Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA
SOLANGE CARLOS DE CARVALHO
ESTUDO VARIÁVEL DO APAGAMENTO DOS
DITONGOS DECRESCENTES ORAIS
NA FALA DO RECIFE
Recife, 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
SOLANGE CARLOS DE CARVALHO
ESTUDO VARIÁVEL DO APAGAMENTO DOS
DITONGOS DECRESCENTES ORAIS
NA FALA DO RECIFE
Dissertação de mestrado
apresentada ao programa de Pós-
graduação em Letras da
Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial
à obtenção do título de mestre em
lingüística.
Orientadora: Prof.ª Drª Stella Telles
Co-orientador: Prof. Dr. Dermeval da Hora
Recife, 2007
ads:
3
Carvalho, Solange Carlos de
Estudo variável do apagamento dos ditongos
decrescentes orais em falares do Recife / Solange
Carlos de Carvalho. – Recife : O Autor, 2007.
102 folhas : il., fig., tab., quadros.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal d
e
Pernambuco. CAC. Letras, 2007.
Inclui bibliografia.
1. Língua Portuguesa Português falado
Brasil.
2. Sociolingüística. 3. Variação lingüística. 4. Ditongo
Apagamento – Recife. 5. Fonologia. I.Título.
801 CDU (2.ed.) UFPE
410 CDD (22.ed.) CAC2007-
16
4
5
A Jefferson, meu amado adjuntor, que me
deu o apoio de que precisava para a
consecução dessa Dissertação; à minha
família que sempre apostou no melhor de
mim e a Adriana, minha filha única, a
quem amo sem limite e a quem, além de
amor e carinho, devo sempre dar exemplo.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço, antes de tudo, a Deus -- autor e consumador da minha -- por sua
presença nos momentos de angústias, pelo refrigério em minh´alma e por me iluminar
nas horas mais difíceis ao longo deste trabalho.
A meu esposo, Jefferson Marques, cuja dedicação, apoio e paciência foram
fundamentais para a realização deste estudo.
A minha filha, Adriana, pela compreensão quando de minhas ausências; pelas
palavras de conforto na finalização de cada etapa deste mestrado.
A Stella Telles, mais do que orientadora, uma conselheira, por sua dedicação e
amizade e, sobretudo, pela proficiência nos encaminhamentos desta pesquisa, sem
esquecer do apoio técnico que me ofereceu durante todo o curso, sem o qual, a
finalização desta dissertação se tornaria uma missão quase impossível.
À professora Dilma Luciano, pelo apoio espiritual nos momentos de desenganos,
sempre com uma palavra de conforto e de incentivo ao fortalecimento de minha em
Deus, instigando-me assim a descansar Nele.
Agradeço também à bibliotecária Ively Almeida, pelo auxílio na normalização
deste trabalho.
Aos meus colegas de mestrado, pela convivência amigável durante o curso, em
que compartilhamos alegrias e tristezas, torcendo uns pelos outros, em especial às
amigas: Carla Carmelita, Edvânia, Flávia e Rosângela, sobretudo ao colega
variacionista, Edmilson de Sá, o que esteve mais próximo a mim durante todo o
segundo ano do mestrado, ajudando-me na organização dos meus dados, no uso do
Programa Goldvarb2001, utilizado para auxílio de análise estatística dos dados
coletados e pela companhia durante todos os congressos que participamos. Muito
obrigada!
A Ricardo Dutra, pela prestação de serviços durante os últimos meses da entrega
do trabalho, bem como a sua mãe, pelo apoio gástrico, no preparo de seus saborosos
quitutes e lanches nos dias de digitação; a Mirian Paula, pelas mensagens de incentivo,
no orkut, estimulando minha autoconfiança, enfim, a todos que, de certa forma, sempre
estiveram próximos, torcendo por mim.
Agradeço ainda a Diva e à equipe da secretaria da Pós-graduação, pela atenção,
disponibilidade no atendimento com que me atendiam, minimizando as burocracias;
como também, às garotas da sala de leitura sar Leal, que sempre me aturaram com
7
paciência; aos estagiários do laboratório de informática da graduação, que sempre
davam “um jeitinho” para que eu ficasse mais tempo no computador, quando nas
finalizações de meus artigos, e, não poderia esquecer da amiga Fátima, da secretaria do
curso de Letras, que vem me aturando desde a época da Especialização no ano de
2004, sempre solícita todas as vezes que dela precisei.
Não posso deixar de registrar aqui, meus sinceros agradecimentos aos
professores do Mestrado, pela confiança que depositaram em mim: Marlos Pessoa, que
me convidou a participar do projeto de publicação de um Manual de Línguas, tendo me
enriquecido sobremaneira com os conhecimentos na história da língua, além de sua
disponibilidade para revisar o capítulo em que faço a retrospectiva histórica; a
professora Nelly Carvalho, cujas aulas interessantíssimas, serviram-me de bálsamo e me
encheram de profundo prazer; ampliando-me os conhecimentos, em termos de visão de
mundo, além de sempre ter nos incentivado a publicar nossos trabalhos; agradeço
também ao professor Xavier, pelo bombardeio de textos científicos, o que nos levou a
refletir sobre as verdades científicas nas perspectivas de Kunh e Popper, cuja leitura me
rendeu um artigo publicado.
Por fim, e, não menos importante, agradeço a todos os entrevistados, pela
colaboração neste estudo, pela atenção dispensada e pelas informações prestadas. Muito
Obrigada a todos!
8
“Quem põe a mão no arado e olha para traz não é digno do reino de Deus”
Lucas, 9: 61
9
RESUMO
Este estudo trata da descrição e análise do apagamento dos glides que compõem os
ditongos orais /aj/, /ej/, /oj/, /aw/, /ew/, /ow/ em falares do Recife, a partir de uma
perspectiva variacionista. Os dados foram coletados seguindo a metodologia laboviana
da "Teoria da Variação" (LABOV, 1972) por ser considerada pertinente para
delimitação de uma amostra representativa, válida para o estabelecimento de
generalizações. Como se trata de uma análise também da variação interna da norma
culta, dentre os fatores extralingüísticos comumente selecionados, como: sexo, faixa
etária, incluímos mais um, referente ao bairro de origem do informante. Com essa
variável poderemos controlar a variação lingüística x origem social do entrevistado.
Quanto aos fatores lingüísticos, consideramos os contextos segmental, prosódico e
posicional de ocorrência do ditongo, assim como a categoria gramatical em que o
mesmo é encontrado. Para a interpretação dos resultados, controlamos os dados
quantitativos com uma avaliação qualitativa do corpus, em que 1135 ocorrências dos
ditongos, 659 foram formados com o glide /j/ e 445, com o glide /w/. Os resultados
alcançados na pesquisa nos levam a uma constatação de que o apagamento dos ditongos
decrescentes orais evidenciam uma mudança, uma vez que os glides quando em
contextos específicos foram praticamente categóricos diante de palatal e tepe.
Palavras-chave: Ditongo decrescente. Variação lingüística. Mudança lingüística,
Sociolingüística. Glide.
10
ABSTRACT
This study is about the description and analysis of the deletion of the glides that
compose the oral diphthongs /aj /, /ej /, /oj /, /aw /, /ew /, /ow / at the speech from
Recife, starting from a variacionist perspective. The data were collected following the
labovian methodology of the " Theory of Variation"(LABOV, 1966; 1972) for being
considered pertinent for the delimitation of a representative sample, valid for the
establishment of generalizations. As it is also an analysis of the internal variation of the
standard form, among the extralinguistics factors commonly selected, as sex, age
group, we included another one, regarding the district of origin of the informer. With
that variable we can control the linguistic variation x the interviewee's social origin.
Concerning the linguistic factors, we considered the segmental, prosodic and positional
contexts of occurrence of the diphthong, as well as the grammatical category in which
the same is found. For the interpretation of the results, we controlled the quantitative
data with a qualitative evaluation of the corpus, in that 1135 occurrences of the
diphthongs, 659 were formed with the glide /j/ and 445, with the glide /w/. The reached
results in the research take us to a verification that the deletion of the oral falling
diphthongs evidences a change, once the glides were practically categorical before
palatal and taps when in specific contexts.
Word key: Falling diphthongs. Linguistic variation, Linguistic Change, Sociolinguistic.
Glide.
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – População residente, área e densidade demográfica,
segundo os bairros do Recife.
Tabela 2 – Variável sexo – glide /j/
Tabela 3 – Variável escolaridade – glide /j/
Tabela 4 – Variável escolaridade – glide /w/
Tabela 5 – Variável faixa etária – glide /j/
Tabela 6 – Variável faixa etária – glide /w/
Tabela 7 – Variável localização de moradia – glide /w/
Tabela 8 – Cruzamento faixa etária X escolaridade
Tabela 9 – Cruzamento faixa etária X localização
Tabela 10 – Cruzamento escolaridade X localização
Tabela 11 – Variável posição do ditongo – glide /j/
Tabela 12 – Variável contexto fonológico seguinte – glide /j/
Tabela 13 – Variável classe gramatical – glide /j/
Tabela 14 – Variável tonicidade – glide /w/
Tabela 15 – Variável contexto fonológico precedente – glide /w/
Tabela 16 – Variável contexto fonológico seguinte – glide /w/
12
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Regiões Político-Administrativas do Recife
Quadro 2 – Contraste de ocorrências entrevista X leitura
Quadro 3 – Contraste de ocorrências em mesmo ambiente fonológico
Quadro 4 – Contraste com flexões do verbo Querer
Quadro 5 – /ow/ em mesmo ambiente fonológico
Quadro 6 – Ditongos falsos e ditongos verdadeiros
Quadro 7 – As variáveis sociais
Quadro 8 – As variáveis estruturais
Quadro 9 – Variáveis selecionadas – glide /j/
Quadro 10 – Variáveis selecionadas – glide /w/
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura silábica (SELKIRK, 1982)
Figura 2 – Representações das estruturas subjacentes dos ditongos pesados
e leves por Bisol (1989)
Figura 3 – Representação de consoante velar no glide posterior como unidade
monofonemática
Figura 4 – Representação das estruturas subjacentes dos ditongos leves e
Pesados por Collischonn (2005)
Figura 5 – Represe
ntação do /s/ pela geometria de traços (CLEMMENTS E
HUMME) 1995
Figura 6 – Ocorrência de ditongos no corpus
14
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 15
2 APORTE TEÓRICO 20
2.1 A Sociolingüística variacionista 21
2.1.1 A pesquisa de Labov 22
2.1.2 A Sociolingüística e seus estudos no Brasil 24
2.2 Apresentação teórica sobre o ditongo 27
I- A perspectiva de Joaquim Mattoso Câmara Jr. 29
II- A perspectiva de Leda Bisol 30
III- A perspectiva de Gisela Collischonn 33
2.3 Os estudos sociolingüísticos sobre o ditongo em outras localizades do Brasil 35
I- Fabiana Silva: O processo de monotongação em João Pessoa
36
II- Raquel Lopes: A realização variável dos ditongos [ow] e [ey] em Altamira-PA 37
III- Gerusa Pereira: Monotongação dos ditongos /aj/, /ej/ e /ow/ no português falado em
Tubarão-SC – Estudo de casos
39
3 DADOS GERAIS SOBRE A FORMAÇÃO DA CIDADE DO RECIFE 42
3.1 As migrações e suas conseqüências 44
3.2 Processo de evolução urbana 46
4 ABORDAGEM METODOLÓGICA 53
4.1 Procedimentos segundo a metodologia variacionista 54
4.2 Utilização das redes de relacionamentos na escolha dos entrevistados 57
4.3 Procedimento para a coleta de dados
58
4.4 As variáveis
62
4.4.1 As variáveis dependentes 62
4.4.2 As variáveis independentes 62
4.4.2.1 As variáveis sociais 64
15
4.4.2.2 As variáveis estruturais 65
5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 66
5.1 Discussão preliminar 67
5.2 Análise estatística e discussão dos resultados 69
5..2.1 As variáveis controladas 69
5.2.1.1 Restrições sociais 70
5.2.1.1.1 Interação dos dados das restrições sociais 74
I – Faixa etária versus escolaridade 74
II – Faixa etária versus localização 75
III – Escolaridade versus localização 75
5.2.2 Restrições estruturais 76
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 84
REFERÊNCIAS 88
APÊNDICES
ANEXOS
16

Linguists have never been unconscious of the
problem of stylistic variation. The normal
practice is to set such variants aside not
because they are considered unimportant, but
because the techniques of linguistics are thought
to be unsuitable or inadequate to handle them.
William Labov
ste estudo trata da descrição e análise da realização variável dos ditongos
decrescentes orais (aj, ej, oj, aw, ew, ow) no português falado na cidade do
Recife-PE, a partir de amostras de fala recolhidas de 48 informantes, todos
nativos, estratificados de acordo com as variáveis sexo, idade, escolaridade e
localização de moradia, donde se infere o provável nível socioeconômico do
entrevistado. Os dados foram coletados em forma de narrativas pessoais, ou entrevistas
sociolingüísticas, devidamente registradas em fita cassete, das quais foram retiradas
1135 ocorrências, em que 659 eram de ocorrências com o glide /j/ e 445, com o glide
/w/. O tratamento e a análise dispensados a tais dados seguem os pressupostos teórico-
metodológicos da sociolingüística variacionista laboviana (1972, 1994). Para um estudo
fonético-fonológico, o enfoque que damos ao fenômeno é sincrônico.
O objetivo precípuo deste trabalho é verificar, a partir dos recortes de fala
espontânea, o apagamento dos glides que compõem os ditongos decrescentes orais
acima referidos, a exemplo de: caixa, faixa, peixe, feixe, outro, ouvir, ouvinte.
E
17
O ditongo no Português é suscetível a regras variáveis de epêntese, de
apagamento, Nosso estudo escentrado na regra variável de apagamento do ditongo.
(Cf. seção 2.2, p.27). Nosso propósito é verificar aonde se sustenta a aplicação dessa
regra variável no uso da língua entre os recifenses. Feita essa observação pela análise
exploratória dos dados coletados, fomos impelidos a investigar as razões que estariam
influenciando a realização e o apagamento dos glides formadores do ditongo. Durante o
processo investigatório, inquiríamo-nos sobre a origem desses ditongos: o porquê de seu
uso variável, quando esta regra variável se aplica? Os imigrantes rurais tiveram maior
influência sobre os falantes recifenses ou não teriam esses recifenses, maior influência
do que os estrangeiros? Quem apaga mais os homens ou as mulheres? Os mais jovens
ou os mais velhos? os menos escolarizados apagam, ou os falantes de nível superior
também aplicam essa regra variável? Não seria a influência da localização de moradia a
mais relevante das variáveis sociais? Este fenômeno de apagamento obedece a uma
ordem social ou não seria apenas uma questão estrutural? E, por fim, ainda nos
inquiríamos sobre o grau de importância dessas respostas para os estudos lingüísticos.
Considerando nosso conhecimento empírico da fala recifense e do contexto
socioeconômico de seus falantes, de um lado, e, de outro, nossa reflexão teórica acerca
do fenômeno da monotongação, levantamos as hipóteses abaixo apresentadas:
a) O contexto social tem forte influência na aplicação de regra variável, por isso
a localização de moradia do falante foi uma das restrições sociais que
decidimos controlar para verificar a motivação na aplicação da regra variável
em estudo, com a qual identificaríamos o status socioeconômico do
entrevistado e pesaríamos, por conseguinte, o grau de sua influência no
condicionamento do fenômeno.
b) Das restrições lingüísticas que decidimos controlar, temos a hipótese de que
o contexto precedente é fundamental para atestar o apagamento do ditongo,
uma vez que são os componentes essenciais para a formação dos ditongos:
[aj], [ej], [oj], [aw], [ew], [ow].
c) Os ditongos formados com o glide /w/ são mais recorrentes na língua e seu
apagamento é mais perceptível, quando precedido pela vogal posterior /o/,
formando o ditongo [ow], pela questão da saliência fônica.
18
Desde o ano de 2004, à época de nossa especialização em Lingüística Aplicada
ao Ensino da Língua Portuguesa/UFPE, quando atualizávamos nossos conhecimentos
lingüísticos então adormecidos desde o ano de 1991, passamos a nos interessar
profundamente por assuntos relacionados aos processos fonológicos por que passa uma
língua, pela condição natural de mudança, tema bastante em pauta nos últimos anos. A
partir das aulas de fonologia, começamos a atentar para as diferenças existentes entre a
pronúncia das pessoas, coexistentes ou não de mesmo espaço geográfico. Naquela
ocasião, a pronúncia de duas colegas nos chamava a atenção, ambas coincidentemente
chamadas Maria Helena, uma delas, também colega de trabalho, natural do Recife, cuja
pronúncia dos gerúndios, por mais espontânea que fosse, não permitia a síncope da
oclusiva sonora /d/, diferente de nossa própria pronúncia que, mesmo em situações
formais, apagávamos o referido fonema; passamos também a observar a pronúncia
muito sibilada do arquifonema /S/ da outra Maria Helena, esta paraibana, fizemos
comparação com a pronúncia dos recifenses, percebemos que indistintamente os
recifenses “chiavam” e sibilavam”. Foi daí que surgiu o interesse em pesquisar
empiricamente a variedade lingüística do Recife, e em buscar explicações fonológicas
para sua ocorrência. Pesquisamos, por ocasião da monografia, realizada para a avaliação
final da especialização, o glide epentético antes de sibilante, uma vez que a inserção do
glide /j/ antes da pronúncia palatalizada era natural em muitas outras cidades, entretanto,
sua ocorrência antes de sibilantes era um fenômeno variável particular do recifense. Ao
ingressar na Pós-graduação, ano seguinte ao da especialização (2005), sentimo-nos
instigadas a continuar as pesquisas empíricas no Recife, em busca de registros para
compor o quadro fonético-fonológico do Recife. Resolvemos, dessa vez, pesquisar mais
um fenômeno variável, agora sobre o apagamento dos glides que compõem os ditongos
decrescentes orais na fala do Recife, cuja representação na escrita se tem afastado
sensivelmente da fala.
As pesquisas realizadas sobre os empregos lingüísticos variantes assumem
importância peculiar, dada a complexidade dos diversos aspectos abordados. O Brasil é
um país que possui grandes diferenças dialetais e também variáveis geográficas dentro
de uma mesma comunidade de fala. Em que pese a crescente demanda de profissionais
qualificados no campo da pesquisa sociolingüística, o estudo variacionista na fala
recifense não tem sido objeto de prioridade entre os sociolingüistas, o que pode ser
comprovado pelos parcos estudos de variação realizados na comunidade do Recife. Tal
fato justifica um reinvestimento na proposta da pesquisa sociolingüística ora
apresentada.
19
Embora reconhecendo que os ditongos são relevantes para a compreensão de
alguns pontos da fonologia do Português, nossa preocupação neste estudo não esteve
centrada no nível fonológico, o que propomos é uma abordagem mais fonética dos
ditongos decrescentes, como mencionamos no início, em que descrevemos a realização
variável desses ditongos a partir do corpus estabelecido (Cf. cap. 4). Consideramos,
por conseguinte, o aspecto fonético-fonológico, como um instrumento metodológico,
não havendo assim necessidade de um recorte no binômio (fonética-fonologia).
Entendemos a relevância de apresentar as discussões levantadas por alguns autores (Cf.
cap. 2) e deixamos para um outro momento, as considerações sobre as implicações
fonológicas do apagamento dos glides que compõem os ditongos decrescentes orais em
estudo.
Desta forma, apresentamos à comunidade científica e a todos estudiosos da
sociolingüística, bem como aos estudantes de lingüística em geral, um estudo em
sociolingüística variacionista, como trabalho final do curso de mestrado em Lingüística,
mediante o qual procuramos atender a expectativa gerada pelas questões levantadas
anteriormente.
O texto está dividido em seis capítulos. Iniciamos nosso estudo apresentando
nossos objetivos e nossas hipóteses sobre o fenômeno em análise.
No Capítulo 2, apresentamos os pressupostos teóricos em três subseções, ocasião
em que traçamos um apanhado geral sobre a Sociolingüística, discorrendo então sobre o
fenômeno mudança e variação lingüística. Abrimos uma subseção, em que tecemos
algumas considerações sobre a pesquisa de Labov em Martha’s Vineyard, uma pequena
ilha em Massachussets, nos Estados Unidos, que tanto inspirou outros estudos de base
empírica, inclusive este. Revisitando o estudo sobre o ditongo, apresentamos o
fenômeno da monotongação no Português do Brasil, as perspectivas de Joaquim
Mattoso mara Jr., Leda Bisol e Giselle Collischonn., na terceira subseção,
comentamos os resultados de outros estudos sobre a monotongação, também na
perspectiva variacionista, realizados em outras localidades do País.
No Capítulo 3, em um recorte histórico do Recife, traçamos o panorama do
processo de formação e urbanização da comunidade de fala recifense. Este capítulo
servirá de base para o estudo sociolingüístico dos entrevistados (na análise dos dados),
e, com um rápido olhar nos estudos de redes, a partir do que observaremos em que
medida as redes de relacionamento podem afetar sensivelmente os falantes dos diversos
bairros e das diversificadas posições sociais.
20
No Capítulo 4, apresentamos a abordagem metodológica, mediante a qual
detalhamos como se deu os procedimentos da coleta de dados, que programa utilizamos
para a análise quantitativa, o que foi considerado relevante pelo Programa, quais as
variáveis descartadas e o porquê, enfim, quais os passos seguidos para a consecução da
pesquisa empírica.
O Capítulo 5 trata da descrição e análise dos resultados da pesquisa. Nesta parte
da dissertação, depois da análise dos dados probabilísticos dos gráficos e tabelas,
discutiremos os resultados, ao tempo em que daremos um tratamento qualitativo à
pesquisa.
.
21
2. 
Concebendo a língua como instrumento social e
sujeita a variações e mudanças, é de suma
importância o conhecimento da realidade local,
sem perder de vista o geral, para que a partir
dele sejam feitas reflexões que contribuam para
algum posicionamento diante do que é dito,
quando é dito e como é dito.
Dermeval da Hora
este Capítulo, abrimos três seções a título de revisão de literatura sobre
nosso objeto de estudo. Na primeira seção, trataremos da sociolingüística
variacionista, em que apresentaremos as contribuições dos estudos
sociolingüísticos, com destaque para Labov, o criador da Teoria da Variação. Em
seguida, na segunda seção, faremos uma apresentação teórica do ditongo nas
perspectivas de Joaquim Mattoso Câmara Jr., Leda Bisol e Gisela Collischonn, por
intermédio dos quais, teremos o entendimento do ditongo no Português para
compreender o fenômeno variável em estudo; na terceira seção, apresentaremos alguns
estudos sociolingüísticos realizados sobre o ditongo, a partir dos quais possibilitamos
uma análise comparativa com os resultados de nossa pesquisa.
2.1 A Sociolingüística variacionista
Várias foram as contribuições dos estudos sociolingüísticos desenvolvidos desde
a Conferência de Lake Arrowhead realizada na Califórnia, no ano de 1964, entre as
N
22
quais se destacaram os estudos realizados por Willian Labov, voltados para a relação
língua-sociedade com finalidade de sistematizar a variação da fala.
Em 1968, Uriel Weinreich, William Labov e Marvin Herzog apresentaram ao
mundo um modelo teórico metodológico, ao qual chamaram Teoria da Variação ou
Sociolingüística variacionista, cujo objetivo era a descrição de uma língua e seus
determinantes. Para esses estudiosos da língua, muito importava descrever os processos
fonológicos das estruturas lingüísticas na fluência temporal, provar a sistematicidade da
“variação”, fundamentando-as e contextualizando-as. Esse modelo reagia à
homogeneidade da língua e considerá-la homogênea seria o mesmo que desprezar o
componente social. O que provavelmente não era a intenção de Labov. A partir da
aceitação do “axioma da heterogeneidade ordenada” Weinreich, Labov e Herzog (2006,
p. 29) definiram os caminhos para o estudo da mudança lingüística.
A variação e a heterogeneidade da língua é um processo intrinsecamente ligado à
mudança lingüística, uma vez que antes de ocorrer a mudança, o fenômeno passa pelo
processo de variação. Um modelo teórico que não leve em consideração a variação e,
por conseguinte, a heterogeneidade, é incapaz de dar conta do problema da mudança.
Desta feita, o estruturalismo não é suficiente, e mesmo, operante no tratamento da
variação e mudança lingüística.
