Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
RONALDO LUIZ CASSUNDÉ
A Vitória de Albuíno
Campanhas Modernizadas no Brasil e no Espírito Santo
VITÓRIA
2008
ads:
RONALDO LUIZ CASSUNDÉ
A Vitória de Albuíno
Campanhas Modernizadas no Brasil e no Espírito Santo
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em História Social das Relações
Políticas do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Estilaque Ferreira dos
Santos
VITÓRIA
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Cassundé, Ronaldo Luiz, 1975-
C345
v
A vitória de Albuíno : campanhas modernizadas no Brasil e no
Espírito Santo / Ronaldo Luiz Cassundé. – 2008.
200 f.
Orientador: Estilaque Ferreira dos Santos.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais
1. Campanha eleitoral. 2. Eleições. 3. Marketing político. 4.
Comunicação na política. 5. Espírito Santo (Estado) – História. I.
Santos, Estilaque Ferreira dos. II. Universidade Federal do Espírito
Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
ads:
RONALDO LUIZ CASSUNDÉ
A Vitória de Albuíno
Campanhas Modernizadas no Brasil e no Espírito Santo
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
História Social das Relações Políticas do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal
do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre em História.
Aprovada em ___ de__________ de 2008.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dr. Estilaque Ferreira dos Santos (orientador)
Universidade Federal do Espírito Santo
________________________________________________
Prof. Dr. João Gualberto Vasconcelos
Universidade Federal do Espírito Santo
________________________________________________
Prof. Dr. Geraldo Antônio Soares
Universidade Federal do Espírito Santo
________________________________________________
Profª. Drª. Adriana Pereira Campos
Universidade Federal do Espírito Santo
Aos meus amigos (as), companheiros (as) e familiares.
Agradeço a todos aqueles que de alguma forma
contribuíram para a realização deste, em especial
ao meu orientador, Estilaque Ferreira dos Santos;
à minha esposa, Fabiana Rocha da Fonseca; à
revisora, Sueli Gomes; e a Ueber de Oliveira, Jan
Krok, Idivarcy Martins, João Martins, Sueli de
Freitas e Wilson Lucas.
RESUMO
A pesquisa estabelece um marco histórico e temporal para o surgimento das
chamadas Campanhas Modernizadas no Espírito Santo, mediante a análise da
estratégia eleitoral vitoriosa do candidato a governador Albuino Azeredo, nas
eleições estaduais de 1990. Um ano antes, o mesmo fenômeno havia se
manifestado em âmbito nacional, através da campanha realizada por Fernando
Collor de Melo, eleito presidente da República. O estudo da confluência entre as
novas tecnologias da informação e as práticas de propaganda política a partir da
ditadura militar implanta em 1964 permite uma visão ampla sobre as transformações
qualitativas que, após abertura política da década de 1980, levou à incorporação de
recursos técnicos e procedimentais às estratégias dos candidatos, propiciando, em
estágio avançado, o surgimento das Campanhas Modernizadas.
Palavras-chave: Campanha eleitoral; Eleições; Marketing político; Comunicação na
política.
ABSTRACT
The research establishes a historical landmark for the appearance of the called modernized
campaigns in Espírito Santo, by means of the analysis of the electoral victorious strategy of
the candidate for the government Albuíno Azeredo in the state elections of 1990. One year
before, the same phenomenon was shown in a national extent through the campaign carried
out by Fernando Collor de Mello, elected president of the Republic. The study of the
confluence between the new technologies of the information and the practices of the political
propaganda from the military dictatorship introduced in 1964 allows a spacious vision on the
qualitative transformations that, after the political opening in 1980, led to the incorporation of
technical resources and procedures to the strategies of the candidates, favoring, in an
advanced way, the appearance of the modernized campaigns.
Keywords: Campaign carried; Elections; Marketing politician; Communication in the
politics
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................08
1 A INTERDIÇÃO DOS PROCESSOS ELEITORAIS E O ADVENTO DAS
CAMPANHAS MODERNIZADAS NO BRASIL: DO GOLPE DE 1964 ÀS ELEIÇÕES
PRESIDENCIAIS DE 1989........................................................................................18
1.1 TÉCNICAS MODERNAS DE PROPAGANDA: DE CASTELLO A
FIGUEIREDO.............................................................................................................24
1.1.1 A Assessoria Especial de Relações Públicas: de Costa e Silva a Ernesto
Geisel.........................................................................................................................28
1.1.2 Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE): dos militares à
reabertura política....................................................................................................36
1.2 ABERTURA DEMOCRÁTICA E SUCESSÃO DE 1985: A VITÓRIA DE
TANCREDO NEVES NO COLÉGIO ELEITORAL .....................................................41
1.2.1 A Convenção do PDS e a formação da Aliança Democrática.....................40
1.2.2 O discurso oposicionista e a proposta da Nova República........................44
1.2.3 Marketing Político e técnicas modernas de campanha...............................51
1.3 O ADVENTO DAS CAMPANHAS MODERNIZADAS: A VITÓRIA DE
FERNANDO COLLOR EM 1989................................................................................57
1.3.1 O quadro político anterior às eleições: Collor surge como a grande
novidade ...................................................................................................................64
1.3.2 Marketing político e Televisão: elementos determinantes na campanha de
Collor ........................................................................................................................68
1.3.3 A centralidade da televisão e o papel da Rede Globo na vitória de
Collor.........................................................................................................................75
2 O ESPÍRITO SANTO: A REABERTURA DEMOCRÁTICA E OS PLEITOS
ESTADUAIS DE 1982 E 1986...................................................................................95
2.1 A estratégia de Eurico Rezende: fragmentação e derrota do PDS.............104
2.2 A vitória de Gerson Camata: uma estratégia adequada ao contexto
histórico..................................................................................................................116
2.1.2 As eleições estaduais de 1986: a transição para as Campanhas
Modernizadas..........................................................................................................128
3 O PLEITO ESTADUAL DE 1990: A VITÓRIA DE ALBUÍNO E O ADVENTO DAS
CAMPANHAS MODERNIZADAS NO ESPÍRITO SANTO......................................135
3.1 A definição do quadro sucessório: movimentos e decisões dos diferentes
atores em disputa...................................................................................................143
3.2 A importância da Campanha Modernizada: características marcantes e
decisivas da estratégia de Albuíno...................................................................... 149
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................187
REFERÊNCIAS........................................................................................................197
8
INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa procura estabelecer um marco histórico e temporal para o
surgimento das chamadas Campanhas Modernizadas no Espírito Santo, detendo-se
sobre a hipótese de que tal fenômeno adquiriu sua plenitude durante as eleições
estaduais de 1990. Na ocasião, o candidato Albuíno Cunha de Azeredo (PDT)
sagrou-se governador do Espírito Santo, tendo desenvolvido uma estratégia eleitoral
na qual obteve centralidade no uso pleno e articulado de todos os recursos técnicos
e procedimentais que caracterizam as Campanhas Modernizadas. Ainda segundo a
nossa hipótese, a completa integração à política capixaba da forma moderna
adquirida pelas campanhas eleitorais ocorreu no bojo da consolidação do mesmo
modelo em âmbito Nacional. Isso, por sua vez, teria se dado durante as eleições
presidenciais de 1989, alcançando maior expressão através da estratégia vitoriosa
do candidato Fernando Collor de Melo (LIMA, 2001; MANHANELLI, 1992; RUBIM,
1998; MIGUEL, 2002; FIGUEIREDO, 1994).
Para procedermos à análise deste nosso objeto, procuramos identificar previamente
os pontos de confluência entre as novas tecnologias da informação e as mudanças
ocorridas na forma de se realizar campanhas eleitorais. Interessa-nos, sobretudo,
demonstrar as transformações qualitativas vivenciadas historicamente pelas
estratégias de comunicação dos candidatos, propiciando, em estágio avançado, o
surgimento das Campanhas Modernizadas. Nesse sentido, levamos em
consideração o fato dos novos recursos tecnológicos de comunicação e informação,
surgidos durante o Século XX, terem alterado a forma de sociabilidade entre as
pessoas de diferentes partes do planeta. Esse fenômeno atingiu o seu auge a partir
da década de 1960, com advento da chamada Sociedade da Informação, que teve
sua origem diretamente vinculada à Revolução da Informática (ROSNAY, 1998;
LOJKINE, 1999; CASTELLS, 1999).
Essa nova realidade mundial deu origem ao que chamamos de convergência
tecnológica, quando começaram a desaparecer as diferenças entre os meios
tecnológicos até então existentes: televisão, computador, rádio, telefone (VILCHES,
2001). Para explicar essas transformações, surge, no final da década de 1980, o
9
termo “tecnologia da informação”, que incorpora em seu conceito a idéia do
envolvimento de um conjunto de áreas: informática, comunicações,
telecomunicações, ciências da computação, engenharia de sistemas e de software
(CASTELLS, 1999). Nesse cenário, as novas tecnologias de mídia assumiram um
papel central na intercomunicação dos indivíduos, com interferência nas relações
políticas e sociais, na geração de novos valores e no estabelecimento de novos
padrões comportamentais. Mas não é uniforme o desenvolvimento de todo esse
processo, que ocorre em escala regional, nacional e mundial (IANNI, 2000). Ele
acontece em conformidade com os diferentes contextos sócio-culturais e político-
econômicos daqueles lugares onde adquire o seu contorno. As campanhas eleitorais
começaram a sofrer transformações ainda na primeira metade do Século XX,
quando novos recursos tecnológicos foram introduzidos nas complexas estratégias
de disputa pelo poder. Esse fenômeno começou nos Estados Unidos e difundiu-se
para vários países. No primeiro momento, essas mudanças atingiram sociedades
com sistemas democráticos consolidados, como Reino Unido e Suécia, para
posteriormente chegar às nações recém democratizadas ou com sistemas políticos
instáveis (RIBEIRO, 2003).
Os estudos dessa mutação no universo das campanhas eleitorais avançaram muito
a partir das investigações de Mancini e Swanson (apud RIBEIRO, 2003), que
realizaram uma minuciosa análise comparativa entre campanhas eleitorais de onze
diferentes países: Alemanha, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Polônia, Rússia,
Espanha, Israel, Itália, Argentina e Venezuela. A conclusão dos pesquisadores foi de
que existe grandes “coincidências” referentes à determinadas técnicas modernas e a
certos comportamentos que permeiam os processos eleitorais. A partir desse
levantamento, Mancini e Swanson (apud RIBEIRO, 2003) concluíram que esses
traços comuns demonstram a universalização de tendências que caracterizam um
determinado modelo de campanhas eleitorais, por eles denominado de “Campanhas
Modernizadas”. A identificação desse tipo contemporâneo de campanha, assim
como dos fatores causais envolvidos na utilização dessas novas técnicas, passam
por cinco pontos principais:
a) Marketing e pesquisas de opinião:
10
A fundamentação da plataforma política, do programa de governo e da propaganda
político-eleitoral deixa de ser construída com base em contatos de caráter pessoal:
discussões intrapartidárias centradas no perfil ideológico da agremiação, contatos do
candidato com a base social de apoio ligada ao partido e contatos com grupos
organizados de interesse. O aumento da complexidade social, sobretudo por causa
da industrialização e do crescimento populacional urbano, impossibilitou a
identificação do eleitorado conforme suas estratificações tradicionais (MANIN, 1995).
O surgimento de novas linhas de clivagem estimulou candidatos e partidos a
montarem estratégias direcionadas a segmentos específicos do eleitorado. As
pesquisas de opinião passaram a ser determinantes para que os pretendentes a
cargos eletivos detectassem e compreendessem os anseios da população. Essas
sondagens influenciam na definição do discurso político e das plataformas de
campanha, através do processo conhecido como marketing político-eleitoral.
b) Centralidade dos meios de comunicação:
O advento da sociedade da informação faz com que os meios de comunicação de
massa constituam-se num importante centro de poder, onde a televisão, o rádio e os
veículos impressos de maior circulação ocupam um papel central na disputa política.
As campanhas eleitorais passaram a ser muito influenciadas pela mídia. Comícios e
outras formas tradicionais de mobilização perderam importância frente aos
programas eleitorais de rádio e televisão, assim como para estratégias que buscam
criar fatos políticos capazes de garantir visibilidade ao candidato na cobertura da
grande imprensa (MANCINI; SWANSON, apud RIBEIRO, 2003).
c) Personalização:
A centralidade da televisão nas campanhas eleitorais favorece o contato direto entre
o candidato e milhões de eleitores, reduzindo a importância da intermediação
partidária. Como esse tipo de comunicação é pouco afeito às abstrações e
mentalizações, favorecendo o personalismo e a emotividade, muitas vezes a
imagem do político transforma-se na própria mensagem. Além disso, os profissionais
do marketing político tendem a construir a imagem de políticos/celebridades, que
transmitem uma mensagem de teor apelativo. A abordagem em torno de idéias e
projetos ideológicos teve seu espaço reduzido nas campanhas eleitorais.
11
d) Profissionalização dos participantes:
As Campanhas Modernizadas baseiam-se na contratação de um variado conjunto
de profissionais: publicitários, relações públicas, coletores de fundos, especialistas
em pesquisa de opinião, cientistas políticos, técnicos de informática, produtores de
rádio e televisão, jornalistas, atores, etc.
Esse fenômeno, que Habermas (2003, p. 252-254) chamou de “cientifização”, fez
com que os militantes, voluntários e quadros partidários perdessem espaço nos
principais cargos da campanha, em muitos casos deixando de exercer controle
sobre o núcleo estratégico da disputa eleitoral.
e) Apelo sedutor-emotivo
Os publicitários introduziram técnicas da propaganda comercial no universo da
disputa eleitoral, tornando a comunicação das campanhas altamente emotiva. A
argumentação crítico-racional perdeu espaço no processo de convencimento dos
eleitores.
No Brasil, diferentemente do que ocorreu nos países pesquisados por Mancini e
Swanson, a campanha modernizada consolidou-se tardiamente. Nas campanhas de
Juscelino Kubitschek (1955) e Jânio Quadros (1960), podemos identificar alguns
traços que caracterizam alterações qualitativas nas campanhas eleitorais. A
profissionalização das campanhas, com o uso de novas técnicas de comunicação e
o maior peso que a mídia, começava a assumir na formação da imagem dos
candidatos, deixavam as campanhas brasileiras cada vez mais próximas daquelas
que dominavam os EUA e a Europa nas décadas de 1950 e 1960.
Trata-se de uma etapa onde as campanhas eleitorais caminhavam para o estágio
modernizado que já haviam atingido em outros países. Mas essa transição foi
interrompida. A Ditadura Militar, iniciada em 1964, suspendeu as eleições
democráticas e passou a exercer um forte controle sobre os meios de comunicação,
bloqueando a interação entre as campanhas eleitorais e as novas tecnologias da
informação. No entanto, ao protagonizarem uma ampla política de
12
telecomunicações, vista sob a ótica da integração nacional, os militares criaram as
condições sócio-tecnológicas para o desenvolvimento da mídia e das modernas
técnicas de propaganda. Com isso, colaboraram contraditoriamente para que se
tivesse no Brasil o ambiente favorável ao advento das Campanhas Modernizadas,
que viriam a ocupar a cena política brasileira somente no final da década de 1980,
com o término do período ditatorial (RUBIM; AZEREDO, 1999).
Como já foi dito, consideramos a eleição presidencial de 1989 o marco de fronteira
para o surgimento das Campanhas Modernizadas no Brasil. Naquela ocasião, o
povo brasileiro estava há quase trinta anos sem eleger o seu presidente pelo voto
direto. O pleito foi marcado pela estréia do programa eleitoral gratuito em nível
nacional e pelos debates eleitorais na televisão. Além disso, as estratégias dos
principais candidatos baseavam-se no uso de modernas tecnologias da informação,
com destaque para as pesquisas de opinião associadas ao marketing político.
Diante disso, procuramos demonstrar que, se a estratégia vitoriosa do
presidenciável Fernando Collor de Melo, em 1989, marcou o surgimento das
Campanhas Modernizadas em âmbito nacional, a candidatura de Albuíno Azeredo
ao cargo de governador do Espírito Santo, um ano mais tarde, adquiriu as mesmas
características dessa nova tendência, marcando o advento do fenômeno na política
capixaba.
A campanha de Albuíno Azeredo recorreu a todos os recursos que caracterizam
uma Campanha Modernizada: complexas análises de pesquisa, utilizando os mais
avançados programas de computador existentes na época; marketing político-
eleitoral, contratação de profissionais com renome nacional, apelo ao recurso
sedutor-emotivo, estratégia centrada no programa eleitoral de rádio e televisão e
todo um conjunto de técnicas e procedimentos modernos relacionados à estratégia
de comunicação do candidato (VIEIRA, 1993).
Para melhor compreensão, este trabalho está dividido em três capítulos. Nossa
atenção esteve sempre focada em três linhas convergentes, objetivando uma
compreensão que partisse do geral ao específico – no tocante ao uso das técnicas
modernas de comunicação para fins de propaganda política – e o enquadramento do
nosso objeto no contexto histórico do período estudado. Sob essa ótica,
13
procuramos analisar: a) as transformações no campo da propagada política e a
centralidade que os meios eletrônicos de comunicação – marcadamente a televisão
– passaram a exercer na sociedade brasileira a partir da década de 1960, em
dissonância com a interdição dos processos eleitorais imposta pelo Regime Militar;
b) o perfil assumido por candidaturas que se fizeram vitoriosas durante a fase final
da transição democrática, já na década de 1980, tanto no âmbito Nacional como no
Estadual; c) até que ponto as candidaturas analisadas estiveram parcial ou
plenamente impregnadas das características que determinam a existência das
Campanhas Modernizadas.
No primeiro capítulo, nossa pesquisa está centrada no desenvolvimento do setor de
telecomunicações durante o Regime Militar – que propiciou o surgimento das
grandes redes de televisão – e na criação da Assessoria Especial de Relações
Públicas (AERP), no governo do General Costa e Silva. Esse órgão marcou o
aumento da profissionalização da propaganda política no Brasil, contando com um
conjunto de profissionais especializados, sobretudo, em publicidade e relações
públicas (TORQUATO, 2004). Serão observadas também as estratégias vitoriosas
dos presidenciáveis Tancredo Neves (1984) e Fernando Collor (1989). Será levado
em consideração o fato de que cada um deles elegeu-se Presidente da República
em contextos relativamente próximos, do ponto de vista do desenvolvimento das
técnicas modernas de comunicação, porém bem distintos politicamente,
considerando-se aquele quadro de transição democrática: o primeiro sagrou-se
vitorioso na última eleição indireta promovida durante o Regime Militar; enquanto o
segundo foi eleito por votação direta, no pleito que marcou o retorno do sufrágio
universal à escolha do cargo mais importante do país.
No segundo capítulo, realizaremos uma breve análise histórico-social do
desenvolvimento político e econômico do Espírito Santo durante o Século XX. Na
seqüência, após alguns apontamentos gerais sobre as eleições estaduais de 1974 e
1978, quando o país ainda estava sob o regime do bipartidarismo, procederemos à
observação mais detalhada das articulações políticas que marcaram a definição das
principais candidaturas do pleito de 1982, bem como da estratégia vitoriosa do
candidato Gerson Camata (PMDB) a Governador do Espírito Santo. Essa etapa do
trabalho será encerrada com o levantamento de alguns dos principais pontos que
14
marcaram a eleição de 1986 – quando Max Mauro (PMDB) foi eleito chefe do
Executivo capixaba – no tocante à fase de transição pela qual as campanhas
eleitorais estavam passando, antes de atingirem o estágio da plena modernização.
O terceiro e último capítulo será iniciado com a análise do quadro sucessório de
1990 e das articulações políticas para definir a candidatura de Albuíno Azeredo
(PDT) ao Governo do Estado. Em seguida, analisaremos o nível de modernização
assumido pela estratégia do pedetista, à luz da hipótese de que a mesma incorporou
– de forma plena, articulada e maximizada – todos os recursos técnicos e
procedimentais que caracterizam uma Campanha Modernizada. O que constituiu um
fato inédito na história do Espírito santo.
No que se refere ao método e à natureza das fontes deste trabalho, levamos em
conta que, nas pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Humanas, os
processos de investigação e interpretação podem ser medidos por uma variedade
de métodos explanatórios. Sobre tal assunto,Thonpson (1995) sugere que a análise
dos fenômenos sociais deve basear-se em algumas dimensões analíticas distintas,
das quais utilizamos duas:
a) Análise sócio-histórica: engloba as situações espaço-temporais, as
instituições sociais, a estrutura social e os meios de transmissão. O objetivo dessa
categoria analítica é reconstruir as condições sociais e históricas de produção,
circulação e recepção de discursos e valores permeados por formas simbólicas. E
que numa época determinada exercem influência sobre certos comportamentos
políticos de uma sociedade.
b) Análise formal ou discursiva: compreende várias formas de análise, como a
da conversação, a semiótica, a sintática, a narrativa ou a argumentativa. O principal
objetivo desta categoria é identificar o que as formas simbólicas dizem sobre algo.
Toda a nossa pesquisa está permeada pelas duas categorias analíticas citadas
acima. Por um lado, procuramos desenvolver a leitura do nosso objeto de estudo
sem perder de vista a importância da análise sócio-histórica. Nesse sentido, o
surgimento das Campanhas Modernizadas é parte de um processo mais amplo que
requer a compreensão do contexto econômico, social e político do Brasil e do
15
Espírito Santo nos diferentes períodos estudados, bem como da correlação de
forças e dos choques de interesse entre as personalidades públicas, agremiações
partidárias e forças políticas em disputa. Por outro, o desenvolvimento desta
dissertação baseou-se no estudo teórico e documental de inúmeros livros, artigos
acadêmicos, reportagens e outros documentos bibliográficos. Vale registrar, ainda,
que em momento algum descuidamos de manter um olhar critico sobre o material
abordado. Serviu-nos, como importantes espaços de pesquisa, os acervos do
Arquivo Público Estadual, da Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito
Santo e da biblioteca da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Além disso,
contamos, em menor escala, com o suporte da pesquisa oral.
Para analisarmos a construção da imagem de um político na contemporaneidade, o
conceito desenvolvido por Boorstin e utilizado por Afonso de Albuquerque em seu
livro intitulado “Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão”
(1999). Nesse caso, a imagem diz respeito à forma como a personalidade pública é
compreendida pela sociedade/eleitorado, e não ao modo da sua representação
visual em capas de revistas ou programas de televisão, por mais que essas
aparições componham o processo de construção da imagem a qual nos referimos.
Vista sob essa ótica, ela é um perfil cuidadosamente trabalhado da personalidade de
um indivíduo, instituição, empresa, produto ou serviço. Segundo Boorstin,
Quando utilizamos a palavra ‘imagem’ [...], nós admitimos abertamente a
distinção entre aquilo que vemos e aquilo que realmente está ai, e
expressamos a nossa preferência pelo que vemos. Assim uma imagem é
uma ‘personalidade’ pública visível na medida em que pode ser distinguida
de ‘caráter’ privado interior.
(BOORSTIN apud ALBUQUERQUE, 1999, p.
42)
O desenvolvimento sócio-tecnológico fez com que as pessoas passassem a ser
avaliadas em função das aparências que elas emitem em público, ao mesmo tempo
em que um grande aparato de telecomunicações e informações permite difundir
aparências em escala de massa. Com isso, possibilitou-se o surgimento de
estratégias destinadas a forjar e/ou enaltecer determinadas aparências pessoais,
permitindo que lideranças políticas, no caso específico, adaptem sua personalidade
de acordo com um plano pré-estabelecido. Ocorre que essa estratégia terá,
necessariamente, que interagir com um complexo conjunto de elementos que
16
também influencia na decisão do voto, ou na legitimidade que uma liderança ou
governo adquire junto à sociedade/eleitorado.
Corroboramos a idéia de Albuquerque (1999, p.43) quando o autor afirma que as
técnicas de manipulação do imaginário social transformaram-se em “objeto de uma
atitude instrumental, tendo em vista a disputa política”. Para compreendermos esse
processo mais amplo, no qual se inserem as estratégias de construção da imagem
política, consideramos apropriada a utilização do conceito de imaginário social
desenvolvido por Baczko,
Como os outros marcos simbólicos, os imaginários sociais não apenas
indicam aos indivíduos que eles pertencem à mesma sociedade, como
também definem, de modo mais ou menos preciso, os meios inteligíveis de
suas relações com essa sociedade, suas decisões internas, suas
instituições, etc. Assim, o imaginário social é igualmente uma peça efetiva e
eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva, e especialmente, do
exercício do poder. (BACZKO, 1984, p. 32-33)
Em outra passagem, o mesmo autor diz:
As situações conflituais entre os poderes concorrentes estimularam a
invenção de novas técnicas combativas no domínio do imaginário. Elas
visavam formas, de um lado, uma imagem desvalorizadora do adversário e,
muito particularmente, invalidar a sua legitimidade; de outro, elas exaltam,
por intermédio de representações magnificantes, o poder e as instituições
cuja causa está sendo defendida (BACZKO, 1984, p. 20).
Nesse sentido, percebemos que o desenvolvimento das técnicas de manipulação do
imaginário social mantém uma estreita ligação com a história da propaganda
política. Da mesma forma, as observações de Baczko demonstram a centralidade
dos meios de comunicação de massa na sociedade atual:
Com efeito, o que os mass-media fabricam e emitem, para além de
informações sobre a atualidade transformada em espetáculo, são os
imaginários sociais, as representações globais da vida coletiva, dos seus
agentes e autoridades, os mitos políticos, os modelos formadores de
mentalidades e de comportamentos [...] (BACZKO, 1984, p. 32).
As noções desenvolvidas por Baczko são de grande importância para a observação
do nosso objeto de estudo, já que o desenvolvimento dos meios de comunicação de
massa e das técnicas modernas de comunicação foram determinantes para o
surgimento das Campanhas Modernizadas. Então, referenciamo-nos no conceito de
17
imagem desenvolvido por Boorstin para analisarmos a construção da
“personalidade” de lideranças políticas, sobretudo daquelas que se colocam na
cabeça das disputas eleitorais; na mesma medida em que procuramos identificar o
nível de interação entre as estratégias políticas e o imaginário social da época.
18
1 A INTERDIÇÃO DOS PROCESSOS ELEITORAIS E O ADVENTO DAS
CAMPANHAS MODERNIZADAS NO BRASIL: DO GOLPE DE 1964 ÀS
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1989
O advento das Campanhas Modernizadas é um fenômeno intrinsecamente vinculado às
sociedades democráticas, notoriamente no que se refere ao funcionamento regular do
sufrágio universal. Nossa pesquisa baseia-se no conceito utilizado por Schumpeter
(apud KINZO, 2004, p. 24), que trata a democracia como “um método específico de
organização baseado em regras e procedimentos que garantem a escolha de líderes
por meio da competição política e da livre participação popular”. Entendemos que essa
simples definição de democracia é suficiente para estabelecermos, com clareza, a
distinção entre um regime democrático e outro de características autoritárias e
restritivas no que se refere aos processos eleitorais; assim como, para identificarmos os
avanços quanto ao envolvimento político da população, alcançados em processos
como a redemocratização brasileira da década de 1980.
No Brasil, fenômenos que ganharam expressão a partir da década de 1950, como a
industrialização, o crescimento urbano e o desenvolvimento acentuado das técnicas
modernas de comunicação de massa – combinação de fatores que numa democracia
eleitoral criam o ambiente favorável para o surgimento das Campanhas Modernizadas –
não foram acompanhados pelo contínuo aperfeiçoamento do sistema de sufrágio
universal e do conjunto das regras democráticas, o que fez com que o advento das
Campanhas Modernizadas guardasse uma íntima ligação com a plena retomada das
eleições diretas, no final da década de 1980. Julgamos necessário, então, localizarmos
o nosso objeto de estudo dentro de um contexto mais amplo, dedicando este primeiro
capítulo à análise do desenvolvimento dos meios de comunicação e das técnicas de
propaganda política durante a Ditadura Militar, assim como das estratégias de
comunicação das campanhas eleitorais vitoriosas nos dois pleitos presidenciais (1985 e
1989) que antecederam as eleições estaduais de 1990, quando o candidato Albuíno
Azeredo elegeu-se Governador do Espírito Santo.
19
Da Proclamação da República até o Golpe Militar de 1964, o sistema de eleições
diretas para cargos públicos enfrentou vários contratempos. É verdade que, após o
término do Estado Novo, o Brasil viveu uma fase de relativa estabilidade democrática,
chegando mesmo a escolher quatro presidentes pelo voto direto. Mas também é fato
que, no período entre 1945 e 1964, o sistema de sufrágio universal foi constantemente
ameaçado por crises
1
. Nesse sentido, podemos citar o suicídio de Getúlio Vargas, em
1954; o golpe do Marechal Lott em 1955, para assegurar o curso da legalidade após a
eleição de Juscelino Kubitschek
2
; e a renúncia de Jânio Quadros, acompanhada da
tentativa de golpe contra João Goulart, em 1961.
No entanto, foi o Golpe Militar de 1964 que inaugurou o período da história brasileira
em que o processo de escolha do presidente da República foi mais manipulado e por
mais longo tempo:
A situação tornou-se pior do que na República Velha: naquela época, o ungido
das oligarquias deveria passar pela aprovação do voto direto, embora em
condições precárias. No Estado Militar, entretanto, não há voto direto para
presidente: os governantes indicam o eleitor [...] e fazem as regras que
produzem os eleitores – O Colégio Eleitoral Biônico (PEREIRA; CAROPRESO;
RUY, 1984, p. 29).
Durante todo o ciclo militar, os presidentes da República foram escolhidos por um
Colégio Eleitoral regido por regras elaboradas especificamente para cada ocasião, de
acordo com os interesses diretos dos governantes. O primeiro chefe da Nação durante
o período autoritário foi o General Humberto Castello Branco, eleito no dia 11 de abril
1
Nesse período a competição política era limitada pelo baixo grau de aceitação das regras eleitorais,
tendência comprovada por diversas tentativas de intervenção militar, assim como pelas restrições ao
direito da oposição competir livremente. O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi colocado na ilegalidade
em 1947 (CHILCOTE, 1982).
2
Logo após a divulgação dos resultados que confirmavam a vitória de Juscelino e João Goulart no pleito
presidencial de 3 de outubro de 1955, setores da UDN e seus aliados iniciaram uma batalha jurídica
visando anular o sufrágio e impedir a posse dos candidatos eleitos. Eles alegavam a ilegitimidade dos
votos dados pelos comunistas, a ocorrência de fraude eleitoral em Minas Gerais e a inexistência de
maioria absoluta. Sem sucesso em suas argumentações, udenistas liderados por Carlos Lacerda
pregavam abertamente a deflagração de um golpe militar. Somente a interferência do Marechal Lott e de
setores legalistas do Exército garantiriam a posse de Juscelino e João Goulart no dia 31 de janeiro de
1956.
20
de 1964
3
, por um Congresso Nacional enfraquecido pelas dezenas de prisões e
cassações de parlamentares. No dia 17 de outubro de 1965, Castello Branco decretou
o Ato Institucional nº 2 (AI-2), estabelecendo definitivamente que a eleição para
presidente e vice-presidente da República seria realizada pela maioria absoluta do
Congresso Nacional
4
. Outra medida radical foi imposta pelo Ato Complementar nº 4
(AC-4), de 20 de novembro de 1965, que extinguiu os partidos políticos, determinando a
existência de apenas duas agremiações partidárias: a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), que abrigava os aliados do Governo, e o Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), formado por oposicionistas. Em fevereiro de 1966, o AI-3 determinou que os
governadores dos estados também passassem a ser eleitos por suas respectivas
Assembléias Legislativas (FAUSTO, 2000).
Em 1966, o Colégio Eleitoral indicou o Marechal Costa e Silva para substituir Castello
Branco na Presidência. Naquele processo, cada parlamentar representou 49.760 votos.
Dois anos depois, em 1968, Costa e Silva decretou o AI-5, que permitiu ao presidente
censurar, cassar mandatos, fechar o Congresso e punir os magistrados. O segundo
presidente do ciclo militar morreu em 1969. Seu sucessor, Emílio Garrastazu Médici, foi
eleito por um Colégio Eleitoral ainda mais deteriorado pelas sucessivas cassações de
mandatos. Em agosto de 1973, às vésperas da indicação de mais um general-
presidente, Médici readequou o Colégio Eleitoral para assegurar os interesses da
cúpula militar. A votação indireta passou a contar com delegados das Assembléias
Legislativas, que foram encarregadas de eleger três representantes mais um para cada
500 mil eleitores inscritos no Estado. Nenhuma representação poderia ter menos que
quatro delegados.
A chegada do General Ernesto Geisel à Presidência da República, em 1974, e o
anúncio do seu projeto de distensão “gradual e segura” inauguraram uma nova fase do
Regime Militar, iniciando o processo que ficou conhecido como “abertura democrática”.
3
O general Castello Branco e seu vice, o civil José Maria Alkmin, tomaram posse no dia 15 de abril de
1964.
4
Para que o controle autoritário fosse exercido sem contratempos, definiu-se que o voto seria nominal e
aberto.
21
Não obstante, a forma como o projeto de liberalização foi conduzido e a dinâmica dos
episódios que levaram ao retorno da democracia também foram marcados por um forte
traço de autoritarismo (KINZO, 2001). É evidente que os mais variados atores políticos,
econômicos e sociais exerceram forte influência sobre a reabertura política. No entanto,
para o andamento do nosso trabalho, interessa-nos destacar o quanto o direito ao voto
foi restringido ou manipulado até os últimos dias da Ditadura Militar.
Nesse sentido, Skidmore (1994) esclarece que a reabertura era, de fato, uma das
principais metas do governo Geisel, e que o retorno à democracia representativa após
um determinado período de tempo estava previsto no projeto dos militares desde o
Golpe de 1964. Entretanto, os detentores do poder almejavam um processo de
transição que lhes garantisse sucessores civis totalmente confiáveis ao Regime Militar.
“[...] Geisel e sua equipe não tinham intenção de permitir que a oposição chegasse ao
poder. Eles imaginavam uma democracia em que o partido do governo continuasse a
mandar sem contestação” (SKIDMORE, 1994, p.323).
Foi por isso que Geisel modificou as regras eleitorais visando a garantir a nomeação do
seu sucessor, que se encontrava ameaçada pela grande fragmentação das bases de
sustentação do Regime Militar (KINZO, 2001). A lista de alterações promovidas no seu
governo é extensa: aumentou de três para seis o número de deputados por estado,
favorecendo a representação das regiões menos desenvolvidas; aumentou de um para
dois o número de deputados federais de cada Território Federal, geralmente dominado
pelo partido do governo; criou os estados do Rio de Janeiro e do Mato Grosso do Sul,
para que a ARENA pudesse governar mais duas Unidades da Federação; instituiu os
senadores biônicos, conseguindo mais vinte e um votos no Colégio Eleitoral; e fixou em
cinqüenta e cinco o número máximo de deputados por estado, limitando a
representação das regiões mais desenvolvidas e populosas, onde a oposição
apresentava seu melhor desempenho nas urnas (PEREIRA; CAROPRESO; RUY,
1984).
22
No final de 1978, a liberalização obteve um novo impulso, mediante a revogação do AI-
5. O Governo Figueiredo teve início em 1979, sendo que naquele ano o Congresso
aprovou a anistia, trazendo de volta à vida política do país um conjunto de exilados e
militantes de esquerda que haviam sido punidos por fazerem oposição ao Regime
Militar. No bojo dessas transformações, uma nova legislação partidária acabou com o
bipartidarismo e propiciou o surgimento de novos partidos. A ARENA deu origem ao
Partido Social Democrático (PDS), enquanto o MDB passou a ser chamado de Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O quadro era completado por
agremiações de menor tamanho, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido dos Trabalhadores (PT).
A reforma partidária significou um grande avanço em direção ao retorno da Democracia,
mas foi também uma estratégia dos militares para dividir a oposição e manter a
abertura democrática sob controle. Um importante fator a ser controlado era a sucessão
presidencial de 1985, que restabeleceria a participação civil no principal cargo da
República.
Tratava-se de garantir não apenas que o próximo presidente fosse eleito via
Colégio Eleitoral, mas também a maioria no Colégio Eleitoral. Assim, alteraram-
se as regras eleitorais e mesmo a composição do Colégio Eleitoral, de forma a
reduzir as chances da oposição ser a maioria (KINZO, 2001, p. 6).
Antevendo a grande derrota que seu partido poderia sofrer nas eleições estaduais de
1982, o Presidente Figueiredo determinou que o Colégio Eleitoral passasse a ser
formado pelo Congresso Nacional, acrescentando-se dois delegados de cada uma das
Assembléias Legislativas, indicados pela agremiação que tivesse maioria no
Parlamento Estadual, condição quase sempre ocupada pelo partido governista. Até
então, os delegados dos estados eram eleitos pelas Assembléias Legislativas, através
de um mecanismo que garantia a participação proporcional da oposição, conforme o
tamanho da sua bancada. A reforma imposta pelo último Governo Militar nivelou as
Unidades da Federação, prejudicando ainda mais os estados maiores, onde a oposição
tinha mais força.
23
Os generais diminuíram também a quantidade de eleições que havia antes do Golpe
Militar. No período anterior a 1964, os titulares dos dez cargos públicos, de vereador a
presidente da República, tinham que ser submetidos ao crivo da vontade popular,
através do sufrágio universal. Com o Regime Militar, esse quadro foi completamente
distorcido, uma vez que o número de mandatários eleitos pelo voto popular tornou-se
cada vez mais restrito. O ponto mais crítico foi verificado em 1978, quando foram eleitos
apenas os vereadores, os deputados, parte dos prefeitos e parte dos senadores.
Em 1982, nas últimas eleições estaduais antes do término da Ditadura Militar, ainda
havia muitas restrições. Naquele ano, os senadores biônicos saíram de cena e foram
eleitos os Governadores dos Estados. No entanto, além do presidente, os prefeitos das
capitais e de áreas tidas como de Segurança Nacional eram empossados sem passar
pelo voto popular. No início da década de 1980, ainda não aconteciam eleições diretas
na capital do país, nas vinte e cinco capitais estaduais e em cento e seis “áreas de
segurança”, geralmente municípios de fronteira ou portuários. Ao todo, eram cento e
vinte e seis cidades onde a população não participava da escolha do chefe do poder
executivo. Os moradores dessas cidades representavam cerca de um quarto da
população do país.
A proibição das eleições nas capitais tem profundo significado, como sabemos:
essas áreas são marcadamente oposicionistas, em muitas delas o voto na
oposição está acima de 80%. São também os grandes centros de atividades
política, de debate e de vida cultural e científica do País. Enquanto não houver
eleições livres e amplas nessas cidades, não se pode dizer que há democracia
ampla no País, mesmo em moldes liberais (PEREIRA; CAROPRESO; RUY,
1984, p. 29).
A operação política montada pelos militares para dividir os seus adversários, confundir
o eleitorado e restringir, ainda mais, o desempenho da oposição nos grandes centros
urbanos permitiu que o Governo Militar adquirisse novo fôlego, acumulando,
aparentemente, os dividendos necessários para garantir maioria no Colégio Eleitoral
que elegeria o próximo presidente da República, no pleito de 1985. No entanto, a
oposição também conquistou vitórias significativas, sobretudo o PMDB, que elegeu os
governadores e senadores de nove Unidades da Federação, além de conquistar
duzentas vagas na Câmara Federal.
24
Os militares continuavam ocupando o papel de principais protagonistas da abertura
democrática. No entanto, o desempenho eleitoral das forças oposicionistas, associado
à reorganização crescente dos movimentos sociais, que desde 1978 haviam voltado a
promover grandes mobilizações, fez com que novos atores passassem a ocupar a cena
política, levando cada vez mais a disputa para um terreno que não interessava à
Ditadura Militar: a mobilização em massa da população contra os rumos que o Governo
pretendia impor ao processo sucessório de 1985. Foi nesse contexto que surgiu, em
janeiro de 1984, o movimento suprapartidário pela aprovação da emenda constitucional
que propunha o restabelecimento das eleições diretas para a presidência da
República
5
. Em pouco tempo, a campanha das “Diretas Já” espalhou-se por todo o
país, protagonizando grandes comícios, passeatas e manifestações de massa
6
. No
entanto, a chamada Emenda Dante de Oliveira foi derrota. A mobilização popular e as
articulações políticas da Oposição não foram suficientes para neutralizar as manobras
do Governo e garantir que o próximo presidente da República fosse eleito através do
sufrágio universal.
O presidente do Brasil voltaria a ser eleito pelo voto direto somente em 1989, quando o
candidato Fernando Collor de Melo saiu vitorioso das urnas, utilizando-se das novas
regras eleitorais, da interação entre a política e a mídia e do conjunto de recursos
técnicos que caracterizam as Campanhas Modernizadas. Antes disso, ainda em 1984,
Tancredo Neves foi eleito no Colégio Eleitoral, após realizar uma campanha já bastante
permeada por novidades na área de comunicação, mas que só atingiriam a plenitude
nas eleições presidenciais seguintes.
1.1 TÉCNICAS MODERNAS DE PROPAGANDA: DE CASTELLO A
FIGUEIREDO
5
A emenda foi apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira, do PMDB mato-grossense.
6
Na avaliação do historiador José Murilo de Carvalho (2002, p. 188), a campanha das diretas foi “a maior
mobilização popular da história do país, se medida pelo número de pessoas que nas capitais e nas
maiores cidades saíram às ruas”.
25
O surgimento tardio das Campanhas Modernizadas Brasileiras esteve diretamente
relacionado ao Regime Militar implantado em 1964, que, como vimos, interditou o curso
democrático das eleições, mediante o autoritarismo, a censura e a repressão.
Entretanto, é necessário destacar que, contraditoriamente, a Ditadura Militar implantou
políticas de desenvolvimento tecnológico, de integração nacional e de comunicação de
massa que acabaram criando as condições estruturais para o posterior aumento da
interação entre as técnicas modernas de propaganda política e as campanhas
eleitorais. Fenômeno que, como veremos, consolidou-se após a reabertura
democrática, tendo como marco as eleições presidenciais de 1989.
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa foi uma das prioridades do
Estado brasileiro durante todo o ciclo militar (1964-1985). Assim como a censura, a
modernização da mídia apresentava-se como parte integrante do “projeto de segurança
nacional”, que era uma verdadeira obsessão do regime autoritário. Um dos maiores
exemplos de todo esse processo foi a criação, em setembro de 1965, da Empresa
Brasileira de Telecomunicações (Embratel). Medida que teve a finalidade de colocar em
funcionamento um sistema de microondas capaz de propiciar a interligação de todas as
Unidades Federativas, a integração do Brasil no sistema internacional de satélites
(INTELSAT) e a criação de uma rede nacional de televisão
7
. Todas essas metas foram
atingidas ainda na década de 1970, sendo que em 1972 aconteceu a primeira
transmissão em cores para todo o país (ALBUQUERQUE, 1999).
Em 1965 também foi criado o Ministério das Comunicações e, em 1972, a empresa
Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebrás). É notável, portanto, que nesse período
ocorreram importantes transformações na área das telecomunicações. A preocupação
dos governos militares com a “integração nacional”, que estimulou também a expansão
da malha viária e a colonização do interior do país, sobretudo da Região Norte,
7
Voltaremos a analisar o desenvolvimento das redes nacionais de televisão no último tópico deste
capítulo.
26
impulsionou a ampliação e a modernização das redes de telefonia e televisão. A esse
respeito, Miguel (2002, p. 28) destaca que:
No Brasil do início dos anos 60, um televisor era um aparelho de luxo e apenas
os principais centros urbanos dispunham de emissoras. Em 1989, cinco redes
nacionais de TV atendiam 99% do território nacional, com transmissão para 40
milhões de aparelhos – cerca de um televisor para cada 3,5 habitantes, um
número próximo ao dos países desenvolvidos.
As observações do autor permitem-nos notar que, apesar da televisão ter chegado ao
Brasil em 1950, seu uso foi bastante reduzido até meados da década de 1960. Antes
disso, as emissoras de TV funcionavam apenas em nível local. As limitações técnicas
impediam a expansão das redes televisivas, fazendo com que a audiência fosse
bastante restrita. Podemos perceber, também, que o Regime Militar dedicou esforços
concentrados para mudar essa realidade, procurando construir um sistema de
telecomunicações capaz de interligar e integrar todas as regiões brasileiras, mediante a
existência de cinco redes nacionais já na década de 1980.
Outro fator importante é que a Ditadura investiu pesado em propaganda política,
utilizando técnicas modernas de comunicão de massa. O objetivo dos militares era
mobilizar a sociedade em torno de uma política de desenvolvimento capaz de fornecer
legitimidade ao regime “em nome da racionalidade da administração e da eficácia da
economia” (ABREU, 2005, p. 2). Foi difundida uma visão otimista e ufanista do país,
propagando-se a idéia de que o Brasil caminhava rapidamente para a condição de
nação desenvolvida, em função do modelo econômico adotado.
Para garantir a modernização da mídia, grandes investimentos foram concedidos aos
empresários do setor, que adquiriram novos prédios e equipamentos de última geração,
destinados à ampliação das redações (ABREU, 2005). Todas as TV’s e rádios
veiculavam gratuitamente as propagandas do Regime Militar, durante um tempo de dez
minutos diários. Para evitar que suas concessões não fossem cassadas, e obterem
mais benefícios junto ao Governo, algumas emissoras de TV extrapolavam o limite
mínimo exigido pelos governantes, e repetiam exaustivamente os filmes produzidos
pela AERP (FICO, 1997). Aliás, o papel das emissoras como moeda de troca dos
27
interesses políticos pode ser percebido mediante o aumento continuado do número de
concessões outorgadas desde a chegada da televisão no Brasil. Nos primeiros catorze
anos, entre 1950 e 1964, a iniciativa privada foi contemplada com a concessão de trinta
e três canais. Esse número saltou para oitenta e sete concessões até o final da década
de 1970 (CAPARELLI, 1980).
No período entre 1968 e 1979, o principal mecanismo de controle dos Militares sobre os
meios de comunicação brasileiros foi o AI-5, que autorizava a censura do Governo
Federal a todos os veículos midiáticos. Mediante o risco de enfrentar as mais variadas
formas de repressão, muitas redações submetiam-se à autocensura. Tudo era feito
para que não fosse publicado ou transmitido nenhum conteúdo que pudesse contrariar
os princípios expressos na Lei de Segurança Nacional (BAREL, 2006, p. 7). Os Militares
recorreram regularmente à contrapropaganda, manipulando dados e notícias, sempre
na tentativa de anular informações e/ou pontos-de-vista contrários ao Regime,
apresentados à sociedade pelos chamados “jornais alternativos” e por profissionais
engajados que, apesar dos riscos, insistiam em manter uma linha independente ou de
oposição. Os adversários da Ditadura eram invariavelmente adjetivados de
“comunistas” e “terroristas”. Barel (2006, p. 8) esclarece que a idéia básica da
contrapropaganda oficial era “combater a infiltração comunista, desprezar suas
concepções e manter o povo ligado às normas desejadas pelos militares”.
8
No governo Costa e Silva (1967-1969) foi criada a Assessoria Especial de Relações
Públicas (AERP). Mas, como veremos, foi no governo do presidente Emílio Garrastazu
Médici (1969-1974) que a propaganda política atingiu o seu auge durante o Regime
Militar. Esse ápice coincidiu com o desenvolvimento vertiginoso dos principais veículos
de comunicação. O rádio e a TV foram maciçamente utilizados. No período entre 1969
e 1977, ocorreu também o que podemos chamar de “boom da televisão”, pois o
Governo Militar concedeu sessenta e sete licenças para novas emissoras de TV em
8
Barel (2006, p. 8) esclarece que a idéia básica da contrapropaganda oficial era “combater a infiltração
comunista, desprezar suas concepções e manter o povo ligado às normas desejadas pelos militares”.
28
todo o território nacional. Entre 1964 e 1979, o número de aparelhos de televisão
aumentou de 1,63 milhão para 16,737 milhões (MATTOS, 2000).
Segundo Albuquerque (1999, p. 49),
a infra-estrutura criada no Regime Militar propiciou condições para o
desenvolvimento de uma indústria cultural significativa no país, que viria a ser
de grande importância do ponto de vista da estruturação do HGPE [Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral] após o termino do Regime Militar. Isso é
verdadeiro em relação às indústrias da publicidade e da televisão, que se
tornaram respeitadas internacionalmente [...].
As observações feitas por Albuquerque corroboram com o nosso ponto de vista,
segundo o qual a política de desenvolvimento tecnológico desenvolvida pela Ditadura
Militar contribuiu para que a televisão e as técnicas modernas de comunicação
ocupassem um papel central na cena política brasileira. Durante os vinte anos de
regime antidemocrático, o sistema de telecomunicações do Brasil desenvolveu-se
substancialmente, assim como as técnicas de pesquisa de opinião e de publicidade.
Quando as eleições diretas para a Presidência da República foram restabelecidas, no
final da década de 1980, estavam dadas as condições para a utilização associada da
propaganda televisiva com os sofisticados recursos do marketing político, elementos
determinantes para o surgimento das Campanhas Modernizadas.
1.1.1 A Assessoria Especial de Relações Públicas: de Costa e Silva a
Ernesto Geisel
No início da Ditadura Militar, logo após o Golpe de 1964, os principais setores do
Governo divergiam sobre a possibilidade de utilização da propaganda política para
legitimar o novo regime. O presidente Castelo Branco (1964-1967) e os membros da
sua assessoria mais próxima, inclusive o General Ernesto Geisel, que viria a se tornar
presidente da República (1974-1978), eram contrários a implantação de uma estrutura
sistemática de propaganda política. Eles temiam a associação com o antigo Serviço
29
Nacional de Informações (SNI), o que traria a lembrança do Estado Novo e da Era
Vargas, situação evitada, sobretudo, pelos antigos membros da UDN
9
.
Não obstante, a estruturação de um sistema de comunicação centralizado, com o
objetivo de reproduzir e legitimar o discurso governamental, era almejada pelos setores
militares que tinham como expoentes os futuros presidentes Costa e Silva (1967-1969)
e Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Visto que, antes da criação da AERP, cada
órgão governamental era responsável pela sua própria propaganda. Isso fazia com que
a imagem do Governo Militar fosse transmitida à população de forma difusa, o que
dificultava a construção de identidade e legitimidade por parte do Regime. Fazia-se
necessário, então, o surgimento de um órgão “com objetivo de criar um único centro de
propaganda do governo” (SKIDMORE, 2000, p. 221).
Transcorridos os primeiros anos do Regime Militar, as divergências foram superadas
em favor dos segmentos que defendiam a utilização da propaganda política. Durante os
preparativos da sua eleição no Colégio Eleitoral, o General Costa e Silva autorizou a
criação de um grupo de trabalho de Relações Públicas, com o objetivo de garantir
visibilidade à sua campanha presidencial. Ou seja, ele queria aparecer como candidato
de verdade, para adquirir a imagem de um presidente da República eleito de forma
legitima e democrática. A equipe de comunicação funcionou sob sigilo total, coordenada
pelo Coronel Hernani D’Aguiar, formado em Relações Públicas pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro (MATOS, 2004).
Durante o seu mandato, Costa e Silva efetivou o sistema de comunicação do Poder
Executivo, mediante a implantação da Assessoria Especial de Relações Públicas
(AERP), subordinada ao Gabinete Militar da Presidência da República. O órgão foi
criado através do decreto nº 62.119, de 15 de janeiro de 1968. Inicialmente, deveria
parecer uma simples assessoria, que nem de longe lembrasse o antigo Serviço
Nacional de Informações (SNI), tudo para evitar a lembrança de Getúlio Vargas. Para
9
A União Democrática Trabalhista (UDN) foi fundada no dia 7 de abril de 1945. Segundo Barros (1990, p.
20), ela foi a “significação plena do pensamento direitista brasileiro e inimiga mortal do getulismo”.
30
tanto, os idealizadores da AERP tentaram passar a idéia de um projeto pouco
ambicioso. Ela foi aprovada de forma discreta, juntamente com o conteúdo de um
decreto que reformulava o funcionamento dos órgãos ligados à Presidência da
República (BAREL, 2006, p. 3).
Nesse primeiro período, o setor de propaganda era pouco estruturado, possuindo
recursos escassos. O coronel Hernani D’Aguiar deu continuidade ao trabalho que havia
iniciado na campanha de Costa e Silva, tornando-se o primeiro chefe da AERP. Além
dele, havia apenas três profissionais de nível superior. Algumas secretárias e poucos
auxiliares completavam o quadro de funcionários do órgão (D`ARAÚJO; SOARES;
CASTRO, 1994, p. 267). Oficialmente, “a função da AERP era coordenar os fluxos e
mensagens de comunicação entre o poder central, órgãos setoriais e vinculados e a
sociedade civil como um todo” (MATOS, 2004, p. 56). A idéia era evitar que cada setor
do governo difundisse isoladamente uma política própria de comunicação,
apresentando visões diferentes e expondo as contradições do Regime Militar.
Com o passar dos anos, esse papel de órgão centralizador tornou-se cada vez mais
importante, atingindo o seu auge no governo do presidente Emílio Garrastazu Médici.
Este período, entre 1969 e 1974, é o que mais nos interessa, pois foi nele que os meios
de comunicação de massa e o uso das técnicas modernas de propaganda política
passaram por alterações qualitativas que influenciaram não apenas nos rumos da
própria Ditadura Militar, que atingiu seus maiores índices de popularidade, mas também
abririam o caminho para que as Campanhas Modernizadas adquirissem contorno logo
nas primeiras eleições após a retomada do processo democrático.
Pouco tempo depois de tomar posse, Garrastazu Médici já demonstrava como seria sua
relação com as técnicas modernas e os meios de comunicação social:
[...] Estarei sempre presente à casa de cada um, para dizer a todos a verdade,
somente a verdade. Não farei promoção pessoal, nem permitirei que façam à
minha sombra. A Comunicação Social do meu governo visa informar e formar,
divulgar e educar. Usarei os instrumentos a meu alcance para chamamento de
todos à coesão, ao respeito à lei, à produtividade, à união e à esperança
(MÉDICI, apud MATOS, 2004, p. 2).
31
Durante o mandato do presidente Costa e Silva, a propaganda política assumiu um
caráter defensivo, em função dos constantes protestos contra o Regime Militar.
