Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JANAINA SANTANA DA COSTA
A EMANCIPAÇÃO COMO INÉDITO-VIÁVEL NO PROJETO DA EDUCAÇÃO DO
CAMPO:
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIREUMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
CUIABÁ-MT
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
JANAINA SANTANA DA COSTA
A EMANCIPAÇÃO COMO INÉDITO-VIÁVEL NO PROJETO DA EDUCAÇÃO DO
CAMPO:
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIREUMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA A ESCOLA PAULO FREIRE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação no Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, como parte dos requisitos à obtenção do
título de Mestre em Educação, na Área de
Concentração Educação, Cultura e Sociedade e
Linha de Pesquisa
:
Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular.
ORIENTADOR
Professor Doutor Luiz Augusto Passos
CUIABÁ-MT
2008
ads:
FICHA CATALOGRÁFICA
C837e
Costa, Janaina Santana da
A emancipação como inédito
-
viável no projeto da
educação do campo: uma viagem etnográfica a escola
Paulo Freire / Janaina Santana da Costa. – 2008.
139p. : il. ; color.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Educação, Pós-graduação em
Educação, Área de Concentração: Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais,
Política e Educação Popular, 2008.
“Orientação: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos”.
CDU
37.014.53
Índice para Catálogo Sistemático
1.
Política educacional – Aspectos sociais
2.
Práticas educacionais – Emancipação
3.
Movimentos sociais – Educação
4.
Educação do campo
5.
Pedagogia freireana
6.
Freire, Paulo, 1921-1997
7.
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – Educação
8.
Escola Paulo Freire – Barra do Bugres (MT)
9.
Assentamento Antônio Conselheiro – Barra do Bugres (MT)
DEDICATÓRIA
DEDICATÓRIADEDICATÓRIA
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a todas as crianças que iluminam minha
caminhada!
A Escola PAULO FREIRE por suas MARCHAS!
AG
AGAG
AGRADECIMENTOS
RADECIMENTOSRADECIMENTOS
RADECIMENTOS
A Deus, pai de infinita amor, artesão do espírito e da alma humana.
Ao Mestre dos Mestres, Jesus Cristo. Tem me ensinado que, nas falhas e lágrimas, se
esculpe a sabedoria.
A Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, medianeira de todas as graças.
A Minha linda família, obrigada pela compreensão, apoio e AMOR incondicional!
Pai e amigo, meu eterno agradecimento pelo exemplo de LUTA!
Mãe e amiga, meu eterno agradecimento pelo exemplo de PERSEVERANÇA!
A Manú e Sônia, minhas irmãs e cúmplices.
Aos amigos que compõem minha família especial.
As minhas sobrinhas Viviane e Sonimar, meus agradecimentos.
Aos meus afilhados, Anderson, Niliane, Amanda, Luísa e Adrian. Luzes e alegrias nessa
caminhada.
A minha Avó Maria por suas preces e orações!
Aos amigos de todas as horas, Cristina e Murilo, Patrícia e Edmar, Itamara, Geni e Jairo,
Bob (Osmário) e Beth. A vocês, minha eterna gratidão.
Aos educadores e educandos da Escola Paulo Freire.
Aos Irmãos Adilson de Jesus e Aparecida (Companheira), Ângela, Sérgio, José Carlos,
Adilson Luiz e Etelvina (Companheira), Nina e sua linda filha, educadores e educadoras da
Escola Paulo Freire, lócus do estudo de campo, pelo imprescindível apoio à realização desta
pesquisa.
A Preta e Antônio (in memoriam)! Quanta caridade e carinho pelos viajantes que
chegam a seu lar!
A todas as crianças da Escola Paulo Freire, que embalaram meus dias com sua alegria e
um embornal de perguntas.
Aos companheiros de Mestrado e do GPMSE-UFMT.
Ao amigo Romildo (Jaja), grande companheiro de luta, sempre pronto a ajudar seu
semelhante, Um ser humano ímpar.
À amiga Silvia, por sua generosidade e compaixão para com seu semelhante.
Aos técnicos do Instituto de Educação da UFMT:
Luisa Teixeira, Mariana Serra, Patrícia Sampaio e Jeison Santos, da secretaria da Pós -
Graduação - IE.
Kelly Miranda e Manuel Messias, da Secretaria Geral do IE.
Jucileide Sacula, da Biblioteca do IE.
Simone Manduca, da Secretaria do SEMIEDU-IE.
À Profª Drª Maria da Anunciação, pela sua importante discussão e orientação. Sobretudo
por sua paciência de verdadeira amiga.
Ao Prof. Dr. Alípio Casali, por sua generosidade em compartilhar.
Ao Prof. Germano Aleixo, por sua alegria de ensinar. Um educador especial.
Ao amigo e orientador Prof. Dr. Luiz Augusto Passos, por sua sábia orientação. Mais por
sua HUMILDADE e HUMANIDADE. Um exemplo.
Aos Companheiros do MOVIMENTO SEM TERRA!
POESIA
POESIAPOESIA
POESIA
Pedaço de Mim
Pedaço de MimPedaço de Mim
Pedaço de Mim!
!!
!
Há algo de belo no outono.
As folhas caem, o vento sopra seco e frio em nossa face.
O calor, o clima seco, os barulhos das folhas movimentando num ballet, ao som do sopro do
vento.
O outono me lembra saudade. Saudade da alegria, dos sorvetes coloridos.
De crianças brincando na praça.
Lembra também sonhos. Sonhos guardados nas gavetas da memória.
Sonhos como papéis prontos para serem tingidos, manuseados, reativados.
Enfim, o outono ainda me faz lembrar de tardes longas, cumpridas...
Do aroma da cidreira
Dos raios de sol que pontilham....
Pintam, subscrevem, colorem o céu e os corações...
Os corações daqueles que inspiram a última frestinha de sol que ainda consegue sentir sobre a
pele;
Do cheiro do mato, do sabor das frutas do verão.
Ahhhhhhh.....
Quanta saudade o outono lembra.
Saudade de caminhar de mãos dadas com a paz e o amor.
Lembra que na primavera, o amor colhia flores para enfeitar o jardim dos cachos castanhos da
namorada.
Com os lábios que jorram água fecunda nas palavras
Te Amo e sempre vou te amar!
É no outono, que o silêncio nos deixa surdo de tanta saudade.
Saudade do amor da infância, da juventude que não faz muito tempo.
Porém há algo que o outono me faz lembrar mais intensamente.
Foi no outono que seus olhinhos serenos me disseram:
Um dia nós vamos nos Reencontrar.
Um dia ..... um dia .... Adeus....
Assim como as folhas que caem, as marcas das folhas do tempo
São outono em Mim.
De Janaina Costa dedicado a sua Filha Márcia Cristina (in Memoriam).
Saudade!
PENSAMENTOS
PENSAMENTOSPENSAMENTOS
PENSAMENTOS
....
........
....
Eu sou o tempo e a passagem de um tempo a outro, eu a faço,
não a penso, não a contemplo; eu a efetuo” – MERLEAU-PONTY.
“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava
sempre começando, a certeza de que era preciso
continuar e a certeza de que seria interrompido antes
de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo,
fazer da queda um passo de dança, do medo, uma
escada, do sonho, uma ponte, da procura, um
encontro”.
(FERNANDO PESSOA)
Que saibam todos, que da nossa incompletude, de nossa
pobreza e entre nossos próprios momentos de alienação, torridamente
apaixonados, não arredaremos pé de uma fidelidade primeira, como
educadores e cidadãos, com o projeto libertador de todos os
massacrados e excluídos. “Manteremos nossa reserva ético-política em
favor da Vida. Quem sabe nossa vitória final seja exclusivamente
nossa resistência”. (PASSOS)
10
RESUMO
A presente dissertação é resultado da vigem etnográfica realizada na Escola Paulo
Freire do Assentamento Antônio Conselheiro situado no município de Barra do
Bugres-MT, lócus deste estudo de caso etnográfico. A escola Paulo Freire
construída sobre o alicerce da luta do MST, por sua pedagogia no desejo de
construir uma escola no assentamento com uma pedagogia própria aos seus
sujeitos. O objetivo desta pesquisa foi compreender e discutir as práticas da
educação do e no campo como possibilidade de provocar emancipação de seus
sujeitos mediante as práxis educativas por meio do projeto educativo da escola. Com
a intencionalidade de estabelecer relações entre as experiências vivenciadas no dia-
a- dia do movimento social e do assentamento e as características da vida escolar,
demonstrando as possibilidades e os desafios da articulação entre a prática
educativa e o movimento social desencadeado pela ação do MST. O enfoque da
pesquisa visa fundamentalmente compreender, interpretar e narrar “A emancipação
como inédito- viável no projeto da educação do campo”. Para tanto busquei nesta
‘viagem’ etnográfica repousar numa interlocução de cunho fenomenológico a fim de
compreender as relações sociais especificas que compõe a vida do sujeito no e do
campo. Feita sim através das práticas educativas emancipatórias como práxis
educativa. Esta pesquisa é de uma abordagem qualitativa de cunho fenomenológico.
Para a realização da mesma, utilizei como instrumento metodológico e interpretativo
as narrativas dos sujeitos da pesquisa, numa perspectiva etnográfica com base nas
falas dos sujeitos sociais que destaco como importantes interlocutores da construção
da proposta pedagógica escolar. À luz do pensamento freireano, pude perceber que
os assentados ao orientar-se pelo entendimento da história como possibilidade se
comprometem com o desenvolvimento da capacidade de sonhar coletivamente,
realizam a prática formadora assumindo a perspectiva do inédito - viável que se
compõe na dialeticidade da Pedagogia da Indignação e da Esperança no movimento
em que a escola mantém viva o pensamento de Freire nas atividades diárias, neste
aspecto observei que o MST qualifica o pensamento freireano ao contemporaneizar
a resistência da luta do oprimido nas muitas marchas que a escola promove. Nesse
sentido, essa pesquisa enseja contribuição como resistência de luta aos que
compartilham por essa temática e aos educadores e educandos da escola Paulo
Freire.
Palavras-chave: Educação do campo, emancipação, Paulo Freire, MST.
ABSTRACT
This dissertation is the result of an ethnographic voyage made to the Paulo Freire
School, at the Antonio Conselheiro Settlement, located in the municipality of Barra do
Bugres, State of Mato Grosso, the locus of this ethnographic case study. The Paulo
Freire School has been and constituted upon the fundaments of the MST (Movement
of the Landless Workers) fight and endowed with a pedagogy proper to its subjects.
The objective of this research was to get an understanding of the educational
practices of the country and in the country, as a possibility to provoke the
emancipation of its subjects through the educative praxis of the school’s educational
project, with the intention of establishing relations between the day-to-day
experiences of the social movement at that settlement and the characteristics of
school life, demonstrating the possibilities and the challenges of the articulation
between the educative practice and the social movement launched by the MST
action. The focus of this research was directed to the understanding of: The
emancipation as unprecedented is it viable within the educational praxis in the
country?”. For such purpose, during this ethnographic voyage I tried to lean upon an
interlocution of phenomenological nature, in order to understand the specific social
relations composing the life of the subject in the country and not the life of the
country subject. Being a research considering the education of the country subjects
and not for the country subjects, with a qualitative approach of phenomenological
nature, for its implementation I utilize the tales of the subjects of the research as a
methodological and interpretative tool, from an ethnographic perspective based on
the speeches of the social subjects, whom I detach as important interlocutors for the
construction of a pedagogic proposal for the school. Under the light of the freirian
thought, I perceived that the settled peasants, when compromising themselves with
the development of a capacity for dreaming collectively, they realize, in the forming
practice, the perspective of the viable Unprecedented, which constitutes itself in the
Pedagogy of the Indignation and Hope within the movement in which the school
maintains the thought of Freire alive during the daily activities. In this aspect I
observed that the MST qualifies the FREIRE thought, when contemporizing the
resistance of the fight of the oppressed ones and the many marches promoted by the
school. Along this trailing, the research intends to contribute as a fighting resistance
for the persons sharing this thematic and for the teachers and pupils of the Paulo
Freire school.
Key-words: Education in the country, Emancipation, Paulo Freire, MST.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 01: A sala de aula – temporalidades compartilhadas........................................48
Foto 02: A sala de aula – temporalidades compartilhadas........................................48
Foto 03: Vista aérea da divisão das agrovilas do assentamento..............................56
Foto 04: Vista aérea da agrovila 28 do assentamento Antônio Conselheiro............57
Foto 05: Mapa do assentamento...............................................................................59
Foto 06: A pedagogia de Freire no cotidiano escolar................................................71
Foto 07: As crianças pro-vocando o debate..............................................................71
Foto 08: Ângela – Educadora Popular......................................................................73
Foto 09: Aparecida e Adilson de Jesus – Educador da Terra...................................73
Foto 10: Wanderson – Menino – Terra......................................................................73
Foto 11: Vista aérea do núcleo da agrovila 28 – espaço comunitário.......................76
Foto 12: A biblioteca escolar......................................................................................86
Foto 13: O refeitório....................................................................................................86
Foto 14: A sala de aula...............................................................................................86
Foto 15: O transporte escolar.....................................................................................86
Foto 16: A bilbioteca como espaço de leitura.............................................................86
Foto 17: O laboratório de informatica.........................................................................86
Foto 18: A construção do prédio escolar....................................................................87
Foto 19: Sala do EJA noturno....................................................................................93
Foto 20: Semana Paulo Freire...................................................................................94
Foto 21: Vó Preta e as crianças.................................................................................96
Foto 22: A sala de interação grupo 1 – a comunidade.............................................109
Foto 23: A sala de interação grupo 2 – a educação.................................................110
Foto 24: A sala de interação grupo 3 – a solidariedade...........................................111
Foto 25: A sala de interação grupo 4 – a política.....................................................112
Foto 26: A plenária – momento de culminância.......................................................113
Foto 27: Menino – Terra...........................................................................................114
Foto 28: Educadora Popular.....................................................................................117
Foto 29: Educador da Terra e sua família................................................................120
Foto 30: As marchas................................................................................................131
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
MST Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra
PRONERA Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
INCRA Instituto Nacional de Colonização Reforma Agrária
CPT Comissão da Pastoral da Terra
EP Educação Popular
MSC Movimento Sociais do Campo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17
CAPÍTULO I .............................................................................................................. 29
COMPREENDENDO OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO E O MST -
MOVIMENTO SEM TERRA ...................................................................................... 29
1.1 Breve trajetória do movimento sem terra............................................................. 29
1.2 O sentido educativo do MST ............................................................................... 32
1.3 A escola no interior da luta do MST .................................................................... 37
1.4 A pedagogia do MST e a escola ......................................................................... 40
1.5 Compreendendo a ação dos MSCs e a escola Paulo Freire .............................. 44
1.6 Compreendendo a pedagogia do MST, a educação no e do campo e a educação
popular ...................................................................................................................... 50
CAPÍTULO II ............................................................................................................. 56
CONHECENDO O LÓCUS DA PESQUISA: CAMINHOS TRILHADOS .................. 56
2.1 Caracterização do espaço geográfico do Estado de Mato Grosso e de Barra do
Bugres ....................................................................................................................... 56
2.2 O assentamento Antônio Conselheiro ................................................................. 58
2.3 Caminhos trilhados .............................................................................................. 61
2.4 Metodologia e opções metodológicas ................................................................. 61
2.5 Fundamentação metodológica: um estudo de caso de inspiração etnográfica ... 62
2.6 Instrumentos da pesquisa ................................................................................... 66
2.7 Observação participante...................................................................................... 69
2.8 Estudo de documentos ........................................................................................ 69
2.9 O fenômeno: a bordo de um diário de bordo ....................................................... 70
2.10 Os participantes da pesquisa - por que estes sujeitos são os escolhidos? ....... 72
CAPÍTULO III ............................................................................................................ 75
CONSTRUINDO A ESCOLA PAULO FREIRE: O PROJETO EDUCATIVO............ 75
3.1 Documentações de constituições ....................................................................... 75
3.2 A luta por uma educação básica no e do campo — Escola Paulo Freire ............ 75
3.3 Da estrutura pedagógica matriz curricular e estrutura física da escola ............... 79
3.4 A estrutura física ................................................................................................ 83
3.5 As dependências de alvenaria: prédio construído pelo Estado em parceira com o
município de Barra do Bugres ................................................................................... 84
16
3.6 As dependências físicas de madeira construídas pelo MST em parceria com o
município ................................................................................................................... 84
3.7 Funcionamento da escola .................................................................................. 85
3.8 Imagens do espaço escolar ................................................................................. 86
3.9 A construção da escola Paulo Freire ................................................................... 87
3.10 A escola Paulo Freire nasce da luta pela educação .......................................... 90
3.11 A pedagogia de Freire como referencia à prática educativa ............................. 94
CAPÍTULO IV ............................................................................................................ 96
DESVELANDO A ESCOLA PAULO FREIRE: ANÁLISE-COMPREENSIVA .......... 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA O MOMENTO ................................................. 126
REFÊNCIAS ............................................................................................................ 131
ANEXOS..................................................................................................................139
ANEXO A – Projeto Político Pedagógico da Escola Paulo Freire.
ANEXO B – Documento base para a elaboração do PPP.
ANEXO C – Documentos da escola: a matriz curricular da escola/ ficha de matrícula/
calendário letivo.
ANEXO D – Decreto de criação da Escola Paulo Freire.
ANEXO E – Mapa do assentamento Antônio Conselheiro.
ANEXO F – Mapa do assentamento - vista área.
ANEXO G – Planta baixa 1 e 2.
ANEXO H – Matriz curricular do EJA noturno - beija-flor.
ANEXO I – Documentos do processo de estadualização da escola.
ANEXO J – Carta escrita pelos sem-terrinhas e informe dos sem-terrinhas da escola
Paulo Freire.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo discutir as práticas de educação do e no campo,
como possibilidade de efetivar emancipação de seus sujeitos mediante as práxis
educativas da Escola Paulo Freire, situada no assentamento Antônio Conselheiro.
Intuito é estabelecer relações entre as experiências vivenciadas no dia a dia do
movimento social e do assentamento e as características da vida escolar,
demonstrando como as possibilidades e os desafios da articulação medeiam a
prática educativa e o movimento social desencadeado pela ação do MST.
Paese (2006) argumenta que a luta dos sem-terra é certamente o mais bem
estruturado movimento social do campo, exemplo de resistência e ação coletiva que
consegue realizar a ocupação de áreas e, sobretudo, a estruturação e organização
dos assentamentos.
O sentido político da ação do MST está no fato de pôr às claras sua comum
situação de excluídos, por constada estrutura agrária vigente, bem assim de exigir
do Estado medidas que lhes garantam um pedaço de chão, somadas à sua
reintegração econômica e social como pequenos proprietários. Nesta questão,
incluem-se outros aspectos, não esquecida a ordem educativa.
A presente pesquisa, “A emancipação como inédito-viável no projeto da
educação do campo:
v
iagem etnográfica na Escola Paulo Freire”, nasce
assentada em minha história pessoal de vida, associada à experiência profissional
na coordenação pedagógica do Programa Nacional de Educação da Reforma
Agrária PRONERA, na Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT.
Nesse período, tive a oportunidade de reencontrar e conhecer, no cenário da
educação do campo, histórias e vidas de mulheres e homens mobilizados em novo
projeto de nação e de educação, propondo novas relações de humanidade.
O PRONERA é desenvolvido pelo Ministério Extraordinário de Política
Fundiária, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), no Estado de Mato Grosso. Em 2002, finalidade sua era a preparação de
200 educadores-alfabetizadores para atuarem com jovens e adultos nos quinze
assentamentos da Região dio Norte do Estado. O programa executado pela
18
UNEMAT no Campus Vale do Rio Bugres, município de Barra do Bugres MT. Na
qualidade de docente da UNEMAT, fui designada para coordenar, no interior dos
assentamentos, o acompanhamento pedagógico com os educadores -
alfabetizadores.
Coordenadora do PRONERA, tive a oportunidade de conhecer diferentes
realidades de vida nos variados assentamentos. Contudo, o assentamento Antônio
Conselheiro me despertou a atenção pelo fato de que nele existe a Escola Paulo
Freire, escola com características específicas não pelo fato de estar ancorada do
campo, mas porque ela, mesmo fazendo parte de um núcleo educativo formal,
integra as demais escolas do estado de Mato Grosso. Possui ela um projeto
educativo diferenciado, que contempla as questões particulares do dia-a-dia da
realidade dos assentados, de maneira a possibilitar uma educação emancipatória
que viesse a somar com o projeto de vida de todos os integrantes. Isso, não
daquele espaço geográfico, mas, por igual, de nova comunidade a ser construída
com base na conquista de um espaço a ser preenchido em suas diversas
possibilidades.
Fiquei fascinada pelo assentamento Antônio Conselheiro, dado, á época, era
considerado o maior assentamento de reforma agrária da América Latina. Fui
fortemente envolvida pelo ambiente do assentamento, pelo olhar daquele povo,
unido entre si na luta pelo direito à terra, à saúde e à educação, embora distante de
tudo.
Encontrei, na escola do assentamento, educadores e educandos
comprometidos com a construção de um projeto de vida e de um projeto
educacional, tendo como eixo sul-eador”
1
a emancipação. Entende-se por
emancipação no contexto freireano
2
:
1
Sul - eador escrevemos com o intuito de vincar, de forma clara, o sentido que o termo nos deve
franquear: Sul, no caso, se volta para os povos do Sul. A ótica do Sul, entendida como metáfora do
sofrimento humano causado pela modernidade capitalista, é apontada por Boaventura Santos (2006,
p.32) para caracterizar uma perspectiva epistemológica e política. (...) Como contraponto ao nortear’,
cujo significado é a dependência do Sul em relação ao Norte, “sulear” significa processo de
autonomização desde o Sul, pelo protagonismo dos colonizados, na luta pela emancipação. Implica
uma ão autônoma desde o Sul, enfrentando a integralidade das questões presentes na
colonialidade do saber e do poder que tem a ver comum outro projeto de vida envolvendo a cultura, a
economia, a política, a ciência e outras dimensões. O termo sulear tem sido utilizado na obra de
Freire Pedagogia da Esperança” de modo explícito. Significa construir paradigmas endógenos,
alternativos, abertos, enraizados em nossas próprias circunstâncias que reflitam a complexa realidade
que temos e vivemos. Sulear, sem negar os elementos positivos da modernidade, implica assumir o
19
(...) educação problematizadora, enquanto um que fazer humanista e
libertador, o importante está em que os homens submetidos à dominação,
lutem por sua emancipação (FREIRE, 2005: 43).
O cenário visualizado no assentamento Antônio Conselheiro me alertou para
a percepção do fenômeno da pesquisa. Emancipação mediante práticas educativas
em um contexto de vida, promovidas pelo movimento social.
O movimento social em questão, na luta pela terra, identifica direitos sociais
tais como a educação. A preocupação com as crianças e com o tipo de
escola necessária à realidade vivida é notória nas reuniões das lideranças
do MST [...] (SOUZA, 2006:10).
Localizada no assentamento Antônio Conselheiro, a Escola Paulo Freire,
emerge como projeto educacional estreitamente interligado com a luta dos
trabalhadores do MST - Movimento Sem Terra. Mais, construído por sujeitos sociais
coletivos “pertencentes a diferentes classes e camadas sociais” (sic), articulados
num campo político de força social na sociedade civil. Salienta Maria da Glória
Gohn:
(...) participam, portanto, da mudança social histórica de um país e o caráter
das transformações geradas poderá ser tanto progressista como
conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas as que
estão articuladas, em suas densas redes; e dos projetos políticos que
constroem com suas ações. Eles têm como base de suporte entidades e
organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação
construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais
que abrangem as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam
(2000: 252).
Os argumentos de Gohn colaboraram na compreensão do que se entende por
movimentos sociais contribuindo na interpretação e interlocução com as práticas
pedagógicas empreendidas no espaço escolar.
movimento de construção endógeno e processual de outro mundo possível, desde “os condenados
da terra”. (
STRECK, D.; REDIN, E.; ZITRKOSKI, J. (Orgs.)
, 2008: 396-397)
2
Freireano, faço-o por orientação de própria didática, que nos obriga a esclarecer que a escrita
correta na sintaxe da palavra é freiriano. Porém, assumo como freireano, para vincar minha postura
político-pedagógica. Paulo Freire na centralidade pedagógica aqui remantizada.
20
Esta pesquisa se corporificou no momento em que os sujeitos sociais se
encontravam envolvidos na elaboração do projeto em torno da construção coletiva
de uma comunidade e da identidade das pessoas que ali passaram a habitar. Seu
objetivo, uma prática vivencial capaz de considerar a dimensão da autonomia, da
liberdade e da emancipação em todos os aspectos da vida. Para tanto, essas
questões implicavam a construção de outra prática de vida atinente a saúde,
moradia, educação, relação interpessoal, direitos, deveres e militância social.
É fácil perceber o quanto o sucesso de um agricultor assentado alguns
anos esrelacionado com sua formação anterior e com as oportunidades
de acesso a uma melhoria dessa formação [...] a formação dos agricultores
e familiares é um processo muito mais complexo que exige não somente
escola, como o contato direto com outras esferas, como as cooperativas,
associações, redes de extensão e assistência técnica, igrejas, sindicatos,
etc [...] o sucesso de um assentamento, a médio e longo prazo, está
diretamente relacionado com a ampla questão educacional (VEIGA, 1998:
14).
O projeto educativo da Escola Paulo Freire está em processo de gestação
de transformação de vidas. Para ajudar a construir essa escola, com vistas a que
organicamente com as lutas, com a história e com a cultura do povo, o MST busca,
em Freire, os fundamentos teórico-metodológicos para sua práxis. Para Freire, toda
prática educativa deve tomar, como referência, a história, a cultura, o ‘saber de
experiência feito’, não para ficar neste saber, mas para partir dele, visando superá-
lo. Porque ensinar comporta criar as possibilidades para a produção do
conhecimento, para a intervenção no mundo. Nesse sentido, a pedagogia de Freire
é utópica, esperançosa, acarretando a dialetização da denúncia e do anúncio de
nova realidade a ser construída na práxis revolucionária.
Ocupar a escola traz como conseqüência produzir a “consciência da
necessidade de aprender” (CALDART, 2000: 137), produzir a consciência de que os
sem terras possuem saberes construídos em sua prática social, necessitando
saber mais, para alcançar a própria razão de ser dos fatos.
Nesse viés, o projeto educativo da escola se encontra no projeto político
pedagógico, no planejamento das atividades docentes e discentes, nas práticas que
ocorrem no ambiente escolar e fora dele. Essas práticas compõem um conjunto de
ações articuladas no ambiente educativo, quando os educadores e educandos
desenvolvem trabalho coletivo, no cuidado com a terra e com a vida, na mística
21
como momento de valorização da memória e dos valores do homem e mulher Sem
Terra.
Minha caminhada no assentamento e na escola me possibilitou experienciar a
construção do projeto educativo de um modelo educativo no qual a educação se
organiza, cria moldes no intuito de construir e ressignificar a hegemonia do projeto
político-pedagógico da classe trabalhadora por meio do fortalecimento do poder
popular, ou seja, uma educação que desvele seu compromisso em desenvolver a
consciência de classe e a consciência revolucionária, tanto nos educandos como
nos educadores.
Ressalto que as ambigüidades permeiam o vivido, inclusive e, às vezes com
mais ênfase, no interior de um movimento social, como exemplo o MST, que busca
na resistência no embate a emancipação.
O projeto educativo a que a escola se refere é todo o movimento que envolve
a escola e seu entorno. As diretrizes suleadoras das ações do projeto educativo da
escola perpassam a pedagogia do MST, intentando construir e meios aos sujeitos do
campo uma educação que promova conscientização da luta de classes, luta de seu
povo pela garantia de seus direitos civis. Para realização dessas diretrizes,
necessário condições mínimas de funcionamento físico e pedagógico para
efetivação desse projeto. Daí a necessidade do MST empreender, junto, a luta da
terra, as muitas lutas. Mais que isso: a luta por uma educação crítica,
conscientizadora, libertadora compõe o conjunto de princípios do projeto educativo
das escolas oriundas do MST.
À luz do pensamento de Freire, pude perceber que os assentados, no se
orientarem pelo entendimento da história como possibilidade e no se
comprometerem com o desenvolvimento da capacidade de sonhar coletivamente,
realizam a prática formadora. Em adendo, assumem a perspectiva do inédito-viável
que representa a dialeticidade da Pedagogia da Indignação e da Esperança, a que
se coaduna a necessidade de um projeto político-pedagógico emancipatório,
adequado ao tempo presente. Eis o entender de Sousa Santos (1996):
[...] trata-se de um projeto educativo orientado para combater a trivialização
do sofrimento [...] consiste em recuperar a capacidade de espanto e
indignação e orientá-la para a formação de subjetividades inconformistas e
rebeldes [...] a conflitualidade do passado, enquanto um campo de
22
possibilidades e decisões humanas, é assumida no projeto educativo como
conflitualidade de conhecimentos [...] todo conhecimento é uma prática
social de conhecimento, ou seja, existe na medida em que é
protagonizado e mobilizado por um grupo social [...] é um projeto de
aprendizagem de conhecimentos conflituantes com o objetivo de, através
dele, produzir imagens radicais e desestabilizadoras [...] educação, pois,
para o inconformismo [...] que recusa a trivialização do sofrimento e da
opressão e veja neles o resultado de indesculpáveis opções (SANTOS,
1996: 18).
Compreendido desse modo, o ato de sonhar coletivamente constitui em
atitude crítica de formação que concebe a distância --- entre o sonhado e o realizado
--- como espaço a ser ocupado pelo ato criador. Assumi-lo coletivamente abre
possibilidades para que se consolidem propostas transformadoras à luz da
perspectiva do inédito viável. Doutra forma dizendo, que sonhar coletivamente é
uma atitude de formação produto-produtora do inédito-viável.
Neste estudo, compreende-se por emancipação um movimento de decisão e
liberdade, aberto, voltado para um futuro construído no presente. Por isso, não é
uma qualidade adquirida, uma mercadoria, um estágio final ou uma coisa que
represente uma aquisição para sempre. O emancipatório, na esteira frereana,
pressupõe um processo em devir, e não o alcance final de um estágio em que as
contradições históricas ganhariam um estado cristalizado. A bem dizer, trata-se de
uma luta permanente. A emancipação e o emancipatório representam a busca
contínua na construção e reconstrução do projeto social iniciado por uma ação
educacional. No sentido freireano, o emancipatório, por um lado, inaugura o
desmanchamento de amarras que prendem o sujeito à condição anterior de
dominação, implicando, portanto, a idéia e um processo libertador, por outro não se
livra de uma vez por todas dos processos de colonização e opressão. Trata-se de
movimento permanente, de luta a ser travada cotidianamente.