Entende-se por mudança, o processo de substituição, não o resultado desse
processo. Nestes termos, podemos dizer que a mudança lingüística também é variação,
uma vez que se confronta com o caráter heterogêneo do sistema lingüístico. Mediante
uma teoria da mudança lingüística, Weinrech, Labov e Herzog (2006) contribuem para a
teoria geral da linguagem.
A língua tem papel fundamental nas relações humanas, uma vez que já nascemos
cercados pelos signos lingüísticos, e, desde então, passamos por processos de
aprendizados que nos possibilitam a comunicação. Toda a nossa vida em sociedade se
realiza através da língua que viabiliza a comunicação, as relações entre os membros das
comunidades. Essa dinâmica social compreende a vida cultural, científica ou literária de
uma determinada comunidade. Assim a língua atua em prol da interação comunicativa
entre o indivíduo e a sociedade.
A sociedade é objeto de interesse da Sociologia, à Lingüística interessa a língua
em uso, ou seja, a manifestação da vida em sociedade, ligando-se assim à Sociologia, e,
nas décadas de 1950 e 1960, desenvolveu-se a Sociolingüística, cujo interesse está
23
essencialmente voltado para as relações entre as variações lingüísticas e as variações
sociológicas.
À Sociolingüística interessa a importância social da linguagem, desde pequenos
grupos socioculturais a grandes comunidades (MOLICA; BRAGA, 2004).
Dos temas de investigação da Sociolingüística, o que optamos por enfocar para
atender às necessidades deste estudo é “variação e mudança”, cujo papel é fundamental
para os estudos sociolingüísticos. Devemos, portanto, compreender bem os processos
fonológicos para d concluirmos a descrição fonético-fonológica de uma dada
comunidade de fala para a análise quantitativa.
A Sociolingüística variacionista tem por objetivo a descrição estatística de
fenômenos variáveis, pela qual se calcula a interferência de fatores lingüísticos e o
lingüísticos na realização de variantes. Esse modelo teórico-metodológico considera a
língua em seu contexto sociocultural, uma vez que as explicações para os fenômenos
variáveis advêm não de fatores internos ao sistema lingüístico, mas também de
fatores externos a ele.
Idade, sexo, nível socioeconômico, grau de escolaridade são as principais
variantes relacionadas ao falante. O ambiente, o tema, o estado emocional do falante,
bem como o grau de intimidade entre dois falantes estão relacionados à situação, ao
contexto. São influências extraverbais que estão presentes no ato de fala.
Cabe, pois, à Sociolingüística investigar o grau de estabilidade da variação,
prever o comportamento regular e sistemático das variáveis e definir se o caso em
estudo é de variação estável ou mudança em progresso.
2.1.1 A pesquisa de Labov
A tese defendida por William Labov, em 1963, discutia um fenômeno de
mudança fonética na fala dos moradores de Martha’s Vineyard, uma ilha situada perto
da costa do Estado de Massachussetts, nos Estados Unidos. Labov realizou sua pesquisa
sob a orientação do Professor Uriel Weinreich. Sua investigação instigou o
desenvolvimento de outros estudos com análises empíricas que solidificaram a Teoria
da Variação, inclusive esta dissertação que estuda um fenômeno variacionista bastante
difundido na língua falada do Português do Brasil: O apagamento dos ditongos
decrescentes na fala do Recife.
24
Em 1982, com a publicação da tese de doutorado, a pesquisa de Labov tornara-se
mais conhecida. Tratava-se da análise da variação sonora dos ditongos /aj/ e /aw/. A
escolha da comunidade se deveu ao fato de ser ela uma comunidade auto-suficiente,
separada do continente norte-americano por três milhas do Oceano Atlântico, e também
porque a ilha tinha 320 anos de história de povoamento contínuo, cuja resistência
lingüística foi considerada, uma vez que em sua língua eles conservavam algumas
características do sudeste da Nova Inglaterra antes do século XVIII. A ilha de Martha's
Vineyard ainda preservava registro de entrevistas com alguns membros de antigas
famílias da ilha no Atlas Lingüístico da Nova Inglaterra de 1933. Tais registros serviram
de base para uma comparação de dados.
A Ilha tinha uma parte rural, ocupada por veranistas em casas isoladas e por 103
índios nativos, vivendo em aldeia, além de uma imensa área central despovoada,
utilizada apenas para a criação de bezerros. Outra parte da Ilha era constituída de três
cidadezinhas, onde viviam aproximadamente 3/4 (três quartos) da população total.
Labov, numa contribuição sem precedentes para a compreensão do processo de
mudança lingüística, estudou uma característica lingüística marcante na fala espontânea
e com uma distribuição fortemente estratificada: a centralização dos ditongos /aj/ e /aw/.
Ainda nos séculos XVI e XVII o a do ditongo /aj/ era uma vogal meio-central, e
continuou sendo a forma preferencial até o século XIX. Diferentemente do /aj/ o
ditongo /aw/ não era centralizado, mas Labov atribuiu à herança fonética dos yankees da
ilha do século XVII. Para o estudo acurado e sistemático dessa característica, o
variacionista elaborou entrevistas, em que exemplos desses ditongos deveriam surgir
tanto na fala espontânea, quanto na fala monitorada e na leitura. Ele Já observara
previamente que o ditongo /aj/ era mais recorrente que o /aw/, e, por isso, tomou
algumas providências: 1) Elaborou um questionário lexical, em que surgiam palavras
que continham os dois ditongos; 2) Fez perguntas relacionadas a juízo de valor, com a
intenção de gerar frases que motivassem o aparecimento dos ditongos em estudo, além
de explorar a orientação social do informante; 3) Providenciou que os entrevistados
fizessem uma leitura (especial), usada como um teste para verificar a habilidade de ler
uma história naturalmente, contendo os referidos ditongos e, além das entrevistas, fez
muitas observações por todos os locais que freqüentava (bares, restaurantes, lojas, ou
mesmo nas ruas das cidades e em diversos outros locais). Todas as pistas disponíveis
foram utilizadas por Labov com intenção de descobrir o que direcionava a distribuição
da centralização desses ditongos.
25
Antes de considerar os fatores sociais que poderiam influenciar a variação, Labov
considerou a influência do ambiente lingüístico no condicionamento fonético,
procedendo a uma análise estrutural do fenômeno.
1
Embora os veranistas tivessem se tornado necessários à sobrevivência da Ilha, os
pescadores de Chilmark, segundo Labov (1972), não viam com bons olhos sua presença
na Ilha, acreditando que tais veranistas perturbavam o equilíbrio da comunidade local.
Ainda assim, quarenta anos depois, os nativos (Chilmarkers) tratam os veranistas com
desdém, ou melhor com indiferença, uma vez que precisavam deles para seus negócios,
e sentem que perderam o espaço para aqueles que, por sua vez, se sentiam “os donos do
lugar”. Os jovens perderam até o interesse em pescar, e mesmo de permanecer na Ilha.
Com o passar dos anos, foi constatada uma mudança em progresso
2
na centralização do
ditongo /ay/ e a explicação para isso é a influência do novo tipo de economia (turística)
instalado ao longo dos anos, corroborando a hipótese de Labov de que as mudanças
sonoras são motivadas socialmente.
Assim como Labov, tentamos seguir os mesmos procedimentos em nossa
pesquisa empírica, diferenciando apenas o fenômeno variável. Enquanto ele observara a
centralização de dois ditongos, nós observamos o apagamento dos glides que compõem
o ditongo na comunidade de fala recifense.
2.1.2 A Sociolingüística e seus estudos no Brasil
A língua, como se sabe, tem estreitas relações com o social e está, por
conseguinte, sujeita à variação e à mudança. A variação, como objeto central de
investigação, faz parte do cotidiano das pessoas. O conhecimento sobre os processos
fonológicos por que passa uma língua deve ser do interesse de qualquer falante,
sobretudo, para aqueles que trabalham com a linguagem no processo ensino-
aprendizagem. Os que exercem a função de ensino da Língua precisam ter consciência
da realidade lingüística local, como adverte Hora (2004, p. 9). Essa realidade variável é
refletida a partir de experiências empíricas. A “alienação” alimenta preconceitos em
relação a falares locais que retratam uma realidade específica.
1
Em nossa pesquisa, consideramos primeiro a análise social, por acreditarmos inicialmente na
sobrelevância das variáveis sociais sobre as variáveis estruturais.
2
O grau de variação estável ou em progresso é medido pela variável faixa etária (Cf. NARO, 2004, p. 47)
26
Do ponto de vista dos critérios de definições das variedades da língua para a
análise sociolingüística, os estudos dialetológicos realizados no Brasil, nos primeiros
anos do século XX, atribuíam aos diversos falares do Português denominações como
“culto”, “popular” “dialetal” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 39), entretanto, se
conheciam as características inerentes às variedades e, segundo essa autora,
“misturavam critérios analíticos, não se fazendo distinção entre as variedades regionais,
socioletais ou até mesmo, funcionais”.
Valendo-se dos avanços teóricos da Sociolingüística, Bortoni-Ricardo (2005, p.
39) apresenta as diferenças entre a heterogeneidade relacionados a fatores estruturais (a
dicotomia rural/urbano; região geográfica; redes de relações sociais etc). A autora
compreende a ecologia do Português do Brasil como um continuum de urbanização”
que vai desde o dialeto caipira” à variedade urbana culta. Ela apresenta dois tipos de
regras:
regras que definem uma estratificação ‘descontínua’ e que
caracteriza maior grau de estigmatização na sociedade urbana
hegemônica, e regras graduais, que definem uma estratificação
contínua e estão presentes no repertório de praticamente todos os
brasileiros, dependendo apenas do grau de formalidades que eles
conferem à própria fala. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 40),
Quanto aos encaminhamentos dos estudos de base sociolingüística, podemos
retomar a Sociolingüística brasileira dos anos 1960, a qual encontrou um fórum de
debate aberto na Abralin, que permitiu seu amadurecimento e expansão, devido à
necessidade de se compreender a realidade lingüística do Brasil, em que as dimensões
sociais distintas configuram um quadro sociolingüístico complexo. A partir da
academização da Lingüística no Brasil, as especificidades do Português falado no País
tornaram-se acentuadas, fato que o distanciou ainda mais do Português europeu. O
contato lingüístico entre as diversas regiões, a heterogeneidade dialetal também foram
questões de destaque entre os estudiosos da língua. Daí germinaram trabalhos pioneiros
de descrição da língua falada no Brasil, tais quais os de: Marroquin (1934), no Nordeste;
Nascentes (1953), Amaral (1955), em São Paulo e Mattoso Câmara Jr.(1975), cujo
trabalho de pesquisa tomou como base a fala do Rio de Janeiro. Este último expoente da
Lingüística serviu de norte para o estudo dos ditongos decrescentes orais na fala
27
recifense, objeto de estudo desta pesquisa, além da perspectiva de Bisol (1991) e de
Collischonn (2005). (Ver seção 2.2, p.27)
Uma diversidade de projetos que contemplam realidades locais e regionais
serviu de apoio para o desenvolvimento de inúmeras pesquisas sociovariacionistas no
Brasil, a saber: o VARSUL (contém a fala do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná); o NURC
3
(contém a fala de cinco cidades do Brasil: Recife, Salvador, Rio de
Janeiro, São Paulo e Porto Alegre; o VALPB
4
. Devemos lembrar ainda o projeto
Competências básicas do português (LEMLE & NARO, 1977), o LUAL A língua
usada em Alagoas (MOURA, 1997), o projeto de estudos da confluência dialetal na
nova capital brasileira de Stella Bortoni-Ricardo, em 1984, a Gramática do português
falado do Professor Dr. Ataliba Teixeira de Castilho, em 1990 todos voltados para
análise lingüística dos grandes centros urbanos. Destacamos também as pesquisas sobre
os dialetos rurais (RODRIGUES, 1974); as relevantes pesquisas do grupo coordenado
por Fernando Tarallo (1983), com a proposta de uma Sociolingüística Paramétrica,
continuada por vários pesquisadores, os quais contribuíram para o conhecimento das
características do português brasileiro e das mudanças em curso nessa variedade. Todas
as pesquisas foram relevantes para a aquisição de conhecimento sobre a sistematicidade
de uso lingüístico e dos processos de mudança na variedade do Português do Brasil.
Outro nome que podemos citar, devido à relevância de seus trabalhos para o
desenvolvimento dos estudos variacionistas no Brasil, inclusive este que ora
apresentamos, é o de Hora (2004, p.13-28), que faz uma retrospectiva dos estudos
sociolingüísticos, desde os neogramáticos, passando pelos estruturalistas e gerativistas,
até o desenvolvimento da Teoria da Variação.
De cada perspectiva teórica apresentada, o autor supracitado pontua os aspectos
mais relevantes, bem como apresenta os seus precursores e a visão que têm da língua.
Numa linguagem clara e concisa o autor discorre sobre as teorias fonológicas,
contribuindo assim para os avanços dos estudos lingüísticos no Brasil.
2.2 Apresentação teórica sobre o ditongo e as perspectivas de Joaquim
Mattoso Câmara Jr., Leda Bisol e Giselle Collischonn
3
O critério para a escolha das cidades que compõem o Projeto NURC-Norma Urbana Culta, foi: a cidade
ter 100 anos de fundação e a concentração demográfica ser de 1.000.000 habitantes. (SÁ, 2005, p.11)
4
Os falantes que compõem a amostra do VALPB – Projeto de Variação Lingüística no Estado da Paraíba
são todos naturais de João Pessoa e nunca dela se ausentaram. (DA HORA, 2004, p.10)
28
O ditongo é uma seqüência de segmentos vocálicos no interior de uma sílaba,
em que um dos segmentos é compreendido como uma vogal propriamente dita (a que
constitui o pico da sílaba) e o outro é interpretado como semivogal ou glide, ou seja,
vogal sem proeminência acentual no ditongo (SILVA, 2002, p. 94).
Para caracterizar o glide faz-se uso dos símbolos [j] e [w] como é generalizado
na Língua Portuguesa. Os glides [j] e [w] são diferentes das vogais [i] e [u] porque são
levemente acentuados sem esforço muscular, essas vogais são denominadas “vogais
frouxas” e não constituem sílabas independentes. No ditongo, a vogal e o glide se
encontram na mesma sílaba, com já dissemos, o que não acontece com o que se
convencionou chamar de hiato, o qual consiste em uma seqüência de vogais
pronunciadas em sílabas distintas: [I.ta.’u], “Itaú”. Existem dois tipos de ditongos:
crescente e decrescente, entretanto alguns autores consideram apenas a existência dos
ditongos decrescentes na língua, o que discutiremos mediante o ponto de vista de
Joaquim Mattoso Câmara Jr., Bisol e Collischonn, como veremos mais adiante.
Quanto às origens dos ditongos, dizemos apenas que o fenômeno de redução do
ditongo já vem do latim, cujos ditongos (ae, oe, au, eu) eram reduzidos a vogais
simples, inclusive o [ow] que era um ditongo mais raro no Latim, foi também reduzido
a [o]. Coutinho (1976) afirma que a tendência à redução vem do latim vulgar, como o ei
do latim falado ai. Segundo ele, a mudança pode ter-se originado por diversos motivos:
a) queda de um fonema interno (amai > amai > amei; b) transposição do –i– (metátese)
para uma sílaba anterior (< aria > area > eira; baijo (< basiu > beijo); c) vocalização
do c antes de t e s (lacte > leite; laixar < laxare > leixar (arcaico); c) O ditongo [ow]
advém do [aw] latino: thesauro > tesouro (ficando tesoro na fala), paucu > pouco, lauru
> louro etc. pode se originar também de: a) síncope de um fonema medial: amavit >
amou; b) metátese d o –u- para a sílaba precedente: houve < habui > houve; soube <
sapui > soube; c) vocalização da lateral /l/ antes das consoantes c, p, t: paupar < palpare
> poupar; antro < alt(e)ru > outro.
Nosso propósito, entretanto, não é adentrar numa análise diacrônica dos
ditongos
5
, apenas mostramos que a retrospectiva histórica nos ajuda a compreender
melhor a sistematicidade com que a língua está organizada hoje.
5
Sobre a redução dos ditongos aconselhamos ver o artigo de: Carvalho, (2005) Estudos contrastivos dos
ditongos decrescentes orais em português e espanhol, artigo apresentado em Pôster no CIPLA, em que se
faz uma retrospectiva do ditongo desde o latim clássico.
29
A diversidade de estudos realizados em torno do ditongo é bastante significativa:
Mattoso Câmara Jr (1985); Bisol (1994, 1996, 2006); Collischonn (2005); Paiva (1986,
2003), entre tantos outros. Para esses autores, incluímos também Lopez (1979), a
Língua Portuguesa não possui ditongos crescentes, uma vez que na seqüência GV, o
glide geralmente está em variação livre com a vogal homorgânica (BISOL, 1991, p.56).
Apresentamos aqui as perspectivas de algumas autoridades lingüísticas no que respeita à
estrutura silábica e ao ditongo. Para Mattoso mara Jr.(1992)
6
, se considerarmos as
vogais assilábicas como fonemas consonânticos, aumentamos o número de consoantes
no Português, e por conseguinte, diminuímos os tipos de sílabas. Se, porém, as
interpretamos como alofones posicionais vocálicos dar-se-á o contrário. Ele se mostra
tendencioso a considerá-las alofones vocálicos. Argumenta que o /r/ brando existe
depois do ditongo, e se assim o é, existindo depois de vogal, criando assim uma
oposição ao /r/ forte, então a sua presença entre ditongo e vogal força a interpretação
favorável à vogal assilábica, mesmo em se tratando de termos fonêmicos, como vogal e
não consoante.
Os ditongos são uma peça fundamental para compreendermos questões
fonológicas da língua portuguesa. Nossa abordagem neste estudo, volta-se para análise
fonético-fonológica dos ditongos decrescentes orais: /aj/, /aw/, /ej/, /ew/, /oj/, /ow/,
descrevendo seu apagamento mediante análise de um corpus definido (ver cap. IV
Metodologia). Acreditamos que o recorte fonético-fonológico é tão-somente um
instrumento metodológico e não análise lingüística isolada. Desta feita, consideramos as
reflexões de Joaquim Matoso Câmara, Leda Bisol e Giselle Collischonn, vistas com
mais detalhes no tópico a seguir. Em momento posterior, esperamos poder discutir as
possíveis implicações fonológicas do fenômeno variável em estudo.
I - O Ditongo na perspectiva de Joaquim Mattoso Câmara Jr.
Como o estudo dos ditongos relaciona-se com a compreensão da sílaba,
principiamos a discussão revisitando os pressupostos de Mattoso Câmara Jr. quanto à
estrutura silábica.
6
Mattoso Câmara Jr. (1992, p. 55), embora pondo em cheque a existência de tais ditongos, aceita as duas
possibilidades de descrições (hiato ou ditongo crescente). Bisol (1989, p. 56) é mais categórica quando
diz que a língua portuguesa não tem ditongos crescentes, seu principal argumento é que “o glide na
seqüência GV está em variação livre com a vogal homorgânica”. Trataremos desse assunto com mais
detalhe mais adiante.
30
Para Mattoso Câmara Jr. (1985, p. 53), a sílaba é uma divisão espontânea,
percebida na segunda articulação
7
e deve ser percebida como “a estrutura fonêmica
elementar”. Em que pese esta compreensão, este autor não se detém no estudo do molde
silábico do Português, como o fizeram outros. Para ele, quer se trate do efeito da
audição, da força expiratória ou muscular (SAUSSURE, 1973), a sílaba, como já
observado anteriormente, é formada a partir de um movimento crescente até um ponto
culminante (ápice) e de um movimento decrescente. Sugere que o símbolo V para o
centro da sílaba e C como elemento que ocuparia a margem da sílaba, em que V seria
uma sílaba simples e CV, uma sílaba complexa crescente, VC seria a sílaba
crescente-decrescente. A sílaba aberta (livre) seria a composta por V ou CV e a fechada
(travada), VC e CVC.
Em Português, a parte decrescente da sílaba é ocupada pela vibrante /r/, pela
lateral /l/, pelo arquifonema fricativo labial /S/ ou o arquifonema nasal /N/, apenas um
desses elementos pode constituir a coda silábica (par-te, pers-pectiva, sol-to, pas-ta,
can-to). Mattoso Câmara Jr. registra também a presença das vogais altas, em Português,
como alofones assilábicos (pei-to, pau-ta). Essas vogais altas (i, u) podem funcionar
como C e terem a natureza de V, podendo assim ser representadas como CVC ou
CVV
8
, em que a primeira pressupõe uma sílaba travada e essa última está em variação
livre. Eis porque temos no Português a passagem do ditongo ao monotongo (o caso do
apagamento dos glides /j / e /w/ e a variação livre também da divisão silábica na
seqüência átona, a exemplo de vai.da.de ou va.i.da.de, segundo o autor, pode-se optar
pela primeira divisão considerando a contagem em uma única sílaba métrica de um
ditongo seguido de outra vogal como cai.a.do ~ caia.do
9
.
A interpretação da vogal assilábica como V no final do centro silábico aponta
para uma questão de transição fonêmica, em que a vogal assilábica é emitida
reduzidamente, por isso chamada de semivogal e deve ser indicada por uma letra
exponencial
10
/pe
i
tu/, /pa
u
ta/. (MATTOSO CÂMARA Jr., 1985, p.54).
Outra questão para a descrição da estrutura silábica no Português apontada por
Mattoso Câmara Jr. (1985, p. 55) é sobre a real existência de ditongos na língua,
sugerindo este autor que o que chamamos ditongo muitas vezes não passa de hiato
7
Mattoso Câmara Jr. faz referência à dupla articulação da linguagem, segundo a qual a enunciação
lingüística é composta de seqüências vocais (MATTOSO Câmara Jr., 1970, 23). A primeira articulação
está intrinsecamente relacionada à comunicação, como base da língua.
8
Matoso já analisou as sílabas com ditongo como travadas.
9
Vale dizer que no NE esta última divisão (em que a vogal posterior é unida ao ditongo) não faz nenhum
sentido, uma vez que a prolação de ar para essa vogal é outra.
10
Em referência à semivogal, optamos por usar, neste estudo, a terminologia glide.
31
(duas vogais silábicas contíguas), e que, por conseguinte, a solução esteja na existência
ou não de pares opositivos mínimos, como por exemplo: a vogal tônica seguida de
vogal átona (sai, pais) ou a vogal átona seguida da tônica (saí, país), sendo a seqüência
acentual idêntica nos dois exemplos do par.
Mattoso Câmara Jr. chama atenção para o dialeto falado no Rio de Janeiro (base
da sua descrição), no seguinte exemplo: rio/riu (substantivo ou 1ª pessoa do singular do
presente do indicativo do verbo rir e riu, pessoa do singular do pretérito perfeito do
mesmo verbo.
11
Para finalizar a proposta de Matoso Câmara Jr. para os ditongos, temos que, para
o autor, o Português somente os aceita quando um dos segmentos vocálicos é tônico,
uma vez que dois segmentos átonos criam a chamada variação livre”. Registra então
onze ditongos decrescentes orais na língua e apenas um crescente: /a
i
/, /a
u
/, /éi/,
i
/ /éu/,
/êu/, /i
u
/,
i
/,
i
/,
u
/, /u
i
/.
12
A vogal assilábica /u/ após a plosiva labial diante de vogal
silábica: /k, g/
u
(a, é, ê, i ó, ô), a exemplo de : qual e de seu plural quais /k
u
ais/ em que
um ditongo crescente mais um decrescente com única vogal assilábica forma o que
tradicionalmente chamamos tritongo.
II - O ditongo na perspectiva de Leda Bisol
Ainda discutiremos a questão da posição ocupada pela vogal assilábica,
recordando que para Mattoso Câmara Jr., os ditongos podem ser vistos como uma
estrutura VC, constituindo, por conseguinte, uma sílaba travada, ou como VV, em que
faz parte de uma sílaba aberta, dando preferência a estrutura VV para análise em
Português.
13
Para Bisol (1989), a vogal assilábica nos ditongos decrescentes ocupa a posição
da consoante, ou seja, fica na coda silábica. Os glides /j/ e /w/ comutam com consoante
(mar, mau). Para a autora, todas as semivogais são vogais altas que se tornam glides
durante o processo de silabação.
Como Mattoso Câmara Jr. (1985) e Collischonn (2005), Bisol também afirma
que não há, de fato, ditongos crescentes, uma vez que o glide está em variação livre com
11
A tempo, lembra Câmara Jr., que esse ditongo do Rio de Janeiro (e em tantas outras áreas do Brasil)
não é sentido no Rio Grande do Sul, como não o é em Lisboa-Portugal.