Utilizando-se de um forte aparato de repressão, respaldado pela instauração das
normas de excepcionalidade institucional, como o AI-5, o governo Médici eliminou os
focos de oposição mais radicalizados e abriu caminho para uma nova etapa do Regime
Militar, fortemente marcada pelo discurso ufanista do desenvolvimento econômico. O
discurso oficial continuava negando o personalismo, ao passo que procurava transmitir
a idéia de uma nação forte e unificada em torno dos seus interesses.
Segundo Matos (2004, p. 2),
[...] o clima de ufanismo disseminado no período Médici foi alimentado por dois
fatores básicos: a explicação da vitória do Brasil na Copa do Mundo [de 1970]
como conseqüência do apoio do governo à seleção ‘canarinho’, aproveitando a
paixão do brasileiro pelo futebol, e o uso da propaganda para a construção da
imagem de país em acelerado crescimento econômico.
As principais linhas de atuação procuravam elevar a popularidade do presidente. Nos
meios de comunicação de massa, em especial na televisão, o governo de Garrastazu
Médici foi amplamente associado aos “sucessos” econômicos, políticos e esportivos
vivenciados pelo país. No que se refere ao futebol, o principal exemplo foi o cartaz
produzido com a fotografia de Pelé saltando ao comemorar um gol, seguido do slogam:
“Ninguém Segura este País!”. Além disso, o gaúcho Garrastazu Médici apresentava-se
como um apaixonado pelo futebol. Ele era torcedor do Grêmio, um dos clubes de
futebol mais populares do país. O presidente tornava-se humanitário “quando aparecia
assistindo a um jogo com o radinho de pilha colado ao ouvido [...]” (SELIGMAN, 2006,
p. 3).
Ao mesmo tempo, o “milagre econômico” era apresentado como a prova concreta dos
acertos na área econômica. O ministro Delfim Neto foi mantido na pasta da Fazenda,
com o objetivo de dar continuidade ao modelo de desenvolvimento iniciado no governo
Castello Branco. Desde então, a política financeira da Ditadura Militar ditou o ritmo de
um acelerado processo de industrialização, baseado numa grande quantidade de
capital estrangeiro, trazendo como conseqüência o fenomenal aumento da Dívida
32
Externa do país (SELIGMAN, 2006).
10
As empresas multinacionais tinham o Brasil
como uma área segura e rentável para investimentos, passando a investir pesado no
país.
Não objetivamos a análise detalhada da política econômica e financeira implantada pela
Ditadura Militar, tarefa já desempenhada por inúmeros autores. Ainda assim, para
compreendermos a relação entre a política de desenvolvimento e a propaganda dos
militares, sobretudo no governo Médici, chamamos a atenção para as observações
feitas por Matos (2004, p. 2):
A quantidade de projetos faraônicos que são a marca do Regime Militar –
projetos inconclusos, como a transamazônica – ganha sentido: importa menos a
eficácia e a utilidade da obra que sua visibilidade. Faz-se para mostrar e
convencer de um progresso que, na realidade, é frágil e sem sustentação, e
gradativamente corrói a economia do país, com o endividamento externo.
Ou seja, a autora demonstra como a mensagem governamental difundida através dos
mais variados veículos de comunicação omitiam uma contradição da política econômica
brasileira. De fato, o país vivia um crescimento na faixa de 10% ao ano, mas esse
índice estava diretamente relacionado ao aumento da dívida externa. No entanto, uma
grande parcela da população foi convencida pela intensa propaganda do presidente
Médici, passando a acreditar que, de fato, o Regime Militar estava conduzindo a Nação
para um patamar bem superior de desenvolvimento. Por outro lado, as manifestações
contrárias à Ditadura e aos seus métodos autoritários não tiveram muito êxito durante o
governo Médici, pois foram contidas por um grande aparato de repressão. O movimento
estudantil, que até 1968 constituiu-se num dos principais focos de resistência ao
Regime Militar, foi silenciado pela intervenção violenta nas instituições de ensino,
mediante expulsões, prisões e torturas. Ao mesmo tempo, havia uma enorme censura
sobre os meios de comunicação, impossibilitando-os de divulgar informações que
destoassem dos padrões de propaganda estabelecidos pelos militares
11
.
10
Na prática, durante o governo Médici, a expansão capitalista consolidou-se a partir das bases
econômicas e políticas já implantadas antes mesmo do Golpe de 1964 (HABERT, 1992).
11
A AERP funcionou como instrumento de propaganda política de um modelo governamental altamente
centralizado, onde o fortalecimento do poder do Estado e da figura do presidente da República estavam
no centro da estratégia. Os resultados da política de comunicação implantada estiveram associados ao
33
Para comandar toda a sua engrenagem de propaganda política, o presidente Emílio
Garrastazu Médici nomeou como diretor da AERP o coronel Octávio da Costa, que, por
sua vez, indicou o coronel José Maria de Toledo Camargo para atuar como seu adjunto
na Assessoria Especial de Relações Públicas. Nenhum dos dois tinha experiência em
propaganda política ou formação superior em Comunicação Social (CAMARGO, apud
BAREL, 2006, p. 3). Essas limitações foram superadas a partir do envolvimento de
profissionais de diferentes áreas, que passaram a cumprir um papel estratégico na
construção da imagem do regime.
Na visão do Coronel Octávio da Costa, era necessário estimular a capacidade dos
“homens de comunicação” brasileiros, envolvendo-os na utilização dos recursos
técnicos mais avançados. As observações de Skidmore (1994, p. 221) são de
fundamental importância para a compreensão de todo o processo. Segundo o autor,
Os homens do coronel Costa transformaram a AERP, que não conseguira
decolar no governo Costa e Silva, na operação de RP [Relações Públicas] mais
profissional que o Brasil já vira. Uma equipe de jornalistas, psicólogos e
sociólogos decidia sobre os temas e o enfoque geral, depois contratava
agências de propaganda para produzir documentários para TV e cinema,
juntamente com matéria para os jornais.
Pela primeira vez na história do Brasil, o Governo Federal montava uma estrutura de
propaganda política altamente especializada, tendo como alicerce a contratação de
profissionais com formação superior. Seus objetivos eram claros: utilizar-se dos
conhecimentos científicos adquiridos por estudiosos das áreas citadas pelo autor,
visando à construção de estratégias para atingir o conjunto da população através dos
veículos de comunicação de massa. Percebe-se, portando, que o bom desempenho da
propaganda estava condicionado também ao alcance do sistema de telecomunicações,
que se encontrava em franco desenvolvimento. Na época, além de fechar grandes
contratos com agências de publicidade, a AERP enviou profissionais para receberem
treinamento nos Estados Unidos, país que sempre esteve entre os pioneiros na
ritmo do desenvolvimento econômico - ou da imagem que pôde ser construída em torno dele - ao mesmo
tempo em que o sistema repressivo agia com o máximo de dureza e autoritarismo.
34
utilização das técnicas modernas de propaganda política
12
. Os governos estaduais
também passaram a investir nesta área, chegando, em muitos casos, a multiplicarem os
gastos com campanhas de comunicação (SEQUEIRA; ROCHA, 2007). Todos esses
fatores acentuavam o caráter inédito do nível de importância e inovação que a
propaganda política assumira durante a Ditadura Militar, mediante a conjugação de
várias tendências teóricas, estratégias e técnicas comunicativas.
Conforme esses parâmetros foram produzidos filmes que enalteciam a exuberante
paisagem brasileira, sempre encerrados com slogans de poucas palavras e fácil
assimilação, como: “É tempo de construir”; “Ninguém segura o Brasil”; “Você constrói o
Brasil; “Este é um país que vai pra frente”, etc. De um modo geral, os filmes da AERP
apresentavam-se conforme duas categorias: os de natureza educativa e os de caráter
ético-moral. Na visão dos militares, toda essa produção representava “uma saudável
mentalidade de segurança nacional [...] indispensável para a defesa da democracia e
para a garantia do esforço coletivo com vistas ao desenvolvimento” (SKIDMORE, 1994,
p. 222).
A propaganda criada por Octávio da Costa apresentava-se de maneira “despolitizada”,
pois os militares não admitiam que estivessem fazendo propaganda do Regime.
Afirmavam que suas campanhas eram educativas, e que se baseavam em “valores
universais” e de “interesse público”, tendo como finalidade a defesa dos brasileiros
diante dos “ataques” da oposição contra a moral e os bons costumes. Diziam, ainda,
que o trabalho da AERP seguia os princípios de “legitimidade”, “respeito aos direitos
humanos”, “impessoalidade” e “liberdade de expressão”
13
(FICO, 2003, p. 196).
A propaganda da Assessoria Especial de Relações Públicas procurava estabelecer as
bases para o que os militares chamavam de “leitura correta” do país. Nesse sentido, o
12
Segundo Figueiredo (1994, p. 14), “desde o início da década de 50 chegavam ao Brasil notícias de
espetaculares feitos em comunicação política nos Estados Unidos”.
13
Matos (2004, p. 10) ressalta que a aplicação desse modelo à realidade “concreta” do controle da
informação e da propaganda política apresentava “ambigüidades” e “adaptações” quando comparada às
formulações do “planejamento da comunicação ou do discurso do Regime Militar”.
35
regime tentava imprimir uma visão “otimista” com relação ao Brasil, contrapondo-se à
visão “pessimista”, que estaria sendo propagada pelos inimigos da Ditadura Militar.
Indiretamente, as peças publicitárias da AERP também procuravam passar a idéia de
que os militares eram porta-vozes de um patriotismo exemplar, estando preparados
para defender a população de políticos civis demagogos, como aqueles afastados dos
seus postos pelos militares (BAREL, 2006, p. 5).
Todo esse discurso começou a sair de cena em 1974, no início do Governo Geisel,
quando houve um agravamento da crise econômica brasileira. Os militares tiveram que
conviver com o aumento do preço do petróleo no mercado internacional e com o
crescimento das taxas de juros. A inflação subiu para 34,55 % ao ano
14
. O presidente,
no entanto, manteve o modelo de expansão industrial baseado no endividamento
externo, o que fez com que a crise atingisse proporções cada vez maiores nos anos
seguintes. Num cenário de queda acentuada da popularidade dos militares, Geisel
iniciou o chamado “processo de abertura”, que segundo ele deveria ser “lento, gradual e
seguro” (SIQUEIRA, 2007. p. 2).
Foi nesse contexto que a estrutura de comunicação montada por Garrastazu Médici
passou por profundas transformações, uma vez que o presidente Ernesto Geisel
extinguiu a AERP e criou a Assessoria de Imprensa e Relações Públicas. Ainda no
início da reabertura política, a comunicação da Ditadura voltou-se, oficialmente, para o
aspecto jornalístico, deixando de privilegiar a construção da imagem idealizada durante
os governos anteriores. Mesmo porque, naquele momento ficara evidente para
enormes parcelas da população, sobretudo da classe média, o quanto era falsa a
promessa do “milagre econômico”, que transformaria o Brasil numa grande nação
desenvolvida. Encerrou-se, assim, o chamado “ciclo da propaganda ufanista”
(TORQUATO, 2002, p. 17).
14
No período anterior, os militares haviam divulgado um índice inflacionário de 15 % ao ano. No entanto,
os dados foram questionados por vários economistas, que acusavam os militares de estarem
manipulando a inflação.
36
No governo do presidente João Batista Figueiredo (1979-1985), o desemprego e a
recessão econômica continuaram assolando o país, provocando grandes
conseqüências entre os anos de 1981 e 1983. O Produto Interno Bruto (PIB) de 1981
foi negativo, apresentando a primeira queda desde 1947. Em 1983, o país recorreu ao
Fundo Monetário Internacional (FMI). Ainda em 1979, foi criada a Secretaria de
Comunicação Social (SECOM), com funções de ministério. O novo projeto foi conduzido
pelo jornalista Said Farhat, que deu origem ao modelo de comunicação que os órgãos
públicos brasileiros adotaram a partir da década de 1980, reproduzido nos estados e
municípios através das suas respectivas Secretarias de Comunicação Social.
No entanto, envolvido em sucessivas crises, o último governo do ciclo militar não trouxe
novidades significativas no que se refere à propaganda política. Sua equipe de
comunicação tentou tirar vantagem do primeiro nome do presidente, apresentado-o
publicamente como “João”. No entanto, a tentativa de construir uma imagem
espontânea e naturalizada para o chefe da nação acabou entrando para a história muito
mais pelo estilo “grotesco e estabanado” que Figueiredo demonstrou ao produzir frases
de efeito, como: “prendo e arrebento” e “prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo”.
(TORQUATO, 2002, p. 17). Ele era general de arma da cavalaria.
1.1.2 Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE): dos militares à
reabertura política
Neste tópico analisaremos a relação entre as campanhas eleitorais e a propaganda
política no rádio e na televisão, considerando que o uso corrente e profissionalizado do
Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) é uma das principais características
das Campanhas Modernizadas. No que se refere à Ditadura Militar, podemos afirmar
que, de um modo geral, as interdições impostas ao uso dos veículos de comunicação –
em particular pela Oposição – estendiam-se a todas as demais técnicas comumente
utilizadas nas campanhas eleitorais das sociedades democratizadas. E que, no Brasil,
37
só vieram a ocupar um papel central a partir da abertura política concluída no final da
década de 1980.
O uso regular dos meios radiofônicos com finalidade política iniciou-se no primeiro
Governo de Getúlio Vargas (1930-1945). A radiodifusão existia no Brasil desde a
década de 20, mas foi regulamentada somente através do Decreto 20.047 de 1931 e do
Decreto 21.111 de 1932. Com base no modelo de regulamentação dos Estados Unidos
da América, o espectro magnético foi classificado como um bem público, natural e
limitado. A exploração foi liberada para radiodifusores de caráter privado, operando
como fiduciários do interesse público, mediante concessão e controle governamental
(ALMEIDA, 1993).
No entanto, a regulamentação da propaganda política nos veículos de radiodifusão
tornou-se possível somente após a reabertura política ocorrida em 1945, com a queda
do Estado Novo. O Código Eleitoral de 1950 – Lei 1.164 de 24 de julho de 1950 –
trouxe as primeiras medidas de regulamentação da propaganda política no rádio. A
legislação determinou períodos para a propaganda política, que deveria ser paga;
estabeleceu uma tabela de preços iguais para todas as agremiações partidárias e
reservou um tempo diário de meia hora para os esclarecimentos da Justiça Eleitoral,
durante os quinze dias que antecediam o pleito. No entanto, a emissora não era
obrigada a vender espaço para candidatos e partidos com os quais não tivesse
afinidade. Essa “falha” na legislação, associada à dependência das emissoras em
relação ao governo, impunha enormes limitações os setores oposicionistas, que eram
prejudicados nas campanhas eleitorais (DUARTE, 1980).
A Lei 4.115, aprovada no dia 22 de agosto de 1962, procurou aperfeiçoar a legislação
eleitoral no tocante ao uso do rádio e da televisão. Ela determinou que as emissoras
concedessem duas horas diárias para a propaganda eleitoral gratuita, durante os
sessenta dias anteriores às ultimas quarenta e oito horas que antecedem ao pleito. A
divisão do tempo entre os partidos passou a ser feita de acordo com o tamanho das
38
suas bancadas nos legislativos federal, estadual e municipal. No entanto, foi mantido o
uso da propaganda paga.
Através da Lei 4.737 de 15 de julho de 1965, o presidente Castello Branco instituiu um
novo Código Eleitoral, em substituição ao de 1950. A nova legislação manteve os
prazos estabelecidos em 1962, acrescentando a obrigatoriedade de um horário mensal,
fora do período eleitoral, para a propaganda gratuita das agremiações partidárias. Essa
última medida saiu de cena menos de um ano depois, sendo eliminada pela Lei 4.961
de 4 de maio de 1966 (DUARTE, 1980).
No ano de 1965, também, o Regime Militar impôs transformações que trouxeram
conseqüências bem mais profundas para a vida política do país, levando o Código
Eleitoral a perder o seu sentido prático. Como vimos, o AI-2 tornou indiretas as eleições
presidenciais e concedeu vários poderes ditatoriais ao presidente da República, como:
fechar o Congresso, caçar direitos políticos e mandatos parlamentares e governar por
decreto (KINZO, 1988). Enquanto o AC-4 acabou com o sistema de pluripartidarismo e
implantou um sistema bipartidário compulsório, que serviu como álibi para o Governo
Militar, conciliando o poder autoritário com uma aparência de democracia.
Os papéis dos dois partidos estavam muito bem demarcados: a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) deveria ser o partido majoritário, sempre
favorável ao governo, enquanto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
estaria condenado eternamente à oposição (ALBUQUERQUE, 1999, p. 47).
Para que a aparente competição política não se transformasse numa disputa efetiva, a
Ditadura Militar utilizou múltiplos expedientes. A coerção física, as ameaças de
endurecimento do regime, o uso da máquina governamental para favorecer candidatos
da situação e a manipulação casuística da legislação foram alguns dos recursos usados
pelos militares para garantir seus interesses eleitorais. Segundo Kinzo (1988, p. 136), a
oposição deveria ser “forte o bastante para ser notada e fraca o suficiente para não
criar problemas”. Com base nesse contexto, podemos compreender, também, as
transformações promovidas pela Lei 9.601 de 15 de agosto de 1974, conhecida como
“Lei Etelvino Lins” e, sobretudo, pela Lei 6.339 de 1º de junho de 1976, que entrou para
a história como “Lei Falcão”.
39
A Lei Etelvino Lins proibiu a propaganda paga de candidatos e partidos no rádio e na
televisão. Estabeleceu, ainda, que a propaganda em jornais ou revistas passaria a
conter somente o nome, o currículo e o número do candidato. Além de proibir discursos
e entrevistas dos candidatos nas matérias da imprensa (DUARTE, 1980). Mesmo com
essas medidas, destinadas a prejudicar o desempenho da oposição, o MDB teve um
desempenho surpreendente no pleito de 1974, obtendo votações significativas nas
grandes cidades do país, e superando a ARENA nas eleições para o Senado. Na
opinião de vários estudiosos, o sucesso do partido oposicionista deveu-se, “ao menos
parcialmente, ao uso inovador que o MDB fez da propaganda política [gratuita] na
televisão” (ANGELL; KINZO; URBANEJA, apud ALBUQUERQUE, 1999, p. 47).
A Lei Falcão foi aprovada com o objetivo de evitar novas “surpresas” nas eleições
seguintes. Para tanto, limitou ainda mais drasticamente a propaganda política no rádio
e na televisão. A legislação aprovada em 1976 determinou que o candidato tivesse
direito a apresentar apenas o seu nome, acompanhado de um breve currículo. Nos
programas de televisão, era permitida uma fotografia. O decreto nº 1.538/77 estendeu
essas restrições a todos os pleitos subseqüentes (DUARTE, 1980). Essa legislação
vigorou até as últimas eleições estaduais realizadas no período militar, em 1982. O
pleito foi marcado pelo retorno do pluripartidarismo, liberado em 1979, e por eleições
diretas para os governos estaduais. O clima de transição já se fazia perceber na cena
política do país, levando à Justiça Eleitoral a interpretar a legislação com maior
liberalidade. A propaganda paga foi permitida, assim como os debates entre os
candidatos (ALBUQUERQUE, 1999).
Em 1985 foi realizado o pleito municipal nas capitais de estados e nos municípios
considerados aéreas de segurança nacional, que, como vimos, não podiam eleger seus
representantes durante o Regime Militar. Essas eleições foram reguladas pela Lei
7.332, aprovada no dia 1º de julho de 1985, delegando responsabilidade pela
organização da disputa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde então, cada eleição
ficou sujeita à legislação própria – criada especificamente para ela – ou às
40
interpretações impostas pelo TSE. Naquele pleito, o tempo do HGPE foi dividido em
duas partes, sendo uma dividida igualmente pelo conjunto de partidos e outra em
função do tamanho de cada bancada nas câmaras municipais
15
. Em 1986 foi aprovada
a Lei 7.508, que regulamentou as eleições daquele ano – para Governos Estaduais,
Assembléia Nacional Constituinte e Assembléias Estaduais – e em 1988 a Lei 7.664,
regulamentando o último pleito municipal da década de 1980. Essa nova legislação era
mais complexa: “o tempo da propaganda era repartido em três partes distintas e, em
cada uma delas, vigoravam critérios distintos para a divisão do tempo entre os partidos”
(ALBUQUERQUE, 1999, p. 50).
A Lei 7.773, aprovada no dia 8 de junho de 1989, estabeleceu novas regras para as
eleições presidenciais que aconteceram naquele ano. Foi criada uma tabela de
correspondência entre o número de representantes de cada partido ou coligação no
Congresso Nacional e o tempo a que cada um deles faria uso no HGPE. Só para
exemplificar, os partidos que não possuíam nenhum parlamentar tiveram direito a trinta
segundos de propaganda eleitoral gratuita e os que tinham mais de duzentos puderam
usar vinte e dois minutos.
Albuquerque (1999, p. 50) destaca que
A eleição de 1989 previa, ainda, a possibilidade da realização de um segundo
turno, caso nenhum candidato alcançasse a maioria simples (metade mais um)
dos votos. Deste segundo turno participariam os dois primeiros colocados das
eleições do primeiro. Do ponto de vista da propaganda eleitoral, estabeleceu-se
que a divisão do tempo do HGPE entre os candidatos seria equânime nessa
etapa, cabendo a cada candidato vinte minutos diários para a propaganda
eleitoral.
De um modo geral, podemos afirmar que essa legislação foi mantida – com alterações
pouco significativas – no pleito estadual de 1990, nosso principal objeto de estudo. É
importante ressaltar que a possibilidade do segundo turno condiciona uma série de
comportamentos por parte das forças envolvidas na disputa, uma vez que é preciso
construir as estratégias de campanha levando em conta a parcela do eleitorado que
15
Vale registrar que, como veremos adiante, a eleição presidencial indireta de 1985 não contou com
propaganda na televisão. A aparição televisiva dos candidatos ficou restrita à cobertura das emissoras.
41
fará uma nova opção na segunda etapa da eleição. Além disso, a distribuição do tempo
do HGPE em parcelas iguais proporciona um confronto mais acirrado, fazendo com que
a equipe responsável pela propaganda do candidato eleve ao máximo a utilização dos
recursos que caracterizam as Campanhas Modernizadas.
1.2 ABERTURA DEMOCRÁTICA E SUCESSÃO DE 1985: A VITÓRIA DE
TANCREDO NEVES NO COLÉGIO ELEITORAL
A Emenda Dante de Oliveira, propondo eleições diretas para a Presidência da
República, foi votada no dia 25 de abril de 1984, sendo derrotada na Câmara Federal
por uma diferença de apenas vinte e dois votos. A proposta recebeu o voto favorável de
duzentos e noventa e oito parlamentares, mas sua aprovação dependia da posição
favorável de trezentos e vinte votantes, num universo de quatrocentos e setenta e nove
deputados. Do total obtido, cinqüenta e cinco votos vieram de parlamentares do PDS,
que, apesar das ameaças do Governo, votaram favoráveis ao sufrágio universal.
Certamente, a grande pressão da opinião pública, manifestada na campanha das
“Diretas Já”, contribuiu para que tivesse início um conjunto de dissidências na base
governista, fenômeno que se manifestaria com força redobrada durante as eleições
indiretas do futuro presidente da República.
Com a derrota das eleições diretas, as atenções em torno da sucessão presidencial de
1985 voltaram-se para o Colégio Eleitoral. Naquele ano, a escolha da candidatura
governista já não dependia apenas da vontade dos militares, que, no entanto,
continuavam tendo um papel decisivo em todo o processo sucessório (FAUSTO, 2000).
Do lado governista, três políticos do PDS destacavam-se como prováveis candidatos: o
vice-presidente Aureliano Chaves, o coronel reformado do Exército e Ministro do Interior
Mário Andreazza e o deputado federal Paulo Maluf, que acabou assegurando sua
presença na disputa pela Presidência da República.
42
O PMDB, maior partido de oposição no Congresso Nacional, lançou como candidato o
então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves. Sua candidatura para disputar a
Presidência da República através do Colégio Eleitoral começou a ser articulada antes
mesmo da votação que manteve as eleições indiretas. Segundo Mendonça (2007, p. 2),
[...] a derrota da emenda Dante de Oliveira não foi motivo de surpresa [para
Tancredo Neves], tendo em vista que, mesmo durante o ponto alto do
movimento popular pelas ‘diretas já’, entre os meses de janeiro e abril de 1984,
estava evidente na arena política a grande dificuldade de sua aprovação na
Câmara dos Deputados. Além disso, mostrava-se praticamente impossível
aprová-la no Senado Federal.
No dia 19 de junho de 1984, um grupo de nove governadores do PMDB e um do PDT,
que havia participado de uma longa reunião com Tancredo Neves, no Palácio
Bandeirantes, sede do Governo de São Paulo, lançaram publicamente a candidatura do
governador de Minas Gerais. No entanto, diante das dificuldades impostas pela
correlação de forças no Congresso Nacional, que eram ainda piores no Colégio
Eleitoral, dada a participação dos delegados governistas eleitos pelas Assembléias
Estaduais, os articuladores da candidatura de Tancredo Neves logo perceberam que a
vitória nas eleições indiretas dependeria da conjugação de dois fatores: “[a] unir a
própria oposição num bloco político sólido e [b] provocar uma fissura na base
governista” (MENDONÇA, 2005, p. 2). Um “racha” entre os governistas era algo bem
factível, conforme ficara comprovado pela divisão do PDS na votação da emenda Dante
de Oliveira, tendência que se agravara pelos desentendimentos públicos em torno das
pré-candidaturas de Maluf, Andreazza e Aureliano Chaves.
A constituição de um bloco oposicionista coeso, liderado por Tancredo Neves, chocava-
se com os planos do deputado Ulisses Guimarães, presidente nacional do PMDB, que
manifestava publicamente o seu desejo de ser candidato ao principal cargo da
República. Segundo Dimenstein e outros (1985, p. 77),
[...] o peemedebista mais dedicado à campanha das ‘diretas já’, era, sem
dúvidas, Ulisses Guimarães. Até porque o presidente do PMDB sabia que só o
voto popular teria forças para conduzi-lo à Presidência da República. Na
primeira semana de 83, quando um grupo de políticos reuniu-se no auditório
‘Nereu Ramos’, da Câmara, para fixar o calendário da campanha pelas diretas,
apenas Ulisses pareceu convicto de que as ruas viabilizariam a Emenda Dante
de Oliveira no Congresso.
43
No entanto, apesar de ter bom apelo junto à opinião publica, graças à sua participação
aguerrida na campanha das “Diretas”, Ulisses Guimarães não possuía o perfil
conciliatório necessário para unificar a oposição e atrair novos aliados. Ele encontrava
grande resistência junto aos segmentos mais conservadores, já que o seu perfil era
considerado radical, por demonstrar-se pouco afeito às negociações com a cúpula
militar. Por outro lado, diante de uma transição marcada em grande medida pela
pactuação, o candidato oposicionista “capaz de produzir uma dissensão no regime
autoritário era mesmo Tancredo Neves, em função de sua reconhecida característica de
político conciliador e conservador” (MENDONÇA, 2007, p. 3).
O deputado Ulisses Guimarães acabou desistindo da sua candidatura, diante da grande
onda tancredista que tomou conta do PMDB. Todos os governadores e principais
líderes peemedebistas declaram apoio à candidatura de Tancredo Neves, destacando-
se o governador de São Paulo, Franco Montoro, e o presidente do partido naquele
estado, o senador Fernando Henrique Cardoso. Com o recuo de Ulisses, estava
cumprida uma importante etapa na construção da candidatura de “consenso” que
facilitaria a unidade da oposição e a pactuação de um amplo arco de alianças, incluindo
dissidentes do PDS, o que aumentava substancialmente as chances do PMDB chegar
ao Palácio do Planalto. Mas para que a vitória no Colégio Eleitoral tivesse alguma
viabilidade, era necessária a consolidação da segunda parte do plano: atrair a cisão
interna do PDS para o bloco oposicionista.
O Colégio Eleitoral era formado por ambas as casas do Congresso, mais seis
representantes do partido majoritário das Assembléias Legislativas de cada estado. Na
Câmara dos Deputados, a oposição reunida contabilizava dez parlamentares a mais
que o PDS. Entretanto, a correlação de forças complicava-se no Senado, onde o
partido do governo possuía a significativa vantagem de vinte e três cadeiras em relação
aos seus adversários. E a maioria governista ampliava-se ainda mais quando eram
levados em consideração os delegados eleitos pelos legislativos estaduais, controlados
em sua maioria pelo PDS. No geral, os governistas somavam trezentos e cinqüenta e
seis votos no Colégio Eleitoral, enquanto toda a oposição possuía apenas trezentos e
44
trinta delegados (SKIDIMORE, 1994). Sem dúvidas, portanto, o deslocamento de parte
considerável dos governistas para o terreno da oposição era um fator imprescindível
para que o PMDB pudesse continuar alimentando seus planos de chegar à Presidência
da República. A vitória do deputado Paulo Maluf na convenção do PDS precipitou o
“racha” do PDS e abriu o caminho definitivo para a formação da Aliança Democrática,
coligação pela qual Tancredo Neves foi eleito.
1.2.1 A Convenção do PDS e a formação da Aliança Democrática
No dia 03 de março de 1983, o presidente João Batista Figueiredo citado por
Dimenstein e outros (1985, p. 15) sentenciou: “quem ganhar a convenção do PDS,
leva”. Ele referia-se à disputa interna pela candidatura presidencial que obteria o apoio
do governo na sucessão de 1985. De fato, a convenção do PDS, realizada em agosto
de 1984, teve desdobramentos diretos no resultado das eleições. No entanto, ao
contrário do que previra o último presidente militar, o acirramento das divergências em
torno da escolha do presidenciável pedessista acabou contribuindo determinantemente
para que a oposição elegesse Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
Alguns meses antes, o Diretório Nacional do PDS havia delegado oficialmente o
presidente da República para coordenar a indicação do candidato à vaga que seria
aberta com o término do seu mandato, em 15 de março de 1985. Todas as atenções
dos pré-candidatos voltaram-se para a postura de Figueiredo, formalmente dotado do
máximo de poder para influenciar na escolha do presidenciável governista
16
. Segundo
essa lógica, a convenção seria um ato meramente protocolar, que homologaria uma
escolha acertada na cúpula, sob a coordenação direta do chefe da Nação. Como
16
No dia 29 de dezembro de 1983, durante um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão,
o presidente Figueiredo renunciou à tarefa de coordenar a indicação do nome pedessista para disputar a
sua sucessão. Até então, haviam sido feitas várias tentativas de acordo, mas todas falharam, sinalizando
que a disputa na convenção tornara-se inevitável. As avaliações sobre os motivos que o levaram a tal
decisão não são conclusivas, prevalecendo o argumento do próprio Figueiredo, de que não havia
possibilidades de consenso (DIMENSTEIN et al.,1985).
45
veremos, os fatos sucederam-se de forma bem diversa. Na condição de pré-candidato,
o deputado Paulo Maluf não aceitou a retirada do seu nome para viabilizar o acordo em
torno de uma candidatura consensual. Ele venceu a convenção e levou a disputa com
Tancredo Neves até as últimas conseqüências, sendo derrotado no Colégio Eleitoral.
Entre os outros pré-candidatos do PDS, Aureliano Chaves possuía boa aceitação junto
a determinados círculos militares. Ele exercera a Presidência interinamente por duas
vezes, nos anos de 1981 e 1983, sendo bem avaliado pelo seu desempenho à frente do
cargo, quando teria demonstrado “boa capacidade de julgamento e elogiável
compostura” (SKIDMORE, 1988, p. 473). Mas o vice-presidente da República não
contava com o apoio de importantes setores do partido, sobretudo daqueles vinculados
ao presidente Figueiredo.
Aureliano imprimiu um ritmo de trabalho absolutamente estranho à rotina
modorrenta do Palácio do Planalto no período Figueiredo – entrava cedo no
serviço, saía tarde, cobrava providências rápidas aos Ministros, interferia em
todos os assuntos, examinava cada medida a ser tomada e recebia
parlamentares sem hora marcada (SKIDIMORE, 1994, p. 473).
Esse comportamento chamou a atenção da imprensa, fazendo com que o dinamismo
do vice-presidente fosse exaltado pelos principais veículos de comunicação do país,
que o chamaram de “enérgico” e “eficiente”. Certamente, o desempenho de Aureliano
Chaves visava à construção de uma imagem positiva, com vistas à disputa presidencial.
Mas a estratégia estava fadada ao fracasso, já que sua candidatura dependeria do aval
de Figueiredo, que não estava disposto a apoiá-lo
17
. Num quadro de eleições indiretas,
o apoio da grande mídia e de parcelas significativas da opinião pública não era
suficiente para garantir que o detentor do segundo cargo mais importante da República
formalizasse sua candidatura. Não havia espaço sequer para “aventuras”, onde
candidatos sem o domínio das grandes máquinas partidárias pudessem utilizar-se das
estratégias modernas de comunicação para tentar obter votos diretamente junto à
17
“Que grande paradoxo, este. Quanto mais cresce, mais o Aureliano cava sua sepultura”, afirmou
Golbery do Couto e Silva, numa entrevista ao jornal Correio Brasiliense, no dia 07 de agosto de 1983
(apud DIMENSTEIN et al., 1985, p. 21).
46
população. Com o tempo, os desentendimentos entre Aureliano Chaves e a cúpula do
governo aumentaram
18
, levando-o a desistir da candidatura.
O presidenciável com maior aceitação entre os governistas ligados ao general
Figueiredo era o ministro Mário Andreazza, que havia ocupado cargos de primeiro
escalão em três dos cinco governos militares, tendo construído uma ampla rede de
influência no interior do PDS. Por isso, era o pré-candidato que contava com apoio mais
expressivo junto aos responsáveis diretos pela máquina administrativa comandada a
partir do Palácio do Planalto. No entanto, Andreazza tinha conhecimento das
dificuldades que enfrentaria na convenção do PDS, diante do estilo agressivo e
inovador utilizado por Maluf para garantir o voto dos convencionais. Em julho de 1982,
Andreazza citado por Dimenstein e outros (1985. p. 23-24) demonstrava-se vacilante
quanto à sua participação caso tivesse que enfrentar o parlamentar paulista:
Não, não vou a tanta degradação de comprar políticos, fazer favores. Esse jogo
não sei fazer. Sou realista, sei que sou candidato do Governo, o Figueiredo já
manifestou isso [...]. Eu sei que ganharia uma eleição direta facilmente, tenho
apoio dos Governadores. Mas como vencer Maluf numa convenção? [...] Cada
viagem do Maluf pelo país envolve mais gente que as viagens do Presidente –
São mais de 200 pessoas. Levam até ambulância, gente pra confeccionar
faixas, tudo [...] Assim eu não posso concorrer. Como irei vencê-lo numa
convenção? Nunca.
Estreitamente vinculado às cúpulas do PDS e do Governo Militar, o pré-candidato que
dois anos mais tarde seria derrotado na convenção pedessista jamais defendeu que as
eleições diretas fossem retomadas na sucessão de Figueiredo. Mas, assim como
Aureliano Chaves, sabia que as chances de derrotar Maluf na convenção partidária
eram remotas. Ora, Andreazza era um político experiente, tinha acesso à maquina do
governo e estivera vinculado à execução de grandes obras públicas. Na sua trajetória,
18
Mediante a avaliação de que se encontrava num bom momento para disputar as eleições - e
impossibilitado de participar da disputa no Colégio Eleitoral – o vice-presidente liderou o “PDS pró-
diretas”, agrupamento que apoiou abertamente a emenda Dante de Oliveira, desrespeitando a orientação
oficial do partido.
47
certamente fizera uso do fisiologismo, sendo injustificável a declarada indisposição para
“comprar políticos” e “fazer favores”
19
.
O grande diferencial do parlamentar paulista não era seu comportamento “anti-ético” e
“imoral”. Mas sua capacidade de “sair na frente”, impondo um ritmo frenético de disputa,
ao qual seus adversários não estavam habituados, pois acostumaram-se às indicações
de cúpula. Além de fisiológico, conservador e autoritário, características comuns aos
políticos do PDS, Maluf apostava numa forma arrojada de campanha: promovia
grandes caravanas pelo país, nas quais levava desde ambulâncias até profissionais
responsáveis pela confecção de faixas, demonstrando preocupação com os detalhes da
propaganda política. Todos esses eventos ocupavam grande espaço na mídia,
articulando-se a uma eficiente estratégia de comunicação.
Apesar de possuir uma carreira política vinculada aos esquemas eleitorais da Ditadura
Militar, Paulo Maluf não contava com o apoio do presidente Figueiredo e de grande
parte dos militares com poder de decisão. Ele havia tido uma ascensão meteórica após
ser indicado prefeito de São Paulo em 1969, com o aval do presidente Costa e Silva, de
quem era amigo. A partir de então, estabeleceu rígido controle sobre a máquina do
PDS de São Paulo, o que lhe garantiu a vitória para o governo daquele estado em
1978, contrariando os interesses dos militares. Em 1982 renunciou ao governo para
candidatar-se a deputado federal, quando se elegeu com expressivos 673 mil votos.
Mendonça (2007, p. 4) destaca que o parlamentar paulista
[...] era o único dos pré-candidatos do PDS que estava efetivamente fora do
governo Figueiredo. Venceu Laudo Natel, candidato oficial de Geisel e
Figueiredo, na convenção eleitoral da ARENA, em 1978 e posteriormente
sagrou-se governador de São Paulo. No governo daquele estado, utilizou a
máquina pública estadual já pensando em sua trajetória como candidato à
presidência da República. Colecionou vários inimigos na sua vida pública, tanto
na oposição como no seu próprio partido.
19
Eram conhecidas as posições de governistas contrários à candidatura de Andreazza por discordarem
do seu estilo de administração marcado pela realização de grandes obras públicas – os chamados
“projetos faraônicos” – e porque as “suspeitas de corrupção o prejudicaram entre os militares mais
moralistas, bem como entre alguns políticos e setores influentes na formação da opinião pública”
(SKIDMORE, 1994, p. 475).
48
As referidas inimizades entre Paulo Maluf e setores governistas aumentaram depois da
convenção do PDS, realizada em agosto de 1984. Ele venceu Mário Andreazza,
superando o apoio que seu adversário recebera dos militares e de influentes
personalidades públicas do PDS. Para conseguir esse resultado, Maluf utilizou os
mesmos métodos que já usara na disputa pelo governo de São Paulo: “[...] realizou
uma intensa campanha junto aos convencionais do PDS, prometendo-lhes cargos e
toda sorte de atenções” (FAUSTO, 2000, p. 511), além da grande mobilização
envolvendo recursos de propaganda. O êxito de Maluf na Convenção do PDS fez com
que os setores descontentes com o episódio deixassem o partido. Ainda no mês de
julho, Aureliano Chaves havia retirado sua candidatura e passado a organizar uma
dissidência denominada Frente Liberal, que posteriormente daria origem ao Partido da
Frente Liberal (PFL).
O desfecho da crise precipitada pela convenção do PDS permitiu que os tancredistas
alcançassem seus principais objetivos estratégicos naquela primeira etapa do processo
sucessório, anterior à campanha eleitoral propriamente dita. Além de reunirem
praticamente toda a oposição em torno da candidatura do ex-governador de Minas
Gerais, eles conquistaram o apoio de parcelas significativas dos dissidentes do PDS. A
Frente Liberal – agora liderada pelo vice-presidente Aureliano Chaves e pelos
senadores Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães e José Sarney – incorporou-se à
campanha de Tancredo Neves. Esse agrupamento acertou um acordo com o PMDB e
indicou o nome de José Sarney, senador pelo estado do Maranhão, para concorrer
como candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Tancredo Neves.
No interior do PMDB havia muitas restrições ao nome de Sarney, que até pouco tempo
tinha sido uma das principais figuras públicas do PDS. Oriundo da UDN, ele elegera-se
governador do Maranhão em 1964. Em seguida, elegeu-se e reelegeu-se senador pela
ARENA, até que, em 1979, assumiu a presidência nacional do partido governista, posto
ao qual renunciou no ano de 1984, já em função das polêmicas relacionadas à escolha
de Paulo Maluf como candidato a presidente. A trajetória de José Sarney ao lado dos
militares fazia com que “seu nome pouco ou nada tivesse a ver com a bandeira da
49
redemocratização levantada pelo PMDB” (FAUSTO, 2000, p.511). Ainda assim, como a
Frente Liberal condicionou o seu apoio à indicação de José Sarney, o partido de
Tancredo Neves acabou selando a aliança
20
.
Antes de procedermos a análise da estratégia de campanha utilizada por Tancredo
Neves para vencer a disputa no Colégio Eleitoral, é preciso enfatizar, então, que a
vitória sobre Paulo Maluf não era algo que estivesse dado de antemão, como simples
conseqüência do desgaste enfrentado pela Ditadura Militar. Muito pelo contrário, as
condições políticas de uma eleição indireta, depois da derrota da emenda Dante de
Oliveira, favorecia o estilo habilmente utilizado por Paulo Maluf para vencer eleições. As
palavras de Dimenstein e outros (1985, p.88), avaliando as apreensões dos
articuladores de ambas as candidaturas, apontam as dificuldades enfrentadas pelos
tancredistas:
Preocupação por preocupação, a dos peemedebistas [...] não podia ser menor
do que a dos malufistas. Afinal, a Revolução [sic] [...] era, mais uma vez, a
grande favorita para vencer o páreo sucessório – ainda mais com Colégio
Eleitoral, mais ainda com o obstinado Paulo Maluf, que venceria, sozinho, a
convenção do PDS.
Até aquele momento, o deputado paulista era tido como um especialista em vencer
eleições indiretas. Como vimos, ele era temido por possuir um estilo dinâmico e
inovador. Além de práticas como o fisiologismo e a concessão de privilégios pessoais,
comuns à política brasileira, suas campanhas faziam uso de intensa propaganda e
criavam constantes fatos políticos. Numa batalha circunscrita ao Colégio Eleitoral, eram
grandes as possibilidades de Maluf sair vitorioso, repetindo os êxitos alcançados em
disputas anteriores. Para vencer o estilo malufista, Tancredo Neves utilizou-se de uma
estratégia de comunicação voltada para a mobilização da opinião pública, procurando
estabelecer um ambiente de eleições diretas numa disputa que, na prática, seria
20
A indicação do nome de Sarney foi justificada, principalmente, por dois fatores: o primeiro de caráter
legal, já que era proibido a um parlamentar abandonar uma agremiação partidária para ser candidato em
outra numa mesma legislatura. Sarney não incorria nesta ilegalidade, pois havia sido eleito senador pela
Arena em 1978, portanto, antes da criação do PDS e da legislação partidária que vigorava naquele pleito.
O segundo e mais importante motivo era o bom transito que Sarney possuía junto às bases do PDS, do
qual havia sido presidente.
50
definida por um número reduzido de eleitores pertencentes ao Colégio Eleitoral.
Segundo Fausto (2000, p. 511):
Apesar de ser candidato em uma eleição indireta, Tancredo apareceu na
televisão e nos comícios, reforçando seu prestígio e a pressão popular
favorável à sua candidatura. Maluf tratou de utilizar suas técnicas de sedução
na tentativa de ganhar um a um os membros do Colégio Eleitoral. Dessa vez,
sua estratégia falhou.
O fato é que Paulo Maluf “entendeu, como ninguém, as forças que atuavam no regime
autoritário” (FIGUEIREDO, 1994, p. 14), obtendo uma carreira fulminante até ser
derrotado nas eleições presidenciais de 1985. O principal obstáculo na sua tentativa de
chegar ao Palácio do Planalto foi possuir a imagem de político autoritário e
ultraconservador, quando o imaginário político estava fortemente marcado pelo desejo
popular de ver ascender à cena política lideranças de perfil democrático. Isso o deixou
demasiadamente isolado junto a amplos setores da sociedade brasileira, e mesmo
perante alguns potenciais aliados:
A derrota de Paulo Maluf veio de fora [mediante a pressão da opinião pública]
para dentro [reversão de votos no Colégio Eleitoral]. Ele ficou escravo de um
esquema ultrapassado [...]. Queria ganhar a eleição fisicamente quando ela
teria que ser ganha politicamente. Em nenhum momento deu mostra de
aperceber-se de que as regras desse jogo estavam diferentes (FIGUEIREDO,
1994, p. 25).
O candidato do PDS fazia seus cálculos confiando nos compromissos assumidos por
deputados do PDS, do PTB e mesmo do PMDB. Paulo Maluf não se preocupou em
apresentar uma plataforma que dialogasse com os anseios democratizantes da
população, o que daria condições para que seus aliados cumprissem os compromissos
assumidos com sua candidatura. Pressionados pela opinião pública, seus
correligionários viram-se completamente impossibilitados de votar no representante da
Ditadura Militar. Durante todo o processo eleitoral, os adversários de Maluf trataram de
amplificar a imagem negativa do pedessista. A campanha contra Maluf chegou ao ponto
que, “em determinado momento, o simples fato de ser seu simpatizante poderia trazer
até o risco pessoal a quem assim se pronunciasse”
21
(FIGUEIREDO, 1994, p. 24).
21
Transcorridos aproximadamente dez anos daquele pleito, o analista político Ney Lima Figueiredo
afirmou que não havia no passado recente da história do Brasil um caso de candidatura com tanta
rejeição como a que afetou Maluf na sucessão de 1985. Na avaliação do autor, a intolerância com o
51
Então, no que pese as articulações políticas terem cumprido um papel central na
conquista de Tancredo Neves, por si só elas não teriam levado à vitória do candidato da
Aliança Democrática. Como veremos, foi preciso uma sofisticada estrutura de
campanha para que Tancredo vencesse as eleições, apresentando uma plataforma
correspondente às principais aspirações da população brasileira. Não podemos falar
em Campanha Modernizada, pois a ausência do sufrágio universal impedia que o uso
das técnicas modernas atingisse a sua plenitude. As pesquisas de opinião, por
exemplo, não permitiam a construção de estratégias destinadas a conquistar o voto de
uma grande massa de eleitores. No máximo, as sondagens nortearam o discurso
utilizado para mobilizar a opinião pública, que por sua vez passou a exercer forte
pressão sobre os membros do Colégio Eleitoral.
Por outro lado, a ausência do HGPE naquelas eleições presidenciais fez com que a
participação dos veículos de comunicação ficasse restrita à cobertura da mídia. Ou
seja, por mais que os acontecimentos da campanha tenham repercutido na imprensa,
não ocorreu o embate direto através do Programa Gratuito de Propaganda Eleitoral. A
interdição dos processos eleitorais imposta pelos militares dava o seu adeus à cena
política brasileira. No pleito seguinte, em 1989, o candidato Fernando Collor de Melo
encontrou todo o ambiente necessário para a utilização de uma Campanha
Modernizada.
1.2.2 O discurso oposicionista e a proposta da Nova República
Nos estudos sobre a reabertura política, e mais especificamente sobre a sucessão de
1985, tornou-se lugar-comum a idéia de que a vitória de Tancredo Neves deu-se
fundamentalmente em função do grande “pacto político” em torno da Aliança
pedessista refletia, em parte, uma eficiente estratégia de contrapropaganda orquestrada por seus
adversários. “Nos programas de televisão, as piadas, as alusões – sempre depreciativas – denotavam
que num determinado momento, o processo foi dirigido contra ele” (FIGUEIREDO, 1994, p. 24).
52
Democrática, que incluía desde a ala esquerda do PMDB até os segmentos
conservadores oriundos do PDS, que até bem pouco tempo haviam apoiado a Ditadura
Militar. Scott Mainwaring (1988, p. 309), por exemplo, afirma que:
Embora a eleição de Tancredo tenha marcado o fim do Regime Militar, a
oposição conseguiu essa vitória apenas com o apoio de grande segmento de
defectores do regime que formou a Frente Liberal. O estilo e conteúdo do novo
governo, pelo menos no início, reconhecia claramente o caráter negociado da
transição.
Assim como Mendonça (2007, p. 5), consideramos que a interpretação de Mainwaring,
tal qual a de outros autores que seguem esse caminho, está “correta, porém
incompleta, uma vez que precisamos incorporar nela um elemento fundamental: o apoio
popular”, sobretudo, na fase eleitoral, já que a análise detalhada do governo que se
iniciou não está nos nossos planos. Sem negarmos a importância que os arranjos
políticos exerceram na vitória da Aliança Democrática, queremos, portanto, demonstrar
a centralidade da estratégia adotada por Tancredo Neves para conquistar o apoio da
opinião pública, sem o qual ele não teria sido eleito no Colégio Eleitoral.
Ademais, é preciso levar em consideração que Tancredo Neves não foi um candidato
popular desde o início da campanha. No começo da sua trajetória ao Palácio do
Planalto, Tancredo possuía uma imagem pública “pouco entusiástica”, conforme
destaca Soares (1993, p. 154):
A trajetória de Tancredo Neves rumo à vitória no Colégio Eleitoral teve início, do
ponto de vista do público mais amplo, com a derrota do movimento popular e
congressual pelas Diretas-Já. A opção Tancredo nasceu da frustração
democrática e, portanto, condenada a carregar o fardo que lhe impôs a imagem
pública do mal-menor. O fardo foi pesado e a assimilação popular da
candidatura, lenta e pouco entusiástica.
Na verdade, a baixa popularidade de Tancredo Neves antes do início daquela
campanha eleitoral era condizente com a de outras eleições que o peemedebista havia
disputado. Ele começou sua carreira política em 1934, como vereador de São João Del
Rei, sua cidade natal. Tinha fama de grande negociador e bom trânsito entre as
diferentes correntes políticas. No entanto, nunca fora considerado um personagem
carismático. Durante cinco décadas, sua trajetória foi marcada por votações baixas e
vitórias apertadas:
53
Trata-se de uma trajetória surpreendente quando se tem em conta que,
deputado na maior parte da carreira, Tancredo só ganhou a sua primeira
eleição majoritária em 1978, já aos 68 anos, ao eleger-se senador por Minas
Gerais – e mesmo assim ganhou apertado. Tancredo, àquela altura, já havia
ultrapassado os quarenta anos de vida pública, ao longo dos quais seu nome
estivera presente em praticamente todas as articulações mais importantes da
história nacional. Mesmo assim, não teve mais do que 1,7 milhão de votos, e só
com o reforço dos magros 95.000 dados a um seu companheiro de MDB,
Alfredo José de Campos Melo, inscrito numa sublegenda, conseguiu superar a
soma dos sufrágios dos dois candidatos do então partido do governo, a Arena –
Fernando Fagundes Neto e Israel Pinheiro Filho. Quatro anos depois, na
disputa do governo de Minas, se repetiria o mesmo padrão de vitória suada –
com Tancredo perfazendo um total de 2,6 milhões de votos, contra 2,4 milhões
do governista Eliseu Resende. Já nos passos iniciais de sua vida pública,
Tancredo se mostrava titubeante nas urnas. Ao candidatar-se a deputado
estadual em 1945 – depois de um período em que o gelo do Estado Novo o
condenou ao exercício da advocacia –, ele só se elegeu de raspão, como o
último da lista (VEJA, 01 de mai. 1985, apud MENDONÇA, 2007, p. 07).
A imagem “pouco entusiástica” que Tancredo Neves demonstrara ao longo de toda a
sua carreira, e que ainda possuía nas vésperas do processo sucessório, deixa claro
que o apoio esmagador alcançado posteriormente junto à população esteve associado
ao uso de uma estratégia de comunicação capaz de popularizar a figura do candidato e
os principais eixos da plataforma defendida na campanha eleitoral. Isso fez com que
Tancredo Neves atingisse o patamar de uma unanimidade praticamente incontestável,
o que foi fundamental para a votação consagradora no Colégio Eleitoral.
De um modo geral, pode-se afirmar que a estratégia da Aliança Democrática para
popularizar a candidatura de Tancredo Neves baseou-se, sobretudo, em dois eixos
discursivos: a oposição ao regime autoritário e a proposta da “Nova República”
(MENDONÇA, 2007). Como o movimento das “Diretas Já” não havia sido capaz de
colocar fim ao Regime Militar, a candidatura da Aliança Democrática apresentava-se
como a segunda etapa de um mesmo combate. A centralidade dessa mensagem de
ruptura com a Ditadura Militar foi traduzida através da expressão “Nova República”. O
termo foi cunhado pelo jornalista Mauro Santayana, assessor do candidato que ficou
responsável pela formulação dos discursos. A expressão foi utilizada pela primeira vez
durante o pronunciamento proferido por Tancredo Neves no Encontro Anual da União
Parlamentar Interestadual (UPI), realizada no Hotel Senac, na cidade de Vitória (ES):
54
Teremos que lançar os alicerces da Nova República. Primeiro o alicerce da
Federação, a refazer-se autêntica, sem sentido conservador e localista. [...] A
Nova República não se coadunará com qualquer experiência de presidentes
todo-poderosos, impondo as vontades do centro e detendo o quase monopólio
do poder decisório-legislativo (VEJA, 21 de nov.1984, apud MENDONÇA, 2007,
p. 9).
Segundo Eisenlohr (apud OLIVEIRA, 2003, p. 12), a expressão Nova República foi
criada durante uma reunião na qual ele próprio estava a qual foi promovida no escritório
da campanha localizado em São Paulo, “onde se buscava uma síntese conceitual do
novo governo”, sendo natural que a mesma fosse atribuída a Tancredo Neves.
Inicialmente utilizada pelo presidenciável e por interlocutores da campanha, a “Nova
República” popularizou-se com a contribuição da mídia, que a incorporou na
terminologia das redações.
Seguindo a idéia de afirmar o caráter oposicionista e refundador da sua candidatura, os
comícios da Aliança Democrática procuravam demonstrar ao restrito eleitorado de
seiscentos e oitenta e seis membros do Colégio Eleitoral que a oposição ao regime
autoritário possuía amplo respaldo popular. A intenção dos peemedebistas e de seus
aliados era fazer com que a pressão da opinião pública interferisse no voto de cada
parlamentar na eleição de 15 de janeiro de 1985. Tudo era feito para exacerbar, no
imaginário político da época, a tese segundo a qual os membros do Colégio Eleitoral
que não votassem em Tancredo Neves teriam seu desempenho eleitoral prejudicado
nas eleições de 1986, quando haveria eleições para o Senado e para o poder legislativo
nos âmbitos Federal e Estadual.
O aumento da popularidade da candidatura de Tancredo Neves, por um lado, e o
contínuo crescimento da rejeição do candidato do PDS, Paulo Maluf, por outro,
marcaram todo o processo de disputa, entre agosto de 1984 e janeiro do ano seguinte.