O projeto de emancipação defendido por Freire também contempla o
chamado multiculturalismo, no qual o direito de ser diferente numa
sociedade dita democrática, enquanto liberdade conquistada de cada
cultura, também deve proporcionar um diálogo crítico entre as diversas
culturas, com o objetivo de ampliar e consolidar os processos de
emancipação (STRECK, DANILO R. ORG. 2008: 164).
A emancipação humana aparece, na obra de Freire, como grande conquista
política a ser efetivada pela práxis humana na luta contínua a favor da libertação das
23
pessoas no tocante a suas vidas desumanizadas pela opressão e pela dominação
social. Por essa razão, a idéia de utopia e esperança no futuro histórico da
humanidade aflora como contracultura e contradiscurso, condições necessárias à
utopia e ao sonho construído sob o alicerce do inédito - viável, ou seja, o sonho que
se concretiza.
Não mudança sem sonho, como não sonho sem esperança. Por isso,
venho insistindo (...) que não utopia verdadeira fora da tensão entre a
denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio
de um futuro a ser criado (...). A utopia implica essa denúncia e esse
anúncio (FREIRE, 2005: 91).
Apoiada no pensamento de Freire respeitante à emancipação busco
interpretar a construção desse projeto educacional, tendo como referencial analítico
compreensivo os sujeitos sociais envolvidos no processo do fazer, no interior da
Escola Paulo Freire. Compreende - se o processo de atuação coletiva na posse da
terra e na luta por condições mínimas de vivência, em assentamento de Reforma
Agrária, a partir do contexto educativo. De igual modo, investiga-se o processo de
conquista no âmbito de construção de ações que buscam as dimensões
emancipatórias e autônomas. No contexto da autonomia, Passos (2003) nos ajuda a
pensar:
[...] A educação é a atividade (correlata) coordenada pelos sujeitos sociais,
que busca de forma gradativa, gerar autonomia, [...] As de-cisões sempre
mais pessoais, delimitadas pelas tramas intersubjetivas, vão, não apenas
constituir o corpo de sua liberdade, mas traçar-lhe o caminho, os tipos de
valores, as balizas do agir, e por isso mesmo a direção e o sentido de sua
vida. A educação libertadora, neste contexto, é aquela que voltada a um
tempo a individualidade de cada ser humano, seu lugar no protagonismo da
história - seu referencial cultural, e a caminhada da comunidade na qual
cada um se radica, ubicado no seio de relações sociais violentas, - possa
garantir o máximo de expressão de liberdade para o ser humano, na
confecção solitária/solidária dos seus caminhos, revestidos de tempo e
espaço (PASSOS, 2003).
Emancipação e autonomia franqueadas não só para as pessoas pertencentes
ao núcleo do assentamento, bem assim para todos os homens e mulheres que, na
convivência com estes, possam se sentir comprometidos pela ação intencional, em
defesa de uma vida mais humana, justa e igualitária.
24
Filha de um retirante nordestino, aporto na bagagem da memória momentos
de intensa denúncia e anúncio. A luta por vida com dignidade passa sem dúvida,
necessariamente pela construção do conhecimento. Desde tenra idade, ouço uma
frase proferida várias vezes por meu bom e amigo pai. “Eu prefiro a morte pela falta
de alimento à falta de informação” Hoje, meu pai repete não poucas vezes essa
frase, no geral acentuando:
Minha filha, o estudo é garantia de vida, de vida com dignidade. Vi muitos
dos meus parentes passarem fome numa terra que hoje, no sertão da
Paraíba, é a grande produtora de frutos. Sei que a falta da informação
nos leva a uma morte terrível, à morte da dignidade. Com informação,
seria diferente nossa história. Teríamos encontrado maneiras de
sobreviver e viver. Quando pedi a seu avô para continuar meus estudos,
mais do que rápido me disse que estudar era coisa para vagabundo e, no
mais, precisava de minha força de trabalho na roça. não havia tempo
para estudar, somente para trabalhar (Entrevista realizada dia 24 de
junho de 2005).
Oriundo do sertão nordestino, bem sabia ele que as oportunidades, sobretudo
naquela terra seca e quente, poderiam ser construídas por meio da informação e
do conhecimento. Daí a valorização da escola que, para eles, constituía a única
possibilidade de superação das muitas formas de opressão presente na vida destes
e de tantos outros sujeitos. Mesmo como forma de superação da morte não dos
sonhos, igualmente da morte física em função da falta de conhecimento, em
condições de criar alternativas de driblar as dificuldades ao longo da triste realidade
do dia- a -dia.
A carreira profissional de meu pai, esta o conduziu à militância social e,
posteriormente, à presidência do sindicato do sistema de telecomunicações no
Estado de Mato Grosso. Corria a década de 70. Cresci num ambiente em que a
palavra do dia era “luta e marcha”. Toda formação que recebi de minha família
sinalizava possibilidades de continuar a militância aprendida e ensinada no lar. A
educação do campo, como trincheira de militância, tem sido objeto de meu interesse
desde o início de minha carreira profissional na escola pública, uma vez que trabalho
diretamente com a formação de professores para séries da educação básica, na
condição de educadora do curso de licenciatura da Matemática.
25
Neste sentido, no que se refere ao lócus deste estudo, desde que soube da
existência do assentamento e da escola, os espaços físicos e geográficos em
análise se tornaram ambiente de interlocução, de aprendizagem entre crianças,
jovens e adultas, ao conviverem e se socializarem no mesmo espaço, em momentos
variegados.
Induz isso a que possamos afirmar: trata-se, portanto, de pesquisa qualitativa
fenomenológica. Para sua realização, utilizo como instrumento metodológico e
interpretativo as narrativas dos sujeitos da pesquisa, numa abordagem etnográfica.
Está ela alicerçada nas falas dos sujeitos sociais que vinco como importantes
interlocutores da construção da proposta pedagógica escolar de emancipação, tendo
em vista que, além de educadores e educandos, participam efetivamente da vida em
comunidade.
Busco interpretar os caminhos percorridos pelos sujeitos sociais na
construção de um projeto de educação básica do e no campo, que tem como
princípio suas vivências, suas histórias de vida e a construção da emancipação e
autonomia em um sentido amplo na vida.
O assentamento e a escola foram esquadrinhados como palco do
desenvolvimento da pesquisa, e interpretados por meio de sujeitos escolhidos como
vozes dessa construção coletiva de um projeto da luta do Movimento Sem Terra. As
informações aqui trabalhadas aludem ao período de 2002 a 2004, na escola
pesquisada.
A presente dissertação foi por mim organizada em cinco capítulos. Procurei
entender também qual o sentido que o MST imprime à educação, isto é, para quê,
afinal, educam os sem-terras? Interpreto, por fim, o conjunto de informes,
depoimentos e narrativas sob o referencial da educação libertadora de Freire, com
ênfase na dimensão emancipatória e sua autonomia, construídas e expressas pela
luta do Movimento. Em sua proposta educacional, ou seja, o que fundamenta as
ações e de que forma realiza isso, o MST compreende a pedagogia freireana como
referencial e princípio educativo da educação do campo. Refletimos também sobre a
relação da escola com a perspectiva educacional do Movimento, o sentido de sua
existência. Há uma mútua contribuição entre escola e movimento: o movimento
constrói a escola, e a escola constrói o movimento, numa relação de duas mãos, ida
e volta.
26
No primeiro, denominado Compreendendo os movimentos sociais do campo e
o MST, apresento o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, sua história trajetória
e intenções, bem como a ação dos movimentos sociais no campo. Foco é o
assentamento Antônio Conselheiro, priorizando suas ações educativas da mesma
Escola Paulo Freire, incrustada no município de Barra do Bugres, em Mato Grosso.
O segundo capítulo, acoberta este título: Conhecendo o lócus da pesquisa.
Descortino o cenário onde se localiza o assentamento e a escola em apreço, palcos
da experiência educativa. Faço-o desvelando suas particularidades, enfatizando as
concepções filosóficas e valorativas que permeiam o fazer pedagógico no
assentamento. De igual parte, sublinho o caminho percorrido pelos sujeitos sociais,
retratando a luta pela conquista do espaço, que não se circunscreve à terra, antes
caminha para além dela.
No terceiro recorte deste estudo, Caminhos Trilhados, descrevo o cenário
metodológico, explicito a maneira pela qual a pesquisa foi realizada. Apresento os
sujeitos e a colaboração destes, mediante entrevistas abertas, informações sobre a
escola, desvendando o assentamento e os elementos de percepção dos
construtores das práticas educativas. Como instrumento para a descrição
compreensiva-analítica, utilizei a etnografia, subsídio indispensável na interpretação
desta caminhada.
Instrumento metodológico para interpretação das narrativas dos sujeitos da
pesquisa, recorri à abordagem etnográfica, focalizando três sujeitos sociais que
pinço como importantes interlocutores da construção da proposta pedagógica
escolar de emancipação. Identifico a professora Ângela com Educadora Popular. Ao
professor Adilson de Jesus, denomino – o Educador da Terra. o estudante
Wanderson, foi ele caracterizado como Menino - Terra. Busco narrar seus caminhos
na construção de um projeto de educação básica do e no campo, que tem como
princípio a construção da emancipação e autonomia.
O quarto capítulo enfeixa este título: Construindo a Escola Paulo Freire: o
projeto educativo. Objetiva identificar os limites e possibilidades da experiência
vivenciada pelos sujeitos sociais no assentamento Antônio Conselheiro, ao apontar
as dificuldades e os avanços decorrentes da construção de um projeto coletivo de
inclusão social, cuja proposta é fruto de uma luta encampada pelo MST. O
estabelecimento do Movimento como principio educativo se relaciona, por sua vez,
com este:
27
O MST tem uma pedagogia. Pedagogia do MST quer dizer o jeito de
conduzir a formação de um ser humano. A pedagogia do MST é o jeito
através do qual o movimento historicamente vem formando o sujeito social
sem Terra, e que no dia – a – dia educa as pessoas que dele fazem parte. E
o principio educativo principal desta pedagogia é o próprio movimento. Olhar
para esta pedagogia, para este movimento pedagógico, nos ajuda a
compreender e a fazer avançar nossas experiências de educação e de
escola vinculadas ao MST (CADERNOS DE EDUCAÇÃO, Nº9, 1999: 5).
A educação escolar nesse contexto significa, certamente, pensá-la como
instrumento de formação para cidadania. Um projeto educativo, nessa perspectiva, é
compreendido como instrumento de preparação do educando para sua inserção na
materialidade da cidadania, ou seja, a formação para consciência do direito e da
dignidade humana.
No quinto capítulo, denominado Desvelando a escola Paulo Freire: Análise
Compreensiva, realizo reflexão teórica acerca da ação educativa na escola.
Pretendo diagnosticar como a Escola Paulo Freire reflete sobre as práticas
educativas no contexto de construção de ações que buscam dimensões
emancipatórias e autônomas.
O projeto de educação do campo é considerado movimento de busca
continua por emancipação (conceito freireano) se encontram presente nas narrativas
dos sujeitos sociais colaboradores da pesquisa. Nesse contexto, exponho minhas
caminhadas, percepções, reflexões sobre os limites e possibilidades para a
construção diária do fazer pedagógico. Acredito que a pesquisa colabore num olhar
voltado para dentro da Escola e de seus sujeitos que desfilam seus anseios no
processo de construção e reconstrução de um educativo centrado na autonomia e
na emancipação. Possível é inferir, no que diz respeito à Escola Paulo Freire, que a
proposta vai além das críticas das formas educativas atuais, por imbricar-se em uma
pedagogia da consciência: consciência crítica enquanto conhecimento e práxis de
classe.
A relevante contribuição do projeto educacional empreendido pela Escola
Paulo Freire seqüência no processo de organização escolar, na estruturação
curricular e nas práticas educativas, processo esse que resultaria na preparação de
seus sujeitos para a busca contínua da autonomia, pois cada um é chamado a se
tornar, sempre de novo, sujeito autônomo de seu próprio processo de emancipação.
28
Portanto, o percurso das experiências de vida dos sujeitos da pesquisa
possibilitou maior interpretação no que diz respeito a assumir o educativo como ato
político. Por meio das práticas educativas por educadores, contribui na proposta do
projeto escolar direcionado para a mudança social.
Convido os companheiros a realizar comigo esta viagem etnográfica, rica em
desafios, de homens e mulheres corajosos, de crianças e jovens de fibra. Uma
viagem de muitos caminhos, permeada de encontros e desencontros. Apenas uma
exigência da pesquisadora aos viajantes: tragam em sua bagagem o componente da
Esperança, condição ímpar para ingressarem nos caminhos da educação do campo.
Essa, minha convicção.
CAPÍTULO I
COMPREENDENDO OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO E O MST -
MOVIMENTO SEM TERRA
A origem mais ampla da Educação Popular (EP) está vinculada aos
Movimentos Sociais Populares concretos de resistência do povo na América Latina.
Ela nasce e se firma como teoria e práticas educativas alternativas às pedagogias e
práticas tradicionais e liberais, vigentes em nossos países, que estavam a serviço da
manutenção das estruturas de poder político, exploração da força de trabalho e
domínio cultural. Por isso mesmo, nasce e se constitui vinculada ao
empoderamento, organização e protagonismo dos trabalhadores do campo e da
cidade, visando à transformação social.
A seguir, descortino, de forma resumida, os momentos importantes pelos
quais passou a concepção de educação do e no campo como projeto popular no
Brasil.
Considero este resgate fundamental para poder apontar alguns acúmulos,
compreender as ressignificações da EP hoje e as concepções que orientam a prática
educativa dos Movimentos Sociais do Campo, mais especificamente dos que se
articulam na via campesina, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra.
1.1 Breve trajetória do movimento sem terra
A luta pela terra no Brasil é muito antiga. Mesmo antes desta terra se chamar
Brasil, os índios travaram contra os portugueses a primeira batalha na disputa por
esse território, o qual, para os indígenas, era fonte de subsistência.
30
A política desenvolvida pelos portugueses durante os séculos de sua
colonização, assim como as políticas posteriores, dos governos republicanos até a
dita moderna democracia, condicionaram o surgimento de dois fatores: alta
concentração fundiária e imenso contingente de excluídos da terra: os sem-terras.
Esses dois aspectos originaram diversos movimentos e conflitos desencadeados
pelos pobres do campo no decorrer desses quinhentos anos
3
. Todos esses
movimentos, porém, foram duramente reprimidos e, deste modo, não
desencadearam uma distribuição de terras que viesse a alterar a estrutura fundiária
brasileira. Assim, um problema econômico e social que se delineava mais de
duas centenas de anos e se apresentou explicitamente, várias décadas, em toda
sua complexidade, não foi, em nenhum momento, encarado pelas elites governantes
com o objetivo de solucioná-lo. Diz-se, de um problema como esse, que se empurra
com a barriga, adiando sua solução, que ele fica fermentando e reaparece adiante
com força ainda maior. É o que presenciamos na atualidade, sendo o MST
conseqüência desse processo, fruto da política econômica e social para o meio rural.
Isso ocorre de tal modo que, para muitos, seria inimaginável um movimento de
camponeses assumir as proporções que tomou o MST, considerado por muitos
estudiosos o maior movimento de enfrentamento ao capital do Brasil, quando não da
América Latina.
As estimativas realizadas nas últimas décadas dão conta de que o Brasil
possui mais de 4,5 milhões de famílias sem-terra, número que não é maior em razão
do êxodo rural que continua expulsando camponeses para as periferias urbanas,
não sem frisar que o censo não contabiliza como sem Terra. A concentração
fundiária nacional atinge um dos primeiros lugares do mundo. O índice de Gine, que
mede a concentração da terra e que se mantém estável vinte anos, é de 0,856,
considerado muito elevado (Dados: Agenda MST 2001, apud Censo Agropecuário,
IBGE
4
). Isso significa que a estrutura da propriedade da terra no Brasil não foi
alterada em todo esse período. A análise de dados, a partir do governo FHC (1994),
demonstra a continuidade da concentração da terra.
3
Podemos citar os conflitos em terras indígenas, a organização dos negros nos quilombos, os
movimentos de Canudos, Contestado, Cangaço, as Ligas Camponesas, entre vários outros conflitos
mais localizados e menos conhecidos.
4
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
31
A situação de miséria de grandes
5
contingentes populacionais, em especial no
meio rural, levou centenas de excluídos e expropriados da terra, no final da década
de 70 e início da seguinte, a realizar ocupações de latifúndios
6
, uma vez que muitos
desses sem terra nem sequer tinham para onde ir. Foram diversas ocupações
realizadas de forma espontânea e isolada, nos estados do Sul e Centro-Sul do país,
tendo em comum o apoio da Comissão Pastoral da Terra - CPT
7
.
A ocupação da
terra se tornou, para muitas famílias, a única maneira de poder sobreviver:
Em seu desenvolvimento desigual, o modo capitalista de produção gera
inevitavelmente a expropriação e a exploração. Os expropriados utilizam-se
da ocupação da terra como forma de reproduzirem o trabalho familiar.
Assim, na resistência contra o processo de exclusão, os trabalhadores criam
uma forma política para se ressocializarem, lutando pela terra e contra o
assalariamento que é a ocupação da terra. Portanto, a luta pela terra é
uma luta constante contra o capital. É a luta contra a expropriação e contra
a exploração. E a ocupação é uma ação que os trabalhadores sem-terra
desenvolvem, lutando contra a exclusão causada pelos capitalistas e (ou)
pelos proprietários de terra. A ocupação é, portanto, uma forma de
materialização da luta de classes (FERNANDES, 2000: 280).
Após ocupações e lutas diversas que se desencadeavam de forma
semelhante pelo País, porém sem estarem articuladas, a CPT passou a reunir
lideranças desses focos de conflito e resistência, quando então os trabalhadores
começam a trocar experiências e a discutir uma organização de sem-terras que os
aglutinassem. Amadureceu, nesse processo, a intenção de criar um movimento
autônomo dos sem-terras em todo País.
Assim, em janeiro de 1984, no Paraná, é
fundado o MST no primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais sem Terra.
Em janeiro de 1985, na cidade de Curitiba, realizou-se o primeiro Congresso
5
Segundo o Censo Agropecuário / IBGE, 1995/96, apud Agenda MST 2002, o Brasil possui
4.515.810 famílias sem-terra. O censo contabiliza como sem-terras os arrendatários, parceiros,
pequenos proprietários (até 5 ha) e assalariados rurais.
6
Nos últimos dez anos, 21,2% das pequenas unidades produtivas (menores de 20 ha) deixaram de
existir. Em números absolutos, isso significa 705 mil pequenas propriedades agrícolas
(CHRISTOFFOLI, 2000). Em sua maioria, essas terras vêm sendo adquiridas por médios ou grandes
proprietários de terra.
7
Detalhes do processo para a formação do MST podem ser encontrados em Fernandes, 2000. Além
da CPT, diversos outros fatores contribuíram para a eclosão de um movimento de sem-terras, como o
fim da ditadura militar, a mecanização da agricultura e o crescente desemprego agrícola. Um relatório
sucinto desses fatores, do caráter do MST e das lutas camponesas que o MST herda e recupera
pode ser encontrado em Görgen, Sérgio A. e Stédile, João Pedro. A luta pela terra no Brasil. São
Paulo, Scritta Editorial, 1993.
Para saber mais sobre a origem do MST ver: Fernandes, Bernardo Mançano. A formação do MST no
Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. Esse livro recupera desde as iniciais ocupações de terra que
motivaram o surgimento do MST até a organização desse Movimento na atualidade, passando pela
história do MST em cada Estado do país.
32
Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, abrangendo diversos
Estados, com 1.500 participantes. Desse encontro, os sem-terras saem com a
definição de expandir e massificar o Movimento em todo o País.
O MST, um movimento de camponeses, nasce com caráter de classe, de
luta contra o capital buscando a construção da nova sociedade. Esse
direcionamento dado à organização dos sem-terra se expressou nos princípios
fundamentais do MST definidos no congresso acima referido:
que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha; lutar por uma
sociedade sem exploradores e explorados; ser um movimento de massas,
autônomo, dentro do movimento sindical para construir a reforma agrária;
organizar os trabalhadores rurais na base; estimular a participação dos
trabalhadores rurais no sindicato e no partido político; dedicar-se à formação
de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores; articular-se
com os trabalhadores da cidade e com os camponeses da América Latina
(Normas Gerais do MST, 1989 ).
Portanto, o MST inclui em sua luta a construção de um projeto popular para o
País, aliando-se aos movimentos e entidades com objetivos semelhantes. Cada vez
mais, o MST deve então abrir-se às lutas dos trabalhadores, formando/integrando
ampla frente de combate ao neoliberalismo e a toda forma de exploração, ao mesmo
tempo em que engendra a construção/fortalecimento do poder popular, rumo à
sociedade socialista.
Uma vez exposto o sentido da formação e da luta do MST, passemos a
compreender o sentido educativo desse Movimento.
1.2 O sentido educativo do MST
Compreendemos por educação, de maneira geral e ampla, o processo de
formação dos seres humanos, por intermédio do qual as pessoas aprendem a
conviver (inserir-se) numa determinada sociedade, incorporando e modificando suas
regras, ao mesmo tempo em que conformam e transformam a si mesmas. O
supremo ideal do processo educativo é fazer do indivíduo um membro da sociedade”
(FIGUEIRA, 1985: 15). para cada época histórica, portanto, aquilo que é mais
apropriado para se aprender e para se ensinar. Uma época determinada não ensina
uma qualquer coisa, um corpo qualquer de saber. Ensina aquilo que pode e deve
33
ensinar” (FIGUEIRA, 1985: 13). O ensinar nasce, portanto, “com as relações reais
dos indivíduos”. Cada período histórico precisa formar o homem necessário para sua
época. Ao capitalismo interessa que os homens aprendam a viver sob condições
determinadas: as relações sociais burguesas.
Todavia, as relações humanas, e a educação como parte destas, não são um
campo imóvel ou homogêneo. Compreendida no seio das relações sociais, a
educação é espaço de disputa política entre as distintas classes que compõem
determinada sociedade. É espaço de conflito de interesses diversos e antagônicos:
a manutenção da ordem ou a transformação / superação da sociedade vigente e a
consolidação de novas relações sociais. A formação humana ocorre nesse embate
entre forças distintas. A luta de classes, os interesses diversos, os conflitos alteram a
sociedade, modificam as formas de viver. O ser humano precisa adaptar-se às
formas que vão surgindo — mesmo porque ele é o agente dessas transformações —
precisa aprender a viver de novo jeito. Desse modo, a educação se processa
fundamentalmente na mudança, nas contradições, nos embates e não no estável, no
seguro ou no correto, e perfeito. O próprio ato de educar-se pressupõe mudança,
alteração, incorporação de elementos e ações novos.
O Movimento sem Terra é um importante movimento, na atualidade, de
enfrentamento ao capitalismo e de construção de novas formas de organização e
convívio social, como assinalamos em passo anterior. É o cenário no qual novas
relações entre as pessoas vêm sendo construídas e exercitadas e, portanto, onde
um processo de educação / formação humana vem se desenvolvendo na contramão
do capital, decorrente do embate com este.
O MST volta sua ação para a transformação social: a superação da sociedade
burguesa e a construção do socialismo. É do caráter do MST a luta pela terra, pela
Reforma Agrária e contra o capital. Por isso, “ser sem Terra é o aceitar ser
esmagado”, como nos diz o educador Adilson de Jesus: é estarmos alerta e
permanentemente em luta.A ação e a educação decorrentes da participação no
MST se dirigem para a transformação social, cujos sujeitos aprendem estando
presentes e participando de sua história.
Esse processo educativo é exercitado no presente, não algo que se dirige
apenas para o futuro. A vivência de novos valores, de novas bases nas relações
humanas, vêm sendo construída no cotidiano do assentamento Antônio
Conselheiro organizado pelo MST. A coletividade Sem Terra vive ainda que na
34
forma de ensaio, turbulento, conflituoso novas relações. A idéia de que o MST se
constitui em sujeito educador, isto é, de que ele possui uma pedagogia é
originalmente desenvolvida por Caldart (2000).
Para o MST, a sociedade do futuro deve ser construída desde já. Nos
princípios da educação no MST, que se referem mais diretamente às escolas, aos
cursos de formação e encontros, é explicito o direcionamento da:
educação para a transformação social”. A educação no MST é um
processo pedagógico que se assume como político, ou seja, que se vincula
organicamente com os processos sociais que visam à transformação da
sociedade atual, e à construção, desde já, de uma nova ordem social, cujos
pilares principais sejam a justiça social, a radicalidade democrática e os
valores humanistas e socialistas (MST, Caderno de Educação n. 8, 1997: 6).
É uma proposta educacional com clara postura “de classe”, visando à
formação crítica dos trabalhadores em relação à sociedade vigente. Uma formação
voltada à capacidade de organização dos assentados e à construção do projeto
popular.
Propondo-se fortalecer a consciência de classe, o projeto educacional prevê
que todos devem ter acesso à educação e à escolarização nos diversos níveis,
capacitando-se técnica e politicamente. Como sujeito pedagógico ou agente
educador dos sem-terras, o MST “atua intencionalmente no processo de formação
das pessoas que o constituem” (CALDART, 2000: 199). Essa intencionalidade
pedagógica está no caráter do MST e se expressa em seus objetivos, princípios,
valores e jeito de ser.
Não me parece difícil identificar nessa trajetória e em cada uma das
vivências que constituem a identidade Sem Terra, a presença pedagógica
constante do próprio Movimento. É ele o sujeito educativo principal do
processo de formação dos sem-terras, no sentido de que por ele passam as
diferentes vivências educativas de cada pessoa que o integra, seja em uma
ocupação, um acampamento, um assentamento, uma marcha, uma escola.
Os sem-terras se educam como Sem Terra (sujeito social, pessoa humana,
nome próprio) sendo do MST, o que quer dizer construindo o Movimento
que produz e reproduz sua própria identidade ou conformação humana e
histórica (CALDART, 2000:205).
Na reflexão dessa autora, os sem-terras se educam enquanto tal, sendo do
MST, ou seja, fazendo parte de uma coletividade, da qual, ao mesmo tempo em que
são por ela formados, dela também o construtores. Possuindo uma dinâmica
35
própria, um movimento dentro do Movimento, que é construtor da identidade e da
coletividade Sem Terra, o MST se caracteriza como sujeito educador, ao mesmo
tempo em que essa dinâmica caracteriza o jeito de ser do Movimento.
Caldart delineia cinco matrizes educativas que, ao constituírem o jeito de ser
do Movimento, atuam na formação do sem-terra: a Pedagogia da Luta Social, a
Pedagogia da Organização Coletiva, a Pedagogia da Terra, do Trabalho e da
Produção, a Pedagogia da Cultura e a Pedagogia da História. Essas pedagogias se
associam como matrizes educativas, uma vez que o MST as utiliza largamente em
sua dinâmica, em seu cotidiano.
São ingredientes que marcam o modo de ser do Movimento. Alguns desses
elementos definem sua própria existência, como a luta social. Outros aparecem mais
fortemente com o amadurecimento do MST, por exemplo o cuidado com a dimensão
cultural e o cultivo da história, apesar de esses aspectos estarem presentes de
forma latente desde a origem do Movimento. No decorrer da existência de sua
organização é que os sem-terras percebem o potencial educativo das ações que
desenvolvem. Por meio delas é que os educados se colaram em movimento, ao se
tornarem indivíduos mais participativos.
Essa autoconsciência permitiu ao Movimento prestar mais atenção nas
práticas que criam, buscando lapidar sua atuação e intencionalidades. Possibilita
que, ao identificar-se como sujeito educador, tenha o cuidado pedagógico
necessário com os seres que cativa, com as ações que a partir dela podem ser
geradas.
Concebem a autocrítica como processo permanente. Como alerta a
Educadora Popular: “O educador precisa ser educado diariamente”. A educação
no MST se de forma participativa, atuante, e não passiva, do sujeito sem-terra.
Isso significa dizer que este se educa mediante sua própria ação, dentro da
coletividade Sem Terra, lutando, convivendo, estudando, produzindo, organizando-
se. O MST pode se realizar como educador se o sem-terra participar, agir, se ele
se puser em movimento. É um aprendizado que pressupõe a ação do aprendiz. De
outro lado, essa ação também forma seu próprio educador.
O MST tem, por finalidade educativa, considerar o resgate da dignidade
humana, a auto-estima, uma grande obra/herança para a humanidade. Mais a
recuperação daquilo que a caracteriza como espécie: a capacidade de pensar, de
36
emocionar-se, de agir conscientemente e, assim, de fazer a história, à feição como
nos fala Caldart:
Os sem-terras se educam no processo, de modo geral tenso e conflituoso,
de transformar-se como camponês sem deixar de sê-lo, o que quer dizer,
buscando construir relações de produção (e de vida social) que já não são
próprias do campesinato tradicional, de onde muitos sem-terras tem origem,
mas que continuem vinculadas (econômica, política e culturalmente) à sua
identidade (de raiz) camponesa (CALDART, 2000: 224).
A ordem do capital, para se perpetuar, nega/impede que as características
fundamentais da humanidade se desenvolvam. Para o MST, é fundamental
recuperarmos o humanismo e seu contínuo e amplo desenvolvimento. Por isso, é
imprescindível a transformação das estruturas sociais.
O MST educa para a vida, educa no sentido da liberdade, no sentido do
exercício da cidadania, das pessoas serem sujeitos da história e não
objetos, educa no sentido da cooperação, da solidariedade, do senso de
justiça, pra esses valores que apontam para um novo tipo de sociedade,
novas formas de convivência social. Educa pra que a gente assuma o
comando um dia nesse país, educa pra isso também (Educador Adilson de
Jesus).
O ser humano é fruto da história na mesma medida em que a constrói. A
mudança do mundo, deste modo, deixa de ser impossível, sobrenatural, inexplicável
ou decorrente de criações humanas que, ao dominarem seu criador, tornam-no
objeto, um ser passivo. Recolocar o ser humano como sujeito histórico consciente
está na base das ações do MST. É o sentido das ações do Movimento.