12
Para Mattoso Câmara Jr. o ditongo /ów/ só existe na vocalização do /l/ pós-vocálico sol /sów/.
13
Para melhor compreensão da visão auto-segmental no estudo dos ditongos decrescentes, aconselhamos
rever os pressupostos da teoria fonológica não-linear (GOLDISMITH, 1976) no que respeita à teoria da
sílaba e aos ditongos.
32
a vogal homorgâmica (BISOL, 1991, p. 56), a exemplo de quiabo [ki.a.bu ~ kia.bu], iate
[i.’a.ti ~ ‘ia.ti], suar [sw’ar ~’swar] os únicos ditongos que não permutam com hiatos
são qual [‘kwaw], quando [‘kwã
n
du] e quociente [kwosie
n
ti], constam porém do
dicionário, lexemas como forma alternativa quociente ~ cociente, quatorze ~catorze,
quotidiano, cotidiano. A seqüência consoante velar/glide posterior vem do grupo [k
w
] /
[g
w
] vem do latim e a língua portuguesa demonstra tendência de apagar como os
exemplos supracitados (COLLISCHONN, 2005). Segundo esta autora, a consoante
velar e o glide posterior, seguidos de a/o formam uma única unidade fonológica (um
segmento complexo).
- O falso e o verdadeiro ditongo
De acordo com Bisol (1991, p.51), dois o os tipos de ditongos existentes na
Língua Portuguesa: o fonológico e o fonético, ou seja, o verdadeiro e o falso ditongo. O
verdadeiro, invariante (Reitor, Paula), está representado na estrutura subjacente da
língua por duas vogais, como um autêntico ditongo (o decrescente em que a segunda
vogal é o glide), já o apenas fonético (o falso), ou seja, que, vez por outra, se manifesta
(peixe pexe), possui, na estrutura subjacente, apenas uma vogal, estando o glide em
nível mais próximo à superfície. Ambos se configuram de acordo com a estrutura
silábica. Ditongos que possuem duas posições na rima são preservados na língua (boi,
pai, céu); os de única posição no esqueleto prosódico são suscetíveis de monotongar
(caixa, feira, peixe). Os primeiros, argumenta a autora, são pesados e criam pares
mínimos com a vogal simples, se forem “apagados”,
14
alteram o significado da palavra
(pauta/pata; teima/tema), os de única posição, os ditongos leves (ligados a um único
V) alternam com a vogal e não ocorre mudança de significado [fejra/fera], [fajša/faša].
Vejamos uma representação dos ditongos pesados e leves em Bisol (1994, p.):
a) Ditongos pesados b) Ditongos leves
R R
|
X X X
14
São ligados a dois elementos V.
33
| |
[ ] [ ] [ ] [ ]
Fig. 2 Representações das estruturas subjacentes dos ditongos pesados e leves (Bisol, 1989, p.190)
Recordamos aqui a abordagem teórica de Bisol, quando toma a sílaba como
“objeto multidimensional de seqüência de segmentos” (BISOL, 1989, p. 186). Os
constituintes da sílaba são organizados hierarquicamente em camadas (tier da laba, da
rima, prosomelódico) e podem ser também representados por C e V, mas estão na linha
prosódica ligados ao onset e à rima. O X da árvore representa o tempo correspondente
aos elementos da sílaba.
Os pesados o fonológicos e os leves são fonéticos. A autora parte do
pressuposto de que o verdadeiro ditongo possui duas vogais na forma subjacente, a
segunda por sua vez irá se consonantizar por silabação. (a formação do glide faz parte
do processo de silabação). o falso ditongo ocupa uma representação no nível
prosódico e, portanto, apresenta variação com a vogal simples. É comum esse tipo de
ditongo ocorrer antes de palatais e vibrante. Vejamos a representação do verdadeiro e do
falso ditongo:
Outro argumento de Bisol (1991) diz respeito ao acento primário, em que as
palavras finalizadas por ditongos fonológicos (verdadeiros ditongos) como as palavras
que terminam em consoantes, atraem o acento.
Segundo Bisol, o glide ocupa a posição de consoante, ficando assim, na coda da
sílaba. Logo, elementos como /j / e /w/, comutam com consoantes também em posição
de coda, a exemplo do par opositivo mar e mau.
Bisol (1991, p. 52) propõe que o ditongo /ej/, no ambiente de tepe //, alterna
livremente com a vogal simples, sem mudar o sentido, ou seja, este contexto favorece o
apagamento do ditongo.
III - O ditongo na perspectiva de Gisela Collischonn
Collischonn (2005) retoma o ditongo em Mattoso Câmara Jr. e em Leda Bisol,
para os quais os reais ditongos no Português são os decrescentes. Para Bisol a seqüência
VV (glide-vogal) resulta da ressilabação pós-lexical, isto é, o ditongo crescente não faz
34
parte do inventário fonológico da língua portuguesa, surgindo da fusão de rimas de duas
sílabas diferentes. Segundo a autora o que ocorre é que a seqüência glide-vogal está em
variação livre com a vogal alta correspondente.
Collischonn (2005, p. 121) registra, entretanto, a existência de um ditongo
decrescente que não comuta com o hiato, (qual, quando, quociente), este último como
outros já estão dicionarizados como forma alternativa (cociente, cotidiano, catorze).
Na proposta de Collischonn, a consoante velar mais o glide posterior são
indicados no léxico como unidade monofonemática /k
w
e /g
w
/. O glide situado no ataque
não ramificado forma com a vogal seguinte um ditongo crescente em nível pós-lexical
(e somente neste nível).
/k
w
al/
|
0
A R
| / \
K
w
a l
Fig. 3 - Representação da consoante velar mais glide como
unidade monofonemática
Como observado no esquema acima, temos um segmento complexo, em que a
consoante velar /k/ e o glide posterior/w/, seguido de a/o, formam uma única unidade
fonológica (um segmento consonantal com articulação secundária vocálica).
Para Collischonn (2005, p. 105), rimas constituídas apenas por uma V são
consideradas leves, enquanto rimas que contém CC, VC, VV, esta última longa, são
consideradas pesadas.
15
Collischonn (2005, p. 124), apresenta um esquema que representa os falsos e os
verdadeiros ditongos:
a) verdadeiro ditongo b) falsos ditongo
15
Cabe dizer que o ataque não é relevante para o peso da sílaba. Há, entretanto, uma proposta (Hyman,
1985) que menciona uma unidade de peso na sílaba que se chama mora, de acordo com essa proposta,
uma sílaba pesada teria duas moras e uma sílaba leve, uma mora apenas.
35
σ
σ
R
R
A A
| |
C V V C V
| | | | / \
p a u (ta) p e i (xe)
Fig. 4. Representação dos falsos e verdadeiros ditongos
O que Collischonn observa é que o falso ditongo surge diante de uma palatal.
Alega que a palatal é consoante com articulação secundária, segundo a Geometria de
traços de Clements (1985) e, como tal, possui traços consonantais e traços vocálicos.
Esses últimos podem se espraiar em contexto específico, como /e/ ou /a/.
Vejamos ainda a representação que faz do /S/ pela geometria de traços de
Clements e Humme (1995 apud BISOL, 1994, p. 128).
/S/
|
r
|
co
[+cont] PC
[coronal] [vocálico]
PV abertura
|
[coronal]
r = raiz PC = pto art. Cons.
CO = cavidade oral PV = pto art. vogais
Fig. 5. Representação do /S/ pela Geometria dos traços (Clemments e Hume)
Como visualizado acima, na representação de /S/ o nó vocálico de /S/ espraia-se
para a esquerda unindo-se ao nó de ponto de C da vogal.
Por fim, uma vez apresentado a perspectiva de alguns estudiosos sobre o objeto
de estudo dessa pesquisa, ou seja, o ditongo, cujo conhecimento favorece a
interpretação e análise deste estudo sociolingüístico, apresentamos agora o resultado de
outros estudos sociolingüísticos sobre a monotongação, realizados em outras
localidades no País.
36
2.3 Estudos sociolingüísticos sob
re o ditongo em outras
localidades do Brasil
O apagamento dos glides que compõem os ditongos decrescentes orais é um
fenômeno corrente no Português falado no Brasil. A tendência ao apagamento de
ditongos não é só exclusividade do falante recifense; o processo de monotongação vem
sendo objeto de estudo de outras regiões, a saber, no sul do país (CABREIRA, 1996),
em que se reconhece o apagamento do ditongo /ow/ como categórico na fala espontânea
do Português do Brasil, atestados em todos os contextos nas cidades de Curitiba,
Florianópolis e Porto Alegre); na mesorregião do Pará, onde se realizou o estudo do
ditongo /ow/ e /ej,/ em 2002, por Farias; Morais (2002); Yonne Leite (2003, p. 235)
refere-se ao ditongo ow como “virtualmente desaparecido na fala”, em que cita exemplo
de vocalização do l ao lado de exemplo de apagamento do glide (w). Em que pese o
registro que faz a referida autora do desaparecimento deste ditongo, necessário se faz
que tais processos fonológicos sejam descritos, uma vez que o Brasil convive com uma
vasta diversidade lingüística, seja ela diatópica (responsável pelos regionalismos
oriundos de falares locais, onde se encontra a diferença entre a linguagem urbana e a
linguagem rural), ou diastrática, ou seja, sociocultural, que ocorre dentro da linguagem
de uma determinada comunidade.
Ressaltamos a relevância dos estudos que descrevam os processos fonológicos
nas diversas regiões do Brasil. Por conseguinte, a falta de estudos sistemáticos da fala
recifense, como é o caso do apagamento dos ditongos decrescentes orais (até onde
sabemos, nenhum acervo registra sua ocorrência), justifica uma análise descritiva
quantitativa e uma interpretação qualitativa dos dados.
Nesta terceira seção, apresentaremos os resultados de alguns trabalhos que já
foram realizados sobre a monotongação numa perspectiva variacionista, como os de
Silva (2004), em João Pessoa; Lopes (2002), em Altamira/PA; Pereira (2004) em
Tubarão-SC.
FABIANA SILVA – O PROCESSO DE MONOTONGAÇÃO EM JOÃO
PESSOA
Silva (2004) apresenta os resultados de sua pesquisa sobre a monotongação de:
[aj], [ej] e [ow], os quais foram obtidos pela análise individual de cada ditongo nos
seguintes fatores: contexto fonológico seguinte, escolaridade e tonicidade.
37
a) O ditongo [aj] O resultado da pesquisa para este ditongo apontou que o índice de
apagamento foi muito alto antes de palatal (0.89). Quando o contexto seguinte não se
tratava de uma palatal, não havia apagamento, pois, na maioria dos casos, eram ditongos
verdadeiros formadores de pares mínimos, assim, o glide se encontra na estrutura
subjacente, sendo por isso preservado (SILVA, 2004, p. 33). Quanto ao fator tonicidade,
o [aj] pretônico mostrou-se favorecedor da regra de apagamento (0.93). Em relação à
escolaridade, deu-se que os menos escolarizados foram mais suscetíveis à aplicação da
regra variável de apagamento do ditongo, por exemplo, 0.85 para os falantes sem
escolaridade, 0.70 para os falantes com aquatro anos de escolaridade; já os falantes
com mais de onze anos, tiveram baixo índice de monotongação (0.35).
b) O ditongo [ej] Para este ditongo, os segmentos condicionantes de apagamento
foram: vibrante [0.99], fricativa [š] (0.93) e [ž] (0.69). Novamente temos que o tepe e as
palatais apresentaram-se como condicionantes do apagamento quando em contexto
seguinte.
Tais resultados corroboram os de Paiva (1996), Cabreira (1996) e os de Lopes
(2002). Como o ditongo [aj], o [ej], também quando pretônico, mostrou-se favorecedor
da monotongação (0.67), o que não aconteceu com o ditongo [ow], cuja sílaba tônica foi
a condicionante do apagamento (0.52), enquanto em laba pretônica o índice foi de
apenas (0.17).
Quanto à escolaridade, a escola de fato exerce influência sobre o comportamento
lingüístico dos falantes, os quais demonstram conhecimento da forma chamada
“padrão” os falantes da língua “culta”; os falantes com menos grau de escolarização são
os mais inovadores, enquanto os mais escolarizados resistem ao processo de mudança.
c) O ditongo [ow] Para a autora, a tendência de redução do [ow] a [o] data de muitos
anos, desde o século XVII, em Portugal. A redução desse ditongo no Brasil acontece em
palavras derivadas e o derivadas. Segundo ela, a informação de que a monotongação
do [ow] é condicionada quando este ditongo se encontra em sílaba tônica (0.52),
diferente do que ocorreu com os ditongos [aj] e [ej], cuja monotongação foi favorável
em sílabas pretônicas. O contexto fonológico seguinte foi a segunda restrição estrutural
mais relevante para a monotongação do ditongo [ow], cujos segmentos mais favoráveis
à aplicação da regra foram: vogal (o.64) e nasal (0.63). O programa selecionou, dentre
as restrições sociais, apenas a escolaridade, segundo a qual, os falantes menos
38
escolarizados monotongaram mais (0.66) e os falantes com mais de onze anos de
escolaridade aplicaram menos a regra variável (0.26).
A autora conclui que o ditongo [aj] é o que menos apaga, o [ej], quando tônico
final nunca é apagado e o [ow] monotonga-se em quaisquer contextos. A probabilidade,
de acordo com os índices de redução, é que estamos provavelmente diante de um estado
de mudança consumado.
RAQUEL LOPES – A REALIZAÇÃO VARIÁVEL DOS DITONGOS [ow] e [ej]
NO PORTUGUÊS FALADO EM ALTAMIRA-PA
Lopes (2002) apresenta um estudo variável dos ditongos [ow] e [ej], com o
propósito de analisar o apagamento dos glides [w] e [j] nos referidos ditongos.
Constatando que os ditongos /ow/ e /ej/ se realizam de forma bastante variável entre os
falantes de Altamira, em sua fala espontânea. As variáveis selecionadas foram oito
estruturais e quatro sociais. As estruturais foram: classe morfológica do vocábulo em
que ocorre o ditongo, posição, localização do ditongo na estrutura morfológica da
palavra, tonicidade, contexto fonético seguinte e contexto fonético precedente, natureza
de origem/uso do vocábulo e status fonológico do ditongo. Para variáveis sociais foram
escolhidas as seguintes: sexo, faixa etária, escolaridade e renda.
podemos perceber, pela quantidade de variáveis selecionadas, que a autora
foi bastante minuciosa em sua seleção. Para efeito comparativo, e, de certa forma,
didático, comentaremos os resultados de algumas.
Os resultados de sua pesquisa foram apresentados separadamente para os
ditongos [ow] e para [ej], em que primeiramente se discute os resultados das variáveis
lingüísticas para o ditongo [ow], em seguida, se discute as mesmas variáveis para o
ditongo [ej]. Logo após apresentação dos resultados das variáveis lingüísticas, apresenta
os resultados das variáveis sociais. Por fim, apresenta as variáveis que foram
descartadas pelo programa, porque não demonstraram relevância para a aplicação da
regra de monotongação de acordo com a análise probabilística realizada. Sua pesquisa
obteve os seguintes resultados:
.
I- Ditongo [ow]
a) Posição O resultado para a posição do ditongo no vocábulo apontou que, em
posição final (.77), o ditongo [ow] se apresentou favorável à monotongação. O
39
expressivo peso relativo dessa posição revela o forte condicionamento que essa
variável exerceu no apagamento desse ditongo.
b) Contexto seguinte Os resultados para o contexto seguinte apontaram que os
segmentos velares [k, g] (.87), bilabiais [p,b] (.86) e labiodentais [f, v] (.58)
favoreceram o apagamento do glide [w], mas o tepe (.40), as dentais [t, d] (.25),
as alveolares [s, z] (.19), não. Contudo, Lopes (2003) alerta que “tais segmentos
não retêm o ditongo, apenas favorecem menos a monotongação do que aqueles
elencados no primeiro grupo”. Segundo Paiva (1996, p. 232), esse processo
independe de restrições contextuais.
c) Contexto precedente – Essa variável se mostrou altamente condicionante da
monotongação, quando se trata de tepe (.83), como em melhorou. Pausa (.70),
velar (.66), vogal (.66), dental (.65), alveolar (.59).
II- Ditongo [ej]
Para o ditongo [ej], foram selecionadas as seguintes variáveis contexto seguinte,
natureza morfológica do ditongo, escolaridade, tonicidade e valor fonético do ditongo.
Os segmentos seguintes que influenciaram a monotongação do [ej] foram: tepe [.98],
fricativas palato-alveolares [š] (.93) e [ž] (.89). Diante dos resultados apresentados,
podemos confirmar que para esta variável contexto seguinte, em que o fator tepe (0.99),
(cadeira > cadera), seguido em grau elevado de apagamento das palatais (0.64) (feijão
> fejão; deixa > dexa), foi condicionante do apagamento do referido ditongo.
Segundo Lopes (2003), o apagamento deste ditongo está relacionado aos
contextos seguintes (tepe, fricativa, palato-alveolares), sugerindo que seja por causa da
presença de seu traço [+ alto] das palatais que é compartilhado pela vogal; no caso do
tepe //, cujo traço é (+ soante) e + cont. é assimilado pela vogal que sofre a queda.
.
GERUSA PEREIRA MONOTONGAÇÃO DOS DITONGOS /aj/, /ej/ e /ow/
NO PORTUGUÊS FALADO EM TUBARÃO-SC: ESTUDO DE CASOS
Pereira (1996) realiza um estudo de casos para analisar o apagamento dos
ditongos /aj/, /ej/ e /ow/ na fala dos habitantes de Tubarão, em Santa Catarina. A autora
discute os resultados de sua pesquisa em quatro seções. Na primeira, analisa os dados
dos corpora 1 (textos orais de 14 informantes do projeto PROCOTEXTO/UNISUL, Na
segunda seção, faz a análise dos resultados dos corpora 2 (textos orais extraídos de duas
40
telenovelas da Rede Globo: “Coração de Estudante” (2002) e “Mulheres Apaixonadas
(2003); na terceira seção, os dados analisados estão reunidos nos corpora 3 (textos orais
de publicidade, retirados de comerciais de TV (2002), e, por último, os dados dos
corpora 4 (textos escritos por pessoas da primeira série do ensino fundamental).
Para atender ao propósito desta dissertação, cujos textos são recolhidos da fala
espontânea, por meio de entrevistas sociolingüísticas, apresentaremos os resultados
apenas dos corpora 1. As variáveis lingüísticas escolhidas foram: a) classe de palavra;
b) tipo de vogal do ditongo (a, e, o), c); contexto anterior (anterior ao ditongo); d)
contexto posterior (ou contexto seguinte aos glides /j/ e /w/). As variáveis
extralingüísticas controladas foram: a) localização geográfica; b) idade (12-16, 25-49 e
mais de 50); e) escolaridade.
Foram consideradas excluídas as formas verbais da terceira conjugação na
terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo (destruiu); os verbos em
terceira pessoa do singular do pretérito perfeito, cuja desinência termina com glide /j/
(foi), o verbos da primeira conjugação, no mesmo tempo referido acima, em primeira
pessoa (fiquei) que não se apagam. Os resultados, dispostos em tabelas (5,6,7), apontam
que houve apagamento categórico (100%) quando o contexto seguinte é uma palatal. Na
tabela 6, controlou-se a idade e a escolaridade dos informantes, e o resultado foi que,
nos contextos posteriores, palatais, labiais, alveolares também foram favoráveis à
supressão dos glides (100%), configurando um resultado categórico. A tabela 7
confirma que antes de velares, alveolares e palatais, o ambiente (contexto posterior) é
favorável ao apagamento. As tabelas 8, 9, 10 apresentam o resultado segundo os
corpora 1, considerando a semivogal como o contexto posterior e o contexto anterior
antes da vogal do ditongo (a, e, o). Para melhor visualizar os dados estatísticos, vejamos
a tabela 8 a seguir:
Contexto posterior à semivogal
palatal
ocorrências 75/75
% 100%
Total de ocorrências
75
Na tabela 9 abaixo, verificamos o apagamento da semivogal do ditongo:
41
Contexto posterior à semivogal
palatal tepe
ocorrências
164/164 401/401
% 100% 100%
labial alveolar
ocorrências
3/3 5/5
% 100% 100%
Total 573 573
Como podemos observar nos quadros acima, os resultados do apagamento das
semivogais em contexto posterior (palatal, tepe, labial e alveolar) deram categórico
(100%), ou seja, todos os falantes entrevistados pela autora, em Tubarão/SC, aplicam a
regra variável de apagamento.
Quanto às restrições sociais, a escolaridade, quando elevada, favorece a
supressão dos glides. A variável sexo aponta as mulheres como mais conservadoras, ou
seja, apagam menos que os homens. Segundo a autora, as mulheres “são mais sensíveis
aos valores sociais que condicionam o uso da língua” (PEREIRA, 1996, p. 68).
Por conseguinte, podemos resumir a discussão dos resultados dos corpora 1 da
pesquisa em Tubarão/SC, dizendo que as restrições sociais não foram condicionantes da
supressão dos glides nos ditongos decrescentes orais. Os fatores lingüísticos, por sua
vez, motivaram o apagamento dos ditongos /aj/, /ej/ e /ew/. O contexto posterior que se
mostrou o fator mais condicionante da supressão dos glides foram: palatal, tepe, labial e
alveolares, enquanto que os fatores mais condicionantes do apagamento dos glides
foram apenas a palatal e o tepe.
Para finalizar esta seção, em que quisemos apenas pontuar historicamente
aspectos que nos ajudam na compreensão da regularidade da língua hoje. Entendemos
que os ditongos são peça fundamental para compreendermos questões da fonologia do
Português, por conseguinte, nossa proposta considera o binômio fonética-fonologia
como instrumento metodológico, pois consideramos necessário discutir os resultados a
que chegaram outros autores para, em momento posterior, discutir os implicações
fonológicas do apagamento dos ditongos orais decrescentes que ora apresentamos. Cada
estudo vem contribuir para a consciência mais ampla da existência de quadros variáveis
no Brasil
42
43
3. DADOS GERAIS SOBRE A FORMAÇÃO
DA CIDADE DO RECIFE: Breve retrospectiva
Grande parte das pesquisas contribuem
para o entendimento mais aprofundado
sobre processos de mudança, lançando
mão de dados históricos e de dados de
diferentes lados da língua.
Cecília Molicca e Cláudia Roncarati
Recife, capital de Pernambuco, representa o núcleo da região metropolitana
do Nordeste e está situado no litoral nordestino. Possui uma área de
219,493km (IBGE, 2006). Desde os áureos tempos da exportação do açúcar,
à época em que era intermediário comercial de Portugal, o setor terciário do Recife
sempre foi o grande responsável pelo desenvolvimento econômico da cidade. Constam
desse setor atividades comerciais e de prestação de serviços
16
.
A configuração físico-territorial do Recife apresenta as diferenças provocadas
pelo quadro sócio-econômico que se consolidaram ao longo de sua história. A cidade
exibe a convivência de seus habitantes: próximos territorialmente, mas separados pelas
enormes diferenças sociais.
17
Para a compreensão da variedade lingüística atual da comunidade em estudo,
faz-se necessário uma descrição das raízes sócio-históricas das primeiras redes sociais
desta comunidade de fala. Assim levamos em consideração a dimensão histórica da
comunidade, ou seja, sua história regional e sociocultural que, segundo Dittmas (1982,
apud Tarallo, 1985, p. 221) “entra de maneira complexa nas suas interações”.
16
site:http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/inforec/cidade.php, onde se pode obter maiores
informações sobre o aspecto histórico, econômico e cultural do Recife.
17
O município do Recife reconhece a existência de 66 Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS (áreas de
assentamentos habitacionais surgidos espontaneamente), disseminadas pelo espaço urbano. Frente à existência de
perto de 490 favelas, representando 15% da área total do município e 25% da área ocupada, as ZEIS agregam cerca
de 80% delas. Revelam, então, o esforço governamental de encarar o problema social
O
44
O povoamento do Recife data do final do século XVI, contudo sua emancipação
política se deu no ano de 1823, quando da sua elevação à categoria de cidade.