A estratégia utilizada pela Aliança Democrática conseguiu fazer com que Tancredo
Neves fosse visto como o único capaz de conduzir definitivamente a reabertura
democrática do país, naquele momento almejada pela maioria da população, enquanto
55
o candidato do PDS significava a continuidade do regime autoritário
22
. O discurso de
que a ampla coalizão de forças em torno da Aliança Democrática representava o
“consenso nacional” – em estreita sintonia com a proposta na Nova República – ocupou
um lugar de destaque na estratégia de comunicação utilizada por Tancredo Neves. A
intenção deliberada era convencer a população de que somente a “união de todos
brasileiros”, da qual Tancredo era porta-voz – independente das divergências
partidárias e ideológicos que se contrastavam na Aliança Democrática – poderia
inverter a situação de crise política, econômica e institucional enfrentada pelo País.
Essa idéia adquiriu grande repercussão a partir da publicação pelo jornal Folha de São
Paulo, no dia 08 de agosto de 1984, do manifesto intitulado “Compromisso com a
Nação”, que marcou o lançamento da candidatura do ex-governador de Minas Gerais:
O país vive gravíssima crise na história republicana. A hora não admite
vacilações. Só a coesão nacional, em torno de valores comuns e permanentes,
pode garantir a soberania do país, assegurar a paz, permitir o progresso
econômico e promover a justiça social. Este pacto político propugna a
conciliação para a sociedade e o Estado, entre o povo e o governo. Sem
ressentimentos, com os olhos voltados para o futuro, propõe o entendimento de
todos os brasileiros (apud MENEGUELLO, 1998, p. 202).
No trecho acima encontramos uma verdadeira síntese da política de “coesão nacional”
propagada pela Aliança Democrática. O manifesto propunha uma aliança entre “a
sociedade e o Estado” “o povo e o governo”, destacando as principais metas a serem
atingidas: defesa da soberania, paz social, desenvolvimento econômico, igualdade
social e estabilidade institucional. Está clara, também, a idéia de conciliação com os
militares, já que a Nova República seria construída “com os olhos voltados para o
futuro”, “sem ressentimentos com o passado”. Ou seja, nas entrelinhas, a candidatura
Tancredo Neves assumia publicamente o compromisso de não desencadear nenhum
processo que pudesse criminalizar os antigos atos da Ditadura.
22
A estratégia da oposição valorizou o caráter plebiscitário das eleições, estabelecendo uma disputa em
grande medida maniqueísta. O crescimento do apoio popular à candidatura oposicionista teve muito a ver
com o resultado da polarização e dos efeitos de contraste com Paulo Maluf. A necessidade de derrotar o
candidato do PDS foi altamente propagada pela Aliança Democrática. Em muitos casos, o desejo de
derrotar o candidato governista era mais forte do que o apoio direto a Tancredo Neves (SOARES, 1993).
56
A estratégia adotada pela Aliança Democrática logrou resultado. A rejeição ao
candidato do PDS tornou-se cada vez mais avassaladora. O isolamento de Paulo Maluf
demonstrava-se incontornável:
Todos, menos Maluf e seus correligionários pedessistas mais obstinados,
estavam ao lado de Tancredo. População, empresariado, trabalhadores,
imprensa, oposições partidárias, Frente Liberal. A vitória de Tancredo Neves foi
o resultado de uma costura política difícil e contraditória, tendo em vista que sua
base de sustentação ia dos partidos comunistas clandestinos até os líderes da
Frente Liberal (MENDONÇA, 2007, p. 15).
Por outro lado, Tancredo passou a ser visto como o grande porta-voz da “conciliação
nacional”, que, expressando os sentimentos democráticos do povo brasileiro, conduziria
o país à implantação da Nova República. Apesar de disputar uma eleição indireta, sua
candidatura ocupou a cena política de uma maneira poucas vezes verificada na história
brasileira.
Nas pesquisas de opinião pública, nos comícios que em muitas cidades
superaram até os da campanha das “diretas já” era Tancredo a estrela. Sua
candidatura sufocava a de Maluf e lentamente, durante seis meses, entre
agosto de 1984 e janeiro de 1985, o regime autoritário teve de se conformar
com sua derrota que de forma agonizante era anunciada (MENDONÇA, 2007,
p. 16).
No dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves alcançou uma vitória consagradora no
Colégio Eleitoral. O peemedebista obteve quatrocentos e oitenta votos, contra cento e
oitenta do seu adversário. Dezessete parlamentares optaram pela abstenção, enquanto
outros nove simplesmente não compareceram à votação. É incontestável que a divisão
do PDS foi determinante para que a oposição vencesse as eleições internas. No
entanto, o desfecho da disputa, com Tancredo Neves sagrando-se presidente da
República, foi muito mais do que o resultado de um arranjo entre forças políticas. Votos
preciosos foram conquistados no Colégio Eleitoral graças ao clima de mobilização
popular transmitido pela campanha de Tancredo Neves, que soube utilizar-se de uma
ousada estratégia de comunicação, baseada no profissionalismo e no uso dos
principais recursos técnicos disponíveis na ocasião. Brickmann (1998, p. 53) fez uma
afirmação que nos permite dimensionar o nível de popularidade alcançada pela
candidatura da Aliança Democrática durante a campanha eleitoral: “Tancredo Neves,
57
que encarnou a reação civil à Ditadura Militar, teria sido canonizado se a decisão
dependesse dos brasileiros”.
2.2.3 Marketing Político e técnicas modernas de campanha
As técnicas de marketing adquiriram grande importância no cenário econômico do Pós-
Segunda Grande Guerra, quando o avanço tecnológico determinou uma superprodução
das indústrias, que começaram a encontrar grandes dificuldades para venderem os
seus produtos. Ou seja, solucionado o problema da baixa produção, os capitalistas
precisavam dinamizar a prática do consumo, que deveria aumentar e renovar-se
regularmente.
O marketing passou a cumprir um papel estratégico em todo o percurso entre a
idealização de um produto e o seu consumo final – que inclui as etapas de
industrialização e comercialização. A propaganda está presente apenas na última
etapa: no fim da linha, atuando como principal mecanismo da engrenagem de
comunicação que estimula o consumidor a adquirir o produto. Figueiredo (1994, p. 13)
esclarece que, por outro lado, o marketing está em todo o processo, já que a fabricação
do produto e o seu posterior anúncio são precedidos de uma complexa coleta de
informações, não apenas sobre o que será produzido, mas, também, sobre o seu
consumidor em potencial: “quem compra? a que classe sócio-econômica pertence?
quais seus hábitos? Etc”.
Na política, as atividades de marketing associadas às Campanhas Modernizadas – tal
qual definidas na introdução do nosso trabalho – remetem-nos aos processos eleitorais
da Europa e dos EUA, já na década de 1950. Os estudiosos do assunto consideram
que a disputa entre John Kennedy e Richard Nixon pela presidência dos EUA, em 1960,
marcou definitivamente a introdução do marketing no universo da política
(FIGUEIREDO, 1994; MANHANELLI, 1992). No Brasil, o uso do marketing político
adquirira já algum espaço nas eleições de Juscelino Kubitschek (1955) e Jânio Quadros
58
(1960). No entanto, com a interdição dos processos eleitorais imposta pela Ditadura
Militar, o marketing voltou a ocupar um lugar de destaque somente a partir da
candidatura de Tancredo Neves, aparecendo como importante componente da vitória
oposicionista
23
.
Ademais, na avaliação de Figueiredo (1994, p. 15), a visibilidade na mídia e o apoio
alcançado por um candidato numa disputa eleitoral dependem em grande medida da
aceitação do discurso apresentado, “e não da habilidade ou poder de algum esquema
espetacular de comunicação”. Existem anseios, desejos e expectativas por parte do
eleitorado, “seja em eleição aberta ou fechada”, que precisam ser descobertos através
de pesquisas realizadas de acordo com a metodologia cientifica adequada. Segundo o
autor, a chave da questão é basear a plataforma do candidato nessas expectativas.
Dessa forma, a possível repercussão do pronunciamento eleitoral depende, sobretudo,
da fase anterior, da preparação do que será dito. Estamos certos de que Tancredo
Neves e sua equipe souberam utilizar-se dos recursos oferecidos pelo marketing para
construírem uma plataforma capaz de mobilizar a opinião pública e pressionar os
membros do Colégio Eleitoral.
As pesquisas junto à população foram determinantes na definição dos temas centrais
da campanha de Tancredo Neves
24
. As sondagens de opinião mostravam que o povo
queria votar para presidente, acreditando que por meio das eleições diretas poderia
23
Como vimos, isso não quer dizer que alguns dos principais elementos do marketing político – como as
pesquisas de opinião e a propaganda – tenham estado totalmente ausentes das estratégias de
comunicação dos militares e mesmo da oposição, durante as disputas que antecederam a abertura
democrática. Reafirmamos que, sob o regime autoritário, os resultados eleitorais estiveram sempre
influenciados pela ação manipuladora dos militares, que detinham o controle de uma poderosa máquina
de propaganda, além de exercerem a censura, a repressão e o poder de moldar a legislação eleitoral
conforme os seus interesses. No entanto, fatores como o crescimento da população urbana, o
desenvolvimento dos meios de comunicação, a crise econômica e institucional do governo Figueiredo, o
caráter pactuado da transição e a grande mobilização popular expressa no movimento das “Diretas Já”
criaram as condições para que, principalmente a partir da década de 1980, a oposição começasse a
utilizar recursos até então inacessíveis aos adversários da Ditadura.
24
Além das pesquisas de opinião pública, os coordenadores da campanha dedicaram muita atenção ao
monitoramento da intenção de voto dos membros do Colégio Eleitoral. No dia 25 de agosto de 1984, o
jornal Folha de São Paulo (apud OLIVEIRA, p. 11) afirmou: “Nunca, no meio político, houve tanta
dedicação à aritmética como agora. Contas e mais contas são feitas todos os dias para apurar as
tendências dos privilegiados eleitores do Colégio Eleitoral”.
59
conduzir ao poder alguém comprometido com o fim do desemprego, da corrupção, da
inflação e do elevado custo de vida. Com base nesses elementos, os profissionais da
área logo perceberam que a campanha de Tancredo Neves deveria manter estreita
ligação com a lembrança das “Diretas Já”. O candidato da Aliança Democrática passou
a ser apresentado como única opção para colocar fim ao continuísmo que já durava
vinte anos. Seguindo nesta direção, foram criados slogans como: “Mudança urgente.
Tancredo para presidente”. “Honestamente. Tancredo para presidente”. “Devolvam o
Brasil pra gente. Tancredo presidente” (OLIVEIRA, 2003, p. 11).
Segundo Oliveira (2003, p. 4), “a mobilização da população em torno da candidatura
Tancredo e o nacionalismo cultuado junto aos anseios de mudança possivelmente não
teriam sido consagrados sem as ações do marketing”. As agências de publicidade
responsáveis pela campanha de Tancredo Neves – que contavam com profissionais
especializados nas diversas etapas do marketing político – compunham um conjunto
inicialmente formado por dez empresas, sediadas nas cidades de São Paulo (Denison,
Salles/Interamericana, CPB, DPZ, AD/AG e CBBA/PROPEG), Rio de Janeiro (MPM e
SGB), Curitiba (Exclan) e Belo Horizonte (Setembro Propaganda). Uma das principais
decisões dos publicitários foi estimular a produção dispersa de material em todo o país,
procurando economizar recursos e garantir que o material produzido atingisse a
população de todas as regiões brasileiras. O comitê central dos publicitários funcionou
em São Paulo. No decorrer da campanha, a estrutura de comunicação passou a contar
com trinta e uma agências, distribuídas por diversas cidades do país (ROSSINI, 1984).
Naquela ocasião, com o país ainda governado pela Ditadura Militar, desenvolver a
propaganda de uma candidatura presidencial exigia que os estrategistas responsáveis
pela tarefa fossem, ao mesmo tempo, prudentes e muito talentosos, pois era necessário
driblar as dificuldades de uma campanha que possuía características bastante
peculiares. Além de se tratar de uma eleição restrita ao Colégio Eleitoral, a legislação
vigente impedia a propaganda política em jornais, rádio e televisão. No dia 12 de
setembro de 1984, o Jornal do Brasil (apud OLIVEIRA, 2003, p. 6) fez o seguinte
comentário sobre as dificuldades impostas aos publicitários na sucessão de 1985:
60
Elas [as agências de publicidade] concordaram primeiro que jamais enfrentaram
tarefa parecida: atingir uma platéia de 686 pessoas – os delegados no Colégio
Eleitoral – sem usar os meios de comunicação tradicionais, pois rádio, jornal e
televisão estão proibidos de veicularem propaganda política. Para uma eleição
atípica, uma campanha publicitária atípica.
As observações acima explicitam as contradições que marcaram a propaganda política
das últimas eleições presidenciais realizadas sob controle dos militares. Por um lado,
destacava-se a utilização das técnicas modernas de propaganda, expressa num
conjunto de estratégias que contavam com a colaboração de sofisticadas agências de
publicidade; por outro, as restrições da legislação eleitoral que impediam o uso dos
principais veículos de comunicação de massa. O caráter “atípico” destacado pelo Jornal
do Brasil é exatamente aquele que não nos permite falar em Campanha Modernizada
na eleição de Tancredo Neves. Por mais próximo que esse modelo de campanha
estivesse daquele processo, fatores como a ausência de um eleitorado massivo – nos
marcos de uma democracia representativa – e do Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral impedem que caracterizemos aquela disputa segundo o formato que passou a
prevalecer a partir das eleições de 1989.
É imprescindível percebermos, entretanto, o quanto a campanha de Tancredo Neves
tratou a comunicação de forma profissionalizada, explorando ao máximo todos os
recursos modernos que pudessem fortalecer a propaganda política, mobilizando a
opinião pública em torno da plataforma apresentada pela Aliança Democrática e
canalizando-a na pressão popular tão necessária para influenciar a decisão do Colégio
Eleitoral. Como vimos, essa estratégia foi fundamental para que o candidato
oposicionista vencesse seu adversário na eleição indireta.
As bases comuns da campanha foram definidas pelo Comitê Nacional de Publicidade: a
padronização das cores em verde e amarelo, o gesto dos braços levantados, em forma
de “V”; e as mãos dadas formando uma grande corrente, simbolizando a solidariedade.
Os slogans “Muda Brasil - Tancredo Presidente” e “Muda Brasil - Tancredo Já” foram
padronizados em cartazes com as duas faixas em verde e amarelo e a palavra
“Tancredo” em azul.
61
Segundo o então governador de São Paulo, Franco Montoro (FOLHA DA TARDE, 30
ago. de 1984, apud OLIVEIRA, 2003, p. 6) as cores verde e amarelo como símbolo da
campanha foram escolhidas pelos seguintes motivos: a primeira por representar a
esperança de mudança e a segunda para mostrar a continuidade da luta pelas eleições
diretas. “As duas reunidas simbolizam a união nacional que se constitui em torno de
Tancredo Neves”.
Uma outra peça proposta pelos publicitários foi o desenho de um sorriso, isto é,
um circulo em azul, com olhos em formato de estrelas ao lado do slogan ‘volte a
sorrir meu Brasil’. Nessas peças, o fundo seria em amarelo, com o nome
‘Tancredo’ em azul e a frase escrita em verde. Além desse material, foram
criadas peças suportes usando as variações em camisetas, bonés, leques,
braçadeira, guarda-chuva/sol. Também foi criada uma decoração padronizada
para os ambientes de comitês, palanques, muros e residências, compostas por
faixas e estandartes (OLIVEIRA, 2003, p. 6).
Tratava-se, realmente, de uma campanha atípica. O conjunto de recursos utilizados
pela candidatura de Tancredo Neves demonstra que toda a estratégia de comunicação
foi pensada para criar um clima de eleições diretas. A ampla distribuição de material
publicitário, associada à realização de grandes comícios nas principais cidades do país,
estabelecia a identidade do candidato com os anseios de grandes camadas populares,
que dessa forma passavam a pressionar os detentores do voto no Colégio Eleitoral. É
importante perceber que, mediante a impossibilidade de se fazer uso da propaganda
eleitoral nos principais veículos de comunicação, a realização de grandes comícios
cumpriu um papel determinante na estratégia de campanha montada por Tancredo
Neves.
Os comícios foram trabalhados inteligentemente. Num verdadeiro plano
estratégico de marketing, os discursos eram aproveitados em praça pública.
Mensagens eram veiculadas, a linguagem abordada para expor os grandes
temas de interesse nacional, as pessoas envolvidas (jornalistas,
apresentadores, artistas) criavam a ambientação necessária para promover a
verdadeira integração nacional (PROPAGANDA & MARKETING, 20 de jan. de
1985, apud OLIVEIRA, p. 8).
Na contramão de uma tendência característica da modernização das campanhas
eleitorais, quando a mídia – sobretudo a televisão – passa a ser o principal canal de
interlocução entre o candidato e a grande maioria do eleitorado (LIMA, 2001), naquela
62
eleição os comícios representaram o maior meio de contato entre Tancredo Neves e a
grande massa dos eleitores brasileiros, pelo menos nos grandes centros urbanos.
Foram realizados onze grandes comícios em três meses. O primeiro deles foi
promovido na cidade de Goiânia (GO), no dia 14 de setembro de 1984. O último
aconteceu em Recife (PE), em 16 de dezembro do mesmo ano. Logo no primeiro
comício compareceram mais de quatrocentas mil pessoas, uma adesão popular
amplamente comemorada pelos organizadores do evento, já que um ato político pelas
“Diretas Já”, no mesmo local, havia reunido cerca de duzentos e cinqüenta mil
participantes
25
.
As gigantescas aglomerações de pessoas em torno dos comícios da Aliança
Democrática constituíam-se em importantes fatos midiáticos, uma vez que rendiam
grande cobertura em toda a imprensa, permitindo que a propaganda política de
Tancredo Neves superasse parcialmente a inacessibilidade aos veículos de
comunicação, contagiando parcelas cada vez mais expressivas do eleitorado, inclusive
nas mais longínquas regiões do país. A campanha de Tancredo, “ainda que para uma
eleição indireta, ganhava força cada vez maior, pressionando os eleitores hesitantes no
Colégio Eleitoral, sob as luzes ofuscantes da TV, a votarem no candidato da oposição”
(SKIDIMORE, 1994, p. 486).
Tancredo Neves utilizou-se também de outra tradicional prática da política brasileira,
usada para buscar votos e adesão popular: o “corpo-a-corpo”. O plano utilizado foi
permanecer o máximo de tempo em Brasília de segunda a sexta-feira, quando eram
realizadas visitas aos políticos – sobretudo aos membros do Colégio Eleitoral – nas
dependências do Congresso Nacional, assim como nos seus escritórios e residências.
Durante os finais de semana, o candidato oposicionista percorria os estados
25
A cobertura desse comício propiciou um episódio marcante da nova realidade midiática atingida pelo
país, agora ambientado pelas modernas tecnologias de transmissão via satélites. Pela primeira vez na
história política brasileira, o discurso de um presidenciável em palanque foi transmitido ao vivo em rede
nacional de televisão. A transmissão para todo o país da fala de Tancredo Neves foi realizada pelo Jornal
Nacional da Rede Globo.
63
promovendo comícios e mantendo contato com os delegados indicados pelas
Assembléias Legislativas para as eleições indiretas.
Tancredo participou ativamente da elaboração das estratégias de marketing político da
sua campanha. Segundo Aécio Neves (apud OLIVEIRA, 2003, p.8), neto de Tancredo,
que exerceu a função de secretário do candidato durante aquela disputa:
Tancredo estava permanentemente atento a toda a campanha, que era
orientada e dirigida pessoalmente por ele, e não titubeava em determinar, por
intermédio do coordenador, Mauro Sales, a mudança de orientação, quando se
fazia necessário. Ele ouvia os seus consultores políticos, que eram poucos,
mas não aceitava sugestões dos homens de marketing quanto ao que devia
dizer ou não.
No mesmo sentido, Eisenlohr (apud OLIVEIRA, 2003, p.8), afirma que
ele [Tancredo] se debruçava cuidadosamente e demoradamente sobre cada
peça publicitária importante. Revisava tudo, com a preocupação – quase
obsessiva – de não dar nenhum pretexto para reação dos militares ou de
qualquer correligionário de importância no processo.
Percebe-se que, do alto da sua experiência política, Tancredo tinha total compreensão
do papel que a propaganda política desempenhava na campanha eleitoral. Por um lado,
sabia o quanto era importante ganhar a opinião pública e pressionar o Colégio Eleitoral,
através de uma eficiente estratégia de comunicação; por outro, conhecia os limites
impostos pela Ditadura Militar e todos os conflitos e tensionamentos envoltos na
reabertura política, o que fazia com que a propaganda não pudesse extrapolar
determinados limites.
Nesse sentido, acreditamos que Aécio Neves tenha fugido à realidade dos fatos ao
afirmar que Tancredo “não aceitava sugestões dos homens de marketing quanto ao que
devia dizer ou não”. O mais provável é que ele tenha tentado livrar o avô da imagem de
candidato demasiadamente envolto pelas estratégias do marketing político, o que
diminuiria a centralidade exercida pelo próprio Tancredo na construção da estratégia
vitoriosa em 1985. Ao analisarmos a bibliografia que trata do assunto, percebemos que
o candidato da Aliança Democrática esteve aberto às orientações dos profissionais de
marketing, exatamente no sentido de promover uma campanha que correspondesse às
64
especificidades do pleito. Nesse sentido, procurou-se corresponder às demandas
populares percebidas através das pesquisas de opinião, utilizando-se de uma
linguagem com alta capacidade de mobilização, inclusive emocional, mas que lhe
permitiu manter um amplo arco de alianças e driblar eventuais intervenções por parte
dos militares, abrindo caminho para a vitória.
Não obstante o êxito da campanha e a consagradora votação obtida no Colégio
Eleitoral, a eleição de Tancredo Neves não estabilizou definitivamente a transição rumo
à democracia. Pelo contrário, episódios imprevisíveis provocaram uma nova onda de
instabilidade. Nas vésperas da sua posse, marcada para o dia 15 de março de 1985,
Tancredo Neves foi hospitalizado e submetido a uma série de cirurgias. O vice-
presidente José Sarney assumiu a chefia da Nação, num contexto que se acreditava
transitório (FAUSTO, 2000). Entretanto, Tancredo Neves não se recuperou, falecendo
no dia 21 de abril de 1985, fato que provocou grande comoção social. Com a morte do
presidente eleito, José Sarney assumiu definitivamente a Presidência da República,
ficando no cargo até o dia 15 de março de 1990.
1.3 O ADVENTO DAS CAMPANHAS MODERNIZADAS: A VITÓRIA DE
FERNANDO COLLOR EM 1989
A Ditadura Militar fez com que um interregno de mais de duas décadas separasse os
dois períodos de maior amplitude e funcionamento das regras eleitorais na história
contemporânea do Brasil, aquele situado entre 1945 e 1964, e o iniciado em 1985, mas
que na verdade só se consolidou a partir da eleição direta para a presidência da
República, em 1989. A reabertura política – concluída na segunda metade da década
de 1980 – foi antecedida por um processo de intensas transformações, sobretudo no
que se refere ao desenvolvimento tecnológico e ao crescimento populacional, agora
altamente concentrado nas áreas urbanas.
65
A dimensão dessas mudanças fica nítida quando comparamos os dados da década de
1980 com os do período anterior ao Golpe Militar. Em 1960, apenas 30% da população
residia nas cidades. A malha rodoviária era bastante limitada, havendo poucas estradas
interligando as diversas Unidades da Federação. A precariedade dos transportes e das
telecomunicações tornava difícil a interação entre as inúmeras cidades e regiões do
país. Os veículos de comunicação – principalmente os jornais impressos e a televisão –
possuíam caráter eminentemente local. O rádio tinha amplitude um pouco maior, mas
nada comparável ao quadro percebido na década de 1980. Existiam apenas dezoito
emissoras de televisão, que tinham suas transmissões reduzidas a oito capitais
26
: São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza e
Curitiba (FEDERICO, 1982).
Durante a Ditadura, o processo de urbanização iniciado nos anos 1950 alcançou
patamares bem mais elevados. Como destacou Miguel (2002, p. 27), “o Brasil que saiu
do regime autoritário não era o mesmo que assistira à deposição de João Goulart”. Em
1980, aproximadamente 67% da população morava em áreas urbanas. O segmento
populacional economicamente ativo incluía 93% dos brasileiros, quase o dobro dos
anos 1960. O setor secundário da economia havia crescido 263% e o terciário 167%,
transformando o Brasil num país urbano, fortemente marcado pelas atividades
industriais e de prestação de serviços (GUIMARÃES; VIEIRA, 1988). As transformações
eram marcantes também no campo das telecomunicações, havendo agora duzentas e
trinta e cinco emissoras de televisão, vinte e cinco milhões de receptores e quatro redes
nacionais. No início dos anos 1980, “94% da população estava potencialmente atingida
pela televisão” (RUBIM, 1999, p. 24).
Todas essas mudanças incidiram sobremaneira nos processos eleitorais, aumentando a
quantidade de eleitores e modificando as estratégias utilizadas para aquisição do voto.
26
A TV Vitória, primeira emissora de televisão capixaba, foi inaugurada no dia 8 de setembro de 1962. A
iniciativa foi tomada pelo empresário João Calmon, em parceria com Assis Chateaubriand, proprietário
dos Diários e Emissoras Associados. Inicialmente, a emissora transmitiu apenas a programação nacional
da TV Tupi. Suas limitações técnicas só permitiam que as imagens fossem ao ar durante um curto
período de tempo, entre as 17h e 22h. (MARQUES; RODRIGUES; JÚNIOR, 2006. In: Roda VT: A
televisão capixaba em panorâmica.)
66
Em 1960, votaram cerca de quinze milhões de pessoas, o equivalente a 20% dos
brasileiros, já que analfabetos, soldados e jovens com menos de dezoito anos não
podiam votar. A eleição de 1989 contou com cerca de oitenta e dois milhões de
votantes, aproximadamente 60% da população, incluindo um grande contingente de
analfabetos e semi-alfabetizados, além de jovens com idade entre dezesseis e dezoito
anos (RUBIM, 1999).
Na eleição presidencial de 1960, as campanhas pautaram-se pelos espaços
geográficos, apesar das difíceis condições de transporte e locomoção. As estratégias
utilizadas pelos dois principais candidatos – Jânio Quadros e o General Lott – tinham
como eixo central os comícios, as caravanas e os contatos diretos com eleitores e
líderes políticos regionais. O papel dos veículos de comunicação era bastante limitado,
já que a circulação de notícias era muito restrita, e não existia propaganda eleitoral
gratuita.
Já em 1989, o horário eleitoral gratuito tornou-se a vedete e o eixo da
campanha, associado às pesquisas, ao marketing e aos debates eleitorais. Os
comícios, as passeatas, as caravanas, as carreatas e o contato direto também
aconteceram, mas agora em outra conjunção de formatos e sentidos (RUBIM,
2000, p. 8)
Não obstante, vale relembrar que a profissionalização em torno do uso das técnicas
modernas para fins de propaganda política vinha ganhando espaço pelo menos desde
o final dos anos 1960, quando o Regime Militar implantou a Assessoria Especial de
Relações Públicas (AERP), e que publicitários e profissionais especializados em
pesquisas de opinião já haviam ocupado um espaço considerável na disputa para a
presidência da República em 1985, contribuindo decisivamente para a vitória de
Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Naquela ocasião, entretanto, não era possível
falar em Campanha Modernizada, já que não havia sufrágio universal e as regras
eleitorais estavam sujeitas ao controle autoritário, inclusive impossibilitando a
propaganda televisiva.
Nesse sentido, Rubim foi preciso ao sintetizar num único eixo as principais novidades
que a primeira eleição direta realizada após a Ditadura Militar apresentou no tocante às
67
estratégias de comunicação: a centralidade que o marketing político – em hipótese
alguma dissociável das pesquisas de opinião – e a televisão – sem a qual os
debates não teriam alcançado grande repercussão – tiveram na eleição
presidencial de 1989. A visão do autor corrobora nosso ponto de vista, pois também
identificamos no uso articulado desses dois recursos – televisão e marketing político – o
núcleo das alterações qualitativas que marcaram o surgimento das Campanhas
Modernizadas no Brasil.
Na introdução do nosso trabalho, fizemos referência aos fatores que caracterizam a
existência das Campanhas Modernizadas. De um modo geral, definimos o contexto e
os principais recursos técnicos que precisam estar disponíveis e associados – em
disputas políticas determinadas pelo sufrágio universal – para que possamos falar na
existência do modelo de campanha que estamos estudando, são eles: marketing e
pesquisas de opinião; centralidade dos meios eletrônicos, em particular da
televisão; Personalização; Profissionalização das disputas eleitorais; e apelo
sedutor-emotivo. No decorrer deste primeiro capítulo, procuramos fazer uma
retrospectiva histórica do desenvolvimento que as técnicas modernas de comunicação
alcançaram no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1960. Sempre com o objetivo de
identificar a maior ou menor influência que tais recursos desempenharam junto às
estratégias de disputa política, marcadamente no seu aspecto eleitoral.
É preciso ressaltar, contudo, que não estamos analisando o surgimento isolado de cada
uma das características das Campanhas Modernizadas. Até porque, práticas como o
personalismo e o apelo sedutor-emotivo existiam – em certa medida – já nas primeiras
campanhas eleitorais realizadas no Brasil. Enquanto outras – como a contratação de
publicitários e profissionais de pesquisa – foram valorizadas pelo Regime Militar e
cresceram de importância nos processos eleitorais promovidos durante o longo
processo de redemocratização. Nossa pesquisa busca, fundamentalmente, encontrar o
marco histórico e cronológico em que as Campanhas Modernizadas tiveram o seu
advento, constituindo-se numa modalidade específica de campanha. É nesse sentido
que afirmamos ser a eleição presidencial de 1989 o marco inicial das Campanhas
68
Modernizadas no Brasil, dada a utilização articulada, sistemática e maximizada de
todos os recursos técnicos e profissionais comumente característicos dessa nova
modalidade de campanha, sobretudo pelo candidato Fernando Collor de Melo, que se
sagrou vencedor no pleito daquele ano.
Referindo-se ao marketing como o conjunto de técnicas que caracterizou a campanha
do candidato vitorioso, Figueiredo (1994, p. 77) afirma que “uma das conseqüências da
vitória de Fernando Collor foi o papel de destaque que o marketing político adquiriu na
democracia brasileira”, passando a ser sistematicamente utilizado nas campanhas
eleitorais seguintes. A constatação do autor corrobora com uma das nossas principais
hipóteses: aquela segundo a qual o uso pleno de uma Campanha Modernizada na
eleição presidencial de 1989 serviu de referência para que as mesmas passassem a
ser amplamente utilizadas nos pleitos seguintes, envolvendo os diversos níveis de
governo. Inaugurando, portanto, o contexto no qual – um ano mais tarde – verificamos a
vitória do candidato a governador do Estado do Espírito Santo, Albuíno Azeredo, que
marcou o advento das Campanhas Modernizadas no estado supracitado.
Está claro, então, que não objetivamos promover uma análise detalhada da campanha
do candidato Fernando Collor de Melo, tarefa já desempenhada por inúmeros autores
(GURGEL; FLEISCHER, 1990; FIGUEIREDO, 1994; LIMA, 2001; CARREIRÃO, 2002).
Após uma contextualização geral do cenário político em que se deram as eleições
presidenciais de 1989, daremos ênfase aos pontos mais expressivos das alterações
qualitativas que nos permitem identificar naquele processo eleitoral o advento das
Campanhas Modernizadas em nosso país: o uso do marketing político e a
importância da televisão como veículo de mediação direta entre o candidato e o
eleitorado brasileiro.
1.3.1 O quadro político anterior às eleições: Collor surge como a
grande novidade
69
Depois de um longo período autoritário, marcado por duas décadas de governos
militares e cinco anos de um governo civil conduzido ao poder pelo Colégio Eleitoral,
todos os prognósticos apontavam para um desfecho político com matizes de esquerda,
elevando à chefia do Governo Federal um daqueles líderes consagrados desde a época
em que faziam oposição ao Regime Militar. O feito mais expressivo do governo Sarney
foi o Plano Cruzado, uma tentativa inicialmente bem sucedida para estancar a inflação,
que foi prolongado artificialmente para garantir a vitória governamental nas eleições
estaduais de 1986, vindo abaixo logo após o pleito (CARREIRÃO, 2002). Fraudado nas
suas expectativas, porque vítima do descontrole da economia depois do
descongelamento dos preços e salários, o eleitorado reagiu criticamente nas eleições
municipais de 1988, inclinando-se para a oposição radical na escolha dos prefeitos de
importantes cidades brasileiras
27
.
A maior parcela da vontade nacional orientou-se para soluções não convencionais,
consagrando candidatos de coligações vinculadas ao PDT – liderado por Leonel Brizola
– e ao PT – tendo à frente Luis Inácio da Silva, apelidado de Lula. Naquele quadro,
portanto, eram muito baixas as possibilidades eleitorais daqueles políticos vinculados
aos partidos que apoiaram a Nova República, especialmente o PMDB
28
– que lançou a
candidatura do veterano Ulisses Guimarães – e o PFL – cujo candidato foi o ex-vice-
presidente Aureliano Chaves. O ano de 1988 terminou sob a marca da
ingovernabilidade, conduzida, impassivamente, pelo presidente José Sarney, que se viu
envolto numa série de greves e conflitos sociais, além de denúncias sucessivas de
corrupção governamental (MELO, 1992).
Muito em função da volta do sufrágio universal para a escolha da Presidência da
República, a ser disputada em dois turnos e ainda na fase de consolidação do novo
sistema partidário brasileiro, um grande número de candidaturas – vinte e três ao todo –
27
O Partido dos Trabalhares, por exemplo, elegeu os prefeitos de três capitais: São Paulo (SP), Porto
Alegre (RS) e Vitória (ES).
28
Após criticar sistematicamente a política econômica dos militares, o PMDB apoiou o governo Sarney e
a implantação do Plano Cruzado, sendo amplamente beneficiado nas eleições estaduais de 1986. Com a
volta da inflação, esse partido sofre uma forte perda de popularidade, o que irá influenciar no fraco
desempenho apresentado pelo seu candidato em 1989.
70
foram inscritas na eleição de 1989. Desconsiderando-se o resultado das urnas, ainda
por vir, os candidatos mais expressivos eram: Ulisses Guimarães (PMDB), Aureliano
Chaves (PFL), Leonel Brizola (PDT), Lula (PT), Paulo Maluf (PDS) Mario Covas
(PSDB), Fernando Collor (PRN) e Afif Domingos (PL). Desde março do ano eleitoral, os
presidenciáveis com maiores índices de intenção de voto, pela ordem, eram: Brizola,
Lula e Collor, sendo que esse último passaria ao primeiro lugar das pesquisas
(CARREIRÃO, 2002).
Os resultados do pleito municipal de 1988 foram interpretados como um indício de que
o eleitorado brasileiro consagraria na eleição presidencial de 1989 um candidato à
esquerda do espectro ideológico, sendo que Lula e Brizola destacavam-se na
preferência da população. O nordestino Lula surgiu na cena política brasileira durante
as grandes manifestações de operários, sobretudo do estado de São Paulo, ocorridas
na segunda metade dos anos 1970, logo se destacando como a principal liderança do
chamado "novo sindicalismo". Eleito Deputado Federal Constituinte em 1986, sua
trajetória política estava diretamente relacionada à liderança exercida nas greves,
protestos e manifestações populares que deram origem ao Partido dos Trabalhadores.
Além de contar com sindicalistas, antigos líderes marxistas e intelectuais de esquerda,
a construção do partido de Lula foi alavancada pela forte presença de movimentos
sociais organizados no campo e na cidade, em particular dos segmentos eclesiais
vinculados à teologia da libertação.
O gaúcho Leonel Brizola, por sua vez, havia sido governador do seu estado natal antes
do Golpe de 1964. Sua trajetória política era marcada pelo longo exílio, sofrido por fazer
oposição sistemática à Ditadura Militar, e por sua ligação histórica ao trabalhismo de
Getúlio Vargas e João Goulart, de quem, inclusive, era cunhado. Beneficiado pela
anistia, o pedetista regressou ao país no final da década de 1970 e elegeu-se
Governador do Rio de Janeiro em 1982, fato que comprovou seu carisma e sua força
junto ao eleitorado. Diante desse quadro, “havia a convicção de que um dos dois
candidatos potenciais [Lula ou Brizola] seria o futuro presidente do Brasil” (MELO, 1992,
p. 4). A situação das lideranças pertencentes aos partidos políticos tradicionais era
71
ainda mais dramática pelo fato da nova Constituição, promulgada em 1988, garantir o
direito de voto também aos analfabetos e aos jovens com idade acima de dezesseis
anos, aumentando consideravelmente o número de eleitores, o que prejudicou em
grande medida o controle exercido em determinados redutos eleitorais.
A ascensão do candidato Fernando Collor foi a grande novidade do processo eleitoral
de 1989, tornando imprevisível qualquer prognóstico sobre os resultados finais do
pleito. A candidatura Collor foi projetada para obter grande impacto nos meios de
comunicação de massa, revelando a extrema habilidade do postulante para se
comunicar com a maioria do eleitorado, galvanizando a simpatia e a adesão de
contingentes bastante expressivos da população. Como veremos, a campanha política
desenvolvida pela equipe de Fernando Collor baseou-se “na utilização de uma vasta
coleção de ferramentas e métodos de pesquisa de opinião e de análise de dados e
informações” (MEYER; JÚNIOR, 2007, p. 4), viabilizando um complexo plano de
marketing político.
De acordo com a tradição política brasileira, a biografia de Collor não revelava
evidências de suas possibilidades de vitória. Além de ser desconhecido no cenário
nacional, ele provinha de uma região eleitoralmente inexpressiva, pois o grande
contingente dos votantes está situado no eixo Centro-Sul. Lançava-se na arena política
com o apoio de um partido insignificante – o PRN – enfrentando as poderosas
máquinas das agremiações tradicionais e as bem estruturadas bases oposicionistas
(sustentadas pelos sindicatos, pelas igrejas e pela intelectualidade). Inicialmente, não
contava também com o respaldo do empresariado, cujo apoio estava dividido entre
vários candidatos. “Sua candidatura parecia a princípio um gesto aventureiro, de
alguém que se lançava na cena eleitoral para contabilizar adesões a longo prazo”
(MELO, 1992, p. 5).
Nascido no Rio de Janeiro em 1949, Fernando Collor era de uma família de políticos
tradicionais. Seu avô materno – Lindolfo Collor – havia sido Ministro do Trabalho de
Getúlio Vargas na década de 1930. E seu pai – Arnon de Melo – foi deputado federal,
72
senador e governador eleito do estado de Alagoas, durante a década de 1950.
Formado em Economia pela Universidade de Brasília e em Jornalismo pela
Universidade Federal de Alagoas, Fernando Collor era vinculado, ainda, ao negócio da
comunicação de massa, o que foi determinante para sua meteórica carreira política. Em
1978 assumiu a presidência das Organizações Arnon de Mello, que além de rádio e
jornal diário, contava com a TV Gazeta de Alagoas LTDA – emissora afiliada da Rede
Globo. Em 1979, com apenas vinte e nove anos e na condição de membro da ARENA,
Fernando Collor foi nomeado prefeito de Maceió, a capital de Alagoas, passando a
exercer um mandato que lhe foi confiado pelo Regime Militar. Três anos depois foi eleito
deputado federal, consagrando-se o parlamentar mais votado do seu estado, agora
pelo PDS, a nova sigla governista. Em 1985 ingressou no PMDB, pelo qual foi
candidato a governador de Alagoas em 1986, quando conquistou o cargo com
expressiva votação, beneficiando-se, como muitos outros eleitos, da grande
popularidade que o Plano Cruzado atingira naquele ano (LIMA, 2001).
Até então um político pouco conhecido fora do estado de Alagoas, na condição de
governador Fernando Collor adotou um estilo que lhe garantiu grande notoriedade
nacional. Com base nas aspirações que a população manifestava através das
pesquisas de opinião, Collor interpretou o papel de grande defensor da moralidade
pública, passando a imagem de uma administração austera e preocupada com o
saneamento das contas do Estado, o que logo lhe rendeu grande aprovação popular.
Para implementar essa estratégia, o governador de um dos menores estados do país
utilizou-se do bom conhecimento que possuía da dinâmica dos veículos de
comunicação, assim como dos contatos com outros empresários do meio midiático.
Dessa forma, conseguiu fazer com que suas palavras e ações repercutissem em todas
as regiões brasileiras, preenchendo um espaço político que se tornara evidente após o
fracasso do Plano Cruzado e o conseqüente desgaste das grandes personalidades
ligadas à Nova República (CARREIRÃO, 2002).
73
Logo nos primeiros momentos do seu mandato, o governador de Alagoas concentrou
esforços no combate aos chamados “marajás”
29
. Em 1988 Fernando Collor rompeu
publicamente com o Governo Sarney, colocando-se contrário à prorrogação do
mandato presidencial para cinco anos – que estava em debate na Constituição – e
passando a atacá-lo severamente (LIMA, 2001). Essa atitude visava a construção de
uma imagem distanciada da Nova República e independente perante os partidos, tudo
conforme sua estratégia de marketing, pois as pesquisas mostravam que o Governo
Sarney detinha altos índices de rejeição, e que a oposição ao mesmo estava sendo
capitalizada apenas em alguma medida pelos partidos de esquerda. Enquanto uma
grande parcela da população demonstrava-se descontente com todas as agremiações
partidárias (FIGUEIREDO, 1994).
O senso de oportunidade política de Collor, sua imensa capacidade de
comunicar-se com o povo, através da mídia, o clima de desalento e
desesperança que domina o país, numa conjuntura de quase ingovernabilidade,
são os ingredientes que vão fortalecer sua ascensão nacional, viabilizando a
candidatura presidencial. Este é um momento caracterizado pelo impasse
constitucional [...], pela queda da produção (conseqüência da onda de greves
na indústria e no serviço público), pelo descontrole econômico (inflação
galopante e perda do poder de compra dos salários), pelo fisiologismo político
(uso da máquina estatal para privilegiar os parentes e amigos dos novos
governantes, no mesmo estilo dos velhos políticos que combateram durante o
Regime Militar), etc. etc. (MELO, 1992, p. 6).
A conjunção desses fatores permitiu que Collor lançasse sua candidatura presidencial
sustentada por eixos de grande capacidade persuasiva: moralidade, juventude e
modernidade. Constituindo-se como fator surpresa num pleito cujos principais
concorrentes estavam legitimados pelo protagonismo nos recentes episódios da história
brasileira, o candidato do PRN transformou-se no principal alvo dos seus adversários. A
disputa polarizada, na qual era atacado por todos os lados, acabou fortalecendo a
estratégia de Collor, na medida em que lhe assegurou a imagem de “vítima” e de
“inimigo número um” dos partidos políticos, ao mesmo tempo em que ampliou sua
visibilidade midiática.
29
O apelido “marajá” foi utilizado para designar funcionários públicos de Alagoas que se beneficiavam de
manobras legais para receber altos salários e conservar privilégios.
74
Vale ressaltar, ainda, que o pleito presidencial de 1989 apresentou particularidades que
contribuíram decisivamente para a centralidade ocupada pela estratégia de
comunicação do candidato vencedor. A principal delas é que a eleição foi solteira, ou
seja, exclusivamente para presidente da República, totalmente dissociada da disputa
para qualquer outro nível de governo. Vários autores (MELO, 1992; FIGUEIREDO,
1994; RUBIM, 1999; LIMA, 2001) são unânimes em afirmar a importância desse fato
para que a candidatura Collor atingisse o êxito desejado mediante a utilização de uma
Campanha Modernizada. Isso porque o aparato convencional usado para influenciar a
decisão dos eleitores estava parcialmente desmobilizado, na medida em que os “chefes
locais” não tinham interesses imediatos nas urnas, o que valorizou o contato direto
entre o candidato e o eleitorado, sobretudo através da televisão, aumentando a
centralidade das técnicas modernas de comunicação.
A legislação eleitoral também continha novidades, quando comparada aos pleitos
presidenciais anteriores. Nas últimas semanas antes da eleição, foram assegurados
espaços gratuitos no rádio e na televisão para a apresentação das plataformas dos
presidenciáveis, garantindo uma comunicação direta entre o candidato e a massa de
eleitores. Havia condições, ainda, para que os candidatos fizessem uso desses veículos
bem antes do início oficial da campanha, sob o pretexto de divulgação das diretrizes
partidárias. Como era possível criar novos partidos sem grandes empecilhos legais,
abriu-se uma brecha para que algumas agremiações negociassem seus espaços no
rádio e na televisão com candidatos de outros partidos, artifício que foi muito utilizado
por Fernando Collor.
De um modo geral, enquanto os políticos tradicionais batiam em “teclas gastas” e
moviam-se por “esquemas antigos”, Collor adotou uma estratégia de comunicação
totalmente inovadora, “utilizando-se, pela primeira vez entre nós”, da televisão
articulada ao marketing político para obter a vitória numa disputa presidencial. “Quando
os grandes partidos acordaram, ele já havia ocupado um grande espaço na mente e no
coração dos eleitores, dirigindo-se diretamente à sociedade” (FIGUEIREDO, 1994, p.
51).
75
1.3.2 Marketing político e Televisão: elementos determinantes na
campanha de Collor
Durante muitos anos, os argumentos presentes na propaganda político-eleitoral e as
propostas e projetos contidos na plataforma de campanha dos candidatos foram
construídos a partir de contatos eminentemente pessoais, ou seja: discussões
intrapartidárias calcadas no programa político-ideológico da agremiação, contatos do
candidato com as bases sociais de apoio – principalmente aquelas ligadas ao partido –
e contatos com grupos organizados de interesse. O aumento da complexidade social,
provocado por fenômenos como o desenvolvimento industrial e o crescimento urbano,
fez com que o posicionamento do eleitorado deixasse de ser avaliado apenas conforme
as estratificações tradicionais – como classes sociais – uma vez que assumira linhas
demarcatórias entrecruzadas e diversas. Essas novas clivagens permitiram que
candidatos e partidos passassem a abordar fragmentos específicos do eleitorado: grupo
etário, gênero, local de moradia, faixa salarial, etc.
Esses fatores permitiram o advento do marketing político, que por sua vez cumpre um
papel determinante nas Campanhas Modernizadas. Nessa nova realidade, houve uma
verdadeira explosão no uso das pesquisas de opinião pública, utilizadas por partidos e
candidatos para detectarem e compreenderem os anseios do eleitorado. Essas
informações são detalhadamente sistematizadas, passando a contribuir na montagem
das plataformas eleitorais e do discurso político dos candidatos. Completando esse
processo, a centralidade assumida pelos meios eletrônicos de massa – principalmente
a televisão – transformou esses veículos no centro propulsor das campanhas. Assim, os
postulantes a cargos eletivos passaram a utilizar as sondagens de opinião também para
avaliarem a qualidade e a eficácia das suas aparições midiáticas. Utilizando-se desses
recursos, os publicitários garantem a qualidade técnica das emissões e procuram
enquadrar aspectos da aparência e do comportamento do candidato no padrão
estabelecido pelos eleitores/telespectadores consultados.
76
Em tal contexto, as estratégias de comunicação que permeiam as Campanhas
Modernizadas não podem ser compreendidas apenas se avaliadas as medidas
adotadas durante o processo eleitoral propriamente dito, naqueles poucos meses que
antecedem as eleições. Desde o final da década de 1950, pesquisadores americanos,
ao analisarem o comportamento eleitoral nos Estados Unidos, perceberam que as
Campanhas Modernizadas adquirem contorno num ambiente onde:
[...] não só durante as campanhas, mas também nos intervalos entre elas, a
mídia fornece perspectivas, modela as imagens dos candidatos e dos partidos,
ajuda a promover os temas sobre os quais versará a campanha e cria a
atmosfera específica e as áreas de relevância que definem qualquer campanha
eleitoral (LANG; LANG, 1959, apud LIMA, 2001, p. 220).
Ora, se a influência dos meios de comunicação de massa na definição do ambiente e
dos principais temas que marcarão as campanhas eleitorais estende-se por todo o
período situado entre as eleições, fica evidente que o sucesso do marketing político
como ferramenta de moldagem da estratégia do candidato possui estreita relação com
o uso planejado e antecipado que se faz desse recurso. E, conseqüentemente, com o
êxito obtido junto aos veículos midiáticos, antes mesmo que a corrida eleitoral seja
oficialmente deflagrada. Também por isso, o exemplo de Fernando Collor é
emblemático.
O Governador de Alagoas, o segundo estado mais pobre do país, com menos de 1,5%
do eleitorado brasileiro, percebeu com bastante antecedência que sua projeção
nacional só seria possível mediante a utilização das modernas técnicas do marketing
político. Dois desafios estavam colocados: (a) construir uma plataforma que sintetizasse
os principais anseios da população e (b) fazer com que a mesma alcançasse
visibilidade em todo o país, o que seria possível somente através dos grandes veículos
de comunicação de massa. A partir dessas premissas, Fernando Collor de Melo montou
as bases da primeira Campanha Modernizada utilizada numa eleição para a
Presidência do Brasil.
77
A grande habilidade de Collor, mediante eficiente estratégia de marketing, foi identificar-
se às temáticas e às aspirações políticas que prevaleciam no imaginário político da
época. Examinando com maestria as pesquisas de opinião, o candidato do PRN
adaptou sua imagem pública ao perfil de “candidato ideal” vislumbrado por grandes
parcelas do eleitorado. Na medida em que sua popularidade aumentava junto ao
eleitorado, foi impondo-se também ao “moderno” establishment político e empresarial,
articulando assim o seu apoio e conquistando os votos “não ideológicos” dos eleitores
que lhe garantiram a vitória (LIMA, 2001, p, 219).
A análise da bibliografia sobre o assunto revela que a candidatura de Collor à
Presidência começou a ser traçada no final de 1987, quando o então Governador de
Alagoas reuniu alguns colaboradores mais próximos para debater o assunto. Para
adquirir projeção nacional e superar as limitações impostas pela falta de estrutura
partidária, Fernando Collor contou com o suporte de uma complexa estrutura técnico-
profissional, que incluía empresas especializadas em pesquisas de opinião, consultoria
econômica, publicidade e processamento de dados.
Desde que assumiu o governo de Alagoas, Collor utilizava-se dos serviços do Instituto
Vox Populi de Belo Horizonte, que tinha como um dos seus sócios o cientista político
Marcos Coimbra, amigo e primo do presidenciável. Em maio de 1988 foi contratada
uma empresa paulista de consultoria econômica, a ZLC, comandada pela professora
Zélia Cardoso de Mello, que posteriormente assumiu o Ministério da Economia no
Governo Collor. Num quadro de inflação galopante, em que a crise econômica aparecia
entre os principais temas da sucessão presidencial, a profissionalização dessa área
cumpriu um papel central na estratégia de Collor. Em agosto de 1988 foi contratada a
agência de publicidade Setembro, também de Belo Horizonte, que havia
desempenhado papel importante na campanha de Tancredo Neves. Além disso, o
governador de Alagoas contou com os serviços da empresa de informática CAP-
Software, com sede em Brasília, contratada no segundo semestre de 1988 (LIMA,
2001).
78
Desde então, a estratégia de Fernando Collor incorporou uma importante característica
das Campanhas Modernizadas, ou seja, a centralidade desempenhada por
profissionais altamente qualificados, mediante o fenômeno alcunhado por Habermas
(2003, p. 252-254) de “cientifização”
30
. Comentando o caráter inédito da
profissionalização assumida pela campanha do candidato vitorioso em 1989, o
experiente consultor político Ney Lima Figueiredo (1994, p. 82) afirma:
Até o advento do “fenômeno Collor”, desde 1974, quando começou o processo
de abertura democrática depois completado pela Nova República, tive longos
contados com políticos no exercício do poder a respeito de estratégias de
campanha. Não conheci nenhum caso de que tivesse entregue a elemento
estranho a seu grupo o planejamento e a execução de sua campanha.
A “cientifização” está relacionada às limitações dos partidos políticos, que nas
sociedades de massa deixaram de contar com mão-de-obra voluntária para o
desempenho de muitas das complexas tarefas de uma disputa eleitoral. Assim, esse
fenômeno também guarda estreita ligação com o uso sistemático do marketing político e
da televisão, que tornaram obrigatória a contratação de técnicos para lidar com tais
instrumentos, já que as agremiações partidárias não possuem recursos humanos
adequados para cumprirem essas tarefas específicas. O mérito de Fernando Collor foi
perceber que no final dos anos 1980, num cenário de eleição direta e de grande
modernização das técnicas de comunicação, o Brasil já reunia as condições para o
desenvolvimento daquele tipo de estratégia.
Aquilo que aparentemente seria uma grande limitação da candidatura Collor – a
ausência de uma estrutura partidária enraizada nacionalmente – foi transformado num
valioso trunfo eleitoral. Mediante a constatada fragilidade dos partidos junto à
população, ser candidato por uma legenda inexpressiva – como o PRN – acabou
30
Se antes as agremiações partidárias de maior representatividade contavam com militantes, quadros
partidários e voluntários como força de trabalho para as atividades da disputa eleitoral, na atualidade o
cenário e bem diferente. As Campanhas Modernizadas envolvem todo um conjunto de profissionais
especializados: publicitários, relações públicas, coletores de fundos, especialistas em pesquisas de
opinião, estatísticos, cientistas políticos, especialistas em informática e banco de dados, redatores de
discursos, produtores de rádio e televisão, jornalistas, atores, etc.
79
contribuindo para que Collor pudesse tirar votos de todas as demais agremiações,
apresentando-se como verdadeiro inimigo do sistema partidário nacional (GRANDI;
MARINS; FALCÃO, 1992; MANHANELLI, 1992; FIGUEIREDO, 1994). Com base nas
pesquisas que indicavam a “corrupção governamental” como um dos principais
problemas do país, acima, por exemplo, do item “segurança” (IBOPE, 1987), Collor e
sua equipe de profissionais trataram de fazer com que a imagem de “caçador de
marajás”, que começou a ser construída na disputa para o governo de Alagoas,
adquirisse conotação nacional. Sabendo, também, que as pesquisas de opinião
apontavam os políticos profissionais como líderes absolutos da rejeição popular,
procuraram apresentar a imagem pública de um outsider, ou seja, de alguém que “faz
política” sem ser “político” (MANHANELLI, 1992; LIMA, 2001).
