.
187
182
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 109.
183
Idem. Op. Cit., p. 108.
184
Ibidem. p. 109.
185
ROSAS, Suzana Cavani. A Conciliação em Pernambuco: A eleição de juiz de paz da Freguesia do
Santo Antonio em 1856. In: Anais eletrônicos: XII Simpósio Nacional de História. ANPUH/UFPB: João
Pessoa-PE, 27-07 a 01-08 de 2003.
186
ALENCAR, José de. O Sistema representativo. Rio de Janeiro: Garnier, 1868. p. 5 Apud: FAORO,
Raimundo. Op. Cit., p. 418.
187
Idem. Op. Cit., p. 2.
Com relação a Vila Maria do Paraguai, não referências na documentação a
respeito de festividade no resultado das eleições.
Empossados no cargo, os vereadores faziam o juramento conforme prescrevia a
Constituição de 1824, no artigo XVII:
Juro aos santos evangelhos desempenhar as obrigações de vereador das
cidades ou vilas de tal [...] de promover quanto em mim couber os meios
de sustentar a felicidade pública depois do que tomarão posse dos
lugares que lhes competem
188
.
Mediante o juramento acima, os vereadores declaravam a intenção de prover o
bem viver dos habitantes da cidade, apesar de não conseguirem concretizar todos os
seus ‘bons desejos’. Um exemplo do juramento permite que percebamos o referido
ritual pelo qual deveria passar todo aquele que fosse tomar posse, constando na ata de
1869: Eu farei de minha parte o que alcançar a minha fraca inteligência e desde já
peço desculpa de alguma falta que possa cometer seja ela qual for certifico que não
será de minha intenção
189
.
Após a posse os vereadores deveriam participar de reuniões que ocorriam a
cada três meses. No caso de faltas e para evitar multas deveriam ser justificadas com
antecedência. Ao consultarmos o primeiro livro de orçamento da vila observamos que a
multa cobrada era de 58$000réis ao vereador José Vilas Boas
190
em decorrência da falta
em várias reuniões, lembrando que nas vilas, conforme a Lei de 1828, o valor
cobrado por cada falta somava 2$000réis
191
As sessões ordinárias, de acordo com a respectiva Lei deveriam ocorrer de três
em três meses, a partir das nove horas da manhã com duração de até quatro horas.
Em Vila Maria do Paraguai, as sessões ordinárias começavam de fato às 9
horas da manhã, e conforme perrogativas a serem resolvidas podiam durar de cinco a
seis dias ou mais, além das sessões extraordinárias. Na documentação da Câmara em
estudo, constam referências, por exemplo, de sessões ordinárias de 1883, com
duração de dez dias, sendo nove dias reservadas para as sessões ordinárias e um dos
dias para a sessão extraordinária.
192
188
Constituição política do Império do Brasil de 1824 in: CAMPANHOLE, Adriano & CAMPOS, Hilton
Lobo. Op. Cit., p.693.
189
Ata da Câmara de Vila Maria do Paraguai (1869). APMC: Cáceres.
190
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864). APMC: Cáceres.
191
CAMPANHOLE, Adriano & CAMPOS, Hilton Lobo. Op. Cit., p. 694.
192
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1883) APMC: Cáceres.
foi afirmado que os vereadores de Vila Maria não recebiam remuneração.
No entanto, vantagens poderiam ser obtidas o que lhes permitia manter certos
previlégios. Como exemplo, citamos as concessões do terrenos urbanos como uma das
possibilidades para que vereadores se tornassem proprietários de imóveis urbanos.
Outro exemplo era o pagamento de impostos, ou seja, muitos vereadores ficavam
inclusos na dívida ativa do município. Ainda observamos que esses homens livres que
ocupavam os cargos de vereança podiam também conseguir outros cargos públicos nas
demais instituições administrativas existentes na localidade.
Nas relações políticas, os vereadores não agiam de maneira isolada, pois uma vez
que dependiam do governo provincial mantinham laços políticos que lhes permitiam
acompanhar os acontecimentos que ocorriam no império, na Corte e na capital da
província de Mato Grosso.
Exemplo de que os vereadores desse local mantinham intercâmbio e franca
comunicação com outras autoridades, refere-se ao envio de felicitações no ano de 1863
por parte da Câmara Municipal de Vila Maria ao Imperador D. Pedro II. Felicitações
aquelas em razão do desempenho do Império brasileiro junto à Questão Christie entre o
Brasil e a Inglaterra.
193
Essas relações políticas com a Corte também eram reforçadas pelos
vereadores da Câmara de Cuiabá, principalmente em datas festivas, pois incentivavam
manifestações à comemoração da independência política do país. Os vereadores
publicavam editais no jornal A Situação, solicitando aos moradores que iluminassem as
frentes de suas, residências como manifestação de júbilos à Coroa imperial.
194
Uma forma de observarmos como os vereadores referiam-se a si próprio pode
ser localizada em uma das atas, quando exaltavam a representatividade dos oficias
camarários:
Não tanto satisfeito esta Câmara com os trabalhos de que tem
apresentar a V. Exª por não sê-la tão completo quanto reclama as
necessidades [...] Tão árdua tarefa, que só poderia ser bem preenchida
193
Idem. Op. Cit. A Questão Christie foi uma questão diplomática, fruto de um conjunto de incidentes
envolvendo o Governo Imperial e britânico, pela atuação do embaixador britânico Willian Dougal
Christie. O imperador D. Pedro II, interviu pedindo ajuda do rei da lgica Leopoldo I; por sua vez, o
governo Britânico se negou a pedir desculpas. Pelas atitudes do embaixador, D. Pedro II decidiu romper
relações diplomáticas com a Inglaterra em 1863. No entanto, em 1865 as relações diplomáticas entre o
Brasil e o governo Britânico foram reatadas. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da
Civilização Brasileira: do Império à República. Tomo II. Volume: 5. São Paulo. Difel. 1985.
194
Jornal A Situação. Nº 49. 5 de setembro de 1869. Microfilme, rolo 34. APMT: Cuiabá.
por homens dotados das luzes precisas para satisfazer a expectativa
dos seus munícipes
195
.
As leituras das atas da Câmara de Vila Maria, indicam e permitem que
percebamos a quais famílias pertenciam os homens que disputavam os pleitos da
vereança e eleitos tais como: Pereira Leite, Jorge da Cunha, Cunha Pontes, Costa
Magalhães, Costa Garcia, Pinho, Porto, Vilas Boas, Santos Araújo dentre outras.
Em uma mesma família podemos constatar que, em épocas diferenciadas,
muitos exerciam o cargo de vereador, por mais de uma vez. Neste caso, destaca-se a
família Pereira Leite: Leonardo P.Leite (1860-1873-1889), José Augusto Pereira Leite
(1864-1865-1881), Luis Benedito P. Leite (1874). Outro exemplo a ser citado é o da
família Jorge da Cunha: Adolpho Jorge da Cunha (1876) e Salvador Jorge da Cunha
(1860-1862-1863-1864)
196
.
Raimundo Faoro afirma que a carreira política era representada pelas
minorias, tópico permitido pelo próprio sistema político.
197
Devido à posição social, muitos vereadores eram padrinhos de batismo de
homens livres e de escravos, pois os laços de compadrio eram formas de estender as
sociabilidades na vida privada de muitas famílias.
198
Para Maria Adenir Peraro, as relações de compadrio na capital da província se
convertiam em um dos elementos fundantes da solidariedade forjada no cotidiano dos
setores mais pobres da população, pois segundo a autora, no período em estudo, os
laços de compadrio também representavam o parentesco espiritual.
199
Os vereadores dessa Câmara exerceram outras funções como, juízes de paz,
comandantes da Guarda Nacional, comandantes do distrito militar, delegados de polícia.
Além de representarem outros cargos administrativos na localidade podiam ser
também proprietários de terras e comerciantes. A exemplo, o vereador Lucidoro Paes
Costa que era comerciante, proprietário de terras e exerceu também o cargo de
delegado de Polícia na década de 1873.
200
Destacamos alguns vereadores que eram
195
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1878). APMC: Cáceres. Grifos da autora.
196
Atas da Câmara Municipal de Vila Maria de Vila Maria do Paraguai (1860, 1862, 1863, 1864, 1865,
1873, 1874, 1876, 1881, 1889). APMC: Cáceres.
197
FAORO, Raimundo. Op. Cit., p. 419 a 425.
198
Informações encontradas nas fontes paroquiais do Centro Diocesano da cidade de Cáceres, 1827-
1880.
199
PERARO, Maria Adenir.. Op. Cit., p. 19.
200
Sobre Lucidoro ver: Livro Orçamentário de Vila Maria do Paraguai, Atas da Câmara Municipal e
Processo crime de São Luiz de Cáceres de 1874. NUDHEO/UNEMAT: Cáceres.
concomitantemente proprietários de terras como: Luis Benedito Pereira Leite, Elesbão
Pinto Guedes, José Maria Villas Boas.
201
As escrituras de terras da década de 1870 da cidade de Vila Maria do Paraguai,
localizadas no cartório do 2º ofício de Cáceres permitem que observemos que alguns
vereadores adquiriam ou vendiam escravos e, nesse caso, citamos como exemplo o
proprietário de terras João Alves da Costa Garcia, que vendeu um escravo para
Malheiros Furtado de Mendonça.
202
Outros exemplos foram os vereadores que
exerceram o cargo de juiz municipal sendo eles: Salvador Jorge da Cunha (1861), João
da Silva Porto (1875) e Antonio Libânio de Barros ( 1874).
Ainda sobre o perfil socioeconômico dos vereadores de Vila Maria do Paraguai,
observamos que alguns podiam ser comerciantes ( de tavernas e lojas) como Salvador
Jorge da Cunha, Francisco Pinto de Arruda, João Alves da Costa Garcia, Antonio
Libânio de Barros, Lucidoro Paes da Costa, João Antonio da Costa Gahiva e João
Carlos Pereira Leite.
203
Além disso, notamos que alguns vereadores de Vila Maria, nas décadas de 1840
e 1850, eram pessoas que possuíam representação política na vila de Poconé.
204
Ocorre que na cada de 1850, a vila de Poconé era a segunda Comarca jurisdicional
da província de Mato Grosso e apresentava o colégio eleitoral mais próximo de Vila
Maria cuja distância no período entre uma vila e outra era de 30 léguas que
correspondia a 180 kms daí o porquê de Vila Maria do Paraguai integrar a Segunda
Comarca da Vila de Poconé.
Na província de Mato Grosso, no início da década de 1850, existiam duas
comarcas jurisdicionais, a de Cuiabá e a de Vila Bela, sendo que a primeira
compreendia o município de Cuiabá e de Diamantino, e a segunda compreendia o
município de Poconé e de Vila Bela.
205
Ressaltamos que no ano de 1858, foi criada
na província de Mato Grosso a terceira comarca com sede na Vila de Miranda,
compreendendo as freguesias de Albuquerque e de Santana do Paranayba
206
201
Livro de notas de nº 1- Cartório do 2º ofício de São Luis de Cáceres (1874-1875). Cáceres.
202
Idem. Op. Cit.
