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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
“CABEÇA, SIM; CAUDA, NÃO!”:
Um estudo antropológico sobre os evangélicos na Assembléia Legislativa
do Estado do Rio Grande do Sul
VALDIR PEDDE
Tese de Doutorado
Orientador: Prof. Dr. Ari Pedro Oro
Porto Alegre, 2005
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
“CABEÇA, SIM; CAUDA, NÃO!”:
Um estudo antropológico sobre os evangélicos na Assembléia Legislativa
do Estado do Rio Grande do Sul
VALDIR PEDDE
Tese apresentada no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
para a obtenção do título de Doutor
Orientador: Prof. Dr. Ari Pedro Oro
Porto Alegre, dezembro de 2005
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2
Dedico este trabalho
a minha amiga e companheira, Ione,
sem a qual jamais teria sido possível chegar até aqui,
e ao fruto de nosso amor, Yuri,
alegria contagiante e luz de nossos dias.
3
AGRADECIMENTOS
Os anos de doutorado representam uma marca, a partir dos quais serão muitas as
histórias a contar, as experiências a digerir, as novas dúvidas a pesquisar... Como os anos
podem ser contados no calendário e nas emoções, esse tempo foi curto para elaborar a tese,
assim como se mostrou penosamente longo, se considerar tudo aquilo de que tive que abrir
mão para poder aprofundar os estudos. Assim, ao fechar esse período, sinto gratidão pelo que
vivi e pelos sonhos que pude construir! Antes de iniciar uma nova fase, quero expressar os
mais sinceros agradecimentos àqueles que me foram muito importantes ao longo da pós-
graduação:
Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS, pelo empenho
de todos os professores e professoras, bem como pelo estímulo e sensibilidade com relação às
vicissitudes da vida, especialmente na pessoa da coordenadora do PPGAS, professora Dra.
Maria Eunice Maciel.
À secretária do PPGAS, Rose, sempre prestativa e solidária com o corpo discente.
4
Ao meu orientador, professor Dr. Ari Pedro Oro, pela confiança em mim depositada e
pelo estímulo ao longo de tantos anos de estudos.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, sem o
qual teria sido impossível cursar o mestrado e o doutorado.
À Sonia Herrera, pelo empurrão inicial.
Aos integrantes da minha banca de doutorado, por se disporem, em pleno verão, a
lerem minha tese e darem suas preciosas contribuições ao texto.
Àqueles que, através de suas especializações, estenderam-me a mão, resgatando-me
do “fundo do poço”: Liama e Edson.
À Anete, imprescindível em nossas vidas por materializar o sentido da palavra
amizade.
Aos amigos e amigas, que contribuíram, cada um a seu modo, para que esse período
fosse menos estressante: Joel, Cerise, Ingrit, Evandro, Lídia, Marcos, Débora, Arno, Sissi...
Além destes, a tantas pessoas que me são muito caras, e que foram tolerantes com meu
silêncio temporário. Quero registrar que os laços de amizade me fortaleceram nesse tempo
em que tive que estar “desligado ou fora da área de cobertura”...
A toda minha família, pela grande torcida e pela compreensão para com minhas
muitas ausências, sem nunca deixarem de me dar seu apoio.
Aos meus sogros, pelo companheirismo incondicional e pela proximidade.
À Lila, por garantir deliciosas calorias para manter o ânimo elevado. Afinal, como
fazer cara feia diante de um bolo de cenoura? Ao Alemão, pelo apoio à Lila...
e
Aos homens e às mulheres que se dispuseram a compartilhar parte de suas vidas,
fornecendo valiosas informações, percepções e sentimentos para enriquecer esta tese.
5
RESUMO
Partindo das motivações das igrejas evangélicas de viés pentecostal para seu
envolvimento no campo político-partidário, bem como suas estratégias para efetivá-lo,
pesquisamos a prática parlamentar dos representantes das Igrejas Assembléia de Deus,
Universal do Reino de Deus e do Evangelho Quadrangular, na Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul.
Esta tese defende a idéia de que, entre outros aspectos, é a cosmologia magicista e
messiânica dessas instituições religiosas que lhes tem possibilitado sua integração no campo
político. Quanto mais uma denominação for portadora de uma concepção cosmológica
magicista, e crendo ser portadora de uma “mensagem especial”, mais facilmente consegue
movimentar-se do discurso religioso para o político. Em outras palavras, quanto mais a
cosmologia de algumas denominações estiver fundada em uma racionalidade técnico-prática,
mais sucesso obterá nos pleitos por elas disputados.
Este estudo dará oportunidade para avaliar as relações entre religião e política no Rio
Grande do Sul, em parte também no Brasil, assim como discutir as teorias da secularização.
PALAVRAS-CHAVES: pentecostalismo – política – secularização – poder legislativo
6
ABSTRACT
Based on the motivations of the Evangelical churches of Pentecostal tendencies for
becoming involved in party politics as well as on their strategies for effectivating this
involvement we researched the parlamentary practice of representatives from the Assembly of
God Church, from the Universal Church of the Kingdom of God and from the Foursquare
Gospel Church in the Legislative Assembly of Rio Grande do Sul.
This thesis defends the idea that, among other aspects, it is the magic and messianic
cosmology of these religious institutions that makes it possible for them to integrate
themselves in the political field. The more the denomination claims itself as bearer of a magic
cosmological conception and claims itself as bearer of a “special message” the easier it is for
it to move from a religious discourse to a political discourse. In other words, the more the
denomination's cosmology is founded on technical-practical rationality the more successful it
will be in the electoral process.
This study will provide an opportunity to evaluate the relations between religion and
politics in Rio Grande do Sul, in part of Brazil as well and discuss the theories of
secularization.
KEY-WORDS: Pentecostalism, politics, secularization, legislative power
7
LISTA DE SIGLAS
AD – Assembléia de Deus
ALC – Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação
ARENA/PDS – Aliança Renovadora Nacional/Partido Democrático Social
BPC – Igreja Brasil Para Cristo
CC – Cargo de Confiança
CEB – Comunidade Eclesial de Base
CGADB – Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil
CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONAMAD – Convenção Nacional das Assembléias de Deus do Brasil
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DNER – Departamento Nacional de Estradas de rodagem
ESEB – Estudo Eleitoral Brasileiro
EUA – Estados Unidos da América
FAIERGS – Federação das Associações e Igrejas Evangélicas do Rio Grande do Sul
FASE-RS – Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul
FATEQ – Faculdade Teológica Quadrangular
FEBEM – Fundação de Bem-Estar do Menor
FLM – Federação Luterana Mundial
HIV – Human Immunodeficiency Virus
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
8
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
IEQ – Igreja do Evangelho Quadrangular
IPB – Igreja Presbiteriana do Brasil
IPERGS – Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul
IPI – Igreja Presbiteriana Independente
IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
ISAL – Iglesia y Sociedad en América Latina
ITQ – Instituto Teológico Quadrangular
IURD – Igreja Universal do Reino de Deus
JUC – Juventude Universitária Católica
LEC – Liga Eleitoral Católica
LOTERJ – Loteria do Estado do Rio de Janeiro
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
ONG – Organização Não-Governamental
PARLASUL – Parlamento do Sul
PCC – Primeiro Comando da Capital
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PL – Partido Liberal
PL – Projeto de Lei (somente quando ao lado de um número de Projeto de Lei)
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMR – Partido Municipalista Renovador
PRB – Partido Republicano Brasileiro
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RS – Rio Grande do Sul
UNIVAP – Universidade do Vale do Paraíba
TRE – Tribunal Regional Eleitoral
TRENSURB – Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre
ULBRA – Universidade Luterana do Brasil
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1 REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO 36
1.1 As Teorias Clássicas sobre a Secularização ........................................................ 37
1.2 As Teorias da Secularização no Brasil ............................................................ 48
1.3 Redimensionando as Teorias da Secularização 54
2 RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS 81
2.1 Brasil Colônia e Império ..................................................................................... 81
2.1.1 Enfraquecimento do Poder Eclesiástico ....................................................... 82
2.2 Brasil República .................................................................................................. 88
2.3 A Igreja Católica na Ditadura Militar 98
2.3.1 A Igreja Católica e Movimentos Sociais 101
2.4 Protestantismo e Política ..................................................................................... 105
2.4.1 Protestantismo Histórico e Política .............................................................. 105
2.4.2 O Protestantismo na Ditadura 109
2.4.3 Evangélicos Pentecostais: Aspectos Históricos 111
2.4.4 Pentecostais e sua Mudança em Relação à política...................................... 122
3 AS DENOMINAÇÕES EVANGÉLICAS E A POLÍTICA ..................................... 129
3.1 Da Organização das Igrejas 129
3.1.1 A Organização Eclesiástica da Igreja Assembléia de Deu 130
3.1.2 A Organização Eclesiástica da Igreja do Evangelho Quadrangular
134
10
3.1.3 A Organização Eclesiástica da Igreja Universal do Reino de Deus 141
3.2 As Motivações das Igrejas ao Exercício Político ................................................ 144
3.2.1 Motivações da Igreja Assembléia de Deus 146
3.2.2 Motivações da Igreja do Evangelho Quadrangular ...................................... 155
3.2.3 Motivações da Igreja Universal do Reino de Deus ...................................... 160
3.2.4 As Motivações das Igrejas: uma Análise Comparativa 168
3.3 O Envolvimento das Igrejas com as Campanhas de seus Candidatos 185
3.3.1 O Envolvimento da Igreja Assembléia de Deus em Campanhas Políticas 185
3.3.2 O Envolvimento da Igreja Quadrangular em Campanhas Políticas ............. 192
3.3.3 O Envolvimento da Igreja Universal em Campanhas Políticas ................... 200
3.4 Resistências Internas das Igrejas com a Política Institucional ............................ 206
3.4.1 As Resistências Internas na Igreja Assembléia de Deus .............................. 207
3.4.2 As Resistências Internas na Igreja Quadrangular e na Igreja Universal ...... 212
3.5 Análise das Estruturas Eclesiásticas e do Envolvimento das Denominações na
Política ........... 214
4 MOTIVAÇÕES E PRÁTICAS PARLAMENTARES DOS DEPUTADOS
EVANGÉLICOS........................................................................................................ 236
4.1 Dados Biográficos e Políticos dos Deputados Evangélicos ................................ 238
4.2 Motivação dos Atuais Deputados Evangélicos para o Ingresso na Política 251
4.2.1 Escolha Partidária 260
4.2.1.1 História do PTB segundo “São” Zambiasi .......................................... 260
4.2.1.2 Motivações dos Evangélicos para a Escolha Partidária ...................... 263
4.2.2 Primeira Síntese: Formas de Inserção dos Evangélicos na Política ............. 274
4.3 Prática Legislativa dos Deputados Evangélicos 280
4.3.1 Projetos de Lei dos Políticos Evangélicos 280
4.3.1.1 Temáticas dos Projetos de Lei 287
4.3.2 Segunda Síntese: Comparação entre os Projetos de Lei dos Deputados
Evangélicos 300
4.3.3 Pronunciamentos dos Parlamentares Evangélicos ....................................... 302
4.3.4 Terceira Síntese: o que Dizem os Evangélicos na Tribuna .......................... 329
5 PERCEPÇÃO DOS FIÉIS QUANTO AO ENVOLVIMENTO DE SUAS
IGREJAS NA POLÍTICA ......................................................................................... 334
5.1 Os Fiéis e a Relação entre Religião e Política 335
5.2 Grau de Acompanhamento dos Fiéis frente a seus Representantes Políticos ..... 352
5.3 A Cosmovisão e sua Influência sobre a Visão da Política dos Evangélicos ....... 363
CONCLUSÃO 374
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 399
11
INTRODUÇÃO
Nesta tese pesquisamos a presença de três igrejas evangélicas de viés pentecostal no
poder legislativo gaúcho, a saber: a Igreja Assembléia de Deus, a Igreja do Evangelho
Quadrangular e a Igreja Universal do Reino de Deus. São essas as que contam, atualmente,
com deputados que as representam na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Partimos
de um estudo teórico sobre a relação entre a religião e a política, além de situar o tema
historicamente. Analisamos as motivações que essas instituições religiosas possuem para
inserirem-se no campo político, considerando também o que motiva os próprios parlamentares
religiosos para a função legislativa. Procurando compreender a forma pela qual o religioso
transita pela esfera política, vendo como se dá essa intersecção, abordamos as estratégias de
construção das candidaturas desses políticos-religiosos, assim como a sua prática parlamentar,
trazendo três olhares sobre essa aproximação entre o campo religioso e a esfera política: o dos
próprios deputados em referência, a visão das Igrejas que representam e as opiniões dos fiéis.
Emolduramos nosso estudo com a frase lapidar que consta no livreto de divulgação de uma
12
candidatura
1
lançada pela Igreja Quadrangular: “Cabeça, sim; Cauda, não!” (Conselho Estadual de
Diretores do Rio Grande do Sul, s.d., p. 12). Essa é a postura encontrada nas três denominações
pesquisadas: cada uma a seu modo, com maiores ou menores limites nessa convicção, entendem
que a igreja deve estar no poder político, onde as decisões são tomadas, não se limitando a obedecê-
las. Assim, acreditam que “a transformação do mundo, através da política, só vai ocorrer quando
todos os cristãos se conscientizarem sobre o valor do voto evangélico” (Idem, Ibidem, p. 3).
Além das concepções teológicas, as instituições religiosas de cunho pentecostal
alicerçam suas pretensões políticas, bem como sua efetiva participação no campo político, em
seu grande crescimento numérico enquanto organizações religiosas e em seu considerável
poder de aglutinar votos entre seus fiéis.
O Brasil tem presenciado, nos últimos anos, um crescimento pentecostal de amplitude
surpreendente. Apesar de os evangélicos pentecostais aumentarem seus quadros desde a década de
1940, foi nos anos de 1970 que seu crescimento tornou-se perceptível. Se, em 1940, os evangélicos
perfaziam 2,6% da população do país; em 1970, já alcançavam 5,8%, e, em 1991, compunham 9%
da população brasileira (Mariano, 2001). Conforme o censo de 2000
2
realizado pelo IBGE, os
1
Trata-se do caderno “Família Quadrangular, Apaixonada por Você!”, editado pelo Conselho Estadual
de Diretores do Rio Grande do Sul (s.d.), material de promoção da candidatura do Pastor Reinaldo para a
Câmara Federal em 2002. O livreto engloba todos os níveis de participação política da Igreja
Quadrangular e se dirige aos membros da denominação. No texto, a participação dos evangélicos na
política é justificada teologicamente. A argumentação apóia-se no texto bíblico de Deuteronômio 28.13:
“O senhor te porá por cabeça, e não por cauda”, que é uma das promessas feitas por Deus a Abraão e sua
descendência. Todos os evangélicos seriam, segundo a carta do apóstolo Paulo aos Gálatas (3.7-29),
filhos espirituais de Abraão e, portanto, teriam a responsabilidade de serem as cabeças que conduzem
toda a humanidade. Além disso, o texto cita uma série de líderes políticos mundiais evangélicos do
passado e do presente, que são apresentados como de grande benefício para a humanidade.
2
Somente do censo de 1980 em diante é que as denominações não-católicas foram diferenciadas entre
protestantes históricas e pentecostais nos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE. No censo de 2000, o IBGE utilizou três categorias para as denominações evangélicas:
evangélicos de missão (Igreja Evangélica Luterana, Igreja Evangélica Presbiteriana, Igreja Evangélica
Metodista, Igreja Evangélica Batista, Igreja Evangélica Congregacional, Igreja Evangélica Adventista),
evangélicos de origem pentecostal (Igreja Assembléia de Deus, Igreja Congregacional Cristã do Brasil,
13
evangélicos alcançaram o número absoluto de 26.184.941 pessoas
3
, representando 15,41% da
população. No Rio Grande do Sul, temos uma população de 10.187.798, sendo 7.786.231 (76,43%)
católicos apostólicos romanos, e 1.476.791 (14,45%) de protestantes evangélicos, dos quais 668.102
(6,6%) pessoas são de origem pentecostal. Dessas, 330.476 (3,24%) pertencem à Assembléia de
Deus, 108.748 (1,07%) são da Igreja Quadrangular e 103.322 (1,01%) da Igreja Universal.
A Igreja Universal tem sido paradigmática nesse crescimento. O seu poder de
influência é perceptível em diversas áreas. Na esfera religiosa propriamente dita, essa
instituição trouxe um marco, uma forma de religiosidade que tem sido deplorada por algumas
agremiações religiosas, enquanto para outras, ao contrário, vem sendo, de uma ou outra
forma, tomada como referência teológica e performática (Pedde, 2000). Sua presença se tem
alastrado nas mais diversas classes sociais, apesar de sua concentração ser mais expressiva
nos meios empobrecidos. Ademais, sua expansão institucional por diversos países, em um
espaço de tempo relativamente curto se comparado às igrejas históricas, e sua capacidade de
arrecadação financeira são surpreendentes
4
. E, não por último, sua atuação nos meios de
comunicação
5
e na política brasileira
6
mostra sua destacada e audaciosa posição no meio
Igreja Brasil para Cristo, Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja
Casa da Benção, Igreja Deus é Amor, Igreja Maranata, Igreja Nova Vida) e outras igrejas de origem
pentecostal. Para fins didáticos e por coerência com a metodologia dos censos anteriores, apresentamos
apenas a soma dos que se declaram participantes nesses três ramos do protestantismo.
3
Desse total de evangélicos, 67,2% são pentecostais, ou seja, 17.617.307 pessoas. Em outras palavras,
10,6% da população do Brasil se autodenomina pentecostal (IBGE, Censo Demográfico 2000).
4
A forma como a Igreja Universal arquiteta seu discurso e suas crenças em torno da contribuição
financeira foi explorada no artigo de Mariano (2003b).
5
Hoje, a Igreja Universal já controla a terceira maior rede de televisão do país. Acerca de seu
“império mediático”, ver artigo de Fonseca (2003).
6
Oro (2003a) mostrou como o aumento da participação de integrantes da Igreja Universal na esfera
política causa uma reação mimética em outras denominações pentecostais, bem como provoca
alterações no campo político, uma vez que essa instituição religiosa, embora não somente ela, é
procurada para a realização de alianças por parte dos partidos.
14
religioso
7
.
De um modo geral, a preocupação dos evangélicos (nomeadamente os pentecostais
e os neopentecostais) com questões de política institucional
8
não é novidade. Trata-se de
uma questão que tem perpassado toda a América Latina. Países como o Panamá (Dodson,
1997), a Nicarágua
9
e o Peru, entre outros, têm sido, constantemente, palco de
manifestações e inserções político-partidárias por parte desse segmento religioso.
Também no Brasil as religiões de credo pentecostal têm assumido um lugar de maior
destaque no universo político-partidário, como se verá neste texto. Assim, no presente
estudo, abordaremos a projeção do campo religioso pentecostal e neopentecostal para
dentro do campo político, bem como trataremos sobre o entendimento do que seja, na
ótica dessas manifestações religiosas, o seu papel político. Partiremos dessas declarações
e práticas para realizarmos uma interpretação antropológica sobre a intersecção entre
religião e política desde o campo pentecostal, mais especificamente, das denominações
aqui estudadas.
Nosso interesse por essa temática nasceu por volta de 1996, quando, vinculados ao
CNPq/PIBIC, ainda éramos bolsista de iniciação científica do professor Ari Pedro Oro, que
pesquisava e escrevia sobre o assunto. Ademais, a relação entre as denominações religiosas
7
Como veremos adiante, lideranças de outras denominações, ao mesmo tempo em que exaltam a
organização da Igreja Universal, não vêem com bons olhos os meios por ela utilizados para alcançar o
número de políticos que possui nas mais diversas esferas do poder público, principalmente federal.
8
Com esse termo queremos expressar tanto o envolvimento de uma instituição ou pessoa com a
política partidária, quanto a atividade parlamentar.
9
Na Nicarágua, onde os evangélicos cresceram muito com a Revolução Sandinista, um estudo constatou que
um terço dos seus líderes era simpatizante da Revolução, mesmo número que entre as lideranças católicas.
Nesse país, por exemplo, já existem três partidos de inspiração evangélica: o Partido Caminho Cristão, o
Movimento de Unidade Cristã e a Alternativa Cristã. Este último disputou a eleição em novembro de 2004,
sem nenhuma coligação (Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação -ALC – 27/05/2004).
Sobre essa temática, veja-se também Löwy (2000), especialmente as páginas de 155 a 167.
15
centradas na preponderância do Espírito Santo e a Revolução Sandinista na Nicarágua já
havia sido tema de um trabalho acadêmico nosso. Em meados da década de 1980, quando
escrevíamos a monografia, Freston publicava um livro sobre o tema
10
. A realidade
nicaragüense abordada em nosso estudo, ainda na graduação em teologia, era completamente
diferente da que caracterizava o pentecostalismo
11
brasileiro. Na Nicarágua, muitos
evangélicos pentecostais foram partícipes da Revolução, alguns, inclusive, pegaram em
armas. No Brasil daquela época, ainda valia, mesmo que não mais por muito tempo, a
asserção de que “crente não se mete em política”.
Mais recentemente, enquanto eram escritos artigos sobre a relação entre o
pentecostalismo e a política no Brasil, havia algumas teses de estudiosos que nos
incomodavam, uma vez que ainda repercutiam as descobertas feitas em nossa monografia
sobre a Revolução Sandinista e os evangélicos da Nicarágua. Entre outros aspectos, era-nos
difícil aceitar que os políticos pentecostais do Brasil seriam como um bloco único e tão
somente conservador. Também não nos convencia que essa religiosidade não exercia
influência pública
12
alguma ou que essa relação entre a religião e a política seria uma ameaça
à democracia
13
. Enfim, essas foram algumas das motivações que nos impulsionaram para
conhecer mais sobre o assunto e, assim, verificar até que ponto nossas primeiras impressões
10
FRESTON, Paul. Cuba e Nicarágua: uma análise dos processos revolucionários. São Paulo: ABU,
1985.
11
Por pentecostalismo entendemos os movimentos cristãos que se centram na ênfase às experiências
de recebimento de dons do Espírito Santo.
12
Sobretudo para alguns que defendiam a operosidade das teses da secularização.
13
Apesar de esta posição estar em declínio, vez por outra são ouvidas vozes a respeito, como a do
professor César Romero Jacob da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, um dos autores
do Atlas da Filiação Religiosa (2003). Diz ele: “A votação mostra o quanto é real a influência religiosa
na política. É preocupante, pois pode significar, a longo prazo, o risco de um modelo teocrático de
governo” (Rodrigues, 2004). Em nosso entender, trata-se de uma posição um tanto exagerada. Para
leitura complementar, veja-se: Jacob et al (2003).
16
sobre o tema estavam ou não equivocadas. Dessa forma, chegamos ao nosso objeto de
pesquisa: as interconexões entre os campos da política e da religião.
A partir da atual visibilidade dos evangélicos pentecostais no panorama nacional,
parece-nos adequada a afirmação de que, para conhecer o Brasil, é preciso compreender a
religiosidade de seu povo e considerar como ele se relaciona com os seus deuses (DaMatta,
1997, 2001a; Velho, G., 1997). De fato, o Brasil constitui-se, hoje, em um universo instigante
para investigar a relação entre a religião e a política (Burity, 2001). A partir do processo de
democratização instalado em nosso país, a religiosidade pentecostal passou a ter uma maior
importância. Parece-nos que, à medida que houve uma mudança no processo político, alterou-
se, igualmente, o campo religioso. O pentecostalismo tornou-se mais atuante e imiscuiu-se, de
forma crescente, na mídia e na política. O engajamento no campo político cresceu
sabidamente a partir da Assembléia Nacional Constituinte de 1986. Desde então, a relação
entre a religião e o universo da política institucional só faz crescer.
Desde aquele ano, o envolvimento desse segmento religioso no campo político
mostrou um crescimento impressionante (Freston, 1996). Nas eleições de 1998, por exemplo,
foram eleitos 53 deputados federais, dos quais 14 pertencem aos quadros da Igreja Universal
(Oro, 2003a). Em 2002, foram eleitos pelo menos 60 parlamentares ligados às denominações
evangélicas, sendo 23 deputados filiados às Assembléias de Deus; 22 vinculados à Igreja
Universal, entre os quais 16 deputados federais diretamente ligados a sua estrutura eclesiástica
(Idem, 2003b), oito batistas e os demais vindos de outras denominações. Também no Senado
houve um aumento de senadores evangélicos, que passaram de dois (Iris Rezende e Marina
Silva) a quatro representantes do segmento evangélico, a saber, Marina Silva, Bispo Crivella,
Magno Malta e Paulo Otávio (Idem, 2003a).
Para ficar no caso do Rio Grande do Sul, a Igreja Universal conseguiu eleger, nesse
17
último pleito, um deputado federal, um deputado estadual e, na eleição para a Câmara
Municipal de Porto Alegre, re-elegeu dois vereadores ao legislativo do município. A Igreja do
Evangelho Quadrangular gaúcha, além de reconduzir um pastor ao cargo de deputado
estadual, elegeu um deputado federal. A Assembléia de Deus, além de permanecer com dois
representantes estaduais saídos de suas fileiras, igualmente elegeu um deputado federal.
Outra questão relevante é o que se tem denominado de “voto fiel”. Por exemplo:
conforme alguns estudos, a Igreja Universal tem conseguido obter entre 90% a 95% de
lealdade, ou seja, a quase totalidade de seus fiéis vota nos candidatos por ela indicados
14
(Fernandes, 1996). Nossa pesquisa mostra como essa questão se apresenta nas três
denominações estudadas, demonstrando em que medida a membresia dá o suporte de seu voto
às candidaturas propostas pelas cúpulas das igrejas em questão.
Embora nosso estudo ocupe-se, basicamente, do poder legislativo no âmbito estadual,
como se verá a seguir, cabe registrar que o avanço das denominações evangélicas, adentrando
o universo da política partidária, não se limita a objetivos locais. Elas sonham alto. Basta
dizer que, na última eleição à Presidência da República do Brasil, um dos concorrentes ao
cargo foi um candidato publicamente identificado com a ala evangélica: Anthony Garotinho,
ex-governador do Rio de Janeiro. Garotinho esforçou-se para lograr o apoio das igrejas
Universal, Assembléia de Deus, batistas e da Igreja à qual está filiado, a Presbiteriana. Não
seria surpreendente se essa tendência se confirmar no apoio evangélico a Garotinho à
14
Segundo dados apurados pelo jornal O Estado de São Paulo reunidos pela antropóloga Clara Mafra, a
Igreja Universal consegue orientar 90% dos votos de seus fiéis, enquanto a Assembléia de Deus o faz
com êxito apenas em 40% de seus membros (Rodrigues, 2004). Cabe observar que, embora se verifique
uma pequena diferença de 0,5 % entre o estudo de Mafra e o de Fernandes, apesar dos anos transcorridos
entre as mesmas, um fato não se alterou de uma pesquisa para a outra: a expressiva maioria dos
freqüentadores da Igreja Universal vota nos candidatos que a instituição lhes propõe. Esse dado se
confirma também em nossa pesquisa, como se verá ao longo deste texto, especialmente no capítulo 5.
18
Presidência da República no próximo pleito, em 2006. Fonseca (2001) afirmou que o governo
de Garotinho teve a “aprovação de 70% da população do Rio, e que essa aprovação chega a
90% entre os evangélicos cariocas. Isso garantiu a Garotinho, dentre cinco ou seis candidatos
à presidência da República”, chegar em terceiro lugar. Contudo, seguindo a tipologia proposta
por Oro (2003c)
15
, nós o enquadraríamos mais como um político religioso (ou conforme Oro,
político laico) do que como um religioso político
16
.
A relação entre a religião e a política no Brasil tem ativado não apenas a disputa por
fiéis, mas também o reconhecimento dentro do campo religioso e da sociedade. Ao inserir-se
na esfera política, a religião tem suscitado disputas identitárias e de cosmovisões. Nas últimas
eleições a Prefeito, essa tendência ficou palpável no Rio de Janeiro. De um lado, o candidato
César Maia iniciou e encerrou sua campanha subindo a escadaria de um templo católico da
Penha. De outro, Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, seu oponente, por pouco não
levou o processo eletivo para o segundo turno. Conforme notaram os pesquisadores que
editaram o Atlas da Filiação Religiosa, o candidato Marcelo Crivella alcançou um maior
número de votos nas regiões onde o pentecostalismo instalou-se com mais força, ou seja, na
Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em contrapartida, o candidato César Maia obteve votação mais
expressiva nas áreas de menor penetração pentecostal, que se caracterizam por possuírem
15
Essa tipologia procura expressar a situação de filiação e relação que os políticos mantêm com as
instituições religiosas. O vínculo com uma instituição religiosa dos assim chamados religiosos
políticos é anterior a sua entrada na política institucional, ligação que eles ostentam explicitamente.
Atrevemos-nos a sugerir a inclusão de outra característica no conceito de religioso político. Qual seja,
a de que este político somente alcança sucesso nos pleitos eleitorais tendo em vista sua ligação com a
instituição religiosa e o apoio explícito que dela recebe. Em contrapartida, os demais, os políticos
laicos, mesmo se filiados a denominações religiosas, não evidenciam esse vínculo em sua prática
política e nem dela dependem completamente para alcançar sucesso eleitoral. Este parece ser o caso de
Garotinho, uma vez que, como político, ele ultrapassa em muito os muros dos evangélicos
pentecostais, e, em menor medida, o ex-deputado estadual do Rio Grande do Sul Eliseu Santos, que fez
parte de nossa pesquisa.
16
Sobre a trajetória política e religiosa de Anthony Garotinho, ver Fonseca (2002).
19
maior concentração de católicos (Tabak, s.d).
Como interpretar esse fenômeno? Estaria ele expressando uma outra relação de
complexidade que não se reduz somente a uma questão pragmática e utilitarista
17
? Dessa
forma, submetemos o referido fenômeno ao estudo antropológico, a fim de que possamos
vislumbrar algum entendimento sobre a relação entre a religião e a política. Este, como
qualquer evento histórico, contém aspectos paradoxais. Contudo, existem aqueles que não
percebem nada de paradoxal no movimento religioso contemporâneo, principalmente os que
ainda se firmam sobre as teses da secularização imersas na ideologia do progresso e, por
conseguinte, entendem o fenômeno religioso como um atraso - pois se fixaria na tradição - ou
como falta – de racionalidade. Em nosso entender, essas idéias, a rigor, contradizem os
referenciais teóricos weberianos que afirmam que o racionalismo moderno é um processo
histórico (Pierucci, 2003). Isto é, os teóricos que partilham da teoria da modernização como
sendo o aumento do racionalismo, dificilmente conseguem aceitar as ambigüidades que a
própria racionalidade moderna faz surgir nas mais diversas esferas sociais (Martelli, 1995;
Hervieu-Léger, 1987; Souza, 1999).
O desencantamento do mundo pelo processo de racionalização resultou em um
paradoxo para a religião ocidental. Por um lado, o processo de racionalização impulsionou o
processo de laicização e diferenciação de esferas sociais (Pierucci, 2000). Por outro, cremos
que esse processo segue desdobrando-se de formas variadas a tal ponto de, paradoxalmente,
haver um deslocamento entre as fronteiras das diversas áreas.
17
A interpretação pragmática e utilitarista do intercruzamento entre os campos da religião e da política
partidária o conceberia como uma simples procura de ampliação de poder político-econômico das
instituições religiosas. Entendemos que esse aspecto integra o fenômeno em questão. Entretanto, fixar
o olhar somente nesse processo abre-nos uma única perspectiva, empobrecendo a interpretação do
fenômeno.
20
Assim, nos unimos à concepção de Weber, que aliou, sem tornar sinônimo, o termo
secularização ao de desencantamento do mundo, ou seja, desmagificação do mundo, como
resultado principal do processo do racionalismo moderno
18
(Pierucci, 2003). Contudo, cremos
que a modernidade hodierna é um processo que possibilita múltiplos arranjos entre os
elementos da racionalidade moderna e científica, das esferas culturais, de valor e do modo de
praticar ou não a ética religiosa e o pensamento mágico. Em outras palavras, trata-se de um
processo histórico aberto e não conclusivo, mas com múltiplas configurações, posição que
pensamos retirar de Weber. Ademais, aceitar a autonomia da racionalidade das esferas sociais
não significa dizer que as mesmas não sofrem nenhuma influência umas das outras.
Assim, cremos que o fenômeno da inserção da esfera religiosa no campo político
suscita aspectos de ordem teórica de grande relevância, os quais se colocam como questões
para a nossa pesquisa:
1. Em que medida a intersecção entre religião e política coloca em xeque a teoria da
secularização? Estamos presenciando um arrefecimento do processo de secularização, um
“retorno do sagrado”, uma “revanche de Deus”?
2. Estaria a religião relegada à esfera subjetiva e, por conseguinte, sem poder de
influência sobre outras campos da sociedade?
3. Qual seria a lógica religiosa com a qual operam essas denominações, a ponto de
conseguirem desde algum êxito eleitoral até um impressionante sucesso, variando de uma
instituição religiosa para outra, mas todas as pesquisadas marcando considerável presença nos
pleitos estaduais? Que artifícios estariam sendo acionados pelas igrejas para elegerem
18
Os paradoxos da racionalidade moderna serão melhor explorados no primeiro capítulo.
21
políticos ligados a suas instituições religiosas? Quais seriam os entraves que se apresentam?
Pode-se descrever os evangélicos e suas práticas ligadas à inserção no campo político como
sendo homogêneas e organicamente coerentes? Ou, ao contrário, existiriam diferenças
importantes que não permitem considerar os evangélicos de linha pentecostal um só bloco no
que tange ao seu envolvimento na política partidária?
4. Quais seriam os objetivos das igrejas estudadas para inserirem-se no mundo da
política? Todas as denominações pesquisadas teriam as mesmas motivações para o seu
envolvimento no campo político? O que elas possuiriam em comum e quais seriam as
distinções entre elas?
5. O que estaria ocorrendo no campo político que favorece a entrada desses “novos”
atores sócio-políticos? Existiria um esgotamento do político? A sempre referida falta de ética
na política estaria apontando para a perda da plausibilidade das instituições políticas? Os
desmandos e a corrupção no meio político, amplamente divulgados pela mídia, estariam
acarretando essa perda de razoabilidade da política que a esfera religiosa, através dos
pentecostais, parece procurar resgatar? Por outro lado, o objetivo dessas instituições religiosas
e de seus representantes no poder legislativo gaúcho seria basicamente o de trazer a ética para
a política?
Buscando na literatura uma base sólida para ir ao encontro de tantas perguntas,
podemos dizer que a realidade se tem apresentado de modo a problematizar as divisões e
rupturas estanques concebidas por muitos dos teóricos da secularização e da modernidade.
A teoria da secularização, que possui como núcleo a assertiva da diminuta influência
da religião na sociedade contemporânea, por conta da multiplicação de esferas autônomas
(Fonseca, 2002; Wilson, 1998), parece não dar conta da complexidade da modernidade tardia.
Não se trata de refutar a teoria da secularização. Entretanto, faz-se necessário problematizá-la,
22
a fim de conseguirmos aproximar-nos dos desafios que a religião no mundo hodierno nos
coloca. Parece-nos que a separação entre a religião e as demais esferas da vida, imaginada
pelos pensadores mais consagrados dessa modernidade, não se cumpriu até hoje, o que se
verifica nos contextos mais variados. A hipótese de que a junção entre os campos da religião e
da política represente um atraso, indo na contramão da modernização, não se confirmou. Isto
é, afirmar que tudo depende do prosseguimento do processo de modernização não encontra,
portanto, sustentação, o que se verá ao longo deste texto. A modernidade contemporânea
parece não ter trazido uma ruptura plena entre as esferas sociais, e, portanto, entre a religião e
a política. Assim, cabe questionar em que moldes essa separação se mantém e que respostas
essa “nova” configuração pode trazer para o entendimento do processo da modernidade tardia.
Diante do vulto desse tema, nosso desejo por conhecê-lo, obrigatoriamente, levou-nos
a circunscrevê-lo e delimitá-lo. Desse modo, nosso objetivo, aqui, é compreender a relação
entre as denominações de cunho pentecostal e a política institucional.
Para realizar esse estudo, delimitamos, como nossos sujeitos de pesquisa,
especificamente, aqueles que atuam na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, ou seja,
os deputados ligados às igrejas pentecostais gaúchas. No período compreendido por esta tese,
três denominações contam com esse tipo de representatividade em nosso Estado: a Igreja
Universal do Reino de Deus (em nosso texto, chamada de Igreja Universal), a Igreja do
Evangelho Quadrangular (doravante citada como Igreja Quadrangular) e a Igreja Assembléia
de Deus (aqui referida como tal ou, simplesmente, com o nome de Assembléia de Deus).
Procuramos analisar o crescimento da participação do pentecostalismo no campo da
política a partir dos sujeitos e das instituições religiosas envolvidas no poder legislativo
gaúcho. Assim sendo, esta tese teve como sujeitos de pesquisa os deputados estaduais
23
vinculados às igrejas acima mencionadas; as lideranças das respectivas denominações
religiosas no Estado do Rio Grande do Sul; e membros, também chamados fiéis,
freqüentadores das igrejas em referência. Constitui-se nossa preocupação trabalhar olhares
recíprocos. Aspiramos analisar como os religiosos políticos percebem sua relação com o
político e com as denominações que os elegeram, compreender a percepção dos fiéis a
respeito da intersecção de suas igrejas com a esfera política e verificar como as instituições
religiosas relacionam-se com o campo político e com os representantes eleitos com a ajuda de
suas Igrejas de origem.
Os deputados que integram a presente pesquisa são Edemar Vargas e Eliseu Felippe
Santos (que se afastou da Assembléia Legislativa no meio da atual legislatura para assumir o
cargo de vice-prefeito de Porto Alegre), como representantes da Igreja Assembléia de Deus;
Manoel Maria dos Santos, em nome da Igreja Quadrangular; e, pela Igreja Universal, Paulo
Moreira (eleito para a legislatura passada) e Sérgio Peres Alos (atual representante de sua
denominação). Assim, são cinco os deputados estaduais que integram nossa pesquisa.
Esse estudo abrange os seguintes períodos: a) as entrevistas com os políticos e as
lideranças eclesiásticas foram realizadas em diferentes momentos ao longo de todo o tempo
da pesquisa, isto é, de 2001 a 2005, e submetidas à análise contínua. A aplicação e a análise
dos questionários com membros dessas três denominações ocorreram no segundo semestre de
2003, primeiro semestre de 2004 e primeiro semestre de 2005. Durante o período de 2002 até
2005, realizamos a busca de informações pela Internet; b) para a análise da atividade
parlamentar dos deputados, foram considerados, também, em algumas tabelas, dados
anteriores a esse período, para fins de comparação. Assim, incluímos informações desde a 48ª.
Legislatura (1991 a 1994), fornecidas pelo site da Assembléia Legislativa do Rio Grande do
Sul.
24
Cada deputado evangélico concedeu somente uma entrevista, excetuando-se Manoel
Maria e Paulo Moreira, de quem obtivemos entrevistas apenas de seus assessores. Incluindo
os parlamentares considerados nessa pesquisa, seus assessores e alguns outros políticos
evangélicos referidos no texto, realizamos 12 entrevistas com políticos, além de trabalharmos
com mais duas concedidas ao professor Ari Pedro Oro. Nos três contextos eclesiásticos
pesquisados, entrevistamos duas vezes as suas principais lideranças. Ao todo, realizamos 19
entrevistas nas Igrejas, além de contatos telefônicos para sanar dúvidas e buscar algum
esclarecimento pontual. Os questionários foram respondidos por 150 fiéis dessas
denominações.
As coletas de dados foram realizadas em cidades da Região Metropolitana de Porto
Alegre. Apesar de a abrangência do trabalho dos deputados em referência alastrar-se por todo
o Estado do Rio Grande do Sul, seu trabalho transcorre, basicamente, na própria Assembléia
Legislativa em Porto Alegre. Por diversas razões, a obtenção de dados nas três Igrejas
estudadas ocorreu somente na capital gaúcha e nas cidades circunvizinhas.
Tendo em vista que, nesta tese, procuramos compreender os significados que os atores
sociais dão as suas práticas de intersecção entre os campos político e religioso, seja no âmbito
individual, seja no institucional, empregamos na pesquisa, sobretudo, a metodologia
qualitativa. O trabalho desenvolveu-se a partir de pesquisa de campo numa perspectiva
etnográfica.
A escolha dessa metodologia deu-se pelo fato de a pesquisa qualitativa visar entender,
a partir da observação simultânea de vários elementos, um determinado fenômeno, permitindo
um conhecimento pormenorizado de um evento e a explicação de comportamentos (Haguette,
1999; Víctora, Knauth & Hassen, 2000).
A etnografia tem o seu acento no fato de considerar o ponto de vista daquele que vive
25
o fenômeno estudado (Víctora, Knauth & Hassen, 2000). Esse método vale-se, portanto, da
fala do próprio pesquisado, coletada a partir da observação e dos contatos interpessoais in
loco. Trata-se de um método profícuo para estabelecer relações entre o objeto de pesquisa e as
visões de mundo da comunidade estudada.
Como técnicas de pesquisa, valemo-nos da observação participante e de entrevistas
semi-estruturadas. A observação realizada nos cultos das Igrejas em estudo ocorreu ao longo
de dois anos, a saber, 2002 e 2004. Como estes foram anos eleitorais, interessou-nos observar
como o envolvimento das instituições na política partidária era abordada diante da
comunidade de fiéis. Visitamos diversos cultos em cada uma das três Igrejas pesquisadas para
nos assegurarmos das impressões e dos dados colhidos. O objetivo da participação nos
encontros cultuais não era analisar, com pormenores, o discurso de seus pastores. Antes,
buscou-se verificar se as informações advindas das entrevistas junto às lideranças religiosas e
aos fiéis se confirmariam, especialmente no que tange ao uso do público para a divulgação
das candidaturas, bem como à linha argumentativa utilizada.
Cabe registrar que a receptividade dada ao pesquisador foi consideravelmente
diferente nos cultos das três instituições religiosas visitadas. Nas igrejas Assembléia de Deus
e Quadrangular, éramos acolhidos de forma muito cordial, tanto pelo pastor e outras
lideranças presentes, quanto pelos freqüentadores dos cultos. Essa mesma postura era mantida
quando nos identificávamos como pesquisador. Solicitadas, as pessoas logo se colocavam à
disposição para a realização das entrevistas ou a resposta aos questionários, tanto os fiéis
quanto as lideranças eclesiásticas. Éramos informados sobre a organização das comunidades
locais, incluindo breves visitas às instalações das igrejas. Os pastores disponibilizavam, com
relativa rapidez, um horário para entrevista, geralmente no dia seguinte, para que essas
conversas pudessem ocorrer sem interrupções ou pressa, o que, de fato, se concretizava dessa
forma. Em nenhum momento nos sentimos fiscalizados por mantermos contato na entrada e
26
na saída dos cultos com os membros dessas igrejas. O acesso a eles era, portanto, livre e
espontâneo.
Particularmente na Igreja Quadrangular, percebemos um grande cuidado com a
acolhida, estendido a todos que adentravam os templos. Um considerável número de
auxiliares circula por entre os membros, vestidos com uma espécie de uniforme. São os
diáconos e diáconas, líderes de departamentos e auxiliares em geral. Ocupam-se de atender as
crianças, servir água a quem faça menção de usar o bebedouro, providenciam acomodação
para quem chegou atrasado, recolhem as ofertas em dinheiro, entre outras atividades, antes,
durante e após os cultos.
Quanto à recepção que tivemos nos cultos da Igreja Universal, podemos descrevê-la
como tendo se dado, basicamente, de duas formas. Usualmente adentrávamos o templo e
assistíamos os cultos, antes de, efetivamente, apresentarmo-nos às lideranças. Mesmo assim,
éramos notados pelos pastores e pelos obreiros. Estes últimos são pessoas que costumam ficar
postadas à frente da comunidade, disponíveis para o que for necessário. Além de fazerem
tarefas semelhantes às realizadas pelos diáconos da Igreja Quadrangular, embora com maior
ênfase na vigilância e na segurança, recolhem as diversas coletas em dinheiro realizadas ao
longo dos cultos. Ao final dos eventos religiosos, quando nos apresentávamos como
pesquisador, sentíamos a instalação de um clima de certo mal-estar. A mensagem de que
pesquisadores não são bem-vindos era clara. Tivemos que dar muitas explicações acerca dos
objetivos da pesquisa, da vinculação institucional com a universidade e do uso que seria feito
das informações. Em alguns casos, não nos foi permitido utilizar o gravador ou mesmo aplicar
os questionários. Em outros, poucos, pudemos fazê-lo, mas sob vigilância. Foi-nos dito, com
todas as letras, que a concessão de entrevistas por parte de pastores e obreiros era proibida
nessa igreja. Também não se desejava que os membros prestassem depoimentos. Assim, foi
preciso contar com toda a diplomacia de que pudemos dispor, o que, em alguns casos,
27
funcionou. Em outros, tivemos que nos despedir de mãos praticamente vazias.
Com relação aos fiéis, chamou-nos a atenção a grande quantidade de pessoas presentes
aos encontros cultuais das igrejas Assembléia de Deus e Quadrangular. Observando os
participantes, constatamos, em todos os cultos, que a maior quantidade era composta por
adultos. Entretanto, o número de crianças, jovens e idosos era expressivo, podendo as
comunidades ser descritas como plurais, em termos de faixa etária. Embora não se tenha
aplicado nenhum instrumento de coleta de dados voltado à situação sócio-econômica da
membresia, podemos dizer que os participantes dos cultos da Igreja Assembléia de Deus por
nós visitados eram, em sua maioria, de classe média baixa. Contudo, essa denominação possui
também trabalhos voltados a empresários e pessoas com escolaridade mais alta. Estes não
estão, entretanto, entre a assistência regular das atividades eclesiásticas das comunidades por
nós visitadas. A considerar pelo aspecto dos freqüentadores dos cultos, a Igreja Quadrangular
poderia ser caracterizada como a mais elitizada, do ponto de vista sócio-econômico, das três
igrejas pesquisadas. Ainda assim, seu público poderia ser classificado, com exceções, como
sendo de classe média. Tanto na Igreja Assembléia de Deus quanto na Igreja Quadrangular
era perceptível a existência de vínculos entre os membros, com as pessoas se
cumprimentando, chamando-se pelo nome e demonstrando algum conhecimento da vida uma
da outra.
No tocante à Igreja Universal, sobretudo durante o dia, os cultos visitados reuniam,
basicamente, pessoas pobres. Ali parece que estão, para usar um termo êmico, “congregando”
os excluídos da sociedade. A audiência era composta, via de regra, por adultos, com poucas
crianças ou jovens. Exceto no caso de casais ou outros vínculos basicamente familiares, os
fiéis se caracterizavam pela distância entre eles, com quase relação nenhuma entre eles.
Quanto às entrevistas, embora partindo de questões pré-formuladas, optamos por viver
28
cada entrevista como uma experiência única, com percurso desconhecido. As perguntas
congruentes com nosso objeto de pesquisa foram contempladas nas entrevistas, mas cada uma
delas seguiu seu próprio rumo, configurando-se de acordo com a interação entre o
entrevistador e o entrevistado. A duração média das entrevistas era de uma hora.
As entrevistas tiveram por base roteiros diferenciados para cada público. Os deputados
estaduais foram entrevistados a partir de perguntas específicas, visando reunir informações
acerca de sua trajetória pessoal, religiosa e parlamentar. As lideranças das igrejas
responderam perguntas voltadas à obtenção de dados que dessem conta da visão de quem
coordena o trabalho das instituições religiosas e sua vinculação com o campo político. As
opiniões dos fiéis das denominações em referência foram captadas nas entrevistas, segundo
roteiro de questões que buscaram oferecer uma leitura, o mais fiel possível, da percepção da
membresia acerca da atuação dos representantes de sua igreja na política partidária. Procurou-
se avaliar sua apreciação quanto à pertinência ou não desse enlaçamento com o campo
político.
As opiniões dos membros das três igrejas foram coletadas, também, através de
questionários, cujos resultados foram computados quantitativamente. Nesse particular, trata-
se, portanto, da utilização de uma metodologia mista, agregando dados advindos da pesquisa
qualitativa e do processo de coleta quantitativo, para uma análise conjunta dos mesmos.
Além de considerar a variedade do público que freqüenta as igrejas evangélicas,
abordando pessoas de diversas faixas etárias, de ambos os sexos, mais um critério norteou a
escolha dos fiéis pentecostais considerados nesse estudo: o seu tempo de participação da
respectiva igreja. Agregar esse critério tornou-se necessário devido a uma característica
especialmente freqüente nas igrejas evangélicas: em seus cultos, é comum encontrarmos
pessoas que adentraram o templo pela primeira ou segunda vez. Não se poderia classificá-los
29
sequer como neófitos. Esse universo de pessoas foi desconsiderado em nossa pesquisa. Um
mínimo de identificação com a instituição religiosa era requerido (vinculação de pelo menos
um ano) para considerar suas opiniões válidas para nosso estudo.
As entrevistas com os pastores e as lideranças das igrejas Assembléia de Deus e
Quadrangular transcorreram de forma tranqüila e cooperativa. Ao final de cada contato,
foram-nos disponibilizados os telefones profissionais, residenciais e celulares,
espontaneamente, numa manifestação de abertura e disponibilidade para eventuais contatos
que ainda se fizessem necessários para a pesquisa. Apesar das agendas visivelmente
sobrecarregadas, ficava clara uma boa vontade em relação à pesquisa.
A realidade encontrada na Igreja Universal foi completamente oposta, como já
referido. Os pastores se diziam proibidos de conceder entrevistas. Obtivemos somente uma
entrevista oficial com um pastor dessa denominação, embora não seja representativo na
hierarquia da instituição no Rio Grande do Sul. Deve-se dizer, porém, que os fiéis dessa
denominação também nos trataram com cordialidade. Quando conseguíamos ter acesso a eles,
colaboravam sem pestanejar. Entretanto, observamos que eram seus os relatos com menor
conhecimento de causa acerca das prerrogativas da instituição religiosa em relação a seu
envolvimento com a política partidária.
Para conseguir entrevistar os políticos evangélicos, começamos pelas visitas aos
gabinetes dos deputados estaduais, agendando entrevistas e recolhendo material de
informação disponível nas salas de recepção desses gabinetes. Esses materiais constituem-se,
fundamentalmente, em informativos a respeito da prática parlamentar dos referidos
deputados.
Nesse contexto, foi possível conversar com alguns assessores e chefes de gabinete,
ocasiões em que colhemos, junto a eles, alguns relatos e posicionamentos frente à relação
30
entre a religião e a política a partir de sua percepção. Essa fase de coleta não apresentou
maiores dificuldades quanto à acessibilidade às pessoas e, conseqüentemente, aos dados.
Registre-se como exceção uma considerável resistência em conceder entrevista por parte da
assessoria do atual deputado estadual Sérgio Peres, da Igreja Universal. Diante das negativas
para nossas tentativas de ter acesso a Peres a partir de seu segundo ano de mandato, como se
verá a seguir, passamos a solicitar que fôssemos atendidos por seu assessor, sem êxito.
O agendamento de entrevistas com os próprios deputados mostrou-se bem mais
complicado. Num primeiro momento, não foi difícil conversar com o deputado Edemar
Vargas. Levamos vários meses para obter a segunda entrevista com um representante da
Igreja Assembléia de Deus, desta vez com o deputado Eliseu Santos. Os deputados Paulo
Moreira e Manoel Maria se mostraram como sendo pessoas de difícil acesso, pelo menos para
pesquisadores. Com relação ao deputado Paulo Moreira, essa atitude encontra-se em
consonância com os demais freqüentadores e líderes da Igreja Universal. Tivemos que
contentar-nos com diálogos informais com sua secretária. A surpresa ficou por conta de
Manoel Maria, o qual destoou de forma radical das lideranças e da membresia da Igreja
Quadrangular, todos absolutamente solícitos e cooperativos com o processo de pesquisa.
Assim, diversas vezes foram marcadas entrevistas e, em lá chegando, éramos informados da
impossibilidade de o deputado Manoel Maria nos receber. Embora sua secretária sempre se
colocasse à disposição para agendar um novo encontro, a negativa repetia-se na data marcada.
Novo agendamento e, ao retornar ao gabinete, outro motivo era alegado para a ausência do
deputado, o que se manteve até o final do período de coleta de dados. Por fim, desistimos.
Quando Paulo Moreira, da Igreja Universal, não foi reeleito, em seu lugar, assumiu o
deputado Sérgio Peres. Em seguida à posse, no início do mês de março de 2003, fomos
agendar uma entrevista com o deputado eleito para a atual legislatura. Assim, chegando ao
gabinete de Sérgio Peres, apresentamos à secretária o motivo da entrevista com o deputado.
31
Nesse momento, o deputado saiu da sala de seu chefe de gabinete e, imediatamente, a
secretária o abordou a respeito de nosso interesse em entrevistá-lo. Para nossa grata surpresa,
decidiu receber-nos naquele mesmo momento. Sua abertura naquele início de mandato é
digna de nota. Conversamos durante mais de uma hora e meia, sendo que o deputado foi
solícito em responder a todas as questões. Nossa intuição não nos enganara: o início da
legislatura seria o melhor momento para obter uma entrevista. Contando com sua pouca
experiência e possível menor assédio nessa fase inicial de seu trabalho parlamentar,
obtivemos uma entrevista de imediato. Contudo, ao tentar retornar em uma segunda
oportunidade, para complementar, atualizar e comparar a primeira entrevista, o deputado
Sérgio Peres demonstrou que o habitus iurdiano
19
, por assim dizer, já havia se instalado. E
assim, semana após semana, mês após mês, deparamo-nos apenas com negativas sobre a
possibilidade de um segundo encontro. A razão alegada pela secretária era sempre a mesma: a
agenda está sobrecarregada.
Um recurso que se mostrou muito útil foi o acompanhamento do desenvolvimento
parlamentar desses políticos a partir das páginas disponibilizadas na Internet. Assim, foi
possível ter acesso a uma considerável quantidade de material de pesquisa. Sobre os
deputados estudados, encontram-se no site da Assembléia Legislativa: uma brevíssima
biografia; os Projetos de Lei apresentados por cada deputado; a lista das comissões por eles
integradas; informativos de caráter pessoal; os pronunciamentos realizados. Além disso, pode-
se acessar as sessões plenárias das últimas duas legislaturas.
19
Usamos a expressão habitus iurdiano em alusão à prática comum na Igreja Universal de mostrar-se
completamente avessa à concessão de entrevistas a pesquisadores.
32
O presente texto divide-se em cinco capítulos. No primeiro capítulo, buscamos re-
visitar as principais teorias da secularização. De um modo geral, elas têm privilegiado um
corte, mais ou menos estanque, entre a religião e as demais esferas sociais, como a política, a
economia, a ciência, entre outras. Perguntamo-nos: como é possível compreender o fenômeno
do entrelaçamento da religião com o universo político? Entendemos que a realidade da
inserção da esfera religiosa no campo político requer que se relativizem certos pressupostos
das teorias da secularização.
Assim, nesse capítulo, buscamos mostrar o ponto de partida de alguns teóricos da
secularização, suas análises mais importantes, bem como problematizamos suas interpretações
sobre a relação entre a religião e a sociedade. Reconhecendo a maior diversidade das esferas
sociais, alinhamo-nos a teóricos que entendem a relação entre a sociedade contemporânea e a
religião não necessariamente como desvantajosa para a segunda. Ao contrário, esses cientistas
sociais pensam que a religião tem conseguido reconfigurar-se de forma surpreendente.
Juntamente com esses pensadores, não vemos a modernidade contemporânea e a religião
como sendo excludentes entre si, mas os percebemos em um processo de reorganização.
Atendo-nos especificamente ao caso brasileiro, procuramos demonstrar, no segundo
capítulo, as relações entre religião e política, suas aproximações e distanciamentos segundo
diferentes períodos históricos. Buscamos evidenciar, neste capítulo histórico, que a principal
organização religiosa no Brasil, a Igreja Católica, saiu fortalecida com o advento da República
e a conseqüente separação entre Estado e Igreja. Além disso, abordando a história do Brasil e
da Igreja Católica, mostramos como esta última se rearticulou em vista dos novos cenários
que se lhe apresentavam.
Por outro lado, o pentecostalismo, especialmente nesses últimos trinta anos, vem
demonstrando seu poder de penetração em distintas classes sociais, sobejamente entre os
33
pobres. Ademais, sobretudo a partir dos anos de 1990, o pentecostalismo substituiu,
ideologicamente, as Comunidades Eclesiais de Base, tomando o seu lugar na cosmologia das
classes empobrecidas, tese defendida por André Corten (1996a; 1996b; 1997). Assim,
observa-se a recomposição do campo religioso (Hervieu-Léger, 1987; 1997a; 1997b), o que,
evidentemente, possui desdobramentos nas outras esferas da vida social. Se, historicamente,
por falta de melhor conceito - na pré-modernidade - a religião desempenhava um papel
fundamental na sociedade, este se dava mais pela tradição que por opção. Hoje, a religião
toma uma posição ativa. Ao relacionar-se com as demais esferas da vida, constitui-se em uma
entre outras. Justamente por isso a religião disputa a prioridade na visão de mundo dos
indivíduos, sem, no entanto, conseguir impor-se como única cosmologia. Essa disputa,
contudo, não tem feito com que a religião se arrefeça, como muitos pensavam que ocorreria.
Ao contrário, transformou-se.
O terceiro capítulo explora a forma pela qual as instituições religiosas pesquisadas
compreendem sua inserção no mundo da política institucional e o modo como se organizam
para atingirem seus objetivos. Assim, são destacadas, no capítulo central, as motivações das
igrejas para lançarem representantes no campo da política partidária, as estratégias para obter
êxito nessa empreitada, as suas organizações eclesiásticas e as resistências internas a esse
envolvimento.
O quarto capítulo aborda questões referentes à prática parlamentar dos políticos
evangélicos. Nesse capítulo, percebemos que existem, a rigor, duas formas de legislar
adotadas pelos evangélicos. A primeira é representada pelos deputados vinculados à Igreja
Assembléia de Deus. A outra modalidade fica evidente nos deputados da Igreja Universal. Os
primeiros possuem uma preocupação mais centrada em questões amplas e são portadores de
uma racionalidade mais afeita à separação das esferas política e religiosa. Os representantes
da Igreja Universal demonstram estreita ligação com a sua denominação religiosa, uma vez
34
que são dominados pela cosmologia magicista e messiânica da referida instituição. Assim,
suas preocupações centrais voltam-se à manutenção e à expansão da influência de sua
instituição religiosa na sociedade.
Por fim, no último capítulo, verificamos como os fiéis das distintas denominações
evangélicas pesquisadas percebem e interpretam a relação entre a religião e a política.
Veremos diferentes posturas diante desse intercruzamento de dois campos sociais,
distinguindo-se os membros das referidas denominações.
Assim, ao longo de cinco capítulos, vamos construindo aquela que é a idéia central de
nosso estudo. Nossa tese é a de que o que tem possibilitado à religiosidade pentecostal
transitar do campo religioso para o político, entre outros aspectos, é a força de sua
cosmologia, notadamente, de sua cosmovisão magicista e messiânica
20
. Esse discurso
messiânico tende a aumentar, seja pelas denúncias de corrupção ligadas a políticos em geral,
seja na medida em que são empreendidas denúncias de incompetência ou de qualquer outra
natureza contra os deputados pentecostais por parte da mídia. Dessa forma, sua identidade é
reforçada a partir de um discurso bíblico de perseguição aos que se professam fiéis a Deus.
Seu projeto religioso efetivamente contém um caráter político. Quanto mais mágica for a
concepção cosmológica de uma denominação e a crença de ser portadora de uma mensagem
20
Esse termo refere-se a uma esperança messiânica, um tanto difusa, talvez, mas nem por isso menos
evidente e perceptível. Essa esperança designa uma crença em que, por intermédio de um enviado divino,
instalar-se-á entre as pessoas um tempo de felicidade terrestre (Oro, 1989). Conforme Maria Isaura Pereira
de Queiroz, “o messianismo se afirma, pois, como uma força prática e não como uma crença passiva e
inerte de resignação: diante do espetáculo das injustiças, o dever do homem é trabalhar para saná-las, pois
sua é a responsabilidade pelas condições do mundo” (apud Bittencourt Filho, 1998, p. 99). Ainda neste
texto, Bittencourt deixa uma questão em relevo. O autor pergunta-se se, mesmo a despeito da
institucionalização dos pentecostalismos brasileiros, eles mantêm características de movimento justamente
“porque eles representam uma das poucas alternativas messiânicas disponíveis” (Bittencourt Filho, 1998,
p.100) para a população brasileira num momento de transição histórica. Ademais, vale remeter o leitor para
o livro de Vamireh Chacon (1990), que faz uma reflexão sobre o imaginário messiânico no Brasil, e, entre
outros aspectos, mostra como as lideranças carismáticas são presenças constantes na política brasileira.
35
especial, mais facilmente consegue transitar do discurso religioso para o político.
Especificamente no Rio Grande do Sul, a Igreja Universal e a Igreja Quadrangular
constituem-se nas duas maiores forças evangélicas que alcançam sucesso nos pleitos
eleitorais, sendo que possuem as referidas características.
Tendo sido introduzidos os principais tópicos que compõem esse estudo, passemos ao
capítulo que aborda o referencial teórico que nos ofereceu o suporte para a realização de nossa
pesquisa.
36
1 - REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO
Neste capítulo, pretendemos retomar as principais linhas teóricas acerca da relação
entre religião, modernidade e secularização
21
. Uma das teses centrais entre os teóricos da
secularização é a privatização do sagrado e sua diminuta ou inexistente influência pública.
Como veremos ao longo deste capítulo, para alguns desses pensadores, o pluralismo religioso,
aliado ao processo de separação Estado-Igreja, configura-se no processo de secularização, que
se estendeu de tal forma sobre todas as áreas humanas, que a religião, uma entre muitas das
esferas da vida, estaria restrita, cada vez mais, ao foro subjetivo e perderia seu poder
explicativo sobre o mundo (Fonseca, 2002). A subjetivação do sagrado, termo que nos parece
mais adequado do que privatização, não implica necessariamente na ausência de influência
das organizações religiosas sobre a vida social e política da sociedade. Neste capítulo,
problematizaremos essa questão, buscando demonstrar que a intersecção entre religião e
política não coloca em xeque o processo secularizador, o que não implica dizer, por outro
lado, que a religião se confinou ao aspecto subjetivo dos atores sociais, ou melhor, que isso
signifique ausência de influência da religião nas esferas sociais.
21
Conforme Marramao (1997), o termo secularização possivelmente apareceu antes do século XV,
utilizado para descrever o processo de passagem de propriedades da Igreja para mãos seculares,
provavelmente o “Estado”. O fato possibilitou usar esse termo em uma conexão tanto cronológica –
o surgimento do Estado moderno - quanto simbólica. A secularização, portanto, possui um núcleo
originário do direito canônico, segundo o qual o religioso concede algo de sua esfera para a esfera
do secular. Ou seja, há uma passagem de algo do uso específico do mundo religioso para o plano
secular. Além disso, trata-se de um ato jurídico, “politicamente fundado, que reduz ou expropria os
domínios e as propriedades temporais da Igreja para destinar a outros” (Idem, Ibidem, p. 18). Essa
concepção nos remete ao centro de entendimento “habitualmente” empregado nos estudos das
Ciências Sociais. Isto é, a Igreja perde seu poder político na mesma medida em que a esfera política
se livra das responsabilidades condizentes à esfera religiosa (Idem, Ibidem). O tema da
secularização já foi objeto de reflexão de muitos pensadores, entre os quais Comte, Durkheim,
Weber e Freud (Ferrarotti, 1990). A nós interessa discutir, entretanto, aquilo que alguns chamam de
“teoria da secularização”; “teorias [no plural] da secularização”, para outros, além daqueles que
preferem a expressão “paradigma da secularição” (Fonseca, 2002).
37
Posto isso, procuraremos trazer à tona as principais teses dos mais importantes autores
que refletem sobre as teorias da secularização no Brasil e em âmbito mundial. Nossa intenção
é mapear, minimamente, essas teorias. Para atingirmos nosso intento, seguimos o apanhado
das teorias sobre a secularização realizado por Martelli (1995), valendo-nos também dos
estudos de Guizzardi e Stella (1990)
22
, além de consultarmos as obras dos principais
teóricos
23
.
1.1 - A
S TEORIAS CLÁSSICAS SOBRE A SECULARIZAÇÃO
A respeito da questão da teoria da secularização no campo da Sociologia da Religião,
uma das primeiras abordagens foi formulada por Sabino Acquaviva (apud Martelli, 1995). O
centro de sua teoria constitui-se na distinção entre o processo de secularização e de
dessacralização. O autor formulou a definição da secularização como sendo o “eclipse do
sagrado”. A secularização seria a perda da importância sacra de estruturas, lugares, pessoas e
comportamentos, porquanto a dessacralização se constituiria na redução da experiência
(psicológica) do sagrado, do radicalmente Outro. Esse teórico italiano, portanto, articula uma
relação entre secularização, experiência e prática religiosa. Em vista disso, Acquaviva afirma
que, se, por um lado, decresce a experiência religiosa, por outro, ela permanece como
arquétipo, podendo, em condições sociais mais favoráveis, voltar a se manifestar (Martelli,
1995). De fato, a secularização, como entendida por Acquaviva, causou e segue promovendo
22
Essa opção metodológica refere-se tão somente à utilização de uma pré-sistematização das teorias
clássicas da secularização realizada por estes teóricos. Isso não significa, porém, a aceitação
incondicional de seus pressupostos e de suas críticas às idéias da secularização.
23
Nossa intenção não é discutir, de forma aprofundada, essa questão, que já se tem tornado um debate
um tanto cansativo (Burity, 2001). Contudo, em função de nosso tema, quando entendermos
necessário, deter-nos-emos mais em torno dos argumentos de um ou de outro autor.
38
a diminuição da importância das estruturas religiosas, sobretudo das instituições mais
tradicionais (Rivera, 1999). No entanto, outra leitura possível seria a de que a eventual
diminuição da importância das estruturas religiosas não é sinônimo, nem gera
necessariamente, a redução da experiência do sagrado nos indivíduos
24
.
Peter Berger também é considerado um dos autores clássicos das teorias da
secularização. No seu livro O Dossel Sagrado, Berger (apud Martelli, 1995) segue os
pressupostos teóricos de Max Weber para afirmar que a racionalização ocidental, oriunda, em
parte, da religião, corrói as idéias e os sentimentos religiosos. Nessa obra, o autor propugna
que o processo de secularização opera dentro da sociedade de forma objetiva e subjetiva. Para
Berger, a secularização instala-se de modo objetivo em toda a vida cultural da sociedade,
resultando numa diminuição da influência da religião, diminuição essa que se vem
acentuando, gerando uma crise de plausibilidade das tradicionais explicações da religião sobre
a existência humana no mundo. Por outro lado, a secularização instala-se subjetivamente na
medida em que um crescente número de pessoas não mais recorre às interpretações religiosas
para enfrentar as vicissitudes da vida.
Berger define secularização como o “processo com que a religião perde sua autoridade
tanto no nível institucional como em nível de consciência humana” (Berger apud Martelli,
1995, p. 290). Dessa afirmação resulta uma dupla constatação a respeito da secularização. A
primeira é que ocorre de modo estrutural na sociedade. A segunda indica sua ocorrência de
forma subjetiva. Para tanto, dois outros conceitos são fundamentais e correlatos em sua teoria:
o do pluralismo religioso e o da individualização. Em termos estruturais, a secularização
apresenta-se como pluralismo religioso, o que somente é possível onde existe uma
24
Sanchis (1995) explora muito bem essa questão, para a qual voltaremos mais adiante neste capítulo.
39
diferenciação entre Estado e instituições religiosas. Essa seria a secularização objetiva, pois
significa a ruptura do monopólio religioso. A multiplicidade de ofertas religiosas acaba por
promover uma multiplicidade de propostas teológicas, que terminam por tornarem-se difusas,
diluindo-se pelo excesso. Isso obriga a acirrar a concorrência, e a concorrência faz com que as
religiões se projetem pela diferença. A secularização subjetiva ocorre pela privatização
25
do
sagrado. Assim, o processo de secularização indica uma crise de credibilidade da religião,
gerando um colapso de plausibilidade das definições religiosas tradicionais. A pluralização de
ofertas religiosas gera uma pluralidade de valores e estilos de vida que impõe aos indivíduos
uma necessária escolha entre crenças e valores diferentes, implicando o imperativo herético
dos indivíduos, ou seja, na não necessidade de uma única afiliação religiosa. De qualquer
forma, a secularização, para Berger, não implica, necessariamente, no desaparecimento da
religião, mas a pluralidade de ofertas religiosas deixa em aberto os resultados que daí possam
surgir (Martelli, 1995).
Berger analisa de forma particularmente interessante as conseqüências da
secularização da sociedade. À medida que descreve um determinado contexto histórico e as
conseqüências do pluralismo religioso e da secularização sobre a sociedade e o pensamento
religioso, declara que o referido fenômeno não significa a impossibilidade de haver um
retrocesso ou a ocorrência de rearranjos diferentes em um futuro próximo, tanto em termos
sócio-estruturais quanto culturais (Idem, Ibidem). Pode-se, então, concluir que, para Berger, a
história não se apresenta de forma linear, progressiva e homogênea, mas que diversas
variáveis concorrem e podem vincular-se em diferentes combinações. Essa idéia o coloca,
portanto, em total afinidade com as concepções weberianas.
25
Nós preferimos usar o termo subjetivação do sagrado. Identificamo-nos com a abordagem proposta
por Berger, que utiliza o conceito “subjetivo” ligado ao processo da individualização da religião.
40
Outro teórico muito representativo das teorias da secularização é Bryan Wilson.
Fundamentalmente, esse autor defende a idéia de que a secularização é um processo da
sociedade moderna, onde as instituições religiosas perdem significação e influência social
diante das outras instituições da sociedade. Ele define esse processo no qual pensamentos,
práticas e instituições religiosas deixam de ter influência social. Para Wilson, como não têm
possibilidade de influir sobre as esferas sociais, as instituições religiosas preocupam-se
unicamente com a salvação, oferecendo segurança para as pessoas através de práticas e
crenças religiosas.
Segundo Martelli (1995), Wilson analisa as alterações da religião na sociedade sob a
perspectiva funcionalista. Assim, a função da religião é a de oferecer às pessoas uma
perspectiva de salvação. De modo geral, a soteriologia oferecida pela religião na sociedade
ocidental procura criar efeitos tranqüilizadores para os indivíduos. Essa seria a única
contribuição que a religião poderia dar, pois as “funções latentes, isto é, a integração social, a
estabilização das identidades (coletivas e individuais), a expressão e a regulamentação das
emoções, têm, para ele, uma relevância cada vez mais decrescente, ao lado do crescimento da
racionalização na sociedade” (Idem, Ibidem, p. 296). Para Wilson, sendo a soteriologia a
única função que a religião ainda exerce, esta tende a assumir um papel cada vez mais
marginal no contexto social da modernidade avançada.
A partir dessa ótica, a secularização é entendida como um processo de racionalização
que diminui em muito as funções sociais da religião, permanecendo apenas aquela de foro
mais íntimo e individual: a salvação. Wilson define a secularização como um processo pelo
qual ocorre a perda de influência do cristianismo e a substituição das idéias religiosas da vida
por idéias seculares ou laicas. Em um texto mais recente, o autor distingue secularização de
41
secularismo
26
. A teoria da secularização seria “um conjunto de proposições neutras, cujo
propósito é chamar a atenção para o processo de distinção social: secularismo, ao contrário, é
uma ideologia que parece reduzir ou eliminar as agências religiosas, crenças e práticas na
condução dos afazeres sociais” (Wilson, 1998, p. 46). Com esta afirmação, o autor procura
desvencilhar-se das críticas de que as teorias da secularização seriam ideologias, ou seja,
visões valorativas do mundo. Para Wilson, secularização significa um processo de
transferência saber-poder e moral das instituições de referência sobrenatural para instituições
operadas de acordo com critérios racionais, pragmáticos e comportamentais. Três são as áreas
de mudança social na secularização. Ela alterou o locus da autoridade no sistema social,
mudou o caráter do conhecimento e, finalmente, conduziu os comportamentos, sobretudo os
profissionais, a serem motivados de acordo com princípios racionais (Idem, Ibidem).
Por conseguinte, a laicização significou o processo de racionalização das explicações
da realidade. Em termos pragmáticos, representou a substituição da instituição religiosa por
instituições autônomas; e, por fim, em termos de comportamento, significou a
individualização das experiências valorativas, incluindo aí a religiosa. Não há a extinção da
religião, mas o seu deslocamento para a esfera privada. Quanto maior o mercado de ofertas de
26
A relação entre secularização e secularismo, ainda que interessante, não é nova. Marramao (1997)
mostrou como o conceito de secularização foi usado por diferentes correntes dentro das Ciências
Sociais e da Teologia. Além disso, esse conceito foi utilizado dentro de certo tipo de pensamento
pseudocientífico. É daí que Wilson recupera os conceitos de secularização e secularismo.
Por outro lado, confirmando os pensamentos de Wilson, o conceito de secularização também foi usado
na Teologia. Karl Barth, e sua teologia dialética, é o mais conhecido representante do uso desse
conceito no campo teológico. Esse teólogo alemão advogava a necessidade do confronto entre a fé e a
secularização, pois esta última exprime uma realidade legítima, e, por outro lado, conduz os cristãos
para uma liberdade de fé em relação ao mundo (Idem, Ibidem).
O conceito secularismo foi usado por um grupo inglês, o Secular Society. A partir de 1866, esse grupo,
sob a liderança de Charles Bradlaugh, conduziu essa sociedade em direção a um pensamento
positivista anti-religioso e declaradamente ateu. Essa posição levou a referida Sociedade rumo a uma
constante atividade de deslegitimação da religião. Em contrapartida, produziu um efeito pendular por
parte da teologia conservadora, que procurou deslegitimar o pensamento secular de um mundo em
profundas transformações (Idem, Ibidem).
42
socialização de indivíduos em uma sociedade, menor a influência da religião sobre o sistema
social (Martelli, 1995).
Para Bryan Wilson (1998), a secularização determina o declínio do compromisso
religioso da sociedade. A religião deixa de ser o conhecimento fundante da visão de mundo,
dos comportamentos e da ética. Certamente, a sociedade contemporânea dirige a vida com
elementos que independem da religião, mas de que forma as esferas sociais se relacionam?
Todas estão submetidas a uma racionalização abstrata. Coerente com o funcionalismo, a
análise de Wilson centra-se sobre as esferas sociais. Contudo, deixa a descoberto os objetivos
e a apropriação que os sujeitos realizam a partir dessas mesmas esferas sociais, ou seja, as
concretas interações sociais e, em conformidade com Weber (2004a), os sentidos que os
indivíduos dão as suas ações.
Quer-nos parecer que Wilson (1998), quiçá por sua visão estrutural-funcionalista,
preocupa-se em explicar as modificações no campo religioso a partir das instituições
religiosas, não dando ênfase às alterações da própria religião
27
, enquanto representação e
prática social, dentro das sociedades. Um exemplo disso é o crescimento do pensamento
mágico que invade não apenas as instituições religiosas mais tradicionais (Pedde, 2000; Steil,
1999) como também segmentos da ciência. Esse é o caso, por exemplo, da aproximação de
27
Quando tratamos do conceito religião relacionado ao de secularização, seguindo outros autores, nosso
entendimento não estará centrado numa distinção absoluta entre magia e religião. Ao contrário, tomaremos
o termo religião como sendo uma orientação ou uma prática dirigida apenas parcialmente por um
pensamento mágico. Aproximamo-nos, assim, de uma compreensão weberiana, para a qual todas as
religiões comportam elementos de magia. Tomando essa definição como ponto de partida para a análise
dos fenômenos da religiosidade moderna, especialmente para o Brasil, percebe-se que o racionalismo
moderno, enquanto sistema abstrato, não se instalou e não se implanta de forma homogênea, nem absoluta,
em segmento algum da sociedade. Por exemplo: as pessoas utilizam a racionalidade da medicina sem
deixar de recorrer a outros tipos de “medicinas alternativas”. O mesmo ocorre no campo da psicologia.
Mesmo “crendo” na racionalidade da psicoterapia, muitas pessoas não deixam de também consultar pais e
mães de santo, por exemplo. Reafirmamos, dessa forma, que o processo de racionalização ocidental no
mundo contemporâneo se constitui de forma variada, com múltiplas configurações e intensidades.
43
setores da psicologia com florais de Bach, cromoterapia e outras terapias alternativas, não
prismadas pelo racionalismo ocidental. Submeter a religião a uma variável dependente da
sociedade deve ser considerado como parte da análise. Se for verdade que a religião diminui
sua importância em um mundo racionalmente organizado, quais são os parâmetros para dizer
que a sociedade tem sido determinada por um crescente processo de racionalização
28
?
Sabemos que as esferas sociais possuem (relativa) autonomia. No entanto, estão elas
submetidas ao processo de racionalização? Carl Sagan, professor de astronomia e ciências
espaciais nos Estados Unidos da América - EUA, aterrorizado com o despreparo e a
ignorância científica nas mais diversas áreas sociais, afirma:
Enquanto escrevo, o Congresso está dissolvendo seu próprio
Departamento de Avaliação de Tecnologia – a única organização que
tem a tarefa específica de orientar a Câmara e o Senado sobre ciência
e tecnologia. Sua competência e integridade têm sido exemplares
durante todos esses anos. Dos 535 membros do Congresso dos
Estados Unidos, raramente 1% chegou a ter alguma formação
científica significativa no século XX. O último presidente
cientificamente alfabetizado foi talvez Thomas Jefferson.
Assim, como é que os norte-americanos decidem essas
questões? Como é que instruem seus representantes? Quem de fato
toma essas decisões, e baseando-se em que fundamentos? (Sagan,
2004, p. 22).
Questões como essas precisam ser levadas em consideração. Afinal, quando se olha
para a sociedade como um todo (e não apenas para uma, assim chamada, parcela esclarecida),
de que tipo de racionalização se está falando? A ciência pode ser e é desenvolvida a partir
dos pressupostos científicos; e não, religiosos. No entanto, isso não é explicativo sobre como
28
Relembrando os ensinamentos de Weber, racionalização não é o mesmo que racionalidade. A magia
também resulta de um processo de racionalidade com relação a fins. Para Weber, a racionalização
ocidental moderna constitui-se em um “processo crescente de intelectualização com elaboração de
princípios, regras, critérios que pretendem ter validade universal e coerência interna” (Mariz, 2003, p.
72).
44
a ciência efetivamente é entendida e “consumida”. Ou seja, confunde-se o processo de
racionalização com o de racionalidade.
Seguindo mais um pouco nessa linha, em um curioso livro de Richard Stivers sobre
como a tecnologia pode ser entendida e usada como magia, o autor cita um estudo da
cibercultura de Douglas Russhkoff, que declara, acerca de um grupo específico: “a tecnologia
computadorizada serve à espiritualidade cibernética de duas formas: como forma de divulgar
a magia e como magia propriamente dita” (Stivers, 2001, p. 14). Para o autor, existe, ainda,
um outro grupo que crê que seus membros são um ser único que se forma a partir da
informação. Assim, a rede mundial seria, ela própria, um deus ou uma deusa que reúne em
torno de si não seres biológicos, mas informacionais e tecnológicos. Certamente trata-se de
exemplos extremos. No entanto, eles nos permitem perguntar: até que ponto, efetivamente, a
ciência, o conhecimento e a racionalização
29
penetraram na vida da maioria das pessoas,
sejam elas do, assim chamado, Primeiro ou do Terceiro Mundo? Assim, as mesmas
afirmações feitas em relação ao processo religioso precisam ser dirigidas aos processos de
racionalidade de outras esferas
30
. Desse modo, poderíamos nos unir a outros autores, que
afirmam ser a própria modernidade o que está em crise em nossa sociedade (Freitas, 2002;
Rouanet, 2003). Essa questão, no entanto, merece maior reflexão. Mais adiante neste capítulo,
retornaremos a ela.
29
Conforme a acepção weberiana de desmagificação ou desencantamento do mundo, ou seja, como
processo de etização (Pierucci, 2003).
30
Como bem lembra Sanchis, o fenômeno religioso constitui apenas um caso particular de um
fenômeno que atinge “com a mesma intensidade todos os níveis da realidade social” (1995, p. 83).
Essa afirmação ratifica a necessidade de olhar, de modo profundo, a religiosidade, mas sem descuidar
do que está ocorrendo no restante do campo social, em termos institucionais e culturais. Certamente
essa visão mais ampla nos possibilita tecer comparações, visando notar que as modificações sociais
em outros campos estão a refletir também na esfera religiosa. Não estamos sugerindo que há uma
transposição fácil e superficial a fazer, contudo não perceber as mudanças no entorno do fenômeno
religioso tende a empobrecer qualquer análise.
45
Outro teórico do processo de secularização desse período foi Thomas Luckmann. Em
sua principal obra sobre o tema, The Invisible Religion, Luckmann (apud Martelli, 1995)
defende a idéia de que a religião, no mundo moderno, tornou-se um assunto de escolha pessoal,
subjetiva. Isso deveu-se, fundamentalmente, à acentuada segmentação e especialização das
instituições sociais. Desse processo resultou uma heterogeneidade de normas, na qual as
instituições religiosas são apenas uma entre muitas. Em virtude disso, há uma multiplicidade de
valores (variedade ideológica) colocada à disposição dos indivíduos, resultando na construção
da identidade de forma subjetiva. Assim, “as escolhas que as pessoas fazem na esfera privada
acabam sendo irrelevantes para as instituições sociais, as quais procedem de maneira
inteiramente autônoma, baseando-se na racionalidade instrumental” (Martelli, 1995, p. 302).
Para Luckmann, essa afirmação não significa que os valores sagrados desapareceram.
Antes, eles inserem-se num processo no qual “‘ideologias’ institucionais autônomas
substituíram, no âmbito de sua própria esfera, um global e transcendente universo de normas”
(Idem, Ibidem, p. 302). Em outras palavras, Luckmann propõe que o processo moderno, com
suas variadas esferas, constitui-se em “cosmo sagrado”, mas não de forma coerente como o
era o cosmo sagrado tradicional. Valores, normas e significados podem ser considerados
religiosos uma vez que são interiorizados pelos sujeitos e os auxiliam na formação da
identidade. É nesse sentido que, para esse autor, a religião tornou-se algo invisível. Isto é, ao
lado das instituições religiosas tradicionais, ocorre uma nova forma social de religião, que age
muito mais diretamente sobre o indivíduo e sua identidade, como, por exemplo, os valores ou
a ideologia do consumismo. São esses valores que estão a determiná-lo e não mais os valores
de um “cosmo sagrado” coerentemente estruturado.
É de fundamental a importância o conceito de ideologia no processo de secularização
analisado por Luckmann. Grosso modo, a ideologia é percebida como fonte de significado e
sentido para a vida. A permanência da religião na sociedade é explicada pela incapacidade das
46
ideologias institucionais fornecerem uma significação última para a vida humana. Para ele, a
falência das ideologias do século XX é um exemplo disso (Martelli, 1995). Assim, essa nova
forma de religiosidade social é denominada por Luckmann de religião invisível. Ainda que não as
discutamos aqui, vale dizer que suas teses são bastante sedutoras e possuem um viés weberiano.
De qualquer forma, para o autor, o conceito de religião é entendido de forma mais
ampla do que para Wilson (1998). Isto significa dizer que, se as principais instituições
religiosas perderam a prevalência de explicações de sentido, por outro lado, apontam para
uma aceitação bastante ampla da existência de “representações religiosas” dentro da
sociedade. Assim, se a religião, enquanto fenômeno institucional, perde posições, as
representações religiosas continuam a influir em diversos campos sociais.
A título de uma conclusão provisória, queremos acentuar as principais linhas de
confluência das teorias da secularização. Podemos dizer que as teorias da secularização aqui
descritas concordam que o processo de separação entre Estado e instituições religiosas
instalou um processo de diferenciação e de autonomização das esferas do conhecimento e da
prática social. Para uns mais que para outros, o referido processo está ligado ao
desenvolvimento da racionalização e/ou do desencantamento da vida religiosa, obrigando,
dessa forma, que ocorra o deslocamento da religião como organizadora da esfera social para o
âmbito subjetivo. A secularização e a conseqüente modernidade ocorrem em um processo de
racionalização das múltiplas esferas da coisa pública e da vida social. Por conseguinte, a
racionalidade instrumental triunfaria na mesma medida em que declinaria a religião
31
. O que
31
As teorias da secularização, como projetos históricos que são, obedeceram a um certo clima
intelectual, especialmente nos anos de 1960 e 1970, quando a secularização era associada à
modernidade e a religião era considerada alienação e opositora de uma visão política. Não queremos
discutir, aqui, a questão ideológica envolta na produção das teorias de secularização. Para tanto,
remetemos o leitor a alguns textos que se dedicam a esse assunto: Stefano Martelli (1995), Staf
Hellemans (1998).
47
vemos é exatamente o contrário. Na medida em que triunfa a racionalidade instrumental,
aumenta o potencial mágico religioso. Com efeito, para muitos analistas o triunfo da primeira
acarretaria o conseqüente processo de “marginalização da religião”, um “eclipse do sagrado”,
a “falta de plausibilidade” religiosa frente ao mundo vivido. A partir daí, no entanto, as teorias
ofereceram múltiplas interpretações para o lugar da religião no seio de uma sociedade
secularizada e moderna.
Talvez seja possível dizer que, atualmente, em função das múltiplas mudanças
ocorridas dentro da sociedade ocidental, já se torna mais difícil aceitar o processo de
secularização
32
como algo unilinear e progressivo, resultante da racionalização das esferas
sociais. Como fato histórico, esse processo de modificação de mentalidades e sensibilidades
sociais ocorreu, está acontecendo e continuará a avançar; o que não significa dizer que,
necessariamente, diminui a importância da religião para as pessoas ou reduz à insignificância
a influência dela sobre a sociedade. Trazemos à discussão a questão de que esse processo não
obedece a uma lógica única, ou seja, a supremacia de um sistema sobre os demais. As esferas
sociais operam de forma interligada. Ao longo da história do Ocidente, ocorreram e seguem
acontecendo várias descontinuidades no processo de modernização. Por enquanto, a título de
ilustração, convém lembrar as modificações sofridas pelo Estado de 1789 aos nossos dias. O
Estado, esse importante vértice da modernidade, vem sofrendo constantes dificuldades para
assegurar alguma racionalização e universalidade na vida social. Essas dificuldades devem ser
32
Entendemos a secularização como um processo histórico onde ocorreu a separação entre Igreja e
Estado, resultando na diferenciação das múltiplas esferas da sociedade.
Para Balandier (1999), Igreja (religião), Estado, Tecnologia e Economia tornaram-se os quatro
principais sistemas de correlação de força na vida moderna. Aceitar tal afirmativa é compreender a
vida social, e não apenas as instituições, em constante tensão e embate. Mas é preciso não reduzir
esses campos a sistemas homogêneos e independentes. Dentro de cada um desses campos existem
conflitos, disputas e outras formas de correlação de força. Os sistemas não são fechados, como bem
nos lembra Luhmann (apud Beyer, 1998).
48
levadas em consideração quando pensamos o processo de racionalização das esferas social e
pública.
1. 2 A
S TEORIAS DA SECULARIZAÇÃO NO BRASIL
No Brasil, vários cientistas sociais têm pensado o processo de secularização em nossa
sociedade. Entretanto, eles não refletem sobre esse processo de forma exclusiva. Talvez os
únicos que se aproximam de uma reflexão mais constante sobre o conceito e a realidade da
secularização no Brasil sejam Pierre Sanchis e Antônio F. Pierucci. No Brasil, a
secularização, enquanto tal, não se tornou um objeto de estudo sistemático. Muitos autores
ocupam-se com essa temática, mas de modo esporádico, ou tomando-a de forma secundária; o
que, por si só, já é sintomático da própria realidade social e religiosa do Brasil. A maioria dos
pesquisadores aborda esse processo de maneira a poder transitar entre as diversas correntes e
estabelecer uma fundamentação mínima que lhe sirva de instrumento para a análise dos
diversos fenômenos religiosos, objetos de suas discussões
33
.
O autor brasileiro que provavelmente mais tenha se preocupado em defender a tese da
plena vigência da secularização nos dias atuais seja Antônio Flávio Pierucci
34
. Vejamos,
agora, os principais argumentos desse sociólogo da religião. Por ora, ater-nos-emos somente a
33
Possivelmente uma das poucas discussões mais sistematizadas tenha sido a de Alexandre Brasil
Carvalho da Fonseca (2002) em sua tese de doutorado. No entanto, de certa forma, restringe-se a um
levantamento histórico sobre o termo e ao seu uso pelos principais teóricos da secularização. Como era
de seu interesse discutir a secularização como processo histórico concreto de separação entre Estado e
Religião, essa linha de interpretação sobre a secularização acabou sendo mais aprofundada,
mostrando-se um tanto distinta do que aqui colocamos em poucas páginas.
34
Em alguns de seus escritos, o autor tem polemizado com colegas a respeito do significado da
secularização para a análise do fenômeno religioso na sociedade brasileira.
49
ele. Os trabalhos de Pierre Sanchis farão parte de nossas reflexões no próximo subcapítulo.
A compreensão de Pierucci acerca da secularização, na maior parte das vezes, é
restrita. Tomemos como exemplo um de seus primeiros textos que coloca a questão em
discussão: Reencantamento e dessecularização: a propósito do auto-engano em sociologia da
Religião (1997).
A intenção do referido texto é delimitar mais precisamente os conceitos usados pelos
cientistas sociais da religião. Procura mapear o uso que sociólogos da religião têm feito do
conceito de secularização
35
. Embora o conceito de Pierucci para secularização seja
delimitado, a questão, a nosso ver, não se coloca tanto sobre a conceituação da qual lança
mão, mas sobre as análises que faz partindo desse conceito.
A tese de Pierucci reza que a secularização deve ser entendida: (1º) como o processo
em que há uma diferenciação de esferas sociais e institucionais para as quais a religião não
oferece nenhum conteúdo normativo; e mais, (2º) não possui mais recursos que possam
influenciar a sociedade. Assim, a religião ficou restrita ao domínio subjetivo (Idem, Ibidem).
O autor avança, dizendo que a religião, na modernidade, não representa mais o centro da
coesão do corpo social, e que, de qualquer forma, a sociedade apresenta uma especialização
institucional altamente dinâmica não mais dependente dos pressupostos religiosos. Cremos
ser possível concordar com essa visão. O autor defende que a modernidade não suprimiu a
religião, contudo, para ele, esse fenômeno é observável somente na esfera subjetiva (Idem,
Ibidem).
35
Em seu recente livro O Desencantamento do Mundo (2003), Pierucci mostra toda sua preocupação
em delimitar o conceito de desencantamento e o de secularização em Weber, muitas vezes colocados
como sinônimos. Sua motivação é apresentar aos leitores qual é o exato uso que, a seu ver, Weber faz,
sobretudo, do conceito de desencantamento.
50
Se a primeira parte de sua tese (1º) nos parece correta, a segunda (2º) merece maior
avaliação. Cabe perguntar: as considerações feitas por Pierucci, acima descritas, implicam
dizer, direta e absolutamente, que a religião perdeu completamente o seu poder de influência
pública?
Ao analisarmos o fenômeno religioso, devemos considerar que a religião se desdobra
em instituições sociais e, como tantas outras, faz parte de uma sociedade. Precisamos,
portanto, tomar a religião não apenas a partir da perspectiva de um conteúdo normativo, mas,
também, encará-la como movimento social, ou seja, como estrutura social
36
, resultado de
relações pessoais.
Contudo, segundo a concepção weberiana, o determinismo social e econômico não são
suficientes para explicar o transcurso da história. Para Weber, são as práticas sociais, ou, mais
precisamente, as relações sociais estruturadas por expectativas recíprocas em relação ao seu
significado uma das formas de explicar a sociedade
37
.
Faz-se necessário, portanto, ampliar nossa visão e englobar em nossa análise não
somente a normatividade da religião, mas também as práticas das instituições religiosas.
Partindo desse pressuposto, cremos ser possível considerar que as práticas das instituições
religiosas influem, sim, na esfera pública, evidentemente, umas de forma mais contundente
que outras. Se efetivamente a influência da religião, como conteúdo normativo, declinou, o
que nos parece correto, esse declínio acompanhou outras instituições que buscavam um
36
Para Weber, uma estrutura social pode ser lida como o equivalente a uma instituição social,
empírica ou simbólica. Por isso, para o sociólogo alemão, estrutura social somente consegue existir à
medida que as ações das pessoas estejam reguladas por expectativas mutuamente interagentes de
acordo com o seu significado (Quintaneiro, Barbosa e Oliveira, 2001).
37
Jessé Souza (1999) também ocupou-se com essa temática.
51
mesmo caráter universalista e normativo. A família e as instituições de ensino constituem-se
em bons exemplos disso
38
. O poder de influência dessas instituições sobre a sociedade é
muito menor do que o era em um passado não muito distante. Isso não quer dizer que sua
influência normativa seja inexistente, sendo, porém, certamente mais difusa. Vivemos uma
pluralização de “esferas culturais autonomizadas” (Pierucci, 1997, p. 104), o que, para nós,
não significa dizer que são independentes. Entendemos ser justamente à medida que aumenta
a pluralização de domínios sociais que, paradoxalmente, podemos perceber, de forma mais
visível, o deslocamento de fronteiras das diversas áreas (Burity, 2001).
Quando perguntamos pela influência pública da religião, cabe perguntar: o que
entendemos por influência? Se influência pública significa somente aquilo que as igrejas
contestam no seio da sociedade, então sua influência é mínima, embora não inexistente. Ao
contrário, se analisarmos as instituições religiosas de forma semelhante ao modo como
refletimos sobre outras instituições sociais, como, por exemplo, as Organizações Não-
Governamentais – ONGs, preocupadas com questões ecológicas ou de gênero, entre tanos
outras, então sua influência será bem maior. O que importa, então, é procurar compreender as
38
A universidade é, a nosso ver, o local de maior radicalidade dessa realidade. Há muito tempo, essa
instituição secularizada deixou de ser local de formação ética e moral, princípios que estavam na base
de sua constituição. No Brasil, essa transformação é visível se acompanharmos o lugar que ocupavam
as ciências humanas nos mais diversos cursos e especialidades até o final da década de 1960 e o lugar
marginal que as próprias ciências humanas ocupam dentro da universidade hoje. Não é de admirar,
portanto, que mesmo as classes mais escolarizadas estejam pendendo para visões de mundo mágico-
religiosas, aceitando a preparação técnica, mas não a científica, no sentido da Ilustração, como prefere
Rouanet (2003).
Em última análise, aprendemos de Weber que a religião ética é causa e conseqüência do racionalismo
ocidental. Por ironia, a ética religiosa que expulsaria a magia do mundo e abriria, definitivamente,
caminho para a racionalidade ética, seria expulsa por essa última do centro das organizações sociais
como referência normativa. A questão que fica é se, ao jogarem a água suja da banheira (a religião),
não lançaram fora também a criança (a ética). Aliás, tanto Durkheim quanto Weber preocuparam-se
com essa questão. Talvez não houvesse outra maneira. No entanto, hodiernamente, parece quererem
resgatar a criança, mas, de novo, com ela vem a “água suja”. Aqui, referimo-nos ao fato de as religiões
históricas estarem novamente propondo a questão ética como fundamental para o presente e o futuro
desenvolvimento da humanidade (Ortiz, 2001).
52
práticas sociais e os resultados intencionais bem como os não pretendidos gerados por essas
práticas no seio da sociedade. A nosso ver, foi o que Weber mostrou em seus estudos sobre as
religiões, sobretudo no que se refere ao protestantismo calvinista. Seu estudo centrou-se não
no que o protestantismo propunha, mas no resultado prático dessa pregação.
De um modo geral, as religiões cristãs pregam e buscam acentuar a necessidade dos
valores últimos, os quais estão confinados à esfera subjetiva. Sob esse aspecto, isso significa
dizer que a influência dessas igrejas sobre o cotidiano da sociedade é pequena. Contudo, na
medida em que essas instituições
39
interagem com outras esferas sociais, como, por exemplo,
com a política, interferem na sociedade. Portanto, parece-nos importante levar em
consideração o resultado da ação das instituições religiosas através das pessoas que as
compõem. Quando, em outro texto, Pierucci (1989) diz que, em termos políticos, os
evangélicos pentecostais são basicamente conservadores, a nosso ver, não está deixando de
admitir a influência pública desses grupos religiosos. Nesse caso, trata-se de uma influência
conservadora. Eles são, portanto, uma força política a ser levada em consideração.
Para Cohen (s.d.), em todas as sociedades existem grupos organizados. Toda
organização é constituída a partir de grupos de interesse que se confrontam, mesclam e
interpenetram, procurando aumentar e proteger o poder que detêm. “Eles são, portanto,
essencialmente políticos e suas atividades determinam a distribuição, a manutenção e o
exercício do poder na sociedade” (Idem, Ibidem, p. 87). Entendemos que esses grupos
organizados influenciam a estrutura sócio-política da sociedade. A nosso ver, outros grupos
sociais organizados também influenciam a sociedade, como, por exemplo, os que representam
os homossexuais, os sindicatos, os ativistas ligados a questões agrícolas e agrárias, entre
39
Instituições também podem ser lidas como objetivações da subjetividade (Lima, 1997).
53
outros. Vale pensar: quem realmente está interessado nas idéias e nas teorias que fundam as
preocupações ecológicas? A quem interessam os direitos das crianças e dos idosos enquanto
questão teórica? Talvez a lamentável resposta seja: a poucas pessoas. No entanto, o que nos
faz perceber essas realidades como importantes são as formas como esses discursos estão
articulados em sua prática política
40
; isto é, com que força esses discursos se tornam
linguagens de poder.
Quase no final do texto, porém, Pierucci mostra alguns dos argumentos dos
pensadores da secularização por ele analisados como bastante razoáveis, terminando por dizer
que
“na era dos fluxos globais se produzem, com maior freqüência do que
antigamente, processos locais mistos de secularização-com-
intensificada-mobilização-religiosa. Uma não obsta a outra; ao
contrário, combinam-se, polinizam-se e se exponenciam. A realidade
histórica às vezes gosta de experimentar o sabor dos paradoxos”
(Pierucci, 1997, p. 112).
Apesar da relativização acima citada, esse importante teórico da secularização finaliza
o texto, dizendo que a racionalização da sociedade, bem como da cultura, consiste na
tendência básica. Pierucci afirma que secularização e ativismo religioso estão ligados. Assim,
40
A maioria das pessoas não costuma interessar-se pela ciência enquanto teoria, mas pelos resultados
práticos por ela alcançados. É aqui que podemos perceber, novamente, como a tecnologia tem
desempenhado um papel mágico (Stivers, 2001). As pessoas têm mantido uma relação mágica com a
tecnociência (nos termos de Weber, uma racionalidade prática) e, mesmo inseridas num mundo
tecnocientífico, não se configura nelas um incremento do processo de racionalização, que, no sentido
weberiano de racionalização, é um processo que pretende ter validade universal e coerência interna.
Assim, consideramos interessante transcrever um breve trecho escrito para um outro contexto, mas
dotado de validade também para nosso atual estágio de racionalismo: “O que importa se o pensamento
de Demócrito compreende o mundo sem criador?... Que importância tem se Epicuro funda uma moral
puramente humana, transformando-a na regra da vida pessoal mais feliz? Que importância tem se
Lucrécia vence o medo da morte?... Estas idéias permanecem como patrimônio de um punhado de
filósofos” (Lunatscharsky apud Ferrarotti, 1990, p. 34). Enfim, o que parece restar de construtivo para
a humanidade é perguntar-se: “Faremos um uso mais interessante da razão, ou a era das luzes
terminará num inevitável apagão?” (Betts, 2003, p. 101).
54
não conseguimos retirar dessa afirmação o seu reconhecimento da inexistência da influência
da religião na esfera pública. De fato, a secularização, como diferenciação de esferas, é
resultado de um processo de racionalismo ocidental. Porém, em circunstâncias determinadas,
as instituições religiosas e suas cosmovisões continuam a operar em nossa sociedade,
influenciando as esferas social e pública. Enfim, faz-se necessário aceitar que a sociedade
constitui-se em um campo político de disputa de poder relativamente aberto, onde as suas
mais diversas áreas influem no todo.
Verifiquemos, agora, como alguns pensadores têm buscado redimensionar o conceito
de secularização, propondo uma leitura da realidade que não opõe a modernidade, com seu
racionalismo, e a religião.
