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Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Artes e Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Letras
Adriana Letícia Torres da Rosa
FACES DO FUNCIONAMENTO INTERTEXTUAL DO CONSELHO
Recife
2008
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Adriana Letícia Torres da Rosa
FACES DO FUNCIONAMENTO INTERTEXTUAL DO CONSELHO
ORIENTADORA:
Profa. Dra. Angela Paiva Dionisio
Recife
2008
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras, nível Doutorado, com área
de concentração em Lingüística, do Centro de
Artes e Comunicação da Universidade Federal de
Pernambuco, para obtenção do grau de Doutor
em Letras.
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Rosa, Adriana Letícia Torres da
Faces do funcionamento intertextual do conselho /
Adriana Letícia Torres da Rosa.
Recife: O Autor,
2008.
253 folhas. : il., tab., quadros.
Tese (doutorado)
Pernambuco. CAC. Lingüística, 2008.
Inclui bibliografia.
1. Lingüística. 2. Análise do discurso. 3.
Intertextualidade. 4. Mulheres -
Conduta. 5.
Aconselhamento. I.Título.
801
CDU (2.ed.)
UFPE
410 CDD (20.ed.) CAC2008-05
14 de fevereiro de 2008.
DEDICO
A minha sempre criança, incondicionalmente amada,
Guilherme Alves de Albuquerque Melo Filho.
OFEREÇO
A meu ninho... torcida... ombro, ouvido e mão amigos: meus pais, Luiz
Carlos da Rosa e Adeilda Torres da Rosa, meu marido, Guilherme
Alves de Albuquerque Melo, e minhas irmãs Regina, Andréia e Clarissa,
pelo amor, pela amizade, pela confiança, pelo incentivo, pela paciência
a mim dedicados, e também pela presença marcante nos momentos
importantes da minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por mais uma bênção em minha vida.
À Profa. Dra. Angela Dionísio, pela confiança no meu trabalho e,
sobretudo, pela orientação acadêmica que contribuiu em muito para minha
formação profissional. E ainda pela atenção, compreensão e amizade dedicadas.
Às professoras Judith Hoffnagel e Cristina Sampaio, pela relevante
contribuição na qualificação deste trabalho.
À Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), pela oportunidade de realização do curso de doutorado em Letras, com
área de concentração em Lingüística.
À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudo.
A todos do Colégio de Aplicação da UFPE, alunos, professores, estagiários
e funcionários, pelo incentivo a minha especialização docente.
Aos coordenadores, aos professores e aos funcionários do Programa de
Pós-Graduação em Letras, pelo empenho e pelo apoio demonstrados e,
especialmente, pelos ensinamentos recebidos.
Aos queridos amigos deste curso, Karina, Leo, Medianeira, Normanda,
Tarcísia, Ana Regina, Edna, Siane, pela presença marcante em momentos
especiais, proporcionando amadurecimento acadêmico e conforto emocional.
Aos colegas de turma da Pós-Graduação da UFPE, pela força e pelo
companheirismo.
Finalmente, minha gratidão a todos os que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a conclusão deste trabalho - mais uma vitória na minha vida.
BOM CONSELHO
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Chico Buarque
RESUMO
Este trabalho insere-se no contexto de estudo dos gêneros do discurso e de seus
processos de intertextualidade. Tem como base teórica os fundamentos da Análise
Crítica do Discurso (cf. Fairclough, 2001) e os postulados da Teoria dos Gêneros do
Discurso bakhtiniana. O objetivo da pesquisa é analisar as relações intertextuais que
o conselho estabelece com gêneros preexistentes, considerando as práticas
discursivas de distribuição e de produção de textos associadas com o gênero em
revistas femininas. O seu corpus constitui-se de 126 textos publicados entre janeiro
e setembro do ano 2005. A análise das cadeias intertextuais das quais o conselho
participa nas revistas foi de base qualitativa, e os resultados do estudo permitem
concluir que: (i) nas revistas femininas, o conselho configura-se como elemento de
constituição de uma gama de outros gêneros, em diferentes graus de recorrência,
mantendo com estes fortes relações de identidade temática e associando aos
mesmos a sua ação de “aconselhar”. (ii) O discurso de autoridades sociais e o de
pessoas não-públicas são alvos constantes de representação no conselho: os
primeiros são representados, normalmente, para “dar conselhos”; os últimos, “pedi-
los”. (iii) Finalmente, um conjunto de gêneros é discursivamente incorporado para
constituir o conselho, sobretudo, no sentido de (a) manter as relações e as posições
sociais construídas no gênero; (b) apoiar a sua organização composicional; (c)
reforçar a sua ação social; (d) favorecer a abordagem temática.
Palavras-chave: Práticas discursivas. Intertextualidade. Gêneros do discurso.
Conselho.
ABSTRACT
This study concerns the study of discourse genre and its intertextuality processes. It
is theoretically based on the fundamentals of Critical Discourse Analysis (Fairclough,
2001) and the postulates of Bakhtin's Genre Theory. The objective of this research is
to analyze the intertextual relationships of giving advice with the preexisting genres,
taking into consideration the discoursive practices of distribution and production of
texts that relate to the genre of women's magazines. Its corpus is composed of 128
texts published from January to September 2005. The analysis of intertextual chains
in which a particular piece of advice appears in the magazines was of a qualitative
basis, and the results of the study allow us to draw the following conclusions: (i) in
women's magazines, giving advice is a constituting element of a range of other
genres, in different degrees of recurrence, keeping with them strong thematic
relationship identities and associating to them the action of "advising". (ii) The
discourse of social authorities and non-public persons are constant targets of
representation in giving advice: the first are normally represented to "give advice", the
latter, "to ask for them". (iii) Finally, a combination of different genre is discoursively
incorporated in order to constitute a piece of advice, above all, in the sense of (a)
maintaining the relationships and social positions which are constructed in the genre;
(b) giving support to its compositional arrangement; (c) strengthening its social
participation; (d) favoring the thematic approach.
Key words: Discourse practices. Intertextuality. Discourse genre. Self-help.
RÉSUMÉ
Ce travail se place dans le contexte de l’étude des genres du discours et de leurs
processus d’intertextualité. Il a comme base théorique les fondaments de l’Analyse
Critique du Discours (cf. Fariclough, 2001) et les suppositions préalables de la
Théorie des Genres du Discours chez Bakhtine. Le but de la recherche est l’analyse
des relations intertextuelles qu’établit le conseil avec des genres pré-existants, en
considérant les pratiques discoursives de distribution et de production de textes
associées au genre dans des magazines féminins. Le corpus est constitué de 126
textes publiés entre janvier et septembre 2005. Nous avons défini une analyse de
base qualitative des chaînes intertextuelles dont le conseil participe dans les
magazines, et les résultats de l’étude nous permettent de déduire que : (i) dans les
magazines féminins, le conseil se montre un élément de constitution avec une
gamme d’autres genres, dans de différents degrés de récurrence, à maintenir avec
ceux-ci de forts rapports d’identité thématique et en associant gardant son action de
“conseiller”. (ii) Le discours d’ autorités sociales yet celui des personnes non-
publiques sont des cibles constantes de représentation dans le conseil: les premiers
sont répresentés, normalement, avec le but de “donner des conseils”; les derniers,
avec l’objectif de “les demander”. (iii) Enfin, un ensemble de genres est
discoursivement incorporé pour constituer le conseil, surtout dans le sens (a) de
maintenir les repports et les positions sociales construites dans le genre; (b) soutenir
son organisation de composition; (c) renforcer son action sociale; (d) favoriser
l’approche thématique.
Mots-clés: Pratiques discoursives. Intertextualité. Genres du discours. Conseil.
LISTA DE ABREVIATURAS
RF Revista feminina
RFs Revistas femininas
TC Título de capa
TCs Títulos de capa
TI Título de interior
TIs Títulos de interior
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 -
Exemplares das capas de RFs 83
Quadro 2 - Autoria de especialistas 142
Quadro 3 - Papel atribuído ao destinatário pelo produtor do conselho 150
Quadro 4 - Verbos dicendi no conselho 175
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Figuras destacadas nas capas das RFs 85
Tabela 2 - Títulos dos conselhos nas capas das RFs 90
Tabela 3 - Editoriais constituídos por conselhos 102
Tabela 4 - Autoria no conselho nas RFs 135
Tabela 5 - Incidência da representação dos tipos de discurso em conselhos 156
Tabela 6 - Discurso de especialistas representado em conselhos 158
Tabela 7 - Discurso de pessoas públicas representado em conselhos 161
Tabela 8 - Discurso de pessoas comuns representado em conselhos 167
Tabela 9 - Gêneros incorporados pelo conselho 206
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................
14
Capítulo 1 - O conselho de auto-ajuda em funcionamento: o gênero
como prática sociodiscursivo-textual ....................................................
34
1. Visão tridimensional do discurso ............................................................
35
2. Gênero e ação social ..............................................................................
52
3. O caráter dialógico do gênero ................................................................
56
3.1 Os vários graus de contato entre enunciados ...................................
60
3.2 O conselho no percurso da intertextualidade ..................................
72
Capítulo 2 - A intertextualidade e a dinâmica de distribuição do
conselho de auto-ajuda nas revistas femininas ...................................
77
1. Considerações sobre a mídia das revistas femininas ............................
78
2. A diversidade de gêneros na ação de aconselhar .................................
89
Capítulo 3 - Conselho: dar ou pedir? Uma questão de autoridade .....
133
1. Aspectos envolvidos na produção e no consumo do conselho:
construção das relações sociodialógicas ...................................................
134
2. A representação do discurso e o engajamento em ações .....................
153
Capítulo 4 Relação entre gêneros: constituição discursivo-textual
do conselho de auto-ajuda .....................................................................
194
1. Aspectos da organização composicional do conselho ...........................
195
2. O funcionamento intertextual do conselho .............................................
205
2.1 Sobre o currículo ..........................................................................
207
2.2 Sobre a consulta ...........................................................................
210
2.3 Sobre a carta ................................................................................
216
2.4 Sobre o depoimento .....................................................................
226
2.5 Sobre a novela .............................................................................
232
2.6 Sobre o teste ................................................................................
236
CONCLUSÃO ............................................................................................
242
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................
249

INTRODUÇÃO
Por que estudar o funcionamento intertextual do conselho?
O dito popular “se conselho fosse bom, não se dava, se vendia” parece não ser uma
máxima tão segura. De criança a adulto, no nosso convívio familiar, participamos
das práticas sociais associadas aos conselhos. Do mesmo modo, em instâncias
públicas nos deparamos com as mesmas práticas não programas de TV e de
rádio, como também seções das mais variadas revistas e jornais, bem como em
sites da Internet e até livros especializados, como os de auto-ajuda, apresentam o
gênero como forma de interação comunicativa. “Dado” ou “vendido”, o conselho -
sentimental, profissional, educacional, entre outros - afirma-se na sociedade
moderna das consultorias.
Não é de se questionar o destaque que a mídia vem dando ao conselho? Esse
destaque está longe de ser fortuito, pois fortes são os propósitos de uso desse
gênero. Com base no conselho, muitas vezes, “autoridades sociais”, em face das
ideologias que representam, agem no sentido de normalizar, difundir ou apontar
orientações de comportamento aos grupos sociais aos quais se dirigem, contribuindo
para a reprodução ou a mudança social.
O nosso interesse em pesquisar os temas gênero e intertextualidade deve-se à
concepção de que fundamentalmente todos os enunciados
1
são moldados por
enunciados passados em diferentes níveis e em distintos graus de consciência do
 
Nesta Tese, os termos “enunciado” e “gênero do discurso” são usados equivalentemente. 
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produtor do texto, e tal princípio desempenha um papel basilar na formação da
competência de leitura e produção de textos. Assim, faz-se necessário analisar a
intertextualidade considerando-a como um processo histórico e social que aponta
para a compreensão e a produtividade dos textos: maneiras de reestruturar e
responder os textos do passado para assim renovar e rearticular o repertório das
práticas sociodiscursivas.
Nesse contexto, o estudo do funcionamento intertextual do conselho em revistas
femininas, foco deste trabalho de pesquisa, traz contribuições para a compreensão
das relações sociais que se estabelecem entre produtores, representantes da mídia,
e consumidores, leitoras das revistas, bem como para entender como a seleção
estratégica de fontes intertextuais é produtiva para reforçar a ação social do gênero:
aconselhar. Nesse caminho, a análise do conselho e das redes intertextuais das
quais participa apresenta um relevante potencial para um melhor entendimento do
papel da linguagem na construção das relações humanas, uma forte razão que
justifica a escolha deste tema para investigação.
Outra razão que nos levou especialmente à escolha do estudo do conselho foi a
percepção da escassez de pesquisas sobre este gênero. A título de exemplificação,
consultamos as produções científicas desenvolvidas nos 30 anos da Pós-Graduação
em Letras da UFPE e verificamos que muito pouco se discutiu sobre esse tipo de
enunciado e que não há qualquer trabalho que aborde aspectos referentes ao
funcionamento intertextual desse gênero discursivo. De modo semelhante, em
busca, no banco de dados do Lattes CNPq, por estudos associados à palavra-
chave “conselho”, identificamos que são poucos os pesquisadores que apresentam
produções que abordem o tema.
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Por fim, a investigação da natureza intertextual do conselho oferece uma
contribuição significativa ao campo da Lingüística, uma vez que fornece dados sobre
as propriedades constitutivas e funcionais do gênero, bem como apresenta, dentre
seus resultados, informações acerca dos elementos que retratam o exercício do
poder que está por trás da distribuição, produção e consumo desse gênero nas
revistas femininas alvos de estudo.
O nosso objeto de estudo: o que é um conselho?
Neste trabalho, traçamos considerações sobre o conselho e suas relações de
intertextualidade com outros enunciados, apresentando, ao longo das discussões e
análises, informações acerca do funcionamento discursivo-textual do referido gênero
do discurso.
Partimos do pressuposto de que o conselho é um tipo de enunciado cuja natureza
dos objetivos das atividades sociais desenvolvidas tem por base a ação de
aconselhar. Além dessa ação, outros tipos estão associados ao gênero: influenciar
condutas (Meurer, 1998) e levar destinatário a agir, fazendo algo que lhe fora
explicitado verbalmente (Adam, 2001).
Considerando que um gênero implica processos peculiares de distribuição, produção
e consumo, salientamos que o conselho, como apontamos, tanto nas interações
do convívio familiar quanto nas do convívio público, é uma prática social da qual, em
diversos momentos interativos, participamos na atualidade.
Em especial, nas revistas femininas, objeto de coleta do nosso corpus, a distribuição
do conselho associa-se a rotinas próprias de produção e consumo textuais. As
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análises desenvolvidas neste trabalho mostram que, nesse contexto de circulação, a
relação entre participantes da interação revista e leitor é estabelecida no
conselho com base na construção de posicionamentos sociais e de relações sociais
entre conselheiros e aconselhados. Os primeiros são responsáveis pela produção do
gênero: redatores das revistas e especialistas (psicólogos, terapeutas, consultores,
entre outros), com autoridade, apresentam verbalmente orientações de como se
deve proceder para atingir determinados objetivos (como resolver problemas de
diversas ordens - afetiva, familiar, profissional); e os segundos, responsáveis pelo
consumo: leitoras mulheres heterossexuais, mães, profissionais etc às quais se
atribui a atividade de solicitar ou de receber tais orientações.
No que se refere às características composicionais do conselho, há de se observar
que as escolhas do produtor quanto ao tipo de organização textual a realizar estão
diretamente relacionadas às ações sociais que desenvolve, bem como ao
posicionamento social que ocupa e às relações que mantém com seu destinatário.
Nesse sentido caminham os trabalhos de Meurer (1998), autor que analisa o
conselho em livro especializado de auto-ajuda, de Adam (2001) e Rosa (2003),
autores que estudam esse gênero em revistas impressas, destinadas a público
variado.
Sobre o gênero conselho, Meurer (1998) desenvolve uma pesquisa que tem como
objetivo analisar aspectos da linguagem em conselho de auto-ajuda. Em seus
estudos, o pesquisador, junto a Martin (1984) e Swales (1990), elege o propósito
comunicativo como crucial para identificação do gênero, no caso em tela,
“aconselhar”. Nesse sentido, seguindo os estudos de Longracre (1992), Meurer
considera o seu corpus (livro de auto-ajuda Calm Down, escrito pelo Dr. Paul Hauck)
como gênero que se propõe, dentre outros, a “influenciar condutas”. E complementa
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que é comum nesse tipo de discurso o uso de estratégias persuasivas para
influenciar o comportamento do leitor.
Meurer (1998, p.136) aponta como elementos da organização textual-discursiva do
conselho por ele analisado as seguintes fases típicas: (1) estabelecimento de
autoridade/credibilidade do produtor do texto; (2) apresentação de um
problema/situação; (3) apresentação de um ou mais comandos; (4) motivação do
leitor; (5) argumentação; (6) apelo (persuasão).
Uma das preocupações de Meurer (1998) foi verificar estratégias textuais usadas na
apresentação dessas fases. Dentre as suas conclusões, o autor observa que o
produtor do conselho vale-se da estratégia de referência a suas credenciais como
terapeuta (especialista) ou referência ao conhecimento de pesquisas institucionais
para dar autoridade ao seu discurso. O autor também mostra que a narração, no
conselho, serve muitas vezes de embasamento para uma problematização, ou seja,
contribui para mostrar que um assunto, uma visão ou uma situação precisa ser re-
examinada; em outros casos, a estrutura narrativa tem a função de contextualização
ou ilustração de uma argumentação.
Outro estudo significativo sobre os aspectos composicionais do conselho é o de
Adam (2001). Numa linha de pesquisa de orientação sociocognitivo-interacionista,
voltada para a investigação do discurso procedural, analisa os gêneros na
correlação com as seqüências textuais
2
que os planificam. Para Adam, dentre os
objetivos discursivos do conselho está o de se levar o leitor/ouvinte a agir, ou seja,
fazer algo que lhe é explicitado. As escolhas da organização discursivo-textual do
 
2
Para Adam (1992), as seqüências textuais correspondem a esquemas textuais prototípicos que
funcionam como representações sociodiscursivas das propriedades superestruturais canônicas dos
textos reconhecidos numa cultura.

gênero, no caso da seqüenciação textual, descrição de ações, contribuem para que
esse seu objetivo discursivo seja reforçado ou concretizado.
Com base nos estudos de Adam (2001) e Bronckart (1999), analisamos, em trabalho
anterior (cf. Rosa, 2003), a constituição lingüístico-cognitiva da seqüência injuntiva,
associando-a ao estudo dos neros. Os resultados daquela pesquisa trazem
evidências de que a injunção é uma seqüência típica do conselho. Nesse sentido, é
comum observar-se, no gênero, a apresentação de um plano de comandos -
exposição de uma série de ações que o leitor seguirá para atingir um “objetivo
desejado”. Essa fase é marcada lingüisticamente, por exemplo, por orações
imperativas, muitas vezes modalizadas, para caracterizarem-se como sugestões e
não como ordens a serem seguidas.
Para somar às contribuições dos estudiosos citados, apresentamos um novo
enfoque de pesquisa do conselho: análise das redes intertextuais nas quais o
gênero está entrelaçado. O nosso foco pauta-se, pois, na investigação das relações
intertextuais como elemento da constituição discursiva do gênero.
Assim, ao longo da tese, descrevemos elementos do funcionamento intertextual do
conselho, tomando por base as contribuições teóricas dos estudiosos que
fundamentam nosso trabalho, bem como as informações oriundas das nossas
análises.
Hipótese
Nos conselhos das revistas femininas, a intertextualidade constitui-se como uma
prática discursiva usada pelos produtores para reacentuar a ação social de
aconselhar e fazer agir o interlocutor.
Objetivos de pesquisa
I. Objetivo Geral
Elegemos como objetivo geral investigar as relações intertextuais que o conselho
estabelece com enunciados preexistentes e as implicações dessas relações para
sua ação social, considerando as práticas discursivas de distribuição e produção de
textos associadas com o gênero em revistas femininas.
II. Objetivos específicos
São nossos objetivos específicos investigar:
- as cadeias intertextuais
3
das quais o conselho participa nas revistas femininas,
considerando as relações que este estabelece com outros gêneros na dinâmica de
distribuição textual nessas revistas;
- os diversos gêneros que participam da constituição discursivo-textual do conselho,
com observância das formas e funções desses enunciados para produção deste
gênero.
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Para Faiclough (2001), as cadeias intertextuais são séries de tipos de textos, muito freqüentes em
práticas institucionais, que o relacionadas umas às outras, no sentido de que cada membro das
séries é transformado em outro ou mais, de forma relativamente estável.
Perguntas de pesquisa
Tendo em vista a complexidade e a importância das reflexões sobre os gêneros do
discurso e sobre as redes intertextuais nas quais estes se constituem, formulamos a
seguinte questão central de pesquisa: como o conselho se caracteriza quanto ao
seu funcionamento intertextual nas revistas femininas?
Desse questionamento primeiro, derivam-se outras questões que também exigem
reflexões para o exame do funcionamento intertextual do conselho:
As conexões do conselho com outros enunciados que os sucedem revelam pistas
para o entendimento do seu funcionamento discursivo em revistas femininas?
Em que sentido as relações que o conselho mantém com enunciados que o
precedem podem ser consideradas como princípios constitutivos desse gênero?
Com que objetivos e de que maneira enunciados anteriores são retrabalhados pelo
conselho? Como o conselho se posiciona em relação a esses enunciados
preexistentes?
Quadro teórico-analítico norteador
Os gêneros do discurso possuem um papel relevante nas práticas sociodiscursivas,
o que explica o interesse despertado, principalmente nas últimas décadas, pelo seu
estudo. Distintas perspectivas teóricas os tomam como objeto de reflexão e análise,
e, conseqüentemente, os gêneros recebem uma vasta gama de definições e
enfoques.
Por exemplo, Bakhtin (2003) apresenta reflexões teórico-filosóficas acerca da
constituição e do funcionamento dos gêneros numa perspectiva sociohistórica. Já
outros teóricos preocupam-se com o estudo e a aplicação dos conhecimentos
relativos aos gêneros no âmbito pedagógico. Nesse contexto, centram-se os
trabalhos de Dolz e Schneuwly (1998; 1996) e Schneuwly (1994), os quais assumem
uma perspectiva socioconstrutivista e didática, sob influência de Bakhtin e Vigotsky,
vinculada ao ensino de gêneros na língua materna. também os trabalhos de
Swales (1990), voltados para a análise formal/estrutural de gêneros para o ensino de
língua. E poderíamos citar ainda estudiosos que vislumbram os gêneros na ótica da
Análise Crítica do Discurso, como Fairclough (2003, 2001).
Cientes das diversas possibilidades de se olhar para o objeto de estudo, optamos
por construir um quadro teórico-analítico cuja abordagem abarcasse tanto a
dimensão sociodiscursiva quanto a formal da linguagem. Assim, apontamos como
nuclear para esta tese os fundamentos da Análise Crítica do Discurso (Fairclough,
2003; 2001; 1995; 1989). Co-articuladas a tal perspectiva estão a Teoria dos
Gêneros do Discurso (Bakhtin/Volochínov, 2002; Bakhtin, 2003, 1981; Voloschínov,
1993, 1976, 1930) e as proposições teóricas da Escola-Americana sobre a relação
do gênero com a ação social (Bazerman, 2006; 2005; Miller, 1994a; 1994b). Ainda
compõem o quadro, especialmente no que se refere aos estudos discursivo-textuais,
as contribuições de Adam (2001; 1999; 1992), Meurer (1998) e Rosa (2003), para
citar alguns.
Antes de prosseguir com a apresentação das orientações metodológicas desta
pesquisa, gostaríamos de apontar brevemente que elementos dessas perspectivas
tomamos como relevantes para nortear nosso trabalho.
Fairclough (2001) centra-se numa corrente de estudos de base crítico-analítica com
uma visão político-ideológica nítida na qual as noções de “poder” e dominação” são
amplamente exploradas, aspectos que nos interessam para explicar alguns aspectos
do funcionamento intertextual do conselho. Para Fairclough (2001), o discurso,
linguagem em uso, tem funções de representação, ão e constituição social. Sua
definição de gênero apresenta aproximações estreitas com a de Bakhtin, a qual tem
as relações dialógicas por princípio constitutivo dos gêneros. Nas idéias desse
analista de discurso, gênero é um tipo particular de texto relacionado à atividade
social e implicado em processos particulares de produção, distribuição e consumo. A
seu ver, os gêneros são inerentemente intertextuais e respondem tanto de formas
típicas quanto criativas aos enunciados do passado, estando essa resposta
estreitamente correlacionada aos propósitos das práticas sociais em curso. O termo
intertextualidade, usado por Fairclough, fora tomado dos estudos de Kristeva (1986)
numa releitura da obra de Bakhtin. Compartilhamos da definição de intertextualidade
apresentada pelo estudioso: “Intertextualidade é basicamente a propriedade que têm
os textos de ser cheios de fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados
explicitamente ou mesclados e que o texto pode assimilar, contradizer, ecoar
ironicamente, e assim por diante” (Fairclough, 2001, p.114).
Para Bakhtin/Volochínov (2002), a linguagem é uma forma de interação
sociohistórica dialógica e ideologicamente investida. Nas palavras do autor, toda a
vida social está permeada pelas representações simbólicas que exercem uma
função de destaque na constituição sociopolítica do homem e dos seus sistemas
ideológicos. Segundo Bakhtin (2003), a linguagem realiza-se e funciona com base
nos gêneros do discurso. Os gêneros organizam a fala (interação) humana e, sem
estes, seria quase impossível a comunicação. Na sua linha de pensar, enunciados
típicos, relativamente estáveis, são construídos historicamente em cada esfera de
atividade humana, especialmente, em razão das relações sociais que se
estabelecem entre os grupos e das finalidades que estes possuem ao interagir.
Permeia a concepção de gênero de Bakhtin a constituição dialógica da linguagem. O
estudioso não utiliza o termo intertextualidade nas suas reflexões filosóficas, mas
trata do dialogismo que, para ele, está relacionado ao fato de os enunciados se
constituírem num “elo na cadeia de comunicação” (cf. Bakhtin/Volochínov, 2002),
responderem a enunciados que os precedem e presumirem a resposta de
enunciados subseqüentes.
Numa linha também sociohistórica, mas com atenção especial para aspectos
culturais, situam-se Miller (1994a, 1994b) e Bazerman (2006, 2005), estudiosos que,
além de terem Bakhtin como fonte de referência, buscam, na Sociologia, na
Antropologia e na Etnometodologia ferramentas para trabalhar aspectos da
organização sociocultural e das relações de poder que os gêneros englobam. Nosso
interesse nessa linha teórica está na sua leitura do gênero estreitamente associado
à ação social. Para os estudiosos, o gênero é um artefato cultural usado para a ação
em sociedade, e entender as relações entre o texto e seus contextos de inserção é
crucial para se compreender o funcionamento dos gêneros.
Finalmente, recorremos ainda aos trabalhos de Adam (2001, 1992) e Rosa (2003),
no tocante ao estudo discursivo-textual. Os autores fazem a distinção entre “gênero”
e “seqüência textual”. Grosso modo, gêneros associam-se às práticas de linguagem
socialmente reconhecidas; já as seqüências correspondem às formas de representar
os elementos da realidade social no mundo discursivo-textual, o que envolve
operações discursivas de organização do conteúdo e dos elementos lingüístico-
textuais.
4
Meurer (1998), como enfatizamos anteriormente, traça considerações
sobre a organização da linguagem associada especialmente ao gênero conselho,
contribuição para o nosso estudo. A análise dos aspectos discursivo-textuais
tipicamente associados ao gênero conselho será importante para se entender como
elementos que se manifestam na superfície do texto revelam questões sobre as
relações sociodialógicas que envolvem sua produção.
Orientações metodológicas
Os pontos ora comentados se complementam para embasar algumas questões de
ordem metodológica pelas quais nos orientamos para estudar o conselho:
- Os gêneros materializam complexas relações existentes entre a linguagem e a
sociedade e, portanto, possuem uma natureza dinâmica e flexível. Isso explica a
noção de relativa estabilidade conferida aos gêneros por Bakhtin (2003): gêneros
podem se modificar a cada nova aparição, gêneros podem desaparecer do contexto
social ou novos gêneros podem surgir; além disso, os gêneros, normalmente,
apresentam-se de forma heterogênea quanto a sua constituição discursivo-textual
(cf. Marcuschi, 2002, 2001).
- Embora os gêneros sejam plásticos quanto a sua apresentação formal, algumas
características típicas contribuem para o seu reconhecimento numa dada cultura,
porém deve-se ressaltar que tais características estão intimamente relacionadas
com a sua função social. As marcas textual-discursivas serão alvo de análise, porém
 
4
Sobre as distinções entre “gênero” e “seqüências”, ver também os estudos de Machado (1998),
Marcuschi (2002), Rosa (2003), Vilela & Koch (2001).
numa estreita relação com as práticas sociais, com a preocupação de não as tomar
como um fim em si mesmas.
- Nesse contexto, o procedimento analítico traçado leva em conta o que é
característico ao gênero, mas também considera as variações e suas relações com
o propósito do dizer em situações concretas.
Delimitação do corpus
É com essa orientação que traçamos uma análise de base qualitativa, com o apoio
de índices quantitativos, sobre um corpus coletado entre janeiro e setembro do ano
2005 e constituído de 128 textos publicados em revistas femininas da mídia
impressa brasileira. Dos 128 textos, temos: 68 conselhos, 24 capas de revista, 12
editoriais, 10 horóscopos, 14 matérias jornalísticas – entre reportagens e entrevistas.
A referida amostra foi selecionada em função de alguns passos:
1) Levantamento preliminar do corpus:
- coleção de todos os textos que nos 24 exemplares de revistas femininas em
análise possuíam como identidade a ação social fundamental de aconselhar, bem
como traços relativos ao posicionamento/relacionamento social dos interlocutores,
conteúdo temático e composição. Nesse caso, foram catalogados 136 exemplares
de textos caracterizados como “conselhos”.
- coleção de textos de outros neros que mantinham uma relação de identidade
com o conselho, considerando a ação social de “aconselhar”: capas de revistas,
editoriais, matérias (reportagens e entrevistas), horóscopos.
2) Seleção dos textos específicos para análise:
Nesse caso, a nossa maior preocupação foi selecionar uma amostra suficientemente
extensa para evidenciar aspectos substanciais do funcionamento intertextual do
conselho. Assim, selecionamos:
- Dos 136 exemplares de conselho, 68 textos, ou seja, 50% dos exemplares
selecionados. A observação dos textos guiou a definição do número de exemplares:
à medida que as variações quanto ao conteúdo e à organização composicional dos
textos diminuíram, a ponto de a amostra tornar-se relativamente repetitiva,
encerramos a seleção da amostra em tela.
- Todas as capas de revistas, ou seja, 24 exemplares, tendo em vista que, nas
capas, o conteúdo dos textos publicados na revista é antecipado ao leitor com base
na referência intertextual a seus títulos.
- Dos 24 exemplares de editoriais (um de cada revista), 12 editoriais – todos aqueles
que apresentavam relações de intertextualidade com o conselho.
- Dos 24 exemplares de horóscopos (um de cada revista), 10 horóscopos, por os
exemplares desse gênero mantêm entre si características discursivo-textuais
relativamente padronizadas.
- Todas as reportagens e entrevistas que incorporavam na sua constituição a ação
de aconselhar”, num total de 14 textos.
Complementamos que as revistas das quais o corpus foi coletado o: Amiga
sempre ao seu lado (Ed. Símbolo), a semana em Ana Maria (Ed. Abril), Mais Feliz
sua amiga de todas as horas (Ed. Símbolo), Malu dia-a-dia com você (Ed. Alto
Astral), Viva para mulher que se ama (Ed. Abril), Mulher dia-a-dia sua amiga de
todos os dias (Ed. Alto Astral), 7 dias com você – sua amiga de sempre (Ed. Escala).
O nosso interesse pelo estudo das revistas femininas deve-se ao fato de serem
veículos de divulgação de textos que apresentam informações e orientações de
comportamento para as mulheres e, portanto, com grande potencial de formação da
opinião pública.
As revistas em foco são dirigidas a um público específico, feminino: mulheres
adultas, de classe média a classe baixa. O perfil do leitor das revistas pode ser
identificado com base em observações das suas capas, bem como pelas formas de
endereçamento e das temáticas tratadas nos textos pesquisados.
Os nomes das revistas apontam que as pessoas do sexo feminino são os seus
consumidores. Nomes próprios femininos como “Ana Maria” e Malu” ou o nome
comum Mulher” ou “Amiga” são indicativos da construção do perfil de um leitor do
gênero feminino. Além disso, em suas capas normalmente figuram mulheres
públicas (artistas, apresentadoras de programas de TV etc.) ou casais de artistas
heterossexuais (no Capítulo 2, traçamos maiores considerações sobre o tema).
Em geral, as principais temáticas e os destinatários dos textos que compõem o
corpus – conselhos, editoriais, reportagens, entrevistas, horóscopos – são:
(a) relacionamento amoroso/sexual, tendo como destinatários mulheres casadas,
mulheres solteiras ou descasadas em busca de parceiros;
(b) relacionamento em família, em geral, entre mães e filhos;
(c) relacionamento consigo mesma, mulheres em geral;
(d) relacionamento profissional, dona-de-casa ou mulher desempregada que deseja
uma renda; funcionárias de empresas.
As revistas selecionadas circulam em todo país, sendo facilmente encontradas em
bancas de revistas, supermercados e shoppings. Além disso, são revistas semanais
cujo valor é relativamente acessível, custando em média R$ 2,00. Esse preço
permite que pessoas de diferentes níveis sociais as comprem e, em conseqüência,
que sejam popularizadas, aspecto importante visto que favorece a distribuição e a
recepção do conselho e, conseqüentemente, a sua difusão e a sua penetração na
sociedade de consumo cultural.
Procedimentos
Focamos nosso estudo na análise discursivo-textual, sem deixar de observá-lo na
sua articulação com a dimensão sociopolítica da linguagem (cf. Fairclough, 2001, p.
275-293). Com isso, desenvolvemos nosso trabalho com base nos seguintes
procedimentos:
Quanto à prática discursiva de distribuição:
- Análise das cadeias intertextuais das quais o conselho participa,
considerando o estudo da relação do conselho com outros gêneros com os
quais mantém uma relação intertextual, tendo em vista a ação social de
aconselhar identificação de formas e funções da incorporação do conselho
por gêneros da mídia das RFs.

Quanto à prática discursiva de produção:
- Análise dos diversos tipos de enunciados que participam da constituição
discursivo-textual do conselho, considerando o estudo:
(a) das posições e relações sociais do produtor/consumidor;
(b) dos tipos de discurso representados na constituição dos conselhos,
especificando formas e funções da representação do discurso
5
e das
escolhas de verbos representadores (verbos dicendi) para a ação
social do gênero.
(c) das relações de intertextualidade do conselho com outros gêneros
a incorporação de gêneros distintos na constituição composicional do
conselho.
Organização da tese
Situado o lugar teórico-analítico do trabalho, acrescentamos que dividimos a tese
em quatro capítulos.
No Capítulo 1 - O conselho de auto-ajuda em funcionamento: o gênero como
prática sociodiscursivo-textual, discutimos as bases teóricas que fundamentam a
nossa concepção de discurso, de gênero do discurso e de intertextualidade.
Primeiramente, sintetizamos os pressupostos da análise do discurso propostos por
Fairclough (2001), os quais pautam-se numa perspectiva de se compreender o
 
5
Usamos o termo “representação de discurso” de Fairclough (2001) em lugar do termo tradicional
“discurso relatado”.

discurso tridimensionalmente: enquanto texto, prática discursiva e prática social.
Apresentamos também a concepção de gênero desse estudioso, articulando-a com
a da Teoria dos neros do Discurso de Bakhtin, cujo conceito do dialogismo é
basilar, bem como com a concepção de gênero como ação social defendida por
Miller (1994a; 1994b) e Bazerman (2006, 2005). Nessa seara, aderimos à idéia de
que o gênero do discurso, como mencionamos, pode ser entendido como um tipo
relativamente estável de enunciado associado a práticas sociohistóricas particulares
de distribuição, produção e consumo textuais.
Nesse contexto, situamos a concepção de intertextualidade com a qual
concordamos: prática discursiva fundada no processo de incorporação por parte de
um gênero de enunciados anteriores, aos quais responde de forma compreensiva
(cf. Fairclough, 2001; Kristeva, 1986). É nesse sentido que a intertextualidade está
associada à constituição de um gênero. Discutimos as formas como um gênero
pode se relacionar com outros tipos de enunciados e as implicações dessa relação
para a sua ação social.
No Capítulo 2 - A intertextualidade e a dinâmica de distribuição do conselho de
auto-ajuda nas revistas femininas, centramos nossa análise nas práticas de
distribuição do conselho nas revistas. Para tanto, iniciamos discutindo o papel da
mídia das revistas femininas como contexto de posicionamento social daqueles que
interagem. Observamos que, na mídia, o funcionamento sociodiscursivo do conselho
segue as rotinas próprias de produção e consumo desse domínio discursivo, as
quais envolvem fortes relações de poder, nem sempre explícitas (cf. Fairclough,
2001; 1989). Nesse contexto, os produtores normalmente controlam os conteúdos
dizíveis, bem como os posicionamentos sociais a serem ocupados por aqueles que
interagem.

Tendo esse contexto sociodiscursivo por base, buscamos examinar as cadeias
intertextuais do conselho nas revistas femininas. Verificamos que alguns gêneros
mantêm uma estreita relação de intertextualidade com o conselho, especialmente,
no que diz respeito à ação social de “aconselhar”. Analisando essa relação
intertextual, identificamos que o conselho pode configurar-se como elemento de
constituição de uma gama de outros gêneros, em diferentes graus de recorrência.
Por exemplo, o gênero é tipicamente transformado para participar da composição
discursivo-textual de capas de revista e editoriais, formando com esses gêneros
cadeias intertextuais previsíveis. com reportagens e entrevistas essa
transformação é menos regular.
No Capítulo 3 Conselho: dar ou pedir? Uma questão de autoridade, partimos
para a observação das práticas de produção do conselho e analisamos as relações
intertextuais explicitamente marcadas no gênero: o funcionamento do discurso
representado.
Primeiramente, evidenciamos os papéis sociais ocupados pelos produtores do
conselho, os papéis atribuídos aos seus consumidores e as implicações da
construção discursiva desses papéis para o funcionamento intertextual do gênero.
O passo seguinte foi analisar os discursos representados no conselho. Verificamos
que, fundamentalmente, o discurso de autoridades sociais (especialistas como
médicos, psicólogos, terapeutas, advogados, e pessoas públicas, como cantores,
atores, apresentadores de TV, entre outros) e o de pessoas não-públicas, populares,
(mães, esposas, donas de casa, profissionais etc.) são alvos constantes de
representação no conselho e que o objetivo da representação difere segundo o
discurso em foco. Por exemplo, às autoridades cabe aconselhar sobre, analisar,

avaliar e explicar um problema; aos populares, exemplificar um problema vivido ou
vencido para servir de base à referida “ação” conferida às autoridades. Nesse
sentido, a representação do discurso é um relevante recurso discursivo-textual
usado para reforçar os papéis e as relações sociais de produtores e consumidores
do gênero: os primeiros, “dar conselhos”; os últimos, “pedi-los”.
No Capítulo 4 Relação entre gêneros: constituição discursivo-textual do
conselho de auto-ajuda, ainda abordando aspectos relativos às práticas de
produção de texto associadas ao gênero, estudamos os elementos referentes à
intertextualidade constitutiva: as relações de intertextualidade do conselho com
outros gêneros
6
. Investigamos um conjunto de gêneros que são incorporados para
constituírem discursivamente o conselho, considerando as formas e as funções da
representação desses gêneros.
A investigação aponta que alguns gêneros participam tipicamente da constituição
discursiva do conselho. Assim, currículos favorecem o estabelecimento da
credibilidade das informações textuais; cartas e depoimentos, a apresentação de
situações-problema; consultas a especialistas, o aconselhamento; novelas, a
motivação do leitor; além desses gêneros, identificamos outros que eventualmente
também se transformam e passam a servir de base para a composição do gênero
em estudo.
 
Sobre o estudo da intertextualidade entre gêneros, além de Fairclough, (2001), ver também Koch et
al (2007), intertextualidade intergenérica; e Marcuschi (2002), configuração híbrida.
34
Capítulo 1 - O conselho de auto-ajuda em funcionamento: o gênero
como prática sociodiscursivo-textual
Neste capítulo, temos como propósito apresentar uma discussão teórica das bases
nas quais esta pesquisa está fundamentada: gênero como prática social, discursiva
e textual constituída nas e constitutiva das relações dialógicas da linguagem.
Primeiramente, evidenciamos a linha teórico-analítica apresentada por Fairclough
(2001) sobre o discurso. Dentre os pontos apresentados pelo autor, os quais
norteiam suas idéias, destacamos: (a) a concepção de que o discurso tem a função
de representação, ação e constituição social; (b) a proposição de uma análise
tridimensional do discurso, tomando-o como texto, prática discursiva e prática social
ao mesmo tempo; (c) a compreensão do gênero como uma prática social
primordialmente constituída pelas relações intertextuais.
Em seguida, discutimos o estatuto do gênero como ação social, destacando áreas
de interseção, especialmente, entre as concepções teóricas de Fairclough (2001) e
Miller (1994a; 1994b). Nesse contexto, compartilhamos da idéia de que, ao usarem
um gênero, os indivíduos de uma comunidade não apenas se comunicam, mas
ainda agem de forma típica, a fim de atingir propósitos sociais. Os gêneros se
consolidam na recorrência de situações comunicativas de ação social.
Finalmente, discutimos a definição bakhtiniana de gênero do discurso e seus
princípios constitutivos (Bakhtin, 2003), na qual a concepção dialógica da linguagem
é basilar para defender a idéia de que as redes intertextuais são condições
35
necessárias para se compreender o funcionamento social, discursivo e textual do
gênero do discurso.
O quadro teórico delineado, acrescido de demais postulados ao longo da tese,
quando pertinente, orientará as análises realizadas nos capítulos subseqüentes, nos
quais são estudadas as relações que o conselho mantém com outros enunciados e
o papel dessas relações para sua constituição e ação.
1. A visão tridimensional do discurso
A noção de gênero como prática sociodiscursiva, adotada neste trabalho, está
relacionada aos estudos de Fairclough (2001) sobre o discurso. Assim,
consideramos importante, antes de tudo, discutir sobre o lugar teórico em que o
autor se insere. Para tanto, centraremos a discussão dos pressupostos
apresentados por esse analista de discurso, em especial, na obra Discurso e
mudança social, 2001, na qual apresenta as teses e as referências que
fundamentam sua Teoria Social do Discurso.
Fairclough elabora sua Teoria Social do Discurso sob a influência da Análise do
Discurso da escola francesa. Contudo, sua abordagem teórico-analítica vai além da
análise da linguagem na sua relação com a reprodução das práticas sociais e da
ideologia. Propondo uma perspectiva crítica no estudo da linguagem como prática
social, em sua Teoria, há a preocupação com o papel da linguagem nas mudanças e
transformações sociais, distanciando-se da linha de análise do discurso francesa,
em âmbito geral, ao enfatizar também, em seus estudos, os aspectos
sociocognitivos do discurso.
36
Esse estudo situa-se, pois, no campo da Análise Crítica do Discurso ACD. Essa
abordagem de análise do discurso objetiva explorar sistematicamente as relações,
muitas vezes veladas, de causa e efeito entre (a) práticas discursivas, eventos e
textos e (b) estruturas socioculturais, verificando como as práticas, os eventos e os
textos são ideologicamente moldados por relações de poder e dominação, e também
como o “velado”, ou seja, o que está implícito, nessas relações entre sociedade e
discurso, pode ser um fator que assegura o poder e a hegemonia.
Nesse contexto, a ACD
1
é de um projeto multidisciplinar que se propõe a investigar,
com base na associação de fundamentos das ciências sociais e da análise
lingüística, o papel do discurso de manter, reproduzir e transformar determinados
contextos históricos, sociais e políticos. Desse modo, a ACD vem a contribuir para a
conscientização sobre as relações de exploração e as desigualdades, através do
estudo crítico da linguagem.
Sua síntese teórica espautada no conceito de “discurso”. Nas notas introdutórias
do livro Discurso e mudança social, (2001), Fairclough observa que, diante das
diversas abordagens teóricas e disciplinares, estabelecer um conceito de discurso
não é tarefa fácil. O autor destaca alguns usos do termo discurso na lingüística e
também na teoria e na análise social que servirão de base para seus propósitos
investigativos.
 
1
Dentre os princípios fundamentais da ACD, apontados por Fairclough (1995), sintetizamos:1.a
linguagem é uma prática social pela qual o mundo é representado; 2. o uso da linguagem/discurso
contribui para a constituição de práticas sociais que envolvem relações de poder, dominação,
desigualdade, resistência, entre outras; 3. os textos adquirem significados nas relações dialéticas
entre sujeitos (leitor e escritor, falante e ouvinte), os quais operam com diferentes graus de privilégios
de acesso a textos e formas de interpretação; 4. o discurso é histórico e, nessa medida, a significação
dos textos é situada em contexto social, cultural e ideológico específico; 5. A ACD busca não
interpretar os textos, mas também explicá-los, assumindo um posicionamento explicitamente crítico
de estudo em consideração aos problema sociais.
37
Fairclough observa que uma das associações mais comuns do termo discurso na
análise lingüística atual é com as amostras ampliadas
2
de linguagem falada ou
escrita, enfatizando os aspectos organizacionais e interacionais das produções e
interpretações textuais. Nessa linha, o texto” é tomado como uma dimensão do
“discurso”: o “produto” do processo de produção textual. Além dessa acepção de
discurso, ainda na corrente da análise lingüística, o autor destaca o uso do
“discurso” em referência a distintos tipos de linguagem usados em diversas
situações sociais, caso das referências ao “discurso jornalístico” ou ao “discurso de
sala da aula”, por exemplo. Quanto ao campo da teoria e da análise social, o termo
“discurso” é usado para se referir aos diversos modos de estruturação das áreas de
conhecimento e prática social. Para esse último campo, os discursos representam e
constroem identidades e relações sociais, bem como os diferentes tipos de discurso
podem combinar-se em condições sociais particulares para produzir novos
discursos.
Na tentativa de reunir elementos da análise lingüística aos da teoria social,
Fairclough propõe a combinação do sentido mais socioteórico de “discurso” com o
sentido de “texto e interação” para compor a sua linha de análise do discurso
orientada lingüisticamente. Nesse contexto, traça um quadro de análise
tridimencional do discurso, considerando discurso enquanto texto, discurso enquanto
prática discursiva e, por fim, discurso enquanto prática social. Nas suas palavras
(2001, p. 22),
 
2
Fairclough considera a análise de “amostra ampliada”, em contraposição à limitação tradicional de
análise de “frases” ou “unidades gramaticais” menores.
38
Qualquer ´evento` discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é
considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática
discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ´texto` cuida da
análise lingüística de textos. A dimensão da ´prática discursiva`, como
´interação`, na concepção de ´texto e interação` de discurso, especifica a
natureza dos processos de produção e interpretação textual [...] A dimensão
de ´prática social` cuida de questões de interesse da análise social, tais
como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento
discursivo, e de como elas moldam a natureza da prática discursiva [...].
Nesse caso, o termo “discurso”, em um sentido menos amplo do que os cientistas
sociais em geral usam, está associado ao “uso da linguagem”, uso esse relacionado
a uma forma de prática social que comporta funções de ão, representação e
constituição social.
Os referidos pressupostos permitem-nos refletir sobre questões relevantes.
Primeiramente, entender o discurso como uma forma de agir sobre o mundo e sobre
as pessoas, e também um modo de representação do mundo segundo nossas
posições socioideológicas. E, em segundo lugar, entender que o discurso estabelece
uma relação dialética com a estrutura social: assim como o discurso é moldado e
restringido pela estrutura social, contribui, em contrapartida, para a constituição
dessa estrutura social, ou seja, é socialmente constitutivo.
No que se refere a esse caráter construtivo do discurso, observa-se que a
construção de identidades sociais, de relações sociais e de sistemas de
conhecimentos e crenças está diretamente relacionada à atividade discursiva. Nessa
seara, Fairclough atenta para o fato de que a função construtiva do discurso tanto
pode contribuir para reproduzir a sociedade quanto para transformá-la; a reprodução
ou a transformação apóia-se em muito nas relações de poder que se estabelecem
entre os grupos sociais. Assim, um estudo analítico, que vislumbra o discurso numa
perspectiva tridimensional, atenta-se para a observação da linguagem situada no
39
contexto sociohistórico das práticas interativas humanas, aspecto que permeia as
análises realizadas nesse trabalho. Para complementar a discussão da concepção
tridimensional do discurso, apresentamos a Figura 1.
Figura 1 – Concepção tridimensional do discurso
PRÁTICA DISCURSIVA
PRÁTICA SOCIAL
TEXTO
40
Ao considerar o discurso enquanto texto, focalizam-se os aspectos lingüístico-
textuais de sua constituição. Com essa ótica, no caso do texto “Cultive a sua própria
energia”, podemos tomar como dimensões de análise, por exemplo, o vocabulário, a
coesão e a estrutura textual.
uma associação entre a escolha das palavras que compõem o título do texto e a
da imagem central. “Cultive a sua própria energia” está em sintonia com a imagem
de uma mão segurando uma muda. O ato de cultivar, indicado ao leitor verbalmente,
no modo imperativo, é representado também visualmente, o que serve de reforço à
idéia que se quer passar.
A linguagem do título é metafórica. Ao longo do texto, o significado do verbo
“cultivar” vai sendo construído na interação do produtor com o leitor. O campo
referencial do vocabulário do texto pode nos oferecer pistas sobre o que quer dizer
“cultivar a energia”. Vejamos alguns trechos do texto que nos indicam isso:
(a) “quando uma pessoa se gosta, ela atrai amor. Quando não se gosta, atrai
desamor” – “cultivar” é “se gostar”.
(b) “Há muita gente que fica louca esperando a aprovação dos outros e perde a
autenticidade, a liberdade e o conforto” “cultivar” é “ser autêntico, livre e
confortável”.
(c) “o não se amar’, o não se valorizar’, significa que a pessoa não está usando
esse potencial para si. Em outras palavras, não é uma pessoa madura” – “cultivar” é
“se amar”, “se valorizar”, “ser madura”.
41
(d) “Você é a única que pode ter consideração consigo mesma”; “você só será
importante no mundo quando for importante para si mesma!” – “cultivar” é “ter
consideração consigo mesma, ser importante para si mesma”.
Quanto à coesão textual, observamos que o produtor do texto, objetivando levar o
leitor a praticar a ação expressa verbalmente no título, constrói as frases referidas
por processos de subordinação, explorando as relações de causa e conseqüência
(“quando uma pessoa se gosta, ela atrai amor. Quando não se gosta, atrai
desamor”), conseqüência (“Há muita gente que fica louca esperando a aprovação
dos outros e perde a autenticidade, a liberdade e o conforto”) e condição (“você só
será importante no mundo quando for importante para si mesma!”).
A estrutura textual também contribui para que os propósitos aconselhados sejam
seguidos pelo leitor. Temos um texto do gênero conselho. Nesse texto, o produtor
apresenta uma série de problemas que devem ser superados com base na
realização de comandos orientados. No primeiro parágrafo, por exemplo, uma
exposição de comportamentos que são considerados “a chave de todos os nossos
problemas existenciais”. No segundo parágrafo, continua apontando atitudes que se
revelam como “uma grande armadilha”. No terceiro parágrafo, apresenta uma frase
interrogativa: “Mas o que podemos fazer para melhorar?” A partir de então, as
“soluções” passam a ser expostas. Argumenta ao longo do texto, indicando o que se
faz de “errado” e o que é “certo” se fazer para ser “reconhecido” e “respeitado”
3
.
Mais uma vez, é válido ressaltar que o é possível se falar sobre aspectos
lingüístico-textuais sem a observância à produção ou à interpretação dos textos. Isso
indica que, embora por questões metodológicas dividamos a análise do discurso em
 
3
No Capítulo 4, traçamos as considerações sobre a estrutura composicional típica do conselho.
42
dimensões distintas (texto, prática discursiva, prática social, no caso em tela), essas
dimensões estão imbricadas. Fairclough, nessa linha, aponta, com propriedade, que,
inevitavelmente, a análise das formas lingüísticas não pode estar dissociada das
relações de sentido dos seus usos. Para o estudioso (2001, p.103), “abordagens
críticas do discurso defendem que os signos são socialmente motivados, isto é, que
razões sociais para combinar significantes particulares com significados
particulares”.
Não é possível fazer uma análise do vocabulário do texto sem, por exemplo,
examinar quem produz o texto, a quem o texto é dirigido, qual o objetivo
sociodiscursivo daquela escrita, que tipo de relação sociodialógica se estabelece
entre os envolvidos, onde o texto é distribuído, e outros.
Fairclough bem observa que o significado potencial de uma forma é heterogêneo,
aberto a múltiplas interpretações. É seguindo tais pressupostos que, por exemplo,
aponta, ainda, que o vocabulário não se restringe ao que se expõe no dicionário.
Para o autor, nos diferentes domínios discursivos, as palavras e seus “sentidos” se
sobrepõem e competem, um reflexo das lutas sociais.
No texto “Cultive sua própria energia”, as escolhas lexicais, as marcas da
textualidade, a organização seqüencial de estruturar as idéias contribuem para a
ação discursiva do gênero, ou seja, para que um conselho seja aceito como
“verdade” e, portanto, possa servir de “guia”, de orientação das ações das pessoas
na sociedade.
No que se refere ao discurso enquanto prática discursiva, tal dimensão envolve os
processos de produção, distribuição e consumo textual e suas relações com fatores
sociocognitivos. Os textos o produzidos ou consumidos de formas diferentes, em
43
contextos sociais específicos, assim como a distribuição textual também apresenta
particularidades segundo especificidades contextuais
4
.
O texto “Cultive a sua própria energia” é assinado por um único indivíduo,
Gasparetto. No texto, esse produtor é posicionado socialmente como “escritor e
autor”, um especialista no trabalho com a “espiritualidade”. Porém, nem sempre o
produtor textual é um único indivíduo: no conselho dado na mídia jornalística, por
exemplo, é comum um jornalista reunir as palavras de pessoas diferentes (editor,
psicólogos, consultores) para aconselhar. Isso exemplifica o porquê de Fairclough
pensar o conceito de “produtor(a) social” como um conjunto de posições sociais
ocupadas por uma ou mais de uma pessoa.
Em relação ao consumo, esse pode ser individual ou coletivo: o conselho dado na
revista feminina é dirigido a um grande público; um conselho dado a um amigo
tem o consumo bem mais restrito.
Finalmente, no que se refere à distribuição textual, há textos de distribuição simples,
como um conselho informal dado por amigos, e outros de distribuição mais
complexa, caso dos conselhos que circulam em revistas femininas, as quais
possuem padrões próprios de consumo, reprodução e transformação textuais.
Fairclough exemplifica, em relação aos processos de produção, distribuição e
consumo, que alguns textos são registrados, preservados e relidos, enquanto outros
são descartados pouco após sua produção. Observa também que alguns textos
podem levar à guerra, como uma ordem militar, outros à perda de um emprego,
como uma carta de demissão e, completamos, outros têm o poder de agir
 
4
A noção de “contexto” de Fairclough corresponde à situação social em que um discurso ocorre,
considerando também a posição desse discurso em relação a enunciados outros que o precedem ou
o seguem.
44
socialmente no sentido de contribuir para modificar comportamentos ou crenças das
pessoas, caso do gênero alvo desta pesquisa, o conselho.
No texto “Cultive a sua própria energia”, o produtor orienta as leitoras para que
mudem de postura em relação a sua própria vida. Qualifica algumas atitudes como
“erradas” e propõe a realização de atitudes qualificadas como “corretas”. Na sua
argumentação, ao realizar a atitude “errada”, a leitora atrairá problemas; mas, se
realizar atitudes “corretas”, terá como prêmio a satisfação na vida. Vemos que o
conselho constrói objetos discursivos que apontam para ações ideais em sociedade.
Assim, pode levar as pessoas a mudar suas crenças e atitudes, influenciando seus
pensamentos e condutas.
Fairclough (2001, p. 109) observa que os “aspectos sociocognitivos” da produção e
da interpretação dos textos centram-se nas relações que se estabelecem entre os
recursos que os membros possuem interiorizados (estruturas sociais, normas e
convenções de produção, distribuição e consumo textuais sociohistoricamente
constituídos, etc.) e que resgatam no momento do processamento textual, e o
próprio texto. Nesse sentido, os processos de produção e interpretação são
restringidos socialmente por duas vias: a primeira, pelos recursos interiorizados dos
membros; e a segunda, pela natureza da prática social da qual as pessoas fazem
parte.
Nesse contexto, para efeito de análise do discurso enquanto prática discursiva,
Fairclough destaca três importantes dimensões: a intertextualidade, propriedade que
têm os textos de compor-se de outros textos, sejam delimitados explicitamente ou
não; a força de um enunciado, que ato(s) de fala desempenha(m); e a coerência,
propriedade das interpretações (as partes constituintes de um texto interpretado
45
como coerente estão relacionadas com um “sentido”). Interessa-nos, especialmente,
neste trabalho, visto ser o nosso foco a investigação do funcionamento intertextual
do conselho, a primeira dimensão de análise apontada: a intertextualidade.
É importante dizer que a concepção de Fairclough do discurso como prática
discursiva está centrada no conceito de intertextualidade de Kristeva (1986), quando
dos seus estudos e da divulgação, no ocidente, da obra de Bakhtin
5
.
Como alertava Bakhtin (2003), todo enunciado responde a enunciados anteriores,
aderindo ou rechaçando-os, e dirige-se a uma compreensão responsiva ativa de
enunciados que virão, está a essência do dialogismo. Na linha de pensamento de
bakhtiniana, Fairclough também observa que os diversos tipos de discurso possuem
também formas específicas de marcar a intertextualidade.
As redes intertextuais fazem parte da constituição de todo e qualquer texto. Por
exemplo, no conselho, o estabelecimento de redes intertextuais com o discurso de
especialistas (médicos, psicólogos, terapeutas, consultores, entre outros) é bastante
presente, como forma de dar credibilidade e autoridade ao conteúdo textual. No
texto “Cultive a sua própria energia”, por exemplo, vimos, como aspecto intertextual,
a incorporação do gênero currículo na constituição textual Luiz Antônio Gasparetto,
escritor e autor de 26 livros sobre desenvolvimento emocional” (enunciado situado
na parte superior-direita, ao lado da fotografia do busto do referido autor), bem como
do gênero anúncio “Em agosto, Luiz Antônio Gasparetto apresenta, no Espaço Vida
e Consciência, em São Paulo, o curso Consciência Espiritual independente (...)”
(enunciado situado na parte inferior-direita do texto). Ao se apresentarem as
 
A discussão do conceito de intertextualidade é retomada, neste capítulo, mais especificamente no
item 3.1 Os vários graus de contato entre enunciados.
46
credenciais do autor do texto, explicitando-se suas produções e atuações
profissionais, a credibilidade do que é dito aumenta
6
.
Nessa rede intertextual, as relações sociais vão se constituindo. Por exemplo, com
base no conselho, uma interação entre “conselheiro” e “aconselhado” é
estabelecida. No texto “Cultive a sua própria energia”, o especialista, devidamente
credenciado, está autorizado a assumir a posição de conselheiro e posicionar,
discursivamente, o seu leitor, como aconselhado, aquele que tem um problema a
resolver: cultivar a sua própria energia (aconselhamento introduzido logo no título do
texto). É nesse sentido que o “conselheiro” dialoga com o seu destinatário,
apresentando explicações para o problema foco do conselho: “A vida a trata como
você se trata. Você sabia disso? É tão irônico, pois, quando uma pessoa se gosta,
ela atrai amor.”; e também soluções para tal problema: “Mas o que podemos fazer
para melhorar? (...)”.
O conceito da intertextualidade aponta para a historicidade dos textos, a
transformação de convenções e textos prévios no presente, o que pode ocorrer de
modo bastante normativo e rotineiro, ou, num sentido contrário, de modo criativo e
inovador. Contudo, como salienta Fairclough, o espaço para a inovação é limitado e
restringido pelas relações de poder numa sociedade, daí o interesse de se combinar
a teoria da hegemonia (conceito apresentado mais adiante) com a da
intertextualidade para uma análise do discurso que tem como alvo a preocupação
com a investigação da mudança discursiva e social.
Pelo exposto, percebemos que a prática discursiva está relacionada a elementos de
natureza social e também de natureza lingüística. Desse modo, para sua
 
6
No Capítulo 4, discutimos sobre as relações entre gêneros e a constituição do conselho.
47
interpretação e análise, é preciso considerar os ambientes institucionais, políticos,
econômicos etc. nos quais o discurso é gerado. Pode-se considerar a prática
discursiva como uma forma específica de prática social. Assim, uma das
preocupações do analista, para Fairclough (2001, p. 99-100), é
Estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e
interpretação textual (normativos, inovativos etc.), como os textos são
produzidos, distribuídos e consumidos em um sentido mais amplo, e a
natureza da prática social em termos das suas relações com as estruturas e
lutas sociais.
No que se refere à noção de discurso como prática social, observa-se que a prática
social pode ter várias orientações (econômica, política, cultural, ideológica, entre
outras), e o discurso pode estar implicado em todas elas. Nesse contexto, uma das
discussões de maior interesse da ACD é a reflexão sobre o conceito de discurso em
relação à ideologia e ao poder.
Enquanto prática ideológica, o discurso exerce um importante papel de constituir,
naturalizar, manter e transformar os significados do mundo segundo posições
diversas nas relações de poder. Nesse sentido, Fairclough situa o discurso sob duas
vertentes: primeiramente, numa concepção de poder como hegemonia; e, em
seguida, numa concepção de evolução das relações de poder como luta
hegemônica.
Considerando a relevância dos postulados de Voloshinov (1993) e emprestando de
Althusser (1971) algumas das suas bases teóricas, o autor aponta três asserções
fundamentais sobre a ideologia: a ideologia materializa-se nas práticas institucionais,
o que permite investigar as práticas discursivas como formas materiais de ideologia;
a ideologia participa do processo de constituição dos sujeitos; e a ideologia está
relacionada à luta de classes.
48
É preciso dizer que Fairclough, embora tome como base fundamentos da teoria
clássica marxista do século XX, ao tratar da ideologia, aponta algumas fragilidades
dessa linha teórica. Por exemplo, diferente de Althuser, não a ideologia como um
cimento social, ou seja, a imposição unilateral de uma classe dominante às demais.
Para o autor, a reprodução de uma ideologia dominante é fato, assim como também
há o espaço para lutas, transformações e mudanças ideológicas.
Do mesmo modo, discorda do pensador marxista quanto à noção de que a
constituição ideológica do sujeito o impede de agir individual ou coletivamente de
forma crítica em relação às práticas ideológicas. Adotando uma visão dialética,
defende que o sujeito é constituído e posicionado ideologicamente, mas também é
capaz de se posicionar criativamente no sentido de reestruturar as práticas
ideológicas
7
.
As ideologias são, pois, significações/construções da realidade construídas nas
diferentes dimensões das formas/dos sentidos das práticas discursivas e que
contribuem para a reprodução, a produção ou a transformação das relações de
dominação entre os grupos sociais. A ideologia permeia a linguagem em diferentes
níveis, embora os processos ideológicos pertençam aos discursos como eventos
sociais, ou melhor, sejam processos que se constituem entre as pessoas.
Na mídia, é possível observar a constituição de relações de poder bem marcadas.
Aproximando essa observação do objeto do nosso trabalho, o conselho,
questionamos: quem pode aconselhar? Quem é ou quem deve ser aconselhado?
Sobre o que se aconselha? A resposta a tais questões passa pela reflexão nessas
relações de poder. No texto “Cultive a sua própria energia”, como comentamos, ao
 
7
Para Fairclough (2001, p. 121), o “sujeito social” se constitui no equilíbrio entre o “sujeito efeito
ideológico” e o “sujeito agente ativo”.
49
produtor, Luiz Antônio Gasparetto, considerando a linha editorial da revista em que
publica seu texto, cabe escolher o conteúdo a ser dito dentro da temática
“Autoconhecimento” (seção da revista), estabelecer um “problema” “a necessidade
de cultivar a própria energia” e indicar “soluções” como as pessoas devem agir
para resolver o problema. ao público leitor da revista, cabe reconhecer as
orientações dadas.
No que tange à hegemonia, para Fairclough (2001), essa diz respeito à liderança e à
dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma
sociedade. A hegemonia refere-se ao poder de uma das classes economicamente
definidas como fundamentais, em aliança com outras forças sociais, sobre a
sociedade como um todo. Significa a construção e a integração de alianças, muito
mais do que a simples dominação de classes subalternas, por concessões ou por
meios ideológicos, para ganhar seu consentimento. E mais ainda, trata-se de um
foco constante de luta por pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para
construir, manter ou romper alianças e relações de dominação/subordinação.
Tomando por base essa noção de hegemonia, Fairclough busca focalizar a dinâmica
da prática discursiva e de sua relação com a prática social, considerando as
relações de poder e de luta de poder em termos de hegemonia. Ao tratar do conceito
de intertextualidade relacionando-o ao de hegemonia, por exemplo, o autor
evidencia que a seleção de textos prévios a constituírem um texto particular, bem
como a maneira como um texto se articula com os textos que o antecedem, depende
em muito de como esse texto está situado em relação às hegemonias e às lutas
hegemônicas, isto é, se ou não contestação das práticas discursivas
hegemônicas existentes. O autor cita o fato da representação do discurso das
50
pessoas em notícias: representa-se aquilo que foi dito e que “merece” ser notícia na
ótica do produtor do texto
8
.
Nesse caso, o discurso apresenta um dos seus papéis fundamentais: o de
consolidar as organizações sociais, sendo em muito utilizado para manipular as
pessoas, estabelecer e mantê-las em papéis e posições convenientes, para manter
o poder das instituições sociais e dos grupos sociais que detêm a hegemonia.
No que diz respeito ao gênero do discurso, nota-se que Fairclough (2001, p. 161)
situa sua noção de gênero no campo das práticas sociodiscursivas, tomando por
base a visão bakhtiniana
9
:
Eu vou usar o termo ‘gênero’ para um conjunto de convenções
relativamente estável que é associado com, e parcialmente representa, um
tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal, comprar
produtos em uma loja, uma entrevista de emprego, um documentário de
televisão, um poema ou um artigo científico. Um gênero implica não
somente um tipo particular de texto, mas também processos particulares de
produção, distribuição e consumo de textos.
Nessa perspectiva, o gênero pode ser compreendido simultaneamente em sua
dimensão de texto, de prática discursiva e de prática social. Um gênero implica
formas relativamente estáveis de textos inter-relacionados a modos de produção,
distribuição e consumo. Considerando isso, na esteira de Bakhtin, Fairclough
observa que um gênero particular tende a ser associado a uma estrutura
composicional, a um estilo e a um modo particular de se construir um
assunto/conteúdo.
 
8
A representação do discurso é tema de discussão no Capítulo 3.
A visão de Bakhtin (2003, p. 279) é a de que os gêneros do discurso são tipos relativamente
estáveis - do ponto de vista temático, composicional e estilístico - de enunciados elaborados pela
sociedade. Para o autor, as especificidades de cada esfera de utilização coletiva da língua, bem
como suas finalidades, são elementos intervenientes no processo de elaboração dos enunciados.
51
É importante dizer que, embora seja fato que os gêneros são dotados de elementos
característicos, a “relativa estabilidade” que perpassa a concepção bakhtiniana de
gênero é de fundamental importância para se dar o devido peso ao modo como a
prática social é limitada pelas convenções e, ainda, à potencialidade para a
criatividade e a inovação. Logo, a idéia de instabilidade e dinamicidade dos gêneros
adequa-se perfeitamente a estudos cujos aspectos centrais sejam abordar a inter-
relação entre a reprodução/mudança discursiva e a social.
A análise da definição de gênero, ora defendida, permite-nos refletir sobre um
aspecto relevante: assim como é diversa, inesgotável e multiforme a atividade
sociodiscursiva humana, também os gêneros o são. A heterogeneidade dos
enunciados - a sua diversidade, a sua plasticidade, a sua complexidade é em
muito resultado do desenvolvimento e das mudanças que ocorrem em domínio
social, bem como possui uma ligação estreita com a situação concreta de uso da
linguagem, com a posição social dos participantes da interação e, ainda, com as
suas relações pessoais. Vale ressaltar que, embora sejam mutáveis, flexíveis e
plásticos, os gêneros possuem um caráter normativo, pois não se tratam de criações
idiossincráticas, mas de fenômenos sociohistoricamente constituídos.
Em síntese, vemos, no estudo crítico do discurso proposto por Fairclough (2001), a
tentativa de se estabelecer um equilíbrio no tratamento das inter-relações da teoria
social com a teoria de análise lingüística. A visão dinâmica das relações de poder
atenção às questões relativas às lutas e às transformações nas relações de poder e
ao papel da linguagem para tal. Assim, o estudioso descreve o texto como um
“produto” inacabado, enfatizando o seu processo de produção e interpretação. Com
essa abordagem, busca, enfim, investigar dinamicamente a linguagem e suas
relações com os processos de mudança sociocultural.
52
A sua concepção do discurso, numa ótica tridimensional, reúne, como base analítica,
tanto a tradição de análise textual e lingüística como as tradições sociológicas e
interpretativas de análise da prática social. Nessa perspectiva, os caminhos de
ordem metodológica para essa análise de discurso textualmente orientada
pressupõem que o pesquisador estabeleça categorias que envolvam o discurso nas
três dimensões ora comentadas, as quais inevitavelmente possuem pontos de
interseção: texto; prática discursiva; e prática social. Tratando-se do estudo do
conselho, nessa pesquisa, observamos este gênero considerando a sua dimensão
particular de texto, os seus processos particulares de produção, distribuição e
consumo, e ainda a sua ação socialmente aprovada.
2. Gênero e ação social
Sobre a associação “gênero e ação”, é válido somar às considerações de Fairclough
(2001, p. 162), (para quem os gêneros associam-se, e tendem a representar “tipos
de atividade” sociais específicos), as contribuições dos estudos de Miller (1994a,
1994b) e Bazerman (2006, 2005), autores
10
que, embora trabalhem em linha teórica
diferente, possuem uma noção de ação de linguagem compatível com a daquele
estudioso, e que demonstraram nos seus trabalhos uma maior preocupação com o
aprofundamento dessa questão.
Caminhando também pelo viés da teoria dos gêneros bakhtiniana, Miller (1994a, p.
24), na tentativa de compreender como a sociedade funciona em relação aos seus
atos discursivos, é um dos autores que propõe abertamente a noção de gênero
 
10
No compasso de uma perspectiva socioretórica e antropológica, os referidos autores preocupam-se
com o social e o contexto histórico na análise dos gêneros, tendo como basilares as noções de
interação, ação, recorrência e tipificação para compreensão do funcionamento da linguagem.
53
como ação social. Assim, uma abordagem significativa sobre o universo dos gêneros
textuais é aquela que dirige seu olhar não para a forma ou para a substância
(conteúdo) do discurso, mas para a ação decorrente de seu uso.
O que confere o estatuto acional do gênero é o fato de ele ser gerado na recorrência
de ações e situações retóricas
11
de produção. Nesses termos, à medida que os
indivíduos de uma comunidade agem de forma semelhante, quando se deparam
com situações comunicativas similares, os gêneros vão se consolidando nas
convenções sociais recorrentes.
Nessa perspectiva, enquanto construção social e semiótica, tomemos a situação
retórica do aconselhamento. Essa situação pressupõe várias exigências, dentre as
quais, de grande relevância, está a necessidade social de solução de um “problema”
(de ordem emocional, familiar, financeira, profissional, entre outros) enfrentado pelas
pessoas, como comentamos. Essa exigência em geral é apoiada pelo discurso de
indivíduos que se posicionam socialmente como conselheiros e de indivíduos que se
posicionam como aconselhados. Os aconselhados, ao dialogarem com os
conselheiros, agem no sentido de expor uma situação-problema, no desejo de
encontrar soluções. Por outro lado, os conselheiros dirigem-se àqueles que
assumem o papel de aconselhados, no sentido de propor soluções para os
problemas, sugerindo como eles devem pensar e agir para obter resultados
positivos. Um gênero tipicamente associado a essa situação é o conselho de auto-
ajuda que circula em revistas femininas, foco da nossa pesquisa. O conselho como
 
Para Miller (1994a, p. 30), “uma situação é uma estrutura semiótica”, fruto de uma construção
social; nesses termos, não podemos entendê-la numa perspectiva materialista. Diante de uma
situação retórica reconhecível, agimos no sentido de atender a uma exigência, a uma necessidade
social de interação. Para tal, tomamos como base o nosso conhecimento social que envolve uma
construção mútua de objetos, eventos, interesses e propósitos. É possível inferir que, diante de uma
situação, identificamos padrões sociais de ação retórica que podem se tornar recorrentes e
reconhecíveis pelos indivíduos em termos de gêneros.
54
gênero passa a ser reconhecido pelas pessoas na medida em que o associam a
situações retóricas recorrentes e a tipos de ações sociais que as pessoas praticam
nessas situações de uso da linguagem.
O posicionamento de Miller, quanto à associação do nero à ação e à situação
social recorrente, não se distancia dos postulados bakhtinianos. Bakhtin (2003, p.
293) afirmava que Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação
discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos do significado
das palavras com a realidade concreta em circunstâncias típicas.
Nessa linha de pensar, afirmando-se que os gêneros fundam-se em ações retóricas
recorrentes, admite-se que os mesmos adquirem significação do contexto social no
qual a situação comunicativa surge e, somando-se a isso, incorporam os elementos
culturais da comunidade pela qual são usados para atuar. É fundamental, pois, que
se compreenda nero como competência cultural que contribui para organizar a
interação humana,
que se veja gênero como um constituinte específico e importante da
sociedade, um aspecto maior de sua estrutura comunicativa, uma das suas
estruturas de poder que as instituições usam. Podemos entender gênero
especificamente como aquele aspecto da comunicação situada que é capaz
de reprodução que pode se manifestar em mais de uma situação e mais de
um espaço-tempo concreto. (Miller, 1994b, p. 71, tradução nossa).
Para se conhecer de fato um nero, é preciso que se identifiquem muito mais que
os aspectos formais que moldam os textos que circulam na sociedade, mas,
sobretudo, que se observem as condições sociais, culturais e históricas em que nos
achamos imersos. Os gêneros o formas de inserção sociocultural (cf. Miller,
1994b): o aprendizado de um gênero implica conhecer os objetivos que podemos ter
numa dada sociedade, ou seja, como aprendemos a agir em sociedade.
55
Miller apresenta uma importante contribuição teórica para o tratamento do tema:
autora enfatizou os problemas da ação social e da situação como essenciais para o
estudo dos gêneros, relativizando o enfoque formalista, alertando para o perigo de
se estabelecerem classificações limitadas e fechadas.
Bazerman (2006, 2005), com a mesma orientação teórica, evidencia que os gêneros
são elementos-chave na constituição da atividade e da organização dos grupos
sociais. Nesse sentido, os gêneros são parte do modo como os seres humanos dão
forma às atividades e aos papéis sociais. Ao identificar um conjunto de neros que
alguém é levado a ler e escrever numa dada área profissional, por exemplo, é
possível identificar também o papel social desempenhado pelo indivíduo, as
relações de poder que se estabelecem entre as pessoas/instituições, o tipo de
trabalho e a forma de se trabalhar naquela esfera social, a ideologia que perpassa
nesse campo da atividade humana, entre outros aspectos não menos importantes.
Na nossa concepção, a ação emerge do discurso: as pessoas se envolvem em
relações sociodialógicas e agem sobre os outros, sobre si mesmas, enfim, sobre
tudo que as circunda quando usam as palavras. Nesse contexto, a ação se constitui
na e é representada pela linguagem.
56
3. O caráter dialógico do gênero
Ao apresentarmos a concepção de gênero de Fairclough (2001), antecipamos que,
para o autor, a intertextualidade é um dos seus princípios constitutivos fundamentais.
Suas idéias estão em consonância com os fundamentos propostos por Bakhtin e seu
Círculo
12
ao tratar do caráter dialógico da linguagem.
No que se refere ao dialogismo, para Bakhtin (Volochínov) (2002), a palavra, leia-se
linguagem, é por essência dialógica, pois não só se apresenta como uma resposta a
falantes anteriores, mas também pressupõe uma compreensão responsiva ativa de
falantes posteriores. Para os autores (2002, p. 113),
toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui
justamente o produto da interação do locutor com o ouvinte. Toda palavra
serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra me
defino em relação ao outro, isto é, em última análise em relação à
coletividade [...].
De acordo com essa perspectiva, cada enunciado poderia ser metaforicamente
entendido como um “elo” na cadeia da comunicação verbal. É na relação de
alternância que se estabelece entre o falante (escritor) e seus interlocutores,
anteriores e posteriores ao seu discurso - entre o “eu” e o “outro” - o diálogo pela
interação verbal. Por esse motivo, os autores alegam que todo enunciado é marcado
pela alteridade (em variáveis graus), ou seja, por ecos das palavras alheias e dirigido
à resposta das palavras alheias.
 
12
O Círculo de Bakhtin, formado por Bakhtin e outros estudiosos, como Volochínov e Medviédiev,
desenvolveu as bases do interacionismo social na primeira metade do século passado. O Círculo de
Bakhtin elabora seu pensar sobre a linguagem verbal centrando-se em postulados tais: a interação
constitui a substância da língua; a linguagem verbal possui uma dimensão social e histórica; o
dialogismo orienta toda ação semiótica humana; a produção e a compreensão dos enunciados
resultantes da atividade social com a linguagem são responsivas e ativas; e os signos são marcados
pela ideologia e pela axiologia.
57
É guiado por tal pressuposto que Bakhtin (2003) aponta algumas particularidades
constitutivas dos gêneros: - alternância dos sujeitos do discurso; -
conclusibilidade específica; 3ª - responsividade; e 4ª - endereçamento.
Na ótica baktiniana, todo gênero do discurso tem seus limites definidos pela
alternância dos sujeitos. Para o estudioso (2003, p. 275), “todo enunciado (...) tem,
por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os
enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros”.
Nessa perspectiva, não se pode compreender o funcionamento de um gênero fora
das relações dialógicas que se estabelecem numa sociedade. O enunciado concreto
se inicia e se finda na corrente da interação como resposta aos enunciados
precedentes e, ao mesmo tempo, aguarda a compreensão responsiva ativa dos
enunciados subseqüentes.
É para que a alternância dialógica de sujeitos ocorra que cada enunciado reveste-se
de uma conclusibilidade específica. O princípio de conclusão de um gênero pauta-
se também na essência dialógica da linguagem humana: é necessário que o
enunciado se conclua para que uma resposta a ele seja dada.
Bakhtin (2003, p. 282) observa que a “inteireza acabada” do gênero do discurso é
determinada por três elementos que se inter-relacionam:
a exauribilidade do objeto do dizer e do sentido o tema de um enunciado é
dotado de uma relativa conclusibilidade em determinadas condições, em
determinados campos da atividade humana;
58
projeto de discurso do falante o todo do nero, seu volume e suas
fronteiras, é determinado pela intenção, pela vontade discursiva do locutor,
pelo que se propõe a dizer e agir discursivamente;
formas típicas composicionais o projeto discursivo do sujeito realiza-se com
a escolha de uma forma. São muitos os fatores que interferem nessa escolha:
a especificidade de um dado campo da comunicação, as considerações
temáticas, a valoração dada pelo falante (escrevente) ao seu objeto do dizer,
a situação concreta de comunicação, os papéis sociais dos participantes da
interação, entre outros.
Um aspecto importante a se ressaltar é que o projeto do dizer de todo falante
constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero, forma essa
mais ou menos estável, mais ou menos plástica. Nessa direção, Bakhtin (2003, p.
283) é categórico ao afirmar que “os gêneros do discurso nos são dados quase da
mesma forma que nos é dada a língua materna”. E complementa: “se os gêneros do
discurso não existissem (...), a comunicação discursiva seria quase impossível”.
Além da alternância dos sujeitos do discurso e da conclusibilidade específica, o
gênero, como particularidades constitutivas, possui a responsividade e o
endereçamento, ou seja, o enunciado estabelece uma relação com enunciados pré-
existentes e com enunciados que estão por vir: responde aos que o precedem e se
dirige aos que virão a sucedê-lo. Nesse sentido, o enunciado é plenamente
dialógico, como já observamos.
Ao constituir-se pela resposta a enunciados precedentes, o enunciado retoma e
retrabalha as palavras ditas, seja aderindo ou contrapondo-se às mesmas. Do
mesmo modo, retoma e retrabalha formas e funções comunicativas segundo o nível
59
de identidade que possui com aqueles enunciados que o precedem. O destaque
dado a determinadas escolhas lingüístico-composicionais, por exemplo, em muito
está relacionado a como um enunciado responde aos anteriores
13
.
Num movimento inverso ao da resposta, o enunciado, no seu endereçamento a
enunciados posteriores, traz como traço constitutivo a resposta antecipada de
outrem. Segundo Bakhtin (2003, p. 302),
Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu
discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe
de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação;
levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do
meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias tudo isso irá
determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele.
Esse destinatário a quem se dirige um discurso pode ser desde um locutor direto até
uma coletividade. A concepção de destinatário será determinada pelo campo de
atividade na qual o enunciado se constitui. Dentre os elementos que determinam o
estilo e a composição do enunciado, está o destinatário: como o falante (ou o
escrevente) o percebe e o representa para si. Assim, as várias formas típicas de
endereçamento e as diferentes concepções típicas de destinatários são traços
constitutivos e determinantes dos diversos gêneros de discurso.
Enfim, a linguagem verbal realiza-se mediante o uso de algum gênero. Nesse
contexto, consideramos que é indispensável para a ação comunicativa que as
pessoas compreendam e se façam compreender através dos gêneros do discurso e
das relações que esses gêneros mantêm entre si.
 
13
A relação entre enunciados é um aspecto enfatizado nos capítulos seqüentes.
60
3.1 Os vários graus de contatos entre enunciados
Comecemos nos referindo às palavras de Bakhtin (2003, p. 294-5):
Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras
criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou
de assimibilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância.
Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos.
Segundo a tese bakhtiniana, tudo o que falamos ou escrevemos acha-se como uma
resposta ao “dito”, e mais, reelabora de algum modo o “dito”. Isso sustenta a
nossa defesa de que o conselho dialoga com diferentes enunciados, em diferentes
graus de contato, e de que algumas formas típicas dessa relação dialógica do
gênero com outros enunciados o estratégicas para sua ação sociodiscursiva de
aconselhar, contribuindo para construção de modelos-padrão de comportamentos
sociais a serem seguidos.
Embora todo texto seja composto com base em textos anteriores, nem sempre
aquilo que se assimila das “palavras” ditas é feito de forma totalmente consciente.
O grau de consciência varia bastante: desde casos em que o produtor não sabe que
o texto que produziu mantém relações de identidade com outros preexistentes
(forma, conteúdo, atividade, ou outra) até o mais alto grau de consciência, casos em
que o produtor se apóia estrategicamente em textos anteriores, sugerindo ou se
referindo explicitamente a fontes.
A leitura do conselhoTempero demais estraga”, texto (01), nos trará subsídios para
aprofundarmos a discussão do fenômeno da articulação intertextual.
61
(01)
62
Tempero demais estraga - Revista Mulher, 7
63
Ao darmos um conselho informal a um amigo que persegue” a esposa com
cenas de ciúmes, por exemplo, resgatamos alguns conteúdos temáticos
construídos por outras pessoas que já escutamos ou com as quais havíamos
vivido alguma experiência, sem muitas vezes nos preocuparmos em identificar
onde ouvimos ou lemos os conteúdos que tomamos no diálogo. Por outro lado,
em alguns momentos, a percepção das fontes usadas para compor nosso
discurso é clara. Temos um exemplo disso quando, num conselho, ao
defendermos uma posição sobre um determinado comportamento que
acreditamos que o nosso destinatário deva seguir, citamos uma matéria
jornalística que lemos ou a que assistimos na tv, ou o discurso de um especialista
que conhecemos, como ocorre no texto “Tempero demais estraga”.
Para citar, em (01), o produtor resgata palavras registradas na memória social,
como “Todo mundo diz que ciúme é aquela pitada de tempero essencial ao cultivo
do amor”, para aderir à idéia comum de que ter ciúme é normal; bem como faz a
representação explícita do discurso de uma psicoterapeuta “Muitas pessoas
procuram ajuda por estarem com o seu relacionamento por um fio, para tentarem
reverter a situação e, principalmente, não sofrer tanto” para argumentar que o
ciúme em excesso pode comprometer uma relação a dois: problema alvo do
aconselhamento em questão. Nesse compasso, percebemos que retomar as
palavras alheias de forma consciente e estratégica é um recurso produtivo para a
construção de sentidos e para a interação entre os indivíduos.
De forma consciente ou não, dentro do que Bakhtin (2003) chama de um grau
vário de aperceptibilidade e de relevância, não reproduzimos simplesmente os
“textos” com os quais de alguma maneira tomamos contato, nós os
reelaboramos, adaptando-os aos nossos propósitos e aos novos contextos de
64
comunicação. Nessa reelaboração, aderimos ou não ao dito, reacentuamos o tom
valorativo do discurso retomado ou o rechaçamos.
Essas reflexões sobre os vários graus de contato que um enunciado mantém com
outros, propostas por Bakhtin ao tratar do dialogismo, foram alvo de preocupação
de vários teóricos. Kristeva (1986), pautada nas orientações filosóficas do autor,
introduziu o termo intertextualidade para tratar dessa faceta específica do
dialogismo: a recuperação, a reelaboração e a revaloração de textos anteriores na
construção de novos textos.
14
Kristeva (1986) preocupou-se com a análise de como os “textos” reacentuam os
“textos” do passado, segundo a perspectiva sociohistórica: nas suas palavras, o
caráter intertextual garante “a inserção da história em um texto e deste texto na
história” (p.39). No texto “Tempero demais estraga”, percebemos o resgate tanto
de elementos da sabedoria popular quanto do saber científico construídos pela
sociedade contemporânea para se registrarem algumas posições sobre um tema
de interesse das leitoras da revista em que o conselho foi publicado: o ciúme é
algo normal numa relação, mas o ciúme em excesso é um problema que
compromete a felicidade do casal, logo esse tipo de ciúme não deve existir; para
tanto, é preciso identificar as causas do ciúme (“se é falta de intimidade ou se são
atitudes diferentes de seu companheiro, por exemplo”) e partir para a ação
adotando os comportamentos pré-definidos (“conversar honestamente com ele (o
parceiro)”; “tomar uma dose bem cheia de auto-estima”). Ao resgatar aquilo que já
foi “dito”, retrabalhamos no nosso texto o apenas palavras, mas aspectos do
 
14
Em sua obra, Bakhtin o se preocupou com apresentar um quadro teórico e metodológico
rígido para a ciência da linguagem, ao contrário, agindo, muitas vezes, mais como filósofo do que
como cientista, traçou reflexões sobre os fundamentos desta ciência, centrando-se na discussão
do fenômeno enunciativo tendo em vista as relações interativas humanas. Kristeva, partindo da
concepção bakhtiniana de dialogismo, adentra-se no estudo teórico-analítico da intertextualidade.
65
funcionamento sociohistórico e discursivo das práticas em que essas palavras
circularam e circulam, e, ainda, a força de ação que carregam. É no mesmo
sentido que o texto então produzido torna-se um registro histórico a servir de base
para textos potencialmente futuros.
As relações de intertextualidade de um texto, tal como entendidas por Kristeva
(1986) apresentam-se de diversas maneiras: um texto pode responder a outro
texto de forma bem direta e específica, como ocorre com os turnos de uma fala
numa conversa, ou com conselhos que são respostas a cartas de leitores; ou, por
outro lado, pode apresentar-se como uma resposta a outros textos que
constituem seus contextos não tão próximos (textos com os quais mantêm uma
relação, considerando-se rios parâmetros, numa escala histórica ou
contemporânea não tão imediata)
15
.
Iluminado pelas dimensões da intertextualidade ora citadas, Fairclough (2001)
resgata os conceitos dos analistas franceses de discurso, intertextualidade
“manifesta” e intertextualidade “constitutiva” (Authier-Révuz, 1882; Maingueneau,
1987), para traçar um quadro analítico dos elementos relativos ao intertexto
16
.
Por intertextualidade manifesta entendem-se as relações textuais explicitamente
marcadas ou sugeridas num texto. “É exatamente como diz o velho ditado: ‘quem
ama, cuida’ é um bom exemplo de referência a ditados populares marcada
explicitamente pelo recurso das aspas, presente no segundo parágrafo do texto
 
15
Essas diversas maneiras de apresentação das relações intertextuais foram tratadas por Kristeva
(1986) como as dimensões “horizontal” e “vertical” da intertextualidade. A primeira trata das
relações entre um texto e outros textos que o precedem ou que o sucedem de forma direta; a
segunda, das relações entre um texto e outros que o precedem de forma não tão seqüencial e
diretiva, como exemplificamos.
16
O foco de Fairclough está na análise das redes intertextuais como elementos que nos permitem
entender o processo de construção das relações sociais e, sobretudo, o processo das mudanças
sociais.
66
(01). A citação é usada como proposição para a construção de uma contra-
argumentação: o produtor adere à percepção popular do ciúme como algo
positivo na relação, para apresentá-lo posteriormente como um problema, caso se
trate de um “ciúme-doença”.
a intertextualidade constitutiva, “interdiscursividade” nos termos de Fairclough,
diz respeito à propriedade dos textos de incorporar convenções discursivas mais
complexas (gêneros, estilos, atividades, registros, entre outras) na sua produção.
Podemos destacar dois casos de intertextualidade constitutiva perceptíveis no
conselho “Tempero demais estraga”:
a) A começar pelo título, vimos que a palavra “tempero” é uma entrada
lingüístico-cognitiva no domínio da culinária. Mais uma vez, no 3º
parágrafo, em “O grande problema do ciúme é quando ele deixa de ser
uma pitada e passa a ser uma colher exageradamente cheia, que acaba
roubando o gosto de todos os outros ingredientes que fazem parte de um
relacionamento saudável” (grifo nosso), a seleção lexical aponta para um
contato do conselho com o repertório das receitas.
b) Uma conexão com o discurso médico-científico ainda se apresenta no texto
não com base na seleção lexical (“Tome cuidado se esse mal está
rondando a sua relação”, subtítulo; “os principais sintomas do ‘ciúme-
doença’ ”, parágrafo; “Quando é ele que se morde de ciúmes. Nesse
caso, a compreensão é o melhor remédio”, box) (grifo nosso), mas também
na organização composicional do texto, mais especificamente nos títulos
das subseções (“Dose extra”; “As causas”; “A cura”).
67
O conselho, ao se apoiar em elementos de outras convenções discursivas,
resgata não somente seus aspectos formais ou lexicais, mas ainda um conjunto
de ações, posições e relações sociais que se estabelecem entre as pessoas
sugeridas nessas outras convenções, por exemplo, podemos dizer que, com as
receitas, retrabalha-se a concepção de que, ao se realizarem os comandos
instruídos, certamente o leitor terá como resultado final o seu problema resolvido
e, com o discurso médico-científico, regatam-se as relações de confiança que as
pessoas têm na área científica.
A intertextualidade, manifesta ou constitutiva, aponta para processos de
retextualização, ou seja, transformação de textos anteriores para constituir novos
textos em novos contextos. Do ponto de vista discursivo-textual, poderíamos
destacar e comentar alguns tipos de representação de enunciados anteriores, que
variam em níveis de explicitude (cf. Bazerman, 2006; Koch et al, 2007):
a) Tradução - Na tradução, um produtor constrói uma nova versão de um
texto anterior (de sua autoria ou não) para um novo idioma, tentando
manter-se o mais possível fiel à fonte de origem.
b) Resumo e resenha Todos são gêneros cuja produção está
necessariamente associada ao trabalho de reconstrução de textos
anteriores. No resumo, o produtor elabora um novo texto que tem por
objetivo sintetizar o conteúdo, as idéias-núcleo, de um texto anterior. Na
resenha, o produtor, além de resgatar para o seu texto as idéias
observadas por ele como nucleares,traça abertamente comentários
avaliativos sobre as mesmas.
68
c) Citação A citação envolve a retomada e a inserção das palavras de
outros produtores num dado texto. Quando realizada de forma direta,
representam-se as palavras originais de um primeiro produtor; nesse caso,
o uso das aspas ou outro recurso tipográfico para delimitar a citação é
comum na escrita. Quando realizada de forma indireta, procurando manter
o sentido original, o segundo produtor transforma e registra as palavras
representadas, conforme a sua interpretação; desse modo, novas escolhas
sintáticas e lexicais são realizadas. Tanto na citação direta quanto na
indireta a referência à fonte é típica.
d) Menção Na menção, um produtor faz referência ao nome de alguém, a
uma instituição, a um documento, sem necessariamente especificar
detalhes do seu conteúdo ou contexto original.
e) Paráfrase A paráfrase consiste na ação de um produtor retomar outros
textos e, passando pelo seu fundo apreciativo e compreensivo, retrabalhá-
los do ponto de vista lingüístico-textual, tentando manter fidelidade ao
sentido original. No popular, significa “dizer a mesma coisa com palavras
diferentes”. A citação indireta pode ser realizada com base em paráfrases.
f) Paródia A paródia consiste na produção de um texto, normalmente de
cunho satírico, irônico ou humorístico, que parte de um texto anterior, em
geral de amplo conhecimento social, do qual o emprestados elementos
formais, estilísticos, semânticos, entre outros, para construção de novos
sentidos.
69
g) Plágio Ao plagiar, um produtor, sem ética, usa as palavras alheias como
se fossem suas, seja enunciando-as de forma idêntica à original, seja
valendo-se do recurso da paráfrase.
h) Retomada de turno Numa conversação, num debate, numa entrevista, e
em outros gêneros tipicamente da oralidade, as retomadas de turnos dos
nossos interlocutores são estratégias bastante produtivas, seja para
realçar a adesão a um argumento, seja para contra-argumentar, seja para
obter mais tempo para formular um pensamento, dentre outros objetivos.
i) Seleção léxico-estilística associada a determinados grupos sociais Tal
seleção comporta o uso de variedades lingüísticas reconhecíveis, tais
como jargões e terminologias relacionados a determinados grupos sociais
ou áreas de conhecimento, falares tipicamente regionais, por uma questão
de identidade do produtor com esses grupos ou, ao contrário, de confronto
com os mesmos.
j) Uso de linguagem associada a tipos reconhecíveis de gêneros do discurso
Cada texto que circula numa sociedade mantém uma relação de
identidade com um conjunto de outros textos, que abarcam tipos de
relações e ações sociais, de conteúdo, de composição e de estilo
característicos e relativamente estáveis. Assim, toda produção textual está
associada a um gênero de discurso.
Além disso, gêneros distintos podem também se relacionar
intertextualmente: gêneros de um mesmo domínio discursivo, como o do
jornalismo, tratam, muitas vezes, num dado período, dos mesmos temas;
um dado gênero pode incorporar outros para atender a determinados
70
propósitos comunicativos, como comprovar uma informação (reportagens
que apresentam ofícios ou outros documentos blicos originais),
esclarecer uma situação (cartas em que relatos de conversações entre
terceiros são retomados), e outros; , ainda, casos em que um gênero
estrategicamente se organiza, do ponto de vista formal, por uma estrutura
canonicamente associada à de outro gênero
17
(anúncio publicitário que
assume a forma de um diário, quebrando as expectativas dos
consumidores, com o fim de aumentar a venda do produto anunciado).
Pela exposição, nota-se que muitas são as formas de representação de
enunciados anteriores num dado texto, considerando o nível de identidade que
esse mantém com os demais seja quanto à ação e aos objetivos discursivos,
quanto ao conteúdo ou quanto aos aspectos composicionais; não temos como
pretensão enumerar todas elas, mas deixar claro que a intertextualidade é um
complexo fenômeno de linguagem que envolve escolhas, mais ou menos
conscientes, de reorganização da produção sociocultural e histórica humana.
É válido ressaltar que o trabalho intertextual envolve processos de reconstrução
de sentidos; desse modo, mesmo quando se pretende ser o mais fiel possível a
uma fonte, caso das traduções, a reorganização do texto anterior passa pela
interferência do filtro avaliativo daquele que está a produzir o novo texto.
Também é importante dizer que a fidelidade textual a uma fonte anterior não
indica a fidelidade de objetivos e até mesmo de conteúdo; no caso de citações, o
fato de se fragmentarem textos anteriores para incorporação em novos textos,
 
17
Processo intertextual pelo qual um gênero apresenta-se textualmente pela estrutura
composicional e estilística de outro, mantendo aspectos da sua função comunicativa. Esse
aspecto é tratado por Marcuschi (2002) como intertextualidade entre gêneros.
71
muitas vezes, é um indicativo de fragmentação do contexto no qual o primeiro
texto foi criado e dos sentidos gerados nesse contexto. Além disso, ao citar, o
produtor, normalmente, seleciona aquelas palavras que melhor atendem aos seus
propósitos comunicativos, exercendo, assim, um controle sobre o conteúdo da
fonte citada.
É interessante notar que a intertextualidade implica ambivalências de sentidos
dos textos. À medida que outros textos são recolocados em novos contextos, com
propósitos também novos, diferentes sentidos podem coexistir. No uso do
discurso indireto, por exemplo, em alguns momentos, não se pode dizer até que
ponto as palavras representadas são as que foram de fato proferidas ou se são
palavras atribuídas pelo produtor ao intertexto tomado.
Em geral, embora as relações de intertextualidade não estejam sempre
explicitamente marcadas no texto, a expectativa do produtor é a de que seu
destinatário as identifique, recorrendo a sua memória discursiva, garantindo,
assim, que a leitura seja mais próxima daquela desejada (salvos os casos em que
o produtor comete um plágio, logo a identificação do intertexto é exatamente o
que não se quer).
A recontextualização das palavras de outras pessoas implica, portanto, a
produção de novos sentidos nos novos contextos. Nessa recontextualização, os
novos sentidos podem não se distanciar do sentido original, ou tomar um rumo
mais distante. Por exemplo, a recontextualização pode inserir as palavras alheias
num contexto mais, ou menos, favorável que o anterior. Em (01), no segundo
parágrafo, lê-se:
72
“(...) se você ou seu par ou os dois sentem ciúmes um do outro é sinal de
que se preocupam com o futuro da relação, se gostam bastante e não
querem que ninguém “meta a colher” num romance o lindo como o de
vocês. Até aí, nada demais. (...)”.
A citação “meta a colher” é um trecho do ditado popular em briga de marido e
mulher, ninguém mete a colher”, colocada num contexto bem mais amistoso e
menos crítico que os contextos em que hoje normalmente se coloca o referido
ditado. Em geral, o ditado é empregado para marcar a necessidade de o casal
resolver, por conta própria, suas desavenças. Porém, em muitos casos, a
omissão da sociedade, na intervenção em alguns problemas familiares, gera
casos graves de violência doméstica, especialmente contra a mulher, no nosso
país. Nesse contexto, atualmente, o ditado em questão vem sendo visto com
cautela, e até sendo criticado duramente.
O exemplo acima é sugestivo de que o posicionamento do produtor, em relação
aos textos que retoma, considerando os novos contextos de uso, também
interfere na produção e construção de sentidos textuais. Como bem nos lembra
Bakhtin (2003), respondemos a enunciados anteriores tanto para aderir a sua
orientação argumentativa como para, no sentido inverso, contradizê-la. É nesse
sentido que percebemos que é relevante para o produtor de um texto planejar
formas para que a articulação intertextual do seu discurso seja interpretada
conforme seus objetivos, bem como para reforçar sua capacidade de ação.
73
3. 2 O conselho no percurso da intertextualidade
Na introdução, antecipamos a nossa preocupação de compreender o
funcionamento intertextual do conselho nas revistas femininas quando
elaboramos nossas perguntas de pesquisa.
As discussões apresentadas nos levam a crer que um caminho relativamente
seguro para se entender o conselho seja pela análise das suas marcas de
intertextualidade, uma vez que estas estão intimamente relacionadas com a
produtividade e a significação textual. Se a produção de um texto está associada
à seleção e à reconstrução de intertextos que apóiem as ações
sociocomunicativas, a leitura e a interpretação de um texto, por outro lado,
possuem uma estreita relação com a capacidade de se reconhecer ou recuperar o
intertexto (manifesto ou constitutivo), associá-lo a contexto(s) anterior(es) de uso
e identificar o objetivo do seu uso no novo contexto. É nesse sentido que
compreendemos que a intertextualidade é basilar na constituição de um gênero.
A intertextualidade é um processo que aponta para a heterogeneidade dos textos.
As diferentes formas de se integrarem os elementos dessa heterogeneidade,
considerando os diversos níveis de alteridade e relevância dados a esses
elementos pelo produtor, são indicadoras, do mesmo modo, de diferenças entre
gêneros.
74
Ao tratar mais especificamente representação do discurso
18
(em lugar do termo
mais conhecido por discurso relatado), processo de intertextualidade manifesta,
Fairclough (2001, p. 153) observa que:
Os tipos de discurso diferem não somente no modo como eles
representam o discurso, mas também nos tipos de discurso que eles
representam e nas funções do discurso no texto representador. Desse
modo, há diferenças no que é citado, quando, como e por quê, entre
sermões, ensaios científicos e conversações.
Ao procedermos à primeira leitura do nosso corpus, textos do gênero conselho,
percebemos algumas marcas recorrentes de intertextualidade, os quais decidimos
investigar por acreditarmos que essa recorrência poderia apontar caminhos para
compreender o funcionamento sociodiscursivo e textual do próprio gênero. Assim,
focalizamos nossa pesquisa no estudo da intertextualidade considerando a
representação do discurso e as relações entre gêneros.
Com a representação do discurso, face da intertextualidade manifesta, buscamos
identificar os discursos tipicamente representados nos conselhos, as escolhas das
formas de representação especialmente, os usos de verbos representadores
(verbos dicendi) e o papel da representação para a ação sociodiscursiva do
gênero.
com a investigação da Intertextualidade entre gêneros, face da
intertextualidade constitutiva, procuramos verificar os gêneros que se articulam
 
18
O autor adota o termo representação do discurso, pois o considera mais adequado à sua
proposta de estudo. Defende que, quando se ‘relata’ um discurso, o sujeito faz escolhas sobre
como representar esse discurso; e também muito mais que o registro dos aspectos formais desse
discurso, o sujeito ainda reelabora muitos outros aspectos do evento discursivo de que o discurso
se originou.
75
com o conselho em cadeias intertextuais
19
, considerando as formas e as funções
dessa articulação dentro dos processos de distribuição e de produção do gênero.
Consideramos, pois, que o exame do funcionamento intertextual de um gênero
precisa estar articulado com o estudo das suas práticas sociodiscursivas. Como
bem nos lembra Fairclough (2001), a situação social em que o enunciado ocorre e
a sua posição em relação aos enunciados que o precedem e o seguem devem
ser alvo de análise quando se deseja entender as práticas sociodiscursivas,
incluindo-se os neros do discurso. É nesse sentido que o contexto determina a
forma que um enunciado toma e os seus modos de interpretação.
Os gêneros são enunciados que se estabilizam a partir de usos típicos e situados.
As finalidades comunicativas, bem como as relações sociointerativas e históricas
entre indivíduos, contribuem para escolhas temáticas, composicionais e
estilísticas dos gêneros.
De acordo com as reflexões do Círculo de Bakhtin, não se pode compreender o
enunciado fora da situação extraverbal em que ele se constitui. Nessa linha de
pensar, Voloshinov (1976, p. 06) afirma:
Assim, a situação extraverbal está longe de ser meramente a causa
externa de um enunciado – ela não age sobre o enunciado de fora, como
se fosse uma força mecânica. Melhor dizendo, a situação se integra ao
 
As cadeias intertextuais o séries de tipos de textos, muito freqüentes em práticas
institucionais, que são relacionadas umas às outras, no sentido de que cada membro das séries é
transformado em outro ou mais, de maneira previsível e regular (cf. Fairclough, 2001). Exemplos
simples são os casos de depoimentos que se transformam em notícias; ou de exames
laboratoriais que se transformam em registros médicos; ou de consultas a especialistas que se
transformam em conselhos. Contudo, as cadeias intertextuais podem também assumir um nível
maior de complexidade, como os casos de cadeias em que entram textos de diplomacia e
negociação internacional de armas um discurso de um presidente pode ser transformado em
textos vários, em dimensão mundial, tais como reportagens, análises, comentários, chegando até
a artigos acadêmicos. É importante reforçar que a concepção de cadeias intertextuais tem como
foco a relação da intertextualidade com a transformação dos discursos.
76
enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua
significação. Conseqüentemente, um enunciado concreto como um todo
significativo compreende duas partes: (1) a parte percebida e realizada
em palavras e (2) a parte presumida.
Pelas palavras do autor, conclui-se que a produção e a interpretação de um
gênero estão associadas aos elementos que compõem a situação de interação
social. O conhecimento e a compreensão comum da situação daqueles que
interagem, considerando o horizonte espacial e temporal, bem como a sua
avaliação dessa situação, vão interferir nas formas de uso do discurso verbal.
Com isso, ressaltamos que o conselho é passível de ser compreendido e descrito
com base na análise das suas propriedades intertextuais, observadas na
confluência com suas práticas sociodiscursivo-textuais. Assim, nos capítulos que
seguem, o nosso enfoque está na análise das redes intertextuais associadas, em
especial, às práticas discursivas de distribuição e produção do conselho nas
revistas femininas. Nesse contexto, destacamos como tópicos de estudo:
(a) Intertextualidade entre gêneros nas revistas femininas o processo de
distribuição do conselho, Capítulo 2.
(b) Intertextualidade e construção das relações sociais do conselho a
representação do discurso, Capítulo 3.
(c) Intertextualidade entre gêneros e constituição discursivo-textual do
conselho, Capítulo 4.
77
Capítulo 2 - A intertextualidade e a dinâmica de distribuição do
conselho de auto-ajuda nas revistas femininas
Neste capítulo, objetivamos examinar, especificamente, o funcionamento intertextual
do conselho, considerando o processo de distribuição do gênero. Para tal,
apresentamos uma descrição das cadeias intertextuais das quais o gênero participa
nas revistas femininas (RFs), ou seja, uma descrição das séries de gêneros nos
quais é transformado.
Primeiramente, traçamos explanações sobre a mídia das revistas femininas como
contexto de distribuição do conselho. Na seqüência, identificamos relações
intertextuais do conselho com demais gêneros de circulação nessas revistas:
verificamos uma gama de gêneros que, em menor ou maior escala, mantém uma
relação de identidade com o conselho, buscando interpretar essa relação com base
na sua associação com as práticas sociodiscursivas de distribuição.
Com essa análise, identificamos os gêneros nos quais o conselho se transforma e as
formas e as funções dessas transformações. Considerar a incorporação intertextual
do gênero na constituição dos demais gêneros da mídia, é um caminho para
entender como o conselho se apresenta e circula nas revistas.
78
1. Considerações sobre a mídia das revistas femininas
Está claro que todo gênero mantém relações intertextuais com enunciados que o
antecedem e o sucedem. As relações de intertextualidade possuem níveis de
complexidade variáveis, sendo mais amplas ou menos amplas.
Tendo por base tais considerações, observamos que, em termos de distribuição, nas
RFs, o conselho não pode-se constituir em um gênero particular, como também
pode participar de cadeias intertextuais, mais, ou menos, estáveis, movimentando-se
e transformando-se para compor discursivamente outros gêneros. O estudo
intertextual pode nos revelar as rotinas de transformações e reprodução do
conselho, tanto do ponto de vista textual quanto do sociocomunicativo, num domínio
discursivo
1
específico, no caso em tela, na mídia das RFs.
Como exposto, ao escolher um gênero para interagir, o indivíduo escolhe uma
forma típica, reconhecida, de se posicionar socialmente, de se dirigir a e se constituir
um destinatário, de agir e se organizar em sociedade. Assim, o uso de um gênero
para interagir pressupõe estabelecer relações sociodiscursivas sobre o
funcionamento da língua numa interação, isto é, reconhecer o papel social que se
está a desempenhar numa dada situação comunicativa, analisar o papel social do
seu então interlocutor, ter em mente objetivos comunicativos predefinidos, observar
o contexto cultural e situacional no qual o gênero se constitui, bem como o lugar e o
momento histórico de distribuição, produção e consumo.
 
Usamos o termo domínio discursivo para nos referirmos a uma esfera de atividade humana, nos
moldes bakhtinianos. Essa designação, emprestamo-la de Marcuschi (2003a) que aponta que um
domínio indica instâncias discursivas: discurso jurídico, discurso religioso, discurso militar, discurso
acadêmico, entre outros. Para o autor, o domínio discursivo abrange diversos gêneros, e constitui
práticas discursivas nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros que às vezes lhe são
específicos como rotinas comunicativas.
79
Há possibilidades de um mesmo gênero apresentar diferenças de “padrões” de
acordo com o domínio discursivo no qual se constitui e circula. As diferentes formas
de apresentação e ão sociodiscursiva do gênero podem ser analisadas com base
na observação das suas cadeias intertextuais, as quais estão relacionadas a
diferenças existentes na organização social de cada domínio.
Como antecipamos na introdução deste trabalho, os textos que compõem o nosso
corpus foram coletados em RFs de circulação nacional dirigidas ao público de classe
média a classe baixa. Nessas revistas, o gênero assume alguns traços funcionais e
formais característicos que se associam ao tipo de prática sociodiscursiva que
constitui o discurso na mídia.
Na nossa concepção, o conselho, ao sair do universo do domínio privado, passou
por um processo de reestruturação sociodiscursiva, adaptando-se aos novos
padrões das práticas discursivas da mídia, nas RFs: o conselho usado no domínio
privado (da experiência cotidiana), na mídia, passa a compor as práticas discursivas
de um domínio público
2
, assumindo novo funcionamento sociodiscursivo.
3
No domínio privado, o conselho é uma prática sociodiscursiva tipicamente produzida
por pessoas que se conhecem e possuem alguma intimidade. Em linhas gerais, por
 
2
Fairclough (2001, p. 144) faz uma distinção entre as macrocategorias “domínio público” e “domínio
privado”, às quais nos referimos na nossa exposição. A primeira é considerada como o espaço
público dos eventos políticos (econômicos, religiosos, etc.) e dos agentes sociais, ao passo que a
segunda, como o espaço do “mundo da vida cotidiana”, da experiência comum.
3
Bakhtin (2003) trata da propriedade de transmutação dos gêneros quando aborda a questão
referente aos gêneros primários e secundários. Os neros primários são aqueles que se
constituíram em circunstância de uma comunicação verbal espontânea e que mantêm uma relação
imediata com as situações nas quais são produzidos, como, por exemplo, os tipos de diálogos orais
realizados em reuniões sociais e familiares; e os secundários são os que aparecem em circunstâncias
de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita:
artística, científica, sociopolítica. No momento da prática interativa, os gêneros primários poderão
compor os secundários, sendo incorporados por estes.
80
meio dela, um indivíduo expõe um problema normalmente de conteúdo particular e
solicita a seu interlocutor a indicação de como agir para resolvê-lo. Analisando o
problema, o então “conselheiro” aponta passos a serem seguidos para se chegar a
uma possível solução. A relação entre os interlocutores é de solidariedade. uma
leve assimetria nos papéis sociais estabelecidos: um indivíduo pede um conselho a
alguém que julga ter uma maior experiência sobre o tema a ser tratado; logo, o
“conselheiro” assume um papel de destaque na produção da interação, visto ser
alguém a quem é confiado avaliar uma situação e construir discursivamente modelos
de comportamento social segundo sua identidade social, seus conhecimentos e
suas crenças. Ocorrem também situações em que um indivíduo se posiciona como
“conselheiro” e tenta aconselhar um outro alguém, que não solicitou sua “ajuda”, a
resolver algo. Normalmente, esse tipo de interação não é vista como muito aceitável,
e, nessas circunstâncias, é comum o apoio ao dito popular “se conselho fosse bom,
não se dava, se vendia” para encerrar a interação.
Em gêneros familiares e íntimos, como é o caso do conselho no mundo da vida
cotidiana, o destinatário é normalmente percebido fora do âmbito da hierarquia
social e das convenções sociais, o que gera um discurso especialmente franco. O
grau de proximidade pessoal do destinatário em relação ao falante é grande; assim,
“o discurso íntimo é impregnado numa profunda confiança no destinatário, em sua
simpatia na sensibilidade e na boa vontade de sua compreensão responsiva”
(Bakhtin, 2003, p. 304).
Na mídia, o conselho sai do domínio privado, sendo reestruturado. Agora, o nero
passa a constituir uma interação social entre indivíduos que não mais possuem uma
relação de tamanha familiaridade: produtor e consumidor não se conhecem
81
intimamente. Nesse contexto, em geral, o conselho é muito mais dado’ ou ‘vendido’
do que pedido’. No exemplo (02), verificamos essa tendência de reorganização
discursiva.
(02)
Mãe e pai ao mesmo tempo- Revista Malu, 154
82
Em (02), constatamos que é o produtor do texto que tem o papel de predeterminar e
selecionar o conteúdo temático alvo do seu discurso, o qual julga ser um “problema
social” a ser resolvido via indicações de suas orientações: a criação de filhos sem o
apoio do pai, já expressa no título. A relação entre produtor e consumidor parece ser
solidária e não-avaliativa: logo no início do texto, o produtor coloca-se ao lado do
destinatário (mãe), amenizando possíveis “maus encaminhamentos” dessa leitora-
mãe na educação de seu filho “Educar um filho é uma tarefa desafiadora, imagine,
então, quando a responsabilidade recai somente sobre a mãe”. Contudo, essa
relação baseia-se num alto grau de assimetria: o “conselheiro” recorre a estratégias
discursivas de estabelecimento de autoridade e credibilidade, como a referência à
fonte - livro “Criando filho homem sem a presença do pai para marcar a tal posição
social. Além disso, abre pouco espaço ou quase nada para a contrapalavra do seu
destinatário, construindo discursivamente modelos de comportamentos sociais (que
as pessoas devem ser, aspirar e fazer respectivamente, no texto (02), “seja firme,
não volte em suas decisões só para agradá-lo”, “você também pode bancar a
heroína”, ‘ouça os sentimentos do seu filho e ajude-o a encontrar palavras para se
exprimir.’ ”) com base, muitas vezes, na representação do discurso de especialistas,
“do psicólogo Richard Bromfield e da terapeuta de casal Chelry Erwin”
4
.
É de se perceber que, na mídia das RFs, o processo de distribuição do conselho
torna-se mais complexo: de uma distribuição simples, restrita ao contexto imediato
de situação em que ocorre, passa para uma distribuição de maior abrangência,
podendo chegar a diferentes domínios institucionais. Isso, dentre outras coisas,
implica novas relações e processos de produção e consumo textual.
 
4
A título de exemplificação, ver também, no Capítulo 3, a análise das formas e funções da
representação discursiva de vozes sociais.
83
Como bem observa Fairclough (2001, p.143) ao tratar da mídia jornalística no âmbito
de notícia, atualmente esta se encontra numa atividade de grande competição para
“recrutar” consumidores em um contexto de mercado no qual vendas e índices são
determinantes para a sobrevivência. Isso também se aplica à mídia das RFs em foco
e, em conseqüência, aos conselhos que estudamos. Nesse caso, a construção
discursiva de “padrões” de consumidores, o que envolve a construção de tipos de
posicionamento e relações sociais entre produtores e consumidores, contribui para
se manterem as vendas e os índices almejados.
Verificamos que as revistas destinadas ao público feminino são espaços
privilegiados de distribuição de textos de aconselhamento (cf. Adam, 2001; Heberle,
2004; Rosa 2003). Nesse contexto, a capa da revista feminina funciona como porta
de entrada no universo discursivo-textual do gênero conselho. O Quadro 1
apresenta, a título de exemplificação, alguns exemplares das capas de RFs
consultadas.
Quadro 1 – Exemplares das capas de RFs
5
Amiga – sempre ao seu lado
A semana em Ana Maria
 
5
As personalidades das capas de RFs: Ivete Sangalo (Amiga); Suzana Vieira (Ana Maria); Eliane
Giardini (Mais Feliz); Ana Paula Padrão (Malu); Chimbinha e Joelma (Viva); Grazi (Mulher); e Adriane
Galisteu e Roger (7 dias com você).
84
Mais Feliz – sua amiga de todas as horas
Malu – dia-a-dia com você
Viva – para mulher que se ama
Mulher dia-a-dia – sua amiga de todos os dias
7 dias com você – sua amiga de sempre
85
Primeiramente, notamos que os nomes das revistas evidenciam elementos da
construção da imagem dos consumidores. Observamos que o uso de substantivos
próprios, como “Ana Maria” e “Malu”, ou de substantivo comum, “Mulher”, nos nomes
das revistas aponta para um público leitor feminino. Nas suas designações, algumas
delas ainda se autodenominam amigas” da leitora (“Revista Amiga”, “Mais Feliz
sua amiga de todas as horas”, Mulher dia-a-dia – sua amiga de todos os dias”, 7 dias
com você sua amiga de sempre”). O que pressupõe que a leitora é alguém que
busca interagir com um produtor “amigo” ao ler os textos da revista. Como pista
lingüística da construção da imagem e das relações revista/consumidor, também
observamos o uso dos adjuntos adverbiais de tempo “sempre”, “todas as horas”,
“dia-a-dia”, “todos os dias” para indicar a idéia de que a amizade” oferecida é
marcada pela presença forte na vida da leitora, pelo companheirismo. Isso aponta
que a leitora pode usar a revista para afastar-se da solidão.
Pela análise da capa, também podemos perceber outras informações sobre a leitora
idealizada que a revista deseja atingir, leitora essa que será alvo dos conselhos. A
Tabela 1 apresenta as personalidades públicas presentes nas capas das revistas
como figuras de maior destaque.
Tabela 1 - Figuras destacadas nas capas de RFs
Figuras nas capas Qt. %
Figura feminina 16 66,7
Figura de casal 06 25,0
Figura masculina 02 8,3
Total 24 100
Os exemplares de revistas pesquisados retratam, em sua maioria, como figura de
destaque, a mulher, jovem ou jovem senhora, por meio da imagem de artistas em
86
evidência na mídia
6
: atrizes de novela, apresentadoras de tv, participantes do
programa de tv Big Brother Brasil
7
e cantora de música popular, ao passo que outros
poucos retratam casais de artistas heterossexuais ou apresentadores homens de
programas de tv. Os exemplos apresentam informações sobre os dados:
(03) (04)
(05) (06)
 
6
Seguem os nomes das personalidades capa-de-revista: atrizes de novela Cleo Pires, Malu Mader,
Christiane Torloni, Paula Burlamaqui, Suzana Vieira, Camila Rodrigues, Eliane Giardini, Adriana
Esteves, Cissa Guimarães, Débora Secco; participantes do programa de tv Big Brother Brasil -
Sabrina, Grazi; cantora de música popular Ivete Sangalo; apresentadores de programas de tv
Daniela Cicareli, Ana Paula Padrão, Gustavo Liberato, Angélica, Clodovil; casais de artistas
heterossexuais Alexandre Borges e Júlia Lemmertz, Grazi e Alan, Joelma e Chimbinha, Adriane
Galisteu e Roger.
7
Programa exibido pela Rede Globo no qual participantes selecionados em meio a pessoas “comuns”
disputam, numa espécie de gincana, um prêmio de um milhão de reais. No programa, os
participantes, confinados numa casa-estúdio, são filmados 24 horas por dia, e todos os seus passos
são acompanhados pelos telespectadores.
87
Em (03), vê-se a apresentadora de programas de TV, Angélica, recém-casada; em
(04), a atriz Christiane Torloni, naquele momento, atuando em novela; em (05), o
mais recente casal de ex-big brothers, Grazi e Alan; em (06), o apresentador de tv
Gustavo Liberato, que trabalha com público feminino.
Segundo Heberle (2004), uma leitura multimodal das capas pode revelar
características do público ao qual se destina. No caso das revistas estudadas, o
público alvo parece ser a leitora que se interessa pela indústria cultural televisiva
(novelas, seriados, programas de auditório, entre outros); está na faixa etária dos 20
aos 40 anos; e é heterossexual.
Essas revistas tentam passar para as leitoras a imagem de que aquelas “mulheres-
capa de revista” têm sucesso pessoal e profissional: nas fotografias, estão
sorridentes, bem vestidas, com o penteado “impecável” e, muitas vezes,
acompanhadas da figura masculina, como nos mostram as capas (03), (04) e (05).
Para McCracken (1993, apud Heberle, 2004), o título, os tons, as cores, as imagens
de beleza e sucesso servem para posicionar as leitoras favoravelmente ao conteúdo
da revista.
Nos seus estudos sobre as relações de discurso e poder, Fairclough (1989) destaca
os efeitos construtivos do discurso e as suas relações com o exercício do poder.
Dentre outras teses, o autor defende que o discurso é um lugar onde as relações de
poder são atualizadas e legitimadas. Para o estudioso, os meios de comunicação de
massa são espaços privilegiados de exercício de poder, mesmo que essas relações
sejam veladas. Por exemplo, o controle das relações e dos posicionamentos sociais
88
dos sujeitos – as posições que podem ocupar, quem pode aconselhar e quem
precisa ser aconselhado – é uma forma de se exercer esse poder
8
.
Assim, sendo o discurso da mídia destinado a uma audiência de massa, os
produtores endereçam seu discurso a um “sujeito ideal” (telespectador, leitor ou
ouvinte). Nesse caso, uma construção de posições de sujeitos e estilos de vida
ideais, nos quais os consumidores” muitas vezes são conduzidos, com base no
discurso, a se enquadrar.
O efeito do poder da mídia é cumulativo, trabalha com a repetição de formas
particulares de tratamento e ação, formas particulares de posicionamento de leitores,
assim em diante. Tratando-se, por exemplo, do posicionamento dos leitores, o
discurso da mídia está apto para exercer uma poderosa influência na reprodução
social, tendo em vista a grande penetração da mídia moderna e o alto nível de
exposição da população a uma produção relativamente homogênea
9
.
Verificamos que, nas RFs, o gênero conselho mantém uma relação de
intertextualidade com vários outros gêneros, entrando, em maior ou menor escala,
na constituição discursiva destes. Em geral, a intertextualidade de conteúdo e a de
ação social
10
são bastante recorrentes quando se trata desse tipo de relação do
conselho com demais gêneros do discurso.
 
8
No Capítulo 3, no item 1. Aspectos envolvidos na produção e no consumo do conselho: construção
das relações sociodialógicas, esse tópico será mais discutido.
9
Todavia, é importante dizer que Fairclough (1989) compreende que o poder da mídia o se faz de
forma mecânica, as pessoas também negociam suas relações e posições sociais.
10
Usamos o termo intertextualidade de ação para nos referirmos às relações de identidade que textos
mantém entre si, considerando-se suas aproximações sociodiscursivas; o intertextualidade de
conteúdo, ao observar as aproximações temáticas; e intertextualidade de forma, as composicionais. É
importante reforçar á complexidade do fenômeno da intertextualidade e, portanto, notar que essas
distinções não são representam categorias rígidas e estanques.
89
É importante dizer que o aconselhamento, enquanto ão sociodiscursiva presente
nessa diversidade de gêneros, contribui não para a construção das relações
sociais nas RFs, mas também para a formação da opinião pública, na medida em
que “conselheiros sociais” constroem discursivamente versões sobre como as
pessoas devem pensar e agir. Logo, não deve causar espanto o fato de que o ato de
aconselhar, enquanto elo que relaciona intertextualmente uma gama de gêneros,
esteja em evidência no domínio discursivo da mídia.
2. A diversidade de gêneros na ação de aconselhar
Como mencionamos, nas RFs, o conselho apresenta-se como elemento de
constituição de diversos gêneros. Quanto à relativa estabilidade dessa incorporação
intertextual do conselho aos demais gêneros, observamos dois processos, os quais
tomamos como elemento de análise:
a) incorporação pica as cadeias intertextuais, nas quais o conselho se
transforma, são mais estáveis em gêneros como capas de revista, editoriais e
horóscopos. Nesse caso, o conselho faz parte da constituição discursivo-
textual típica desses gêneros; e
b) incorporação eventual - as cadeias intertextuais, nas quais o conselho se
transforma, são mais instáveis em matérias
11
jornalísticas, tais como
reportagens e entrevistas. Nesse caso, o conselho pode compor
ocasionalmente a constituição discursivo-textual desses gêneros.
 
11
Entende-se a acepção de “matéria” como qualquer texto jornalístico (cf. Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa, 2001).
90
A seguir, analisaremos as cadeias intertextuais do conselho, segundo as categorias
citadas.
I. Conselho como elemento típico da constituição da cadeia intertextual de um
segundo gênero
Identificamos que, no processo de distribuição textual, o conselho mantém uma
típica relação intertextual com alguns gêneros nas RFs. Essa recorrência intertextual
aponta para a produtividade e para a construção dos sentidos dos neros que
circulam nesse domínio, visto que o conselho passa a se configurar como elemento-
chave da sua constituição discursivo-textual. Nessa perspectiva, analisaremos as
cadeias intertextuais que o conselho mentém com os gêneros capa de revista,
editorial e horóscopo.
Capa de revista
Antecipamos que o funcionamento discursivo da capa das RFs tem um papel
importante na construção de identidades e posições sociais das leitoras: a revista
constrói semioticamente a representação de um ideal de mulher. Com essa
construção, a capa contribui para posicionar as leitoras favoravelmente ao conteúdo
da revista. O conselho participa da composição organizacional típica das capas, as
quais se valem dos seus títulos, dentre outros propósitos, para anunciar o conteúdo
temático da revista. A Tabela 2 evidencia, considerando os exemplares do nosso
corpus, o número de conselhos anunciados em capas de RFs.
Tabela 2 – Títulos dos conselhos nas capas de RFs
Títulos dos Conselhos Qt. %
Não anunciados em capas 40 58,8
Anunciados em capas 28 41,2
Total 68 100
91
A tabela nos mostra que aproximadamente 40% dos títulos dos textos (gênero
conselho) coletados está registrada nas capas. Situados onde se anunciam as
“matérias de venda” das revistas, alguns desses títulos de conselhos funcionam
como manchetes (53,6 %), sendo sua fonte e localização mais valorizada que as de
outros títulos que figuram numa mesma capa; outros títulos de conselhos, com
menor destaque, também compõem as capas (56,4%), contribuindo igualmente para
a sua organização discursivo-textual. Nos exemplos
12
adiante, apresentamos capas
com títulos de conselhos:
(07) (08)
 
12
Referência aos exemplos: Revista Mais Feliz, 150; Revista Mulher, 7; Revista Ana Maria, 452;
Revista Malu, 154; respectivamente.
92
(09) (10)
Nos exemplos (07), (08), (09) e (10), destacamos graficamente com o círculo e o
retângulo, o anúncio de alguns conselhos publicados nas edições. Os títulos:
(Em 07) Casamento perfeito - a receita para viver um romance de novela,
como o de Heloísa e Gustavo em A Lua me Disse
(Em 08) Lição de conquista! Aprenda com as estrelas da novela América
(Em 09) 25 lições de amor dos famosos - casais felizes como Alexandre
Borges e Júlia Lemmertz contam como manter o clima gostoso de começo
de namoro
(circulados em branco) são manchetes. Esses títulos estão em destaque em relação
aos de outros gêneros: multicoloridos; com fontes variando de tamanho, mas
normalmente maiores do que as dos demais títulos; posicionados à esquerda, à
(a)
(b)
93
direita ou ao centro (conforme padrão gráfico de cada revista
13
), funcionam como
grandes “chamadas” que direcionam e atraem a atenção da leitora. Já os títulos:
(Em 07) Como falar de sexo com as crianças
(Em 08) Experimente dar a volta por cima depende de você
(Em 10) (a) Mãe solteira: como criar um filho sem a presença do pai
(Em 10) (b) Como sobreviver a um amor à distância
(enquadrados em preto), com fontes em menor tamanho; situados, em geral, na
parte inferior ou superior da capa, podendo ainda aparecer nas suas laterais; em
alguns casos, marcados por um fundo colorido, também antecipam o conteúdo da
revista e anunciam os textos de conselho que a compõem.
Pelo exposto, verificamos que o conselho transforma-se e passa a participar da
constituição das capas, mantendo com estas uma relação intertextual bem marcada
textualmente pelo recurso à retomada de títulos. A análise comparativa de como os
títulos dos conselhos figuram nas capas, títulos de capa (TCs), e como figuram nos
textos do interior das revistas, títulos de interior (TIs), apresenta informações sobre a
produtividade dessa relação intertextual entre gêneros.
No que diz respeito ao conteúdo veiculado, observamos que tanto na capa quanto
no interior das revistas há uma grande identidade temática entre os títulos:
 
13
Revista Amiga: esquerda-inferior; Revista Ana Maria: esquerda-superior; Revista Mais Feliz: centro-
inferior ou esquerda-inferior; Revista Malu: direita-centro; Revista Mulher: esquerda-inferior; Revista
Viva: centro ou centro-inferior; Revista 7 dias: esquerda-inferior.
94
Revista
Títulos de capa
Títulos de interior
(11)
Mulher, 7
12 dicas para dar um show de
sedução!
Show de sedução
(12)
Malu, 154
Como sobreviver a um amor à
distância
Amor à distância
(13)
Viva, 304
Teste - Você confia no seu taco?
Afinal, você bota fé no
seu taco?
(14)
Mulher, 7
Ciúme - um pouco é bom, mas
demais estraga - veja se isso está
acontecendo com você!
Tempero demais
estraga
(Grifo nosso)
A seleção lexical dos títulos está bastante compatível: em (11) e em (12), há no título
de capa (TC) uma retomada integral do título de interior (TI) (“show de sedução”,
“amor à distância”, respectivamente); em (13) e em (14), parte do TI é retomada
no TC (“no seu taco”; “demais estraga”, na seqüência), ocorrendo substituições
sinonímicas de algumas palavras - nos referidos exemplos, na substituição, houve a
seleção de palavras de sentido, menos metafórico, porém aproximado (“botar fé”
substituída por “confiar”; “Tempero”, por “ciúme”).
Observamos também que, nos TCs, normalmente quando manchetes, e nos TIs, de
forma geral, é comum a ocorrência de referências a imagens presentes na capa ou
no texto do interior da revista. Desse modo, uma integração do texto verbal ao
não-verbal de forma complementar, reforçando-se elementos do conteúdo
apresentado, o tema tratado e experiências particulares das pessoas sobre o tema:
95
(15)
Capa
Ana Maria, 452
TC: 25 lições de amor dos famosos - casais felizes como
Alexandre Borges e Júlia Lemmertz contam como manter o clima
gostoso de começo de namoro
Texto interno
TI: Felizes para sempre
96
(16)
Capa
Mais Feliz, 134
TC: Danniella Cicarelli - Como dar a volta por cima após a
separação
Texto Interno
TI: Elas deram a volta por cima
97
Em (15), a expressão “lições de amor dos famosos” faz uma correlação com a
imagem do casal de artistas que figura a capa, o qual é nomeado mais adiante como
exemplo de casal em harmonia: “casais felizes como Alexandre Borges e Júlia
Lemmertz”. Isso ocorre de forma semelhante com o título do interior da revista, no
qual a expressão “felizes para sempre” refere-se não apenas ao casal de capa, mas
a todos aqueles que foram entrevistados cujos discursos são citados no texto,
muitos deles acompanhados por uma imagem fotográfica. Em (16), observa-se a
correlação direta do nome de “Danniella Cicarelli” com a imagem de capa, e no
interior da revista, no título, o pronome “elas” retoma não apenas a imagem de capa,
Danniella Cicarelli, mas também a da professora Silmara Mendes. Os títulos, assim,
associam o verbal ao não-verbal, integrando informações com base nas duas
linguagens, o que dinamiza a leitura e atrai a atenção da leitora.
Do ponto de vista da sintaxe da oração, verificamos que apenas um título, “Traição:
perdoar ou não?”, es expresso verbalmente, idêntico na capa e no interior da
revista; os demais apresentam modificações textuais:
Capa Interior
Revista
Seção
TC TI Subtítulo
(17)
Mulher, 8
Conquista
Sedução - armas
de conquista da
mulher madura -
descubra quais
são e como usá-
las
A sedução
depois dos 40
O passar dos anos
oferece atributos
interessantes. Descubra
quais são eles e como
usá-los
(18)
Malu, 165
Filhos
TV liberada para as
crianças? Use as
cenas das novelas
para falar com os
seus filhos sobre
pedofilia,
deficiência...
Tevê na hora
errada
As crianças adoram
assistir à novela e
enchem os pais de
perguntas. E, aí, está
preparada?
98
Capa Interior
Revista
Seção
TC TI Subtítulo
(19)
Amiga, 7
Trabalho
Trabalho - tome a
iniciativa e
conquiste seu
espaço
Tenha mais
iniciativa
Hoje esta é uma das
atitudes mais
apreciadas nas
empresas. Se você
acha que não pode
fazer nada diante das
situações, coragem!
Ponha-se em ação e
uma guinada em seu
desempenho para
melhor
(20)
Mulher, 7
Romance
Romance - não
tenha medo de
recomeçar!
Vida nova. E
pra já!
Você tem todo o direito
de amar outra vez. Não
perca tempo sofrendo!
(21)
Malu, 171
Filhos
Dia das crianças - a
astrologia ajuda
você a lidar com os
filhos de cada signo
Eduque com
uma
mãozinha da
astrologia
A astróloga Sandra
Perin pistas
importantes de como
você deve lidar com as
crianças de cada signo
Os TCs integram elementos resgatados dos títulos, e também do subtítulo do texto
interno. Em (17), por exemplo, no TC “Sedução - armas de conquista da mulher
madura - descubra quais são e como usá-las”, a palavra “sedução” presente no TI é
retomada, e a expressão descubra quais são e como usá-las” também é retomada,
por paralelismo, do subtítulo, onde se “Descubra quais são eles e como usá-los”.
em (18), no TC “TV liberada para as crianças? Use as cenas das novelas para
falar com os seus filhos sobre pedofilia, deficiência...”, “TV” é uma abreviação de
“Tevê”, palavra registrada no TI; “crianças” e “novela” também constam no TI; de
forma semelhante, a seleção lexical “filhos” e “para falar” tem relação complementar
com a seleção “pais” e “perguntas” do TI.
Além da integração do TI e do subtítulo, no TC ainda casos de incorporação do
nome da seção da revista em que o TI está publicado (19), “Trabalho”, (20),
“Romance”, e também de datas comemorativas referentes ao período em que a
99
edição foi lançada, (21), “Dias das crianças”. Com essa integração,
conseqüentemente, amplia-se o teor informativo dos títulos das capas, o que pode
ser interpretado como um recurso para melhor apresentar o “produto” a ser
comprado pelo consumidor, a própria revista.
Os TCs são, pois, tipicamente mais longos do que os TIs, organizados,
normalmente, por uma ou mais de uma oração. No interior da revista, os títulos
oracionais e nominais
14
figuram em quantidade eqüitativa, e apresentam-se de forma
mais sucinta, visto que o subtítulo, que normalmente os segue, tem o papel de
ampliar as informações do TI.
É interessante notar a natureza dos verbos das orações de ambos os títulos, TCs e
TIs: os verbos de ação são selecionados em quase todas as ocorrências
15
. Nos TCs,
o presente do imperativo e a forma nominal do infinitivo são recorrentes, ao passo
que, nos TIs, o presente do indicativo e o presente do imperativo estão em maior
número:
Revista TCs
(22)
Ana Maria, 463
Xô, ninfeta - mostre a ele que você vale por duas
Lurdinhas
(23)
Malu, 169
Abra seu próprio negócio - consultor do Sebrae dá
dicas para você começar a ganhar dinheiro já!
(24)
Ana Maria, 469 13 dicas para criar filhos vencedores
(25)
Mais Feliz, 141
O segredo para manter seu homem apaixonado por
você
(26)
Malu, 154
Mãe solteira: como criar um filho sem a presença do
pai
(27)
Mais Feliz, 150 Como falar de sexo com as crianças
 
14
Considerando os 68 textos coletados, gênero conselho, 94,12% possuem títulos, ou seja, 64 textos.
Dos 64 textos com títulos, 54,69% são títulos oracionais e 45,31%, nominais.
15
Considerando a oração principal do primeiro período de cada título, temos, em TCs, 100% de
verbos de ação e em TIs, 91,43%.
100
Revista TIs
(28) Malu, 154
A astrologia uma mãozinha quando o assunto é
paixão!
(29) Mulher, 8 Você sabe ser feliz?
(30) Ana Maria, 468 Encontre o seu melhor
(31) Malu, 165 Saia do vermelho!
(32) Mulher, 8 Caia na real
Nos TCs e nos TIs, o uso do imperativo, em (22), (23), (30), (31) e (32), funciona
como um convite à leitora para a ação: os sujeitos das orações que têm como
nucleares os verbos “mostre”, “abra”, “encontre”, saia” e “caia”, são desinenciais,
uma referência às leitoras da revista às quais as propostas das atividades expressas
pelos verbos são sugeridas.
Nos TCs, o verbo no infinitivo estrutura orações adverbiais de finalidade (25) e de
modo (26) e (27), essas orações reforçam a idéia de objetivos a se atingir e formas
de se proceder para chegar a tais objetivos, respectivamente, contribuindo para
enfatizar a noção de que a leitora da revista terá em mãos fórmulas ou soluções
para fazer algo, ou resolver algo. Essa marcação textual é um indicativo de que a
linha persuasivo-argumentativa da revista tem associações com a venda de
“soluções”.
Também observamos que nas capas uma tendência à manutenção ou ao
acréscimo do tom exclamativo das frases que compunham os tulos dos textos do
do interior das revistas:
101
Revista
TCs
TIs
(33)
Malu, 165
Sexo quente - Solte a Creusa
que existe em você !!!! Vire a
cabeça do seu homem
Solte a Creusa que
existe em você!
(34)
Malu, 171
Cheinha e feliz - conselhos das
gordinhas da tevê, que se
sentem lindas!!!
Gordinhas felizes
(35)
Mulher, 7
12 dicas para dar um show de
sedução!
Show de sedução
(36)
Viva, 297
Você tem carisma? - teste revela
o seu poder de brilhar - Os
passos para chegar e arrasar!
Carisma: esse algo mais
faz a diferença
No exemplo (33), o TC resgata o tom exclamativo do TI ao mesmo tempo que o
enfatiza com a repetição do sinal de exclamação “!!!!”; em (34), o acréscimo
enfático do tom exclamativo pelo mesmo recurso; em (35) e em (36), verifica-se
apenas o acréscimo da marca de exclamação. Para nós, esse recurso ao uso de
frases exclamativas nos TCs funciona como mais uma forma de apelo à emoção e à
atenção da leitora.
Pelo exposto, a relação de intertextualidade do conselho com a capa favorece, além
de uma antecipação do conteúdo da revista e do conteúdo do conselho que nela é
distribuído, a “venda” desse conselho como um “produto” articulado à
comercialização da própria revista.
Editorial
Nas RFs pesquisadas, os editoriais localizam-se logo após a capa, entre a e a
folha, normalmente, junto ao sumário, ocupando cerca de 1/3 da página; alguns
deles são nomeados (“Da Redação”, revista Ana Maria; “Bate papo com a redação”,
102
revista Malu; “Querida leitora”, revista Viva; “Início de conversa”, revista 7 Dias com
você) e acompanhados de títulos, outros não são nomeados, porém contêm títulos
na sua organização textual.
Os editoriais são assinados pela redatora ou editora-chefe, pela responsável pelo
atendimento à leitora, pela coordenadora editorial ou pela diretora da redação, cuja
foto, nome e credencial, normalmente, acompanha a publicação do texto, meio de
marcar autoria que contribui para dar credibilidade ao discurso.
Possuem, contudo, um estilo bem pessoal pelo qual se verifica a tentativa de
aproximação da revista com a leitora. Isso pode ser observado lingüisticamente
pelas formas de tratamento antecipadas nos seus nomes, “Querida leitora”, revista
Viva, ou no corpo do texto “Queridas leitoras, nessa semana, (...)”, revista Malu, 169,
bem como pelo recurso às finalizações amistosas, como “Boa semana e fique com
Deus”, Revista Ana Maria, ou “Beijos enormes”, Revista Viva.
Os editoriais, assim como as capas, nas RFs, também compõem cadeias
intertextuais com o conselho, como nos indica a Tabela 3:
Tabela 3 – Editoriais constituídos por conselhos
Editoriais Qt. %
Constituídos por conselhos 12 50
Não constituídos por conselhos 12 50
Total 24 100
Como observamos na introdução desta Tese, selecionamos preliminarmente 24
exemplares de editoriais (um de cada revista consultada). Ao analisá-los, verificamos
que metade deles mantinha uma relação de intertextualidade com o conselho e,
portanto, coletamos essa amostra de 12 textos para compor o nosso corpus.
103
Constatamos que essa relação do editorial com o conselho ocorre tipicamente de
duas formas:
a) pela menção ou pela referência explícita a alguma matéria de
aconselhamento presente na revista; e
b) pela transmutação formal do gênero
16
, ou seja, o editorial é organizado,
do ponto de vista discursivo-textual, pela estrutura composicional do
conselho.
O editorial normalmente apresenta o posicionamento ideológico da linha editorial à
qual a revista, ou o jornal, está vinculada(o), sobre os fatos e temas tratados, sendo
enquadrado por muitos estudiosos como um gênero do jornalismo opinativo, tal
como crônica, carta, artigo, resenha e coluna. Embora seja um “gênero de opinião”,
justamente por circular na esfera jornalística, historicamente vinculada à divulgação
da informação, o editorial não deixa de também informar e relatar (cf. Souza, 2006;
Marques de Melo, 2003).
Outra característica discursiva do gênero editorial, também largamente aceita, é que
este normalmente dialoga com aquelas produções textuais estrategicamente
destacadas pela mídia, que compõem o “acervo” do jornal ou da revista, e, nesse
diálogo, além de antecipar o conteúdo que será tratado, apresenta uma
interpretação avaliativamente marcada sobre o “dito”. Nesse caso, temos, mais que
um editorial de opinião, um editorial de apresentação. É nesse sentido que os
editorais, em RFs, dialogam com os conselhos que são publicados nos exemplares
de cada revista. Esse diálogo abarca uma forte relação de intertextualidade de
conteúdo, como podemos ver no editorial “O grande amor”:
 
16
Intertextualidade entre gêneros.
104
(37)
Revista Mais Feliz, 150
105
Em (37), o conselho intitulado “A receita do grande amor”, texto base, tem o seu
conteúdo apresentado e comentado no editorial “O grande amor”. Essa
apresentação, do ponto de vista formal, ocorre com base em alguns processos de
retomada lingüístico-semântica do texto anterior:
a) Supressão do título do conselho o título do editorial é uma redução do
título do conselho publicado no interior da revista. Embora, no título, o
substantivo “amor” esteja determinado por um artigo, no corpo do editorial
não se define ou determina a concepção do que seja um grande amor, mas
retoma-se a idéia do título do texto do interior da revista ao se tratar sobre
“receitas” e “regras” para escolha dos parceiros.
b) Comentário do tema no início do texto, resgatam-se informações do texto
base. uma adesão às idéias retomadas, visto que se percebe a
manutenção da linha argumentativa inicial, como nos mostram os trechos
grifados em negrito:
Editorial Texto base
“Dizem que o existe receita para um
relacionamento dar certo. Pode ser. Mas
algumas regrinhas básicas valem para
todo mundo. Começa pela escolha do
parceiro.
(...)
No entanto, ao encontrar, se apaixonar
não é o mais difícil. O professor Ailton
Amélio da Silva (...) afirma
categoricamente que o mais difícil
mesmo é manter o namoro ou
casamento.”
Tudo começa pela escolha do parceiro,
que já é meio caminho andado para a relação
dar certo (...) As pesquisas evidenciam que o
casamento entre pessoas com o mesmo perfil
tem mais chance de dar certo.”
(...)
Para Ailton Amélio, o ‘x’ da questão nos
relacionamentos não é como encontrar um
grande amor, mas sim, como manter o
relacionamento.
(grifo nosso)
c) Referência à fonte citada no texto base O conselho publicado no interior
da revista é escrito com base na pesquisa realizada pelo especialista,
106
professor Ailton Amélio da Silva; desse modo, ao longo do texto, além da
referência às suas credenciais, observa-se a constante representação do
seu discurso; no editorial, igualmente, uma referência às credenciais do
especialista, sintetizando-se informações do texto de base, e ocorre
também a citação de trechos do discurso que estão representados no texto
do interior da revista:
Editorial Texto base
“O professor Ailton Amélio da Silva, do
Instituto de psicologia da Universidade
de São Paulo, estuda relacionamentos
amorosos 15 anos, e afirma
categoricamente que o mais difícil
mesmo é manter o namoro ou
casamento.”
“O psicólogo Ailton Amélio da Silva, professor
do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo e fundador do Centro de Estudos da
Timidez e do Amor, pesquisa há 15 anos os
relacionamentos amorosos.”
d) Anúncio da matéria de aconselhamento “ele algumas dicas de como
fazer isso na reportagem A Receita do Grande Amor”.
e) Comentário avaliativo sobre o processo de leitura “Mas que você vai
gostar de ler – e aproveitar as deixas -, isso vai.”
É interessante notar, ainda, a articulação intertextual entre os tulos de capa
17
do
editorial e do conselho:
Título da capa
Título do editorial
Título do conselho
Casamento perfeito - a receita para viver um
romance de novela, como o de Heloísa e
Gustavo em A Lua me Disse
O grande amor
A receita do grande amor
 
17
O exemplo (07) apresenta a referida capa.
107
uma “venda” do conselho: na capa, é anunciado com destaque; no editorial, é
comentado como pico único e central; no interior da revista, enfim, é publicado.
Paulatinamente o conselho vai sendo introduzido na revista e a sua leitura também
vai sendo seqüencialmente orientada com algo importante, que mereceu destaque
da edição, e agradável, segundo comentários da linha editorial.
Do mesmo modo, no editorial (38), vimos o objetivo da apresentação do conteúdo da
revista pelo qual uma série de matérias é anunciada, inclusive a de um conselho:
(38) (a) Editorial
Revista Malu, 169
108
(b) Conselho (trecho)
Ele merece uma segunda chance? - Revista Malu, 169
No exemplo (38), o conselho é um dos gêneros referidos no editorial, dentre muitos
outros. O texto “Ele merece uma segunda chance?” é retomado e o seu conteúdo é
antecipado para a leitora. No trecho do editorial (38) (a),
“Agora, se o seu marido pisou na bola e você não sabe se deve dar uma
segunda chance para ele, na matéria da gina 27, encontrará as respostas
que precisa: um time poderoso de três psicólogas o ajudá-la a tomar a
melhor decisão!
verificam-se algumas marcas de intertextualidade que revelam as transformações
que um conselho apresenta ao servir de elemento composicional do editorial:
109
Primeiramente, o título do conselho, (38) (b), “Ele merece uma segunda chance?,
frase interrogativa, é retrabalhado no editorial pela oração adverbial condicional “se
(...) você o sabe se deve dar uma segunda chance para ele”, permanecendo a
idéia de questionamento e dúvida. Em seguida, faz-se uma referência explícita ao
texto, (38) (b), “matéria”, e à página em que se situa na revista, “27”, favorecendo
sua localização para a leitura relevante dizer que, nessa revista, não sumário,
logo o editorial assume também a função de orientação da leitora para a localização
dos textos de “interesse” da revista.
Também, por paráfrase, o propósito de “ajudar”, “orientar”, do conselho é retomado:
em (38) (b), lê-se “Três psicólogas ajudam você a decidir sobre isso” e, em (38) (a),
“vão ajudá-la a tomar a melhor decisão”. Finalmente, retomam-se as referências
citadas no texto do interior da revista, “três psicólogas especialistas em terapia de
casais”, pela expressão “um time poderoso de três psicólogas”, valorizando ainda
mais as profissionais (com o uso do adjetivo “poderoso”) consultadas para
aconselhar as leitoras da revista.
Não o conselho, mas também outros gêneros são integrados ao editorial, e parte
dos seus conteúdos é retomada, parafraseada, e avaliada, em geral, positivamente.
Contudo, nem sempre essa retomada intertextual é realizada de forma explícita; por
vezes, nos editoriais, a apresentação de uma matéria ocorre mais pela discussão
temática do que por referência coesiva anafórica, como no exemplo “Acorda,
menina!”:
110
(39)
Acorda, menina! - Revista Mais Feliz , 134
No exemplo (39), embora não haja uma referência explícita no editorial a textos da
revista, verificamos que o título de maior destaque na capa
18
, “Após separação,
Cicarelli dá a volta por cima”, trata justamente do tema explorado pela linha editorial.
Há aqui uma rede intertextual capa-editorial-conselho, como ocorre em (38).
Além de o editorial dialogar com o conselho quanto ao conteúdo, se evidenciando
a linha ideológica da revista sobre o tema, também o diálogo quanto à ação
discursiva do aconselhamento. Não tão comum aos editoriais, nesse caso, é o
 
18
No exemplo (16), o exemplar da capa da referida revista está apresentado.
111
gênero organizar-se do ponto de vista textual, numa intertextualidade de forma com
o gênero conselho.
O texto “Acorda, menina!” é assinado pela editora-chefe da Revista, “Marina”. Nele,
a exposição de problemas, “relacionamento o tem futuro”, “perder emprego”, e
a defesa de que a sociedade valoriza mais as pessoas “descoladas e alto-astral”.
Assim, vem a solução: com base em comandos, aconselha-se que aqueles que
estão passando por problemas similares devem dar a volta por cima”, “não se
deixar abater”. Esse tipo de organização textual pelo processo de intertextualidade
entre gêneros mostrou-se recorrente nos textos coletados:
(40)
Faça diferente - Revista Ana Maria, 452
112
No texto (40), editorial “Faça diferente”, não referências diretas aos textos
publicados na edição da Revista. Nele, o produtor (responsável pelo serviço de
Atendimento à Leitora, Karla Precisoso) apresenta um problema, narrando uma
experiência por ele vivida (encontro com antiga amiga de faculdade e percepção de
que a amiga estava atravessando um problema “Trocamos um abraço apertado e
a pergunta básica de todo encontro: “Como vão as coisas?”. A resposta foi
desanimadora: na minha vida nada muda e tudo segue a mesma rotina chata de
sempre.”). Na seqüência, a “redatora” propõe soluções para o referido problema,
orientando as leitoras sobre como agirem, como se levar a vida sem cair na “rotina”.
Observamos alguns recursos retóricos recorrentes nos editoriais que mantêm esse
tipo de relação intertextual com o gênero conselho:
a) Relato de uma experiência de vida proveitosa, ou não, que serve de modelo a
ser seguido, ou não, para aconselhar:
(41) (Experiência) Passeando pelo shopping, reencontrei uma colega de
faculdade que não via a tempo. Foi ótimo revê-la, mas triste ouvir palavras
tão desestimulantes. Trocamos um abraço apertado e apergunta básica de
todo encontro: Como vão as coisas?”. A resposta dela foi desanimadora:
“Na minha vida nada muda e tudo segue a mesma rotina chata de sempre”
(...) (conselho) A “rotina chata” bate à sua porta se você permitir e
toma conta de sua vida se a convidar para entrar. A motivação é
fundamental para o seu sucesso pessoal, profissional e para sua felicidade.
Preste atenção no seu cotidiano (...). Revista Ana Maria, 452, p.4
(inserções nossas).
(42) (Título do editorial) Quando, para produzir, é preciso não fazer nada
(Experiência) Todo final de semana eu me vejo num dilema... Relaxar a
alma em encontros com amigos e parentes ou descansar o corpo, quietinha
no meu canto? Ultimamente tenho feito assim: não importam quantos
convites ou baladas pintem, reservo o sábado ou o domingo para preguiça.
(...) você vai relaxando e, sem se dar conta, ocorrem novas vontades,
idéias, projetos. Revista Viva, 297, p. 3. (inserções nossas).
b) Descrição de um tema (o que é? Para que serve?) para aconselhar:
(43) (Para que serve o amor) (...) Quando se tem e as amor, vive-se
muito melhor e mais alegremente, com coragem, ânimo e perseverança
para enfrentar todos os medos e vencê-los. (...) (O que é amar) Amar é ser
113
cada dia um pouco mais de si mesma. É realizar algo edificante, aprender a
ser feliz de dentro para fora, encontrar a calma na hora do caos, ter uma
arma para lutar e uma razão para ir em frente. (...) (conselho) Ama sem
vergonha, sem receio e sem medo de ser feliz. (...). Revista Ana Maria 468,
p. 06. (inserções nossas).
c) Referência a outros gêneros, publicados ou não no interior da revista, para
aconselhar:
(44) A razão tem sempre razão? (...) Quem consegue nos dizer o que é
melhor e como agir com mais segurança, por incrível que pareça, é o
coração. Pense nisso! Assim, quem sabe, na próxima escolha, você consiga
unir a razão com a emoção e sair ganhando. (...) Nesta edição, temos uma
mulher que consegue ser moleca, não escondendo suas emoções e, com
isso, estando sempre com um sorriso nos lábios. Estou falando de Grazi.
(...) Talvez esse seja o sucesso da beleza dela! (...) Revista Mulher, 8, p. 4.
(grifo nosso: referência à matéria de capa, entrevista com a modelo Grazi).
(45) Portanto, viva o seu tempo e aproveite esse trecho de Mude de Clarice
Lispector:
Mude, mas comece devagar,
Porque a direção é mais importante que
A velocidade...
Tente o novo todo dia
O novo lado,
O novo método,
O novo sabor,
O novo jeito,
O novo prazer,
O novo amor,
A nova vida...
Mude!
Lembre-se que a vida é uma só
Revista Mulher, 7, p. 4. (grifo nosso: referência a um poema de Clarice
Lispector, não publicado no interior da revista).
É interessante notar que os editoriais, que seguem a linha organizacional de (40),
sem necessariamente manterem uma ligação com algum conselho publicado na
revista, possuem uma identidade não só de forma, como comentamos, mas ainda de
ação (“aconselhar”) e de conteúdo (tratam de temas como amor, família, profissão,
etc.) com o conjunto de exemplares de textos que, por suas propriedades
relativamente estáveis, são associados ao gênero conselho.
114
Quando descrevemos (39) e (40) apontando características discursivo-textuais “não
tão comuns aos editoriais, visto constituírem-se com base numa estreita relação
intertextual com o gênero conselho, tanto pelos seus aspectos formais quanto pelos
funcionais, queremos solidificar a defesa de que os gêneros são plásticos por
natureza, e essa condição constitutiva não causa espanto aos falantes de uma
língua. As palavras de Souza (2006, p. 19), autora que desenvolveu um estudo
aprofundado sobre editorais, reforçam a discussão traçada:
o editorial é, nessa perspectiva, um gênero específico usado por jornais e
revistas para persuadir seus leitores a verem os fatos do modo como a
instituição jornalística considera adequado, organizando a sua estrutura
argumentativa de acordo com essa intenção. Esse gênero apresenta
variações, quer quanto ao formato, na relação com o suporte que o veicula,
quer em relação ao público a que se dirige”. (grifo nosso).
Os gêneros, como bem observa Souza ao discutir sobre o editorial, apresentam, sim,
variações. A análise traçada neste capítulo vem a ratificar esse seu aspecto
característico. Os indivíduos se reconhecem, comunicam-se, compreendem-se,
interagem pelos gêneros, não por identificá-los como apenas “formas” rígidas
usadas na interação humana, mas sobretudo por entendê-los como práticas de ação
em sociedade.
Assim, reforçamos que as RFs podem ser compreendidas como contextos de
circulação textual que reúnem e associam um conjunto de práticas sociodiscursivas
e interferem no funcionamento dos gêneros que nelas são publicados. Como advoga
Marcuschi (2003), os suportes, leia-se aqui as revistas, contribuem não apenas para
a seleção de neros, mas também para a forma de apresentação dos mesmos. O
conselho é um gênero de circulação bastante comum em RFs. As revistas nas quais
selecionamos os textos para compor nosso corpus comprovam a afirmativa. Nessas
RFs, como vimos, uma tendência editorial que visa levar as leitoras a crerem que
115
as revistas com as quais se deparam podem servir-lhes de “amigas”,
“companheiras”, “confidentes”. Nesse contexto, não surpreende o número de textos
que visam, em maior ou menor grau, a propor modelos de comportamentos sociais,
seja no relacionamento com o marido, com os filhos ou com o chefe no trabalho. O
gênero editorial investido da ação de aconselhar, nesse sentido, está em sintonia
com a prática de distribuição sociodiscursiva dos gêneros em RFs.
Horóscopo
Nas RFs pesquisadas, o horóscopo está publicado na parte final, entre as últimas
folhas. Ocupando, em geral, uma página inteira, localizam-se na seção horóscopo”,
sendo alguns poucos localizados em seções com nomes diferentes (“Dica dos
astros”, revista Amiga, e “Astral”, revista Ana Maria). Assinados por astrólogos, os
horóscopos apresentam previsões para cada signo do zodíaco, bem como
informações sobre fases da lua, datas de aniversários de pessoas conhecidas
publicamente (artistas, apresentadores de tv, entre outros).
Assim como ocorre com o editorial, também vimos que o conselho mantém relações
intertextuais com horóscopos. Em primeiro lugar, os horóscopos, nas RFs, possuem
uma identidade temática entre si, versam recorrentemente sobre os mesmos
conteúdos:
116
(46)
(a)
Revista Ana Maria, 468
(b)
Revista Amiga, 8
(c)
Revista Malu, 169
Em (46) (a), observamos que os temas “amor”, incluindo-se “ele” (o homem que a
leitora ama) e “trabalho” estão claramente delimitados nos horóscopos com base
numa subseção inserida no espaço destinado a comentar um signo. Em (46) (b) e
em (46) (c), também estão delimitados por colunas os temas “amor”, “trabalho” e
“bem-estar”; e “amor/sexo”, “trabalho” e “família”, respectivamente.
Verificamos que “amor e sexo”, “família”, “auto-estima” e profissão” são tópicos
constantemente abordados nos conselhos, o que aponta para uma identidade com o
horóscopo. Em ambos, orientações sobre como manter um relacionamento ou como
117
conquistar um parceiro, como atuar bem no meio profissional, como se valorizar
enquanto ser humano estão em evidência.
Além da intertextualidade de conteúdo, o horóscopo também encerra a função do
aconselhamento como uma das primordiais. Nesse gênero, temos, enquanto
organização textual típica, a subdivisão do texto em signos do zodíaco. Para cada
signo, normalmente um astrólogo, segundo a posição dos astros num determinado
contexto histórico, faz previsões sobre o que acontecerá na vida dos leitores e sobre
como os mesmos devem agir para que não haja complicações profissionais,
amorosas etc. Vale ressaltar que, no domínio da astrologia, essas previsões estão
articuladas a uma construção discursiva das características de “personalidade” que
marcam as pessoas de cada signo:
(47)
Horóscopo - Revista Viva, 297
118
No recorte de (47), (47)(a), a astróloga Ana Cristina Andrade, com base nas
previsões astrais, alerta o ariano de que deve ter mais responsabilidade nas
atividades de trabalho e observa que ele precisa “fixar os objetivos e finalizá-los”.
Quanto à temática do amor, “joga” com duas possibilidades para aconselhar sua
leitora: com a que está numa relação amorosa, apenas prediz que esta está
preocupada com o relacionamento; com a que está sozinha, orienta que “aposte em
quem possa assumir um compromisso” (correção nossa), orientação que vale, de
um certo modo, também para a leitora que se enquadra no primeiro caso, numa
“relação a dois”.
É interessante notar que o conselho transforma-se para ser incorporado pelo
horóscopo e constituí-lo enquanto elemento típico de sua estrutura composicional, a
qual abarca fases do tipo previsão (com a indicação de acontecimentos futuros:
“Terá sucesso se atua com produtos e serviços destinados ao lar”, (46)(c); Melhor
dia: sexta 17”, (47)(a)), definição de perfis (com o recurso à qualificação por
adjetivação: Mais centrado, pode parecer um pouco egoísta”, (46)(a); “Anda
preocupada com a estruturação da relação a dois”, “Mais calado, atravessa uma
fase fechada, introspectiva”, (47)(a)) e, sobretudo, conselho (com a ênfase nas
construções imperativas: “Procure deixar claro para o seu parceiro como quer levar a
sua vida amorosa”, (46)(a); “Evite despesas que comprometam a sua grana”, (46)(b);
“Deixe-o na dele.”, (47)(a)).
Contudo, é importante reforçar que a ação de aconselhar, no gênero horóscopo,
sustenta-se no caráter preditivo do seu conteúdo temático, elemento de persuasão
para aqueles que na astrologia acreditam. o conselho, gênero foco da nossa
análise, embora esteja relacionado com o horóscopo pelo conteúdo e pela ação de
119
aconselhar, nele, o aconselhamento tem por base as experiências da cultura popular
ou da cultura científica da sociedade, e não as previsões astrológicas.
II. Conselho como elemento eventual da constituição da cadeia intertextual de um
segundo gênero
Verificamos que o conselho, no seu processo de distribuição, participa,
eventualmente, de cadeias intertextuais com alguns gêneros de circulação típica das
RFs: matérias jornalísticas, tais como entrevistas e reportagens. Por ser a relação
de intertextualidade eventual, faremos uma análise dos textos do nosso corpus, com
o intuito de apresentar as possíveis formas de articulação intertextual entre o
conselho e demais gêneros, e o papel do conselho nesses novos contextos de
linguagem.
Entrevista
Verificamos que eventualmente o conselho participa de cadeias intertextuais com a
entrevista, de sorte que coletamos apenas 04 textos do gênero nos quais
observamos traços discursivo-textuais típicos do conselho como elemento
constitutivo.
Na entrevista “Não viva de aparências”, (48), a ação de aconselhar é basilar, embora
o plano textual pergunta-resposta e a seqüência textual dialogal, típicos do gênero,
se mantenham. A ação de aconselhar perpassa o texto como um todo tanto as
perguntas do jornalista quanto as respostas do entrevistado são direcionadas para
tal:
120
(48)
Não viva de a
parências
-
Revista Malu, 169
121
Falcone (2005), no seu estudo sobre entrevista ping-pong, destaca que o
exercício de poder, especialmente, das instituições sociais, passa pelo controle
dos gêneros discursivos. A autora apresenta uma seqüência organizacional para
a referida entrevista, a qual nos pareceu bastante produtiva para se explicarem
práticas sociodiscursivas que envolvem a produção do gênero entrevista nas RFs:
a) título (seqüência textual em que a voz discursiva do jornalista, ou
melhor, da mídia, prevalece);
b) texto de abertura (apresentação daquilo de que a entrevista tratará.
Estão presentes, nessa seqüência, a voz do jornalista e a voz do
entrevistado, mesmo que o texto seja de “autoria” do primeiro);
c) pergunta-jornalista (permite ao jornalista o controle do tópico
discursivo, que todas as perguntas, em geral, são por este
realizadas); e
d) resposta-entrevistado (freqüentemente seguem as orientações
tópico-discursivas dos jornalistas; todavia, na interação pode haver uma
negociação dessas orientações, a depender do posicionamento
sociodiscursivo do entrevistado).
A seqüência organizacional ora exposta permite-nos analisar a entrevista (48)
considerando como foco a ação de aconselhar realizada pelo gênero. A entrevista
está publicada na seção “Comportamento” freqüentemente destinada à
publicação de textos do gênero conselho. Tanto o título “Não viva de aparências”
quanto o subtítulo Psiquiatra Roberto Shinyashiki revela como alcançar a
felicidade” do texto servem como entradas textuais usadas pela mídia para
122
orientar a leitora para o domínio do aconselhamento: no primeiro caso, o uso de
um comando no imperativo e, no segundo, a indicação da forma de “como” se
procede para alcançar algo, presumindo a existência de um problema e das
formas a serem usadas para resolvê-lo.
Percebemos, analisando o parágrafo de abertura, que a entrevista tem como
elementos motivadores a divulgação do lançamento do livro de auto-ajuda “Heróis
de verdade: pessoas comuns que vivem sua essência”, de autoria do
entrevistado, bem como a apresentação das idéias do reconhecido psiquiatra
sobre o tema. Vale ressaltar que a jornalista toma as idéias do entrevistado como
“dicas”.
As perguntas elaboradas pela jornalista colaboram para que algumas das
respostas do psiquiatra sejam de cunho aconselhador: “Qual o tratamento mais
indicado para quem sofre da depressão da aparência?”, “A felicidade está ao
alcance de todos?”, “Como se livrar da síndrome de rejeição e passar a viver
bem?”. E, finalmente, as respostas do entrevistado não fogem ao que se propõe
a interação assim conduzida: aconselhar.
No seu estudo sobre o acesso discursivo no espaço jornalístico, Falcone (2005)
atenta para o fato de que a entrevista é um dos gêneros que mais atribui
legitimidade ao ator social que representa, no exemplo em questão, o psiquiatra.
É interessante notar que, ao aconselhar, a mídia explora o discurso da
“especialidade” para garantir notoriedade ao conteúdo veiculado. Assim, o
discurso do especialista, Roberto Shinyashiki, é escolhido e trabalhado com o
intuito de apresentar ao público-leitor o que se entende por felicidade, o que se
concebe como um problema que pode atrapalhar essa felicidade, “viver de
123
aparências”, e como as pessoas devem proceder para “alcançar a felicidade”, a
“realização profissional e, principalmente, a pessoal”.
É interessante notar que, nesse discurso de aconselhamento, as relações de
poder apresentam-se de forma “mascarada” (cf. Fairclough, 2001): o discurso é
estrategicamente planejado na medida em que se apresenta para o leitor não
como orientações que devam ser seguidas à força, mas como orientações
“necessárias” às suas vidas.
Notamos, assim, que o gênero entrevista também pode se articular
intertextualmente com o conselho com base na ação discursiva de aconselhar e,
aconselhando, contribuir para que se prestigiem e se ditem normas sociais
idealizadas pelos representantes da mídia.
Reportagens
Na mesma linha, matérias jornalísticas, como reportagens, nas RFs,
ocasionalmente apresentam na sua construção composicional marcas
significativas de intertextualidade com o conselho. Também a ação de aconselhar
é um elo que une os referidos gêneros, assim como alguns traços discursivos e
textuais.
Em (49), a matéria “Bebês abandonados” encontra-se na seção “Caso de polícia”,
e foi publicada num contexto sociohistórico em que alguns casos graves de
abandono de crianças estavam sendo noticiados na mídia em âmbito nacional:
124
(49)
Bebês abandonados - Revista Malu, 169
125
No exemplo (49), vimos a transformação do gênero conselho, o qual passa a
compor a matéria enquanto atos de fala
19
, localizados em algumas de suas
seções organizacionais. De cunho informativo-explicativo, o texto apresenta
dados oficiais sobre o abandono infantil; discute, com base em elementos
jurídicos, os encaminhamentos que são dados aos casos de crianças
abandonadas e, ainda, orienta as pessoas que encontram bebês abandonados
sobre como procederem para solucionar o problema com o qual se deparam. É
justamente nesse momento da matéria que percebemos o objetivo da mídia de
aconselhar e de informar suas leitoras sobre como agirem se, por ventura,
viverem uma situação similar, ou seja, encontrarem uma criança abandonada:
(49)(a)
(49)(b)
 
19
Atos de fala, aqui, são compreendidos segundo os estudos de Austin (1990). O autor, na sua
reflexão sobre a propriedade das palavras de fazerem coisas, alega que aquilo que é dito não se
limita a um mero conteúdo declarativo ou informacional, mas, em face de um contexto
comunicativo, constituído de pessoas que assumem papéis sociais específicos, atos são
produzidos.
126
Embora o objetivo de maior destaque do texto seja o de informar os leitores
potenciais da revista sobre o tema do abandono infantil, também está evidente,
como objetivo do produtor do texto, aconselhar. Isto se revela nos atos de fala
centralizados na seção “Se você encontrar um”, (49) (a), em se que lê “Caso você
se depare com uma criança abandonada, o ideal é encaminhá-la imediatamente
ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e da Adolescência da sua cidade”, bem
como no trecho (em destaque, situado na parte inferior esquerda), (49) (b), “O
ideal é que eles (os bebês) sejam acolhidos em abrigos para bebês até que a
família seja localizada”.
Notamos que o aconselhamento presente no referido texto tem como pano de
fundo as normas constituídas na sociedade pelos grupos hegemônicos, políticos e
juristas, por exemplo, com a menção a leis (“Estatuto da criança e do
adolescente”) e a órgãos (“Vara da criança e do adolescente”) relativos a esses
grupos. O texto sugere que as pessoas nem sempre cumprem essas normas, e
isso indica que não uma relação de consenso entre os grupos sociais:
autoridades e população em geral.
Nesse caso, o ato de aconselhar é um recurso que contribui para o controle e
para a organização das pessoas em sociedade. Isso mostra que o
aconselhamento serve de um eixo para inter-relacionar vários gêneros, não
enquanto um projeto de dizer, mas, sobretudo, como prática social que se presta
ao exercício de poder.
O texto (50) é mais um dos exemplos de gêneros que circulam no domínio
jornalístico, estrategicamente investido de várias ões, dentre elas a de
aconselhar:
127
(50)
128
Bem-vinda ao planeta teen - Revista Ana Maria, 459
129
No exemplo (50), trata-se da reportagem de capa da revista. No subtítulo do texto,
vimos uma indicação de que o texto tem por proposta um aconselhamento, visto
intitular-se “guia”: “Leia e guarde este guia. Ele é para você que deseja
compreender, educar e conviver melhor com os seus filhos” (grifo nosso).
Contudo, no terceiro parágrafo do texto, o produtor se refere à sua produção
como reportagem: “Esta reportagem é para quem tem adolescentes em casa,
mas deve ser lida e guardada também pelas es de crianças pequenas, que
num piscar de olhos terão que enfrentar situações que hoje nem imaginaram”.
Nesse sentido, verificamos que o conselho e a reportagem participam de uma
cadeia intertextual, na qual o primeiro é transformado e entra na composição
discursiva do segundo. As formas de incorporação do conselho identificadas em
(50) são diversas, bem como os objetivos dessa inserção também o são:
a) Conselho como apoio na organização seqüencial do texto da reportagem:
como já observamos, o subtítulo do texto é organizado com base numa
correlação com o nero conselho; do mesmo modo, os títulos de seções
desse texto também são marcados por esse tipo de relação intertextual
(“Primeiro passo: entenda a cabeça do adolescente” “Segundo passo:
acerte as contas e ensine a economizar” – “Terceiro passo: vamos falar de
sexo, sim!” “Quarto passo: como evitar a ameaça das drogas” “Quinto
passo: o que você sabe sobre o seu filho?”). Além disso, ao longo da
planificação do conteúdo temático do texto, através do uso da seqüência
textual injuntiva, uma série de comandos são sugeridos à leitora como
ações que deve seguir para lidar com adolescentes, como vimos na seção
“Terceiro passo”: - Fale com naturalidade e na linguagem adequada à
idade da menina. Deixe claro que está aberta a diálogos, mas evite
130
perguntas como ‘você transou?’ Diga: ‘Quando quiser conversar sobre
sexo, eu estou aqui’”
20
. Nessas circunstâncias, os gêneros estão
intimamente correlacionados, o que torna difícil identificar os limites de um
e de outro: há uma fusão da ação de informar e discutir temáticas atuais de
interesse social, própria da reportagem, com a ação de aconselhar com
vistas à solução de problemas, própria do conselho de auto-ajuda.
b) Conselho em citação bibliográfica: no texto referências explícitas ao
livro de auto-ajuda Criando adolescentes (Editora Fundamento) do qual
são incorporados trechos mencionados no corpo da reportagem e, em um
box, “As respostas para as 20 maiores aflições das mães”. A referência a
fontes reconhecidas e autorizadas socialmente colabora para reforçar a
credibilidade das informações prestadas na reportagem.
c) Conselho como gênero incorporado na íntegra: além da referência e da
incorporação de trechos de livros, a inserção de um texto de
aconselhamento em forma de teste na seção “Quinto passo: o que você
sabe sobre o seu filho?”. O teste é composto por uma fase de perguntas-
respostas (que visa a identificar um perfil para a leitora) e pela fase de
resultados (na qual um especialista, referido na fonte sita no final do teste,
diante do resultado, aconselha aquele que respondeu às questões). A
aplicação do teste funciona, em muito, no sentido de enfatizar a dualidade
certo-errado no que se refere aos comportamentos sociais autorizados, ou
não, pelos especialistas.
 
20
No Capítulo 4, abordamos com maior detalhes os traços característicos da seqüência injuntiva.
131
Essa cadeia intertextual conselho-reportagem, como mencionamos, não é tão
típica como acontece, por exemplo, com capas e editoriais. Porém, analisar as
formas de distribuição do conselho em contextos relativamente instáveis nos
permite identificar diferentes maneiras e propósitos de se articularem discursos e
de se entenderem questões relativas à produtividade e à mudança
sociodiscursiva.
Neste capítulo, observamos que a ação de aconselhar permeia a atividade
discursiva de diversos gêneros nas RFs, tratando-se, pois, de um eixo que os
correlaciona. Essa correlação, em alguns momentos, apresenta-se como
recorrente, uma vez que se verifica que o conselho é incorporado por outros
gêneros, tornando-se um elemento pico de sua constituição, caso das capas e
dos horóscopos, por exemplo; e em outros momentos, tal correlação aparece
como ocasional, estando o conselho a servir de apoio discursivo aos demais
gêneros.
A análise das cadeias intertextuais das quais o conselho participa nos fornece
elementos para compreendermos faces do seu funcionamento discursivo: o
conselho, na sua distribuição em RFs, seja típica ou eventualmente, entra na
constituição de gêneros tradicionais do domínio jornalístico, como o editorial, a
entrevista e a reportagem. Nesse contexto, sua presença nas práticas discursivas
das revistas indica que vem ganhando status na interação da mídia dirigida a
mulheres e, conseqüentemente, assume um papel de destaque na construção
das relações e ações sociais.
Essa estreita relação de identidade de ação, de forma e de conteúdo, que
evidenciamos ao longo das discussões sobre as cadeias intertextuais das quais o
132
conselho participa no seu processo de distribuição, parece indicar que a
intertextualidade se apresenta como um processo que contribui para manter os
textos que circulam numa mesma mídia, no caso as RFs, integrados quanto aos
seus objetivos sociodiscursivos. E mais, a escolha das temáticas e das formas de
sua abordagem, considerando as relações sociais e os propósitos
sociocomunicativos envolvidos nas interações, exercem um papel importante para
a reprodução ou mudança dos valores e crenças em sociedade.
No próximo capítulo, voltaremos o nosso estudo para aspectos relativos à
produção do conselho, verificando o seu funcionamento intertextual, com foco na
análise das formas típicas de representação do discurso de outrem.
133
Capítulo 3 - Conselho: dar ou pedir? Uma questão de autoridade
Neste capítulo, temos como objetivo analisar os discursos representados pelo
produtor do conselho, considerando as formas e as funções dessa representação
discursiva para o reforço e a manutenção das relações e ações sociais mediadas
pelo gênero, nas RFs.
Primeiramente, descrevemos elementos envolvidos na produção-consumo do
conselho. Identificamos quem é autorizado para produzir um conselho, nas revistas,
tendo em vista o papel social desempenhado por esse produtor na interação. Em
seguida, verificamos formas de endereçamento do conselho, o papel social atribuído
pelo produtor textual ao seu destinatário.
Na seqüência, verificamos como, em razão das posições e relações sociais
constituídas no gênero, são incorporados, pelo processo intertextual de
representação de discursos, distintos tipos de discursos no processo de constituição
do conselho. Nesse momento, identificamos e categorizamos os discursos mais
representados no conselho, observando por quem são produzidos na sociedade;
como se materializam do ponto de vista textual, especialmente considerando a
escolha dos verbos representadores, verbos dicendi, a eles associados; e qual a
implicação da representação do discurso para a ação do gênero.
134
1. Aspectos envolvidos na produção e no consumo do conselho: construção
das relações sociodialógicas
Tomando por base que a alternância dos sujeitos (Bakhtin, 2003) é uma importante
particularidade constitutiva dos gêneros, buscamos compreender como o produtor
do conselho responde às palavras do passado para se posicionar socialmente no
seu discurso, e também como esse produtor concebe o seu destinatário e, por assim
dizer, a ele responde antecipadamente, pelo processo de endereçamento
1
.
A produção e o enderaçamento do discurso são heterogêneos por constituição: ao
escrever um texto, o produtor representa as posições avaliativas de enunciados
passados e do grupo social dos quais estes fazem parte; e, ainda, endereça seu
texto à resposta compreensiva de um destinatário igualmente inserido num contexto
sociohistórico e, portanto, posicionado socialmente.
É válido ressaltar que o produtor e o destinatário do gênero estão aqui analisados
não só na sua dimensão física (indivíduo que escreve fisicamente o texto e indivíduo
que pode ler concretamente o texto), mas também na sua dimensão social (posições
socioaxiológicas assumidas por aquele que produz e atribuídas àquele a quem o
texto se destina).
 
1
Tomamos aqui a concepção bakhtiniana de “endereçamento” como particularidade constitutiva do
gênero (cf. Bakhtin, 2003) – como o produtor percebe e representa o destinatário para si.
135
Quem assina os conselhos?
O conselho, nas RFs, é marcadamente assinado por profissionais da área
jornalística ou por profissionais especializados em áreas como psicologia,
psiquiatria, psicoterapia, direito, entre outras. Poucos são os textos do corpus em
que a assinatura do autor
2
não está registrada, e, dentre estes, embora não exista
assinatura, verificam-se, em alguns, fontes de consultas registradas. A Tabela 4
apresenta como se distribui a autoria do conselho, considerando a existência ou não
de assinatura nas RFs.
Tabela 4 – Autoria no conselho nas RFs
Assinatura Número de textos
do gênero conselho
%
Assinado pela redação da RF 45 66,2
Assinado por especialista 14 20,6
Não assinado 09 13,2
Total 68 100
A assinatura de um texto, muito mais do que uma marcação gráfica, é um registro
que evidencia quem é responsável pela produção de linguagem: pelo que se diz e
pelo que se faz com base no gênero. A credibilidade daquele que produz o texto é
um dos elementos fundamentais para que a ação social do conselho seja efetivada.
Desse modo, a assinatura indica também quem está autorizado a produzir o gênero,
 
2
Reforçamos que usamos o termo “autor” para nos referir àquele que assina o texto, sendo autoria”
um termo derivado da idéia de “autor”; e o termo “produtor”, como apontam os estudos de Fairclough
(2001), para fazer referência a um conjunto de posições sociais que aquele que escreve pode
assumir nas práticas sociodiscursivas.
136
e, portanto, interessa-nos analisar o papel que o indivíduo deve ocupar na sociedade
para merecer esse status de autoridade.
Em relação aos textos assinados, como indica a Tabela 4, verificamos a existência
de duas categorias básicas: a) assinados pela redação da RF; e b) assinados por
especialistas. Essas categorias não são óbvias, de modo que iremos comentá-las,
esclarecendo quem são os produtores a elas associados e por meio de quais
recursos textuais os identificamos.
A redação da revista na produção do conselho
No primeiro caso, conselho assinado pela redação da RF, constatamos que em
66,2% dos textos do nosso corpus o autor assina seu nome, mas não qualquer
indicação de elementos de seu currículo. É importante dizer que, normalmente, esse
autor assina vários outros textos da mesma revista, contudo não referências à
sua profissão. Conforme consulta ao corpo técnico das revistas, o texto, quando
assinado nessas condições, tem como produtor um profissional do domínio
jornalístico contratado pela revista: redator, repórter, assistente de redação,
colaborador. Assim, consideramos que os textos dessa maneira registrados têm
como produção responsável a redação da revista.
Os conselhos assinados pela redação apresentam, comumente, o nome do
profissional registrado em fonte bem menor que a do título e a do corpo do texto,
posicionado de distintas maneiras:
137
(i) após o título, ou após o subtítulo, do texto
(51)
Está a fim de tocar um negócio só seu? - Revista Malu, 169
No ponto indicado pela seta, lê-se: “Texto de Larissa Rosseto”
Seguem mais exemplos desse tipo de posicionamento (assinaturas destacadas em
negrito):
(51) Eduque com uma mãozinha da Astrologia – Texto de Larissa Rosseto
(Revista Malu, 171)
(52) Quando a proteção prejudica Por Vanessa Vieira (Revista Ana
Maria, 468)
(53) A receita do grande amor Por Heloísa Vianna (Revista Mais Feliz,
150)
138
(ii) após o nome da seção da revista
(55)
Carisma: esse algo mais faz a diferença - Revista Viva, 297
No ponto indicado pela seta, lê-se: “Auto-ajuda - Beatriz Nogueira – bia_nogueira@msn.com”
Outras ocorrências podem ser mencionadas (assinaturas também apresentadas em
negrito):
(56) Teste – Por Ana Lúcia Neiva (O que você quer dos homens? –
Revista Amiga, 7)
(57) Final feliz – Por Flávia Volpi (Reinvente-se: livre-se das opiniões
alheias e viva seu sonho! – Revista Mais Feliz, 141)
(iii) após o texto
(58)
Cuidados com a Internet - Revista Mulher, 8
139
No ponto indicado pela seta, lê-se: “Texto: Liliane de Lucena”
Para citar outros casos:
(59) Texto: Ana Alice Gallo
Entrevistas: Fabrício Pellegrino e Lilian Rambaldi
(Manual da mulher moderna – Revista Mulher, 8)
(60) Texto: Gabriela Besson
Consultoria: Bruno Whitake Ghedine, advogado
Fonte: www.procon.sp.gov.br
(Faça valer os seus direitos – Revista Mulher, 8)
(iv) no lado direito ou esquerdo do texto, no sentido horizontal
(61)
Saia do vermelho! - Revista Malu, 165
No ponto indicado pela seta, lê-se: “Texto de Larissa Rosseto”.
140
Além desse exemplo, também podemos apresentar com o mesmo posicionamento:
(62) Texto de Maira Escovar (Amor à distância – Revista Malu, 154)
(63) Texto de Eliane Calixto (Solte a Creuza que existe em você! Revista
Malu, 165)
A assinatura, no conselho, é registrada, do ponto de vista formal, com base em
expressões que indicam a idéia de posse (“Texto de ...”; “Texto: ...” – preposição “de”
e sinal de pontuação, “dois pontos”, introduzindo um complemento possessivo) ou
que indicam a idéia de agência (“Por ...” preposição “por” introduz o complemento
“agente da passiva”, no caso, com o verbo “escrever” implícito) junto ao nome e
sobrenome do autor (funcionando como o “complemento”). Verificamos, ainda, que,
na maioria dos casos, o registro da assinatura do conselho localiza-se logo no início
do texto, junto a seu título (acima ou abaixo), ou após o seu subtítulo. Também
observamos casos, menos freqüentes, em que o registro ocorre no final do texto,
especificamente na revista Mulher, e no sentido horizontal, na revista Malu.
O posicionamento da assinatura pode valorizar, mais ou menos, a autoria da
produção do texto. Considerando as estratégias de leitura de textos na dia
jornalística, o título e o lead o as fases de organização textual com as quais os
leitores primeiro se deparam e, muitas vezes, as únicas lidas, visto que, pela própria
dinâmica dessa área de comunicação, é comum que o leitor faça leituras superficiais
de alguns textos julgados de menor interesse e, mais aprofundadas, de outros
considerados mais interessantes. Nesse contexto, inserir o nome do autor junto à
seqüência título-lead pode favorecer a sua leitura por um maior número de leitores e,
com isso, possibilitar que o autor se torne reconhecido como um profissional daquela
141
mídia e também se torne referência na escrita dos textos nela publicados, o que
reforça a sua autoridade de produção.
É importante dizer que, no caso específico da revista Mulher, na qual o registro da
assinatura situa-se no final do texto, percebemos uma valorização do conjunto de
profissionais que contribuíram para que o texto fosse produzido. Em (59), além de se
mencionar quem escreveu o texto, há também a referência àqueles que participaram
da produção como entrevistadores; já em (60), observa-se, ainda, além da referência
aos profissionais responsáveis pelo conteúdo da matéria, autor e consultor, a
menção a uma fonte reconhecida de pesquisa, o “procon”. Aqui uma espécie de
co-produção cuja responsabilidade é atribuída não apenas a quem escreve
fisicamente o texto, mas às demais referências “seguras” que contribuíram para a
escrita do texto.
O especialista na produção do conselho
Quanto ao segundo tipo de registro de assinaturas, textos assinados por
especialistas, verificamos que 25,5% dos textos coletados, gênero conselho, têm a
assinatura de profissionais, responsáveis por colunas da revista, especializados em
diversas áreas, em geral, com seus currículos informados.
Observa-se, pois, um maior destaque à figura do produtor do texto, como nos mostra
o Quadro 2, que apresenta os tipos de especialistas que freqüentemente assinam
colunas em que se publicam conselhos nas RFs.
142
Quadro 2 – Autoria de especialistas
Especialista Imagem
Psicoterapeuta e psiquiatra
Psicóloga, atriz e autora
Psicóloga, Psicoterapeuta e
pesquisadora
Especialista em etiqueta e boas
maneiras
Especialista em desenvolvimento
emocional
Advogada
143
O quadro nos sugere que um ponto a se observar na produção textual do conselho é
que um grande valor é atribuído ao discurso das “especialidades”: psicoterapeuta,
psiquiatra, psicólogo, pesquisador, advogado, pois especialistas em áreas distintas
assinam colunas específicas nas RFs e têm suas fotografias e currículos
mencionados.
Na coluna que assina, o produtor especialista é claramente identificado; seu nome,
diferentemente do que ocorre quando o produtor é a redação, é apresentado com
letras cuja fonte é de maior tamanho, bem como destacada com cores e marcação
em negrito. A publicação da imagem do profissional permite que este seja
reconhecido, não apenas pelo teor do texto que escreve, mas ainda pelos seus
atributos físicos. Muitas vezes, esse profissional atua em outras mídias, como em
TV, também aconselhando; assim, pela imagem, é possível que a leitora estabeleça
associações, reconheça aquele produtor como alguém de status na mídia e venha a
se interessar em ler o texto. Ou, também, a imagem pode ser um guia para que a
leitora, que reconhece o especialista, identifique com mais facilidade o texto como
daquela autoria dentro da revista e faça a leitura desejada - leitura essa realizada
muito mais pelo fato de o texto ser produzido por aquela pessoa do que pelo que
sugere seu título ou subtítulo como conteúdo.
Enfim, a apresentação das credenciais do produtor - elementos do seu currículo,
como profissão, especialidade, obras publicadas, onde atua profissionalmente e
também formas de contato - contribui para legitimar e para dar mais credibilidade às
informações por ele apresentadas no seu texto, importante recurso usado para dar
144
garantias à leitora de que ele pode seguir as orientações comportamentais
aconselhadas
3
.
É importante dizer que, mesmo no caso dos textos assinados, a revista feminina
também assume responsabilidades pela produção: a sua linha editorial encarrega-se
de selecionar profissionais que produzam matérias que atendam a seu perfil
ideológico; além disso, trabalhando na distribuição dos textos que nela estão
publicados, também é tida pela sociedade em geral como a responsável pela
qualidade do conteúdo apresentado e do material gráfico editado.
A quem os conselhos estão endereçados?
Em relação ao endereçamento, a análise das capas de revistas (Capítulo 2) nos
indicou que o conselho tem como concepção típica de destinatário o público leitor da
revista feminina: mulheres, com idade entre 20 e 40 anos, heterossexuais, de classe
econômica média a classe baixa. Embora o destinatário do nero seja um grupo
(um coletivo), as formas típicas de endereçamento são, muitas vezes, direcionadas
para um destinatário tratado como um “leitor individual”, como nos mostram os títulos
e os subtítulos selecionados:
(64) Tempero demais estraga – Ciúme excessivo só atrapalha o amor. Tome
cuidado se esse mal está rondando sua relação. (Revista Mulher, 07)
(65) Quando a proteção prejudica – Entenda as armadilhas que transformam
o excesso de amor e zelo em inimigo dos seus filhos. (Revista Ana Maria,
468)
(66) Solte a Creusa que existe em você! E um show entre quatro
paredes! (Revista Malu, 165)
 
3
No Capítulo 4, traçamos considerações sobre relações intertextuais existentes entre o currículo e o
conselho, momento em que sistematizamos os recursos formais de inserção das credenciais dos
produtores.
145
(67) Você é dependente demais? (Revista Mais Feliz, 134)
(68) Está a fim de tocar um negócio só seu? (Revista Malu, 169)
O uso do verbo no modo imperativo, na terceira pessoa do singular (tome, entenda,
solte), o recurso aos pronomes de função dêitica (sua relação, seus filhos, em você,
você) (negrito) e a elaboração de questões retóricas (você é dependente demais?;
Está a fim de tocar um negócio seu?) são estratégias estilísticas para endereçar
um texto a um destinatário como se este fosse um indivíduo singular e familiar,
causando assim maior empatia, e mascarando a assimetria de papéis conselheiro
aconselhado.
Para Fairclough (1989), as relações de poder na sociedade contemporânea, em que
os participantes de uma interação encontram-se separados no espaço e no tempo,
caso das interações através dos meios de comunicação em massa (televisão, rádio,
jornais, entre outros), nem sempre são claras. Referendando a afirmação,
observamos que tais relações humanas muitas vezes são veladas, como quando,
por exemplo, se vê, no conselho, uma simulação de intimidade que marca a relação
sociodialógica produtor-destinatário.
Embora o produtor se valha da estratégia de endereçar o seu discurso a um
destinatário como se este fosse um indivíduo “único”, o conselho, por ser veiculado
numa revista, terá uma diversidade de leitoras potenciais. Contudo, nem sempre o
conselho é endereçado a todos as leitoras da revista; há casos em que ele é dirigido
a um grupo específico. É nesse sentido que identificamos movimentos de
endereçamento distintos: a) endereçamento a todas as leitoras da revista; e b)
endereçamento a um grupo de leitoras da revista restringido pelas posições sociais
146
atribuídas textualmente à leitora. Os dois tipos de endereçamento destacados serão
alvo de comentários elucidativos.
a) Endereçamento a todas as leitoras da revista nesse caso, o conselho é
destinado a qualquer leitora da revista feminina, não havendo um direcionamento da
temática para segmentos específicos da sociedade, como esposas, mães ou
funcionárias, por exemplo.
É o que ocorre no texto “Carisma: esse algo mais faz a diferença”, no qual o
conselho gira em torno das orientações apresentadas pelo especialista Sérgio
Savian – dono da Escola de Relacionamento Mudança de Hábito para que as
mulheres de uma forma geral possam desenvolver, ou reforçar, uma qualidade
pessoal, o “carisma”:
(69)
Carisma: esse algo mais faz a diferença - Revista Viva, 297
147
No exemplo (69), uma definição do que é o carisma (“a sensação de ter sempre
no peito uma medalha de reconhecimento”); indica-se a importância de se ter
carisma na sociedade moderna (“melhorar as suas relações sociais”) e evidencia-se
como as leitoras podem aprimorar ou desenvolver o carisma (dentre outras coisas,
trabalhando a “autoconfiança”, a “determinação” e a “eloqüência”). Os conselhos
apresentados são direcionados a todas as leitoras (como bem nos mostra o subtítulo
do texto: “mas todas podemos treinar e conquistar essa qualidade”) (grifo nosso)
como um recurso de “auto-ajuda” para se crescer individual e coletivamente.
Outros textos do corpus seguem a mesma linha de endereçamento:
(70) Abraçar é bom demais seja qual for a situação, ele reconforta, alegra,
alivia o estresse e até regula a pressão arterial. Para as mulheres, é ainda
mais gratificante (Revista Ana Maria, 463)
(71) Lições de felicidade Luiz Antônio Gasparetto mostra no especial Ana
Maria Você Melhor como desfrutar de uma vida plena (Revista Ana Maria,
468)
(72) Cuidados com a Internet estar sempre atenta é a melhor forma de se
proteger contra os perigos da rede (Revista Mulher, 8)
(73) Extorsão pelo telefone siga as dicas para o ser a próxima vítima
(Revista Malu, 165)
(grifo nosso)
Esse tipo de endereçamento é mais comum em textos que tratam de aspectos
referentes ao relacionamento do indivíduo consigo mesmo, (69), (70), (71), e
naqueles cuja temática diz respeito a problemas vividos pela sociedade como um
todo, (72), (73), nos exemplos específicos, o caso da violência que qualquer pessoa
que tenha acesso a meios de comunicação, como Internet e telefone, pode
enfrentar. É interessante notar que alguns elementos lingüísticos marcam esse
endereçamento geral: o uso do pronome “todas”, (69), referindo-se ao grupo
completo das leitoras; do mesmo modo, nas expressões de finalidade “para as
mulheres, é ainda melhor”, (70), e “para não ser a próxima vítima”, (73), o ato de
148
abraçar e o ato de seguir dicas de proteção são indicados como necessários a
“mulheres” e provável “vítima”, respectivamente, em negrito, nomes comuns que se
referem a um grupo genérico de seres, ou seja, de leitoras.
De modo diferente, o endereçamento pode visar apenas a grupos específicos de
leitoras e não a todas as leitoras das revistas, como comentamos. Esse tipo de
endereçamento mais específico é o mais comum no conselho e possui uma estreita
relação com as temáticas tratadas no gênero. Por essa razão, no item “b”, faremos
uma correlação entre o conteúdo temático e as formas de endereçamento do
conselho, tendo por base a análise dos títulos e dos subtítulos dos textos coletados.
b) Endereçamento a um grupo de leitoras da revista restringido pelas posições
sociais a estas atribuídas – nesse caso, observamos que, conforme a temática
textual - relacionamento amoroso e sexual, relacionamento familiar, relacionamento
profissional -, tópicos discursivos distintos são abordados, com os quais também
leitoras específicas, que possuem posicionamento social igualmente específico,
identificam-se. Por exemplo, o texto (74), na sua temática, aborda questões relativas
ao mercado de trabalho, e tem como destinatário padrão aquelas mulheres que
desenvolvem ou têm interesse em desenvolver uma atividade comercial, como
aponta o questionamento expresso no seu título: “Está a fim de tocar um negócio
seu?”.
149
(74)
Está a fim de tocar um negócio só seu? - Revista Malu, 169
No exemplo, apenas um grupo das leitoras da revista irá se enquadrar como o
destinatário ideal a ser “aconselhado”: aquele que está motivado a “tocar” uma
pequena empresa ou trabalhar na venda de produtos de catálogos para ampliar sua
“fonte de renda”. Para essas leitoras, é traçado um planejamento que envolve as
ações que devem ser tomadas antes de se abrir um negócio e durante o tempo em
que a atividade for desenvolvida.
É relevante reforçar que a relação social marcada entre o produtor e o destinatário
do conselho é uma relação de poder entre o “conselheiro” (aquele que detém
conhecimento e experiência para aconselhar) e o “aconselhado” (aquele que
enfrenta uma situação-problema e necessita do conhecimento e da experiência que
o “conselheiro” tem a “oferecer”). Para marcar tal relação, observamos uma
150
diversidade de papéis sociais atribuídos pelo produtor ao destinatário, conforme o
conteúdo temático explorado, como nos mostram os destaques do Quadro 3:
Quadro 3 – Papel atribuído ao destinatário pelo produtor do conselho
Exemplares de conselhos (títulos e subtítulos) Papel atribuído ao destinatário
Conteúdo temático: relacionamento amoroso-sexual
A receita do grande amor
Você também pode viver um romance como os que
acontecem nas novelas. Conheça as possibilidades de
encontrar um parceiro ideal e enfrente o maior
desafio: manter um relacionamento duradouro sem
deixar cair a peteca (Revista Mais Feliz, 150)
Mulher solteira
Casamento à prova de ninfetas
Use toda a sua experiência para manter mulheres
mais jovens longe da vida de casal (Revista Ana
Maria, 463)
Esposa
Elas deram a volta por cima
Depois do fim do relacionamento com o craque
Ronaldo, Daniella Cicarelli retomou a carreira e a vida
social. Conheça também a história de uma professora
que aprendeu e cresceu muito após um rompimento
amoroso (Revista Mais Feliz, 134)
Mulher que rompeu relacionamento
amoroso
Conteúdo temático: relacionamento familiar
Mãe e pai ao mesmo tempo
Eduque as crianças com firmeza, mas sempre com
afeto, e dê atenção duplicada (Revista Malu, 154)
Viva bem com seu filho (Revista Mais Feliz, 150)
Tempo para as crianças
Um presente para a vida toda (Revista Mulher, 8)
Mãe
10 mandamentos da madrasta do bem
Jogo de cintura: eis tudo que você precisa para lidar
numa boa com seus enteados (Revista Viva, 314)
Madrasta
Conteúdo temático: relacionamento profissional
Tenha mais iniciativa
Hoje esta é uma das atitudes mais apreciadas nas
empresas (...) (Amiga, 7)
Chefe Mala
Ex-executivo da Disney ensina a lidar com sete tipos
de chefes que são um atraso de vida para seus
subordinados (Revista Ana Maria, 469)
Funcionária de empresa
Negócio em casa
Compromisso e ética são ferramentas para o sucesso
(Revista Mulher, 8)
Profissional liberal
Conteúdos outros
Faça valer seus direitos
Veja como agir e o que exigir em diferentes situações
do dia-a-dia (...) Seja uma consumidora bem
informada (Revista Mulher, 8)
Consumidora
Dívidas nunca mais
Reorganize o seu orçamento e saia do vermelho
(Revista Mulher, 8)
Devedora
(grifos nossos)
151
O Quadro 3 apresenta uma diversidade de papéis sociais atribuídos pelo produtor do
conselho ao seu destinatário. Os títulos e os subtítulos das matérias das RFs são,
freqüentemente, as primeiras entradas lingüístico-cognitivas no universo dos textos.
Com a sua leitura, verificamos que a atribuição de papel social à leitora é realizada
normalmente nessa parte do texto, funcionando, assim, como uma espécie de
“filtro” para a leitura.
A seleção lexical aponta para o tipo de destinatário ao qual o texto se dirige; no
Quadro 3, destacamos alguns trechos que tipicamente evidenciam, do ponto de vista
formal, a construção de destinatários:
(a) nomeação, por substantivos, da leitora, podendo também haver uma qualificação
adjetiva (em negrito): “parceiro ideal” (em associação a “mulher sem parceiro”),
“mãe e pai ao mesmo tempo”, “filhos” e “crianças” (em associação a “mãe”), “chefe
mala” (em associação a “subordinados”); “madrasta do bem”, “enteados” (em
associação a “madrasta”), “consumidora bem informada”;
(b) indicação de campo/lugar de atuação (sublinhado): “relacionamento”,
“casamento”, “vida de casal”, “carreira e vida social”, “empresas”, “em casa”,
“situações do dia-a-dia”;
(c) orientação de formas de atuação necessárias a leitoras específicas, com o uso
de verbos de ação no imperativo (itálico): “Use toda a sua experiência para manter
mulheres mais jovens longe da vida de casal”, “Eduque as crianças com firmeza,
mas sempre com afeto, e atenção duplicada”, “Tenha mais iniciativa”,
“Reorganize o seu orçamento e saia do vermelho”,
152
Pelo exposto, a “mulher aconselhada”, enquanto destinatária, é alvo do discurso da
auto-ajuda em distintos campos de atuação social, sobretudo quanto ao seu
posicionamento nas relações amorosas, na família e no trabalho. Em cada campo,
terá um modelo de agir em sociedade construído e instituído pela autoridade
“conselheiro”.
Até o momento, fizemos uma descrição dos aspectos envolvidos na produção e no
consumo do conselho. O motivo que nos levou a realizar este estudo foi, justamente,
a necessidade de identificarmos o perfil do produtor do gênero e o perfil do seu
destinatário presumido, a fim de explicarmos as implicações da seleção de
intertextos, via representação do discurso, para a construção e o reforço de relações
e ações sociais mediadas pelo gênero.
Partimos do pressuposto de que a relação entre textos é um indicador de como os
indivíduos resgatam e reformulam a memória sociodiscursiva e de como se orientam
para as relações futuras: como interagem, se organizam e se constituem com base
nesse resgate e nessa reformulação. É nesse sentido que, para nós, a
intertextualidade que o conselho estabelece com outros enunciados contribui para
que a relação e a ação social do gênero sejam construídas e reforçadas.
Nesse caminho, observamos que, nos textos assinados pela redação das RFs,
verifica-se uma típica preocupação com o destaque às fontes consultadas ao final da
produção e, sobretudo, com o recurso à estratégia de, ao longo do texto,
(re)trabalhar-se o discurso de profissionais especializados com base em citações.
Por outro lado, no que se refere aos textos assinados por especialistas, “colunistas”,
a representação do discurso funciona através de uma recorrente representação do
153
discurso de pessoas a serem “aconselhadas”, pessoas não-públicas, presumíveis
leitoras. Os especialistas valem-se desse discurso representado para analisar e
explicar situações-problema, e aconselhar.
Assim, a representação do discurso também funciona no sentido de marcar e
reforçar o papel social do produtor e o papel social por ele atribuído ao destinatário.
As escolhas do discurso representado e a ação atribuída a esses discursos pelo
produtor são um indicativo disso: tipicamente, discursos de especialistas, como
psicólogos, terapeutas, psiquiatras, consultores de várias áreas profissionais, são
retrabalhados no conselho no sentido de reacentuar as orientações de
comportamentos dadas para as leitoras; de outro modo, discursos de pessoas não-
públicas são incorporados, normalmente, com o intuito de se apresentar uma
situação-problema sobre a qual se aconselha.
A representação do discurso do outro em um texto, realizada de forma consciente e
estratégica, ou não, é um recurso produtivo para a construção de sentidos, de
relações sociais e para a interação entre indivíduos. Nessa perspectiva, o estudo da
representação do discurso em conselhos será aprofundado com a apresentação de
dados empíricos no próximo item.
2. A representação do discurso e o engajamento em ações
Três observações relevantes devem ser consideradas ao se discutir a
intertextualidade em relação à representação discursiva: a primeira é a de que a
representação envolve uma reconstrução dos aspectos do evento discursivo de que
o discurso representado se constituiu; a segunda é a de que a representação de um
discurso requer escolhas: tipos de discurso a se representar, finalidades de se
154
realizar a representação, formas de se representar para se atender aos interesses
da nova produção; e a terceira é a de que os gêneros diferem no modo como eles
representam os discursos: considerando a seleção de tipos de discurso específicos
para se representar, as formas de se manifestar textualmente essa representação e
também as funções da representação desses discursos para sua ação social.
A análise da representação do discurso, no conselho, evidenciou que o espaço dado
ao discurso representado é estrategicamente pensado com o fim de reforçar a ação
sociodiscursiva do gênero: aconselhar as leitoras e, aconselhando, apresentar
discursivamente modelos de comportamentos reconhecidos socialmente. Por isso,
acreditamos ser importante analisar os mecanismos relativamente estáveis de
marcar a intertextualidade nos conselhos e assim identificar mais elementos que nos
informem sobre o funcionamento discursivo-textual do gênero.
I - Os tipos de discurso representados no conselho
Analisando a representação do discurso no conselho, identificamos que, neste
gênero, essa é uma estratégia intertextual bastante produtiva. Dos 68 textos
coletados, 88%, ou seja, 60 textos, são constituídos por algum tipo de discurso
representado. Complementando, os dados mostram que o produtor do conselho
seleciona tipos específicos de discursos representados para constituir e fundamentar
o texto.
Nossa análise evidenciou que os discursos representados no conselho podem se
enquadrar em dois grandes grupos, aqui categorizados segundo o nível de
reconhecimento social daquele de quem o produtor resgatou as palavras:
155
A) Discurso da autoridade trata-se do discurso de enunciadores de
notoriedade social representado pela produção discursiva de profissionais
especializados, como psicólogos, (75), e médicos, (76),
(75) (...) Filhos de mães superprotetoras tendem a ser inseguros e menos
preparados para as adversidades. “Ao impedir os jovens de se expor a
riscos ou de amadurecer com as próprias decisões, os pais não pensam
que um dia precisarão sobreviver sozinhos”, alerta a psicóloga Gláucia
Imparato, de São Paulo. (Revista Ana Maria, 468, p.30)
(76) O conselho do médico “Falar é cil, difícil é aplicar, né? Primeiro
porque nós não temos, geneticamente, uma defesa contra o excesso de
alimentação. (...) a única forma é as pessoas incorporarem no seu dia-a-dia
atividade física e, infelizmente, comer menos ou consumir comidas menos
calóricas. (...)” Drauzio Varela (Revista Mulher, 8, p.40)
e também pela produção de pessoas públicas, em geral, artistas de
reconhecimento da mídia televisiva nacional, como atrizes de novelas, Julia
Lemmertz, (77), e apresentadores de programas de tv, Ana Hickmann, (78),
(77) (...) Aqui, 25 famosos abrem o coração e ensinam a viver o grande
amor (...) “Pedir desculpas e não alongar as discussões são atitudes
importantes. O entendimento é essencial” Julia Lemmertz, mulher de
Alexandre (...) (Revista Ana Maria, 468, p.14)
(78) A dica da artista “Sempre consegui malhar até entrar na Record.
Depois, por causa da minha vida frenética, (...), ficava complicado, mas
agora, (...), vou conseguir, à tarde, ter meus cinco dias de malhação de volta
Ana Hickmann (Revista Mulher, 8, p.40).
B) Discurso da intimidade trata-se do discurso de enunciadores não
reconhecidos publicamente:
(79) (...) A estudante paulistana Ana Victória Rezende, de 14 anos, se
declara filha de uma e superprotetora. “Dia desses um amigo me
convidou para passar a tarde no condomínio dele. Minha mãe autorizou
depois que eu prometi voltar às 16h e fazer a mãe do garoto me buscar”,
recorda. (Revista Ana Maria, 468, p.30)
(80) (...) Frases como: “sacrifico minha vida por você e não recebo nada em
troca” (...) são inesquecíveis – no meu sentido – para uma criança. Portanto,
pegue leve e reflita na hora do nervoso, por mais difícil que possa parecer.
(...) (Revista Mulher, 7, p.10)
156
(81) (...) Meu marido viaja desde que nos casamos. Hoje ele até está
aposentado, mas não deixa de viajar. Ele chega a ficar um mês ou mais
sem voltar para casa. ame acostumei”, conta Cleide Machado Roque,
mulher do caminhoneiro João Roque Filho. (...) (Revista Malu, 154, p.11)
representado pela produção discursiva de enunciadores populares, como
filhos, (79), mães, (80), esposas, (81), entre outros.
A Tabela 5 mostra a incidência dos tipos de discurso nos conselhos segundo a
categorização apresentada:
Tabela 5 – Incidência da representação dos tipos de discurso em conselhos
Representação do discurso No. de textos em que
há discurso
representado
%
Discurso da autoridade 21 35
Discurso da intimidade 16 26, 7
Discursos da autoridade e da intimidade
ao mesmo tempo
23 38, 3
Total 60 100
Verificamos que há um equilíbrio na citação dos discursos de autoridade e da
intimidade no conselho. Isso demonstra que tanto uma quanto a outra exercem
funções de semelhante importância para a interação social mediada pelo gênero.
Embora a presença de ambos seja marcante nos textos, aspectos relativos à forma
de referência e aos objetivos discursivos com os quais o representados,
apresentam diferenças substanciais. Sobre essas diferenças, traçaremos, adiante,
comentários interpretativos: analisamos os papéis sociais associados aos discursos
representados e as formas de introdução do discurso representado (focalizando o
uso do verbo dicendi), considerando os objetivos que estão por trás da seleção
desses discursos para compor a constituição discursiva do conselho.
157
A) Discurso da autoridade
Representar o discurso de “autoridades” é uma forma de investir o enunciado de
valor social, visto essas autoridades constituírem-se modelos considerados por uma
coletividade como merecedores de respeito e respaldo. Ao se incorporarem esses
discursos da autoridade, incorporam-se também os elementos sociodiscursivos que
os permeiam, importando, assim, para o texto produzido, seu status.
Constatamos que os discursos de autoridades sociais representados nos conselhos
são tipicamente de duas ordens, conforme a área de reconhecimento social: o
discurso de especialistas, reconhecidos por representarem um grupo social de
profissionais com formação em alguma área específica de atuação, de perfil
acadêmico ou técnico, e o discurso de pessoas públicas, reconhecidas por
representarem um grupo social de pessoas em evidência na mídia brasileira.
Dos 44 textos em que a representação do discurso de autoridade, 90,9%
possuem, 40 textos, na sua constituição discursiva, o discurso de especialista
representado:
(82) (...) Se o que falta é um incentivo, a psicóloga Inês Cavaliere as
dicas! Ela é mestre em sexologia e especialista no assunto 15 anos.
TRANSFORME-SE Talvez você não tenha dos dotes físicos de Juliana
Paes, mas nada a impede de ser um furacão na cama e surpreender o seu
parceiro. Uma pessoa recatada e tímida, pode sim se transformar em uma
mulher ativa, dominadora e sensual na cama (...) O importante da fantasia
sexual é soltar a imaginação e a criatividade, procurando o que lhe desperta
interesse e desejo sexual”. (...) (Revista Malu, 165, p.27)
(83) (...) Segundo o psiquiatra infantil francês Marcel Rufo, autor do livro
Irmãos Para Entender Essa Relação (Editora Nova Fronteira), ao perceber
que a atenção total que lhe era dedicada será dividida, o filho mais velho
sofre um abalo emocional. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.36)
(84) (...) Os filhos mais novos também podem sentir ciúmes da confiança
dos pais e da maior liberdade concedida aos mais velhos. “Uma dose de
rivalidade entre irmãos é positiva. É uma preparação para experiências
158
posteriores de partilha e competição social”, explica a psicóloga Gláucia
Imparato de São Paulo. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.36)
(85) (...) Hoje as empresas estão mais interessadas em pessoas que saibam
usar suas habilidades com competência. E sabe o que isso significa? Que
você não pode ser apenas boa no que faz, mas tem que ser excelente!”,
responde o consultor de empresas Eugênio Sales Queiroz, especialista nas
áreas de marketing, e autor de cinco livros, entre eles Em busca da
excelência profissional (ed. Gente). (...) (Revista Amiga, 8, p.34)
Dentre os especialistas consultados pelas RFs, estão psicólogos, psicoterapeutas,
autores de livros de auto-ajuda, consultores (marketing, recursos humanos, finanças,
entre outros), para citar os profissionais mais referidos. A Tabela 6 mostra o número
de textos em que figura a representação de cada um dos tipos de especialistas
4
:
Tabela 6 – Discurso de especialistas representados em conselhos
Tipos de especialidades . de textos onde
é representado
. total de textos
com discurso de
especialistas
% por N°. de
textos com
discurso de
especialistas
Psicólogo 17 40 42,5
Psicoterapeuta 04 40 10,0
Autor 04 40 10,0
Consultor 03 40 7,5
Astrólogo 02 40 5,0
Advogado 02 40 5,0
Psiquiatra 02 40 5,0
Biólogo 01 40 2,5
Terapeuta 01 40 2,5
Psicanalista 01 40 2,5
Médico 01 40 2,5
Sexólogo 01 40 2,5
Delegado 01 40 2,5
Professora de artes sensuais 01 40 2,5
Dono de escola 01 40 2,5
Gerente de marketing 01 40 2,5
Economista 01 40 2,5
Executivo 01 40 2,5
Personal stylist 01 40 2,5
Considerando o número de textos permeados pelos discursos de especialistas, o
discurso da especialidade psicólogo é o de maior recorrência de representação no
 
4
Observamos que textos em que ocorre a representação de mais de um tipo de discurso de
especialista, podendo, nesses casos, verificarmos também a coexistência de diferentes tipos
especialidades.
159
conselho, seguido do de psicoterapeuta, do de autor de auto-ajuda e do de
consultor. Na introdução do trabalho, evidenciamos que as temáticas relacionamento
amoroso-sexual e relacionamento familiar são aquelas com as quais a maior parte
dos textos coletados se relacionam: isso justifica a seleção do discurso dos
profissionais em condições técnico-profissionais para abordar o tema. Igualmente,
nos textos de temática relacionamento profissional, vimos a representação do
discurso de consultores, economistas, executivos, entre outros.
A representação do discurso dos especialistas no conselho tem um forte poder no
sentido de legitimar as informações apresentadas textualmente. Verifica-se que esse
discurso incorporado ao conselho é pautado em estudos e pesquisas de
credibilidade social, sistematizados, muitas vezes, pela educação acadêmica formal,
os quais respaldam os conselhos apresentados.
No texto “Solte a Creuza que existe em você”, o produtor busca incentivar as
mulheres a viverem suas fantasias sexuais com seus parceiros. Para tanto, vale-se
da representação do discurso da psicóloga Inês Cavalieri, (82), a qual é qualificada
como mestre e especialista no tema. no texto “Irmãos sem rivalidade”, os
discursos do psiquiatra infantil Marcel Rufo, (83), e da psicóloga Gláucia Imparato,
(84), respaldam a discussão do tópico “rivalidade entre irmãos”, cada qual à luz da
sua ciência. Do mesmo modo, no texto Habilidade + competência = sucesso”, o
discurso do consultor de empresas Eugênio Sales Queiroz é representado, (85),
para discutir as linhas de atuação no mercado de trabalho.
É interessante notar que o uso do recurso formal de apresentação de credenciais
dos enunciadores representados é uma estratégia para marcar o posicionamento
social da autoridade especializada; assim, a especificação da sua formação junto ao
160
seu nome próprio (negrito), a indicação da sua área de especialidade (sublinhado),
das obras de sua autoria (itálico) e da região de origem ou onde atua (sublinhado e
itálico) constituem uma tônica comum ao se representarem os discursos no
conselho, como verificamos nos exemplos citados anteriormente:
(82) (...) a psicóloga Inês Cavaliere as dicas! Ela é mestre em sexologia
e especialista no assunto há 15 anos. (...) (Revista Malu, 165, p.27)
(83) (...) Segundo o psiquiatra infantil francês Marcel Rufo, autor do livro
Irmãos Para Entender Essa Relação (Editora Nova Fronteira) (...) (Revista
Ana Maria, 465, p.36)
(84) (...) explica a psicóloga Gláucia Imparato de o Paulo. (...) (Revista
Ana Maria, 465, p.36)
(85) (...) responde o consultor de empresas Eugênio Sales Queiroz,
especialista nas áreas de marketing, e autor de cinco livros, entre eles Em
busca da excelência profissional (ed. Gente). (...) (Revista Amiga, 8, p.34)
Considerando, ainda, os textos em que figuram discursos de autoridade, verificamos
que em 15,9% deles a presença de discursos de pessoas públicas. Embora em
menor incidência que o discurso dos especialistas, a retomada das palavras das
pessoas em evidência na mídia também contribui para valorizar o teor informativo do
texto e sua força de ação, no caso aconselhar, visto o público da revista feminina
mostrar-se interessado na vida e no trabalho desse grupo social e, sobretudo,
espelhar-se nas suas experiências de vida:
(86) (...) Quente como a tentação Mesmo por trás do jeito recatado de
Creuza, há uma amante fogosa pronta para enlouquecer qualquer homem. A
personagem de Juliana Paes pode até ser dissimulada, ao fingir que é cheia
de pudores, enquanto, na verdade, é quente. Mas esse tipo de mulher tem lá
o seu mérito para deixar o homem babando. A sedução dela é pelo recato”,
diz Juliana, entregando o segredo de Creuza. (...) (Revista Mulher, 7, p.35)
(87) (...) Pais famosos apontam 13 cuidados importantes para que os filhos
cresçam felizes, responsáveis e saudáveis. (...) 5. o exemplo. “Desde
pequena, ensinei minha filha a ter humildade. No trabalho, a estimulei a lutar
por conta própria, sem pedir a minha ajuda, nem a de terceiros. Quando a
criança é pequena, acho que devemos educar com exemplos, faz mais
efeito do que falar. Não adianta dizer uma coisa e fazer outra.” Claudete
Troiano, apresentadora, mãe de Marcela, 21 anos (...) (Revista Ana
Maria, 469, p.36)
161
(88) (...) A modelo Luiza Brunet recorda que sua filha, Yasmim, sofreu muito
com a chegada do irmão, Antônio, mesmo ele sendo 12 anos mais novo.
“Antônio nasceu fraquinho e tive que me dedicar mais a ele, mas a Yasmim
se sentiu negligenciada. Então, ela brigava muito com ele”, lembra. (...)
(Revista Ana Maria, 465, p.36)
A representação de produções discursivas associadas a enunciadores, como atores
de novela, (86), apresentadores de Tv, (87), modelos, (88), e outros, demonstrou-se
produtiva no conselho, como nos evidencia a Tabela 7
5
:
Tabela 7 – Discurso de pessoas públicas representado em conselhos
Tipos de atuação . de textos onde são
representados seus
discursos
. total de textos com
discursos de pessoas
públicas
% por N°. de
textos com
discursos de
pessoas
públicas
Atriz/ ator 05 07 71,4
Modelo 03 07 42,8
Apresentador(a) de tv 02 07 28,6
Cantora 02 07 28,6
Dançarina 01 07 14,3
Empresária 01 07 14,3
Jornalista 01 07 14,3
A “autoridade” do discurso das pessoas blicas decorre do fato de serem
representantes de um grupo social de destaque na mídia e, portanto, com um alto
potencial para formação da opinião pública. No texto “Elas têm o poder Inspire-se
nas personagens da novela América que sabem deixar os homens aos pés delas”,
ao tratar da forma usada pela personagem Creuza para seduzir os homens, o
produtor do texto representa o discurso da atriz que interpreta o papel daquela
personagem na novela, Juliana Paes: “A sedução dela é pelo recato”, (86). Esse
discurso é retomado com o intuito de referendar a linha de aconselhamento
desenvolvida no texto: as leitoras devem seguir os modelos das personagens da
novela para seduzir seus parceiros.
 
5
Observamos que há textos em que ocorre a representação de mais de um tipo de discurso de
pessoas públicas, podendo, nesses casos, verificarmos também a coexistência de diferentes tipos de
atuação.
162
Ao traçarmos considerações sobre o discurso da mídia das RFs, no Capítulo 2,
destacamos, na análise de capas, a tendência de se construírem, pelo discurso,
padrões de identidade para mulheres, em muito, com base na apresentação de
pessoas públicas, por exemplo, atrizes, cantoras, entre outras, como modelos de
sucesso pessoal ou profissional. O discurso das pessoas públicas representado no
conselho também colabora para reforçar essa construção identitária: esse discurso é
tipicamente representado para se relatarem experiências que servirão de modelo de
comportamentos para as pessoas. No texto “Onde foi que eu acertei”, o discurso de
vários pais famosos é referido no sentido de propor formas de comportamentos
“acertados” na relação pais e filhos. As palavras de pessoas de reconhecimento
público, como as da apresentadora Claudete Troiano, (87), são citadas para
apresentar como os pais devem agir com seus filhos, para que cresçam, conforme o
teor opinativo do texto, “felizes, responsáveis e saudáveis” como cresceu a filha de
Claudete, Marcela. Essa relação intertextual do conselho permite ao produtor
persuadir o destinatário do texto a seguir as condutas estabelecidas
discursivamente.
Percebemos que, muitas vezes, diferente do que ocorre com a representação do
discurso de especialistas, o discurso da pessoa blica o é usado pelo produtor
para aconselhar de forma direta, mas para expor exemplos de vida dignos de serem
seguidos, (87). Também observamos que o discurso de pessoas públicas pode,
ainda, ser representado para servir de base para o produtor ou outros especialistas
citados no texto aconselharem. Em (88), o discurso da modelo Luiza Brunet é
representado para exemplificar a atitude de hostilidade tomada pela sua filha mais
velha quando da chegada do filho mais novo, um problema vivido por Brunet. Esse
discurso está articulado com outros discursos, os dos especialistas: psiquiatra
163
Marcel Rufo e psicóloga Gláucia Imparato, também representados no texto -
retomemos os exemplos(83) e (84):
(83) (...) Segundo o psiquiatra infantil francês Marcel Rufo, autor do livro
Irmãos Para Entender Essa Relação (Editora Nova Fronteira), ao perceber
que a atenção total que lhe era dedicada será dividida, o filho mais velho
sofre um abalo emocional. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.36)
(84) (...) Os filhos mais novos também podem sentir ciúmes da confiança
dos pais e da maior liberdade concedida aos mais velhos. “Uma dose de
rivalidade entre irmãos é positiva. É uma preparação para experiências
posteriores de partilha e competição social”, explica a psicóloga Gláucia
Imparato de São Paulo. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.36)
O discurso do primeiro especialista, (83), é introduzido para explicar “o abalo
emocional” sofrido pelo filho mais velho; segue-se o discurso da modelo Luiza
Brunet, (88), exemplificando o referido tipo de “abalo”; na seqüência, as explicações
da psicóloga sobre o problema, (84) e, só assim, o aconselhamento do produtor do
texto:
(89) O importante é que os pais administrem os sentimentos envolvidos nas
disputas para que eles deixem lições no lugar de mágoas. (Revista Ana
Maria, 465, p.36)
Nesse sentido, o produtor articula os discursos da autoridade, dando o peso da
explicação de problemas e do aconselhamento para o especialista, e o da
exemplificação, a fim de dar veracidade à apresentação de um fato, para a pessoa
pública. Por fim, fecha seu texto referendando a linha argumentativa dos
especialistas.
Num caminho muito mais persuasivo do que argumentativo, a representação do
discurso de pessoas públicas, assim, pauta-se pela busca de incorporar às idéias do
texto informações oriundas da experiência cotidiana de “famosos”, e não da
construção do saber técnico-científico, como observamos no caso da incorporação
do discurso da especialidade. Desse modo, os recursos formais de introdução do
discurso representado apresentam particularidades: embora seja apresentada a
164
profissão da pessoa pública - cantor, ator, modelo, entre outros -, não se especificam
outras credenciais, como campo de atuação ou obras publicadas, uma vez que pela
“fama” as leitoras conhecem suas referências; contudo, é comum a apresentação
de imagens dessas pessoas públicas referidas:
(86a)
Revista Mulher, 7, p.35
(87a)
Revista Ana Maria, 469, p.36
(88a)
Revista Ana Maria, 465, p.36
165
A imagem é uma linguagem sedutora que pode contribuir para atrair a atenção do
leitor para a leitura do texto; e, especialmente, sendo uma imagem referente a uma
pessoa pública, esse potencial de sedução parece se ampliar: em (86a), retrata-se a
personagem de uma novela de grande audiência da emissora de Tv Rede Globo,
Creuza, interpretada pela atriz Juliana Paes; em (87a), retrata-se um dos pais
famosos, a atriz Luiza Tomé, aparentemente feliz com a sua família, cujo
depoimento também é representado no mesmo texto em que o discurso da
apresentadora Claudete Troiano é citado; finalmente, em (88a), vê-se a família da
modelo Luiza Brunet, também sugerindo a idéia de que há, no momento, harmonia
no lar (na legenda, a frase é composta de uma oração expressa com o verbo no
passado “Yasmim implicava com o irmão”, indicando que o problema “rivalidade
entre irmãos” já foi superado).
B) Discurso da intimidade
No que se refere ao discurso da intimidade, nota-se que o produtor representa no
seu texto, essencialmente, produções discursivas associadas a grupos de pessoas
comuns (não-públicas), como mães, estudantes, profissionais liberais, bem como a
grupos de enunciadores genéricos, ou seja, resgata do domínio do cotidiano
palavras que fazem parte da memória discursiva popular de uma comunidade, como
ditados populares, ou, ainda, frases típicas que também mães, filhos, esposas,
funcionárias de empresas (pessoas não-públicas) usam no seu dia-a-dia.
166
Dos 39 textos, gênero conselho, em que a representação do discurso da
intimidade, em 66,7%, 26 textos, verificamos o discurso de pessoas comuns
representado:
(90) (...) Mariana Gomes, 27, viveu a experiência de sentir o casamento
esfriar, mas conseguiu reverter a situação. (...) Por coincidência ou o, ela
engravidou nessa mesma época. O que faltava era a gente se encontrar”,
brinca. Agora eles reservam ao menos um dia da semana para sair
sozinhos e namorar. “Com a chegada do bebê, o casal perde um pouco a
identidade, mas vamos preservar nossa intimidade”, diz ela. (...) (Revista
Mais Feliz, 141, p.36)
(91) (...) “Tenho 25 anos e namoro quatro anos. Meu pai é um homem
muito doente e disse que, se meu namorado for à minha festa de formatura,
ele não irá e ainda fará um escândalo. Ele fez várias chantagens desse
tipo. Meu namorado me deu muito apoio para que eu concluísse a
faculdade, o posso aceitar a idéia de estar longe dele nesse dia. O que
eu faço?” Silvana, por e-mail (Revista Ana Maria, 469, p. 49)
(92) (...) Entre 3 e 5 anos As dúvidas dessa fase são relacionadas a coisas
que de alguma forma soaram estranhas para eles. Por que meu pipi está
duro?”, disparou Pedro, 4 anos. A mãe do garoto explicou que sempre que
brincasse daquela maneira o órgão ficaria daquele jeito. Aproveitou ainda
para dizer que esse tipo de brincadeira deveria ser feito no seu quarto,
com a porta fechada, e não na frente das outras pessoas.(...) (Revista Mais
Feliz, 150, p.27)
(93) (...) Elysabete Acioli, coordenadora de uma das áreas do Serviço ao
Cliente do Banco Itaú, começou como temporária e, uma vez contratada,
traçou para si uma meta de crescimento objetiva. (...) Acredito que com
trabalho, dedicação e capacidade de aprendizado, toda mulher pode chegar
a qualquer cargo em uma empresa. O medo não pode fazer parte do nosso
dia-a-dia e os homens devem ser tratados como iguais, pois o simples
sentimento de inferioridade diante deles nos prejudica”, diz. (Revista Ana
Maria, 465, p.18)
O discurso de esposas, (90), de namoradas, (91), de filhos e mães, (92), de
funcionárias de empresa, (93), está relacionado a grupos de pessoas que não são
reconhecidas socialmente por desenvolverem uma atividade de consultoria
profissional ou um trabalho de evidência pública na mídia, caso do discurso de
autoridade, já comentado.
Os discursos de pessoas comuns representados com maior incidência em
conselhos estão apresentados na Tabela 8, os quais foram subdivididos conforme a
167
especificação da posição social (atuação profissional, atuação familiar e outras)
apresentada pelo produtor do texto no momento da representação discursiva da sua
fonte:
Tabela 8– Discurso de pessoas comuns representado em conselhos
Tipos de pessoas comuns . de textos
onde são
representados
seus
discursos
. total de
textos com
discursos de
pessoas
comuns
% por N°. de
textos com
discursos de
pessoas comuns
Profissão
Funcionária de empresa 03 26 11,5
Professora 02 26 7,7
Estudante 02 26 7,7
Secretária 01 26 3,8
Terapeuta holística 01 26 3,8
Arquiteta 01 26 3,8
Fonoaudióloga 01 26 3,8
Relação familiar
Esposa 04 26 15,4
Mãe 03 26 11,5
Filho 02 26 7,7
Ex-esposa 01 26 3,8
Irmã 01 26 3,8
Noiva 01 26 3,8
Leitora
Leitora cuja profissão ou
relação familiar não foi
identificada
03 26 11,5
O discurso de pessoas comuns no conselho é, normalmente, representado pelo
produtor para apresentar uma experiência de vida que retrate comportamentos
sociais sobre os quais se objetiva aconselhar:
No texto “20 maneiras de manter a paixão em alta”, o discurso de uma esposa,
Mariana Gomes, (90), é representado para evidenciar uma situação de problema e
superação: como uma mulher casada agiu para não deixar o seu casamento ser
destruído pela rotina. Do mesmo modo ocorre com o texto “Escalada para o
sucesso”, no qual a experiência de vida de uma funcionaria é narrada e o seu
discurso é usado para referendar as atitudes que devem ser tomadas no ambiente
168
de trabalho, (93). São modelos de sucesso usados para ilustrar comportamentos
“acertados” segundo a linha de argumentação dos textos.
No texto “Pai ou namorado?”, o discurso de uma filha e namorada é representado
para retratar um problema familiar que carece de solução, (91). O produtor do texto,
assinante de uma coluna que visa a responder cartas das leitoras enviadas para a
RF, o especialista Dr. Luiz Cuschnir (psicoterapeuta e psiquiatra), avalia a situação e
aconselha à leitora:
(94) Que escolha mais cruel... Você deve estar na maior “saia justa”, como
se fala. (...) Você precisa tentar prever qual estrago vai ser maior se nenhum
dos dois ceder. (...) (Revista Ana Maria, 469, p. 49)
De forma semelhante, no texto “Fale de sexo com o seu filho”, verificamos a
representação discursiva de duas produções: a de um filho e, na seqüência, a da
sua mãe, (92) que traz para o texto uma problematização: o discurso do filho ilustra
uma situação embaraçosa pela qual muitos pais podem passar, falar sobre sexo
com uma criança, e a da mãe, o proceder que um pai pode adotar diante do
problema que se coloca. Em seguida, outra fonte de discurso representado
(especialista psicólogo e orientador sexual Maurício Arroyo Torselli) avalia o
comportamento da mãe diante da situação e aconselha:
(95) Ela fez certo. Errado seria dizer que manipular os genitais era feio ou
ruim. A criança sabe que é bom e isso faz parte do seu processo de
conhecimento do próprio corpo”, explica Maurício. (Revista Ana Maria, 469,
p. 49)
Observamos que a apresentação formal dos discursos de pessoas comuns nos
textos ocorre com base na especificação, conforme a temática, do nome próprio do
enunciador referido seguido do papel social que ocupa numa relação familiar, como
em
169
(92), (...)“Por que meu pipi está duro?”, disparou Pedro, 4 anos. A mãe do
garoto explicou que sempre que brincasse daquela maneira o órgão ficaria
daquele jeito.(...) (Revista Mais Feliz, 150, p.27) (grifo nosso),
ou numa relação profissional, como em
(93) (...) Elysabete Acioli, coordenadora de uma das áreas do Serviço ao
Cliente do Banco Itaú, começou como temporária e, uma vez contratada,
traçou para si uma meta de crescimento objetiva. (Revista Ana Maria, 465,
p.18) (grifo nosso),
além da apresentação de numerais referentes à sua idade, como em
(90) (...) Mariana Gomes, 27, viveu a experiência de sentir o casamento
esfriar, mas conseguiu reverter a situação. (...) (Revista Mais Feliz, 141,
p.36) (grifo nosso).
No caso específico das colunas em que se publicam cartas, como em (91), a
referência ao enunciador, cujo discurso é representado, ocorre com particularidades:
Nome próprio completo, ou iniciais do nome completo, e circunstância de
lugar: “Diana Neusa de Magalhães, São Paulo, SP” (Revista Amiga, 7,
p.19); “M.O.Taguatinga, DF” (Revista Ana Maria, 459, p. 48)
Primeiro nome ou iniciais do nome próprio e circunstância de modo de
envio: “Silvana, por e-mail” (Revista Ana Maria, 469, p.49)
Apenas o primeiro nome: “Antonia” (Revista Mulher, 7, p.5)
nessa representação do discurso uma preocupação de não revelar a identidade
da fonte, visto que, muitas vezes, os problemas apresentados para avaliação e
aconselhamento do especialista são de ordem particular, retratam a intimidade da
leitora que enviou a carta. De todo modo, na introdução formal dos discursos de
pessoas comuns, verifica-se a preocupação de informar a leitora de dados
particulares da fonte: nome, idade, o que faz, onde mora. Essas informações
170
permitem à leitora se familiarizar com esse discurso, que, pelo perfil do próprio
público da revista, a leitora também compartilha de dados semelhantes de
identificação.
Considerando, ainda, os textos em que figuram discursos de intimidade, verificamos
que em 50% deles há a presença de discursos de enunciadores genéricos. Esse tipo
de discurso é representado ao longo da produção textual, normalmente com o
recurso das aspas, porém sem que haja uma referência expressa a uma fonte
intertextual de origem, ou seja, é um discurso sobre o qual não se sabe quem o
enunciou, podendo ser atribuído a qualquer pessoa que se identifique com o tema
tratado no texto e com a posição social a ele correlacionado, como sublinhado nos
exemplos comentados:
(96) (Revista Mulher, 7, pp.42-43)
(...) Todo mundo diz que ciúme é aquela pitada de tempero essencial ao
cultivo do amor (...) É exatamente como diz o velho ditado: ‘quem ama
cuida’. (...) O grande problema do ciúme é quando ele deixa de ser uma
pitada e passa a ser uma colher exageradamente cheia, que acaba
roubando o gosto de todos os outros ingredientes que fazem parte de um
relacionamento saudável. (...)
(Comentário: ditado popular representado pelo produtor para contra-
argumentar o ciúme doentio)
(...) “por que você olha tanto para a minha amiga? Vocês estão tendo um
caso, é?!” (...)
(Comentário: discurso atribuído a uma provável leitora muito ciumenta
usado pelo produtor para dar exemplos de atitudes de ciúmes
“condenáveis”)
(...) Se esse tipo de ciúme acontece na sua vida, pense em como anda a
sua auto-estima. Você deve estar com o amor próprio batendo no
subterrâneo de o baixo e se perguntando direto ‘o-que-será-que-ele-viu-
em-mim?’.” (...)
(Comentário: discurso atribuído a uma provável leitora muito ciumenta
usado pelo produtor para explicar o porquê de as pessoas terem ciúme
doentio)
171
(97) (Revista Mulher, 8, p.42)
“Todas querem meu marido” Quando o seu parceiro é o desejo de outras
mulheres também, manter a cabeça no lugar é a solução (...)
(Comentário: discurso atribuído a uma provável leitora cujo marido é
objeto de desejo de outras mulheres, usado, como título do texto, pelo
produtor para introduzir o problema sobre o qual tratará com fins de
aconselhamento)
(98) (Revista Mais Feliz, 150, p.27)
(...) Entre 6 e 8 anos Nesse período, a grande questão para os pais é até
onde devem chegar. “Responda de acordo com a necessidade e a idade de
seu filho”, recomenda Ivani Rubio (especialista). “As clássicas (e
constrangedoras!) perguntas ‘De onde eu vim?’, ‘Como nasci?’, ‘Como
nascem os bebês?’ surgem nessa época da infância.” (...)
(Comentário: discurso associado a produções de filhos em idade
específica, usado para exemplificar tipos de perguntas
“constrangedoras” e, portanto, problemáticas, às quais os pais devem
responder conforme orientação de um especialista, cujo discurso
também é representado no texto).
(99) (Revista Viva, 297, p.23)
(...) É comum se escutar: “Nossa, como é que ela consegue?”. “Isso vem da
energia que se emana. Ter carisma, antes de tudo, é ser incansável em
seus objetivos, sem passar por cima dos outros”, explica Sérgio. (...)
(Comentário: discurso atribuído aos indivíduos que rodeiam uma
pessoa carismática e a admiram. Com base nesse discurso, um
especialista explica uma característica comportamental que deve ser
seguida)
Pelos comentários realizados, verifica-se que a retomada de palavras dos
“populares”, a representação do discurso de intimidade, nos conselhos, presta-se a
servir de pano de fundo para que o produtor do texto, incluindo-se as suas consultas
a profissionais especializados, problematize uma situação e apresente seus
conselhos. Com base na avaliação (“certo” ou “errado”) dos comportamentos que as
pessoas apresentam, o produtor estabelece os comportamentos “ideais” a serem
adotados.
172
Verificamos uma estreita relação da representação do discurso de pessoas comuns
e enunciadores genéricos com o próprio processo de endereçamento do gênero. O
papel social atribuído ao destinatário do conselho
6
tem correlação com o papel social
ocupado pelos enunciadores que têm os seus discursos representados: mulheres
mães ou não, casadas ou solteiras, muitas atuantes no mercado de trabalho formal e
também informal.
Percebemos, assim, o estabelecimento de laços de familiaridade entre o destinatário
do texto e os enunciadores aos quais está associada a representação do discurso
da intimidade. Observamos que a representação do discurso íntimo no conselho
tem, em geral, funções de exemplificar problemas, ilustrar ou solicitar soluções,
sendo usada como elemento de base para o aconselhamento do produtor. Desse
modo, por associação, o destinatário do conselho também é posicionado como
aquele passível de experienciar situações problemáticas e, portanto, de necessitar
de ajuda, o que reforça o potencial de ação do gênero: aconselhar.
II - Como se representam os discursos? O papel dos verbos representadores
na ação sociodiscursiva do conselho
Para representar um discurso, o produtor de um texto retoma discursos proferidos
por enunciadores anteriores e os recontextualiza ao incorporá-los à sua nova
produção discursiva. Do ponto de vista formal, os discursos anteriores são
retextualizados para, assim, se ajustarem ao novo contexto de uso. São várias as
possibilidades de o produtor representar outros discursos; nos textos analisados, as
 
6
Abordado no item anterior 1.1 Aspectos envolvidos na produção e no consumo do conselho:
construção das relações sociodialógicas.
173
que se mostraram mais incidentes foram aquelas com base em citações diretas,
seguidas das citações indiretas, as quais são introduzidas com o apoio de:
a) expressões adverbiais que indiquem conformidade, em negrito:
(100) (...) Segundo o psiquiatra infantil francês Marcel Rufo, autor do
livro Irmãos (...) ao perceber que a atenção total que lhe era dedicada será
dividida, o filho mais velho sofre um abalo emocional. (...) (Revista Ana
Maria, 465, p.36)
(101) (...) De acordo com a psicóloga, muitos homens nem consideram
suas puladas de cerca como traição. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.37)
b) pontuação, com o sinal de dois pontos seguido de citação direta ou o ponto
final seguido de citação direta, sublinhados, respectivamente:
(102) (...) Em muitos casos, uma nova dívida consegue pagar outra. O
conselho parece estranho, mas é isso mesmo: “Se você está pagando um
juro muito alto, o melhor é fazer um empréstimo com juros menores para
poder pagar as contas”. (...)(discurso representado do economista Willian
Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo) (Revista Malu, 165, p.7)
(103) (...) Viviana Fernandes Silva, 26, casada pela segunda vez, toma
cuidados que não teve na relação anterior. O casal tem por regra que
palavrão o é permitido em nenhuma situação. “É uma forma de
mantermos o respeito entre a gente”.(...) (Revista Mais Feliz, 141, p.37)
c) verbos representadores, também chamados aqui de verbos dicendi, em
negrito:
(104) (...) Ter carisma, antes de tudo, é ser incansável em seus objetivos,
sem passar por cima dos outros”, explica Sérgio. (...) (Revista Viva, 297,
p.23)
(105) (...) “Tenho que envelhecer bacana, sem lutar contra o inevitável”,
acredita a atriz Ângela Vieira. (Revista Mulher, 8, p.26)
174
Defendemos que a forma de representação tanto do discurso da autoridade quanto
do discurso da intimidade é estrategicamente organizada para que a ação
sociodiscursiva do conselho seja constituída e reforçada. Assim, analisar as
escolhas formais dessa representação pode nos fornecer informações importantes
para compreendermos o seu funcionamento na produção de sentidos e de ações
neste gênero.
Optamos, assim, por investigar o papel dos verbos representadores na ação
sociodiscursiva do conselho, não por considerarmos que as outras formas de
representar o discurso alheio tenham menor valor investigativo e, por isso, não
possam contribuir para o entendimento das práticas discursivo-textuais em questão,
mas por verificarmos que, além de o seu uso ser recorrente no gênero, essa
categoria verbal possui um grande potencial de estruturação das informações
textuais. Além de introduzir um discurso, o verbo representador carrega em si a
carga da interpretação que o produtor faz do discurso representado, marca a força
ilocucionária
7
deste tipo discurso, bem como do nível de prestígio dado ao
enunciador de quem retoma o discurso.
Os verbos dicendi identificados no nosso corpus estão apresentados no Quando 4,
distribuídos pelos tipos de discurso representados, por número de ocorrência no
conselho:
 
7
Entender aqui força ilocucionária” no sentido de Austin (1990): aquilo que é literalmente dito, ato
locucionário, o que é feito com uma força ilocucionária, um objetivo comunicativo que, espera-se, seja
reconhecido e compreendido como pretende o enunciador. Este ato pretendido é o que Austin chama
de ato ilocucionário. Em contrapartida, as pessoas podem ou não compreender o ato ilocucionário; à
forma como se recebem tais atos e se estabelecem elementos para novas interações dá-se o nome
de efeito perlocucionário, efeito real daquilo que foi dito.
175
Quadro 4 – Verbos dicendi no conselho
Discurso de autoridade Discurso de intimidade Verbo
Especialista Pessoa pública Pessoa comum Enunciador
genérico
Achar 1
Aconselhar 5 1
Acreditar 1 1
Acusar 1
Admirar 1
Advertir 1
Afirmar 6 2
Alertar 3
Analisar 2 1
Apontar 2 1 1
Apresentar 3
Avaliar 3
Averiguar 1
Avisar 3
Brincar 1
Comemorar 1
Comentar 1 1
Complementar 1
Completar 2
Concluir 3
Constatar 2
Contar 1 1
Dar 2
Defender 2
Definir 2 1
Disparar 1
Dizer 10 1 5 2
Enumerar 1
Esclarecer 1
Exemplificar 1
Explicar 11 4
Fazer 1
Garantir 2
Lembrar 6 1 4
Mostrar 1
Opinar 1 1
Orientar 3
Perguntar 1
Questionar 1
Recomendar 1
Reconhecer 1
Recordar 1 2
Responder 1
Ressaltar 2
Revelar 1 1 1
Sugerir 2
Observa-se, pela leitura do quadro, que a maior diversidade de verbos dicendi está
associada aos discursos de especialistas e aos de pessoas comuns. Além disso,
176
esses são os tipos de discurso que possuem o maior número de ocorrências desse
tipo de verbo. Por essa razão, tê-los-emos como foco nas nossas análises.
O discurso de especialistas é introduzido, por ordem de incidência, pelos verbos
“dizer”, explicar”, “afirmar”, aconselhar”, “lembrar”; quanto ao discurso de
pessoas comuns, os verbos dizer”, “lembrar”, “explicar” e “afirmar” figuram, em
ordem decrescente, com maior incidência (ver grifo, Quadro 4). Desse modo,
comentaremos, com mais ênfase, as produções discursivas das quais esses verbos
destacados participam, em alguns momentos, apontando os demais verbos que a
esses possam ser associados, considerando a existência de correlações nas
relações semânticas ou funções comunicativas de uso. É importante observar que
analisaremos o verbo “dizer” junto aos comentários dos verbos de destaque
“explicar”, “afirmar”, “aconselhar”, “lembrar”, pois, embora tenha sido o de maior
incidência em ambos os tipos de discurso, é um verbo que assume as várias
funções que esses outros desempenham.
EXPLICAR
(106) (...) “Os filhos estão indo para escola com dois anos de idade, na
média universal, e os pais foram para escola com sete anos de idade, e
essa diferença de cinco anos está fazendo falta na formação das crianças.
Elas são mais sociais do que familiares”, explica o psiquiatra Içami Tiba,
que é autor do livro Quem ama educa, editora Gente. (...) (Revista Mulher,
8, p.8)
(107) (...) A traição, após perdoada, também pode desencadear, crises de
ciúmes. “Se o casal decide manter a relação, um vel maior de ciúme deve
ser esperado”, explica a psicoterapeuta individual e de casal Kelen de
Bernardi Pizol. (...) (Revista Mulher, 7, p.43)
(108) (...) A psicóloga Arilda Ximenes, de Goiânia, explica que, ao entrar na
faixa entre os 40 e os 50 anos, os homens costumam sofrer um abalo na
auto-estima por sentirem que estão envelhecendo. (...) (Revista Ana Maria,
465, p.36)
177
(109) (...) É comum se escutar: “Nossa como ela consegue?”. Isso vem da
energia que se emana. Ter carisma, antes de tudo, é ser incansável em
seus objetivos, sem passar por cima dos outros”, explica Sérgio. (Sérgio
Savian, dono de escola de relacionamento) (...) (Revista Viva, 297, p.22)
(110) (...)“Por que meu pipi está duro?”, disparou Pedro, 4 anos. A mãe do
garoto explicou que sempre que brincasse daquela maneira o órgão ficaria
daquele jeito.(...) (Revista Mais Feliz, 150, p.27)
(111) (...) A decisão veio da necessidade de administrar a profissão e a
grande quantidade de consultas relacionadas a sua paranormalidade. “”Tive
que optar por uma ou outra coisa, pois estava trabalhando quase o dia
inteiro! Dava consulta dentro do escritório, porque as pessoas acabavam
vindo até mim, por acaso ou por indicação”, explica a terapeuta. (...)
(Revista Mais Feliz, 141, p.50)
(grifo nosso)
O verbo “explicar” atua na representação do discurso não apenas como um recurso
formal para indicar que as “palavras” de alguém estão sendo representadas, mas
também é indicador de um tipo de ação discursiva produzida num contexto anterior,
ou ao menos presumida, pelo produtor do novo texto. Dentre as acepções
semânticas que o referido verbo pode ter, observamos que, no conselho, seu uso
atribui ao discurso representado a noção de “fazer entender” e, ainda, “dar a
conhecer a origem ou o motivo de algo”
8
.
Identificamos que o verbo “explicar” foi o mais usado para introduzir o discurso de
especialistas. Verificamos que o objeto da explicação no conselho diz respeito,
normalmente, aos fatos que ocorrem na sociedade, às reações das pessoas diante
dos fatos. Tenta-se, assim, fazer entender ou dar a conhecer a origem ou o motivo
dos comportamentos e dos pensamentos humanos.
 
8
As acepções de todos os verbos dicendi em análise foram consultadas em Houaiss (2001).
178
Analisando os discursos representados, considerando as relações semânticas e
pragmático-discursivas que se estabelecem entre os segmentos textuais que os
organizam, verificamos que o valor de “explicação” atribuído para as citações é
construído com base em enunciados que expressam não apenas relações de
explicação ou justificativa, mas também relações de causa, conseqüência, condição
e especificação.
Em (106), um psiquiatra, ao tratar do tema “tempo para as crianças”, constata um
fato típico da atualidade: “Os filhos estão indo para a escola com dois anos de idade,
na média universal, e os pais foram para a escola com sete anos de idade”. Com
base nesse fato, aponta uma relação de conseqüência e essa diferença de cinco
anos está fazendo falta na formação das crianças” e, na seqüência, é que apresenta
um encadeamento explicativo “Elas são mais sociais do que familiares”, que tem a
função de justificar o porquê dos problemas afetivos e emocionais dos filhos: a falta
de tempo de convívio familiar, aliada a pouca atenção dedicada pelos pais a suas
crianças. Segundo o produtor do texto, esse fato pode gerar uma conseqüência
grave, contudo ainda o que fazer para evitá-la; assim, da explicação, segue-se o
ato de aconselhar do produtor do texto: “é preciso que os pais transmitam para os
filhos os seus valores e isso é possível no convívio diário, nos momentos de
descontração, na hora do jantar, num bate-papo antes de dormir...”.
Os exemplos (107) e (108) tratam de temas correlatos: o primeiro, o ciúme doentio, e
o segundo, a traição. À luz da ciência, o discurso da psicoterapeuta e o da psicóloga
são representados para tecer comentários explicativos sobre comportamentos
identificados como típicos.
179
Em (107), o discurso do especialista aponta que “A traição, após perdoada, também
pode desencadear crises de ciúmes. ‘Se o casal decide manter a relação, um nível
maior de ciúme deve ser esperado’ ”. Com base na construção de uma relação
condicional, apresenta-se a provável origem do ciúme doentio, o “tempero que
estraga a relação”. Assim como ocorre em (106), a explicação serve de apoio para o
aconselhamento do produtor do texto: o que se tem que fazer para curar o ciúme “é
descobrir o que lhe dá insegurança (...) e, a partir disso, conversar honestamente
com ele (o parceiro). Ou tomar uma dose bem cheia de auto-estima”.
em (108), constata-se que um dos porquês da “traição masculina”, da busca
pelas “ninfetas” (mulheres mais novas, segundo o texto), é o abalo na auto-estima
que os homens sentem ao perceberem que estão envelhecendo: “ao entrar na faixa
entre os 40 e os 50 anos, os homens costumam sofrer um abalo na auto-estima por
sentirem que estão envelhecendo”. Com base numa relação lógico-semântica fato-
causa (itálico), constrói-se a explicação e, na seqüência, vem o aconselhamento: “se
a decisão de quem foi traído é perdoar, uma nova postura precisa ser adotada para
que o casamento não se torne uma relação vulnerável e neurótica. Se a relação deu
sinais de fraqueza, é preciso restaurá-la. Isso exige paciência e dedicação.”
No que se refere ao exemplo (109), observamos que se apresenta, ao longo do
texto, a construção de um perfil comportamental para uma pessoa carismática: auto-
confiante, determinado, eloqüente, dentre outros atributos, são especificados.
Verificamos que o discurso representado é de um especialista em relacionamento
humano. Esse discurso encontra-se num trecho do texto intitulado “Determinação”.
Na citação em análise, as frases elaboradas mantêm entre si uma relação, por
justaposição, de especificação: “Isso (conseguir atingir tudo o que planeja) vem da
energia que se emana. Ter carisma, antes de tudo, é ser incansável em seus
180
objetivos, sem passar por cima dos outros”. Embora tenha sido atribuído um valor de
explicação ao discurso representado, observa-se que o especialista caracteriza uma
pessoa carismática, indicando como ela se comporta, deixando implícito assim que,
para atingir o propósito expresso no texto “conquistar essa qualidade”, é preciso agir
como essa pessoa age; assim, aconselhar e explicar são ações discursivas que se
complementam nessa representação discursiva.
O verbo “explicar”, embora em menor incidência, também está associado à
representação do discurso de pessoas comuns. Nesse caso, observamos que,
normalmente, experiências empíricas cotidianas são usadas para explicar tipos de
comportamentos adotados: em (110), por exemplo, encontramos a representação do
discurso de uma mãe. No texto, o discurso é usado pelo produtor para exemplificar
tipos de relações constrangedoras entre mães e filhos quando se trata do assunto
“sexo”, tema que gera alguns problemas familiares. Após o exemplo, o discurso de
um especialista é representado, fazendo uma avaliação da atitude da mãe e
apresentado um aconselhamento. Em “A mãe do garoto explicou que sempre que
brincasse daquela maneira o órgão ficaria daquele jeito.”, observamos que a
explicação da mãe para a curiosidade do filho é construída por uma relação de
condição: “o órgão ficaria daquele jeito” se “brincasse daquela maneira”, semelhante
ao exemplo (107). Em seguida, surgem a avaliação e, implicitamente, o conselho de
um psicólogo cujo discurso também está representado no texto: ‘Ela fez certo.
Errado seria dizer que manipular os genitais é feio ou ruim(...)’ , explica Maurício.”
Em (111), o discurso de uma terapeuta holística também é representado no contexto
da apresentação de uma experiência de vida de uma pessoa comum, a qual retrata
a vivência de uma situação problemática: optar por uma carreira profissional pouco
valorizada socialmente. A experiência da terapeuta é relatada, servindo de base
181
para o aconselhamento central do texto expresso no título “Reinvente-se: livre-se
das opiniões alheias e viva o seu sonho!”. Na análise do discurso representado da
terapeuta, observamos o uso de conectivos que marcam relações discursivo-
argumentativas de explicação: pois” e “porque”. Nesse discurso, justifica-se o
porquê de se tomar uma decisão: trocar a carreira de Direito, muito valorizada
socialmente, pela de terapeuta holística. Esse foi o único discurso citado, introduzido
pelo verbo “explicar”, cujas relações pragmático-discursivas existentes entre os
segmentos que compõem a citação são de caráter exclusivamente explicativo.
Verificamos, assim, que, na representação discursiva do conselho, o uso do verbo
“explicar” introduz discursos cujo conteúdo trata do motivo ou da origem de tipos de
comportamentos e relações sociais, avaliados como mais, (106), (107), (108), ou
menos problemáticos, (109), (110), (111) e sobre os quais incidem conselhos.
As razões dos “problemas” que envolvem as relações e os comportamentos
humanos são justificadas: a ausência dos pais na formação dos filhos, o ciúme e a
traição nos relacionamentos amorosos, a decisão profissional. Em todos os casos, a
justificativa, pautada nas relações de causa, conseqüência, condição, em geral,
apresentadas, torna-se uma estratégia para que a leitora compreenda o quão é
necessário realizar os comandos orientados, fazer ou deixar de fazer algo. Sendo a
justificativa pautada em informações oriundas de estudos especializados, ou de
experiências empíricas, muitas vezes de sucesso, esta exerce um forte potencial
argumentativo-textual. Funcionando de forma similar, outros verbos também
contribuem no sentido de indicar que o teor do discurso representado tem como
base o fazer entender os problemas comportamentais, como “esclarecer”, “analisar”,
“dizer”:
182
(112) (...) “O importante é a qualidade e não a quantidade. Um pai que
possua menos possibilidade de convivência o representa um risco para a
educação das crianças. Acordos de como proceder em cada fase do
desenvolvimento dos filhos são essenciais”, esclarece a especialista. (...)
(Revista Malu, 154, p. 11)
(113) (...) “O profissional competente é aquele que não recusa desafios. Ele
está sempre se aperfeiçoando no que melhor sabe fazer e não coloca
obstáculos a novos aprendizados”, analisa. (Consultor de empresa,
Eugênio Queiroz) (...) (Revista Amiga, 8, p.34)
(114) (...) A psicóloga Arilda Ximenes, de Goiânia, explica que, ao entrar na
faixa entre os 40 e os 50 anos, os homens costumam sofrer um abalo na
auto-estima por sentirem que estão envelhecendo. “Perceber o interesse de
uma mulher mais jovem reafirma a virilidade. O homem sente que ainda não
perdeu a sua sexualidade”, diz ela. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.36)
(grifo nosso)
Nos três exemplos, observamos que os verbos “esclarecer”, “analisar” e “dizer”
associam-se à representação de discursos cujo conteúdo também aponta para um
estudo de problemas que envolvem as relações e os comportamentos humanos: o
texto, do qual (112) é parte, aborda uma problemática familiar - o pouco tempo que
os pais têm para se dedicar à educação dos seus filhos; no texto em que (113)
figura, a apresentação do perfil de profissional que o mercado de trabalho deseja
na atualidade, considerando-se que as pessoas, de um modo geral, não têm ainda
as qualidades desejadas; e quanto ao referente a (114), extensão do exemplo (108),
trata-se do problema da traição masculina.
Em todos os exemplos, verificamos que os discursos reportados são trabalhados
pelo produtor do texto com o objetivo de indicar uma explicação para reforçar a
realização de comandos, assim como ocorre com o verbo “explicar”, aconselhados
textualmente. Observamos a afirmação de opiniões seguidas de especificações
(itálico): (112), “O importante é a qualidade e não a quantidade; (especificação,
exemplificação) Um pai que possua menos possibilidade de convivência não
183
representa um risco para a educação das crianças”; (113), “O profissional
competente é aquele que o recusa desafios. (especificação da definição dada à
definição) Ele está sempre se aperfeiçoando no que melhor sabe fazer e não coloca
obstáculos a novos aprendizados”; (114), “Perceber o interesse de uma mulher mais
jovem reafirma a virilidade. (especificação) O homem sente que ainda não perdeu a
sua sexualidade”. A especificação de opiniões contribui para reforçar o teor da
informação prestada, além de dar-lhe mais credibilidade, visto tornar mais clara a
justificativa apresentada para os problemas, deixando mais aparentes a necessidade
e a possibilidade de combatê-los.
AFIRMAR
(115) (...) “Nas famílias, há pais que não sabem por que os filhos tiram notas
baixas, passam as noites fora de casa e reaparecem com os olhos
vermelhos, a voz pastosa”, afirma Tejon no livro. O autor defende que optar
por desconhecer a realidade também é uma maneira de ignorá-la. E, quanto
mais se fica de olhos fechados, mais dor se sente ao abri-los e encarar a
luz, não é verdade?(...) (Revista Mulher, 8, p.30)
(116) (...) “Perdoar ou não depende de cada pessoa e do tipo de relação
existente entre o casal”, afirma a psicóloga e sexóloga Márcia Aragão, do
Rio de Janeiro. Se a decisão de quem for traído é perdoar, uma nova
postura precisa ser adotada para que o casamento o se torne uma
relação vulnerável e neurótica. (...) (Revista Ana Maria, 465, p.37)
(117) (...) “Homens seguros terminam o casamento, sofrem... mas não
traem”, afirma, categórica. (psicóloga Silvana Martani) (...) (Revista Viva,
312, p.20)
(118) (...) “Quando era mais jovem, ficava preocupada em satisfazê-lo na
transa e acabava esquecendo de mim. Com o tempo, aprendi a procurar
posições, estímulos que me dessem prazer. Percebi que, com isso, comecei
a ter orgasmos com mais freqüência e ele ficava muito mais satisfeito
também”, afirma Maria Lúcia, professora de 42 anos. (...) (Revista Mulher,
8, p.27)
(119) (...) “Sou feliz com o meu corpo, minhas formas não me incomodam.
Mas, nem por isso, deixo de praticar exercícios e levar uma vida saudável,
me sinto bem e me aceito do jeito que sou”, afirma Bianca. (...) (Revista
Malu, 171, p.23)
(grifo nosso)
184
O verbo “afirmar”, em uma das suas acepções mais recorrentes, diz respeito a
declarar algo com firmeza, assumindo o caráter de verdade daquilo que é dito.
Verificamos que, quando empregado como verbo dicendi, essa carga semântica é
atribuída ao discurso representado, reforçando a credibilidade do seu conteúdo
informativo.
Observamos que o uso do verbo no contexto da representação discursiva, em geral,
ocorre para representar discursos que apresentam afirmações duvidosas e até o
críveis de acontecer, considerando as construções de identidades e crenças em vida
na sociedade ocidental e os comportamentos sociais “esperados” para as pessoas:
“Pai que não cuida do filho?”, (115), “Mulher não perdoar o marido traidor?”, (116),
“Homem que não trai?”, (117), “Mulher madura satisfeita na cama com seu marido?”,
(118), “Gordinha feliz com seu corpo?”, (119). A idéia de afirmação, nesse contexto,
colabora para dar veracidade a esse discurso representado cujo conteúdo pode ser
alvo de questionamento.
No conselho, é no discurso dos especialistas, que o referido verbo tem maior
incidência, dando mais garantia às opiniões expressas, transformando-as quase que
em fatos. No exemplo (115), um especialista explica um problema - as pessoas,
muitas vezes, não encaram a realidade –, exemplificando-o: “Nas famílias, pais
que não sabem por que os filhos tiram notas baixas, passam as noites fora de casa
e reaparecem com os olhos vermelhos, a voz pastosa”, apresentando,
posteriormente, suas conseqüências: “E, quanto mais se fica de olhos fechados,
mais dor se sente ao abri-los e encarar a luz, não é verdade?”; em (116), outro
especialista afirma um ponto de vista a possibilidade de haver ou não o perdão
para a traição - para posterior aconselhamento do produtor do texto: “Se a decisão
185
de quem for traído é perdoar, uma nova postura precisa ser adotada para que o
casamento não se torne uma relação vulnerável e neurótica.”; em (117), observa-
se que o discurso representado mostra a defesa de uma opinião bastante polêmica:
no texto, “Traição: perdoar ou não?”, a especialista aconselha a leitora a não
perdoar uma traição; logo se verifica que uma justificativa para apoiar esse
aconselhamento é introduzida pelo verbo “afirmar” acompanhado da palavra
“categórica”, que reforça ainda mais a idéia de verdade daquilo que é dito: “Homens
seguros terminam o casamento, sofrem... mas não traem”, afirma, categórica.
Quando associado ao discurso de pessoas comuns, o verbo “afirmar” também
reforça o poder argumentativo daquilo que é dito e, em geral, introduz o discurso de
pessoas que têm atitudes comportamentais que as levaram ao sucesso, casos da
mulher madura, esposa com a vida sexual satisfatória, (118), e da “gordinha” feliz
com o seu corpo (inclusive, trata-se de uma das personagens tema da campanha
publicitária do sabonete “Dove”, (119)).
Outros verbos dicendi que contribuem para o asseguramento da força argumentativa
em conselhos são “defender”, “garantir”, “ressaltar” e “dizer”:
(120) (...) Por mais que pareça difícil, são posturas treináveis’, defende o
terapeuta. (...) (Revista Viva, 297, p.23)
(121) (...) A busca por uma vida saudável também se estende ao bolso, isso
mesmo! Afinal, ter as fianças em dia é sinônimo de tranqüilidade e boas
noites de sono, como garante Cláudio Boriola, consultor financeiro e autor
do livro Paz, Saúde e Crédito, editora Mundial (...) (Revista Mulher, 8, p.64)
(122) (...) Para quem sente aquele ciúme “leve”, despertado quando alguma
mulher insuportavelmente bonita olha na direção do seu parceiro ou quando
ele desvia o olhar para a “senhora avião”, tudo se resolve conversando. “A
honestidade e o reasseguramento do companheiro o importantes”,
ressalta Kelen.(...) (Revista Mulher, 7, p.43)
186
(123) (...) Muitos pais não conversam com seus filhos por não terem a
própria sexualidade resolvida. É comum que sintam vergonha porque são
de uma geração reprimida que aprendeu a ver o sexo como algo feio. Mas,
para o bem dos seus filhos devem superar essas limitações informando-se,
para poderem corresponder às dúvidas das crianças”, aconselha a bióloga e
pedagoga Ivani Rubio, do Colégio Carpe Diem. “Orientá-las é protegê-las”,
diz. (...) (Revista Mais Feliz, 150 , p.26)
(grifo nosso)
No exemplo (120), no discurso da terapeuta, a opinião de que é possível treinar
alguns comportamentos para se tornar uma pessoa carismática é apresentada
diante de uma adversidade: “Por mais que pareça difícil”. O verbo “defender”, nesse
caso, confere peso à tese levantada pelo especialista: “são posturas treináveis”. Em
(121), o verbo “garantir” atesta a opinião - “ter as fianças em dia é sinônimo de
tranqüilidade e boas noites de sono” - do especialista em finanças. Nos exemplos
(122) e (123), os verbos “ressaltar” e “dizer” introduzem discursos representados que
atuam no sentido de justificar orientações de comportamentos apresentados também
por especialistas: “tudo se resolve conversando”, Mas, para o bem dos seus filhos
devem superar essas limitações informando-se, para poderem corresponder às
dúvidas das crianças”, respectivamente. Nos dois casos, as justificativas fazem
sobressair a necessidade de realização daqueles comportamentos.
ACONSELHAR
(124) (...) Para incentivar uma postura responsável dos filhos, a psicóloga e
pesquisadora em educação Tânia Zagun aconselha os pais a demonstrar a
confiança que será conquistada conforme o jovem se mostre digno dela. (...)
(Revista Ana Maria, 468 p.30)
(125) (...) Muitos pais não conversam com seus filhos por não terem a
própria sexualidade resolvida. É comum que sintam vergonha porque são
de uma geração reprimida que aprendeu a ver o sexo como algo feio. Mas,
para o bem dos seus filhos devem superar essas limitações informando-se,
para poderem corresponder às dúvidas das crianças”, aconselha a bióloga
e pedagoga Ivani Rubio, do Colégio Carpe Diem. (...) (Revista Mais Feliz,
150 , p.26)
187
(126) (...) As pessoas têm que se sentir bem do jeito que o, sem ser
desleixadas. Quando você está bem consigo, se sente melhor e fica bonita
para os outros também”, aconselha Camila (gordinha feliz, arquiteta)
(dove)(...) (Revista Malu, 171, p.23)
(grifo nosso)
O verbo “aconselhar” tem o relevante papel de introduzir discursos que apresentem
comandos (em itálico, nos exemplos acima) a serem seguidos pelas leitoras do texto
e, portanto, associa-se recorrentemente a discursos de especialistas. Esse verbo
dicendi é usado na sua acepção de “dar conselhos” e ainda de “mostrar a
necessidade de realizá-los”, de modo que, muitas vezes, o teor do discurso
representado abarca não apenas aconselhamentos, mas, ainda, finalidades para,
(124), (sublinhado) explicações ou justificativas de, (125) e (126), (sublinhado),
realização dos conselhos recomendados.
Uma vez fazendo a marcação de comandos, o verbo, no processo de organização
textual, contribui para estruturar a fase de aconselhamento textual, fundamental no
gênero. Atuando do mesmo modo estão os verbos “recomendar”, orientar”,
“sugerir”, “ensinar” e “dizer”:
(127) (...) Nesse período (entre 6 e 8 anos) a grande questão para os pais é
até onde chegar. Responda de acordo com a curiosidade de seu filho”,
recomenda Ivani Rubio. (...) (Revista Mais Feliz, 150 , p.27)
(128) “(...) Mas a mulher precisa se sentir à vontade e segura para realizar
suas fantasias sexuais. Uma conversa franca e aberta com o parceiro, para
que cada um fale dos seus desejos e suas vontades é um bom começo”,
orienta. (...) (psicóloga Inês Cavalieri) (Revista Malu, 165, p.27)
(129)(...) “A construção civil, por exemplo, é um setor interessante para
empreendimentos alimentícios, porque nem sempre o pessoal da obra vai
ter onde comer. voentra e oferece um esquema de refeições prontas
para o consumo”, sugere o consultor.(...) (Revista Malu, 169, p.12)
(130) (...) “O que se precisa buscar é onde está a demanda. É ir atrás e
perguntar para o cliente: ‘do que voestá precisando?’ E sempre tem que
haver um diferencial (...)”, ensina o consultor. (...) (Revista Malu, 169, p.13)
188
(131) (...) A psicóloga Silvana Martini diz : “O mais importante é que todos
tenham suas tarefas determinadas para que a rotina se estabeleça e o bebê
possa usufruir de todos os cuidados”. (Revista Malu, 154, p.27)
(grifo nosso)
Todos esses verbos dicendi, assim como ocorre com o verbo “aconselhar”, sinalizam
para a leitora que o conteúdo e a ação discursiva da produção discursiva
representada no texto devem ser interpretados como proposições de soluções para
os problemas que se colocam: aflição dos pais ao tratar com seus filhos do tema
sexo, (127); insegurança feminina na realização de suas fantasias sexuais, (128);
dificuldades de identificação de um campo favorável para se abrir um pequeno
negócio e de identificação das formas de atuação nesse campo, (129) e (130);
contratempos nos preparativos para a chegada de um bebê, (130).
LEMBRAR
(132) (...) No livro O beijo na Realidade, de José Luiz Tejon, é ressaltada a
importância de aprender a enxergar a realidade com lentes cristalinas, que
não ofusquem nem o lado negativo nem o positivo dos acontecimentos. O
autor lembra que duas formas de lidar com a realidade: “beijá-la ou
negá-la”. Assim, fechar os olhos para o que é real é uma forma de fugir
inconseqüente, que atrapalha a nossa felicidade. (...) (Revista Mulher, 8,
p.31)
(133) (...) “(...) A rotina é fundamental para o desenvolvimento e o equilíbrio
emocional de todas as crianças. A falta de rotina tanto de pessoas que
cuidam dela como dos ambientes onde ela fica tornam a criança irritada e
agitada”, lembra a psicóloga. (...) (Revista Malu, 154, p.27)
(grifo nosso)
Quando associado ao discurso de especialistas, o verbo “lembrar” aponta para a
acepção de informar, e informando, prevenir as leitoras da necessidade de
realização de um comportamento desejável.
189
No texto “Caia na real”, o produtor toma como referência para seu aconselhamento a
obra de José Tejon, O beijo na realidade. Em (132), especificamente, observa que o
especialista aponta como comportamento relevante para não se viver de ilusões:
“aprender a enxergar a realidade com lentes cristalinas”. Em seguida, apresenta a
informação, introduzida pelo verbo dicendi “lembrar”, de que “há duas formas de lidar
com a realidade: ‘beijá-la ou negá-la’ ”. Com base nessa informação, o produtor
explicita a conseqüência de se tomar o caminho “errado”, ou seja, de negar a
realidade: “Assim, fechar os olhos para o que é real é uma forma de fugir
inconseqüente, que atrapalha a nossa felicidade”.
Em (133), o verbo “lembrar” introduz o discurso de uma psicóloga. No discurso
representado, expõe-se um conselho com a frase afirmativa “A rotina é fundamental
para o desenvolvimento e o equilíbrio emocional de todas as crianças.”, seguido de
uma grave conseqüência ligada ao caso da não observância ao conselho dado: “A
falta de rotina tanto de pessoas que cuidam dela como dos ambientes onde ela fica
torna a criança irritada e agitada”. Assim, um alerta para que o comportamento
observado como “ideal”, “manter a rotina”, seja compreendido como uma ação
estritamente “necessária”.
De forma semelhante atuam os verbos “alertar”, “avisar” e “dizer”:
(134) (...) Por conta da correria diária, as mulheres tendem a não dar
atenção às conversas com seus filhos. De acordo com os especialistas, é
um erro fatal, pois a criança, ainda mais sem pai, espera que a mãe se
interesse por sua vida. Portanto, “Ouça os sentimentos do seu filho e ajude-
o a encontrar palavras para se exprimir. Ouvindo e identificando os
sentimentos vopassa a seu filho a mensagem de que quer entendê-lo”,
avisam Richard e Cheryl. (...) (Revista Malu, 154, p.14)
(135) (...) “Cheque especial não tem nenhuma utilidade, use o cheque
comum. E não parcele seus gastos no cartão de crédito, pague
integralmente. O perigo de parcelar é que você corre o risco de se enrolar e
não pagar a fatura do s”, alerta o economista. (...) (Revista Malu, 165, p.
7)
190
(136) (...) “Se o adolescente cresce sentindo que outra pessoa sempre
resolverá seus problemas, perde a noção de limites”, diz Gláucia.
(Psicóloga) (...) (Revista Ana Maria, 468, p.30)
(grifo nosso)
O uso dos referidos verbos dicendi, incluindo o verbo “lembrar”, atua no sentido
de enfatizar e reforçar o teor do discurso representado. Como esses discursos
normalmente têm como nuclear a apresentação de comandos, reforça-se, desse
modo, a necessidade de se realizarem os comportamentos comandados. O
produtor, ao selecionar esses verbos representadores, age no sentido de fazer
ciente a leitora de que alguns prejuízos poderão ocorrer caso o cumpra com o
previsto: em (134), atenta para que a mãe “ouça os sentimentos do seu filho e
ajude-o a encontrar palavras para se exprimir”, caracterizando como “erro fatal”,
(sublinhado), o fato de não se realizar tal ação; em (135), um economista
aconselha que o consumidor “use o cheque comum”, se não quiser enfrentar
“perigo” e “risco” de algo ruim acontecer, (sublinhado); e, em (136), a psicóloga
chama a atenção da mãe para atribuir responsabilidades ao seu filho, sob a
ameaça de formar uma pessoa sem “noção de limites”.
De outro modo, observamos que, quando associado ao discurso de pessoas
comuns, o verbo “lembrar” assume a acepção de trazer uma experiência de vida
à memória:
(137) (...) “Eu e meu marido contamos juntos, dissemos que o papai e a
mamãe namoraram na cama, de um jeito que os adultos fazem, e que
ele colocou uma sementinha em mim”, lembra Cristina Matos, secretária,
mãe de Lorena, 7 anos. (...) (Revista Mais Feliz, 150 , p.27)
(138) (...) “Nunca conheci minha avó paterna, mas meu pai sempre fez
questão de nos contar histórias sobre ela, passar para mim e para meus
irmãos os seus ditados, as coisas que costumava fazer, que sinto como se a
tivesse conhecido. Mal temos fotos dela, mas ela está em nossa memória
191
como uma avó que esteve presente. E eu pretendo passar isso para meus
filhos também”, lembra Rita, 25 anos. (...) (Revista Mulher, 7, p.12)
(grifo nosso)
Em (137), o produtor do texto representa o discurso de uma e que conta uma
experiência, para muitas mães, constrangedora, vivida com seu filho: o que fez
quando a criança lhe perguntou como tinha ido parar na sua barriga. Em (138), uma
mulher rememora a relação que tinha com seu pai, lembra as atitudes dele e as
considera como exemplos que seguirá. As experiências introduzidas pelo verbo
“lembrar” apresentam modelos de comportamento e relações sociais ocorridos, os
quais são avaliados como de sucesso ou de fracasso, o que também ocorre com os
discursos introduzidos pelos verbos “dizer”, “contar” e “recordar”:
(139) (...) Mas imagine que não foi uma decisão muito simples, quando
abdicou de uma carreira tão promissora: “Não pense que foi fácil largar o
Direito. Eu adorava a área jurídica, mas decidi obedecer minha missão
divina, que é o que me trouxe paz e felicidade”, diz a especialista. (...)
(Revista Mais Feliz, 141, p.50)
(140) (...) “Meu marido viaja desde que nos casamos. (...) até me
acostumei”, conta Cleide. (...) (Revista Malu, 154, p. 11)
(141) (...) “Dia desses um amigo me convidou para passar a tarde no
condomínio dele. Minha mãe autorizou depois que prometi voltar às 16h
e fazer ae do garoto me buscar. Tudo para eu não atravessar uma única
avenida”, recorda. (...) (Revista Ana Maria, 468, p. 30)
(grifo nosso)
Lembranças de que atitudes tomadas para resolver uma situação-problema, (137),
(139), de problemas que viveu e ainda vive, (140) e (141), de exemplos de
comportamentos positivos, (138), são narradas nos discursos introduzidos pelos
referidos verbos dicendi. Esses verbos, nesse caminho, desempenham o papel de
marcar a introdução de uma narrativa, contribuindo para a organização da estrutura
textual. As narrativas servem, em geral, como pano de fundo para ilustrar modelos
de sucesso ou fracasso com base nos quais o produtor propõe conselhos. Essas
narrativas contribuem para dar veracidade às informações textuais, razão por que
192
elas são estrategicamente selecionadas pelo produtor para apoiar seus conselhos:
apontam para uma comprovação de que de fato a possibilidade de certas coisas
ocorrerem, ou não, se a leitora seguir as orientações expressas textualmente.
Pelo exposto, verificamos que, no conselho, os verbos representadores assumem
algumas funções discursivo-textuais relevantes, tais como:
I. indicar o estudo de um problema social: explicar, esclarecer, analisar, dizer
II. introduzir uma problemática experienciada – lembrar, recordar, contar, dizer
III. Indicar um plano de ação, com base em comandos, para se atingirem objetivos,
tais como solucionar problemas: aconselhar, sugerir, recomendar, orientar,
ensinar, dizer
IV. enfatizar comandos aconselhados: lembrar, alertar; avisar, dizer
V. empreender força argumentativa: afirmar, garantir, ressaltar, defender, dizer
Observamos que, com o verbo dicendi, o produtor do conselho marca a força de
ação do discurso representado: os discursos de autoridade, na sua representação,
assumem o papel de explicar e esclarecer situações–problema, aconselhar sobre e
ensinar comportamentos julgados adequados para chegar a um objetivo desejado,
alertar sobre conseqüências que comportamentos “inadequados” podem gerar. A
ação atribuída aos discursos de intimidade gira, especialmente, em torno do lembrar,
recordar e contar as situações vividas, experiências que apontem problemas e, por
vezes, sua superação.
Com a representação discursiva, o produtor, muito mais do que se apoiar no
conteúdo do discurso representado, se apóia também na autoridade, caso do
discurso de especialistas, e na veracidade, caso do discurso de pessoas comuns,
para que ele possa imprimir ao texto, dividindo, em parte, a responsabilidade daquilo
193
que diz com as suas fontes intertextuais. No conselho, o produtor age, assim, como
um grande articulador de discursos, selecionando de cada tipo de discurso aquelas
“palavras” que melhor se adequem aos seus interesses sociocomunicativos:
aconselhar.
Neste capítulo, analisamos as conexões do conselho com outros enunciados, tendo
como ponto de partida aspectos referentes à representação do discurso. O estudo
mostrou que o conselho em RFs tem como produtor pico a redação da revista ou
os especialistas por esta contratados; já quanto ao destinatário, tem o público
feminino, leitoras cujo papel social atribuído pela produção é de mulher casada ou
solteira, e, profissional atuante no mercado de trabalho. Considerando a relação
produtor-destinatário, a pesquisa mostrou que o gênero apóia-se explicitamente em
tipos de discurso distintos, alguns dos quais expressam autoridade, outros não, para
realizar seu propósito sociocomunicativo: aconselhar. O discurso de especialistas e
pessoas públicas, discurso da autoridade, é representado com o intuito de
apresentar orientações sobre como as leitoras devem agir para solucionar seus
problemas. De outro modo, o de pessoas comuns e o de enunciadores genéricos,
discurso da intimidade, é representado, em geral, para ilustrar e exemplificar um
problema, bem como para solicitar soluções para problemas. Os objetivos
discursivos que permeiam a seleção desse tipo de representação intertextual estão
estreitamente associados aos tipos de relações sociais construídas pelo gênero:
conselheiros e aconselhados.
No próximo capítulo, ainda centrados no processo de produção textual, elegemos
como foco verificar os gêneros do discurso que são transformados e incorporados ao
funcionamento discursivo do conselho.
194
Capítulo 4 Relações entre gêneros: constituição discursivo-
textual do conselho de auto-ajuda
O ponto de partida deste capítulo é o estudo da intertextualidade do conselho com
os demais gêneros do discurso, nas revistas femininas (RFs). O nosso pressuposto
é o de que toda produção de linguagem é constituída numa relação intertextual: a
interação verbal, incondicionalmente dialógica, ocorre mediada pela escolha de um
enunciado, o qual tem, na sua base de constituição, traços de enunciados do
passado.
Os gêneros estão abertos à incorporação dos mais diversos tipos de práticas
sociodiscursivo-textuais para compor a sua constituição. Contudo, alguns processos
de incorporação e articulação dessas práticas são particulares a um dado gênero (cf.
Fairclough, 2001).
Nesse contexto, dispomo-nos a analisar as relações de intertextualidade do
conselho com outros enunciados, observando implicações dessas relações para sua
constituição discursivo-textual.
O nosso primeiro passo foi identificar, com base em consulta à literatura, os
elementos que caracterizam o conselho do ponto de vista da sua composição. Em
seguida, tendo em vista os traços característicos identificados, examinamos os
gêneros que são incorporados pelo conselho, e verificamos o papel dessa
incorporação para o seu funcionamento discursivo-textual.
195
1. Aspectos da organização composicional do conselho
Como já discutimos, um gênero é relativamente estável do ponto de vista do seu
conteúdo, de sua composição e de seu estilo. Essa relativa estabilidade é em muito
fundamentada na concepção de que os enunciados vão se constituindo
sociohistoricamente com base na identidade com enunciados que os precedem, os
quais foram elaborados em situações sociointerativas semelhantes.
Estudando os aspectos da organização composicional dos gêneros, Adam (2001, p.
18) defende que um gênero, quanto ao seu macronível de composição, é constituído
tipicamente por: (a) um plano geral de organização do seu conteúdo temático; e (b)
por uma estruturação seqüencial
1
. Tomamos como referência essas fases para
descrevermos características composicionais relativamente estáveis em textos do
gênero conselho.
(a) Plano geral típico do conselho
Adam (2001, p. 16) entende que os gêneros são marcados por dois princípios
básicos: um de identidade e um de diferença. Portanto, levando em consideração
tais princípios, o autor verifica que o plano geral de um texto tanto pode obedecer a
um plano fixo (típico de um conjunto de textos associados a um dado gênero) quanto
a um plano ocasional (próprio a um texto singular), de acordo a situação de
 
1
A composição textual, contudo, pode assumir formas de nível de complexidade variável, porque,
como analisa Adam (2001), é regrada pela dinamicidade dos gêneros de discurso. Muito embora
verifiquemos a presença de exemplares de gêneros disponíveis no intertexto que se caracterizam
facilmente pelos elementos configuracionais, nem sempre, empiricamente, é possível definir
claramente um texto como pertencente a um ou a outro gênero apenas pela análise de suas
características textuais.
196
interação. Nesse sentido, as relações dialógicas e os propósitos sociointerativos
guiarão a organização textual do gênero conselho.
Adam (2001, 1999, 1992) desenvolve estudos centrados na análise dos gêneros na
sua correlação com as seqüências textuais, bem como na descrição das
propriedades esquemático-configuracionais das diversas seqüências (narração,
descrição, argumentação, entre outras). Não há, na bibliografia consultada do autor,
uma abordagem mais específica do conselho e de seu plano geral de organização.
Por essa razão, recorremos a Meurer (1998), já que o referido autor apresenta um
relevante estudo, cujo foco é a análise das características lingüístico-textuais do
gênero alvo deste trabalho.
Os estudos de Meurer (1998) nos fornecem informações sobre elementos da
configuração do plano geral (mais fixo) do conselho. Conforme explicitamos nas
notas introdutórias, as pesquisas do autor mostram que o conselho é normalmente
organizado pelas seguintes fases
2
:
I. Estabelecimento de autoridade/credibilidade do produtor do texto
II. Apresentação de um problema/situação
III. Apresentação de um ou mais comandos
IV. Recurso à motivação do leitor
V. Argumentação
VI. Apelo para se darem créditos a ou se adotarem certos valores
 
2
Meurer, com base nos estudos de Longacre (1992) sobre o hortatory discouse, apresenta os
elementos por ele vistos como típicos da estrutura composicional do conselho de auto-ajuda que
analisou no seu trabalho, o livro Calm Down, escrito pelo Dr. Paul Hauck.
197
Comentaremos as fases enumeradas com base na análise do texto “Mãe e pai ao
mesmo tempo”, exemplo (02), já exposto no Capítulo 2.
Retomada do exemplo (02), página 81:
Mãe e pai ao mesmo tempo - Malu, 154
198
Para o estabelecimento da sua autoridade/credibilidade, o produtor do texto vale-se
de estratégias de apresentação das suas credenciais, ou das credenciais de
enunciadores cujos discursos estejam representados no seu texto, dando, assim,
credibilidade às informações textuais. Dentre as estratégias estão: indicação da
formação acadêmica; uso de narrativas apresentando experiências pessoais de
sucesso e evidenciando o seu conhecimento do assunto; referências aos
conhecimentos institucionais da comunidade da qual faz parte. Em (02), observamos
como estratégias de estabelecimento de autoridade a referência à obra “Criando
filho homem sem a presença do pai” e o recurso à representação do discurso do
psicólogo Richard Bromfield e da terapeuta de casal Cheryl Erwin, ambos norte-
americanos, autores do livro citado: “Para se manter próxima, dedique boa parte do
seu tempo à criança. Inspire-se na orientação dos especialistas: ‘reaja às
manifestações do bebê; passe a mão nele, fale e cante para ele; crie oportunidade
de vocês brincarem juntos; estimule a curiosidade e a exploração segura’.”.
Com a apresentação de um problema/ uma situação, o produtor procura mostrar que
um assunto, uma idéia, uma visão ou uma situação precisa ser re-examinado(a) ou
re-avaliado(a) de alguma forma. Dentre as estratégias dessa problematização, está
a lexicalização. Nos títulos dos conselhos, é comum o uso de expressões que
chamam a atenção da leitora (“Mãe e pai ao mesmo tempo”) para que ela
pressuponha que existe um problema (como ser dois em um?) cuja solução será
indicada. Em (02), o problema também é apresentado logo no primeiro parágrafo
com a frase declarativa: “Educar o filho é uma tarefa desafiadora, imagine, então,
quando a responsabilidade recai somente sobre a mãe”.
199
Quanto à fase de apresentação de comandos, normalmente invocada pela de
apresentação de um problema/situação, trata-se da fase mínima e básica do
aconselhamento, na qual sugestões de urgência variável são destinadas ao leitor. A
apresentação de uma seqüência de orações imperativas é típica na sua
representação lingüístico-textual, como ocorre, por exemplo, no trecho “Para educá-
lo com amor” de (02):
Não corrija seu filho de acordo com o seu humor naquele dia
Seja firme, não volte em suas decisões só para agradá-lo
Fuja das palmadas e dos castigos físicos, pois nunca ajudam
No que se refere ao recurso à motivação do leitor, o produtor busca mostrar que o
que se trata é incontestável, logo essa fase está diretamente associada à fase (I).
Além do recurso ao estabelecimento da autoridade do texto, no exemplo (02), a
referência ao gênero novela, para ilustrar e motivar o leitor a seguir os comandos
apresentados, é evidente:
Em A Lua me Disse, Heloísa (Adriana Esteves) mostra que é possível
cuidar do filho Arthur (Guilherme Vieira) sem contar com a presença do pai.
Parece difícil, mas você também pode bancar a heroína.
Na fase da argumentação, apresentam-se argumentos favoráveis que sigam as
orientações aconselhadas. Nessa fase, o uso de narrativas como apoio
argumentativo é comum (apresentar experiências de fracassos ou sucessos vividas
por pessoas que têm ou tiveram problemas semelhantes). Em (02), por exemplo, a
fase da argumentação pode ser verificada no trecho:
Por conta da correria diária, as mulheres tendem a não dar atenção às
conversas com seus filhos. De acordo com os especialistas, é um erro fatal,
pois a criança, ainda mais sem o pai, espera que a mãe se interesse por sua
vida. Portanto, “ouça os sentimentos do seu filho e ajude-o a encontrar
palavras para se exprimir. Ouvindo e identificando os sentimentos, você
passa a seu filho a mensagem de que quer entendê-lo”, avisam Richard e
Cheryl.
200
A tese de que não dar atenção à conversa do filho é um erro fatal tem como
argumento a proposição expressa na oração explicativa “pois a criança, ainda mais
sem o pai, espera que a mãe se interesse por sua vida”. Essa explicação serve de
base para uma conclusão que resulta na apresentação de um comando “portanto,
ouça os sentimentos do seu filho e ajude-o a encontrar palavras para se exprimir
(...)”.
quanto ao apelo para se darem créditos a ou se adotarem certos valores,
verificamos que “Para educá-lo com amor”, “boa mãe” são subtítulos presentes em
(02) que apelam para os valores sentimentais, servindo de elemento de persuasão
do leitor para a realização dos comandos.
Identificamos que as fases de organização do plano geral do texto de conselho
explicitadas por Meurer (1998), como bem ilustra o texto (02), também são
recorrentes nos conselhos das RFs. Contudo, é importante dizer que essas fases
tratam de construtos teóricos e, portanto, num texto singular não se apresentam de
forma homogênea: todas, algumas ou apenas uma pode(m) compor o conselho,
todavia, em sendo apenas uma, a fase (III), “apresentação de um ou mais
comandos”, é a de maior recorrência.
Associadas a esse plano geral típico, no conselho, estão as seqüências textuais.
Para Adam (1992), os textos são estruturados por esquemas textuais prototípicos
que funcionam como representações sociodiscursivas das propriedades
superestruturais canônicas dos textos reconhecidos numa cultura; esses esquemas
são, na sua terminologia, tratados como seqüências textuais. O conselho é
organizado, do ponto de vista seqüencial, pela articulação de algumas seqüências
de base.
201
(b) Seqüências textuais típicas do conselho
Adam (1992) traçou um aprofundado estudo sobre a natureza das seqüências
textuais, apontando objetivos discursivos de uso e características lingüístico-textuais
para seqüências do tipo argumentativo, explicativo, dialogal, narrativo e descritivo.
Esse estudo serviu de referência para trabalhos de autores como Bronckart (1999), o
qual, especialmente no tocante às seqüências textuais, apresentou explanações
preliminares sobre a seqüência injuntiva como uma seqüência à parte da
classificação de Adam. Para o autor, o objetivo discursivo central que orienta a
escolha da seqüência injuntiva para planificação de um texto é fazer agir o
destinatário, e não apenas descrever ações, como apontara Adam (1992).
Em estudo posterior, Adam (2001) defende que é possível identificar um gênero na
sua correlação com as seqüências textuais que o planificam. Sobre essa orientação,
em trabalho de pesquisa de mestrado, descrevemos a seqüência textual injuntiva na
sua correlação com uma diversidade de gêneros textuais (cf. Rosa, 2003). Na
dissertação, apontamos como elemento configuracional típico do gênero conselho,
conforme mencionamos nas nossas notas introdutórias, a organização estrutural de
base injuntiva. A seqüência injuntiva apresenta-se, no conselho, tipicamente
associada a outros tipos de seqüências, por exemplo, à seqüência narrativa, como
apontam os estudos de Meurer (1998). Assim, traçaremos, a seguir, considerações
sobre o papel das seqüências injuntiva e narrativa na organização do conselho.
202
Como mencionamos, o uso da seqüência injuntiva, num gênero, está associado ao
objetivo discursivo de “fazer o interlocutor agir” com base na explicitação textual do
“como fazer” (cf. Bronckart, 1999). Rosa (2003) observa que a seqüência, em linhas
gerais, caracteriza-se por um protótipo estruturado por três fases típicas de
organização macrotextual:
I. Apresentação de um macroobjetivo a ser cumprido em (02), um grande
objetivo a se cumprir, educar os filhos sem a participação do marido,
conforme indicado no tulo do texto: “Mãe e pai ao mesmo tempo”.
Normalmente, as relações de finalidade são exploradas para expressar essa
fase: “Para educá-lo com amor”.
II. Apresentação de um plano de comandos assemelha-se à fase (III) descrita
por Meurer (1998) ao tratar do plano geral do conselho. No conselho, os
comandos apresentados pelo produtor do texto ao seu destinatário seguem,
normalmente, um plano de execução não-ordenada, diferente do que
acontece com o gênero receita, por exemplo, no qual cada comando deverá
ser executado seqüencialmente, caso contrário, haverá uma grande
probabilidade de não se atingirem os objetivos almejados. De acordo com
suas necessidades, o destinatário do conselho tanto pode executar uma
seqüência hierárquica temporal na realização de comandos quanto pode
executar um, dois ou todos os comandos ao mesmo tempo. No plano de
comandos do exemplo (02) -
Não corrija seu filho de acordo com o seu humor naquele dia
Seja firme, não volte em suas decisões só para agradá-lo
Fuja das palmadas e dos castigos físicos, pois nunca ajudam
203
-, uma mãe que não tem o hábito de dar palmadas no seu filho, desconsiderará
o terceiro comando da seqüência e apenas executará os dois primeiros. Além
disso, os dois primeiros comandos serão realizados apenas eventualmente, ou
seja, quando a mãe estiver com o humor alterado ao corrigir seu filho ou ao
enfrentar uma situação em que tenha que manter a sua firmeza de decisão.
Vale ressaltar que, do ponto de vista temporal, os comandos serão realizados
simultaneamente, ou não, a depender da necessidade que se apresente na
interação mãe-filho.
III. Apresentação de justificativas para execução de comandos aos comandos
são associadas, em geral, justificativas que reforçam a necessidade da sua
realização, um poderoso recurso argumentativo. Normalmente, as relações de
explicação são exploradas para expressar essa fase: “Fuja das palmadas e
castigos físicos, pois nunca ajudam” (grifo nosso).
Esse tipo de organização macroestrutural é identificado como constituinte de base
da estrutura composicional relativamente estável do conselho.
Segundo Meurer (1998), no conselho, a narração também é uma seqüência textual
estrategicamente empregada para apoiar a ação deste gênero. Na maioria dos
casos, no conselho, a narrativa tem a função de servir de base para a
problematização; e de contextualizar ou de ilustrar a argumentação.
O uso da narrativa permite construir imagens sobre eventos que dizem respeito a
dificuldades enfrentadas pelas pessoas ou a soluções para dificuldades. Para
Meurer (1998), essa estratégia é um excelente meio para construir agentes em ação:
vendo os agentes da narrativa em ação, os leitores se encorajam a imitá-los para,
assim, solucionar suas dificuldades e criar uma vida melhor.
204
Neste trabalho, o nosso foco, como várias vezes enfatizado, é compreender como se
apresenta o funcionamento intertextual do conselho. A nosso entender, um gênero
particular é fundamentalmente constituído numa relação de intertextualidade com
outros neros, de modo que a análise da constituição do conselho passa,
primeiramente, pela análise das formas e funções dessa articulação discursiva no
gênero.
Por essa razão, deslocamos a nossa atenção para o estudo da intertextualidade
entre gêneros na organização discursivo-textual do conselho. Contudo, não
deixamos de resgatar dos estudos anteriores Adam (2001), Meurer (1998), Rosa
(2003) - contribuições importantes para nossa análise. Notamos que alguns dos
objetivos discursivos que estão por trás da articulação das fases de organização do
plano textual do conselho (Meurer, 1998), ou que estão por trás da seleção de uma
seqüência textual (Rosa, 2003), também permeiam a seleção de gêneros a serem
incorporados discursivamente pelos conselhos, o que analisaremos no próximo item.
Observamos, por exemplo, que alguns gêneros mantêm uma relação intertextual
com o conselho, a qual favorece o estabelecimento de autoridade do produtor do
texto, como ocorre com o currículo. Outros participam da constituição discursiva do
conselho, contribuindo para a apresentação de uma situação que necessita ser
(re)examinada, caso da carta, na qual é comum a narração de experiências de vida
de pessoas comuns que, muitas vezes, retratam os comportamentos sociais sobre
os quais se aconselham. Ainda podemos apontar outros gêneros que, no conselho,
contribuem para a apresentação de orientações de comportamentos, organizadas,
do ponto de vista da composição discursivo-textual, com base em um plano de
comandos, a exemplo das consultas. Desse modo, a análise do funcionamento
intertextual do conselho se faz necessária para que possamos melhor compreender
205
a natureza das articulações entre gêneros e o papel destas para a própria
constituição do gênero em foco de estudo.
2. O funcionamento intertextual do conselho
A relação entre gêneros é uma dinâmica própria, por assim dizer, essencial à
linguagem enquanto prática social. Bakhtin (2002, p. 162) frisa que
O texto ganha vida em contato com outro texto (em contexto). Somente
neste ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o
posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos
que esse contato é um contato dialógico entre textos... Por trás desse
contato, está um contato de personalidades e não de coisas.
O contato que o conselho estabelece com outros gêneros transborda o mero contato
formal, estrutural ou organizacional. Se um gênero implica práticas sociais, o diálogo
entre gêneros é revelador de como sociohistoricamente as pessoas constroem
sentidos, constituem-se e agem no mundo. As escolhas e as formas de
materialização desse contato no conselho, como em qualquer gênero, estão
diretamente relacionadas com os objetivos sociodiscursivos da interação em curso e,
desse modo, colaboram no sentido de reforçá-los.
Observamos, pela nossa análise, que, nos 68 textos que compõem o corpus deste
trabalho, há alguma relação intertextual do conselho com outro(s) gênero(s) do
discurso. A Tabela 9 indica que alguns gêneros são tipicamente incorporados pelo
conselho, como currículo, consulta, carta, depoimento/entrevista, ao passo que
outros, apenas eventualmente, participam de conexões interdiscursivas com o
gênero, como é o caso do conto de fadas, do estudo de casos ou do orçamento:
206
Tabela 9 – Gêneros incorporados pelo conselho
Gênero . de textos do
gênero conselho
em que é
incorporado
. total de
textos do
gênero
conselho
% por N°.
de textos
do gênero
conselho
Currículo 32 68 47,1
Consulta 32 68 47,1
Carta 13 68 19,1
Depoimento 09 68 13,2
Novela 07 68 10,3
Teste 06 68 8,8
Pesquisa 04 68 5,9
Livro (auto-ajuda) 04 68 5,9
Notícia 03 68 4,4
Conto de fadas 02 68 2,9
Horóscopo 02 68 2,9
Lista 02 68 2,9
Planejamento 02 68 2,9
Receita 02 68 2,9
Relato de vida 02 68 2,9
Canção 01 68 1,5
Cardápio 01 68 1,5
Cartão de crédito 01 68 1,5
Catálogo de vendas 01 68 1,5
Charada 01 68 1,5
Comunicado de polícia 01 68 1,5
e-mail 01 68 1,5
Epígrafe 01 68 1,5
Equação matemática 01 68 1,5
Estudo de caso 01 68 1,5
Filme 01 68 1,5
Lei 01 68 1,5
Manual 01 68 1,5
Mito 01 68 1,5
Orçamento 01 68 1,5
Programa de tv 01 68 1,5
A tabela mostra os diferentes gêneros que se apresentam na constituição do
conselho: alguns deles são mais recorrentes e outros, ocasionais. Em todos os
casos, a intertextualidade aponta para produtividade/interpretação do conselho, uma
vez que a seleção e a incorporação de qualquer um dos gêneros na sua constituição
discursiva são movidas por objetivos sociodiscursivos.
Considerando que o funcionamento intertextual do conselho é bastante dinâmico e
complexo, analisaremos alguns gêneros que desempenham papéis importantes na
sua constituição nas RFs, tendo por base as ocorrências no nosso corpus, conforme
207
dados apresentados na Tabela 9. Assim, traçaremos considerações sobre: currículo;
depoimento; carta; consulta; novela; e teste. Na análise, observamos as funções e
as formas de sua articulação com o conselho.
2.1 Sobre o currículo
Verificamos que a intertextualidade do conselho com o currículo funciona em dois
sentidos: marcar o posicionamento social do produtor do texto ou referendar um
posicionamento social do produtor do texto. Nos dois casos, a inserção de
informações profissionais e/ou acadêmicas de pessoas reconhecidas socialmente
num texto contribui para dar credibilidade ao conteúdo apresentado, além de apoiar
a linha argumentativa do texto.
No Capítulo 2, antecipamos a existência de conselhos assinados por especialistas,
observando que, nesses casos de produção, uma valorização do produtor com
base na apresentação de informações que lhe confiram crédito. Essa valorização é
marcada textualmente por um destaque à assinatura do colunista: a fonte que
nomeia o colunista, em geral, está visualmente adequada à leitura, salientada em
negrito; além disso, percebem-se o uso da sua imagem, a fotografia de seu rosto ou
busto, bem como a indicação de referências à sua profissão, à experiência e, ainda,
às formas de contato. Os exemplos (142) e (143) mostram o fato comentado:
208
(142)
(143)
“Por que meu marido não vai embora?” - Revista Ana Maria, 459
Cultive a sua própria energia -
Revista Ana Maria, 459
209
O nome, a foto, a referência à profissão e à especialidade dos colunistas são traços
do gênero currículo incorporados à assinatura do conselho que colaboram para
marcar o posicionamento social do produtor sujeito dotado de experiência e/ou
formação e, portanto, apto para aconselhar. Somando-se a isso, em (142), a
referência às obras escritas pelo especialista, além do anúncio do curso
“Consciência Espiritual Independente” por este ministrado. em (143), o nome da
seção é um reforço ainda maior ao discurso da especialidade: “Pergunte ao Dr.
Cuschinir”.
O currículo também funciona no conselho como elemento discursivo selecionado
para referendar o posicionamento social do produtor do texto, “conselheiro”. No
Capítulo 3, observamos que o discurso das autoridades (especialistas e pessoas
públicas) é freqüentemente alvo de representação discursiva no gênero. Em geral,
nesse caso, o currículo vem expresso textualmente com base na especificação de
dados que caracterizam uma autoridade quando da representação de seu discurso,
no corpo do texto,
(144) (...) O psicólogo Ailton Amélio da Silva, professor do Instituto de
psicologia da Universidade de São Paulo e fundador do Centro de Estudos
da Timidez e do Amor, pesquisa 15 anos os relacionamentos amorosos.
Agora ele acaba de lançar o seu segundo livro Para Viver um Grande Amor
(Editora Gente, R$ 25,00), no qual ele apresenta dados curiosos sobre
encontros amorosos e dá conselhos sobre relacionamentos. (...) (Revista
Mais feliz, 150, p.42)
(145) (...) Ao impedir os jovens de se expor a riscos ou de se amadurecer
com as próprias decisões, os pais o pensam que um dia seus filhos
precisarão sobreviver sozinhos”, alerta a psicóloga Gláucia Imparato, de
São Paulo. (...) (Revista Ana Maria, 468, p. 30)
(146) (...) O livro Criando filho homem sem a presença do pai, do psicólogo
Richard Bromfield e da terapeuta de casal Cheryl Erwin, ambos norte-
americanos, aponta caminhos saudáveis (...) (Revista malu, 154, p.14)
210
(147) (...) diz Sérgio Savian, dono da escola de relacionamento Mudança de
Hábito (www.mudançadehabito.com.br) (...) (Revista Viva, 297, p. 22)
(148) (...) Para não fazer parte dessa estatística, é bom ouvir os conselhos
do consultor interno da presidência do SEBRAE, Jorge Rincón. (...) Revista
Malu, 169, p.12)
ou, ainda, no registro da “fonte” de consulta, no final do texto,
(149) Consultoria: William Eid Júnior, economista, coordenador do Centro
de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Mais
informações: www.fgv.br (...) (Revista Malu, 165, p.7)
(150) Consultoria: Bruno Whitaker Gherdine, advogado (Revista Mulher, 8,
p.81)
(151) Fonte: livro O Beijo na Realidade, de José Luiz Tejon, Editora Gente
(Revista Mulher, 8, p.31)
(152) Agradecimento: Roseleide da Silva Santos, psicóloga, tel. (11) 6942-
9586 (Revista Mais Feliz, 134, p. 40)
Em geral, os dados curriculares apresentados a respeito dos especialistas, cujos
discursos são representados no conselho, são os do tipo: nome e sobrenome,
formação acadêmica, experiência profissional, trabalhos realizados, lócus de
atuação, cargo em ou filiação a instituições, obras produzidas, forma de contato.
A apresentação do currículo, no conselho, funciona no sentido de dar garantias à
leitora de que as orientações de comportamento aconselhadas são seguras, pois
advêm de fontes referendadas socialmente por estarem associadas à construção
formal (em geral, acadêmica) do saber de uma comunidade.
2.2 Sobre a consulta
A consulta é um gênero com muita freqüência utilizado como recurso discursivo na
produção do conselho. Como a consulta tem como produtores, especialistas em
determinadas áreas do conhecimento sistematizado pela sociedade, a sua
211
intertextualidade com o conselho contribui para valorizar e dar credibilidade ao
conteúdo do gênero, como verificamos no exemplo:
(153)
Ele merece uma segunda chance?
Revista Malu, 169
212
No texto “Ele merece uma segunda chance?”, exemplo (153), como constatamos, a
redação da revista reúne cinco cartas, e cada uma delas é respondida numa
consulta a psicólogas. Essas consultas são categorizadas como conselhos
(conselho das psicólogas). Nesses conselhos, uma orientação para que o autor
da carta analise prática e criticamente seu problema e busque soluções, adotando
alguns comportamentos básicos: tentar resolver os casos em conjunto com o
parceiro, pela reflexão e pelo diálogo.
Nesse exemplo, (153), a consulta vem aspeada e assinada em co-autoria. Contudo,
verificamos no nosso corpus alguns exemplares cuja autoria é de um único
especialista, profissional renomado (médico, psicólogo, terapeuta, entre outros) que
tem uma coluna própria na revista para responder às leitoras, exemplos (158),
página 220, e (159), página 223.
Observamos ainda que as consultas muitas vezes fogem do formato “profissional
responde a leitor” e são incorporadas aos conselhos pela representação do discurso
de especialistas, autoridades (tópico estudado no Capítulo 3), com base na citação
direta ou indireta das suas palavras ao longo da produção. Nesse caso, o uso do
discurso do especialista, trata-se de uma consultoria da revista para se produzir o
texto e referendar o status do produtor como conselheiro.
Tendo o conteúdo elaborado em razão de saberes técnico-acadêmicos, a consulta
também serve de apoio na organização das formulações conceituais que envolvem o
ato de aconselhar: avaliação, explicação, análise de um problema, planejamento de
comandos para soluções de problemas:
213
(154)
Cartas - Revista Amiga, 7, p. 24
(155)
Ele merece uma segunda chance? – Revista
Malu, 169, p. 27
214
(156)
Seus Direitos – Revista Mulher, 7
215
No exemplo (154), o conselho organiza-se pela articulação dos gêneros carta e
consulta. A carta funciona discursivamente como elemento de problematização
textual; a consulta contribui para a avaliação (“o cavalheirismo nunca saiu de
moda: feliz é você que convive com homens que primam pela gentileza”), a
explicação de uma situação que gera dúvida quanto a comportamentos “aprovados”,
ou não, (“ao passear com uma criança repare como a colocamos ao lado de dentro
do meio-fio, a mesma coisa com o idoso ou qualquer outra pessoa que imaginamos
precisar de mais cuidado”) e para o reforço de um comportamento social (“A correria
da vida moderna não pode nem deve servir como justificativa para o desuso de
pequenos gestos de delicadeza”).
Quanto ao exemplo (155), na sua consulta, a especialista analisa um problema
apresentado pela leitora, o fato de o seu marido ser mulherengo, por vários ângulos:
“Algumas atitudes são muito graves para umas pessoas e não muito para outras.
Para um tipo de mulher, a traição do marido pode ser imperdoável, já para outras,
não é tão grave”. Em seguida, aconselha que a leitora faça uma reflexão sobre as
possíveis causas do problema, a partir de frases interrogativas: “Como estava o
relacionamento de vocês? E a vida sexual? Será que ainda existe amor e vontade
de resolver esse problema? Finalmente, propõe, após o breve estudo do caso, uma
última orientação: “O melhor é tentar chegar a uma solução satisfatória para os
dois”.
No que se refere ao exemplo (156), observa-se que a resposta à carta da leitora
(oriunda da consulta à advogada) apresenta um planejamento de ações que aquela
deve realizar para solucionar sua problemática: a perseguição do ex-marido. Uma
série de comandos, expressando recomendações de comportamentos de urgência,
é apresentada: (...) minha recomendação imediata é que você o mais rápido
216
possível à Delegacia da Mulher da sua cidade e faça um boletim de ocorrência (...)
Aconselho que um advogado a acompanhe para que o boletim não fique
“engavetado” (...) Quanto à sua segurança pessoal, aconselho que tome cuidados
redobrados (...).
Diferente das cartas e dos depoimentos, a incorporação de consultas a especialistas
funciona como um forte recurso argumentativo para que os conselhos dados nas
RFs sejam reconhecidos como autênticos pelas leitoras. Ao manter um laço
intertextual com a consulta, o conselho resgata também aspectos do funcionamento
discursivo típico daquele gênero, aderindo não só a novas formas composicionais,
mas também a elementos das relações sociais que lhes incumbe mediar (cf.
Fairclough, 2001; 1989), por exemplo, as relações de poder e hierarquia entre os
sujeitos de uma interação do tipo médico-paciente, advogado-cliente etc. No caso de
(153), os psicólogos são profissionais autorizados socialmente para orientar
pacientes; assim, a simulação de uma interação dessa natureza reforça as relações
conselheiro (revista) aconselhado (leitor) e, conseqüentemente, a própria ação de
aconselhar.
2.3 Sobre a carta
Não é novidade que as cartas servem de base social para a composição de outros
gêneros. Bazerman (2000) observa que a carta, ao longo da história da escrita,
modificou-se, apresentando vários arranjos sociais, para atender a novas demandas
comunicativas. Por exemplo, as cartas pessoais vieram a atender a propósitos de
transações comerciais, administrativas, institucionais, bem como a desenvolver
217
papéis de destaque na divulgação científica, como também a compor a rede
interativa da mídia jornalística.
Nas revistas femininas, o uso das cartas das leitoras é comum: seções
específicas para responder às cartas envidadas à redação ou a algum colunista,
como é o caso da “Final Feliz” e “Pergunte ao Especialista”, revista Mais Feliz;
“Cartas”, revista Amiga; “Mulher e Homem” e “Pergunte ao Dr. Cuschnir”, revista Ana
Maria; “De mulher para mulher”, revista Mulher. Também observamos casos em que
cartas são apresentadas em seções outras nas quais, não necessariamente, a
solicitação da redação da revista para que a leitora as lhas escreva: o texto (153), p.
211, “Ele merece uma segunda chance?”, conselho publicado na seção
“Relacionamento” da revista Malu, é um exemplo.
No exemplo (153), a redação da revista, produtor do texto, reúne várias cartas e as
articula com outro gênero, consulta a especialistas, para aconselhar sobre um
grande tema: orientar as leitoras para decidirem se seus companheiros merecem
uma segunda chance. Cinco cartas enviadas por leitoras são selecionadas sob o
critério do conteúdo “uma segunda chance”. Todas apresentam o discurso de
mulheres que expõem os problemas, de várias naturezas, que enfrentam com seus
companheiros, grosso modo: traição; pequenos furtos; falta de atenção; falta de
compromisso; indecisão.
Essas cartas são editadas para se integrarem à linguagem da mídia: alguns dos
indícios disso são, por exemplo, a unificação dos tamanhos recortados e o pico
também unificado que cada carta apresenta (um problema enfrentado). A autoria das
cartas é registrada pelo primeiro nome da leitora, seguido da cidade e do estado
218
onde mora, o que indica uma preocupação em não se identificar completamente o
produtor daquele texto, resguardando sua identidade.
No conselho, o recurso à intertextualidade com a carta contribui para se estabelecer
uma relação de empatia do produtor com a leitora, estratégia bastante usada pelas
revistas, como também ocorre com o depoimento. Com a carta, resgata-se a
funcionalidade da comunicação direta entre indivíduos, o que aproxima ainda mais
produtor e leitor do texto. O leitor não apenas observa que existem pessoas reais
com problemas reais semelhantes aos seus, como também percebe que muitos
outros leitores, assim como ele, podem ter seus problemas ouvidos e respondidos
pontualmente por alguém, um conforto àqueles que precisam de uma “palavra
amiga”, como observamos em (157).
(157)
Carta - Revista Amiga, 7
219
No exemplo (153), p.211, “Ele merece uma segunda chance?”, quem assina o texto
é a redação da revista, a qual tem a responsabilidade de selecionar e articular,
enquanto produtor do texto, os discursos de pessoas comuns e especialistas. No
caso do exemplo (157), observamos uma diferença no processo de produção
discursiva do conselho: o texto é assinado por um especialista, para quem cartas
são enviadas. Esse especialista assina a produção textual e, com base na
representação do discurso da leitora que lhe enviou a carta, requerendo-lhe uma
consulta, apresenta uma resposta avaliando a dúvida que se coloca e aconselhando
à luz da sua especialidade.
Observa-se que a carta, no conselho, funciona como um espaço para
problematização, ou seja, para introdução e exposição dos problemas e dificuldades
do “público leitor” da revista: a leitora narra uma experiência de dificuldade que vem
ocorrendo consigo, e a sua história é tomada como base para que a instituição,
representada pelo colunista, reforce sua ação de aconselhar, como em (157).
Nos textos que seguem a linha desse exemplo, verificamos que a carta também é
“recortada” na editoração: apresenta-se o trecho em que a leitora destaca o
problema enfrentado por ela ou por alguém muito próximo, seguido de frases
interrogativas, como o que eu faço?”, “o que devo fazer?”, “O que posso fazer para
mudar isso?, “Como posso ajudá-lo?”.
Do mesmo modo, indica-se o nome da leitora junto à/ao cidade/estado de origem da
carta. Normalmente, na chamada à leitora para a escrita da carta, uma indicação
de que o nome completo só será revelado com a permissão da leitora. Aqui, a
narração em primeira pessoa de um caso bastante particular reforça o processo de
individualização da leitora pela revista.
220
Além das cartas de exposição de problemas, também aquelas cartas nas quais a
leitora faz questionamentos com o objetivo de certificar-se de algo: verificar se as
relações e os comportamentos sociais com os quais se depara são aprovados pelo
discurso da autoridade, como ocorre no exemplo (158).
(158)
Cartas - Revista Amiga, 7
No exemplo, o leitor busca, com seu questionamento “Isso virou moda?”, certificar-
se da adequação de determinados comportamentos, que naturalmente vêm
mudando, às regras ditadas pelos grupos sociais que detêm o poder. No texto,
verificamos que a especialista Célia Leão, além de aconselhar o leitor Evaristo
221
Almeida a não enviar convites de aniversário com sugestões de lojas de presentes,
emite um juízo de valor negativo sobre tal prática. O produtor desqualifica a atitude
com base na adjetivação, caracterizando a idéia como de “extremo mau gosto,
pouco elegante e educado”. Também se verifica o uso de orações exclamativas
“Que horror e mau gosto é essa história de agora inventarem lista de presentes de
aniversário!”, “Eu, hein!?” para indicar a desaprovação total do comportamento sobre
o qual o leitor solicita informações.
Ao proferir um juízo negativo sobre uma mudança de comportamento que na
sociedade as pessoas começam a desenvolver, a autoridade (especialista) contribui
para a manutenção de algumas práticas, ou seja, para a reprodução de
comportamentos que julga serem os adequados para todos, controlando assim o
que pode e o que não pode ser feito segundo a sua avaliação.
É importante observar as formas de chamadas que as RFs fazem às leitoras para
que escrevam à redação e sejam respondidos textualmente:
Mande sua carta e tire suas dúvidas Av. Alfredo Edígio (...) ou para o e-
mail maisfeli[email protected].br / (Revista Mais Feliz, Seção Pergunte ao
especialista)
Participe! Escreva para a Seção Sexólogo e tire suas dúvidas. Av. Alfredo
(...) / (Revista Mais Feliz, Seção Sexólogo)
Pergunte às especialistas. Se você tem alguma dúvida, mande uma cartinha
para s junto com o cupom da página 66 ou envie um e-mail para (...) que
nós encaminharemos a questão. / (Revista Mulher, Seção de Mulher para
Mulher)
Mande sua dúvida. Para ter o aconselhamento do Dr. Cuschnir, envie sua
mensagem por carta ou e-mail para Ana Maria / (Revista Ana Maria,
Seções: Pergunte ao Dr. Cuschinir e Mulher e Homem)
Conte como superou situações difíceis ligadas a trabalho, saúde e amor.
Escreva para mais Feliz/ Final Feliz (...) ou para o e-mail (...) / (Revista Mais
Feliz, Seção Final Feliz)
(grifo nosso)
222
As chamadas à participação da leitora apresentadas mostram o interesse da revista
em saber quais os “problemas”, ou melhor, “as dúvidas” das mulheres,
especialmente nas temáticas abrangidas pelas seções das revistas. Assim, a
redação da revista controla os temas sobre os quais as cartas devem versar (amor,
sexo, saúde, trabalho, etiqueta etc), sobre os quais os conselhos apresentarão a
construção de objetos simbólicos que apontem para “soluções/respostas”. Nesse
contato da revista com a leitora, verificamos a chamada à ação com o uso do
imperativo (“Participe!”) e, mais uma vez, o reforço ao discurso da autoridade com a
referência ao especialista “conselheiro” (“Para ter o aconselhamento do Dr.
Cuschnir”) e a tentativa de se estabelecer uma relação de intimidade com o
destinatário com o uso do diminutivo (“mande uma cartinha”).
Vale salientar que embora o endereçamento do conselho seja a uma leitora
específica, justamente aquela que enviou a carta para consulta, o texto também se
direciona às demais leitoras que porventura se identifiquem com o conteúdo
abordado.
Como verificamos, é bastante comum o uso da carta para, no conselho, compor a
problematização do texto, contudo, o uso da carta, assim como o do depoimento,
pode também funcionar no sentido de, com base no relato de experiências de vida,
construir modelos de comportamentos, os quais devem servir como exemplos, tanto
de fracasso (e assim não serem seguidos) como de sucesso (para que a leitora se
espelhe).
Isso podemos constatar no texto “Reinvente-se: livre-se das opiniões alheias e viva o
seu sonho”, exemplo em que uma retextualização, escrita por Flávia Volp, de
uma carta de uma leitora enviada para a seção da revista “Final Feliz”. Um dos
223
objetivos da seção é divulgar “como (a leitora) superou situações difíceis” como
consta no box (caixa de texto) no final da produção textual:
(159)
Reinvente-se: livre-se das opiniões alheias e viva o seu sonho! - Revista Mais Feliz, 141
224
No exemplo (159), o conselho escrito pela redação da revista toma por base a
retextualização de uma carta enviada à RF, na qual a história da vida de uma
advogada é narrada, dando-se ênfase a problemas enfrentados e às ações tomadas
pela mesma para resolvê-los com um “final feliz”.
A redatora Flávia Volp reconta a história apresentada na carta,
De sonhos estamos todos fartos, o difícil é dar um basta em tudo aquilo que
consome energia para que possamos viver a nossa verdadeira história.
Foi o que a paulistana Vésper Lúcia Severino, de 37 anos, resolveu fazer.
Hoje ela é especialista em diversas terapias alternativas, que não lhe
trouxeram tranqüilidade financeira, como também satisfação pessoal. Sua
virada aconteceu no ano de 2000, quando a advogada largou a carreira de
cinco anos de direito para se dedicar ao atendimento de pessoas que lhe
solicitavam ajuda emocional e espiritual. (...)
(...) Desde o seu nascimento, Vésper conviveu com seus dons paranormais
(...)
(...) As dificuldades começaram aos 5 anos de idade quando a paulistana foi
com seus pais conhecer um imóvel para onde a família pretendia se mudar
(...)
(...) Tempos depois, impressionada com a situação, a mãe de Vésper
investigou o histórico do imóvel (...) muitas mortes e infortúnios haviam
ocorrido (...)
(...) Foi através da ciência que Vésper obteve entendimento e conhecimento
hábil para administrar a sua sensibilidade (...)
(grifo nosso)
ao mesmo tempo que se vale do recurso à representação do discurso, expondo
trechos da produção discursiva presente na correspondência recebida:
(...) “Tive que optar por uma coisa ou outra, pois estava trabalhando quase
que o dia inteiro (...)”
(...) “Ao chegar no local (imóvel para onde a família pretendia se mudar),
senti uma energia estranha e pedi ao meu pai que não comprassem a tal
casa (...) meus pais acataram meu pedido” (...)
(...) Soube que quando nasci, minha mãe teve um parto difícil, em
conseqüência disso, sofri um aumento na glândula hipófise, que é
responsável pelas nossas percepções. A partir daí, consegui controlar
melhor minhas manifestações, que aprendi a fechar meu campo
magnético” (...)
225
“Não pense que foi fácil largar o Direito. Eu adorava a área jurídica, mas
resolvi obedecer a minha missão divina, que é o que me trouxe paz e
felicidade” (...)
Verifica-se, pelos trechos por nós selecionados que o produtor do conselho tem o
controle sobre o que representar da carta que recebeu: ele reconstrói toda a história
pela narração, destacando, com marcações temporais, (sublinhadas), as
informações que julga mais adequadas para o propósito do aconselhar. Na
representação do discurso da terapeuta, observa-se a constante exposição de
problemas e dificuldades enfrentados, na fase infantil e na adulta, até a realização
do sonho de “reinvente-se”.
Segundo Meurer (1998), a narrativa é uma estratégia retórica que nos ajuda na
construção de pontos de vista sobre a “realidade”, o que pode influenciar a
construção da nossa identidade. Em (159), uma pessoa comum, leitora como tantas
outras, demonstra que é possível solucionar problemas, mesmo sem a ajuda de
“especialistas”, servindo assim como modelo de sucesso:
“Para chegar mais perto do seu sonho, é preciso primeiro acreditar em si
mesma, sair um pouco da razão e esquecer as opiniões alheias”
A narrativa construída permite que as leitoras criem diferentes realidades sobre eles
mesmos, ou que visualizem alternativas futuras: um “final feliz”. A carta, aqui, tem
também a função de incentivar as pessoas a seguir as orientações aconselhadas
textualmente no título: “Reinvente-se: livre-se das opiniões alheias e viva o seu
sonho!”.
226
2.4 Sobre o depoimento
Identificamos que o depoimento normalmente participa da composição discursiva do
conselho. As experiências positivas ou negativas das pessoas são representadas no
gênero, atuando como fonte de apelo ao destinatário do texto para práticas de ações
aconselhadas.
Observamos também que depoimentos de pessoas públicas (artistas,
apresentadores de TV, para citar alguns) e de pessoas comuns (esposas, mães,
funcionárias de empresas, entre outras) funcionam como um recurso discursivo
usado na produção textual do conselho com um grande potencial para atribuir e para
reforçar o posicionamento do destinatário do texto no papel social de aconselhado.
Do ponto de vista textual, os depoimentos integram-se à composição do conselho
pela estratégia da representação do discurso, com base na citação direta ou na
citação indireta do discurso representado. O conteúdo do discurso representado é
tipicamente organizado através das seqüências textuais narrativa e injuntiva,
articulada, em alguns casos, em outros, não. A narração contribui para que sejam
(re)construídas, discursivamente, situações vivenciadas por pessoas reais,
experiências que evidenciam, dentre outras coisas, como elas se relacionam e se
comportam socialmente e as conseqüências dos seus atos. A injunção, por seu
turno, contribui para organizar e sistematizar as informações textuais usadas no
aconselhamento: com base em comandos, o “melhor” caminho a ser seguido pelo
destinatário para obter, sempre que possível, êxito na sua vida, é orientado. O texto
“Onde foi que eu acertei” mostra o recurso ao depoimento na produção discursiva do
conselho:
227
(160)
Onde foi que eu acertei – Revista Ana Maria, 469
228
É freqüente a transformação de depoimentos para a produção de conselhos: os
depoimentos são usados para apresentar as experiências de pessoas reais, com
problemas reais, que, muitas vezes, conseguem solucioná-los. Com essa relação
intertextual do depoimento com o conselho, aspectos da vida particular e íntima
das pessoas são expostos ao domínio público, o que gera empatia e
veracidade ao conteúdo textual.
O exemplo (160) é um texto que visa a aconselhar os pais que estão preocupados
com a educação de seus filhos. Esse conselho tem como base de constituição o
“depoimento” de vários pais famosos que, segundo o produtor do texto,
“acertaram” na criação.
No exemplo em análise, 13 conselhos-chave, em forma de comandos
imperativos, o categorizados e numerados: 1. Esteja sempre presente; 2.
Coloque limites; 3. Evite o consumismo; 4. Estimule o esporte; 5. o exemplo;
6. Respeite seus espaços; 7.Entre no mundo deles (...). Para caracterizar cada
um desses conselhos, uma citação aspeada da voz de algum pai famoso e,
em seguida, a indicação da autoria dessa voz (nome, profissão, relação familiar
“mãe”, nome e idade dos seus filhos):
(161) 7 Entre no mundo deles
“A relação entre pais e filhos deve ser de parceria, com muita conversa,
tem de entrar no mundo da criança, querer entender o que ela pensa e
sente. Então um bom caminho é estar sempre presente. Eu entro na
fantasia dela. Outro dia, ela queria mandar uma carta para o saci-pererê
e a gente deixou um envelope no jardim para ele pegar. Depois, falei
para ela que o saci tinha ligado para agradecer”
Leonor Corrêa, apresentadora, mãe de Júlia, 4 anos
(162) 10 Seja amiga e dê liberdade
“Acho que amizade é fundamental. E tem de respeitar a individualidade
dos filhos. Cada um tem de buscar sua vida. Precisa dar condições para
ele ser livre e encontrar suas necessidades reais.”
Nicette Bruno, atriz, mãe de Bárbara, 42, Beth, 41, e Paulo, 36 anos
229
Verificamos que, quando o depoimento representado no conselho é proferido por
pessoas públicas, na sua maioria, as citações são estruturadas por uma mescla
de comandos com narrativas de exemplos de experiências de vida de sucesso
dos depoentes. Em (161), no discurso representado, a apresentadora Leonor
Corrêa expõe o seu ponto de vista sobre como deve ser a relação entre pais e
filhos
A relação entre pais e filhos deve ser de parceria, com muita
conversa, tem de entrar no mundo da criança, querer entender o
que ela pensa e sente
para, em seguida, aconselhar
Então um bom caminho é estar sempre presente
e, depois, narrar sua experiência de mãe a fim de exemplificar e de comprovar os
comportamentos socialmente “acertados”, persuadindo o destinatário do texto da
verdade das suas palavras:
Eu entro na fantasia dela. Outro dia, ela queria mandar uma carta
para o saci-pererê e a gente deixou um envelope no jardim para ele
pegar. Depois, falei para ela que o saci tinha ligado para
agradecer”.
Já em (162), no discurso da atriz Nicette Bruno, observa-se a exposição de
comandos que retratam os comportamentos aconselhados aos pais, em negrito,
E tem de respeitar a individualidade dos filhos. Cada um tem de
buscar sua vida. Precisa dar condições para ele ser livre e
encontrar suas necessidades reais.
Em outros casos, a inserção de depoimentos em conselhos é realizada de forma
diferente. Encontramos o discurso do depoente citado no corpo do texto, com
menor destaque que o dado no exemplo (160), como podemos observar no texto
“Amor à distância”:
230
(163)
Amor à distância - Revista Malu, 154
231
No exemplo (163), o conselho gira em torno da manutenção da “vida a dois”
quando esta vem sendo prejudicada pela ausência de um dos companheiros (o
homem) devido às condições do seu trabalho. Ao longo do texto, o registro do
depoimento da mulher que passa a maior parte do tempo sem a presença do
marido em casa é realizado:
Meu marido viaja desde que nos casamos. Hoje ele até está aposentado,
mas não deixa de viajar. Ele chega a ficar um mês ou mais sem voltar
para casa. Já até me acostumei (...) Se pudesse voltar ao passado,
nunca me casaria com um motorista de caminhão. É uma vida muito
difícil e solitária.
Diferente do que ocorre em (160), o número de depoentes é bem menor e o
depoimento em questão é usado para problematizar: retratar uma dificuldade
vivida, em geral por pessoas comuns e não por pessoas públicas, como ocorre no
texto “Onde foi que eu acertei”. No caso, o discurso do depoente não é usado
para aconselhar, mas para exemplificar uma experiência sobre a qual o produtor
do texto, ou um especialista consultado por esse produtor, fará considerações e
apresentará conselhos para resolver os problemas daquelas leitoras que vivem
uma situação similar:
Os filhos de Cleide pediam para dormir na cama de casal com ela
quando o pai ia viajar. Eu deixava eles dormirem com a fronha do
travesseiro que o pai tinha dormido para matarem a saudade”,
conta. Mas o mais complicado, segundo ela, era lidar com a educação
dos filhos. “Quando o pai não estava em casa, eles eram obedientes,
mas quando ele chegava, eu não podia mais dar broncas, nem
deixar ninguém de castigo. A especialista explica que a distância do
pai não deve prejudicar a educação das crianças: “O importante é a
qualidade e não a quantidade. Um pai que possua menos possibilidade
de convivência não representa um risco para a educação das crianças.
Acordos de como proceder em cada fase do desenvolvimento dos filhos
são essenciais”, esclarece a especialista.
(grifo nosso)
232
Nesse trecho do exemplo (163), verificamos a articulação de dois gêneros:
depoimento, da pessoa comum, Cleide, e consulta, da especialista, Cláudia
Cacau Furia Cesar. Com o depoimento, introduz-se no conselho a narrativa de
uma situação-problema (em negrito); com a consulta, a avaliação e o
aconselhamento para se resolverem situações semelhantes à experienciada pela
enunciadora do depoimento.
É importante ressaltar que os depoimentos representados nos conselhos são,
como observamos, associados a tipos de discurso de pessoas públicas e de
pessoas comuns, pessoas reais que interagem na nossa sociedade: exercem
papéis diversos, como o de mãe, o de esposa, o de profissional, entre outros, que
podem perfeitamente ser também exercidos pelos destinatários do conselho.
Essa identidade de papéis, “discurso representado” “destinatário”, contribui
também para que as posições sociais sejam mantidas e reforçadas no gênero:
aqueles que depõem, revelam seus pontos fracos ou fortes, apresentam, ou
solicitam, linhas de ação para obtenção de sucesso nas relações sentimentais,
familiares, profissionais, entre outras.
2.5 Sobre a novela
Nas RFs, na sua constituição discursiva, o conselho também mantém relações de
intertextualidade com o gênero novela, em especial a novela da televisão
brasileira. Essa incorporação indica que as leitoras, público alvo das revistas,
acompanham as novelas, conhecem seu conteúdo, o qual é resgatado pelo
233
conselho, e sobre ele orientações de comportamentos sociais incidem. Assim, a
novela exerce um papel importante para a abordagem temática do conselho:
(164)
Quando a proteção prejudica – Revista Ana Maria, 468
234
No exemplo (164), verifica-se a presença do gênero novela como intertexto
selecionado para compor o conselho. Uma fotografia, em destaque, retrata
personagens em ação mãe, filho e nora em cena de casamento –, seguida de
legenda. Embora a foto apresente uma cena de felicidade, o que pode motivar a
leitora para a leitura do texto, a legenda e o relato introdutório apontam para uma
situação-problema, tema central da produção do aconselhamento: “quando a
proteção prejudica”. Também, na introdução do texto, há um relato sobre o
comportamento da personagem “mãe”: “Na novela América, a superprotetora
Dona Diva (...) fez de tudo até separar o filho, Feitosa (...), da batalhadora Islene.
O que ela não sabe é que, ao empurrá-lo para o casamento com Creuza (...), vai
provocar o sofrimento do filho que será traído pela falsa beata até na lua-de-mel”.
Nesse sentido, no conselho, a novela introduz a temática do texto e, sobretudo,
apresenta uma problematização, servindo de base para exemplificar um
comportamento avaliado como negativo pelo produtor do texto, sobre o qual
incidirão aconselhamentos que visam propor soluções, modelos de
comportamentos “positivos”, para se mudar o quadro da problemática abordada.
Cenas de novelas também são resgatadas em conselho para ilustrar exemplos de
comportamentos que levem as pessoas ao sucesso”, caso do texto (02), página
81, “Mãe e pai ao mesmo tempo”, analisado anteriormente neste capítulo.
Naquele exemplo, os comportamentos da personagem são tratados como ideais e
servem de incentivo para as pessoas: “Em A lua me disse, Eloísa (...) mostra que
é possível cuidar do filho Arthur (...) sem a presença do pai”. O mesmo ocorre no
texto “Elas têm o poder”, no qual personagens da novela “América” são
apresentadas como modelos de inspiração para as mulheres:
235
(165)
Elas têm o poder! - Revista Mulher, 7, p.35
Nesse exemplo, a personagem Simone é tomada como referência pela
capacidade de se mostrar companheira e, assim, exercer o poder de atrair o seu
parceiro: “Foi assim que Simone, personagem de Gabriela Duarte também em
América, conseguiu namorar Tião (Murilo Benício). Ela não teve medo de arriscar
tudo por amor”. A personagem da novela é usada como exemplo, aquilo que faz
no enredo é aprovado e suas atitudes o aconselhadas às leitoras: “Não se
envergonhe de ser romântica, muito menos de dar carinho achando que ele irá
perceber essas reações como sinais de fraqueza (...)”.
236
Além do uso da novela como pretexto para introdução da temática e problemática
textual - o tratamento de questões referentes a relações amorosas, familiares,
profissionais, extraídas de enredos veiculados pelas telas das tevês e
apresentadas no conselho como modelo a ser ou não ser seguido -, no conselho,
também observamos a intertextualidade com aquele nero para se refletir sobre
o próprio papel das novelas no ambiente familiar. No texto “Tevê na hora errada”
(Revista Malu, 165, p.20), há orientações sobre como os pais devem agir com
seus filhos diante do problema da exposição inadequada das crianças aos
programas televisivos: “As crianças adoram assistir à novela e enchem os pais de
perguntas. E, aí, está preparada?”.
É importante ressaltar que, no conselho, a intertextualidade com novelas é uma
relação que envolve conexões entre mídias: a televisiva e a impressa. Sendo uma
forma de entretenimento de grande audiência no nosso país, as novelas possuem
um grande potencial de gerar empatia e interesse do público com a/ pela leitura e
aceitação dos conselhos, o que torna a relação de intertextualidade muito
produtiva para o gênero.
2.6 Sobre o teste
Testes do tipo pergunta-resposta-resultado também são bastante produtivos na
organização discursiva do conselho. Esse tipo de enunciado permite uma maior
interação da leitora com o texto na medida em que se faz necessário, de algum
modo, que respondam às questões que se colocam para que, assim, seja
avaliado o grau do seu “problema” e, na seqüência, haja o aconselhamento, como
observamos no texto “O que você quer dos homens?”:
237
(165)
O que você quer dos homens? - Revista Amiga, 7
238
O exemplo (165) organiza-se a partir de um questionário seguido do seu
resultado. As perguntas apresentadas, em geral, no teste, questionam os tipos de
atitudes que as pessoas tomam: diante de uma situação (como a questão 2: “O
melhor programa para o primeiro encontro é:”); sobre preferências (questão 7:
“Que gênero de filme faz você ir ao cinema?”); ou sobre crenças e valores sociais
(questão 6: “Na sua opinião o que mantém um relacionamento por mais tempo?”).
O questionário, ao ser respondido pelas leitoras, segundo o produtor do texto,
conforme a combinação das respostas, revelará diferentes perfis de pessoas.
Cada um dos possíveis perfis é descrito na seção resultado e é acompanhado de
aconselhamentos do produtor do texto.
Em (165), o grupo de leitoras alvo do endereçamento textual é representado por
aquelas mulheres que estão há algum tempo sem namorado e desejam
conquistar um parceiro (“Há tempos sem namorado? Não, não jogue a toalha e
nem se ache a última das mulheres...”). As leitoras são, assim, motivadas a
realizar o “teste” que lhes dará uma solução. No texto, são apresentadas
questões para que as leitoras que se enquadram no referido grupo a elas
respondam. De acordo com as respostas dadas, cada leitora irá se reenquadrar
em um dos perfis sociais delineados textualmente, e, assim, o grupo de leitoras é
subdividido em grupos menores, os quais terão conselhos específicos a seguir
para chegar ao mesmo objetivo final, ou seja, “para que a próxima investida
certo”.
Logo, se a leitora marca mais, no “teste”, a alternativa “A”, por exemplo, é
categorizada pelo seguinte perfil social: “Impulsiva, não pensa antes de encarar
novas aventuras, o entusiasmo é tanto que nem pensa se o parceiro tem ou não a
239
ver com o seu jeito de ser”. Sendo assim, deve seguir as dicas: “liberte-se do
desejo de acertar na escolha logo de cara. E também aprenda a olhar o rapaz
como ele realmente é”. se a leitora marca mais a “B”, é categorizada como
“sincera com suas intenções e espera que o parceiro também seja. Sente-se
confiante, mantendo a relação sob controle”. Nesse caso, deve “ser flexível,
aceitando que tudo pode mudar e acabar (...) não insista em histórias que não
têm mais futuro”.
Percebe-se, nessa interação produtor-leitor, que uma tendência marcada de
individualização do ser humano: o destinatário chega a ser categorizado,
qualificado, enquanto indivíduo singular, como se o produtor o conhecesse a
fundo e, portanto, tivesse condições de avaliar seu problema, sua postura perante
a vida e, assim, aconselhar com a propriedade devida.
O teste, no conselho, reforça o poder de aconselhar do “conselheiro”, como
comentamos no Capítulo 1. Lembrando as palavras de Fairclough (2001), na
relação de intertextualidade constitutiva, as convenções discursivas de diferentes
gêneros articulam-se e complementam-se: ao incorporar o teste, o conselho
resgata aspectos do seu funcionamento sociodiscursivo, como, por exemplo, as
relações de hierarquia avaliador-avaliado picas daquele gênero, o que respalda
e autoriza a ação central do produtor de aconselhar.
Neste capítulo, analisamos a intertextualidade do conselho com os demais
gêneros distribuídos nas RFs. Verificamos que alguns desses neros, de forma
recorrente, figuram na constituição discursiva do conselho. Notamos que o
funcionamento das conexões de intertextualidade entre gêneros apóia o conselho,
especialmente, no sentido de:
240
I. Manter as relações e as posições sociais construídas no gênero nesse
caso, a incorporação discursiva de um segundo gênero permite, dentre
outras coisas: o estabelecimento de autoridade para se aconselhar
(“currículo”); a atribuição de posicionamentos sociodiscursivos ao produtor
(conselheiro “currículo”, “consulta”) e ao destinatário do texto
(aconselhado – “depoimento”; “carta”).
II. Apoiar a organização composicional do gênero – para tanto, as relações de
intertextualidade contribuem para estruturar fases reconhecidas
culturalmente de se organizar o plano textual do conselho:
apresentação de um problema (“carta”, “depoimento”, “novela”);
avaliação de um problema; explicação de um problema;
apresentação de problema - solução (“consulta”, “teste”).
III. Reforçar a ação social do gênero – estabelecimento de plano de comandos
(“consulta”, “teste”); persuasão para realização de ações explicitadas
textualmente (“depoimento”, “carta”, “novela”, “teste”).
IV. Favorecer a abordagem temática - valorizar e dar crédito ao conteúdo
informativo (“currículo”); introduzir a temática do texto (“novela”).
As discussões traçadas ao longo da tese apontam para o fato de que a
articulação entre gêneros demonstrou ser um processo produtivo no conselho,
visto a incorporação típica de alguns gêneros específicos colaborar para o reforço
das relações e ões sociodiscursivo-textuais do gênero. A análise dos diversos
tipos de relações intertextuais, nas quais o conselho se constitui em revistas
femininas, reafirma a proposição de que os gêneros são enunciados plásticos,
241
dinâmicos e mutáveis, estando sempre abertos a articulações e a rearticulações
sociodiscursivas.
242
CONCLUSÃO
Nesta Tese, a intertextualidade, pensada na perspectiva dos gêneros do discurso,
foi tomada no seu sentido mais amplo: todo gênero nasce em razão de uma
resposta ao dito e, por esse motivo, na sua constituição discursiva, incorpora
elementos de gêneros anteriores, mantendo com estes identidades, seja de ação, de
relação sociodiscursiva, de organização composicional, de estilo ou de conteúdo
temático.
Entendemos que a seleção de enunciados anteriores para reorganização e
rearticulação em novos contextos sociointerativos pode ser consciente, ou não. O
nível de complexidade dessa incorporação discursiva varia: desde uma marcação
textual explícita, caso dos discursos representados, até uma conexão discursiva
mais abrangente, caso das cadeias intertextuais dos processos de distribuição de
um gênero. E, ainda, os objetivos discursivos envolvidos nas conexões intertextuais
também são diversos: o intertexto tanto pode ser resgatado para se acentuar sua
carga avaliativa quanto para combatê-la.
O processo da intertextualidade é, pois, um princípio constitutivo basilar para
qualquer produção de linguagem. Em se tratando dos gêneros do discurso, como
discutimos no Capítulo 1, há uma relativa estabilidade nos processos de assimilação
e integração de gêneros anteriores para a constituição de um dado gênero.
Centrados nesses postulados orientadores, o propósito maior deste trabalho foi
analisar o funcionamento intertextual do gênero conselho. Para tanto, enfatizamos,
no estudo, as relações de intertextualidade que o conselho mantém com os demais
243
enunciados, delimitando três dimensões: ) as cadeias intertextuais das quais o
gênero participa no processo de distribuição nas revistas femininas; 2ª) os tipos de
discurso representados; e 3ª) os gêneros do discurso incorporados no seu processo
de constituição discursivo-textual.
No que se refere às cadeias intertextuais, verificamos que, na dinâmica da
distribuição textual em revistas femininas, o conselho é transformado para participar
da composição discursiva de um conjunto de gêneros, os quais aderem à orientação
sociodiscursiva do aconselhar em diferentes perspectivas.
Embora a diversidade de gêneros que circulem numa dada cultura seja grande, o
número das cadeias intertextuais é relativamente limitado, pois está ligado às formas
particulares de articulação das instituições e das práticas sociais. Vale dizer também
que os gêneros possuem formas convencionais de distribuição em cadeias. As
transformações entre os textos numa cadeia podem apresentar-se de diferentes
modos, seja marcadamente pela intertextualidade manifesta, seja pela complexa
rede de articulação intertextual constitutiva.
Nesse contexto, a capa da revista demonstrou ser o primeiro contato discursivo-
textual com o conselho e, conseqüentemente, do conselho com o público
consumidor da revista. Os títulos dos conselhos tipicamente figuram na constituição
discursiva das capas, como matérias de destaque. Essa relação de intertextualidade
contribui para a divulgação da temática do conselho distribuído na revista, bem como
para a valorização do gênero, uma vez que matérias o postas em destaque em
razão do peso que exercerão na comercialização da própria revista. Além disso,
favorece o estabelecimento de posições e relações sociodiscursivas do produtor e
do destinatário do gênero: o discurso da mídia das revistas femininas exerce uma
244
poderosa influência na construção de identidade para mulheres; nesse sentido,
verificamos que as capas das revistas são construídas semioticamente em função
da motivação do público para dois caminhos básicos: o primeiro, da idéia de que a
revista e seu conteúdo servirão de apoio para enfrentar as situações do dia-a-dia; e
o segundo, da concepção de um ideal de beleza e de sucesso posicionando o leitor
favoravelmente ao conteúdo dos textos. Caminhos esses muito produtivos para o
conselho.
Além disso, o conselho mantém uma relação de intertextualidade de ação
sociodiscursiva com vários outros gêneros: editoriais e horóscopos, assim como
ocorre com as capas, são gêneros que tipicamente incorporam o conselho na sua
constituição discursiva; já, em reportagens e entrevistas, o conselho é assimilado e
reestruturado de maneira mais ocasional.
Caracteristicamente, o editorial tem por objetivo apresentar o posicionamento
ideológico do jornal ou da revista em que é distribuído, tanto ao discutir um tema em
evidência na atualidade, quanto ao comentar o conteúdo dos textos que são
publicados nos exemplares. O editorial mantém relações intertextuais com o
conselho de dois modos principais: pela apresentação dos textos de
aconselhamento presentes nas revistas ou, de outro modo, sem referir-se
especificamente a textos de publicação, organiza-se do ponto de vista discursivo-
textual pela estrutura composicional do conselho, transmutação formal.
No primeiro caso, a intertextualidade entre os referidos gêneros contribui para
reforçar a divulgação do conselho como matéria de interesse de leitura: nos seus
comentários, avalia positivamente o conteúdo das publicações da revista,
valorizando-o, construindo, assim, um caminho favorável para sua leitura; no
245
segundo caso, o editorial investido da ação de aconselhar, marcadamente pela
organização estrutural formal, reacentua a linha persuasiva das revistas que têm
como alguns de seus propósitos passar para as leitoras a imagem de “amiga”,
“companheira” e “confidente”, servindo-lhes, com seus textos, de referência no trato
de comportamentos em sociedade.
O horóscopo, por sua vez, mantém uma identidade de temas e de ação com o
conselho, abordando orientações de comportamento sobre como proceder quando o
assunto é amor”, família” e “trabalho/dinheiro”, em especial. Essa relação
intertextual funciona como um elo que articula os vários gêneros no mesmo domínio
discursivo, cooperando para divulgação e reprodução das idéias norteadoras da
linha editorial da revista.
Constatamos que a presença marcante do conselho como prática discursiva que
molda, de um modo ou de outro, uma diversidade de gêneros, mantendo com estes,
em especial, identidade quanto à ação de aconselhar, aponta para o fato de que o
gênero em foco vem sendo valorizado e ganhando status na interação da mídia
dirigida às mulheres. Nesse sentido, o conselho torna-se um gênero com grande
potencial para reforçar e manter relações de hierarquia entre aqueles que são
autorizados socialmente a aconselhar e aqueles a serem aconselhados.
Quanto aos tipos de discurso representados, voltados para o estudo do conselho
considerando seu processo de produção e não mais de distribuição, constatamos
que aqueles que assinam os conselhos, responsáveis pela sua produção, são a
redação da revista e os especialistas por essa contratados (colunistas de diversas
áreas: psicólogos, psiquiatras, médicos, consultores de empresas etc); ao passo que
os destinatários a quem esses produtores se dirigem são as leitoras, mulheres,
246
casadas ou em busca de parceiro, normalmente mães, atuantes no mercado de
trabalho.
No compasso das relações produtor-destinatário, evidenciamos que a representação
do discurso é um processo de incorporação de enunciados anteriores pelo gênero
que contribui para guiar e delimitar o espaço que cada grupo ocupa na interação:
conselheiro e aconselhado. Os dados mostram que a incorporação do discurso de
terceiros é uma estratégia intertextual de recorrência na constituição discursiva do
conselho. Dentre os tipos de discurso representados, constatamos que o discurso
da “autoridade”, profissionais especializados e pessoas públicas (em geral, da mídia
televisiva), e o discurso da “intimidade”, pessoas não-públicas e enunciadores
genéricos, são constantemente representados. Todavia, os objetivos da
representação do discurso diferem de a cada tipo de discurso: o discurso da
autoridade além de ter a maior participação na constituição discursiva do conselho, é
de maior ocorrência, também controla a participação do discurso da intimidade, de
menor prestígio.
A análise dos verbos representadores, verbos dicendi, por exemplo, indica que o
produtor, segundo sua interpretação, ao selecionar o discurso a ser representado,
investe-o de ação: o discurso de especialistas e de outras pessoas de notório
reconhecimento tem o explicar o porquê de um problema (sua natureza, causas e
conseqüências), o afirmar uma linha argumentativa assumindo o caráter de verdade
daquilo que é dito, o aconselhar como solucionar problemas, como ações
associadas pela introdução discursiva mediada por verbos discendi; de outro modo,
o discurso de pessoas comuns tem o explicar um contexto de experiência de uma
247
situação-problema e o lembrar uma problemática também experienciada, como
ações de maior incidência.
Nesse sentido, usa-se o discurso da autoridade para referendar o plano de
aconselhamento do produtor do texto, “conselheiro”, e o da intimidade,
especialmente, para ilustrar situações e comportamentos sobre os quais se
aconselham referendam o papel atribuído pelo produtor do texto ao seu
destinatário “aconselhado”. Desse modo, essa seleção estratégica de fontes
intertextuais contribui para construção e reforço das relações sociodialógicas que se
estabelecem entre aqueles que interagem.
A respeito do funcionamento interdiscursivo do conselho, a constituição discursiva
do gênero mostrou-se permeada por recorrentes conexões intertextuais com alguns
tipos específicos de enunciados, tais como currículo, consulta, carta, depoimento,
novela e teste. A seleção e a incorporação desses gêneros estão associadas às
complexidades das práticas sociodiscursivas que envolvem o conselho. Assim,
atuam no sentido de não apenas apoiar a organização composicional do gênero,
mas ainda manter as relações e as posições sociais construídas no gênero, reforçar
sua ação social e, também, favorecer a abordagem temática.
Por exemplo, verificamos o uso de depoimentos para “problematizar” e, em
contrapartida, consultas para apresentar a fase composicional de “resolução de
problemas” com a indicação de um plano de ão (comportamentos sugeridos).
Observamos também a incorporação discursiva do currículo para garantir a
autoridade para se aconselhar; e o da carta para se atribuir o posicionamento
sociodiscursivo de “aconselhado” ao destinatário do texto. Vimos o uso de teste
tanto para apoiar a ação de aconselhar como para motivar leitores para a realização
248
das ões aconselhadas. E, finalmente, a assimilação de novelas, especialmente,
para introduzir a temática do texto.
Pelo exposto, confirmamos a hipótese de que, nos conselhos das revistas femininas,
a intertextualidade constitui-se como uma prática discursiva usada pelos produtores
para reacentuar a ação social de aconselhar e fazer agir o interlocutor.
A análise das relações intertextuais do conselho demonstrou ser um caminho de
grande relevância para identificar as fontes usadas para autorizar e legitimar os
conselhos apresentados pelo produtor textual; entender processos de construções
de relações sociais, como o produtor de um texto vale-se de outros textos para se
posicionar em relação ao seu destinatário; reconhecer as estratégias discursivo-
textuais de inserção do discurso do outro, e o seu poder de argumentação e de
ação; e, ainda, perceber o papel da intertextualidade no funcionamento
sociodiscursivo do conselho.
Considerando a relevante contribuição do estudo para compreensão de aspectos
intervenientes no funcionamento intertextual do conselho e, conseqüentemente, as
aberturas para novas pesquisas que um trabalho dessa natureza pode suscitar,
compreendemos que as discussões não se esgotaram - muitas outras faces do
conselho ainda estão a se revelarem. A título de sugestão: numa perspectiva
diacrônica, histórica, como se constituiu nas RFs? E nas revistas masculinas da
atualidade, qual a dinâmica de seu funcionamento intertextual? Como são tratados a
intertextualidade e o conselho em âmbito escolar, sobretudo, nos livros didáticos?
São perguntas que poderiam ser alvo de novas abordagens de investigação
científica. É nesse sentido que a análise das redes intertextuais nas quais os
gêneros se constituem torna-se uma oportunidade frutífera de se lidar e, sobretudo,
de se entender o funcionamento da linguagem humana.
249
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