A palavra de ordem do MST é: “ocupar, resistir, produzir”.
Assim, a ação educativa do MST tem três dimensões principais: O resgate da
dignidade a milhares de famílias que voltam a ter raiz e projeto. Os pobres por
completo, aos poucos, vão se tornando cidadãos: sujeitos de direitos, sujeitos que
trabalham, estudam, produzem e participam de suas comunidades, afirmando em
seus desafios cotidianos nova agenda de discussões para o País.
A construção de uma identidade coletiva, que vai além de cada pessoa,
família, assentamento. A identidade de Sem Terra, assim com letras maiúsculas e
sem hífen, como um nome próprio que identifica não mais sujeitos de uma condição
de falta: não ter terra (Sem Terra), mas, sim, sujeitos de uma escolha: a de lutar por
37
mais justiça social e dignidade para todos, e que depara cada Sem Terra, por meio
de sua participação no MST, em um movimento bem maior do que ele, um
movimento que tem que ver com o próprio reencontro da humanidade consigo
mesma.
A construção de um projeto educativo das diferentes gerações da família Sem
Terra que combina escolarização com preocupações mais amplas de formação
humana e de capacitação de militantes.
A pedagogia do movimento Sem Terra é o jeito através do qual o Movimento
vem, historicamente, formando o sujeito social de nome sem terra, e educando no
dia-a-dia as pessoas que dele fazem parte. E o princípio educativo principal desta
pedagogia é o próprio movimento, movimento que junta diversas pedagogias de
modo especial, amalgama a pedagogia da luta social com a pedagogia da terra e a
pedagogia da história, cada uma ajudando a produzir.
A luta do MST qualifica a educação freiriana, pois ressemantiza e reatualiza a
educação contemporânea. Não é uma educação para a teoria, mas para a luta e
marcha. Simboliza uma luta viva.
Transformar as práticas educativas em reflexão é, pois, um desafio que hoje
se anuncia para nutrir a continuidade das práxis em que maximiza as ações do MST,
a configuração de processos educativos emancipatórios, ao colocá-las como inédito-
viáveis as possibilidades de superação da cegueira paradigmática por meio do
desenvolvimento de outras práticas educativas. Sem dúvida, a obra de Paulo Freire
constitui referência viva indispensável para que possamos avançar, teórica e
praticamente, nesta perspectiva.
1.3 A escola no interior da luta do MST
Quase ao mesmo tempo em que começaram a lutar pela terra, os sem-terras
do MST também começaram a lutar por escolas e, sobretudo, para cultivar em si
mesmos o valor do estudo e do próprio direito de lutar pelo seu acesso a ele. No
começo, não havia muita relação de uma luta com a outra, mas aos poucos a luta
pelo direito à escola passou a fazer parte da organização social de massas de luta
pela Reforma Agrária, em que se transformou o Movimento dos Sem-Terras.
38
Olhando hoje para a história do MST, é possível afirmar que, em sua
trajetória, o Movimento acabou fazendo verdadeira ocupação da escola, e isto em
pelo menos três momentos.
Inicialmente as famílias sem-terra se mobilizaram e se mobilizam pelo
direito à escola e pela possibilidade de uma escola que fizesse diferença ou tivesse
realmente sentido em sua vida presente e futura (preocupação com os filhos). As
primeiras a se mobilizar, lá no início da década de 80, foram as mães e professoras,
depois os pais e algumas lideranças do Movimento; aos poucos as crianças vão
tomando também lugar, e algumas vezes à frente, nas ações necessárias para
garantir sua própria escola, seja nos assentamentos conquistados, seja ainda nos
acampamentos. Assim nasceu o trabalho com educação escolar no MST.
Num segundo momento, o MST, como organização social de massas,
decidiu, pressionado pela mobilização das famílias e das professoras, tomar para si
ou assumir a tarefa de organizar e articular por dentro de sua organicidade esta
mobilização, produzir uma proposta pedagógica específica para as escolas
conquistadas, e formar educadoras e educadores capazes de trabalhar nesta
perspectiva. A criação de um Setor de Educação dentro do MST formaliza o
momento em que esta tarefa foi intencionalmente assumida. Isto aconteceu em
1987. E a partir de sua atuação, o próprio conceito de escola aos poucos vai sendo
ampliado, tanto em abrangência como em significados. Hoje a luta e a reflexão
pedagógica do MST se estende da educação infantil à Universidade, passando pelo
desafio fundamental de alfabetização dos jovens e adultos de acampamentos e
assentamentos, e combinando processos de escolarização e de formação da
militância e da base social Sem Terra.
E finalmente, podemos afirmar hoje que o MST incorporou a escola em sua
dinâmica, e isto em dois sentidos combinados: a escola passou a fazer parte do
cotidiano e das preocupações das famílias sem-terra, com maior ou menor
intensidade, com significados diversos dependendo da própria trajetória de cada
grupo, mas inegavelmente consolidada como sua marca cultural: acampamento e
assentamento dos sem-terras do MST têm que ter escola e, de preferência, que não
seja uma escola qualquer. A escola passou a ser vista como uma questão também
política, quer dizer, como parte da estratégia de luta pela Reforma Agrária, vinculada
às preocupações gerais do Movimento com a formação de seus sujeitos.
39
A trajetória inicial do movimento, os sem-terras acreditavam que se organizar
para lutar por escola era apenas mais uma de suas lutas por direitos sociais; direitos
de que estavam sendo excluídos por sua própria condição de trabalhador sem a
Terra. Logo, foram percebendo que se tratava de algo mais complexo. Primeiro
porque havia como até hoje muitas outras famílias trabalhadoras do campo
e da cidade que também não tinham acesso a este direito. Segundo, e igualmente
grave, deram-se conta de que somente teriam lugar na escola se buscassem
transformá-la. Foram descobrindo, pouco e pouco, que as escolas tradicionais não
têm lugar para sujeitos como os sem-terras, assim como não costumam ter lugar
para outros sujeitos do campo, ou porque sua estrutura formal não permite o seu
ingresso, ou porque sua pedagogia desrespeita ou desconhece sua realidade, seus
saberes, sua forma de aprender e de ensinar.
Um exemplo simples pode deixar esta situação bem clara. No Rio Grande do
Sul, temos aprovada, desde novembro de 1996, a chamada Escola Itinerante dos
Acampamentos, com um tipo de estrutura e proposta pedagógica criada
especialmente para acolher as crianças e os adolescentes do movimento
8
. Temos
agora, mas foi preciso uma luta de 17 anos isto mesmo! para conseguir o que
seria o mais ‘normal’, porque justo, e que até já se tornou um direito constitucional: é
a escola que deve ajustar-se, em sua forma e conteúdo, aos sujeitos que dela
necessitam; é a escola que deve ir ao encontro dos educandos, e não o contrário.
Foi percebendo esta realidade que o MST começou a incluir em sua agenda a
discussão de uma proposta diferente de escola; uma escola pela qual efetivamente
vale a pena lutar, porque capaz de ajudar no processo maior de luta das famílias
sem-terras e do conjunto dos trabalhadores do campo.
No início, a pergunta central parecia ser a seguinte: que escola, ou que
modelo pedagógico combina com o jeito dos sem-terras e pode ajudar o MST a
atingir seus objetivos?
Trata-se, isso sim, de alterar a postura dos educadores e o jeito de ser da
escola em seu todo: de cultivar uma disposição e uma sensibilidade pedagógica de
entrar em movimento, abrir-se ao movimento social e ao movimento da história,
porque é isto que permite a uma escola acolher sujeitos como os sem-terras,
8
Uma descrição desta experiência de escola e de como foi conquistada pode ser encontrada em:
Escola Itinerante em Acampamentos do MST. Coleção Fazendo Escola 1, São Paulo: MST, 1998.
40
crianças como as sem-terrinhas.
9
E ao acolhê-los, eles aos poucos a vão
transformando, ela a eles. Um mexe com o outro, num movimento pedagógico que
mistura identidades, sonhos, pedagogias... E isto pode fazer muito bem a todos,
até mesmo aos educadores que assumem esta postura. E também à escola, que, ao
se fechar e burocratizar em uma estrutura e em um jeito de ser, costuma levar os
educadores a esquecer, ou a ignorar, que seu trabalho é, afinal, com seres
humanos, que merecem respeito, cuidado, independentemente de quem eles sejam.
Nessa caminhada de tentar construir uma escola diferente, o que era e
continua sendo um direito, passou a ser também um dever. Se queremos novas
relações de produção no campo, se queremos um País mais justo e com mais
dignidade para todos, então também precisamos nos preocupar em transformar
instituições históricas como a escola em lugares que ajudem a formar os sujeitos
destas transformações. Foi assim que se começou a dizer no MST, que se a
Reforma Agrária é uma luta de todos, a luta pela educação de todos também é uma
luta do MST.
No processo de ocupação da escola, o MST foi produzindo algumas reflexões
que dizem respeito à concepção de escola e ao jeito de fazer educação numa escola
inserida na dinâmica de um movimento social. Fez isto em diálogo especialmente
com o movimento pedagógico da Educação Popular, e aprendendo também com as
diversas experiências de escolas alternativas do campo e da cidade. No momento
atual, uma das interlocuções fundamentais é a que está sendo construída com o
movimento por uma educação básica do campo.
1.4 A pedagogia do MST e a escola
A preocupação do MST com a escola não decorre de artificialismos ou de
abstrações. Ela desponta dentro da dinâmica do Movimento, das condições
9
Sem-Terrinha é uma expressão que identifica as crianças vinculadas ao MST. O nome surgiu por
iniciativa das crianças que participaram do Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra de
São Paulo em 1997. Elas começaram a se chamar assim durante o Encontro e o nome acabou
pegando, espalhando-se rápido pelo país inteiro. Esta informação está em Ramos, Márcia. Sem-
Terrinha, semente de esperança. Veranópolis: Escola Josué de Castro, 1999. Monografia de
Conclusão do Curso Magistério. No anexo J, uma carta escrita pelos sem-terrinhas do Rio Grande do
Sul, explicando a identidade que compreendem assumir com este nome e um informe dos Sem-
Terrinha da Escola Paulo Freire.
41
concretas em que se desenvolve a luta pela terra. Em outras palavras, a forma de
luta desenvolvida no MST – a ocupação da terra – ocorre com a participação de toda
a família. Para os acampamentos dirigem-se mulheres, homens, crianças, idosos,
jovens... Todos constituem sujeitos da luta pela terra. Por isso, um conjunto de
demandas próprias da vida humana vai junto para os acampamentos. Uma delas é a
escolaridade das crianças. Com o passar do tempo e o acúmulo de experiências, a
escola vai sendo tomada como importante espaço também para os jovens e adultos,
que a condição de excluído da terra traz consigo a baixa escolaridade ou o
analfabetismo para grande parte do público acampado.
Mas não é qualquer escola que importa ao MST. Não caberia reproduzir
aquele modelo que, para muitos, fora espaço de exclusão e de “educaçãopara o
imobilismo, conformidade e submissão. A necessidade de refazer a escola como
importante instrumento que auxilie na recuperação da dignidade do povo sem-terra,
comprometida com o desenvolvimento integral dos assentamentos, vinculada à
realidade do meio rural, resgatando capacidades humanas sufocadas naquele povo
oprimido, contribuindo para que, ao levantarem a cabeça, possam divisar o futuro,
enxergando-se como construtores do amanhã.
Se as elites vêem, na escola, um espaço de opressão, de manutenção da
ordem e de diminuição do ser humano, o Movimento sem Terra ali um espaço
para reconstrução da vida, uma ferramenta na formação de sujeitos. Essa é a
ocupação da escola que o MST promove. Tanto mais a escola poderá contribuir com
o povo sem-terra, quanto mais ela estiver aberta ao Movimento, comprometida com
os sujeitos sociais que a compõem (CALDART, 2000).
Por isso, o MST desenvolve uma luta pela criação de escolas públicas nos
assentamentos e acampamentos, mas sem prescindir de uma pedagogia e
metodologia comprometidas com o sentido do Movimento. Devido à grande
demanda educacional nos vários níveis e modalidades, o MST tem pressionado o
poder público para a criação de escolas e políticas públicas para a educação do
campo. Decorrente dessa luta, constituiu-se no interior do Movimento uma “rede”
educacional, cujos dados apresentam relativa oscilação em virtude da
descontinuidade das políticas educacionais do Estado e da pressão das lutas e
demandas geradas pelo MST.
42
A educação escolar deve ser “organicamente vinculada” ao movimento social,
atada a seus princípios, lutas, trajetória. Deve ser parte e instrumento do movimento
a que se vincula, refletindo sua dinâmica no processo pedagógico. Deve partir de
problemas concretos, cujas respostas devem ser atualizadas com seu tempo
histórico, contemplando os diversos saberes e culturas produzidos pela humanidade.
Por isso, ela parte da realidade, está “aberta para o mundo”. Relaciona o imediato
com o histórico, o particular com o geral. Está aberta para as mudanças e as
provoca, partindo do real existente. A escola precisa ajudar a construir “valores
humanistas e socialistas”, formando o ser humano integral, contrapondo-se à
mutilação que o capital opera nas pessoas. Contrariamente à lógica burguesa,
objetiva potencializar e desenvolver outras dimensões humanas além da capacidade
de trabalho, mas fundamentalmente a capacidade de pensar e agir do sujeito como
protagonista de sua história (MST, Caderno de Educação n. 8, 1997).
Nesse estudo, o MST vai promovendo um alargamento na concepção de
escola e no papel a ela atribuído. O espaço de sala de aula, de aprendizado da
ciência, característica primeira e muitas vezes exclusiva da escola tradicional,
é importante, mas não é o único. Compreende-se que a escola precisa atuar sobre
as várias dimensões do ser humano, e que essas dimensões, em permanente
educação, estão imbricadas e se formam mutuamente.
Assim, as relações interpessoais, o lúdico, o trabalho, a técnica, a ciência, a
espiritualidade, a arte e a cultura devem se fazer presentes na escola e sobre elas é
necessário ter intencionalidade pedagógica. A vida humana deve incluir-se. no
espaço institucional escolar, privilegiado por seu papel específico de refletir sobre a
cultura humanamente produzida e de sistematizá-la. Assim, se é correto que “o
mundo” precisa entrar na escola, esta não pode apenas reproduzi-lo. É seu papel
específico refletir sobre ele a partir dos diversos conhecimentos acumulados. Porém,
a reflexão efetiva deve traduzir-se em ação. O conhecimento profundo da realidade
existente é capaz de nela intervir, modificá-la.
Deste modo, a escola, no exercício de seu real sentido, pesquisa e elabora o
mundo, nele intervindo. É espaço privilegiado para realização da práxis. Ainda
para considerar como aspecto importante na experiência de escola do MST a
articulação dos sujeitos envolvidos em sua construção. Longe de ser uma forma
idealizada e fechada de organização, a participação da “comunidade escolar” é
conseqüência desse modo de ver a escola e em si mesma se mostra profundamente
43
educativa. O MST entende que comunidade / assentamento, educadores e
educandos devem envolver-se no conjunto dos processos políticos, pedagógicos e
administrativos da instituição escolar.
As decisões políticas, os conteúdos estudados, o jeito de a escola organizar-
se, a gestão do processo, entre outros, não podem ser decisões individuais,
aleatórias, quando de alguém que concentra em si o poder. Precisam, é claro, estar
respaldadas no conhecimento da realidade, no saber acumulado, no compromisso
com esse modo de conceber a educação. Mas o objetivo mesmo é que toda a
comunidade envolvida na escola se apropriando desse conjunto de saberes e
interesses. As funções específicas, por exemplo da direção, dos educadores ou dos
estudantes, não são desconsideradas. Elas adquirem dimensão nova.
Deste modo, se a comunidade precisa “entrar” na escola, apropriar-se dela,
também é verdade que esta se apropria dos processos desenvolvidos na
comunidade. A escola precisa retornar, de forma refletida e elaborada, à
comunidade o que dela extraiu. A isso o MST denomina “relação comunidade-
escola-comunidade”. Esta escola exige a interdisciplinaridade, não a fragmentação;
a reflexão, não apenas a fixação; a pesquisa, não a imposição; educadores, e não
professores. Precisa dar sentido e vincular entre si os diversos espaços da escola.
Impõe-se, enfim, criar um “ambiente educativo”.
O educador não pode trabalhar isolado se o processo educativo é integrado.
A dimensão da coletividade deve fazer-se presente entre os educadores, os quais
devem buscar sintonia no conjunto do processo educativo escolar. Em seu turno, os
estudantes não são compreendidos como meros destinatários desse processo. Eles
também são seus construtores e devem participar e auxiliar nas decisões dos
diversos aspectos da vida escolar. Comunidade, educandos e educadores devem
possuir espaços de auto-organização, desenvolvendo autonomia, ao mesmo tempo
em que coletivamente constroem a escola. O MST considera que esse processo é
desde a construção de sujeitos. A escola não pode apenas formar as pessoas
para o futuro. Seu espaço mesmo deve ser a experimentação do que se propõe
formar.
A educação se dirige para o amanhã se for capaz de formar pessoas que
fazem história, que intervêm na realidade, e não indivíduos que repetem, como
máquinas, ordens e leis preestabelecidas. É próprio do ser humano pensar e agir
conscientemente no mundo, capacidades que a atual sociedade nega, cotidiana e
44
progressivamente. Por isso, compreendemos que a atuação do MST tem sido
humanizadora, tem formado sujeitos, porque põe os sem-terras em movimento, em
ação, faz deles agentes da luta, da história. Coletivamente refazem suas vidas,
tomam a história em suas próprias mãos e recuperam a possibilidade de intervir no
mundo, refazer o mundo sob novas bases. Este tem sido o sentido do MST: resgatar
o ser humano – o sem-terra – construtor de sua própria emancipação.
1.5 Compreendendo a ação dos MSCs
10
e a escola Paulo Freire
Os Movimentos Sociais do Campo são considerados, por alguns autores,
processos e fontes de inovações e mudanças sociais. Para Scherer - Warren (1987:
9), movimentos sociais surgem, quando grupos se organizam na busca da
libertação, ou seja, para superar alguma forma de opressão e para atuar na
produção de uma sociedade modificada”. Além disso, existe um reconhecimento de
que eles detêm um saber decorrente de suas práticas cotidianas, passível de ser
apropriado e transformado em forças produtivas.
A terminologia movimentos sociais do campo se associa aos processos não
institucionalizados e aos grupos que os desencadeiam, às lutas políticas, às
organizações e discursos de líderes e seguidores que se formaram com a finalidade
de mudar, de modo freqüentemente radical, a distribuição vigente das recompensas
e sanções sociais, as formas de interação individual e os grandes ideais culturais.
Este o pensar de Touraine (1983: 233-234):
O sociólogo deve procurar entender as condições de existência, autonomia
e desenvolvimento da sociedade civil em outras palavras, as relações
sociais, os conflitos e os processos políticos que tecem a trama da vida
social e deve ser capaz de reconhecer suas formas ocultas, deterioradas
e deprimidas (TOURAINE, 1983: 234).
Assim, como em outros movimentos sociais do campo, o MST é um
movimento fundamental na sociedade moderna, agente construtor de nova ordem
social, não agente de perturbação da ordem, como são tratados no mais pela mídia.
10
MSCs - Movimentos Sociais do Campo.
45
A presença dos movimentos sociais do campo é uma constante na história
política do País, mas ela é cheia de ciclos, com fluxos e refluxos. O importante a
destacar é esse campo de força sociopolítico e o reconhecimento de que suas ações
impulsionam mudanças sociais diversas. Esta a trilha palmilhada por Schere–Warren
(1987:12): Referem-se a um grupo mais ou menos organizado, sob uma liderança
determinada ou não, possuindo um programa, objetivo ou plano comum, visando a
um fim ou mudança social”. Ou seja, tal conceito se coaduna com as características
do MST.
Para Evers, (1989: 10), Os movimentos sociais apresentam perfis
organizativos próprios, uma inserção específica na tessitura social e articulações
particulares com o arcabouço político-institucional”. Suas possibilidades residem,
precisamente, em seu enraizamento em esferas sociais que são, do ponto de vista
institucional, pré-políticas. E é no nível de tais órbitas e da articulação que os
movimentos sociais estabelecem, entre essas e as arenas institucionais que podem
emergir, os impulsos mais promissores para a construção da democracia.
Para além da luta pelo espaço geográfico, a terra propriamente, o MST
também tem preocupação com outros aspectos ligados às necessidades básicas de
muitos homens e mulheres em situação de exclusão, somado o aspecto
educativo.
A própria luta do MST constitui movimento educativo coletivo, mediante
movimentos sociais do campo, que vem processando suas lutas, assinando a
educação como parte dos direitos sociais a serem efetivados. Contudo, não se trata
de uma educação qualquer. A educação almejada pelos sujeitos sociais do campo
se reporta a uma educação que valorize sua identidade político-cultural e que
contribua para a transformação social.
Neste aspecto, o MST protagoniza ações reivindicativas por uma educação
que venha atender às peculiaridades da vida das pessoas que vivem no campo.
Garcia (2000: 1) explicita:
Em sua luta pela construção de uma sociedade mais justa, solidária e
igualitária se inclui a luta do direito à escola, pois que, para construir uma
sociedade realmente democrática, há que acompanhar a luta por um projeto
político-pedagógico emancipatório, que vá preparando o novo homem e as
novas mulheres para construírem nova sociedade. E não é qualquer escola
que serve a propósitos emancipatórios (GARCIA, 2000: 1).
46
Paulo Freire, reconhecendo a importância da escola como instrumento de
emancipação humana, em uma das suas falas ao MST (FREIRE, 2002), menciona
dois direitos que ele afirmava serem fundamentais: “o direito a conhecer, a conhecer
o que se conhece, e o direito de conhecer o que ainda não se conhece”. Essas
prerrogativas se relacionam com outros direitos por serem interdependentes e por
ser direito cultural.
Pode-se inferir, portanto, que os sem-terras, são agentes de transformação
social que consideram, em sua busca por emancipação e autonomia, as lições
freirianas. A luta do MST qualifica em suas ações diárias a educação esparramada
por Freire.
Um dos exemplos de concretização da premissa freiriana, no que se refere à
reforma agrária, vai além da pura aquisição da terra, conforme aponta Caldart:
É necessária a democratização da propriedade da terra, mas articulada com
um processo de desenvolvimento das comunidades assentadas, o que
inclui o acesso necessário às tecnologias agrícolas adaptadas à realidade
de cada região, à implantação de agroindústrias e educação capaz de
ajudar na construção de alternativas para este tipo de desenvolvimento
social que pretendemos (CALDART, 1997: 10).
No interior do Movimento Social desenvolvido por meio do MST no
assentamento Antônio Conselheiro, precisamente na Escola Paulo Freire, dá-se a
articulação entre a luta pela terra e outros mecanismos necessários para sua
aquisição, dentre eles a educação. Conquistando a terra, continua a luta para que
outros também a consigam. Tal idéia é referendada por Fernandes (1998), que
afirma: “Quando chegar a terra lembre de quem quer chegar. Quando chegar na
terra, lembre que tem outros passos para dar”.
É importante ressaltar que os setores mais combativos do campesinato têm
clareza quanto à função social da escola. Na visão destes, o eixo para buscar
mudanças na escola reside em considerar o trabalho e, conseqüentemente, as
relações de trabalho associada às lutas políticas, como a matriz para repensar a
educação popular em sua totalidade, particularmente a escola.
Desde 2002, vivencio com vários grupos de diversos segmentos de
movimentos sociais debates referentes à educação do campo. Nesse andarilhar,
aprendi, e muito, com a experiência de não poucos educadores na prática educativa
47
do movimento social. Nas palavras de Thompson (1981: 189), assim se ilumina o
que devemos entender por experenciar a experiência.
As pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias,
no âmbito do pensamento, de seus procedimentos, ou [...] como instinto
proletário etc. Elas também experimentam sua experiência como sentimento
e lidam com esses sentimentos na cultura, como norma, obrigações
familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou [....] na arte
ou nas convicções religiosas.
Melo Neto (2004: 07), no que se refere à educação popular, isto argumenta:
Assim é que são apresentadas a experiência histórica, a cultura, o popular,
a realidade, o trabalho, a autonomia, a liberdade e a igualdade como
componentes fundantes para a realização de práticas em educação
educação popular – lastreados pela dimensão ética do diálogo.
Se, no cenário nacional da educação do campo, tem mudado a forma de
visualizar a pedagogia escolar, ao anunciar o reconhecimento do saber construído
pelos homens e mulheres no processo pedagógico, de compreensão e apropriação
dos conhecimentos construídos ao longo da trajetória da humanidade, a isso se
deve, em grande parte, aos movimentos sociais do campo, especialmente o
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST.
Dizer, pronunciar a própria palavra, não representa tarefa fácil numa
sociedade onde o acesso à educação para as camadas populares, do ponto de vista
histórico, foi concedido tardiamente. Porém, respaldando-se propositivamente nas
leis, grupos sociais vêm exigindo, diante da inoperância do Estado, uma política de
efetivação de seus direitos à educação.
A ação dos educadores, na prática educativa do movimento social, parte do
pressuposto teórico que os movimentos sociais possuem caráter educativo (GOHN,
1999) e que o movimento social do campo é educativo (ARROYO, 2004).
Encontramos o caráter educativo presente nos conteúdos curriculares, nos gestos,
nas falas, nos documentos e nas relações de trabalho vividas na sociedade e no
movimento social. Apropositado do que diz Bonamigo (2002), no título de sua obra
“Pra mim foi uma escola”. Eis uma frase muito presente entre os atores que militam
no movimento social do campo.
48
Com a ênfase na experiência construída com o movimento social, a Escola
Paulo Freire não defende a minimização dos conhecimentos científicos-culturais
reconhecidos, mas, sim, a problematização e o fulcro nas especificidades dos
sujeitos do movimento social. Ao contrário das imagens que a mídia enfatiza de
maneira miopizada como tímidos, muitos silenciosos, “caipiras do mato”, os
educandos-educadores são participativos no espaço escolar, comunicativos com os
visitantes que chegam ao assentamento e questionam muito, assim como ocorreu
comigo.
Foto 01 e 02: A sala de aula. As temporalidades compartilhadas.
49
Ao ingressarem no espaço da sala de aula, representada acima, perguntei às
crianças se eu poderia tirar uma foto. Uma das crianças olhou e perguntou: “você
vai trazer a foto para nós?”. Fiquei surpresa com a pergunta, embora a prática de
pesquisa tenha mostrado a necessidade de sempre retornar as fotos, o material
produzido, aos sujeitos dela. Pela primeira vez, eu ouvia uma pergunta que se
relaciona com a ética no processo de pesquisa. Eram crianças na idade entre 7 e 8
anos. É apenas mostra de que as crianças o participativas, rompendo com a
imagem que, não raro, é feita a propósito delas.
Eis um dos grandes desafios dos movimentos sociais na educação popular:
promover uma ação educativa que consiga na práxis diária o exercício da liberdade,
da autonomia e da emancipação. Não sem razão, esta as condições iniciais da
visibilidade das transformações sociais. O nosso envolvimento com o MST
possibilitou concreta vivência na experiência diária de emancipação. Para Souza
(2006: 11), A vida é uma escola para cada um dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais envolvidos no movimento social. Aprendem a observar a própria situação, uma
realidade.
A luta pela escola é a luta por ampliação da leitura de mundo e o acesso ao
processo de letramento. O exemplo disso, brinda-nos Souza:
As crianças nas escolas costumam desenhar a vida no acampamento, nos
trabalhos escolares, em cores escuras, ilustrando incertezas, medo, tristeza.
Ilustram a vida no assentamento em diferentes cores, chamando a atenção
para a visibilidade de um mundo diferente alegre, onde as brincadeiras, a
infância têm lugar especial. O tempo e o espaço nem sempre possuem
limites do espaço urbano. A liberdade e a criatividade têm lugar nas
pequenas brincadeiras e brinquedos construídos com os materiais
disponíveis em cada lugar (SOUZA, 2006: 11).
A escola precisa ficar atenta a todas as dimensões que constituem o seu
ambiente educativo. Pode-se dizer, neste sentido, que a educação escolar, de
acordo com as intencionalidades do Movimento, assume um papel contra-ideológico,
que garanta ao educando a apropriação pela subjetividade das reais articulações
objetivas do contexto social, de forma esclarecida e crítica. Trata-se de apropriação
de conhecimentos que assegurem a destruição de idéias, ideais, convicções e
valores próprios do sistema capitalista, possibilitando, com isso, a compreensão dos
mecanismos da ideologia dominante, como instrumento de dominação.
50
Para Caldart (2000: 180), a possibilidade de destruição de idéias e ideais,
convicções e valores, próprios da sociedade capitalista se à medida em que a
escola não as cultiva. E faz isto especialmente quando, no dia-a-dia de seu longo
tempo de permanência com as crianças, adolescentes, jovens, e mesmo com os
adultos, mata a memória do processo que produziu os sem-terras e se distancia da
cultura material que o alimenta.
A busca do MST é também pela construção de uma escola com um jeito
diferente de ser, que desfile nova postura diante da tarefa de educar, um movimento
pedagógico e um ambiente pedagógico que seja efetivamente capaz de produzir e
reproduzir o Movimento como princípio educativo.
Nesse sentido, quando contactei esse ambiente educativo percebi, que
práticas educativas sucediam em conformidade com o projeto de educação escolar
do MST. Observei que tudo o que acontece na vida da escola-comunidade, dentro e
fora dela, desde que tenha uma intencionalidade educativa, ou seja, desde que
planejada coletivamente, permite novos tipos de relacionamentos e novas
interações, não sendo apenas através do dito, mas também do visto, do vivido, do
sentido, do participado e do produzido. É, na verdade, o jeito de uma escola ser e
funcionar, o que nela se dá, como ela interage com a comunidade. Para tanto, a
escola nasceu com a comunidade e por meio dela reconheceu e valorizou as
práticas educativas que ocorrem fora e dentro dela.
1.6 Compreendendo a pedagogia do MST, a educação no e do campo e a
educação popular
Se tomarmos como referência o estudo, em outra passagem realizado, sobre
os acúmulos da Educação Popular no Brasil e sobre a Educação popular na América
Latina, elementos centrais desta concepção de Educação que são mantidos pelo
MST em toda a sua trajetória, embora, como foi possível identificar em momento
anterior, algumas dúvidas importantes povoem o ideário de muitos educadores
populares na América Latina.
Penso ser possível dizer que o que mantém o MST na tradição/raiz da
concepção de Educação Popular, são, justamente, seus princípios políticos e
51
pedagógicos, que dão conta de delinear um projeto educativo. Esse, por sinal, é o
instrumento que lança as bases para a articulação da educação e da gestão
democrática da escola.
Quanto às construções didático-pedagógicas que aludem à capacidade de
pensar e executar formas para implementar o projeto educativo, constituem a base
desta pesquisa. Avançar nesta análise significará ir, também, diretamente ao espaço
onde a escola no e do campo acontece, o que foge aos propósitos desta reflexão.
Assim mesmo, pensando na escola pública que temos, não é difícil imaginar as
dificuldades vividas pelos educadores do Movimento para superar os limites que ela
impõe às práticas educativas inovadoras/alternativas.
Na trajetória, foi possível identificar que não houve, no MST, nem mesmo com
a crise da esquerda brasileira, ainda em curso, um rebaixamento de seu projeto
utópico, ao qual se vincula a luta pela terra e pela Reforma Agrária. O projeto
continua sendo a construção do socialismo, e a trajetória da educação no MST
também se processa na dinâmica da luta de classes, acompanhando o processo de
constituição do próprio Movimento, a luta pela Reforma Agrária e as lutas mais
gerais, na busca de incidir na construção de projeto de futuro para o Brasil. Isso não
significa ausência de problemas, conflitos e contradições no interior do Movimento.
Significa apenas que o direcionamento estratégico que está na origem do
Movimento se mantém. O que, diga-se em bem da verdade, não é pouco, se
olharmos a conjuntura atual, em que as forças hegemônicas estão em franca
campanha de desconstituição do Movimento e, de conseqüência, da justeza e
correção de sua luta.
Outro elemento importante diz respeito à complexificação da análise da
realidade, pela incorporação de novas categorias, como a de gênero, da ética e da
de cultura, entre outras. Este olhar mais complexo, entretanto, mantém a classe
social como uma das categorias fundamentais, tanto para teorizar quanto para
direcionar as ações educativas.
Há, ainda, outro aspecto que permanece no tempo: o protagonismo do sujeito
popular, no caso, os sem-terras. A luta pela educação é realizada pelos sujeitos que
dela participam. Estes são centrais e não é possível substituí-los. Na dimensão da
escola, isso se mostra, por exemplo, no esforço de implementar métodos que
possibilitem a auto-organização dos estudantes e a gestão participativa.
52
Considerando a intensidade da ação do Movimento em educação, é importante dar-
se conta do significado desta qualificação em médio prazo.
Também a complexificação dos fins da educação, que vai para além da
formação política e ideológica, podendo ser definida, amplamente, como formação
humana, não abdica da formação da consciência política e organizativa, embora
admita que ela somente não conta da formação do novo homem e da nova
mulher. Trabalhar com a compreensão de formação de uma consciência alargada e
da própria capacitação para o fazer/técnica não significa, para o Movimento, não
incidir na dimensão potica e ideológica.
No projeto educativo do Movimento permanece, ainda, a articulação da
educação com a formação, a organização e a luta pela terra, pela Reforma Agrária e
por um Projeto Popular para o Brasil. Quer dizer, no MST, a construção cotidiana de
alternativas, o que significa fazer dos assentamentos um lugar bom para viver, em
todas as dimensões da vida, no hoje, não foi dissociada da organização e da luta,
não se transformou, portanto, num fim em si mesma. Neste aspecto, além de manter
a relação da educação com a organização e com a luta, o Movimento inova, em se
tratando de educação formal para as classes populares. Isso porque, ao resgatar a
dimensão da relação entre educação e trabalho, incide na cooperação, como
contraponto às relações de produção e a concepção de trabalho do modelo do
capital. Este elemento possibilita que novas relações sociais cotidianas sejam
vivenciadas, isto é, vai constituindo, efetivamente, relações alternativas.
Decorrente do exposto, pode-se dizer que o MST vincula o trabalho escolar à
estratégia político-organizativa do Movimento, de modo que a escola é mais do que
uma escola e deve estar de um lado articulada à comunidade onde está inserida e,
de outro, ao direcionamento estratégico do Movimento. Assim, a escola estará
cumprindo seu papel: o de formar militantes para o Movimento, para a luta pela
Reforma Agrária e para a transformação social e, ao mesmo tempo, preparados para
construir, no dia-a-dia, as alternativas. Entretanto, mesmo sendo mais do que uma
escola, a escola não é o único local em que a formação ocorre.
A organização mesma e a participação no Movimento, isto é, na sua
dinâmica, é essencialmente formadora. Recupera-se, aqui, dito de outro jeito, o que
se afirmava no auge da luta popular nos anos da cada de 1980, no Brasil. A luta
forma, e o protagonismo político das classes populares organizadas e em
movimento é formador.
53
Considerando a trajetória escrita em linhas atrás, acredito ser possível dizer
que uma das mais importantes ressignificações do papel da educação no MST, na
condição de enquanto um Movimento Social, nestes novos tempos, tenha sido a de
impulsionar a articulação por uma Educação no e do campo. Com essa intervenção,
o Movimento passa a incidir no interior da própria articulação e nas políticas
públicas, formando um dos campos políticos, associados aos Movimentos da Via
Campesina, intelectuais e outras entidades com as quais possui identidade, agora,
não pensando somente no MST, mas no direito de todos os povos do campo à
educação. Apesar dos problemas e da complexidade da atuação nesse nível, que
vai para muito além da Educação dos sem-terras, a decisão parece acertada, porque
a educação com qualidade e maciça é mais um dos pilares da construção de novo
modelo de desenvolvimento no e do campo.
Neste sentido, outro elemento que gostaria de discutir decorre deste
apanhado histórico, mas também das minhas vivências no MST e nos demais
Movimentos da Via Campesina. Na luta política, os Movimentos discutem, formulam
e vivenciam experiências de um projeto de desenvolvimento do campo que se
contraponha ao projeto do capital, denominado de desenvolvimento rural,
materializável no denominado desenvolvimento rural e no agronegócio. Na
educação, a educação no e do campo se contrapõe ao modelo histórico de
educação para o campo, chamado de educação rural. Cada vez mais, o
conhecimento e a ciência se identificam e estão a serviço dos modelos hegemônicos
de desenvolvimento e de educação, que não considera os sujeitos e suas
necessidades concretas. Suas conseqüências, para todos os que subsistem de seu
trabalho no campo, são conhecidas.
Tudo indica, a continuar este direcionamento por parte dos Movimentos da
Via Campesina, que a Reforma Agrária será vinculada, de modo mais incisivo e
visível para toda a sociedade, ao novo modelo de desenvolvimento no e do campo,
porque ela é um dos seus pilares fundantes. A educação, então, terá de ser
vinculada aos assentamentos e acampamentos a partir desta perspectiva, o que fará
com que seja necessária à adequação do projeto educativo e das construções
didático-pedagógicas.
Teremos, então, um direcionamento de projeto educativo articulado em duas
pontas: a do acampamento e assentamento, tendo como pano de fundo a
Pedagogia do Movimento e a educação no e do campo e, de outro, o projeto de
54
desenvolvimento do campo. As duas pontas estarão orientadas estrategicamente
pelo horizonte da transformação social. Quer dizer: antes, agora e no futuro, tudo
indica que o MST, mesmo ressignificando em cada período histórico, continuará
tendo uma raiz forte na concepção de Educação Popular.
O estudo sobre a temática da educação popular/ educação do e no campo e a
pedagogia do MST é o ponto fundamental, neste estudo. É reflexão do que se refere
ao modo como, por meio dos movimentos sociais, os trabalhadores do meio rural
vêm se constituindo como sujeitos de direito da educação escolar e os traços que
demonstram que a educação na realidade camponesa se expressa não apenas no
espaço escolar, mas nas diversas formas de manifestação do movimento camponês.
Reconhecemos, ainda, que esses movimentos criam condições de produção e
apropriação do saber objetivando uma compreensão mais adequada de sua
realidade, que na, perspectiva freiriana (2005: 118), a educação e investigação
temática, em uma concepção problematizadora da educação, se tornam momentos
de um mesmo processo. Nesse viés, a dimensão educativa deflui como importante
espaço de investigação.
Compreendo que as práticas educativas emancipatórias, embutidas nos
movimentos sociais dos camponeses, compreende um tecido vasto e rico que
investiguei. É conveniente enfatizar que este movimento social do campo em
marcha, gestando uma pedagogia, um saber fruto da prática política e organizativa,
está contribuindo para criação da educação do trabalhador rural.
As dimensões éticas e o diálogo compõem os fundamentos políticos da
educação popular que alicerçam as práticas emancipatórias empreendidas pela
Escola Paulo Freire, que, de maneira provocativa e problematizadora, lança
interrogações nos debates e na construção da cultura escolar do campo.
Concluo este capítulo com muitos pontos-de-interrogação e com a sensação
de que fui demasiadamente abrangente. Mesmo assim, tendo como referência o
conjunto do texto os acúmulos da EP no Brasil, as ressignificações e discussões
que se processam na América Latina e o estudo dos documentos do MST realizado
enfatizo um último elemento para a discussão. Ei-lo: considerando a importância
da escolarização para todas as classes populares, julgo importante apontar para a
necessidade de este Movimento educativo, no e do campo, conseguir estabelecer
relação com a cidade.
55
Muito se discute, hoje, no interior da Via Campesina e de outros Movimentos,
sobre a importância do fortalecimento da articulação campo-cidade para o avanço da
luta popular. Assim, a educação poderia contribuir para o restabelecimento desse
elo. Da educação no e do campo como uma Educação Popular, esta parece ser a
síntese: escola pública no e do campo e escola pública na e das vilas e bairros
populares. Para o MST, que, assim como na articulação por uma educação no e do
campo, teria um papel central na reconstituição de um Movimento educativo global,
o caminho seria uma volta à raiz da EP. Nessa trilha, contribuirá para a elaboração e
prática de outra escola do povo, das classes populares também da cidade:
Pedagogia do Movimento, Educação no e do Campo e Educação Popular, como
nova síntese neste elã educacional.
O desafio é enorme, certamente. Basta-nos lembrar as dificuldades da luta
pela educação que o MST têm empreendido no interior do País.
Por fim, um dos elementos marcantes nesta pesquisa são as possibilidades
emancipatórias desenvolvidas no interior da Escola Paulo Freire mediante as
práticas educativas. Não à toa, pretendemos adensar nos próximos capítulos.
CAPÍTULO II
CONHECENDO O LÓCUS DA PESQUISA: CAMINHOS TRILHADOS
O cenário onde se localiza o assentamento Antônio Conselheiro e a Escola
Paulo Freire, palcos da experiência educativa vertente.
2.1 Caracterização do espaço geográfico do Estado de Mato Grosso e de Barra
do Bugres
Situado na região Centro-Oeste do Brasil, o Estado de Mato Grosso se
nobilita como a terceira maior unidade da Federação, tido por uma das áreas
periféricas em fase de expansão situada na esfera da Amazônia Legal.
57
Foto 03: Vista aérea da divisão das agrovilas do assentamento.
Foto 04: Vista aérea da agrovila 28 do assentamento Antônio Conselheiro.
58
O município de Barra do Bugres se originou de um pequeno rancho, erguido
por um cacerense — Pedro Torquato Leite Rocha — às margens do Rio dos Bugres.
Intuito seu era explorar a preciosa poaia
11
, fazendo-o com resultado satisfatório.
Localiza-se na região Médio Norte de Mato Grosso. O rancho inicial se tornou ponto
de referência, instalando-se, no seu entorno, várias famílias, precisamente no local
em que as águas do Rio dos Bugres se encontravam com a correnteza turvosa do
Rio Paraguai.
2.2 O assentamento Antônio Conselheiro
12
Assim como as demais Regiões Sul e Sudeste de Mato Grosso, a montagem
dos acampamentos não parte da vontade de um indivíduo integrante do MST, mas
de decisões políticas da organização do próprio movimento.
O MST chega à Região Médio Norte, MT, monta o acampamento à margem
da Rodovia MT- 358, com aproximadamente mil famílias, na região entre Barra do
Bugres e Nova Olímpia.
Como relembra Adilson de Jesus em entrevista “nós pagamos um preço muito
alto no movimento pela conquista da terra, um deles foram nossos companheiros
que morreram e alguns feridos no acidente as margens da rodovia”...
Estando cinco dias acampados próximos a MT 358 no município de Nova
Olímpia, uma grande tragédia veio brutamente retirar do seio do
acampamento pessoas que tinham o sonho de um dia poder ter seu
pedaço de terra para plantar. O acidente aconteceu às 23 h e 30
minutos, aonde veio uma carreta desgovernada entrando no acampamento
e matando cinco pessoas e deixando nove feridas. Depois do acidente, foi
trancada a rodovia, acendendo duas clareiras de fogo, uma na chegada do
acampamento e outra na saída, ficando quatro dias e quatro noites nesta
batalha. Depois desta pressão, foi conseguida uma negociação com o
grupo Itamaraty, que cederam, em comodato, cinco alqueires de terra,
distante mil metros da cidade de Nova Olímpia, sem muito risco de
acidente (entrevista em agosto de 2007).
11
Poaia ou Ipecacunha, planta leguminosa de pequeno porte que tem a sua importância na
fabricação de medicamentos e cosmético.
12
Ver o mapa do assentamento em Anexo E.
59
Com a tragédia, ocorre grande movimento em marcha à sede do INCRA, em
Cuiabá-MT, ocupando a sede e promovendo debates e reuniões com representantes
do Governo Estadual e Federal. Após a ocupação, os líderes do movimento
conseguiram, por acordo, a liberação de desapropriação da área de comodato onde
se localizava a Fazenda Tapirapuã, no Município de Tangará da Serra. Na fazenda,
com aproximadamente 38.335 hectares de terra, foram assentadas mil famílias. Uma
parte da terra foi dividida em agrovilas do tipo raio de sol, reservada a outra para o
chamado quadrado burro. A primeira por facilitar o sistema de cooperação,
comunicação e implantação de infra-estrutura. a segunda, pela dinâmica adotada
pelos proprietários. Assim surge o assentamento Antônio Conselheiro.
O assentamento foi tomado por imensa quantidade de famílias que foram
aderindo à luta. Ocorre a nucleação de famílias, o que facilita a reorganização dos
núcleos e dos demais setores que, em momento anterior, era do acampamento:
saúde, educação, segurança, e outros. Cada núcleo tinha seu coordenador e
coordenadora. Agrupados, constituiram a coordenação-geral do assentamento.
Importante ressaltar que os cortes dos lotes tiveram duração de um ano e
quatro meses, e o sorteio das parcelas dos lotes foi feito no mês de abril de 1998.
O assentamento Antônio Conselheiro está localizado entre os municípios de
Tangará da Serra, Nova Olímpia e Barra do Bugres. As famílias se encontram nas
agrovilas, perfazendo hoje trinta e seis agrovilas, com variações do número de lotes
de uma para outra. O parcelamento dos lotes foi projetado, tipo raio de sol, o que
facilita o sistema de cooperação, comunicação, entre as famílias e a implantação de
infra-estrutura próxima delas, tais como sistema de água, energia elétrica, estradas,
poço de saúde e transporte escolar.
Foto 05: Mapa do assentamento.
60
Como já explanado, outra parte do assentamento parcelada de forma
tradicional popularmente conhecida como quadrado burro. No início, as famílias
assentadas enfrentaram grandes dificuldades nos lotes, entre elas e sobrelevando a
inviabilidade de acesso e a retirada da produção.
A atividade econômica dos assentados obedece à de forma bastante variada:
hoje, a maior produção è feita especificamente para a comercialização. Predomina a
cultura da banana e do leite: realizadas individualmente, o compartilhadas
coletivamente nas agrovilas. A comercialização ocorre em feiras livres dos
municípios mais próximos, não dispensando a presença de alguns atravessadores,
que buscam a produção direta no assentamento.
Como meio de transporte, os assentados contam com três ônibus blicos
que fazem linha diariamente para a cidade, com exceção de domingos e feriados.
Internamente, a locomoção é feita por transporte escolar, bicicletas, motos, carros,
quando não a pé.
O educador Adilson de Jesus encarta estes apontamentos:
H
oje o assentamento tem condições objetivas e subjetivas para se
desenvolver de forma sustentável. A questão é que as pessoas precisam
se organizar em torno de um projeto coletivo. Os conflitos vão se
acentuando na medida em que as divergências entre militantes
aumentam. Porém continua sendo o grande desafio, pois o processo de
formação das famílias nessa trajetória de luta ainda busca a
sensibilização da importância da cooperação. Buscar se libertar do ranço
de individualismo interiorizado pelo capitalismo ao longo da trajetória da
história e de nossas vidas é uma luta continua (Entrevista realizada em
agosto de 2007).
No assentamento muitos lotes secos, sem água potável apropriada ao
consumo água salobra servindo apenas aos animais. Algumas parcerias foram
realizadas com instituições que investiram na construção de poços artesianos e na
distribuição de água em algumas agrovilas. Depois de elucidar o lócus da pesquisa,
exponho, no próximo capítulo, os caminhos palmilhados na sua realização.
2.3 Caminhos trilhados
Neste momento, ilumino a metodologia a que recorri neste estudo bem, como
as razões que me levaram à sua escolha. Apresento ainda os instrumentos usados
na recolha de dados, os participantes no estudo e destrinço dados da metodologia
que utilizei na análise. A pesquisa etnográfica, que se caracteriza fundamentalmente
por um contato direto da pesquisadora com a situação pesquisada, permite
reconstruir os processos e as relações que configuram a experiência escolar diária.
2.4 Metodologia e opções metodológicas
As opções metodológicas de uma investigação são, no geral, condicionadas
pelas características de seu próprio objeto de estudo, isto é, pelas questões de
investigação e pelo grau de profundidade com que se lhes pretende responder. Com
este estudo, intento compreender as possibilidades emancipatórias por intermédio
de saberes e práticas educativas desenvolvidas pelos educadores da Escola Paulo
Freire. Consciente da complexidade e diversidade de fatores que intervêm neste
processo, centrar-me-ei apenas em alguns dos seus aspectos, nomeadamente
naqueles que reflitam ao modo como os educadores e educandos percebem as
práticas realizadas no interior da escola, tomada de decisões sobre a escolha das
atividades cotidianas, narrando a construção de seus conhecimentos e a
comunicação destes saberes e fazeres.
As características deste estudo permitem seu enquadramento na definição de
investigação qualitativa, preconizada por Bogdan e Biklen (1994). De fato, neste
trabalho, as questões de investigação se orientam para a compreensão de
processos, eo para a procura de relações de causa e efeito, ou para a verificação
de hipóteses. Os processos investigados por mim, levando em conta esta pesquisa,
são fenômenos complexos e seu entendimento pressupõe a coleta de dados com
descrições mais ou menos pormenorizadas das situações em estudo, à luz da
62
necessidade. Estes dados, necessariamente, foram recolhidos no ambiente “natural”
em que decorrem essas situações, isto é, na sala de aula. Mais que isso. O principal
instrumento de sua recolha, na metodologia por mim escolhida, se ancora em
grande parte na própria investigadora. As questões a investigar, um pouco vagas
quando da partida, tornaram-se mais claras e ganharam maior consistência à
medida que os dados foram sendo compreendidos e explicados. A interpretação foi
feita indutivamente, partindo do particular para o geral. Outra característica que os
autores, referidos em passo anterior, atribuem às abordagens qualitativas, é que
este estudo também contempla, diz respeito, à importância do significado que os
participantes atribuem às suas experiências. De fato, a compreensão da dinâmica
interna das situações vividas pelos alunos durante a realização de atividades
investigativas pressupõe o conhecimento das perspectivas dos próprios alunos.
Em suma, a multiplicidade de ações das práticas que influenciam a formação
dos educandos durante a realização de tarefas de investigação e a impossibilidade
de os estudar isoladamente, fazem do objeto-sujeito deste estudo um fenômeno
complexo. Deste modo, fica justificada a opção por uma metodologia qualitativa
etnográfica inserida num paradigma interpretativo, segundo BOGDAN e BLIKEN, de
perfil fenomenológico.
2.5 Fundamentação metodológica: um estudo de caso de inspiração
etnográfica
Entendemos a investigação cientifica como produção discursiva, situada no
quadro de paradigmas, cujos alicerces epistemológicos se fundamentam em
“concepções relativamente estabilizadas sobre o sujeito, o objeto e as relações entre
sujeito e objeto do conhecimento” (SARMENTO, 2003: 141).
Zaia Brandão (2002) atesta que, a partir da década de 1980, com a crítica ao
positivismo e ao caráter genérico dos surveys, por se encontrarem alheios aos
problemas das escolas e salas de aulas, é provocada
uma virada hegemônica no campo das estratégias metodológicas na
sociologia da educação. Os estudos de caso, a observação participante e
as estratégias de pesquisa qualitativa foram gradativamente dominando a
pesquisa em educação (p. 103).
63
O estudo de caso de inspiração etnográfica, opção assumida neste trabalho,
define-se, portanto, como uma pesquisa qualitativa de abordagem interpretativista.
Havemos de destampar algumas concepções do estudo de caso que nos
auxiliaram na investigação. De acordo com Howard Becker (1999), a expressão
termo “estudo de caso” busca seu nascedouro nas pesquisas médicas e
psicológicas, referindo-se
a uma análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica e a
patologia de uma doença dada; o método supõe que se pode adquirir
conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa
de um único caso (BECKER, 1999: 117).
As ciências sociais se apropriam desse método, não para estudar um
individuo, mas, sim, principalmente, uma organização.
Para o autor, é utópico supor que possamos dar conta de tudo. Daí a
necessidade de eleger alguns problemas que parecem ser de maior importância
para aprofundar e atribuir relevância teórica.
Manuel Sarmento (2003), em seu artigo O estudo de caso etnográfico em
educação, afirma:
Os ‘estudos de caso’ de escolas são, portanto, um formato metodológico
que deve a sua divulgação, antes de mais nada, ao fato de perspectivarem
holisticamente as unidades organizacionais, e, no caso dos estudos de base
etnográfica, de acrescentarem ao conhecimento de estruturas, regras,
interações e processos de ão, as dimensões existenciais, simbólicas e
culturais que lhes associam (p. 139).
Para este autor, o estudo de caso não implica nenhuma orientação em
particular, podendo ser utilizado em diferentes abordagens. Optamos pelo estudo de
caso de inspiração etnográfica, devido à dimensão sociocultural que a etnografia
acrescenta ao estudo de caso. Sarmento (2003) assevera, com autoridade:
a etnografia impõe, deste modo, uma orientação de olhar investigativo para
os símbolos, as interpretações, as crenças e valores que integram a
vertente cultural (ou, dado que a cultura não existe no vazio social, talvez
seja mais apropriado dizer vertente sociocultural) das dinâmicas de ão
que ocorrem nos contextos escolares (2003: 152).
64
Marli André (2005), autora com ampla produção sobre pesquisa qualitativa em
educação, etnografia e cotidiano escolar, sintetizando as contribuições de diversos
autores sobre o estudo de caso, arquiva as situações em que o estudo de caso do
tipo etnográfico deve ser utilizado como estratégia metodológica:
(a) quando se es numa instância do particular, numa determinada
instituição, numa pessoa, ou num específico programa ou currículo; (b)
quando se deseja conhecer profundamente esta instância particular em sua
complexidade e em sua totalidade; (c) quando se estiver mais interessado
naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus
resultados; (d) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas
relações, novos conceitos sobre um determinado fenômeno; e (e) quando
se quer retratar o dinamismo de uma situação numa forma próxima do seu
acontecer natural (2005: 52).
Segundo a autora, esse formato metodológico permite que nos aproximemos
da escola para desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia na
instituição escolar.
A abordagem etnográfica passa a ser utilizada na pesquisa educacional no
início da década de 1970, devido à aproximação dos campos disciplinares da
Sociologia e Antropologia com a Educação. Essa abordagem amplia a investigação,
pois busca interpretar os significados do ponto de vista da cultura.
O esforço para descrever o tempo vivido dos participantes da pesquisa,
educadores e educandos que compõem o cenário percorrido, foi tarefa na qual a
descrição densa da etnografia interpretativa de Geertz se apresentou como
ferramenta adequada. Tal descrição, tão enfatizada na Antropologia geertziana,
coaduna-se com a intenção da fenomenologia em compreender o fenômeno tal
como ele ocorre, e não apenas analisá-lo ou explicá-lo com o filtro de prévios
pressupostos imperativos e determinantes.
Geertz, aproximando-se da peculiar intencionalidade dos fenomenólogos
merleau-pontyanos, propõe a etnografia não como mecanismo exclusivamente
utilizado para verificação de conceitos teóricos fixos, selecionados previamente pelo
pesquisador, ao modo de lentes de verificabilidade ou espelhos que mostrariam
apenas certos elementos dos reflexos da vida: elementos condicionados a aparecer
apenas diante de certas superfícies refletoras.
Geertz propõe a pesquisa do fenômeno, do vivido, não olvidando sua
existência, os seus múltiplos contornos e a complexidade de sua percepção pelo
65
pesquisador e pelo outro, mediados pela cultura. O fenômeno é algo que existe e
persiste no tempo; é o ponto de encontro da inerência humana ao mundo e ao outro.
É o que a etnografia de Geertz pretende descrever, encontrar, isolar:
A segunda lei da termodinâmica ou princípio da seleção natural, a
noção da motivação inconsciente ou a organização dos meios de produção
não explicam tudo, nem mesmo tudo o que é humano, mas ainda assim
explicam alguma coisa. Nossa atenção procura isolar justamente esse
algo, para os desvencilhar de uma quantidade de pseudociência à qual
ele também deu origem, no primeiro fluxo da sua celebridade
(GEERTZ, 1989: 03, grifos nossos).
Neste caminho apontado por Geertz, a busca do etnógrafo é a de construir a
partir das construções do outro, da complexidade das experiências humanas, a
compreensão perceptiva sobre a teia da vida, procurando e apresentando
significados a saltar dos sentidos apreendidos com os sujeitos, participantes da
pesquisa, dando olhos e ouvidos à multiplicidade do existir (GEERTZ, 1989: 07).
A inerência do pesquisador ao que ele próprio intenciona, à sua pesquisa,
evidencia a constatação da criação, da interpretação do percebido, não como
perversão de algo supostamente puro a permanecer imaculado, livre de
contaminações de um espectador estrangeiro, mas como fidelidade às
peculiaridades da condição humana em seus encontros com o outro, consigo
mesmo e com o mundo. O problema é que esta constatação está muitas vezes
obscurecida:
Nos escritos etnográficos acabados, inclusive os aqui selecionados,
esse fato de que o que chamamos de nossos dados são realmente nossa
própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus
compatriotas se propõem está obscurecido, pois a maior parte do que
precisamos para compreender um acontecimento particular, um ritual, um
costume, uma idéia, ou o que quer que seja está insinuado com informação
de fundo antes da coisa em si mesma ser examinada diretamente
(GEERTZ, 1989: 07).
Das bases filosóficas da fenomenologia de Merleau-Ponty, na procura das
acepções a surgirem diretamente da minha confluência existencial com os
participantes, pretendi tomar lucidez diante de meus sentidos e percepções,
olvidando a ingerência de determinismos ao meu olhar; intentando propiciar
condição ampliativa de minha capacidade em compreender a existência temporal
dos participantes, tal como ela é por mim percebida na interação com eles.
66
Assim, pesquisar fenomenologicamente é transcender temporalidades entre
pesquisador e participantes para fazer surgir desta confluência os sentidos a serem
descritos, em vez de serem escondidos em baixo de um tapete de laboratório. É a
tentativa do registro das múltiplas dimensões de uma história de sentidos do tempo,
mas nunca acabada, e futuramente acessível a quem intentar fazer outro mergulho
nos tempos de outrem, assim como mergulhei na temporalidade dos sujeitos da
pesquisa, recomeçando então nova viagem no tempo humano.
Sobre essa confluência de temporalidades entre mim e os outros, Merleau-
Ponty elucida:
Mas duas temporalidades não se excluem como duas consciências,
porque cada uma se sabe projetando-se no presente e porque aqui elas
podem enlaçar-se. Assim como meu presente vivoacesso a um passado
que todavia eu não vivo mais e a um porvir que não vivo ainda, que talvez
eu não viverei jamais, ele também pode dar acesso a temporalidades que
eu não vivo e pode ter um horizonte social, de forma que meu mundo se
acha na proporção da história coletiva que minha existência privada retoma
e assume (1999: 580).
A investigação fenomenológica se debruça sobre o vivido as experiências
existenciais do ser humano para com os outros e o mundo sempre em situação,
evitando o idealismo filosófico substituinte do mundo pelo pensamento de mundo, ou
o empirismo, posicionamento empobrecedor do papel do sujeito perante sua
situação (CARMO, 2004). No âmbito da pesquisa científica, a Fenomenologia,
associada à Filosofia, empresta para a metodologia um caminho peculiar que se
concentra na atitude e compreensão do pesquisador para com o mundo e o
fenômeno a ser investigado.
2.6 Instrumentos da pesquisa
Com o intuito de obter maior diversidade de informações que conduzissem a
uma compreensão mais aprofundada desse desempenho, elegei estratégia
composta de diário de campo, na qual conciliamos os métodos de observação, de
entrevistas abertas e de estudo de documentos.
Para a realização deste estudo, valemo-nos de três fontes referenciais ou
metodológicas:
67
1) Pesquisa documental. Analisamos diversos documentos do MST, em
especial os do Setor de Educação, intentando compreender a dimensão da
Pedagogia do Movimento ou o sentido educativo que o MST lhe atribui. Avaliamos
também o significado das práticas educativas na luta dos sem-terras e como elas
orientam sua organização na escola.
2) Pesquisa de campo. A pesquisa de campo abarcou: a) observação e
entrevistas abertas com dois educadores e um educando da escola Paulo Freire do
assentamento Antônio Conselheiro, situado no município de Barra do Bugres; b)
entrevistas abertas com militantes do MST; c) diário de campo: vivências, atividades,
observações e ponderações realizadas por mim, nas visitas, encontros, entrevistas,
etc.
Optamos por realizar esta pesquisa na Escola Paulo Freire do assentamento
Antônio Conselheiro, por se tratar de assentamento cuja experiência
especificamente a organização da escola se orientam aos princípios do MST.
Bem assim, por ter tido convivência maior com este assentamento. Revele-se, ainda,
de corresponder a um dos maiores assentamentos da América Latina.
A pesquisa de campo foi realizada em dois momentos, enfaixando o diário de
campo, circunscrito ao momento em que trabalhamos no assentamento e na escola,
período que acompanhamos a rotina de trabalho de todos os setores produtivos: o
cotidiano familiar e a participação social. Levantamos informações e documentos
sobre a estrutura do assentamento, sua organização, normas, projetos, dificuldades
e conquistas. Realizamos entrevistas com educadores e educandos, abarcando
todos os assentados. Recolhemos informações das práticas pedagógicas,
avaliações e documentos concernentes à vida escolar.
Nossa permanência no assentamento permitiu acompanhar uma experiência
concreta de re-construção do projeto educacional, analisar como e para quê os
assentados se educam. Bem assim, a forma como a escola possibilita, recorrendo a
práticas educativas e dispositivos organizacionais, mudanças no conhecimento, nas
relações estabelecidas com os outros e com o mundo, igualmente na vida individual
e coletiva das pessoas.
A reflexão sobre as práticas educativas nos revela que o projeto educativo
empreendido pela escola cobre aspectos fundamentais na formação daquelas
pessoas, ao mesmo tempo que nos permite estabelecer relações de sintonia e
contradição com a perspectiva apontada pela própria escola.
68
Durante a pesquisa de campo, realizamos ainda entrevistas com os
assentados do Movimento sem Terra. Pretendiam elas coletar informações
complementares aos documentos do MST no tocante ao trabalho, trabalho-
educação, cooperação e formação política. Parte de minhas percepções foi
registradas num “diário de bordo”, na perspectiva imaginária de viagens de quem
navega em mares distantes e desconhecidos. O desconhecido, o espanto, a
curiosidade foram ingredientes indispensáveis para que essa viagem etnográfica
fosse acontecendo.
3) Pesquisa Bibliográfica. Para análise de nossas investigações, com vista a
melhor compreender os aspectos levantados acima, buscamos apoio em diversos
estudos sobre a educação do campo e o MST, sobrelevando as relações entre as
práticas educativas com projeto educativo do MST e suas implicações na formação
humana. Uma pesquisa dessa natureza exigiu ainda compreender o Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra, sua origem, organicidade e objetivos, seu
significado atual e as práticas educativas existentes em seu interior.
Barbier (2004) pondera que, para o estudo e a compreensão de determinado
fenômeno social, o pesquisador terá maior possibilidade de precisar sua análise
interpretativa, não se circunscrevendo a um único instrumento de pesquisa.
Como afirma André (2005), o pesquisador não deve limitar-se à descrição de
situações, mas
deve ir muito além e tentar reconstruir as ações e interações dos atores
sociais segundo seus pontos de vista, suas categorias de pensamento, sua
lógica. Na busca das significações do outro, o investigador deve, pois,
ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas do entender,
conceber e recriar o mundo. A observação participante e as entrevistas
profundas são, assim, os meios mais eficazes para que o pesquisador se
aproxime dos sistemas de representação, classificação e organização do
universo estudado (2005: 45).
Para investigar o processo das práticas educativas e suas implicações na
dinâmica da escola em sua totalidade, pareceu-me necessária a utilização das
técnicas etnográficas: observação participante, entrevistas abertas e análise
documental.
69
2.7 Observação participante
As situações vividas pelos educadores e educandos, durante a realização das
investigações estatísticas, são bastante complexas, e sua observação obriga ao
registro de todas as ocorrências, o mais pormenorizadamente possível. De
conseguinte, não é fácil conciliar a função de professora com a de observadora.
Para minimizar esta dificuldade, recorri a outros instrumentos de observação:
máquina fotográfica e gravador-áudio, colocado na mesa de trabalho. Desse modo,
foi possível conjugar a observação objetiva, feita por instrumentos mecânicos, com a
observação participante, feita por mim. Os dados recolhidos mediante a observação
das aulas ficaram assim registrados em três tipos de suporte: áudio, foto e material
escrito e transcrito.
Os registros em áudio e em fotografia, proporcionados pelo gravador e pela
máquina digital, de todas as situações vividas pelos educandos durante a realização
das atividades, constituíram ótimo auxiliar de memória, sempre disponíveis para o
esclarecimento de qualquer dúvida acerca do que se passava na escola.
A transcrição de alguns diálogos, que os educadores mantiveram durante a
realização das atividades diárias, permitiu-me desvendar os êxitos e as dificuldades
que estes sentiram durante o desenvolvimento de suas práticas.
Este conjunto de informações e dados consta de um dossiê importante de
reconstituição de momentos de conflito, acertos, negociações, vitórias e derrotas.
Permitirão, com certeza, novos recortes e investigações que haverá de descortinar o
entorno, rico de experiência de todo válido, no referente a escola-palco de nossa
análise.
2.8 Estudo de documentos
A caracterização da escola onde desenvolvi o trabalho de campo deste
estudo foi feita a partir da consulta do seu Projeto Educativo
13
e Documento Base
14
.
13
Ver o Projeto Político-Pedagógico, em Anexo A.
14
Ver o Documento Base, em Anexo B.
70
Dos documentos oficiais que a escola me autorizou a consultar, retirei argumentos
para caracterizar os elementos fundantes deste estudo.
Além dos documentos referidos, lancei mão ainda dos trabalhos produzidos
pelos educandos os registros que fizeram nas fichas de trabalho, os relatórios
elaborados no final da tarefa e as cartas que escreveram ao extraterrestre acerca do
experienciado, vivido e refletido na escola.
2.9 O fenômeno: a bordo de um diário de bordo
O que encontrei quando cheguei, em 2002, à Escola Municipal Paulo Freire?
Sem dúvida, não posso negá-lo, deparei com educadores e educandos com
um grau de consciência, revolucionária e de classe, impressionante. Reforço: até
aquele momento, nunca havia vivenciado esse nível de conscientização na área da
educação. Precisei, para chegar à escola, viajar mais de oitenta quilômetros em
estrada de chão, de Barra do Bugres até a Escola do Assentamento Antônio
Conselheiro, para experienciar e vivenciar com aqueles sujeitos uma prática
educativa que evoca para si a emancipação e libertação de caráter formação de
valores e de vida. Por vezes, a diferença nem sequer estava na estrutura física, mas
na vida, na luta de resistência que desenvolvia uma consciência real acerca dos
conflitos na sociedade de classe.
Naquele momento, a escola passava por uma fase de reflexão sobre os
avanços e impasses ao longo dos dois anos de funcionamento. As dificuldades de
acesso ao material pedagógico a ser utilizado pelos educadores; a dificuldade de
manter o quadro docente de educadores, com o grau de comprometimento do início
das atividades pedagógicas. Ouvi muito, e muito registrei, a propósito de momentos
importantes, quer coletivos, quer individuais, até o momento em que, de objeto
distante de pesquisa, nada me dizendo, o lugar, as experiências, as pessoas
tivessem para mim a condição de sujeitos ligadas àquele tempo e espaço. Ali
prevalecia uma experiência de educação intencionada, em busca de uma prática
emancipatória.
Em junho de 2002, organizamos um grupo de professores e professoras do
departamento de matemática da Unemat - Vale do Rio Bugres, em Barra do Bugres,
71
acoplando acadêmicos do mesmo curso, canalizando encontro entre esses e a
escola do campo Paulo Freire, do Assentamento Antônio Conselheiro. Ensejamos
uma socialização de experiências e vivências que envolviam matemáticas
diferenciadas com aqueles educandos do núcleo escolar. O interessante e
impactante estava nos cartazes, frases de Freire, Ernesto Che Guevara, Josué de
Castro, Florestan Fernandes e outros revolucionários e educadores expostos em
murais nas paredes, no refeitório, nas salas de aula, em todo ambiente escolar. Isso
podemos aquilatar na foto a seguir estampada.
As crianças dialogavam conosco, professores e acadêmicos, com perguntas
do tipo “o que vocês pensam da política econômica de nosso país?”, “o que vocês
sabem sobre o agro-negócio?” Debatiam ainda conosco “o modelo de exclusão do
sistema econômico do latifúndio e da política neoliberal”, entre outros temas que
envolviam certo grau de complexidade e consciência política, a respeito dos quais,
muitos dos nossos acadêmicos não tinham condições de colaborar com o debate,
por desconhecerem ou por terem opinião formada ou deformada sobre o assunto.
A proposta de socialização tinha, até então, como o foco as práticas
educativas no ensino da Matemática, a Matemática da vida daqueles filhos de
trabalhadores rurais em relação à Matemática apreendida e ensinada na
universidade. A pedagogia do movimento buscava a significação da Matemática na
vida e para a vida daqueles jovens e crianças.
Foto 06: A pedagogia de Freire no cotidiano escolar.
Foto 07: As crianças provocando o debate.
72
Organizamo-nos em turmas de professores e acadêmicos, na modalidade de
oficinas pedagógicas de Matemática de maneira que todas as salas das séries
iniciais a o Ensino Médio não fossem relegadas ao tempo livre, envolvidos em
trabalho sistematizado. Realizei atividades matemáticas partindo do contexto de vida
das crianças e adolescentes, seguindo a proposta curricular da escola do campo.
No primeiro dia, apresentamos, a todos os envolvidos a comunidade escolar
Paulo Freire, a proposta das oficinas para cada turma, ocasionando pequenas
alterações na programação a ser exercitada e na maneira pela qual
desenvolveríamos as atividades. Estávamos reunidos no pátio da escola. Pais,
educandos e educadores dialogavam conosco, procurando a interlocução, à medida
que nos acolhiam, possibilitando diálogo franco e produtivo. Houve, é claro, um
impacto maior para os acadêmicos, que passavam a conhecer uma experiência de
uma pedagogia inédita e pouco acessível, porque pouco divulgada.
A opção por caminhar nas trilhas da uma investigação fenomenológica de
abordagem qualitativa na realização da pesquisa etnográfica permitiu a interpretação
e a descrição da percepção das emoções, ações, do encontro dos mundos, e dos
mundos individuais e coletivos.
Apresento uma narrativa das práticas e conceitos que foram utilizados nesta
abordagem etnográfica.
2.10 Os participantes da pesquisa - por que estes sujeitos são os escolhidos?
Como instrumento metodológico, para interpretação das narrativas dos
sujeitos da pesquisa, recorri à abordagem etnográfica, focalizando três sujeitos
sociais que destaco como importantes interlocutores da construção da proposta
pedagógica escolar de emancipação. Identifico a professora Ângela como
Educadora Popular; o professor Adílson de Jesus como - O Educador da Terra;
e o estudante Wanderson como - O Menino-Terra. Utilizo este recurso não para
esconder a identidade destas pessoas, fazendo-o como caracterização de suas
maiores contribuições, que também constroem sua identidade e funções sociais no
grupo. Narrarei seus caminhos na construção de um projeto de educação básica do
e no campo que tem, como princípio, suas histórias de vida. As razões que me
73
fizeram escolher estes sujeitos da pesquisa, e não outros, ei-las: proximidade,
possibilidade de vivência cotidiana, compartilhamento do cotidiano, significatividade
destas pessoas no assentamento. No caso de Adilson de Jesus, assinalo sua
formação política mais esmerada, em meio ao movimento.
Analiso o assentamento e a escola como palco do desenvolvimento da
pesquisa. Sirvo-me das vozes dos sujeitos escolhidos, à luz de cujo pensamento
procuro interpretar a construção coletiva do projeto educativo realizado pela luta do
MST.
Procuro investigar as práticas educativas como possibilidade emancipatória,
ocorridas num contexto premido por uma multiplicidade de sentidos. Faz parte das
estratégias de investigação do universo cultural, por mim estudado, socorrendo-me
da observação participante, entender essa cultura, a utilização instrumental para
registro de campo, entrevistas abertas, fotografias, gravações e análise de
documentos.
A observação não pretende comprovar teorias nem fazer “grandes”
generalizações. O que busco, sim, é descrever a situação, compreendê-la, revelar
parte importante de seus múltiplos significados, deixando que o leitor decida se as
interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em sua sustentação
teórica, adequação aos objetivos e, portanto, à sua plausibilidade.
A pesquisa de tipo etnográfica possibilitou, fundamentalmente contato direto
com a situação pesquisada. Permitiu-me reconstruir os processos e as relações que
configuram a experiência escolar diária. Foi, por isso, possível documentar o não-
documentado, isto é, desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-
Foto 08: Ângela, educadora popular.
Foto 09: Aparecida e Adílson de
Jesus, o educador da
terra.
Foto 10: Wanderson, o menino-
terra.
74
dia da prática escolar. Descrevi, portanto, ações e representações de seus sujeitos
sociais, reconstruindo sua linguagem, suas formas de comunicação e os significados
que são criados e recriados no cotidiano de seu fazer pedagógico. Essa pesquisa
me aproximou dos sujeitos que a compõem, fez com que chegasse bem perto da
escola para tentar compreender como operam, em seu dia-a-dia, os mecanismos de
dominação e de resistência, de opressão e de contestação. Permitiu, ao mesmo
tempo, veicular e reelaborar conhecimentos, atitudes, crenças, modo de ver e de
sentir a realidade e o mundo.
CAPÍTULO III
CONSTRUINDO A ESCOLA PAULO FREIRE: O PROJETO EDUCATIVO
15
3.1 Documentações de constituições
A Escola Municipal Paulo Freire foi criada pelo Decreto Municipal 656/00,
autorizada pela Resolução 261/01 CEE/MT. De outra parte, a Escola Estadual
Paulo Freire foi criada pelo Decreto
16
º 5.878, de 30 de Janeiro de 2002,
publicada no Diário Oficial de mesma data.
3.2 A luta por uma educação básica no e do campo — Escola Paulo Freire
Outro aspecto importante aponta a mobilização dos assentados para a
construção da Escola Paulo Freire na agrovila
17
28 do assentamento Antônio
Conselheiro. Em 1999, o movimento marcha ao município de Barra do Bugres
ocupando o prédio da prefeitura municipal com a seguinte reivindicação; a
construção do prédio
18
da escola. Após semanas de negociações com
intermediação do Ministério Público, os militantes conseguiram que o então prefeito
municipal da época assinasse o compromisso com a entrega do material necessário
para construção do prédio escolar. Em contrapartida, a comunidade do
assentamento disponibilizaria a mão-de-obra. Os documentos
19
da escola trazem a
seguinte informação:
15
Ver em Anexo A.
16
Ver decreto de Criação da Escola em Anexo D.
17
Ver Localização pelo Mapa do Google Earth em Anexo F.
18
Ver Planta baixa 01 e 02 do primeiro prédio construído em Anexo G.
19
Ver ficha de Matricula, Calendário escolar, e Matriz Curricular do Ensino Fundamental e Médio em
Anexo C.
76
Essa obra é fruto de um Convênio entre o Governo do Estado (do pleito
anterior) e o MST, firmado no ano de 2000, onde o governo forneceria o
material e um subsídio, para a comunidade assumir a mão-de-obra. Por
tanto, o subsidio o foi liberado e o material foi insuficiente. Pois, foi
possível um certo estágio da obra, devido ao trabalho voluntário de pessoas
da comunidade e uma parceria do Assentamento com a Prefeitura Municipal
de Barra do Bugres (DOCUMENTO DO PPP DA ESCOLA PAULO
FREIRE).
A construção da Escola Paulo Freire, contou com a participação da
comunidade desde a construção do prédio até a construção do projeto educativo.
Com o apoio de um arquiteto e engenheiros cedidos pela Prefeitura, os assentados
constroem a escola. A escola nasce pelas mãos de seus destinatários. Mutirões
houve, diariamente, na construção da escola. Cada dia era uma festa: cada madeira
colada, cada tijolo era motivo de pulos de alegria. A mística ocorria antes de iniciar
os trabalhos e no término do dia. Os mártires eram evocados como num ritual de
reverências aos mestres que morrem na luta, na marcha por uma educação do
campo.
Foto 11: Vista aérea do núcleo da agrovila 28 — espaço comunitário.
77
A Escola Paulo Freire nasce da luta do MST, que coletiva e organizadamente
reclamam por seus direitos na forte batalha pela conquista da cidadania. Muitas
reuniões junto ao poder blico foram realizadas, na reivindicação dos direitos de
acesso a crianças, jovens e adultos, acesso à Educação Básica. Assim, seguiu com
muitos tropeços e acertos. Hoje, o povo do assentamento está colhendo os primeiros
frutos de sua trajetória.
Em 25 de março de 2000, eis quando ocorreu o primeiro dia de aula na escola
construída. Atendendo às séries iniciais e ensino fundamental completo, contava
com 250 educandos matriculados nos períodos matutino e vespertino.
Com a negociação do Movimento com o poder público local, os militantes do
MST solicitam que os educadores da escola sejam da comunidade do
assentamento, feita garantia de construir um projeto educativo na dimensão político-
pedagógica do movimento.
Conforme as atas e os documentos da secretaria da escola, com a
construção do prédio escolar, a Secretaria Municipal de Educação do Município
realizou a contratação de educadores e educadoras que desenvolviam atividades
docentes na comunidade local. Dois dos educadores, entre os doze presentes no
início do ano letivo de 2000, são os sujeitos sociais desta pesquisa: Adílson de
Jesus e a Ângela.
A Escola Municipal Paulo Freire se tornou a referência principal de significado
importante para os trabalhadores, tanto que se sucederam nas lutas, nas atividades
festivas e comemorativas da escola e do movimento. Com o desenvolvimento da
escola, foi preciso abrir novas salas de aulas. As aulas se davam somente no
período matutino e vespertino. Difícil estava a participação efetiva dos jovens e
adultos que precisavam cuidar de seus lotes, impossibilitados de estarem presentes
durante o dia.
Fomos, então, reivindicar este direito junto à prefeitura que mais uma
vez resistiu em atender as reivindicações da comunidade, pois era
preciso que a prefeitura garantissem além do contrato dos educadores e
educadoras um motor estacionário que produzisse energia elétrica, pois a
comunidade ainda não dispunha da energia (ADILSON DE JESUS,
ENTREVISTA NO ASSENTAMENTO).
78
Toda a trajetória de luta se agrava com outros problemas, seja exemplo a
divisão interna das famílias, o coletivo de educadores que não conseguiram
desenvolver bom trabalho ante a comunidade, em razão dos problemas pessoais
que se intensificam e questões relativas a venda de lotes, inadaptação de algumas
famílias no campo.
Diante disso, o educador Adilson de Jesus se faz categórico:
Hoje começamos a perceber que não existe aquela determinação que
as famílias tinham, para garantir que a escola continue caminhando.
Observamos que uma parte das famílias mais reclama do que ajuda, não
participam da vida da comunidade, não acompanham as crianças das
series iniciais, que estão tendo dificuldades de aprendizagem, e falta de
estimulo, hoje à defasagem idade serie, sem contar que muitos jovens
que vêm à escola e deixam seus materiais sobre as carteiras e vão para o
bar em frente à escola jogar sinuca, fumar cigarro, ou tomar bebidas
alcoólicas, sem contar o uso de drogas que esta presente de forma
camuflada, mas, que bastante preocupante (Entrevista realizada em
Agosto de 2007).
Adilson de Jesus expressa sua preocupação com as divisões que vêm
ocorrendo no interior da escola. As divisões de caminhada, de interesses e o fato de
muitos companheiros de militância não mais compartilharem dos mesmos ideais.
Compreendi que o educador atribui a desarticulação da tríade, escola-movimento-
comunidade, somadas às divisões dentro do movimento, ocorridas no interior do
assentamento e, conseqüentemente, na escola. Alerta, em seguida, para a
necessidade de as famílias participarem da escola:
Uma parte das famílias acha que tudo de errado que acontece, é culpa da
escola, e que ela tem que se virar sozinha, não entende que a escola
precisa do apoio e de sua participação, no processo didático político e
pedagógico, no incentivo a seus filhos a estudarem: vindo à escola ver
como está o aprendizado de seus filhos e filhas, participando das
reuniões de pais e mães, como sujeito ativo na construção de uma
educação pública de qualidade para todos e todas (Entrevista realizada em
Agosto de 2007).
Para o educador as divergências se acentuam a cada ano que passa. Com o
plebiscito que se deu na escola no ano de 2007, a comunidade escolar votou pela
estadualização da escola. Após a estadualização, houve a necessidade de
79
adequação do quadro docente. Por isso, no início do ano letivo, a assessoria
pedagógica do município de Barra do Bugres realizou um concurso para professores
interinos. Muitos dos docentes interinos e efetivos que ingressaram na escola,
segundo Adilson de Jesus, não se adequaram à proposta político-pedagógica,
promovendo desencontros e discordâncias no interior da escola.
3.3 Da estrutura pedagógica matriz curricular
20
e estrutura física da escola
As comunidades pertencentes às agrovilas do assentamento Antônio
Conselheiro, mobilizadas na luta pela conquista da escola, construíram o prédio
escolar. O recurso financeiro disponibilizado para a construção do prédio escolar é
de responsabilidade do poder público municipal e estadual. o projeto educativo
da escola é gestado pelos educadores, militância e comunidade tendo como
documento base, na construção do projeto, as orientações educacionais do MST. O
projeto educativo tem por objetivo atender aos objetivos propostos pelo MST a novo
paradigma educacional, pensado e elaborado com vista a uma educação
emancipadora. A centralidade deste projeto o as crianças, jovens e adultos, que,
mediante uma educação que valorize suas histórias de vida, seu cotidiano, consiga
promover melhor compreensão da opressão em que vivem, e que eles visualizem
mudanças sociais.
Com eixo sul-eador do projeto educativo da Escola, base é a proposta
educacional do MST. Com a mediação dos educadores, os assentados tecem o
projeto político-pedagógico da escola, assentados nas seguintes problematização:
Que escola queremos? Sobre quais bases teóricas sul-earam as ações dos
educadores? O projeto terá como ponto de partida nossa realidade?
A partir da leitura das necessidades, educadores-comunidade-assentados
dialogaram entre si, buscando escrever a proposta curricular da Escola Paulo Freire
e os caminhos a serem trilhados.
Aproveitei a riqueza da experiência para fazer algumas reflexões pela ótica
curricular, destacando aspectos relevantes.
Assinalo, inicialmente, que a concepção de educação dos educadores da
escola está em sintonia com a visão freireana de educação, como forma de
20
Ver Regimento Interno da Escola Paulo Freire em Anexo I.
80
intervenção no mundo. É por isso que se descortinou, para nós, o inadiável apelo de
atuar em uma realidade concreta, na qualidade de coletivo de educadores
comprometidos.
Ao se postar no horizonte deste estudo o currículo, como práxis
emancipatória, buscou-se transcender uma visão fragmentada de currículo,
prescritiva, estática, cristalizada, definida apriorísticamente, pressupondo
determinada concepção de homem, mundo, sociedade e educação.
Não reduzimos a compreensão de currículo explicito a uma pura relação de
conteúdos programáticos. Na verdade, a compreensão do currículo abarca
a vida mesma da Escola, o que nela se faz ou que não se faz as relações
entre todos e todas as que fazem a Escola. Abarca a força da ideologia e
sua representação não enquanto idéias mas como prática concreta
(FREIRE, 1999: 123).
É exatamente essa concepção de currículo que vivenciei na experiência aqui
relatada; pleno, em sua mais autêntica totalidade, superando a noção de rol de
conteúdos acumulados e transmitidos mecanicamente. Essa idéia de currículo que
nos permitiu denotar um caminho, uma trilha com idas e vindas, contradições,
conflitos, anseios, desejos que foram tomando forma na possibilidade de atuar em
pesquisa numa escola pública do campo que se abriu para nós.
Foi nesta dimensão que os educadores e educandos, comunidade em geral,
se construíram e construíram o currículo do e no campo como sujeitos críticos e
criativos que (re)elaboram seu conhecimento. A concepção de homem aqui
explicitada tem uma vertente freireana, em sua concretude individual e na sua
dimensão coletiva democraticamente proposta.
Foi reinventando-se a si mesmo, experimentando ou sofrendo a tensa
relação entre o que herda e o que recebe ou adquire do contexto social que
cria e que recria, que o ser humano vem se tornando este ser que, para ser,
tem que estar sendo. Este ser histórico e cultural que não pode ser
explicado somente pela biologia ou pela genética nem tampouco apenas
pela cultura(...) Este ser que vive, em si mesmo, a dialética entre o social,
sem o que não poderia ser e o individual, sem o que se desenvolveria no
puro social, sem marca e sem perfil” (FREIRE, 1993: 67).
Para a educadora Ângela, no contexto do currículo emancipatório o papel do
educador é marcante, como nos ajuda a pensar Freire:
81
Ë assim que venho tentando ser professor, assumindo minhas convicções,
disponível ao saber, sensível a boniteza da prática educativa, instigado por
seus desafios que não lhe permitem burocratizar-se, assumindo minhas
limitações acompanhada sempre do esforço por superá-las, limitações que
não procuro esconder em nome mesmo do respeito que me tenho e aos
educandos (FREIRE, 1998: 80).
A participação de todos caracteriza outra interessante faceta de um currículo
emancipatório. Destaca-se o comprometimento com seu lugar, a pertinência à
comunidade, a possibilidade de agir sobre uma realidade concreta que deu vida ao
projeto político-pedagógico da escola. No seu veio, esse projeto aporta a dimensão
de criticidade que possibilita a inserção crítica na realidade e a apreensão de suas
contradições. O conhecimento assim construído é criativo, crítico e emancipador.
A essas dimensões de criticidade e participação, acrescenta-se a politicidade.
O educador Adilson diz: no nosso trabalho, nas práticas educativas, a vertente da
politicidade se fez presente o tempo todo à medida que tivemos uma direção em
nossa ação educativa, enfatizando a sua não-neutralidade, o que nos encaminhou à
escola do campo pública.
É na diretividade da educação, esta vocação que ela tem, como ão
especificamente humana, de endereçar-se até sonhos, ideais, utopias e
objetivos, que se acha o que venho chamando politicidade da educação. A
qualidade de ser política, inerente a sua natureza. É impossível, na verdade,
a neutralidade da educação (FREIRE, 1998: 124).
Adilson de Jesus complementa, dizendo: Ao optarmos por ter em nossos
horizontes a condição emancipatória e a politicidade da educação, vislumbramos a
dimensão ética que pensa o homem como ser de opção, de decisão e destaca o
respeito aos educadores e educandos como imperativo do fazer pedagógico. A
presença do educador, sua coerência, também é contemplada por uma marca ética.
Minha presença de professor que não pode passar desapercebida pelos
alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. Enquanto
presença não posso ser uma omissão mas um sujeito de opções. Devo
revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar,
de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não
falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho
(FREIRE, 1998: 110).
82
Nesse fazer pedagógico, uma tônica que pudemos assinalar e que tem uma
inspiração freireana, foi a alegria presente a todo o instante. Como foi bom nossa
alegria de vivenciar a sala de aula, a nossa prática e nossa alegria de compartilhar
os mesmos ideais” Educadora Ângela, entrevista na Escola Paulo Freire,
12/08/2007 a alegria tinge as diferentes instâncias do processo ensino-
aprendizagem, fluindo na atividade docente que tivemos, marcando-a.
A atividade docente de que a discente não se separa, é uma experiência
alegre por natureza. É falso também tomar como inconciliáveis seriedade
docente e alegria, como se alegria fosse inimiga da rigorosidade. Pelo
contrário, quanto mais metodicamente rigoroso me torno na minha busca e
na minha docência tanto mais alegre me sinto e esperançoso também. A
alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do
processo da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da
procura, fora da boniteza e da alegria (FREIRE, 1998: 160).
A educadora Ângela enfatiza: “quando levantamos a dimensão da alegria no
nosso trabalho, ela traz a reboque um importante e fundamental aspecto do currículo
emancipatório, que é a esperança, e sentimos que ela esteve presente na totalidade
de nosso projeto já que, no horizonte do humano, a esperança e o sonho são
essenciais.”
uma relação entre uma alegria necessária à atividade educativa e a
esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos
aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos
obstáculos à nossa alegria. Na verdade do ponto de vista da natureza
humana a esperança não é algo que a ela se justaponha. A esperança faz
parte da natureza humana(...) a esperança é um condimento indispensável
à experiência histórica (FREIRE, 1998: 81).
Durante todo período que compartilhei com os educadores da escola, jamais
deixamos de ser criticamente esperançosos. Tivemos esperança quando refletimos
sobre a prática, quando juntos desvelamos a teoria que a ela subjaz e quando
voltamos a prática na escola pública pensando em uma transformação que constitui
o nosso sonho ético. Impregnando todo percurso da construção curricular e se
destacando, a meu ver, como o mais marcante aspecto de nosso trabalho, temos o
fator afetivo, a amorosidade. Isso novamente nos aproxima e estreita nossa relação
com o pensamento de Paulo Freire, de modo indelével.
83
Durante toda trajetória da construção do projeto educativo da escola, o afeto
mesclou as relações entre a comunidade e os docentes responsáveis, criando um
clima caloroso que se estendeu às oficinas pedagógicas na Escola Paulo Freire.
Na condição de professora responsável pelo projeto de extensão da
UNEMAT, “A Universidade Vai à Escola” na Escola Paulo Freire vivi um processo
amoroso de vínculo afetivo com todo o grupo, criando-se uma rede cognitivo-afetiva.
Senti-me aberta ao gosto de querer bem os educandos, não deixando de lado a
seriedade, e a rigorosidade. Tivemos a singular oportunidade de viver a abertura ao
outro, à realidade em uma escola do campo dedicada à dimensão emancipatória de
educadores e educandos. Essa prática rica e estimulante foi objeto de reflexão
crítica, tendo como fundamento um referencial ético emancipador. A abertura
vivenciada permitiu a viabilidade dialógica entre a Universidade e a Escola. Constitui
assim, valioso exercício de respeito às diferenças, de escuta sensível ao entorno
social dos educandos, de decisão ético-política de intervir no mundo.
Num currículo na dimensão emancipatória, a paixão, o amor, a afetividade a
tudo envolvem e não podem ser dissociados do processo cognitivo. “Acho um
absurdo afastar o ato rigoroso de saber o mundo da capacidade apaixonada de
saber. Eu me apaixono não pelo mundo mas pelo próprio processo curioso de
conhecer o mundo” (FREIRE, 1999: 92 ).
A construção deste projeto com esta perspectiva de emancipação,
culminando com uma atividade integrada à escola do campo, deixa clara uma
experiência freireana de abertura e disponibilidade para o diálogo. Testemunhar a
abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes
necessários à prática educativa” (FREIRE, 1998: 153).
Nesta postura de construção curricular acredito estar respeitando os saberes
de “experiência” dos educadores e educandos, mobilizando-os, instigando-os a
mudar, a superar as estruturas desiguais e injustas.
3.4 A estrutura física
A Escola Paulo Freire está localizada na agrovila 28, a 80 km do município de
Barra dos Bugres, dispondo de uma área de 10.000 metros quadrados. Nesta área
84
existem 830 metros de construção, sendo 297 metros de alvenaria e 533 metros
de madeira.
3.5 As dependências de alvenaria: prédio construído pelo Estado em parceira
com o município de Barra do Bugres
A escola conta com quatro salas de aulas de alvenaria construídas com
recursos do Estado, medindo cada sala mede 48 metros quadrados. A isso se soma
E um refeitório de 85 metros quadrados, cozinha e despensa de vinte metros
quadrados. Há, ainda, um banheiro com dois boxes que se encontra apenas no
projeto. Previstas então também duas salas para o administrativo, de 12 metros
quadrados cada, adaptadas para serem os banheiros, em decorrência de estar
próximo à cozinha.
Um espaço arborizado, com duas hortas, uma de hortaliças e outra de plantas
medicinais ambas cuidadas pelos educandos e educadores.
3.6 As dependências físicas de madeira construídas pelo MST em parceria com
o município
É uma parte anexa pertencente à rede municipal, com 533 metros quadrados
distribuídos da seguinte forma: quatro salas de aulas que somam 216 metros;
quadrados, sala da direção, coordenação e secretaria, somando 54 metros;
quadrados, corredor interno, que totaliza 44 metros quadrados; dois banheiros
sanitários com chuveiro medindo, 14,40 metros quadrados; uma cozinha com 10
metros quadrados, uma dispensa, esta com 7,5 metros; uma área para refeitório,
medindo 30 metros; uma sala de apoio ao corpo docente e administrativo de 8
metros com banheiro privativo. O pátio da escola está em processo de arborização.
Existe um minicampo de futebol, de chão batido e uma quadra de vôlei de areia.
85
3.7 Funcionamento da escola
A escola funciona nos três turnos diários. No período matutino, a escola
atende ao segundo seguimento do ensino fundamental e ensino médio. No período,
vespertino atende à educação infantil e séries iniciais. No noturno, é ofertado o
ensino médio regular e educação de jovens e adultos pelo projeto da SEDUC-MT,
denominado Projeto Beija-Flor.
86
3.8 Imagens do espaço escolar
Foto 13: O refeitório
Foto14: A sala de aula.
Foto 15: O transporte
escolar
Foto12: A biblioteca escolar.
Foto 17: O laboratório de Informática.
Foto16: A biblioteca — espaço leitura.
87
No acompanhar parte da trajetória de luta pela conquista da terra, e,
posteriormente, a luta por Educação, é que optamos analisar compreensivamente a
caminhada não apenas de conquista da terra, mas de emancipação em sentido
amplo.
A escola, como espaço de mediatização por meio de práticas educativas
empreendidas por estes educadores.
3.9 A construção da escola Paulo Freire
Compreender a história como possibilidade e não como determinação,
possibilita pensar a ação de mulheres e homens como sujeitos da história, como
seres não apenas no mundo, mas com o mundo e com os outros. Nossa presença
no mundo, como seres capazes de refletir sobre nós mesmos e sobre nossas
relações com o mundo, torna possível nossa intervenção nele. Freire fala da nossa
capacidade de romper com a aderência ao mundo, de emergir dele como
consciência que se forja na práxis, transformando a determinação em
condicionamento.
Uma das coisas mais significativas de que nos tornamos capazes mulheres
e homens ao longo da história que, feita por nós, a nós nos faz e refaz, é a
possibilidade que temos de reinventar o mundo e não apenas de repetí-lo
ou reproduzi-lo. (...) É exatamente porque somos condicionados e não
determinados que somos seres da decisão e da ruptura. E a
responsabilidade se tornou uma exigência fundamental da liberdade. Se
fossemos determinados, não importa porquê, pela raça, pela cultura, pelo
Foto 18: A construção do prédio escolar.
88
gênero, não tínhamos como falar em liberdade, decisão, ética,
responsabilidade. Não seríamos educáveis, mas adestráveis. Somos ou nos
tornamos educáveis porque, ao lado da constatação de experiências
negadoras da liberdade, verificamos também possível a luta pela liberdade
e pela autonomia contra a opressão e o arbítrio (FREIRE, 2000: 121).
Para Freire (2000: 122), “não haveria como falar em liberdade sem a
consciência da determinação que se torna assim condicionamento”. O
reconhecimento e a compreensão da razão de ser das situações que desumanizam
e negam a vocação ontológica de mulheres e homens, possibilitam a luta pela
afirmação desta vocação de SER MAIS. Vocação que é negada nas injustiças, na
exploração, na dominação de raça, gênero e classe, mas também afirmada na busca
da liberdade, da justiça, da organização, da luta e da utopia que move os oprimidos
na recuperação de sua humanidade roubada. Na luta pelo direito de ser, gesta-se a
Pedagogia libertadora de Paulo Freire. Ela nasce no seio da organização e luta dos
movimentos sociais e populares na década de 50 e 60 no Brasil. Uma Pedagogia do
oprimido,
aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou
povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia
que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos,
de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação,
em que esta pedagogia se fará e refará (FREIRE, 1987: 32).
A Pedagogia Libertadora de Freire representa um dos instrumentos
fundamentais no processo de conscientização e, portanto, na constituição dos
movimentos sociais, pois não é em si a condição de exclusão, de opressão que leva
mulheres e homens a se engajar na luta social, mas, sim, a compreensão da razão
de ser de sua condição de oprimidos. A compreensão crítica dos fatos, aliada à
utopia da mudança, ao saber de que mudar é difícil, mas possível, faculta que os
excluídos da história se organizem e se engajem na luta para modificá-la.
Como nos elucida o Educador da terra:
a nossa prática educativa se não for na promoção da emancipação,
dialógica e libertária não é educação, é apenas dominação, opressão. É
reprodução de um discurso que nós estamos cansados. Disso sabemos
e vivemos o bastante (Entrevista realizada em 18 de agosto de 2007, no
assentamento Antônio Conselheiro).
89
Neste sentido, Grzybowski pinça um conjunto de condições necessárias para
o surgimento de um movimento social.
A percepção de interesses comuns, no cotidiano, nas condições mais
imediatas de trabalho e vida, percepção produzida a partir de e na oposição
com outros interesses, de outros agentes sociais, a identidade em torno dos
interesses comuns, as ações coletivas de resistência, etc. são um conjunto
de condições necessárias dos movimentos. assim a tensão intrínseca às
relações vira movimento (GRZYBOWSKI, 1991: 18).
A organização dos movimentos sociais é produto e produtor da
conscientização. Nesta direção, Freire (2000: 110) assegura:
Não conscientização se, de sua prática não resulta a ação consciente
dos oprimidos, como classe social explorada, na luta por sua libertação. Por
outro lado, ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo se
conscientizam através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre
a ação anterior e a subseqüente ação no processo daquela luta.
No processo de formação dos movimentos sociais, torna-se fundamental
percebermos o papel das lideranças revolucionárias, que, com o povo, desvela a
realidade e se engaja na luta pela sua transformação. Neste contexto, Freire (2002:
53), defende que a “ação política junto com os oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação
cultural’ para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles”. A comunhão entre
lideranças e massas populares é uma característica essencial da ação cultural para
a libertação, e precisa ser forjada na práxis, através de uma autêntica relação
dialógica, que permita com que os oprimidos, como sujeitos, se conscientizem da
necessidade de lutar por sua libertação, pois, “ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2005).
Este processo de conscientização, a partir de uma pedagogia libertadora, se
fez presente na constituição do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o
MST. O reconhecimento como ser sem terra, como excluído da história, e a
compreensão da razão de ser desta exclusão nascia nos espaços de reflexão e de
manifestação das Comunidades Eclesiais de Base, dos Sindicatos, repletos de
dialogicidade. Nesses espaços, os trabalhadores começaram a se convencer da
necessidade e do direito de lutar pelos direitos que lhes eram negados, da
necessária rebeldia, e começam a ocupar ruas, prédios, terras, territorializando sua
90
luta. Sua rebeldia, como indignação perante a injusta concentração de terras que
lhes roubava sua humanidade, seu direito de ser, foi se transformando, aos poucos,
numa práxis, numa ação radical de denúncia da realidade perversa e de anúncio de
novo projeto de sociedade. Anúncio e denúncia feitos com ousadia, com coragem,
com sonho, com esperança, com luta.
Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de
posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no
processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é o ponto de
partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas o é suficiente. A
rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais
radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A
mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação
desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho
(FREIRE, 2000: 81).
3.10 A escola Paulo Freire nasce da luta pela educação
No contexto das lutas sociais, Freire afirma a importância da educação no
“processo de denúncia da realidade perversa como anúncio da realidade diferente a
nascer da transformação da realidade denunciada” (2000: 90). Destaca a
educabilidade do ser humano, compreendendo-o como inacabado, como ser em
constante processo de criação e recriação de seus saberes, de sua cultura, do
mundo. Para ele, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda (2000: 67).
Freire lutou por uma Pedagogia que possibilitasse a afirmação de direitos
historicamente negados. “O direito de conhecer melhor o que se conhece e o
direito de conhecer aquilo que ainda não se conhece” (2001: 22). Uma Pedagogia
que tome por referência a prática social, a história de vida dos sujeitos com quem
trabalha, seus ‘saberes de experiência feito’, possibilitando com que conheçam
melhor os saberes construídos em sua prática social, e ainda, que ampliem estes
saberes conhecendo o que ainda não sabem.
Freire pondera que partir dos saberes dos educandos não significa ficar neles.
No processo de luta pela conquista da terra, os trabalhadores sem-terra constroem e
reconstroem seus saberes, sua cultura. Nas lutas sociais, um cotidiano
produzindo cultura, educando mulheres e homens que assumiram a tarefa de
91
reinventar o mundo, deixando nele as marcas de suas histórias. todo um
processo educativo que se constrói nas lutas sociais. uma Pedagogia em
marcha, que vai além da escola, na própria história, nas lutas sociais, na prática
produtiva e política (ARROYO, 2000).
Neste contexto, Caldart (2000: 199-200) discute o movimento social como
sujeito educativo. Faz-se bastante categórico:
(...) olhar para a formação dos sem-terra é enxergar o MST também como
um sujeito pedagógico, ou seja, como uma coletividade em movimento que
é educativa, e que atua intencionalmente no processo de formação das
pessoas que a constituem. (...) Trata-se de pensar no movimento social
como princípio educativo, ou seja como base da concepção de educação
construída através da experiência humana de ser do MST, ou de fazer-se
um nome próprio: Sem Terra.
Caldart considera Paulo Freire o Pedagogo que abriu caminho para o diálogo
entre a educação e os movimentos sociais, sobretudo porque:
(...) construiu toda sua reflexão em torno do processo de produção do ser
humano como sujeito, e da potencialidade educativa da condição de
oprimido e do esforço de tentar deixar de sê-lo, o que quer dizer, de tentar
transformar as circunstâncias sociais desta sua condição, engajando-se na
luta pela sua libertação (2000: 204).
Ao mesmo tempo em que Freire reconhece a importância e o potencial
educativo dos movimentos sociais, à medida que nele se engajam mulheres e
homens para refazer o mundo e seres refeitos, reafirma o necessário papel a ser
desempenhado pela educação escolar, na formação humana. Para tanto, a escola
deve estar organicamente vinculada à sociedade, a seu tempo, a seus problemas, à
sua história, bem como desenvolver uma prática político-pedagógica libertadora, que
possibilite a autonomia dos educandos, sua inserção crítica na sociedade. Uma
pedagogia feita com sonho, esperança, utopia, mas também com indignação, com
profundo respeito aos saberes dos educandos, numa relação de autêntico dialogo,
em que educador e educando se educam mediatizados pelo mundo.
Colocar a escola no seu verdadeiro lugar e lutar por ela como um direito foi
uma das lutas fundamentais do MST, aliado à luta pela terra a construção da Escola
Paulo Freire. O MST compreende que, para além de ocupar a terra, é preciso ocupar
a escola, porque como a terra, a escola tem sido um direito negado aos sem-terras.
Além disso, a escola tem negado a história, a cultura, os saberes construídos na
92
experiência social dos sem-terras, depositando, neles, conteúdos vazios, sem
significado e relação com suas vidas. Daí brota a construção do projeto educativo da
escola do campo e no campo.
Quando a vida da escola se integra à vida do Movimento temos, pois, não a
construção de uma nova escola, mas a possibilidade de que a escola seja
mais do que escola, porque será um lugar movido pelos valores de uma
grande luta, uma luta por uma vida por um fio, fio de raiz, de vida inteira, em
todos os sentidos (CALDART, 2000: 248).
Para ajudar a construir essa escola que se articule organicamente com as
lutas, a história, a cultura do povo, o MST busca, em Freire, os fundamentos teórico-
metodológicos para sua práxis. Para Freire, toda prática educativa deve tomar, como
referência, a história, a cultura, o saber de experiência feito’, não para ficar neste
saber, mas para partir dele e superá-lo. Porque ensinar implica criar as
possibilidades para a produção do conhecimento, para a intervenção no mundo.
Neste sentido, a pedagogia de Freire é utópica, esperançosa, e compota a
dialetização da denúncia e do anúncio de nova realidade a ser construída na práxis
revolucionária.
Ocupar a escola acarretou a produzir a “consciência da necessidade de
aprender” (CALDART, 2000: 137), produzir a consciência de que os sem-terras
possuem saberes construídos em sua prática social, necessitando, contudo, saber
mais, para alcançar a própria razão de ser dos fatos.
Neste contexto, ao mesmo tempo em que movimento constrói espaços
formativos que possibilitem ampliar os saberes de seus integrantes, sente a
necessidade de lutar pela escolarização deles, desde a educação infantil, a a
universidade, de modo que possa haver médicos, agrônomos, educadores que
contribuam na viabilidade socioeconômica dos assentamentos. O MST luta para que
o grande contingente de jovens e adultos não alfabetizados e/ou semi-alfabetizados
possam ter acesso ao aprendizado da leitura da palavra articulada à leitura de
mundo. E esta é uma luta não muito cil, pois, há uma resistência por parte dos
próprios sem-terras não alfabetizados e/ou semi-alfabetizados, pois para eles que
carregam as marcas da exclusão, lutar pela escola de seus filhos parece mais
natural do que lutar pelo seu próprio retorno a ela, uma vez que acabaram se
acostumando a se virar com os saberes que a prática social lhes proporcionou. Mais
que isso. Historicamente, o trabalhador da terra desenvolveu atividades que não lhe
93
exigiam estudo, ficou fora da escola muitas vezes para ajudar no trabalho, até
porque estava introjetado na cultura da sociedade de que, para trabalhar na lavoura,
não precisava estudar, ou bastava saber ler e escrever. Além disso, ele não faz
muito uso da leitura e da escrita em seu cotidiano. Nessa linha, podemos observar o
retorno dos adultos na sala de EJA no período noturno da escola.
Neste contexto, o MST, na luta da garantia de políticas públicas voltada à
Educação de jovens e adultos, conseguiu por meio da Secretaria Estadual de
Educação implementar o programa Beija-Flor
21
Programa estadual de EJA
com especificidade ao trabalhador rural somente no ano de 2006. Antes do
Programa de EJA, o movimento buscou construir parcerias com as universidades
visando enfrentar o problema do analfabetismo no assentamento e a falta de
políticas públicas para a educação do/no campo. Surge assim, como fruto da
demanda e da luta do movimento social, o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária – PRONERA, ligado ao Ministério de Políticas Fundiárias e ao
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, assumindo, como
uma de suas primeiras frentes, a Educação de Jovens e Adultos.
21
Ver Matriz Curricular do EJA-Noturno (Beija-Flor) em Anexo H.
Foto 19: Sala do EJA noturno.
94
3.11 A pedagogia de Freire como referencia à prática educativa
Paulo Freire tinha um profundo respeito pela vida do povo. Na sua práxis,
observava a educação nascendo da vida, das lutas, da experiência do povo. E foi
aprendendo com o povo, dialogando com ele, sobretudo com os camponeses, que
Freire sistematizou uma proposta político-pedagógica libertadora. Uma Pedagogia
que nasce da luta, se recria nela e a produz. E é esta Pedagogia que possibilita que
trabalhadores assentados possam aprender a ler e a escrever as palavras, lendo
sua realidade, escrevendo suas vidas, pronunciando o mundo.
Como aponta Arroyo, na apresentação do livro de Caldart (2000), a relação
que o MST estabelece com a educação remete a outros momentos da história.
Vejamos:
Foto 20: Semana Paulo Freire.
O quadro pintado por um educando da série para a Semana “Paulo Freire”. Na imagem ao lado,
educandos apresentando uma mística sobre Freire.
95
Penso em um dos capítulos tão fecundos na história da educação latino-
americana: a educação popular e o pensamento de Paulo Freire. Eles
nasceram colados à terra e foram cultivados em contato estreito com os
camponeses, com suas redes de socialização, de reinvenção da vida e da
cultura. Nasceram percebendo que o povo do campo tem também seu
saber, seus mestres e sua sabedoria (ARROYO, 2000: 14).
Aos educadores e educadoras do movimento que contribuem com este
processo, Paulo Freire deixou um recado, em novembro de 1996: “Vivam por mim, já
que eu não posso viver a alegria de trabalhar com crianças e adultos, que com sua
luta e com sua esperança estão conseguindo ser eles mesmos e elas mesmas”.
(Caderno de Educação, n. 8, 1997).
CAPÍTULO IV
DESVELANDO A ESCOLA PAULO FREIRE: ANÁLISE-COMPREENSIVA
.
Foto 21: Vó Preta e as crianças.
Momento de Memória e Valores — A narra sua história de vida e as crianças
transcrevem no papel.
97
Como vimos nos capítulos anteriores, a construção histórica das práticas
educativas populares dos movimentos sociais do campo emerge das necessidades
de diferentes grupos sociais, fundada na garantia por educação pública.
Com o processo de luta por educação, a educação rural passa a ser
questionada pelos movimentos sociais e se introduz na agenda política educacional
do País, tornando alvo de preocupações dos movimentos sociais que defendem a
educação do/no campo.
O imaginário de que, para viver na roça, o necessidade de amplos
conhecimentos socializados pela escola, foi amplamente discutido pelos movimentos
sociais do campo. Esta concepção de educação rural considera que, para os
trabalhadores do campo, não era importante a formação escolar oferecida às
elites brasileiras.
As "escolinhas rurais"
22
criadas no meio rural, geralmente multisseriadas
23
e
isoladas, diante do contexto são posta em dúvida pelos movimentos sociais quanto à
sua eficácia no processo de ensino-aprendizagem. Some-se a dificuldade de acesso
a essas escolas, de estudantes que passam horas em ônibus, no translado casa-
escola-casa. o vejo como ponto de conflito a metodologia das salas
multisseriadas da escola do campo, mas as condições de isolamento e precariedade
que estudantes e profissionais deparam nas escolas rurais.
Que para Leite (1999: 14):
A educação rural no Brasil, por motivos socioculturais, sempre foi relegada a
planos inferiores e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do
processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação
político-ideológica da oligarquia agrária, conhecida popularmente na
expressão: "gente da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente
da cidade” (grifo nosso).
A educação desenvolvida no meio rural se torna objeto de discussão dos
sujeitos que a compõem, os educadores e camponeses, diferentemente de outros
momentos, em que a educação rural era objeto de discussão dissociada dos sujeitos
22
O termo ‘escolinha’ denota uma escola longe do poder público, a léguas de distância de uma
educação emancipatória. (termo pejorativo, a indicar o atraso econômico, atraso social, todos os tipos
de atraso).
23
Salas multisseriadas são espaços de organização curricular em que os educandos das séries
iniciais compartilham ao mesmo tempo o mesmo espaço no processo de ensino-aprendizagem.
98
sociais que nela atuam. Aentão denominada como educação rural
24
, é então (re)
nominada como educação do campo, pois assim entendem os sujeitos sociais do
MST:
Decidimos utilizar a expressão campo e não mais a usual meio rural, com o
objetivo de incluir no processo (...) uma reflexão sobre o sentido atual do
trabalho camponês e das lutas sociais e culturais que hoje tentam garantir a
sobrevivência deste trabalho (FERNANDES, CERIOLI & CALDART, 2004:
25).
Esta denominação compreende nova concepção do rural, não mais como
lugar de atraso, mas de produção da vida em seus mais variados aspectos: cultural,
social, econômico e político. Compreendem também diferentes povos do campo,
como os indígenas e quilombolas que, na lógica da sociedade capitalista, o são
mencionados por diferirem das práticas capitalistas de produção, como nos informa
o documento da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo:
25
(...) quando discutimos a educação do campo estamos tratando da
educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras
do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as
nações indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à vida
e ao trabalho no meio rural (Idem, ibid.).
Identificados pelas problemáticas vividas, os povos do campo encontram na
Pedagogia Libertadora um dos ancoradouros para a discussão dos processos de
exclusão e empobrecimento crescente dos trabalhadores. Processos que ingressam
na escola, nos seus aspectos organizacionais e didáticos do currículo escolar e
práticas pedagógicas.
Com efeito, defino que, no processo de transformação social, a escola é mais
do que escola, é um espaço aberto de interlocução de vozes e sujeitos. Lê-se um
24
Importa mencionar que a defesa de uma escola rural "voltada a uma vocação" agrária, como
mecanismo de fixação do homem no campo, insere-se na lógica do liberalismo, que mantém
desatreladas as instâncias educação e desenvolvimento como um processo coletivo. Para a doutrina
liberal, as transformações na educação são suficientes, já que compreende que a ascensão social
dos indivíduos varia de acordo com as aptidões de cada um, ou seja, a escola deve oferecer
igualdade de condições de acesso, mas isso o contempla as condições materiais de acesso à
escola, apenas é entendida como oferecimento de vagas para todos. Para estudo da relação
liberalismo e educação, ver Cunha (1991).
25
A I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo se deu em Luziânia, Goiás, de 27 a
31 de julho de 1998, tendo como principal objetivo ajudar a recolocar o rural e a educação que a ele
se vincula, na agenda política do País (FERNANDES, CERIOLI & CALDART, 2004: 22).
99
primeiro indicativo sobre a necessidade de transformar também a escola.
Acompanhemos a reflexão da Educadora Ângela acerca da função da escola no
processo de transformação social:
(...) não foi por acaso que nós nos tornamos Sem Terra, os fatores, o que
é que tem por trás de dos indicativos (...) não para usar essa
expressão, pessoas excluídas da sociedade, mas é o que aconteceu com
nossa gente a tornar-se Sem Terra, alguma coisa tem de errado na
sociedade. (...) Dé que devemos ensinar nossas crianças a entenderem
e compreenderem as questões políticas e econômicas do nosso País. Na
escola que estudei não se comentava nada disso, apenas decorávamos
nomes e datas importantes no calendário da cidade. Minha escola não nos
preparou para lidar com os dilemas da vida (...) Hoje promovemos essa
reflexão também com as crianças, nos debates em sala de aula, nos
grupos de trabalho, nas atividades cotidianas da escola (...)
Questionamos o que é que é se preparar para a vida? O que é que é ser
alguém na vida? Dialogamos com nossos educandos de maneira
problematizadora na direção de uma identidade com a terra, com nossa
luta, independentemente de onde ela esteja ou atue. Seus sentidos
estaram afetados pelo o amor e respeito pela Terra (Entrevista
realizada em 16 de agosto de 2007, no assentamento Antônio
Conselheiro).
Preparar para a vida segundo a Educadora, portanto, perpassa também os
processos formativos desenvolvidos na escola e ultrapassa um sentido individualista,
em que caberia aos sujeitos — educandos e educadores — estabelecer uma relação
de sua formação com a realidade social e econômica local e global. Esse vínculo
adquire, no âmbito da educação popular, um caráter orgânico
26
entre a formação
escolar e inserção social dos sujeitos, que necessitam serem explicitadas no próprio
processo das práticas educativas desenvolvidas.
A educação popular é, portanto, prática política, constituindo um
tencionamento, para que a realidade se transforme a partir de propostas populares
em educação. Como prática educativa coletiva das classes populares, a educação
popular é campo de luta social, em que nos envolvemos num movimento
permanente, buscando a transformação de um quadro histórico-social que a
educação do povo, dos trabalhadores do campo, enfrenta por estar diferentemente
26
Ao passarem por todos os sentidos: olfato, paladar, visão, tato e audição. Ver em ALVES, Rubens
s. A alegria de Ensinar. Ed. Papirus. 2002.
100
colocadas em certos contextos de nossa formação social, em contradição com a
necessidade social e econômica (PAIVA, 1987).
Neste contexto, a educação popular se insere nos movimentos sociais que
tencionam o Estado. O que é possível esperar desta relação de contradições é a
transformação, visto que torna a educação inovadora, apostando que é possível
transformar a realidade, a dominação e a ação do dominador (FREIRE &
NOGUEIRA, 2002).
Freire insistia que não é só na escola que a gente aprende. Como instrumento
social, ela tem tanto contribuído para a manutenção quanto para a transformação
social. A escola para comunidade do assentamento Antônio Conselheiro, a Escola
Paulo Freire, não é lugar para estudar, mas para se encontrar, confrontar-se com
o outro, discutir, fazer política. A escola não pode mudar tudo nem pode mudar a si
mesma sozinha. Ela está intimamente ligada à sociedade. Como instituição social,
ela depende da sociedade, e para mudar, depende também da relação que mantém
com outras escolas, com as famílias, com a sociedade, com a população.
Para Freire, a escola é um lugar especial, um lugar de luta e de esperança.
Por isso, ela precisa ser para todos, e de qualidade.
Nosso olhar, situado na relação histórica da educação do campo/ práticas
pedagógicas, volta-se para o que anunciamos como um diálogo entre a relação do
que identificamos nas práticas pedagógicas que conduzem a emancipação e
autonomia dos sujeitos que estão evidenciados na ação dialógica problematizadora,
na educação como ato político na apropriação dos conhecimentos escolar e não-
escolar como possibilidade de operacionalizar e efetivar os condicionantes históricos
no campo presentes nas práticas curriculares.
Para tanto, tomemos estas práticas pedagógicas como instrumento de
emancipação com referência aos Temas Geradores, nos círculos de cultura proposta
por Freire, no planejamento dialógico à continuidade do diálogo.
Com efeito, as práticas pedagógicas ocorridas no espaço da Escola Paulo
Freire encontram consonância com a pedagogia freireana, ao valorizar as histórias
de vida de seu povo, sua trajetória pessoal e coletiva, partindo do vivido, do
experienciado para, assim, coletivamente, propor a transformação de seus sujeitos.
Experiência é, para o pensamento freireano, mais que uma categoria de
análise. Foi documentando e relatando suas experiências em Educação que Freire
produziu sua obra e imprimiu nela sua profunda convicção de que “a leitura da
101
palavra é sempre precedida da leitura de mundo” (2005). Segundo Molina, ler e
escrever para Freire, são práticas e experiências que ocorrem num mesmo tempo
porque entende que o “ato de conhecer” ocorre em tempos e espaços indissociáveis
do saber.
Assim, o pensamento de Freire, por estar enraizado na profunda indignação
dos educadores e educadoras, diante dos processos desumanizadores vividos pelos
trabalhadores, numa educação do alheamento cultural, do desvencilhamento
histórico que desenraíza o sujeito daquilo que o constitui, é sua identidade cultural.
Encontramos na Escola Paulo Freire uma educação do campo como espaço
do sonho, da práxis emancipadora como inédito-viável. Ao ter como objetivo a
libertação, e para chegar a este fim, caminha no devir emancipatório e autônomo na
direção libertação de pensamento, de atitudes, de consciência e de ação política, em
todas as dimensões.
Paulo Freire imprime pela primeira vez esta palavra/categoria inédito-viável na
Pedagogia do Oprimido:
os temas se encontram encobertos pelas situações- limite que se
apresentam aos homens com se fossem determinantes históricas,
esmagadoras, em face as quais não lhes cabe outra alternativa, senão
adaptar-se. Desta forma, os homens [e mulheres] não chegam a
transcender as situações-limites e a descobrir ou a divisar, mais além delas
e me relação com elas, o inédito-viável (2005:115)
O inédito-viável aqui exposto não é, pois uma simples junção de letras ou
expressão idiomática sem sentido. É uma palavra na acepção freireana mais
rigorosa. Uma palavra-ação, portanto práxis, pois não palavra verdadeira para
Freire que o seja práxis, daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o
mundo (2005: 91).
O inédito-viável nos diz, claramente, que não um lugar do definitivo, do
pronto e acabado. Para Nita Freire, o inédito-viável se nutre na inconclusão humana,
não tem fim, um termo definitivo de chegada (STRECK, D. 2008: 233). Nesse
sentido compreendemos que o projeto educativo da Escola se encontra nesse vir-a-
ser, na dinâmica do sonho coletivo que se faz construído e reconstruído na
realização utópica da esperança que o mantém viva nos sujeitos o desejo da
emancipação e libertação.
102
A Escola, na produção de uma práxis realmente libertadora em nossa
contemporaneidade, volta-se em suas práticas à sua própria temporalidade, situando
no tempo dos sujeitos que a constitui, percebendo e refletindo se estão com eles,
sobre eles, ou acima deles, para então almejar alcançar, em contraste com a
educação bancária formal disponível aos campesinos, a criação dialógica de outra
educação possível:
Uma educação de resistência, que não aceita a exploração
continuada dos subalternos ou outros pretextos escusos. Uma educação
‘para a autonomia e para a capacidade de dirigir’ ou, como defendia
Gramsci, para a ‘contra-hegemonia dos subalternos’. Uma educação para
formar cidadãos plenos e não uma educação que, além de milhares de
alunos sumariamente expulsos (ou se acesso efetivo) da escola, continua a
formar subcidadãos de segunda, terceira, quarta.... classes. Uma ‘educação
cidadã’, que combate o cinismo liberal globalizado- co-responsável pela
miséria e pela catástrofe social dos nossos dias. Uma Educação que ‘não
sendo fazedora de tudo é um fator fundamental na reinvenção do mundo’
(SCOCUGLIA, In: STRECK (Org.) 2005: 45).
A descrição densa da temporalidade dos sujeitos da pesquisa evidenciou uma
escola problematizadora com a resistência impugnadora dos oprimidos em
transitividade.
É importante ultrapassar o ouvir e registrar denúncias da educação rural, que
traziam consigo todas as mazelas de marginalização sociocultural. Ultrapassar não
para deixar de lado, mas para adicionar outras dimensões libertárias, muito
enfatizadas pelo MST contra a opressão que os homens e mulheres do campo
sofrem e desenvolvem nos denunciantes, não apenas as boas notícias advindas de
sua emancipação e autonomia, mas também a devolução do resgate de sua
identidade em suas próprias temporalidades, a partir da práxis
27
emancipatória. A
escola, ao problematizar questões emergentes, promove um escutar mais do que
ouvir as denúncias, realiza uma reflexão comprometida com o vivido dos oprimidos,
assim como Ana Maria Araújo Freire comentou:
27
Trata-se de um conceito básico que perpassa toda a obra de Paulo Freire. É indissociável do
pensamento, da análise e da compreensão do papel da educação na sua globalidade. Está
intimamente ligado aos conceitos de dialogicidade, a-reflexão, autonomia, educação libertadora,
docência. E perpassa muitos outros, pois a sua obra é impensável sem a relação estreita que se
estabelece entre a teoria, no seu sentido originário entre os gregos, e a prática educativa, entendendo
todo o ato do educador como educativo. Práxis pode ser compreendida como estreita relação que se
estabelece entre um modo de interpretar a realidade e a vida e a conseqüente prática que decorre
desta compreensão levando a uma ação transformadora (DICIONÁRIO PAULO FREIRE, 2008: 332).
103
Escutar o outro, escutar o povo o é ouvir os sons emitidos. É
ouvir a voz de dor e das necessidades, reconhecê-la, entendê-la,
compartilhá-la e devolvê-la, sistematizada pela reflexão rigorosa e
dialeticamente comprometida com o povo (FREIRE, In: STRECK (Org.)
2005: 147).
O acorrentamento aos tempos da educação rural precisa ser destruído pela
ruptura engajada da resistência proposta pelos movimentos sociais do campo. E
neste campo de resistência, a Escola nos apresenta a possibilidade de uma práxis
transformadora, enraizada de marchas e lutas. Na intencionalidade de uma
desalienação temporal bem observada por Passos:
Para Merleau-Ponty estamos, rigorosamente, acorrentados no
tempo. Mas, a facticidade de nossa existência não nos aliena, ao contrário,
nos engaja. Oportuniza a vivência engajada, contingente e livre, para
ultrapassar-nos a nós mesmos. Trata-se da pró-vocação para o ato da
liberdade. Um tempo nos precedeu – é verdade - e nos colocou em situação
e temporalidade, assumi-la, contestá-la, defini-la constitui a possibilidade de
criar nosso rosto, dado que a essência de um homem/mulher não precede a
existência deste mesmo homem/mulher (PASSOS, 2003: 192).
Todavia, a percepção destas relações é, em si mesma, uma aprendizagem a
ser construída, pois requer tanto a (trans)formação do olhar sobre o cotidianamente
vivido quanto a assunção de uma postura de humildade que conceba a natureza de
incompletude dos processos educativos, também como um desafio à autoformação.
A Escola Paulo Freire: uma práxis pedagógica emancipatória?
Discutir a possibilidade emancipatória pelas as práticas educativas da escola
Paulo Freire, a partir de um recorte dos sujeitos sociais que a compõem, possibilita-
nos compreender as relações pedagógicas que foram erguidas e permeadas sob o
alicerce do projeto educativo do MST, na direção da emancipação e autonomia de
seu povo.
Para Freire dizer a palavra é definir seu lugar na história. Nesse contexto,
assumimos a práxis na dimensão histórica que busca compreender o homem e o
104
mundo em permanente processo de transformação. A ação do homem sobre o
mundo a partir da sua compreensão origina uma forma de ser intrinsecamente ligada
ao pensar.
A práxis torna-se um produto-movimento grifo nosso, é mais que um
produto acabado, mas algo que se encontrar no devir sócio-histórico próprio do
homem consciente que se faz da sua presença no mundo uma forma de agir sobre o
mesmo. Supera-se a práxis com uma aplicação ao método dialético, ao ultrapassar a
visão tradicional de Aristóteles que a designava como sendo o oposto à teoria, e a
caracterizava como sendo uma atividade ou uma ação (STRECK, D. 2008: 332).
A tradição educacional "bancária", para situarmos uma referência teórico-
prática, crítica à escolarização, torna-se aqui um âmbito de reflexão sobre
proposições construídas por Freire, ao provocar muitos debates e proposições
políticos educacionais na escola Paulo Freire. Principalmente por brotar do sonho
dos militantes do MST, ao adotar a Pedagogia do Movimento como referência à
superação da prática pedagógica verticalizadora, negadora da prática educativa
dialógica: "Educa-se para arquivar o que se deposita" (FREIRE, 2005); "arquivados,
porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser" (Idem, 2005).
Neste sentido, a proximidade com as questões presentes na ação pedagógica
se tornou possibilidade de compreensão de um espaço de "recriação" e
"reelaboração" como prática, a partir da totalidade educativa.
Na composição que apresento como possibilidade emancipatória das práticas
educativas que constituem o projeto educativo da Escola Paulo Freire, aponto as
seguintes tramas deste emancipatório: a organização do currículo por temas
geradores, a prática dialógica, o envolvimento da comunidade, participação dos
educandos, o sentimento de pertença à terra e à escola, a escola como extensão da
vida.
O diálogo permeou todos os momentos e níveis de reflexão que realizei na
escola pesquisada. A participação de todos foi grande, caracterizando outra
interessante faceta de um currículo emancipatório. Destaca-se o comprometimento
com o seu lugar, a pertinência à comunidade, a possibilidade de agir sobre uma
realidade concreta que deu vida ao projeto político-pedagógico do curso.
No seu núcleo o projeto educativo da escola traz a dimensão de criticidade
que possibilita a inserção crítica na realidade e a apreensão de suas contradições. O
105
conhecimento assim construído é criativo, crítico e emancipador. A essas dimensões
de criticidade e participação acrescenta-se a politicidade de seus sujeitos.
A organização do trabalho pedagógico por Temas Geradores foi passo
importante como ponto de partida na organização curricular da escola, a fim de obter
uma linha condutora coesa de uma prática problematizadora no espaço escolar. Os
temas geradores atuavam como orientação às práticas empreendidas pela escola
situada no princípio político-pedagógico do MST Caderno de Educação, n. 9,
1999 — iniciativas de programas de formação de professores do campo, como
outras que buscam superar os limites do modo como o currículo escolar se organiza
e se constitui historicamente na escola, pelas divisões das tarefas entre os
educadores, percebida a compartimentalização dos conhecimentos, como as
habilidades em matérias ensinadas nas escolas (ENGUITA, 1989).
A opção por organizarem o currículo a partir de Temas Geradores nasceu e
se desenvolveu numa reflexão experienciada pelo MST, que compreende a
educação e a escola como parte de um projeto de enraizamento
28
e o próprio
movimento como sujeito educativo. Sem correr o risco de lançar-se apenas por ser
uma forma diferenciada de organização.
Segundo o Adilson de Jesus, educador do assentamento:
a escolha por organizar o currículo da escola por temas gerados estava
na participação coletiva e não apenas restritas ao planejamento
curricular proposto de maneira fechada pelos professores, mas também
aos elementos didático-metodológicos, que são dimensões sócio-
educativas situadas na dinâmica permanente da decisão do ensino e da
aprendizagem (Diário de campo, Junho/2004).
Portanto, desde a organização curricular, as práticas educativas que ocorrem
na escola são de escolhas em que a comunidade, os educadores, educandos se
tomam como mobilizadoras sobre sua própria construção curricular, como um
"processo em constante construção, que se faz e se refaz (...) como um caminho
onde a participação dos actores que interagem no processo educativo é condição da
sua construção" (SAUL, 1998, p. 155).
28
WEILL, S.l - Em texto intitulado O desenraizamento, escrito em 1943, e que pode ser encontrado
em BOSI, Ecléa. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
106
Observamos que, nesta prática, quanto à preocupação com a discussão do
tema pela comunidade não cabe somente aos educadores a decisão preponderante,
mas à instância coletiva, o que, de antemão, implica a compreensão de que a
temática a ser estudada deve estar organicamente vinculada às problemáticas
vividas pela comunidade na luta do movimento. Os temas aprovados nas plenárias
29
recebem, posteriormente, ao retornarem para escola, um tratamento de organização
pedagógica, pelo qual são definidas as questões sul-eadoras: qual é a escola que
queremos? Como fazer a escola que queremos? De que escola estamos falando?
As prerrogativas acima são compreendidas como uma parte do tema gerador
componente do currículo escolar. A organização curricular é desencadeada a partir
do tema gerador, pelo qual os conteúdos e os tempos pedagógicos serão definidos.
As aulas são de responsabilidade dos educadores. Portanto, para que esse
processo seja efetivado, os educadores e educandos participam ativamente de
todas as instâncias de debate, como mediadores, integrante fundamentais do
processo e não como definidor.
Compreender a escola por organizar-se com tal pressuposto, remete-nos à
discussão de como está arraigada, na organização do ensino, uma concepção de
educação libertadora de que tal concepção se encontra implicada na seleção dos
próprios conhecimentos, dos saberes e fazeres, e nos conteúdos escolares.
Nesta concepção, a prática dialógica, que inaugura a relação pedagógica
entre educadores-educandos-comunidade, como antecipadora do encontro ou da
situação problematizadora da educação, irá situar a busca pelo conteúdo
programático, ou o conteúdo do diálogo. É uma opção curricular que não parte de
um programa fechado, preestabelecido numa organização de pré-requisitos, na qual
os conhecimentos e valores se manifestam com "existência autônoma", mas que
"dependem, para realizar-se, de humanos que os elaborem, atribuindo-lhes
significados e dando-lhes suporte de manifestação" (CORTELLA, 2004: 47).
Neste sentido, esta concepção de educação, como prática de liberdade,
importa que
(...) a sua dialogicidade comece, não quando o educador-educando se
encontra com os educandos-educadores em uma situação pedagógica, mas
29
Constituída por todos os atores sociais da comunidade escolar: pais, educadores, educandos e
comunidade escolar.
107
antes, quando aquele se pergunta em torno de que vai dialogar com estes.
Essa inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno
do conteúdo programático da educação (FREIRE, 2005: 96).
Trata-se de concepção pedagógica que apresenta uma direção de caráter
histórico-social à inserção dos sujeitos e suas realidades dinâmicas, o que se
relaciona diretamente com as escolhas autônomas que a escola construiu na
efetivação de seu currículo. Currículo é, na acepção freireana, a política, a teoria e a
prática do que-fazer na educação, no espaço escolar e nas ações que acontecem
fora desse espaço, numa perspectiva crítico- transformadora. Nessa trilha o projeto
educativo é significado e ressignificado nos debates, das divergências, nas
ambigüidades presente nas relações humanas.
Quanto à experiência de participar com os sujeitos sociais envolvidos no
processo, compreendemos que a escola que desejam implica numa opção político-
pedagógica e, tomada essa posição, constroem coletivamente esta escola no
diálogo com educadores que irão subsidiar, teórico-metodologicamente, essa opção.
A construção de uma "escola do campo" passa necessariamente pela construção
coletiva, na qual a dialogicidade é o elã que permitirá que ela seja edificada.
Para Antônio & Lucini (2007), a conjunção entre o sujeito que educa-aprende
e o sujeito que aprende-educa, considerando-se o próprio movimento social como
sujeito que também educa, situa-os numa prática compartilhada por processos de
emancipação que devem ser postas em ação coletivamente e em interações
culturais cada vez menos assimétricas. Por isso mesmo, essa prática está a
comportar isto:
Educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da
dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado
do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade
ausente dos homens (FREIRE, 2005: 81).
Evidencia-nos que o trabalho coletivo da comunidade escolar Paulo Freire
caminha numa razão social e pedagógica de construir a prática educativa libertadora
através da mediatização das experiências do Movimento sem Terra, que tem a
escola como espaço aberto de interlocução e debate.
Durante o primeiro semestre letivo, educadores e educandos debateram os
problemas enfrentados pela comunidade escolar, em encontros mensais. Desses
encontros são escolhidos temas a serem problematizados conjuntamente com a
108
comunidade do assentamento, militantes do MST e associações para a realização
da “Semana Paulo Freire”.
Como passamos a descrever, a Semana Paulo Freire é organizada pela
Escola, conjuntamente com a comunidade escolar. Movimentou-se em debates,
plenárias, palestras, místicas, vídeos, e grupos de discussão e sistematização. As
temáticas de problematização surgem nos minifóruns que se deram durante o
bimestre letivo, resultado destes encontros com educadores e educandos, daí
emergindo os temas para o encontro.
No inicio do encontro, são apresentados os temas e, posteriormente, feita a
inscrição para a participação dos grupos. Os grupos foram divididos na seguinte
temática: 1
) A comunidade
; 2)
A educação
; 3)
A solidariedade
e o 4)
A
política
.
Saliento que as crianças, jovens, pais, militantes sociais, comunidade em
geral, todos envolvidos na comunidade foram convidados a participar deste
momento na escola. Por esse motivo, nas imagens das fotografias é possível ver a
participação de crianças, educandos com seus pais nos grupo e na plenária
(momento de sistematização dos grupos).
O momento da culminância é ponto da partilha em que cada grupo organiza
seus apontamentos. Para iniciar os trabalhos, jovens do ensino médio realizam uma
mística sobre a importância da participação e do diálogo no exercício da cidadania.
Após a apresentação dos grupos na plenária, sistematizaram uma carta
aberta a ser enviada ao poder público local e estadual e a todos os interessados,
com a finalidade de expor e exigir melhores condições físicas da escola para a
comunidade.
Quanto à possibilidade emancipatória desse processo, ressalto que a
participação e o envolvimento de todos os sujeitos na construção da educação que
eles almejam, perfazem a emancipação, ao tempo em que promovem a mudança de
atitudes individuais e coletivas. Isso podemos observar nos quadros que seguem,
com as respectivas imagens:
109
Grupo 1:
A Comunidade
: Como está nosso assentamento? E nosso
transporte? E as estradas? Saúde pública, nosso posto de saúde, em que condições
se encontram? Quais os tipos de lazer e esportes que temos?
Observa-se na fala do menino o que ele compreende por comunidade, o
sentido que o termo comunidade tem para ela. A compreensão do que venha a ser
comunidade para o menino envolve todos os elementos que a compõem:natureza,
animais e pessoas. Apenas como acréscimo, lembro-me de uma outra criança
Weslaine, filha do educador Adilson de Jesus que ao aguar as hortaliças de sua
Foto 22: A sala de interação grupo 1 – a comunidade.
Cachorro e o menino: O menino indicado na
imagem acima e ao lado, é filho do Educador
Sérgio e sua companheira. A criança e a mãe
participavam do grupo de problematização à
Comunidade, quando, no início da organização
do grupo, seu cachorrinho entrou na sala.
Rapidamente, a professora indicada acima
solicitou que o dono do cachorro o retirasse
da sala. Mais do que rápido, o menino
respondeu à professora dizendo que o
cachorro fazia parte da comunidade, então ele
teria que participar também.
a educadora
O menino
110
casa conversa comigo e me respondeu da seguinte maneira sobre seu
entendimento de democracia:
Minha professora na escola diz igualzinho meu pai nas reuniões do
movimento, aprende a democracia a exercendo, por isso que acredito nela,
pois aprendi democracia em casa a exercendo- a escola é apenas
continuidade dela (WESLAINE, 12 anos).
Grupo 2:
A Educação
: Que educação queremos? Como está nossa escola?
E a educação nacional, quais o as politicas para a educação do campo? Nós
estamos incluidos nelas? E os recursos finaceiros? A escola de nosso assentamento
prepara as crianças para a luta? A escola está participando da luta dos assentados?
A escola está preparando as crianças para a vida? Quais são as qualidades e o que
devemos melhorar em nossa escola?
Educadora
Ângela
: A memória de Freire
VIVE entre nós; Vive em nossa
Resistência, viva na nossa luta, vive aqui
na Escola. Fazemos questão de mantê-
la Viva, pois buscamos na pratica diária
viver a nossa Pedagogia.
Foto 23: A sala de interação grupo 2 a
educação.
111
Gupo 3:
A Solidariedade
: Como está nossa Luta? Todos os assentados
estão conseguindo se manter na terra? Como a escola pode ser parceira na
produção do assentamento?
Foto 24: A sala de interação grupo 3 a
solidariedade.
As imagens acima são do grupo Solidariedade,
constando com a participação dos pais, educandos,
educadores, comunidade em geral e religiosos.
112
Grupo 4: A Política: Qual a política para os homens e mulheres do campo?
Quais os ganhos de nossa luta? Quais são as marchas? Previdência social e a
aposentadoria? A estadualização da Escola Paulo Freire? (Estadualização
30
da
escola ocorreu a partir de um plebiscito que envolveu a todos da comunidade, por
isso é proposta a reflexão sobre o tema).
30
Ver em Anexo I os Documentos do Processo de Estadualização da Escola.
Foto 25: A sala de interação grupo 4
a política.
As imagens acima são do grupo
Política. Contou com a participação da
comunidade escola, educandos
educadores, comunidade em geral.
113
Momento de culminância: a plenária
Para iniciar o momento da plenária, o grupo do ensino médio prepara uma
mística convidando a todos os participantes do evento para o diálogo, como
exercício da cidadania.
Salientamos que a plenária, como culminância das discussões realizadas nos
grupos, tem a finalidade de sistematização e encaminhamento ao poder público com
reivindicação. A participação da comunidade escolar possibilita ampliação das
discussões.
A Semana Paulo Freire’, realizada pela Escola em parceria com os dirigentes
do MST, associações, igrejas, é umas das muitas práxis educativas que amplia e
repõe a emancipação e a autonomia no papel político da escola.
Foto 26: A plenária – momento de culminância.
114
Dialogando com o Menino-Terra
No segundo encontro dos professores e acadêmicos da Unemat ao
assentamento, chegamos num dia que anunciava, com o vento e o bailar das folhas
das árvores, que viria chuva, água o esperada por todos. Era final de setembro e
início da primavera.
Com o anúncio das águas, os pés de cajú e manga agradeciam à mãe água
com frutos saborosos. A criançada brincava correndo na chuva, cantarolando de
alegria pelo início da primavera. Chegada na hora da colheita e do plantio. Após
uma noite chuvosa, as estradas do assentamento ficaram todas empossadas, muitos
atoleiros. O ônibus que fazia o transporte das crianças atolou a uns dois quilômetros,
WANDERSOM: “A Terra é minha Mãe- Ela é minha AMIGA!
Foto 27: O menino-terra
115
antes de chegar na escola. Eu que aguardava na escola a chegada das crianças
observava que o atraso estava fora do comum. Foi quando avistei, ao longe, um
grupo de educandos e educadores caminhando e cantarolando até chegarem à
escola.
Na entrada da escola há uma torneira para que os educandos, comunidade,
pais, professores, quando entram no espaço escolar, possam lavar os s, o rosto
ou dar água aos animais.
Eis que algo novo estava para acontecer. Em meio à animação de
conseguirem chegar à escola, em meio àquele alvoroço, havia um menino albino,
Wanderson, que, por haver ajudado os colegas a descer do ônibus, estava coberto
de lama quase até à cintura e braços. Apenas algumas partes de seu corpinho
albino podíamos ver. Neste momento, interpelei-o:
Janaina: Ei, menino, vá a torneira e limpe toda essa sujeira!
A isso aquele pequeno corpo de oito anos respondeu:
Wanderson: Não estou sujo!
Janaina: Perguntei: mas como você não está? Olhe para você, seus colegas estão
todos se limpando na torneira!
Janaina: Foi então uma das minhas mais significativas aprendizagens, senão a
maior, ocorreu, quando o menino-terra respondeu-me.
Wanderson: Não estou sujo, estaria sujo se estive coberto de outra coisa. A
terra é minha amiga, ela é a mãe. Quando estou coberto por ela, apenas estou um
pouco mais perto de minha amiga e mãe. Continuou: é engano as pessoas pensarem
que, porque somos do campo, somos sujos, falamos errado, ou temos dentes
estragados. Isso é porque aqui no campo tudo é muito sofrido. Não temos médico
para cuidar dos dentes, trabalhamos antes do sol nascer até ir iluminar outras
crianças em outra parte que não sei aonde deste planeta imenso. Pois então,
116
estaria sujo se não estivesse coberto por terra. (depoimento feito em 25 de
setembro de 2003, no assentamento Antônio Conselheiro)
Por alguns instantes pensei que não havia mais ar (oxigênio) no planeta.
Parecia que aquele burburinhar de crianças, jovens, adultos deixava de existir.
Naquele momento, tive a impressão de que todos silenciavam, apenas aquele
corpinho falava. Suas palavras tocaram não somente meus mpanos, mas
profundamente minha alma. Alma confusa de tanta admiração e respeito. Nunca, em
minha vida, havia vivenciado tal demonstração de amor, compaixão, solidariedade
pela terra. A matéria nos lábios e saliva daquele menino se consubstanciavam como
algo espiritual, a ancestralidade de seus antepassados presentes em sua vida. A
percepção de que novo caminho se apresentava a mim, nova trilha teria que traçar.
O menino Wanderson me ensinou aos seus oito anos de vida, educando da 2º série
do ensino fundamental, uma valiosa e essencial lição: “A cidadania planetária vem
de dentro, do coração e da mente, da ligação profunda com ae-Terra.” (MOACIR
GADOTTI, 2000).
Pela primeira vez, senti a terra viva, única. Pela primeira vez, pensei numa
única nação e num único povo. Comecei a me reconhecer como cidadã do planeta.
Na penúltima visita ao assentamento, após horas de bate-papo com
Wanderson e seus colegas, perguntei a ele se pensava, um dia, sair do
assentamento, da Terra. Assim me respondeu:
Wanderson: Não, sair da terra assim não. Eu posso até sair do assentamento e ir
para Tangará jogar bola, ser um grande jogador de futebol, só que a terra estará
sempre na minha vida, Ela faz parte de mim, levarei comigo todos os
ensinamentos que aprendi por aqui, e mais, vou buscar falar dela, quem sabe
ensinar as outras pessoas a ter mais respeito por ela. Ela é nossa mãe e nossa
amiga.
Observei que o menino-terra tem clareza de sua ligação profunda com a terra.
Acredito que Escola o orientou a olhar na perspectiva do respeito, da compaixão e
de outros saberes, que não é possível construir uma sociedade justa sem a
denúncia das injustiças sociais e planetária.
117
Dialogando com a educadora popular Ângela
Para a educadora Ângela, todo o ensino deve ter como principio a prática:
Não adianta ficar repassando conteúdos no quadro, do caderno do
professor para o caderno/ cabeça do aluno. A criança não sabe para que
serve. Apenas copia, reproduz e decora. Gasta-se tempo, caderno e vida
ÂNGELA: Falar da Escola Paulo Freire é falar de compromisso com
a transformação social.
Foto 28: Educadora Popular – O Compromisso está em nossa alma, é nossa luta.
118
em vão. Tenho buscado ensinar pela experiência vivida das crianças.
Experiência da organização, experiência de relacionamento com os
outros. Os questionamentos dão origem a novas perguntas. As novas
descobertas. Os novos caminhos vão se apresentando (Ângela).
Para a educadora, a prática educativa emancipatória somente é possível se
for praticada. Os problemas enfrentados dão novo sabor, aroma e paladar de uma
prática educativa que privilegie o ensino sempre a partir da realidade vivida,
experenciada pela criança na Escola.
Assim como ocorreu com a Educadora, acreditamos que refletir sobre essa
realidade vivida é tarefa contínua e coletiva, que se inicia nos espaços escolares e
se estende às agrovilas do assentamento. O resultado de algumas reflexões tem
ajudado no direcionamento das ações na escola e do assentamento. Transformar a
realidade é um dos compromissos da escola. O compromisso com a mudança
social, com o que dizem e o que fazer sobre eles (sem-terras).
Nessa linha, continua a expender seu pensamento a educação popular:
Nossa prática educativa de mudança da realidade social se implica diretamente com
o grau de evolvimento e comprometimento político que temos com a causa. É a
minha própria existência como educadora.
Freire ilumina a fala da educadora da seguinte forma: Impedidos de atuar, de
refletir, os homens encontram-se profundamente feridos em si mesmo, como seres
do compromisso. Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para
humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história. (FREIRE,
2007: 18).
Freire continua a nos iluminar:
O Compromisso, próprio da existência humana, existe no engajamento
com a realidade, e cujas “águas” os homens verdadeiramente
comprometidos ficam “molhados”, ensopados. Somente assim o
compromisso é verdadeiramente. (...) O verdadeiro compromisso é a
solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso
solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram
convertidos em “coisas” (p.19. 2007).
Este o verdadeiro compromisso com que nos alerta a educadora quando
expõe as perspectivas da escola do local para global, e vice-versa. Da realidade
vivida pelo coletivo da Escola não é tudo. Afirma a
Educadora Popular:
119
Existem outras realidades que precisamos conhecer. A história dos
quilombos, a histórias dos favelados, a histórias dos trabalhadores no
Brasil, etc. Histórias que necessitam serem recontadas e reaprendidas.
Pois mudamos nossa história quando a conhecemos em profundidade. É
preciso relacionar a história do assentamento com a luta pela terra em
todo Brasil. É preciso ligar a morte de nossos companheiros e
companheiras de luta, de fome, no acampamento, com a situação de
exploração de todos os trabalhadores. Precisamos ligar o que acontece
aqui no assentamento com os saberes acumulados de todo o mundo. A
lição maior como educadora que tenho de Freire é sua preocupação com o
social. A busca de alternativas e propostas que devem ser uma constante
em nosso dia-a-dia, no sentido de resgatar o homem”, o “cidadão” e o
“trabalhador” da alienação de seu “ser”, de seu exercício de cidadania e
de sua dignidade. Essa busca é minha também, individual e com os
educandos.
A educadora popular, no entanto, associa a trajetória de luta aos
conhecimentos necessários desenvolvidos pela escola. Nessa perspectiva,
corrobora Casali (2005):
o distanciamento da Escola com relação à Cultura corresponde a seu
distanciamento da vida, em seus mais genuínos movimentos de criação,
reprodução e, mais especificamente, desenvolvimento. Suponho que não
seja difícil concordar que a Escola é uma instituição que se ocupa (deveria
ocupar) especificamente do desenvolvimento humano (2005).
Com efeito, este distanciamento é enfaticamente minimizado pela escola ao
legitimar, nas práxis educativas, a valorização da escola como lugar de
integralização, de movimento tanto no aspecto cognitivo como social.
120
Dialogando com o educador da terra, Adilson de Jesus
Adilson de Jesus: Ser educador na Escola Paulo Freire significa
promover a esperança diariamente
Foto 29: Educador da terra e sua família.
Na imagem acima, Antonio e Adílson. Ao lado, eu e Adílson de Jesus. Na foto abaixo,
Weslaine, Vó Preta, Aparecida e Adílson de Jesus.
121
Uma história não muito distante, Adilson de Jesus o educador da terra. O
educador, ex-acampado, militante do MST, pertencente desde do surgimento da
escola até o presente momento, um dos primeiros educadores da Escola Paulo
Freire nos diz:
há pessoas que não parecem brasileiros, pessoas que estão longe da
cidadania, pessoas sem tria, pessoas Sem Terra. Quando conseguem a
Terra passam a lutarem pela permanência nela. Permanência com saúde,
educação, condições de moradia, infra-estrutura, etc. São tantas
ausências que dói até de comentá-las. Ausências do poder público,
ausência da Constituição da República Federativa do Brasil.
Dentre as ausências apresentadas pelo Educador, acredito que complexa é a
ausência de uma política pública que tenha como foco um projeto de
desenvolvimento agrário que atenda às reais necessidades do homem e mulher do
campo.
O educador da terra acredita na possibilidade de uma educação libertadora.
Tenho como eixo sul-eador a educação do campo na centralidade dessa
educação como prática da liberdade e como processo de libertação. Condição
construída na dimensão emancipatória que compreende como ato político a ação
dos sujeitos envolvidos nela.
A educação rural, pensada e planejada em gabinetes de secretarias, que
vêem o campo ou o concebem como lugar atrasado, sem vida, sem respeitar os
valores e histórias destas pessoas, desconsiderando suas trajetórias de vida.
Seguindo a lógica apresentada, não haveria necessidade de políticas públicas
específicas para essas pessoas, a não ser do tipo compensatório à sua própria
condição de inferioridade.
A educação do campo defendida pela Escola Paulo Freire, pelos sujeitos que
a constituem, encontra-se pautada nos princípios freireanos que o MST qualifica em
suas marcha, um Freire vivo em suas ações.
Janaina: Por que alguns projetos não dão continuidade? É falta de interesse? Se
for, de quem?
122
Educador da Terra: convido a todos a conhecer um assentamento, um
acampamento, nossa escola. Sem sombra de dúvidas, encontrarão excelentes
espaços de comunhão e partilha. Porém, infelizmente encontraram em muitas
escolas de assentamentos bons projetos parados, estagnados por falta de apoio
político e pedagógico, do Estado.
Janaina: O que significa dizer que a Escola tem um projeto educativo
diferenciado?
Educador da Terra: Mudar e (ou) transformar a história da dominação exercida
pelos opressores historicamente, por meio da educação, é uma das grandes
tarefas dos educadores e educadoras do campo. Mudar a realidade exposta é um
processo pelo qual os próprios sujeitos da transformação e na luta possibilitaram
isso. Daí as dificuldades enfrentadas por quem ousa propor e vivencia uma
educação oposta aos moldes da dominação, ou seja, uma educação diferente.
Quando dizemos educação diferente, acreditamos estar falando de um modelo
educativo no qual a educação se organiza, cria moldes no intuito de construir e
ressignificar a hegemonia do projeto político-pedagógico da classe trabalhadora,
visando, por meio da prática, o fortalecimento do poder popular, ou seja, uma
educação que desvele seu compromisso em desenvolver a consciência de classe e
a consciência revolucionária, tanto nos educandos como nos educadores. Acredito
que estamos caminhando nessa direção.
Welgerson, o filho do educador da terra chegou quando ainda conversávamos
sobre questões do assentamento, da escola. Comentou:
A nossa escola nos ensina a ler, escrever e a calcular a partir de nossa
realidade. Meus pais contam como foram divididos os lotes, como as
verduras e produtos são negociados na feira. De como alguns
atravessadores desvalorizam o produto do nosso trabalho. Eu gosto de
estudar assim a partir de nossa história, me sinto mais forte para lutar,
para continuar a caminhada de meu pai (WELGERSON, 14 anos).
123
O educador da terra interrompe o filho e diz:
Buscamos uma educação aberta para o novo, aberta para entender e para
ajudar as novas relações sociais e interpessoais que vão surgindo dos
processos políticos e econômicos de forma ampla. Que cria relação de
consciência libertadora, que desaliene o povo brasileiro, despertando-o
para a necessidade de revolucionar o sistema de produção do mundo. A
educação que estamos defendendo, aqui, busca garantir, na prática, os
direitos populares expressos na nossa Constituição. Para fazer essas
mudanças, as reformas não são suficientes, é preciso fazer a revolução
chegar a tal, a educação é peça fundamental, e o sistema que buscamos
combater tem consciência disso e, por este motivo, dificulta o quanto
pode o acesso da classe trabalhadora e, mais ainda, dos camponeses, a
uma educação de qualidade. Pois a história do povo camponês registra
grandes revoluções.
O educador Adilson de Jesus se pergunta e indaga: se a educação é direito
de todos, dever do Estado, por que este direito ainda é negado a muitos?
Estamos vivendo, um projeto elaborado pelas elites do nosso país, sob a
influência do Capital internacional. Ou seja, estamos sob domínios
externos e internos e a educação tem seu papel nesse sistema
excludente, que é formar seres humanos alienados, funcionando com um
instrumento do Estado. O sistema capitalista é reacionário e trabalha
com medidas paliativas e assistencialistas que apenas mediam a questão
social e propagandeiam a gica capitalista dentro de uma visão
camuflada e alienante. Essa história nos trabalhamos com as nossas
crianças, e com meus filhos, para que saibam da verdadeira história. A
história do oprimido. Nossa luta aqui na escola é promover e aprofundar
esse debate. É o nosso dever de militante, de trabalhador que conhece a
dominação e luta contra a manutenção dela (Educador da terra).
Neste contexto, podemos observar, na fala do educador, que a luta por uma
educação do campo, deverá ser pensada e organizada pelos sujeitos do campo,
pautada numa proposta pedagógica libertadora que preparar cidadãos com
condições para exercer com dignidade seu trabalho.
Conscientes de seus direitos, fomentam o debate, realizam fóruns, encontros
para divulgar e adquirir força política e a adesão na fazer pedagógico. Com isso,
consegue alguns avanços, embora ainda muito distante do que se pretende, mas
caminhando em direção ao projeto gestado.
124
Como mérito e avanço significativo dos movimentos sociais na conquista da
educação do campo, o educador da terra aponta a aprovação das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (RESOLUÇÃO
CNE/CEB Nº1 DE 3 DE ABRIL DE 2002), que define no art 2º, parágrafo único:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação as
questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros
na rede de ciências e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos
socais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas
questões à qualidade social da ida coletiva no país (DIRETRIZES
OPERACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO
CAMPO, 2002: 37).
Segundo o educador, a luta pela homologação das Diretrizes está concluída,
agora a luta é pela implementação, ou seja, sair do papel e ocupar os espaços que
lhe são de direito. Pois divorciar o homem da terra, da sua Luta, de sua trajetória de
vida é um atentado contra nossa própria existência.
Janaina: Como fica agora, após esse tempo de experiência coletiva de
educação?
Educador da terra: Penso que o ato de estudar é uma das tarefas mais
nobres para a militância de um movimento social, pois potencializa a luta
,
garantindo maior avanço contra a conjuntura que a cada momento nos desafia.
Isso nos anima e nos ajuda a superar os limites que nos é imposto pelo sistema. O
que fica é o que conseguimos construir juntos.
Educadora Popular: Pensar a educação no assentamento é propor ações
revolucionárias, pois é uma estratégia de possibilitar que as pessoas se libertem
das correntes que o prendem: correntes da ignorância, da obediência, da falta de
auto-estima, da desunião, da desconfiança, do egoísmo, individualismo. Desse
modo, que temos buscado uma educação escolar de referência para garantir a
125
construção de novos valores, onde as crianças são as multiplicadoras no
constante diálogo com seus pais.
Diante do diálogo acima, acredito que, para ambos educadores, existe
esperança no enfrentamento dos problemas do cotidiano da escola e do
assentamento. Mais que tudo porque, em seguida, acrescentam: o ato de estudar
será um instrumento para garantir essa transformação. Daí decorre o desejo que
cada educador tem de incorporar como atitude prática: o conhecimento deve ser
pensado como instrumento de luta.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA O MOMENTO
O tempo de pesquisa que percorri durante a feitura deste trabalho coloriu o
meu vivido. Aprendi a lidar com a pesquisa qualitativa, numa perspectiva
fenomenológica, estampando, em meu campo perceptivo, tal qual uma galeria de
arte a circundar para sempre meus próximos passos no caminho terrestre, a
densidade dos múltiplos aspectos do outro da pesquisa, abarcando os educadores e
educandos da Escola Paulo Freire.
Narrar uma prática sem senti-la é pura verbalização. Ao narrar uma prática
educativa emancipatória e libertadora, lancei-me a chama do sentir, do vivenciar
essa prática. Hoje, para mim, é mais que uma ação, é o meu próprio pensar, sentir,
perceber, ou seja, o meu existir.
Acredito que a reflexão que a Escola Paulo Freire nos proporciona, é
encontrada em seu projeto educativo, ao desdobrar a emancipação como inédito-
viável na práxis da educação do campo. Redimensiona a própria educação do
trabalhador rural, ao elegê-lo como entidade coletiva, em sua atividade real, nas
lutas, associado com o seu saber.
Na qualidade de sujeitos sociais do processo de criação e recriação do
educativo, a escola crédito ao educador na recriação da cultura, da identidade
mediante a apropriação do saber cientifico pela classe trabalhadora, ao reelaborar
em função, em meio a seus interesses de classe, tendo como o alicerce o eu-saber
social.
A escola, como foco deste protagonismo, sofre com essas baixas. As
conseqüências mais visíveis residem no fato de os novos educadores não
conseguirem compreender a dinâmica da escola, seus princípios, suas práticas, sua
história e trajetória. Dentre as conseqüências mais problemáticas está a
descontinuidade do projeto educativo da escola construído ao longo de sua história.
127
Atualmente a escola enfrenta graves dificuldades estruturais, desde
transporte escolar, falta de espaço de trabalho para os educadores, somados à
inexistência de diferentes atividades de lazer, tais como quadra de esporte, parque
infantil, biblioteca, videoteca.
As marchas, todavia, a resistência marca as possibilidades da andarilhagem
dos passos a serem redimensionados e (ou) reavaliados para continuidade do
projeto educacional da Escola Paulo Freire, em consonância com a dinâmica do
Movimento sem Terra. Bem assim nas ambigüidades postas nas temporalidades do
Movimento. Uma marcha que vivenciei na escola, conjuntamente com os
educadores e educandos, se identifica com a luta por enraizarem seu projeto
educativo, desta maneira cultivando na comunidade a perspectiva de futuro. O
enraizamento é para o movimento a continuidade do projeto coletivo.
O enraizamento, leciona Simone Weil, é uma das necessidades do ser
humano. Ter raiz, ela é que nos enfatiza, é participar real e ativamente de uma
coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos do futuro. Enraizado é o sujeito que tem laços que permitem olhar
tanto para trás como para a frente. Ter projeto, por sua vez, é ir transformando estes
pressentimentos de futuro em um horizonte pelo qual se trabalha, se luta. Não há,
pois, como ter projeto sem ter raízes, porque são as raízes que nos permitem
enxergar o horizonte.
Aprendi que o enraizamento projetivo é, pois, um dos processos fundamentais
de formação dos lutadores do povo, assim como talvez o seja de qualquer ser
humano. A escola não é capaz de enraizar as pessoas porque não tem, em si
mesma, a força pedagógica material necessária para isso. Mas a escola,
dependendo das opções pedagógicas que venha a fazer, pode ajudar a enraizar ou
a desenraizar; pode ajudar a cultivar utopias ou um presenteísmo de morte.
Concluí que toda vez que uma escola desconhece ou desrespeita a história
de seus alunos, toda vez que se desvincula da realidade dos que deveriam ser seus
sujeitos, não os reconhecendo como tais, ela escolhe ajudar a desenraizar e a fixar
seus educandos num presente sem laços.
E se isto acontecer com um grupo social desenraizado ou com raízes muito
frágeis, isto quer dizer que estas pessoas estarão perdendo mais uma de suas
chances (e quem garante não seja a última?) de serem despertadas para a própria
128
necessidade de voltar a ter raiz, a ter projeto. Do ponto de vista do ser humano isto é
muito grave, é violentamente desumanizador.
Algumas práxis da Escola Paulo Freire me ensinaram, pelo menos três
tarefas importantes que a escola precisa assumir na perspectiva de cultivar e
fortalecer os processos de enraizamento humano: memória, mística e os valores.
Quanto a memória, relevante é assinalar a escola é um lugar muito próprio
para recuperar e trabalhar com os tesouros do passado. Celebrar, construir e
transmitir, especialmente às novas gerações, a memória coletiva, ao mesmo tempo
em que busca conhecer mais profundamente a história da humanidade. É o que
chamamos no MST de pedagogia da história.
No que toca à, mística: ela é a alma dos lutadores do povo; o sentimento
materializado em símbolos que ajudam as pessoas a manter a utopia coletiva. No
MST, a mística é uma das dimensões básicas do processo educativo dos sem-
terras. A escola pode ajudar a cultivar a mística, os símbolos e o sentimento de fazer
parte desta luta. Não fará isso se não conseguir compreender o desafio pedagógico
que tem, diante da afirmação de uma criança de acampamento ou assentamento
que diz: sou sem-terrinha, sou filho da luta pela terra e do MST!
A raiz do projeto se constitui de valores: e são os valores que movem uma
coletividade. A escola pode criar um ambiente educativo que recupere, forme,
fortaleça os valores humanos, aqueles que permitem a cada pessoa crescer em
dignidade, humanidade. E que problematize, combata e destrua os valores
destituídos de humanidade, que degradam o ser humano e impedem a constituição
de coletividades verdadeiras e fortes. Mas a escola não fará isto apenas com
palavras, e sim com ações, com vivências, com relações humanas, temperadas por
um processo permanente de reflexão sobre a prática do coletivo, de cada pessoa.
Compreendi que, para fazer uma escola do campo, é preciso olhar para as
ações/ práticas sociais que são constitutivas dos sujeitos do campo. É preciso olhar
para o movimento social do campo como um sujeito educativo, e aprender dos
processos de formação humana, que estão produzindo os novos trabalhadores e
lutadores dos povos do campo, lições que nos ajudam a pensar outro tipo de escola
para eles, com eles.
Entendi que o Movimento educa as pessoas que dele fazem parte, à medida
que as define como sujeitos enraizados no movimento da história, e vivendo
experiências de formação humana que são próprias do jeito de a organização
129
participar da luta de classes, principal forma em que se apresenta o movimento da
história. Mesmo que cada pessoa o saiba disso, cada vez que ela toma parte das
ações do MST, fazendo sua tarefa específica, pequena ou grande, ela estará
contribuindo na construção da identidade Sem Terra.
Observo que o projeto de educação do campo é considerado um movimento
de busca contínua por emancipação se encontra presente nas narrativas dos
sujeitos sociais colaboradores da pesquisa. O enfoque conclusivo mostrou que a
caminhada realizada pela escola, apresenta em seu processo, limites e
possibilidades para a construção diária do fazer pedagógico.
A relevante contribuição do projeto educacional empreendido pela Escola
Paulo Freire se identifica com o processo de organização escolar, na estruturação
curricular e nas práticas educativas, processo esse que resulta na preparação de
seus sujeitos à busca assídua da autonomia, pois cada um é chamado a se tornar,
sempre de novo, sujeito autônomo de seu próprio processo de emancipação.
Identifiquei os limites e possibilidades da experiência vivenciada durante a
realização de pesquisa dos sujeitos sociais da Escola. Neste andarilhar, apontei as
possibilidades e viabilidades decorrentes da construção de um projeto educacional
coletivo com vista à emancipação. Nesse sentido, é possível inferir, no que diz
respeito à Escola Paulo Freire, que sua proposta vai além das críticas das formas
educativas atuais, uma vez que se define numa pedagogia da consciência:
consciência crítica como conhecimento e práxis de classe.
A pedagogia de Freire colabora na prática reflexiva dos educadores, ao
problematizar a realidade, ao se voltar para a pedagogia da pergunta que é uma
ação relacional. Através da relação dialógica educador-educando, nesta proposta
pedagógica, centraliza-se na dimensão do conhecimento, no sentimento de
aceitação do outro, da interação, da intersubjetividade.
Sendo está pedagogia necessária à revolução, importa frisar que, para a
transformação social, que não considerar o amor, apenas substituirá o opressor. O
oprimido passa a ser o opressor, que continuará a mesma lógica da dominação.
A revolução deve ser entendida como um processo, uma mudança
democrática, e não apenas como uma ruptura. A revolução é um processo político
pedagógico de transformação, que requer reconstrução do poder em novas formas
de relação. Freire (2005) ilumina: A revolução que deve ocorrer é uma grande ação
cultural para a liberdade, realizada pelo povo. A pedagogia do oprimido nos convida
130
ao diálogo, necessidade ontológica do ser humano. Ser utópico também é uma
exigência ontológica do ser humano, uma exigência histórica.
Acredito que o projeto educativo da Escola Paulo Freire tem a emancipação
como inédito-viável, na resistência que a mantém viva na ação cotidiana, nos
sujeitos que compõem, no pensamento revolucionário de Freire. Penso que a Escola
do campo recupera a dimensão humano-humanizadora, a dimensão lúdica e
conscientizadora, ao contrário da Escola do Mercado (CASALI, 2005), que perdeu o
contato com essa tradição, tornando-se o lugar dos deveres e memorizações
alheias.
Agradeço a todos os companheiros de caminhada. Obrigada pela
oportunidade de testemunhar em singelas palavras — repassadas na feitura da
presente pesquisa — o respeito, o sonho diário — tecido pelas mãos de seus
sujeitos , a generosidade da partilha e da comunhão na construção de uma práxis
educativo-emancipatória.
A todas as crianças, educadores e educandos da ESCOLA
PAULO FREIRE
minha ETERNA GRATIDÃO!
131
As marchas, resistência marcada na luta, os passos dos
andarilhos
Manchete da impressa regional,
do dia 25 de maio de 2008.
Estudantes e professores da
Escola estadual Paulo Freire,
marcham com cartazes com
mensagens de protestos em
direção a foz rio Juba. A fim de
reivindicarem contra a presença
da usina hidroelétrica nas águas
do Juba. A usina foi reativada
ocasionando a diminuição do
volume d’água e a mortandade
de peixes.
Muitos peixes mortos.
Assoreamento nas
margens do rio. Na foto
acima, antes era uma linda
cachoeira.
A morte do rio.
Foto 30: As marchas
.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. 13. ed. Campinas: Papirus,
2005.
______. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília: Líber
Livro, 2005.
ANTONIO, C.A.; OSBI, R.C.S. O currículo das escolas do campo: reflexões
sobre experiências com temas geradores. In: ANTONIO, C.A. et al. (Org.).
Identidade profissional, conhecimento e práticas educativas. Francisco Beltrão:
UNIOESTE, 2004, p. 138-148.
ANTONIO, Clésio Acilino; LUCINI, Marizete. Ensinar e Aprender na Educação do
campo: Processos Históricos e Pedagógicos em Relação. Cad. CEDES, v.
27, n. 72. Campinas maio/ago. 2007. Cadernos CEDES, ISSN 0101-3262 versão
impressa.
APPLE, Michel W. [et al]. GENTILI, Pablo (Org.). Pedagogia da Exclusão: o
neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ARROYO, M.G. Apresentação. In: CALDART, R.S. Pedagogia do Movimento Sem-
Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis: Vozes, 2000.
ARROYO, Miguel; FERNANDES, B.M. A educação básica e o movimento social
do campo. Articulação Nacional: por uma educação básica do campo. São Paulo,
1999.
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Tradução Lucie Didio. Brasília: Plano, 2004.
BECKER, Howard S. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
______. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. 4. ed. São Paulo: Editora
Hucitec, 1999.
BEISIEGEL, Celso Rui. Cultura do Povo e educação popular. In: VALLE, E.,
QUEIRÓZ, J. (Orgs.) A cultura do povo. 4. ed. São Paulo: Cortez e Moraes/EDUC,
1998.
133
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1999.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em
Educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Trad. Maria João Alvarez,
Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Editora Porto, 1994.
BONAMIGO, Carlos Antônio. Pra mim foi uma escola ... o princípio educativo do
trabalho cooperativo. Passo Fundo: UPF, 2002.
BOSI, Eclía. A condição operaria e outros estudos sobre a opressão. Rio de
Janeiro-RJ.: Paz e Terra, 1996.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 1995.
______. A Educação Popular na Escola Cidadã. Petrópolis-RJ: Vozes, 2002.
______. (Org.). A questão Política da Educação Popular. São Paulo: Brasiliense,
1980.
______. A Educação como Cultura. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2002.
BRANDÃO, Zaia; MENDONÇA, Ana Waleska. Por que não lemos Anísio Teixeira?
In: MENDONÇA, Ana Waleska & BRANDÃO, Zaia (Orgs.). Por que não lemos
Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida. Rio de Janeiro: Ravil, 1997, p. 183-193.
BRANDÃO, Z. Pesquisa em educação: conversas com pós-graduandos. Rio de
Janeiro: PUC-RIO; São Paulo: Loyola, 2002.
CALAZANS, M.J.C. Para compreender a educação do Estado no meio rural:
traços de uma trajetória. In: THERRIEN, J.; DAMASCENO, M.N. (Org.). Educação
e escola no campo. Campinas: Papirus, 1993.
CALDART, R.S. A escola do campo em movimento. In: ARROYO, M.G.;
CALDART, R.; MOLINA, C.M. (Org.). Por uma educação do campo. Petrópolis:
Vozes, 2004.
CALDART, R.S. Pedagogia do Movimento Sem-Terra: escola é mais do que
escola. Petrópolis: Vozes, 2000.
______. O MST e a educação. In: STÉDILE, J. Pedro. A reforma Agrária e a luta
do MST. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 223-242.
134
CARMO, Paulo Sérgio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC,
2004, 159p.
CARVALHO, Ademar de Lima. Os caminhos perversos da Educação: a luta pela
apropriação do conhecimento no cotidiano da sala de aula. Cuiabá: EdUFMT, 2005.
267 p.:IL.
CASALI, Alípio. Educação vital para a escola. Porto Alegre: RS. Revista de
Educação, Ano XXVIII, n. 02 (56); 297-315, Maio/Ago. 2005.
CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e
políticos. São Paulo: Cortez, 2004.
CUNHA, L.A. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1991.
DELORS, Jacques et al (Orgs.). Educação: Um tesouro a descobrir. 8. ed. São
Paulo: Cortez. Brasília, DF: MEC/UNESCO, 2003.
DIRETRIZES OPERACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS ESCOLAS DO
CAMPO. - Resolução CNE/ CEB n.1, de 3 de abril de 2002.
DUSSEL, E. Ética da Libertação, na Idade da Globalização e da Exclusão.
Petrópolis: Vozes, 2000.
______. Filosofia da Libertação na América Latina. 2.
ed. São Paulo: Loyola,
1977.
EVERS, Tillman. A face oculta dos novos movimentos sociais. Novos Estudos
CEBRAP, São Paulo, n. 4, p.11-23, abr. 1989.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000.
FIGUEIRA, S. O “Moderno” e o “Arcaico” na Nova Família Brasileira: notas
sobre a dimensão invisível da mudança social. In: FIGUEIRA, S. (Org.). Uma
Nova Família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 11-29, 1985.
FREIRE, P.; NOGUEIRA, A. Que fazer: teoria e prática em educação popular.
Petrópolis: Vozes, 2002.
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. v. 23. São Paulo: Cortez, 1998.
(Coleção questões de nossa época).
135
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. São Paulo / Rio de janeiro, Paz e Terra: 1993.
______. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo, UNESP, 2000.
______. Educação como prática de liberdade. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2002.
______. Pedagogia do oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
______. Educação e mudança. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
______. Extensão ou Comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
FREIRE, Paulo. Direitos humanos e educação libertadora. In: FREIRE, Ana Maria
Araújo (Org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. Paulo Freire. São Paulo: Editora
UNESP, 2001.
______. Discussões em torno da pós-modernidade. In: FREIRE, Ana Maria
Araújo (Org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. Paulo Freire. São Paulo: Editora
UNESP, 2001.
FREIRE, Paulo.; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2001.
GARCIA, Regina Leite. Movimentos Sociais – escola – valores. In: Aprendendo
com os Movimentos Sociais. GARCIA, Regina Leite (Org.). Rio de Janeiro: DP&A,
2000.
GARSKE, Lindalva Maria Novais. Educação Escolar no MST: Intencionalidades
Pedagógicas e Políticas. 2006, Tese (Doutorado em Educação)- Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2006.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, 213p.
GENTILI, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio. A cidadania Negada: Políticas de
exclusão na educação e no trabalho. 3. ed. São Paulo: Cortez; CLACSO, 2002.
GOODSON, I.F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.
136
GOHN, Maria da Gloria Marcondes. Movimentos sociais e educação. 3. ed. São
Paulo: Cortez; 1999. (Questões da nossa época).
______. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos.
Ed. Loyola. 5. ed., 2006, p.246.
______. Educação não-formal e cultura política. São Paulo: Cortez, 1999.
GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no
campo. Petrópolis: Vozes, 1991.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de
trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: ArtMed,1998.
JESUS, Sonia Maire S. A. de.; MOLINA, Mônica Castgna. Por uma Educação do
Campo: Contribuições para construção de um projeto de educação do campo.
Brasília, DF: MST, 2004. v. 5.
LEITE, S.C. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez,
1999.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história
lenta. 2. ed., São Paulo: Hucitec, 1999.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2. ed., São Paulo:
Martins Fontes, 1999, 662p.
MELUCCI, Alberto. Um objetivo para os movimentos sociais? Lua Nova, São
Paulo, n. 17, p. 49-65, jun. 1989.
MELO NETO, José Francisco de. Educação Popular: enunciados teóricos. João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2004.
MOLINA, Mônica C.; JESUS, Sonia Meire S. A. de. (Org.). Contribuições para a
construção de um projeto de Educação do Campo. Brasília-DF: Articulação
Nacional por uma educação do Campo, 2004, v. 05.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez, 2000.
PAESE, A. M. PANINI, J.; Cunha, I.; Pastoral da Educação, urgente apelo de
nossos pastores. Cadernos da AEC. Brasília: AEC do Brasil, 2006, n. 65.
137
PAIVA, V.P. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987.
PALUDO, C. Educação popular em busca de alternativas: uma leitura desde o
campo democrático e popular. Porto Alegre: Tomo; Camp, 2001.
PALUDO, C. Da Raiz/Herança da Educação Popular à Pedagogia do Movimento
e a Educação no e do Campo: um olhar para a trajetória da Educação no MST.
Trabalho encomendado pelo GT06 – para a 29ª Reunião anual da ANPED, 2006.
PASSOS, Luiz Augusto. Currículo, tempo e Cultura. 2003. 488f. Tese (Doutorado
em Educação)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). São Paulo,
2003.
RODRIGUES, Luiz Dias. Como se conceitua a Educação Popular? In: MELO
NETO, José Francisco de e SCOCUGLIA, Afonso Celso Caldeira (Orgs.). Educação
Popular: outros caminhos. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma pedagogia do conflito. In: Silva, Luis
Heron da. Reestruturação Curricular: novos mapas culturais, novas perspectivas
educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996.
SANTOS, Boaventura S. Democratizar a democracia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
SARMENTO, M. Reinvenção do ofício de aluno. In: CANÁRIO, R.; MATOS, F.;
TRINDADE, R. (Orgs.). Escola da Ponte: defender a escola pública. Edição
Profedições. (2004). p. 69-80.
SARMENTO, M. J. Educação em meio rural: lógicas de ação e administração
simbólica da infância. Aprender, Revista da Escola Superior de Porto Alegre, n. 28,
(2003). p. 62-73.
SAUL, A.M. A construção do currículo na teoria e prática de Paulo Freire. In:
APPLE, M.W.; NÓVOA, A. (Org.). Paulo Freire: política e pedagogia. Porto, Porto,
1998. p. 151-65.
SCHERER-WARREN, Ilse. Para uma metodologia de pesquisa dos movimentos
sociais e educação no campo. In: MOLINA, Mônica Molina (Org.). Educação do
campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento
Agrário, 2006, p. 117-132.
______. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização. São
Paulo: HUCITEC, 1987.
138
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA.
LOPES, Ana Maria de Oliveira; FERREIRA, Eudson de Castro (Assessores do
Projeto). TBYSIRÁ - Educação do Campo e Visibilidade Social: uma experiência
no sertão do Araguaia. 2004. 244 páginas.
SOUZA, João Francisco de. A Pós-Modernidade/ mundo e suas implicações
educativas na visão de Paulo Freire. In: LIMA, Maria Nayde dos Santos, ROSAS,
Argentina Rosas (Orgs.). Paulo Freire. Quando as Idéias e os Afetos se Cruzam.
Recife, Ed. Universitária UFPE/ Prefeitura da Cidade de Recife, 2006.
SOUZA, Maria Antônia de. As formas organizacionais de produção em
assentamentos rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MST. 1999. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP, 1999.
SOUSA, Sandra Záquia. Formação de profissionais de escolas rurais do
Nordeste brasileiro: trabalho desenvolvido no âmbito do Programa
EDURURAL/NE. Reunião Anual da SBPC, 50, Natal. Anais... SBPC, Natal, 1998.
STRECK, Danilo R. et al. Paulo Freire: ética, utopia e educação. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1999. 152p.
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITRKOSKI, Jaime. (Orgs.). Dicionário
Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2008.445.
STRECK, Danilo R. et al. Dizer sua Palavra: educação cidadã, pesquisa
participante, orçamento público. Pelotas: Seiva, 2005, 289p.
TOURAINE, Alain. Movimentos sociais e ideologias nas sociedades
dependentes. In: Albuquerque, J. A. G. (Org.). Classes médias e política no
Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
______. Palavra e sangue. Campinas: Ed. UNICAMP, 1983.
______. Critica a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.
THOMPSON, E. P. Miséria da teoria. São Paulo: Zahar, 1981.
______. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
VEIGA, J. E. Diretrizes para uma nova política agrária. Mensagem recebida por
139
WEIL, Simone. O enraizamento. Bauru, SP: EDUSC, 2001. Trad. Maria Leonor
Loureiro. 274p.; (coleção Mulher). Cultura e desenraizamento. Ecleia Bosi. In: Bosi,
Alfredo Cultura brasileira.
MST. Documento Básico.
______. Como fazer a escola que queremos. Caderno de Educação, n.1, 1992.
______. Alfabetização. Caderno da Educação, n. 2, 1992.
______. Alfabetização de jovens e adultos: como organizar. Caderno de
Educação, n. 3, 1994.
______. Alfabetização de Jovens e Adultos: didática da linguagem. Caderno de
Educação, n. 4, 1994.
______. Alfabetização de Jovens e Adultos: educação matemática. Caderno de
Educação, n. 5, 1994.
______. Como fazer a escola que queremos: o planejamento. Caderno de
Educação, n. 6, 1995.
______. Princípios da educação no MST. Caderno de Educação, n. 8, 1997.
______. Como fazemos a escola de educação fundamental. Caderno de
Educação, n. 9, 1999.
______. Educação de jovens e adultos: sempre é tempo de aprender. Caderno de
Educação, n. 11, 2004.
______. Educação Infantil: movimento da vida, dança do aprender. Caderno da
Educação, n. 12, 2004.
______. Dossiê escola: documentos de estudos 1990-2001. Caderno de Educação,
n. 13, 2005.
______. Como deve ser uma escola de assentamento. Boletim da Ed., n. 1, 1992.
______. Escola do Trabalho e da Cooperação. Boletim de Ed., n. 4, 1994.
MST. O que queremos com as escolas dos assentamentos. Caderno de
Formação, n. 18. São Paulo: MST, 1991.
NORMAIS GERAIS DO MST. São Paulo, 1989.
ANEXOS
ANEXO A
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA
ESCOLA PAULO FREIRE
ANEXO B
DOCUMENTO BASE PARA A ELABORAÇÃO
DO PPP
ANEXO C
DOCUMENTOS DA ESCOLA:
A MATRIZ CURRICULAR DA ESCOLA/ FICHA
DE MATRÍCULA/ CALENDÁRIO LETIVO
ANEXO D
DECRETO DE CRIAÇÃO DA ESCOLA PAULO
FREIRE
ANEXO E
MAPA DO ASSENTAMENTO ANTÔNIO
CONSELHEIRO
ANEXO F
MAPA DO ASSENTAMENTO — VISTA ÁREA
ANEXO G
PLANTA BAIXA 1 E 2
ANEXO H
MATRIZ CURRICULAR DO EJA NOTURNO
- BEIJA-FLOR -
ANEXO I
DOCUMENTOS DO PROCESSO DE
ESTADUALIZAÇÃO DA ESCOLA
ANEXO J
CARTA ESCRITA PELOS SEM-TERRINHAS E
INFORME DOS SEM-TERRINHAS DA ESCOLA
PAULO FREIRE
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo