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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IEDA RAMONA DO AMARAL
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS APOSENTADAS (1985 – 2005)
CUIABÁ-MT
2008
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IEDA RAMONA DO AMARAL
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORAS
ALFABETIZADORAS APOSENTADAS (1985 – 2005)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós–Graduação em
Educação, Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito para obtenção do Título de Mestre em
Educação na Área de Teorias e Práticas Pedagógicas na Educação
Escolar, Linha de Pesquisa Educação e Linguagem.
Orientadora: Profa. Dra. Cancionila Janzkovski Cardoso.
CUIABÁ – MT
2008
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DEDICATÓ
DEDICATÓDEDICATÓ
DEDICATÓRIA
RIARIA
RIA
Em todos os caminhos que percorri na vida, encontrei pontes e
obstáculos. As pontes serviram para me ajudar a transpor fronteiras. Os
obstáculos, para testar minha criatividade e fazer reconhecer minhas
fraquezas e fortalezas. Para realizar esta travessia, diversas vezes tive que
recorrer à força daqueles que tanto amo. A eles dedico este estudo.
A Deus, autor da grande obra da minha vida;
A Jesus, principal embasamento teórico, grande exemplo para a prática da
minha vida;
À Nossa Senhora mãe protetora que, nas maiores dificuldades, sempre me
acolheu no silêncio do seu coração;
À minha querida mãe Luiza, envio todas as emoções e alegrias que sinto
agora, como forma de retribuir um pouco do muito que recebi;
Ao meu esposo Aderson, por ter renunciado, muitas vezes, aos seus sonhos
para que eu pudesse realizar o meu. Amo-Te;
Aos meus amados filhos: Fernando e Thamyres
, p
or se manterem sempre ao
meu lado, lutando comigo, acalentando minhas amarguras e partilhando
minhas alegrias;
A meus estimados irmãos e cunhado: Cezar, Luzinete, Lívia e João, por terem
compartilhado dos meus ideais incentivando-me a prosseguir nessa
caminhada;
Aos meus adoráveis sobrinhos: Luiza Maria, João Batista, Luiz Antonio e
Pedro Henrique e
netinhos
Wilker e Felipe, q
ue compartilharam de meus
estudos, rabiscando, “etudando”, enviando cartinhas. Dentre tantos escritos,
deixo registrado maravilhas do despertar da alfabetização. Quiçá seja a
semente que transforma em realidade o pensamento e o sonho que hoje
acalentamos por uma escola ideal;
Às amigas: Jeane, Luciane, Marilia e Cláudia.
Em meio aos transes difíceis fizemo-nos amigas,
auxiliando-nos para concluir a árdua jornada. Seja esse
sentimento fraternal, um marco indestrutível em nossas
vidas.
EM ESPECIAL A MINHA ORI
EM ESPECIAL A MINHA ORIEM ESPECIAL A MINHA ORI
EM ESPECIAL A MINHA ORIENTADORA
ENTADORAENTADORA
ENTADORA
O trabalho de lapidação do ser humano é árduo e exige
dedicação, abnegação e experiência.
Agradeço a você, Cancionila,
por ter compartilhado comigo seus conhecimentos
e me auxiliado na realização plena de meus ideais
profissionais e humanos.
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Ás vezes nossa luz se apaga, mas outro que volta a acender a
chama. Agradeço profundamente àqueles que reanimaram minha luz.
Às professoras, Ana Maria, Leomar Oliveira, Teonila Miranda,
Vera Moraes, Neuza Oliveira, Antonieta Queiroz, Catarina Sales,
Maria Gonçalves, Leomar Fátima, Rita Cassiana, Benedita Lemes e
Glorinha, personagens narradoras
que, de forma espontânea,
confiaram-me fragmentos de suas vidas e histórias e, através de um
diálogo sensível, desvelaram suas lembranças, seus sentimentos, seus
pensamentos, suas dificuldades, suas aspirações e realizações,
engendrados na motivação, no modo de ser, sentir-se e tornar-se
PROFESSORA.
Às professoras Francisca Maciel e Lázara Nanci, pela leitura
criteriosa, pelas críticas, intervenções e valiosas sugestões que
enriqueceram o meu texto, no momento da qualificação.
Aos professores do mestrado, Nicanor, Ana Arlinda, Ademar,
Jorcelina, Javert, Soraiha, Ozerina, Cleomar, pela partilha de saberes e
aprendizados na contínua formação como “mestres em educação”.
A todos os colegas do mestrado pela alegria do convívio e saberes
(
des)
construídos.
À Luciane e Jeane pela amizade sincera e acolhedora, pelos
momentos de estudos, de ajuda, de apoio, de angústias divididas e
amenizadas, de lutas, de encontros maravilhosos e boas risadas.
A Jeison Gomes, Luisa Teixeira, Mariana Serra, Simone
Manduca, Patrícia Wolft, Dionéia, pelo apoio administrativo e
convívio harmonioso.
Aos funcionários Elza Sabino, Silas Nunes, Zinei Maximiano,
Gilsom Gonçalves, Maria Auxiliadora Ferreira, pela sensibilidade,
acolhimento carinhoso e humano.
A todos que colaboraram para o sucesso desta jornada, o meu
mais sincero, Muito obrigada!
[...] E aprendi que se depende sempre
De tanta e muita diferente gente
Toda pessoa sempre é a marca das lições diárias
De outras tantas pessoas
É tão bonito quando a gente sente
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá
É tão bonito quando a gente entende
Que nunca está sozinho
Por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão
Nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai a vida
Nos caminhos onde bate bem mais forte o coração!
(Gonzaguinha, “Caminhos Do Coração”)
HOMENANGEM ESPECIAL
HOMENANGEM ESPECIALHOMENANGEM ESPECIAL
HOMENANGEM ESPECIAL
Às eternas Mestras Profa. Dra. Soraiha Miranda de Lima e
Profa. Benedita Lemes (In Memorian).
Neste momento, elas gostariam de estar aqui, mas estão ausentes.
No entanto, a presença dessas Mestras,
o som de suas vozes sopra suave em minha memória, num murmúrio
triste de lamento e saudades.
Elas se foram num adeus eterno, mas estão aqui, lembradas, presentes
e eternas.
É preciso criar pessoas que se atrevam”.
a sair das trilhas aprendidas,
com coragem de explorar novos caminhos.
Pois a ciência construiu-se pela ousadia dos que sonham
e o conhecimento é a aventura pelo desconhecido
em busca da terra sonhada.”
Rubem Alves
RESUMO
Esta pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em
Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, na área de concentração de
Teorias e Práticas Pedagógicas, vinculada à linha de pesquisa em Educação e
Linguagem. Teve como objetivo compreender as concepções e práticas de
alfabetização de professoras aposentadas. A Investigação abordou aspectos das
concepções e das práticas pedagógicas de professoras que atuaram nas séries
do Ensino Fundamental nas escolas públicas de Várzea Grande MT e se
aposentaram entre 1985 a 2005. Recorremos à história oral nessa pesquisa como
um meio de resgatar fragmentos de uma história que essas professoras ajudaram a
constituir na alfabetização desse município. Os procedimentos metodológicos
utilizados ampararam-se em autores que desenvolvem pesquisas de fundo histórico
em educação, especialmente com aquelas que inserem a alfabetização como seu
objeto de estudo. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e fontes
documentais (diários de classe, formulário para indicação do livro didático, legislação
vigente, parâmetros curriculares, caderno do professor e do aluno e cartilhas de
alfabetização) e analisados sob a ótica da cultura escolar, por meio de descrição,
interpretação, comparação e cruzamento das fontes. A análise dos depoimentos das
professoras revela as memórias de como foram alfabetizadas e as memórias de
suas práticas pedagógicas na alfabetização. A análise de dados nos diários de
classe permitiu uma reflexão sobre as atividades que eram priorizadas, por
professores da época, no processo de ensino da leitura e da escrita, os métodos de
alfabetização seguidos por esses educadores e as cartilhas adotadas no período
eleito nesta pesquisa.
Palavras chave: concepções de alfabetização; ensino; memórias de alfabetizadoras.
ABSTRACT
This research was performed in the Post-Graduate Program, Master in Education,
Federal University of Mato Grosso, in the area of concentration of Theories and
Practices Pedagógicas, linked to the line of research in Education and Language. He
had intended to understand the concepts and practices of literacy of teachers retired.
The research addressed aspects of the concepts and teaching practices of teachers
who acted in the 1 st series of elementary school in the public schools of Varzea
Grande - MT and is retired between 1985 to 2005. We use the oral history that
search as a means of rescuing fragments of a story that these teachers helped
provide literacy in this council. The methodological procedures used ampararam up
on authors who develop research historical background in education, especially to
those who belong to literacy as its object of study. Data were collected through
interviews and documentary sources (daily class and form to indicate the textbook,
legislation, curriculum parameters, and the diary of the teacher and student booklets
of literacy) and analyzed from the perspective of the school culture, for means of
description, interpretation, comparison and crossing of the sources. The analysis of
the testimony of the teachers shows the memories of how they were illiterate and the
memories of your teaching practices in literacy. The analysis of data in daily class
allowed a reflection on the activities that were prioritized by teachers of the time, in
the teaching of reading and writing, the methods of literacy followed by those
educators and booklets adopted in the period elected this search .
Key words: conceptions of literacy, education; memories of alfabetizadoras.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................
14
CAPITULO I
18
1. CAMINHOS PARA A INVESTIGAÇÃO: A PESQUISA E SEU OBJETO....................... 18
1.1.O cenário da pesquisa..................................................................................................
18
1.2 Várzea Grande nos aminhos da educação.................................................................. 21
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS METODOLOGICOS.....................................................
32
2.1. História Cultural: a entrada em cena de um novo olhar.............................................. 32
2.2. Pesquisa Histórica: uma aventura para os pesquisadores do tempo presente...........
34
2.3.Fontes Orais: uma aventura da história do tempo presente.........................................
38
3.CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA: QUEM SÃO AS PROFESSORAS?..................... 46
3.1. Descrevendo as personagens.....................................................................................
53
4.PERÍODO INVESTIGADO...............................................................................................
64
4.1-Instrumentos para a coleta de dados...........................................................................
65
4.2- Procedimento para a coleta de dados.........................................................................
66
4.3- Procedimento da análise de dados.............................................................................
69
CAPITULO II 70
1. LINGUAGEM EM SUAS VÁRIAS FORMAS: ALGUMAS REFLEXÕES........................ 70
1.1.A Linguagem Oral.........................................................................................................
77
1.2. Linguagem Escrita: Antecedentes Históricos..............................................................
80
1.3. A Leitura...................................................................................................................... 84
2. ALFABETIZAÇÃO: UMA RETROSPECTIVA.................................................................
88
2.1 Alfabetização: Duas Décadas de Pesquisa .................................................................
90
3.LETRAMENTO: UM NOVO CONCEITO NO CENÁRIO DA ALFABETIZAÇÃO.............
97
4. ALFABETIZAR COM OU SEM CARTILHA? ................................................................. 101
5. ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS.......................
108
5.1.- Parâmetros Curriculares Nacionais............................................................................
111
5.2 - Programa Parâmetros em Ação..................................................................................
112
5.3 - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA)...........................
113
5.4-Rede Nacional de Formação Continuada de Professores........................................... 114
6. PENSAMENTOS DO PASSADO PRESENTES NOS DIAS ATUAIS...........................................
115
CAPITULO III 125
1.ALFABETIZAÇÃO: UM POUCO DAS PROFESSORAS OU UM POUCO DA
PRÓPRIA HISTÓRIA .........................................................................................................
125
1.1 Memórias das Alfabetizadoras..................................................................................... 126
1.1.1 O Material Didático.................................................................................................... 126
1.1.2 O Processo de Ensino: Metodologia......................................................................... 129
1.1.3 A Relação Professsor-Aluno......................................................................................
137
1.1.4 Os Castigos Escolares: erro e comportamento.........................................................
141
1.2 Memórias de Práticas Pedagógicas.............................................................................
146
1.2.1 De Aluna a Professora...............................................................................................
146
1.2.2 O Material Didático.................................................................................................... 150
1.2.3 O Processo de Ensino: Metodologia......................................................................... 152
1.2.4 Os Castigos Escolares: erro e comportamento.........................................................
162
CAPITULO IV
164
1 O QUE DIZEM OS DIARIOS ESCOLARES....................................................................
164
1.1 Diários da década de 1980...........................................................................................
165
1.2 Diários da década de 1990...........................................................................................
168
1.3 Diários da primeira década dos anos 2000..................................................................
172
2.NOS DIARIOS ESCOLARES A PRESENÇA DAS CARTILHAS DE
ALFABETIZAÇÃO...............................................................................................................
176
2.1 Cartilhas adotadas na década de 1980........................................................................
177
2.2 Cartilhas adotadas na década de 1990........................................................................
179
2.3 Cartilhas adotadas na primeira década dos anos 2000............................................... 183
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 186
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS................................................................................... 190
ANEXOS.............................................................................................................................
201
14
INTRODUÇÃO
A alfabetização vem-se constituindo uma preocupação central da minha
prática pedagógica, ao longo de dezenove anos. Essa experiência pode assim ser
resumida: junto a crianças, como alfabetizadora, estive durante nove anos (1988 -
1996) , dois anos (1997-1998) como professora da sala de apoio, ou seja, em uma
sala destinada a alunos que apresentam dificuldade na aprendizagem em escola
organizada em Ciclos de Formação e dois anos (1999-2000) como coordenadora
pedagógica na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
No período de 2001 a 2005, atuei na Secretaria Municipal de Educação de
Várzea Grande —SMEC e na Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer de
Cuiabá - SMEDEL, contribuindo para a formulação de propostas em nível de
políticas de alfabetização.
Na minha atuação em nível de Secretaria de Educação, quando no exercício
de funções técnicas, uma na área da alfabetização (2001-2004); outra na Equipe de
Atenção Pedagógica a Infância (EAPI – de 2005 a início de 2006); partilhei sucessos
e insucessos quando envolvida nas atividades de formação de professores
alfabetizadores, acolhendo suas dificuldades e indagações diante do processo
ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, dos métodos da alfabetização, dos
materiais didáticos necessários para alfabetizar, entre outras.
Ao longo de minha formação continuada surgiu uma questão intrigante que
deu origem à presente investigação “Eu sei alfabetizar dessa maneira, porque
foi assim que eu fui alfabetizada”. Foi com essa problemática que me inseri no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, na linha de Pesquisa Educação e Linguagem, mais precisamente no Grupo
de Pesquisa ALFALE (Alfabetização e Letramento Escolar).
Neste curso de Mestrado defini como objeto de estudo: compreender as
concepções e as práticas pedagógicas de professoras alfabetizadoras aposentadas.
A definição do objeto de pesquisa teve por base as discussões teóricas na área da
alfabetização e suas decorrências para a compreensão do papel exercido pelas
referidas professoras no contexto pedagógico da rede blica do município de
Várzea Grande - MT.
Desta forma, na tentativa de entender as marcas impressas no presente e
futuro próximo da alfabetização em Várzea Grande-MT é que justifico a minha
15
escolha por trabalhar com professoras alfabetizadoras aposentadas, pois essas
educadoras em sua trajetória construíram e reconstruíram seus conhecimentos, não
somente os vinculados à formação intelectual, mas também a partir de suas
experiências e de seu percurso existencial como ser humano.
Muito foi pesquisado sobre a alfabetização, mas a produção de
conhecimentos na área tem-se caracterizado pela aplicação de conceitos e teorias à
prática educacional, sendo enfatizado o conhecimento psicológico sobre a criança,
especialmente o desenvolvimento infantil. É esperado que o professor alfabetizador,
de posse de tais conhecimentos, organize os trabalhos pedagógicos, que acabam
sendo direcionados pelo desenvolvimento alcançado pela criança.
No entanto, a história da participação de professoras alfabetizadoras
aposentadas na educação, especialmente na educação várzea-grandense, é uma
história recente, que se ressente de um passado mal contado, envolto em silêncios
seculares que ainda não foram completamente quebrados. Isso me instigou e me
impulsionou a convidar algumas professoras alfabetizadoras aposentadas a
compartilharem suas experiências, dando a elas a oportunidade de serem ouvidas
ao contarem fatos de sua vida e, acima de tudo, como dizia Thompson (1992,
p.40) “confiarem nas próprias lembranças e interpretações do passado, em sua
capacidade de colaborar para escrever a história - e confiar também em suas
próprias palavras: em suma, em si mesmos” e assim divulgarem a sua valorosa e
decisiva participação na educação várzea-grandense.
A história de vida de cada uma dessas professoras é parte integrante do
legado cultural universal. Pois, recorrendo às palavras de Thompson (1992), os
relatos de experiências vividas por toda e qualquer pessoa, quando integrados em
rede, são transformados em informação. Isso possibilita uma nova maneira de se
pensar a História e, conseqüentemente, novas perspectivas de presente e futuro.
Portanto, a presente pesquisa, toma por referencial teórico a História Cultural
e focaliza como objeto de investigação as concepções e práticas pedagógicas da
alfabetização de professoras aposentadas (1985 – 2005).
Dar visibilidade à participação das professoras alfabetizadoras aposentadas
no espaço educacional várzea-grandense foi uma das preocupações que tive ao
desenvolver esta investigação, pois as professoras que participaram da pesquisa
contaram histórias de suas vidas, tanto como alunas, bem como as do tempo em
que exerceu o magistério. Suas narrativas permitem refletir sobre o papel da
16
alfabetização, tanto na formação quanto na atuação profissional, algumas delas
revelam-se leitora não da palavra, mas também da realidade de sua época, pois
anunciavam aos alunos os direitos de cidadania, instigando-os a ultrapassarem os
muros do saber escolar.
As vozes dessas professoras ecoam na forma de discussão,
questionamentos, reflexão. Suas recordações nos mostram quais eram suas
necessidades, suas lutas, sucessos e frustrações. São caminhos percorridos no
campo da educação, especificamente na alfabetização. Esses caminhos nos
permitem estabelecer relações com a afirmação de Ecléa Bosi sobre o
conhecimento do tempo pretérito: “o passado não é o antecedente do presente, é a
sua fonte” (1979 p.48).
Em relação ao percurso realizado, na medida em que os significados
produzidos acerca do processo de alfabetização foram se consolidando como objeto
de estudo, também foi se delineando o referencial teórico. Sendo assim, autores
como: Chartier, Frago, Graff, Le Goff, Certeau, Burke, Meihy, Thompson, Nóvoa,
Huberman e Soares forneceram-me a base teórica e ajudaram-me a compreender
os diferentes elementos que surgiram na medida em que os dados da pesquisa
foram revelando um complexo universo a ser explorado.
As autoras Amâncio, Cardoso, Maciel, Frade, Mortatti, com as quais dialoguei,
deram-me subsídios para a compreensão da educação e principalmente, na história
da alfabetização que no passado foi negada a maioria dos cidadãos brasileiros.
Igualmente Cagliari subsidiou o estudo da linguagem como mediadora de toda
atividade humana. Em síntese, estas são as discussões que se fazem necessárias
como subsídio para o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa.
Os capítulos foram organizados de modo a apresentar o processo da
pesquisa, os dados obtidos e a análise realizada. O primeiro capítulo apresenta o
referencial metodológico que orientou a investigação. Nele são tratados: a
metodologia utilizada, os sujeitos da investigação, 11 professoras alfabetizadoras
aposentadas de escolas do município de Várzea Grande-MT. Os instrumentos
utilizados, questionário e entrevista, foram caracterizados também nesse capítulo.
O segundo capítulo apresenta o referencial teórico que norteou a pesquisa e
expõe as discussões sobre a alfabetização, nas duas últimas décadas do século
passado e primeira década dos anos 2000 do século XXI.
17
O objetivo do terceiro capítulo é identificar as concepções e as práticas
pedagógicas das professoras que compõem a amostra. Foram objetos de análise os
seguintes pontos: o perfil dos professores pesquisados; dados sobre sua formação
inicial e atuação profissional. Para tanto, foram analisados os discursos das
professoras alfabetizadoras sobre dois aspectos: no primeiro, memórias de
alfabetizadoras, procurei delinear o que as professoras lembram-se da escola, de
seus professores e do seu processo de alfabetização, dos castigos escolares
fazendo a relação dessas práticas com a de seus professores. Já no segundo
momento trato das memórias das práticas pedagógicas onde, analisando as
narrativas das professoras, procurei traçar como elas alfabetizavam, como
concebiam a prática da leitura, como concebiam a prática da escrita, o que elas
acreditavam ser necessário e o que era realmente ensinado nas classes de
alfabetização.
O quarto capítulo versa sobre o os registros feitos por professores, nos diários
de classe. Para tal, foram examinados 105 diários de classe do período
compreendido entre 1985 e 2005. Os registros foram analisados sobre vários
aspectos: o planejamento didático, os conteúdos e as atividades para o ensino da
leitura e da escrita, as cartilhas utilizadas pelas professoras. Nas considerações
finais procurei sintetizar minhas conclusões. Os anexos que constam do presente
trabalho têm por objetivo dar maiores informações ao leitor acerca dos
procedimentos metodológicos e resultados da pesquisa.
18
1. CAMINHOS PARA A INVESTIGAÇÃO: A PESQUISA E SEU OBJETO
1.1. O cenário da pesquisa
O município de Várzea Grande integra a micro-região de Cuiabá e está
localizado na região Centro Oeste, especifícamente no Estado de Mato Grosso. Tem
hoje, aproximadamente, 230 mil habitantes
1
.
Seu relevo plano, rebaixado, margeando o Rio Cuia , deu origem à
denominação “várzea”, e a extensão deste terreno conferiu a denominação “grande”,
daí o nome Várzea Grande.
Segundo relato histórico de Ubaldo Monteiro (1987)
2
, os primeiros moradores
ribeirinhos da margem direita do Cuiabá, onde iria ser o município de Várzea
Grande, foram os índios Guanás
3
. Essa nação indígena , pelo seu temperamento
manso não impôs resistência aos primeiros bandeirantes mineradores que
aportaram em Mato Grosso
4
.
De acordo com o autor citado, em 15 de maio de 1867, tempo da fatídica
Guerra do Paraguai, registra-se como data oficial à fundação de Várzea Grande. Foi
no contexto da guerra que o Presidente da Província Jo Vieira Couto de
Magalhães, advogado, mineiro da cidade de Diamantina, homem de confiança do
Imperador D. Pedro II ordenou ao comandante de um contingente de veteranos, que
fosse situar-se ao lado de uma grande várzea além de Cuiabá cerca de oito km,
conduzindo presos paraguaios.
Nesse local, segundo dados contidos no Projeto Memória Viva da Fundação
Júlio Campos (sd), que antes era um ponto de encontro de boiadeiros e viajantes,
“se ergueram barracas de soldados brasileiros, que lado a lado dos ranchos
1
Estimativa do IBGE em 2007
2
A maior parte das informações relativas ao histórico de Várzea Grande foram retiradas de Monteiro
(1987). Evitarei remissões constantes, alertando o leitor que se trata de uma paráfrase do texto
citado.
3
Segundo Ubaldo Monteiro (1987), o povo Guaná viveu em contato com os "brancos" até meados do
século XX, mas com as doenças e a influência do hábito de beber, trazidas pelo homem branco e
ainda com a abertura de uma estrada boiadeira, a fundação do povoado de Várzea Grande, o
aparecimento das usinas açucareiras e das fazendas de gado, essa nação indígena foi sendo
absorvida e desapareceu para sempre.
4
Todavia o ouro de Várzea Grande não serviu de pólo de atração aos bandeirantes, uma vez que em
Cuiabá o faiscar das pepitas exortava a cobiça da maioria dos que ali chegavam (MONTEIRO, 1987).
19
paraguaios, pontilhavam o longo chão, desde a atual praça Aquidabã até a igreja
Nossa Senhora da Guia” (PROJETO MEMÓRIA VIVA, p.05).
Na realidade, segundo Monteiro (1987), o que se deu nesse campo de
concentração foi a permanência da tropa de veteranos de guerra para cuidar de
cidadãos paraguaios que moravam em Cuiabá e cercanias, pois o presidente temia
pela vida destas pessoas, numa possível revolta popular em represália às
atrocidades cometidas pelo exército paraguaio, sob o comando de Solano Lopes,
em época de guerra.
Os paraguaios detidos não vinham dos campos de batalha, eram cidadãos
comuns. Muitos dos quais hábeis no corte e secagem de carne bovina, além de
exímios artesãos na fabricação de arreios e curtume de couro. Em pouco tempo a
ociosidade carcerária foi sendo substituída por uma atividade mais rendosa. A
experiência foi repassada aos moradores da pequena vila que logo se cobriu de
fama da melhor carne seca de toda a região.
Com o fim da guerra em 1870, uma nova população surgiu em Várzea
Grande, originada pelo menos de três castas sociais; soldados brasileiros, presos
paraguaios e vaqueiros, alicerçada numa pequena povoação, ainda formada por
lavradores e carniceiros.
Essa população constítuida de pessoas humildes passou a fabricar licores,
doces, rapaduras, peixe seco e modestas redes que eram tecidas nos teares. Diante
disso concordo com Monteiro (1998, p.10) quando diz que “[...] Várzea Grande
surgiu com a prática industrial e acabou por tornar-se a progressista cidade industrial
dos nossos dias”.
Com 23 anos de vida precaríssima, em 1890 rzea Grande ainda era uma
simples currutela, onde residiam, em extrema pobreza, cerca de vinte famílias, além
de uns poucos lavradores pelos capões e beira de rios.
Foi a partir desse período que Várzea Grande recebeu novas famílias, dentre
elas podemos citar; os Curvo, os Campos, os Monteiro, os Ribeiro, os Gomes, os
Botelho, os Pires de Miranda, entre outras. Radicaram-se também emrzea Grande os
rio- libaneses como os Bussik, Baracat, Untar, Nadaf, Mussa, entre outros
(MONTEIRO, 1987).
20
A primeira capela no povoado, denominada “Nossa Senhora da Guia”, foi
inaugurada em 1892. Essa igrejinha permanece até hoje no antigo Largo da Várzea,
como marco histórico do passado.
A Lei Provincial 145, de 6 de abril de 1886, elevou o povoado de Várzea
Grande, que sempre teve este nome, a categoria de Paróquia.
Não é de admirar que o poder civil, através de lei criasse a Paróquia, uma
vez que os reis de Portugal, em concordata com a Santa Sé, obtiveram
poderes para erigirem paróquias no Brasil, indicando párocos, e cabia ao
poder eclesiástico ratificar os atos civis. Todavia, nem sempre eram aceitos
formalmente entre católicos de um e de outro povoado Taís decisões
(PROJETO MEMÓRIA VIVA, p.09).
Em 1899, a Paróquia contava com cartório de registro civil, sub-delegacia
de polícia, sessão eleitoral e duas escolinhas. Nessa época Várzea Grande viu-se
envolvida na revolução política entre Totó Paes e Generoso Ponce. Nessa ocasião
algumas famílias, apavoradas com os crimes e badernas, deixaram Várzea Grande,
mudando-se para Nossa Senhora do Livramento.
Terminada essa época inglória, em 1906 a Paróquia de Várzea Grande,
começou a crescer rápido e dois anos depois algumas escolas foram criadas nos
povoados que surgiram. Dentre esses povoados pode-se citar: São Gonçalo,
Bonsucesso e Capão Grande.
Em 1911, Várzea Grande é elevada à categoria de Vila, passando a ser o
Distrito de Cuiabá, assim permanecendo assim por 37 anos.
Várzea Grande tornou-se município em 23 de Setembro de 1948 pela Lei
Estadual 126, com o território desmembrado do mu nicípio de Cuiabá. Nessa
época Arnaldo Estevão de Figueiredo, governava Mato Grosso, grande incentivador
da política migratória para o estado nomeou o major Gonçalo Romão de Figueiredo
como primeiro prefeito municipal.
A Várzea dos Guaná, das passagens boiadeiras e dos presos paraguaios viria
transformar-se na cidade industrial do Estado de Mato Grosso, quando a partir da
década de 1970 se verificou estrondoso progresso no município, ocorrendo uma
mudança histórica . A vocação industrial, desde os primeiros tempos, ganhou
notável impulso quando numerosas doações de áreas, incentivos fiscais e infra-
21
estrutura adequada promovidas pelos governos federal e municipal permitiram a
atração de grandes grupos financeiros.
O comércio também cresceu de forma acelerada, tendo a sua concentração
principalmente nas Av. Couto Magalhães, Ulisses Pompeu de Campos e Júlio
Campos até o trevo do Lagarto, entroncamento entre as rodovias do Imigrante, BR
163 e BR 364. A sua população cresceu de forma nunca vista na história do
município. Em pouco mais de 50 anos a população de Várzea Grande, segundo
dados do IBGE, saltou de 5.503 para 214.842 habitantes.
Nas últimas décadas, principalmente a partir da década de 70, Várzea
Grande, cresceu rapidamente com a entrada de novas famílias oriundas de muitas
regiões do país, enfrentando com isso muitos desafios a serem superados, porém
conserva ainda um pouco da cultura daquela gente humilde que a originou, entre
outros aspectos, a sua fala característica, comidas típicas como mujica de pintado,
ventrecha de pacu, Maria Isabel, farofa de banana e paçoca de pilão.
A marca registrada deste povo: a alegria, a hospitalidade e a na vida , são
demonstradas através das danças do Cururu, do Siriri, festas de santos, como São
Gonçalo e Nossa Senhora da Guia (padroeira da cidade) e na realização de muitas
festas religiosas nas comunidades.
1.2 VÁRZEA GRANDE NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO
Em relação à educação oferecida a população de Várzea Grande, no período que
compreende sua fundação (1867 até 1879), não se tem notícias de nenhum tipo de
educação formal; possivelmente, era exercida a chamada educação doméstica, ou seja,
aquelas famílias que tinham algum conhecimento ensinavam rudimentos da leitura e da
escrita aos seus filhos em casa.
Somente nas últimas décadas do século XIX, mais especificamente em 1879,
encontra-se informações, em Monteiro (1987), sobre uma verba destinada ao
22
pagamento do primeiro professor
5
chamado “Mestre Bilão”. Esse professor
improvisava suas aulas aos 10 alunos que conseguiu arrebatar, em baixo das
sombras de uma frondosa mangueira, em um lugar chamado Bosque.
Pode-se considerar que a escola e a forma de ensinar de Mestre Bilão ainda
eram resquícios das Aulas Régias criadas pelas Reformas Pombalinas, após a
expulsão dos jesuítas do Brasil. Segundo Cardoso (2004), naquela época
[...] o termo escola era utilizado com o mesmo sentido de cadeira, ou seja,
uma Aula Régia de Gramática Latina, ou uma Aula de Primeiras Letras,
correspondia, cada uma, a uma cadeira específica, o que representava uma
unidade escolar, uma escola. Cada aluno freqüentava as Aulas que
quisesse, não havendo articulação entre as mesmas. De modo geral,
chamavam-se mestres aos que ensinavam as primeiras letras e professores
aos de todas as demais cadeiras (CARDOSO, 2004, p.187).
Mestre Bilão seguiu sua função até a proclamação da República, sendo
substituído pela professora Dona Mariana Serra, conhecida como Dona Filinha.
A professora Mariana lecionava em uma casa, junto à igreja Nossa Senhora
da Guia, exerceu a sua função até o governo de Mário Corrêa da Costa, quando foi
jubilada. Essa escola era somente para meninas, porquanto, não era dado àquela
época o estudo dos dois sexos numa mesma sala de aula. Na escola masculina, o
professor era Antonio Carlos Jacobina, o Mestre Jacobina, primeiro professor da
escola masculina de Várzea Grande no início do século XX.
Posterior a escola de “Mestre Bilão”, segundo Marcílio (1963, p. 129), em 16
de outubro de 1908, como sinal precursor das reformas que denomina “Revolução do
Ensino”, Pedro Celestino Corrêa da Costa (1908-1911), imediatamente após assumir
o governo, por meio da Resolução nº 508, criou várias escolas primárias, dentre elas
a “Escola Mista Barca Pêndulo”, como podemos verificar no art. 1º dessa Resolução:
Art. 1º - Ficam criadas as seguintes escolas:
a)
Sete no município da capital, sendo duas elementares, uma para cada
sexo, no Primeiro Distrito; uma do curso complementar, do sexo masculino e
uma do curso elementar, do sexo feminino,
no Segundo Distrito; uma
mista, do curso elementar, no Porto da Passagem da Barca Pêndulo, à
margem direita do rio Cuiabá;
6
uma elementar, mista, na povoação de
Morrinhos, e outra na Cacheirinha, distrito de Brotas
(apud MARCÍLIO,
1963, p. 129).
5
Nesse período as aulas eram ministradas em sua maioria, nas casas dos próprios professores que
eram pagos pelo Estado para ensinar e em muitos casos, recebiam uma gratificação de aluguel, mas
este não era um direito assegurado pela legislação até 1873.
6
O grifo é meu
23
De acordo com Monteiro (1987) A “Escola Mista Barca Pêndulo” funcionou por
muito tempo, onde hoje é a rua Maria Metello, pxima ao Clube Náutico e a Cooperativa
de Leite e em 1976, por meio do Decreto n° 3739/76, no Governo Garcia Neto recebe nova
denominação, passando a ser chamada Escola Estadual de 1° Grau "Manoel Corrêa de
Almeida".
Vale lembrar que, no ano de 1910, o presidente Pedro Celestino Corrêa da
Costa autorizou a reorganização da Instrução blica do estado, por meio da Lei
533, de 4 de julho de 1910 e do Decreto 265, de 22 de outubro do mesmo ano,
que expedia o Regulamento para a Instrução Primária de Mato Grosso, a ser
observada a partir de 1911.
Para Marcílio (1963. p. 133) a :
Verdadeira revolução se instala desde então na ensinança mato-grossense
(sic!). Verifica-se, nessa oportunidade, um evidente salto na história do
ensino, não só pela nova ordem administrativa que se inicia, como em
virtude do moderno sistema que passaria a ser adotado em todo o Estado,
em novos moldes pedagógicos.
O Regulamento da Instrução Pública estabelecia em seu art. 1º, que o ensino
primário deveria ser leigo, gratuito, “ministrado à custa dos cofres estaduais, a todos
os indivíduos, de ambos os sexos, sem distinção de classes nem de origem” (MATO
GROSSO, 1910).
Também estabelecia, de acordo com o seu art. 5º a obrigatoriedade do ensino
para crianças de sete aos dez anos de idade e que as escolas se dividiriam em dois
graus e seriam criadas em todas as cidades, vilas e povoados do Estado.
Haverá para esse fim escolas primárias em todas as cidades, villas,
freguezias e povoados do Estado; entendendo-se por povoado qualquer
grupo de habitantes que não residam em terras de propriedade particular e
onde se apure pelo menos vinte meninos nas condições de freqüentar a
escola
(MATO GROSSO, 1910).
Por sua vez, o artigo 4º, declarava que fossem ministradas nas escolas as
seguintes disciplinas:
Escola do grau: leitura, escrita, cálculo aritmético sôbre números
inteiros e frações, língua materna, geografia do Brasil, deveres cívicos e
morais e trabalhos manuais apropriados à idade e ao sexo dos alunos.
Escola do 2º grau: as mesmas do e mais: gramática elementar da
língua portuguêsa, leitura de prosa e verso, escrita sob ditado, caligrafia,
aritmética, até regra de três, inclusive sistema legal de pesos e medidas
morfologia geométrica, desenho a mão livre, moral prática e educação
cívica, geografia geral e história do Brasil, cosmografia, noções de ciências
físicas, químicas e naturais e leitura de música e canto (apud LEITE, 1970,
p.118).
24
E importante destacar que o art. 27 afirmava a proibição de todo castigo
corporal
7
, ou “qualquer outro que possa abater o brio da criança”, excetuando as
seguintes penalidades disciplinares: repreensão em particular; repreensão perante a
escola; privação dos bilhetes de satisfação; retenção com trabalho de estudo;
suspensão por 30 dias; exclusão por um ano letivo; despedida definitiva.
Rubens de Mendonça (1977, p.26), reportando-se a Theobaldo Miranda
Santos diz que: “os castigos usuais em Mato Grosso, a palmatória [...]’embotam a
sensibilidade, destroem o sentimento da dignidade pessoal’, foi substituído por uma
escola moderna, racional e humana”.
O Regulamento de 1910 ainda dizia que, o ensino tinha que ser prático e
intuitivo, o professor deveria partir, nas suas lições, do conhecido para o
desconhecido e do concreto para o abstrato, evitando o estudo de regras e
definições e “dando origem para o esfôrço criador do aluno, a fim de que êste se
interesse pelas lições”.
Essa nova metodologia de ensino foi trazida de São Paulo para Mato Grosso
pelo professor Leowegildo Martins de Melo. Segundo Rubens de Mendonça (1977)
esse professor
[...] usando moderno método pedagógico procurou incutir no espírito da
criança um sistema de ensino diferente do que era adotado, procurou fazer
do aluno participar da vida escolar. Aboliu de vez o castigo antiquado, fazia
a criança brincar livremente, cantando músicas folclóricas (MENDONÇA,
1977, p.26).
Diante dessa nova maneira de se tratar o ensino, as crianças substituíram o
medo que sentiam dos professores pela estima e consideração. Começaram então
os alunos “a brincar de rodas, cantando canções infantis” (MENDONÇA, 1977, p.27),
das quais destaco a brincadeira de roda abaixo:
A mão direita tem uma roseira
A mão direita tem uma roseira
Que dá flor na primavera
Que dá flor na primavera.
Entrai na roda, é linda roseira,
Entrai na roda, é linda roseira,
E abraçai a mais faceira,
E abraçai a mais faceira,
7
A importância do destaque é pelo fato de que, como veremos no capítulo 3 deste trabalho, na
década de 1980 os castigos corporais ainda eram utilizados em Várzea Grande-MT.
25
A mais faceira eu não abraço
A mais faceira eu não abraço
Abraço a boa companheira
Abraço a boa companheira. (apud MENDONÇA, 1977, p.27),
Referindo-me ainda, ao Regulamento da Instrução Pública de 1910, recorro a
Leite (1970), pois este ressalta que:
[...] governantes e governados reclamavam. Todos achavam o ensino
antiquado, os mestres ineficientes, os programas impróprios. O regulamento
pretendeu, por isso, sanar todos os defeitos, dentro dos processos
pedagógicos, preferidos nos países mais adiantados da Europa e nos
Estados Unidos da América do Norte (LEITE, 1970, p. 117).
Como vimos o Regulamento de 1910 trouxe várias mudanças ao ensino mato-
grossense, mas o aspecto inovador deste Regulamento consistiu na criação do
grupo escolar, pela reunião de seis escolas de um distrito, funcionando em um
prédio (art. 38). Essas escolas deveriam estar localizadas no perímetro fixado para
obrigatoriedade de ensino, ter oito classes, sendo quatro para meninos e quatro para
meninas, sendo que cada classe deveria ter entre 16 e 45 alunos. As aulas
funcionariam num único turno, com duração de cinco horas diárias.
Especificamente em Várzea Grande, veremos posteriormente, que a criação
do grupo escolar se deu em 1947.
Essa nova forma de organização diferencia-se da anterior na medida em que:
Na estrutura anterior as escolas primárias, então chamadas de primeiras
letras, eram classes isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma
escola era uma classe regida por um professor, que ministrava o ensino
elementar a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentes de
aprendizagem essas escolas isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou
melhor, foram substituídas pelos grupos escolares (SAVIANI, 2004, p. 24).
Como conseqüência dessa mudança houve uma reorganização administrativa
e pedagógica da escola primária, com aproveitamento do tempo e do espaço, na
medida em que reunia em um mesmo prédio as antigas escolas isoladas e em que a
seriação substituía às classes de alunos em diferentes estágios de aprendizagem,
passando a corresponder ao ano civil, sob a regência de um mesmo professor e a
coordenação de um único diretor.
Na década de 1920 a preocupação com a educação e, de modo específico,
com a superação do analfabetismo, como solução para os problemas da sociedade
acentua-se fortemente. O presidente do estado nesta época Pedro Celestino Corrêa
26
da Costa, em mensagem apresentada à Assembléia legislativa em 21 de maio de
1923 evidencia essa preocupação:
Nenhum progresso á possível sob o ponto de vista material, moral e social
sem a diffusão do ensino útil pela massa popular.
A instrução que deve ser ministrada pelas escolas abrange noções de
conhecimentos necessários á formação de cidadãos aptos á vida prática e a
colaboração para o progresso da sociedade em que vivem.
Sem esse preparo não poderá haver organização política efficiente á
vitalidade e a segurança do paiz, e enquanto esse problema não fôr
convenientemente resolvido nos Estados, permanecera apparente a
prosperidade do Brasil, limitado como se acha ás grandes cidades, no
passo que nas populações rurais a ignorância e o annalphabetismo
conservam a grande maioria dos nossos patrícios no desconforto e na
miséria orgânica (MATO GROSSO, Mensagem, 1923).
Ressalto, que nessa época sobressaiu-se na Educação várzea-grandense o
nome da professora Adalgisa Gomes de Barros. Voltada à educação e cultura, essa
professora ministrou aulas para 20 moças, que residiam na casa da professora,
uma vez que era distante o percurso entre onde moravam e a escola.
Além de ministrar suas aulas a professora Adalgisa, ensaiava suas alunas
para peças de teatro, declamões de poesias, canto, sica, bordado e costura.
Nessa época, é possível perceber o esforço de unificar o funcionamento das
escolas independentemente do local onde estas se localizavam, na tentativa de
generalizar o modelo das escolas urbanas, a despeito dos inúmeros alertas quanto à
impossibilidade do mesmo ser adotado na íntegra na zona rural devido às suas
especificidades. As indicações referentes ao calendário escolar, ao número de
alunos por turma e de horas por aula, à duração do ensino primário e ao que deveria
ser ensinado eram as mesmas para os diversos tipos de escolas
8
aa década de
1910, quando surgiram iniciativas legais de diferenciação entre as escolas não
pelo seu tipo, mas, também de acordo com a sua localização: urbana ou rural.
As discussões que se travaram entre os que defendiam essa diferença e os
que eram contra ela denotavam representações diferentes sobre a organização e as
finalidades do ensino primário. Entendo, aqui, representações como modos de
pensar a realidade e de construí-la, que “produzem estratégias e práticas (sociais,
escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outras, por elas
8
Além dos grupos escolares, havia as escolas isoladas (de um professor), as escolas reunidas
(com número insuficiente de alunos para se tornar grupo escolar).
27
menosprezadas, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios
indivíduos, as suas escolhas e condutas” (CHARTIER, 2002, p. 17).
Assim, a análise da discussão produzida entre pessoas que ocupavam
posições distintas no campo educacional acerca da necessidade de diferenciar as
normas relativas ao funcionamento das escolas de acordo com a sua localização
permite compreender, portanto, a relação entre os discursos e as práticas, as formas
pelas quais inspetores, diretores e professores interpretaram as finalidades da
escola e determinadas concepções pedagógicas. Supõe-se, então que “as lutas de
representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender
os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do
mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (CHARTIER, 2002, p.
17).
Foi nesse contexto, que em 22 de abril de 1927, um novo Regulamento da
Instrução Pública foi emitido no governo do presidente Mário Corrêa da Costa (1926-
1930), por meio do Decreto 757, autorizado pela Lei 942, de 03 de fevereiro de
1926 reorganizou o ensino primário e classificou as escolas da seguinte forma:
ESCOLAS ISOLADAS RURAIS
As localizadas a mais de 3 km da sede do município
ESCOLAS ISOLADAS URBANAS
As localizadas até 3 km da sede do município
ESCOLAS ISOLADAS NOTURNAS, Idêntica às escolas urbanas e
destinadas aos meninos maiores de 12 anos que não podem freqüentar
cursos diurnos
ESCOLAS REUNIDAS, funcionando num raio de 2 Km, 3 ou mais escolas
isoladas, com uma freqüência total de 80 alunos, reunidas num só
estabelecimento com o máximo de 7 classes e o mínimo de 3.
GRUPOS ESCOLARES que deverão, por sua vez, ter 8 classes e serão
criados onde houver, no mínimo, num raio de
2 km, 250 crianças em idade
escolar (apud LEITE, 1970,p. 143).
Segundo Marcílio (1963),
[...] foi êste um dos regulamentos de maior vigência no período republicano,
[...] exigindo que os grupos escolares fossem criados com pelo menos 250
crianças em idade escolar, num raio de dois quilômetros, e com, pelo
menos, oito classes. Com referência ao magistério, estabelecia o
regulamento dois tipos de professores efetivos, e substitutos, sendo
somente admitidos para aquêles cargos, os professôres normalistas
formados em escolas normais do Estado. Para os professôres interinos
eram exigidos as seguintes condições mínimas, isto é, que tivessem o curso
do Liceu, ou parte dêle, parte do curso normal ou o curso
complementar.(MARCÍLIO, 1963, p.150-151),
28
Nesse cenário de mudanças e de modernização que em 14 de abril de 1931,
o interventor Antonino Mena Gonçalves, criou as “Escolas Reunidas de Várzea
Grande” dirigida pela professora Adalgisa de Barros. Entretanto, Várzea Grande ainda não tinha
professoras normalistas e como a escola Normal de Cuiabá estava formando mestras em
números superior ao necessário, o governo resolveu nomear para lecionar em rzea
Grande as professoras: Maria da Gria Freire, Maria Orgina Freire, Maria E. Freire,
Angela Jardim Botelho, Amélia Vieira de Figueiredo, Antonia de Arruda e Sá, Erzila Curvo,
Eunice Modesto Curvo, Amália Marques de Arruda, Helena Marques, Jacy Serra e outras, todas
de Cuiabá, que se sujeitaram à balsa e ao desconforto dos ônibus da época.
Essas novas mestras atravessavam na balsa e, na entrada da atual rua Maria Metelo,
eram conduzidas às 7 horas da manhã pelo ônibus, de 4 bancos grandes, do Berilo ou do José
Betirdes que levava essas professoras para lecionar na sede da escola localizada onde
hoje é a esquina entre Avenida Couto Magalhães e a Rua Miguel Baracat, em um
prédio no qual por muito tempo fora resistência da professora Adalgisa de Barros.
A estrada era de terra, esburacada e às vezes a condução se acidentava, quando os
passageiros ganhavam as sombras dos arvoredos enquanto o motorista consertava o veículo.
Quando o defeito era demorado, chamavam o João de Queribuna, dono de um pequeno ônibus
chamado "Balão", que acudia os passageiros. Às 11 horas, as professoras regressavam, na
mesma condução, ganhavam a balsa e voltavam a seus lares em Cuiabá. Durante muito
tempo essas abnegadas mestras cumpriram seus deveres, educando crianças em Várzea
Grande.
As Escolas Reunidas , na gestão do Interventor Dr. Artur Maciel, foram rebaixadas a
categoria de isoladas , e teve como titular o professor Franklim Cassiano da Silva.
De imediato veio a reão do povo da Vila. A Professora Adalgisa, em um momen-
to que o professor Cassiano quis eliminar com o ano primário de Várzea Grande, num
ato de coragem e liderança, reuniu seus alunos e atravessou a ponte, rumando até o
Palácio do Governo, no Jardim Alencastro, para entender-se com o mencionado
interventor.
Instruiu antes as crianças que, se o interventor se recusasse a recebê-los, estes
deveriam avançar em marcha até o gabinete do governante. Como o político alegou es-
tar em reunião, subitamente se viu cercado por aproximadamente quarenta meninos e
29
meninas, os quais lhe pediram para o acabar com o ano primário de rzea
Grande. Sem dúvida, venceram os garotos, liderados pela inteligente e sábia mestra.
As “Escolas Reunidas de Várzea Grande”, permaneceu com esse nome
durante todo o período da Ditadura Getulista, até que em 1947, na gestão de Ary
Pires , foi elevada à categoria de Grupo Escolar Pedro Gardés
9
, por meio do Decreto
nº 04 de 22/05/1947.
Para Vidal (2006, p.9): “Os Grupos Escolares fundaram uma representação
de ensino primário que não apenas regulou o comportamento, reencenado
cotidianamente, de professores e alunos no interior das instituições escolares, como
disseminou valores e normas sociais (educacionais)”.
Para Monteiro (1987), especificamente no caso de Várzea Grande-MT, a
criação dos grupos escolares exigiu uma administração mais complexa. Foi um
momento de grande aumento no número de funcionários de escola, com acesso ao
emprego público, principalmente através do clientelismo político, no qual em troca de
votos, políticos indicavam cargos, e as escolas foram recebendo serventes, vigias,
merendeiras, auxiliares de secretaria e professores, não exigindo muita escolaridade
e muito menos habilitação profissional.
Segundo Leite (1970), fazia-se necessário “recrutar professôres fora dos
grupos políticos dominantes ou dentro les, desde que os candidatos
demonstrassem conhecimentos e vocação (LEITE,1970,p.115)” e, citando Caetano
de Albuquerque
10
diz que
[...]o que lhe faz grandíssimo dano (à instrução) é o contágio da politicagem,
fazendo do professor público o servidor de um partido, o galopim eleitoral
que escreve a ata e é o agente da cabala eleitoral (ALBUQUERQUE apud
LEITE, 1970, p.115).
E acrescenta que “a falta de preparo possibilita o patronato para nomeações
daqueles que nem têm vocação para uma profissão tão eminente (LEITE, 1970,
p.115).”
9
Segundo Leite (1970.p.116-119) O Grupo Escolar era a reunião de seis escolas de um distrito,
funcionando num só prédio (art.38). Em Mato Grosso os Grupos Escolares foram criados por meio do
Regulamento da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, Lei nº 533 de 4 de junho de 1910.
10
Segundo Gervásio Leite (1970), o governador do Estado de Mato Grosso Caetano de Albuquerque
considerava que o ensino não era uma função essencial do Estado, mas que este apenas deveria
intervir com Leis e que deveria desaparecer a má influência política dos governantes sobre os atos de
nomeação da instrução pública.
30
Dando um salto no tempo, chegamos à década de 1980. As mudanças
ocorridas na educação, no final dessa década, a partir da Constituição Federal de
1988, que teve como perspectiva atender as reais necessidades da educação
brasileira e com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), Lei n° 9394/96 que estabeleceu o marco legal da nova realidade da
educação no país, incentivaram discussões na qual a sociedade civil e sociedade
política envolveram-se com o objetivo de garantir institucionalmente um espaço para
que o desenvolvimento da educação pudesse se dar plenamente.
É preciso ressaltar, que, aos poucos, a escola pública várzea-grandense, em
atendimento a essas mudanças e determinações legais nacionais e, mais ainda
daquelas advindas da Lei 2363/2001, que cria o sistema municipal de Ensino de
Várzea Grande, vem adquirindo maior credibilidade junto à sociedade,
principalmente a partir de medidas como, por exemplo: a construção do Plano
Municipal de Educação, que teve o envolvimento crescente dos profissionais da
educação e maior participação da família no processo escolar, através da gestão
participativa e democrática.
Ao longo dos últimos anos o município de Várzea Grande, na busca de uma
educação pública de qualidade e democrática, empreendeu uma verdadeira batalha
alicerçada nos quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e aprender a ser (Delors. 2000).
Atualmente, com 140 anos, rzea Grande desenvolve projetos e programas,
em parceria com instituições educacionais estaduais e federais que vêm
contribuindo para a educação no município. Além disso, possui muitas Escolas como
se pode verificar no quadro abaixo:
Quadro 1 – Modalidades de Ensino e Categoria Administrativa - Várzea Grande-MT
ESTADUAL MUNICIPAL PRIVADA TOTAL
Educação INFANTIL 02 32 47 81
Ensino Fundamental 41 59 28 128
Ensino Médio 26 - 06 32
Ensino Superior - - 03 03
Fonte:IBGE 2006
31
Entretanto, alguns dados estatísticos educacionais, do período que
compreende 1996 a 2005 mostram que uma quantia considerável de crianças
matriculadas nas escolas Municipais de Várzea Grande, antes da implantação do
CBAC, eram reprovadas na passagem da para a 2ª série, como indica a tabela
abaixo
11
.
Quadro 2 – Taxa de reprovação da 1ª série do Ensino Fundamental.
1996 1997 1998 1999
2000 2001 2002 2003 2004 2005
18,8% 19,4% 19,1% 18,3% 17,8% 16,6% 16,4% 15,1% 0,0% 0,4%
Fonte: Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Setor de Legislação e Normas.
O fato é que muito tempo os índices de fracasso escolar na alfabetização
são inaceitáveis e as medidas tomadas no âmbito dos sistemas blicos, tomando
como referência o quadro acima, parece ter pouco contribuído para transformar
esses resultados de forma significativa. A tabela acima parece indicar que é
completamente falsa a crença de que antigamente todos aprendiam na escola.
Desde 1996
12
, com estatísticas mais precisas a respeito dos índices de promoção e
retenção na escola pública várzea-grandense, constata-se que os alunos
reprovados, ou retidos, como se preferiu chamar anos depois, representavam
parcela significativa e isso sem contar com o grande número de crianças que nem
frequentava a escola.
As tentativas de explicação para esses números falavam de problemas de
aprendizagem que se justificariam ora em função de carência nutricional, ora de falta
de estímulo intelectual, de carência cultural, de problemas psiconeurológicos ou
mesmo de uma hipotética deficiência lingüística, todas dos alunos. Quanto à escola,
ao ensino, são raras as vezes que se enxergavam deficiências. A única coisa que se
tinha clara é que o do problema era a alfabetização: o fracasso localizava-se na
aprendizagem da leitura e da escrita.
Foi a partir desse contexto histórico, que procurei indícios de como ocorreu o
ensino de alfabetização em Várzea Grande, procurando de certo modo,
compreender as concepções e práticas pedagógicas da alfabetização de
11
Taxa de reprovação de 0,4% a 19,4% ao final da 1ª série do ensino fundamental (SMEC).
12
Os dados estatísticos encontrados, referentes a série do Ensino Fundamental, do período entre
1985-1995, não foram contemplados neste estudo por não serem oficiais.
32
professoras que se aposentaram no período que compreende 1985 a 2005 e, assim,
contribuir para a construção de uma história da alfabetização em Várzea Grande e
Mato Grosso.
2.PRESSUPOSTOS TEÓRICOS METODOLOGICOS
2.1 - História Cultural: a entrada em cena de um novo olhar
O presente texto, como produção resultante da ação do Projeto Concepções e
Práticas Pedagógicas de Professoras Alfabetizadoras Aposentadas (1985-2005),
tem como marco teórico a História Cultural.
Segundo Barros (2004, p.55) a História Cultural “é particularmente rica no sentido
de abrigar no seu seio diferentes possibilidades de tratamento, por vezes
antagônicas”. Teve ínicio do século XX, entretanto foi somente no final do culo
que se tornou mais evidente e precisa .
Segundo Roger Chartier (2002,p.16-17), “a História Cultural, tem por principal
objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler”
Entendida desta maneira podemos dizer que, a História Cultural possibilita vários
estudos, taís como: a cultura popular, a cultura letrada, as representações, as
práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, os sistemas educativos,
a mediação cultural através de intelectuais, ou outros campos temáticos
atravessados pela polissêmica noção de cultura.
Daí a importância das contribuições de Roger Chartier (2002) torna-se
imprescíndivel para este trabalho, pois para ele a História Cultural está na
elaboração das noções complementares de práticas e representações. De acordo
com este horizonte teórico, a cultura ou as diversas formações culturais, poderiam
ser examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois pólos.
Tanto os objetos culturais seriam produzidos entre práticas e
representações, como os sujeitos produtores e receptores de cultura
circulariam entre estes dois pólos, que de certo modo corresponderiam aos
‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’ (BARROS,2004,p.76).
33
Para entendermos melhor estes conceitos, Barros (2004) nos oferece um
exemplo bastante simples:
Um livro é um objeto cultural...Para sua produção, são movimentadas
determinadas práticas culturais e também representações...As práticas
culturais que aparecem na construção do livro são tanto de ordem autoral
(modos de escrever, de pensar ou expor o que está escrito), como editoriais
(reunir o que foi escrito para constituí-lo em livro), ou ainda artesanais (a
construção do livro na sua materialidade, dependendo se estarmos na era
dos manuscritos ou da impressão). Da mesma forma, quando um autor se
põe a escrever um livro, ele se conforma a determinadas representações do
que deve ser um livro, a certas representações concernentes ao gênero
literário no qual se inscreverá a sua obra, a representação concernentes aos
temas por ela desenvolvidos.Este autor também poderá se tornar criador de
novas representações, que encontrarão no devido tempo uma ressonância
maior ou menor no circuito leitor ou na sociedade mais ampla (BARROS,
2004, p. 80-81).
Portanto, neste trabalho, a História Cultural é entendida no sentido de uma
história da cultura que não se limita a analisar apenas a produção cultural literária e
artística oficialmente reconhecida, mas sim a toda historiografia que se tem voltado
para o estudo da dimensão cultural de uma determinda sociedade historicamente
localizada, ou seja, em uma investigação histórica busca-se fazer a leitura das
sociedades, esforçando-se para entender como se constituíram, a partir de um fato
ou acontecimento importante, de uma trajetória de vida ou da história de um grupo
específico. Portanto a tarefa do pesquisador é “reconstruir as variações que
diferenciam os “espaços legíveis...” (CHARTIER, 2002, p.12). E a “ História deve ser
entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido
(CHARTIER, 2002, p. 27).
Partindo dessa compreensão, considerei então, válido e útil um estudo do
processo histórico da alfabetização em Várzea Grande, apoiado numa metodologia
qualitativa de cunho histórico, para compreender as concepções e práticas
pedagógicas da alfabetização de professoras que se aposentaram entre o período
de 1985 a 2005.
A opção pela abordagem qualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1994,
p.11) é “[...] uma metodologia que enfatiza a descrição, a indução, a teoria
fundamentada e o estudo das percepções pessoais”, se deu tendo em vista a
natureza da pesquisa, que trabalha envolvendo a subjetividade dos sujeitos, pois
cada percurso profissional é único e permeado de significados, crenças, valores,
motivações e atitudes. Portanto não pode ser quantificado.
34
Considerando o meu objetivo geral, busquei compreender as concepções e
as práticas pedagógicas a respeito do processo de alfabetização no período de 1985
a 2005, presentes nos documentos oficiais e nos discursos de professoras
alfabetizadoras aposentadas, de escolas públicas do município de Várzea Grande.
Procurei, de acordo com os objetivos específicos, conhecer a trajetória
dessas educadoras como alunas e como professoras alfabetizadoras analisando
não o processo de sua formação inicial, mas também como elas constituíram
professoras ao longo de suas trajetórias pessoais e profissionais.
Assim, a discussão sobre a alfabetização em Várzea Grande-MT, tendo como
objeto de análise documentos e narrativas de alfabetizadoras, aposentadas,
revela neste trabalho o empenho em reconstruir o cenário desta etapa de ensino nos
anos de 1985 a 2005, atendo-se para a identificação dos sujeitos, materiais e modos
que garantiam o desenvolvimento das práticas de alfabetização, buscando
compreender que concepções professoras alfabetizadoras aposentadas, de escolas
públicas do município de Várzea Grande possuem sobre o processo de
alfabetização e como eram suas práticas pedagógicas nas últimas décadas. Para tal,
optei pela pesquisa histórica do tempo presente fundamentada na perspectiva da
história oral.
2.2. Pesquisa Histórica: uma aventura para os pesquisadores do tempo
presente
Optei pela pesquisa histórica do tempo presente, porque esta conduz a
investigação a partir do estudo dos acontecimentos, dos processos e das instituições
do passado, procurando explicar sua influência na vida social contemporânea.
Isto significa dizer que o objetivo da pesquisa histórica é
[...] reconstruir o passado e descrever o presente sistemática e
objetivamente, através da coleta, avaliação, verificação e síntese de
evidências para estabelecer fatos e atingir conclusões defensavéis, com o
objetivo primordial de compreender melhor o presente ( PRETI,1995,P.09).
35
É válido ressaltar que durante muito tempo foi aceita a argumentação de que o
objeto da pesquisa histórica concentrava-se exclusivamente no passado. O
presente, a contemporaneidade, não faria parte da história.
Entretanto, especialmente a partir das pesquisas construídas sob a ótica da nova
história, mostram que: (a) “oposição presente/passado não é um dado natural, mas,
sim, uma construção”; (b) “a visão de um mesmo passado muda segundo as épocas
e que o historiador está submetido ao tempo em que vive”; (c) “o interesse do
passado está em esclarecer o presente; o passado é atingido a partir do presente”
(método regressivo de Bloch) e (d) “a história não deve permitir compreender o
‘presente pelo passado’- atitude tradicional mas também compreender ‘o passado
pelo presente’” (LE GOFF, 1992, pp.13-24).
Isso não quer dizer que podemos nos libertar inteiramente das idéias e fatos
ocorridos no passado, e sim fazermos uma nova interpretação deste, de maneira
que venha a servir aos nossos interesses pois, o fundamental em uma pesquisa
histórica do tempo presente não é
[...] descobrir o que realmente se passou [...] e sim tentar compreender
como se produzem e se explicam as diferentes versões que os diversos
agentes socias envolvidos apresentam para cada caso (CHALHOUB apud
BARROS, 2004, p.173).
Para Nóvoa (1992) a história parte do presente, que o passado não é o
objeto, mas que buscamos no passado vestígios deixados que nos ajudam a
responder as questões sugeridas pelo mundo em que vivemos.
Roger Chartier (1996), ao discutir a visão do historiador modernista afirma
que o pesquisador
[...] do tempo presente é contemporâneo de seu objeto e, portanto partilha
com aqueles cuja história ele narra as mesmas categorias essenciais, as
mesmas referências fundamentais. Ele é, pois o único que pode superar a
descontinuidade fundamental que costuma existir entre o aparato
intelectual, afetivo e psíquico do historiador e o dos homens e mulheres cuja
história ele escreve. [...] Para o historiador do tempo presente, parece
infinitamente menor a distância entre a compreensão que ele tem de si
mesmo e a dos atores históricos, modestos ou ilustres, cujas maneiras de
sentir e de pensar ele reconstrói (CHARTIER, 1996, p.216).
Diante disso, pode-se dizer que a pesquisa histórica do tempo presente, segundo
Chartier (1996, p.215), “não é a busca desesperada de almas mortas, mas um
encontro com seres de carne e osso que são contemporâneos daquele que lhes
narra as vidas”.
36
Vale ressaltar que a demasiada importância atribuída à história do tempo
presente trouxe conseqüências, conforme afirma Chartier (1996, p.216)
essa história inventou um grande tema, agora compartilhado por todos os
historiadores, seja qual o for o período de sua predileção: o estudo da
presença incorporada do passado no presente das sociedades e, logo, na
configuração social das classes, dos grupos e das comunidades que as
constituem”.
Assim a investigação histórica num primeiro momento pode perturbar, pois o
seu objeto de estudo
[...] aparece no emaranhado de suas mediações e contradições,
recuperando seu movimento de constituição, do qual fazem parte o
pesquisador e sua experiência social, que se depara com o desconhecido e
o inesperado ( VIEIRA, PEIXOTO E KHOURY, 1998, p.10-9).
Depois, será objeto de reflexão e de transformação, no sentido de propor uso
metodologias de análise, de propor leituras em profundidade e nas entrelinhas.
Dessa forma, fazer história como conhecimento e como vivência é recuperar
a ação dos diferentes grupos que nela atuam, procurando entender por que
o processo tomou um dado rumo e não outro; significa resgatar as injunções
que permitiram a concretização de uma posssibilidade e não de outras
(VIEIRA, PEIXOTO E KHOURY, 1998, p.11).
Portanto, torna-se importante que o pesquisador perceba a multiciplicidade da
História, mesmo que haja a possibilidade de examiná-la em perspectivas
específicas.
Esta multiciplicidade da História, afirma Barros (2004), são organizados em
critérios que se distribuem em dimensões, abordagens e domínios que se
relacionam respectivamente a enfoques, métodos e tema.
É imprescindível clarificar, neste passo, estas noções de critérios que o de
grande importância para o pesquisador.
Uma dimensão implica em um tipo de enfoque ou em um ‘modo de ver’ (ou
em algo que se pretende ver em primeiro plano na observação de uma
sociedade historicamente localizada); uma abordagem implica em um ‘modo
de fazer a história’ a partir dos materiais com os quais deve trabalhar o
historiador ( determinadas fontes, determinados métodos, e determinados
campos de observação); um domínio corresponde a uma escolha mais
específica, orientada em relação a determinados sujeitos ou objetos para os
quais será dirigida a atenção do historiador (BARROS, 2004, p.20)
Este último se refere aos campos temáticos como o que se pretende nesta
pesquisa, uma História das concepções e práticas pedagógicas da alfabetização de
professoras Várzea Grande.
37
Verificar, as concepções e práticas pedagógicas da alfabetização de
professoras aposentadas, numa perspectiva histórica do tempo presente facilita a
análise e a compreensão de como era o desenvolvimento dessas práticas, assim
como às sucessivas alterações que ocorreram. Torna-se pois, necessário pesquisar
suas raízes para compreender sua natureza e função nos dias atuais.
É importante ressaltar que no Brasil a investigação sobre a alfabetização
numa abordagem histórica do tempo presente é recente e tateia-se em registros
esparsos, portanto trilhar por esse caminho foi um verdadeiro desafio. No entanto,
não como negar a importância das ações dos homens no tempo para melhor
compreender o presente.
O passado é uma espécie de tela sobre a qual cada geração projeta sua
visão do futuro e por tanto tempo quanto a esperança viva no coração dos
homens, as histórias novas suceder-se-ão (BECKER apud ELIAS, 2000,
p.4)
Nesse sentido, para essa autora (2000), o trabalho de pesquisa incumbe-se
de recuperar risos e lágrimas, fracassos e vitórias, caminhos e descaminhos, fruto
de como uma geração concebia a sua própria existência. Ou seja, o pesquisador vai
recuperar a trajetória dos homens perscrutando as várias dimensões sociais. Para
tanto deve recorrer às diversas manifestações do ser humano que se revelam em
diversas formas como: valores, imagens, sentimentos, arte, tradição. Tais
manifestações, através de vestígios e registros, aparecem clarificados sob formas de
escritos, objetos, palavras, música, literatura, pintura, arquitetura, fotografia.
Para isso, faz-se necessário recorrer a duas espécies de dados: fontes
primárias e fontes secundárias. A diferença fundamental entre estas fontes consiste
em que
[...] as fontes primárias são constituídas de textos originais, com
informações de primeira mão; as fontes secundárias constituem-se da
literatura a respeito de fontes primárias, isto é, de obras que interpretam e
analizam as fontes primárias” (ANDRADE,1999,p.41).
A seleção dessas fontes escritas, é um dos passos de suma importância para
a pesquisa histórica. Certamente estes dados selecionados por sujeitos
históricos,em situações diversas da história, ou seja, por quem produziu esse
material, por quem os conservou, por quem organizou o acervo, ou pela própria ação
do tempo, mesmo assim estes dados continuam repletos de sentidos e significados.
38
Desta forma, podemos refletir que a pesquisa hisrica é uma dicil e fascinante
tarefa de registrar o passado, que seleciona períodos e acontecimentos, não
aleatórios, mas com o objetivo de deixar registrado, para análises futura, a visão de mundo
dos indivíduos que geralmente são excldos da história oficial.
Nesta investigão, vale ressaltar que a pesquisadora concebe a História não
como transmissão de verdades prontas e acabadas, mas como um conhecimento que
vai sendo historicamente produzido e a sua reconstrução é um texto de cultura
porque na compreensão do real está a reflexão do pesquisador, tanto quanto o próprio
objeto. Desta forma:
O documento não fala por si mesmo mas necessita de perguntas
adequadas. A intencionalidade já passa a ser alvo de preocupação por parte do
historiador, num duplo sentido: a intenção do agente histórico presente no
documento e a intenção do pesquisador ao se acercar desse documento
(VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY. 1998, p. 15).
Assim, quando as fontes revelam dados ao pesquisador, este deve se
respaldar não no que está sendo representado, mas na reflexão que permita
questionar por que está sendo representado daquela forma . Para esta reconstrução
do passado é preciso considerar o documento enquanto todo e qualquer vestígio
deixado pelos homens. Le Goff evidencia o documento como
[...] uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser
manipulado, ainda que pelo silêncio (LE GOFF, 1994. p. 547).
Diante do que foi exposto até aqui , ressalto que, o referencial metodológico
utilizado nesta investigação foi aos poucos se constituindo durante o percurso de
realização da pesquisa.
2.3.Fontes Orais: uma aventura da história do tempo presente
Atualmente a história oral vem se apresentando como um grande suporte
investigativo para compreendermos como o ofício de ensinar se configurou na vida
pessoal do professor e que percepção profissional tem de si mesmo a partir dos
depoimentos de sua vida.
39
Tendo em vista essas considerações, optei pelo uso das fontes orais no
desenvolvimento do estudo, pois, conforme Meihy (1996) a historia oral é um recurso
moderno, pois seu conceito nasceu, oficialmente, no ano de 1947, em Nova York,
após a Segunda Guerra Mundial.
Sendo um recurso moderno, a história oral permite a utilização de documentos
escritos de uma forma metodologicamente coerente, pois
Ainda que muitas vezes [...] os documentos inexistem ou são raros a história
oral acontece. [...] é importante ressaltar que se pode assumi-la
isoladamente e partir da análise das narrativas para a observação de
aspectos o revelados pela objetividade dos documentos escritos (MEIHY,
2005, p.28, 29,28).
Portanto é relevante que haja um entrelaçamento entre história oral e
documento escrito, pois está relação de complementaridade entre eles tendem a
revelar mais fatos ao pesquisador.
Meihy destaca ainda que
Um dos pontos mais prezados na consideração da história oral está
exatamente no fato de ela abrigar possibilidades de enganos, mentiras,
distorções e variações dos fatos registrados e conferidos por outros
documentos (MEIHY, 2005, p. 126).
Dessa forma a história oral não é como quer alguns críticos, apenas um meio
de produzir fitas gravadas, sem qualquer critério, criando depósitos orais e sim um
meio utilizado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes
à vida social.
Na opinião de Thompson (1992), a gravação das entrevistas, é uma etapa
primordial para uma pesquisa que utiliza a história oral, pois ela traz o registro do
que realmente foi dito, principalmente as marcas de humor, incerteza e dialetos. Ao
contrário do registro escrito. São suas as palavras: “a fita é um registro muito melhor
e mais completo do que jamais se encontrará nas anotações rascunhadas ou no
formulário preenchido pelo mais honesto entrevistador, e menos ainda nas atas de
reunião” (THOMPSON, 1992: 146-147),
Para Meihy (1996), a história oral é sempre uma história do presente, por
esse motivo é também conhecida como “história viva”. Vista como uma história dos
contemporâneos, a história oral tem de responder a um sentido de uso prático e
imediato, uma vez que possibilita respostas aos questionamentos, ao mesmo tempo
em que suscitam outros.
40
Nesse sentido, as leituras de Meihy (1996,2005), Thompson (1992) entre
outros foram esclarecedoras, pois trouxeram informações sobre a História Oral, que
avaliei como adequada para responder às demandas colocadas pela investigação.
Para Meihy
[...] a história oral implica uma percepção do passado como algo que tem
continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença
do passado no presente imediato das pessoas é razão de ser da história
oral. Nesta medida, a história oral [...] oferece uma mudança para o conceito
de história [...] (MEIHY, 1996, p.10).
Segundo Meihy, a História Oral é uma opção de mudança ao estudo
historiográfico tradicional, pois este estudo sempre privilegia quase sempre a
documentação escrita e consideram como personagens históricos apenas as
grandes figuras que deixaram marcas arquivadas em registros oficiais:
Atualmente, a história oral se constitui parte integrante do debate sobre a
função do conhecimento histórico e atua em uma linha que questiona a
tradição historiográfica centrada em documentos oficiais. Sem dúvida, a
história oral hoje é parte inerente dos debates sobre tendências da história
contemporânea (MEIHY, 1996, p.10).
É sabido que no âmbito da História de fins do século XIX a fonte preferida era
o documento escrito, sobretudo o oficial, no qual a objetividade do registro era
garantida pela fidelidade ao mesmo. Com a Escola dos Annales, passa-se a
incorporar a ele outras fontes de natureza diversa, tais como objetos, signos,
icnografia, a história oral, etc.
Atualmente a História Oral vem se destacando no meio acadêmico,
entretanto, segundo Meihy (1996) a ela ainda são feitas muitas cobranças, criticam a
“representatividade” dos testemunhos, ao “alcance histórico” das impressões e a
“relatividade” dos depoimentos, esquecendo-se de que “as mesmas fronteiras
imputadas a ela se ajustam aos documentos, escritos ou iconográficos, que também
guardam as mesmas limitações” (MEIHY, 1996, p.10).
Para o referido autor, os registros orais representam um avanço no conceito
de documento, pois nestes documentos podem ser incluindo histórias de pessoas ou
de um grupo e ainda interpretações próprias a respeito de acontecimentos que se
manifestam na sociedade atual, que foram silenciados.
41
Ampliando o quadro de informações sobre a História Oral, Thompson diz que
a História Oral
[...] é capaz de tornar possível um julgamento muito mais imparcial: as
testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes
subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso propicia uma
reconstrução mais realista e imparcial do passado, [sic] uma contestação ao
relato tido como verdadeiro. Ao fazê-lo, a história oral tem um compromisso
radical em favor da mensagem social da história como um todo (1992, p.
26).
Ao falar da fonte oral, o se pode negligenciar as dificuldades existentes,
particularmente quando se apresenta a tarefa de utilizá-las. Além das questões
metodológicas, que, a rigor, constituem-se num aprendizado contínuo (realizar a
entrevista, transcrever, digitar, analisar e interpretar), é preciso, ainda, atentar para o
uso que se faz do material, que estamos lidando com experiências de sujeitos, de
seres humanos; e isso exige sempre sensibilidade, respeito e ética.
Segundo Thompson (1992: 57-58), “a transcrição destina-se à mudança do
estágio da gravação oral para o escrito”, portanto, esse procedimento deve ser feito
com muita cautela, pois “o que deve vir a público é um texto trabalhado, onde a
interferência do autor seja clara, dirigida à melhoria do texto”. Sendo assim, o
referido autor afirma: “por lógico, não são as palavras que interessam e sim o que
elas contêm [...], erros de gramática, palavras repetidas devem ser corrigidos,
sempre indicando ao leitor, que precisa estar preparado”.
Entendo, portanto, a necessidade de algumas correções na entrevista, desde
que se mantenha o sentido intencional articulado pelo narrador concordando assim
com as palavras de Thompson quando este diz que: “[...]. ao passar a fala para a
forma impressa, o historiador precisa desenvolver uma nova espécie de habilidade
literária que permita que seu texto escrito se mantenha tão fiel quanto possível, tanto
ao caráter quanto ao significado do original.” (THOMPSON ,1992: 297)
Outro aspecto a ser considerado pela História Oral, tal como dizia Le Goff
(1994) a propósito da história do cotidiano, situa-se no cruzamento de alguns novos
interesses da História, lembrando-nos que no seio do cotidiano uma realidade
que se manifesta de uma forma completamente diferente do que acontece em outra
perspectiva da história: a memória.
Neste aspecto, a possibilidade oferecida pela História Oral, que nos a
vantagem de poder ser um método usado independentemente de documentos
42
escritos, propicia que se resgate o cotidiano das pessoas, considerando que a
memória de um indivíduo é um ponto de partida de uma parte do todo que é a
memória coletiva.
Nesse sentido, a memória, pode ser concebida não apenas como
preservação de informações, para as quais nos reportamos somente com o intuito
de conhecer o passado. Pelo contrário, a memória, deve ser entendida como um
processo constante de atribuição de significados, não para o passado, mas para o
presente, o que, em última instância, significa lidar, de forma indissociável, com a
relação passado/presente.
Segundo Rousso
A memória, no sentido sico do termo, é a presença do passado. [...] é
uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma
representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do
indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar,
social, nacional (1996, p. 94).
Rousso (1996), parafraseando Maurice Halbwachs (1950), afirma que toda
memória é, por definição, "coletiva"
Nesse contexto, Rousso (1996) considera ainda que
[...] a história tem sido quase sempre uma história das feridas abertas pela
memória, o sendo no fundo senão uma manifestação, entre outras, das
interrogações atuais e palpitantes sobre certos períodos que "não passam":
se admitirmos que a história dos historiadores é apenas uma das formas de
expressão da memória coletiva, apenas um dos vetores pelos quais se
transmite e se reconstrói o passado [...] (Rousso ,1996, p.95).
No entanto, Meihy (1996) nos alerta para o fato de que, apesar da história oral
e memória se valerem de depoimentos existem entre elas distinções relevantes.
[...] Na história oral busca-se ou o registro da experiência vivencial ou
informações. Com elas prepara-se um documento objetivo que, ou vale por
si e neste caso dispensa análise, ou é equiparado com outros discursos ou
documentos. A memória, por ser variável [...] seu objeto de análise [...] não
é a narrativa [...], mas a interpretação do que ficou (ou não) registrado na
cabeça das pessoas (MEIHY, 1996, p. 65, 66, 65).
Portanto, é fundamental assinalar que, mesmo sendo diferentes
[...] a história oral mantém um vínculo importante com a questão da
memória, e vice-versa. A transposição das narrativas da memória para a
história [...] se dá na capacidade de diálogo entre a memória, a mediação da
história oral e a história [...]. Assim, fica esclarecido que a memória é um
suporte para as narrativas de história oral, mas não é ela (MEIHY, 2005, p.
62).
43
É preciso então, atentar para a necessidade do pesquisador conhecer
algumas noções sobre a relação memória e história, pois isto auxilia na dinâmica
dos trabalhos, impedindo conclusões precipitadas ou interpretações equivocadas,
além de proporcionar o relacionamento entre história oral e memória. Assim, ainda
que, memória e história oral sejam distintas, o grande desafio desta pesquisa que,
elegeu como principal fonte à história oral foi promover “[...] uma mediação
significativa entre a memória e a história”
(MEIHY, 2005, p. 62).
Lembrando ainda que, “[...] a responsabilidade documental da história oral é
que dá sentido à memória como tema para a história” (
MEIHY, 2005
, p.62).
Diante do que foi exposto até aqui, pode-se dizer que trabalhar com história
oral configura-se em uma tarefa complexa, mais do que outro tipo de fonte, contudo
está pesquisa buscou sua sustentação registrando os depoimentos de professoras
que foram alfabetizadoras em Várzea Grande, deixando assim, um registro histórico
das concepções e das práticas pedagógicas na alfabetização deste município
contada por sujeitos culturais que geralmente são excluídos da história oficial.
Em se tratando desta pesquisa, os depoimentos se deram numa
composição de vozes - as vozes das protagonistas, dos teóricos e estudiosos e a
minha própria voz. Os fios dessa trama dialógica foram tecidos tendo como base
material a entrevista semi-estruturada.
Segundo Meihy (1996, p.55) “[...] ainda que muitas pessoas confundam o ato
da entrevista com a História Oral, ela deve ser vista como uma das etapas do projeto
de história oral”.
O desafio da História Oral relaciona-se, em parte, com aquela finalidade
essencial da História (...). A História Oral não é necessariamente um
instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada.
Não obstante, a História Oral pode certamente ser um meio de transformar
tanto o conteúdo quanto a finalidade da História (...). Uma vez que as
experiências de vida das pessoas de todo o tipo possam ser usadas como
matéria prima, a História ganha nova dimensão (...), além disso, a entrevista
propicia, também, um meio de descobrir documentos escritos e fotografias
que, de outro modo, não poderiam ser localizados (THOMPSON, 1992, pp.
30-35).
Ainda Segundo Meihy (1996) existem três modalidades de história oral: a
história oral de vida, a história oral temática e a tradição oral. Neste trabalho,
sobretudo a ênfase é dada na história oral de vida, uma vez que o tema Concepções
44
e Práticas Pedagógicas de Alfabetização de Professoras aposentadas se sobressai
diante dos demais, pois ao trabalhar com as concepções docentes, muito de suas
histórias de vida estarão presentes nos seus relatos.
Nesta perspectiva, a história oral tem como base o depoimento gravado, no
caso as gravações dos relatos das professoras colaboradoras. Concordo com Meihy
(1996), quando este afirma que todo relato é uma narrativa histórica. E é nesse
sentido que se trabalha a possibilidade de se construir uma história da alfabetização
de Várzea Grande por meio de narrativas das professoras.
Assim busquei, por meio da história oral de vida, investigar nesse estudo
como as alfabetizadoras aposentadas se apropriaram de seus conhecimentos ao
longo desses últimos vinte e cinco anos e que prática esses conhecimentos
geraram.
Interessou-me a experiência pessoal e educacional de sujeitos que aturam
em salas de Alfabetização desde 1985, período da chegada do construtivismo no
Brasil, até 2005.
Dessa forma, abordei as histórias de vida das alfabetizadoras aposentadas.
Mais do que um esclarecimento sobre profissão docente, as histórias de vida “[...]
devem ser consideradas como um instrumento de reconstrução da identidade [...] a
história de vida ordena acontecimentos que balizaram sua existência” (POLLAK,
1988, p. 13).
Na história oral de vida, abordagem escolhida para realizar este estudo, as
narrativas orais o o apenas fontes de informações para o esclarecimento de
problemas do passado, ou um recurso para preencher lacunas da documentação
escrita. Nessa tendência, as narrativas dão relevância às vivências e às
representações individuais. As experiências do sujeito entrevistado e sua trajetória
profissional são relembradas e registradas a partir do encontro da narradora e
pesquisadora. A história oral de vida constitui-se uma possibilidade de transmissão
da experiência via memória das entrevistadas.
A história oral de vida, segundo Bom Meihy é “[...] o retrato oficial do
depoente” (1996 p.45). O relato sobre sua própria vida, por isso, sua marca principal
é a subjetividade.
45
A opção por estudar a historia oral de vida de alfabetizadoras aposentadas do
Município de Várzea Grande Mato Grosso tem o intuito, assim como as
pesquisas realizadas por Santos (2001), “[...] de colocá-los no centro dos estudos e
pesquisas histórico-educacionais”.
Trata-se de valorizar as experiências de vida de uma pessoa, relatadas por
meio de narrativas, pois nesta modalidade de pesquisa as falas dão relevância às
vivências e às representações individuais. As narrativas dos sujeitos dessa pesquisa
revelam aspectos do universo de 12(doze) professoras alfabetizadoras aposentadas
de Várzea Grande.
A utilização da história oral de vida representou uma possibilidade e uma
oportunidade de abordar qualitativamente os problemas educacionais a partir das
narrativas dos alfabetizadores. Pois a evidência das narrativas orais pode auxiliar na
elucidação dos silêncios e das deficiências na documentação escrita nessa área.
As fontes orais representam uma possibilidade real de troca de experiências,
de diálogo, de registro, de preservação e crítica da prática docente. Nesse sentido,
constituem-se, assim, no procedimento metodológico desta pesquisa, em um espaço
e um tempo em que pesquisador e sujeito trocam saberes e aprendem nas tramas
da experiência.
Trata-se, portanto, de um estudo que visa a produzir um outro conhecimento,
não especificamente sobre como se alfabetiza, ou sobre o alfabetizador, mas sobre
as concepções e práticas pedagógicas de alfabetização de professoras aposentadas
de Várzea Grande.
Espero que esta pesquisa possa contribuir para o processo de formação
inicial e continuada dos alfabetizadores fornecendo subsídios teóricos e práticos aos
alfabetizadores, instrumentalizando-os para que realizem uma prática de
alfabetização adequada no atua contexto da escola l.
Nesse sentido, quero ressaltar que, a minha dificuldade enquanto
pesquisadora está foi mais na fragmentação do que na ausência da documentação,
o que resultou numa paciente busca de indícios, sinais e sintomas, uma leitura
detalhada para esmiuçar o implícito e o oculto e desta maneira, descortinar o
passado.
46
3.CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA: QUEM SÃO AS PROFESSORAS?
O universo da investigação, objeto de estudo desta pesquisa, foi a análise das
histórias de vida de 11 (onze) professoras alfabetizadoras aposentadas de escolas
públicas de Várzea Grande-MT. Essas professoras ao se aposentarem completaram
um “ciclo de vida profissional” e, portanto pressupõe-se que suas lembranças
apresentam-se como um conjunto de preceitos e de modos de viver que vai além
dos conhecimentos didáticos e curriculares. São conhecimentos que advém do
vivido, do processado. Lembranças de salas de aulas, recordações de ensino
aprendizagem, de registros de sucessos. Memórias que se diferenciam das dos
professores que estão na ativa, pois pelo distanciamento do local de trabalho,
sofrido no processo de aposentadoria, não evocam mais as dificuldades do trabalho,
os insucessos, as frustrações.
Uma memória que garante um viver criativo, porque atualiza o ritual da
rotina, o habitus da profissão por meio de uma outra disciplina, de atividades
novas que são incorporadas no tempo do "ócio". É como se, livres dos
dispositivos que antes aprisionavam corpos em horários rígidos e em
atividades de rotina, na aposentadoria experimentassem um tempo de
reafirmação de uma identidade profissional genuína, expondo e permitindo
um olhar encantado sobre a própria profissão (STANO,2001,p.100).
Diante do exposto, considerei como primeiro critério, para a escolha dos
sujeitos da pesquisa, que esses tivessem atuado nas classes de alfabetização no
município de Várzea Grande e estarem aposentadas. O fato das professoras
estarem aposentadas permite, por meio desse critério, compreender a questão do
tempo, do lugar, dos saberes, das práticas, sob o ponto de vista da carreira docente,
pois nas narrativas dessas professoras é possível identificar algumas das “fases dos
ciclos de vida profissional” (HUBERMAN, 1989
13
).
Em seus estudos, Huberman (1995)
14
identificou
sete fases perceptíveis na
carreira do professor: a entrada na carreira, a fase de estabilização, a fase de
diversificação, a fase de pôr-se em questão, a de serenidade e distanciamento
afetivo, a de conservantismo e lamentações, e a de desinvestimento.
13
Ver Haberman (1989) In: NÓVOA, 1995, pp.43-46
14
Huberman (1989) objetiva compreender questões sobre o ciclo da vida profissional dos professores
do ensino secundário na perspectiva da “carreira” desenvolvida como um processo, especificamente,
na docência. (In: NÓVOA, 1995)
47
Nesse sentido esse estudo serviu como subsídio para análise das histórias de
vida que obtemos junto aos sujeitos colaboradores desta pesquisa.
Um dos aspectos levantados no trabalho do referido autor é a relação entre as
representações e as ações do indivíduo em determinado contexto, como por
exemplo, a instituição escolar; outro é como as pessoas analisam um mesmo
momento da sua carreira ao passar dos anos. Alerta, também, sobre outra situação
a ser observada, que consiste em ouvir a pessoa que fala "É evidente que a pessoa
que mais sabe sobre sua trajetória profissional é a que a viveu" (HUBERMAN, 1995,
p.38). Sobre a questão do ciclo, o autor afirma que “[...] o desenvolvimento de uma
carreira profissional é, assim, um processo e não uma série de acontecimentos"
(p.38).ou seja, não segue uma linearidade. Uma fase prepara a subseqüente, mas
não pode determinar a sua sequência.
A primeira fase é a entrada na profissão, dois a três primeiros anos de ensino, em
que a literatura pertinente fala de um estágio de sobrevivência e de descoberta. Para
Huberman(1995), nesta fase, uma vez iniciado o seu percurso na educação, o professor(a),
primeiramente depara-se com um papel já preestabelecido e que precisa ser exercido de
acordo com as expectativas gerais da sociedade. O que pode caracterizar respectivamente
como: choque do real, o confronto inicial com a complexidade da profissão; em
contrapartida a "descoberta" revela o entusiasmo, o sentimento de ter responsabilidade, de
se sentir colega de profissão num corpo de profissionais.
Para o referido autor, esse choque com a realidade provoca uma desilusão e
um desencanto dos primeiros tempos de profissão. Nesse mesmo sentido destaca
que:
O aspecto da ‘sobrevivência’ traduz o que se chama vulgarmente o “choque
do real”, a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional:
o tatear constante, a preocupação consigo próprio, à distância entre os
ideais e as realidades cotidianas da sala de aula, a fragmentação do
trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação
pedagógica e à transmissão de conhecimentos (
HUBERMAN 2000, p.
39).
Seguindo esta fase vem a fase da estabilizão no ensino. Nesse segundo
momento, já mais inserido no percurso da profissão, o professor(a) desenvolve modos de
ser e de investir em sua própria capacitão, preocupado e motivado a melhor exercer seu
papel de educador., ou seja, já existe um comprometimento definitivo com a profissão afirmam-
se perante os colegas com mais experiências e, sobretudo, perante as autoridades. Essa fase
48
acompanha a consolidação pedagógica e é percebida em termos positivos pelos
indivíduos. Segundo o autor, a partir dessa fase, os percursos individuais parecem
divergir mais.
A “estabilização precede ligeiramente ou acompanha um sentimento de
‘competência’ pedagógica crescente” (HUBERMAN, 1995, p.40), despertando no
professor a busca por novos saberes e conhecimentos com apoio dos colegas e da
instituição. É uma fase demarcada pela “libertação”, “autonomia pedagógica”,
“segurança” e “descontração” em seu trabalho docente.
Na fase da diversificação os professores, uma vez estabilizados, lançam-se em uma
“série de experiências pessoais, diversificando o material didático, os modos de
avaliação, a forma de agrupar os alunos, as seqüências dos programas
etc”(HUBERMAN, 1995, p.41).Tornam-se mais motivados e dinâmicos, encontram-
se em condições de tecerem críticas ao sistema. Na verdade, buscam novos
desafios e estímulos e apresenta receio em cair na rotina.
O pôr-se em questão representa uma fase de questionamentos, por parte do
professor (a). Para Huberman (1995), esta fase é difícil de ser caracterizada e de ter
delimitado as suas origens. Segundo ele, as pessoas não têm muita consciência do
que está a ser posto em questão e os sentimentos podem ir desde uma sensação de
rotina até uma crise existencial. Por tratar-se de uma fase com múltiplas facetas, as
questões que ela apresenta não podem ser generalizadas, pois vários aspectos
podem influenciá-las, tais como: as condições de trabalho na escola, que podem
contribuir para aumentar ou diminuir a monotonia e o desencanto.
Na fase seguinte, a de serenidade e distanciamento afetivo, nessa fase inicia-
se as lamentações do período de ativismo. Entretanto os professores (as)
demonstram uma grande serenidade e são mais tolerantes em sala de aula, porém,
um distanciamento entre eles e os alunos, apresentando menos sensibilidade, ou
vulnerabilidade à avaliação dos outros.
Na fase do conservantismo e lamentações o professor refere-se de modo
negativo ao sistema de ensino, as políticas educacionais e apresentam resistência
às inovações.
E, por último, há um desinvestimento do(a) professor(a), cristalizando práticas e
mostrando-se menos permeável às mudanças e inovões. Nessa fase as pessoas
49
adquirem uma postura positiva, pois libertam-se do investimento do trabalho, dedicando
mais tempo a si mesmas, aos interesses exteriores à escola e a uma vida social.
Ressalto que esse enfoque sobre a carreira profissional justifica-se na
tentativa de situar as fases pelas quais as professoras entrevistadas passaram em
seu ciclo profissional, pois para mim, no âmbito dessa pesquisa, conhecer a vida das
alfabetizadoras aposentadas, sujeitos dessa investigação, torna-se fator
imprescindível para o entendimento do processo de alfabetização do município de
Várzea Grande.
Nessa perspectiva, entendo que as narrativas das alfabetizadoras, sujeitos
históricos deste estudo, permitiram-me delinear contornos a respeito de suas
identidades profissionais, compreender suas concepções de alfabetização e
descobrir como, efetivamente, realizaram a alfabetização ao longo de suas carreiras
docentes,
. O segundo critério foi a escolha: de professoras com diferentes formações;
assim foram selecionadas professoras leigas, com Magistério, com Pedagogia e com
Especialização na área da Educação.
Esse critério se deu pela razão de que, freqüentemente, somos levados a
acreditar que a prática docente depende diretamente da formação que as
professoras receberam. No entanto, acreditar que a formação das professoras, por si
só, seja capaz de alterar tal prática, significa “navegar à vista entre realismo
conservador e otimismo ingênuo, procurar a distância ideal entre a formação e as
condições efetivas da prática [...]” (PERRENOUD, 1993, P.101).
A prática é mesclada não dos conhecimentos adquiridos pelas professoras,
mas de algo mais, que normalmente é esquecido por s: as representações que
elas têm dos alunos, do conhecimento da profissão, da sociedade, das instituições e
de suas funções. Essas representações dão sentido as práticas cotidianas e
contribuem nas escolhas e opções quanto ao tipo de aula, de estratégias, de
relações com os alunos e de posturas diante do trabalho a ser desenvolvido.
Daí que suas ações pedagógicas sejam muito mais orientadas por tais
representações do que pelos princípios teóricos educacionais adquiridos no decorrer
de sua formação, quer no Curso de Magistério, quer em outros ambientes, que
também com certeza, estavam impregnados de representações.
50
Portanto,
A profissão docente é uma profissão marcada, [...] o apenas pelos cursos
de formação específicos, mas também, pelos anos em que esses sujeitos
se fazem professores ainda como alunos, do Ensino Fundamental e Médio
(STANO, 2001, p.39).
Acredito que a forma como essas professoras percebem, como foi sua prática
docente depende não só de sua formação como também do modo como elas
interpretam os acontecimentos, o que por sua vez, depende de sua história.
Seguindo esses critérios, as professoras que entrevistei têm entre 49(quarenta
e nove) e 78 (setenta e oito) anos. Todas o mato-grossenses sendo que 07(sete)
delas nasceram em Várzea Grande, 01 (uma) em Poconé, 01(uma) em Santo
Antonio do Leverger, 01 (uma) em Cuiae 01(uma) em Vila Bela da Santíssima
Trindade. A formação acadêmica delas constitui-se de: 04 (quatro) leigas sendo que
uma delas cursou o Projeto Logos, 03 (três) cursaram o magistério, 02 (duas)
cursaram Pedagogia e dessas 01 (uma) é especialista em Gestão Escolar na
Educação Básica e 01 (uma) cursou Letras e tem especialização em Metodologia do
Ensino Superior.
Lecionaram entre os anos de 1956 e 2005 em escolas municipais e estaduais
no município de Várzea Grande e se aposentaram entre 1987 e 2005. Segundo me
disseram na entrevista, dos anos trabalhados, que variam entre 25 e 41, pelo menos
de 06 a 25 anos foram dedicados à alfabetização. 05 delas se efetivaram através de
estabilidade e 06 efetivaram-se no estado e/ou município por meio de concurso
público.
Nos quadros a seguir, encontra-se a síntese das características de formação
inicial e profissional das doze professoras que participaram da pesquisa:
51
Quadro 3 – Demonstrativo Profissional
Professoras
Idade
Ano em que
se
aposentou
Tempo de
atuação no
Magistério
Tempo de
atuação na
Alfabetização
1. Teonila Gonçalves de
Miranda
74 1987 31 09
2. Maria Gonçalves dos Santos 69 1987 29 07
3. Maria da Glória e Silva Amarante 78 1988 24 08
4. Rita Cassiana da Silva 66 1992 38 16
5. Catarina Rodrigues de Sales
Moreira
63 1992 26 15
6. Ana Maria de Barros Cezar 50 1999 25 13
7. Antonieta Auxiliadora de Queiroz 51 2003 28 11
8. Vera Lúcia de Morais 54 2004 31 10
9. Benedita Lemes da Costa 75 2005 40 25
10
.
Leomar Fátima da Silva Oliveira 52 2005 29 12
11
.
Neuza Monteiro de Oliveira 62 2005 41 05
Fonte: Questionário e entrevista.
52
Quadro 4 – Demonstrativo de Escolas de formação inicial e profissional.
Professoras
Escola
de formação
inicial
Escola onde iniciou
a carreira
profissional
Escola onde se
aposentou
1. Teonila Gonçalves de
Miranda
Escola Rural Mista de
Bonsucesso
Escola Rural Mista de
Bom Sucesso (atual
EMEB. Maria
Barbosa Martins)
Escola Rural Mista de
Bom Sucesso (atual
EMEB. Maria
Barbosa Martins)
2. Maria Gonçalves dos Santos Escola Rural Mista de
Bonsucesso
Escola Rural Mista de
Bom Sucesso (atual
EMEB. Maria
Barbosa Martins)
Escola Rural Mista de
Bom Sucesso (atual
EMEB. Maria
Barbosa Martins)
3. Maria da Glória e Silva Amarante Escola Rural Mista de
Limpo Grande
Escola Rural Mista de
Limpo Grande (atual
EMREB. Euraíde De
Paula)
E.E.E.B. “Vanil
Estabilito”.
4. Rita Cassiana da Silva Grupo Escolar
Leônidas de Matos
(Santo Antonio de
Leverger -MT)
Escola Rural Mista de
Engenho Velho
(Santo Antonio de
Leverger -MT)
Escola Rural Mista de
Capela do Pissarrão
(Atual EMEB. Antonio
Salústio Areias)
5. Catarina Rodrigues de Sales
Moreira
Grupo Escolar
General Caetano de
Albuquerque
(Poconé_MT).
Colégio São
Francisco (Poconé-
MT)
EMEB. Padre Luiz
Maria Guisone
6. Ana Maria de Barros Cezar Coração de Jesus
(Corumbá-MS)
Escola Municipal
Joãozinho e Maria
Escola Municipal
Joãozinho e Maria
(Atual EMEB. Marilce
Benedita de Arruda)
7. Antonieta Auxiliadora de Queiroz Grupo Escolar Pedro
Gardés (Atual
E.E.E.B. Pedro
Gardés)
E.E.E.B. Pedro
Gardés.
E.E.E.B. Irmãos de
Caminho
8. Vera Lúcia de Morais Numa escolinha
particular em Cuiabá
(funcionava na casa
da a professora)
Escola Rural Mista de
Capela do Pissarrão
(Atual EMEB. Antonio
Salústio Areias)
EMEB. Tenente
Abílio de Moraes
9. Benedita Lemes da Costa Escola Rural Mista de
Capela do Pissarrão
Escola Rural Mista de
Capela do Pissarrão
(Atual EMEB. Antonio
Salústio Areias)
EMEB. Tenente
Abílio de Moraes
10. Leomar Fátima da Silva Oliveira Grupo Escolar Pedro
Gardés (Atual EEEB.
Pedro Gardés)
E.E.E.B.PROF.
Fernando Leite de
Arruda..
E.E.E.B. “Vanil
Estabilito”
11. Neuza Monteiro de Oliveira Escola Rural Mista do
Engordador
Escola Reunida 1ºde
Janeiro.
Escola Rural Mista do
Engordador (Atual
EMEB. Juvenilia
Monteiro de Oliveira)
Fonte: Questionário e entrevista.
A seguir descrevo, sucintamente, cada uma das professoras dessa amostra,
pois cada uma delas contribuiu para enriquecer o presente estudo ao focalizar
aspectos diferentes de sua vida cotidiana e profissional.
53
3.1. Descrevendo as personagens
Teonila Miranda, Maria Gonçalves, Maria da Glória (Dona Glorinha), Rita
Cassiana, Catarina Sales, Ana Maria, Antonieta Queiroz, Vera cia, Benedita
Lemes (Dona Zinha), Leomar Oliveira (Leo), Neuza Monteiro
15
:
mulheres comuns
com histórias de vidas comuns, como tantas outras mulheres-professoras
brasileiras, sem notoriedade, fama ou glória. Histórias dessas mulheres-professoras
pouco importantes para os acontecimentos históricos; vidas de pessoas sem fama
e de feitos sem glória. Histórias comuns perdidas no álbum de retratos, histórias
cotidianas, escondidas nas dobras da história oficial sobre as professoras e suas
práticas.
Histórias invisíveis que nada têm de grandioso, fadadas ao esquecimento e a
desaparecerem sem deixar rastros. Vidas de professoras, de mulheres anônimas,
com suas histórias comuns que aparentemente nada têm de excepcional, mas que
guardam muita grandeza.
Professoras aposentadas que, no passado, reinventavam a alfabetizão.
Existências reais que falam por si mesmas, que contam suas histórias histórias
que cobram ser contadas.
Professoras aposentadas, que narram como viveram seu passado, como se
constituiu sua memória coletiva e como esta memória lhes permite, reconstruir suas
identidades como mulheres e como professoras. Narrativas que recolhem merias de
mulheres-professoras que falam do que foram, do que são, do que serão - memórias
do passado que se transformam em memórias do presente e do futuro.
A professora Teonila Gonçalves de Miranda (74 anos)
Teonila que nasceu em Várzea Grande, no dia 18 de outubro de 1933 é uma
dessas Mulheres-professora que possui um jeito simples e franco. O contato com ela
15
As professoras entrevistadas transferiram à pesquisadora, por meio de um documento assinado por elas,
todos os direitos de autoria/propriedade e utilização das informações obtidas durante as entrevistas, bem como,
de seus nomes, fotos e possíveis materiais fornecidos por elas.
54
foi tranqüilo e bastante enriquecedor, pois de forma expressiva e detalhada e alegre,
contou-me sua vida estudantil e profissional.
Iniciou seus estudos, ou seja, fez a primeira série na Escola Rural Mista de
Bonsucesso, atualmente denominada Escola Municipal de Educação sica “Maria
Barbosa Martins”.
A entrada na carreira como alfabetizadora foi como professora leiga, em
1956, na mesma escola onde cursou o antigo curso primário. Quando começou a
lecionar, Teonila tinha feito apenas o curso de admissão, “naquele tempo quem tinha
a série podia lecionar” (TEONILA, 74a, 2007). Depois terminou o ginásio e
prestes a se aposentar cursou o magistério no Colégio Couto Magalhães. São suas
palavras: “Eu não queria me aposentar como algumas amigas minhas, que se
aposentaram como auxiliar de serviços gerais”.
Esta educadora disse-me que quando se aposentou, em 1987, ficou um
pouco perdida e com o passar do tempo começou a se sentir “preguiçosa, pois não
tinha o que fazer”. Mas hoje se sente tranqüila e feliz fabricando rapaduras, sua
atual atividade. Disse-me ainda: “hoje eu não ia dar conta de lecionar, as crianças
são muito custosas e malcriadas, não respeitam ninguém, Eu não queria dar aula
hoje, não” (TEONILA, 74a, 2008).
A professora
Maria Gonçalves dos Santos (69 anos)
Nasceu em Várzea Grande-MT, no dia 15 de agosto de 1937. Risonha e afetiva a
professora Maria logo se pôs a conversar de modo solto. No seu linguajar simples, dizia
tudo o que pensava, mas com cautela.
Esta professora cursou o todo ensino primário na Escola Rural Mista de
Bonsucesso, depois fez o exame de admissão e o ginásio no Colégio Brasil em Cuia
e o curso de magistério no Colégio Couto Magalhães em Várzea Grande.
Quando começou a lecionar Maria estava cursando o ano ginasial. Trabalhou até
se aposentar na mesma escola onde estudou o curso primário.
55
Ao manter um contato franco e colaborador. Maria
forneceu dados muito significativos para
esta pesquisa. Comparou o ensino atual com o antigo, apontando a perda da : autoridade do
professor e a mudança ocorrida na atitude dos alunos de hoje.
Disse-me queestar aposentada é tão ruim? Se eu estivesse trabalhando eu não tava aí
na cozinha, né?. A gente fica louca para aposentar. Ai meu Deus! Estou cansada quero
descansar. Depois que aposenta se arrepende
A professora Maria confessou-me que gostaria de estar trabalhando na escola,mesmo que
fosse para escrever qualquer coisa, eu acho que seria melhor do que ficar fazendo serviço de
casa (pausa) serviço de casa não acaba, agente trabalha demais”.
A professora
Maria da Glória e Silva Amarante (78 anos)
Professora leiga, teve sua inicião no magistério na Escola Rural Mista de Limpo
Grande em 1957,. sua vida foi dedicada exclusivamente ao magistério primário.
A professora Maria da Gria foi a última pessoa a ser entrevistada por mim. Apesar
de suas limitações físicas, próprias da idade e de alguns problemas de sde, ela ainda
apresenta uma vitalidade e um carisma invejáveis.
Dona Glorinha, como é chamada por todos, nasceu em Várzea Grande-MT, no
dia 15 de agosto de 1927. Estudou somente até a série na mesma escola onde
iniciou sua carreira. Depois , segundo ela, estudou a série. o suas palavras:
em 11 de março de 1961, por causa da política eu fui demitida, mas não foi
eu, professoras de outras escolas que votaram contra o governo que ganhou
(as eleões), também foram mandadas embora. Daí nos entramos na justiça e
fomos contratadas de novo no dia 19 de fevereiro de 1962. Só que eles,
alegaram que tinha que fazer concurso, então eu fiz a 5ª série para poder fazer
o concurso, mas foi particular eu o tenho o documento que prova que eu
estudei, mas fiz o concurso e passei. (Dona Glorinha, 78a, 2008).
Dona Glorinha guardou o Diário Oficial (ilustração 1) onde foi revogada a sua
exonerão, embora este esteja bastante danificado devido a ação do tempo é possivel
confirmar as informações dadas por Dona Glorinha no momento de seu relato.
56
Ilustração 1
Fonte: Diário Oficial de 21/02/1962, arquivo pessoal de Dona Glorinha.
Além deste Diário, Dona Glorinha ainda guarda: alguns diários de classe da
época em que lecionou, boletim escolar de um de seus alunos, livro ponto, uma
prova aplicada na série, um manual do professor da Cartilha Davi meu
Amiguinho, uma das cartilhas que utilizou para alfabetizar, entre outros
documentos
16
.
Dona Glorinha trabalhou na Escola Rural Mista de Limpo Grande durante
anos, em 1981 foi transferida para E.E.E.B. “Vanil Estabilito” onde se aposentou no ano
de 1988. Devido a sua formão o foi aposentanda como professora, e sim como
agente administrativo.
Quando perguntei a esta professora como se sentiu ao se aposentar e como é
estar aposentada disse-me o seguinte: estar aposentada é um descanso, pois eu já
trabalhei muito, estou velha, mas quando me aposentei senti muita falta de estar na
escola, principalmente das conversas com as colegas, sinto falta até hoje”(DONA
GLORINHA, 78a, 2008).
E acrescentou que, nos dias atuais , se fosse para ela lecionar
pelo o que eu sei, eu ensinava , mas hoje em dia (pausa) o tem mais
obediência das crianças, as criaas o obedecem mais o professor, a gente
entra na sala de aula e fica louca. Alguns alunoso na escola só para
bagunçar,o querem mais estudar. Lecionar hoje em dia tá muito díficil (DONA
GLORINHA, 78a, 2008).
16
Os documentos citados, apesar de serem ricos em informações, não foram contemplados neste
trabalho, pois a época dos mesmos é anterior ao período delimitado nesta pesquisa.
57
A professora Rita Cassiana da Silva (66 anos)
De contato fácil e agradavél. Rita possui um jeito de ser tranqüilo, manso e
suave. Embora se calasse com freqüência, fazendo longas pausas, não se mostrou
defensiva ao contato. Manteve um tom de voz sempre homogêneo, não
demonstrando entusiasmo ou exaltação.
Nasceu em Santo Antonio de Leverger, munipio próximo a capital mato-
grossense. Cursou o Ensino Primário e fez o exame de admissão no Grupo Escolar
Leônidas de Matos, escola essa localizada no mesmo município em que nasceu.
Rita não prosseguiu com seus estudos. Segundo ela “era muito difícil estudar
naquele tempo, pois tinha que ajudar em casa e em Santo Antonio não tinha o
ginásio, só em Cuiabá” (RITA, 66a).
Iniciou sua carreira na Escola Rural Mista de Engenho Velho no município de
Santo Antonio de Leveger , e posteriormente com a mudança de sua família para
Várzea Grande lecionou na Escola Rural Mista de Capela do Pissarrão, atualmente
Escola Municipal de Educação Básica Antônio Salústio Areias.
Mesmo não sendo professora “formadacomo se costuma dizer, Rita lecionou
durante trinta anos, porém foi aposentada como auxiliar de serviços gerais, devido
ao seu grau de escolaridade.
Não foi observada nela uma postura queixosa e revoltada - reconhecia as dificuldades do
trabalho, mas procurava enfrentar as adversidades com persistência e tenacidade Afirmou
seus pontos de vista com segurança e tranquilidade, não tendo demonstrado temor a críticas
ou resistência nas mudanças.
Rita transmitiu a impressão de uma profissional quo levava seu trabalho a sério. Contribuiu
de forma importante para esta pesquisa ao desvelar as condões prerias da situação
profissional das professoras de sua época. Evidenciou, de forma expressiva, o caráter solitário e
heróico da construção do saber-fazer docente.
Segundo ela, quando se aposentou
[...] eu fiquei muito doente, ? Por isso que eu pedi aposentadoria, mas
também eu trabalhei 31 anos. Aí eu achava que devia descansar um pouco
?. Eu fiquei assim [pausa] muito... [pausa] todo dia eu queria aprontar
para ir pro colégio aí que eu adoeci mais, eu queia estarno colégio [risos].
58
Se fosse nesse tempo eu parava, não suportava como tão aí esses alunos agora, né?
Rebeldes, muito fora de jeito. Hoje eu acho bom estar aposentada (RITA, 66a. 2008).
A professora Catarina Rodrigues de Sales Moreira (63 anos)
Catarina Rodrigues de Sales Moreira, 63 anos de idade, nasceu no dia 30 de
abril de 1944, em Poconé - MT. Começou a estudar quando tinha 08 anos, no Grupo
Escolar General Caetano de Albuquerque. Até terminar o curso de magistério a
professora Catarina estudou em sua terra natal. Graduou-se em Letras pela
Universidade de Brasília (UNB) e, é especialista em metodologia do Ensino Superior.
Sua primeira experiência profissional foi numa turma de 52 alunos do curso
de admissão, no Colégio São Francisco, onde lecionava aulas de História.
Com 63 anos, é mais um símbolo de luta, garra e determinação. Catarina, em
seu relato, transmitiu-me uma impressão de segurança com relação ao seu trabalho.
Demonstrou também, uma certa consciência e preocupação com os problemas
relativos à educação.
Criticou a perspectiva negativa que muitas professoras nutrem sobre as
crianças das classes menos favorecidas, responsabilizando-as pelo seu insucesso.
Esta professora aposentou-se em 1992, mesmo assim não parou de
trabalhar. Sempre interessada pela formação de professores, Catarina foi formadora
do Proformação e do PROFA
17
e atualmente exerce o cargo de técnica pedagógica
na E.E.E.B. “Nadir de Oliveira” onde desenvolve projetos e auxilia a coordenadora
da escola na capacitação dos professores.
São palavras de Catarina: “Quero que os professores tenham oportunidade
de refletir sobre seu trabalho”
Para a referida professora, “a capacitação insuficiente de alguns profissionais,
não é fruto do desinteresse do educador, mas resultado da falta de alguém que o
oriente a pensar sobre sua prática de ensino”.
17
No capítulo dois deste trabalho há mais detalhes sobre esses programas de formação.
59
É sobre esse prisma que Catarina justifica a importância de professores mais
experientes “não se afastarem da escola definitivamente após a aposentadoria”
(CATARINA SALES, 63a, 2008).
A professora
Ana Maria de Barros Cezar (50 anos)
Ana Maria nasceu no dia 20 de setembro de 1956, no município de Várzea
Grande-MT. Com 50 anos de idade é uma pessoa bastante moderna. Esta
professora mostrou-se comunicativa e colaboradora. Falou-me com fluidez,
expressando-se de forma segura.
Proveniente, segundo ela, de uma família de nível sócio-econômico “médio”,
cursou o pré-primário e a série A, B e C no Colégio Coração de Jesus, localizado
em Corumbá-MS.
Ana Maria cursou o Magistério, graduou-se em Pedagogia e, é especialista
em Gestão Escolar na Educação Básica.
Iniciou sua carreira profissional em 1974, quando estava cursando o primeiro
ano do Magistério, na Escola Municipal Joãozinho e Maria, atual EMEB.”Marilce
Benedita de Arruda”. Nessa escola Ana Maria trabalhou a1998, ano em que se
aposentou.
Esta educadora disse-me que quando se aposentou, sentiu uma espécie de
alivio, mas “com o passar do tempo o ritmo de férias perdeu o encanto senti uma
saudade enorme da antiga agitação, aquela mesma que muitas vezes foi motivo de
queixas, me senti sem chão” (ANA MARIA, 50a, 2008).
Atualmente Ana Maria trabalha como técnica financeira da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande, portanto continua atuando na
educação longe da sala preservando assim sua identidade de professora mesmo
depois de aposentada.
60
A professora
Antonieta Auxiliadora de Queiroz (51 anos)
Antonieta Auxiliadora de Queiroz nasceu em Várzea Grande, Estado de Mato
Grosso, aos 28 de março de 1956. É uma pessoa muito simpática, porém me
pareceu um pouco tímida, conversou comigo durante 1h e 20 min em sua residência,
onde fui recebida com muito carinho.
A professora iniciou seus estudos em 1963, no Grupo Escolar Pedro Gardés,
hoje denominado Escola Estadual de Educação Básica Pedro Gardés, em Várzea
Grande-MT onde cursou o primeiro ano A, B, C e o restante do ensino primário. Em
1973 iniciou o curso do Magistério no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em
Cuiabá – MT concluindo-o em 1975.
Antonieta, em outubro de 1975, antes de terminar o Magistério, foi contratada
como professora na mesma escola onde cursou o primário. No ano de 1980
efetivou-se, por meio de concurso público, como professora na Rede Pública, onde
trabalhou por 28 anos sendo que 11 anos desses foram dedicados à alfabetização.
Considera a alfabetização o alicerce para a construção de uma sociedade.
como positivo, na educação atual, a relação entre docentes e discentes, pois
acredita que essa relação torna o aprendizado uma experiência mais cooperativa.
No entanto diz que apesar do ensino da época em que estudou ser rígido e com
metodologias tradicionais, se aprendia muito mais.
Para Antonieta, que se aposentou como professora em 2003, “estar
aposentada não significa ficar sem trabalhar. Trabalho atualmente como secretária
em uma escola, mas se for para dar aula, eu não quero. Os alunos não respeitam
mais o professor” (ANTONIETA, 51a. 2008).
A Professora Vera Lúcia de Morais (54 anos)
Vera , uma pessoa muito alegre e comunicativa. Nasceu no dia 15 de fevereiro de
1953 em Cuiabá- MT.
61
A professora Vera estudou até o terceiro ano primário numa escolinha particular em
Cuiabá-MT, mas não conseguiu lembrar o nome. Segundo ela a escola era na casa da
professora e como a gente era do tio, ficava lá durante a semana inteira, no sábado ía pra
casa.
Em 1965 a família da educadora mudou-se para Campo Grande MS. Nessa
cidade Vera cursou o ano na Escola Militar Guia Lopes e fez o exame de admissão
na E.E.E.B. “General Malan”.
No ano de 1967, Vera retorna para Várzea Grande e faz o curso ginasial na
E.E.E.B. “Barnabé de Mesquita” e o Curso Logos na E.E.E.B. Presidente Médici, as
referidas escolas ficam em Cuiabá-MT.
No ano em que retornou de Campo Grande para Várzea Grande, a referida
professora a lecionar na “Escola Rural Mista de Capela do Pissarrão”. Trabalhou nesta
escola por vários anos. Explicou que as moças ao terminarem o . Ano podiam e
queriam ser professoras, pois a única coisa que a mulher naquele tempo podia ser era
professora"(VERA,54a,2007).
Nos anos de 1990 foi transferida para a EMEB. Tenente Abílio de Moraes, devido
a sua formação foi aposentada como auxiliar de serviços gerais no ano de 2004.
Vera adorou ter se aposentado, segundo ela “tem muitos professores que
pensam que trabalhar é mais importante que se divertir ou descansar, eu não, eu dei
minha contribuição agora tenho o direito de ficar sem fazer nada” (VERA, 54a, 2008).
A Professora Benedita Lemes da Costa (75 anos)
Dona Zinha, esta é a maneira que Benedita gostava de ser chamada, nasceu em
19 de julho de 1932, em Várzea Grande-MT. Excelente narradora, pois me
descreveu detalhadamente sua infância, a casa onde morava, os afazeres do dia a
dia.
62
Quando lhe perguntei sobre a alfabetização, as recordações aflorando-lhe a
memória, ela foi relatando minunciosamente as lembranças da sua primeira
professora, da sua cartilha, do argumento, dos castigos escolares
18
.
Benedita contava com 75 anos quando a entrevistei, professora leiga, teve sua
iniciação no magistério, em meados de 1960, como monitora. de um dos mais
audaciosos trabalho de alfabetização, a alfabetização pelo rádio .
Essa experiência possibilitou-lhe a sua nomeação em março de 1966 para
lecionar na Escola Rural Mista de Capela do Pissarrão, nessa escola trabalhou
durante; anos, em 2001 foi transferida para EMEB. Tenente Abilio de Moraes não como
professora, mas como inspetora de alunos. Devido a sua formação foi aposentada
como auxiliar de servos gerais.
Pude realizar somente uma entrevistei com Dona Zinha, pois esta veio a falecer
em janeiro de 2008, peodo em que eu ainda precisava de mais informões sobre sua
aposentadoria. Resolvi mesmo assim, manter o único depoimento de suas merias,
utilizando, no presente estudo, aquilo que ela mesma escolheu para fazer parte de sua
história de vida.
Mesmo lamentado a morte de Dona Zinha fico feliz em poder ter deixado
registado, para sempre, neste trabalho, suas lembranças, suas memórias e parte de sua
história de vida, pois se eu o a tivesse entrevistado sua história seria, mais uma,
esquecida no anonimato.
A Professora Leomar Fátima da Silva Oliveira (52 anos)
A professora Leomar Fátima da Silva Oliveira nasceu em Vila Bela de
Santíssima Trindade, no dia 15 de dezembro de 1955.
Leomar começou a estudar no ano de 1962 aos sete anos de idade, no Grupo
Escolar Pedro Gardés, onde estudou a primeira série, A, B e C, denominação esta
dada na época aos primeiros anos escolares.
18
Os depoimentos da professora Benedita (Dona Zinha) estão descritos com maiores detalhes no
capítulo 3 deste trabalho.
63
Em 1974, ingressou no cursou do magistério, na Escola Couto Magalhães em
Várzea Grande-MT. Posteriormente graduou-se em Pedagogia pela UNOESTE e
efetivou sua especialização em Gestão Escolar na Educação sica pelo Instituto
Varzea-grandense de Educação (IVE).
Ainda em 1974, Leomar iniciou sua carreira de professora na Escola de
Educação Básica Elmaz Gattas, trabalhando o MOBRAL (Movimento Brasileiro de
Alfabetização).
Em 1978, após aprovação em concurso público, foi trabalhar na Escola
Estadual de Educação sica Fernando Leite, também em Várzea Grande. A
mesma lecionou durante 30 anos, sendo 12 (doze) deles dedicados a alfabetização.
Mesmo aposentada desde 2005, Leomar continua atuando na Educação
exercendo a função de coordenadora pedagógica da EMEB. “Armindo Arruda de
Campos” até a presente data.
Leomar enfatiza dizendo que não quer envelhecer trabalhando, mas que
ainda não sente vontade de parar: “Ainda me sinto atuante e ativa” (Leomar, 52a.
2008).
Durante toda entrevista que durou aproximadamente 1h15min, a professora
Leomar narrou com alegria e bom humor toda sua trajetória escolar e profissional.
Ela finaliza a entrevista dizendo: “Ser professora e um aprendizado mútuo”. Acredita,
pois que ao fazer a mediação na construção de conhecimentos dos seus alunos,
aprimora também, seu próprio conhecimento, não intelectual, mas principalmente
como ser humano que valoriza a Educação como forma de crescimento do potencial
humano dos alunos e/ou indivíduos, indivíduos estes que pensam, sentem e agem
propondo transformações que serve ao bem estar comum da sociedade.
A professora Neuza Monteiro de Oliveira (62 anos)
Nascida em rzea Grande no dia 10 de abril de 1945, contando, na época
da entrevista com sessenta e dois anos de idade, a professora Neuza falou-me com
fluidez e facilidade.e transmitindo-me a impressão de segurança com relação ao seu
64
trabalho. Cautelosa no que dizia, evidenciou claramente seu entusiasmo para com a
atividade docente.
Foi alfabetizada, em casa, pela mãe, Dona Juvenilia, pois esta foi a primeira
professora primária da comunidade do Engordador .” Nesta época ainda não tinha a
escola . A escola funcionava na casa da professora ”(NEUZA,62a, 2007).
Quando terminou a primeira série C, foi estudar no Asilo Santa Rita em
Cuiabá- MT, onde concluiu o ensino primário, depois prestou o exame de adimissão
em Várzea Grande e fez o curso ginasial no Ginásio Brasil em Cuiabá.
Começou a lencionar em 17 de Outubro de 1964, na Escola Reunida Rio de
Janeiro, quando ainda estava fazendo o curso normal na Escola Normal Pedro
Celestino.
Quando Neuza terminou o curso normal voltou para sua comunidade e foi
trabalhar na Escola Rural Mista do Engordador e nela aposentou-se no ano de
2005. Atualmente, a referida escola, chama-se EMEB. Juvenilia Monteiro de
Oliveira” , justa homenagem à mãe de Dona Neuza.
Mesmo aposentada Dona Neuza, “para que a vida não se torne vazia e sem
graça” (NEUZA,62a, 2007), vai a escola quase todos os dias trabalhar como
voluntária.
4. PERÍODO INVESTIGADO
O período investigado foi eleito, não de maneira aleatória, mas sim em
função de acontecimentos importantes que marcaram a educação brasileira e,
conseqüentemente, a alfabetização. A data de 1985 contextualiza a publicação, no
Brasil, do livro Psicogênese da Língua Escrita de Emília Ferreiro que desencadeou
intensas mudanças na maneira de compreender a alfabetização, os movimentos que
antecederam os Parâmetros Curriculares Nacionais ( PCNs), documentos
elaborados por docentes de universidades públicas e privadas, técnicos em
educação, contendo as diretrizes básicas para as modificações curriculares,
65
condizentes com as novas tendências educacionais e a implantação dos ciclos de
formação em alguns estados brasileiros.
Em Mato Grosso, a primeira experiência com escolas cicladas se deu nas
escolas estaduais , inicialmente com o Projeto Terra, em 1996 e em 1998 com a
implantação do CBA (Ciclo Básico de Alfabetização). Nas escolas municipais de
Cuiabá , capital do estado, a implantação ocorreu em 1999 com o Projeto Sarã e no
ano de 2004 o Ciclo sico de Alfabetização Cidadã (CBAC) foi implantado nas
Escolas Municipais de Várzea Grande.
4.1-Instrumentos para a coleta de dados:
Foram utilizados os seguintes instrumentos:
Questionário individual das professoras
19
, contendo itens que pudessem
coletar os seguintes dados: pessoais (local e data de nascimento, idade),
profissionais (escola que estudou, escola em que iniciou sua carreira profissional,
tempo de serviço na alfabetização, ano em que se aposentou); formação acadêmica,
entre outros.
Entrevista semi-estruturada
20
.
A opção pela entrevista semi-estruturada deve-se ao fato de que ela “[...]
oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e
a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação(TRIVIÑOS, 1987 p.
146). Foi dada atenção especial aos gestos, atitudes, olhares e/ou qualquer outra
forma de manifestação afetiva e cognitiva durante as entrevistas. Para realizá-las
tomou-se como suporte um roteiro previamente estabelecido.
No entanto, Vidal alerta para o fato de que todo documento, oral ou escrito, é
histórico, criado por determinações objetivas e subjetivas que fogem à detecção.
Segundo a autora, o importante é usá-los como documentos produzidos
historicamente, “no que eles nos podem oferecer de subsídios à compreensão do
passado e do que este passado se tornou no presente” (VIDAL, 1990.p.82).
19
O questionário consta no anexo deste documento.
20
Consta roteiro em anexo.
66
Durante a pesquisa de campo apresentou-se em primeiro lugar, o termo de
consentimento para obter autorização das professoras envolvidas para a utilização
das informações obtidas durante as entrevistas, bem como, de seus nomes, fotos e
possíveis materiais fornecidos por elas.
Ressalto que depois de transcritas, as entrevistas foram conferidas pelas
colaboradoras para que, caso achassem necessário pudessem alterar o texto
transcrito, pois segundo Bosi
O depoimento deve ser devolvido ao seu autor. Se o intelectual quando
escreve, apaga, modifica, volta atrás, o memorialista tem o mesmo direito
de ouvir e mudar o que narrou. Mesmo a mais simples das pessoas tem
esse direito, sem o qual a sua narrativa parece roubada (2003, p.66).
Foram utilizados, também, materiais como: gravador de voz e câmera
fotográfica.
4.2. - Procedimento para a coleta de dados
Para dar início, a pesquisa documental, solicitei ao secretário municipal de
educação e cultura do município de Várzea Grande, mediante requerimento, a
permissão para entrar no almoxarifado a fim de buscar documentos que pudessem
subsidiar o processo investigativo. Sessenta e cinco dias úteis depois o referido
secretario respondeu o requerimento, por meio de um telefonema, permitindo a
minha entrada no local e me encaminhou à assessora administrativa da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande (SMEC) para que esta
designasse um funcionário para me acompanhar até o local. Após esse
procedimento, entrei em contato com a assessora que, por sua vez, pediu-me
esclarecimentos sobre o trabalho e formas de realizá-lo e viabilizou o contato com o
funcionário que me acompanhou até o almoxarifado. Assim, tornou-se possível a
definição do dia e horário para a efetivação da busca desses documentos.
Fundamentalmente o trabalho adotou como procedimentos metodológicos
principais a recuperação, reunião, seleção e organização de fontes documentais que
fazem referência à alfabetização e bibliografia especializada relativas a
67
alfabetização, compreendidas ao recorte do tempo delimitado e, no caso desta
pesquisa, o período eleito foi de 1985 a 2005.
Am das fontes documentais, esta pesquisa trabalhou com depoimentos, ou seja,
com a história oral de professoras alfabetizadoras, na qual a memória foi uma fonte,
elegendo a fala e as experiências das professoras como norteadores das discussões
que foram articuladas com as fontes documentais . A história oral “[...] garante
sentido social à vida de depoentes e leitores, que passam a entender a seqüência
histórica e a se sentir parte do contexto em que vivem” ( MEIHY,2005, p.19).
Gostaria de ressaltar que, “a ampliação das fontes trouxe dificuldades ao seu
exame, que o seu manuseio não é uma tarefa que se esgota em cada documento
localizado nos arquivos” (NUNES, 1992, p. 158).
Nesse sentido, nesta investigação foram reunidas várias referências
bibliográficas relacionadas ao tema. Essa organização permitiu elaborar um
instrumento de pesquisa que propiciou uma avaliação mais precisa da importância e
do significado, para o período em questão e para o presente, das concepções e
práticas pedagógicas na alfabetização no Município de Várzea Grande – MT.
Ressalto que a história oral foi a fonte principal da pesquisa, pois esta
possibilitou que indivíduos pertencentes a uma categoria social que geralmente são
excluídos da história oficial pudessem ser ouvidos e deixarem registradas para
análises futuras sua própria visão de mundo e aquela do grupo social a que
pertencem e dessa forma permitir a pesquisadora registrar a história que foi vivida
de forma diferente por vários atores sociais.
Nesse sentido
é relevante que haja um entrelaçamento entre história oral e
documento escrito, pois esta relação de complementaridade entre eles tende a
revelar mais fatos ao pesquisador.
Entretanto, a maior desafio deste trabalho foi a construção da metodologia
simultaneamente à análise dos dados. Embora algum acúmulo teórico tenha sido
possível, anterior a esta etapa da pesquisa, a análise dos dados me indicou a
necessidade de uma permanente ação de criação sobre o objeto de pesquisa, assim
como para organização dos dados obtidos. Dessa maneira, espero que este trabalho
possa contribuir para compreensão da ação alfabetizadora das professoras
68
alfabetizadoras aposentadas, sujeitos deste estudo, como também na construção de
novos olhares sobre as práticas de alfabetização.
Diante do exposto pode-se dizer que o processo de coleta dos dados deu-se
em quatro momentos:
Momento: Por meio de um requerimento (em anexo 1) solicitei ao
secretário municipal de educação e cultura do município de Várzea Grande a
permissão para entrar no almoxarifado a fim de buscar documentos que pudessem
subsidiar o processo investigativo.
Momento: Visitei algumas escolas municipais onde obtive, também, o
consentimento para buscar em seus arquivos e bibliotecas fontes documentais para
a pesquisa.
Momento: Obtido os consentimentos, acima citados, consegui localizar,
reunir, selecionar, organizar algumas fontes documentais (cartilhas utilizadas na
época selecionada e diários escolares).
Momento: Entrei em contato com as professoras, expus a pretensão de
fazer o trabalho e lancei o convite, deixando as professoras livres para a opção de
participarem ou não como colaboradoras da pesquisa.
Aceito o convite, agendei horário com elas e, no dia marcado, retornei à
residência de cada professora onde apliquei o questionário, realizei a entrevista
semi-estruturada e tive a permissão para as gravações.
Ressalto que ao transcrever as entrevistas percebi que faltaram alguns
dados referentes à aposentadoria das colaboradoras. Na busca de preencher essa
lacuna, retornei a casa das professoras e, acredito que as informações que recebi
foram enriquecedoras para este trabalho.
Os resultados das entrevistas e análise dos documentos, selecionados como
fontes documentais, serão posteriormente, apresentadas nesta pesquisa e, permitirá
compreender alguns aspectos das concepções e das práticas pedagógicas dos
professores alfabetizadores aposentados entre 1985 e 2005.
69
4.3 - Procedimento da análise de dados
A análise dos dados da pesquisa se desenvolveu a partir de dois momentos.
Em um primeiro momento, tendo como premissa o objetivo da pesquisa e o
referencial teórico, realizei uma análise documental, com base em materiais de
conteúdos diversos que se encontravam disponíveis nas escolas municipais de
Várzea Grande, na Secretaria Municipal de Educação e Cultura e com os próprios
sujeitos da pesquisa. Sendo assim, os documentos analisados foram os seguintes:
105 (sessenta e cinco) diários de classe;
25 (vinte e cinco) cartilhas de alfabetização.
Alguns critérios foram adotados para escolha dos materiais analisados:
A pertinência do conteúdo do documento/material em relação à pesquisa;
Período de produção dentro do recorte histórico estabelecido na pesquisa, - a
partir de 1985 - exceto para os documentos de datas anteriores que contribuam
diretamente na contextualização das discussões que estarei desenvolvendo, ou que
tenham uma grande relevância histórica para pesquisa.
O segundo momento se deu após a coleta de dados obtidos nas entrevistas.
Realizei a transcrição e a análise do material, buscando ser fidedigno aos relatos
das professoras. Durante o processo emergiram aspectos que foram destacados e
apresentados em categorias, sendo: memórias das alfabetizadoras e memórias de
práticas pedagógicas.
70
CAPITULO II
1. LINGUAGEM EM SUAS VÁRIAS FORMAS: ALGUMAS REFLEXÕES
O homem, através dos tempos, em sua relação com a natureza e com os outros
homens, passou a ter consciência da necessidade de realizar atividades cada vez
mais complexas, com o objetivo de transformar o mundo em que vivia.
Para alcançar esse objetivo, estabeleceu um vínculo de entre-ajuda com seus
semelhantes, onde se instalou a necessidade de comunicação que veio a originar a
produção da linguagem. Portanto, a linguagem pode ser considerada um
instrumento de trabalho que nasceu de uma necessidade social e histórica.
Ainda com relação a importância do uso da linguagem na vida do ser humano
ressalta Vygotsky:
[...] o uso da linguagem se constitui na condição mais importante do
desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a consciência) da
criança.O conteúdo da experiência histórica do homem, embora esteja
consolidado nas criações materiais, encontra-se também generalizado e
reflete-se nas formas verbais de comunicação entre os homens sobre os
conteúdos. A interiorização dos conteúdos historicamente determinados e
culturalmente organizados se dá, portanto, principalmente por meio da
linguagem, possibilitando,assim que a natureza social das pessoas torne-se
igualmente sua natureza psicológica(SOUZA,2000,p.17-18).
A posse e o uso da linguagem, característica que identifica todos os indivíduos e
lhes permite interagir no meio em que vivem através de um trabalho coletivo, é fruto
de experiências partilhadas ao longo de um contexto histórico-social. E, ao acumular
e transmitir suas experiências, coletivamente, os homens estabelecem um processo
contínuo de desenvolvimento do conhecimento humano, a partir de um aprendizado
já adquirido.
Essa concepção de aquisição da linguagem permite ultrapassar o entendimento
de que o ato de comunicação é uma simples troca de informações, vai muito mais
além, determina que a capacidade lingüística do ser humano se manifesta e se
concretiza nas relações de convívio social, revelando-se através da organização da
consciência e do pensamento.
Para Vygotsky, [...]o conhecimento é fruto das interações sociais que se
estabelecem pela mediação dos signos culturais construídos na coletividade.A
linguagem é, segundo ele, o comportamento mais importante do uso desses signos
porque ela é, primordialmente, responvel pelas interações sociais. Nesse
sentido, ela é a fonte do conhecimento. (OSWALD,2006,p.64)
71
Diante do exposto pode-se dizer que uma discussão sobre a linguagem, nos
dias atuais, inevitavelmente, deve passar por uma reflexão acerca do conflito cultural
e lingüístico vivido pela escola, no início da década de 1960, adentrando a de 1970.
Nesse período, as camadas populares conquistaram o direito à escolarização, que
resultou na expansão quantitativa do ensino, na época, do '1° grau'.
Durante muitos anos, o objetivo central da série do Ensino Fundamental,
ateve-se à aprendizagem da escrita e leitura convencional. Este é, e continua sendo
um dos grandes desafios das séries iniciais. Porém, pesquisas atuais vêm
constatando que muitos alunos, apesar de lerem e escreverem, convencionalmente,
encontram muitas dificuldades em usar a língua materna, ou seja, o conseguem
compreender o que em e não conseguem redigir de forma competente, exigências
essas atuais da escolarização inicial.
No caso específico do ensino da Língua Materna, o acesso à escola das
crianças pertencentes às camadas populares
trouxe para as salas de aula a inusitada presença de padrões culturais e
variantes lingüísticos diferentes daqueles com que esta instituição estava
habituada a conviver - os padrões culturais e a variante lingüística das
classes dominantes, às quais tradicionalmente vinha servindo. (SOARES,
1991, p. 117).
Daí, então, o surgimento, na escola, de um conflito cultural e linguístico
21
,
criando um distanciamento entre o discurso da escola e o discurso dos novos
alunos, que conquistaram o direito, por meio da democratização do ensino
22
, de
serem, também, servidos por ela, ou seja, “a escola, que até então se destinava
apenas às camadas socialmente mais favorecidas, foi, dessa forma, conquistada
pelas camadas populares”(SOARES,1996.p.68).
Ora, exatamente porque, historicamente, sua destinação eram as classes
favorecidas, a escola sempre privilegiou — e, a despeito da democratização
do ensino, continua a privilegiar a cultura e a linguagem dessas classes,
que, são diferentes da cultura e da linguagem das classes desfavorecidas
(SOARES,1996.p.68).
A discussão sobre a Língua Materna, atualmente, passa também pela análise
das determinantes teóricas da prática pedagógica, desse ensino, no transcorrer dos
anos. Ao se realizar uma retrospectiva, bem sucinta desse passado, verifica-se que
21
Segundo Soares (1996, p.68), esse conflito ocorreu por causa do “uso inadequado e deficiente da
língua materna” e pela “decadência de seu ensino e aprendizagem”.
22
Resposta às reivindicações das camadas populares por mais amplas oportunidades educacionais”
(SOARES, 1996.p.68).
72
nos anos de 1960, pode-se dizer assim, predominava no ensino da língua materna,
a perspectiva gramatical, ensinava-se a gramática da língua. Tal procedimento,
como diz Magda Soares:
Não parecia inadequado em uma escola que existia predominantemente
para a burguesia: esta, falante do dialeto de prestígio social (a chamada
"norma padrão culta"), esperava do processo de escolarização, além da
alfabetização, apenas o conhecimento (ou mesmo o reconhecimento ) das
normas e regras de funcionamento desse dialeto de prestígio (SOARES,
1996.p.118).
Vale ressaltar, no entanto, que essa prática perpetuava uma longa tradição.
No sistema de ensino do Brasil, como no de Portugal, até meados do século XVIII, o
ensino do português restringia-se apenas à alfabetização e, posteriormente a esse
processo, os alunos passavam a aprender a gramática da língua latina. A partir de
1759, com a Reforma Pombalina, tornou-se obrigatório, em Portugal e no Brasil, o
ensino da Língua Portuguesa.
A mudança da clientela escolar ocorrida em função do direito à escolarização
das camadas populares, reivindicação iniciada em décadas anteriores, mas
intensificada na cada de 1960, não justifica explicitamente mudança na legislação
do ensino fundamental e dio. No entanto, a Lei 5692/72, promulgada no início
dos anos 1970, reconhece o novo público atendido pela escola.
Nesse período, a Lei introduziu a qualificação para o trabalho, como objetivo
do ensino de e graus. A função de fornecer re cursos humanos para o
desenvolvimento industrial era atribuída ao sistema de ensino. Assim, ganham um
sentido instrumental os conteúdos curriculares e seus objetivos, a disciplina Língua
Portuguesa passa a denominar-se, então, no ensino do 1° grau, Comunicação e
Expressão, nas quatro primeiras séries e Comunicação em Língua Portuguesa, nas
quatro últimas séries.
Corno consequência, outra perspectiva se instalou no ensino da língua
materna dentro de uma Psicologia Associacionista que fundamentava e orientava o
ensino numa pedagogia tecnicista, que se fazia através de técnicas de redação,
exercícios estruturais e treinamento de habilidades de leitura.
Essa perspectiva instrumental, que perdurou durante a década de 1970 e os
primeiros anos da de 1980, vem sendo questionada, à medida que o ensino de
língua materna se estabelece com maior consistência, quando pesquisas de uma
lingüística independente da tradição normativa e filológica e, ainda estudos em
73
variações lingüísticas e psicolingüísticas, possibilitaram avanço na educação e
psicologia da aprendizagem, principalmente no que se refere à aquisição da escrita.
As práticas mencionadas anteriormente enfocavam a língua como um produto
pronto a ser extemalizado ou passivamente apreendido pelo sujeito, e, satisfazia-se
com um ensino de abordagens tradicionais.
A partir do início da década de 1980, no Brasil, João Wanderley Geraldi, de
forma pioneira, produziu e divulgou reflexões e propostas para o ensino da língua,
que podem ser consideradas emblemáticas, uma vez que incluiu o ensino da leitura
e da escrita em uma abordagem advinda do interacionismo lingüístico, valendo-se
das contribuições da Análise do Discurso, da Teoria da Enunciação e da
Sociolingüística.
Na concepção de Geraldi (1997), o enfoque que se aos conteúdos
ensinados na Língua Portuguesa,
[...]as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o
sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá,
nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho que por que
optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia para
que ensinamos o que ensinamos? e sua correlata: para que as crianças
aprendem o que aprendem? é esquecida em benefício de discussões sobre
como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. Parece-me, no entanto,
que a resposta ao “para que?” dará efetivamente as diretrizes básicas das
respostas (GERALDI, 1997,p.40) .
Nessa abordagem houve um deslocamento do eixo das discussões ocorridas
até então, de como para por quê e para quê ensinar a língua, uma vez que essa
concepção, a linguagem como forma de interação, concebe a língua como
constituída a partir do diálogo, da interação entre os sujeitos.Conseqüentemente,
fundamenta-se em prática pedagógica que estimule o aluno ao uso da linguagem
em situações sócio-comunicativas diferenciadas, viabilizando, assim, a reflexão
sobre os contextos de produção do discurso.
Esse processo , na visão de Geraldi (1997,p.41) envolve a opção por uma
concepção de linguagem’
23
. A partir dessa premissa, esse autor classificou em
três as concepções de linguagem:
1) a linguagem como expressão do pensamento
24
: esta concepção ilumina,
basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como
tal, somos levados a afirmações - correntes - de que as pessoas que não
conseguem se expressar não pensam;
23
Grifos do autor.
24
Os destaques são do autor.
74
2) a linguagem é instrumento de comunicação: esta concepção está ligada
à teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que
se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor uma certa
mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas instruções
ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja
abandonada nos exercícios gramaticais;
3) a linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma
transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é
vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala
pratica ações que não conseguiria levara cabo, a não ser falando; com ela o
falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não
preexistiam antes à fala (GERALDI, 1997.p.41).
Ainda segundo o referido autor, a
[...] situação atual do ensino de língua portuguesa não passa apenas por
uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula.
Uma diferente concepção de linguagem constrói não uma nova
metodologia, mas principalmente um “novo conteúdo”
25
de ensino
(GERALDI, 1997, p. 45).
Pensando nesse novo conteúdo, propôs para o ensino da língua portuguesa
atividades que contemplassem três práticas: “leitura de textos; produção de textos;
análise lingüística” (GERALDI, 1997, pp. 88 -106).
.Assim, a escola, que tem por objetivo formar leitores críticos e competentes,
não pode se inspirar em práticas de leitura apenas reprodutoras. Sob o ponto de
vista cio-interacionista, Geraldi sugere que a escola, numa perspectiva ampliada
de leitura e texto, trabalhe da seguinte forma:
A leitura - busca - de - informações, quando vamos ao texto para buscar
respostas e perguntas que temos, para saber alguma coisa que não
sabemos; A leitura- fruição - do - texto, quando estabelecemos com o texto
uma relação gratuita ou de prazer estético; A leitura - estudo - do - texto,
quando, a partir de um texto, fazemos outras ações e construímos outros
saberes. (GERALDI, 1986, p.27 e 30).
Para o autor, o aluno sai enriquecido, tanto em relação aos conteúdos
quanto em termos de suas configurações textuais e discursivas, em qualquer dos
tipos de relações sugeridas acima.
Um ensino orientado dessa maneira possibilitará certamente ao aluno, por
meio de suas interações sociais mediadas pela linguagem constituir-se e
desenvolver-se como sujeitos de sua aprendizagem possibilitando também, ao
professor, olhar a linguagem e a educação como dois eixos que se entecruzam e
interpenetram de modo inalienável, pois acredito que não exista prática educativa
que não seja prática interativa.
25
Destaque do autor.
75
Nesse sentido, o ensino deixa de ser visto como transmissão de
conhecimento prontos e acabados para ser visto como mediação entre atores
sociais que possuem saberes diversificados. Dessa forma é necessário haver uma
nova definição do papel do professor e do aluno, bem como na função da sala de
aula.
Pensando dessa maneira, o professor deixa de ser a fonte exclusiva do saber,
assim como o aluno não é mas um mero receptor de informações.E a sala de aula
passa a ser o espaço onde sujeitos portadores de diferentes saberes se interagem,
engedrando novos saberes pois segundo Geraldi(1998,p.21) “são os saberes do
vivido que trazidos por ambos alunos e professores se confrontam com outros
saberes, historicamente sistematizados e denominados ‘conhecimentos’ que
dialogam em sala de aula”.
Nesse sentido, a linguagem viabiliza mais do que uma transmissão de
informações de um emissor e um receptor, ela é vista como um lugar de interação
humana. Assim,
estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam por
meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para
falar de certa forma em determinada situação concreta de interacão[...] No
ensino da língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar as
relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do
que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de
sentenças. (GERALDI, 1997, p.42).
Dessa forma mais importante que possibilitar que o aluno classifique e
denomine os tipos de sentenças é viabilizar que ele, como leitor, compreenda os
elementos do ato de ler que passam por duas habilidades intrínsecas à leitura: a
compreensão e a interpretação. Nesse sentido, Anne- Marie Chartier evidencia que:
Compreender um texto é ao longo de sua descoberta (seja ouvindo, seja
lendo), quebrar sua linearidade e organizar as informações recebidas em
representações. Para acompanhar um texto que é um continuum, o leitor
deve desconstruir mentalmente a cadeia linguística e reconstruir a
informação de outra forma (CHARTIER et ali, 1996, p. 136).
Nesse contexto situar a linguagem como lugar de constituição de relações
sociais, onde os falantes se tomam sujeitos, é tê-la como lugar de interação humana,
ou seja, com a linguagem o “falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos
e nculos que não preexistiam à fala" (Geraldi, 1997, p.41). Ainda nesse sentido,
Kramer concebe a linguagem como:
Produção humana acontecida na história; produção que - construída nas
interações sociais, nos diálogos vivos - permite pensar as demais acões e a
76
si própria constituindo a consciência. E mais: se o homem se faz fazendo o
mundo e se faz como homem se fazendo na linguagem, esse processo é
possível graças a nós, ao auditório social presente fora e dentro de cada um
(KRAMER, 1996,p.l7).
Considerar a linguagem como produção humana é compreendê-la como
viva, dinâmica e, conseqüentemente, construtora de histórias e marcas para o grupo
que a utiliza como comunicação e interação.
Nessa perspectiva, um novo olhar cuidadoso foi direcionado para o ensino,
lançou-se, então, no final da década de 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais,
documento que registra a leitura como:
Um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de
significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre
o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre a língua: característica do
género, do portador, do sistema de escrita. Não se trata simplesmente de
extrair informação da escrita decodificando-a letra por letra, palavra por
palavra (PCN, 1997, p. 53).
E ainda considera que "a razão de ser das propostas de uso da leitura [...] e
da escrita é a interlocução efetiva, e não a produção de texto para serem objetos de
correção" (PCN, 1998, p. 19).
Percebe-se que nesse novo contexto não mais espaço para a "educação
bancária", como reclamava Paulo Freire (2004) ao anúncio de novas práticas nos
anos de 1950 a 1960.
Hoje, os objetivos propostos para a escola, em especial, para o ensino da
língua portuguesa, estão relacionados coma formação do leitor e produtor de textos.
Prevê-se, então, que a escola habilite o aluno a utilizar as linguagens escrita e oral
nos seus diversos gêneros e, para tanto, faz-se necessário compreender o conceito
de letramento que segundo Scribner e Cole , o conjunto de práticas sociais que
usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contexto
específicos, para objetivo específicos"(apud KLEIMAN, 1995, p. 19).
Mediante o cenário exposto, observa-se que houve um grande avanço nas
concepções de linguagem. O engajamento possibilitou o surgimento de um quadro
de reflexões sobre a finalidade e os conteúdos do ensino da língua materna e desse
modo,
[...] a compreensão da importância que a linguagem assume na constituição do
conhecimento traz para as práticas de leitura e escrita uma implicação metodológica
decisiva à suspeno do poder que a escola confere à escrita: a aproximação da
escrita com as experiências histórico-culturais, as quais se materializam na
linguagem, na oralidade. (OSWALD,2006,p.64)
77
1.1.A Linguagem Oral
Cada sociedade em determinada época tem seu próprio repertório de
criações materiais e formas de discursos próprios que retratam o seu cotidiano. Para
Bakhtin “a palavra é a revelação de um espaço onde os valores fundamentais de
uma dada sociedade se explicitam e se confrontam” (SOUZA, 2000, p.27).
Bakhtin (1981) citado por Souza (2000) diz que
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e
servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É,
portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de
todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam,
que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para
sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o
meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças
que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica,
que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e
acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas,
mais efêmeras das mudanças sociais (BAKHTIN apud SOUZA, 2000, p.28).
Vygotsky (1984) destaca o valor da palavra como o modo mais puro de
interação social. Para ele “o significado da palavra é a chave da compreensão da
unidade dialética entre pensamento e linguagem e, como conseqüência, da
constituição da consciência e da subjetividade” (SOUZA, 2000, p.18).
Sabemos que a linguagem oral, mais especificamente a habilidade de falar e
de ouvir originou -se no convívio do homem com seus semelhantes e com seus
grupos sociais, portanto
É basicamente através da comunicação oral que nos desenvolvemos como
participantes de uma cultura. Mesmo depois de nos alfabetizarmos e
usarmos a leitura e escrita cotidianamente, continuamos a usar a linguagem
oral para realizar a maior parte dos atos comunicativos e também para
aprender. Mesmo a aprendizagem da leitura e escrita depende
fundamentalmente do comentário oral sobre o texto escrito (BRASIL,
1999.p.52).
A prática da oralidade é, pois, componente essencial para o letramento
26
.
Segundo Kleiman (1995, p.156), crianças que apresentam vestígios de
letramento, mesmo antes de serem alfabetizadas, por possuírem estratégias orais
letradas. Compreendem quando o adulto lhes diz: " Olha o que a fada madrinha
trouxe hoje!", porque estabelecem relação com um texto escrito o conto de fadas.
Estão, assim, participando de um evento de letramento conforme o fizeram ao
26
O conceito sobre letramento será tratado posteriormente neste trabalho.
78
ouvir histórias, por exemplo. Soares (2003) confirma o pensamento de Kleiman
quando diz que,
[...]uma criança pode ainda o ser
alfabetizada, mas ser letrada: uma
criança que vive num contexto de letramento, que convive com livros, que
ouve histórias lidas por adultos, que adultos lendo e escrevendo, cultiva
e exerce práticas de leitura e de escrita [...]
Ainda não aprendeu a ler e
escrever, mas é, de certa forma, letrada, tem já um certo nível de letramento
(SOARES,2003, p.47).
A linguagem oral é uma realidade no cotidiano e na prática das escolas, pois os
alunos e professores falam e se comunicam entre si, expressando desejos, vontades,
idéias, etc. No entanto, ela não tem sido tratada com a imporncia educativa e
intencional devida nessas instituições. Ora a tratam de forma casual e espontânea, ora
através de atividades de treino e repetição oral. É posvel que este seja um efeito
particular da própria natureza da linguagem oral, cuja aprendizagem teve início nos
primórdios da civilização. Nesse sentido Cardoso (2002) alerta para o fato de que
É preciso conhecer alguns aspectos, do ponto de vista histórico, de como a
humanidade adquiriu a escrita e quais as mudaas que esta proporcionou em
termos de oralidade [...] pois, [...] o processo de aquisição da escrita pela criança,
com as conseqüentes modificações do passado não pode ser considerado um
processo de recapitulação do que ocorreu com a Humanidade. Contextos
diferenciados são determinantes, o
permitindo conexões diretas entre
culturas orais do passado e culturas modernas [...] (CARDOSO, 2002, p.20)
Uma visão bastante difundida e que tem consequências na prática é a de que a
linguagem é um conjunto de palavras que servem para nomear objetos, ações e
pessoas. Pretende-se ensinar as criaas a falar a partir da idéia de que a língua é um
sistema de unidades fonéticas ordenadas em forma crescente de complexidade, com
ênfase no como se fala, no certo e errado. Partindo dessa conceão, muitas cartilhas
trazem como orientação ensinar pequenas listas de palavras, seguidas de outras e
outras, numa aprendizagem cumulativa. As palavras ensinadas, geralmente, o
escolhidas em função daquilo que se supõe fazer parte do universo familiar da criaa,
como, por exemplo, relativas aos materiais escolares, tais como pis, borracha, caderno,
cartilha, régua. Isso nos a impressão de que os autores crêem ter suficientes
conhecimentos sobre a realidade lingüistica das crianças para ditarem as palavras que
o comuns a elas“(BARBOSA, 1991, p.151).
Com essas práticas, porém, desconsidera-se a criança como falante da língua,
produzindo situações de silêncio e homogeneidade, ou seja, “nessa forma de organizar
o trabalho pedagógico, o silêncio assume papel decisivo e é cultuado a cada instante’,
apoiando-se a organizão da sala sobre a não expressão do aluno ”(MOLL,2006, p.50).
79
Prioriza-se assim, a calma e o silêncio quase que absolutos como garantia de boas
condições para a aprendizagem da linguagem oral: pretende-se a eliminação das falas
simultâneas, das falas acompanhadas de farta movimentação e de gestualidade para
que as crianças possam repetir e reproduzir o monólogo do adulto. o atitudes que
valorizam o discurso do adulto em detrimento das falas das crianças, impedindo a
alternância enunciativa e o diálogo. É comum ouvir profissionais falando no imperativo,
para a turma toda, sem esperar nem dar espaço para respostas e falas individuais. A
simplificação de histórias e textos também é conseqncia dessa redução da linguagem à
repetição fonética.
Outra vio considera que a linguagem é um mecanismo natural que se manifesta
no momento oportuno do amadurecimento da criaa. Nessa perspectiva, a linguagem
oral não é considerada conteúdo pedagógico e as atividades relativas à fala estariam
subordinadas ao ensino da leitura e da escrita.
A não-intervenção junto à linguagem oral resulta que, quando as crianças
conversam, os adultos consideram que elas não estão fazendo nada. A linguagem oral é
tratada apenas como instrumento nas relões que se estabelecem entre as criaas e
os educadores e entre as próprias crianças.
Por outro lado, a desconsideração relativa ao aprendizado da linguagem oral e o
fato de que as instituições oferecem situações comunicativas que lhe são próprias resulta
muitas vezes que as falas das criaas são avaliadas de maneira negativa e o é raro que
se ouça dizer que determinadas crianças o falam, falam mal, falam em demasia ou
falam diferente.
Outra consequência desse ponto de vista é o fato de que os adultos não
consideram que a forma como falam tem um efeito sobre as crianças, pois essa fala lhes é
uma refencia, tanto do ponto de vista da amplião do seu universo discursivo, quanto
do ponto de vista das funções da fala. É comum escutar profissionais falarem sobre as
crianças, ignorando que estas estão presentes e podem não gostar do que ouvem; há
outros que falam gritando, sem completar os finais das palavras ou, ainda, usando
predominantemente a terceira pessoa, como, por exemplo: Agora a tia vai ler uma
história.
Assim precisamos refletir sobre a seguinte afirmão
80
A linguagem vive no uso que os falantes fazem dela, e a criança, ao entrar
para o processo de alfabetização, é um falante capaz de compreender e
usar a língua portuguesa, nas diversas circunsncias da vida. O que ela precisa
aprender na escolao os
novos usos da linguagem, agora em sua representação
escrita. Esta possui uma estrutura própria, diferente da estrutura fala e,
conseentemente, implica exigências específicas(CARDOSO, 2002, p.23).
Para analisar esse contexto social da língua serão expostos, a seguir, alguns
pressupostos da escrita, que possibilitarão analisar suas formas de realização.
1.2. LINGUAGEM ESCRITA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS.
A principal forma de comunicação entre os seres humanos é a linguagem
falada. Durante muito tempo utilizando apenas a linguagem oral, o homem primitivo
sentiu a necessidade de criar alguns registros que pudessem transmitir as gerações
futuras os fatos que aconteciam ao longo da História.
Mas a verdade e que, ainda hoje, ninguém consegue explicar direito qual foi a
causa primordial para a origem da escrita. Quando a sociedade se conscientizou de
sua importância, esta já havia se consolidado e já era utilizada amplamente.
Sendo assim, é difícil dizer qual foi a causa principal para a criação da escrita,
que, provavelmente, não foi a mesma para todos os povos, como também não foi
somente uma, mas a junção de várias. Portanto, o que se pode dizer com certeza é
que a invenção da escrita trouxe um avanço significativo e de grande importância
para o desenvolvimento da humanidade, pois ela representa as idéias que podem
ficar registradas por muitos e muitos anos, diferentemente da fala que, se não for
gravada, brevemente se esvai.
É importante ressaltar que o desenvolvimento da linguagem oral e da escrita
se integram e se influenciam mutuamente, todavia não se pode considerar a escrita
como uma transcrição da fala. Nesse sentido, Gnerre (1978) afirma que
Escrever nunca foi e nunca vai ser a mesma coisa que falar: é uma
operação que influi necessariamente nas formas escolhidas e nos
conteúdos referenciais. A escrita é o resultado histórico indireto de oposição
entre grupos sociais que eram e são ‘usuários’ de uma certa variedade (
GNERRE apud GERALDI 2006,p.123).
Sendo assim,
[...] a escrita não é uma mera transcrição da fala. Não escrevemos do
mesmo jeito que falamos, pois a comunicação escrita tem outras exigências
81
e utiliza-se de outros recursos. Quando escrevemos, nosso leitor não está
presente, por isso temos de assegurar que a mensagem seja eficiente e
para tanto é preciso usar recursos próprios de organização do discurso. A
escrita é utilizada muitas vezes para registrar mensagens que devem
perdurar no tempo ou atravessar grandes distâncias, por isso ela não pode
ser tão flexível quanto à fala, obedecendo a normas mais rígidas de
organização (BRASIL, 1999.p.54).
A escrita sempre foi uma forma de representar a memória coletiva de um
grupo, seja no campo religioso, cultural, artístico, científico, político, etc. Pode-se,
portanto dizer que seu domínio marca o início da história humana, pois seu uso
desenvolveu a comunicação entre os homens, facilitando o intercâmbio de
informação, e ainda, ajudou muito no desenvolvimento intelectual do ser humano.
Esse, portanto é, o caráter social da escrita. Sua enunciação deve ser
entendida como uma réplica do diálogo social. A linguagem escrita é de natureza
social, portanto, ideológica, não existindo fora do contexto social. É o produto da
interação de indivíduos socialmente organizados.
Vista sob essa ótica podemos dizer que “a escrita é o registro das histórias
dos homens, de seus costumes, de suas lutas”
(SILVA, 1986, p.21).
Cagliari (1992) e Kato (1987), mostram que a história da escrita vista em sua
totalidade, sem seguir nenhum sistema específico de registro, pode ser
caracterizada por três fases distintas: pictórica, ideográfica e alfabética.
A fase pictórica corresponde aos desenhos ou pictogramas, os quais não
estão associados a um som, mas à imagem daquilo que se quer representar.
Consistem em representações bem simplificadas dos objetos da realidade.
Aparecem em inscrições antigas, mas podem ser vistos de maneira mais elaborada
na escrita asteca e, mais recentemente, nas histórias em quadrinhos.
Segundo Kato (1987)
Esse sistema pictórico não apresenta inicialmente uma relação direta com a
fala; porém, encaminha-se, posteriormente, em direção à representação da
fala, passado a ser um simbolismo de segunda ordem. Assim, a fala
representa idéias, e a escrita representa a fala. (p.13)
A fase ideográfica é representada pelos ideogramas, que são símbolos
gráficos que representam diretamente uma idéia, como, hoje em dia, certos sinais de
trânsito. Esses desenhos que, com o tempo, perderam seus traços mais
significativos, tornando-se uma simples convenção da escrita (como exemplo, pode-
se citar as escritas egípcias, mesopotâmica e chinesa).
82
E importante ressaltar que “foi nessa fase da escrita que sinais auxiliares,
como a pontuação e determinantes, foram introduzidos” na escrita (KATO, 1987,
p.15).
A fase alfabética caracteriza-se pelo uso de letras, assumindo uma
representação fonética. Destaca-se nesse sistema o greco-latino, do qual provém o
nosso alfabeto (latino).
Kato (1987) citando Gelb diz que
Depois da descoberta desse sistema, [...], nenhuma inovação significativa
ocorreu na história da escrita. Embora haja inúmeras variedades de alfabeto
no mundo, que apresentam diferenças formais externas, todas ainda usam
os mesmos princípios estabelecidos pela escrita grega (KATO, 1987, p.16).
Pode-se, portanto dizer que as primeiras tentativas de escrita foram as figuras
rupestres, desenhos de animais, de objetos e de partes do corpo humano. Esses
desenhos passaram então a ser o embrião da escrita.
Com passar dos tempos, o homem, substitui os desenhos por símbolos
escritos em pedras, ossos, chapas de metal, ou seja, começa registrar documentos
“para a posteridade usando símbolos semelhantes aos usados por outros homens”
(BARBOSA, 1991, p.35).
Atualmente, praticamente todas as línguas possuem um alfabeto, e o modo
mais comum de se escrever é da esquerda para a direita e de cima para baixo.
Contudo, os chineses e os japoneses escrevem da direita para a esquerda e em
colunas verticais. Os árabes escrevem da direita para a esquerda, mas não em
colunas, e sim em linhas de cima para baixo.
Por meio de pesquisas já comprovadas, podemos perceber que, a escrita ao
longo dos tempos muito se modificou. “Tanto que se olharmos as escritas antigas
percebemos que a leitura e a escrita que ensinamos não são as mesmas dos
primeiros registros, de outras épocas” (SILVA, 1986, p.21).
Na “época de escrita primitiva, ser alfabetizado significava saber ler”
(CAGLIARI, 1999, p. 14) e escrever os símbolos escritos nesses documentos. Esses
documentos são caracterizados por Cagliari (1999, p. 18) como “as mais antigas
‘cartilhas’ da humanidade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras
do alfabeto”.
E neste contexto, também foram criadas, as regras da alfabetização
83
O longo processo de invenção da escrita também incluiu a invenção de
regras de alfabetização, ou seja, às regras de alfabetização que permitem
ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita
funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI 1999, p. 15).
Pelo exposto, pode-se perceber que foi possível ao homem primitivo o uso
dessas regras e, mesmo que não tenha sido intencional, fez uso da leitura e da
escrita em situações reais de letramento tornando-o assim, autor de sua própria
história e de sua cultura.
Nesse sentido,
A escrita não pode ser perpetuada para a humanidade apenas como um
conhecimento, cuja aquisição tem servido para dividir e rotular as pessoas
em alfabetizadas e analfabetas. Não é uma técnica, cujos sinais se
aprendem para fazer a transcrição do que se fala ou se vê. Os homens
construíram a escrita buscando e modificando o seu conhecimento, para
que pudessem registrar a sua história e retomá-la sempre, reconstituindo
junto com outros homens os significados de suas lutas, a sua vida. (SILVA,
1986, p.21).
Desta forma acredito que a escrita é uma prática cultural, pois, segundo
Chartier (2002) o termo, prática cultural, se refere às atividades recorrentes e
dirigidas para um fim que o construídas e mantidas por grupos particulares de
seres humanos. Portanto a linguagem escrita é um produto da história cultural.
Conseqüentemente, a escrita deve ser estudada segundo a cultura como “o conjunto
dos caracteres que apresenta aos olhos de um observador a vida coletiva de um
grupo humano, primitivo ou civilizado” (CHARTIER, 2005, p.09).
Vale ainda ressaltar que, a aquisição da linguagem escrita não é um produto
puramente escolar, mas o resultado de um longo processo apropriativo e construtivo
por parte da humanidade. Apreender a língua escrita é construir estruturas de
pensamento capazes de abstrações cada vez mais elaboradas, pois a escrita é uma
modalidade de linguagem que se realiza pela mediação cultural. Trata-se, portanto,
de uma construção social e histórica, de símbolos e significados, constituídos ao
longo do desenvolvimento da sociedade.
84
1.3. A LEITURA
A leitura, assim como a escrita, tem sua história. No decorrer da história do
Ocidente, nos séculos XVI e XVII, a leitura era exclusivamente destinada ao
exercício espiritual. Excluindo-se os “[...] literatos, intelectuais e elites ilustradas que
podiam fazer um uso diferente, ler, para a maioria das pessoas, era uma atividade
vinculada à religião, que colocava a pessoa diante da palavra divina” (SOLÉ, 2003,
p.18). Lia-se oralmente, e os textos eram para serem ouvidos e respondidos; não
para serem compreendidos.
O ensino da leitura acontecia por meio de cartilhas, utilizando métodos que
recorriam à soletração de palavras. Soletrando as palavras, conheciam-se as letras
em suas formas maiúsculas e minúsculas, depois vinha às sílabas e finalizava-se
com a leitura corrente. Um dado interessante que Solé (2003) aponta é que a “[...]
separação da leitura e da escrita, e o elevado número de alunos que um professor
tinha de atender faziam com que eles demorassem um, dois ou três anos para
aprender a ler”. Sem contar que a compreensão não era propósito do ensino da
leitura, até porque o que se lia era latim e as crianças não entendiam quase nada,
que não era acessível a elas.
A leitura evoluiu de acordo com as mudanças sociais. Para muitas pessoas, a
leitura deixou de ser a única forma de entrar em contato com os textos bíblicos e
passou a ser uma maneira de conhecer, entender algo, obter informação, ter seu
próprio ponto de vista e compreender a história da humanidade.
Assim, como afirma Geraldi (1997),
(...) a leitura é compreendida como interlocução entre sujeitos e, como tal,
espaço de construção e circulação de sentidos, sendo impossível
descontextualizá-la do processo de constituição das subjetividades,
alargado pelas possibilidades múltiplas de interação que o domínio da
escrita possibilitou e possibilita (Geraldi, 1997: 96).
Portanto, a leitura é produção mediada pelo texto para a construção de
sentidos, exigindo, para isto, um envolvimento ativo do interlocutor.
Diante do exposto, pode-se dizer que a escola, enquanto instituição educativa
e por ser a grande responsável pelo domínio da leitura condição indispensável de
letramento deve considerar a linguagem da criança e os vestígios de letramento
que ela traz de sua experiência de vida. A leitura é parte integrante da vida diária.
85
Seu domínio significa o acesso aos bens culturais, o descerramento de outros
mundos e o desencadear de um processo de democratização do saber, pois
A leitura é um processo mental e social em que o leitor realiza um trabalho
ativo de construção do significado do texto, apoiando-se em diferentes
estratégias, como o seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor e de
tudo o que sabe sobre a linguagem escrita e o gênero discursivo em
questão (BRASIL, 1998, v. 3: 144).
Portanto é preciso ressaltar que
[...] a compreensão de um texto não pode ser entendido com o
conhecimento dos significados das suas palavras, a descoberta da sua
mensagem ou a classificação dos seus personagens [...]. Ela vai além do
texto, resulta da interação entre este, o leitor e a vida, a história de cada um
deles, não sendo nunca uma só, renovando-se a cada leitor e a cada tempo
em que acontece essa leitura. Por isso, compreender um texto é mais do
que recuperar os seus aspectos referenciais (SILVA, 1986, p.46).
Ainda, conceituando leitura sob o olhar de Lajolo (1982) temos
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto.
É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-
lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o
tipo de leitura que seu autor pretendia, e dono da própria vontade, entregar-
se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista
(LAJOLO apud GERALDI, 2006, p.91).
Conforme Oliveira (2005, p.105) “em todas as circunstâncias da vida, nas
sociedades letradas, artefatos diversificados de leitura estão à espera de um leitor
que venha a dar-lhes significado”. E acrescenta:
[...] Em função de ser objeto da cultura, fruto da necessidade humana, a
leitura pode tornar-se, tanto instância alienante como possibilidade
libertadora; constituir-se em veículo para a doutrinação e alienação da
consciência, quanto pode ser forma de expressão para mudança da
mentalidade social (OLIVEIRA, 2005, p.105).
Na concepção de Silva (1995) o processo de leitura é “um instrumento
civilizatório de reflexão e compreensão da realidade, de inserção do homem na
história e no seu tempo, através da análise crítica dos registros ou documentos
veiculados pela escrita”(SILVA,1995,p.1). E acrescenta que a finalidade essencial de
qualquer leitura é a “apreensão dos significados mediatizados ou fixados pelo
discurso escrito, ou seja, a compreensão dos horizontes inscritos por um
determinado autor, numa determinada obra” (SILVA, 1984, p.43-4).
Nessa perspectiva acredito que o domínio da leitura deve ser direcionado
para seus usos e funções sociais, chegando-se a níveis mais elevados de
pensamento, de consciência crítica e de acesso à cultura letrada. Para Alliende e
Condemarím (1987)
86
O hábito da leitura tende a formar pessoas abertas ao intercâmbio,
orientadas para o futuro, capazes de valorizar o planejamento e aceitar
princípios técnicos e científicos. Este tipo de pessoa é, precisamente, o que
permite um maior desenvolvimento social. Somente pessoas situadas num
mundo aberto são as que contribuem eficazmente para as iniciativas
comunitárias de progresso e melhoria social (ALLIENDE e CONDEMARÍM,
1987,p.18).
Nessa perspectiva, vários pesquisadores brasileiros, dentre eles Barbosa
(1991), Cagliari (1999) e Mortatti (2000) demonstram em seus estudos que desde o
surgimento da escrita, a escola vem tentando encontrar caminhos que conduzam a
aprendizagem da leitura. Tentativas várias vêm sendo registradas historicamente:
• evolução dos métodos sintéticos (do alfabético ao silábico);
• aparecimento dos processos fônicos e fonéticos;
• surgimento de métodos indutivos como o da experiência infantil e o global;
• desmembramento do método indutivo;
• método eclético (indutivo-dedutivo);
desaparecimento e aparecimento de diferentes métodos e processos (puros,
maquiados, com outros nomes e vestimentas);
• abordagens diversas com base em teorias emergentes (construtivismo, sócio-
interacionismo) e/ou metodológicas.
Diante disso, pode-se concluir da facilidade de se colocarem as crianças
como cobaias ou vítimas de "métodos de aprendizagem da leitura". Por outro lado,
crianças aprendem a ler com, sem ou apesar do método e, felizmente, aprendendo a
ler sozinhas. Segundo Smith
Milhões de crianças aprenderam a ler antes dos programas sistemáticos e
dirigidos ao objetivo, que estão sendo desenvolvidos ou promovidos hoje,
freqüentemente com base em teorias sem qualquer fundamento ou sem
sofisticação de aprendizado da leitura. (
SMITH, 1989, p.245)
inúmeras variáveis intervenientes na alfabetização que precisam ser
consideradas. Na verdade, a criança não aprende por letras, sílabas e
agrupamentos sem sentido ou complicadores. A criança sente, percebe indícios, faz
agrupamentos significativos; prevê, antecipa idéias, realiza adivinhação induzida de
palavras ou textos; infere, conclui, intui, tem insights, num processo complexo, nem
sempre inteligível para o observador. Descobre, inventa, cria, recria, constrói usando
o que sabe e tem, mesmo inconscientemente, para chegar ao domínio do saber. É
87
quase mágico, tipo germinação. Tudo esna semente, mas o quando, o como, o
porquê, o em que condições só obtêm respostas parciais.
Na verdade, é impossível marcar um ponto inicial ou terminal na
aprendizagem da leitura. Desde que a criança, de algum modo, seja exposta a
registros escritos de qualquer tipo, está aprendendo a ler de acordo com seus
esquemas cognitivos próprios. Esse aprendizado não tem fim sempre há algo de
novo a aprender, ajustes a serem feitos, mudanças semânticas ou de outro tipo,
enriquecimentos vários e novas abordagens e descobertas sustentadas pelos
conhecimentos anteriores.
Do pré-escolar à universidade, bem como antes e depois disso, o leitor
competente está sempre em formação e/ou aperfeiçoamento.
Vista dessa forma, a formação do leitor recobre-se de um significado político
de que a escola não pode se descuidar:
A leitura como atividade de linguagem é prática social de alcance político.
Ao promover a interação entre indivíduos, a leitura compreendida não
como leitura da palavra mas também como leitura do mundo, deve ser
atividade constitutiva de sujeitos capazes de inteligir o mundo e nele atuar
como cidadãos (BRANDÃO & MICHELETTI, 1997,P.22).
Pelo exposto faz-se necessário que os professores alfabetizadores sugiram e
apresentem atividades, aos seus alunos, que irão permitir a formação de leitores
competentes, críticos, reflexivos e criativos. Leitores capazes de compreender e
interpretar, de perceber idéias subjacentes e além dos textos e de estabelecer entre
elas relações de intertextualidade. Segundo afirma Braggio
A leitura torna-se vista como um ato construtivo, no qual todos os leitores
elaboram sobre as idéias selecionadas de um texto, construindo um
significado para ele. Portanto, a construção do significado é concebida
como um produto da interação entre o leitor e o texto (BRAGGIO, 1992, p.
43).
Na medida em que se envolver num processo próprio de construção de
conhecimento, a criança colocará em atividade seus recursos e estilos cognitivos
para prever, perceber, identificar, comparar, reconhecer, relacionar, julgar, concluir e
avaliar. Ao se aproximar de elementos significativos e ser capaz de jogar com esse
elementos, ela redescobre, reconstrói, recria, original e criativamente,
desenvolvendo-se de modo prazeroso e significativo no domínio da leitura e da
escrita.
88
2. ALFABETIZAÇÃO: UMA RETROSPECTIVA
O modelo escolar de alfabetização
27
,que temos hoje, estabelece que o
fundamento da escola sica seja o ensino da leitura e escrita. Esse modelo firmou-
se no cenário mundial há pouco mais de dois séculos, logo após a Revolução
Francesa que trouxe com ela avanços significativos para a escola, dentre eles, a
responsabilidade com a educação das crianças e a introdução da alfabetização
como disciplina escolar. A partir de então, “crianças são transformadas em alunos,
aprender a escrever se sobrepõe a aprender a ler; ler, de agora em diante, se
aprende escrevendo” (BARBOSA, 1991, p.16). Até esse período, ler era uma
aprendizagem distinta e anterior a escrever, compreendendo alguns anos de
instrução através do ensino individualizado.
Segundo Barbosa (1991) e Mortatti (2000), é possível definir em três períodos
a evolução da alfabetização escolar no século XX: O primeiro corresponde à
primeira metade do século, onde o enfoque era o método para ensinar a ler, pois se
supunha que o fracasso escolar se relacionava com o uso de métodos inadequados.
Travou-se então uma discussão acirrada entre os defensores dos métodos de
marcha sintética e de marcha analítica.
28
Em meados da década de 20, no Brasil,
essa discussão caiu em desuso a partir da difusão do método misto, nada mais que
nossa conhecida cartilha
29
, baseado em análise e síntese e estruturada a partir de
um silabário.
O segundo momento se deu nos anos 1960, nos Estados Unidos. Discutia-se a
alfabetizão em torno da queso do fracasso escolar tentando compreender, o que
havia de errado com as crianças que não aprendiam. Buscava-se no aluno a rao de
seu próprio fracasso. A explicão para esse fracasso se baseava no estado de
prontio da criaa para aprender. o desse período às teorias que hoje chamamos
teorias do ficit. Acreditava-se que a aprendizagem dependia de pré-requisitos
(cognitivos, psicológicos, perceptivos-motores, linísticos...) necessários à
27
Embora o termo “alfabetização tenha diferentes sentidos, neste documento ele está usado com o
significado de “processo de ensino e aprendizagem do sistema alfabético de escrita ”, ou seja, o
processo de ensino e aprendizagem inicial de leitura e escrita.
28
O Método Global ou Analítico defendia que o melhor era oferecer ao aluno a totalidade, ou seja,
palavras, frases ou pequenos textos, para que ele fizesse uma análise e chegasse às partes, que são
as sílabas e letras. O Método Fonético ou Sintético, ao contrário, propunha que o aluno tinha de
aprender primeiro as letras ou sílabas, eo som das mesmas, para depois chegar a palavras ou frase.
29
Como exemplo, podemos citar a cartilha Caminho Suave, publicada em 1948 por Branca Alves de
Lima.
89
aprendizagem da leitura e da escrita e que certas crianças fracassavam por o dispor
dessas habilidades prévias. Diante disso, baterias de exercios de estimulação foram
criadas, como remédio para o fracasso, como se ele fosse uma doença.
Dentro dessa perspectiva, sucesso e fracasso na alfabetização dependeriam do
estado de prontio do aluno, isto é, do domínio das habilidades específicas
necessárias ao aprendizado da leitura e escrita enfatizadas nos testes de
prontidão (RESENDE 2001, p.100).
Essa abordagem, que se anunciava no teste ABC
30
, de Loureo Filho (1934)
teve muita influência no Brasil nos anos 70, sendo largamente difundida a iia de que,
no início da escolaridade, toda criança deveria passar pelos exercícios conhecidos como
de prontidão para a alfabetizão e a utilização adequada de métodos eficientes para a
promão da aprendizagem. Como afirma Soares (1990,p.45): “ [...] nas décadas de 50
e 60, aquilo que hoje se formula como pergunta era uma afirmação: a alfabetizão
estava sim, em busca de um todo”.
O terceiro período começa em meados dos anos 1970, marcado por uma
mudaa significativa na área da alfabetização. Fundamentalmente, essa mudança é
fruto da psicogenética, que transformou o conceito de sujeito aprendiz da escrita
aquele que aprendia a escrever por imitação e repetição, copiando e reproduzindo
letras, sílabas e frases por um sujeito que aprende a escrever agindo e interagindo
com a língua escrita, experimentando e ousando a escrever.
Esse trabalho de investigão que desencadeou intensas mudanças na maneira
de os educadores brasileiros compreenderem a alfabetização foi coordenado por Elia
Ferreiro e Ana Teberosky, publicado no Brasil com o tulo Psicogênese da língua
escrita, em 1985
31
. Surgem então, novas reflexões sobre o processo de alfabetizão,
suscitando outras tentativas de trabalhá-la, dizendo não à reprodução.
No entanto, Cardoso (2003) nos alerta que
Apesar do sucesso dessas experiências, temos de reconhecer que o
experncias restritas, que tiveram, e têm, lugar em realidades espeficas.
Assim, pode-se dizer que o ensino da leitura e da escrita na escola brasileira
ainda se apóia, preponderantemente, em uma concepção mecanicista e
associativa do processo de aprendizagem. Em termos de idéias pedagicas,
isso significa que se considera que uma criança é alfabetizada (“aprende a ler” e
30
Conjunto de atividades para verificar e, principalmente, medir a "maturidade" que a ciência de então
supunha necessária à alfabetização bem-sucedida, publicado em 1934.
31
A doutora Emília Ferreiro foi orientanda e colaboradora de Jean Piaget suas pesquisas em
alfabetização demonstram o grande valor heurístico do construtívismo interacionista piagetiano para a
compreensão dos processos de aquisição da leitura e da escrita e de outros conteúdos que se
imaginavam, até então, estritamente escolares.
90
“aprende a escrever”) por meio de muito exercício com a ngua colocar em
corresponncia o sistema fonogico (os sons da ngua) com sistema
ortogfico (as letras correspondentes a esses sons). Desse modo, o primeiro
ano de alfabetizão é considerado como puramente instrumental. (CARDOSO,
2003,p.36)
Como vimos, há muito que as questões da alfabetizão eso em evidência.
Mas, recentemente, as discuses a esse respeito transcederam o âmbito da
pedagogia, da psicologia e da ditica, estão marcadas por uma tomada de consciência
mais intensa de sua interdepenncia com o conjunto dos problemas econômicos ,
sociais e políticos. Percebe-se, cada vez mais, que o sucesso ou o da alfabetização
o partes de um quadro amplo, o do desenvolvimento de um ps ou de uma região,
pois sem uma alfabetização adequada para a populão, o se pode avançar muito
nos planos de desenvolvimento. Por isso, desde meados da cada de 80 e início dos
anos 90 foram desenvolvidas, uma quantidade significativa de estudos, pesquisas,
encontros e seminários relacionados a alfabetização.
2.1.ALFABETIZAÇÃO: DUAS DÉCADAS DE PESQUISA
O processo de apropriação da alfabetização não é diferente ao da escrita.
A alfabetização sempre esteve presente na História da humanidade e sua prática
nasceu junto com a invenção da escrita. Segundo Cagliari (1999, p.12)
Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras da
alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está
escrito, entender como o sistema de escrita funciona e saber como usá-lo
apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os sistemas de
escrita. De certo modo, é a atividade escolar mais antiga da humanidade.
Portanto, pode-se diz que o caminho trilhado desde a invenção da escrita
até os dias atuais foi longo, por isso acredito ser oportuno interrogar-se sobre como
vem se constituindo a alfabetização na sociedade atual. Então vejamos.
Em meados dos anos 80, período em que se inicia este estudo, as o
tecnicismo e os todos de alfabetização terem caído em descdito, comou a ser
divulgado internacionamente o trabalho de Elia Ferreiro sobre os processos de
aquisição da linguagem escrita pelas criaas.
91
Como conseqüencia do estudo de Ferreiro (1985), houve nesse período uma
mudança significativa na área da alfabetização. Fundamentalmente, essa mudança é
fruto da psicogenética, que transformou o conceito de sujeito aprendiz da escrita
aquele que aprendia a escrever por imitação e repetição, copiando e reproduzindo
letras, sílabas e frases por um sujeito que aprende a escrever agindo e interagindo
com a língua escrita, experimentando e ousando a escrever.
A pesquisa de Ferreiro(1985) mostrou que a alfabetização é fruto de um
processo de construção de hipóteses decorrente de procedimentos de análise da
língua escrita por parte de quem aprende: “por trás da mão que escreve e do olho
que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso, se alfabetiza” (ANTUNES e
SOLIGO, 2002, p.79).
Em seu trabalho de pesquisa, a psicogênese da língua escrita, Ferreiro (1985)
constatou que a leitura e a escrita passam por um processo de desenvolvimento similar
ao desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, a criança não coma a aprender a ler e a
escrever somente quando entra na escola, mas a construção da leitura e da escrita
começa muito antes.
Diante dessa nova descoberta mudou-se o foco das perguntas que se faziam
anteriormente nas pesquisas sobre o processo de leitura e escrita. Segundo Ferreiro
(1987.p.5)tradicionalmente, as investigões sobre as queses da alfabetizão
costumavam girar em torno das seguintes queses: como se deve ensinar a ler e
escrever?” Ou, mais especificamente, qual o melhor método de alfabetização?
O trabalho de Ferreiro levantou suspeitas em relação aos todos tradicionais de
alfabetizão. Vale aqui ressaltar que existe
[...] uma preocupação obsessiva por parte dos educadores por “métodos” de
alfabetização, preocupação essa causada pela busca ansiosa de um
instrumento seguro para a consecução dos objetivos mínimos da escola: ensinar
a ler e a escrever (KATO, 1985, p.03).
Essa preocupão talvez possa ser explicada por haver uma tendência histórica
do magisrio em utilizar receitas e o teorias, fruto de uma perspectiva empirista e
também devido à precária formação dos professores, portanto, fundamentalmente por
uma queso ideológica, os professores tendem a esperar que lhes dêem fórmulas para
serem aplicadas diretamente na prática da sala de aula. Com isso a técnica é confundida
com a teoria. D que se ouve ouve muito a frase: a teoria na prática é outra. O resultado
disso é a busca desenfreada por todos milagrosos para alfabetizar.
92
O trabalho de Ferreiro (1987) s em xeque uma antiga crença, na qual a escola
apoiava suas práticas de ensino, e desencadeou alterões na conceão de
alfabetizão. Assim, é evidente que não podemos deixar de ressaltar a contribuição
da teoria psicogenética de aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que essa
teoria contribuiu para romper as concepções tradicionais de alfabetização e
possibilitou que os professores alfabetizadores começassem a refletir sobre a
participação da criança no processo de aprendizagem e sobre o trabalho que
realizavam para ensinar as crianças a ler e a escrever.
De acordo com Magda Soares (2003, p.20) “não basta apenas saber ler e
escrever [...]”, dos indivíduos já se requer que dominem o apenas a tecnologia do ler e
escrever, mas também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às
exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente [...]” (SOARES, 2003,
p.20).
Certamente a forma de se abordar a questão da aquisição da leitura e da escrita pela
criança nunca mais será a mesma depois dos trabalhos realizados por Emilia Ferreiro. Suas
pesquisas desvendaram um aspecto que não costumava ser levado em conta até então:
[...] a escrita é um sistema de representão da linguagem, cuja aprendizagem significa a
aproprião de um novo objeto do conhecimento e não simplesmente a aquisição de
técnicas. (SILVA , 1986, p.19).
Vale ressaltar que, tamm, os trabalhos de Ferreiro(1985,1986,1992), Ferreiro e
Teberosky(1985) e Ferreiro e Palácio (1987) trouxeram uma grande contribuição à
compreeno do processo assimilativo das criaas, quanto aos aspectos funcionais e
estruturais da linguagem escrita. A partir dessa compreeno, os professores poderia
analisar de fato sua prática pedagica e distinguir as cnicas das idéias que estão por
trás da mesma. Segundo Mortatti (2000) o trabalho de Emília Ferreiro ...
[...]é uma das mais valiosas e recentes contribuições no sentido de considerar
a escrita como representação da linguagem e não como um código de
transcrição gráfica de unidades sonoras. Por outro lado ela considera a
criança, que aprende, como um sujeito ativo que interage de modo produtivo
com a alfabetização (MORTATTI, 2000, p.252).
Para Oswald ( 2006,p.61)
As pesquisas de Ferreiro e Teberosky trouxeram para as práticas de escrita a
enorme contribuição de libertar a criaa da obrigão de passar grande parte do
seu tempo na escola exercitando suas funções percepto-neurológicas. Em outras
palavras, libertaram-na das tarefas pouco significativas de "cobrir pontinhos",
"levar o osso ao cachorrinho", "apontar a cadeira que está à esquerda da mesa",
93
"corresponder vogais" etc. Livraram-na também das intermináveis cópias e das
corre-ções que, efetuadas com caneta vermelha, faziam sua escrita sangrar.
Não se pode deixar de registrar, também, as pesquisas de Ana Teberosky, na
Espanha, tanto aquelas realizadas em colaboração com Emília Ferreiro (1985), quanto as
voltadas para a dimensão pedagógico-metodológica do ensinar a ler e escrever, publicadas
juntamente com Beatriz Cardoso (1993), bem como seu trabalho junto a professores na
constrão de uma pedagogia da linguagem escrita na perspectiva construtivista (1994).
No campo da historiografia da alfabetização, e sua relação com os fatores
socioculturais, merecem ser lembrados os trabalhos de Vinão Frago (1993), na Espanha e o
de Graff (1994), nos Estados Unidos. Esses estudos e pesquisas em âmbito internacional
refletiram, como era de se esperar, nas produções cientifícas voltadas para a alfabetização
no Brasil.
No Brasil a alfabetização tem se constituído, a partir das últimas décadas
do século XX, em temática amplamente explorada por autores como Freire (1975),
Soares (1986), Soares e Maciel (2000), Mortatti (2000), dentre outros, em todos os
períodos da História da Educação Brasileira.
Por meio dessas investigações, sistematizaram-se elementos concretos para
o entendimento do processo de aprendizagem da linguagem escrita, especialmente
no que se refere aos fatores sociais, econômicos e políticos que o influenciam,
abrangendo os métodos de ensino, a relação oralidade-escrita, as tecnologias e
ações didático-pedagógicas e, mais recentemente, as funções da leitura e da escrita
em práticas sociais e culturalmente determinadas.
O trabalho desenvolvido por Soares em 1989, primeira edição da série
“Estado do Conhecimento”, apresenta um amplo inventário dessas produções, no
período de 1954 a 1986.
32
Dirigindo sua pesquisa a qual denominou conhecimento
em construção, Soares (1989) examinou um total de 109 artigos, publicados em 21
periódicos brasileiros da área da educação, naquele período, e um total de 75
trabalhos acadêmicos, entre teses e dissertações, abrangendo o período de 1961 a
1986.
Evidencia-se, de acordo com esse trabalho que na década de 1970 e,
notadamente na década de 1980, um decréscimo do número de estudos voltados para a
32
O ano escolhido para o início do levantamento refere-se àquele no qual a autora pôde identificar o
primeiro trabalho de categoria pesquisada.
94
discuso dos métodos tradicionais de alfabetizão e um progressivo aumento de
pesquisas constrdas a partir de novos paradigmas, especialmente a partir da
psicologia genética, da lingüística e da psicolingüística ,como já dissemos anteriormente.
Decrescem as investigões sobre métodos porque os paradigmas se alteram. O foco
o é mais a metodologia, mas o processo de aprendizagem.
A partir daí surgiram pesquisas que em
[...] decorncia do novo paradigma da alfabetização, isto é, as contribuições das
pesquisas da psicogênese, da sociolínguistica e da lingüistica propriamente dita
provocam mudanças substanciais na concepção da aprendizagem da leitura e da
escrita (SOARES e MACIEL, 2000,p.17).
Em outras palavras a conceão de alfabetização passa a ser um tema relevante no
momento em que novas perpectivas de análise vêm questionar as concepções tradicionais.
Os estudos relativos à concepção de alfabetização são próprios das últimas décadas, de
modo especial, a partir dos anos 80, pois nesse período, houve alterações profundas na
concepção de alfabetização. Era o momento de reflexão crítica acerca das metodologias
tradicionais e do próprio conceito de alfabetização.
No entanto, Cardoso (2000) afirma que, o trabalho desenvolvido por Soares (1989),
[...] embora constate crescimento na produção acadêmica e científica na área,
aponta, igualmente, lacunas. A principal delas diz respeito a estudos sobre aquisição
da língua escrita comprometidos com os processos de desenvolvimento ou de
construção. Pesquisas dessa natureza são ainda reduzidas e recentes, não
abarcando toda a probletica em questão (CARDOSO, 2000, p.16).
No trabalho de Soares (1989)
também é possível perceber a carência de pesquisas
históricas sobre a alfabetização, pois em seu trabalho aparece apenas uma pesquisa com
essa abordagem. Diante dessa carência vale salientar que
[...] a importância de investigar o processo de construção, ao longo do tempo, do
saber sobre a alfabetização e do fazer alfabetização, no Brasil, desvendando as
relações entre esse saber e esse fazer e o econômico, o político e o social, em cada
momento histórico (SOARES e MACIEL, 2000. p.63).
No ano 2000 Soares e Maciel, apresentam a segunda edição da série Estado do
Conhecimento, na verdade uma atualização da primeira edição,
[...] não pela incorporação de novos dados ao período anteriormente
analisado, complementando-se as lacunas detectadas na publicação
anterior, mas, ainda, pela inclusão dos dados relativos aos três últimos anos
da década de 80, estendendo-se, assim, a análise até o final dos anos 80.
(SOARES e MACIEL, 2000, p.5).
Assim, as pesquisas que constam na segunda edição da série “Estado do
Conhecimento” “referem-se, pois, ao período 1961-1989, apresentando três décadas
de produção acadêmica - teses e dissertações - sobre o tema alfabetização, em
95
cursos de Pós-Graduação das seguintes áreas: Educação, Psicologia, Letras e
Distúrbios da Comunicação” (SOARES e MACIEL, 2000, p.5).
É importante ressaltar que este trabalho, segundo as autoras, tem por objetivo
contribuir para a constituição de um banco de dados que por duas razões o deve
ter término:
A primeira razão é que [...] no movimento ininterrupto da ciência ao longo do
tempo [...] a análise, em pesquisas de “estado do conhecimento” [...] deve ir
sendo paralelamente construída, identificando e explicitando os caminhos
da ciência, para que se [...] possa tentar a integração de resultados e,
também, identificar duplicações, contradições e, sobretudo, lacunas, isto é,
aspectos não estudados ou ainda precariamente estudados, metodologias
de pesquisa pouco exploradas. A segunda razão para que pesquisas de
“estado do conhecimento” tenham caráter permanente, pois [...] o banco de
dados [...] precisa manter-se atualizado, dada a sua grande relevância para
pesquisadores e estudiosos. No Brasil [...] o único grupo [...] que dispõe de
teses e dissertações resumidas e categorizadas, compondo um banco de
dados que vem sendo utilizado por pós-graduandos e outros pesquisadores
sobre o tema alfabetização é o Ceale
33
[...] (SOARES e MACIEL, 2000. p. 06).
O pensamento de Soares e Maciel (2000) justifica, assim, a necessidade de mais
estudos nessa área e conseqüentemente a publicão de trabalhos acadêmicos de
relevância para a educação brasileira, especificamente sobre a alfabetizão, dos quais
destaco os trabalhos da própria Soares (1998 e 2004), Mortatti (2000 e 2004), Cagliari (1992
e 1999), Cardoso (2003 , 2006 e 2007), Ancio (2002, 2003 e 2006), Kramer (2002), dentre
outros.
Esses estudos contribuem para a compreensão das conceões e as práticas
pedagógicas na alfabetização em todos os períodos da História da Educação Brasileira.
Além disso, ts investigações, permitem um melhor entendimento do processo de
alfabetizão, no que se refere aos fatores históricos, sociais, econômicos e políticos
abrangendo e influenciando, os métodos de ensino, a relação oralidade escrita, as práticas
pedagógicas, as funções da leitura e da escrita nas práticas sociais culturalmente
determinadas.
Diante desse olhar cuidadoso direcionado para a alfabetizão, percebe-se que
não há mais espaço para a “educação bancária(FREIRE, 2004, p.25), sob esse ponto
de vista forma a alfabetização passa a ser entendida como
[...] processo de construção do conhecimento, que se dá num contexto
discursivo de interlocução e interação, através do desvelamento crítico da
realidade, como uma das condições necessárias ao exercício da plena
33
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais.
96
cidadania: exercer seus direitos e deveres frente à sociedade global
(GADOTTI, 1996.p.59)
Paulo Freire defendia a importância de se investir na alfabetização, mas não
enquanto aprendizagem mecânica da leitura e da escrita. Freire colocava como
objetivo principal nesse processo, a compreensão crítica, tanto da palavra escrita
como da palavra falada, dentro do contexto social em que são utilizadas.
Assim, nos dias atuais, privar o indivíduo do direito de aprender a ler e
escrever é o mesmo que deixá-lo fora das interações sociais, é excluí-lo socialmente
pois,
A alfabetização é, sem dúvida, o momento mais importante da formação
escolar de uma pessoa, assim como a invenção da escrita foi o momento
mais importante da História da humanidade, pois somente através dos
registros escritos o saber acumulado pôde ser controlado pelos indivíduos
(CAGLIARI, 1995, p.10).
Partindo desse pressuposto, a necessidade de uma metodologia que parta
da reflexão da utilização da linguagem, por meio de uma terminologia simples, e
mediada pelo professor, aproximando-se do conhecimento gramatical produzido, ou
seja, o indivíduo precisa saber usar a língua escrita nas diversas situações do cotidiano,
em pticas sociais, ou seja, o indivíduo precisa ser alfabetizado e letrado.
Sobre isso, Luiz Antonio Marcuschi ( 2001,p.25), diz que : " letrado é o
individuo que participa de forma significativa de eventos de letramento
34
, e não apenas
aquele que faz um uso formal da escrita".
Enfim, nos dias atuais, há de se pensar a questão da alfabetização como
princípio de dignidade humana e como ato político de preparação do indivíduo para
participar da construção e da reconstrução histórica. É aqui também, o momento de
colocar as idéias de Paulo Freire (1993, p.43), e como ele, fazer da “educação um
ato político, no qual alfabetizar-se implique, antes de tudo, aprender a ler o mundo
compreendendo seu contexto e ser capaz de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer
dizer, de transformá-lo através da prática consciente”.
34
Assunto que veremos no próximo item
97
3.LETRAMENTO: UM NOVO CONCEITO NO CENÁRIO DA ALFABETIZAÇÃO
Atualmente, os objetivos propostos para a escola, em especial, para a
alfabetizão, estão relacionados por uma orientão pedagógica na qual, além de
aprender sobre as letras, os alunos aprendem sobre os diversos usos e as formas da
língua que existem num mundo onde a escrita é um meio essencial de comunicação.
Prevê-se, então, que se traga para dentro da escola a diversidade textual que existe
fora dela, abrindo assim, para nossos alunos , as portas do mundo letrado e, para
tanto, faz-se necessário compreender o conceito de letramento que segundo Soares
(2003a,p.39) “[...] o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um
indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas
sociais”.
No Brasil, a palavra letramento apareceu pela primeira vez em meados dos
anos 80 no livro: No Mundo da Escrita: Uma Perspectiva Psicolingüística de Mary
Kato (1986). Para essa autora a língua falada culta é resultado do letramento. Desse
período para cá as discussões sobre o letramento têm demandado uma
transformação radical nas práticas de ensino da leitura e da escrita no início da
escolarização, ou seja, na didática da alfabetização. Essas mudanças trouxeram
muitas modificações para o ensino e a aprendizagem do ler e escrever. É nesse
contexto que ganha visibilidade esse novo fenômeno dentro da alfabetização: o
letramento.
“Letramento refere-se àquelas práticas discursivas que precisam da escrita
para torná-las significativas, ainda que não envolvam as atividades específicas de ler
ou escrever”. (PCN, 1987, p.2).
Segundo Mey (2001 p. 241): ”o letramento não é o que torna as pessoas
letradas, mas sim a maneira como essas pessoas funcionam em um discurso societal
utilizando suas próprias vozes”.
Como vivemos em uma sociedade onde estão presentes muitas vozes como
podemos tratar a questão do letramento levando em consideração esta sociedade?
Tfouni (1995, p. 20) nos diz que: “enquanto a alfabetização se ocupa da
aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza
os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade”.
98
As discussões sobre os significados do letramento têm aumentado muito nos
últimos anos. Autores brasileiros têm constituído, a partir de diferentes perspectivas
teóricas, um importante acervo de produção acadêmico-científica que explora os
aspectos e problemas que envolvem esse novo fenômeno. Dentre eles destacam-se
Kleiman (1995, 2001), Ribeiro (2003), Soares (2001, 2002, 2003, 2004), Tfouni
(1988, 2004), Mortatti (2004). Esses autores parecem concordar com a necessidade
de explicar o letramento como algo que é mais amplo que alfabetização, ou seja,
algo que vai além do domínio da leitura e da escrita.
Segundo Soares o letramento possui duas dimensões: a individual e a social.
A dimensão individual, ou seja, para ler e escrever e entender o que leu e escreveu,
precisamos desenvolver as habilidades motoras, cognitivas e metacognitivas. Cabe
aqui recorrer a Charmeaux (2000 p. 42), quando diz que: “saber ler é compreender,
e uma criança que não compreende o que lê, na realidade não leu. Seria absurdo
dizer que ela lê sem compreender; ela absolutamente não lê”.
Soares ressalta ainda que, ler e escrever o processos distintos, embora
complementares, que requerem habilidades diferenciadas.
A dimensão social apresenta-se, segundo Soares, como prática social, ou
seja, como as pessoas em um determinado contexto, demonstram certa intimidade
com algumas práticas de leitura e de escrita. Dessa forma é possível compreender
“que existem diferentes práticas de letramento, que mudam segundo o contexto”
(KLEIMAN, 1995, p.39).
Segundo Kleiman (1995, p.15) “podemos definir hoje letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e
enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.
Tfouni (1988), assim diferencia alfabetização de letramento,
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de
habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem, isto é
levado a efeito, em geral, através do processo de escolarização, e, portanto,
da instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do
individual. O letramento [...] tem por objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido,
desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo.
(TFOUNI, 1988, p.9).
99
Essa autora conceitua a alfabetização como processo de aquisição de
habilidades para a leitura e escrita e o letramento como conhecimento e uso da
função social da escrita.
Emília Ferreiro, não usa os dois termos. Para ela, os conceitos de
alfabetização e letramento significam a mesma coisa, ou seja, um conceito está
inserido no outro. Nota-se que Soares (2004a) concorda com Ferreiro, no que
concerne a indissociabilidade entre alfabetização e letramento
35
, pois a autora afirma
que alfabetização e letramento
Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis:
a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais
de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este,
por sua vez, pode desenvolver-se no contexto da e por meio da
aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da
alfabetização. (SOARES, 2004a, p.25).
Segundo Soares separar alfabetização e letramento seria um erro visto que,
[...] no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e
psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do
adulto analfabeto) no mundo da escrita se simultaneamente por esses
dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a
alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema
em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita – o letramento. (SOARES, 2004a, p.25).
Nessa perspectiva , os objetivos propostos para a escola, em especial, para a
alfabetizão estão relacionados por uma orientão pedagógica na qual, o processo de
alfabetizão não pode centrar-se somente no donio da letra, da laba, da palavra
solta ou da frase que, isoladas fora do contexto, o preparam a criança para produzir
discursos orais e escritos de acordo com as situões de comunicação das quais
participa, ou seja, fazer uso da escrita como uma prática social, pois a criança ao entrar
na escola já é capaz de se expressar oralmente em diferentes situões da vida. E tudo
sem treinos especiais, sem sistemátizão de qualquer conteúdo da ngua. Conforme
comenta Cagliari(1992, p.17) “Ela simplesmente se encontrou no meio de pessoas que
falavam e aprendeu.”
Nesse contexto o professor deve assumir novas práticas pedagicas para
alfabetizar e letrar seus alunos, pois segundo Mortatti
Letramento es diretamente relacionado com a ngua escrita e seu lugar, suas
fuões e seus usos nas sociedades letradas,[...] em que esta, sobretudo por
meio do texto escrito e impresso, assume imporncia central na vida das
35
No entanto, Soares defende o uso dos dois termos.
100
pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem
(MORTATTI, 2004, p.98).
Diante disso, é preciso considerar que uma criança alfabetizada deve ser capaz de
fazer uso da escrita como prática social, por meio da leitura, produção e interpretão de
textos, levado-se em conta os interlocutores e a situação de produção de linguagem.
Prevê-se, então, que se traga para dentro da escola a diversidade textual que
existe fora dela, abrindo assim, para nossos alunos , as portas do mundo letrado.
Para que isso aconteça é imprescindível que o educador, além de dominar um
método para alfabetizar conheça a realidade de seus alunos, ou seja, saber o que
seus alunos pensam e sabem sobre a leitura e a escrita. Isso permite ao professor
fazer a mediação entre os conhecimentos adquiridos por seus alunos e os
conteúdos de linguagem com os quais irá trabalhar.
Torna-se necesrio, portanto, ao professor, alfabetizar letrando, ou seja:
ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de
modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (SOARES,
2003a, p.47). Para tanto, faz-se necessário compreender o conceito de letramento
que segundo Soares (2003a, p.18-39) é “[...] o estado ou a condição que adquire um
grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e
de suas práticas sociais”.
Mediante o exposto, até aqui, é possivel observar que houve um avanço na
educação nas últimas décadas do século passado possibilitando o surgimento de um
quadro de reflees sobre a finalidade e os conteúdos da alfabetização, porém, as
estatísticas, nos revelam que o fracasso escolar ainda assola o país, especialmente, no
que se refere à alfabetizão. Conforme denuncia Soares(2000,p.33) “na escola, nós
temos alfabetizado as crianças, mas a maioria da população sai da escola dizendo
que não sabe escrever.”
Podemos dizer então que, a alfabetização não é, ainda, uma apropriação de
todo o cidadão e, portanto, historicamente, a alfabetização não conseguiu garantir à
grande massa da população brasileira o acesso ao mundo letrado. Isso ocorre
porque a ênfase no ensino da alfabetização, infelizmente, ainda é, apenas, com as
práticas escolares de leitura e escrita, e não com as práticas sociais, ou seja, a
escola continua alfabetizando, mas não letrando. Isso significa dizer que: alfabetizar
letrando ainda é um grande desafio para a educação.
101
4. ALFABETIZAR COM OU SEM CARTILHA?
Um dos debates da atualidade diz respeito aos recursos didáticos
utilizados na alfabetização, em especial as cartilhas, pois elas ainda hoje
exercem
um papel mediador e concretizador de teorias e métodos da alfabetização nas salas
de aula, em dissonância com as teorias atuais de alfabetização, como por exemplo o
construtivismo, que a combatem com a pretensão de superá-las.
Para AMÂNCIO
36
(2002) falar sobre o uso de cartilha na sala de aula é,
[...] se defrontar com problemas metodológicos do ensino das primeiras
letras; é abordar um objeto que tradicionalmente tem ocupado um espaço
especial na sala de alfabetização e contribuído, de alguma forma, no
processo de aprendizagem da leitura e da escrita na fase inicial da
escolarização (AMÂNCIO, 2002, p.77
).
Sabemos que
muito tempo
a cartilha es presente
na escola brasileira
37
.
Certamente
seus produtores e o leitor deste texto foram alfabetizados por meio
delas. Muitas pessoas, entre elas os professores, acreditam que esse material
didático é um todo eficiente de alfabetização, partindo do pressuposto que, se
foi eficiente para alfabetizá-los, servirá também para outras pessoas.
Assim a cartilha vai ocupando
[...] um espaço privilegiado na sala de aula. Silenciosa, sorrateira e intrusa,
ela se impõe como verdade num contexto em que as dificuldades são
tantas, no qual professores desacreditados e descrentes exercem sua
prática docente, reproduzindo, de um ano para o outro, a proposta ditada
por este recurso didático.(AMÂNCIO,2002,p.178).
Dessa forma, as falhas que as cartilhas apresentam continuam sendo
reproduzidas por professores na sala de aula,
de forma consciente ou não
.
Alguns professores, com um discurso progressista contraem a selão
e o uso da cartilha que apontam para uma prática pedagógica tradicional.
Entretanto,
a cartilha utilizada, por eles, quando criticamente analisada, mostra a
fragilidade que esses professores m nos seus critérios de seleção, quando os
têm, o conseguindo detectar, por exemplo, a maquilagem (novas ilustrações,
nova capa,etc) que alguns autores e editoras menos escrupulosos fazem em
velhas e ultrapassadas produções, relançando-as no mercado como
36
Trata-se de uma pesquisa que a autora realizou em Rondonópolis-MT entre 1992 a 1995.
37
Para maior conhecimento ver: Mortatti (2000), Amâncio (2002), Cagliari (1999), Barbosa (1991).
102
novidades que atendem às exigências de instituições educacionais como o
Ministério da Educação e Cultura (MEC), por exemplo.
Talvez por isso, ainda existem professores que têm vergonha de mostrar
que usam a cartilha e tentam dissimular sua prática, preparando o próprio material
de trabalho: a cartilha o esna sala, mas a metodologia sim, basta verificar as
atividades mimeografadas e coladas nos cadernos dos alunos.
Segundo Mortatti (2000) a cartilha ainda, funciona como instrumento de
trabalho do professor , mesmo quando este nega não utilizá-la diretamente com
os alunos e salienta:
De qualquer modo, no momento em queso, algumas das cartilhas
tradicionais continuam a ser utilizadas e muitas novas cartilhas são
produzidas, as mais recentes denominadas constritivistas ou
socioconstrutivistas ou construtivistas-interacionistas (MORTATTI,
2000,p.257).
Para reafirmar o uso freqüente das cartilhas no processo de alfabetização
das criaas recorro a pesquisa de Amâncio(2002) que constatou que:
[...] na nossa realidade, é que os professores alfabetizadores são fiéis
seguidores de cartilhas, dependendo exclusivamente delas para ensinar a
língua materna escrita;quaseo há questionamentos com relação a esse
material, que é seguido à risca porque tem uma seqüência,tem aquelas
palavras”(AMÂNCIO,2002,p.56).
Diante disso, é novel a forte depência por parte de muitos professores
alfabetizadores em relação ao uso desse instrumento na sua rotina de trabalho.
Segundo Amâncio(2002, p.58-59) na concepção de alguns professores, a
língua constitui um sistema fechado, abstrato, cuja aquisão ocorre
mecanicamente, tendo como pré-requisitos a consciência do fonema e as
habilidades para segmentar a fala em fonemas.
Ressalta a autora que:
[...] A criaa é exposta a fragmentos da língua, sons e letras isoladas,
senteas descontextualizadas, porque ler e escrever é mera aquisão de
uma técnica, cuja forma precede a função no aprendizado que depende da
repetição. Existe um controle da aprendizagem com a introdão gradativa
de padrões de som/letra, oferecendo-se primeiramente os mais fáceis”. O
aspecto grafônico prevalece sobre os demais aspectos, o que é percebido
na apresentação da língua, onde predominam a fragmentação e a
artificialidade (AMÂNCIO,2002,p.59).
O modo de trabalho com as sílabas nas cartilhas, segundo Cagliari (1999) possuem
a mesma estruturação, ou seja, o compostas de lições. Essas lições “partem de uma
palavra-chave, ilustrada com um desenho, e destacam a sílaba geradora [...]. Em
103
seguida, apresenta-se a família silábica daquela sílaba destacada “(CAGLIARI,1999,
p.81). Essas sílabas serão utilizadas posteriormente, na silabação leitura coletiva
daslabas.
De acordo com o autor, nessa atividade, abaixo das famílias silábicas vêm
palavras quase sempre formadas de elementos dominados, que se somam aos da
nova lição. Depois, a cartilha apresenta exercios estruturais de montar e desmontar
palavras. Ou então,
aparecem os exercícios de "fa segundo o modelo"
(CAGLIARI,1999, p.82), de forma mecânica e descontextualizada, que visam
somente à memorização.
Dessa maneira, cada unidade trata apenas de uma unidade silábica, o que,
além de empobrecer o trabalho com as labas, limita o horizonte de conhecimento da
criança.
Ainda segundo Cagliari (1999), geralmente a lição da cartilha termina em um
texto. Com a intenção de facilitar a leitura para o aluno, a cartilha propõe textos que
o pretextos, elaborados com palavras compostas e com sílabas dominadas.
Pom, o conteúdo, a coesão e a coerência, na maioria dos casos, ficam prejudicados.
O autor ainda ressalta que, nas cartilhas,
uma palavra é feita de sílabas, uma sílaba de letras, uma frase é um conjunto
de palavras e um texto é um conjunto de frases.[...] a idéia de que a linguagem
é uma “soma de tijolinhos”
38
, representados pelas sílabas e unidades
geradoras (CAGLIARI,1999,p.82).
Tal concepção abrange apenas o nível superficial da linguagem. Representar a
linguagem através da escrita vai muito além de codificar e decodificar sinais gráficos,
pois requer a incorporão de aspectos discursivos da linguagem escrita.
Outro aspecto que deve ser considerado, diz respeito aos conteúdos que
sobrevivem a uma revisão pouco criteriosa e descomprometida com uma
alfabetização de qualidade, da falta de adequação da linguagem à faixa etária e dos
textos com a realidade da criança e, ainda, da falta de coerência com as novas
concepções da alfabetização.
Nesse caso,
O problema não é deixar de usar a cartilha, mas a concepção que temos de
cartilha e a proposta para usá-la. Porque os argumentos mais usados contra
ela são de que acomodam o professor e de que não atendem à realidade de
38
O destaque é do autor.
104
cada aluno.Temos insistido muito em que se os professores são preparados
e têm condições de trabalho a cartilha deixa de ser o centro e passa a ser
apoio. Em muitos casos não condições para o que o professor e
reproduza material e precisa tê-lo. O que se deve pensar é elaborar um
material básico que possa ser explorado de várias formas, sem esquecer
que é essencial o conjunto de textos dos mais diferentes tipos e incentivo à
escrita (HARA apud RIBEIRO,1992,p.105)
Talvez a realidade constatada seja produto da cancia e/ou ineficiência dos
programas de formação para professores alfabetizadores, como tamm pode ser
resultado dos problemas de formão profissional em nossos cursos superiores,
assim como do distanciamento entre a prodão realizada na instância
universitária e o desenvolvido nas salas de aula das escolas de educação básica.
Nesse sentido Carvalho(2005) afirma que,
As teorias e os métodos de alfabetização, ensinados nos cursos e nas
faculdades de educação, nem sempre correspodem nem sempre se
propõem a responder - às questões cruciais da prática. O senso comum
das professoras e a necessidade imediata de resolver problemas do
cotidiano levam-nas a desconfiar da palavra dos teóricos e a valorizar a
experiência de ensino (CARVALHO,2005, p.17).
Frente a isso, concordamos com Duarte (2003) quando afirma que:
De pouco ou nada servirá mantermos a formação de professores nas
universidades se o conteúdo dessa formação for maciçamente reduzido ao
exercício de uma reflexão sobre os saberes profissionais, de caráter tácito,
pessoal, particularizado, subjetivo, etc. De pouco ou de nada adiantará
defendermos a necessidade dos formadores de professores serem
pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação se renderem
ao “recuo da teoria” (DUARTE, 2003, p. 620).
Portanto, com certeza, ainda existe a necessidade de ações continuadas de
formação que se estendam a esses profissionais. Que permitam a superação de
falhas que não se expressam somente na adoção de métodos e teorias inadequados
e/ou superados, ou na dicotomia teórico-prática, anteriormente referidas, mas que se
fazem acompanhar de outras dificuldades, como, por exemplo, buscar novas
produções, pesquisar e selecionar recursos didático-pedagógicos que possam ser
mais adequados ao seu trabalho e à realidade do mundo em que vivemos.
Essas lacunas de formação podem apresentar resultados nocivos à
sociedade, criam barreiras às práticas pedagógicas mais críticas e reflexivas, e, de
forma mais grave ainda, levam o professor a acreditar na sua própria incapacidade
para alfabetizar.
Como o professor acredita-se incapacitado para alfabetizar, como os
acadêmicos e professores universitários e seus projetos muito pouco atendem aos
interesses das escolas, como as políticas governamentais se respaldam em
105
relatórios que não condizem com a realidade, a prática da alfabetização acaba se
voltando para a repetição de métodos e teorias superados, pela escolha, na maioria
das vezes inadequada, das cartilhas de alfabetização.
Nessas cartilhas escolhidas, afirma Ancio (2002)
39
,
[...] excesso de repetições; as constrões não o as melhores
pobres,sem nexo, sem coesão, sem unidade tetica; o vocaburio é
limitado, além de incorrer numa rie de impropriedades. O resultado é
uma criança escritora de frases parecidas com as das cartilhas e leitora de
letras e sílabas . A criaa imita os modelos da cartilha,o escreve o que
sabe da linguagem, mas o que ficou marcado pelos treinamentos a que se
submeteu nessa fase (
AMÂNCIO,2002, p.40)
.
No texto,
"As idéias, concepções e teorias que sustentam a prática de
qualquer professor, mesmo quando ele não tem consciência delas"
40
, Telma Weisz
traz um exemplo de um texto cartilhesco, escrito por uma criança
O sapo
O sapo é bom.
O sapo come inseto.
O sapo é feio.
O sapo vive na água e na terra.
Ele solta um líquido pela espinha.
O sapo é verde (WEISZ apud BRASIL, 2001, p.2).
Analisando este exemplo, não é difícil inferir que seu autor foi alfabetizado por
meio da metodologia de cartilha. O texto revela as marcas deixadas por uma
alfabetização castradora, que conseguiu exterminar a capacidade da criança em
produzir textos que já trazia na oralidade ao entrar na escola.
Ainda sobre esse texto, Telma Weisz (apud Brasil, 2001, p.2) , explica que,
[...] cada enunciado é tratado como se fosse um parágrafo independente.
Exigências mínimas de coesão textual, como não repetir "o sapo" em cada
enunciado, nem sequer são consideradas. na quinta frase aparece, pela
primeira vez, um pronome para substituir “o sapo". E na sexta frase, está
ele de novo. [...] a professora havia interiorizado em sua prática o modelo de
"texto" que caracteriza a metodologia de alfabetização expressa nas
cartilhas.
Assim, a cartilha, por meio da conduta de permitir que o aluno escreva
utilizando elementos dominados, transmite a ele o medo de errar. Com isso o
39
A crítica da autora, bem como as críticas subseqüentes de outros autores, refere-se às cartilhas
que vigoraram até os anos 1995. Daí para frente, com a reformulação d o Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD), as cartilhas tomaram outras configurações.
40
Telma Weisz. In Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Módulo 1, Unidade 2,
Texto 5. Brasil , 2001.
106
educando incute a idéia de que não se pode errar, que é feio, e que quem erra é
incompetente. As consequências decorrentes dessa postura é a inibição do gosto
pela escrita.
Isso nos leva a crer que os textos das cartilhas fazem mais por reduzir o
interesse dos alunos no processo de aprendizagem da leitura e da escrita,
afastando-os do ambiente escolar e contribuindo para reforçar a idéia da
qualidade do trabalho docente como responsável pela repetência e pela evasão
escolar, e minimizando, dessa forma, as responsabilidades do Estado para com a
qualidade em educação.
Portanto, que se pensar que, as mudanças de qualidade na educação,
especificamente na alfabetização, serão reais a partir de ações que instigue os
professores a problematizar os alunos sobre o processo da leitura e da escrita pois,
ao problematizar, o professor sempre estará criando condições para o aluno refletir,
levantar hipóteses, pensar sobre esse processo fugindo, então da memorização
pura e simples que consequentemente irá contribuir para que esse aluno faça uso
da língua escrita nas diversas situações do cotidiano.
É importante então, que se reflita se devemos ou não alfabetizar com cartilhas
pelo fato delas apresentarem textos desprovidos de significação para os alunos o
que impede, principalmente na linha proposta pelo construitivismo, a participação
ativa da classe na produção e apropriação do conhecimento da escrita.
Nas cartilhas, dificilmente escapam as frases ou conjunto de frases absurdas
e para as quais dificilmente se consegue imaginar algum contexto real de uso, em
via de regra dosa e controla toda a leitura e produção dos alunos.
Segundo Telma Weisz
As cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como
transcrição da fala: elas supõem a escrita como espelho da língua que se
fala. Seus "textos" são construídos com a função de tornar clara (segundo o
que elas supõem) essa relação de transcrição. Em geral, são palavras-
chave e famílias silábicas, usadas exaustivamente e se encontram
coisas como "o bebê baba na babá", "o boi bebe", "Didi o dado a Dedé".
A função do material escrito numa cartilha é apenas ajudar o aluno a
desentranhar a regra de geração do sistema alfabético: que b com a ba,
e por aí afora. (WEISZ apud BRASIL, 2001, p.1).
Retornando à contribuição de Amâncio, vale ressaltar algumas de suas
considerações a respeito do uso desse recurso, em relação ao aluno:
107
O encaminhamento proposto pela cartilha e adotado pelo professor
pressupõe um aluno que chega à escola sem habilidades perceptivo-
motoras suficientemente desenvolvidas e necessárias para o aprendizado
da escrita.Tanto é verdade que suas primeiras páginas trazem,
normalmente, os exercícios que objetivam este desenvolvimento. Pressupõe
ainda uma criança que não conhece suficientemente os sons de sua língua
materna e que a ela (cartilha) cabe ensinar, começando pelos sons das
vogais que, depois de bastante repetidos, podem então ser trabalhados
juntos com as consoantes, em forma de famílias silábicas ( AMÂNCIO,2002,
p.182
).
Portanto, nessas cartilhas
A aquisição da linguagem é vista como um processo repetitivo, mecânico,
prevalecendo a técnica de ler e escrever sobre a compreensão e o
significado . O conhecimento anterior da criança sobre a linguagem é
totalmente ignorado, sua criatividade é cerceada. As funções da leitura e da
escrita são desconsideradas
(AMÂNCIO, 2002, p.39).
As críticas m procedência se o professor se ativer estritamente à cartilha,
deixando de vê-la apenas como um meio que sirva de referência ao processo da
alfabetização.
Por outro lado, parece evidente que a substituição da cartilha por recursos
gerados no dia-a-dia em sala de aula, a partir de contextos criados pelos próprios
alunos, possibilita um processo de alfabetização mais partícipativo significativo e
enriquecedor, pois
com a evolução dos conhecimentos sobre a alfabetização, a
metodologia da cartilha se tornou insuficiente para atender às exigências da
sociedade atual. Hoje não basta um aluno saber apenas codificar e decodificar
sinais. Não é suficiente conseguir produzir um pequeno texto, há necessidade de
que saiba se comunicar plenamente, por meio da escrita, utilizando os diversos
tipos de discurso
.
Portanto, acredito que, a não adoção de cartilha possibilita alfabetizar de
forma mais espontânea e natural, uma vez que, desde o início do processo, dá-se
ao aluno a oportunidade de atuar ativamente em atividades que lhe proporcionem
desenvolver a oralidade, a leitura e a produção de textos significativos.
Nos depoimentos da pesquisa realizada por Persona (1993) com professores
considerados bem sucedidos na alfabetização, revelam que, no início de sua carreira
esses seguem cartilhas. À medida que ganham experiência vão ganhando,
também, autonomia para adotarem ou não cartilhas para usarem mais de uma
cartilha e até para alfabetizarem sem cartilhas.
108
A decisão cabe, em última instância, ao professor. Entretanto, é necessário
que este tenha o bom senso de criar condições para desenvolvimento da oralidade,
da arte verbal, como estágio necessário para introdução da escrita. Que tenha
tranquilidade para utilizar uma cartilha criticamente, como material de apoio, ou
mesmo para elaborar uma cartilha criticamente, como material de apoio, ou mesmo
elaborar cartilha a partir da motivação da própria turma, entendendo-a apenas como
subsídio que pode, eventualmente, ser dispensado.
5.
ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
As mudanças ocorridas na alfabetizão no que diz respeito, as suas concepções e
aos seus aspectos teóricos-metodológicos, são decorrentes, além dos estudos e pesquisas
citadas anteriormente, também das imposões dos organismos internacionais que
passaram a exigir dos países emergentes em desenvolvimento, entre eles o Brasil, um
programa de educação para expandir a escolarização em que mudaas deveriam
ser promovidas.
É fundamental reconhecer que a cada de 1980 é representativa, na história
do Brasil, como o período de abertura democrática do país. O foco das mudanças
que permearam o processo de redemocratização da sociedade brasileira foi à
garantia dos direitos sociais e individuais e o marco definitivo desse processo, além
das eleições diretas para a presidência da República, foi a elaboração da nova
Constituição Federal. Esta é sem dúvida a Constituição que melhor refletiu e acolheu
os anseios da população, pois a partir dela vários movimentos foram articulados para
novas politicas educacionais
41
.
Na perspectiva da nova Costituição um novo olhar cuidadoso foi direcionado
para o ensino, a cada de 90 marca o início do movimento da globalização,
caracterizado dentre outras coisas pela facilidade do processo de comunicação,
compartilhamento de tecnologia e dos bens de produção e serviços entre os povos.
Tal fato tornou mais perceptível também as imensas diferenças que existem entre os
41
A política educacional segundo Vieira (2002, p.14), se expressa, sobretudo, por meio de iniciativas
direta ou indiretamente promovidas pelo poder público”.
109
diversos países, sobressaindo-se às diferenças econômicas e sociais, ressaltando-
se entre elas a questão do analfabetismo.
Diante desse diagnóstico, muitos movimentos foram lançados com o intuito de
transformar essa realidade. Dentre eles destaco:
No contexto internacional temos:
• Educão para todos - Jontiem
42
, 1990;
Educação ao longo da vida - Dakar, 2000;
Relatório Jacques Delors - Unesco;
Sete saberes necessários para a educão no futuro - Edgar Morin.
Esses movimentos vieram influenciar fortemente a reforma do ensino em curso
no Brasil. Desse modo, temos, no início dos anos 1990, a estruturação de um novo
modelo de planejamento da gestão educacional e pedagógico orientado pelos
seguintes documentos:
• Plano Decenal de Educação para Todos -1993;
Conferência Nacional de Educação -1994;
Nova LDB - Lei n. 9.394/96
43
;
•Lei do Fundef-Lei n.9.424/96
44
;
Plano Nacional de Educação - 2001
45
;
42
A Conferência de Jomtien resultou na elaboração de um dos documentos mundialmente mais
significativos em educação, lançados a partir de sua realização: a Declaração de Jomtien ou
Declaração Mundial sobre Educação Para Todos.
43
A LDB expressa a política e o planejamento educacionais do país. Essas diretrizes são embasadas
na Constituição Federal e tem por finalidade ajustar os principios enunciados no texto constitucional
para sua aplicação a situações reais que envolvem várias questões, das quais destaco: a formação de
especialistas docentes, as peculariedades que caracterizam a ão didática nas diversas regiões do
país, aproveitamento da aprendizagem e promoção de alunos, materiais, técnicos e humanos para o
desenvolvimento do ensino.
44
0 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental de Valorização do Magistério -
Fundef - foi instituído pela Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado n.
9,424, de 24 de dezembro de 1996, e pelo Decreto n. 2.264, de 27| de 1997, que alterou a Constituição Federal
e determinou que a partir de 1997 seria obrigatório a aplicação de 25% dos recursos resultantes da receita
de impostos e transferência na educação, sendo queo menos de 60% deveriam ser destinados ao ensino
fundamental. Foi implantado em 1° de janeiro de 1998. O Fundef é uma Lei contábil e determina que cada
Estado da Federação e o Distrito Federal devem aplicar tais recursos exclusivamente na manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental blico e na valorização do seu magisrio.
45
O PNE é um instrumento da política educacional que estabelece diretrizes, objetivos e metas para
todos os níveis e modalidades de ensino, para a formação e valorização do magistério e para o
110
Edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais;
• Diretrizes Curriculares Nacionais -1997.
É sabido que após a conferência de Jontiem, o Brasil apresentou, no Fórum Mundial
de Educação, realizado em abril de 2000, na cidade de Dacar, no Senegal , um documento
sobre suas realizações e avanços na área da educação, na cada de 90, tendo como
principais ingredientes a universalização do acesso ao ensino fundamental, ampliação do
ensino médio e superior, a redução das taxas de analfabetismo, evação e repetência e a
melhoria da qualificação dos professores.
As Diretrizes Curriculares para Formação Inicial de Professores da Educação
Básica, em nível superior, Segundo Dias (2003),
Tratou-se de um processo menos democrático, trazendo de volta a
elaboração de currículos por grupos de trabalhos integrados por
representantes das diferentes secretarias do MEC, sem a participação dos
profissionais das IES. A proposta de Diretrizes Curriculares foi elaborada
por um Grupo de Trabalho, designado pelo Ministro da Educação e enviada
diretamente para aprovação do Conselho Nacional de Educação, sem a
participação da Comissão de Especialistas de Formação de Professores
(DIAS, 2003, p.52).
Os relatórios do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), de abril de 2000,
atribuem os resultados expressivos da década de 1990 a um conjunto de políticas coerentes
aplicadas com continuidade nos últimos anos. O novo modelo de financiamento do ensino
fundamental , estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei
nº 9.394/96)
46
, apoiado na divisão da responsabilidade e competências entre União, Estado
e Município, e Gestão Democrática, teria sido a mola propulsora da expano do acesso ao
ensino fundamental juntamente com iniciativas inovadoras, todas garantida na LDBEN, como
o Programa TV Escola que, promoveu a capacitão dos professores em serviço, além de
oferecer subsídios para apoiar suas atividades na sala de aula. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN)
47
, cujo objetivo é a formação continuada de professores, de forma a
facilitar a leitura, análise, discussão, a implementação dos Parâmetros e dos
Referenciais Curriculares Nacionais. O Proformação (Programa de Formação de
financiamento e a gestão da educação, por um período de dez anos. Vale lembrar que o PNE tem
respaldo legal na Constituição Federal de 1988 e na LDBN de 1996.
46
A LDBN expressa a política e o planejamento educacionais do país.
47
Conjunto de textos, cada um sobre uma área de ensino, que serve para nortear a elaboração dos
currículos escolares em todo o país.
111
Professores em Exercício)
48
, com o objetivo de acabar com a figura do professor
leigo (sem qualificação pedagógica). O Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores (PROFA)
49
, com o objetivo de oferecer novas cnicas de
alfabetização, originadas em estudos realizados por uma rede de educadores de
vários países. A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de
Educação Básica criada com o objetivo de contribuir para a melhoria da formação
dos professores e dos alunos.
Todos esses Programas, implantados em vários níveis e modalidades da educação
básica, seriam os responsáveis pela melhoria qualitativa do processo de ensino
aprendizagem, centrado no desenvolvimento das competências e habilidades básicas para
uma educação de qualidade.
A seguir descreverei sucintamente alguns desses programas, em especial, os que
contribuiram para a melhoria e qualidade da educação no municipio de Várzea Grande.
5.1.- Parâmetros Curriculares Nacionais
Buscando atender a LDB, Lei 9394/96, o MEC lançou em 1997, os
Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que compreende a alfabetização
Não como um processo baseado em perceber e memorizar, e, para aprender a ler e
a escrever, o aluno precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: ele
precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma
ela representa graficamente a linguagem (BRASIL,1997, p.21).
Os PCNs são um conjunto de textos, cada um sobre uma área de ensino, que
serve para nortear a elaboração dos currículos escolares em todo o país. Os PCNs
não constituem uma imposição de conteúdos a serem ministrados nas escolas, mas
48
O curso proporcionou aos professores sem habilitação que atuavam nas quatro séries iniciais e
classes de alfabetização das escolas da rede blica o domínio dos conteúdos do ensino médio e a
formação pedagógica necessários para a melhoria da qualidade de sua prática na sala de aula.
49
Tratava-se de um curso anual de formação, destinado especialmente a professores que ensinavam
a ler e escrever na Educação Infantil, nas séries iniciais do ensino fundamental e na Educação de
Jovens e Adultos.
112
são propostas nas quais as Secretarias e as unidades escolares poderão se basear
para elaborar seus próprios planos de ensino. Os PCNs estão articulados com os
propósitos do Plano Nacional de Educação (PNE) do Ministério da Educação (MEC)
e, dessa forma, propõem uma educação comprometida com a cidadania, elegendo,
baseados no texto constitucional, princípios para orientar a educação escolar.
Dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-
responsabilidade pela vida social são algumas de suas balizas. De acordo com os
autores dos PCNs, estes “foram elaborados procurando, de um lado, respeitar
diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar
a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em
todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas,
que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos
socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da
cidadania”. Assim, os PCNs deixam de lado os “velhos conteúdos programáticos,
distantes do cotidiano das massas”, para oferecer aos alunos condições de
assimilação do desenvolvimento das novas linguagens e conquistas tecnológicas e
científicas. Segundo seus autores, com os PCNs “não se enfatiza mais a assimilação
dos conteúdos em si, mas a máxima agora é ‘aprender a aprender’, para que os
alunos assim possam acompanhar o ritmo vertiginoso do progresso”.
5.2 - Programa Parâmetros em Ação
Assim, a partir de 1998 a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério
da Educação (SEF/MEC) desenvolve o Programa Parâmetros em Ação, cujo
objetivo é a formação continuada de professores, de forma a facilitar a leitura,
análise, discussão e implementação dos Parâmetros e dos Referenciais Curriculares
Nacionais.
Os Parâmetros em Ação foi dirigido a professores, diretores, orientadores,
supervisores e equipes técnicas das secretarias de Educação estaduais, municipais
e do Distrito Federal tendo como objetivo apoiar os sistemas de ensino orientando-
os na formulação e no desenvolvimento de projetos educativos e de formação do
113
exercício profissional de professores, formadores, coordenadores, técnicos e
especialistas. O programa previa inicialmente atingir as regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, em vista de altos índices de reprovação e evasão de alunos e do alto
número de professores leigos, mas, com a crescente adesão, expandiu-se para as
outras regiões do País.
5.3 - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA)
O Programa de Formação de Professores alfabetizadores - PROFA
50
é um
programa desenvolvido em muitos estados e municípios do Brasil e foi implantado
em 2002 no município de Várzea Grande-MT, pela Secretaria Municipal de
Educação e Cultura (SMEC) em parceria com o Ministério da Educação e Cultura
(MEC), com o intuito de assegurar aos professores alfabetizadores, bases teóricas e
práticas sobre alfabetização a partir de textos e assim, conseqüentemente, melhorar
a qualidade da alfabetização no município.
A base teórica que consolida o PROFA tem como aporte a aquisição da
leitura e escrita pelo aluno. A metodologia empregada a partir da resolução de
problemas objetiva a reflexão sobre a prática pedagógica e alfabetizar por meio de
textos. Essa metodologia leva em consideração dois eixos principais: como
acontecem os processos de aprendizagem da leitura e da escrita e como adequar
situações didáticas adequadas às aprendizagens.
Pauta-se na Psicogênese da Língua Escrita (1985), possuindo como alicerce
teórico os estudos realizados a partir de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1979) e
outros que pesquisaram como o aluno aprende a ler e a escrever.
A proposta centra em dois conteúdos: aquisição da leitura e escrita e,
situações didáticas adequadas às necessidades de aprendizagem dos alunos e
pautadas pelo modelo metodológico de resolução de problemas. (BRASIL, 2002).
50
Em muitos estados e municípios o PROFA foi/é desenvolvido com o mesmo nome. Em Várzea
Grande no ano de 2002 foi desenvolvido com esse nome e nos anos de 2003 e 2004, o referido
Programa, foi denominado “Revisitando a Prática Pedagógica em Sala de Aula”.
114
A definição do objetivo do PROFA (2001), consta na primeira cláusula do
Termo de Cooperação Técnica assinada entre a SMEC e o MEC, como sendo:
[...] um curso de aprofundamento destinado a professores e formadores que
se orienta pelo objetivo de desenvolver as competências profissionais
necessárias a todo professor que ensina a ler e a escrever, oferecendo
meios para criar um contexto favorável para a construção de competências
profissionais e conhecimentos necessários a todo professor que alfabetiza.
O Programa foi organizado em módulos, sendo: módulo 1 - conteúdos de
fundamentação relacionados aos processos de aprendizagem da leitura e da escrita
e à didática da alfabetização; módulo 2 - exercícios de situações didáticas de
alfabetização e; dulo 3 - trata dos conhecimentos gramaticais da língua
portuguesa. Constou de 180 horas, sendo 75% destinado ao trabalho em grupo com
as formadoras, e, 25% destinados ao trabalho pessoal por meio de estudos e
atividades práticas em sala de aula. Os professores envolvidos no programa tiveram
encontros semanais com duração de três horas e uma hora de trabalho pessoal.
5.4-Rede Nacional de Formação Continuada de Professores
A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação
Básica, criada com o objetivo de contribuir para a melhoria da formação dos
professores e dos alunos ofereceu as redes públicas, em âmbito nacional, cursos de
formação continuada para professores de Educação Infantil e de Ensino
Fundamental.
Enquanto política educacional, a Rede Nacional de Formação Continuada de
Professores da Educação Básica
51
expressa como sendo sua finalidade
contribuir com a qualidade do ensino e com a melhoria do aprendizado dos
estudantes por meio de um amplo processo de articulação dos órgãos
gestores, dos sistemas de ensino e das instituições de formação, sobretudo,
as universidades públicas e comunitárias. (BRASIL, p. 7, 2005).
Esta política vem sendo implementada desde 2004 em parceria com 20
centros de pesquisa ligados a universidades de 14 estados. Esses centros tiveram
51
Nomenclatura que substituiu a originalmente concebida: “Rede Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Básica”, quando a proposta integrava o Programa Toda Criança
Aprendendo em 2003.
115
seus projetos aprovados para a criação de cursos presenciais, semipresenciais e a
distância nas áreas de Alfabetização e Linguagem; Educação Matemática e
Científica; Ensino de Ciências Humanas e Sociais; Artes e Educação Física; e
Gestão e Avaliação.
Nesse contexto, no ano de 2005, o MEC divulgou o documento com objetivos,
diretrizes, funcionamento, orientações gerais da Rede de Formação, bem como o
catálogo dos produtos elaborados pelos diferentes centros para a formação
continuada dos professores da educação básica. Para tornar as políticas em
andamento não apenas públicas, como próximas, e fomentar o diálogo entre os
pares, foram realizados seminários regionais.
A Formação Continuada, estabelecida no documento de orientações gerais
da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica,
visa
[...] contribuir com o desenvolvimento profissional do professor e a melhoria
na qualidade do ensino, dar-se-á, nesse processo, por meio de uma Rede
que articula um conjunto de agentes que atua no campo educacional
objetivando a melhoria da aprendizagem dos estudantes, mediante a
apreensão dos saberes historicamente produzidos. (BRASIL, 2005, p.08).
Nesse sentido, concordo com a coordenadora da Rede de Formação
Continuada do MEC, Lydia Bechara (2004), quando disse em entrevista a Revista
Nova Escola, que importante capacitar-se em serviço, mantendo sempre contato
com as pesquisas e as produções acadêmicas".
6. PENSAMENTOS DO PASSADO PRESENTES NOS DIAS ATUAIS
Quando tomamos connhecimento de tantos investimentos na qualificão docente ,
ficamos com a iia de que a alfabetização passa por seus melhores dias. No entanto, o
contanto com o cotidiano de nossas escolas nos mostra uma realidade significativamente
diferente. A
realidade nos fala de professores que apoiam seu trabalho
pedagógico, na maioria das vezes, em métodos e teorias superados, se
contrapostos com a realidade vivenciada por eles próprios e por seus alunos, e
que por isso mesmo têm grande dificuldade de desenvolver seus conteúdos
116
de forma crítica e reflexiva, com a imprescindível coerência trico-prática que o
fazer pedagógico cotidiano exige dos educadores.
Mas é importante esclarecer que,
Muitas das teorias da educação anteriores propunham o divórcio entre o
sujeito e o contexto. Conforme as mesmas, aprender era desenvolver a
capacidade de repetir verdades já constituidas e universalmente válidas.
Embora hoje, muitas vezes, discordamos dessas teorias, não há como
negar que foram elas que proporcionaram o desenvolvimento e
amadurecimento do processo educativo e trouxeram muitas contribuições
(HENGEMÜHLE, 2007, p.52).
Portanto, se olharmos para o passado, encontraremos estudiosos que
desenvolveram práticas educativas reflexivas e significativas, que contribuiram para
o estabelecimento das práticas pedagicas da alfabetizão que temos hoje.
Nesse sentido, Hengemühle (2007) diz que, podemos buscar em crates, há
2.500 anos, fundamentos para a ptica educativa que são hoje muito atuais.
Sócrates...
Apresentava-se como homem que nada sabe e interrogava sem cessar os
atenienses, principalmente os jovens, para destruir a educação adquirida
sem reflexão, os preconceitos dissimulados debaixo do disfarce da sofística,
e para substituí-los por um saber extraído de dentro do ser humano
(BERBEL Apud HENGEMÜHLE, 2007, p.53).
Podemos perceber, sem dúvida, a semelhaa do pensamento desse
filósofo com o pensamento dos tricos dos dias atuais, pois o método socrático
baseia-se na teoria de que o indivíduo já possui todos os conhecimentos, e a
tarefa do professor é gu-lo para que possa redescobri-los, portanto, nesse
método es um dos princípios da doncia da atualidade.
Hengemühle(2007), reportando-se a esta afirmação feita por Berbel(1998)
Jesus de Nazaré costumava ensinar apresentando situações problemáticas,
como quando utilizou a Pabola do Bom Samaritano para que seus ouvintes
compreendessem o conceito de pximo (BERBEL Apud HENGEMÜHLE,2007,
p.53
),
diz que...
quando, hoje, dizemos que a alfabetização deve ser significativa, que o
ensino da leitura e da escrita deve partir de situações problema para
provocar o interesse dos alunos e que devemos respeitar a cultura, os
conhecimentos prévios dos mesmos, estamos de acordo com a pedagogia
de Cristo (
HENGEMÜHLE, 2007,p.53)
.
117
Avaando na história encontramos Comênio(1592-1670) que, em sua
Didática Magna, ensina que o professor deve mostrar a utilidade e a aplicação do
conhecimento adquirido e fazer referência à natureza e origem dos fenômenos
estudados, às suas causas. João Luiz Gasparin, professor do Departamento de
Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR) disse,
em entrevista a Revista Nova Escola), que a prática escolar para Comênio,
deveria imitar os processos da natureza. Nas relações entre professor e aluno,
seriam consideradas as possibilidades e os interesses da criança
(GASPARIN,2004,p.34.
Disse ainda que Comênio
[...] ousou ser o principal teórico de um modelo de escola que deveria
ensinartudo a todos, aí incluídos os portadores de deficiência mental e as
meninas, na época alijados da educação. Ele defendia o acesso irrestrito à
escrita, à leitura e ao cálculo, para que todos pudessem ler a Bíblia e
comerciar (GASPARIN, 2004,p.35).
Am disso, Comênio, em sua obra, traz uma nova concepção de criança
ele a trata em seus livros com muita delicadeza, num tempo em que a escola
existia sob a égide da palmatória”(GASPARIN 2004,p.35).
O autor mencionado complementa dizendo que naquela época
A educação era vista e praticada como um castigo e não oferecer
elementos para que depois as pessoas se situassem de forma mais ampla
na sociedade. Comênio reagiu a esse quadro com uma pergunta: por que
não se aprende brincando? (GASPARIN, 2004,p.35).
Pode-se dizer então que, o pensamento de Comênios é bastante atual, visto
que a educão é um direito de todas as pessoas e que crianças são seres
humanos dotados de inteligência, aptidões, sentimentos e limites, portanto
merecem ser respeitadas.
Lembramos tamm das orientações de Rousseau (1712-1778), que
criticava a educação de sua época, que não considerava a imporncia do
conhecimento da natureza da criança.
[...] em Emílio[...], Rousseau condenava em blocos os métodos de ensino
[...] por se escorarem basicamente na repetição e memorizão de
conteúdos, e pregava sua substituição pela experiência direta por parte dos
alunos, a quem caberia conduzir pelo próprio interesse o aprendizado.
(PISSARRA, 2004,p.34).
Rousseau, propõe que a criança é capaz de descobrir caminhos para o uso
da comunicação, em diferentes contextos socioculturais, o que, sem dúvida, irá
118
favorecer o domínio pleno do código alfabético. A leitura já era vista por ele como a
arte de comunicar. Porém, acreditava que o conteúdo dos livros didáticos era o
flagelo da infância” afirmando que eles o instrumentos de tortura, açoites da
infância”(ROUSSEAU Apud ELIAS,2000,p.57).
Maria Constança Peres Pissarra na entrevista concedida, em Agosto de
2004, a Revista Nova Escola nº174, afirma que “Rousseau sistematizou toda uma
nova concepção de educação, depois chamada escola nova e que rne vários
pedagogos dos séculos 19 e 20.”(PISSARRA, 2004, p.33).
Outra contribuão importante, para a educação das crianças, principalmente
da fase inicial de escolarização, podemos encontrar em Friedrich Froebel (1782-
1852). Na época em que Froebel viveu começou-se a valorizar a infância, ou seja,
foi um período de mudança de concepções sobre as crianças, pois, anteriormente,
na Idade Média, segundo o historiador francês Philippe Ars (1978), a iia de
infância simplesmente o existia. Em sua obra A história social da criança
mostra como o conceito da criaa tem evoluído atras dos séculos, e oscilando
entre pólos em que ora a consideram um bibelot ou bichinho de estimação, ora um
adulto em miniatura.
Segundo Mortatti(2004,p.30) nessa época
“a educação escolar da criança”
passa a contar com o apoio de “reformadores moralistas e religiosos, que lutavam
contra os resquícios medievais, ressaltando a função social da educação e da
escola, enquanto instituição, na formação das crianças. Embora, baseado em
preceitos religiosos, este processo de formação estava relacionado à aprendizagem
da leitura e da escrita.
Alessandra Arce (2004), professora do Departamento de Psicologia e
Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, campus de Ribeirão
Preto, diz que Froebel, depois de observar e analisar crianças de diferentes idades,
por meio das atividades de jogos e brinquedos, que ele mesmo desenvolveu, propôs
uma educação que permitia o treino de habilidades que as crianças possuíam e
ao mesmo tempo possibilitar o surgimento de novas habilidades. Dessa forma seria
possível exteriorizar seu interior e interiorizar as novidades vindas de fora, um dos
princípios do aprendizado, segundo o pensador. Para Arce (2002)
Se observarmos como Froebel descreve o processo de alfabetização de
Lina, veremos que a mãe se utiliza desta lei do autor para ensinar sua filha
119
a ler e a escrever. Não por acaso, a mãe inicia o processo de alfabetização
pelo próprio nome de sua filha, pedindo para que Lina primeiro pense nele,
o que aumenta seu desejo de representá-lo na forma escrita. Mas a mãe
ainda exige um passo intermediário, que é o de pronunciá-lo várias vezes
em voz alta, para depois registrá-lo na forma escrita. A mãe procura, com
este exercício, fazer Lina perceber a conexão existente entre o
interno/invisível (seu nome enquanto representante de sua personalidade) e
o externo/visível (a representação deste, através da palavra falada e depois
escrita, expressando seu ser) (ARCE, 2002, p.114).
O caminho eno, para a aprendizagem, seria deixar a criança livre para
expressar seu interior e perseguir seus interesses. Dessa maneira, Froebel adotou
a iia contemporânea do aprender a aprender (PCN, 1997, p.35). Defendia
portanto, uma educação livre, sem imposões às crianças porque acreditava que
elas passam por diferentes estágios de amadurecimento intelectual, antecipando
assim as iias de Piaget (1896-1980).
Outro pedagogo, que também trouxe importantes contribuões para
educação atual foi, Célestin Freinet
(1896-1966). Ele se inscreve, historicamente,
entre os educadores identificados com a corrente da Escola Nova, que, nas
primeiras décadas do século 20, se insurgiu contra o ensino tradicionalista, centrado
no professor e na cultura enciclopédica, propondo em seu lugar uma educação ativa
em torno do aluno.
Freinet parte da interação dialética da criança com o meio, como forma de
estimular as atividades de estruturação das estruturas mentais, propiciadoras da
elaboração de conhecimento, realizada através do “tateamento experimental”, que é
favorecido pelo procedimento da aula-passeio, em que a criança realiza uma
atividade com satisfação, sendo esta provida de conteúdo, em situação de interação
dialética estabelecida com o meio e o professor.
Na teoria do educador francês, o trabalho e a cooperação vêm em primeiro
plano, a ponto de ele defender, em contraste com outros pedagogos, incluindo os da
Escola Nova, que “não é o jogo que é natural da criança, mas sim o trabalho”. Seu
objetivo declarado é criar uma “escola do povo”.
A luta de Freinet foi a de abrir a escola às pessoas do povo, convidando-as
a construírem juntas, com tijolos, paixões, sentimentos e suor, uma escola
para o povo, mesmo sofrendo a mais extrema falta de recursos, tendo,
porém como estímulo a liberdade (SAMPAIO, 2002, p.66).
Freinet não criou um método pedagógico rígido, nem uma teoria propriamente
científica. Mesmo assim, seu entendimento sobre os mecanismos do aprendizado
120
mereceu elogios do biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), cuja teoria do
conhecimento se baseou em minuciosa observação científica.
Para Piaget...
[...] Freinet interessou-se mais em fazer da escola um centro de atividades
permanecendo em comunicação com as da coletividade ambiente. Sua
célebre idéia da imprensa escolar constitui a esse respeito uma ilustração
particular entre outras, mas especialmente instrutiva, porque é evidente que
uma criança que imprime pequenos textos chegará a ler, a escrever e a
ortografar de uma maneira bem diferente do que se não possuísse qualquer
idéia sobre a fabricação dos documentos impressos de que se serviu. Sem
querer visar explicitamente o objetivo de uma educação da inteligência e de
uma aquisição dos conhecimentos gerais pela ação, Freinet atingiu,
portanto, esses objetivos constantes da escola ativa ao pensar
principalmente no desenvolvimento dos interesses e na formação social da
criança. (PIAGET Apud SAMPAIO, 2002, p.9-10).
Freinet (1987), referindo-se aos métodos tradicionais afirma que
[...] as crianças que aprenderam a ler e a escrever segundo estes métodos
são certamente capazes e por vezes num tempo Record de ajustar as
peças separadas de que lhes ensinaram o manejo e de ler sem erro as
palavras e as frases que lhes apresentem. Mas não harmonizam esta leitura
com os pensamentos, os factos ou os acontecimentos de que ela é
expressão. [E complementa] a criança sabe decifrar, mas não sabe ler,
porque não traduz as palavras em pensamento.
(FREINET, 1987,
p.51),
Segundo Sampaio (2002), Freinet era contrário ao uso de manuais em sala
de aula, sobretudo as cartilhas, por considerá-los genéricos e alheios às
necessidades de expressão das crianças, mas ressaltava que não criticava “os livros
em si, mas apenas seu emprego como manuais pelos educadores” (SAMPAIO,
2002, p.37).
Na situação criticada, as crianças deviam aprender através dos referidos
manuais, partindo do elemento mais simples que é a letra, combinando-a
com outras letras e formando palavras que, reunidas a outras palavras,
formavam frases. A princípio parecia tudo bem, que as crianças
chegavam às frases sem compreendê-las. Não havia, para elas, um
conteúdo válido e, assim, a frase se transformava numa silabação
mecânica, completamente sem interesse. Era preciso descobrir outra forma
de alfabetizar e a trilha iniciada por Freinet conduziria inevitavelmente a
uma solução.
Surge então, o método natural de Freinet, para o aprendizado da língua
escrita e da gramática que se caracteriza por ser contrário aos procedimentos
adotados pelo método tradicional, pois a atividade se desenvolve a partir da
expressão oral ou escrita. Esta prática orienta-se pela convicção de que
As aquisições o são obtidas pelo estudo de regras e leis, como às vezes
se crê, mas sim pela experiência. Estudar primeiro as regras e leis é colocar
o carro à frente dos bois. As regras e leis são frutos da experiência, de outro
121
modo não passam de fórmulas sem valor (FREINET Apud SAMPAIO, 2002,
p.89).
Freinet (1896-1966) escolhia o texto como unidade para o ensino da língua,
para justificar essa escolha, baseava-se em Decroly (1871-1932), o criador do mais
conhecido dos métodos globais, o ideovisual. A respeito disso Freinet dizia:
As recentes pesquisas descobertas psicológicas e pedagógicas,
nomeadamente desde os trabalhos do Dr. Declory, revelam o poder da
globalização. A maior parte das crianças se não for à generalidade o
todo antes de atingir o pormenor [...]. Admite-se hoje oficialmente que um
ensino racional e científico da leitura possa realizar-se a partir não do
elemento constitutivo, mas do conjunto, do complexo de quem nem sempre
é necessário distinguir os elementos
(FREINET, 1977, p.47)
.
Por meio do método natural, dizia Freinet que:
[...] a criança e escreve [...], muito antes de estar na posse dos
mecanismos de base, porque tem acesso à leitura por outras vias
complexas que o as da sensação, da intuição e da afectividade no meio
social que dali em diante penetra, anima e ilumina o meio escolar. Pelo
método natural, a criança consegue ler, sem lição especial, e sem b a ba,
pela visão, pelo meio escolar, e social, servida e refletida pela imprensa,
pela correspondência, pelo desenho, e pela expressão sob todas as suas
formas. Suprimimos assim as fastigiosas sessões de repetições que os
educadores usam tanto com os alunos; dominamos o sentimento de
impotência da criança que aprende muito cedo a traduzir em textos
impressos o seu próprio pensamento.
(FREINET, 1977, p.55-57).
O método natural de Freinet implica na familiarização e no intenso
envolvimento da criança com a escrita. Esse envolvimento se dá quando ela interage
com textos, ouve histórias, desenha e faz tentativas de escrita, ou seja, a criança
aprende ler lendo e aprende escrever escrevendo. E mais, para Freinet, o ensino da
língua materna deve desenvolver-se em situações sociais de uso da leitura e da
escrita, prova disso são as técnicas desenvolvidas por ele, como por exemplo: a
impressa escolar, o jornal escolar, a correspondência entre alunos, a biblioteca. Isso
comprova a concepção de Freinet de que a escrita e a leitura têm significado social,
existem par servir ao homem em suas lutas, no seu trabalho, na expressão de suas
idéias. Isso não seria a antecipação do que hoje chamamos de letramento?
Outro educador, cujo pensamento, por sinal, bastante presente em nossas
discussões é Paulo Freire (1921-1997). O pensamento de Freire não se limita a uma
teoria do conhecimento em educação. Por sua complexidade, a proposta dele
pressupõe a educação integral do ser humano em seu meio e com os outros.
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.68).
122
A educação proposta por Freire é, portanto, uma educação inteiramente
preocupada com o mundo dos valores, com o mundo do trabalho e com o planeta.
Sua teoria educacional abre um novo entendimento e nos faz refletir sobre a
questão de que o novo conhecimento (teoria e conteúdo) precisa ser útil para os
alunos. Freire (1996, p.) dizia: “Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a
minha coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço”.
Para Freire, o importante é partir do conhecimento anterior do educando, ou
seja, de temas próximos da realidade do educando, de sua linguagem, concepção
de mundo, de seu nível de desenvolvimento para depois caminhar para um
conhecimento mais avançado e sistematizado que propiciará analisar criticamente e
transformar a realidade.
O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não podemos deixar de lado,
desprezado como algo imprestável, o que educandos [...] trazem consigo de
compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na
prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de
calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua
religiosidade, seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade,
da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros. (FREIRE, 1992, p. 85-
6.).
A utilização das palavras do universo pessoal sempre esteve presente na
proposta de Paulo Freire para o processo de alfabetização e isso se pode perceber
em suas próprias palavras “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, a
sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo, não do mundo maior dos
meus pais. O chão foi o meu quadro de giz” (FREIRE, 1988, p.15).
No início da década de 1960, Paulo Freire propõe um novo método de
alfabetização de adultos, embora seus princípios éticos político pedagógicos se
apliquem a toda situação pedagógica, pois “o espaço pedagógico é um texto para
ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito”. (FREIRE, 1996, p. 109).
Antes do método de Paulo Freire
A alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária,
centrada na compreensão mágica da palavra, palavra doada pelo educador
aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos
alunos escondiam muito mais do que desvelavam a realidade, agora, pelo
contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como ato criador e
como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. (FREIRE,
1988, p.18).
Portanto, em seu método Freire propõe que ao invés de letras e palavras
soltas, fragmentadas e descontextualizadas da vida social e da experiência pessoal
123
dos alunos, sugere partir de temas geradores colhidos do universo vocabular dos
educandos, ou seja, ao invés de partir do “ba-be-bi-bo-bu” ou de frases simplórias e
alienantes, como “a baba é do boi”, Freire propõe partir da leitura do mundo para a
leitura da palavra, pois para ele, “a leitura do mundo precede sempre a leitura da
palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1983a,
p.22).
Sendo assim
A alfabetização implica não uma memorização visual e mecânica de
sentenças, de palavras, de sílabas, desgarradas de um universo existencial,
mas uma atitude de criação e recriação. Implica uma autoformação de que
possa resultar uma postura interferente sobre seu contexto (FREIRE,
1983b, p.111).
Diante do exposto, podemos dizer que, Freire inovou não apenas no
conteúdo, mas também em relação à forma tradicional de alfabetizar. E suas obras
ele critica a educação bancária, pois nessa, os alunos se tornam depositários dos
conteúdos transmitidos a eles, isto é, a educação bancária é a simples transmissão
e repetição de conteúdos prontos ou como o próprio Freire (1987) dizia:
Enquanto a prática bancária [...] implica numa espécie de anestesia,
inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de
caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de
desvelamento da realidade (FREIRE, 1987, p.80).
Freire propunha e acreditava na educação como prática da liberdade em seus
discursos sempre destacava a relação necessária entre o conhecimento crítico e o
compromisso de intervenção transformadora e a realidade, segundo ele “a educação
será libertadora na medida em que incentivar a reflexão e a ação consciente e
criativa das classes oprimidas em relação ao seu próprio processo de libertação”
(FREIRE, 1986, p.20).
Enfim, concordo plenamente com Gadotti (2001) quando este diz que Freire
foi “como um plantador do futuro, ele sempre será lembrado porque nos deixou
raízes, asas e sonhos como herança. Como criador de espíritos, a melhor maneira
de homenageá-lo é reinventá-lo” (GADOTTI, 2001, p.41).
E ainda com Kramer (2006) quando esta afirma que:
[...] Paulo Freire e Célestin Freinet são marcos fundamentais se se trata de
considerar adultos e criaas como cidadãos, criadores de e criados na cultura,
produtores da e produzidos na história, feitos de e na linguagem. Sociedade em
transformação, história e cultura, alfabetização, leitura e consciência são, para esses
dois educadores, mais do que conceitos, dimensões de uma práxis viva, crítica,
criativa. E essa sua práxis fornece também alimentos importantes na constituição
124
de um conceito de infância despedagogizado e desnaturalizado, capaz de fermentar
e fomentar uma prática de pesquisas em que ela — a criaa — jamais seja tida
como objeto (KRAMER, 2006,p.25).
Poderia ainda, citar inúmeros pensadores do passado que influenciaram a
educação dos dias atuais, particularmente da Escola Nova e dizer que foi a partir de
todas essas contribuições, significativas ou não, que conseguimos, hoje, ter uma
visão mais madura e mais fundamentada do processo educacional. Como diz
Perrenoud (1999, p.86), “O debate atual é possível porque, um culo, os
defensores da Escola Nova e das pedagogias ativas questionam as relações entre
os conhecimentos e as práticas sociais, o sentido do trabalho escolar [...]”.
Mediante o exposto, observa-se que houve um avanço nas concepções de
alfabetização entre 1985 e 2005 possibilitando o surgimento de um quadro de
reflexões sobre a finalidade e os contdos da alfabetização, pom, as estatísticas,
nos revelam que o fracasso escolar ainda assola o país, especialmente, no que se
refere à alfabetizão. Pode-se, pois, dizer que, apesar de todas as iniciativas do
governo, citadas anteriormente, a alfabetização não é, ainda, uma apropriação de
todo o cidadão e, portanto, historicamente, a alfabetização não conseguiu garantir à
grande massa da população brasileira o acesso ao mundo letrado.
É preciso, então, compreender que o passado serve para iluminar o presente:
não para nos fornecer ensinamentos, para que não cometamos os mesmos erros,
mas como um lugar imaginário de onde tiramos inspiração, buscamos fontes,
escutamos personagens, para falar daquilo que hoje seria importante para a reflexão
e, a partir dela deixar marcas impressas, conforme afirma Forquin (1992)
O passado pode permanecer presente, mas sob forma implícita ou latente,
incorporado em habitus intelectuais, em modelo de pensamento, em pensamentos
operatórios considerados como naturais e evidentes, em tradões pedagicas.
Assim, a dimeno temporal da cultura pode se revestir no interior do currículo de toda
a espécie de graus e de modulações (FORQUIN, 1992, p. 30).
Assim, acredito que o desenvolvimento dessa pesquisa que busca
compreender as concepções e as práticas pedagógicas de professoras
alfabetizadoras aposentadas, permite um levantamento de aspectos da escolarização
blica, e de certa forma aponta marcas significativas que foram herdadas pelas
práticas educativas atuais.
125
CAPITULO III
1. ALFABETIZAÇÃO: UM POUCO DAS PROFESSORAS OU UM POUCO DA
PRÓPRIA HISTÓRIA
Neste capitulo, trago para a reflexão a participação de professoras de primeira
série que contribuíram com a temática deste trabalho. Assim, apresento aspectos
dos seus discursos que revelam suas concepções sobre alfabetização, suas práticas
pedagógicas e o modo como se constituíram como alfabetizadoras.
Da multiplicidade de informações coletadas, destaquei as que mais
respondiam as minhas inquietações:
a) Memórias das alfabetizadoras
Procurei delinear o que as professoras lembram-se da escola, da prática de
seus (as) professores (as) e do seu processo de alfabetização, incluindo os castigos
escolares.
b) Memórias de práticas pedagógicas
Procurei traçar, analisando as narrativas das professoras como elas
alfabetizavam, como concebiam a prática da leitura, como concebiam a prática da
escrita, o que elas acreditavam ser necessário e o que era realmente ensinado nas
classes de alfabetização. É importante ressaltar, porém, que não pude conhecer
pessoalmente o trabalho das professoras, pois elas são aposentadas; pude
apenas contar com o que foi narrado por elas nas entrevistas.
Tomando por base aspectos sobre a alfabetização, anunciados, procuro,
nesta etapa, destacar pontos comuns, salientes nas narrativas, com o objetivo de
identificar as concepções e práticas da alfabetização a partir dos depoimentos das
entrevistadas.
126
As questões que nortearam as entrevistas
52
permitiram que as professoras
construíssem o passado no momento da rememoração uma imagem, ou seja, uma
inevitável seleção de acontecimentos, um externar de informações e opiniões que
passa por um crivo avaliativo do momento presente. Por isso, o que é narrado não
pode ser interpretado como a verdade dos acontecimentos, mas como mais uma
verdade, mais um texto a compor o painel sobre o passado da alfabetização em
Várzea Grande.
Foi feita a opção de transcrever as falas exatamente da forma como foram
colhidas, não efetuando qualquer tipo de correção, de acordo com a norma-padrão
da língua, pois julguei que essa seria uma forma de discriminar os sujeitos da
pesquisa, de considerar que suas falas não devem ser valorizadas e tomei tal
decisão apoiada no estudo de Soares (2002a) sobre variedades e preconceitos
lingüísticos. Os nomes verdadeiros também foram mantidos, com a devida
autorização de cada uma das professoras.
1.1.MEMÓRIAS DAS ALFABETIZADORAS
1.1.1. O material didático
Para se ter idéia do processo do ensino na alfabetização, na época em que as
colaboradoras dessa pesquisa fizeram a série, (entre 1934 e 1963), é bom ter em
vista os material didático de que dispuam as nossas escolas primárias. Nas unidades
urbanas ele era escasso, nas unidades rurais era praticamente inexistente. O que
existia, porém, era de tipo único, padronizado: mapas geográficos, não adequados ao
ensino primário, globo terrestre, gravuras para o ensino de linguagem, de cálculo e
de ciências. A nossa escola primária, mesmo a urbana, era, pois, paupérrima em
material didático.
Mesmo assim, esses poucos materiais didáticos existentes que foram utilizados
no processo de alfabetização podem exprimir a cultura escolar expressa no ensino e
52
As questões das entrevistas constam no anexo 2 deste trabalho.
127
na maneira de fazer das disciplinas escolares presentes no cotidiano da escola
primária várzea-grandense.
A noção de cultura escolar mostra-se importante para o estudo desse tema e
permite uma maior compreensão da escolarização do social, pois permite
[...] articular, descrever e analisar, de forma muito rica e complexa, os
elementos-chave que compõem o fenômeno educativo tais como os tempos,
os espaços, os sujeitos, os conhecimentos e as práticas escolares (FARIA
FILHO,2002, p.17).
Segundo Veiga a partir do estudo da cultura material escolar:
[...] é possível, compreender a institucionalização da escola em seu aspecto
não simbólico, adentrando pelo cotidiano escolar através dos silabários,[...]
lápis para escrever[...] livros, [...] tratados de leitura em voz alta [...] (2000,
p.08).
Dessa maneira, a cultura material escolar [...] não pode ser entendida como
simples reflexo das relações sociais”, (VEIGA, 2000, p.04)e sim, fazendo a
problematização dos múltiplos significados dos objetos que a integra.
De acordo com Vidal
[...] é impossível compreender a história da se não questionados os desafios
materiais e práticos que a escola teve que enfrentar.” Com base nesse
ponto de vista, a autora passou a [...] considerar as disciplinas não apenas
a partir de seu conteúdo, mas de seu 'como fazer?', isto é, a partir do
material escolar metodologias [...] tanto na dimensão discursiva (a
normatividade) quanto concreta (o uso) (2004.p.17).
Nessa perspectiva, a história do ensino da leitura e da escrita e,
conseqüentemente, da escola primária várzeagrandense pode ser compreendida
através dos depoimentos das professoras, questionando-as sobre os desafios
materiais e práticos enfrentados no seu processo de escolarização e de seus
educandos.
Para Veiga (2000, p. 5), a "[...] cultura material escolar é a própria cultura
escolar. Isso significa buscar numa coletividade os fatos que se repetem,
suficientemente, para serem interpretados como hábitos, tradições reveladoras da
cultura que se observa". Essa coletividade é formada pelos sujeitos diretamente
relacionados com a escola, tais como alunos e professores sem perder de vista as
relações sociais existentes entre esses sujeitos e os dirigentes políticos .
Os sujeitos da educação, em especial as professoras entrevistadas,sob seu
ponto de vista, relataram como era o estado do funcionamento interno da escola,
que não foram encontradas documentação que se referisse aos materiais escolares.
128
Dessa forma, o relato das professoras revela uma clara consciência da
relação entre a organização do espaço escolar e o material didático necessário para
assegurar resultados no processo de aprendizagem.
Além dessa pobreza, que se registrar o fato de a leitura, o cálculo e as
ciências serem ensinados mediante a adoção de uma mesma série de livros, sem
possibilidade de livros suplementares, pois os livros que existiam nas escolas (e não
em todas) desobedeciam a qualquer plano curricular, sendo apenas uma coleção de
livros, que se conseguiu arranjar. E ainda se houvesse material impresso para
consultas suplementares, estas seriam pouco estimuladas, em vista dos padrões
rígidos estabelecidos para cada série, cujo domínio era obrigatório por parte dos
alunos, para poderem ser promovidos para a série seguinte. Vejamos alguns relatos:
Teonila Miranda (74a, 2007).
[...] caneta era daquela antiga, de pena ? Uma coisa mais linda né? Ai a
gente comprava tinteiro e molhava para escrever, por isso nessa época era
obrigada a gente utilizar o caderno de caligrafia pra aprender a fazer aquela
letra.
Leomar Oliveira (52a, 2007).
Naquela época o único material que tinha para a leitura na escola, era a
cartilha. Para escrever o material que não faltava na escola, era o caderno
de caligrafia. Acho que era prioridade para deixar a letra bonita, eu enjoei de
fazer e até hoje, minha letra não é bonita, (Risos) acho que é praga.
Catarina Sales (63a, 2007).
[...] tinha o caderno de caligrafia que ela (a professora) geralmente escrevia
uma sentença, uma frase, né? Por exemplo, eu amo o Brasil, nossa vida é
muito boa, então ela escrevia aqui na primeira linha (mostrando), por que o
caderno de caligrafia era diferente né? O caderno de caligrafia era assim,
tinha umas linhas assim pequenininhas, depois umas linhas grandes, aí
tinha letras pequenas. Essa linha pequena era para as letras minúsculas, e
esse espaço maior era pra fazer as letras maiúsculas, então ela escrevia
no caderno assim, pegava escrevia, por exemplo, a boneca dentro da linha
aí você tinha que escrever aqui em baixo todinho, igualzinho.
129
Rita Cassiana (66a, 2007).
Tinha o caderninho de caligrafia para aprender fazer as sílabas né, e as
frases e certo na linha não podia passar fora da linha. Se passasse tornava
a fazer. Tinha que apagar tudo e tornar a fazer, era para fazer bem
redondinha certinha na linha.
Antonieta Queiroz (51a, 2007).
Era quadro de giz, não tinha nada, era quadro, o quadro negro e giz,
só. Tinha caderno de caligrafia, você era obrigada a ter a letra bem visível,
obrigado a ter o caderno de caligrafia.
Vera Morais (54a, 2007).
Nosso material escolar era a cartilha e a tabuada. Ah! Tinha caderno de
caligrafia também. Nesse caderno tinha que fazer letra bonita, tudo certinho.
Neuza Monteiro (62a, 2007).
No tempo em que eu estudei, nem cartilha tinha na escola, só tinha o
quadro de giz e o giz. Naquela época as coisas eram bem simples. Parece
que tinha caderno de caligrafia, mas eu não estou me lembrando direito
agora.
Pelo depoimento das professoras pode-se constatar que, os poucos materiais
existentes nas escolas eram destinados às atividades de alfabetização, através dos
treinos ortográficos e caligráficos, em situações que podem ser denominadas
formais, pois representam a forma pela qual, tradicionalmente, se concretizava a
experiência escolar em todos os graus de ensino, com: cadernos, cartilhas, lápis,
borracha e, principalmente o caderno de caligrafia.
1.1.2. O processo de ensino: metodologia
As professoras fizeram comentários interessantes sobre a maneira como seus
(as) professores (as) ensinavam tais como: o todo, as cartilhas e as atividades
mais freqüentes que usavam para alfabetizar, como por exemplo, a cópia e o ditado.
130
Ana Maria (50a, 2007).
Fui alfabetizada pelo método tradicional, em que o aluno cumpre o papel de
mero espectador, ou seja, receptor das informações do mestre. Nesta
concepção o aluno precisa memorizar e fixar informações, as mais simples
e parciais possíveis e devem ir se acumulando com o tempo. Este modelo é
típico da cartilha; a que eu usei foi a “Cartilha Sodré”, a qual ficou gravada
na memória a primeira lição: A pata nada-pata-pa, nada-na. Hoje tenho a
consciência que esse método de alfabetizar fragmenta as palavras,
descontextualiza o escolar do real, produzindo muitas vezes o
analfabetismo, essa prática de ensino decodifica letras e símbolos, ficando
artificial a situação da leitura e escrita.
Dona Zinha (75a, 2007).
No primeiro ano A, a professora ensinava o alfabeto, naquela época
chamava abecedário, depois ensinava juntar as letras e depois a professora
lia as labas, soletrando. depois ela mandava a gente copiar e depois
ela fazia ditado. No primeiro ano B e no primeiro ano C ela seguia a cartilha
Teonila Miranda (74a, 2007).
A professora ensinava fazer as bolinhas, puxava a perna, bolinha, falava
que era sapinho da baixa né, por que quando tem aquele rabinho, ai, ai a
gente foi aprendendo a fazer, fazer o a, ai vinha fazendo o b, fazia o c, ai ia
indo até aprender a fazer o alfabeto completo No primeiro ano a gente não
aprendeu a ler, já no primeiro ano b que a gente já começou a ler né?
Começou a falar as sílabas, no primeiro ano b. No primeiro ano A era só
mesmo pra desenvolver a coordenação motora, é conhecer, fazer o número
um, fazia pauzinhos, era só o que a gente aprendia no primeiro ano A né? E
as letras. Para ensinar, a professora, passava no quadro, e ali ela lia. Ela
passava no quadro depois lia e mandava a criança copiar no caderno pra
depois a criança desenvolver o que, o que ela ensinou né? Depois reunia a
turma. Aí, ela com uma régua ia mostrando as letras, formando as palavras
e separando sílabas no quadro, depois que ia pro caderno, aí ela explicava
bem como era pra ler. Ensinava ler tudo. Aí é que ela passava pra a criança
copiar no caderno. Passava separar sílabas, passava cópia pra crianças
fazer, passava um pouquinho de cada coisa, formar frases. Depois ensinava
como era para ler. Ela soletrava, ela escrevia a palavra depois ela separava
a palavra pra ensinar a criança soletrar, depois que a criança soletrava ela
mandava formar a palavra na frente. Aí. Ela chamava pra fazer a leitura, era
um de cada vez lá na mesa dela. Ela sentava e chamava um por um. Aí
vinha com um livrinho, e com a régua ela mostrava as palavras pra criança
ler.
131
Antonieta Queiroz (51a. 2007).
O que nós aprendíamos no ano era ler e escrever. O alfabeto você tinha
que saber todinho, não tinha esse negócio de juntar, hoje em dia...Assim,
você no primeiro ano A, você fazia o alfabeto é como o prezinho de hoje em
dia, tipo uma alfabetização. A tabuada também era obrigatória, mas o que
mais nós aprendíamos nessa época era ler e escrever. Primeiro...Tinha que
aprender a escrever para depois a ler. A professora passava bastante
atividade de formar frases, separação de sílabas esses daí, que era mais
assim. Ela passava... Não tinha interpretação de textos nesses dois
períodos
53
, agora no primeiro ano C, ela passava o texto. , a gente
tinha que fazer... Tipo uma interpretação e, você era obrigado a aprender.
Ela explicava era uma, ou duas vezes, não, não falava mais do que isto daí,
e se você perguntasse você ficava de castigo.
Leomar Oliveira (52a. 2007).
Na escola a professora passava o alfabeto, depois as sílabas e soletrava
no quadro. Depois, você já passava para o livro né? Passava as atividades
no quadro à gente preenchia. Essas atividades eram: cópia e interpretação.
A professora falava: primeiro vamos copiar esse texto, a gente copiava,
agora vamos responder. Tinha muita cópia da cartilha. Porque a cartilha
vinha complementada pelos textinhos assim... Tipo três ou quatro
parágrafos dava o que?... Umas... Cinco ou seis linhas. A cartilha era
Caminho Suave, eu tinha ojeriza daquele livro, eu não gostava porque
quando eu pegava aquele livro, e ela (a professora) queria que eu lesse.
Então eu tomei até gastura dele. Nesse livro não é como hoje né? Primeiro,
as vogais, alfabeto e você vai para as palavras, o, é a palavra e você
que vai decodificar as letras depois.
Rita Cassiana (66a.2007).
A minha professora começou a ensinar a ler pela letra A. A letra tinha que
ser bem decorada pra aprender e tinha mais o abecedário, que falavam
que... O abecedário, que falava antigamente, tinha que decorar do A até o
Z. Aí, que a professora ia passar... Fazer as sílabas. nós íamos aprender
as sílabas. Depois que nós decorávamos a professora levantava uma por
uma das crianças, por exemplo, fulano levanta e lê. Você ia ler na mesa
dela e você penava né? Tinha muitas sílabas, tinha muito... Assim
encobrir, ela passava lotava no caderno para encobrir passava o lápis por
cima. Você está entendendo? Era para melhorar a coordenação-motora.
Tinha, tinha muita cópia. Tirava do quadro e do caderno, bastante cópia
comprida né? Não pedacinho o, comprido. É tinha o caderninho de
caligrafia para aprender fazer as sílabas né, e as frases e certo na linha não
podia passar fora da linha. O método era soletração era assim, por exemplo,
ela passava aquelas sílabas no quadro aí, ela ficava um b e um a faz BA
depois que conhecesse o abecedário, tanto maiúsculo quanto o minúsculo
você viu sempre na cartilha tem o abecedário maiúsculo e minúsculo esse
aí, os tínhamos que saber bastante. Você já viu essa cartilha que tem a letra
maiúscula e tem a minúscula? No primeiro ano A. eu lembro a cartilha era o
ABC, depois tinha aquele livro que falava assim na fazenda do tio Mário,
você chegou de ver esse livro? O nome eu não lembro.
53
Os períodos que a professora se refere são o primeiro ano A e o primeiro ano B.
132
Neuza Oliveira, (62a. 2007).
Eu fui alfabetizada pela minha mãe, aqui mesmo no engordador. Aqui ainda
não tinha escola, mas minha mãe era a professora dava aula em casa. Ela
era contratada pelo governo. Naquela época as coisas eram bem simples,
não tinha cartilha tinha o quadro de giz. Então minha mãe ensinava o
abecedário, né? A gente começava aprendendo o a, b, c colocava as
letrinhas pra gente passar por... A mão e... Cobrindo assim...Cobrir. Depois
nós aprendíamos as sílabas soletrando. B a ba, b e be, b i bi, b o bo, b u bu,
era uma leitura meio que cantada sabe? Mamãe dava muita cópia, a gente
copiava depois fazia ditado, mas o ditado era de palavrinhas. O ensino
daquele tempo era na base da decoreba e tinha que saber. A professora
passava um ponto, por exemplo, sobre o descobrimento do Brasil, então
tinha que dar o ponto do inicio ao fim para ela assim: O Brasil foi descoberto
pa,pa,pa,... Até o fim. Então tinha que decorar mesmo
Vera Morais (54a, 2007).
Minha professora mandava copiar da cartilha. Então a gente ia aprendendo
né? Aprender a escrever como ela falava assim... A + i = ai a gente tinha
que colocar na frente juntar e ler ai então, a gente sabia que era ai, o + i =
oi. Vamos juntar as letras a gente tinha escrever certinho pra juntar na
frente e ler era assim, que ela foi ensinando a gente. A cartilha que eu tinha
era a [pausa] Aquela, que falavam... Sodré. O que eu gostava demais de
estudar era aquele lição que falava cá, que, qui, co. É até que eu
chegava daí pra lá, a professora falava: termina menina, não professora, eu
não posso falar. Esse daí eu gostava, o que eu mais gostava era essa. Se
ela falasse assim: vamos ler um pouco essa outra lição, o professora
essa não, essa difícil. chegava em casa minha mãe ensinava então eu
ia lendo, mas a minha preferida mesmo era essa. Na época que eu
estudava não tinha lousa. Então a professora passava tudo no caderno pra
gente, a gente ia fazendo. Depois improvisaram uma tábua pra ela escrever.
Pra gente poder tirar, porque se fosse pra ela passar no caderno...Era vinte
e oito alunos de manhã e vinte e oito a tarde, não dava pra ela passar no
caderno de todos. Quando arrumaram essa tábua sim, ela passava pra
gente escrever, colocava linha pra gente escrever pra gente olhar, como é
que era pra colocar certo na linha, onde era ponto, onde era vírgula.
Dona Glorinha (78a.2008).
No primeiro ano A o professor segurava na mão para ensinar a fazer as
letras do abecedário. Depois que a gente conhecia todas as letras ia para o
primeiro ano B. Assim que era antigamente. quando conhecia bem,
que fazia caligrafia assim, por exemplo, a bola é de Luís, a boneca é
de...Fazia essas caligrafias que passava para o primeiro ano C. Daí que
fazia ditadinho de palavras.
133
Maria Gonçalves (69a, 2007).
A professora ensinava assim: b a ba, b e be, b i bi, b o bo, b u bu, pra
estudar né? O a, e, i, o, u, e, ia lendo ? As atividades que fazíamos
sempre eram: treino da letra manuscrita, cópia das palavras que
escrevíamos erradas, cópias do alfabeto em todas as letras, cópia da
tabuada, resolução de muitas continhas.
Catarina Sales (63a, 2007).
Bom, pra mim o método que a professora usou para me alfabetizar foi o
método do, da silabação, analisando o que a professora fazia, por que ela
pegava a letra b, ai escrevia ba, be, bi, bo, bu. Mas na hora de ler, aí era
soletrado b a ba, b e be, b i bi, b o bo, então juntava as duas coisas, juntava
soletração e juntava silabação. Soletração assim para aquelas crianças,
quando a gente iniciou já sabia ler fluente não soletrava mais. Se você
conseguia ler fluente sem soletrar então você lia, quem não sabia ler aí ela
mandava soletrar b o bo, n e ne, c a ca, boneca.Quando ela descobriu que
eu já sabia escrever ela mandava eu copiar da cartilha e a cartilha que ela
usava, que ela utilizou para alfabetizar, chamava Cartilha do Povo no
primeiro ano A, e a primeira página tinha a mão, aqui espalmada e era as
vogais a, e, i, o, u, né, aí como eu já sabia escrever ela mandou eu copiar o
alfabeto, e a partir daí passou a escrever pra mim as sílabas. Tinha outros
livros [...] no primeiro ano B e no primeiro ano C. Do primeiro ano B eu não
lembro mais o nome. O do primeiro ano C era, O tesouro da criança
54
.
Ilustração 2
Fonte: Acervo particular da professora Catarina Sales.
Pelas narrativas percebe-se que o modelo de educação era o tradicional, ler e
escrever eram entendidos como atividades de codificação e decodificação, sendo o
processo de alfabetização reduzido ao ensino do código escrito, centrado na
mecânica da leitura e da escrita.
A partir dos relatos foi possível construir um quadro com algumas informações
sobre o processo de alfabetização das professoras participantes desta pesquisa:
54
D´AVILA ,Antônio. O Tesouro da Criança: para o 1.º Grau Primário. 5.ª ed. Companhia Editora
Nacional. São Paulo
134
Quadro 5 – Escolarização Inicial
Professora
entrevistada
Ano que
iniciou a
1ªsérie
Nome do (a) Professor (a)
da 1ª Série
Método de
alfabetização
utilizado
Cartilha com a
qual foi
alfabetizada
Teonila Gonçalves de
Miranda
1940 Isabel Vitor da Silva Soletração Cartas do ABC
Maria Gonçalves dos
Santos
1944 Nadir (a professora não se
lembra do sobrenome)
Soletração Cartas do ABC
Maria da Glória e Silva
Amarante
1934 Adelino Cezar de Arruda Soletração Cartilha da Infância
Rita Cassiana da Silva 1948 Não lembra Soletração Cartas do ABC
Catarina Rodrigues de
Sales Moreira
1952 Anita ( a professora não se
lembra do sobrenome)
Soletração Cartilha do Povo
Ana Maria de Barros
Cezar
1963 Ruth (a professora não se
lembra do sobrenome)
Silabação Caminho Suave
Antonieta Auxiliadora de
Queiroz
1963 Jana Mussa Soletração Não lembra
Vera Lúcia de Morais 1960 Pequenina.(a professora lembra-
se apenas do apelido)
Soletração Cartilha Sodré
Benedita Lemes da Costa 1939 Marina do Couto Fortes Soletração Cartas do ABC
Leomar Fátima da Silva
Oliveira
1962 Glória Mayer Silabação Caminho Suave
Neuza Monteiro de
Oliveira
1952 Juvenilia Monteiro de Oliveira Soletração Não tinha cartilha
Fonte: Questionário e entrevistas.
Por meio das narrativas e do quadro acima é possível perceber que a maioria
das professoras foi alfabetizada pelo método sintético da soletração, com excessão de
duas que foram alfabetizadas pelo método sintético da silabação.
Um outro aspecto que merece reflexão é a contradição entre os princípios
teórico-metodológicos e ideológicos, norteadores do trabalho das cartilhas do Povo e
Sodré e o método da soletração. Pode-se observar no quadro acima que os
professores não seguiam o método dessas cartilhas advindos de propostas
completamente diferentes ao método da soletração. Assim percebem-se dois
135
métodos sintéticos de alfabetização coexistindo no mesmo espaço. Isso evidencia
uma certa impossibilidade de fazer uso de um material que, naquela época, tinha
uma proposta metodológica inovadora e a permanência de práticas de um todo
de alfabetização mais antigo.
Isabel Frade (2007), em artigo publicado pela Revista do Centro de Educação
diz que:
O método alfabético ou de soletração é um dos mais antigos e menções
ao seu uso desde a antiguidade [...]. A partir de vários materiais e de
depoimentos de alunos constata-se em sua aplicação uma seqüência
modelar: a decoração oral das letras do alfabeto, seu reconhecimento
posterior em pequenas seqüências e numa seqüência de todo o alfabeto e,
finalmente, de letras isoladas. Em seguida a decoração de todos os casos
possíveis de combinações silábicas, que eram memorizadas sem que se
estabelecesse a relação entre o que era reconhecido graficamente e o que
as letras representavam, ou seja, a fala.
De acordo com Siqueira (2000), em Mato Grosso, “[...] entre 1837 e 1854, o
método era da soletração, somente a partir de 1870, com a introdução das escolas
públicas de instrução primária é que houve também a preocupação com um método
de ensino da leitura, o método sintético” (SIQUEIRA, 2000, p. 204).
Apesar das mudanças ocorridas a partir de 1870 no ensino do Brasil, inclusive
na província mato-grossense, no que se refere ao método para alfabetizar. O
método da soletração ainda predominou nas escolas de Várzea Grande no período
em que as colaboradoras, deste estudo, foram alfabetizadas.
Segundo pesquisas realizadas em Mato Grosso por Siqueira (2000); Amâncio
(2000) e Amâncio e Cardoso (2005), o uso do método da soletração foi marcante no
estado de Mato Grosso por mais de um século.
O programa ou atividade do dia, quase sem exceção, constava de exercícios
orais ou escritos, tendo por base a cartilha ou o livro adotado. Os exercícios orais,
como os escritos, geralmente procuravam responder a questões ou perguntas
previamente formuladas pelos professores, sendo que as respostas consistiam em
repetir o que está no livro adotado. Daí não se podia fugir. O que o livro diz é o que
está certo, como mostra os relatos a seguir:
136
Catarina Sales (63a.2007)
O livro tinha leitura, aí você lia, fazia leitura em casa, lia, lia, lia, lia, chegava
lá, na escola lia de novo pra ela, (a professora) e ela fazia pergunta, por
exemplo, é tinha um texto que se chamava vovó e o netinho, acho que era
isso, aí ela perguntava o que o netinho falou para vovó? O que a vovó falou
pro netinho? Como era o chalé da vovó, né, por que o texto falava sobre
isso, falava do amor da vó pelo neto e como é que a vó estava, o jeito da
vó, a vó era velhinha, tava tremendo, tinha um chalé rosa, usava grampo na
cabeça, gostava de abraçar o netinho e assim por diante, então nunca
esqueço disso. É, então ela perguntava para a gente: Quais são as
personagens do texto? Vovó e netinho. Qual é o titulo do texto? Vovó e o
netinho. O que a Vovó falava pro netinho? Ai falava isso, isso, isso, como
que a vovó estava vestida? A vovó estava vestindo assim, assim, assim.
Tinha que responder igualzinho no texto.
Antonieta Queiroz (51a. 2007)
Ela passava o texto uma vez, se você aprendeu bem, se você não...
Você era obrigada a saber. Nós não tínhamos o direito de (pausa) falar
(pausa) assim, se você sentisse alguma coisa que estava errado na lição
oh! (pausa) Eles reprimiam a gente, você não tinha o direito de você falar,
de você brigar por aquilo, você tinha que aceitar tudo, o professor que
sabia, não é o aluno, você não tinha, não tinha direito de questionar nada,
você tinha que aceitar tudo o que o professor falava.
Leomar Oliveira (52a. 2007).
A professora exigia até postura de leitura você tinha que sentar com ombro
(pausa) o tronco esguio né? O livro nesta posição (mostrando), aqui você
apoiava o livro e com esta mão você segurava em baixo, lia e com esta mão
você apenas virava a página, segura assim, esta era a postura de leitura, a
voz você tinha que entoar quando era pontuação, a entonação quando
alguém falava você tinha que colocar, você... É como você estivesse
representando aquele texto. Assim que era a postura. E tinha que ser desse
jeito.
Rita Cassiana (66a. 2007).
Tinha que dar o ponto na ponta da língua você pegava e falava... O Brasil,
sobre o descobrimento, você tinha que dar na ponta da língua ali na mesa
ela sentada e você lendo na frente dela na memória não era para olhar no
caderno não, o Brasil foi descoberto no dia 22 de abril de 1500 e PA, PA,
PA vai... Tinha que ser do jeito que ela ensinou, não podia mudar uma
vírgula até terminar, então ela dava a nota.
137
Vera Moraes (54a, 2007).
A professora contava aquela... Muitas histórias, ela falava que esse era
matéria, ela falava assim, agora vamos aprender história, outro dia era a
geografia, ela contando assim tudo em brincadeira pra gente entender ela
explicava ? Todinho quem descobriu o Brasil, ela ia brincando com a
gente e a gente ia pegando e aí no dia da prova ela falava assim: vamos ver
quem é estudiosa, não quero resposta que foi dado, passado na lousa, eu
quero da explicação então, a gente tinha que prestar atenção e no dia da
prova, fazer na prova escrever a explicação que ela dava.
Teonila Miranda (74a, 2007).
A professora tinha que tomar a lição, das questões que ela passou. ela
sentava na mesa e chamava um por um dos alunos. Um de cada vez pra
dar a lição, era uma prova oral. Por isso que a criança tinha que estudar pra
saber da resposta, se não soubesse...
Se esse ensino formalista, rígido, desinteressante, monótono e de
armazenamento de noções e informações tivesse qualquer sentido funcional, não o
seria para a vida da criança. Ela, se pudesse, que utilizasse as noções adquiridas
quando fosse adulto. Não podemos dizer que se tratava ainda do velho regime de
"a letra com sangue entra"
55
, mas certamente é um regime de "aprenda quem
puder e se quiser".
56
1.1.3. A relação professor – aluno
Consideremos, em seguida, segundo depoimentos das professoras entrevistadas
como se apresentava o professor aos alunos na época que se alfabetizaram.
As educadoras também teceram comentários sobre suas professoras da
primeira série. Algumas delas revelaram pontos positivos e agradáveis sobre essas
55
Provérbio Português. Grifo meu.
56
Grifo meu
138
elas. Outras falaram com certa ressalva, ou até mesmo, com ressentimento de
certos momentos dessa etapa da vida escolar.
Rita Cassiana (66a, 2007) relatou sua experiência, nada feliz, na 1ª série
Eu não gostava da escola naquele tempo porque a professora era rígida
né?Não lembro muito bem da professora da série, sei que era brava
(talvez por isso não me lembre), ninguém abria a boca na sala de aula.
A professoras Antonieta Queiroz (51a, 2007) e Catarina Sales (63a, 2007)
Lembraram-se como foram suas professoras alfabetizadoras, mas não com
muita satisfação:
Antonieta Queiroz (51a, 2007)
A minha primeira professora foi Jana Mussa, e ela deu aula para mim no
primeiro ano A e no B. No C foi professora Anizaete. Era muito rígido na
época, você tinha que aprender a tabuada tudo certinho, se você não
soubesse era na palmatória era aquela maior rigidez. Os pontos que tinha
na época tinham que ser decorado, decorado todinho senão, você ficava de
castigo e se a gente chegasse em casa e contasse para mãe, a gente
levava outra bronca.
Catarina Sales (63a, 2007)
Minha professora se chamava Anita, era uma professora assim, bem brava.
O pessoal tremia quando via a professora Anita. O relacionamento dela com
os alunos era sempre aquele relacionamento de austeridade, professora, é
professora e aluno é aluno, ela era uma professora assim muito severa e
tratava a gente como aluno. Você não podia conversar você o podia
(risos) muito assim como os alunos de hoje se relaciona, perguntar, né?
Não se admitia. Se tinha que perguntar, tinha que perguntar pra ela, e na
hora certa, não podia perguntar qualquer hora.
Também revelação nada agradável foi da professora Ana Maria (50a,
2007)
A escola na época que eu estudei era muito autoritária, entendeu? O
professor era o centro do ensino aprendizagem. A disciplina era mais
valorizada do que a aprendizagem, muito mais, eu vivi isso. Nesse tempo
não tinha motivação. O professor sabia o que ia dar e o aluno tinha que
aprender. Nessa época o professor era o centro, era o sabe tudo.
139
Essa prática segundo Tardif e Lessard (2007, p.71) visa: “[...] a aquisição e a
manutenção nos alunos de comportamentos considerados conformes às regras da
escola e da classe, e visam também a transmissão pelo próprio professor e a
assimilação pelos alunos dos saberes escolares[...].
A professora Leomar Oliveira (52a, 2007) recorda que...
A professora era assim muito rígida quanto à leitura, cobrava muito da gente
tinha que aprender a ler tinha que aprender a ler... Olha para mim na época,
aprender a ler, era muito difícil e curioso né, devido à rigidez. Não era como
agora que você faz leitura visual você tem várias outras leituras mais
naquela época, era simbólica mesmo. Você tinha que decodificar as letras,
então eu tinha assim muita ansiedade eu me lembro que eu chorava muito e
um dia, em casa, a lavadeira estava lavando roupa e tinha um sabão que
chamava tufão estava assim no muro da lavanderia e eu comecei a juntar
as sílabas e era tu aí-fão tufão, aí, eu gritei: já sei ler! Aí, eu tive
o inshit que
eu sabia ler, até aquele momento eu não tinha ainda, descoberto a leitura.
No relato de Leomar Oliveira é possível perceber o quanto era rígida a
educação naquela época, tanto que ela percebeu que sabia ler em um ambiente
mais descontraído, sem exigências.
Na memória da professora Maria Gonçalves (69a. 2007) não ficou registrada
uma boa lembrança de sua professora
A professora Nadir era enérgica. Brava mesmo, todas crianças tinham medo
dela. Era respeitada, né? Quando ela chegava as crianças abaixava a
cabeça mesmo. A gente tremia de medo dela.
Dona Glorinha (78a, 2008) se recorda com carinho de seu professor e traz em
seu relato uma questão educacional bastante discutida atualmente. Isso me chamou
a atenção pelo fato de ser ela a mais idosa das entrevistadas
O meu primeiro professor foi Adelino Cezar de Arruda, lembro que ele era
muito paciencioso, preocupado com a nossa aprendizagem. De negativo,
teve na minha opinião que ele deveria ter partido do que o aluno sabia.
Se ele tivesse partido do que os alunos sabiam ao invés de exigir
que preenchessem linhas sem sentido algum a educação teria sido
mais vantajosa
57
.
Ao contrário das outras professoras, Teonila Miranda (74a, 2007) disse gostar
de sua professora alfabetizadora e se recorda dela com carinho. “A professora Isabel
era bem calma, atenciosa que ela era, de modo que eu fiquei com ela até no terceiro
ano. Eu gosto dela [...]”.
57
O destaque é meu.
140
Os professores não eram, nem poderiam ser um guia, um orientador das
atividades escolares, eram censores e distribuidores de tarefas; comportavam-se
como fiscais, sempre à testa da classe, distribuindo trabalhos, questionando, exigindo,
punindo muitas vezes e premiando raramente, mesmo assim de modo inadequado,
pois faziam, podemos assim dizer, estabelecendo discriminações ou valores
individuais.
A professora Vera Moraes (54a, 2007) relatou-me que “a nossa turma era
mista, mas a professora Pequenina era muito severa, não gostava de mistura. Ela
dividia a sala assim, as meninas pra que era mais e os meninos eram menos do
outro lado”.
Em tal ambiente e diante de tal censor, os alunos deveriam se comportar
segundo padrões determinados, cuja funcionalidade nem eles nem o professor
compreendiam. A pergunta que fiz as professoras a respeito do porque de tais
padrões, responderam as professoras que "assim era preciso pois senão os
professores não poderiam ensinar” (DONA ZINHA,75a, 2007). Conforme o relato das
professoras, a exigência comum, em tal comportamento, era o silêncio dos alunos,
exceto nas lições orais, em que a criançada dava evasão às suas energias reprimidas,
respondendo sempre no tom de voz mais alto possível, quase gritando, o raro em
uníssono, provocando alarido sobre o qual mal se podia ouvir a voz de comando,
também gritada, do professor.
Além do silêncio, “o aluno deveria permanecer sentado durante todas as lições,
podendo levantar-se com permissão expressa do professor” (MARIA
GONÇALVES,69a,2007). Via de regra, porém, todas as oportunidades eram
aproveitadas para quebrar uma e outra exigências. “Se o professor virava as costas,
para escrever num dos quadros negros ou para se dirigir para um dos extremos da
sala, os alunos que escapavam, assim, do seu campo de visão, se aproveitavam para
erguer-se rapidamente, esticar os braços, requebrar-se, etc” (CATARINA SALES,
63a,2007).
Os cochichos e murmúrios, a qualquer oportunidade, surgiam, obrigando o
professor a fazer que não os ouvia, para se poupar um pouco, ou, então, a “gritar por
silêncio ou a bater com a régua sobre a mesa ou sobre uma carteira” (NEUZA
MONTEIRO, 62a,2007).
141
De tudo, resultava para os alunos, com raras exceções, constante anseio pela
meia hora de recreio e, depois deste, pelo término das aulas. Com que sofreguidão,
com que alarido saíam então de suas salas, ou, melhor, “debandavam das fileiras
formadas, mas só depois de recebida ordem para isso” ( RITA CASSIANA,66a, 2007).
1.1.4.Os Castigos Escolares: erro e comportamento
O relato sobre os castigos escolares deixa claro o quanto às regras escolares
e a educação familiar eram rígidas. É possível, ainda, por meio da análise dos
depoimentos, perceber que a prática dos castigos estão presentes em suas próprias
práticas escolares, reveladas na descrição da trajetória profissional.
As professoras relatam à vivência escolar enquanto alunas e enquanto
professoras como um período em que para tentar corrigir o erro, usava-se o castigo
e a disciplina era rígida e imposta cabendo ao aluno obedecer sem reclamar.
A idéia, de que os alunos erram porque o prestaram atenção na explicação
da professora ou não estudaram em casa, é consenso na fala das professoras.
De acordo com LUCKESI “a visão culposa do erro na prática escolar tem
conduzido ao uso do castigo como forma de correção e direção da aprendizagem,
tomando a avaliação como suporte de decisão” (1999, p.48).
Nos relatos, de memórias, feitos pelas professoras, referente ao período de
alfabetização ou do início da escolaridade, é comum a manifestação de lembranças
dolorosas, de professores rígidos que utilizavam o castigo como forma de correção
do erro e da indisciplina. As leituras das transcrições das entrevistas das professoras
participantes dessa pesquisa representam uma viagem de volta a um passado, às
vezes muito mais próximo de seu presente do que imaginam às vezes na
reprodução destas atitudes em sua própria sala de aula seja de forma consciente ou
não.
Portanto, um dos grandes símbolos do tempo em que as professoras foram
alfabetizadas foi a palmatória, artefato feito de
142
[...] couro cru, engrossado em uma das extremidades, constituindo esta o
cabo onde se pegava; era achatada e arredondada na outra extremidade,
com a extensão suficiente para cobrir a palma da mão (era a clássica
férula). Depois passou a ser feita de madeira, quase no mesmo formato,
tendo na parte redonda, destinada a cobrir a palma da mão, cinco buracos,
os quais, sem ultrapassar toda a madeira, serviam de sanguessugas. Seu
nome popular era "Santa Luzia” (BRETAS Apud SIQUEIRA E SÁ, 2006).
Ilustração 3
Fonte: Palmatória: acervo particular da professora Teonila Miranda.
A palmatória era severamente aplicada a cada erro cometido - os conhecidos
“bolos”, que deixavam as palmas das mãos vermelhas ou arroxeadas e fazia saltar
lágrimas de dor e humilhação pelo constrangimento e vergonha da ignorância, uma
espécie de execração pública presentes nos tradicionais momentos de tomar a
lição, sejam as leituras da cartilha ou a tabuada.
Na época em que, as colaboradoras desta pesquisa, cursaram a série os
castigos físicos eram proibidos oficialmente em todo país, mas as restrições,
penalidades e sanções geralmente permaneciam no cotidiano escolar, a esse
respeito às professoras relataram:
Antonieta Queiroz (51a, 2007)
Você tinha que aprender a tabuada tudo certinho, se você não soubesse era
na palmatória era aquela maior rigidez, se eu sei tabuada, e sei fazer conta
eu agradeço essa época que eu estudei. Os pontos que tinham que ser
decorado, decorado todinho senão... Você ficava de castigo e se a gente
chegasse em casa e contasse para mãe, a gente levava outra bronca.
Percebe-se, por meio do depoimento da professora, que esse tipo de castigo
era permitido pela família e pela sociedade, na época que estudara.
143
As recordações das professoras Catarina Sales e Leomar Oliveira são como
as de Antonieta Queiroz, ou seja, nada agradáveis:
Catarina Sales (63a, 2007).
Ah! Castigo era pra ir pra diretoria, ou é às vezes ficava sentado no
corredor, quando o aluno era muito bagunceiro ela punha o aluno sentado
no corredor, mandava pra diretoria. A palmatória comia solta, então por
causa disso, eu sempre estudava tabuada e a lição que a professora
mandava, eu tinha que estudar bastante porque eu morria de medo da
palmatória, mas eu era muito má, por que eu gostava de bater nos outros.
Leomar Oliveira (52a, 2007) contou-me o seguinte sobre os castigos
escolares:
Havia muito castigo, eu lembro que eu peguei um... Uma época, que eu
estava já tinha, passado da primeira série né, eu estava no segundo ano,
e... A organização deles não era assim... Você fazia primeiro A, B e C,
quando estava no C você tinha que saber a tabuada até o nove. E tem uma
professora, não sei se posso falar o nome dela, ela era ruim, não era brava
ela, era ruim mesmo, ela beliscava a gente, apelidava, ela chegava perto da
gente assim e falava: copia negrinha, e eu não tinha esse cabelo era mais
enrolado, e eu tinha medo dela, então ela chegava para você e falava: copia
sua negrinha! Rápido! Vamos! Beliscava e nesse dia mesmo ela tomou a
tabuada do sete e eu não acertei o número e um dos meninos me bateu
com a palmatória
A esse castigo aplicado a Leomar reporto-me a alguns conselhos irônicos,
dados em uma das referências mais citadas nos cursos de Pedagogia, a Didática
Magna
Se por vezes, for necessário instigar e estimular há meios mais eficazes que
o açoite. Por exemplo, uma palavra áspera ou uma repreensão feita em
público, ou mesmo um elogio feito a outro: Veja como fulano e beltrano são
sabidos! Como entendem tudo! E tu, por que és preguiçoso? (COMENIUS,
1997 p.313).
Se Comenius no século XVII não aconselhava os castigos físicos o que
dizer de nossa escola no século XX ainda se valendo de tal expediente.
No caso de Leomar, esta foi castigada fisicamente, pelos beliscões e
moralmente, pelo fato de tornar-se visível a todos os colegas a sua condição de
negra. Era a exposição pública do erro.
144
Segundo Siqueira e (2006), os castigos físicos foram proibidos, no Brasil,
pela Lei de 15 de outubro de 1827, e deveriam ser substituídos por castigos de
cunho moral, entretanto de acordo com os autores,
[...] em várias províncias essa alteração não se realizou de forma rápida e
em muitas delas foi infrutífera a experiência da prática dos castigos morais
que pelo infrutífero uso propiciou o retorno silencioso da palmatória.
(SIQUEIRA E SÁ, 2006).
58
Esse silencioso retorno do uso da palmatória é visível na fala das depoentes,
mesmo nas das professoras Vera Moraes e Teonila Miranda, ao afirmarem que suas
professoras da primeira série não castigavam.
A respeito disso Vera Moraes (54a, 2007) disse: “Não, castigo ela não dava
pra gente, mas tinha o argumento com a palmatória”.
A professora Teonila Miranda (74a, 2007) fez a seguinte declaração: “Não
tinha o castigo. A palmatória era mesmo só entre os alunos”.
Segundo as professoras argumento era uma espécie de prova oral aplicada
pelo professor. Era constituído de perguntas e respostas e notadamente, utilizado
para a verificação da tabuada.
O professor fazia uma pergunta, e perguntava um a um, nas fileiras de
alunos. A criança que acertava tinha direito a dar um quinau nas outras, nas
que erraram ou que não responderam, isto é, de bater nas outras com a
palmatória (SOUZA, 1998, p.85).
Como vimos na citação acima, se o aluno errasse a pergunta feita pelo
professor apanhava com a palmatória do aluno que acertasse a questão.
Segundo as professoras, o termo argumento se referia à conferência da
aprendizagem dos alunos em relação a tabuada, recurso muito utilizado para
ensinar as quatro operações matemáticas. As professoras explicam como se dava
esse procedimento e como era a participação dos alunos no argumento.
Rita Cassiana (66a, 2008).
Tinha bastante castigo. Se a gente errasse a lição no dia de dar o ponto ou
errasse a tabuada no dia do argumento ou se brigasse na escola levava
palmatória né? Depois que foi tirado a palmatória o castigo era não sair
no recreio ficava na classe escrevendo e também não merendava,
58
Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_086.html. Acesso em
12/10/2007.
145
Antonieta Queiroz (51a, 2007)
Eu não gostava de Matemática porque nós apanhávamos muito. Apanhava
com régua. E a gua era nesse tamanho assim (mostrando)... (pausa) que
era a palmatória. Era assim, por exemplo, amanhã é dia de tomar a tabuada
então, você tinha que ir com ela na ponta da língua porque a professora
perguntava para a gente se você errasse o colega era para bater com força
para a pessoa sentir.
Maria Gonçalves (69a, 2008)
A professora Nadir fazia argumento. O argumento era assim: colocava os
alunos em roda e começava a perguntar: quanto que é...Marcava a tabuada
para estudar quem não estudava levava bolo mesmo. A professora
perguntava pro aluno 2x2 se errasse, perguntava pro outro, acertou passa o
bolo nele. Eu levei muito bolo depois eu estudava para descontar. A
palmatória era entre os alunos, a professora só batia com a palmatória
nos alunos malcriados.
Dona Glorinha (78a, 2008)
No argumento a professora perguntava a tabuada. Erraram? Você que
sabia, bolo nele. Os alunos davam os bolos nos outros. E aí quando
nenhum acertava a professora perguntava: E agora? Daí ela dava o bolo.
Catarina Sales (63a,2007)
.Era tão natural que os alunos que errassem fossem punidos pelos que
acertassem as perguntas do professor que as mãos se estendiam
automaticamente, humildes e reconhecidas para receber a palmatória
punidora.
Essa forma de transferência das práticas, dos professores para os alunos, foi
um dos mecanismos encontrados em Várzea Grande para, legalmente, manter o
uso da palmatória:
[...] A máxima parte das palmatoadinhas nas escolas são dadas pelos
alunos entre si em concorrência nos exercícios escolares, o que é um
poderoso estímulo no ensino. As penas morais, preceituadas pelos
regulamentos, e ridicularizadas pelos meninos devem ser auxiliadas pelo
emprego da palmatória a fim de surtirem seus efeitos (Processo inquiritório
1879. APMT - Lata 1879C).
146
Nos depoimentos das professoras foi possível perceber “a aversão que todos
tinham em relação à memorização mecânica” (SOUZA, 1998, p.85), pois a
memorização “estava associada também a sua emblemática relação com o uso da
palmatória” (SOUZA, 1998, p.85). Talvez por isso seja natural, não haver “memória
de alunos daquele tempo que não relate um terrível encontro com a férula”, que, “ora
era aplicada nos alunos desatentos, ora aos recalcitrantes, ora manifestava o arbítrio
ou mau humor do professor, ora era aplicada nas sabatinas, nos malfadados dias de
quinau” (SOUZA, 1998, p.85).
1.2. MEMÓRIAS DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
1.2.1. De Aluna a Professora
Nos episódios relatados, sobre o início da carreira profissional, foi possível
perceber, como a maioria das professoras, ainda adolescentes
59
, contando apenas
dezesseis ou dezessete anos, foram lançadas na prática, numa sala de
alfabetização, sem nenhum respaldo técnico ou teórico, viam-se sozinhas nas salas
de aula.
Dado o caráter ilustrativo desta situação, transcrevi o relato de algumas das
professoras que sem se sentirem preparadas para desempenhar tal tarefa relataram-
me alguns desafios e percalços do início de sua trajetória de professora
evidenciando, um lado heróico quase nunca mencionado ou reconhecido da
profissão docente.
Leomar Oliveira (52a, 2007).
Naquela época a gente o tinha que gostar tinha que ser professora é a
diretora que te dava a série. Eu não preocupava se ia dar conta, eu sabia
que se peguei eu tinha que dar conta você entendeu? Não tinha aquela
coisa ah! Não vou pegar porque senão... Até porque a diretora não
perguntava se você queria te deu a primeira série e acabou você ficava com
a primeira série, estrebucha e dá conta dela.
59
Algumas professoras, colaboradoras desta pesquisa, começaram a lecionar após cursarem o 4º ano do antigo
curso primário e outras após o término do ginásio regional.
147
Teonila Miranda (74a, 2007).
Olha nessa época quem tinha quarto ano primário já era professora se vinha
o método de pra e a gente desenvolvia. Eu tinha que desenvolver é...,
Como que se diz?... A profissão que eu estava assumindo, eu tinha que
desenvolver a profissão, o que, que adiantava eu ficar
se eu não
quisesse desenvolver. Isso demonstraria a minha impossibilidade né?
Antonieta Queiroz (51a, 2007).
Eu fiquei com medo assim... Sabe? Porque assim... Pela primeira vez até
assim para você falar em público porque a gente era muito reprimida, essas
coisas assim... Eu tinha medo, de dar aula... Você chega dentro de uma
sala de aula é totalmente diferente, você prepara a aula com cartaz e
quando você vai para sala de aula você não encontra material se você quer
dar uma aula bem dada tem que sair tudo do seu bolso porque a escola não
tem né? Então, é super diferente.
Dona Glorinha (78a, 2008).
Como eu trabalhava na zona rural a classe era multisseriada. Então eu
trabalhava assim: eu passava a lição para os alunos do ano. O ABC da
Infância, da Cartilha do Davi e todo mundo ficavam estudando. Depois eu
passava uma tarefa no quadro. Vamos dizer que eu passava uma cópia
para o e para o 4ºano, que sabiam, estavam melhor. Quando eu
terminava aquele trabalho, eu ia passar caligrafia para o ano fazer. Então
deixava uns fazendo caligrafia, outros cópia, outros a lição, daí eu ia fazer
um ditado com o ano e com o 4º. Também passava exercícios pra eles,
daquele assunto que eles tinham estudado, marcado no livro. Assim que
era. Era muito difícil dar aula para todos, assim (pausa) sozinha, mas a
gente acaba se acostumando.
Rita Cassiana (66a, 2007).
Foi um desafio para mim, porque eu não sabia nem como começar a
trabalhar... Como eu ia ensinar os alunos a ler e escrever? Foi muito difícil,
mas com o passar do tempo fui aprendendo com as outras professoras.
Neuza Monteiro (62a, 2008).
As dificuldades foram muitas,mas, eu penso assim: não é primeira barreira...
que a gente deve cair, dizer queo vai dar conta ou queo vai dar certo.
Eu acho assim,se eu tivesse... sei lá... uma assistência teria feito um
trabalho melhor
148
Esses depoimentos servem para mostrar aquilo que tem sido reconhecido e
denunciado pelas pesquisas como uma das causas do fracasso da escola brasileira:
o despreparo dos professores para enfrentar o desafio de alfabetizar, principalmente
o desafio de alfabetizar as crianças de classes menos favorecidas. Percebe-se que
essas professoras, tiveram de aprender a alfabetizar alfabetizando, ou seja, em
sala de aula.
Estes relatos, assim como outros, evidencia como as jovens professoras,
encerradas na solidão da sua de aula, sem ter com quem discutir, refletir, dialogar ou
compartilhar angústias, dúvidas e descobertas, constrói seu; saber-fazer. Este,
constituído através de experiências empíricas, baseadas na tentativa e erro, pode
ser considerado pouco competente, em termos da pedagogia acadêmica, mas, de
qualquer forma, levou-as ao objetivo de sua tarefa, a de saber, alfabetizar os alunos.
Nesta perspectiva, cabe aqui recordar as palavras do grande educador Paulo
Freire (1994, p.11), “ensinar é uma profissão que envolve uma militância no seu
cumprimento”. Para este educador o processo de ensinar, que implica o de educar e
vice-versa, envolve “a paixão de conhecer” que nos insere numa busca
prazerosa,ainda que nada fácil. Daí a necessidade de ousadia de quem se quer
fazer professora.
Todavia, as dificuldades dos primeiros tempos parecem ter dado segurança a
essas professora, tomando-as capazes de elaborar seus próprios materiais
didáticos. Ao longo da entrevista, obtive os seguintes relatos a respeito desse
assunto:
Teonila Miranda (74a, 2007).
Olha nesse tempo quando eu comecei a trabalhar não tinha plano de aula, a
gente pegava o livro e pedia de acordo com o que tava no livro, depois do
curso de férias, ai é que fomos fazer planos de aula. ..(pausa) ensino
(pausa)... Deve ser esse daí. nesse curso de treinamento tinha esse,
ai (pausa) a gente colocava o cartaz, a cartolina e fazia aquelas letras,
naqueles pedacinhos, cortava a cartolina, a letra. Então, se a gente falava a
palavra tia as criancinhas tinham que procurar as letras pra formar a palavra
149
Catarina Sales (63a, 2007).
Geralmente, eu fazia o seguinte: pegava uma gravura, eu botava no quadro;
a gente começava a falar um pouco da gravura, o que tinha, as cores, as
formas, o que passava pra cada um aquela figura. Eu ia escrevendo o que
eles falavam, e depois a gente discutia o texto, aí eu pedia para eles
escreverem, né?
Maria Gonçalves (69a, 2008).
Trazia figuras para a aula e procurava explorá-las, conversando sobre as
personagens, o lugar, o momento em que as coisas acontecem etc. Depois
eu falava para os alunos escreverem o nome de tudo o que viam na figura,
depois formarem palavras.
Leomar Oliveira (52a, 2007).
Mostrava para as crianças uma letra e pedia que recortassem figuras cujo
nome iniciasse com a letra.
Vera Moraes (54 a, 2007).
Eu gostava muito de fazer colagem em cadernos, com figuras, porque se eu
não fizesse isso como é que eu ia explicar para as crianças, como que
escreve tal coisa, com que letra que começa então eu tinha que fazer tudo a
colagem no meu caderno e escrever e ensinar eles.
As lembranças das professoras em relação às suas práticas pedagógicas
mostraram diferentes visões sobre o processo de alfabetização. Visões essas,
dissociadas de teorias, mas relacionadas ao compromisso e ao envolvimento das
professoras com o seu trabalho.
150
1.2.2.O Material Didático
Segundo algumas professoras os materiais didáticos utilizados por elas eram:
caderno de classe, caderno de desenho, caderno quadriculado e caderno de
caligrafia.
Teonila Miranda (74a, 2007).
O caderno de desenho era assim... Com folhas, tipo papel sulfite, alguns
alunos tinham outros não, então eu sempre tinha um para eu arrancar as
folhas para os que não tinham. Ele era usado para fazer desenhos livres e
de datas comemorativas (pois,) [...] não pulava uma data comemorativa tudo
era respeitado, por exemplo, dia de Tiradentes ninguém trabalhava dia de
Duque de Caxias ninguém trabalhava. Tinha outro patrono lá que até, nem
não lembra mais, tudo era respeitado a gente fazia palestras com eles, outra
é as datas dos santos, nós não trabalhávamos e os dias letivos, contava
certo.
Antonieta Queiroz (51a, 2007).
O caderno de classe servia para o aluno treinar a ortografia, fazer cópia,
fazer ditado e para realização das tarefas que eu passava para serem feitas
em casa.
Neuza Monteiro (62a, 2007).
No caderno quadriculado a gente fazia o desenho do número seguindo
quantidades exatas de quadrinhos, para que as crianças refizessem o
contorno a lápis, pintando por dentro e passando o dedo indicador sobre os
números assim as crianças memorizavam os números.
Com essa atividade esperava-se que as crianças desenvolvessem a memória
motriz de cada sinal gráfico. Esse pressuposto de memória motriz pode ser originário
da proposta montessoriana, com a diferença muito significativa de que nessa, a
atividade era desenvolvida com material concreto, que apela para o exercício
muscular.
151
Pode-se dizer então, que as atividades que predominavam nos cadernos
eram relacionadas à memorização e ao exercício de elementos da linguagem
escrita, seguido do treinamento dos números e da caligrafia.
A análise das entrevistas, sobre os materiais existentes nas escolas e
utilizados pelas professoras, permitiu a constatação da ausência de materiais que
pudessem caracterizar-se como decorrentes de um corpo metodológico, articulado
por uma proposta pedagógica coesa, consistente na interligação de seus vários
elementos. E nem poderiam já que quando iniciaram sua profissão não tinham
experiência e ninguém que pudesse orientá-las, pois no começo da carreira não
existia supervisor e/ou coordenador pedagógico e quando esses apareceram era
somente para fiscalizar se as professoras haviam executado o planejado feito por
eles, conforme depoimentos:
Catarina Sales (63a, 2007).
Naquela época a supervisão era na realidade um tipo de fiscalização, a
característica militar, você não podia falar o que você bem entendia, você
não podia fazer determinadas coisas, então eu penso assim, que naquela
época a gente brincava muito pouco com as crianças, as canções que você
cantava, era aquelas canções que a supervisora dava, você não podia
inventar, por exemplo, hoje tem aquelas músicas que a criançada canta e
você aproveita, trabalha os aspectos da canção, trabalha palavra, trabalha
construção, essa liberdade não se tinha, não se podia fazer e eu não fazia
com elas embora eu tinha vontade, pois eu gostava muito de cantar eu
gostava muito de brincar, mas eu não fazia isso com as crianças por que
cria um certo receio de fazer é medo, porque naquela época de governo
militarista os professores eram uns bichos, era aquele bicho que não podia
sair da linha.
Leomar Oliveira (52a, 2007).
O supervisor era para supervisão mesmo ele só mandava, por exemplo, tal
dia eu vou pegar o seu caderno Leomar, você tinha que estar com o
planejamento todo em dia, o plano de aula todo em dia, mais era fiscalizar
mesmo! Mas assim, a nível de ajudar, te orientar e te dar encaminhamentos
não, não tinha. Naquela época ainda tinha assim... Hei, fulana é aluna de
quem? De Leomar, o que Leomar fez que não ensinou tal coisa né? Então,
não era colegas, é diretor, principalmente o supervisor, então, era uma
responsabilidade muito grande com a criança e com o seu nome mesmo.
152
Ana Maria (50a, 2007).
Naquela época o mais importante para a supervisora era um plano de aula
bem feito e bem enfeitado para ela corrigir. Às vezes ela escrevia alguns
incentivos ou algumas críticas. Ela dizia que as críticas eram construtivas,
mas ela raramente elogiava. Os planos de aulas eram quase sempre
copiados de livros didáticos.
Em seus relatos, as professoras, deixam claro que a supervisora assumia a
função de controlador da ação pedagógica.
Acredito ser possível afirmar ainda que a prática da supervisora não envolvia
processos de reflexão, ao contrário, privilegiava a forma em detrimento do conteúdo.
Diante disso, concordo com Kramer (1986) quanto diz que:
Sem uma proposta que oriente e direcione a prática de professores e
profissionais em geral, sem um fio condutor em torno do qual as diferentes
ações dos diferentes profissionais se organizem e desenvolvam, o que
resulta são iniciativas isoladas, pulverizadas, assistemáticas, improvisadas.
Professores que não pedem maior apoio pedagógico e nem conhecem o
tipo de apoio que os profissionais deveriam fornecer convivem, assim, com
profissionais que não assumem enquanto sua a tarefa da alfabetização,
muitas vezes porque o sabem também como fazê-lo ( KRAMER, 1986,
p.42)
1.2.3. O Processo de Ensino: Metodologia
A professora Benedita (DONA ZINHA, 75a, 2007) disse-me que gostava de
trabalhar os conteúdos por meio de músicas. Acredito que para a época em que ela
iniciou a lecionar esta metodologia era bastante avançada. Vejam o seu depoimento:
[...] os cantinhos eu tava (estava) transformando no quadro, eles copiavam e
eu tentava ler com eles, cantar, né, com a forma dos cantinhos trazer a
leitura e a escrita. Daí, como teve o bloqueio da diretora que não aceitou,
veio esse tradicionalismo do bê-á-bá todinho. Isso foi uma proposta da
diretora, conveniada com os pais, que acham que não tinha que ficar muito
na brincadeira, muito na musiquinha, muito nesse lado todo que eu acho
mais assim prazeroso pra (para) trazer esse conhecimento pra (para) elas
(crianças). Então é complicado, né?
No momento em que seu trabalho foi interrompido pela diretora, Dona Zinha,
perdeu um momento ímpar, ou seja, aquele momento poderia ter se transformado
153
em uma rica prática de leitura e de escrita, em virtude de a leitura e a escrita ser
encarada, pela diretora e pelos pais, meramente como um processo cognitivo e não
como uma atividade social, constituída pelas interações entre professor e alunos.
Dona Glorinha (78a, 2008) relatou-me que:
Eu queria trabalhar diferente, dar umas aulas assim... Mais animadas, mas
o inspetor não deixava. Dizia que eu tinha que trabalhar os conteúdos que
estavam nos planos de aula. Aqueles antigos, com estratégias imensas que
deveriam ter tudo que você faria na aula. Eu achava muito errada essa
forma (pausa), pois o que para mim era deixar os alunos participarem das
aulas e trocarem idéias para o inspetor era bagunça (não ter domínio de
classe).
Em certo momento da entrevista, como se pode conferir na seqüência, as
palavras de Catarina Sales (63a, 2007) evidenciam que a falta de crédito, de apoio
ao professor, no seu trabalho, pode levá-lo ao retorno às velhas práticas como forma
de sentir segurança.
Eu gostava de alfabetizar usando uma palavra, mas a supervisora dizia que
assim eu não iria alfabetizar as crianças... Porque eu comecei fazendo um
trabalho que eu acreditava que daria certo porque naquele tempo
ninguém trabalhava sem o bá-bé-bi-bó-bu naquele primeiro ano tinha horas
que eu voltava um pouco para a silabação porque eu ficava preocupada
achando que os alunos poderiam não conseguir aprender.
Essas “visões normativas e moralizantes da docência” (TARDIF e LESSARD,
2007.p.36) que se interessavam, primeiramente, pelo que os professores deveriam
fazer, são históricas e fundamentavam-se “[...] na obediência cega e mecânica a
regras codificadas pelas autoridades escolares [...]. Durante muito tempo, ensinar foi
sinônimo de obedecer e de fazer obedecer” (TARDIF e LESSARD, 2007.p.36).
Vejo nestes depoimentos, um exemplo clássico de modelo de orientação
pautada na visão positivista de prática pedagógica, “modelo aplicacionista como
destaca TARDIF. Pois ele acontece de uma forma descontextualizada, sem
considerar, como destaca as professoras, os sujeitos envolvidos no processo.
As professoras também me revelaram alguns aspectos de sua trajetória
profissional descrevendo a maneira como alfabetizavam usando, algumas vezes, o
mesmo método com o qual foram alfabetizadas.
154
Leomar Oliveira (52a, 2007).
A primeira turma que eu trabalhei foi um desafio para mim que nunca tinha
trabalhado com essa faixa etária eram alunos repetentes, com idade de 11
a 14 anos com bastante dificuldade na aprendizagem; fui contratada como
professora de reforço. No início fiquei sem saber como fazer, o que fazer,
então me lembrei dos estágios e dos modelos de professores que tive na
minha vida escolar, resolvi seguir a mesma linha, trabalhava com cartilhas,
atividades repetitivas, treinos ortográficos, tendo os alunos como receptores,
e eu a dona do saber. Quando penso naquela época sinto envergonhada
por tantos erros cometidos por falta de conhecimento, mas pensava estar
fazendo o certo, fazia com tanto empenho que via resultado.
Teonila Miranda (74a, 2007)
Eu seguia o ritmo de acordo com a... Tinha que te aquela base né? Na
primeira série era a mesma coisa como eu aprendi. Ensinava a fazer o a, ai
vinha o b, primeiro passava pras crianças encobrir todas letras, depois que
ele sabia cobrir as letras e desenvolver a coordenação motora pra encobrir
as letras ai é que ia fazer sozinho. Depois passava, no quadro, o alfabeto ai
punha as crianças pra estuda a,b,c até eles decorarem as letras pra saber
escrever. Depois passada a palavra no quadro e ensinava eles separar as
sílabas pra poder soletrar, ai soletrava. Eu gostava muito que a criança
conhecesse as letras. Se a criança não conhece as letras ela não é capaz
de formar palavra. Então tinha que fazer ele estudar o abc, se ele não
estudou o abc ele não conhece. Cada dia eu passava um exercício de um
jeito, é separar sílaba, formar palavra, formar sentença colocar... Fazer o “a”
escrevia a palavra e fazia com que ele soubesse com que letra tinha que
completar a palavra. Gostava de ditado porque se a criança não soubesse a
letra ela não vai ser capaz de fazer o ditado. Primeiro eu passava a cópia.
Depois que eu passava a cópia e que eles copiavam aquela... Aquela lição,
aquelas frases direitinho aí no outro dia era ditado.
Vera Morais (54a, 2007).
Ah, o que eu aprendi na primeira série, quer dizer que esse aí eu não
esqueci né, o que eu aprendi eu passava para os meus alunos, eu
trabalhava mais em cima do que eu, aprendi, entende? Eu aprendi a ler
soletrando, assim, cantado então, eu passei para os meus alunos assim,
cantado, para incentivar mais eles. Eu falava assim, crianças vamos ler
aqui? Vamos, o que está escrito aqui? P a pa t o to pato, eles liam, e
de acordo a gente ia com ele até o fim, d e de d o do dedo desse jeito quem
que não ia aprender todo mundo gostava né?
155
Nos relatos de Teonila Miranda e Vera Morais é possível afirmar que o “[...]
professor geralmente é o detentor de um conhecimento gerado e aprendido
anteriormente, que lhe foi retransmitido por seus professores, que ele tenta repassar
aos seus alunos” (BURKE, 2003, p.16).
Isso significa dizer que quando se tornaram professoras, essas educadoras,
foram naturalmente levadas, a repetir com seus educandos os mesmos processos
pedagógicos aos quais foram submetidas.
As professoras utilizavam, em sua didática de alfabetização, o método da
soletração. Para elas, por exemplo, "escrever é juntar todas as sílabas, junto com as
palavras e formar uma frase completa"(MARIA GONÇALVES,(69a, 2007).
Durante a entrevista, pôde-se verificar que a prática escolar das professoras
no que diz respeito à leitura e escrita tinha como baliza exclusivamente cartilhas
elaboradas segundo o princípio silábico.
As professoras se recordaram dos títulos de algumas cartilhas que utilizavam
na prática de sala de aula, na época em que lecionaram.
O cotejo de informações advindas dos depoimentos das professoras, no caso
do uso das cartilhas, foi fundamental. Por meio deles, foi possível organizar o quadro
abaixo, com titulos das cartilhas utilizadas, em Várzea Grande naquela época. :
156
Quadro 6 – Cartilhas adotadas pelas professoras entrevistadas
Professoras
CARTILHA
BIBLIOGRAFIA
Teonila, Dona Glorinha, Dona
Zinha
ABC DA INFÂNCIA
60
ABC da Infância:
Primeira coleção de
cartas para aprender a ler. 107ed. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1956. (De
autoria anônima)
Teonila, Maria Gonçalves, Dona
Zinha
SODRÉ
61
SODRÉ, Benedicta Stahl.
Cartilha Sodré.
219 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1951.
Vera
PIPOCA
ALMEIDA, Paulo Nunes de.
Pipoca
: Método
lúdico de alfabetização: uma proposta
construtivista e interacionista lúdica. 40ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1997.
Leomar, Catarina, Neuza, Vera,
Ana Maria, Antonieta
CAMINHO SUAVE
62
LIMA Branca. A. de,
Caminho Suave
. o
Paulo: Caminho Suave, 1988.
Ana Maria
BOLHAS MÁGICAS DE
SABÃO
ALMEIDA, Paulo Nunes de, ZANETINI
Maria de Fátima P. e TRIGUEIRO Mercedes
A. Bolhas Mágicas de Sabão. São Paulo:
Saraiva, 1984.
Neuza
PORTA DE PAPEL
DOMANICO, A.
Porta de papel
. São Paulo:
Saraiva, 1987.
Ana Maria
MARCHA CRIANÇA
MARSICO, Maria Teresa, CUNHA, Maria do
Carmo Tavares, ANTUNES, Maria Elisabete
Martins, NETO, Armando Coelho de
Carvalho. Marcha criança: cartilha:
Alfabetização. ed. São Paulo: Scipione,
1996.
Rita
A TOCA DO TATU
GARCIA, Regiane.
A toca do tatu:
Alfabetização, Cartilha. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva 1996.
Catarina
PIRULITO
MARTINS, Andréa.
Cartilha Pirulito:
Alfabetização. São Paulo: Scipione, 1995.
Antonieta
EU CHEGO LÁ
MELO, Maria da Conceição Stehling,
BARAUSKAS, Cora Maria Toccheton. Eu
Chego : no mundo da leitura e da escrita
- Alfabetização. São Paulo: Ática, 2000.
Dona Glorinha
DAVID, MEU AMIGUINHO
ALVES, Eunice & ALMEIDA, Márcia de.
David, meu amiguinho. Bloch/MEC,1977.
Ana Maria
ALP
CÓCCO Maria F; HAILER Marco
Antonio.ALP-Alfabetização:análise,
linguagem e pensamento.São
Paulo:FTD,1995.
Fonte: Entrevistas
Diante dos relatos, o que observei foi que o caminho mais eficaz para a
alfabetização, para elas era o das famílias silábicas. A representação simbólica do
60
As "cartas de ABC" representam o método mais tradicional e antigo de alfabetização, conhecido como
"método sintético":.Disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=cartilhas01. Acesso em:
12/02/2008.
61
A 1a. edição é de 1940. Disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=cartilhas01. Acesso
em: 12/02/2008.
62
Essa cartilha, cuja 1a. Ed. é de 1948, parece ter sido um fenômeno de vendas no Brasil.: Disponível em
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/obj_a.php?t=cartilhas01. Acesso em: 12/02/2008.
157
objeto cartilha, como método e conteúdo para alfabetizar, ainda está muito presente
nessas profissionais.
Nas narrativas das professoras sobre sua prática, no que diz respeito à
leitura, constatei que quase sempre iniciavam com uma cópia. O exercício de ordem
“Leia” vinham sempre precedidos do exercício “Copie”. Portanto, a cópia era a
principal atividade na aula. Os alunos passavam a maior parte do tempo escolar
fazendo copias de letras, sílabas, palavras, frases e textos cartilhescos.
Pude costatar, ao longo dos relatos das professoras, que a fonte de material
de cópia e leitura era exclusivamente a cartilha: as lições eram transpostas da
cartilha para o quadro, do quadro para o caderno e, só então, lidas.
Minha preocupação, com a cópia baseia-se nas palavras de Vygotsky (1988,
p.133):” [...] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se
tornem necessárias às crianças. [...] a escrita deve ser incorporada a uma tarefa
necessária e relevante para a vida”.
Cagliari (1999) não descarta a cópia como estratégia de ensino da leitura e da
escrita, porém, alerta:
Se o professor manda o aluno copiar algo como tarefa de escola para
reproduzir um modelo, poderá ter como reação um ato mecânico que não
ajuda em nada no processo de alfabetização. Por isso, é preciso entender
bem a natureza da atividade de cópia e tomar cuidados especiais na sua
realização. (CAGLIARI,1999,p. 301)
Maciel, Almeida e Gimenes (2002, p.111) defendem que “no amplo contexto
da escrita, a utilização da cópia deve ter uma função social explicitamente
apresentada para a criança”. As autoras enfatizam a utilidade dessa atividade como
meio de usufruir socialmente do texto escrito, tirando dele o melhor proveito.
Assim, destacam que, sendo, a mesma, usada como mero exercício de
fixação da escrita, de nada adianta, a não ser para evidenciar uma concepção de
aprendizagem desta como simples aquisição de uma técnica. Entretanto, se forem
utilizada de maneira significativa, cumpre a sua função na vida escolar do aluno.
Dentre as sugestões de atividades de cópia significativa, dadas pelas autoras,
destaco a cópia de receitas de alimentos, de poesias, de letras de músicas do
interesse das crianças.
158
Nos dias atuais, não podemos negar a importância da cópia para o ensino da
leitura e da escrita, pois sem dúvida ela é essencial...mas a cópia da palavra com
significado, dita pela criança, sua conhecida ou que a criança irá conhecer naquele
momento, e não a cópia de uma palavra qualquer e sem sentido” (KRAMER,1986,
p.25).
E isto porque, para o domínio efetivo da leitura e da escrita, é preciso existir
a compreensão de que a linguagem escrita tem um aspecto simbólico (as
palavras representam, significam, querem dizer coisas, sentimentos, idéias),
mas é preciso haver também aquisição dos mecanismos básicos desse
código, do contrário não se e não se escreve. Assim, o problema não é
tanto se se devem fazer "exercícios" na aprendizagem da leitura e da
escrita: é preciso que eles estejam vinculados a um contexto, que sejam
uma estratégia usada dentre as demais, evitando-se que as crianças
apenas repitam exercícios indefinidamente sem compreender para onde
estão indo, qual é o significado do que fazem, o que é ler e escrever, qual é
a função da escrita. E essa compreensão do significado não pode como
também deve ser trabalhada na produção e na utilização direta de de ma-
teriais e textos escritos (jornais, livros, cartas, bilhetes, álbuns
cartazes)
(KRAMER,1986, p.19).
Depois da cópia, “o ditado reina (va) soberano” (HÉBRARD, 2001, p.123). O
ditado era aplicado em classe, na maioria das vezes, para verificação de erros e
para atribuição de nota ou conceito. Portanto era um instrumento de verificação de
memória, atenção, coordenação visual, auditiva ou motora do aluno e, até, da
capacidade de colar dos colegas dos colegas.
O material utilizado para a leitura tinha exclusivamente o objetivo de ensinar o
processo de decodificação e de facilitar o domínio da técnica da escrita. Os textos
dados a ler eram textos cartilhescos, pois esses asseguravam a presença de
famílias silábicas. O que os textos tinham a dizer para o leitor não interresava, pois
não eram lidos com a expectativa de que tivessem algo a dizer a alguém, mas sim
com a intenção de que seriam pronunciados e decorados pelos alunos. A principal
meta era o domínio do processo de fonetização das letras, portanto, pouco
importava o que se lia.
Busquei saber das professoras qual a concepção de leitura. Então, perguntei-
lhes o que é ler?
159
Dona Zinha (75a,2007)
Ler é... quando a gente ensina... as letras, né... os alunos vão juntando
uma com as outras e vai formando palavras e ai lê... é isso que é ler
Ana Maria (50a,2007)
Ler pra mim É quando a criança consegue decifrar aqueles códigos
que eu passei... então ela tem que escrever pra ler, e tem que ler
pra escrever [...] ela tem que decifrar a palavra que escreveu,a frase,
a sílaba e também tem que juntar todas as sílabas, junto com
palavras e formar frase .
Neuza Monteiro (62a,2007)
Ler é decodificar os sinais gráficos. É conhecendo todas as sílabas
simples e complexas que o aluno consegue descobrir as palavra
A concepção de leitura nesses depoimentos destaca a habilidade de
decodificação: juntar letras para formar sílabas, juntar sílabas para formar palavras e
juntar palavras para formar frases. Além disso, leitura e a escrita são consideradas
habilidades inalienáveis, ou seja, lê-se o que se escreve e escreve-se o que se lê. O
domínio efetivo da leitura e da escrita compreende em saber combinar a grafia/som
e som/grafia.
As professoras também falaram sobre as várias formas de leitura, como por
exemplo, leitura silenciosa e também se referiram a ela como compreensão e
interpretação, mas mesmo assim, sempre retornam ao aspecto da fonetização das
letras, das palavras e das frases.
Quanto indaguei sobre o que era uma boa leitura, elas destacaram a
necessidade dos alunos ler respeitando os sinais de pontuação, ter uma boa postura
para ler e ter uma boa entonação na voz.
160
Rita Cassiana (66a,2007)
A leitura pode ocorrer de várias formas., Leitura com os olhos que é a
silenciosa, com os lábios, que é a oral... com os olhos você e o
que a pessoa tá querendo dizer, né... então, ler pra mim é mostrar para
a criança como decifrar aqueles códigos.
Antonieta Queiroz (51a,2007)
Eu fazia leitura oral, escrita, muda, com desenhos. Leitura para mim é
entender e interpretar tudo o que vemos ao nosso redor. Eu considero
uma boa leitura, quando o aluno sabe ler usando os sinais gráficos e
as pontuações corretas
A professora Catarina Sales (63a,2007) se referiu à leitura como uma prática
social que perpassa os limites da sala de aula e tem outros objetivos além do
domínio das técnicas de transformar as letras em sons.
Ler é se informar, pois a criança tudo que vê... os autdoors, as
embalagens, as palavras onde tem ilustrações, os sinais de trânsito
Neste sentido, sou levada a acreditar que muitas das considerações e
declarações das professoras buscam referências nas suas histórias de vida. O modo
como foram alfabetizadas e as relações estabelecidas com seus professores e
professoras nessa etapa de suas vidas demandam modos específicos, não apenas
de ação, mas também de pensamento e, ainda, sobre o que defendem como válido
para alfabetizar.
O cenário em que essas professoras alfabetizavam, cumpria a função de
fazer as crianças a aprender a ler e a escrever.
Entretanto, algumas professoras conseguiram vislumbrar outras
concepções, ainda que isoladas, acerca da alfabetização e de sua função social.
A partir de seus relatos pude perceber as diferentes concepções que
permearam a sua prática alfabetizadora.
161
Assim se expressou a professora Ana Maria (50a, 2007):
Alfabetizar é levar a criança a ter prazer, gostar de falar, escrever e ler.
Então alfabetizar, não é simplesmente decodificar códigos, símbolos, mas
sim decodificar e interpretar o significado, fazer uma análise crítica de algo.
Essa professora tem clareza de que alfabetizar vai além da decodificação.
Isto significa dizer, que decodificar é um processo necessário, porém o professor
não pode limitar-se a ele. Portanto a professora revela uma compreensão de que
interpretar, analisar e criticar também faz parte do processo de alfabetização.
Ainda neste sentido, acha-se presente no depoimento a seguir, a idéia de
que a criança, por não estar na escola, não é um sujeito sem conhecimentos acerca
da escrita, segundo a professora Leomar (52a, 2007),
As crianças vivem em contato com os meios de comunicação. Vivem em
busca de coisas novas e quando chegam na escola se deparam com
práticas pedagógicas ultrapassadas, querendo apenas alfabetizar para ler e
escrever, esquecendo que precisa também interpretar, ou seja, conhecer o
que há por detrás daquelas palavras que o professor ensinou.
.
A professora Catarina Sales (63a. 2007) relata a seguinte preocupação
quanto ao processo de aquisição da linguagem escrita:
O processo da alfabetização deve ser gradativo, sem aquela preocupação
que o aluno tem que dominar tudo no final da série. O trabalho com a
linguagem deve superar o domínio mecânico do gráfico, deve ser voltado
para o que a criança convive diariamente: jornais, revistas, gibis, livros
infantis, folheto de propaganda etc, esquecendo um pouco da cartilha.
Pode-se perceber, nas narrativas das professoras, alguns elementos
inovadores permeando as concepções do processo e da prática da alfabetização.
Pois algumas apontaram como necessário, a superação dos métodos tradicionais e
mecânicos. Afirmaram ser necessário alfabetizar para além da decodificação do
código escrito. Apontaram também, em alguns momentos, a necessidade de uma
concepção de alfabetização como processo mais amplo, ou seja, o letramento.
162
Esses depoimentos revelam uma dimensão atual compartilhada por alguns
autores sobre alfabetização, entre eles SMOLKA (1996), FRAGO (1993).
SMOLKA (1991, p.23), alerta, sobre a prática pedagógica, que a escola não
tem trabalhado a elaboração do conhecimento com as crianças. Ao contrário, a
escola tem silenciado sua fala, através da repetição em coro de sílabas, palavras e
frases desarticuladas e descontextualizadas.
No mesmo sentido, FRAGO (1993, p.27) diz que “Alfabetizar não é ler,
escrever e falar sem uma prática cultural e comunicativa, uma política cultural
determinada”.
Observa-se, assim, que a concepção de alfabetização das professoras
entrevistadas foram se ampliado no cenário sócio-educacional, estimulando práticas
escolares diferenciadas uma vez que tais questões, de uma forma ou de outra,
chegavam à escola.
1.2.4.Os Castigos Escolares: erro e comportamento
Os depoimentos das professoras demonstram que os castigos dados aos
alunos por não saberem uma determinada lição ou por o se comportarem, como
desejava a professora, eram muito presentes na prática escolar, conforme
transcrições abaixo:
Teonila Miranda (74a, 2007).
Olha... A professora que dominava a sala de aula né, então ali ela exigia da
criança, tinha que exigidas crianças porque se não exigia as crianças
também levava tudo na brincadeira, ai a gente prometia, prometia de fazer,
por exemplo, eu falava assim olha a nota do comportamento, se alguém não
comporta eu vou tirar ponto da nota dele vai ficar reprovado, a criança
comportava direitinho, obedecia, a criança obedecia, a professora dominava
a sala de aula e hoje em dia a professora não pode falar isso. Eu usava a
palmatória. Eu não nego. Eu usei mesmo, principalmente na criança que era
malcriada
163
Vera Morais (54a, 2007).
Eu usava a palmatória e se a mãe fosse invocar também levava. É comigo
não tinha essa não. Mais eu sempre falava na sala de aula eu sou mãe, pai
e professora, ao mesmo tempo, então, eu mando em vocês, ninguém mais
manda, eu. Eu dava castigo mandava ficar de com braço aberto na
parede (risos), fazia arte mandava ficar de castigo
Dona Zinha (75a, 2007).
Eu usava palmatória, fazia argumento, fazia aposta para melhorar a letra.
Porque tinha aluno de letra feia né. Então eu fazia aposta que aquele aluno
que escrevesse bonito ia passar bolo no outro... Falava bolo né, ia passar o
bolo no que tinha letra feia, assim as crianças aprendiam escrever bonito.
Pode-se então, dizer que a prática escolar do castigo físico ou moral
representa uma cultura escolar da época em que estudaram e da época em que
foram professoras, pois segundo Julia
[...] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas
que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto
de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a
finalidades que podem variar segundo as épocas (JULIA, 2001 ,p.10).
Não raro, ao longo dos depoimentos recebidos e das observações feitas, foi
possível perceber o quanto as professoras apoiavam seus pensamentos e ações
nas representações de alfabetização que construíram ao longo da própria história,
nas suas experiências como alunas. Esses elementos presentes são frutos das suas
vivências e vinham à tona nos seus discursos.
164
CAPITULO IV
1.O QUE DIZEM OS DIÁRIOS ESCOLARES
O Diário de Classe é um documento de uso exclusivo do professor que
suporte a ação pedagógica. Nele são anotados as freqüências dos alunos, as aulas,
as notas ou conceitos obtidos nas avaliações e também são transcritos as atividades
e conteúdos lecionados em sala. Dessa forma, ele deixa sua marca no mundo,
contando, de certo modo, a sua versão do ensino, procurando atender as
prescrições oficiais. São, portanto, importantes fontes que representam a cultura
escolar.
Nesta perspectiva, os Diários de Classe podem ser considerados, dado ao
seu caráter discursivo, uma fonte “[...] de natureza oficial, tendo em vista a sua
origem, suas finalidades, sua autoria [...]” (AMÂNCIO e CARDOSO, 2006, p.193).
Segundo as autoras, os diários como
[...] fontes oficiais fazem parte de um conjunto de dispositivos que contêm
em sua estrutura elementos reveladores de conteúdos valorizados pelas
instituições de ensino em diversos âmbitos: o do ensino, porque contempla
e registra o conhecimento considerado válido para ser ensinado aos alunos
(tanto as crianças quanto aos professorandos); o da escolha metodológica,
porque acaba revelando, de certo modo, as opções do professor no
encaminhamento/planejamento para o encontro do aluno com o saber
sistematizado; o da avaliação, porque evidencia as cobranças do que foi
mais relevante no universo dos diversos conteúdos destinados aos
aprendizes (AMÂNCIO e CARDOSO, 2006, p.194).
De acordo com as referidas pesquisadoras, os diários de classe tornam-se
importantes instrumentos de pesquisa, porém as mesmas advertem que o
“podemos perder de vista que se trata de material produzido para prestar contas,
gerado por um tipo de controle, dirigido a um tipo de interlocutor e, portanto, nem
sempre espelha a realidade escolar” (AMÂNCIO e CARDOSO, 2006, p.194).
Mesmo assim, a análise dos conteúdos e atividades desta fonte de
investigação contribuiu para desvelar as cartilhas que circularam em Várzea Grande,
no período eleito nesta pesquisa, e também “conhecer aspectos importantes
relacionados aos fundamentos epistemológicos e pressupostos pedagógicos
subjacentes às propostas de alfabetização” (AMÂNCIO e CARDOSO, 2006, p.194).
Segundo Vidal (2004, p.61), a “[...] preservação de exercícios, cadernos, provas
escolares, diários de classe, cartazes, quadros [...], entre outros documentos que
165
apresentam indícios do cotidiano escolar, [...] pode aumentar a compreensão das
práticas escolares”.
No entanto, esse tipo de documentação, mais especificamente da década de
1980 (oitenta) e da década de 1990 (noventa) é quase inexistente no Município de
Várzea Grande. A escassez ou raridade dessas fontes é justificada pela não
conservação nos acervos oficiais, por falta de uma política de guarda de documentos
escolares que abarque tanto as fontes oficiais quanto as que são consideradas não
oficiais.
Mesmo com toda a dificuldade para encontrar esses documentos,
correspondentes ao período de 1985 a 2005, consegui reunir 296 (duzentos e
noventa e seis) diários de série do Ensino Fundamental das escolas de Várzea
Grande.
De posse desse material realizei uma investigação minuciosa em 105 (cento e
cinco) deles sendo: 25 (vinte e cinco) da cada de 80 do século passado, 50
(cinqüenta) da década de 90 e 30 (trinta) da primeira década dos anos 2000.
Minha análise enfocou principalmente os conteúdos trabalhados, na tentativa
de descobrir, por meio das várias pistas deixadas nos registros escritos pelas
professoras, como era a prática de leitura e escrita e, com isso, compreender não só
os discursos das professoras, mas como se trabalhava de fato com o ensino da
língua materna nos anos iniciais ao longo do período eleito.
Infelizmente, não localizei diários das professoras entrevistadas, do período
compreendido entre 1985 a 2005.
63
Mesmo assim julguei interessante analisar os diários de primeira série que
encontrei, mesmo que não tenham pertencido as minhas colaboradoras. Nestes
diários pude constatar que formas diferentes de registro dos conteúdos, ou seja,
alguns registros foram escritos diariamente, outros semanalmente, e finalmente
mensalmente.
De maneira geral os registros deixados nos diários de classe, apresentavam-se
como um elenco de atividades que foram propostas aos alunos e não constam neles
objetivos, finalidades ou intenções das professoras ao proporem os exercícios a
serem desenvolvidos. Mesmo assim os exercícios escolares “[...] favorecem a
63
Alguns diários das professoras entrevistadas que encontrei não foram citados neste estudo, pois alguns deles
datavam um período anterior da pesquisa, outros não eram de 1ª série.
166
percepção dos conteúdos ensinados, [...] suscitam o entendimento do conjunto de
fazeres ativados no interior da escola [...]” (VIDAL,2004, p.61).
Isto significa que, os exercícios registrados nos diários, auxiliam a reconstituir,
mesmo que em parte, os modos como se construía a prática pedagógica na
transmissão dos conteúdos, da aplicação dos métodos de ensino e das maneiras
pelas quais se efetivava a aprendizagem da escrita e da leitura.
1.1. Diários da década de 1980
Ao analisar os diários escolares
64
, da década de oitenta do século passado, mais
especificamente
entre os anos de 1985 e 1989, foi possível perceber a presença
marcante de atividades destinadas ao ensino da leitura e da escrita. As anotações
das atividades lecionadas se apresentam, em todos eles, como uma listagem de
atividades das quais destaco:
Quadro 7- Apropriação da Leitura e da Escrita – Década de 80
Atividades/Ano
85
86
87
88
89
Coordenação motora
X X X X X
Introdução das famílias silábicas simples e complexas
X X X X X
Introdução das vogais: maiúscula e minúscula letra cursiva
e de imprensa
X X X X X
Leitura de sílabas
X X X X X
Leitura de palavras
X X X X X
Leitura e cópia da lição da cartilha
X X X X X
Escrita de palavras a partir de letra/ sílaba dada
X X X X X
Escrita de frases
X X X X X
Escrita de pequenos textos
X X
Exercícios no caderno de caligrafia
X X X X X
Cópia de sílaba
X X X X X
Cópia de palavra
X X X X X
Cópia de frase
X X X X X
Cópia de lição da cartilha
X X X X X
Ditado de palavras
X X X X X
Ditado de frases
X X X
Contagem de letras de palavras
X X X X X
Contagem de sílabas de palavras
X X X X X
Contagem de palavras
X X X X X
Identificação de letras
X X X X X
Fonte: diários de classes da 1ª série.
64
Analisei 25 diários da década de 80. Sendo 05 diários de cada ano entre 1985 e 1989.
167
Analisando os diários, constatamos que as professoras priorizavam em suas
aulas a cópia de palavras e frases e os ditados, atividades que foram registradas em
todos os dias, meses e bimestres. A leitura de sílabas e palavras e a cópia de
lição da cartilha foram respectivamente o segundo e o terceiro itens com maior
freqüência de registro. Esta prática sistemática relacionada à alfabetização estava
vinculada aos métodos tradicionais.
Ilustração 4
Fonte: Arquivo da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande
O quadro e a ilustração acima me levam a acreditar que essas atividades eram
utilizadas como forma de exercitar o ensino da leitura e da escrita. Além disso, os
168
exercícios orais citados, como, por exemplo, estudo e leitura da lição da baleia,
demonstram que por meio dessa atividade “[...] o aluno deveria ler o texto, dominar
as palavras escritas e repeti-las ao professor diante dos colegas. A lição do livro
caracterizava-se por uma repetição oral da palavra escrita” (BITTENCOURT, 1996,
p.95).
Esse tipo de atividade permitia a professora verificar se o aluno havia aprendido,
ou não, a lição.
Nessa concepção, comumente chamada de tradicional, o aluno é alguém que
vai juntando informações. Ele aprende o da, de, di, do, du, e depois o fa, fe, fi, fo, fu,
e, em algum momento, ao longo desse processo, deve começar a perceber que se
juntar o fa, com o da, vai formar fada. Para Cagliari (1998) esse seria o método da
cartilha
65
. Acredita-se que a criança seja capaz de aprender exatamente o que lhe
ensinam e de ultrapassar um pouco disso, fazendo uma síntese a partir de uma
determinada quantidade de informações. Na verdade, o modelo supõe apenas
acumulação e excesso de repetições de sílabas. Na opinião de Amâncio,
O resultado é uma criança escritora de frases parecidas com as da cartilha
e leitora de letras e sílabas. A criança imita os modelos da cartilha, o
escreve o que sabe da linguagem, mas o que ficou marcado pelos
treinamentos a que se submeteu nesta fase (AMÂNCIO, 2002.p.40).
Esses treinamentos se caracterizam, por um investimento na cópia, na escrita
sob ditado, na memorização pura e simples, na utilização da memória de curto prazo
para reconhecimento das famílias silábicas quando o professor toma a leitura, ou
seja, é necessário fazer cópia das lições e das atividades da cartilha, para
memorizá-las a partir de repetição oral e escrita. A concepção de linguagem,
subjacente a esses procedimentos, ainda que mereça ser examinada mais
cuidadosamente, parece muito distante de uma concepção que trata a linguagem de
modo menos artificial, valorizando seu uso social.
Ao que tudo indica a partir da análise das atividades registradas e, citadas
anteriormente, as professoras utilizavam as cartilhas como recurso para o ensino da
leitura e da escrita, ou seja, era necessário fazer cópia de suas lições e das
atividades, para memorizá-las a partir de repetição oral e escrita, talvez, uma busca
de suplementação das possíveis lacunas nas atividades da cartilha.
65
Cagliari, no livro Alfabetizando sem o ba-be-bi-bó-bu dedica o capítulo a essa discussão. Ver especialmente
páginas 80 a 82.
169
1.2.Diários da década de 1990
Na cada de 90 as atividades listadas nos diários
66
o diferem muito das da
década de 80, no entanto é possível perceber, mesmo que timidamente certo
avanço, nas atividades propostas, pois algumas professoras começam a introduzir
novas atividades para o ensino da leitura e da escrita. Como podemos observar no
quadro abaixo:
Quadro 8 - Apropriação da Leitura e da Escrita – Década de 90
Atividades/Ano
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
Coordenação motora X X X X X X X
Introdução das famílias silábicas simples e
complexas
X X X X X X X X X X
Introdução das vogais: maiúscula e
minúscula letra cursiva e de imprensa
X X X X X X X X X X
Leitura de sílabas X X X X X X X X X X
Leitura de palavras X X X X X X X X X X
Leitura e cópia da lição da cartilha X X X X X X X X X X
Escrita de palavras a partir de letra/ sílaba
dada
X X X X X X X X X X
Escrita de frases X X X X X X X X X X
Escrita de pequenos textos X X X X X X X X X X
Exercícios do caderno de caligrafia X X X X X
Cópia de sílaba X X X X X X X X X X
Cópia de palavra X X X X X X X X X X
Cópia de frase X X X X X X X X X X
Cópia de lição da cartilha X X X X X X X X
Ditado de palavras X X X X X X X X X X
Ditado de frases X X X X X X X X X X
Contagem de letras de palavras X X X X X X X X X X
Contagem de sílabas de palavras X X X X X X X X X X
Contagem de palavras X X X X X X X X X X
Identificação de letras X X X X X X X X X X
Identificação de sílabas com correspondência
escrita
X X X X X X X X X X
Comparação de palavras quanto à presença
de silabas iguais / diferentes
X X X X X
Leitura de livro infantil, feita pela professora X X X
Escrita de palavra como souber X X X
Escrita de palavra com auxílio do professor X X X X X
Produção de texto narrativo X
Produção de texto como souber X X X X
Fonte: diários de classes da 1ª série.
Observamos nesta tabela que muitas atividades de apropriação da leitura e
da escrita, trabalhadas na década de 90 eram as mesmas dos anos 80,
evidenciando permanências de alguns aspectos da didática de alfabetização.
66
Analisei 50 diários da década de 90. Sendo 05 diários de cada ano.
170
Entretanto, algumas atividades registradas nos diários desta década, não aparecem
descritas nos diários da década de 80 dentre elas: escrita de pequenos textos,
ditado de frases, produção de texto narrativo. Desse modo, alguns registros
evidenciam mudanças na didática de alfabetização: “Comparação de palavras
quanto à presença de silabas iguais / diferentes”; “Leitura de livro infantil, feita pela
professora”; “Escrita de palavra como souber”; Escrita de palavra com auxílio do
professor; “Produção de texto narrativo”; “Produção de texto como souber”.
No que se refere às atividades de produção de textos narrativos pode-se dizer
que, embora tenha sido pouco explorada, registradas apenas em 01 diário do ano de
1996.
Ilustração 5
Fonte: Arquivo da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande
É importante ressaltar que não foi possível saber se essa atividade foi
contextualizada ou não com o assunto discutido em sala de aula, mas, se o foi, com
certeza, propiciou aos alunos a habilidade do saber se expressar em diferentes
situações.
171
A produção do texto narrativo proposto pela professora, embora não
saibamos qual era o assunto a ser tratado nele, constitui-se em uma atividade
importantíssima para as crianças em seu processo de aprendizagem de leitura e
escrita, pois sabemos que narrar é característica inata no ser humano. O homem,
desde que aprende a falar, narra freqüentemente fatos de sua vida e do mundo. Em
função disso as crianças, ao desenvolverem esse tipo de texto, apresentam uma
menor dificuldade em relação a outros tipos de textos.
Mesmo se a escrita ainda seja um processo novo para ela, a narração é uma
modalidade com o qual ela está familiarizada. Creio assim, que, com esta
atividade, a criança desenvolve a escrita com mais segurança e potencialidade.
Quanto à atividade de produção de texto como souber, produzidos pelas
crianças me lembrou Emilia Ferreiro (1987, p.100) quando diz: “O que elas sabem
jamais é idêntico ao que lhes foi dito ou ao que viram”
67
. Em seus estudos a
autora recomenda que, a criança seja estimulada a escrever de sua maneira.
Trabalhar com este tipo de atividade é:
Permitir ás crianças [...] experimentar livremente com essas marcas
gráficas, num ambiente rico de escritas diversas. Permitir a todos
compreenderem que a escrita não serve apenas “para passar de ano”.
Devolver a todos a possibilidade de escrever sem estarem necessariamente
copiando um modelo. A pia é um dos procedimentos para o domínio da
escrita, mas não é o único (nem mesmo o mais importante). Aqui, como no
caso da linguagem oral isto é, quando a criança aprende a falar -,
aprende-se mais inventando formas e combinações, do que copiando.
(FERREIRO, 1987b, p.100).
Acredito que quando as professoras propuseram a atividade de produção de
texto como souber, compreendiam “[...] que a aprendizagem da linguagem escrita
é muito mais que a aprendizagem de um código de transcrição: é a construção de
um sistema de representação”
(FERREIRO, 1987b, p.102).
Quanto às atividades que envolviam leitura, é importante salientar que em
alguns diários da década de 90 encontrei os seguintes registros: leitura de livro
infantil, feita pela professora após o recreio. Possivelmente estas leituras eram para
deleite da turma, pois além de não estar registrado o titulo do livro, também não
aparece nenhuma atividade a respeito dele. Mesmo assim considero um grande
avanço, que na década de 80 as atividades de leitura registradas eram apenas as
das cartilhas.
67
Grifo da autora.
172
A leitura de livros de literatura infantil é necessária, pois as informações
contidas em um texto literário referem-se a um mundo possível, o podendo ser
submetido à noção de verdadeiro ou falso, que o leitor utiliza as palavras no
sentido de criar um mundo paralelo ao real, ou seja, dar asas à imaginação. Portanto
É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os
diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e
comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute,
simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a
literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer
plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária,
alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca
escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO,2005, p.106).
Desta forma, as alterações nos registros dos diários de classe apontam na
direção de mudanças importantes na concepção das professoras sobre o processo
de alfabetização. Trata-se, como veremos adiante, de uma fase que podemos
chamar de “transição” se comparada com os anos posteriores.
1.3.Diários da primeira década dos anos 2000
A partir da primeira década dos anos 2000
68
assistimos mudanças
significativas na alfabetização em Várzea Grande. As discussões sobre
construtivismo e letramento começaram a aflorar no interior das escolas. Diante
disso, diversos cursos de formação continuada foram oferecidos aos professores da
rede municipal, dos quais destaco: alfabetização, letramento, construtivismo,
psicogênese da língua escrita, metodologia de projetos e tema gerador. Além disso,
também entrou em debate a organização em ciclos nas séries iniciais, substituindo
assim o ensino seriado.
Vale aqui ressaltar que, o estudo sobre a psicogênese dangua escrita,
desenvolvido por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1987a) contribuiu, sobremaneira,
nas mudanças das práticas pedagógicas nas classes de alfabetização, pois a partir
da formação continuada a respeito desse assunto, as professoras começaram a
compreender que a apropriação da leitura e da escrita acontece por meio de um
processo construtivo. Assim as professoras passaram a defender que o ensino
deveria centrar-se em práticas sociais realizadas em diferentes contextos
68
Analisei 30 diários da primeira década dos anos 2000. Sendo 05 diários de cada ano.
173
significativos que propiciam a reflexão sobre o sistema de escrita alfabética e em
que os alunos se apropriam da linguagem própria dos diferentes gêneros textuais
escritos.
Outro avanço que merece destaque na educação várzea-grandense e que,
está em alta desde o ano 2000, é a consideração do ensino da leitura e da escrita
como práticas de letramento. Nessa perspectiva o letramento escolar, que envolve o
processo de didatização da leitura e da escrita, precisaria ser feito de modo a
garantir que as práticas de leitura e de escrita desenvolvidas no ambiente escolar se
aproximassem daquelas realizadas fora dele. Isso implicava trazer para a sala de
aula os contextos significativos de leitura e de escrita que envolvesse diferentes
gêneros presentes no convívio social dos alunos.
Diante do exposto, pude constatar nos registros dos diários de classe uma
nova postura pedagógica e, uma mudança significativa nos conteúdos utilizados
para o ensino da leitura e da escrita. Essas mudanças podem ser observadas no
quadro abaixo:
Quadro 9 - Apropriação da Leitura e da Escrita – Anos 2000
Atividades/Ano
00
01
02
03
04
05
Coordenação motora X
Introdução das famílias silábicas simples e complexas X X
Introdução das vogais: maiúscula e minúscula letra cursiva e
de imprensa
X X
Leitura de sílabas X X X X X X
Leitura de palavras X X X X X X
Leitura e cópia da lição da cartilha X X
Escrita de palavras a partir de letra/ sílaba dada X X X X X X
Escrita de frases X X X X X X
Produção de texto como souber X X X
Escrita de pequenos textos X X X X X X
Exercícios do caderno de caligrafia
Cópia de sílaba X X X
Cópia de palavra X X X
Cópia de frase X X X X X X
Cópia de lição da cartilha X X X
Ditado de palavras X X X X X X
Ditado de frases X X X X X X
Contagem de letras de palavras X X X X X X
Contagem de sílabas de palavras X X X X X X
Contagem de palavras X X X X X X
Identificação de letras
X X X X X X
Identificação de sílabas com correspondência escrita X X X X X X
Comparação de palavras quanto à presença de silabas
iguais / diferentes
X X X X X X
Exploração dos diferentes tipos de textos X X X X X X
Reescrita de textos X X X X X
Leitura de livro infantil, feita pela professora X X X X X X
Escrita de palavra como souber X X X X X
Escrita de palavra com auxílio do professor X X X X X X
Produção de texto narrativo X X X X X X
Produção de texto como souber X X X X X X
Fonte: diários de classes da 1ª série.
174
Podemos observar no quadro acima que muitas atividades que eram
trabalhadas nas décadas de 80 e 90, tais como: introdução das vogais: maiúscula e
minúscula letra cursiva e de imprensa, introdução das famílias silábicas simples e
complexas, cópia de sílaba, apareceram com menor intensidade nos anos 2000.
O exercício do caderno de caligrafia parece ter sido abolido da sala de aula,
pois não encontrei nenhum registro dele, nos diários analisados. A coordenação
motora aparece, ainda, no ano 2000 e depois literalmente desaparece.
Em contrapartida, algumas atividades tiveram um aumento considerável
quanto a sua aplicação na sala de aula que pode ser observado no Quadro 3.
Outras duas atividades aparecem pela primeira vez nos anos 2000, são elas:
exploração dos diferentes tipos de textos e reescrita de textos.
Podemos caracterizar o acontecimento como uma mudança, caracterizada
pela entrada do texto na sala de aula, já que nas décadas de 80 e 90 essas
atividades não aparecem nos registros dos diários de classe.
Ilustração 6
Fonte:Arquivo da EMEB ” Professor Antônio Salústio Areias”
175
Na análise feita um fato me chamou atenção, pois observei que na atividade
exploração dos diferentes tipos de textos, os textos que a professora utilizou foram:
histórias, contos, panfletos, parlendas e poemas, o que demonstra uma
preocupação com a diversidade textual.
Esse tipo de atividade, se bem trabalhada, não alfabetiza, como também
promove o letramento no aluno, pois o trabalho com a diversidade textual amplia o
campo das discussões, promove a intertextualidade e desenvolve as habilidades de
análise, observação, comparação, reflexão, dedução e síntese, além de tornar o
aluno um leitor competente e maduro.
Leitor maduro é aquele que, em contato com o texto novo, faz convergir
para o significado deste o significado de todos os textos que leu. E
conhecedor das interpretações que um texto recebeu, é livre para aceitá-
las ou recusá-las, e capaz de sobrepor a elas a interpretação que nasce do
seu diálogo com o texto. Em resumo, o significado de um novo texto afasta,
afeta e redimensiona o significado de todos os outros (LAJOLO, 2005,
p.107).
A reescrita de texto foi mais uma inovação registrada nos diários. No trabalho
com reescrita o professor garante a espontaneidade do aluno para escrever. Os
problemas de linguagem dos textos de cada criança direcionam o conteúdo
específico a ser trabalhado pelo professor. A intervenção do professor para melhorar
a qualidade do texto do aluno acontece a partir da descoberta dos problemas. Daí o
objetivo da reescrita, ou seja, o fazer e o refazer o texto permitindo ao aluno, por
exemplo, entender o que é concordância nominal, sem a lista de palavras no
singular e no plural e sem exercícios mecânicos, pois segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais
É no interior da situação de produção de texto, enquanto o escritor monitora
a própria escrita para assegurar sua adequação, coerência, coesão e
correção, que ganham utilidade os conhecimentos sobre os aspectos
gramaticais. Saber o que é substantivo, adjetivo, verbo, artigo, preposição,
sujeito, predicado etc, não significa ser capaz de construir bons textos,
empregando bem esses conhecimentos. (PCN - ngua Portuguesa, 1997,
p.89-90).
Outro registro que aparece nos diários e me chamou a atenção, pois
considero uma atividade inovadora, é a escrita de texto como souber ou escrita de
textos espontâneos. Mas é preciso ressaltar que a produção de textos espontâneos
é possível quando os alunos não são submetidos a um ensino baseado na
silabação. Segundo Cagliari (1999, p.218), “a produção de textos espontâneos
variados aparece dentro de um contexto no qual os alunos são alfabetizados sem o
176
método do bá-bé-bi-bó-bu”.E, endossa essa afirmação, dizendo que “um aluno que
produz textos espontâneos dentro do contexto de ensino das cartilhas, não escapará
dos malefícios do bá-bé-bi-bó-bu, pelo menos em parte e em certas ocasiões”
(CAGLIARI,1999, p.218),.
2.NOS DIÁRIOS ESCOLARES A PRESENÇA DAS CARTILHAS DE
ALFABETIZAÇÃO
Assim como os diários, as cartilhas de alfabetização são documentos
importantes, pois sistematizam as práticas e encaminhamentos da ação do professor
na sala de aula. Dessa forma, as cartilhas podem ser analisadas como artefatos
culturais, que não interessam por si mesmas, mas pelo sentido que recebem nas
práticas culturais.
Ao analisar os diários escolares, Identifiquei algumas cartilhas que, podem ter
sido, adotadas em Várzea Grande, no período eleito pela pesquisa, ou seja, de 1985
a 2005. Além dos diários as entrevistas e os formulários para indicação de livro
didático também me deram pistas
69
a respeito da circulação das cartilhas.
Ilustração 7
Fonte: Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande.
69
Os vestígios encontrados significam que possivelmente estas cartilhas tenham sido adotadas.
177
2.1.Cartilhas adotadas na década de 1980
Quadro 10- Cartilhas adotadas na década de 1980 em Várzea Grande-MT
Título Editora Autor (a) Ano da
publicação
Ano em que
foi adotada
Cartilha ABC Ática D’ Olim Marote 1983 1985
Bolhas
Mágicas de
Sabão
Saraiva Paulo N.de Almeida, Maria de
F. P. Zanetini e Mercedes A.
Trigueiro
1984 1986
Cartilha
Parabéns
Editora do Brasil Cecília Ávila Pessoa 1985 1987
Este Mundo
Maravilhoso
Casa Publicadora
Brasileira
Ester Sarli e Eny Garcia Sarli 1986 1988
Porta de Papel
FTD Angiolina Bragança, Isabella
P. de Melo Carpaneda e
Regina Nassur
1987 1989
Fonte: diários escolares, entrevistas e formulário para indicação do livro didático.
Quase todas essas cartilhas iniciam suas atividades com um período
preparatório, no intuito de desenvolver as percepções viso-motoras, para depois
entrar nas lições, que se iniciam sempre com vogais e encontros vocálicos. Depois
passam pelas sílabas, denominadas, simples, para finalmente chegar às sílabas
complexas, sempre a partir de palavras-chave. Essas palavras-chave não se
relacionam com a realidade da criança, ou seja, o saber que trazem da sua cultura é
totalmente ignorado. Com esta ordem didática, as crianças somente escrevem e
lêem, utilizando-se de todo o código alfabético no final do ano letivo. Gostaria de
ressaltar que as atividades são realizadas através do mecanismo da repetição e da
memorização. As imagens abaixo ilustram o que foi descrito sobre essas cartilhas.
178
Ilustração 8 Ilustração 9
Ilustração 10 Ilustração 11
. O todo proposto nessas cartilhas é o misto ou eclético.
Os métodos
mistos ou ecléticos combinam as duas metodologias, analítica e sintética. As
cartilhas que trabalham com ele partem de palavras-chave destacadas de uma frase
para, logo a seguir, realizar sua decomposição em sílabas, compondo-se com estas
sílabas novas palavras.
Segundo Mortatti, os métodos mistos ou ecléticos sugiram, aproximadamente,
a partir de 1934. Desde então,
179
[...] as cartilhas passaram a se basear predominantemente em métodos
mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa) e começaram a se
produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como
se disseminou a idéia e a prática do "período preparatório”.Vai-se, assim,
constituindo um ecletismo processual e conceitual em alfabetização, de
acordo com o qual a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve
obrigatoriamente uma questão de “medida”, e o método de ensino se
subordina ao nível de maturidade das crianças em classes homogêneas. A
escrita continuou sendo entendida como uma questão de habilidade
caligráfica e ortográfica, que devia ser ensinada simultaneamente à
habilidade de leitura; o aprendizado de ambas demandava um “período
preparatório”, que consistia em exercícios de discriminação e coordenação
viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre outros.
Diante dessa opção metodológica, as atividades de produção e apreensão de
significados através da leitura e da escrita são colocadas em segundo plano.
2.2.Cartilhas adotadas na década de 1990
Na década de 1990, em Várzea Grande, segundo dados da Secretaria Municipal
de Educação e Cultura, as práticas tradicionais de alfabetização e as cartilhas a elas
vinculadas, sofreram uma pequena mudança
70
, pois começaram a ser analisadas e
criticadas, uma vez que continham textos sem nenhum significado para as crianças,
os chamados pseudotextos e as atividades reduziam o processo de aprendizagem
da leitura e da escrita num simples codificar e decofidicar palavras estranhas e sem
nexo, sem qualquer valor comunicativo.
Mesmo com todas as discussões, as cartilhas adotadas em Várzea Grande na
década de 90, não se diferenciam muito das da década de 80, como podemos
observar no quadro abaixo:
70
Acredito que essa mudança possa ter ocorrido no período em que o MEC começou a promover a
qualificação dos livros didáticos, pois foi nesse período (1996) que o PNLD (Programa Nacional do
Livro Didático) foi reformulado. A partir daí os pesquisadores e professores de instituições
universitárias, começaram estabelecer critérios, julgar a qualidade e recomendar ou excluir os
manuais didáticos a serem usados no ensino fundamental, incluídos os livros de alfabetização,
substitutos das tradicionais cartilhas.
180
Quadro 11 – Cartilhas adotadas na década de 1990 em Várzea Grande-MT
Título Editora Autor (a) Ano da
publicação
Ano em que
foi adotada
Caminho
Suave
Caminho Suave Branca Alves de Lima 1988
1990
Cartilha Como
é Fácil!
Scipione Maria Emília Correia e Mauro
Galhardi
1989 1991
Mundo Mágico Ática Lídia Maria de Moraes 1986 1992
Pirulito Scipione Andréa Martins 1990
1992
Alegria de
Saber
Scipione Lucina Maria Marinho Passos 1990 1992
Este Mundo
Maravilhoso
Casa Publicadora
Brasileira
Ester Sarli e Eny Garcia Sarli 1988
14.ed
1993
Conhecendo a
Alfabetização
Ed. do Brasil Ângela Cristina Bocchile 1993 1994
Porta de Papel
FTD Angiolina D.Bragança,
Isabella P. de M. Carpaneda
e Regina Iara M. Nassur
1994
ed.renov
1995
ALP FTD Maria F. Cócco e Marco
Antonio Hailer
1995 1996
Nova Geração Nova Geração Josefina Cosomano 1995 1996
A Toca do
Tatu
Saraiva Regiane Garcia 1996 -11.ed 1997
Marcha
Criança
Scipione Maria Tereza Marsico...[et.al.] 1996 - 6.ed 1998
Pipoca Saraiva Paulo Nunes de Almeida 1997- 40.ed 1999
Fonte: diários escolares, entrevistas e formulário para indicação do livro didático.
Podemos constatar observando o quadro acima que, duas cartilhas que foram
adotadas na década de 80 voltam a serem adotadas na década de 90 são elas: Este
Mundo Maravilho e Porta de Papel.
Essas cartilhas apresentam pseudotextos, cujo objetivo principal é enfatizar
fonemas e/ou sílabas como podemos visualizar nas imagens abaixo:
181
Ilustração 12 Ilustração 13
É comum aparecer em outras cartilhas textos como este. Textos que apresentam
frases sem coesão e sem coerência, apenas justapostas. Portanto a aprendizagem
nesses textos não passa de uma aprendizagem mecânica da codificação e
decodificação dos símbolos gráficos que não possuem nenhum significado para a
aprendizagem da leitura e da escrita numa sociedade letrada.
Por outro lado às cartilhas Pipoca
71
e ALP, que também foram adotadas nesta
época trazem textos contextualizados que favorecem a aprendizagem da linguagem
oral e escrita. Nessas cartilhas são trabalhadas atividades que envolvem símbolos
tais como: placas de trânsito, rótulos de embalagens, logotipos, etc. Apresentam
diferentes tipos de textos, como, por exemplo, adivinhas, parlendas, provérbios,
casos, histórias, fábulas, etc. Também aparecem atividades lúdicas, jogos,
brincadeiras, músicas, atividades que envolvem o nome da criança. Essas
atividades, além valorizarem o conhecimento prévio da criança, revelam uma
tentativa de mudança nos exercícios escolares. Podemos observar algumas dessas
atividades nas imagens abaixo:
71
A primeira edição da cartilha Pipoca foi na década de 80, no entanto a edição citada é da década de 90. Esta
nova edição foi reformulada e tem como metodologia uma proposta construtivista e interacionista lúdica.
182
Ilustração 14 Ilustração 15
Ilustração 16 Ilustração 17
Portanto, mesmo que timidamente, foi a partir da década de 90 que
começaram a chegar às escolas de Várzea Grande os livros de alfabetização.
183
2.3.Cartilhas adotadas na primeira década dos anos 2000
Embora as discussões a respeito dos estudos de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky tenham chegado ao Brasil em meados da década de 80, os estudos
sobre a psicogênese da língua escrita foram aprofundados, em Várzea Grande, a
partir do lançamento dos Parâmetros em Ação (PCN, 1999) e do Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA, 2001), embora certamente estas
tematizações permeassem o contexto desse município. Além disso, foi também
nessa época que afloram as discussões sobre alfabetização e letramento.
Entre os anos de 2001 e 2004 foram implantadas várias capacitações sobre a
alfabetização, mas apesar disso algumas cartilhas ditas “tradicionais” ainda foram
adotadas conforme o quadro abaixo:
Quadro 12 - Cartilhas adotadas na primeira década dos anos 2000 em Várzea Grande-MT
Título Editora Autor (a) Ano da
publicação
Ano em que
foi adotada
Mundo Mágico Ática dia Maria de Morais 1986 2000
Eu chego lá Ática Maria conceição S. Melo e
Cora Maria T. Barauskas.
2000
7.ed
1ª imp.
2001
Alegria de
Saber
Scipione Lucina Maria Marinho Passos 2001 2002
Novo Roda,
Pião
Formato Branca Portes 2001 2003
Porta de Papel
FTD Isabella Carpaneda e
Angiolina Bragança
2003 2004
Letramento
em Foco
Ática Pilar Espí, Jaqueline de G.
Araújo e Lílian Lacerda.
2001 2005
Letra, palavra
e texto.
Scipione Mércia Procópio e Jane Maria
Passos
2001 2005
Fonte: diários escolares, entrevistas e formulário para indicação do livro didático.
Ao analisar as cartilhas Mundo Mágico, Alegria de Saber e Porta de Papel
constatei que as atividades presentes nelas correspondem principalmente à leitura
184
de sílabas, palavras e textos cartilhescos, cópia de sílabas, palavras e frases e
exploração de diferentes tipos de letras.
Creio que a escolha dessas cartilhas tenha sido uma conseqüência do forte
movimento de rejeição, por parte dos professores, que consideravam os textos dos
novos livros didáticos para alfabetização, difíceis e, além disso, possuíam poucas
atividades para alfabetizar.
A Cartilha Alegria de Saber e Porta de Papel, apesar terem sido excluídas
do catálogo do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
72
continuaram sendo
escolhidas e contam com a fidelidade dos professores desde o primeiro PNLD
(1998).
A aquisição dessas cartilhas muitas vezes é feita pelos pais ou, ainda a
escola muitas vezes possui um estoque desses títulos.
Acredito que seja de responsabilidade da escola e, sobretudo do professor
trabalhar com as práticas de leitura e dessa forma permitir aos alunos, que não
conseguem ler textos complexos, participarem do processo de inclusão social. Pois,
segundo Chartier (1998)
[...] os hábitos que caracterizam em suas diferenças, as práticas de leitura.
Os gestos mudam segundo o tempo e lugares, os objetos lidos e as razões
de ler. A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados.
Segundo a bela imagem de Michel de Certeau, o leitor é um caçador que
percorre terras alheias. Apreendido pela leitura. O texto não tem de modo
algumou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui o seu autor, seu
editor ou seus comentários. Toda história da leitura supõe, em seu princípio,
esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe
pretende impor... Mas esta liberdade do leitor, não é jamais absoluta. Ela é
cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções, atitudes
são inventadas, outras se extinguem (CHARTIER, 1998, p.77).
Em oposição às cartilhas acima citadas, os livros de alfabetização: Eu Chego
Lá, Novo Roda Pião, Letramento em Foco e Letra, Palavra e Texto, conjugam tanto
exercícios de decodificação e de codificação do sistema ortográfico lingüístico,
quanto um elenco variado de outras atividades e situações de uso da língua escrita,
por meio das quais as crianças podem refletir sobre questões de nossa língua,
72
Programa iniciado em 1985, sob a coordenação do MEC/ Fundação de Assistência ao Estudante
(FAE); a partir de 1997, passa a institucionalizar um conjunto de políticas de avaliação, aquisição e
distribuição de livros didáticos no contexto da educação pública de vel fundamental, sob
coordenação da Secretaria de Educação Fundamental (SEF) e do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE).
185
experimentar e vivenciar suas hipóteses de escrita, compartilhar conhecimentos
anteriores e novos e socializar algumas práticas culturais (orais e escritas).
O que me chamou minha atenção ao analisar os livros desse período foram
os enunciados das atividades. Enquanto nos tradicionais esses parecem estar
dando uma ordem como: cubra e copie; leia e copie; desenhe; observe e leia;
complete, ligue, responda, recorte, etc., nos livros de alfabetização que possuem
uma proposta sócio-construtivista, os enunciados propõem discussão e reflexão
acerca do conteúdo do texto: “Vale pedir ajuda” (Eu chego lá); "Troque idéias com
seus colegas” (Novo Roda Pião); “Que tal começar brincando?” (Letra, Palavra e
Texto) “Vamos Conversar?” (Pipoca).
Portanto, ao examinar essas cartilhas como produtos culturais de uma época
constatei que o método de ensino da leitura e da escrita que orientava as práticas
pedagógicas na cada de 80 e 90 é o denominado misto ou eclético
73
. E somente
na primeira década dos anos 2000 é que percebemos a mudança nas práticas
pedagógicas.
Essa mudança nas práticas docentes vem se refletido na escolha dos livros
didáticos de alfabetização em Várzea Grande, pois os professores nos últimos cinco
anos estão adotando os livros que contemplam as atividades que ajudam os alunos
a se apropriarem do sistema de escrita alfabética.
73
Os métodos mistos ou ecléticos combinam as duas metodologias, analítica e sintética. As cartilhas que
trabalham com ele partem de palavras-chave destacadas de uma frase para, logo a seguir, realizar sua
decomposição em sílabas, compondo-se com estas sílabas novas palavras.
186
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É complexo finalizar um trabalho, pois, na medida em que este avança,
percebe-se o quanto ainda por ser realizado, permanecendo uma sensação de
incompletude, de aspectos que poderiam ser melhor abordados, de leituras
importantes a serem integradas para o aprofundamento da discussão, além de
lançamentos de obras sobre o tema que surgem após o trabalho estar concluído.
Portanto, concluir um trabalho de pesquisa constitui sempre um momento
difícil que exige clareza do que é fundamental. Mesmo com a certeza do rigor com
que o trabalho foi desenvolvido, sabe-se que muito foi deixado para trás. A riqueza
das histórias contadas impõe uma necessária escolha do que é primordial e o difícil
abandono do que parece ser secundário do ponto de vista da pesquisa, mas
absolutamente importante do ponto de vista das histórias de vida das professoras.
Fica, portanto, a sensação de uma dívida para com aquelas, cujas memórias
tanto contribuíram para o estudo.
Constitui, também, o momento de revisitar as principais questões que
orientaram o trabalho de campo e a análise dos dados, com fins a uma síntese,
sempre provisória quando se trata de um texto de natureza acadêmica.
Mas enfim, é este "finalizar inconcluso" que instiga a que nossos caminhos de
investigação sejam revisitados, proporcionando uma melhor qualidade e avanços
nas reflexões na área da educação.
Inicialmente, gostaria de dizer que esta pesquisa situou-se no campo da
história oral, o que me permitiu uma viagem ao passado, com o olhar do presente
das professoras colaboradoras.
Cabe ressaltar que busquei investigar basicamente as trajetórias de
professoras alfabetizadoras aposentadas do município de Várzea Grande-MT.
Visando identificar as concepções e as práticas pedagógicas que essas profissionais
têm sobre alfabetização e acerca de si mesmas, como pessoas e profissionais, ou
seja, os vestígios de sua prática pedagógica desenvolvida no decorrer de sua
carreira profissional.
Nesse sentido, analisei como cada uma delas se alfabetizou, de que forma
construíram seus saberes e práticas, que significado deram ao processo de
alfabetização e as marcas que ficaram da trajetória pessoal e profissional, tendo
187
como ofício alfabetizar. A diversidade de lembranças das professoras justifica-se
pelos diferentes modos de ver o passado com o olhar do presente, pelas diferentes
maneiras de interpretá-lo.
Ressalto que a memória das professoras foi essencial para a recordação de
momentos que foram importantes para cada uma, pois as questões relativas à
história das alfabetizadoras, a visão que cada uma tem sobre o seu trabalho são
significativas para compreender o espaço vivido e as atividades que desenvolveram.
De certa forma, as lembranças das professoras se entrecruzaram entre si.
Destaco a forma como foram alfabetizadas, a formação inicial e profissional; as
concepções sobre alfabetização que foram se modificando, à medida que ganhavam
experiências de várias maneiras: com os alunos, colegas, supervisoras, estudando,
pesquisando.
As descobertas da investigação não se situam no âmbito das generalizações,
mas como achados significativos, que podem ser utilizados por educadores como
reflexão para sua práxis e, portanto, podem ser instrumentos de transformação de
concepções e práticas pedagógicas.
Cada professora alfabetizadora lembrou de sua trajetória, desde o seu
processo de alfabetização até o momento em que se aposentou :recordaram-se,
assim, de como foram alfabetizadas, de seus (as) professores(as) dos
procedimentos metodológicos utilizados por seus professores e por elas mesmas,
quando se tornaram professoras, das cartilhas, dos castigos escolares, entre outras
coisas.
No decorrer do trabalho de pesquisa, verifiquei que os (as) professores(as),
das educadoras entrevistadas marcaram, profundamente, suas concepções atuais
sobre a escola básica. Nesse sentido, destaco que, com freqüência, a boa escola foi
descrita pelas professoras como aquela bem organizada onde a autoridade
pedagógica se faz presente.
Quando solicitei às professoras que relatassem sobre suas primeiras
experiências com alfabetização, apontando as dificuldades que enfrentaram,
constatei que algumas delas reproduziam as posturas de seus professores
alfabetizadores, outras traziam uma postura de iniciativa frente ao novo, mas quando
o método era imposto pela escola, as colaboradoras deixam claro que o seguiam,
apesar das suas experíências anteriores terem lhe ajudado muito mais.
188
Desta maneira, do imprevisto ao improviso, as professoras entrevistadas
foram desenvolvendo sua prática, o pedagógica como social. Ambas
caracterizadas pela experiência assistemática, pela imitação, incorporada na
trajetória das relações cotidianas.
Esses aspectos reforçam meu entendimento de que é na dinâmica da sala de
aula que as professoras recriam as orientações que receberam de seus professores
alfabetizadores e esta é uma das principais dificuldades para o rompimento das
práticas antigas frente às novas. Evidentemente, os cursos de formação,
freqüentados ao longo da vida profissional, também exercem seu papel de
divulgadores de novas proposições para o ensino, sendo, no entanto, sempre
balizados pela experiência concreta.
Entretanto, algumas professoras tentaram fazer um trabalho diferenciado
como, por exemplo, trazer músicas para a sala de aula. Isto demonstra que se
preocupavam com a importância de se trabalhar com diferentes textos Nessa
perspectiva, elas conceberam estar desenvolvendo uma prática diferenciada e
inovadora.
Outro dado significativo apontado pela pesquisa foi à valorização da disciplina
dos alunos. Este dado foi interpretado pela maioria dos professores como condição
necessária para o processo ensino aprendizagem.
Afirmaram também que no inicio da carreira foi muito difícil, mas que o
aperfeiçoamento veio com o tempo e com a experiência.
A experiência significou para elas encontrar seu próprio jeito de dar aulas,
acumular habilidades durante o exercício da docência, ser capaz de ter várias
sugestões a dar, se indagada. Isto representa uma confiança e uma competência
pedagógica encontrada na fase de “estabilização” descrita por Huberman (1992).
A maioria das professoras apesar de considerarem que a alfabetização está
mais fraca atualmente, que os alunos estão mudados, enfim, que a sociedade está
modificada, com valores alterados, não conseguem desvincular a imagem do bom
aluno da imagem do bom professor. Para elas talvez não existam maus alunos, mas
sim professores que não conseguem manter a disciplina na sala de aula e motivar
estes alunos.
Com simplicidade as professoras disseram que poderiam ter feito mais pela
educação. De acordo com Huberman (1992) isto corresponde a uma fase natural
chamada de “serenidade”, onde as educadoras aceitam positivamente o fato de
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afastar-se da carreira. Que as palavras destas professoras não soem como fracasso
a quem, por ventura, leia estas ginas e, sim sejam capazes de transmitir o seu
verdadeiro apego à profissão de professora.
Cabe ressaltar, contudo, que, em virtude dos limites desse trabalho, essa foi
uma questão que não pôde ser suficientemente esclarecida, abrindo-se como uma
perspectiva para futuros estudos.
Complementando esse quadro de concepções e práticas desenhado pelas
entrevistadas, a análise das fontes documentais, como por exemplo, os diários
escolares revelaram as principais atividades trabalhadas pelas professoras. Neste
caso, pode-se dizer que a cópia e o ditado reinavam, principalmente nas décadas de
1980 e 1990 do século passado. Ademais, a análise dessas fontes forneceu pistas
com as quais pude descobrir as cartilhas utilizadas em Várzea Grande-MT.
Quanto as Cartilhas citadas, estas me possibilitaram saber quais métodos de
alfabetização eram usados pelas professoras.
Fica a proposta de um estudo voltado para alternativas que, valorizando as
atividades de construção do conhecimento na área da educação, valorize também
as atividades docentes, visto que, como se viu no decorrer do presente trabalho, as
experiências vivenciadas durante a carreira profissional e a aposentadoria
contribuem significativamente para a aquisição das disposições profissionais pelos
futuros professores, incluindo-se a construção de suas próprias práticas
pedagógicas.
Vale ressaltar que a riqueza dos dados obtidos nesta investigação, por meio
da análise dos questionários e das entrevistas, não foi esgotada. De certa forma, tive
que me conformar com a idéia de que nem tudo que encontramos poderia ser
examinado neste trabalho. Espero que o leitor possa, assim como eu, sentir-se
instigado a novas idéias e pesquisas, tendo por base a análise realizada.
Para finalizar, um pensamento que me acompanha desde que comecei a
graduação: “Quando achamos que temos todas as respostas, a vida muda todas as
perguntas”..
190
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201
ANEXOS
Instrumentos utilizados:
1. Questionário
2. Roteiro da Entrevista
202
QUESTIONÁRIO
1.DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
a.Nome.......................................................................................................................
b.Idade........................................................................................................................
c.Local e data de Nascimento....................................................................................
d.Endereço..................................................................................................................
e.Telefone para contato..............................................................................................
f. Atividade atual.........................................................................................................
2.FORMAÇÃO EDUCACIONAL
( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Ensino Médio Magistério Incompleto ( ) Ensino Médio Magistério Completo
( ) Ensino Superior Incompleto – Curso
( ) Ensino Superior Completo - Curso
( ) Especialização -
( ) Outros. Qual?
3.PERCURSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO
a.Onde você fez a 1º série? Local; Nome da Escola:
b. ( ) em escola pública estadual ( ) em escola pública municipal ( ) em escola particular
c.Com quantos anos ingressou na 1ª série?
4.EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
a.Situação funcional
b.Ano em que iniciou sua carreira profissional
c.Local onde iniciou a carreira profissional
d.Escola(as) onde trabalhou
e.Local
f.Tempo de atuação como professora
g.Tempo de trabalho como alfabetizadora
g.Ano em que se aposentou
h.Você fez cursos de aperfeiçoamento, capacitação ou atualização sobre alfabetização? ( )
não. ( ) sim . Qual o nome do(s) curso(s):
Local e data da entrevista
Assinatura da professora
203
ROTEIRO DA ENTREVISTA
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1.Nome completo.
2.Atividade atual.
3.Posso utilizar o seu nome em minha dissertação? Ou prefere que eu use um apelido?
Qual?
MEMÓRIAS DE COMO FORAM ALFABETIZADAS.
1.Você se lembra de seu processo de alfabetização? Como era a sua professora? Como ela
dava aula? Você gostava da escola naquele tempo?
2.Onde aprendeu a ler e escrever? Na escola? Em outro lugar? Onde? Com quem? Que
idade tinha?
3.Lembra-se de quando, exatamente, começou a ler? Como foi? O que lia?
4.como era organizado o horário escolar? Quais as disciplinas estudadas? Havia prioridade
de alguma disciplina sobre as demais ou eram igualmente tratadas?
5.Como era o relacionamento professor-aluno? Havia castigos, prêmios? Quais?
6.Leitura e escrita eram ensinadas simultaneamente?
7.Fale sobre o ensino da linguagem oral e escrita.
a)Como era a aula de leitura? Quem lia? Todos os alunos? O (a) professor (a)?
b)Como era a aula de linguagem escrita? O que se escrevia? Havia cópias? Exercícios de
caligrafia? Que tipos de letras a professora ensinava?
c)Qual o método usado pelo (a) professor (a) para o ensino da leitura e da escrita?
Aprendia-se com facilidade?
d)Que cartilha (ou outro material) foi usada?
8.Fale um pouco sobre os exames finais realizados anualmente. Havia muita reprovação?
Que disciplinas eram consideradas mais difíceis?
9.Como era constituída a sua turma? Naquela época, ainda se separavam, meninos de
meninas? Já havia turmas mistas?
10.Como definiria o ensino daquele tempo?
11.Quais as lembranças que ficaram mais presentes na sua memória? Você guardou algum
caderno, fotografia, cartilha ou livro daquela época?
MEMÓRIAS DE SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA ALFABETIZAÇÃO
1.Fale um pouco sobre sua experiência como professora.
a) Qual foi à primeira escola em que trabalhou? Com que série trabalhou? Como era a sua
primeira turma? Quantos eram os alunos (meninas/meninos)?
b)Como conseguiu o emprego? Houve concurso? Como eram nomeados os professores?
c)Sentia-se preparado (a) para ensinar?
d)Havia fiscalização do Estado sobre o ensino? Por quem e como era realizada e com que
freqüência?
2. Você teve alguma pessoa que a influenciou na escolha de sua profissão?
3. Que modelo de professor da sua trajetória escolar, influenciou a sua prática pedagógica?
4.Relembrando seu papel de aluna que se alfabetiza, como você via seus alunos diante do
processo de alfabetização? Dê exemplos de sua prática.
5. Que aspectos profissionais você tinha em sua prática e hoje você acredita que devem ser
repensados e reavaliados?
204
6. Quais textos e/ou livros que você já leu sobre alfabetização. Se souber, indique o nome
de seu/sua autor/a.
7. Você conhece ou acompanhou alguma proposta oficial de Alfabetização? Qual?
8.Tudo que você sabe sobre Alfabetização foi aprendido em que situação (ou situações?)
9. Você recebia algum tipo de orientação sobre o planejamento de suas aulas? Quem
costumava orientar os planos de aula de alfabetização? Você considerava útil essa
orientação?
10. Que tipo de apoio pedagógico era oferecido pela escola ao professor?
11. Você gostava de alfabetizar? Por quê?
12.Usava algum método? Qual?
13. Que tipo de material didático você mais usava na sala de aula? Cite dois exemplos e
explique como você usava esses materiais?
14. Você usava cartilha para alfabetizar? Cite os títulos usados. Como era a linguagem
usada na/pela cartilha? Como eram as atividades/exercícios que acompanhavam as lições?
15.Você considera a cartilha como indispensável no processo de alfabetização? Ela
contribui para a alfabetização das crianças?
16. Além da cartilha você usava outros materiais? Quais?
17.Cite quatro atividades que você realizava para alfabetizar seus/suas alunos(as).
18.Como você preparava a sua aula, quais materiais didáticos você se apoiava para uma
boa aula de leitura e escrita?
19. Quais conteúdos básicos que você ensinava?
20. Que referencial teórico você utilizava para fundamentar sua prática como professor(a) de
alfabetização ?
21. Cite dois problemas mais freqüentes que você encontrava nas crianças em processo de
alfabetização.
22.Cite dois desafios que o professor alfabetizador enfrentava enquanto mediador do
processo ensino-aprendizagem.
23. Fale um pouco sobre como você desenvolvia suas aulas quando iniciava a
alfabetização. Faça de conta que você vai introduzir uma nova lição. Como você fazia?
24.Que letra você preferia usar no início da alfabetização? Por que?
25.Você ensinava a ler antes de escrever? Escrever antes de ler? Ou os dois processos
simultaneamente?
a)Sobre as produções escritas dos alunos, quais as maiores dificuldades apresentadas?
b)Seus alunos gostavam de ler? (ou ouvir leituras?) Que tipo de textos?
c)Gostavam de escrever? O que escreviam?
25.Como era o seu caderno de plano de aula ou seu planejamento anual? Você ainda
possui algum que possa me mostrar?
26.Como você avaliava seus alunos?
27. Na sua opinião:
a)O que significa “alfabetização”?
b) O que você entende por Letramento?
c)Quando um aluno (a) pode ser considerado (a) alfabetizado (a)?
d)É mais fácil aprender a ler ou aprender a escrever?
e) Quais as maiores dificuldades para ensinar a ler e a escrever?
28.Como você avalia a situação do analfabetismo no Brasil, na atualidade?
29. algo mais que gostaria de comentar sobre sua atuação e suas concepções sobre o
processo de alfabetização?
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