203
Livro de orçamentos de Vila Maria do Paraguai (1860-1865). AMPC: Cáceres.
204
Ata das eleições de Poconé (1843, 1845, 1852, 1859). APNRJ: Rio de Janeiro-RJ.
205
Relatório do Presidente de Província João Manoel Augusto Leverger (1851). APMT: Cuiabá. A
comarca eclesiástica compreendia várias paróquias, também chamadas de vigárias forâneas, governada
por vigários que fiscalizavam administrativamente ao cumprimento das obrigações litúrgicas. In:
SALGADO, Maria da Graça. Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2004. p. 118.
206
Livro de Decretos da Assembléia Legislativa da Província de Mato Grosso no século XIX. IMAL:
Cuiabá.
No cargo de escrutinador na eleição da mencionada vila, no ano de 1845
encontramos Manoel da Costa Magalhães, que exerceu o cargo de vereador, em Vila
Maria do Paraguai, na década de 1860. Estas informações nos possibilitam observar
que alguns desses vereadores podiam até mesmo pertencer a famílias de Poconé e,
com o passar dos anos , tornaram-se moradores de Vila Maria, condição para exercer
o cargo de vereança.
Da mesma forma, no ano de 1845 foram eleitos juízes de paz: João Alves
Ribeiro, João Antonio Cunha Gahiva e João Alves da Cunha. Na condição de
secretários da mesa eleitoral de 1852 localizamos: Salvador Jorge da Cunha e Jose
Duarte da Cunha Pontes. No mesmo ano, no cargo de escrutinador encontravam-se:
João Antonio Cunha Gahiva e Manoel da Costa Magalhães. No ano de 1859 exerceram
o cargo de secretário Francisco Pinto Arruda e Tenente Miguel Alves da Cunha.
Quadro 4- Relação de vereadores da Câmara Municipal de Vila Maria do
Paraguai nas décadas de 1860, 1870 e 1880
1860
1870
1880
Manoel Costa Magalhães Manoel dos Santos Araújo Joaquim Venceslau Leite
Antonio Libanio de Barros Leonardo Pereira Leite João Antonio da Fonseca
José Eugenio Malheiros Francisco José da Silva Benedito Gonçalves
Gereminiano
José Bernardino de Souza Gravatá Miguel José de Sampaio José Maria da Silva
José Antonio Castanho José Maria de Pinho Custódio D’Assunção
Salvador Jorge da Cunha José Augusto Pereira Leite Luiz Gonzaga D’Oliveira
Francisco Pinto de Arruda Miguel José de Sampaio Vitalino da Rosa Nunes
João Ferreira Mendes João da Silva Porto João Alves da Costa Garcia
João Antonio da Costa Gahiva Lucidoro Paes da Costa Antonio Vasconcelos Jardim
Elesbão Pinto Guedes Manoel Alves Pereira Motta Joaquim d’Almeida e Silva
Joaquim José Villas Boas Apolinário Rodrigues de
Carvalho
Adolfo Jorge da Cunha
Miguel Alves Cunha João Nepomuceno D’Oliveira Lourenço Anastácio Monteiro
de Mendonça
João Carlos Pereira Leite Sebastião Pompeo Barros João de Lacerda Cintra
Antonio Vieira de Azevedo
-
Vitório Manoel Deluque
José Augusto Pereira Leite
-
Antonio Pedro de Figueiredo
Luis Pedroso de Azevedo
- -
Francisco Jose de Oliveira
Machado
- -
José Antonio D’Azevedo
Assunção
- -
José Domingos do Espírito Santo
- -
Fonte: Livros Atas da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai de 1860 a1880. APMC- Cáceres-MT.
Quanto ao cargo de presidente da Câmara, notamos que alguns vereadores
ocuparam a presidência por mais de uma vez denotando existência de rotatividade. A
ocorrência de mobilidade nos cargos era freqüente e pode ser exemplificada com José
Duarte da Cunha Pontes que foi secretário em 1861 em 1889, presidente da Câmara.
O mesmo ocorreu com Miguel José de Sampaio que, em 1874, exerceu o cargo de
secretário, em 1876 o de vereador e em 1879 acabou retomando o cargo de Presidente
da Câmara.
207
Pelos dados apontados no quadro a seguir, vemos que alguns presidentes como
Antônio Libânio de Barros esteve na presidência alternadamente entre os anos de 1861
a 1863 e assim como ele, também Luis Pedroso D’Azevedo entre 1860- 1869 e José
Augusto Pereira Leite ocupou o cargo nas décadas de 1860 e 1870. Os vereadores João
da Silva Porto (1873- 1875-1877) e João Alves da Costa Garcia, (1883- 1884- 1886-)
estiveram presidindo a instituição municipal de forma quase contínua. Importante
ressaltar que a Câmara Municipal nomeava outros homens livres, para desenvolver
atividades Camarárias.
Em Vila Maria, tal como em outras vilas do império, pertencer ao quadro
administrativo do governo local significava uma possibilidade de manter status e
prestígio social visto que, poucas pessoas ocupavam os cargos administrativos. Vale
lembrar que a contratação dos funcionários municipais dependia da aprovação da
Assembléia provincial. Para Miriam Dolhnikoff, decidir sobre os empregos no século
XIX era uma atribuição estratégica pois constituía uma poderosa moeda de troca no
jogo clientelista e peça fundamental na cooptação dos grupos locais.
208
Na ata da
Câmara Municipal de Vila Maria do ano de 1872, consta o pedido dos vereadores ao
governo provincial da seguinte forma:
A Câmara Municipal de Vila Maria, achando pequenas as quantias
marcadas para ordenados de cada um dos empregados delas, secretário,
fiscal e porteiro de 200$ para o primeiro, de 120$000 para o segundo e
para o terceiro 600réis. Passa a Câmara a rogar a V. Excª para que se
digne do solicitado poder competente o aumento que a mesma Câmara
acha razoável e que possa influir os ditos empregados a bem de se
prestarem de mais de cem mil réis para serem distribuídos entre os
cargos,. A Câmara espera que seja favorável as boas informações que
fará V. Exª dar semelhante fim.
209
207
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1861, 1874, 1876, 1879, 1889). APMC:
Cáceres.
208
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit. , p. 191.
209
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1872). APMC: Cáceres.
Quadro 5- Relação dos Presidentes da Câmara Municipal de Vila Maria do
Paraguai (1860-1889)
ANO PRESIDENTES
1860 Luiz Pedroso D`Azevedo
1861 Manoel da Costa Magalhães
1861 Antonio Libânio Barros
1862 Salvador Jorge da Cunha
1862 Antonio Libânio de Barros
1862 Elesbão Pinto Guedes
1863 Antonio Libanio
1864 Joaquim Mendes Malheiros
1865 José Augusto Pereira Leite
1866-1867 Luiz Pedroso D Azevedo
1868 Francisco José de Oliveira Machado
1869 José Bernardino de Souza
1869 José Domingos Espírito Santo
1870 -
1871 -
1872 José Maria Pinho
1873 João da Silva Porto
1873 Joaquim D’Almeida e Silva
1873 Miguel Alves da Cunha
1874 Francisco Vieira Azevedo
1874 Miguel Alves da Cunha
1874 João da Silva Porto
1874 Luiz Benedito Pereira Leite
1875 João Vieira D’Azevedo
1875 Francisco Vieira Azevedo
1875 João da Silva Porto
1876 Manoel dos Santos Araújo
1877 João da Silva Porto
1878 Manoel dos S. Araújo
1879 Manoel dos S.Araújo
1880 Luiz Bernardino de Sousa
1881 José Augusto Pereira Leite
1882 José Augusto Pereira Leite
1883 João Alves da Costa Garcia
1884 João Alves da Costa Garcia
1885 Gomes Arruda
1885 Vilas Boas
1886 João Alves da Costa Garcia
1887 Adolpho Jorge da Cunha
1887 Francisco Alves C. Garcia
1888 Francisco Luciano D’oliveira
1888 Ayres Antonio Maciel
1889 José Duarte Cunha Pontes
1889 Luiz Pedro de Figueiredo
Fonte: Livros de atas da Câmara Municipal de Vila Maria de 1860 a 1889. APMC, Cáceres-MT.
210
* Para os anos de 1870 e 1871 não foram localizados os nomes dos presidentes dessa
Câmara
.
As pessoas nomeadas para compor os cargos da Câmara Municipal da cidade
de Vila Maria do Paraguai, exerciam a função de procuradores, fiscais, escrivães e de
porteiros. As referidas nomeações das quais iremos discorrer mais adiante, passavam
pela política clientelista. Importante lembrar que os não inclusos num ofício estavam
arriscados a ser marginalizados, enquadrados como “perigoso”
211
. Contudo, na prática
210
Para os anos de 1870-1871 não foram localizados os Presidentes da Câmara.
211
CHALOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia
das Letras, p. 28 e 29.
as condições materiais não estavam dadas ou criadas, para que todos os indivíduos
tivessem um ofício ou que estivessem inclusos no mercado de trabalho assalariado.
O Procurador
Cabia ao Procurador, nomeado pela Câmara exercer a função por quatro anos,
com a finalidade de arrecadar impostos e ou cobrar multas. A função do procurador era
assegurada pela Lei de 1828 e pelo Código de Posturas que garantiam a gratificação de
80$000réis.
212
De acordo com a referida Lei, esse funcionário podia receber 6% da
arrecadação constante no livro orçamentário de Vila Maria.
Além de ser responsável pela apresentação das receitas e despesas do município
também estava incumbido de pagar as despesas da Câmara, desde que autorizadas pelos
vereadores. Pela análise da documentação da administração municipal, a função do
procurador também podia ser confundida com a do coletor que, como dissemos, não
era um funcionário da Câmara e sim um agente administrativo ligado à contadoria do
Tesouro Nacional.
O Fiscal da Câmara
Também de acordo com a Lei de 1828, o fiscal era nomeado pela Câmara e
exercia o ofício de servidor público municipal durante quatro anos e, após completar
esse tempo de serviço, não podia exercer um outro mandato de forma inenterrupta.
Cabia ao fiscal mandar afixar as multas em editais e era assessorado pelo secretário e
pelo porteiro. Em caso, de não efetuar a cobrança de multas, o fiscal era penalizado
com o pagamento de 10$000réis a 30$000réis por conta de acarretar prejuízos ao cofre
público do município. O salário desse funcionário contabilizava 200$000réis ao ano.
213
.
As atribuições desse funcionário, encontram-se no Código de Posturas de 1860 e
dentre estas, estava a competência de fiscalizar as posturas, examinar as medidas,
balanças e pesos, fiscalizar as casas de negócios do município. Sobre a função desse
funcionário, consta em ata de 1878, que o presidente da Câmara João da Silva Porto
emitiu uma correspondência para o fiscal Antonio Muniz com os dizeres o seguinte:
212
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai (1860). APMC: Cáceres.
213
Livro orçamentário de Vila Maria do Paraguai (1860-1865). APMC: Cáceres: Transcrito por Romyr
Conde Garcia.
Recomendo na fiel observância do que determina as posturas, e a partir disso observar
não só o bem geral como o interesse em favor do cofre desta municipalidade
214
.