18
A cidade do Recife originou-se a partir de um pequeno porto que impulsionava a
população às atividades comerciais. Cortado entre rios, o Recife está localizado no
litoral oriental da Região Nordeste do Brasil. Seu patrimônio histórico é resultante da
colonização portuguesa e de influências estrangeiras, marcadamente a influência
holandesa. Desde 1630 até os anos de 1654, dá-se a tomada do Recife pelos holandeses
que a transformaram num centro cosmopolita como diz Freyre (1978, p. 45) e corrobora
a informação de que, por essa época, a população européia somam em “cerca de dez
mil habitantes” (PESSOA, 2003, p. 84) acrescentando que tendo sido o Recife na
origem ocupado por simples pescadores nascido imerso na exploração da cana-de-
açúcar, é sem dúvida “fruto dessa ruralidade” que tão bem caracteriza o Brasil colônia.
19
Antes de sua expulsão, depois de 24 anos de governo, Nassau criou as pontes que fazem
da cidade a Veneza Brasileira. Podem-se observar as construções de diferentes estilos
arquitetônicos, datadas dos séculos XVII e XVIII, muitas delas restauradas, resultado
da mistura das várias influências sofridas nos períodos de dominação holandesa,
francesa e portuguesa.
3.1 As migrações e suas conseqüências
A feição étnica do Recife se constituiu de índios, portugueses, africanos, e,
evidentemente, imigrantes do interior. Antes mesmo de o Recife deixar a condição de
vila, estrangeiros europeus e africanos imigravam no Recife, aumentando o índice
populacional. Em final do século XVIII, foi a vez dos fluxos ultra-regionais, como os
imigrantes do interior. De acordo com os dados informacionais contidos em Andrade
(1979, p. 72), o número de nascidos no Recife (entre 1790 e 1849) representava 65% a
72% da população total e fins do século XIX e começo do século XX. Este número
desceu para 54% e 57%. A entrada de estrangeiros portugueses se deu no período de
1790-1806 a 20% até o início do século XX (3% a 5%), enquanto o número de
18
Recife era Vila desde 3/3/1710 e elevou-se à categoria de cidade em 5/12/1823, pelas honras advindas
da carta imperial, cumprida a 52/1824. (KOSTER, 2002)
19
As marcas da presença dos holandeses podem ser notadas ainda hoje na arquitetura da cidade em
construções como Forte do Brum e no legado de pintores como Franz Post e Albert Eckhout, que
retrataram o Recife do século XVII.
45
imigrantes do interior de Pernambuco, bem como de outras províncias do nordeste,
aumentou de 16% a 39% nas duas primeiras décadas do século XX. Durante os anos
sessenta, a população do Recife cresceu com 58% de imigrantes.
Fato que não se pode deixar dar relevância é que o fluxo migratório do interior
para o Recife não se deu por uma atração representada pela “expansão das atividades
urbanas” ou mesmo por “uma dinâmica funcional intensa” (ANDRADE, 1979, p. 78), e
sim, devido à precariedade da economia interiorana. Segundo o referido autor, uma das
razões que pesava na saída do lugar de origem era o desejo de melhores condições
financeiras e também razões de ordem familiar.
O Projeto Nurc apresenta recortes da norma urbana culta oral dos habitantes de
cinco cidades que foram escolhidas como as mais representativas, do falar brasileiro
20
:
Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A variação lingüística mais
prestigiada a o início do século XIX, de acordo com Pessoa (2003, p. 81), foi a
variedade urbana mais próxima ao modelo lingüístico de Portugal, e a variação menos
prestigiada foi a de origem rural, mais influenciada pelo Português do século XV e XVI.
Consideram-se dois tipos de migração para a formação de centros urbanos: a
migração campo-cidade e a elevada corrente migratória de Portugueses. Esses dois tipos
de migração foram as mais contundentes para a formação da variedade lingüística
urbana do Recife (PESSOA, 2003, p. 103).
Em 1850, pode-se dizer que a maioria dos brasileiros dominava uma variedade
de natureza rural, com os fluxos migratórios do campo e de Portugal, segundo o
supracitado autor, houve uma escie de “nivelamento” lingüístico para uma língua com
traços urbanos, porém de base européia. Sabemos que a língua em contato varia,
conforma-se, modifica-se. As pessoas advindas de outras regiões, com sua variedade
cultural e traços lingüísticos específicos, entraram por processos fonológicos,
morfológicos e lexicais de maneira que se foi modificando o comportamento lingüístico
do recifense. Foi de fundamental importância para o Recife o processo migratório.
Houve, sem dúvidas, um crescimento que elevou a cidade a um verdadeiro processo de
urbanização, chegando a se constituir (século XVIII) como a terceira cidade em
destaque no Brasil, perdendo para o Rio de Janeiro e Salvador (PESSOA, 2003, p.
104).
20
Para a escolha das cidades mais representativas do falar brasileiro, o Projeto Nurc tomou os seguintes
critérios: As cidades deveriam ter 100 anos de existência, uma concentração demográfica de hum milhão
de habitantes. Para mais informações sobre o Projeto Nurc, recomendamos a leitura de et al (org), A
língua Falada culta na cidade do Recife, 2005.
46
A mobilidade geográfica é um dos fenômenos responsáveis pelas transformações
na vida e na cultura do País, afetando sensivelmente a língua, ou melhor, os dialetos. É
um processo sociolingüístico de transformação dos dialetos rurais nas variedades
urbanas, de acordo com Bortoni-Ricardo (1989, p. 167). No Recife não foi diferente.
O fluxo migratório dos caixeiros viajantes, e de muitos portugueses, contribuiu
para a “europeização” do Português falado no Recife. Segundo (COWELL, 1975 apud
PESSOA, 2003 p. 48), no século XIX, ocorre um processo de crescente fluxo
migratório de pessoas de fala rural, dá-se então o fenômeno de Koineização
21
no
processo de formação de uma variedade urbana, devido à influência que,
provavelmente, os negros exerciam sobre as elites coloniais e imperiais, na medida em
que muitos indivíduos, de origem negra, ascenderam socialmente. Daí as elites que
foram surgindo tinham origem popular. Com a faculdade de Direito, as elites passam a
se formar aqui, a exemplo de Machado de Assis (mulato), o poeta Luiz Gama (negro), o
jornalista do Recife Antônio Pedro de Figueiredo, entre outros.
22
A fala do povo passou
a ser influenciada pelas diferentes origens, criando uma nova maneira de falar, que
devia se distanciar da fala portuguesa.
Em que pese a presença de caboclos descendentes indígenas, a miscigenação que
constituiu a população do Recife deu-se fortemente com os africanos, uma vez que o
Recife, como centro de relevância econômica e cultural, importava muitos escravos.
Além do mais, como disse Pessoa (in pers.com, 2007)
23
, segundo os historiadores, mui-
tos índios, por esse tempo, estavam mortos ou viviam refugiados no interior, o que
havia eram caboclos emigrados do interior, descendentes de índios, no meio urbano
havia mais africanos que índios. Sem negar a influência indígena para o Português do
Brasil, em se tratando do Recife, a influência africana
24
foi marcante para a fala
recifense, uma vez que os negros estavam sempre em situação de contato lingüístico
mediante variadas profissões que ocupavam na sociedade (vendedores, ferreiros,
impressores, sapateiros e muitas outras, constituíam assim o operariado urbano).
25
21
Koiné significa "comum", e designa a língua única, comum a todos, por conseguinte estamos nos
referindo ao uso da língua geral que era falada na mistura dos dialetos.
22
Cf. capítulo sobre a ascensão do negro em Sobrados e Mucambo de Gilberto Freyre.
23
Marlos Pessoa é professor de Lingüística Histórica pela Universidade Federal de Pernambuco.
24
Recomendamos para um aprofundamento sobre a influência lingüística dos africanos no português do
Brasil a leitura de Cunha-Henckel (2005).
25
Para uma melhor compreensão da constituição lingüística e, mais precisamente, ético-social,
recomendamos a leitura dos escritos deixados pelos viajantes que visitaram o Recife no século XIX, a
exemplo de Koster (2002).
47
3.2 Processo de evolução urbana
Um conjunto de estreitas ilhas e Camboas, originárias de depósito trazidos pelos
rios e pelas correntes marítimas e do aterro de manguezais, deu origem à cidade do
Recife. Foi a partir de seu Porto que o Recife se desenvolveu. A ocupação se limitava a
uma pequena povoação (marinheiros, carregadores e pescadores), que moravam em
casas de palha na extremidade sul da península. Até a chegada dos holandeses, o Recife
dependia de Olinda - local de moradia da aristocracia do úcar. Os holandeses se
estabeleceram nas terras baixas do Recife, talvez porque o sítio de Olinda não servia aos
seus propósitos comerciais e militares, ou quem sabe não fora a semelhança do sítio do
Recife com as terras da Holanda? O fato é que a ocupação foi feita por soldados,
colonos, habitantes de Olinda (por ocasião em que a cidade havia sido incendiada pelos
holandeses) e por imigrantes judeus.
A invasão dos holandeses foi decisiva para o direcionamento dos três eixos de
urbanização da parte central do Recife, com a construção de fortes e redutos para
impedir os ataques por terra e, também, através da intervenção planejada de Maurício de
Nassau. O primeiro eixo seguiu em direção ao norte do Bairro do Recife, no caminho
para Olinda, onde atualmente, encontra-se o Forte do Brum (Cf. foto no Anexo III) e a
fábrica de biscoitos Pilar. O segundo eixo atravessou o rio Capibaribe e ocupou a ilha de
Antônio Vaz, atuais bairros de Santo Antônio e São José. Ainda durante o século XVII,
construiu-se a Fortaleza das Cinco Pontas e a ligação por dique, deste forte ao "Aterro
dos Afogados", atual rua Imperial. O terceiro, configurou-se nos meados do século
XVIII, a partir da implantação do aterro da Boa Vista, na margem esquerda do
Capibaribe, contornado a rua da Imperatriz e, na parte mais firme, o bairro da Boa
Vista. Vale lembrar que, em paralelo aos eixos, os aterros contribuíram para ampliar a
área construída das ilhas do Recife e de Antônio Vaz; dos arredores do Cabanga, da Boa
Vista, dos Coelhos e da Ilha do Leite; bem como dos dois lados da bacia do Pina e nas
imediações da área portuária.
Devemos ressaltar a importância das intervenções públicas, que modificaram as
paisagens, nos séculos passados. o podemos esquecer a pioneira intervenção
planejada a partir do plano Pieter Post encomendada por Nassau e parcialmente
executada na Ilha de Antônio Vaz (bairro de São José). Em meados do culo XIX,
foram as reformas do Conde da Boa Vista; no início do século XX, Sigismundo
Gonçalves, no bairro do Recife. Estenderam-se estas intervenções, nas décadas de 40-
48
50, com a abertura das avenidas Guararapes e Conde da Boa Vista, chegando ao
prolongamento da abertura da avenida Dantas Barreto nos bairros de São José e Santo
Antônio ocorrida na década de 70.
26
O crescimento urbano do Recife se em dois momentos: O primeiro, pode-se
dizer que foi praticamente nos quatro primeiros séculos com as conquistas gradualmente
de terras secas, segundo Menezes (1988, p. 45), aproveitando os assoreamentos e
ampliando o arruamento primitivo com novas ruas”. O segundo momento, após 1907,
dá-se quando da conclusão do mapeamento da cidade por Douglas Fox
27
, e, em
Londres, registra-se o mapa litogravado e colorido do Recife. A partir de então as
avenidas são construídas e começa a construção do Porto do Recife, para usar as
palavras de Menezes (op cit), o Recife é mutilado com a “destruição” do Recife mais
antigo, abrindo espaço para as avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda, seguindo-se
da avenida Guararapes, no Bairro de Santo Antônio e, por fim, Avenida Dantas Barreto,
no bairro de São José.
A cidade do Recife, mais especificamente, o bairro do Recife foi se
especializando, a partir dos holandeses, como centro comercial, intermediando a
circulação de mercadorias em função da presença do porto e dos judeus, comerciantes
por excelência. Surgiram sobrados com o comércio localizado no térreo e a moradia nos
andares superiores. Com a especialização cada vez maior do centro (setor de serviços e
bancário) a população foi deixando o centro como lugar de moradia; São José que era
habitado pela classe dia na década de 30-40, passa pela deterioração das habitações,
surgimento de cortiços e pensões e depois, estabelecimentos comerciais; o bairro do
Recife, no início do século XX, já apresentava alto grau de especialização, como local
portuário e entreposto comercial. Nos outros bairros, continuou a predominância da
função residencial, inclusive para a população de baixa renda - os mocambos se faziam
presentes em toda cidade.
A mudança de uso, de habitação para comércio e serviços, iniciada no começo
do século XX, no Bairro do Recife, continua em meados do século, em São José e Santo
Antônio, se intensifica na década de 1960 na Boa Vista e Santo Amaro e agora, mais
recentemente, na Ilha do Leite.
26
Para se ter uma idéia panorâmica dos bairros São José, Santo Antônio e Boa Vista, recomendamos o
Altas Histórico Cartográfico do Recife, que reuni mapas em que se pode perceber graficamente o
crescimento urbano do Recife, através de mapas e fotografias, um verdadeiro resgate dos registros que
compõem a história do desenvolvimento urbano dessa cidade. (MENEZES, (org), 1988).
27
Cartógrafo que fez o mapa em tela “planta da cidade do Recife” em 1906-07 (MENEZES, 1985, p. 45)
49
A cidade hoje apresenta um ambiente natural diversificado de planícies, morros,
mangues, rios e praias. O conjunto de ilhas, formadas pelos rios que entrecortam a
cidade a tornou conhecida no país como Veneza Brasileira”. Segundo Freyre (1978,
p.4) os que dela se aproximaram não mais a quiseram deixar, a exemplo de Tobias
Barreto. Franceses, ingleses, cariocas, paulistanos, gaúchos, mineiros, que trouxeram
suas “ingresias” e foram marcados pelo contato. Vejamos o texto abaixo, em que o
sociólogo expressa, quase que poeticamente, esse contagiante apego ao Recife:
O Recife (...) delicia-se em converter não-recifenses em
recifenses. Recifenses por adoção que, depois de algum
tempo de residência no Recife, passam só a dizer “o
Recife” e o “Recife”; e se dizem gente “do Recife” e
não de Recife”. O que tem havido e continua a haver.
Foi o caso até de um Tobias Barreto. Chegou, viu e
recifensizou-se. (FREYRE, 1978).
28
Um dos primeiros europeus a se encantar pelo Recife fora o comandante das
tropas holandesas e governador-geral da então Nova Holanda, Maurício de Nassau que,
ao pisar na misteriosa cidade, não quisera mais voltar.
29
Havia, ao longo do Capibaribe, muitos engenhos onde se concentravam a
população (cerca de 100 a 200 moradores em cada engenho). Graças a esses engenhos,
por ocasião da urbanização, formaram-se os bairros no Século XIX, à moda de antigos
sítios do século XIX (PESSOA, 2003, p. 84).
A partir da urbanização do Recife, podemos caracterizar sua área em núcleos,
dentre eles o núcleo dos engenhos localizados às margens do rio Capibaribe, a saber: o
da Madalena, Torre, Casa Forte, Apipucos, esses núcleos passaram a denominar bairros,
muito arborizados até hoje. São bairros de alto poder aquisitivo, como classificou
(BEZERRA, 1995, p. 11), pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, ao tempo em
que registra a divisão do Recife em seis Regiões Político-Administrativas-RPAs para
especificar as áreas, em que para cada RPA identificava o número de domicílios
28
Gilberto Freyre, na mesma obra, continua mencionando as gentes de notória relevância social que se
“converteram” ao Recife: generais, almirantes, brigadeiros e até grandes missionários protestantes,
gerentes de bancos, de organizações americanas, de companhias européias, cônsules, entre outros.
Pessoas que depois de conhecer o Recife, quiseram nele permanecer. O Recife havia recebido em seu
desenvolvimento urbano, engenheiros de diversos países como o francês Louis Léger Vauthier, que
construiu o Teatro Santa Isabel, e o Cemitério Santo Amaro.
29
O recifense hoje tem o instinto de preservação da cultura local, ao ponto de o governador decretar que
os trios elétricos toquem apenas ritmos locais. Na arte, o Recife tem alguns expoentes como Manuel
Bandeira e João Cabral de Melo Neto, na Literatura; Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro, nas artes
plásticas e Chico Science, o criador do Mangue Beat, que deixou seus ritmos (mistura de melodias locais
com a música eletrônica
50
carentes, com necessidade de atenção nas áreas de infra-estrutura, saúde, educação e
economia. Para visualização da distribuição dos bairros por RPA (ver Quadro I a
seguir).
Quadro 1 - Regiões Político-Administrativa do Recife
Especificações das Áreas Quant. BAIRROS
RPA – 01
11
Recife, Santo Amaro, Boa Vista, Cabanga, Ilha do Leite,
Paissandu, Santo Antônio, o José, Soledade, Coelhos, Ilha Joana
Bezerra.
RPA – 02
18
Arruda, Campina do Barreto, Campo Grande, Encruzilhada,
Hipódromo, Peixinhos Ponto de Parada, Rosarinho, Torreão, Água
Fria, Alto Santa Terezinha, Bomba do Hemetério, Cajueiro,
Fundão, Porto da Madeira, Beberibe, Dois Unidos, Linha do Tiro.
RPA – 03
29
Aflitos, Alto do Mandu, Alto José Bonifácio, Alto José do Pinho,
Apipucos, Brejo da Guabiraba, Brejo do Beberibe, Casa Amarela,
Casa Forte, Córrego do Jenipapo, Derby, Dois Irmãos, Espinheiro,
Graças, Guabiraba, Jaqueira, Macaxeira, Monteiro, Nova
Descoberta, Parnamirim, Passarinho, Pau Ferro, Poço, Santana,
Sítio dos Pintos, Tamarineira, Mangabeira, Morro da Conceição,
Vasco da Gama
RPA – 04
12
Cordeiro, Ilha do Retiro, Iputinga, Madalena, Prado, Torre, Zumbi,
Engenho do Meio, Torrões, Caxangá, Cidade Universitária, Várzea.
RPA – 05
16
Afogados, Areias, Barro, Bongi, Caçote, Coqueiral, Curado,
Estância, Jardim São Paulo, Jiquiá, Mangueira, Mustardinha, San
Martin, Sancho, Tejipió, Totó.
RPA – 06
8
Boa Viagem, Brasília Teimosa, Imbiribeira, Ipsep, Pina, Ibura,
Jordão, Cohab.
Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife 2006
De acordo com seu estudo, como mostra o quadro acima, a RPA-01 constitui-se
dos bairros centrais do Recife
30
. A principal atividade econômica desta RPA está
relacionada ao setor informal, com atividades de microproduções e serviços. A RPA-03,
com 29 bairros, de todas as regiões, é a que possui o maior número de bairros, metade
dos quais são bairros de mais alta renda da cidade. Consta dessa RPA, grande
quantidade de centros comerciais de pequeno e médio portes. Essa região apresenta
situação de serviços urbanos e de infra-estrutura em boas condições. A RPA-04
apresenta ampla expansão territorial e demográfica. Nela estão situados a Cidade
30
Os bairros que consideramos centrais, neste estudo, constam da RPA-03: Apipucos, Casa Forte,
Espinheiro; apenas Boa Vista consta da RPA-01 e Torre da RPA-04. Os critérios que usamos foi o fato de
serem considerados bairros de alto poder aquisitivo. (Cf. Cap. 4)
51
Universitária e os Bairros da Torre, Madalena, Prado, Cordeiro, cuja população tem
perfil de classe dia. Entretanto, nessa RPA, bairros cuja infra-estrutura deixa a
desejar, localizados na microrregião da Caxangá tais quais os bairros Cidade
Universitária e rzea. A RPA-05 envolve 16 bairros, nos quais se concentram várias
indústrias com sede no Recife, no Distrito Industrial do Curado. Nessa RPA, estão o
bairro de Afogados, com tendência comercial e algumas Zeis
31
(Cavaleiro-Areias-
Caçote; Jiquiá entre outros). Essa RPA apresenta grande carência de serviços urbanos e
de infra-estrutura. Por fim, Bezerra (1995, p. 12) apresenta a RPA-06, que envolve a
zona Sul do Recife, com apenas 8 bairros, de alta densidade demográfica e vasta área
privilegiada, devido a presença da orla marítima do Recife, onde se encontra o bairro de
Boa Viagem
32
, caracterizado por uma população de alto poder aquisitivo, de comércio
sofisticado e responde por mais de um terço do IPTU arrecadado no Recife. Sua
estrutura garante a atividade turística, além obviamente do atrativo natural. Essa RPA
não está livre dos “bolsões de pobreza urbana”, a saber, as favelas e os bairros de
Brasília Teimosa
33
e Ibura-Jordão. (ver Tabela 2, para conferir a densidade demográfica,
área e a população residente dos anos de 1991 e 2000).
Tabela 1 - População residente, área e densidade demográfica, segundo os bairros
Recife – 2000
População residente 2000
(1)
População Residente
1991
Densidade
Demográfica
% sobre % sobre (hab/ha)
RM/Município,
Microrregião
Bairro
Total
Recife
Total
Recife
Área (ha)
2000 1991
RM -RECIFE
3.337.565 42,63
2.919.979 276.600
12,07
10,56
RECIFE 1.422.905 100,00
1.298.229 21.949
64,83
59,15
RPA 1 Recife 925
0,07
565
0,04
468
1,98
1,21
RPA 1 Boa Vista 14.033
0,99
17.059
1,31
181
77,36
94,04
RPA 3 Apipucos 3.467
0,24
3.014
0,23
123
28,21
24,52
RPA 3 C. Amarela 25.543
1,80
25.533
1,97
185
138,07
138,02
RPA 3 Casa Forte 4.475
0,31
4.432
0,34
57
78,37
77,62
31
Zonas Especiais de Interesse Social-Zeis são áreas de assentamentos habitacionais surgidos
espontaneamente. Ver sobre isso BEZERRA, 1995.
32
Cabe ressaltar que este bairro foi preterido para constar do nosso corpus, em que pese ser bairro de
altíssimo poder aquisitivo, devido à falta de tradição, uma vez que para este estudo deu-se preferência aos
bairros que nasceram com o Recife, ou que vieram à existência mediante a sua primeira urbanização.
33
Hoje já visitada pelo Prefeito João Paulo, que deu início a um projeto de urbanização no ano de 2005.
52
RPA 3 Espinheiro 8.902
0,63
8.491
0,65
70
126,81
120,95
RPA 3 Graças 16.877
1,19
15.678
1,21
149
113,42
105,36
RPA 4 Madalena 19.786
1,39
19.071
1,47
171
115,57
111,40
RPA 4 Torre 16.931
1,19
16.000
1,23
119
142,52
134,68
RPA 4 Várzea 64.512
4,53
53.765
4,14
2.264
28,49
23,75
RPA 5 Afogados 36.146
2,54
36.770
2,83
350
103,42
105,21
RPA 5 Areias 30.365
2,13
29.578
2,28
243
125,16
121,92
RPA 5 Estância 8.934
0,63
10.828
0,83
81
110,16
133,51
RPA 5 Barro 31.111
2,19
19.828
1,53
454
68,48
43,65
RPA 5 J. S.Paulo 29.614
2,08
30.772
2,37
255
116,32
120,86
RPA 5 Tejipió 8.486
0,60
7.803
0,60
104
81,36
74,81
RPA 6 B. Viagem 100.388
7,06
89.684
6,91
738
136,01
121,51
RPA 6 Imbiribeira 46.471
3,27
39.247
3,02
656
70,88
59,86
Fonte: IBGE, Censo Demográfico - 2000. Agregado por Setores Censitários dos Resultados do Universo - 2ª Edição. e
PCR/EMPREL.
Rio de Janeiro: IBGE, 2003
( 1 ) A população residente constituiu-se pelos moradores em domicílios na data de referência (01/08/2000).
(2) Cada hectare (ha) corresponde a 10.000 m
2
Elaboração: PCR/SEPLAM - Projeto PNUD A/01/032
(adaptação nossa)
Os habitantes das suntuosas propriedades às margens do Capibaribe eram gente
abastada que podiam dar-se ao luxo de passar rias de final de ano banhando-se em
suas águas, tornando o “rio” um espaço de interação entre os grupos sociais que o
freqüentavam. A partir daí se pode perceber a formação de redes sociais, em que
pessoas de mesmo status socioeconômico compartilham de mesmo ambiente,
compondo o que hoje chamamos de rede de relacionamento. Posteriormente tais
propriedades foram divididas em chácaras. Nessas áreas, até hoje, concentram-se
pessoas economicamente privilegiadas.