Em janeiro de 1988, o governador de Alagoas encomendou uma Pesquisa ao Vox
Populi para tomar conhecimento dos temas que exerciam influência sobre a decisão de
voto do eleitorado. A pesquisa foi realizada nos meses de fevereiro e março,
constituindo-se no referencial básico em torno do qual Fernando Collor definiu a sua
estratégia de marketing.
A pesquisa revelava que, para os entrevistados, entre as características e os
atributos positivos de um candidato a presidente da República estavam: ter
curso superior (68,9%), saber falar bem (60,2%), ser jovem (53,3%), ter o hábito
de se vestir elegantemente (49%), ter exercido um cargo executivo (51,9%), ser
de oposição ao governo Sarney (41,9%). A Pesquisa também revelou que 61,
5% dos eleitores não tinham preferência partidária e que os critérios de escolha
do candidato incluíam: pessoa do candidato – imagem, aparência, caráter,
personalidade (36,2%); realizações passadas (25,8%); programa de governo
(10,7%), promessas para a comunidade (8,9%); indicação de alguém
respeitado (7,5%); partido do candidato (7,3%); políticos que apóiam o
candidato (1,3%) (DOYLE; CAMPOS, apud. LIMA, 2001, p. 242).
Utilizando-se dos conhecimentos adquiridos como empresário da área de comunicação
e do seu moderno suporte técnico-profissional em análise de pesquisas, Fernando
Collor reforçou a percepção de que “existia um lugar a ser ocupado – e que esse
espaço poderia ser seu” (FIGUEIREDO, 1994, p.50). A opinião popular sobre o
combate à corrupção, e a associação da mesma à imagem de “caçador de marajás”
adquirida por Fernando Collor, recebeu atenção especial da pesquisa. Entre os
entrevistados, 58,3% sabiam o significado adquirido pela expressão “marajá”, enquanto
80
64,2% consideravam que o combate a eles tinha prioridade igual ou maior do que os
outros problemas brasileiros. Entre os que conheciam Collor, o enfrentamento aos
marajás foi apontado como a sua principal qualidade.
A primeira medida adotada com base nessa pesquisa foi a preparação, pela agência de
publicidade Saldiva & Associados – da qual Leopoldo Collor, irmão do candidato, era
sócio – do programa de Televisão do Partido da Juventude (PJ), que iria ao ar no dia 13
de maio de 1988. O Governador de Alagoas ainda pertencia ao PMDB e utilizaria 47
minutos do tempo na condição de “convidado”. No entanto, o Tribunal Regional Eleitoral
do Rio de Janeiro não permitiu que a televisão transmitisse a parte protagonizada por
Fernando Collor. Não obstante, numa decisão controvertida, o órgão não impediu que o
programa fosse transmitido na íntegra pelo rádio.
Durante a sua participação no programa do PJ, o governador de Alagoas enfatizou o
combate aos “marajás”, disse que a moralização do serviço público não estava
recebendo tratamento adequado e destacou sua condição de jovem – incluindo-se
entre os 65% da população que na ocasião tinham menos de 45 anos. Collor propôs
também uma reforma administrativa, antecipando o debate sobre as privatizações, que
ocuparia um papel importante no seu discurso de candidato. De início, ele associou o
tema à luta contra os “marajás”, que segundo o presidenciável encontravam ambiente
fértil nas empresas estatais. Com essa vinculação, Collor atraiu apoio popular à
complexa idéia das privatizações, que não compunha o primeiro plano das
reivindicações populares. Ao mesmo tempo em que sinalizava positivamente para uma
grande parcela do empresariado, ávida pela “desestatização” do Estado brasileiro
31
.
Em dezembro de 1988, outra pesquisa do instituto Vox Populi (apud FIGUEIREDO,
1994, p. 81) confirmou as tendências anteriores. O levantamento apontou também os
31
O episódio demonstrou a capacidade que o pré-candidato possuía de adequar completamente o seu
discurso às aspirações do eleitorado, percebidas através das pesquisas de opinião, e ainda de associar
temas mais complexos – como as privatizações – às bandeiras de fácil aceitação, como o combate aos
“marajás”. Como veremos, sua aparição em programas de partidos aos quais não estava filiado repetiu-
se em 1989, sem que a transmissão na televisão fosse impedida. Em todas elas, Collor demonstrou-se
um verdadeiro perito no uso do marketing político.
81
principais problemas do país, os candidatos que tendiam a crescer e a decrescer na
preferência do eleitorado e o perfil necessário para ser competitivo na disputa
presidencial: “um político novo, sem vinculação com os partidos tradicionais”. A
pesquisa também revelou que Collor era conhecido de 25% do eleitorado nacional,
sendo o preferido de quem o conhecia. Naquele período, Collor tinha 5% das intenções
de voto, contra 6,8% de Lula, 7,4% de Silvio Santos
32
e 10,3% de Brizola. Para
aumentar sua aceitação junto ao eleitorado e ter chances de chegar à presidência da
República, o Governador de Alagoas tinha que se tornar mais conhecido, mediante a
divulgação do seu programa e a consolidação da sua imagem nas diferentes regiões do
país (LIMA, 2001).
Diante do quadro apresentado pela pesquisa do Vox Populi, Collor e sua equipe
retomaram com mais energia a estratégia de articular com as pequenas siglas a
utilização dos seus horários anuais no rádio e na televisão, conforme haviam feito com
o programa do PJ, que como vimos alcançou grande repercussão, apesar de ser
transmitido somente no rádio. A Setembro Publicidade encarregou-se de preparar o
primeiro programa, que foi ao ar no dia 30 de março de 1989. A primeira medida foi a
mudança do nome do próprio partido, que agora abrigava Fernando Collor, de Partido
da Juventude para Partido da Reconstrução Nacional (PRN). A nova sigla procurava
sintetizar o discurso que seria usado pela candidatura.
O programa foi idealizado conforme a linguagem e o formato televisivos, sendo que até
mesmo intervalos comerciais foram simulados. Mais uma vez, Collor abordou o que
chamava de crise “moral, política, ética e de convivência” e criticou os “maus políticos e
os marajás
33
”. A estratégia demonstrou-se um sucesso. O programa do PRN atingiu a
marca de 61% da audiência, cerca de setenta e dois milhões de telespectadores,
segundo o IBOP e o Vox Populi, sendo aprovado por 81% dos que assistiram. O
Governador de Alagoas passou a ser conhecido por 52,9% dos entrevistados, sendo
32
O nome do apresentador de TV e proprietário do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) chegou a
figurar entre os pré-candidatos, mas Silvio Santos não efetivou sua candidatura.
33
BRAGA, 19 de dez. de 1989, Jornal do Brasil
82
que suas intenções de voto saltaram de 9%, em 27 de março, para 15% em 06 de abril,
logo após a exibição do programa (CRUVINEL
34
).
As brechas na legislação permitiram que a estratégia continuasse em andamento. O
segundo partido a ceder seu tempo de televisão para Fernando Collor foi o
desconhecido PTR. O programa foi ao ar no dia 25 de abril de 1989, com o governador
de Alagoas apresentando o Brasil que deu certo, “no estilo Indiana Jones, pregando
suas idéias de calça jeans e camisa esporte, [...] as palavras chaves [sic] do programa
eram as mesmas do anterior, acrescidas de um novo mote: austeridade”. (BRAGA
35
).
O programa do PTR na televisão alcançou uma audiência média de 61,7% (IBOPE,
Grande São Paulo). A pesquisa de opinião divulgada no dia 16 de maio (IBOPE)
mostrou Fernando Collor disparado na liderança, com 32% das intenções de voto,
contra 15% do segundo colocado, o pedetista Leonel Brizola.
O TSE indeferiu o pedido de liminar impetrado pelo PDT, solicitando a suspensão
prévia do programa do PSC. Com isso, a eficiente estratégia de comunicação montada
por Fernando Collor funcionou pela terceira vez. O programa do PSC foi ao ar no dia 18
de maio de 1989, tendo a atriz Mayara Magri
36
, da Rede Globo, como principal atração.
Fernando Collor falou sobre ecologia, déficit público, corrupção e ética. A pesquisa do
IBOPE divulgada no dia 07 de junho apresentou Collor com 42% das intenções de voto,
consolidado no primeiro lugar. O Vox Populi constatou que Collor já era conhecido por
77,3% do eleitorado. Os motivos de tamanha popularidade eram, pela ordem: sua
associação com a juventude e o novo, sua coragem e determinação, a luta contra os
marajás, o desempenho no governo de Alagoas e a oposão ao presidente José
Sarney. Ou seja, a estratégia de Collor demonstrara-se acertada: sua imagem diante da
opinião pública nacional correspondia ao perfil ideal de candidato manifestado pelo
eleitorado nas pesquisas de opinião.
34
O GLOBO, Sobe. 01 de abr. de 1989.
35
JORNAL DO BRASIL, Como se faz um presidente. 19 de dez. de 1989,
36
Na ocasião a atriz fazia sucesso interpretando a personagem Camila, da novela Salvador da Pátria, no
horário nobre da emissora.
83
Em julho de 1989, o historiador José Murilo de Carvalho (apud LIMA, 2001, p. 230)
publicou um artigo afirmando que o candidato Fernando Collor de Melo adequava-se à
figura do Herói, do combatente, do Santo Guerreiro contra o Dragão dos
Marajás [...] um Indiana Jones, aventureiro e solitário, sem raízes, sem
compromissos, lutando contra as forças do Templo da Perdição, isto é, contra
os marajás e os políticos [...] da nova República.
No mesmo mês em que o autor fez essa interpretação, que julgamos adequada à
imagem construída pelo candidato do PRN, os analistas políticos estimavam em 24%
do eleitorado, apenas, igualmente divididos, poderiam ser identificados como tendendo
ao voto ideológico. De um lado, os ricos e as camadas mais altas dos setores médios
tendiam a votar em candidatos conservadores (algo em torno dos dez milhões de
eleitores). Avaliava-se que este era o eleitorado potencial de candidatos como
Fernando Collor. De outro, as camadas baixas dos setores médios e as camadas mais
altas dos setores pobres, rurais e urbanos (também em torno de dez milhões de
votantes) tendiam a optar por candidatos reformistas, identificados com a esquerda,
como eram os casos de Lula e Brizola (GÓES, 1989, apud LIMA, 2001).
Os sessenta e dois milhões de eleitores restantes não tinham qualquer compromisso
prévio com os candidatos em disputa, podendo ser conquistados durante a campanha
eleitoral. É importante registrar, também, que quase a metade do eleitorado (47%) não
havia completado trinta anos, constituindo, portanto, um eleitorado extremamente jovem
(VEJA
37
). Tratava-se, portanto, de uma geração que havia crescido ao mesmo tempo
em que a televisão e o sistema comercial de comunicações adquiriam contornos
nacionais, fenômenos que, como vimos, adquiriram relevância somente a partir da
década de 1970. Portando, pode-se afirmar, a rigor, que aquela foi a primeira geração
formada e sociabilizada sob os efeitos da “linguagem visual, da imagem fragmentada,
do videoclipe, desse ambiente televisivo que valoriza o novo, o jovem, o bonito, o
moderno para atender às necessidades do consumo” (LIMA, 2001, p. 229).
37
VEJA. Que eleição é esta? 29 de mar. de 1989.
84
Com base em estudos e pesquisas de opinião, Fernando Collor e sua equipe souberam
identificar os principais elementos que permeavam o imaginário político da época, bem
como a importância que a televisão desempenharia na conquista dessa enorme massa
do eleitorado, cujo voto não estava previamente determinado por qualquer tipo de
orientação partidária ou ideológica.
Ele demonstrou grande preocupação em adequar sua candidatura ao contexto
vivido pelo país no final da década de 1980, procurando identificar as principais
reivindicações e os traços marcantes do eleitorado brasileiro. Quando começou
a planejar sua candidatura presidencial, preocupou-se com questões pouco
usuais aos políticos tradicionais, como se o fato de ser divorciado prejudicaria o
seu desempenho eleitoral e se a sua antiga participação no PDS traria
implicações negativas. Os adversários que estavam na disputa também foram
largamente investigados (FIGUEIREDO, 1994, p. 80).
Ou seja, compreendendo muito bem a engrenagem do marketing político, Collor obteve
um mapa dos principais fatores que influenciariam o voto do eleitorado, e com base
nele planejou o caminho para a vitória. Durante toda a campanha, a estratégia de
marketing comanda pelo Vox Populi e pela Setembro Publicidade apresentou o
candidato do PRN dentro de um plano coerente de construção de imagem: dos seus
gestos (os punhos erguidos), passando pela forma de se dirigir à população (“minha
gente”), até as cores da campanha (verde e amarelo). A candidatura contou, também,
com os serviços de outras duas agências de publicidade sediadas em Minas Gerais – a
DNA e a Opção – que além de contribuírem na montagem dos programas do PRN, PTR
e PSC, atuaram na produção de todo o material veiculado durante o Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral e na criação das centenas de peças utilizadas durante a
campanha: cartilhas, adesivos, buttons, anúncios, outdoors, manuais, etc. (MÍDIA &
MERCADO
38
).
Está claro, portanto, que o pleito presidencial de 1989 aconteceu sob um contexto
bastante inovador no que se refere às possibilidades de utilização das modernas
técnicas de propaganda e marketing político. “Foi a primeira eleição que teve todos os
requintes da moderna comunicação de massa” (QUEIROZ, 1998, p. 113-114),
envolvendo veículos impressos, rádio, televisão e uma vasta gama de mídias
38
MÍDIA & MERCADO. Armação collorida. nº3, mar.1990, p. 22-25.
85
promocionais e alternativas. Além disso, a estratégia de Fernando Collor guarda muitas
particularidades com aquelas desenvolvidas para a criação de produtos, que deram
origem às atividades do marketing comercial. Ora, o lançamento de qualquer produto
pelas grandes empresas é antecedido de pesquisas que aferem a demanda dos
consumidores por aquele tipo de bem, e norteiam os princípios a serem empregados na
propaganda (GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992). Numa Campanha Modernizada, a
estratégia do candidato segue um caminho bastante análogo, orientando-se pelo
marketing político. No Brasil, antes da eleição de 1989, “jamais havia existido uma
campanha com tais características” (FIGUEIREDO, 1994, p. 54).
1.3.3 A centralidade da televisão e o papel da Rede Globo na vitória de
Collor
Em sua modalidade convencional, as campanhas eleitorais eram realizadas,
basicamente, por meio de contatos diretos entre o candidato e o eleitor, bem como
através de um corpo-a-corpo eleitoral que se materializava em atividades como
comícios, carreatas, caminhadas, confraternizações, reuniões, panfletagens, etc. Em
certas circunstâncias, tais práticas convertiam-se em verdadeiras mobilizações de
massa, como no caso de grandes comícios. Além disso, encontros promovidos pelos
partidos, grupos de interesses, sindicatos e outras instituições representativas
cumpriam a função de mediar a relação entre candidatos e eleitores. Essas formas
tradicionais de mobilização cumpriam a função não apenas de persuadir com o intuito
de angariar votos, mas de conscientizar, mobilizar e organizar o eleitorado. Recursos
como jornais, panfletos, cartazes e inscrições em muros convertiam-se nas principais
formas de propaganda política (RIBEIRO, 2004, p.15).
A evolução tecnológica e a proliferação dos diferentes veículos de comunicação,
sobretudo da televisão, criaram as condições para que fosse inaugurada uma relação
direta e imediata entre políticos e eleitores, reduzindo a importância da mediação feita
por partidos e outras instituições, e tornando viável o sucesso de personalidades
86
políticas sem laços consolidados com organizações partidárias, mas com forte presença
nos meios de comunicação de massa (MANHANELLI, 1992; MANIN, 1996).
Observando a relação entre tais aspectos e as transformações ocorridas nas disputas
eleitorais, Rubim (2000, p. 4) é bastante esclarecedor ao afirmar que “expressões como
‘Campanhas Modernizadas’ devem ganhar sentido mais profundo apenas se referidas a
esta nova circunstância societária e comunicacional”.
Nesse novo contexto, as disputas eleitorais passaram a estruturar-se ao redor da
televisão. Profissionais de publicidade trouxeram para o meio político o conceito de que
a propaganda televisiva é tanto mais efetiva quanto mais reforçada em outros meios.
Dessa forma, “o discurso televisivo assumiu o papel de referência modeladora de todo o
discurso político da campanha” (RIBEIRO, 2004, p. 16), passando a determinar o
patrão comunicativo da propaganda feita no rádio e nos demais veículos tradicionais
(jornais, panfletos, cartazes, pintura de muros). As mobilizações de massa da
campanha – como as carreatas e os comícios – também sofreram modificações
estruturais, transfigurando-se em autênticos eventos midiáticos. Seus organizadores
abandonaram a perspectiva de conscientização, organização e mobilização popular
antes verificada nessas atividades. Agora, os objetivos principais giram em torno da
captação de imagens empolgantes e de boa qualidade técnica, que possam provocar
impacto ao serem exibidas no programa televisivo do candidato. Bem como da criação
de fatos políticos capazes de obter repercussão positiva junto aos meios de
comunicação de massa, mediante o minucioso trabalho da assessoria de imprensa da
candidatura (MANHANELLI, 1992).
No entanto, é preciso levar em consideração que o impacto das interações entre a
política e a nova realidade societária nos processos eleitorais pode apresentar pesos
diferenciados de um país para outro, de acordo com a maior ou menor centralidade que
as instituições tradicionais, em especial os partidos políticos, ocupam nas eleições.
Apontando um parâmetro de pesquisa, Ribeiro (2004, p. 5) esclarece que a influência
da televisão é tanto maior nos processos políticos contemporâneos “quanto menores
forem a institucionalização do sistema partidário nacional e o desempenho das
87
agremiações na canalização e expressão de anseios, reivindicações e reclamações do
eleitorado”.
Então, ao analisarmos o surgimento das Campanhas Modernizadas no Brasil e a
centralidade que os meios de comunicação de massa ocuparam na estratégia vitoriosa
do candidatado Fernando Collor, levamos em conta também a baixa institucionalização
do sistema partidário brasileiro. Sobre esse assunto, Mainwaring (1999) afirma que,
após 1985, o eleitor brasileiro perdeu sua já efêmera ligação com as legendas
partidárias – que a Ditadura forçara com o bipartidarismo – passando a optar por
candidaturas individuais. O autor destaca que a filiação partidária é particularmente
irrelevante no caso das eleições para cargos majoritários, onde o perfil pessoal do
candidato cresce em importância. “Desse modo, políticos provenientes de partidos
pequenos podem ser eleitos para postos de grande poder, inclusive, para a Presidência
da República” (MAINWARING, 1999, p. 127), o que certamente só é possível em
função da enorme influência que os meios de comunicação de massa – em particular a
televisão – passaram a desempenhar nos processos eleitorais brasileiros.
Após esses apontamentos iniciais, vale ressaltar que a imprensa – como ficou
conhecido o aparato técnico inventado por Gutemberg – chegou tardiamente ao Brasil.
Considerada subversiva pela metrópole portuguesa, foi proibida durante muito tempo,
sendo permitida somente a partir de 1808, quando a família real transferiu-se de Lisboa
para o Rio de Janeiro, no contexto das invasões napoleônicas. Ao longo do Século XIX,
alguns jornais de influência local foram constituídos, na maioria das vezes, ligados a
grupos oligárquicos. O principal deles foi A Província de São Paulo, que depois passou
a se chamar O Estado de São Paulo. Pertencente à família Mesquita, esse periódico
manteve sua importância durante todo o Século XX (MIGUEL, 2002).
A televisão – principal veículo entre os meios de comunicação modernos – chegou ao
Brasil em 1950, com a inauguração da TV Tupi, em São Paulo. A emissora pertencia ao
grupo Diários e Emissoras Associados, empresa de comunicação fundada por Assis
Chateaubriand. O Brasil era o quinto país do mundo a implantar a televisão e o primeiro
88
da América Latina. Nos seus primeiros dez anos de existência, a televisão brasileira
teve um alcance bastante limitado, com uma marca abaixo dos dois milhões de
aparelhos receptores. A implantação efetiva da indústria eletroeletrônica, alavancada
pelo programa de crédito ao consumidor – criado pelos militares no final dos anos 1960
– fez com que o número de televisores nas residências brasileiras aumentasse
rapidamente, chegando a quatro milhões em 1968 (LIMA, 2001).
Venício Lima (2001, p. 156) destaca que “uma faceta importante da televisão brasileira
era o seu caráter exclusivamente regional”. Uma vez que, até 1967, só existiam três
sistemas de microondas, levando a programação do Rio de Janeiro a São Paulo, Belo
Horizonte e Brasília. Foi a inauguração do primeiro Centro de TV da Empresa Brasileira
de Telecomunicações (Embratel), no Rio de Janeiro, em 1969, que viabilizou a
interligação das emissoras de TV ao Sistema Nacional de Telecomunicações,
possibilitando as transmissões nacionais de televisão.
O grupo Diários e Emissoras Associados reunia as condições potenciais para se tornar
a primeira rede nacional de televisão. No entanto, a morte de Assis Chateaubriand abriu
espaço para uma intensa disputa pelo controle da empresa, que mediante a perda da
capacidade gerencial, foi superada por um grupo que em pouco tempo transformou-se
no mais poderoso da televisão brasileira: as Organizações Globo do Rio de Janeiro,
administrada pelo empresário Roberto Marinho. A TV Globo/Canal 4 entrou no ar em
1965. Sua arrancada inicial contou com recursos financeiros e técnico-operacionais do
grupo Time-Life, dos EUA, através de um acordo que violava a legislação brasileira
sobre a participação de estrangeiros em grupos de comunicação, e que foi suspenso
em 1969, após os trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Apesar das
reações contrárias à parceria com a empresa estrangeira, o fato é que a Globo recebeu
o aporte necessário para sobrepor-se tecnicamente às demais emissoras brasileiras,
passando a ser líder de audiência (MIGUEL, 2002).
Levando sua programação a milhões de brasileiros, a Rede Globo credenciou-se junto
aos militares para ocupar o papel de maior vetor da integração entre as longínquas
89
regiões brasileiras. Um passo importante na consolidação da Rede Globo, e
conseqüentemente no processo de integração nacional almejado pelos militares, foi a
estréia do Jornal Nacional, no dia 1º de setembro de 1969. Líder de audiência no
horário nobre, o principal telejornal da emissora passou também a ocupar um papel
central no desfecho dos principais episódios políticos do país. No primeiro momento,
difundiu uma imagem positiva do Regime Militar e de suas realizações materiais.
Durante as “Diretas Já” e a campanha de Tancredo Neves, foi o principal porta-voz da
Rede Globo, que após alguma resistência inicial, passou a defender a transição
negociada, colocando-se ao lado dos segmentos conservadores que procuravam
constituir um novo bloco de poder, para conduzir o país após a redemocratização. Em
1989, foi fundamental para a estratégia do candidato Fernando Collor, que como vimos,
divulgou nacionalmente uma imagem alicerçada nos princípios do marketing político.
Quando o processo Globo-Time-Life foi encerrado, no final dos anos 1960, as
Organizações Globo já detinham concessões de televisão nos três maiores centros
urbanos do país: Rio de Janeiro (Canal 4), São Paulo (Canal 5) e Belo Horizonte (Canal
12). Em 1972, a emissora estava instalada também em Brasília, a capital do país, e em
Recife, a mais importante cidade do nordeste brasileiro. Além de possuir três emissoras
afiliadas. Nesse período, a Globo lançou um ofensivo plano de contratos de afiliação,
chegando a 1982 com a quarta maior rede de televisão do mundo, contando com seis
emissoras geradoras, trinta e seis afiliadas e mais cinco estações repetidoras. Ou seja,
um total de quarenta e sete emissoras, que cobriam três mil, quinhentos e cinco, dos
quatro mil e sessenta e três municípios brasileiros, equivalendo a 93% da população do
país e a 99% dos 15,8 milhões de domicílios que possuíam aparelhos televisores
(LIMA, 2001).
Em 1980, o Governo Federal suspendeu as concessões de sete emissoras ainda
pertencentes à Rede Tupi de Televisão, e abriu licitação para novos concessionários.
Dois novos agrupamentos empresariais adquiriram o direito de transmissão nacional: o
Grupo Sílvio Santo, proprietário do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT); e o Grupo
Bloch, no comando da Rede Manchete. Outra rede nacional de televisão, a
90
Bandeirantes, já existia desde a década de 1970. O aparecimento desses novos
concorrentes não alterou a liderança de audiência exercida pela Rede Globo, nem a
concentração de recursos financeiros oriundos do mercado publicitário. No ano em que
o SBT e a Manchete adquiriram suas concessões, 75% da audiência era fiel à Rede
Globo. Para se ter uma idéia, todas as noites, cerca de 60 milhões de telespectadores
assistiam o Jornal Nacional. No tocante ao predomínio econômico-financeiro da
principal emissora, constatou-se que 70% das verbas de publicidade destinadas à
televisão brasileira eram injetadas na Rede Globo. “O domínio da audiência e a
concentração de verbas publicitárias eliminavam qualquer possibilidade de competição
verdadeira”, o que levou Lima (2001, p. 161) a definir a situação da televisão brasileira
como um “virtual monopólio da Rede Globo”.
Em 1989, segundo dados do IBGE, 73% dos domicílios brasileiros possuíam pelo
menos um aparelho de TV. Em abril daquele ano, verificava-se o seguinte alcance na
cobertura das quatro redes nacionais existentes: Globo, 99,93%; SBT 89%;
Bandeirantes 87,98%; e Manchete, 70% do total de domicílios. Aproximadamente 94%
dos brasileiros assistiam à televisão regularmente. Portanto, concordamos com Lima
(2001, p. 223) quando ele afirma que
esses dados nos autorizam a repetir uma afirmação que já é lugar-comum entre
nós: num país de baixíssimos índices de alfabetização, em que os maiores
jornais possuem uma circulação média diária inferior a 300 mil exemplares e o
rádio nunca conseguiu se transformar em veículo nacional, a televisão se
constituiu desde os anos 70 na principal mídia. E falar de televisão no Brasil
significa, necessariamente, falar da Rede Globo.
Assim, ao constatarmos o uso da televisão pelo candidato Fernando Collor como
importante marco do surgimento das Campanhas Modernizadas no Brasil, faz-se
necessária a distinção de dois aspectos diferenciados, ainda que articulados entre si,
que estiveram presentes naquele pleito: a estratégia desenvolvida pelo candidato para
implementar seu marketing político articulado ao uso da televisão – que abordamos no
tópico anterior – e a relação entre a estratégia de comunicação do candidato e o papel
desempenhado especificamente pela Rede Globo, que passamos a examinar.
91
Nesse sentido, ressaltamos que logo após a posse de Collor como governador de
Alagoas, em março de 1987, a TV Globo/Brasília transferiu a renomada repórter Beatriz
Castro para a TV Gazeta/Maceió, com a função deliberada de cobrir os atos do novo
governo.
De fato, a nova missão da Beatriz foi de manter o Botânic Garden abastecido
com material suficiente para colocar coberturas sobre a administração e os atos
políticos do jovem governador de Alagoas no Jornal Nacional duas ou três
vezes por semana, para desde já nos meados de 1987 cultivar a sua imagem
de um jovem, combativo e dinâmico político [...] (GURGEL; FLEISCHER, 1990,
p. 19).
A partir de então, o Governador de um dos menores estados do país apareceu
freqüentemente no Jornal Nacional, além de merecer reportagens especiais nos
programas Fantástico e Globo Repórter, lideres de audiência em suas faixas de horário.
Além disso, sua aparição nos telejornais da Rede Globo, ao longo de 1989, foi
consideravelmente superior a dos demais candidatos. Uma pesquisa do instituto Data
Folha constatou que, na segunda quinzena de junho, o Jornal Nacional chegou a
dedicar 16% do seu noticiário sobre eleições ao candidato Fernando Collor, contra 7%
do tempo dedicado a Brizola, e 6% a Lula (FOLHA DE SÃO PAULO
39
). No final de
Julho, Roberto Marinho concedeu uma entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, na qual
declarou sua preferência por Fernando Collor, a quem considerou “jovem, mais
assentado, mais ponderado e mais equilibrado com suas boas idéias privatistas” do que
os outros candidatos
40
. “Foram vários os episódios, tanto em noticiários quanto em
programas de entretenimento”, que demonstraram o quanto a emissora do empresário
estava disposta a influir no resultado das eleições (MIGUEL, 2002, p. 42). O mais
marcante foi a edição que a Rede Globo levou ao ar, na véspera do segundo turno da
eleição, do ultimo debate entre os candidatos.
No decorrer do primeiro turno, o candidato do PRN recusou-se a participar dos debates,
evitando o combate direto, na medida em que era atacado por todos os demais
39
FOLHA DE SÃO PAULO. Candidato do PDT vai ao TSE contra a Globo. 24 de ago. de 1989.
40
Roberto Marinho afirmou, ainda, que se Collor prosseguisse no mesmo caminho, influiria “o máximo
possível a favor dele” (EICH, FOLHA DE SÃO PAULO. Roberto Marinho torna explícito apoio a Collor.26
de jul. de 1989).
92
concorrentes, uma vez que figurava como líder absoluto das preferências eleitorais. A
primeira etapa da eleição aconteceu no dia 15 de novembro de 1989. O ex-governador
de Alagoas obteve a maioria dos votos (28,5%), seguido por Lula (16,1%), Brizola
(15,4%), Covas (10,8%), Maluf (8,3%), Afif (4,5%) e Ulysses (4,4%) (CARREIRÃO,
2002). Como sua vitória foi confirmada no primeiro turno – ficando em segundo lugar o
candidato do PT – Collor cumpriu o compromisso de debater na televisão durante a
segunda etapa do pleito. Os partidos envolvidos articularam com as redes de televisão
a realização de dois debates, que foram transmitidos em rede nacional por todas as
emissoras. No primeiro confronto, os dois candidatos apresentaram grande habilidade
retórica. As pesquisas de opinião apontaram Lula como vitorioso no confronto, fato que
fez aumentar as intenções de voto na coligação liderada pelo PT, ameaçando o
favoritismo de Collor.
No intervalo entre os dois debates, a candidatura Lula intensificou a mobilização dos
seus militantes e o contato direto com os eleitores, tornando a disputa bastante
acirrada, principalmente nos grandes centros urbanos. Nos bastidores da campanha de
ambos os candidatos, surgiam boatos de que o HGPE do adversário mostraria
evidências desabonadoras a cada um deles. Collor tomou a iniciativa e levou ao ar o
depoimento de uma ex-namorada de Lula, acusando-o de incitamento ao aborto. A
Rede Globo e os principais veículos de comunicação deram ampla repercussão ao fato,
prejudicando o candidato petista, sobretudo, entre os eleitores das camadas populares,
influenciados por posições religiosas. “Essa foi uma das armas decisivas da campanha
final, num clima radicalizado em que ambos os candidatos lançavam pesadas
acusações recíprocas” (MELO, 1992, p. 10).
Entretanto, na avaliação de vários especialistas, a eleição de 1989 obteve seu desfecho
final a partir dos episódios que circundaram o segundo debate na televisão (MELO,
1992; FIGUEIREDO, 1994; LIMA, 2001; MIGUEL, 2002). É bem verdade que Fernando
Collor demonstrou segurança e boa capacidade de convencimento, tornando o debate
equilibrado, o que decepcionou a equipe de Lula, que esperava uma nova vitória do seu
candidato (MIGUEL, 2002). Mas a edição do debate que o Jornal Nacional levou ao ar
93
no dia seguinte mostrou uma vitória acachapante de Fernando Collor, que teve os seus
melhores momentos no confronto televisivo contrastados com os piores do adversário.
A esse respeito, julgamos conclusiva a avaliação de Miguel (2002, p.42): “É difícil
quantificar o impacto dessa montagem sobre o resultado da eleição. Por outro lado, não
é difícil perceber qual a intenção da Rede Globo”.
Nos marcos da nossa pesquisa, o importante é deixar evidenciada a centralidade da
relação entre a estratégia de Fernando Collor e a moderna estrutura de televisão
existente no país, concentrada principalmente na Rede Globo. Ainda sobre o
desempenho da propaganda eleitoral realizada na televisão, vale ressaltar o destaque
dado por alguns autores ao papel que o marketing político e a televisão exerceram
também na estratégia do candidato petista, viabilizando sua ida ao segundo turno:
Um fator decisivo para as vitórias de Collor e de Lula no primeiro turno das
eleições foi sem dúvida a eficiência do marketing político de que se valeram
para argumentar diariamente no rádio e na televisão, em redes nacionais. Seus
programas eleitorais eram de muito boa qualidade, ágeis, convincentes e bem
adaptados ao ritmo veloz da mídia e à linguagem simples das grandes massas.
Aquela foi uma eleição em que os métodos tradicionais de comícios e de
conversa ao pé-de-ouvido funcionaram com relatividade, porque cada eleitor
teve chance de ouvir, no dia-a-dia, a palavra do próprio candidato [...]. (MELO,
1992, p.9)
A diferença inferior a 1% entre Lula e Leonel Brizola – o terceiro colocado – reforça a
hipótese de que a estratégia de comunicação utilizada pelos petistas foi de fundamental
importância para o êxito alcançado no primeiro turno, sobretudo, se levarmos em
consideração que o candidato do PDT adotou um estilo simples e direto, recusando-se
a fazer uso das técnicas de marketing utilizadas pelos seus principais concorrentes. Na
ocasião, o assessor de imprensa de Brizola, Fernando Brito (apud GURGEL;
FLEISCHER, 1990, p. 111), chegou a afirmar: “Nada de recursos especiais, truques,
edições requintadas que só esvaziam o conteúdo político da campanha”.
É intrigante imaginar os motivos que fizeram com que um político experiente como
Leonel Brizola, que liderou as pesquisas de intenção de voto antes de ser ultrapassado
por Fernando Collor, e passou a maior parte do processo eleitoral em segundo lugar,
recusasse-se a utilizar os recursos do marketing político, que poderiam tê-lo levado ao
94
segundo turno. Até porque, como veremos no segundo capitulo, quando analisaremos o
quadro político do Espírito Santo durante a reabertura democrática, o uso de tais
recursos aumentaram progressivamente ao longo das eleições estaduais anteriores a
1989.
Como ex-governador e liderança influente num dos maiores estados do país, o Rio de
Janeiro, seria natural que Leonel Brizola e o seu partido estivessem familiarizados às
transformações das campanhas eleitorais. Mas esse não é o nosso objeto de estudo.
Cabe-nos apenas afirmar que, um ano mais tarde, em 1990, o desconhecido
engenheiro Albuíno Azeredo – outro pedetista – surpreenderia o meio político nacional
ao eleger-se governador do Espírito Santo. Como veremos no último capítulo, ele
utilizou-se de uma Campanha Modernizada para derrotar o senador José Inácio
Ferreira, líder do governo Collor no Senado.
95
2 O ESPÍRITO SANTO: A REABERTURA DEMOCRÁTICA E OS
PLEITOS ESTADUAIS DE 1982 E 1986
O início da década de 1980 foi marcado pela grave crise econômica que recaiu
sobre o Brasil e, em especial, sobre o Espírito Santo, que enfrentava as difíceis
conseqüências da diminuição da produção cafeeira. O programa de erradicação dos
cafezais improdutivos, levado a cabo pelo governo federal, provocou, no estado, um
impacto social de mais de 60 mil desempregados rurais, o que redundou no
deslocamento de mais de 200 mil pessoas do campo para a cidade, sendo que 120
mil em direção à Grande Vitória. (RIBEIRO, 2005).
Naquele período, “estávamos ainda em plena fase de transição. Eventos de grande
repercussão popular, como a Anistia, mesclavam-se com casuísmos saídos dos
últimos suspiros da ditadura militar” (GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992, p. 130).
Não obstante, fatores como a volta do pluripartidarismo, a realização de eleições
diretas para governadores e a relativa liberdade de manifestação por parte dos
setores oposicionistas, perante um Regime Militar já bastante enfraquecido, fizeram
de 1982 um ano emblemático e decisivo no período da reabertura democrática.
Após resgatarmos esses pontos já bastante conhecidos entre aqueles que estudam
o assunto, cabe-nos agora deixar claro o quanto o pleito de 1982 trouxe mudanças
significativas também no que se refere à profissionalização das campanhas
eleitorais e à utilização das técnicas modernas de propaganda. Sem dúvidas, os
estratagemas de comunicação colocados em prática naquelas eleições, em especial
pela oposição, sinalizavam o surgimento de uma nova etapa das campanhas
eleitorais brasileiras.
Faltavam ainda alguns passos importantes para que as Campanhas Modernizadas
surgissem no Brasil. Os principais eram a suspensão da Lei Falcão, que, como
vimos, restringia o uso dos meios de comunicação nas campanhas eleitorais, e a
plena restituição da democracia, com eleições diretas para todos os níveis, inclusive
para a Presidência da República. Nesse sentido, a análise do pleito de 1982 é de
grande importância para que possamos ter um referencial comparativo quanto às
96
inovações que foram sendo introduzidas nas campanhas eleitorais capixabas –
sempre em consonância com o quadro nacional de reabertura democrática – até que
as Campanhas Modernizadas atingissem a sua plenitude no Espírito Santo, a partir
de 1990, após terem se manifestado em todos os seus aspectos nas eleições
presidenciais de 1989. À luz dessa reflexão, daremos seqüência ao presente
capítulo com a análise da estratégia do candidato Gerson Camata, eleito governador
no pleito de 1982. A seguir, faremos apontamentos quanto ao pleito estadual de
1986, quando o vitorioso na disputa pelo Governo do Estado foi o Deputado Federal
Max de Freitas Mauro. Em ambos os casos, procuramos demonstrar em que medida
essas candidaturas apresentaram elementos consonantes com aquele estágio
transitório de modernização das campanhas eleitorais.
No início da década de 1980, “estávamos ainda em plena fase de transição. Eventos
de grande repercussão popular, como a Anistia, mesclavam-se com casuísmos
saídos dos últimos suspiros da ditadura militar” (GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992,
p. 130). Não obstante, fatores como a volta do pluripartidarismo, a realização de
eleições diretas para governadores e a relativa liberdade de manifestação por parte
dos setores oposicionistas, perante um Regime Militar já bastante enfraquecido,
fizeram de 1982 um ano emblemático e decisivo no período da reabertura
democrática. Após resgatarmos esses pontos já bastante conhecidos entre aqueles
que estudam o assunto, cabe-nos agora deixar claro o quanto o pleito de 1982
trouxe mudanças significativas também no que se refere à profissionalização das
campanhas eleitorais e à utilização das técnicas modernas de propaganda. Sem
dúvidas, os estratagemas de comunicação colocados em prática naquelas eleições,
em especial pela oposição, sinalizavam o surgimento de uma nova etapa das
campanhas eleitorais brasileiras.
Faltavam ainda alguns passos importantes para que as Campanhas Modernizadas
surgissem no Brasil. Os principais eram a suspensão da Lei Falcão, que, como
vimos, restringia o uso dos meios de comunicação nas campanhas eleitorais, e a
plena restituição da democracia, com eleições diretas para todos os níveis, inclusive
para a Presidência da República. Nesse sentido, a análise do pleito de 1982 é de
grande importância para que possamos ter um referencial comparativo quanto às
inovações que foram sendo introduzidas nas campanhas eleitorais capixabas –
sempre em consonância com o quadro nacional de reabertura democrática – até que
97
as Campanhas Modernizadas atingissem a sua plenitude no Espírito Santo, a partir
de 1990, após terem se manifestado em todos os seus aspectos nas eleições
presidenciais de 1989. À luz dessa reflexão, daremos seqüência ao presente
capítulo com a análise da estratégia do candidato Gerson Camata, eleito governador
no pleito de 1982. A seguir, faremos apontamentos quanto ao pleito estadual de
1986, quando o vitorioso na disputa pelo Governo do Estado foi o Deputado Federal
Max de Freitas Mauro. Em ambos os casos, procuramos demonstrar em que medida
essas candidaturas apresentaram elementos consonantes com aquele estágio
transitório de modernização das campanhas eleitorais.
As eleições de 1982 aconteceram num cenário político bem diferente daqueles em
que se deram os pleitos de 1974 e 1978. A redemocratização do país caminhava
para um desfecho, com eleições diretas para governadores, sob o regime do
pluripartidarismo. As agremiações que caracterizaram os anos de chumbo – ARENA
e MDB – haviam sido extintas, originando o PDS e o PMDB, respectivamente. O PT
e o PDT também conseguiram habilitar-se para disputar as eleições naquele ano.
Conforme destaca Oliveira (2007), os emedebistas optaram por assegurar a
identidade do novo partido com a sigla que haviam forjado na oposição ao Regime
Militar. Ao passo que os arenistas buscaram desfazer-se da sua legenda, cuja
imagem estava impregnada de todo o autoritarismo característico do regime
bipartidário imposto pelo AI-II. Apesar da tentativa do Governo de desvincular a
imagem de seu partido do passado sombrio representado pela ARENA, o PDS
continuou sendo a agremiação que se posicionava conforme os padrões mais
conservadores e autoritários do espectro político.
A criação de novos partidos, possibilitada pela reforma partidária, serviu ainda como
força propulsora para que numerosos quadros deixassem a agremiação governista.
Muitos saíram do PDS para se integrarem ao Partido Popular (PP), agremiação
cujos principais fundadores eram Tancredo Neves e Magalhães Pinto. No entanto, o
“Pacote Eleitoral” de novembro de 1981 provocou a drástica diminuição das chances
eleitorais do novo partido. A situação adversa para os pepistas levou os mesmos a
desencadearem uma série de articulações com lideras peemedebistas, chegando a
um processo de incorporação do PP ao PMDB. Com isso, muitos ex-arenistas que
haviam entrado no PP acabaram por ingressar no principal partido da oposição.
98
Esse fato serviu para acirrar as disputas no interior da agremiação, desde antes
composta por uma heterogênea base ideológica.
No Espírito Santo, o jogo político em torno do pleito de 1982 foi marcado por uma
intrincada disputa pelo poder. Já naquela ocasião, assumiram papel de destaque
algumas das personalidades que viriam a ocupar a cena política capixaba durante
as décadas seguintes. Pelo PMDB, tiveram destaque os nomes de Gerson Camata,
Max Mauro e José Inácio Ferreira, que se elegeram governadores, respectivamente,
em 1982, 1986 e 1998. Do lado do PDS, podemos citar, pelo papel de destaque que
permanecem ocupando às portas da segunda década do Século XXI, os nomes de
Élcio Álvares e Teodorico Ferraço
1
. O PT contava com o médico Vitor Buaiz, que
embora não tenha participado diretamente da disputa pelo governo do Estado
naquele ano, despontava como a principal liderança do novo partido. Anos mais
tarde, o petista seria eleito prefeito da capital (1988) e Governador do Espírito Santo
(1994). Encerradas as articulações para a escolha de candidatos, o pleito foi
disputado pelo deputado federal Gerson Camata (PMDB), pelo ex-prefeito de Vitória
Carlito Von Schilgen (PDS), pelo dentista e ex-preso político Perly Cipriano (PT) e
pelo sindicalista Osvaldo Mármore (PDT).
A definição do candidato a Governador do PMDB foi marcada pela disputa entre os
agrupamentos dos deputados federais Max Mauro e Gerson Camata, ambos
interessados em ocupar o principal posto da política capixaba. Max era o presidente
estadual da agremiação e representava os setores históricos do antigo MDB, que se
destacavam por suas divergências sistemáticas com o Regime Militar. Por outro
lado, Camata havia passado a maior parte da sua vida pública como integrante da
ARENA. Ele liderava um grupo que atuava no PMDB sob o rótulo de “moderados”. A
maioria dos membros desse setor havia ingressado na oposição a bem pouco
tempo, passando a empunhar a bandeira da redemocratização somente no apagar
das luzes da década de 1970. Os impasses em torno da escolha do candidato
peemedebista provocaram a realização de uma pré-convenção cujos resultados por
1
No primeiro semestre de 2008, Élcio Álvares encontrava-se na condição de líder do Governo Paulo
Hartung na Assembléia Legislativa, enquanto Theodorico Ferraço ocupava a presidência do
Democratas (DEM) – agremiação partidária que substituiu o PFL – e tinha seu filho, Ricardo Ferraço,
na vice-governadoria do estado.
99
pouco não dividiram o principal partido da oposição. Além dos deputados federais
Max Mauro e Gerson Camata, o senador Dirceu Cardoso também se inscreveu na
disputa pela vaga de candidato a governador, mas acabou retirando sua candidatura
antes do início da votação.
Na manhã do dia 04 de abril de 1982, um domingo, a pacata vizinhança da Praça do
Carmo, no Centro de Vitória, perdeu a sua calmaria habitual para testemunhar os
episódios que permearam uma das mais badaladas convenções partidárias da
história política do Espírito Santo. A concentração peemedebista foi marcada para
ter início às 9 horas da manhã. A movimentação foi intensa desde o amanhecer:
foguetes, faixas, cartazes e paredes pichadas anunciavam um dia agitado e repleto
de surpresas. A torcida do Deputado Federal Max Mauro estava em maior número
nas dependências do Colégio do Carmo, local onde ocorreu a votação. Na ocasião,
a revista Espírito Santo Agora
2
destacou que todos os ingredientes haviam sido
“escolhidos e misturados para que o brilhantismo do encontro desaguasse na vitória
de Max”, cenário tido como certo pelos partidários de sua candidatura. As piores
avaliações davam conta de que o presidente da sigla venceria a disputa por uma
diferença de aproximadamente dez votos.
A grande surpresa foi a diferença de cinco votos em favor de Camata, num total de
cento e onze votantes. Ele obteve a preferência de cinqüenta e oito convencionais,
contra cinqüenta e três que optaram por Max Mauro. Embora fosse o candidato mais
cotado para vencer a convenção, Max perdeu devido à campanha de desgaste que
lhe foi direcionada nos bastidores. Seus adversários internos o rotularam de “radical
de esquerda” e alardearam a hipótese do experiente Eurico Rezende, então
Governador, dar uma guinada na decadente campanha do PDS. Segundo os
defensores dessa tese, a situação utilizaria o estigma de esquerdista do parlamentar
vilavelhense para conquistar votos junto ao eleitorado mais conservador,
principalmente nas cidades interioranas. Esse teria sido o motivo para que algumas
figuras muito ligadas a Max Mauro optassem por Gerson Camata, como Mário
Moreira, Hélio Carlos Manhães e Sérgio Ceotto.
2
ESPÌRITO SANTO AGORA. A escalada de Camata. Abril de 1982, p 05-07
100
Os “maxistas” foram tomados por um misto de revolta e decepção. Mediante
acusações de traição e compra de votos, o resultado da convenção só viria a ser
homologado alguns dias depois. Mas o fato é que a derrota pegou Max
desprevenido. Se até então ele era a grande liderança da oposição, aquela pequena
diferença em favor de Camata abalara profundamente o edifício partidário que vinha
construindo durante os últimos anos. Inconformados, muitos adeptos de Max Mauro
ameaçaram não se engajar na campanha peemedebista, chegando a cogitar a
possibilidade de ingresso no PT. Os mais exaltados afirmaram que a vitória havia
sido do PDS. Essa provocação encontrava eco numa recente denúncia do Senador
Dirceu Cardoso, segundo a qual o Deputado Gerson Camata havia participado de
uma reunião com o ex-governador Élcio Álvares e o empresário Camilo Cola –
ambos pedessistas – para tratar de assuntos relacionados à sua candidatura.
Os desdobramentos da disputa interna do PMDB preocupavam também Gerson
Camata, que passou a investir pesado na unidade da legenda, ainda que
provisoriamente, até assegurar sua vitória nas urnas. Ele logo percebeu que a
condição de candidato a Governador – sob um clima partidário repleto de problemas
político-pessoais entre correligionários – exigiria de sua parte muito habilidade e
destreza para apaziguar os ânimos e unir as várias correntes conflitantes que
dividiam o partido e colocavam em risco os planos eleitorais daquele que havia
vencido a batalha interna. Já no final da convenção, Camata ergueu o braço do seu
concorrente e lhe empenhou apoio eleitoral para o cargo que desejasse concorrer.
“O PMDB, agora, é um todo. Não existem mais grupos”
3
, discursou o parlamentar.
Passadas algumas semanas, os ânimos se arrefeceram no PMDB. A crise foi
resolvida mediante um acordo entre os seus dois principais protagonistas. Ficou
definido, então, que Camata receberia o apoio de Max Mauro nas eleições de 1982,
o que deveria ser retribuído no pleito de 1986, quando esse último seria o candidato
ao Governo do Estado. O principal problema do PMDB passou a ser a escolha do
candidato a vice-governador. Essa nova polêmica reascendeu divergências de fundo
já manifestas na pré-convenção, pavimentando ainda mais o terreno no qual
ocorreriam as grandes divisões após as eleições de 1982.
3
ESPÍRITO SANTO AGORA. Separação litigiosa. Out. de 1987, p. 05-08).
101
De início, três candidatos colocaram-se na disputa pela vaga de vice-governador: o
ex-presidente do partido Mario Moreira, considerado o preferido de Gerson Camata
e das lideranças peemedebistas do Sul do Estado; o empresário José Moraes, tido
como representante dos segmentos mais conservadores alojados na oposição
4
; e o
próprio senador Dirceu Cardoso, que como vimos havia retirado seu nome da
disputa pela candidatura a governador. O Suplente de Deputado Gerles Gama
também demonstrou interesse em participar da chapa encabeçada por Gerson
Camata, mas foi convencido pela direção do partido a desistir do pleito para facilitar
os entendimentos que visavam à unidade partidária (OLIVEIRA, 2007).
A Executiva Regional do PMDB delegou poderes a Gerson Camata para escolher
seu candidato a vice-governador. No entanto, ele resistiu em tomar tal atitude. O
maior temor do parlamentar egresso da ARENA era fazer uma opção que acirrasse
as divisões internas e colocasse por terra todos os avanços alcançados até então
para garantir a unidade partidária em torno da disputa pelo governo do Estado. Por
isso, em várias oportunidades, Camata insistiu junto aos seus companheiros de
partido para que fizessem esforços no sentido de encontrar um denominador
comum, sempre com o argumento de que era preciso evitar eventuais dissidências.
O Presidente Estadual do Partido, Max Mauro, também agiu nesta direção.
Encerradas as turbulências provocadas pelo resultado da pré-convenção, em grande
medida como resultado do acordo que garantiria sua candidatura em 1986, Max
passou a defender a superação das diferenças internas para que o partido pudesse
sair unido da questão da vice-governadoria
5
.
O impasse foi aumentando na medida em que se aproximava o prazo final para a
tomada da decisão, atingindo seu auge em julho de 1982. Nessa ocasião, a
polêmica em torno da escolha do candidato a vice-governador na chapa
peemedebista adquiriu notoriedade pública, ocupando considerável espaço nos
veículos de comunicação. Os escritos do historiador Ueber de Oliveira (2007, p.56)
são bastante esclarecedores a esse respeito, conforme verificamos a seguir:
4
A GAZETA, Definição. Vitória, p.05, 11 de jul. de 1982.
5
Ibid., Unidade Partidária. Vitória, p.03, 03 jul. 1982.
102
Camata conferia ao PMDB a missão de escolher o vice, e o PMDB, por sua
vez, delegava essa incumbência à Camata, dando a ele, inclusive, carta-
branca para escolher aquele que fosse de sua preferência. O grande
problema estava no acordo feito com o extinto PP (Partido Popular)
6
, que
ao se incorporar ao PMDB teria o direito, pelo acordo firmado, de indicar o
vice e não abria mão de José Moraes, que ainda estava sendo ajudado pelo
Deputado Federal e ex-prefeito de Guarapari, Hugo Borges. Por outro lado,
havia a necessidade de agregar forças no interior do Estado, e Camata e o
PMDB sabiam dessa necessidade estratégica, por isso aparecia o nome de
Mario Moreira, que se tornou o preferido uma vez que o então Prefeito de
Cachoeiro de Itapemirim Gilson Carone, nome de maior consenso, não
havia se descompatibilizado ao não renunciar ao cargo que ocupava.
O próprio Oliveira esclarece, ainda, que a compreensão de toda a conturbada
movimentação em torno da escolha do candidato a vice-governador do principal
partido da oposição deve passar, necessariamente, pela análise do comportamento
dos segmentos tidos como progressistas, como sabemos liderados pelo presidente
da agremiação, o Deputado Federal Max Mauro. Pessoalmente, o parlamentar
afirmava não ter preferência para o nome de vice, destacando apenas que a
liderança escolhida deveria ter “densidade política e representar um avanço político
do PMDB”. Na prática, essa última condição representava uma tentativa de veto ao
nome de José Moraes, conforme ficava claro nas declarações de influentes
personalidades do grupo “maxista”. Esse setor advogava a tese de que a chapa
majoritária do partido poderia ficar muito à direita com o ex-arenista e ex-pepista
José Moraes, àquela altura o mais cotado para ocupar a vaga de candidato a vice-
governador.
De fato, o vínculo de José Moraes com segmentos conservadores da política
capixaba era do conhecimento público. Os “moderados” consideravam esse perfil
algo muito positivo, na medida em que atrairia para a chapa oposicionista o apoio de
expressivos setores do empresariado e mesmo de latifundiários. Ao reivindicar
publicamente o acordo entre PP e PMDB, que garantiria aos pepistas a vaga de
vice-governador, o deputado peemedebista Luiz Batista fez a seguinte afirmação:
a candidatura de Moraes é um compromisso desde o processo de
incorporação do PP ao PMDB. Tanto que trabalhamos o assunto há muito
tempo, e hoje é inegável a preferência reinante no partido pelo nome dele,
que reúne todas as condições para ocupar o cargo, inclusive aproxima e
impõe respeito diante da classe rural e empresarial do Estado, que não
6
Do extinto PP (Partido Popular), que ingressou no PMDB em 1982 faziam parte, além de José
Morais: Luiz Batista, Hugo Borges, Ozéas Ximenes Monte, João Batista Motta, Martinho de Castro
Machado, Maridéia Rosa Bitti, dentre outros.
103
podemos dispensar num momento em que pretendemos mudar todo um
sistema
7
.
Na contramão dos argumentos usados pelos aliados de José Moraes, os
peemedebistas históricos acreditavam que as ligações de José Moraes com setores
até então muito identificados com a política do PDS trariam grandes prejuízos ao
principal partido da oposição. Por um lado, eles previam que a presença de José
Moraes numa chapa encabeçada por Gerson Camata traria reflexos muito negativos
numa futura administração, que ficaria demasiadamente atrelada aos setores que
até recentemente haviam composto a base de apoio da Ditadura Militar. Por outro
turno, pesava muito a pressão imediata exercida pelo PT, sendo que a vinculação da
imagem peemedebista a velhos atores da política capixaba – representantes da
ordem vigente – “poderia enfraquecer o PMDB na sua condição de majoritário no
campo da oposição” (OLIVEIRA, 2007, p. 56). No entanto, a definição da
candidatura a vice-governadoria foi mesmo favorável a José Moraes, cuja indicação
foi consumada no dia 18 de julho de 1982.
Para os interesses da nossa pesquisa, vale ressaltar que a partir daquela data, com
a escolha do candidato a vice-governador da sua chapa, o Deputado Federal
Gerson Camata ficou livre para concentrar esforços na sua estratégia de campanha,
dedicando a maior parte do seu tempo às articulações que visavam aglutinar forças
para o principal partido da oposição e minar ainda mais as combalidas bases
governistas. É claro que todo aquele processo de disputas internas no período pré-
eleitoral deixou seqüelas que se fariam sentir em meio aos dilemas da campanha,
assim como nas divisões que marcariam o PMDB capixaba durante toda a década
de 1980. No entanto, embora de difícil alinhavamento, o grau de unidade
relativamente alto em torno da candidatura de Camata foi elementar para que o
mesmo vencesse as eleições.
Como veremos, foi destacável também a habilidade do próprio candidato para se
colocar numa estratégia de comunicação que reforçava sua condição de líder
oposicionista, afastando-se publicamente da sua imagem de ex-arenista, ao mesmo
tempo em que costurava acordos com setores governistas ligados ao ex-governador
7
A GAZETA. Batista confirma que Moraes disputa a vice. Vitória, 03 jun de 1982, p.03.
104
Élcio Álvares. Esse último rompeu com o Governador Eurico Rezende após ser
preterido na escolha do candidato a Governador do PDS. Por sinal, a estratégia
executada pela direção pedessista apresentou traços demasiadamente prejudiciais
ao desempenho da agremiação no pleito de 1982. O processo de fragmentação que
caracterizou o PDS no final no período militar foi acelerado no Espírito Santo,
facilitando ainda mais a vida do candidato Gerson Camata, que alcançou uma vitória
consagradora nas urnas.
2.1 A estratégia de Eurico Rezende: fragmentação e derrota do PDS
A candidatura pedessista que iria concorrer ao Governo do Espírito Santo nas
eleições de 1982 começou a ser definida no final do ano anterior, quando o então
governador Eurico Resende reuniu os oitenta e oito membros do partido com direito
a voto na convenção
8
. Eles foram informados das preferências do Governador e
consultados quanto ao nome que consideravam possuir melhores chances eleitorais.
O episódio causou surpresas e explicitou as divergências do PDS. As fissuras se
tornaram do conhecimento público, e acabaram por exercer grande influência sobre
a derrota sofrida pelo PDS nas eleições para o Governo do Estado.
A principal liderança do PDS capixaba apresentou uma lista com oito nomes, que
na sua avaliação estariam aptos a disputar o Executivo Estadual. O nome do ex-
governador Élcio Álvares não constava entre os preferidos do Governador, fato que
acirrou ainda mais os conflitos entre os elcistas e o grupo de Eurico, iniciados ainda
na época de ARENA. O grupo dos oito foi integrado pelo prefeito de Vitória, Carlos
Alberto Lindemberg Von Schilgen, conhecido como Carlito Von Schilgen; pelos
deputados federais Teodorico de Assis Ferraço e Walter de Prá; pelo ex-prefeito de
Vitória, Crisógono Cruz; pelo vice-governador, José Carlos da Fonseca; pelo prefeito
da Serra, José Maria Miguel Feu Rosa; pelo deputado estadual Emir de Macedo
Gomes e pelo Procurador Geral do Estado, Setembrino Pelissari.
8
ESPÍRITO SANTO AGORA. Trunfos da Sucessão. Vitória, n 65, p.04-06, Fev. 1982; ____. A crise
da ARENA. Vitória, n 25, p. 04-08, Jun./Jul. de 1978.
105
Dos nomes citados, apenas quatro, Carlito, Ferraço, Crisógono e José Carlos da
Fonseca estavam realmente nos planos do Governador, sendo que a escolha de um
deles dependeria do desenrolar das articulações em curso. As demais lideranças
foram cogitadas apenas para embaralhar o jogo político, não possuindo chances
reais de disputa. A consulta feita aos convencionais apontou os nomes de
Theodorico Ferraço, Carlinto Von Schilgen, José Maria Feu Rosa e Crisógono Cruz
9
nas quatro primeiras colocações.
Os desentendimentos de Élcio Álvares e Eurico Rezende arrastavam-se desde a
fase de transição entre os governos de ambos, nos primeiros meses de 1979. Na
ocasião, a situação financeira do Estado era deficitária e os prejuízos causados
pelas enchentes de verão solapavam ainda mais a combalida economia capixaba.
Eurico, que estava prestes a se tornar governador, teria conseguido uma verba de
Cr $ 460 milhões junto ao Governo Federal, que serviriam para iniciar suas ações
administrativas. Ao tomar posse, no dia 15 de março, o sucessor percebeu que Élcio
havia deixado de cumprir o acordo entre ambos, segundo o qual o dinheiro não seria
utilizado pela gestão que se encerrara. Esse foi apenas o início dos conflitos, uma
vez que o ex-governador deixou o Palácio Anchieta já em campanha para sua
reeleição. O centro da crise foi que tal plano passou a ser executado de forma a tirar
vantagens das dificuldades enfrentadas pelo novo Chefe do Executivo.
Sem recursos financeiros, a administração de Eurico Rezende enfrentou muitos
problemas até se estabilizar. Mas o comportamento de Élcio era demasiadamente
arriscado, como ficaria comprovado na sucessão de 1982. O auge das provocações
deu-se quando o ex-governador apelou para uma estratégia de comunicação de
massa, distribuindo adesivos de plástico com os dizeres: “O Espírito Santo foi feliz
com Élcio” e “Estamos com saudade de Élcio”. Com isso, ele fustigou a ira do
Governador e pavimentou o terreno no qual se inviabilizaria futuramente. As
divergências entre Élcio Álvares e Eurico Rezende acirraram-se cada vez na medida
em que se aproximou o processo sucessório de 1982. Analisando o quadro interno
do PDS no período anterior à campanha eleitoral propriamente dita, a revista
Espírito Santo Agora destacou:
9
ESPÍRITO SANTO AGORA. Trunfos da Sucessão. Vitória, n 65, p.05-06, fev. de 1982.
106
As relações entre ambos se exasperam ainda mais e se acentuam a partir
das primeiras escaladas de candidatos à sucessão que agora se avizinha.
Élcio manteve sua candidatura sem dar ouvidos ao coordenador do
processo, que não era outro senão o próprio Eurico, então referendado em
documento de prefeitos e parlamentares, notadamente da bancada
federal
10
.
Embora, no curto prazo, Élcio tenha capitalizado algum prestígio mediante os
ataques e as comparações públicas enaltecendo a sua gestão e expondo as feridas
do seu sucessor, essa estratégia subestimava o peso que Eurico teria na sucessão.
Com o tempo, a imagem de Eurico começou a melhorar diante da população, muito
em função de investimentos realizados com recursos obtidos junto ao Palácio do
Planalto. Ao sentir-se fortalecido, o Governador iniciou seu contra-ataque. As
principais armas utilizadas para o acerto de contas foram o peso da máquina pública
e o controle exercido sobre a maioria dos convencionais pedessistas, que permitiram
ao Governo Estadual deixar Élcio Álvares parcialmente isolado e criar as condições
para inviabilizar sua candidatura a Governador.
Numa das solenidades festivas do final de 1981, realizada no Salão Nobre do
Palácio Anchieta, Eurico Rezende desfechou uma série de ataques contra Élcio
Álvares. O momento culminante do desabafo ocorreu durante a assinatura de um
convênio.
Na oportunidade, Eurico teria finalmente ‘vomitado os sapos que fora
obrigado a engolir durante os primeiros anos de sua gestão’, isso para usar
a expressão de um graduado prócer pedessista. E, em que pesem as
metáforas empregadas, qualquer um mais atento aos desdobramentos da
atual sucessão logo detectou o alvo das críticas: o ex-governador Élcio
Álvares. Primeiro, Eurico queixou-se da ‘calamidade ecológica’ – as cheias
que todos se lembram; depois, da ‘calamidade financeira’ – dívidas de Cr $
7 bilhões; e, por último, da ‘calamidade da ingratidão’, numa referência
direta ‘aqueles que desdenharam meu Governo no início’.
11
Com essas declarações, Eurico deixara claro que Élcio Álvares estava de fora dos
planos do Palácio para a sucessão. Ainda assim, mesmo que ferido pelas
colocações do Líder do Executivo, o ex-governador continuava a percorrer
municípios do interior e bairros da Grande Vitória com um discurso que,
curiosamente, pregava a unidade do PDS. Ao que tudo indica, nessa fase do
10
ESPÍRITO SANTO AGORA. Trunfos da Sucessão. Vitória, n 65, fev. de 1982, p.06.
11
ESPÍRITO SANTO AGORA. No PDS, Eurico tece os fios da sucessão. Jan. de 1982, p. 5.
107
processo sucessório, Élcio já havia percebido que a aprovação da sua candidatura
dependeria decisivamente de um arranjo interno com o grupo do Governador, algo
que sua propaganda agressiva havia tratado de esvaziar no início da administração
de Eurico. A reunião na qual o Líder do Executivo relacionou os oito nomes da sua
preferência, excluindo Élcio Álvares, foi o estopim para que a crise do PDS
adquirisse conotações públicas de grandes proporções, tornando-se mesmo
irreconciliável.
Tornara-se perceptível para o meio político, a imprensa, o empresariado e os
formadores de opinião em geral que a definição do candidato pedessista ao Governo
do Estado seria conduzida com mão-de-ferro pelo Governador Eurico Rezende. E
que o mesmo estava disposto a excluir Élcio Álvares do jogo sucessório, adotando
uma postura abertamente contrária a candidatura do ex-governador, que por sua vez
insistia em ser o candidato da situação. Por ocasião da reunião em que anunciou
sua lista de pré-candidatos, Eurico dissimulou com uma suposta tentativa de
reconciliação, comunicando a Élcio que estava disposto a conceder-lhe uma vaga do
partido na disputa ao Senado. Diante do quadro instalado entre o final de 1981 e o
início de 1982, a oferta do Governador foi recebida como uma provocação no
inflamado 3º andar do edifício Alves Ribeiro, onde havia sido montado um escritório
eleitoral de Élcio Álvares. Como veremos adiante, o ex-governador manteria sua
posição de não concorrer a outro cargo nas eleições daquele ano. Antes disso, ele
disputou a vaga de candidato a Governador na convenção do PDS, na qual foi
derrotado pela candidatura de Carlito Von Schilgen.
Conforme destaca Oliveira (2007, p. 53), em diversas oportunidades Eurico
anunciara as características que almejava para o seu sucessor. Ele deveria ter
“inegável senso administrativo, temperamento político equilibrado, independência
econômica e condições de dar continuidade as suas obras dentro de um plano de
austeridade absoluta”. Era do conhecimento público a preferência do Governador
Eurico Resende por Theodorico Ferraço. No entanto, o primeiro colocado na lista
não se encaixava no perfil desejado, pois era visto como um homem “irrequieto e
estabanado”.
108
O principal obstáculo de Ferraço era sua rejeição no Palácio do Planalto, sendo que
vários episódios haviam colaborado para tais animosidades. Tão logo chegara à
Brasília, no início do seu mandato de Deputado Federal, Ferraço organizou uma
festa para homenagear o Presidente da República, à qual deveria comparecer
apenas a Bancada Federal Capixaba. O Presidente Figueiredo irritou-se ao ficar
sabendo que a confraternização havia se tornado um grande evento. Ficara claro
que Ferraço havia montado um plano para aumentar seu prestígio encenando
proximidade com o Palácio do Planalto. Além desse episódio, que poderia ser tido
como um fato isolado, o parlamentar cachoeirense costumava alardear que possuía
grande proximidade com membros do Executivo Federal, referindo-se a vários
ministros como se gozasse de plena intimidade com eles.
Analistas da época afirmavam que Ferraço havia abalado a sua própria imagem
diante do Governo Federal, prejudicando suas possibilidades de ser candidato a
Governador do Espírito Santo. Mas que, ainda assim, o parlamentar possuía uma
força eleitoral que não deveria ser desprezada por Eurico Rezende. Este dilema está
claro no seguinte trecho da revista Espírito Agora:
[...] Ferraço andou esvaziando a própria imagem com uma série de
declarações tidas como impertinentes para os interesses do Governo. Ainda
assim, o parlamentar tem a seu favor um forte aliado: é inegavelmente,
dono de bom respaldo eleitoral. Há quem diga que da famigerada lista de
oito nomes o seu figura como o único capaz de “peitar” o ex-governador
Élcio Álvares no aguardado duelo da convenção e, posteriormente, fazer
frente a uma robustecida oposição nas urnas
12
.
Na nossa avaliação, o principal erro do Governador Eurico Rezende foi ter
desprezado a força eleitoral do parlamentar cachoeirense. Como vimos, uma série
de conflitos acumulados ao longo dos anos inviabilizavam uma aproximação com o
ex-governador Élcio Álvares, que era o quadro pedessista com maiores chances
eleitores. Durante os quatros anos em que fora governador biônico, Élcio havia se
beneficiado da política desenvolvimentista da Ditadura Militar, mediante a aquisição
de recursos para iniciativas de grande apelo popular, como a construção da
Segunda Ponte, ligando Vitória a Cariacica e também a Vila Velha; o início das
obras da Terceira Ponte, que encurtaria ainda mais a distância entre Vitória e Vila
12
ESPÍRITO SANTO AGORA. Trunfos da Sucessão. Vitória, n 65, p.05, fev. de 1982.
109
Velha; a criação de uma nova rodoviária e a implantação de um plano habitacional
que permitiu o surgimento de aproximadamente vinte mil casas.
Nesse cenário, caso a estratégia PDS levasse em conta a força que a oposição teria
nas urnas, dever-se-ia ter optado por um nome que atenuasse as divergências
internas e tivesse bom desempenho eleitoral. Com a exclusão de Élcio Álvares da
lista de pré-candidatos, ficara demonstrado que Theodorico Ferraço era o preferido
entre os convencionais, o que era prova do seu bom trânsito entre as lideranças do
partido no Espírito Santo, que depositavam nele suas esperanças de vitória no pleito
de 15 de novembro.
Não obstante, Eurico demonstrou-se desatento às transformações impostas pelos
novos tempos: com pluripartidarismo, eleições diretas e desgaste acentuado da
Ditadura Militar. O Governador acreditava que o candidato do PDS venceria com
folga as eleições estaduais, mesmo num cenário em que o partido estivesse
dividido:
O governador Eurico Rezende, depois de duas reuniões com o ministro
Leitão de Abreu, ontem, saiu do Palácio do Planalto garantindo que o PDS
vence as eleições no Espírito Santo com uma grande margem de votos
sobre o PMDB. O PDS, de acordo com Eurico, não terá problemas para
vencer as eleições no Espírito Santo. Se houver a união do partido que ele
afirma estar construindo, a diferença da votação será superior a 50 mil
votos. Se a União não for possível, o PDS vence assim mesmo.
13
Eurico aceitou o veto imposto pelo Governo Federal ao nome de Theodorico
Ferraço
14
, decidindo investir suas fichas na candidatura do prefeito de Vitória, Carlito
Von Schilgen. O prefeito da Serra, José Maria Feu Rosa, foi indicado por Eurico
como candidato a vice-governador na chapa encabeçada por Carlito. Entre os outros
principais nomes da lista, o vice-governador José Carlos da Fonseca nunca
escondera que seria candidato a Deputado Federal, argumento que utilizou para
retirar seu nome da disputa ao Palácio Anchieta. Em 1978, o empresário Crisógono
Teixeira da Cruz havia disputado as preferências do Governo Federal com o próprio
Eurico Rezende. Ele era o candidato preferido pelo Palácio do Planalto no pleito de
1982. No entanto, essa condição acabou prejudicando-o, pois foi alvo das
13
A GAZETA, Vitória, 05 de maio de 1982, p. 03.
14
Ibid., 14 de mai. De 1982, p.05.
110
conspirações dos demais candidatos, que trataram de esvaziar sua candidatura. Dos
pré-candidatos tidos como competitivos, o prefeito de Vitória foi considerado, então,
como o mais viável.
Nascido em setembro de 1926, o capixaba Carlito Von Schilgen era médico e
professor. Ele começara sua vida pública em 1959, como titular da pasta de Saúde
Pública, no governo Carlos Lindemberg. Esteve entre os fundadores do MDB, em
1966, ingressando posteriormente na ARENA, até chegar ao PDS. Foi vice-
governador do Espírito Santo entre 1975 e 1979, na administração de Élcio Álvares.
Chegou à prefeitura de Vitória durante o governo de Eurico Rezende. Ele havia
demonstrado possuir um bom respaldo eleitoral na Grande Vitória, pois em 1978
havia sido eleito Suplente de Senador com expressivos 110 mil votos. Mas era tido
como uma liderança de pouca penetração no interior no Estado.
Ao observarmos com atenção os passos do Governador Eurico Rezende,
verificamos que sua estratégia era demasiadamente simples e pouco criativa para
enfrentar uma conjuntura marcada por complexidades: o passo mais importante
seria derrotar Élcio na disputa interna, preferencialmente passando a contar com o
seu apoio para o candidato que vencesse a convenção. A vitória sobre a oposição
nas eleições para Governador viria como conseqüência natural do uso da máquina
pública e do apoio que a candidatura receberia do Presidente da República. Em
última análise, podemos afirmar que a miopia expressa na fórmula do Governador
fez com que o PDS não dedicasse os esforços necessários para encontrar um
candidato que unificasse minimamente as suas fileiras. E que ainda pudesse ser
encaixado numa estratégia de comunicação capaz de minimizar os efeitos da
rejeição que qualquer candidatura governista enfrentaria. Na avaliação de
Herkenhoff, aquela era “uma eleição em que havia uma tendência nacional ao voto
nos candidatos da oposição, então ficou muito fácil eleger o Camata, até porque o
candidato contrário era muito fraco” (apud MACEDO, 2007, p. 100).
Como era de se esperar, num cenário em que a oposição crescia nacionalmente –
apresentando-se forte pelas circunstâncias conjunturais de crise econômica, inflação
alta, aumento do custo de vida e desgaste da Ditadura Militar – qualquer erro que
acelerasse a desagregação do PDS em meio ao processo eleitoral poderia enterrar
111
de uma vez por todas os planos de sucessão do Governador Eurico Rezende. Mas
o Chefe do Executivo não errou apenas um passo, o centro da sua estratégia estava
em desacordo com as poucas possibilidades oferecidas à situação naquela
conjuntura. Vejamos um trecho do discurso proferido pelo Deputado Estadual
pedessista Juarez Martins Leite, em maio de 1982, na tribuna da Assembléia
Legislativa, prevendo que a postura do Governador poderia provocar a derrota do
PDS nas urnas:
[...] Foi justamente o governador Eurico Rezende, por egoísmo e vaidade,
quem promoveu a desunião e o desequilíbrio de uma das mais sólidas
secções partidárias do PDS em todo o país, cuja vitória era assunto que
ninguém teria coragem de questionar. Seu comportamento, suas atitudes,
suas perseguições, suas pressões e o irrefletido abandono a que relegou
todas as lideranças do interior e muitos dos senhores deputados, não dando
importância aos seus apelos e reclamos, poderão até responder pela
derrota do PDS nas urnas
15
.
Por um lado, as atitudes do Governador alimentaram as tensões divisionistas no
interior do PDS capixaba, levando o partido a enfrentar a disputa eleitoral
registrando alto índice de dissidências nas suas fileiras; por outro, os passos de
Eurico Rezende foram dados no sentido de aumentar sua identidade com as
práticas da Ditadura Militar: indicação da candidatura do PDS de cima pra baixo,
com exclusão do nome de Élcio Álvares da lista de pré-candidatos; veto ao nome de
Theodorico Ferraço a mando do presidente Figueiredo, apesar do parlamentar
cachoeirense possuir respeitável densidade eleitoral e boa aceitação interna; crença
demasiada no poder de capitalização eleitoral da máquina pública e descaso com o
poder de votos do PMDB. Tudo isso num cenário em que a oposição estava em
franco crescimento, deixando claro que o resultado das eleições seria decidido numa
dura batalha nas urnas, e não apenas nas articulações de bastidores.
Como veremos, a estratégia de Eurico demonstrou-se ainda mais autodestrutiva
durante a campanha eleitoral propriamente dita, quando o Governador apostou
todas as suas fichas no esclarecimento à população de que Carlito Von Schilgen era
o representante do General Figueiredo no Espírito Santo, enquanto Gerson Camata
foi “acusado” de ser o inimigo número um do Presidente da República. Naquelas
circunstâncias, esse comportamento do Governador funcionou como um verdadeiro
15
A GAZETA, Juarez denuncia pressões de Eurico contra convencionais. Vitória, 05 de jun. de
1982, p. 03.
112
“tiro no pé”. Ora, a estratégia peemedebista previa exatamente que seu adversário
fosse identificado com a Ditadura, ao passo em que seu candidato deveria ser
associado ao grande movimento de transformação que dominava o imaginário
político da época. Como interroga Manhanelli (1992, p. 130): “por que destacar uma
característica do candidato que é negativa aos olhos do eleitorado? Tal postura não
tem sentido estratégico”. Na verdade, o Governador Eurico Rezende devia ter
tentado harmonizar os descompassos do seu candidato.
Como Élcio Álvares não retirou sua pré-candidatura, as divergências do PDS
adquiriram contornos cada vez mais graves durante a disputa entre o ex-governador
e o prefeito de Vitória pela vaga de candidato do partido ao Governo do Estado. As
fraturas internas do PDS foram expostas publicamente através dos episódios em
torno da convenção partidária, realizada no dia 11 de junho de 1982. O grupo
liderado pelo Governador Eurico Rezende ficou conhecido como “PDS número um”,
enquanto o de Élcio foi chamado de “PDS número dois”. O Chefe do Executivo foi
sistematicamente acusado de estar utilizando a máquina pública para coagir as
lideranças elcistas e comprar votos favoráveis a Carlito. Segundo as palavras do
Deputado Juarez Martins Leite, as pressões teriam assumido o seu auge durante as
semanas que antecederam a convenção, mediante medidas como a transferência e
mesmo a exoneração de funcionários públicos que apoiavam abertamente a
candidatura de Élcio Álvares.
Em meio à crise, as tentativas de construção de um acordo que atenuasse os
impactos de uma convenção que se anunciava traumática não passaram de balões
de ensaios, servindo apenas para esquentar ainda mais os ânimos de ambos os
lados em disputa, já que nenhuma das partes estava disposta a abrir mão da
candidatura. Carlito justificava sua posição com base no apoio que lhe era conferido
pelo Governador Eurico Rezende, enquanto Élcio respaldava-se no considerável
contingente de lideranças pedessistas que o apoiavam. Todo esse dilema obteve
grande destaque nas páginas cotidianas da imprensa local. No dia 03 de junho de
1982, o jornal A Gazeta publicou uma declaração de Carlito afirmando que estava
“aberto ao diálogo”, mas que o coordenador político de todo o processo era o
Governador Eurico Rezende, a quem competia “prover possíveis composições”. Na
mesma matéria aparecia a resposta de Élcio, afirmando que qualquer composição
113
dependeria da vontade de suas bases, já que possuía o “apoio da maioria dos
convencionais”
16
.
Todo esse impasse levou mesmo à realização de uma convenção bastante
disputada, na qual a ala do partido capitaneada pelo então Governador Eurico
Rezende saiu vitoriosa. A convenção pedessista teve início às 9 horas da manhã, na
sede da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, então localizada na região
conhecida como Cidade Alta, no Centro de Vitória. Ao todo, eram 90 delegados com
direito a 123 votos, já que as regras estabeleciam que alguns convencionais
votassem mais de uma vez. O candidato do “PDS número um”, Carlito Von Schilgen,
venceu a disputa com 68 votos, contra 55 obtidos pelo ex-governador Élcio Álvares.
Os dias que antecederam a decisão do PDS foram marcados por intensa
propaganda de ambas as partes. Na véspera das eleições internas, um grande
número de automóveis com alto falante percorreram as principais ruas da Capital e
dos demais municípios da Grande Vitória, convidando o povo a saudar o futuro
Governador do Espírito Santo. O novo Chefe do Executivo “variava de acordo com o
patrocinador do carro de som”
17
.
Durante a convenção, as equipes de Élcio Álvares e de Carlito Von Schilgen
organizaram torcidas. Eles providenciaram faixas, camisas e bonés, além de farto
material impresso. Todos esses materiais compunham o kit básico da propaganda
utilizada pelos candidatos da época. No entanto, a estratégia de comunicação
montada por Élcio foi mais arrojada. Diante do peso da máquina utilizada pelo
Governo Estadual, ele tentou demonstrar o máximo de força na reta final, para com
isso conquistar os votos dos indecisos:
O ex-governador Élcio Álvares ganhou em torcida ontem na ALES. Os
cálculos indicam que havia quatro por um a favor de Élcio dentro e fora das
dependências do Legislativo estadual. A movimentação começou nas
primeiras horas da madrugada, quando panfletaram toda a área vizinha à
cidade alta. [...] As galerias foram totalmente ocupadas pelas torcidas
organizadas de Élcio, que tinha gente também no plenário, gritando o nome
do ex-governador o tempo todo
18
.
16
A GAZETA. Élcio e Carlito vão se reunir antes do dia 11. Vitória, 03 de jun. de 1982. p. 03
17
A GAZETA. Convenção do PDS elege hoje candidato ao governo. Vitória, 11 de jun de 1982, p.
03.
18
A GAZETA, Élcio perdeu nos votos mas ganhou na torcida. Vitória, 12 de jun. de 1982, p.03.
114
Vale ressaltar que as mensagens escritas nas faixas dos candidatos demonstravam
o alto nível de amadorismo que permeava a confecção do material. Do lado
governista, havia expressões como: “Eu sou povo, eu sou Carlito, e de cabeça fria”.
“Carlito, você é um mito
19
”. “Com palmas e gritos, o povo quer Carlito”. Já os
correligionários de Élcio empunhavam frases também pouco criativas: “Elcio é a
solução”. “O capixaba exige Élcio no governo”, “Élcio mais povo é igual a PDS”.
“Não adianta chorar, Élcio vai ganhar”, “Delegado, o povo espera Élcio”. Nenhuma
das partes demonstrava o uso uniforme e coerente de termos que pudessem estar
orquestrados a uma estratégia de comunicação comandada por profissionais da
área, visando não apenas a vitória momentânea, como também a preparação da
receptividade do eleitorado para a propaganda a ser utilizada na campanha eleitoral
propriamente dita.
Segundo a imprensa da época, Élcio Álvares foi o mais aplaudido na hora da
votação, enquanto Eurico Rezende era vaiado ostensivamente. No entanto, em
momento algum o Governador demonstrou estar abalado com a situação. Pelo
contrário, procurava transparecer a idéia de tranqüilidade, tentando demonstrar
convicção de que havia adotado a melhor estratégia ao defender as candidaturas de
Carlito para Governador e José Maria Miguel Feu Rosa para vice. De fato, a batalha
da Convenção foi decidida a favor da estratégia de Eurico Rezende. No entanto, as
fraturas ficaram demasiadamente expostas. Uma sucessão de erros por parte da
coordenação da campanha, a confusão, a falta de unidade e a debandada da tropa
em adesão à campanha do adversário tornaram-se marcas da candidatura
pedessista. O resultado disso tudo é que o PDS foi fragorosamente derrotado na
batalha mais importante: o pleito de 15 de novembro.
Havia uma grande expectativa quanto aos desdobramentos da Convenção do PDS,
em especial com relação aos rumos que seriam tomados pelo grupo do ex-
governador Élcio Álvares, caso o mesmo fosse derrotado na disputa interna do
partido, o que veio a acontecer. A partir daí aconteceu exatamente o que muitos já
esperavam: “[...] dezenas de cabos eleitorais do grupo dissidente, chorando ou
revoltados, passaram a fazer discursos isolados prometendo e pedindo apoio para o
19
O carismático prefeito do município da serra e candidato a vice na chapa de Carlito era
popularmente chamado de “cabeça-fria”.
115
candidato do PMDB, Deputado Federal Gerson Camata
20
”. No dia 01 de junho de
1982, o Deputado Vicente Silveira, presidente da Assembléia Legislativa do Espírito
Santo, e o seu colega de parlamento Juarez Martins Leite – ambos ligados ao “PDS
número dois” – protocolaram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de
anulação da Convenção do PDS.
Conforme destaca o historiador Ueber de Oliveira (2007, p. 54),
o recurso especial com 22 laudas datilografadas protestava, em toda a sua
redação, contra a forma como foi feita a convenção do PDS, pedindo a sua
anulação. A base para tal protesto era o ‘Pacote do presidente Figueiredo’
de dezembro de 1979, que em seu artigo 5º, parágrafo 1º, previa o
indeferimento de chapas incompletas.
Segundo a argumentação dos elcista, as chapas apresentadas na convenção do
partido eram formadas apenas por candidatos a Governador e à vice, sendo que não
haviam sido compostas também de candidatos a Deputados Estaduais e Federais,
além de nomes para o Senado
21
. A direção do partido havia definido que os
candidatos para esses cargos seriam escolhidos numa segunda Convenção, mais
próxima do prazo final para o registro de candidaturas. Toda essa polêmica obteve
grande repercussão no meio político local, tendo durado até poucos dias antes do
término do prazo das inscrições. Por fim, a Justiça Eleitoral ratificou o nome de
Carlito Von Schilgen como candidato pedessista ao Governo Estadual, tendo José
Maria Feu Rosa como candidato a vice-governador.
Após ser derrotado na convenção do PDS, o ex-governador Élcio Álvares manteve-
se avesso às inúmeras tentativas de construção da unidade partidária, alegando que
não compactuaria com seus “algozes”. Mais do que se negar a apoiar o candidato
do seu próprio partido, o líder pedessista passou a ter atitudes que favoreciam a
candidatura de Gerson Camata. No dia 29 de junho de 1982, em audiência com o
Presidente João Figueiredo, em Brasília, Élcio afirmou que não concorreria ao
Senado ou à Câmara Federal, nem subiria no palanque do candidato oficial do PDS,
sempre alegando incompatibilidade com o Governador Eurico Rezende. Apesar de
20
A GAZETA. Élcio perdeu nos votos mas ganhou na torcida. Vitória, 12 de jun de 1982, p 3.
21
A GAZETA. Advogados vão ao TSE para anular convenção. Vitória, 02 de jul. de 1982, p.03.
116
insatisfeito, o Presidente aceitou as explicações do ex-governador, pois ainda
alimentava esperanças de tê-lo ao lado dos governistas
22
.
Após a audiência com Figueiredo, Élcio Álvares concedeu uma entrevista a
jornalistas credenciados no Palácio do Planalto. Na ocasião, referiu-se aos erros do
Governador Eurico Rezende e afirmou que ganharia de Gerson Camata por uma
pequena diferença, mas que após ter sido excluído do processo eleitoral, o quadro
político do Espírito Santo tornara-se imprevisível. Segundo o Jornal A Gazeta, o ex-
governador teria dito, ainda durante a entrevista, que o nome de Camata estava
crescendo muito, principalmente depois do resultado da Convenção do PDS,
acrescentando que até em redutos tradicionalmente governistas a população
passara para o lado da oposição. Sobre a razão do crescimento da candidatura de
Camata, Élcio teria dito “que o candidato do PMDB, além de ser muito trabalhador, é
filho de lavrador, gente humilde” e que por isso estava “conseguido apoio do
interior”. Nos últimos meses antes do pleito, Élcio adotou a postura pública de
defender o chamado “voto camarão”: seus aliados deveriam fazer campanha para os
candidatos do PDS que disputavam vagas na Câmara e na Assembléia Legislativa,
ao mesmo tempo em que pediriam votos para Gerson Camata, na disputa pelo
Governo Estadual.
2.2 A vitória de Gerson Camata: uma estratégia adequada ao
contexto histórico
Como vimos no primeiro capítulo deste nosso estudo, as alterações da ordem
política ganharam força no Brasil durante a segunda metade da década de 1970,
sob a égide da “reabertura lenta, gradual e segura”, proposta pelo Presidente Geisel.
Tais mudanças estavam associadas a um quadro mais amplo de transformações da
realidade econômica e social do país, que tornou sem efeito a propaganda ufanista
dos militares. Como foi demonstrado por vários autores (CARRERÃO, 2005;
MANHANELLI, 1992; TORQUATO, 2004), o desgaste da Ditadura Militar e as
22
A GAZETA. Impasse da candidatura Élcio ao Senado. 29 de jun. de 1982, p. 03.
117
profundas mudanças estruturais vivenciadas pelos brasileiros fizeram-se aperceber,
positivamente, no desempenho eleitoral da oposição, sobretudo, a partir de 1982.
No entanto, diferentemente de alguns estudiosos, que limitam suas análises
referindo-se ao crescimento eleitoral da oposição como conseqüência unicamente
da crise que se assolou sobre o regime autoritário, procuramos demonstrar que a
vitória do PMDB no Espírito Santo deu-se, em grande medida, como resultado de
uma estratégia de comunicação acertada, na qual o próprio Gerson Camata exerceu
papel preponderante. Com base na experiência do seu próprio candidato em
veículos de comunicação, e com a colaboração de profissionais que tinham pouca
ou nenhuma experiência em propaganda política, o principal partido da oposição no
Espírito Santo conseguiu aproximar sua candidatura de alguns parâmetros do
marketing político-eleitoral, sobretudo, no que se refere ao bom posicionamento da
imagem de Gerson Camata junto ao eleitorado. Ou seja, foi preciso uma estratégia
bem articulada para que o líder oposicionista, até pouco pertencente aos quadros da
ARENA, pudesse capitalizar todo o anseio por mudanças que permeava o
imaginário político da época. Na contramão disso, a postura eleitoral adotada pelo
PDS apresentou sucessivos erros.
Os recursos técnicos mobilizados pelo Gerson Camata eram, ainda, bastante
modestos; mas seu discurso bem ajustado à realidade da época, sua facilidade para
ocupar espaço na mídia e sua criatividade no uso de recursos tradicionais – faixas,
cartazes, folhetos, etc – estiveram em plena consonância com o perfil transitório
assumido pelas campanhas eleitorais naquele período. Antes de avançarmos com
outras constatações, vale ressaltar que a nossa interpretação do quadro eleitoral de
1982 contou com a substancial ajuda dos estudos desenvolvidos por Gaudêncio
Torquato (1985). Segundo o autor,
[...] a utilização das técnicas do marketing na política é decorrência da
própria evolução social. O conflito de interesses, as pressões sociais, a
quantidade de candidatos, a segmentação de mercado, as exigências de
novos grupamentos de eleitores, o fortalecimento dos grupos de pressão, a
competição desmesurada, a decadência da sociedade coronelista do País,
a urbanização, a industrialização, os novos valores ditados pela indústria
cultural e o crescimento vegetativo da população constituem, entre outros,
os elementos determinantes da necessidade de utilização dos princípios do
marketing aplicados à política (TORQUATO, 1985, p. 14).
118
Nesse sentido, ao analisarmos o comportando das principais forças políticas em
disputa nas eleições estaduais de 1982, percebemos que o PMDB capixaba soube
tirar conclusões mais acertadas do processo de mudanças pelo qual o país passava,
montando uma estratégia mais adequada ao contexto histórico da época. Segundo a
nossa avaliação, apesar de terem monopolizado o uso das principais técnicas de
propaganda política após o Golpe de 1964, os segmentos que compunham a base
do Regime Militar demonstraram-se inábeis em desenvolver estratégias condizentes
com a nova realidade política do país, marcadamente no que se refere às
transformações que influenciaram o primeiro processo eleitoral da década de 1980.
Detendo-se à realidade do Espírito Santo, podemos afirmar que a direção do PDS –
acostumada a acordos de cúpula e à indicação biônica de governantes – confiou
demasiadamente no uso da máquina pública e sequer foi capaz de escolher uma
candidatura que conseguisse entusiasmar a sua própria base partidária, tarefa que o
candidato Carlito Von Schilgen não foi capaz de exercer. Por outro lado, ao fazer a
leitura correta da realidade e buscar alternativas que pudessem diminuir o fosso
entre o peso da máquina governista e o seu difícil acesso aos meios de
comunicação de massa, o PMDB fez melhor uso dos recursos de propaganda
disponíveis e conquistou uma esmagadora vitória sobre o partido do Governo.
Ao deixarmos de lado o exercício hipotético sobre quem teria sido eleito Governador
caso Max Mauro tivesse vencido a convenção do PMDB, logo percebemos que o
perfil, as decisões e as atitudes do Deputado Gerson Camata tiveram grande
influência no resultado das eleições. O fato do candidato do principal partido da
oposição ser oriundo da ARENA só reforça a idéia de que a sua estratégia para
chegar ao Governo do Estado caracterizou-se desde cedo pela leitura correta do
contexto político brasileiro. Ao deixar as fileiras governistas para disputar a vaga de
candidato a Governador no seio da oposição, Gerson Camata demonstrou ter uma
compreensão aguçada das dificuldades que teria para chegar ao principal posto da
política capixaba caso ficasse no PDS. Nas eleições de 1982, o país desejava a
democracia. Vários políticos perseguidos pelo Regime Militar surgiram como
favoritos naquele ano, desfrutando de grande aceitação junto ao eleitorado. A leitura
correta do contexto político deixava claro que aquela seria uma eleição
“caracterizada pelo desejo de liberdade de escolha do povo” (FIGUEIREDO, 2002,
p. 131).
119
Ao tomar a decisão de ingressar no PMDB, Camata demonstrou estar concatenado
com o chamado “ciclo de idéias” da sociedade. O contrário disso seria manter-se
atrelado ao status quo mesmo quando os pilares que o mantinham davam sinais de
falência múltipla. Segundo os princípios do marketing político, os políticos que não
são capazes de se manter em sintonia com o “ciclo de idéias” vigentes numa
democracia têm suas carreiras marcadas pela irregularidade, com suas vitórias
limitadas aos escassos momentos em que a história lhes favorecem. O político
moderno, por outro lado, “deve se adaptar aos ciclos sem, contudo, perder sua
identidade”. Sobre esse mesmo assunto, Torquato (1985, p. 17-18) esclarece que:
Para os candidatos de primeira viagem, não acostumados às manhas e
artimanhas da política, é aconselhável testar seu conceito e identidade,
antes de apresentarem-se aos eleitores. Sua imagem pública tenderá a se
transformar em algo permanente, daí a necessidade de projetá-la com muito
cuidado. Para os candidatos antigos, acostumados às campanhas, será útil
um reexame de posições e valores que formam seu conceito. Não é sem
sentido que muitas raposas políticas perdem eleições. Em casos de
mudanças de postura, não são convenientes transformações radicais, que
podem assustar eleitores tradicionais. Sugerimos o que em marketing se
chama obsolescência planejada – estratégia para tornar desatualizados
alguns valores, substituindo-os por outros. ‘A mudança de Partido é, por um
exemplo, o primeiro caminho.’
Como experiente político e profissional de comunicação, Camata demonstrou
sintonia com esses preceitos. Figueiredo (2002) explica que uma boa noção de
estratégia possibilita ao candidato acompanhar as preocupações da população e
interagir sempre com a sociedade e seus valores. Esse comportamento não deve
limitar-se ao período eleitoral. O político com pretensões eleitorais deve cuidar
constantemente da sua imagem e sempre criar fatos que possam ser divulgados
favoravelmente, o que facilita o trabalho na campanha eleitoral, uma vez que o
postulante já se encontrará bem posicionado perante a opinião pública. Nesse
sentido, é preciso acompanhar os fatos que alterem o cenário político ou tenham
grande repercussão junto à opinião pública, ajustando a imagem sempre que
necessário. Não restam dúvidas que Camata soube localizar sua imagem de acordo
com os anseios democratizantes expressos pelo eleitorado no período crucial da
reabertura política.
Ao analisar o papel que os profissionais da área de comunicação haviam
desempenhado nas primeiras eleições da década de 1980, Torquato (1985, p. 14)
120
afirma que as disputas políticas no Brasil “tendiam” a receber um tratamento cada
vez mais profissionalizado. Na avaliação do autor, “os tempos de mudança e as
crescentes exigências sociais” não mais “deixariam” espaço para a realização de
campanhas improvisadas. E que, portanto, o marketing político estava fadado a
“instalar-se” definitivamente no Brasil. Sob a nossa ótica, o sentido transitório
presente na conjugação dos verbos utilizados por Torquato fez-se aperceber na
campanha de Gerson Camata a Governador do Espírito Santo.
Por um lado, o candidato peemedebista utilizava seus conhecimentos como
profissional de comunicação – e conseqüentemente sua facilidade em ocupar
espaço na mídia – para desenvolver leituras condizentes com o contexto político da
época e promover ações inovadoras no campo das campanhas eleitorais; por outro,
era impelido a não ir muito além do conjunto básico de recursos comumente
utilizado nas eleições brasileiras. Apesar de várias iniciativas inovadoras registradas
em sua campanha, não é possível afirmar, por exemplo, que a estratégia de
comunicação de Gerson Camata tenha sido conduzida por uma equipe profissional
altamente especializada, o que já se via em algumas candidaturas da época
23
.
Apenas algumas medidas incipientes foram adotadas com o objetivo de
profissionalizar a estrutura de comunicação da campanha peemedebista. Uma das
principais medidas nesse sentido foi a contratação do jornalista José Nery, que ficou
especialmente encarregado de cuidar da assessoria de imprensa do candidato. O
próprio profissional explica que Camata não demonstrava maior preocupação em
orquestrar uma estratégia rigidamente baseada nos princípios do marketing político,
preferindo utilizar métodos de propaganda tradicionais da política capixaba, e que a
qualidade das inserções no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral era limitadas
pelo controle da legislação:
23
O empresário Camilo Cola, candidato ao Senado pelo PDS, trouxe para o Espírito Santo o
publicitário Nelson Mendes, ligado a uma agência do Rio de Janeiro que prestava serviços à Viação
Itapemirim, empresa de transporte rodoviário pertencente ao pedessista. Segundo Ney (apud
MACEDO, 2007, p. 93) foi esse profissional quem trouxe para o Espírito Santo “aquilo que era básico
numa campanha profissionalizada”. Camilo Cola não logrou êxito em sua disputa por uma vaga de
Senador. Ele repetiu a fórmula em 1986, concorrendo novamente ao Senado, agora pelo PMDB,
sendo derrotado pela segunda vez.
121
Ele era herdeiro de um modo tradicional de fazer campanha que vinha
desde o Chiquinho
24
. Era só colar cartaz nas paredes e pôsteres e sair por
ai apertando a mão do eleitor. A televisão foi usada nesta campanha de
maneira muito restrita. Sob o rigor da Lei Falcão, os candidatos só tinham
direito a uma fotografia e um áudio com seu nome, número e partido (apud
MACEDO, 2007, p. 73).
Não obstante todas essas objeções, a propaganda arrojada do candidato
peemedebista logo se destacou em meio ao emaranhado de recursos tradicionais
que prevaleciam na divulgação das candidaturas, como: cartazes, faixas, adesivos
de carro e diferentes tipos de folhetos. Na fase inicial da campanha, a principal peça
publicitária de Gerson Camata foi um cartaz no qual ele aparecia vestido com um
blusão, que visava transmitir uma imagem jovem e dinâmica. Além disso, o principal
nome da oposição inovou ao mandar fazer fitas inspiradas nas que são distribuídas
em homenagem ao “Senhor do Bonfim” e cartazes estampado como jogador de
futebol, vestido com a camisa do PMDB. Para garantir sua identidade com os
produtores de café, Camata mandou confeccionar adesivos com o ramo do principal
produto da agricultura capixaba. Os principais veículos da imprensa local não
tardaram em tecer elogios ao estilo de propaganda adotado pelo ex-radialista,
classificado como o mais criativo entre os participantes do pleito. “Através de seus
cartazes e outros materiais alusivos à sua campanha a governador pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro, Camata tem atingido todos os setores”, destacou
o Jornal A Gazeta
25
.
A campanha peemedebista destacara-se também pela capacidade de comunicação
direta do seu candidato, já que Gerson Camata cumpria muito bem o papel de
comunicador de massas. No entanto, o jornalista Fernando Herkenhoff também
destaca que os pronunciamentos públicos do ex-radialista não se baseavam em
parâmetros técnicos profissionais, como se tornaria comum nas Campanhas
Modernizadas:
Talvez [Camata] seja o maior comunicador capixaba de todos os tempos.
Sempre foi bom contador de causos. Quando não queria abordar um tema,
contava um causo, todo mundo ria e ficava por isso mesmo. Tratava todo
mundo com intimidade e permitia intimidade. Mas não havia comunicação
24
Francisco Lacerda de Aguiar exerceu dois mandatos de governador no ES, tendo sido eleito nos
anos de 1954 e 1962.
25
A GAZETA. PDS, PMDB e PT iniciam campanha para o governo. Vitória, 27 de jun de 1982, p.
05.
122
organizada, era tudo na emoção, na paixão, nada cientifico. O que se sabia
é que era preciso visitar todos os municípios durante a campanha, e então
se fazia um roteiro mais ou menos compatível com a posição geográfica
(apud MACEDO, 2007, p. 100).
Nas referidas andanças pelo interior do Estado, o discurso em defesa dos interesses
de produtores rurais, em especial daqueles ligados à agricultora cafeeira, ocupou um
lugar de destaque na plataforma de governo do candidato peemedebista.
Aproveitando-se da sua origem interiorana e dos seus vínculos históricos com os
cafeicultores, Camata procurou manter um elo bem definido entre ele e o importante
eleitorado das cidades do interior. Essa atitude era de extrema necessidade para
reverter a tradicional hegemonia exercida pelos candidatos governistas nos
chamados “grotões” do Espírito Santo. No que se refere ao trado desse tema, faz-se
necessária uma citação direta para demonstrarmos toda a habilidade de Gerson
Camata, em consonância com a sua capacidade comunicativa, conforme relatado
por Herkenhoff.
Numa entrevista ao Jornal A Gazeta
26
, Camata esquivou-se de debater o assunto
segundo a ótica do decrescente peso da produção cafeeira na economia capixaba.
A linha adotada pelo candidato foi não se perder em discussões técnicas que
pudessem prejudicá-lo junto aos eleitores. Sua prioridade foi garantir a melhor
interlocução com os produtores de café, a partir de uma abordagem que tivesse
apelo positivo e imediato junto aos agricultores. Analisemos o conteúdo inicial da
resposta dos três candidatos, após a colocação do entrevistador:
O ES é um Estado que depende ainda da agricultura, e tem no café sua
principal fonte de rendimento. Que medida o Senhor pretende tomar para
ajudar na área da agricultura, principalmente em relação aos cafeicultores?
Perly: O ES não é mais um Estado dependente da agricultura, como
afirmam alguns, pois apenas 15% da renda são gerados por este setor,
contra 30% da indústria e 55% do setor de serviços. Ou seja, a economia
capixaba já é de cunho urbano-industrial. [...] Mas tem muita gente falando
em cafeicultores como palavra mágica para obter votos.
Camata: Um dos nossos objetivos é realmente dar ao café a ênfase que ele
merece, sem desprezar os demais produtos agrícolas. Isto seria feito com a
criação de um departamento do café na Secretaria de Agricultura, para
sustentar a luta que vem sendo travada pela Associação dos Cafeicultores
do Espírito Santo, no sentido de que o cafeicultor aprenda também a vender
a sua safra.
Carlito: A pergunta não retrata bem a situação da economia capixaba. O
café foi, na década de 60, a principal fonte de renda do Espírito Santo.
26
A GAZETA. Entrevista com candidatos. Vitória, 25 de jul de 1982.
123
Agora não é mais, embora o índice de arrecadação de impostos ligados à
política cafeeira venha crescendo dia a dia.
O repórter afirmou que o Espírito Santo dependia – “ainda” – da agricultura, tendo no
café “sua principal fonte de rendimento”. Ambas as colocações eram pertinentes. A
afirmação dava conta da cafeicultura como a principal atividade agrícola capixaba, e
não do conjunto da economia estadual. Ávido por demonstrar seus conhecimentos
numéricos sobre a economia local, Perly Cipriano tratou de informar que o Espírito
Santo não era “mais um estado dependente da agricultura”, seguindo com uma
argumentação lógica sobre o peso de cada setor na economia capixaba.
Independente de eventuais tentativas para retomar o elo de empatia com os
produtores rurais, essas palavras do candidato petista passaram a idéia de que o
seu Programa de Governo não priorizaria a atividade cafeeira, visto que o Espírito
Santo passara a ser um estado “urbano-industrial”. Apesar de pertencer às fileiras
da Situação, representando interesses ideológicos adversos aos de Cipriano, Carlito
adotou a mesma linha de raciocínio do petista, optando por destacar a diminuição do
peso da economia cafeeira. Para piorar o quadro, o governista lembrou que os
impostos sobre o segmento vinham aumentando, argumento pouco simpático para
atrair os votos de quem os paga. Por sua vez, Gerson Camata foi direto ao assunto,
destacando que daria “ênfase” à produção de café. Contudo, sem “desprezar” os
demais produtos da agricultura. Além disso, ele aproveitou a oportunidade para
demonstrar sintonia com a Associação dos Cafeicultores do Espírito Santo, entidade
que certamente exercia papel importante na decisão de voto dos seus membros.
Mesmo que intuitivamente, sem contar com a orientação de profissionais
especializados no assunto, o comportamento de Camata estava em sintonia com um
dos maiores princípios do marketing político. Aquele segundo o qual a plataforma do
candidato deve ser baseada no levantamento dos anseios da população, evitando-
se análises técnicas e rebuscadas que dificultem a assimilação da mesma pelos
eleitores. Rubens Figueiredo (2002) destaca que o principal objetivo do candidato
deve ser conquistar a atenção e o voto do eleitorado. O detalhamento exacerbado e
enfadonho, visando à racionalização dos pontos apresentados, acaba por afastar o
eleitor. Em alguns casos, faz com que as propostas sejam interpretadas de forma
adversa a que se gostaria de transmitir. Nesse sentido, por mais corretas e
124
coerentes que sejam as análises dos candidatos, a estratégia da campanha deve
explorar os pontos de maior simbologia no imaginário da população.
Numa Campanha Modernizada, o candidato deve esforçar-se por apresentar idéias
de fácil compreensão e grande apelo popular. Muitas vezes, o eleitorado não
consegue acompanhar linhas de raciocínio complexas sobre pontos de vistas
econômicos, técnicos ou político-ideológicos. Por isso, é aconselhável que a
discussão mais aprofundada da plataforma de campanha seja dirigida para o púbico
formador de opinião, segmentando-o conforme o interesse específico pelo assunto a
ser debatido: agricultores, empresários, profissionais liberais, estudantes, etc. Para a
maioria do eleitorado, “a campanha deve oferecer idéias com um rótulo de grande
apelo popular, focalizando os aspectos mais simbólicos” (FIGUEIREDO, 2002, p.
35). O discurso deve ser de fácil assimilação e criar expectativas por resultados
rápidos, apresentando soluções para os problemas imediatos das pessoas. Sob
essa ótica, estamos certos que Gerson Camata adotou o melhor caminho para
conquistar votos junto aos eleitores capixabas.
Outro ponto central da estratégia do principal candidato oposicionista foi o discurso
de combate à Ditadura Militar, assumido como forma de aumentar a aceitação junto
ao eleitorado ansioso por mudanças e, particularmente, melhorar sua imagem diante
dos inúmeros peemedebistas que mantinham para com ele um elevado grau de
distanciamento e desconfiança. Oliveira (2007) destaca que o posicionamento
agressivo de Camata em defesa da abertura democrática foi uma forma de “marcar
posição”, minimizando a condição de ex-arenista e desvinculando-se do passado de
apoio ao regime autoritário. Um episódio ocorrido na cidade de Afonso Cláudio, em
20 de janeiro de 1982, gerou uma polêmica que permearia todo o período eleitoral.
Na ocasião, o Deputado Federal – cuja candidatura sequer havia sido definida na
pré-convenção do PMDB – teceu ácidas críticas ao Governo do Estado e,
principalmente, ao General João Batista Figueiredo, Presidente da República. A
reação do Governador Eurico Rezende aqueceu as temperaturas do debate eleitoral
e propiciou a tão desejada polarização entre os camatistas e os representantes do
Regime Militar. O confronto protagonizado em torno do assunto adquiriu
repercussão pública e mobilizou ao lado de Camata a imensa base oposicionista.
125
Em entrevista que consta na dissertação de Mestrado da jornalista Maria Helena
Macedo (2007), José Nery traça os seguintes comentários sobre a mudança de
postura assumida por Gerson Camata e as motivações que o levaram a atacar o
Presidente Figueiredo:
O Camata sempre foi bom como governista. Fazer elogios ao presidente da
República de plantão e salamaleques aos generais era mamão com açúcar
para um cara como ele, radialista, bem falante, simpático e politicamente
flexível. Porém, [...] fez no interior um discurso violento contra o general
Figueiredo, presidente da República. [...] o Camata pensou assim: - Posso
criticar o general-presidente, que ninguém em Brasília vai saber e, além
disso, marco ponto com o eleitorado oposicionista e principalmente com as
bases do PMDB [...]. O ministro [da Justiça] ameaçou enquadrar o Camata
na Lei de Segurança Nacional e o assunto virou matéria de destaque na
mídia nacional [...]. (MACEDO, 2007, p. 74)
Não estamos certos de que o peemedebista receava calculadamente o acesso do
Palácio do Planalto ao conteúdo do seu discurso. O mais provável é que ele não
imaginasse o quanto aquele fato isolado – visando conquistar a população e os
militantes da região montanhosa do Estado – fortaleceria a sua estratégia geral rumo
ao Governo do Espírito Santo. Sintomaticamente, Eurico Rezende aguardou o início
oficial da campanha, no mês de julho, para ingressar com uma Representação
Judicial contra Camata, visando enquadrá-lo por injúria na Lei de Segurança
Nacional. De posse da gravação feita por um assessor do prefeito de Afonso
Cláudio
27
, certamente o governador imaginou, movido por seu espírito autoritário,
que tivesse na manga uma carta decisiva para tirar Camata do páreo. Mas àquela
altura do processo de reabertura política, já não havia as condições objetivas para
se cassar um candidato da oposição por fazer críticas ao Presidente da República e
ao Governo Estadual. E, muito menos, se o político fosse um ex-arenista com
notória capacidade de articulação junto a segmentos ligados ao status quo.
O principal candidato da oposição aproveitou a reação do Governador para se
colocar na condição de vítima e fustigar ainda mais a ira da população contra os
pedessistas. Camata logo argumentou que os situacionistas agiam de forma covarde
e desesperada, “pois em pesquisas do IBOPE ele aparecia com 65% da preferência
dos eleitores enquanto o candidato do governo, Carlito Von Schilgen, possuía
27
O Jornal A Gazeta, do dia 1 de agosto de 1982 publicou uma matéria em que noticia que o discurso
proferido por pelo candidato peemedebista Gerson Camata teria sido gravado por Antônio Carlos
Garcia, assessor de Leni Alves de Lima, Prefeito de Afonso Cláudio, que teria entregado para Eurico
Resende que enviou ao Senador Dirceu Cardoso e ao SNI.
126
apenas 11%” (OLIVEIRA, 2007, p. 61). Denunciando os interesses eleitoreiros da
trama, o oposicionista afirmava que a perseguição contra padres, jornalistas,
parlamentares e, também, candidatos do PMDB, perturbavam o processo de
retomada da democracia. Em seu contra-ataque, ele aproveitava para denunciar os
privilégios e injustiças alimentados pela situação: “[...] a abertura só existe para eles,
os donos do poder, para eles, os melhores empregos, os melhores salários e as
mordomias, só para eles [...]”
28
. Diante desse quadro, os peemedebistas
ingressaram entusiasticamente na campanha do seu candidato, fortalecendo as
condições para que a maioria da opinião pública fosse mobilizada em favor de
Gerson Camata.
A polêmica alimentada em torno do discurso proferido pelo candidato peemedebista
em Afonso Cláudio não foi a única na qual os governistas acabaram por fortalecer a
estratégia da oposição. No início de setembro, o candidato a vice-governador do
PDS, José Maria Miguel Feu Rosa, desafiou Élcio Álvares – que até então não
assumira publicamente seu apoio a Gerson Camata – para uma aposta sobre quem
seria o candidato vitorioso na disputa pelo Governo do Estado. O termo assinado
pelo ex-governador, dizia: “Estou apostando contra o candidato do governador
Eurico Rezende, que será fragorosamente derrotado nas urnas em 15 de
novembro”. O episódio obteve grande repercussão midiática, conforme relato da
revista capixaba Espírito Santo Agora.
A aposta acertada e sacramenta no saguão do aeroporto de Vitória, no dia 8
de mês passado [setembro], envolvia Élcio Álvares e o candidato a vice-
governador na chapa de Carlito Von Schilgen, José Maria Miguel Feu Rosa.
Não demorou muito para que chegasse nas redações dos jornais da terra,
que já no domingo seguinte, dia 12 de setembro, divulgavam com
estardalhaço o acontecimento, comprovado através de ampliadas fotos dos
dois cheques ‘casados’ e de entrevistas dos apostadores”.
29
Os dois envolvidos haviam acertado que aposta deveria ficar em sigilo. No máximo,
o círculo íntimo de convivência de ambos tomaria conhecimento. No entanto, no dia
seguinte ao desafio, Feu Rosa não resistiu à tentação de mostrar ao Presidente
Figueiredo – que fazia uma visita ao Espírito Santo – a comprovação da sua crença
28
A GAZETA. Camata acha que o governo o processa por temer eleições. Vitória, 01 out. de
1982, p.03.
29
ESPÍRITO SANTO AGORA Uma aposta insólita. Vitória, out. de 1982, p.06.
127
no PDS e de que havia gente do partido governista apostando na oposição. Como o
fato aconteceu diante de muitas pessoas, as informações logo chegaram à
imprensa, que deu grande visibilidade ao acontecimento. Diante de muito assédio
por parte dos repórteres, os apostadores concordaram em mostrar os cheques.
Ao apostar no candidato do PMDB, Élcio Álvares desferiu um golpe de difícil
assimilação pela cúpula do PDS capixaba, que mesmo após excluí-lo da disputa ao
Governo do Estado, tentava dissimuladamente explorar seu prestígio em
expressivas parcelas do eleitorado. Apesar dos desentendimentos públicos com o
Governador Eurico Rezende, até o momento da aposta Élcio havia evitado assumir
o confronto direto com o PDS. Apenas em ambientes restritos ele assumira sua
convicção de que Gerson Camata venceria o pleito no dia 15 de novembro. O
episódio da aposta encerrou, definitivamente, qualquer possibilidade de acordo com
seu partido em torno da candidatura ao Palácio Anchieta.
O Governador Eurico Rezende criticou a postura de Feu Rosa, pois avaliou que o
candidato a vice havia cometido um erro tático de grandes proporções: agindo
impensadamente, ele protagonizou a oportunidade para que Élcio Álvares tornasse
absolutamente pública a sua opinião quanto às elevadas chances de vitória do
PMDB. A avaliação foi de que isso traria conseqüências negativas sobre o
desempenho eleitoral do PDS, uma vez que seus eleitores já estavam bastante
confusos diante das contradições nas fileiras governistas.
Antes de encerrarmos esta secção do nosso trabalho, cabe-nos, ainda, uma
referência ao fato do candidato Gerson Camata ter se beneficiado de alguns dos
seus aspectos físicos e da sua notória capacidade de se fazer admirado entre o
público feminino para aumentar seu potencial de voto. Nesse sentido, corroboramos
plenamente o trecho de uma reportagem da revista Espírito Santo Agora, que, a
nosso ver, sintetiza em poucas palavras a estratégia camatista para vencer as
eleições de 1982:
Auxiliado por uma boa imagem – para muitas eleitoras, principalmente, ele
nada fica a dever aos melhores galãs de TV – trânsito livre junto a classes
empresariais, uma retórica fluente e uma marcante presença junto aos
cafeicultores graças ao seu trabalho parlamentar bastante voltado para esta
128
categoria regional, Gerson Camata acabou sendo o ponta-de-lança da mais
expressiva conquista almejada pela oposição: o poder.
30
A associação entre o potencial de votos de Gerson Camata e algumas das suas
características pessoais eram muito comuns nas coberturas que a imprensa
realizava até a chegada do peemedebista ao Governo do Estado. Como vimos,
esses mesmos traços, relacionados ao carisma e à beleza física do candidato, já
eram tidos como pontos fortes no pleito que o levou à Câmara Federal, em 1974.
Não é difícil concluir, então, que nas sucessivas disputas em tomou parte durante a
primeira fase da sua carreira política, Camata cultivou a imagem de líder elegante,
com o objetivo deliberado de reforçar sua densidade eleitoral.
2.3 As eleições estaduais de 1986: a transição para as Campanhas
Modernizadas
O pleito estadual de 1986 foi o primeiro processo eletivo após os militares terem
deixado o poder, no início de 1985. Nele, as estratégias dos candidatos e partidos
políticos avançaram bastante na incorporação das técnicas modernas de campanha
eleitoral, até então inviabilizadas pela Lei Falcão. As articulações para a definição
das candidaturas que concorreriam ao Governo do Espírito Santo adquiram
contornos mais nítidos a partir do início daquele ano. No PMDB, o Deputado Federal
Max de Freitas Mauro, de um lado, e o Senador José Inácio Ferreira, de outro,
protagonizaram uma acirrada disputa pela ocupação da vaga de candidato a
governador. O segundo contava com o apoio do Governador José Moraes
31
e do ex-
governador Gerson Camata. Além de agregar figuras como o prefeito de Cachoeiro
de Itapemirim, Roberto Valadão, e o experiente Deputado Estadual Hugo Borges
32
da cidade de Guarapari. Por sua vez, Mauro tinha o respaldado de 23 prefeitos
liderados por Luiz Moulin, do município de Guaçuí, e era o preferido das bases
peemedebista, sendo visto como um autêntico representante das tradições da sigla
(PEREIRA, 2004).
30
ESPÍRITO SANTO AGORA. A conquista de Camata. Ano XII, nº 74, nov de 1982, p. 05.
31
O Governador havia renunciado ao governo do Estado para se descompatibilizar e concorrer, com
sucesso, ao senado em 1986. Assumiu em seu lugar o vice José Moraes.
32
A GAZETA. Moulin garante apoio à Max. Vitória, 01 jul. 1986, p.03.
129
As divergências levaram a uma convenção bastante tumultuada, ocorrida no ginásio
do Clube Álvares Cabral, em Vitória. Max Mauro assegurou a indicação da sua
candidatura com 169 votos, contra 113 conquistados
33
por José Inácio Ferreira. O
resultado final contrariou os interesses de Gerson Camata, que se evolveu
abertamente nas articulações favoráveis ao nome derrotado
34
. No ano em que o
arcabouço dos processos eleitorais vivenciava mudanças de fundo que incidiriam de
maneira modernizadora no modelo de campanha prevalecente na etapa anterior da
história brasileira, a disputa no PMDB foi marcada por intensa propaganda
tradicional, conforme relato do jornal capixaba A Gazeta (06/06/82, título: Convenção
do PMDB é marcada por incidentes., p. 3)
Os partidários do senador José Inácio Ferreira tomavam a ala direito de
quem entrava no Ginásio [do Álvares Cabral], predominando a cor azul das
camisetas com o nome do senador. Do lado esquerdo, a torcida de Max
Mauro coloria de verde e amarelo as arquibancadas, que de um lado
apresentava os dizeres ‘Agora é Max’ e de outro mostrava sua fotografia
[com Gerson Camata], tirada quando Max perdeu a convenção do partido
em 1982 e decidiu apoiar seu concorrente
35
.
O ex-governador Gerson Camata foi vaiado no início do seu discurso, o que lhe
causou grande indignação. Segundo a imprensa da época, ele chegou a ser
agredido por correligionários de Mauro, descontentes com o apoio empenhado ao
Senador José Ignácio Ferreira
36
. A frase “Agora é Max”, vinculada à fotografia na
qual o candidato peemedebista aparecia ao lado de Gerson Camata, foi muito
utilizada durante a campanha. Essa foi forma encontrada para atrair os votos
camatistas e, ao mesmo tempo, cobrar do ex-governador a contrapartida pelo apoio
oferecido por Mauro nas eleições de 1982.
O nível de acirramento entre os principais atores da convenção fez com que o
PMDB encontrasse muitas dificuldades para restabelecer sua unidade interna.
Oliveira (2007, p. 73) esclarece que o impasse entre Max Mauro e José Ignácio, que
ameaçava não se empenhar na campanha, só foi superado mediante um acordo
tácito entre os dois, “muito parecido com aquele firmado entre Max e Camata em
1982”. Mas o arrefecimento do conflito entre os diferentes atores partidários só foi
33
A GAZETA. Max, candidato, pede unidade do PMDB. Vitória, pág. 01, 06 jul. 1986; Max busca
consenso para segunda fase da convenção. Vitória, pág. 01, 07 jul. 1986.
34
Ibid., Camata acredita na vitória de Ignácio. Vitória, pág. 03, 04 jul. 1986.
35
A GAZETA. Convenção do PMDB é marcada por incidentes. 06 de jun. de 1982, p. 3.
36
A GAZETA. Max, candidato, pede unidade do PMDB. Vitória, pág. 01, 06 jul. 1986.
130
possível mediante a formação consensual das chapas que concorreram ao Senado
e à Câmara Federal. O grupo de Camata exigiu, dentre outras coisas, a substituição
do pré-candidato a vice-governador Sérgio Ceotto, ligado a Max Mauro, por Carlos
Alberto Cunha
37
, figura identificada com o ex-governador
38
.
Do lado da oposição, o principal concorrente foi o ex-governador Élcio Álvares, que
se filiara ao PFL, por ocasião do surgimento da sigla, após o “racha” do PDS, em
1985. Desde as primeiras pesquisas de opinião pública, ele aparecia em segundo
lugar na preferência do eleitorado
39
. No entanto, o PFL teve muitas dificuldades para
definir o nome que concorreria ao cargo de vice-governador e para consolidar suas
chapas para o Senado e Câmara. Além disso, não conseguiu oficializar nenhuma
coligação, embora algumas tenham sido cogitadas
40
. Oliveira (2007) esclarece que
três nomes foram cogitados para ocuparem a vaga de candidato a vice-governador.
O ex-deputado Edson Machado, que de fato disputou a vice-governadoria; o médico
Luiz Buaiz, e o presidente da sigla, Emir de Macedo Gomes. Para o Senado, o
partido lançou apenas o nome de Theodorico de Assis Ferraço, que concorreu meio
a contragosto, pois desejava disputar outro cargo
41
.
O discurso do candidato do PFL foi centrado na acusação de que Governo Estadual
estaria fazendo uso abusivo da máquina pública para beneficiar o concorrente da
situação. Em contrapartida, Max Mauro associava Élcio Álvares ao Regime Militar
42
.
Além disso, o peemedebista propunha o envolvimento da sociedade civil na
formulação e execução das políticas públicas, como afirmava ter feito em Vila Velha,
durante o seu mandato de prefeito, com a implantação dos chamados conselhos
comunitários
43
.
O alto índice de indecisão marcou o comportamento do eleitorado no pleito de 1986.
No mês de junho, uma pesquisa realizada pelo instituto Guallup demonstrou que
77% dos eleitores capixabas não tinham qualquer preferência quanto aos candidatos
37
ESPIRITO SANTO AGORA. Cunha reage mas não rompe. Vitória, nov. de 1987.p. 05-06.
38
ESPIRITO SANTO AGORA. Desencontros no poder. Vitória, abr. de 1988, p. 08.
39
A GAZETA. Assessoria acha boa a situação de Élcio. Vitória, 01 jul. 1986, p. 03.
40
A GAZETA. Executiva do PFL marca sua convenção para o dia 20. 02 jul. 1986, p. 05,.
41
A GAZETA. Theodorico não pretende disputar. 29 jul. 1986. p. 03.
42
A GAZETA. Moreira: Élcio tenta reerguer o anticomunismo. Vitória, 06 de nov. 1986 p.02; PFL é
apoiado por magnatas. 05 de nov. de 1986, p.02.
43
A GAZETA. Max garante que organizou comunidade em Vila Velha. 02 jul. 1986,p. 03.
131
que concorreriam ao Governo do Estado. Na ocasião, Max Mauro aparecia com
8,9% das intenções de voto, Élcio Álvares com 8,3%, José Ignácio com 3,6 e Arlindo
Villaschi, com irrisórios 0,8
44
. As sondagens demonstraram também que a
população possuía um baixo grau de identidade com os partidos políticos. Em
meados de julho, o IBOPE fez a seguinte pergunta aos eleitores capixabas: “Com
qual o partido político o (a) Sr.(a) mais simpatiza ou tem preferência?”. As respostas
demonstraram 36% de identificação com o PMDB, 8% com o PDS, 6% com o PFL,
5% com o PT, e 1% com PTB e PDT
45
. Os números mostraram que o PMDB ainda
tirava vantagem da sua maior visibilidade durante as Diretas Já, a eleição de
Tancredo Neves e a implantação do Plano Cruzado. A preferência pelo partido da
situação foi confirmada nas urnas mediante a vitória do peemedebista Max Mauro.
No entanto, conforme destaca Oliveira (2007), as votações dos demais candidatos
não mantiveram qualquer relação com os dados da pesquisa sobre identidade
partidária. “Talvez o exemplo mais forte tenha sido o PDS, que embora estivesse em
2° lugar na preferência do eleitorado, teve um resultado pífio nas urnas, bem abaixo
do PFL, PT e PDT” (OLIVEIRA, 2007, p 82).
O estudo da cobertura da imprensa sobre as eleições de 1986 demonstra uma
realidade em que os principais atores do jogo político – com destaque para o
parlamento, a justiça eleitoral, os partidos políticos e os meios de comunicação –
teciam a rede de novos comportamentos que viriam a caracterizar as campanhas
eleitorais a partir daquele momento, mas que, no Espírito Santo, só atingiriam sua
maturidade nas eleições de 1990. O jornal A Gazeta trouxe uma reportagem com
título “Juiz proíbe propaganda eleitoral” na qual constatamos a preocupação da
Justiça em disciplinar os processos eleitorais conforme a ordem democrática
restabelecida no país:
O Juiz encarregado da fiscalização da propaganda eleitoral, Amim
Abiguemem, enviou ontem ofícios aos jornais diários publicados em Vitória
44
A GAZETA. Assessoria acha boa a situação de Élcio. Vitória, p.03, 01 jul. 1986. Esta pesquisa
ouviu 827 pessoas nos municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Cachoeiro de Itapemirim e
Colatina.
45
A GAZETA. Ibope: 77% dos capixabas não sabem em quem votar. jul. 1986, p. 05; ___. Partido
de preferência é o PMDB. jul. 1986, p. 05
132
determinando que se abstenham de publicar, daqui para frente, qualquer
tipo de propaganda, mesmo subjetivas ou subliminares
46
.
A decisão do juiz dizia respeito à propaganda eleitoral fora do período permitido por
lei, buscando conter uma prática muito comum no período da Ditadura Militar,
quando os candidatos do Governo utilizavam os meios de comunicação para
fazerem propagandas “subjetivas” ou “subliminares” – conforme os termos utilizados
pela referida reportagem – às vésperas dos processos eleitorais. A mesma matéria
de A Gazeta demonstra que, a partir de então, as decisões sobre os processos
eleitorais passaram a contar com novos atores, evidenciando que os meios de
comunicação e os profissionais da área de propaganda ocupavam um destacado
espaço na nova conformação político-eleitoral brasileira, conforme se evidenciara
também no Espírito Santo:
A decisão dos responsáveis pela fiscalização da propaganda foi tomada
ontem, uma semana após a reunião realizada com representantes de
partidos políticos, emissoras de rádio e televisão, imprensa escrita e
empresários ligados ao setor de publicidade
47
.
A propaganda eleitoral nos meios de comunicação tornou-se um assunto cada vez
mais presente nos debates sobre eleições. O processo eleitoral daquele ano foi
disciplinado pela Lei número 7.508 de 04 de julho de 1986, que tratava da
propaganda em rádio, jornal e televisão, assim como da divulgação de pesquisas
eleitorais. Sobre a referida legislação, o jornal A Gazeta destacou que:
Ainda de acordo com a nova legislação, não depende de censura prévia a
propaganda partidária ou eleitoral feita através de rádio e televisão,
respondendo cada um pelos excessos cometidos, com apuração da
responsabilidade solidária do respectivo partido.
48
Não obstante, a nova dinâmica instalada na campanha de 1986 representava, ainda,
o início de uma nova configuração entre a mídia, a política e as novas técnicas de
marketing e propaganda. A incipiente fase de articulação desses novos elementos
introduzidos nas disputas eleitorais não nos permite afirmar a existência do modelo
que chamamos de Campanha Modernizada. As constatações de renomados
profissionais da área de comunicação – que haviam optado por se especializarem
em consultoria para campanhas eleitorais – explicitavam que o setor passava por
46
A GAZETA, Juiz proíbe propaganda eleitoral. Vitória, 02 de jul de 1986, p.2.
47
Ibid.
48
A GAZETA. TSE libera pichações em muro e imóvel particular. Vitória, 17 de jul. de 1986, p. 02.
133
uma fase de transição e que o marketing, por exemplo, carecia ainda de
consolidação e reconhecimento junto aos políticos.
Ronald Kuntz, então diretor da Brasmaket, empresa paulista especializada na
prestação de assessoria eleitoral, esteve em Vitória para participar do I Seminário de
Marketing Político do Espírito Santo, promovido em junho de 1986. Ele manifestou
preocupação com o grande volume de dinheiro que passaria a ser investido nas
campanhas eleitorais, o que na sua avaliação atrairia profissionais pouco
qualificados e prejudicaria a imagem do setor no momento em que ainda buscava
sua afirmação. Vejamos as observações do consultor:
[...] [O dinheiro] irá atrair muitos aventureiros para a área, picaretas e
algumas poucas pessoas bem intencionadas. [...] essa situação somente irá
contribuir para prejudicar a imagem do marketing político, que ainda está
buscando o seu espaço, como forma de auxiliar e proporcionar aos
candidatos trabalhos a níveis adequados e racionais para suas
campanhas.
49
Como percebemos, Kuntz preocupava-se com problemas que se fariam presentes
na medida em que o marketing passasse a ser utilizado por um número maior de
candidatos. O exercício da atividade demonstrava fragilidades residentes, sobretudo,
no fato de não ter alcançado a sua consolidação. Por sua vez, o atual presidente da
Associação Brasileiro de Consultores (ABCOP), Carlos Manhanelli, também esteve
no Espírito Santo para participar do Seminário sobre Marketing Político. Na ocasião,
ele afirmou que a atividade era vista no Brasil, pela grande maioria dos candidatos,
“como uma seita, da mesma forma como era visto o Cristianismo, em Roma.
Segundo o Jornal A Gazeta, o seminário teria contado com a presença de
“publicitários, assessores políticos, filhos de políticos e jornalistas”. Entretanto,
os políticos, que deveriam ser os mais interessados [...], não marcaram
presença. Participaram apenas dois deputados estaduais, Dailson Laranja e
Moacyr Brotas, o pré-candidato a deputado federal Lézio Satler, e o
presidente do PMDB de Colatina, pré-candidato a deputado Federal, Jório
Barros
50
.
A candidatura de Max Mauro contou com a colaboração do publicitário Nelson
Mendes, que havia sido contratado pelo empresário Camilo Cola, candidato ao
Senado. A campanha peemedebista foi bastante arrojada. As principais jogadas de
49
A GAZETA. Especialista prevê gasto de Cz$ 1 bi durante a campanha. Vitória, 19 de jul de
1986. p. 03.
50
A GAZETA. Marketing político tem pouca procura. Vitória, 21 de jul. de 1986, p. 02.
134
propaganda foram articuladas em torno da chapa que ficou conhecida como
MACACA, expressão amplamente utilizada pelo PMDB, numa alusão às iniciais de
Max Mauro, e dos candidatos ao Senado, Camilo Cola e Gerson Camata. O refrão
do jingle da campanha dizia: “Max, Camilo e Camata, é isso ai, vamos lá Macaca!” O
resultado do processo eleitoral confirmou a incontestável supremacia do PMDB. Max
Mauro foi eleito com 54,7% dos votos válidos, contra 34,5% obtidos por Élcio
Álvares, o segundo colocado. Arlindo Villaschi (PT) ficou em terceiro, tendo
conquistado 10% dos eleitores, enquanto Rubens Gomes (PDT) teve que se
contentar com meros 0,5 % da votação total.
135
3 O PLEITO ESTADUAL DE 1990: A VITÓRIA DE ALBUÍNO E O
ADVENTO DAS CAMPANHAS MODERNIZADAS NO ESPÍRITO
SANTO
As eleições estaduais de 1990 ocorreram num contexto bastante diferenciado com
relação aos pleitos de 1982 e 1986. Episódios de grande repercussão nacional
separavam o momento da posse de Max Mauro, em março de 1987, daquele final de
mandato à frente do Executivo Capixaba. O fracasso do Plano Cruzado e o
conseqüente aumento da inflação, as inúmeras crises do Governo Sarney, os
embates em torno da Constituição de 1988, a surpreendente polarização ente Lula e
Collor nas eleições de 1989 e o confisco da Caderneta de Poupança dos brasileiros
pelo recém empossado Presidente da República, Fernando Collor, foram alguns dos
fatos que marcaram a história do Brasil naqueles anos. Era natural, portanto, que
esse quadro de turbulência política verificado no cenário nacional exercesse
influência direta sobre o comportamento das forças políticas posicionadas em âmbito
local, trazendo conseqüências imediatas para o processo sucessório, não apenas no
Espírito Santo, como também nas diversas Unidades da Federação.
Para os objetivos no nosso estudo, julgamos suficiente destacar quatro vetores que,
no Espírito Santo, manifestaram-se de forma a exercer grande influência sobre o
desfecho do processo eleitoral: (1) a baixa institucionalização dos partidos, com
destaque para a desestruturação da hegemonia peemedebista; (2) o peso exercido
pelos prefeitos no jogo político da sucessão, sob o discurso de que era preciso
valorizar a municipalidade; (3) a polarização acirrada entre os dois principais campos
em disputa, pelo menos em determinados momentos do processo eleitoral; e (4) a
influência que as técnicas modernas de comunicação passaram a exercer nas
eleições brasileiras, marcadamente após a plena redemocratização do país, como
havia ficado demonstrado nas Eleições Presidenciais de 1989.
Cinco candidatos participaram da disputa pelo Governo do Espírito em 1990: o
Secretário de Planejamento Albuíno Cunha de Azeredo – que recebeu o apoio do
Governador Max Mauro – encabeçou a Frente Democrática Capixaba (PDT, PSB,
PTB e PC do B); o Senador José Ignácio Ferreira – principal concorrente de
136
oposição – liderou a Frente Progressista Liberal (PST, PFL, PDS, PMN, PSC e
PRP); o jornalista Rogério Medeiros – apoiado pelo prefeito de Vitória, Vitor Buaiz –
concorreu pela Frente Popular Capixaba (PT e PCB); o empresário Paulo Loureiro
puxou a Frente Independente Capixaba (PRN, PDC e PSD) e o Senador João
Calmon disputou pelo PMDB. Já no primeiro turno, realizado no dia 03 de outubro
de 1990, Albuíno alcançou uma votação maior do que a soma dos votos de todas as
demais candidaturas. O leque de apoio mobilizado pelo candidato governista
evidenciou a baixa institucionalização das agremiações partidárias que atuavam no
Espírito Santo, em grande medida como reflexo de uma dinâmica que se fazia
crescente em nível nacional. Era do conhecimento público que lideranças de
grandes partidos políticos, como o PFL e o PMDB, estavam engajadas na
candidatura pedetista.
O principal adversário de Albuíno foi o advogado José Inácio Ferreira, que até então
nunca tinha perdido uma disputa eleitoral. Em 1969, tivera seus direitos políticos
cassados em pleno mandato de Deputado Estadual, por se envolver em polêmicas
com a Ditadura Militar. Antes disso, havia sido Vereador na Câmara de Vitória
(1963-1967), de onde saiu para ocupar uma vaga na Assembléia Legislativa. No
final da década de 1970, beneficiado pela anistia, José Inácio retomou sua trajetória
política. Com participação ativa no movimento pela redemocratização do país,
obteve destaque como presidente da secção capixaba da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB/ES). Esse cargo que potencializou sua participação no pleito de 1982,
quando se elegeu Senador da República. Em 1986, José Inácio disputou sem
sucesso a indicação da candidatura a Governador pelo PMDB, conquistada por Max
Mauro. No início de 1990, após passar dois anos no PSDB, abandonou a sigla
devido às represálias pelo fato de ter assumido a liderança do Governo Collor no
Senado. Logo em seguida, filiara-se ao inexpressivo PST como parte dos planos
para disputar o Governo Estadual.
Por sua vez, o candidato Albuíno Cunha de Azeredo nascera no município de Vila
Velha e cursara engenharia na Universidade Federal do Espírito Santo. O primeiro
Governador negro da história do Espírito Santo teve uma carreira política meteórica
antes de chegar ao Governo do Estado. Ele nunca havia ocupado um cargo público
eletivo antes de tomar posse no principal posto do Executivo Estadual. O nome de
137
Albuíno começou a ser cogitado como possível candidato a Governador logo que ele
foi indicado Secretário-Chefe da Coordenação Estadual de Planejamento (COPLAN)
do Governo Max Mauro. Seu currículo profissional incluía a atuação como
engenheiro de obras da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – tendo sido membro
do Conselho de Administração da Estatal – e respeitável experiência como consultor
autônomo de grandes empresas nacionais e internacionais. Depois de terminar seu
curso superior, Albuíno havia passado grande parte da sua vida no estado do Rio de
Janeiro, voltando a morar no Espírito Santo somente após ter aceitado o convite
para participar da administração estadual.
O trabalho de Albuíno Azeredo à frente da COPLAN rendeu-lhe o prestígio de
Super-Secretário, como passou a ser chamado pela imprensa da época. Ele exibia a
imagem de um grande empreendedor, exemplo do técnico que, mesmo sem
experiência em mandatos eletivos, está preparado para gestar políticas públicas.
Após incorporar a idéia da sua candidatura ao Governo do Estado, Albuíno procurou
passar a imagem de que era um homem preparado para promover o
desenvolvimento e o bem estar social: eixos que foram muito utilizados durante a
sua campanha. Além de bom trânsito entre líderes políticos de diferentes matizes
ideológicas, o secretário de Planejamento do Governo Max procurou ter uma boa
interlocução com os veículos de comunicação.
Com a ajuda da sua assessoria de imprensa, Albuíno procurou explorar suas ações
para conseguir visibilidade na mídia e aos poucos tornar-se conhecido da população
capixaba. Sobre a importância desse tipo de aparição na imprensa, definida por
especialistas como “mídia espontânea”, Rubens Figueiredo (2002, p. 46) esclarece
que, apesar do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral “ser o principal momento de
atuação da comunicação política”, o candidato precisa manter-se em evidência
mesmo antes de iniciada a campanha propriamente dita. Segundo o autor, as
pessoas que desejam ocupar cargos eletivos devem “tentar aparecer com
freqüência nos meios de comunicação, se posicionando de forma a fixar uma
imagem clara perante os eleitores”.
Foi marcante o papel exercido pelo secretário-chefe da COPLAN, por exemplo, na
implantação do projeto Transcol, que de fato trouxe profundas mudanças estruturais
138
ao transporte coletivo da Grande Vitória, o que lhe garantiu grande visibilidade nos
meios de comunicação de massa. Além disso, Albuíno conduziu a inauguração de
obras públicas em várias cidades do interior, o que lhe permitiu arregimentar o apoio
de uma ampla frente de prefeitos, estimulando o discurso da municipalidade e
colocando-se como o candidato que correspondia aos anseios das cidades do
interior. Desde o início, ele adotou uma linha política de aproximar-se das líderes
municipais, muitos dos quais tinham histórico de divergências com Max Mauro, que
de início resistiu à orientação adotada por seu aliado. Pouco a pouco, as
resistências do Governador foram contornadas, e mesmo alguns antigos desafetos
passaram a compor a base governista, em função do bom trânsito desempenhado
por Albuíno.
O que é que o Albuíno fez? Como Secretário, ele abriu o governo que era
um Governo fechado, bem ao estilo do Max, governo dos amigos [...]
Aquela velha coisa do Max, de quando tinha ARENA, tinha MDB. E o
Albuíno abriu o governo, chamou todo mundo para conversar com o
governo. Aqueles adversários históricos do Max, por exemplo, Enivaldo dos
Anjos, Ferraço, alguns que eram prefeitos e tal, Albuíno começou a se
relacionar com essas pessoas, Dilo Binda. Criou uma interlocução com
essas pessoas, mas com os prefeitos todos de um modo geral. Porque ele
entendia que não fazia sentido o governo ficar isolado. (MARTINS)
1
Albuíno Azeredo passou a ser visto como o homem que abriu o Governo para os
prefeitos. Até aquele momento era comum as administrações dos municípios
necessitarem da intermediação de Deputados Estaduais ou Federais para
encaminharem suas reivindicações. Albuíno criou um canal de interlocução entres
os Chefes dos Executivos Municipais e o Governo do Estado. Se por um lado, o
Governador Max Mauro havia saneado as contas públicas do Espírito Santo, criando
as condições para promover investimentos de peso em diversos municípios; por
outro, Albuíno teve muita habilidade para fazer com que o dinheiro fosse aplicado de
forma a trazer os melhores dividendos políticos para o Governo Max Mauro, e em
especial para a sua própria figura como Secretário de Planejamento. Albuíno viajava
muito, visitando com freqüência as inúmeras cidades do interior do estado, onde
adquiria conhecimentos sobre as complexas teias que envolviam as disputas locais.
Sua principal marca era demonstrar um comportamento suprapartidário, sempre com
1
MARTINS, Idivarcy. Entrevista realizada em
139
base no discurso de que o mais importante era colaborar para o desenvolvimento da
municipalidade. Foi a partir desta atuação do secretário da COPLAN que nasceram
as primeiras articulações em defesa do nome de Albuíno para ser Governador do
Espírito Santo.
A candidatura de Albuíno foi defendida pela primeira vez, publicamente, em abril de
1989, durante a inauguração da Biblioteca Pública Municipal de Colatina. Na
ocasião, o prefeito da cidade, Dilo Binda, estendeu uma faixa referindo-se ao
Secretário de Planejamento como candidato a Governador do Espírito Santo. Nessa
mesma época, o prefeito de Pedro Canário, Mateus Vasconcelos, tomou a iniciativa
de distribuir adesivos plásticos e camisetas com a frase “Albuíno 90”. No dia 04 de
fevereiro de 1990, Albuíno anunciou, pela primeira vez em público, sua disposição
de disputar a sucessão estadual. O episódio aconteceu durante visitas aos distritos
colatinenses de São Domingos do Norte, Governador Lindemberg e Novo Brasil.
A segunda viagem desta fase das articulações com as lideranças municipais, tendo
como objetivo explícito a construção da candidatura do Secretário de Planejamento
a Governador do Espírito Santo, foi realizada em março de 1990. Nessa nova
investida pelo interior, Albuíno foi acompanhado pelo Secretário de Educação, José
Eugênio Vieira; pelo Deputado Estadual Paulo Lemos (PDT) e pelo assessor político
Idivarcy Martins. Eles visitaram os municípios de Alegre, Dores do Rio Preto, Divino
de São Lourenço e Ibitirama. Em todos esses lugares, Albuíno liderava reuniões
com prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, membros de partidos políticos e inúmeras
lideranças locais. Nessas atividades, ele ouvia reivindicações e debatia a plataforma
de trabalho que viria a apresentar durante a campanha eleitoral.
Antes de prosseguirmos com nossas observações, julgamos necessária, nesta
altura do texto, uma breve apresentação do assessor político Idivarcy Martins, que
acompanhou o dia-a-dia de Albuíno a partir do primeiro semestre de 1990,
assumindo papel chave na construção da candidatura e na posterior estruturação da
campanha, da qual se afastou parcialmente no início de setembro, em função de
uma crise provocada por mudanças na equipe de marketing do candidato. Seus
relatos e pontos de vista são de fundamental importância para o entendimento de
toda a estratégia que norteou a candidatura de Albuíno, em especial no que se
refere à mobilização dos prefeitos em torno do candidato governista e às primeiras
140
decisões para se montar uma estrutura moderna de comunicação, visando
alavancar uma campanha eleitoral que inicialmente enfrentava dificuldades para
decolar.
O capixaba Idivarcy Martins iniciou sua militância partidária no Rio de Janeiro, como
militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nos anos 1970, foi dirigente da
Juventude Comunista (JPCB) e assessor de Luiz Carlos Prestes, no período em que
ambos estiveram exilados na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). Em 1978, coordenou a delegação brasileira que foi ao 11º Festival Mundial
da Juventude, em Havana. Na década de 1980, após retornar ao país beneficiado
pela anistia, foi Secretário de Esportes e Lazer da prefeitura de Vitória e do Estado
do Espírito Santo. Mas foi na CETURB, da qual se tornou funcionário de carreira,
que Idivarcy teve a oportunidade de conhecer Albuíno Azeredo. Ele explica que
esses primeiros contatos ficaram restritos ao plano profissional: “[...] eu conhecia o
Albuíno de bom dia e boa tarde, nas reuniões, sem maiores intimidades”. O convite
para assessorar de Albuíno aconteceu somente no início de 1990, no período em
que o Secretário de Planejamento resolveu intensificar as articulações para sua
candidatura.
Idivarcy frisa que, apesar do destacado trabalho desempenhado por Albuíno à frente
da COPLAN, o meio político não absorveu com naturalidade a pré-candidatura do
Secretário de Planejamento. Nesse sentido, foram intensos os comentários de que a
candidatura não passava de “balão de ensaio”. Muitos analistas políticos, inclusive
entre os membros do Governo Max Mauro, argumentavam que o Secretário de
Planejamento não possuía densidade eleitoral suficiente para pleitear o cargo mais
importante do Espírito Santo. No entanto, Idivarcy lembra que, no início do ano
eleitoral, a força de Albuíno entre os prefeitos era notória, sendo que as declarações
públicas de apoio à candidatura passaram a ocorrer numa freqüência cada vez
maior. Nessa época, foi tomada a decisão de que Albuíno deveria contratar um
assessor experiente para acompanhá-lo quotidianamente em suas jornadas de
caráter político-eleitoral. O nome indicado para cumprir a tarefa foi o de Idivarcy
Martins, que só aceitou o convite após certificar-se de que a candidatura era “pra
valer”. Ele relata alguns detalhes do encontro entre os dois:
141
Um dia eu estava em casa e recebi uma ligação do governo, era a
Terezinha Calixte, que era do cerimonial do governo Max, dizendo que o
secretário Albuíno queria conversar comigo, a respeito de ajudá-lo na
campanha. Marcamos o encontro tipo três horas da tarde, um calor infernal,
numa época dessas assim, janeiro, fevereiro... No Esporão, aquele
restaurante perto do Palácio. Um calor rapaz... Na sexta-feira tinha uma
feijoada ali. O Albuíno estava lá, comendo aquele feijão, um calor que
suava. Albuíno falou: Eu preciso de uma pessoa, sugeriram o seu nome, eu
queria ver contigo, quais são suas possibilidades de trabalhar comigo, de
me acompanhar e tal
2
...
O homem que a partir daquele momento entraria para a história do Espírito Santo
como um dos mais próximos colaboradores do candidato Albuíno Azeredo destaca
que, naqueles dias, a imprensa continuava a especular que o Secretário de
Planejamento não seria candidato a nada, ou que, no máximo, disputaria uma vaga
de Deputado Federal. Idivarcy explica que não estava disposto a embarcar num
projeto sem perspectivas de ir adiante. Por isso, a resposta do convite para
assessorar Albuíno foi antecedida de um diálogo no qual o candidato respondeu três
perguntas sobre o mesmo assunto:
Primeiro: eu perguntei se ele realmente era candidato a governador do
estado. Ele disse: Sou. [...] Não tem como eu recuar mais, eu sou uma
pessoa determinada, não tem como eu recuar, porque os companheiros do
interior... Então, ele estava determinado a ser candidato ao governo do
Estado, independente de qualquer coisa. Segunda pergunta: o Senhor é
candidato com o apoio ou sem o apoio do Max? Ele falou, sou. Com apoio
ou sem o apoio do Max, eu sou candidato. Terceira pergunta: o senhor não
é candidato a deputado federal ou a qualquer outro cargo proporcional? Ele
falou: Não, sou candidato ao governo do Estado
3
.
A primeira de uma série de viagens nas quais Idivarcy acompanhou Albuíno pelo
interior do estado aconteceu uns vinte dias após a conversa no Centro de Vitória, na
qual ele aceitou o convite para assessorar o candidato a Governador. Durante essas
viagens, realizadas ao longo de todo o primeiro semestre de 1990, já era possível
constatar o grande potencial de Albuíno para obter apoio junto ao eleitorado. Apesar
de ser ainda pouco conhecido da massa da população, ocupando uma posição
inexpressiva nas pesquisas de opinião, o Secretário de Planejamento demonstrava
uma forte capacidade de interação junto aos segmentos populares com as quais
mantinha contato. No entanto, durante essa primeira fase das articulações, o
Governador Max Mauro esboçou resistência à candidatura de Albuíno. Apesar do
2
Entrevsta.
3
Entrevista.
142
bom desempenho do secretário-chefe da COPLAN, o líder do Executivo Estadual
não estava convencido de que Albuíno fosse o nome mais apropriado para sua
sucessão. Enquanto Albuíno fazia movimentos para consolidar sua candidatura, Max
Mauro mantinha contatos com o Senador José Inácio Ferreira e com o ex-deputado
federal Hélio Carlos Manhães, na perspectiva de que um dos dois pudesse ser o
candidato do Governo à sucessão (OLIVEIRA, 2007).
Diante da negativa de José Inácio em fechar a aliança com o Governador, sob o
argumento de que não queria ser candidato “chapa branca” e das dificuldades
enfrentadas por Manhães devido a problemas de saúde, Max Mauro passou a
conversar com políticos ligados ao PMDB, agremiação na qual Albuíno continuava
filiado, sobre as possibilidades de o partido apoiar a candidatura do seu Secretário
de Planejamento. No entanto, durante sucessivas reuniões, a cúpula peemedebista
manifestou rejeição ao nome de Albuíno. O Deputado Estadual Dilton Lírio,
presidente do partido, chegou a dar declarações na imprensa afirmando que Albuíno
“era um jumbo carregado de chumbo”, e que sua candidatura jamais decolaria. Uma
parte da executiva do PMDB defendia a candidatura do empresário Camilo Cola e
outra a do ex-governador José Moraes, que manifestava interesse em disputar a
eleição para o Governo.
Diante da postura do PMDB de não aceitar a indicação do seu Secretário de
Planejamento, Max Mauro passou a articular o ingresso de Albuíno no PDT
capixaba, um partido pequeno, então presidido pelo ex-deputado federal Nelson
Aguiar. Após um encontro com o líder pedetista Leonel Brizola, realizado no Rio de
Janeiro, ficou acertado que a sigla passaria a atender aos interesses do Governador
do Espírito Santo. De início, a filiação de Albuíno não foi vista com bons olhos por
membros da cúpula pedetista capixaba, que manifestavam discordância com o fato
dele já chegar com uma candidatura praticamente definida, “de cima pra baixo”,
como se diz no jargão político.
Segundo Idivarcy Martins, a saída encontrada para superar a rejeição no interior do
PDT e ganhar o apoio da maioria do partido para o projeto da candidatura de
Albuíno foi estabelecer uma intensa agenda de conversas com as lideranças
municipais da agremiação, que em pouco tempo aderiram com entusiasmo à idéia
143
de terem um companheiro de legenda disputando com chances de vitória o cargo
mais importante do Espírito Santo. Gaudêncio Torquato (1985, p. 19) esclarece que,
apesar da baixa institucionalidade do quadro partidário brasileiro, em alguns casos o
partido se converte num dos elementos de grande eficácia do composto de
comunicação a serviço do candidato. E que, por isso, o candidato deve ser bem
visto pelo partido. Segundo o autor, “quando a máquina partidária acolhe o
candidato com vontade e determinação, as possibilidades de ajuda são maiores”. O
bom resultado da estratégia adotada por Albuíno para conquistar seus
companheiros de partido foi percebido na convenção do PDT, realizada no Teatro
Carmélia, em Vitória. Ele foi proclamado candidato a Governador pela quase
totalidade dos convencionais presentes, que garantiram ao evento um caráter
bastante festivo, sem as disputas e os acirramentos registrados nas convenções que
definiram as candidaturas vitoriosas de 1982 e 1986. Depois disso, a campanha do
pedetista começou a ganhar definitivamente as ruas.
No dia 23 de março de 1990, foi formada uma comissão integrada pelo ex-Secretário
do Interior, Ruzerte Ghaiger, e pelos prefeitos Enivaldo dos Anjos (Barra de São
Francisco), Dilo Binda (Colatina), Theodorico Ferraço (Cachoeiro de Itapemirim) e
Moacyr Assad Carone (Anchieta). Esse grupo ficou encarregado de providenciar um
ato político de apoio à candidatura de Albuíno, envolvendo a maioria dos prefeitos. A
campanha foi iniciada no dia 13 de junho de 1990, após a candidatura ter sido
plenamente assegurada. Até pouco tempo, Max Mauro ainda cogitava uma aliança
encabeçada pelo prefeito de Vitória, Vitor Buaiz, ou pelo prefeito de Cariacica, Vasco
Alves, sendo que ambos não aceitaram a candidatura sob o argumento de que
deveriam concluir seus mandatos, iniciados há pouco mais de um ano (OLIVEIRA,
2007).
3.1 A definição do quadro sucessório: movimentos e decisões dos
diferentes atores em disputa
A força adquirida pelas articulações que levaram o engenheiro Albuíno Cunha
Azeredo ao Governo do Estado do Espírito Santo teve estreita ligação com algumas
144
declarações feitas por José Inácio Ferreira. O Senador descartou publicamente
qualquer possibilidade de acordo que viabilizasse o apoio para sua candidatura do
Governador Max Mauro, por um lado, e do ex-governador Gerson Camata, por
outro. O candidato do PST repetiu inúmeras vezes que “correria em faixa própria”.
Segundo o jornalista Fernando Herkenhoff (apud MACEDO, 2007), que foi o
principal responsável pelos programas de TV de José Inácio, o Secretário de
Planejamento não era, de fato, o candidato preferido de Max Mauro, que
inicialmente depositou suas fichas numa aliança com José Inácio. Como esse último
não aceitou o convite, Albuíno percebeu o vazio e intensificou a construção da sua
candidatura. Na mesma ocasião, o vice-governador Carlos Alberto Cunha lançou
sua candidatura com o interesse deliberado de afrontar Max Mauro. O Senador
Gerson Camata, por sua vez, em diversos momentos cogitou o lançamento da sua
candidatura, protagonizando um jogo de indecisões que durou até junho de 1990
(VIEIRA, 1993).
Em seu livro, José Eugênio Vieira (1993) esclarece que, de um modo geral, os
principais partidos da oposição mantiveram-se atentos ao embate entre Max Mauro
e Gerson Camata, ao passo em que, cada um a sua maneira, tentavam encontrar o
melhor caminho para disputar o pleito. Após ter afirmado que suas alianças seriam
com os partidos de centro-esquerda. José Inácio surpreendeu a todos quando
decidiu aceitar o convite do Presidente Fernando Collor para ser o líder do Governo
no Senado. A primeira conseqüência dessa decisão foi a necessidade de se afastar
do PSDB, tendo que se filiar ao PST para disputar o Governo do Estado. Com isso,
os partidos de centro-esquerda suspenderam seus canais de interlocução com a
candidatura de José Inácio, até então cultivador da imagem de político progressista,
que havia lutado contra a Ditadura Militar. Mas que estranhamente alinhara-se a um
Presidente da República com perfil bastante conservador.
Em março de 1990 Max Mauro oficializou sua saída do PMDB, mas continuou
exercendo grande influência no interior desse partido. Inicialmente, Gerson Camata
permaneceu na sigla, ingressando pouco depois no pequeno PDC. Após medir suas
possibilidades de controlar a agremiação pela qual havia sido Governador, Camata
sentiu-se isolado diante do peso que Max Mauro continuava a exercer junto às
lideranças peemedebistas. Na segunda quinzena de abril, o senador Gerson
145
Camata propôs a José Inácio um acordo mediante o qual ambos participariam de
uma pesquisa de opinião. O preferido do eleitorado encabeçaria uma chapa na
disputa para o Governo Estadual, sendo que o menos cotado deveria retirar sua
candidatura para apoiar o outro. José Inácio não aceitou o pacto e se manteve
candidato. Esse impasse durou até o início da segunda quinzena de junho, quando
Camata anunciou seu apoio a José Inácio.
O PMDB anunciou que lançaria o Deputado Estadual de Douglas Puppin como
candidato a Governador. Entretanto, o parlamentar declinou da idéia logo no início
da campanha eleitoral. Em seu lugar entrou o Senador João Calmon, tendo como
candidato a vice-governador o ex-prefeito de Castelo e ex-secretário de Agricultura
Paulo Marcos Lomba Galvão, que em 1986 havia desempenhado papel central nas
articulações em torno da candidatura vitoriosa de Max Mauro ao Governo do Estado
(OLIVEIRA, 2007). Entre os partidos menores, o prefeito de Vitória, Vitor Buaiz,
nome mais cotado entre os petistas para disputar o Governo Estadual, anunciou em
abril de 1990 que não deixaria o Executivo da Capital para ser candidato a
Governador, alegando que não poderia deixar de cumprir seu mandato até o final. O
petista passou, então, a pregar a união dos partidos identificados por ele como
progressistas, a exemplo de PDT, PTB, PSB e PC do B (OLIVEIRA, 2007). No
entanto, essas quatro agremiações aderiram à candidatura de Albuíno, o que
causou grande insatisfação entre os petistas, que foram para a disputa coligados
apenas com o PCB, tendo como candidato a Governador o jornalista e vice-prefeito
de Vitória, Rogério Medeiros. No PRN, o empresário Paulo Loureiro venceu Carlos
Alberto Cunha numa polêmica convenção, lançando-se candidato a Governador pelo
partido do Presidente Fernando Collor, que havia empenhado seu apoio ao Senador
José Inácio.
Apesar da aparente tranqüilidade nas fileiras da principal campanha oposicionista,
propiciada pela adesão de Gerson Camata à candidatura de José Inácio, a escolha
do candidato a vice-governador da referida chapa foi marcada por uma crise de
grandes proporções, com rebatimentos diretos sobre o frustrante desempenho que o
candidato do PST teria nas eleições. Pelo acordo estabelecido na composição da
Frente Progressista Liberal, o PFL indicaria o candidato a vice-governador da chapa.
No entanto, o médico Luiz Buaiz, pefelista mais viável eleitoralmente, foi derrotado
146
na convenção do partido pelo Deputado Federal Pedro Ceolin, sobre quem recaiam
fortes acusações de envolvimento com o Crime Organizado. O núcleo formado por
José Inácio, Gerson Camata e Élcio Álvares resistiu à indicação de Ceolin como
candidato a vice-governador, ameaçando não subir no mesmo palanque com ele.
Todos esperavam que Ceolin cedesse às pressões e renunciasse ao posto, o que
não aconteceu. O impasse perdurou até o final da campanha, fornecendo vasta
munição para os adversários de José Inácio. Como veremos, o candidato
oposicionista teve muita dificuldade em lidar com toda a crise iniciada com a
indicação da vice-governadoria, o que trouxe resultados absolutamente danosos ao
seu desempenho eleitoral.
Já foi dito que nas fileiras governistas
148
foram dirigidos por Max Mauro para Enivaldo dos Anjos e Theodorico Ferraço, que
não aceitaram, alegando a necessidade de concluírem os mandatos nos seus
respectivos municípios. Com a consolidação do nome de Albuíno como candidato a
Governador, os prefeitos abriram mão de sua reivindicação inicial de ser um deles o
candidato a vice-governadoria. Além do discurso de que os Chefes dos Executivos
locais não haviam cumprido nem a metade dos seus mandatos, iniciados em março
de 1989, era forte o argumento segundo o qual a vaga de vice-governador deveria
ser usada nas negociações com aliados que ampliassem ainda mais o leque de
apoio da candidatura governista.
Havia uma definição de que a candidatura governista não poderia ficar restrita ao
PDT. Além de contar com o apoio de inúmeras lideranças ligadas à siglas que
estavam articulando outras candidaturas ao Governo do Estado – como o PFL e o
PMDB – era necessário ampliar o arco formal de alianças com os chamados partidos
de centro-esquerda. Albuíno incorporou muito bem essa concepção, como ficou
demonstrado na bem sucedida aproximação com o PSB e o PC do B. Não obstante,
Idivarcy destaca que havia a preocupação em manter um discurso equilibrado,
priorizando temas ligados às políticas públicas, em detrimento dos apelos
ideológicos. Ele cita um episódio ocorrido antes do início oficial da campanha, em
que o jornalista Marcelo Martins, assessor de imprensa de Albuíno, redigiu um
manifestado cujo conteúdo foi considerado muito “esquerdista”, o que o obrigou a
refazer todo o trabalho.
Após o registro da candidatura de Albuíno no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o
grupo passou a se dedicar à tarefa de escolher o candidato a vice-governador. O
nome do professor Rubens Gomes (PDT) foi registrado provisoriamente, enquanto
seguiam as articulações para a ocupação definitiva da vaga, que por fim coube ao
ex-prefeito de Nova Venécia e ex-presidente da Associação de Prefeitos e
Vereadores do Espírito Santo (APREVES), Adelson Salvador. Filiado ao PSB, ele
aceitou o convite após esboçar certa resistência, já que havia se preparado para
concorrer a uma vaga na Assembléia Legislativa, possuindo grandes chances de
obter êxito. Adelson era oriundo dos movimentos sociais ligados à Igreja e possuía
bom trânsito junto a alguns setores da esquerda capixaba.
148
foram dirigidos por Max Mauro para Enivaldo dos Anjos e Theodorico Ferraço, que
não aceitaram, alegando a necessidade de concluírem os mandatos nos seus
respectivos municípios. Com a consolidação do nome de Albuíno como candidato a
Governador, os prefeitos abriram mão de sua reivindicação inicial de ser um deles o
candidato a vice-governadoria. Além do discurso de que os Chefes dos Executivos
locais não haviam cumprido nem a metade dos seus mandatos, iniciados em março
de 1989, era forte o argumento segundo o qual a vaga de vice-governador deveria
ser usada nas negociações com aliados que ampliassem ainda mais o leque de
apoio da candidatura governista.
Havia uma definição de que a candidatura governista não poderia ficar restrita ao
PDT. Além de contar com o apoio de inúmeras lideranças ligadas à siglas que
estavam articulando outras candidaturas ao Governo do Estado – como o PFL e o
PMDB – era necessário ampliar o arco formal de alianças com os chamados partidos
de centro-esquerda. Albuíno incorporou muito bem essa concepção, como ficou
demonstrado na bem sucedida aproximação com o PSB e o PC do B. Não obstante,
Idivarcy destaca que havia a preocupação em manter um discurso equilibrado,
priorizando temas ligados às políticas públicas, em detrimento dos apelos
ideológicos. Ele cita um episódio ocorrido antes do início oficial da campanha, em
que o jornalista Marcelo Martins, assessor de imprensa de Albuíno, redigiu um
manifestado cujo conteúdo foi considerado muito “esquerdista”, o que o obrigou a
refazer todo o trabalho.
Após o registro da candidatura de Albuíno no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o
grupo passou a se dedicar à tarefa de escolher o candidato a vice-governador. O
nome do professor Rubens Gomes (PDT) foi registrado provisoriamente, enquanto
seguiam as articulações para a ocupação definitiva da vaga, que por fim coube ao
ex-prefeito de Nova Venécia e ex-presidente da Associação de Prefeitos e
Vereadores do Espírito Santo (APREVES), Adelson Salvador. Filiado ao PSB, ele
aceitou o convite após esboçar certa resistência, já que havia se preparado para
concorrer a uma vaga na Assembléia Legislativa, possuindo grandes chances de
obter êxito. Adelson era oriundo dos movimentos sociais ligados à Igreja e possuía
bom trânsito junto a alguns setores da esquerda capixaba.
149
Para marcar o início das suas atividades de campanha, Albuíno visitou os
municípios de Montanha, Colid
154
Eu liguei pro Azedo e falei: estou aqui neste rolo, numa campanha eleitoral,
e nós precisamos de montar uma equipe pra fazer essa campanha aqui
cara. Eu queria que você me ajudasse, me indicasse alguém, o partido
[PCB] sempre teve boas relações na mídia. Ele falou assim: Vou te indicar
um nome lá de Brasília, você liga pra ele. Ele está fazendo campanha no
Maranhão [...], no Ceará [...] e em Brasília [...].
7
O Próprio Idivarcy foi quem manteve o primeiro contato com Benjamin Sicsú, que
assumiu o compromisso de dividir a sua equipe para dar conta de mais uma
candidatura, agora no Espírito Santo. Foi enviado ao consultor político um pacote de
documentos e reportagens de jornais contendo dados coletados nas pesquisas e
informações sobre a vida pessoal de Albuíno, seu currículo profissional e sua
atuação como Secretário-chefe da COPLAN. Esse estudo prévio realizado pelos
profissionais de marketing – sobre as principais características do candidato – é uma
exigência estratégica de sociedades democratizadas em que as disputas eleitorais
assumem um conteúdo altamente personalista, compondo uma característica
elementar das Campanhas Modernizadas.
A personalização da política no Brasil é resultado de um sistema partidário fraco e
pouco representativo. Na maioria das vezes, o eleitorado vota em pessoas e não em
propostas. Os eleitores escolhem seus preferidos pela forma como percebem sua
imagem pública. Há pouca identificação com siglas partidárias ou plataformas de
governo, o voto é definido muito mais em função da figura do candidato. Os
profissionais de prestígio em suas carreiras profissionais, assim como aqueles de
bom desempenho em cargos públicos, tendem a ter uma imagem de sucesso e
151
pregados pelo candidato, como a defesa de maiores investimentos nos municípios e
de um projeto administrativo capaz de gerar crescimento econômico associado ao
bem estar social do povo capixaba. Foi sugerido, ainda, que tanto a pesquisa quanto
a estratégia de marketing do candidato fossem coordenadas por equipes de fora do
Estado. O objetivo era evitar o vazamento de informações estratégicas que
pudessem comprometer o bom andamento dos trabalhos a serem realizados:
[...] Todo mundo se conhecia aqui, e agente estava trabalhado com um
produto totalmente desconhecido. Era uma candidatura que a gente
precisava tomar todo cuidado com ela pra dar certo. E como todo mundo se
conhecia, até mesmo nos bares, no bate papo, saia coisas, porque era todo
mundo amigo. E era uma situação muito melindrosa, porque o Albuíno não
tinha nada, enquanto o Zé Inácio era líder do governo Collor, aquelas coisas
todas
6
.
Sob vários ângulos, a preocupação do principal estrategista de Albuíno naquela fase
inicial de profissionalização da candidatura era condizente com a estruturação de
uma Campanha Modernizada. De fato, as pesquisas de opinião estão entre os
principais instrumentos do marketing político, constituindo-se em peça fundamental
na orientação do planejamento e na estratégia da campanha. As sondagens servem
para orientar o trabalho a ser desenvolvido, uma vez que apresentam dados e
informações sobre as aspirações do eleitorado e o contexto político do período em
questão, elementos sem os quais é impossível estabelecer o posicionamento do
candidato conforme os padrões exigidos por uma Campanha Modernizada.
Figueiredo (2002, p. 21) destaca que “as pesquisas permitem aos estrategistas ou
aos ‘marketólogos’ descobrirem quais são as expectativas da população em um
determinado momento”, o que é “fundamental para delinear o posicionamento do
político”.
Mas não basta contratar pesquisas, é necessário que elas sejam sérias e de muita
credibilidade, já que o uso de sondagens não confiáveis pode ocasionar erros fatais,
inviabilizando o bom desempenho da estratégia adotada. Além disso, para a
interpretação correta da sondagem, “existe a necessidade de se saber ler os dados”,
atividade que deve ser desempenhada por profissionais especializados no assunto,
já que a leitura precipitada ou equivocada “será um desastre para a campanha”
(FIGUEIREDO, 2002, p. 19). Os responsáveis pela formatação da estratégia de
6
Entrevista.
159
D. Diretor dos Programas de Rádio e TV: Armando Mendes, ex-membro da
equipe de economia do jornal O Estado de São Paulo e responsável
pela estruturação da televisão e do jornal nacional de Angola.
E. Responsável pela Criação Gráfica: Ely,
9
designer com trabalho
reconhecido internacionalmente.
F. Responsável pelos efeitos visuais: José Bertoni, oriundo do Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT), e que posteriormente assumiu o cargo de
programador visual da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
G. Analista de pesquisas: Arthur Fonseca, especializado em tratamento
estatístico da informação.
As inúmeras peças publicitárias e ações de comunicação foram produzidas e
executadas visando à uniformidade de toda a propaganda do candidato. Nesse
sentido, o plano de comunicação da candidatura de Albuíno assumiu a forma de um
conjunto orquestrado de medidas comunicacionais, com destaque para a utilização
dos seguintes recursos:
1- Produção de material básico que incluía: brindes, camisas, outdoors,
cartazes, folders, “santinhos”, adesivos, etc;
2- Plataforma de trabalho, discurso de campanha e gerenciamento da imagem
do candidato em conformidade com o estilo de linguagem e o tipo de comunicação
previamente definidos;
3- Utilização de jingle cuja letra foi produzida em total sintonia com as
necessidades de comunicação da candidatura. O refrão da música, que podemos
identificar como uma mesclagem de rock e reggae, dizia:
Albuíno, este é o homem, que sabe administrar.
Albuíno é competência, seriedade e independência.
Este é o homem que chegou pra governar. Albuíno,
este é o homem [...].
9
As fontes consultadas não forneceram o sobrenome do profissional.
160
4- Produção de vinhetas e clips para rádio e TV, sempre no sentido de dar
grande visibilidade ao candidato, enfatizando suas ações à frente da Secretaria de
Planejamento.
Cabem aqui alguns comentários quanto à definição do jingle que caiu no gosto da
população e fez muito sucesso durante a campanha do candidato pedetista. Idivarcy
Martins destaca que o jingle de Albuíno foi um dos últimos a ser lançado, quando as
atividades dos demais correntes a Governador já eram animadas pelas suas
músicas. Ele conta que o empresário and2v u7o
154
Eu liguei pro Azedo e falei: estou aqui neste rolo, numa campanha eleitoral,
e nós precisamos de montar uma equipe pra fazer essa campanha aqui
cara. Eu queria que você me ajudasse, me indicasse alguém, o partido
[PCB] sempre teve boas relações na mídia. Ele falou assim: Vou te indicar
um nome lá de Brasília, você liga pra ele. Ele está fazendo campanha no
Maranhão [...], no Ceará [...] e em Brasília [...].
7
O Próprio Idivarcy foi quem manteve o primeiro contato com Benjamin Sicsú, que
assumiu o compromisso de dividir a sua equipe para dar conta de mais uma
candidatura, agora no Espírito Santo. Foi enviado ao consultor político um pacote de
documentos e reportagens de jornais contendo dados coletados nas pesquisas e
informações sobre a vida pessoal de Albuíno, seu currículo profissional e sua
atuação como Secretário-chefe da COPLAN. Esse estudo prévio realizado pelos
profissionais de marketing – sobre as principais características do candidato – é uma
exigência estratégica de sociedades democratizadas em que as disputas eleitorais
assumem um conteúdo altamente personalista, compondo uma característica
elementar das Campanhas Modernizadas.
A personalização da política no Brasil é resultado de um sistema partidário fraco e
pouco representativo. Na maioria das vezes, o eleitorado vota em pessoas e não em
propostas. Os eleitores escolhem seus preferidos pela forma como percebem sua
imagem pública. Há pouca identificação com siglas partidárias ou plataformas de
governo, o voto é definido muito mais em função da figura do candidato. Os
profissionais de prestígio em suas carreiras profissionais, assim como aqueles de
bom desempenho em cargos públicos, tendem a ter uma imagem de sucesso e
165
do eleitorado à candidatura. Em caso de processos com dois turnos, o ideal é que
ao superar a primeira etapa da disputa, o postulante verifique ainda o crescimento
das adesões ao seu nome, que só devem atingir o ponto máximo no momento
crucial das eleições. Se começar a declinar antes da vitória ter sido assegurada, o
que é comum em campanhas sem planejament
167
desencadeada após o crescimento da candidatura de Albuíno. A demissão teria
partido do Governador Max Mauro, conforme relato a seguir:
Quando o Albuíno começa a subir [...], o Max vem pra campanha. Quis vir
pra campanha. Nós não deixamos. A gente tinha pesquisa, que não podia o
Max vir pra campanha, o Max só podia vir pra campanha, quando tivesse o
jogo resolvido. Ele queria ir pra televisão e nós não deixamos. Então,
quando ele viu que não tinha jeito, ele fez isso. [...] Ele precisava mudar a
política de comunicação da campanha, pra ser o pai da criança [sic]. Não
era nada contra o Max, era uma campanha profissional.
17
De fato, uma pesquisa do IBOPE realizada em junho de 1990, com 840 pessoas,
demonstrou que uma grande parcela dos eleitores (41%) preferia votar em
candidatos que não tivessem participado de pleitos anteriores. Ficou explicitado,
ainda, que a maioria do eleitorado capixaba não se definia em função dos partidos,
“preferindo votar em pessoas”
18
. Os dados da sondagem demonstravam, portanto, a
simpatia da população capixaba pelos chamados outsider, ou seja, líderes que
defendem os interesses públicos sem serem vistas como políticos tradicionais.
Apesar da necessidade de se obter dividendos a partir da boa avaliação que a
população tinha do Governo Max Mauro, os defensores da tese relatada por Idivarcy
– como o próprio Benjamim Sicsú – sustentavam que o objetivo central na primeira
fase da propaganda televisiva era capitalizar em cima da história de vida de Albuíno
e do seu bom desempenho à frente da COPLAN. Nesse sentido, a propaganda
televisiva da Frente Democrática Capixaba deveria reforçar a imagem do técnico
preparado para governar e minimizar os vínculos entre o candidato e a política
tradicional, expressa na figura do Governador Capixaba.
A primeira aparição do Governador Max Mauro no Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral aconteceu no dia 23 de agosto de 1990, conforme relato do jornal A
Gazeta:
O governador Max Mauro [...] faz hoje a sua primeira gravação para o
programa eleitoral do TRE, levando o seu apoio ao candidato ao Governo
do Estado pela Frente Popular Capixaba, Albuíno Azeredo. O programa
será exibido à noite e, na sua estréia, Max faz uma avaliação de seu
governo e fala dos motivos que fizeram com que desse o seu apoio a
Albuíno para a sucessão estadual. ‘Porque ele é o melhor nome para o
Espírito Santo’, anunciará o governador
19
17
Entrevista.
18
A GAZETA. Eleitor prefere nomes.
157
Por sua vez, Grandi, Marins e Falcão (1992) também abordam o fato das pesquisas
quantitativas muitas vezes serem consideradas apenas um instrumento de aferição
das intenções de voto dos eleitores. Eles questionam a postura dos grandes
veículos de comunicação, que ocupam um tempo considerável dos seus telejornais
para apontarem a colocação dos candidatos durante a disputa eleitoral. Na opinião
dos autores, corroborada por nós, essa prática familiarizou numa parcela do
eleitorado a idéia de que o certo é votar em quem está na frente, estimulando o que
se convencionou chamar de “voto útil”. Da nossa parte, temos dado muita
importância à necessidade de se compreender que, na preparação da estratégia de
171
do primeiro turno, servindo para adaptar a estratégia do candidato “às exigências
próprias de uma disputa polarizada” (GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992, p. 122).
A reavaliação que levou à substituição de Benjamin Sicsú por Abreu na coordenação
de comunicação do candidato Albuíno Azeredo foi realizada após o início do Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral, equivalendo, portando, ao segundo grande
balanço da candidatura. O primeiro havia levado, justamente, à contratação de
Benjamin Sicsú após as constatações iniciais feitas pela empresa ASA – Criação e
Publicidade LTDA. O mais importante é notar que o ingresso das jornalistas Abreu e
Rodrigues na condução do setor de marketing da candidatura de Albuíno não
comprometeu o caráter da “cientifização” e o bom andamento da estratégia que
vinha sendo tocada por Benjamin Sicsú. As mudanças impostas por elas estiveram
de acordo com as exigências demonstradas pelas pesquisas de opinião na reta final
do primeiro turno e, particularmente, na segunda etapa das eleições, quando os
tempos de exibição dos candidatos no Horário Gratuito e Propaganda Eleitoral foram
igualados.
Quando Max Mauro assumiu o Governo, em 1987, Abreu havia saído da Rede
Gazeta. Um mês depois, foi convidada para trabalhar na TV oficial do Estado, a TV
Educativa. A proximidade do Governo favoreceu um convite do próprio Governador
para que coordenasse a campanha de Albuíno. A jornalista argumentou que preferia
se concentrar nos programas de rádio e televisão, porque não se sentia nem capaz,
nem com vontade de conduzir os trabalhos que implicavam articulação política, algo
novo para ela, o que fez com que chamasse Elizabete Rodrigues para desempenhar
essas funções. Quando recebeu o convite para trabalhar na campanha de Albuíno, a
jornalista Bete Rodrigues – como é conhecida no meio – estava exercendo a função
de secretária de redação do jornal A Gazeta, um cargo bastante cobiçado na
estrutura do jornal. Ainda assim, ela pediu demissão e aceitou o convite para
integrar a equipe de marketing do candidato pedetista. Na estrutura da coordenação
de campanha, Bete Rodrigues exerceu a gerência do comitê, cuja função principal
era supervisionar o trabalho das diferentes equipes. Ou seja, fazer aquilo que os
especialistas em disputas eleitorais chamam de colocar a “tropa na rua” (MACEDO,
2007). Os jornalistas Marcelo Martins e José Nunes permaneceram responsáveis,
159
D. Diretor dos Programas de Rádio e TV: Armando Mendes, ex-membro da
equipe de economia do jornal O Estado de São Paulo e responsável
pela estruturação da televisão e do jornal nacional de Angola.
E. Responsável pela Criação Gráfica: Ely,
9
designer com trabalho
reconhecido internacionalmente.
F. Responsável pelos efeitos visuais: José Bertoni, oriundo do Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT), e que posteriormente assumiu o cargo de
programador visual da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
G. Analista de pesquisas: Arthur Fonseca, especializado em tratamento
estatístico da informação.
As inúmeras peças publicitárias e ações de comunicação foram produzidas e
executadas visando à uniformidade de toda a propaganda do candidato. Nesse
sentido, o plano de comunicação da candidatura de Albuíno assumiu a forma de um
conjunto orquestrado de medidas comunicacionais, com destaque para a utilização
dos seguintes recursos:
1- Produção de material básico que incluía: brindes, camisas, outdoors,
cartazes, folders, “santinhos”, adesivos, etc;
2- Plataforma de trabalho, discurso de campanha e gerenciamento da imagem
do candidato em conformidade com o estilo de linguagem e o tipo de comunicação
previamente definidos;
3- Utilização de jingle cuja letra foi produzida em total sintonia com as
necessidades de comunicação da candidatura. O refrão da música, que podemos
identificar como uma mesclagem de rock e reggae, dizia:
Albuíno, este é o homem, que sabe administrar.
Albuíno é competência, seriedade e independência.
Este é o homem que chegou pra governar. Albuíno,
este é o homem [...].
9
As fontes consultadas não forneceram o sobrenome do profissional.
160
4- Produção de vinhetas e clips para rádio e TV, sempre no sentido de dar
grande visibilidade ao candidato, enfatizando suas ações à frente da Secretaria de
Planejamento.
Cabem aqui alguns comentários quanto à definição do jingle que caiu no gosto da
população e fez muito sucesso durante a campanha do candidato pedetista. Idivarcy
Martins destaca que o jingle de Albuíno foi um dos últimos a ser lançado, quando as
atividades dos demais correntes a Governador já eram animadas pelas suas
músicas. Ele conta que o empresário and2v u7o
174
Eleitoral, quando a estratégia de Albuíno estava centrada na realização dos
tradicionais corpo-a-corpo em cidades do interior e bairros da Grande Vitória:
Afinando seu discurso com as forças progressistas e assimilando o
generalizado descontentamento popular crescente no País com o plano
econômico dos tecnocratas colloridos, Albuíno foi a cada dia rompendo o
isolamento entre ele e as massas utilizando-se de um meio simples, mas
ainda comprovadamente eficiente nesses tempos modernos de se fazer
política: disposição e muita sola de sapato para agüentar o corpo-a-corpo
com o povo (MARTINS; DANTAS; SILVEIRA, 1991, p. 44).
No entanto, foi através das inserções nos meios eletrônicos que a contrapropaganda
para desestabilizar a campanha de José Inácio pôde ser intensificada, passando a
atingir massivamente o eleitorado capixaba. Como vimos, o candidato do PTN era
líder de Collor no Senado, o que facilitava a tarefa de associá-lo ao Presidente da
República. As peças publicitárias afirmavam: “Collor confiscou a sua poupança, José
Inácio é líder de Collor no Senado”. “Collor maltrata os aposentados, José Inácio é
líder de Collor no Senado”. O principal adversário da candidatura governista ganhou
também o apelido de “senador da recessão”. Em certa ocasião, ao comentar o
comportamento de José Inácio, que havia decidido não participar de debates
televisionados no primeiro turno das eleições, Albuíno provocou:
Isso é porque nos debates ele seria obrigado a explicar sua posição diante
do Governo Collor de Mello. Como líder do Senado, Inácio defende a
política recessiva que aí está, apóia os baixos salários, o confisco da
poupança, a privatização, a miséria do povo brasileiro. Como é que ele vai
poder explicar isso ao eleitorado?
21
.
A nova linha de campanha surtiu o resultado desejado. Em pouco tempo, José
Inácio ficou desacreditado junto à população e Albuíno disparou nas pesquisas.
Rubens Figueiredo (2002) explica que o marketing político permanente permite ao
candidato acompanhar as preocupações da população e estar sempre interagindo
com a sociedade e seus valores. Esse procedimento não deve limitar-se ao período
eleitoral, devendo servir para o aperfeiçoamento constante da imagem do homem
público. É preciso criar fatos que possam ser divulgados favoravelmente, evitando-
se a todo custo episódios que despertem a rejeição popular. Tudo isso facilitará o
trabalho na campanha eleitoral, pois o político já se encontrará posicionado perante
a opinião pública. Também é preciso acompanhar os fatos que modifiquem o cenário
21
A GAZETA. Candidato insiste em acusações. Vitória, 01 de out. de 1990, p. 03
162
Durante o primeiro turno, os programas de Albuíno foram gravados no estúdio da TV
Capixaba, de propriedade do empresário Valter Cavalcante. O Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral teve início no dia 02 de agosto de 1990, mediante um clima de
muitas expectativas, conforme relatou o jornal A Gazeta:
Aguarda-se com grande expectativa para hoje o primeiro programa dos
candidatos no horário gratuito de televisão, que marcará o início oficial da
campanha, já que até agora a divulgação de projetos políticos tem se
limitado a algumas inserções isoladas pelo interior do estado
12
No dia 03 de agosto de 1990, o jornal A Gazeta informou que vários blocos do
Programa Eleitoral Gratuito, iniciado na véspera, haviam apresentado baixa
qualidade técnica. Ao enfatizar a falta de criatividade dos candidatos, o repórter
destacou:
A visão de uma pocilga do candidato ao Senado pelo PSDB, João
Dalmácio, foi destaque, ontem, no primeiro programa do horário gratuito do
TRE pela televisão. Além da novidade, um ato de “pirataria”: a equipe de
José Inácio, candidato ao Governo, sem autorização, usou uma vinheta do
programa Espírito Santo Notícias, da TV Gazeta.
13
Como podemos perceber, a primeira propaganda eleitoral de José Inácio na
televisão foi citada entre as que haviam tido desempenho burlesco ou de qualidade
abaixo da esperada. Na falta de uma idéia mais criativa, os assessores do candidato
pelo PST recorreram ao uso não autorizado de um recurso sonoro pertencente à
principal rede de comunicação do Espírito Santo, que ao denunciar publicamente o
ato de “pirataria”, contribuiu para a associação da imagem de José Inácio à
categoria de políticos antiéticos, dispostos a fazerem uso de meios ilegais para
tirarem vantagens nas urnas. Por outro lado, a assessoria de Albuíno conseguiu
fazer com que o seu candidato utilizasse o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
de forma a transmitir uma imagem que correspondesse ao bem articulado discurso
que havia sido planejado para a aquela etapa da campanha:
[...] o candidato do PDT à sucessão, Albuíno Azeredo, tenta mostrar a força
da aliança suprapartidária que o representa. O prefeito de Cachoeiro de
Itapemirim, Teodorico Ferraço, aparece duas vezes, enquanto os
176
dia, um sábado, concedeu entrevista afirmando que Ceolin não subiria no seu
palanque.
A previsão do profissional de marketing não tardou em se confirmar. Na terça-feira
seguinte, durante a abertura oficial da campanha, José Inácio e o seu candidato a
vice-governador, Pedro Ceolin, estiveram lado a lado no mesmo palanque. Com
base nisso, a estratégia de Albuíno passou a explorar não só o suposto
envolvimento de Ceolin no assassinato de José Maria, mas também o episódio em
que José Inácio fizera tal afirmação. Por diversas vezes, a propaganda televisiva do
pedetista colocou no ar a pergunta: “Quem matou Feu Rosa?” Naturalmente, a
intenção explícita era levar os telespectadores a acreditarem que havia sido Pedro
Ceolin, o candidato a vice de José Inácio. Está dado que, numa Campanha
Modernizada, o candidato deve tentar aparecer com freqüência nos meios de
comunicação, posicionando-se de forma a fixar uma imagem positiva perante os
eleitores. No entanto, ao negligenciar a orientação do seu assessor, José Inácio
descumpriu uma regra básica, segundo a qual “essas aparições precisam ser bem
elaboradas para evitar gafes e colocações polêmicas que possam prejudicar a
candidatura” (FIGUEIREDO, 2002, p. 46).
Cabe-nos dizer, também, que Herkenhoff não foi o único membro da coordenação
de campanha de José Inácio a tirar conclusões negativas quanto ao comportamento
pessoal e às debilidades estratégicas do principal candidato da Oposição. Durante
uma reunião de apoiadores para avaliar os rumos candidatura, após a derrota da
Frente Liberal no primeiro turno das eleições, foi muito criticado o fato do Senador
ter perdido muito tempo com articulações políticas, “que deveriam ser de
responsabilidade de outras pessoas”. Segundo as avaliações das lideranças
presentes, o candidato do PST não havia se empenhado o suficiente no corpo-a-
corpo junto à população e minimizado a importância de realizar visitas mais intensas
aos municípios do interior. Além disso, foram registradas cobranças referentes às
dificuldades enfrentadas pelos apoiadores para se comunicarem com o comitê e
mesmo para terem acesso ao material de propaganda da candidatura
22
.
22
A GAZETA. Tenho que ir para as ruas. Vitória, 18 de out de 1990, p. 02
177
Os melhores resultados da estratégia de campanha do candidato Albuíno Azerado,
agora em notável ascensão, surgiram a partir da pesquisa do IBOPE realizada entre
os dias 01 e 11 de setembro. Na ocasião, o candidato Albuíno Azeredo havia
crescido oito pontos percentuais em relação à última pesquisa, divulgada em 17 de
agosto. A diferença entre ele e José Inácio havia caído de 29% para 12%. Os dados
demonstraram que a candidatura governista havia “embalado”, como se costuma
dizer no jargão político. Na pesquisa anterior, o principal concorrente da Oposição
tinha 40% das intenções de voto, contra 11% do situacionista. Na nova sondagem,
José Inácio caiu para 31%, enquanto Albuíno subiu para 19%. Rogério Medeiros
apareceu com 6% e os indecisos estavam na faixa dos 22%.
23
. Diante dos números,
o diretor do IBOPE, Carlos Augusto Montenegro, afirmou que o quadro no Espírito
Santo estava indefinido, sobretudo, em função do alto número de indecisos.
De fato, a combinação entre a curva de crescimento da candidatura pedetista e o
considerável número de indecisos inspirava otimismo nas fileiras do Governo
Estadual: estava praticamente certa a presença do candidato da Frente Democrática
Capixaba na segunda etapa das eleições. Albuíno, sua assessoria e seus aliados
mais próximos passaram a trabalhar com a meta de melhorar ao máximo o
desempenho da sua candidatura na reta final do primeiro turno. No mês de
setembro, Albuíno intensificou o ritmo da sua campanha com o objetivo de diminuir
ainda mais a distância entre ele e José Inácio, ou, preferencialmente, conquistar
uma “virada” para assumir a dianteira da corrida eleitoral. Uma equipe do jornal A
Gazeta acompanhou um dia de atividades do candidato durante o decisivo mês de
setembro, conforme relato a seguir:
‘Dá uma força pro Albuíno’, com essa frase, repetida a cada abraço e aperto
de mão, o candidato do PDT ao Palácio Anchieta iniciou um dia de corpo-a-
corpo na cansativa corrida de obstáculos que é a campanha eleitoral. [...] na
terça, dia 11, Albuíno Azeredo saiu a cata de votos numa verdadeira
maratona: pela manhã, feira do Bairro República e um giro pelas ruas de
Goiabeiras. À tarde, participação, no Palácio Anchieta, na solenidade de
compra de mais um ônibus para o Transcol, além de uma caminhada pela
Vila Rubim. À noite, inauguração de um comitê em Carapina e de um DPM
em Cobi de Baixo, Vila Velha
24
.
23
Ibid., IBOPE mostra ascensão da candidatura de Albuíno. Vitória, 13 de set de 1990, p. 03.
24
A GAZETA. Albuíno: a corrida de obstáculos. Vitória, 23 de set de 1990, p. 05
165
do eleitorado à candidatura. Em caso de processos com dois turnos, o ideal é que
ao superar a primeira etapa da disputa, o postulante verifique ainda o crescimento
das adesões ao seu nome, que só devem atingir o ponto máximo no momento
crucial das eleições. Se começar a declinar antes da vitória ter sido assegurada, o
que é comum em campanhas sem planejament
179
Democrática Capixaba terem sido cuidadosamente elaborados com o objetivo de
conquistar votos entre os mais de 50% de eleitores que ainda não haviam optado
por nenhum dos candidatos, conforme as sondagens anteriores vinham registrando.
Isso significa que o crescimento da candidatura de Albuíno, nessa fase do processo,
deu-se no embate direto com os seus concorrentes, revertendo votos, sobretudo, de
José Inácio. Esse elemento é de fundamental importância para percebermos o bom
desempenho da estratégia do candidato governista, que avançou não apenas sobre
o eleitorado indeciso, no momento seguinte da campanha. Mas, especialmente,
sobre eleitores que até o início de setembro haviam se manifestado em favor de
José Inácio
25
.
No que se refere à importância da televisão na fase mais decisiva da campanha de
Albuíno, vários analistas daquele processo (VIEIRA, 1993; BILICH; RODRIGUES,
2005; MACEDO, 2007) afirmam que uma das decisões fundamentais para a vitória
do candidato da Frente Democrática no primeiro turno foi a exibição televisiva de
uma peça na qual a mãe do candidato apareceu chorando diante das câmeras. O
depoimento de dona Normília defendendo seu filho foi ao ar no último dia do Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral, com o objetivo de neutralizar os ataques de José
Inácio, que na véspera chamara Albuíno de corrupto, durante um debate transmitido
pela TV Gazeta. O VT dirigido pelo experiente produtor Amylton de Almeida, sob a
coordenação de Abreu e Bete Rodrigues, desviou-se do roteiro planejado
inicialmente, mas acabou por fazer grande sucesso entre o eleitorado. Segundo
Jeanne Bilich (BILICH; FERREIRA, 2005, p. 11), Almeida recebeu orientação para
filmar a mãe de Albuíno e envolvê-la num clima de “história”, colocando uma flor na
mão da entrevistada e cobrindo-a com um xale. O objetivo era passar uma imagem
de classe média alta. O produtor cumpriu a tarefa, apesar de ter encontrado um
ambiente bastante adverso: “uma senhora bem magra, bastante enrugada”, muito
distante de uma realidade de classe remediada.
[Ele] colocou nos ombros da senhora um xale vinho, uma flor na sua mão e
postou-a em frente a uma cristaleira, recheada de peças ornamentais. A flor
não se harmonizava em absoluto com o ambiente, mas ainda assim foi
incluída na cena. O resultado final foi sofrível, com a imagem escura. Só a
flor vermelha destacava-se (BILICH, 2005, p. 11).
25
A GAZETA. IBOPE mostra empate entre Albuíno e José Inácio. Vitória, 25 de set de 1990, p. 03.
167
desencadeada após o crescimento da candidatura de Albuíno. A demissão teria
partido do Governador Max Mauro, conforme relato a seguir:
Quando o Albuíno começa a subir [...], o Max vem pra campanha. Quis vir
pra campanha. Nós não deixamos. A gente tinha pesquisa, que não podia o
Max vir pra campanha, o Max só podia vir pra campanha, quando tivesse o
jogo resolvido. Ele queria ir pra televisão e nós não deixamos. Então,
quando ele viu que não tinha jeito, ele fez isso. [...] Ele precisava mudar a
política de comunicação da campanha, pra ser o pai da criança [sic]. Não
era nada contra o Max, era uma campanha profissional.
17
De fato, uma pesquisa do IBOPE realizada em junho de 1990, com 840 pessoas,
demonstrou que uma grande parcela dos eleitores (41%) preferia votar em
candidatos que não tivessem participado de pleitos anteriores. Ficou explicitado,
ainda, que a maioria do eleitorado capixaba não se definia em função dos partidos,
“preferindo votar em pessoas”
18
. Os dados da sondagem demonstravam, portanto, a
simpatia da população capixaba pelos chamados outsider, ou seja, líderes que
defendem os interesses públicos sem serem vistas como políticos tradicionais.
Apesar da necessidade de se obter dividendos a partir da boa avaliação que a
população tinha do Governo Max Mauro, os defensores da tese relatada por Idivarcy
– como o próprio Benjamim Sicsú – sustentavam que o objetivo central na primeira
fase da propaganda televisiva era capitalizar em cima da história de vida de Albuíno
e do seu bom desempenho à frente da COPLAN. Nesse sentido, a propaganda
televisiva da Frente Democrática Capixaba deveria reforçar a imagem do técnico
preparado para governar e minimizar os vínculos entre o candidato e a política
tradicional, expressa na figura do Governador Capixaba.
A primeira aparição do Governador Max Mauro no Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral aconteceu no dia 23 de agosto de 1990, conforme relato do jornal A
Gazeta:
O governador Max Mauro [...] faz hoje a sua primeira gravação para o
programa eleitoral do TRE, levando o seu apoio ao candidato ao Governo
do Estado pela Frente Popular Capixaba, Albuíno Azeredo. O programa
será exibido à noite e, na sua estréia, Max faz uma avaliação de seu
governo e fala dos motivos que fizeram com que desse o seu apoio a
Albuíno para a sucessão estadual. ‘Porque ele é o melhor nome para o
Espírito Santo’, anunciará o governador
19
17
Entrevista.
18
A GAZETA. Eleitor prefere nomes.
181
debate realizado na véspera, enquanto Albuíno exibiu uma síntese da sua
plataforma de governo e uma declaração de apoio do Governador Max Mauro. As
cenas da mãe de Albuíno foram ao ar na segunda é última parte do programa da
Frente Democrática Capixaba:
Tendo como fundo musical a Oração de São Francisco de Assis cantada
por Fagner, Albuíno fez a sua despedida abraçado a mãe, deixando como
última imagem a inscrição: ‘Eu acredito na fé como a única força capaz de
mudar o destino do povo’
27
.
Logo após a exibição das cenas na televisão, os telefones do comitê de Albuíno
passaram a receber ligações de inúmeros eleitores declarando apoio ao candidato.
Os telespectadores interrogavam: “Quando é que vão repetir a entrevista com a mãe
de Albuíno?” (RODRIGUES apud BILICH, 2005, p. 11). Uma pesquisa do IBOPE
encomendada pela coordenação da campanha verificou que o depoimento de dona
Normília havia influenciado diretamente no crescimento das intenções de voto do
eleitorado, sendo que Albuíno havia subido oito pontos percentuais já no primeiro dia
de exibição do programa (VIEIRA, 1993). No dia 03 de outubro de 1990, Albuíno
assegurou a vitória nas urnas. Naquela época, a contagem dos votos demorava
vários dias, pois o sistema de urna eletrônica ainda não havia sido implantado no
Brasil. A larga vantagem do candidato pedetista sobre o seu principal concorrente
pôde ser percebida antes mesmo do término das apurações, como podemos
perceber no seguinte relato do jornal A Gazeta:
O candidato da Frente Democrática Capixaba, Albuíno Cunha Azeredo
(PDT), está vencendo as eleições em 26 dos 54 municípios capixabas nos
quais os trabalhos de apuração, até a noite de ontem, se encontravam
bastante avançados. José Inácio Ferreira, da Frente Liberal, está ganhando
em 18 localidades deste total. Em 10 municípios a disputa está polarizada
entre os dois candidatos, mas ainda não foi definida
28
.
Nessa ocasião, já se podia comprovar a importância do apoio declarado pela maioria
dos prefeitos ao candidato governista, pois a apuração apontava a vitória de Albuíno
na maior parte das cidades onde os Chefes do Executivo haviam se evolvido
diretamente na sua campanha. O resultado oficial do primeiro turno demonstrou que
Albuíno havia tido uma grande capacidade de reação frente aos resultados das
27
Ibid., Candidatos ao Governo monopolizam tempo na TV. 01 de out de 1990, p. 03.
28
A GAZETA. Albuíno vence na maioria dos municípios apurados. Vitória, 05 de out. de 1990,
p.03.
182
primeiras pesquisas de opinião, em meados do ano eleitoral. Ele foi vencedor em 38
municípios e José Inácio em 29. Albuíno obteve 356.754 votos, contra 291.196 de
José Inácio, 127.749 de Rogério Medeiros e 29.043 de João Calmon (VIEIRA, 1993,
p. 71).
A pesquisa do IBOPE realizada entre os dias 13 e 16 de outubro, sob encomenda da
Rede Gazeta, mostrou Albuíno com vinte e um pontos percentuais à frente de José
Inácio. O pedetista tinha 44% das intenções de votos, contra 23% do candidato da
Frente Liberal. Essa folgada liderança traduzia um crescimento de 1.100% da
candidatura governista, desde a publicação da primeira pesquisa do IBOPE, em 20
de julho. Já demonstramos que naquela ocasião Albuíno aparecera com 4% das
intenções de voto, conta 36% do Senador José Inácio.
29
Como veremos, a
candidatura governista manteria sua tendência de crescimento durante toda a última
etapa do processo eleitoral.
Encerrada a primeira fase da disputa, tiveram início as articulações para o segundo
turno das eleições estaduais. Albuíno adotou a estratégia de ampliar ainda mais o
seu leque de apoiadores, conseguindo a adesão formal do PSDB, do PCB, do
PMDB e do PT
30
. Nessa nova etapa do processo eleitoral, a estratégia de
comunicação da candidatura de Albuíno teve como principal objetivo a comprovação
da superioridade técnica do pedetista diante do adversário. Um dos pontos do
programa de governo mais enfatizado foi a prospecção de petróleo na costa do
Espírito Santo, que segundo o discurso do candidato melhoraria as condições
sociais do povo capixaba, com base numa política de desenvolvimento econômico
associado ao aumento da geração de emprego e renda.
Do outro lado da disputa, José Inácio insistia em divulgar o que ele chamava de
“dossiê da corrupção”, um conjunto de acusações sobre supostos crimes cometidos
por membros do Governo Max Mauro. Essa estratégia oposicionista já se
29
Ibid.,IBOPE mostra Albuíno com 44% e Inácio com 23%. Vitória, 18 de out. de 1990: p. 03.
30
No dia 28 de outubro de 1990 os petistas realizaram um encontro de filiados no qual foi definido o
apoio crítico à candidatura de Albuino no segundo turno das eleições. Ficou acertado que o PT faria
campanha com comitê próprio, não participaria do governo em caso de vitória eleitoral e condicionaria
o seu apoio à assinatura por parte de Albuino de um documento assumindo doze compromissos que
representavam as principais reivindicações do Partido dos Trabalhadores. (A GAZETA. PT dá apoio
critico e faz doze exigências a Albuino. Vitória, 29 de out. de 1990, p. 02).
170
Desde o início, temos usado a expressão Campanha Modernizada numa referência
ao conjunto integrado de técnicas de comunicação e orientações estratégicas que
marcam as disputas eleitorais no atual estágio das democracias contemporâneas.
Queremos reafirmar, portanto, que nosso principal objeto é a caracterização da
estratégia de Albuíno como marco de surgimento das Campanhas Modernizadas no
Espírito. Então, por um lado, abstemo-nos de emitir juízo de valor sobre qual equipe
teria desempenhado suas funções com maior profissionalismo e eficiência,
cumprindo o papel mais importante para a vitória do candidato; mas, por outro,
interessa-nos demonstrar que, tanto com Sicsú, como com Abreu, a estratégia de
comunicação do candidato Albuíno Azeredo foi conduzida sob a constante influência
de profissionais especializados. Sempre conforme o fenômeno que Habermas
(2003, p. 252-254) chamou de “cientifização”, mediante o qual os ativistas
voluntários e mesmo os dirigentes de partidos políticos têm seus espaços bastante
diminuídos no núcleo estratégico das candidaturas. Nesse sentido, destacamos que
as campanhas eleitorais vitoriosas passaram a ser multidisciplinares, envolvendo um
conjunto de profissionais de diversas áreas. As campanhas de improviso, “feitas
apenas na base da intuição e de acordos políticos” (GRANDI; MARINS; FALCÃO,
1992, p. 21) tiveram suas possibilidades de êxito bruscamente reduzidas.
Cabe-nos explicar, também, que a prática de realizar avaliações periódicas dos
rumos da candidatura – sempre para adequar a campanha ao potencial de voto do
candidato, ao comportamento do eleitorado e às ações dos demais concorrentes – é
uma prática comum nas Campanhas Modernizadas. O posicionamento estratégico
depende em grande medida da avaliação inicial; mas, em eleições com dois turnos e
Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, devem ser realizadas três grandes
reavaliações voltadas ao posicionamento tático das ações do candidato, em especial
àquelas relacionadas à propaganda política, conforme as exigências das diferentes
etapas do pleito. A primeira grande reavaliação deve ocorrer logo após as
convenções partidárias, quando o quadro de adversários estiver plenamente
decidido, o que permite a definição das principais táticas para a disputa do primeiro
turno. A segunda deve acontecer depois de iniciada a propaganda na televisão, o
que permitirá a mudança de rumos caso o principal instrumento de comunicação da
campanha não esteja surtindo os efeitos necessários. E a terceira após o resultado
171
do primeiro turno, servindo para adaptar a estratégia do candidato “às exigências
próprias de uma disputa polarizada” (GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992, p. 122).
A reavaliação que levou à substituição de Benjamin Sicsú por Abreu na coordenação
de comunicação do candidato Albuíno Azeredo foi realizada após o início do Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral, equivalendo, portando, ao segundo grande
balanço da candidatura. O primeiro havia levado, justamente, à contratação de
Benjamin Sicsú após as constatações iniciais feitas pela empresa ASA – Criação e
Publicidade LTDA. O mais importante é notar que o ingresso das jornalistas Abreu e
Rodrigues na condução do setor de marketing da candidatura de Albuíno não
comprometeu o caráter da “cientifização” e o bom andamento da estratégia que
vinha sendo tocada por Benjamin Sicsú. As mudanças impostas por elas estiveram
de acordo com as exigências demonstradas pelas pesquisas de opinião na reta final
do primeiro turno e, particularmente, na segunda etapa das eleições, quando os
tempos de exibição dos candidatos no Horário Gratuito e Propaganda Eleitoral foram
igualados.
Quando Max Mauro assumiu o Governo, em 1987, Abreu havia saído da Rede
Gazeta. Um mês depois, foi convidada para trabalhar na TV oficial do Estado, a TV
Educativa. A proximidade do Governo favoreceu um convite do próprio Governador
para que coordenasse a campanha de Albuíno. A jornalista argumentou que preferia
se concentrar nos programas de rádio e televisão, porque não se sentia nem capaz,
nem com vontade de conduzir os trabalhos que implicavam articulação política, algo
novo para ela, o que fez com que chamasse Elizabete Rodrigues para desempenhar
essas funções. Quando recebeu o convite para trabalhar na campanha de Albuíno, a
jornalista Bete Rodrigues – como é conhecida no meio – estava exercendo a função
de secretária de redação do jornal A Gazeta, um cargo bastante cobiçado na
estrutura do jornal. Ainda assim, ela pediu demissão e aceitou o convite para
integrar a equipe de marketing do candidato pedetista. Na estrutura da coordenação
de campanha, Bete Rodrigues exerceu a gerência do comitê, cuja função principal
era supervisionar o trabalho das diferentes equipes. Ou seja, fazer aquilo que os
especialistas em disputas eleitorais chamam de colocar a “tropa na rua” (MACEDO,
2007). Os jornalistas Marcelo Martins e José Nunes permaneceram responsáveis,
172
respectivamente, por cuidar da assessoria de imprensa e da produção de materiais
impressos da candidatura
20
.
As novas coordenadoras de campanha optaram por efetuar mudanças na estratégia
de comunicação do candidato. Até aquele momento, havia sido adotada a linha de
apresentar Albuíno como o candidato voltado para o desenvolvimento com justiça
social. Nessa nova fase da estratégia de comunicação, idealizada por Abreu e
Rodrigues, a imagem transmitida ao eleitor passou a ser a do candidato
predestinado a vencer. Como conseqüência, a campanha ficou muito mais
personificada em torno da figura do candidato, explicitando-se também uma alta
dose de apelo sedutor-emotivo. Todas as peças da campanha, em especial os
programas de rádio e de televisão, passaram a enfatizar a história de vida de
Albuíno. Na medida em que a candidatura governista crescia, o carisma e a
popularidade de Albuíno passaram a receber ênfase cada vez maior. Foram
utilizados raciocínios como: “Ele conseguiu chegar até aqui, e se você ajudá-lo, ele
chegará lá” (apud VIEIRA, 1993, p. 64), numa alusão às chances do candidato ser
eleito Governador do Espírito Santo. Após superar as dificuldades iniciais da sua
candidatura, Albuíno “decola” mediante a divulgação maciça do conjunto dos seus
atributos pessoais:
[...] Negro, pobre, vencedor das próprias adversidades, após vencer
também as batalhas das articulações próprias dos grupos políticos em
disputa pelo poder, Albuíno, por via da estratégia de divulgar uma
comovente e convincente história de vida através de todas as mídias
disponibilizadas para a campanha, toca direto nas aspirações e afetos de
milhares de pessoas, estabelecendo com elas identidade capaz de se
traduzir em centenas de milhares de votos (MACEDO, 2006, p. 83).
A estratégia de comunicação adotada estava em plena consonância com uma
Campanha Modernizada. A propaganda eleitoral de Albuíno foi dirigida por
profissionais que utilizaram técnicas sofisticadas para persuadir o eleitor. As
inserções foram montadas seguindo o mesmo repertório da publicidade comercial.
Elas visavam divulgar a imagem do candidato de forma positiva, para que sua figura
conquistasse a simpatia e a adesão do eleitorado através do apelo sedutor-emotivo.
Rubens Figueiredo (2002) explica que, nesses casos, as peças publicitárias
precisam ser montadas a partir de uma linha estratégia. As aparições televisivas
20
A GAZETA. Candidatos ganham novos assessores. Vitória, 16 de nov de 1990. p.03.
173
precisam refletir o planejamento realizado, mantendo a coerência entre a proposta
apresentada e as metas previamente estabelecidas.
O eleitor não é ingênuo, não se pode tentar enganá-lo. Deve-se, ao
contrário, procurar passar credibilidade, consolidando a imagem do
candidato, posicionando-o dentro do imaginário popular de forma que reflita
as suas aspirações e expectativas. Ao mesmo tempo, é fundamental que a
comunicação seja atrativa, para manter o eleitor atento diante de sua TV
(FIGUEIREDO, 2002, p. 45).
Abreu (apud MACEDO, 2006) esclarece que, além da presença de todos os
elementos citados até agora, como a exibição das características pessoais e da
história de vida do candidato, vinculadas à intensa utilização de recursos como a
personalização e o apelo sedutor-emotivo, o crescimento da candidatura de Albuíno
contou também com o uso massivo do recurso conhecido como contrapropaganda.
Sobretudo, a partir da reta final do segundo turno. Esse recurso, que foi disseminado
na Segunda Guerra Mundial, serve para baixar o moral dos adversários e causar
prejuízos capazes de influenciar, em alguma medida, o resultado final da disputa. A
técnica consiste em disseminar boatos, conceitos e algumas verdades de divulgação
indesejável pelo adversário, além de distorcer informações referentes às
características do adversário vistas como positivas pela população. “É uma
ferramenta de uso secundário, que não ganha a eleição sozinha”, mas que, em
muitos casos, “lança dúvidas e incertezas em relação ao concorrente,
desestruturando sua argumentação e prejudicando sua imagem” (FIGUEIREDO,
2002, p. 43).
Além de enaltecer as qualidades de Albuíno, a estratégia coordenada pelos
profissionais de marketing da campanha pedetista passou a desqualificar a atuação
política do adversário. Nesse sentido, foi marcante a associação da imagem de José
Inácio ao Presidente Fernando Collor, que enfrentava grande rejeição popular por ter
confiscado a poupança dos brasileiros, e mesmo assim não ter conseguido controlar
a inflação. Em livro publicado no ano de 1991, quando o calor da campanha eleitoral
ainda se fazia presente no meio político capixaba, Martins, Dantas e Silveira
esclarecem que os esforços para identificar a atuação do senador José Inácio com a
política recessiva do Presidente da República foram feitos desde os primeiros
momentos da campanha, anteriormente ao início do Horário Gratuito de Propaganda
174
Eleitoral, quando a estratégia de Albuíno estava centrada na realização dos
tradicionais corpo-a-corpo em cidades do interior e bairros da Grande Vitória:
Afinando seu discurso com as forças progressistas e assimilando o
generalizado descontentamento popular crescente no País com o plano
econômico dos tecnocratas colloridos, Albuíno foi a cada dia rompendo o
isolamento entre ele e as massas utilizando-se de um meio simples, mas
ainda comprovadamente eficiente nesses tempos modernos de se fazer
política: disposição e muita sola de sapato para agüentar o corpo-a-corpo
com o povo (MARTINS; DANTAS; SILVEIRA, 1991, p. 44).
No entanto, foi através das inserções nos meios eletrônicos que a contrapropaganda
para desestabilizar a campanha de José Inácio pôde ser intensificada, passando a
atingir massivamente o eleitorado capixaba. Como vimos, o candidato do PTN era
líder de Collor no Senado, o que facilitava a tarefa de associá-lo ao Presidente da
República. As peças publicitárias afirmavam: “Collor confiscou a sua poupança, José
Inácio é líder de Collor no Senado”. “Collor maltrata os aposentados, José Inácio é
líder de Collor no Senado”. O principal adversário da candidatura governista ganhou
também o apelido de “senador da recessão”. Em certa ocasião, ao comentar o
comportamento de José Inácio, que havia decidido não participar de debates
televisionados no primeiro turno das eleições, Albuíno provocou:
Isso é porque nos debates ele seria obrigado a explicar sua posição diante
do Governo Collor de Mello. Como líder do Senado, Inácio defende a
política recessiva que aí está, apóia os baixos salários, o confisco da
poupança, a privatização, a miséria do povo brasileiro. Como é que ele vai
poder explicar isso ao eleitorado?
21
.
A nova linha de campanha surtiu o resultado desejado. Em pouco tempo, José
Inácio ficou desacreditado junto à população e Albuíno disparou nas pesquisas.
Rubens Figueiredo (2002) explica que o marketing político permanente permite ao
candidato acompanhar as preocupações da população e estar sempre interagindo
com a sociedade e seus valores. Esse procedimento não deve limitar-se ao período
eleitoral, devendo servir para o aperfeiçoamento constante da imagem do homem
público. É preciso criar fatos que possam ser divulgados favoravelmente, evitando-
se a todo custo episódios que despertem a rejeição popular. Tudo isso facilitará o
trabalho na campanha eleitoral, pois o político já se encontrará posicionado perante
a opinião pública. Também é preciso acompanhar os fatos que modifiquem o cenário
21
A GAZETA. Candidato insiste em acusações. Vitória, 01 de out. de 1990, p. 03
175
político ou tenham grande repercussão junto à opinião pública, ajustando a imagem
sempre que necessário.
Sob essa ótica, podemos afirmar que, ao assumir a liderança do Governo Collor no
Senado, o candidato do PTN caminhou na contramão do que deveria fazer para
obter sucesso através de uma Campanha Modernizada. Entusiasmado com a
surpreendente vitória de Fernando Collor nas eleições de 1989, e com a
possibilidade de canalizar a popularidade e o peso da máquina administrativa do
Governo Federal, o Senador José Inácio não esteve atento ao fato de que o confisco
da poupança dos brasileiros e a continuidade da recessão haviam inaugurado uma
fase de queda da popularidade do Presidente da República, o que lhe traria reflexos
negativos como candidato a Governador do Espírito Santo.
De um modo geral, a estratégia da principal candidatura de oposição demonstrou-se
um “[...] case de marketing de insucesso. Uma sucessão de erros, uma campanha
desastrosa e desastrada”. A força dessa afirmação reside no fato dela ter sido
proferida pelo jornalista Fernando Herkenhoff (apud MACEDO, 2006, p. 105),
exatamente o profissional que coordenou os programas de televisão do candidato
José Inácio Ferreira durante o primeiro turno das eleições. Ele afirma que o pleito foi
perdido antes mesmo da campanha propriamente dita começar. Isso devido a uma
declaração impensada por feita pelo candidato do PTN, fornecendo munição para
que a contrapropaganda do adversário explorasse com força máxima os episódios
em torno da crise que marcou a escolha do candidato a vice-governador da chapa
encabeçada por José Inácio.
Ao receber a notícia de que o jornal A Gazeta denunciaria o fato de Pedro Ceolin
estar envolvido no assassinato do prefeito do município da Serra, José Maria Miguel
Feu Rosa, ocorrido em 1989, José Inácio teria declarado que Ceolin não subiria no
seu palanque. Advertido por Herkenhoff de que não deveria fazer aquele tipo de
afirmação em público, pois teria que conviver com seu candidato a vice no palanque,
José Inácio retrucou que, inclusive, chamaria a imprensa para fazer tal declaração
em púbico. Uma vez mais, Herkenhoff advertiu: “– Não faça isso, porque o senhor
não vai conseguir”. Irrequieto, José Inácio convocou a imprensa e, naquele mesmo
176
dia, um sábado, concedeu entrevista afirmando que Ceolin não subiria no seu
palanque.
A previsão do profissional de marketing não tardou em se confirmar. Na terça-feira
seguinte, durante a abertura oficial da campanha, José Inácio e o seu candidato a
vice-governador, Pedro Ceolin, estiveram lado a lado no mesmo palanque. Com
base nisso, a estratégia de Albuíno passou a explorar não só o suposto
envolvimento de Ceolin no assassinato de José Maria, mas também o episódio em
que José Inácio fizera tal afirmação. Por diversas vezes, a propaganda televisiva do
pedetista colocou no ar a pergunta: “Quem matou Feu Rosa?” Naturalmente, a
intenção explícita era levar os telespectadores a acreditarem que havia sido Pedro
Ceolin, o candidato a vice de José Inácio. Está dado que, numa Campanha
Modernizada, o candidato deve tentar aparecer com freqüência nos meios de
comunicação, posicionando-se de forma a fixar uma imagem positiva perante os
eleitores. No entanto, ao negligenciar a orientação do seu assessor, José Inácio
descumpriu uma regra básica, segundo a qual “essas aparições precisam ser bem
elaboradas para evitar gafes e colocações polêmicas que possam prejudicar a
candidatura” (FIGUEIREDO, 2002, p. 46).
Cabe-nos dizer, também, que Herkenhoff não foi o único membro da coordenação
de campanha de José Inácio a tirar conclusões negativas quanto ao comportamento
pessoal e às debilidades estratégicas do principal candidato da Oposição. Durante
uma reunião de apoiadores para avaliar os rumos candidatura, após a derrota da
Frente Liberal no primeiro turno das eleições, foi muito criticado o fato do Senador
ter perdido muito tempo com articulações políticas, “que deveriam ser de
responsabilidade de outras pessoas”. Segundo as avaliações das lideranças
presentes, o candidato do PST não havia se empenhado o suficiente no corpo-a-
corpo junto à população e minimizado a importância de realizar visitas mais intensas
aos municípios do interior. Além disso, foram registradas cobranças referentes às
dificuldades enfrentadas pelos apoiadores para se comunicarem com o comitê e
mesmo para terem acesso ao material de propaganda da candidatura
22
.
22
A GAZETA. Tenho que ir para as ruas. Vitória, 18 de out de 1990, p. 02
177
Os melhores resultados da estratégia de campanha do candidato Albuíno Azerado,
agora em notável ascensão, surgiram a partir da pesquisa do IBOPE realizada entre
os dias 01 e 11 de setembro. Na ocasião, o candidato Albuíno Azeredo havia
crescido oito pontos percentuais em relação à última pesquisa, divulgada em 17 de
agosto. A diferença entre ele e José Inácio havia caído de 29% para 12%. Os dados
demonstraram que a candidatura governista havia “embalado”, como se costuma
dizer no jargão político. Na pesquisa anterior, o principal concorrente da Oposição
tinha 40% das intenções de voto, contra 11% do situacionista. Na nova sondagem,
José Inácio caiu para 31%, enquanto Albuíno subiu para 19%. Rogério Medeiros
apareceu com 6% e os indecisos estavam na faixa dos 22%.
23
. Diante dos números,
o diretor do IBOPE, Carlos Augusto Montenegro, afirmou que o quadro no Espírito
Santo estava indefinido, sobretudo, em função do alto número de indecisos.
De fato, a combinação entre a curva de crescimento da candidatura pedetista e o
considerável número de indecisos inspirava otimismo nas fileiras do Governo
Estadual: estava praticamente certa a presença do candidato da Frente Democrática
Capixaba na segunda etapa das eleições. Albuíno, sua assessoria e seus aliados
mais próximos passaram a trabalhar com a meta de melhorar ao máximo o
desempenho da sua candidatura na reta final do primeiro turno. No mês de
setembro, Albuíno intensificou o ritmo da sua campanha com o objetivo de diminuir
ainda mais a distância entre ele e José Inácio, ou, preferencialmente, conquistar
uma “virada” para assumir a dianteira da corrida eleitoral. Uma equipe do jornal A
Gazeta acompanhou um dia de atividades do candidato durante o decisivo mês de
setembro, conforme relato a seguir:
‘Dá uma força pro Albuíno’, com essa frase, repetida a cada abraço e aperto
de mão, o candidato do PDT ao Palácio Anchieta iniciou um dia de corpo-a-
corpo na cansativa corrida de obstáculos que é a campanha eleitoral. [...] na
terça, dia 11, Albuíno Azeredo saiu a cata de votos numa verdadeira
maratona: pela manhã, feira do Bairro República e um giro pelas ruas de
Goiabeiras. À tarde, participação, no Palácio Anchieta, na solenidade de
compra de mais um ônibus para o Transcol, além de uma caminhada pela
Vila Rubim. À noite, inauguração de um comitê em Carapina e de um DPM
em Cobi de Baixo, Vila Velha
24
.
23
Ibid., IBOPE mostra ascensão da candidatura de Albuíno. Vitória, 13 de set de 1990, p. 03.
24
A GAZETA. Albuíno: a corrida de obstáculos. Vitória, 23 de set de 1990, p. 05
178
Albuíno havia seguido um roteiro intenso de atividades desde o início da campanha,
no entanto, os relatos da mídia deixam claro que as andanças do candidato foram
intensificadas na reta final do primeiro turno. Quanto a essa prática, comum nos
processos eleitorais, Gaudêncio Torquato (1985, p. 22) observa que, ao entrar na
vida pública, a pessoa transforma-se “numa espécie de ser coletivo”. Corroboramos
a posição do autor, sobretudo, ao destacar que essa característica é acentuada
durante as campanhas eleitorais, que se constituem em batalhas nas quais é exigida
dedicação em tempo integral. As pessoas que postulam a cargos eletivos precisam
ter disposição para participar de todos os acontecimentos socialmente significativos:
O bom candidato é aquele que parece onisciente, isto é, está presente em
todos os momentos políticos e sociais de relevo. E não pode, por outro lado,
esquecer seus compromissos com os programas rigorosos que lhe impõe a
assessoria. Esses programas incorporam um método de ação, com horários
fixos, deslocamentos, reuniões de trabalho, etc (TORQUATO, 1985, p. 22).
Segundo a nossa avaliação, o contato direto entre o candidato e o eleitor, através do
chamado corpo-a-corpo, permanece como uma ferramenta de grande utilidade. Na
verdade, com uso da televisão em campanas eleitorais, essa prática adquiriu um
sentido muito mais importante. Ao exibir na TV as cenas em que aparece interagindo
com o ambiente quotidiano do eleitor – como o seu local de trabalho, o seu bairro e
a sua rua – o candidato estabelece uma linha de comunicação direta com todos
aqueles que se identificam com o local e o contexto em questão. Uma visita a um
vilarejo distante pode ser assistida por milhares de telespectadores, que, através da
mídia eletrônica, podem perceber o político como alguém que “vai onde o povo está”
e escuta seus problemas, “procurando conhecer a realidade daquelas pessoas
visitadas” (FIGUEIREDO, 2002, p. 48).
No dia 24 de setembro de 1990, a Rede Globo divulgou uma pesquisa do IBOPE na
qual Albuíno e José Inácio apareceram empatados com 29% das intenções de voto.
O pedetista havia conseguido tirar a diferença de doze pontos registrada na última
sondagem. A virada era uma questão de pouquíssimo tempo. Rogério Medeiros
permanecia na terceira posição, com 5% de aceitação dos eleitores, e bem distante
dos líderes da corrida eleitoral. O IPOBE registrou ainda 14% de votos brancos e
nulos e 20% de indecisos. Os dados mostraram que as intenções de votos nulos e
brancos, assim como o número de indecisos, não tinham se alterando
consideravelmente até aquele momento. Apesar dos programas de TV da Frente
179
Democrática Capixaba terem sido cuidadosamente elaborados com o objetivo de
conquistar votos entre os mais de 50% de eleitores que ainda não haviam optado
por nenhum dos candidatos, conforme as sondagens anteriores vinham registrando.
Isso significa que o crescimento da candidatura de Albuíno, nessa fase do processo,
deu-se no embate direto com os seus concorrentes, revertendo votos, sobretudo, de
José Inácio. Esse elemento é de fundamental importância para percebermos o bom
desempenho da estratégia do candidato governista, que avançou não apenas sobre
o eleitorado indeciso, no momento seguinte da campanha. Mas, especialmente,
sobre eleitores que até o início de setembro haviam se manifestado em favor de
José Inácio
25
.
No que se refere à importância da televisão na fase mais decisiva da campanha de
Albuíno, vários analistas daquele processo (VIEIRA, 1993; BILICH; RODRIGUES,
2005; MACEDO, 2007) afirmam que uma das decisões fundamentais para a vitória
do candidato da Frente Democrática no primeiro turno foi a exibição televisiva de
uma peça na qual a mãe do candidato apareceu chorando diante das câmeras. O
depoimento de dona Normília defendendo seu filho foi ao ar no último dia do Horário
Gratuito de Propaganda Eleitoral, com o objetivo de neutralizar os ataques de José
Inácio, que na véspera chamara Albuíno de corrupto, durante um debate transmitido
pela TV Gazeta. O VT dirigido pelo experiente produtor Amylton de Almeida, sob a
coordenação de Abreu e Bete Rodrigues, desviou-se do roteiro planejado
inicialmente, mas acabou por fazer grande sucesso entre o eleitorado. Segundo
Jeanne Bilich (BILICH; FERREIRA, 2005, p. 11), Almeida recebeu orientação para
filmar a mãe de Albuíno e envolvê-la num clima de “história”, colocando uma flor na
mão da entrevistada e cobrindo-a com um xale. O objetivo era passar uma imagem
de classe média alta. O produtor cumpriu a tarefa, apesar de ter encontrado um
ambiente bastante adverso: “uma senhora bem magra, bastante enrugada”, muito
distante de uma realidade de classe remediada.
[Ele] colocou nos ombros da senhora um xale vinho, uma flor na sua mão e
postou-a em frente a uma cristaleira, recheada de peças ornamentais. A flor
não se harmonizava em absoluto com o ambiente, mas ainda assim foi
incluída na cena. O resultado final foi sofrível, com a imagem escura. Só a
flor vermelha destacava-se (BILICH, 2005, p. 11).
25
A GAZETA. IBOPE mostra empate entre Albuíno e José Inácio. Vitória, 25 de set de 1990, p. 03.
180
De início, as imagens foram reprovadas por Abreu, responsável direta pelos
programas de televisão, que chegou a vetar a exibição da peça com a mãe do
candidato, argumentando problemas técnicos de produção. No entanto, Amylton de
Almeida e Bete Rodrigues haviam gostado do conteúdo da fala de dona Normília,
repleta de termos no diminutivo: “o sapatinho dele”, “meu filinho”. Os outros dois
principais membros da equipe de Abreu convenceram-na a exibir o VT, sob o
argumento de que “televisão é emoção sobrepondo-se à questão técnica” (apud
BILICH, 2005, p. 11). Os responsáveis pelo setor de marketing da campanha de
Albuíno concluíram que a exibição da cena seria uma jogada de grande apelo
sedutor-emotivo, algo imprescindível, sobretudo, nas fases mais acirradas e
decisivas de uma Campanha Modernizada.
Os episódios que levariam à produção da peça com a mãe de Albuíno foram
desencadeados a partir do transmitido pela TV Gazeta no dia 29 de setembro de
1990, um sábado. Pela primeira e única vez, todos os candidatos estavam
presentes. As discussões foram muito polêmicas, ficando polarizadas entre os dois
concorrentes que lideravam as intenções de voto constatadas nas pesquisas de
opinião. Uma vez mais, o pedetista centrou suas críticas no envolvimento de José
Inácio com o Governo Collor. Enquanto o principal candidato da Oposição acusou
Albuíno de comandar um esquema de Corrupção no Governo Max Mauro, mediante
o favorecimento de empreiteiras responsáveis por obras da Secretaria de
Planejamento. O acirramento entre ambos foi tão grande que os candidatos do PT,
Rogério Medeiros, e do PMDB, João Calmon, ameaçaram sair do debate caso
Albuíno e José Inácio não contivessem seus ímpetos
26
.
A última veiculação do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral – antes da votação
do primeiro turno – aconteceu no dia 30 de setembro de 1990. As coligações optam
por dedicar a maior parte do seu tempo aos seus candidatos a Governador do
Estado, deixando um espaço irrisório para os que concorriam às vagas de Deputado
e Senador. No encerramento dessa primeira fase de exibição televisiva, Albuíno e
José Inácio optaram por estratégias bem diferentes. Nos primeiros momentos dos
seus respectivos programas, o candidato do PST apresentou trechos editados do
26
A GAZETA. Polêmica entre Inácio e Albuíno tumultua debate. 01 de out de 1990, p. 02
181
debate realizado na véspera, enquanto Albuíno exibiu uma síntese da sua
plataforma de governo e uma declaração de apoio do Governador Max Mauro. As
cenas da mãe de Albuíno foram ao ar na segunda é última parte do programa da
Frente Democrática Capixaba:
Tendo como fundo musical a Oração de São Francisco de Assis cantada
por Fagner, Albuíno fez a sua despedida abraçado a mãe, deixando como
última imagem a inscrição: ‘Eu acredito na fé como a única força capaz de
mudar o destino do povo’
27
.
Logo após a exibição das cenas na televisão, os telefones do comitê de Albuíno
passaram a receber ligações de inúmeros eleitores declarando apoio ao candidato.
Os telespectadores interrogavam: “Quando é que vão repetir a entrevista com a mãe
de Albuíno?” (RODRIGUES apud BILICH, 2005, p. 11). Uma pesquisa do IBOPE
encomendada pela coordenação da campanha verificou que o depoimento de dona
Normília havia influenciado diretamente no crescimento das intenções de voto do
eleitorado, sendo que Albuíno havia subido oito pontos percentuais já no primeiro dia
de exibição do programa (VIEIRA, 1993). No dia 03 de outubro de 1990, Albuíno
assegurou a vitória nas urnas. Naquela época, a contagem dos votos demorava
vários dias, pois o sistema de urna eletrônica ainda não havia sido implantado no
Brasil. A larga vantagem do candidato pedetista sobre o seu principal concorrente
pôde ser percebida antes mesmo do término das apurações, como podemos
perceber no seguinte relato do jornal A Gazeta:
O candidato da Frente Democrática Capixaba, Albuíno Cunha Azeredo
(PDT), está vencendo as eleições em 26 dos 54 municípios capixabas nos
quais os trabalhos de apuração, até a noite de ontem, se encontravam
bastante avançados. José Inácio Ferreira, da Frente Liberal, está ganhando
em 18 localidades deste total. Em 10 municípios a disputa está polarizada
entre os dois candidatos, mas ainda não foi definida
28
.
Nessa ocasião, já se podia comprovar a importância do apoio declarado pela maioria
dos prefeitos ao candidato governista, pois a apuração apontava a vitória de Albuíno
na maior parte das cidades onde os Chefes do Executivo haviam se evolvido
diretamente na sua campanha. O resultado oficial do primeiro turno demonstrou que
Albuíno havia tido uma grande capacidade de reação frente aos resultados das
27
Ibid., Candidatos ao Governo monopolizam tempo na TV. 01 de out de 1990, p. 03.
28
A GAZETA. Albuíno vence na maioria dos municípios apurados. Vitória, 05 de out. de 1990,
p.03.
182
primeiras pesquisas de opinião, em meados do ano eleitoral. Ele foi vencedor em 38
municípios e José Inácio em 29. Albuíno obteve 356.754 votos, contra 291.196 de
José Inácio, 127.749 de Rogério Medeiros e 29.043 de João Calmon (VIEIRA, 1993,
p. 71).
A pesquisa do IBOPE realizada entre os dias 13 e 16 de outubro, sob encomenda da
Rede Gazeta, mostrou Albuíno com vinte e um pontos percentuais à frente de José
Inácio. O pedetista tinha 44% das intenções de votos, contra 23% do candidato da
Frente Liberal. Essa folgada liderança traduzia um crescimento de 1.100% da
candidatura governista, desde a publicação da primeira pesquisa do IBOPE, em 20
de julho. Já demonstramos que naquela ocasião Albuíno aparecera com 4% das
intenções de voto, conta 36% do Senador José Inácio.
29
Como veremos, a
candidatura governista manteria sua tendência de crescimento durante toda a última
etapa do processo eleitoral.
Encerrada a primeira fase da disputa, tiveram início as articulações para o segundo
turno das eleições estaduais. Albuíno adotou a estratégia de ampliar ainda mais o
seu leque de apoiadores, conseguindo a adesão formal do PSDB, do PCB, do
PMDB e do PT
30
. Nessa nova etapa do processo eleitoral, a estratégia de
comunicação da candidatura de Albuíno teve como principal objetivo a comprovação
da superioridade técnica do pedetista diante do adversário. Um dos pontos do
programa de governo mais enfatizado foi a prospecção de petróleo na costa do
Espírito Santo, que segundo o discurso do candidato melhoraria as condições
sociais do povo capixaba, com base numa política de desenvolvimento econômico
associado ao aumento da geração de emprego e renda.
Do outro lado da disputa, José Inácio insistia em divulgar o que ele chamava de
“dossiê da corrupção”, um conjunto de acusações sobre supostos crimes cometidos
por membros do Governo Max Mauro. Essa estratégia oposicionista já se
29
Ibid.,IBOPE mostra Albuíno com 44% e Inácio com 23%. Vitória, 18 de out. de 1990: p. 03.
30
No dia 28 de outubro de 1990 os petistas realizaram um encontro de filiados no qual foi definido o
apoio crítico à candidatura de Albuino no segundo turno das eleições. Ficou acertado que o PT faria
campanha com comitê próprio, não participaria do governo em caso de vitória eleitoral e condicionaria
o seu apoio à assinatura por parte de Albuino de um documento assumindo doze compromissos que
representavam as principais reivindicações do Partido dos Trabalhadores. (A GAZETA. PT dá apoio
critico e faz doze exigências a Albuino. Vitória, 29 de out. de 1990, p. 02).
183
demonstrara inábil no primeiro turno, trazendo conseqüências ainda mais danosas
na etapa final. Enquanto a candidatura de Albuíno crescia, José Inácio centrou a
maior parte do seu tempo tentado emplacar denúncias que não obtiveram aceitação
junto ao eleitorado. Além de procurar reforçar a identidade existente entre o
candidato da Frente Progressista Liberal e o Presidente Fernando Collor. Ou seja,
na etapa decisiva das eleições, a equipe de José Inácio continuou a demonstrar
inabilidade na interpretação das pesquisas de opinião, o que poderia ter permitido a
construção de uma estratégia que amenizasse os pontos fracos e enaltecesse os
pontos fortes da candidatura. Tal comportamento poderia não ter garantindo a vitória
da Oposição, mas certamente teria dificultado um pouco mais o desempenho da
candidatura de Albuíno.
A campanha da Frente Democrática Capixaba foi reforçada, no segundo turno, com
recursos humanos e materiais enviados por Leonel Brizola (PDT), que naquele ano
elegeu-se Governador do Rio de Janeiro. Os programas de televisão deixaram de
contar com o suporte da TV Capixaba, passando a ser produzidos numa moderna
ilha de edição, composta por equipamentos que durante o primeiro turno haviam
sido utilizados pelo histórico líder pedetista. A interlocução entre Albuíno e Leonel
Brizola foi mantida através do técnico de planejamento Pitágoras Castilho Müller,
que desde o final da década de 1970 acumulara experiência profissional em
disputas políticas no Rio de Janeiro. Muller ficou encarregado, também, de
providenciar depoimentos de artistas em apoio a Albuíno. Além disso, militantes do
PDT carioca foram deslocados em grande quantidade para o Espírito Santo, onde
passaram a executar tarefas como a distribuição de material. No entanto, o núcleo
profissional que havia assumido a responsabilidade de conduzir a estratégia de
comunicação da campanha após o afastamento de Benjamin Sicsú não passou por
alterações substanciais. Jane Mary, Elizabeth Rodrigues, Marcelo Martins e José
Nunes continuaram a exercer suas tarefas durante o segundo turno
31
.
No dia 14 de novembro de 1990, a revista Isto É Senhor – de grande circulação em
todo o país – traçou comentários sobre a grande repercussão nacional diante dos
31
A GAZETA. Candidatos ganham novos assessores. Vitória, 16 de nov de 1990, p. 03.
184
resultados das pesquisas que previam a “fenomenal” vitória de Albuíno Azeredo na
disputa para Governador do Espírito Santo. Conforme demonstramos a seguir:
O impacto é avassalador na política do Espírito Santo: Albuíno Azeredo,
candidato a governador pelo PDT, já lidera a última pesquisa eleitoral com
51% das intenções de voto, enquanto seu adversário, senador José Inácio
Ferreira, despenca para o fraco índice de 19% Não há registro de um
fenômeno eleitoral semelhante na história política do Estado
32
.
Um pouco adiante, a mesma reportagem enfatiza traços da história de vida do
candidato da Frente Democrática Capixaba e a sua inexperiência em disputas
eleitorais. Além do fato de Albuíno ser negro, o que teoricamente poderia ter
dificultado a sua campanha junto aos descendentes de europeus que constituíam
grande parcela do eleitorado capixaba. Segundo a opinião da revista, corroborada
por nós, esses elementos realçavam ainda mais o desempenho de Albuíno Azeredo.
O até pouco tempo desconhecido Secretário de Planejamento do Governo Max
Mauro estava prestes a derrotar nomes tradicionais da política capixaba, que
contavam ainda com o apoio do Presidente da República, Fernando Collor de Melo.
Vejamos a passagem que trata deste assunto:
Há outros fatores que tornam até mais forte a onda Azeredo. Em primeiro
lugar, ele é estreante na política e parece disposto a abalar a carreira de
Ferreira, líder do Governo Collor [no Senado]. Além do mais, Azeredo é
negro e foi criado na periferia pobre de Vitória [...] Sua provável vitória
humilharia, assim, o governo Collor por um lado. E no outro flanco, passaria
por cima do reconhecido preconceito das colônias italiana e alemã no
Espírito Santo – que constituem, com seus descendentes, cerca de 40% da
população do Espírito Santo
33
.
Ao ser indagado pela revista Isto É Senhor quanto aos motivos que teriam
provocado o inesperado crescimento de Albuíno e a conseqüente frustração das
expectativas de José Inácio, o cientista político João Gualberto Vasconcelos avaliou
que o desempenho negativo da candidatura do PST estava diretamente relacionado
a “alguns erros fundamentais” cometidos durante a campanha. Segundo o
experiente analista, um dos principais deslizes da estratégia oposicionista foi
descuidar-se da imagem pública do candidato, deixando de criar o ambiente
favorável para que a sua trajetória de político progressista fosse explorada
positivamente. Corroboramos plenamente a visão de Vasconcelos, pois levamos em
32
ISTOÉ SENHOR. Força morena. 14 de nov de 1990, p. 34.
33
ISTOÉ SENHOR. Força morena. 14 de nov de 1990, p. 34.
185
consideração que, no tocante ao conteúdo ideológico, a imagem do candidato numa
campanha eleitoral é intensamente marcada por suas posições ao longo da vida
pública.
Sob a ótica das Campanhas Modernizadas, as mudanças de rumo devem ser bem
calculadas, sempre com base no contexto político da época e nas informações
fornecidas pelas pesquisas de opinião. Do contrário, assumir novas posições
significa “renegar o próprio passado, e mesmo que os eleitores não percebam o fato
à primeira vista, sempre haverá um adversário que tornará evidente esse fato”
(GRANDI; MARINS; FALCÃO, 1992, p. 58). No caso em questão, a imagem pública
do Senador eleito em 1982 havia estado muito associada à sua participação no
amplo movimento pela redemocratização do país. Assim, a propaganda de Albuíno
acusou José Inácio de ter abandonado sua antiga postura ideológica. O argumento
utilizado foi a composição de uma frente eleitoral ao lado de políticos com perfil
demasiadamente conservador, como: Fernando Collor, Élcio Álvares e Pedro Ceolin.
No decorrer da última etapa da campanha eleitoral, o candidato da Frente
Progressista Liberal demonstrou consciência de que era preciso operar mudanças
em sua estratégia de comunicação. José Inácio tentou esboçar reação através de
ajustes na sua equipe de marketing, visando a melhorar a qualidade dos programas
de televisão:
Na terça-feira, 6 [de novembro], ele [José Inácio] admitia conversações com
o homem de vídeo Chico Santa Rita, que fez a propaganda eleitoral
vitoriosa do governador Orestes Quércia [SP], na tentativa de trazê-lo a
vitória e melhorar a qualidade do seu programa de televisão.
34
Após o fracasso na tentativa de contratar o renomado consultor de São Paulo, a
principal novidade no comitê de José Inácio foi a chegada de uma equipe da agência
Salesiano, de Belo Horizonte, que havia participado da campanha presidencial de
Fernando Collor. O publicitário Nelson Mendes, da agência Grupo 6, permaneceu
responsável pela estratégia geral da campanha, enquanto o jornalista Joaquim Nery
passou a coordenar a produção dos programas exibidos no Horário Gratuito de
34
ISTOÉ SENHOR. Força morena. 14 de nov de 1990, p. 34.
186
Propaganda Eleitoral
35
Mesmo assim, o discurso do candidato não sofreu
modificações substanciais. Naquelas circunstâncias, os esforços de José Inácio para
reforçar sua equipe de marketing assumiram o caráter de uma última e desesperada
cartada.
No dia 15 de novembro de 1990, o IBOPE divulgou uma nova pesquisa na qual
Albuíno apareceu com uma vantagem de 40% sobre o seu concorrente. O diretor do
instituto, Carlos Augusto Montenegro, constatou que aquele seria o melhor
desempenho esboçado nos 16 estados em que o segundo turno estava
acontecendo. A última pesquisa realizada pelo IBOPE registrou que Albuíno exercia
uma vantagem de 37% sobre José Inácio. Esse resultado foi confirmado pela
pesquisa de boca-de-urna e pelos resultados finais da votação, ocorrida no dia 25 de
novembro de 1990. Albuíno obteve 53% dos votos, contra 23% contabilizados para
José Inácio. O candidato governista perdeu as eleições em apenas três municípios
do estado: Laranja da Terra, Ibitirama e Itapemirim (VIEIRA, 1993, p. 70). Ao ser
votado por 584.269 eleitores, Albuíno Azeredo impôs a expressiva diferença de
289.397 votos sobre José Inácio Ferreira, que recebeu a confiança de 294.872
votantes. Pela primeira vez na história do Espírito Santo, manifestava-se o
fenômeno da vitória eleitoral associada ao pleno uso de uma Campanha
Modernizada.
35
A GAZETA. Candidatos ganham novos assessores. Vitória, 06 de nov de 1990, p. 03.
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do presente trabalho, cotejarmos a hipótese de que o marco histórico e
temporal do surgimento das Campanhas Modernizadas no Espírito Santo deu-se no
ano de 1990, conforme procuramos demonstrar ao analisarmos a estratégia vitoriosa
utilizada pelo candidato Albuíno Azeredo ao Governo do Espírito Santo. Em 1989, tal
fenômeno havia se manifestado plenamente em nível nacional, através da
campanha presidencial de Fernando Collor de Melo. Partimos da compreensão de
que o uso dos recursos técnicos e procedimentais voltados à comunicação, e
disponíveis numa determinada época, é um componente de importância histórica
para o sucesso político, em especial no que se refere às vitórias eleitorais. Nesse
sentido, concebemos o uso das técnicas modernas de comunicação de massa e,
especialmente, o desenvolvimento das Campanhas Modernizadas, como algo
inerente às sociedades democráticas contemporâneas.
Nosso trabalho soma-se, portanto, ao de outros autores que procuram interpretar as
mudanças sofridas pelas campanhas eleitoras em consonância com o avançado
processo de desenvolvimento tecnológico, crescimento populacional e urbanização
percebido no Brasil durante a segunda metade do Século XX. Corroboramos, nesse
sentido, a formulação de Pinto (1994), para quem os veículos de comunicação
modernos – tendo a televisão como principal expoente – têm influenciado a
mudança de comportamento na relação dos políticos com amplos contingentes do
eleitorado, especialmente em eleições majoritárias para a escolha de chefes
nacionais, estaduais e de grandes centros urbanos. Nesse sentido, as diversas
forças políticas utilizam de técnicas modernas para fins de planejamento estratégico,
de gerenciamento de recursos, de publicidade e de adaptação da imagem pessoal e
do discurso dos candidatos.
Desde o início, tivemos a preocupação de responder a perguntas como: Por que as
campanhas eleitorais brasileiras assumiram tardiamente o seu caráter modernizado,
se em países da Europa e nos EUA elas já existiam desde a década de 1960? Até
que ponto a política de telecomunicações desenvolvida pela Ditadura Militar (1964-
188
1985), assim como a contratação de profissionais especializados e o uso das
técnicas modernas de propaganda por parte da AERP contribuíram para a criação
do ambiente favorável ao surgimento das Campanhas Modernizadas no Brasil? Em
quê estágio encontrava-se o uso das técnicas modernas de comunicação para fins
de campanhas eleitorais durante os pleitos ocorridos na década de 1980, tanto para
a presidência da República (1985 e 1989), como para o Governo do Espírito Santo
(1982, 1986, 1990)? Por quais motivos podemos afirmar que a vitória do candidato
Albuíno Azeredo foi o marco de fronteiras do surgimento das Campanhas
Modernizadas no Espírito Santo?
Ao buscarmos formulações que dessem conta de localizar nosso objeto de estudo
no contexto histórico das décadas de 1960 e 1970, procuramos demonstrar que a
interdição dos processos eleitorais e da plena liberdade de filiação partidária
comprometeu em larga medida o funcionamento democrático das instituições
republicanas, restringindo sobremaneira a utilização das técnicas de comunicação
durante as campanhas eleitorais, sobretudo, por parte da oposição. Foram
marcantes, nesse sentido, a promulgação do AI-2, que determinou a realização de
eleições indiretas para presidente da República, e do AC-4, que extinguiu os
partidos políticos e impôs a existência de apenas duas siglas: A ARENA, para
abrigar os correligionários da situação, e o MDB, constituído por setores
descontentes com o governo. Para completar o quadro interditório, os militares
promulgaram o AI-3, determinando que os governadores dos estados também
passassem a ser eleitos indiretamente.
Essas medidas de cunho autoritário, por si só, permitem-nos constatar a completa
impossibilidade das campanhas eleitorais brasileiras adquirirem o caráter
modernizado durante o período em questão, uma vez que o advento de tal
fenômeno está intrinsecamente condicionado ao funcionamento do sufrágio
universal para os diversos níveis de governo e à plena liberdade de manifestação e
articulação política por parte dos atores sociais em disputa. Em especial no que se
refere ao uso dos meios de comunicação e das técnicas de propaganda para fins
189
eleitorais, mediante o funcionamento de legislação específica regida por princípios
democráticos.
Não obstante, a intervenção casuística dos militares no sentido de manipular os
resultados dos processos eleitorais foi muito além daquelas primeiras medidas
restritivas. Os governos do ciclo militar fizeram uso abusivo da máquina
administrativa e dos chamados “pacotes” eleitorais, compostos de medidas que
visavam beneficiar os candidatos da situação. Além disso, havia as perseguições
aos militantes de esquerda e a cassação dos mandatos de lideranças oposicionistas.
No que se refere à legislação eleitoral, procuramos chamar a atenção para as leis
9.601 de 15 de agosto de 1974 (“Lei Etelvino Lins”) e 6.339, de 1º de junho de 1976
(Lei Falcão).
A primeira foi aprovada com o objetivo de prejudicar o desempenho eleitoral do MDB
no pleito de 1974, mediante medidas como a proibição da propaganda eleitoral paga
no rádio e na televisão e determinação de que os anúncios de candidatos em jornais
e revistas tivessem apenas o nome, o currículo e o número do candidato.
Verificamos que, apesar de bastante limitada, a propaganda gratuita no rádio e na
televisão, até então permitida, foi de fundamental importância para o bom resultado
eleitoral obtido pelo MDB. A reação dos militares ao crescimento da oposição nas
urnas foi promulgação da Lei Falcão, determinando que a propaganda na televisão
fosse feita apenas com a apresentação do nome e de uma foto do candidato. Com
esses estudos, procuramos evidenciar que as atitudes de cunho autoritário e a
manipulação freqüente da legislação eleitoral corroboram a afirmação de que a
Ditadura Militar representou um grande entrave para o florescimento das
Campanhas Modernizadas no Brasil.
Por outro lado, esperamos ter demonstrado que as políticas de desenvolvimento
tecnológico – associada ao projeto de integração nacional – e de comunicação de
massa implantadas pela Ditadura Militar acabaram criando as condições para o
posterior aumento da interação entre as técnicas modernas de propaganda política e
as campanhas eleitorais. Entre os maiores investimentos do governo brasileiro para
viabilizar o desenvolvimento da mídia eletrônica, citamos a criação do Ministério das
190
Telecomunicações, em 1965, mesmo ano em que foi criada a Embratel; e da
Telebrás, em 1972. Outro exemplo, é que nos primeiros 14 anos de funcionamento
da televisão no Brasil (entre 1950 e 1964), a iniciativa privada foi contemplada com a
concessão de 33 canais. Até o final da década de 1980 esse número saltou para 87
concessões.
A criação da Assessoria Especial de Relações Públicas, por usa vez, representou
um marco no que se refere à utilização das técnicas modernas de comunicação para
fins de propaganda política. Ainda que AERP tenha tido o objetivo mais amplo de
aumentar a popularidade dos militares visando à legitimação do seu projeto de
poder, com base no discurso do “milagre econômico”, ou seja, não se limitando aos
períodos eleitorais, o importante é verificar que estava em curso um processo de
adequação das estratégias políticas às novas oportunidades surgidas a partir do
desenvolvimento cientifico e tecnológico vivenciado pelo país. De forma inédita na
história do Brasil, o Governo Federal montou uma estrutura altamente
profissionalizada em torno de áreas como: publicidade, relações públicas,
jornalismo, psicologia e sociologia.
Em 1974 o presidente Ernesto Geisel deu início ao processo que ficou conhecido
como “abertura democrática. No final da década de 1970, uma nova legislação
partidária restaurou o pluripartidarismo, permitindo o surgimento de novos partidos,
como o PMDB (oriundo MDB), o PDS (oriundo da ARENA), o PDT e o PT. Durante
nossa pesquisa, procuramos demonstrar que, apesar de alguns avanços
democráticos alcançados nessa fase, os militares mantiveram uma série de
restrições ao pleno funcionamento do sufrágio universal, dentre elas a continuidade
da eleição indireta para a Presidência da República, que só sairia de cena em 1989.
Procuramos demonstrar que, a partir das medidas democratizantes verificadas no
início da década de 1980, pôde-se notar nos processos eleitorais uma tendência
maior à utilização de recursos como o marketing político associado às pesquisas de
opinião pública. Não obstante, a pressão autoritária exercida pelos militares e a
impossibilidade de se utilizar livremente as técnicas modernas de comunicação –
marcadamente aquelas que numa sociedade democrática se manifestam através do
191
uso da televisão – continuavam a impedir que as Campanhas Modernizadas
adquirissem forma no Brasil e, conseqüentemente, no estado do Espírito Santo.
A análise das eleições de 1982 para o Governo do Espírito Santo foi de grande
importância para que pudéssemos estabelecer um quadro comparativo no tocante
às inovações que foram sendo introduzidas nas campanhas eleitorais capixabas, em
consonância com o quadro geral de reabertura democrática. Assim como para que
pudéssemos verificar o quanto é necessária a adequação de uma estratégia eleitoral
ao contexto histórico e conjuntural vivenciado pela população.
Ainda que não tenha se destacado pela utilização de uma estrutura altamente
profissionalizada, o candidato Gerson Camata (PMDB), vitorioso naquele pleito,
soube adequar sua imagem pública ao imaginário político da época. Apesar da sua
origem governista, ele manteve grande interação com a massa do eleitorado que
desejava a redemocratização país. Além disso, o peemedebista soube capitalizar
sua visibilidade na “mídia espontânea” e se destacou pela forma inovadora com que
utilizou recursos tradicionais, como faixas, cartazes, folhetos, etc.
Durante as eleições presidenciais de 1985, ainda no Colégio Eleitoral, as pesquisas
de opinião junto à população foram determinantes para a definição dos temas
centrais que permearam a estratégia vitoriosa do candidato Tancredo Neves. A
estrutura de campanha tancredista chegou a contar, na reta final das eleições, com
31 agências de publicidade, que contavam com profissionais especializados nas
diversas etapas do marketing político. Conforme procuramos demonstrar, o último
pleito presidencial do regime militar foi marcado por um conjunto de contradições no
tocante ao estágio que as campanhas eleitorais haviam assumido no país. Foi
determinante a utilização das mais avançadas técnicas de propaganda,
contrastando com a ausência do sufrágio universal e com uma legislação eleitoral
que inviabilizava o uso dos veículos de comunicação de massa naqueles termos que
caracterizam as Campanhas Modernizadas.
O pleito estadual de 1986 foi o primeiro após o retorno de um civil à Presidência da
República e à suspensão da Lei Falcão. Nele, as estratégias de comunicação
192
utilizadas pelos concorrentes ao Governo do Estado apresentaram modificações
substanciais no tocante à utilização das técnicas modernas de comunicação.
Através de alguns apontamentos, procuramos demonstrar que as novas interações
entre a mídia, a política e as técnicas de marketing e propaganda passavam por
uma fase de pré-consolidação.
No Espírito Santo, o candidato Max Mauro contou com o suporte da agência
comandada pelo publicitário Nelson Mendes. Não obstante, a estratégia de
comunicação do candidato teve peso reduzido diante das articulações políticas
tradicionais e da grande aprovação popular alcançada pelo PMDB no cenário
imediatamente posterior ao fim da Ditadura Militar. Ademais, acrescentamos que,
para a definição do marco histórico e temporal de surgimento das Campanhas
Modernizadas no Brasil e no Espírito Santo, é importante levar em consideração que
a vida democrática do país só foi totalmente restabelecida após a promulgação da
Constituição de 1988, que sistematizou e estabeleceu todo um conjunto de normas
assegurando o pleno funcionamento do sistema de sufrágio universal.
Nas eleições presidenciais de 1989, a grande novidade foi o a centralidade que o
marketing político – associado às pesquisas de opinião – e o uso da televisão
desempenharam na estratégia vitoriosa no candidato Fernando Collor de Mello. Com
base em estudos de autores como Figueiredo (1994) Rubim (1999) e Lima (2001),
procuramos demonstrar que a campanha do presidenciável eleito marcou o
surgimento das Campanhas Modernizadas no Brasil. O espetacular desempenho de
Fernando Collor foi a grande novidade daquela primeira eleição direta para a
Presidência da República após a ditadura militar. A candidatura do então governador
de Alagoas – um estado pouco expressivo no cenário político brasileiro – foi
planejada para obter grande visibilidade nos meios de comunicação de massa. Ele
utilizou um complexo e inovador conjunto de recursos técnicos e procedimentais
para desenvolver seu projeto de marketing, o que lhe garantiu um surpreendente
crescimento junto ao eleitorado.
A partir de então, as estratégias eleitorais baseadas nas modernas técnicas de
comunicação passaram a ocupar um lugar de destaque nos processos eleitorais
193
para os diversos níveis de governo. Estava inaugurado, portando, o contexto no
qual, um ano mais tarde, o candidato Albuíno Azeredo elegeu-se governador do
Espírito Santo, marcando o advento das Campanhas Modernizadas nas eleições
capixabas. Em momento algum tivemos a intenção de traçar um paralelo entre as
campanhas de Collor e Albuíno. Nosso objetivo foi explicitar o contexto maior no
qual o surgimento das Campanhas Modernizadas no Espírito Santo estava inserido.
Além disso, é importante registrar que optarmos por analisar as candidaturas
vitoriosas na medida em que consideramos uso pleno, articulado e maximizado dos
recursos que caracterizam as Campanhas Modernizadas. Isso não quer dizer que
outras candidaturas, tanto para a presidência da República, em 1989, como para o
governo do Espírito Santo, em 1990, não tenham recorrido aos procedimentos e
técnicas que caracterizam o modelo de campanha analisado.
Para garantirmos o foco nos limites definidos para este trabalho, optamos por não
analisar o desempenho administrativo e o nível de aprovação popular dos mandatos
exercidos pelos candidatos cujas vitórias marcaram o advento das Campanhas
Modernizadas no Brasil e no Espírito Santo. No que se refere a Fernando Collor,
existem vários estudos sobre o tema. Quanto ao segundo caso, estamos certos da
importância de que sejam realizados estudos consistentes sobre o desempenho
administrativo de Albuíno Azeredo à frente do Governo do Estado. Além disso, é
importante que pesquisas futuras dediquem-se ao comportamento dos diferentes
atores da sociedade civil nos processos eleitorais analisados por nós.
No processo de interação entre a política eleitoral e o marketing político, o que se
procura na maior parte das vezes é alcançar o objetivo central, ou seja, a vitória nas
urnas. Há, portanto, uma busca intensa por resultados. Em função disso, o
marketing político - sempre respaldado por pesquisas de opinião – procura articular
a plataforma e o desempenho pessoal do candidato com as demandas explicitadas
pelo eleitorado. A imagem, as ações e os pronunciamentos públicos dos candidatos
são criteriosamente elaboradas.
É fato que a utilização dos recursos que caracterizam as Campanhas Modernizadas
como elementos centrais de estratégias político-eleitorais tem sido alvo de muitos
194
debates e questionamentos. Em alguns casos, o interesse despertado por temas
que dizem respeito ao marketing político, por exemplo, tem ultrapassado o restrito
circulo composto por especialistas, políticos de carreira, profissionais de
comunicação e intelectuais; chegando mesmo a amplos setores da população. Na
nossa parte, não objetivamos um debate polêmico em torno do tema. Preferimos
apenas destacar que o marketing político tem seus alicerces nas relações sociais
existentes e desencadeadas nas sociedades atuais.
No caso do Brasil, se levarmos em consideração que o sistema presidencialista
sempre contribuiu para a exacerbação do personalismo; e que o apelo sedutor-
emotivo não é uma prática propriamente nova entre aqueles que concorrem a
cargos públicos, logo veremos o maior peso dos demais pontos que caracterizam as
Campanhas Modernizadas (marketing e pesquisas de opinião; centralidade dos
meios eletrônicos e profissionalização dos participantes), ou seja, aqueles
relacionados diretamente ao desenvolvimento tecnológico. Diante disso, estamos
certos que uma campanha eleitoral pode ser feita conforme padrões modernizados
sem, contudo, descaracterizar-se enquanto instrumento legítimo e democrático de
interação entre candidatos e eleitores. E que os desmandos éticos residem no
padrão de comportamento de determinados atores políticos.
É necessário destacar, também, que nosso trabalho foi permeado pela idéia de que
as pesquisas de opinião são indispensáveis para o desenvolvimento de estratégias
políticas vitoriosas. Mas que, no entanto, elas não devem ser analisas isoladamente,
sob pena de não corresponderem ao conjunto dos desafios estratégicos de uma
campanha. Em diferentes pontos desta dissertação, utilizamos os resultados das
pesquisas de opinião para demonstrar o desempenho das candidaturas que
estávamos analisando. Não obstante, procuramos deixar claro que, muito além dos
números das intenções de voto, as Campanhas Modernizadas têm como
característica a coleta de informações junto ao eleitorado, visando o
desenvolvimento de estratégias capazes de permitir um alto nível de interação entre
o perfil pessoal e a plataforma de campanha, por um lado, e os anseios da
população, de outro.
195
As pesquisas não devem ser lidas de forma conservadora, levando candidatos e
agremiações partidárias a alterarem bruscamente suas plataformas em função dos
anseios manifestados pelos eleitores. O mais importante, na nossa avaliação, é
verificar quais pontos da plataforma estão em melhores condições de serem
propagandeados de forma a ocupar um lugar central na estratégia do candidato. Por
si só, as sondagens não oferecem os elementos necessários para orientar o
desenvolvimento de uma estratégia vitoriosa. Para isso, é necessário o trabalho
conjunto e articulado feito por bons profissionais da área. Além disso, o candidato e
as pessoas diretamente envolvidas nas tarefas políticas da campanha precisam
saber aproveitar os dados coletados junto à população para se orientarem em suas
articulações, tendo em conta o contexto histórico e os elementos conjunturais em
questão. Sob esse aspecto, corroboramos a afirmação de que “o ponto de vista
prévio de quem encomenda, planeja e analisa uma pesquisa orienta o que é
investigado, a análise dos dados e o uso dado às conclusões” (ALMEIDA, 2002, p.
238).
No que se refere à televisão, entendemos que o discurso segue como instrumento
central das estratégias de campanhas eleitorais, mesmo nos marcos das
Campanhas Modernizadas. O importante é entender que a oratória tradicional
perdeu espaço para técnicas mais sofisticadas de persuasão. É notório, por
exemplo, que no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, o candidato não pode se
comportar como se estivesse num comício ou num corpo-a-corpo. “Aqui, seu
discurso não é nem falado, nem escrito, mas editado de acordo com o conteúdo e a
forma desejados” (ALMEIDA, 2002). Assim, se o discurso do candidato não obtém a
aceitação almejada, isso demonstra a inexistência de sintonia entre o
emissor/candidato e telespectador/eleitor. O que pode ter sido provocado não só
pela falta de capacidade para se adaptar à linguagem televisiva, mas por
deficiências do discurso e da linha estratégica de um modo geral.
Pode haver problemas e erros de comunicação e posicionamento que são sentidos
com maior poder destrutivo durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. No
entanto, se a candidatura estiver bem posicionada estrategicamente, tais erros
poderão ser resolvidos em tempo hábil. Os piores problemas são aqueles originados
196
do conjunto da estratégia político-eleitoral. No caso do candidato José Inácio
Ferreira, por exemplo, segundo colocado nas eleições para o Governo do Espírito
Santo em 1990, seus principais erros foram: (a) não administrar sua imagem de
político progressista, conquistada a partir da época em foi perseguido pela ditadura
militar; (b) não aceitar nenhum tipo de acordo com o governador Max Mauro, que
poderia até mesmo ter inviabilizado o lançamento da candidatura de Albuíno; (c)
aliar-se ao presidente Fernando Collor de Melo e construir uma coligação eleitoral de
caráter demasiadamente conservador e, por último, d) não ter sido capaz de
conduzir as articulações políticas de forma a garantir um candidato a vice-
governador com quem tivesse afinidades e que fosse mais bem aceito pelo
eleitorado.
Quanto à profissionalização dos participantes nas campanhas eleitorais, é grande o
número de empresas dedicadas aos diversos serviços requisitados numa Campanha
Modernizada. Como afirma Jorge Almeida (2002, p. 22), os contatos diretos com os
eleitores, assim como outros métodos e procedimentos tradicionalmente utilizados
pelas agremiações partidárias, continuam a ser indispensáveis para as instituições e
os agrupamentos políticos desenvolverem suas estratégias políticas. Nesse sentido,
os partidos não podem deixar de interagir com a realidade que influencia o
pensamento da população, assim como de acompanhar o comportamento de certas
lideranças da sociedade civil ou mesmo de um conjunto determinado de eleitores
diante das tendências conjunturais hegemônicas, emergentes, residuais ou latentes.
Os meios de comunicação de massa alteram o fazer político na medida em que a
sociabilidade contemporânea passa necessariamente por ela. Nesse sentido, os
atores políticos vêem-se diante da necessidade de se adaptarem à sua linguagem e,
conseqüentemente, recorrerem a um sofisticado conjunto de técnicas oriundas de
áreas como o jornalismo, a publicidade e as relações públicas. O mais importante é
notar que essa interação entre a política e a tecnologia da informação durante o
processo de modernização das últimas décadas provocou grandes transformações
num amplo conjunto de práticas referentes às disputas eleitorais, levando à
existência das Campanhas Modernizadas.
197
REFERÊNCIAS
ABREU, A. A. A mídia na transição democrática brasileira. Disponível em
<www.scielo.oces.mctes.pt>. Acesso em 25 de jun de 2007.
ALBUQUERQUE, A. Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na
televisão. Niterói: MCII, 1999.
ALMEIDA, J. Marketing Político e Contra Hegemonia. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2002.
ARAÚJO, R. P.; CAROPRESO, A.; RUY, J. C. Eleições no Brasil Pós-64. São
Paulo: Global, 1984.
BAREL, M. S. Massificação do Pensar: a TV como instrumento de persuasão
popular, através da propaganda política militar brasileira. Disponível em
<www.intercom.org.br>. Acesso em 15 de jun de 2007.
BARROS, E. L. O Brasil: de 1945 a 1964. São Paulo: Contexto, 1990.
BACZKO B. “Imaginário Social”. Enciclopédia Einaudi, Lisboa: 1985.
BILICH, J. F.; RODRIGUES, M. B. F. Amylton de Almeida – “O guerreiro dos
ideais” pela liberdade, democracia e cidadania (1980-1989). Revista Agora. Vitória, n
2, 2005, p. 1 – 32.
BRAGA, T. “Como se faz um presidente”. Jornal do Brasil (Especial). Rio de
Janeiro, 19 de dez de 1989.
BRICKMAMN, C. A vida é um palanque. Os segredos da comunicação política. São
Paulo: Globo, 1998.
CARREIRÃO, Y. S. Decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras.
Florianópolis: UFSC; Rio de Janeiro: FGV.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
CASTELLS, M. A. Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CASTORIADIS, C. A instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
CHILCOTE, R. Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração, 1922-1972. Rio
de Janeiro: Graal, 1982.
CRUVINEL, T. “Sobe”. O Globo. Rio de Janeiro: 1° de abr de 1989.
D’ ARAÚJO, M. C.; SOARES, G. A. D. S.; CASTRO, C. (Orgs.). A memória militar
sobre a repressão: os anos de chumbo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
DIMENSTEIN, G. et al. O complô que elegeu Tancredo. Rio de Janeiro: JB, 1985.
198
DUARTE, C. R. “A Lei Falcão: antecedentes e impactos”. In: LOMOUNIER, B.
(Orgs.). Voto de desconfiança, eleições e mudança política no Brasil: 1970-
1979. Petrópolis: Vozes, 1980.
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da
educação, 2000.
FEDERICO, M. E. B. História da Comunicação – rádio e tv no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1982.
FICO, C. Reinventando o Otimismo: Ditadura, Propaganda e Imaginário Social no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
FIGUEIREDO, N. L. Jogando para ganhar: marketing político – verdade e mito.
São Paulo: Geração, 1994.
FIGUEIREDO, R. Manual prático de marketing político. Rio de Janeiro: Konrad
Adenauer Stifung, 2002
GRANDI, R.; MARINS, A; FALCÃO, E. (Orgs.). Voto é marketing ...o resto é
política: estratégias eleitorais competitivas. São Paulo: Loyola, 1992.
GUIMARÃES, C.; VIEIRA, R. A. “Meios de Comunicação de Massa e eleições
(um experimento brasileiro)”. Comunicação & Política, n 9, Rio de Janeiro, 1988.
GURGEL, A. P. G.; FLEISCHER, D. O Brasil vai às urnas: retrato da campanha
presidencial. Brasília: Thesaurus, 1990.
KINZO, M. D. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979).
São Paulo: Vértice, 1988.
________. A democracia brasileira: um balanço do processo político desde a
transição. São Paulo em Perspectiva, V.15, n 4, p. 3-12, out-dez, 2001.
________. Partidos, Eleições e Democracia no Brasil Pós-1985. Revista
Brasileira de Sociologia, n 54, São Paulo, 2004.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003.
HABERT, N. A década de 70: apogeu e crise da ditadura militar brasileira. São
Paulo: Ática, 1992.
IANNI, O. Enigmas da Modernidade Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
IBOPE. Pesquisa “Confiança em Instituições e Pessoas”, 1987.
______. Série de pesquisas de intenção de voto, 1989.
______. Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliar, PNDA, 1989.
LIMA, V. Mídia: Teoria e Política. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.
LOJKINE, J. A Revolução Informacional: São Paulo: Cortez, 1999.
199
MACEDO, M. H. A. PODER E COMUNICAÇÃO: A EMERGÊNCIA DO
MARKETING NA POLÍTICA CAPIXABA DA DÉCADA DE OITENTA (1980).
Dissertação de Mestrado Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História
Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória,
2007.
MAINWARING, S. P. Sistemas partidários em novas democracias: o caso do
Brasil. Porto Alegre: Mercado aberto; Rio de Janeiro: FGV, 2001.
MANHANELLI, C. A. Eleição é Guerra: marketing para campanhas eleitorais. São
Paulo: Summus, 1992.
MARQUES, M.; RODRIGUES,S.; JÚNIOR, W.C. ... E a TV chega ao Espírito Santo
In: Roda VT: A televisão capixaba em panorâmica. MARTINUZZO, J. A. (Org).
Vitória: DIO, 2006, p. 31-49.
MARTINS, M.; DANTAS, G.; VIEIRA, S. Sim, Companheiros! Vitória: Chaplin
Cinematográfica, 1991.
MATOS, H. O discurso político oculto na comunicação do governo Médici. In: II
Encontro da Rede Alfredo de Carvalho. Anais. Florianópolis, 2004.
MELO, J. M. Eleições e Meios de Comunicação no Brasil. Análise do Fenômeno
Collor de Melo. Disponível em <www.recercat.cat.> Acesso em 12 ago de 2007.
MENDONÇA, D. A vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e a posição
dos semanários Veja e Isto É. Disponível em <www.publique.rdc.puc-rio.br>.
Acesso em 20 de jun de 2007.
MENEGUELLO, R. Partidos e governos no Brasil Contemporâneo (1985-1977).
São Paulo: Paz e Terra, 1998.
MEYER, B.; JÚNIOR, V. M. Marketing Político: o caso da campanha presidencial
de Fernando Collor de Melo. Disponível em: <www.convibra.com.br>. Acesso em 12
ago de 2007.
MÍDIA & MERCADO. “Armação Collorida”, n 3, mar de 1990, p. 22-25.
MIGUEL, L. F. Política e Mídia no Brasil: episódios da história recente. Brasília:
Plano, 2002.
MNIN, B. As Metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de
Ciências Sociais. São Paulo, out v. 29, ano 10, p. 05-34.
OLIVEIRA, H. M. G. Muda Brasil: o marketing político que levou Tancredo Neves à
Presidência da República. In: XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação. Anais. Belo Horizonte, 2003.
OLIVEIRA, U. J. Desempenho político eleitoral do Partido dos Trabalhadores,
no Espírito Santo, nas eleições de 1982 à 2006. Relatório de qualificação
apresentado ao Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações
Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
200
QUEIROZ, A. Voto, Mídia e pesquisa: propaganda política no Brasil. Comunicação
& Sociedade. São Bernardo do Campo: Instituto Metodista do Ensino Superior, n 30,
1998.
RIBEIRO, F. A. Companhia siderúrgica de Tubarão: a história de uma empresa.
Vitória: CST, 2005.
RIBEIRO, J. P. F. Campanhas Eleitorais em Sociedades Midiáticas: articulando e
revisando conceitos. Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em 10 de nov de
2006.
ROSNAY, J. La Revolucion Informacional. In: RAMONET, I. Internet, el mundo que
llega. Madrid: Alianza Editorial, 1998.
ROSSINI, A. P. Propaganda & Marketing. A Gazeta Esportiva (encarte). São Paulo,
20 de jan de 1984.
RUBIM, A. C. Mídia e Política no Brasil. João Pessoa: UFPB, 1999.
________ . Novas Configurações das Eleições no Brasil Contemporâneo. In: IX
Encontro Anual da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em
Comunicação – Compós. Anais. Porto Alegre, 2000.
SELIGMAN, F. Organização, participação e política cinematográfica brasileira
nos anos 70. Disponível em <www.unirevista.unisinos.br>. Acesso em 20 de jun de
2007.
SEQUEIRA, C. M.; ROCHA, L. V. O papel da mídia durante o processo de
construção da hegemonia pela ditadura militar: uma visão gramsciniana.
Disponível em <www.intercom.org.br>. Acesso em 25 de jun de 2007.
SIQUEIRA, W. C. A. Da Liberdade ao planalto: a travessia de Tancredo Neves em
múltiplos tons. Disponível em <www.bocc.ubi.pt>. Acesso em 20 de mai de 2007.
SKIDMORE, T. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1994.
SOARES, L. E. Os dois corpos do presidente e outros ensaios. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1993.
TORQUATO, G. Tratado de Comunicação Política e Organizacional. São Paulo:
Thomson, 2004.
________. Marketing político e governamental: um roteiro para campanhas
políticas e estratégias de comunicação. São Paulo:Summus, 1985.
VEJA. “Que eleição é esta?”, n 1073, São Paulo, 29 de mar. de 1989.
VIEIRA, J. A História Política e Eleitoral do Espírito Santo – de 1982 a 1992.
Vitória: Vida, 1993.
VILCHES, L. Efectos Culturales en la sociedad de la información. Barcelona:
Gedisa, 2001.