1. 3 - R
EDIMENSIONANDO AS TEORIAS DA SECULARIZAÇÃO
Revisando suas colocações anteriores, Berger (2001) advoga ser falsa a idéia de que
vivemos em um mundo secularizado. O autor discorda do que se apresenta como a questão
central da teoria da secularização: “a idéia de que a modernidade leva necessariamente a um
declínio da religião” (Idem, Ibidem, p. 10), seja objetiva seja subjetiva. Entretanto, é preciso
que se diga que justamente esta tese, central para a (sua) teoria da secularização, não consegue
ser convincentemente desconstruída por Berger. Primeiro, porque ele próprio parece
concordar que a modernidade levou a secularização de forma mais acentuada para certas
regiões, como, por exemplo, a Europa. Segundo, ele defende a idéia de que existem muitos
movimentos contra-secularizantes. Esses dois pontos, paradoxalmente, apontam para o
contrário da proposta bergaminiana de ser falsa a idéia de um mundo secularizado. Entretanto,
deixando as frases de efeito de Berger de lado, é correto dizer que o autor entende haver uma
reação ou resistência à secularização e à modernidade. Enfim, algumas de suas idéias ou
55
hipóteses são interessantes, como veremos a seguir.
Para Peter Berger, as instituições religiosas podem responder com duas estratégias
frente à modernidade. Para exemplificar, referiu os Concílios Vaticano I e II como sendo duas
estratégias utilizadas pela Igreja Católica diante da modernidade. O Concílio Vaticano I teria
sido a tentativa da Igreja de reagir à modernidade; tendo, porém, falhado. O Concílio
Vaticano II procurou adaptar-se à modernidade e obteve sucessos circunstanciais, como a
Teologia da Libertação
41
. Atualmente, a Igreja Católica trilha uma rota nuançada entre
rejeição e adaptação à modernidade (Berger, 2001).
Conforme Berger, crescem, no cenário religioso global, a ortodoxia e o
fundamentalismo como movimentos contra-secularizantes
42
. Contudo, isso não garante a
homogeneidade dos movimentos religiosos florescentes. O texto exemplifica essa questão
com dois dos mais ativos movimentos religiosos no mundo: o islâmico
43
e o pentecostal. O
conteúdo religioso desses dois movimentos de renascimento religioso é diferente, “assim
41
Conforme Corten (1996b), o movimento eclesial latino-americano denominado de Teologia da
Libertação teve seu apogeu entre os anos de 1964 e 1985. Duas datas importantes marcaram o início
desse movimento religioso: a primeira, do lado protestante, é a fundação, em junho de 1961, da ISAL
(Iglesia y Sociedad en América Latina), na qual se falou em “teologia da revolução”; a segunda, do
lado católico, é a reunião de Petrópolis, em março de 1964, organizada por Ivan Illich.
O padre diocesano peruano Gustavo Gutiérrez é visto como o “pai” da Teologia da Libertação. Em
junho de 1968, pronunciou uma conferência em Chimbote (Peru) sob o título “Teologia da
Libertação”. O documento preparatório para a Conferência de Medellín (24 de agosto a 6 de setembro
de 1968), com o título “a estrutura social da Igreja”, também foi redigido por Gutiérrez.
A Teologia da Libertação não discute apenas a libertação do pobre de sua situação de miséria e de
sofrimento, mas também procura refletir sobre a libertação da própria teologia, propondo que se liberte
do eurocentrismo. Por isso, preferiu usar categorias sociológicas às metafísicas (Idem, Ibidem).
42
Mariz, entretanto, problematiza essa questão, uma vez que ela conclui ser difícil definir o que seja
“moderno e contra-moderno” (2001, p. 36).
43
Para reforçar a opinião de Mariz, lembramos que John Gray (2004), professor na London School of
Economics, trilhando as concepções filosóficas e econômicas que explicitam o significado de
moderno, procura demonstrar que os movimentos fundamentalistas islâmicos, como Al-Qaeda, são
modernos, não apenas no uso dos meios de comunicação, como também em seus objetivos e
organização.
56
como as conseqüências sociais e políticas” (Idem, Ibidem, p. 15). Portanto, o autor admite
como difícil precisar as referidas conseqüências desses movimentos. Para ele, a modernidade
“solapa todas as velhas certezas; a incerteza é uma condição que muitas pessoas não
conseguem enfrentar” (Berger, 2001, p. 15); assim, qualquer movimento que afirme certezas
possui um bom potencial de apelo. Quando esses movimentos religiosos se tornam
significativos em uma sociedade, podem até provocar transformações culturais bastante
expressivas nas sociedades onde estão alojadas (Idem, Ibidem).
Berger (Ibidem) acredita que o mundo seja massivamente religioso, mas, para ele,
existem duas exceções. A primeira e mais difusa refere-se à Europa. Segundo Berger, existe
uma euro-cultura secular que pode avançar sobre os países da Europa oriental, dependendo do
grau de integração desses países à modernidade européia. A segunda exceção a sua tese de
dessecularização é formada pelo que o autor chamou de subcultura internacional. Ou seja:
pessoas de educação superior, principalmente das Ciências Sociais, seriam, de fato,
secularizadas. Apesar de pouco numerosas, essas pessoas “são muito influentes, pois definem
'oficialmente' a realidade” (Idem, Ibidem, p. 17). Berger afirma tratar-se de um grupo que
representaria a cultura da elite globalizada.
De qualquer forma, conforme Mariz (2001), o que Berger pretende com sua reflexão é
salientar que a teoria da secularização não pode ser aplicada de forma simples e mecânica, o
que não significa que o autor deixe de reconhecer a existência do processo de secularização.
Assim, para a autora, o que Berger parece negar “não é o processo de secularização em si,
mas a crença de que a modernidade vá necessariamente gerar o declínio da religião como um
todo em diferentes níveis, tanto no social quanto individual” (Idem, Ibidem, p. 27).
Seguindo nessa linha de apontar autores que procuram redimensionar as teorias da
secularização, estão, entre outros, Danièle Hervieu-Léger e Staf Hellemans. Em seu livro
57
Vers un Nouveau Cristianisme? (1987), Hervieu-Léger passa em revista as principais linhas
do paradigma da secularização, dialogando com Durkheim e Weber. A autora afirma que “a
secularização não consiste no desaparecimento da religião confrontada à modernidade: é o
processo de reorganização permanente do trabalho da religião numa sociedade
estruturalmente impotente de preencher as expectativas que ela deve suscitar para existir
como tal” (Hervieu-Léger, 1987, p. 227). Ainda para essa cientista social, a modernidade
carrega em si um paradoxo, pois ela
abole a religião enquanto sistema de significações e motor dos
esforços humanos, mas cria, ao mesmo tempo, o espaço-tempo de
uma utopia que, em sua própria estrutura, mantém afinidade com uma
problemática religiosa de realização e de salvação (Idem, Ibidem,
1987, p. 224).
Em outras palavras, a modernidade carrega em si uma escatologia, a exemplo da
religião. Assim, esta pensadora francesa destaca as tensões e as complexidades que vigoram
entre religião e secularização, e não sua exclusão mútua. Para a socióloga, religião e
modernidade se combinam de diferentes maneiras. Por isso, acredita estarmos vivendo uma
reorganização do campo religioso.
Mais ou menos nessa mesma linha, situa-se Staf Hellemans (1998). A explicação da
relação entre religião, modernidade e secularização proposta por esse sociólogo holandês é
bastante convincente. A perspectiva por ele advogada não começa pela oposição entre religião
e modernidade, na qual repousa a teoria da secularização. O autor toma a idéia oposta, a de
englobamento, de um inter-relacionamento entre religião e modernidade. A religião não é
excluída do processo de modernidade, sendo considerada, até mesmo na sua expressão
ortodoxa, como parte integrante da modernidade. Assim como sistemas interagem com seu
ambiente, experimentando diversas opções, de semelhante modo procedem as religiões,
absorvendo e separando diferentes possibilidades e opções que surgem na sociedade moderna.
58
O autor chama esse processo de reprodução religiosa em seu ambiente societal moderno, ou,
apenas, modernização religiosa. A fim de exprimir essa permanente geração de religião na
modernidade, o autor a denomina de “modernidade religiogênica”. O intento de Hellemans é
chamar a atenção para a modernidade integral das religiões na modernidade, incluindo
aquelas que, com ou sem tradição, se opõe à modernidade. Diante do modo como a
modernidade avança, o autor chama a atenção, a exemplo de Berger (2001), sobre duas
possíveis estratégias usadas pelas instituições religiosas: a de rejeição ou a de adaptação à
modernidade. A referida rejeição pode ser efetuada por intermédio de uma revolução
religiosa, como as islâmicas. Pode, também, ser realizada por intermédio da criação ou
sustentação de uma subcultura religiosa, como a dos Amish
44
. Já a adaptação à modernidade
promovida pelas instituições religiosas tradicionais, mormente cristãs, resultando em religiões
secularizadas, não obteve sucesso (Hellemans, 1998).
Seguindo raciocínio semelhante, Balandier afirma que a própria secularização
apresenta-se como uma religião, pois, para muitos, os desenvolvimentos tecnológicos
tomariam os lugares dos deuses. O mundo, desencantado dos deuses, deveria se reencantar
pelos sucessos do poder-fazer humano. Entretanto, a realização máxima permanece
impossível de ser alcançada (Balandier, 1999). Juntamente com esse movimento, outro se faz
presente. Há muitos que já não se maravilham com a tecnologia, mas temem-na, uma vez que
44
O Amish é um movimento protestante norte-americano altamente conservador, que tem a sua
origem no pensamento de Jakob Amman, bispo menonita suíço do século XVII. As idéias de Amman
difundiram-se, inicialmente, pela Suíça e pela Alemanha. A partir de 1710, foram divulgadas nos
Estados Unidos, especialmente em Ohio e Indiana. Em 1787, já havia nessas localidades norte-
americanas mais de 70 colônias Amish. Também se constituíram comunidades Amish no Canadá.
Os membros do Amish mantêm, basicamente, uma vida agrícola, rejeitando os avanços da sociedade
industrial moderna. Preferem locomover-se em carroças ao invés de automóveis, e evitam o uso de
eletrodomésticos. A oração e o culto são realizados em casas particulares. Cada comunidade é
atendida por um bispo, dois ministros e um diácono (Amish: informação geral, s.d.).
59
ela pode nos levar ao aniquilamento (Beck, 1998). Assim, “à margem das ciências e das
religiões históricas e majoritárias, reforma-se o espaço indeterminado dos saberes e poderes
paralelos, do paracientífico e do parareligioso juntos” (Balandier, 1999, p. 153).
Na trilha de Hervieu-Léger, Balandier afirma que vivenciamos uma situação
paradoxal. Por um lado, ocorre o desaparecimento dos sistemas religiosos tradicionais. De
outro, o sagrado se estende a tal ponto que incorpora “tudo o que liga e se religa como
mistério, emissão de sentido, invocação de transcendência ou absolutização de valores”
(Idem, Ibidem, p. 158). Essa realidade faz com que o sagrado englobe “todas as experiências e
práticas vividas como religiosas, um amálgama constituído de categorias, significações,
simbolizações e codificações cambiáveis a fim de se adaptar às crenças particulares” (Idem,
Ibidem, p. 158).
“Essa superabundância levou a caracterizar o sagrado e o religioso, em suas atuais
expressões, pelo aparecimento de um neopoliteísmo que se prende a 'forças', a 'potências',
mais que a entidades divinizadas claramente identificadas” (Idem, Ibidem, p. 159). O sagrado
está em expansão; e o religioso em difusão. Essa difusão suscita reações. Alguns teólogos da
Igreja Católica, por exemplo, ao defenderem intransigentemente o poder da instituição, “aliam
de novo o religioso e o político” (Idem, Ibidem, p. 163).
A religião revitalizada e engajada em uma política de
restauração radical mostra, hoje, a forma dita fundamentalista.
Responde a uma fome incontrolável de devoções insatisfeitas, a uma
necessidade de ser guiado, de se ligar incondicionalmente ao que
reconforta e assegura (Idem, Ibidem, p. 174).
Assim, o fundamentalismo faz pressão sobre os legisladores e torna a fronteira entre
política e religião ainda mais fluida. Essa situação parece acontecer privilegiadamente nos
EUA. Em outros contextos culturais e históricos, essa relação ocorre de forma diversa.
60
Atualmente, a política e a religião relacionam-se de formas diversas nos países da Europa em
sua fase de pós-totalitarismo (Idem, Ibidem).
Em nosso país, existem autores que se associam aos pressupostos de Hervieu-Léger,
reconhecendo que, na sociedade contemporânea, ocorre uma recomposição do campo
religioso. Entre os estudiosos afinados com essa hipótese interpretativa estão, por exemplo,
Ari Pedro Oro (1997) e Maria das Dores Machado (1996).
Embora alinhados com a referida tendência, outros dois autores procuram dar suas
próprias contribuições teóricas ao fenômeno religioso na contemporaneidade. Trata-se de
Pierre Sanchis (1997) e de Otávio Velho (1997).
Para Sanchis (1997), a modernidade não se coloca como um processo estanque e
acabado. Antes, ocorrem processos diferenciados na sociedade, os quais ele denomina de pré-
modernos, modernos e pós-modernos. Essas modernidades não se constituem em fases do
processo social, mas consistem em lógicas co-presentes em combinações variadas dentro de
uma mesma situação. Otávio Velho aciona um outro conceito para pensar as transformações
da religião na sociedade, qual seja, o da destradicionalização. Essa idéia estaria menos
identificada com a concepção da ruptura da tradição e mais com uma reflexividade, na qual há
uma “perda de alinhamento automático com a tradição” (Velho, 1997, p. 55).
Em outro texto, Sanchis (2000) procura sistematizar, de forma ideal típica, as
principais polarizações do campo de estudo das Ciências Sociais sobre a religião, razão pela
qual nos ateremos a ele. Ele procura, antes de tudo, não caracterizar o pensamento de nenhum
cientista social em particular. Sua intenção é colocar essas polarizações lado a lado para
retirar delas o que pode ser encontrado de comum, ao mesmo tempo em que procura
evidenciar as características gerais e contrárias ou opostas desses argumentos.
61
Conforme esse mesmo autor, o primeiro grande consenso poderia ser desdobrado em
três eixos ou direções. O primeiro eixo no campo de estudos da religião é o de aceitar que o
conjunto da sociedade sofreu e continua experimentando a diferenciação das esferas de
atuação humana. Tal autonomização de competências torna os fundamentos de cada esfera
auto-legitimadora, não mais necessitando dos fundamentos religiosos. Este processo acarreta
uma diminuição da influência pública da religião, confinando-a ao domínio subjetivo
(Sanchis, 2000).
Um segundo eixo admite que essa diferenciação resulta do processo de racionalismo
ocidental, tão bem descrito por Weber. Assim, o racionalismo gera um processo de
desencantamento do mundo, uma vez que as múltiplas esferas sociais procuram suprimir a
magia e as influências da religião (Idem, Ibidem).
O terceiro e último desses eixos de consenso é a mundanização ou a secularização
interna das religiões, ou, como diria Weber, uma menor “rejeição do mundo” (Idem, Ibidem,
p. 29).
No campo dos estudos da religião, os cientistas sociais chegaram a um segundo e
último consenso: a seu ver, em sentido contrário ao primeiro movimento, há um outro que
parece estar questionando a lógica da trajetória do primeiro consenso (Idem, Ibidem).
Esse é o máximo de consensos possível. A partir de então, inicia o debate entre
argumentos ideais típicos antagônicos, A e B. Recuperaremos, aqui, somente os argumentos
que dizem respeito a nossa discussão. Para a posição A, a secularização significaria o
definhamento da religião. Para a postura B, a secularização representaria a transformação da
religião e de suas funções (Idem, Ibidem).
Para a primeira posição, as “diferenças atuais de abrangência e intensidade do projeto
62
secularizante significariam simplesmente um descompasso nos ritmos da história” (Idem,
Ibidem, p. 29). Para a outra postura, os processos históricos de “construção de determinados
espaços sociais impõe a esta onda [secularizante] não só atrasos, mas inflexões, permanências
reinterpretadas, mudanças de rumo, eventuais reversões” (Sanchis, 2000, p. 30).
Para a posição A, o pluralismo religioso instala um mercado de opções religiosas que,
além de enfraquecer as tradicionais instituições religiosas, é uma porta aberta para a
indiferença. Para a outra concepção, esse pluralismo provoca a “autonomia decisória do
sujeito” (Idem, Ibidem, p. 30), valor caro à hodierna modernidade.
A partir de então, Sanchis (Ibidem) começa a desconstruir os aparentes antagonismos.
Primeiramente, questiona a afirmação de que, juntamente com a modernidade, ocorre o
avanço da secularização, como se a primeira fosse essência da segunda. Por conseguinte, os
espaços menos desenvolvidos, por ainda não terem alcançado a modernidade dos países
desenvolvidos, contêm, sob o seu restrito desenvolvimento, bolsões de miséria e,
conseqüentemente, de não-secularização. Entretanto, provoca Sanchis, mesmo nos países
desenvolvidos, como nos EUA, 95% da população crêem em Deus e somente 3% dizem que
Deus não tem importância alguma em sua vida. O autor complementa: “existem, pois,
'modernidades' que não conhecem o mesmo tipo de 'secularização” (Idem, Ibidem, p. 33).
Uma segunda aporia é proposta por Sanchis, que procura demonstrar até que ponto o
processo de racionalismo pode, sim, influir sobre as concepções a respeito do fenômeno religioso.
Para sustentar tal hipótese, esse pensador faz uso de uma pesquisa realizada entre estudantes
universitários (sem nos revelar a origem e/ou referências) de três áreas científicas distintas: a
Física, a Biociência e a História. A partir disso, foi possível ao autor inferir que, nesses três ramos
da ciência, a relação que o corpo discente mantém com o fenômeno religioso é bastante
qualificada. A História constituiu o campo de saber que mais se distancia da religião, o que por si
63
só não deixa de ser interessante, já que faz parte das Ciências Humanas. Pelo menos em teoria, é
na Física e nas Ciências da Saúde que mais deveria estar esse distanciamento, isso porque são
esses campos que mais lidam com a desmistificação dos mistérios do universo e da vida
(biológica) humana. A própria dinâmica de desinstitucionalização da religião também “vai atingir
desigualmente os diversos cursos” (Sanchis, 2000, p. 35).
O autor está propondo pistas para que se possam juntar as observações
(aparentemente) antagônicas, fazendo emergir, a partir dessa junção, uma (nova) posição
teórica. Assim, essas aporias conduzem Sanchis a perguntar-se (e aqui a tese do autor se
revela) se essas colocações não estariam apontando para um caminho que procurasse articular
as duas pontas das aporias. Isto é, se já não seria hora de pensar que tanto o processo de
secularização quanto o de reencantamento pertenceriam a uma só dinâmica no espaço social.
Ou seja, trata-se de pensar que o processo de racionalização embute nele próprio a
possibilidade de um horizonte de “mistério” (Idem, Ibidem).
O autor, então, conclui:
Ora, talvez seja no domínio da ciência hard (física quântica,
teoria do caos) que, na modernidade contemporânea, a apreensão racional
apareceu a alguns como flexibilizando seus determinismos, o horizonte
de “mistério” reintroduzindo-se racionalmente no mundo. Assim, neste
preciso campo disciplinar, mais do que em outros, é no prolongamento -
e não na negação - da empresa de racionalização desencantadora que
pode abrir-se um espaço para um reencantamento do mundo (falo, como
é evidente, de representações) (Idem, Ibidem, p. 36).
Além dessa ciência hard, parece ser possível deslindar, ou perceber uma fresta na qual
podemos vislumbrar que também nas ciências humanas tende a crescer certo encantamento,
mas, evidentemente, por uma via própria. Sanchis escreve:
Também em algumas ciências humanas, o desencantamento
para as narrativas que tinham assumido o papel de “religiões políticas”
64
pode abrir um espaço de inquieta procura, ativa sem guarida
institucional, disponível até para a volta de sagrados imemoriais, mais
próximos da natureza e do cosmos do que da história e da sociedade
(Idem, Ibidem, p. 36).
Contudo, Pierre Sanchis provoca-nos um pouco mais. Em seu escrito, retoma o nosso
objeto central de estudo: a religião na política. Inicialmente, esse tema parece surpreender
alguns. Essa surpresa, como diz Berger (2001), talvez seja decorrente de nossa perspectiva
secularizante do mundo. Ou seja, a religião tornou-se um assunto do âmbito subjetivo do
indivíduo, enquanto a política refere-se ao mundo público e coletivo. Evidentemente, não
estamos voltando a um estado de coisas anterior à Revolução, principalmente a francesa, que
nos serve de emblema para a separação entre a Religião e o Estado.
Ora, como interpretar esse fenômeno? Se for correta a observação de Sanchis a respeito de
certo reencantamento movido ou originado “no jogo desencantador da própria razão científica”,
então pode-se pensar que esse entrelaçamento de esferas “bem poderia tirar sua força e seu
dinamismo de sua prévia separação secularizante” (Sanchis, 2000, p. 39). É claro que essa
conjuntura pode ser interpretada de várias maneiras e assim tem sido feito ao longo da história do
estudo de cientistas sociais da religião desde, no mínimo, a década de 1960 com Emilio Willems e
Christian Lalive d'Epinay. Onde o primeiro percebe um ponto positivo no crescimento do
pentecostalismo, o segundo o vê com reservas e a partir de um ângulo pessimista (Dodson, 1997).
No entanto, Sanchis sugere que analisemos com mais acuidade, no mínimo, uma das muitas
evidências sociais no campo religioso e fora dele: a de que existe uma generalizada
desconfiança popular acerca da política e dos políticos, nas condições
de penúria objetiva e de abandono subjetivo em que se encontram as
massas populares, que abre um espaço para a criação de comunidades
emocionais no seio das quais o líder mediador da proteção divina
poderá ser investido consensualmente da missão de indicar também
65
quais novos atores sociais devem preencher os lugares de
gerenciadores do Estado
45
(Sanchis, 2000, p. 39).
Alterações vêm ocorrendo no campo religioso, mas certamente não apenas neste. As
transformações da religião são advindas do contato com a sociedade secular, racional, que
produz desencantamento, mas tamanho racionalismo abre espaços também para o irracional,
que, por falta de nome melhor, acaba por gerar algum reencantamento operado pela relação
dialética entre a religião e a modernidade
46
.
Enfim, a argumentação central desse autor é um aprofundamento e um desdobramento de
sua tese apresentada em 1996 nas Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina: a de
que, no campo religioso brasileiro, não vivemos em dois tipos de modernidade, a pré-
modernidade nas classes populares e a modernidade nas classes com maior educação formal.
Talvez, sugeriu ele, estamos vivendo na pós-modernidade que nada mais é do que a modernidade
corroída pela pré-modernidade (Sanchis, 1997). Ou seja, encontramo-nos, sim, em um campo
composto de diversas camadas ou matizes e não em uma realidade em que facilmente podemos
nos agarrar às leituras dogmáticas dos clássicos. Assim, “o desencantamento alterna, articula-se
ou se confunde com o reencantamento” (Idem, 2000, p. 41).
Ortiz é outro autor que procura estabelecer uma relação de influência mútua entre
religião e modernidade. Esse pensador coloca em circulação uma questão importante a todos
os cientistas sociais da religião. Cabe dizer que, além dele, muitos outros já têm colocado essa
percepção sem um devido acolhimento por parte dos pensadores sociais. Em seu entender, “as
mudanças recentes nos desafiam a pensar não apenas temas novos, mas também objetos ditos
45
Evidentemente, essa possibilidade é um tanto circunscrita a certos grupos pentecostais.
46
Esse parece ser também um ponto destacado por Pierucci (2003), no passo 1 de suas análises sobre
o processo de desencantamento.
66
‘tradicionais’ das Ciências Sociais, pois fenômenos que conhecíamos antes ganham muitas
vezes uma feição distinta no contexto atual” (Ortiz, 2001, p. 59).
Para exemplificar sua afirmação, Ortiz lembra que, tradicionalmente, a Sociologia da
Religião faz uma distinção entre religiões universais e religiões particulares. As primeiras
associam-se à idéia de mobilidade enquanto as religiões particulares (para Weber, as crenças
mágicas) seriam mais circunscritas geograficamente. Mas, para Ortiz, a partir da
mundialização da cultura, as noções de internacional, nacional e local estão radicalmente
transformadas. Cita como exemplo a presença dos candomblés e dos vodus que podem ser
encontrados em Paris, Buenos Aires e Nova York.
Para nossos objetivos, cabe apenas destacar a reflexão de Ortiz sobre a relação entre religião
e modernidade. Para o autor, em grande medida, o debate aconteceu e continua se dando quando
essa relação é mal formulada. Um primeiro mal-entendido pode advir da reflexão daqueles que
entendiam que o fim da religião se avizinhava com o crescimento da racionalidade científica e da
modernidade com o Estado e a sociedade secularizados. Essa posição foi relativamente forte durante
o século XIX e primeira metade do século XX. Por outro lado, conclui Renato Ortiz, existem,
atualmente, os que advogam a mal formulada questão do retorno do sagrado.
O advento da sociedade industrial não implica o
desaparecimento da religião, mas o declínio de sua centralidade
enquanto forma e instrumento homogêneo de organização social. Ou
seja, o processo de secularização confina a esfera de sua atuação a
limites mais restritos, mas não a apaga enquanto fenômeno social
(Ortiz, 2001, p. 62).
Ortiz aponta, ainda, para uma outra dimensão da modernidade, que precisa ser
relacionada à religião: a nação. A emergência da modernidade não significou apenas o
declínio da religião como central para a organização social. A sociedade industrial provocou
também um processo de integração territorial, lingüística, política, econômica e cultural, ou
67
seja, o surgimento da nação. A idéia de nação e sua correlata identidade nacional são
construções simbólicas modernas. Significa dizer que o conceito de nação é também uma
idéia de totalidade, ou seja, um “‘universal’ em miniatura” (Ortiz, 2001, p. 63).
Em outras palavras, podemos dizer que as sociedades industriais modernas, na sua
forma de Estados-nação, possuem uma narrativa e/ou uma representação coletiva de
totalidade e universalidade, mas que não se assentam sobre valores predominantemente
religiosos. Através das muitas vicissitudes históricas, o Estado moderno constituiu-se sobre
valores tais como: “soberania, democracia, cidadania, igualdade de direitos” (Idem, Ibidem, p.
63). Para o autor, a partir dessas concepções surgiu o conflito entre modernidade e religião.
“O conflito entre Estado moderno e religião desdobra-se na contradição entre nação e
religião” (Idem, Ibidem, p. 63), uma vez que partem de concepções similares, ou seja, da
questão do universal. Dito de outro modo: o “universal” do Estado-nação é sobreposto à
pretensa universalidade da religião. “Tudo se passa como se o Estado, moderno e nacional,
segregasse as ambições universalistas da religião” (Idem, Ibidem, p. 64).
Para Ortiz, apesar das modificações que a globalização e a mundialização da cultura
alcançam realizar, é manifesto que a religião não modificará seu papel não-estrutural na sociedade
moderna, bem como no capitalismo global. A separação entre Igreja e Estado, o desencantamento
do mundo e a racionalidade das esferas de conhecimento são patamares sociais que não mais
retrocederão. Ou seja, o lugar que a religião ocupava nas sociedades tradicionais foi reorganizado
pela modernidade. Contudo, segundo esse autor, o agir das religiões configura-se de outro modo
em nosso mundo globalizado (Idem, Ibidem). Essa afirmação do autor deve-se ao seu
entendimento de que, com a globalização, não apenas a religião recebe uma nova configuração,
mas também o Estado-nação, a economia, a política, a cultura, o direito. Enfim, todas as
instâncias ou esferas da sociedade sofrem modificações. Por exemplo,
68
fazer política no sentido moderno do termo, significa basicamente
atuar dentro dos marcos do Estado-nação [...]. O dilema atual é que a
debilitação do Estado-nação lhe retira poder. Sua capacidade de ação
ante uma conjuntura na qual as decisões de ordem transnacional são
cada vez mais importantes torna-se limitada. Há aqui uma mudança
substancial (Ortiz, 2001, p. 65).
Se na modernidade o Estado-nação é tido como o lugar ideal da realização do
“universal”, no mundo globalizado a situação se modifica. Na globalização, a nação passa do
caráter universal para o particular, ou melhor, para o local. Diante de desafios globais como a
ecologia e os direitos humanos, por exemplo, “a soberania nacional é insuficiente para
equacionar os temas de ação política” (Idem, Ibidem, p. 65). Na globalização, a percepção a
respeito da cultura também se altera. A cultura torna-se uma diferença realçada, contraposta a
algo meio transcendente como a idéia de global.
Conforme Ortiz, lembrando Durkheim, a religião é um espaço de solidariedade que
vincula os indivíduos. Por conseguinte, ela seria um “lugar de memória e de identidade”
(Idem, Ibidem, p. 65). Sob essa ótica, Renato Ortiz lembra que a temática da identidade está
na pauta hodierna. As crises de identidade são perceptíveis em diversos patamares. A crise
das identidades nacionais possibilita a ascensão, muitas vezes de forma conflituosa e bélica,
das identidades étnicas, religiosas, sexuais e outras mais. Se na modernidade o Estado-nação
tinha o privilégio e a legitimidade de conduzir o destino de uma coletividade, no período da
globalização, a explosão de identidades desloca esse privilégio. A identidade nacional torna-
se apenas mais uma “‘diferença’ entre outras” (Idem, Ibidem, p. 66). Essa reflexão conduz o
autor a afirmar que tem havido uma transformação no papel, nas atribuições, nas funções e no
poder do Estado. Para ele, essa alteração não tem sido muito evidenciada quando cientistas
sociais procuram desenvolver análises sobre a relação entre religião e Estado.
Essa constatação nos leva a refletir sobre a nova configuração da política e de como ela se
vincula com a religião na modernidade globalizada. De certa forma, a inserção das instituições
69
religiosas pentecostais na política causa algum espanto para alguns, apesar de se completarem
quase 20 anos que esse fenômeno está presente em nosso país, e, sendo que em outros, vem
ocorrendo há muito mais tempo. A razão desse fato pode ser, em parte, a persistente reflexão
antitética entre religião (pensada como sendo da esfera privada) e política (entendida como
pertencendo à esfera pública). Essa antítese configurou-se na emergência do Estado moderno,
para o qual a distinção entre coisa pública e particular precisava estar clara. Na gênese das
sociedades industriais modernas, o que não fosse da ordem pública era considerado de natureza
particular. Assim, a relação Estado/Igreja corresponderia à relação público/privado.
Lembramos que essa distinção entre público e privado pode nos afastar da reflexão
sobre a influência e o papel da religião em nosso cotidiano, pois, de certa forma, esse binômio
é, para ser redundante, historicamente datado. Pensamos que a religião, enquanto crença, não
é da ordem do privado. As propriedades das igrejas são privadas. Durante algum tempo, tanto
na história européia quanto na brasileira, a relação Estado/Igreja correspondia à relação
público/privado, pois, ao longo de um certo tempo, Igreja e Estado mesclavam-se nos serviços
públicos à saúde e à educação, normalmente ambos beneficiando-se dessa composição. No
entanto, hoje, quando nos referimos à palavra religião para denominar as crenças religiosas,
não é indicada a utilização da terminologia privado. Uma crença pode ser considerada
subjetiva, mas não privada. Por isso, achamos mais adequada a formulação de Berger, que
aponta para a subjetivação da religião. A crença é assumida individual e subjetivamente.
Cremos ser importante fazer essa distinção, a fim de não confundirmos as esferas de análise.
Assim, quando refletimos sobre a religiosidade subjetivo-individual, seu contraponto não é o
Público, enquanto poder do Estado, mas a sociedade, ou seja, a esfera pública não-estatal.
Na relação entre indivíduo (esfera do privado) e Estado (esfera do público), o primeiro
é, ao mesmo tempo, cidadão e particular. O indivíduo-cidadão usufrui de direitos e se lhe são
impostos deveres por parte do Estado. O indivíduo-particular, ao possuir alguma propriedade,
70
sofre a mediação do poder público sobre a mesma. Nessa mesma linha, o indivíduo-particular
não poderia assumir algo da ordem pública para benefício privado, o que, no jargão político,
seria o patrimonialismo (Souza, 1999), uma vez que a essência do Estado deve ser o bem
coletivo e geral; não, o específico ou particular.
No entanto, enquanto indivíduo-sujeito-empírico, sua relação com a sociedade ocorre
a partir de outras mediações: funcionário/patrão, consumidor/produtor, saber especializado /
saber não especializado, sócio/clube, cliente/profissional liberal ou uma organização de
serviços, adepto ou militante/organizações circunscritas por idéias ou práticas específicas,
etc., como no caso da relação entre crente e organização religiosa.
Cremos que essa reflexão ajuda a perceber que, se existe alguma antítese entre público e
privado, não é necessariamente verdadeiro no caso do individual e do social. Existem, portanto,
duas dimensões que não podem ser confundidas. A primeira é a da análise entre a religião
(instituição) através de seus representantes legítimos e o poder estatal regulatório; portanto,
público. A segunda dimensão refere-se aos indivíduos enquanto participantes de uma determinada
crença que pode ser concretizada através de uma instituição religiosa (terreiro, igreja, centro,
santuário, etc.). Nesse caso, a instituição religiosa é uma entre outras esferas no campo social, ou
seja, do espaço público. Desse modo, acreditamos que análises feitas sobre diferentes eixos
podem redundar em diferentes conclusões a respeito do fenômeno religioso e da modernidade.
Se for historicamente contextualizada, essa polarização binária entre o público e o privado
é válida
47
. Contudo, ela levou pesquisadores a interpretarem a vida pública como essencialmente
da ordem do Estado e não como também da ordem do social. Em assim pensando, evidentemente,
47
Em uma breve retrospectiva histórica Dupas (2003) traz o significado da oposição entre público e
privado, que tem sofrido intensas modificações na modernidade contemporânea. Sobre o assunto,
veja-se, especialmente, o segundo capítulo de seu texto.
71
a religião está separada do público. Mas se levarmos em conta que, atualmente, o termo público
abriga não apenas questões da política institucionalizada (a esfera político-partidária e o Estado
em todos os seus poderes), como também fenômenos sociais, como é o caso de clubes,
associações, ONGs, sindicatos, entre outros, então a religião não está fora da esfera pública.
Enquanto Igreja e Estado se constituem em instituições separadas pelo processo de autonomia de
esferas, não são instituições separadas na discussão social, mas forças em embate como qualquer
outra instituição social. Nesse caso, “as normas religiosas vinculam-se a compromissos que
estariam na base de ações coletivas e não apenas individuais” (Ortiz, 2001, p. 67). Em outras
palavras, como qualquer instituição social, a religião possui a dimensão da identidade e assim
coteja-se com a política (Burity, 1997). Em decorrência da composição de identidade, a religião
adquire uma força política da qual não era anteriormente depositária (Burity, 2001; Ortiz, 2001).
Essa percepção, no entanto, somente é possível na medida em que não se concebe a cisão absoluta
e radical entre a vida subjetiva do indivíduo, com suas escolhas identitárias (que geram e são
geradas por coletividades) e a esfera pública.
Evidentemente, existem distinções entre o individual e o social. Contudo, como
tentamos demonstrar, elas não se configuram como cisões, como se pertencessem a esferas
totalmente independentes. Muitas vezes é o que nos faz pensar a distinção entre público e
privado usada por alguns autores.
Para Novaes (2002), por exemplo, não há uma ruptura definitiva e total entre religião e
política. Evidentemente, trata-se de dois campos distintos da vida social, que se entrecruzam
na história de ontem e de hoje, embora de formas diferentes. A esfera política foi construída,
sobretudo na modernidade, como o lugar da razão e da ordem pública, enquanto a religião tem
sido designada como sendo da ordem do subjetivo e do simbólico (Hervieu-Léger, 1997a).
Ao mesmo tempo, a identidade e o pertencimento religioso não consistem em algo que
72
se constrói apenas no foro íntimo das pessoas. Como afirma Novaes, “a religião se inscreve na
cultura e freqüenta o espaço público, é locus de agregação social” (2002, p. 64).
No caso específico de nosso país, convém não esquecer que “o Brasil é muito marcado
por um imaginário religioso” (Ribeiro, 2003, p. 77). A nosso ver, a questão é que, de fato, a
religião se inscreve como um traço cultural importante em nosso país, sem, no entanto,
consistir na única fonte de valores e cosmovisão diante da vida. Esse fato, assim nos parece,
não implica dizer que esse traço cultural não possa ser mais ou menos intenso, dependendo da
sociedade analisada, e tampouco significa dizer que, por não ser normativa, deixe de ser
possuidora de um grau de influência sobre as outras esferas da vida
48
.
Enfim, as pessoas envolvidas no universo político levam consigo toda sua carga de ser
humano, ou seja, suas crenças, dúvidas, visão de mundo construída socialmente, onde a
religião certamente teve e continua apresentando alguma participação (Novaes, 2002).
Para Burity (2001), durante muito tempo, a relação entre a religião e a política esteve
submetida aos argumentos do dualismo hermético entre público e privado, profano e sagrado.
Nessa concepção de diferenciação de esferas, à religião estava reservado um papel de
subordinação aos outros âmbitos, sobretudo à política. Conforme o autor, sob essa episteme,
defendia-se três normas: a) que as convicções religiosas estavam relegadas à esfera do
privado, quer de grupos quer de indivíduos; b) que a separação entre religião e Estado
confinava as duas esferas a domínios autônomos e distintos; c) por conseguinte, que cabia ao
Estado um papel de neutralidade diante das disputas pela verdade e frente ao favorecimento
48
Aqui convém lembrar uma pesquisa realizada por Oro (2001b), que abordou, entre outros, a questão
da identidade religiosa do político. Questionandos se o candidato a cargo político tem sua votação
alterada por dizer-se ateu, 64 % dos vereadores de Porto Alegre e 79 % dos deputados estaduais do
Rio Grande do Sul admitiram que se declarar ateu os prejudicaria no pleito. Assim, a pesquisa indicou
existirem ganhos na divulgação do vínculo entre o político e uma denominação religiosa, ou crença.
73
de instituições religiosas
49
(Burity, 2001).
Para Burity (Ibidem), esse quadro alterou-se entre os anos de 1970 e 1990. No Brasil,
houve a crescente politização de uma considerável parte das igrejas históricas (católicas e
protestantes), bem como um vertiginoso crescimento das igrejas e movimentos centrados na
experiência do Espírito Santo. Dos anos 1980 até nossos dias, temos visto o avanço desses
últimos na esfera política e no campo da mídia.
Pode-se dizer que está ocorrendo uma reconfiguração da religião, isto é, um
“deslocamento de fronteiras e ressignificação ou redescrição de práticas” (Idem, Ibidem, p.
100). Em outras palavras: assim como tem sido defendido por alguns um processo de
privatização do sagrado, por outro lado, também se tem percebido a desprivatização ou a
publização do religioso (Idem, Ibidem).
Não está em jogo um “retorno do sagrado” nem uma “saída” da secularização. Nenhuma
dessas respostas é suficiente para compreender a relação entre a religião e a política. Em nosso
país, o que vemos é a volta da religião à esfera pública, não nos termos da supremacia da religião
sobre a política, mas em virtude do deslocamento de fronteiras tanto do político quanto do
religioso (Ortiz, 2001). Para Burity, podemos observá-lo a partir de algumas questões.
A primeira é a constatação de que, através da história, sempre houve um vínculo entre
religião e política (Burity, 2001; Novaes, 2002). Esse laço, no entanto, não obedeceu e não
segue lógica linear alguma. Esse nexo perpassa a história, e o que se pode “derivar desta
postulação é que o vínculo entre religião e política nunca se rompeu, mas foi construído de
49
Veremos que, pelo menos na história do Brasil, o papel do Estado não se configurou dessa forma.
Além disso, a partir da realidade francesa, Giumbelli (2003) pergunta-se até que ponto essa realidade
de fato existiu.
74
diferentes maneiras, sem obedecer a uma lógica linear ou ao ditame de leis irresistíveis do
desenvolvimento histórico” (Burity, 2001, p. 101).
A segunda questão levantada por Burity, igualmente relevante, é a de que as
mudanças da década de 1980 trouxeram uma redefinição das fronteiras entre as esferas do
público
50
/social e do privado/subjetivo. Essa modificação política e cultural é da maior
importância para compreender outras áreas da vida social
51
. A redefinição entre Estado e
sociedade transformou a relação entre religião e política (Ortiz, 2001). O desmoronamento
das lógicas binárias permite-nos observar que os campos da religião e da política não
obedecem mais um fundamento último, seja ele a vontade divina, a história, o Estado ou a
ciência, constituindo-se, porém, no resultado da oscilação de “decisões ético-políticas”
(Burity, 2001, p. 103). Partindo dessas considerações, o autor aponta para processos que
abrem espaço para a religião como interlocutora na esfera pública:
a) a crescente atividade reguladora do Estado passou a envolver-se em questões antes
consideradas individuais, como, por exemplo, o controle da natalidade, oportunidades iguais
para as mulheres, a intervenção em disputas étnicas e questões éticas ligadas à manipulação
genética. Disso resulta que o ativismo estatal se emaranha “em áreas onde valores e práticas
50
Doravante, a esfera pública será compreendida em nosso texto como sendo tanto da ordem do
Estado, quanto da ordem social. Da mesma forma, o uso do termo particular refere-se tanto ao
indivíduo enquanto cidadão, quanto ao indivíduo como subjetividade.
51
Com relação a sua modificação política e cultural, Madalena G. Peixoto fez um interessante
apanhado sobre as transformações políticas no pós-Segunda Guerra. Nesta síntese, tomando como
referência as reflexões de Russell Jacoby, destacou o papel assumido pelos sociólogos norte-
americanos, passando de intelectuais públicos a sociólogos inseridos nas universidades. A
profissionalização dessa intelectualidade acabou por significar uma espécie de privatização, ou seja,
um “afastamento de um universo público, mais amplo. Mills era um pensador público, combativo, que
era também professor; hoje, os sociólogos radicais são primeiro professores e, raramente, se é que isso
ocorre, intelectuais públicos” (Jacoby apud Peixoto, 2001, p. 174). Para nós, importa destacar, nessas
considerações, justamente a alteração dos campos público e privado. Para Jacoby, por exemplo, as
reflexões da academia, que permanecem dentro dela, são mais da ordem do privado que do público.
75
privadas perderam sua invisibilidade e auto-referencialidade, passando a ser alvo de
legislação e políticas públicas, mas também introduzindo sua lógica própria no espaço
político” (Burity, 2001, p. 104)
52
.
b) a pluralidade de identidades religiosas gerou uma busca por espaços de
representação política, seja em disputas eleitorais, seja em atividades educacionais e
filantrópicas, movendo as instituições religiosas para o espaço público, a fim de alcançar, ali,
um espaço de legitimação ou de benesses (Idem, Ibidem; Freston, 1996).
Esses indicadores apontam para uma oscilação e reconfiguração da fronteira entre o
público e do privado, o que, de alguma forma, mobiliza parcelas da população para ações
políticas a partir de assuntos antes considerados da esfera subjetiva, como a questão de
gênero.
Enfim, a linguagem religiosa reforça ou exprime demandas por
direitos humanos ou por identidade nacional em contextos nos quais
as linguagens da política ou da cultura secular são ainda muito frágeis
[...]. Em tudo isso, o que é público ou privado, propriamente político
ou propriamente religioso, já não pode ser definido de forma
categórica e estável (Burity, 2001, p. 105).
Eunice Durham, em um texto mais antigo, reflete sobre o crescente número de
movimentos sociais no Brasil, e, de certa forma, suas hipóteses mostram a diluição destas
fronteiras. De acordo com Durham (1984), esse novo arranjo de movimentos sociais mostra
52
Além disso, vale ressaltar que, com o avanço do Estado neoliberal, cabe à sociedade civil, cada vez mais,
assumir responsabilidades sociais agora evitadas por esse mesmo Estado (Alvarez, Dagnino e Escobar,
2000). Por conseguinte, a concepção do neoliberalismo que coloca o Mercado sobre o Estado, enfraquece-
o, reduzindo a cidadania à esfera privada. Porquanto, a capacidade de participação política reduz-se a um
ato de pertencer a uma organização não-governamental ou a uma associação. Os novos movimentos sociais
acabam por centrar-se sobre políticas afirmativas, ou seja, sobre a problemática da identidade, em “busca
de um reconhecimento da sua diferença e autonomia” (Dupas, 2003, p. 19). Sintetizando, tanto olhando de
forma positiva quanto de modo mais pessimista a relação entre Estado e sociedade civil, o mesmo resultado
é perceptível: o de que há uma oscilação entre as fronteiras das esferas público/social e privado/subjetivo.
76
uma reconfiguração de demandas políticas; portanto, de identidades coletivas. Para a autora,
essa reconfiguração de identidades e demandas constitui-se em uma dificuldade para
interpretar o fenômeno dos movimentos sociais
53
. A dificuldade dos analistas, defende
Durham, deriva, em grande medida, do fato de que esses movimentos não se enquadram nas
expectativas ou conceitos que os estudiosos e os militantes construíram sobre como deveria
ocorrer o envolvimento político e a conseqüente democratização no Brasil dos anos de 1970 e
1980.
Uma tendência dos estudiosos de verga mais sociológica é compreenderem o referido
fenômeno a partir do significado que os movimentos sociais alcançam em sua relação com a
política partidária e o Estado. A outra tendência, mais antropológica, visualiza os movimentos
sociais “de dentro” e procura, na sua estruturação, a fonte explicativa para a construção, ou
não, de uma sociedade mais democrática. Para Durham (Ibidem), é a combinação desses
instrumentos analíticos que parece ser o caminho mais frutífero.
Para tanto, a autora propõe ser necessário evitar a noção de que os “movimentos
sociais são formas inferiores de mobilização, que devem evoluir para formas mais plenas e
satisfatórias de atuação política: a partidária e a sindical” (Idem, Ibidem, p. 25). A socióloga
apresenta como hipótese alternativa a visão de que os movimentos sociais constituem uma
53
Existe uma vasta literatura sobre movimentos sociais, repleta de conceitos divergentes. O próprio
conceito de movimento social carrega em si indeterminações. Como podemos definir os movimentos
sociais? Trata-se de todo e qualquer movimento contestatório? Inclui apenas os movimentos
populares? Ou são apenas aqueles que buscam uma transformação social, econômica e política? Aliás,
o que significa, efetivamente, transformação social? A partir dessas questões, evidencia-se a
necessidade de um conceito abrangente, mas nem por isso vazio de especificidade. Assim, cremos que
os movimento sociais podem ser caracterizados “pelo caráter informal das relações; por uma qualidade
policlassista dos sujeitos sociais; por concepções distintas e até divergentes do político; pelo confronto
com o Estado; pela afirmação de identidades sociais como a negritude, o feminino, a
homossexualidade, o religioso, entre outras. Assim, as questões individuais tornam-se coletivas”
(Pedde e Nunes, 2004, p. 103) e o subjetivo e o privado, adquirem uma dimensão social e pública.
77
forma específica de mobilização social, com espaço próprio e diverso dos canais tradicionais,
como o partido e o sindicato. Além disso, advoga que os movimentos sociais não são apenas
instrumentos de defesa contra o empobrecimento, mas também expressam uma “luta pela
ampliação do acesso ao espaço político e aos benefícios do desenvolvimento econômico”
(Durham, 1984, p. 25).
Dessa forma, entendemos que os movimentos articulam as demandas coletivas não
apenas a partir da percepção de carências comuns, ou, no caso específico da religião, entre
outras, do auxílio a quem necessita (Coradini, 2001). Soma-se a esses uma luta, visando a
acessibilidade ao espaço político, no qual se tenciona dar um “novo significado às
interpretações culturais dominantes da política, ou desafiam práticas políticas estabelecidas”
(Alvarez, Dagnino e Escobar, 2000, p. 22).
Enfim, desses experimentos podem emergir vivências e um sentimento de
comunidade. “Os movimentos sociais se constituem, portanto, como um lugar privilegiado
onde a noção abstrata de igualdade pode ser referida a uma experiência concreta de vida”
(Durham, 1984, p. 28). Essa vivência acentua a passagem do indivíduo para o sujeito, pois,
através da sociabilidade, aprende a formular novas questões a respeito de sua vida. Assim,
cria uma nova “prática coletiva que passa a fazer parte integrante da vida social e fundamenta
novas representações” (Idem, Ibidem, p. 28). A partir das experiências coletivas, mesmo que
restritas, os sujeitos vivenciam novas concepções de relação entre sujeitos e de relação entre
sociedade e Estado, baseadas em valores mais éticos e solidários. Portanto, os movimentos
sociais podem ser interpretados como esforços de reinstalar a ética na ação política (Castro,
2000).
Retomando a questão desse ângulo, é possível entender melhor
tanto as potencialidades como as limitações dos movimentos em
termos de construção de uma sociedade democrática. De um lado, eles
78
criam um espaço (restrito) onde é possível a vivência da igualdade,
permitindo a representação da utopia elaboram os direitos que
definem uma nova cidadania. Mas, por outro lado, restringem a
experiência democrática à prática da democracia direta nos pequenos
grupos (Durham, 1984, p. 30).
Tanto no que concerne ao fato de que muitos movimentos sociais giram em torno da
percepção de carências comuns, quanto na visão de que engendram uma dinâmica
democrática peculiar, essas afirmações de Durham apontam para a terceira questão levantada
por Burity (2001).
A presente oscilação entre o público e privado, deslocou o sentido tanto do político
quanto do religioso. Isso não significa, necessariamente, progresso algum no sentido da
democratização, mas também não implica automaticamente no inverso. De qualquer forma,
essa sucessão de mudanças parece evidenciar um maior “pragmatismo' dos atores religiosos e
políticos no manejo de suas diferenças” (Idem, Ibidem, p. 105). Isso nos remete a perguntar o
que seja, efetivamente, político e religioso. Por um lado, o político extrapola as questões de
Estado. Por outro, percebe-se a manifestação do religioso para além da esfera de controle
institucional das religiões. Assim, “o religioso [na política] emerge na esteira de um cansaço
com a política e com a religião institucionalizadas” (Idem, Ibidem, p. 106). Ou, como diz
Balandier, a crença tornou-se difusa a “tal ponto que a tendência atual leva a enxergar o
sagrado em tudo e a religião em lugar nenhum” (1999, p. 157). Não se pode afirmar que o
religioso se encontra em todo lugar, mas há “superposições parciais dos dois terrenos pelos
espaços e tempos das sociedades concretas em que vivemos” (Burity, 2001, p. 107). Diante
desta realidade, já não há contornos claros nem uma lógica comum confiável (Balandier,
1997). Isso nos conduz a uma visão fragmentária do poder, o que possibilita que nos
remetamos à religião como um espaço de exercício de poder. Trata-se de buscas de espaços
de manipulação de poder e de sentidos, uma vez que a política representativa, enquanto tal,
tem encontrado dificuldade em dar algum sentido para a vida das pessoas. Assim, a religião
79
faz pressão sobre os legisladores e estes tornam a fronteira entre política e religião ainda mais
fluida (Balandier, 1999).
Cremos que o avanço da democratização em muitas sociedades promoveu uma lógica
pluralista no campo religioso, mas, sobretudo, no campo das identidades.
Por meio do pluralismo emerge, assim, uma tensão entre a
lógica democrática da identidade e da equivalência, e a lógica do
pluralismo, que se baseia na diferença e na multiplicidade de visões do
bem e da verdade. A rigor, e isoladamente, cada uma dessas lógicas
tende a anular a outra, o que leva à necessidade de uma constante
rearticulação e renegociação, sem um ponto de equilíbrio ou harmonia
final (Burity, 2001, p. 107-108).
Está em xeque nessa negociação que transcende a esfera subjetiva, não a separação
entre Estado e Igreja, mas entre a política institucional e a religião. Em outras palavras, o fato
de o religioso pleitear e conseguir algum espaço na política institucional não significa,
necessariamente, um retrocesso ou uma ameaça à separação entre Estado e religião, ou à
democracia. No entanto, essa situação pode carregar consigo alguns aspectos problemáticos.
Por exemplo:
o pluralismo facilita o acesso à esfera política e isto, em circunstâncias
de forte peso da religião na vida cotidiana, se expressa em termos de
aumento na participação política (representação e presença na tomada
de decisões) por parte de indivíduos e grupos/movimentos religiosos;
tal participação, contudo, (1) na medida em que incorpora atores com
pequena ou nenhuma experiência prévia de exposição à esfera
política, corre sempre o risco de importar para o campo político
formas de intransigência e imposição muito difundidas no campo
religioso, ou (2) de se perder no labirinto das redes clientelistas ou
corporativistas da política contemporânea (Idem, Ibidem, p. 109).
Com relação à primeira dessas duas dificuldades, é preciso considerar que a
intransigência das religiões no campo político é menor do que no universo religioso, uma vez
que o pluralismo religioso é sempre defendido, pois se constitui na fonte de sua própria
80
possibilidade de participação na esfera política. Além disso, a política, entendida como a arte
da negociação, certamente também influencia os religiosos que assumem cargos políticos em
sua visão de mundo. Com relação ao segundo obstáculo, parece que o clientelismo e o
corporativismo, presentes na atividade política brasileira, e igualmente encontrados na
atuação dos políticos evangélicos (Bezerra, 1999, 2001; Kushnir, 2000). Embora consista
efetivamente em um problema, não se pode alegar que essa prática seja um problema somente
para as denominações no campo político.
Em todo caso, esse processo de redefinição de identidades e de deslocamento de
fronteiras possibilita o discurso político da religião. Assim,
O importante a destacar é que, no cenário contemporâneo, há
uma disseminação/circulação do religioso em busca de eficácia
política, que gera condensações em discursos político-religiosos em
contextos nacionais. O rebaixamento das barreiras que o modelo
Iluminista de oposição entre religião e política impunha, encontrou-se
com um ativismo religioso crescentemente mobilizado contra o
secularismo ou as injustiças e desigualdades, e isto tem permitido uma
configuração múltipla das relações entre religião e política (Burity,
2001, p. 111).
Conclui-se, então, que o momento atual é privilegiado para aprofundar o conhecimento
da crescente inter-relação entre o campo religioso e o político. No próximo capítulo, trataremos
da relação entre a política e a religião no Brasil sob uma perspectiva histórica.
81
2. RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS
Neste capítulo, faremos um levantamento dos principais acontecimentos históricos
ligados à relação entre a religião e a política no Brasil. Deter-nos-emos, especificamente, à
história da relação entre religião e política desde o padroado, passando pela separação entre
Estado e Igreja e pela instalação do pluralismo religioso no país. Em um primeiro momento,
nosso foco será a Igreja Católica, além do protestantismo histórico, e, em seguida, ocupar-
nos-emos com as denominações pentecostais.
2. 1 B
RASIL COLÔNIA E IMPÉRIO
O Catolicismo desembarcou no Brasil juntamente com os pertences dos portugueses.
Desde 1514, Portugal já era detentora do direito de Padroado, outorgado pelo Papa Leão X. O
Padroado conferia ao monarca português poder “sobre a administração das coisas eclesiásticas
em seus territórios” (Catão e Vilela, 1994, p. 150). O Padroado garantia ao regente do Estado
dispor sobre todas as questões de fé nos territórios sob o seu domínio (Abreu, 2002). Esse
documento possibilitava à Coroa portuguesa criar cargos eclesiásticos, nomear os clérigos que
melhor fossem ao encontro de seus interesses, arrecadar o dízimo, entre outros (Esquivel,
2003). Em retribuição, a Coroa portuguesa ficava responsável por expandir a fé católica por
intermédio de subvenções pecuniárias às atividades eclesiais. Essa relação foi possível, pois o
reino de Portugal era tido como de grande fidelidade à Santa Sé. No entanto, o catolicismo
português tinha uma feição particular, se comparada com outros países católicos da Europa.
Portugal preferia agarrar-se ao “credo único” e ao formalismo doutrinal e prático (Catão e
Vilela, 1994).
82
Esse sistema, que mantinha a Igreja controlada pelo Estado, fez com que
desenvolvesse um catolicismo peculiar no Brasil, que não acompanhou as resoluções do
Concílio de Trento (1545-1563) (Abreu, 2002). A falta de religiosos e o contato entre as
culturas autóctones, africanas e ibéricas levou a uma religiosidade popular marcada por muita
reza e poucos sacerdotes (Dreher, 1999). Assim, o Padroado cerceou e impôs aos
representantes do catolicismo uma visão de mundo de pouca reflexão e autocrítica. Enfim,
o sistema do Padroado atrelou as atividades religiosas às oscilações do
poder real. Assim, acabou por transformar a Igreja Católica em
instrumento legal a serviço, primeiro, da implantação dos mecanismos
da exploração colonial e, posteriormente, da manutenção da ordem
estabelecida (Catão e Vilela, 1994, p. 150).
Esse princípio de reciprocidade entre Estado e Igreja, no Brasil, delongou-se até
janeiro de 1890, com a promulgação do decreto do Governo Provisório da República, que
declarava rompido o sistema de Padroado e previa a separação entre Igreja e Estado (Idem,
Ibidem). Contudo, esse rompimento não ocorreu apenas em virtude da instalação da
República. Muitos fatores contribuíram para esse fato, alguns dos quais veremos a seguir.
2. 1. 1 Enfraquecimento do Poder Eclesiástico
O Tratado de Comércio e Navegação, firmado entre Portugal e Grã-Bretanha em 1810,
previa que, no Brasil, houvesse a possibilidade de existir liberdade religiosa, visto tratar-se de
um país católico. Em 1820, os ingleses fundaram, no Rio de Janeiro, um templo anglicano em
terras brasileiras, o qual, entretanto, se limitava aos estrangeiros de língua inglesa (Fischer,
1989). Considerando tal tratado e intercâmbio, bem como o fato de os ingleses terem o
anglicanismo como religião oficial, fazia-se necessária alguma autonomia religiosa e o
respeito à religião de marinheiros de passagem, do corpo diplomático e comerciantes (Abreu,
83
2002). Com a inserção do anglicanismo principiava, mesmo que lentamente, a diversidade
religiosa no país.
Mais tarde, em 1822, com a proclamação da Independência do Brasil, era preciso
garantir as fronteiras desse país e, para tanto, tornava-se necessário, além de um exército, uma
população que ocupasse as regiões em conflito, servindo, também, de apoio logístico às tropas
imperiais. Precisava-se de colonos. Ademais, a elite branca entendia ser necessário o
“branqueamento” da população, tendo em vista as insurreições anti-escravocratas ocorridas no
Haiti, que resultaram na eliminação da minoria branca. O império britânico, por outro lado,
pressionava para que houvesse a abolição da escravatura (Dreher, 1989). Alastrava-se o
pensamento liberal iluminista, que identificava no protestantismo um importante papel
modernizante (Mendonça e Velasques Filho, 1990). Estas foram as principais razões que
impulsionaram o recém criado império brasileiro a propiciar um ambiente de liberdade de
cultos.
A Constituição de 1824 vetava às salas de reunião dos grupos religiosos não-católicos
a possibilidade de terem aparência externa de templo, bem como de esses grupos fazerem
qualquer tipo de crítica pública
54
à religião católica (Catão e Vilela, 1994). Apesar dessas
restrições à liberdade religiosa, a permissão à abertura de templos não-católicos foi a primeira
fenda que rompeu a exclusividade da Igreja Católica no Brasil. A Constituição de 1824
previa, ainda, para os cidadãos não-católicos, a impossibilidade de serem eleitos para cargos
políticos. Somente em 1881, com a Lei Saraiva, abriu-se a participação de não-católicos em
fóruns legislativos (Freston, 1994b).
54
Como já referido no capítulo 1, compreendemos a esfera pública como integrando tanto o que é da
ordem do Estado quanto da ordem social. Em relação ao termo particular, este engloba, a nosso ver, o
indivíduo como cidadão, bem como o indivíduo enquanto subjetividade.
84
Essas restrições, no entanto, não foram aceitas de forma passiva. Muitos protestantes,
sobretudo os representantes do protestantismo de missão, pleitearam junto ao Império a
igualdade jurídica com os cidadãos católicos, uma vez que seus casamentos não eram
reconhecidos, seus filhos não podiam ser registrados e nem lhes era dado o direito de
possuírem cemitério próprio
55
. Toda essa situação de cerceamento à liberdade e à cidadania
mudou somente com o advento da República, em 1889.
O protestantismo missionário, que se instalou no Brasil com os metodistas (1835-
1847, e, definitivamente, em 1867
56
), os congregacionalistas (1855), os presbiterianos (1862)
e, a partir daí, com os batistas e os episcopais, foi decididamente anticatólico. Ao mesmo
tempo, estava ligado, em termos ideológicos, ao projeto liberal
57
. Seus aliados mais
consistentes foram, em sua maioria, maçons (Fischer, 1989).
Ademais, entre os membros desse liberalismo encontravam-se muitos católicos
maçônicos; o que fica comprovado quando dom Vital, bispo de Olinda e Recife, e dom
Macedo Costa, bispo de Belém do Pará, exigiram que os católicos ligados à maçonaria
55
O protestantismo de missão difere do protestantismo de imigração, pois o primeiro cresceu a partir
de missionários, e não, de imigrantes.
56
Para Grijp (1976), o ano de 1870 tornou-se um marco na história do protestantismo no Brasil. Foi a
partir dessa data que houve uma forte imigração norte-americana em nosso país. A Guerra de
Secessão, de 1861 até 1865, fez permanecerem as antíteses sócio-econômicas que a fizeram surgir.
Assim, em grande parte mantinham-se dentro dos EUA duas civilizações, com estilos de vida e
concepções econômicas distintas. Essa fissura também se fez sentir nas denominações religiosas. A
Igreja Metodista Episcopal, que sempre havia condenado o escravismo, separou-se, em 1845, do ramo
sulista. “A derrota dos Estados Confederados e a sucessiva reconstrução de seus territórios, que para
eles significava o fim de todo um padrão de vida, fez optar muitos sulistas pela imigração” (Idem,
Ibidem, p. 13). Em outras palavras, justamente parte da ala protestante norte-americana que defendia o
escravismo veio a instalar-se no Brasil e, por conseguinte, apresentava-se mais conservadora.
57
Na realidade, não existia o projeto liberal, mas vários projetos. Apenas os liberais exaltados eram,
de fato, partidários da ampliação do conceito de cidadania, sendo favoráveis, por exemplo, ao voto
universal masculino. De qualquer forma, em alguma medida, tanto o liberalismo e a maçonaria quanto
o protestantismo eram tidos, pela Igreja Católica, como inimigos comuns (Engel, 2002).
85
deixassem as irmandades católicas
58
. As irmandades eram contrárias a que se fizesse uso de
medidas punitivas, encaminhando a questão ao Conselho de Estado. No ano de 1874, o
Supremo Tribunal condenou os bispos a uma pena de quatro anos de prisão acompanhados de
trabalhos forçados. Essa pena foi comutada, pelo imperador, em prisão simples (Catão e
Vilela, 1994). Esse episódio, conhecido como a “Questão Religiosa” (Barros, 2003a),
evidenciou duas questões. Primeiro, mostrou, de forma emblemática, como se constituía a
relação entre Estado e Igreja, onde a última estava totalmente submetida à primeira. Segundo,
desvendou a força das idéias liberais no seio do Império, já então cambaleante.
Pode-se notar que, na época do Brasil Imperial, havia um clero católico dividido. De
um lado, encontravam-se os que defendiam a preservação do regime do Padroado e uma
Igreja subordinada aos mandos e desmandos do regente secular. Esse grupo foi influenciado
pela Ilustração européia, seja através de estudos lá realizados, seja por intermédio da literatura
amplamente propagada pelas lojas de maçonaria. Também pretendia a formação de uma
Igreja Nacional, dirigida por um Conselho Nacional. Por outro lado, colocava-se o
catolicismo ultramontano, que acompanhava as resoluções do Concílio de Trento, defendia a
autonomia da Igreja em relação ao Estado, preconizando que ambos deveriam estar
subordinados a Roma (Dreher, 1999).
Ao mesmo tempo, a partir da primeira metade do séc. XIX, teve início a entrada das
massas de imigrantes europeus no continente americano. Essa população estava fugindo da
miséria absoluta à qual estava submetida em sua terra natal, devida, em grande parte, ao
processo acelerado de industrialização em andamento naquele continente. Com a imigração, o
58
De modo geral, pode-se descrever essas irmandades como confrarias que, entre outras
características, se organizavam para prestar homenagens um santo padroeiro, nas quais a população
como um todo podia participar. Ademais, tomavam parte dessas confrarias pessoas tidas como ilustres
e importantes para a sociedade de então (Neves e Machado, 1999).
86
protestantismo e correntes de pensamento diversas começaram a penetrar mais fortemente no
Brasil, como também nos demais países americanos (Dreher, 1999).
Com os protestantes, instalaram-se novos problemas que diziam respeito à relação
entre Igreja e Estado. A Constituição de 1824 assegurava ao catolicismo o status de religião
do Estado, mas também previa certa liberdade religiosa, pois permitia a celebração privada de
outros cultos. Ressalvava-se, apenas, que os locais de reunião de não-católicos não poderiam
ter um aspecto exterior de templo. Essa resolução visava facilitar a entrada de imigrantes, que
serviriam de mão-de-obra, auxiliariam na formação de uma classe consumidora em potencial,
contribuiriam para o branqueamento da população e para a preservação das fronteiras, entre
outros. Em grande parte também essas medidas visavam atender aos anseios de comerciantes
estrangeiros no país. Ainda segundo Dreher (Ibidem), os imigrantes possuíam duas funções:
além de soldados, destinavam-se ao serviço na agricultura.
Com a abolição da escravatura, em 1888, e a Proclamação da República no Brasil, em
1889, a Igreja Católica brasileira perdeu força. Com a interrupção do tráfico negreiro desde
1850, pouco a pouco as necessidades econômicas do país alteraram a configuração da
imigração e o aproveitamento de imigrantes. Patrocinado pelos fazendeiros de café, o
imigrante tornou-se, fundamentalmente, substituo da mão-de-obra escrava. Manteve-se a
grande propriedade rural e a monocultura com o objetivo da exportação. Nesse tempo, a
imigrantes eram, na verdade, escravos disfarçados (Idem, 1998a). Iniciou-se um novo quadro
religioso no país. Em 1890, os protestantes evangélicos atingiram 1% da população (Rolim,
1994). O pluralismo religioso era uma realidade e a relação institucional entre Governo e
Igreja sofreu uma ruptura. Há que se supor que a proximidade desses dois eventos marcantes
não é mera coincidência. A escravidão, que havia gerado toda a riqueza no Brasil até então,
não mais podia sustentar o novo modelo econômico, jurídico e de política interna e externa: o
tipo de capitalismo, que orientava a nova constituição do Estado.
87
O Brasil estava saindo de uma situação econômica colonial tradicional para relações
do capitalismo de mercado já colocadas no plano internacional. Os ideais liberais burgueses
ingressavam no país, que, por fim, o conduziram ao capitalismo industrial. Assim como na
questão econômica, as correntes liberais modernizadoras alcançavam também maior extensão
no plano político. Essas idéias incentivaram, entre outros, o ingresso de europeus protestantes
no país. De um modo geral, entre os liberais tinha-se a idéia de que o protestantismo
favoreceria a transição da sociedade brasileira à modernidade (Dreher, 1985).
Esse ideário de progresso social e econômico através do campo religioso estava
presente igualmente na concepção das instituições que enviavam missionários ao Brasil e ao
resto do mundo. Os missionários protestantes chegavam confiantes de que traziam o
progresso juntamente com a Palavra de Deus. Assim, instalava-se uma polêmica com o
catolicismo que desembocou em argumentos desta ordem: os missionários advogavam que o
catolicismo era, entre outros, obscurantista e retrógrado. A esse respeito, Dreher constatou:
O protestantismo, ao contrário, é a religião que cria o
progresso. Não será por acaso que um dos primeiros representantes da
Sociedade Bíblica Americana criará no Rio de Janeiro uma
‘Sociedade de Amigos do Progresso’. A pregação do protestante vai
ser do tipo evangelístico: transforma o convertido em tipo ideal para a
nova sociedade que se quer criar: individualista. Ele é o sujeito da sua
própria existência. A religião é dele e não mais da família. Básica é a
relação: Eu e Deus. O novo homem da conversão é o homem
moderno: responsável, honesto, progressista, busca cultura. O
católico, não convertido, será para ele o contrário de tudo isso:
irresponsável, desonesto, reacionário e inculto (Idem, Ibidem, p. 78).
Além destes elementos ideológicos liberais, há fatores econômicos que alimentaram e
estimularam a imigração de enormes contingentes populacionais da Europa para as Américas.
Em síntese, esses fatores são assim referidos por Dreher:
Ávidas por atrelar o Brasil ao capitalismo industrial, as elites
dirigentes brasileiras irão de encontro às expectativas tanto do
88
capitalismo europeu, que se lança em busca de mercados e de fontes
de matérias primas, bem como de espaços para seus excedentes
populacionais (Dreher, 1985, p. 79).
O pluralismo religioso no Brasil, portanto, não ocorreu como um fator interno da
religião, como nos EUA. Ao contrário, esse fenômeno aconteceu ligado aos aspectos
econômico e ideológico. Essa característica, sem dúvida, trouxe marcas distintas. De qualquer
forma, interessa-nos que, no Brasil, delineou-se um pluralismo religioso. Esse foi se
instalando de forma gradativa, na medida em que nosso país incorporou-se ao capitalismo
industrial mundial. O pluralismo religioso do século XIX carregou consigo um ar de
liberalismo que atingiu o país. “A penetração das idéias do Iluminismo europeu, que se
espelhava aceleradamente na incipiente vida urbana, iria corroer a base religiosa herdada da
sociedade colonial” (Esquivel, 2003, p. 197). Assim, a separação entre Estado e Igreja
repercutiu no mundo religioso, possibilitando ao universo da religião tornar-se plural de
direito.
2. 2 B
RASIL REPÚBLICA
Com o advento da República, mudou a política, o Estado. Mudou também a Igreja
Católica. Às portas do século XX, o regime republicano rompeu com a Lei do Padroado,
“introduzindo o princípio do laicismo na ordenação jurídico-política do país” (Matos, 2003, p.
18). A partir da República, o catolicismo precisou se reorganizar e se adaptar ao novo
momento. De 1889-1890 em diante, o catolicismo precisou “acostumar-se ao fato de que os
professores já não eram obrigados a fazer o juramento católico, para integrar o ensino público.
[...] E os cidadãos não-católicos já podiam candidatar-se e eleger-se aos cargos políticos”
(Catão e Vilela, 1994, p. 167).
89
Nos anos que seguiram à Proclamação da República, inevitáveis controvérsias
ocorreram no seio da Igreja Católica. Algumas vozes eram favoráveis à separação entre Igreja
e Estado. A maioria, no entanto, não a via com bons olhos. Em 1900, a hierarquia eclesiástica
publicou uma Carta Coletiva na qual reivindicava “o reconhecimento oficial da Igreja
Católica com um tratamento privilegiado” (Matos, 2003, p. 28). Nesse documento ficava
explicitado o descontentamento da maioria dos clérigos com a República, afirmando algo que,
durante muito tempo, ficou sendo referência: “a religião, embora tenha deixado de ser
‘oficial’ continuará a ser ‘nacional’” (Azzi apud Matos, 2003, p. 29). Em suma, ser brasileiro
era ser católico. O regime de Padroado parece ter criado profundas raízes na percepção da
identidade nacional, da hierarquia católica, evidentemente, mas também de uma expressiva
maioria da população. Destarte, o modelo de cristandade aqui implantado igualava identidade
territorial com identidade religiosa (Esquivel, 2003). O fim do regime de Padroado, portanto,
não diminuiu a influência da religiosidade católica na cultura nacional. E mais, mesmo com as
mudanças constitucionais, o Estado continuou dando um tratamento diferenciado à Igreja
Católica.
A minoria dos clérigos que viu a separação entre Estado e Igreja como uma boa
oportunidade para a Igreja parecia estar certa. Em 1889, no Brasil, havia apenas uma
arquidiocese e onze dioceses. Em 1900, em onze anos apenas, foram criadas mais dezessete
dioceses, e, após mais dez anos, em 1910, a Igreja Católica contava com trinta; em 1920,
havia cinqüenta e oito dioceses organizadas no país (Matos, 2003). O crescimento foi
espantoso. A separação ocasionou um resultado positivo a favor da Igreja Católica (Souza,
2003). Parece correta a conclusão de Esquivel, ao afirmar que o Padroado “ocasionou um
sufocante abatimento do catolicismo no Brasil” (2003, p. 198). Essa separação entre Estado e
Igreja terminou por delinear uma nova relação, a da religião com a sociedade (Souza, 2003).
Após essa fase organizativa da instituição eclesiástica, iniciou-se, a partir de 1920, um
90
novo período. Em 1921, dom Leme foi instituído como arcebispo-coadjutor. Esse clérigo
exerceu uma importante liderança no seio do catolicismo
59
. “Coube a ele articular as forças
católicas nas décadas de 1920-1930. Preocupavam-no sobremodo a falta da influência da
Igreja Católica e a inércia sociopolítica de seus fiéis” (Matos, 2003, p. 45). Para dom Leme, o
Brasil constituía-se em um país tradicionalmente católico. Entretanto, a influência pública do
catolicismo era praticamente inexistente. Para esse arcebispo, não era possível notar a
presença dos católicos nos campos da ação social, da política ou da intelectualidade. Para ele,
era necessário transformar a Igreja Católica numa “força moralizadora’, capaz de ‘regenerar a
sociedade’”
60
(Matos, 2003, p. 58).
Aqui é possível observar algo interessante. Ainda no início da década de 1920, trinta
anos após a separação entre Igreja e Estado, o arcebispo nada mais percebe de influência
pública da Igreja Católica. Isso mostra o quanto o processo secularizador, ou seja, a separação
entre Igreja e Estado, já havia avançado sobre a sociedade brasileira; o quanto o sistema do
Padroado havia sufocado o catolicismo no Brasil. Por outro lado, essa preocupação com a
influência pública era desdobramento de um novo projeto de cristandade que a Igreja Católica
Romana procurava imprimir em todo o mundo
61
.
Em 1922, foi eleito um novo Papa, que adotou o nome de Pio XI (1922-1930). Esse
Pontífice procurou tornar a Igreja Católica uma presença ativa em uma sociedade laicizada.
59
Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942) entrou no seminário em 1894. Ele continuou seus
estudos em Roma. Foi ordenado sacerdote em 1904. Foi nomeado bispo-auxiliar do Rio de Janeiro em
1911. Assumiu como arcebispo de Olinda e Recife em 1916. Em 1920 ou 1921, tornou-se arcebispo-
coadjutor do Cardeal Arcoverde (Barros, 2003b; Matos, 2003).
60
Veremos, a seguir, que esse pensamento alcança grande vigor entre os pentecostais.
61
No final século XIX e início do século XX, “as igrejas no Brasil orientaram-se preferencialmente
para fora: os católicos, para Roma; os evangélicos de língua alemã, para a Alemanha; e os outros
evangélicos, para os Estados Unidos da América” (Fischer, 1989, p. 71).
91
Buscou recuperar o espaço político perdido. Essa nova orientação encontrou grande eco no
catolicismo brasileiro, sendo dom Leme seu principal articulador (Matos, 2003).
Fundamentalmente, a Igreja Católica brasileira passou a ter uma postura ofensiva no que
tange ao aspecto de sua influência política no Brasil.
É interessante observar que, frente a estes dados, pode-se concluir, sem hesitar, que
precisamente na justaposição entre Estado e Igreja foi vivenciado o período de menor
influência pública da instituição católica. A exceção fica por conta do domínio absoluto da
religiosidade católica assegurada pelas Constituições nacionais sob o Padroado, no que se
refere aos aspectos de moral e educação. Em termos estritamente políticos, no entanto, a
Igreja Católica pouco fazia. Aliás, era-lhe até proibido manifestar-se, uma vez que o Estado a
representava de modo integral. Por outro lado, quando houve a separação entre Estado e
Igreja Católica, iniciou-se um período de reorganização interna e, logo em seguida, houve
espaço para influir na vida pública e política do país. Assim, “voltada para a sociedade civil
pela força das circunstâncias, o imperativo católico obrigava a exercer uma presença ativa em
todas as ordens da vida social, até no plano da política” (Esquivel, 2003, p. 202). Dessa
forma, a Igreja Católica passou a articular-se de forma a influir mais decisivamente na vida
pública e no campo político.
Fundamentalmente, dois fatores possibilitaram a inserção da Igreja Católica na vida
pública e política brasileira. A primeira, como descrito acima, foi a troca de comando no
Vaticano. Pio XI entendia como fundamental estimular os católicos a estancarem o avanço do
laicismo. Como vimos, tal orientação encontrou grande repercussão na hierarquia católica. O
segundo fator, de ordem nacional, foi o generalizado clima de descontentamento, rebeldia e
reivindicações no campo social e político do Brasil. Esse ambiente de instabilidade fez com
que o presidente da República, Artur Bernardes (1922-1926), solicitasse auxílio da Igreja
Católica a fim de “moralizar o país e restabelecer a ordem e a autoridade” (Matos, 2003, p.
92
67). A Igreja aceitou o convite. Aproveitou para mostrar que, conforme sua visão, um Estado
sem religião descamba para a desordem e começou a reivindicar um lugar privilegiado na
sociedade civil (Idem, Ibidem).
Mas os esforços da Igreja Católica não pararam por aí. Mais e mais, esta igreja
procurou estimular e orientar lideranças a que se envolvessem na política, no intuito de
utilizar essa aliança para influenciar a sociedade
62
. Procurava, com isso, neutralizar a
influência do positivismo, que encontrava grande aceitação entre as camadas dirigentes do
país (Esquivel, 2003; Fonseca, 2002). Essa política foi seguida com intenso fervor até meados
da década 1940 (Matos, 2003). Enfim, foram esses os grandes objetivos perseguidos pelo
catolicismo de então; o qual, transformado em missão, redundou em um catolicismo de classe
média, conservador e que procurou oferecer o que a seu ver seria uma contribuição ao país,
salvando-o “do eminente perigo de subversão política e ideológica” (Idem, Ibidem, p. 59). Na
realidade, visava-se proteger o Brasil do fantasma que rondava a Europa: o comunismo.
Percebe-se que, apesar da diferenciação de esferas, a Igreja Católica, que a essa época já
notara os benefícios institucionais da separação entre Estado e Igreja, não deixou de,
continuadamente, procurar manter os benefícios de Igreja oficial.
No Brasil, a década de 1930 trouxe consigo uma grande crise na esfera econômica. A
quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, detonou uma crise econômica também
no Brasil. Essa crise foi apenas o acender do estopim de uma instabilidade social e política
que o país vivia desde a década anterior. Como candidato à presidência, Getúlio Vargas foi
derrotado nas urnas, mas tomou o poder a partir de uma revolução executada por grande parte
62
Vale lembrar que a construção da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, data dessa época.
Além disso, a partir de 1930, o Estado de Minas Gerais concede licença para a Igreja Católica
ministrar o Ensino Religioso, e, em 1931, essa licença foi estendida a todo o país (Matos, 2003).
93
dos militares brasileiros (Andrade, 1988). O presidente Washington Luís foi deposto em
outubro de 1930. Ele pensava em reagir, mas foi convencido por dom Leme a não resistir “às
forças revolucionárias, encontrando assim uma solução pacífica para o conflito” (Matos,
2003, p. 70). Desse episódio, nasceu uma grande amizade entre o já então cardeal do Brasil,
dom Leme, e Getúlio Vargas (Barros, 2003b). O novo governo recebeu apoio explícito da
Igreja.
Efetivamente, a ênfase dada pelo estado varguista à ordem, ao
nacionalismo, ao patriotismo e ao anticomunismo coincidia com o
ideário católico da época, inspirado no modelo italiano [de Mussolini].
[...] Durante os quinze anos de Vargas, a Igreja Católica reconstituirá
progressivamente o modelo de cristandade, com resultados práticos
imediatos, sobretudo no campo social. O nacionalismo católico havia
buscado explicitamente o reconhecimento do Estado para afirmar-se
como religião ‘oficial’ do povo brasileiro, reivindicando um
tratamento privilegiado (Matos, 2003, p. 71-72).
Em 1931, foi inaugurada, no Rio de Janeiro, a estátua do Cristo Redentor. Na
inauguração, tendo em vista a proximidade da elaboração de uma nova Constituição Federal e
aproveitando a presença do Presidente da República, de todos seus ministros e do Corpo
Diplomático (Barros, 2003b), dom Leme entregou ao Presidente uma lista de dez
reivindicações católicas. Ele o fez por intermédio do bispo dom João Becker, que mantinha
com Vargas estreita vinculação (Fonseca, 2002). Mas seu esforço foi além. No ano seguinte,
em 1932, com a chegada das eleições para a Constituinte, a hierarquia católica criou a Liga
Eleitoral Católica (LEC) (Barros, 2003b; Matos, 2003). Esse foi um dos mais importantes
momentos de inserção da Igreja Católica no campo político (Souza, 2003).
A liga não era um partido político, mas um grupo de interesse e de pressão para
mobilizar o eleitorado católico a fim de que as reivindicações da Igreja Católica fossem
incorporadas à nova Constituição. O funcionamento da LEC era muito simples. Apresentava
uma pauta de dez reivindicações, das quais três eram consideradas fundamentais: Ensino
94
Religioso facultativo nas escolas públicas, indissolubilidade do casamento e assistência
religiosa facultativa para as forças armadas e nos hospitais. Todos que assinassem esse
compromisso eram apresentados como merecedores dos votos católicos (Andrade, 1988). O
resultado da eleição de maio de 1933 foi acima das expectativas. Quase todos os candidatos
da LEC conseguiram eleger-se. Por conseguinte, a segunda Constituição Republicana nasceu
com a “cara da mãe” Igreja. “Selou-se, de fato, um ‘pacto constitucional’ entre Igreja e
Estado” (Matos, 2003, p. 78). Muitos dos princípios liberais contidos na Constituição de 1891
foram alterados e os constituintes iniciaram o “texto constitucional invocando a ‘confiança em
Deus’” (Andrade, 1988, p. 75). O crescimento do espaço da igreja no campo político foi
avaliado por Esquivel como segue:
A Igreja recobrava um lugar na realidade política nacional,
mas, diferentemente da etapa imperial, dispôs de uma margem de
manobra para não apenas defender seus interesses, mas também para
definir o quadro de referência que orientaria os comportamentos
sociais. Por outro lado, o crescimento institucional facilitou o usufruto
dos recursos estatais, no sentido de espalhar pelo território nacional as
iniciativas pastorais no campo da saúde, da educação, das
comunicações e da assistência social (Esquivel, 2003, p. 206).
A situação no país, entretanto, continuava no registro da instabilidade política. As
forças desbloqueadas na Revolução de 1930 se confrontavam e provocavam um clima de
tensão. Apesar do retorno da democracia, através da qual Getúlio foi reconduzido à
Presidência da República, a instabilidade, os conflitos e as tensões continuavam
63
. Em
novembro de 1937, Getúlio Vargas, aproveitando o clima de grande tensão, desferiu o golpe
de Estado, que ficou conhecido como Estado Novo (1937-1945) (Andrade, 1988). Sob
63
Vale lembrar que foi neste contexto de crescente urbanização, proletarização e de tensão política
que o pentecostalismo avançou na região Sudeste. Sobretudo, a partir de 1935, com a repressão às
organizações e movimentos operários, é que o pentecostalismo aumentou seu número de fiéis e sua
visibilidade (Rolim, 1985).
95
alegação do perigo comunista, o presidente foi apoiado pela Igreja Católica. “Não houve
ruptura nas relações entre a Igreja e o Estado com a implantação da ditadura” (Matos, 2003, p.
82). A parceria entre a Igreja e o regime que exercia o poder político se apresentava como
descrito a seguir:
A maioria dos bispos via com simpatia o regime ditatorial de
Vargas. Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre (1912-1946),
não escondia sua admiração pelo caudilho gaúcho. Elogiava
publicamente o fascismo e o nazismo, como fontes inspiradoras.
‘Enquanto Mussolini e o fascismo trabalham para o bem da Itália,
seguem eles o caminho misterioso traçado pela Providência. No
hagiológico político internacional, Mussolini é sem dúvida o
taumaturgo máximo, o iluminado que elevou ao mais alto grau o nome
dessa Itália dinâmica e gloriosa e o nome da latinidade universal’
(Santo Rosário apud Matos, 2003, p. 83).
Como é possível perceber, na ânsia de alcançar influência pública e política, a Igreja
Católica reproduziu em seu seio, com mais força, o mesmo espírito autoritário exercido pela
mão de Vargas. Assim, pensava o prelado brasileiro, poder-se-ia combater o laicismo que
havia irrompido no advento da República. Na busca por sua reafirmação social, o cristianismo
católico foi considerado “a maior garantia para um Brasil novo, pelo fato de o catolicismo
constituir o elemento identificador da brasilidade” [grifo do autor]
64
(Matos, 2003, p. 99).
Se no Brasil Colônia e Império o Padroado de certa forma instituía essa relação do
catolicismo como identificador do ser-brasileiro, no Brasil República, a fé católica procurou
alcançar um espaço religioso hegemônico e de influência pública. Para tanto, associou-se à
elite e às classes dirigentes do Brasil. A intenção era conquistar a elite dominante e intelectual
64
Sob inspiração do ideário modernista e de brasilidade, o governo Vargas proibiu o uso de língua
estrangeira para o ensino regular nas escolas a partir de 1930. Tencionava, entre outros, integrar as
diversas etnias do país. Em 1939, essa prescrição foi estendida aos cultos, sendo, portanto, vetado o
uso de língua estrangeira em ofícios religiosos. Para as denominações de base étnica, essa situação
tornou-se extremamente difícil. (Dreher apud Gertz, 1998).
96
para que esta fosse sensível às causas reivindicadas pela Igreja, e, sobretudo, reconquistar, se
possível, a ligação entre Estado e Igreja, a fim de evitar o avanço do laicismo. A estratégia
conduzida fundamentalmente pelo cardeal Leme consistia em engendrar as “estruturas do
Estado, para, desde lá, impor sua visão de mundo e garantir uma presença social estendida”
(Esquivel, 2003, p. 205). Desse modo, o período Vargas foi marcado pela sobreposição dos
interesses do Estado e da Igreja. Ainda que juridicamente separados, a colaboração mútua
entre essas duas esferas trazia enormes benefícios à estrutura da Igreja Católica, pois esta
podia contar com subsídios do Estado. Em contrapartida, Vargas soube aproveitar-se do
catolicismo, sua simbologia e do status que usufruía ante a população para legitimar seu
governo. Percebe-se que, ao longo da história da Igreja Católica no Brasil, esta igreja sempre
esteve associada com as elites e as classes dominantes do país (Wanderley, 2003).
Tendo a aliança com o governo varguista possibilitado à Igreja uma influência social e
política, a Igreja Católica volta-se para o fortalecimento e a organização interna. Já havia um
movimento interno chamado Ação Católica
65
. Fundamentalmente, tratava-se de um método
de trabalho que procurava ir ao encontro de algumas faixas etárias (Barros, 2003b). Segundo
o autor, Dom Stella de Faro referiu-se à Ação Católica como “a única força capaz de se opor
às correntes avassaladoras do mal, que preparam a ruína da civilização cristã” (Barros, 2003b,
p. 107). Para implementar o referido movimento, dom Leme trouxe o então padre Helder
Câmara (1909-1999) ao Rio de Janeiro. Sob a orientação deste último, foi criada, assim, a
Ação Católica Especializada, que, para além das faixas etárias, procurou ocupar-se com os
interesses de uma sociedade segmentada e com significativa estratificação social. Essa forma
65
A Ação Católica foi um movimento lançado pelo papa Pio XI, que previa um amplo envolvimento
de leigos a fim de cooperar na missão evangelizadora da igreja Católica (Barros, 2003b). No Brasil,
ele foi lançado no pentecostes (junho) de 1935. Nessa celebração, a Ação Católica Brasileira também
foi apresentada como órgão articulador de organizações da Igreja Católica que já existiam (Matos,
2003), entre outras, a JUC – Juventude Universitária Católica.
97
de ação fez com que a Igreja entrasse em contato com a dura realidade vivida pelo povo,
resultando no vagaroso processo de reavaliação da “atuação da Igreja na sociedade brasileira”
(Matos, 2003, p. 134). A partir do contato com a realidade social brasileira, e apesar do medo
do comunismo ainda existente, ou talvez por causa dele, a Igreja Católica declarava
publicamente a necessidade de reforma agrária e de solução para os problemas sociais do país.
Essas colocações, no entanto, não adquiriram nenhum sentido condenatório ao sistema
capitalista brasileiro (Idem, Ibidem). O entendimento era que se faziam necessários ajustes em
nosso modelo de desenvolvimento econômico e social.
A sociedade brasileira passou por grandes transformações nas décadas de 1940 e 1950.
No campo econômico, ocorreu o avanço das indústrias de base. No campo social, deu-se a
rápida urbanização e os problemas dela decorrentes. Essas mudanças trouxeram consigo a
queda nas vocações sacerdotais, bem como o crescimento do espiritismo, das religiões afro e
do pentecostalismo (Esquivel, 2003). A Igreja sofreu uma corrosão em seu monopólio
religioso. Ademais, a morte do cardeal Leme em 1942 e o fim da ditadura Vargas exigiram
novas estratégias de ação por parte da Igreja Católica.
Em 1952, foi criada a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), tendo como
seu principal articulador dom Helder Câmara. Apesar do clima tenso e conturbado da primeira
metade da década de 1950, o período de 1952 a 1960 foi um “período de excepcional
otimismo, desenvolvimento e renovação, tanto em termos de país no seu todo, como em
termos da Igreja” (Barros, 2003b, p. 33). A CNBB, liderada por um grupo de bispos
nordestinos, “assume uma forte preocupação pelos setores marginalizados” (Esquivel, 2003,
p. 212). Esse período teve seu auge com o presidente Juscelino Kubitschek, quando a Igreja
Católica esforçou-se por empreender uma “fecunda cooperação em prol do desenvolvimento”
(Barros, 2003b, p. 33). A década de 1950 constituiu-se no segundo momento mais importante
de atuação direta da Igreja Católica no campo político (Souza, 2003).
98
Dessa cooperação surgiram algumas ações governamentais importantes, como o
Serviço de Informação Agrícola, do Ministério da Agricultura, que culminou com a
facilitação do processo de sindicalização rural por parte do governo. Outra iniciativa
resultante dessa parceria foi a criação do Movimento de Educação de Base que, financiado
pelo Estado, era executado e coordenado pelas arquidioceses (Barros, 2003b). Dessa forma,
a presença na luta dos camponeses nordestinos, as iniciativas
educacionais nesse setor, o acompanhamento dos conflitos da classe
operária e, de um modo geral, a substituição da tradicional caridade
cristã pelo engajamento e promoção de uma mudança social
colocariam novamente a instituição eclesiástica no primeiro plano da
cena nacional (Esquivel, 2003, p. 211).
De total submissão nos anos do Império e “relativo atrelamento [ao Estado] durante a
primeira metade do século XX, a Igreja Católica passa a adotar posturas que sinalizam seu
desejo de assumir a posição de poder paralelo” (Fonseca, 2002). Nesse cenário, a Igreja foi ao
encontro das camadas populares. Dom Helder Câmara despontou como figura importante e
fundamental para essa nova orientação.
2.3 A I
GREJA CATÓLICA NA DITADURA MILITAR
O ano de 1945 representou um marco para a história mundial, não apenas pelo fim da
Segunda Grande Guerra. Para muitos estudiosos, a Segunda Guerra Mundial marcou a
alteração das perspectivas humanas, inclusive com mudanças de paradigmas. Se antes das
Guerras as pessoas respiravam o ar das transformações racionais-tecnológicas que lhes
enchiam o corpo e a mente de expectativas e sonhos românticos em relação ao progresso
humano, ao baixar da poeira atômica no Japão, o mundo viu-se diante de sua própria crueza.
Assim, o pós-guerra trouxe múltiplas conseqüências. Destacaremos, aqui, apenas
99
algumas delas. Com relação ao sistema político, o mundo dividiu-se em dois grandes blocos
hegemônicos. De um lado, estava o capitalismo; de outro, o bloco do socialismo real.
Representavam dois lados de uma mesma moeda, qual seja, a ampliação de domínio político.
O mundo estava envolto pela Guerra Fria e o espectro de um conflito apocalíptico ameaçava o
mundo, principalmente os europeus, por sua proximidade geográfica. Cada um dos grandes
blocos ideológicos buscava conquistar o maior número de aliados. Essa situação fez eclodir,
em quase todos os continentes, um espírito de nacionalismo que, mais tarde, por via de regra,
transformar-se-ia em ditaduras, através de golpes militares. Apenas para citar os mais
conhecidos da América Latina, no Brasil, temos Castelo Branco e Médici; no Chile, Pinochet;
na Argentina, Videla.
De 1945 a 1961, pairava, na política brasileira, um espesso e tenso ar, onde se
sucederam democracia e ditadura. O recrudescimento na política da Guerra Fria fazia-se sentir
também em terras brasileiras.
Resultante de uma política de propaganda bem articulada contra o governo de João
Goulart, mulheres católicas realizaram, no dia 19 de março de 1964, a “Marcha da Família
com Deus pela Liberdade”, que reuniu em torno de 500 mil pessoas (Barros, 1999). Logo
após o golpe de Estado daquele ano, foram realizadas “Marchas da Vitória” (Wanderley,
2003, p. 464). O Golpe foi apoiado pela grande maioria da hierarquia católica (Matos,
2003). Contudo, após os dois primeiros anos do regime de exceção implantado pela
ditadura, e tendo parte do clero sofrido perseguições e prisões, além do assassinato de sete
religiosos (Fonseca, 2002), a CNBB escreveu documentos, fazendo duras críticas ao
Regime (Wanderley, 2003). Em termos de influência pública, a Igreja Católica centrou-se
na crítica ao governo ditatorial, pelo desrespeito aos Direitos Humanos, à falta de liberdade
e de democracia, à política econômica concentradora de riqueza e ao beneplácito ao capital
estrangeiro (Barros, 2003a). As igrejas tornaram-se, então, em espaço privilegiado de
100
reflexão e de denúncias ao Regime
66
(Löwy, 1997; Souza, 2003).
A partir de 1968, com o Ato Institucional n° 5 e o conseqüente recrudescimento do
sistema repressivo, a Igreja Católica colocou-se ao lado dos perseguidos políticos. Foi
realizada, em Medellín, a II Conferência Episcopal Latino-americana. Os resultados dessa
Conferência foram importantes para o catolicismo brasileiro, na medida em que acentuavam
uma pastoral voltada às necessidades e à organização das populações empobrecidas do país.
Enfim, a Igreja imiscui-se nos movimentos sociais, motivada pela Teologia da Libertação.
Durante o governo do General Médici (1969-1974), foi criada a Comissão Bipartite,
na tentativa de amenizar as tensões entre o Estado ditatorial e a Igreja Católica (Matos, 2003).
Esse grupo foi idealizado e operacionalizado pelo general Antônio Carlos Muricy,
reconhecidamente católico. Nas reuniões dessa Comissão, eram discutidos assuntos e
propostas soluções que procurassem diminuir os conflitos entre as duas instituições. Para o
historiador Serbin, representava a “‘conciliação da elite’, onde ‘homens poderosos, levados
pela fé e pelo desejo de exercer poder e influência, juntaram-se para prevenir um conflito
aberto, que poderia ter sérias implicações para a sociedade brasileira’” (Serbin apud Fonseca,
2002, p. 95).
No Brasil, a década de 1980 presenciou dois fatos relevantes para nosso estudo. O
primeiro foi o surgimento do Partido dos Trabalhadores – PT, para onde confluíram várias
tendências, intelectuais, movimentos sociais e sindicatos. Parte da militância católica aderiu a
66
Essa não era, contudo, uma posição homogênea do episcopado brasileiro. Dom Ângelo Rossi,
arcebispo de São Paulo (1964-1970), era considerado um dos poucos, embora importantes, apoiadores
do Regime. Como arcebispo, fazia reduzido empenho em criticar os militares. Celebrou missas para
comemorar o golpe de Estado e, durante visitas ao exterior, declarava que os relatórios sobre torturas
no Brasil eram exagerados. Contudo, no final de 1970, ele foi “convidado” a ocupar um posto no
Vaticano e que nomeou para o seu lugar, dom Paulo Evaristo Arns, grande defensor dos direitos
humanos (Löwy, 1997).
101
essa nova proposta partidária (Souza, 2003).
O segundo fato relevante encontra-se na visita do Papa João Paulo II ao Brasil. Meio
ano após sua visita, o Pontífice escreveu uma carta, advertindo os bispos brasileiros sobre sua
acentuada atuação social. Dentro do episcopado brasileiro, alguns bispos questionavam o
envolvimento político da CNBB. Assim, “a Teologia da Libertação é colocada sob suspeita,
até mesmo com o respaldo de documentos emanados da Congregação Romana para a
Doutrina da Fé (1984)” (Matos, 2003, p. 235).
Com o processo de redemocratização do país, com a campanha das Diretas Já, em
1988, o país inaugurou uma nova fase. Um dos primeiros passos foi a instauração de uma
Assembléia Constituinte, sendo que, acerca do papel da Igreja nesse contexto, está claro que a
instituição religiosa
teve ativa participação em todo esse processo. A partir de estudos
fecundos, ela conseguiu mobilizar milhões de pessoas, por meio de
eventos e assinaturas em projetos encaminhados ao Congresso
Nacional, participando de articulações com outras instituições
importantes e aglutinadas no Plenário Pró-Participação Popular,
discutindo propostas com os Constituintes diretamente na sede da
Conferência em Brasília e em outros espaços (Wanderley apud Matos,
2003, p. 238).
2. 3. 1 Igreja Católica e Movimentos Sociais
A partir da década de 1950, e particularmente da década de 1970 em diante, a Igreja
Católica redimensionou a sua atuação religiosa que, por conseguinte ensejou uma nova
participação na vida pública e política. Notar-se-ia a presença pública da Igreja não apenas
102
nas manifestações críticas ao regime ditatorial e em defesa dos Direitos Humanos, mas,
sobretudo, por transformar-se numa Igreja “invisível”
67
. Sua presença pública fazia-se
perceptível naqueles momentos em que a população das periferias se organizava e
reivindicava. De modo geral, a Igreja Católica ensejou e fecundou uma multiplicidade de
Movimentos Sociais (Löwy, 1997). Ao lado de sua posição detratora da ditadura, essa foi a
característica mais importante dessa Igreja nas décadas de 1970 e 1980
68
. Juntamente com as
Comunidades Eclesiais de Base
69
– CEBs –, muitos outros Movimentos Sociais surgiram do
seio da Igreja ou foram por elas motivadas. Entre estes Movimentos Sociais, podemos citar o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST – como um dos mais importantes.
Uma vasta gama de iniciativas e ações que “priorizavam mais questões de ética política e
menos de assuntos doutrinários e litúrgicos, mostrava com clareza o evoluir das mudanças
iniciadas pela hierarquia eclesiástica” (Esquivel, 2003, p. 213) nas décadas de 1950 e 1960.
A explicação para tal relação entre Igreja, sociedade e política pode-se depreender de
alguns fatos ocorridos no interior da própria Igreja. Acima, vimos como, especialmente desde
a década de 1950, a Igreja procurou reorganizar-se, dinamizando a vida das comunidades
religiosas a partir da Ação Católica e suas ramificações. É preciso ressalvar que nem sempre
67
Para além de as CEBs estarem espalhadas pelo Brasil e, nesse sentido, encontrarem-se “em todo e
em nenhum lugar”, a reflexão feita no interior dessas comunidades procurava estimular seus adeptos a
uma prática política que os conduzisse a “participar anonimamente nos sindicatos, partidos e
associações laicas” (Steil, 1998, p. 64).
68
Para Löwy (1997), a posição enérgica da CNBB foi um dos importantes fatores que levou os
militares a considerarem a possibilidade de implantar uma gradual e controlada democratização no
final dos anos 1970.
69
No catolicismo, durante as décadas de 1970 e 1980, a Igreja Católica conheceu um grande re-
avivamento interno. A partir do Concílio Vaticano II e de Puebla, o catolicismo foi conduzido por uma
ala progressista, que fomentou e possibilitou o surgimento de inúmeros grupos conhecidos como
CEBs. “No mesmo período, certos bispos católicos, ligados ao projeto Igreja/Povo de Deus,
influenciaram politicamente a transição democrática. Por meio da politização de categorias religiosas,
interpelavam os poderes políticos sem usurpar o espaço propriamente político” (Novaes, 2002, p. 66).
103
havia uma relação amistosa, fraterna e solidária no interior da instituição eclesiástica. Mesmo
assim, em meados de 1960 a 1970, as CEBs experimentaram um grande incremento, sendo
articuladas, por meio delas, lutas concretas contra as desigualdades sociais. Essas
comunidades foram motivadas pelo Concílio Vaticano II, pelo encontro em Medellín e, mais
tarde, de Puebla. De qualquer forma, nessa fase, a Igreja Católica manteve um relativo
diálogo com a realidade social brasileira, de forma que, ao imiscuir-se na realidade,
influenciou e por ela foi influenciada, gerando uma fecunda cooperação com os Movimentos
Sociais.
Importa ressaltar a significativa presença da Igreja junto aos referidos Movimentos.
Alguns exemplos dessa inserção merecem registro especial, como o Movimento do Custo de
Vida, iniciado em meados dos anos de 1970, que culminou, em 1978, com um Encontro
Nacional de Luta Contra a Carestia; o Movimento de Transporte Coletivo, que esteve presente
em várias capitais dos estados brasileiros; o Movimento de Luta Contra o Desemprego e
movimentos reivindicativos com relação à moradia (Doimo, 1992).
A importância da Igreja Católica, através das CEBs, em todo esse processo de
organização e fortalecimento dos Movimentos Sociais foi assim descrita por Doimo:
Em todos os exemplos que foram levantados, as CEBs da
Igreja Católica serviram de base para a criação de grupos de referência
que cumprem a função de: motivar as pessoas à ação reivindicativa;
acionar as redes sociais locais para fins organizativos; estimular a
participação de todos nas decisões e nas etapas de luta; enfim,
canalizar e processar os dados e informações para a realimentação do
grupo de interesses aí formado (Idem, Ibidem, p. 282).
Além destes registros, a nós interessa sublinhar a mudança da compreensão da Igreja
Católica sobre sua busca em influenciar a sociedade e o Estado. Como atestam as teses de
Ricardo Mariano (2001) e Alexandre Fonseca (2002), o Brasil passou de um período de
104
monopólio da Igreja Católica para uma relação de secularização, isto é, de separação entre as
esferas religiosa e estatal. A nosso ver, com esse processo de separação jurídica entre o Estado
e a Igreja, o poder de influência da religião sobre o Estado não foi, efetivamente, anulado.
Em que pesem as lógicas diferenciadas que regulam o
funcionamento de cada esfera, é indubitável que, em vários períodos
históricos, houve uma instrumentalização da Igreja por parte do
Estado e vice-versa. Embora estejamos frente a duas instituições
irredutíveis, os pontos de justaposição tornam difusas as fronteiras
entre o campo político e o campo religioso (Esquivel, 2003, p. 220).
Assim, a Igreja Católica possuía uma concepção que lhe permitiu ver qualquer ação
como fundamentalmente política. Tal percepção conduz-nos a concluir que, no discurso e na
prática da Igreja Católica junto às classes populares, houve a diluição da especificidade da
esfera política, que resulta no obscurecimento das fronteiras entre a sociedade civil e o Estado
(Doimo, 1992).
No final dos anos 1980 e, sobretudo, na década de 1990, as CEBs entraram em crise
(Novaes, 2002). Essa crise ocorreu não apenas por questões internas da Igreja Católica com o
“movimento restaurador” capitaneado por João Paulo II, mas também pelas mudanças na
política e na sociedade internacional (por exemplo, a queda do Muro de Berlim
70
) e brasileira
(como o movimento de democratização e pelas eleições diretas para Presidente). Novaes
70
O Muro de Berlim é considerado o símbolo de um país dividido em dois por força de regimes
políticos diferentes. De um lado, estava a República Federal Alemã e, de outro, a República
Democrática Alemã. Dividindo a cidade de Berlim e a própria Alemanha ao meio, o referido muro
simbolizava, também, um mundo dicotomizado em dois blocos: o Ocidental, formado por nações
democráticas, e o do Leste, composto por países alinhados com o regime soviético
.
A Alemanha foi dividida pelo muro de Berlim na madrugada do dia 13 de agosto de 1961. A
construção era fortemente vigiada e dele faziam parte gradeamento metálico, torres de observação,
redes metálicas eletrificadas com alarme, cães de guarda e soldados com instruções de impedir quem
tentasse ultrapassá-lo, seja pelo aprisionamento, seja pela morte. Em 9 de novembro de 1989, ocorreu
a queda do muro em questão, simbolizando a reunificação da Alemanha, assim como a extinção do
mundo dividido em dois blocos (Muro de Berlim, s.d.)
105
aponta como uma das causas da crise o fato de muitos agentes de pastoral tornarem-se parte
dos quadros dos partidos, associações e sindicatos. “Neste novo contexto, as dificuldades de
se conciliar a lógica própria do pertencimento religioso e do fazer político produziram
‘autocríticas’ sobre a ‘instrumentalização política da fé’ e demandas de maior atenção ao lado
espiritual” (Novaes, 2002, p. 68). Já para Steil (1998), as CBEs passaram por um processo
mais de consolidação do que efetivamente por um encolhimento. De qualquer forma, “o que
se pode constatar, hoje, é que esta vertente da Igreja Católica produziu quadros e tem sua
influência na construção do espaço público” (Novaes, 2002, p. 70).
A seguir, nossa atenção estará voltada à emergência do protestantismo no Brasil, que,
além de diversificar o campo religioso do país, também teve atravessamentos na esfera
política brasileira.
2. 4 P
ROTESTANTISMO E POLÍTICA
Inicialmente, retomaremos, de forma sucinta, a história do protestantismo de
imigração e de missão para, em seguida, abordarmos os aspectos históricos do
pentecostalismo, relacionando-os com a política.
2. 4. 1 Protestantismo Histórico e Política
Vimos que, ao longo da história do Brasil, os protestantes de imigração adquiriram
status de cidadãos somente após a proclamação da República. Isso significa que, somente
depois de três quartos de século nas terras do Império brasileiro, os protestantes foram
considerados aptos a participarem da vida política do país. Certamente essa realidade trouxe
106
consigo marcas para o auto-entendimento do significado de ser brasileiro para as
comunidades de imigrantes e seus descendentes.
Como já assinalamos, os imigrantes (protestantes ou não) foram trazidos ao Brasil em
decorrência da necessidade de mão-de-obra e de povoamento nas regiões de fronteiras. Se
estes se constituíram nos dois mais importantes motivos do empreendimento brasileiro para a
vinda de alemães e italianos no primeiro quarto do século XIX, não devemos esquecer um
outro fator. Os imigrantes foram trazidos ao Brasil em oposição aos negros (Dreher, 1984,
1998b), o que estava de acordo com a política de branqueamento em vigor na época. Além do
contexto jurídico a que os imigrantes estavam submetidos, agregou-se um elemento integrante
da ideologia brasileira de então: a necessidade de branqueamento da população. Ou seja, o
ambiente era de rejeição ao negro, visto como desqualificado. De forma semelhante, os
imigrantes desqualificavam os portugueses que, por sua posição social, não trabalhavam na
terra. Em outras palavras, em parte, os imigrantes tinham a visão de que vieram ao Brasil para
qualificá-lo, trazer o progresso e a modernidade (Dreher, 1985). Esse contexto jurídico-
ideológico, que se manteve por praticamente um século, certamente deitou raízes profundas
no auto-entendimento do significado de cidadania por parte da população protestante aqui
chegada.
Como já vimos acima, algo parecido ocorreu com o protestantismo de missão. O
protestantismo missionário instalou-se no Brasil com os metodistas (1835-1847, e
definitivamente, em 1867), congregacionalistas (1855), presbiterianos (1862) e outros. Aqui,
ligou-se ideologicamente ao projeto liberal, sobretudo uma via pela qual pôde explicitar seu
anti-catolicismo. Dessa forma, com exceções, o citado protestantismo não se engajou no
projeto abolicionista brasileiro, que era de caráter francamente liberal. Parte desse
protestantismo era, teologicamente conservador demais para afinar-se com um movimento
abolicionista (Fischer, 1989). De qualquer forma, o protestantismo de missão foi mais ativo
107
na vida política que o protestantismo das colônias alemãs, imigradas no início do século XIX.
Uma das razões para tanto foi o fato de que imigrantes alemães luteranos não faziam
proselitismo, pois não vieram ao Brasil motivados pela questão religiosa, mas por razões
econômicas.
Enquanto isso, o protestantismo de missão, fundamentalmente proselitista, irritava a
hierarquia católica, que procurou defender seus interesses institucionais tentando inviabilizar,
de todas as maneiras, o trabalho dos missionários estrangeiros. Essa tensão chegou às raias da
perseguição e foi tão altissonante que, em 1890, um ano após a proclamação da República, os
protestantes de missão criaram a Liga Evangélica, visando “defender seus direitos civis, que
estavam sendo contestados pelo clero católico” (Mariano, 2001, p. 144). Além disso, vale
registrar que o estilo aguerrido e proselitista de alguns missionários estava ligado à ideologia
do Destino Manifesto
71
, de concepção norte-americana. Os adeptos dessa teologia entendiam
a religiosidade brasileira como sendo composta por idólatras e ignorantes em termos
religiosos. A seu ver, fazia-se necessária a correção de sua postura religiosa, a fim de alcançar
um futuro de maior sucesso (Mafra, 2001).
Apesar desses conflitos inter-religiosos, e a exemplo do catolicismo, o protestantismo
experimentou um grande crescimento no início do século XX. Em 1889, existiam oito igrejas
batistas, com um rol de membros de aproximadamente 300 pessoas. Já em “1895, o número
de igrejas dobrava para 16, tanto quanto o de membros, que atingiu 784; em 1907, eram 83
71
A expressão “Destino Manifesto” apareceu, pela primeira vez, na década de 1840 e foi utilizada por
John O'Sullivan. Trata-se de uma retomada da idéia calvinista do chamado divino, segundo a qual Deus
concede sabedoria aos eleitos para o entendimento da sua palavra e oferece-lhes prosperidade material já
na vida terrena. A ideologia do Destino Manifesto difundiu-se nos Estados Unidos e caracterizava essa
nação como uma espécie de novo povo eleito por Deus, encarregado de conquistar e submeter todas as
demais nações. Nesse sentido, a doutrina do Destino Manifesto foi largamente utilizada na promoção da
campanha expansionista norte-americana (Carvalho, 2002. Veja-se, também: Estados Unidos, s.d.).
108
igrejas e 4.201 membros” (Idem, Ibidem, p. 27).
Com relação aos direitos civis, os protestantes viram pelo menos parte de suas
reivindicações atendidas com o advento da República e em decorrência da Constituição de
1891. Mesmo que não de forma homogênea, os protestantes puderam ter os nascimentos e os
casamentos reconhecidos perante o Estado. Não havia mais empecilhos legais para a
participação política dos protestantes, que, ainda assim, era mínima. Restringia-se a disputas
municipais e estaduais (Freston, 1994b). Para os luteranos do Rio Grande do Sul, a inserção
na vida política tornou-se mais difícil após a Revolução Federalista, que iniciou em 1893, pois
haviam se aliado ao Partido Liberal, que acabou sendo derrotado pelo Partido Republicano.
Assim, “os teutos retiravam-se completamente da vida política” (Dreher, 1984, p. 42). Por
conseguinte, os protestantes estavam praticamente ausentes da política institucional em toda a
fase da República Velha (1889-1930).
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, vimos que a Igreja Católica ampliou sua
influência pública. Igreja e Estado estreitaram as relações. Diante da possibilidade de uma
nova Carta Constitucional, os protestantes, principalmente os presbiterianos, articularam-se a
fim de angariar algum espaço público. A Igreja Católica havia conseguido autorizar a
implantação do ensino religioso nas escolas públicas, o qual, na prática, constituía-se em um
espaço reservado para o ensino da religiosidade católica. Em 1931, os evangélicos articularam
uma Confederação Evangélica e, em maio de 1932, apresentaram um Memorial à sociedade
brasileira. A partir de um espírito anticatólico, o Memorial inclinava-se para um esquerdismo
moderado. “Nunca houve outro pronunciamento político tão abrangente por parte de um
grupo representativo de líderes evangélicos brasileiros”, afirma Freston (1994b, p. 21).
Esse momento histórico fez florescer, no seio dos protestantes, a candidatura do
“único constituinte evangélico em 1933-34 e em 1946” (Idem, Ibidem, p. 22), Guaracy
109
Silveira. Tratava-se de um pastor metodista, o qual vinha de uma família aristocrática
decadente. Elegeu-se pelo Partido Socialista Brasileiro e “defendia o Estado laico, o divórcio,
a livre sindicalização, o salário mínimo e a nacionalização das jazidas de minérios” (Idem,
Ibidem, p. 22). Percebe-se que possuía um viés liberal, embora também nacionalista. Depois
dele, e animados pelo seu exemplo, outros 29 evangélicos lançaram-se candidatos a deputado
federal ou estadual no ano de 1934 (Freston, 1994b; Souza, 2003).
A partir de 1946, efetivou-se novo período democrático no Brasil. Novamente
Guaracy Silveira tomou assento na Assembléia Legislativa. Contudo, a situação política e
social no Brasil mudara consideravelmente:
A comunidade evangélica havia crescido, e a Igreja Católica
estava mais fraca politicamente. Outro inimigo parecia mais
ameaçador: o comunismo. “Entre o comunismo... e a Igreja
Católica..., preferi unir-me ao catolicismo, na aprovação das emendas
religiosas... Era de meu dever cooperar com a Igreja Católica...
concedendo-lhe todos os meios de que necessitasse para levantamento
do nível moral” (Silveira apud Freston, 1994b, p. 23-24).
Em 1947, vários protestantes elegeram-se deputados estaduais e vereadores. Em 1950,
os protestantes elegeram sete deputados federais. O número de políticos protestantes chegou a
10 deputados em 1963 (Souza, 2003). Alguns deles obtinham apoio de lideranças das igrejas
históricas, “mas nenhum tinha o endosso oficial de qualquer igreja” (Freston, 1994b, p. 25).
2. 4. 2 O Protestantismo na Ditadura
De modo geral, as igrejas do protestantismo histórico calaram-se diante do Golpe.
Inicialmente, apenas a Igreja Metodista manteve alguma abertura em seus meios de
comunicação para tratar de assuntos relacionados a questões sociais e políticas, mas somente
110
até 1968, quando recrudesceu o sistema de repressão.
Em contrapartida, tanto a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) quanto a Igreja
Presbiteriana Independente (IPI) comprometeram-se, totalmente, com o golpe militar de 1964,
“por causa das ligações dessa igreja [a IPI] com a classe média e por causa do prestígio que
gozava nos meios políticos e militares” (Araújo apud Freston, 1994b, p. 25).
Conforme Freston (1998), a única igreja protestante a contestar publicamente o
Regime Militar foi a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Como,
há muito, o quadro institucional de pastores vinha sendo formado por brasileiros, pouco
a pouco, surgia uma preocupação com a situação sócio-política do país. Muitos foram os
fatores que contribuíram para uma crescente consciência política nessa igreja,
destacando-se circunstâncias políticas internacionais (como a II Guerra Mundial) e
nacionais (como o governo de Getúlio Vargas e a política de nacionalização adotada).
As reflexões havidas no seio da IECLB no contexto do pós-Guerra serviram para avaliar
sua relação com a política até então, bem como para construir um nova visão sobre esse
intercâmbio. Porém, a visibilidade pública dessa maior consciência política ocorreu
apenas a partir do cancelamento da 5º Assembléia Geral da Federação Luterana Mundial
(FLM), em 1970, prevista para acontecer no Brasil, sob os auspícios da IECLB. A
transferência do citado evento para outro país deu-se em função de uma retaliação da
FLM ao Regime Ditatorial e da postura omissa da IECLB em relação aos direitos
humanos, bem como de temores quanto à segurança dos visitantes. Desse episódio
resultou o Manifesto de Curitiba, o qual foi entregue ao Presidente Médici. A
transferência da 5º Assembléia representou uma grande decepção aos luteranos
brasileiros. Contudo, serviu para que a hierarquia referendasse o que há muito alguns de
seus clérigos progressistas denunciavam. Assim, esse Manifesto não espelhou uma
opinião homogênea na Igreja. “O Manifesto foi resultado da atuação de um grupo de
111
pressão crítica. Sem dúvida, os brios ofendidos ajudaram a maioria da liderança a
concordar com tal documento” (Idem, Ibidem, p. 65).
Dessa forma, a IECLB foi a única Igreja protestante a contestar oficialmente a repressão e,
“cronologicamente, não ficou atrás da CNBB nesse sentido” (Idem, 1994b, p. 27). Para prosseguir
em seu projeto de contestação, já em 1970, a liderança dessa Igreja via como fundamental aliar-se
à Igreja Católica, a fim de adquirir mais representatividade e obter maior respaldo. Essa aliança
não deixou de trazer conflitos internos, sempre administrados, sendo evitados rompimentos ou
cismas. O modelo deste protestantismo é bastante diverso do encontrado nos primórdios do
Império brasileiro. Para Freston, a IECLB é “o único grande grupo protestante no Brasil que é
igreja no sentido sociológico”, com posturas e conflitos “próprios de uma igreja” (1998, p. 62-63).
Conforme Freston (Ibidem), no início do regime militar houve uma clara tendência do
protestantismo em favor da ditadura. Contudo, após 1966, ocorreu um equilíbrio entre
tendências favoráveis e contrárias ao governo. De 1966 até 1984, 34 políticos protestantes
filiaram-se ao partido governista ARENA/PDS e 34 legisladores protestantes atuaram no
MDB, bem como em outros partidos de oposição. Destes legisladores, a maioria encontrava-
se ligada à Igreja Presbiteriana e à Batista (Souza, 2003).
Na seqüência, ocupar-nos-emos com o segmento religioso que interessa diretamente
ao nosso estudo, procurando, em primeiro lugar, situá-lo quanto ao seu processo histórico em
terras brasileiras.
2. 4. 3 Evangélicos Pentecostais: Aspectos Históricos
O movimento pentecostal teve seu início em 1906, em um templo metodista dos EUA.
Em seu interior, aglutinaram-se negros e brancos em torno de vigílias de oração, visando
112
alcançar o batismo no Espírito Santo, caracterizado pelo falar em línguas estranhas. Contudo,
a confluência étnica em torno da experiência religiosa durou pouco tempo. A realidade sócio-
política em que os negros viviam os fez unir a experiência religiosa com a experiência da luta
político-racial. Assim, a partir de 1908, os brancos afastaram-se dos negros e cultivaram
somente a experiência da oração e dos cultos. Os brancos exercitaram apenas a experiência
religiosa como projeto de vida. E é exatamente essa forma de viver a religiosidade que se
espalhou pelos EUA, pela América Latina e pelo Brasil (Rolim, 1994).
Os primeiros missionários que anunciaram o batismo no Espírito Santo trouxeram
consigo a experiência religiosa da oração e de cultos. Apesar de conviverem com evangélicos
da periferia de Belém do Pará, não possuíam a experiência da luta política sócio-racial a partir
do âmbito religioso (Idem, Ibidem).
Conforme Freston (1994a), o pentecostalismo pode ser compreendido como a história
das três ondas. A primeira onda é identificada com a década de 1910, iniciando com a
implantação da Congregação Cristã, em 1910, e da Assembléia de Deus, em 1911, tendo
como ênfase o uso dos dons, principalmente a glossolalia, que servia de atestado do batismo
do Espírito Santo. Diversos fatores contribuíram para favorecer mudanças no cenário
religioso religioso, como descrito a seguir:
Como pistas para explicar o surgimento dessas ondas nos
momentos indicados, Freston considera: 1) a década de 10 como
momento da ‘origem mundial e expansão do pentecostalismo para
todos os continentes’; 2) os anos 50 marcando o início da urbanização
‘e a formação de uma sociedade de massas’ possibilitando ‘um
crescimento pentecostal que rompe com as limitações dos modelos
existentes’, e cujo estopim é a implantação da Igreja do Evangelho
Quadrangular; e 3) o final dos anos 70 e início de 80, quando após a
modernização autoritária do país (e neste período, a população urbana
atingiu 2/3), o modelo econômico exaurido torna evidentes os traços
de violência e populismo - sobretudo no Rio de Janeiro, onde esta
terceira onda teve início (Barros, 1995, p. 12).
113
A Assembléia de Deus foi iniciada pelos suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg
72
.
Saíram dos EUA como missionários, chegaram ao Brasil em 19 de novembro de 1910 (Mafra,
2001) e, em junho de 1911, fundaram a Assembléia de Deus juntamente com um grupo
dissidente de evangélicos batistas. Da região Norte do país, a Assembléia de Deus espalhou-se
pelo Nordeste levada pelos migrantes pobres, chegando, mais tarde, à região Sudeste. Para
Rolim (1994), o avanço da religiosidade pentecostal ocorreu por ter encontrado entre os
nativos uma forte religiosidade mágica proveniente do catolicismo popular. Outra razão
importante apontada por este autor seria a ausência de acompanhamento da Igreja Católica na
vida das massas empobrecidas.
O crescimento deu-se de forma rápida. Em 1915, a Assembléia de Deus encontrava-se
em três estados brasileiros, um da região Norte e dois no Nordeste. Em 1920, estabelecia-se
em nove estados da Federação; em 1925, em quinze estados, atingindo, em 1930, vinte
estados (Freston, 1994a, 1994c). Já nos anos de 1940, a Assembléia de Deus encontrava-se
em todos os estados da Federação (Rolim, 1985).
O fato da Assembléia de Deus ter iniciado no Brasil pelas mãos de dois imigrantes
suecos não ficou sem deixar expressivas marcas. Os missionários suecos vinham de um país no
qual eram marginalizados em termos religiosos. Em vista disto, essa minoria desprezava o clero
culto e teologicamente liberal dos luteranos de seu país. Assim, “eram portadores de uma
religião leiga e contracultural, resistentes à erudição teológica e modesta nas aspirações sociais”
(Freston, 1994a, p. 78). Essa condição sócio-cultural moldou estes missionários, o que, tanto em
seu país de origem quanto no Brasil, traduziu-se em uma postura de humildade, aceitando o
72
Berg era um operário qualificado que trabalhou como fundidor para sustentar a ele e a Vingren,
enquanto este último aprendia português (Freston, 1994c).
114
sofrimento, o martírio como inerente à vida, sabendo-se culturalmente marginalizados em um
país predominantemente católico. Assim como em seu país de origem, os missionários suecos
rejeitavam a necessidade de um clero bem preparado quanto a sua teologia, centrando seu foco
em pessoas amplamente versadas na Bíblia
73
. Ou seja, a centralidade do conteúdo teológico
estava no conhecimento bíblico, na articulação e na citação de versículos e na santificação da
vida (Mafra, 2001). Como sua base de atuação foi sempre entre aqueles que estavam
socialmente marginalizados e perseguiam as orientações bíblicas, eram severos no tocante aos
costumes
74
. Ou seja, em termos weberianos, eram portadores de uma ética com relação a
valores. Sua ênfase na santificação redundou na criação das Escolas Dominicais, que acabaram
se tornando centros de alfabetização, o que, certamente, atraía muitas pessoas das camadas
baixas da sociedade. Além disso, tornava cada membro um missionário em potencial, o que
possibilitava a criação de novas igrejas sem maiores problemas burocráticos, imprimindo nas
novas lideranças assim preparadas “traços dos movimentos messiânicos tão presentes no
arcabouço cultural nortista” (Idem, Ibidem, p. 33).
Assim, quanto à organização, a Assembléia de Deus é “uma complexa teia de redes
compostas de igrejas-mães e igrejas e congregações dependentes” (Freston, 1994a, p. 86).
73
Os seminários de preparação teológica resumiam-se às escolas bíblicas freqüentadas durante poucas
semanas, as quais não emitiam qualquer certificado. Somente em 1978 a Assembléia de Deus exigiu a
freqüência nas referidas escolas para a admissão ao pastorado (Freston, 1994a).
74
Atualmente, com a maior institucionalização da Assembléia de Deus, ela tende a arrefecer os seus
costumes, tornando-se mais assemelhada a igrejas de classe média. Isso tem gerado grande crise e
debates no interior das Assembléias de Deus. Esse fato está evidenciado na página da internet da
instituição, quando faz uma reflexão sobre a 37ª Convenção Geral das Assembléias de Deus, dizendo:
“Uma das principais controvérsias que têm norteado a liderança da igreja é principalmente a perda da
identidade nos usos e costumes que caracterizam as Assembléias de Deus como uma igreja
genuinamente pentecostal. A mudança na aparência do crente assembleiano, na liturgia dos cultos, nas
observâncias bíblicas para a consagração de obreiros, são problemas proeminentes que a igreja vem
enfrentando desde o final do século XX. Diariamente recebemos e-mails de várias partes do país,
cobrando dos líderes de nossa igreja a manutenção das características espirituais, do legado deixado
pelos nossos saudosos pioneiros na fé pentecostal” (http://www.cgadb.com.br).
115
Esse tipo de organização gera uma fragilidade nos órgãos máximos que procuram traçar
políticas para todas as congregações. No entanto, existe grande liberdade da parte de cada
congregação e de seus leigos na aceitação ou não dessas políticas. Evidentemente, esse
modelo produz muitas tensões e possibilita dissidências. A mais importante dessas divisões
foi a Assembléia de Deus de Madureira. Em vista das muitas tensões, Madureira foi excluída
da Convenção Geral das Assembléias de Deus em 1989
75
(Freston, 1994c).
Desde a década de 1980, a Assembléia de Deus experimentou cisões que originaram
diversos ministérios independentes e/ou convenções. As principais são:
a) Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil (CGADB): tem sua sede no
Rio de Janeiro, e composta por 48 Convenções (http://www.cgadb.com.br). Filiada a essa
Convenção, encontra-se a Assembléias de Deus - Ministério do Belém, com sede no bairro do
Belenzinho em São Paulo. É, tecnicamente, um ministério interno da CGADB
76
, e seu
presidente, pastor Wellington Bezerra da Costa, dirige ambas as instituições. Possui mais de
1.000 igrejas espalhadas por todo o território nacional. É ao Ministério Belém que se encontra
filiada a esmagadora maioria das Assembléias de Deus do Rio Grande do Sul;
75
Reportagem publicada no jornal Estado de S. Paulo, no dia 15/10/2001, noticiava que: “A
Convenção Nacional das Assembléias de Deus do Brasil (CONAMAD), que congrega pouco menos
da metade dos cerca de 16 milhões de fiéis dessa confissão no País, decidiu constituir um braço
político e indicar a seus seguidores, em 2002, candidatos a deputado, senador, governador e
presidente. O objetivo é ampliar a representação política e a influência da corrente, elegendo no
mínimo cinco deputados federais e dois senadores, e influir na eleição presidencial. Para o pleito
municipal de 2004, a meta é ambiciosa: eleger em todo o País 500 vereadores e 27 prefeitos
vinculados à Assembléia” [...]. “Para a eleição de 2006, a CONAMAD quer eleger, pelo menos, 30
deputados estaduais e 27 deputados federais”. (O Estado de S. Paulo, 2001).
76
Conforme estimativa da CGADB, no Brasil, esta organização conta com um:
Total de igrejas-sede: estima-se em 8.602
Total de membros: Estima-se em 12.800.000
Total de batizados: Estima-se em 672.565 em 93
Taxa anual de crescimento: A taxa se mantém, desde 1990, no patamar de 5,0 %
(http://www.cgadb.com.br).
116
b) Convenção Nacional das Assembléias de Deus do Brasil (CONAMAD): representa
27 Convenções regionais e tem como sua principal conveniada as Assembléias de Deus
conhecidas como Ministério Madureira. Possui sede no Bairro do Madureira no Rio de
Janeiro, sendo presidida pelo Bispo Manoel Ferreira;
c) Assembléia de Deus Betesda: dirigida pelo pastor Ricardo Gondim, entende-se
como uma Igreja missionária. Dados de 1998 indicam que possuía 72 igrejas em todo o
Brasil. (http://www.betesda.com.br).
Hoje, as Assembléias de Deus contam com 22 deputados federais, 38 deputados
estaduais e 1.010 vereadores (http://www.cgadb.com.br).
O início das atividades da Assembléia de Deus no Rio Grande do Sul é atribuído a um culto
celebrado pelo missionário sueco Gustavo Nordlund, da cidade de Lidkoping, ocorrido em 15 de
abril de 1924, em Porto Alegre. Nordlund veio ao Brasil, juntamente com a família, em fevereiro do
mesmo ano, mas permaneceu, inicialmente, por oito meses em Belém do Pará. A fundação oficial
da Assembléia de Deus no Rio Grande do Sul aconteceu em 19 de outubro de 1924, sendo que o
primeiro templo na capital gaúcha foi inaugurado em 20 de dezembro de 1925 (Conde, 2003).
As atividades da Assembléia de Deus expandiram-se muito rapidamente pela cidade
de Porto Alegre, bem como por todo o Estado. Devido ao grande número de membros, já em
20 de outubro de 1929, foi inaugurado um local mais amplo no lugar do primeiro templo
porto-alegrense. Em 1933, a denominação já contava com cinco congregações em Porto
Alegre (Conde, 2003). A Assembléia de Deus congrega, atualmente, 330.476 fiéis no Estado
do Rio Grande do Sul (IBGE, Censo Demográfico 2000).
A segunda onda do pentecostalismo ocorreu nos anos de 1950 e início da década de
1960. Neste período, surgiram a Igreja do Evangelho Quadrangular, em 1951; Brasil para
117
Cristo, a primeira a ser fundada por brasileiros, em 1955, e a Igreja Deus é Amor, em 1962,
todas acentuando o dom da cura (Oro, 1996).
Na década de 1950, o Brasil encontrava-se no auge do populismo. A urbanização
acelerava-se e havia um crescente interesse pela industrialização no país. Tomava conta do
país um acentuado interesse pelo progresso e a modernização do Brasil. Nesse contexto,
surgia, no campo pentecostal, um novo elemento, vindo por intermédio de missionários norte-
americanos: a Igreja do Evangelho Quadrangular.
Esta denominação pentecostal nomina-se como quadrangular, pois procura, através do
nome, evidenciar seus princípios básicos de fé, tendo como referência Jesus Cristo: o
Salvador, o Batizador, o Médico e o Rei. Essa Igreja foi fundada em torno do ano de 1918 por
uma canadense, Aimée Semple MacPerson. Nos EUA, a denominação conheceu rápido
crescimento, fruto do grande potencial de oratória da fundadora e do seu propagado poder de
realizar curas. As curas serão a marca registrada desse novo ramo do pentecostalismo. No
Brasil, a Igreja Quadrangular espalhou-se a partir de cruzadas de evangelização realizadas em
barracas de lona. Em 1951
77
, o missionário Harald Edwin Williams, que já vivia há algum
tempo no Brasil, uniu-se com Raymond Botright, passando a levar suas barracas de cidade em
cidade, primeiramente em São Paulo; depois, a outros estados. No final da década de 1960, as
barracas de cura divina já haviam alcançado as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Na
década seguinte, adentraram a região Nordeste do Brasil (Rolim, 1994).
Essa forma de evangelização itinerante centrada nas curas divinas tinha ainda outra
novidade. Botright, ex-ator de filmes de cowboy, embalava as evangelizações ao som de sua
77
De acordo com Freston (1994a), o início das campanhas em tendas de lona ocorreu somente a partir
de 1953. Já conforme a história oficial da Igreja Quadrangular, sua fundação ocorreu em 1951 (Igreja
do Evangelho Quadrangular de Santos Dumont, s.d.).
118
guitarra elétrica. O culto deixava de ser espaço de simplicidade para evocar signos de
modernidade, presente tanto nos cantos alegres quanto na vestimenta do pastor (Mafra, 2001).
As evangelizações causaram descontentamento entre pastores de muitas denominações, o que
levou Williams a fundar, em 1954, a Igreja da Cruzada, mudando, em seguida, seu nome para
Igreja do Evangelho Quadrangular (Freston, 1994a).
A Igreja Quadrangular foi a única denominação pentecostal fundada por uma mulher.
Talvez por isso seja ela menos repressora no que concerne à aparência e ao lugar da mulher na
igreja. Conforme Freston (Ibidem), 35% do rol de pastores era constituído por mulheres.
Atualmente, esse percentual subiu para 42% (http://www.quadrangularbrasil.com.br).
Ademais, na Igreja Quadrangular, o tradicional discurso pentecostal começou a mudar.
“O pecado e o inferno perdem a centralidade, em favor do apelo às necessidades sentidas de
cura física e psicológica” (Idem, Ibidem, p. 113). As rígidas regras comportamentais tornam-
se brandas. Havia também um maior planejamento das ações e um estilo de comunicação e de
estética de maior afinidade com o ambiente urbano e de massas (Mafra, 2001).
Nos anos 80 do século XX, a Igreja Quadrangular no Brasil experimentou um grande
crescimento, forçando um rompimento com a igreja-mãe de Los Angeles. Sua organização
burocrática é mais avançada que a da Assembléia de Deus e o ensino teológico foi sendo
reforçado, mostrando a preocupação “em generalizar o conhecimento formal” (Freston,
1994a, p. 114). Isso repercutiu no seio da membresia da Igreja Quadrangular, uma vez que o
nível social médio de seus membros é ainda bem superior aos registrados em outras igrejas
pentecostais (Idem, Ibidem).
Atualmente, a Igreja Quadrangular encontra-se instalada em 107 países. Conforme
dados da própria Igreja, em 2001, ela possuía 6.977 templos, salões e tabernáculos de madeira
espalhados pelo Brasil. Além disso, conta com 3.988 congregações ou pontos de pregação.
119
Este último número refere-se a lugares onde existem cultos e reuniões de membros sem,
contudo, possuir uma estrutura material própria. Além disso, conta com 234 instituições
ligadas ao ensino teológico para seus membros (http://www.quadrangularbrasil.com.br). No
Rio Grande do Sul, a Igreja Quadrangular congrega 108.748 adeptos (IBGE, Censo
Demográfico 2000).
A terceira onda do pentecostalismo brasileiro ocorreu a partir da segunda metade dos
anos de 1970 e na década de 1980, tendo como sua principal representante a Igreja Universal
do Reino de Deus (1977) e, com menor representatividade, a dissidente da anterior: a Igreja
Internacional da Graça de Deus (1980) (Freston, 1994a). Trata-se de Igrejas
fundamentalmente cariocas, iniciadas no período ditatorial do Brasil, que crescem em meio à
estagnação econômica da década de 1980 (Idem, Ibidem). Sua grande distinção em relação às
duas ondas anteriores é que, sobretudo a Igreja Universal, centra sua pregação no exorcismo,
no donativo e numa ambiciosa estratégia midiática. Esta última onda é também conhecida
como neopentecostalismo (Oro, 1996).
Quanto à organização eclesiástica, a Igreja Universal segue um modelo episcopal. A
Universal é uma Igreja que cresceu nos meios urbanos e possui uma estrutura centralizada.
Esse fato também a ajudou a ter uma organização bem planejada e ousada. Ademais, sua
centralização organizacional permite-lhe grande flexibilidade e constante inovação, além de
uma boa adaptação à cultura urbana moderna. Possui um estilo de mensagem agonística e que
garante uma interlocução bastante grande com o meio cultural onde se coloca (Mafra, 2001).
Fundamentalmente, sua mensagem religiosa é individualista. As mazelas humanas são
entendidas como sendo conseqüências da interferência de espíritos malignos na vida das
pessoas. Este pentecostalismo agonístico elegeu, em primeiro lugar, as religiões afro como
demoníacas e, em segundo lugar, o catolicismo como idólatra, em virtude de sua veneração
aos santos. Além disso, alimenta, em seus fiéis, o desejo do enriquecimento, em parte fundada
120
na fidelidade a Deus, tornada material por intermédio de contribuições à Igreja Universal; em
parte pela sua insistente pregação baseada na fuga do trabalho assalariado, estimulando os
fiéis a serem seus próprios patrões (Freston, 1994a).
Com essa mensagem, a Igreja Universal amplia
as possibilidades para que os conversos vivam a nova adesão religiosa
como um processo. Não é mais tanto o pastor ou o corpo de fiéis – a
congregação – que ensina e guia de perto as opções abertas para o
novo converso; ele mesmo vai adequando sua nova postura até, como
dizem no meio pentecostalizado, se ‘sentir bem’. Assim, o campo de
negociação, o que deve ser recusado ou aceito, o que tem valor de
persuasão e o que deve ser combatido porque se revela ilusório, tende
a responder a um diálogo entre a trajetória pessoal e o imaginário
cosmológico pentecostal (Mafra, 2001, p. 45).
A estrutura centralizada substituiu o ímpeto missionário calcado sobre leigos, por uma
estratégia bem articulada, presente em mais de 46 países e possuidora de mais de 3.000
templos (http://www.correiodabahia.com.br). A denominação é encontrada em, no mínimo,
10 países da América Latina, nos EUA, em vários países da África e da Europa, tendo
chegado até mesmo à Ásia (Mafra, 2001). No Rio Grande do Sul, a Igreja Universal reúne
103.322 adeptos (IBGE, Censo Demográfico 2000).
Ademais, a centralidade organizacional da Igreja Universal, calcada sobre o Bispo
Edir Macedo, permite uma disciplina eleitoral que tem sido um modelo perseguido por outras
denominações. A relação dessa Igreja com a política é fundamentalmente pragmática,
colocando para seus fiéis a necessidade da Igreja Universal defender seus interesses (Freston,
1994a), assumindo uma posição de perseguida, em virtude de ser portadora das “verdades
evangélicas”. Essa posição messiânica, persecutória e agonística lhe confere legitimidade
diante de seus fiéis.
Sua atuação política pragmática a faz posicionar-se em apoio a candidaturas
121
conservadoras e de grande hostilidade à esquerda. Aliás, nesse quesito, segue o mesmo
caminho que as outras Igrejas evangélicas. A mudança com relação à esquerda alterou-se
somente nas últimas eleições presidenciais (2002), o que novamente evidencia seu enorme
pragmatismo.
De todas as denominações pentecostais surgidas no Brasil, essas três – Assembléia de
Deus, Quadrangular e Universal - são as mais significativas para nosso estudo.
Posto isto, cabe sublinhar que nosso universo de pesquisa inclui denominações das três
fases advogadas por Freston. Evidentemente, essas denominações não permaneceram
imutáveis ao longo dos anos. Contudo, veremos que, no mínimo, no caso específico em
estudo, isto é, a relação entre a política e as religiões pentecostais, essas três Igrejas não
podem ser consideradas uma e a mesma coisa.
As Igrejas da segunda onda seguem, umas mais que outras, os principais elementos
doutrinários e ritualísticos do pentecostalismo histórico, ou, como sugere Freston, da primeira
onda. A terceira onda é a que apresenta maiores idiossincrasias dentro do mundo pentecostal.
Faz-se importante lembrar que essa diferenciação nem sempre é nítida, pois o pentecostalismo
clássico e aquilo que é chamado de neopentecostalismo acabam por influenciar-se
mutuamente
78
(Mariz, 1996). De qualquer forma, uma das importantes características da
Igreja Universal em relação às denominações da segunda onda constitui-se na transferência do
carisma de um líder para a instituição religiosa (Mafra, 2001; Oro, 2001c).
78
A. Corten, cientista social que estuda o discurso como um fato, escreve: “Diferentes vagas de
igrejas pentecostais podem ser distinguidas. A sua maneira de incitar à devoção não se distingue pelas
audácias doutrinais, mas pelos novos modos de suscitar e gerar as emoções” (1996b, p. 45). Em outras
palavras, a performance dos atores religiosos constitui-se em um dos elementos de maior identificação
e/ou diferenciação entre ondas do pentecostalismo. Nessa mesma linha, Mariz aponta para uma
crescente “permeabilidade das fronteiras entre as diferentes igrejas” (1996, p. 172).
122
A única denominação pentecostal que, desde o início, envolveu-se com a política é a
Igreja Brasil Para Cristo (BPC). Essa instituição religiosa, fundada em 1955, elegeu Levy
Tavares como deputado federal pela legenda do PSD. Com o Golpe Militar, ele ingressou no
MDB, reelegendo-se em 1966. Entretanto, não conseguiu mais legitimar sua candidatura entre
os líderes da BPC. Em 1970, tentou a re-eleição, sem obter sucesso (Freston, 1994b).
2. 4. 4 Pentecostais e sua Mudança em Relação à Política
A política institucional invadiu as igrejas a partir da Assembléia Nacional Constituinte
de 1986. Até aquele momento, as igrejas pentecostais mantinham um baixo interesse pelo
tema, condenando-o, inclusive. Como vimos, as igrejas evangélicas históricas elegeram
alguns deputados após 1930. Um metodista foi eleito para a Constituinte de 1934; e outro, em
1946. A partir de 1986, houve um constante crescimento no número de deputados estaduais e
federais, bem como um incremento do número de igrejas inseridas nesse novo campo. A
novidade ficou por conta tanto da quantidade de políticos evangélicos quanto da qualidade
dos mesmos. Como afirma Freston (1992), nesse período é gestado um novo tipo de político
evangélico, bem como estratégias específicas de ação parlamentar.
Para Rolim (1994), os interesses particulares das denominações pentecostais
sobrepuseram-se aos de cidadania e de uma visão política mais ligada aos problemas sociais
trazidos pela própria estrutura do Estado e da economia capitalista. A expressiva maioria de
pentecostais em cargos públicos alia-se a partidos de centro-direita, normalmente em defesa
do governo, em busca de oportunidades que possam trazer benefícios materiais para suas
igrejas.
As preocupações centrais dos políticos evangélicos, quase em sua totalidade pastores,
123
priorizam questões de moral sexual e da família, indicando um espírito conservador sobre os
costumes, que se reflete sobre o campo político e econômico. A tendência de os evangélicos
colocarem-se à direita em termos de política pode também estar ligada ao fato de seus
projetos políticos não passarem de uma estratégia para o seu próprio crescimento, aceitando,
assim, com alguma facilidade, o fisiologismo presente na política tradicional brasileira.
As razões da politização pentecostal têm o seu início no Regime Militar que, a partir
de 1968, procurou apoio nos evangélicos, uma vez que se desentendera com a Igreja Católica
(Freston, 1992). Por outro lado, Freston advoga ainda um outro motivo. Já na década de 1980,
a crise econômica “tendia a neutralizar os efeitos tradicionais da conversão (a criação de uma
força de trabalho honesta, dedicada e poupadora), restringindo as chances de ascensão social
individual” (Idem, Ibidem, p. 39). Essa crise deixava os trabalhadores pobres mais abertos às
reivindicações dos menos favorecidos da sociedade. Dessa forma, o autor afirma que a cúpula
pentecostal adiantava-se aos pedidos desses trabalhadores, a fim de que suas reivindicações
fossem por eles controladas
79
, evitando, assim, que concorrentes (sindicatos e partidos)
passassem a ter acesso e influência simbólica e cosmológica, através de seus discursos, sobre
os seus adeptos (Idem, Ibidem).
Não devemos esquecer também o crescimento do pluralismo religioso, que coloca as
instituições religiosas em concorrência aberta, sobretudo entre evangélicos e católicos. É
nesse sentido que Freston coloca essa concorrência como mais um elemento da tendência
conservadora dos evangélicos, que, entendendo-se como anticatólicos, posicionam-se
igualmente em campo oposto àqueles. Assim, os evangélicos refutavam a Teologia da
79
Essa interpretação nos remete às colocações de Patrick Michel (1997) sobre a ideologização do
religioso. Por outro lado, conduz-nos a um novo campo de lutas entre esferas diferenciadas, sugerindo
a inserção da religião não apenas no campo político, isto é, estabelecendo uma luta entre campos de
forças concorrentes.
124
Libertação aceita pela Igreja Católica, devido à opção ideológica de esquerda que essa linha
teológica preconiza. Essa tese parece fazer sentido, já que, em outro país, a relação de forças
pode inverter-se, como ocorreu em parte, por exemplo, na Nicarágua (Freston, 1992). Naquele
país, a Igreja Católica aliou-se ao governo ditatorial, resultando numa aproximação entre
evangélicos e sandinistas. De qualquer forma, essas mutações nacionais viabilizaram a
afirmação da impossibilidade de um monopólio, tanto religioso quanto político, da parte dos
evangélicos latino-americanos.
A eleição de 1986 para deputado federal constituinte elegeu 32 evangélicos, sendo 14
pertencentes aos quadros da Assembléia de Deus, dois da Igreja Quadrangular e um da Igreja
Universal. De modo geral, esses evangélicos votaram a favor de propostas conservadoras, além
de se envolverem em trocas de favores, recebendo concessões de rádio e televisão em favor de
apoio às propostas do governo. Evidentemente, essa troca de favores foi prática corrente entre
os deputados federais da época. Contudo, depois de praticamente 30 anos de ditadura e
alienação em relação às questões políticas, esta primeira experiência dos evangélicos com a
política foi escandalosa e frustrante. Por conta disso, na eleição de 1990 a Assembléia de Deus
alçou para a Câmara Federal apenas oito deputados. A Igreja Universal foi a única a sair-se bem
no pleito. De um representante, passou a contar com três (Rolim, 1994).
A partir de 1986, como muitos outros movimentos sociais, os evangélicos tornaram-se
um grupo de pressão política. “Ao contrário dos pentecostais tradicionais criticados, no início
dos anos 70, por separarem religião e política, os pentecostais autônomos são criticados por
misturarem as duas e por usarem suas igrejas para obter votos” (Mariz, 1996, p. 172). Essa
constatação não diminui em nada o fato dos evangélicos, de forma mais ou menos geral, usarem
a política para interesses particulares e adotarem uma política clientelista. Entretanto, quando
Mariz faz tais considerações, procura colocar o cenário do fazer político dos evangélicos dentro
de uma cultura política já exercida previamente no contexto político de nossa sociedade. Dito de
125
outra forma, os evangélicos políticos não se constituem em uma força política contracultural.
Acompanhando as eleições para a Constituinte de 1986, as municipais de 1988, o
pleito presidencial de 1989 e, finalmente, para a Câmara dos Deputados de 1990, Freston
(1992) percebe uma alteração no comportamento do eleitorado e das instituições evangélicas.
Nas eleições municipais de 1988, a tendência da preocupação evangélica de ocupar
espaços na política institucional confirmou-se. Somente no Rio Grande do Sul, “havia setenta
candidatos pertencentes à Igreja do Evangelho Quadrangular, dos quais 69 pastores” (Idem,
Ibidem, p. 31). Essa onda de candidaturas evangélicas foi sentida em todos os recantos do
Brasil. Entretanto, ainda conforme o autor, o sucesso desse empreendimento foi bem menor
do que as instituições religiosas esperavam. Dessa situação, resultaram várias interpretações
por parte dos evangélicos, mas um ponto ficou patente: os fiéis evangélicos não votavam
somente nos interesses do grupo religioso
80
. Essa realidade alterou o projeto corporativista das
igrejas e exigiu que seus projetos políticos não contrariassem em demasia as percepções
políticas de seus adeptos (Idem, Ibidem).
Outra questão surpreendente é o que se tem denominado de “voto fiel”. Por exemplo:
a Igreja Universal consegue ter 95% de lealdade dos fiéis de suas comunidades com respeito
aos candidatos por ela indicados (Fernandes, 1996). Em virtude disto, para as eleições de
2002, a Igreja Universal escolheu quem receberia seu apoio por intermédio do Conselho dos
Bispos nos vários Estados. Os escolhidos foram anunciados ao Bispo Rodrigues, a quem
coube definir quantos seriam os postulantes, baseando-se no quociente dos partidos, bem
80
Essa análise deixa a descoberto as relações das organizações evangélicas com o seu povo. Como
sugere Oro (2001c), a organização interna das igrejas possui uma influência decisiva no sucesso de
seus projetos políticos. As igrejas menos centralizadas, como a Assembléia de Deus, sofreram maiores
reveses que as igrejas mais centralizadas, como a Igreja Universal e a Quadrangular.
126
como na quantidade de fiéis (Fonseca, 2001).
A partir de 1986, a participação de evangélicos na política partidária acentuou-se
significativamente no Brasil. Nas eleições de 1998, foram eleitos 44 deputados federais, dos
quais 17 pertenciam aos quadros da Igreja Universal. Para citar apenas o caso do Rio Grande
do Sul, a Igreja Universal conseguiu eleger, naquele pleito, um deputado federal, um deputado
estadual e, na eleição para as Câmaras Municipais, alçou dois vereadores à Câmara
Legislativa do município de Porto Alegre, assim como 19 vereadores pelo interior do Estado
gaúcho. A Igreja do Evangelho Quadrangular, além de reconduzir um pastor ao cargo de
deputado estadual, elegeu 17 vereadores por todo o Estado (Oro, 2001c).
Nas últimas eleições (2002), a Igreja Universal elegeu 20 deputados federais e 19
estaduais
81
, além de ter alçado ao Senado Marcelo Crivela como um fenômeno de 3.235.570
votos. A Assembléia de Deus teria elegido 23 deputados
82
federais.
Portanto, começando timidamente na década de 70 e firmando-se na década de 1980,
os evangélicos expandiram-se nos anos 90 e passaram de omissos e reticentes em relação ao
posicionamento político a participantes ativos da vida política institucional.
Com o advento da República e a separação Igreja/Estado, a Igreja Católica instaurou
uma nova ordem interna e de relação com a esfera pública. Ao longo do século XX, sua
81
Dados colhidos pela Folha de São Paulo (10/10/2002) junto à Igreja Universal dão conta de que
seriam 22 os deputados estaduais ligados a esta igreja, 18 membros diretamente ligados a ela e quatro
apoiados pela mesma em estados da federação (Escóssia, 2002). Conforme Oro (2003c), “nas últimas
eleições de 2002 a Igreja Universal elegeu 16 deputados federais e 19 deputados estaduais, todos
egressos da própria igreja”.
82
Também conforme a Folha de São Paulo de 10/10/2002, “a Assembléia de Deus contabiliza até
agora 23 deputados que são membros da igreja ou apoiados por ela, informaram as coordenações
políticas da CONAMAD (Convenção Nacional das Assembléias de Deus de Madureira) e da CGADB
(Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil)” (Escóssia, 2002).
127
transformação ocorreu a partir de sua desvinculação do Estado para alcançar as mais variadas
articulações com a sociedade. Conforme a pesquisa aqui empreendida, podemos concluir que
a secularização no Brasil ocorreu muito mais por conta da separação entre as esferas
institucionais da política e do religioso do que em função de uma separação ideológica. Ao
contrário, vimos como, em diversos momentos históricos, houve uma recíproca influência
entre as esferas política e religiosa.
Isso não significa concluir que a secularização, enquanto separação das esferas da vida
social, não tenha acontecido ou não ocorra no Brasil. Entretanto, o mapa histórico aqui
levantado possibilita-nos afirmar que a secularização, no Brasil, não se constitui de autonomia
e independência completas. De modo oposto, o estudo por nós realizado apontou para uma
realidade na qual as esferas sociais se conectam e se influenciam de forma recíproca. Em
outras palavras, os evangélicos na política não representam um retrocesso nem tampouco uma
falta no aprofundamento do processo de secularização. O caso do Brasil apenas confirma as
alterações e reconfigurações que a religião e a própria sociedade sofrem nesses tempos ditos
pós-modernos.
Sob a perspectiva política e secular, a inserção dos evangélicos no mundo público,
pelo menos por enquanto, não faz retroceder nem avançar a democracia em nosso país
83
.
83
É também o que sugere o estudo de Steigenga sobre a relação entre o pentecostalismo e a política em
dois países da América Central. Para o autor, o resultado deste intercâmbio é decorrente mais dos
contextos políticos onde está inserida a religiosidade pentecostal do que propriamente o resultado das
crenças religiosas em si. Este resultado foi obtido pela significativa diferença percebida pelo autor ao
comparar as pesquisas realizadas na Costa Rica e na Guatemala, sendo o contexto político da primeira
mais favorável aos movimentos sociais do que a segunda. Assim, seus resultados não tendem a mostrar
que não há uma relação entre pentecostalismo e autoritarismo, nem tampouco significam um
aprofundamento da democracia. O contexto político parece ser mais determinante que as filiações
religiosas e crenças específicas. “Links between religion and democracy are mediaded by regime type,
and the degree of democratizing potential may be circumscribe by national or international factors that
inhibit the transformation potential of social movements in general” (Steigenga 2001, p. 10).
128
Constitui-se em mais uma força, entre outras, que retira de seu discurso focado na ética a
energia para a influência pública. Na ótica do pentecostalismo, a esfera política tem sido
buscada para garantir uma ampliação da legitimidade social, maior segurança de atuação
dessas denominações frente ao poder estatal e diante de outras esferas sociais, como, por
exemplo, a mídia. Torna-se, entre outras, uma medida de demonstração de vigor na disputa e
nos conflitos no campo religioso.
No próximo capítulo, abordaremos a inserção das três Igrejas por nós pesquisadas no
poder legislativo gaúcho, evidenciando a crescente aproximação entre a esfera religiosa,
especificamente a de viés pentecostal, e o plano político.
129
3 – AS DENOMINAÇÕES EVANGÉLICAS E A POLÍTICA
Nesse capítulo, aprofundaremos questões que dizem respeito às denominações
evangélicas envolvidas com a política partidária na Assembléia Legislativa do Rio Grande do
Sul, suas motivações para a entrada nesse campo e o grau de envolvimento das instituições
religiosas com os candidatos.
Grosso modo, podemos dizer que a motivação referida pelas denominações estudadas
para inserirem-se em cargos públicos pode ser assim resumida: pretendem ter representantes
na esfera pública para facilitar o trabalho da Igreja e colocar pessoas no exercício da política
que possuam um comprometimento ético.
Veremos, portanto, que essas duas questões, a defesa de interesses institucionais e a
ética, são articuladas de formas diferenciadas pelas denominações por nós pesquisadas. Antes,
porém, será importante conhecer como essas Igrejas organizam-se, sobre o que nos
debruçaremos a seguir.
3.1 DA ORGANIZAÇÃO DAS IGREJAS
Dedicaremos esta parte da tese a conhecer melhor as instituições religiosas
pesquisadas, destacando aspectos da forma como se organizam. Veremos que a organização
eclesial está relacionada à articulação de candidaturas para a política partidária
84
.
84
A relação entre o tipo de organização das instituições religiosas e o sucesso nos pleitos políticos já
foi muito bem trabalhada por Oro (2001c). Neste texto, o antropólogo evidencia que as igrejas
evangélicas mais centralizadas, mormente a Igreja Universal, conseguem um maior sucesso nos pleitos
eleitorais.
130
Verificamos a existência de dois tipos gerais de organização religiosa nas denominações
em estudo. Constatamos que, ainda que as Igrejas Quadrangular e Universal partilhem um mesmo
formato geral, cada uma delas tem suas peculiaridades no modo de estruturar-se.
O primeiro modelo de organização, encontrada na Igreja Assembléia de Deus, é mais
congregacional. Isto é, as comunidades possuem um elevado grau de autonomia diante da
instituição religiosa; ou seja, da cúpula da Igreja. Esse modelo resulta em círculos ou grupos
decisórios mais amplos e, por conseguinte, gera uma maior distribuição de poder. O segundo
modelo organizacional é mais verticalizado e hierárquico, caracterizando-se por ser também
mais organizado. A esse segundo modelo está associada a Igreja Quadrangular. Embora com
forte estrutura centrada em pastores, a Igreja pode tomar algumas decisões localmente. A
Igreja Universal, por sua vez, mostra-se com uma estrutura ainda mais vertical e hierárquica.
A maioria das decisões é imposta pelo Conselho de Bispos do Brasil. Vejamos, então, como
estão estruturadas essas denominações.
3.1.1 A Organização Eclesiástica da Igreja Assembléia de Deus
Como vimos no segundo capítulo, a Assembléia de Deus possui vários ramos, sendo
os principais: 1) Assembléias de Deus - Ministério do Belém; 2) Convenção Nacional das
Assembléias de Deus no Brasil, também conhecida como Assembléias de Deus - Ministério
Madureira; 3) Assembléia de Deus Betesda. Os políticos evangélicos do Rio Grande do Sul
fazem parte da Assembléia de Deus – Ministério Belém. Embora conhecedores dos vários
ramos dessa denominação, ao falar em Igreja Assembléia de Deus, estaremos sempre nos
referindo a esta organização, que se reúne periodicamente na Convenção Geral das
Assembléias de Deus no Brasil (CGADB).
131
A Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, doravante chamada de
Convenção Geral, possui sua sede localizada no Rio de Janeiro. É composta por 47
Convenções Regionais no Brasil, entre as quais a Convenção dos Pastores das Igrejas
Evangélicas da Assembléia de Deus no Estado do Rio Grande do Sul. A referida Convenção
Geral foi fundada em 1930, sendo registrada em 1946 (http://www.cgadb.com.br).
A estrutura organizacional da Assembléia de Deus é construída de forma rizomática,
onde as Igrejas-sede constituem um Ministério, e suas afiliadas são chamadas de
congregações e pontos de pregação, estando somente sob controle da Igreja acima dela. Os
Ministérios de um estado ou de uma determinada região podem organizar-se em uma
Convenção, que, por sua vez, manda representantes à Convenção Geral. Os Ministérios não
obedecem, portanto, critérios geo-políticos. A Convenção Geral, instância nacional da Igreja
Assembléia de Deus, reúne-se, bienalmente, em Assembléia Geral, usualmente no mês de
janeiro. A Convenção Geral é presidida, desde 1995, pelo pastor José Wellington Bezerra da
Costa (http://www.cgadb.com.br).
A respeito da organização de sua Igreja, o pastor-presidente da Convenção Estadual,
Ubiratan Batista Job, narrou a seguinte forma de composição da mesma no tocante à questão
política:
Existe, a nível nacional, uma comissão formada por algumas
pessoas que trata dessas questões. Então, a nossa estrutura é
interessante. Nós temos, de fato, em cada estado, uma Convenção que
congrega todos os pastores, os líderes, os dirigentes das igrejas e é
uma espécie de parlamento. É ali onde as questões eclesiásticas são
discutidas. Ela é presidida por uma mesa diretora eleita de dois em
dois anos. Isso também, depois essas mesmas Convenções Estaduais
se unem numa única Convenção, que seria a Convenção Geral, da
Assembléia de Deus no Brasil; que, por sua vez, possui uma mesa
diretora que se reúne de dois em dois anos ou extraordinariamente, se
que houver necessidade, para tratar das questões a nível de país.
Agora, não existem ainda reuniões específicas para tratar de questões
políticas. Logicamente que a gente tem sido, nas nossas Convenções,
132
nós temos sido visitados pelos candidatos. Alguns exercem até o seu
mandato. Eles são bem recebidos e essa é a nossa forma de
relacionamento com todos.
Nesse depoimento, o pastor Ubiratan contou que a denominação recebe a visita dos
mais diversos candidatos e partidos em épocas de eleições, com os quais mantém uma relação
diplomática. Entretanto, o apoio da Igreja somente é recebido pelos candidatos advindos de
seus quadros.
Em âmbito nacional, essa Igreja possui um grêmio cuja incumbência é discutir
estratégias de sua inserção no campo da política partidária. Vale destacar que o pastor-
presidente informou não haver reuniões oficiais voltadas a essa temática em âmbito estadual.
As entrevistas realizadas em nossa pesquisa de fato apontam para uma característica bastante
informal na construção das candidaturas oriundas do berço da Assembléia de Deus.
A Assembléia Geral Ordinária elege a Mesa Diretora, bem como os Conselhos e as
Comissões. A Convenção Geral é composta por 15 Conselhos
85
, entre os quais figura o
Conselho Político. Merece atenção o fato de haver dois Conselhos nos quais a inserção
política é discutida em âmbito nacional: além do próprio Conselho Político, já referido, existe
o Conselho de Ética e Disciplina. Neste último, também outras questões ligadas aos valores
da Igreja são abordados.
Reza o estatuto da Convenção Geral que o “Conselho Político é o órgão de assessoria
da Convenção Geral para assuntos políticos, constituído de cinco membros titulares e cinco
85
Os Conselhos da Convenção Geral são os seguintes: Conselho Consultivo; Conselho Regional
Norte; Conselho Regional Nordeste; Conselho Regional Sul; Conselho Regional Sudeste; Conselho
Regional Centro-Oeste; Conselho de Ética e Disciplina; Conselho de Educação e Cultura; Conselho de
Doutrina; Conselho de Ação Social; Conselho de Capelania; Conselho Político; Conselho de
Comunicação e Imprensa; Conselho de Missões (http://www.cgadb.com.br).
133
suplentes, sendo dois representantes de cada região” (http://www.cgadb.com.br). Conforme
informa a página oficial da Convenção Geral na Internet, compete ao Conselho Político:
I - escolher dentre seus membros, o Presidente, o secretário e o
relator;
II - orientar os membros da Convenção Geral a tomarem parte
do processo político, através das respectivas Convenções Regionais;
III - atuar como foro de debates para apoio de candidato ao
executivo federal;
IV - atuar junto aos parlamentares federais da denominação,
fornecendo subsídios do interesse das Assembléias de Deus no Brasil;
V - elaborar o cadastro de parlamentares políticos,
representantes das Assembléias de Deus no Brasil, com relatório de
suas atuações;
VI - manter arquivo atualizado da legislação eleitoral;
VII - avaliar a atuação das representações parlamentares;
VIII - propor a destituição de uma representação política
quando a mesma não corresponder com os interesses das Assembléias
de Deus no Brasil;
IX - prestar relatórios à Assembléia Geral da CGADB
(http://www.cgadb.com.br).
Percebe-se que a estrutura eclesiástica da Assembléia de Deus é consideravelmente
horizontal, sendo suas Convenções Estaduais e Nacional compostas por Conselhos, ou seja,
delineiam-se mais como grupos consultivos que propriamente fóruns legislativos ou
executivos. Essa característica evidencia-se através da análise das atribuições delegadas ao
Conselho Político, que, além de acompanhar o desenvolvimento dos seus políticos
evangélicos, poderá, se muito, propor a destituição de um representante saído de suas fileiras.
Mesmo isso, dependendo do caso, pode representar pouco. Como a Assembléia de Deus tem
uma estrutura que se pode chamar de horizontal, rizomática, a Convenção Geral e mesmo o
Conselho Político podem emitir suas opiniões, inclusive a desaprovação a um representante
134
político. Contudo, se ele tiver bons vínculos locais, no âmbito de seu Ministério, pode ficar
refratário a críticas vindas da estrutura nacional da Igreja, mantendo-se no posto.
Observando essa estrutura organizacional, chama a atenção o fato de a Assembléia de
Deus construir-se de baixo para cima, poderíamos dizer. Vejamos, a seguir, como se organiza
a Igreja Quadrangular.
3.1.2 A Organização Eclesiástica da Igreja do Evangelho Quadrangular
A estrutura organizacional da Igreja Quadrangular é, fundamentalmente, episcopal,
com fóruns menores e mais circunscritos de tomada de decisões. Trata-se de uma organização
hierárquica, vertical, na qual a maior parte do poder está centralizada nas mãos de pastores.
No entanto, como a denominação possui uma grande organização de grupos e lideranças
leigas, a participação ativa evita que os rumos das decisões se dêem completamente à revelia
do que pensam as demais lideranças da Igreja.
Conforme o estatuto da Igreja do Evangelho Quadrangular, ela se constitui em uma
instituição religiosa administrada a partir de três níveis hierárquicos, a saber:
I Administração Superior e Geral, exercida pelo Conselho
Nacional dos Diretores;
II - Administração Intermediária, exercida pelos Conselhos
Estaduais de Diretores;
III – Administração de Base, exercida pelos Conselhos de
Diretores Locais (Estatuto da Igreja do Evangelho Quadrangular no
Brasil, s.d.).
Os Conselhos de Diretores são os órgãos executivos das Convenções. A
Administração Intermediária poderá ser criada em um estado da federação somente se possuir,
135
no mínimo, cinqüenta igrejas locais. Se um estado não alcançar esse número de igrejas locais,
a administração dessas comunidades Quadrangulares será realizada por um supervisor
estadual, indicado pelo Conselho Nacional de Diretores e subordinado a ele. Cada Conselho
Estadual de Diretores possui uma diretoria. O presidente eleito pela Convenção Estadual é,
automaticamente, seu representante no Conselho Nacional dos Diretores
86
.
O pastor Roberto Barragan, secretário estadual de comunicação da Igreja
Quadrangular do Rio Grande do Sul, descreveu a estrutura de poder da denominação em solo
gaúcho. Segundo ele, o Conselho Estadual
tem 11 membros, 11 integrantes. O nosso presidente é o pastor
Reinaldo [Reinaldo dos Santos e Silva], que é o presidente da Igreja
no Estado, e também ele é deputado federal, representando, assim, o
Rio Grande do Sul e a Igreja Quadrangular. [...] Os Conselhos
Estaduais [...] têm os seus conselheiros. Abaixo dos conselheiros,
estão os secretários estaduais; e abaixo dos secretários estaduais, estão
os coordenadores estaduais; ou seja, o secretário de coordenadorias.
Quem está abaixo dele? A coordenadoria estadual de homens, a
coordenadoria estadual de mulheres, a coordenadoria estadual de
jovens, a coordenadoria estadual de adolescentes, a coordenadoria
estadual de crianças e juniores [...] e as secretarias. [...] Os secretários
e os [...] coordenadores, eles são cargos de confiança do Conselho
Estadual [Acréscimo nosso].
Nesse ponto, chegamos à Administração de Base, que se refere às igrejas locais. O
Conselho Diretor Local é igualmente exercido por uma diretoria. A presidência desse
86
O Conselho Nacional de Diretores exerce sua função administrativa a partir de Secretarias Gerais.
São sete as secretarias:
I - Secretaria Geral de Administração e Finanças;
II - Secretaria Geral de Ação Social;
III - Secretaria Geral de Educação e Cultura;
IV - Secretaria Geral de Missões;
V - Secretaria Geral de Comunicação;
VI - Secretaria Geral de Disciplina Eclesiástica, e
VII - Secretaria Geral de Coordenadorias de Grupos Missionários e Diaconatos.
(http://www.quadrangularbrasil.com.br).
136
Conselho cabe, sempre, ao pastor titular local. Vale referir que o Conselho Diretor Local não
é eleito pela Assembléia da comunidade local. Os nomes para essa diretoria são escolhidos
pelo pastor titular local
87
. Mesmo assim, se houver alguma “incompatibilidade insuperável
entre o Conselho Diretor Local e o Pastor titular da Igreja Local [...] pode o Superintendente
dissolver o Conselho Diretor Local e convocar novas eleições, no prazo de trinta (30) dias.”
(Estatuto da Igreja do Evangelho Quadrangular no Brasil, Seção V, Disposições Gerais,
parágrafo único, s.d.).
O superintendente é um cargo regional, entre o estadual e o local. Trata-se de um
pastor que, segundo Roberto Barragan, “tem uma procuração do Conselho Nacional, com
plenos poderes dentro da região. Então, ele tem o poder de transferir pastores, de abrir novas
igrejas, de administrar igrejas, assinar pela Igreja, compra de propriedades, aluguéis”, entre
outros. De acordo com o secretário estadual de comunicação, a Igreja Quadrangular se
organiza, também no âmbito da superintendência, em coordenações de homens, de mulheres,
e assim por diante, contando com secretários regionais. No Rio Grande do Sul, a denominação
conta com 38 regiões eclesiásticas e, por conseguinte, 38 superintendentes, que, nas palavras
do pastor Barragan, “administram a Igreja, que fazem ela crescer dentro daquela região a que
eles estão determinados”. Como ele próprio é um superintendente, a saber, da região
87
Nas comunidades locais, a hierarquia de lideranças obedece à seguinte ordem:
I - Pastor titular;
II - Pastores auxiliares;
III - Membros do Conselho Diretor Local e respectivos suplentes;
IV - Obreiros Credenciados auxiliares de Pastor;
V - Presidentes de Grupos Missionários e respectivas diretorias;
VI - Corpo Diaconal;
VII - Oficiais e professores da Escola Bíblica Dominical;
VIII - Diretores de departamentos;
IX - Líderes e figurantes do louvor, corais, bandas e músicos;
X - Membros das Comissões Permanentes, e
XI - Os alunos do Instituto Teológico Quadrangular – ITQ, Missão Quadrangular e FATEQ, lotados
na Igreja Local (Estatuto da Igreja do Evangelho Quadrangular no Brasil, s.d.).
137
carbonífera do Estado, definiu sua função da seguinte forma: “eu sou o representante da Igreja
e o responsável por ela na região. Qualquer coisa que venha a acontecer, qualquer problema
que vai acontecer, isso eu respondo, eu respondo, civelmente e administrativamente”.
É possível perceber, portanto, uma linha hierárquica bastante forte na estrutura
eclesiástica dessa denominação, onde os pastores detêm um papel fundamental. Para se ter
uma idéia da força da presença pastoral nos cargos de poder, vale citar uma definição dada
pelo vereador de Portão – RS, pastor Adair Rocha, articulador político da denominação no
Estado. Para ele, os Conselhos de Diretores “são os pastores que dirigem a Igreja”,
completando, depois, com: “eleitos por pastores. [...] São em torno de seis mil pastores que
elegem”.
Inquirido sobre a razão de os cargos na estrutura de poder encontrarem-se em mãos de
pastores, o secretário estadual de comunicação, pastor Roberto Barragan, respondeu:
Se opta por ser uma pessoa que seja pastor exatamente pela
possibilidade que se tem de, no ministério, [...] tratar com pessoas do
ministério. Às vezes, algum irmão da Igreja exerce um cargo e uma
função sem ser pastor. Mas, até para haver uma maior autonomia do
trabalho do coordenador, com eficiência, os pastores vão ouvir quem é
pastor. Quem não é pastor, eles [...] “pô, você nem pastor é, e quer [...]
me ensinar o quê?” Por essa questão se procura usar pastores,
exatamente por essa questão, pela questão até de facilitar o trabalho.
Embora o pastor Barragan tenha referido, durante o transcurso da entrevista, não haver
necessidade de que os detentores desses cargos sejam pastores, frisou que essa se mantém
como a opção da Igreja. As razões alegadas foram que, a seu ver, facilita o trabalho, gera
confiança entre colegas pastores e favorece o estabelecimento de autonomia nas funções. A
nosso ver, trata-se, também, de uma forma de controle. Afinal, estando o poder restrito às
mãos de pastores, em última análise, a ingerência das instâncias superiores sobre as locais
pode ser facilitada.
138
A grande quantidade de pastores auxiliares, titulares, obreiros credenciados, diáconos
e outras lideranças está ligada a uma convicção dessa instituição religiosa: “é provado, pelos
estudos, que um pastor não consegue atender eficientemente mais de 100 pessoas”, afirmou o
pastor Roberto Barragan. A partir desse dado, organizam-se em um número expressivo de
pastores e outros líderes.
Ao longo da pesquisa, freqüentando cultos e tendo contato com lideranças da Igreja
Quadrangular, foi possível constatar a proximidade entre a maioria das pessoas. Os pastores
conhecem, pelo nome, uma parte expressiva dos freqüentadores dos cultos. Assim, esse pode
se tornar em mais um fator de persuasão no momento de uma campanha política. Além de a
instituição recomendar determinado candidato a seus fiéis, o pastor local e as lideranças, que
freqüentam suas casas e conhecem cada filho pelo nome, dão aval à recomendação vinda dos
grêmios superiores. Por seu turno, os membros têm conhecimento que os nomes
recomendados pelos pastores locais fazem parte do projeto de sua denominação.
Passar de freqüentador das atividades da Igreja Quadrangular a um de seus ministros
obedece a um trajeto que pode levar diversos anos. O pastor e vereador Adair Rocha
descreveu esse percurso da seguinte forma:
Você entra na Igreja. Você se converte, entra na Igreja. A
gente vai te acompanhando até, finalmente, você estar tendo uma
conduta, porque realmente, a gente vê, a gente percebe que o espírito
de Deus vai agindo naquela pessoa. A gente vai vendo as
transformações dela. Em todos os segmentos da vida dela, a gente vai
acompanhando ela. Aí, de repente, você dá um cargo da Igreja para
ela, que também é feito por eleição da Igreja no final do ano.
Os primeiros cargos aos quais uma pessoa pode ser eleita, nesse caso pela comunidade
local, são, basicamente, o diaconato e a coordenação de grupos diversos. Diáconos e outras
lideranças, como os coordenadores de grupos, não fazem parte da carreira ministerial. Nos
139
cultos, eles podem ser identificados por usarem uniforme e estarem sempre atentos, recebendo
as pessoas que adentram o templo, auxiliando idosos; contendo, eventualmente, pessoas
alcoolizadas, recolhendo a oferta em dinheiro, atendendo as crianças, auxiliando na
distribuição da eucaristia, entre outras tarefas.
No que se refere à escada da trajetória ministerial da Igreja Quadrangular, o pastor e
vereador Adair Rocha teceu o seguinte comentário:
Primeiro, você é obreiro, obreiro da Igreja. Você é obreiro
auxiliar, e você é obreiro credenciado. Você tá credenciado. Se a
Igreja precisar de você pra ir lá pra China, você tem que ir. É que nem
um quartel: se você foi credenciado, você tem que ir. Agora, ele é um
missionário. Aí, depois, quando ele passa a aspirante, quer dizer, ele tá
aspirando. Ele passa a ser pastor. Depois, sim, o último, a última
graduação dele é ser ministro, reverendo. [...] Aí ele já é ministro
evangélico. Aí não tem mais: ele já tá pronto pra concorrer a qualquer
cargo no Brasil dentro da Igreja: pra presidente da Igreja, pra qualquer
coisa, ele já tá apto.
A carreira ministerial na Igreja Quadrangular obedece, portanto, aos seguintes
estágios, segundo o responsável pela sua área de comunicação no Estado, pastor Roberto
Barragan:
Existem obreiros credenciados (quando o pessoal entra pro
ministério); [...] obreiros titulares (quando assume a titularidade de
uma Igreja); aspirantes e ministros. Essa é a hierarquia do ministério.
[...] O ministro deixa de ser chamado pastor pra ser chamado de
reverendo.
Vale ressaltar que, dentre as três instituições religiosas pesquisadas, a Igreja
Quadrangular é a única a aceitar mulheres como pastoras. A presença feminina no clero
Quadrangular é crescente, segundo suas lideranças.
Embora possua uma estrutura altamente hierarquizada, quer-nos parecer que a
140
afirmação do pastor Adair Rocha pode ser relativizada. Quando ele diz: “se a Igreja precisar
de você pra ir lá pra China, você tem que ir. É que nem um quartel”, entendemos que se refere
à obediência requerida de seu baixo clero, por assim dizer. Entretanto, os pastores com quem
conversamos, concederam entrevistas com grande boa vontade e autonomia. Tivemos acesso,
sem dificuldades, aos seus números de telefone celular e residencial para sanar eventuais
dúvidas posteriores às entrevistas. Não houve qualquer tipo de cerceamento no que se refere a
entrevistar líderes e fiéis. Nossa hipótese é que a existência de instâncias democráticas na
organização da Igreja, embora muito centradas em pastores, impede que sejam cometidos
desmandos e acaba envolvendo um considerável número de pessoas, direta ou indiretamente,
nas tomadas de decisão. Ainda assim, a exemplo de um quartel, a palavra final das instâncias
superiores do poder (no caso, eclesiástico) precisa ser obedecida.
A questão da remuneração dos profissionais do clero quadrangular foi explicada pelo
pastor Roberto Barragan da seguinte forma:
Existem os pastores titulares, co-pastores (pastores auxiliares a
tempo integral). São aqueles que recebem ajuda pra viver, salário.
Salário não tem, né? Tem o sustento pastoral da Igreja, que é variado.
E tem os pastores auxiliares a tempo parcial. São pessoas que
trabalham lá, muitas vezes à noite, no final de semana.[...] Essas
pessoas, elas prestam serviço pra Igreja, voluntário.
Em resumo, podemos dizer que somente é remunerado quem trabalha em tempo
integral, o que engloba os pastores titulares e, eventualmente, pastores auxiliares. Além do
sustento pastoral referido, os que atuam em tempo integral recebem aluguel, luz e água pagos.
A concessão de outros benefícios, como carro ou telefone celular, depende das condições
econômicas de cada comunidade. O serviço voluntário, inclusive de um expressivo número de
pastores com dedicação parcial, é importante sustentáculo no trabalho comunitário da Igreja
Quadrangular.
141
Quanto à formação de seus pastores, Roberto Barragan informou:
A Igreja Quadrangular tem um Instituto Teológico
Quadrangular, que é composto de um curso básico, fundamental, que
é um ano. Daí você já tem direito a ser um obreiro credenciado. Aí,
depois, com o passar do tempo, você tem que fazer o segundo e o
terceiro ano do curso de teologia. Depois, tem o curso avançado pra
pastores, mais adiante. E tem uma Faculdade Teológica Quadrangular
também [...] Basicamente, é esse o degrau ministerial. E tem a escola
a distância, o ensino a distância também. [...]. Tem que ter, como
exigência mínima, o terceiro ano do Instituto Teológico Quadrangular.
Não a faculdade, necessariamente, mas o terceiro ano do Instituto
Teológico, tem que ter os três anos pra poder ser ministro.
A questão da formação teológica, embora não integre o foco de nossa pesquisa,
merece atenção. Sua importância não é secundária. As igrejas evangélicas pentecostais vêm se
apercebendo, nos anos mais recentes, da necessidade de um melhor preparo de seus porta-
vozes mais diretos: os pastores. Já não basta ser um crente convicto e bem falante, capaz de
recitar dezenas de versículos bíblicos em minutos. O conhecimento teológico ganha crescente
espaço, sendo, hoje, um pré-requisito para os cargos ministeriais mais elevados da carreira
pastoral.
A importância do estudo, de um modo geral, transpareceu na entrevista feita com o
pastor Roberto Barragan. O secretário de comunicação disse haver um estímulo por parte da
Igreja a que as pessoas que trabalham na “Missão Quadrangular Cristo para as Crianças”
possuam ou busquem uma formação em Pedagogia, além do curso pelo qual passam na
própria Igreja. Naturalmente, não se trata, nesse caso, de uma determinação, mas de uma
recomendação. Contudo, não deixa de mostrar um maior aprimoramento profissional nos
quadros de suas lideranças.
142
3.1.3 A Organização Eclesiástica da Igreja Universal do Reino de Deus
A estrutura eclesiástica da Igreja Universal caracteriza-se pelo modelo episcopal, com
uma cadeia de poder hierarquizada, na qual as ordens vêm de cima. Nessa denominação, as
decisões são centralizadas. Os bispos, de forma geral, e Edir Macedo, em especial, são
considerados inquestionáveis em sua autoridade dentro dos muros da Igreja Universal.
Vejamos, então, como se estrutura essa instituição.
Formalmente, a Igreja Universal está organizada em Conselhos. Mas, diferentemente
da Assembléia de Deus, os Conselhos da Igreja Universal são deliberativos e executivos, não
se limitando ao papel basicamente consultivo como acontece na Assembléia de Deus. Na
Igreja Universal, as chamadas orientações são ordens. Como exemplo, cite-se a fala do
deputado estadual Sérgio Peres quanto à escolha de seu nome para a função política: “Tocou
ao conselho escolher e, quando escolhe, tu não diz não. A gente pega e aceita”. Cabe dizer
que, na Assembléia de Deus, por sua vez, as orientações restringem-se a ser, somente,
orientações. A estrutura da denominação é bem organizada e hierárquica. Qualquer
determinação da instância nacional é obedecida em todas as comunidades locais.
A partir de 1990, quando explodiram várias acusações contra o fundador da Igreja
Universal, o bispo Edir Macedo amargou um cativeiro de onze dias. Segundo Mariano
(2003a), após essa experiência na prisão, Macedo mudou-se para os Estados Unidos, onde, em
1986, havia implantado um templo. De lá, orientou a Igreja Universal, embora tenha deixado,
em seu lugar, o pastor Renato Suhett. Contudo, transcorrido algum tempo, passou a ver, nessa
substituição, algum risco para sua hegemonia na Igreja Universal. Assim, desprestigiou o
referido pastor, transferindo suas funções administrativas a outros bispos. Na seqüência,
enviou-o à Califórnia, estado norte-americano, onde, em completo ostracismo, acabou
deixando a Igreja Universal. Nessa época, Macedo dividiu o poder eclesiástico no Brasil em
143
quatro regiões e, para evitar cismas, em meados de 1990, reorganizou a estrutura da
instituição. “Em ordem decrescente na hierarquia, criou três instâncias de poder: o Conselho
Mundial de Bispos, o Conselho Nacional de Bispos do Brasil e o Conselho de Pastores”
(Mariano, 2003a, p. 56). Conforme Guimarães (1997), o Conselho Mundial de Bispos conta
com 30 integrantes e se reúne de seis em seis meses. Logo abaixo na escala hierárquica, o
Conselho de Bispos do Brasil congrega 17 bispos
88
, que se reúnem a cada dois meses. A estes
cabem a responsabilidade e a supervisão das igrejas nos Estados e “entre suas atribuições está
a aprovação da receita e dos gastos de cada templo, depois da análise feita por cada Conselho
de Pastores Regionais. Qualquer problema o pastor titular da sede em questão é chamado a
dar explicações” (Guimarães, 1997, p. XV).
Os templos locais da Igreja Universal, a exemplo da Igreja Quadrangular, possuem
uma organização hierárquica, porém mais verticalizada do que a última. Os templos contam
com pastores titulares, pastores auxiliares, obreiros e obreiras.
Os bispos recebem salário, casa, assistência médica, carro, telefone celular, assessores e
toda estrutura necessária para o desenvolvimento de seu trabalho. Os pastores recebem salário e
assistência médica. Quando passam a ser responsáveis por um grupo de templos, ganham um
carro. Os salários variam nos diversos estados do Brasil (Idem, Ibidem). Enquanto isso, obreiras e
obreiros trabalham de forma voluntária, não recebendo salário. Eles são a ponta de baixo da
cadeia hierárquica. Aliás, este é único espaço que a mulher pode ocupar dentro da organização
eclesiástica. A elas está vetada a possibilidade de serem pastoras.
Conforme Mariano, a mobilidade dentro da hierarquia eclesiástica está correlacionada
à capacidade de arrecadação do pastor, uma vez que a Igreja Universal entende que “quem
88
Esses números podem variar se houver alterações na estratégia da Igreja Universal no país.
144
arrecada mais recursos o consegue porque supostamente tem seu ministério abençoado pelo
Espírito Santo” (2003a, p. 56). A promoção, portanto, advém de metas financeiras cumpridas.
Em virtude da grande centralização e verticalização hierárquica, a autonomia dos
pastores, obreiros e fiéis é sensivelmente coibida. Os pastores dos templos locais estão
submetidos à mesma estratégia que o Exército impõe sobre seus comandantes maiores. Em
1961, no episódio pela Defesa da Legalidade, o Comando Maior do Rio Grande do Sul apoiou
o então governador Leonel de Moura Brizola. Para evitar que esse fato ocorresse novamente,
o Exército, periodicamente, remaneja o alto-comando. Na Igreja Universal, quem sofre desse
constante remanejamento são os pastores titulares, justamente para que eles não tornem os
membros de sua comunidade fiéis a sua pessoa enquanto líder, o que poderia acarretar cisões
(Mariano, 2004).
Assim, o vínculo entre os freqüentadores dos cultos da Igreja Universal e os pastores é
tênue e distante. Dessa forma, no contexto da articulação de candidaturas políticas, se não
fosse pela imposição por parte da direção da Igreja, a adesão da comunidade aos candidatos
poderia se dar timidamente.
Em seguida, analisaremos o que move as Igrejas pesquisadas ao envolvimento com o
plano político.
3. 2 – A
S MOTIVAÇÕES DAS IGREJAS AO EXERCÍCIO POLÍTICO
Basicamente, são duas as expectativas das instituições religiosas quanto a sua inserção
na política partidária. Na primeira, as denominações almejam possuir um canal de
comunicação, que, a seu ver, seja confiável entre elas e o mundo da política partidária.
Inserindo pessoas diretamente na esfera política, esperam saber o que ali acontece, avaliando
145
o que pode afetar as igrejas, além de possibilitar que um representante seu possa manifestar-se
e influenciar para a preservação dos interesses de sua instituição religiosa. Sob essa
perspectiva, a relação das denominações com esse campo insere-se na busca do poder, ou
seja, das vantagens que a esfera política pode dar às Igrejas. Essa expectativa é pragmática.
Em outras palavras, as instituições religiosas reconhecem a “ordem terrena” (expressão
recorrente entre os evangélicos), a ela se submetem e, tendo em vista seus objetivos,
envolvem-se no jogo da política.
Em contrapartida, as pessoas eleitas pelo segmento religioso precisam ter estreitos
vínculos e comprometimento com a denominação. Caso o político lançado pela Igreja não
seja pastor ou detentor de outro cargo oficial da instituição religiosa, deverá provar ser um
membro fiel dessa Igreja, que possui e segue o mesmo substrato ético-moral daquela. Assim,
a segunda expectativa está relacionada à questão ética. Entretanto, a palavra ética deve ser
entendida mais como uma imagem, uma questão simbólica, do que, efetivamente, uma prática
distintiva entre os políticos evangélicos
89
. Por conseguinte, em cada denominação aqui
estudada, a ética é interpretada de formas nuançadas, se considerada enquanto pensamento
predominante nas instituições, sem nos atermos às falas específicas dos deputados. Enquanto
na Assembléia de Deus a ética é explicitada como uma postura moral, de cunho universalista,
na Igreja Universal, ela está ligada de forma mais intensa aos interesses exclusivistas da
denominação. Ainda no que se refere à ética, a Igreja Quadrangular, por sua vez, parece-nos
89
A ética, portanto, é utilizada mais como um recurso discursivo do que como algo que realmente os
possa distinguir como evangélicos. A questão da ética, que será brevemente abordada neste capítulo,
far-se-á perceptível de forma mais clara nos próximos dois, que tratam sobre a prática dos políticos
religiosos e a percepção dos fiéis evangélicos a respeito do envolvimento político de suas
denominações. Neste capítulo, centraremos nossa atenção nos objetivos das denominações na sua
relação com o mundo da política.
Cabe ressaltar, porém, que nos alinhamos à concepção de ética e moral de Àlvaro Valls (1989),
segundo o qual esses conceitos são considerados como sinônimos.
146
mais tolerante que a Assembléia de Deus, o suficiente para manter seu pragmatismo. Este, no
entanto, não é tão forte como na Igreja Universal, maciçamente voltada aos benefícios
práticos da inserção no mundo da política partidária.
Vejamos, agora, quais são os objetivos de cada instituição religiosa com relação a sua
representação no universo político. Os depoimentos dos deputados e das lideranças
denominacionais são ilustrativos, revelando as percepções a respeito da importância de contar
com políticos ligados às instituições religiosas.
3.2.1 Motivações da Igreja Assembléia de Deus
A Convenção Nacional das Assembléias de Deus reuniu-se em 2002, no Rio de Janeiro,
para uma longa discussão sobre a postura que deveria ter quanto à relação entre a referida
denominação e a política institucional. Duas eram as questões em pauta. Em primeiro lugar, foi
debatida a existência ou não de benefícios em a igreja imiscuir-se na política. Diante do consenso
de que os benefícios eram importantes, uma segunda questão foi pauta da citada Convenção:
havendo a concordância quanto a lançar candidatos representando a Igreja, seria necessário
delinear as estratégias, decidindo sobre como essa participação dar-se-ia. Ou seja, discutia-se se a
Assembléia de Deus deveria ou não retirar de seus quadros pastores, outros líderes eclesiásticos
ou mesmo fiéis ativos para lançá-los como candidatos. Sobre esse ponto, houve forte resistência
por parte de muitos na Convenção
90
. Por fim, a Convenção Geral optou por continuar na política
institucional. Venceram aqueles que argumentavam existir a necessidade de se estabelecer um
90
Essa questão será especificamente tratada no ponto a respeito das resistências ao envolvimento das
denominações com a política institucional, quase ao final deste capítulo.
147
estreitamento na relação entre o mundo denominacional e a política institucional. O argumento do
grupo vitorioso foi assim descrito por João Ferreira Filho (falecido em 2004), ex-pastor-presidente
da Convenção Geral das Assembléias de Deus do Rio Grande do Sul:
O argumento é que se a Igreja é um potencial e nós votamos
em alguém que é nosso inimigo, inimigo do cristianismo, inimigo da
Igreja, então, [é] dos filhos da Igreja. Deveríamos tirar pessoas que
foram nascidas, geradas neste reino espiritual, que é a Igreja. Nós
somos humanos. Somos cidadãos da pátria. Então, o que prevaleceu é
que nós votamos em alguém e, depois, ele não corresponde, não fala a
nossa linguagem, não entende nem a nossa linguagem como cristãos,
como assembleianos. Então, esse argumento prevaleceu [acréscimo
nosso].
Assim, uma primeira motivação que orienta a Igreja Assembléia de Deus em sua
corrida a postos políticos foi definida por esse ex-pastor-presidente como a necessidade de
essa igreja ter alguém confiável que a represente, alguém que não seja “nosso inimigo,
inimigo do cristianismo”. Aqui, o não-cristão pode ser interpretado, mais precisamente, como
um não-assembleiano, em primeiro lugar; e não-evangélico, em segundo. Na visão da
Assembléia de Deus, há poder demais em mãos confiáveis de menos. A palavra confiável
está enlaçado, sob nosso ponto de vista, ao sentido de constituir-se em um canal de
preservação dos interesses institucionais das denominações. Esses interesses podem
desdobrar-se em várias direções: desde as ameaças do poder legislativo com relação ao
volume das caixas de som utilizadas nos cultos, até questões consideradas como afronta à boa
ordem e à moral, como, por exemplo, a permissão ao aborto e ao casamento entre
homossexuais. Em suma, possuir representantes estreitamente vinculados aos quadros
denominacionais significa ter pares em postos avançados, que defendam seus interesses e
convicções, além de servirem como prevenção e proteção em eventuais casos de ataques
considerados lesivos às denominações e/ou à moral.
Nas palavras do pastor João Ferreira Filho, essa questão é colocada da seguinte forma:
148
Eu acredito que ela [a Assembléia de Deus] é atingida pela
necessidade de se ter, lá no parlamento, uma voz que represente a nossa
Igreja para fazer parte das defesas. O senhor sabe que nós temos
inimigos nascidos de fora e outros nascidos de dentro do mundo. Então,
para que a Igreja fique mais conhecida e que haja representatividade,
até para ter esses contatos mais diretos com as autoridades, nossa
vontade, como igreja cristã, mesmo em defesa do cristianismo, [é que]
se levante uma voz no parlamento. Porque ser cristãos, hoje, para os
ateus e materialistas, é quase se expor ao ridículo. Então, eu acho que a
Igreja levou mais em consideração esse ângulo. Faz assim para que sua
voz apareça no parlamento em defesa dos princípios cristãos.
Esses irmãos que são preparados e qualificados politicamente,
eles vão trabalhar nesta área. Eles vão trabalhar em defesa, contra os
inimigos de fora. [...] Então, um deputado que é evangélico, como ele
vai atacar um inimigo de fora, que desdenha da Igreja e diz que o
cristianismo já era, sem ele ter conhecimento? Então, ele tirado de
dentro do mundo cristão, ele se prepara para enfrentar os inimigos de
fora, defendendo não só sua Igreja, mas o cristianismo. [...] Esse é,
então, o interesse maior da Igreja: que ela tenha uma
representatividade sua no parlamento da nação [acréscimos nossos]
Na compreensão desse pastor, a participação dá-se para defender (palavra que aparece
cinco vezes na fala) a Igreja (e o cristianismo). Mas essa defesa, dá-se pelo “ataque”, ou seja, a
Igreja não se defende ausentando-se das questões terrenas, mas através de um “levante” no
parlamento (“nossa vontade... que se levante uma voz no parlamento”). Assim, além de destacar a
visão de “inimigos” do cristianismo e da denominação, a atuação de parlamentares evangélicos é
vista como necessária para que esses políticos levantem suas vozes em favor do cristianismo, bem
como para funcionarem como elos entre a denominação e as autoridades políticas.
Encontramos melhor explicitada essa motivação nas palavras do atual presidente da
Convenção dos Pastores das Igrejas Evangélicas da Assembléia de Deus no Estado do Rio
Grande do Sul, pastor Ubiratan Batista Job:
Veja bem: nós tivemos, agora, uma situação que nos mostrou de
modo muito claro o quanto é importante os segmentos evangélicos
terem também os seus representantes. No novo Código Civil havia uma
interpretação no sentido de equiparar as igrejas às associações. Isso
traria muitas dificuldades e muitos questionamentos administrativos
149
aqui para dentro; muitas dificuldades mesmo. As igrejas deixariam de
ser uma entidade religiosa, como de fato são, e passariam a ser regidas
por toda a legislação que rege as associações. Então, por atuação dos
deputados evangélicos em Brasília, que são em torno de 60, essa
situação foi mudada, foi alterada. Então, qual é a nossa expectativa? É
exatamente em situações como essa, quando há decisões assim, que a
classe política está tomando sem conhecimento, talvez nem mal
intencionada, mas sem conhecimento de causa, sem ter exatamente a
consciência da repercussão que vai dar. Então, eles estão atentos e
buscarem o caminho que não nos cause prejuízo e uma dificuldade
maior. Fazer o exercício da nossa liberdade religiosa. Então isso para
nós, a nossa expectativa é essa. E, naturalmente, os evangélicos
primam, como todo cristão, por princípios cristãos, sadios, e não apenas
éticos, morais. E nós, por intermédio deles, que estão lá para legislar,
mas não há aquela cobrança, porque eles também são conscientes disso.
Essa formação eles também possuem. Nós temos, a nossa expectativa é
exatamente em situações como essa, especialmente essa que eu acabei
de mencionar. Havia, assim, por parte da legislação, uma situação de
grande constrangimento para o funcionamento das nossas igrejas e isso
foi mudado, graças a Deus. Então, nós vemos como importante, nós não
desprezamos, não nos envolvemos, mas vemos que é importante.
Portanto, de acordo com esse importante líder da Assembléia de Deus gaúcha, os
interesses da sua denominação são resguardados pelo seu representante político. De outra
forma, a instituição poderia ser prejudicada por decisões políticas, ainda que não fosse essa a
intenção dos detentores do poder.
Chama a atenção também a capacidade de mobilização dos evangélicos. Unidos em torno
de causas comuns, os referidos 60 deputados evangélicos, embora de denominações diferentes,
resguardam os interesses comuns das instituições religiosas que representam em âmbito federal.
A segunda motivação expressa pela liderança da Assembléia de Deus, a saber, a
questão ética, aparece, por exemplo, na fala do pastor Eliezer Bernhardt Morais, membro da
diretoria da Convenção Estadual do Rio Grande do Sul. Atualmente, ele também é o chefe de
gabinete do Deputado Estadual Edemar Vargas, integrante das fileiras da Assembléia de Deus
no Rio Grande do Sul. O pastor Eliezer posiciona-se da seguinte maneira:
Eu vejo que as igrejas, por um lado, no sentido místico-espiritual,
150
elas não precisam da política. No sentido da missão espiritual da igreja,
ela pode dispensar a política. Mas a igreja como um agente social, um
agente de contribuição para a sociedade, um representante dela no poder
legislativo ou de qualquer esfera do poder, ela é importante. Primeiro,
porque ele [o político evangélico] passa os valores cristãos e tem
condições de ter elementos com esta formação, com esta linha ideológica
para influenciar nas decisões legislativas, pensando sempre no melhor, no
bem comum e seguindo a linha cristã; dessa forma, trazendo estes valores
cristãos para serem inseridos no processo legislativo, nos projetos,
naquilo que vai fazer bem para a sociedade. Eu diria que não é a união do
Estado com a religião, não. Eu vejo, hoje, como sendo necessário as
igrejas terem uma representatividade muito grande dentro da sociedade.
Elas oferecem, para nossa sociedade, através de seu trabalho espiritual,
social e filosófico, um subsídio muito bom. Eu vejo esta atuação
parlamentar como um elo que liga uma realidade religiosa com uma
realidade político-administrativa [acréscimo nosso].
Nesse depoimento, fica explicitada, fortemente, a segunda motivação, que se encontra
no plano da ética. Entretanto, aqui, a ética não é entendida somente como antitética à
corrupção. Nas palavras desse pastor, ela é percebida como uma ideologia que deva ser
propagada para dentro das instituições legislativas, a fim de que o pensamento da linha
evangélica influencie as decisões de fórum legal, “como um agente de contribuição para a
sociedade”.
Nessa mesma linha, argumentou, o pastor Ubiratan Batista Job, pastor-presidente estadual.
Para ele, além da ética, um deputado evangélico deve preocupar-se com as questões sociais.
As questões que também envolvem a nossa sociedade são
graves. Nós temos muitos problemas e, naturalmente, o exercício do
mandato é buscando soluções para todas essas situações. Então nós
gostaríamos e temos expectativa de que eles desempenhem um bom
mandato e tragam uma excelente contribuição, não apenas para os
interesses das igrejas, mas para a sociedade de um modo geral. Não
deve haver distinção nessa parte. Eles estão aí para trabalhar em favor
do povo e da sociedade de um modo geral. A nossa expectativa é essa.
Agora, afirmar que todos tenham êxito nessa empreitada, é muito
difícil.
Outra questão relevante é que a representação parlamentar de um evangélico deve
propiciar subsídios para que o poder público tome conhecimento das ações sociais
151
empreendidas pela denominação. Mostra, assim, a relevância social da instituição religiosa,
nesse caso, da Igreja Assembléia de Deus. Para o pastor Eliezer Bernhardt Morais, essa
denominação tem trabalhado na conscientização de seus membros para que eles percebam que
a Igreja pode estar representada e deve ser bem representada
no legislativo como sendo uma entidade da sociedade. [...] O Brasil,
graças a Deus, é um país democrático. A gente tem seguranças
democráticas, mas eu creio que isso não é o suficiente. Eu creio que
existem outros avanços que precisam ser feitos e, por isso, nós
estamos participando da vida política. São necessários avanços na área
social, na área educacional. Por exemplo, quando Lula fala, hoje,
sobre a Fome Zero
91
, é importante que se diga que as igrejas,
especialmente a nossa Igreja, há mais de cinqüenta anos, nós fazemos
um trabalho em Porto Alegre e no interior do Estado na área da
alimentação. [...] Nós temos um trabalho com crianças de rua, bem
como no amparo à velhice. Temos, inclusive, uma clínica para
crianças aidéticas, crianças portadoras do HIV. Tem sido gratificante
trabalhar nesta área. Então, a Igreja tem contribuído muito com a
sociedade. Acho que há ainda por fazer. Mas unindo o poder público,
na sua condição de gestora dos recursos públicos, e a Igreja, com sua
vocação, acho que é uma união muito boa e muito propícia. Portanto,
esta aproximação é muito interessante, porque senão a gente fica
escondido e o Estado não toma conhecimento. Com um parlamentar,
dizendo isto, falando sobre isto, ou seja, ocupando a casa Legislativa,
o Estado começa a tomar conhecimento destas ações que são
realizadas pela Igreja.
Nessa fala, além da ênfase na ação social da Igreja, percebe-se que o envolvimento
político funciona também como vitrine das propostas da instituição religiosa.
A Assembléia de Deus, ainda conforme o pastor Eliezer, não se pode limitar à
exposição da Igreja. Em sua prática parlamentar, precisa deixar claro a que veio. Sua linha de
trabalho transparece quando esse pastor segue falando das expectativas da denominação
quanto a seu envolvimento político:
91
O Fome Zero constitui-se de políticas públicas que pretendem oferecer a todo cidadão brasileiro o
acesso a uma alimentação adequada. Para tal, conta com ações envolvendo as esferas federais,
estaduais e municipais, bem como a iniciativa da sociedade como um todo (Betto, 2004).
152
A primeira expectativa que a Igreja tem é que ela [a Igreja]
represente bem o segmento. Ou seja, que ela traga, para o Legislativo,
ações que não sejam apenas de benefício próprio, mas traga os anseios
da Igreja. Em primeiro lugar, queremos que a nação seja abençoada
por Deus. Que este deputado seja uma luz, que ele procure
resplandecer um sistema que, nós vemos hoje, é muito delicado. Em
segundo lugar, são os projetos que a Igreja gostaria de ver no
legislativo. No meio desta avalanche de ideologias, filosofias anti-
cristãs, que desestruturam a família, que desestruturam a sociedade,
que o representante esteja sempre atento. Os deputados evangélicos
estão sempre muito atentos a projetos que venham inibir a propaganda
do cigarro, por exemplo, ou o uso dos cigarros nas escolas, o auxílio a
dependentes químicos. É preciso estar voltado para este segmento, que
tem sugado os nossos jovens, os nossos adolescentes, nossas crianças,
e que tem desestruturado famílias. A Igreja espera que estes deputados
atuem nisto. Eles estão, aqui, justamente para formular leis, para que
ajude nossa sociedade. Se o ser humano não abre o coração para a
Palavra de Deus, pelo menos que a sociedade crie cerceamentos para a
escalada do uso de drogas. O álcool não traz felicidade para ninguém.