Para a consecução deste estudo, selecionamos alguns bairros das diversas RPAS;
entretanto, para efeito metodológico, subdividimos os bairros em dois grupos: centrais e
suburbanos; enquadramos nos bairros centrais os de posição geográfica privilegiados,
com elevado grau de urbanização. Portanto, Apipucos e Casa Forte são considerados
centrais neste trabalho. (Cf. cap.4, p.56).
O Recife se ressente de suas tradições. O costume de se pôr nas calçadas para
contar histórias, brincar de rodas, deu lugar à reclusão, devido ao elevado grau de
violência. As praças, antes cenários de passeios de jovens, cederam espaço para o medo
de assaltos; as crianças não brincam mais com outras crianças; a comunicação se fez
escassa devido ao avanço tecnológico. Em plena era da comunicação as pessoas vivem
isoladas, interagindo preferencialmente pela internet, em networks, onde o contato é
virtual e sem calor humano.
53
Em que pese tanto distanciamento, tanta violência, a cidade do Recife, ainda
guarda muito de seu mistério, e seu encanto ainda seduz o mais distante estrangeiro.
No próximo capítulo discorreremos sobre os procedimentos metodológicos que
usamos para a construção desse estudo dissertativo, cuja pesquisa, segundo aos
pressupostos variacionistas, é feita em bairros tradicionais do Recife com entrevistados
de diversas faixas etárias e com alto e baixo graus de escolaridade.
54
4. ABORDAGEM METODOLÓGICA
We see rapid and anonymous observations as the
most important experimental method in a
linguistic program which takes as its primary
object the language used by ordinary people in
their everyday affers.
William Labov
ste capítulo apresenta passo a passo os procedimentos metodológicos que
utilizamos na pesquisa. Expomos exemplos contrastivos dos ambientes
fonológicos semelhantes, ditongos falsos e verdadeiros. Iniciamos com os
procedimentos em consonância com a metodologia variacionista laboviana. Em
seguida, apresentamos os procedimentos que utilizamos para a coleta de dados,
bem como as definições das variáveis dependentes e independentes utilizadas
para a consecução da pesquisa.
4.1 Procedimentos segundo a metodologia variacionista
Em qualquer comunidade de fala, as variantes lingüísticas são condicionadas
socialmente, sobretudo numa comunidade como é a cidade do Recife, com tantos
habitantes
34
, e, com uma realidade socioeconômica heterogênea, como o são os grandes
centros do País. Para este estudo selecionamos dados recolhidos nos bairros de alto e
34
Segundo o censo do IBGE, 2005, O Recife possui 1.581.008 (hum milhão, quinhentos e oitenta mil e
oito habitantes). Maiores informações sobre os dados gerais do Recife, como o PIB, ranking em relação a
outras as cidades, ver anexo I.
E
55
baixo poder aquisitivo, em outubro do ano de 2005 a fevereiro de 2006. Utilizamos na
pesquisa métodos tradicionais da sociolingüística quantitativa (LABOV, 1972). Para o
levantamento do perfil dos entrevistados, associamos ao método laboviano certo
procedimento utilizado nos estudos de redes sociais observados em Milroy (1980),
Bortoni-Ricardo (1985b) e Gumpersz (1976), de que nos valemos para a seleção dos
informantes que deveriam constar do nosso envelope de pesquisa.
A amostra foi constituída por 48 informantes (24 residentes em bairros de
periferia, 24 em bairros centrais) da cidade do Recife. Na escolha dos bairros, levamos
em consideração a tradição e o poder aquisitivo do bairro, motivo pelo qual não
inserimos para constar de nosso corpus o bairro Boa Viagem, pois, em que pese o
elevado poder aquisitivo desse bairro, ele o tem tradição, ou seja o nasceu com o
Recife, nem mesmo surgiu mediante sua primeira urbanização. Seguindo o padrão
observado por outros pesquisadores, selecionamos os bairros em dois grupos: 1) bairros
de alto poder aquisitivo (Apipucos, Casa Forte, Torre, Boa Vista e Espinheiro; 2)
bairros de baixo poder aquisitivo (Jardim São Paulo, Barro, Estância, Afogados e
Várzea). Neste último, podemos dizer que o poder aquisitivo dos seus moradores é, de
certa forma, misto, por ter se tornando um bairro calçado em quase sua totalidade,
arborizado, com algumas características dos bairros originários de sítios dos engenhos.
Com o propósito de fornecer dados que facilitem a compreensão quanto à
seleção dos bairros, buscamos reconstruir um breve quadro sócio-histórico da cidade do
Recife desde a sua formação, mostrando a criação de seus bairros os processos de
urbanização, a partir do que estaremos observando os contatos lingüísticos que os
falantes do Recife tiveram por ocasião das migrações e já teremos também uma idéia da
formação dos bairros de alto poder aquisitivo). (Cf. Cap. III, p. 44)
Como observadora-participante, podemos afirmar que os recifenses do primeiro
grupo (alto poder aquisitivo) são, em sua maioria, moradores de bairros centrais
35
, e os
recifenses pertencentes ao segundo grupo (os de baixo poder aquisitivo) não têm
condições de habitar em tais bairros, conhecidos “nobres”, residindo, por conseguinte,
nos bairros de subúrbios.
Na escolha dos bairros, levamos em consideração a situação socioeconômica dos
entrevistados, para isso, consideramos centrais os bairros de alto poder aquisitivo
(embora sejam quase todos cercados por comunidades carentes) e os bairros de
35
Para efeito metodológico, consideramos os bairros que constam dos respectivos grupos em: centrais versus
suburbanos. Os bairros que escolhemos como centrais não coincidem com os bairros constantes da RPA 01 (ver
capítulo III). Aqui consideramos centrais os bairros de alto poder aquisitivo, que funcionam independentes do centro
do Recife.
56
subúrbios, aqueles de baixo poder aquisitivo Para atender à variável faixa etária,
distribuímos os entrevistados em três grupos seguindo o modelo apresentado por Tarallo
(1985a) A – 17 a 25; B – 26 a 49 e C 50 em diante.
A observação participante forneceu dados relevantes para as descrições
qualitativas. As entrevistas sociolingüísticas foram montadas com vistas a obter
amostras de fala espontânea de cada informante, com gravações com a média de 30 a
40min. Nestas entrevistas procuramos estimular a produção de narrativas sobre
experiências pessoais, a saber: os módulos de perigo de morte, infância, experiências do
cotidiano, seguindo as orientações de Labov (1972). Tais dados lingüísticos
constituíram o corpus para a análise quantitativa que será apresentada adiante.
Para os dados deste estudo, em que se verifica a aplicação da regra de
apagamento de ditongos decrescentes orais, tínhamos de início, o firme propósito de
verificar o grau de relacionamento entre os falantes com pessoas de outras esferas
sociais, por acreditarmos que as redes de relacionamento exerciam influência na
variação dos grupos sociais, por isso construímos o perfil social dos informantes
selecionando os 48 que atendiam a nossa expectativa como dito no primeiro parágrafo
dessa abordagem metodológica. Para gravar devidamente as entrevistas registradas em
fitas cassete, aplicamos o questionário sociolingüístico com questões abertas e questões
monitoradas, na intenção de estudar as características dos falantes de maneira mais
sistemática, tal como o fez Labov em Martha´s Vineyard.
As perguntas foram elaboradas com o propósito de gerar frases que motivassem
o aparecimento de palavras que contivessem ditongos e exploravam o status
socioeconômico do informante. Os ditongos orais decrescentes com os glides (w, j)
deveriam surgir “casualmente”, quando da fala monitorada e da leitura da listagem de
palavras com ditongos em posição de onset, meio e coda na palavra, bem como
aplicação do questionário lexical que previa uma resposta do informante com palavras
que continham ditongos nas posições já referidas. Elaboramos um texto para uma leitura
corrente (cf. Apêndice II), para isso utilizamos palavras de uso diário a fim de levar o
leitor a uma leitura mais natural, uma vez que o ideal seria buscar uma situação natural
de fala, além do mais, a escrita tem sua marca que a diferencia da fala. Em busca de
uma fluência que despreocupasse o entrevistado quanto à questão do ditongo, usamos a
estratégia de despistar nosso objeto de estudo, dizendo que observaríamos a
dinamicidade da leitura, a interpretação que ele daria ao conteúdo. Procuramos deixar os
entrevistados relaxados quanto à natureza do trabalho, pedindo mesmo que eles
57
simulassem uma situação natural de fala, o que alcançávamos nas questões que
exigiam deles uma narração de fatos da vida pessoal. Em que pese a presença do
gravador, interferindo algumas vezes na naturalidade do falante, buscamos na análise
dos dados, levar em consideração se havia ou não alteração na referida naturalidade de
fala do entrevistado, que por se tratar de pessoas conhecidas (muitas delas pertencentes
a nossa rede de relacionamento), facilitou sobremaneira a observação das falas.
Numa análise prévia dos dados, constatamos que apenas nos falsos ditongos, o
apagamento dos glides é previsível. Para melhor abordagem das redes sociais, cuja
natureza dos relacionamentos foi correlacionada aos dados lingüísticos, de modo a
observar se os mais estreitos são afetados pela dinâmica sociolingüística da variação,
procuramos mostrar como a fala de cada informante está intrinsecamente ligada a sua
rede de relacionamento.
Uma de nossas preocupações seria quanto à influência das redes sociais sobre o
fator “escolaridade” na determinação da variante padrão da ngua, pois de acordo com
Votre (1994, p. 75), falantes com elevado grau de escolarização são os que possuem
maior conscientização lingüística, por conseguinte os que optam pela variante de
prestígio. Esses tais são os que ocupam posição mais elevadas na escala social. Alguns
pesquisadores apresentam em suas pesquisas a relevância dessa variável no
comportamento lingüístico do falante (AMARAL, 2002, p. 111). Acreditando que para
definir falantes da norma de prestígio (ou norma culta) seria o bastante observar, a
priori, a rede de relacionamento dos informantes, colher informações (do tipo:
escolaridade, profissão, classe socioeconômica etc.) sobre seus ascendentes, parentes,
aderentes e amigos mais próximos (aqueles com os quais mantenham contato diário ou
nos programas de final de semana), assim o fizemos, no intuito de compreendermos as
redes afetadas pela dinâmica sociolingüística da variação.
36
Entretanto, fez-se
necessário, por conseguinte, uma análise lingüística (fonológica) detalhada para melhor
36
Em Sociolingüística, o estudo das redes sociais ocupa-se essencialmente com as
questões de manutenção ou deslocamento de línguas ou dialetos em comunidades
tradicionais que começaram a sofrer influência modernizadora (Gumperz, 1976). Uma
curiosidade inicial em nossa pesquisa era verificar como a rede de relacionamento pode
afetar sensivelmente os falantes dos bairros centrais e os falantes dos bairros de
subúrbio. Mostrar que um falante do subúrbio, com mais de oito anos de escolaridade
com formação superior, pode demonstrar marcas profundas da variante não culta, uma
vez que em sua rede de relacionamento não interage com outros falantes sobre seus
conhecimentos mais recentes.
58
verificar se a variável em estudo obedece a uma ordem social, ou seria um fenômeno de
ordem estrutural.
37
4.2 Utilização das redes de relacionamento na escolha dos entrevistados
No estudo do fenômeno da variação do ditongo, adotamos a noção das redes de
relacionamento como critério de apoio ao entendimento da variação lingüística. Para a
escolha dos entrevistados, a noção de redes sociais é percebida a partir da categorização
dos bairros do Recife, conforme a Tabela 1, da seção (3.2, p.).
Algumas marcas de falas estão relacionadas à rede de relacionamento dos
falantes. Os entrevistados que compuseram o nosso envelope de pesquisa são moradores
de bairros centrais, com alto poder aquisitivo e falantes dos bairros de subúrbio (Cf.
Cap. 4, seção 4.1, p. 51). É preciso compreender que um falante do subúrbio com
formação superior, pode demonstrar marcas profundas da variante o padrão, uma vez
que em sua rede de relacionamento o interage com outros falantes sobre suas
aquisições de conhecimento mais recentes. Normalmente pertence à sua rede social,
falantes com pais, tios e amigos carentes, com até quatro anos de escolaridade, pessoas
que apresentam baixo grau de consciência política, enfim, com visão de mundo restrita
e de convívio diário com a variante desprestigiada, sendo, por conseguinte, menos
afetado pela variante padrão. O que não acontece ao morador dos bairros centrais, de
alto poder aquisitivo, cuja rede de relacionamento é socialmente prestigiada, uma vez
que a condição socioeconômica vai garantir uma inserção maior em outras variedades
além da sua. São pessoas, cuja condição de politicamente dominante lhes garante um
status social frente aos que têm uma condição socioeconômica subjugada, e que vai
interferir em sua auto-estima como bem observara Labov (1972). Pertencem
normalmente à rede social desses falantes pessoas bem informatizadas, com
oportunidades de “ampliar os horizontes” através de viagens a outras comunidades de
fala dentro ou fora do país –, com elevado grau de consciência política. Neste caso,
justamente esse convívio, essa interação lingüística com tais sujeitos, afetará
sobremaneira sua variedade, tendo ele grande probabilidade de possuir também elevado
grau de competência lingüística e comunicativa, por conseguinte maiores possibilidades
de usar em menos marcas da variante estigmatizada sua variedade lingüística.
37
Em princípio, hipotetizávamos que as variáveis sociais determinavam o comportamento do ditongo,
quando se trata de um fenômeno categórico na língua, as explicações para a regra variável se dá mais pela
análise estrutural. (Cf. Cap. 5)
59
4.3 Procedimentos para a coleta de dados
Em princípio, levantamos o corpus com dois estilos de leitura: um coletado em
entrevista, outro mediante leitura de listagem de palavras contendo ditongo e um texto
previamente elaborado.
A coleta de dados para constituição do corpus se iniciou em outubro do ano de 2005
e foi até fevereiro de 2006, como dito na seção anterior. Cada entrevista teve a duração
média de 30 a 40 minutos, durante os quais, em conversa dirigida, aplicamos um
questionário sociolingüístico, mediante o qual estimulamos a produção de fala
espontânea. Para a composição do perfil de cada informante, utilizamos fichas sociais,
nas quais se encontram dados pessoais do informante. Não houve, entretanto, resultados
díspares em ambos os dados (tanto na fala espontânea, quanto na fala monitorada pela
leitura) o que justifica a hipótese de que estamos tratando de um fenômeno praticamente
categórico na língua, ou seja, os glides /j/ e /w/ que compõem os ditongos decrescentes,
como demonstraremos a seguir, são suscetíveis ao apagamento.
Algumas palavras apresentaram proximidade nos dados qualitativos da entrevista e
da leitura quanto ao apagamento dos glides (j, w).
Quadro 2- Contrastes de ocorrências entrevista versus leitura
PALAVRA ENTREVISTA LEITURA
0 Y/W 0 Y/W
Janeiro 19 - 20 -
Fevereiro 20 - 20 -
Europa 6 30 1 2
Outono 32 30 13 7
Outubro 20 02 20 5
Eira 30 10 16 1
Beira 24 10 14 3
Aplauso 42 1 27 -
Faixa 31 11 24 14
Caixa 17 9 14 4
Como podemos observar, os dados acima corroboram a hipótese de que os
resultados tanto da fala espontânea (entrevista) e quanto da fala não espontânea (leitura)
são similares, uma vez que os dados quantitativos são muito próximos. Observando as
palavras: tesourada, janeiro e fevereiro, vemos que a regra variável de apagamento do
ditongo é aplicada indistintamente tanto na leitura quanto na entrevista.
Mesmo as palavras que foram utilizadas apenas na entrevista encontram
correlação com outras do quadro de leitura por estarem em ambiente fonológico
semelhante. Vejamos alguns exemplos no quadro abaixo:
Quadro 3 – Contraste de ocorrência com mesmo ambiente fonológico
PALAVRA ENTREVISTA PALAVRA ENTREVISTA
60
0 W/Y 0 W/Y
Maneira 12 2 Carneiro 10 3
baixa 3 7 Faixa 31 11
Feixe 8 3 Feixe 7 6
Moleira 8 1 boleira 6 1
Como podemos visualizar no quadro acima, algumas palavras utilizadas na fala
espontânea estão correlacionadas a outras usadas na leitura (Quadro 5), que embora
distintas, têm o mesmo sufixo e estão em ambientes fonológicos similares. Em maneira
> carneiro temos o contexto fonológico seguinte um tepe // e os ditongos estão em
sílabas tônicas. No levantamento dos dados, observamos que muitas ocorrências foram
de palavras composta com o sufixo eiro. A literatura diz que este sufixo é produtivo,
possui apenas uma vogal na estrutura subjacente sendo, por conseguinte, favorecedor do
apagamento do ditongo.
O mesmo se dá com baixa > faixa, palavras distintas, porém com contexto
fonológico seguinte idêntico (fricativa palatal desvozeada). Esse contexto parece ser
favorecedor da monotongação. A correlação feixe > eixo, em que a primeira foi usada na
entrevista por apenas 11 pessoas, das quais 8 monotongaram o ditongo /ej/ e 3
realizaram o glide /j/ em suas falas. Essa correlação também apresenta semelhança
ambiental (o contexto fonológico seguinte é uma fricativa palatal) como dito, esse
ambiente é favorecedor de apagamento do ditongo. Em eixo, usada na leitura, deu-se
que 24 aplicaram a regra de apagamento e 10 realizaram o glide /j/. Isso significa que
tanto na leitura quanto na fala espontânea, a tendência é o apagamento categórico do
ditongo. (BISOL, 1994, p. 124).
A mesma tendência à aplicação da regra variável em estudo se dá na conjugação
do verbo querer no presente do subjuntivo, com uma sutil diferença, o que
possivelmente se deveu a uma leitura pausada interferindo minimamente no processo de
monotongação. Na entrevista, os falantes apagaram mais a primeira pessoa do singular e
a terceira do plural.
Quadro 4 – contraste com flexões do verbo Querer
PALAVRA ENTREVISTA LEITURA
0 Y 0 Y
Queira 12 9 11 11
Queiram 13 4 12 07
Como se pode observar no quadro acima, tanto na leitura quanto na fala
espontânea, o grau de realização do ditongo da primeira pessoa do verbo querer é
praticamente mesmo; a terceira pessoa do plural apaga-se um pouco mais na entrevista
do que na leitura.
61
Vejamos o ditongo ow situado em ambientes fonológicos semelhantes. No
contexto fonológico seguinte temos o tepe //, e, no precedente a fricativa alveolar
vozeada. Em todas as palavras o ambiente se mostra favorecedor de apagamento.
tesouro
Tesoura / calouro besouro
Tesoura
Caloura
Nas palavras tesouro e calouro, o ditongo [ow] está em ambiente idêntico às três
primeiras constantes da lista de palavras para a leitura. Em ambos os quadros, o
acompanhamento do ditongo [ow] foi semelhante, com tendência ao apagamento como
se pode observar nos dados quantitativos.
Quadro 5: Ditongo /ow/ em mesmo ambiente fonológico
PALAVRA ENTREVISTA
0 Y
Tesoura 20 1
Calouro 18 -
PALAVRA LEITURA
0 Y
Besouro 45 2
Tesoura 46 2
Caloura 47 1
Sabemos que as palavras na fala espontânea não se comportam igualmente
quando na leitura devido a fatores de ordem psicológica, emocional ou mesmo
intencional. Para um estudo acurado do comportamento do ditongo, utilizamos no
corpus: leitura de listagem e de texto e fala expontânea através de questionário
sociolingüístico, com questões abertas, mediante as quais pudemos coletar os dados
para nossa análise. Observamos, por conseguinte, que mesmo na fala não espontânea
(leitura de textos e listagem) o resultado foi bastante próximo ao da fala espontânea, o
que nos levou a juntar todos os resultados, por entendermos ser incontestável o fato de
que o ditongo se apaga na fala o dos recifenses, como é fenômeno comum na fala
dos brasileiros.
Os ditongos propriamente ditos (os fonológicos) o costumam monotongar.
Seja na fala espontânea ou na fala não espontânea, os falantes em sua maioria não
costumam apagar. Tivemos em nosso corpus vários casos de verdadeiros ditongos que
não foram monotongados por nenhum dos entrevistados, inclusive por aqueles com
62
baixo grau de escolaridade, a exemplo de: leitor, leite, prefeito, paulo, noite, respeito,
direito, lauda (Cf. seção 2.2 – II sobre os falsos e verdadeiros ditongos).
38
Apresentamos a seguir (Quadro 6) alguns exemplos de tais ditongos.
Quadro 6 – Ditongos falsos e verdadeiros
FALSOS DITONGOS VERDADEIROS DITONGOS
peixe, feixe, queixo leite
Queijo leitor
eira, beira noite
baile, prefeito
baixa/caixa/faixa respeito
coube, soube direito
Ouço precaução
Ouvir paulo
outro, outubro, outono paulista
ouro, ourives, ouriçar, ouriço trauma
ousar, ousadia, ousado saudade
achou, gostou, acabou feudal, feudalismo
Para as palavras que contém os falsos ditongos, não houve diferença
significativa em ambos os estilos do corpus, no que respeita ao apagamento dos glides
/j/ e w, o baixo índice de apagamento com os falsos ditongos foi praticamente o mesmo,
justificando ainda mais a atitude que tomamos em juntarmos os dados da fala
espontânea com os da fala não espontânea. Acreditamos que na fala recifense, como
pudemos comprovar mediante a coleta de dados (da fala espontânea e da fala orientada
através da leitura), o apagamento do ditongo é uma realidade e possivelmente se
encontra internalizado entre os falantes. Por conseguinte, para melhor interpretação sem
prejuízo dos resultados, rodamos novamente os dados da coleta, dessa vez juntos, no
programa Goldvarb 2001, que utilizamos para análise dos dados, um software à
semelhança do Varbrul, através do qual calculamos de modo percentual a probabilidade
de aplicação da regra variável em estudo, ou seja, o apagamento dos ditongos
decrescentes orais.
4.4. As variáveis
38
Quanto à compreensão dos falsos e verdadeiros ditongos, indicamos, ver Bisol (1994, 2005).
63
O ditongo decrescente é suscetível à aplicação da regra variável de apagamento,
como observado no Capítulo II, seção 2.2. Para melhor compreensão do comportamento
dos ditongos decrescentes orais na fala recifense, valemo-nos do controle das variáveis
lingüísticas (dependentes e independentes).
4.4.1 A variável dependente
A variável dependente que consideramos na pesquisa é o apagamento dos glides
/j/ e /w/, nos ditongos orais decrescentes /aj/, /ej/, /oj/, /aw/, /ew/, /ow/.
4.4.2 As variáveis independentes
Para consecução deste estudo, consideramos dois grupos independentes: as
variáveis sociais e as variáveis estruturais, por acreditarmos que somente a partir da
análise das referidas variáveis, com as devidas interações dos dados, é que teremos um
estudo mais completo que ateste a aplicação da regra variável do apagamento do
ditongo pelos recifenses.
Para os fatores sociais, selecionamos as seguintes categorias: sexo, faixa etária,
escolaridade e, como se trata de uma análise também da variação interna da norma
culta, dentre as variáveis comumente selecionadas, incluímos mais uma, referente ao
bairro de origem do informante (localização de moradia), com a qual podemos
controlar a variação lingüística versus origem social do entrevistado. Consideramos a
relevância desta variável referente ao bairro de origem, por estar relacionada à condição
socioeconômica dos falantes. Os moradores dos bairros “centrais” o pessoas de
posição socioeconômica privilegiada, possuindo, portanto, mais acesso a informações,
mais contatos com as diversas variedades lingüísticas; já os moradores de subúrbios são
geralmente pessoas que se inserem em esferas sócio-histórica e cultural distintas. O
bairro do informante, por conseguinte, pode sinalizar sua classe social.
Quanto aos fatores lingüísticos ou estruturais, consideramos os seguintes
contextos, como prováveis favorecedores do condicionamento do fenômeno, por
acreditarmos que interferem na aplicação da regra variável de apagamento do ditongo:
posição do ditongo, tonicidade, contexto precedente, contexto seguinte e classe
gramatical.
Antes de seguirmos com a exposição das variáveis, apresentaremos dois quadros
onde resumimos o conjunto das restrições sociais (Quadro 7) e estruturais (Quadro 8),
64
que decidimos controlar nesta pesquisa, com seus respectivos símbolos usados na
codificação dos fatores para rodada do programa Goldvarb 2001.