Dentre aqueles que exerceram o cargo de fiscal, encontram-se Manoel Jacinto
Paes, Antonio Muniz, José Estevão Jarcem nos anos de 1876, 1878 e1886,
respectivamente.
O Escrivão da Câmara
No século XIX, a memória do governo Municipal era confiada ao escrivão, que
acompanhava passo a passo os assuntos discutidos nas sessões da Câmara. A maior
importância do cargo do escrivão era a habilidade da escrita, uma característica não
apenas do escrivão da Câmara de Vila Maria do Paraguai, pois zelar pelas
correspondências da Administração Municipal era comum a escrivães de outras
Câmaras no período império português
215
. Tais registros possibilitaram neste caso
específico focalizar a história da administração municipal da vila em estudo. Por
outro lado, as informações registradas por esse oficial da Câmara também devem ser
consideradas de forma crítica por terem sido filtradas compreendidas e registradas de
acordo com seu entendimento e contexto da época.
Este funcionário era nomeado pelos vereadores e uma de suas atividades era
zelar e manter arquivados os livros e todos os papéis da Câmara e ao término de cada
registro, assinava com os vereadores.Vejamos o artigo 49 da Lei de 1828:
Art.49. Igualmente mandarão fazer os cofres e armários precisos não os
havendo, para a guarda dos documentos das eleições, escrituras, e mais
papéis que formam o arquivo da Câmara, e onde se tenham os livros de
vereações, tombos, e quaisquer outros: os
quais todos devem ser
numerados e rubricados pelo presidente gratuitamente, com seus termos
de abertura, e encerramento.
216
Também ficava sob sua guarda, a chave dos cofres onde eram guardadas as
rendas arrecadadas pelo erário público.
214
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1878). APMC: Cáceres.
215
SOUZA, Avanete Pereira. Op. Cit., p. 68.
216
CAMPANHOLE, Adriano & CAMPOS, Hilton.Op. Cit., p. 696.
Outro decreto que assegura a função do escrivão enquanto funcionário
municipal era o Código de Posturas de 1860. Ele regulamentava em seu artigo art. 51: A
câmara dará ao seu secretário desta Vila a gratificação de 300 réis. anualmente .
217
Muitos foram os que exerceram o cargo de escrivão, pois se verifica nos livros
atas uma significativa rotatividade de pessoas que ocupavam a função como, José da
Silva Costa (1863), José Luis Moreira Serra (1863-1864), Antonio Bruno de Sampaio (
1865), Miguel José de Sampaio (1866- 1874-1887), Pedro Pires de Camargo (1867-
1868), Joaquim de Almeida e Silva (1873), José Antonio Castelo Branco (1875-1876),
Manoel Francisco Silva Barros (1878), Indalício Silva Rondon (1886), José A. Silva
(1887), Manoel Jercino da Silva Barros (1878), Joaquim D’Almeida e Silva. (1876-
1879).
218
Escrivão como José Luis Moreira Serra permaneceu no cargo por
aproximadamente quatro anos. Outro aspecto a ser observado, é que o posto de
secretário foi usualmente ocupado por pessoas de uma mesma família, a exemplo da
família Sampaio como Antonio Bruno de Sampaio e Miguel José de Sampaio.
219
Segundo Miriam Dolhnikoff, no Brasil imperial, as constantes solicitações de empregos
eram mediadas pela influência política e, no que diz respeito aos empregos provinciais e
municipais, os deputados dispunham de ampla margem de ação para favorecer seus
apadrinhados, maior inclusive do que o próprio presidente de província que estava
submetido às relações clientelistas controladas pela elite provincial.
220
O quadro que segue permite-nos observar a relação de escrivães da Câmara
municipal em estudo.
Quadro 6- Relação dos ocupantes do cargo de escrivão na Câmara Municipal
de Vila Maria do Paraguai no século XIX
1860 José Luis Moreira Serra
1862 José Luis Moreira Serra
1863 José da Silva Costa
1864 José Luis Moreira Serra
1865 Antonio Bruno de Sampaio
866 Miguel José de Sampaio
1867 Pedro Pires de Camargo
1868 Pedro Pires de Camargo
1873 Joaquim de Almeida e Silva
1874 Miguel José de Sampaio
217
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai (1860). APMC: Cáceres.
218
Ata da mara de Vila Maria do Paraguai (1864, 1865, 1867, 1868, 1869, 1870, 1871, 1873, 1874,
1875,1876,1878, 1879, e 1886). APMC: Cáceres.
219
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1865, 1866, 1874, 1887). APMC: Cáceres.
220
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit. , p. 192- 193.
1875 Jose´Antonio Castelo Branco
1876 José Antonio Castelo Branco
1878 Manoel Francisco Silva Barros
1879 Manoel Jercino Silva Barros
Joaquim de Almeida Silva
1881 Joaquim D’Almeida e Silva
1882 Joaquim D’Almeida e Silva
1886 Indalício da Silva Rondon
1887 José Almeida Silva
Fonte: Livros Atas da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai de 1860 a 1887. APMC:
Cáceres.
O Porteiro da Câmara
O Porteiro, funcionário que fornecia auxílio no expediente da Câmara, também
era nomeado pela instituição local, devendo ocupar o cargo durante quatro anos com a
função de acompanhar o fiscal nas observâncias das posturas, fixar os editais e guardar
os documentos da Câmara. Outra atividade do porteiro mencionada nas atas, era
“apregoar” nas sessões camarárias, ou seja, ler em voz alta para os vereadores os
contratos de licitantes. Quanto ao ordenado mensal, de acordo com recibos chegava a
receber o valor de 100$00rs.
221
Na falta de funcionários para o exercício de
determinados cargos, observamos em uma das atas, o carcereiro assumindo a função do
porteiro.
O Carcereiro da Câmara
Cabe ressaltar que cargo de Carcereiro não é mencionado na Lei de 1828, não
sendo portanto um funcionário da Câmara. O carcereiro era nomeado pelas delegacias
de polícia, porém optamos por mencioná-lo. A este funcionário cabia primeiramente
fiscalizar a cadeia, levar os réus até o juiz em caso de julgamento, bem como podia
acumular funções.
As atividades e funções do carcereiro podem ser visualizadas em meio aos
recibos avulsos, quando no ano de 1873 Antonio Duque Cardozo, recebia a importância
de 144$00rs para a compra das velas de sebo supostamente para a iluminação da cadeia
pública
222
. Ressaltamos que na província de Mato Grosso o sistema carcerário
223
221
Recibos avulsos referentes ao pagamento do porteiro da Câmara municipal de Vila Maria do Paraguai
de 1865. APMC- Cáceres.
222
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1873). APMC: Cáceres.
223
Sobre o sistema carcerário, ver MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Ci., p. 226- 227.
legitimado pelo Código Criminal de 1830 era muito precário, sem estruturas, um
problema social que perdura até os dias atuais.
Sobre a função do carcereiro há maiores detalhes em uma ata de 1875:
Esta câmara não pode deixar de dizer alguma palavra sobre o carcereiro
da cadeia que serve interinamente de porteiro desta Câmara,
relativamente os ordenados daquele emprego que mais de quatro anos
teriam deixado de receber suas repetidas instancias a fim de obter esse
diminuto ordenado para poder se alistar o que de certo coopera bastante
para não se encontrar homens que aceitem os empregos nas condições de
o desempenharem e cônscios de não serem pagos, pelo que se requisitam
.
224
Para esse funcionário que alternava as funções de carcereiro e, ao mesmo
tempo, de porteiro, o cargo podia ser importante pelo que representava e pela
aproximação com homens da elite da vila. Se havia essa possibilidade de o porteiro
ocupar a função de carcereiro, isso pode significar que a Câmara podia ficar até quatro
anos sem contratar funcionário para tal função.
Nesse caso, percebemos como o acúmulo de funções, no âmbito das atividades da
Câmara era uma maneira de reduzir as despesas, porque tornava possível que essas
específicas funções administrativas fossem ocupadas por uma só pessoa. Seja qual for a
possibilidade, havia no quadro administrativo variações de funções e de salários.
Em linhas gerais, era essa a configuração administrativa da Câmara municipal
de Vila Maria .
Importante lembrar que, à exceção do juiz de paz, outros homens livres podiam
acessar a outros poderes locais e auxiliavam os vereadores na administração urbana.
Esses outros eram nomeados pelo Ministro de Justiça e pelo governo provincial eram
eles: Juiz Municipal, Juiz de Direito, Promotor Público, delegados e subdelegados,
Inspetor de Quarteirão, oficiais da Guarda Nacional, militares, coletores e clérigos.
Dentre esses homens livres que ocupavam os cargos públicos e que não eram
funcionários nomeados pela Câmara municipal destacamos o papel do coletor na vila.
O cargo de coletor foi criado em 1835 devido à implantação do Tesouro Nacional, no
momento em que foram divididas as competências tributárias entre governo central e
provincial.
O tribunal do Tesouro Nacional criado pela Corte Imperial em 1831 substituiu
o antigo erário, o Conselho e as Juntas da Fazenda, remanescentes do período colonial,
224
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1875). APMC: Cáceres.
dirigido pelo ministro dos Negócios da Fazenda.
225
Nas províncias esse órgão era
representado pela contadoria composto por um contador, um secretário e um
procurador fiscal. Representando o Tesouro Nacional nas vilas encontravam-se as
Coletorias e os coletores cuja função era registrar todos os impostos recolhidos pelo
governo provincial.
226
Um dos principais impostos recolhidos na vila por esse
funcionário eram as décimas urbanas. De acordo com Virgílio Correa Filho, a coletoria
de Vila Maria data de 1837 quando então foi nomeado o primeiro coletor da freguesia,
José de Almeida Inhô.
227
Em ata de 1875 da localidade em estudo, observamos que o procurador e o
coletor aparecem na mesma função. Esta câmara pede a separação do lugar de seu
procurador de coletor das rendas vê se empregado não obstante ativo e honrado para o
bom desempenho de seus deveres e o do procurador, desta Câmara.
228
São várias as hipóteses que podem ser levadas em conta, no que se refere à
confusão de funções; uma delas é que podia sim ocorrer a duplicidade de funções por
falta de funcionários, por erro de registro. Outra observação sobre a duplicidade de
funções é que na contadoria da capital da província de Mato Grosso também havia a
função do procurador, da mesma forma que o referido cargo consta também no Código
de Posturas de Vila Maria do ano de 1860. Reforçamos que ao procurador do
município cabia a função de arrecadar e pagar as despesas da Câmara, ao coletor
também chamado de procurador cabia o dever de lançar os tributos recolhidos pelo
governo provincial. Tais tributos eram aqueles que não estavam prescritos nos Códigos
de Posturas do Município ou eram rendas que não ficavam nos cofres da localidade.
Vale ainda ressaltar que o cargo de coletor na Vila Maria do Paraguai podia ser
usufruído por vários anos apenas por um morador da vila, a exemplo de José Gomes
Pedroso que exerceu esse cargo nos anos de 1863 a 1870. Nos estudos de Virgílio
Correa Filho consta o abuso praticado por alguns coletores, pela detenção do dinheiro
público em suas mãos por maior prazo que o necessário antes da remessa à Contadoria
da província. Para amenizar tal situação a contadoria provincial estabelecia que
qualquer soma arrecadada deveria ser enviada ao governo provincial dentro de três
225
CORREIA, Batista Aquino José. História e estórias do fisco mato-grossense. Cuiabá: Gráfica Genus,
1996. p. 34.
226
Nos dias atuais denomina-se de Secretaria da Fazenda as antigas Coletorias e o coletor atualmente é o
funcionário dessa repartição.
227
CORREIA FILHO, Vírgílio.Op. Cit., p. 84.
228
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres de 1875. APMC: Cáceres.
meses, caso contrário, o coletor deveria pagar juros de 9%.
229
São várias as hipóteses
que podem ser levadas em conta, no que se refere à confusão de funções, uma delas é
que podia sim ocorrer essa duplicidade por carência de funcionários, ou por um erro de
registro como já afirmado.
Ainda com relação aos homens livres que ocupavam os cargos públicos na
localidade em estudo, ressalta-se o Juiz de Paz. No capítulo anterior, apontamos alguns
daqueles que exerceram esse cargo judicial, os quais tinham jurisdição no termo e
constituíram família na localidade, sendo João Carlos Pereira Leite, Luiz Benedito
Pereira Leite e José Maria de Pinho.
230
Segundo Miriam Dolhnikoff, aqueles que exerceram o cargo judicial eram
eleitos da mesma maneira e ao mesmo tempo que os vereadores e mesmo com as
reformas judiciárias de 1841 e de 1871, o juiz de paz não perdeu a influência no
processo eleitoral. Entretanto notamos que as pessoas que ocupavam cargos no
Judiciário podiam conflitar entre si e com os vereadores.
2.1- Conflitos em Vila Maria do Paraguai: as relações entre
vereadores e autoridades judiciais
Ao discutirmos alguns conflitos ocorridos na cidade de Vila Maria, objetivamos
apontar como se processavam as relações sociais e políticas entre os vereadores,
juízes e delegados que, em qualquer tempo e espaço as relações sociais não são
homogêneas, a exemplo dos conflitos já apontados que podiam ocorrer entre o
governo provincial e central e que envolviam a própria elite da localidade.
Em sessão extraordinária ocorrida na Câmara de Vila Maria em 1870, os
vereadores denunciaram o Juiz de Direito, lix da Costa Moraes, porque havia
liberado da cadeia um escravo tido como assassino de um soldado e uma mulher que
seria julgada por crime de homicídio.
Segundo os vereadores, o proprietário do escravo que havia cometido o
assassinato era amigo do juiz e parecendo demonstrar uma relação de proteção os
vereadores assim se justificavam:
229
CORREIA FILHO, Virgílio Correa. Op. Cit., p. 120.
230
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864-1875). APMC: Cáceres.
O juiz de direito dessa comarca o menos competente para reprovar
procedimentos alheios referindo-se a falta de patriotismo em relação aos
deveres inerentes ao que ele chama de bom cidadão que não deve
encarar para interesse monetário quando se trata de servir a Pátria [...]
O empregado público que tem ordenado e gratificação como ele, e que
comete um crime deixando por menos peso a lei de cumprir suas
obrigações e deveres como ele, pratica.
231
Embora não competisse aos vereadores dar solução ao conflito ou às atitudes
do juiz Félix da Costa Moraes, pois pelo documento, é evidente a reprovação dos
vereadores que essa autoridade judicial havia desrespeitado as autoridades policiais.
Assim referiam-se sobre o juiz:
Depois que essa autoridade chegou a esta comarca o atual juiz de
direito tem havido não só reclamações dos presos como conflitos
provocados pela intervenção indireta da suposta autoridade uma
atribuição que não lhe compete... A inspeção geral das prisões compete
às autoridades policias, delegados e subdelegados, entretanto o dito juiz
toma a iniciativa de tudo desta forma tira o prestígio e força moral das
autoridades policiais pelo que não um cidadão que prezando sua
dignidade queira servir com um juiz tão propenso a exorbitar.
232
O juiz de direito, nomeado pelo ministro de Justiça, podia ser removido de
um lugar para outro e tinha jurisdição em toda a comarca, ou seja, na parte que
compreendia maior extensão do território situação diferente do juiz de paz. Segundo
Raimundo Faoro, o juiz de direito no sistema policial, tornava-se o fiscal das pressões,
daí seus afastamentos.
233
Segundo José Murilo, as funções entre juízes e a força
policial se misturavam, sendo que uma podia se sobrepor à outra principalmente a
partir da Reforma Judiciária de 1871, cujo propósito era separar as funções entre os
cargos. Mediante as atitudes do juiz de direito ocorridas em Vila Maria, os
vereadores defendiam o delegado pedindo a exoneração do juiz pois, além das muitas
confusões provocadas pela autoridade judicial na cidade havia ainda alterado a sentença
judicial de um dos presos.
Como já dissemos no capítulo anterior, a instituição policial no Estado
Moderno passou a ter maiores poderes judiciais a partir da Reforma de 1841, embora
por vezes cometesse ações ambíguas. Vale lembrar que no século XIX, o chefe de
231
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1869). APMC: Cáceres.
232
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1876). APMC: Cáceres.
233
FAORO, Raimundo. Op. Cit., p. 418
polícia tinha jurisdição em toda a província, enquanto o juiz de direito tinha influência
somente na comarca.
A instituição policial passou a ser legalizada na província de Mato Grosso
a partir de 1842 composta pelo Chefe de Polícia, Delegado, Subdelegado, Inspetor de
Quarteirão.
Em Mato Grosso, o chefe de polícia, segundo Oswaldo Machado Filho,
podia acumular funções de Juiz de Direito e sobrepunha hierarquicamente ao Juiz
Municipal, Juiz de Paz e Juiz de Direito.
234
Vale lembrar que os cargos de delegados e
subdelegados estavam sob o comando do governo provincial possivelmente uma das
razões pelos quais os vereadores apresentavam suas queixas já que não lhes cabia
resolver sobre a questão. Todavia, tanto o juiz quanto o delegado, apesar das funções
diferenciadas, tinham a obrigação de manter o bem viver dos habitantes da cidade.
Devido a grande influência da instituição policial na província, mencionaremos alguns
aspectos a respeito, como segue.
Para Marcos Bretas, a inserção dos policiais na instituição permanecia
vinculada a acordos pessoais e na busca de recompensa dependendo das relações de
favor, e não de qualquer forma e de implantação de uma racionalidade burocrática
capaz de transferir o exercício da autoridade do âmbito pessoal para o da instituição
estatal.
235
Por outro lado, além dessas contradições a ineficiência policial era justificada
pela falta de verbas, pela grande extensão do território, escassez de pessoas habilitadas
para a função salários baixos, falta de bons hábitos da população dentre outros. Em
suma, podemos afirmar que a estrutura dessa instituição não era totalmente eficaz,
problemática semelhante com os dias atuais.
236
A polícia representava uma autoridade
no meio social, no entanto, nem por isso alguns elementos deixaram de se envolver em
brigas, roubos, assassinatos e embriagues, ões que os presidentes de províncias
tentavam minimizar. Pesquisas de historiadores preocupados com essa temática têm
apontado que muitos dos policiais eram procedentes das camadas populares como os
homens livres pobres, que, sem muita opção de vida, acabavam engajados na função
234
MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit., p. 235. O Dr. Leite Falcão exercia cumulativamente os
cargos de juiz de direito e de chefe de polícia na província de Mato Grosso antes de sua posse em 1842,
quando mudou significamente o quadro geral das competências policias e judiciais, resultando em que os
chefes de polícia das províncias ganhassem enorme poder e importância em todo território nacional.
235
BRETAS, Marcos Lima. A polícia carioca no império. Revista do Instituto Histórico. Rio de Janeiro.
Volume: 12. Nº 22. Rio de Janeiro, 1998.
236
Sobre a polícia em Mato Grosso, ver MACHADO FILHO, Oswaldo. Ibidem. p. 235.
temporariamente sem nenhuma instrução para exercer o cargo
237
. Contudo, devemos
considerar que os relatórios policiais pouco se referem aos desvios desses homens em
suas funções.
Outro conflito que permite exemplificar a ambigüidade de funções entre as
autoridades locais, foi o caso que envolveu um juiz de direito ao denunciar ao
presidente de província, a negligência de função do sub - delegado de polícia:
[...] talvez V. Exª se admire do que passo a expor garanto, no entanto a V.
Ex que é a pura expressão de verdade...seus suplentes têm a maior
negação para o serviço policial recusando se quase sempre a entrar no
exercício do seu cargo... conservam se por pouco tempo no mesmo
exercício. Depois que aqui cheguei estiveram exercendo
sucessivamente a sub-delegacia de polícia dois ou três cidadãos a
pouco, porém ficou vaga á sub- delegacia por ter abandonado o
respectivo exercício o cidadão Lucidoro Paes da Costa que retirou se
ocultamente desta cidade [...]
238
Para o juiz, esse sub- delegado não se encontrava no cargo e raras vezes exercia
a atividade. Lucidoro possuía propriedade rural e já havia exercido o cargo de
vereador. Possivelmente, o juiz ao pedir a demissão do subdelegado, deixava claro que
sua intenção era de que o governo provincial viesse a nomear outra pessoa,
possivelmente de sua confiança. Dessa forma, o governo provincial podia ouvir os
reclames do juiz por se tratar de um cargo que estava sob o comando da província.
Segundo José Murilo de Carvalho, na ausência de capacidade de autogestão,
os governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral
proprietários rurais, em troca de confirmação ou concessão de privilégios.
239
E
prossegue o referido juiz afirmando:
Ora um tal estado de cousas não pode continuar sem grande detrimento
o serviço público. Os cargos policiais não foram instituídos como mero
título honorífico, mas sim para a segurança e garantia de altos interesses
sociais... O único remédio e talvez eficaz para sanar o mal apontado é
demitir os atuais funcionários de polícia e nomear para ocupar os
respectivos cargos que possam e queiram dedicar-se ao serviço público e
desempenhar os árduos e espinhosos deveres dos mesmos cargos. Aqui
possuímos pessoal com tais habilitações como V.Ex poderá certificar-se
se informando de pessoas competentes.
240
237
MONTEIRO, Ubaldo. História da Polícia em Mato Grosso. Cuiabá, 1985.
238
Processo crime do termo da cidade de São Luis de Cáceres (1874). Caixa 02. Cáceres: NUDHEO.
239
CARVALHO, José Murilo de. Op Cit., p. 250 a 263.
240
Processo crime do termo da cidade de São Luis de Cáceres (1874). Caixa 02. Cáceres: NUDHEO
O juiz, ao denunciar o subdelegado, utilizou-se do cargo em que achava-se
investido o que lhe permitia falar sobre os problemas que ocorriam, pois para essa
autoridade, os crimes que sucediam na cidade eram decorrentes da falta da
administração policial.
Outro indício de conflito, foi o que ocorreu em 1863, quando o então Juiz de
Direito, Manoel Pereira da Silva Coutho, foi denunciado pelo Procurador da Câmara
embora o documento não explicite a causa da denúncia:
[...] Fora suspenso o juiz de direito desta comarca Manoel Pereira da S.
Coutho pelo que o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro julgou
improcedente a denuncia dada pelo procurador da coroa contra o
referido magistrado [...]
241
Cabe ressaltarmos que essas pistas encontradas na documentação demonstram
que os conflitos entre juízes, delegados e vereadores eram de certa forma frequentes,
muito embora o Tribunal de Relação da Corte tenha julgado improcedente o reclame do
procurador visto que, constava em ata de 1863, que o juiz permaneceu no cargo.
Segundo Tavares Bastos, citado por Raimundo Faoro: o ministro da justiça era
quem comandava o império por meio de “um exército de funcionários” hierárquicos
desde o presidente de província até o inspetor de quarteirão.
242
Independente da
hierarquia e das funções públicas, João Batista Calógeras que exerceu o cargo de oficial
do Ministério dos Negócios Estrangeiros, relata que no exercício de funcionário
público a bajulação dos superiores e os ciúmes dos colegas de trabalho eram traços
constantes de comportamento nas repartições.
243
Outra modalidade de conflito, que também podia envolver vereadores,
comandante da Guarda Nacional, juízes e delegados de polícia, dizia respeito a disputas
por terras. Com registro em documento emitido no ano de 1868, pelo comandante da
Guarda Nacional de Vila Maria do Paraguai, Luis Benedito Pereira Leite afirmava o
seguinte:
O cidadão Joaquim Villas Boas capitaneando a mais de cinquenta
pessoas no numero dos quais se contavam camaradas e escravos do
referido cidadãos, todos armados de revólveres, facas e
241
Ata Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1863). APMC: Cáceres.
242
FAORO, Raimundo. Op. Cit., p. 379.
243
Ibidem. Op. Cit., p.144. João Batista Calógeras entrou para o serviço público em 1859 como primeiro
oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros e terminou a carreira como chefe da seção do Ministério
do Império, 15 anos depois.
alavancas...tentar contra a propriedade do cidadão pacífico José
Domingos do Espírito Santo.’’
244
José Domingos havia conseguido um terreno por mediação da Câmara
Municipal e José Vilas Boas tentava expropriá-lo. Porém, sem defesa das autoridades
judiciais locais, que eram o juiz municipal e o delegado de polícia, José Domingos
ficara à mercê dos desmandos do dito Villas Boas:
Este cidadão indefeso, não se podendo recorrer ao juiz municipal e nem
ao delegado de polícia por serem coniventes no atentado daquele
cidadão acabava com seus amigos, camaradas e escravos [...]
245
O comandante da Guarda Nacional de Vila Maria, Luis Benedito Pereira Leite,
explicava ao presidente de província que, diante do fato ocorrido, havia colocado à
disposição quinze praças e um oficial, pois Vilas Boas havia reunido vários camaradas
e alguns escravos e se postado em uma das ruas próximas ao quartel. Resolvida
temporariamente a questão, Vilas Boas, prometeu promover mais atentados contra a
propriedade de José Domingos. Diante disto, o comandante Luis Benedito Pereira
Leite, enviou um relatório pedindo conselhos ao presidente de província:
[...] que procedimentos deveria ter com esses sediciosos que minha
prudência não tem sido suficiente para fazer dissolver e q’ a delegacia e
juízo municipal não se quer intervir para o mesmo fim. A ordem não
pode ser perturbada e alterada sem que o seu autor tenha grande pena
pelas leis que os rege.
246
O coronel reprovava as atitudes do sub delegado de polícia e do Juiz por estarem
de acordo com o litígio provocado por Villas Boas o que demonstra as facções internas
entre os representantes das instituições ali existentes e, na falta de uma força policial a
Guarda Nacional assumia tal função.
Segundo Miriam Dolhinikoff, a Guarda Nacional era utilizada na repressão de
movimentos de maior abrangência e organização, como no caso de revoltas de grandes
proporções, a exemplo da Guerra do Paraguai.
247
Essa instituição estava também estava
244
Correspondência do Quartel do Comando do Distrito Militar da Fronteira de Vila Maria do Paraguai
(1868). Lata: A. APMT: Cuiabá.
245
Idem. Op. Cit.p.
246
Ibidem. Op. Cit.
247
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 194. Quanto à função da Guarda Nacional lembramos que era
indicada pela Lei de 1831 que instituía: manter a obediência às Leis, conservar ou restabelecer a ordem e
a tranqüilidade pública e auxiliar o Exército de Linha na defesa das fronteiras
subordinada ao ministro da justiça, e encontrava-se distribuída em vários
destacamentos militares na Província de Mato Grosso.
Importante lembrar que José Domingos do Espírito Santo e José Vilas Boas
exerceram o cargo de vereador na década de 1860 e de acordo com os seus juramentos,
cuidar do “bem comum social”, ou zelar pela segurança pública da cidade e dos
habitantes, eram as suas funções, enquanto oficiais camararistas da mesma forma que o
referido juiz e o sub delegado tinham também os mesmos compromissos enquanto
autoridades locais.
A escolha do Juiz Municipal se fazia pela Câmara Municipal mediante uma
lista com três nomes e enviada ao presidente de província que, por sua vez, a enviava
ao Ministério de Justiça da Corte. O Juiz Municipal podia substituir o Juiz de Direito e
exercitar a jurisdição policial.
248
Mas em que se baseavam os vereadores para escolher
os nomes que deveriam compor tal lista? Seria este um dos momentos em que ocorriam
os acordos políticos? Podemos pensar que a falta de estabilidade nos cargos
burocráticos acabava fazendo esta autoridade refém do poder local.
Segundo Ilmar Mattos, a falta de estabilidade nos cargos burocráticos era
também uma forma de manter a continuidade do sistema, uma vez que o poder público
não deixava de ser a expressão das tensões inerentes a uma constituição, a tensão dos
caminhos tortuosos trilhados pelo plantador escravista, ao lado dos negociantes e
burocratas, em sua transmutação em classe senhorial.
249
A instabilidade nos cargos burocráticos ocorriam com mais constância nos
cargos de chefes de polícia, presidentes de província e de ministros, definida pelo
ministro Paulino Soares, o Visconde do Uruguai, da seguinte forma:
A cada mudança de Ministério e de administradores, traz uma inversão
às vezes completa não pelo pessoal administrativo, como no modo de
encarar e decidir as questões administrativas. A cada mudança tudo fica
suspenso, posto em dúvida ,para começar a ser examinado de novo, com
grande desânimo, desespero e prejuízo das partes. Assim todos os
grandes interesses a cargo da administração, estão sujeitos a uma
constante instabilidade e a administração torna-se uma verdadeira teia
de penélope.
250
Fato interessante ocorreu em 1868 quando um dos jornais da capital da província
de Mato Grosso, denominado, O Popular, publicou pronunciamento de um vereador
248
Código do Processo criminal de 1832. APMT: Cuiabá.
249
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit. , p. 209.
250
Idem. Op. Cit., p. 208.
não identificado no texto, o qual dizia ter sido o mais votado na Câmara dessa cidade.
Segundo o noticiário do referido jornal, o pedido de afastamento do vereador era um
reflexo de discordâncias com o comandante da Guarda Nacional de Vila Maria, Luis
Benedito Pereira Leite. Assim se referia no texto o vereador:
Se a força pública d’este infeliz município exmº sr., tivesse sido
confiada `a um depositário imparcial, à um cumpridor de ordem, à um
oficial em suma que compreendendo o seu dever o desempenhasse com
fidelidade, coadjuvando sobretudo as autoridades policiais do pais no
sentido de evitar crimes e punir os criminosos me parece pelo menos
provável que não teriam chegado as hostilidades e afrontos que neles se
praticam.
251
Prosseguia o vereador dizendo sobre João Carlos Pereira Leite e seu irmão Luis
Benedito Pereira Leite, que comandava a Guarda Nacional, ou seja, o mesmo que havia
denunciado o conflito provocado por parte do cidadão Villas Boas:
As imprudências do major de comissão João Carlos Pereira Leite e
seu irmão o comandante do distrito militar, que hoje fulminam a
anarquia e desordem em todos os ramos do serviço público deste
município foi revestido de mais uma circunstancia agravante
arrombando eles a porta da sala das sessões da Câmara cuja chave se
achava com o porteiro da mesma .
252
O vereador ao justificar a sua demissão dizia que os demais governantes que
compunham a Câmara Municipal de Vila Maria eram seus inimigos políticos e assim
expressava: e conhecendo o seu apogeu de exaltação em que se acham era querer me
expor a ser, não escuso mas sim expulso dela por alguma forma para mim
indecorosa.
253
De acordo com o jornal o Popular, esse fato relatado pelo vereador ocorrera
em três de outubro de 1868, o qual expressava sua preocupação com o poder
público mencionando a dificuldade que o país passava naquele momento, a Guerra do
Paraguai. Ao que tudo indica, esse vereador pertencia a um partido político contrário
ao partido que prevalecia na Câmara dessa cidade. Lembramos que existiam no país
dois partidos políticos: o liberal e o conservador. Este último era o partido que
prevalecia naquele momento na Câmara Municipal pois, Luis Benedito Pereira Leite
era do partido conservador. De outro lado, podemos também aventar para a
251
Jornal O Popular.11. Cuiabá, 21. Novembro de 1868. APMT: Cuiabá.
252
Idem. Op. Cit., p. 3.
253
Ibidem. Op. Cit.4
possibilidade de que o jornal o Popular pertencesse ao partido liberal que
oportunizara ao vereador tratar sobre o conflito de acordo com seus interesses pois
observamos que na capital da província de Mato Grosso existia um outro jornal A
Situação, que difundia as notícias do governo.
Com base na leitura do referido jornal observamos que em Vila Maria do
Paraguai, o comandante da Guarda Nacional agiu de forma quase que ambígua no
cumprimento de sua função. Coincidentemente os dois conflitos mencionados que
envolvem essa autoridade ocorreram em 1868, além de que, ao mesmo tempo que o
comandante da Guarda Nacional repudiava as atitudes do sub-delegado e do vereador
Vilas Boas, zelava pela ordem e tranqüilidade pública, envolvido num conflito interno
da localidade.
Mediante a análise da função administrativa da Câmara Municipal foi
possível tecer algumas reflexões sobre o universo conflituoso que perpassava aquela
localidade atentando para a maneira indireta com que as autoridades que representavam
outras instituições públicas auxiliavam na administração urbana de Vila Maria do
Paraguai.
Para demonstrar as intervenções do poder público de Vila Maria do
Paraguai e as influências das autoridades que compunham os cargos administrativos,
necessário se faz apontarmos no capítulo seguinte como operavam suas ações frente à
política urbanística, na vida dos moradores e no mercado econômico.
CAPÍTULO III
...Esta Câmara é pobre.
E pobre é o seu município sem rendas não é possível
acorrer as suas vigentes necessidades a
não ser auxiliada pelo cofre Provincial.
Ata da Câmara Municipal, 1862
A POLÍTICA URBANÍSTICA: ORDEM, CIVILIDADE E
URBANIDADE
Objetivamos neste capítulo apontar alguns aspectos das intervenções dos
vereadores de Vila Maria no âmbito do traçado urbano, do mercado econômico e da
vida social mediante a formalização dos Códigos de Posturas. Objetivamos igualmente
analisar os discursos proferidos pelos vereadores reveladores das intenções e
dificuldades frente à administração local, principalmente no que se refere às medidas
tomadas pelo governo local diante da Guerra do Paraguai. Pretendemos ainda
perscrutar quais foram as mudanças ocorridas na Vila após o final da referida Guerra,
relacionados à demografia, às atividades econômicas, categorias profissionais e
alterações ocorridas ou não no traçado urbanístico.
Para falarmos das intervenções dos vereadores no município é necessário
apontarmos que essas estavam respaldadas nos Códigos de Posturas de 1860 e de
1888. Esses Códigos eram os regulamentos ( dispositivos) utilizados pelos vereadores
para então gerenciarem a Vila.
Quanto ao termo “Postura”, é bastante antigo na etmologia da língua portuguesa
e origina-se do verbo pôr, utilizada para deliberar, pôr lei em regulamento
254
. Além
disso, os Códigos de Posturas oferecem importantes informações sobre o cotidiano,
costumes
255
e urbanização, servindo para interessantes estudos sobre a administração
das vilas ou cidades.
As Posturas Municipais foram institucionalizados no Brasil desde o século XVI,
cujas normativas eram formalizadas nas ações dos vereadores. No Brasil colonial as
posturas das vilas e cidades foram instituídas pelas Ordenações do reino; no Brasil
imperial esse instrumento normativo fora legitimado pela Constituição de 1824 e pela
Lei de 1828 e com o Ato Adicional, as receitas e despesas da vilas e cidades que
compunham o território de Mato Grosso, passaram a ser reguladas pela Assembléia
provincial.
Segundo Volpato, no século XIX,várias foram as cidades contempladas com
determinações de suas Câmaras municipais, visando a implantação de novos
parâmetros urbanos
256
por meio desse instrumento normativo.
254
PEREIRA, Magnus Roberto. Op. Cit, , p. 45.
255
Idem. Op. Cit., p. 46.
256
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Op. Cit., p. 32.
Os representantes da política imperial que se encontravam nas províncias, vilas e
cidades voltavam a atenção para o novo ideal do espaço urbano e passaram a discursar
com intensidade a respeito da ideologia do trabalho assalariado articulado com a
política da urbanização. Esse discurso procurava enfatizar principalmente
normalizações com estabelecimento de horários para a livre circulação das pessoas
pelo espaço público. Tais normalizações visavam disciplinar todas as manifestações
culturais dos homens livres e principalmente, dos escravos.
As primeiras pistas sobre os Códigos de Posturas de Vila Maria do Paraguai
estão no relatório do presidente de província, Pedro D’Alencastro, em 06 de dezembro
de 1859 quando assim afirmava:
Recebi com os ofícios dessa câmara Municipal de 04 de outubro
ultimo, os projetos de posturas que os acompanharão e que inclusive
devolvo sentindo não poder dar-lhes minha aprovação pela [...] do
parecer do procurador fiscal que junto V,V.mm. acharão por cópia.
Em virtude da lei provincial de número 2 de 18 de agosto de 1836
pode e deve essa câmara arrecadar desde já para ir correndo as suas
despesas, os impostos mencionados na tabela que junto lhes remeto
por cópia
257
.
O conteúdo do Código de Posturas de Vila Maria de 1860 e de outras vilas do
Brasil, estavam sintonizados com o discurso da “ordem” e da “civilidade”,
23
difundido pelos Presidentes de Províncias e chefes de polícia. Eram freqüentes nos
discursos das referidas autoridades apontamentos generalizantes de que na província
de Mato Grosso os habitantes careciam de bons hábitos e dos bons costumes, o que
levava à construção dos discursos estigmatizados sobre os indivíduos dessa sociedade
escravocrata. De outro lado, o discurso era ambíguo pois indicava que ora os
indivíduos eram “classes incivilizadas’’, ora eram “ordeiros”.
Esse discurso pautava-se na ciência positivista cuja matriz ideológica
estabelecia o “prevenir”, o‘intervir”, o sanear”, para evitar os “perigos”, "falhas” e
“desvios” que ameaçavam o meio ambiente e o indivíduo.
258
Segundo Robert Pechman,
os princípios da cientificidade legitimava uma racionalidade que tentava enquadrar
desvios e desviantes o que possibilitaria realocar cada qual e cada grupo no seu
257
Relatório do Presidente de Província Pedro D’Alencastro de 1859. APMT: Cuiabá.
258
PECHMAN, Robert Moises. Cidades estreitamente vigiadas: O detetive e o urbanista. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra, 2002. p. 351.
lugar.
259
Nesse sentido, o segmento social mais visado e desqualificado era o
escravo, considerado pelas autoridades políticas o estigma do meio social.
Desse modo, as Câmaras Municipais das vilas e cidades pelas intervenções
políticas agiam em função do bem comum social do Estado imperial.
Segundo Waldir Vitral, todo sistema jurídico se inspira numa concepção do bem
comum, de acordo com o ideal que professa;
260
ou seja, de acordo com cada período
histórico o sistema jurídico tem um sentido diferente de noção de bem comum. Na
perspectiva de Maria da Graça Salgado, a ordem jurídica é o ponto de partida para se
definir e fixar a estrutura administrativa de qualquer Estado em qualquer tempo
261
.
O sistema jurídico ao longo do século XIX foi regulado pelo Código do
Processo Criminal criado em 1832, revisto em 1841, que constituiu verdades” nas
leis e normas, para produzir a circulação de um discurso que não ocorria (como não
ocorre) fora de uma instituição configurando uma cadeia de interdependências.
262
Uma das características do sistema jurídico constituído no período imperial, não
era mais determinar se algo se passou ou não mas, determinar se um indivíduo se
conduzia ou não como deveria conforme a regra.
263
Dessa forma, o Código de
Posturas em consonância com o sistema jurídico viabilizava difundir normalizações
que visavam padronizar e inibir as ações individuais e coletivas, como consta no
artigo 47 do Código de Posturas de Vila Maria de 1860: Qualquer pessoa que comprar
aos escravos qualquer objeto, que estes costumam ter, sem que venham acompanhados
de bilhete de seu senhor será multado em 20$réis, ou 8 dias de prisão e no dobro das
reincidências.
264
Essa constituição jurídica reforçou a ideologia do Estado Moderno
que tinha uma proposta política pedagógica de cunho moralizador
265
. Entretanto,
determinadas leis e normalizações que visavam homogeneizar condutas, por vezes
podiam ser contestadas pois, nem sempre as normativas obtinham poderes para garantir,
por exemplo, todas as observâncias da posturas. Um exemplo de contestação que
subvertia a ordem estabelecida consta nas narrativas dos cronistas dos jornais da
localidade e nos relatórios dos chefes de polícia: Na rua sete de setembro em Vila
259
Idem. Op. Cit.,352.
260
VITRAL, Waldir. Vocabulário jurídico. Volume. I. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 128.
261
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos: A administração no Brasil Colonial. Op. Cit., p.15.
262
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. In: CHARTIER Roger. A História Cultural: entre práticas e
representações. Rio de Janeiro: Difel - Bertrand, 1986. p. 23.
263
FOUCAULT, Michel. As Verdades e as Formas jurídicas. Rio de Janeiro: Ed. da PUC. 1991. p. 88.
264
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai de 1860. APMC: Cáceres.
265
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Op. Cit. , p. 94.
Maria Gregório de Brito feriu gravemente a Anna Crescencia, sua sogra, que deixou
por morta evadindo-se, foi processado e pronunciado,mas conserva-se refugiado.
266
Além disso, os Códigos de Posturas visavam regular o mercado econômico
para garantir à manutenção das despesas do município revelando as intervenções da
Câmara na localidade, pois governar uma vila ou cidade no período, dependia
também das ações de cobrar e multar as receitas recolhidas pela localidade destinadas
à manutenção das despesas do município.
Os termos que compunham os estatutos de Vila Maria, em 1860, e que permitiam
as intervenções camarárias eram: saúde pública, fiscalização, venda de neros
alimentícios, concessões de terrenos urbanos, medições e alinhamentos das ruas,
terrenos e prédios, fiscalização de obras públicas, estabelecimentos de horários. Uma
das intervenções da Câmara mais freqüente, e que de certa forma, revertia em uma das
maiores receitas do município estabelecidas pelas posturas, eram as concessões de
aforamentos e as licenças pagas pelos munícipes para a obtenção da abertura das
“casas de negócios” .
No que se refere à cobrança dos foros, nos primeiros anos de governo local os
vereadores, ao que consta, se viram embaraçados com relação à concessão de terrenos
por aforamentos; para tanto, em 1862, enviaram uma correspondência ao Presidente de
Província solicitando esclarecimentos como o que segue: o território municipal ainda se
achava indiviso e se a autoridade da câmara circunscrivia-se em ceder apenas
espaços para prédios urbanos ou se poderiam conceder terrenos (embora dentro do seu
município)
267
. Para conhecerem melhor os terrenos urbanos e rurais, em 1864 pediram
à Assembléia Legislativa a planta topográfica da cidade, fato que estava associado com
a questão dos foros, indicando a confusão administrativa logo nos primeiros anos de
governo.
O procedimento para adquirir o terreno era efetuado mediante petição entregue
ao secretário da Câmara, depois ao fiscal que averiguaria se o terreno era, ou não,
devoluto, ou, ainda, se o morador tinha possibilidades para tal direito
268
. A Câmara ao
conceder o lote urbano, enviava o fiscal, o secretário, o arruador, porteiro e
proprietários dos lotes vizinhos (caso tivesse) para que então fosse feita a medição da
área concedida pois, o morador, ao ocupar o espaço adquirido não poderia ultrapassar os
266
Relatório do Chefe de Polícia (1874). APMT: Cuiabá.
267
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1862). APMC: Cáceres.
268
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai de 1860. Artigo 23. APMC: Cáceres.
limites do terreno. Caso o proprietário não tivesse a devida concessão ou, se
ultrapassasse os limites do terreno concedido, seria multado pelo fiscal da Câmara no
valor de 2$400 réis ou 8 dias de prisão, e obrigado a demolir a obra no caso dessa
prejudicar a formosura, decoração e commodidade publica.
269
O arruador era um
agente auxiliar da Câmara, que podia ter um outro ofício e prestar serviço
temporariamente, tendo a função de alinhar as ruas e medir os terrenos urbanos.
São muitos os registros que mencionam concessões de terrenos urbanos aos
moradores de Vila Maria. Ao que consta na documentação, os vereadores por estarem
no cargo de vereança obtinham as concessões de terrenos com mais facilidades.
Adolpho Jorge da Cunha, vereava em 1885 e, na ocasião, obteve mais um terreno
que ficava no fundo de sua residência situada à Rua da Manga. Sobre esse tipo de
concessão, constam em ata os seguintes dizeres: Adolpho Jorge da Cunha pediu duas
braças de terras devolutas existentes nos fundos pelo lado da nascente propriedade do
mesmo peticionário sito a Rua da cadeia nesta cidade posto a deliberação da
Câmara.
270
Assim como Adolpho, outros vereadores também adquiriram mais de um
lote urbano como foi o caso de João Carlos Pereira Leite que possuía quatro
residências na Praça da Matriz, três na Rua 7 de Setembro, duas na Rua de Baixo,
uma na Rua Direita, uma Rua de Baixo, uma Rua da Piúva e uma na Travessa do
Quartel.
271
A obtenção dos muitos terrenos nas mãos de poucos promovia mais ainda a
desigualdade social e a hierarquização do espaço.
Outras normas importantes que constam no Código de Posturas de 1860, eram
aqueles referentes à higiene e, principalmente, as que estipulavam que nos lugares
públicos não deveriam ser lançados imundícies que pudessem causar odores fétidos,
como lançar animais mortos nas ruas. No artigo do Código de Posturas de 1860,
pode ser observada referência sobre a limpeza pública:
É proibido lançar-se em ambas as margens do rio, no lugar superior
a Vila, matérias fecais, corpos em estado de putrefação, como sejam
animais de qualquer espécie mortos, e tudo quanto se ofender a saúde
pública dos habitantes: o infrator levará a multa de 6$rs, ou seis dias
de prisão e do dobro nas reincidências.
272
269
Idem. Op. Cit.
270
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1885). APMC: Cáceres.
271
Lista das décimas prediais de Vila Maria do Paraguai de 1870. APMC: Cáceres.
272
Código de Posturas de Vila Maria do Paraguai de 1860. APMC: Cáceres.
Outro exemplo que diz respeito à saúde pública pode igualmente ser observado
na ata de 1875, sobre o uso do rio por parte das pessoas, homens e mulheres para os
banhos públicos ou lavagens de roupas e de animais
273
. Sobre a prevenção das
epidemias, como no caso da varíola, o Código de Posturas de 1860 não faz menção,
ao contrário do Código de Posturas de 1888, que tratava da salubridade sob duas
formas: a limpeza do espaço público da vila e da prevenção de determinadas epidemias
da época.
Contrapondo ao discurso dos vereadores, em 1889 o jornal “O Atalaia”, da vila
Maria do Paraguai noticiava que o vapor Pedro II, havia chegado na cidade de São
Luis de Cáceres, proveniente do Porto de Corumbá, local onde haviam ocorrido
inúmeros casos epidêmicos. Segundo a notícia, o vapor Pedro II estaria infestado pela
epidemia da varíola, desembarcando os passageiros sem inspeção policial e sem exame
médico. Além disso, o jornal chamava atenção dos vereadores para o problema da
salubridade da seguinte forma:
Tratem quanto antes a Câmara Municipal e autoridade policial (visto
não haver aqui autoridade sanitária) de acordo com os conselhos
médicos que serve nessa cidade, de tomar as indispensáveis
providências higiênicas mandando proceder a limpesa das ruas e
praças... por em execução as posturas municipais que entendem com
salubridade publica, e entre elas a que manda remover do perímetro
da cidade os animais que produzem imundícies, como porcos,
vacas.
274
Chamamos atenção sobre o autor que escreveu esse artigo em um momento em
que findava o regime imperial pois nas bases políticas da coroa imperial havia sido
criado desde a década de 1870, o Partido Republicano, o que poderia revelar postura
política contrária aquela dos vereadores.
O artigo do Código de Posturas em análise revela que embora houvesse um
conjunto de normalizações e de funcionários que compunham o aparelho fiscal com
poderes para garantir as observâncias das posturas, por vezes, este se mostrava
instável.
27
3.1- Discursos sobre os Recursos Diminutos e os
Bons Desejos
Com a instalação da Câmara Municipal em 1859, uma nova etapa surgia no
município de Vila Maria do Paraguai. Lembramos que um dos projetos políticos dos
vereadores de Vila Maria compreendia a (re) construção do traçado urbano e com essa
proposta idealizavam os seus bons desejos”, embora não conseguissem dar solução
273
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1875). APMC: Cáceres.
274
O Atalaia .nº 42. Cáceres, 17 de novembro de 1889. NDIHR.
para todas as questões administrativas. Essas questões eram quase sempre justificadas
pelas “dificuldades orçamentárias”, ou pelos “recursos diminutos”, que perduraram
todo o século XIX. Na tentativa de superar os problemas os vereadores solicitavam
auxílio da província:
Senhores deputados da assembléia legislativa...esta Câmara por si
não pode satisfazer a expectação pública, mas solicita que se torne no
desempenho de seus deveres pela nação de ser município nascente em
que os pequenos rendimentos não se compadecem com os inumeráveis
necessidades que a cada passo nela se encontra....esta mara é
pobre e pobre é o seu município sem rendas não é possível ocorrer as
suas vigentes necessidades a não ser auxiliada pelos cofres da
província.
275
Mas o que significava para os vereadores uma “Câmara pobre”? Para os
vereadores “o município pobre” estava associado com o patrimônio público, que
constituía as terras do rossio destinadas para edificações da vila, como por exemplo a
cobrança de foros constituídos nas posturas do município geravam as rendas da
Câmara.
Na ata de 1864, os camaristas de Vila Maria diziam que embora a “vila
progredisse”, era possível atender apenas as necessidades mais urgentes referentes a
limpeza dos esgotos, a construção da ponte do sangradouro, a reforma da Matriz, a
reforma da varanda no sobrado da casa da Câmara, a construção de uma casa de
mercado e outros mais. Em outras províncias percebemos que nem todas as
necessidades do município eram atendidas pelo governo provincial pois, por exemplo,
as verbas solicitadas pelos vereadores de Guaratinguetá aos presidentes de província,
eram mais recusadas que atendidas.
276
Nos primeiros anos da administração de Vila Maria, os vereadores diziam
para que a vila “progredisse” e para que os problemas financeiros fossem
amenizados, que seria necessário recorrer ao cofre do governo provincial para
obtenção de empréstimos anuais por três anos, conforme consta no documento a
seguir:
Um empréstimo a esta câmara pelos cofres provincial de dois contos
anuais por três anos para a edificação de uma casa de mercado, cuja
quantia e seus juros anuais serão pagos e restituídos ao mesmo cofre
pelos estreitos [...] do rendimento do prédio projetado ficando este
275
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1862). APMC: Cáceres. Grifos da autora.
276
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Op. Cit., p. 151.
expressamente hipotecado aos mesmos cofres e subsidia que seja a
casa de mercado, cuja quantia e seus juros anuais serão pagos e
restituídos ao mesmo cofre pelos estreitos e juros prestados a Câmara
ser lhe transferido a posse e domínio direto do prédio que
continuará como propriedade sua e legítimo patrimônio. Este bazar é
um desideratum que ampare tantas vantagens que a câmara deixa de
consigná-las para não si tornar prolixa. Uma outra consignação de
dois contos de reis por uma só vez para a varanda no sobrado da casa
e cadeia da câmara. Outras muitas necessidades de bastante alcance
ficam por dizer
277
.
A respeito da reforma da igreja matriz são freqüentes as referências nas atas a
respeito do estado de ruína em que se encontrava. Os vereadores explicavam sobre a
vila e para tanto, se fazia necessário uma outra capela capaz de acolher aos fiéis, pois a
existente havia encontrava-se em perigo de desabar:
Infelizmente se celebra os ofícios divinos depõem contra o aumento e
prosperidade deste município e é uma perfeita inversão e desrespeito a
casa do senhor ... se ali continuar a administrar o espiritual será uma
catástrofe
278
.
Maria do Carmo de Mello Rego que esteve em São Luis de Cáceres
279
no ano
de 1886 em companhia do seu esposo, presidente de província Rafhael de Mello Rego,
em seu relato descreveu sobre a igreja dizendo:
A igrejinha? Pequena, pobre, com o seu sino muito desgracioso, fez-me
lembrar de algumas capelinhas nos engenhos do norte. Estava caiada,
mas despida completamente de ornatos, demasiado desguarnecida,
singela. A matriz em construção será, quando concluída esse vasto e
magestoso templo e com certeza, o maior de todo o Mato Grosso.
280
Verificamos que a reforma da igreja matriz, da Casa da Câmara e da cadeia, a
abertura de estradas que ligava Vila Maria à Cuiabá e construção de pontes eram
reivindicações constantes feitas pelos vereadores, ou seja, tais pedidos eram referentes
a infra-estrutura e estavam prescritos na Lei de orçamentos da província de 1835.
281
Como exemplo, para as reformas das igrejas da província o valor prescrito era de
5.600$000 réis
282
.
Vejamos como expressavam-se sobre as receitas diminutas:
277
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864). APMC: Cáceres.
278
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1862). APMC: Cáceres.
279
Lembramos que em 1874 quando Vila Maria do Paraguai se tornou cidade, recebeu a designação de
cidade com o nome de São Luis de Cáceres.
280
REGO, Maria do Carmo de Mello. Memórias Históricas. Lembranças de Mato Grosso. Várzea
Grande: Fundação Júlio Campos. 1993. p. 52. 53
281
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 159.
282
Lei Orçamentária de n° 18, da Província de Mato Grosso (1835). Cuiabá-MT: IMAL.
São inumeráveis necessidades que a cada passo nela se encontra [...],
portanto o vosso auxílio para com mais força ela dar algum impulso
acudindo destas necessidades aquelas que por seu estado e
importância exigem mais pronta reparação
283
.
Quanto aos “bons desejos”, eram expressos de variadas formas, mas geralmente
são apontados assim:
A Câmara Municipal desta vila tendo apresentado senhores, por esta
forma o relatório das necessidades mais urgentes do seu município,
conclui animosa o seu trabalho implorando-vos, sejeis benignos e
indulgentes em relevar-lhe as imperfeições que ela não pode conseguir
como convinha os seus bons desejos.
284
De fato, na cada de 1860 deve ter sido mais difícil para os governantes dessa
localidade, ajustarem os planos políticos que levariam à concretização dos seus
bons desejos”, entendidos como o bom governo, ou ainda, a governança pelo bem
comum social. Os vereadores, afirmavam que:
[...] as coletas dos impostos eram insignificantes contribuições a ponto
de se tornarem indiferentes a um dever que anuncia o seu cumprimento
[...] neutralizando os esforços do agente da câmara que na procura de
legítimo incentivo do dever incentiva a mais completa [...] recalcitante
que pouco será e a esperança menos ainda
285
.
Na tentativa de resolverem as necessidades da urbanidade da vila e de
aumentarem os recursos também apresentavam sugestões ao governo provincial como
poderiam resolver o problema de maneira mais amena. Assim diziam em 1888:
A municipalidade não dispõe de recursos para os serviços de
calçamentos da vila devido a sua escassa receita. Em tais
circunstâncias sugiro de propor a assembléia legislativa que 10% da
exportação da ipecacuanha passe aos orçamentos desta cidade que
será incluído como renda especial e aplicado ao calçamento da
cidade. A ipecacunaha é um produto privativo deste município parece
justo que os tributos sobre ela reverta em benefício exclusivo da
localidade, ficando entretanto o imposto de maior monta para o
orçamento da província. Rogo A v. Exª atender a aludida proposta
que é ao mesmo tempo um respeitosos pedido feito em nome da
Câmara e de seus munícipes.
286
283
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1861). APMC: Cáceres.
284
Idem. Op. Cit.
285
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1864). APMC: Cáceres.
286
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1888). APMC: Cáceres.
No capítulo anterior observamos que cabia à província, o recolhimento dos
impostos de exportação, ou seja, os vereadores de Vila Maria, sugeriam ao governo
provincial alterar o que estava estabelecido pelo Ato Adicional com vistas a aumentar
as arrecadações do município. Por outro lado, a documentação também revela o
esvaziamento dos cofres municipais em razão do repasse do que mais arrecadavam na
vila.
Ao enviarem suas correspondências ao governo provincial os vereadores de
Vila Maria, expressavam suas preocupações e esperavam boa acolhida pela
Assembléia Legislativa, pois tinham de que seriam atendidos pelos “dignos
representantes” a quem pediam auxílio financeiro.
Diante das dificuldades, em 1865, os vereadores explicavam para o Presidente
de província que o envio do orçamento com a receita e despesa do local, havia atrasado
porque o procurador, que até então estava em exercício, havia falecido e, não havia
prestado contas à Câmara, deixando inclusive uma dívida de 890$ reis
287
.
Em Vila Maria do Paraguai o discurso sobre a política urbanística
evidenciava-se sob diversas formas, faziam reverências as riquezas naturais como a
flora e a fauna. Em 1875 foram enviadas por parte da Corte, sementes do eucaliptos
para que fossem plantadas nos largos, ruas e travessas da cidade e distribuídos aos
lavradores para que nos sítios fossem igualmente plantados.
288
Nessa política de
arborização da vila, observamos que estava implícita a preocupação com a saúde
pública.
Os vereadores também apontavam preocupações com o clima solo e com as
chuvas, provocadoras dos alagamento e da formação de pequenas lagoas com águas
estagnadas o que proporcionava doenças, causando os miasmas e exalações
289
. Tais
questões serviam para explicar a falta de canalização do esgoto que deveria ser
escoado para o rio, por isso clamavam com veemência a construção da ponte do
sangradouro na Travessa meridional da Câmara próxima a rua da Manga.
290
Na
época as doenças eram explicadas pela variação climática, os médicos mato-
grossensses aproximavam-se da medicina hipocrática, reconhecendo no meio ambiente
o principal fator patogênico. Segundo Else Cavalcanti, na concepção dos gregos, a
287
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1865). APMC: Cáceres.
288
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1875). APMC: Cáceres.
289
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1873). APMC: Cáceres.
290
A ponte do Sangradouro foi construída na 1ª República e localizava-se no bairro da Cavalhada,
próximo à rua da Manga, destruída na década de 1990 na gestão administrativa de Aluísio C. de Barros.
doença e a saúde estavam intimamente relacionadas à natureza, levando-os a
desenvolverem a explicações naturalistas para a ocorrência das enfermidades.
291
Em 1869, o vereador Bernardino de Souza ao tomar posse enquanto oficial
camarista expressou o discurso da salubridade ressaltando que era preciso tomar
necessárias providências sobre o espaço urbano, pois a falta de asseio das ruas era um
problema que depunha contra os governantes
292
.
Se havia uma preocupação com a delimitação dos espaços dos vivos, os
vereadores procuraram também delimitar um outro espaço para a edificação de um
cemitério em 1860, que segundo os vereadores localizava-se nos subúrbios da cidade
concluído em 1862. Após duas décadas, surgia na localidade, um outro cemitério São
João Batista possuía regulamentos próprios construído na década de 1880
293
. Esse
espaço consagrado aos mortos foi doado por testamento à Câmara por João Carlos
Pereira Leite.
294
Cabe ressaltar que a proposta de construção de cemitérios conjugava
com a idéia de separar os vivos dos mortos.
Segundo Else Cavalcanti, os mortos representavam perigo aos vivos ao
considerar que o corpo em decomposição, sob a influência de elementos atmosféricos,
como o ar, a temperatura, a umidade e a direção dos ventos, formava vapores ou
miasmas que comprometiam a saúde da população.
295
Para corrigir as virtualidades no culo XIX, além da polícia uma série de outras
instituições como as psicológicas ou psiquiátricas
296
, escolas e asilos tentavam
enquadrar o indivíduo.
Dentre as instituições acima mencionadas um aspecto muito freqüente apontado
pelos vereadores de Vila Maria, dizia respeito ao ensino público, cujos gastos eram de
responsabilidade do governo provincial. Segundo os vereadores, havia na vila apenas
uma escola particular, dirigida por homens que “não tinham qualidades próprias
297
e
como muitas meninas se dirigiam para essas escolas, pediam o ensino primário para
291
CAVALCANTI, Else Dias de Araújo. A Sífilis em Cuiabá: saber médico, profilaxia e discurso moral
(1870-1890). Dissertação de Mestrado em História. Cuiabá. UFMT, 2003. p. 54-55. Ainda sobre
cemitérios, ver ROCHA, Maria Aparecida Borges de. Igrejas e cemitérios: as transformações nas
práticas de enterramentos na cidade de Cuiabá (1850-1889). Dissertação de Mestrado em História.
Cuiabá: UFMT, 2001.
292
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1869). APMC: Cáceres.
293
Regulamento do cemitério de São Luis de Cáceres (1880). APMC: Cáceres. Atualmente o cemitério
São João Batista localiza-se na Avenida Sete de Setembro.
294
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1882). APMC: Cáceres.
295
CAVALCANTI, Else Dias. Op. Cit., p. 65.
296
FOUCAULT, Michel. As verdades e as formas jurídicas. Rio de Janeiro-RJ: Ed. da PUC/Depto. de
Letras, 1991. p. 86.
297
Ata da Câmara Municipal de Vila Maria do Paraguai (1861). APMC: Cáceres.
mulheres. Na época o discurso da civilidade incitava que a boa índole e boa moral
dependia da educação escolar.
Outro problema mencionado nas atas era a estrada que ligava Cuiabá a Vila
Maria cujos reclames constantemente eram dirigidos aos presidentes de província pois
segundo os vereadores, as viagens eram longas, e as estradas tornavam-se perigosas
devido as enchentes.
Nesse sentido, os vereadores argumentavam que se não fosse resolvido o
problema das estradas, Vila Maria tornava-se uma terra longínqua” quase que
intransitável. Uma outra questão discursada pelos vereadores referente a estrada que
ligava Vila Maria à Vila Bela da Santíssima Trindade era o ataque dos índios pareci.
298
O cerne dessa questão, era a dificuldade da realização do comércio com outras vilas e
cidades da província, pois a manutenção das estradas de responsabilidade do governo
provincial eram vias de comunicação que permitiam o crescimento econômico da
província.
299
As dificuldades administrativas apresentadas pelos vereadores de Vila Maria
revelam que a vila carecia de infra-estrutura apesar dos seus bons desejos acabavam
expressando a localidade de forma negativa. Essa mesma visão foi compartilhada, pelo
presidente de província de Mato Grosso Augusto João Manoel Leverger:
Vila Maria do Paraguai é um dos distritos da província que apresenta
crescente prosperidade. Tem clima sadio, boas matas mas é um lugar
miserável. A cidade está edificada em um ângulo agudo e reentrante
do rio cujas barranqueiras quase aprumo apóiam sobre areias
movediças e cujo desmoronamento nas cheias tem destruído edifícios
público e particulares e ameaça de ruínas mais ou menos próxima
alguns do que já existem.
300
Francis Castelnau, ao passar por Vila Maria, no ano de 1845, descreveu, por
sua vez, a cidade também de forma semelhante ao do presidente de província
mencionado acima:
Vila Maria essituada na margem esquerda do Rio Paraguai, num
lugar em que a barranca não tem menos de uns dez metros de altura.
Apesar da situação em que está, toda a região em volta não raro se
acha inundada, pois o rio Paraguai, recuando sempre para o lado
esquerdo, tende a destruir o terreno em que está construída a cidade.
298
Ata da Câmara Municipal de São Luis de Cáceres (1875). APMC: Cáceres.
299
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. Cit., p. 159.
300
MELGAÇO, Barão de. Apontamentos para o dicionário corográfico da Província de Mato Grosso.
s/d. p. 61
várias casas desabaram no rio, enquanto outras se acham de tal
modo em risco de cair, que foi preciso abandoná-las
301
Uma outra descrição sobre a cidade de Vila Maria, que em parte difere da visão
dos vereadores, de Francis Castelnau citado pelo presidente de província encontramos
no relato de Maria do Carmo de Mello Rego uma visão mais otimista. Maria do
Carmo, comentava que as ruas não eram calçadas e em épocas de chuvas, muitas
ficavam impossibilitadas de serem transitadas; na praça da Matriz estava a
pequenina igreja e o marco do Jaurú local onde aconteciam as festas da cavalhada e as
procissões. Dizia Maria do Carmo de Mello Rego que tudo no local era calmo,
campestre e poético com muita vegetação o que tornava a cidade cheia de vida, um dos
lugares mais pitorescos da província. As ruas bem traçadas e o cemitério colocado em
lugar conservado, uma cidadezinha um mimo para quem deseja a paz e a solidão.
302
De fato, a igreja e o marco do Jaurú, estavam localizados no largo da Matriz, sonorizada
pelos tambores do quartel que ali encontrava-se localizado e pelos badalos do sino da
igreja
303
. Em frente ao largo da Matriz, o rio Paraguai, movimentava a cidade pelas
embarcações e pelos apitos dos vapores que ali chegavam, pelos passageiros e
mercadorias que iam e vinham. Logo ao lado da praça próximo a rua da Manga,
304
estava a casa da Câmara e a cadeia pública.
No Brasil era comum que em torno da praça principal, se levantassem as
construções públicas e privadas mais importantes como a igreja matriz, o edifício
administrativo, o quartel além de residências de alguns cidadão mais privilegiados. As
construções mais importantes localizavam-se, também nas esquinas e ao longo das
principais artérias urbanas.
305
Quanto as residências desse local, foram descritas pelo viajante francês e
cientista social Hércules Florence, em passagem por Vila Maria em 1829 como um
amontoado de casas em mal estado de conservação e distribuídas em cada lado de uma
grande praça, onde havia uma igrejinha.
306
301
CASTELNAU, Francis. Op. Cit., p. 421.
302
REGO, Maria do Carmo. Op. Cit., p. 53.
303
CASTRILLON, Maria de Lourdes Fanaia. A construção da ordem e da tranqüilidade Pública em São
Luiz de Cáceres. Monografia de Especialização. Cáceres: UNEMAT. 2000. p. 25.
304
Lembramos que atualmente a Rua da Manga é a Rua Quintino Bocaiúva.
305
MAESTRI, Mário. O Sobrado e o Cativo: A Arquitetura urbana erudita no Brasil: o caso gaúcho. p.
90.
306
FLORENCE, Hércules. Viagem do Tiête ao Amazonas (1825-1829). São Paulo-SP: Cultrix . p. 199-
200.
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