ambiente natural. Mas é sobretudo a sabedoria por meio do conhecimento existencial e
da tradição desse povo, que leva Cecília a demonstrar tanto apreço por sua cultura:
O viajante ocidental precisa de uma iniciação antes de partir para o Oriente.
Creio que essa iniciação lhe será útil seja qual for o país a que se destina.
Precisa conhecer a história desses velhos povos, um pouco de suas idéias
filosófico-religiosas, uma boa parte de seus costumes e tradições. Precisa,
também, conhecer a atualidade desses povos, que não estão mortos,
mumificados, incertos, mas, ao contrário, vivos, em grande vibração,
procurando equilibrar a sua sabedoria de passado com a ciência e a técnica
do tempo presente, o que é trabalho delicado, tanto no plano nacional como
no internacional. (MEIRELES, “Ocidente-Oriente”, 1953, p.39)
A tolerância e a diversidade de origens – inclusive lingüísticas – são para a
autora fatores que a conduzem a um mundo de encantamento. Tanto isso é verdade, que
no plano de sua criação literária, Cecília aponta-nos que é possível a confluência cordata
entre os gêneros – até mesmo os literários – através da relação amistosa entre a prosa e a
poesia.
Na crônica intitulada “Ritmo de um congresso”, podemos observar a narradora
discorrer sobre a figura de um instigante copeiro muçulmano:
Pois como ia dizendo, eu não sabia que título dar a este jovem, que não é um
criado, que não é um porteiro, que é uma espécie de poeta e de anjo da
guarda, [...] que não se importa nada com papéis rasgados nem ralos
entupidos, mas se interessa muito por flores, pássaros, panos bordados,
versículos do Alcorão... [...]. No fundo do meu coração, porém, ele é como
um irmão, um irmão muçulmano, sob o céu hindu - o que me parece um
sentimento verdadeiramente cristão. E essa é outra coisa que me encanta.
(MEIRELES, 1954, p.187)
A gente comum – quando delicada e inspiradora – ganha um aspecto diáfano e
ao mesmo tempo instigante, como na passagem “esta gente que não parece viva, mas
sonhada e sonhante” (MEIRELES, 1954, p.208). Como todo bom cronista, Cecília
extrai do circunstancial motivo para apreensão de sua beleza e da preservação de seu
aspecto genuíno.
Voltamos a mencionar a figura do copeiro, retomada em “Índia Florida”, mas
desta vez sob um aspecto místico:
E uns copeiros de prodigiosas roupas encarnadas, com as insígnias da sua
hierarquia em correntes e placas douradas, circulam gravemente, a sua
cabeça envolta em volumosos turbantes, as mãos carregadas de porcelanas,
que, pela cor, parecem arrancadas ao firmamento, e onde uma estrela de ouro
passeia a sua inscrição. (MEIRELES, 1954, p.207)