Quadro 7: as variáveis sociais
Sexo Escolaridade
m – masculino
f – feminino
1 – até 4 anos
2- mais de 4 anos
Faixa etária Localização de moradia
a – 17-25
b – 26-49
c – mais de 50
@ - subúrbio
# - centrais
Quadro 8: as variáveis estruturais
Posição do
ditongo na palavra
Cont. fonol. precedente Classe gramatical
j- início
n- meio
q- final
Vogais: a
e
i
o
u
s- substantivo
g- adjetivo
&- numeral
r- pronome
v- verbo
h- outros
Tonicidade Contextos fonol. seguinte
t- tônica
p- pretônica
k- postônica
c – coronal
l – labial
d- dorsal
v- vogal
z- zero
Para análise dos dados, realizamos a primeira rodada com todas as variáveis (Cf.
quadros 7 e 8). Em uma segunda rodada, separamos os glides constitutivos da variável
dependente (j e w) para melhor apreciação dos dados. Entretanto, devido aos knockouts
com os dados em algumas variáveis, fez-se necessário amalgamarmos e excluirmos
algumas delas, o Programa desprezou algumas das variáveis que selecionamos:
Tonicidade e Contexto precedente, para verificar o apagamento do glide /j/; Posição do
ditongo e Classe de palavras, para o glide /w/. Alguns fatores inerentes às variáveis
independentes por nós selecionadas, também foram desprezados pelo Programa, a saber:
para a Posição do ditongo, foi desprezado o fator posição final; para a variável
Tonicidade foi desprezado o fator postônica; para a Classe gramatical, todos os fatores
foram preteridos, depois da primeira rodada; quanto ao Contexto seguinte, selecionamos
para uma primeira rodada do Programa os seguintes fatores: dorsal, labial, vogal e nulo
(Ver Quadro 8). Deu-se que, para facilitar as interpretações, alteramos os fatores para:
coronal e não coronal, ao tempo, em que percebemos que a nova classificação não fora
suficiente para atender as especificidades necessárias à análise do fenômeno variável em
estudo, desta feita, a fim de obter valores mais significativos optamos, para uma terceira
rodada, pelos seguintes fatores: Lateral Palatal, Lateral Alveolar, Tepe, Oclusiva
65
Alveolar, Nulo e Fricativa alveolar, ainda assim o Programa desprezou alguns desses
fatores. As possíveis justificativas da não relevância de tais variáveis serão discutidas
posteriormente no Capítulo V.
4.4.2.1 As variáveis sociais
As variáveis sociais consideradas para essa pesquisa foram sexo, idade e
escolaridade, entretanto como se trata também de uma análise da variação interna da
norma culta, dentre os fatores extralingüísticos comumente selecionados, incluímos
mais um referente ao bairro de origem do informante. Com essa variável podemos
controlar a variação lingüística versus origem social do entrevistado. Por entender que
alcançamos um resultado satisfatório da análise, se aliarmos a descrição quantitativa
à qualitativa, concordando com Dittmas, 1982, p.23 (apud TARALLO, 1982, p.221),
optamos por fazer o ajustamento interpretativo utilizando os índices quantitativos como
reza a Teoria da Variação laboviana (1972, p. 71) e os interpretando à luz da
Sociolingüística. Para tanto acrescentamos às tradicionais variáveis sociais a localização
de moradia, mediante a qual associaremos à questão das redes sociais como mais um
indicativo para análise também de uma possível variação interna da chamada norma
culta, embora estejamos tratando de um fenômeno variável, mas não necessariamente de
variante padrão e não padrão. (Ver Quadro 3).
O Programa selecionou como relevantes algumas variáveis para o glide /j/ e
outras para o glide /w/. Para atestar a aplicação da regra variável do apagamento do
ditongo com o glide /j/ foram selecionadas as seguintes variáveis: sexo, escolaridade e
faixa etária; quanto ao glide /w/ o Programa selecionou: escolaridade, faixa etária e
localização de moradia.
4.4.2.2 As variáveis estruturais
Quanto aos fatores lingüísticos, ou estruturais, consideramos os contextos
segmentais prosódico e posicional de ocorrência do ditongo, assim como a categoria
gramatical em que o mesmo é encontrado e, por fim, verificamos e descrevemos a
influência da situação socioeconômica sobre a variante em uso. Para a interpretação dos
resultados, controlamos os dados quantitativos com uma avaliação qualitativa do
corpus.
Selecionamos as variáveis de acordo com a observância de fatores lingüísticos
condicionantes para o tratamento do objeto, ou seja, dos ditongos decrescentes orais. O
66
programa selecionou como relevantes as seguintes variáveis: Para o glide /j/ foram
selecionadas as variáveis posição do ditongo na palavra, contexto fonológico seguinte e
classe de palavra; para o glide /w/ foram selecionadas as seguintes variáveis:
tonicidade, contexto fonológico precedente e contexto fonológico seguinte. (Ver Anexo
II, onde se encontra as tabelas das as variáveis que o Programa desconsiderou. Essas
variáveis preteridas, possivelmente, servirão como material de apoio para as
considerações fonológicas no decorrer da discussão dos resultados).
67
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
It is surprising that this simple and economical
approach achieves results with a high degree of
consistency and regularity, and allows us to test
the original hipothesis in a number of subtle ways
William Labov.
este capítulo, descreveremos os dados probabilísticos de apagamento dos
glides /j/ e /w/ que compõem os ditongos decrescentes orais na fala dos
recifenses /aj, ej, oj, aw, ew, ow/ em seguida, prosseguiremos com a análise
dos resultados, a partir das discussões.
O corpus levantado apresentou 1135 ocorrências de ditongos decrescentes orais,
das quais 690 foram palavras com ditongos formados com o glide /w/ e 445, com o
glide /j/. Podemos melhor visualizar os percentuais de ocorrência na figura abaixo:
N
Ocorrências de Ditongos no corpus
690; 61%
445; 39%
glide /w/
glide /j/
68
Fig.6 – Ocorrências de Ditongos no corpus
Todas as ocorrências foram encontradas após a audição das 48 entrevistas,
devidamente codificadas. Para a análise quantitativa das variáveis lingüísticas,
submetemos os dados da pesquisa à análise do programa Goldvarb 2001.
Apresentamos, de início, uma discussão preliminar em que abordaremos o
fenômeno variável em estudo com lista de exemplos para melhor entendermos os
resultados posteriormente demonstrados. Para análise e discussão dos dados,
obedecemos à mesma seqüência de variáveis expostas no capítulo da Metodologia, (cf.
p. 62) visando manter a coerência interna e permitir uma interpretação do
condicionamento ao apagamento dos ditongos decrescentes orais pelo leitor.
Com relação à interpretação dos dados obtidos, tomamos por base a revisão da
literatura constante no Capítulo II, em que se encontra o aporte teórico selecionado para
a consecução deste estudo, utilizando o método quantitativo, mas buscando dar aos
dados um tratamento qualitativo que melhor esclareça a aplicação da regra variável
pelos recifenses.
Em virtude de os dados terem apresentado resultados diferentes para os glides /j/
e /w/, disporemos seus resultados em separado, como veremos mais adiante, com a
finalidade precípua de facilitar a interpretação dos referidos dados.
5.1 Discussão preliminar
É relevante dizer que o glide que sofreu mais apagamento foi o (w), até porque a
redução do ditongo /ow/ em /o/, por exemplo, parece configurar regra na fala
espontânea do Português do Brasil (CABREIRA, 1996). A título de exemplo, listamos
algumas ocorrências com o ditongo [ow], cujo glide w foi apagado na fala de quase
todos os falantes: ouço, ouriçar, ouriço, ouro, ourives, ousar, outorgar, outorgado,
outorgante, outono, outro, outubro, ouvinte, ouvir, duradouro, acabou, achou, falou
entre outras. para as palavras com o ditongo ej, a regra variável de apagamento do
ditongo foi diversificada, muitas vezes até pelo mesmo falante, por exemplo, quando
respondiam ao questionário sociolingüístico sobre as pessoas que, sem recurso
financeiro para se manterem com alguma dignidade, são consideradas pessoas sem
[‘ej.ra] nem [‘be.ra], percebemos que a segunda palavra, por ter sido pronunciada
69
depois, agiu sobre ela a regra de apagamento do glide/j/, obedecendo talvez a lei do
menor esforço.
39
Na verdade, não podemos precisar o que tenha influenciado a
monotongação apenas da segunda palavra, na seqüência prosódica em questão, o que
ora fazemos é tecer conjecturas a fim de tentar explicar o ocorrido, em que
possivelmente teríamos uma situação de ordem cognitiva ou que algumas pessoas
tenham as duas variedades (realização ou apagamento do ditongo), é possível que a
variação ocorra indistintamente.
Um caso interessante que se deu na coleta dos dados foi que em algumas
palavras nas quais esperávamos a redução dos glides /j/ e /w/, por estarem em ambiente
favorável à monotongação (contexto seguinte: tepe /), deu-se que a vogal posterior /o/
precedente ao glide w é que desapareceu; ao que interpretamos que recebeu, por
assimilação, a influência das vogais seguintes. A título de exemplo temos: ourives >
/urives/; ouriçar > /uriçar/; ouricuri > /uricuri/. De qualquer forma, ocorreu
monotongação. Como tais palavras são pretônicas, o que pode ter acontecido seria,
segundo Schwindt (2002, p.174), o fato de o contexto fonológico precedente
possivelmente ter-se combinado à regra de harmonia vocálica para elevar a pretônica.
Outra sugestão é que primeiramente tenha ocorrido a monotongação para, em seguida,
ocorrer a alteração com a elevação da vogal posterior “o” em “u”.
Os resultados apresentados no quadro 2 sinalizam que o apagamento dos
ditongos já é, de certa forma, bastante difundido na língua portuguesa falada no Brasil,
uma vez que já atingiu a leitura, que por gerar a fala o espontânea, não
condicionaria, a princípio, a aplicão de regra variável, entretanto, o apagamento
ocorreu em ambos os estilos de corpus. Faz-se necessário deixar claro que o Recife não
apresentou resultados categóricos, nem de apagamento, nem de realização do ditongo
entre os falantes, e que estamos diante um caso perceptível de variação lingüística.
5.2 Análise estatística e discussão dos resultados
5.2.1 As variáveis controladas
Como dissemos anteriormente, na abordagem metodológica, nossa variável
dependente é o apagamento dos glides /j/ e /w/, e as variáveis independentes, as quais
39
Esta pronúncia mais descontraída na segunda palavra ocorreu nas falas de alguns entrevistados, tanto
no subúrbio (Jardim São Paulo) quanto em bairros centrais (Torre, Boa vista), com falantes de nível
superior. Outras pessoas de bairros centrais, em menor quantidade realizaram o glide nas suas falas. O
fato é que, independente da localização de moradia e da escolaridade, ocorrência de apagamento do
ditongo.
70
chamaremos de restrições sociais e estruturais. O Programa selecionou por ordem de
significância as seguintes restrições sociais para verificação do apagamento do glide /j/:
sexo, escolaridade, idade (sociais), bem como posição do ditongo, contexto fonológico
seguinte e classe de palavra (estruturais); para o glide /w/, o Programa selecionou:
escolaridade, idade e localização de moradia (sociais), bem como, tonicidade, contexto
fonológico precedente e contexto fonológico seguinte (estruturais) (Cf. Quadros 8 e 9)
Para melhor visualização e compreensão das variáveis selecionadas pelo
Programa, separamos, nos quadros a seguir, variáveis sociais e estruturais especificadas:
Quadro 9 – variáveis selecionadas pelo Programa Goldvarb 2001-Glide /j/
VARIÁVEIS SOCIAIS ESTRUTURAIS
SEXO
– masculino
– feminino
POSIÇÃO
– início de palavra
– meio de palavra
ESCOLARIDADE
– até quatro anos
– mais de quatro anos
CONTEXTO SEGUINTE
– lateral Palatal – oclusiva Alveolar
– lateral Alveolar – nulo
– fricativa alveolar – tepe
FAIXA ETÁRIA
a - de 17-25 anos
b- de 26-49 anos
c - acima de 50 anos
CLASSE GRAMATICAL
– substantivo
– adjetivo
– verbo
– outros
Quadro 10 – variáveis selecionadas pelo Programa Goldvarb 2001-Glide /w/
VARIÁVEIS SOCIAIS ESTRUTURAIS
ESCOLARIDADE
– até quatro anos
– mais de quatro anos
TONICIDADE
– tonicidade
– pretônica
FAIXA ETÁRIA
a - de 17-25 anos
b- de 26-49 anos
c - acima de 50 anos
CONTEXTO PRECEDENTE
– vogal central a
– vogal anterior e
– vogal posterior o
LOCALIZAÇÃO
– subúrbio
– central
CONTEXTO SEGUINTE
– oclusiva bilabial /p b/ – fricativa alveolar /s z/
– oclusiva alveolar /t d/ – fricativa velar /x/
– oclusiva velar /k g/ – final absoluto
– fricativa labial /f v/ – tepe
Diante do que vemos nos quadros acima (9 e 10), se compararmos com os
quadros das primeiras variáveis que controlamos (7 e 8, p. 63), podemos perceber que
algumas variáveis foram preteridas, bem como alguns fatores que selecionamos foram
desprezados pelo Programa, a saber: o fator Posição do ditongo em final de palavra (8),
o ditongo em postônica, as vogais i e u no Contexto precedente e todo o Contexto
seguinte. As possibilidades dessa ocorrência comentaremos a seguir:
Em relação à variável Posição, o Programa desprezou o fator final de palavra,
como havíamos selecionado de início (ver Quadro 9) (início, meio e final de palavra),
71
isso se deu por causa do baixíssimo índice de ocorrências com ditongo em final de
palavra, sobretudo, para o glide /j/ (jóquei, pônei, nissei, olho de boi). Ocorre que essa
escassez de palavras com ditongo na posição final (com os glides /j/ e /w/) no corpus da
pesquisa se deu possivelmente porque na Língua Portuguesa poucos registros dessas
palavras, salvo os verbos. A questão é que os entrevistados davam preferência às
narrativas em terceira pessoa, quando os instigávamos a uma narração espontânea, e,
neste caso, a desinência da terceira pessoa é /ow/.
A variável Tonicidade foi selecionada como relevante apenas para o glide /w/,
possivelmente pelo fato de o maior índice de ocorrência dos ditongos ter sido com o
glide /w/, sobretudo com o ditongo /ow/ nas desinências verbais de terceira pessoa.
Para a variável Contexto precedente, havíamos selecionado todas as vogais,
entretanto, pelo baixo índice de ocorrência com as vogais altas (i e u), o Programa
preteriu as ditas vogais para atestar o apagamento do ditongo.
com a variável contexto seguinte, houve muitas alterações. Anteriormente
havíamos escolhido os seguintes fatores: coronal, labial, dorsal, vogal, zero (Cf.
Quadro 8 p.64). Ocorreu entretanto, desde a primeira rodada, que esses ambientes não
foram suficientes para justificar o apagamento dos glides que compõem os ditongos
decrescentes orais, uma vez que, para tanto, necessitávamos de mais especificidades.
Desta feita, escolhemos para uma segunda rodada os seguintes fatores: lateral palatal,
lateral alveolar, tepe.
5.2.1.1 Restrições sociais
Apresentamos a seguir os resultados das tabelas selecionados pelo Programa
Goldvarb 2001. Para verificarmos o apagamento do glide /j/, o Programa selecionou
como relevante as variáveis sexo, escolaridade e faixa etária; para o apagamento do
glide /w/, o Programa selecionou: escolaridade, faixa etária e localização de moradia.
Sexo
Embora vários estudos sociolingüísticos (LABOV, 1972, SCHERRE, 1968,
BISOL, 2002, entre outros) afirmem que as mulheres usam de preferência as variantes
de prestígio, evitando as que transgridem de alguma maneira a norma chamada padrão,
nesta pesquisa, os coeficientes de probabilidade atribuídos à variável sexo o
apresentaram essa distinção. Não corroborando os resultados de Pereira (1996, p.68),
em que as mulheres apresentaram-se mais conservadoras, em nossos resultados as
mulheres foram mais inovadoras. As mulheres apagaram mais do que os homens (0.57,
72
cf Tabela 2), sobretudo no apagamento do glide /j/. Deixamos registrado que a
afirmação de que as mulheres preferem as variantes de prestígio dependerá da variável
analisada. Em que pese o uso do ditongo ser considerado uma forma prestigiada, por
seguir as regras da escrita, ou seja, embora faça parte da norma culta, não podemos
afirmar que seu apagamento seja uma forma desprestigiada
40
, uma vez que falantes
universitários, independente do sexo, também apagam. Segundo Paiva (1992, 71) as
mulheres lideram o processo de mudança, quando se trata de implementar na língua
formas de prestígio e, tornam-se conservadoras quando a implementação se com
formas desprestigiadas. O que entendemos, a partir dessa observação, é que o
apagamento do ditongo é considerado também como forma de prestígio entre os
recifenses, uma vez que as mulheres são inovadoras e não conservadoras do processo.
Tabela 2 – Variável Sexo Glide j
Variável Sexo
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Masculino 169/224 75 0.42
Feminino 161/221 72 0.57
Os dados probabilísticos da Tabela 2 nos levam a refletir sobre a generalização
desse fenômeno variável, em que mesmo as mulheres aplicam a regra variável de
apagamento do ditongo.
Escolaridade
Nossa hipótese para a variável escolaridade foi que os falantes com menos
escolaridade aplicam mais a regra do que os com grau de escolaridade mais elevado. Os
dados da pesquisa quantitativa mostraram, conforme o esperado, que, no caso do glide
/j/, os mais escolarizados apagaram menos, tanto em termos percentuais (67% para
83%), quanto em se tratando de peso relativo (0.33 para 0.72) o mesmo se deu com a
verificação do apagamento do glide /w/, em que os falantes com mais de 8 anos de
escolaridade apagaram menos (0.40 para 0.58). Como podemos perceber, a escolaridade
não alterou a previsibilidade de outros estudos que destacam sua importância no
40
A rigor o apagamento é regra inovadora, portanto desprestigiada, pois não segue as normas da escrita,
entretanto, o apagamento dos glides que compõem o ditongo, incorrendo em sua monotongação já anda
bastante difundido entre os falantes da norma culta, portanto não é considerado desprestigiado
socialmente.
73
controle da língua, entretanto, fomos levados a buscar a compreensão para esse
resultado na interação com outras variáveis (Cf. seção 5.2.1.1.1, p. 74, 75), em que, pelo
cruzamento das variáveis, poderemos visualizar a interação desta variável com a
localização de moradia, e verificar até que ponto a variável escolaridade interfere nos
resultados ou se não seria a localização de moradia (onde se tem a influência do bairro
de origem do falante) o fator determinante na aplicação da regra variável.
Tabela 3 – Variável Escolaridade - Glide /j/
Variável escolaridade
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Até quatro anos 152/183 83 0.72
Mais de quatro anos 178/262 67 0..33
Tabela 4 – Variável Escolaridade - Glide /w/
Variável escolaridade
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Até quatro anos 300/359 83 0.58
Mais de quatro anos 246/331 74 0.40
Faixa etária
Nossa hipótese para a variável faixa etária é, como previsível para os falantes de
qualquer região, que os mais jovens são mais inovadores e os mais velhos, mais
conservadores, ou seja, quanto mais jovem o falante, mais aplica a regra do apagamento
dos glides dos ditongos decrescentes orais.
Com referência ao apagamento do glide /j/, os resultados para os falantes das
faixas a, b e c foram 0.45, 0.69, 0.27, respectivamente; (Cf. Quadro 2), e com relação ao
apagamento do glide /w/, os pesos relativos foram 0.45, 0.63 e 0.38 nas respectivas
faixas, como podemos observar nos dados das tabelas 5, os falantes da faixa b, ou seja,
os adultos de 26 a 49, são os que mais aplicaram a regra. O que podemos justificar
quanto a isso é que na vida adulta aumentam as pressões advindas de necessidades
profissionais, quando necessitamos ingressar no mercado de trabalho. Nessa fase, os
valores da sociedade se impõem e a rede de relacionamento aumenta com os novos
contatos. O falante dessa faixa etária é, portanto, o que apresenta mais possibilidades
inovadoras. O falante da faixa c, como prevíamos, é o mais conservador (0.27 e 0.28)
para os respectivos glides /j/ e /w/. Uma das possibilidades de justificação seria o fato de
74
pertencerem à classe que normalmente se retira do mercado de trabalho pela
aposentadoria; as pressões da sociedade e do mercado deixam de agir sobre eles,
tornando-os mais conservadores, como apontam os resultados. Por outro lado é
importante que entendamos que as pessoas não deixam sua variedade lingüística apenas
porque saem da vida profissional, além do mais, os falantes em geral, independente da
idade, da posição que ocupam na sociedade, já apagam em seu falar natural.
Além da influência da dia, outras variáveis, como escolaridade e localização
de moradia, podem ter influência direta sobre tais resultados. Para verificar a relevância
desta variável, observaremos o seu cruzamento com as variáveis mencionadas (Cf.
Tabelas 9 e 10, seção 5.2.1.1).
Tabela 5 – Variável Faixa Etária - Glide /j/
Variável faixa etária
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Faixa a – 17-25 146/186 78 0.47
Faixa b- 26-49
Faixa c- 50 em diante
122/153
62/106
79
58
0.69
0.27
Tabela 6 – Variável Faixa Etária - Glide /w/
Variável faixa etária
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Faixa a – 17-25 271/326 83 0.45
Faixa b- 26-49
Faixa c- 50 em diante
180/222
95/142
81
66
0.63
0.38
Localização de moradia
Como podemos verificar na tabela abaixo, os falantes do subúrbio aplicam mais
a regra variável de apagamento do ditongo (0.57 contra 0.37).
41
Tabela 7 – Variável Localização de Moradia - Glide /w/
Variável localização de moradia
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Bairros de Subúrbio 382/468 81 0.57
Bairros Centrais 164/222 73 0.37
41
Para o glide /y,/ embora com um percentual pouco expressivo, os falantes dos bairros de subúrbio
aplicam a regra variável em número percentual mais elevado que os falantes dos bairros centrais.
75
Os percentuais acima revelam a tendência ao apagamento do ditongo nos bairros
de subúrbio, resultado que nos leva à necessidade de interação desta variável com a
Escolaridade para melhor compreender o resultados percentuais desta última categoria.
(Ver seção 5.2.1.1-III, p. 76)
5.2.1.1.1 Interação dos dados das restrições sociais
I - Faixa etária versus Escolaridade
No cruzamento da escolaridade com a faixa etária, verificamos, para o glide /w/,
que, independente do grau de escolaridade, os falantes mais jovens (faixa a e b)
apagaram mais que os falantes acima de 49 anos (faixa c), o que atesta serem estes mais
conservadores, conforme prevíamos (85% - faixa a e b contra 75% - faixa c). No caso
do glide /j/ surpreendentemente ocorreu que os mais escolarizados da faixa b (26 a 49
anos de idade) apagaram mais que os falantes menos escolarizados (82% contra 69%),
atestando variação da chamada norma padrão, e, os falantes com baixo grau de
escolaridade da terceira faixa foram os que mais apagaram entre os mais escolarizados
das outras faixas (86% contra os mais escolarizados nas faixas a- 68%, b-82% e c-41%).
Cabe saber se estes falantes da faixa c apagaram mais porque têm baixo grau de
escolaridade ou porque talvez pertençam ao subúrbio onde os falantes naturalmente
apagam mais que os dos bairros de prestígio, e compreender também o porquê de os
falantes mais escolarizados da faixa b terem apagado mais que os menos escolarizados.
É possível que essa variação interna da norma culta tenha sofrido influência da
localização de moradia que mostra aplicação da regra do apagamento do ditongo pelos
moradores de subúrbio com maior intensidade que os moradores dos bairros de alto
poder aquisitivo.
Tabela 8 - Cruzamento Faixa etária X Escolaridade
ESCOLARID.
F. ETÁRIA
OCORRÊNCIA DE
APAGAMENTO
1 %
2 %
a
Glide /j/
Glide /W/
85
85
68
79
B Glide /j/
Glide /W/
69
85
83
79
c
Glide /j/
Glide /W/
86
75
26
63
II - Faixa etária versus Localização
Na interação da faixa etária com a localização de moradia, a análise quantitativa
dos dados confirma que os mais velhos (faixa c) são mais conservadores que os mais
76
novos (a e b). É relevante ratificar que os resultados para as faixas a e b foram
praticamente os mesmos (a e b nos bairros centrais, 76% e no subúrbio a-85% e b-
83%).Os resultados indicam ainda que os falantes do subúrbio (80%, 83% e 56%)
apagam mais do que os dos bairros centrais (76%, 76% e 61%), nas respectivas faixas
para o glide /j/. O mesmo se deu com relação à variável /w/, em que os falantes dos
bairros centrais (78%, 78% e 64%) apagaram menos que os do subúrbio (85%, 83% e
69%). Aqui podemos inferir que alguns fatores talvez tenham interferido no
comportamento do ditongo para a variante /j/ pelos falantes dos bairros centrais, tais
como: influência da mídia, rede de relacionamento ampla, enfim, com mais contato os
falantes têm mais possibilidade de aplicar regras variáveis.
Tabela 9 Cruzamento faixa etária X Localização
LOCALIZ.
F. ETÁRIA
OCCORÊNCIA
DE APAGAMENTO
CENTRO %
SUBÚRBIO %
a (17-25)
Glide /j/
Glide /W/
76
78
80
85
B(26-49) Glide /j/
Glide /W/
76
78
83
83
c(de 50 em
diante)
Glide /j/
Glide /W/
61
64
56
69
III - Escolaridade versus Localização
Os dados percentuais do cruzamento da variável escolaridade X localização de
moradia demonstram que os falantes mais escolarizados do subúrbio apagaram um
pouco mais que os escolarizados dos bairros centrais (78% contra 71%) no que respeita
ao glide /w/. Embora com percentual pouco expressivo, a variável localização aponta
para uma tendência maior ao apagamento do ditongo do que mesmo a escolaridade. Esta
variável quase não altera os dados dos falantes os quais apagaram mais no subúrbio: os
escolarizados com relação ao glide w (78% contra 71%) e os não escolarizado, com
relação ao glide j, mas com percentuais não expressivos (86% contra 82%).
É possível que tal resultado se deva ao fato de a escola freqüentada pelos
falantes do subúrbio ser mais desfavorável do que a dos bairros centrais em relação ao
controle da língua ou mesmo porque as variáveis sociais tiveram pouca, ou quase
nenhuma interferência na aplicação da regra de apagamento dos ditongos decrescentes
orais, devendo ser sua condicionante de ordem estrutural e não ordem social.
Tabela 10 – Escolaridade X Localização
ESCOLARIDADE
LOCALIZACAO
OCORRÊNCIA
DE APAGAMENTO
MENOS % MAIS %
CENTRO
Glide /j/
Glide /W/
82
86
69
71
77
SUBÚRBIO
Glide /j/
Glide /W/
86
83
68
82
5.2.2 Restrições estruturais
Submetemos os dados coletados à análise do pacote estatístico Goldvarb 2001.
Para uma segunda rodada, selecionamos apenas às variáveis que o Programa considerou
relevante em termos de motivação ao apagamento dos glides. Para atestar o apagamento
do glide /j/, o programa considerou as seguintes restrições: posição, e contexto seguinte
e classe de palavras. para o apagamento do glide /w/, o programa selecionou as
seguintes variáveis: tonicidade, contexto precedente, contexto seguinte. Para surpresa
nossa, não foram as mesmas variáveis selecionadas para ambos os glides; esperávamos
que, pelo menos houvesse mais coincidência de variáveis selecionadas, uma vez que
estamos tratando de um fenômeno com suspeita de ser categórico na língua falada,
porém houve duas: tonicidade e contexto seguinte. Para esta última variável,
havíamos escolhido anteriormente as seguintes: coronal, labial, dorsal, vogal, nulo. (Ver
Quadro 3), entretanto esses ambientes não foram suficiente para justificar o apagamento
dos glides, uma vez que, para isso, necessitávamos de mais especificidades. Desta feita,
escolhemos para o contexto fonológico os seguintes fatores: lateral palatal, lateral
alveolar e tepe, cujos índices de apagamento foram significativos.
Para melhor visualização dos dados, apresentamos, em separado, os dados para
/j/ e /w/ .
I- Glide j
A primeira variável selecionada para análise do fenômeno variável para o
apagamento do glide /j/ foi a posição do ditongo na palavra, entretanto a posição final
de palavra foi desprezada, possivelmente, em virtude do índice reduzido, na língua, de
ocorrência de palavras com ditongos constituídos por glide j em posição final de
palavra. Os verbos que obtivemos em nosso corpus, em sua maioria, estavam na
pessoa do singular, devido ao fato de, por ocasião das entrevistas, quando instigávamos
o falante a uma narração, ele dava a preferência por narrar em terceira pessoa, neste
caso a desinência verbal era o ditongo /ow/ e não /ej/ a exemplo dessas palavras
extraídas da entrevista: apagou, cantou, falou, achou, acabou. Inclusive o texto por nós
elaborado para uma leitura dinâmica (ver apêndice II) é uma pequena narração em
terceira pessoa.
78
A variável Posição do ditongo
O programa desprezou o fator final de palavra e deu como mais favorecedor do
apagamento do glide /j/ o fator meio de palavra, cujo peso relativo é 0.66, como
podemos ver na Tabela 11. O baixo índice de ocorrência no corpus da pesquisa na
posição final da palavra, devido ao fato provável de haver na língua um número menor
de palavras com ditongo em final de palavras (na seção 5.2.1), possivelmente interferiu
nos resultados. Além disso, os ditongos com o glide /j/ em posição final não se apagam
quando precedido da vogal central a (Cf. a variável contexto precedente), são ditongos
verdadeiros formadores de pares nimos (pai ~ pa), quando apagados alteram o
significado da palavra.
Tabela 11 – Variável posição do ditongo glide /j/
variável posição do ditongo
Fatores Aplic. Total %
P. Rel.
Início de palavra (caixa) 231 /330 70 0.43
Meio de palavra (cadeira) 98 / 113 86 0.66
A significância dessa variável em termos de condicionamento do fenômeno
variável em estudo não foi muito expressiva, uma vez que os pesos relativos dos fatores
estão aproximados da neutralidade, o fator início de palavra (0.43), abaixo do ponto de
referência (0.50) e o fator meio de palavra, acima (0.66).
A variável contexto fonológico seguinte
Nossa hipótese para a variável contexto fonológico seguinte é que esta é a
restrição estrutural de maior importância em termos de condicionamento do apagamento
do ditongo decrescente oral, sobretudo constituído pelo glide /j/, uma vez que os
ditongos leves são criados por processos assimilatórios, principalmente para os fatores
tepe e palatal (Cf. Bisol, 1991).
Os contextos seguintes que tiveram relevância em termos de influenciar o
apagamento do glide foram as palatais e o tepe (0.54 e 0.56 respectivamente). Os dados
da Tabela 12 nos mostram a sobrelevância desses ambientes em relação aos demais
tanto em termos percentuais (77% e 78%), quanto em peso relativo (0.54 e 0.56).
Tabela 12 – Variável Contexto Fonológico Seguinte glide /j/
Variável contexto fonológico seguinte
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Palatal 114 /121 77
0.54
Alveolar 15 / 25 60
0.28
79
Tepe 212 / 271 78
0.56
A Tabela acima atesta que a freqüência e o peso relativo apresentados pelo Tepe
// (0.56) apontam para que este contexto, juntamente com o contexto palatal (0.54),
sejam os que mais favoreceram o apagamento do ditongo, enquanto o contexto alveolar
não se mostrou condicionador do fenômeno variável em estudo (0.28); o contexto
com as fricativas não foi relevante no sentido de condicionar o apagamento do glide /j/
do ditongo decrescente. O baixo grau de peso relativo para as alveolares talvez deva-se
ao fato de que a maioria dessa ocorrência corresponde em nosso corpus aos verdadeiros
ditongos, que não costumam apagar, como vimos na seção 3.2-II deste trabalho.
Vejamos alguns exemplos desses ditongos arrolados no corpus da pesquisa: leitor,
noite, prefeito, oitenta, oitizeiro, para citar os ditongos que precedem a oclusiva
alveolar /t/, todos com glide /j/. (Cf Quadro 6)
Os resultados da tabela 12 corroboram as afirmações de Bisol (1991, p.51).
Referindo-se às palatais, a autora propõe que o glide pode ser acrescido ou apagado
antes de palatal, sem alteração de sentido.
Todo ditongo, diante de palatal, segundo a proposta Bisol (1994, p. 124.), possui
uma vogal na estrutura subjacente, devido ao traço alto da palatal, o glide pode ser
acrescido ou, no caso do fenômeno estudado nesta pesquisa, pode ser apagado, uma vez
que ele não existe nas representações da estrutura profunda, a exemplo de peixe, faixa,
caixa. (Ver seção 2.2 do Cap. II). No caso do contexto seguinte ser o tepe, a proposta é
que ele alterna livremente com a vogal simples, ocorrendo a possibilidade do
apagamento do glide j.
A variável classe gramatical
Para a variável estrutural classes gramatical selecionamos os seguintes fatores:
substantivo, adjetivo, verbo, numeral, pronome, outros, entretanto devido a alguns
knockouts, reunimos as classes numeral e pronome em uma única (outros) para uma
nova rodada.
Tabela 13 – Variável Classe Gramatical glide /j/
Variável classe gramatical
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
s – substantivo 254/ 320 79 0.57
g – adjetivo 22/ 35 62 0.37
v - verbo 50/ 6 59 0.27
80
h – outros 4 /6 66 0.69
Como podemos observar, o substantivo foi a classe de palavra que mais
favoreceu o apagamento (0.57) a exemplo de peixe, caixa, janeiro, fevereiro; só
perdendo para o fator outros, porque neste foram amalgamadas outras classes: numeral
(primeiro), pronome (outro) e conjunção (outrossim), cujo peso relativo deu 0.69. O
fator verbo teve o menor peso relativo (0.27) talvez porque tivemos em nosso corpus
baixo índice de verbos com ditongos constituídos pelo glide /j/, como dito
anteriormente. (Cf. seção 5.2.2 –I). Uma possível explicação é que muitos dos ditongos
com esse glide eram ditongos fonológicos, que não apagam. (Cf. 6, p. 73). Para termos
melhor compreensão das ocorrências com o glide /j/, observemos o Quadro 7 (Cf. p.
73), o qual apresenta lista de palavras com os ditongos que apagaram.
II - Glide /w/
O apagamento do glide /w/ no ditongo está generalizado na língua falada no
Brasil, sobretudo quando precedido da vogal posterior /o/. Sua monotongação é
confirmada na fala recifenses.
A variável tonicidade foi a primeira variável selecionada para atestar o
apagamento do ditongo com o glide /w/, o que significa dizer que é essa variável a que
mais fortemente condiciona a aplicação de regra variável de apagamento do ditongo.
Entretanto, o Programa desprezou a categoria postônica em virtude de não ter sido
encontrado índice relevante de ocorrência de ditongos nessa posição, em nosso banco de
dados.
A Variável tonicidade
Com base nas leituras de resultados de outras pesquisas, nossa hipótese para a
variável tonicidade é que o fator sílaba tônica seja o fator mais favorecedor do
apagamento do ditongo. Como podemos ver na tabela 14, o maior peso relativo de
apagamento se deu com os ditongos em sílabas tônicas (0.59) contra (0.39) das
pretônicas. Isso se deve ao fato provável de que em nosso corpus, além das tônicas de
verbos, tivemos alto índice de ocorrências com palavra outro, cujo apagamento se
justifica pelo baixo grau de saliência fônica dos fonemas /o/ e /w/ (/owtru/ > /o´tru/),
como já foi observado em Naro; Leme (1976 apud SILVA, 2004, p. 35).
81
Os nossos resultados corroboram o estudo de Cabreira (1996 apud SILVA, 2004, p.
35), em que as sílabas tônicas favorecem a monotongação e os de Silva (2004, p.40) em
relação ao ditongo /ow/, em que o maior peso relativo também foi nas tônicas (.52 e .17).
Ao contrário do que vimos com os ditongos [aj] e [ej] – as
sílabas tônicas favorecem a monotongação. Esse resultado parece
dever-se ao fato de todo verbo, quando conjugado, terminado em
ou ter o glide suprimido, restando apenas a vogal o, como em vo
(vou), ganho (ganhou), levanto (levantou), determino
(determinou) etc. Em todos os casos, independente do tamanho
do vocábulo, a aplicação é categórica. (SILVA, 2004, p.40).
Nossos resultados não confirmam os resultados de Farias, no nordeste do Pará,
em que as pretônicas foram mais freqüentes do que as tônicas (88,2% contra 70,5%).
Entretanto, em relação à justificativa da autora supracitada, é possível que isso tenha
ocorrido em relação ao ditongo tônico em posição final de palavras (verbos), a
exemplos desses extraídos de nosso corpus: [a`šo], [fa`lo], [goS`to], [aka`bo], em que se
tem realização quase categórica do apagamento do ditongo na fala espontânea. Os
resultados podem ser vistos na Tabela 5 a seguir.
Tabela 14 – Variável Tonicidade - glide /w/
Variável Tonicidade
Fatores Aplic./ Total % P. Rel.
Tônica 315/371 84 0.59
Pretônica 231/319 72 0.39
Com o ditongo /aj/ temos: caixa, faixa, baixa, com o ditongo /ej/ tivemos peixe,
feixe, eixo; sabemos, entretanto, que o contexto seguinte desses exemplos é uma palatal,
uma forte condicionante de apagamento do ditongo, talvez por isso o Programa não
selecionou essa variável para o glide /j/, que embora esta variável tenha se mostrado
relevante em termos de demonstrar que sílabas tônicas motivam o apagamento do
ditongo em relação às pretônicas (75% contra 25% - cf. Anexo II), a maioria dos
exemplos para o glide /j/ se encontram em ambiente de palatal. Nossos resultados o
confirmaram os de Silva (2004, p. 39), em relação ao ditongo /ej/ cujas pretônicas
tiveram peso relativo maiores do que as tônicas (.67 e .48 respectivamente).
A Variável contexto fonológico precedente
82
Para o contexto fonológico precedente, o fator que se mostrou, podemos dizer,
contundente foi a vogal posterior o (0.64) em relação à vogal anterior e (0.15) e à vogal
central a (0.12) que não se mostraram fatores motivadores ao apagamento do glide w.
Os pesos relativos da Tabela abaixo refletem a saliência fônica para a vogal posterior /o/
Tabela 15 – Variável Contexto fonológico precedente - glide /w/
Variável contexto precedente
Fatores Aplic. Total % P. Rel.
Vogal posterior - o 463 520 80 0.64
Vogal central - a
42
39 100 39 0.12
Vogal anterior - e 44 70 62 0.15
Como podemos observar na tabela acima, em termos de freqüência e de peso
relativo, o contexto precedente /o/ o que mais favoreceu o apagamento do ditongo em
relação aos demais (vogal central a e vogal anterior o). Para citar alguns exemplos
temos: ouro, ourives, outrossim, outro, outubro, ouço, ouvir, ouvinte, ouvidor, etc,.No
caso do fator vogal anterior e, ter se mostrado, em termos percentuais, condicionante
com 62%, foi o fato de a maioria das ocorrências com o ditongo /ej/ serem palavras com
o sufixo “eiro(a)”, o que possivelmente interferiu no resultado, contudo o peso relativo
(0.15) apresenta o resultado mais plausível. A tulo de exemplificação podemos citar:
marinheiro, ferreiro, coqueiro, costureira, moleira, etc.
Variável contexto fonológico seguinte
Nossa hipótese para o contexto seguinte é de que o tepe e a fricativa são os maiores
condicionantes do apagamento do ditongo, uma vez que seus traços compartilhados
levam ao processo de assimilação.
Como prevíamos, o fator fricativa labial mostrou-se, podemos dizer, quase
categórico no apagamento do glide /w/ (0.80). O mesmo não se pode dizer das fricativas
alveolares, que se mostraram abaixo da referência 0.50, com preso relativo 0.37. Outro
fator motivador do fenômeno variável em estudo foi o tepe, como prevíamos, e também
como atestado em outros estudos, mostrou-se favorecedor da aplicação da regra variável
de monotongação (0.57). É provável que esse resultado se deva ao fato de o corpus ter
apresentado alto índice de ocorrências com palavras, cujo contexto seguinte é o tepe, a
exemplo de ouro, ourives, ouriço, ouriçar, enquanto para o contexto seguinte oclusiva
42
As palavras, cujo contexto precedente foi a vogal central /a/ tiveram maior incidência com o glide /y/, a
exemplo de caixa, faixa, baixa, baile, bailista.
83
bilabial (0.33), o índice foi muito inferior; é bem verdade, entretanto, que tivemos a
influência do contexto precedente /o/ mencionado na Tabela 15, como condicionantes
da aplicação da regra variável em estudo.
Tabela 16 - Variável Contexto Fonológico seguinte – Glide /w/
Contexto Fonológico Seguinte - glide /w/
Fatores Aplic./Total % P.Rel.
Oclusiva Bilabial /p b/ 21/39 53 0.33
Oclusiva Alveolar /t d/ 200/245 81 0.50
Oclusiva Velar /k g/ 13/21 61 0.21
Fricativa Labial /f v/ 57/60 95 0.80
Fricativa Alveolar /s z/ 86/126 68 0.32
Final Absoluto 38/43 88 0.50
tepe// 117/142 82 0.57
A Tabela 16 indica que os fatores apresentam pesos relativos diversificados,
como podemos observar, a maior freqüência e o maior peso relativo foi apontado pelas
fricativas labiais, enquanto que os contextos oclusivas bilabiais (0.33), fricativas
alveolares (0.32) e principalmente oclusivas velares (0.21) o se mostraram fatores
condicionantes à aplicação da regra variável em estudo, como atestaram seus pesos
relativos. Isso se deu talvez por causa do baixo índice de ocorrência de palavras com
tais contextos (soube, ouço, pouca)
O fator final absoluto foi surpreendente, em termos de freqüência, em que
verificamos altíssimo índice (88%), entretanto, seu peso relativo foi equilibrado (0.50),
indicando neutralidade. Esse resultado também pode ser justificado pelo fato de que o
elevado índice de ocorrência desses ditongos correspondem aos verbos em terceira
pessoa do singular: achou, falou, gostou, acabou, como visto no 3º § da seção 5.2.2.
Em razão das especificidades articulatórias do tepe // que o aproximam das
fricativas, esperávamos que este fator tivesse peso relativo semelhante ao das fricativas
labiais /f/, /v/ (0.80), mas não com as fricativas alveolares /s/, /z/ (0.32). Entretanto,
isso não aconteceu, o que nos levaria à interação dos dois contextos (seguinte e
precedente). Entretanto o programa o ofereceu o cruzamento dessas duas variáveis,
para que pudéssemos fazer a interação dos fatores, apenas a interação do contexto
precedente com outros fatores, o que já foi suficiente para atestar a recorrência do [ow],
a exemplo das palavras, ouro, ourives, ouvir, ouvidor, ouvinte. Observamos que as
fricativas labiais foram mais favorecedoras do fenômeno variável do que o Tepe (0.57),
entretanto é bom destacar que elas correspondem a palavras que têm por base o mesmo
84
radical e que têm um alto índice de ocorrência no corpus. Este fator pode ter contribuído
para a elevação de seu aparente favorecimento.
Esses resultados, combinados com os do contexto fonológico precedente,
dirigem-nos à seguinte inferência: o apagamento do ditongo /ow/ é muito difundido no
Recife (como o é na língua portuguesa falada no Brasil) e se justifica em termos
estruturais.
Enquanto, para o apagamento do glide /j/, o contexto de tepe teve o maior índice
de apagamento em termos der freqüência (78%) e de peso relativo (0.56), para o glide
/w/, este contexto foi o segundo colocado com peso relativo (0.57), perdendo para a
fricativa labial que teve a maior freqüência e peso relativo (95% e 0.80,
respectivamente), em relação aos demais contextos seguintes.
Os nossos resultados se aproximaram dos de Pereira (1996) (cf. seção 2.3, p.35)
nos primeiros corpora, em que o contexto posterior se mostrou forte condicionante ao
apagamento, pelo menos as palatais e o tepe.
85
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ste estudo se desenvolveu à luz da Teoria da Variação, mediante a qual
apresentamos um fenômeno bastante recorrente na língua falada no Brasil: o
apagamento dos ditongos decrescentes orais. A comunidade de fala onde
realizamos a pesquisa empírica foi a cidade do Recife.
Fizemos um estudo descritivo do comportamento de tais ditongos na fala
recifense e verificamos, em princípio, que tal como em vários pontos do País, o ditongo
decrescente quando fonético, ou seja, quando possui na estrutura subjacente apenas uma
vogal, é apagado em situação natural de fala.
Dada a constatação acima, de que o chamado falso ditongo é suscetível de
apagamento, ao contrário do ditongo fonológico ou “verdadeiro ditongo” que tem duas
vogais na estrutura subjacente da língua
43
e parece o apagar nunca, nem mesmo na
fala de pessoas com baixo grau de escolaridade (menos de quatro anos), iniciamos então
uma pesquisa empírica no Recife, onde entrevistamos 48 falantes, divididos em dois
43
No nível subjacente todas as semivogais são vogais semelhantes as vogais altas. Durante o processo de
silabação, as vogais altas se tornam glides. Os ditongos que apagam (passam a monotongos) são então
chamados de falsos ditongos (Cf. seção 2.2, p. 32)
E
86
grupos: falantes do subúrbio e falantes de bairros centrais do Recife, metade dos quais
com escolaridade de nível superior e metade com baixo grau de escolaridade, os
primeiros considerados falantes da norma culta, e os últimos, falantes da norma o
culta, todos devidamente distribuídos em três faixas etárias (a-17-25; b-26-49 e c- de 50
em diante), como dito na metodologia deste trabalho (Cf. Cap. 4).
Do corpus que havíamos definido para a pesquisa não constava a separação de
falsos e verdadeiros ditongos, isso possivelmente interferiu nos resultados, elevando o
grau de realização dos ditongos entre os falantes recifenses. Conscientes da
possibilidade dessa interferência, interpretamos o fenômeno variável de apagamento dos
ditongos decrescentes orais sem prejuízo para análise, uma vez que compreendemos a
natureza dos ditongos, cujo índice de apagamento foi bem menor para os verdadeiros
ditongos, do que para os falsos ditongos. Por sabermos que todo processo de variação e
mudança tem a influência direta ou indireta do extralingüístico, não poderíamos
desprezar em nossa pesquisa o componente social, por isso selecionamos pelo menos
quatro variáveis sociais que poderiam motivar o fenômeno variável em verificação
(sexo, escolaridade, idade e localização de moradia). Entretanto, em se tratando de um
fenômeno de certa forma categórico na língua, a exemplo de Tubarão/SC (Cf. seção 2.3)
o apagamento não se define por condicionantes sociais, mas sua justificação se por
condicionantes estruturais. Assim resumimos abaixo, algumas conclusões a que
chegamos para análise das variáveis sociais:
A tendência ao apagamento dos ditongos decrescentes orais é perceptível entre os
recifenses;
A variável social localização de moradia tem relevância em termos de apontar a
tendência ao apagamento dos glides, mas não condiciona o fenômeno.
A variável faixa etária demonstrou ser até mais relevante que as variáveis
localização de moradia e escolaridade;
As variáveis sociais não são condicionantes para o apagamento dos ditongos
decrescentes orais;
Os resultados quantitativos sinalizam para que as condicionantes do processo de
apagamento sejam de ordem estrutural e não social.
para análise das restrições estruturais (ou lingüísticas), verificamos sua relevância
em termos de condicionamento do fenômeno variável de apagamento dos glides que
compõem os ditongos decrescentes orais na fala do Recife. Tomamos como referência,
87
os trabalhos sobre o ditongo, desenvolvido por Bisol (1981, 1989, 1991, 1992, 2002,
2005), devidamente listados nas Referências desta dissertação.
Depois da análise dos resultados, apontamos as seguintes variáveis como realmente
motivadora do apagamento dos ditongos:
1. Contexto fonológico precedente fundamental em termos de que definir os
ditongos, posto que está na base da sua constituição e cujo fator vogal
posterior teve peso relativo (0.64.) em relação aos outros fatores.
2. Contexto fonológico seguinte O Programa Goldvarb 2001 selecionou esta
restrição estrutural para análise de ambos os glides (j e w). Os resultados dos
dados probabilísticos das tabelas apontaram como favorecedores do
apagamento os seguintes fatores: glide /j/ - tepe // (0.56) e palatais (0.54);
glide /w/ fricativa labiais (0.80) e tepe // (0.57). Em que pese o alto índice no
peso relativo das fricativas labiais, o fator tepe // se manteve favorecedor para
os dois glides /j/ e /w/. O que temos, como apontado dos estudos de Bisol
(1991, 51-52), é o tepe e as palatais como favorecedores do apagamento do
ditongo.
3. Tonicidade Esta variável apresentou como relevantes dois fatores: sílaba
tônica e sílaba pretônica. O resultado dos dados apresentou, tanto para o
glide
/j/ como para o glide /w/ como mais favorecedor do apagamento o primeiro
fator sílaba tônica.
Na observância das duas variáveis (contexto fonológico precedente e contexto
fonológico seguinte) vimos que o apagamento do ditongo categórico na fala é o /ow/
(pelo menos em algumas regiões (cf. os resultados de Gerusa Pereira, seção 2.3, p. 41).
Em nosso corpus a maioria dessas ocorrências se deu com as seguintes palavras: ouvir,
ouvinte, ouvidor, o que poderia configurar uma particularidade desses itens lexicais.
Os resultados desta pesquisa apontam que o fenômeno variável estudado está mais
condicionado a fatores estruturais. Confirmam também o que diz Bisol (1991, p. 51-52),
quanto ao contexto seguinte, que as palatais e o tepe o os fatores mais condicionantes
do apagamento do ditongo, principalmente quando o contexto precedente for a vogal
posterior /o/.
Os ditongos que foram mais apagados pelos recifenses são os seguintes:
88
/aj/ - caixa, faixa, baile (xingamento), beijo, queijo;
/ej/ - peixe, feixe, eira, beira, cadeira, enfermeira
/oi/ - loira
/ow/ - soube, coube, ouro, outro, ouvir, outono
Para o ditongo /oj/, a regra foi aplicada na palavra loira, cuja pronúncia
também poderia ser loura, e, dessa feita, esta última é talvez quem proporcione o
apagamento. Os ditongos /au/ e /ew/ quase não foram apagados por nenhum falante
constante do nosso envelope.
A análise fonológica que conta do fenômeno apresentado nessa dissertação,
ainda é muito limitada. A interpretação do apagamento dos glides é mais fácil quando
acontece em contexto seguinte de palatais. Segundo Pereira (2004), quando o contexto
seguinte é o tepe, o apagamento ainda é questionável. Em que pese a direção que vem
tomando o apagamento dos glides que compõem os ditongos decrescentes nas diversas
regiões do Brasil, muito há ainda que se descrever, em termos de justificar a supressão e
comprovar que apenas os ditongos fonéticos (ditongos leves), favorecem o apagamento
de seus glides, enquanto que os fonológicos (ditongos pesados) não são suscetíveis à
monotongação.
Esperamos, por fim, que o estudo aqui apresentado, embora reflita resultados
preliminares, contribua para o conhecimento da monotongação do fenômeno tratado e
motive a realização de estudos adicionais que sirvam para alargar nossa compreensão
sobre fenômenos variáveis como o estudado nesta dissertação.
REFERÊNCIAS
AMARAL, A. O dialeto Caipira. São Paulo: Anhembi,1955.
AMARAL, M. P. A síncope em proparoxítonas: uma regra variável in BISOL, L;
BRESCANCINI (orgs.). Fonologia e variação: Recortes do Português brasileiro. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2002.
ANDRADE, G. O. Migrações internas e o Recife. Recife: Fundação Joaquim Nabuco -
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1979. 100p (série Estudos e Pesquisas,
12).
AQUINO, M. de F. de S. A ditongação na comunidade de João Pessoa: uma análise
variacionista 1998, Dissertação (Mestrado em Letras) Universidade da Paraíba, João
Pesoa, 1998.
BEZERRA, M. L. Os instrumentos de ordenamento e desenvolvimento urbano da cidade do
Recife: aplicabilidade e eficácia. Caderno de Estudos Sociais, v. 11, n.1,
172p 1995 p. 11.
89
BISOL, L. Harmonização vocálica: uma restrição variável. 1981. Tese (Doutorado em
Lingüística) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981.
________. O Ditongo na perspectiva da fonologia atual. D.E.L.T.A, São Paulo, v. 5, n.
2, p.185-224, 1989.
________O Ditongo em Português. Abralin, v. 11. 1991, p. 51-58p.
_______. Aspectos da fonologia atual. D.E.L.T.A, São Paulo, v 8, n.2, 1992. p. 263-283.
_______. Ditongos derivados. D.E.L.T.A, v. 10, n.. Especial. 1994. 123-140p.
_______. (org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto
Alegre: EDPUCRS, 2005.
________; RESCANCINI (orgs) Fonologia e variação. Recortes do Português
brasileiro: Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
BORTONI-RICARDO, S. M. A contribuição da análise de redes ao ensino da língua
materna. Anais do Seminário de Aprendizagem da Língua Materna: Uma abordagem
interdisciplinar, INEP, 1982.
________. A migração rural-urbana no Brasil: uma análise sociolingüística, in:
TARALO, F. (Org.) Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes Editores e Ed.
UNICAMP, 1985.
________, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística & educação. São
Paulo: Parábola Editorial, 2005.
CABREIRA, S.H. A monotongação dos ditongos orais decrescentes em Curitiba,
Florianópolis e Porto Alegre. 1996. 115 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996.
CALLOU, D.; LEITE, Y. As vogais pretônicas do falar carioca. Estudos Lingüísticos
Literários. Salvador: UFBA, v. 5, 1986.
_______.;_______. Introdução à fonética e fonologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1990.
CASTILHO, A. (Org.). Gramática do português falado. Campina: UNICAMP, 1996,
v.3.
CHOMSKY, N.; HALLE, M.. The Sound Pattern of English. New York: Harper &
How, 1968.
CLEMENTS, G. W. The Geometry of phonological Features. Phonology Yearbook,
LONDON, n. 2, p. 225-252, 1985.
_______. Place of articulation in consonants and vowels. Working Papers of the Cornell
Phonetics Laboratory, London, n. 5, p.37-76, 77-123, 1991.
_______.; HUME, E.V. The internal organization of speech sounds. In: GOLDSMITH,
J.A. (Ed.). The handbook of phonological theory. Cambridge: Blackwell, 1995.
90
COLLISCHONN, G. O acento em Português. In: BISOL, L. (org.). Introdução a
estudos de fonologia de português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 135-
169.
_________________. A sílaba em Português. In: BISOL, L. (org.). Introdução a
estudos de fonologia do Português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p.101-
169.
COSTA, C.F. Fonologia Lexcal e Controvérsia neogramática; análise das regras de
monotongação de /ow/ e vocalização do /l/ no Português do Brasil. Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
COUTINHO, I. Gramática histórica. 7ª ed., ver. Rio de Janeiro: Ao livro técnico,1976
CUNHA-HENCKEL, R. Tráfego de palavras. Africanismos de origem Banto na obra
de José Lins do Rego. Recife: Fundaj: Massangana, 2005.
D.E.L.T.A. São Paulo: EDUC, v. 5, n.2, 1989.
FARIAS, M.A.R.; MORAIS, M.B. Variação fonética dos ditongos [ej] e [ow] no
nordeste do Pará, 2002.
FERREZ, Gilberto. Raras e preciosas vistas e panoramas do Recife: 1755-1855. Rio de
Janeiro. Coleção Pernambuco. Fundação Pró-Memória Recife: Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco. FUNDARPE, 1984.
FREYRE, G. Recife & Olinda. Desenhos de Tom Maria ; Legendas de Thereza Regina
de Camargo Maia. [São Paulo]: Nacional; Recife: Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais, 1978.
FISHER, J.L. Social Influences on the choice of a linguistic variant. Word, n. 14, p. 47-
56, 1958.
GOLDMITH, J. Auto-segmental phonology. Bloomington: Indiana University
Linguistic club, 1976.
GORDON, E. Sex, speech and steriotypes: Why women use prestige speech form more
than men. Language in society U.S.A, v. 26, n. 1, p.47-63, 1997.
GUMPERZ, J. Social Network and Language Shift. In: J. Cook Gumperz and J.J.
Gumperz (eds.), Papers on Language and Context, Working Paper no. 46. Berkeley:
Language Behavior Research Laboratory, University of Califórnia, 1976.
GUY. R; BISOL, L. A teoria fonológica e a variação. Organon, Porto Alegre: UFRGS,
v.5, n.18, p. 126-136, 1991.
HAYES, B. Inalterability in phonology. Language, New York, n. 62, p. 321-352, 1986.
HORA, D. da. A palatização das oclusivas dentais: variação e representação não linear,
1990. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada) – Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre,1990.
91
_______. Diversidade lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia, 1997.
______. Estudos Sociolingüísticos: perfil de uma comunidade. João Pessoa: UFPB/BC,
2004. 286p.
_______; COLLISCHONN, G. (orgs). Teoria Lingüística. Fonologia e outros temas.
João Pessoa: Ed. Universitária /UFPB. 2003.
JAKOBSON, R.; FANT, G.; HALLE, M. Preliminaries to speech analysis: the
distinctive features and their correlates. Cambridge: M.I.T. Press, 1976.
KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Recife: Massangana, 2002.
LABOV, W. The social motivation of sound change. Word, New York, n. 19, p. 273-
307, 1963.
_______. The social stratification of English in New York City. Whashington: Center
for Applied Linguistics, 1966.
LABOV, William (1972b). Language in the inner city. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press.
LABOV, W. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University Pennsylvania Press,
1972.
_______. The intersection of sex and social class in course of linguistic change:
language variation and change: Cambridge: University press, 1990.
_______. Principles of linguistic social factors. Social factors. Oxford: Blackwell
Publishing, 2001.
LEIRIA. L.L. A ditongação variável em sílabas tônicas finais travadas por /s/. 1995.
Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística.) Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, 1995.
LEITE, Y.; CALLOW, D.; MORAES, J. Processos em curso no Português do Brasil: A
ditongação. In: HORA, D.; COLLISCHONN (orgs). Teoria lingüística. Fonologia e
outros temas. João Pessoa: Editora Universitária, 2003, p. 232-249.
LEME, M.; NARO, A. J. Competências básics do português, Relatório final de
pesquisa apresentado às instituições patrocinadoras Fundação Movimento Brasileiro
(MOBRAL) e Fundação Ford. Rio de Janeiro, 1977.
LEROY, M. As grandes correntes da lingüística moderna. 3. ed. São Paulo: Cultrix,
1974.
LINUS, J. As idéias de Chomsky. São Paulo: Cultrix, 1970.
LOPES, R. A realização variável dos ditongos [ow] e [ej] no Português falado em
Altamira. Dissertação de Mestrado em Lingüística, apresentada a Universidade Federal
do Pará, 2002.
LUCCHESI, D. Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história da lingüística
92
moderna. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
MARROQUIM, M. A língua do nordeste. (Alagoas e Pernambuco). São Paulo:
Nacional, 1934.
MATTOSO CÂMARA Jr., J.M. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro:
Simões 1953.
_______. Problemas de lingüística descritiva. Petrópolis: Vozes, 1970.
_______. História da lingüística. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1970.
_______. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1975.
_______. Estrutura da Língua Portuguesa, 15ª, Petrópolis: Vozes, 1985
_______. História da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1986.
_______. Dicionário de língua e gramática. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 1992.
MELO, J. A.G. de. Gente da Nação novos judeus em Pernambuco. ed. Recife:
Fundaj. Editora Massangana, 1996.
MELO, G. C.de. A língua do Brasil. Rio de Janeiro: Agir, 1946.
MENEGHINI, F.M. O fenômeno da monotongação em Ibiaçã. 1983. Dissertação
(Mestrado em Letras e Lingüística ) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, 1983.
MENEZES, J.L.M (org). Atlas histórico cartográfico do Recife. Recife: Ed.
Massangana, 1088.
MILROY, L. Language and social networks. Oxford: Blackwell, 1980.
MILROY, J. Linguistic variation and change. Oxford: Blackwell, 1992.
_______.; MILROY, L. Varieties and variation, In: COULMAS F. The handbook of
sociolinguistic. Cambridge: Blackwell, 1997 (2ª ed, 2004).
MOLLICA, M.C. de M. (Org.). Introdução à sociolingüística variacionista. Cadernos
didáticos. FL /UFRJ, 1994.
_______. Variação, mudança e escrita. In: CARDOSO S. (Org.). Seminário Nacional
sobre Diversidade Lingüística e o Ensino da Língua Material, 1996, Salvador. Anais... .
Salvador: EDUFBA, 1996. p. 136-164.
_______; BRAGA, M. L. (orgs). Introdução à Sociolingüística. O tratamento da
variação. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.
MORALES, H. L. Sociolinguitic. Madrid: Gredos, 1993.
MOTTA, R.(Org.). Seminário de Tropicologia. Recife. Anais...Recife: Fundaj: Ed.
93
Massangana, 1987. T. 11, 244p.
MOURA, M. D. (org.) Variação e ensino. Maceió: EDUFAL, 1997.
NARO, A. J. The social and structural dimensions of a syntactic change. Language.
(Baltimore) Nova York. v. 57, n.1, 1981.
_______ . O dinamismo das nguas In: MOLLICA, Introdução à Sociolingüística. O
tratamento da variação. 2004. p. 43-50.
________ & SCHERRE, M. (1991). "Variação e Mudança Lingüística: Fluxos e
Contrafluxos na Comunidade de Fala", Cadernos de Estudos Lingüísticos, 20: 9-16
_______. Introdução à sociolingüística variacionista. Cadernos didáticos. FL/ UFRJ,
1994.
_______.; SCHERRE, M. M. P: Variação e mudança lingüística: fluxo e contrafluxos
na comunidade de fala. Caderno de estudos lingüísticos, Campinas. v.20, p.9-16, jan./
jun, 1991.
_______.; _______. Sobre as origens do português popular do Brasil. D.E.L.T.A, São
Paulo, v.9, n. especial, p. 437-454, 1993.
NASCENTES, A. O Linguajar Carioca. 2 ed. Rio de Janeiro: Organização Simões,
1953.
PAIVA, M.C.A. de. Supressão das semivogais nos ditongos decrescentes. In:
OLIVEIRA, Giselle M. de. E SCHERE, S. M. Padrões Sociolingüísticos. Tempo
Brasileiro: UFRJ, 1996.
_________; SCHERRE, M.M.P. Retrospectivas sociolingüísicas: conribuições do
PEUL. D.E.L.T.A, n.15 especial, 2001-232, 1999.
PAUL, H. Princípios fundamentais da história da língua. 2.ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1966
PEREIRA, A monotongação dos ditongos no Português falado em Tubarão (SC):
Estudo de casos. Dissertação (Mestrado em Ciência da Linguagem), Universidade do
Sul de Santa Catarina, Tubarão-SC, 2004.
PESSOA, Marlos. Formação de uma variedade urbana e semi-oralidade: o caso do
Recife. Tubigen: Max Niemeyer Verlaz Tubingen, 2003, 334p.
PRETTI, D. Estudos de Língua Falada. Variações e conflitos. São Paulo:
Humanitas/FFLLCH/USP, 1998.
RODRIGUES, A.N. O dialeto caipira na região de Piracicaba. São Paulo: Ática, 1974.
RONCARATI, C.N. & MOLICCA, M.C. (orgs) Variação e Aquisição. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997.
SÁ, M. da P. de.et al (org). A linguagem falada culta na cidade do Recife: Programa de
94
Pós-Graduação em Letras da UFPE, 2005.
SANKOFF. D. Variables rules. In: AMMON, U.; DITTMAR, N.; MATTHEIR, K.J.
(Ed.). Sociolinguistics: an international handbook of science of language and society.
New York: Walter de Gruyter, 1988. p. 984-988.
_______.; LABOV, W. On the user of variables rules. Language in society, London:
Cambridge University Press, n. 8, p. 189-222, 1970.
SAUSURRE, F. de Curso de lingüística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo
Paes, Izidoro Blikstein. 5.ed. São Paulo, Cultrix, 1973.
SCHAR DONG, R. Monotogação de [ey]: Projeto n: 04, p. 30-38, 1994, (S.N.T)
SCHERRE. M.M.P. Variação e mudança lingüística: Fluxos e contrafluxos na
comunidade de fala. In: SILVA, G.M.; TARALLO, F. (Org.). Caderno de estudos
lingüísticos, Campinas: UNICAMP, n. 20, p. 9-16,1991.
_______. The serial effect on internal e external variables. In: Language variation and
change. Cambridge, n 4, p.1-13, 1992.
_______. Pressupostos Teóricos e Suporte Quantitativo. In: SILVA, G.M.de O.;
SCHERRE, M. M.P. (Org.). Padrões sociolingüísticos. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, p. 335-378,1996.
SCHWINDT, L. C. A regra variável de harmonização vocálica no RS, in: BISOL, L.;
BRESCANCINI, C. (orgs.) Fonologia e Variação: Recortes do Português Brasileiro,
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
SILVA, F. S. O processo de monotongação em João Pessoa. 1997. Dissertação
(Mestrado em Letras) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, [1997], in:
HORA, D. (Org.) Estudos Sociolingüísticos. Perfil de uma comunidade. João Pessoa:
UFPB, 2004, p. 29-43.
SILVA, T. C. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de
exercícios . 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2002.
SITE: http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/inforec
TARALLO, F. Relativizations Strategies in spoken brazilian portuguese. Tese
(Doutorado) – University of Pennsylvania, Philadelphia, 1983.
_______. F. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1985a.
_______. (Org.). Fotografias sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1985b.
_______. Tempos Lingüísticos. São Paulo: Ática, 1990.
THUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction. Great Britain: Peguin Books, 1974.
TRASK. R.L. Dicionário de linguagem e lingüística. São Paulo: Contexto, 2004.
95
TROUBETSKOY, N.S. Principles de phonology. Paris: Klineksemk, 1961.
VOTRE, S.J. Escolaridade. In: MOLLICA, M.C (org). Introdução à Sociolingüística
variacionista. Cadernos Didáticos. FL/UFRJ, 1994.
WEINREICH, U.; LABOV, W; HERZOG, M. Fundamentos empíricos para uma teoria
da mudança lingüística. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial. 2006.
WETZELS. L. Estudos fonológicos das línguas indígenas brasileiras. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1995.

APÊNDICE I


Destino Vias de acesso PE - BR Distância
São Paulo BR 101 Sul 2660 Km
Fortaleza BR 101 Norte 819 Km
Natal BR 101 Norte 297 Km
Salvador BR 101 Sul 838 Km
APÊNDICE II
96
TEXTO 1
Eulália autêntica moradora do Recife era de uma banda internacional de
Rock. Quando soube que seus ídolos desembarcariam no aeroporto em outubro, o que já
seria no outro final de semana, ou melhor, na sexta-feira as 18h, não coube em si de
tanta euforia.
Suplicou dia e noite aos pais que precisava recepcioná-los, entretanto, a tiete
sabia dentro de si, “queiram ou não queiram” seus pais, ela iria ao aeroporto dos
Guararapes, onde até pessoas sem eira nem beira poderiam ver seus ídolos sem qualquer
ônus, Eulália quis ultrapassar a “faixa amarela” e, quando saía sorrateiramente de casa,
sua mãe a viu e exigiu a sua volta. Ela percebeu, pelo olhar sombrio da mãe, que a
“maré não estava para peixe”, beijou-a e retirou-se para o quarto mais cedo que de
costume, esperando meio que ansiosa que a dor que sentia no peito não fosse do tipo
“duradoura”... Seria preciso pouca inteligência ir de encontro às ordens dos pais.
Suas amigas do bairro a consolavam dizendo que preferiam assistir a gloriosa
chegada dos roqueiros pela TV. Trouxeram pipoca e guaraná e tudo terminou em festa.

Anexo I - Recife - Aspectos gerais
Recife, capital do Estado de Pernambuco, situa-se no litoral nordestino e ocupa uma posição central, a
800 km das outras duas metrópoles regionais, Salvador e Fortaleza, disputando com elas o espaço
estratégico de influência na Região.
Clima: quente e úmido /Temperatura média: 25,2º C/ Altitude: 4 m/ Coordenadas geográficas:
latitude 8º 04' 03'' S e longitude 34º 55' 00'' W Área: 219,493 km2
Composição da área territorial:
Morros: 67,43%
Planícies: 23,26%
Aquáticas: 9,31%
Zonas Especiais de Preservação Ambiental - ZEPA: 5,58%
Extensão de praia: 8,6 km.
Divisão territorial:
94 bairros
6 Regiões Político - Administrativas - RPA:
RPA 1 - Centro: 11 bairros
RPA 2 - Norte: 18 bairros
97
RPA 3 - Noroeste: 29 bairros
RPA 4 - Oeste: 12 bairros
RPA 5 - Sudoeste: 16 bairros
RPA 6 - Sul: 8 bairros
66 Zonas Especiais de Interessa Social - ZEIS
População residente (2000): 1.422.905 habitantes, correspondendo a 43% da população da Região
Metropolitana.
Taxa de crescimento geométrico anual: 1,02 (1991/2000)
Bairros mais populosos: Boa Viagem (100.388 hab), COHAB (69.134 hab), Várzea (64.512 hab)
Bairros com maiores taxa de crescimento geométrico anual (1991/2000): Sítio dos Pintos (9,92),
Caçote (6,56) e Passarinho (6,47).
Densidade populacional: 64,78 (hab/ha)
Bairros mais densos: Alto José do Pinho (299,57); Brasília Teimosa (292,78); Mangueira (290,05)
Composição etária da população (2000):
0 a 14 anos: 26,16%
15 a 64 anos: 67,33%
64 anos e mais: 6,51%
Domicílios particulares permanentes: 376 022
Densidade domiciliar: 17,13 (dom/há)
Proporção de domicílios ligados à rede geral de abastecimento de água: 87,96%
Proporção de domicílios ligados à rede geral de esgotamento sanitário: 43,00%
Proporção de domicílios com coleta domiciliar de lixo: 96,22 %
Composição setorial de emprego: (2003)
Indústria Transformação 8,58%
Construção Civil 5,65%
Comércio 18,99%
Serviços 57,22%
Outras Atividades 9,56%
Valor do rendimento nominal médio mensal dos responsáveis por domicílios: R$1.024,96
Valor do rendimento nominal mediano mensal dos responsáveis por domicílios: R$350,00
Taxa de alfabetização da população de 5 anos e mais: 86,61%
Proporção de crianças alfabetizadas na faixa de 5 a 9 anos: 55,70%
Proporção de crianças alfabetizadas na faixa de 10 a 14 anos: 92,47%
Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/pr/secplanejamento/inforec/
Anexo II – Visualizando as variáveis estruturais e sociais pelos gráficos
A. Glide Y
1. A variável posição do ditongo 2. A variável de tonicidade
98
0
20
40
60
80
100
Y O
j
n
q
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Y O
t
p
3.Contexto fonológico 4. Classes e Palavras
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Y O
x
l
r
t
s
z
0
20
40
60
80
Y O
s
g
h
falt
B. Glide W
1. Variável tonicidade 2. Variável contexto fonológico precedente
99
0
20
40
60
80
100
W O
t
p
0
20
40
60
80
100
W O
o
a
e
3. Variável contexto fonológico seguinte
0
50
100
W O
o
a
e
5.2 Variáveis sociais
a variável sexo
Tabela 1
A Glide /y Tabela 1 B Glide /w/
0
20
40
60
80
100
W O
M
F
(2) a variável escolaridade
0
20
40
60
80
100
W O
z
r
s
t
f
p
k
x
100
Tabela 2 A Glide /y/ Tabela 2 B Glide /w/
0
50
100
Y O
1
2
0
20
40
60
80
100
W O
1
2
(3) a variável faixa etária
Tabela 3 A Glide /y/ Tabela 3 B Glide /w/
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Y O
a
b
c
0
20
40
60
80
100
W O
a
b
c
(4) a variável localização de moradia
Tabela 4 A Glide /y/ Tabela 4 B Glide /w/
101
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Y O
@
#
0
20
40
60
80
100
W O
@
#
Anexo III- Fotos do Recife e suas pontes
102
O Bairro do Recife visto de cima
Vista Aérea do Centro do Recife, com o Rio Capibaribe, à esquerda o Bairro de Santo
Antônio, na Ilha de Santo Antônio, e à direita o Bairro do Recife Antigo
103
Uma das Pontes do Recife
Forte do Brum, no Recife, Pernambuco, Brasil. Os portugueses o iniciaram em 1629, os
holandeses o terminaram em 1631. O mais importante forte de Recife é hoje um museu
militar, que exibe desde armas antigas e modernas até o esqueleto de um soldado da
época da invasão holandesa
U ma das pontes do
Recife
104
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo