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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IVONETE COSTA VILA
A ESCOLARIZAÇÃO, A EDUCAÇÃO POLÍTICA E A CONSCIÊNCIA
RACIAL DE VELHOS TRABALHADORES NEGROS QUE VIVEM EM
RONDONÓPOLIS - MT
Cuiabá-MT
2005
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IVONETE COSTA VILA
A ESCOLARIZAÇÃO, A EDUCAÇÃO POLÍTICA E A CONSCIÊNCIA
RACIAL DE VELHOS TRABALHADORES NEGROS QUE VIVEM EM
RONDONÓPOLIS - MT
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação no Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como requisito
para a obtenção do título de Mestre em Educação na
Área de Educação, Cultura e Sociedade, Linha de
Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação
Popular.
Orientador: Prof. Dr. Manoel Francisco de Vasconcelos Motta
Cuiabá-MT
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
v695e
VILA, Ivonete Costa
A Escolarização, a Educação Política e a
Consciência Racial de Velhos Trabalhadores Negros que
Vivem em Rondonópolis - MT /Ivonete Costa Vila. --
Cuiabá: UFMT / IE, 2006.
ix, 147p.
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Educação no Instituto de Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na
Área de Concentração Educação, Cultura e Sociedade, na
Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e
Educação Popular, sob a orientação do Prof. Dr. Manoel
Francisco de Vasconcelos Motta.
Bibliografia: p. 143 – 147
CDU -37:323.118
Índice para Catálogo Sistemático
1. Educação Política
2. Consciência Racial
3. Negros
4. Escola
Dedico este trabalho ao amigo, Paulo Divino Ribeiro Da Cruz, que
sempre foi um grande companheiro nessa jornada.
Aos meus pais, Joventino Costa Vila (in memória) e Maria das
Graças Sena Vila que sempre me deram forças para lutar, vencer e
ser feliz.
Aos meus irmãos e irmãs, Maria Aparecida, Maria Elizabeth,
Clarice, Celso (in memória) Carlito e José Carlos, pelo amor
incondicional para vencer.
AGRADECIMENTOS
À Fundação Ford, representada no Brasil pela fundação Carlos Chagas que patrocinou este
trabalhado tornando-o realidade.
Agradeço também aos amigos que de uma forma ou de outra sempre estiveram presentes:
Lane Acildo, Marilu, Andréa, Ulisses, Miranda, Nara, Brás, Rosely, Sebastiana.
Aos meus sobrinhos e sobrinhas André, Andersom, Adriano, Marilza, Marcos, Gilmar,
Luciana, Valtemir, Jéssica, Carlos, Douglas, Gustavo pelo carinho sempre dado sem pedir
nada em troca.
Aos entrevistados José Balbino, Sebastião do Nascimento, Fernando Souza Brito e José da
Silva que com carinho cederam suas trajetórias de vida para que esse trabalho se tornasse
concreto.
Aos professores que contribuíram para que este trabalho se realizasse: Nicanor Palhares e
Maria Lúcia Rodrigues Müller.
Ao professor Dr. Ademar Carvalho Lima, que também é responsável por essa construção.
Aos professores Dra. Ana Lucia Eduardo Farah Valente e Dr. Nicanor Palhares que
aceitaram prontamente em contribuir na construção deste trabalho.
Ao meu Orientador Prof. Dr. Manoel Francisco de Vasconcelos Motta, que com sua
simplicidade orientou-me não na construção desta dissertação, mas também na busca de
um novo projeto de vida.
RESUMO
Este trabalho investigou como ocorreu a exclusão da escola, a educação política e as
manifestações de consciência racial de velhos trabalhadores negros nascidos nas décadas de
30 a 40 e que migraram para Mato Grosso e vivem no município de Rondonópolis. Pesquisa
de natureza qualitativa, fundamentada na tradição teórica marxista este trabalho busca estudar
através da memória de nossos entrevistados, resgatando suas história de vidas, desde sua
chegada à Rondonópolis, as relações ali estabelecidas, suas relações com os movimentos
sociais e a forma como compreendem os mecanismos sobre as relações raciais. Os fatores
classe social e raça foram trabalhados associadamente, no sentido de desvendar como estes
sujeitos foram construindo sua consciência política de classe social e racial. O que vai levar-
nos a concluir que os sujeitos pesquisados apresentam uma rica trajetória, com amplo
conhecimento popular, expressivas manifestações de consciência política de classe social e
racial, se compreendem negros embora não manifeste uma compreensão clara de terem sido,
por diversas ocasiões, atingidos por preconceitos social e racial.
Palavras-chave: Negros, Escola, Educação Política e Consciência Racial.
ABSTRACT
This work research how the exclusion of school, the politics education and the racial
conscience and manifestation of the old Negros workers were borne at the decade of 40’s and
30’s and immigrated to MT and lived in Rondonopolis occurred. Research of qualitative
nature, based on the theory Marxist tradition, this works try to study using the memory of our
interviewed, bringing their lives history back, since their arrival to Rondonopolis, the relation
established, their relations with social movements and the way they understand the
mechanism about racial relations. The social classes and the racial factors were associated
worked in the sense of discover how these people have been constructing their politic
conscience of racial and social classes, what leads us to a conclusion that a vast popular
knowledge and considered conscience of politic and racial social classes, although negros
doesn’t show a very clear comprehension about how they suffer from social racism.
Key words: Negros, School, Polítics Education the Racial Conscience.
LISTA DE ABREVIATURAS
FNB Frente Negra Brasileira
GO Goiás
INSS Instituto Nacional da Seguridade Social
MT Mato Grosso
PCB Partido Comunista Brasileiro
PC do B Partido Comunista do Brasil
PSD Partido Social Democrático
SESI Serviço Social da Indústria
UDN União Democrática Nacional
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
INEP Instituto de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira
MDB Movimento Democrático Brasileiro
CGTB Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
PARTE I .................................................................................................................................. 17
CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 18
CONDIÇÃO RACIAL NO BRASIL .................................................................................... 18
1.1 A Condição do Negro na Educação ................................................................................ 21
1.2 Condição Racial e Ação Política ...................................................................................... 24
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 44
CLASSE SOCIAL, CONSCIÊNCIA POLÍTICA, E CONSCIÊNCIA RACIAL ............ 46
2.1 Condição de Classe e Racismo ......................................................................................... 45
2.2 Consciência Política, Classe Social e Racismo ............................................................... 53
2.3 Manifestações de Consciência Racial .............................................................................. 63
PARTE II ................................................................................................................................ 69
CAPÍTULO 3 .......................................................................................................................... 70
NEGROS VELHOS JOVENS NEGROS ............................................................................. 70
3.1 José da Silva ...................................................................................................................... 71
3.2 Fernando Souza Brito ...................................................................................................... 74
3.3 Sebastião do Nascimento .................................................................................................. 79
3.4 José Balbino Vieira ........................................................................................................... 82
CAPÍTULO 4 .......................................................................................................................... 87
ESCOLARIZAÇÃO ............................................................................................................... 87
4.1 José da Silva ...................................................................................................................... 88
4.2 Fernando Souza Brito ...................................................................................................... 89
4.3 Sebastião do Nascimento .................................................................................................. 93
4.4 José Balbino ...................................................................................................................... 95
CAPÍTULO 5 ........................................................................................................................ 100
EDUCAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO ................................................................ 100
5.1 José da Silva .................................................................................................................... 100
5.2 Fernando de Souza Brito ............................................................................................... 102
5.3 Sebastião do Nascimento ................................................................................................ 105
5.4 José Balbino .................................................................................................................... 113
CAPÍTULO 6 ........................................................................................................................ 125
CONSCIÊNCIA ÉTNICA E RACIAL ............................................................................... 125
6.1 José da Silva .................................................................................................................... 125
6.2 Fernando Souza Brito .................................................................................................... 127
6.3 Sebastião do Nascimento ................................................................................................ 131
6.4 José Balbino .................................................................................................................... 134
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 143
INTRODUÇÃO
Nascida na cidade de Rondonópolis, filha de uma família de trabalhadores negros,
imigrantes oriundos de Minas Gerais que aqui chegaram com o objetivo de prosperar
financeira e socialmente, cresci ouvindo as histórias contadas por meus pais de suas trajetórias
de vida, as dificuldades enfrentadas e as pequenas vitórias cotidianas.
Além das narradas por meus pais, ouvia também, outras histórias, de seus
contemporâneos, relatando como era a vida em suas terras de origem. Os motivos que os
levaram a buscar novos espaços. A opção por Mato Grosso e mais especificamente por
Rondonópolis. Uma cidade que receberam muitos imigrantes negros, uma vez que sua
posição geográfica estava inserida no projeto de colonização pública e particular de Mato
Grosso, que ocorreu a partir da década de quarenta (TESORO, 2002).
Estes fluxos migratórios intensificaram o povoamento na cidade. Originados da
política de ocupação do governo, consubstanciada no sistema de colônias agrícola. A intenção
era fazer com que essa região se desenvolvesse como celeiro de alimentos. Tanto é que
durante as décadas de cinqüenta e sessenta do Século XX, Rondonópolis se destaca pela
grande produção de arroz produzido em suas colônias.
As famílias vieram para Rondonópolis em busca de uma vida melhor. Alguns
realizaram seus objetivos de ascensão, outros acabaram sendo tragados pelas redes de
exploração do sistema e reproduzindo tão-somente a sua força de trabalho. Dentre essas
famílias de migrantes muitas eram de trabalhadores negros que vinham em busca de uma vida
melhor.
12
Assim sendo muitas dessas famílias de trabalhadores negros chegaram a
Rondonópolis na esperança de conseguir trabalho e ter acesso a um pedaço de terra na época
em que esta região de Mato Grosso ainda era considerada fronteira agrícola.
E foram estas histórias, ouvidas desde a infância, que me levaram a procurar, através
deste trabalho, dar visibilidade à tão ricas experiências, pois, de acordo com Bosi (1994):
[...] a situação do velho, do homem que já viveu sua vida. Ao lembrar o passado ele
não está descansando, por um instante das lides cotidianas, não está se entregando
fugitivamente às delícias do sonho: ele está se ocupando conscientemente e
atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida (BOSI, 1994, p
60).
Da mesma forma, Costa (2004) vai ressaltar que todas as trajetórias de negros e de
negras merecem atenção e visibilidade, independente da camada social a qual pertença:
A outra parcela de negros que compõe a sociedade a brasileira, ou seja, aqueles que
não conseguem ascender e permanecem nas camadas populares, não sejam
importantes, ou a suas trajetórias mereçam menor visibilidade. Ao contrario,
entendemos que todas as trajetórias são relevantes (COSTA, 2004, p.15).
A tomada de consciência de minha negritude e de minha condição de classe social
veio a ocorrer, após uma experiência profissional malsucedida, pautada pela discriminação e o
preconceito, bem como com meu ingresso no curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Mato Grosso – UFMT, no campus de Rondonópolis.
Essas experiências aprimoraram meu censo crítico e minha capacidade de
compreensão, levando-me, conseqüentemente a interessar-me pelos temas que abordo neste
trabalho. Antunes, (1988), define esta tomada de consciência como a expressão do momento
em que o proletário compreende a totalidade e impõe uma nova realidade, superando a
subordinação estrutural imposta pela ordem capitalista.
Neste trabalho procurei investigar como se deu o processo de exclusão escolar, a
educação política e as manifestações de consciência racial de trabalhadores migrantes negros,
13
com pouca experiência escolar, nascidos nas cadas de 30 a 40 e que vivem na cidade de
Rondonópolis, Mato Grosso.
Para efetivar este estudo sobre a escolarização, educação política e a consciência
racial, desses trabalhadores negros, inicialmente desenvolvemos um levantamento
bibliográfico com abrangência nas áreas de história do negro no Brasil, história da educação,
formação da consciência política, consciência racial e memória. Além desse levantamento
bibliográfico, este estudo contemplou o trabalho de campo que foi desenvolvido na cidade de
Rondonópolis, no Estado de Mato Grosso.
Foram escolhidos como sujeitos da pesquisa quatro trabalhadores negros que vieram
para Rondonópolis naquele movimento de expansão da fronteira agrícola dos anos cinqüenta
e sessenta, pertencente às camadas populares, com pouca instrução escolar e que hoje podem
ser considerados como integrados à comunidade local.
A partir daí elaboramos um roteiro de perguntas que serviu de base à entrevista semi-
estruturada que foi realizada com os mesmos. Os registros colhidos nessas entrevistas nos
mostraram suas trajetórias de vidas, suas memórias da infância e da adolescência e suas
relações com a escola, por que vieram para Mato Grosso, como escolheram Rondonópolis
para morar e qual é hoje sua relação com a sociedade. Nosso trabalho, como disse foi
desenvolvido com pessoas que nasceram de 1930 a 1940. Eles têm hoje em 2005 em torno de
66 a 77 anos. Através das entrevistas, afloraram-se suas histórias, as suas negritudes e a
expressão de suas consciências.
Importa ressaltar, no entanto, que no primeiro momento de contato com os
entrevistados houve por parte de José Balbino e de José da Silva uma certa resistência inicial
não querendo nós receber.
14
José Balbino falou que não tinha com que contribuir, que nós que, “éramos jovens”
que tinham histórias pra contar não ele, “um velho”. Perguntei se poderia deixar um roteiro de
perguntas, um resumo do projeto e qual era o propósito da entrevista. Concordou. Retornei
várias vezes, mas somente dois meses depois ele me concedeu a entrevista. Nesse encontro
ele foi muito gentil, pediu desculpas e falou que pensou que nós éramos do Partido dos
Trabalhadores. Por isso não queria falar nada. Conhecido como histórico militante comunista
no Estado de Mato Grosso e respeitado pela esquerda da cidade até hoje não consegui
compreender esse argumento apresentado para explicar essa sua resistência inicial. No
entanto, José Balbino concordou em ser entrevistado e fotografado.
José da Silva, no inicio, também mostrou resistência não querendo nós conceder a
entrevista. Não apresentou nesta primeira ocasião nenhum argumento que justificasse sua
atitude. A impressão que tive é que nesse primeiro encontro ele não teve um entendimento do
objetivo porque ele estaria sendo entrevistado. Em um segundo encontro, após explicar
novamente as razões da pesquisa, que se tratava de um trabalho acadêmico de interesse para a
comunidade, que estava pesquisando a escolarização, a educação política e consciência racial
de velhos trabalhadores negros que vivem em Rondonópolis. Ele nós atendeu, fizemos a
entrevista e combinamos que voltaríamos ainda mais uma vez se fosse necessário. Então
voltamos novamente para refazer algumas perguntas e tirar fotos, mas ele não quis mais nos
atender, chamou sua filha que reafirmou que ele não iria mais falar, argumentando,
agressivamente, que não aparecia ninguém pra dar dinheiro a seu pai e que informações
para trabalhos da universidade era perda de tempo. Ele não quis “tirar” fotos. No final desse
encontro perguntou apenas se eu iria ficar triste e se não iria atrapalhar o meu trabalho porque
ele não queria mais ser entrevistado e nem tirar fotos.
15
O mesmo não ocorreu com o Fernando Brito e o Sebastião do Nascimento que foram
muitos receptivos, dizendo que nem sabiam que a suas trajetórias de vida poderiam servir de
materiais para um trabalho acadêmico.
O encontro com Fernando Brito foi de grande alegria, pois o mesmo me conhecia
muito tempo porque morávamos no mesmo bairro e ficou contente em poder contar um
pouco de sua história em um trabalho da Universidade.
Sebastião Nascimento também me conhecia desde criança, pois fomos vizinhos
por um longo período de nossas vidas. Agradeceu por poder me ajudar neste trabalho
acadêmico e disse que seria um grande prazer ser entrevistado pela “Rosa” que ele viu
crescer. Dessa forma fizemos a entrevista, e almoçamos juntos.
Todas as entrevistas foram gravadas em fitas cassete e transcritas na íntegra.
Contemplada a etapa de entrevistas, passamos a analise dos dados e a elaboração das
considerações finais. Através da trajetória desses quatro trabalhadores negros residentes na
cidade de Rondonópolis, situado ao sul do Estado de Mato Grosso, procuramos estudar o
significado de todo esse processo social e político e condição de existência no contexto
histórico da sociedade brasileira. Mostrando como se deu o processo de exclusão da escola, a
educação política e as manifestações de consciência racial de Fernando Brito, José Balbino,
José da Silva e Sebastião do Nascimento que certamente expressam a condição social e
política de muitos trabalhadores negros de suas gerações.
Os encontros com os entrevistados ocorreram entre os meses de agosto a outubro de
2004.
Para desenvolvermos este trabalho, fiz a opção de organizá-lo em duas partes. Na
primeira desenvolvemos uma reflexão sobre a condição racial no Brasil e suas implicações na
16
exclusão da escola na educação política e nas manifestações de consciência racial do negro.
Na Parte II trabalhamos a analise dos dados obtidos através do registro das memórias dos
sujeitos entrevistados sobre suas trajetórias de escolarização, educação política e
manifestações de consciência racial.
Por último, atenho-me às conclusões finais do trabalho onde procuro afirmar que os
negros e as negras do Brasil não têm permanecido passivos ante os mais diversos tipos de
exclusão e violência a que são submetidos.
Conforme Munanga (1996) estamos num país onde ações graves e importantes são
praticadas sem discurso, em silêncio, para não chamar a atenção e não desencadear um
processo de conscientização, ao contrario do que aconteceu nos países de racismo aberto. O
silêncio implícito, a sutileza velada e o paternalismo são alguns aspectos dessa ideologia.
17
PA R T E
PA R T EPA R T E
PA R T E
I
II
I
CAPÍTULO 1
CONDIÇÃO RACIAL NO BRASIL
Atualmente, os negros representam 44,2% da população brasileira. Este índice torna
o Brasil o país não-africano com a maior população negra do mundo e o segundo maior se
considerarmos todo o globo terrestre, perdendo somente para a Nigéria (RIBEIRO, 1996, p.
27). No entanto, a maior parte desses indivíduos permanece ocupando a base da pirâmide
social, sobrevivendo nas condições mais adversas, com poucas chances de realizar seus
projetos de ascensão social, escolarização, moradia e trabalho.
Os relatórios feitos por organismos internacionais deixam a nu dois brasis: um
moderno, rico e desenvolvido e outro, pobre e anacrônico. “O que chama a atenção nesses
dois países contido em um só, são os estoques raciais alojados em cada um deles. No primeiro
Brasil, país que mais cresceu neste século, tem-se um povo marcadamente branco e amarelo.
No segundo Brasil, a esmagadora maioria é preta e parda” (SANTOS, 1996, p. 14).
Esta realidade vivida diariamente por negros não constitui uma história recente. A
libertação dos escravos, no Brasil, 1888, tornou os africanos e afro-brasileiros iguais ao
homem branco perante a lei. Aquela data marcou o inicio de uma “nova” sociedade.
O Brasil teve que lidar depois da abolição com o “problema” posto pelos ex-escravos
e descendentes de africanos, que não encontrando espaços na sociedade dos brancos, viram-se
excluídos e marginalizados, destituídos de oportunidades de trabalho e de socialização. A
19
solução adotada pela nação para este “problema” fornece a chave para o entendimento das
relações raciais no Brasil Republicano. Esta solução não implicou um sistema de segregação
racial semelhante ao dos Estados Unidos, mas o branqueamento e a integração simbólica dos
brasileiros não-brancos através da idéia da democracia racial (HANSEBALG, 1990, p. 02).
Constata-se que a lei abolicionista não possibilitou a cidadania para a massa de ex-
escravos e de seus descendentes. A partir da promulgação da lei, os ex-escravos e seus
descendentes foram segregados social e economicamente.
Despossuídos, com necessidades materiais imediatas para a sua sobrevivência e a de
seus familiares, eles passavam a disputar a sua sobrevivência social, cultural e
mesmo biológica em uma sociedade secularmente racista, na qual técnicas de
seleção profissional, cultural, política e étnica são feitas para que eles permaneça
imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradas e subalternizadas (MOURA,
1994, p. 160 ).
A atual posição de inferioridade socioeconômica do negro não deve ser relacionada
unicamente à sua condição no momento da abolição da escravidão. A afirmativa de que as
desigualdades raciais contemporâneas estão só residualmente ligadas ao legado da escravidão
deve-se “à continua operação de princípios racistas de seleção social” (MOURA, 1994, p. 42).
Conforme Cavalleiro (2000), a ideologia da “democracia racial” aparece como um
elemento complicador da situação do negro. Essa ideologia, embora tenha se fundamentado
nos primórdios da colonização e tenha servido para proporcionar a toda sociedade brasileira o
orgulho de ser vista no mundo inteiro como sociedade pacífica, persiste fortemente na
atualidade, mantendo os conflitos étnicos fora do palco das discussões. Embora ainda exerça
muita influência na sociedade, pouco contribui para melhorar concretamente a situação dos
negros. Representa uma falácia que serve para encobrir as práticas racistas existentes no
território nacional e isentar o grupo branco de uma reflexão sobre si mesmo.
Moura, ao questionar a existência dessa ideologia, afirma:
20
O racismo brasileiro na sua estratégia e nas suas táticas age sem demonstrar a sua
rigidez, não aparece á luz, é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente nos
seus objetivos. Não podemos ter democracia racial em um país onde não se tem
plena e completa democracia social, política, econômica, social e cultural (MOURA,
1994, p. 160).
Um país que tem na sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com
concentração fundiária e de rendas maiores do mundo, um país no qual a concentração de
rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade de usufruir um
padrão de vida decente; que tem trinta milhões de menores abandonados, carentes ou
criminalizados não pode ser uma democracia racial, como diz Moura (1994, p. 48).
Para Abdias do Nascimento (1983, p. 28), a democracia racial constitui um
instrumento da hegemonia branca brasileira que mascara um processo genocida, constituindo
uma fachada despistadora que oculta e disfarça a realidade de um racismo tão violento e
destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul.
Outra face perversa dessa ideologia configura-se na sua apropriação pelos próprios
indivíduos negros que, em situação social desfavorável, “apreende a visão que a sociedade
construiu sobre eles, levando-os a reproduzir preconceitos e atitudes discriminatórias dirigidas
a seu próprio grupo étnico, o que, também, tendencialmente, lhe causa a própria autonegação”
(HANSEBALG, 1990, p. 16).
Dessa forma, para Cavalleiro (2000, p. 30), o racismo no Brasil foi denominado
“racismo cordial”. Mesmo sendo, tal denominação imprópria, ela marca a falência da
democracia racial. Esse racismo, erroneamente denominado cordial, acarreta grandes
prejuízos para aqueles que lutam diariamente contra um inimigo “invisível”, que não aparece
em hora, situação ou lugar predeterminados. Sua ação, porém, é cruel para aqueles que, sob
uma pele negra, buscam a sobrevivência física e emocional próprias e de seus familiares. Em
21
conseqüência desse racismo, o negro vê-se impedido de participar de um processo que deveria
primar pelos amplos princípios que norteiam a
construção da cidadania plena.
Nascimento (1983), aponta que um estado de terror vigora desde 1890, no qual o
negro vem sendo o preso político mais ignorado desse país. Por ser negro, por praticar suas
tradições de origem, isto é, por razões políticas, até hoje ele é tima predileta da violência
policial. O negro é o primeiro a ser preso, escolhido a dedo em “batidas” e buscas em geral
violentas. Tal arbitrariedade confirma o dito popular: “branco correndo é atleta; preto
correndo é ladrão”.
Segundo Cavalleiro (2000), são várias as manifestações em que se pode comprovar a
existência de discriminação étnica em relação aos negros, considerando que a realidade
brasileira apresenta um corte incisivo entre brancos e negros: brancos, na sua maioria,
recebem maiores salários e, no caminho contrário, negros, em sua maioria, encontram-se na
base da estrutura social, sem vislumbrarem possibilidades de melhoria em sua condição de
existência e com mobilidade decrescente. Fatores como esses são encobertos por um “véu
alegórico” que falseia a realidade e dificulta aos brasileiros enxergarem o problema existente,
bem como a sua contribuição e seu favorecimento para a manutenção desse quadro de
desigualdade existente no nosso país.
1.1 A Condição do Negro na Educação
Os estudos de Hasenbalg (1979), sobre as décadas de 40 e 50 mostram as
desigualdades entre negros e brancos na educação. Os dados mostrados por ele revelam que o
total da população alfabetizada era de 38,2%, sendo 46,9% de pessoas brancas alfabetizadas e
22,6% de negros alfabetizados, havendo uma diferença de 24,3% entre brancos e negros. Na
22
década de 50, o total de pessoas alfabetizadas era de 42,6% sendo 52,7% de brancos e de
25,7% de pessoas não brancas, resultando numa diferença entre os grupos raciais de 27,0%.
Conforme nos diz o autor, a população não branca teve uma expansão de acompanhamento no
sistema educacional, elevando sua taxa de alfabetização. o processo educacional de não
brancos foram mais lento que os do grupo não branco. Com relação ao grupo de conclusão de
escolaridade da população negra, quando se considera a educação em nível superior, na
década de 40, a desigualdade era exorbitante. Ainda segundo Hasenbalg a possibilidade de os
brancos, em relação aos negros, concluírem o curso universitário era de 13,7 vezes maior. Ele
nos mostra:
No país como um todo, em 1940, os brancos tinham uma possibilidade 3,8 vezes
maior de completar a escola primária que os não brancos. Em 1950, a possibilidade
era 3,5 vezes maior na escola primária, 11,7 vezes maior na escola secundária e 22,7
vezes maior no nível universitário. Inequivocamente, entre 1940 e 1950, a população
não-branca manteve sua posição relativa no nível da escola primária, onde o
numero total de formados aumentou 245% naquela década. Nos níveis secundários e
universitários, onde o número de diplomados aumentou de 175% e 48%,
respectivamente, a posição relativa dos não-brancos deteriorou-se. Em 1950, os
brancos, representando 63,5% da população total, detinham 97% dos diplomas
universitários, 94% dos secundários e 84% dos diplomas da escola primária
(HASENBALG, 1979, p. 86).
O que se percebe pelos dados apresentados pelo autor é que quanto mais alto é o grau
de estudo obtido menor é o número de negros no espaço educacional.
Hasenbalg e Silva nos mostram pelos dados do PNAD de 1982, no que diz respeito
ao acesso no sistema escolar, uma proporção mais elevada de crianças o-brancas ingressa
tardiamente na escola. Além disso:
[...] a proporção de pretos e pardos que não têm acesso de todo à escola é três vezes
maior que a dos brancos. Estas desigualdades não podem ser explicadas nem por
fatores regionais, nem pelas circunstâncias sócio-econômicas das famílias. Embora
uma melhor situação sócio-econômica reduza a proporção de crianças que não têm
acesso à escola independentemente de sua cor, ainda persiste uma diferença clara
nos níveis gerais de acesso entre crianças brancas e não-brancas mesmo nos veis
mais elevados de renda familiar per capita (HASENBALG & SILVA, 1990, p. 99).
23
Rosemberg (1987), que também estuda esta temática nos mostra, analisando dados
do PNAD também de1982 que para todas as séries do primeiro grau, os alunos negros,
incluindo pretos e pardos, apresentam índices de exclusão e de repetência superior aos alunos
brancos. As crianças negras não tendia a repetir de ano com maior freqüência que as
brancas, como também saiam do sistema de ensino antes de completar as séries iniciais.
Somente 59,4% das crianças negras que freqüentavam a série do Grau conseguiram ser
aprovadas no final do ano, enquanto que entre os alunos brancos esse índice foi 71,4%. A
evasão escolar na passagem da para a série era mais comum entre as crianças negras,
ocorrendo uma evasão a cada dez crianças. Entre os brancos, a proporção era de uma evasão a
cada vinte crianças. As desvantagens na educação do negro são contínuas como podemos
notar em dados mais recentes do IPEA, onde confirma o que nos já havíamos concluído.
Para todas as idades a diferença da escolaridade média entre brancos e negros é de
dois anos ou mais. O analfabetismo é três vezes maior entre negros de 15 a 25 anos do que
brancos da mesma idade. Somente 3% da população negra de 25 anos ou mais tem onze anos
de estudo ou mais. A proporção equivalente para os brancos é de 13% ou quatro vezes mais.
Conforme Nigel Brooke, (2002), as desvantagens são ainda maiores do que a
população da África do Sul. Tido, por muitos anos, como o pior exemplo da discriminação
racial em função do sistema político do apartheid, a proporção de negros indo para ensino
superior naquele país é de 15%. Enquanto isto, no Brasil, pelos dados do INEP (ano), somente
2,2% dos que cursam o ensino superior no Brasil são negros.
Dessa forma para que exista uma inclusão maior da população negra na escola é
necessário que se tenham políticas públicas em que sejam desenvolvidos projetos de ação
afirmativa para a população negra. Enfrente as dificuldades encontradas pela comunidade
negra em permanecer na escola. Fundamentalmente realizando ações políticas sociais e
24
pedagógicas no sentido em fazer com que as crianças e os jovens negros e negras não
abandonem a escola para trabalhar.
Conforme Nigel Brooke (2002), mesmo havendo prova contundente da desvantagem
educacional do negro existem justificativas para um tratamento diferenciado. Pode-se atacar a
raiz das diferenças raciais através de políticas de ação afirmativa na esfera educacional. Sem a
ação Afirmativa, as mudanças vão ser extremamente lentas. Os mesmo dados do IPEA
mostram que entre 1992 e 1999 a proporção de negros de 18 a 25 anos que ainda não
ingressaram no ensino superior baixou de 98,5 para 97,7% - uma redução de 0,7 num prazo de
sete anos. Ao mesmo tempo, a redução para a prolação branca foi de 3,5% ou seja, no ritmo
atual, algumas das desvantagens educacionais dos negros certamente não desaparecerão
sozinhas. Pelo contrário, seguindo tendências atuais, podem até aumentar.
Se não houver uma intervenção explícita, com o objetivo de aumentar o acesso e a
permanência dos negros e das negras dentro do sistema educacional, as diferencias
educacionais perdurarão, com tudo o que isso significa para a manutenção do sistema de
estratificação racial, para a distribuição desigual da renda e para perpetuação da desigualdade
no exercício dos direitos humanos e civis que tanto dificultam a consolidação da democracia
no país.
1.2 Condição Racial e Ação Política
Durante a escravidão, conforme Valente (1994), manifestações de protesto, como
fugas insurreições, organização de quilombos ou demonstrações de resistência cultural foram
constantes no Brasil. Fatos que também podem ser estendidos para a realidade de Mato
Grosso, conforme os trabalhos de autoras como Madureira (2002) e Volpato (1993). Algumas
25
vezes os escravizados chegavam até cometer suicídio. “Abolida” a escravidão, tendo sido
lançado a uma
situação de miséria absoluta, os
negros procuraram se organizar. Passando o
primeiro impacto da “liberdade”, foram várias as associações que surgiram para combater o
preconceito e a discriminação raciais. Pode se dizer que associação entre os negros se impôs
na medida em que eram discriminados e impedidos de ingressar nas organizações sociais,
majoritariamente, “brancas”. Dessa forma os negros, que não são e não podem ser
considerados associativos “por natureza”, foram obrigados a construir uma espécie de
“mundo paralelo” com características próprias, mas não necessariamente diferente do “mundo
dos brancos”.
Cerca de quarenta anos após a abolição da escravatura, houve uma mudança na
forma de os grupos e as associações negras lutarem por um espaço na sociedade que os
discriminavam. As reivindicações tornaram-se mais combativas e assumiram cunho
explicitamente político-ideológico.
Em 1930, época de grande inquietação política no país, foi fundada a Frente Negra
Brasileira. A Frente Negra foi um movimento social que ajudou muito nas lutas pelas
posições do negro. Existiam diversas entidades negras. Todas essas entidades cuidavam da
parte recreativa e social, mas a Frente veio com um programa de luta para conquistar posições
para o negro em todos os setores da vida brasileira. Um dos seus departamentos, inclusive,
enveredou pela questão política, porque chegaram à conclusão de que, para conquistar o que
desejava, teria de lutar no campo político, teria de ter um partido que verdadeiramente os
representasse. O êxito imediato dessa organização foi grande. Logo após sua fundação,
contava com milhares de membros. O núcleo dirigente ficava em São Paulo, capital, com
ramificações pelo interior e outros estados.
26
A Frente Negra Brasileira tinha por objetivo integrar o negro à estrutura de classe.
Sua proposta era, portanto, de assimilação. O objetivo principal era garantir que o negro fosse
bem-aceito e ascendesse na sociedade. Por essa razão, estimulava o trabalho, o estudo, a
poupança para a compra da casa própria, entre outros valores que credenciavam os membros
da organização como “pessoas sérias e de bem”.
Para melhor divulgar suas idéias, a Frente Negra criou um jornal próprio, de nome A
Voz da Raça. Em 1936, foi transformado em partido político: Partido Frente Negra Brasileira.
Não foi fácil obter o registro de partido. Muitas discussões sobre a
constitucionalidade ou não da criação de um partido político negro marcaram o episódio. A
Constituição brasileira declara que todos são iguais perante a lei. Por isso questionava-se a
existência de um partido que apontava para a diferença e, por que não dizer, para a
desigualdade.
Apesar dessa polêmica de registro da frente Negra como partido, o mesmo acabou
sendo aceito, ainda que por um curto espaço de tempo, uma vez que o golpe de 1937,
instituindo o Estado Novo e a ditadura de Vargas promoveu o seu fechamento conforme diz
Andrews (1998).
Depois da Frente Negra Brasileira, outras entidades negras surgiram, mas não foram
tão significativas e durou pouco tempo.
Outro autor que faz uma abordagem da trajetória de negros desde a abolição até o
termino da segunda guerra mundial é Florestan Fernandes que vai discorrer sobre aspectos da
migração da utilização do negro no mercado de trabalho e nas posições intermediarias:
O populismo da alento e as reforçam [...] as novas oportunidades de trabalho e de
ascensão social desdobravam para os setores que poderiam retomar a inquietação
racial múltiplas vias de classificação no sistema ocupacional[...] A massa negra
trabalhadora submerge na luta de classes, que atingia densidade [...] O ‘novo negro’
27
pretendia a igualdade social conquistada como processo natural (FERNANDES,
1989, p. 39).
Segundo Andrews (1998), a República foi derrubada; o domínio dos fazendeiros
estava terminando. Mas o que iria substituí-lo? Entre 1930 e 1937, uma agitação de interesses
políticos e econômicos conflitantes entre as elites agrárias, sindicatos, industriais, oficiais
militares, classe média urbana, comunistas, fascista, republicanos movimentou,
acirradamente, o cenário na tentativa de si definir a nova ordem política, recorrendo em mais
de uma ocasião à violência armada. No decorrer da década, de 30 estas lutas tornaram-se
suficientemente intensas para que, em 1937, o presidente Vargas e seus conselheiros as
usassem como justificativa ou pretexto, para estreitar o processo político, abolir os partidos
políticos e impor ao país a ditadura, o Estado Novo de inspiração fascista.
Vargas não desapontou seus partidários negros. Após um mês no cargo, criou o novo
Ministério do trabalho e instruiu seus funcionários para começar a trabalhar em um pacote de
programas e reformas que visavam melhorar a posição dos trabalhadores brasileiros. Um dos
primeiros produtos deste planejamento foi à lei da Nacionalização do Trabalho, promulgada
em 1931, cujo objetivo era “defender o trabalhador nacional da concorrência do estrangeiro”,
requerendo que as empresas industriais e comerciais mantivessem uma força de trabalho que
fosse composta por pelo menos dois terços de brasileiros natos. Vargas também tomou
medidas para reduzir as cotas de imigração e falou sobre a necessidade de se proteger contra a
formação de “quistos de influência estrangeira” em solo brasileiro. Estas palavras soaram
como música aos ouvidos da população negra de São Paulo. Aclamando Vargas como o ‘pai
dos pobres’, os afro-brasileiros reuniram-se para apoiá-lo, o que continuaria até o seu suicídio
em 1954.
28
Os afro-brasileiros também se movimentaram para aproveitar a abertura política
criada pela destruição da ordem republicana, organizando ‘a legião dos homens negros’ que o
Jornal Clarim da Alvorada invocou pela primeira vez em 1925.
Um dos participantes de maior destaque da vida cívica negra em São Paulo durante a
década de 1920, e freqüente colaborador da imprensa negra, foi Arlindo Veiga dos Santos, um
migrante da Bahia que trabalhava como secretário da Faculdade de Direito e jornalista em
tempo parcial. Dos Santos trabalhou com José Correia Leite e Jayme Aguiar em seus esforços
para organizar o Congresso da Juventude Negra, e também foi presidente do Centro Cívico
Palmares. Em setembro e outubro de 1931, Santos convocou uma série de encontros públicos
para discutir uma nova organização negra, explicitamente política, para complementar o
trabalho de palmares. Tanto a freqüência quanto os sentimentos expressados nesses encontros
deixaram claro que havia um apoio público substancial para um movimento desse tipo, e em
12 de outubro do mesmo ano a Frente Negra Brasileira foi oficialmente inaugurada.
Vários fatores combinaram-se para produzir esta onda de apoio. Um deles foi sem
dúvida a dificuldade econômica e as pressões exigindo mudanças políticas no Brasil. A
suposição de que a política era exclusivamente uma atribuição da elite e da qual o povo estava
rigorosamente excluído foi seriamente questionada durante as décadas de 1910 e 1920 e agora
parecia ter sido derrubada pela Revolução de 1930. Juntamente com os trabalhadores brancos
e com a classe média branca, os negros clamaram para serem incluídos na participação
política mais ampla que aquela revolução parecia pressagiar. Uma reportagem de um dos
principais jornais negros sobre os encontros de organização da frente comentou sobre a
atmosfera palpável de esperança e expectativa.
O negro queria participar da política, pois se sentia como o maior beneficiado
daquela revolução de 1930. Apeados do poder foram os escravocratas, os homens
que mais espezinhavam os negros. Então era a hora do negro participar
(ANDREWS, 1998, p. 231).
29
Até mesmo jornais negros relativamente conservadores, como o Progresso, que
durante a década de 1920 havia tentado reduzir a extensão da discriminação e do racismo na
cidade, e pedido moderação e acomodação a seus leitores, não pode resistir à excitação:
Na hora em que o Brasil vai reunir o seu congresso constituinte em 1933, dando uma
nota ao Brasil novo, os homens e as mulheres da raça negra deveriam compreender e
batalhar para que nesse congresso o negro tenha a sua representação de seus
legítimos irmãos de raça. Homens e mulheres da raça negra, batalhe com ardor para
que no alto conselho da nação a voz do negro se levante como uma tuba de guerreiro
impondo ao Brasil, para a raça, os esplendores da justiça (ANDREWS, 1998, p.
231).
A organização expandiu-se rapidamente por todo o Estado de São Paulo, para o sul
de Minas Gerais e Espírito Santo, frentes independentes também foram criadas na Bahia e no
Rio Grande do Sul.
Níveis comparáveis de esforço foram canalizados para uma variedade de programas
destinados a melhorar a situação da população negra de São Paulo. A Frente subvencionou
cursos de alfabetização e vocacionais para adultos, e montou uma escola elementar. Criou
uma clínica que oferecia cuidado médico e odontológico a baixo custo, e seu departamento
legal proporcionava assistência aos membros envolvidos em disputas com os proprietários de
terra ou com os patrões. Também oferecia benefícios de auxilio mútuo e estabelecendo uma
cooperativa de crédito como parte de uma campanha ‘compre sua casa própria’, destinada a
ajudar os afro-brasileiros a escaparem dos porões fétidos do centro da cidade, comprando
terrenos e casas no então subúrbio periférico de Jabaquara.
A declaração da organização de um número de 100 mil membros espalhados por
todo o Brasil é evidentemente exagerada; até a estimativa de Michael Mitchell (Apud
ANDREWS, 1998) de 6.000 membros em São Paulo, mais 2 mil em Santos e um número
indeterminado em divisões espalhadas em torno do Estado pode ser elevada. Embora a maior
parte dos membros pareça ter sido de origem pobre e da classe operária, somente aqueles que
30
ascenderam para empregos de colarinho branco ou profissionais liberais podiam aspirar a se
juntar à liderança.
Fosse qual fosse o seu número, os membros da Frente eram aparentemente muito
poucos para exercer qualquer impacto sobre a política eleitoral do Estado. Apesar de uma
longa campanha para registrar seus membros como eleitor e a Frente não ter eleito nenhum
candidato durante seus sete anos de existência, e até experimentou alguma dificuldade em seu
registro como partido político.
Apesar de suas derrotas eleitorais, a Frente obteve algum sucesso como grupo de
pressão e lobby em questões que envolviam a discriminação racial. Conseguiu eliminar as
políticas de admissão de somente brancos nos rinques de patinação da cidade e em outros
locais de lazer público. Também retomou a questão do ingresso de negros na Guarda Civil,
que o Centro Cívico Palmares havia tentado resolver na década de 1920. Embora não
houvesse nenhuma lei nos estatutos impedindo o ingresso dos negros, a discriminação
informal continuava a compor um obstáculo aos candidatos negros. Para Andrews (1998, p.
233) “Isto poderia ter sido prognosticado a partir da reação do comandante da Guarda ao
decreto de 1928: com a entrada de negros, podemos abrir a porta a morféticos e a portadores
de defeitos físicos”.
Responsabilizando a administração interna da Guarda Civil de São Paulo, que era
composta, em sua maioria, de estrangeiros, a frente apelou diretamente ao presidente Vargas,
que, após receber uma delegação da liderança da Frente ordenou à Guarda que alistasse
imediatamente 200 recrutas negros. No decorrer da década de 1930, cerca de 500 afro-
brasileiros ingressaram na milícia do Estado, um dos quais ascendeu até o posto de coronel.
Durante a República Velha, o governo havia se esforçado para destruir o movimento
operário, denunciando seus líderes como estrangeiros sediciosos e os deportando. Na década
31
de 1920, o Partido Democrático fez acusações similares contra o Republicano, comentando
sobre o número substancial de empresários estrangeiros na ala industrial do Partido
Republicano e a manipulação fraudulenta pelos republicanos dos ‘votos’ dos colonos italianos
no campo. Segundo os democratas, isso resultou no ‘fato tão patente’ que sob o domínio
republicano
,
São Paulo vai desnacionalizando, graças à contubérnia do partido dominante
com esses ignóbeis elementos alienígenas” (ANDREWS, 1998, p. 294).
O nativismo nascente da década de 1920 floresceu plenamente na atmosfera
acalorada e politicamente carregada da década de 1930, e o nacionalismo extremo constituiu
um tema constante no discurso político daqueles anos, particularmente da Direita. Os
integralistas rotineiramente denunciavam o controle da economia do Brasil por banqueiros e
capitalistas estrangeiros, publicavam uma literatura anti-semita tão grosseira que atraiu a
atenção favorável do jornal nazista alemão Der Sturmer, e promovia um programa de
barulhento nacionalismo econômico e cultural. Até porque segundo Moura:
O modo de produção que existe no Brasil é o capitalismo independente. As relações
de produção determina, em última instância, a estrutura básica da nossa sociedade,
alocam no espaço social diversas classes e frações de classes que, por seu turno, são
dinamizadas de acordo com o nível da luta de classes (MOURA, 1988, p. 47).
Durante a década de 1920, os jornais negros publicaram repetidas denúncias de
discriminação por parte dos imigrantes contra os negros, principalmente nas áreas de emprego
e serviços públicos, com a esperança de que os imigrantes daqui se evadissem.
Procurarem outras pátrias, se transportarem para outros países onde não existem
exemplares de pretos, dessa gente imbecil, atrasada e inferior que por aqui é
encontrada em tão grande escala. Deixe-nos aqui tranqüilos e ignorantes; mudem-se
para os grandes núcleos civilizados (ANDREWS, 1998, p. 237).
Ou, como declarou um outro jornal negro, se os imigrantes não quisessem ficar perto
dos negros, toda semana havia navios saindo para a Itália.
32
O ano de 1928 marcou a última afirmação anteriormente otimista de o Clarim da
Alvorada, de que vivemos em comunhão perfeita, não somente com os brasileiros brancos,
como também com o próprio elemento estrangeiro”. Em 1930, seu editor inverteu o curso
para denunciar ‘as colônias estrangeiras’ que se organizavam a fim de promover ações de
preconceito, permitindo em seus meios a participação apenas de brasileiros não negros; ao
passo que berravam sem receio a inferioridade dos negros. O Progresso concordou, noticiando
uma onda crescente de racismo em São Paulo: “São sempre desagradáveis esses fatos,
principalmente quando a intolerância parte de elementos que também não estão em casa
própria ou seja, os imigrantes”
(ANDREWS, 1998, p. 239).
Os paralelos entre a orientação antiimigrantes da frente e aquela do movimento
integralista são impressionantes, assim como outros pontos em comum dos dois movimentos.
Ambos compartilhavam um grande menosprezo pela democracia liberal e, apesar de sua
rejeição das filosofias políticas estrangeiras, uma admiração explícita pelo fascismo europeu.
Em um editorial de 1933 saudando a ascensão de Adolf Hitler ao poder, Arlindo Veiga dos
Santos parabenizava-o por ter salvado a Alemanha das mãos do ‘cosmopolitismo judaico’ e
do ‘ópio entorpecente de 14 anos de Republica Liberal Democrática’. A Voz da Raça relatou
de forma admirável as realizações do nazismo e do fascismo ao instilar disciplina e
patriotismo em seu povo.
Esta admiração pelo autoritarismo estendia-se ao próprio sistema de controle interno
da frente: os dirigentes não eram escolhidos por eleição, mas por funcionários encarregados
dessa tarefa e, a organização, como um todo, era policiada por uma ‘milícia’ moldada nos
camisas verdes integralistas e comandadas por Pedro Paulo Barbosa, um dedicado
anticomunista e admirador de Mussolini.
33
Aliando-se cada vez mais ao fascismo e ao integralismo a organização chegou a
adotar como seu o lema dos integralistas ‘pela família, pelo país e por Deus’, modificando-o
um pouco e acrescentando ‘pela raça’, no decorrer da década de 1930, a frente
progressivamente retirou o apoio aos moderados e a esquerda negra, o que levou os
dissidentes na capital a criar o rival Clube Negro de Cultura Social e uma pequena frente
negra socialista. A divisão de Santos, finalmente cortou seu vínculo com a organização central
e fez uma aliança eleitoral com o partido socialista. Em a Voz das Raças, Santos respondeu a
esses dissidentes com ataques violentos aos ‘Judas de sua raça’ e enviando uma milícia da
Frente Negra Brasileira para destruir o escritório de um jornal negro que criticou a
administração de Santos.
Estas divisões amargas, quando associadas ao tamanho pequeno do voto negro,
impediam a Frente de algum dia atingir seu objetivo, de se tornar uma força política em São
Paulo.
Uma das características importantes de
A voz da Raça se é que ela possuía alguma - em meados da cada de 1930 era a
ausência de um comentário político específico e concreto sobre os acontecimentos
do dia. Um editorial sobre as eleições para o congresso de junho de 1937 não
oferecia endossos específicos, mas simplesmente expressava a confiança de que os
negros votariam naqueles candidatos que melhor servissem seus interesses
(ANDREWS, 1998, 239).
Em dezembro de 1937, Getúlio Vargas deu o golpe de misericórdia, proibindo todos
os partidos políticos e pondo fim á política eleitoral no Brasil. Mesmo neste ponto, a Frente
procurou lutar por uma barganha, oferecendo o apoio dos negros á ditadura de Vargas em
troca das concessões que ela tinha buscado sem êxito através da política eleitoral. Saudando o
Estado Novo como a reafirmação da identidade nacional e a essência da brasilidade, A Voz da
Raça prosseguiu, expressando que: “estamos certos que os legisladores, conscienciosos de
suas altas responsabilidades, não deixaram passar desapercebidos, e a margem, os negros que
34
tantos benefícios prestaram e querem continuar a prestar ao país” como afirma Andrews
(1998, p. 240).
Mas os líderes da frente estavam errados. Não havia nenhum legislador no Estado
Novo. Os anos de 1937 a 1945 constituíram um ponto alto do autoritarismo no Brasil, um
período durante o qual as liberdades políticas e intelectuais estavam severamente circunscritas
e não havia vias institucionais para a expressão de dissidências e oposições políticas. As
organizações de massas capazes de constituir uma ameaça ao governo eram reprimidas,
destino final do movimento integralista, ou mantidas sob controle firme do Estado, destino
dos sindicatos. As organizações demasiado pequenas ou divididas para ameaçar o governo
tinham permissão de morrer de morte natural, o que acabou acontecendo com a Frente Negra
Brasileira em maio de 1938, apenas alguns dias após o abortivo levante integralista no Rio de
Janeiro e ironicamente, o qüinquagésimo aniversario da abolição.
Os negros e brancos de classe media de São Paulo mostraram-se igualmente
vulneráveis a sedução do nacionalismo xenofóbico e do autoritarismo político. Rompida pela
resultante polarização entre uma direita de inspiração fascista e uma esquerda mais fraca,
apoiada nos trabalhadores, a Frente repetiu em um microcosmo a trajetória da política paulista
e brasileira como um todo durante a década de 1930.
Se a pobreza, a ignorância e a confusão evitaram que os afro-brasileiros atingissem
seus objetivos políticos, também evitaram que toda a Nação realizasse a aparente promessa da
década de 1930 de uma participação ampliada e uma democracia genuína, tanto racial quanto
política. Mas mesmo que as causas dos fracassos da Frente Negra tenham transcendido a
população negra e afetado toda a sociedade brasileira, a experiência não foi menos amarga
para aqueles que dela participaram. Como resultado, quando a ditadura Varguista caiu em
1945 e o Brasil partiu para uma nova experiência na democracia, a Segunda República, os
35
membros da classe média negra rejeitaram as proposta de fazer reviver uma organização
política negra e, em vez disso, dedicaram-se a capitalizar as oportunidades apresentadas pelo
crescimento econômico acelerado de São Paulo.
A imposição da ditadura de Vargas em 1937 marcou o fim de um período de intensa
mobilização política na comunidade negra e também no Brasil em geral. As organizações
negras não desapareceram completamente sob a ditadura; as sociedades de dança e os clubes
sociais continuaram a funcionar, e o regime de Vargas estimulou ativamente o
desenvolvimento das escolas de samba, embora agora sob controle estrito do Estado. As
organizações cívicas também continuaram a operar e uma delas – a Associação José do
Patrocínio – teve sucesso ao solicitar ao presidente Vargas que proibisse anúncios de emprego
racialmente discriminatórios nos jornais de São Paulo.
O apelo da associação á ditadura sugere algumas das oportunidades que o populismo
autoritário de Vargas criou para que os grupos não pertencentes á elite buscassem seus
objetivos e interesses coletivos. A administração de Vargas foi muito mais receptiva do que
dos seus predecessores republicanos ao interesse dos brasileiros pobres e pertencentes à classe
trabalhadora, que logo aprenderam como explorar as aberturas criadas pela mudança de
regime. Ao mesmo tempo, entretanto, o objetivo da política social e trabalhista do Estado
Novo era estabelecer o controle mais eficiente possível sobre os pobres e a classe trabalhadora
do país para usá-los como uma base essencialmente passiva de apoio político, e também como
uma fonte de mão-de-obra barata e aquiescente para a economia mundial em expansão. Em
vista disso, o Estado Novo não constituiu um ambiente particularmente favorável para a
organização política independente e baseada na massa popular, quer na comunidade negra,
quer na sociedade em geral.
36
A queda da ditadura em outubro de 1945 desencadeou uma onda de tentativa de
reconstituir o movimento negro da década de 1930. A Convenção Nacional dos Negros
Brasileiros teve lugar em novembro, na capital do Estado, com o objetivo de formular uma
plataforma de demandas a serem apresentadas à esperada Assembléia Constituinte, que iria
escrever a nova Constituição para a segunda República. A imprensa negra de São Paulo,
extinta desde 1937, imediatamente reapareceu com a fundação do Alvorada em setembro de
1945, do Senzala em janeiro de 1946 e de O Novo Horizonte em maio de 1946. O editor do
Alvorada, José Correia Leite editor de O Clarim da Alvorada durante a década de 1920 e
1930 - esperava usar sua publicação como meio para formar uma nova organização cívica, a
Associação dos Negros Brasileiros. Mas seu trabalho nesta área não deu fruto, nem os
esforços para a candidatura de negros às eleições para o Congresso no início da década de
1950.
Estes esforços dos afro-brasileiros em São Paulo e em outros estados para se
organizarem em movimentos raciais e participarem da democracia recém-estabelecida
provocou um considerável antagonismo entre os brancos. Os ataques às novas organizações
dos negros apareceram na imprensa paulista em 1947 e no Rio de Janeiro durante as eleições
de 1950, conforme Andrews (1998) ao transcrever matéria divulgada no Correio Paulista de
1950.
Teatro negro, jornal negro, clube de negros. Agora se fala mesmo em candidatos
negros ao pleito de outubro. Pode se imaginar um movimento pior ou mais danoso
ao espírito indiscutível da nossa formação democrática? Vale a pena combatê-lo
desde de logo, sem prejuízos dos direitos que os homens de cor reclamam e nunca
lhes foram recusados. Do contrario, em vez de preconceitos de brancos
paradoxalmente teremos preconceito de negros. A tais extremo conduzem não
racismo que não existe entre nós mas o espírito de imitação supostamente dos
movimentos negros nos Estados Unidos, mal digerido e cuja conseqüência mais
nefasta talvez seja o estabelecimento de um sistema por todos os tipos abominável:
os indivíduos passariam a ser isto ou aquilo, a ocupar cargos determinados, não pelo
seu valor pessoal que os recomendasse, mas por serem pretos ou não serem. A
pigmentação cutânea entraria a valer como prova de títulos (CORREIO PAULISTA,
1950, apud ANDREWS, 1998, p. 285).
37
O que incomodava os críticos das organizações negras não era que a cor da pele
pudesse se tornar um fator determinante na competição pela mobilidade ascendente; isto não
teria sido nada de novo na sociedade brasileira, e os brancos haviam aprendido a conviver
com ela de uma maneira absolutamente confortável. Ao contrário, como deixa claro a
passagem acima citada, seu medo era que uma preferência pela brancura pudesse ser
substituída por uma preferência pela negritude, dadas as realidades da vida no Brasil, tanto as
passadas quanto as presentes.
Não obstante, a mera sugestão de um desenvolvimento desse tipo é suficiente para
mobilizar um grande segmento da população branca que tenta então se apoderar do terreno
elevado da moral através de denúncias piedosas de ‘racismo às avessas’ entre os negros.
Essas acusações revelam a profunda inquietação que a mobilização política dos
negros provoca entre a população branca. Duas inquietações originam-se de duas fontes. A
primeira é que a mobilização dos negros forçosamente recorda aos brasileiros que seu país
não é a democracia racial que declara ser; se fosse os afro-brasileiros não teriam queixas
especificamente raciais a fazer e não havia campo para um movimento negro. Os brancos não
gostam de ser confrontados com esse passado racial, tanto devido à culpa que sua memória
pode inspirar quanto devido ao seu medo do ressentimento e do desejo de vingança que se
pode esperar que os negros abriguem dentro de si após gerações desse tratamento.
A segunda fonte de inquietação dos brancos. Os brancos da classe média e alta do
Brasil são muito conscientes de que estão sentados no topo de uma sociedade muito tensa, em
que a maioria da população sofre as aflições diárias da pobreza e da raça. Estas tensões talvez
não sejam tão grandes quanto aquelas de sua sociedade escrava, porque a desigualdade que as
causam não são tão extremas quanto aquelas da escravidão. Apesar disso, durante os dias de
escravidão, os brancos compartilhavam o pesadelo coletivo do que poderia acontecer se os
38
pobres ou os negros atingissem um dia uma posição de poder a partir do qual pudessem
vingar essas mágoas.
Alguns argumentam que há pouca probabilidade disto algum dia acontecer, e que “se
entre negros ressentimentos e mesmo hostilidade contra os brancos, não constitui estes
sentimentos forças explosivas capazes de perturbarem a vida do Estado”. Outros, no entanto,
enxergam mais potencial para confrontação violenta e censuram publicamente esses
militantes negros e acadêmicos brancos que, atacando o conceito de democracia racial,
venham a “lançar as sementes capazes de mais cedo ou mais tarde ver o Brasil, já tão
atormentado por problemas de solução tão difícil, às voltas com um (problema) ainda mais
explosivo, que o nosso povo, instintivamente, marginalizou para seu orgulho” (ANDREWS,
1998, p. 287).
O principal esforço para amenizar esse antagonismo racial durante a Segunda
República foi à lei Afonso Arinos de 1951, que tornou ilegal a discriminação racial nos
serviços, educação e emprego público. O autor da Lei, o congressista Afonso Arinos de Melo
Franco, de Minas Gerais, declarou que apresentou o projeto de lei em resposta a atos de
discriminação que seu motorista negro sofreu nas mãos de imigrantes espanhóis e outros no
Rio de Janeiro. “Os agentes da injustiça racial eram quase sempre os gringos, ignorantes das
nossas tradições e incessíveis aos nossos velhos hábitos de fraternidade racial”. Na verdade, o
papel dos estrangeiros nas origens do projeto de lei foi precisamente o inverso. Franco
apresentou o projeto de lei ao Congresso após um episódio bastante divulgado em que a
bailarina afro-americana Katherine Dunham teve sua admissão negada no Hotel Esplanada,
em São Paulo, e protestou de publico e com veemência contra o incidente, algo que a maior
parte dos afro-brasileiros, “sensíveis aos nossos velhos hábitos de fraternidade racial, jamais
faria”. Em sua contestação escrita do mito da democracia racial, o incidente foi
39
profundamente constrangedor para a elite brasileira, e impeliu o Congresso a aprovar a
primeira lei antidiscriminação do país.
No relatório do comitê do Congresso endossando a lei, o congressista Plínio Barreto,
de São Paulo (membro do partido de Franco, a conservadora União Democrática Nacional)
lembrou a seus colegas deputados que acontecimentos como o de Dunham era
lamentavelmente comum no Brasil, e serviam para agravar e trazer a tona tensões raciais
que todos queriam evitar. A lei devia ser aprovada, declarou ele, como instrumento de
transformação da mentalidade racista que se denúncia entre nós, principalmente nas altas
esferas sociais e governamentais do país, com seguras e graves conseqüências para a paz
social futura.
É sabido que certas carreiras civis, como o corpo diplomático, então fechadas aos
negros; que a Marinha e a Aeronáutica criam injustificáveis dificuldades ao ingresso
de negros nos corpos de oficiais e que outras restrições existem em vários setores da
administração pública. Quando o Estado, por seus agentes, oferece tal exemplo de
odiosa discriminação, vedada pela Lei Magna, não é de se admirar que
estabelecimentos comerciais proíbam a entrada de negros nos seus recintos. Urge
pôr paradeiro a tal estado de coisas, cuja agravação contribuirá para que se
estabeleça, entre nós, uma verdadeira luta de raças (ANDREWS, 1998, p. 289).
Barreto prossegue, dizendo que se essa discriminação não fosse efetivamente
proibida por lei, o Brasil seguiria o caminho dos Estados Unidos, com seu ‘terrível problema’
de antagonismo racial e, embora ele não tenha declarado isso explicitamente, seu atuante e
agressivo movimento negro.
A Lei Afonso Arinos mostrou-se singularmente ineficiente na redução dos atos de
discriminação no Brasil, como reconheceu seu autor em uma entrevista de 1980. Apesar de
numerosas queixas terem sido feitas à polícia amparada na lei, Franco não soube de um único
caso de condenação. Em um esforço para superar as deficiências da lei, durante a década de
1980, os congressistas de São Paulo e do Rio de Janeiro introduziram uma série de leis
buscando fortalecer e estender suas provisões. Uma delas foi finalmente aprovada em 1988,
40
quando Carlos Alberto Oliveira e Benedita da Silva, ambos eleitos para o Congresso em 1986,
pelo Rio de Janeiro, conseguiram que uma versão mais forte e mais abrangente da Lei Afonso
Arinos, com penalidades bastante aumentadas para atos de discriminação, fosse incorporada à
nova Constituição. Nessa altura, o próprio Franco estava ainda no Congresso, e se opôs
veementemente a este esforço para fazer cumprir a lei, pelas mesmas razões que o motivaram
cerca de quarenta anos antes: medo do conflito racial. “Não acho bom; ela é inconveniente e
inoportuna. Pode surgir uma situação de antagonismo entre negros e brancos”.
Os lideres negros de São Paulo, e mais em geral no Brasil, têm sido historicamente
muito sensíveis a estes medos brancos de conflito racial e tentaram evitar formas de
mobilizações políticas e ações que os brancos pudessem perceber como ameaçadoras.
Cinqüenta anos mais tarde, a Frente Negra Brasileira informou ao público paulista,
através de artigos publicados na imprensa mais destacada, que seus membros “não desejam
provocar conflitos de raça, mas unicamente afirmar-se numa força capaz de reivindicar, para
os seus membros, uma participação mais honrosa na vida nacional”
.
Em 1946 e 1947, os
organizadores da abortiva Associação dos Negros Brasileiros logo reconheceram que suas
denúncias de racismo estavam lhe rendendo poucos amigos no mundo dos brancos; por isso,
reduziram estes protestos e reorientaram suas atividades para se concentrar na sua educação,
no auxilio mútuo e nos projetos de auto-ajuda.
Apesar disso, os medos com relação à militância negra persistiam, mesmo durante
um período como a década de 1950, quando essa militância continuou muito limitada em
escopo e não causou praticamente nenhum impacto do sistema público brasileiro.
A debilidade dos movimentos negros nesta época era em parte resultado da
experiência amarga da Frente Negra, que dissuadiu muitos afro-brasileiros de tentar mobilizar
a população negra ao longo de questões raciais. Entretanto, talvez ainda mais importantes
41
fossem as orientações das instituições da Segunda República, em particular o sindicato dos
trabalhadores e os partidos populistas apoiados nos trabalhadores.
Quando os afro-brasileiros ingressaram no emprego industrial, automaticamente
passaram a fazer parte do movimento operário regulamentado pelo Estado criado na década
de 1930 no governo de Getulio Vargas e mantido em vigor durante a Segunda República.
Embora não haja dados disponíveis sobre os sindicalistas por raça, a menção freqüente das
atividades sindicais na imprensa negra e a regularidade com que as organizações sociais e
culturais que utilizavam as salas e as instalações dos sindicatos para suas atividades sugerem
que os trabalhadores, e até mesmo as organizações negras, tiveram uma recepção
inesperadamente à luz da experiência prévia dos afro-brasileiros com as instituições oficiais
brasileiras calorosas no movimento sindical. Em meados da década de 1950, os afro-
brasileiros individualmente por estarem começando a se destacar em posições de liderança
sindical, uma tendência que se tornou pronunciados nas décadas de 1960 e 1970.
Estes sindicatos formaram a base de apoio eleitoral para os partidos políticos
populistas e de esquerda da Segunda República: o Partido Trabalhista Brasileiro, de Getúlio
Vargas, o Partido Comunista Brasileiro, e o Partido Social Progressista, fundado pelo
governador de São Paulo, Adhemar de Barros. Estes partidos competiam vigorosamente pelo
voto da classe trabalhadora e estavam ansiosos para inserir os trabalhadores negros em seu
sistema políticos, sob suas bandeiras. A participação nesses termos era bastante preferível à
absoluta falta de participação que caracterizou a Primeira República e o Estado Novo, e a
maior parte dos trabalhadores negros e brancos apoiaram os partidos populistas em troca dos
benefícios, tanto materiais quanto psicológicos, que aqueles partidos, particularmente o
Partido trabalhista Brasileiro, era capaz de proporcionar.
42
Quando os partidos populistas ofereceram aos eleitores negros um lugar nas
instituições da República, a maior parte dos afro-brasileiros voltou suas costas à idéia da
mobilização racial e, em vez disso, lançou seu apoio ao Partido Social Progressista, de
Adhemar de Barros, ou ao “pai dos pobres”, Getúlio Vargas, e seu Partido Trabalhista
Brasileiro.
Segundo Andrews (1998), a Segunda República mostrou ser um período em que as
organizações negras de São Paulo evitaram participação direta na política e, em vez disso,
concentraram suas energias nas atividades sociais, culturais e educacionais. Esta orientação é
aparente na dominação da mais bem sucedida dessas organizações, a Associação Cultural do
Negro, fundada em 1945, que patrocinou e assumiu um papel de liderança na coordenação das
comemorações da cidade do septuagésimo aniversário da emancipação, em 1958. Muitas de
suas atividades foram realizadas em conjunção com dois grupos teatrais que, nesse período,
também desempenharam um papel proeminente na vida da comunidade negra em São Paulo:
o Teatro Experimental do Negro e o Teatro Popular Brasileiro. Originalmente estabelecido no
centro da cidade em 1969, a associação mudou-se para os arredores afastados da Casa Verde,
onde funcionou até sua dissolução no final da década de 1970. Mas as lutas dos movimentos
negros são continuas em busca de níveis mais elevados na educação formal. As organizações
cada vez mais preparadas para lutar contra todo tipo de preconceito e discriminação na busca
por um mudo de igualdade onde o negro possa ser respeitado.
Hoje existe um grande debate para implementar políticas públicas que serão
desenvolvidas a partir de ações afirmativas. Onde se busca o espaço que é de direito da
comunidade negra. Buscando assim igualdade não só na Lei, mas sim a igualdade de
oportunidades. E para que isso ocorra é necessário que o negro tenha acesso a todas as áreas
de ensino para que possa ascender socialmente na mesma proporção que os brancos. Sabendo
que em nosso país, a condição racial constitui um
fator de privilégio para brancos e de
43
exclusão e desvantagem para os não-brancos. Dessa forma os movimentos têm o
compromisso de buscar a igualdade e qualidade de vida nas sociedades humanas.
CAPÍTULO 2
CLASSE SOCIAL, CONSCIÊNCIA POLÍTICA, E CONSCIÊNCIA RACIAL
Neste capítulo estaremos abordando, a questão de classes sociais, a consciência
política e a consciência racial. Mostrando que o preconceito de cor ou de raça está ligado
diretamente com a questão da posição de classe, e que as desigualdades raciais encontradas no
sistema capitalista está ligada também às desigualdades de classe. Abordaremos também a
forma como se vai tomando consciência lutando por iniciativas políticas que possam reverter
a situação marginal dos negros na sociedade brasileira e com isso abrindo novos caminhos
para manifestações de conscientização da raça.
As condições materiais de existência tanto aquelas que o indivíduo encontra
formadas, quanto àquelas que ele mesmo cria com o seu trabalho irão determinar o processo
de formação da sua consciência social e política e racial. Será a partir do lugar ocupado pelo
sujeito dentro do processo de produção que sua consciência começa a ser elaborada.
Mostrando que depende da relação que ele constrói que irá determinar a sua existência. Outro
ponto que devemos destacar e que será fundamental para compreendermos o processo de
formação das classes sociais, da consciência política e a consciência racial, e que elas estão
ligadas na condição da formação econômica e social é, antes de tudo, social.
45
2.1 Condição de Classe e Racismo
O conceito de classe como sabemos, ganhou universalidade e difusão através dos
escritos de Marx e dos que o procederam os chamados marxistas. Para mostrar que na
sociedade capitalista moderna, e burguesa, devia sua dinâmica e seu desenvolvimento à
exploração dos trabalhadores, Marx, (1967), não dando centralidade em sua analise da relação
social de trabalho no capitalismo as formas de coerção não econômicas tais como gênero,
etnia, idade, raça, religião, nacionalidade, etc. Sua intenção era encontrar e analisar a relação
de exploração entre capital e trabalho que fosse tipicamente capitalista. O argumento político
derivado dessa analise, que muito deve ao evolucionismo do século XIX, foi de que as classes
sociais capitalistas se formam prescindindo de qualquer uma daquelas formas de
sociabilidade, consideradas a partir daí como formas arcaicas, a serem superadas pelo próprio
regime capitalista.
Observa Guimarães, que tautologicamente e por definição, não se pode escapar do
fato de que as desigualdades raciais no capitalismo sejam também desigualdades de classe.
Do mesmo modo o preconceito de cor ou de raça só tem sentido se resultarem em posições de
classe, distinguindo branco de negros, no caso específico que estamos tratando. A constante
recriação de raças, gêneros e etnias continuam sendo um dos meios mais eficientes de gerar
exploração econômica e tal ‘tecnologia’ longe de ser suplantada no capitalismo tardio, tem
sido constantemente re-atualizada.
A análise de classe, enquanto estilo de explicação, se fundamenta no princípio de que
a estrutura social e sua reprodução dependem, fundamentalmente, da ação das classes. ‘Raça’
é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se ao contrário, de um
conceito que denota tão somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude
46
negativa frente a certos grupos sociais, informadas por uma noção específica de natureza,
como algo endodeterminado. O racismo é, portanto, uma forma bastante específica de
‘naturalizar’ a vida social, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e culturais a partir de
diferenças tomadas como naturais.
A atitude na qual se baseia o racismo, assim como todas as outras formas de
naturalização do mundo social, está presente para ficar como exemplos corriqueiros, banais e
para muitos, inofensivos quando se considera que alguém, portador de uma certa identidade
racial ou regional deve ser tratado de forma diferenciada. Se formos assimilacionistas ao nos
identificar, temos forçosamente de discriminar o outro racial pelas diferenças (marcas físicas e
culturais) que não conseguimos assimilar.
O racismo brasileiro, para Guimarães (2003), estaria umbilicalmente ligado a uma
estrutura estamental, que o naturaliza, e não à estrutura de classe, como se pensava. Na
verdade, também as desigualdades de classe se legitimariam através da ordem estamental. O
combate ao racismo, portanto, nesse sentido, começaria pelo combate à institucionalização
das desigualdades de direitos individuais. Ainda que o racismo não se esgote com a conquista
das igualdades de tratamento e de oportunidades, está seria a precondição para extirpar as suas
conseqüências mais nocivas.
Os brasileiros se imaginam numa democracia racial. Essa é uma fonte de orgulho
nacional, e serve, no nosso confronto e comparação com outras nações, como prova
inconteste de nosso status de povo civilizado. O Brasil pode ser descrito como uma sociedade
onde as distinções de classe são profundamente marcadas, onde classe e cor sobrepõem-se,
mas não coincidem, onde a ‘raça’ é matéria de foro individual e de preferência pessoal, ao
invés de filiação coletiva.
47
Para Guimarães, a linguagem de classe e de cor no Brasil, sempre foi usado de modo
racializado. Tanto a tonalidade de pele quanto outras cromatologias figuradas ‘naturalizaram’
enormes desigualdades que poderiam eventualmente comprometer a auto-imagem brasileira
de democracia racial.
Como os negros, no Brasil, não são definidos pela regra ‘uma gota de sangue negro
faz de alguém um negro’, e como não há uma regra clara de descendência biológica definindo
grupos raciais, mas, ao contrario, as classificações seguem diferenças de aparência física e a
“interação entre uma variedade de status adquirido e adscritos” (GUIMARÃES, 2002, p. 42).
Ainda segundo o autor isto parece significar, para alguns autores, que não se pode falar, nem
mesmo, de grupos raciais no Brasil, mas apenas de ‘grupos de cor'.
Os sociólogos aceitaram amplamente a idéia segundo a qual no Brasil e na América
Latina, em geral não havia preconceito racial, mas apenas preconceito de cor. Thales de
Azevedo (1955, p. 31), escreveu: “funcionando a cor e os traços somáticos, em grande parte,
como símbolo de status, as resistências aos intercasamentos traduzem ao mesmo tempo
preconceito de classe e de raça ou melhor, de cor”. Winthrop R. Wright (apud GUIMARÃES,
2002, p. 43 ), foi ainda mais explicito em suas discussão sobre a Venezuela: “mas os
venezuelanos consideram negros apenas os indivíduos de pele negra. A cor, e não a raça a
aparência, e não as origens influenciam muito mais a percepção dos venezuelanos sobre os
indivíduos”.
Florestan Fernandes havia apontado para o fato de que o ‘preconceito de cor’
deveria ser usado como uma noção nativa conceitualizado, no inicio, pela Frente Negra
Brasileira, em 1930 para referir-se à forma particular de discriminação racial que oprime os
negros brasileiros. Trata-se de discriminação em que a cor vista como fato objetivo e natural,
e não a raça vista como conceito abstrato e científico, é decisivo. A cor no Brasil uma imagem
48
figurada de ‘raça’. Os estudiosos incorporam a cor como critério para referir-se a grupos
‘objetivos’ eles se recusam a perceber o racismo brasileiro. Alguém pode ter cor e ser
classificada num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor das pessoas tenha algum
significado. Isto é, as pessoas têm cor apenas no interior de ideologias raciais.
No Brasil a nação foi criada por um amálgama de crioulos, cuja origem étnica e
racial foi ‘esquecida’ pela nacionalidade brasileira. A nação permitiu que uma penumbra
cúmplice encobrisse ancestralidades desconfortáveis. Com a substituição da ordem
escravocrata por outra ordem hierárquica, a ‘cor’ passou a ser uma marca de origem, um
código cifrado para a ‘raça’. O racismo colonial, fundado sobre a idéia da pureza de sangue
dos colonizadores portugueses, cedeu lugar, depois da independência do país, à idéia de uma
nação mestiça (SKIDMORE, 1993, p. 61), cuja cidadania dependia do lugar de nascimento (a
nossa ‘naturalidade’) e não de ancestralidade.
No Brasil o sistema de hierarquização social que consiste em gradações de prestigio
formadas por classes social (ocupação e renda), origem familiar, cor e educação formal funda
se sobre as dicotomias que, por três séculos, sustentaram a ordem escravocrata: elite/povo e
brancos/negros são dicotomias que se reforçam mútua, simbólica e materialmente. “O
preconceito racial servia para manter e legitimar a distancia do mundo dos privilégios e
direitos do mundo de privações e deveres” (GUIMARÃES, 2002, p. 49).
A doutrina liberal do século XIX, segundo a qual os pobres eram pobres porque eram
inferiores, encontrava, no Brasil, sua aparência de legitimidade no aniquilamento cultural dos
costumes africanos e na condição de pobreza e de exclusão política, social e cultural da
grande massa dos pretos e mestiços.
Fernandes (1965), demonstrou que a elite brasileira incluindo os abolicionistas era
prisioneiros dessa lógica justificadora das desigualdades. Para os liberais a escravidão
49
significava, antes de tudo, um obstáculo para suas idéias. Eles não tinham uma reflexão sobre
as relações raciais, nem se preocupavam com a condição dos negros depois da abolição. A
admissão da igualdade universal entre os homens era colocada ao nível dogmático e teórico,
acima e além de qualquer contato ou engajamento com os interesses reais das pessoas
envolvidas. Tal como hoje, esta teoria coexistia, sem maiores problemas, com a enorme
distância social e com o sentido de superioridade que separavam os brancos e letrados dos
pretos, dos mulatos e da gentinha em geral. O significado da palavra ‘negro’, portanto
cristalizou a diferença absoluta, o não-europeu. Em conseqüência, nos meios e lugares
mestiços do Brasil, somente aqueles com pele realmente escura sofrem inteiramente a
discriminação e o preconceito, antes reservados ao negro africano. No Brasil branco é melhor
e negro é pior dessa forma quando mais próximo do branco melhor.
Para Hasenbalg (1992) o conceito democracia racial é uma poderosa construção
ideológica, cujo principal efeito tem sido manter as diferenças interraciais fora da arena
política, perpetuando-as como conflito latente.
Segundo Guimarães (2002), o racismo se perpetua por meio de restrições fatuais da
cidadania, por meio da imposição de distâncias sociais criadas por diferenças enormes de
renda e de educação, por meio de desigualdades sociais que separam brancos de negros, ricos
de pobres, nordestinos de sulistas. As elites brasileiras proprietários, empresários, intelectuais
e classe média representam diariamente o compromisso (comédia, farsa?) entre exploração
selvagem e boa consciência.Elas podem se orgulhar de possuir a constituição e a legislação
mais progressista e igualitária do planeta, pois as leis permanecem, no mais das vezes,
inoperante. O voto universal, por exemplo, permaneceu, até 1988, restrito aos alfabetizados, o
que exclui de fato, a população analfabeta, em sua maior parte negra ou cabocla.
50
Do mesmo modo, o racismo foi considerado contravenção pela Lei Afonso Arinos,
1951 e, em 1988, graças aos esforços do movimento negro, a constituição transformou o
racismo em crime. No entanto contam-se nos dedo de uma mão as pessoas até hoje punidas
por crime de racismo. Para Guimarães (1988), o mais comum é que casos de flagrante
racismo sejam caracterizados em outros capítulos das leis penais pelos próprios advogados
das vítimas, que só assim tem chances reais de ganhar as causa.
Assim é o racismo brasileiro: sem cara. Travestido em roupas ilustradas,
universalistas, tratando-se a sim mesmo como anti-racismo, e negado como anti-nacional, a
presença integral do afro-brasileiro ou do índio-brasileiro.
Para os afro-brasileiros, para aqueles que se chamam a si mesmos de ‘negros’, o anti-
racismo deve significar, ante de tudo, a admissão de sua ‘raça’, isto é, a percepção racializada
de si mesmo e do outro. Trata-se da reconstrução da negritude a partir da rica herança africana
a cultura afro-brasileira do candomblé, da capoeira, dos afoxés, etc. Mas também da
apropriação do legado cultural e político do ‘Atlântico negro’ isto é, do movimento pelos
direitos Civis nos Estados Unidos, da renascença cultural caribenha, da luta contra o apartheid
na África do Sul etc.
Guimarães (2002), têm enfatizado o processo de re-identificação dos negros, em
termos étnicos-culturais.Ao que parece só um discurso racialista de autodefesa pode recuperar
o sentimento de dignidade, de orgulho e de autoconfiança, que foi corrompido por séculos de
racialismo universalista e ilustrado. O ressurgimento étnico é, quase sempre, amparado nas
idéias gêmeas de uma terra a ser recuperada (o território dos antigos quilombos; ou a
transformação, largamente simbólica, de quarteirões urbanos empobrecidos em comunidades
ou “quilombosnegros), e de uma cultura a redimir e repurificar, no contato com uma África
imaginária, a África trazida e mantida como memória (GUIMARÃES, 2002, p. 53).
51
No começo deste século, sobretudo nos anos 20 e 30, o conceito de raça e o
racialismo passaram a ser fartamente utilizado por estados nacionais com aspirações
imperialistas, gerando as tragédias que todos conhecemos. Não existe subdivisão da espécie
humana que possam ser de modos inequívoca, identificada geneticamente, e às quais
correspondam atributos físicos, psicológicos, morais e intelectuais distintos. As diferenças
morais e intelectuais entre os grupos humanos (populações razoavelmente estáveis, num dado
território) só poderiam, portanto, ser explicadas por diferenças culturais.
Gilberto Freyre (2002), ao introduzir o conceito antropológico de cultura nos círculos
eruditos nacionais, e ao apreciar, de modo muito positivo, a contribuição dos povos africanos
à civilização brasileira, representou um marco no deslocamento e no prestigio que, daí em
diante, sofreram o antigo discurso racialista de Nina Rodrigues e, principalmente, o
pensamento da escola de medicina na legal italiana, ainda influente nos meios médicos e
jurídicos nacionais.
Não é, portanto, de estranhar que, nas ciências sociais brasileira, o conceito de raça,
além de exprimir a ignorância daqueles que o empregavam, denotava também o seu racismo.
‘Raça’ passou a significar, entre nós, ‘garra’, ‘força de vontade’, ou ‘índole’, mas quase nunca
‘subdivisões da espécie humana’, as quais passaram a ser designadas, apenas pela cor da pele
das pessoas: brancas, pardas, pretas, etc.
Segundo Guimarães (2002, p. 51) no Brasil, o ideário anti-racialista de negação da
existência de ‘raças’ fundiu-se logo à política de negação do racismo, como fenômeno social.
Entre nos existiria apenas ‘preconceito’, ou seja, percepções individuais, equivocadas, que
tenderiam a ser corrigidas na continuidade das relações sociais.
52
O movimento anti-racialista dos anos trinta foi decisivo e eficaz no combate a certas
formas de discriminação racial afinal, tratava-se de um discurso desmoralizador do racismo e,
por isso, encampado pelo movimento negro de então.
A falta de políticas públicas efetivas para reverter a situação marginal dos negros na
sociedade brasileira acabou por reproduzir a ordem hierárquica diferenciadora entre brancos e
negros, ampliando as desigualdades sociais e nutrindo uma série de tropos sociais para a raça.
O anti-racismo, neste país, passou a incomodar, cada vez mais, a população negra, sobretudo
aquela fatia que não queria ser benevolamente embranquecida por nossa terminologia
cromática aqueles para quem palavras como ‘escuros’, ‘morenos’, ‘roxinhos’ e tantos outros
era percebidas como uma desvantagem.
No Brasil, a teorização de ‘raça’, definidas como formas de classificar e identificar
que podem produzir comunidades, associações ou apenas modo de agir e pensar individuais
constitui, para a sociologia, o instrumento apto a revelar condutas políticas e instituições que,
ainda que inadvertidamente, conduzem a discriminação sistemática e à desigualdade de
oportunidade de oportunidades e de tratamento entre grupos de cor.
Silva e Hasenbalg (1992) demonstraram a tese de que tais desigualdades
apresentavam um componente racial inequívoco, que não poderia ser reduzido à diferença de
educação, renda, classe e, o que decisivo não poderia ser, também, diluído num gradiente de
cor. A interpretação de Hasenbalg (1979) constrói-se no sentido de rejeitar a esperança
expressa por Fernandes (1965), segundo a qual os negros poderiam ter uma integração tardia
na sociedade de classes. Hasenbalg, ao contrario, afirma que a integração subordinada dos
negros criou uma situação de desvantagens permanentes que o preconceito e a discriminação
racial apenas tendiam a reforçar. Hasenbalg e Silva (1992 apud GUIMARÃES), entretanto
parece, com o correr do tempo, cada vez mais descontente com a ausência de estudos
53
microssociais que pudessem revelar os mecanismos pelos quais os sistemas mantinham-se
polarizado, apesar da aparente fluidez das relações raciais.
O principal desses mecanismos é, sem dúvida, o acesso e o aproveitamento
diferencial dos negros no sistema educacional, cuja titulação serve de base para uma
estruturação hierárquica rígida, legitimada pela noção de mérito individual.
Para Guimarães a legitimidade de diversas formas de violência e de discriminação,
que são praticas generalizadas de interação para parcelas significativas da população, acaba,
de fato, por limitar o exercício da plena cidadania, tornando bastante plausível, porque
invisível, a discriminação racial.Trata-se de um racismo às vezes sem intenção, às vezes “de
brincadeira”, mas sempre com conseqüências sobre os direitos e as oportunidades de vida dos
atingidos.
2.2 Consciência Política, Classe Social e Racismo
É nesse sentido que este nosso estudo leva em conta a questão da consciência política
e racial colocando primeiramente a forma como a sociedade brasileira está organizada do
ponto de vista econômico, político e social. Marx considera que o primeiro passo para
compreendermos de forma adequada como se o processo de formação da consciência dos
seres humanos, é compreender que tal processo começa de forma material, ou seja, é
condicionado pela maneira como esses seres humanos se relacionam com a natureza através
do trabalho. Esse pressuposto é reforçado e esclarecido por uma outra passagem da mesma
obra de Marx, onde ele afirma que:
A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente
entrelaçada com a atividade material e com o intercambio material dos homens,
como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercambio espiritual dos
54
homens, aparecem aqui como uma emanação direta de seu comportamento material.
[...] A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos
homens é o seu processo de vida real. (o grifo é nosso).
Assim, segundo Marx (1989, p. 37), para compreendermos a formação da
consciência política, não podemos partir daquilo que os homens imaginam ou representam
sobre si mesmos. É a partir do estudo dos processos da vida real, da vida material, do estudo
da produção dos meios de vida e das relações sociais daí decorrentes que devemos deduzir a
maneira como os homens formam suas consciências: “Não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência”.
Nesse sentido, seria lícito afirmar que, de acordo com Marx, são as condições
materiais de existência – tanto aquelas que o indivíduo encontra formadas, quanto àquelas que
ele mesmo cria com o seu trabalho - que irão determinar o processo de formação da sua
consciência social e política. Será a partir do espaço ocupado pelo indivíduo dentro do
processo de produção que sua consciência será elaborada: a consciência brota das relações
sociais que resultam na existência do indivíduo.
Outro ponto que devemos destacar e que será fundamental para compreendermos o
processo de formação da consciência é que esta, de acordo com Marx, sendo condicionada
pela formação econômica e social é, antes de tudo, social.
Com isso queremos afirmar que, embora a consciência seja sempre a consciência que
o individuo tem de si mesmo, é ante de tudo um produto das relações sociais, sendo assim
necessariamente também condicionada pelas relações que o individuo estabelece em
sociedade: “A consciência, portanto, é desde o início um produto social, e continuará sendo
enquanto existirem homens” (MARX, 1989, p. 44).
Dentre essas relações sociais das quais se origina a consciência, a mais importante é
a relação entre as classes que compõem a sociedade. Portanto, compreender o que são as
55
classes sociais é de fundamental importância para compreendermos a própria consciência
política.
Para Lênin (1985), as classes sociais são grandes grupos de pessoas que se
diferenciam entre si pelo seu lugar num sistema de produção historicamente determinado, pela
sua relação com os meios de produção, pelo seu papel na organização social do trabalho e,
conseqüentemente, pelo modo de obtenção e pela dimensão da parte da riqueza social que
dispõem.
O indício principal, de acordo com Lênin, que caracteriza uma classe é a relação de
seus membros com os meios de produção. Para ele essa diferença determina as demais e, na
época atual, existiria um antagonismo de interesses econômicos entre as classes que possuem
o controle dos meios de produção e aquelas que possuem apenas a sua força do trabalho, que
é vendida como mercadoria aos proprietários dos meios de produção. Ainda na esfera do
pensamento marxista, de acordo com Tom Bottomore (2001), Marx teria estabelecido uma
distinção entre a situação objetiva de uma classe social e a consciência subjetiva dessa
situação. Parece-nos que essa distinção a que se refere Marx também pode ocorrer no interior
de outros grupos sociais e não apenas necessariamente às classes sociais.
Nesse sentido, a consciência de classe pode ser identificada com a consciência
política dessa classe, uma vez que a consciência política surge justamente no momento em
que uma classe toma consciência subjetiva de sua situação objetiva no contexto de um sistema
de produção historicamente determinado: é somente neste momento que a classe social pode
agir de forma correta e conseqüente na defesa de seus interesses. Assim sendo, a consciência
política de membros de um determinado grupo social refere-se necessariamente à consciência
que esse grupo possui sobre a sua situação no interior da sociedade.
56
Uma vez que os indivíduos são, pela própria natureza do processo social, subsumidos
à sua classe social ou grupo social só podemos falar em consciência política se ela estiver em
acordo com a consciência de classe ou de grupo. Em outras palavras, a consciência política de
um indivíduo está diretamente relacionada com a consciência de classe, ou do grupo a que
esse indivíduo pertence.
Essa concepção de consciência política relacionada com a consciência de classe e
extraída de Marx está perfeitamente de acordo com o conceito proposto por Z. Berbechkina
(1985 p. 82) para quem a consciência política “é um sistema de opiniões, sentimentos,
objetivos e tarefas que se manifestam na atividade das classes e grupos sociais e que estão
ligados aos seus interesses econômicos”. Essa consciência, para ele, estaria estreitamente
ligada à atividade política através da qual se realiza e manifesta-se na ação das instituições
políticas, das classes, dos partidos, das organizações e movimentos de massa.
Parece estar claro que em linhas gerais, Marx propõe que a consciência humana é
sempre social, isto é, determinada pelas condições objetivas da existência humana. Porém, as
idéias que temos da realidade objetiva, de acordo com Marx, não representam a realidade
como ela realmente é. Sobre esse aspecto, Marilena Chauí explica que dentro do contexto do
capitalismo e por conta da divisão social do trabalho, embora os trabalhadores sejam
responsáveis pela produção de todas as mercadorias, geralmente não possuem condições
econômicas de adquiri-las. Este seria, de acordo com Marilena Chauí, o ponto de partida para
a criação da ideologia:
Após havê-las produzido, as entregam aos proprietários dos meios de produção,
mediante um salário; quando vão ao mercado não conseguem comprar essas
mercadorias. Olham os preços, contam o dinheiro e voltam para casa de mãos
vazias, como se o preço das mercadorias existisse por si mesmo e como se elas
estivessem à venda porque surgiram do nada e alguém as decidiu vender. Em outras
palavras, os trabalhadores não só não se reconhecem como autores ou produtores das
mercadorias, mas ainda acreditam que elas valem o preço que custam e que não
podem -las porque elas valem mais que eles. Alienaram nos objetos o seu próprio
trabalho e não se reconhecem como produtores da riqueza e das coisas. A inversão
entre causa e efeito, princípio e conseqüência, condição e condicionado leva à
57
produção de imagens e idéias que pretendem representar essa realidade. As imagens
formam um imaginário social invertido, um conjunto de representações sobre os
seres humanos e suas relações, sobre as coisas, sobre o bem e o mal, o justo e o
injusto, os bons e os maus costumes. Tomadas como idéias, essas imagens e esse
imaginário social constituem a ideologia (CHAUI, 1995, p. 416).
Dessa forma, no decorrer deste trabalho o termo ideologia será sempre usado no
sentido marxista de ‘falsa consciência’, ou seja, produto de uma sociedade marcada
fundamentalmente pela divisão social do trabalho e pelo antagonismo dos interesses de classe,
onde a uns cabe a produção, a outros o comércio e a outros o consumo dos bens materiais e
espirituais, onde as idéias quase sempre aparecem dissociadas de uma prática social existente:
A divisão do trabalho torna-se realmente divisão a partir do momento em que surge
uma divisão entre o trabalho material e o espiritual. A partir desse momento, a
consciência pode realmente imaginar ser algo diferente da consciência da práxis
existente, representar realmente algo sem representar algo real; desde este instante, a
consciência está em condições de emancipar-se do mundo e entregar-se à criação da
teoria, da filosofia, da moral, etc., ‘puras’ (MARX, 1989, p. 45).
Nesse ponto é importante esclarecer que um dos efeitos da divisão social do trabalho,
além do que foi exposto acima, será a oposição dos interesses entre as classes e dos indivíduos
entre si no interior de cada classe: “com efeito, desde o instante em que o trabalho começa a
ser distribuído, cada um dispõe de uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é
importa e da qual não pode sair; o homem é caçador, pescador, pastor ou crítico, e ai deve
permanecer se não quiser perder seus meios de vida” (MARX, 1989, p. 47).
Essa divisão social do trabalho a qual nos referimos e que foi conceituada por Marx
não deve ser entendida apenas como uma divisão de tarefas, conforme muito bem assinala
Marilena Chauí (1995), ao afirmar que a divisão social do trabalho vem a ser a manifestação
de algo fundamental na existência histórica: a existência de diversas formas de propriedade
que provoca a desigualdade social. Para ela, atualmente a divisão social do trabalho alcançou
seu ápice com a propriedade privada capitalista:
58
Aqui a divisão social do trabalho alcança seu ápice: de um lado, os proprietários do
capital e que também são proprietários dos bens produzidos, e, de outro lado a massa
de assalariados ou dos trabalhadores despossuídos, que dispõem exclusivamente de
sua força de trabalho, que vendem como mercadoria ao proprietário do capital
(CHAUI, 1995, p 62).
Assim, ainda de acordo com Marilena Chauí (1995), a divisão social do trabalho não
apenas separa os homens em proprietários e não-proprietários, pois ao fazê-lo aos
primeiros poderes sobre os segundos, de forma que aqueles que são explorados
economicamente devem ser também dominados politicamente, de forma que a divisão social
do trabalho venha a se expressar como a dominação de uma classe sobre outra. Para ela essa
dominação somente se torna possível através de dois instrumentos, que são o Estado e a
Ideologia.
Marilena Chauí (1995, p. 93), explica que através do Estado a classe dominante
monta um aparelho de coerção e repressão social que lhe permite exercer poder sobre toda a
sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas: “o grande instrumento do Estado é o
Direito, isto é o estabelecimento de leis que regulam as relações sociais em proveito dos
dominantes. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida
como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não uma violência deva ser aceita”.
a função da Ideologia, dentro desse contexto, continua a autora, seria a de impedir
que os dominados se revoltassem contra a situação de dominação que lhes é imposta. Isso
ocorre porque através da Ideologia, as classes dominantes seriam capazes de fazer com que o
legal pareça legítimo, isto é, como justo e bom: “A dominação de uma classe por meio das
leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e
válidas para todos”.
É nesse sentido que podemos afirmar, de acordo com Marilena Chauí e conforme
explicitamos anteriormente que a compreensão do conceito de consciência política passa pela
59
compreensão do conceito de ideologia. Grosso modo, para Marx, a ideologia é um
‘mascaramento’ do real que permite a legitimação da exploração e da dominação. É por
intermédio da ideologia que o falso se torna verdadeiro, o injusto se torna justo.
A ideologia é assim entendida como a negação da consciência política, pois ela
consiste justamente em permitir que as idéias sejam tomadas de forma independente da
realidade histórica e social, de modo a fazer com que as idéias expliquem aquela realidade,
quando na verdade é a realidade que torna compreensível as idéias elaboradas.
Para Mauro Iasi (2002) a relação entre ideologia e consciência consiste no fato de que
mesmo sendo a ideologia uma ‘falsa consciência’, ela também brota das relações sociais de
existência, embora não corresponda à situação real vivida por um indivíduo, classe ou grupo
social, mas apenas sirva para justificar, ampliar e aprofundar uma determinada relação social
injusta:
Vimos que para Marx e Engels a consciência e, antes de mais nada, a consciência
dos vínculos imediatos da pessoa com os outros indivíduos e com as coisas situadas
fora daquele que se torna consciente. Entretanto, num determinado momento, ou no
interior de um processo, para ser mais preciso, a sociedade se dividiu em interesses
antagônicos. A partir d as idéias , representações e valores que compõem a
consciência dos seres humanos, além de representar as relações reais a que se
submetem, devem também justificá-las na direção de manutenção de determinados
interesses, ou seja, a consciência pode se tornar ideologia (IASI, 2002, p. 94).
Isso quer dizer que a ideologia pode ser entendida como a negação da consciência de
classe ou de grupo, já que é através dela que uma classe explorada economicamente pode vir a
ser dominada politicamente, submetida ao sistema de idéias e valores da classe dominante: a
ideologia, ao negar a consciência, torna possível a ampliação, o aprofundamento e a garantia
da reprodução das relações reais entre as classes. Essa situação é resumida da seguinte forma
por Mauro Iasi (2002, p. 95). “O termo ideologia está em Marx inseparavelmente ligado às
necessidades de justificar uma determinada relação de dominação e, portanto, de velamento,
60
inversão e naturalização de relações sociais que marcam o domínio de uma classe sobre
outra”.
É por isso que, de acordo com Marx, os interesses de cada indivíduo irão entrar em
contradição com os outros interesses individuais, da mesma forma, os interesses de uma
classe irão entrar em conflito com os interesses de outra classe, de forma que cada classe que
aspirar à dominação de toda a sociedade, deverá apresentar o seu interesse de classe como
interesse coletivo, de toda a sociedade.
Isso ocorre porque a dominação econômica de uma classe por outra, de acordo com
Marx, está entrelaçada com a dominação política, uma vez que ao controlar os meios de
produção, a classe dominante submeteria ao seu controle as instâncias políticas: Portanto, a
divisão dicotômica de classes refere-se tanto a divisão da propriedade quanto a divisão de
poder: através da verificação de linhas de exploração econômica de uma sociedade, é possível
compreender as relações de superordenação e subordinação ali existente.
Assim, da mesma maneira que expressam uma relação entre exploradores e
explorados, as classes expressam também a relação entre opressores e oprimidos. A classe
dominante procura alicerçar sua posição por intermédio de uma ideologia cuja finalidade é
racionalizar a sua dominação política e econômica e explicar à classe subordinada as razões
pelas quais ela deva aceitar tal situação. Essa íntima relação entre a divisão da sociedade em
classes sociais e sua conseqüente influencia na produção da consciência dos indivíduos é
expressa nestes termos por Marx:
As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a
classe que é força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante. As classes que tem à sua disposição os meios de produção
material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com
que sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, às idéias daqueles que aos
quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do
que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais
dominantes concebidas como idéias; portanto a expressão das relações que tornam
61
uma classe dominante; portanto as idéias de sua dominação. Os indivíduos que
constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e,
por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o
âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda sua extensão, e
conseqüentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como
produtores de idéias; que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu
tempo e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época
(MARX, 1989, p. 72).
É dentro desse contexto social marcado pela oposição de interesses entre as classes
sociais, que se expressa tanto na esfera econômica quanto na ideológica que se a formação
da consciência política. É por isso que o estudo da formação da consciência política adquire
uma importância capital para as classes e grupos sociais que desejam e/ou necessitam
transformar a realidade na qual estão inseridos, pois conforme afirma Iasi:
Estudar o processo de consciência é refletir sobre a ação dos indivíduos e das classes
em sua pretensão de mudar o mundo. Uma ordem não se mantém por nenhum
atributo inato, mas por sua capacidade de produzir e reproduzir continuamente as
relações que as constituem. Os seres humanos concretos e as relações que
estabelecem são forças que mantém uma determinada sociedade e que, igualmente,
podem mudá-la [...] (IASI, 2002, p. 13).
A possibilidade histórica de que a consciência possa ser a chave para a mudança nos
processos sociais decorre do fato de que, embora a consciência seja determinada pelas
relações sociais, ela pode também ser uma determinação objetiva dessas relações, conforme
Wilhelm Reich:
Na medida em que uma ideologia transforma a estrutura psíquica dos homens, ela
não limitou-se a reproduzir-se, mas, o que é mais importante, tornou-se força ativa,
poder material, sob a forma de homens que por esse modo foram concretamente
transformados e por esse fato agem de modo transformador e contraditório. É dessa
maneira, e dessa maneira somente, que se torna possível o efeito de volta de uma
ideologia sobre a base econômica da qual proveio (REICH, 1975, apud IASI, 2002,
p. 104).
Embora essa passagem refira-se especificamente ao efeito da ideologia sobre a base
material, cabe ressaltar que também a consciência política pode passar pelo mesmo processo e
exercer um efeito semelhante sobre o contexto social da qual se origina. Isso reafirma o que
estamos tentando esclarecer ao longo desse trabalho, que é a maneira como ao adquirir
62
consciência política, consciência de seu grupo ou de sua classe, um indivíduo pode agir de
maneira a transformar radicalmente sua situação na sociedade.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é o de que, ainda de acordo com Mauro Iasi
(2002), a consciência não pode ser compreendida apenas como um produto das relações
sociais, no sentido de que seja algo dado, um fato em si, acabado. Para ele, a consciência é,
antes de tudo, um processo social:
Falamos em processo de consciência e não apenas consciência porque não a
concebemos como uma coisa que possa ser adquirida e que, portanto, antes de sua
posse, poderíamos supor um estado de não consciência”. Assim como para Marx,
não nos interessa o fenômeno e suas leis enquanto tem forma definida, o mais
importante é a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, as transições de
uma forma para outra (IASI, 2002, p. 26).
Também para o objetivo central deste trabalho, devemos considerar a consciência
nesse sentido, ou seja, como um fenômeno, como movimento e não como algo dado. E
devemos proceder dessa forma porque entendemos que é possível conhecer algo se o
inserirmos na história de sua formação, ou seja, no processo pelo qual ela se tornou o que é,
assim é também, com a consciência, ela não ‘é’, ‘se torna’. Ao longo dessa exposição,
estamos procurando demonstrar exatamente como a consciência política amadurece por fases
distintas que se superam, através de formas que se rompem, gerando novas que indicam
elementos de seus futuros impasses e superações. Longe de qualquer linearidade, a
consciência se movimenta trazendo consigo elementos de fases superadas, retomando
aparentemente, as formas que abandonou, conforme Mauro Iasi:
Este processo é ao mesmo tempo múltiplo e uno. Cada indivíduo vive sua própria
superação particular, transita de certas concepções de mundo até outras, vive
subjetivamente a trama de relações que compõe a base material de sua concepção de
mundo. Como então podemos falar em ‘processo’ como um todo? Acreditamos que
a partir da diversidade de manifestações particulares podemos encontrar
nitidamente, uma linha universal quando falamos em consciência de classe (IASI,
2002, p. 26).
63
Conforme pudemos perceber ao longo dessa exposição, o processo de formação da
consciência política está diretamente relacionado com as condições sociais vividas pelo
indivíduo. É justamente a partir da esfera de suas relações sociais, que envolvem aspectos
econômicos, culturais e políticos que a consciência política surge. Para os negros, que são o
nosso objeto de pesquisa, o surgimento da consciência política está intrinsecamente
relacionado com a consciência racial, o que procuraremos demonstrar na seqüência deste
capítulo. Seja pela sua afirmação, ou seja, pela sua negação.
2.3 Manifestações de Consciência Racial
Da mesma forma que para definição do conceito de consciência de classe recorremos
à definição do conceito de classe social, antes de apresentarmos nossa definição de
consciência racial, cumpre trabalharmos preliminarmente com o conceito de raça. A idéia de
que os seres humanos estariam separados por raças distintas é uma constante história da
humanidade, seja qual for o período ou a civilização estudada. Mas foi a partir do século 16
que associações que se proclamavam científicas buscaram classificar as raças humanas,
tentando criar estereótipos.
A arbitrária classificação dos homens em distintas raças em função do aspecto
exterior e a partir daí das capacidades de inteligência abriu espaço para teorias racistas, como
a do diplomata francês Joseph-Arthur, Conde de Gobineau, que no século 19, foi um dos
precursores do racismo com suas teorias sobre o ariano como raça pura (as quais embasaram o
anti-semitismo nazista) ao escrever seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas
(1853-1855).
64
De acordo com Gobineau (1976), a raça branca seria superior à amarela ou à negra.
No interior da raça branca haveria ainda seres superiores, como os de sangue ariano, raça
‘'pura descendente dos deuses'’. A argumentação de Gobineau era de que entre estes não teria
jamais existido a mestiçagem. Esta, aos olhos de Gobineau, levaria à homogeneização da
humanidade, o que, a seu ver, seria uma decadência irreversível (GOBINEAU, Apud
SKIDMORE, p. 47).
Assim, mesmo que essas teorias supostamente científicas nunca puderam ser
comprovadas, não existindo fundamentos científicos que permitissem sustentar a
superioridade ou inferioridade física ou intelectual de uma raça em relação à outra, os
defensores dessa tese recorreriam à ciência para justificar suas teorias e práticas racistas. O
seqüenciamento do genoma humano provou que todos os defensores de teorias racistas
estavam equivocados. Graças ao seqüenciamento do genoma humano, ficou provado que não
existem raças na espécie humana.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas estudaram e compararam mais de oito mil
amostras genéticas colhidas aleatoriamente de pessoas de todo o mundo. Segundo os
pesquisadores, diferente de outras espécies de mamíferos, não raças entre humanos porque
as diferenças genéticas entre grupos das mais distintas etnias são insignificantes. Para que o
conceito de raça tivesse validade científica, essas diferenças deveriam ser muito maiores. Ou
seja, não importa a cor da pele, as feições do rosto, a estatura ou mesmo a origem geográfica
de qualquer ser humano, geneticamente, todos são semelhantes.
O conceito de raça é puramente cultural. No decorrer desta dissertação trabalharemos
com esse conceito de raça: um conceito cultural construído socialmente. Para Guimarães
(1999) a raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural:
Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao
contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma de classificação social,
65
baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma
noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças
limita-se, portanto, ao mundo social (GUIMARÃES, 1999, p. 09).
Segundo Ferreira (2000, p. 12), o “Brasil é um país de maior população negra fora da
África e por isso mesmo valores ancestrais africanos estão presentes e poderiam atuar no
processo de desenvolvimento da identidade e da cidadania”. Mesmo assim, vivemos em uma
sociedade na qual os valores determinados por uma cultura branca européia são vistos como
superiores, ocasionando aos negros o desenvolvimento de auto-imagem negativa,
acompanhada de baixa estima, o que muito contribui para gerar condições desumanas de
existência e tende a perpetuar-se em um processo de exclusão, sustentando por complexo
mecanismo social.
Portanto é necessário desenvolver trabalhos que possam contribuir na construção de
identidades afirmadas positivamente, de maneira que o negro possa se construir como
cidadão. Para Valente (1994), a diferença de inserção no trabalho, entre os proprietários e
não-proprietários dos meios de produção, implica uma diferença na forma de interpretar e
refletir o mundo.
Como são diferentes os interesses dessas classes, elas estão em permanente conflito,
em luta. Essa luta caracteriza-se por avanços e recuos, conquistas, cooptações e derrota de
ambos os lados. Quando se discute uma questão polêmica quanto a relações entre brancos e
negros no Brasil, pode se dizer que o conflito racial faz parte do conflito de classes ou que se
confunde com ele.
Marx foi o primeiro autor a empregar continuamente o termo ‘classes sociais’. Sua
definição teria sido desenvolvida posteriormente por Lênin, para quem:
As classes sociais são grandes grupos de pessoas que diferem uma das outras pelo
lugar ocupado por elas num sistema historicamente determinado de produção social,
por sua relação com os meios de produção, por seu papel na organização social do
66
trabalho e, por conseqüência, pelas dimensões e métodos de adquirir a parcela da
riqueza social de que disponham (MARX/ENGELS, 2002, p. 47).
As classes são grupos de pessoas onde uma pode apropriar do trabalho da outra,
devido aos lugares diferentes que ocupam num sistema definido de economia social. Bobbio,
(2004), explica que as classes sociais são umas conseqüências das desigualdades existentes na
sociedade. Para ele o conceito de classe se circunscreve ao âmbito restrito das desigualdades
sociais, o que permite uma primeira delimitação do conceito, pois nem todas as desigualdades
sociais dão lugar à formação de classes. Só originam a formação de classe aquelas
desigualdades sociais que se reproduzem ao passar de uma geração a outra: Classes são
agrupamentos de fato, cuja existência não não é reconhecida, como é em certo sentido,
explicitamente negada pelo ordenamento jurídico da sociedade”.
Podemos afirmar que as classes são agrupamentos que emergem da estrutura de
desigualdades sociais, numa sociedade que reconhece que todos os homens, ou melhor, todos
os cidadãos, são formalmente iguais perante a lei.
É nesse sentido que, para Iasi (2002, p. 13), estudar o processo de consciência é refletir
sobre a ação dos indivíduos e das classes em sua pretensão de mudar o mundo. Uma ordem
não se mantém por nenhum atributo inato, mas por sua capacidade de se produzir e reproduzir
continuamente nas relações que constituem”. Assim, de acordo com ele, enquanto que para
alguns a negação da consciência seria não apenas mais fácil, mas um ato regiamente
compensador; para boa parte da humanidade, no entanto, a consciência seria algo de que não
se poderia se livrar, nem vender no mercado, nem empenhar como garantia no jogo das
alianças políticas, mas uma adaga que precisa ser usada para realizar a profecia ou se voltar
contra seu próprio peito.
A civilização nada oferece aos trabalhadores a não ser uma cooptação subordinada.
A consciência da não identidade como ordem, a não correspondência dos valores
dessa ordem com a realidade em constante movimento produzem a consciência
67
como uma roupa que serve a quem tem frio. A consciência continua a se produzir
apesar dos devaneios ideológicos daqueles que querem dar forma permanente a
sociedade atual. A consciência é filha do movimento e das contradições e não das
certezas, quaisquer que sejam (IASI, 2002, p. 19 e 21).
No Manifesto do Partido Comunista, Marx (2002, p. 29), não apenas afirma ser a
história até aqui à história da luta de classes, como também que nenhuma classe da sociedade
civil consegue desempenhar o papel de dominação de toda a sociedade a não ser que possa
despertar, em si e nas massas, (nas outras classes, portanto) um momento de entusiasmo em
que associe e misture com a sociedade em liberdade, se identifique com ela e seja sentida e
reconhecida como representante geral da referida sociedade: “Os seus objetivos e interesses
devem verdadeiramente ser os objetivos e interesses da própria sociedade, da qual se torna de
fato a cabeça e o coração social”. Desta forma, a luta de classe se expressa também como uma
luta entre valores, entre concepções de mundo, entre idéias sobre uma base material em
constante mudança.
O conflito racial não pode ser compreendido se descontextualizado da realidade do
mercado pelo conflito de classe, mas também não pode ser reduzido a este. O racismo entre
negros e brancos teve origem no escravismo e foi mantido nas relações de produção
posteriores, adquirindo então novas formas. Mesmo com as mudanças no sistema econômico,
nas relações de trabalho e nas formas de opressão, verificamos que os negros continuaram e
continuam a ser ideologicamente definido como ‘inferiores’.
Valente (1994), afirma também que a partir dos anos 80, vimos grupos reivindicando
por suas especificidades culturais, até então abafadas por uma fachada de harmonia. Os
conflitos étnicos na ex-União Soviética são testemunhos de que as soluções teóricas fáceis
esbarram na complexidade e dinâmica da vida social. Em nossa sociedade, a cor é um critério
importante de seleção de emprego que mantêm os negros nas mais baixas posições da
hierarquia social.
68
Conforme Valente isso pode ser resolvido à luz da forma de organização social.
Portanto a questão do preconceito que envolve negros e brancos não é só um problema de
raça ou cor, é também um problema de classe. O negro vive então obrigado a ter uma
consciência dupla: uma diante do branco e de si mesmo como membro de outra ‘raça’, o que
implica uma diferenciação social especifica; e outra como membro de uma classe social ante
os membros de outras classes.
No entanto vários obstáculos impedem o negro de criar essa dupla consciência.
Apesar da realidade, em nível mundial, ser marcada pelo conflito de interesses entre classes,
não é sempre que esse conflito é contundente, embora esteja sempre explicitado. Basta
observar as luta dos sindicatos de diversas categorias de trabalhadores por reajustes salariais,
em busca de melhores condições de vida. Do outro lado empresário e governo dificultando o
atendimento das reivindicações.
Tudo indica que, enquanto essas reivindicações forem apenas de caráter econômico
salarial, não questionando os princípios do capitalismo, a tendência é a manutenção da relação
entre classes. Para que essa relação seja transformada, é preciso elaborar uma nova proposta
de organização societária. Por outro lado, não basta também ao negro adquirir somente a
consciência racial, uma vez que continuaria inserida dentro de uma sociedade de classes.
Qualquer que seja o caminho, o negro necessita dessa dupla consciência, na perspectiva de
transformação da forma de organização social.
69
PARTE II
PARTE IIPARTE II
PARTE II
A memória, onde cresce a historia, que
por sua vez a alimenta, procura salvar o
passado para servir o presente e o futuro.
Devemos trabalhar de forma que a memória
coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens.
Jacques Lê Goff
CAPÍTULO 3
NEGROS VELHOS JOVENS NEGROS
A escolha por quatro sujeitos se deu por serem trabalhadores negros, com famílias
constituídas e todos imigrantes. Na pesquisa qualitativa não importa a quantidade dos sujeitos,
mas sim a sua relevância. Conforme nos mostra Zago (2003, p. 297), “o número a considerar
não é independente dos propósitos do estudo, de sua problemática e seus fundamentos”. Para
ela o número é um falso problema porque coloca num mesmo plano, entrevistas com status
muito diferentes, com objetivos diferentes.
Ao adotarmos a entrevista, a intenção não foi produzir dados quantitativos e, nesse
sentido, as entrevistas não precisam ser numerosas. Como já afirmamos anteriormente,
trabalhamos com quatro sujeitos, todos eles trabalhadores negros migrantes com idades entre
66 a 77 anos, residentes em Rondonópolis-MT.
O fato interessante a se observar refere-se à data de chegada dos nossos sujeitos ao
Estado de Mato Grosso. Dos quatro entrevistados, o primeiro a chegar em Mato Grosso foi
Jose da Silva em 1947, aos 16 anos de idade. É bom lembrar que este foi um ano marcado por
fortes acontecimentos políticos. Fatos importantes como a cassação do Partido Comunista do
71
Brasil e a intervenção de sindicatos em que os direitos democráticos do povo brasileiro foram
abalados:
A ameaça contra o partido concretizou-se em 7 de maio de 1947, quando o projeto
de Barreto Pinto foi aprovado, cassando o registro do Partido Comunista do Brasil.
No mesmo dia, o Ministério do Trabalho decretou a intervenção em 14 sindicatos, o
fechamento da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e das
Uniões Sindicais dos Municípios e Estados em que existiam. A partir de então,
desencadeou-se ‘uma serie de violentas ões repressivas, visando ao absoluto
controle sobre os sindicatos, ao mesmo tempo em que a estrutura oficialista era
posta a funcionar a todo vapor’, diz Ricardo Maranhão (BERCHT, 2002, p.71).
Os outros três, Fernando Souza, chegou aos 21 anos, Sebastião do Nascimento aos
26 e Jose Balbino aos 36. Todos chegaram na década de 60. Respectivamente, em 1960, 1961
e 1963, quando mais uma vez, o país vivia a iminência da efervescente disputa entre a
democracia e os interesses das classes dominantes:
O regime nascido em 1964 eliminou a democracia, perseguiu, torturou e assassinou
democratas, nacionalistas e progressistas. E aumentou a dependência externa do país
ao ancorar o desenvolvimento do país na busca de capitais estrangeiros e na atração
de multinacionais (RUY, 2004, p. 58).
Os motivos que trouxe estes trabalhadores negros, sujeitos de nossa pesquisa, a Mato
Grosso e a Rondonópolis, sua relação com a cidade, o envolvimento com o mundo do
trabalho, as questões sociais e políticas, as suas crenças, valores e a consciência que possuem
da sua negritude estão expressos nos relatos individuais de cada um deles, obtidos através das
entrevistas são resultados de suas lembranças, de suas memórias de suas experiências de vida.
3.1 José da Silva
tem 77 anos. Nasceu em 03 de fevereiro de 1927, na cidade de Lagoinha,
no Estado da Bahia. É viúvo, pai de dois filhos e três filhas. Como nos relata seu José:
Eu vim. Com 16 anos eu sai da Bahia, rodei este mundo todo e pra chegar
aqui custou muito, (estala os dedos); faz muito tempo. Nossa senhora! Eu
vim para Rondonópolis em 64, na época da Revolução que eu me lembro
que prendeu um bocado e quando eu cheguei aqui tinha prendido o
Bezerra, tinha prendido o Isloé, tava atrás dos Mandioca pra prender, já
72
tinha largado de mão, mas correro atrás dos Mandioca bem corrido, por
isso que eu marquei 64. Eu vivo aqui em Rondonópolis muito tempo. Eu
tinha um comercinho pequeno, depois não deu e eu tirei uma carteira de
corretor, fui trabalhar de corretor, dei uma melhoradinha, i não sei mais
porque que eu vim. Vim para melhorar a vida (pausa).
Seu José como boa parte dos migrantes nordestinos que vieram para Mato Grosso na
década de 40 fizeram uma longa jornada a desde o seu Estado de origem até chegar nos
garimpos e fazendas.
Nascido na zona rural, José da Silva conta que se viu obrigado a deixar a Bahia,
numa tentativa de melhorar de vida, uma vez que lá, o custo de vida era muito alto e, as
informações que obtinham acerca de Mato Grosso, falavam de prosperidade. Diz ter saído de
lá a pé e na companhia do amigo Zé Miranda, que depois tornou-se proprietário de um grande
armazém de secos e molhados em Rondonópolis:
Eu vim por causa do dinheiro para melhorar a vida. Não, não, isso é tanta
coisa, tanta embrulhada, tanta anarquia, não, isso é muito ruim eu não
gosto nem de lembrar, (se emociona). Eu vim da Bahia pra qui de a pé.
Gastei mais de trinta dias mais aquele Miranda do armazém Miranda.
Morreu (pausa). Morreu de [...] operou do coração. Acho que não teve
assistência direito, é muita coisa se eu for contar tudo (pausa) Deus me
livre. Prefiro não falar.
Chegando em Mato Grosso, trabalhou por dois anos em um garimpo. Após este
período, vendo-se desempregado, migrou para Minas Gerais, onde se empregou como
empreiteiro. De seguiu para a cidade de Itumbiara, no Estado de Goiás, onde se casou. Ele
relembra, pensativo, que chegar a cidade de Rondonópolis lhe custou muito.
Depois,
emocionado, diz nem mais se lembrar dos motivos que o trouxeram a Rondonópolis. Diz ter
sido para melhorar de vida, mas que muitas coisas lhe aconteceram:
[...] Rodei este mundo todo pra chegar aqui. Custou muito, faz muito tempo
muita embrulhada, tanta anarquia. Não, isso é muito ruim eu não gosto nem
de lembrar não. Vim porque o custo de vida na Bahia era muito difícil a
notícia de que aqui se juntava dinheiro com gancho. eu vim juntar aqui.
73
eu cheguei no garimpo e fiquei dois anos; depois não arrumei quase
nada. Voltei para Minas e fui trabalhar na roça de
empreiteiro. De Minas
fui para Intubiara e casei em Goiás. De eu vim para Rondonópolis e o
sai mais.
Chegou à cidade no ano do Golpe Militar. Relembra que nesta época, ocorreram
diversas prisões como a do Carlos Gomes Bezerra, político mato-grossense que foi deputado
federal, senador, prefeito de Rondonópolis e governador do Estado:
Vim para Rondonópolis em 1964. Na época da Revolução. Eu me lembro
porque prenderam um bocado lá e quando eu cheguei aqui tinha prendido o
Bezerra, tinha prendido o Rosalvo, tava atrás dos Mandioca pra prender. Já
tinha largado de mão, mas correro atrás dos Mandioca bem corrido; por
isso que eu marquei 64.
As lembranças de José da Silva também são compartilhadas por um jornalista com
atuação política na década de 60 que considerou recentemente em entrevista ao Jornal A
Gazeta, fatos da repressão ocorrida no Estado de Mato Grosso durante a Ditadura Militar.
O ex-vereador por Cuiabá (76-78) e ex-deputado federal por dois mandatos
(79-87), Gilson de Barros, disse que a Repressão em Mato Grosso durante o
regime militar “foi suave”. Segundo ele, poucos militantes de esquerda e
tidos como “subversivos” foram presos. Cita, entre eles, Edgar Nogueira
Borges, Silva Freire, Agrícola Paes de Barros, Ronaldo de Castro e o ex-
governador e ex-senador Carlos Bezerra (A Gazeta, 12.02.06 – Caderno 7
A
– Política).
Conta que possuiu um pequeno comércio, mas que o mesmo não prosperou. As
coisas começaram a melhorar mesmo quando tirou a carteira de corretor e foi trabalhar nesta
área:
Eu moro em Rondonópolis muito tempo. Eu tinha um comercinho
pequeno, depois não deu. Eu tirei uma carteira de corretor, fui trabalhar de
corretor, dei uma melhoradinha é muita coisa se eu for contar tudo (pausa).
Deus me livre.
74
Sobre seus pais, conta que os mesmos faleceram quando residiam em Itumbiara
GO:
Os meus pais já morreram. Morreram em Itumbiara-GO; nasceram na
Bahia, não sei aonde. Meus pais eram Maximiliano José da Silva; a mãe
Isaltina de Souza Pires.
Ele não se lembra do local exato de suas origens, mas conta que eram naturais da
Bahia. Pessoas de hábitos simples, lavradores que lidavam com um sítio e que lhes deixou a
lembrança de boa convivência e de um lar sem atritos, fato que ele atribui a ausência de
posses materiais:
[...] a minha relação com a minha família era boa. Relação de pobre é tudo
boa, não briga, não tem parte que dividir, só se for... (pausa) é tão, é boa
porque não tinha nada pra dividir. Então era boa. Não tinha nada.
Sua fala nos remete ao clássico A Origem da Família, da Propriedade Privada e do
Estado ao fazer referência à riqueza como um instrumento de opressão de seres humanos
sobre outros, e mais, a certeza de que os que não possuem bens não têm motivos para
divergências, pois não possuem riquezas: A ambição mais vulgar tem sido a forca motriz da
civilização, desde seus primeiros dias ate o presente; seu objetivo determinante e a riqueza, e
a outra vez a riqueza, e sempre a riqueza [....] (ENGELS, 2002, p. 211).
3.2 Fernando Souza Brito, 66 anos, nasceu aos 16 dias do mês março de 1938, na cidade de
Lençóis, na Bahia. Assim eu nasci na cidade de Lençóis. Conhecida como Lençóis mesmo, no
registro do casamento.
Viúvo, conta que 03 anos após chegar a Mato Grosso casou-se e teve 07 filhos, dos
quais 02 faleceram. Quando eu cheguei era solteiro. Quando eu cheguei aqui, com 3 anos que
tava aqui, eu me casei.
75
Do alto de seus 66 anos, seu Fernando, este baiano de Lençóis, que vive longe de sua
terra há mais de 40 anos, gosta de recordar as suas origens e como foi a sua vinda parra Mato
Grosso. Ela conta que veio para Mato Grosso aos 21 anos de idade, em 1960. Após todos
estes anos já se considera mato-grossense.
Meus parentes, eles mudaram pra cá pro Mato Grosso, (?) Eu vim pro
Mato Grosso. Eu vim em 1960. Eu vim de caminhão. Paguei mil Cruzeiro
até São Paulo. De São Paulo vim de trem, não... vim pagando na
imigrante. Imigrante é quando pega fiado certo. Fica na rodoviária aí pede
pro governo né. eu paguei mil Real, mil Cruzeiros. De eu paguei aqui
de Rondonópolis 980, um negócio assim. vim pra Dom Aquino. fiquei
morando em Dom Aquino com a minha tia. Saí de Dom Aquino fui a Cuiabá,
trabalhei um s em Cuiabá, voltei de novo pra o município de Dom
Aquino. no município de Dom Aquino eu me casei, quando fiz os 23
ano. Casei em maio. Ih, deixa eu vê; 63. Eu casei porque eu cheguei em 60,
61, 62, 63 eu me casei. Em 25 de maio de 1963.
Os motivos que o trouxeram para estão relacionados, principalmente, ao desejo de
encontrar a sua descendência materna. Criado por uma tia e uma madrinha, recebeu a
informação de que em Mato Grosso estava à chave de sua curiosidade. Além de ter
consciência de que seus parentes na Bahia estavam ficando idosos:
Aí procurei cadê minha descendência de minha mãe, cadê? Que eu chamava
de mãe. falou: está em Mato Grosso. Aí, como é que eu achar notícia
desse pessoal? Você tem que ir em Caitite, aquele Bom Sucesso. vim em
Bom Sucesso fiz uma carta, mandei pra ela. tava com tantos anos de
idade. Tava com 19 ano na época né (?). Então ela me mandou um
dinheiro, 3 mil Ccruzeiro pra mim. eu vendi o que eu tinha lá, interei o
dinheiro.
O trajeto, feito da cidade de Lençóis, na Bahia, até São Paulo, de caminhão,
aconteceu com passagens dignas de qualquer imigrante do nordeste brasileiro. De São Paulo a
Mato Grosso Fernando relembra que contou com a assistência do governo de Juscelino
Kubitschek. Este fato marcou-o profundamente. Até hoje ele se recorda do tratamento
dispensado aos imigrantes, assim como das referências pejorativas.
76
Vim de fora. Ah, então pensei que era assim, porque falava sempre a
migração porque se fala no estado de São Paulo ficava aquela fila de
nordestino ne (?) eu acharia que é porque tinha assim. Ah não então é
imigrante é porque veio de outro estado né? Justamente.
Fica na rodoviária pede pro governo né? eu paguei mil Real, mil
Cruzeiros. De
eu paguei aqui de Rondonópolis 980, um negócio assim. vim
pra Dom Aquino.
Aqui chegando, conheceu alguns tios, mas foi morar em Dom Aquino com uma tia,
com quem trabalhou por 08 meses em um açougue. Depois foi cuidar da própria vida. Esteve
em Cuiabá tentando trabalho, mas ficou por um mês. Dessa forma vai nos mostrando sua
trajetória em Mato Grosso, a convivência com a família e os trabalhos que foi desenvolvendo
para sobreviver.
Fui criado com a tia e a madrinha que é filha da tia. Madrinha de crisma
compreende? Então o padrinho de crisma, entendendo? Mas dava de vim
com o dinheiro, mas eu falo; eu vim com uma base duns 5 mil Cruzeiro né.
eu vim mais novo né? Então gastei o dinheiro na estrada. eu vim pra
porque ela mandou dizê que eu ia trabalhar com açougue. Chegou e
tal, tal. Trabalhei 8 meses com ela. fui tocar a minha vida por conta.
Então vim porque aqui era bom e a os parente mais velho tava
ficando bem velho como a pessoa que me criô e essa daqui é irmã da mãe.
vim conhecê os irmão da mãe aqui. Conheci o Bemvindo, que é irmão da
minha mãe. Dorinha, Lindaura e José, apelidado de José Baio né, porque
ele é galego, entendeu? eu cheguei aqui, não quis mais voltar pra Bahia.
Casei e fui trabalhar nas firma. Mudei pra Rondonópolis, criei os filho aqui
e to. Viver batalhando né? entendendo? Foi isso, não foi porque eu era
um homem destruído não. Pra saber defendê da família pra, pra defender
velha lá. Como eu passei a conhecer, porque eu o conhecia,
entendendo? me casei, fui mora com minha esposa. Criei os filho com
ela. chegou o tempo que ela adoeceu, levou tantos anos doente. As
meninas cuidando dela, ela tratando ? Até o dia que ela faleceu ? E
falava também que Mato Grosso chegava aqui ficava bem. Era uma fama
muito boa. Porque Mato Grosso é realmente Mato Grosso não é ruim.
Porque a gente hoje véve como qué..
Retornando a Dom Aquino, casou-se dois anos depois. Com a esposa viveu por
quase 35 anos, até o seu falecimento.
77
Casei, vivi com a família 34 anos, 9 meses que a gente viva junto, com a
mulher. Casei, cuidei dos filho, porque quem cria é Deus. A gente dá o trato,
mas Deus é quem cria tá entendendo?
Logo que se casou foi morar no sítio, mas, com a chegada dos filhos e a necessidade
de mandá-los à escola, mudou-se para Juscimeira, onde foi trabalhar de carroceiro. Como
possuía a carroça e os animais, quando avaliou que o serviço estava fraco, vendeu tudo e veio
para Rondonópolis, onde criou os filhos. Reforça que a sua vinda para a cidade foi motivada
pela necessidade de continuar batalhando e não porque eu era um homem destruído não.
Segundo ele, a informação que sempre ouviu era de que, quem vinha pra Mato
Grosso chegava aqui e ficava bem; e como ele próprio constatou, essa é uma realidade, haja
vista que hoje, ele pode viver como quer, fato que não acontecia em sua Bahia.
Lá, ele trabalhava no garimpo, onde começou aos 10 anos de idade nas frentes de
diamantes. Nunca teve a oportunidade de pegar uma pedra grande. Aos 20 anos não quis mais
saber daquela vida e passou a tocar lavoura, trabalhava por dias seguidos e para diversos
patrões:
E na Bahia eu trabalhava no garimpo, tocava a lavoura, trabalhava por dia
nos carteado. Jair, José França. Jair, José França, Armando Pereira tudo
que é os dono né. Eu fui garimpeiro também e eu comecei trabalhar com 10
anos de idade. Quando eu sai eu tava desde os 20 ano de idade, vinte pra
21. Porque eu sai dali no dia, parece que foi 12, parece não, no dia 12 de
fevereiro pra Jaciara. De Jaciara quando eu terminei de chegar em Mato
Grosso foi 20 de março entendendo? Mas você; imigrante eu não vim
porque eles fala a; ami, amigrante quem vai pra rodoviária fica pedindo
auxílio entende. Aí não, eu vim em cima de grana.
Quando chegou a Rondonópolis foi servente de pedreiro no quartel, depois trabalhou
em diversas outras empresas Ifasa, Cozan, Andrade Gutiérrez, Enco, Femel, Sachetti e
André Maggi.
78
Conta que a sua opção pela cidade consiste no fato de que, mesmo com as
dificuldades financeiras a que é submetido, ainda assim, consegue sobreviver com um pouco
de dignidade. Sem levar em consideração de que para ele, baiano, pega amor ao lugar onde
vive:
Rondonópolis, justamente o lugar que eu falei a própria família
estavam ficando velho, a pessoa pobre fraca de recurso quando velho.
Pobre é uma pessoa que não tem instrução pra nada entendeu. Fraco de
recurso, com 5 filho pequeno Neto são 7 pessoa né? Ficar de déu em déu
não melhora nunca. Melhora? E ele vai ficando quieto porque se não ele
não apruma, ele não fica rico. Ele não fica BILIONÁRIO porque a, a
profissão não dá, mas ele, a família não perece tanto, porque sabe onde é
necessário eu ta. Daqui vou pra Pedra Preta. na Pedra Preta não
bom, vou pra Sonora. Você pensa, você é nova, você é inteligente, é
professora. acharia que ele vai ter melhora porque o baiano, eu
baiano né? Até a cidade que ele mora ela cria amor. Ela qué fazer amizade
com todos né? Então isso aqui ó conheci o Antônio. A princípio você tem
que conhecer você né? Eu tinha um arsenal. O Antônio não quis nada sobre
esterco, mas respondeu na matéria, na matemática. Aprendeu a namorar.
disse: eu trabalhar. Porque senão eu tinha virado um bandido
entendendo? Hoje ele tá amigado, é cidadã. E eu servi a profissão de
carteiro, era apenas garimpeiro, mas tinha carpinteiro. Não servia por
causa da idade que a firma não pega mais. Mas achei que era necessário
que eu saísse com uma carroça particular. Depois fui ser guarda da doutora
Janete. Já há 8 anos, que é a idade que ela me aceitou mais. Tá entendendo?
que eu, eu sou um cara que eu achei que ia tentá que eu acharia que, eu
ia determinar os ano de vida aqui né? Eu tenho que procurar meio de vida,
entendeu? Concorda comigo?
Reflete que o trabalhador continua oprimido e explorado, uma vez que começa a
trabalhar muito cedo, submetendo-se a péssimas condições de trabalho, salários reduzidos e a
oportunidade de se aposentar chega cada vez mais tarde. Trabalham aos sábados, domingos e
feriados. Ele diz saber que a única diferença é que não está apanhando e nem amarrado, mas,
está debaixo das ordens de alguém e, uma pessoa consciente, segundo disse, não abandona o
local de trabalho.
Tô com 66 ano, ainda tô trabalhando em residência dos outros. Então isso é
de escravo. Não foi falta de cabeça. Por quê que você não está rico? Eu
acho que tem condições de você ter 7 pessoa na casa comer 1 pão? A gente
não é porcos, mas tem comer pra alimentar. Porque se você não comer um
arroz, feijão pra alimentar pra satisfazer o filho. que nem você que é mãe
79
dos seus filho, como é que vai sobreviver? Dá uma fraqueza geral, até
morre. Eu me sinto um escravo. Fala que acabou a escravidão, mas pra mim
ele continua até hoje.
3.3 Sebastião do Nascimento
nasceu em 10 de setembro de 1937. Tem 68 anos. Mineiro de
Araguari, não esconde o orgulho de sua terra natal: O senhor é mineiro! — É, graças a Deus.
Sou casado, tenho cinco filhos: dois homem e três mulher.
Sebastião do Nascimento narra a historia de sua vinda para Mato Grosso como se
fosse qualquer romancista conceituado. Nela percebe-se o toque do romantismo de um jovem
de 26 anos, a crença de um cidadão brasileiro, a brejeirice mineira.
Veio com a sua e mais outras quatro famílias, em caravana de caminhão, para
trabalhar na lavoura, como seu pai mineiro de Araguari sempre o fez. A mãe, também de
Araguari, era do lar e segundo ele relata, era uma mulher muito linda e muito brava. Recorda-
se que os pais, apesar de pobres deixaram bons exemplos aos filhos, não medindo esforços
para que eles tivessem o máximo do que as condições econômicas lhes permitiam. Rígidos,
não se furtavam em castigar os filhos quando necessário. Ainda assim, relata, a sua vida
durante a infância foi maravilhosa.
Muito linda, muito linda. De tardizinha com a minha mãe, minha mãe era
tipo de mulher brava, sabe? Minha mãe era brava igual a minha mulher;
brava né? Mas a gente vivia bem, sabe? Ele deu bom exemplo pros fio.
vida difícil, pobre, pobre o que ele pode fazê pro filho ele fez né? Tinha
estudo bem pouquinho né? Porque aquela época estudo era difícil, a gente
andava as estrada pra estudar. A gente andava assim 6, 10 km a pé. Mas ele
sacrificou muito, nos crio muito bem, graças a Deus. E educação ele deu
pra nóis, muito mesmo, né? Nóis vivia muito bem. Depois faleceu senti muita
falta dele, mas a vida é essa né?
80
Sobre os irmãos, 11 ao todo, conta que se relaciona muito bem, fruto da educação
recebida dos pais:
É com os irmão, nós vivia muito bem. Nós somo 11, tem 7 homem e 4
mulher. Com os irmão a vida é maravilhosa. Eles véve muito bem, todos eles
são muito, assim, povo muito educado, muito; Eu não digo; é um pessoal
que todo mundo gosta. Meus irmão é; muito educado.
Seu Sebastião nos narra a sua chegada em Mato Grosso:
Olha eu foi o seguinte, a gente tinha uns parente aqui, sabe? (...) A gente
vivia em Minas assim perambulando, sabe? Fazenda em fazenda. nós
viemos pra numa caravana. Viemo com 4 família. Se demo muito bem em
Mato Grosso. Adorei Mato Grosso. Ah, Rosa, a gente viemos em caravana
de caminhão, sabe? Sofremô muito, tivemô mais ou menos uns 4 dia de
viaje. depois cheguei aqui, não gostei, voltei. Depois tive sozinho sem
os meus pra e eu sozinho. resolvi vim por conta dos meu pais.
Depois fiquemô. Começo a namorar essa mulhé minha, até hoje é minha
esposa. Gostei muito de Mato Grosso e eu, trabalhando em fazenda pra, pra
aqui, pra li, sabe? Eu sempre trabalhei em fazenda. Eu gosto de trabalhá em
fazenda assim, sabe? Qué vê uma fazenda? Só do seu Teco trabalhei 24 ano.
Só numa fazenda. Depois adquiri família, casei, adquiri família né? Vim pra
Rondonópolis. Adorei Rondonópolis, sabe? Se soubesse, tinha vindo mais
cedo. eu adquiri família, fui, comprei uma casinha na Vila Mamed. É
um barraquinho, sabe? Fui, arrendei pra doutô Valter Uliceia que era
prefeito aqui também antigo. venceu o contrato ele me deu um casinha,
fiquei feliz. E fui construí na Mamed. Moremô, com seis né? Como
vizinho lá, né? muito tempo. Aí vim aqui nessa vilinha comprei uma casinha
aqui. Vim pra adorei essa, essa vilinha aqui, né? aluguei embaixo.
Aí passei pra cá, mas o inquilino tava acabando com a minha casa
embaixo. Resolvi vendê lá também passei pra cá e hoje eu tô aqui nessa Vila
Bela Vista. Aonde eu tenho assim distância, uma tranqüilidade. Beleza, eu
adoro, adoro aqui. Muito mesmo. Bom vizinho.
Seu Sebastião nós narra que foi embora, mas a saudade da família o trouxe de volta
ao Estado e as lavouras. Orgulhoso conta que em uma fazenda trabalhou durante 24 anos.
Aqui se casou, constituiu família e adquiriu casa própria.
Animado, ele conta que começou a namorar aos 16 anos, fase em que iniciou
também as suas peripécias de juventude com festas e namoradas. Relembra que andava muito,
30 km, em uma bicicleta, para ir até a cidade vizinha onde freqüentava um clube.
81
Passava a noite inteira na farra em Araguari. Saia do clube umas 2h da
madrugada eu sai da cidade ia pra fazenda. Chegava na fazenda 5h.
Os momentos de lazer não eram justificativas para abandonar o trabalho. Assim
sendo, chegava na fazenda, tirava o leite, que era sua responsabilidade, cuidava dos porcos e
depois ia para os campos de cebola e das hortaliças. Quando os pais resolveram vir para Mato
Grosso, resolveu vir junto. Pouco tempo depois, não tendo se adaptado, retorna para sua terra
de origem onde havia deixado uma namorada. Lá, ficou por 02 anos. O namoro terminou
logo.
[...] Porque quando eu voltei, voltei porque tinha uma namorada. Voltei pra
lá né? Aí cheguei lá a namorada desistiu comigo, eu fiquei lá sozinho
também. subi vim pro Mato Grosso onde meus pais. voltei pra
logo comecei a namorá com essa esposa minha, ta? E gostei muito, nunca
voltei mais em Minas. (risos).
O relacionamento com a esposa é motivo de boa prosa. Conta que tão logo retornou a
Mato Grosso, conheceu a “sua morena”. No início, mantiveram um relacionamento de altos
e baixos. Os baixos, ele atribui a sua personalidade forte e ao seu ciúme. Conta que depois,
mesmo casados, ele deixava a esposa em casa e saia pra farra. Esta situação, segundo ele,
durou em torno de uns 05, 06 anos. Reflete que não era um bom marido, pois, não dava valor
a esposa, mas que depois, compreendeu o que é a vida e hoje ela, a esposa, lhe é muito cara.
Briguei, sabe? Desistimo de uma vez. Eu era bravo também e tinha um
ciúme danado, né. a gente brigava voltava a namorar eu culpava os pais
dela. briguei com meu sogro, né, por causa dela. voltamo a namorar.
E foi uma luta sabe.
Argumenta que sua vida apesar de ter sido um tanto quanto atormentada, foi muito
boa. Tendo feito tudo o que tinha oportunidade e gostado. Relembra que andou, namorou,
farreou bastante, mas afirma que agora é hora de descansar.
82
Então hoje eu vivo por minha conta agora aposentei. Trabalho foi minha
vida. Como pobre venci mesmo sozinho trabalhei pra um, pra outro. E a
gente assim vai vivendo a vida. Muito boa. Eu adoro a minha vida.
3.4 José Balbino Vieira
tem 77 anos, nascido em 31 de março de 1927. E natural do Rio de
Janeiro, que conforme ele próprio relata, por ocasião de seu nascimento era o Distrito Federal.
Pai de dois filhos, Isabel e Ebalbino, conta com bom-humor que hoje está solteiro. Até agora,
não tem nenhuma doida que qué, (risos). Se você souber de alguma por aí pode mandar que
eu tô disponível aqui ainda.
Personalidade com rica trajetória de vida nós presenteia com sua história. José
Balbino um homem nascido na cidade grande. Trabalhador do cais. Apesar dessa origem
considera-se alérgico a cidade grande. Admitindo que sempre gostou de cultivar a natureza.
Até por que, mesmo conhecedor de outros grandes centros, jamais se viu seduzido por eles,
como é o caso do Estado de São Paulo e do Paraná. Para ele:
Oiá eu, diretamente eu, eu tinha vontade de vim pra Mato Grosso, porque
eu, eu sou alérgico à cidade. Eu quando morava no Rio de Janeiro eu
trabalhava no cais né? Quando saia do cais do porto eu ia pra frente a
vista, Corcovado. Sempre gostei da natureza. Então, quando o rio enchia em
Mato Grosso eu ficava com aquela euforia. E fiquei aqui. Cheguei aqui,
conheci São Paulo e Paraná. Mas é aqui Mato Grosso, eu achei um lugar,
assim modo de comparar, igual o Rio. Porque um lugar simples, lugar
quente. Por isso que eu aqui até hoje. E espero que ninguém venha pra
cá, si não atrapalha né? Porque aqui é bom demais. Melhor que Guaporé.
Mas não foi seu interesse pela natureza que o trouxe para Mato Grosso. Comunista,
foi protagonista no início dos anos 60 de conflitos no cais do Porto que o obrigaram a sair do
Rio de Janeiro. Dessa forma sua história vai sendo reconstituída através de sua memória, com
muito bom humor.
83
Ué, justamente que eu te falando. Eu tava caçando um lugar pra, pra óia
porque é o seguinte, o Rio de Janeiro ele foi bom pra mim até 55. Quando
Getúlio suicidou-se eu, eu era comunista esses tempos. eu comecei a a
os sindicatos, começou a ser comprado pelo estado entende. eu fiquei;
pra não virar marginal entende. Que eu sou violento eu, eu vim pra cá. Pra
não virar marginal. Se, se não talvez tinha morrido já. Epa! licença.
Não quero morrer aqui.[Rio de Janeiro].
Obrigado a sair do Rio de Janeiro, José Balbino toma o rumo do Centro
Oeste.Região que nessa ocasião estava recebendo um fluxo muito grande de trabalhadores de
todo país:
Como é que é Mato Grosso? Como é, como é que é Rondonópolis? Porque
mata toda hora? que eu falei assim, Rondonópolis é assim, você, você
chega numa loja, motorista contando pra mim, mais homem enterrado, a
gente sempre conversa. Você chega, na cidade Rondonópolis né, tem
arma em qualquer lugar que você comprar. Arma de fogo. Qualquer arma.
A que você qué adquirir. Agora chega lá em Mato Grosso, em Rondonópolis
tem um revólver 38 aí pra vender? Tem. Funciona? Funciona. Aí o cara pôs
bala assim, ele tava com a pessoa ele atira no cara. Aí eu peguei e esse cara
não, não é pego. Então eu vou pra ué. Aquela hora que eu vi que era
mentira. (risos). O lugar, o lugar de gente boa esse aqui. Ave Maria! Aqui é
bom. Ah, Ave Maria. Ah Rio de Janeiro (risos). Óia o que eu vi aqui, o
que eu já vi aqui nesse Rondonópolis, se eu tivesse no Rio tinha morrido
já. Esse aqui é um lugar de gente frouxo. E, é mesmo! Eu falo. (risos). Por
isso que eu tô aqui. Aqui não tem bravo não. Aqui tem sabe o quê? Covarde.
Mas valente não tem não. Não tem nada (risos).
Quando em 1963 veio para Mato Grosso chegou com uma referência do partido.
Procurar o Sr. Rosalvo, motorista de táxi e antigo morador da Vila Operaria um bairro de
Rondonópolis, hoje falecido. Encontrando-o referiu-se como “membro da ala esquerda do
PTB”, que era a senha para identificar-se como comunista do Partido.
José Balbino (Carioca), como è conhecido, desenvolveu em Rondonópolis diversas
atividades laborais: foi saqueiro, pescador, oleiro, funcionário público e vigilante. Atualmente
é aposentado, mas mesmo assim continua trabalhando de vigilante.
84
Filho de uma carioca, José Balbino conta não ter conhecido o pai, mas segundo conta
a mãe, ele era oriundo de Laguna, em Santa Catarina- SC. Diz ter pouca lembrança da
infância, mas que a mãe era empregada doméstica, trabalhava lavando roupas.
Ó, minha mãe é, é empregada doméstica. Trabalhava, lavava roupa. Agora
meu pai eu não conheci. Meu pai tem o quê, minha mãe tinha, me deu um
padrasto e eu com 7 anos eu não gostei de apanhar.
Aos sete anos, a mãe casou-se novamente, presenteando-o com um padrasto violento
e alcoólatra que lhe batia constantemente
.
[...] o meu pai chegava embriagado (o entrevistado demonstra
intranqüilidade tamborilando com os dedos na mesa) dizia assim: “louvado
seja o nosso senhor Jesus Cristo”, mas chegava bêbado, eu doido pra
comer, e enquanto não rezasse, ele não dava comida, não deixava comer, e
eu sou pirracento.
Conta não ter gostado de apanhar. [...] Ainda mais apanhar de homem. Sai fora!
Talvez em função das sucessivas brutalidades recebidas tenha tido uma relação familiar
insatisfatória, como ele mesmo afirma e tenha se tornado um “estranho menino” que
aprendeu a viver solitariamente. Solidão que, segundo ele, o acompanhará por toda a sua
existência. O consolo foi encontrado na boemia e na política:
Olha não foi satisfatória não. Eu fui um estranho menino. Aprendi a voar
sozinho. Seco. E tô satisfeito. Que estranho isso; É por isso que eu vivo só. É
por isso que eu vivo só. É importante isso aí. Porque eu, eu duvido uma
pessoa que é criado com a família depois que esse rapaz com 20 anos
(pausa) ele se casa. Ele nunca vai ficar solteiro. Mas na época que eu
precisava; Sabe onde que eu ia, eu ia... [...] E acostumei com aquela vida de
boemia e não deixei rastro... Sei lá. Mas não to, não to triste por causa disso
não. Não pense que eu, que eu arrependi, outros por ai esta pior do que eu.
Pior.
Outra marca deixada pela infeliz infância foi necessidade de “brigar com Deus”.
Afirma nunca ter acreditado de fato em Deus. Mesmo questionando o seu poder, aos 10 anos
85
resolveu confessar-se a um padre. Em função do que ouviu e considerou uma fala
extemporânea a uma criança, denominou-o de canalha. Nesse sentido seu entendimento sobre
a questão religiosa é marcante:
Ah porque olha; me arrepio... Eu acho pra mim a mente é mais do que
Deus. Porque, o que é Deus? Deus é um, é o grande marco né, budista.
Agora o que é o grande marco? É a natureza. Então o cara fala “graças a
Deus”, é “graças a Deus” . É o, o Deus é uma coisa. É uma coisa. O
quê? Mais que o homem, isso. Mas é lição de homem né. É mais de um
homem, porque o homem é um animal né, e Deus a idéia. É uma idéia.
Então, Deus aqui ó. E o diabo também. (risos). É. Um não vive sem o
outro. (risos). E agora? Por isso que eu não tenho nada com nenhum dos
dois.
Mas a sua historia de violência não era apenas com seu padrasto, mas também com
sua mãe que segundo ele lhe foi muito cruel. Diz não culpa-la e sim ao ambiente. Conta uma
passagem em que acometido pela gula infantil, pegou algo na cozinha da mãe. Quando
questionado por ela, negou o ocorrido, em conseqüência ela lhe queimou a mão.
Disse; meu filho eu vou queimá sua mão, você, você nunca mais roubá e
menti. ó. Foi violência foi. Até hoje eu tenho raiva de ladrão mentiroso.
Valeu. Foi violência, mas valeu.
Conta esta passagem para opinar sobre a educação que é dada as crianças hoje. Para
ele quase ninguém está preocupando com a educação que é dada aos filhos. Ele diz que é
necessário que os pais tenham mais cuidado, tenham mais tempo com os filhos, menos
displicência com o convívio familiar.
A escola hoje, a escola de hoje eu noto muito; é uma, uma coisa, uma crítica
que eu faço na escola é da maneira das professoras ensinar as crianças
hoje. Elas não ensinam as crianças como ela foi ensinada. Porque tem, tem
professora, eu conheço aqui na cidade, que xinga o aluno de nome que o
aluno não sabe. Isso não é bom pra criação. Então, a criança sai de casa em
vez lê e aprender boa educação na escola agride até os pais. Os pais
deveriam acompanhar melhor o estudo dos filhos, isso que eu vejo. Naquele
meu tempo não era assim. No tempo que Dodô jogava no Andaraí. Não era
assim não. A criança hoje está muito avançada, naquele tempo não era
assim.
86
Esses trabalhadores negros que por diversos caminhos chegaram a Rondonópolis,
participaram do seu desenvolvimento e de suas lutas sociais, revelam em suas trajetórias,
experiências em comum no que diz respeito à exclusão da escola, a luta pela sobrevivência,
mas vão se distinguir no entendimento que tem da dimensão e da ação política e de sua
negritude.
CAPÍTULO 4
ESCOLARIZAÇÃO
Todos eles tiveram uma breve trajetória escolar. Pouco tempo de escolarização será a
marca de todos esses trabalhadores negros. O contato com a escola ocorreu para todos eles
por volta dos 07 aos 10 anos. Apenas José Balbino Vieira (o Carioca) afirma que concluiu o
curso primário. Todos eles foram alfabetizados, e todos valorizam a passagem pela escola.
Somente o José Balbino demonstrou ter continuado com sua formação intelectual revelando
se um autodidata interessado em conteúdos políticos, literários e filosóficos.
Esse quadro da vida escolar e da formação intelectual desses trabalhadores fica
evidenciado no registro de suas falas que expressam seus encontros e desencontros com a
escola. Esses quatro trabalhadores de certo modo mostram de forma exemplar a tensão de
acesso e exclusão da escola e que marcam a história da condição do negro no Brasil.
Demonstrando que todos eles tiveram que abandonar a escola devido a sua condição social.
Expressada nas falas desses trabalhadores negros a exclusão da escola deixa de ser
apenas um dado estatístico e se revela objetivamente nessas trajetórias de vida.
88
4.1 José da Silva
Afirmou que ingressou em uma escola particular, onde conta ter permanecido por 18
dias Abandonou-a para lidar com a lavoura, cujo resultado era comercializado na feira local.
No ano seguinte, retornou para mais um mês de aula e desde então, relembra, tudo o que
aprendeu, aprendeu com a vida.
Eu fui para a escola tinha uns 9 a 10 anos eu trabalhava muito. Hoje
disse que não trabalha com 15, não pode. Eu morava na roça num ano eu
fui para a escola particular, fiquei 18 dias. Ai tinha que voltar para moer
cana e fazer farinha, pra vender na feira. No outro ano eu fiquei um mês e
foi a escola que eu tive na vida, aprendi alguma coisinha por ai nas portas
dos botecos na estrada né? Nos bar, nos garimpos aprendi assim, igual
jogar barro na parede né? Você nunca aprende uma coisa que presta.
José da Silva reafirma que na escola nada aprendeu, diz não guardar recordações
deste período referente aos amigos e professores, alegando o pouco tempo que nela
permaneceu, nem mesmo o nome da escola ele consegue recordar.
Na escola eu não aprendi nada. Aprendi a ler e escrever fora da escola, na
topapor ai. Não foi demorado, aprendi. Escola é muito fácil, muito fácil. A
gente era que não tinha como estudar tinha que trabalhar né (?)”. Sabe não
tenho lembrança da escola nem da professora e nem dos colegas por que eu
só estudei três meses, e tem muitos anos, muitos anos.
Com um esforço de memória, consegue dizer que o espaço físico da escola era um
salão com algumas cadeiras. Aos poucos vai rememorando e relata que para chegar a escola
saia cedo de casa e caminhava uma média de 12 km atravessando os pastos em meio ao gado,
seja debaixo de sol ou chuva:
Eu sei que eu saia cedo de casa viajava 12 kl de pé, ia pra escola, era um
salão, voltava pra almoçar em casa no outro dia andava de novo, debaixo
de chuva, de sol, passando no meio do gado. Isso nem um animal tinha para
eu montar, um cavalo, um burro, para fazer a viajem eu não quero falar
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muito sobre isto é muito nojento, triste, muito doido, eu quero procurar
esquecer estas coisas, não quero lembrar não... (se emociona).
Na fala seguinte ele demonstra o quanto a educação representa para si e qual a
importância que ele deu a mesma, ao demonstrar com orgulho que todos os seus filhos são
escolarizados. Não consegue esconder também, a nota de fracasso por ter deixado a escola.
escola eu não tenho o que contar que era muito boa, todo mundo era
simples, não tinha nada de luxo a professora era muito bacana com nóis,
ensinava direitinho só isso que consigo lembrar. Meus filhos, todos tem
estudo, não têm nenhum burro igual ao pai. Eu parei de estudar porque
tinha que ajudar meus pais, a escola era muito longe, muito longe.
O fracasso escolar, a exclusão da escola como bem sabemos, vem sendo estudado e
debatido ao longo de muitos anos e por diversos autores, mas é nessa afirmação de Ceccon
(1982) que expressamos a compreensão sobre o tema:
De fato, são sobretudo as crianças provenientes das camadas populares e do meio
rural que fracassam na escola e são forcadas a interromper seus estudos.
Evidentemente, essas crianças constituem a grande maioria da população de nosso
pais e são elas, justamente, as que mais precisão da escola para poder melhorar de
vida. São os pais das crianças que fracassam os que mais fizeram sacrifícios para
que seus filhos pudessem estudar. (...) poucas alternativas para os atingidos pela
exclusão da escola. O destino da grande maioria e aceitar os trabalhos mais duros, de
remuneração mais baixa e com maior risco de desemprego na hora da crise
(CECCON, 1982, p. 30).
4.2 Fernando Souza Brito
Esta é uma realidade que o atingiu na idade de 07 anos, quando pediu a sua tia para
que lhe ensinasse a ler e escrever. Lembra-se de que era a única criança da turma, depois,
segundo ele, a mesma foi ampliada para algo em torno de uns 20.
Tava dentro de sete anos. É sete anos. Assim mesmo porque eu pedi pra me
ensina particular. Pedi pra minha tia me ensinar também. Aí tava ensinando
90
de graça na escola depois começaram pagar. Pagaram primeiro quatro mil
réis, depois passo a pagá oito. na época que eu sai tinha uns 20
meninos certo. Tudo pago, particular.
[...] antigamente tinha que fazer primeiro uns risquinho pra equilibra a mão
né. E depois fazer a letra de lápis cobria com a caneta que chamava-se
pena. ouviu falar na pena? Ela e dentro de um vidro chamado tinteiro
daí pintava com aquela caneta. depois quando ela não prestava ela
abre e fala, o baiano fala assim escarranchado né? No, no português nosso
lá né? Então é isso, naquele tempo.
Avalia que ainda hoje escreve mal em razão de ter perdido um dedo direito. Apesar
de não saber absolutamente nada quando entrou na escola, 90 dias depois já sabia ler, escrever
e contar a tabuada.
Não foi já; quando eu entrei na escolinha que eu comecei não sabia fazer
nada em casa, riscar nada assim não; entendendo? Nada, nada. entrei
na escola ela foi marcado, pediu o caderninho e foi fazendo. O que eu
sei hoje eu leio e conto com 90 dias, certo. Porque 90 dias são 3 meses. Hoje
menino de ano aí não sabe o que um de 90 dias sabe; certo. Ele não lia uma
tabuada de cor, ele não lia nada de cor, certo. E tinha que fechar a tabuada
e lê. Contar dois e um, três. Dois e dois, quatro. Dois e três, cinco. Dois e
quatro, seis. Dois e cinco, sete. Dois e seis, oito. Dois e sete nove né? Dez,
noves fora, um. Noves fora nada. E tudo por diante. Quem é os moleque que
hoje estuda assim.
Suas afirmações nos remetem a um entendimento positivo do que era estudado e
como se estudava na época. Acredita que isso era o mais necessário, ou seja, como se pode
deduzir da sua fala o necessário era aprender a ler, escrever e contar:
[...] ce tinha que dar a lição ali né? Sentava e estudava. Tem vez chegava 11
hora né? Aí eu dava aquela lição ela o que ela passava ocê ia e
recordar aquelas coisa né? É recordação não tinha né? Dentro de 3
meses não tem nem grandes coisa pro cara né? aprender. Aprende não.
Ainda aquele tempo era aprende lê, escreve e contar né? Era o mais
necessário.
Segundo o seu entendimento, era muito difícil um pobre se formar. Ainda que
existisse na região instituição escolar que permitiria obter uma formação. Ao se referir a
condição de pobreza como o elemento que impediria a escolarização evidencia-se que sua
91
percepção da dificuldade que o trabalhador negro tem para obter sua formação escolar é de
natureza social:
Como, como é que um pobre formava? Era difícil um pobre formar né. E
tinha Ponte Nova, Lençóis tinha o Centro Educacional Afrânio Peixoto, que
tinha pra estudar até a quarta, quinta série né. Que não falava série
era ano, 1º ano, ano, ano né. Hoje em dia é série né. que o livro
que eu tinha comprado era série brasileira não estudei ele quase nada
entendendo. que eu estudei pouquinho, pouquinho, cartinha eu li
brincando. A, a, o pequeno escolar em poucos, em 1 mês eu terminei, né.
Agora dizê que eu tenho estudo grande não. que eu fiquei trabalhando e
estudar foi só isso.
A relação com a professora é apresentada como muito boa; sendo ela uma mulher
muito educada e paciente, o que não a impedia de disciplinar seus alunos com castigos e
colocá-los de joelhos:
[...] era uma professora uma mulher muito boa, ela muito educada. A
morena era educada demais apenas que gente uma que aquele tempo usava
aquele bença a professora certo. Ela era muito paciente. A mulher era,
parece que nasceu pra to... tomar conta de crianças. Porque não era é
estúpida, não espancava menino. Ela tinha, aquele tempo usava bate, mas
ela não batia em menino né. reclamava. Ponhava mais no castigo,
ajoelhado tal, esse aí ponhava de castigo certo.
Em sua fala refere-se a ela como uma Pretinha. Essa sua referência a sua professora
como pretinha nos indica que provavelmente sua professora era negra. O seu comentário
seguinte onde ele afirma que sua professora “pretinha” era uma excelente pessoa branca na,
na qualidade viu
.
Nos mostra como o preconceito está presente e arraigado. Mesmo dentre a
afro-descendência que como nesse caso atribui as qualidades positivas de educadora da
professora a uma pretensa condição de “pessoa branca”
Ficou pouco tempo na escola e saiu quando sua família se mudou para o sítio, onde
foi lidar com porcos, carregar mandioca e fazer farinha. Isso porem não o impediu de
continuar apreciando a leitura.
92
Tinha oi, eu tinha quatro livros minhas prima estudou bastante tinha
série, tinha todos os livros [...] tinha todo tipo de livros. Tinha até o que eles
falavam que um livro chamado Poligrafia, pois esse livro é um livro antigo é
pra ensinar caligrafia bonitas. Quem lê-se o Poligrafia, só que eu não
estudei ele, quem lê-se o Poligrafia lia qualquer letra de médico. Porque o
médico ele não, não faz explicando, ele faz se o, o traço né. Vocês que é
professora tem hora que tem letra de médico que embanana né? Pois
justamente, pois quem lê-se um Poligrafia, tinha um Poligrafia né. Em
casa, que era das minha prima. Agora não sei porque que adquiriram
aquele livro né. Diz que era pra ensina lê, escrever. Minhas prima até sabia
bastante. É lendo em casa. Sempre pegava é lendo, e tinha aquele guardado
uma malinha com meus livros né. E aí eu lia sempre em casa e, tanto que eu
não deixei de ler até hoje.
Sente não ter podido continuar os estudos. Após esta época, tentou retornar em um
curso supletivo, mas, logo desistiu porque tinha que se dedicar ao trabalho.
É, mas que eu não estudava com as minhas prima em casa não. Eu não
obedecia as prima pra estudar em casa, porque todo ali era embolado. a
professora era educada não dano. Eu não tive dano na escola com a
professora não. Mas, é como diz o outro, mas o criador que ele teve não
queria que ele soubesse lê. Queria que fosse bom pra trabalhar, certo. É por
isso que eu vivo na minha luta. Ah não era bom porque era, era escola
supletiva, mas foram pagá de dia. Mas quem pagava era o Armando
Pereira né, mas também saimo logo de novo também. Aí fechou aquela
escola do lado que eu estudava chamado baixiu né. Era o uma região de
garimpo é, tinha assim uns moradores que era do garimpo de José Sena.
eu não fui mais em aula não. Eu fui trabalhar, romance essas coisa.
Assisti muito o cinema né. aqueles cartaz a gente era apaixonado por
filme né. Aquele tempo de Charles Chaplin, Durango Kid né. Isso eu era
muito de cinema; chorei; eu fui muito em cinema né. Aquilo faz o cara ficar
mais civilizado né. Quem era garimpeiro andava bem vestido, era bem
arrumado. Hoje é que nem um porco sai de qualquer jeito. A patroa ali
não gosta que vai na casa dela desse jeito não. Tem que arrumar roupa
de local pra ir né. São dotô. Eu sou um cara que até que pra muita gente
pensa não sabe como eu fui criado ela tem que ter muita moral. É diferente.
Ainda assim, ele relata, que a sua intuição de homem civilizado permitiu que
apreciasse um bom romance e a gostar de cinema uma arte que se considera apaixonado e
que permite ao homem ser mais civilizado. Nunca leu livros de formação política, mas lia,
qualquer coisa que lhe caísse nas mãos, livros, revistas. Conta que parava a draga, quando
estava nos garimpos, e lia por horas, depois pegava outro livro e reiniciava a leitura:
93
Nunca mais pude voltar na aula, mas sempre eu estudava em casa romance
tal. Eu fiquei um pouco assim desenvolvido, fui trabalhar com a família
fazendo mandado. eu peguei mais o intuito de se um cara assim
civilizado. E assim eu andando, mas isso eu bem compreendi. Então cê pode
um cara assim civilizado por se pobre, não ter estudo, mas civilizado. Se
você lá chega onde eu estou. Que deseja? A doutora não está? Não. Quem é
você? Quem é a senhorita? Não é? Então é o seguinte, que eu um cara
que eu não sei nem entender o que é que eu sou. Eu sou muito educado ou
mal educado né? Tá entendendo. (risos).
4.3 Sebastião do Nascimento
Seu ingresso na escola aconteceu um pouco tarde, aspecto comum entre os sujeitos
deste estudo como ele nós diz: me lembro eu tinha 09 anos quando fui pra escola não falava
escola falava Grupo Escolar chamava Santa Lurdes, na cidade de Pirataíba.
Sobre o Grupo Escolar, rememora que ele era um salão grande, sem paredes, alto,
cheio de carteiras. Era um espaço com corredores limpos, a sala continha sempre um pano de
limpeza que ficava a frente. O quadro negro ficava distante, o que obrigava alguns alunos se
levantarem, irem até a frente para enxergarem melhor. A disposição das carteiras obedecia à
separação entre meninos e meninas, que somavam ao todo uma média de 25 a 30 alunos por
turno.
A escola era um grupo ne... Grupo Escolar que chamava na época. Tinha
um grupão, assim sabe salão grande sabe, bem alto cheio de carteira tinha
carteira prum lado pro outro. Corredor sempre bem limpinho. E o paninho
sempre ficava na frente. E tinha o quadro, o quadro negro né, passava a
tarefa assim no quadro assim a gente do canto no, no fundo do colégio
tinha que olhar e copiar direitinho o ditado. Por isso que eu falo que eu
gosto sempre de ditado. O ditado era melhor daquela, aquela letra bem
visível né, lá do fundo do colégio do salão tinha que enxergava bem e
passava no caderno aquele ditado . Mas quando você não, não entendia
precisa dirigi um pouquinho do lado do quadro. Sempre procurava não
atrapalhar ninguém ia perto do quadro lia a palavra e voltava passava
pro caderno. Direitinho. As carteiras era separada entre meninos e meninas
era assim de 25, 30 aluno.Era assim a gente estudava e tinha aquela
alegria né. A gente brincava muito. Era uma vida boa. Eu gostava muito da
94
aula. Muito mesmo. Tinha umas colega de aula. A gente tinha, tinha muito
colega também né, homem. A gente ia pra aula aquela turma assim, voltava
aquela turma brincando pela rua afora. Eu adorava. Adorava mesmo. Muito
bom.
Para chegar a escola, ele e os irmãos costumavam andar cerca de 06,10 km a
diariamente. Outra dificuldade relatada estava na forma de conciliar os estudos com o
trabalho, além do que, com pais analfabetos, havia a dificuldade do acompanhamento dos
estudos em casa.
A gente naquele tempo a gente trabalhava muito [...] Então você não tinha
assim aquela mentalidade de uma coisa entendeu. Você tinha que estudá
chegá pra ir pra aula 7 hora manhã, chegava em casa 11 hora almoçava ai
pro serviço ou então foi muito difícil da gente aprender por causa do
serviço né. Porque ficava as vezes estudando mais pensando no serviço
que era puxado trabalhava na roça é muito difícil. Aí aprender eu vô te falá,
foi muito difícil. Porque não tinha, assim aquela mentalidade só numa coisa,
no estudo. Então a gente tem, tem muitos que aprendem. Eu tinha
professores, tinha pouca coisa ela era muito rígido, bravo com a gente sabe,
porque tem o castigo sabe. Tem negô que é assim se tiver castigo, tiver uma
taca de palmatória né lembra como que era batia mesmo que a mão chegava
a inchar né. Então tinha medo demais da conta. Tinha que aprender mesmo.
Aí aprendi, mas foi, não foi fácil não.
Conta que a disciplina que mais se identificava era o português, sendo muito bom em
ditados. Já as disciplinas de matemática e ciências não o agradavam muito: Eu gostava mais
era de português. Português, era bom em português. Não em Matemática, ciência, gostava
muito de português ditado. Era bom de Ditado.
Sua relação com a professora não era das melhores, uma vez que ela era muito brava.
Conta que sempre que a via chegava a tremer de medo.
A professora era brava mesmo sabe, eu chegava de ir na, na aula assim
quando eu entrava no salão de aula que eu via a professora, eu tremia de
medo, porque era brava mesmo. eu ficava com medo, então era umas
carteira até aqui. Porque tinha o lugar de os caderno em cima assim o
lugar de o lápis né. Então eu toda vida fui levado na, na aula. Não gosto
quando eu tava sentado sempre quietinho assim na carteira foi uma menina
sai eu não gostava de sentá mais menino homem. (risos). Mas era, era ruim.
Professora era brava demais da conta so. Não gosto quando eu tava sentado
95
sempre quietinho assim na carteira foi uma menina sai eu não gostava de
sentá mais menino homem.(risos). Mas era, era ruim. Professora era brava
demais da conta sô.
com os colegas, relata que a relação era muito boa. Durante o recreio, interagia
com seus colegas, jogando partidas de futebol, esporte que gostava muito.
Combinava demais dá conta, tinha um recreizinho, recreio de meia hora né.
Então ela partia o time de futebol né. Eu adorava jogar bola. Também era
pouco tempo, meia hora né. E a professora quando tocava o apito tinha
que entrar pra aula mesmo sabe. Não podia atrasar né!
Aos 13 anos, por conta de um incidente envolvendo a professora, Sebastião, que
contava com um histórico de repetência, resolveu abandonar os estudos quando cursava o
então ano da época. Não adiantou a insistência da mãe. Após um período tentando engana-
la de que continuava estudando, resolveu contar a verdade e assumir que havia abandonado a
escola.
Porque eu tava jogando bola na, na, na rua e minha professora passou
assim ao lado de mim sabe, menino chutô uma bola e pegou rosto dela né.
Menino né. eu fiquei com medo dela de castigo, quando cheguei em
casa falei mãe eu não vou mais na escola não, porque a Dona Lurdes vai me
de castigo. Minha mãe, você vai. Pra que você feiz isso com ela? Você
vai. E eu saia pra aula, daqui de casa pra aula pra ir pra aula eu não
chegava no Grupo não entrava de medo dela. Eu ficava na rua até a aula
acabá, depois chegava em casa eu mesmo passava tarefa pra mim, fazia em
casa. Não eu mentia pra mim mesmo né. eu cheguei mamãe eu não
mais estudá; eu tinha 3º ano naquele tempo, era 3º ano. Aí a mãe procurou o
pai ele vivia pra roça não acompanhava a gente né. não voltei mais na
aula de medo da professora. Agora não volto mais (risos).
4.4 José Balbino
Foi à escola pela primeira vez aos 08 anos de idade, em 1935, no Grupo Escolar
Machado de Assis. Depois se transferiu para a escola Santa Catarina em Santa Teresa, região
96
do Rio de Janeiro da qual se orgulha por ter morado. concluiu o curso primário. Dentre os
entrevistados ele foi o único a concluir esse nível de formação. É provável que isto ocorreu
pelo fato dele ter estudado em uma escola urbana localizada no então Distrito Federal onde as
oportunidades de escolarização eram maiores. Recorde se também que a rede municipal do
Distrito Federal nesse período era das mais bem organizadas do país. Sua escola publica
possuía os melhores e mais competentes quadros de docentes e era referência para todo Brasil.
Ainda hoje se lembra da primeira professora chamada Evinha, que o acompanhava
nas tarefas escolares e que para ele era muito bonita. Recorda-se também do professor Odair
da Ponte Negra, que o instigava nos estudos de história e geografia, seus prediletos.
Eu fui na escola pela primeira vez com oito anos em 1935, eu tinha qué vê; a
minha, a minha professora primeira chamava-se Evinha. A gente não
esquece né. Mas a pessoa que mais que ficou na memória foi Odair da Ponte
Negra. E ela falava assim qué vê, “qual e a capital do Alasca?” José
Balbino não fala. E eu, eu sou cobra em geografia até hoje. Viu julgou né.
(risos). É, geografia, história é o meu hobby até hoje. Creio que eu copiei 1º,
2º, 3º, e ano, a minha nota que me valia era história e geografia.
Porque ruim de matemática. Agora História e Geografia não. Sempre fui
bom. O meu hobby é esse História.
Considera ter sido um aluno indisciplinado para os padrões da época, tendo
aprontado diversas travessuras, sendo que uma delas lhe rendeu uma puxada de orelhas e uma
surra da professora, Dona Isa.
E num dia eu; a menina foi sentar, óia eu tinha uns 10 anos e eu tirei acho
que a cadeira. Ela quase quebrou a espinha. Aí a, a minha professora puxou
minha orelha me bateu, Dona Isa Eu, eu era, era o cão. mandou,
mandou; puxou minha orelha, me bateu. Nunca tinha apanhado. falou
assim “você vai levá esse bilhete pra sua casa, onde você mora e vem
aqui com a pessoa, seu, seu responsável não quero bater em você mais”. O
quê que eu fiz. [...]
José Balbino passou então a ausentar-se das aulas, preferindo freqüentar a praia do
Flamengo. Isso durou até seu padrinho descobrir a atitude do fujão e lhe repreender.
97
Ali nos arcos, em cima dos arcos. Ali é o Rio de Janeiro. Agora é ali não me
lembro o nome a escola minha Magalhães de Santa Catarina Magalhães no
Rio de Janeiro, lá no, no corcovado é aquele bondinho. Em vez, de eu ir, eu
ir pra escola eu ia pra praia do Flamengo todo dia. Pra pegá vento. um
dia meu padrinho falou pra mim assim “o José você não indo na escola
não?” Eu, eu não podia mentir se não ele batia. que eu não mentindo
ele batia. Ele falô assim “óia eu não te bato”. Eu falei “não senhor”. Aí que
eu fui. Então você vai hoje. Vai hoje, eu não vou te castigar não.
E ele foi. chegando, foi recebido por um abraço carinhoso da professora e um
sincero pedido de perdão. O fato transformou não apenas a professora, mas também os demais
alunos. Quem saiu verdadeiramente marcado deste processo, entretanto, foi o próprio José
Balbino, que ainda hoje se recorda do processo de amadurecimento que o fato lhe
possibilitou.
cheguei ela me abraçou. Me abraçou. me abraçou e falou eu não
sabia que você era carente, rejeitado. Você me perdoa. No duro mesmo. Óia
eu mudei, eu mudei tanto que eu adulava ela. Pra você como que a gente
é carente, criança é passiva fácil de ser conquistada , afeto. E isso aí até
hoje eu sinto de coração sabe. Depois não, não é não, não é, não é, não é,
não é assim com segundas intenções, amor. Amor de assim. Amor mesmo,
mas filial. Não é nada. Tem hoje nada. Inté hoje tinha amor também, nada
disso. É a maneira que ela me tratava. Minha professora falou de hoje em
diante ela falou assim “José Balbino é um rejeitado, então eu quero que
vocês no dia de hoje todos tratem ele bem, acabou. Foi uma festa pra mim.
Quando eu sai do colégio, da escola eu chorei enten
de. A recordação que eu
tenho é essa da minha professora. Até hoje eu não esqueço.
Com serenidade, analisa que o fato de não ter dado prosseguimento aos estudos se
deveu ao fato de não possuir condições financeiras para tal. Novamente se evidenciara aqui o
caráter social e econômico do processo de exclusão escolar que foram submetidos estes
trabalhadores negros. Ainda que as condições oferecidas para a escolarização fossem mais
favoráveis ainda assim a condição social e econômica impediu que isso ocorresse. Outro
aspecto que possibilitaria o prosseguimento dos estudos, segundo ele, seria o acesso aos
padres. O que não era o seu caso. Como nos mostra na sua fala:
98
Eu terminei o curso lá. E eu queria continuar e tinha que fazer admissão pra
entra no, ginásio. Agora meu padrinho que era sacristão de igreja ele ia
arrumar pra mim, pra, pra estudar no Colégio Salesiano Santa Rosa.
Colégio de padre. Eu não fui. fiquei no primário. Eu era idiota.
Igual outros iguais a mim, perdi a oportunidade deixei passar.
Carioca analisa a escola de ontem e de hoje com o olhar de um conhecedor.
Posiciona-se contra a privatização do ensino, uma vez que este caminho (...) freia, muitos
talentos são freados”. Alega que no passado a escola não possuía condições físicas
adequadas, mas, em contrapartida ela era menos violenta, mais humana. Atualmente, critica,
os professores não se preocupam muito com as suas práticas pedagógicas, sem contar que a
violência está presente no cotidiano de professores e alunos.
Olha era uma escola; não tinha assim a, o conforto é, assim técnico que nós
temos hoje. Era mais primitivo. Mas é gostoso aquele tempo. Ela, ela a
criança, o jovem era mais, era menos violento, era menos do que é hoje né.
Era mais criança. Era mais humano. A escola hoje, a escola de hoje eu noto
muito; é uma, uma coisa, uma crítica que eu faço na escola é da maneira
das professoras ensinar as crianças hoje. Elas não ensinam as crianças
como ela foi ensinada. Porque tem, tem professora, eu conheço aqui na sala
do mundo, que ela, ela xinga o aluno de nome que o aluno não sabe. Isso
não é bom pra criação. Então, a criança sai de casa em vez e aprender
boa educação na escola agride até os pais. Isso que eu vejo. Naquele meu
tempo não era assim.
A preocupação com a escola, demonstrada por Carioca também tem sido motivos de
estudos de vários educadores brasileiros. Paro (1997), ao discutir um objetivo político para a
escola pública e o seu fracasso vai afirmar:
A primeira questão a ser enfrentada no exame da situação de calamidade em que se
encontra a escola publica fundamental parece referir-se precisamente a sua própria
função social, ou melhor, a uma função social que se lhe possa atribuir para cumprir
adequadamente um papel consistente de socialização da cultura e ao mesmo tempo
de contribuição (por modesta que seja) para a democratização da sociedade [...] A
escola hoje, a escola de hoje eu noto muito; é uma, uma coisa, uma crítica que eu
faço na escola é da maneira das professoras ensinar as crianças hoje. Elas não
ensinam as crianças como ela foi ensinada. Porque tem, tem professora, eu conheço
aqui na sala do mundo, que ela, ela xinga o aluno de nome que o aluno não sabe.
Isso não é bom pra criação. Então, a criança sai de casa em vez e aprender boa
educação na escola agride até os pais. Isso que eu vejo. Naquele meu tempo não era
assim. No tempo que Dojogava no Andaraí. Não era assim não. (risos). A criança
hoje está muito avançada, naquele tempo não era assim (PARO, 1999, p. 84).
99
Sobre o sistema de conta para negros, sistema propondo como se sabe que criaria um
percentual de vagas nas universidades para negros José Balbino tinha conhecimento da
discussão e têm posição clara sobre a questão. Ao contrário dos três primeiros entrevistados,
José, Sebastião e Fernando, que desconheciam a discussão sobre Cotas e disseram que isso é
bobagem que todos somos iguais, José Balbino se posicionou disse o seguinte sobre cotas:
Cotas isso é besteira todos são capaz de conseguir estudar a questão não é o
preconceito a questão é de classe. A cota não vai resolver a desigualdade
existente. Por isso eu digo a questão é de classe entende.
Revelando sua posição política fundada em uma visão teórica que centralidade a
dimensão de classe para explicar todo esse processo de exclusão a que foram submetidos
enquanto crianças negras das classes populares que tiveram interrompidas suas trajetórias de
escolarização.
CAPÍTULO 5
EDUCAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO
O fato de não terem sido escolarizados, não impediu que todos eles adquirissem uma
educação política. O destaque sendo José Balbino Vieira que pela sua vinculação com o
Partido Comunista demonstra um entendimento que valoriza a participação e a ação política.
Sua visão política, como se verá, foi sendo elaborada dentro da tradição comunista de
educação política em que os estudos das questões sociais, econômicas e filosóficas, por parte
de seus militantes são muito valorizados. Os outros três sujeitos pertencem a uma outra
tradição, mais conservadora, que com desconfiança a ação e a participação política. Nem
por isso deixaram de ter uma participação ativa no movimento social e na luta política.
5.1 José da Silva
Analisa a relação dos homens com o poder e a relaciona aos políticos, numa visão
pouco positiva e conservadora da ação política. Sua percepção de como os políticos são e o
que eles fazem pelo poder, mostra sua desconfiança com o fazer política:
101
A política é um coisa triste o político ele não tem amigo não pode confiar em
ninguém isso é ruim demais fia”. Olha eu nunca participei de nenhum
partido, nunca me filiei. Eu nunca tive tempo, corretor não tem tempo fia
bem que eu queria mais, quando ocê num ta correndo pra lá, está esperando
uma pessoa, uma hora ta pro mato ou ta mostrando uma terra, não tem
tempo, quando cria tempo já ta velho não pode nem andar, nunca participei
dos movimentos por falta de tempo.
Apesar desse entendimento revela que participou de atividades política, usando como
exemplo uma campanha para vereador que segundo ele foi muito fácil. Isto ocorreu ainda
quando morava em Minas Gerais, em que se dedicou à eleição de um amigo que se
candidatou e foi eleito a vereador e posteriormente eleito a presidente da câmara municipal.
Olha vou te contar uma coisa, mas só foi uma vez, eu nunca tive interesse de
ser político, eu não sei porque, mas nunca quis. Sabe eu acho que política é
muito difícil. Ajudar eu já ajudei um candidato lá em Minas, uma vez para
vereador, ele disse para mim eu vou lagar disso que não vou eleito, não eu
sou muito rui pro povo, eu falei não, eu sou bom eu vou te apoiar se você
não ganhar eu pago as despesas. Ganhou foi até presidente da câmara, ele
ficou admirado e falou: mas o povo é besta mesmo como que eu sou do jeito
que eu sou, e o sujeito ainda votou em mim, digo não mode oce não, mode
eu, mas não era não, ele tinha as ruidade dele mas tinha também as
bondades, o cara era gozador mesmo.
Para quem diz não dominar o assunto, José da Silva, guarda em sua memória
lembranças de uma época em que freqüentava comícios para “ver as mocinhas bonitas” e,
ainda que negue, do tempo em que se dedicava a ouvir o que era dito pelos então candidatos
da época; caso contrário, ele não afirmaria com tanta ênfase que as promessas ali feitas
tratavam-se apenas de mentiras:
Eu ia nos comícios de vez em quando, quando tinha algum amigo um
conhecido que ia sozinho ai eu ia com ele, nem ligava com o que tava
falando, eu sei que só bobagem e mentira.
O fato de não ter sido filiado a partidos políticos não o isenta, tal qual pensa, de um
envolvimento com as questões políticas. de sua chegada a Rondonópolis, suas lembranças
estão marcadas pelas perseguições que ali ocorriam em conseqüência da ditadura militar:
102
Que eu me lembro que prendeu um bocado e quando eu cheguei aqui
tinha prendido o Bezerra, tinha prendido o Rosalvo,(Militante Comunista de
Rondonópolis) tava atrás dos mandioca (uma família tradicional de
Rondonópolis) pra prender, tinha largado de mão, mas correro atrás dos
mandioca bem corrido, por isso que eu marquei 64.
Em suas falas, atribui ao mundo da política uma série de dificuldades e a sua
capacidade de lidar com elas. Deixa transparecer nas entrelinhas, por mais absurdo que
considere, que em algum momento de sua vida a idéia de dedicar-se à política não foi tão
absurda assim, uma vez que reflete sobre apoios que tenha dado ou possíveis apoios que
pudesse ter.
[...] mas foi uma vez só, foi uma depois não quis mais, não vou apoiar
ninguém, não quero o apoio de ninguém para mim não serve política não
(pausa). Eu ajudei eleger esse meu amigo porque era fácil demais, todo
mundo da região era meus conhecidos e acreditava muito no que eu falava,
política é mais ou menos isso se a gente ganha confiança (pausa) a gente
elege qualquer pessoa.
Apesar de negar a importância da participação política contraditoriamente este
trabalhador negro acaba tendo uma atuação política que embora não esteja ligada a uma
organização, como partido ou sindicato, se aproxima dos interesses político das elites locais.
5.2 Fernando de Souza Brito
Não se considera um homem apaixonado por política. Apesar disso, nos relatou, que
sempre participou de comícios, carreatas e passeatas, diz que ia pela farra e pelo movimento,
junto com os amigos, depois passou a ir com a família. Afirma não ter deixado de votar um
único ano, ainda que por obrigação, pois segundo ele o titulo de eleitor é um dos documentos
exigidos em quase todos os locais:
103
Não participava assim, nóis ia assisti, participar dos comício né. Assisti,
nóis ia de Patagonha pra Jucimeira. Nóis ia pra Jaciara, naqueles
caminhão cheio de bastante gente. Aquele trem até parecia água. Agora
hoje em dia eu não ligo pra causa da política é ainda não, não tinha casado.
E é por causa farra, porque cê fala o cara novo, o cara novo não quer saber
de nada. Agora no dia da eleição que eu voto desde da Bahia. Nunca fiquei
uma eleição sem votar. Não, todas, porque sempre preciso do documento do
título né. Agora esses dia mesmo na Caixa Econômica me exigiram o título
pra revalidar o, o CIC né. Senão não revalidava. Tive e tive que vim
pegar o, o título certo. Aí foi que eu não consegui; aí não aceitava revalidar
o título
.
Antes de chegar a Mato Grosso, revelou que votava sempre com a UDN. É bom
lembrar que esse Partido que durante sua existência expressou os interesses da pequena
burguesia urbana. Nunca possuiu filiação partidária. Diz que suas únicas carteirinhas, segundo
ele, são do INSS e do SESI. Nem mesmo o sindicato chegou a pagar ou associar-se. Diz que
seu voto é consciente e que escolhe seus candidatos pensando nos progressos que o mesmo
pode representar para a cidade. Sabe que um político pode ser eleito e reeleito, mas se não for
um bom político vai chegar o momento em que o povo vai rejeitá-lo:
Não. Isso eu não vou menti não, não tinha, não vo... Se tinha assim quando
era Oswaldo Pereira o seu Fernando vota pra nóis esse cara aqui assim.
Um cara novo. Então não é um; não explicava. Isso é sobre isso, a favor
disso e disso. eu que eu votava naquele lado quando eu votava no UDN
antigamente né. Agora quando chegou aqui em Mato Grosso nao teve não.
É o que a cabeça pede lá. Agora na Bahia não, já acompanhei a UDN muito
tempo. Era udenista né. Depois eu falei, ah isso não me dando grandes
coisa. Sai fora né. Ai chego pra votar os outros fala pra votar numa
candidata vereadora, seu Fernando eu conto com o seu voto. Eu gosto de
você demais, você é um senhor bacana e tal. eu faço; dou o voto
entendeu. Mas também quero saber o que a pessoa vai fazer se merece o
meu apoio, né. Eu não me vendo. Eu voto na pessoa que vai trazer recurso
pra nois.
Para ele, uma pessoa que se dedica a ser político, deve estar preocupada com o bem
estar da cidade, do bairro em que mora. Diz ter consciência disso, mas, não ter a pretensão de
entrar na vida política:
104
Ah sim, de um eu sei o que é política o que, pelo comum. Se a pessoa que
dedica ser um homem político, ele tem que apoiar um político pra, pra saber
qual que faz o bem-estar da cidade pelo bairro que ele mora, não são issos.
Então é isso aí, a gente também entende que a gente não entra. E depois
eu sou pobre não tenho dinheiro pra gasta né. fraco. Aí eu vou perturbar
o lar desse ignorante assim, é mas o quê que você vai me dar. Hoje diz que
não pode mais nada, porque si não é processado não é. Mas mesmo com
um, pelo comum tem pessoas que, que tem alguém deles que eles ajuda, da
as coisas em troca do voto você pode vê que tem alguém que arruma alguma
coisinha. Ah qué dizer que esse fulano quer ser um político não tem nem o
couro pra morrer em cima. Não fala não? As pessoas pensam que pra ser
político tem que se rico. Por isso as coisas ficam do jeito que ta, mas você
pode vê pobre não vota pra pobre né.
Ele argumenta que mesmo a lei eleitoral impedindo a compra de votos, ainda assim,
muitos políticos ainda agem desta forma e a maioria das pessoas está condicionada a pedir e
esperar alguma coisa em troca do voto. Afirma que uma pessoa consciente não faz certas
coisas, ao passo que a pessoa que não tem consciência não assume responsabilidades, não
trabalha tanto.
Eu acho que a pessoa que não é consciente ele faz danos né. E a pessoa
consciente não. Porque a pessoa que não é consciente ele não, ele não tem
não, ele não assume a responsabilidade. Eles toma um cargo seu de uma
[...] Pessoa acho que não é consciente, consciente ele é um, uma abelha sem
morada é igual uma um pássaro sem ninho.
Como sempre trabalhou muito, ele alega não ter tido tempo de participar dos
movimentos sociais. Sabe que no bairro onde morava havia uma associação, mas não
participou dela. A igreja freqüentou muito pouco. Quando estava na Bahia ia regularmente a
missa e procissão; quando chegou aqui a sua periodicidade foi diminuindo.
Não, não tinha jeito is saia pras firma filha, pras firma saia era; eu na
minha casa eu era hóspede, era hóspede. olha eu fui pra trabalhar na
Primavera do Leste eu trabalhei na . Brasil Central já 3 vezes, certo. Chega
nos domingo em casa, chega morto de cansado né, cheguei em casa. se
tem que tratar da obrigação da família né.. Olha eu não participava da
associação porque não dava tempo tinha que trabalhar, quando tava na
Bahia eu ia na Igreja, mas depois não deu mais. Porque o homem
desempregado é um homem fraco né.
105
Suas dificuldades são típicas de um trabalhador cuja ação política não se deu em
organizações como sindicatos e partidos políticos. Sua educação política o leva a repetir
formulações de caráter conservador e que estão presentes naquilo que o senso comum
costuma afirmar sobre participação e ação política. Nesse sentido pode se perceber, tanto em
sua trajetória quanto no registro de suas memórias, manifestações de uma consciência política
que apresenta breves momentos de uma visão crítica e outros em que demonstra uma visão
ingênua do significado da participação e da ação política.
5.3 Sebastião do Nascimento
Trabalhador rural se recorda que foi a vida sofrida que não lhe possibilitou uma
maior inserção e participação política. Apesar dessa sua afirmação sua trajetória nos revela
um lento, mas persistente movimento de crescimento e conscientização política. Sua lida
como trabalhador rural nas fazendas de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, vai lhe
proporcionar uma educação política que o leva a uma consciência da injustiça e da
exploração. A morte de sua filhinha com meningite, que morreu, em seus braços, quando
tentava recorrer a uma benzedeira, foi um momento dramático nesse seu processo de
conscientização:
Muita dificuldade mesmo. Eu que sai sabe pra levar a menina na benzedeira
a menina tava com meningite na cabeça. eu sai fui levar a menina na
benzedeira e no caminho a menina morre nos meus braço,que tristeza. Aí eu
tinha uma caixa de fósforo eu fui e risquei um fósforo pus na mãozinha dela
eu fiz de vela não tinha outra. Ela morreu nos meu braço. Olho pra trás e
tanta morte em casa, Nossa Senhora. Passemo dificuldade demais. Muita
dificuldade vixe! Tem que ter em Deus. Mas também tinha tempo que a
gente não orava, o rezava sabe Rosa a gente deitava na cama igual peda
e levantava sem pedi, sem sabe o que né. Era difícil demais. Foi o tempo
quando eu conheci a Deus mesmo assim. Foi que a vida melhorou pra nóis.
Graças a Deus agradeço muito. Até o sofrimento que eu passei agradeço a
Deus, porque eu fui, né; Eu realmente não esperava que ia passa por aquilo.
106
Eu e essa mulher Sofremô muito. Graça à Deus vencemô. Criemô os filho
tudo bem, bem amparado, bem empregado, fez muito bem o serviço patrão
gosta demais dele. E graças à Deus é isso aí. Não gosto nem de lembrar.
Nossa senhora.
Com o tempo considera, que apesar de tudo sua vida foi melhorando. Recorda-se que
um dos seus últimos trabalhos como trabalhador rural foi quando esteve em uma fazenda no
Distrito de Galiléia no Município de Rondonópolis. Foram anos neste ritmo.
Contraditoriamente suas lembranças e sua relação com os seus patrões nos são mostradas de
forma positiva:
Então eles me aposentaram hoje eu recebo aposentadoria mais ou menos
2 salário e pouco, 2 salário e meio. E faço um serviço ali, aqui e tudo bem
né. Mas trabalhar mesmo trabalhei aqui em Mato Grosso trabalhei em 3
fazenda, porque não era gente de trabáia na fazenda ficava 1 mês, 2 não.
Sempre que ficava na fazenda, ficava era 4, 5 ano pra frente. Eu me dava
bem com o patrão, patrão gostava demais do meu serviço né. foi
continuando né mexendo agora mesmo eu pedi conta pra saí. Quando eu s
ele sentiu demais da conta, pediu pra não sai, mas eu tava cansado de
trabalhá né. Muito cansado. pedi a conta e saí ele pago meu tempo
direitinho que é muito bom. Me aposentou, ainda ontem me convido pra ir,
ir jantar no shopping. Fomos no shopping me tratou muito bem me
apresentou pra bastante amigo dele. E eu fiquei muito feliz graças a Deus
muito feliz.
Nada das dificuldades relatadas, parece tirar a alegria demonstrada por Sebastião.
Nem mesmo os momentos mais difíceis.
Emociona-se ao relatar que perdeu duas crianças vítimas do sarampo. Na época, o
bairro em que morava localizava-se distante dos centros de atendimento. Sua condição
econômica era a pior possível. A esposa lavava roupas para os outros e ele encontrava-se sem
serviço fixo.
Nóis morava num lugar muito deserto. Muito longe de tudo. Mais muito
longe mesmo. Aí eu; nossa eu vivi uma vida difícil mesmo. Uma pobreza que
você precisa a quantidade. Essa mulher minha lavava roupa pros outro.
Eu trabalhava pro outro, na enxada ganhando por dia, não dava pra nada.
Eu tinha 3 filho, quando é o sarampo entrou dentro da minha casa foi
uma derrota.
107
Sem atendimento público, conta que se deslocaram, então, da fazenda para a cidade
de Jataí, no Estado de Goiás, onde morava seu patrão, para a realização do tratamento. No
caminho, uma das crianças veio a falecer.
Eu quando eu morava na frente do Tobia ali no Birro sabe. Eu tive uma
vida muito difícil, mas muito difícil. Chegou um ponto até que eu perdi 2
criança à mingua. Que eles nasceram, depois veio aquele sarampo forte nóis
não entendia de nada. Nóis morava num lugar muito deserto. Muito longe
de tudo. Mais muito longe mesmo. eu; nós tinha; nossa eu vivi uma vida
difícil mesmo. Uma pobreza que você precisa vê a quantidade. Essa mulher
minha lavava roupa pros outro. Eu trabalhava pro outro, na enxada
ganhando por dia, não dava pra nada. Eu tinha 3 filho, quando é o
sarampo entrou dentro da minha casa foi uma derrota. Nossa! pegou
minhas crianças todinho. A gente saiu pra trata de um em Jataí meu
patrão morava lá sabe em Jataí. Aí chegou no meio do caminho morreu uma
criança. Dentro do ônibus. No caminho pro recurso. ela teve que paga
um táxi de Alto Araguai pra trazer, pra fazenda. Chegou na fazenda eu
não tinha como pagar esse táxi. Ai que fazer não tinha como pagar.
peguei uma máquina costura dela entreguei pro, pro rapaz pra pagar conta
sabe.
A outra criança, que também foi acometida pelo sarampo foi salva pela
persistência do pai e pela solidariedade de uma desconhecida.
E tinha ficado mais outra doente. o Carlos eu peguei um dinheiro
emprestado no outro dia peguei e embarquei pra Jataí com Ivanil sabe. No
caminho e eu não tinha o dinheiro pra, pra paga a passagem. A passagem
tinha subido eu não sabia né. Porque pra mim a passagem era o mesmo
preço, não tinha como pagar a passagem eu tava dentro do ônibus, o
motorista queria que eu descesse porque não tinha o dinheiro completo. Aí o
motorista parou queria me por pra fora do ônibus sabe. Com menino
doente. Ai eu fiquei brabo demais. Me deu uma raiva. Daqui eu não saio. Eu
não vou descer com menino doente aqui. E você fracote, você não é
homem pra mim tirá. E daqui eu não saio. Você pode tocar esse ônibus.
em Jataí pede dinheiro pro patrão te paga. Não quero receber agora eu sou
o responsável, então faz desce do ônibus. eu achei mal não desci. E
tinha uma mulher assim ao meu lado na poltrona assim perguntou, quanto é
que falta pra passagem dele. era um tal de trocatilo sabe. Ele falou falta
tanto, ela pegou o dinheiro e pagou a, a passagem minha. Foi que eu acabei
de chegar sabe. E se eu não chego aquele dia ele tinha perdido o ele porque
tava com sarampo. Já tava atacando o pulmão dele. Se eu não chego aquele
dia em Jataí tinha perdido
.
depois Olice, teve outro menino na fazenda. Muita dificuldade mesmo.
Eu que sai sabe pra levar a menina na benzedeira a menina tava com
meningite na cabeça. Aí eu sai fui levar a menina na benzedeira e no
108
caminho a menina morre nos meus braço,que tristeza. eu tinha uma
caixa de fósforo eu fui e risquei um fósforo pus na mãozinha dela eu fiz de
vela não tinha outra. Ela morreu nos meu braço. Olho pra trás e tanta morte
em casa, Nossa Senhora. Passemo dificuldade demais. Muita dificuldade
vixe! Tem que ter em Deus. Mas também tinha tempo que a gente não
orava, não rezava sabe Rosa a gente deitava na cama igual peda e
levantava sem pedi, sem sabe o que né. Era difícil demais. Foi o tempo
quando eu conheci a Deus mesmo assim. Foi que a vida melhorou pra nóis.
Graças a Deus agradeço muito. Até o sofrimento que eu passei agradeço a
Deus, porque eu fui, né; Eu realmente não esperava que ia passa por aquilo.
Eu e essa mulher Sofremô muito. Graça à Deus vencemô. Criemô os filho
tudo bem, bem amparado, bem empregado, fez muito bem o serviço patrão
gosta demais dele. E graças à Deus é isso aí. Não gosto nem de lembrar.
Nossa senhora.
Estes momentos de resgates de sua memória o leva refletir sobre as dificuldades
encontradas e a fé que deposita em Deus. Segundo ele, houve épocas em que deixava de orar,
de pedir graças. Assegura com firmeza
:
Tem que ter em Deus!. Diz que a vida melhorou
depois que compreendeu isso. Ate então, reforça, ele e sua esposa sofreram muito.
Hoje, avalia, considera que venceu na vida. Criou os filhos, que estão bem
amparados, bem empregados. Todos eles possuem suas casas próprias, alguns residem em
outros municípios.
Meus filho todo mundo adora que é o Carlos e o De e as minha meninas.
Quem morava lá comigo era a Claudinha também não morava sozinho.
Todo; nóis vendemos lá na vila Mamed. A Claudinha fez uma casinha no
fundo ali no lote ali né. eu fale comprar uma casa de alvenaria. Ah
então eu vou com você não deixo voceis mesmo. A Luzia tinha comprado
uma casa aquela casa que ela mora ali é da Luzia né. ela pegou a
Luzia vendeu pra ela hoje ela reformou a casa. um mundo de casa hoje.
Linda a casa dela precisa vê. Então toda vida nóis tinha garantia ela serve
demais. Ela não veve sem nóis também né. De maneira alguma. Pregada
demais com nóis. E as outra mudaram a Luzia mora em Primavera, Marta
ta lá naquele Vila Boa Esperança. E os filho ta na Botuverá mas tudo ganha
muito bem. Todo mundo adora os meus filho. Não atenta ninguém né. Muito
humilde, muito educado. O que eu pude dar pra eles foi educação então
todos são bem querido, são sadios não tem assim envolvimento com nada
né. Não tem toda vida foi trabalhador. Nunca envolveu com, com más
elemento, más companhia, com droga nem nada né. Então meus filho tudo é
honesto, trabalha mesmo, o que eles tem hoje tudo foi adquirido na
honestidade mesmo né. E agora tem meu neto também é a mesma coisa
nunca envolveu com droga sabe. Fico num nervoso porque ele sai do serviço
vai namorar pega a moto chega 1,2 hora um barulhão perco o sono fico
109
nervoso demais. Mas eu quero compreender porque a vida de rapaz é assim
mesmo.
Fica claro que os filhos são seu maior orgulho e a razão de sua existência neste
momento. Todo o seu esforço na criação e educação dos filhos é recompensado com a
aceitação dos mesmos no meio em que vivem, no respeito que despertam entre os conhecidos.
Agora, com a vida de aposentado, ele pode se dedicar um pouco mais a atividades de
que sempre gostou, como por exemplo, a participação na associação de moradores de seu
bairro.
Sebastião conta que atualmente, sua participação mais atuante junto ao movimento
político se através da associação dos moradores de seu Bairro, o Bela Vista, em
Rondonópolis-MT do qual faz parte da direção na qualidade de tesoureiro.
Aqui no bairro Bela Vista tem associação eu da comissão daqui do
Bela Vista. Aqui tem o presidente do bairro, tem o vice-presidente, tem o
secretário, tesoureiro. Então eu sô um deles também sabe. Me meto na
comissão daqui, daqui. Então tem tesoureiro, eu sou assim, eu não sou o
candidato assim na comissão sabe, então eu participo assim porque eu
tenho minha obrigação a fazê como eu tomo conta da limpeza do bairro né.
E pra por mensagem de opinião, eu tenho que fazê, prestar conta. Que eu
recebo a água aqui né. Então tem que prestar conta direitinho. Honestidade.
Para ele, sua tarefa não é fácil, a de lidar com as pessoas, cobrar serviços públicos
como água, iluminação pública, visitar as pessoas nas suas casas, onde às vezes é muito bem
recebido e em outras, tratado com descaso.
A minha responsabilidade é muito grande né, porque mexer com gente não é
fácil né. E nós somo mais resistente né tudo vem de familía. Então a gente tá
sempre todo o dia passando, eu cobro a água na rua né. Então tem casa que
você chega você é muito bem servido, e tem pessoa já ignorante né. Vai
cobrar ele não gosta de ser cobrada, se você não cobrar você não recebe né,
tem. A gente tem que levá.
110
Acredita porem que esta é uma das suas atribuições como membro da associação.
Sua participação não é recente. Tendo participado das direções de associações em outros
bairros em que morou. Seu interesse de participação em movimentos sociais foi desperto
ainda na juventude, quando freqüentava um grupo de jovens da igreja católica, ainda em
Araguari. Ainda hoje, participa das atividades da igreja de seu bairro e realiza reuniões em
casa para, como ele próprio diz,
[...] pra ensinar como que é a vida, as coisa de Deus né. Eu participei muito
eu saia de casa em casa rezando, fazendo novena. Eu participava assim de
reunião, de grupo de jovem, sabe. Mesmo em, em Araguari nóis tinha o
nosso grupo de jovem. Então eu participava do grupo de jovem.
Nunca participou de sindicatos e sua relação com os partidos políticos aconteceu
apenas quando seu pai era vivo, haja vista que ele seguia o mesmo partido de seu patrão.
Atualmente se diz eleitor de pessoas e não de partidos, uma vez que são muitos os partidos em
vigor.
[...] meu pai, era do partido do patrão dele. Patrão dele era PSD né. Então
quando meu pai morreu aí a gente ficou naquele ritmo, aquele mesmo
partido. depois dele ter muito partido, porque nem entende hoje. Eu não
entendo partido né, imagina. Hoje tem tanto partido que se não sabe qual
segui, então eu voto assim, eu não voto no partido, eu voto pela pessoa né.
Ele afirma nunca ter se filiado a nenhuma sigla partidária por se considerar
analfabeto e sem condições de dialogar com as pessoas. Reflete que a escola é tudo para o
individuo e quem possui estudos tem mais condições, o que não é o seu caso. Fato que
também fez com que nunca se lançasse a um cargo de vereador, deputado ou outro qualquer.
Isso não o impediu porem, de apoiar o seu próprio genro, que foi candidato a vereador e
depois sua filha que também foi candidata à vereadora.
Participei quando a Luzia foi candidata a vereadora; a Luzia trabalhei
muita na campanha pra ela. E depois; antes disso foi meu genro, o Valdeir.
111
Ele também foi candidato a vereador. A gente trabalhou muito tempo. Nesse
tempo eu trabalhava com fazenda na Oremeia. Então todo o final de semana
a gente ia pra Galileia pedia pros amigo, colega pra votá nele. Depois ele
trabalhou muito e depois ele perdeu. Depois ele trabalhou com outra eleição
com a Luzia minha filha também na política né. A gente batalhou muito,
trabalhou muito ela teve uma boa votação. que não conseguiu chegá né,
E política aí; Política é um problema. Porque é uma falsidade. Nesse tempo
a Luzia estava bem empregada. Depois que ela perdeu a política, tiraram o
emprego dela. Ficou desempregada Foi uma luta coitada, ela viver. o
sabe assim, e inté assim uma colega dela arrumou um escola no, no
Campo Verde. Campo Verde que eu falei? Campo Verde né. foi que ela
foi pra e conseguiu serviço. Hoje conseguiu, foi transferida pra
Primavera do Leste. Hoje tá, graças a Deus tá resolvido. Mas política é
grupo né. Mas mesmo hoje eu, eu trabalho em política assim meu voto prum
amigo, mas trabalhar efetivamente, não.
Para ele, política é sinônimo também de falsidade, de grupos. Mas nem por isso, ele
deixou de trabalhar para amigos que estejam envolvidos em processos eleitorais. Neste
sentido, quando se envolvido no processo, participa de comícios, reuniões com candidatos,
convida pessoas para essas reuniões. Sobre os comícios, diz que sempre participou. Ia por
farra, para fazer companhia aos amigos, festejar, conhecer novos amigos.
Olha eu ia nos comícios, nas reuniões com os candidatos, eu convidava as
pessoas para as reuniões. Os comícios eu ia por farra pra fazer amigos.
Escutava o que eles falava, mais sabia que era tudo conversa fiada. Assim
comício na rua passeando. Essa farta de, de condição os homem ficava
naquela algazarra. Não gosto não não. Ah ó hoje ocê pra ficar no meio
de gente está arriscado a tudo né. Encerrei tudo o que era política, né. E eu
gosto da vidinha assim mais quieta, mais no meu canto. Eu gosto duma
vidinha mais reservada, mais; pra vivê assim organizada
Sebastião considera-se uma pessoa consciente, querido, mesmo que, segundo seu
entendimento, seu nível cultural ser pouco e ser vitima de preconceitos.
Eu apesar de ter a cultura assim pouca. Por exemplo, vamô, vamô dizê
assim sempre tem o, tem o preconceito né. Mas eu me considero uma pessoa
muito assim querido, todo mundo gosta. Político gosta de mim vem aqui em
casa. Bate um papo mais assim aquela conversa de, de admiração mesmo
aquele negócio sempre digo. Mas eu me considero assim uma pessoa muito
estimada pelos político. Muito mesmo mas o preconceito existe mesmo e
difícil pra gente né.
112
Sobre cursos de formação ele assevera que o mais próximo que chegou a fazer foi
um curso de informática. Como nos fala: Oi não fiz curso de formação comecei a fazer um
de computação. E assim mesmo, não conseguiu conclui-lo, uma vez que sentiu-se preterido
pelos professores em detrimento de algumas colegas mais jovens.
[...] eu tentei fazer um curso agora em computação sabe. Até a firma a
Botuverá me convidou pra mim trabáia lá, mas tinha que ter um curso de
computação sabe. E eu fiz assim 30 dia de curso ali naquela informática
master sabe. Nosso professor era 2 rapaz. Então eu achava que eles atendia
mais era as moca sabe. Porque acabava um, um assim uma tarefazinha
tinha que chamando eles lá e tava lá junto com as moça, atendendo as
moças sabe. Eu pensei comigo esse rapaiz., professor tá interessado mais
ensinar só as moça né. Que nóis, nóis era 4 homem ali, quando acabava
uma tarefa em sala ficava esperando por ele pra vim não sabia o quê que
nóis ia continuar. eu desisti. Desse jeito não quero era covardia chega
aqui no mês de agosto, setembro eu não. Vou mais ia estudava a noite.
Chegava da aula sempre as 8 da noite, da noite. Sofri demais conta eu
ficava queto até que eu acordei. eu desisti normal. Disse ah eu não
mais estudá isso. Não aprendi nada, computação. Nada mesmo. Nada
entrou na minha cabeça.
Relata que a sua consciência foi se formando naturalmente, através de sua vivência,
seu aprendizado cotidiano, uma vez que não teve oportunidade de ter contato livros políticos.
Afirmam ler poucos livros, jornais em função do pouco tempo que dispõe. O único livro que
diz gostar realmente é a bíblia sagrada. Bem informado, rememora momentos das mortes de
políticos famosos como Ulisses Guimarães, Mario Covas e Brizola, bem como a mídia deu
visibilidade aos fatos.
Não, eu não gostava não, um livro que eu gosto muito é, é Bíblia Sagrada
né. O único livro que eu gosto muito. E leio pouco também, porque meu
tempo também é, quase o tem tempo, mas outras coisa assim livro, jornal
ainda leio. Mas livro político não. Eu gosto sempre ao lado da
mulherzinha. nóis dois cuida um do outro né. Tem um neto aqui, que
mora com nois né. é um homem sai pro serviço de manhã cedo chega,
do serviço vai pra, pra casa da namorada fica até um hora. Então tem que
vive mais ao lado dela, com ela né.
113
5.4 José Balbino
O seu despertar para a política foi nos movimentos sociais e políticos que aconteciam
na capital do Rio de Janeiro no final da década de 40 e nos anos 50 do século XX. Participou
ativamente do movimento sindical, de greves e diversas outras manifestações políticas.
Participou do sindicato da indústria e derivados do milho, sindicato de saqueiro, de cargueiro,
todos no Rio de Janeiro Enfrentou situações muito difíceis como o episodio que aconteceu no
cais do porto por ocasião do suicídio de Getulio Vargas:
É aos 24 de agosto vai fazer 50 anos que eu, eu não morri de, de, de
apanhar porque eu sei nadar. Dizia pro meu colega daquele negócio, você
ainda não era nascida. Negócio do Getúlio né. Getúlio. o meu colega
falou assim “o se tu fosse Getúlio o que tu fazia?” Eu ia feco meu
paletó porque, ele falou que ele, ele não é homem não? Ele falou que
saia do Catete preso ou morto. fui trabalhá no cais um cara falô
assim para agora, não porque? Getúlio morreu”. Eu digo morreu o cacete,
porra. (risos). Ah, os cara subiu em cima; pra me bate mesmo. Pra me
linchar no estivador. Eu cai n’água. Viu como era idiota. (risos).
Com uma formação política adquirida a partir de leituras de influencia marxista, de
sua vivência no partido, no sindicato e no movimento social. Afirmou que sempre pertenceu
ao Partido Comunista Brasileiro, o antigo Partidão. Diz que sua adesão ao partido aconteceu
quando ao ler o livro de John Reed, Os dez dias que abalaram o mundo, não o entendeu.
Procurou um amigo para tirar as duvidas e ele lhe emprestou um volume do Capital. Ele diz
que o está lendo até hoje.
o cara falou assim, o Ceará amigo meu, no serviço que eu tinha, eu
trabalhava em navio, eu, era corrido. Passei aí um, isso eu não esqueci não.
Um, uma pessoa da minha cor né. Negro igual eu professor. Nós fomos no
barco eu comecei a discutir com ele né. Porque depois que eu li esse livro
Os Dez dias que abalaram o Mundo, é a mesma coisa que o camarada virá
crente. comecei O Capital que eu lendo até hoje.Vou morrer doido
com O Capital, pelo comunismo. O comunismo arrebatou. Eu vou guardar
um pouquinho também pro partido. Agora o; eu comecei a discutir com
esse professor. O cara, quando conversa demais não sabe nada, e o cara era
professor de teologia. Ele falou assim, ele falou “Getúlio é um bandido”. Eu
114
falei “olha você vai se arrepender disso que falando pra mim”. Ele disse
“que arrepender o quê rapaz”. Óia depois, que o Getúlio morreu, óia o
Brasil; Getúlio Vargas, na minha opinião foi o maior presidente da
república que nós tivemos. Agora sim não existe uma teoria. O problema de
Getúlio Vargas que ele era um político. E um político; a profissão de
político é a pior que existe. Ele não tinha amigos né. Político não tem
amigo. Qué dizê; agora Getúlio Vargas depois tirando por isso daí Getúlio
Vargas foi o melhor que teve. Agora mudando de assunto esse homem que tá
no poder ele tem chance, de ter o mérito de Getúlio Vargas o Lula. Com
mais vantagem, porque ele veio da classe trabalhadora. E eu torcendo
por ele. Por ele. Porque é; óia minha, minha irmã nunca houve no mundo
um presidente eleito pelo povo dá; hora, hora que vocês estuda isso com o
professor ela diz não teve no mundo esse milagre similar igual, o Lula. O
homem que veio do nordeste, né, num pau-de-arara, eleito
democraticamente num país igual o Brasil. [...] O comunismo ele vai
triunfar. Ele vai triunfar isso é opinião minha. Mas a prova tá aí. O, o Marx
ele, na, antes do Lênin ele, ele falava assim que o capitalismo ele vai ter a
crise, final o capitalismo. Agora segundo Lênin, ele escreveu assim qué vê;
eu li toda a obra do Lênin ‘se nós pensássemos igual Marx não tomava o
poder. Olha aí a prova aí. Você leu isso aí? Isso que Lênin falou?.
Faz uma pausa em suas reflexões históricas e com muita lucidez e pertinência vai
analisando a conjuntura internacional e o papel que os Estados Unidos ocupam frente ao
capitalismo e sua necessidade de domínio bélico citando a crise no Iraque. Analisa ainda o
papel que cumpre a China no cenário internacional e os equívocos ocorridos na União
Soviética, fala do Haiti, da República Dominicana, da Jamaica, de Belize, Nicarágua, El
Salvador, Guatemala, Porto Rico, de Hugo Chaves e de Lula. Na sua opinião, Lula é quem
pode
agrupar aquilo
, uma vez que tem espaço e tem apoio internacional. O conhecimento de
Carioca não é superficial, ele consegue discutir política econômica, mercado internacional e
relações exteriores:
O Lula ele tem e tem apoio internacional. Óia essa do Haiti aí. viram ali
no Haiti querê, geografia eu conheço uma coisa que; Óia tem o Haiti, tem a
República Dominicana, tem a Jamaica, tem Belize, tem Nicarágua, tem El
Salvador, tem Guatemala, tem Porto Rico que é dominado pelos Estados
Unidos. que ali tem o Hugo Chaves que o Lula ele tem a, ele, ele pode
agrupar aquilo. Do porque o, os Estados Unidos não é mais a, a maior
potência do mundo. Não é mais. Ah não é mais. É, não é mais. Não, ele não
precisa; O, o, uma, aquele, a, a Organização Mundial do Comércio,
Organização do Comércio, ela conseguiu aquele como é o subsídio. Chaves
derrubou os Estados Unidos o subsídio. E de primeiro não era assim.
Porque tem outros mercados. Porque se os Estados Unidos boicotar o
produto brasileiro a China compra tudo ela tem interesses nas aves do
115
Brasil. Existe concorrência os Estados Unidos não tão com aquela bola toda
não. Há não.
Diz torcer para que o governo de Lula tenha sucesso, pois é a primeira vez que se
elege democraticamente um presidente vindo do povo, um homem que veio do nordeste, num
pau-de-arara.
Isso é um mérito pra nós. Histórico. Então eu acho que o Lula pode superar
o Getúlio Vargas. Ele tem poder pra isso. Porque Getúlio Vargas é um
ditador e Lula não. Lula é um presidente eleito da classe trabalhadora. Qué
dizê que eu, eu vejo o Lula com esperança dele ser exemplo. Ah, não sei eu
penso assim. Por enquanto ele não tá dando sintoma de mudança né.
Ele admite que sua vida sempre foi pautada pelas questões políticas. Nunca gostou
muito de carnaval e futebol por entender que são festas comerciais e que desviam a atenção
do povo de questões que são importantes de serem refletidas.
E eu, eu sempre gostei de conversar com pessoa mais velha de que eu.
Nunca sei conversar com gente mais novo de que eu. Por isso eu sei das
coisas. Aí o Batista né, finado Batista, comunista baixinho. Eu falei “o
Batista pra que esse povo pula assim com tanta dificuldade?” ele falou
assim “ó isso é, é o ópio do povo. Ópio do povo”. Ah, eu tive, eu
escrevi um, eu escrevi um conto disso aí. Assim naquele romance de Navio
Negreiro. Eu fiz um conto. O cara escreveu pra mim qué vê. O navio;
quando a Inglaterra ela é demais, o; e tinha esse, esse filme do esse filme
desse cara. Qual é o Russel. Esse australiano. Ele trabalhou no Gladiador
né. Ele trabalhou no papel daquele cabo comandante. Aquilo é farsa. Aquele
navio o Surprise, que tá atacando o navio francês ele, ele, ele não tá
caçando escravo não. Que a Inglaterra tinha uma fonte de escravo lá. Então
os navios que, que trazia escravo pra não afundar, pra não afundar, afundar
o navio o, quê que o, o comandante do navio fazia. Mandava o; a sim, o
escorbuto né era uma doença que dava no pulmão do povo do navio né, falta
de vitamina C. O, o; Então eles pegaram os, os remanescentes do porão e
dos convés. No convés do navio. eles começavam a bater assim ó. Quê
que os caras faziam quem não caia dentro d’água? Pro tubarão não comê
ele? Ele tava morrendo de escorbuto né. Ele tava morrendo assim. Eles
ficavam bem magrelinho. cai n’água tibum. Quê que o, quê que os caras
fazia pra não cai no tubarão? Usa sua mente aí, vão vê. Só tinha um jeito de
não cair no tubarão. Qual era? Pular. Um carnaval. Ô! Ê, ê, ê, bom. Povo
feliz. É isso que eu vi no carnaval. O povo tá, o povo tomando e
pulando. isso me irrita entende? Eu tenho alergia por causa disso. É um
povo infeliz, porque dá; então eu assim não desisto de falar. O que esse
povo está pulando. Porque esse povo não pega as armas? Brasileiro que,
brasileiro quer saber de futebol e carnaval. Até hoje eu tenho essa porra
comigo. Porque não, povo, povo; o, pense bem esse povo não é cego. Tá
116
pulando no meio da rua e passando fome. Quê dizer que; isso até hoje eu
sinto. Sinto essa alergia assim esse falta de mentalidade eu sou mais assim
passeata em protesto, mais alegria não gosto não. Porque é demagogia. Eu
acho que sim né. E já, muita gente brigou comigo por causa disso.
Discutiu comigo. Não é. Porque carnaval? Pra que carnaval? É carnaval é
uma festa religiosa. Não é pra bebum. A festa, a festa é 1º de maio. Essa que
é festa. Primeiro de maio. Agora carnaval não, carnaval pra mim é, é onda.
É como é, é estranho carioca falar isso né?
Para ele, festa é de maio, dia em que se comemora o dia do trabalhador, dia
dedicado aos protestos. Ele afirma que sua posição em relação ao carnaval e futebol pode até
ser estranha para um carioca, mas, não para um comunista. Considera festa a pessoa ter uma
família, filhos na escola, segurança, dignidade.
Considera-se um pouco anarquista quando analisa que concorda com as posições
anticlericais e céticas de George Orwell, conta que leu seus dois romances, A revolução dos
bichos e 1984:
O lema mental dele qual era? Nem Deus, nem pátria, nem família. Negação.
Eu nego Deus, eu nego a pátria e nego a família. Eu sou anarquista. Ele
escreveu essa teoria essa pra mim, encaixa comigo. Então George Orwell
ele é anarquista. Ele escreveu foi na Revolução Espanhola. Ele escreveu um
romance, ele escreveu 2 romances, A revolução dos bichos e 1984. tudo
aqui. 1984 é o que você vendo hoje é o Big Brother. O que é o Big
Brother? Mentira. Big Brother, Big Brother é mentira. Agora o povo
acredita na mentira. E toda, toda mentira que se na TV torna-se verdade.
É o que se aí. Big Brother. O, a, a dia está fazendo o que? Explorando
a, os jovens né. As meninas, as moça pra coisas que eu, ah eu não gosto de
dizê, eu não sou moralista, nem, nem quero sê, mas tem que, tem que chegá
a idade. Eu, eu não sou moralista, agora tem que chegá a idade. Tem, tem
muita criança que eu acho o sou, não tem religião não, sou ateu, agora
tem muita criança que sendo bombardeada antes do tempo. certo?
Tem coisa que criança não brincaria. Eu errado? Ó uma vez uma vez
eu tava na, na casa do Máximo né, e tava as crianças apaixonada no carro
do Máximo e as crianças brincando né. Agora o que essa crianças qué, o
que essas criança vê na televisão imita. Eu olhei assim vi aquilo aí virou e aí
aquele seu Golf, mas carioca eles estão brincando (risos). Eles tão
brincando Você não tá vendo ele estão brincando. Eles tão brincando. Isso é
brincadeira de criança. Eu vendo que eles tão brincando. Eles tão
imitando vocês, que fazem que eles assistem televisão, entendeu. Agora,
agora o, o adulto não pode entrar e sai. Isso é coisa de criança. Que a
criança, a criança não faz mal pros outro não. O que faz mal pra criança é
o adulto. Criança tem que brincar não tem perigo. Agora o adulto que é
perigoso. E que tem de adulto safado, entende, entendeu. Qué dique isso
que eu sou contra. Isso; eu não, não sou moralista, mas antinatural, isso é
117
antinatural deixa a criança crescer ta certo. Isso agressiva é o que eu vejo;
é aquilo que eu falo nessa; porque nós tamô numa época privilegiada. Mas
eu acho, eu acho que tem a fazer que se não for as crianças que será de mim
né. As crianças cuidará de mim. Eu quero vivê muito. Então eu vendo a
maneira que os pais tão criando os filhos um velho igual eu ele mata.
Quando eu não puder me defender mais. Eu acho, eu acho a havendo
muita coisa antes do tempo. E uma coisa que eu, uma que eu vejo nisso ai é
a tv, é a televisão. Tem, tem cada filme aí que pro adulto não é bom. E tem
criança que vê, mesmo, pornografia. Não é coisa pornográfica como
violência também. Violência. E demais. Agora será que isso é
democracia? Isso é liberdade? Se é amor? Democracia não pode ser assim.
É strip-tease. Criança, criança não. Porque sempre vicia. Mas fazer a
censura como uma arte. Hoje eles falam é crime não. Direitos humanos.
Óia a minha mãe foi violenta demais comigo. Não culpo ela não, culpo o
ambiente. Mas ela, ela falou uma coisa pra mim, que até hoje eu sinto o
efeito moral. Eu como toda a criança era guloso né, e ergui a mão assim e
peguei um negócio lá não sei o que foi. Meu padrasto ele tava bêbado como
sempre ele fingiu que não tava vendo continuou a ficá assim e contou pra
minha mãe. Minha mãe falou assim “Zequinha”,a marca aí. Eu não faço
isso não, mas ela fez comigo, mas eu perdou ela. Eu não faço com ninguém.
Ela falou assim “Zequinha quem roubou, quem meteu a mão aí?” Eu falei,
“eu não fui”, foi Totinha minha irmã. Disse “meu filho eu vou queimá sua
mão, você, você nunca mais roubá e menti. ó. Foi violência foi. Até hoje
eu tenho raiva de ladrão mentiroso. Valeu. Foi violência, mas valeu.
Porque; A, a, eu acho que tem que na criança não é o professor que
derruba não. Educação aprende em casa. Agora instrução na escola.
Porque tem professor que não tem educação. É eu conheço muitos que não
tem xinga teu filho, o, o aluno. Agora educação é em casa. E hoje quase
ninguém, quase ninguém ta preocupando com a educação. Quando a pessoa
é bem equilibrada deixa a criança na mão da empregada. tem uma
vagabunda (risos) quando ela vê, quando vai sabe tudo perdido. Qué
dizê. Eu eu achando que é, tem que ter mais cuidado os pais,
principalmente a mãe. Tem que ter mais tempo com filho. E é o que eu vejo
aí. Tem, direito tem sim porque eu sou velho. de mim se não for jovem.
Então esses jovens que vão cuidar dos velhos então eu tô, tô como fala a
palavra perdido do jeito que anda tudo errado. Porque hoje em dia. Óia
eu levei um; uns 10 anos eu estou vendo o problema da AIDS né. O cara
filmando, um menino assim de uns 12 anos. Menino novo. Ele caiu, ele ficou
na porta e o cara filmando né, o cara filmando. E o cara filmando o guri. E
ele, ele olhou ficou olhando assim pro banco né. ficou olhando as
pessoas assim. quando chegou um, um cara da minha idade né, um velho
da minha idade assim. ele olhou assim, ele botou a bunda aqui assim
aqueles óio duro assim. Ficou olhando assim durinho olhando assim o cara
filmando ele. Aí quando o velho saiu assim da, da, do banco, com uma pasta
assim ele foi andando assim, foi andando. Quando chegou numa escada
assim, em São Paulo, ele deu um pulo, ele deu um pulo assim. Ele jogou os
dois pés no velho e pegou a, a pasta e saiu correndo. E o velho correu a
escada. Eu olhei aquele menino que violência né, né. Então, eu a perigo
também, porque o jovem, o jovem ele, ele, ele sendo criado com ódio.
Com ódio. Não tem mais amor que tinha. O jovem hoje com ódio. Ele
com tanto ódio que ele mente pros pais, mente pra irmã. Isso é uma coisa
que está preocupando não é eu não é toda a sociedade. Tá, havendo
muita displicência da, do convívio familiar. Família. Cadê a família? É
Silvio Santos. Olha, não, agora mudando de assunto eu tenho uma rede
nem tudo tá perdido.
118
Revolta-se quando faz referência ao programa Big Brother. Ele o considera uma
mentira e o povo acredita na mentira. Toda mentira que se na TV torna-se verdade, ele
reforça. A mídia está explorando os jovens, as meninas. Não se considera moralista, mas
entende que a mídia explora sobremaneira a precocidade das crianças.
Que a criança, a criança não faz mal pros outro não. O que faz mal pra
criança é o adulto. Criança tem que brincar não tem perigo. Agora o adulto
que é perigoso. E que tem de adulto safado, entende, entendeu. Qué dizê que
isso que eu sou contra. Isso; eu não, não sou moralista, mas antinatural,
isso é antinatural deixa a criança crescer ta certo.
Considera que os principais fatores de risco para as crianças são a pornografia e a
violência. Compreende que isso não é democracia e nem liberdade.
Retoma sua trajetória política dizendo sobre a sua filiação automática ao Partido
Popular Socialista, em março de 1992 quando houve a alteração da legenda de PCB para PPS.
Conta que conheceu Roberto Freire no Rio de Janeiro e problematiza o fato de que as
principais lideranças de seu partido no Estado não são comunistas.
Não eu, eu era filiado no PPS automaticamente, mas não se admitia a ação
do PPS. O partido, o diretor do governo não tinha partido. Não tinha nem
partido. Eu conheci ele no Rio, chama Roberto Freire. Então ele, pra ele
autoridade de mudar o mando do meu partido PPS, mas, mas eu não dei
autorização nisso a ele. Eu conheci ele no Rio de Janeiro. Agora que, que,
com que direito eu vou acompanhar o PPS, porque Roberto Freire no
PPS. É a roupagem. Aí ó, o PPS aí. Blairo, esse Marchetti mais Percival. Ah
meu Deus comunista nada. Blairo comunista. Você não vai gostar. Qual é o,
qual cargo o PC do B tem no governo de Lula? Como é que é ministro de
Esporte e lazer. Mas olha isso esporte e lazer é, é pro país de primeiro
mundo. Agora um país que, um país que tem a maior densidade do mundo,
um partido marxista. Ah isso é cargo para Marxista me aguarde. E digo que
não têm mais no chão entende. Partido Comunista do Brasil. Você
conhece Ivonete? Parece ironia não é mesmo. Olha isso é coisa de
vagabundo. Que nome é esse? Comunista nada. Só pra dizer que está
participando do governo. Eu não aceitava. Eu não aceitava. Jogava ao sol.
Esse cargo não é cargo para comunista de jeito nenhum.
119
Comenta ter amigos no PC do B como a professora Janete Carvalho, e o Olírio Souza
dirigente municipal do partido, mas diverge dos mesmos em algumas posições. Segundo ele a
religião é uma delas. Ele faz uma comparação entre Freud e Marx no que concerne a religião.
Tanto Freud como Marx tem uma opinião. É iguais, sobre religião. O ópio
do povo. Porque a, enquanto a pessoa pensa no outro mundo ele tá sofrendo
aqui tanto que qué ir pro céu. Qué dizê tudo isso, mas o, o cara que pois isso
na cabeça da gente ele não pensa assim não. Ele não é doido. Ele sabia
muito bem o que queria.
Não há possibilidade de se crer em Deus quando se é materialista histórico, diz ele:
Agora a um cara que acredita no Cristo glorificado ele não pode ser
comunista. Porque é, a dialética é materialista entende. Materialismo. Toda
a base da natureza é de matéria. Agora a base ideologia, ideológica é, é
ilusão. É, é, é desvio da realidade. É a, a matéria é a base de tudo que
existe. Não é a idéia não, é a matéria. Agora quem inventou isso foi o
homem. Foi uma coisa tão bem, foi uma coisa tão bem inventada que até o
Cristo entrou nessa. Até, até Cristo foi nessa. Aquele cara. O povo; que deu
nesse meu Deus. No PC do B têm esse pessoal mesmo que acredita no Cristo
glorificado. Você vê a diferença da, da ideologia da pessoa. Porque o
comunismo é ateu. É ateu. Não é, não é contra Deus, é contra a religião.
Porque que religião é ópio do povo. Entende. Religião é ópio do povo. A
religião é o ópio do povo.
Diz ainda ver muita contradição entre os religiosos, muita demagogia. Critica a
emissora de TV do bispo Edir Macedo e os programas de TV da Legião da Boa Vontade do
jornalista Paiva Neto.
A situação está tão feia que se você ver a pessoa falando muito graças a
Deus cuidado com ele. Não é eu que to dizendo não porque demais. Ta,
não é pra dizê não né; demais. Tá demais. Não se é milagre aquela né. Uma
emissora tem, um bispo Edi Macedo. É um bispo da Igreja Universal,
tem o Paiva Neto né. Negócio de alunos que ajuda as creches e por ai vai. E
tem o cara que é crente ele fala parece que é Reino de Deus. É, é tem
esses e tem outro também. Eles tem uma audiência terrível. E ali, e a gente
nota que é, é bem orquestrado entende. É bem orquestrado qué dizê que a,
está havendo um; vê, vê, óia só a contradição. Contradição as pessoas ficam
ali rezando chorando e levando o dinheiro para a Igreja é o ópio não tem
jeito.
120
Ele conta que não nasceu ateu, logo, conhece todos os mandamentos da bíblia e acha
que é impossível segui-los:
Eu sei os mandamentos, todos eles. Porque eu, não nasci ateu. Eu não nasci
ateu. O quê eu nasci. Óia primeiro, amar a Deus sobre todas as coisas;
Segundo, não tomar seu nome em vão, Terceiro, guardar domingos e festas;
Quarto honra pai e mãe; Quinto, não matar; Sexto, não pecar contra a
castidade; Sétimo, não furtar; Oitavo, não da falso testemunho. Nono, não
desejar a mulher do próximo, Décimo não cobiçar as coisas alheias. A única
coisa que eu acho que é pecado é o homem. O resto não é.
Foi membro do MDB até a vinda do PCB para a legalidade. É dele a primeira ficha
de filiação do PCB em Mato Grosso quando este partido foi legalizado em 1985. Segundo ele
sua atuação política se dá de forma mais intensa após ter vindo viver no Mato Grosso.
Participou junto com o ex-governador Carlos Gomes Bezerra do processo de resistência
democrática a ditadura:
Agora aqui foi a mais intensa da minha vida foi aqui. Aqui, aqui em
Rondonópolis foi o, o lugar que eu tive mais participação política. Que eu
peguei uma eu, eu, eu, eu sou teimoso. Muito terrível. Então eu quando, eu
quando a peguei a política aqui eu, eu, eu acompanhei Carlos Bezerra.
Doutô Carlos Bezerra. E foi um; aprendi muita coisa aqui em Rondonópolis
na política. E fui aqui que eu tive a felicidade de encontrar gente igual
Manoel [professor Manoel F. V. Motta da UFMT] igual Máximo [professor
Antonio Carlos Máximo da UFMT] entende? Igual Tonin Soldas [Oriovaldo
Tonin jornalista e comerciante em Rondonópolis]. Pessoas de esquerda
mais pé no chão. Então, a minha participação política aqui em Mato Grosso
foi muito rica. Aprendi muito aqui. Aprendi mais aqui que no Rio de
Janeiro. É por isso que eu tô aqui até hoje.
Relata que foi candidato a vereador pelo PCB na cidade de Rondonópolis, no ano de
1988 tendo obtido 52 votos. E também nós relata sua participação no sindicato e como levava
os operários para as greves.
No duro. Manoel falou assim esses 52 doido aqui votou no Carioca.
Inclusive eu e a Neide. Não é. Ah, eu gostei. Eu gostei foi uma boa
experiência pra mim. Conheci muita gente.
121
Diz que durante sua candidatura, ele e seus companheiros de partido, sofreram uma
série de dificuldades por serem comunistas.
Agora o Percival (Percival Muniz ex-prefeito de Rondonópolis-MT) nunca
esqueço disso, ele tomou o microfone. Porque? Medo. Medo do comunismo.
Porque medo primeiro assim qué vê, é a idéia subjetiva é assim, o cara
um pobre igual eu ele pensa assim. Ele pensa igual da forma que ele é, ai
ele projeta em mim. Eu não usá esse carro não que ele vai e vai
roubar. Isso tudo é projeção pessoal do cara. E, e os cara da classe pobre
igual eu tem essa; A gente sente isso aí na pele não tem. É boicote. A não ser
do cara seja massa de manobra, isso jamais na minha vida. entende.
Então eu jamais deixarei de ser comunista
.
Ele alega que o Partido Comunista é o partido que tem mais história no Brasil. Ele
relata então a historia de Carlos Prestes e Olga Benário:
Agora a história do Partido Comunista é tão, eu tem a letra, é tão complexa,
que quando o Prestes né. Prestes não nasceu comunista. Prestes não era
comunista. O quê que o Prestes era? Ideologicamente? Nesse aspecto. Ele
não era comunista. O quê que ele era? Ele era positivista. Diz ele, diz, dizem
que positivista, agora não sei disso, é, é quem era típico... Agora que se viu
o positivismo. O Prestes era positivista. Agora na Coluna Prestes, Prestes é
o seguinte ele tem a ideologia dele, ele era fraco fisicamente, mas ele em
matemática ele era cobra. Cobra em matemática. E ele, ele a Coluna
Prestes né, a Coluna Prestes no tempo de Arthur Bernardes foi aonde. Qual
foi a tática de Prestes? Ele, ele aprendeu a tática, prática de Aníbal. Quem
foi Aníbal? Aníbal um guerreiro que ele, ele atacou Roma. Aníbal. Prestes
seguiu a mesma. O quê que Prestes fez? Ele, ele fez a tática da, do
movimento. Ele correu o Brasil inteiro. Brasil inteiro. Chegou na Bolívia ele
foi trabalha na estrada de ferro e, e ele. Que é isso? ele escreveu
uma carta pro Juarez Távora né. Que nunca mais ele seria o mesmo. Ele viu
tanta miséria no Brasil que ele achava que foi em vão aquela, aquela,
aquela rebelião. o João chegou e falou assim “isso é comunismo seu
besta”. Ele não sabia o que era comunismo. ele foi pra Uruguai de foi
pra Moscou. Lá você como que Prestes era; Qué vê foi ele nasceu em 98.
Ele em trinta, trinta e seis ele, ele era virgem. Ele era virgem. Acontece que
Olga Bernardes era anarquista, alemã. E, e, e ele pra vim com ela como
esposa dele ele dormiu com ela no navio. Ela, ela que tirou a virgindade de
Prestes. Óia esse Prestes ele foi preso, né, foi preso. Agora a filha dele
Leocádia viva até hoje. A Olga mulher dele foi pra Alemanha. Getúlio
mandou pra lá. Esqueci uma coisa. Olha o, olha o retorno, ó o retorno aí.
Esqueci uma coisa. Ele mandou ela pra Alemanha, então a, a menina a
Leocádia só nasceu por causa da, da, da mãe de Prestes e a irmã dele,
Lidiane. Agora quando ela veio, quando; agora tinha um alemão chamado
Ari Presly ele foi preso. Ele foi preso, foi humilhado, foi violentado na
cadeia. Aí o Sobral, a gente fala Sobral Sobrinho? Sobral Filho é aquele que
tinha Sobral [Sobral Pinto advogado católico no Rio de Janeiro] ele
falou assim sabe onde ele apelou Sociedade Protetora dos Animais. A
122
polícia de Getúlio Vargas, de Filinto Müller humilhou tanto esse homem que
o homem ficou louco. E isso a ditadura de Getúlio Vargas. E essa, essas
imagens dos comunistas ela a, ela é, é um exemplo, de, de... Deus?
[interroga com ironia]. Agora eu jamais deixarei de ser comunista. Porque
eu, eu vejo aquilo com muita valentia.
Fala com admiração de João Amazonas dirigente comunista do PC do B falecido
recentemente:
Tinha muita gente que não; era mais romântica, era mais fascinante. Hoje,
hoje; qué vê o caso do. Olha só, é olha só aqui o exemplo João Amazonas. Ó
que exemplo subjetivo é do homem. João Amazonas.
Para ele, a influência política que sofreu não teve nada a ver com a escola, mas sim,
com o convívio que teve de outras pessoas envolvidas com o movimento político no meio em
que vivia. Outro fator de contribuiu para a formação de sua consciência política, foi o fato de
gostar de história, geografia e política. Os livros, revistas e a leitura autodidata foram outra
fonte de formação. Conta que fez curso de formação política também, tão logo entrou no
partido e começou a organizar as bases do partido.
Óia eu, agora posso falar isso daí, eu ai fazer um curso do Stálin estágio;
que foi assim eu, eu, eu ia nas reuniões do partido, mas como sindicato né.
eu comecei a lê. Comecei a lá no sindicato. comecei a conversar
com os caras lá, na sacaria. Rio de Janeiro, cais do porto. E eu era novo
na presidência. Aí falô assim “moço o senhor sabe isso tudo aí?” Sei. Aí ele
falou assim ‘óia você agora vai formá uma base lá onde você mora do
Partido Comunista, tomou um monte de providências. Agora ali eu tive
grande; eu ganhei muito. Aprendi muito. Aprendi muito a; porque é, é
fascinante você esclarecê. Esclareci entendeu. Eu, eu sou esclarecido. Eu
sou esclarecido eu não me engano mais. Sabia. Eu li O Capital, e li
psicologia também. Li psicologia.
Dentre os diversos títulos e autores que afirma ter lido mais recentemente destaca
alguns que considerou mais interessante: Conflitos interiores: uma teoria construtiva das
neuroses, Evangelho Segundo Jesus Cristo, Não verás país nenhum e Os Sentidos da Morte.
Cita também, um livro sobre a questão Zen. Diz que a curiosidade o levou a ler tantos livros
assim. E mostra o seu acervo constituído de vários volumes em que se pode constatar que José
123
Balbino a diversidade de seus interesses de leitura sendo que em sua maioria eram títulos de
Literatura, Política e Psicologia.
Retoma a conversa dizendo que a vida no partido ao qual a sua trajetória de vida esta
intimamente ligada era intensa.
Agora é gostoso né. É fascinante. (risos). Uma briga ali; Não sabe como é
que é né. O; muita; óia o cara falou assim estava; mudei de assunto né.
eu, eu tava conversando com um saqueiro né, Zacaria. Aí ele falou assim, o,
o Partido Comunista né; foi em 64 você ainda não era nascida. Depois da,
do Vargas no poder. ele falô assim o, o Rosano falô assim “eu não, eu
não, eu não acredito nesse diabo do comunismo nada. Isso é coisa de cabra
safado”. Eu falei “cala a boca Rosano”. Eu falei ‘cala a boca filho da
puta.” Que nada. Aí o, aí o, aí o cara foi pegá ele assim pra dar um pau nele
ai ele falou assim quem ta falando não é Rosano, não é, não é o Rosano que
falando. Não é o que rapaz. A voz e minha não é a sua voz não, é voz da
ignorância. Esse cara virou comunista, esse Rosano. E virou bravo. Não é
você que falando, é a voz da ignorância. (risos). Eu não esqueço disso.
Porque tem cara que fala as coisas, mas nem nós falando. Então ele
sentiu esse cara mais tarde foi companheiro de greve sabe. Mas teve que; é
tem fatos que a gente guarda lacrado. Não é; agora, não é; mas você pensa
que com fulano, uai, você pensa que tá falando, mas não é você que
falando, é a voz da ignorância. Porque grande se você vai falá comigo, você
não sabe o que tá falando. Qué, qué dizê isso pra mim foi uma cara igual eu
falei pra ele; quando o Fidel, vonão era nascida ainda. O Fidel tomou o
poder em Cuba né, e no Interlagos tinha um tal de Aroldo ele, ele não
saia do comunismo. Mas ele, ele tinha a imagem, tinha a imagem nada, nem
tinha a imagem era assim em branco o, houve greve os portugueses
de Araçatuba comprar a empresa. ele falou assim vem, vem o padre reza
aí, a missa. Falei eu não vou não, vai sim, se vai lá. Eu disse eu não vou
não, você sabe que eu não gosto de padre. Ele me tirava porque eu era bom
de sacareiro. Ele me tirava eu era bom de serviço. Aí vocês vão lá, pra você
vê; o padre disse assim meus filhinhos, o padre gosta de chamar a gente
de filho né, filhinho. Meus filhinhos, óia vocês não, vocês não fazem igual o,
os comunistas não, porque em Cuba o pessoal cortando cana armado
de metralhadora. Porque é obrigado trabalhá armado? Porque é o Fidel
Castro que, que mandando. eu falei assim ‘o seu vigario licença.
Esses, esse povo armado?” ué. Porque que eles não mata Fidel.
botou eu pra fora. Qué dizê essa, essas coisas, essa pergunta que; eu não
esqueço. Mandaram embora dá; Como é que o, como é que pode o, o cara
diretor do presídio com os preso armado. É que eu, eu gosto dele né.
(risos). E o Fidel tava pegando’.
Diz que sempre participou de passeatas e dos comícios, mas, nunca gostou das
baixarias que acontecem ali. Pessoas falando mal da vida pessoal da outra. Acha isso
desnecessário, uma vez que o bom político não precisa de nada disso, só de uma boa
124
elaboração. Sempre se sentia feliz quando via as pessoas batendo palmas, a importância do
seu grupo; nestes momentos, ele considera que conseguiam transmitir algo as pessoas, fazer
propaganda de suas idéias.
Coisa que eu não suporto na política e as baixarias, essa coisa de ficar
falando mal da vida pessoal do outro candidato, acho isso desnecessário,
por quando é um bom político que tem conteúdo não precisa disso eu acho
né.
Apesar de tudo, o que o fascina mesmo é o estudo, a possibilidade do sonho:
Olha era a, a questão que sempre, sempre me, me fascinou são os estudo de
classe. Estudo de classe. Olha que bacana. Eu tenho, eu fazia gosto na
vida no dia que esse povo tomasse o poder eu sonhava em o, o mundo
melhor socialista. (silêncio). O, o mundo, eu achava o mundo, eu achava
assim, eu, eu vô, antes deu morrê, eu tudo igual. Eu sonhava.
sonhei muito de vê o socialismo. Socialismo. Mas é o socialismo literalmente
utópico.
Sua trajetória pode ser considerada um exemplo de um tipo de militante que obteve
sua educação política na luta social, nas organizações de trabalhadores (partidos e sindicatos)
e com sua curiosidade de leitor autodidata. Sua formação política obtida deste modo aponta
para o que a tradição marxista considera como possuidor de uma consciência política de
classe. Coerente em suas posições, mesmo aquelas mais contraditórias. As adversidades que
enfrentou durante sua vida de trabalhador negro não impediu que desenvolvesse o gosto pela
leitura e uma grande curiosidade em compreender o mundo. Considera-se uma pessoa
politicamente consciente. E nem poderia ser diferente depois de toda uma vida de sonhos, luta
e formação.
CAPÍTULO 6
CONSCIÊNCIA ÉTNICA E RACIAL
Esses trabalhadores negros pertencem a uma geração em que a discriminação era
sentida, mas ao mesmo tempo tendia se a negar sua existência. Seja como José Balbino que a
negava pelo argumento da condição de classe ou dos outros três que a negavam pelo
ocultamento das discriminações sofridas. Suas trajetórias porem mostram que os mesmos
foram discriminados e excluídos e que suas negritudes tiveram um papel decisivo nesse
processo. É importante ressaltar que todos eles têm clareza de sua negritude. Condição essa
que é afirmada e assumida com orgulho por todos eles.
6.1 José da Silva
Assumindo-se como negro diz ter consciência de sua negritude desde que nasceu.
Eu, eu me considero. Eu sempre nasci preto nunca fiquei branco
.
Não se recorda de ter se
sentido discriminado em sua vida escolar, profissional ou mesmo socialmente. Admite, porém
ser um cara-de-pau”; ou seja, em outras palavras, alguém que procura sobrepor-se a
intencionalidade de preconceitos de outros. Sua fala também, leva-nos a um outro
126
entendimento que está relacionado à discussão mais geral deste trabalho que relaciona à
condição racial a condição de classe social:
[...] nunca me senti descriminado por causa da cor, nunca porque eu sou
meio cara de pau, o cara que se sente discriminado é o que não foi pra
frente mesmo né, se é vai embora, mete as cara, você ta conversando com
eles ali eles tem que falar com você, não tem problema (pausa), se tem
alguém falando com eles, você, eu também posso falar. Não é porque sou
negro que não posso falar com o cara.
Emocionado, revela nunca ter tido a oportunidade de participar do movimento negro
e afirma que se fosse convidado participaria. Essa sua observação nos mostra que muitas
vezes o movimento negro não consegue mobilizar essas pessoas que aparentemente estão
distantes do circulo de relações de seus dirigentes. Observa que em Rondonópolis a
visibilidade dos negros vem diminuindo gradativamente.
[...] nunca participei de manifestação de movimento negro nem de branco,
nunca tive esta oportunidade (pausa). Não, pouco, esta ficando pouco, aqui
em Rondonópolis esta ficando muito pouco, parece que estão matando os
negros tudo, esta ficando pouquinho eu quase não vejo mais.
Reflete que a vida do negro não é fácil, uma vez que ele tem que lutar com muito
mais dificuldades para sobreviver e para criar os filhos.
Da cultura afro, o que lhe desperta o interesse são as rodas de capoeira que
acompanha pela televisão e o samba. Afirma gostar muito também de:
Eu gosto de todo tipo de musica, samba, forró, valsa, bolero, tudo eu gosto e
muito. Sempre ouvi musicas, em casa, em algum bar por ai.
Nos conta que a culinária afro conheceu na Bahia, onde comeu: [...] acarajé e o
cuscus que são pratos da casa.
127
Sobre as religiões afrodescendentes, ele nós diz que acredita que elas sejam uma
religião como outra qualquer.
Eu nunca tive contato com a religião afro, mas acredito que é uma religião
como outra qualquer.
Ainda que nunca tenha tido a possibilidade de envolvimento com o movimento negro
de todos os nossos sujeitos é José da Silva é o único que afirmou que gostaria de ter uma
militância mais específica nesse movimento. Curiosamente esse trabalhador negro é o que
mais em suas colocações afirma sua negritude.
6.2 Fernando Souza Brito
Afirma que é negro devido à cor de sua pele. Sabe que outros são considerados
negros em razão do cabelo pixaim.
Tem o moreno, o povo fala assim que nós não somos uns falá nação. A
nação brasileira é uma sozinha. Ó baiano, goiano, cearense nóis tem uma
nação brasileira não é. Agora de estado eu li no livro, o sei se é o
livro que o dicionário fez, que ele é mentiroso. Ele tá escrito raça. Raça
negra, a cor é amarela, é parda. Assim eu li umas página no livro
antigo. Agora não sei se é o dicionário fez ele certo. Eu não sou formado eu
não posso te explicar. E sei desse tanto. Mas ser negro, a cor negra,
porque diz que o negro mesmo ele tem um cabelo pixaim. Não tem cabelo
fino. Eu não visto mais cabelo, mas meu cabelo é liso, não é, não; Mas se tá
no negro é porque a cor é preta né. A cor. Porque tem a parda, tem a
morena.
Sempre teve consciência de sua negritude em virtude de tratamentos diferenciados
que recebeu ao longo dos tempos. Tem consciência também de que atualmente existe uma lei
que proíbe o racismo e que permite que a vítima de racismo dê parte da pessoa agressora.
128
Olha desde que nóis foi crescendo no meio dos, dos branco igual fala os
índio a, Então vem aqueles desfazendo, ah são negro né, você é isto aquele é
negro. Então a pessoa; ele tendo entendimento ele põe na mentalidade
né. Ele põe na mente. Pôxa fulano tá desfazendo né. Mas como hoje não
tendo mais raça né. Você é racista, ou seja, eu sou racista se maltratasse ir
no fórum e da parte ele é processado. Não é verdade? Hoje se não deve
chamar o outro por abuso, existe né. Então nóis se torna a cor negra né.
Não pode ter racismo aqui todo mundo e nego e processar se fazer abuso
né.
Ele diz que a própria família discrimina o negro. No seu caso, ele conta que sua tia o
tratava por “nego”. Nunca reagiu aos insultos por morar na mesma casa e trabalhar com ela.
A gente não põe na mente não é na, mas as vezes aalguma vez quando é
menino, as vez até um parente fala, ah nego, você é um nego né. Então
aquilo é de família eu tinha, tinha um tia meu ela falava isso. Era ela
parecida da tua cor e falava aquele negro, cansei da falar aonde eu morei,
casado na casa trabalhando com ela. Mas eu não ponho ela aqui na mesa
não, essa velha é louca certo. Ela não era louca de jogar pedra, mas ela
jogada. Tudo isso acontece com a gente né. Quando nós tamo sobre a terra
moça não pode falar, desse pão eu não como e nem dessa água eu não tomo.
E o baiano fala eu não bebo né. Quer dizer que se conhecer direito é ter
raciocínio então ele não é tão estúpido certo. Se ele for estúpido ele é, ele
não dá de viver com pessoas. Mas a família ele mesmo nos discrimina
chama de nego safado né, e isso não é certo.
Ele entende que nunca foi discriminado no trabalho por ser amigo dos seus
superiores. Na escola, durante o curto período em que lá esteve, também não se sentiu
discriminado; até por que todos eram negros, inclusive a professora e seu marido. Para ele a
discriminação na escola acontece hoje por que a comunidade escolar é composta por filhos de
pobres e ricos.
Que é o Armando Pereira que era o dono de lá, que é o pai do Isaias homem
mais rico também da cidade. Então a gente não, não teve distinção. Eles
fala que tem distinção nessa escola de hoje na escola la que você ensina,
que minha filha ensina né. Vai filho de rico é de pobre aí sim tem separação
chega lá põe essa aqui aquele ali né. Difícil. Hoje é mais difícil.
129
Reflete sobre o racismo e diz que segundo o entendimento de alguns o negro é mais
racista que os brancos. Nunca se sentiu discriminado na sociedade em geral, nas lojas, filas de
banco ou outros.
Mas a gente com gente próprio as vez né, porque diz que todo negô é
racista. Fala todo preto é racista, por isso que eles fala que o preto é mais
racista que o branco, né. Mas o pessoal que é estudado, o pessoal a cor
branca né. Fala que o nego diz que ele se sente mais racista. Mas o nego
sofre mais né.
Diz nunca ter discutido essa questão racial e nem participado de movimentos negros,
pois, como assegurou anteriormente, sempre trabalhou muito para sobreviver e nunca teve
tempo ou oportunidade para tal. Nem mesmo dos eventos da idade pode participar. Conta
também que está tendo dificuldades em se aposentar em virtude que houve uma fraude na
empresa em que trabalha.
Porque a gente não é um cara assim, como é que fala? Sem moral, um cara
que não tem modos é que a gente não tem tempo tem que trabalhar né. Não
é, não é, é porque não tem, não tinha tempo mesmo. (...) Então como é que
uns homens desse tem tempo, pra ir participar de uma reunião? Não tem
condições. Agora hoje que eu já velho se eu tivesse aposentado não
tivesse trabalhando hoje, eu não vou, não vou pra casa da patroa que hoje é
minha folga não é. vou em julho, na foi agora esse julho passado agora
fez três ano que eu durmo todos os dias menos as quartas-feiras. Até hoje
não aposetei, fui agora aposentar mas falou que não pode porque a patroa
não depositou. Ai eu não vou falar nada pra ela nem ela no pau né,
porque ela foi muito boa comigo me ajudou muito ela e doutora se precisa
ela consulta então vou o que vou consegui um homem dessa idade
ainda não conseguiu aposenta. Vai ser escravo o resta da vida não é mesmo.
Conta que sempre foi muito trabalhador tendo trabalhado desde a infância quase que
como um escravo. Não teve a oportunidade de se divertir muito, mas que, gostava de jogar
rasteira com os amigos. Nunca praticou a capoeira, mas sempre trabalhou duro.
130
Na juventude gostava de cantar modinhas e de fazer serenata pras mocinhas. Nunca
aprendeu a dançar; mas isso não era tão importante pra ele que gostava mesmo era de
participar das rodas de cantoria.
Era, nóis saia assim a noite nóis ia, falava, o baiano falava cantar mudinha
né. Uns fala modinha né. O baiano falava mudinha né, cantar mudinha. Mas
mudinha é uma muda. Cantar modinha. Eu não, não nunca aprendi foi
tocar, mas a gente ia pra cantar assim, assim no tempo que aqueles rapaz
que gostava daquelas moça né. (...) então reunia né. chega pandeiro,
violão, os que tocava. E outros que não tocava era canta né. Aí, ficava
por ali no outro dia ia pra outro setor era sempre essa; que tinha aquelas
moda que é apaixonada né. A gente gostava. Então hoje em dia não.Não
apredi capoeira não tinha tempo mas olha e muito bonito o povo
dançando né.
Conta que freqüentou religiões afro-brasileira, quando vivia na Bahia, chegando
inclusive a bater tambores. Fala que participava mais por empolgação dos amigos e pela
oportunidade de ver moças bonitas; sempre que ia ao candomblé, vestia-se com esmero.
Atualmente diz só freqüentar o curador. Entende que o candomblé é uma religião como
qualquer outra. Entretanto, acredita que tudo é uma forma de se ganhar dinheiro.
Entendimento? Não gente ia porque o pessoal dizia fulano tem uma pessoa que ta com
problema. Ai a gente ia lá pra ajudar resolver.
Afirma que estes problemas que afetam as pessoas e que as fazem procurar esta
ajuda espiritual são problemas relacionados à depressão.
Não encabula? É igual a depressão. A depressão quando a pessoa fala
depressão tem vez que não pode nem gente né. Mas tem que batalhar,
levar aquela pessoa prum lazer. Passear pra divertir pra ele até ele acabar
a depressão né. E também tem que tomar remédio pra memória né. Então se
torna mesmo; igual mesma coisa do candomblé, feitiçaria. Eu acompanhei
tudo isso, mas nada disso eu sigo. Não sou ateu, não sou um incrédulo,
porque né. Porque o ateu cno que né. Então a pessoa que não ter;
se você me conta eu falo assim, óia a menina me contou, a moça me contou
isso e isso. Eu não vou falar, eu ouvi. se eu falar eu ouvi eu estou
mentindo, concorda? Não é certo?
131
6.3 Sebastião do Nascimento
Considera-se negro. Por diversas vezes em seu entendimento foi alvo de
preconceitos. Afirma que os negros não são tratados de forma igual na sociedade. Conta que
quando machucou a perna, numa partida de futebol, teve de submeter-se a uma fisioterapia.
Na clínica, apesar de ser sempre um dos primeiros a chegar, o médico o deixava na espera,
atendendo outros pacientes.
Olha eu sou negro. Quando eu maschuquei essa perna minha jogando
futebol, eu tive que fazer fisioterapia.Eu chegava cedo primeiro que os outro
as vezes, eu fazia ficha lá. O médico chegava passava 02, 03 na minha
frente né. Sendo que eu tinha feito a minha ficha primeiro. Que eu era
chegar, era o primeiro a ser atendido não era? Ele me passava, me deixava.
Igual eu não sei reclamar, porque eu não gosto de confusão. Maneira
alguma né, mas você pode crer que existe preconceito, que existe mesmo.
Outro exemplo de preconceito utilizado por ele, se refere a acontecimentos da
atualidade e que repercutiram no Estado, em função de terem ocorrido durante a campanha
eleitoral no município de Rondonópolis-MT, quando o estão candidato a vice-prefeito, hoje
vice-prefeito, sofreu com o preconceito.
[...] pessoal fala que o homem gosta da cor preta, mas existe preconceito,
sabe. Muito mesmo. A..., até esse candidato vice-prefeito do Sachetti. É um
vice-prefeito que ele é bem moreno né. Bem morenão mesmo. E fala até o
vice-presidente, o vice-prefeito de fulano é muito bom, muito é bom, mas é
preto.
Acredita que nunca tenha sido discriminado na escola e nem profissionalmente,
tendo em vista que sempre procurou desenvolver seu trabalho com seriedade e competência.
Sempre foi tratado com respeito por seus empregadores, nas mais diversas funções exercidas
tratorista, vaqueiro, operador de maquina:
132
Olha no meu trabalho eu nunca fui discriminado sabe porque eu fazia o
serviço direito é o pessoal tratava bem sempre bem; na fazenda que eu
trabáei eu era tratorista, todo dia sabe. Eu trabalhei muito tempo de trator.
Nóis era 4 tratorista. Então é bom minha profissão. E além disso eu sempre
assim faço, faço bico assim. Tratorista, vaqueiro, operador de máquina.
Faço tudo um pouco.
Na escola, acredita que todos os alunos eram tratados iguais, ou seja, com a mesma
severidade por parte dos professores. Não consegue se lembrar também de ter sofrido
tratamentos diferenciados por parte de seus colegas. No meu tempo de estudo todo mundo era
tratado igual não tinha essa diferença igual hoje.
Na associação, nunca se sentiu discriminado. Nas lojas é tratado como um bom
cliente, sendo que procura pagar suas contas até adiantado.
Não, não. Loja também não. Loja também eu chego na loja pessoal que
eu sou freguês dele, qué vender pra gente né. Então você é um cliente; eu sô
um cliente bom porque nunca deixei de pagá, nunca deixei das minhas
obrigação. Eu sempre cumpria com a minha obrigação direitinho. Pago a
prestação até às vezes até adiantado. Então essa parte aí você é bem
recebido. Não tem problema nenhum.
Conta que quando trabalhava nas fazendas, sempre procurou estar próximo das
pessoas negras, que alias, era maioria:
Eu, bom, eu já tive um sempre tinha a fazenda, uma fazenda que eu
trabáiava no Biro sabe. Eu gostava mais assim de junto com as pessoas
da minha igual. Que é assim o que ela tinha na fazenda tudo era pretinnho
né. E eu gostava de fazer isso, eu adorava sabe. Até hoje. Eu gosto muito
dessa coisa, muito mesmo de ficar com pessoa igual a mim.
Revela que mesmo tendo essa predileção, nunca teve a oportunidade de participar do
movimento negro, nunca foi convidado, se o fosse, iria com certeza. “Olha Eu nunca
participei de movimento negro, mas eu fosse convidado eu iria, mas é difícil participar né.”
Sua lembrança sobre a situação dos negros ao longo dos anos é tida e crítica. Ele
revela que as primeiras informações sobre os negros que assimilou estão relacionadas à
133
escravidão. Depois, recorda-se que em sua cidade natal, negros e brancos não se misturavam,
tendo, inclusive, espaços para negros e outro para brancos.
Até mesmo em Araguari sabe tinha um um cinema sabe preto não
entrava. De jeito nenhum. Pra entrar mesmo a parte branca assim de
gravata. Podia bem arrumado mesmo ia mio que o branco, mas você não
entrava. Era separado. que tinha também o clube, o clube também que é
o dos negros né.
Mesmo com todo o preconceito vigente, Sebastião afirma que sempre foi um homem
correto, digno de confiança e merecedor da nele depositada por seus empregadores. Ele
avalia que tal fato está relacionado à sua educação familiar e ao cumprimento de seus deveres
profissionais. Este fato elevou a sua auto-estima e sempre lhe fez muito bem.
Minha situação assim toda vida que eu fui assim, assim um negro, mas um
negro separado dos outro sabe. Porque eu, eu, eu fiz muito bem minha
obrigação, então é aquele pessoal que eu fui criado, que eu fui criado pelo
próprio pai. Também os fazendeiro eles adora eu sabe faço todo meu
trabalho bem certinho. Tinha uma moça lá que foi criada numa família filha
de fazendeiro também ela só saia comigo sabe. Tinha uma confiança grande
comigo. Então o outro rapaz não saia com ela porque não servia.
confessando porque ela lá em Araguari fazer compra no mercado sempre eu
era a companhia dela sabe. De confiança mesmo. Então essa parte eu
sentia muito bem.
Acredita que Rondonópolis possua um grande contingente de afrodescendentes e um
pequeno percentual de brancos:
Tem muitos moradores negro. Eu acho assim em Rondonópolis tem a base
de 5; tem muito mais não. Fica 10% brancos né, têm uns negros, mas não é
negro da África não é assim filhos de brancos com negro. Negro puro, puro
aqui não tem não né. É misturado né
Afirma contente, gostar de ouvir e dançar uma música sertaneja e um bom forró.
Conta possuir um gravador em seu quarto que sempre utiliza quando está deitado. Não gosta
das músicas de hoje, música popular.
134
Não, dançar eu adoro até hoje adoro dançar. Mas uma dança normal né.
Não é a dança de capoeira, nem também dança de Candombe. Eu gosto de
samba e música sertaneja eu gosto muito até hoje.
Religioso, afirma ter fé em Deus e ser católico. Tem conhecimento das religiões afro-
brasileiras, mas não gosta de espiritismo, umbanda e todas essas religiões.
6.4 José Balbino
Ao falar sobre sua negritude seus argumentos sobre essa questão, são marcados por
um entendimento comum aos marxistas de sua geração. Para ele as relações sociais devem ser
explicadas a partir das relações de classe. É com ironia que começa sua reflexão sobre a
questão da negritude afirmando ser contrário à utilização do termo negro:
Óia movimento negro, essa palavra negro ela me, ela tem muitas, tem
muitos defeitos né. Então essa, essa palavra negro eu acho ela errada. É
negro, movimento negro né. Eu não acho; que pra mim não existe isso.
Agora é o seguinte eu, eu, eu, eu nunca fui racista. Eu não acredito em raça
assim. Eu acho que raça é o ser humano. Então, nunca gostei assim de
movimento negro. Porque eu não sou negro não, sou igual aos outros. É, é
negro mesmo pra mim é, é, é essa gato ó. É diferente dos outros só; é a
mesma coisa que seres humano. Eu, eu penso assim. Então esse movimento
negro que falando, ele não, ele nunca me, assim me é, ele nunca me, me
agradou porque eu gosto mais de mulher branca né. É demagogia da minha
parte dizer que... (risos). Agora não e vandalismo eu gosto mais de mulher
branca. No olho de vista eu acho mais a gente é negro. Na vista né, porque é
preto.
Para ele não diferença, o que pode dividir os seres humanos, negros e brancos é
justamente argumentos e posições políticas como as do movimento negro. Principalmente por
que está ocorrendo, de fato, uma integração das raças. Comenta também que o negro e o índio
são uma raça pura e que nós somos apenas mestiços:
Então esse movimento afro eu acho que divide. Eu acho que havia; eu contei
pra ele a cor da, da mulhé do Kese, porque ele é branco e nasceu na África.
135
Isso é um bom sinal que havendo integração de raças. E é chato esse
negócio de movimento negro. É ele uma coisa que cria muito problema
entende racial.O negro que tinha que raça, o índio. Nós somô mestiço.
Agora o negro é puro. E o índio é. Esse, que tem raça pura né. Já dizem, os
grandes cientistas que o índio é descendente de chinês. Agora o negro não
porque o negro provado que o primeiro, cientificamente, a primeira raça
que existia no mundo foi a negra. A pele negra por causa, até elevações.
Qué dizê que então, esse a raça negra pra mim que é a pura, porque nois
somos a mistura não somo da África entede.
Ele considera-se um mestiço, mestiço de cor marrom, mas não negro. Suas
explicações para essa posição serão encontradas em Marx que, segundo ele, considera o
racismo um tipo de projeção do sujeito.
Óia eu, sou um ser mestiço, eu mestiço ó. Eu sou marrom. minha
cor marrom. Pronto agora assim oia a; segundo Marx é racismo é projeção
do cara. É, é qué tu vai dizê assim duas, contrária, duas máximas de
Marx aqui. Duas, coisas que ela vai tomando conta na mente das
pessoas e qual é a opinião de Marx. Duas contradição social.
Homossexualismo contenção biológica. Digo mas não o puritanos, mas é
contradição entendeu. Nós o temos Deus, nem pai, nem família. Mas qué
ó. Agora o que é pessoa não; anarquista? Ele qué uma companheira. O
que clone. Clone é a, é mão-de-obra no capitalismo, proletário entende. É, é
essa é a consciência do comunista ele, ele não tem religião, ele não tem
pátria, não tem Deus, nem raça. Um ser humano maduro assim. Todo esse
conflito que tem é puro defeito do cara. Mas isso é velho demais, isso é
preconceito que tem que ser superado. E tá sendo.
Não acha que tenha sido discriminado em algum momento de sua vida, porque nunca
forçou a barra em lugar nenhum. Diz só andar em lugar que é bem aceito. Ele não se
considera negro, reafirmando sua condição de mestiço, mais um cruzamento de raças. Isso
leva a assumir uma posição não favorável à política de Cotas, pois considera o acesso à
formação escolar universitária um direito que deve ser garantido a todos:
Eu nunca me senti discriminado o, porque não; a discriminação, ela não
me atingi. Porque eu não, eu nunca forcei a barra em lugar nenhum. Eu
ando em lugar que eu sou bem aceito entende. Entendeu. A pessoa não é
obrigado; agora você chegar num bar ou, o cara tem que servir. Mas
eu, se eu vejo assim é proibida a entrada de negro. Eu sei que eu não
negro, mas eu sou cruzamento eu não sou loiro então eu não vou naquela
porra lá tem cara que força a barra. Mas pra que? Da motivo. Agora isso aí
é não, eu acho ridículo pra mim não é acomodação não. Não é acomodação,
136
porque de uma coisa que eu acho ridículo, eu acho ridículo. Talvez você não
vai concordar comigo. Pra que cota pra negro? Negro. Pra que cota? Cota
é uma porra. Esse negócio de cota é favor ou não? Então o, o governo, o
governo uma cota de, de número de pessoas de cor numa universidade,
isso não é favor não, é obrigação. Mas, então tem pessoa da minha cor que
tá achando que isso aí é um favor não é não. Isso é um direito adquirido que
o cara tem. Todos nós somos iguais. Então é por isso que eu não me
considero negro. Eu acho que depende de você é só não forçar a barra.
Afirma nunca ter sido discriminado, mas, alega que em lugares onde se exigem boa
aparência, ele nem vai. Considera a discriminação e o discriminador uma ignorância.
Eu, eu acho ignorância do discriminador. O cara é idiota, como é que ele
vai discriminar o outro porque, pela uma coisa que ele não é culpado. É
discriminação, a discriminação de cor é mesma coisa que discriminar um
velho, um cego, um aleijado. Mas a cor é uma coisa que a pessoa não é
culpada que a cor tem. Entende. Então eu acho que a pessoa que discrimina
é uma pessoa assim não tem. É a um não sei. Porque, porque, discrimina
essa cachorra porque ela é preta. Então eu que tenho a discriminação
dentro de mim. Eu não gosto da cor preta. Agora então; agora a criatura o
homem que tem aquela cor ele é um ser humano igual eu. Agora, agora é
culpado se eu. Agora se eu, se eu culpar ele porque ele tem aquela cor eu tô,
eu sendo um idiota. Então eu acho que racismo é uma sei lá. É uma coisa
que não me atingi não. Isso pra mim já está superado pelo menos pra mim.
Eu quero vê, eu quero vê quem discrimina o Pelé. Quem discrimina o Pelé.
Com esta afirmação ele traz duas questões para o debate. Um diz respeito a questão
de classe social e a outra ao embranquecimento daqueles que ascendem socialmente no Brasil.
O problema é que o dinheiro embranquece no Brasil. Então o que manda é o dinheiro não é a
raça.
Critica a mentalidade, que ele considera escravagista, do ex-jogador de futebol Pele.
Sua justificativa e de que essa mentalidade deve ter sido adquirida por conta das diversas
humilhações sofridas em sua infância:
O Pelé ele tem mentalidade escravagista. E o senhor que é o senhor de
escravo mais perverso com o escravo é um cara que não é branco. É o que
ele tem, ele o Pelé ele, ele foi é uma questão criança sabe, ele foi, foi muito
humilhado. Se rebaixou muito era negro bem pequeno. Então, a única
maneira dele evoluir foi o dinheiro. Agora vem cá, que mérito tem essa
menina que com ele aí? Uma mulhé feia que nem o diabo. Qué dizê que
137
não sabe desejá mulhé branca, o negro sempre se interessa por mulher
branca e a projeção dele entende. É tudo isso é questão subjetiva. É uma
porra que racismo é uma farsa. É uma coisa que, é, uma coisa assim que
não tem como a gente aceitar né.
Diz não ter participado do movimento negro por discordar politicamente do mesmo,
considerando-o desnecessário para fazer avançar a luta social:
Eu não sou racista. Pertenço à raça humana. Esse gato aqui, ele não é um
gato igual os outros. O homem a mesma coisa. Somos seres humanos e isso
basta. Eu acho que é. É aparência que se né. Agora vem cá, olha bem.
Uma mulher né, aquela, um exemplo de racismo Qual é o branco que não
acha aquela Naomi bonita? Aquela Naomi Campbell aquela negra. Ali é
negra. Aí, vê. Quem não é? Qué dizê quem não fica com mulher branca é
isso aí. Racismo é isso ó. na cara. Agora porque é bonita, porque é
uma mulher que tem prestígio, tem propaganda. Se ela fosse uma cozinheira
nego não qué. Racismo é isso.
Sobre a cultura negra suas considerações vão no sentido de demonstrar como ela esta
integrada, faz parte da cultura nacional. Cita como exemplo a ngua portuguesa que tem uma
serie de palavras oriundas da África:
Ó um exemplo, a cultura negra ela nossa língua, nosso idioma. Tem muitas
palavras que o branco fala, cabaça, cachimbo, miçanga, mandinga, isso
tudo é palavra africana. E no nosso vocabulário de português né.
Quantas palavras que veio do negro, lá dos africanos. Qué dizê que é isso aí
a gente viu; O nosso idioma ele tem influência de, de pessoa de cor preta.
Qué dizê que isso prova que o racismo, o racismo é uma projeção do cara.
Mas isso tá acabando.
Em seguida reflete sobre o significado da capoeira explicando que ela é uma briga de
fuga e como ela se tornou uma prática cultural e esportiva:
O que era a capoeira? Os escravos que fugia da senzala eles, ele, ele
brigava muito com o pé, pancada, capoeirista. Quando terminô a escravidão
no Rio de Janeiro todos aqueles capangas lutaram capoeira. Tem branco,
negro. Tem branco que usam a capoeira, mas a capoeira é uma, é, é, é o
cara brigá na mão. É que nem judô. É que nem o boxe.
Outra contribuição que ele ressalta e a da culinária de origem africana:
138
Tem uma comida que remeda a africana. Comida baiana. Cuscuz, acarajé,
moqueca, camarão foram os negros da África que trouxeram. Tudo isso aí é
comida africana, mas baiana, comida baiana, apimentada. É gostosa né,
quente. Mas se tem; quem não tá acostumado aí queima. É gostoso africana.
É bem, quente, apimentada.
Afirmou que freqüentou o candomblé, apesar de não acreditar, com a intenção de
arrumar namorada. Ele diz que as religiões afro-brasileiras foram trazidas pelos escravos
negros africanos, que sua obrigação é respeitar estas culturas. Coerente com sua posição laica
assegura não acreditar nas mesmas:
A verdade. Eu ia no candomblé pra arrumá muié. O lugar gostoso mas não
acredito naquilo não. Óia, eu cansei; você sabe aqueles trem que põe na
encruzilhada? Aquilo não mata ninguém não. Eu só não comia. Mas bebia o
que botava eu bebia. Cerveja, cachaça entende. Você não come porcaria,
porque aquilo que eles fazem é pra santo, é pra pessoa, comer mesmo, mas é
pessoa que morreu. É uma cultura nativa aquilo lá. É uma cultura a
religião afro né. Primeiro a religião afro ele, é o africano é umbanda,
quimbanda e jeje-nagô né. Agora foi trazido para o Brasil pelos escravos.
Agora os escravos eles qué vê, por exemplo, Oxalá é Deus. Ogum, São
Jorge. Xangô, São Jerônimo. Oxossi, São Sebastião. Qué dizê que os
africanos eram tão massacrado pelos branco, que ele escondiam. Éles
reciclaram a religião africana misturaram com cristianismo. misturou o
que? Surgiu assim, por exemplo, feitiçaria, é encantamento. ó minha opinião
- ela não é fingimento. Porque eles vence com a natureza entende. As coisa
naturais. É pra chuva, é pra criação, é pra casamento, é pra briga, é pra
guerra entende. Agora o Ocidente, o cristianismo ele vai; ele corrompe. Ele
corrompe, por isso eu não acredito em religião. Que eles não tinham um;
eles queriam vive na natureza. De amor. Essas coisas de encantamento é
primitivo, mas entrou dinheiro no meio aí não é mais, é comércio. É isso que
eu vejo em religião. Então eu acho que a, a maior maneira do homem vivê
em paz com ele mesmo. Sem precisá nem de Deus, de nada. Ele não querê
pros outro o que não qué pra ele. Isso que eu procuro sê. Eu não desejo pros
outro o que eu não quero pra mim. Mas, isso não é religião não, é que eu
não ganho nada com isso. Pra mim respeita você, respeita ele eu não
preciso acreditar em Deus não. É minha obrigação, é o meu dever de ser
humano é respeitá o limite dos outro. E a religião o cara ultrapassa isso aí.
Ele influi muito na vida particular dos outro. Isso não, é abuso. É o que
eu vejo
Mesmo alegando nunca ter sido discriminado, José Balbino diz ter sido apelidado
de diversos adjetivos como tiziu, lamparina, azeitona, negão. Antes reagia com valentia, agora
já nem tanto.
139
Óia minha consciência racial eu, eu tive muitos adjetivos que foram
usado comigo. Qué vê, e tiziu, lamparina, azeitona e negão eu reagia com a
força bruta. Eu achava isso assim um negro, como pau de fumo. eu, eu
reagia o que é branco safado. Isso aí é uma, é uma, é uma coisa que choca a
pessoa. Questão racial. Eu senti isso aí quando era novo, mas depois que eu
vi que eu era maior do que isso não me prejudicava mais.
Diz que o não forçar a barra a que ele se referiu anteriormente é não tentar mudar a
opinião das pessoas:
É mudá a opinião das pessoas. Se a pessoa não gosta de negro, que dane
pra lá. Agora ele é obrigado a gostá de negô? Eu não tô na África do Sul,
tô no Brasil. Qué dizê esse o racismo pra mim sofre mais o, cara que diz que
ele é afro. Sofre nós somo brasileiro, que é afro e eles qué imitá aquele
Luther King. O racismo dos Estados Unidos é diferente do nosso. A cultura
americana é, protestante. Não é católica igual nós. Porque o, o
protestante é racista mesmo, entende. É, é, o vem cá, que segundo a Bíblia
qual foi o, a origem do homem ficar negro? Quem foi o cara que pecou fez
isso? Heim? Caim matou Abel né. Aí, Deus mandou ele pra Etiópia e
surgiu o negro. qué dizê que até nisso o negro é discriminado. O Caim;
Deus fez Adão e Eva de barro né. E Adão e Eva tiveram dois filho era
Caim e Abel. E Caim matou Abel. Matou Abel, aí Deus falô assim, pra ele
cadê teu irmão? Você matou seu irmão, mas mandá você prum lugar que
ninguém vai fazê mal pra você. ficou preto. É assim que a escritura fala.
Até nas escrituras o negro é discriminado. Ele matou o irmão isso é
demagogia, isso é racismo pra justificar a escravidão negra. E quem, vendia
aos brancos os escravos da guerra. Quem? Que cor ele era? Que cor os
cara, os mercador de escravo era na África? Beduíno, negro.
Por sua formação e posições políticas esse tipo de entendimento que Jose Balbino
têm da questão racial é compreensivo. Ele entende que muito das questões raciais estão
relacionadas às questões econômicas. Essa ênfase no econômico para explicar os fenômenos
sociais faz parte da cultura política dos militantes comunistas de sua geração. Em que as
mudanças na sociedade estavam subordinadas as mudanças do plano econômico. Tinha que se
primeiro fazer a revolução e então questões como essa das relações raciais poderiam ser
superadas.
CONCLUSÃO
Com base nos estudos realizados e na pesquisa desenvolvida com trabalhadores
negros, com pouca escolarização, nascidos nas décadas de 30 a 40, imigrantes de outras
regiões do Brasil e que vivem hoje na cidade de Rondonópolis, podemos apontar algumas
conclusões:
Todos os sujeitos entrevistados valorizam a escola e ressentem-se por não terem tido
condições para se manterem nela, devido à necessidade de trabalhar. Fato este que pode ser
compreendido se levarmos em consideração que:
[...] a maior parte desses indivíduos permanece ocupando a base da pirâmide social,
sobrevivendo nas condições mais adversas, com poucas chances de realizar seus
projetos de ascensão social, escolarização, moradia e trabalho (RIBEIRO, 1996, p.
27).
Sentem orgulho dos filhos que estudaram e por possuírem profissões definidas.
Talvez até, por seus filhos serem resultado desse esforço histórico de superação das
desigualdades que atravessam gerações:
Mas a maioria das pessoas não se por vencida apesar dos inúmeros exemplos de
racismo elas vasculham sua memória na tentativa de encontrar outros exemplos que
contradigam a existência de preconceito e discriminação racial (VALENTE, 1994, p.
57).
Na suas infância não tiveram muito tempo para estudar e brincar. Pois entraram
muito cedo no mundo do trabalho. Mas quando tinham tempo não perdiam a oportunidade de
estarem com amigos e envolvidos em brincadeiras pertinentes as suas faixas etárias. E é desde
este momento de suas trajetórias que podemos identificar a dualidade de classe social e racial
141
em suas vidas. Em diferentes níveis todos eles valorizam o conhecimento e a necessidade de
qualificação e formação.
Conforme pudemos perceber ao longo dessa exposição, a participação e a ação
política estiveram diretamente vinculadas às condições sociais vividas por esses
trabalhadores. É justamente a partir da esfera de suas relações sociais, que envolvem aspectos
econômicos, culturais e políticos que as manifestações de suas consciências política surgem.
Estes trabalhadores negros em suas trajetórias expressam manifestações de consciência
política e de consciência racial. Em algum momento de suas vidas foram discriminados por
sua negritude e excluídos socialmente. É possível perceber que todos eles de algum modo
possuem, ainda que em níveis diferenciados, consciência política e racial.
Se considerarmos o que é pensando pela tradição marxista, como consciência política
como sendo consciência de classe o único que demonstra, devido a sua militância política,
que está próximo dessa consciência é José Balbino. Esse militante comunista em relação à
questão racial consegue perceber a existência do preconceito e da discriminação. Mas ainda
que manifesta uma consciência de sua negritude não considera a questão da cor como fator
determinante, uma vez que para ele a questão não é de cor, mas sim de classe.
[...] Olha era a, a questão que sempre, sempre me, me fascinou são os
estudo de classe. Estudo de classe.
Os outros entrevistados, ainda que afirmem não possuírem um envolvimento direto
com organizações políticas, sejam partidos ou sindicatos, participam de movimentos
religiosos e comunitários. Os que os distanciam do ponto de vista da tradição marxista de uma
possível consciência política.
142
Todos os entrevistados foram vítimas de preconceito e discriminação, ainda que
alguns o neguem. José Balbino nega a discriminação racial porque considera que a
discriminação é uma questão de classe e não de cor.
O problema é que o dinheiro embranquece no Brasil. Então o que manda é o
dinheiro não é a raça. (risos)
A condição de vida dos sujeitos desta pesquisa, as condições sócio-econômicas e
materiais expressam a condição dos trabalhadores negros na sociedade brasileira. Ainda que
suas trajetórias não evidenciem uma relação direta com as lutas sociais do negro, pode se
perceber que eles estão incluídos nessas lutas.
O Brasil teve que lidar depois da abolição com o ‘problema’ posto pelos ex-escravos
e descendentes de africanos, que não encontrando espaços na sociedade dos brancos,
se viram excluídos e marginalizados, destituídos de oportunidades de trabalho e de
socialização (HANSEBALG, 1990, p. 02).
Portanto, compreendemos que a exclusão escolar e essas manifestações da
consciência política e racial desses velhos trabalhadores negros residentes na cidade de
Rondonópolis deve ser compreendida concomitantemente entre classes sociais e questões
raciais.
Os fatores classe social e raça foram trabalhados associadamente, no sentido de
desvendar como estes sujeitos foram construindo sua consciência política e racial. O que vai
levar-nos a concluir que os sujeitos pesquisados apresentam uma rica trajetória de origem
popular, com migração para o Centro Oeste. Nessa trajetória vivenciaram a exclusão escolar,
se firmaram como trabalhadores, constituíram famílias, adquiriram respeitabilidade na
comunidade. Afirmam-se e se compreendem como negros. Finalmente possuem a
consciência de terem sido, por diversas ocasiões, excluídos e discriminados.
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