Com dois ou três copos, ele pode provocar um acidente, colocando em
risco a família dele ou a família de terceiros. Então, nós, da
Assembléia de Deus, temos esta expectativa. Não queremos que ele
seja o puritano, mas trazendo o modelo. Aliás, nós temos tentado dizer
para a Igreja que o deputado não está aqui para dar cem reais para um
ou outro. Isto nós temos tentado dizer: que não estamos aqui para o
clientelismo. Nós estamos aqui para legislar e, quando nós legislamos,
nós representamos todos. Então, eu creio que estas são as expectativas
grandes da Igreja. É claro que a Igreja espera também que o
cristianismo, os valores morais, os valores éticos, os valores
espirituais, que estão na Bíblia, também perpassem nossa legislação.
Pode-se depreender das afirmações acima, que se espera do representante político da
Assembléia de Deus a defesa de temáticas que o coloquem como um diferencial ético em
meio a seus colegas parlamentares.
A dependência química merece ênfase especial, por ser entendida no meio evangélico
como uma das causas geradoras da desestruturação pessoal e familiar, resultando também em
problemas sociais.
Semelhante posicionamento foi tomado pelo pastor Geraldino da Silva, assessor do atual
pastor presidente da Convenção Estadual, Ubiratan Batista Job. Esse assessor frisa a contribuição
que a Igreja pode dar ao campo político, da qual, a seu ver, não se pode furtar. Diz ele:
153
A política e a religião bem podem caminhar juntas. Nas duas,
existe um objetivo. A nossa visão como Igreja é de restaurar a
criatura, que está caída, distanciada de Deus, mostrar o homem caído e
a salvação em Jesus. O político procura achar meios para que essa
criatura, ela saia daquele sofrimento. Ele cria o momento,
oportunidades, para que esse ser humano, que nós também estamos
trabalhando por ele, saia do caminho. É uma engrenagem. É algo que
um coopera com o outro. Se nós tirarmos um homem da sarjeta e
chega um partido político, um poder que está dominando, e coloca
aquela pessoa a trabalhar, a ter uma família, a ter um lar. Ou seja, a
Igreja faz a parte dela; e a administração política, a dela. E aí o
cidadão é realizado e há sensação de prazer.
Lidando com problemas comuns, está aí expressa a visão de que existe e é possível
estabelecer-se uma parceria entre a Igreja e o poder público de forma complementar. Convém
assinalar que essa fala reconhece, de certa forma, a abrangência e a limitação de cada esfera -
religiosa e política -, o que não significa a ausência de interações. Ao contrário, para o pastor
Geraldino, se a Igreja consegue tirar alguém da miséria ou mesmo da situação de rua, mas não
puder oferecer-lhe horizontes de esperança e fonte de renda própria, o trabalho da instituição
fica prejudicado e resulta em pouca eficácia. Nessa manifestação pode-se entrever uma
significativa preocupação com questões de ordem sócio-política.
Assim como na fala do pastor Eliezer Bernhardt Morais, do ponto de vista do pastor
Geraldino da Silva, a política é percebida como uma possibilidade de moralização e de
fortalecimento da família, da sociedade e da Nação.
Nós somos defensores da família. Eu tenho admirado muito a
Igreja Católica. É porque eu sou pastor da Assembléia de Deus? Não.
Eu sei fazer avaliação. E eu tenho visto que a Igreja Católica tem
muitos pontos que a Igreja Católica tem defendido, que são
verdadeiras bandeiras de pureza, rapaz, porque se essa nação não
buscar, se nós não tivermos freios nessa avalanche de imoralidade, a
família está sendo destruída. Nós somos famílias que não vamos ter
nação. Está sendo buscado desfazer essa instituição. Então, nós
tememos, e muito, esse problema do homossexualismo, dizendo que
as igrejas são contra essas pessoas. Não, nós não somos contra o ser
humano, mas nós somos contra o hábito. Está escrito na Bíblia. [...]
Não é, então, nós entendemos, como igreja, que o ser humano merece
154
o nosso respeito, o nosso carinho, as nossas orações. Não vamos
discriminá-los, mas, lá dentro de nosso sentimento evangélico-cristão,
isso não serve. Para nós, isso é uma coisa que deturpa a nossa conduta.
E outras, e outras, e outras coisas. Também a corrupção. Então, nós
queremos o quê? Nós temos uma bandeira: o que o povo nos cobra
como evangélicos. Qualquer coisa que aparece no evangélico explode
na mídia, porque nós somos moralistas. Nós cobramos do povo, nós
exigimos. Ainda que eu não vejo porque uma pessoa tem que ser
membro da Assembléia de Deus para ser honesto, para ser puro. Acho
que isso tem que ser de qualquer cidadão. E é claro que, dentro da
Igreja, nós cobramos isso, esse tipo de conduta. Agora, não, para ser
sincero, para ser honesto, para ser um homem de verdade, um pai de
família, não precisa ser da Assembléia de Deus. Todo cidadão tem que
ser. Se é norma? É, não é? Então é esse lado que se tem, eu percebo.
Claro que eu não posso estar lá em nome da Convenção Geral. Não
estou falando em nome da Convenção Geral. Estou falando a minha
opinião. Da Convenção Geral, eu não posso dizer qual seria esse
momento que levou eles a tomarem essa iniciativa. Mas eu tenho para
mim que é um caminho de salvaguardar a nossa Igreja também, a
família. Porque a gente sabe que um país é forte quando tem também
uma estrutura familiar forte. E o nosso grande desejo é que a família
não seja destruída. E é através da forma como está entrando, a gente
se deprime. A gente olha nos jornais e vê a forma de vida que nossos
irmãos vivem, a nível de Brasil, a nossa juventude brasileira. Presídios
sem fim sendo construídos: o que vai ser da geração futura? Eu tenho
vontade de chorar. Os nossos jovens estão entrando nas drogas, a
prostituição, a impureza. Como está a estrutura? Por que eles são
assim? Porque os pais deles, coitados, talvez estejam presos ou estão
numa situação de miséria. Porque nós, como Igreja, vimos, nós temos
que tentar resgatar a família, salvando a família. E eu quero dizer uma
coisa, sou testemunha disso: o evangelho transforma, muda a sua vida.
A família vem, passa por uma estruturação e volta para a comunidade,
e aí volta estruturada, segura.
A ênfase dada à preservação da família, vista como instituição fundamental no
convívio humano e marcada pelo modelo cristão de vida, chama a atenção por sua recorrência
nas falas dos entrevistados (naturalmente apenas poucas reproduzidas neste texto). Além da
importância dada ao convívio familiar saudável, a igreja – e, portanto, os políticos
evangélicos, por extensão – é apresentada como relevante sustentáculo, capaz de evitar
fraturas no modelo familiar e na reconstrução das famílias já danificadas.
Além disso, vemos nessas afirmações, que a questão ética expressa pelas lideranças da
Assembléia de Deus é de cunho amplo, na medida em que, para elas, a preocupação dos
155
políticos evangélicos deve ser profunda, procurando englobar o todo da sociedade. Visa-se o
bem comum. Parece-nos evidente que essa visão está baseada, fundamentalmente, em
questões de ordem moral e de solidariedade social. Saliente-se que, em sua visão moral, os
problemas sociais são decorrentes da ausência de moral.
Essa postura, no entanto, coloca a Igreja na vitrine (“qualquer coisa que aparece no
evangélico, explode na mídia”). Isso fecha o círculo das duas ênfases: por ter deputados
evangélicos, espera-se a defesa e a postura ética, o que os coloca “na vitrine” e, portanto, leva
a Igreja a escolher cuidadosamente seus representantes, justamente porque estão vinculados à
Igreja e, em ocupando cargos públicos, estarão expostos.
3.2.2 Motivações da Igreja do Evangelho Quadrangular
Destacando-se pelo grau de organização de sua articulação política, o que se viu em
subtítulo específico, a Igreja Quadrangular possui motivações bastante claras para o exercício
de cargos políticos por parte de seus membros. Essas motivações foram explicitadas pelo
coordenador da campanha do pastor Reinaldo Santos e Silva para a Câmara Federal, pastor
Melquisedeque Chagas
92
. Para ele, as razões para o envolvimento com a política partidária
são muito simples. Fundamentalmente, são três os motivos impulsionadores da Igreja
Quadrangular ao envolvimento político, os quais se interconectam. Inicialmente, trata-se da
possibilidade de ampliar e incrementar a estrutura dessa denominação evangélica. A segunda
92
Melquisedeque Chagas é pastor-assessor da direção estadual da Igreja Quadrangular e desenvolve
seu pastorado na Avenida Sertório em Porto Alegre. Estudou em São Paulo e em Princeton – Estados
Unidos. Tornou-se especialista em marketing operacional e atuou como consultor na área operacional
de empresas como Carrefour, Gessy, Rede de Shopping Iguatemi, O Boticário, Mc Donalds,
Marcopolo, entre outras.
156
motivação advém da convicção da necessidade de haver ética na política, com o que, a seu
ver, a Igreja pode contribuir. Isto é, o mundo da política é percebido como um espaço
contaminado pela corrupção, pela ausência de honestidade. E, por fim, refere a percepção de
que a Igreja Quadrangular necessita ser um grupo de pressão, entre muitos outros grupos de
igual função, no universo do poder político.
Com relação à primeira e à segunda motivações, isto é, a estratégia de ampliar a
estrutura da própria Igreja e de ser um baluarte contra a corrupção, o pastor Melquisedeque
Chagas expressou-se da seguinte forma:
A política sempre fascinou o homem. É uma coisa que é do ser
humano. Os grandes filósofos trataram a política como elemento da
vida. A política abre portas e ela dá oportunidades para a entidade
Quadrangular, para que ela tenha muito mais estrutura. O Brasil ainda
é considerado um país católico, apesar dos evangélicos estarem
crescendo assustadoramente. Daqui a dez anos, nós vamos ser 50% da
população brasileira. Então, isso tem assustado, não só organizações
brasileiras, como internacionais. Que problema o evangélico traria se
ele chegasse ao poder? Muitos. Você sabe que, por trás do sistema
político, existe muita corrupção. Brasília é uma cachoeira de
corrupção. Um deputado federal tem nas mãos de dois a três milhões
[de reais], por ano, de verbas para aplicar em algum município.
você vê: se um empresário tem uma fábrica e ali perto tem uma ponte,
é fácil você chegar ao empresário e dizer: eu vou consertar essa ponte,
mas o que eu ganho com isso? Então existe lobbies, existe tudo isso.
A política traz isso junto. Então, um evangélico na política, ele,
evidentemente, ou ele vai despencar e tornar-se um baita de um
corrupto, ou ele vai tentar ser puro. E ele tentar ser puro em um
ambiente altamente contagioso e contaminado, isso, hoje, ia destruir
muitos acordos que acontecem por detrás dos panos. Um evangélico,
hoje, no poder, ele traria muito mais problemas para uma nação do
que um ímpio, um sujeito comum [acréscimo nosso].
Observe-se, nesse relato, uma lógica de contracultura, na qual se entendem esses
evangélicos. Percebem-se como contrários ao padrão vigente – tido como lugar corrupto, que
não busca o bem da sociedade, mas interesses próprios. Os evangélicos estão na política,
porém não se vêem como semelhantes aos demais políticos, os não-evangélicos. Os
157
representantes da Igreja se auto-referenciam como o baluarte da ética na política.
Mesmo que a ética tome um grande espaço na resposta desse pastor, é possível
perceber que um dos objetivos da Igreja Quadrangular para se inserir no mundo da política
institucional é aproximar-se das possibilidades que os cargos públicos oferecem para melhorar
e aumentar a estrutura da instituição religiosa. O assessor entende ser legítima essa
participação política, uma vez que, se não forem os evangélicos a ocuparem os cargos, outros
o farão. Salienta o aumento do número de evangélicos no Brasil, incluindo, aqui, todas as
denominações que seguem esse credo, o que mostra sua importância como volumoso
agrupamento religioso a compor a sociedade brasileira, como demonstramos, brevemente, na
Introdução deste estudo. Dá a entender que é mais legítimo que a política seja exercida por
quem está crescendo que por quem, aparentemente, está em fase de encolhimento, insinua no
tocante aos católicos.
Como vimos, a ética é a segunda motivação da Igreja Quadrangular ao exercício da
política partidária. O que fundamenta a ética defendida pela Igreja Quadrangular, motivando-a
a envolver-se no plano político, pode ser lido nas palavras de Humberto Leal, pastor em São
Leopoldo. Como ministro dessa Igreja há 40 anos, ele próprio já foi candidato a vereador na
cidade de São Leopoldo e participa ativamente das discussões eclesiásticas sobre o
envolvimento dessa Igreja em campanhas eleitorais. Diz ele:
A Igreja tem que separar uma coisa da outra [igreja e política].
Ela tem que separar política da parte do trabalho do Reino de Deus.
Tem que separar. São duas coisas distintas. Mas elas podem caminhar
juntas. E é importante, evidentemente, a participação da Igreja, porque
a Igreja, tendo políticos conscientes, que temem a Deus,
evidentemente que a sociedade que vai ser abençoada. Porque a
própria Bíblia diz: ai daquele que faz leis injustas. O profeta Isaías
fala isso. Então, o político que serve a Deus, que é fiel a Deus,
evidentemente que ele não vai permitir, que ele não vai apoiar leis
injustas, não só contra a Igreja, mas contra o cidadão, contra as
pessoas. Então, é muito importante a participação do povo evangélico
158
que tem conhecimento do Reino, da palavra de Deus, e ele contribui
muito para o mundo, para as pessoas, porque ele, em si mesmo, como
político, ele continua sendo um servo de Deus. [...] Então, quando
uma pessoa honra a Deus na Assembléia Legislativa, na Câmara
Federal, no Senado, numa Presidência, no fim, todo mundo ganha. É
isso aí que eu penso [acréscimo nosso].
Nesse trecho da entrevista, o pastor Humberto Leal frisa a base bíblica da atuação
parlamentar, referindo-se ao livro sagrado dos cristãos também como impulsionador do
engajamento político dos fiéis. Para ele, a Bíblia, ela própria, estaria convocando, de certo
modo, o crente a envolver-se nos espaços em que as leis são criadas, de modo a impedir
injustiças.
Uma frase lapidar foi proferida como sendo a síntese daquilo que a Igreja
Quadrangular se propõe a fazer ao adentrar o espaço das funções político-partidárias. Segundo
Adair Rocha, que, além de pastor, é vereador e presidente da Câmara de Vereadores de
Portão, a Igreja acredita ter uma contribuição ética a dar, porque “se olha pra pessoa como
Igreja, como uma instituição séria, séria, que vem pra fazer a diferença”. O adjetivo “séria”
foi usado para resumir o oposto do que seria o ambiente corrupto e antiético que,
supostamente, se encontra em políticos não-evangélicos. O articulador político da Igreja
Quadrangular no Estado entende que sua denominação pode e pretende fazer a diferença,
referindo-se à proposta ética do seu fazer político.
Para ilustrar o que significa marcar a diferença através da ética, o pastor Adair Rocha
contou sua trajetória política. Embora estivesse bem integrado no partido que o elegeu ao
primeiro mandato como vereador, optou por desfiliar-se do mesmo, inclusive permanecendo
sem novo vínculo partidário por um tempo. Essa decisão deu-se em virtude de
comportamentos do então presidente do partido, considerados lesivos à boa imagem ética que
um político evangélico precisa ter, ainda mais em se tratando de um pastor. Segundo Adair
Rocha, essa atitude foi necessária para manter a coerência em sua candidatura:
159
Nós tínhamos um presidente. Ele tinha alguns problemas com
álcool, problemas com violência, e eu achei por bem de não
permanecer no meio, porque não era, a minha visão não era aquela.
Não me sentia bem no meio de pessoas que não, não tinham a índole
como eu esperava. E deveria ter, porque se tratava de um partido
político, e eu, como pastor evangélico no meio de pessoas assim, que,
de repente, não dava certo, não fechava.
O pastor Humberto Leal analisou o que motiva a Igreja Quadrangular a exercer cargos
políticos, dizendo:
Eu acho que, tendo uma voz lá para falar em defesa de um
segmento é muito importante. Se não tiver uma voz, quem vai falar,
quem vai defender? Então, eu acredito que o representante da Igreja
Quadrangular seria um representante do povo evangélico. Ele estaria
defendendo os direitos de qualquer igreja evangélica, não só da
Quadrangular. Estaria sendo representante do povo de Deus e do
cidadão que não é evangélico também, evidentemente. Não iria deixar
de atendê-lo, porque fazemos parte de uma mesma comunidade, de
uma mesma sociedade. Mas, a princípio, é preciso ter, eu creio, um
representante.
Na voz desse membro do clero gaúcho da Igreja Quadrangular, encontra-se expressa a
terceira motivação para a inserção no campo político: a de representar, não apenas os próprios
membros ou a instituição, mas a comunidade evangélica em geral, além da população como
um todo.
O pastor-assessor Melquisedeque Chagas reforça o lado prático da representatividade
de sua denominação na política. Sua forma direta chega a causar algum espanto. Para ele,
o que fez a Quadrangular entrar na política é que todas as
organizações têm que ter o seu representante: os homossexuais têm os
seus, os bichinhos também têm, até o PCC tem os seus deputados. Por
que nós não podemos ter, já que nós temos um curral eleitoral, temos
um povo centrado nas mãos? Nós temos tudo: temos um povo, temos
um reduto, temos uma credibilidade dentro desse reduto. É isso que
preocupa o setor não-evangélico. Um deputado, hoje, para se eleger,
gasta uma fortuna. Nós não gastamos nada. Não gastamos nem cinco
mil reais na campanha [para Deputado Federal]. Você viu outdoor?
Não teve outdoor do nosso candidato, não teve plaquinha, não teve
160
nada. Mas nós temos o essencial, que é o povo. Nós precisamos ter a
segurança de poder trabalhar, de exercer a função, de poder ter a
liberdade de culto. E você, estando no poder legislativo ou executivo,
você pode impedir certas leis, você pode forçar certas leis. Então, o
poder é o poder [acréscimo nosso].
A grande aposta dos evangélicos tem sido a sua credibilidade. Convocados, os fiéis
dessas Igrejas costumam apoiar os candidatos das denominações. Esse tema será mais
cuidadosamente abordado no capítulo 5. Cabe referir aqui, no entanto, que a credibilidade
citada pelo entrevistado é vista como um fato com o qual as Igrejas podem contar em suas
campanhas. Baseadas nessa, alegadamente, sólida confiança, o custo e as estratégias de
campanha se diferenciam de outros candidatos, não-evangélicos. Podendo dar-se ao luxo de
prescindir de altos investimentos financeiros em suas campanhas, os evangélicos valem-se do
contato interpessoal e intradenominacional como o meio privilegiado de divulgação das suas
candidaturas. Admitem, nas entrevistas, que o ambiente eclesial é, simultaneamente, o berço e
a alavanca propulsora das campanhas. O espaço religioso torna-se, também, o local de
persuasão política da membresia.
Na fala anterior, fica explicitado muito mais do que apenas uma das motivações da
Igreja Quadrangular para o envolvimento político. Torna-se, igualmente, clara a visão dessa
denominação acerca da política. Ou seja, a seu ver, a política institucional está aí para servir
aos interesses de grupos de pressão. Quanto mais representantes houver, maior pressão será
possível fazer, resultando no incremento de mais benefícios a que terá acesso.
3.2.3 Motivações da Igreja Universal do Reino de Deus
A necessidade de integrar-se no campo político-partidário é aceita de forma ampla na
Igreja Universal. Convicto de que motivos não faltam para que a Igreja Universal adentre o
161
espaço da política partidária, o pastor e vereador em Porto Alegre Almerindo da Rosa Filho
93
entende o papel de sua denominação nesse campo como segue:
O principal motivo de, no caso, de um pastor estar na política
não é simplesmente estar na política. É que, muitas vezes, as igrejas
evangélicas, elas são muito perseguidas, por barulhos nas orações,
pela maneira que se conduz um culto, pela perseguição que existe de
não querer, “bom, nesse lugar aqui não vai ter uma Igreja”, aquelas
perseguições normais da maioria, principalmente com o povo
evangélico. Então... e também pra fazer um trabalho também no
município, com aquele povo, com aquele pessoal, que não é da Igreja.
Mas o principal motivo é a defesa do Evangelho. É claro que eu,
conhecendo a Câmara, sendo vereador [...], eu vejo que não é só os
evangélicos que precisam de apoio, e, sim, toda a população de Porto
Alegre [...].
O principal motivo de um pastor sair do altar e ir pra política é
pra ele defender a Igreja... Porque existem, em algumas cidades, leis,
que não vem ao caso citar agora, que prejudicam o andamento de uma
Igreja. [...] Há discriminação com as Igrejas. Então, devido a esses
pequenos problemas, a essas pequenas dificuldades no andamento da
obra do Senhor Jesus, é que nós resolvemos a defender o Evangelho.
É claro que, quando eu entrei na Câmara, quando eu comecei a
conhecer a política, a ver os projetos, a ver a necessidade das vilas,
porque eu também já conhecia as vilas pelo trabalho evangelístico, ver
a dificuldade na habitação, no transporte, na saúde, é claro que eu
achei a política interessantíssima. E eu vou também lutar,
paralelamente, junto pra abençoar esse povo que não é da Igreja,
também, o povo de Porto Alegre.
Defender o evangelho pode ser entendido, a nosso ver, como assegurar que o
funcionamento da instituição religiosa não venha a ser prejudicado por leis que lhe limitem a
liberdade de culto ou em outras questões de sua organização. Portanto, estar onde a legislação
é concebida e cobrada parece ser o caminho mais curto para não ter que padecer sob suas
determinações.
93
Entrevista concedida ao professor Dr. Ari Pedro Oro. Sempre que se fizer referência ao pastor
Almerindo, será tomada por base a citada entrevista.
162
O discurso persecutório é uma das marcas da Igreja Universal, que se entende
injustiçada e perseguida pela mídia, pela opinião pública, pelo mundo acadêmico, pela forma
como a legislação é aplicada contra ela, entre outros. Em algumas entrevistas foi citada a
recorrente comparação entre os templos da denominação e as discotecas. A exigência quanto
ao volume do som seria impiedosamente aplicado contra os primeiros, ao passo que, para as
danceterias, as autoridades e a vizinhança sempre se mostrariam condescendentes.
As motivações da Igreja Universal ao exercício político foram explicitadas pelo
deputado federal Paulo Gouvêa (coordenador político da Igreja Universal no Rio Grande do
Sul) e pelo deputado estadual Sérgio Peres
94
. Esses dois legisladores são típicos políticos
advindos das fileiras dessa denominação. Quer dizer: trata-se de pastores chamados,
nominalmente, pela direção estadual da Igreja em questão para atuarem como políticos, tendo
como garantia o apoio da instituição religiosa e seus votos. Para o deputado e pastor Paulo
Gouvêa
95
, a Igreja
iniciou este processo [de envolvimento com a política] que, eu diria,
paralelo, separado, mas paralelo ao processo de evangelização. Na
verdade, não temos aquela pretensão de atingir poder, de galgar a
escala do poder pelo poder. A Igreja tem a simples visão de que
facilita o trabalho. O caso, aqui, da construção da catedral agora: nós
temos todo aquele processo que tem que passar pelos órgãos da
prefeitura. O pastor não tem a obrigação de ser uma pessoa preparada
para ir lá e mexer com este tipo de coisa. Muitas vezes, tu não tem um
profissional qualificado naquele assunto. E tem um detalhe: a Igreja
não gosta de terceirizar nada. A Igreja gosta de contar com seus
próprios participantes diretos [...]. Nós temos uma visão muito prática.
Nós somos adversários ‘número um’ da burocracia. Nós detestamos a
burocracia. A vida das pessoas já é difícil por si. Então a gente
94
Sérgio Peres foi o segundo deputado estadual eleito a partir da Igreja Universal no Rio Grande do
Sul. O primeiro foi Paulo Moreira, de quem foi retirado o apoio institucional após o mandato. Ele
tentou reeleger-se sozinho, fracassando em seu intento. Retomaremos essa questão no capítulo 4.
95
Entrevista concedida ao professor Dr. Ari Pedro Oro. Todas as inserções de falas desse deputado no
presente texto são oriundas dessa entrevista.
163
procura encurtar, no máximo, o caminho pra tudo. Nós não gostamos
de nada pra ontem. Nós somos muito objetivos, muito práticos, muito
diretos. A Igreja é assim. A visão da Igreja é essa. [...] A nossa visão é
essa. E a Igreja, como é muito objetiva na sua dimensão de trabalho,
ela precisa dessas peças. Quando precisa de resolver algum assunto
que não tá dentro da área do pastor; bom, tem o deputado. E nós
somos pastores também. Estamos incorporados a essa vontade de ver
o trabalho da Igreja andar, crescer. O objetivo fundamental da Igreja é
fazer com que todas as pessoas conheçam Jesus. Esse é o trabalho.
Tudo circula pra chegar nesse ponto. Nós usamos televisão, rádio,
tudo isso, porque nós temos essa visão prática [acréscimo nosso].
A necessidade de possuir representantes no campo político, portanto, dá-se com vistas
a resolver problemas institucionais da Igreja Universal. Embora faça referência à missão
evangelizadora da Igreja, dizendo que o objetivo da denominação é que “todas as pessoas
conheçam Jesus”, esse ponto parece secundário em relação às questões pragmáticas da Igreja
Universal. Esse deputado e pastor dá a entender que o pragmatismo constitui-se no ponto
nevrálgico a definir a importância de inserir pastores de seus quadros nas instâncias do poder
político. Soma-se ao senso prático a sugerida falta de confiança em quem não integra suas
fileiras. Adotando a postura de não “terceirizar” suas questões, a Igreja Universal mostra-se
centrada em sua própria instituição.
Também demonstrando o citado pragmatismo, o pastor Luciano, da Igreja Universal,
expressou-se de modo singelo ao ser perguntado se a Igreja deveria preocupar-se com a
política:
As pessoas, que são elegidas, são membros, [...] pastores, e eles
também freqüentam. Eu acho importante para eles defenderem as
nossas idéias. Eles vão lá e expõem a idéia que a gente tem, aqui dentro,
da política. Também, porque a gente tem muitos problemas políticos e
eles podem defender o povo. [...] A religião, em si, não digo que a
religião, em si, vai se preocupar, mas a gente se preocupa, porque
muitas igrejas já foram fechadas por causa da política, por causa do
som. Algumas coisas assim, politicamente, que a gente não tinha
conhecimento. Então a gente não tinha um representante. A partir do
momento que tem um representante, ele pode defender a nossa idéia.
Aí, então, ele pode expor, porque a gente faz isso aqui, as nossas idéias.
164
Estão em jogo os interesses da denominação, mais especificamente, problemas
práticos enfrentados pela instituição, tais como o já citado volume do som. Portanto, cabe ao
representante político “defender a nossa idéia”, isto é, fazer valer as suas liberdades e garantir
sua autonomia e suas vantagens enquanto instituição religiosa.
A ligação entre o envolvimento na política e possíveis benefícios financeiros é
refutada pelo pastor e vereador Almerindo, que insistiu:
O objetivo é o próprio Evangelho, dinheiro não é, porque,
apesar da Igreja ser uma Igreja que cresceu com o tempo e abriu
vários templos, o objetivo em dinheiro não é... Então, o objetivo
principal da Igreja, não há dúvida, não preciso perguntar pra ninguém,
pra nenhum líder acima de mim na Igreja, que é o Evangelho, a
palavra de Deus. [...] No campo político, é a defesa do Evangelho,
sim, e se há um crescimento maior na Igreja Universal, apesar de eu
não conhecer as outras, é porque há muito união entre nós.
O pastor relaciona o crescimento da Igreja Universal à união de seus fiéis. Os aspectos
financeiros são descartados em sua análise. Mesmo no que se refere às motivações para que a
denominação amplie seu espaço no ambiente político-partidário, o fator econômico não seria,
na opinião do entrevistado, um impulsionador para esse envolvimento. Contudo, isto não
significa dizer que o vereador desconheça outros benefícios advindos da inserção de sua
instituição religiosa na política institucional.
Um detalhe que chama a atenção na fala do pastor Almerindo é a referida
desnecessidade de falar com alguém da hierarquia da Igreja para responder sobre o objetivo
da instituição em engajar-se nos cargos políticos. Sugere que não haverá problema em que ele
mesmo se posicione a respeito, já que acredita conhecer a resposta. Essa fala encontra-se em
harmonia com o clima de controle de informações encontrado ao longo de todo o período da
pesquisa. Foram poucos os momentos em que pessoas falaram livremente de suas idéias
dentro da Igreja Universal.
165
Nas palavras do deputado estadual Sérgio Peres, a Igreja Universal estimula seus
pastores a se tornarem parlamentares, pois
toda entidade tem alguém representado. Todos têm. Você vê padres
que são vereadores, até prefeito parece que tem. E assim é todos:
umbanda, quimbanda, candomblé. Todo tipo de entidade tem seus
representantes. E nós temos os nossos votos, o nosso povo fiel. E nós
temos que votar. Nós somos democráticos, somos pela lei. Não
aconselhamos a ninguém votar em branco. Tem que votar. Ninguém
pode perder a esperança, tem que crer. E por que não votar num que
está junto com o povo, que trabalha, que tem dado a vida, que tem
atendido, que tem mostrado a elas sua sinceridade, o caráter? Então, o
tempo de votar em outro candidato, em outro parlamentar [passou],
vamos escolher o nosso para nos representar lá dentro, até mesmo pra
poder representar, pra mostrar que uma igreja não é fechada, não é
tapada. Ela tem visão política. Tudo, hoje, passa pela política. Até
mesmo o pão que nós comemos hoje, a farinha, o trigo, são decisões
políticas. Então, a Igreja tem que ter alguém que venha debater, que
venha estar por dentro, que possa criar projetos. Tem projetos que não
têm nada a ver com a Igreja. Tem projetos que eu faço que a Igreja
nem tá sabendo [acréscimo nosso].
A segurança de que os fiéis de sua Igreja votarão no candidato indicado pela
instituição está ligada à forma como as candidaturas são apresentadas. Os dirigentes da Igreja
Universal costumam propor a seus membros um pacto em torno do nome sustentado pela
instituição.
Nessa entrevista, transparece também a relação entre a fé e o ato de votar. O deputado
fala do voto como sendo um passo de fé e de esperança. Aponta, dessa forma, para uma
relação direta entre a religião e a política. Além disso, ao dizer que a Igreja Universal não
aconselha seus membros a votarem em branco, provavelmente está se referindo à Igreja Deus
é Amor, que chega a proibir os membros a votarem e a envolverem-se com política.
O ex-líder de movimentos sociais Dilmair Montes dos Santos, membro ativo da Igreja
Universal, vê como fundamental que a denominação assuma seu lugar no campo político.
Descreveu essa concepção da seguinte forma:
166
Jesus também conviveu no meio dos ladrões, dos bandidos,
dos assaltantes e de tudo que é tipo de gente. Nós temos a nossa tarefa,
até porque nós somos seguidores de Jesus, a gente tem que estar em
todos os meios. [...] Nós, da Igreja Universal, temos uma proposta
radical para transformar a sociedade e para construir uma grande
nação. [...] É uma proposta radical, na medida em que ela fala coisas
que a sociedade acha normal. Ela prega contra os vícios, contra as
drogas, contra o alcoolismo, contra o adultério, que, na sociedade
brasileira, é algo comum. [...] Pra Igreja Universal, isso não é comum.
É obra do demônio, é o devorador.
É importante que os evangélicos estejam na política, mesmo no
esporte, em todas as atividades profissionais. [...] As pessoas perguntam
por que é que os religiosos têm que estar na política? Nós temos que
estar, nós temos que atuar em todo lugar. Já pensou se, de repente, a
humanidade não tivesse uma crença em Jesus, assim como Pilatos, e
lavasse as mãos? Porque essa atitude dele foi uma atitude política naquele
momento. Quer dizer: ele poderia ser um carrasco para os judeus naquele
momento. Ele, politicamente, jogou para que a sociedade da época
julgasse. Ele se achou sem poder para julgar. E, no próprio período em
que Cristo viveu neste mundo, existiam políticos, governadores, generais,
que também tinham essa mesma visão espiritual.
Em nome de uma proposta que se entende moralizante, aqui descrita como radical, a
Igreja Universal se apresenta como um diferencial no campo político. Referenda sua posição
nos tempos bíblicos. Dilmair atribuiu a própria morte de Jesus Cristo a uma omissão política.
Fica claro que não ser ativo na política é também um ato político. Assim, longe de manter-se
isolada de seu contexto, cabe à Igreja estar onde os problemas ocorrerem, avaliou Dilmair,
assumindo um papel ativo na política e na sociedade.
Ao abordar o intercâmbio entre o campo religioso e o da política, um tema
particularmente delicado e interessante se faz presente. Trata-se da questão do poder. A esse
respeito, o deputado estadual Sérgio Peres disse:
Nós, da Igreja Universal, não temos ambição de poder. Jamais
queremos poder. Nós queremos apenas trabalhar tranqüilo. Mas a
omissão do poder não está na gente. Pois quem tinha essa omissão, caiu
feio. Então, não é nossa missão o poder, mas, sim, trabalhar, poder
representar a sociedade, poder representar os evangélicos e todo o
Estado, porque a gente não é só representante dos evangélicos da Igreja
167
Universal. Os projetos que eu tenho aqui, nenhum é para os
evangélicos. Tem um aí que foi lançado sobre o ICMS dos templos
religiosos, porque a Igreja Católica não paga. Eles não pagam; e os
evangélicos todos pagam. Como nós somos uma entidade que tem
ajudado as pessoas sem fim lucrativo e, sim, para recuperar pessoas, o
governo pode muito bem retirar essa contribuição. No Rio, foi
aprovado. Acho que, aqui, também pode ser aprovado. Eu creio que vai
ser aprovado. Tem muitos evangélicos que não têm condições, vivem
de doações. Têm, lá, as igrejinhas caindo; e têm que pagar ICMS, têm
que pagar IPTU. Isso não beneficiaria os pastores, mas o povo que doa.
Muitas vezes, podia melhorar uma igreja, até ir para um outro lugar,
ajudar alguma pessoa, e não pode, porque tem que pagar os tributos.
O objetivo da Igreja é que nós possamos trabalhar e não ter
atrapalho, porque você sabe que a gente é muito perseguido. Por quê?
Porque é a verdade. [...] A gente aprendeu na Palavra, na fé, que é
possível. Se a pessoa crê, se orienta, se leva a pessoa à fé. Elas mudam
de vida. Não tem distinção. Não tem nenhum que recupere mais
viciado, mais famílias, mais pessoas mendingas, sofridas, presidiários,
do que os evangélicos. Só que nunca foi reconhecido pelo governo.
Agora tá começando a ser reconhecido. Por quê? Porque foi colocado,
lá dentro, os parlamentar. Hoje, o governo precisa também do voto
dos parlamentar. Então, ainda que não goste de ouvir, eles precisam
pelo menos ouvir uma palavra. Esse é o objetivo.
Além dos benefícios práticos, como a isenção de tributos, a Igreja Universal visa,
através da participação política, mostrar o trabalho que entende estar empreendendo junto à
população, especialmente àquela parcela economicamente mais carente. O deputado dá a
entender que antes de obter visibilidade através da prática parlamentar, a sua Igreja era
injustiçada, por não ter seu trabalho devidamente reconhecido.
Novamente, a questão da necessidade de haver um representante da Igreja na política é
citada para fazer frente às alegadas perseguições que sofre. O deputado refere-se à opinião
pública, à mídia, ao Ministério Público, à Receita Federal e a outras instituições político-
jurídicas, por assim dizer. Detendo cargos de poder, essas instituições perseguidoras da Igreja
Universal são confrontadas com o poder político, e não somente com uma instituição
religiosa, entende o entrevistado.
Embora resista em explicitar suas intenções, a existência de um projeto voltado à
168
política partidária fica evidente no fato de a Igreja Universal ter fundado, oficialmente, em 25
de agosto de 2005, o Partido Municipalista Renovador (PMR). A ligação dessa agremiação
política com a Igreja Universal é também frisada em seu apelido pejorativo, uma vez que é
chamada de “partido do bispo”. A denominação inspirou-se no estatuto do PL para criar a sua
própria legenda. A tendência é que o partido em questão receba políticos advindos das fileiras
do PL (Folha de S.Paulo, 2005). Uma importante filiação ocorreu poucas semanas depois da
fundação do PMR. Trata-se do vice-presidente da República, José de Alencar, que assinou sua
filiação ao novo partido em 29 de setembro de 2005. Na oportunidade, o bispo e senador
Marcelo Crivella, também mudando para o novo partido, esclareceu que o PMR é um partido
laico, que contou com a participação dos evangélicos para sua criação, mas é aberto à
participação de pessoas de outros credos (Peixoto, 2005). Exatos dois meses depois de sua
criação, a 3ª Convenção Nacional do partido aprovou a alteração do nome da legenda para
Partido Republicano Brasileiro (PRB) (Folha Online, 25 out. 2005; Maringá News, 2005).
A criação de um partido político próprio indica que talvez essa Igreja organize sua relação
com a política de tal forma que esteja bastante próxima do que parece ser uma busca do poder
pelo poder. Antes da fundação de seu partido, já era sugestiva nesse sentido também a decisão da
Igreja Universal de associar-se ao PL como sigla preferencial a que seus pastores políticos deviam
filiar-se. Essa decisão já apontava para uma ação centralizada com vistas a formar um bloco
homogêneo com relação a seus interesses. De qualquer forma, a Igreja Universal, como se vê, é
altamente motivada para assumir um papel ativo na política institucional.
3.2.4 As Motivações das Igrejas: uma Análise Comparativa
Partindo do levantamento realizado junto às lideranças das três denominações aqui
169
estudadas, é possível constatar semelhanças e algumas diferenças entre elas. De modo geral, a
motivação mais recorrente ao exercício da política partidária é, na visão dessas instituições, a
necessidade de possuírem um representante nos corredores do poder político institucional.
Essa motivação foi evocada na medida em que essas Igrejas entendem haver a necessidade de
defender os seus interesses. Todas elas percebem a inserção de representantes seus em
qualquer âmbito do poder político brasileiro, sobretudo no espaço legislativo, como um
elemento fundamental para o bom andamento de suas instituições. Um segundo elemento
freqüentemente citado na Assembléia de Deus e na Igreja Quadrangular é tanto a questão da
moralização da sociedade, quanto a preocupação com questões sociais do país.
Assim, essas constatações poderiam levar-nos a um mesmo lugar, ou seja, colocar as
denominações pesquisadas em um ponto focal comum. Entretanto, não cremos que assim seja.
Por exemplo, vimos que as três instituições estudadas procuram contar com representantes de
suas fileiras no campo político, mas nem todas exprimem o mesmo sentido para esse objetivo.
Antes de propormos considerações acerca das diferenças entre as denominações,
sugerimos que se pode conceber a existência de uma mesma linha, na qual a Assembléia de
Deus e a Igreja Universal se encontram em pontas opostas. No meio, em um ponto
intermediário entre essas duas instituições, encontra-se a Igreja Quadrangular.
Para a Assembléia de Deus do Rio Grande do Sul, além de notar ser importante
possuir representantes na política para a defesa de seus interesses institucionais, a inserção da
denominação no campo político é percebido como uma oportunidade de levar às leis um
substrato ético-evangélico. Para essa denominação, a questão da moral, respectivamente
moralização, apareceu em praticamente todas as entrevistas realizadas. Assim, quer-nos
parecer que a motivação fundamental da Assembléia de Deus gaúcha para a participação no
poder político é tanto a necessidade de buscar intermediários entre a instituição religiosa e a
170
política, quanto a almejada possibilidade de moralização do país de cima para baixo, ou seja,
de forma legal ou legalista. Para as lideranças dessa denominação, a ética religiosa, portanto,
constitui-se num dos eixos centrais de suas justificativas para a inserção no mundo da política.
Para a Assembléia de Deus, existe um déficit ético na política, que somente poderá ser sanado
por pessoas comprometidas com seus ideais religiosos. É ao redor deste eixo que giram os
demais argumentos que sustentam sua entrada na política, com exceção, talvez, da defesa dos
interesses da instituição; até porque não existe organização alguma que não tenha o instinto de
sobrevivência e o de prolongar-se, de preferência, indefinidamente.
Em nosso entendimento, a ética ou a moralidade religiosa é o eixo distintivo da
Assembléia de Deus gaúcha. Em virtude dessa visão, a leitura que os líderes da denominação
fazem da realidade é que grande parte dos problemas sociais é fruto da ausência de padrões
morais cristãos. De igual forma, suas preocupações sociais estão colocadas sobre aspectos
atinentes à moralidade. Isso se evidencia, por exemplo, na preocupação com a desestruturação da
família e a dependência química. Além disso, priorizam as questões da educação e do desemprego
Tratam-se de aspectos da ordem da individualidade, com exceção, talvez, da educação e do
desemprego. Na opinião da instituição, a moralidade torna-se fundamental para a reconstrução
social e econômica do país. Até mesmo a luta por seu reconhecimento social fundamenta-se sobre
o eixo da moralidade. Ou seja, seu auto-conceito de uma entidade de alto padrão moral e de
prestadora de serviços sociais relevantes, conforme seus líderes, a autoriza a ser melhor
aproveitada pelo poder público naqueles serviços em que, eventualmente, haja uma sobreposição,
ou então, que o Estado não atua de forma intensa. Assim, procuram mostrar à sociedade e ao
Estado a relevância da existência dessa instituição para o bem comum.
É evidente que, sob nossa perspectiva, isso não encobre o fato de que a percepção da
complexidade sócio-econômica e política da realidade, vista pelo viés da moralidade, redunda
em uma visão despolitizada da realidade.
171
Já na Igreja Quadrangular do Rio Grande do Sul, se considerarmos suas lideranças, a
questão ética se modifica em grau ou intensidade. Nos discursos colhidos ao longo da
pesquisa, é perceptível que a questão ética ou moral se torna menos concreta que na
Assembléia de Deus. A moralidade adquiriu concretude ao ser decodificada de outra forma
que não apenas a concepção generalizante da palavra ética, quando referida como antitética à
corrupção. Para as lideranças dessa denominação, a postura ética de seus representantes é
compreendida como a não-corrupção. Outra referência feita à ética foi a possibilidade de os
evangélicos, uma vez inseridos nos espaços legislativos, poderem conceber leis que sejam
justas, e, simultaneamente, coibir leis injustas para os cidadãos. O pastor Humberto Leal, ao
tecer considerações sobre a justiça que marca o fazer legislativo do evangélico,
complementou: “ai daquele que faz leis injustas”, como já transcrito. Ao interpretar suas falas
sob o viés da moralidade, ainda que um tanto vagas, a compreensão do que sejam leis justas
ou injustas torna-se uma questão altamente subjetiva ligada aos valores denominacionais.
Assim, a política é percebida também como possibilidade de ampliar a influência da Igreja
Quadrangular na sociedade. Daí advogar a necessidade dessa denominação ter representantes nos
fóruns da política institucional, a fim de que ela seja também um “grupo de pressão”.
Por fim, vejamos as motivações da Igreja Universal. Através das entrevistas, pudemos
perceber que, diferentemente da Assembléia de Deus, a Universal articula-se em torno do eixo da
defesa dos interesses da denominação. Em praticamente todas as falas emergiu que a principal
motivação dessa instituição para sua inserção no campo político é a defesa de sua instituição. Um
exemplo desse fator motivacional está nas palavras do pastor Almerindo da Rosa Filho, já citado
neste texto: “O principal motivo de um pastor sair do altar e ir pra política é pra ele defender a
Igreja”. Outra importante distinção é verificada nas entrevistas realizadas com os políticos da
Igreja Universal foi seu contínuo discurso persecutório. Nesse sentido, assim nos parece, a
dimensão da defesa da instituição religiosa assume uma intensidade completamente distinta da
172
observada na Igreja Quadrangular e, principalmente, na Assembléia de Deus.
Na Igreja Universal, a defesa da instituição insere-se no discurso da Batalha Espiritual
96
,
onde a Igreja seria o bem e, no restante da sociedade, estaria o mal. Portanto, os problemas sociais
não são sequer decorrentes da falta de moralidade cristã. Mais que isso: os problemas sócio-
econômicos são obras do “demônio”, do “devorador”, termos de uso comum no meio pentecostal.
Assim, estar no campo político é possuir mais uma arma nessa “batalha” contra o mal. No
discurso das lideranças da Igreja Universal pouco apareceu a questão da ética. Nessa
denominação, esses conceitos não são apenas um tanto abstratos, como na Igreja Quadrangular,
mas estão pouco presentes. Ao contrário, o mal é muito bem caracterizado, pois está relacionado à
dependência química, ao adultério, à pobreza, à doença e à infelicidade (Jungblut, 2003).
Vemos como importante destacar o fato de Weber ter distinguido metodologicamente
a ação racional da moral, diferenciando fato e valor (Giddens, 1998). Em outras palavras,
96
Clara Mafra e Robson de Paula (2002), baseados em Cecília Mariz (1999), identificam duas
correntes principais nas análises sociológicas e/ou antropológicas brasileiras do fenômeno da Batalha
Espiritual, que, a princípio, seria eminentemente religioso ao pregar uma luta contra o demônio em
qualquer mal que se sofre.
Por um lado, a Batalha Espiritual é identificada com um fenômeno global contemporâneo, cujos
parâmetros são adotados principalmente pelas classes menos favorecidas da sociedade, diferentemente
da Idade Média e da modernidade européia, nas quais estava relacionado às classes mais abastadas.
Uma das linhas dessa vertente sugere que a adoção dos parâmetros da Batalha Espiritual pelas massas
as mantém iludidas “quanto à verdadeira face do seu inimigo” e afastadas de “seus verdadeiros
interesses” (Mafra e de Paula, 2002, p. 60). Outra linha já consideraria a adoção desses parâmetros
como um refúgio, tendo como conseqüência a retração do político e do público (Idem, Ibidem).
Por outro lado, a maioria dos autores entende que a Batalha Espiritual é motivação para o debate sobre
a identidade nacional. O brasileiro seria identificado com o cordial, “dado ao acordo de interesses, ao
acomodamento de contradições, à doçura no trato” (Mafra e de Paula, 2002, p. 60), possuindo
capacidade de conciliar o que é oposto. A isso o pentecostalismo parece opor-se nitidamente ao
enfatizar o dualismo entre bem e mal, dividindo o mundo em duas partes, desconhecendo e não
admitindo meio-termo.
Mariz (1999) propõe, ainda, uma terceira corrente de interpretação da Batalha Espiritual. Para ela, a
adoção desse discurso, principalmente pelo pentecostalismo, reduziria a esfera sobrenatural a dois
personagens, Deus e o Diabo. Assim, o Diabo se tornaria um agente de desencantamento, já que a sua
rejeição consiste em realizar uma escolha de natureza moral e ética (Mafra e de Paula, 2002).
173
significa dizer que a ação humana é dirigida por dois princípios inconciliáveis. Não existe
maneira pela qual o racionalismo científico possa validar um ideal ético. No entanto, isto não
significa que a ética não seja válida. A questão que emerge é que a ética é irracional com
relação a objetivos concretos, sendo, porém, racional no tocante aos valores a que está
submetida. A ética é irracional na medida em que ela dota de sentido algo que é, em princípio,
sem sentido. Dessa forma é possível compreender que todo aquele que quer se dedicar à
política necessita libertar-se das ilusões, sejam elas fundadas na ética ou na tradição. Assim,
aquelas pessoas que olham para a política a partir de uma visão transcendente de eliminação
dos conflitos inerentes à política e à economia, estão sobrevoando a realidade do mesmo
modo como os que abrem mão da vida pública por causa do retiro místico (Idem, Ibidem).
Na visão de Weber, tanto os conservadores quanto os
socialistas compartilhavam a crença incorreta de que era possível para
as pessoas de hoje ‘escapar da jaula’: os primeiros olhavam para uma
reversão à era anterior, os últimos para a formação de uma nova forma
de sociedade que transformaria radicalmente as condições existentes
da produção capitalista (Idem, Ibidem, p. 59).
Segundo o autor, isso aponta para o que Weber chamou, em política, de ética da
responsabilidade e ética da convicção. A primeira é pautada pela racionalidade das
conseqüências, ou seja, pela escolha dos meios segundo um objetivo proposto. A segunda
concepção de ética, funda-se na racionalidade dos valores últimos. Dito de outra forma: a
ética da convicção aproxima-se do que Weber chamou de ação social com relação a valores.
Não devemos esquecer que esta conceituação weberiana é, acima de tudo, tipológica, pois
ninguém age unicamente baseado em cálculos, nem tampouco somente a partir de suas
convicções.
No campo da ação, notadamente na ação política, ficamos
divididos entre duas atitudes, talvez devêssemos dizer entre o desejo
de duas atitudes. A primeira, que chamaria de instrumental, busca
produzir resultados adequados aos nossos objetivos; obriga-nos assim
174
a ver o mundo como é e a analisar as conseqüências prováveis do que
fazemos ou dizemos. A segunda, moral, nos leva muitas vezes a falar
e a agir sem considerar os outros, e nem o determinismo dos
acontecimentos (Aron, 1993, p. 490).
Podemos entrever um exemplo dessas duas éticas nas palavras do ex-vereador Eliseu
Sabino, da Assembléia de Deus:
Nós todos temos como norma votar as leis de acordo com as
normas da Igreja. Se a Igreja propõe algo; e o partido, o inverso,
ficamos com a Igreja; até porque, é o seguinte: a Igreja, que é onde
estão os teus eleitores, ela julga os teus atos. Por incrível que pareça,
uma vez teve a idéia da criação do despachódromo. E eu saí em defesa
da criação do despachódromo. Mas a minha intenção era criar um
lugar onde os umbandistas pudessem fazer os seus despachos num
determinado lugar. Na minha interpretação, seria ótimo, porque iria
limpar a cidade, nada de galinha morta nas estradas. E fiz um
pronunciamento favorável, manifestando minha preocupação com o
meio ambiente. Mas eu fui mal interpretado pela comunidade: pessoas
começaram a dizer que eu era a favor de despachos. Aí, então, eu tive
que mudar o meu discurso. Primeiro, deixei esfriar o assunto e, para
os mais antenados, eu expliquei a minha posição, mas para a
comunidade você não consegue explicar. Então são coisas delicadas
que é preciso ter cuidado. Outro exemplo é o sambódromo. Vai entrar
novamente em discussão, que é uma iniciativa do executivo. Eu
defendi o sambódromo, mas tive que ter o cuidado de dizer que
defendia, porque defendo o direito de um lugar público para que as
igrejas evangélicas possam ter um lugar também para fazer as suas
reuniões. O carnaval tem o seu direito, mas as igrejas evangélicas
também têm o seu direito. Elas reúnem 50, 60 mil pessoas. Aonde
vamos reunir? Temos que alugar um ginásio ou um estádio? Se tiver o
sambódromo, é do município, nós também vamos ter o direito. Então,
é preciso ter um cuidado.
Ou seja, na medida em que o ex-vereador procurou agir segundo a ética da
responsabilidade na questão do “despachódromo”, foi mal entendido pela sua comunidade
religiosa. Ora, sob o ponto de vista ecológico de alguém que não pertence às religiões de
matriz africana, definir um lugar especificamente para despachos seria ecologicamente
correto. No entanto, ser favorável a um local fixo para a prática ritualista das religiões afro-
brasileiras foi compreendido como anuência ao rito, o que significaria uma afronta para as
175
denominações evangélicas que atribuem às religiões de matriz africana o rótulo de
demoníacas.
Ao falar em ética, observamos que os entrevistados tinham interpretações diferentes
desse conceito. Na concepção dessas Igrejas, expressa através de algumas de suas lideranças,
ética significa honestidade e o zelo por princípios religiosos e morais. Vimos duas posições
distintas em relação à ética, verificando-se, também, uma terceira postura intermediária. A
diferença entre elas se dá mais pelo grau que pelo gênero. Vale referir que os políticos ligados
à Assembléia de Deus frisaram que a ética está relacionada a promover reformas sociais, de
modo a que leis mais justas sejam feitas e uma sociedade mais igualitária torne-se viável. Para
a Igreja Universal, a política, como qualquer outro aspecto da vida em sociedade, está
submetida ao prisma mágico-religioso
97
. A Igreja Universal faz uso de um discurso e
imaginário de ética sem, no entanto, partilhar de uma reflexão teórica. Por conseguinte, ela
utiliza-se de uma racionalidade mágica; e não, de uma racionalidade ética, mais presente nas
reflexões dos líderes da Assembléia de Deus. Uma vez que a Igreja Universal se pauta por
questões práticas, vale-se de uma racionalidade de fins. Apesar dessa diferenciação aqui
assinalada, convém lembrar que Weber, entre outros, afirmava que não existe religião ou
magia em estado puro. Elas andam misturadas. Qualquer racionalidade religiosa, portanto,
comporta mais ou menos aspectos mágicos
98
(Pierucci, 2003). Em termos weberianos,
poderíamos dizer que a pregação da Igreja Universal conduz os indivíduos para a ação
racional referente a fins travestida num imaginário de valores, ou, em outras palavras, uma
97
Fazemos questão de usar essa expressão um tanto tautológica, para salientar o contraste com a
expressão ético-religiosa anteriormente utilizada para a Assembléia de Deus.
98
Partindo das conceituações de ética e magia, Pierucci diz que a magia “concebe o mundo como
sendo ‘um só com duas bandas’ (the ‘two-sided’ world of magic), um mundo visível que traz consigo,
imanente e pouco diferente, uma espécie de Hinterwelt de deuses e demônios povoando
invisivelmente o mundo visível” (2003, p. 71).
176
ética ritualista. A Igreja Quadrangular, por sua vez, equilibra-se entre a racionalidade ética e a
racionalidade mágica.
Sob o ponto de vista do desenvolvimento histórico da racionalidade abstrata, ou poder-
se-ia dizer, da Ilustração, Weber concebe a magia como o pólo mais irracional, enquanto a
religião ficaria no pólo mais racional (Pierucci, 2003). Contudo, Weber demonstra que, sob o
aspecto da racionalidade prática, essa posição é invertida. Ou seja, sob o ponto de vista
objetivo, a magia é racional com relação a fins, enquanto a religião, assumindo seus valores, é
uma ação irracional em relação aos fins, sendo racional somente no foro interno. O
pensamento mágico e “prodigamente capaz de ‘pragmatismo religioso’, é totalmente incapaz
de racionalização do agir” (Idem, Ibidem, p. 77). Sob a perspectiva da racionalidade teórica,
ciência e ética constituem-se no par simétrico. De semelhante modo, na perspectiva da
racionalidade prática, ou seja, na racionalidade instrumental, essa simetria é constatada no par
tecnologia e magia. Elas não são a mesma coisa. Entretanto, como a tecnologia e a magia
compartilham uma mesma racionalidade técnico-prática, a tecnologia pode, em um dado
momento, partilhar de uma mesma lógica.
Quadro 1 – Quadro comparativo entre concepções de racionalidade
Razão Pura Razão Prática
Racionalidade Abstrata Racionalidade Instrumental
Pesquisa Pura Pesquisa Prática
Ciência xxx
Tecnologia xxx
Ética xxx
Magia xxx
É nesse fórum que se encontra uma afinidade entre o pensamento mágico e a
racionalidade econômica da contemporaneidade. Como diz Weber, repetido com ênfase por
Pierucci:
177
Em sua forma primordial, a ação religiosa ou magicamente
motivada tem fins racionais absolutamente intramundanos, totalmente
condizentes e nada tensionados com os interesses econômicos dos
agentes; pelo contrário, os fins visados em primeira mão,
originalmente, são indiscutivelmente materiais e econômicos
(Pierucci, 2003, p. 85).
A magia está prenhe de uma racionalidade prático-técnica. Na teoria weberiana, a
ética, ao contrário, preocupa-se com a racionalidade abstrata, ou seja, de validade universal,
como a ciência. Por conseguinte, somente a “religião sublimada de salvação (ou seja, a
religião propriamente dita) e a economia racionalizada entraram em crescente tensão uma
com a outra” (Idem, Ibidem, p. 86). Para completar, Pierucci retira dessas reflexões de Weber
aquilo que nos parece central na discussão sobre a forma como a religiosidade pentecostal irá
travar sua relação com a política institucional:
Insinuando de modo perturbador ou, quando menos, intrigante
nessa co-incidência dos processos de desencantamento e
intelectualização religiosa, estamos começando a perceber um certo
paradoxo viajando na idéia de desencantamento do mundo. É como se
o desencantamento significasse justamente o contrário do que ele
esperava, a saber, a saída de um mundo incapaz de sentido [racional]
e o ingresso num universo significativamente ordenado pelas idéias
religiosas [mágicas] e, com isso, tornado ele próprio pleno de sentido,
sinnvoll, meaningful. Faz sentido isto, pensar como desencantamento
justamente o entrar para um mundo cheio de sentido? Para Weber, faz
[acréscimos nossos] (Idem, Ibidem, p. 88).
Essa afirmação de Pierucci vai ao encontro das reflexões de Mariz, que já trabalhou
com a hipótese principal de o sucesso do pentecostalismo não estar fundamentalmente no seu
manejo com o mundo mágico, “mas sim a forma como esta religião articula a magia e o
sobrenatural com a ética” (1994, p. 205). Isto é, o conceito de “libertação” ajuda as pessoas a
passarem de uma concepção de pessoa para uma de indivíduo. Mas essa passagem não ocorre
apenas no nível da decisão e, portanto, de uma autonomia de reflexividade. Essa passagem
baseia-se na obediência à vontade de Deus, a uma ética. “Ao defender um Deus absoluto, que
178
possui uma ética divina, e ao definir qualquer sobrenatural, que não seja Deus, como
demoníaco e mau, o pentecostalismo não apenas propõe uma magia ética, mas atribui poder
mágico à ética” (Mariz, 1994, p. 220).
Retomemos as motivações da Igreja Universal. Conforme as palavras do deputado e
ex-pastor Paulo Gouvêa, o “objetivo fundamental da Igreja é fazer com que todas as pessoas
conheçam Jesus. Esse é o trabalho. Tudo circula pra chegar nesse ponto. Nós usamos
televisão, rádio, tudo isso, porque nós temos essa visão prática”. Contudo, quer-nos parecer
que essa visão, descrita de uma forma um tanto idealizada e angelical, estando em total
conformidade com o ideário geral dos evangélicos, produz resultados outros que não
mencionados pelo deputado federal. Como diz Paulo Gouvêa, a visão da Igreja é “muito
prática”. Ou seja, para ter pessoas que encham seus templos e, em sua concepção, que se
aproximam de Jesus, valem todos os métodos persuasivos e discursivos, desde que não sejam
usados meios ilegais.
Para a Igreja Universal, não importa promover reflexões de fundo teórico e teológico.
O importante é aumentar as possibilidades de a instituição religiosa continuar crescendo,
“levando o evangelho” para mais pessoas. Ela se considera portadora da Verdade, concebida
como única, que, muito bem sabemos, ancora-se sobre uma visão ritualista (Barros, 1995) e
mágica (Oro, 2001a, 2001c) da religião. Ou seja, não se questionam os meios usados para
alcançar um determinado fim. Poderíamos dizer de outra forma: não importam os meios, mas
o fim, isto é, todos os meios são corretos para alcançar o objetivo, desde que não sejam
legalmente ilícitos. Há, portanto, uma franca visão objetivista que se coaduna com uma
racionalidade prático-técnica e não como uma racionalidade abstrato-ética (Pierucci, 2003),
mais afeita às declarações dadas pela liderança da Assembléia de Deus.
A percepção de que o único limite nos meios utilizados pela Igreja Universal para
179
chegar a seus fins reside na questão legal fica explícita e pode ser exemplificada no
depoimento do deputado e ex-bispo Carlos Rodrigues à Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) do “Mensalão”
99
. Ainda que bastante extenso, cremos valer a pena mostrar que a Igreja
Universal não admite negócios considerados não-legais por parte de seus membros, com
exceção do próprio bispo Edir Macedo, acerca de quem os juízos parecem ser mais flexíveis.
Embora o fundador e dirigente da Igreja Universal tenha sofrido diversos processos, não
perdeu sua credibilidade e função dentro da Igreja.
A parte do debate na CPI que nos interessa em particular se deu da seguinte forma:
O SR. DEPUTADO JAIRO CARNEIRO - Então, a minha
primeira indagação não é exatamente sobre o mérito do nosso
trabalho, mas este Relator gostaria de saber se o fato de V.Exa. deixar
de ser bispo, a razão dessa atitude ou decisão da Igreja tem alguma
relação com qualquer atividade de V.Exa. no que se refere ao assunto
mensalão ou propina para Parlamentares.
O SR. DEPUTADO CARLOS RODRIGUES - Nobre
Deputado Jairo Carneiro, aos 18 anos de idade, eu abracei a fé
evangélica. Sou filho de portugueses. Entrei para o seminário, fiz o
seminário evangélico da Assembléia de Deus no Rio de Janeiro.
Casei-me aos 21 anos de idade e fundei, junto com o Bispo Edir
Macedo Bezerra, a Igreja Universal do Reino de Deus. Ali trabalhei
por 29 anos da minha vida. A instituição decidiu que eu deveria entrar
para a política de mandato, porque eu já fazia política. Durante 20
anos, coordenei a área política da Igreja, 14 dos quais sem mandato.
Fazia campanha. Acabava a campanha, eu voltava para a área
99
Mensalão foi o neologismo criado pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) para referir-se
ao suposto pagamento de propina mensal a parlamentares pelo governo brasileiro, com a finalidade de
aprovar projetos de interesse do executivo. A crise política que derivou do pronunciamento do
parlamentar, feito em 2005, foi nominada “escândalo do mensalão” (Escândalo do mensalão, s.d).
A referida crise teve entre seus principais personagens o empresário Marcos Valério. O publicitário
mineiro, pretenso responsável pela distribuição dos recursos, foi alvo de interrogatórios na Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão e da Compra de Votos, que passou a investigar o
esquema de corrupção (Marcos Valério, s.d).
O volume de recursos, o tempo de existência do esquema - presumidamente desde 1998 - e as
ramificações que estariam envolvendo empresas públicas e privadas, lideranças políticas e partidárias
acabaram por criar outro termo, popularizado pela imprensa, o valerioduto. (Folha Online, 31 out.
2005).
180
sacerdotal, religiosa. Abri neste Brasil mais de mil igrejas. Fundei a
Igreja Universal no Estado de São Paulo, em Pernambuco, no Espírito
Santo, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, inúmeras. Viajei para
vários países: Guiné Bissau, Moçambique, Angola, África do Sul,
Portugal, Espanha. Fundei a Igreja na Espanha e ajudei a fundar a
Igreja na América Latina quase toda. Um dia, decidiram que eu
deveria entrar na política, e foi o que fiz. Quando houve aquela
denúncia da LOTERJ, no Rio de Janeiro, o Conselho de Bispos
decidiu que eu deveria afastar-me até que tudo estivesse esclarecido.
Mas eles o fizeram de uma forma que eu achei que não foi correta
para comigo, pelo muito que eu me dediquei à instituição, pois foram
29 anos da minha vida. Toda a minha juventude passei na Igreja,
lutando. Fui preso, espancado, passei fome, passei frio, noites sem
dormir. Eu fui o primeiro pintor, o primeiro pedreiro, o primeiro
faxineiro da igreja, o primeiro pastor, o primeiro obreiro da Igreja,
quando a Igreja nada tinha. E trabalhei muito tempo sem salário,
muitas e muitas vezes sem almoçar e sem jantar. Passei fome e muitas
vezes dormia no altar da igreja, porque a Igreja nada tinha, nada tinha.
(Choro. Pausa.) Eu... Sempre que eu falo na Igreja, eu me emociono,
porque foi a minha vida que eu passei lá. E eles não foram corretos
comigo, pois não me deram o direito da dúvida. Qualquer bandido
merece o direito da dúvida, mas não eu. A maioria dos bispos que
estão lá hoje foram batizados por mim, que preguei o Evangelho a
muitos deles, busquei muitos deles na favela, na criminalidade, tirei
muitos deles do tráfico, das drogas, pregando o Evangelho para eles. E
eles não foram corretos comigo, não ficaram solidários, nem sequer
me deram o direito da dúvida. E eu me magoei. Eu fiquei magoado e
disse a eles: “Para a Igreja eu não volto mais, não vou exercer nunca
mais o ministério”. (Choro.) Eu sou um homem cheio de defeitos, de
erros, mas eu nunca cometi o erro de deixar um amigo meu
abandonado, mesmo que ele estivesse errado, porque um pastor tem
que ter compaixão das pessoas. Por isso, afastei-me e fui afastado do
sacerdócio. E eu não tenho culpa desse assunto da LOTERJ. A CPI
provou isso. O Ministério Público me investigou, provou isso.
Inocentaram-me. Nada ficou provado contra mim. Mas eu tive um
sofrimento muito grande. O sofrimento maior foi me ver desamparado
por aqueles que eu amparei ao longo de minha vida, por 30 anos.
Vinte e nove anos eu lutei pela Igreja, mas na hora em que eu precisei
deles, eles me deram as costas e me crucificaram. Não foram corretos,
porque, quando eles precisaram, eu estava lá, sempre ao lado deles. O
Bispo Macedo foi preso. No dia em que ele foi preso, eu era Bispo na
Bahia. Peguei o avião e fui para lá. Fiquei dormindo na cadeia os 15
dias, até ele sair de lá. Fiquei dormindo na porta da delegacia, num
banco da delegacia. Eu disse: “Macedo, só vou sair daqui quando você
sair. Eu vou sair junto com você”. De todos eles, não houve um que
tivesse algum problema pessoal que eu não tenha comparecido. Eu
disse: “Olha, estou do teu lado”. E quando eu precisei, quando eu
errei, eles não foram solidários comigo. Então, eu fiquei magoado,
porque isso não é companheirismo, não.[...]
181
O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Boa-tarde a todos.
Boa-tarde, Deputado Carlos Rodrigues, a quem agradeço a presença
neste Conselho. Tentando ser bem objetivo nas perguntas, a primeira
— e aí eu respeito muito a sua emoção e acho que isso não é demérito
para ser humano algum... Mas restou uma dúvida em relação à questão
da sua vivência na Igreja. O senhor disse que, evidentemente, não
pode se confundir com atividade política, mas na medida em que o
senhor... Eu mesmo o conheci na política como Bispo Rodrigues e
depois perdeu essa condição. O senhor falou, num determinado
momento: “Errei e eles não tiveram a compaixão, esse atributo cristão.
Não foram solidários comigo”. O que o senhor considera erro aí, do
ponto de vista político, que lhe levou a perder esse epíteto?
O SR. DEPUTADO CARLOS RODRIGUES - Olha, qualquer
coisa que exponha a Igreja é um erro, mesmo que eu não tenha culpa.
Mas, de alguma forma, a igreja foi exposta a isso, porque eu era
elemento importante dentro da instituição (Câmara dos Deputados,
2005).
Neste depoimento, o ex-bispo Rodrigues relata todo seu comprometimento com a
Igreja Universal desde sua fundação. Refere que assumiu a carreira política a mando da
denominação. Convém lembrar que, até aquele momento do depoimento, a CPI do
“mensalão” ainda não provara que Carlos Rodrigues havia recebido dinheiro do assim
chamado “valerioduto”. Na interpretação de Rodrigues, o Conselho de Bispos o julgou antes
da própria CPI. Tal atitude foi interpretada pelo ex-bispo como um ato público de
desconfiança a ele por parte da instituição religiosa, a tal ponto de dizer que não mais voltaria
para a Igreja e para o sacerdócio. Aproximadamente um mês depois desse depoimento, ficou
provado que o deputado havia recebido o dinheiro das contas do empresário Marcos Valério,
supostamente em benefício de seu partido, o PL.
Na visão de Rodrigues, não havia impedimento ético em receber dinheiro do
empresário Marcos Valério para aplicar no partido ao qual estava filiado. Essa conduta lhe
parecia legal ou, pelo menos, usual, prevalecendo o benefício que geraria ao partido e, por
extensão, à Igreja. Trata-se, portanto, de uma concepção ética bastante própria. Quando,
porém, foi descoberta a irregularidade legal, a Igreja lhe retirou seu apoio, virando-lhe as
182
costas. A instituição tomou essa postura no momento em que viu sua imagem arranhada por
um erro do ex-bispo. Ao ser questionado sobre o que seria, a seu ver, um erro, o ex-bispo
Rodrigues definiu: “qualquer coisa que exponha a Igreja é um erro”, ou seja, prejudicar a
imagem pública da instituição religiosa. Note-se que, em sua concepção, o erro não reside na
falta de ética de seu ato, mas se constitui como tal quando se configura a ilegalidade do ato.
Em nossa avaliação, uma preocupação fundamental da Igreja Universal é perceber e
defender os seus interesses, o que inclui zelar por sua imagem pública. Assim, o
envolvimento político dessa Igreja transformou-se em mais uma moeda de troca e em uma
batalha, tanto no mundo político, quanto em outros interesses ligados a essa instituição. Como
exemplos, citem-se: os meios de comunicação, benefícios em isenções de impostos, certo
reconhecimento público da importância da Igreja, ou seja, dar visibilidade à denominação
tendo em vista a concorrência no campo religioso, entre outros. O deputado estadual Sérgio
Peres afirmou:
Hoje, nós somos respeitados. Qualquer emissora metia o pau
em nós, ofendia de tudo que era jeito; até mesmo apresentador de
televisão. Hoje, nós temos o respeito. Hoje, nós temos uns 18
deputados federais, 30 ou 40 estaduais. Há pouco tempo atrás, um
apresentador começou a falar da Igreja Universal. Foi onde um
[deputado] federal ligou direto para o dono da emissora: você sabe
com quem está mexendo? O que esse palhaço tá falando no ar? Aí, na
hora, tudo ao vivo, o dono da emissora falou com o apresentador e o
apresentador mudou o discurso: “Eu quero dizer que não tenho nada
contra a Igreja Universal. Gosto dos bispos”. Quer dizer: mudou o
discurso. Um dos nossos objetivos é nós ter voz. Por que até então a
gente só leva, só apanha, não tem ninguém para bater. Sabe que, hoje,
a política, um vínculo, que é um lugar onde um parlamentar tem voz.
Você vê, hoje, o Lula: qual era o discurso deles de um ano atrás, e
hoje? Hoje, é Lula paz e amor. Todo mundo é amigo do Lula. Por
quê? Porque ele precisa do voto. Ele precisa do sim ou do não. E faz
ele o quê? Tem que dividir o bolo. Então a Igreja, hoje, tem 13 a 18%
dos evangélicos. E tava passando assim, só levando na cabeça. Até
que teve a visão de um líder que disse: pera aí! Vamos colocar alguém
para nos representar, para mostrar que nós também somos gente, que
temos o direito de votar e escolher. Hoje, o PL, tanto na capital quanto
para o estadual, ele é a balança: para onde ele pender, a coisa vira.
183
Hoje, a gente é muito procurado por todos os partidos. A gente tem
várias emissoras de rádio na mão. A gente tem o direito de dar o troco
para eles, de mostrar notícia ruim do governo, do prefeito ou mostrar o
lado bom. Depende do jogo que eles querem jogar, nós jogamos com
eles. Aí tem as moedas de valor, moedas de troca [acréscimo nosso].
Essa forma discursiva transmuta-se em um instrumento de ação e reação política, de
ataque e de defesa dos interesses da Igreja Universal. Aliás, grande parte do poder carismático
dessa Igreja está fundamentada sobre o discurso persecutório. Assim, a Igreja Universal
argumenta que, por ser mais poderosa, no sentido espiritual, seria a mais perseguida no
mundo material. Essa abordagem também é freqüente nos cultos. A relação da denominação
com a política obedece, assim, à lógica da Batalha Espiritual, utilizada em outros momentos,
constituindo-se na base teológica de sua ação no mundo.
Quanto ao diálogo construído a partir dos argumentos internos da comunidade dos
fiéis e voltado para eles, trata-se de um círculo discursivo no qual o importante é frisar o
déficit do político e, em contrapartida, acentuar a reserva moral e ética do povo evangélico,
notadamente os da própria Igreja Universal. Nesse sentido, o argumento obedece ao seguinte
princípio ou lógica: se precisamos votar, por que não eleger alguém de reconhecido interesse
no povo evangélico, que defenderá as questões morais dos evangélicos de forma restrita; e do
povo pobre, de modo mais amplo? Constitui-se em um raciocínio pragmático.
Ao explicitar o conteúdo central da fala dos pastores quando, em época de campanha,
estimulam os membros que freqüentam os cultos a votarem nos candidatos indicados pela
Igreja Universal, o deputado federal Paulo Gouvêa disse:
O povo da Igreja é muito unido pela Igreja. Os membros da
Igreja fazem dela a sua segunda casa. Quando nós falamos pra eles:
“Olha, isso aqui é pela Igreja, é bom pra Igreja que ela tenha um
representante do meio da Igreja, que seja vinculado, que conheça as
nossas causas, que seja uma voz nossa, uma porta que vai se abrir com
mais facilidade pra gente”, então o povo abraça a candidatura.
184
Essa fala evoca uma sensação de que os participantes da Igreja Universal receberão
benefícios com a eleição de seu candidato, mesmo que seja por intermédio da denominação
religiosa. Assim, o discurso está operando com um espírito fisiologista, muito presente,
embora não exclusivamente, entre as classes de menor poder aquisitivo. Afinal, trata-se de
“uma porta que vai se abrir com mais facilidade pra gente”.
Por outro lado, tal discurso pode estar evocando, nos fiéis, um sentimento de
identidade e participação em algo “grandioso”, isto é, a igreja como epifania concreta do
sagrado. Dessa forma, entra em jogo a visibilidade e a grandeza da instituição religiosa a que
o fiel pertence. Esse discurso aciona o carisma da instituição. A um só tempo, o discurso
evoca a importância da denominação para os fiéis e revela sua fragilidade, uma vez que seu
destino está colocado nas mãos dos freqüentadores, e deles depende para fazê-la chegar a um
lugar de destaque.
Em síntese, existem, fundamentalmente, dois discursos relativamente bem definidos
nas denominações estudadas em relação a seu ingresso no campo da política partidária. Para a
Assembléia de Deus, o déficit ético na política é a motivação mais forte para sua atuação
partidária. Insere-se, portanto, em cargos políticos com o intuito de levar às leis um substrato
ético evangélico, bem como fazer com que o Estado perceba a relevância da existência dessa
instituição para o bem comum, embora não deixe de considerar também o acesso a benefícios
para a instituição. A Igreja Quadrangular compõe o seu discurso tanto com um elemento
moralizante, quanto com questões pragmáticas. Ambos os fatores motivacionais nos
pareceram pesar de igual forma na decisão da Quadrangular de envolver-se na política, como
uma balança bem equilibrada. Para a Igreja Universal, por sua vez, a principal motivação
parece encontrar-se na defesa de interesses da própria instituição religiosa, ainda que não
deixe de valer-se também do discurso do potencial evangelizador que o trânsito no campo
político alegadamente proporcionaria.
185
Na seqüência, abordaremos a forma como cada uma das instituições religiosas
estudadas se envolve em campanhas políticas com vistas a eleger seus representantes na
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
3.3 O
ENVOLVIMENTO DAS IGREJAS COM AS CAMPANHAS DE SEUS CANDIDATOS
Os modelos organizacionais encontrados resultam em formas distintas de
recrutamento e de apoio aos candidatos à política partidária nas igrejas pesquisadas. Vejamos
como cada denominação se envolve nas campanhas eleitorais.
3.3.1 O Envolvimento da Igreja Assembléia de Deus em Campanhas Políticas
Na Igreja Assembléia de Deus, há uma margem muito grande de negociação entre os
grupos dirigentes e as comunidades locais. Em outras palavras: se uma determinada
comunidade não aceitar seguir uma linha ou prioridade fixada pela Convenção Estadual e/ou
Geral, pode omitir-se de adotar o procedimento recomendado, não resultando em punição
alguma caso as recomendações da cúpula não forem adotadas localmente
100
. No Rio Grande
do Sul, essa denominação não conseguiu eleger candidato algum a vereador, em Porto Alegre,
no último pleito. As comunidades locais não se deixam influenciar pelos ditames da cúpula.
De outro lado, aqueles que não são indicados como candidatos da Igreja não deixam de
concorrer no pleito. Isso acaba por fragmentar os votos, pois, mesmo apoiando um pequeno
número de candidatos, outros podem surgir em seu meio, sem com isso sofrer qualquer
100
Cabe ressalvar que essa análise restringe-se a questões políticas ou outras consideradas
secundárias.
186
penalidade ou retaliação. Na prática, não há possibilidade de a Assembléia de Deus impor
candidaturas para suas comunidades.
Conversando com o ex-chefe de gabinete do Deputado Estadual Edemar Vargas,
pastor Moisés Teixeira Paz, em 2002, ele informou que a administração descentralizada da
Assembléia de Deus dificulta que a denominação assegure apoio a qualquer candidato. Uma
razão de fundo para esse quadro é o fato de que muitos pastores preferem que a Igreja não se
envolva com a política. Cada pastor-presidente tem total autonomia, no âmbito de seu
Ministério, frente as suas comunidades. Em alguns depoimentos colhidos na pesquisa,
pudemos constatar que essa característica é uma peculiaridade da Assembléia de Deus no Rio
Grande do Sul. Em Santa Catarina, por exemplo, a influência da Convenção Estadual sobre as
comunidades é bem maior
101
. Ademais, segundo o vice-presidente da Igreja no Rio Grande do
Sul, pastor Adalberto dos Santos Dutra, comparada aos demais Estados brasileiros, a
Assembléia de Deus gaúcha “é uma das mais atrasadas, isto é, uma das menos politizadas”.
Para alcançar o objetivo de conseguir eleger, a cada pleito, um representante, a
Assembléia de Deus traçou metas a serem alcançadas e estratégias que deverão ser seguidas
pelas Convenções dos Estados do Brasil. Segundo o pastor João Ferreira Filho, esse processo
deu-se da seguinte forma:
A Convenção Geral (nacional), da qual faço parte, nós temos
uma comissão de alto nível, onde tem muitos deputados de nossa
Igreja. Essa comissão formou critérios, e ela vai ser montada em cada
Estado e, até, eles têm o desejo de instalar um escritório em cada
município, para ajudar os candidatos de nossa Igreja em todo o Brasil.
Hoje, então, temos uma grande comissão de homens capazes, a nível
nacional.
101
Segundo relatos de integrantes da Igreja Assembléia de Deus.
187
Essa comissão vai trabalhar com as Igrejas, também com os
líderes das Igrejas, para que haja essa unidade, para que não se quebre
mais, não se fracione, não se segmente, como, infelizmente, está
acontecendo [...].
A orientação da Convenção Geral é buscar colocar um
representante em todos os níveis: prefeito, deputados, um senador,
desde que haja condições. A estratégia para alcançar essa meta é
conscientizar a Igreja de que nós somos uma força, mas dispersa, sem
unidade. Tudo que se dispersa, fica fraco. Então, a nossa Igreja, nesse
lado, é fraca, porque não tem a unidade. Esse trabalho é que será feito,
o de conscientização: que ela pode; mas fracionada, ela enfraquece. É
o caso do Rio Grande do Sul
102
.
Por conseguinte, a meta da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil é a de
colocar representantes em todas as instâncias políticas, inclusive nos executivos municipais. A
intenção de alcançar o maior número de cargos eletivos possível pode estar revelando uma
concepção muito presente na maioria dos setores evangélicos: a sua convicção da necessidade
de que o Brasil seja dirigido por evangélicos, a fim de que se torne um país cristão. Trata-se
de uma concepção muito parecida com a do arcebispo dom Leme
103
, que via, na Igreja
Católica, uma força moralizadora para a nação brasileira. Em outras palavras, essas Igrejas
entendem ser preciso cristianizar o país de cima para baixo. Além disso, revela a compreensão
do povo evangélico de que as mazelas do país não são apenas resultados estruturais, mas
equívocos morais
104
.
102
Após seu falecimento, o pastor João Ferreira Filho foi substituído pelo pastor Ubiratan Batista Job
na presidência do Conselho Estadual. No período final da redação deste texto, o pastor Ubiratan
afastou-se do cargo por encontrar-se gravemente enfermo. Em seu lugar, assumiu, interinamente, a
presidência o pastor Adalberto dos Santos Dutra, seu Primeiro Vice-presidente. Até o final da presente
pesquisa, o intuito de promover uma articulação bem planejada e ramificada nas bases das
comunidades locais ou ministérios não foi alcançado.
103
Conforme capítulo 2 do presente texto.
104
Por não integrar o propósito de nossa tese, não desenvolvemos essa questão, mas entendemos
tratar-se de um profícuo tema de estudo. Seria bem-vinda uma reflexão sobre as concepções
(ideológicas) do papel da religião na época de Dom Leme e as concepções de uma denominação como
a Assembléia de Deus.
188
Essas afirmações vão ao encontro do que Freston (1997) ouviu de algumas lideranças
religiosas:
Somente os eleitos de Deus devem ocupar os postos-chave da
nação”, diz um líder da Assembléia de Deus. [...] “A transformação do
Brasil há de começar pela restauração espiritual da nação. Deus está
levando homens cheios do Espírito para a tomada dos postos de
comando”. Ou nas palavras do presidente do Conselho Nacional de
Pastores: “como seres espirituais, nascidos de novo, somos a ‘nata da
sociedade’. A Igreja tem a resposta que os políticos procuram (Idem,
Ibidem, p. 338)
Por fim, a Assembléia de Deus procura organizar-se à semelhança de um partido
político, uma vez que pretendia instalar escritórios em cada município, ou, no mínimo, em
cada pólo regional. A intenção é que funcionem no modelo de diretórios políticos. Assim, tem
como objetivo não apenas articular de forma mais centralizada as candidaturas, como também
fornecer aos candidatos um apoio mais efetivo por parte da instituição. Em outras palavras,
nessa questão, a Assembléia de Deus tenta imitar as denominações de organização mais
centralizada, como as Igrejas Universal e Quadrangular, procurando controlar as candidaturas.
Entretanto, não se vem mostrando exitosa nessa empreitada. A razão desse insucesso ficou
patente quando o pastor João Ferreira Filho revelou que, até mesmo na cúpula da Assembléia
de Deus, a inserção dessa denominação na política institucional não é homogênea.
Evidentemente, esse fato se reflete nas bases congregacionais dessa Igreja, ou seja: nem todos
os membros e pastores concordam com a linha preconizada pela cúpula da Igreja, o que
impõe dificuldades na concretização de um projeto político maior.
É o que nos relata o presidente da Convenção dos Pastores das Igrejas Evangélicas da
Assembléia de Deus no Estado do Rio Grande do Sul, pastor Ubiratan Batista Job:
Atualmente, não temos ninguém eleito [como vereador]. Não
temos, porque nós entendemos, a nossa forma de... se a Igreja tivesse
aquele interesse que não existe na mentalidade de muitos ainda, então,
189
talvez, a questão seria encaminhada de outra forma e trouxesse mais
êxito nesse sentido. Mas como há uma pulverização de candidatos em
vários partidos, aí acaba dificultando a eleição. É o direito de cada
cidadão, de votar e ser votado, de ser candidato ou não ser. São
questões do partido. Nós não interferimos. Mas há uma pulverização
de candidatos dentro da comunidade, atualmente, que enfraquece.
Outros já não agem assim. Mas por que nós agimos assim? Nós
agimos assim, porque nós primamos pelo trabalho que é de ordem.
Nós não queremos criar uma dificuldade como Igreja. Não queremos
uma fusão, assim, de atividade da Igreja e política [acréscimo nosso].
A pulverização de candidaturas mencionada pelo pastor Ubiratan refere-se,
basicamente, aos pleitos municipais, nos quais os concorrentes ao cargo de vereador são em
maior número do que a Igreja quer ou pode administrar. Quanto à Assembléia Legislativa do
Estado, contudo, a posição dessa denominação parece ter sido mais clara.
A Igreja Assembléia de Deus tem indicado seus candidatos preferenciais nesse âmbito,
o que se depreende das palavras do deputado estadual Edemar Vargas:
Não, não fui indicado como candidato oficial, mas com a
recomendação da comunidade evangélica, isto é, da Igreja Evangélica
Assembléia de Deus. Muitas denominações evangélicas existem, mas
eu me identifico, em todos os meus atos, meu testemunho, a minha
vida, os meus periódicos, meus boletins, meus livros, como ministro
da Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Então, não tive uma
indicação, mas tive uma recomendação da Convenção de Pastores
com um apoio desta Convenção, que fez com que eu fosse, hoje,
reconduzido ao quarto mandato como deputado estadual.
Na primeira eleição que eu concorri, houve até uma prévia.
Naquela época, houve uma prévia, porque, até então, os evangélicos
estavam omissos, estavam ausentes. Mas quando houve a Constituinte
em 88, houve um despertamento da comunidade evangélica na
participação da Constituinte e da constituição também, quando muitos
evangélicos foram apresentados nas suas Igrejas. E na próxima
legislatura, eu me apresentei como candidato aqui no Rio Grande. Na
minha comunidade, houve uma prévia, onde diversas pessoas
participaram desta prévia, com urna, com voto secreto. Quando os
votantes, os eleitores, eram somente os pastores, reunidos no
seminário maior, na cidade de Viamão, naquela ocasião, onde eu fui
um dos vencedores desta prévia, concorri a deputação estadual e tive
êxito. Fui eleito ao primeiro mandato. Depois, evidentemente, sendo
um candidato nato do próprio partido, não foi preciso mais prévia. Eu
190
sempre fui concorrendo. E me reelegi, pela quarta vez, deputado, mas
sempre com apoio total e irrestrito dos pastores da comunidade.
Evidentemente que a comunidade não cerceia ninguém de concorrer.
Muitos outros concorreram em todos os pleitos, todas eleições. Muitos
outros membros desta comunidade concorreram, mas eu tenho sido o
único eleito em todas as eleições.
Como vemos, não houve uma indicação enfática, não sendo impostos candidatos,
apesar de se dar uma recomendação. Houve uma prévia dentro da Convenção dos Pastores,
com o intuito de autorizar a recomendação do nome de Edemar Vargas à Assembléia
Legislativa. O deputado frisou sua clara identificação como representante da Assembléia de
Deus, associando toda sua trajetória política à base, na campanha que o elegeu e reconduziu
ao cargo. Outras candidaturas não foram coibidas, mas Vargas estabeleceu-se como candidato
nato, prescindindo-se da realização de eleições internas ou uma prévia, provavelmente porque
os outros eventuais candidatos não viam chance de serem vitoriosos.
O relato da fragmentação existente no seio da Assembléia de Deus é também
percebido nas palavras do pastor Eliseu Sabino, último vereador pertencente aos quadros
dessa denominação em Porto Alegre:
Pelo fato de a gente ter um bom relacionamento com todos,
nós buscamos o consenso dos pastores na escolha do nome. Eu fui
candidato único [para a Legislatura de 1998]. Então, como candidato
único, eu visitava as igrejas. Se bem que tem os piratas. O pastor é
amigo do fulano ou beltrano, então eles apresentam o candidato a sua
comunidade. Então a gente não consegue levar todos os votos da
Igreja. A Igreja de Porto Alegre tem em torno de 17, 18 mil membros,
e eu fiz 3.900 votos. Destes 18 mil, a metade vota. Em torno, portanto,
de 9.000 eleitores. E eu fiz a metade dos votos possíveis.
Embora insatisfeito por não ter abocanhado a maior parte dos votos da Igreja, Sabino
reconheceu o suporte que a instituição religiosa lhe deu na condição de “consenso”, isto é, de
“candidato único”. Apesar de mostrar-se ressentido com o que seria, a seu ver, obra de
“piratas”, admitiu que a sua eleição deveu-se aos membros da Assembléia de Deus.
191
Avaliando o papel dessa Igreja em sua campanha e, portanto, em seu êxito eleitoral, o
pastor Eliseu Sabino disse:
Bom, o envolvimento da Igreja, financeiro, não tem nenhum.
Só amigos que ajudam. Foi uma campanha de amizade. Nasci e me
criei em Porto Alegre. Todo mundo me conhece desde criança. Então,
eu não tinha dificuldade de conversar com o pessoal, até de convencer
alguns que não aceitavam muito. Foi, então, um envolvimento de
amizade. A Igreja via em mim como eu sempre estive envolvido na
busca de soluções de problemas. Então, eu não tive dificuldade.
Como eu sou pastor, a cada Igreja que eu chego, eu tenho liberdade
para falar. Não falava em política, mas, na hora da saída, tinha lá a
propaganda. O pessoal tá sabendo. Tu vais na casa de um membro, de
um eleitor: “não, Eliseu, deixa que aqui tem o vizinho, o parente,
amigo”... Esse é o tipo de envolvimento da Igreja.
Assim, baseado nas relações interpessoais, isto é, na indicação boca-a-boca, e
marcando presença nos cultos evangélicos, Sabino obteve o número de votos necessários para
eleger-se vereador. Sua campanha não foi sustentada por grandes somas de dinheiro, mas por
contatos, que, segundo ele, se fundavam na “amizade” e nos vínculos eclesiásticos.
O pastor-presidente estadual, Ubiratan Batista Job, entende que, se, por um lado, o
envolvimento da Assembléia de Deus com a política tem aumentado, por outro, essa
aproximação deve ser vista com muito cuidado:
A Igreja tem se aproximado [da política]. Essa é a grande
verdade. Hoje, a Igreja está mais próxima da política do que há dez
anos atrás. Mas, também, paralelamente a essa aproximação, está
havendo um cuidado no sentido de sempre conservar essa separação.
É importante dar essa contribuição, mas com pessoas que nos
representem, mas sem envolver. A nossa atividade, como ministros da
Igreja, deve ser prioritária, deve ser mais importante do que qualquer
outra [acréscimo nosso].
Talvez esse referido cuidado seja o que, de fato, torna limitada a articulação política da
Igreja Assembléia de Deus. A instituição deseja o envolvimento político partidário, mas com
limites. Entende que a clara separação entre a Igreja e a política deve ser mantida. Embora a
192
denominação admita os benefícios que essa aproximação poderia trazer, mostra-se hesitante
em pagar o preço que, possivelmente, ela custaria às convicções religiosas e à forma de
organização eclesiástica que mantém
105
.
3.3.2 O Envolvimento da Igreja Quadrangular em Campanhas Políticas
A participação da Igreja Quadrangular em cargos políticos do poder gaúcho dá-se
através de 21 vereadores, um deputado estadual e um deputado federal. A denominação já
tentou eleger um senador por Minas Gerais, mas não obteve êxito no pleito. Esse projeto
continua, no entanto, entre os planos políticos da Igreja.
No que diz respeito à organização da Igreja Quadrangular quando o assunto é o
envolvimento da denominação na política partidária, o pastor Humberto Leal afirmou:
105
Em 27 de outubro de 2005, ocorreu a Convenção Estadual da Igreja Assembléia de Deus. Embora
ainda não tenhamos como documentar as decisões ali tomadas, obtivemos informações do seu vice-
presidente estadual, pastor Adalberto dos Santos Dutra, dando conta de possíveis mudanças nas
estratégias políticas dessa denominação a partir do pleito de 2006. Por iniciativa da Assembléia de
Deus, serão convidadas outras Igrejas cristãs (foram citadas, além da Assembléia de Deus: católica,
luterana, quadrangular, metodista, entre outras), com o intuito de formar um grande bloco,
promovendo-se uma filiação em massa ao PSC – Partido Socialista Cristão. Como esta agremiação
política ainda é pequena, pretendem promover coligações com outros partidos para as próximas
eleições. O objetivo “centralizar os votos”, segundo o pastor Adalberto, que assumiu o cargo de
coordenador dessa frente partidária no Rio Grande do Sul.
A decisão, histórica, pretende trazer mudanças ao panorama político-partidário no que se refere à
participação dos cristãos nos grêmios do poder político, tanto no executivo quanto no legislativo.
Como o prazo para filiações de pessoas que desejam disputar já o próximo pleito encerrou em 14 de
outubro p.p., houve pouco tempo para articular candidaturas, embora alguns nomes tenham sido
arrolados como candidatos para 2006. O alvo maior, entretanto, é o poder executivo nas eleições de
2008, e o poder legislativo em 2010.
Assim, como é necessário finalizar a tese, fica registrado que o panorama descrito em nosso texto, no
que se refere ao envolvimento político-partidário sobretudo da Igreja Assembléia de Deus, poderá
sofrer alterações em futuro breve. A Igreja Universal não integrará a filiação em bloco por manter seu
próprio projeto político com a criação do PMR – Partido Municipalista Renovador, depois
transformado em PRB – Partido Republicano Brasileiro, como já referido.
193
Bem, a Igreja Evangélica Quadrangular, no Brasil, tem
representantes. Por exemplo: nós temos, mais ou menos, 240
vereadores eleitos, representando a Igreja em vários municípios do
Brasil. E nós temos quatro deputados federais, e, não me lembro
agora, mas vários deputados estaduais, candidatos da Igreja. São
pastores ou pessoas que são membros da Igreja e que têm um
compromisso com a Igreja. Então, eles recebem o apoio da Igreja. E
assim como toda a iniciativa, que todas as pessoas têm os seus
representantes, eu acho importante a Igreja ter o seu representante,
para defender os direitos da Igreja. Então, a Igreja do Evangelho
Quadrangular tem a coordenadoria política dela. Nós temos
coordenadores nacional, estadual, regional e temos um grupo de
pessoas escolhidas, que estão envolvidas nisso aí, para cuidar dessa
parte, para ajudar, para organizar as eleições municipais, estaduais e
para as eleições também para deputado federal. Então, nós somos a
favor que a Igreja tenha os seus representantes, tanto que nós temos
esse departamento de ação política em todo Brasil.
Falando a partir de uma experiência de quatro décadas como ministro da Igreja
Quadrangular, o pastor Leal deixa claro o lugar de destaque e bem articulado que essa
denominação concede à participação na política partidária. Seja em âmbito nacional ou
estadual, seja no contexto das comunidades locais, a Igreja possui grêmios que se ocupam
com pensar e fazer acontecer essa inserção no campo político.
A organização da Igreja Quadrangular merece destaque quando o assunto é articular
candidaturas políticas. Embora aceite que mais de uma pessoa se manifeste motivada a
concorrer a algum cargo político, a Igreja costuma fazer encontros em que, não importando o
número de pré-candidaturas inscritas, ao final, apenas um nome por cargo será apoiado pela
denominação em função do número de eleitores que possui nas cidades e no Estado. Fazendo
foco em uma nominata enxuta, o êxito dessa instituição religiosa tem marcado os últimos
pleitos eleitorais.
Essa questão foi exemplificada pelo pastor e vereador Adair Rocha, que acumula o
cargo de Secretário da Cidadania da Igreja do Evangelho Quadrangular do Estado do Rio
Grande do Sul. Na prática, ele é o articulador político dessa denominação em solo gaúcho.
194
Descreveu sua função e a referida articulação da seguinte forma:
Por exemplo: Santa Maria tem 30 igrejas. Pode ter quatro,
cinco, seis pessoas lá, pastores ou membros da Igreja, que freqüentam
a Igreja, que têm a pretensão de concorrer. Então, você vai lá e faz
uma reunião, faz uma votação, e aquele vereador, aquela pessoa que
acharem, que os demais votarem, os outros todos vão apoiar ele. Então
essa parte é comigo.
A estratégia de realizar uma prévia interna, da qual resultará apenas um nome por
cargo, vale para qualquer nível de candidatura, seja para o legislativo seja ao executivo. Cabe
citar que, ao tratar-se de um cargo municipal, como a vereança, existe um pastor na região que
promove a prévia. Porém, é também necessária a presença do secretário da Cidadania no
Estado. Ele supervisiona e ajuda a coordenar as prévias, mesmo quando não se trata de um
cargo estadual ou federal.
No tocante à articulação das candidaturas no berço Quadrangular, o secretário estadual
de Comunicação, pastor Roberto Barragan, descreveu, assim, a mais recente:
Nós tivemos, nesse mês de setembro, dia 3 de setembro [de
2005], nós tivemos uma Convenção Extraordinária de Pastores, que
tinha como função [...] exatamente a escolha dos candidatos, do
candidato oficial da Igreja para concorrer à eleição do ano que vem.
Então, como é que acontece? Os pastores são os que escolhem. Os
pastores titulares, os pastores, vamos dizer assim, os co-pastores da
Igreja são os que escolhem. [...] Isso é feito em voto secreto, com uma
cédula de votação [acréscimo nosso].
A entrevista com o pastor Adair Rocha complementa essa informação acerca de quem
pode votar nos seminários que decidem os candidatos que receberão o suporte da Igreja:
Os titulares, que exerçam cargo de titular, ou auxiliar por
tempo integral. Tem que ser nomeado, senão não. Os outros que são
obreiros, não podem. [...] Saiu o candidato, a partir de agora os demais
têm que abraçar a campanha daquele. Assim que é feito. Tem dez
candidatos. Dos dez, sai um, e os outros nove vão ter que apoiar
aquele. [...] Vale o nome da Igreja. O que está, no momento, ali em
195
questão é o nome da Igreja. Porque, por exemplo: eu sou o pastor
Adair, mas eu não estou aqui. O Adair está aqui, eu estou aqui, porque
a Igreja do Evangelho Quadrangular me proporcionou, me deu
oportunidade desse cargo. Se eu não tivesse a Igreja do Evangelho
Quadrangular na minha retaguarda, quem sabe eu não estaria aqui
nesses cinco mandatos.
Cabe frisar que a escolha das candidaturas advindas das fileiras quadrangulares se dá
pelo voto de pastores. A comunidade não é, formalmente, consultada. Os fiéis vão expressar a
sua opinião posteriormente, no pleito propriamente dito, votando – ou não – a favor dos
candidatos indicados por sua Igreja.
Uma vez escolhido o candidato, todo o clero quadrangular passa a empenhar-se na
divulgação do nome escolhido. Já não contam simpatias particulares, afinidades ou mesmo
conchavos feitos anteriormente. Como enfatizou o pastor Adair, depois da prévia, vale o
nome da Igreja. Os derrotados na prévia, sejam pré-candidatos ou simpatizantes destes,
deverão integrar o coro dos que defenderão o nome eleito na seleção interna.
Outro aspecto que não passa despercebido nesse relato é o reconhecimento de que o
suporte da Igreja é fundamental para o êxito da carreira política de Adair Rocha. No trecho
seguinte da entrevista, refere seus próprios méritos na trajetória, sem deixar, no entanto, de
repetir, com ênfase, que essa história teria sido outra sem a participação eclesiástica em suas
campanhas.
Na Igreja Quadrangular, entrevistamos também o pastor Melquisedeque Chagas,
coordenador político da candidatura do pastor Reinaldo dos Santos Silva à Câmara dos
Deputados em Brasília. Veremos como a forma de organização interna dessa denominação
ajuda a alcançar um objetivo dessa envergadura. Melquisedeque relatou:
Eu que organizei a campanha [para deputado federal].
Utilizamos a seguinte estratégia: começamos, desde o ano passado,
passando essa visão para a liderança: nós temos que pegar os
196
formadores de opinião; que a membresia, em si, eles são levados, eles
vão pela correnteza. Então, nós reunimos, desde o ano passado, em
janeiro, começamos a fazer eventos para grupos específicos.
Colocávamos 500 pessoas, 1000 pessoas, sendo eles jovens, mulheres,
diaconato, quer dizer, pessoas que votam. E aí nós começamos a
passar para eles a visão de cidadania, a importância disso, usando
elementos bíblicos como Neemias, como José de Arimatéia. Jesus
foi enterrado, porque tinha um senador que era cristão, senão não
poderia. Então, nós falamos de janeiro até a última semana, cinco dias
antes da eleição, nós falamos para 33 mil líderes e levamos o projeto
chamado Mais Quatro. Quer dizer, você e mais quatro: o voto
Quadrangular. Dividimos o Rio Grande do Sul por setores e traçamos
metas, porque nós somos divididos em regiões. Essas regiões têm
superintendentes. Cada superintendente tem trinta pastores sob sua
orientação. Cada superintendente de campo recebeu uma meta. Por
exemplo: Santa Maria, você tem que fazer tantos mil votos. Ele teve
que correr atrás desses tantos mil votos [acréscimo nosso].
Ou seja, embora se trate de uma estratégia construída domesticamente, por assim
dizer, não assessorada por “profissionais”, essa Igreja, pelo menos em solo gaúcho, mostra
que não veio para brincar quando o assunto é envolvimento político. A denominação
conseguiu transformar uma idéia singela, “Mais Quatro”, em um eficaz mecanismo de
angariação de votos.
Sobre as metas planejadas nessa estratégia, o pastor Melquisedeque Chagas,
comentou:
Muita gente não atingiu a meta, mas eles chegaram bem perto,
porque a nossa meta era para 60 mil votos. Nós fizemos um trabalho
para 60 mil votos, mas você sabe que nem todo mundo tem a
disposição e a motivação, sendo que uma campanha franciscana, onde
ninguém tem dinheiro, como você vai bancar o carro para tocar? O
próprio pastor tinha que botar o carro dele para rodar, com a gasolina
dele. Então, o cara tem que acreditar no projeto. Então, nós, primeiro,
fizemos todo esse trabalho de conscientização com a liderança e,
depois, também atingimos as igrejas. Nos dois últimos meses,
começamos a visitar as sedes regionais. São 33 as sedes aqui no Rio
Grande do Sul. Assim, são 33 líderes no Estado. Esse trabalho que nos
levou à vitória. Agora não perde mais. Primeiro, porque o nosso
pessoal está altamente motivado. Estão com o brio lá em cima: temos
um deputado [federal]! Então isso aí motiva muito mais. E nosso
deputado vai trabalhar dentro de uma visão de reeleição. Então, ele
197
tem que trabalhar voltado para o crescimento da Igreja. Lógico, ele
não vai ser um candidato exclusivo da Igreja. Vai ser do Estado, até
porque houve votos fora da Igreja, votos de pessoas de outras
religiões. Então, ele vai trabalhar de uma maneira mais ampla, mas
voltado para o objetivo de sempre se reeleger [acréscimo nosso].
Além de a Igreja em questão ter eleito o deputado federal, construiu um know how
quanto à articulação política. O êxito nessa campanha elevou a motivação do povo
Quadrangular e a convicção de que a reeleição é possível. Para tanto, o deputado eleito
desempenha seu trabalho, não de uma forma ingênua e espontaneísta, mas voltado,
conscientemente, à reeleição.
As candidaturas do berço Quadrangular partem, em primeiro lugar, da pessoa que se
julga em condições de exercer um cargo político. A instituição eclesiástica entra em jogo no
segundo momento. Esse processo foi descrito pelo pastor Adair Rocha, articulador político da
Igreja Quadrangular no Rio Grande do Sul:
Normalmente parte da pessoa. Ela se julga em condições de ser
o candidato. Ela coloca o nome dela à apreciação. Ela não pode dizer:
eu vou ser o candidato e acabou. Ele pode ser o superintendente, ele
pode ser o presidente da Igreja. Vai ter que passar pelo crivo. E como
se faz isso na cidade? Não é o povo freqüentador que escolhe, por
exemplo. Se tem um, por exemplo, que nem aqui em Portão. Aqui em
Portão, não precisei passar pelo crivo de ninguém. Por quê? Porque
não tinha nem um outro pastor aqui, nem um outro membro da Igreja,
aqui, que quisesse concorrer. Nunca teve.
Nessa fala, o pastor Adair Rocha, já em seu quinto mandato como vereador, destaca
que a candidatura única é facilmente aceita, embora também precise ser referendada. A
iniciativa é pessoal, mas o apoio ocorre se formalizado pela instituição. Em se tratando de
pluricandidaturas, pelo menos teoricamente, não há candidato nato. Ainda que um dos
pretendentes ao cargo político em questão ocupe uma importante função eclesiástica, poderá
ser preterido na prévia, pela qual, necessariamente, todos necessitam passar para obter o
“crivo” eclesiástico para sua candidatura.
198
Embora a preferência recaia sobre nomes de pastores, titulares ou auxiliares, na
escolha da nominata Quadrangular, o pastor Adair Rocha informou que não há uma regra
nesse sentido. Para lançar-se como pré-candidato na Igreja, basta estar de acordo com a
legislação eleitoral. Ressalvou, porém, que um não-pastor geralmente é indicado apenas se o
pastor local não tiver “pretensão de política”. Citou o exemplo da cidade de Esteio, que conta
com o terceiro mandato de uma vereadora, Eva, da Igreja Quadrangular, que não é pastora.
Acerca da participação feminina no campo político a partir dessa instituição religiosa,
o Secretário da Cidadania, pastor Adair Rocha, fez a seguinte observação:
A Igreja Quadrangular é uma das igrejas evangélicas
pentecostais as quais dá mais abertura e oportunidade para a mulher:
mulher como pastora, mulher no púlpito, mulher para pregar, entendeu?
E no caminho da política também, porque a mulher manifestar essa
vontade de concorrer, tu sabe que a mulher, ela é mais reservada, assim
no sentido, nem todas têm essa tendência à política. Ainda há uma
restrição por parte da mulher para cargos políticos, porque, se nós
formos para o cenário político hoje, [...] há muita sujeira. [...].
Dentro da Igreja, ainda a mulher é sempre mais... a mulher é
sempre mais espiritual do que o homem. A mulher, na Igreja, ela é
mais íntima com Deus do que o homem. [...] Eu entendo que a mulher,
em alguns casos, prefere tá mais íntima com Deus do que com a
política. Por quê? Por causa dessa lama que acontece aí.
É uma das Igrejas que mais abre espaço para a mulher em
todos os campos, inclusive na política, a Igreja Quadrangular. [...] Nós
tivemos muitas mulheres candidato a vereador no último pleito aí:
pastora Lúcia, por exemplo, de Viamão, foi candidato. E concorreu.
Só não se elegeu. Faltou pouco.
Pode-se depreender dessa fala que a alegada maior espiritualidade da mulher é que a
desmotivaria à carreira política. Ainda assim, várias mulheres concorreram à vereança em
diversos municípios a partir da Igreja Quadrangular. Entretanto, pelo que soubemos, somente
a referida, Eva, obteve êxito nas eleições.
Quanto ao uso do espaço comunitário eclesiástico para divulgar as candidaturas
apoiadas pela Igreja, o secretário de comunicação estadual, pastor Roberto Barragan afirmou:
199
Às vezes, se fazem reuniões e se fala disso. Ou, às vezes, se
diz assim: oh, gente, agora tem o dia três. Vocês têm a liberdade de
votar, mais ou menos o que eu falo pro povo na minha Igreja, mas
você não esqueça que nós temos os nossos candidatos, que é o pastor
fulano e o pastor fulano. Pense nisso, você tem liberdade de escolher
quem você quiser, mas você sabe que eles são os nossos candidatos.
[...].
Geralmente, não se faz dentro dos cultos públicos, né? Porque,
às vezes, vêm pessoas de fora. Então não, mas se conversa com a
comunidade isso [em] reuniões de grupos, reuniões de obreiros,
reuniões de lideranças, que são reuniões fechadas. Porque quando
você abre um espaço público pra você falar do candidato,
teoricamente, você tem que falar de todo mundo e dar essa liberdade
num local público. Ou se você permitir que um candidato do, vamos
dizer assim, do PFL entre pra falar [...], você também vai ter que
permitir que o candidato do PMDB, do PTB, do PT façam a mesma
coisa, porque é a lei. [...] A gente fala para a comunidade: olha, tem
outros candidatos. Às vezes, os candidatos gostam de visitar a Igreja
na época de eleições: oh, tá fulano aqui, que é candidato também,
fulano aqui, que é candidato; e nós temos, que não está aqui, mas eu
que sou representante da Igreja, nós temos também um candidato da
Igreja, que é fulano de tal. Bom, se cita as pessoas.
O ponto nevrálgico nessa fala é o não uso do púlpito para divulgar as candidaturas
apoiadas pela instituição. O pastor Barragan relatou que o púlpito não é utilizado
maciçamente nas campanhas, mas ocasionalmente. O espaço eclesial como um todo,
especialmente no que se refere às reuniões de seus muitos grupos, é palco de divulgação dos
candidatos quadrangulares. O culto, porém, é mais preservado, sendo usado com reservas para
esse fim, ainda que a temática do envolvimento com a política partidária seja referida e os
candidatos sejam mencionados também nesses momentos. A razão de um maior cuidado, por
assim dizer, no uso do púlpito como ferramenta de campanha foi assinalado por Barragan ao
dizer que o culto é um momento público, presenciado também por neófitos ou por pessoas
(ainda) sem afinidade com a denominação e suas propostas.
Após lançar-se candidato em nome da Igreja Quadrangular, o pastor não precisa deixar
suas funções eclesiásticas. Ocorre apenas o afastamento de atividades previsto na legislação
específica. O pastor Adair Rocha afirmou que “a lei exige que tu sai do rádio. Mas a Igreja, não.
200
Tu pode continuar, pode continuar exercendo o seu cargo”. Como as tarefas ligadas à campanha
eleitoral requerem muito tempo, o candidato passa a contar com o suporte de pastores auxiliares,
geralmente já integrados no trabalho da comunidade, que libera seu pastor para a campanha.
3.3.3 O Envolvimento da Igreja Universal em Campanhas Políticas
A estratégia da Igreja Universal quanto ao lançamento de membros de seus quadros
como candidatos à política partidária não ficou tão evidente nas entrevistas realizadas quanto
nas duas outras Igrejas pesquisadas. Já foi descrita, aqui, a forma hierárquica de seu
funcionamento. As decisões são tomadas pelo Conselho Nacional de Bispos, em parceria com
o Conselho Estadual de pastores da denominação. Após os dirigentes optarem pelos nomes
dos que sairão candidatos em nome dessa instituição, comunicam-nos aos pastores locais, que
passam a ter a incumbência de estimular os fiéis a votarem nos indicados.
Nessa denominação, pode-se dizer que o voto passa a ser uma obrigação do crente. Os
líderes são incisivos quando o assunto é garantir o voto de cada membro da comunidade,
conhecido como “voto fiel”. Acerca do tom enfático com que a membresia é motivada ao
voto segundo a indicação da Igreja, o deputado estadual Sérgio Peres falou:
E nós temos os nossos votos, o nosso povo fiel. [...] Tem que votar.
Ninguém pode perder a esperança, tem que crer. E por que não votar
num que está junto com o povo, que trabalha, que tem dado a vida,
que tem atendido, que tem mostrado a elas sua sinceridade, o caráter.
Então, o tempo de votar em outro candidato, em outro parlamentar,
vamos escolher o nosso para nos representar lá dentro.
Assim, na Igreja Universal, a estratégia empregada pelos pastores para o
convencimento do povo que participa de suas atividades é enfática. A própria linha de
argumentação é disponibilizada pela hierarquia para ser empregada por todos os obreiros nos
201
ofícios e outras atividades da Igreja. Esse é o caso, por exemplo, da existência de urnas
eletrônicas espalhadas pelos templos tanto da capital, quanto do interior, ensinando os
participantes dos cultos a votarem nos candidatos indicados pela instituição. Os líderes abrem
um espaço, supervisionado, ao final do culto para que cada fiel “ensaie” na urna eletrônica.
Há pouco espaço para a reflexão do próprio votante. Para a Igreja Universal, importam,
especialmente, os resultados passíveis de serem alcançados. Os meios para se chegar lá são
determinados pela própria hierarquia eclesiástica.
Conforme as palavras do pastor e deputado federal Paulo Gouvêa, durante sua
campanha, a Igreja Universal teria se limitado a valer-se do discurso religioso para
sensibilizar a membresia para sua candidatura. Entretanto, não deixou clara a forma como
esse apelo ao apoio dos fiéis foi realizado. Nas palavras do deputado Paulo Gouvêa,
parcialmente já transcritas,
a Igreja já vinha fazendo essa tentativa de eleger um representante
político desde 94, 96. Em 90, já tinha lançado um candidato. Só que,
na nossa eleição, nós fizemos um trabalho um pouco melhor. Nós
informamos melhor, nós informamos os membros da Igreja da
candidatura. O povo da igreja é muito unido pela Igreja. Os membros
da Igreja fazem dela a sua segunda casa. Quando nós falamos pra eles:
“Olha, isso aqui é pela Igreja, é bom pra Igreja que ela tenha um
representante do meio da Igreja, que seja vinculado, que conheça as
nossas causas, que seja uma voz nossa, uma porta que vai se abrir com
mais facilidade pra gente”, então o povo abraça a candidatura. A força
da candidatura não está no meu nome. Está na consciência do povo de
que é importante ter um representante. Se não fosse eu, seria outro e
seria eleito da mesma forma, com absoluta certeza.
Aqui cabe ressalvar que, a nosso ver, o povo da Universal não é unido pela Igreja, em
primeiro lugar, mas o que o mantém coeso é a sua teologia. Em tempos de campanha, os
pastores chegam a atribuir supostas vinculações dos candidatos adversários com forças
malignas. Assim, entre Deus e o diabo, a comunidade vota, maciçamente, no candidato que a
Igreja lhe oferece como sendo a melhor opção. O atual Presidente da República, Luís Inácio
202
Lula da Silva, e o Partido dos Trabalhadores (PT) foram associados a forças demoníacas nos
cultos da Igreja Universal ao longo das últimas campanhas para a Presidência do país, com
exceção da última.
A Igreja recruta e investe em quem tem potencial e cacife para eleger-se, obedecendo
a um perfil possivelmente pré-determinado, porém não explicitado nos contatos ao longo da
pesquisa. Tratam-se, portanto, de candidaturas construídas a partir da cúpula da instituição.
Entretanto, cabe referir uma diferença observada ao longo da pesquisa entre os critérios de
escolha de um representante para a Assembléia Legislativa (ou a Câmara Federal) e um cargo
de âmbito municipal, como a vereança. Para deputado estadual, quer-nos parecer que não
conta na escolha o candidato ter tido alguma militância prévia em termos de trabalhos sociais,
voltados às camadas mais desfavorecidas, além do atendimento aos fiéis na igreja. Além
disso, a confiança de ser indicado para esse cargo se restringe a pastores.
Segundo o pastor e vereador Almerindo da Rosa Filho, quando se trata de selecionar
alguém para concorrer à vereança, observa-se o trabalho e a trajetória dos pastores e fiéis da
Igreja, a partir do que a escolha dos candidatos é feita. Para esse cargo, uma trajetória anterior
de inserção nas problemáticas sociais do município parece depor a favor na hora da escolha.
Almerindo descreveu, da seguinte forma, os critérios que, a seu ver, foram responsáveis pela
sua escolha à vereança, critérios esses que acredita terem norteado também a indicação do
pastor e vereador Valdir Caetano. Disse Almerindo:
Eu aprendi, com o Senhor Jesus, a ter caráter, a ter um trabalho
honesto, orar e dedicar a minha vida às pessoas carentes, às pessoas
viciadas, às pessoas com distúrbio espiritual, com problemas de
desemprego, que as pessoas vão à Igreja, nós passamos a palavra de
Deus, e elas, quando crêem no senhor Jesus, elas se libertam, elas
mudam de vida. Então, eu creio que Deus viu esse trabalho em mim e
resolveu a me colocar num âmbito maior na sociedade de Porto
Alegre. E, no lado material, eu fui escolhido pela direção da Igreja,
por ser o...é difícil falar, mas tanto eu como o vereador Valdir
203
Caetano, nós fomos escolhidos por ser, pelo nosso trabalho dentro da
Igreja. [...] A Igreja, ela costuma apoiar aqueles candidatos do qual já
conhece o trabalho, né? O trabalho do pastor Valdir, por exemplo, foi
amplo na ABC, e eu também ficava à frente de uma associação de
empresários da Igreja. [...] O nosso trabalho era bem destacado dentro
da Igreja. Não só nosso trabalho, como também nosso caráter, a nossa
responsabilidade...O senhor não vai apoiar uma pessoa, que há pouco
tempo, o senhor conhece, né?
Refletindo sobre o perfil esperado pela Igreja de seus futuros representantes políticos,
o deputado estadual Sérgio Peres destacou:
O que a Igreja mais escolheu foi o caráter. Se olha muito o
casamento de um pastor, fidelidade, o caráter, os lugares que ele
passou, o testemunho dele. Então, isso leva a uma confiança, onde é
depositado o apoio. Mas também se o parlamentar sujar, não tem
apoio, provavelmente não se reelege. Se como parlamentar não dá;
como pastor, pior.
Embora nenhum dos entrevistados soubesse descrever com precisão os critérios que
seriam decisivos na escolha dos candidatos da Igreja Universal, bem como na manutenção do
apoio ao representante político, as falas dos pesquisados sugerem que contam o trabalho
anterior desempenhado e o caráter da pessoa. Constatamos ao longo da pesquisa que o tipo de
atividades mais valorizado quando se trata de escolher alguém para disputar um cargo
municipal é a atuação no campo social, junto às camadas mais desfavorecidas da população.
Para o legislativo estadual, porém, tem maior influência a trajetória eclesiástica, através da
qual se vê a fidelidade do candidato às idéias da denominação. O vínculo ativo e prolongado
com a instituição foram citados, assim como a eloqüência. Já quando o assunto é o caráter do
pretendente à vaga, tem-se em mente os atributos morais valorizados pela Igreja, tais como
honestidade, vida matrimonial regulada, ausência de vícios (dependência química, jogos e
outros), ficha cível e criminal limpa.
O preenchimento da vaga de representante da Igreja no campo político é indicado e
decidido pela direção da Igreja Universal. Acerca de sua escolha, bem como da indicação do
204
pastor Valdir Caetano para a vereança em Porto Alegre, o pastor Almerindo afirmou: “a
direção da Igreja escolheu nós dois”. Assim, endossar ou abortar um nome não está nas mãos
da direção local da Igreja, mas, em primeiro lugar, no âmbito nacional, que escuta a direção
estadual antes de decidir-se.
Nomes descartados pela direção da Igreja às vezes estão ligados ao oportunismo
favorecido pelos milhares de votos que a denominação consegue mobilizar. O pastor
Almerindo denunciou a existência de pessoas que procuram se valer do espaço privilegiado da
Igreja como formadora de opinião e intentam construir suas candidaturas a partir do meio
evangélico sem, efetivamente, ter com ele quaisquer relações mais sólidas. O vereador disse:
“sabendo que a Igreja Universal tem um número de membros muito grande, as pessoas, elas
penetram na Igreja, até usam o nome da Igreja”. Daí a necessidade de criterioso exame da
trajetória dos pré-candidatos.
Reduzir o número de candidaturas apoiadas pela Igreja vem se mostrando uma
estratégia eficaz. O vereador e pastor Almerindo afirmou que “uma Igreja, às vezes, não
consegue colocar um candidato, porque não há aquela união [...] Vai apoiando todo mundo.
Aí existe três, quatro, cinco candidatos. Divide os votos e aí ninguém entra...”
A Igreja Universal se reserva o direito de ter a última, e também a primeira, palavra
sobre as candidaturas. Cabe citar, a título de exemplo, a trajetória do membro dessa
denominação, Dilmair Montes dos Santos. Vindo de um longo percurso de militância sindical,
em movimentos sociais, ainda que, inicialmente, a partir das religiões afro-brasileiras, Dilmair
estava enfronhado na cena política. Tanto, que aspirava a carreira político-partidária. Em
entrevista, disse: “existe todo o interesse da minha parte e da parte do partido onde eu estou
militando hoje, de uma futura candidatura. Mas tudo é um processo. Sair como candidato só
por sair, não”. O que lhe faltava? A indicação de seu nome por parte da direção da Igreja
205
Universal. Embora ele próprio e o seu partido estavam construindo sua candidatura,
considerada viável, ela se efetivaria somente se a instituição religiosa o quisesse.
Desde agosto de 2005, a Igreja Universal conta com seu próprio partido político e um
novo panorama de envolvimento dessa instituição religiosa com o campo político-partidário
começa a configurar-se. Antes desse fato recente, essa denominação mantinha grande parte de
seus representantes ligados ao PL, embora outros partidos também tenham recebido membros
da Igreja. Segundo o deputado estadual Sérgio Peres, “a Igreja não tem influência nenhuma
no partido. Ela apóia os seus candidatos. O partido, para a Igreja, não importa. O que importa
é que nós venhamos a não manchar a Igreja, não sujar como papel de cristão”. Certamente,
dentro da nova realidade, a ingerência da Igreja Universal no recém-criado PRB será mais
direta.
O pastor e vereador Almerindo contou que não tem havido reuniões entre os políticos
eleitos pela Igreja Universal. Além de integrarem a mesma Igreja, não têm buscado um fórum
de discussão de idéias e projetos comuns para as cidades do Estado gaúcho. Uma
possibilidade de interpretação desse dado, ainda que vaga, é que esse grupo não é estimulado
a se reunir, propositalmente, pela direção da Igreja. Nesse caso, pode tratar-se de uma
estratégia de não estimular a autonomia das bases, mantendo-as obedientes às decisões da
cúpula da instituição.
No que se refere a levar a identidade da Igreja através do título “pastor”, o vereador
Almerindo salientou que, acima de sua carreira política, está seu ministério pastoral. Ao longo
de sua campanha, tornou-se mais conhecido como pastor Almerindo. Já Valdir Caetano não
fez muita divulgação de seu título eclesiástico nesse período. A esse respeito, Almerindo
disse:
206
Na campanha do vereador pastor Valdir, ele usou o nome
“Valdir Caetano”. Eu usei tanto o “Almerindo Filho” quanto o “Pastor
Almerindo”. E agora, aqui na Câmara, apesar de eu ver um documento
aqui na Câmara agora que tá escrito, ó [mostrando o documento],
“Pastor Almerindo”, meu nome oficial aqui na Câmara é “Almerindo
Filho”... Mas todo mundo me conhece como pastor: é pastor pra lá,
pastor pra cá, entendeu? E, no meu coração, primeiro eu sou pastor,
um homem de Deus; depois, eu sou político [Acréscimo do
entrevistador].
O pastor e vereador Almerindo da Rosa Filho disse que, durante a campanha, optou
por não se manter nas funções pastorais de sua comunidade. A iniciativa de afastar-se foi sua,
segundo relatou: “quando começou a campanha política, eu me afastei do altar, agora eu me
afastei porque não tem como eu cuidar de uma Igreja e ser vereador”. Assim, alegou que, por
razões práticas, dedicou-se, exclusivamente, à militância durante o período pré-eleitoral.
Não poderíamos encerrar este capítulo sem dar voz aos que discordam, com maior ou
menor ênfase, do movimento de suas denominações religiosas em direção ao campo político.
3. 4 R
ESISTÊNCIAS INTERNAS DAS IGREJAS COM A POLÍTICA INSTITUCIONAL
Ao estudar a relação das Igrejas com a política partidária, é necessário, também,
avaliar as resistências a essa aproximação existentes no seio das denominações pesquisadas.
Verificamos, basicamente, duas posturas nas instituições em estudo: a primeira diz respeito à
Igreja Assembléia de Deus e a segunda, às Igrejas Quadrangular e Universal. Entretanto, cabe
ressalvar que dois graus diferentes de resistência foram encontrados nas Igrejas Quadrangular
e Universal, ainda que sustentem uma postura semelhante quanto à relação entre a sua
denominação e o plano político.
207
3.4.1 As Resistências Internas na Igreja Assembléia de Deus
Como exposto anteriormente, a Igreja Assembléia de Deus constitui-se em uma
denominação de organização congregacional, onde a rede de ligação entre a cúpula e os
Ministérios locais da denominação é realizada por um tênue fio de compromissos. Cada
Ministério, formado pelas comunidades, possui ampla liberdade no tocante à escolha e ao
apoio a candidaturas. Em conseqüência, muitas vezes o ethos comunitário sobrepõe-se às
recomendações da hierarquia dirigente. Diante disso, a Assembléia de Deus não tem
conseguido superar o que eles têm chamado de “pensamento fragmentado”. As palavras de
João Ferreira Filho, ex-presidente da Convenção do Rio Grande do Sul, são lapidares a esse
respeito:
Eu, particularmente, tenho reservas com a Igreja se envolver
com a política. Nós sabemos que, quando Deus instituiu o sacerdócio,
escolheu, de todas as tribos de Israel, uma: a de Levi. Eles, por terem
sido escolhidos sacerdotes, não podiam exercer cargo algum, a não ser
o sacerdócio; para ser diferente, diz a Bíblia. Eu acho que o pastor,
que ministra as coisas sagradas no santuário da Igreja, ele jamais
deveria se envolver com a política. Agora, a nossa Igreja cresceu
muito. Nós temos a estatística que ela é a maior Igreja evangélica do
Brasil. O maior movimento pentecostal do mundo é a Assembléia de
Deus. Ela não faz muito alarde, muita propaganda, porque nós não
possuímos nenhum canal de televisão. Possuímos algumas rádios, mas
nunca priorizamos isto. Sempre se trabalhou secretamente, no
evangelismo, ajudando as pessoas, etc. Agora, eu tenho as minhas
reservas. Eu faço parte, sou um dos vice-presidentes da Convenção
Geral do Brasil e eu tenho feito as minhas colocações na Convenção
Geral. Se dependesse de mim, a Igreja não entraria nessa área. Deus
tem os seus homens. Deus levanta esses homens para serem ministros,
para ministrar no santuário da Igreja, seja ela evangélica ou católica,
mas é um ministro. Então, ele deve ter muito cuidado nessa área, que
não pertence. Deus não nos chamou para isso aí. Ele não fundou uma
igreja cristã na terra para se envolver com isso aí. Mas eu acredito que
ela é atingida pela necessidade de se ter, lá no parlamento, uma voz
que represente a nossa Igreja para fazer algumas defesas.
Como vemos, até a morte desse pastor, pouco se conseguiu fazer em termos de
articulações dentro e a partir das comunidades da Assembléia de Deus para elegerem seus
208
candidatos. Parece-nos adequado pensar que, a despeito da orientação da Convenção Geral, o
próprio pastor-presidente da Convenção Estadual não investia muito esforço nesse propósito.
Era-lhe difícil acreditar no projeto político de seus colegas, ou apoiá-lo. Suas razões são
teológicas, o que significa dizer, também, que obedecem a uma certa lógica ética. A voz da
consciência individual, portanto, parece adquirir um peso fundamental na cosmovisão
religiosa da Assembléia de Deus. De acordo com nossa pesquisa, assim como esse ex-pastor-
presidente dessa denominação no Estado, muitos outros pastores e fiéis são reticentes em
relação ao envolvimento da sua instituição com o mundo da política.
O líder dessa Igreja no Rio Grande do Sul partiu da Bíblia para expressar sua
discordância do envolvimento de pastores (ele não estava falando dos fiéis) em cargos
públicos. A seu ver, o chamado e a tarefa da Igreja são outros, situados no campo religioso. A
timidez dessa denominação no contexto gaúcho no que se refere a imiscuir-se na política
institucional pode ter relação, também, com as reservas expressas pelo pastor João Ferreira
Filho. Em outros Estados brasileiros, a Assembléia de Deus é mais propositiva e ousada nessa
temática. Esse pastor relatou que era voto vencido dentro da Convenção Geral. A limitação de
seu poder está referida na expressão “se dependesse de mim”. Sua ingerência é reduzida não
somente no âmbito nacional. Também nos Ministérios locais, considerando sua grande
autonomia, o máximo que lhe é permitido fazer é “orientar”, no sentido consultivo da palavra.
Embora seja contrário ou, pelo menos, reservado no que diz respeito a ver a militância
política adentrando o mundo eclesiástico, o pastor João Ferreira Filho mencionou dois dados,
que podem ser decisivos para que a aproximação entre esses dois campos tenha que ser
tolerada, inclusive pelos contrários a ela: “a Igreja cresceu muito” e “ela é atingida pela
necessidade de se ter, lá no parlamento, uma voz que represente a nossa Igreja para fazer
algumas defesas”. A considerar esses elementos, pode ser vista como uma necessidade.
209
Note-se que o pastor João Ferreira Filho falou na motivação para a aproximação com a
política: a defesa possivelmente de questões institucionais que se somam ao discurso ético e
evangelizador adotado pela Assembléia de Deus para justificar seu ingresso no campo
político-institucional. Temos, novamente, o mesmo duo: defesa de interesses e de convicções,
não necessariamente nessa ordem.
Falando das resistências ao seu envolvimento com a política partidária, o deputado
estadual Eliseu Santos relatou como foram suas primeiras experiências no contato com
pessoas das comunidades da Assembléia de Deus:
Vem gente lá de Santana do Livramento. Agora, eu já
encaminhei um para fazer cirurgia. Vêm de Uruguaiana, Passo Fundo,
Pelotas, Rio Grande. Tem de todo o canto. Não agora só como
político. Praticamente, eu sou médico há 25 anos e eu fui um dos
primeiros médicos evangélicos, aqui, dessas denominações. E fui
procurado, sempre, durante esses anos todos, pelos pacientes. Quando
eles ficaram sabendo que eu ia concorrer a político, deputado,
vereador, eu senti que havia, em algum segmento, algumas
resistências. O pessoal dizia: - para o senhor, o ambiente é muito ruim,
e tal. E alguns grupos evangélicos, até assim mais radicais, diziam: -
Bá, isso aí não é coisa para cristão. Isso aí é coisa do outro lado. Isso
aí não é nem de Deus e tal. E eu digo: - Olha, dentro da Bíblia tem
muitos homens políticos que foram homens sérios, decentes. Isso aí eu
não vejo assim. Muitos me apoiaram, outros ficaram assim, meio em
cima do muro. Outros pensaram que ia abandonar a profissão de
médico. - Não, não vamos votar no doutor. Depois, ele vai ser político
e vai abandonar a medicina. E, depois, eles viram que não; que eu
continuo, porque a minha profissão é médico. A política é um
mandato. E, hoje, muitos grupos já estão conscientes de que
necessitam de ter um representante e já viram que não há nenhuma
alteração de personalidade, nenhuma alteração de conduta nas pessoas
que escolheram.
Eliseu Santos retratou a divisão das opiniões quanto a um cristão envolver-se com a
carreira política. Elas vão desde considerar a política como “coisa do outro lado” (numa alusão a
forças demoníacas) até, no outro extremo, apoio e concordância. Associar a política às forças
malignas é, sem dúvida, um argumento contundente no mundo evangélico. Conseguir driblar essa
210
interpretação requer do candidato (e da instituição que o apóia) muita convicção e expressiva
capacidade de persuasão. No caso específico de Eliseu Santos, algumas pessoas também resistiam
a sua candidatura por temerem perder seus préstimos como médico, cujo benefício social foi
descrito pelo próprio ex-deputado. Outra resistência citada foi o temor de que houvesse uma
“alteração de personalidade” após eleito. Essa questão está ligada à corrupção, conhecida
popularmente como sedutora a ponto de desviar até o mais bem-intencionado dos eleitos. Na
avaliação de Eliseu Santos, como os fiéis e as lideranças da Assembléia de Deus viram que suas
posturas não se alteraram, passou a contar com maior apoio da Igreja.
Já Eliseu Sabino, ex-vereador de Porto Alegre pela Assembléia de Deus, relatou, da
seguinte forma, suas dificuldades iniciais para pleitear um cargo político:
A Igreja não é muito politizada. Ela resiste à politização. Há
um trabalho em cima disto. Então, hoje, poderia estar muito melhor a
nível de estado, vamos dizer. Nós já tivemos algumas decepções. Os
primeiros parlamentares eleitos, eles não corresponderam aos anseios
da comunidade e que eram da Assembléia de Deus. Falo somente da
Assembléia de Deus. E tivemos que, evidentemente, mudar o quadro.
E assim, em lugar de melhorar a politização da comunidade, criou
mais dificuldades. Eu mesmo, quando fui candidato em 92, já
enfrentei dificuldades, pois já havia acontecido o episódio de fracasso
de nossos candidatos eleitos. Então eu tive que convencer o pessoal e
mostrar que, porque alguns erraram, nem todos precisam errar; nem
todos são iguais, essa coisa toda. É como acontece aí fora, mas, na
Igreja, é pior, porque na Igreja é, “bah, nós não queremos botar crente,
porque este negócio de botar crente, ele vai só se corromper”. Porque,
o que acontece? Todos dizem: nós vamos colocar um pastor aqui. Aí,
de repente, o pastor sai da Igreja! Entendeu? Então, aquilo realmente
marca. Hoje, eu vejo essa como a grande dificuldade, porque se a
Igreja votasse em massa, se a Assembléia de Deus votasse em massa,
nós elegeríamos três, quatro deputados estaduais, dois ou três federais.
Sabino realçou como fator de resistência a sua candidatura as decepções havidas
anteriormente com membros da Assembléia de Deus que teriam se corrompido no ambiente
do poder político. Novamente transparece a associação quase direta entre a política e a
corrupção e a falta de ética. Soma-se a esses aspectos o temor de perder membros do clero.
211
Parece haver, no imaginário das pessoas da Igreja, a idéia de que o pastor, uma vez eleito, vá
preferir a política ao sacerdócio, vindo a abandonar a instituição.
Para o atual pastor-presidente no Estado da denominação, Ubiratan Job, a Igreja é o
lugar do sagrado, mas faz questão de ressaltar que isso não significa que a política seja um
espaço demoníaco. Ele resumiu a postura da Igreja a esse respeito da seguinte forma:
Eu creio que a Igreja é, de fato, um mundo sagrado, que deve
se dedicar para Deus, desenvolvendo as suas atividades, buscando, em
primeiro lugar, esse objetivo. Afinal, a Igreja existe para isso. E a
política não: é uma atividade normal, é uma atividade humana, que
tem também a sua responsabilidade de bem contribuir em favor da
sociedade. Eu não vejo a política satanizada. Eu vejo, atualmente, uma
decadência por parte de algumas pessoas. Não posso generalizar.
Entendo que a política tenha a sua contribuição importante e
necessária, essencial, para a existência de uma sociedade organizada,
para o funcionamento de todas as instituições. Então, a política é uma
atividade essencial, normal como qualquer outra. Não vejo nenhuma
demonização da política.
Como podemos ver, não existe, do seu ponto de vista, uma concepção tão negativa em
relação à política. Ao contrário, lhe é atribuído um lugar de importância para o bom
funcionamento da sociedade. Quer-nos parecer que esse pastor-presidente contrapõe dois
níveis de trabalho: o divino (que seria o papel da Igreja) e o humano (que incluiria a política).
Não faz menção a alguma compreensão satanizada quer da política quer da vida “normal”.
Um fator de resistência ao envolvimento no campo político é, para o pastor Ubiratan
Batista Job, o risco de que essa inserção tumultue as atividades da Igreja. Ele abordou essa
questão como segue:
Acho que a política não dá, ou não daria, contribuições para a
Igreja, em termos concretos. Agora, a Igreja, olhando para o evangelho,
nós temos a sagrada missão de sermos o sal da terra e a luz do mundo.
Isso significa influenciar todos os segmentos da sociedade. Isso é um
despertar de consciência. Isso está acontecendo, recentemente, na história
da nossa Igreja. Ressaltando: a Igreja tem o que oferecer, tem o que dar
através dos seus representantes. Agora o contrário, não vejo de que
212
modo. Se nós facilitarmos, a política até tumultua a nossa atividade, se
nós deixarmos ela se infiltrar ao bel-prazer de seus dirigentes.
Cabe destacar que o líder dessa denominação em solo gaúcho ligou a tarefa de ser “o
sal da terra e a luz do mundo”, conhecido resumo do que as igrejas cristãs entendem como sua
missão, ao envolvimento da instituição com a política partidária. Dessa forma, assumir cargos
públicos estaria integrando a missão de sua Igreja, configurando-se como a contribuição que
pode oferecer ao mundo. Novamente vale destacar a visão ética que essa denominação possui
de si mesma. Ressalvou, porém, que, em contrapartida, a Igreja teria pouco a ganhar com a
aproximação com o universo político. Ao explicar em que essa inserção poderia tumultuar a
atividade da Igreja, o pastor mencionou o tempo que o ministro deixa de dedicar a seus fiéis,
preteridos pelos compromissos partidários. Nessa questão reside, a seu ver, um perigo para o
qual a Igreja precisa atentar.
Assim, a lista das resistências ao envolvimento da Igreja com a política partidária não
impressiona pelo tamanho. Afinal, não chegam a ser muitos os argumentos contrários a esse
envolvimento. Entretanto, sua importância reside na força de seus argumentos. Apenas para
exemplificar, vale citar que associar a política ao demônio ou ao risco de perder pastores
bastaria para colocar dúvida em boa parte do clero e da membresia da Igreja. Ainda que estes
não sejam argumentos utilizados pelas principais lideranças da instituição no Estado, podem
ser encontradas no corpo de fiéis e mesmo entre alguns pastores.
3. 4. 2 As Resistências Internas na Igreja Quadrangular e na Igreja Universal
Nas Igrejas Quadrangular e Universal, pudemos observar diferenças importantes em
sua postura em relação às resistências verificadas na Assembléia de Deus. Como já referimos,
nessas duas instituições, a força da hierarquia é maior, pois sua organização interna dispõe-se
213
de forma diferenciada, mantendo uma cadeia de poder verticalizada e forte. Defrontamo-nos
com duas grandezas inversamente proporcionais: quanto maior a obediência ao poder central
da Igreja, menor a resistência às suas decisões. Contudo, apesar dessa semelhança entre as
Igrejas Quadrangular e Universal, percebemos haver uma diferença de freqüência entre elas,
isto é, na quantidade de vozes destoantes nessas denominações.
O pastor Humberto Leal, da Igreja Quadrangular, foi candidato derrotado a vereador
em São Leopoldo. Ele avaliou seu período de campanha, dizendo que recebeu, basicamente,
apoio por parte da Igreja, sentindo pouca resistência ao seu projeto de lançar-se à vereança.
Partindo-se do pressuposto que seu nome havia passado pelo crivo da denominação, teceu
comentários sobre a reação dos grupos e dos membros da comunidade, já que o apoio
institucional já estava claro. Disse o entrevistado:
Da Igreja, o Conselho Nacional de Diretores, ele é o primeiro a
[apoiar], até porque a coordenadoria política é constituída pelo
Conselho Nacional. É o Conselho Nacional que constituiu, então, o
primeiro apoio vem do Conselho Nacional; e o Conselho Estadual
também. E nós tivemos, aqui da Igreja, o apoio de toda a Igreja.
Evidentemente que não recebemos apoio, os votos, de todas as
pessoas que vêm na Igreja, porque não existe unanimidade em
nenhum lugar. Mas a gente recebeu a maioria dos votos.
Evidentemente que um investimento maior seria necessário, né? Mas,
às vezes, não temos condições. Então, não houve resistência, assim, de
grupos da Igreja, nem da Igreja, nem da equipe, nem do Conselho,
nada. Então, a gente foi à luta. Eu acho que tentar é melhor do que
nunca tentar [acréscimo nosso].
Ao longo da entrevista, relatou que percebeu algumas pessoas, isoladas, inclusive
colegas, pastores-auxiliares, um pouco cautelosas com o envolvimento de seu pastor na
política partidária. Entretanto, nem estas foram, efetivamente, contra sua decisão. Também
não deixaram de freqüentar as atividades da Igreja. Apenas se mantinham reservadas. O
pastor Leal frisou que as instâncias do poder eclesiástico da Igreja Quadrangular e os grupos
de sua comunidade, de um modo geral, apoiaram sua decisão e sua campanha. Sobre a
214
resistência percebida (pequena, salientou), concluiu: “nem Jesus teve a unanimidade”.
Essa é uma constatação feita também nas demais entrevistas realizadas e nos
questionários aplicados junto aos membros da Igreja Quadrangular, como descrito no capítulo
5. As resistências são isoladas e praticamente inócuas. Há espaço para que o fiel, bem como o
pastor, expressem sua discordância, o que pouco ocorre. Existe uma convicção generalizada
da importância de a denominação assumir cargos políticos.
Na Igreja Universal, não foram encontradas resistências no clero à inserção da mesma
no campo político-partidário. Nem uma única manifestação nesse sentido por parte de alguma
liderança eclesiástica foi verificada ao longo da pesquisa. Sequer poderíamos afirmar que
houve reservas ou um algum desconforto ou desconfiança em relação às opções feitas pela
direção da Igreja e ratificadas pelos pastores. No entanto, essa não foi a realidade evidenciada
entre a membresia, como veremos no capítulo 5, onde, apesar de poucas, foram registradas
algumas vozes contrárias.
Portanto, pode-se notar a dificuldade de tratar da relação entre os evangélicos e a
política como se houvessem posturas e situações homogêneas. As diferenciações percebidas
não obedecem somente à estrutura interna das próprias instituições e a sua maneira de inserir-
se no mundo público, mas também a distinções teológicas. Não existe, portanto, uma forma
homogênea de percepção da relação entre a religião e a política entre os evangélicos.
3.5 Análise das Estruturas Eclesiásticas e do Envolvimento das Denominações na
Política
Ao longo deste capítulo, verificamos a existência de tipos distintos de organização
eclesiástica nas denominações em estudo. Demonstramos também as diferentes formas de
215
construção de candidaturas a cargos políticos a partir dos quadros evangélicos, bem como
suas formas de se envolverem com as campanhas políticas destes.
Retomaremos, de forma sintética, os modelos de organização eclesiástica encontrados
em nossa pesquisa. O primeiro modelo de estrutura foi verificado na Igreja Assembléia de
Deus, caracterizando-se por ser congregacional. Isto é, os Ministérios
106
possuem um elevado
grau de autonomia diante da instituição religiosa; ou seja, da cúpula da Igreja. Esse modelo
gera grupos decisórios mais amplos e, por conseguinte, resulta numa maior distribuição de
poder na estrutura da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, bem como de seu
homônomo estadual.
O segundo modelo organizacional é verticalizado e hierárquico, caracterizando-se por
ser também mais organizado. Essa segunda forma de estrutura eclesiástica caracteriza tanto a
Igreja Quadrangular quanto a Igreja Universal. Contudo, como tivemos a oportunidade de
perceber nas fontes bibliográficas e nos relatos colhidos sobre essas duas denominações,
existem importantes variações desse modelo hierárquico de organização eclesiástica nas duas
instituições em questão.
Na Igreja Quadrangular, embora com forte estrutura centrada em pastores colocados
hierarquicamente sobre as comunidades, a Igreja local e sua liderança têm poder de decisão
sobre questões locais. Basta lembrar que cada comunidade possui um fórum de
acompanhamento dos trabalhos ali efetuados. Ademais, sua estrutura prevê fóruns de discussão
intermediários nas regiões onde as comunidades estão localizadas. Em cada região, existe um
superintendente. Em âmbito estadual, conta com um Conselho Estadual, também conhecido
como Administração Intermediária. Dentre as três Igrejas pesquisadas, a Quadrangular possui a
216
estrutura mais complexa, com diversas instâncias em sua cadeia de poder. Em cada um desses
níveis, verificamos certa autonomia, embora não tão ampla quanto na Assembléia de Deus.
A Igreja Universal, por sua vez, mostra-se com uma estrutura ainda mais vertical e
hierárquica que a Igreja Quadrangular, não possuindo fóruns com poder decisório efetivo em
âmbito estadual, muito menos localmente. As decisões são impostas pelo Conselho Nacional
de Bispos do Brasil, composto também pelos bispos estaduais, e obedecidas por todas as
instâncias da Igreja.
Assim, cremos ser importante realizarmos uma breve análise dessas estruturas
eclesiásticas à luz da tipologia weberiana da dominação. Porém, antes de entrarmos,
propriamente, na tipologia da dominação, vale lembrar que a dominação enquanto conceito
geral é um dos elementos mais significativos da ação social. Para o pensador alemão,
todas as áreas da ação social, sem exceção, mostram-se
profundamente influenciadas por complexos de dominação. [...] a
dominação e a forma como ela é exercida são o que faz nascer, de
uma ação social amorfa, uma relação associativa racional, e noutros
casos, em que não ocorre isto, são, não obstante, a estrutura da
dominação e seu desenvolvimento que moldam a ação social e,
sobretudo, constituem o primeiro impulso, a determinar,
inequivocamente, sua orientação para um “objetivo” (Weber, 2004b,
p. 187).
Quando tratamos do conceito da dominação em Weber, devemos levar em conta,
inicialmente, que o sociólogo faz questão de distinguir entre poder, dominação e disciplina.
Para ele, poder significa a probabilidade de alguém, dentro de uma relação social, impor sua
vontade mesmo contra eventuais resistências de terceiros. Já a disciplina é a “probabilidade de
encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem” (Idem, Ibidem, p. 33).
106
Conjunto de comunidades locais sob a orientação de um pastor-presidente.
217
Trata-se, por conseguinte, de uma obediência treinada, acrítica e sem resistência
107
. Por fim, a
dominação consiste na probabilidade de encontrar obediência de um grupo determinado, para
uma resolução de um conteúdo específico (Idem, 2004a).
A situação de dominação é constituída de alguém mandando, de forma eficaz, em
outras pessoas. Geralmente, o exercício da dominação pressupõe uma associação
108
de
dominação ou de um quadro administrativo. Como a dominação sempre contempla também a
obediência, ela necessita encontrar sua legitimação. Assim, o filósofo político alemão define:
Por “dominação” compreenderemos, então, aqui, uma situação
de fato, em que uma vontade manifesta (“mandado”) do “dominador”
ou dos “dominadores” quer influenciar as ações de outras pessoas (do
“dominado” ou dos “dominados”), e de fato as influencia de tal modo
que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se
os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandato a
máxima de suas ações (“obediência”) (Weber, 2004b, p. 191).
Portanto, a dominação repousa sobre a legitimidade, que, por sua vez, juntamente com
os outros fatores, baseia-se na crença de que a dominação é legítima. Pode ser conferida
legitimidade à dominação por vários motivos: por uma constelação de interesses por parte
daqueles que obedecem; a legitimidade pode depender do “costume”; ou ainda, “pode
fundamentar-se no puro afeto, na mera inclinação pessoal do súdito” [grifo do autor] (Idem,
1991, p. 128). O autor afirma que em uma relação de dominação autêntica, existe uma certa
dose, ainda que mínima, de vontade, ou seja, de interesse em obedecer (Idem, 2004a).
Poderíamos dizer, então, que uma relação de dominação não se estabelece a partir do nada. A
107
Conforme Weber, o conceito de “ ‘disciplina’ inclui o ‘treino’ na obediência em massa, sem crítica
nem resistência” (Weber, 2004a, p. 33).
108
“Chamamos ‘associação’ uma relação social fechada para fora ou cujo regulamento limita a
participação quando a observação de sua ordem está garantida pelo comportamento de determinadas
pessoas, destinado a esse propósito: um dirigente e, eventualmente, um quadro administrativo” (Idem,
Ibidem, p. 30).
218
rigor, existe o consentimento da parte dominada.
Assim, as legitimidades estão entrelaçadas com os tipos sociológicos de dominação,
ou seja, os “tipos ideais” da dominação legítima
109
, os quais passaremos a descrever. São três
os tipos de dominação: legal, tradicional e carismática.
A dominação legal firma-se na crença de estatutos que são sancionados de forma
adequada no tocante à forma (Weber, 1991). A obediência não consiste em submissão a um
indivíduo em especial, mas a uma regra estabelecida. Como as regras são instituídas de forma
a serem impessoais, ou seja, racionais e de validade universal, aquele que ordena também se
submete à lei.
A dominação legal, também chamada burocrática, exige a existência de um quadro
administrativo. Weber propõe uma extensa lista de idéias que dirigem um quadro
administrativo burocrático
110
. Para nosso objetivo, destacaremos aquelas que mais se
aproximam das encontradas nas Igrejas aqui estudadas.
Em primeiro lugar, no quadro administrativo, somente podem ser aceitos como
funcionários aqueles que estão qualificados por uma especialização profissional compatível
com o objetivo da associação racional, seja ela política, hierocrática ou econômica (Weber,
109
Vale lembrar que nenhum tipo ideal costuma existir empiricamente. O tipo ideal constitui-se em
uma ferramenta analítica da sociologia sobre a realidade histórica. Contudo, “ainda assim vale para
todo fenômeno histórico empírico de dominação que ele não costuma ser um ‘livro bem raciocinado’.
E a tipologia sociológica oferece ao trabalho histórico empírico somente a vantagem – que
freqüentemente não deve ser subestimada – de poder dizer, no caso particular de uma forma de
dominação, o que há nele de ‘carismático’, de ‘carisma hereditário’ (§§ 10, 11), de ‘carisma
institucional’ [...], ou seja, em quê ela se aproxima de um destes tipos, além de trabalhar com
conceitos razoavelmente inequívocos. Nem de longe se cogita aqui sugerir que toda a realidade
histórica pode ser ‘encaixada’ no esquema conceitual desenvolvido” [grifo do autor] (Weber 2004a, p.
141-142).
110
É possível conferi-las em Weber, 2004a, p. 142-147.
219
2004a). Os funcionários
são nomeados (e não eleitos) numa hierarquia rigorosa de cargos; têm
competências funcionais fixas; [...] são remunerados com salários
fixos em dinheiro; [...] seu salário está escalonado, em primeiro lugar,
segundo a posição na hierarquia e, além disso, segundo a
responsabilidade do cargo; exercem seu cargo como profissão única
ou principal; têm a perspectiva de uma carreira: “progressão” por
tempo de serviço ou eficiência, ou ambas as coisas, dependendo do
critério dos superiores; estão submetidos a um sistema rigoroso e
homogêneo de disciplina e controle de serviço [grifos do autor]
(Idem, Ibidem, p. 144).
A dominação burocrática, entretanto, nunca é exclusivamente burocrática, já que
nenhuma associação pode funcionar apenas através de funcionários contratados. Por
conseguinte, normalmente os
cargos mais altos das associações políticas ou são “monarcas”
(soberanos carismáticos hereditários) ou “presidentes” eleitos pelo
povo (ou seja, senhores carismáticos-plebicitários) ou são eleitos por
um colegiado parlamentar cujos senhores de fato não são
propriamente os seus membros mas os chefes, seja carismáticos, seja
de caráter dignatário (honoratiores), dos partidos majoritários [grifo
do autor] (Weber, 1991, p. 130).
Ademais, para Weber (2004a), uma dominação burocrática pode ser restringida por
autoridades da instituição que existem junto à hierarquia burocrática por uma questão de
direito próprio. Assim, qualquer tipo de dominação pode prescindir de um caráter
monocrático, isto é, ligado a uma só pessoa, uma vez que há a colegialidade como princípio.
Dessa forma, estas autoridades institucionais possuem “o monopólio da criação de todos os
estatutos ou dos decisivos para a extensão da liberdade de disposição dos funcionários”
(Idem, Ibidem, p. 179).
As associações que mais se aproximam do tipo puro da dominação burocrática são os
exércitos, as empresas de natureza privada, a Igreja e o Estado (Idem, Ibidem). Como
220
pudemos perceber, a rigor, as três instituições religiosas aqui estudadas se enquadram na
dominação legal ou burocrática; entretanto, não com a mesma intensidade. Antes de nos
atermos, detalhadamente, ao exercício da dominação que cada denominação religiosa
pesquisada exerce, vejamos, primeiro, os outros tipos de dominação existentes.
Diferentemente da anterior, na dominação tradicional, a obediência se dá em relação
à pessoa de um senhor que tem sua nomeação baseada na tradição em função de costumes
valorizados por aquela população (Idem, Ibidem). Não se obedece a estatutos, mas à pessoa
chamada pela tradição ou indicada por alguém determinado segundo critérios tradicionais. As
ordens são legitimadas de duas maneiras: a) em parte, pela força da tradição que determina o
conteúdo das ordens, b) parcialmente, pelo livre arbítrio do senhor ao qual a tradição demarca
o espaço correspondente (Idem, Ibidem).
Seu quadro administrativo não é composto primeiramente por “funcionários”, mas por
“servidores”. As relações sociais entre o senhor e o quadro administrativo são determinadas
por uma fidelidade de natureza pessoal daquele que serve (Weber, 2004a). O autor afirma,
ainda, que, em seu tipo puro, ao quadro administrativo da dominação tradicional faltam:
a) a “competência” fixa segundo regras objetivas;
b) a hierarquia racional fixa;
c) a nomeação regulada por contrato livre e o ascenso regulado;
d) a formação profissional (como norma) (Idem, Ibidem, p. 149).
Com relação à hierarquia racional fixa (item b), Weber nota que, quando esta falta, a
decisão sobre um determinado assunto ou queixa é regulada pela tradição, ou cabe ao próprio
senhor julgar, ou àqueles que ele nomear como seus encarregados para tal demanda (Idem,
Ibidem).
221
Os tipos primários desta forma de dominação são associações de caráter
gerontocrático e o patriarcalismo. A gerontocracia ocorre em associações onde a dominação é
exercida pelos mais velhos em idade, porque são eles os que possuem maior conhecimento
sobre a tradição sagrada. Ainda segundo Weber (Ibidem), encontramos a gerontocracia
comumente nas associações que não se caracterizam como sendo, em primeiro lugar, de
natureza familiar ou econômica.
Esses dois tipos de associação podem se distinguir em suas características, quando
possuem uma estrutura interna puramente patriarcal (no caso de os servidores serem
recrutados em completa dependência do senhor, como, por exemplo, escravos, servos ou
eunucos), ou quando existe uma estrutura estamental.
Na estrutura estamental, os servidores não pertencem ao senhor, mas são pessoas
independentes. Estes são colocados nos cargos em função de privilégio ou porque o senhor
lhes faz essa concessão, o que pode ocorrer de forma efetiva ou segundo a ficção de
legitimidade (Weber, 1991). Nesse caso, a administração
ainda que limitada, é autocéfala e autônoma, exercendo-se por conta
própria e não por conta do senhor. É a dominação estamental. A
competição dos titulares dos cargos em relação ao âmbito dos mesmos
(e de suas rendas) determina a delimitação recíproca dos seus
conteúdos administrativos e figura no lugar da “competência”. A
articulação hierárquica é freqüentemente ferida pelo privilégio [grifo
do autor] (Idem, Ibidem, p. 132).
A esse tipo de dominação com estrutura estamental falta a categoria de disciplina
colocada anteriormente como uma importante característica da dominação burocrática. Trata-
se de uma conseqüência das relações sociais reguladas mais pela tradição do que pelo
desempenho. Enfim, as associações que mais se aproximam do tipo puro da dominação
tradicional são as de caráter comunitário (Idem, Ibidem).
222
Na dominação carismática, a sujeição dos atores sociais ocorre em virtude da qualificação
carismática do líder, ou seja, em virtude da confiança pessoal dos seguidores nos dons sobrenaturais
do líder, como, por exemplo, o poder mágico, ou o poder de oratória, ou o heroísmo, ou a
“exemplaridade dentro do âmbito da crença nesse seu carisma” (Idem, 2004a, p. 141). A obediência
dos seguidores ocorre, fundamentalmente, à pessoa do líder, em virtude de suas qualidades
excepcionais, e não pelo fato de possuir alguma posição de destaque alcançada pela competência
profissional, ou conferida pela lei (como no caso do Presidente da República) ou pela tradição.
Quando se trata de uma dominação carismática, o quadro administrativo é escolhido pelo
carisma e pela vocação e “não devido a sua qualificação profissional (como o funcionário), a sua
posição (como no quadro administrativo estamental) ou a sua dependência pessoal (como é o caso
do quadro administrativo patriarcal)” (Idem, 1991, p. 135). Assim, o quadro administrativo da
dominação carismática não é orientado conforme regras ou tradições, mas pela revelação, por
decisões particulares, “ou seja, em qualquer caso, [...] o irracional” (Weber, 1991, p. 135).
As organizações de cunho burocrático e tradicional exercem sua dominação baseada na
legitimidade voltada para a satisfação das necessidades normais e cotidianas. Sua característica
mais importante é a estabilidade. Contudo, a satisfação das necessidades colocadas além do
cotidiano está fundada de forma carismática. Nesse sentido, a dominação carismática é o oposto
da burocrática.
A dominação burocrática, a qual pode ser caracterizada como uma oposição à dominação
tradicional, realiza sua revolução a partir de meios técnicos, isto é, de fora para dentro (Idem,
2004b). A dominação carismática, ao contrário, é definida por este autor como uma revolução de
dentro para fora.
O poder do carisma, ao contrário, fundamenta-se na fé em
revelações e heróis, na convicção emotiva da importância e do valor
223
de uma manifestação religiosa (...). Esta fé revoluciona os homens “de
dentro para fora” (Idem, Ibidem, p. 327).
A associação carismática pressupõe um processo de comunhão de caráter emocional.
Weber procurou demonstrar que o carisma não é algo estanque. Não é apenas atributo de uma
pessoa com feitos extraordinários. Ao contrário, o carisma pode, por exemplo, ser passado
adiante. É o caso do “carisma hereditário”, ou seja, aquele que, freqüentemente, está ligado ao
nome de uma família. Ocorre na sucessão real, assim como também pode-se citar o direito
herdado pelo primogênito. De qualquer forma, nesses casos, o domínio é inteiramente
independente das qualidades pessoais (Idem, 1991).
Como estamos escrevendo sobre comunidades religiosas, elas não podem ser
definidas, nos termos de Weber, como associações hierocráticas
111
(Weber, 2004a). Nas
comunidades com as quais estamos nos ocupando, encontramos muitos dos elementos
definidos e apontados pelo estudioso. Nas instituições religiosas, a pessoa que exerce a
liderança de uma comunidade recebe o seu poder de líder a partir da existência da função.
Temos configurado, então, que os líderes religiosos dessas comunidades instituídas podem ser
denominados como portadores de carisma de função. Trata-se da “objetivação ritual do
carisma, ou seja, na crença de que se trata de uma qualidade mágica transferível ou suscetível
de ser produzida mediante uma espécie de hierurgia [ação sacerdotal]: unção, imposição de
mãos ou outros atos sacramentais” (Idem, 1991, p. 140).
111
Weber realiza uma distinção entre associação hierocrática e Igreja. A primeira, além dos bens de
salvação oferecidos, entende que sua administração deverá se “constituir o fundamento da dominação
espiritual dos homens”. Entretanto, sua definição de Igreja está calcada sobre a característica de ser
uma instituição racional “e de empresa que se manifesta na natureza de suas ordens e de seu quadro
administrativo, e sua pretensão de dominação monopólica” (2004a, p. 35). Ademais, Weber concluiu
que a totalidade das religiões hierocráticas, incluindo-se aí o cristianismo, mantém uma grande
antipatia “pelo capitalismo, devido à impossibilidade de um controle ético do sistema” (apud Löwy,
2000, p. 39).
224
Retomemos, agora, as características dessas organizações eclesiásticas à luz da teoria
da dominação.
Como evidenciamos, a estrutura organizacional da Igreja Assembléia de Deus é
construída de forma rizomática, onde as Igrejas-sede tendem a estimular o florescimento de
ramificações que são chamadas de congregações e pontos de pregação, estando somente sob
controle da Igreja acima dela. Por outro lado, uma vez estas ramificações se expandindo e
tornando-se fortes, podem, em determinado momento, requerer para si o título de Igreja-sede,
ou seja, ter ali um novo Ministério. Isso gera tensões na estrutura e, não poucas vezes, a
divisão dessas congregações, o que ocorre com relativa facilidade, pois não há um órgão
efetivo e decisório, com poder suficiente, sobre cada uma destes Ministérios. Essas separações
nem sempre implicam na saída dessas novas Igrejas-sede da Convenção Estadual e da
Convenção Geral. Assim, o poder está efetivamente ligado ao pastor-presidente de um
Ministério; e não, a uma organização estadual ou nacional. O que une a Assembléia de Deus
em uma Convenção é a aceitação por parte dos pastores-presidente de certos princípios ou, em
termos weberianos, de uma tradição.
Assim, a estrutura eclesiástica da Assembléia de Deus é horizontal, sendo suas
Convenções Estaduais e Nacional compostas mais por grupos consultivos que, propriamente,
por fóruns deliberativos. A Convenção Geral pode emitir sua opinião, por exemplo, de
desaprovação a um candidato a representante político da Igreja. Entretanto, em ele estando
calcado em uma boa aceitação no contexto local, ficará protegido contra a cúpula da Igreja,
inócua localmente. Evidentemente, cremos que isto se daria mais no plano hipotético do que
no real, uma vez que, se ocorresse a desaprovação de um nome, certamente o seria por razões
ligadas a valores morais, e menos por questões de competência enquanto legislador.
Estabelecida esta característica, provavelmente nenhum Ministério arcaria com tal aprovação
à revelia da Convenção Estadual ou Geral. Ou seja, o poder da tradição é maior do que o
225
poder burocrático
112
. Conforme a teoria da dominação de Weber (2004a), podemos dizer que
falta à Assembléia de Deus o critério de “disciplina”, tão característico da dominação
burocrática. Assim, a estrutura e o funcionamento dessa denominação assemelha-se mais à
dominação tradicional do que propriamente à burocrática, mesmo que esta não esteja ausente.
Na Igreja Quadrangular, o modelo é, fundamentalmente, episcopal. Trata-se de uma
organização hierárquica, vertical, como já descrito. O aprimoramento da formação de suas
lideranças transpareceu na importância dada ao estudo, de um modo geral, e à formação
teológica de seus pastores, em particular. Fica demonstrada, assim, a ênfase na qualificação
profissional dos quadros de seus líderes. A questão da competência é altamente valorizada,
destacada por Weber como um importante traço na dominação legal.
Dessa forma, os “funcionários” da Igreja Quadrangular são qualificados para a
especialização profissional, que é compatível com o objetivo racional dessa associação. Além
disso, esses funcionários [especificamente, aqui, os pastores] “são nomeados (e não eleitos)
numa hierarquia rigorosa de cargos; têm competências funcionais fixas” [grifos do autor]
(Weber, 2004a, p. 144). A perspectiva da carreira ministerial mostra que o avanço de cargo
ocorre por tempo de serviço ou por eficiência, ou ambas, e que seus funcionários estão
submetidos a um sistema rigoroso de disciplina e controle de serviço (Idem, Ibidem). Como
vimos, todas essas características estão presentes tanto na Igreja Quadrangular quanto na
Igreja Universal, podendo ambas as denominações ser qualificadas como instituições com
fortes características da dominação burocrática.
112
Ademais, na escolha de um pastor titular, a questão da idade é um dos critérios mais importantes.
Assim, a Assembléia de Deus aproxima-se do que Weber definiu como gerontocracia. Deve-se dizer
que essa tendência vem mudando pelo fato de que, hoje, pode-se chegar ao pastorado titular através da
formação teológica, não permanecendo a longa trajetória eclesiástica como um critério para alcançar
essa função.
226
Por outro lado, as três denominações religiosas pesquisadas apresentam-se também
como organizações possuidoras de carisma. Conforme Weber, as organizações de cunho
carismático fundam sua dominação na legitimidade voltada para a satisfação das necessidades
colocadas para além do cotidiano
113
. Sobre esse traço é que as Igrejas em estudo podem ser
percebidas como instituições carismáticas. No entanto, sobretudo na Igreja Quadrangular e na
Igreja Universal, o “carisma” não é oposto à dominação burocrática. Este processo de
dominação burocrática ocorre dentro dessas Igrejas, pois elas fazem parte do que Weber
chamou de rotinização do carisma; ou seja, um carisma domesticado. Quando a dominação
carismática é transferida para uma instituição, ela sofre um processo de mecanização,
podendo ser substituída por outros princípios estruturais ou a eles se entrelaçando de tal
forma, que somente é possível fazer uma distinção analítica desse fenômeno, uma vez que,
efetivamente, de sua origem carismática pouco tenha restado. Assim, o desejo dos “adeptos
carismaticamente dominados, é de transformar o carisma e a felicidade carismática de uma
agraciação livre, única, [...] em uma propriedade permanente da vida cotidiana” (Weber,
2004b, p. 332). Passa-se de uma organização carismática para uma instituição portadora de
um carisma. Dessa forma, para Weber, carisma e instituição precisam ser entendidos como
um processo dialético. Quanto mais ritualizada for a forma como uma instituição religiosa
lida com a vida cotidiana, mais próxima ela fica do pólo “irracional”, isto é, do mágico,
portanto, do carismático.
As denominações pentecostais que temos estudado têm como sua mola propulsora
justamente o enfrentamento e a resolução simbólica de dramas pessoais, onde a cura de
doenças físicas e emocionais exerce um papel fundamental de atração sobre a população
113
O que, em absoluto, significa apenas instituições religiosas, mas todas aquelas que, de alguma
forma, são associações que se baseiam em um processo de comunhão de caráter emocional.
227
(Turner, 1990, p. 11). Esse fato transparece, mormente, na Igreja Universal; na Igreja
Quadrangular e na Assembléia de Deus, de forma descendente, respectivamente. Ou seja, para
os participantes de igrejas pentecostais, a ritualização que possibilitar uma maior
“efervescência” coletiva e emocional, seria aquela mais próxima do conteúdo carismático
original. Assim, quanto mais uma denominação explorar o lado “irracional” por intermédio
dos rituais, mais esta instituição será reconhecida como portadora verdadeira do carisma
original. Daí também podermos falar em carisma institucional
114
.
As três denominações aqui estudadas fundam-se em uma mensagem carismática, mas as
Igrejas Quadrangular e Universal organizam-se mais conforme as características da dominação
burocrática. A IgrejaAssembléia de Deus também possui a legitimidade carismática, uma vez que
sua mensagem “não é deste mundo”, mas sua estrutura organizacional se aproxima da forma
tradicional estamentária. Assim, a posição do pastor em relação à política é fundamental para a
“politização” da comunidade, isto é, para que ela perceba como sendo necessária e útil a inserção
de sua denominação no âmbito político institucional. Como o poder está centrado no pastor,
embora diferentemente do que ocorre na Igreja Quadrangular, esse poder é legitimado tanto por
seu carisma de função como por uma fidelidade de natureza pessoal.
A estrutura da Igreja Universal é bem organizada, hierárquica e, como vimos, do ponto
de vista estrutural, exerce uma dominação burocrática. Qualquer determinação da instância
nacional é obedecida em todas as comunidades locais. A questão da disciplina coloca-se como
um elemento importante nessa denominação.
114
É evidente que essa reflexão está atrelada às instituições religiosas. Mas não somente as
organizações de natureza religiosa podem ser portadoras de carisma. Um partido político ou uma
empresa também podem constituir-se em empreendimentos carismáticos. A diferença é que os
processos de manutenção deste carisma ocorrerão de outra forma.
228
Ainda outra questão ainda merece ser levantada nesse contexto. Devemos mencionar
uma relevante diferença entre a estrutura burocrática da Igreja Quadrangular e aquela
apresentada pela Igreja Universal. Para Weber, qualquer forma de dominação pode ser
monocrática, ou não. Mas, para que isto aconteça, é necessário que todo o tipo de dominação
seja exercido “pelo princípio de colegialidade” (Weber, 2004a, p. 179). Vimos que, na Igreja
Universal, apenas nos anos 90, o Bispo Edir Macedo resolveu criar um maior número de
colegiados, antes do que as decisões eram ainda mais centralizadas. Mesmo assim, é
conhecida a tônica centralizadora e pessoal que costuma dar a todas as ações da Igreja
Universal. Esta denominação, portanto, distinta das outras pesquisadas, tem um forte
elemento monocrático. A Igreja Quadrangular, por outro lado, com suas múltiplas instâncias
consultivas e deliberativas (colegiados), embora muito centrada nas mãos de pastores, impede
a monocracia e acaba envolvendo um considerável número de pessoas, direta ou
indiretamente, nas tomadas de decisão.
Especificamente em relação à construção das candidaturas a cargos políticos em nome
das Igrejas, destacamos que, na Assembléia de Deus, notamos uma organização mais liberal,
de autoconstrução do sujeito como postulante ao cargo de representante político da
denominação. Antes de poder aspirar às funções político-partidárias, ele necessita de algum
status no interior da própria instituição.
Na Igreja Universal, a organização eclesial é menos liberal. A iniciativa da candidatura
também pode, em tese, se dar a partir do sujeito, mas passa por um rigoroso crivo da
denominação que se reserva o direito de indicar seus candidatos, vetando os demais.
No âmbito da Igreja Quadrangular, é praxe a realização de eleições prévias com o
objetivo de reduzir as candidaturas. Tanto essa denominação quanto a Igreja Universal estão
atentas ao risco de terem seus votos pulverizados em diversos candidatos, o que enfraqueceria
229
suas chances de eleição. Assim, levam a sério evitar as pluricandidaturas. Valendo-nos da
conceituação de Weber, as denominações aqui estudadas não podem ser classificadas como
grupos de pretensão hierocráticas.
Embora nosso estudo esteja centrado no poder legislativo estadual, as estratégias de
construção e divulgação das candidaturas, assim como os anseios e projetos das instituições
em relação ao campo político, valem também para as câmaras de vereadores municipais e
para o poder legislativo federal. Embora adequados também para as instâncias do poder
executivo, deve-se ressalvar que ter acento, de forma sistemática, neste último requer
articulações políticas ainda mais arrojadas.
Uma vez fazendo foco em uma candidatura para o nível estadual ou federal, as Igrejas
Quadrangular e Universal são arrojadas ao dar sustento às campanhas de seus futuros
representantes. Na Igreja Quadrangular, preserva-se o púlpito, sem, no entanto, prescindir do
espaço eclesial para a divulgação dos candidatos a porta-voz na política. A Universal é uma
Igreja altamente propositiva e enfática no que concerne a mobilizar os freqüentadores de seus
templos a votarem nos candidatos da instituição. A Igreja Assembléia de Deus é a mais
tímida, por assim dizer, em tornar pública sua nominata para cargos políticos. Deve-se dizer
que nem chega a ser apropriado falar em uma nominata no contexto dessa denominação,
porque, como já vimos, sua cadeia de poder favorece o espontaneísmo no que se refere ao
surgimento e às campanhas de candidaturas advindas do berço dessa instituição.
As estratégias para articular a aproximação destas Igrejas com o plano político-
partidário precisam lidar também com as resistências encontradas em seu próprio meio, em
maior ou menor grau. Como demonstramos, o apoio ao envolvimento com a esfera política é
maciço na Igreja Universal, altamente expressivo na Igreja Quadrangular e suficiente para
manter a Assembléia de Deus ocupando cargos no legislativo gaúcho. As vozes contrárias
230
foram detectadas na proporção inversa às de apoio, como já seria de se esperar, havendo
maior resistência na Assembléia de Deus e um índice significativamente baixo na Igreja
Universal. Apesar da força de seu projeto político, também na Igreja Quadrangular foram
verificadas vozes resistentes, ainda que isoladas e sem maiores repercussões.
De um modo geral, portanto, poderíamos dizer que o êxito eleitoral está ligado a uma
soma de fatores. Dentre estes, destacamos ao longo do capítulo:
- as características organizacionais das Igrejas;
- a cosmologia de cada instituição religiosa;
- a força dos argumentos que movem as denominações para dentro do campo político-
partidário;
- a forma como as candidaturas são concebidas, articuladas e sustentadas pelas
instituições religiosas;
- a intensidade e o manejo das resistências internas à aproximação das Igrejas com o
poder político.
Juntos e em profunda interconexão, esses fatores favorecem o sucesso ou o fracasso
das empreitadas das Igrejas pentecostais estudadas na esfera da política institucional.
Em síntese, as três instituições religiosas por nós estudadas dão mostras de que uma
posição retraída e passiva em relação ao campo político está fora de questão. Seja movidas
por questões pragmáticas, seja por pretensões de qualificar o ambiente político através da
ética e das temáticas sociais, essas Igrejas gaúcha estão transpondo as paredes de seus
templos. Embora a inserção na esfera política se dê de diferentes formas, a pesquisa deixa
claro que o mundo pentecostal e o plano político não giram em diferentes órbitas, mas, de
231
forma crescente, estão se interligando.
Por outro lado, a visão despolitizada da realidade que as igrejas evangélicas possuem,
especialmente as por nós estudadas, acaba unindo-as ideologicamente, mesmo sem que o
pretendam ou que sequer o percebam. Evidencia-se, assim, certo conservadorismo ideológico
dessas denominações. Em outras palavras, ainda que com acentos diferentes, a percepção
pragmática para a solução de problemas torna-se comum a todas.
Para alguns pensadores, entre os quais está Dupas (2003), estamos atravessando, de
forma intensa, de uma sociedade política para uma sociedade organizacional. Por esse processo,
ocorre uma dissolução da identidade política universalista, na qual nasceu o conceito de
cidadania, colocando a própria concepção de cidadania em risco. Mesmo que esta não
desapareça, tende, cada vez mais, a expressar-se apenas na participação nas eleições (que, em
nosso país, é obrigatória). Assim, “a diferença entre identidade individual e identidade coletiva
tende a confundir-se completamente. Isso significa igualmente a diluição das fronteiras entre
vida política, sociedade civil e vida privada” (Idem, Ibidem, p. 59). A identidade coletiva em
prol de questões gerais diminui. Vemos aflorarem organizações e ações de afirmação das
identidades fragmentadas ou parciais, que não deixam, por isso, de ser importantes. A título de
exemplos, citem-se as questões de gênero, as políticas públicas para imigrantes, os currículos
escolares, os códigos de vestimentas, as questões de saúde reprodutiva, orientação sexual,
raciais e religiosas. A participação política fica marcada pela reivindicação a favor de múltiplas
“formas de participação em organizações cujo maior objetivo consiste na aquisição de um
controle direto sobre seu meio particular” (Idem, Ibidem, p. 63). Dessa forma, para o autor,
parece que a liberdade pode ocorrer apenas na esfera privada, levando a uma crescente
privatização da cidadania. Exatamente nessa direção caminham as articulações teóricas de por
Burity (2001), explanadas em nosso primeiro capítulo.
232
Sobre o esmaecimento das fronteiras entre o público e o privado, lembramos as
palavras de Guéhenno, para quem a distinção nítida entre as esferas do público e do privado
constituía-se na tentativa dos grandes filósofos políticos da tradição humanista, defensores da
democracia liberal, de tornar cada pessoa um sujeito-cidadão. Entretanto, “com o abandono
do postulado da preeminência do político, essa fenda entre o público e o privado não
desaparece, ela se banaliza, e esta banalização pulveriza a própria idéia de sujeito
115
, o qual é
a outra base da democracia liberal” (Guehénno, 1994, p. 37).
Na realidade, a religião nunca esteve ausente da cosmovisão de muitas pessoas,
contudo “o estreito espaço da vida privada em que a modernidade confinara a religião parece
não mais contê-la, pois o reduto da privacidade dos lares já não comporta a demanda social
pelo sagrado” (França, 2003, p. 169).
Assim, qual tem sido o papel desempenhado pela esfera política na modernidade
hodierna? Para autores como Guehénno (1994) e Michel (1997), a queda do muro de Berlim
foi o indicativo de uma nova época política e econômica. Para Guehénno, a destruição do
referido muro e o fim da guerra-fria evidenciaram o declínio de um ciclo iniciado em 1789: o
fim dos Estados-nação. Por outro lado, com o desenvolvimento capitalista globalizado, o
poder político já não possui o mesmo valor que no passado. Conforme o autor, estamos diante
de um Império
116
, e não de Repúblicas, resultando em que os cidadãos são cada vez menos
capazes de “expressar uma soberania coletiva: são meros sujeitos jurídicos, titulares de
115
Em última análise, esse autor sugere a existência de um “declínio do homem público”, para usar o
título de um livro de Richard Sennet (2002).
116
Para o autor, esse termo não implica em localizar um lugar de onde emana o poder. Ao contrário, o
Império aponta para aqueles que são aqueles que são tidos como os vitoriosos do mundo, isto é, as
redes – sejam elas midiáticas ou econômicas. Os líderes políticos dispõem de pouco poder, uma vez
que ele está demasiadamente difuso nas redes de interesse.
233
direitos e submetidos a obrigações, num espaço abstrato onde os limites territoriais são cada
vez menos precisos” (Guehénno, 1994, p. 12).
Para esse autor, sua análise sobre o fim dos Estados-nação está calcada na análise dos
Estados da África, América Latina e Oriente Médio. Antigamente, os países destes
continentes clamavam por independência e liberdade. Hoje, a maioria deles está cônscia de
que o binômio independência e liberdade não é suficiente. De forma geral, essas nações estão
em busca de democracia. Mas o autor pergunta-se: como pode a democracia instalar-se em
países com profundas crises econômicas que permitiram o surgimento, por exemplo, de
enormes conglomerados de fabricantes e traficantes de drogas? Assim, sobrevivem, nesses
países, degradados pelas crises econômicas
somente máquinas governamentais pletóricas, funcionando com um
modelo patrimonial do poder que se afasta cada vez mais da dimensão
nacional. (...) a esfera dos interesses público está doravante ao alcance
de fortunas particulares. Ousamos dizer, a forma extrema de
privatização (Guehénno, 1994, p. 17).
Ademais, torna-se evidente a perda crescente e generalizada da confiança nas
instituições sociais, mormente o Estado, “entre as quais se destaca o aparelho político, perdem
credibilidade” (Freitas, 2002, p. 33).
Patrick Michel (1997) aproxima a religião e a política pela via ideológica. Ou seja,
para esse autor, a ideologia constitui-se em um sistema de crenças que é organizadora do
sentido da existência. Assim, sob o pressuposto da política como exteriorização de uma
ideologia, a religião e a política pertencem a uma matriz comum. No entender do autor, a
política era teleológica. Quando, entretanto, ocorreu o desmoronamento do comunismo, um
dos pólos de tensão da ideologia enfraqueceu. Disso resulta a desideologização da política ou
a perda de seus referenciais ideológicos e, portanto, de valores. Nesse sentido, o autor entende
que, hoje, ocorre com a política justamente o seu desencantamento. Por outro lado, a religião,
234
que permaneceu arraigada à crença de um sentido para o mundo e para a história, oferece uma
possibilidade de reideologização da política.
Em outras palavras, a modernidade, definitivamente, avançou com seu processo de
secularização, deslocando a religião para uma esfera marginal da sociedade. Mas, no
momento em que a política não possui mais centro algum como expressão de poder, ela
alcança pouca expressão teleológica e ideológica. A religião, por outro lado, em virtude de
sua matriz comum, oferece um espaço de linguagem para o político desencantado. Assim, os
movimentos de renovação religiosa seriam menos um espaço de retorno à fé, e mais um ponto
de encontro com uma identidade mediatizada pela teleologia religiosa. Em todo o caso, para
Michel, não existe uma ruptura entre o campo da política e o da religião. A aceitação de uma
matriz comum desses dois campos conduz o autor a percebê-los como um pêndulo, que
transita de um lado ao outro, numa constante troca de forças.
Ainda conforme Michel (1997), estaríamos, de certa forma, vivendo um período de
esvaziamento de sentido do político, ou seja, a perda dos referenciais ideológicos da política,
podendo a religião, então ocupar o seu lugar. Vejamos como isso pode ser verificado no
discurso religioso. Perguntado sobre o significado do que seja uma nação abençoada, o pastor
Eliezer Bernhardt Morais, da Igreja Assembléia de Deus, falou:
Nós temos uma herança cultural, desde o nosso chamado
descobrimento, de exploração. Eu diria que isso se tornou a maldição
do Brasil. Infelizmente, desde a época da colonização, a religião
serviu para ajudar o explorador. Nós vemos que este país tem passado
por uma exploração enorme. Ficou, aqui, uma herança negativa muito
grande, tanto do explorador, quanto da própria religiosidade. A Igreja
Católica, na época, apoiava as práticas da Coroa portuguesa e da
Coroa espanhola. [...] Eu creio que um dos maiores problemas do
Brasil tem sido os envolvimentos espirituais errados. E isso não é
fácil, porque isso se arraigou na cultura. O próprio segmento
evangélico foi muito perseguido no Brasil. [...] Quando eu falo que o
Brasil precisa ser abençoado, eu falo que ele precisa mesmo de Jesus;
ele precisa mesmo reconhecer, na pessoa de Jesus, um meio moral,
235
espiritual. O Brasil é um país muito aberto ao misticismo. Eu creio
que a fé cristã, a fé bíblica é que precisaria permear a nossa nação,
para que nós tivéssemos uma linha ética, uma linha moral, uma linha
social, espiritual, para que a gente pudesse caminhar. E, para isso, o
Brasil precisa ser abençoado.
Nesse discurso, transparece que, apesar da consciência histórica da exploração de nosso
país, a exploração aqui impetrada teve, como uma de suas causas, a religiosidade católica que,
por conseguinte, inibiu o acesso a um “país abençoado”. Apesar de manifestar certa consciência
de que a causa da exploração no Brasil, mas também no restante da América Latina, é histórico-
estrutural, a saída apontada para essa crise é o crescimento da “ideologia evangélica”. Por
conseguinte, a “ideologia evangélica” é contraposta à “ideologia católica”. Dessa forma, esses
evangélicos advogam uma missão não apenas espiritual. Poderíamos denominá-la de ético-
religiosa. Na medida em que a religiosidade pentecostal avança, ela poderá “permear a nossa
nação”, para que se tenha “uma linha ética, uma linha moral, uma linha social, espiritual, para
que a gente pudesse caminhar. E para isso, o Brasil precisa ser abençoado”.
Assim, para os analistas do mundo contemporâneo, o declínio do interesse pela
política partidária é evidente. Os interesses políticos centram-se não em uma ideologia, mas
em movimentos sociais baseados em “região, sexo, ou política de assunto único” (Fridman,
2000, p. 66). Assim, a questão da política de assunto único mostra-se uma porta de entrada
para os evangélicos e as bandeiras que defendem no campo político.
Portanto, depois de abordarmos as motivações dos evangélicos para o exercício da
política partidária, procurando conhecer as instituições religiosas e suas estratégias para
obterem êxito em seus intentos políticos, ocupar-nos-emos, no próximo capítulo, com a
prática parlamentar dos representantes das Igrejas pesquisadas.
236
4 – MOTIVAÇÕES E PRÁTICAS PARLAMENTARES DOS DEPUTADOS
EVANGÉLICOS
Antes de iniciarmos o conteúdo específico deste capítulo entendemos por bem
oferecer, em traços gerais e de maneira sintética, algumas informações acerca da Assembléia
Legislativa, cenário principal de todo o trabalho dos parlamentares em estudo, visando
facilitar a compreensão da dinâmica do fazer político aqui descrito.
A Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
117
teve sua instalação em
20 de abril de 1835. Inicialmente, funcionou em um prédio na Rua Duque de Caxias, em
Porto Alegre, ao lado do Palácio Piratini. A partir de 20 de setembro de 1967, o Poder
Legislativo passou a ocupar o atual Palácio Farroupilha.
As principais funções do Poder Legislativo são a representação popular, a legitimação,
o controle do Poder Executivo e a função legislativa. O Poder Legislativo tem suas atividades
regulamentadas pela Constituição Federal, uma vez que fixa regras de competência que valem
para os Estados do Brasil, pela Constituição Estadual e através do Regimento Interno.
A primeira sessão de cada legislatura ocorre no dia 31 de janeiro, na qual acontece a posse
dos deputados, a eleição da Mesa e da Comissão Representativa (Constituição Estadual, Art. 49,
§3º). As sessões plenárias podem ser preparatórias, ordinárias, extraordinárias, solenes e especiais.
Nas sessões plenárias, acontecem a apreciação, discussão e votação dos Projetos de Lei (PL),
Projetos de Emenda à Constituição e demais proposições encaminhadas pelas Comissões. A
votação poderá ser: 1) simbólica; 2) nominal ou 3) secreta (Regimento Interno, Art. 131).
117
Todas as informações pertinentes à Assembléia Legislativa foram retiradas da página da internet
dessa instituição, a saber, http://www.al.rs.gov.br , não sendo necessário referi-la repetidamente.
237
Para facilitar o trabalho e a representação da Assembléia Legislativa, ela possui
diferentes órgãos: Mesa, Comissão Representativa, demais Comissões e Sessão Plenária. Os
membros da Mesa têm um mandato de dois anos, sendo sua atribuição representar a
Assembléia Legislativa. Além disso, a Mesa tem, juntamente com o Colégio de Líderes, a
tarefa de zelar pela Ordem do Dia das sessões plenárias. O Colégio de Líderes é constituído
pelos líderes de bancada, partidários ou do governo.
Além da Comissão Representativa, que funciona no recesso parlamentar, existem
outras Comissões, que podem ser permanentes ou temporárias. Na sua constituição, deverá ser
observada a representação proporcional dos partidos. A tarefa das Comissões, entre outras, é:
1) realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; 2) convocar
Secretários de Estado e dirigentes de órgãos da administração indireta ou qualquer servidor
público para prestar informações sobre assuntos de sua atividade ou atribuições; 3) receber
petições, reclamações ou representações de qualquer pessoa contra atos ou omissões de
autoridades ou entidades públicas; 4) solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão
para prestar informações; 5) apreciar programas de obras, planos estaduais, regionais e
setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer; 6) emitir parecer sobre matéria de
competência legislativa.
Para o estudo de matéria relevante, as comissões permanentes poderão criar subcomissões.
Já para a apuração de um fato determinado, ocorrido no âmbito de controle e fiscalização da
Assembléia, poderá ser instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI.
Embora seja conveniente ter uma noção de alguns aspectos do funcionamento da
Assembléia Legislativa, não se faz necessário que nos detenhamos, exceto naquilo que está
relacionado com a prática parlamentar dos representantes das igrejas evangélicas pesquisadas.
Assim, passaremos, agora, a situar nossos sujeitos de pesquisa em seu fazer político.
238
Inicialmente, apresentaremos uma biografia política e religiosa dos atuais deputados
evangélicos atuantes na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Em seguida,
abordaremos as motivações que conduziram esses atores sociais à adesão político-partidária.
Por fim, delinearemos os principais aspectos da prática parlamentar desses deputados.
Trata-se, no Rio Grande do Sul, de cinco deputados estaduais que possuem filiação
religiosa de cunho pentecostal: Edemar Vargas, pastor da Igreja Assembléia de Deus, filiado
ao PTB; Eliseu Felippe Santos
118
, tido como evangelista da Assembléia de Deus, filiado ao
PTB e atual vice-prefeito de Porto Alegre; Manoel Maria dos Santos, pastor da Igreja do
Evangelho Quadrangular, filiado ao PTB; Paulo Moreira, deputado estadual na legislatura
passada, filiado ao PTB e vinculado à Igreja Universal, onde foi pastor; Sérgio Peres Alos,
pastor da Igreja Universal, que disputou a eleição como candidato do PSB. Uma vez eleito,
em poucos meses transferiu-se para o PL. Em setembro de 2005, saiu do PL e vinculou-se ao
PTB. Passemos à apreciação de uma breve biografia de cada um dos deputados em questão.
4.1 D
ADOS BIOGRÁFICOS E POLÍTICOS DOS DEPUTADOS EVANGÉLICOS
Segue-se uma apresentação das biografias dos políticos em referência. Incluiremos os
dados relativos à participação dos mesmos em Comissões da Assembléia Legislativa, bem como
as leis cuja aprovação se deveu ao trabalho dos deputados evangélicos. Os demais Projetos de Lei,
ainda em fase de tramitação, encontram-se abordados em subcapítulo específico
119
. Iniciaremos
118
Eliseu Santos, como referido no capítulo 3, já não mais atua na Assembléia Legislativa, pois
concorreu ao cargo de vice-prefeito na chapa de José Fogaça pelo PMDB, que venceu a eleição em
outubro de 2003, assumindo em janeiro de 2004. Portanto, cumpriu metade do mandato da última
legislatura.
119
A maior parte dos dados objetivos dos deputados evangélicos foi retirada do site da Assembléia
Legislativa. Por exemplo: data de nascimento, estado civil e comissões em que participam. Assim, não
remeteremos o leitor ao referido site a cada informação, mas somente quando se tratar de citação direta.
239
esta parte pelos representantes da Igreja Assembléia de Deus no parlamento gaúcho.
Edemar Vargas nasceu em fevereiro de 1951; está, portanto, com 54 anos. Em 2002,
foi eleito para o seu quarto mandato como deputado estadual. Trabalhou em várias empresas
privadas, atuando profissionalmente na última durante 16 anos, antes de ser eleito deputado.
Converteu-se à Assembléia de Deus aos 15 anos de idade na cidade de Tupanciretã, RS, onde
morou até os 22 anos. Quando chegou a Porto Alegre, integrou-se em uma comunidade dessa
Igreja, tornando-se líder da juventude. Galgou vários postos dentro da hierarquia eclesiástica.
Durante quatro anos foi primeiro-secretário; em seguida, tornou-se presbítero, diácono,
evangelista, e, por fim, pastor, título mais honorífico do que efetivo. Diplomou-se em Direito. É
casado, pai de quatro filhos. Elegeu-se como deputado estadual, pela primeira vez, em 1990.
O próprio deputado Edemar Vargas relatou partes de sua trajetória:
Eu fui uma pessoa que sempre vivi do trabalho assalariado.
Desde jovem, pertenci ao quadro funcional de muitas empresas,
muitas firmas, desde jovem. Na última empresa que eu trabalhei [...]
fui funcionário de uma multinacional, da empresa Liquigás do Brasil,
durante 16 anos. Então, a minha trajetória, desde a minha juventude,
sempre foi viver do trabalho assalariado na área privada. [...] Eu,
desde a minha juventude, os meus quinze anos, eu faço parte da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus, onde me converti numa cidade
interiorana, na cidade de Tupanciretã, onde eu, lá, eu morei 22 anos.
Foi no ano de 72 [1972] que eu saí de Tupanciretã e, no ano de 72,
entrei aqui em Porto Alegre, na Grande Porto Alegre. Então, desde os
meus 15 anos, eu participo ativamente desta comunidade evangélica,
galgando muitos postos dentro da sua diretoria: como 1º secretário
aqui em Porto Alegre durante quatro anos, como líder da juventude
aqui em Porto Alegre durante muitos anos, como auxiliar da Igreja,
como presbítero, como diácono, como evangelista, fazendo trabalhos
de evangelismo ao ar livre. Ultimamente, como pastor também desta
Igreja, pertencendo à Convenção de Pastores da Igreja no Estado do
Rio Grande do Sul. Embora não pastoreio uma Igreja, posso dizer que
sou um pastor sem pasta, porque não pastoreio a Igreja devido às
minhas atividades parlamentares. [acréscimo nosso].
Tendo exercido diversas atividades na iniciativa privada antes de iniciar uma extensa
carreira eclesiástica, o pastor e deputado relembra seu ingresso na Assembléia de Deus ainda
240
na adolescência. Em seu relato, transparece o valor dado por ele próprio e pela instituição
religiosa ao seu ativo e longo envolvimento nos grupos e cargos da própria denominação.
Antes de representar a Igreja no campo político, ele tem o status de alguém conhecido e bem
arraigado nesse solo religioso.
O Deputado Estadual Edemar Vargas participa, atualmente, das seguintes comissões
da Assembléia Legislativa
120
: Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo (Titular);
Comissão de Constituição e Justiça (Titular); Comissão Mista Permanente de Participação
Legislativa Popular (Titular); Comissão para acompanhar os trabalhos das Consultorias
contratadas pelo Governo do Estado do RS (Titular); Comissão para analisar a situação do
Transporte Escolar no RS (Titular); Comissão para averiguar a situação territorial entre os
municípios de Igrejinha e Três Coroas (Titular); Comissão sobre a suspensão dos trabalhos
nas Rodovias Federais repassadas ao Governo do RS em 2002 (Titular); Comissão de
Assuntos Municipais (Suplente); Comissão de Serviços Públicos (Suplente); Comissão
Especial de Gestão Ambiental Sustentável (Suplente); Comissão Especial do Cooperativismo
de Trabalho e a Geração de Emprego e Renda (Suplente); Comissão Mista Permanente do
Mercosul e Assuntos Internacionais (Suplente). Seu último pleito rendeu-lhe 49.574 votos,
representando 0,31% do eleitorado. Além disso, o deputado Edemar Vargas é atualmente o
líder do PTB na Assembléia Legislativa.
Na página virtual da Assembléia Legislativa consta, no link currículo, sua filiação
institucional à Assembléia de Deus. Em sua atuação parlamentar, tem destacado, como seus
principais assuntos, a defesa “do cidadão e da família, por mais segurança, por moradia, pela
criança e pelo adolescente. É contrário à pena de morte, à reabertura dos cassinos e à
120
Para todos os deputados pesquisados, esses dados foram atualizados até outubro de 2005.
241
descriminalização das drogas” (http://www.al.rs.gov.br/dep/site/index.asp?txtiddep=43). Ao
longo deste capítulo teremos a oportunidade de abordar os Projetos de Lei e os pronunciamentos
de Edemar Vargas.
Eliseu Felippe Santos está com 58 anos. Em 2002, foi eleito para o seu terceiro
mandato a deputado estadual no Rio Grande do Sul. Nasceu numa família evangélica da
Assembléia de Deus. Faz parte da terceira geração de sua família dentro dessa Igreja. Na
comunidade onde atua desempenha a tarefa de evangelista, realizando pregações. Na sua página
virtual, no portal da Assembléia Legislativa, informa sua filiação institucional com a
Assembléia de Deus. É formado em medicina, com especialização em traumatologia e
ortopedia, medicina do trabalho e desportiva. Apesar da atividade parlamentar, nunca se afastou
do exercício da clínica médica em dois hospitais de Porto Alegre, a saber, no Hospital Cristo
Redentor e na Traumoclínica. Seu vínculo com a Assembléia de Deus foi assim descrito por ele:
Sou da Assembléia de Deus. Venho de origem, de três
gerações, de avô e pai e eu. Meus filhos são da quarta geração, embora
eu tenha amizade e convívio em outras denominações, igrejas batistas
em que eu tenho participado até como médico. Sou médico de todos
os grupos há 25 anos e, portanto, pastor de todos os segmentos. Já
participei de muitas reuniões e também até de denominações, outras
denominações. Já fui da igreja batista e, agora, estou dentro da Igreja
Assembléia de Deus, que é o meu ninho, onde eu nasci.
Embora chame a Assembléia de Deus de seu “ninho”, Eliseu Santos é, acima de tudo,
um evangélico. Seu trânsito anterior por diversas igrejas desse ramo atesta sua identificação
com essa forma religiosa talvez mais, até, que seu vínculo institucional com a Assembléia de
Deus. Ainda assim, saliente-se, aqui, o forte peso da tradição e da identidade familiar ligada a
uma Igreja, a ponto de chamá-la de “ninho”. Podemos dizer que se trata de um político
advindo de berço evangélico, não sendo fruto de uma conversão tardia.
Iniciou sua carreira política como vereador, em Porto Alegre, em 1992. Dois anos
242
depois, foi eleito pela primeira vez à Assembléia Legislativa. Por duas legislaturas atuou
como presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa. Na
última legislatura (1999 – 2002) foi membro da Comissão de Educação, Cultura, Desporto,
Ciência e Tecnologia (Titular); Comissão de Representação Externa para acompanhar o
movimento pela revogação da Resolução nº 48/2000, Comissão da Termoelétrica Médici, em
Candiota/RS (Titular); Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Titular); Comissão de Assuntos
Municipais (Suplente); Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle
(Suplente). No último pleito obteve 37.643 votos, os quais representam 0,24% do eleitorado.
Na legislatura passada destacou-se, entre os políticos evangélicos, por ocupar
constantemente a tribuna para fazer críticas ao governo de Olívio Dutra (PT). Pronunciou-se
contra projetos de lei apresentados por políticos do PT, os quais considerava atentados aos
princípios morais, entre os quais a implantação, em Porto Alegre, do “Dia do Orgulho Gay”.
Teve aprovado pela Assembléia, e sancionado pelo Executivo, o projeto que proíbe o uso de
slogans ideológicos na propaganda oficial do governo (do PT)121. Atualmente, é vice-
prefeito da cidade de Porto Alegre. Destacaremos algumas de suas bandeiras enquanto
parlamentar ao longo deste capítulo.
Manoel Maria está com 64 anos. Em 2002, foi eleito para o seu quarto mandato a
deputado estadual. Informa na página virtual do seu gabinete sua filiação institucional como
pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, sendo formado em Direito pela Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais do Vale do Paraíba
122
e em Teologia pelo Instituto Teológico
121
Trata-se, por exemplo, de slogans como: “Rio Grande do Sul, Estado da participação popular”.
122
Até onde se pôde apurar, essa faculdade não existe mais como instituição isolada. Faz parte,
possivelmente, da atual UNIVAP – Universidade do Vale do Paraíba, que tem sua sede em São José
dos Campos (SP). A UNIVAP tem sua origem como Faculdade de Direito (criada em 1963), passando
para Faculdades integradas em 1982 e atingindo o status de Universidade em 1992 (Universidade do
Vale do Paraíba - UNIVAP, s.d.).
243
Quadrangular, localizado na cidade de São Paulo. É pastor e superintendente da Igreja
Quadrangular na cidade de Porto Alegre. Foi membro do Conselho Nacional de Diretores
dessa Igreja por 16 anos. Desde a primeira eleição tem contado com o apoio e a colaboração
explícita das comunidades de sua denominação. Nesta última eleição precisou disputar uma
prévia interna que o obrigou a percorrer praticamente todo o Rio Grande do Sul, a fim de
expor suas idéias aos 600 pastores votantes da Igreja Quadrangular no Estado. Venceu a
disputa interna e foi reeleito deputado estadual. É casado e pai de três filhos. Como apresenta
grande resistência a conceder entrevistas, tivemos que nos valer aqui de um depoimento dele
em um folder (Weirich, s.d.) de propaganda política:
Catarinense de Três Barras, de origem muito humilde, Manoel
Maria já muito cedo, aos 8 anos, começou a trabalhar. Aos 11 anos,
mudou-se para Curitiba, onde chegou a jogar futebol no juvenil do
Bacacheri Atlético Clube. Aos 22 anos, transferiu-se para São Paulo,
onde foi cursar o Instituto Teológico Quadrangular. Em 1970, ingressou
na Faculdade de Direito, tendo concluído o curso em 1974, na Faculdade
de Direito do Vale do Paraíba. Em 1966, casou-se com a pastora e
assistente social Leila Müzel dos Santos, sendo pai de três filhos [...].
Durante 16 anos, Manoel Maria foi membro do Conselho Nacional de
Diretores da Igreja do Evangelho Quadrangular, tendo ocupado os cargos
de 1º e 2º vice-presidente, e que deixou em 1992, após quatro reeleições.
Em maio de 1986, chegava a Porto Alegre e assumia a Igreja
como pastor e superintendente regional na sede da Avenida Sertório,
584. Em 1990, os líderes da Igreja Quadrangular no Rio Grande do
Sul aumentaram a sua responsabilidade, escolhendo-o para candidatar-
se a deputado estadual pelo PTB.
Manoel Maria apresenta-se como alguém que conheceu o mundo do trabalho muito
cedo. A considerar por seu desempenho parlamentar, continua sendo um homem afeito ao
trabalho. Não fica claro se sua identificação com a Igreja Quadrangular vem desde a infância
ou se a vinculação religiosa ocorreu mais tarde. Destaque-se, porém, que, no início da vida
adulta, já estava clara sua opção pelo sacerdócio Quadrangular. Sua trajetória eclesiástica
revela sua liderança, pois exerceu altos cargos da cúpula dessa denominação antes de seu
244
ingresso na carreira política.
Foram aprovadas pela Assembléia e sancionadas pelo Executivo estadual cinco leis de
sua autoria, a saber: 1) lei do livre acesso de assistência religiosa nos hospitais (aprovada em
1992); 2) proibição ao consumo de bebidas alcoólicas em estabelecimentos comerciais
localizados nas margens das rodovias (aprovada em 1997); 3) instituição do dia 15 de
novembro como o Dia do Evangélico no Estado
123
; 4) obrigatoriedade de instalação de
câmeras de vídeo nos postos eletrônicos 24 horas e de colocação de um vigilante em tempo
integral, pelos bancos, visando oferecer maior segurança aos clientes (Lei aprovada, mas não
implantada até o presente momento); 5) instituição do Código Estadual de Proteção aos
Animais. As três últimas foram sancionadas em 1999.
Atualmente, participa da Comissão de Ética Parlamentar (Presidente); Comissão de
Economia e Desenvolvimento (Titular); Comissão de Serviços Públicos (Titular); Comissão
Mista Permanente do Mercosul e Assuntos Internacionais (Titular); Comissão dos
assentamentos rurais do Estado. (Titular); Comissão para acompanhar a implantação do Pólo
Naval da Região Sul (Titular); Comissão para acompanhar a situação da Varig, empresa de
transporte aéreo (Titular); Comissão para acompanhar as discussões da Reforma Universitária
proposta pelo Governo Federal (Titular); Comissão para discutir, avaliar e opinar sobre a
Reforma Administrativa do Estado (Titular); Comissão para participar da cruzada e do
Comitê Gaúcho pela Paz (Titular); Comissão para tratar de Assuntos de Gênero (Titular);
Subcomissão Mista para tratar dos Direitos de Defesa do Consumidor (Titular); Comissão de
Cidadania e Direitos Humanos (Suplente); Comissão de Constituição e Justiça (Suplente);
123
Sustenta que a escolha desse dia deve-se ao fato de ser esse o dia em que a Igreja Quadrangular
comemora o aniversário de sua existência no Brasil.
245
Comissão Mista Permanente de Participação Legislativa Popular (Suplente). Em seu último
pleito, obteve 38.361 votos, o que significa 0,24% do eleitorado.
Paulo Moreira foi deputado estadual pelo PTB. Ele nasceu em Porto Alegre e afirma
ter herdado do pai o gosto pela política gaúcha. Quando entrou na Assembléia Legislativa
possuía o Ensino Médio concluído e durante seu exercício como parlamentar ingressou no
curso de Direito na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas, RS. Sua página
na internet, quando ainda deputado estadual em exercício, relata:
Após uma parcela de vida atribulada em que experimentou
várias atividades profissionais, entre as quais a de músico, veio
conhecer o Senhor Jesus na Igreja Universal do Reino de Deus, há
cerca de 16 anos, levado por sua esposa Vergínia Inajá Blanco
Moreira, que com sabedoria conduzia então os primeiros passos
daquele que viria a ser mais tarde consagrado pastor.
Hoje, o abençoado casal alegra-se também com os filhos Taís,
Cíntia e Jonathan, que são mais uma razão a mostrar ao deputado o
quanto é necessária a educação e o amparo às nossas crianças, em
grande número tão abandonadas (http://www.al.rs.gov.br).
Destaque-se que Paulo Moreira é um homem cuja vinculação com o segmento
religioso que representou na Assembléia Legislativa ocorreu quando já adulto. Embora não se
tenha conhecimento se houve uma filiação religiosa anterior, segue ligado à Igreja Universal,
ainda que tenha deixado de compor seu quadro de pastores.
O ex-deputado estadual Paulo Moreira participou como titular das comissões de
Cidadania e Direitos Humanos, Serviços Públicos e a Comissão Especial de Habitação. Participou
também das comissões de Saúde e Meio Ambiente e de Economia e Desenvolvimento como
suplente. Elegeu-se com 60.474 votos.
Paulo Moreira não conseguiu reeleger-se pois a Igreja Universal não lhe deu apoio nas
últimas eleições para deputado. O motivo da retirada de apoio da Igreja Universal a seu nome é
246
obscura
124
. Sua secretária, em conversa informal, assegurava que o motivo do rompimento teria
sido o fato de Paulo Moreira não querer entrar para o Partido Liberal, o que havia sido determinado
pela Igreja. Essa versão pode ser corroborada, em parte, pelo fato de ele ser, atualmente, funcionário
do PTB. Ou seja, sua fidelidade partidária trouxe-lhe uma recompensa, mas, por outro lado, resultou
em um ato disciplinar por parte da Igreja Universal. É possível que haja razões internas ligadas à
maneira como o ex-deputado conduzia a sua prática política, como também podem ter sido motivos
de outra ordem, como, por exemplo, questões ligadas à vida particular do deputado. Conforme o
deputado Sérgio Peres, Moreira continua participando da vida comunitária da Igreja Universal e esta
teria lhe oferecido, novamente, o cargo de pastor. Portanto, as razões para a perda do apoio
eclesiástico não devem ter sido razões, por exemplo, de natureza moral. Sobram, portanto, as
questões relacionadas a sua prática política no Legislativo. Aparentemente, apenas dois aspectos
poderiam desaboná-lo como deputado: a pequena quantidade de vezes em que ocupou a tribuna
para realizar pronunciamentos e o fato de não querer trocar de partido. Mas se a razão da perda do
apoio da Igreja Universal a sua candidatura foi o fato de não ter trocado de partido quando isso lhe
foi “sugerido”, então a propalada liberdade parlamentar
125
dos deputados da Universal não se
confirma, pelo menos no legislativo estadual. Ele concorreu por conta própria fazendo uma votação
pífia, 2.464 votos. Deixou o pastorado na Igreja Universal, mas, segundo informações obtidas nas
entrevistas com assessores e com o próprio deputado Sérgio Peres, ele permanece como membro
participante da Igreja Universal. Perguntado sobre a razão pela qual Paulo Moreira não atua mais
como pastor, o deputado Sérgio Peres disse:
124
Infelizmente, nos dois anos em que acompanhamos Paulo Moreira em sua trajetória como
deputado, como ainda hoje, ele não aceita conceder entrevista.
125
Em entrevista, o deputado Sérgio Peres enfatizou sua liberdade de ação, alegando que a Igreja não
interfere em decisões relacionadas com questões partidárias ou pautas de votação, por exemplo.
Falando a partir da ótica e do entusiasmo de um novato no cargo, talvez o próprio deputado ainda não
soubesse mensurar o peso ou o lugar da instituição religiosa na atuação de um parlamentar.
247
Não, ele não quis mais. Ele freqüenta a Igreja, é membro fiel,
participa direitinho. Mas ele achou que, como pastor, ele não dava
mais. Depois de quatro anos, voltar para a Igreja Universal é muito
puxado, é muito trabalho e precisa estar muito dedicado
espiritualmente. Então, não sei o que o levou a decidir assim, talvez
esfriamento espiritual. Perdeu aquele dom, aquele desejo que Deus
colocou dentro dele, e ele optou em ser membro fiel, mas não mais
pastor. E a gente respeita a opinião dele.
O afastamento do trabalho eclesiástico parece ser atribuído nessa fala a um
“esfriamento espiritual”. Não se admite algum ressentimento ou retaliação. Na percepção de
Peres, a inexistência de mágoas estaria comprovada através do fato de que Moreira se mantém
como membro da instituição religiosa.
Apesar de não mais possuir mandato eletivo, incluímos o ex-deputado estadual Paulo
Moreira em nossa análise, porque atuava na Assembléia Legislativa em um mandato ocorrido em
nosso período de pesquisa. Além disso, o fazemos no intuito de perceber eventuais contrastes
entre a atuação de Moreira e a do atual representante da Igreja Universal, deputado Sérgio Peres.
Sérgio Peres Alos está com 35 anos. Em 2002, foi eleito para o seu primeiro mandato,
pelo PSB. Passada a eleição filiou-se, em fevereiro de 2003, ao Partido Liberal (PL), em
função de desentendimentos internos. Estes são descritos da seguinte forma pelo deputado:
Me elegi pelo PSB, só que depois não teve acerto com o PSB
da minha pessoa, nada com a Igreja nem com o PL, a mim com a
presidência do PSB, devido a cargos, então a executiva do partido me
propôs: ou pedia desfiliação e saía fora, ou eu seria expulso
publicamente na imprensa. Me deram dez dias para escolher. Ao final
dos dez dias, eu pedi desfiliação. Devido ao Paulo Gouvêa ser pastor e
também estar no PL, ele me fez o convite para trabalhar junto.
Embora nada se tenha podido descobrir dos bastidores dos referidos
desentendimentos, seu breve relato sugere que não tenham sido de pequena monta. Ameaçar
de expulsão pública não configura uma medida administrativa trivial.
248
Em setembro de 2005, migrou para o PTB. Em sua página virtual da Assembléia
Legislativa ele registra sua filiação com a Igreja Universal do Reino de Deus, como pastor.
Sérgio Peres possui o Ensino Fundamental incompleto. É natural do interior de Santo Antônio
da Patrulha, hoje cidade emancipada de Caraá. Foi agricultor até os 19 anos. Migrou para
Cachoeirinha em busca de emprego. Atuou como metalúrgico durante cinco anos. Foi nesse
período que se converteu à fé evangélica, freqüentando um templo da Igreja Universal em
Gravataí. Tornou-se, então, um obreiro da Igreja, passando, em seguida, a pastor-auxiliar.
Dois anos depois já era pastor-titular.
Ser eleito deputado estadual foi sua primeira atuação na política. Sérgio Peres
afirma que 95% dos votos obtidos foram de fiéis dessa denominação, pelo seu trabalho
como ministro de culto evangélico. Também ressalta que sua atuação no Parlamento
gaúcho deverá ser voltada para as questões agrárias, aproveitando a sua experiência
como agricultor no interior de Santo Antônio da Patrulha. Em seu primeiro Informativo
do Gabinete, o deputado revela sua intenção de lutar pelo povo evangélico, não
permitindo que nenhuma lei venha a “prejudicar o crescimento da propagação do
Evangelho” (http://www.al.rs.gov.br/dep/site/index.asp?txtiddep=104).
Atualmente, participa da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (Titular);
Comissão de Constituição e Justiça (Titular); Comissão Mista Permanente de Participação
Legislativa Popular (Titular); Comissão de Ética Parlamentar (Suplente); Subcomissão Mista
do Sistema de Trens Urbanos - TRENSURB (Titular). Foram 46.651 os votos por ele obtidos,
ou seja, 0,29% do eleitorado.
Para auxiliar na visualização do desempenho eleitoral dos deputados aqui estudados,
segue-se uma tabela com uma síntese dos dados referentes à filiação religiosa e partidária,
bem como ao número de votos obtidos.
249
Tabela 1
Políticos evangélicos, suas instituições religiosas e partidárias e votos recebidos.
1990 1994 1998 2002
Edemar Vargas AD PTB 7.301 21.892 23.643 49.574
Eliseu Santos AD PTB xxx 15.875 22.573 37.640
Manoel Maria IEQ PTB 6.728 15.534 22.901 38.363
Paulo Moreira IURD PTB xxx xxx 60.474 2.464
rgio Peres IURD PSB/PL/PTB xxx xxx xxx 46.651
Número de votos recebidos
Potico Igreja Partido
Fonte: http://www.al.rs.gov.br e http://www.ibge.gov.br.
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população total
do Rio Grande do Sul em 2000 era de 10.187.749 pessoas. Para o TRE/RS (Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul, s.d.), conforme a tabela II, em 2000, este Estado contava com
um total de 7.112.134 votantes. A diferença entre o total da população do Rio Grande do Sul e
de seus eleitores é da ordem de pouco mais de 30%. Ou seja, em 2000, quase 70% da
população do Rio Grande do Sul estava apta para o voto.
Tabela 2
Eleitorado apto no Estado do Rio Grande do Sul
Ano Masculino Feminino Analfabetos Menores Total
2004 3.665.340 3.877.848 270.734 187.281 7.543.188
2002 3.595.447 3.756.692 290.877 199.277 7.352.139
2000 3.495.279 3.616.853 304.048 188.326 7.112.134
1998 3.400.976 3.445.101 304.578 102.864 6.846.077
Fonte: http://www.tre-rs.gov.br/include.php/estatis.html.
Apenas em termos ilustrativos, façamos um exercício sobre a relação entre membresia
de cada denominação e votos conseguidos no pleito para o Legislativo Estadual.
Considerando o ano de 2000 e buscando alcançar um número o mais realista possível, ou,
preferencialmente, subestimado, podemos, aplicando sobre o número atual de membros
presumíveis das Assembléia de Deus e da Igreja Quadrangular, o percentual de 60% de
250
votantes, chegar, assim, aos resultados mostrados na tabela 3. Tendo em vista que nos cultos
da Igreja Universal é fácil de constatar, empiricamente, o diminuto número de crianças e,
portanto, que essa denominação constitui-se mais atrativa a indivíduos e não tanto às famílias,
aplicaremos o percentual, ainda subestimado, de 80% de pessoas votantes. A partir deste
cálculo, teríamos, então
126
:
Tabela 3
Relação membros, votantes (60%), votos por denominação
127
e percentual de
votos recebidos em relação aos votantes.
Denominações
Membros
presumíveis
Votantes
Votos para
Dep. Est.
Dispersão Percentual
Assembléia de Deus 330.476 198.286 87.214 111.072 43,98%
Quadrangular 108.478 65.087 38.363 26.724 58,94%
Universal 103.322 82.658 46.651 36.007 56,44%
Fonte: http://www.al.rs.gov.br e http://www.ibge.gov.br
Conforme o Secretário de Comunicação da Igreja Quadrangular do Rio Grande do Sul,
Rev. Roberto Barragan, esta denominação conta com 160.000 membros e 720 igrejas no
Estado. Como vemos, destoa significativamente dos números do último censo de 2000.
Assim, preferimos seguir os números da última fonte.
Tomando por base esse quadro podemos perceber que em termos relativos, a Igreja
Quadrangular é a que consegue uma melhor relação entre membros e votos. Contudo, se o
126
Pensamos que esse número esteja subestimado, tendo em vista que a votação de Paulo Gouvêa,
deputado federal pela Igreja Universal, alcançou 103.959 votos. Disso se pode depreender que, em
primeiro lugar, a Igreja Universal cresceu de 2000 até 2002 quando foi realizada a eleição. Segundo,
essa denominação não consegue capitalizar os mesmos votos para todos os candidatos indistintamente.
Já o representante da Igreja Quadrangular para a Câmara Federal, pastor Reinaldo Santos e Silva,
alcançou o número de 43.716. Ou seja, apenas cerca de 6.000 votos a mais que os angariados pelo
deputado Manoel Maria.
127
Os votos contabilizados à Assembléia de Deus são a soma dos votos obtidos pelos deputados
Edemar Vargas e Eliseu Santos, mesmo que, no caso do segundo, seus votos não tenham advindo
unicamente dos fiéis dessa denominação.
251
percentual de 70% de votantes fosse aplicado indistintamente a todas as denominações, a
Igreja Universal teria o melhor desempenho (cf. tabela 4).
Tabela 4
Relação membros, votantes (70%), votos por denominação e percentual de
votos recebidos em relação aos votantes.
Denominações
Membros
presumíveis
Votantes
Votos para
Dep. Est.
Dispersão Percentual
Assembléia de Deus 330.476 231.333 87.214 144.119 37,70%
Igreja Quadrangular 108.478 75.935 38.363 37.572 50,52%
Igreja Universal 103.322 72.325 46.651 25.674 64,50%
Fonte: http://www.al.rs.gov.br e http://www.ibge.gov.br
Mesmo que essa questão mereça uma pesquisa estatística mais aprofundada, nossa
suspeita é que o melhor desempenho das denominações aqui estudadas é, de fato, da Igreja
Quadrangular, como já afirmou Oro (2001c). De qualquer forma, a Assembléia de Deus do
Rio Grande do Sul é a que possui maior dispersão de votos, ou seja, é a denominação que
menos consegue agregar seus fiéis em torno de seus candidatos. Caso ela conseguisse um
melhor índice de correlação entre membros e votos, tudo indica que conseguiria eleger três
deputados estaduais e dois federais. Entretanto, como vimos no capítulo anterior, ela não tem
conseguido transformar seus membros fiéis em votos fiéis.
4.2 M
OTIVAÇÃO DOS ATUAIS DEPUTADOS EVANGÉLICOS PARA O INGRESSO NA
POLÍTICA
As entrevistas realizadas com os políticos evangélicos integrantes de nossa pesquisa
nos possibilitam identificar quais são as suas portas de entrada para a política. Antes de
analisá-las, a tabela 5 expõe, de forma esquemática, essas motivações.
252
Tabela 5
Evangélicos e suas motivações para o ingresso na política partidária
Políticos Denominação Partido Motivação
Edemar Vargas AD PTB
Motivão pessoal / trab. social /
evangelismo
Eliseu Santos AD PTB Convite do partido
Manoel Maria
IEQ PTB
Convite da Igreja / partido /
motivação pessoal
Paulo Moreira IURD PTB Convite da Igreja
Sérgio Peres IURD PTB Convite da Igreja
Fonte: Entrevistas
Como mostra a tabela acima, três são as formas pela quais os evangélicos políticos do
Rio Grande do Sul ingressam na política partidária. A primeira, advinda do desejo pessoal,
tendo, depois, a adesão ou não da instituição religiosa. Este é o caso da Assembléia de Deus.
Na segunda, ocorre uma mescla entre o explícito interesse da instituição religiosa e a
pretensão da própria pessoa de exercer um cargo político. É o que ocorre na Igreja
Quadrangular. A terceira motivação para a inserção de evangélicos na política acontece por
interesse da instituição religiosa. Assim, uma vez essa instituição religiosa percebendo como
desejável a oficialização de uma candidatura, ela determina quem será o candidato. Isso é o
que ocorre, sabidamente, na Igreja Universal. Vejamos agora, como essas motivações se
concretizam nos atores sociais aqui estudados.
Para o deputado estadual Edemar Vargas, sua motivação encontra-se no que ele
denominou de sensibilidade para a “busca do bem-estar social”. Essa busca, entretanto,
constitui-se em algo amplo e vago. Inclui desde uma assistência direta aos mais necessitados
até o evangelismo.
O deputado Edemar Vargas diz sobre seu trabalho:
Como evangélico, tendo um trabalho dentro da área
evangélica, eu me via privado de fazer um trabalho pelo social, devido
atuar na área privada. Então eu vi que a política talvez fosse uma
253
porta, que eu, através dela, tivesse uma profissão mais liberal e onde
eu pudesse me dedicar mais na busca do bem-estar da sociedade
através da política.
O trabalho meu sempre foi voltado na busca do bem-estar da
sociedade [...] Porque eu sempre vivi no trabalho do evangelismo de
praças públicas, de vias públicas, com a juventude, com jovens,
quando, aqui no centro de Porto Alegre, eu tive o trabalho na Praça
XV de Novembro durante 10 anos. Inverno, verão, frio, calor,
dominicalmente, 15 horas, três da tarde, eu estava ali na praça central,
com os jovens, fazendo um trabalho voltado para o social no ar livre.
Então eu vi que a política seria pelo menos uma porta que eu pudesse
fazer com mais liberalidade esse trabalho voltado para o social, que é
o evangelismo.
Para esse deputado, o ser-político torna-se uma extensão, um aprofundamento, do seu
ser-evangélico. Assim, estar voltado para o social é poder exercer o evangelismo. Essa
questão é fundamental para a análise das distinções entre as motivações. Se, por um lado,
vemos a ação social englobada pela ação evangelizadora, por outro, importa salientar que,
para esse ator, à ação evangelizadora corresponde uma ação social, ainda que a segunda
questão esteja submetida hierarquicamente à primeira. Na mesma linha, e apenas para ilustrar
e reforçar os argumentos, encontra-se o relato do ex-vereador Eliseu Sabino de Freitas, filiado
à Assembléia de Deus:
Desde o tempo de jovem, eu me identifiquei muito com a
sociedade, com as coisas públicas. E sempre fui muito atuante na
Igreja e em seus movimentos. Sempre estive envolvido com
movimento de jovens e também com uma certa ligação da Igreja com
os órgãos públicos. Isto é indispensável por causa dos documentos de
legalização das muitas igrejas, etc. E eu sempre fui uma peça de
integração da Igreja com as necessidades dos órgãos públicos. Daí se
viu a necessidade de sempre estar em contato com os políticos
propriamente dito: deputados, prefeitos, governadores. Então, sempre
tivemos este vínculo por uma questão de iniciativa própria e de
preocupação em trazer as coisas organizadas para a Igreja. Dessa
forma, eu sempre fui a pessoa procurada para intermediar o sistema de
documentação da Igreja. Eu sempre vi a necessidade da representação,
eu até nem diria do povo evangélico, mas pelo menos da denominação
em si. Tanto vi a necessidade que trabalhei para muitos candidatos.
Toda a minha vida eu sempre vi que há a necessidade dessa ligação de
pessoas amigas dentro dos órgãos públicos e que possam agilizar
certas coisas.
254
Novamente, encontramos neste testemunho a referência à inclinação pessoal para o
envolvimento com questões que ultrapassam as paredes dos templos da Igreja Assembléia de
Deus. Além disso, o ex-vereador expressa como as instituições religiosas em geral, e a
Assembléia de Deus, em especial, mantêm contato com a administração pública, necessitando
de pessoas que conheçam os trâmites burocráticos do setor público, a fim de alcançarem
pareceres favoráveis para atividades da denominação. Essas atividades abrangem um leque
bastante grande de atividades, como concentrações de evangelização em ginásios, passeatas,
entre outras. Por conseguinte, a postura pessoal, comprometida e que penda para a atividade
na política institucional, é fundamental na Assembléia de Deus.
De forma semelhante encontra-se a motivação do ex-deputado estadual ligado à
Assembléia de Deus, Eliseu F. Santos. Sua biografia é bastante distinta da dos demais
religiosos políticos. Sua motivação para o exercício da política partidária não partiu
propriamente dele mesmo, nem tampouco da denominação à qual está filiado. Ainda assim,
encontra-se alinhada com o pressuposto básico da atitude pessoal frente às demandas sociais.
Vejamos como se deu a entrada na política, a partir das palavras do agora vice-prefeito de
Porto Alegre e ex-deputado estadual Eliseu F. Santos:
Certo dia, eu saía do hospital Moinhos de Vento junto com o
anestesista Dr. Cláudio Arbo, depois de uma cirurgia, e ligamos o
rádio na rádio Farroupilha. Estávamos ouvindo o Sérgio Zambiasi,
pedindo uma ajuda a médicos para tratar, lá, algumas pessoas
carentes, onde havia até drogados, com problemas sérios de pele,
perna, necrose. Eu disse para o Cláudio: - Olha, eu vou conferir isso
de perto, porque eu acho que isso aí deve ter um pouco de fantasia. E
aí fui. Eu e ele fomos lá na rádio, até por uma questão de curiosidade.
Cheguei, vi uma multidão de pessoas doentes e tudo. Eu vi que era
real. Aí eu me propus a ajudar. Tratamos aquelas pessoas que a gente
se programou. Eu operei alguns e essas pessoas voltaram lá para o
Sérgio, na rádio, agradecendo. E um dia ele me ligou e me disse: -
Olha, eu gostaria que tu me desse uma mão. Tem mais um paciente.
Aí eu vi que o homem é um homem sério, o trabalho sério e me
propus a fazer um trabalho constante. Me propus a fazer uma média
de uma cirurgia por semana para o pessoal dele e comecei, até que um
255
dia ele me procurou e queria que eu concorresse a deputado. Eu digo:
- Não, não tenho tempo para esse troço, eu sou um cirurgião formado
aqui na Universidade Federal, e tal, e não tenho tempo. Trabalho
muito. – “Espera aí, mas concorre”. Conseguiu me convencer e eu
concorri, mas não fiz campanha. Foi em 1990 e me faltaram 400 votos
para eu assumir. Aí eu disse, não era para mim mesmo, não vou querer
saber desse troço.
Desse depoimento percebemos que sua entrada na política lhe confere uma série de
peculiaridades. Primeiro, ela não ocorre por sua proximidade com a Assembléia de Deus, nem
por anuência da Igreja. Sua entrada se dá de forma completamente particular, a pedido do
então presidente estadual do PTB. Segundo, sua candidatura para deputado estadual foi
realizada sem maiores campanhas, o que pressupõe que tenha sido, no máximo, uma
campanha boca-a-boca. Como lhe faltaram poucos votos para assumir uma cadeira na
Assembléia Legislativa, é presumível que ele tenha contado com o voto do segmento
evangélico, mas não somente da Assembléia de Deus, uma vez que, como ele disse, ele
também participava da Igreja Batista. Após esta frustrada tentativa, novamente é convidado
por Sérgio Zambiasi a concorrer. Inicialmente, sentiu-se compelido a recusar. Entretanto, sua
idéia de não se candidatar foi demovida. Esse processo foi descrito assim por Eliseu Santos:
Em 1992, ele [Sérgio Zambiasi] me chamou aqui na
Assembléia. Eu pensei que fosse para tratar sobre algum caso de
doença, cirurgia, que ele me pedia. Chego aqui: - eu quero te fazer um
apelo: que tu concorra a vereador em Porto Alegre. Eu disse: - bá, sai
de mim, não quero saber disso. Mas ele insistiu e tal. E mais, uma
outra pessoa me disse uma coisa que me marcou. Eu digo: - Eu não
preciso disso, não quero saber disso. Sou um cirurgião médico, tenho
uma profissão. Daqui a pouco tudo o que eu tiver de bem ou de
patrimônio vão dizer que eu roubei e que é da política. Então, eu não
quero saber. Aí um senhor até um pouco inculto, com erros de
português me disse assim: - O senhor tem razão. Nós temos que ficar
nas mãos dos aventureiros. As pessoas que têm compromisso com a
sociedade, que têm profissão como o senhor, não vão perder tempo. O
prejudicado é o povo. Nós é que ficamos aí, dependendo daqueles que
não têm nada o que fazer, eles se atiram aí. E aquilo me tocou fundo,
sabe? Eu disse assim: - É, o senhor tem razão. Então tá, vou concorrer.
Aí concorri. Fui o segundo mais votado no meu partido em 1992
[para a Câmara de vereadores]. Fiquei dois anos na Câmara.
256
Concorri em 1994 [para deputado estadual]. Me elegi bem, entre os
cinco primeiros do partido [acréscimos nossos].
Nesse fragmento da entrevista, salienta-se a expectativa de que o ingresso de
evangélicos na política partidária significa a possibilidade de haver um trabalho mais
confiável, sustentado em posturas éticas. O sentimento de desconfiança em relação ao poder
legislativo fica patente nessa fala descrita pelo ex-deputado, o que o teria motivado a assumir
um cargo político que, pelo que se depreende dessa fala, nem representava um projeto pessoal
seu. Além disso, para esse ex-deputado estadual, a questão profissional está acima da
atividade política. Para ele, esta
sempre foi uma questão primordial. Nunca abandonaria a minha
profissão de médico. Continuo fazendo plantão, cirurgias,
atendimentos na clínica de manhã cedo, cirurgias à noite, cirurgias nas
sextas-feiras, nas segundas em que não tem Assembléia, e plantão. E,
agora, vamos trabalhar cada vez mais. Eu gostei e acho que a política
lá abre muitas portas, principalmente para realizar certos sonhos que a
gente não consegue no dia-a-dia. Principalmente o que acontece na
área da saúde, proteção de meio ambiente. Como médico, eu passei 25
anos ouvindo muitas vezes: não tem dinheiro, não dá, está difícil, não
tem material, não tem isso, fechou as portas. Então, aqui, eu já sou
presidente da Comissão de Saúde há quatro anos. Fui também, dois
anos, como vereador, presidente da Comissão de Saúde e do Meio
Ambiente e, aí, consegui enfrentar algumas batalhas e vencer muitos
rounds. Então eu pretendo, dentro desta área, mantendo o meu
trabalho médico, continuar a minha luta política.
Suas motivações, como pudemos perceber, são completamente distintas da
manifestada pelo deputado Edemar Vargas. Em nenhum momento Eliseu Santos afirma que
sua motivação principal parte de sua filiação religiosa, ou de uma visão de mundo pautada
pela religião. Mesmo considerando-se ligado à Assembléia de Deus, essa ligação, em nenhum
momento, é formal. Sua relação com a Igreja não é oficializada em apoio explícito da
instituição. Ademais, distingue-se bastante da forma de outros políticos evangélicos fazerem
política e, sobretudo, do direcionamento de seus interesses como deputado. Veremos que seus
Projetos de Lei possuem um conteúdo diferenciado dos demais entrevistados, centrado nas
257
questões de saúde e de meio ambiente, além de apresentar uma maior combatividade
ideológica. Mesmo assim, seu ingresso no mundo da política ocorre através da inserção nos
problemas sociais. Em outras palavras, originou-se em uma postura de ética pessoal.
O deputado Manoel Maria, a exemplo de Eliseu Santos, também foi convidado ao
exercício da política pelo então presidente do PTB, Sérgio Zambiasi. Quando Zambiasi se
tornou presidente do partido no Rio Grande do Sul trabalhou visando erguer o partido no
Estado. Em função do seu foco no crescimento do partido, convidou indivíduos que não
possuíam história política alguma, mas que apresentavam, a seu ver, um bom potencial
eleitoral. No relato do Informativo do PTB, nº. 1, de 2003, lemos:
Antes das eleições de 1990, ele foi apresentado a Sérgio
Zambiasi em um evento partidário. Nesse primeiro encontro, Manoel
Maria ficou surpreso com a simplicidade com que o então presidente
do PTB, reestruturava a sigla no Estado. Zambiasi logo identificou seu
potencial como candidato e convidou-o a disputar uma cadeira na
Assembléia. (PTB, 2003)
Essa prática do, hoje, senador Sérgio Zambiasi para fortalecer o PTB no Estado, pode
ser relacionada não apenas a Manoel Maria, mas também ao ex-deputado Eliseu Santos. Não
devemos esquecer, no entanto, que essas pessoas somente assumiram cadeiras no legislativo
gaúcho em face da grande quantidade de votos que o próprio Zambiasi obtinha nos pleitos. É
fácil constatá-lo através dos números da votação obtidos tanto por Edemar Vargas (7.301)
quanto por Manoel Maria (6.728) em suas primeiras eleições. Esses números os fariam
disputar, naquele momento, no máximo, a vereança da capital. Contudo, na carona de
Zambiasi, por assim dizer, elegeram-se deputados estaduais.
A motivação do deputado estadual Manoel Maria pode ainda ser percebida no relato
do Boletim Informativo do PTB, nº. 1, de 2003:
Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular desde os 25 anos,
258
Manoel Maria nasceu em Santa Catarina. Advogado, viveu em São
Paulo por 23 anos. Na década de 80, transferiu-se para o Rio Grande
do Sul. Desde o início da atividade como pastor, se interessou pelo
caráter social da Igreja e pelos problemas das comunidades religiosas
que freqüentavam os templos.
Transparece, claramente, o interesse do deputado pelos
problemas das comunidades eclesiásticas, especificamente, os que os
membros da Igreja Quadrangular traziam consigo, de seu dia-a-dia
para dentro e para conhecimento do ambiente religioso. Conceber o
papel da Igreja para além das atividades religiosas propriamente ditas,
olhando para as necessidades sociais das pessoas, foi um fator
impulsionador à participação política de Manoel Maria, segundo esse
documento. (PTB, 2003)
Tivemos a oportunidade de conversar demoradamente com o pastor Melquisedeque
Chagas, coordenador político da campanha para deputado federal do pastor Reinaldo Santos e
Silva, da Igreja Quadrangular. Ao ser perguntado acerca da motivação do deputado Manoel
Maria para ingressar na política, disse:
Foi tanto uma motivação pessoal quanto da parte da Igreja. E
foi um milagre ele ter sido eleito, pois ele entrou com seis mil votos,
graças a “São Zambiasi”, que fez trezentos mil e arrastou todo mundo
com ele.
O poder de agregar votos e oportunidades eleitorais é uma marca da trajetória política
de Sérgio Zambiasi, sendo necessário referi-lo ao abordar a carreira política dos deputados
evangélicos gaúchos, como se vê. Sem o apoio de Zambiasi, a aspiração ao cargo político,
vinda tanto do próprio Manoel Maria quanto da Igreja Quadrangular, podia não sair do
projeto.
A terceira forma de entrada para a política partidária é o convite realizado pela
instituição religiosa. Esta situação é encontrada no atual representante da Igreja Universal,
deputado e pastor Sérgio Peres, que obedece à lógica e à prática da Igreja Universal quanto à
política e à escolha de seus candidatos. Essa Igreja escolhe seus candidatos por indicação de
sua Direção. Não ocorrem eleições prévias internas. A motivação para o trabalho em uma
259
instituição política não obedece, necessariamente, ao desejo do escolhido pois este, uma vez
convidado, não tem como declinar. É evidente que, a rigor, poderia negar-se a assumir a
incumbência. Entretanto, em uma Igreja altamente hierarquizada como esta, a negativa
significaria recusar uma missão e, conseqüentemente, seria percebida como uma
insubordinação, uma postura de indisponibilidade para com a instituição, resultando em
passar a ser mal visto e, provavelmente, perder novas chances de subir na hierarquia
eclesiástica. Perguntado sobre como havia ocorrido seu ingresso na vida política, o deputado
Sérgio Peres afirmou:
Foi a Igreja que solicitou minha entrada na política. Até então,
eu não tinha vínculo com nenhum partido e nem vontade de ser
político. Mas, ao atender as pessoas, o dia-a-dia das pessoas, ouvindo
os problemas das pessoas, a gente viu que, como político, tem mais
acesso de ajudar, até mesmo na parte social e levar as pessoas a ter um
direito e representar as pessoas na Assembléia. Mas a indicação foi da
própria Igreja.
Porque o senhor sabe que tudo tem uma provação. Foi levado o
nome de vários pastores ao Conselho de Bispos e, como tem muitos,
hoje, que não são gaúchos, são cariocas, nordestinos, paulistas,
optaram por um gaúcho. Além disso, levaram em conta o tempo que
eu tenho de pastor; enfim, o currículo da Igreja, fidelidade, tudo, o
caráter, tudo. Tocou ao conselho escolher e, quando escolhe, tu não
diz não. A gente pega e aceita.
A forma como a indicação a cargos eletivos se dá nessa denominação está em
consonância com a sua organização eclesiástica. A todos, fiéis ou pastores, compete seguir as
ordens da cúpula da Igreja. Independente de um integrante de seus quadros pastorais mostrar
o anseio pela carreira política, é a direção da Igreja Universal quem escolhe seus
representantes. A motivação inicial parte, assim, da instituição e não, do indivíduo.
A escolha do partido também integra nossa pesquisa sobre o engajamento das igrejas
evangélicas na política partidária. Esse será o tema do próximo subcapítulo.
260
4.2.1 Escolha Partidária
Estamos analisando a relação entre a religião e a política a partir de três denominações
religiosas que possuem representantes na Assembléia Legislativa gaúcha. Atualmente, todos
os políticos evangélicos que atuam como deputados no Estado do Rio Grande do Sul integram
o mesmo partido político: o PTB. Como vimos nos dados biográficos e políticos desses
deputados, nem sempre foi assim. Deve-se ressalvar, portanto, que existem políticos dessas
instituições em outros partidos. Para compreender as razões dessa escolha partidária, cabe,
inicialmente, conhecer, um pouco, a legenda em questão. Contudo, não faremos um estudo
histórico e ideológico exaustivo desse partido, mas parece-nos importante sumariar essa
história a fim de contextualizar essa legenda no quadro político do Rio Grande do Sul.
4.2.1.1 História do PTB segundo “São” Zambiasi
O trabalhismo, também chamado laborismo, teve sua origem na Inglaterra no fim do
século XIX e esteve intimamente ligado aos sindicatos de trabalhadores. No Brasil, as
ideologias trabalhistas penetraram a partir da primeira metade do séc. XX, num momento em
que também o liberalismo começou a entrar em crise (Zambiasi, 2004).
A gestação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) aconteceu principalmente durante
o primeiro governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945. Segundo Zambiasi (Ibidem), a
criação do PTB está diretamente vinculada ao Manifesto-Programa da União Social Brasileira
(USB), lançado por Alberto Pasqualini, que pretendia ser a vertente de novas idéias e a
organizadora das já existentes, mesmo que ainda não se usasse o conceito “trabalhismo”. A
USB e o pragmatismo de Getúlio Vargas determinaram a fundação do PTB em 15 de maio de
1945. Uma herança getulista de grande importância e ainda atual é a Consolidação das Leis de
261
Trabalho – CLT (Zambiasi, 2004 e PTB, s.d.).
O PTB marcou forte presença no período pré-golpe de 1964, através do vice-
presidente de Jânio Quadros, João Goulart. Durante a Ditadura Militar, o partido foi
dissolvido, sendo novamente constituído em 1979. Dali por diante, participou ativamente das
campanhas pelas “Diretas Já” e na elaboração da Constituição de 1988, à qual fez incluir
emendas trabalhistas, tais como: a indenização quando se tratar de demissão sem justa causa,
a redução da jornada de trabalho das anteriores 48 para 44 horas por semana, o abono de 1/3
sobre o salário como pagamento de férias, entre outras. (Zambiasi, 2004 e PTB, s.d).
No Rio Grande do Sul, o partido reorganizou-se em 1988. Nesse mesmo ano, o
deputado estadual Sérgio Zambiasi migrou do PMDB para o PTB. Assim, o partido em
referência ressurgiu em solo gaúcho modestamente, com um deputado, um prefeito e nove
vereadores. Já em 1990, porém, transformara-se na terceira força do poder legislativo do Rio
Grande do Sul, com oito deputados estaduais, além de agregar mais um parlamentar aos seus
quadros ao longo daquele mandato. Dois anos depois, nas eleições municipais, o PTB
conseguiu eleger 28 prefeitos, 31 vice-prefeitos e 190 vereadores no Estado. Atualmente,
conta com 35 prefeitos e o mesmo número de vice-prefeitos eleitos no último pleito
municipal, além de 483 vereadores (Zambiasi, 2004).
O crescimento do partido ao longo das quase duas décadas desde sua reestruturação no
Rio Grande do Sul pode ser constatado através de suas 120 mil filiações. Em 2002,
confirmou-se o número de três representantes na Câmara dos Deputados, em Brasília: Edir
Oliveira, Kelly Moraes e Pastor Reinaldo, este último, membro do clero da Igreja
Quadrangular. Cabe lembrar que o PTB conseguiu eleger, em 1994, a primeira senadora do
Rio Grande do Sul, Emilia Fernandes (Idem, Ibidem).
O grande fenômeno eleitoral do partido no Estado, porém, foi e continua sendo Sérgio
262
Zambiasi. Nascido em 9 de setembro de 1949, é descendente de italianos. Na adolescência,
Zambiasi obteve seu primeiro emprego como locutor em uma estação de rádio de Soledade
(Zambiasi: Quem é o Senador, s.d.).
Aqui cabe uma palavra sobre algumas características pessoais de Sérgio Zambiasi.
Trata-se de um comunicador que, durante décadas, esteve à frente de um programa em uma
estação de rádio, na Rádio Farroupilha. Através de seu programa, ao mesmo tempo em que
trabalhou com o sensacionalismo em torno da miséria humana, sendo uma de suas fontes de
notícias as páginas policiais dos jornais, também se propunha a intervir em muitos casos,
procurando pessoas que se sensibilizassem com as dificuldades alheias e as auxiliassem. A
estratégia de Zambiasi era a de ser um mediador entre os que necessitavam de ajuda e aqueles
que o radialista conseguia mobilizar para que fizessem doações conforme as demandas
apresentadas através do referido programa, que, ainda hoje, embora já não mais comandado
por ele, possui grande apelo popular.
Sendo filho de um militante trabalhista, pouco a pouco os fundamentos aprendidos em
casa, inspirados em Alberto Pasqualini e Getúlio Vargas, foram fazendo sentido para
Zambiasi. Voltado às questões sociais, Sérgio Zambiasi já muito cedo começou a militar na
política estudantil. Essa trajetória o conduziu, depois, à vida parlamentar. Com expressivas
votações, elegeu-se deputado estadual quatro vezes sucessivas, carreira que iniciou em 1986
(Zambiasi: Quem é o Senador, s.d.).
Em 2002, Sérgio Zambiasi tornou-se o primeiro senador da República vindo do
eleitorado gaúcho a ser consagrado com praticamente metade dos votos válidos (Zambiasi,
2004). Ele é capaz de agregar membros aos quadros do partido e, em sua carona, elegê-los,
devido a sua grande popularidade, relacionada ao trabalho de três décadas como radialista, e a
suas estratégias de trabalho político.
263
Os deputados evangélicos do Rio Grande do Sul tiveram em Sérgio Zambiasi alguém
que lhes facilitou a abertura das portas para o ambiente parlamentar gaúcho, sendo o grande
responsável pela filiação dos mesmos ao PTB. Atualmente, os representantes das Igrejas
evangélicas na Assembléia Legislativa do Estado compõem mais da metade da bancada dessa
legenda: entre cinco deputados petebistas, três são evangélicos. Esse dado mostra a
importância do segmento religioso para a sigla partidária. De outro lado, se considerarmos
que todos os parlamentares vinculados às Igrejas de cunho pentecostal integram o PTB, fica
notória a relevância desse partido quando se fala em deputados evangélicos.
Cabe ressalvar que, segundo as informações mais recentes, esse panorama muito
provavelmente sofrerá importantes alterações nos próximos pleitos. Embora ainda não esteja
muito claro como a nova distribuição de forças evangélicas no campo político se dará, a
fundação de partido próprio da Igreja Universal e a organização que vem sendo estruturada
em torno de uma adesão maciça das Igrejas Assembléia de Deus e Quadrangular, entre outras
cristãs, ao Partido Socialista Cristão, prometem sensíveis reviravoltas.
4.2.1.2 Motivações dos Evangélicos para a Escolha Partidária
No presente subtítulo, deter-nos-emos na apreciação individualizada das motivações
dos deputados em estudo para a filiação político-partidária.
Para o deputado Edemar Vargas, o PTB é o partido que mais agrega evangélicos no
Rio Grande do Sul. Na opinião do parlamentar, essa realidade deve-se ao fato de o então
presidente do partido, senador Sérgio Zambiasi, ter uma história voltada para os problemas
sociais.
Quando Zambiasi assumiu a presidência do PTB envidou todos os esforços para
264
fomentar o crescimento do partido, que, no Rio Grande do Sul, estava consideravelmente
fraco. A explicação dada pelo deputado estadual Edemar Vargas para a adesão dos
evangélicos, mormente os da Igreja Assembléia de Deus e da Igreja Quadrangular, a esse
partido segue a linha do personalismo
128
.
A questão da opção partidária também foi abordada com os próprios políticos. O
deputado estadual Edemar Vargas, da Assembléia de Deus, posicionou-se da seguinte forma:
Eu noto que o PTB, hoje, é um partido que se familiariza muito
com a comunidade evangélica, porque os evangélicos, a exemplo do
Estado do Rio Grande do Sul, todos eles, os que estão participando do
Partido Trabalhista Brasileiro, do PTB, talvez porque o seu líder maior
aqui no Rio Grande, que [é] o eminente deputado Sérgio Zambiasi,
que, na história política do Brasil, podemos dizer, tem sido um dos
deputados mais votados na história desse país. Porque esse líder,
também voltado muito para o social, talvez isso influencie para que a
comunidade evangélica também se associe ao PTB. Então, talvez, por
isso é que nós estamos participando do PTB [acréscimo nosso].
Quer-nos parecer que o PTB, sob a liderança de Zambiasi, possui um caráter muito
semelhante ao de seu programa de rádio. Seu objetivo no partido foi o de revitalizar a
legenda. Para tanto, procurou captar “ajuda” para a resolução dos problemas concretos de sua
sigla partidária. Trata-se, portanto, de uma pessoa pragmática, sem cor ideológica definida,
aberta a pessoas e grupos que quisessem auxiliá-lo no seu projeto de revitalização do PTB.
Ademais, sua atividade filantrópica permitiu que os evangélicos vejam nele alguém alinhado a
concepção caritativa desses mesmos pentecostais (Coradini, 2001).
O Rio Grande do Sul é um Estado conhecido por seus dualismos, que dividiram e
dividem seu povo em maragatos e chimangos, republicanos e imperialistas, colorados e
128
Conforme o dicionário Aurélio, no contexto político, personalismo significa um “fenômeno
caracterizado pela concentração da unidade da força eleitoral e do prestígio de um partido na pessoa de
um chefe carismático”.
265
gremistas. Também não é desconhecido que o Estado gaúcho cedeu ao país alguns de seus
mais importantes líderes políticos. Nessa ponta sul do país, em que definir uma “trincheira”
parece fazer parte da cultura popular, o PTB manteve-se numa linha não dada a polêmicas,
pouco definida ou radical. Seu perfil ideológico pode ser caracterizado como de centro-
direita.
Certamente é essa sua tolerância à pluralidade, na qual não cabe uma rigidez
ideológica, que torna o PTB atraente para o segmento evangélico, que, por sua vez, tem suas
próprias prioridades. Costurar as convicções religiosas com a cartilha partidária pode tornar-
se uma tarefa complicada, dependendo do quanto a segunda consegue ser flexível, já que as
primeiras, teoricamente, estão fixadas na Bíblia.
Com relação às instituições religiosas, nossa pesquisa constatou posturas diversas
quanto à escolha partidária. Embora a questão partidária seja secundária em nosso estudo,
também ela tem seus significados quando se procura compreender a teia de relações entre a
religião e a política.
Em relação às preferências da Igreja Assembléia de Deus quando o assunto é a
definição por partidos políticos, o pastor Geraldino da Silva, assessor do Pastor-presidente
estadual, disse:
Nós não temos nenhuma objeção quanto a partido, até porque
entendemos que isso não faz bem para a Igreja tomar decisão definida
contra algo, contra um partido. [...] Não é nossa missão, aqui, criar
esse tipo. Nós temos tendências. Eu mesmo não sou filiado a nenhum
partido, tenho admiração por pessoas, políticas de alguns partidos,
acho bonito [a], postura. Às vezes, não é o sentimento que eu tenho,
mas está lá no partido que eu não votaria, mas tem um homem lá, uma
pessoa, uma mulher, uma pessoa que tem uma idéia, que eu acho que
a idéia dele é uma idéia sensata, condizente, que eu admiro.
[acréscimo nosso]
O assessor, embora tenha, também, falado de suas opções pessoais, enfatizou que a
266
escolha não está ligada, por exemplo, ao programa político ou à ideologia defendida pelo
partido. A seleção da agremiação política dá-se mais em função de algum integrante do
partido ou de bandeiras levantadas. Assim, não está em questão uma proposta mais ampla de
um partido, que seria endossada pela Igreja, mas simpatias e afinidades pessoais, bem como
propostas isoladas (que podem, inclusive, ser defendidas por diversos partidos
simultaneamente) com as quais a denominação se afina.
O Pastor-presidente da Convenção Estadual da Igreja Assembléia de Deus, Ubiratã
Batista Job, também teceu alguns comentários acerca da postura tolerante
129
dessa
denominação no tocante à preferência partidária. O pastor Ubiratã posicionou-se como segue:
São os dois deputados que pertencem à nossa Igreja e, hoje,
estão exercendo o seu mandato. Então, a Igreja é isenta. Ela não
orientações nesse sentido. Não, digamos assim, estimula os fiéis a
terem, assim, um compromisso político-partidário. Eu acho que até,
dentro da nossa Igreja, [...] até filiados a partidos, de vez em quando,
[tem], mas são um percentual muito pequeno; diferentemente de
outros segmentos evangélicos, que escolheram a sigla, que dão ênfase
àquela sigla. Enfim, trabalham em cima daquilo. Então, a Assembléia
de Deus, não. [...] nós também entendemos que o líder, o pastor, ele
não tenha aquele poder de transferir votos, de, digamos assim, de
forçar os fiéis a votar numa determinada pessoa. Até porque nós temos
candidatos de outros partidos e, aí, uma situação de conflitos dentro da
própria comunidade. Nós, Assembléia de Deus, nós olhamos a
situação desse modo. E trabalhamos por esse caminho.
[...] Todos os partidos políticos, praticamente [...] todos foram
recebidos, mas a opção de votar em A ou B é do povo. O candidato é
que tem que conquistar o voto, tem que conquistar o eleitor. Eu não
disse a ninguém que votasse em fulano ou beltrano. É claro que os
membros da Igreja têm aquela afinidade quando o candidato é da
Igreja. Isso é natural. Todos os segmentos da sociedade, que têm os
seus candidatos próprios, eles têm, assim, aquela afinidade; e quem
pertence àquele segmento, dá preferência àquele candidato. Esse é o
curso normal das coisas. Então, na Igreja também não é diferente. Mas
não há uma orientação oficial no sentido de que determinado
candidato, ou se a pessoa deseja ser candidato, tem que ser filiada a
129
Como sabemos, essa tolerância tem lá suas restrições, principalmente quando se refere ao Partido
dos Trabalhadores.
267
partido tal, e a Igreja tenha compromisso com o partido dele
[acréscimo nosso].
Fica clara nessa fala a postura oficial da Igreja Assembléia de Deus no Rio Grande do
Sul. Ela mantém uma “política de boa vizinhança” com “praticamente todos” os partidos e
candidatos. Segundo esse importante líder gaúcho dá a entender, a exceção fica por conta de
quem não tenta buscar o apoio político dessa denominação. Aos que batem a sua porta, esta
lhes é aberta. Ainda assim, são referidas “preferências”, ressalvando-se que “não há uma
orientação oficial”. Estas preferências dizem respeito aos candidatos saídos diretamente de
suas fileiras, bem como seus respectivos partidos, portanto. O pastor Ubiratan relatou, como
lemos, que, em época de campanha, são procurados por diversos partidos e candidatos,
inclusive por quem não possui relação alguma com a instituição religiosa. Considera natural
que a comunidade acabe optando por candidatos conhecidos, e, por conseguinte, pelos
partidos que os abrigam.
Personalizar a escolha do partido pela pessoa de seu líder revela, novamente, a
ausência de uma adesão partidária baseada em programas de governo. Por mais carismático,
envolvente e influente que o presidente do partido seja, não parece justificar, de todo, essa
escolha. Quiçá, a vinculação de Zambiasi com o povo pobre coloca o partido e as
denominações pesquisadas num ponto convergente. Embora as igrejas não aceitem o rótulo de
trabalharem unicamente para um público-alvo empobrecido, é conhecido o fato de que a
membresia evangélica é, majoritariamente, composta por pessoas das camadas sócio-
econômicas mais desfavorecidas, coincidentemente a grande parte do público ouvinte do
“programa do Zambiasi”. Além disso, as igrejas costumam valorizar e promover o trabalho
social. Assim, uma afinidade se estabelece sem dificuldade nesse particular.
As razões da filiação ao PTB também foram abordadas pelo assessor do deputado
estadual Edemar Vargas, Eliezer Bernhardt Morais:
268
O PTB é um partido histórico no Rio Grande do Sul. Os nossos
líderes mais antigos, lá na região de São Luiz Gonzaga, como, por
exemplo, o pastor Manoel Dorneles, pela sua familiaridade com o
falecido Getúlio Vargas, ele já tinha um envolvimento com o PTB. A
Igreja não determina o partido. Haja vista que, em outros estados, nós
temos membros da Assembléia de Deus eleitos por outros partidos.
Nós não temos uma bandeira partidária. O que nós temos é, no Estado
do Rio Grande do Sul, um partido que, hoje, oferece uma infra-
estrutura para os pastores evangélicos, para os evangélicos disputarem
uma eleição, que é o PTB. O PTB tem uma ideologia, que é muito
próxima do pensamento filosófico do cristianismo e também o espaço
institucional que o PTB tem dado. O deputado Edemar está na quarta
legislatura dentro deste partido. Eu creio que é mais esta afinidade. A
Igreja não determina. A liderança da Igreja é plural. Nós temos, em
nosso segmento, pessoas de todos os partidos. O que não se pode é se
ideologizar com um partido. Agora, o partido que tem dado as
melhores condições, no Estado do Rio Grande do Sul, para os
candidatos evangélicos, é o PTB.
Ressaltando a ausência de uma “bandeira partidária” na Igreja Assembléia de Deus,
com o que mantém a pluralidade, o assessor fala de uma afinidade ideológica que entende
existir entre o partido e a filosofia cristã. Além da semelhança no campo das idéias, Eliezer
aponta para um aspecto pragmático, que é o relativamente longo (quatro legislaturas) período
de tempo em que o deputado Edemar Vargas já integra os quadros desse partido. Seria,
portanto, um ambiente partidário já conhecido e com eventuais arestas com os evangélicos já
aparadas. Outro argumento referido para essa filiação é que se trata de um partido de longa
tradição gaúcha. Tradição é uma palavra que soa bem ao ouvido dos evangélicos.
Chama a atenção que esse assessor entende como importante não “se ideologizar com
um partido”. Esse é mais um indicativo de que a Igreja não pensa em compactuar com o
programa partidário, mas em utilizar-se da máquina de um partido para realizar seus intentos
no campo político. Deseja ficar livre da prisão ideológica que, parece ficar subentendido,
talvez outros partidos representassem, como, por exemplo, o PT. Essa fala sugere que se
uniram, por um lado, uma Igreja que não deseja a fidelidade partidária irrestrita, e, por outro
lado, um partido que não exige de seus deputados a obediência incondicional. Há tolerância
269
de ambos os lados.
O ex-deputado estadual e atual vice-prefeito de Porto Alegre, Eliseu Santos, tem sua
própria versão sobre o vínculo com a sigla do PTB. Falou que a escolha desse partido deu-se
até por uma questão de ligação direta com o Sérgio Zambiasi. Ele me
convidou. Eu fui lá para ajudá-lo. Eu tinha uma outra imagem dele
quando eu via aquele pedido na rádio. Eu disse: - aquilo deve ser um
picareta aí, para ganhar dinheiro.
Eu cheguei lá e vi um camarada cercado de gente pobre, gente
humilde, doente e ele suando lá no meio daquele povaréu, mesmo com
ar condicionado, mas a sala cheia de gente. E aquilo me sensibilizou e
eu vi que aquele homem é um homem sério. Mas se esse cara está
trabalhando, está ajudando... Às vezes, até chegava à emoção com
crianças, um problema sério que surge no programa dele. Agora
nesses anos todos que eu o tenho conhecido, eu vejo nele um homem
que se preocupa com o próximo, se preocupa com a necessidade do
seu semelhante, entende? Então eu até vejo no Sérgio, não, assim, um
político, que tem só uma diretriz política, só uma linha doutrinária,
uma linha partidária. Não, eu vejo nele um homem que se preocupa
com o seu semelhante e usa esse espaço político para ajudar; como eu
uso a minha profissão de médico também para ajudar, somando com a
área da política. Então eu me encontrei com o PTB; também um PTB
histórico, embora também existam outros partidos bons e [a] que até
nós, hoje, estamos coligados [acréscimo nosso].
O médico Eliseu Santos entrou para o PTB, como outros, a convite. Foi escolhido.
Antes disso, porém, vale frisar que a opção pelo partido passou pela pessoa de Sérgio
Zambiasi, e isso em duas vias. O presidente do partido gostou do médico e decidiu investir em
sua carreira política. De outro lado, Santos, inicialmente descrente quanto ao homem que
pensou tratar-se de um “picareta”, acreditou na seriedade do trabalho de Zambiasi e, por
extensão, do partido.
A exclusividade da opção pelo PTB não existe, segundo relato do ex-deputado
estadual Eliseu Santos. Vários são os partidos que abrigam evangélicos. Entretanto, os
deputados estaduais da atual legislatura, eleitos pelos votos das igrejas em estudo, mostraram
haver uma preferência destes pelo PTB. A respeito desses dados, Eliseu Santos disse:
270
É uma curiosidade, mas tem alguns evangélicos que
disputaram eleições. Claro que não foram vencedores, pelo PT, pelo
PDT. Tem evangélicos, que disputaram, se não me engano, pelo
PSDB, até pelo PSD. Tem, também, evangélico que disputou pelo
PSD, um rapaz que se chama Dirceu, lá do interior, perto de Soledade.
Então, tem vários evangélicos que escolheram outros partidos. Ele
[Edemar Vargas] e eu escolhemos o PTB e, de repente, outros colegas
já estavam dentro do PTB. Então é aquela coisa: um atrai o outro. O
pessoal conversa, cria simpatia. E o próprio presidente, o Sérgio, deve,
inteligentemente, buscar reforços no segmento evangélico, para, cada
vez, reforçar o partido nessa corrente, podemos dizer, hoje, dos
evangélicos dentro de uma linha pentecostal, de uma linha
objetivamente cristã, assim, seguindo certas doutrinas parecidas,
semelhantes. Porque tem alguns segmentos, que não fumam, que não
bebem, que não ingerem álcool, que não vão a baile, que não dançam,
que não jogam. Então, dentro desse segmento assim, o PTB
praticamente tem o maior número de deputados na linha doutrinária.
Existe uma outra linha, que eu também respeito, mas que tem as suas
atividades assim, nesse sentido, mais liberais. A própria Igreja
Luterana, ele fuma, bebe. Eu não sou contra, só estou te dando um
exemplo de que dentro do PTB existe o maior grupo de evangélicos
dentro da mesma linha doutrinária, anti-alcoólicos, anti-tabagismo,
embora existem alguns segmentos evangélicos que fumam, bebem,
que têm essas outras atividades [acréscimo nosso].
O vice-prefeito de Porto Alegre distingue entre dois tipos de evangélicos: os da
vertente pentecostal e os demais. Salienta os valores e posturas dos pentecostais, cujos hábitos
saudáveis (não fumam nem bebem), além de outros considerados moralmente mais adequados
(não jogam), seriam uma marca que os distingue de outros políticos assim como das demais
igrejas. Assim, segundo Eliseu Santos, a opção pelo PTB passa por uma identificação em
torno de valores comuns, caros aos evangélicos, como os citados. Entretanto, cabe ressalvar
que esse lastro moral pode ser considerado comum entre os evangélicos, mas dificilmente
poderá ser generalizado para os demais políticos desse partido como uma regra que é e deve
ser obedecida por todos os filiados.
Acerca das escolhas partidárias, outro relato importante é do pastor e ex-vereador,
membro da Igreja Assembléia de Deus, Eliseu Sabino:
271
A primeira vez que eu me candidatei, eu me candidatei pelo
PDT. A minha simpatia era com o Brizola. Eu tinha algumas
amizades. Acabei indo pelas amizades. Assim, participei da campanha
política. Depois, então, eu mudei de partido. Por que eu mudei de
partido? Porque, com os votos que eu fiz no PDT, na época, se eu
estivesse no PTB, eu estaria em terceiro lugar na Bancada. E isso na
primeira vez. Então, por que eu entrei no PTB? Entrei no PTB, porque
vi a chance de me eleger. Ideologia política não tinha nenhuma. Fui
ver depois. Claro que, no PTB, já estava o Edemar Vargas. No PDT,
eu entrei, porque o Abadie [ex-deputado estadual] e João de Deus [ex-
deputado federal] estavam no PDT. Quando eles foram eleitos, a
gente militou no partido, trabalhou para eles se elegerem [...]. Na
verdade, a política, eu fiquei conhecendo no momento em que eu
comecei a militar no PTB. No PDT, eu não tive muita penetração, até
porque eu não tinha sido eleito. Quando entrei no PTB, aí eu entrei
militando mesmo, porque a nossa zonal estava esfacelada. Eu me
dediquei para construir a zonal. Bom, então eu tenho que ler, tenho
que estudar. E, aí, eu comecei a ver o que é e o que não é. Aí, eu
passei a, realmente, entender o PTB. O PTB é um partido de centro-
direita. Essa é a sua ideologia. [...] Bom, mas é o seguinte, por que o
PTB? Achei uma conveniência. E quando entrei, entrei sem ser
politizado. Hoje, vi que fiz a escolha certa. É um partido de centro-
direita e se adequa àquilo que a gente busca. Como a gente tem que ter
um partido, estamos aí [acréscimos nossos].
As amizades são salientadas por Eliseu Sabino como fator determinante na escolha
partidária. As relações interpessoais, mais que a questão ideológica, definiram a opção desse
evangélico por um partido político. Somou-se a esse ingrediente pessoal a admiração por um
líder, desta vez, Leonel de Moura Brizola. A força dos grandes líderes é novamente salientada
nesse depoimento. Contudo, esses dois fatores, as amizades e a figura carismática de Brizola,
não seguraram Sabino no partido.
Uma vez mais enfronhado no ambiente partidário, foi a matemática que determinou
sua mudança de partido. Conhecedor que passou a ver nas vantagens de entrar em uma
agremiação política capaz de captar votações expressivas, Sabino não hesitou em abraçar uma
nova bandeira partidária, ainda que, deve-se ressalvar, não represente uma mudança radical na
linha ideológica. Em seu substrato ideológico, o PDT e o PTB não estão significativamente
distantes. Mas o que se destaca, de fato, é o quanto a questão programática do partido lhe é
272
secundária, possuindo uma importância apenas relativa.
Em se tratando da tensão entre a obediência aos princípios da Igreja e a fidelidade às
ordens do partido, o médico e ex-deputado estadual pela Assembléia de Deus, Eliseu Santos,
teceu as seguintes considerações:
A Igreja, ela orienta o aspecto teológico. A Igreja, ela não tem
uma conotação política e nem o segmento evangélico em que eu
participo e nos outros em que eu participei também tinha uma
conotação política. [A Igreja não diz:] - Olha, o deputado está aqui
para fazer o que a Igreja manda. Muito pelo contrário, a orientação da
Igreja e a orientação que eu tenho de fé, de muitos anos, como eu te
disse, de gerações, é no sentido teológico, no sentido de fé. Porque o
meu pastor, a autoridade pastoral religiosa acima de mim, fala, orienta
no que diz respeito à linha doutrinária da Igreja, à linha teológica. Eu
acato com toda a veemência, porque é uma questão de fé. É claro que
ele não vai apresentar uma proposta que foge aos princípios bíblicos
que eu conheço. Dentro dos princípios bíblicos, eu respeito, admiro e
obedeço à hierarquia da minha Igreja. Agora, no que diz respeito à
política, nós seguimos as linhas partidárias e também a sua própria
consciência. Não vamos, aqui, seguir só uma linha partidária. De
repente, o partido pode tomar uma posição e a minha consciência
toma outra e eu vou me reunir. Como eu já me reuni com alguns
colegas do meu partido, em alguns projetos polêmicos, e disse: - Olha,
a minha posição é essa. Isso não é rebeldia; é uma questão de
personalidade. Nós, muitas vezes, votamos com o voto partidário em
assuntos de grande importância e com assuntos, às vezes, até pessoais,
assuntos de fórum íntimo ou de fé. Eu voto com a minha consciência e
tenho sido entendido pelos meus colegas [acréscimo nosso].
A interferência religiosa nas decisões é limitada, assim como a-partidária. De fato,
essa fala sugere que o PTB, no Rio Grande do Sul, permite considerável liberdade nas
votações na Assembléia Legislativa aos membros de seus quadros. O que parece ocorrer é a
concorrência de todos os valores da pessoa do deputado em cada decisão. Nesse caso, os
valores religiosos assumem fundamental importância. Trata-se do que estes têm denominado
“uma questão de consciência”. Por conseguinte, partidos que defendem outros interesses
acabam tornando-se oponentes. Assim, para exemplificar essa questão, a postura do deputado
estadual Edemar Vargas durante a gestão de Olívio Dutra, eleito governador pela coligação
273
liderada pelo PT, era, em traços gerais, de,
como evangélicos, uma oposição firme, uma oposição consciente, não
uma oposição sistemática. Então, nós buscamos, conscientemente, o
nosso voto, evidentemente na linha, na linha da nossa vida, do nosso
testemunho, e sempre como sal. O sal tem uma sociedade que está
insípida. Está, aí, apodrecida. E somos o sal dela. Então, votamos
sempre nesta linha.
Ainda que o PT seja conhecido especialmente por suas bandeiras sociais, os
compromissos partidários podem colocar os parlamentares das igrejas na oposição. Nesse
caso, pesam muito as temáticas morais e a posição ideológica. Os partidos favoráveis a leis
como a defesa do aborto ou da união legal de homossexuais são enfrentados por esses
parlamentares em nome de convicções religiosas.
O representante da Igreja Quadrangular, deputado estadual Manoel Maria, como ja
dissemos, também é filiado ao PTB. Em um folheto promocional
130
deste deputado, lê-se:
Antes das eleições de 1990, ele foi apresentado a Sérgio Zambiasi
em um evento partidário. Nesse primeiro encontro, Manoel Maria ficou
surpreso com a simplicidade com que o então presidente do PTB
reestruturava a sigla no Estado. Zambiasi logo identificou o seu potencial
como candidato e convidou-o a disputar uma cadeira na Assembléia.
Esse pequeno texto de divulgação sugere que o início da relação partidária de Manoel
Maria com o PTB também passou por uma simpatia ou afinidade pessoal, num primeiro
momento, evoluindo para um vínculo partidário em seguida. Zambiasi é apresentado, aqui,
como um “farejador de talentos”, por assim dizer; isto é, alguém capaz de detectar o potencial
eleitoral de uma pessoa. Em outras palavras: Manoel Maria não escolheu, em primeiro lugar,
mas foi escolhido. Sua ação foi aceitar o convite recebido, após receber a anuência da Igreja
Quadrangular.
130
O folheto tem o título “Manoel Maria - Deputado Estadual - PTB: ‘Uma Liderança Evangélica na
Assembléia Gaúcha’” (Weirich, s.d.).
274
O deputado Paulo Moreira, da Igreja Universal, não precisava do suporte dos votos do
PTB para eleger-se. Ainda assim, optou por essa legenda. Como as relações interpessoais
contam muito nessas escolhas, como visto acima, pode residir aí uma motivação para a
filiação justamente a esse partido. Além disso, trata-se de uma agremiação conhecida pelo
meio evangélico, facilitando a entrada de novos políticos advindos do berço pentecostal.
O deputado estadual Sérgio Peres era filiado ao PSB; logo após sua eleição, migrou
para o Partido Liberal. Ao que parece, com os escândalos ocorridos em Brasília e que
envolveram, entre outras, também essa legenda, filiou-se ao PTB.
Na análise dessas motivações, importa notar que o PTB parece ser um partido que dá
uma grande margem de manobra para os deputados. Isso é particularmente interessante, uma
vez que a maioria dos evangélicos da Assembléia de Deus e da Igreja Quadrangular escolhe
esse partido no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, parece existir uma afinidade entre o PTB e
os evangélicos dessas duas denominações. Essa afinidade constrói-se tanto pela linha
ideológica centrista do partido, quanto pelas posturas conservadoras dos evangélicos, além da
figura do senador Sérgio Zambiasi.
4.2.2 Primeira Síntese: Formas de Inserção dos Evangélicos na Política
No capítulo anterior vimos que nas instituições religiosas pesquisadas encontramos,
fundamentalmente, duas maneiras de perceber a necessidade de inserção das igrejas na
política. Percebemos que suas motivações obedecem os seguintes interesses:
1 – Importa ter representantes nas instituições políticas que estejam atentos:
a) a lutar contra leis que venham a obstruir o trabalho e o avanço das denominações;
b) a estabelecer vínculos com o poder público e propor leis que possam beneficiar as
275
denominações.
2 – Levar a ética evangélica ao mundo da política:
a) ética centrada na honestidade e na não-corrupção;
b) ética voltada a uma moral sexual, anti-tabagista e contra o alcoolismo;
c) ética que vise ampliar a justiça social.
A Igreja Assembléia de Deus não motiva membros de seus quadros especificamente
para o exercício partidário. Os atores sociais precisam mostrar-se interessados e, num segundo
momento, necessitam submeter seus nomes a uma prévia interna para receberem o apoio
institucional e, em sendo vencedores, podem concorrer ao pleito eleitoral com o apoio
explícito da direção dessa instituição eclesial no Estado. Mesmo assim, como vimos no
capítulo anterior, esse apoio não tem o poder de canalizar ao candidato da instituição religiosa
o voto de todos os fiéis dessa denominação. A aquiescência do nome de um candidato por
parte da Assembléia de Deus não tem impedido a pulverização dos votos, haja vista a pouca
expressividade na votação dos deputados ligados a essa denominação, como já mostramos na
tabela 3. Quando as eleições visam o legislativo municipal, essa característica torna-se ainda
mais significativa, uma vez que há mais candidatos da própria Assembléia de Deus que,
mesmo sem o apoio explícito da denominação, concorrem, retirando as chances dos demais.
Para a Assembléia de Deus, uma das motivações pessoais reconhecidas como
importante para a entrada no mundo da política institucional é definida pelos atores sociais
como o seu trabalho social
131
. Este é tomado como pressuposto para o engajamento político.
Porém, na prática, este se constitui em um conceito bastante elástico. O trabalho social é
131
Essa foi também a conclusão da pesquisa realizada por Machado (2003), se bem que seus
resultados estendem-se também a candidatos filiados a outras denominações evangélicas, não se
restringindo à Igreja Assembléia de Deus.
276
entendido, em primeiro lugar, como a evangelização das parcelas mais desfavorecidas da
sociedade. Não se trata de um entendimento de trabalho social e/ou assistencial propriamente
dito, mesmo que este não se encontre ausente. Assim, o critério principal para a compreensão
do que seja o trabalho social para os evangélicos da Assembléia de Deus do Rio Grande do
Sul é a ação do evangelismo junto aos setores social e economicamente marginalizados da
sociedade. Quando abordam a questão do trabalho social, referem-se, basicamente, à atuação
evangelística com dependentes químicos, pobres, doentes, adictos a jogos de azar, entre
outros, tendo como público-alvo prioritário aqueles que se encontram fora das quatro paredes
de uma Igreja. Acreditam que estes, ao ouvirem a mensagem da Igreja, passarão a viver de
forma moralmente mais adequada e, supostamente, receberão a cura de suas doenças físicas e
emocionais. Portanto, o trabalho social, subordinado ao aspecto da evangelização, significa
um contato com a população carente; na maior parte das vezes, sem a mediação do templo.
Em última análise, quer dizer: ir onde o povo está.
A Igreja Universal e a Igreja Quadrangular, por sua vez, possuem organizações mais
hierárquicas e centralizadas. Mesmo que, em ambas as denominações, as candidaturas sejam
articuladas pela Direção da Igreja e indicadas para o voto dos fiéis, existem diferenças
consideráveis entre elas. Como vimos no capítulo anterior, na Igreja Quadrangular, o púlpito é
usado com muito cuidado para divulgar candidaturas políticas. Já para a Igreja Universal, o
nome de seus candidatos é lembrado de forma insistente junto aos freqüentadores dos seus
cultos, incluindo o treino supervisionado da votação em urnas eletrônicas na saída dos
templos nos maiores centros urbano. Para ambos os casos, vale o que já bem frisou Oro
(2003b): os candidatos estão submetidos ao carisma institucional. Uma vez sendo-lhes
retirado esse apoio institucional, dificilmente um candidato sobrevive eleitoralmente.
Na Igreja Universal, tendo em vista sua organização altamente hierárquica e
autoritária, o indivíduo praticamente não conta. Quando um pastor é escolhido pelo Conselho
277
de Bispos para disputar uma eleição, cabe-lhe a obediência incondicional, a exemplo do que
relatou o deputado Sérgio Peres: “tu não diz não. A gente pega e aceita”. Estando o nome de
um pastor dentro do perfil estipulado pela direção da instituição, esse não tem como recusar.
É evidente que a trajetória desse pastor dentro da denominação religiosa é importante para
que ele seja escolhido. Mas, em última instância, o fator decisivo é a maneira como a direção
eclesiástica percebe aquele pastor. Assim, os nomes de seus representantes a cargos políticos
são escolhidos por um pequeno grupo da cúpula da instituição religiosa sem qualquer
participação do “baixo clero”. Portanto, a motivação dos representantes da Igreja Universal
para o exercício de cargos públicos não parte dos indivíduos, mas da direção da denominação.
Na Igreja Quadrangular do Rio Grande do Sul ocorre uma mescla entre as posturas da
Assembléia de Deus e da Igreja Universal. A Quadrangular é uma Igreja que possui uma
estratégia clara para o seu envolvimento com a política, especialmente para os cargos mais
importantes, como deputado estadual e federal, para os quais não é facultado a qualquer
membro o direito de lançar-se candidato. Somente pastores e pastoras recebem a confiança de
representar a denominação no legislativo estadual e federal. Ademais, a direção eclesiástica
não necessariamente impõe um nome, mas permite que aqueles que se sintam motivados a
participarem da vida pública, submetam seus nomes à prévia interna. Ou seja, a escolha de um
representante da Igreja Quadrangular obedece a um fórum democrático interno. Nos casos dos
deputados estadual e federal do Rio Grande do Sul, os nomes vencedores das prévias da Igreja
foram aqueles que já haviam conseguido alcançar altos postos dentro da instituição religiosa,
tornando-se, assim, nomes conhecidos de grande parte dos pastores e membros da
denominação em solo gaúcho. Portanto, nossa pesquisa mostra que há um claro projeto
institucional da Igreja Quadrangular em relação à esfera política, mas a escolha dos nomes
não é imposta pela cúpula da instituição. O primeiro passo de uma candidatura é dado pela
pessoa que se sente motivada para essa tarefa. Para assumi-la, no entanto, necessita do
278
referendo eclesiástico. Além disso, um pastor pode recusar querer participar do pleito
eleitoral, mesmo que colegas mais graduados da instituição o motivem para isso.
Recorrente, tanto na Igreja Universal quanto na Igreja Quadrangular, é o fato de ficar
vetada a possibilidade de outro candidato, além do oficial, concorrer em nome da Igreja. Uma
vez os nomes sendo apontados pelas denominações, estas sustentam as candidaturas indicadas
e desautorizam, publicamente, qualquer outro candidato.
Assim, do ponto de vista organizacional, existem duas formas básicas de perceber a
política e, fundamentalmente, duas motivações principais das igrejas para se proporem a
assumir o poder político-partidário. De um lado, encontra-se a motivação ética; de outro, está
o objetivo de angariar privilégios para a instituição através de seu envolvimento com a
política.
Em relação às motivações pessoais existem, nas organizações eclesiásticas estudadas,
três formas diferentes de lidar com elas. Sob a perspectiva do indivíduo há,
fundamentalmente, três portas de entrada para a política nas igrejas aqui analisadas.
Esquematicamente, poderíamos dizer:
1 – Ter motivação pessoal e angariar a confiança da denominação por sua atuação
eclesiástica;
2 – Ter uma ligação com o que seja considerado “trabalho social”;
3 – Ter o apoio do “carisma institucional”:
a) com prévias internas ou
b) indicação da instituição religiosa sem prévias.
279
Em síntese, a primeira forma de alcançar um cargo eletivo no Rio Grande do Sul exige
do evangélico uma postura individual, um projeto pessoal daquele que deseja lançar-se como
candidato. É o caso da Igreja Assembléia de Deus. A segunda decorre da indicação da
instituição religiosa, mediante a intenção do próprio postulante ao cargo, cuja aceitação como
representante da denominação depende de um processo de escolha interno, através de uma
prévia. Essa forma se evidencia na Igreja Quadrangular. A terceira modalidade, a da Igreja
Universal, obedece apenas aos pareceres e às análises do grupo decisório, no qual sequer o
futuro representante da instituição religiosa tem a possibilidade de negar o “convite”. Na
Assembléia de Deus, o indivíduo tem preeminência sobre a organização, enquanto na Igreja
Universal a organização eclesiástica é preponderante sobre o indivíduo. Assim,
fundamentalmente, essas denominações possuem dois tipos distintos de organização, gerando
posturas eleitorais diversas, bem como éticas distintas.
No próximo capítulo, exploraremos, de modo mais aprofundado, o significado que os
membros evangélicos atribuem à intersecção entre sua denominação e a política a partir
dessas duas posições ideológicas das instituições religiosas. As distinções constatadas nessas
modalidades de exercícios de poder conferem a diferença na maneira como cada instituição
religiosa se insere no campo político.
A partir do exame das motivações pessoais dos deputados evangélicos do Rio Grande
do Sul e dos objetivos de suas respectivas organizações, cabe-nos analisar se existe alguma
particularidade no fazer legislativo que distinga a prática parlamentar desses representantes
entre si, ou não. Esse será o tema do próximo subtítulo.
280
4. 3 PRÁTICA LEGISLATIVA DOS DEPUTADOS EVANGÉLICOS
Nesse tópico, trataremos da prática legislativa dos políticos pertencentes às três
denominações religiosas em estudo, verificando a quantidade e a natureza dos Projetos de Lei
- PL - por eles apresentados. Ademais, serão apreciados alguns de seus pronunciamentos,
salientando-se as ênfases de seus discursos. Nosso interesse é verificar a existência - ou não -
de diferenças e especificidades na prática parlamentar entre os deputados aqui estudados.
4.3.1 Projetos de Lei dos Políticos Evangélicos
Na busca pelas especificidades dos deputados evangélicos do Rio Grande do Sul,
realizamos um levantamento dos Projetos de Lei apresentados por cada um desses
legisladores. Inicialmente, detivemo-nos na análise do número de projetos propostos. Como
resultado, obtivemos os seguintes dados:
Tabela 6
Número de Projetos de Lei apresentados pelos deputados evangélicos
Legislatura 48ª 49ª
Ano 1991-1994 1995-1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Deputados
Edemar Vargas 9 1 0201 0 1115
Eliseu Santos xxx 36 3778 7 1xx69
Manoel Maria 18 11 9338 3 4160
Paulo Moreira xxx xxx 12 11 1 0 xx xx xx 24
Sergio Peres xxx xxx xx xx xx xx 6 1 3 10
50ª 51ª
Fonte: http://www.al.rs.gov.br
Constata-se que, quanto ao número de Projetos de Lei, em primeiro lugar, destaca-se o
deputado Eliseu Santos, com 69 projetos apresentados; em segundo lugar, está o deputado
Manoel Maria, com 60; e, em terceiro lugar, o ex-deputado Paulo Moreira, que, em apenas
uma legislatura, apresentou 24 Projetos. É importante salientar que muitos dos Projetos de Lei
são apresentados duas, três ou mais vezes, em anos ou legislaturas diferentes. Esses Projetos,
281
reapresentados com pequenas alterações, foram contados de forma independente, isto é, foram
computados como sendo Projetos novos, critério também adotado pela própria Assembléia
Legislativa ao proceder à contagem de Projetos de Lei por deputado. Mesmo assim,
evidenciam-se, através desses números, algumas tendências na prática legislativa dos
deputados evangélicos.
Uma primeira e fácil constatação reside na quantidade de projetos apresentados pelos
deputados em sua primeira legislatura. Quer-nos parecer que, no início, esses parlamentares
trazem novas idéias ao Legislativo. Com o passar do tempo, exercendo o mesmo cargo, a
presença desse político torna-se menos propositiva no ambiente em que as leis são
concebidas. Seriam as suas propostas passíveis de perda de força ou convicção? Ou serão as
bandeiras que representam a partir de sua instituição religiosa que se esgotam, sem renovação
ou ampliação? Fatores como a acomodação, a desilusão ou a sensação de “status adquirido”
(na qual a pessoa tem o sentimento de não mais precisar lutar para manter-se no cargo, como
se a reeleição estivesse garantida), entre outros, podem ajudar a pensar esse empalidecimento,
por assim dizer, da atuação dos parlamentares evangélicos ao longo das legislaturas.
Talvez possa ser levantada, hipoteticamente, a proposição de Renato Janine Ribeiro,
para quem tem ocorrido um “esvaziamento da esfera política” (2002, p. 103) e, assim, a
política busca, nos movimentos sociais, que incluem as igrejas, a vitalidade necessária para
continuar existindo. Por vezes, a necessidade de maior vigor faz com que a esfera política a
procure em áreas que, tradicionalmente, não são políticas (Idem, Ibidem). Contudo, com o
passar do tempo, também essa nova vitalidade tende a se esgotar. Talvez a constatação de que
o número de Projetos de Lei tende a diminuir com o passar das legislaturas possa comprovar
essa idéia. A própria máquina burocrática das funções de deputado, bem como uma certa
lógica verificada na arena política, de acomodação, parecem consumir o entusiasmo inicial
dos deputados ligados às igrejas de viés pentecostal.
282
No quesito de apresentação de um número expressivo de Projetos de Lei no início do
período legislativo, o deputado Manoel Maria constituiu-se na exceção. Ele foi o único
deputado do grupo pesquisado que submeteu mais Projetos de Lei no seu terceiro mandato
(23), do que no primeiro (18). Deve-se referir, porém, que houve um decréscimo entre a
primeira e a segunda legislaturas, quando formulou 11 projetos. Os demais deputados
apresentaram cada vez menos proposições no decorrer de suas legislaturas. Entretanto,
convém salientar que Manoel Maria foi o parlamentar evangélico que mais reapresentou seus
projetos. Quase 30% de seus Projetos de Lei já haviam sido retirados por ele mesmo ou
rejeitados em outro momento pelo plenário ou pelo poder executivo. De fato, não se pode
dizer que ele não seja um homem determinado e perseverante. Dois de seus projetos
apresentados mais de uma vez acabaram sendo sancionados pela Assembléia Legislativa e
transformados em lei, a saber: o Projeto que institui o Código Estadual de Proteção aos
Animais
132
e o que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos que
se localizam junto às rodovias estaduais
133
.
Vale registrar que o deputado Manoel Maria tem sido uma referência positiva para a
Igreja Quadrangular. A partir das falas das lideranças eclesiásticas, constatamos uma boa
relação e grande afinidade entre estas e o representante da Igreja Quadrangular no legislativo
gaúcho. Segundo o articulador político dessa denominação no Rio Grande do Sul, pastor
Adair Rocha,
Manoel Maria é uma pessoa de um carisma fantástico. [...] Ele
é o chamado beijoqueiro. Ele sempre foi assim, ele sempre foi muito
popular, então, isso em todo o tempo, sabe? Com qualquer pessoa,
132
No total, foram apresentados pelo mesmo deputado 11 Projetos de Lei sobre a regulação e/ou a
proteção aos animais.
133
Também 11 foram os Projetos de Lei apresentados pelo deputado Manoel Maria que versam sobre
a proibição de venda de bebidas.
283
abraça todo mundo. É um cara fantástico, é uma pessoa amiga, uma
pessoa muito simpática, ele tem um poder de, de, de atrair as pessoas
com a sua simpatia.
Comentários a respeito da simpatia e da capacidade de comunicação do deputado
foram ouvidos de forma recorrente ao longo da pesquisa. O nível de satisfação tanto dos fiéis
quanto das lideranças Quadrangulares em relação ao deputado é alto.
Acerca do êxito nas labutas parlamentares, o Secretário de Cidadania da Igreja
Quadrangular no Rio Grande do Sul, pastor Adair Rocha, avaliou como muito satisfatório o
trabalho do deputado Manoel Maria. Salientou que, por vezes, é necessário fazer parcerias
para obter o êxito nas votações dos Projetos de Lei. Disse Adair Rocha:
Acabam fazendo parceria pra poder, às vezes, conseguir
alguma coisa pro seu Estado. É um tanto difícil. Aí você me perguntou
e eu te respondo: não é fácil de você... aí o deputado, muitas vezes, ele
não, ele não consegue ser bem sucedido nos seus projetos, nas suas
idéias. É o que eu digo pro meu deputado. Eu tenho um acesso direto
com ele. Eu digo: meu deputado, o problema é você apresentar o
projeto. Se ele vai ser aprovado ou não vai ser aprovado, é outra
questão. Mas apresente o seu projeto, apresente a sua idéia. Bota na
mídia, vá pra tribuna, dê tapa, oh, meu projeto é esse, minha proposta
é essa. Tá trancada nas comissões, tá lá no... vai lá, bota, vai na mídia,
fala. Pelo menos tá vendo que tu tá fazendo. Se vai ser aprovado, não
sei. Mas pelo menos mostra que você tá, tá tentando fazer alguma
coisa boa. Se vai conseguir é outra coisa, a gente só sabe que você
depende de uma grande maioria pra apoiar o projeto. Agora se não
aprovou, pelo menos você tentou fazer.
Fica visível que a Igreja quer ver o trabalho de seu deputado. A aprovação de cada
Projeto de Lei apresentado nem chega a ser uma questão central. A difícil configuração
político-partidária no ambiente legislativo é conhecida pela Igreja. Não há, pois, uma posição
ingênua da denominação religiosa. Antes, demonstra ser realista. Entretanto, não se mostra
disposta a aceitar a acomodação; exige trabalho. Pode-se ler, nas entrelinhas, que, em havendo
labuta, persistirá o apoio institucional.
284
Quanto ao futuro político de Manoel Maria há uma incerteza no ar. Na prévia
realizada no segundo semestre de 2005 com vistas às eleições para o legislativo estadual e
federal em 2006, o deputado retirou seu nome, não se dispondo a ser reeleito para mais uma
legislatura
134
. Possui outros projetos políticos. No entanto, apesar de sua considerável
trajetória como representante da Igreja Quadrangular no campo político gaúcho, Manoel
Maria terá que submeter seu nome à apreciação da denominação se quiser seguir carreira em
nome dela. A esse respeito, o pastor Adair Rocha disse:
Ele pode concorrer, só que a Igreja não te dá o direito de você
ser o candidato nato, ou seja: ah, eu já tenho o meu direito adquirido
de ser o candidato e... Não, não, senão pode acabar te perpetuando no
poder. Então você vai ter que dar a oportunidade, pelo menos, para a
apreciação do teu nome lá.
Embora o articulador político dessa denominação no Estado tenha referido que ela
arquiteta projetos políticos mais altos para Manoel Maria em nome da Igreja, deixa bem claro
que, no final, o que conta é o projeto da denominação. Outros convites recebidos pelo
deputado Manoel Maria, ou outros planos políticos que venha a almejar, devem passar pelo
crivo da instituição para dela receber apoio. Não há direito adquirido, como ficou claro nessa
fala.
Destacamos, também, a grande quantidade de projetos apresentados pelo deputado
Eliseu Santos, único representante ligado a uma denominação evangélica que exercia uma
profissão especializada não-eclesiástica antes de assumir uma cadeira no Legislativo, a saber,
médico. É perceptível o diferencial na vida política gerado pelo fato de não ser pastor, uma
vez que o exercício da medicina, naturalmente, fez com que ele se dedicasse a questões
134
Em lugar de Manoel Maria concorrerá à Assembléia Legislativa do Estado pela Igreja
Quadrangular, em 2006, o pastor Ubirani Barbosa.
285
relacionadas à área da saúde pública. Como vimos em sua biografia, o que também ele
próprio faz questão de ressaltar, por duas vezes foi Presidente da Comissão Permanente de
Saúde e Meio Ambiente.
Outro destaque, contrastando com o anterior, é o pequeno número de projetos
apresentados pelo deputado Edemar Vargas. Em 15 anos de legislatura, ele propôs somente 15
Projetos de Lei, numa média de um Projeto de Lei ao ano (contra 6,9 de Eliseu Santos; 6 de
Paulo Moreira; 4 de Manoel Maria e 3,3 de Sérgio Peres, este último em sua primeira
legislatura). Comparando-o aos demais deputados evangélicos gaúchos ele é, portanto, o
detentor da média mais baixa nesse quesito. É possível dizer que os números não retratam,
necessariamente, a atuação de um parlamentar. Sua energia poderia estar canalizada para uma
outra área. Já relatamos, anteriormente, a quantidade de Comissões, por exemplo, em que
esses parlamentares estão envolvidos. No entanto, Edemar Vargas não participou de muito
mais Comissões que seus colegas pentecostais. Na atual legislatura, ele atua em sete
Comissões como Titular; e, em cinco, como Suplente. Manoel Maria, por sua vez, está
envolvido em onze Comissões como Titular; e, em três, como Suplente.
Nossa pesquisa mostrou consideráveis diferenças entre os dois deputados da
Assembléia de Deus. De fato, a começar pelas trajetórias de vida, os deputados Edemar
Vargas e Eliseu Santos são muito diferentes. Estaria aí uma explicação para as disparidades
no desempenho da atividade parlamentar? Será que a variável escolaridade conta? Enquanto o
deputado Eliseu Santos exercia a medicina quando abraçou a carreira política, o deputado
Edemar Vargas cursara apenas o Ensino Médio, formando-se em Direito somente após sua
entrada no Legislativo gaúcho. Entendemos que a essa variável não parece corresponder
poder explicativo algum. Pode-se traçar uma comparação entre o deputado Edemar Vargas e o
ex-deputado Paulo Moreira, o qual possuía a mesma escolaridade que Vargas quando
ingressou na vida política. Contudo, esse fato não impediu que o ex-deputado Moreira
286
apresentasse mais Projetos de Lei em uma legislatura do que Edemar Vargas em quatro.
Por enquanto, o que se pode depreender desse quadro é que o deputado Edemar
Vargas prefere atuar em outros tipos de atividades a alcançar significativa visibilidade
enquanto político stricto sensu. Tal constatação pode ser abalizada pelo constante aumento
nos votos por ele recebidos nas eleições, sendo que, no pleito de 2002, ele excedeu o dobro do
número de votos em relação à eleição de 1998 (cf. tabela 1). Sua legitimidade enquanto
deputado evangélico, portanto, não está assentada no número de seus pronunciamentos ou na
quantidade de Projetos de Lei que ele venha a fazer. Por conseguinte, sua legitimidade como
representante do segmente religioso se firma ao conseguir evidenciar ao povo evangélico em
geral, e aos fiéis da Igreja Assembléia de Deus de forma específica, que sua atuação é
ideologicamente coerente com aqueles que nele votam. Dito de outra forma, as “bandeiras de
luta” que o deputado levanta são coerentes com o que os membros de sua Igreja esperam de
seu porta-voz na Assembléia Legislativa. Como já demonstramos no sub-capítulo sobre as
biografias dos deputados pesquisados, as ênfases de Edemar Vargas centram-se no combate
ao uso de drogas, no auxílio à recuperação de dependentes químicos, na oposição ao
tabagismo e ao alcoolismo. A defesa desses pontos, por conseguinte, parece lhe conferir
suficiente legitimidade como representante evangélico no meio político. A centralidade de sua
atuação talvez esteja na luta pela moral e, como diz em sua página virtual, em defesa do
“cidadão e da família”.
O início da atividade parlamentar do atual representante da Igreja Universal, Sérgio
Peres, está sendo tímido: 10 Projetos de Lei até outubro de 2005, o que está abaixo da média
de projetos apresentados na primeira legislatura pelos demais deputados evangélicos gaúchos.
A exceção fica por conta de Edemar Vargas: nove.
Vejamos, agora, quais assuntos pautaram os Projetos de Lei dos deputados
287
evangélicos gaúchos.
4.3.1.1 Temáticas dos Projetos de Lei
Os Projetos de Lei apresentados pelos deputados em referência foram por nós
classificados segundo temáticas gerais. Na tabela a seguir constam os dados relativos aos
temas dos projetos apresentados pelos representantes das igrejas pesquisadas, classificados
por parlamentar e por legislatura.
Tabela 7
Projetos de Lei apresentados pelos deputados evangélicos conforme temática
Fonte: http://www.al.rs.gov.br
* 48ª Legislatura: 1991 – 1994;
49ª Legislatura: 1995 – 1998;
50ª Legislatura: 1999 – 2002;
51ª Legislatura: 2003 – 2006
.
De um modo geral, as temáticas dos projetos não indicam haver um acentuado
diferencial entre os deputados evangélicos pesquisados. Não foram computadas as
Deputados
Legislatura *
Agricultura
Educação
Emprego / Indústria
Habitação
Moral
Religo
Saúde / Meio ambiente
Segurança
Trânsito / Educação
Projetos várias áreas
Total p/ Legislatura
Total p/ Deputado
10
15 69 60 24 10
11 23 8 2436 25 8 189132
873 7 5
Paulo Moreira Sérgio Peres
50ª 51ª
21
2
4
Edemar Vargas
49ª 50ª 51ª 49ª 50ª 51ª48ª 49ª 50ª 51ª 48ª
Eliseu Santos Manoel Maria
418
41
221
1
2
2
2
111
2536
3
19
2
2
1
12
2
1
1
1
2
5
2
1
4
2
1
3
2
2
1
2
4
1
2
4
3
1
1
2
1
288
proposições que se referem às leis complementares
135
. O número de Projetos de Lei
apresentados que se situam na rubrica “Religião”
136
e “Moral”
137
não parece mostrar a força
evangélica sobre a legislação estadual. Se somarmos todos os projetos que possuem um claro
objetivo de defesa ou promoção da instituição religiosa à qual o deputado encontra-se
associado, veremos que estes são de pequena monta. O total de Projetos de Lei defendidos por
esses deputados foi de 178. Somando as proposições dos deputados nas quatro legislaturas
sob a rubrica religião, teremos tão somente treze projetos (7,3% do total apresentado), dos
quais somente cinco (2,8%) foram aprovados
138
. A seguir, indicamos os projetos classificados
e apresentados sob a temática religião:
a) O deputado estadual Edemar Vargas apresentou dois projetos, ambos aprovados:
PL 358/1992 - Inclui o Dia da Bíblia no calendário de eventos do Estado. (Aprovado)
PL 123/2000 - Dispõe sobre o apoio técnico e financeiro a entidades e organizações
135
Conforme a explicação contida na página da Assembléia Legislativa na Internet, Lei
Complementar “constitui-se, na hierarquia das normas jurídicas, numa espécie intermediária entre a
norma constitucional e a lei ordinária. É inferior à Constituição. Não pode, por isso, contradizê-la, sob
pena de inconstitucionalidade. É superior à lei ordinária, que, por sua vez, não pode contrariar a Lei
Complementar, sob pena de invalidade. A Lei Complementar não se caracteriza por nenhum conteúdo
especial. São leis complementares simplesmente aquelas a que a Constituição confere essa qualidade.
Ela declara, caso a caso, as matérias que devem ser disciplinadas por uma Lei Complementar. Esses
casos são taxativos, não comportando, em razão disso, nenhuma ampliação” (http://www.al.rs.gov.br).
136
Na rubrica “religião” constam apenas as leis que, de alguma forma, beneficiam as denominações
evangélicas ou que tenham relação direta com o campo religioso.
137
Na rubrica “moral” foram computados os projetos que possuem como objetivo primeiro o estímulo
e/ou a defesa dos “bons costumes” ou que dizem respeito a valores morais.
138
Convencionamos indicar os Projetos de Lei aprovados, com dados atualizados até outubro de 2005.
Os Projetos que ainda se encontram em alguma das fases dos processos de tramitação apenas serão
referidos pelo seu número e conteúdo. Não é objeto de estudo dessa tese verificar se os Projetos de Lei
propostos pelos deputados em referência são - ou não – aprovados, ou quanto tempo levam para
conseguirem transformar-se em leis. Em nossa ótica, importam os temas dos Projetos de Lei. Sua
trajetória no fluxograma dos trâmites legislativos é secundária, uma vez que depende de um somatório
de fatores, alguns deles sem possibilidade de uma ingerência direta do parlamentar para garantir sua
aprovação.
289
não-governamentais que atuam na assistência e na recuperação de dependentes químicos no
Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. (Aprovado)
Essas duas proposições, apesar de possuírem relação com as religiões cristãs (o
primeiro) e com as denominações evangélicas (o segundo) podem ser considerados Projetos
de Lei de pouco proveito institucional direto. Quanto ao Dia da Bíblia, trata-se de uma lei que
possui mais um caráter simbólico do que prático, uma vez que, de qualquer forma, as igrejas
evangélicas brasileiras já comemoram o primeiro domingo de dezembro como o Dia da
Bíblia. Incluí-lo no calendário de eventos do Estado funciona como um lembrete da presença
dos evangélicos no campo político. Não dá para ignorar, porém, que o projeto está em
sintonia com a proposta de divulgação dos princípios evangélicos: uma vez a data
comemorativa constando no calendário oficial, receberá considerável divulgação, pelo menos
nos órgãos e instituições ligados ao Legislativo estadual.
No tocante ao suporte técnico e financeiro para entidades que se ocupam com a
dependência química, trata-se de uma lei que visa beneficiar também, embora não
unicamente, a Igreja. Como vimos no capítulo anterior, a Assembléia de Deus possui uma
significativa rede de programas que trabalham com dependentes químicos, não sendo, porém,
a única organização não-governamental a ocupar-se com esse segmento. Além da
contribuição que a lei representa para a sociedade como um todo, a denominação pode valer-
se dos recursos técnicos e econômicos disponibilizados por essa legislação.
b) O ex-deputado estadual Eliseu Santos apresentou dois projetos ligados à “religião”,
sendo que o último ainda se encontra em fase de estudo na Assembléia:
PL 137/2000 - Dispõe sobre aspectos relacionados com a liberdade de crença
religiosa, determinando à administração pública o respeito e a observância às doutrinas
religiosas no Rio Grande do Sul. Essa lei trata de questões referentes à guarda do dia de
290
descanso por parte dos judeus ortodoxos e dos seguidores da Igreja Adventista do Sétimo Dia,
cuja doutrina não lhes permite trabalhar entre o período do pôr-do-sol da sexta-feira até o
sábado. A lei requer que o Poder Público libere tais pessoas do expediente durante o referido
horário.
PL 296/2004 - Reconhece a Federação das Associações e Igrejas Evangélicas do Rio
Grande do Sul - FAIERGS - como entidade representativa das igrejas evangélicas para firmar
convênios com a Administração Pública
139
.
O primeiro projeto desse deputado, aqui destacado, refere-se a diversas instituições
religiosas, mas não à sua. Uma vez que esse Projeto de Lei procura assegurar a liberdade
religiosa a todos os segmentos, parece-nos que, nesse sentido, apresenta-se como uma
proposta democratizadora das liberdades doutrinárias de qualquer religião. Já o segundo
Projeto de Lei propõe a regulamentação da possibilidade de serem estabelecidos convênios
entre as igrejas e a Administração Pública, reconhecendo, para tanto, apenas a FAIERGS
139
A justificativa para a apresentação desse projeto foi descrita pelo então deputado estadual Eliseu
Santos conforme segue:
“O presente Projeto de Lei, após seu trâmite ordinário, beneficiará as igrejas evangélicas ao
reconhecer a sua Federação como entidade representativa, apta a firmar convênios com a
Administração Pública.
Fundada em 20 de dezembro de 2003, a FAIERGS tem como missão coordenar a defesa dos interesses
das Igrejas Evangélicas no Estado do Rio Grande do Sul. Para cumprir essa prerrogativa, se faz
necessário que a Federação atue junto ao sistema legal, administrativo e político, visando resguardar
os seus direitos e, em contrapartida, zelar pelo fiel cumprimento da legislação pertinente às igrejas.
A FAIERGS, que conta com mais de 500 igrejas filiadas, prevê, em seu Estatuto, a capacitação de
Entidades Sociais, visando a aplicação do Estatuto do Idoso, Estatuto do Deficiente Físico e Mental,
Direito das Mulheres e Estatuto da Criança e do Adolescente.
A FAIERGS ainda poderá orientar Entidades na montagem de processo para a aquisição de rádios e
TVs comunitárias.
A sua estrutura jurídica, entre outras atribuições, vai atuar na regulamentação de terrenos e templos
irregulares.
Com esse cunho social e com as futuras parcerias dos governos Federal, Estadual e Municipal, a
FAIERGS deve beneficiar muito as suas filiadas” (http://www.al.rs.gov.br).
291
como entidade representativa das igrejas evangélicas. Esse Projeto de Lei, vetado, beneficiaria
apenas as denominações evangélicas mais fortes e organizadas e somente aquelas que
estivessem filiadas a essa Federação. Embora sejam alegadas diversas vantagens no
reconhecimento dessa entidade, os votos contrários à sua aprovação provavelmente denotam
uma desconfiança justamente em relação à postura pouco democrática que parece marcá-la. É
possível perceber que o benefício ficaria concentrado nas mãos de poucas e fortes
denominações religiosas.
Em termos gerais, nenhuma das propostas apresentadas por esses dois deputados pode
ser considerada como voltada unicamente para sua instituição religiosa, a Assembléia de
Deus. Com exceção do projeto que trata sobre convênios das igrejas evangélicas com o poder
público, os outros três Projetos de Lei, mesmo que claramente marcados pelo tema religião,
possuem uma abrangência mais geral.
c) O deputado estadual Manoel Maria, da Igreja Quadrangular, apresentou cinco
Projetos de Lei sob a alcunha “religião”:
PL 433/1991 - Dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva da rede hospitalar pública estadual e particular. (Aprovado)
PL 73/1994 - Versa sobre a cessão de passagens a pastores titulares de templos
religiosos, no sistema de transporte coletivo intermunicipal de passageiros.
PL 154/1997 - Inclui o dia do “pastor evangélico” no calendário de eventos do Estado
do Rio Grande do Sul.
PL 208/1999 - Institui o dia 15 de novembro como o “dia do evangélico” no Estado do
Rio Grande do Sul (Aprovado). Conforme o deputado, esse dia foi escolhido, pois, nessa data,
a Igreja Quadrangular comemora sua fundação no Brasil.
292
PL 84/2005 - Reconhece a Federação das Associações e Igrejas Evangélicas do Rio
Grande do Sul – FAIERGS – como entidade representativa das igrejas evangélicas para firmar
convênios com a Administração Pública. Como vimos anteriormente, esse projeto foi
apresentado, originalmente, pelo ex-deputado Eliseu Santos, em 2004, tendo sido vetado. O
projeto foi reapresentado pelo deputado Manoel Maria e, no momento, o mesmo tramita nas
câmaras competentes para estudo.
Com exceção do primeiro projeto, que atinge, coletivamente, todas as denominações
evangélicas, os demais apresentados por Manoel Maria possuem uma clara tentativa de
oferecer benefício prático ou simbólico para a sua instituição religiosa, a Igreja Quadrangular.
No caso do franqueamento de passagens para pastores titulares das denominações religiosas,
ele utiliza, de forma direta, a terminologia hierárquica de sua Igreja. Mesmo que essa titulação
esteja presente também em outras denominações evangélicas, ela não se aplica, por exemplo,
às igrejas protestantes históricas. Além disso, esse projeto não garantiria esse direito, por
exemplo, aos padres, sem falar em ialorixás e babalorixás, entre outros líderes religiosos.
Portanto, nem é preciso dizer que estão excluídos diversos outros segmentos religiosos. O
Projeto de Lei que institui o “dia do evangélico” tem claro benefício simbólico para a Igreja
Quadrangular, uma vez que a data faz referência a sua fundação no Brasil.
Mais um projeto do deputado Manoel Maria deveria constar sob a rubrica “religião”,
entretanto não o classificamos como tal. A rigor, o texto parece não possuir relação com a
religião, mas com o meio ambiente. Porém, como veremos a seguir, nesse projeto, já
transformado em lei, várias identidades sociais se cruzam e se sobrepõem.
O PL 230/1999, que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais, gerou grande
repercussão. Esse projeto, que atualmente está sob o número de Lei 11.915, de 2002, foi, de
fato, transformado em lei em 2003. À primeira vista, o projeto insere-se numa perspectiva de
293
defesa ao meio ambiente. Contudo, faz parte de seu texto original, no parágrafo I do artigo 2º:
“É vedado ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de
experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis
de existência”. No parágrafo IV do mesmo artigo diz: “É vedado não dar morte rápida e indolor
a todo o animal cujo extermínio seja necessário para consumo”. Esses artigos acabavam por
obstruir a possibilidade de as religiões afro-brasileiras sacrificarem animais em suas oferendas.
Por conseguinte, torna-se óbvio que um dos objetivos da proposição legal em questão foi
cercear a prática de uma religiosidade considerada pelos evangélicos como demoníaca.
Há muito tempo, o deputado Manoel Maria vinha trabalhando nesse projeto,
apresentando-o por diversas vezes, sendo o mesmo, no entanto, sempre vetado. Quando,
finalmente, foi aprovado, o deputado Edson Portilho, do Partido dos Trabalhadores,
apresentou uma emenda (PL 282/2003), que garantiu às religiões afro-brasileiras o direito de
sacrificar animais em seus rituais. Essa emenda foi aprovada pela maioria dos deputados. No
entanto, quando ela estava para ser sancionada pelo governador Germano Rigotto, houve
grande mobilização de ecologistas e da comunidade ligada à defesa dos animais. Com o
intuito de pressionar o governador, confrontaram-se, diante do Palácio, dois grupos distintos.
De um lado, estavam os adeptos dos cultos afro-brasileiros; e, de outro, os ecologistas e outras
organizações defensoras dos animais. Este Código, portanto, permitiu que se entrecruzassem a
identidade evangélico-pentecostal com a dos ecologistas e de associados em grupos de defesa
de animais. Estes se contrapunham aos adeptos ou defensores dos cultos de matriz africana.
Esse evento deixou transparecer como as múltiplas esferas e identidades sociais podem se
intersectar. Por fim, o governador sancionou a emenda, que acrescentou o seguinte texto ao
artigo 2º: “Parágrafo único: Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e
liturgias das religiões de matriz africana”.
d) O ex-deputado estadual Paulo Moreira apresentou três projetos por nós
294
classificados sob a rubrica “Religião”. São eles:
PL 107/1999 – Determina a inclusão, no acervo das bibliotecas públicas, de um
exemplar da Bíblia Sagrada, editada em linguagem braile. (Aprovado)
PL 192/1999 – Dispõe sobre a garantia de vagas nas escolas públicas estaduais aos
filhos de bispos, pastores e missionários das igrejas.
PL 127/2000 - Versa sobre a obrigatoriedade de instalação de telefones públicos em
locais próximos a igrejas, associações e casas religiosas.
O primeiro dos Projetos de Lei de Paulo Moreira aqui apresentados foi transformado
em lei (11.576/2001) e possui tanto um apelo social quanto um ganho simbólico para as
denominações evangélicas.
Os outros dois Projetos de Lei, no entanto, mostram um viés mais corporativista e
pragmático. A exemplo do que já referimos sobre Manoel Maria, no Projeto de Lei que
objetiva dispor vagas em escolas públicas para bispos, pastores e missionários, Paulo Moreira
procura um benefício para o clero da instituição religiosa à qual ele está ligado, a Igreja
Universal. Mesmo que não haja bispos em todas as igrejas protestantes, a categoria pastor é
amplamente utilizada por todas. O que pretende esse projeto? Está relacionado com a
realidade freqüente dos pastores, que são transferidos a qualquer tempo, e cujos filhos são
prejudicados na vida escolar, devido à dificuldade em obter vaga em escolas públicas. Assim,
ele possui um forte acento pragmático.
O Projeto de Lei que propõe a instalação de telefones públicos chama a atenção por não
visar somente igrejas e associações, mas inclui qualquer outra agremiação religiosa, uma vez
que a expressão “casas religiosas” abre um grande leque de opções possíveis. Incluem-se aí, por
exemplo, locais que possuem uma outra nominação como espaços de encontro, como terreiros,
295
centros (como os espíritas), entre outros, que também poderiam ser considerados “casas
religiosas”. Essa terminologia pouco precisa do ponto de vista político pode ser considerada
pragmática, mas, a partir de um viés religioso, caracteriza-se como um projeto inclusivo.
e) Somente um projeto do deputado estadual Sérgio Peres foi classificado sob a
rubrica “Religião”, qual seja:
PL 211/2003 - Proíbe a cobrança de ICMS – Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços – nas contas de serviços públicos estaduais a igrejas e
templos de qualquer culto.
Nessa proposta, notamos a percepção do deputado de que projetos cujo benefício se
volte estritamente a seu segmento religioso possuem um alto grau de rejeição. Assim, utiliza-
se de uma linguagem mais inclusiva (igrejas e templos de qualquer culto) para que sua
denominação também alcance o benefício desejado. O pragmatismo parece ser rapidamente
apreendido pelos deputados da Igreja Universal.
Em síntese, podemos dizer que os Projetos de Lei apresentados pelos deputados
evangélicos do Rio Grande do Sul, especificamente os classificados sob a alcunha da
“religião”, mostram duas tendências. A primeira, mais afeita aos parlamentares ligados à
Assembléia de Deus gaúcha, caracteriza-se por propor leis de viés mais universalista e menos
corporativo. Já os deputados ligados à Igreja Universal tendem a propor leis de cunho mais
corporativista, visando beneficiar mais diretamente a denominação que integram, mesmo que
para isso tenham que ser, politicamente, o mais pragmáticos possível. De outra forma, seus
projetos não teriam nenhuma chance de serem aprovados. O representante da Igreja
Quadrangular, por seu turno, procura associar os dois modus operandi. Vimos que, no projeto
que instituiu o Código de Defesa dos Animais, o deputado Manoel Maria não abriu
concessões no tratamento com animais às religiões de matriz africana. Por outro lado,
296
formulou outros projetos que, se não beneficiam diretamente sua denominação religiosa, o
fazem de forma simbólica, mostrando o intento corporativista.
Chama a atenção que, dos 13 Projetos de Lei classificados pela temática “Religião”,
quatro deles (30,8%) são caracterizados pela divulgação de elementos sagrados ou caros aos
evangélicos, a saber: três inclusões no calendário estadual (Dia da Bíblia, Dia do Pastor e Dia
do Evangélico), além da inclusão de um exemplar da Bíblia em linguagem braile nas
bibliotecas
140
. Outro bloco de projetos a destacar é o que inclui propostas que visam
resguardar benefícios corporativos ou facilitar a organização do trabalho da instituição, que
também são em número de quatro (30,8%): passagens para pastores, vagas nas escolas,
telefone público e abatimento do ICMS. Dois Projetos (15,4%), um deles apresentado por
dois deputados (se computado como dois projetos, perfariam 23,1%), objetivam assegurar
verbas e suporte técnico que beneficiariam também as iniciativas de natureza social das
igrejas, que são o reconhecimento da FAIERGS como entidade representativa dos evangélicos
e o apoio a organizações não-governamentais que trabalham com dependentes químicos.
Além desses, dois outros projetos (15,4%), podem ser entendidos como de natureza religiosa,
propriamente dita, uma vez que não visam nada além de preservar a liberdade de crença
religiosa e garantir o direito de prestar assistência religiosa nos hospitais.
Vejamos, agora, os Projetos de Lei elencados sob a rubrica “Moral”. Edemar Vargas,
Eliseu Santos e Sérgio Peres não apresentaram Projetos de Lei que poderiam ser
caracterizados, em primeiro lugar, como de natureza moral. Entretanto, esse é um dado que
merece um olhar mais cuidadoso, já que sob um outro tema, pode encontrar-se uma questão
140
Nesta contagem, não incluímos o projeto que alcançou ser transformado em lei, versando sobre a
instituição do Código de Proteção aos Animais.
297
moral subjacente. De fato, nas quatro oportunidades em que o deputado Edemar Vargas
apresentou Projetos de Lei que se ocupam com a restrição às bebidas alcoólicas, está presente
também uma visão moral da sua Igreja a esse respeito. Embora essas proposições tratem sobre
saúde e segurança, encontram-se em consonância com os valores evangélicos da abstinência
de hábitos que possam conduzir as pessoas ao vício, ou seja, estão relacionadas à moral
evangélico-pentecostal, embora, evidentemente, não somente a esta corrente religiosa.
O mesmo vale para Eliseu Santos, que, embora enfatize a questão da saúde, também se
faz porta-voz dos conceitos morais da Igreja Assembléia de Deus no tocante ao alcoolismo, ao
tabagismo e ao combate às drogas ilícitas. Somente Sérgio Peres efetivamente não chegou a
propor Projeto de Lei com temática de fundo moral.
Assim sendo, colocaremos esses Projetos de Lei de fundo moral para a nossa
apreciação, mesmo que não constem em nossa tabela na rubrica “Moral”.
a) Edemar Vargas propôs quatro Projetos de Lei que visam cercear a venda de bebidas
alcoólicas, em três deles requerendo que se mostre, no rótulo, o prejuízo à saúde. São eles: PL
457/1991 - PL 126/1992 - PL 278/1995. Juntam-se a esses o PL 90/2005, sendo que todos
estes se referem ao estabelecimento de condições para a distribuição e comercialização de
bebidas alcoólicas no Estado.
b) Embora o ex-deputado Eliseu Santos tenha proposto grande número de Projetos de
Lei com a temática da “Saúde”, restringir-nos-emos a abordar cinco, por conterem conteúdo
moral subjacente, conforme segue:
PL 54/1996 e PL 60/1996 - propõe a restrição ao tabagismo nos estabelecimentos
comerciais e órgãos públicos no âmbito do Estado;
PL 305/1995 - proíbe o consumo e a comercialização de fumo em estabelecimentos de
298
ensino;
PL 98/2000 - estabelece condições para a circulação e a comercialização de bebidas
alcoólicas no estado do Rio Grande do Sul;
PL 201/2002 - propõe a obrigatoriedade da exibição de filme publicitário,
esclarecendo as conseqüências do uso de drogas antes das sessões principais em todos os
cinemas do Estado do Rio Grande do Sul.
Mesmo que a atuação desse ex-deputado tenha se pautado mais pela questão da saúde,
entendemos que aspectos morais e religiosos certamente estiveram subjacentes às leis por ele
formuladas. Vemos que a dependência química também recebe acento em seus Projetos de
Lei, questão dupla, como já referido. Carrega em seu bojo a preocupação com a saúde e com a
moral.
c) O deputado Manoel Maria propôs os seguintes Projetos de Lei claramente marcados
pela temática da moral:
PL 125/2001 - institui o dia da solidariedade.
PL 306/2003 - dispõe sobre a exibição e a comercialização de produtos e materiais
eróticos e pornográficos.
A solidariedade está em consonância com a ética cristã, pregada amplamente pelas
igrejas pesquisadas. A regulamentação e, de preferência, a proibição da pornografia encontra-
se em harmonia com a moral das instituições religiosas em questão.
Além desses, o deputado Manoel Maria propôs as seguintes leis com um viés moral,
ligadas à saúde e à segurança:
299
PL 194/1991, reapresentada como PL 408/1991, PL 159/1992, PL 72/1994, PL
159/1995 e PL 124/2001 - abordando a comercialização de bebidas alcoólicas nas rodovias do
Estado do Rio Grande do Sul;
PL 583/1995 - proíbe o uso de cigarros, charutos, cachimbos e assemelhados por
professores e funcionários nas salas de aula dos estabelecimentos de ensino no Estado do Rio
Grande do Sul;
PL 282/1995 - dispõe sobre o uso do bafômetro nas estradas do Rio Grande do Sul;
PL 48/2004 - proíbe a comercialização de bebida alcoólica em estádios, ginásios e
praças esportivas;
PL 223/2002 - proíbe a propaganda de bebida alcoólica à beira das rodovias no Estado
do Rio Grande do Sul.
d) O ex-deputado estadual Paulo Moreira também trabalhou em Projetos de Lei sobre
questões morais. São eles:
PL 243/1999 - Torna obrigatória a publicação, nos jornais do Rio Grande do Sul, de
advertências quanto à exploração sexual e a maus tratos;
PL 288/1999 - Dispõe sobre a exposição e a comercialização de revistas e publicações
pornográficas em bancas de jornal e similares;
PL 289/1999 – Proíbe caça-níqueis nos estabelecimentos comerciais do Estado;
PL 290/1999 – Obriga a veiculação de mensagens educativas destinadas à prevenção
de doenças sexualmente transmissíveis.
Juntamente com as questões ligadas à sexualidade, a ética pentecostal preocupa-se
300
com a erradicação do comportamento considerado adicto, seja ele ligado à dependência
química, seja ao jogo compulsivo. Para além de uma abordagem meramente econômica, a
adicção ao jogo é entendida como a raiz de muitos males, resultando em problemas
comportamentais, familiares e outros.
Como é possível perceber, as propostas desses deputados não podem ser
caracterizadas apenas como moralistas ou voltadas para seus próprios temas favoritos e
interesses institucionais. Elas mostram também uma preocupação com a saúde e a educação
públicas.
4.3.2 Segunda Síntese: Comparação entre os Projetos de Lei dos Deputados
Evangélicos
Como foi possível verificar, os deputados ligados à Assembléia de Deus propuseram
leis relacionadas à religião e/ou à moralidade de cunho geral e amplo. Nenhum desses
parlamentares apresentou propostas que beneficiassem unicamente as igrejas evangélicas
pentecostais.
Os deputados ligados à Igreja Universal, Paulo Moreira e Sérgio Peres, propuseram
leis de benefício direto às denominações evangélico-pentecostais. Por conseguinte, a nosso
ver, advém deles as proposições mais corporativas.
No caso do Rio Grande do Sul, os políticos evangélicos têm demonstrado grande
fôlego para a confecção de Projetos de Lei que visam restringir o tabagismo e alcoolismo. É
conhecido que a abordagem feita pelos evangélicos acerca da dependência química, incluindo
o tabagismo e o alcoolismo, é, também, fortemente, de natureza moral. Carrega junto uma
proposta de um modus vivendi considerado eticamente adequado a partir da ótica pentecostal.
301
Para Pierucci, a ação política dos pentecostais concentra-se em propostas moralistas,
as quais “não deixam de ser demandas reais dos setores populares” e que, por conseguinte,
“não separam as esferas da política e da moralidade privada” (1989, p. 107). Para o autor, a
crise moral a que os pentecostais costumam aludir nada mais é do que “a ocorrência de um
profundo mal-estar cultural nas camadas sociais politicamente excluídas” (Idem, Ibidem, p.
116) e economicamente desprivilegiadas em decorrência de um desconforto generalizado
frente ao pluralismo de comportamentos. Em decorrência dessa crise, os evangélicos
pentecostais colocam-se como bastiões da ética e dos bons costumes.
Para Freston (1992) e Machado (2003), as preocupações centrais dos políticos
evangélicos, quase em sua totalidade pastores, centram-se em questões de moral sexual e da
família. Por essa razão, obstruem Projetos de Lei que admitam o aborto, a união entre
homossexuais, o acesso à pornografia, assim como leis que possam prejudicar o
funcionamento e o avanço das denominações.
As afirmações de Pierucci (1989) e Freston (1992) referem-se, principalmente, aos
deputados federais advindos das fileiras evangélicas e, dessa forma, poder-se-ia considerá-los
conservadores. De fato, esses valores de uma moral tradicional estão presentes em todos os
deputados evangélicos do Rio Grande do Sul. No entanto, a vinculação desses parlamentares
aos valores tradicionais não permite deduzirmos que eles sejam, automaticamente,
conservadores em relação a temas sociais, como bem demonstrou Bohn (2004). No survey
realizado pelo ESEB, essa pesquisadora mostrou que mais de 80% dos brasileiros,
independente de sua filiação religiosa, revelam-se favoráveis à proibição total ou parcial de
práticas abortivas. Evidenciamos, assim, que não há uma co-relação direta entre valores
tradicionais e posicionamentos politicamente conservadores. Por conseguinte, não podemos
dizer que essa seja uma visão puramente ligada às “camadas sociais politicamente excluídas”.
As leis aqui analisadas certamente encontram repercussão também entre deputados ligados ao
302
catolicismo e, quiçás, a outras orientações religiosas.
Por outro lado, veremos nos pronunciamentos dos deputados evangélicos do Rio Grande
do Sul, que estes se mostraram inclinados a defender posicionamentos politicamente
conservadores. Adiante, verificaremos esta tendência, sobretudo na questão da reforma agrária.
4.3.3 Pronunciamentos dos Parlamentares Evangélicos
A presença evangélica no ambiente Legislativo gaúcho também é perceptível através
do uso da tribuna. Neste subcapítulo, trataremos de algumas falas dos representantes das
Igrejas em destaque, procurando verificar se existem ou não aspectos que os diferenciam entre
si, verificando suas ênfases
141
. Vejamos como os deputados evangélicos se comportaram em
relação ao número de pronunciamentos feitos em suas legislaturas.
Tabela 8
Número de pronunciamentos dos deputados evangélicos em três legislaturas
142
Fonte: http://www.al.rs.gov.br
141
Os dados sobre os pronunciamentos dos deputados foram obtidos através do site da Assembléia
Legislativa, a saber, http://www.al.rs.gov.br.
142
Os pronunciamentos da 48ª Legislatura não estão disponíveis na página da Assembléia Legislativa
na internet. Além disso, cabe esclarecer que os pronunciamentos de 2005 se referem aos realizados até
o mês de outubro.
Legislatura 49ª
Ano 1995-1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Deputados
Edemar Vargas
25 8 6 11 7 232622 128
Eliseu Santos
90 55 56 58 19 xx xx xx 278
Manoel Maria
76 36 17 43 39 29 28 8 276
Paulo Moreira
xxx 2 0 4 0 xx xx xx 6
Sérgio Peres xxx xx xx xx xx 10 17 8 35
50ª 51ª
303
É de fácil percepção que a quantidade de pronunciamentos do ex-deputado Paulo
Moreira destoou de seus colegas evangélicos. Sob este aspecto, constata-se uma atuação
pouco expressiva como parlamentar. Se levarmos em consideração o número de
pronunciamentos, sua voz não chegou a representar uma referência importante como
deputado evangélico. Tampouco chegou a marcar presença em nome da instituição que o
elegera, se considerarmos o uso da tribuna.
Como já referimos acima, não foi possível saber a razão pela qual o ex-deputado Paulo
Moreira foi preterido por um outro nome dentro na Igreja Universal, a saber, Sérgio Peres.
Cabe lembrar, aqui, que o número de Projetos de Lei apresentados por Paulo Moreira é
bastante razoável, se comparado, por exemplo, com Edemar Vargas, que vem se mantendo no
cargo por quatro legislaturas. Em síntese, embora tenhamos procurado conseguir, de diversas
formas, as explicações para a retirada do suporte eclesiástico para esse deputado, não foi
possível obtê-las.
Por sua vez, o deputado Edemar Vargas apresentou um crescimento no número de
vezes em que fez uso da tribuna, com destaque para a atual legislatura. Durante o mandato em
curso, tem se pronunciado com freqüência. Considerando que já possui um período
relativamente longo de prática parlamentar, Vargas conhece a importância e o poder das
manifestações em plenário. Contudo, cabe ressalvar que, provavelmente, o aumento no
número de seus pronunciamentos tenha a ver com sua atual condição de líder da bancada do
PTB na Assembléia Legislativa estadual, além de já ter sido líder do partido, o que também o
coloca como ocupante preferencial do microfone diante de pautas e expedientes mais
importantes.
Eliseu Santos, o deputado-médico, marcou intensa presença na tribuna, especialmente
em sua última legislatura, antes de assumir o cargo de vice-prefeito de Porto Alegre. Suas
304
idéias ganharam visibilidade através de seus pronunciamentos, acompanhadas, paralelamente,
por grande número de Projetos de Lei, como vimos.
Manoel Maria teve seu ápice, no que concerne ao número de pronunciamentos, no
período de 1999 a 2002. Embora a quantidade de vezes em que ocupou a tribuna tenha
diminuído no atual mandato, o representante da Igreja Quadrangular está longe de
caracterizar-se por uma presença apagada. Supera em muito, nesse quesito, seus colegas
parlamentares da Igreja Universal e mantém uma média próxima da apresentada por Edemar
Vargas no atual período. Manoel Maria é superado somente pelo ex-deputado Eliseu Santos.
A seguir, passaremos a ocupar-nos do conteúdo de alguns pronunciamentos dos
deputados evangélicos em nosso Estado. A classificação das temáticas abordadas a partir da
tribuna obedeceu ao critério da ênfase principal da fala. Uma boa parte das intervenções
possui dois ou até três temas diretamente citados ou indiretamente considerados. A tônica
principal determinou a classificação, mas, na medida do possível e sem nos estendermos por
demais, procuramos referir os duplos sentidos ou questões subjacentes, quando for o caso.
Iniciaremos pelas temáticas que, a princípio, seriam, supostamente, as mais
características de parlamentares ligados a igrejas, isto é, as de natureza religiosa. A tabela
seguinte mostra os dados referentes aos pronunciamentos com conteúdo religioso.
Tabela 9
Pronunciamentos com conteúdo religioso
Legislatura 49ª
Ano 1995-1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Deputados
Edemar Vargas 11 2 0 2 3 4 4 1 27
Eliseu Santos 2 0 0 1 1 xx xx xx 4
Manoel Maria 11 3353542 36
Paulo Moreira xxx 0 0 1 0 xxxxxx 1
rgio Peres xxx xx xx xx xx 0 1 0 1
50ª 51ª
Fonte: http://www.al.rs.gov.br
305
Os dados das tabelas 8 e 9 mostram distinções entre os deputados. A mais
significativa, sem dúvida, é a quantidade de manifestações do ex-deputado estadual Eliseu
Santos. Na sua primeira legislatura, a 49ª, ele ocupou a tribuna realizando 90
pronunciamentos, quase todos ligados a denúncias sobre as precárias condições da saúde no
país e no estado, bem como à apresentação de seus Projetos de Lei. O foco de suas
intervenções no plenário, portanto, constituiu-se de reflexões sobre as questões da saúde e do
meio ambiente. Já na 50ª legislatura, sob o governo de Olívio Dutra, centrou-se em pesadas e
constantes críticas ao governo estadual e aos deputados do Partido dos Trabalhadores. Seus
discursos, portanto, assumiram um caráter político-ideológico. Assim, entre 1999 e 2002, ele
ocupou a tribuna o dobro de vezes que o fizera na legislação anterior, quando Antônio Britto,
do PMDB, governava o Estado.
Por outro lado, Eliseu Santos fez apenas dois discursos com conteúdo exclusivamente
religioso na 49º legislatura; e dois, na 50º legislatura. Em outras palavras, sua identificação
com as temáticas religiosas permaneceu a mesma; mas, no campo ideológico, alterou-se
profundamente, como vimos. Assim, pode-se sugerir que sua identidade enquanto parlamentar
esteve muito mais ligada ao plano político-ideológico que efetivamente ao religioso.
Comparando as diferentes legislaturas, o deputado Edemar Vargas vem mantendo um
crescimento na quantidade de seus pronunciamentos. De 25 realizados na 49ª legislatura,
subiu para 32 na 50ª, chegando, no atual mandato, a 71 intervenções até o início de outubro de
2005. Já seus discursos com conteúdo religioso, mantêm-se mais ou menos constantes ao
longo das três legislaturas: onze, na 49ª; sete, na 50ª; e nove, na 51ª legislatura.
Fazendo uma comparação entre esses dois deputados, ambos oriundos das fileiras da
Igreja Assembléia de Deus, percebemos como a atividade parlamentar do ex-deputado Eliseu
Santos adquire uma conformação toda particular. Como já referimos acima, parte dessa
306
singularidade reside no fato de sua formação e atividade profissional dar-se dentro da esfera
da saúde, acrescida da ênfase nas críticas político-ideológicas. Porém, ao realizarmos a
comparação entre seus pronunciamentos de conteúdo religioso e os demais temas abordados,
vemos que sua identidade parlamentar pende muito mais para a de um político laico, do que
para um deputado alinhado com os interesses de uma instituição religiosa. Não por acaso,
portanto, a sua secretária chegou a dizer que “o deputado prefere não misturar religião e
política no gabinete”.
O deputado Manoel Maria, por sua vez, foca a maioria de seus discursos em questões
relacionadas à segurança no trânsito. Como já dissemos anteriormente, sua atuação centra-se
sobre a questão da proibição da venda de bebidas nas estradas. Ademais, outro tema que tem
ocupado grande parte de suas falas na tribuna está ligado à segurança pública - desde a
necessidade de proibir a venda de armas de brinquedo semelhantes às verdadeiras, até a
reivindicação por câmeras de vídeo nos postos bancários eletrônicos de 24 horas. A terceira
temática recorrente em suas manifestações foi a criação e a implementação do código estadual
de defesa dos animais.
Pertence a Manoel Maria o maior número de pronunciamentos com conteúdo
religioso; além de homenagear pessoas e entidades religiosas, sobretudo chamando a atenção
sobre eventos ligados à Igreja Quadrangular.
Coube aos deputados vinculados à Igreja Universal o menor número de
pronunciamentos relacionados à esfera religiosa, assim como a menor média geral de falas da
tribuna, como já referido. Uma possível interpretação para esse dado pode ser o fato de a
instituição a que estão filiados, a Igreja Universal, não gozar de prestígio entre seus pares,
haja vista as declarações do ex-deputado federal Carlos Rodrigues, reproduzidas no capítulo
anterior. Por conseguinte, eles podem preferir que sua vinculação religiosa se torne menos
307
visível. Ou pode significar que essa denominação não elegeu representantes para integrar o
poder legislativo do Estado com o objetivo prioritário de hastear bandeiras religiosas naquela
Casa, mas para garantir que sua voz se faça ouvir, pelo voto e pelas articulações políticas,
quando as votações puderem prejudicar a instituição religiosa. Mas isso não passa de uma
inferência, representando uma hipótese para tentar entender seu silêncio nesse fórum, que é de
muita palavra.
A seguir, afunilaremos nosso estudo sobre as manifestações dos deputados
evangélicos, tecendo alguns comentários mais detalhados acerca dos pronunciamentos feitos
nos anos de 1999 e 2002, ou seja, no início e no final da 50ª legislatura. Como critério para a
escolha desse período foi decisivo o fato de que, naquele mandato, havia quatro, dos cinco,
parlamentares das três Igrejas pesquisadas atuando na Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul. Serão considerados, portanto: Edemar Vargas, Eliseu Santos, Manoel Maria e Paulo
Moreira. O atual deputado Sérgio Peres não será incorporado nessa análise, porque ainda não
fora eleito no período convencionado. Lembramos que Eliseu Santos não mais integra o
quadro de parlamentares evangélicos. Cabe ressalvar que não nos deteremos em todos os
pronunciamentos feitos por cada deputado nesse período, embora sejam referidos, mas
naqueles que se mostrarem relevantes no sentido de demonstrar suas ênfases ao usarem a
tribuna da Assembléia Legislativa, o que contribui para entender suas prioridades e
características no exercício parlamentar.
Assim sendo, o recorte feito para considerar esses dados contempla dois anos de um
mandato, verificando-se quais as temáticas abordadas na tribuna. Trabalhamos com os dois
anos limítrofes, ou seja, o início e o final daquela legislatura, porque oferecem uma moldura
fidedigna ao restante do mandato. Lendo os conteúdos abordados pelos deputados evangélicos
nos anos intermediários daquele período, a saber, 2000 e 2001, não foram constatadas
308
alterações significativas em relação aos resultados encontrados nos anos limítrofes aqui
descritos e analisados. Incluindo os quatro anos do mandato em questão, estenderíamos em
demasia este texto, sem alterar os resultados detectados por nossa pesquisa.
Tabela 10
Temáticas
143
dos pronunciamentos dos dep. evang. realizados em 1999 e 2002
n/a % n/a % n/a % n/a % n/a % n/a % n/a % n/a %
Religião 2 25 3 42,8 1 5,3 3 8,4 3 7,7 1 25
Moral 114,3 15,325,51 2,6
Educação 1 12,5 3 7,7 2 50
Agricultura 1 12,5 1 14,3 1 1,8
Economia 1 12,5 6 10,9 12 33,3 3 7,7
Potica 1 14,3 27 49,1 6 31,5 1 2,6 1 50
Segurança 1 5,3 9 25 6 15,4
Corporativo 11,815,325,5
Saúde 1 12,5 11 20 1 5,3 3 8,4 6 15,4
Meio Amb. 4 21 2 5,5 14 35,8
Diversos 2 25 1 14,3 9 16,4 4 21 3 8,4 4 10,2 1 50 1 25
Total 8 100 7 100 55 100 19 100 36 100 41 105,1 ٭ 21004100
٭
Edemar Vargas Eliseu Santos Manoel Maria Paulo Moreira
Em 2002, embora o deputado Manoel Maria tenha feito 39 pronunciamentos, em dois deles
abordou temáticas claramente distintas e independentes. Assim, o percentual somado
excede 100%.
1999 2002 1999 20011999 2002 1999 2002
Fonte: http://www.al.rs.gov.br
A seguir, analisaremos os pronunciamentos dos deputados evangélicos a partir das
temáticas descritas na tabela acima.
O deputado estadual Edemar Vargas não privilegiou área alguma em especial nos seus
pronunciamentos realizados em 1999. Como estes foram em pequeno número, as temáticas
abordadas, ainda que apenas uma vez, compõem percentuais altos de suas falas. Em uma
143
Para compor esta tabela, as temáticas não estavam fixadas, mas foram agrupadas a partir dos
conteúdos dos pronunciamentos. Foram considerados somente os temas abordados em primeiro plano
nos pronunciamentos. Os entrelaçamentos com outras temáticas são referidos ao longo do texto.
309
ocasião (12,5%)
144
, Edemar Vargas tratou da questão da saúde, posicionando-se contrário à
legalização do uso de drogas no país. Em relação a isso, fez um longo discurso, mostrando
toda sua preocupação com pessoas que defendem a descriminalização do uso de drogas.
Embora o assunto seja do âmbito da saúde, deve-se referir que contém um componente da
visão de mundo das denominações cristãs, em geral, e pentecostais, especificamente, para as
quais a dependência química é altamente condenável não apenas em função dos malefícios à
saúde. Para ilustrar sua postura, salientamos, de seu discurso, uma de suas conclusões finais:
Os verdadeiros beneficiados com o uso das drogas, no Estado e
no Brasil, pensam estar livres de incômodos, mas iremos importuná-
los em nome da nossa sociedade. O Brasil não pode concordar que se
estimule o uso dos tóxicos. Como deputado evangélico, neste
Parlamento, e também, acima de tudo, como cidadão, faço questão de
deixar registrada, nos anais desta Casa, a minha preocupação com a
utilização e a dependência das drogas, pois há a possibilidade de que,
diante de uma possível liberalização, elas venham a se proliferar ainda
mais entre nós.
No último ano do mandato, em 2002, a saúde não voltou a constar nos
pronunciamentos desse representante da Igreja Assembléia de Deus na tribuna.
Temas ligados à religião apareceram nos pronunciamentos de Edemar Vargas, em
1999, em número de dois (25%). O deputado versou sobre a concessão do Título de Cidadão
Caxiense ao presidente da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, pastor Ruben Lundgren.
Em outra oportunidade, homenageou sua denominação religiosa pela passagem de seus 90
anos de presença no Brasil e 75 anos no Estado do Rio Grande do Sul. Ao final da 50ª
legislatura, em 2002, os pronunciamentos do deputado Edemar Vargas com uma ênfase em
aspectos da religião aumentaram para três (42,8%). Homenageou o Movimento dos
144
Os percentuais mencionados nessa análise de dois anos da 50ª legislatura, seja para as temáticas
principais, seja para os temas secundários, referem-se ao total de pronunciamentos do respectivo
deputado estadual no ano em questão.
310
Focolares
145
, em nome do PTB, cuja bancada é formada por 40% de evangélicos. O deputado
também comentou os dados do IBGE 2000 acerca do crescimento dos evangélicos no Brasil,
que, em 1991, era de 9% e chegou a 15,4% em 2000. Além dessas questões, falou sobre a
guerra no Oriente Médio, afirmando que todos devem orar pela paz.
Edemar Vargas discorreu sobre a agricultura em 1999, mais especificamente a reforma
agrária, ao denunciar a invasão de área do Estado, no Centro Tecnológico de Tupanciretã,
onde se localiza a Estação Experimental Zootécnica de Tupanciretã. Manifestou-se favorável
à reforma agrária, mas contrário à invasão de terras. Sua fala (equivalendo a 12,5%) mostrou,
em primeiro plano, sua preocupação com a área invadida e a importância da mesma para a
agricultura. Entretanto, uma questão de fundo, de natureza político-ideológica, esteve presente
na fala.
Nesse dia em particular (21/10/1999), o deputado Edemar Vargas presidia os trabalhos
da Sessão Ordinária como presidente da Mesa. As discussões iniciaram pela necessidade de
alteração do Regimento Interno, uma vez que, no ano de 2000, as sessões passariam a ser
televisionadas e, no funcionamento da Casa até aquele momento, os líderes de bancada teriam
maior oportunidade de aparecer discursando que os demais deputados. Cedida a palavra para
um deputado do PT, o assunto foi deixado de lado por ele. O foco do discurso desse deputado
era a reforma agrária, criticando uma proposta do governo federal que, na época, pensava em
terceirizar a dita reforma. A partir desse pronunciamento, outros parlamentares inscreveram-
145
O Movimento dos Focolares consiste em um movimento religioso. Sua fundação data de 1943,
sendo seu início atribuído a Chiara Lubich, em Trento, na Itália. Está ligado à Igreja Católica, mas
conta com adeptos em várias confissões religiosas. Um de seus princípios é a unidade. Trata-se de um
movimento de renovação espiritual e, também, social. Desde quando começou, foi chamado de
“Focolari”, palavra italiana que designa a lareira, que faz referência ao fogo do amor cristão,
evangélico. A Espiritualidade da Unidade, como também é chamada, oferece contribuições no campo
social, engajando-se em atividades em favor da paz, assim como da justiça. (Movimento dos
Focolares, s.d.)
311
se para falar sobre o assunto, a maioria deles criticando o PT, os Sem-Terra e, por vezes, a
própria reforma agrária. Nesse contexto, o deputado Edemar Vargas transferiu a presidência
dos trabalhos para um colega e inscreveu-se para falar. Iniciou sua fala, mostrando a
necessidade de defender as terras que o Centro Tecnológico ocupa em Tupanciretã, fez outras
considerações e, entre elas, Edemar Vargas afirmou:
Somos favoráveis política e ideologicamente à reforma agrária,
pois a primeira realizada no nosso Estado ocorreu exatamente quando
o governo era do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB –, no Banhado
do Colégio, em Camaquã. Portanto, defendemos a reforma agrária,
mas não através de invasões, pois entendemos que elas geram
violência, sendo, portanto, uma luta política.
Temos, aí, uma amostra da afinidade entre a ideologia centro-direita do PTB,
partilhada, de forma geral, pelas igrejas pentecostais. Por um lado, o deputado reconheceu
certa legitimidade na reforma agrária, pois trata-se também de uma questão social. Entretanto,
a seu ver, tal legitimidade não pode ser “ideologizada”, uma vez que isso poderia levar essa
reivindicação para o campo do conflito, da violência e, portanto, da “política”.
Provavelmente, quando o deputado Edemar usou a expressão “luta política”, referia-se à
questão da política partidária. De qualquer forma, a maneira como esse deputado percebe,
neste caso, a violência, torna-se uma questão central para o discurso desses religiosos, pois, de
modo geral, ela é entendida como uma característica não-evangélica.
Ao final do mandato, em 2002, a agricultura voltou a constar em um pronunciamento
(14,3%) do deputado. Desta vez, contudo, de forma tangencial, uma vez que se ateve a
homenagear os 75 anos de existência da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande
do Sul – Farsul – órgão que representa, em sua maioria, os interesses dos grandes plantadores
desse Estado.
312
A questão política, presente como pano de fundo no pronunciamento de 1999, como
acima referido, apareceu em outra manifestação (14,3%) do deputado Edemar Vargas em
2002, quando ele comunicou que o PTB decidiu apoiar a candidatura de Germano Rigotto ao
governo do Estado.
No início da 50ª legislatura, o deputado Edemar Vargas tematizou a educação uma vez
(12,5%), ao comentar uma audiência pública sobre meninos e meninas de rua realizada na
Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. A temática da educação não foi verificada, ainda
que tangencialmente, em pronunciamento algum desse representante da Igreja Assembléia de
Deus no ano de 2002.
Semelhante se deu com a economia, tema que marcou um pronunciamento (12,5%) de
Edemar Vargas em 1999 e não voltou a ser pauta quando o deputado ocupou a tribuna ao final
do mandato. Basicamente, o representante da Igreja Assembléia de Deus deu parecer
favorável ao projeto de orçamento para o ano seguinte, 2000, encaminhando-o à votação.
Assim, como no primeiro ano não se ateve a discorrer com vagar sobre a economia e, no
último, sequer a citou, percebe-se que esta não integra sua lista de prioridades.
Igualmente sem muito relevo, mas apresentando algum crescimento ao longo da
legislatura em referência, a questão da moral, ausente em 1999, deu a tônica a um
pronunciamento (14,3%) de Edemar Vargas ao final desse mandato. O deputado posicionou-
se contrário à instituição da videoloteria no Estado do Rio Grande do Sul, o que se encontra
em consonância com a moral pentecostal, para quem os, assim chamados, jogos de azar não
são recomendados.
Cabe citar, ainda, que dois pronunciamentos (25%) de Edemar Vargas, em 1999,
versaram sobre temas diversos, a saber: a passagem dos 30 anos da Cooperativa de
Eletrificação Centro Jacuí Ltda – Celetro, e a homenagem à Brigada Militar, pela
313
comemoração de seus 162 anos de existência. O índice dos temas diversos caiu para 14,3% ao
final do mandato em questão, quando o deputado discursou apenas sobre os benefícios do
trabalho da Brigada Militar.
Seguimos pela representação da Igreja Assembléia de Deus, o então deputado estadual
Eliseu Santos assumiu a presidência da Comissão de Saúde e Meio Ambiente no início de
1999. Essa função, adquirida também por sua afinidade profissional com a questão da saúde,
marcou a atividade parlamentar desse deputado-médico, incluindo os seus pronunciamentos.
Em 1999, a saúde foi tema de Santos em 20,0 % das vezes em que ocupou a tribuna. Chama a
atenção, porém, que questões político-ideológicas deram o tom de 49,1% de suas falas.
Nestas, apareceram, em segundo plano, questões relacionadas à saúde (em uma fala, ou
1,8%), ao corporativismo (1,8%), à educação (em cinco referências ou 9,1% das falas) e à
agricultura (em três ocasiões ou 5,5%). Assim, nossa pesquisa constatou que, no primeiro ano
da 50ª Legislatura, esse representante da Igreja Assembléia de Deus pronunciou-se mais que o
dobro de vezes sobre questões político-ideológicas, especificamente criticando o governo do
Partido dos Trabalhadores, do que acerca de temáticas voltadas à saúde. Saliente-se que
praticamente metade dos 55 pronunciamentos do deputado Eliseu Santos no primeiro ano
desse mandato pautou-se pelo debate de natureza político-ideológica.
No último ano daquele período, em 2002, essa relação tornou-se ainda mais acentuada:
apenas um de seus pronunciamentos voltou-se exclusivamente à saúde (5,3%), podendo-se
acrescer mais um, na medida em que essa temática era secundária a críticas ao governo do
Estado. Já as falas de conteúdo político-ideológico compuseram 31,5 % do total daquele ano.
Portanto, ambos os índices diminuíram no conjunto do total anual, mas a relação entre elas
alterou-se, aumentando a ênfase na crítica de natureza ideológica ao longo da 50ª legislatura.
De mais que o dobro, passou a voltar-se praticamente seis vezes mais ao campo da política
que ao da saúde.
314
Dando continuidade à análise dos pronunciamentos a partir das temáticas, vejamos,
agora, de forma pormenorizada, os pronunciamentos do ex-deputado estadual Eliseu Santos.
Ao abordar a questão da saúde no Rio Grande do Sul, uma de suas ênfases, em 1999, foi a
alegada falta de transporte para transplante de órgãos e remoção de pacientes vindos do
interior e desprovidos de recursos. Conforme as palavras do deputado Eliseu Santos, a
questão colocava-se da seguinte forma:
Ocupo a tribuna, neste espaço de liderança, para apelar ao
Governo do Estado que comece a governar, porque, em algumas
áreas, sua nota ainda é zero.
Os Srs. Deputados devem estar bem lembrados de um acidente
com um avião do governo em que faleceu uma equipe inteira de
médicos que trabalhava na área de transplantes [...].
Tão logo aquele avião foi destruído, prontamente o Governador
Antônio Britto fez um contrato com a empresa Táxi Aéreo Sul Ltda. -
Tasul - mediante licitação, tudo dentro dos moldes adequados, a fim de
que aquela empresa colocasse um avião à disposição [...].
Terminou o Governo Antônio Britto, e assumiu o Governo
Olívio Dutra, que nessa área ganha nota zero, porque, até agora, não
propiciou à comunidade científica médica da área de transplantes a
oportunidade de realizar qualquer transplante de órgãos, tendo em
vista que o transporte deveria ser patrocinado pelo Governo do
Estado, por meio da famosa parceria, e não o fez.
Em outro pronunciamento, o deputado classifica a situação da saúde no Estado como
caótica. Embora sua fala priorize, de fato, a situação dessa área social, está visivelmente
endereçada a desqualificar o governo estadual. Em outro momento, reivindica mais médicos.
A distribuição de verbas por parte da Secretaria da Saúde foi criticada por Eliseu Santos. A
discussão sobre os transgênicos também integra pronunciamento do deputado em mais de
uma ocasião, incluindo a denúncia de que estes estariam contaminados com o vírus da Aids e
com o vírus da hepatite B. Problemas ligados a instituições, como a Santa Casa de
Misericórdia e o Hospital da PUC, ou a história da Sociedade de Ortopedia e Traumatologia
do Rio Grande do Sul foram abordados por Eliseu Santos na tribuna. O deputado ainda
defendeu a autorização a farmácias de realizarem o procedimento da inalação.
315
Em 2002, Eliseu Santos voltou a criticar repasse financeiro do governo do estado para
a área da saúde, por ele considerado insuficiente. Naquele ano, denunciou também a
precariedade na destinação dos medicamentos, citando um caso de piora no quadro clínico de
uma portadora de esclerose múltipla, por falta de remédio. Nesse ano, portanto, o deputado
abordou a questão da saúde por duas vezes, uma delas secundariamente à crítica ao governo
estadual e, na segunda vez, a insatisfação com o executivo gaúcho foi colocada como questão
de fundo. De qualquer forma, seus discursos se pautaram pelo tom enfático.
Além das questões já referidas, esse representante da Igreja Assembléia de Deus
advogou, em 1999, que a administração pública não se podia valer de slogans político-
partidários. Incluem-se, aí, suas falas que visavam proibir o governo do Estado de impor aos
funcionários públicos que fizessem propaganda política contrária a suas convicções pessoais.
Conforme as palavras do deputado:
Ocupo esse espaço para trazer a V. Exas. uma proposição de
emenda à Constituição do Estado que visa a alterar a redação do § 1º
do art. 19 da Constituição estadual. A meu ver, essa emenda busca
resolver o impasse que tem constrangido funcionários que sentem-se
obrigados - no exercício de suas funções - a mencionarem o slogan do
Governo Olívio Dutra, que não irei citar desta tribuna.
[...] Isso não está acontecendo com o governo, que impingiu
uma obrigação aos servidores. Esse fato lembra um período histórico
de um país que manchou a história da humanidade, quando os seus
cidadãos, ao encontrarem um correligionário ou um patriota, deveriam
levantar a mão direita, fazendo a saudação nazista.
Como se pode ver, o tom usado pelo deputado Eliseu Santos é assaz enfático. Nesse
mesmo ano, acusou o governo estadual de tomar atitudes totalitárias ao lidar com problemas
na Brigada Militar. Insistiu que fosse transcrita nos anais do Legislativo uma carta, na qual
uma deputada do Partido dos Trabalhadores, Maria do Rosário, é acusada de mau
comportamento enquanto parlamentar por envolver-se em uma invasão da Assembléia
Legislativa. A mesma deputada petista foi alvo de suas críticas por ter expressado apoio à
316
Câmara dos Lordes inglesa, que se negou a conceder imunidade ao ditador Augusto Pinochet,
do Chile. Contratações temporárias (CCs)
146
realizadas pelo governo do Estado foram
condenadas pelo deputado como tendo ferido promessas de campanha. Eliseu Santos também
afirmou que o dinheiro prometido para todos os projetos não vinha sendo repassado por quem
estava governando o Estado.
Não se pode dizer que toda a oratória desse deputado tenha sido de condenação aos
atos do Partido dos Trabalhadores. Em um de seus pronunciamentos parabenizou o governo
do Estado pelo Programa Primeiro Emprego. Ao lado das poucas palavras de satisfação,
porém, era, usualmente, colocada também uma desaprovação. Como exemplo, citem-se
elogios pela redução da tarifa de pedágios, imediatamente sucedidos por protestos sobre o
trabalho do policiamento do trânsito (os chamados “azuizinhos”), acusando-o de autoritário.
Vejamos como esta questão foi colocada:
Novamente venho a esta tribuna com o intuito de parabenizar a
diminuição da tarifa dos pedágios, promessa antiga, que demorou
muito a se concretizar - houve mais de 100 dias de espera. Teremos
outras oportunidades para debater o assunto, já que este governo
recém inicia.
Em Porto Alegre a situação é diferente, gostamos de tecer
elogios, mas não é possível. Na Capital gaúcha há os famigerados
guardas de trânsito da Prefeitura municipal, os azuizinhos, que estão
em todos os lugares da cidade, com um único objetivo: multar. Eles
são mal-educados, destreinados, grosseiros e estão sempre de mau
humor. São o retrato deste governo, que está sempre de mau humor,
briga com todo o mundo, com o Presidente da República, com as
concessionárias de pedágio, com os deputados, com as montadoras.
Esses rapazes, que estão aí na rua, orientados a agir como autoridades,
estão trazendo problemas. Eles apenas punem sem interesse em
educar.
146
CCs é a sigla para Cargos de Confiança, ocupados por pessoas que trabalham no serviço público
sem terem sido aprovados em concurso público. Usualmente, são remunerados com verbas públicas e
estão voltados à assessoria técnica. Embora se trate de contratações temporárias, alguns funcionários
continuam nessas funções por períodos mais prolongados, incluindo mudanças de governo.
317
Há também falas que parecem ser de apoio ao partido que estava ocupando o poder,
mas destinavam-se, na verdade, a louvar o trabalho do governo anterior, perfilado com o
partido de Eliseu Santos. Esse tipo de situação pode ser exemplificado pela fala em que o
deputado parabenizou o governador por dar continuidade às obras pautadas pelo governo de
Antônio Britto. O representante da Igreja Assembléia de Deus não se furtou a defender
enfaticamente o governador anterior, exigindo que denúncias contra ele fossem claramente
apresentadas e comprovadas pelo Partido dos Trabalhadores.
Mantendo o tom incisivo, em outro pronunciamento recomendou que o procurador-
geral do Estado, Paulo Torelly, fosse submetido a uma avaliação psiquiátrica. O
representante da Assembléia de Deus também acusou o Partido dos Trabalhadores, em sua
administração municipal na capital gaúcha, de distribuir folhetos nos quais estaria
divulgando trabalhos que não teriam sido, efetivamente, realizados. O fato de a montadora
de automóveis Ford não ter se fixado no Rio Grande do Sul foi discutido por Eliseu Santos,
ainda em 1999. Os pronunciamentos do governador Olívio Dutra também foram abordados
pelo deputado que criticou declarações do primeiro mandatário gaúcho acerca dos partidos
de oposição. Esse porta-voz da Igreja Assembléia de Deus discorreu sobre suas
preocupações com a imagem do Rio Grande do Sul diante do restante do país em função do
governo, a seu ver, incompetente.
No último mandado da legislatura em referência, 2002, Eliseu Santos dedicou 31,5 %
de seus pronunciamentos a questões político-ideológicas, como já referido. Para dar uma idéia
das temáticas abordadas, citaremos algumas. Denunciou que o seqüestrador do empresário
Abílio Diniz, Sr. Raimundo Rosélio Freire, foi convidado de honra do Estado do Rio Grande
318
do Sul, para ser o coordenador e orientador de uma das oficinas do Fórum Social Mundial
147
.
Apesar da importância do evento, o ex-deputado Eliseu Santos, basicamente, salientou os
aspectos por ele considerados negativos, como, além do referido, os gastos dos governos
estadual e municipal do Partido dos Trabalhadores com o Fórum.
Supostas irregularidades no Partido dos Trabalhadores, mesmo não se referindo ao Rio
Grande do Sul, também foram alvo de considerações por parte do deputado em 2002, como
alegadas contratações sem concorrência pública em São Paulo. No Estado gaúcho, esse
representante da Igreja Assembléia de Deus, ainda no final dessa legislatura, reiterou sua
opinião de que o governador Olívio Dutra não cumpriu promessas de campanha no decorrer
de seu mandato.
Em 1999, o deputado Eliseu Santos usou a tribuna para discorrer sobre a
desvinculação do Programa de Assistência aos Servidores Públicos – Pasep, um tema voltado
aos interesses da categoria dos servidores públicos. Alegando arbitrariedade por parte do
governo estadual em outra de suas manifestações, o deputado criticou medidas de redução dos
salários dos funcionários públicos. Naquela ocasião, a fala estava prioritariamente endereçada
147
O Fórum Social Mundial consiste em um evento de âmbito mundial. É organizado por movimentos
sociais com o intuito de dar visibilidade e celebrar a diversidade, além de discutir temáticas relevantes,
objetivando encontrar alternativas para problemáticas e questões sociais. No início, a intenção era
contrapô-lo ao Fórum Econômico de Davos, razão pela qual ocorria no mesmo período que o evento
da Suíça
.
Entrementes, essa vinculação direta não existe mais.
Tendo iniciado em 2001, os fóruns ocorrem anualmente. Porto Alegre hospedou os três primeiros e o
quinto. Com o propósito de tornar-se itinerante, deslocando a sede para diferentes cidades dos vários
continentes, o evento aconteceu em Mumbai, na Índia, em 2004. Em 2006, será regionalizado, assim
como, provavelmente, dois anos depois. Em 2007, será a vez de a África receber o Fórum, embora
ainda não esteja definido o local exato.
Não se pode deixar de referir os números, que impressionam até os inicialmente incrédulos no êxito
dessa empreitada. Apenas para citar alguns exemplos, mencionem-se os participantes, que, em 2001,
eram 20.000 e, em 2005, somavam 155.000, com uma participação de 200.000 na marcha realizada
pelo Fórum. Inicialmente, eram 117 os países representados. Hoje, acorrem ao Fórum pessoas de 135
países. A importância do evento também se faz sentir na crescente presença da mídia. Em 2001, havia
1.870 jornalistas credenciados, número que passou a 6.823 em 2005. (Fórum Social Mundial, s.d.).
319
ao embate político-ideológico, embora versasse sobre tema de interesse do funcionalismo
estadual.
Mantendo a mesma média de pronunciamentos voltados a questões corporativistas do
início desse mandato, em 2002, Eliseu Santos novamente criticou o governo estadual por sua
política salarial aos funcionários públicos. Nesse pronunciamento, repetiu-se também que
divergências políticas apareceram em primeiro plano, embora dissessem respeito a uma
problemática corporativista, secundariamente discutida. Ainda em 2002, o deputado abordou,
como foco principal em uma (5,3%) de suas falas, outra questão corporativista, a saber, uma
lei
148
que criou e extinguiu cargos no quadro de pessoal efetivo da Secretaria da Fazenda do
Rio Grande do Sul, além de reorganizar o plano de pagamento dos servidores.
A agricultura foi abordada uma vez (1,8%) por Eliseu Santos em primeiro plano no
ano de 1999, ao defender o Sistema do Seguro Agrícola no Rio Grande do Sul.
Secundariamente às críticas de cunho político-ideológico, a agricultura apareceu em três de
seus pronunciamentos (5,5%), a saber: afirmou que o governo do Estado está contra os
pequenos agricultores; comentou que alegados agricultores (sem-terra) seriam, na verdade,
militantes do Partido dos Trabalhadores e reafirmou a necessidade do Seguro Agrícola,
dizendo que não há razão para o governo festejá-lo, já que se trata, meramente, de
cumprimento de promessa do governo.
No último ano daquele mandato, a agricultura desapareceu dos pronunciamentos de
Eliseu Santos. Porém, emergiram, fortemente, temáticas ligadas ao meio ambiente (21,0 %
das falas), ausentes no início da legislatura. O deputado abordou o Código Florestal do Estado
148
Naquela ocasião, discutiu-se a Emenda no. 1, do deputado Vieira da Cunha, ao Projeto de Lei
Complementar nº. 93/2002, que introduz alterações na Lei Complementar no. 10.933, de 15/01/1997.
320
do Rio Grande do Sul, a contratação emergencial de recursos humanos para a Secretaria
Estadual do Meio Ambiente, além de discutir as queimadas e a poluição.
A educação foi tematizada pelo deputado, em 1999, cinco vezes (9,1%), sempre
secundariamente em relação aos protestos de natureza ideológica. Eliseu Santos alertou para a
falta de verbas para a manutenção dos veículos que conduzem crianças às escolas no interior
do Estado. Além de discutir problemas relativos à FEBEM
149
, criticou, de modo geral, a falta
de professores estaduais, responsabilizando o governo por não promover contratações
emergenciais ou prorrogar as já efetuadas. A criação do quadro dos servidores da escola
também foi alvo, simultaneamente, de censuras ao trabalho do executivo estadual e de apoio
às necessidades do campo da educação. Em 2002, porém, a preocupação com esse campo
desapareceu dos pronunciamentos do deputado.
No primeiro ano da 50ª Legislatura, seis pronunciamentos (10,9 %) de Eliseu Santos
ocuparam-se de temáticas ligadas à área econômica, a saber: abordou a concessão de
incentivos às indústrias, defendeu o projeto de orçamento para o ano de 2000, tratou da
revisão de pensões de filhas solteiras junto ao IPE, apoiou que fossem votadas modificações
na lei que institui o ICMS
150
. O deputado ainda discutiu e apoiou a instituição de um teto
remuneratório no Rio Grande do Sul. No último ano daquele mandato, contudo, a economia
não esteve presente quando o deputado fez uso da tribuna. Embora tangencialmente
149
Embora o deputado tenha se referido à FEBEM (Fundação do Bem-Estar do Menor), ela deixou de
existir, no Rio Grande do Sul, em 2002, quando foi criada, por decreto e lei estaduais (Lei Estadual nº
11.800, de 28 de maio de 2002, e Decreto Estadual nº 41.664 – Estatuto Social, de 6 de junho de 2002), a
Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE-RS). Essa mudança é decorrente do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que faz uma diferenciação entre o tratamento dispensado a crianças e
adolescentes expostos a situações de abandono e violência e aqueles que cometeram ato infracional.
(Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Estado do Rio Grande do Sul - FASE, s.d.)
150
Refere-se ao Projeto de Lei 314/99, que introduz alterações na Lei 8.820, de 27 de janeiro de 1989,
que institui o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS – e
alterações.
321
relacionada a algumas de suas falas, essa não se mostrou uma prioridade para esse
representante da Igreja Assembléia de Deus em 2002.
Em um movimento oposto, verificamos que três temas ausentes nos pronunciamentos
do deputado Eliseu Santos no primeiro ano dessa legislatura constaram em suas falas em
2002, ainda que timidamente. Trata-se da segurança, da moral e da religião, cada uma referida
em uma ocasião de uso da tribuna, compondo 5,3% das falas cada. No final desse mandato,
esse porta-voz da Igreja Assembléia de Deus comentou o alto nível de criminalidade no
território nacional. A moral marcou o pronunciamento acerca da instituição da videoloteria no
Estado do Rio Grande do Sul, questão condenada pelos princípios pentecostais. A religião foi
claramente tematizada por Eliseu Santos em 2002, quando discorreu sobre a liberdade de
crença religiosa em vista do Projeto de Lei 137/2000, que determina à administração pública e
às entidades privadas o respeito e a observância às doutrinas religiosas no Rio Grande do Sul.
O uso da tribuna por parte do então deputado estadual Eliseu Santos se deu em nove
ocasiões (16,4%), em 1999, para abordar temas diversos
151
, não afinados com suas principais
ênfases ou com outras, cuja intencionalidade fosse mais perceptível. Este percentual cresceu
para 21,0% no final do mandato
152
.
151
Como exemplos de outros temas sobre os quais o deputado Eliseu Santos discorreu em 1999, cabe
citar: discutiu o abono de faltas de servidores grevistas da Brigada Militar; pediu a ampliação das
frentes de trabalho na avenida Assis Brasil, em Porto Alegre; abordou o conceito de morte de policiais
em serviço; solicitou a inclusão, nos Anais do legislativo, de documentos de redação oficial da
Brigada Militar; homenageou o Jornal do Comércio; comentou sobre uma liminar que altera a
estrutura de informações do Diário Oficial e congratulou-se pelo aniversário do jornal Correio do
Povo.
152
Em 2002, o deputado Eliseu Santos discutiu a autorização ao Instituto de Previdência do Estado do
Rio Grande do Sul – IPERGS – para alienar, mediante licitação, imóveis integrantes de seu
patrimônio; abordou a criação de cargos no Quadro Especial de Servidores Penitenciários do Estado e
a redistribuição de cargos nas especialidades de nível superior, além de parabenizar Dom Ivo
Lorscheiter, bispo de Santa Maria, pelos seus 50 anos de sacerdócio.
322
De um modo geral, destaque-se, ainda, que Eliseu Santos é o deputado evangélico que,
em maior número de vezes, pediu que textos seus, escritos para jornais locais ou outros órgãos
da imprensa, fossem registrados nos anais da Assembléia Legislativa.
No início da 50ª legislatura, o deputado estadual Manoel Maria era presidente da
Comissão de Economia e Desenvolvimento, sendo possivelmente esta a razão para tematizar
questões de economia em 12 (33,3%) de seus pronunciamentos de 1999. Entre estes, destaca-
se uma clara militância para tentar atrair investimentos estrangeiros para a indústria
automobilística do Estado. Há que se salientar que, nessa questão em particular, parte das
falas oficialmente classificadas como contendo uma temática da área econômica contém,
como pano de fundo, um posicionamento político-ideológico. Trata-se de um embate frontal
entre o partido de Manoel Maria e o Partido dos Trabalhadores, que se encontravam em
trincheiras opostas durante as discussões acerca da implantação de uma fábrica da indústria
automobilística Ford no Rio Grande do Sul. Além dessa questão em particular, o deputado
abordou a discussão sobre os produtos transgênicos. Embora o tenha feito a partir de sua ótica
de presidente da Comissão de Economia e Desenvolvimento, na qual enfatizou as questões
econômicas, salientou que setores da comunidade científica e entidades representativas das
áreas da agricultura e da saúde deveriam ser ouvidas e consideradas. Manoel Maria também
defendeu o Programa Primeiro Emprego, discutiu (em duas oportunidades) o Imposto sobre
Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, divulgou um painel no qual foram abordadas
as Perspectivas Econômicas para o Próximo Milênio (em duas comunicações), entre outros.
Em 2002, porém, temas econômicos estiveram presentes em apenas três (7,7%) dos
pronunciamentos de Manoel Maria, a saber: sobre a obrigatoriedade do fornecimento de notas
fiscais (em duas oportunidades) e acerca de assuntos ligados à Previdência do Estado. Dessa
forma, percebe-se um significativo decréscimo no interesse de Manoel Maria por temáticas da
área econômica ao longo desse mandato. Dificilmente o abandono das questões econômicas
323
do Estado poderia ser atribuído ao alcance de todas as metas nessa área, já que os seus
persistentes problemas são de conhecimento público. Os dados mostram que o deputado fez
uma mudança em suas prioridades, a considerar pelo conteúdo dos pronunciamentos no início
e no final do mandato em referência.
Uma manifestação (2,6%) prioritariamente de natureza política foi verificada em 2002,
quando o deputado Manoel Maria, da tribuna da Assembléia Legislativa, cumprimentou Luís
Inácio Lula da Silva pelos mais de 50 milhões de votos obtidos na eleição para a Presidência
do Brasil. Seu pronunciamento estava de acordo com a postura exigida naquele momento
político.
A segurança foi tema de nove (25,0%) pronunciamentos de Manoel Maria em 1999, a
saber: posicionando-se contra a fabricação e venda de armas de brinquedo (sobre o que voltou
a falar em 2002), defendendo maior segurança em caixas eletrônicos da rede bancária (tema
que retomou em um pronunciamento de 2002), abordando o desaparecimento de pessoas,
apoiando a indenização de vítimas de acidentes de trânsito (repetido em 2002), comentando a
Semana Nacional do Trânsito, requerendo a obrigatoriedade para o uso de placas de
identificação e sinalização em carroças e similares, agradecendo a aprovação de lei que versa
sobre a colocação de microcâmeras em caixas eletrônicos (tema abordado mais de uma vez) e
defendendo a obrigatoriedade de registro da carga horária de trabalho nos veículos de
transporte de cargas e passageiros, com vistas a evitar acidentes de trânsito devido à exaustão
dos motoristas. No último ano daquele mandato, 2002, o deputado manifestou-se seis vezes
(15,4%) acerca de temáticas ligadas à segurança, mantendo uma média semelhante ao início
daquela Legislatura. Referiu-se ao problema do consumo de bebidas alcoólicas por
motoristas, bem como defendeu a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas rodovias do
Estado. Essas duas falas estão relacionadas também, como se vê, com a questão da
dependência química, temática cara aos evangélicos pelo seu teor moral intrínseco. Também
324
defendeu a criação do Programa de Segurança Escolar no Estado, ressaltando a preocupação
com os altos índices da violência infantil. Esse pronunciamento, embora enfatize a questão da
segurança, tem ligação direta com a temática da educação.
O tema da educação não esteve presente nas manifestações de Manoel Maria em 1999.
Entretanto, ao final daquele mandato, em 2002, por três vezes (7,7%) o deputado citou, em
primeiro plano, a questão da educação. Propôs a inclusão da disciplina de História do Rio
Grande do Sul nas escolas públicas e privadas do Estado; falou da importância do livro
infantil, por ocasião da celebração do nascimento de Monteiro Lobato; além de manifestar
preocupação com os problemas de conservação de uma escola pública. Embora os aspectos
levantados não estejam entre as grandes questões ligadas à educação, pode-se dizer que fica
configurado algum crescimento na importância que essa área social passou a ter para o
representante da Igreja Quadrangular nesse período.
Sendo referida apenas três vezes (8,4 %) em 1999, a questão da saúde esteve presente
nos pronunciamentos de Manoel Maria da seguinte forma: alertando sobre a proibição da
adição de açúcar à erva-mate (tema que voltou a abordar em 2002); pedindo maior
fiscalização quanto ao tabagismo em recintos fechados, públicos e privados; além de uma fala
acerca de uma data comemorativa de uma instituição hospitalar. Saliente-se que uma das
manifestações referentes à saúde voltou-se à dependência química.
Já ao final do mandato, o representante da Igreja Quadrangular dobrou o número de
vezes em que se manifestou a respeito do tema saúde, que passou a representar 15,4% das
suas falas em 2002. Por duas vezes no último ano da 50ª legislatura, recomendou a
proibição do consumo de cigarros, charutos, cachimbos e assemelhados por professores e
funcionários em salas de aula. A dependência química, abordada somente uma vez no início
daquela legislatura, dobrou sua importância no final do mandato, representando 5,1 % das
325
falas do deputado. Ainda em 2002, em três oportunidades, Manoel Maria fez a defesa da
obrigatoriedade de que os restaurantes e estabelecimentos afins afixem a quantidade de
calorias dos alimentos por eles oferecidos. Os pronunciamentos voltados à saúde cresceram
ao longo daquele mandato, sinalizando para uma mudança nas prioridades da atuação do
deputado, segundo se pode perceber a partir da tabela 10, aqui comentada.
O foco temático da religião constou, em primeiro plano, em três (8,4 %) manifestações
de Manoel Maria em 1999. Referiu a Convenção Estadual da Igreja Quadrangular e, em duas
oportunidades, defendeu a instituição do Dia do Evangélico no Estado, assunto que voltou a
ser citado no final da legislatura, juntamente com uma homenagem a todos os missionários.
Em 2002, mantendo o número de três falas voltadas à religião, nesse ano representando 7,7 %
dos seus pronunciamentos, o deputado relatou sua viagem à sede da Igreja Quadrangular em
São Paulo. Também advogou a dispensa da exigência do alvará ou de licença para o
funcionamento de templos religiosos. Ainda que efetivamente relacionado ao tema religião,
esse último pronunciamento tem caráter corporativo, vindo em defesa de interesses da
instituição religiosa que o elegeu.
Além desses pronunciamentos, por duas ocasiões (5,5%) em 1999, Manoel Maria
tematizou o Código Estadual de Proteção aos Animais, já comentado nesse texto. Foi
classificado como temática ligada ao Meio Ambiente, em função de sua ênfase principal, que
teve por objetivo a proteção dos animais. Entretanto, estava endereçado também às religiões
de matriz africana, que se valem de sacrifícios de animais. Ou seja, possui uma questão
religiosa subjacente. Se somarmos estes pronunciamentos aos especificamente classificados
como voltados à religião, cinco de suas falas (13,9 %) tinham questões religiosas presentes.
O Código Estadual de Proteção aos Animais voltou a ser abordado pelo deputado, em 2002,
por sete vezes (17,9%). A insistência nesse assunto sugere que se constituía em uma
326
verdadeira prioridade de Manoel Maria, vindo a ser quase um “ponto de honra” em sua labuta
parlamentar. Esses sete pronunciamentos em 2002 foram somados a outros, também em
número de sete, voltados ao Meio Ambiente, o que representou um índice significativo no uso
da tribuna por parte desse parlamentar no último ano da 50ª legislatura: 35,6% de suas falas
em plenário.
Cabe mencionar, portanto, que a defesa dos animais acabou tornando-se uma
bandeira importante para o deputado no último ano daquela legislatura. Além da insistência
com a defesa do citado Projeto de Lei, Manoel Maria manifestou-se mais seis vezes,
ressaltando a necessidade de proteção dos direitos dos animais: por três vezes, falou contra
a exibição de animais em espetáculos circenses; além de apoiar o trabalho de grupos
voltados a essa temática, divulgou a Primeira Caminhada de Porto Alegre contra a
Crueldade com Animais (referida em duas ocasiões). Fora essas manifestações, registrou
uma fala voltada à preservação da natureza, em termos gerais. Dessa forma, nossa pesquisa
constatou que a proteção dos animais tornou-se uma ênfase do deputado ao longo daquela
legislatura.
A questão moral aparece em dois (5,5 %) pronunciamentos de Manoel Maria em 1999,
a saber, no que se refere a sua preocupação com a permissividade de sexo explícito em
programas de televisão, quando refere que providências deveriam ser tomadas contra a
situação. Além desse assunto, o deputado elogiou o ministro dos transportes por exonerar o
diretor financeiro do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER – e por afastar
o procurador-geral daquele órgão, acusados de corrupção. Em 2002, professou-se contrário ao
Programa Nacional de Direitos Humanos, o qual inclui a proposta de união civil entre
homossexuais. As temáticas de fundo moral estão em consonância com as convicções
defendidas pelo campo evangélico. Evitar o que consideram a banalização do sexo, banir a
327
corrupção do meio político e proibir a expansão dos direitos civis dos homossexuais integram,
entre outras, as prioridades dos parlamentares evangélicos.
Aqui cabe, novamente, a ressalva acerca da classificação dos pronunciamentos quanto
à moral. Não há necessidade de repetir os argumentos que demonstram a existência da
temática religiosa e moral, por exemplo, subjacente às falas que condenam o abuso de
substâncias químicas, como o alcoolismo e o tabagismo. Embora as manifestações visem a
saúde e/ou a segurança, carregam em seu bojo uma cosmovisão marcada pela moral
pentecostal.
Não podemos deixar de mencionar dois pronunciamentos (5,5%) feitos por Manoel
Maria no primeiro ano da 50ª legislatura, com temática claramente corporativista, uma vez
que versam sobre aumento de salário dos funcionários da Assembléia Legislativa, ou seja,
visa benefício próprio. A abordagem de questões corporativistas do poder público não
apareceu em 2002, exceto a já citada manifestação voltada a interesses institucionais das
denominações evangélicas, ao defender que sejam dispensadas da obrigatoriedade do alvará
de funcionamento.
Manoel Maria não alterou a média de temáticas diversas ao longo da 50ª legislatura,
não apresentando crescimento no foco ou na intencionalidade dos pronunciamentos. No
primeiro ano desse mandato, 8,4 % das falas versaram sobre temas diversos
153
, não perfilados
com qualquer ênfase em especial. Já em 2002, esse índice passou a 10,2%, relativo a quatro
153
Entre os temas diversos abordados pelo deputado Manoel Maria em 1999, citem-se: discutiu a
inclusão do município de Taquara na Região Metropolitana; homenageou Constance Lottici, líder
político desaparecido e abordou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, a seu ver, fere a autonomia dos
poderes.
328
pronunciamentos com fins aleatórios
154
.
Quanto ao deputado Paulo Moreira, cabe registrar que, em metade do período de seu
mandato, ele não fez uso da tribuna, não se pronunciando nos anos de 2000 e 2002. Em seu
primeiro pronunciamento, em 1999, declarou que sua postura será sempre coerente com a
doutrina de seu partido, o PTB. Não referiu sua denominação religiosa. Perguntamo-nos se a
maior fidelidade professada ao partido que à Igreja não seria o germe que levou o deputado a
perder o apoio dessa instituição. Como, no ano de 1999, Paulo Moreira fez uso da tribuna
somente duas vezes, essa fala de natureza política representa 50% de sua expressão
parlamentar no que tange aos pronunciamentos. Além do referido, abordou a criação de um
cadastro estadual de aparelhos de telefonia celular furtados ou roubados, classificado como
tema diverso.
Como nas páginas virtuais da Assembléia Legislativa não consta discurso algum no
ano de 2002, denotando que o deputado não fez uso da tribuna naquele ano, tomaremos o ano
de 2001 como base para estabelecer um biênio de comparação também para esse deputado na
análise de sua presença na tribuna. A menção da instituição religiosa que o elegeu apareceu
somente em um pronunciamento (25%) de 2001, quando, em nome da Igreja Universal,
agradeceu por seus pastores terem recebido autorização para entrarem em contato com a
população carcerária. Esse é seu único pronunciamento vinculado à questão da religião. De
resto, destaquem-se, ainda, duas manifestações (50%) de Paulo Moreira, cujo teor foi
154
No ano de 2002, além dos assuntos já referidos, o representante da Igreja Quadrangular
pronunciou-se sobre o Fundo de Compensação aos Registradores Civis das Pessoas Naturais –
FCRCPN – no Estado do Rio Grande do Sul. Discorreu acerca das condições e a efetivação do
trabalho dos presidiários do sistema penitenciário do Rio Grande do Sul. Informou que assumiu a
presidência do PARLASUL – Parlamento do Sul, órgão que congrega os Legislativos do Rio Grande
do Sul, de Santa Catarina, do Paraná e do Mato Grosso do Sul. Além disso, comentou a instituição do
Dia Estadual da Cultura no Rio Grande do Sul.
329
cumprimentar instituições de ensino pelo seu êxito, isto é, tematizaram a educação. Em uma
fala geral, o deputado dedicou o último de seus pronunciamentos (25%) a destacar a
importância do jornal Diário Gaúcho. Afora estes, o uso da tribuna por parte desse
representante da Igreja Universal foi pouco expressiva, tanto pelo número quanto pelo
conteúdo das falas.
É importante ressalvar que considerar tão somente o número de pronunciamentos pode
resultar em injustiça para com os deputados estudados e dar uma idéia deturpada da prática
parlamentar no que tange ao uso da tribuna. Falas relevantes, decisivas e altamente pertinentes
podem ocorrer em pequeno número, mas funcionaram como elementos fundamentais nas
discussões parlamentares, influindo com maestria em casos de conflitos internos, pautas
complicadas, temas polêmicos ou impasses de várias naturezas. Falar muito não é sinônimo
de trabalhar bem ou fazer a diferença, mesmo em um espaço em que as palavras têm grande
poder. Ainda assim, não podemos nos furtar de utilizar o critério numérico, embora o façamos
com cuidado, uma vez que pode trazer alguns indicativos do trabalho desses homens públicos.
A relevância e a especificidade de suas falas aparecem em nossa pesquisa na abordagem das
temáticas de seus pronunciamentos. A ênfase de nossa análise reside, portanto, nos conteúdos
e não, meramente, nas quantidades.
4.3.4 Terceira Síntese: o que dizem os Evangélicos na Tribuna
Em relação aos pronunciamentos dos parlamentares evangélicos, destacam-se os
deputados Manoel Maria e Eliseu Santos como muito ativos na tribuna. Os representantes da
Igreja Universal possuem uma atuação tímida em suas manifestações nas sessões plenárias.
Entre os que mais usam o microfone e os que pouco o fazem, encontra-se, num ponto
intermediário, o deputado Edemar Vargas.
330
Considerando as últimas legislaturas (especificamente a 49ª, 50ª e 51ª, conforme a
Tabela 8), nossa pesquisa verificou que o número de pronunciamentos dos deputados
evangélicos vem aumentando a cada mandato. Cabe uma ressalva em relação aos porta-vozes
da Igreja Universal, que, como instituição representada na Assembléia Legislativa, também
apresentou um crescimento no uso da tribuna de um deputado (Paulo Moreira) para outro
(Sérgio Peres), no que se refere ao critério numérico. Este evidencia diferenças expressivas
entre os parlamentares evangélicos, como a soma geral, que, considerando as três legislaturas
referidas, é de 276 (Manoel Maria) e de 278 (Eliseu Santos) para seis (Paulo Moreira).
Embora a quantidade de pronunciamentos não seja o único critério válido nessa análise, não
pode ser ignorado, como se vê.
Quando se trata de falar sobre questões ligadas à religião, novamente o destaque fica
por conta das Igrejas Assembléia de Deus e Quadrangular, com uma diferença: Eliseu Santos,
que se mostrou o mais presente orador entre os deputados evangélicos, neste quesito recua ao
nível dos representantes da Igreja Universal. Baseados na tabela 9, verificamos que o ex-
deputado Eliseu Santos apresentou dois pronunciamentos sobre temas ligados à religião por
legislatura, o que é muito próximo do apresentado por cada um dos representantes da Igreja
Universal: um pronunciamento por mandato (tanto Paulo Moreira quanto Sérgio Peres). Em
se tratando de abordar temáticas religiosas, surge mais vigoroso Edemar Vargas, para falar em
nome da Assembléia de Deus, sendo superado somente por Manoel Maria, que, nesse quesito,
é o porta-voz mais freqüente na tribuna, com onze manifestações com temática religiosa por
mandato.
Ao pesquisarmos as principais temáticas abordadas pelos deputados evangélicos em
dois anos da 50ª legislatura (tabela 10) constatamos que alguns tópicos inexistiram nos
pronunciamentos (aqui, portanto, não consideramos os Projetos de Lei) do representante da
Igreja Universal, como a moral, a agricultura, a economia, a segurança, os temas de natureza
331
corporativista, a saúde e o meio ambiente. Somente a educação, a política e a religião foram
abordados por Paulo Moreira, com menor ênfase para a última. Entre a lista das temáticas
detectadas pela pesquisa, somente a agricultura não constou, em primeiro plano, em fala
alguma do representante da Igreja Quadrangular. De resto, todos os tópicos apareceram, com
maior ou menor ênfase, nas manifestações de Manoel Maria, denotando a diversidade de seus
interesses. Suas prioridades residem na segurança e no meio ambiente.
Todos os temas dos pronunciamentos levantados pela pesquisa foram abordados em
primeiro plano pelos representantes da Igreja Assembléia de Deus; quando não por um, por
outro. Eliseu Santos apenas não colocou a educação como tema principal em algum de seus
pronunciamentos em 1999 ou 2002. A prioridade de suas manifestações no parlamento é a
política, com seus embates e polêmicas. Em segundo lugar, pronunciou-se acerca da saúde
enquanto área deficitária no Estado. Além destes, versou sobre os demais assuntos levantados
por nossa pesquisa. O outro representante dessa Igreja, deputado Edemar Vargas, não fez
referência, em primeiro plano, às seguintes temáticas: segurança, meio ambiente e temas
corporativos. Suas prioridades ao longo da 50ª legislatura foram a religião, em primeiro lugar,
e a agricultura.
O ambiente legislativo é marcado pela palavra, pelo embate político, pela negociação.
Consiste em um espaço privilegiado para bons oradores e pessoas habilidosas na articulação
política. Entretanto, não basta ser um sujeito eloqüente e ter propostas pessoais e partidárias
claras, apropriadas e viáveis. A arena em que são geradas ou abortadas as leis estaduais requer
um tipo específico de oratória, com vocabulário próprio. Para convencer os colegas
parlamentares não são suficientes a simpatia, a postura do deputado, o poder do partido ou o
segmento social representado pelo legislador. Todos os aspectos citados, juntos, são capazes –
ou não – de agregar adeptos às idéias defendidas na tribuna, nas comissões, na construção e
aprovação de Projetos de Lei. Embora diferenças pessoais existam e sejam desejáveis também
332
na Assembléia Legislativa, parlamentares tímidos, com menor escolaridade, entre outras
características, podem apresentar uma atuação mais pálida ou ficar à sombra de colegas.
Assim, questões pessoais dos próprios deputados podem ajudar a compreender as diferenças
constatadas na atuação dos parlamentares em estudo, somando-se aos argumentos
eclesiásticos e partidários.
A presente pesquisa constatou significativas diferenças na atuação parlamentar entre
os deputados, conseguindo verificar, inclusive, distinções entre as propostas das Igrejas
através da forma como seus representantes se movimentam na dinâmica do universo
legislativo gaúcho. Essas distinções foram sendo apontadas à medida que apareciam na
descrição dos tópicos deste capítulo.
Salvo os pronunciamentos e os Projetos de Lei que versaram sobre questões religiosas
ou morais, poucos efeitos de maior repercussão foram verificados em função da presença de
deputados evangélicos na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Contudo, não se
pode dizer que a atuação parlamentar desses deputados seja, por isso, inexpressiva. Nossa
pesquisa mostrou sua contribuição na proposição de leis com ganho social, através de projetos
acerca da dependência química, da segurança pública, da saúde e outras. A questão é que os
pronunciamentos e as sugestões à legislação com temáticas sociais poderiam também ter sido
realizadas por outro parlamentar, não ligado a uma denominação religiosa. Assim, não se
retira a importância do trabalho dos deputados evangélicos, mas se relativiza que esse possa
representar um diferencial por se tratar de parlamentares ligados à religião. Dessa forma,
entendemos que também se pode relativizar o temor de alguns, já citado em nosso texto, de
que a presença de religiosos no campo político poderia representar uma ameaça à democracia,
já que teriam em mente instalar uma hierocracia, ou teocracia. Esse risco não se constata no
ambiente do poder legislativo do Rio Grande do Sul e, a nosso ver, também não no restante
do campo político brasileiro.
333
No último capítulo do presente texto abordaremos as percepções dos membros das três
Igrejas pesquisadas acerca do envolvimento de suas denominações no campo político, em
especial no poder legislativo gaúcho. Procuraremos verificar se a leitura que a membresia faz
dessa relação entre essas duas esferas é semelhante – ou não – à descrita pelas lideranças
eclesiásticas e pelos próprios deputados ao longo dos capítulos três e quatro desta tese.
334
5 - PERCEPÇÃO DOS FIÉIS QUANTO AO ENVOLVIMENTO DE SUAS
IGREJAS NA POLÍTICA
Neste capítulo, temos o objetivo de avaliar como os freqüentadores dos cultos das
denominações aqui estudadas têm percebido a relação de suas instituições eclesiásticas com a
política. O capítulo baseia-se, principalmente, em uma pesquisa realizada entre 150 fiéis de
igrejas pentecostais que têm representantes na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Destes, 49 pertencem à Igreja Assembléia de Deus, 48 são da Igreja Quadrangular e 53
integram a Igreja Universal.
Na pesquisa, procuramos obedecer a dois critérios. O primeiro foi não restringir a
pesquisa a Porto Alegre, mas levantar dados também em outras cidades da região
metropolitana da capital gaúcha
155
. O segundo critério refere-se à não utilização das últimas
eleições para o legislativo municipal como material de pesquisa. Esta decisão metodológica
justifica-se por buscarmos averiguar se os fiéis acompanham o mandato parlamentar dos
deputados estaduais a quem confiaram seus votos, ou seja, mantivemos o foco de nossa
pesquisa. Além disso, as eleições para deputado haviam sido realizadas há mais tempo do que
o pleito para vereador. Desse modo, esperávamos que as pessoas respondessem não baseadas
apenas na memória recente, mas no acompanhamento do desempenho da vida parlamentar de
seus representantes. Assim, centramos nossa pesquisa no grau de conhecimento dos fiéis
sobre a prática parlamentar dos eleitos para o legislativo estadual nos últimos três anos.
155
Além de Porto Alegre, foram aplicados questionários nas cidades de Gravataí, Canoas, Esteio, São
Leopoldo, Novo Hamburgo e Campo Bom.
335
5.1 OS FIÉIS E A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E POLÍTICA
Antes de centrar nossa atenção no acompanhamento do trabalho parlamentar dos
evangélicos gaúchos por parte daqueles que os elegeram, buscamos saber se os fiéis das
instituições pesquisadas têm conhecimento do envolvimento das mesmas com a política
partidária e qual sua opinião acerca dessa inserção. A Tabela 1 oferece, de forma enxuta, uma
síntese das opiniões da membresia evangélica estudada sobre a participação de suas Igrejas na
política institucional.
Tabela 1
Opinião dos fiéis sobre a participação de suas igrejas na política
Participação da igreja na política %
Favorável 72, 0
Não favorável 11,3
Não souberam responder 16,7
Fonte: Pesquisa própria
Percebe-se que a grande maioria dos membros das Igrejas pentecostais estudadas é
favorável à relação de suas instituições religiosas com a política institucional. Ainda assim,
não pode passar despercebido o número de vozes contrárias a esse envolvimento. Uma em
cada dez não concorda que sua denominação se envolva na política, estando em consonância
com as resistências verificadas no seio dessas Igrejas, conforme descrito no capítulo 3.
Se considerarmos a visão dos fiéis sobre a participação das Igrejas na política,
classificando-as por denominação, verificaremos diferenças passíveis de análise entre as
instituições religiosas:
336
Quadro 1
Opinião dos fiéis sobre a participação na política, por denominação (%)
61,2
77,1 77,3
16,3
12,5
5,7
22,5
10,4
17,0
Favorável Não favorável Não souberam
responder
AD
IEQ
IURD
Fonte: Pesquisa própria
Como vemos, na Assembléia de Deus encontra-se o índice mais baixo de aprovação
do cruzamento entre religião e política. Um pouco mais de 61% dos membros percebe a
relação entre sua denominação e a política como benéfica, e, por conseguinte, 16,3% não a
vêem como conveniente, índice campeão dos contrários a esse envolvimento. É nessa
denominação, igualmente, que se verifica a maior percentagem de pessoas que não
souberam posicionar-se diante do assunto, 22,5%, indicando que, maior que a rejeição, é a
indefinição sobre como avaliar o movimento de sua instituição religiosa para dentro do
campo político. Somados os índices, encontramos o expressivo percentual de quase 40%,
isto é, 38,8% de membros da Assembléia de Deus que não endossam que sua Igreja adentre
a esfera política.
Na Igreja Quadrangular, 77,1% entendem como benéfica a citada relação, sendo
12,5% aqueles que não a aprovam, além de 10,4% que não souberam ou não quiseram
responder. Assim, são aproximadamente dois terços da Igreja que apóiam suas pretensões
político-partidárias, havendo um considerável equilíbrio entre os que as desaprovam e aqueles
337
que se mostram indecisos quanto aos projetos políticos da denominação.
Na Igreja Universal, são mais de 77% os que manifestaram concordância com o
envolvimento da instituição com o campo político, índice bastante próximo da Igreja
Quadrangular. Não obstante tratar-se de um percentual expressivo, talvez fique aquém do
que se imaginaria para o contexto da Igreja Universal. Digno de nota também é a
percentagem dos indecisos quanto aos supostos benefícios trazidos pela inserção na
política partidária: 17,0%, que se encontra em um ponto intermediário entre a Assembléia
de Deus e a Igreja Quadrangular. Nesse quesito, portanto, a Igreja Universal deixa de ser
uma extremidade para encontrar-se em uma posição central. Uma das possíveis
explicações para esse resultado talvez seja o fato de a maior parte dos entrevistados que
não se posicionaram nesta questão ser composta por aqueles que freqüentam a instituição
somente há, no máximo, três anos (entre um e três anos). O índice de 5,7% dos que não
vêem com bons olhos que sua denominação religiosa se aventure no mundo da política
não surpreende.
Na tabela 1, ficou demonstrado que quase 30% dos fiéis das denominações não são
favoráveis ou manifestaram-se indecisos quanto à relação entre sua denominação e a política.
Comparando esses dados com o Quadro 1, podemos afirmar que a maioria deles está
concentrada na Assembléia de Deus.
Tomando por base que mais de 70% dos evangélicos pesquisados mostraram-se
favoráveis a que suas instituições religiosas se imiscuam no campo político, deixemos de
lado, por um pouco, os números e atentemos para algumas das manifestações mais
representativas dessa posição.
Com poucas variações, as formulações a seguir representam as idéias mais citadas na
pesquisa. Nessas respostas, percebemos que a questão da moral é a porta de entrada das
338
comunidades pentecostais para o mundo da política, bem como a principal motivação para
apoiarem os candidatos indicados pelas denominações. Além da confiança na honestidade no
trato da coisa pública, outros aspectos também foram mencionados como importantes.
Portanto, incluindo a questão da honestidade, as pessoas entrevistadas favoráveis ao
envolvimento na política podem ser divididas naquelas que:
a) percebem os políticos evangélicos como bastiões da moralidade pública:
“Para mudar o mundo, só Deus, mas ajudaria muito, porque não existiria tantos
políticos corruptos no mundo” (fiel da Assembléia de Deus). “Porque não existiria tantos
políticos corruptos no Brasil e no mundo” (fiel da Assembléia de Deus). “Porque o
pensamento da minha Igreja beneficiaria a política” (fiel da Assembléia de Deus). “É um
início para mudar a política atual” (fiel da Assembléia de Deus). “É uma forma de moldar a
moral das pessoas” (fiel da Assembléia de Deus). “Eles fazem a defesa da moral religiosa na
sociedade” (fiel da Assembléia de Deus). “A pessoa que é verdadeiramente cristã, ela é uma
pessoa honesta, então a importância da gente se ver representado” (fiel da Igreja
Quadrangular). “É benéfico não só aos evangélicos, mas à sociedade que procura pessoas
honestas e capazes de seguirem princípios” (fiel da Igreja Quadrangular). “Eu sou a favor,
porque o homem evangélico na política ele é uma bênção, desde que ele esteja dentro da
palavra do Senhor e faça tudo correto” (fiel da Igreja Quadrangular). “Quanto mais
evangélicos, digo, cristãos, acho que só vai engrandecer o país” (fiel da Igreja Quadrangular).
“Porque sabem que são de Deus e não podem roubar” (fiel da Igreja Universal). “Talvez não
diretamente [benéfica] para a religião, mas às pessoas como um todo” [acréscimo nosso] (fiel
da Igreja Universal).
Como é possível ver nas manifestações acima, a pesquisa indica que os membros
consideram a honestidade de seus líderes religiosos e políticos o fator mais importante para a
339
participação de sua denominação no campo da política. Embora a honestidade seja fator
relevante na decisão do eleitorado brasileiro, conforme o survey aplicado pelo Estudo
Eleitoral Brasileiro (ESEB), esse atributo ganha especial relevância no meio evangélico, como
indica Bohn
156
(2004). Na pesquisa da autora, quando as pessoas foram perguntadas sobre
quais variáveis são importantes na escolha de um partido político, a maioria, em cada um dos
grupos, enfatizou a honestidade dos membros da legenda.
Chamou-nos a atenção a considerável freqüência com que algumas respostas eram
não apenas semelhantes, mas chegaram a ser iguais, mostrando uma padronização de
discurso. Nosso objetivo não integrava uma análise de discurso, mas não queríamos deixar
de referir esse elemento como interessante e, a nosso ver, sintomático, sugerindo uma
formatação a partir da instituição religiosa. Os questionários foram respondidos
individualmente, o que evitou a “cópia”. As repetições extrapolaram o que poderíamos
interpretar como coincidências. Na transcrição para este texto nos limitamos a incluir uma
ou outra repetição, apenas como amostra. Convencionamos que nosso foco estaria na
avaliação do tipo de argumentos dados, abrindo mão de um estudo mais detalhado desse
discurso.
Ademais, isso aponta também para o fato já conhecido de que as instituições
religiosas aqui estudadas possuem uma significativa influência sobre seus membros mais
assíduos, o que não significa dizer que haja um controle total. Para mostrar a importância
dessa influência, podemos cotejar os dados de nossa pesquisa com um survey pós-eleitoral
aplicado pelo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB). Essa pesquisa mostrou que as
156
Essa pesquisa, realizada entre os dias 31 de outubro e 28 de dezembro de 2002, “utilizou-se de uma
amostra probabilística sem substituição que abrangeu todas as regiões do país, num total de 2.513
entrevistas” (Bohn, 2004, p. 295).
340
informações das igrejas sobre os candidatos é muito importante, principalmente para os fiéis
evangélicos. Aproximadamente 11,6% dos pentecostais mencionaram a Igreja como sendo a
mais importante fonte na decisão acerca da escolha do candidato a presidência da
república
157
(Bohn, 2004).
b) entendem a participação na política como fator importante para a politização dos
próprios evangélicos:
“Ajuda a mudar o pensamento [dos fiéis] sobre a política” [acréscimo nosso] (fiel da
Assembléia de Deus). “Eu acho muito importante, pois nós, evangélicos, temos que estar
sempre bem informados em relação a nossa política. Aumenta a consciência política e faz o
povo chegar mais a Deus” (fiel da Igreja Quadrangular). Nenhum fiel da Igreja Universal
manifestou-se nesse sentido.
Essa forma de ver o envolvimento das Igrejas pesquisadas com o campo político,
depreendendo daí a possibilidade de um incremento na politização dos evangélicos,
demonstra que há adeptos cônscios de que a relação entre a religião e a política pode render
mais que apenas benefícios imediatos. Chama a atenção, porém, o acréscimo de um dos
membros pentecostais referir que a inserção política pode aproximar as pessoas de Deus.
Talvez a leitura realizada por esse fiel seja a de que, na medida em que a sua denominação
se envolve com a política, este fato pode atrair outras pessoas para suas comunidades, uma
vez que estar “bem informado” sobre a política significaria dizer que se trata de uma Igreja
voltada para as questões de ordem pública e não apenas de seu próprio meio.
157
Convém lembrar que esses dados consideram todas as igrejas e não somente as denominações
pentecostais aqui estudadas.
341
c) entendem a participação na política como fundamental para o avanço e a defesa
das denominações evangélicas, de seus pontos de vista, bem como para trazer benefícios
concretos à comunidade a qual pertencem:
É importante, pois defende as idéias de nossa religião” (fiel da Assembléia de
Deus). “Para ajudar nos problemas da Igreja” (fiel da Assembléia de Deus). “Através da
política, o político evangélico pode expressar seus atos” (fiel da Assembléia de Deus).
“Temos nossos representantes que defendem nossos ideais” (fiel da Assembléia de Deus).
“Variedade de religiões traz equilíbrio no poder legislativo, senão pode haver
manipulação ou desequilíbrio” (fiel da Assembléia de Deus). “Traz benefícios para a
comunidade” (fiel da Igreja Quadrangular). “O deputado ajuda na não-discriminação dos
evangélicos” (fiel da Igreja Quadrangular). “É benéfico, porque todas as outras
organizações sempre enviam representantes em todas as classes. É o exemplo do
magistério, até os gays hoje enviam e, nós, como igreja cristã, a gente apóia os nossos
líderes” (fiel da Igreja Quadrangular). “Todo segmento precisa ter sua representação,
defender os seus direitos básicos para alcançar uma sociedade mais justa e cristã” (fiel da
Igreja Quadrangular). “Para que a política seja feita como diz a palavra de Deus” (fiel da
Igreja Universal). “Deus pode guiar eles para dar força para nós manter os templos
abertos. Deus que vai ajudar eles, vai dar os passos para eles seguir, vai dar orientação
para eles, para eles manter nós aqui” (fiel da Igreja Universal). “Porque a palavra de Deus
tem que ser levada a todo o mundo e o político evangélico pode pregar a palavra de Deus
para que todos tenham a salvação” (fiel da Igreja Universal). “[É benéfico] porque são
favoráveis à Igreja” [acréscimo nosso] (fiel da Igreja Universal). “Pois ajuda a manter as
portas da Igreja Universal abertas” (fiel da Igreja Universal). “Porque eles vão estar
defendendo os direitos nossos e de todo povo também” (fiel da Igreja Universal). “Tem
que ter um servo de Deus lá, para poder ajudar nós, muita coisa dessa politicagem, a
342
Igreja fica muito desamparada” (fiel da Igreja Universal). “Porque apóia, em primeiro
lugar, a Igreja” (fiel da Igreja Universal). “Porque a Igreja cobra deles e os comanda” (fiel
da Igreja Universal).
Esses três conjuntos de opiniões demonstram haver uma harmonia entre a forma
como a membresia das denominações pesquisadas e as lideranças eclesiásticas percebem a
relação de sua Igreja com o campo político. Transparece também uma sintonia entre os
argumentos destes, ainda que expressos com outras palavras, e os políticos que os
representam.
Analisando essas manifestações como um todo, temos, então, que as opiniões
dividem-se em: 1) uma concepção de interesse público da política, pois ela pode ajudar a
melhorar ou piorar a vida das pessoas, uma vez que, para estes fiéis, a honestidade, por si
mesma, está associada com a melhoria da política
158
. Além disso, foi referido que o
envolvimento da denominação com a política pode ajudar os fiéis a se interessarem mais pelas
questões de ordem política (embora essa seja uma percepção pouco representativa); 2) uma
concepção de interesse institucional, pois a vinculação denominacional com a política seria
benéfica à comunidade religiosa (da Igreja e de sua membresia). Como vimos, essas visões
não se encontram totalmente separadas uma da outra.
Com relação às falas dos participantes dos cultos da Igreja Universal, chama a
atenção, mas não surpreende, a existência de um grande temor por parte destes, muito
provavelmente alimentado por seus pastores, de que, se a Igreja Universal não se envolver na
158
No survey acima citado, quando as pessoas foram perguntadas sobre quais variáveis são
importantes na escolha de um partido político, a maioria, em cada um dos grupos, enfatizou a
honestidade dos membros da legenda (Bohn, 2004).
343
política, ela poderá “fechar suas portas”, pois “lá tem muita politicagem”
159
. Assim, os fiéis
dessa denominação não sentem tanta dificuldade de aceitarem seus pastores como deputados
ou vereadores. Rolim relata a fala de um participante da Igreja Universal: “eu acho que os
pastores não só podem como devem se candidatar para serem eleitos deputados e vereadores
porque assim podem lutar pela nossa igreja” (1994, p. 76). Essa manifestação faz lembrar as
palavras do Deputado Sérgio Peres, que afirmou ser importante o envolvimento da Igreja
Universal na política, pois essa posição permitiria à Igreja ter mais força na hora de negociar
com os “poderosos” que a ameaçavam. Assim, para ele, a política serve como uma “moeda de
troca”. Transparece, nessa visão, novamente, a cosmologia da “Batalha Espiritual”, já
abordada em nosso capítulo três.
Vejamos agora a opinião dos fiéis que se manifestaram contrários à conjunção entre
religião e política ou dos que ainda não têm uma posição firmada sobre o assunto ou que são
indiferentes a essa relação. Então, existem:
1) aqueles que entendem a política como algo demoníaco, ou um lugar onde os
cristãos estão demasiadamente submetidos a tentações:
“Política é coisa do diabo” (fiel da Assembléia de Deus). “Correria o risco dessa
pessoa se corromper e assim perderia a graça de Deus” (fiel da Assembléia de Deus). “Não
concordo com a política” (fiel da Assembléia de Deus). “Não se deve misturar política com
159
Conforme Valdemar Figueredo Filho (2004), que realizou o acompanhamento da Folha Universal
entre agosto e dezembro de 2001, a Igreja Universal utiliza, com freqüência, nesse veículo de
comunicação, o discurso persecutório como justificativa para seu envolvimento na política. Conforme
suas palavras, a Folha Universal afirma que, se a Igreja não estabelecer uma estrutura política que se
mostre sólida e firme, o Estado a perseguirá e prejudicará. No entender dessa denominação, o Estado
segue mantendo-se submetido à Igreja Católica. Colocar-se como uma Igreja que sofre perseguição
integra uma eficaz estratégia de defesa na esfera política. O discurso político dessa instituição religiosa
é usado para justificar sua participação na política, já que refere perigos aos quais a Igreja estaria
sujeita. Depreende-se daí que a política está sujeita ao que interessa à Igreja.
344
religião” (fiel da Assembléia de Deus). “Nós trabalhamos para a Igreja, não para a política”
(fiel da Assembléia de Deus). “Acho que não se deve misturar política e religião” (fiel da
Igreja Quadrangular). “A política corrói o mundo” (fiel da Igreja Universal). “A pessoa
poderia mudar por causa da política” (fiel da Igreja Universal). “Porque não tem nada a ver”
(fiel da Igreja Universal).
Constatamos, portanto, haver resistências ao envolvimento da instituição religiosa com
o campo político com base no temor de que o crente não resista aos perigos do mundo da
política, numa concepção que visa à proteção do sujeito que adentra o ambiente político-
institucional. Naturalmente, são apresentados argumentos que justificam o dever de afastar-se
da política. A compreensão da política como algo diabólico e corrosivo é visível nesses
fragmentos de entrevistas, que, em frases claras e, por que não dizer lapidares, desnudam essa
visão, sem deixar dúvidas.
2) os que são indiferentes ou sem uma posição firmada:
“Não ligo para a política” (fiel da Assembléia de Deus). “Depende do político” (fiel da
Igreja Quadrangular). “Depende da pessoa, se tem que ver quais os objetivos desse político,
ou seja, se ele vai fazer algo de cunho social ou algo baseado na religião” (fiel da Igreja
Quadrangular). “Não sou ligado em política” (fiel da Igreja Universal).
Como demonstramos no quadro 1, o menor índice de indecisão frente ao envolvimento
da Igreja com o plano da política partidária foi encontrado na Igreja Quadrangular. Os
resultados de nossa pesquisa indicam tratar-se da denominação com maior firmeza nas
posições sustentadas entre os fiéis: ou são favoráveis ou não apóiam o envolvimento com a
política. Aproximadamente 1/10 (um décimo) da membresia quadrangular é indecisa quanto a
essa questão.
345
A considerável margem de pessoas da Igreja Assembléia de Deus que não souberam
responder se eram favoráveis ou não à relação entre sua denominação e a política pode indicar
uma necessidade de maior reflexão acerca dessa temática. Isso pode ser inferido, uma vez que
uma percentagem considerável de membros dessa denominação são contrários a essa relação,
incluindo alguns de seus pastores. Dessa forma, pode-se supor que o assunto ainda não está
suficientemente digerido nessa fatia do segmento pentecostal. Nesse caso, pode ter havido
fragilidades na estratégia interna da Igreja com vistas ao convencimento de sua membresia
para essa questão.
A Igreja Universal, como sabemos, ocupa um considerável tempo de seus cultos
em períodos eleitorais para convencer seus fiéis da necessidade de votarem nos candidatos
da denominação. Como entre os membros há apenas um pequeno percentual que não
aceita tal relação, os que manifestaram dúvidas quanto a como posicionar-se, podem,
realmente, ser considerados indecisos e não apenas reticentes em relação ao envolvimento
com a política institucional. Considerando o alto investimento na propagação das
candidaturas da Igreja Universal junto a sua membresia, o índice de indecisos pode ser
considerado alto. Seria de se supor uma maior distância desse quesito entre a Igreja
Universal e a Assembléia de Deus.
Embora um significativo número de evangélicos se mostre indiferentes à política,
inclusive acenando para a ausência de uma preferência em relação a candidatos ou partidos,
essas falas não significam que os fiéis indecisos vão deixar de votar como lhe sugerir a sua
Igreja. É o mais provável que, justamente por não possuírem uma posição firme e pessoal,
acabam endossando as proposições da Igreja no momento das eleições.
346
As indicações dos líderes eclesiásticos para os pleitos eleitorais no meio evangélico
são de fundamental importância
160
. Apesar da pesquisa de Bohn procurar saber como ocorre
a escolha partidária dos fiéis, os dados por ela encontrados são significativos e vão em direção
ao que aqui apontamos:
O apoio de autoridades religiosas, por sua vez, é o fator que
distingue o segmento evangélico dos demais grupos. Cerca de 19,1%
deles elegeram esse quesito como critério fundamental para a decisão
acerca da escolha partidária. O que importa salientar é a magnitude
desse valor na comparação com os demais grupos religiosos. Pode-se
dizer que a importância atribuída, pelos evangélicos, ao apoio de
autoridades da Igreja é mais de duas vezes maior que o peso dado
pelos católicos a esse mesmo fator; quatro vezes maior que do que o
peso dado pelos membros do candomblé e umbanda; e, por razões
óbvias, mais de oito vezes maior do que o impacto dessa fonte para a
decisão das pessoas sem religião. Entre os kardecistas, essa variável
simplesmente não pesa na escolha partidária. (Bohn, 2004, p. 334).
Por fim, fazendo um balanço das opiniões expressas pelos participantes das
denominações estudadas
161
, vale a pena notar a distinção que ocorre, principalmente, entre os
discursos de membros da Assembléia de Deus e da Igreja Universal, uma vez que mantêm
uma grande diferença entre elas.
Em primeiro lugar, as pessoas ligadas à Assembléia de Deus, quando favoráveis à
intersecção entre religião e política, a grande maioria elegeu a honestidade como motivação
160
Outro aspecto interessante da análise dessa pesquisa é a de que, “tal como os católicos, os
evangélicos são pouco expostos aos meios de comunicação de massa, ao mesmo tempo em que
(diferentemente de qualquer grupo religioso) têm um grau bastante elevado de exposição às
autoridades religiosas de seus respectivos cultos. Como mencionamos anteriormente, essa carência de
exposição às fontes de informação midiáticas transforma o público evangélico num segmento
altamente passível de mobilização por parte dos líderes evangélicos – caso seja essa a decisão da
hierarquia religiosa. Isso significa que os eleitores evangélicos, se mobilizados, podem a vir se
interessar mais pelo universo político-eleitoral” (Bohn, 2004, p. 335).
161
Como nem todas as pessoas responderam a razão pela qual apóiam ou são contrárias, ou até mesmo
não souberam descrever os motivos de sua indecisão frente à relação entre sua denominação e a
política, não é possível dar a esses dados um tratamento quantitativo.
347
primeira para a necessidade dessa relação. Por outro lado, os participantes da Igreja Universal
centram suas motivações para a sua denominação religiosa envolver-se com a política na
defesa dos interesses da sua Igreja e tendem a usar um discurso vinculado ao sentimento
persecutório e à Batalha Espiritual
162
.
Por outro lado, diversos membros da Assembléia de Deus contrários à relação entre
sua denominação e a política entendem que a “política é coisa do diabo”, o que desmonta
qualquer possibilidade de evoluir na reflexão se o intercâmbio entre essas duas esferas sociais
é desejável ou não. Outros, mais ponderados, ainda que também contrários à inserção na
política, pensam que esta se constitui em um espaço de possibilidade de “perda da graça de
Deus”. Os adeptos da Igreja Universal que se colocam contrários a essa intersecção de planos
sociais, valem-se praticamente do mesmo discurso usado pelas pessoas de outras
denominações.
Aqueles que percebem a política como um espaço demoníaco, vêem nela perigos para
a espiritualidade do político evangélico. O campo político é entendido como um lugar
propício à corrupção. Se o cristão envolver-se com a política e “cair em tentação”, afastar-se-á
da fé. Nesse sentido, as manifestações contrárias mais fortes são colocadas por fiéis da
Assembléia de Deus. Esta também foi a observação realizada por Rolim (1994), sobretudo
162
Conforme a cientista política Simone Bohn (2004), a pesquisa do ESEB revela que, por um lado,
não existe tendência de as classes mais baixas sentirem-se atraídas pelas denominações pentecostais.
Com exceção do Kardecismo e das igrejas protestantes históricas, a população de mais baixa renda
distribui-se uniformemente entre as diversas igrejas, inclusive a católica e entre aqueles que se
professam sem religião. Ademais, quando se relaciona escolaridade e a escolha de denominações, ela
constata que mais da metade dos participantes dos cultos da Igreja Universal possuem o ensino
fundamental completo e cerca de 33% contam com o ensino médio concluído. Já no caso da
Assembléia de Deus, quanto maior o nível educacional menor é a probabilidade de uma pessoa
escolher a Assembléia de Deus. Para nós, isto demonstra que o discurso acerca da Batalha Espiritual
não é algo afeito apenas a uma cosmologia das classes empobrecidas. Ao contrário, essa visão
espiritualizada sobre a realidade está presente nos mais diversos estratos sociais.
348
com relação aos crentes da Assembléia de Deus que não aceitam com facilidade que os
pastores de suas igrejas assumam cargos públicos. Para muitos deles, a política é impura,
corrompe e consome muito tempo destes que deveriam consagrar-se aos trabalhos da Igreja.
Ou seja, a distinção entre os evangélicos das três denominações estudadas na Grande
Porto Alegre encontra-se nas motivações que os levam a participar do processo político
eleitoral e não nos argumentos utilizados para se mostrarem contrários a esse envolvimento.
Com relação aos argumentos favoráveis à intersecção entre a denominação e a política
institucional, para os integrantes da Igreja Universal, a política consiste em um espaço do mal,
demoníaco, que deve ser “resgatado para Deus”. Todavia, para alguns adeptos da Assembléia
de Deus, a política representa um âmbito de maior provação para o cristão
163
. Assim sendo,
deveria ser evitada para o bem espiritual do postulante ao cargo público. Em comum, essas
duas formas de ver a política lhe atribuem relação com o mal. Diferenciam-se, porém, na
postura que o crente deve adotar diante da política: aproximar-se para purificá-la ou afastar-se
dela. Dessa forma, entre outros aspectos, as distintas cosmovisões religiosas sugerem
posturas diferenciadas ante o exercício do votar.
De certa forma, a Igreja Universal recoloca a questão da política, aceitando a
afirmação de certo senso comum evangélico de que a política é lugar impuro, sendo coisa
demoníaca. A instituição religiosa não se coloca contra o senso comum de que a política é
algo negativo, mas resignifica esse conceito no discurso da Batalha Espiritual. Ou seja, a
Igreja Universal afirma algo como negativo para melhor poder combatê-lo. O mesmo
esquema discursivo aplicado aos orixás é aplicado à política (Oro, 2001c; Semán, 2001).
163
Essa percepção foi revelada não apenas por quem discordava da interação entre as duas esferas em
referência, mas também por alguns que percebiam essa relação como benéfica.
349
Primeiro, é salientada a existência do mal corporificado na corrupção política. Uma vez
reconhecido este pressuposto pela comunidade de fiéis, estando delineado o inimigo, é hora
de combatê-lo pela força divina personificada na pessoa do pastor da Igreja Universal, ou do
político oriundo das fileiras dessa denominação. Com esse discurso, faz-se o esforço de
vender aos fiéis a idéia de que a política, por si só, não é ruim. O problema reside nas pessoas
que dela tomam parte.
No episódio do chute na santa
164
, enquanto o pastor Sérgio Von Helde, da Igreja
Universal, falava sobre a santa, alegando ser inútil idolatrá-la, nada se podia fazer. Quando
seu discurso passou para um ato concreto, especificamente físico, ele tornou-se uma afronta
concreta de desrespeito à outra denominação religiosa. Em termos discursivos, a lógica
permanece bastante parecida. Em lugar de “chutar a política”
165
, a Igreja Universal procura
ocupar um espaço de luta contra as forças malignas, já não mais contra o que entende como a
idolatria católica, nem combatendo os orixás das religiões afro-brasileiras, mas contra os
alegados maus e corruptos políticos, bem como o próprio espaço de corrupção que a política
supostamente oferece. Assim como entende ser necessário tirar os “idólatras” do catolicismo,
trazendo-os para a Igreja Universal, que seria a religião mais fiel aos princípios bíblicos. O
mesmo valeria para os credos de matriz africana, considerados no meio evangélico como
sendo religiões demoníacas. A exemplo da postura diante das religiões criticadas, faz-se
necessário, acreditam, combater a má política, enfrentando-a. Daí ao convencimento dos
participantes a votarem nos candidatos apoiados pela denominação, trata-se de um pequeno
passo, pois a lógica persiste. Em contraposição, na Assembléia de Deus, o discurso da Batalha
164
Acerca desse episódio, leia-se Giumbelli (2003).
165
A postura de repelir ou ignorar a política caracteriza, por exemplo, a Igreja Deus é Amor, que
recomenda a seus membros votarem em branco ou anularem seu voto.
350
Espiritual não foi percebido tão forte e insistentemente em seus cultos e tampouco em suas
falas sobre suas motivações favoráveis ao envolvimento da religião com a política.
Constata-se, portanto, que as instituições religiosas pesquisadas partem de um mesmo
princípio, qual seja, que a relação dos cristãos com o mundo, de modo geral, é complicada e
desvantajosa para os fiéis. Mas, desse princípio comum, surgem, no mínimo, duas diferentes
atitudes.
A primeira e, aparentemente, a mais aceita, é a convicção de que a relação do cristão
com o mundo (neste caso, com a política) deve ser aprofundada. Esse contato é entendido como
benéfico para as Igrejas que mantêm os políticos a elas ligados, e para a sociedade como um
todo, já que esses homens públicos são identificados como honestos e pessoas de princípios. A
segunda, que é contrária à relação entre religião e política, é a percepção desse contato como
sendo uma armadilha para a vida do cristão. Nossa pesquisa mostra que essa última posição é
minoritária. Para os entrevistados que sustentam essa convicção, o fiel deve abster-se desse
envolvimento na política, identificada como um lugar de corrupção e de grandes tentações.
Por conseguinte, os males de uma sociedade capitalista emergente como a brasileira
não são percebidos como estruturais, mas relegados à ordem espiritual. Para os evangélicos
que assim pensam, o problema centra-se sobre a moral individual e religiosa do Brasil e de
cada político. Essa postura permite aos evangélicos em geral realizar alianças bastante
díspares com os segmentos políticos. Em outras palavras, suas opções não se pautam por
referenciais ideológicos políticos precisos, como vimos no capítulo anterior.
Assim, a concepção sobre o que representaria as forças maléficas não é imutável. Sua
lógica, porém, parece não se alterar. De qualquer forma, essa compreensão sobre o que seja o
mal pode variar de denominação para denominação. De igual modo, o que hoje pode ser
percebido por uma instituição religiosa como encarnação do mal, pode modificar-se no
351
transcorrer do tempo, na medida em que ocorra embate entre forças sociais no espectro
público. Dessa forma, podemos entender melhor o que disse o ex-deputado Carlos Rodrigues
a respeito da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República:
“Fabricamos o veneno. Por isso, sabemos qual o antídoto” (Machado e Mariz, 2004, p. 37).
De qualquer forma, parece-nos paradoxal a forma como os membros, sobretudo os da
Assembléia de Deus, vêem a relação entre religião e política. Por um lado, 61,2% dos fiéis
entrevistados entendem ser positivo esse intercâmbio, mas, no último pleito para o legislativo
municipal, em 2004, a Assembléia de Deus não conseguiu eleger nenhum de seus candidatos.
Será apenas porque seus votos se pulverizam entre muitas candidaturas? A nosso ver, a
atitude frente às urnas depende da cosmovisão que a instituição religiosa passa a seus fiéis
com respeito à relação entre o cristão e o mundo que o rodeia.
Parece-nos que a Assembléia de Deus é portadora de uma cosmovisão mais secular,
onde as pessoas são chamadas a serem indivíduos autônomos, baseados mais na questão ética
e reflexiva, do que na dimensão ético-mágica, mais presente na Igreja Universal.
De qualquer forma, permanece válida a sugestão de Ari Pedro Oro (2001c), para quem
obter ou não o sucesso nos pleitos eleitorais está intimamente ligado à estrutura
organizacional das denominações. Quanto mais hierárquica e vertical é a forma como a
nominata de representantes da instituição religiosa é colocada, mais sucesso obtém nas urnas.
É o caso da Igreja Quadrangular e da Igreja Universal. Como já explanado nos dois capítulos
anteriores, a Assembléia de Deus, que conta com uma estrutura mais congregacional,
horizontal e democrática, é a que menos êxito vem obtendo na conquista de vagas nos
legislativos, ao menos no Rio Grande do Sul.
352
5.2 GRAU DE ACOMPANHAMENTO DOS FIÉIS FRENTE A SEUS REPRESENTANTES
POLÍTICOS
Como vimos na parte inicial deste capítulo, nossa pesquisa constatou que, de um modo
geral, os evangélicos pentecostais apresentam uma compreensão positiva sobre a relação entre
religião e política (72%). Por outro lado, veremos agora como esses fiéis acompanham
efetivamente os trabalhos dos políticos por eles eleitos. Para aferir isto, fizemos três perguntas
aos fiéis, a saber: 1) se sabiam dizer da existência – ou não – de deputados estaduais ligados à
sua denominação; 2) em caso afirmativo, se saberiam nomear estes políticos; 3) se saberiam
dizer algo realizado pelos mesmos em seu trabalho como deputados.
Quadro 2
Conhecimento dos fiéis sobre a atividade política
dos representantes de suas denominações
60,7
32,7
24,0
Souberam dizer da
existência de deputados
estaduais ligados a sua
denominão (%)
Conseguiram nominar
estes políticos (%)
Souberam referir algo
realizado por estes
políticos em seu
mandato (%)
Fonte: Pesquisa própria
Conforme o quadro acima, verificamos que um pouco mais de 60% dos entrevistados
sabem da existência de deputados estaduais ligados a sua denominação religiosa. Contudo,
esse número sofre um decréscimo quando relacionado aos fiéis que efetivamente sabem
nominar os políticos ligados a sua denominação religiosa: 32,7%. Essa tendência de queda
353
confirma-se quando os fiéis são questionados a respeito das realizações desses políticos.
Foram 24,0% dos entrevistados os que declararam alguma realização dos políticos
evangélicos. Ou seja, menos de 1/4 (um quarto) dos fiéis presta atenção àquilo que os
representantes de sua Igreja fazem na Assembléia Legislativa.
Para efeitos de comparação, uma pesquisa realizada em Santa Catarina revelou que
23% do eleitorado lembra em quem votou para deputado estadual (Loetz, 1998), enquanto
entre os evangélicos quase 33% deles recordam-se do nome de deputados ligados a suas
denominações. Já em São Paulo, uma pesquisa Datafolha mostrou que 72% dos
entrevistados não se lembram em quem votaram para vereador na última eleição
(Marinheiro, 2000). Ou seja, 28% conseguem referir o nome dos que foram presenteados
com seu voto nas últimas eleições. Diante desses números, podemos dizer que o
conhecimento do eleitorado quanto aos políticos das denominações pesquisadas supera a
média
166
. Mesmo assim, os índices levantados entre os pentecostais podem ser considerados
baixos, uma vez que nossa pesquisa mostrou que mais de 70% deles são favoráveis às
candidaturas de evangélicos como representantes de suas Igrejas. A partir desse dado,
poder-se-ia pressupor uma relação mais estreita entre os políticos evangélicos e o seu
eleitorado, já que o universo de possibilidades de candidatos a serem votados - e
acompanhados - se restringe a um ou dois nomes por denominação. No entanto, isso não
ocorre. Quais poderiam ser as razões para esse fato?
Baseados no quadro 2, formulamos duas observações complementares entre si. A
166
Devemos lembrar que a pesquisa Novo Nascimento (Fernandes, 1996) constatou a baixa
participação cívica entre os evangélicos, mas considerada semelhante ao da população em geral.
Contudo, a relação ou o contato entre evangélicos da região metropolitana do Rio de Janeiro e seus
representantes políticos foi expressivamente mais intensa do que a da população em geral.
354
primeira é a de que os evangélicos não assumem suas posturas de cidadãos muito mais do que
a grande maioria do povo brasileiro. Sabe-se que a cultura de cobrança do eleitor sobre o
eleito é pequena (Fernandes, 1996).
De qualquer forma, se comparados com a população brasileira em geral, talvez seja
possível dizer que, nesse quesito, a afinidade religiosa entre os fiéis e os políticos por eles
eleitos motiva um acompanhamento maior da prática parlamentar que o verificado no amplo
eleitorado brasileiro. Em nossa pesquisa, constatamos que quase 25% dos entrevistados
sabiam dizer algo sobre os projetos e a atuação dos deputados estaduais alçados ao legislativo
gaúcho através do voto evangélico
167
.
A segunda observação a ser feita é que os pentecostais pesquisados que acompanham
os deputados por eles eleitos referiram-se apenas aos projetos que dizem respeito às questões
morais. Certamente, se algum desses parlamentares votasse a favor de alguma lei contrária à
cosmovisão da moral religiosa de sua denominação, rapidamente os fiéis o saberiam e o
questionariam. Essa afirmação pode muito bem ser medida pelas palavras do ex-vereador
Eliseu Sabino, pastor da Assembléia de Deus:
Realmente, nós somos muito policiados. Aliás, o
parlamentar evangélico é mais policiado por quem não é crente do
que por quem é crente. [...] Nós todos temos como norma votar as
leis de acordo com as normas da Igreja. Se a Igreja propõe algo e
o partido o inverso, ficamos com a Igreja. Até porque é o
seguinte: a Igreja, que é onde estão os teus eleitores, ela julga os
teus atos.
Por conseguinte, ao acompanharem o desempenho dos políticos a elas ligados, os
167
Estudos que levantem informações a respeito do controle social sobre a atividade dos políticos
eleitos pela sociedade brasileira são importantes, e oferecê-los a partir da academia representa uma
contribuição valiosa, independente do recorte contemplado.
355
evangélicos dessas Igrejas não o fazem prioritariamente senão enquanto controle sobre as
questões morais-religiosas, sobretudo se algo realizado pelo político evangélico for, do ponto
de vista dos fiéis, um atentado à moral. Esse é o específico para o qual, para eles, justifica-se a
existência de evangélicos na política. Para os participantes dessas denominações, a questão da
moral religiosa é de grande relevância.
Essa questão foi verificada em nossa pesquisa através de outra pergunta colocada
aos fiéis das três Igrejas em estudo: a moral religiosa
168
deve estar presente no trabalho de
um político eleito pela Igreja? Integrando os dados dos adeptos das três instituições, a
resposta foi afirmativa a essa questão em 73,1% das vezes; 6,8% dos entrevistados
consideram desnecessária a presença da moral religiosa no exercício parlamentar e 20,1%
das pessoas estão indecisas quanto à importância de sustentar essas convicções no
trabalho político. Vejamos como essa questão ficou distribuída por denominação
pesquisada.
Tabela 2
A moral religiosa deve estar presente no trabalho de um político? (%)
Denominações Sim Não Não sabe
Assembléia de Deus 67,3 8,2 24,5
Igreja Quadrangular 70,9 8,3 20,8
Igreja Universal 81,1 3,8 15,1
Fonte: Pesquisa própria
Novamente temos a Assembléia de Deus e a Igreja Universal em pontas opostas. Esses
dados, comparados àqueles que indicam a opinião dos fiéis quanto à inserção das
denominações na política é bastante congruente. Primeiro, assim como encontramos na
168
Em caso de dificuldades na compreensão dessa expressão, o pesquisador a trocava em miúdos por
ocasião da coleta de dados.
356
Assembléia de Deus a menor média de participantes favoráveis à relação entre religião e
política, também aqui esse padrão se manifesta. Uma possível explicação pode ser a de que os
membros dessa denominação que desaprovam a intersecção entre a religião e a política
tenham respondido a essa questão com um não ou com um não sabe. A mesma explicação
serve para os participantes da Igreja Universal.
A discrepância fica por conta da Igreja Quadrangular. Enquanto 77,1% dos fiéis dessa
denominação percebem como positiva a inserção de sua denominação na política, apenas
70,9% pensam que a moral religiosa deve estar presente na atuação parlamentar desses
evangélicos. Evidencia-se, assim, uma diferença de quase 7%. Chamou-nos a atenção que
10,4% não sabem se a Igreja Quadrangular deve envolver-se com a política, o que sugere uma
tentativa de preservação do campo religioso, evitando misturá-lo com a esfera política.
Contudo, uma vez eleito o político evangélico, 20,8% desses mesmos membros não sabem se
a moral religiosa deve ou não estar presente na atividade parlamentar. Temos aí uma
diferença, portanto, de mais de 10%. Como compreender esses dados? Estariam eles
apontando para uma região nebulosa, sem uma resposta conclusiva, ou estaríamos vendo
eleitores “com traços de esquizofrenia política” (Santos, 2001, p. 104)? Ou estamos
presenciando situações de esquizofrenia religiosa?
Outra questão se coloca: ainda que 24,2% dos entrevistados tenham sabido dizer
algo sobre o que os políticos ligados às Igrejas evangélicas haviam realizado como
deputados estaduais, nem sempre as respostas estavam relacionadas diretamente à prática
legislativa.
Desse universo de 24,2%, mais da metade, 65,7%, lembraram de aspectos não
diretamente ligados ao fazer legislativo, como, por exemplo: ajuda médica a familiares,
357
doação financeira para reforma de templos, auxílio a programas denominacionais de
recuperação a dependentes químicos, suporte financeiro a escolas de vilas empobrecidas,
entre outros
169
. Nossa pesquisa revela, portanto, que os restantes 34,3% dos entrevistados
lembraram de aspectos diretamente ligados ao trabalho parlamentar. Em outras palavras,
significa dizer que pouco menos de 10% do universo total de 150 pessoas pesquisadas citou
projetos ou leis encaminhadas por esses deputados.
Além disso, pode-se perceber que, em grande parte, a relação estabelecida entre fiéis e
políticos foi de caráter clientelista. Freqüentando os gabinetes dos deputados estaduais dos
mais diversos partidos, ligados ou não a alguma instituição religiosa ou não, foi possível
observar, ao longo de nossa pesquisa, uma afluência de pedintes dos mais diversos matizes:
de prefeitos a mendicantes. Estabelece-se, então, uma relação assistencial-clientelista. Mas,
além disso, como vimos acima, muitas das questões lembradas pelos fiéis como realizações
importantes dos deputados ligados a suas Igrejas se situam naquilo que Machado (2003)
denominou de “clientelismo corporativista”
170
.
Vimos, no quadro 2, que 60,7% dos entrevistados sabiam da existência de
deputados ligados a sua denominação religiosa, e que 24% deles conheciam alguma
realização ou projetos defendidos por esses políticos, mesmo que não necessariamente
ligados a atividades-fim desses parlamentares. Mas vejamos como esses dados estão
169
Apesar de ser uma prática tradicional entre os legisladores do Rio Grande do Sul, somente em
junho de 2005 esta prática foi aprovada. Trata-se do Projeto de Decreto Legislativo, aprovado pelos
deputados, que autoriza a concessão de auxílios financeiros dados pelos deputados a entidades,
prefeituras e pessoas físicas. A partir deste decreto, cada parlamentar gaúcho tem o direito a dispor de
R$ 25.000,00, por ano, para esse fim (Extra Classe, 2005).
170
Essa realidade foi percebida por Bezerra (1999) e Kuschnir (2000) também entre não-
evangélicos. Ademais, eles procuram relativizar tal conceito, relacionando essa prática com
outras, delineando um quadro de relações simbólicas e não apenas que seguem regras pragmáticas.
358
distribuídos por denominação religiosa, ou seja, verifiquemos como os fiéis de cada uma
das denominações pesquisadas respondeu a essas questões.
Tabela 3
Conhecimento dos fiéis sobre a existência de deputados estaduais
ligados a sua denominação (%).
Denominações Sim Não
Assembléia de Deus 65,3 34,7
Igreja Quadrangular 63,2 36,8
Igreja Universal
56,6 43,4
Fonte: Pesquisa própria
Com relação à Igreja Universal, um dado curioso é levantado por esta tabela.
Segundo a pesquisa Novo Nascimento, de Fernandes (1996), realizada no Rio de Janeiro,
88% dos fiéis dessa Igreja ignoravam a presença de pastores em cargos políticos. Em
nossa pesquisa na Grande Porto Alegre, mais de 56% dos entrevistados da Igreja
Universal disseram ter conhecimento da existência de deputados ligados a sua
denominação religiosa. Ou seja: já que apenas 12% dos membros da Igreja Universal
carioca têm conhecimento sobre seus representantes em cargos políticos, a diferença que
se estabelece em relação a esse público no Rio Grande do Sul é de 44%, percentual muito
expressivo. Esse índice parece apontar para o fato de a Igreja Universal gaúcha estar
procurando, ao longo dos anos que separam estas duas pesquisas, dar maior visibilidade
aos políticos ligados à denominação
171
.
171
Conforme a pesquisa de Valdemar Figueredo Filho (2004), a seção sobre política na Folha
Universal procura revelar “a existência de um bloco coeso de representação política da Igreja. Foram
eleitos pela estrutura da Igreja e a ela prestam contas dos seus mandatos. Através do jornal, deixam
evidente que são fiéis às diretrizes do grupo religioso e são um bloco submisso à hierarquia da Igreja
Universal”.
359
Quando a questão pesquisada foi avaliar se o público evangélico lembra do nome
dos seus representantes no poder legislativo gaúcho, os resultados foram os seguintes:
Tabela 4
Conhecimento do nome do deputado estadual
ligado a sua denominação (%).
Denominações Sim Não
Assembléia de Deus 40,8 59,2
Igreja Quadrangular 45,8 54,2
Igreja Universal
13,2 86,8
Fonte: Pesquisa própria
Nossa pesquisa constatou que apenas 13,2% dos adeptos da Igreja Universal sabiam
dizer o nome de seu representante político. Ou seja, efetivamente, mais de 86% dos
entrevistados não souberam sequer nominar o deputado que os representa. Esse dado mostra-
se compatível com a pesquisa Novo Nascimento, já abordada neste capítulo. Por outro lado,
esse dado encontra-se abaixo da média, se comparado à pesquisa realizada em Santa Catarina
(Loetz, 1998) sobre essa questão, que era de 23%. Dessa maneira, podemos dizer que, hoje,
mais da metade (56,6%, conforme a tabela 3) dos fiéis da Igreja Universal sabe que sua
denominação se tem preocupado em levar à cena política representantes de suas fileiras.
Contudo, esses eleitores evangélicos pouco se preocupam em acompanhar o trabalho dos
religiosos que a membresia transformou em políticos. Certamente esse dado está apontando
para a maneira como o discurso sobre a política tem sido construído e, por conseguinte, como
a esfera política é encarada dentro dos templos da Igreja Universal. No próximo subcapítulo,
centraremos nossa atenção sobre possíveis compreensões desse fenômeno.
Por enquanto, chamamos a atenção para o fato de a Igreja Quadrangular apresentar um
alto percentual de conhecimento do nome do deputado estadual por ela eleito (45,8%). Dentre
os parlamentares evangélicos do Rio Grande do Sul, o deputado estadual Manoel Maria, da
360
Igreja Quadrangular, é o que mais tem conseguido angariar notoriedade para dentro dos
muros de sua denominação, em virtude, principalmente, de três leis por ele concebidas, já
abordadas em nosso capítulo quatro. A primeira, e mais lembrada, refere-se à proibição da
venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos localizados à beira das estradas estaduais.
Essa lei tem forte conteúdo moral, apesar de possuir o intuito prioritário e declarado de
prevenir acidentes de trânsito causados pelo abuso de álcool. Além dessa lei, destacou-se
também em função de seu Projeto de Lei sobre o Código de Proteção aos Animais. Esse
projeto, já declarado lei, contrapõe-se aos maus-tratos a animais
172
e adquiriu significativa
notoriedade entre os pentecostais. Além destas leis advindas do trabalho de Manoel Maria, a
menos citada é a lei que faculta aos pastores de qualquer denominação entrar nos hospitais
para realizar visitas. Praticamente 46% (45,8%) dos fiéis da Igreja Quadrangular pesquisados
mencionaram o seu nome, enquanto que pouco mais de 40% (40,8%) dos fiéis da Assembléia
de Deus lembraram do nome de um dos dois deputados estaduais associados a essa Igreja.
Temos aí apenas 5% de diferença entre as Igrejas Quadrangular e Assembléia de Deus.
Por fim, vejamos como se coloca o conhecimento dos fiéis a respeito da prática
parlamentar dos deputados evangélicos.
Tabela 5
Souberam referir alguma realização do(s) deputado(s) (%).
Denominações Sim Não
Assembléia de Deus 34,7 65,3
Igreja Quadrangular 22,9 77,1
Igreja Universal
15,1 84,9
Fonte: Pesquisa própria
172
Como vimos no capítulo anterior, este Projeto de Lei tinha também um claro objetivo de cercear a
matança de animais por parte das religiões de matriz africana, prática amplamente conhecida e
condenada pelos evangélicos em geral.
361
Conforme percebemos na tabela 5, os membros da Assembléia de Deus e da Igreja
Quadrangular possuem o maior índice de conhecimento sobre as realizações dos deputados
que ajudaram a eleger, enquanto a Igreja Universal, com significativa diferença, apresenta o
menor índice de acompanhamento da prática parlamentar de seus representantes.
Se a Igreja Universal consegue o maior grau de adesão dos membros para eleger seus
candidatos – algo em torno de 90% –, em contrapartida, parece ser ela a que “conduz” seus
membros a um menor interesse pelas questões da política. Apenas 13,2% lembram do nome
do político por eles eleito e 15,1% recordam-se de algo realizado pelo seu porta-voz na
Assembléia Legislativa, ressalvando-se que nem sempre a ação referida está, de fato, ligada às
atividades precípuas de um parlamentar. No conjunto das três denominações, então, temos o
seguinte panorama, representado em nossa última tabela:
Tabela 6
Conhecimento dos fiéis sobre a relação da denominação com a política (%)
Denominações AD IEQ IURD
Souberam dizer sobre a existência de Dep. Est. ligados a sua denominação 65,3 63,2 56,6
Souberam dizer o nome desses políticos 40,8 57,9 13,2
Souberam dizer algo que o(s) deputado(s) realizou(ram) 34,7 28,9 15,1
Fonte: Pesquisa própria
Como vimos, entre as denominações pesquisadas, a Assembléia de Deus apresenta o
melhor índice de conhecimento sobre o exercício parlamentar dos deputados por ela eleitos.
Dos entrevistados dessa Igreja, mais de 65% sabiam da existência de deputados estaduais
ligados a sua denominação, acima de 40% conseguiram nominá-los e mais de 34% souberam
citar algo que seus representantes legislativos haviam realizado na Assembléia Legislativa.
Entre as três Igrejas estudadas, verificados, como já referido, que a Assembléia de Deus
possui a estrutura mais democrática (Oro, 2001c). Na ponta inversa, encontramos a Igreja
Universal, cuja estrutura é a mais verticalizada e hierárquica dentre as pesquisadas, sendo também
362
a denominação na qual seus membros menos sabem a respeito dos políticos por eles eleitos. Mas
essa realidade não parece estar presente somente entre os seus adeptos. Para exemplificar, citamos
a resposta de um pastor da Igreja Universal, quando perguntado se conhecia as atividades
parlamentares do representante da Igreja Universal na Assembléia Legislativa gaúcha:
Ele sempre anda nas igrejas para ver como está: se tem
vazamento de som, essas coisa tudo, mas eu não tenho conhecimento
do que exatamente. Essas coisas de visitar as igrejas, como está o
andamento dos membros, ele procura saber se tem alguém precisando
de ajuda, alguma coisa assim, pelo que eu sei (Pastor Luciano, Igreja
Universal).
Esse desconhecimento a respeito do trabalho parlamentar do deputado eleito pela
Igreja Universal não parece ter relação com a comunicação interna dessa Igreja. A estrutura e
as possibilidades de comunicação entre a hierarquia dessa denominação e os seus membros
são muito maiores do que ocorre na Assembléia de Deus ou na Igreja Quadrangular. Esse
dado explica, em parte, o fato de seus membros terem algum conhecimento sobre a existência
de políticos oriundos do berço Universal. Contudo, essa constatação não fornece subsídios
para ajudar a compreender a razão de os participantes da Igreja Universal serem os mais
desinformados em relação aos políticos por ela eleitos. A Folha Universal, jornal dessa
entidade religiosa, por exemplo, possui um espaço específico para tratar de questões políticas
ligadas a sua denominação e às bandeiras levantadas pelos políticos a ela filiados.
Como já colocado em outros momentos deste texto, uma explicação para a questão da
alta participação dos membros da Igreja Universal no “tempo da política” (Palmeira, 2002) e,
ao mesmo tempo, seu baixo conhecimento sobre a atuação dos parlamentares por eles
escolhidos nos é oferecido por Oro (2001c). Para este autor, existe uma simetria entre a forma
estrutural das organizações religiosas e seu sucesso eleitoral. Em seu entender, a estrutura
dessas denominações influencia profundamente a relação de seus membros com a política.
Nossa sugestão é que, juntamente com a influência da estrutura organizacional sobre a
363
escolha que seus membros fazem na hora de votar, pesa, igualmente, a cosmovisão pregada
pela denominação. Aliás, a referência à importância da visão cosmológica sobre a forma de
votar dos fiéis dessas instituições religiosas não está ausente na interpretação de Ari P. Oro
(2001c). Para esse antropólogo, a cosmologia está submetida à lógica organizacional, ou seja,
ao “poder carismático da Igreja Universal” (Oro, 2001c, p. 57). Assim, a cosmologia seria
uma variável dependente. Essa é uma hipótese engenhosa, como bem notou Carlos Alberto
Steil (2001), de grande valor heurístico. Enfim, é nessa linha analítica que nos inscrevemos,
mas dando especial atenção à variável cosmológica, a qual enfatizamos como ingrediente
fundamental para a compreensão do fenômeno em estudo. Esse é o tema do próximo ponto.
5. 3 A C
OSMOVISÃO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A VISÃO POLÍTICA DOS
EVANGÉLICOS
Como vimos anteriormente, os fiéis da Igreja Universal mostram-se bastante cientes
da existência de deputados ligados a sua denominação. Mas, por outro lado, perguntamo-nos:
quais seriam os fatores que levam esses fiéis a serem os menos inteirados sobre a prática
parlamentar de seus representantes?
Dentre as estudadas, a Igreja Universal é a denominação mais hierárquica e melhor
organizada com vistas a alcançar seus objetivos políticos (Oro, 2001c). Sabidamente, é
também uma das denominações que mais faz uso da magia
173
(Idem, 2001a). No universo das
173
Religião e magia, como não poderiam deixar de ser, são conceitos típico-ideais, uma vez que, na
realidade social, esses dois elementos estão misturados em diferentes intensidades. Além disso, não
devemos esquecer que Bourdieu (1992) afirmou que a distinção entre religião e magia tem maior
relação com o poder e com a ideologia do que com a ciência. Para ele, a oposição entre religião e
magia “dissimula a oposição entre diferenças de competência religiosa que estão ligadas à estrutura da
distribuição do capital cultural” (Bourdieu, 1992, p. 44). Contudo, não devemos nos ater apenas a essa
364
Igrejas por nós pesquisadas, a Universal é a denominação que mais se utiliza de recursos
mágicos. Ou, como afirma Mônica Barros (1995), ela é uma denominação sacramental. Em
contrapartida, os dados aqui apresentados mostram que, na Igreja Universal, encontramos os
participantes menos informados ou inteirados sobre a prática de seus porta-vozes na política.
Como explicar essa relação? Procurando clarificar essa questão, partiremos da análise
weberiana sobre os fenômenos religiosos.
Da concepção geral de Weber aprendemos que a racionalização pela ética religiosa,
complementada pela racionalidade científica, desencantou o mundo, ou seja, desmagicizou o
mundo da vida. Para o sociólogo alemão, as religiosidades mágicas tendem a desvalorizar a
ação no mundo já que “ligam a decisão sobre a salvação ao êxito de processos racionais não
cotidianos [grifo nosso]” (Pierucci, 2003, p. 48). Em outras palavras, a atividade mágica é
ligada aos processos racionais com relação a seus fins, mas que estão fora da esfera cotidiana.
A magia impede a percepção das relações entre causa e efeito na sociedade
174
. Em virtude
disso, essas religiosidades tendem a desvalorizar a ação no mundo.
Segundo Pierucci (Ibidem), a magia é considerada por Weber um processo racional,
que, no entanto, não produz uma racionalização de conduta de vida, isto é, uma ética (e,
portanto, enquanto razão abstrata e universalizável). Não é, assim, passível da produção de
uma racionalização teórica, ou teórico-prática, como prefere Pierucci (Ibidem), mas somente
prático-técnica
175
. Para Weber, as representações mágicas possuem um caráter subjetivamente
conceituação.
174
Um estudo interessante e de recapitulação sobre as principais teorias sobre ritos nos é acessível
através do livro de Segalan (2002). Uma das características do rito é que este conduz as pessoas a
esperarem uma eficácia que “não advém de uma lógica puramente empírica que se esgotaria na
instrumentalidade técnica da ligação causa-efeito” (Idem, Ibidem, p. 32).
175
A racionalidade teórico-prática é o tipo de racionalização exercida pela ciência, enquanto a
racionalidade pratico-técnica não estabelece, necessariamente, correlações de racionalidade objetiva,
365
mais racional com relação a fins do que o comportamento religioso. A magia está totalmente
voltada para o aqui e o agora. Daí sua percepção sobre a religião-mágica ser de cunho
utilitarista e instrumental. Contudo, essa religiosidade busca respostas da ordem do
extracotidiano, isto é, as respostas não são objetivamente racionais. A magia sempre possui
um objetivo muito prático e suas expectativas para com os resultados são as mais imediatas
possíveis. De acordo com Schluchter, na magia, a reflexão sobre os meios constitui-se em
algo secundário, ou seja, a relação “meio-fins é subjetivamente avaliada” e não de forma
teórico-sistêmica (Pierucci, 2003, p. 80).
Como muito bem colocou Ari Pedro Oro, a partir de uma cosmovisão mágica, não há
situação ou problema
que não possa ser abarcado pelo sobrenatural, assim como não há
situação que não se relacione, ao menos em parte, com o sagrado; não
há, também, situações em que a medicina, a economia, ou a física,
constituam cursos de ações excludentes da religião. Segundo esta
ótica, não há utilitarismo na conduta mágica, pois não se vive a
ruptura de planos entre o céu e a terra; não há carreira oportunista de
idas e vindas relativamente à religião, antes um recurso explicativo
vinculado a uma visão de mundo totalizante, segundo a qual todo o
mal e todo o bem se iniciam no plano místico ( 2001a, p. 81).
Parece-nos ser exatamente esse o caso da Igreja Universal. Não há uma ética
unificadora da conduta, ou seja, um princípio valorativamente racional que submeta todas as
realidades, mas tão somente um princípio que se conforma a uma moral culturalmente
valorizada e, sobretudo, totalizada pelo plano místico. Essa moralidade identifica-se com
uma moralidade cristã difusa e conservadora com relação a questões como a contrariedade
ao aborto e ao casamento entre homossexuais, a proteção à propriedade privada, entre
outras. Justamente por sua cosmovisão mágica, suas respostas nos campos em que essa
ou seja, não determina relação empírica entre causa e efeito.
366
Igreja se lança são bem sucedidas. A rigor, não lhe interessam os meios, mas os resultados.
Evidentemente, essa estratégia tem certas limitações que precisam ser respeitadas, como,
por exemplo, a cultura na qual está inserida
176
. Sua estratégia de Batalha Espiritual, levada
ao discurso político, por exemplo, oferece essa possibilidade. O próprio sucesso, pessoal,
institucional ou político, é inserido dentro da dinâmica mágico-discursiva. Essa dinâmica,
pelo menos até agora, tem transformado fiéis em ativos cidadãos-votantes, que procuram
concretizar, no aqui e agora, um projeto cosmológico e religioso em uma realidade tangível,
por meio da esfera política e, portanto, através da imanência. Por obedecer à lógica mágica,
esse ativismo não tem conseguido, pelo menos por enquanto, ultrapassar posicionamentos
conservadores no plano político. Assim, essa religiosidade tende a desvalorizar a ação no
mundo por não perceber a relação de causa e efeito em processos cotidianos. Em outras
palavras, não consegue perceber as relações estruturais que presentes nos processos
político-econômicos. Para eles, o processo entre causa e efeito está vinculado a processos
extracotidianos, daí a necessidade da ritualização de praticamente todas as suas ações; e,
ainda assim, conforme ensina Weber, essa racionalidade é clara e objetiva com relação a
fins.
Talvez esteja aí parte da explicação através da qual se pode compreender uma alta
taxa de compromisso entre fiéis da Igreja Universal para a votação nos candidatos
indicados pela instituição e, em contrapartida, a baixa percentagem de acompanhamento
desses fiéis aos seus respectivos representantes políticos (Semán, 2001). Uma vez
colocados os “representantes de Deus”, nas instituições políticas, a esperada
176
Ou, como preferia Leach (1978), a magia trata o símbolo como sinal, transforma o metafórico em
metonímico. Para esse antropólogo, o símbolo é tudo o que representa uma ausência, o abstrato ou o
futuro. O sinal, em contrapartida, conduz a um efeito imediato, a certo tipo de comportamento. Mas
Leach considera que isso somente é possível nas sociedades onde há uma forma convencional de
hábitos, isto é, onde muitas vezes os símbolos são tratados como sinais.
367
transformação da realidade ocorrerá como em um passe de mágica. Em outras palavras,
após realizada a tarefa dos fiéis de colocarem os representantes de suas denominações nas
instituições políticas, não há necessidade de acompanhá-los, pois eles resolverão os
problemas do Brasil.
Por outro lado, os estudos de Souza (1999) demonstram como Weber advogou que,
quando interpretamos uma realidade social, não é possível deixar de lado os aspectos
simbólicos. Ao analisarmos um fenômeno social como a religião, essa questão torna-se ainda
mais fundamental. Na relação entre religião e política, por exemplo, não convém que nos
atenhamos apenas aos mecanismos básicos que se movimentam no mundo da política. É
importante incluir, também, a percepção desse fenômeno como algo cultural, como um
sistema de escolhas, o que certamente ultrapassa uma leitura da realidade pela lógica da
“razão prática”. As culturas são sistemas simbólicos e não apenas a escolha racional entre
meios e fins. Em outras palavras, não podemos deixar que a percepção utilitarista e
instrumental da religião oblitere a visão dos aspectos simbólicos que a compõe. Ao deixarmos
de lado a simbologia impregnada nas relações sociais, “legitimamos como oficiais as
ideologias da ciência que nos remetem ao controle da natureza” (DaMatta, 2001b, p. 16).
Sem dúvida, além dessa racionalidade mágica, há nessa postura um forte componente
messiânico que, não por acaso, faz parte da cosmologia religiosa e política do Brasil (Chacon,
1990).
Marilena Chauí (1994) também se debruçou sobre a questão do populismo e
messianismo na política brasileira. Sua análise, no entanto, difere-se daquelas comumente
realizadas pela ciência política. Ela recorre às raízes que permitem, ou não, que a sociedade
brasileira avance no caminho da democracia: as raízes teológicas presentes em nosso
imaginário social. Para ela, o imaginário sócio-político do Brasil está calcado sobre um mito
368
fundador de cunho teológico político. Esse mito “constitui a raiz da matriz teológico-política
do populismo dos dominantes e do messianismo dos dominados” (Chaui, 1994, p. 21).
Os elementos dessa matriz mítica são produzidos no período do descobrimento e
conquista do Brasil, mas atualizadas de quando em vez em nossa cultura. O primeiro elemento
constitui-se na visão que foi formada por um imaginário onde os descobridores-conquistadores
que aportaram na terra brasilis e “viram”, nessas terras distantes, o paraíso perdido. Os relatos
bíblicos sobre o paraíso eterno fazem com que seus leitores imaginem uma “terra cortada por rios
cujos leitos são de outro e prata, por onde correm leite e mel, em cujas montanhas derramam-se
pedras preciosas, habitado por gentes belas, indômitas, doces e inocentes como no Dia da
Criação” (Idem, Ibidem, p. 22). Assim, os olhos dos navegantes conquistadores não vêem o que
enxergam, pois “seus relatos são uma demonstração contínua da verdade factual dos textos
medievais e renascentistas sobre o Paraíso” (Idem, Ibidem, p. 23). Essa visão é constitutiva da
imagem mítico-fundadora que se renova de tempos em tempos em nossa cultura. Marilena Chauí
traz três exemplos de como esse mito fundador está presente em nossa imagem de Brasil. O
primeiro refere-se à constituição da bandeira nacional. Diferentemente que em outros países,
nossa bandeira não é constituída de três cores que narram acontecimentos sócio-políticos. Há
quatro cores. Seus significados não têm relação com a história do Brasil, mas com sua riqueza
natural. “É um símbolo da natureza: floresta, ouro, céu estrela, e ordem. É o Brasil-jardim, o
Brasil-paraíso. Temos, portanto, uma bandeira aparentemente despolitizada e a-histórica” (Idem,
Ibidem, p. 21). O Hino Nacional, como segundo exemplo, segue na mesma linha.
O gigante está “deitado eternamente em berço esplêndido”,
isto é, na natureza como paraíso, berço do mundo e eterno em seu
esplendor. O Brasil pertence ao mundo da natureza e não ao da cultura
e da história, ainda que o Hino, de raspão, se lembre de declarar que
somos capazes de morrer pela justiça e pela liberdade, em nome da
pátria idolatrada. Mas, atenção, a pátria é “mãe gentil”, portanto,
espaço da família, do genos e do genus, do clã e da tribo, não da res
publica” (Chaui, 1994, p. 23).
369
Por fim, a poesia parnasiana brasileira segue na mesma linha, sobre a qual a autora faz
referência direta à poesia de Olavo Bilac.
O segundo elemento fundante da matriz mítica e teológico-política é a concepção
cristã da história como realização do plano de Deus. No horizonte mítico cristão, há a espera
de um novo período histórico e a-histórico ao mesmo tempo. Histórico, porque a história
humana é pensada como teofania (revelação de Deus no tempo), como epifania (revelação da
verdade divina – Jesus Cristo), como profecia (cumprimento de Deus no tempo) e soteriologia
(promessa de redenção) (Idem, Ibidem). Após a vinda de Jesus Cristo, iniciou-se um novo
tempo. “Como humanos mortais, estamos na eternidade – participando da Igreja, Jerusalém
Terrestre – e, como humanos dotados de alma imortal, participamos da eternidade – o Reino
de Deus como Jerusalém Celeste” (Idem, Ibidem, p. 25). O que resta para a humanidade cristã
é a oposição entre este século (tempo profano) e o vindouro (a eternidade). Esse elemento do
mito, portanto, constitui-se no plano providencial de Deus.
O terceiro elemento é constituído pela história messiânica milenarista. Este conceito,
resumidamente, expressa a esperança pelo momento em que haverá um embate final entre o
Anti-Cristo e o próprio Cristo. Com a vitória de Cristo instalar-se-ia um Reino de mil anos de
felicidade e que prepararia o Julgamento Final, a instalação definitiva do Reino de Deus, a
nova Jerusalém na terra. Para Marilena Chauí, enquanto a história da providência divina é
apropriada pela classe dirigente da Igreja e da sociedade, a história messiânica é apropriada
pelas classes populares, formando, assim, “o fundo milenarista da interpretação da vida
presente como miséria à espera dos ‘sinais dos tempos’ que anunciarão a chegada do Anti-
Cristo e do combate vitorioso de Cristo” (Idem, Ibidem, p. 25).
Convém ressaltar que a teologia da prosperidade retira a força da teologia milenarista
como uma espera, ressignificando esta teologia no sentido de que esse tempo já chegou, não
370
de forma definitiva, mas já se estaria participando desse momento. Ademais, os fiéis são
convidados a participar do embate entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Assim, “é
com essa matriz que as classes populares têm acesso à política como luta entre o bem e o
mal e na qual a questão não é a do poder, mas a da justiça e felicidade” (Chaui, 1994, p. 25).
Enfim, para Chauí, essa teologia está presente em Canudos, no Contestado e em Pedra
Bonita, entre outros. Portanto, o messianismo milenarista faz parte do imaginário social do
Brasil.
O último elemento dessa mitologia teológico-política manifesta no Brasil é encontrado
na elaboração jurídico-teocêntrica do governante. Essa matriz é oriunda de formulações
medievais, principalmente de Agostinho. Pelo pecado, o ser humano perdeu todos os direitos
e, portanto, o poder – “Todo o poder vem do Alto”. Reis e príncipes, por uma graça divina,
são imbuídos de governarem. Assim, o governante representa Deus sobre a terra.
Deus pode usar o povo como instrumento de Sua vontade, pois
vox populi vox Dei. Assim, por exemplo, ao votar, o povo não está
manifestando sua própria vontade, mas sendo instrumento da vontade
divina, de sorte que, ao escolher um governante, não faz senão
cumprir um desígnio de Deus. Mesmo eleito o governante representa
Deus e não o povo (Idem, Ibidem, p. 27).
Dessa forma, buscamos chamar a atenção para um quadro teórico político e cultural do
Brasil, muito mais complexo, nuançado, bem como mediatizado por questões simbólicas que
nos ajudam a perceber as múltiplas intersecções de esferas sociais, evidentemente,
dificultando a percepção das separações reificadas entre religião e política, espaço público e
privado, bem como entre indivíduo e sociedade. Diante dessa realidade, certamente vale a
assertiva levantada por Burity: “Em tudo isso, o que é público ou privado, propriamente
político ou propriamente religioso, já não pode ser definido de forma categórica e estável”
(Burity, 2001, p. 105).
371
Mas voltando para a questão da racionalidade mágica, temos que reconhecer que a
realidade contemporânea, pós-moderna para alguns, é constituída mais pela mística que pela
racionalidade científica
177
. Isto é, a realidade cotidiana é cada vez menos dirigida por uma
racionalidade teórica, e mais por uma racionalidade instrumental e mágica, técnico-prática,
daí o crescimento fácil de religiosidades mágicas.
A ação cultural e simbólica na qual a religião está embebida nos aponta para questões
muito mais amplas e complexas. O ritualismo mágico encontra um fértil campo para sua
atuação, já que a ritualização ajuda a re-ordenar a percepção sobre a realidade social. Em
conformidade com Douglas, “os ritos possuem a possibilidade de criar um universo único e
coerente no plano simbólico” (Segalan, 2002, p. 30). Daí se depreende que a racionalidade
política acaba por ser submetida à lógica mágico-religiosa. Além disso, percebe-se que a
religião sai de uma subjetivação individual para alcançar, com objetividade, a esfera pública.
A religiosidade e a religião, enfim, estão submetidas a uma dimensão mais vasta e plural que
apenas a da subjetividade. A religiosidade pentecostal, ainda que assumida subjetivamente,
transforma-se em coletivo, em grupos que exercem influência no espaço público.
A conseqüência desse discurso é que o ato de votar dos fiéis evangélicos não se constitui
apenas em um dever cívico, mas em uma obrigação religiosa. Em relação à Igreja Universal,
chega a tratar-se “de um gesto de exorcismo do demônio que se encontra na política e de sua
libertação para que ela seja ocupada” (Oro, 2003b, p. 294) por pessoas tementes a Deus.
Como alguns pesquisadores têm demonstrado, a Igreja Universal ressemantiza
também o dinheiro, que, no sistema econômico, é o equivalente de todas as mercadorias. No
espaço sagrado, é tido como oferta e sacrifício humano à instituição divina. O voto, nas
177
Lembramos, aqui, as reflexões de Sagan (2004), de Stivers (2001) e de Steil (1999).
372
eleições, sofre processo semelhante. O voto é “inscrito numa lógica cosmológica na
perspectiva de guerra santa” (Semán, 2001).
Como pensamos ter demonstrado ao longo desse trabalho, a igreja tem a possibilidade
de tornar-se uma referência de identidade. Ter um político evangélico é colocar um de seus
pares no meio político, um mundo visto como assustador e desconhecido pela maioria da
população. Aliás, quando este meio torna-se um assunto na vida cotidiana da população,
usualmente é por estar acompanhado de escândalos e congêneres. Assim, não é difícil
imaginar que o desconhecido mundo da política, revelado ao grande público somente de
forma negativa, torna-se algo demoníaco para parte da população evangélica. Dessa forma, a
política é percebida como uma forma de valorizar o trabalho de evangelização, pois, sob a
perspectiva da população, falta-lhe ética.
Antes de concluir este capítulo, cabe salientar que nosso percurso teórico e de coleta e
análise dos dados de nossa pesquisa apresentaria uma lacuna importante se não tivesse
estendido o microfone também aos fiéis das Igrejas estudadas, vendo como - e se - as posições
oficiais das denominações encontram eco no povo evangélico.
Ao longo deste capítulo, bem como dos anteriores, pudemos dar visibilidade, entre
outros, às percepções dos evangélicos no que se refere ao mundo da política, deixando
transparecer a influência que a identidade pentecostal tem também na hora de votar. De
acordo com Santos (2001), muitos estudos sobre o comportamento eleitoral consideram o
eleitor como se vivesse segregado, por assim dizer, sem avaliar seu movimento na vida.
Segundo o autor, trabalha-se com
a suposição de um eleitor isolado, cujo voto seria a expressão, sem
interferências externas, de suas inclinações. O mesmo eleitor,
reconstituído nos surveys como “tábula rasa”, possui vizinhos,
relaciona-se com parentes, amigos ou colegas de trabalho, freqüenta
uma Igreja. Vínculos cuja duração ultrapassa o calendário eleitoral
373
(Santos, 2001, p. 104-105).
Esse cientista político afirma que, para entender e até prever o comportamento
eleitoral, é preciso, antes de tudo,
não subsumir todos os processos responsáveis pela produção de filtros
e parâmetros com os quais cada indivíduo julga as opções disponíveis:
que estes não sejam fornecidos diretamente pelo campo político, mas
se alimentam da matéria-prima oferecida por juízos morais, crenças
religiosas ou afinidades pessoais, não limita sua relevância como
valores que estruturam as escolhas partidárias (Idem, Ibidem, p. 104).
O eleitor bebe de várias fontes, por transitar em diversas esferas sociais. Nos
movimentos da vida, vai compondo suas posições diante do campo político, bem como do
plano religioso. O eleitor evangélico, como demonstrado, assume em maior ou menor grau as
concepções de sua Igreja na hora de votar. As instituições religiosas estudadas deixaram claro
que esse encontro de esferas integra os seus planos de forma crescente. Portanto, nosso estudo
evidenciou, entre outros, que não existe uma separação reificada entre religião e política. A
vida é mais complexa e interdependente que nossas distinções analíticas.
374
CONCLUSÃO
Nesta tese procuramos indicar que a relação entre religião e política insere-se em um
amplo e complexo quadro que, partindo do momento histórico da separação e da
diferenciação entre as esferas sociais na modernidade, chega à contemporaneidade em um
mutante processo de reconfigurações. Embora legalmente separadas, as esferas sociais, na
medida em que deixam de se apresentar como blocos homogêneos e compactos, se
interconectam, tornando-se interdependentes e apresentando contornos flexíveis, porosos e
borrados.
Partindo da intersecção entre religião e política, discutimos, neste trabalho, alguns
dos mais importantes pressupostos das teorias da secularização e abrimos um espaço para
sua problematização. A secularização como um processo histórico e, portanto, como
ruptura do monopólio religioso e como advento da diferenciação de esferas na sociedade,
nos parece evidente. O processo de secularização significou a passagem de uma visão
religiosa e cosmocêntrica da vida para uma visão antropocêntrica, resultando na
375
subjetivação da opção religiosa (Berger apud Martelli, 1995; Hall, 1998). A religião
passou a “ser uma das diversas interpretações de vida que o indivíduo tem a seu dispor”
(Paiva, 2003, p. 24). Contudo, analistas têm demonstrado que a consolidação do Estado
laico e a conseqüente separação entre as esferas sociais não se alocam de forma radical.
Não que essa separação inexista. Contudo, ela mostra-se bem menos definida do que se
acreditava. As fronteiras estão esmaecidas, misturando-se, quiçá criando novas cores e
sentidos identitários para a política e também para a religião. Não existem contraposições
excludentes, mas intersecções. Desse modo, a subjetivação dos valores religiosos não tem
reduzido a religião a um papel de insignificância no campo sócio-político. Por
conseguinte, a conexão entre as esferas política e religiosa é o resultado de uma
reconfiguração tanto do campo religioso, especialmente o pentecostalizado, quanto do
campo político.
Ademais, torna-se evidente a perda crescente e generalizada da confiança nas
instituições sociais, mormente o Estado. Entre as que perdem credibilidade, o aparelho
político
178
se destaca (Freitas, 2002). Diminuem os que confiam nos políticos, deixando de
acreditar que essas pessoas públicas efetivamente representam os interesses do povo ou que
suas motivações são produzidas por altos ideais. Desse modo, a descrença no político
favorece que as pessoas dêem as costas às grandes causas, ocupando-se com suas questões
individuais e seus círculos sociais imediatos. “Em vez de crer e atuar na História, os
indivíduos estão se concentrando em si mesmos, hiperprivatizando suas vidas” (Santos, 1986,
p. 91).
178
Certamente muitos são aqueles que têm percebido a perda da importância da política frente à esfera
econômica, resultando, entre outros, no questionamento da democracia como sistema de
representatividade da população. (Para complementar essa temática, veja-se: Alvarez, Dagnino &
Escobar, 2000; Beck, 1998.)
376
A partir de alguns analistas sociais e políticos, parece-nos que uma das razões mais
importantes para esse estado de coisas vem sendo evidenciada pela dificuldade que a política
tem encontrado para legitimar-se como uma esfera de referência na sociedade, uma vez que
muitos a percebem como um simulacro, uma formalidade que se restringe a “uma competição
eleitoral” (Fraga, 2005, p. 23). Assim, a política tem necessitado encontrar fora de si
expressões que a tornem sedutora e aprazível (Ribeiro, 2002).
Renato Janine Ribeiro (2002), entre outros, constata que a opinião pública brasileira é
cética em relação aos políticos. Para ele, esse ceticismo por parte do eleitorado brasileiro é
fundamental para compreender a relação entre religião e política. Isso significa, em primeiro
lugar, que há, sob diversos aspectos, um esvaziamento da esfera política. Um desses aspectos,
como já mencionado, é a descrença para com a classe política. Esse desgaste é o que leva
parte do eleitorado a esperar uma certa renovação do perfil dos políticos. A política, portanto,
procura encontrar vitalidade em outras áreas que não o próprio campo político. Para Ribeiro,
esse fenômeno parece estar ocorrendo no mundo inteiro. É como se a política não apenas
fosse incapaz de promover essa fecundidade como também a drenasse de outras áreas sociais
para dentro da esfera política. Assim, para o autor, “a religião é uma dessas sementeiras de
energia nova, de vitalidade” (Idem, Ibidem, p. 103). A questão é como vencer o poder
esterilizador da política. “Até o momento, essa passagem tem assumido o caráter vampiresco.
Quando o plano político se esvazia, procura sobrevida na energia que pulsa em outros campos
da vida humana” (Idem, Ibidem, p. 105). Em nossa pesquisa, constatamos que, na visão das
Igrejas estudadas, bem como de seus representantes, a inserção de religiosos no campo
político se configura também como uma esperança de reacender a credibilidade nas
instituições políticas.
Vimos, no primeiro capítulo, que, por exemplo, para Burity (2001), as mudanças
sociais e políticas ocorridas na década de 1980 trouxeram, entre outros, a redefinição das
377
fronteiras entre as esferas do público/social e privado/subjetivo, modificaram também a
relação entre religião e política. Desmoronou a polarização das lógicas binárias,
permitindo observar que a relação entre os campos da religião e da política não obedecia
mais um fundamento último, seja ele a vontade divina, a História ou a Ciência, sendo,
porém, o resultado da oscilação de “decisões ético-políticas” (Idem, Ibidem, p. 103).
Enfim, essa alteração tem sido perceptível na medida em que mobilizou parcelas da
população para ações políticas a partir de questões antes consideradas da esfera subjetiva,
como a questão de gênero, ou da religião (Alvarez, Dagnino & Escobar, 2000; Burity,
2001).
Na modernidade contemporânea, a religião não deixou de influir em outras esferas
sociais pelo simples fato de tornar-se um assunto de foro particular e subjetivo. Ao contrário,
neste texto, buscamos trilhar um caminho teórico que toma como princípio norteador que a
diferenciação de esferas não significa a independência entre elas. Quando Weber realizou seu
estudo sobre “A Ética protestante e o ‘Espírito’ do Capitalismo”, pensamos que ele procurava
apontar justamente para essa questão, ou seja, que as esferas sociais e de valor se inter-
relacionam e se influenciam mutuamente. Ou, como disse Weber acerca das múltiplas esferas
de valor da modernidade, instalou-se uma “luta incessante desses deuses entre si” (Weber
apud Löwy, 2000, p. 9). Uma luta somente ocorre ali onde há disputa por um espaço, no
sentido amplo do termo. Assim, evidenciamos que há, em Weber, uma posição de
multicausalidade metodológica, o que nos autoriza a pensar a interdependência das esferas
sociais. Partimos, portanto, da negação das antinomias em que algumas das teorias da
secularização se baseiam, ou seja, que apresentam uma separação estanque entre
público/social e privado/subjetivo, religião e política, Estado e sociedade, moderno e
tradicional, e assim por diante (Burity, 2001, Hellemans, 1998; Hervieu-Léger, 1997a
,
1997b).
378
A modernização, com sua racionalidade científica, seu desenvolvimento tecnológico e
a complexificação dos campos político e econômico, criou um mundo segmentado, embora
interativo, por conseguinte, em meio à fragmentação, a identidade colocou-se como questão.
Isto significa admitir a existência de uma multiplicidade de identidades, de compreensões e de
visões de mundo, isto é, de cosmovisões e modus vivendi complexos. Em uma realidade
consideravelmente fragmentada, as posturas diante da vida necessitam ser percebidas como
altamente diferenciadas, uma vez que não há lugar para a homogeneidade.
Se não há mais um eixo, uma meta-narrativa aglutinadora para a comunidade humana
e nem para comunidades nacionais, então cada esfera social semi-independente torna-se
passível de transformar-se em um eixo, um epicentro, para o qual as pessoas afluem segundo
seus interesses. Cada epicentro tem a possibilidade de agregar pessoas e, por conseguinte, de
ser formadora de identidade. É o que Lima (1997) denominou objetivação de subjetividades.
Por seu turno, cada uma dessas pessoas pode transitar – e usualmente o faz – por várias
esferas sociais.
Se na contemporaneidade a construção subjetiva constitui-se em tarefa individual, é
justamente nesse âmbito que a religiosidade, de modo geral, e a religião, de forma
específica, por intermédio dos indivíduos, irá influenciar a sociedade, pois essas
subjetividades constituir-se-ão em movimentos, em estruturas sociais – no sentido
weberiano – que terão, por conseguinte, um poder de influência, por exemplo, sobre a esfera
política.
Cremos ter demonstrado, ao longo do trabalho, como as instituições religiosas
pesquisadas e os atores sociais a elas ligados transitam com certa facilidade entre as esferas da
religião e da política. De modo geral, não percebem nenhuma incongruência nessa
movimentação.
379
Vimos que a defesa dos interesses das instituições evangélicas estudadas é explicitada
pelos seus dirigentes e pelos deputados estaduais que as representam sem maiores
constrangimentos. Isso decorre do fato de essas pessoas perceberem o campo político
institucional como caracterizando-se pelo traço de segmentação de identidades. Em outras
palavras, para elas, muitos são os grupos sociais que procuram atuar em prol de suas
instituições e seus interesses através do envolvimento político. Perguntam-se, então, por que
eles deveriam excluir-se dessa realidade? Embora pautando-se por ênfases distintas, as
denominações estudadas entendem-se como exercendo um papel legítimo, já que essa tem
sido a prática de muitos outros grupos sociais. Essas afirmações estão em consonância com os
pressupostos teóricos, explicitados, brevemente, nos parágrafos acima.
Desse modo, vimos que a motivação mais importante ao exercício da política
partidária é, na visão das instituições religiosas pesquisadas, a necessidade de possuírem um
representante no âmbito do poder político. Para as denominações, a política institucional
tornou-se um campo de batalha entre identidades sociais. Entretanto, nem todas as
denominações aqui estudadas exprimem o mesmo sentido para esse objetivo de se verem
representadas. Pensamos ser possível traçar um espectro onde as Igrejas Assembléia de Deus
e Universal encontram-se em pontas opostas. No meio, entre as duas instituições citadas, está
a Igreja Quadrangular.
A Igreja Assembléia de Deus do Rio Grande do Sul admite sua inserção no mundo
político com o intuito de aportar às leis um substrato ético-evangélico, na defesa da família e
das convicções religiosas e morais que a sustentam. Busca, igualmente, fazer com que o
Estado perceba a relevância da existência dessa Igreja para o bem comum. Outrossim, procura
estabelecer uma parceria com a esfera político-partidária e governamental, a partir de seu
entendimento de que, como instituição, contribui para a melhoria social. É sob esse quadro
que a ética religiosa é acionada e constitui-se num dos eixos centrais de sua investida no
380
mundo da política. Para essa denominação, existe um déficit ético na política que somente
poderá ser sanado por pessoas comprometidas com seus ideais religiosos. Além dos interesses
dessa instituição religiosa, depreende-se daí que a moralidade ou a ética pessoal dos
parlamentares evangélicos consiste no principal quesito para iniciar um processo de reforma
ética, social e espiritual no Brasil, almejado por essa instituição.
Assim, a motivação fundamental da Igreja Assembléia de Deus gaúcha para a
participação na política institucional é tanto ter representantes que defendam os seus
interesses institucionais quanto a expectativa de moralização do país, e, especificamente, do
Estado, a partir do lugar em que as leis são concebidas. Entende ser essa a solução para o país.
Nesse sentido, sua ética é de convicção, uma vez que negociações e concessões devem ser
reduzidas ao mínimo inevitável, a fim de preservar suas convicções.
Essa postura, no entanto, mostra-se paradoxal. Por um lado, a Assembléia de Deus diz
procurar influir na sociedade a partir de leis confeccionadas no legislativo estadual. Por outro,
ela tem sido portadora de uma ideologia conservadora, em termos políticos, que procura
“despolitizar” questões de ordem social, como vimos no episódio da reforma agrária.
Conforme vimos no capítulo quatro, o deputado Edemar Vargas assume mais sua
identificação com a denominação religiosa que seu colega ex-deputado Eliseu Santos, ambos
representantes da Igreja Assembléia de Deus. Entretanto, apesar de seu discurso, a atividade
parlamentar de Edemar Vargas não pode ser considerada avançada em termos sociais. Salvo
melhor juízo, o seu engajamento no campo social restringe-se ao combate do uso de
entorpecentes e bebidas alcoólicas, bem como ao combate à legalização das drogas, tendo
sido autor da lei que garante aportes financeiros do Estado para instituições que tratam de
dependentes químicos. Vimos, igualmente, que, em uma das poucas oportunidades em que o
deputado se envolveu com uma questão polêmica, a saber, a reforma agrária, nada mais fez do
381
que apoiar o que considera serem idéias democráticas e constitucionais, colocando-se de
forma, a seu ver, ética, contra qualquer tipo de conflito. Nesse caso, o referido conflito se
concretizaria pela invasão de terras. Acentuamos, neste ínterim, a questão ética, pois, pelo
prisma da responsabilidade social, o deputado Edemar Vargas foi favorável à reforma agrária,
desde que ela ocorra dentro dos princípios legais e sem violência.
Quer-nos parecer que esse posicionamento conduz os políticos com semelhante
concepção a uma esterilização de objetivos de transformação social. Ou seja, esse parlamentar
não está interessado em politizar as questões sociais, antes enxerga nisso um desvirtuamento,
uma “ideologização” (para usar as palavras de seu chefe de gabinete, pastor Eliezer Bernhardt
Morais) condenável. Segundo Coradini, o interesse da maioria dos parlamentares evangélicos
está em buscar “resultados ‘práticos’ e na recusa da aceitação de polêmicas de ordem mais
explicitamente ideológica” (2001, p. 125). Essa afirmação, de fato, serve para descrever os
deputados evangélicos na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Cremos que a
exceção ficaria por conta do ex-deputado Eliseu Santos, que, em seus pronunciamentos, fez
questão de polemizar reiteradas vezes com os representantes do governo estadual, quando
dirigido pelo PT, em função de questões de natureza político-ideológica.
Sob nosso ponto de vista, a ética pregada na Igreja Assembléia de Deus, quando
assumida por pessoas dos setores mais marginalizados da sociedade, dando-lhes condições de
se perceberem como sujeitos, não deixa de constituir-se em uma prática, sob algum aspecto,
transformadora. No entanto, esse discurso ético e evangélico possui uma vitalidade restrita
quando dentro do locus político.
Sob nosso ponto de vista, essa concepção dos políticos saídos das fileiras da
Assembléia de Deus do Rio Grande do Sul resulta da construção organizacional dessa
denominação, amparada, consideravelmente, sobre a tradição. Como vimos, a legitimidade
382
dos discursos e de eventuais conflitos internos dessa instituição recai sobre a base da tradição.
Daí a ética da convicção ser uma referência bastante forte na Igreja Assembléia de Deus, pois
os valores tradicionais, nesse contexto, implicam uma determinada leitura da realidade a partir
de uma forma peculiar de compreender e interpretar os escritos bíblicos. Assim, a tradição
equipara-se a uma forma de exegese. Exegese e tradição confundem-se, ou melhor, tendem a
tornarem-se uma só; ou, como diz Weber:
Não quer dizer que a ética da convicção equivalha à ausência
de responsabilidade e a ética da responsabilidade, à ausência de
convicção. Não é nada disso, evidentemente. Sem embargo, oposição
profunda há entre a atitude de quem se resigna às máximas da ética da
convicção – diríamos, em linguagem religiosa, “O cristão cumpre seu
dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus” – e a atitude
de quem se orienta pela ética da responsabilidade, que diz: “Devemos
responder pelas previsíveis conseqüências de nossos atos” (Weber,
2001, p. 114).
A Igreja Quadrangular gaúcha, por sua vez, é marcada por uma ética mais pragmática
que a constatada nas manifestações das lideranças da Igreja Assembléia de Deus. Ela
reconhece a necessidade de acontecerem negociações, o que resulta, em determinadas
situações, em admitir fazer concessões no que tange a suas convicções, ainda que aceite fazê-
las apenas em parte. Embora possua um discurso voltado para a ética, esta é compreendida
mais como sinônimo de honestidade e zelo por princípios religiosos e morais, especialmente
em se tratando da imagem dos políticos dessa denominação. Essa inserção no meio político é
vista como uma necessidade para garantir a manutenção de interesses da instituição e para a
busca de benefícios que revertam para a própria Igreja.
Partindo desse pressuposto, tudo o que puder resultar em uma imagem por ela
considerada positiva à instituição religiosa será bem-vindo. Desse modo, a Igreja
Quadrangular acredita estar bem representada na atividade parlamentar de seu porta-voz se
ele, no mínimo, hastear e sustentar as bandeiras das temáticas religiosas e éticas na
383
Assembléia Legislativa. É possível sugerir que, nessa denominação, a ética tende a centrar-se
no benefício que a denominação propõe-se a levar para o mundo público, assim como no que
é possível retirar para si do espaço político institucionalizado, neste caso, do poder legislativo
gaúcho.
A partir de percepções compartilhadas por vários autores, como abordamos ao longo
da tese, para a Igreja Universal, a política, como qualquer outro aspecto, está submetida ao
prisma mágico-religioso. A Igreja Universal faz uso de um discurso e imaginário de uma
ética, mas, como já apontamos, trata-se de uma ética de resultados. Ela se utiliza de uma
racionalidade de finalidade, mais do que de uma racionalidade de valores. Como abordamos
no terceiro capítulo, parece-nos que a pregação da Igreja Universal conduz os indivíduos para
a ação racional referente a fins, travestida de um imaginário de valores, ou, em outras
palavras, uma ética ritualista, ou, nos termos de Mariz, uma prática que “atribui poder mágico
à ética” (1994, p. 220).
De igual forma, Oro já assinalou que, na Igreja Universal, o “ato de votar passa a ser
concebido como um ato que preenche um sentido quase-religioso, na medida em que ele se
torna uma espécie de exorcismo do demônio que se encontra na política para que ele seja um
espaço ‘liberto’ e ocupado por ‘pessoas tementes a Deus’” (2001c, p. 57). Isto é, o
envolvimento dessa denominação no seio político, mais do que as outras, é resultado de seu
suposto caráter messiânico (portadora de uma missão específica, qual seja, a de “purificar a
política” a partir de sua inserção nesse meio) e de seu carisma, que repousa em suas ações
mágico-ritualistas.
Outrossim, demonstramos que a Igreja Universal procura preservar a instituição de
qualquer escândalo. Isso não a impede de utilizar todos os meios possíveis para, nas palavras
do deputado federal Paulo Gouvêa, “fazer com que todas as pessoas conheçam Jesus”. Assim,
384
qualquer método é válido para alcançar esse objetivo, desde que não seja ilegal. Nesse
sentido, a prática da Igreja Universal pauta-se por um alto pragmatismo. Daí resulta que essa
denominação não percebe maiores tensões na utilização dos meios de comunicação ou da
política para fortalecer sua posição como instituição, pois, para ela, se o objetivo é meritório,
os meios também o são. Em parte, essa posição explica a conhecida aversão dos seguidores da
Igreja Universal, mormente seus pastores, a pesquisadores, jornalistas e curiosos em geral. Se,
para a Igreja, o objetivo é digno de todo o mérito, qual seja, o de evangelizar as pessoas, então
todo aquele que, a seu ver, questiona seus alvos e métodos para atingi-los, lança dúvidas sobre
o próprio Deus. Daí para o seu discurso persecutório, que, por sua vez, está enquadrado na
teologia da Batalha Espiritual, trata-se de um pequeno passo em sua lógica.
A concepção moral da Igreja Universal, como vimos bem ilustrada no depoimento do
ex-bispo Carlos Rodrigues, não admite que o nome da instituição seja envolvido em algo
ilegal. Ou seja, quando o ex-bispo foi perguntado sobre o que era considerado erro, Carlos
Rodrigues respondeu: “qualquer coisa que exponha a Igreja é um erro”.
Podemos deduzir que eventuais ataques à Igreja Universal podem ser ressemantizados
pelos discursos de seus dirigentes e pastores, que sustentam a visão de que a denominação é a
mais perseguida no mundo terreno, em razão de se destacar entre todas por, supostamente,
deter o maior poder espiritual. A relação com a política obedeceria também à lógica da
Batalha Espiritual, constituindo-se na base teológica de sua ação no mundo. Mas, quando esse
ataque é dirigido a alguma pessoa de suas fileiras por eventual atitude ilícita, não há como
resignificar o discurso diante de seus fiéis. A ética somente adquire força mágica na medida
em que ela funciona. Se alguém ligado ao corpo diretivo da Igreja Universal é flagrado em ato
ilícito, não há espaço para o arrependimento ou o perdão. O infrator precisará pagar o preço
de ter se deixado levar por “forças malignas”. Ou seja, como bispo ou pastor, lhe é retirado o
carisma de sacerdote / mágico.
385
A legitimidade dessa instituição assenta-se sobre a ética da libertação, da igreja que
vence todos os demônios, e, portanto, a quem os espíritos corruptores da política também
temem. Por outro lado, a consolidação de políticos da Igreja Universal nos corredores do
poder serve como uma forte “moeda de troca”, evitando que o poder público ou outro detrator
qualquer saiba que essa denominação possui outros recursos dos quais pode lançar mão.
A nosso ver, as denominações religiosas que se valem de um discurso mais magicista
obtêm maior sucesso nos pleitos eleitorais. Esse discurso é perceptível, por exemplo, no
acento dado à teologia da Batalha Espiritual. Estando as falas e as motivações das instituições
e dos pastores afinadas com esse quadro discursivo, as Igrejas oferecem aos fiéis uma lógica
messiânica que ajuda os adeptos a se identificarem com a instituição, bem como a se
localizarem no espaço e no tempo de uma sociedade fragmentada e complexa.
Sobre as motivações institucionais, verificamos, em síntese, fundamentalmente, dois
discursos relativamente bem definidos nas denominações estudadas em relação a seu ingresso
no campo da política partidária. Para a Igreja Assembléia de Deus do Rio Grande do Sul, o
déficit ético na política é a motivação mais forte para sua atuação partidária. Essa instituição
insere-se, portanto, em cargos políticos com o intuito de levar às leis um substrato ético-
evangélico, bem como fazer com que o Estado perceba a relevância da existência dessa
denominação para o bem comum; como mencionado no terceiro capítulo. A Igreja
Quadrangular compõe o seu discurso tanto com um elemento ético-religioso, quanto com
questões pragmáticas. para a Igreja Universal, a principal motivação parece encontrar-se na
defesa dos interesses da própria instituição religiosa, uma vez que ela se percebe como a
verdadeira portadora da mensagem evangélica.
Assim, nas entrevistas feitas, emergem dois discursos distintos, com suas respectivas
visões de mundo. Cremos que essa constatação nos permite afirmar, em termos weberianos, a
386
existência também de duas ênfases éticas advindas de duas distintas cosmovisões, resultando
em duas formas diversas de lidar com a política.
Para finalizar, as cosmovisões das três denominações aqui estudadas assentam-se
sobre um discurso magicista, ainda que com intensidades bastante diferentes. Nesse sentido,
procuramos demonstrar que essa cosmovisão magicista ultrapassa o âmbito dos discursos
religiosos. Diríamos, até, que essa cosmovisão vem a reboque da racionalidade tecnicista que
soçobra no mundo contemporâneo, de tal forma que o que grassa em nosso mundo vivido não
é a racionalidade da Ilustração, mas a racionalidade instrumental, que, como bem demonstrou
Weber, assemelha-se à magia em sua racionalidade de fins. Assim, até mesmo o discurso
ético muitas vezes é usado como uma fórmula que, por si só, espera-se, gere legitimidade ao
portador de tal discurso. Como dissemos, essa forma discursiva não é tomada como referência
somente pelas denominações religiosas. Podemos exemplificar essa afirmação, citando o
emprego desse mesmo artifício em muitas empresas, como relata Maria Ester de Freitas:
Para certas empresas, o discurso ético é um instrumento de
gestão e até uma nova tecnologia de convencimento. [...] A ética das
empresas parece transformar magicamente a necessidade em virtude.
E isso permite relegar a segundo plano as vantagens materiais ou
somente apresentá-las como uma contrapartida à adesão aos valores
da empresa (Freitas, 2002, p. 67).
Enfim, a racionalização ocidental desembocou em uma racionalidade instrumental.
Concordamos com Mariz quando propõe a hipótese de que o sucesso do pentecostalismo não
estaria, fundamentalmente, no seu manejo com concepções mágicas, “mas sim [n]a forma
como esta religião articula a magia e o sobrenatural com a ética” [acréscimo nosso] (Mariz,
1994, p. 205).
Através de nosso estudo, cremos ter apontado algumas possibilidades de interpretação
da intersecção entre religião e política. Por um lado, verifica-se a fragmentação das
387
identidades, o pluralismo religioso e político, a maior ingerência do Estado sobre questões
privadas, enfim, o esmaecimento das fronteiras entre a religião e a política. Por outro,
salientamos a própria constituição ou estado da racionalidade contemporânea. Dessa forma,
vivemos em um mundo mais mágico do que efetivamente racionalizado pela objetividade
científica. Repetimos uma das conclusões a que Pierucci chegou ao estudar o conceito de
desencantamento:
Insinuando de modo perturbador ou, quando menos, intrigante
nessa co-incidência dos processos de desencantamento e
intelectualização religiosa, estamos começando a perceber um certo
paradoxo viajando na idéia de desencantamento do mundo. É como se
o desencantamento significasse justamente o contrário do que ele
esperava, a saber, a saída de um mundo incapaz de sentido [racional]
e o ingresso num universo significativamente ordenado pelas idéias
religiosas [mágicas] e, com isso, tornado ele próprio pleno de sentido,
sinnvoll, meaningful. Faz sentido isto, pensar como desencantamento
justamente o entrar para um mundo cheio de sentido? Para Weber, faz
[acréscimos nossos] (2003, p. 88).
Ou seja, a própria racionalidade moderna, que tem como uma de suas conseqüências a
intelectualização religiosa, abriu amplos espaços para a magia, o que, hoje, é perceptível nas
mais diversas esferas sociais, e não apenas na religiosa. Assim, paradoxalmente, quanto mais
a racionalidade moderna e instrumental avança, mais espaço ganha o pensamento mágico.
Quer-nos parecer que esta é uma das importantes razões pelas quais a religião imiscui-se na
esfera política.
Oro (2001c) afirmou que a forma de organização eclesial das igrejas é determinante
para o seu sucesso eleitoral. Confirmamos esse fato em nossa pesquisa. Além disso,
constatamos a importância do papel das concepções teológicas e da clareza nos projetos de
inserção na política partidária por parte das denominações evangélicas pesquisadas. As três
denominações estudadas estruturam-se de forma diferente, impactando de modo diverso nas
388
comunidades locais de fiéis e em suas estratégias políticas. Podemos dizer que, quanto mais
assertativa e incisiva for a posição da Igreja sobre os candidatos por ela indicados, maior a
chance de êxito eleitoral. Contudo, a compreensão do significado do envolvimento
denominacional com a política distingue a prática das três Igrejas por nós estudadas.
A Igreja Assembléia de Deus mantém uma relação diplomática com candidatos
diversos em época de eleições, mas, formalmente, apóia somente aqueles advindos de seus
quadros – pastores e leigos. Esse apoio, no entanto, ocorre de maneira discreta. A construção
das candidaturas dá-se principalmente por iniciativa pessoal, mas, para que alguém possa
postular ao cargo de representante da denominação, necessita ter algum status no interior da
própria denominação.
Nossa pesquisa constatou que a Igreja Assembléia de Deus tem a convicção de que o
Brasil deve ser dirigido por evangélicos, para que se torne um país cristão. A partir dessa
visão, organiza suas estratégias para alcançar esse intento. Entretanto, diante do pouco êxito
nos pleitos eleitorais (exceto para o legislativo estadual), novas soluções estão sendo buscadas
pela denominação, sem, no entanto, abrir mão de sua base congregacional.
Verificamos que essa Igreja apóia o envolvimento com a política partidária, embora se
reserve o direito de fazê-lo com limites. A seu ver, deve continuar havendo uma certa separação
entre a religião e a política. A Igreja reconhece e almeja os benefícios trazidos pela aproximação
entre essas esferas, mas hesita em pagar o preço que ela, possivelmente, lhe custaria, no que se
refere a suas convicções religiosas e mesmo à forma de organizar-se como instituição religiosa.
Na Igreja Quadrangular, por sua vez, nosso estudo demonstrou que a participação na
política partidária não tem um lugar secundário, mas de destaque, ocorrendo de forma bem
organizada e dotada de alta intencionalidade. Nessa instituição, não encontramos
espontaneísmo. O engajamento no campo político integra as prioridades da entidade. A Igreja
389
articula candidaturas e possui grêmios específicos para planejar e realizar essa tarefa. Ainda
que aceite mais de uma pré-candidatura a qualquer cargo político em seu nome, a Igreja da
seu referendo somente a um nome por cargo, decidido em uma prévia interna, conforme
descrito no capítulo três. Esta é a estratégia adotada tanto no âmbito municipal quanto para as
eleições no Estado e no cenário federal.
Constatamos a grande concentração do poder eclesial em mãos dos pastores da Igreja
Quadrangular. São eles os que ocupam os cargos da hierarquia da instituição. Embora com
exceções no âmbito municipal, a expressiva maioria dos representantes políticos da entidade
também são membros de seu clero.
Os membros da Igreja Quadrangular, ainda que sem voz por ocasião das referidas
prévias, mostraram-se satisfeitos com a forma como o processo do envolvimento de sua
denominação se dá com o campo político. Sentem-se participantes e apóiam as concepções
político-religiosas propostas pela denominação. A afinidade constatada entre a direção da
Igreja Quadrangular, seu clero e a membresia, no tocante à participação da entidade na
política partidária, se reflete no alto êxito das candidaturas lançadas pela instituição.
Embora arrojada em sua articulação política, como descrito, a Igreja Quadrangular
prescinde de usar os cultos, ostensivamente, em campanhas políticas. O espaço eclesial é
palco da montagem de todo o esquema eleitoral, o que, no entanto, se dá de forma discreta.
Estruturada em comunidades com muitos grupos atuantes, a entidade religiosa conta com
esses espaços nucleares para construir um processo em que ocorre, simultaneamente, uma
relativa democracia interna e o cumprimento das decisões provindas da hierarquia
eclesiástica. Os métodos de construção, divulgação e eleição das candidaturas advindas do
berço Quadrangular chamam a atenção por sua eficácia e harmonia consciente, por assim
dizer. Os membros não obedecem; eles concordam.
390
Organizada de forma episcopal, a Igreja Universal tem um pequeno foro de tomada de
decisões, como demonstramos. Esse grupo restrito julga e decide também sobre os passos a
serem dados pela instituição para dentro do campo político. As candidaturas, as estratégias de
sua divulgação, as bandeiras que competirá aos seus representantes na esfera política
defender, entre outros assuntos, são decididos nacionalmente e obedecidos localmente, por
todo o território brasileiro. As instâncias de poder intermediárias recebem as ordens do poder
central e as distribuem para as comunidades país afora. Trata-se, portanto, de uma
característica não exclusiva do Rio Grande do Sul. A autonomia das comunidades da Igreja
Universal é limitada, incluindo seus pastores e obreiros. A membresia, na sua maior parte,
atende o que lhe é prescrito, também quanto ao destino de seus votos nos pleitos eleitorais. Os
púlpitos agregam o papel de palanque em época de campanha, resultando no “voto fiel”.
Ressalvamos, porém, que as expressivas votações alcançadas pelos candidatos
lançados pela Igreja Universal podem ser interpretadas como um êxito parcial. Em termos
numéricos, a entidade alcança seus objetivos, via de regra. Entretanto, trata-se de um
eleitorado que, a nosso ver, não opta, conscientemente, por aqueles candidatos. O sucesso
eleitoral não chega a representar, portanto, um endosso pleno, mas consiste em uma parte do
complexo “pacote religioso” que o crente aceita inteiro, sem grandes questionamentos. Em
jogo estão convicções teológicas, eclesiológicas e políticas, como vimos em nossa pesquisa.
A propalada fidelidade no voto vem da obediência que o carisma institucional consegue
evocar junto a seus fiéis. Portanto, cabe perguntar: até quando a legitimidade da Igreja
Universal conseguirá manter-se na relação entre essa instituição e a política? Referimos que a
votação do ex-deputado estadual Paulo Moreira, primeiro representante da Igreja Universal na
Assembléia Legislativa gaúcha, foi mais expressiva (60.474 votos) que a votação alcançada
por seu sucessor, Sérgio Peres (46.651 votos). Somente o tempo dirá se o declínio na votação
do candidato dessa denominação pode significar um abalo na legitimidade da mesma junto
391
aos seus fiéis, pelo menos na sua relação com a política, especificamente no campo legislativo
do Rio Grande do Sul. Sabemos que o encolhimento do número de votos obtidos pode estar
atrelado a diversos fatores. Ainda assim, esse processo merece acompanhamento.
Nosso estudo mostrou que as denominações gaúchas pesquisadas experimentam não
apenas o apoio a sua inserção no ambiente político. Foram detectadas resistências internas a
esse envolvimento, ainda que estas não sejam impeditivas. No tocante às resistências, duas
posturas foram encontradas, expressando-se em três graus diferentes. A diferença entre eles
está mais na freqüência com que ocorrem do que em seus argumentos. A primeira caracteriza
a Igreja Assembléia de Deus. As Igrejas Quadrangular e Universal estão mais próximas, dadas
suas características organizacionais. Distinguem-se, porém, pelo número de vozes contrárias,
que coloca a Igreja Quadrangular novamente em um ponto intermediário entre a Assembléia
de Deus e a Igreja Universal, esta com índices significativamente inferiores de oposição ao
envolvimento com o campo político.
Dada a maior liberdade de escolha na Igreja Assembléia de Deus, a voz da consciência
de cada fiel possui grande importância, sendo a que avaliza positiva ou negativamente não
apenas as candidaturas específicas, mas a própria relação da instituição com o campo político.
Constatamos que, além de alguns membros da Igreja, também integrantes de seu clero são
reticentes quanto a misturar política e religião. A resistência maior foi detectada quando o
candidato é um pastor ou uma importante liderança leiga da denominação. Entre outros, foi
registrado o temor de que os dons dessas pessoas sejam absorvidos pela esfera política e
perdidos para o ambiente eclesiástico, além da referência ao medo de que se corrompam em
seus princípios. Alguns associam a política a poderes malignos, jogando para o transcendente
os problemas do campo político. Nas três entidades religiosas pesquisadas, as razões alegadas
para sustentar posições contrárias ao envolvimento na esfera política são praticamente as
mesmas. O que muda, portanto, é a quantidade de pessoas que delas fazem uso. Entretanto,
392
como demonstramos, as vozes resistentes constituem uma minoria que não inibe nem impede
esse processo. Porém, nosso estudo mostrou um dado interessante: que as resistências
encontradas nas três denominações têm o seu peso e sua importância não na quantidade de
vozes contrárias ao envolvimento das denominações com o poder político, mas na força de
seus argumentos.
Na Igreja Quadrangular, verificamos poucas e isoladas resistências à inserção da
denominação na política partidária. Elas caracterizam-se por expressarem cautela em relação
a esse envolvimento, não uma desaprovação efetiva. Trata-se mais de uma desconfiança sobre
se a relação custo/benefício, por assim dizer, justifica a empreitada. As pessoas que não
endossam plenamente o envolvimento com a política não se afastam da Igreja por essa
questão. As resistências na Quadrangular são, portanto, solitárias e quase inócuas, dissipando-
se frente ao expressivo apoio aos projetos políticos da instituição.
No seio da Igreja Universal, as vozes resistentes ao envolvimento da instituição com a
política partidária são a minoria, praticamente desaparecendo na maciça adesão da membresia
às proposições políticas da Igreja.
Em síntese, as três instituições religiosas pesquisadas almejam uma inserção crescente
na política partidária, demonstrando perceber esse tema como um projeto legítimo, frutífero e
viável. O maior ou menor sucesso eleitoral depende da forma como as Igrejas se estruturam e
se articulam frente às candidaturas.
Cabe salientar, contudo, que verificamos um grande zelo nas Igrejas evangélicas
gaúchas em questão na fase que antecede a eleição de seus representantes. Uma vez obtido o
êxito no pleito, o acompanhamento da atividade parlamentar é-lhes secundário, chegando a
ser bastante reduzido, como até agora tem sido o caso da Igreja Universal. Valendo-nos de
uma metáfora, poderíamos dizer que os evangélicos do Rio Grande do Sul idealizam e
393
realizam o plantio, mas descuidam da colheita. Justamente o período em que os frutos de
tamanho engajamento poderiam surgir, a relação entre as Igrejas de origem e os seus
representantes é limitada.
Lançar alguém ao poder legislativo pressupõe grande confiança em seu ajuizamento
sobre as temáticas com que se defrontará e em sua capacidade de ser propositivo. E em ambas
as questões, é mister acreditar que o mesmo se manterá coerente com os princípios da
instituição que o ajudou a eleger-se. Assim, trata-se de uma balança não tão simples de manter
equilibrada. De um lado, uma vez eleito, o parlamentar deveria ser livre para decidir, ou seja,
possuir uma autonomia isenta, sem a pressão de lobbies corporativos ou outros. De outro, sua
identidade e sua elegibilidade estão fincados em solo específico. Sua carreira não é solo. Está
atrelado a crenças, valores e poderes claramente definidos.
E como se não bastassem o próprio sujeito deputado e a Igreja da qual se faz porta-
voz, uma terceira fonte de pressão constantemente mostra seu poder: o partido ao qual o
parlamentar está ligado. Convicções e interesses por vezes coincidentes, mas, não raro,
conflitantes, precisam ser administrados. Caso contrário, são colocadas em risco as bases que
sustentam esse tripé.
Em futuro breve, novos ares soprarão entre o campo político e o religioso,
interconectando-os ainda mais através da criação do Partido Republicano Brasileiro (PRB),
ligado à Igreja Universal, e a uma possível adesão maior de igrejas cristãs, no Rio Grande do
Sul, ao PSC. Embora, atualmente, os deputados estaduais evangélicos representem mais da
metade da bancada do PTB na Assembléia Legislativa do Estado, ainda encontram-se em
ninho alheio, acolhidos, é verdade, mas na condição de hóspedes. Se o PSC for inflado por
cristãos, estes ascenderão a anfitriões nessa legenda partidária. Desde a efetivação da sigla da
Igreja Universal, a denominação assume o lugar de hospedeira no plano partidário. Como tal,
394
além de participar do jogo político e conhecer bem suas regras, será a proprietária do baralho
e poderá, quem sabe, dar as cartas. Ademais, se os planos da Igreja Assembléia de Deus a
respeito da nova composição do PSC se confirmar, também ali o poder será redistribuído.
Portanto, configura-se, de forma cada vez mais clara e incisiva, o movimento das igrejas de
viés pentecostal adentrando o campo da política partidária.
Nosso estudo comprovou que as Igrejas evangélicas estudadas, definitivamente,
articulam-se para fazer política. Querem ser cabeça, não, cauda! Deixando o amadorismo e o
espontaneísmo, colocam representantes não apenas no espaço legislativo gaúcho, mas em
todas as instâncias do poder político, desde o âmbito municipal até o legislativo federal. Por
enquanto, as três denominações pesquisadas não possuem força para chegar ao executivo
estadual ou federal. No entanto, certamente, almejam tal objetivo a médio ou longo prazo.
Assim, como fermento na massa (figura muita utilizada em seus discursos religiosos), os
evangélicos chegaram no mundo da política e crescem na clareza de seus projetos e nas
estratégias de suas articulações políticas. Sustentados pela legião de eleitores que congregam,
estão levedando a esfera do poder político.
A realidade de crescente intersecção entre os campos da política e da religião não se
restringe às Igrejas pesquisadas e ao contexto gaúcho. Trata-se de um fenômeno mais amplo,
enquadrado no Zeitgeist, numa visão de mundo contemporânea, também abordado neste
trabalho.
Não foi objeto de nossa pesquisa comparar a atuação dos deputados evangélicos em
relação aos demais. Assim como verificamos diferenças significativas entre a prática
parlamentar dos evangélicos, julgamos ser possível identificar diferenças também na prática
dos demais legisladores, por tratar-se de uma característica humana: a diferença. Em função
de questões pessoais ou institucionais, cada um dos representantes eclesiásticos tem seus
395
próprios potenciais e limites, ênfases claras e pontos obscuros em sua prática parlamentar.
Seria ingênuo esperar uma homogeneidade apenas pelo fato de os deputados pesquisados
professarem uma mesma fé pentecostal.
O fato de a Igreja Quadrangular mostrar-se mais ativa e organizada no que se refere a
sua inserção no poder legislativo gaúcho que a Igreja Assembléia de Deus não é,
necessariamente, uma realidade também nos demais Estados brasileiros. Essas duas
denominações possuem características variáveis ao longo do território nacional. Por outro
lado, salvo pequenas oscilações regionais, a Igreja Universal mantém um padrão no Brasil,
sustentado por sua forma de organizar-se como instituição religiosa.
Consideramos interessante comparar nosso estudo com o abordado no artigo de
Machado (2003), no qual a autora mostra, por exemplo, que a relação entre os deputados
evangélicos do Rio de Janeiro e os trabalhos sociais por eles desempenhados antes de sua
eleição é alta. Em nossa pesquisa, essa vinculação direta entre os parlamentares de fé
pentecostal do Rio Grande do Sul e as iniciativas de natureza assistencial porventura
desenvolvidas antes de sua indicação como candidatos em nome de sua Igreja, não se
estabeleceu como um pré-requisito generalizável para seu ingresso na vida política. O único
deputado que fez uma forte ligação entre essas duas questões foi o deputado Edemar Vargas.
Vimos que, em grande medida, isso ocorreu pois, para a Igreja Assembléia de Deus do
Rio Grande do Sul, foi referida a importância de o candidato demonstrar aptidão para com
assuntos e práticas consideradas de ordem pública e assistencial. São classificadas como tais
quaisquer atividades que uma pessoa realiza fora dos muros da denominação, embora
intimamente a ela relacionadas. Como exemplos, citem-se: a evangelização em praça pública,
o envolvimento com a recuperação de dependentes químicos ou a evangelização dos detentos
em presídios.
396
Outra questão que merece destaque nessa comparação com a pesquisa de Machado
(2003) é a significativa importância dada pelos deputados cariocas a questões corporativas,
especialmente o parlamentar ligado à Igreja Assembléia de Deus, seguido por seus colegas da
Igreja Universal. Em nosso estudo, entretanto, a tendência mais corporativa não ocorreu entre
os deputados da Assembléia de Deus. Dos representantes políticos evangélicos na Assembléia
Legislativa no Rio Grande do Sul, foram eles os que menos apresentaram Projetos de Lei que
visassem ao benefício específico da sua denominação ou do segmento evangélico. Os
representantes da Igreja Universal gaúchos estão entre os que mais apresentaram projetos
corporativos.
Antes de finalizarmos este texto, consideramos importante apontar para questões que
aguçaram nossa curiosidade a partir da pesquisa realizada. Por exemplo, nosso estudo não se
ocupou, especificamente, das votações realizadas nas sessões plenárias da Assembléia
Legislativa. Seria interessante ter obtido informações quanto à coerência entre as posições
evangélicas, as orientações partidárias e os votos propriamente efetuados. Ressalvando-se os
casos em que os votos são sigilosos, aos quais não se tem acesso, esses dados podem apontar
para interessantes opções na prática parlamentar dos deputados evangélicos. Contrapor essas
três variáveis em diversos temas das pautas de votações (posição evangélica, orientação
partidária e o voto do deputado) pode render um bom estudo sobre o jogo de forças presente
na hora de uma votação, podendo-se visualizar qual é o grau de coerência do deputado
evangélico em seus votos. Além disso, considerando que o deputado está ligado a duas
instituições, seria possível verificar com qual delas ele é, prioritariamente, coerente: a Igreja,
que o elegeu ou o partido, que o abriga. Até agora, se tem constatado que, alegadamente, a
prioridade é da Igreja. A eventual ingerência das denominações religiosas no contexto das
votações também poderia ser melhor conhecida nessa lacuna que nossa pesquisa não abordou.
Como vimos, nossa pesquisa ocupou-se dos deputados evangélicos do Rio Grande do
397
Sul. Durante as entrevistas, chamou-nos a atenção a abertura crescente em relação à
participação de mulheres como representantes das fileiras evangélicas na esfera política.
Embora, efetivamente, ainda sejam minoria no âmbito municipal e ausentes no legislativo do
Estado, cresce o apoio à ampliação do espaço da participação feminina na política partidária,
em nome das denominações evangélicas. Trata-se, portanto, de uma importante mudança
nesse que é um segmento conhecido pelo seu conservadorismo, que também se manifesta na
presença maciça de homens nos cargos de poder, sejam eclesiásticos sejam nas representações
das instituições religiosas no campo político. Acompanhar esse processo à luz dos estudos das
questões de gênero pode render uma rica pesquisa. Embora tenhamos tido que delimitar nosso
foco para esse trabalho, tencionamos ocupar-nos dessa crescente tendência no meio
evangélico em estudo específico futuro.
Outrossim, entendemos ser interessante ter acesso à visão dos políticos laicos sobre a
atuação dos parlamentares ligados às instituições de viés pentecostal. Tentamos obter
entrevistas das lideranças dos principais partidos com acento na Assembléia Legislativa, que
poderiam nos municiar com sua percepção acerca do trabalho dos evangélicos, provavelmente
representativa das respectivas bancadas. Entretanto, apesar dos insistentes contatos com as
assessorias para combinar as entrevistas, estas não foram efetivadas.
As especificidades da atuação dos deputados de fé pentecostal em relação aos seus
pares de outros credos ou que não professam religião alguma podem render outro frutífero
estudo. Nosso foco limitou-se ao trabalho dos deputados evangélicos, comparando a prática
parlamentar dos representantes das Igrejas pesquisadas entre si. Contudo, analisá-la na relação
com o conjunto de parlamentares gaúchos, numa ótica comparativa, pode trazer novos
elementos para a pertinente discussão quanto a eventuais diferenciais entre os deputados
ligados a igrejas evangélicas e os demais membros do legislativo.
398
Ainda no tocante a pesquisas futuras, o contato com os parlamentares evangélicos
gaúchos mostrou que suas linhas argumentativas podem ser ainda melhor exploradas para
conhecer não somente o que defendem, mas as razões oferecidas para sustentar suas posturas
enquanto representantes das instituições religiosas. Analisar com mais vagar os discursos,
bem como, eventualmente, as atas das comissões integradas por esses deputados, talvez com o
auxílio de instrumental técnico da lingüística, apresenta-se como um solo fértil para apreender
as costuras feitas e possíveis incongruências quando se encontram os campos da religião e da
política.
Como se vê, os rearranjos do campo político gaúcho, em especial, e do brasileiro, em
geral, gerados pelo crescente espaço ocupado por evangélicos na esfera política, convidam a
novas e constantes empreitadas de estudo. Dado o poder que reviravoltas em um ou outro
campo podem criar ou sofrer, os rumos das intersecções entre os âmbitos da religião e da
política são um terreno sobre o qual se podem firmar posições apenas em tese...
399
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