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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A CONCEPÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO
PROFESSOR PROFISSIONALIZANTE NO CEFETMT
CUIABÁ-MT
2006
FELICÍSSIMO BOLÍVAR DA FONSECA
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A CONCEPÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO
PROFE
SSOR PROFISSIONALIZANTE NO CEFETMT
CUIABÁ-MT
2006
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
-
Graduação em Educaçã
o da Universidade
Lima Carvalho
.
FELICÍSSIMO BOLÍVAR DA FONSECA
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R E S U M O
O presente trabalho de pesquisa traz como tese a investigação da prática
pedagógica da docência profissionalizante através do discurso dos sujeitos da
pesquisa no CEFETMT. Com a orientação no estudo qualitativo, busco apreender
índices através das categorias: educação, ensino e aluno; e, através de pesquisa
bibliográfica; entender a problemática filosófica, histórica e cultural que contribuiu
para a constituição da prática pedagógica na especialidade do professor
profissionalizante. A base teórica fundamentada em autores como Tardif,
Perrenoud, Alarcão entre outros, que trabalham à perspectiva do professor reflexivo.
Este surge, como resultado dos estudos sobre o profissional reflexivo empreendidos
por Donald A. Schön. Na perspectiva de Schön seus estudos sofrem inicialmente
críticas por sugerir uma formação profissional descolada das questões institucionais.
Reflexionando isolado dos temas políticos e sociais, que o profissional da educação
tem a possibilidade de cultivar, em seu repertório pedagógico, atitudes que afronte
as contingências, que a racionalidade técnica não consegue oferecer soluções. Este
estudo conta com o pensamento epistemológico de Paulo Freire sobre a educação.
O suporte está na capacidade reflexiva humana como dimensão capaz de se fazer
objeto e sujeito de sua própria apreciação, assim, captando da profissionalidade
docente subsídios norteadores para o fazer pedagógico do professor
profissionalizante.
Palavras-chave: prática pedagógica, professor reflexivo, professor
profissionalizante.
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO 1: Docência: Uma Práxis Reflexiva 15
1.1 O Social e sua Influência na Escola, na Prática Docente e Aluno 23
1.2 O Professor Artífice: Uma Invenção da Industrialização Brasileira 35
1.3 O Paradigma Positivista e suas Conseqüências na Prática Pedagógica44
CAPÍTULO 2: Do Profissional Reflexivo ao Professor Reflexivo 48
2.1 O Homem Aprende, Faz e Ensina. Ensina, Aprende e Faz... 71
CAPÍTULO 3: A Reflexividade e a Prática Pedagógica 81
CAPÍTULO 4: Educação, Ensino e Aluno na visão de Professores do
CEFETMT: Índices Analíticos que Representem sua Prática Pedagógica 98
4.1 Análise dos Dados da Pesquisa 99
4.2 À Guisa de Conclusão 142
Considerações Finais 146
Referencial Bibliográfico 154
INTRODUÇÃO
A educação como instituição humana tem
no professor o seu dileto representante.
Compromisso de educar que talvez
nenhum outro ator social possua, pois
pesam nos seus ombros, hoje,
responsabilidades pertencentes,
primordialmente, à família; das quais ele
não foge, assumindo-as, muitas vezes,
sem suportes teóricos de outras áreas do
conhecimento para se fazer frente a
situações mais sensíveis da vida, como,
por exemplo: que envolve a psicológica,
relacionadas ao sexo, ou outras inerentes
a faixa etária relativamente simples para
identificar o seu início, porém sem sinais
conclusivos para o seu término, como é o
caso da adolescência.
Faço um recorte para compor a presente
pesquisa, “utilizando”, como sujeitos,
profissionais atuantes na docência
profissionalizante, os quais com o senso
de profissionalismo da mais alta têm a
responsabilidade de oportunizar aos
jovens, condições de inclusão social, na
função de representantes da educação,
mediando assim condições essenciais ao
exercício da cidadania, podendo contribuir
ao aprimoramento do exercício
democrático.
A cidadania o é parceira da injustiça
social, com a falta de condições materiais
dignas de viver, principalmente em se
tratando de um país de dimensões
continentais e pródigo em recursos
naturais, como é o Brasil, cada vez mais
paradoxal, com muitas oportunidades
para uma minoria e poucas para a grande
maioria. Superar este paradoxo é
resposta para o futuro, por isso as vozes
do presente têm que crescer, não em
volume, mas em criticidade consciente
também.
Neste contexto, não tem por que limitar a
escola a “pacotes prontos”. As escolas
profissionalizantes e públicas têm
responsabilidades mais agudas com o
futuro das gerações, pois, proporcionar
melhor qualidade de educação, traduz-se
também em formação permanente dos
seus educadores, para que conquistem
patamares mais elevados de
compreensão política e social de sua
ação deliberada na prática profissional
docente, que é traduzida em e na práxis
voltada à atividade educativa.
Para equacionar a falta de mão-de-obra
qualificada, herança do período
Monárquico, a República cria nos quatro
cantos do país as escolas
profissionalizantes, cujos primeiros alunos
foram, os quais denomino, os filhos da
escravidão, igualmente oprimidos pela
nova condição social em que se
encontravam. Quase dez décadas se
passaram e os problemas se
multiplicaram por igual número, levando a
condições de vida cada vez mais
precárias. As crianças continuam nas
ruas, ou melhor (ou pior), famílias inteiras
moram junto a esgotos a céu aberto,
jovens adolescentes sem perspectivas
são cooptados por traficantes que são
vistos como os novos heróis (sic), pois
têm dinheiro e poder conquistados graças
às lacunas provocadas pela ausência do
poder constituído nas periferias das
grandes cidades brasileiras.
A visão geral de que a educação pode
mudar a sociedade fez com que não
sejam poucas as vozes que pedem para
que a educação geste uma sociedade
nova, ao invés de preparar pessoas para
inserir no mercado de trabalho da
existente. Pede-se nova ética, porque
parece haver uma inversão de ordem na
valorização de certos determinantes
básicos para se viver em comunidade.
Um contexto novo a cada momento surge,
fazendo cada vez mais efêmera a noção
de era, dificultando por esse motivo a
apreensão da educação como
investimento cujos resultados, muitas
vezes, precisa de gerações para se
concretizar.
O que a sociedade anseia, então, é por
uma educação em que o aluno não mais
se limite a saber ler, escrever, dar
manutenção em equipamentos, prever
defeitos, mas cuja formação lhe possibilite
a prática da historicidade inerente ao ser
humano. Que o faça história “por
procuração”, mas sim que resgate os
verdadeiros valores obscurecidos pela
ideologia do ter, em detrimento do
primitivo movimento em direção ao ser
humano.
O professor profissionalizante, como
qualquer outro educador, tem o
compromisso de auxiliar o aluno a elevar
o patamar de seu conhecimento para
além do senso comum, assim como o de
aprimorar sua conduta em sociedade,
ensinando-o a compartilhar
cooperativamente da convivência social
com toda sua diversidade.
O educador, pode atentar à realidade em
que vive e trabalha, pois conservar
atitudes ingênuas em relação à própria
melhoria da educação ou à política que a
manipula talvez comprometa a essência
de sua ação, não lhe possibilitando
transgredir a reprodução do senso comum
hegemônico, construído pelas elites
dominantes. Assim como não pode, por
desconhecimento do seu real significado,
menosprezar a essência política de sua
ação. Portanto, assevera Luckesi (2001,
p. 116): “o educador só tem duas opções:
ou quer a permanência desta sociedade,
com todas as suas desigualdades, ou
trabalha para que a sociedade se
modifique.”
No contexto da perspectiva da prática reflexiva, o professor deve,
constantemente: analisar seus valores e crenças; exercitar a prática de questionar
sua prática; e, ainda, fortalecer a autonomia no aprendizado do trabalho coletivo.
Pergunta Paulo Freire: “Como [...] provocar [...] a curiosidade crítica [...] gosto do
risco, da aventura criadora, se [...] não confia em si [...] se encontra [preso] ao “guia”
com que deve transferir aos educandos os conteúdos tidos como “salvadores”?”
A superação das dicotomias plantadas pela ciência positiva não admite que o
sujeito por si só, busque soluções para os problemas da vida real, porém, em nossos
dias, tal atitude não se sustenta mais para certas profissões, como, por exemplo,
para a de educador. O ponto de partida reflexiva do educador seria a sua prática
pedagógica e seu ponto de chegada objetivaria abrangências política, pedagógica e
social estando, portanto, sujeito a condicionantes dos mais variados e inesperados.
O educador, ao rever e refletir sobre a sua
prática para ampliar o seu repertório de
ação tácita, torna-se importante no
intercâmbio coletivo de experiências com
seus pares, nestes incluindo professores
de todas as áreas. O importante, então,
não é refletir antes, durante ou depois da
ação, mas, como assevera Evandro
Ghedin, é voltar a atenção para esse
processo instaurador de uma ontologia da
compreensão da existência humana
(PIMENTA & GHEDIN (Orgs), 2002, p.
145). É como se levantássemos a
cabeça, mergulhada por todo esse tempo
na racionalidade técnica, e
conseguíssemos respirar melhor e com
mais liberdade.
Talvez o maior desafio não esteja em
aprender algo novo, mas em desaprender
práticas ou ampliá-las com novos aportes
teóricos. As capacidades de flexibilidade,
abertura, emoção, lucidez, vida, espírito,
são alguns dos elementos constituidores
do ser humano. Portanto, educador e
educando são da mesma espécie
humana. A diferença talvez esteja no fato
de que o primeiro aprendeu antes e mais
do que o segundo; no entanto, o
processo interativo faz com que
reaprendam, refaçam conceitos um com o
auxílio do outro.
Ouvimos, hoje, o que antes não passava
de ficção ou “maluquice” sobre o fim da
espécie humana. Estamos descobrindo,
no entanto, na prática, que somos a única
dentre as outras do planeta que contribui
inteligentemente para sua própria
dizimação. Pelo visto, não resta dúvida
de que precisamos substituir o paradigma
fragmentador e analítico dos saberes e do
ser humano, que faz com que abandone
as discussões políticas, sociais e
econômicas, o que tem efeitos muitas
vezes perversos para a maioria. Um outro
paradigma, integrador e humanizante,
pode, porque construtores da própria
trajetória histórica, então, ser adotado.
O ser humano é o único que consegue
compartilhar subjetivamente o presente,
passado e futuro. O passado fornece a
experiência e, portanto, a prudência e a
possibilidade de ação razoável para o
futuro (de todos). Lembrando-me do
período em que trabalhei como “professor
interino” na Escola Estadual “Presidente
Médici”, em Cuiabá - se não errei ao
anotar - nos idos do ano de 1998, me
recordo de uma aluna cujo primeiro nome
é Regilene, da turma E, que
surpreendia os seus colegas fazendo
poesias, apesar de apresentar certas
dificuldades de aprendizagem. Propus-
lhe que me fizesse um poema com as
palavras “presente” e “futuro”. Apesar da
sua timidez, quase ao final da aula
brindou-me com esta reflexão guardada
com carinho, pois considero-a de extrema
sensibilidade:
Passado & Futuro
Passado só temos lembranças
de uma coisa que vivemos
Futuro só temos a esperança que nossos sonhos
se tornem realidade
Passado nos recorda o que vivemos
Presente vivemos o hoje
Futuro sonhamos o amanhã
(Regilene, 1998)
Tal poema é uma prova de que o
educador, representante da educação,
para auscultar as aspirações da juventude
e descobrir-lhes os talentos e aptidões,
precisa mais do que saber despejar neles
conteúdos, muitas vezes desconectados
da realidade, de suas expectativas,
sonhos e utopias. Apesar desta pesquisa
basear-se na epistemologia aparente no
discurso acerca da prática pedagógica do
educador que atua no ensino
profissionalizante, outras questões vêm à
baila quando o assunto é a relação entre
educação, aluno e sociedade: Que tipo
de instituição educacional
profissionalizante precisamos? Qual o
papel do professor do ensino
profissionalizante na construção do novo
contexto que se almeja? Que cidadão
queremos formar? Qual aluno desejamos
ver como futuro professor para que
tenhamos uma sociedade melhor?
O foco desta pesquisa, que me proponho
a fazer, está justamente no professor que
atua exclusivamente na docência das
disciplinas técnicas cuja formação
acadêmica se destina não ao pedagógico,
mas ao exercício profissional de caráter
técnico.
A compreensão da prática
pedagógica, através do discurso, do
docente profissionalizante - de uma
escola pública profissionalizante - constitui
o centro da investigação que proponho
empreender neste trabalho.
Este trabalho de pesquisa, de
características qualitativas e mesmo se
não fosse, o o compreendo de outra
forma, isto é, fechado à ousadia de um
diálogo transdisciplinar, explorando
interfaces, dialogando com outros autores
ou mesmo com outros campos do saber
humano, que contribuam para a
realização de uma pesquisa mais
abrangente.
Este estudo foi realizado no Centro
Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso - CEFETMT, localizado na
rua Zulmira Canavarros, 95, Cuiabá-MT.
Assim, centro as entrevistas em
professores da docência
profissionalizante, com perguntas semi-
estruturadas. Desta maneira, com objetivo
de esclarecer a problemática proposta
acima, procuro levantar questões que
representem alguns dos condicionantes
do cotidiano e do espaço pedagógico que
possibilitem apontar para a contextura da
prática docente desse professor, haja
vista que não realizei diretamente a
pesquisa sobre a sua prática, no entanto,
esses dados, adicionados aos referenciais
bibliográficos, contribuem na direção do
equacionamento do problema por mim
enfrentado nesta pesquisa.
O educador é o administrador do
processo que envolve as variáveis ensino
e aprendizagem, teoria e prática no
processo da educação em um contexto
incerto e caótico, como é a “atmosfera”
escolar. Assevera Schön (2000), que nos
últimos vinte e poucos anos percebeu-se
a ineficácia das soluções oriundas de
concepções puramente mecanicistas, pois
se trata de um ambiente de legítima
interação humana, que permite fertilizar a
sociedade com cidadãos que tenham
idéias acerca de justiça, igualdade,
respeito para com as diferenças, entre
outras.
Considerando o exposto no parágrafo anterior, é imperativo que as noções
nele apontadas sejam apresentadas nas primeiras lições. Por exemplo: nos jogos
pedagógicos ao invés de dados que evidenciem igualdade, se poderia adotar os
“dados das diferenças”, cuja finalidade é evidenciar justamente as heterogeneidades
entre as figuras, pois está o núcleo “pantanoso” do mundo da vida, ao lado do
inusitado e inesperado. E a educação profissional possibilitará ao aluno apreender a
amplitude da interação humana como mais importante, que a relação com as suas
ferramentas e seus equipamentos de trabalho.
Com a finalidade de dar organicidade para o presente trabalho e indicar em
que bases teóricas este se ampara, estruturo-o em quatro capítulos, resumidamente.
No primeiro capítulo, busco entender a docência em sua dimensão práxica, ética e
política. Discuto a influência social e o seu movimento histórico, fertilizando não
somente à prática docente, mas as diretrizes política e pedagógica da educação. No
segundo capítulo, a pesquisa bibliográfica se em torno das idéias dos
interlocutores. Começando por Donald A. Schön, autor que a partir de seu trabalho
sobre o profissional reflexivo, deu origem aos estudos que dizem respeito à
formação inicial e continuada na perspectiva do professor reflexivo, como, por
exemplo, Isabel Alarcão, Maurice Tardif, Philippe Perrenoud, entre outros. E as
contribuições de Paulo Freire sobre o aspecto epistemológicos, político e social da
educação. No terceiro capítulo, discuto o conceito do prática reflexiva como reação
a influência da racionalidade técnica e apresentada como uma das opções
curriculares à formação inicial e continuada para a prática pedagógica. No quarto
capítulo, apresento a análise das respostas dadas pelos sujeitos da pesquisa, As
respostas foram agrupadas em três categorias Educação, Ensino e Aluno. Sendo
que, comento pontos convergentes e divergentes nas categorias Educação e Aluno.
Detenho-me mais na categoria Ensino, e faço considerações mais pontuais logo em
seguida, pois considero esta mais intrinsecamente ligada ao ambiente da aula e aos
alunos, isto é, à prática pedagógica.
CAPÍTULO 1
DOCÊNCIA: UMA PRÁXIS REFLEXIVA
Neste capítulo, a discussão se
em torno do aspecto que compõe as
relações entre a formação docente, na
graduação e continuada, e as demandas
sociais por um novo topus para o ser
humano. Este ser humano, em sua
lassidão e imobilizado, suportando ao
mesmo tempo pressões em seus
contextos - social, científico, trabalho,
ecológico, globalizado, informatizados -,
ora denotando progresso, ora fomentando
a barbárie, desencadeando movimentos
de condicionantes dialéticos sem
precedentes na história humana.
O homem da assim denominada
sociedade pós-moderna, se
fragmentado, tentando recompor-se.
Além disso, meio atordoado, procura
juntar o que sobrou do impacto provocado
pelas incertezas, fruto da certeza de um
progresso histórico, que por sua vez, é
fruto da certeza de promessas científicas,
que não passaram de certezas para
poucos e de apenas promessas para a
maioria. Assim, observo que muito
embora, possibilidades de um
progresso histórico e científico, estes são
acompanhados bem de perto pelo incerto,
isto é, pelo desafio, aventura, risco,
esperança na historicidade do homem e
na sua capacidade transformadora,
através do trabalho.
Por que centrar no homem faz
tornar complexa a esperança, um
sentimento aparentemente frágil e
prosaico? Porque ele transformado por
uma educação como prática social, que
liberta, emancipadora e crítica,
conscientiza-se sobre sua condição de
agente da ação, possibilitando trabalhar e
projetar um futuro esperançoso. É nessa
perspectiva, construir o novo e não ter
medo dele, porque o reconhece como
fruto do seu trabalho e da sua
intencionalidade. O futuro, portanto,
permanece aberto para ação que vise
promover a espécie humana, apoio-me
nas palavras de José Misael Ferreira do
Vale, não para o “fatalismo imobilista que
não crê na criação [através do esforço
coletivo] de uma nova realidade”.
Respondendo pela educação, aos
professores que investigam sobre as
razões de sua ação pedagógica, não cabe
mais a atitude passiva de ser porta-vozes
da transmissão do conhecimento e
tampouco resignarem-se nesse papel de
transmissor do saber descontextualizado
da realidade (CARVALHO, 2005, p. 160).
O trabalho do professor, portanto, embora
exigindo qualidades próprias à categoria
está sujeito as mesmas condições que
são impostos aos outros trabalhadores do
sistema de produção capitalista.
No entanto, o compromisso político
e a sensibilidade ética são mais exigidas
do que em qualquer outra categoria.
Aliado a isso, a profissionalidade do
professor da mesma maneira que sua
competência é traduzida pelo domínio do
conteúdo, pelos métodos e pelas técnicas
especializadas para o campo pedagógico.
Assim, é através da rigorosidade no
estudo dos processos de ensino e
aprendizagem na formação inicial e
continuada, que o professor visa superar
a mediocridade, o amadorismo e o
espontaneísmo, presentes na prática
pedagógica. (SEVERINO, 1994, pp. 88-
95)
A sociedade, como fonte de
cobrança da educação, traz hoje em seu
interior demandas cada vez mais
exigentes e peremptórias. Na sociedade
brasileira, por exemplo, a influência
cultural do colonialismo português fez com
que a concepção de uma sociedade,
etnocêntrica, machista, branca, européia,
ocidental e exploradora, contribuísse para
que a sociedade nascente reconhecesse
como válidos apenas o padrão do
conquistador. Os que aqui se
encontravam e aqueles que
posteriormente para vieram são vistos
como exóticos, “sem almas”, “animais de
carga”.
Não foge, então, desde os
primórdios da sociedade brasileira uma
determinação histórico-existencial
baseada na cultura “d’além mar”. A
educação aqui, desta forma, passa a
tragar essas características e canalizá-las
aos “educandos” para inseri-los nos
universos próprios da época. Porém,
que se fazer uma distinção que, a meu
ver, é relevante: estas terras não eram
desabitadas, pelo contrário; daí, havia o
outro, ou dizendo melhor, os outros.
Estes eram os nativos destas terras de
proporções continentais, que conforme
Paula Caleffi (STEPHANOU & BASTOS,
2004, p. 33):
A Fundação Nacional do Índio (Funai), mesmo com grande variação
... [estima-se] ... uma cifra entre um e dez milhões de indígenas no
que constitui-se hoje território brasileiro, com aproximadamente mil e
trezentas línguas distintas. Pois bem, cada cultura indígena tem uma
forma peculiar e original de construção do mundo, vivenciando uma
historicidade que lhe é própria. Assim, não existe “o índio” portador
de uma cultura homogênea, mas um mosaico de culturas diferentes
entre si e diferentes da do colonizador. (grifo nosso)
Assim, podemos compreender,
grosso modo, um dos aspectos
formadores da cultura local, agregada às
outras tantas concepções culturais
oferecidas pelos africanos “imigrados”
para o “Novo Mundo”; ao que parece,
pode-se inferir que um mosaico ainda
maior estava por ser formado com as
tradições européias mais as dos nativos
(Índios) e esses últimos.
Assim, em especial, entre os povos
indígenas, conforme ainda Caleffi
(STEPHANOU & BASTOS, 2004, p. 38),
encontramos uma sociedade
caracterizada por ser uma “comunidade
de parentesco”, onde todos tinham
acesso ao conhecimento apreendido pela
comunidade e, ainda, conforme a mesma
autora, ao afirmar que eles aprendiam
sem professores, isto é, “[...] não vamos
encontrar um único professor [...], mas
tantos professores quantos sujeitos
compuserem a comunidade [...] ninguém
possui status de professor que o
diferencie do corpo social”.
Enquanto isso, no mundo urbano a
profissão de professor ou de um
profissional cujo trabalho está na
docência foi composta de muitos
agregados históricos com caminho nem
sempre fácil, delineado por ambigüidades
as mais diversas e, ainda, permeado por
um ideário religioso, que esteve presente
desde a origem da docência como
atividade de características peculiares.
Nóvoa (1995) assevera que já no
início do séc. XVIII muitos tinham no
ensino algumas vezes uma dedicação
integral, sua principal ocupação. Decorre
deste um processo de autonomia com a
homogeneização da classe promovida
pelo poder estatal e aceita pelos
docentes, configurando-os em um tipo
particular de funcionários públicos, pois
“sua ação está impregnada de uma forte
intencionalidade política, devido aos
projectos e às finalidades sociais de que
são portadores” (NÓVOA, 1995, p. 17).
Acontece também, que a educação
estava sendo reconhecida como fator
importante ao promover uma suposta
superioridade social. Nóvoa (1995, 18)
aponta a segunda metade do séc. XIX
como fase importante para se entender a
ambigüidade da profissão docente, pois
Fixa-se neste período uma imagem intermédia dos professores, que
são vistos como indivíduos entre várias situações: não são
burgueses, mas também não são povo; não devem ser intelectuais,
mas têm de possuir um bom acervo de conhecimentos; não são
notáveis locais, mas têm influência importante nas comunidades;
devem manter relações com todos os grupos, mas sem privilegiar
nenhum deles; não podem ter uma vida miserável, mas devem evitar
toda a ostentação; não exercem o seu trabalho com independência,
mas é útil que usufruam de alguma autonomia; etc. Estas
perplexidades acentuam-se com a feminização do professorado,
fenômeno que se torna bem visível na viragem do século e que
introduz um novo dilema entre as imagens masculinas e femininas da
profissão. (grifos do autor)
No que concerne à última
observação feita pelo autor, sobre a
feminização do professorado, devo
acrescentar que não constatei este
fenômeno de maneira acentuada na
docência profissionalizante, pelo menos
no seu conjunto é majoritariamente
exercida por homens.
Nas duas modalidades de
sociedades, rural e urbana, o professor foi
o detentor das informações necessárias à
perpetuação do tecido social. Porém, na
sociedade o educador perde,
paulatinamente, com o advento dos meios
de comunicação e da informatização a
condição de principal mediador de
informações para as novas gerações.
Neste caso, podendo chegar até à
inversão dos papéis, as novas gerações
levam muitas novidades para as salas de
aulas; assim, convive-se com novos
agentes que são anunciados como
pedagógicos: televisão, rádio, vídeo-
game e o próprio computador.
Soma-se a isso a velocidade com
que as coisas acontecem na “aldeia” e
que toma de assalto nossa atenção,
proporcionando em última instância a
instalação de um raciocínio induzido por
toda uma parafernália tecnológica que foi
inventado, mas que está limitando as
possibilidades cognitiva e de diagnóstico
da realidade, além de objetivar induzir
uma concepção desconexa e retalhada
dos acontecimentos da realidade.
Para Antônio (2002, p. 121):
Se no começo do século XX a fragmentação foi uma ruptura
revolucionária, porque libertadora das ordens lineares e cristalizadas,
proporcionando novos continentes para a percepção e a imaginação,
hoje ela é, quase sempre, dilaceração. Esfacelamento e
desfiguração dos fazeres, dos pensares, dos dizeres. Dos corpos e
das histórias. Agrava assim a condição cada vez mais
esquizofrênica do homem que não consegue compor a sua própria
imagem, não consegue juntar os pedaços, não se reconhece a si
mesmo nem aos outros, nem se reconhece em si mesmo e nem nos
outros.
Escola e professor continuam
fazendo parte do panorama pós-moderno.
O aluno permanece freqüentando as
carteiras escolares, seja nas cidades ou
em rincões rurais e indígenas brasileiros.
Notícias de todas as partes despertam
inquietantes paradoxos em professores,
alunos e pais; por fim, oportunizam a
sociedade a tomar conhecimento em
regiões carentes (de tudo), “escola” (feita
de palha e sapê) resumida apenas em
uma sala, a qual abriga em seu interior
alunos das mais diversificadas séries,
estudando um de costas para o outro e de
frente para suas respectivas professoras;
enquanto isso, com desenvoltura, um
professor exibe uma geração high-tech de
“lousa”, “escritacom uma “caneta-óptica”
apropriada, fazendo surgir as mais
variadas dimensões de gráficos e figuras
geométricas, dentre outras possibilidades.
É nessa perspectiva social paradoxal e
complexa, que se faz ator o professor
brasileiro. Como conseqüência, pode-se
inferir que o docente não pode se dar ao
luxo de ficar afastado das questões
sociais que pede urgentemente, no caso
brasileiro, educadores comprometidos.
Para isso, a formação docente, inicial e
continuada, deve pautar em uma ética
reflexiva, prática social com vistas ao
presente e ao futuro ou como designa
Severino (1994, p. 141) de ética praxista.
As discussões se guia pelo que se requer
da escola no que tange aos meios que
possam minimizar os efeitos da
velocidade e o dinamismo das demandas
sociais que o mercado de trabalho impõe.
Um desses efeitos é a necessidade de
requalificação de certos profissionais que
percebem que seus conhecimentos se
tornaram obsoletos. Por outro lado, cabe
à escola e ao educador alertar ao aluno e
futuro profissional de que ele não é uma
mera peça no contexto social - portanto,
não fica obsoleto - que possa ser moldado
para o imediatismo do mercado de
trabalho, mas um ser consciente que faz
história na relação com outros seres
humanos e isso demanda tempo e o
próprio e perene esforço.
Nessa perspectiva, o que se pode inferir passa por uma temerosa perspectiva: o aluno pode
iniciar um curso cuja demanda está em alta e concluí-lo recebendo um diploma defasado para os
interesses do mercado de trabalho, desta forma se diminuída a distância entre a graduação e a
formação continuada.
Para mim, nos dias atuais, o conceito de sociedade pode ser entendido, com mais justeza,
pela visão capitalista de que somos todos sócios: tal visão foi resultante das relações humanas
mediadas pela capacidade histórica de transformação através do trabalho que, ao mesmo tempo,
determina normativas de relações que caracterizam os diferentes grupos de pessoas.
As questões mais agudas da sociedade moderna atual giram em torno da distribuição dos
benefícios que o capitalismo globalizado demanda e a tecnociência atende. Uma multidão -
hobbesiana - vem se formando, excluída das promessas de igualdade e oportunidade. Não é objetivo
deste trabalho passar ao largo das questões sociais, porque elas são intrinsecamente ligadas às da
educação.
O perfil dos trabalhadores requisitados pelo mercado de trabalho, no século XX, foi mudando
de maneira acelerada; o advento da globalização criou necessidades de reprofissionalização,
recapacitação, qualificação. Essas foram algumas das denominações, dadas à educação, que
acalentaram os indecisos, os esquecidos e os que ficaram satisfeitos com a sua neurose. Mais uma
vez, pede-se para a educação soluções para os problemas, mas os professores e mediadores do
processo educativo se encontram, como os demais trabalhadores, pouco à vontade diante do cenário
social contemporâneo, de mudanças rápidas. Para agravar, procuram recuperar a autonomia, depois
da ênfase imposta à prática do repasse do conhecimento. É o que veremos na unidade seguinte.
1.1. O SOCIAL E SUA INFLUÊNCIA NA ESCOLA, NA PRÁTICA
DOCENTE E ALUNO
O ser humano percebe, em um momento qualquer, no seu processo de evolução social, que
não se trata de um ser concluso e estático, mas inconcluso e significativamente dinâmico, porque é -
na mesma medida - sujeito transformador e transformado, como o próprio meio que cria, transforma e
refaz. Aranha (2000, p. 17) focaliza esta questão da seguinte maneira:
O autoproduzir-se humano se completa em movimentos
contraditórios e inseparáveis: por um lado, a sociedade exerce sobre
o indivíduo um efeito plasmador, a partir do qual é construída uma
determinada visão de mundo; por outro, cada um elabora e
interpreta a herança recebida na sua perspectiva pessoal.
A atividade humana que provoca transformações da realidade com vistas a culminar num
resultado real é antecipada pelo que está idealmente elaborado na sua consciência; assim, a
atividade humana objetiva uma finalidade e possui em seu cleo a consciência do que se pretende
fazer. A isso soma-se o tempo, como categoria da razão humana, possuindo papel determinante no
percurso de construção, passado, presente e futuro de sua ação para objetivar o ideal.
Para Vázquez (1968, p. 189):
A atividade humana é, por conseguinte, atividade que se desenvolve
de acôrdo com finalidades, e essas existem através do homem,
como produtos de sua consciência. Tôda ação verdadeiramente
humana requer certa consciência de uma finalidade, finalidade que
se sujeita ao curso da própria atividade.
A escola, como uma das construções humanas, está intrinsecamente relacionada à cultura,
ganhando, aos poucos, destaque, não pelo papel que desempenha, mas também pela importância
que representa para as forças que compõem a sociedade, que vêem nela um “aparelho” importante
de reprodução social e de controle ideológico. Outro motivo de destaque talvez se deva ao fato de
ser a escola freqüentada desde a infância por todas as classes que compõem a sociedade; muito
embora, como repetitivamente estudado e abordado, a cada uma das classes o tratamento dado
tenha sido e seja ainda conforme o status social que a caracterizava.
A partir da construção moderna do conceito de escola, passamos por ela, de uma forma ou
de outra. Sacristán (2005, p. 102) afirma que:
A escolaridade é um fato tão natural na paisagem social de nossas
formas de vida que é estranho imaginar um mundo que não seja
dessa forma. Estar um tempo nas escolas é um rito de passagem
naturalizado na vida dos indivíduos, cujos fins são aparentemente
óbvios, ocupando um lugar central na experiência das pessoas,
tendo se transformado em um marco de referência que introjetamos
e que projetamos quando o percebemos e valorizamos.
Ao ensaiar um entendimento sobre a escola, vejo-a como o espaço para o qual todos os
segmentos da sociedade - em um contexto determinado - convergem. Nela se encontra a história de
vida do professor, aluno; os pais participam das instituições internas das escolas, próprias para eles,
buscando imprimir suas expectativas de futuro para os seus filhos.
Nesse contexto, cabe ao professor, portanto, a responsabilidade de trabalhar, mediar
fenômenos sociais, como a complexidade contemporânea que aliada a sua formação acadêmica
direciona sua prática escolar, atender a interesses imediatos. Desta maneira, é que o ensino na
instituição escolar tem como pano de fundo determinações culturais próprias de sua época e
contexto.
A meu ver, os últimos dois séculos tiveram como determinante a Revolução Industrial que se
destacou por ser o ponto de origem dos problemas sociais ocorridos no referido período.
Tendo seu início na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial se
deu com a mecanização das indústrias, resultado da aplicação do capital acumulado com o comércio
marítimo, com as suas e outras colônias da América e África. Nas palavras de Francisco Iglesias
1
este fato representou uma profunda “Mudança de mentalidade”:
E a contar do século XVI multiplicam-se os nomes de filósofos e
cientistas, com o culto da natureza, da experiência, da mecânica. [...]
Aparecem as associações para o estudo da realidade. Ganha
impulso o ensino técnico, até descurado. Revê-se o culto
dogmático da tradição, outrora vivo, com posições de reexame do
que fora dito por filósofos vistos por definitivos em tudo. Se antes
havia a cabala, a astrologia, a magia, a alquimia, agora a
experiência que sentido científico ao estudo e às inquietações. A
técnica, em suas feições mecânicas, passa a ser considerada.
Surge a ciência moderna, antidogmática, fundada no
experimentalismo. Essa mudança de mentalidade representa
transformação intelectual e cria o clima de crítica sistemática. Entre
os muitos de seus efeitos assinale-se o interesse pela indústria, para
o qual a nova maneira de ver contribuiu decisivamente. (grifo nosso)
A Revolução Industrial proporcionou não uma mudança de mentalidade, mas também
alteração física no contorno e no ritmo de vida das cidades - pólos industriais - que sofreram um
processo de crescimento, resultante do êxodo rural cada vez mais acentuado, firmando-se como um
fenômeno emblemático da era industrial e moderna.
A princípio, formava-se reserva de mão-de-obra barata, com as camadas não-privilegiadas da
sociedade, para atender às necessidades da indústria nascente. A partir daí, o desenvolvimento de
novas tecnologias em máquinas, no processo de produção, na exigência de trabalhos mais
especializados, estabelece-se uma nova necessidade, a de um trabalhador instruído para a realidade
1
IGLESIAS, F. A revolução industrial. São Paulo : Brasiliense, 1981. Coleção Tudo é História, n° 11 II, p. 82.
In: VICENTINO, C. História Geral. São Paulo : Scipione, 1997. p. 285.
emergente, mais familiarizado com a nova forma de trabalhar e produzir, que não é mais o dono
das ferramentas, das matérias-primas e do local do trabalho como outrora, quando artesão.
Sobre este assunto, Manfredi (2003, p. 41-2) escreve que:
As transformações na organização do trabalho artesanal e o
aparecimento da grande indústria, na passagem do século XVIII para
o XIX, produzem o trabalhador livre, de atividade assalariada. Este
liberta-se, portanto, dos laços e das obrigações que o prendiam às
guildas, nas cidades, e aos feudos, no campo, tornando-se,
gradativamente, um trabalhador fabril. O desenvolvimento da
industrialização inicia-se na Inglaterra e, durante o século XX
expande-se por toda a Europa e pelos países dos demais
continentes. O fenômeno a que assistimos hoje de globalização da
economia não deixa de ser, também, um processo de extensão
territorial e política do capitalismo, como sistema de produção, em
nível planetário. Mas o que distingue o trabalho assalariado fabril do
trabalho artesanal? O trabalho fabril apóia-se na divisão
manufatureira, que possibilita o desmembramento da produção em
tarefas simples e a substituição do homem pela máquina.
Nesse contexto mecânico, migram para a escola as formas militarista e fabril, influenciando o
processo da prática pedagógica, o que constituiu parte do processo histórico para instituir a figura
especializada do professor, o que no dizer de Sacristán (2005, p. 128):
[...] como figura leiga que assume em nome da sociedade,
representada pelo Estado, a missão de educar e difundir um
determinado projeto cultural a serviço dos interesses gerais daquela.
Os professores não foram nem são apenas os encarregados dessa
missão, embora eles tenham se formado como o grupo que
concentra mais seu desempenho fora da família, como “mestres” de
um ofício ou corporação formalmente reconhecida pela sociedade.
Assim, o agora professor, representante da sociedade e funcionário estatal, dono e
responsável pela transmissão do conhecimento, ainda não se reconhece determinado pelo contexto
social em que estava inserido. Então, à revelia, sua prática pedagógica torna-se empobrecida, pois
cada vez mais é submetida aos interesses do capital, reduzindo o aluno apenas à sua capacidade de
memorização do conteúdo repassado.
Como outros trabalhadores, o professor, ao que parece, contava - no surgimento de sua
profissão - com a detenção dos próprios instrumentos necessários para a sua prática. Mas, igual aos
trabalhadores, o professor teve alterado o processo histórico de sua função de educador, como
descreve Sacristán (2005, p. 128):
[...] o processo de transferência das funções de educar e ensinar os
menores, que eram desempenhadas pela família, pelas igrejas e pela
sociedade, para as instituições escolares - e concretamente para os
professores - passou por um longo processo de evolução. No
decorrer desse processo, apareceram diversas figuras que se
dedicaram a ensinar e educar os menores: mestres artesãos,
clérigos, amanuenses (pessoas que escrevem à mão, copiam textos
ou escrevem o que lhe é ditado), escribas (aqueles que estavam a
testificar as escritas e demais atos), calígrafos (dedicados a escrever
de forma elegante, músicos, pessoas que ensinam idiomas,
costureiras, modistas e bordadeiras (para as meninas), etc. Ainda
hoje, por exemplo, a formação profissional é uma prática que não
está totalmente afastada das salas de aula, e se questiona se é
conveniente afastá-la. (grifo nosso)
Partindo da perspectiva desse processo de práticas educativas descritas por Sacristán, o
ensinar não nasceu de maneira única e separada das artes; porém, apresenta-se determinado pelo
seu contexto social, político e econômico; e ainda, que a prática de ensinar está intimamente ligada à
gênese cultural de quem ensina; daí, ao que parece, não caber a possibilidade de neutralidade por
parte do educador, o que contribuiu para a gênese de uma prática mais reflexiva em sua docência.
O profissional da educação apenas observa a transformação do seu local de trabalho e da
sua prática pela nova ordem econômica capitalista burguesa. A sua prática educativa, baseada na
formação integral do homem, se vê, na mesma proporção, reduzida ao repasse ao aluno de
conteúdos suficientes para atender à formação de mão-de-obra qualificada. Ao aluno é imposto um
arcabouço disciplinar, de tal sorte que o objetivo de cultivar características humanas aproxima-se
mais do adestramento, distanciando-se da educação que objetivava oferecer ao homem o emergir de
sua humanidade.
A era moderna (séc. XVII), em particular, o séc. XX marcam a descoberta das possibilidades
humanas de criar instrumentos ou artefatos
2
técnicos que contribuíram para sua sobrevivência,
conforto e, principalmente, o “domínio” ou o pretenso controle sobre a natureza.
2
Em Leite (2001, p. 106) encontramos que “Somos também de fazer acontecer ... Escarafunchamos a realidade
física ... Deste processo nascem as criações da cultura. ... Criamos o que se chama hoje artefatos. ... muito
daquilo que surge na nossa mente (nossas “idéias” ou mentefatos) pode vir a se materializar em alguma coisa ...
Quando as idéias se materializam em algo, damos a este algo o nome de artefato. Os artefatos continuam
Foucault (1996, pp. 125/200) denuncia a possibilidade: de que a técnica atingiu um
refinamento sem igual paralelo na história, ou seja, agora útil ao domínio, à sujeição ou ao pretenso
controle do próprio ser humano, logrando desta forma, como recurso didático, atingir a previsibilidade
dos gestos, pensamentos, atitudes e, conseqüentemente, de movimentos do seu próprio corpo, num
determinado espaço de tempo. Foucault (1996, p. 149) escreve que:
O treinamento dos escolares deve ser feito da mesma maneira [que
o dos militares]; poucas palavras, nenhuma explicação, no máximo
um silêncio total que seria interrompido por sinais - sinos, palmas,
gestos, simples olhar do mestre, ou ainda aquele pequeno aparelho
de madeira que os Irmãos das Escolas cristãs usavam; era chamado
por excelência o <<Sinal>> e devia significar em sua brevidade
maquinal ao mesmo tempo a técnica do comando e a moral da
obediência.
Ao tecer suas leis e as regras sociais de conduta, o homem foi percebendo que o que fazia
na tentativa de conter e educar sua própria natureza e corruptível acabou, inadvertidamente,
retroagindo na forma de domínio do “homem pelo homem”, isto é, dominava-se para ensinar a alguns
o domínio sobre o outro, desde que de uma classe considerada inferior.
A ação do educador se na escola, na sala de aula. é a ágora do seu efetivo exercício
pedagógico e da construção do conhecimento, do homem e, em última instância, do futuro da
sociedade. O ato mecânico de ensinar é tributário de uma prática pedagógica baseada na
transmissão por parte do professor como o detentor do conhecimento, e na expectativa de
assimilação por parte dos alunos, sendo ambos exclusos e alheios ao processo da construção do
conhecimento.
A tríade escola, professor e aluno está frontalmente sujeita ao seu contexto social e político.
Esta sujeição ou determinação tem sido objeto de estudo por parte dos teóricos da educação; talvez
por isso se escreve tanto sobre a autonomia da escola e do professor, não sendo à toa que um
posicionamento de resistência diante das imposições externas ao cotidiano escolar vem ao longo do
tempo ganhando a simpatia por parte dos profissionais da educação; como exemplo, a
burocratização a que passou a ser submetido o seu cotidiano, demandando tempo que poderia ser
aproveitado em outras atividades pedagógicas.
“convivendo”, i. é, relacionando-se com os fatos (o que está aí e não dependeu, e, nem depende, de nós humanos
Do profissional religioso ao profissional funcionário estatal, o professor aos poucos vai se
firmando como protagonista do processo de educar e formar futuros cidadãos. Este é o caminho - o
da educação - a base para o desenvolvimento sustentado das sociedades mais desenvolvidas da
atualidade, mas esta não se sem pesados investimentos, de longo prazo, no conjunto que compõe
o complexo educar: no professor, na escola, no aluno e na sociedade.
Parece haver implicação pessoal entre o docente e a educação. Isso possibilita produzir, em
alguns, resistência, em outros insistência face a realidade social emergente. Nóvoa (NÓVOA, 1999,
p. 30/1) citando o texto de Philippe Perrenoud intitulado “A escola deve seguir ou antecipar as
mudanças de sociedade?”, compreende que é a escola o lugar onde se concentra o maior número de
pessoas altamente qualificadas e protegidas dos confrontos políticos e das competições comerciais e
das tentações gestionárias.
Nóvoa (ibdem, p. 30-1) pergunta: “Será que pertence à escola um papel primordial na tarefa
de pensar o futuro?” E, ele responde: “Provavelmente, sim.” Esta responsabilidade apontada por
Nóvoa em sua citada acima, é baseada nas seguintes observações feitas por Perrenoud:
Os partidos políticos deixaram de ser lugares de doutrina e
transformaram-se em “máquinas eleitorais”, orientadas para a
participação no poder e nas instituições; mesmo os partidos de
esquerda, tradicionalmente portadores do sonho de uma sociedade
nova, desinteressam-se consideravelmente pela educação e cultura.
[...] os sindicatos deixaram de ser forças utópicas, dinamizadas pela
ideia de um futuro diferente; as incertezas e as crises econômicas
mobilizam mais os aparelhos do que os projectos de sociedade.
Os meios de comunicação social desempenharam, durante muito
tempo, um importante papel doutrinal, [...] Hoje, a lógica dominante é
a competição pelo mercado publicitário e a imprensa não pode
assumir o risco de pensar o futuro de forma contínua, coerente e
séria, comprometendo-se num projecto de sociedade.
Os intelectuais também se deixaram apanhar pela “sociedade do
espetáculo”, que estimula as ideias na moda, em vez de um
pensamento rigoroso sobre as evoluções possíveis no decurso das
próximas décadas; o seu trabalho é vendido no mercado mediático e
é avaliado pelo sucesso fácil.
Os investigadores são cada vez mais numerosos, mas rareiam os
verdadeiros sábios, munidos de uma cultura filosófica e
conhecedores de várias disciplinas. [...] É enorme a falta de sábios
capazes de produzirem sínteses do conhecimento que ajudem as
sociedades a pensar e pensar-se. (grifos do autor)
para existir).”
Na perspectiva das observações acima, a escola parece ficar com a incômoda posição de
última trincheira de resistência e esperança, como fonte para a compreensão da realidade das
sociedades modernas.
A apologia ao tecnicismo marcou a década de 70 no Brasil como norteadora das expectativas
escolares da sociedade brasileira, no que tocou para os filhos da classe trabalhadora almejar
ascender socialmente à classe dominante através de uma profissão apenas em nível secundário,
tornando mais agudas as questões articuladas à necessidade de oferecer mão-de-obra qualificada
para atender ao mercado ligado à atividade técnica.
Para Cunha (1977), a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de e 2º Graus (Lei 5.692, de
11 de agosto de 1971), propôs preparar os jovens para exercer, prioritariamente, a função de técnicos
e de auxiliares técnicos e não mais prepará-los objetivando os cursos superiores.
Indispensável se faz salientar que este trabalho tem o seu foco na escola pública, mais
precisamente em uma escola pública profissionalizante e no professor que trabalha disciplina
profissionalizante. E, portanto, o compromisso social da docência profissionalizante se constitui, em
suas raízes, no aspecto institucional público, profundamente comprometido em suas dimensões
políticas e pedagógicas, ensino e aprendizagem. Oferecer ao mercado de trabalho jovens
qualificados para executar funções específicas fertiliza o compromisso da docência profissionalizante
a objetar certas questões que envolvem a sociedade brasileira atual. Carvalho (2005, p. 134)
pondera que:
Na escola, onde a materialização da produção acontece no âmbito
intelectual, não no campo material, a separação se configura no
processo de desarticulação entre a teoria e a prática, produto de uma
formação fragmentada. De um lado, estão os que pensam, e de
outro, estão os que executam. Neste sentido, percebe-se que na
escola, no cotidiano da sala de aula, organiza-se o trabalho
pedagógico dissociado do contexto político em que a escola está
submersa.
Ainda em Carvalho (2005, p. 136), as ações pedagógicas na sala não devem se dar apenas
em via de mão-única, do professor até o aluno, mas ... na concepção de ensino e conhecimento que
valoriza a ação reflexiva, a crítica que estimula a curiosidade, a inquietação, a incerteza, a criticidade,
a criatividade ...”, isto é, um exercício dialógico com vistas ao enfrentamento da realidade, tendo esta
como objeto a possibilidade de transformação.
A Globalização como nova ordem econômica mundial e, talvez, mais uma etapa evolutiva da
humanidade, trouxe em sua esteira novos conceitos e conseqüências que dinamizaram outros
processos das relações sociais em todas as esferas. Assim, em uma análise apressada, talvez as
formas conceituais de “classes” que serviram, por tanto tempo, de parâmetros para discussões sobre
temáticas sociais, tragam nova conformação com a realidade hodierna ao serem reduzidas a duas
lógicas perversas: a dos “incluídos” e a dos “excluídos”.
A perversidade dessas lógicas está resumida na denúncia que Freire (2004a, p. 14) faz
acerca do que ele chama de “nova ordem mundial”:
Em nível internacional começa a aparecer uma tendência em acertar
os reflexos cruciais da “nova ordem mundial”, como naturais e
inevitáveis. Num encontro internacional de ONGs, um dos
expositores afirmou estar ouvindo com certa freqüência em países do
Primeiro Mundo a idéia de que crianças do Terceiro Mundo,
acometidas por doenças como diarréia aguda, não deveriam ser
salvas, pois tal recurso “só prolongaria uma vida já destinada à
miséria e ao sofrimento.
O velho propósito do capital, a lucratividade, permanece voraz e renovado em suas
artimanhas ideológicas em detrimento de atender ao mínimo que vise sustentar a dignidade humana.
Daí salta aos olhos o status que adquiriram aqueles que têm o poder de consumo que é constituído
pela minoria, em contraposição com os excluídos dessa possibilidade, a grande maioria da
população, que aguardam o seu momento de “inclusão”. Corroborando com esse aspecto da
globalização, Elimar Pinheiro Nascimento (apud ASSMAN, 2001, p. 215) afirma que:
na mudança da representação social do pobre constrói-se a maior
novidade da exclusão entre nós hoje: a população economicamente
desnecessária passa a ser socialmente perigosa. Este é o retrato
perverso da nova exclusão: a criação de uma parcela da população
passível de eliminação física.
Para freire, o ato de educar pressupõe discussões que projetem o aluno para além da sala da
aula, em uma leitura ampliada da realidade e deve provocar, no professor, o sabor pelo intervir no
mundo, isto é, ele deve incomodar-se diante das injustiças, disfarçadas de benfazejas conquistas
coletivas, cantadas em versos e prosa pelos segmentos hegemônicos. Isso não implica que o
educador tenha que impedir que em sua aula haja presença das reproduções sociais; no entanto,
sugere a chance corajosa de trazer à baila análises de certas propostas de caráter ideológico que
imobilizam e emudecem vozes críticas, com significado para a vida dos alunos e que possibilitem a
partir daí, as bases para despertar mudança no tecido social.
O núcleo da conscientização nesse contexto é o professor, pela ação conscientemente
intencional de sua prática pedagógica, com implicações na própria óptica da importância da dimensão
social da docência e no seu potencial transformador, ou seja, como práxis. Uma outra âncora é
traduzida pela disposição ao trabalho coletivo, isto é, na perspectiva de oferecer as disciplinas como
pontes de aproximação através do diálogo, com esforço para renunciar a qualquer aspecto de
hegemonia, pois anularia a tentativa de aproximação das experiências das práticas docentes
acumuladas, tão valorizadas pela prática reflexiva.
Para que o olhar docente seja reflexivo não pode irradiar-se até às bordas de sua pretensa
sabedoria sem levar em consideração o saber do aluno e as conexões com a realidade. Isso faz
parte do desafio de uma formação continuada, reconhecendo-se o mais como sujeito detentor e
repassador do conhecimento à cabeça vazia do aluno. Como resultado, por se tratar de um processo
de emancipação, a educação deve ser considerada como uma das contribuições historicamente
mútuas entre os homens.
A Instituição profissionalizante pública deve superar a prática pedagógica exclusivamente
reprodutiva ou transmissiva para ser uma escola à frente, “novidadeira”, o que constitui um desafio
em escala ainda maior: envolve a mudança na concepção enraizada da dicotomia teoria e prática e
na maneira como se enfoca o conhecimento desconectado da historicidade, entre outros, sendo que
para a consecução dessa revolução é necessário dissipar as “barreiras” que impedem o diálogo com
a atual realidade social.
Sobre a relação teoria e prática no trabalho pedagógico, Veiga (apud QUELUZ & ALONSO
Orgs., 2003, p. 21/2) observa que:
O lado teórico é representado por um conjunto de idéias constituído
pelas teorias pedagógicas, sistematizado a partir da prática realizada
dentro das condições concretas de vida e de trabalho. A finalidade
da teoria pedagógica é elaborar ou transformar idealmente, e não
realmente a matéria prima. O lado objetivo da prática pedagógica é
constituído pelo conjunto dos meios, o modo pelo qual as teorias
pedagógicas são colocadas em ação pelo professor. O que a
distingue da teoria é o caráter real, objetivo da matéria prima sobre a
qual ela atua, dos meios ou instrumentos com que exerce a ação, e
de seu resultado ou produto. Sua finalidade é a transformação real,
objetiva de modo natural ou social, satisfazer determinada
necessidade humana.
O trabalho urgente com os professores começa, portanto, por elevar sua concepção de
práxis, para que possa entender com profundidade, entre outros conceitos, o que relaciona trabalho e
historicidade como propriedades humanas; enfim, a sua prática docente como práxis e articuladora
da relação intrínseca e indissociável entre teoria e prática.
1.2 O PROFESSOR ARTÍFICIE: UMA INVENÇÃO DA
INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
Nesta unidade, busco compreender como o processo de fomento da industrialização
brasileira deu origem a uma outra classe de professor especialista no Brasil, que é o professor que
atua na docência profissionalizante, a partir do modelo de mestre artífice.
Então, para percorrer este corredor mais estreito e específico, busco entender como começou
o processo da prática pedagógica do professor que atua em disciplinas de cursos profissionalizantes.
Busco, ainda, saber em que esfera esta prática teve o seu começo: se na esfera empírica ou na de
uma prática mais epistemologicamente elaborada. Mas antes, para Chauí (2002, p. 500), epistéme
significa:
Ciência; conhecimento teórico das coisas por meio de raciocínios,
provas e demonstrações; conhecimento teórico por meio de
conceitos necessários (isto é, daquilo que é impossível que seja
diferente do que é; o que não pode ser de outra maneira, ser
diferente do que é) e universais (isto é, válidos para todos em todos
os tempos e lugares). Opõe-se à empeiría. O verbo epístamai, da
mesma família de epistéme, significa: saber, ser apto ou capaz, ser
versado em (portanto, inicialmente, este verbo não distinguia nem
separava epistéme e empeíria, mas referia-se a todo conhecimento
obtido pela prática ou pela inteligência, referia-se à habilidade). A
seguir, passa a significar: conhecer pelo pensamento, ter um
conhecimento por raciocínio e, com Aristóteles, passa a significar
investigar cientificamente.
Em oposição à palavra epistéme temos a dóxa - que segundo a mesma autora, significa:
“Opinião, crença, suposição, conjetura [...]” (Ibdem, p. 498). A primeira, portanto, concentra a
dinâmica de um trabalho racional de investigação em seu resultado, enquanto a segunda não
ultrapassa as fronteiras do senso comum. Por exemplo, quando o professor, independente da área,
procura se debruçar continuamente sobre educadores que fazem da prática pedagógica, do processo
ensino e aprendizagem objeto de estudo, poderá ter um repertório mais ampliado para oferecer à sua
práxis do que aquele que resiste ou desdenha deles.
Como aludido, é inegável a influência do
contexto social na prática na escola e na
prática pedagógica. Esta influência é
facilmente perceptível ao se buscar
compreender o percurso que teve que
percorrer o professor profissionalizante,
até então artesão, para corresponder à
exigência da sociedade industrial. É
importante observar que até o advento
desta sociedade não se constituía objetivo
da escola formar mão-de-obra qualificada
para o trabalho em indústrias, mas
apenas certos segmentos da sociedade
para postos de comando (MANFREDI,
2003, p. 51). No entanto, o ensino
intelectual reservado aos ricos e o ensino
técnico aos pobres, não é exclusividade
das teias sociais hodiernas, mas remonta
à civilização grega arcaica.
O profissional da Educação como protagonista da construção da prática pedagógica não
passou ao largo do desmonte que sofreram outras profissões, provocado pelo capitalismo burguês;
e, igualmente, não passou íntegro às pressões sociais do complexo processo histórico que envolveu
a industrialização da sociedade ocidental; nesse transcurso acirrou a perda da sua autonomia como
profissional da educação responsável pela formação dos alunos.
Acompanhando o percurso que Manfredi (2003) faz da “Educação Profissional no Brasil”, a
tradição social mais uma vez é vista ditando regras, pois é patente a oferta dos cursos de alfaiataria,
sapataria, mecânica, marcenaria, decoração, eletricista, os quais destinavam-se ao gênero
masculino; para as mulheres centrava-se nos cursos de rendas e bordados, confecções de flores e
chapéus, pinturas e desenhos, ou seja, definia também a função que cada um teria que ocupar na
sociedade.
Quem cumpria a função de professor, portanto, tinha sua prática pedagógica apenas na
perspectiva da empeiría
3
, ou empírica, porque oriundo da própria atividade artesanal, ou seja, como
artífice ainda estava aquém de um trabalho didático-pedagógico que oferecesse um suporte teórico à
sua prática.
Louis Althusser (apud SEVERINO, 1994, p.75) comenta esse episódio por um enfoque mais
abrangente:
A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um
esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes
instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se às classes
dominantes e aos intelectuais. O desenvolvimento da base
industrial, tanto na cidade como no campo, provocou uma crescente
necessidade do novo tipo de intelectual urbano: desenvolveu-se, ao
lado da escola clássica, a escola técnica (profissional mas não
manual), o que colocou em discussão o próprio princípio da
orientação concreta de cultura geral, da orientação humanista da
cultura geral fundada sobre a tradição greco-romana.
Ao que parece, a ressignificação do papel desempenhado pela escola influenciada pelo
sistema econômico emergente faz surgir um novo profissional da educação. Do desenvolvimento da
base industrial é criada a Escola Profissionalizante - um misto de escola e oficina - e deste surge o
Professor Profissionalizante. Este um mestre artífice, a princípio, para atender à demanda do
mercado, sustentava que sua prática escolar poderia se dar apenas na esfera empírica,
proporcionado pela vivência de uma produção exclusivamente doméstica.
Com as indústrias necessitando de mão-de-obra (a)destrada para cumprir suas atividades
com economia de tempo e com mínimo de percalços; ao professor artífice” foi dada a tarefa de
moldar ou (re)produzir esse aluno útil, para que se enquadrasse na engrenagem manual da rotina
industrial. A prática pedagógica pende, então, principalmente, para a influência militarista, pois era
flagrante a presença da disciplina e da hierarquização, tão caras ao sistema capitalista.
Enguita (apud MANFREDI, 2003, p. 43) observa que:
[...] o controle hierárquico e a disciplina são essenciais para que o
capital possa alocar tarefas, impor velocidades e intensificações,
punir a má qualidade e assim por diante, pois, a final de contas, é ele
3
Cf. Chauí (2002, 500): “Experiência, sabedoria adquirida por experiência. É um conhecimento prático, oposto
ao conhecimento teórico. É o conhecimento técnico que possuem os médicos, artesãos, engenheiros,
agrimensores, militares, retóricos, caçadores, etc.”
que dá as regras no interior do processo de trabalho. É o capital que
aloca tarefas, que especifica esquemas de pagamento e normas e
que impõe penalidades para o caso de falhas. Dizer isso não
significa contudo que as formas de controle hierárquico não possam
ser modificadas e/ou transmutadas; a maioria dos trabalhadores não
controla hoje a duração nem a intensidade de seu trabalho. O
trabalhador assalariado deve submeter-se aos ritmos impostos pela
maquinaria, aos fluxos planificados de produção e às normas de
rendimento estabelecidas pela direção. O trabalhador por conta
própria controla-as apenas de forma limitada, pois o movimento dos
preços força-o a não distanciar-se demasiadamente do calendário,
do horário e do ritmo impostos por aqueles que têm menos
escrúpulos em explorar a si mesmo. Ele pode teoricamente
estabelecer seu próprio equilíbrio entre o trabalho e consumo, mas o
primeiro vê-se estimulado pela concorrência e o segundo pelas
normas sociais e culturais, aproximando todos dos padrões aceitos.
(grifo nosso)
O que se observa é que a influência do modo capitalista burguês de produção não se
apenas nos aspectos estrutural ou material do trabalho, como em promover a especialização do
profissional da educação, mas, também, na sua prática docente, tornando relevante o seu esforço em
objetivar resultados condicionantes no aluno para acomodá-lo em uma determinada estrutura da
produção.
A problemática do ensino técnico, na realidade brasileira, naturalmente obedeceu aos
ditames da conjuntura econômica e social do país da primeira metade do séc. XX. Cunha (1977)
observa que essa modalidade de ensino ocorria em certos estabelecimentos antes de ser
organizados como um “sistema” em 1942, quando se deu a Lei Orgânica do Ensino Industrial; assim,
o curso técnico industrial passou a ser reconhecido pelo Ministério da Educação.
Para melhor compreensão, Cunha (1977, p. 52) observa que:
a noção do sistema, como é usada aqui, tem um caráter burocrático-
administrativo: é o conjunto de estabelecimentos que ministram
ensino de um determinado tipo, seguindo uma mesma legislação que
lhe os objetivos e os traços fundamentais da organização dos
recursos educacionais para atingi-los; podem ou não ser
coordenados, supervisionados ou fiscalizados por um mesmo órgão
administrativo.
Cunha (1977) aponta como um dos fatores favoráveis à manutenção dos cursos técnicos a
conjuntura econômica da Guerra Mundial, que criou condições para o fomento do ensino técnico
industrial, haja vista o aumento de produção das indústrias têxtil, de cimento, metalúrgica, entre
outras. Outros motivos são: a necessidade de pessoal com conhecimento técnico para o auxílio aos
engenheiros, a fim de aumentar a produtividade do trabalho, em função de campanhas para se evitar
desperdícios; e a formação e a regulamentação dos cursos técnicos dentro do território brasileiro, em
face da dificuldade de importação dessa mão-de-obra qualificada da Europa, em função do estado de
guerra que assolou aquele continente.
O corpo docente que ministraria os cursos aos trabalhadores, ainda estava restrito e
incipiente, conforme Cunha (1977, pp. 61-2-3), pois os cursos seriam a princípio ministrados pelos
técnicos industriais, em indústrias com mais de 500 empregados. Porém, o autor indica, ainda, como
um dos fatos para a organização do sistema do ensino técnico industrial no Brasil, conforme matéria
publicada em 1941, na revista IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho), a criação de
uma escola técnica especialmente para a formação de profissionais para serem utilizados em tarefas
docentes.
Cunha (2000), apresentando a formação do docente profissionalizante no Liceu de Artes de
Ofícios de São Paulo, deixa transparecer um certo aspecto fabril nesse fato. Nas palavras de
Monteiro Lobato citado por Severo (apud CUNHA, 2000, p. 120-131), um dos fatores de sucesso
dessa Instituição foi um “mecanismo muito especial de reprodução do pessoal docente, de modo que,
em 1917, não o diretor [...] Luiz Scattolin, como os mestres e operários [...] tinham sido antigos
alunos [...]” (grifo nosso)
Informações precisas sobre a formação docente para atender aos cursos profissionalizantes,
na esfera federal, estão nas contribuições de estudiosos do ensino profissionalizante. o se achava
necessário o enfoque na formação mais ampla para o exercício da docência profissionalizante. Ao
que me parece, o professor profissionalizante ainda está em processo de “invenção”, pois, esta
perspectiva tem por base o fato de que se aprende a ser professor na graduação, pois ocorre o
contato com as disciplinas para formação docente.
Acontece que os professores que atuam na docência profissionalizante são oriundos de
graduação tributária da concepção tecnicista, ou seja, são de áreas que possuem uma relação
conflituosa com a dimensão pedagógica da docência, importante para dar completude ao exercício
docente junto ao conhecimento específico e na prática docente.
No entanto, como a formação docente para cursos profissionalizantes trata-se ainda de um
processo, na esfera federal é oportuno salientar que a formação para a docência não deve se dar
apenas com a soma do conhecimento técnico e da prática, conforme observado. Posto isso, é
igualmente oportuno anotar o que o Decreto Federal 2.208, de 17 de novembro de 1997, no caput
do seu artigo , traz sobre a necessidade de uma formação mais abrangente nessa área específica
da docência:
As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por
professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente,
em função de sua experiência profissional, que deverão ser
preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de
cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de
formação pedagógica.
Parágrafo único. Os programas especiais de formação pedagógica a
que se refere o caput serão disciplinados em ato do Ministro de
Estado da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de
Educação. (grifo nosso)
O Manifesto dos Pioneiros de 1932 (apud CUNHA 2000, pp. 228-238) refletia nessa data
preocupações sociais e ideológicas dos teóricos da educação com a formação docente, apesar de
que, conforme o mesmo autor, ainda em uma perspectiva positivista radical. Corroborando esta idéia
pode-se entender que a educação profissional é, antes de tudo, educação (PARECER CNE/CEB
16/99), daí:
[...] a igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola, a liberdade de aprender e
ensinar, a valorização dos profissionais da educação e
os demais princípios consagrados pelo artigo 3° da LDB
devem estar contemplados na formulação e no
desenvolvimento dos projetos pedagógicos das escolas e
demais instituições da educação profissional.
O objetivo de trazer neste trabalho a citação (apud CUNHA, 2000) do Manifesto aludido não é
outro, a não ser reforçar a possibilidade preeminente de trazer à superfície discussões sobre a
formação do profissional que atua na docência, e mais especificamente, na profissionalizante:
o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura
múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida
humana e da vida social não devem estender-se além do seu raio
visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em
cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do
efêmero, o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução
social, e a posição que tem a escola , e a função que representa, na
diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra
da civilização. Se tem essa cultura geral, que lhe permite organizar
uma doutrina da vida e ampliar o seu horizonte mental, poderá ver o
problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo,
para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao
problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito
científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de
investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos
elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo
os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas
técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos
científicos na administração dos serviços escolares. (grifo nosso)
A justificativa de que a educação profissional sempre foi reservada para as classes menos
favorecidas da sociedade e, portanto, não requer profundidade de conteúdo, não se sustenta nos dias
de hoje; pede-se, hoje, um trabalhador de múltiplas competências, mais ainda, um cidadão
consciente de sua responsabilidade não só consigo ou com o seu contexto, mas com todo um
sistema globalizado de “conexões” e ‘teias” que o ligam a tudo e a todas as espécies vivas existentes
no ecossistema.
Portanto, as alterações no que diz respeito à vinculação ou não do ensino profissional ao
ensino regular, conforme comentado acima, antes a responsabilidade era com a Educação, pois ao
se tratar de uma instituição pública, a sociedade que acorre merece ir além do adestramento puro e
simplesmente, como vem muito acontecendo em outro sistema de ensino profissionalizante. Para
isso, é essencial que o professor que atua na docência profissionalizante não se limite apenas à
instrução para atender a espectativa do aluno, mas sua responsabilidade como educador é ir além,
criar expectativas que façam o aluno ao percorrer as alturas e as profundidades da vida humana e da
vida social [...] estender-se além do seu raio visual.
Em última instância, a educação hoje, seja de caráter profissionalizante ou não, exige que o
sujeito desenvolva sua capacidade de compreender e posicionar criticamente no mundo que está
inserido. Diante do mundo e economia mundializada requer uma formação sólida capaz de exercer a
cidadania plena.
1.3 O PARADIGMA POSITIVISTA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NA
PRÁTICA PEDAGÓGICA
Na esteira do Iluminismo nasce a corrente positivista, com seu principal expoente o pensador
Auguste Comte
4
(1798 - 1857), que pressupõe encontrar nas ciências todas as possibilidades de
respostas para o progresso da sociedade. O cientificismo - crença de que a ciência é a fonte de todo
conhecimento válido - passa a nortear as empresas almejadas pela sociedade ocidental. A tradição
sublinhou o lema “ver para prever” do pensamento positivista, enfatizando o desenvolvimento da
técnica para apreensão objetiva e controle dos fenômenos e domínio da Natureza.
O novo paradigma serviu de suporte teórico ao modo de produção capitalista, impondo uma
prática pedagógica excludente, visto que se considerava como suficiente o enfoque técnico dado ao
aluno em detrimento de outras disciplinas para uma formação mais abrangente; desta forma, a
prática pedagógica do professor não precisava ir além de uma prática pedagógica empírica. De
posse desse “implemento’, o aluno e futuro trabalhador “qualificado” passa a ser percebido como uma
peça importante no esquema fabril da produção.
Conforme Manfredi (2003, 16), “para ensinar, o professor necessita de conhecimentos e
práticas que ultrapassem o campo de sua especialidade”, mas daquele professor, até então, não se
exigia qualquer conhecimento além da sua prática de artífice. E do aluno esperava-se que apenas
repetisse de maneira correta o que lhe fosse repassado. Para melhor compreender essa prática
pedagógica, entendo que a importante definição de empirismo apresentado por Fernando Becker
(BECKER, 2004, p. 99), se aplica ao caso:
Consiste o empirismo numa concepção segundo a qual o
conhecimento é adquirido pelos sentidos e decalcados na mente,
concebida como tábula rasa. Epistemologicamente, caracteriza-se o
modelo empirista pela unidirecionalidade nas relações sujeito-objeto:
4
“Com idade de dezesseis anos, em 1814, Comte ingressou na Escola Politécnica [onde permaneceu como aluno
por apenas dois anos} de Paris, fato que teria significativa influência na orientação posterior de seu pensamento.
Em carta de 1842 a John Stuart Mill (1806 - 1873), Comte fala da Politécnica como a primeira comunidade
verdadeiramente científica, que deveria servir como modelo de toda educação superior. A Escola Politécnica
tinha sido fundada em 1794, como fruto da Revolução francesa e do desenvolvimento da ciência e da técnica
resultante da Revolução Industrial.” (Col. Os pensadores, 1991, VII)
é admitida como determinante a interferência do objeto sobre o
sujeito e não o contrário. O sujeito é passivo, a atividade é
propriedade do objeto; este é constituído, sob o ponto de vista
sociológico, pelo meio social que, por sua vez, subsume o meio
físico. Nas relações de ensino e aprendizagem escolares,
dificilmente as coisas acontecem com a radicalidade própria do
empirismo aqui descrito, isto é, na sua forma pura.
Essa prática pedagógica empirista - tributária do pensamento mecanicista
5
da Natureza e da
Vida -, teve, igualmente, na razão instrumental, utilidade para o sistema de produção capitalista, pois
contribuiu para a confirmação da escola como dispositivo de massificação dos alunos,
transformando-os em mão-de-obra barata e pronta para assumir o seu lugar no mecanismo fabril.
Em Chaui (2004, p. 237)
encontramos a seguinte consideração:
A razão instrumental - que os frankfurtianos, como Adorno,
Marcuse e Horkheimer, também designaram com a expressão de
razão iluminista - nasce quando o sujeito do conhecimento toma a
decisão de que conhecer é dominar e controlar a natureza e os seres
humanos. Assim, por exemplo, o filósofo Francis Bacon, no início do
século XVII, criou uma expressão para referir-se ao objeto do
conhecimento científico: “a natureza atormentada”.
Atormentar a natureza é fazê-la reagir a condições artificiais, criadas
pelo homem. [...]
O tormento da realidade aumenta com a ciência contemporânea,
uma vez que esta não se contenta em conhecer as coisas e os seres
humanos, mas os constrói artificialmente e aplica os resultados
dessa construção ao mundo físico, biológico e humano (psíquico,
social, político, histórico). Assim, por exemplo, a organização do
processo de trabalho nas indústrias apresenta-se como científica
porque é baseada em conceitos da psicologia, da sociologia, da
economia, que permitem dominar e controlar o trabalho humano em
todos os aspectos (controle sobre o corpo e o espírito dos
5
Cf. Fritjof Capra (1982, p 56): “Para Descartes, o universo material era uma máquina, nada além de uma
máquina. Não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria. A natureza funcionava de acordo com lei
mecânicas, e tudo no mundo material podia ser explicado em função da organização e do movimento de suas
partes. Esse quadro mecânico da natureza tornou-se o paradigma dominante da ciência no período que se seguiu
a Descartes. Passou a orientar a observação científica e a formulação de todas as teorias dos fenômenos naturais,
até que a física do século XX ocasionou uma mudança radical. Toda a elaboração da ciência mecanicista nos
séculos XVII, XVIII, XIX, incluindo a grande síntese de Newton, nada mais foi do que o desenvolvimento da
idéia cartesiana. Descartes deu ao pensamento científico sua estrutura geral - a concepção da natureza como
uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas.
A drástica mudança na imagem da natureza, de organismo para máquina, teve um poderoso efeito sobre a atitude
das pessoas em relação ao meio ambiente. [...]
[...] restrições culturais desapareceram quando ocorreu a mecanização da ciência. A concepção cartesiana do
universo como sistema mecânico forneceu uma sanção ‘científica’ para a manipulação e exploração da natureza
que se tornaram típicas da cultura ocidental.
De fato, o próprio Descartes compartilhava do ponto de vista de Bacon, de que o objetivo da ciência é o domínio
e controle da natureza, afirmando que o conhecimento científico podia ser usado para “nos tornarmos os
senhores e dominadores da natureza”.”
trabalhadores), a fim de que a produtividade seja a maior possível
para render lucros ao capital.” (grifos da autora)
Ao longo do processo histórico, foram
sendo incorporadas na prática
pedagógica do professor técnico, as
bases para a importância da transmissão
de conhecimentos com tendências
tecnicistas, resultando, talvez, em um
olhar pedagógico monolítico em relação à
classe, ou seja, aos alunos - todos
uniformizados, portanto iguais - passivos
a quem cabia introjetar o máximo de
soluções padronizadas para aplicar aos
problemas da realidade supostamente
imprimida pelo sistema de pensamento da
produção capitalista. O aluno não
precisava contribuir ou participar na
construção dos conhecimentos ou,
mesmo, questionar a validade do
conteúdo, pois memorizar era suficiente
para fixar em seu repositório; era,
portanto, espelho do professor, que tinha
por tarefa transmitir os conhecimentos,
abandonando a preocupação da
construção com os pesquisadores.
Alguns fatores integradores da práxis,
como a criatividade, por exemplo, vão
sendo deixados de lado.
O professor da área técnica já tinha sua autonomia bastante comprometida ou, porque não
dizer, ela foi ainda mais esvaziada de sua prática pedagógica, sendo substituída por uma prática
“engessada”, acrítica e dissociada da realidade pelo excesso de normatizações. Tal situação,
conforme Henry A. Giroux (1988, p. 159), veio a se refletir até mesmo na formação de professores de
outras áreas:
Os problemas desta abordagem são evidentes com o argumento de
John Dewey de que os programas de treinamento de professores
que enfatizam somente o conhecimento técnico prestam um
desserviço tanto à natureza do ensino quanto a seus estudantes.
Em vez de aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam a
vida e prática em sala de aula, os futuros professores aprendem
metodologias que parecem negar a própria necessidade de
pensamento crítico.
O professor da área exclusivamente técnica/tecnológica tem sua gênese como artífice;
assim, o seu aluno e, talvez, futuro professor, terá em sua prática docente reflexos do seu processo
de aprendizagem. E as ciências aplicadas fornecerão para esse profissional da educação, em uma
análise apressada, procedimentos para a realização de sua profissionalidade. Contudo, conforme
adverte Angel Pérez Gómes (NÓVOA, 1992, p. 98):
De qualquer modo, os limites e lacunas da racionalidade técnica são
mais profundos e significativos. A realidade social não se deixa
encaixar em esquemas preestabelecidos do tipo taxonómico ou
processual. A tecnologia educativa não pode continuar a lutar contra
as características, cada vez mais evidentes, dos fenómenos práticos:
complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de
valores. (grifo do autor)
Portanto, o confronto com o real parece convidar a participação de variadas armas, ou seja,
de explorar as possibilidades cognitivas teóricas e práticas do homem para ajuda-lo no desenrolar da
trama social com a realidade a que está sujeito.
O assunto trabalhado, no próximo capítulo, será a articulação entre o profissional reflexivo e o
professor reflexivo, como opção ao resgate da reflexividade.
CAPÍTULO 2
DO PROFISSIONAL REFLEXIVO AO PROFESSOR REFLEXIVO
O objetivo deste capítulo é colocar em relevo a fundamentação teórica que
baliza o presente trabalho e que possibilite melhor compreender a docência na
perspectiva da práxis reflexiva.. Parte-se, então, do pressuposto de que a educação
não objetiva unidimensionar o ser humano, mas proporcionar-lhe condições de
contribuir para o despertar para um novo éthos de uma nova sociedade, diante da
realidade hodierna, que exige mais coragem e mais razoabilidade
6
.
Compreendo, inicialmente, que a capacidade de refletir ou de pensar do
homem, em sua relação com o mundo, lhe confere a possibilidade de que o seu
próprio movimento, no tempo e no espaço, não passe, através dos seus sentidos,
sem retenção das tramas, do ambiente e de outrem. A faculdade singular e
individual de reflexão, portanto, pode conduzir o ser humano de volta para si, antes,
durante e depois de sua intervenção na realidade, sendo que esse processo pode
instigá-lo, ainda, a dialogar consigo, reconhecer a si mesmo e questionar sua ação e
os resultados dela, podendo produzir experiências e conhecimentos.
No resgate da reflexividade do agir humano não se sustenta mais um ator
autômato
7
, imposto pelo paradigma da racionalidade técnica, que na realidade não
retilínea, mas sim sobressaltada de inesperados problemas para os quais pode não
encontrar soluções parametrizadas no cabedal da experiência técnica humana, uma
6
Talvez, o termo apropriado seja o abrangente conceito grego de Phrónesís, que significa cf. Chauí (2002, p.
509): “Prudência ética, sabedoria moral, inteligência razoável ou sensatez”.
7
Cf. Abbagnano (1998, p. 97): “O que se move por si, em geral, uma coisa inanimada que se move por si ou,
mais especificamente, um trabalho mecânico que se realiza algumas das operações consideradas próprias do
animal ou do homem.” Que contrapõe a autonomia, “Termo introduzido por Kant para designar a independência
da vontade [...].
vez que tais soluções demandam refinamentos da razão ainda pouco
compreendidos e explorados, como a intuição e a inteligência tácita. Assim, a busca
pela formação do professor reflexivo passa pelo valor que a prática pedagógica pode
representar como fonte importante de superação, autoconhecimento e auto-
educação, possibilitando instigar, no educando, o hábito da pesquisa e o agir
responsável para com todos e tudo que oponha resistência e reação - imediata ou
mediata - à ação transformadora humana da realidade.
Para melhor compreender a intuição e a inteligência tácita, na perspectiva
reflexiva, recorro a Perrenoud (PERRENOUD et al., 2001, p. 170):
O habitus não se opõe aos saberes como o instinto se oporia à
razão. Ele simplesmente traduz nossa capacidade de operar “sem
saber”, em uma rotina econômica ou para fazer face às emergências
do cotidiano. Isto não significa de modo algum que operamos sem
saberes, sem representações da realidade passada, atual, virtual,
desejável, sem teorias de fenômenos com os quais somos
confrontados e que desejamos dominar. Em toda ação complexa,
mesmo em situação de urgência ou no quadro de uma rotina,
manipulamos informações, representações, conhecimentos pessoais
e saberes sociais. Em todos os ofícios, mesmo nos mais artesanais,
utilizam-se informações e conhecimentos. Por sua vez, o professor -
assim como o pesquisador, o divulgador, o jornalista, o especialista -
constantemente trata, cria, registra, compara, integra, diferencia,
comunica, analisa informações e saberes. Mas é o habitus que
governa esses tratamentos.
Neste sentido, entendo que constitui desafio desta pesquisa trazer à
superfície o aspecto central do pensamento de Donald Schön, presente em seu livro
“Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem”, assim como a contribuição do conceito de profissional reflexivo
para a docência, como aporte teórico basilar ao do professor reflexivo”, bem como
estudos atualmente elaborados sobre as possíveis alternativas para a formação de
professores em uma perspectiva reflexiva.
Por que professor reflexivo? Porque o professor é um profissional cuja prática
deve ir de encontro aos aspectos importantes da realidade para questioná-los, está
relacionada com a complexidade, imprevisibilidade, exigência de sagacidade para
criar e improvisar no seu cotidiano e, ao que parece, um exercício para o qual
concorrem outras dimensões; por exemplo, atentar-se à capacidade humana de
intuir, está presente na sua prática pedagógica no cotidiano da sala de aula. No
processo de formação - a inicial e a continuada - ao assumir essa direção, o docente
não pode negligenciar uma das características indispensáveis para sustentar o
professor em sua legítima profissionalidade, notadamente as práticas docente e
pedagógica e o domínio do conteúdo. Abordagens a serem aprofundadas.
Conforme Vázquez (1968, p. 117) essa atividade humana consciente, ou seja
a práxis é explicada pela perspectiva marxista da seguinte maneira:
Com Marx, o problema da praxis, como atitude humana
transformadora da natureza e da sociedade, passa para o primeiro
plano. A filosofia se torna consciência, fundamento teórico e seu
instrumento.
A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica; prática, na
medida em que a teoria, como guia da ão, molda a atividade do
homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na
medida em que essa relação é consciente.
Mas, de qual práxis pode-se falar? Talvez, de muitas. Porém, é oportuno
nesta pesquisa um conceito que envolva o professor, o aluno e a epistemologia
aplicada ao processo de ensinar. E o objeto ou sujeito do conhecimento? Bem,
inicialmente, o conhecimento não é propriedade do professor; porém, dirá Freire
(2003, p. 124) quanto ao objeto/sujeito
“[...] o educador refaz a sua “cognosibilidade” através da
“cognosibilidade” dos educandos. Isto é, a capacidade do educador
de conhecer o objeto refaz-se, a cada vez, através da própria
capacidade de conhecer dos alunos, do desenvolvimento de sua
crítica.”
Em se tratando da atividade educacional como forma de práxis tem
características próprias, por exemplo, a matéria-prima não tem “peso” material por
se tratar da consciência do aluno; o instrumento básico que vai agir sobre a matéria-
prima, que também não possui caráter real, é o conhecimento. Este, conforme
comenta, ainda, Maria Luisa Santos Ribeiro, quando o assunto é a educação escolar
devemo-nos reportar ao conhecimento científico socializado nessa instituição
concreta e organizacional, ou seja, não se trata de um conhecimento qualquer que
vai desvelar a racionalidade implícita da prática. O resultado ou o produto do
movimento da teoria e da prática passa por outro movimento efetivo, que é o
dialético da transformação social pela luta política impetrada pelos atores,
educadores e educandos. (RIBEIRO, 1991, pp. 37-55)
A natureza da práxis, então, voltada para a educação é teórica, e cujo
objetivo, também, é a transformação da consciência sobre a realidade para nela
intervir, contribui para exercício da intencionalidade humana, que por sua vez
possibilita intensas atividades reflexivas do educador e do educando.
O educador é importante no processo de conscientização do aluno, porque é
ele quem vai dizer e dar o testemunho de que o conhecimento não se constitui em
posse exclusiva de ninguém. O conhecimento estudado e apreendido pode ser re-
inventado, porque está imerso na crítica, na curiosidade, na vontade de decifrar o
oculto, de criar do aluno e do professor, que quando desafiados tendem a ir além,
resultando em um outro processo, o da dialogicidade de todos os que se
comprometem a compartilhar o aprendido. Por conseguinte, os sujeitos
cognocentes problematizam o mundo; e à medida em que se emancipam do
individualismo possessivo e hierarquizante, buscam resolver os problemas
coletivamente através do trabalho consciente.
É relevante a práxis na profissão do professor, porque sua ação não se limita
ao seu contexto temporal e geográfico ou a sua órbita existencial, mas o supera
quando participa efetivamente na construção do futuro de sua sociedade. Este
aspecto transformador, grosso modo, aproxima-se da atividade do artesão, que com
sua habilidade se apropria de um material disforme e sem perspectiva e o molda, ao
mesmo tempo em que é instigado a impor sua consciência sobre cada estágio do
seu trabalho e é obrigado a ceder, de certa maneira, às imposições da realidade,
que contribuem para objetivar sua criatividade.
A prática docente, como a de outras profissões, sofreu a influência do
paradigma positivista e, por conseguinte, da razão instrumental, exigindo desse
profissional o máximo de sua habilidade à reprodução, ou seja, quando maior sua
destreza em aplicar, mecanicamente, soluções previamente estabelecidas a
problemas instrumentais, maior sua inserção no elenco de especialistas bem
preparados.
Schön, entre outros, rebate a excessiva ortodoxia - em detrimento da reflexão
diante de situações problemáticas - imposta a um ambiente de trabalho que
necessita do conhecimento seguro do conteúdo, criatividade e talento que ficaram
abandonados nos porões das possibilidades humanas.
Esse engessamento teve sua gênese no positivismo, mais precisamente na
racionalidade técnica encampada pela prática pedagógica do professor, como se
esta fosse exercida em uma linha de produção fabril e seus alunos concebidos como
produtos que deveriam sair prontos e acabados.
A concepção de Francis Bacon (1561 - 1626) do terceiro estado - o positivo -
impôs, entre outros pressupostos, que no processo de um conhecimento
verdadeiramente científico deve-se buscar somente o que é objetivo, o que trouxe
prejuízos às possibilidades de contribuições pelas outras dimensões humanas na
construção de conhecimentos, como, por exemplo, a intuição e o talento
8
.
Ainda em Schön (2000, p. 15) encontramos que a “racionalidade técnica diz
que os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais,
selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos.”
Esse pressuposto tem a realidade engendrada dentro do quadrante rigoroso da
pesquisa científica nas universidades, sem considerar as forças - sociais, políticas,
ecológicas, entre outras - que influenciam os sujeitos/objetos em análise. A tradição
de se conceber soluções homogêneas para problemas familiares da realidade
trouxe, segundo Schön (2000), paulatinamente, incredibilidade e desconfiança à
aplicação de procedimentos técnicos em certas profissões, pois os profissionais
apresentavam dificuldades de transcendê-los diante das naturais imprevisibilidades,
isto é, de refletir sobre alternativas compatíveis para as situações emergentes.
Não podia ser considerada a alternativa da reflexão, pois esta feria os
cânones do paradigma positivista, que não admite, em primeiro plano, um
movimento interior do sujeito em direção às soluções dos problemas. Mas com
Schön os instrumentais teóricos aliados à reflexão ganham, portanto, outras
configurações quando considerados junto à ação - é o que ele chama de reflexão-
na-ação. Daí propor que a imersão na prática, aliada à pesquisa, devam vir desde
os primeiros contatos do aprendiz com os pressupostos teóricos oferecidos, porque
8
Cf. Blackburn (1997, 208) e Abagnano (1999, p. 938), respectivamente: “Intuição é a consciência
imediata tanto da verdade de uma dada proposição como de um objeto de apreensão, como por
exemplo um conceito...”; “Talento [provém de] sentido metafórico [...] derivado da parábola
evangélica dos T. [...] que não provém do ensino mas da aptidão natural ....”
parecem facilitar a introjeção do conhecimento à capacidade humana para um agir
inteligente/habilidoso, que começa tácito e espontâneo, tornando, por conseguinte,
as ações profissionais mais férteis no enfrentamento das situações inusitadas - tão
comuns na prática docente - é o que ele denomina conhecer-na-ação.
Na filosofia de John Dewey (1859 - 1952) - uma das fontes de Schön - é
apresentada como uma verdadeira experiência a inter-relação entre o objeto e o
sujeito com suas dimensões racional e emocional, que nesse “encontro” presente
podem subsidiar a ação futura do sujeito. Assim, no dizer de Dewey (1974, p. 247):
A experiência ocorre continuamente, porque a interação da criatura
viva com as condições que a rodeiam está implicada no próprio
processo da vida. Sob condições de resistência e conflito, aspectos
e elementos do eu e do mundo implicados nessa interação qualificam
a experiência com emoções e idéias, de maneira tal que emerge a
intenção consciente.
A contumaz crítica de Schön (2000) ao efeito da racionalidade técnica no
desempenho dos profissionais é densa no decorrer de sua obra; no entanto,
segundo ele, as regulamentações subjugam de igual forma o agir profissional
quando impõem padrões, convenções, limites e linguagens. Assim, um
desempenho talentoso vai depender de como o futuro profissional se sente, à
vontade ou não, para pensar e repensar no efetivo exercício da reflexão-na-ação,
com a finalidade de se preparar para responder ao inesperado. Schön (2000, p. 38-
9)
escreve que:
...o profissional experimenta uma surpresa que o leva a repensar seu
processo de conhecer-na-ação de modo a ir além de regras, fatos,
teorias e operações disponíveis. Ele responde àquilo que é
inesperado ou anômalo através da reestruturação de algumas de
suas estratégias de ação, teorias de fenômeno ou formas de
conceber o problema e inventa experimentos imediatos para testar
suas novas compreensões. Ele comporta-se mais como um
pesquisador tentando modelar um sistema especializado que como
um “especialista” cujo comportamento é modelado.
Na base dessa visão da reflexão-na-ação do profissional está uma
visão construcionista da realidade com a qual ele lida - uma visão
que nos leva a vê-lo construindo situações de sua prática, não
apenas no exercício do talento profissional, mas também em todos
os outros modos de competência profissional. (grifo do autor)
Na perspectiva da atividade pedagógica, a dissociação entre a teoria e a
prática contribui muito pouco para que o profissional recém-formado possa
efetivamente atuar, ou seja, parece haver mais prejuízos provocados pela distância
entre o contato com a primeira e a entrada em cena da segunda, que dentro da
visão schoniana estabeleceu que a fertilização mútua e dinâmica nesse processo
devem iniciar do mesmo ponto de partida, mirando à valorização da dimensão
subjetiva do talento e da criatividade para que se construa um profissional capaz de
responder com razoabilidade às exigências da realidade, que pode se apresentar
caótica e imprevisível. Dewey (1974, p. 248) corroborando com esta idéia diz que “a
vida não se apresenta como uma seqüência ou corrente uniforme e sem
interrupções.”
Remeto-me ao senso comum, em que a atitude espontânea melhor encontra
o seu espaço, podendo comunicar mais verdades do que se consegue articular
verbalmente, instiga-me, guardando-se as devidas proporções, a comparar com uma
reação que possibilita ter noção da capacidade de refletir em e sobre a ação e que é
muito comum diante de um inesperado tropeço, do qual se escapou - com ações e
reações - inteligentemente a um “vexame” de cair, explodir-se dizendo: Ah! Se eu
não fosse artista de circo!
9
9
De memória: Expressão bastante popular em Cuiabá/MT, e acredito em toda Baixada Cuiabana;
tem o seu significado ligado a situações embaraçosas, que exige raciocínio rápido, destreza,
sagacidade, coordenação motora, agilidade e equilíbrio corporal, para se evitar que um objeto ou a
própria pessoa caia.
Em Schön (2000, p. 31-2), encontramos também que:
Qualquer que seja a linguagem que venhamos a empregar, nossas
descrições do ato de conhecer-na-ação são sempre construções.
Elas são sempre tentativas de colocar de forma explícita e simbólica
um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea.
Nossas descrições são conjecturas que precisam ser testadas contra
observações de seus originais, dos quais, pelo menos em certo
aspecto, elas provavelmente distorcerão. Porque o processo de
conhecer-na-ação é dinâmico, e os fatos”, os procedimentos” e as
“teorias” são estáticos. (...) Pegar uma bola é uma atividade
contínua, na qual consciência, apreciação e ajuste fazem seu papel.
(...) De fato, é esse ajuste e essa expectativa seqüenciais, essas
contínuas detecção e correção de erro que nos levam, em primeiro
lugar, a chamar a atividade de “inteligente”. Conhecer sugere a
qualidade dinâmica de conhecer-na-ação, a qual, quando
descrevemos, convertemos em conhecimento-na-ação.” [grifos do
autor]
A complexidade
10
que envolve a atividade de ensinar a inclui em uma artística
e verdadeira experiência. Existem labores com fulcro em modelos ou problemas
abstratos; porém, no do professor, segundo Tardif (2003, p. 49): “os condicionantes
aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições
acabadas e que exigem improvisação e habilidade pessoal... [para] enfrentar
situações ... transitórias e variáveis”. Ou seja, o contexto, designado por Schön de
caótico, que demanda a sagacidade, a improvisação e a autonomia, é o habitual na
profissão docente.
Balizado na concepção de profissional reflexivo de Donald Schön, o professor
reflexivo vai além de uma mera e simples denominação, pois se junta a essa a ação
do tempo, do contexto, da interação com o aluno e sua história, com o
conhecimento, com o reconhecimento da sua falta de autonomia, bem como com a
10
Edgar Morin apresenta a complexidade como “[...] a sétima avenida [...] a avenida da crise de
conceitos fechados e claros (sendo que fechamento e clareza são complementares), isto é, a crise da
clareza e da separação nas explicações. Nesse caso, uma ruptura com a grande idéia cartesiana
de que a clareza e a distinção das idéias são um sinal de verdade; ou seja, que não pode haver uma
ressonância da história de sua vida na prática pedagógica. Há, ainda, a capacidade
humana para a ação e reflexão como atributos inseparáveis e indispensáveis pois o
professor deve atentar a seu contexto, a si mesmo e, ainda, analisar e descrever, no
ato ou depois, a própria ação e/ou a do outro. Subestimar essa capacidade, que a
necessidade exigiu e a evolução ofereceu, é jogar fora conquistas que contribuíram
para o ser humano responder a contextos diversos, pois correríamos riscos maiores,
haja vista que navegamos à deriva, conforme asseverou Dewey.
Marginalizados pela racionalidade técnica, a intuição, a arte e o agir
inteligente na prática são recuperados por Schön, talvez, como reação, em última
instância, ao profissional que atenta somente à sua possibilidade mecânica ou de
memorização, esquecendo-se das outras habilidades da inteligência.
Com relação aos professores, os predicados da mestria não ficaram
relegadas, mas sua função foi aos poucos se esvaziando. Tardif (2003, p. 44),
escreve que: “...os mestres assistem a uma mudança na natureza da sua mestria:
ela se desloca dos saberes para os procedimentos de transmissão dos saberes.
Desta forma, a capacidade de repetir o que outros produzem toma o lugar dos
saberes construídos, que conferiam respaldo à prática pedagógica. Assemelhando-
se a um hospedeiro do conhecimento produzido pelos pesquisadores, o professor
não encontra alternativa, a não ser esmerar-se cada vez mais nessa arte.
Os contextos cultural e social manifestados politicamente na escola
impuseram ao ambiente e à prática docente um modelo fabril, que demandou um
novo padrão na formação do professor. Segundo Tardif (2003), agora cumpre-lhe
(ao professor) o papel de execução ou de transmissão dos conhecimentos
verdade impossível de ser expressa de modo claro e nítido. Hoje em dia, vemos que as verdades
aparecem nas ambigüidades e numa aparente confusão.” (2002, p. 183)
produzidos pelos cientistas e especialistas, além de ter que assumir pensamentos
dos pesquisadores da educação que a estudam em uma perspectiva científica.
Como se não bastasse, o professor sua profissão fragmentada, com o
conseqüente aparecimento de professores especialistas, porque os seus alunos,
agora “clientes”, apresentam-se diversificados, a fim de atender ao mercado de
trabalho. Daí Tardif (2003) considerar ultrapassada a visão de educador
responsável pela formação integral deferida ao professor, passando ele a ocupar-se
apenas com a instrução dos alunos-clientes-consumidores, em face da demanda da
sociedade burguesa capitalista nascente.
A docência, aos poucos, é alterada em sua função. Contudo, ao propor uma
atenção maior às coisas que fazemos na prática e que não sabemos explicar, mas
que nos servem de parâmetros para, no futuro, agirmos de maneira eficaz, Schön
sugere, ainda, que atentemos à maneira como profissões que são tributárias das
artes - por exemplo a arquitetura - suprem e superam os obstáculos propostos pelos
sistemas das respostas certas, quando o objetivo está em lançar o das “facetas
mais humanas e criativas de nós próprios” (apud NÓVOA, 1992, p. 85).
Os estudos sobre o profissional reflexivo, portanto, deram origem aos estudos
sobre a formação do professor reflexivo. Cujo o ambiente de trabalho é formado
pela escola, a sala de aula e o momento de interação com seus pares. Devido a
essas e outras particularidades do ambiente de trabalho do professor, é que não
pode impor características de mecanismos de produção, tal qual ocorre em uma
fábrica.
Ao professor, sua profissão impõe, de forma totalmente diversa da do
operário fabril, diferenciais de possibilidades de ações e reações com origens a partir
de si ou oriundas do seu objeto de trabalho. A comparação do trabalho do professor
com o trabalho industrial permite observar a natureza das duas atividades (TARDIF,
2003, p. 124-5):
Quadro 1 - Comparação entre o trabalho industrial e o trabalho docente no que
diz respeito aos objetivos, ao objeto e ao produto do trabalho
Trabalho na Indústria com
objetos materiais
Trabalho na escola com seres
humanos.
Objetivos do
trabalho
Precisos
Operatórios e delimitados
Coerentes
A curto prazo
Ambíguos
Gerais e ambiciosos
Heterogêneos
A longo prazo
Natureza do objeto
do trabalho
Material
Seriado
Passivo
Determinado
Humano
Individual e social
Ativo e capaz de oferecer
resistências
Comporta uma parcela de
indeterminação e de
autodeterminação (Liberdade)
Simples (pode ser analisado
e reduzido aos seus
componentes funcionais)
Complexo (não pode ser
analisado nem reduzido aos
seus componentes funcionais)
Natureza e
componentes típicos
da relação do
trabalhador com o
objeto
Relação técnica com o
objeto: manipulação,
controle produção.
O trabalhador controla
diretamente o objeto
O trabalhador controla
totalmente o objeto
Relação multidimensional com o
objeto: profissional, pessoal,
intersubjetiva, jurídica,
emocional, normativa, etc.
O trabalhador precisa da
colaboração do objeto.
O trabalhador nunca pode
controlar totalmente o objeto.
Produto do trabalho O produto do trabalho é
material e pode, assim, ser
observado, medido,
avaliado.
O consumo do produto do
trabalho é totalmente
separável da atividade do
trabalhador.
Independente do
trabalhador
O produto do trabalho é
intangível e imaterial; pode
dificilmente ser observado,
medido.
O consumo do produto do
trabalho pode dificilmente ser
separado da atividade do
trabalho e do espaço de trabalho
Dependente do trabalhador
Observamos, que ao operário são oferecidas regras estanques e
determinadas que pressupõem, na perspectiva linear, a obtenção de um
determinado produto. Sua ação não sofre qualquer reação por parte deste: por
exemplo, o automóvel não reage se o operário pintá-lo de uma cor diferente da
(im)posta nem, em seguida, se “desfaz” de uma cor para possuir outra por
considerar mais bonita ou reluzente.
O professor reflexivo, a partir da concepção do profissional reflexivo, de
Schön (2000), configura-se em um arrimo para uma nova perspectiva na formação
de professores. Contudo, esta possibilidade encontra resistências em mecanismos
de controle que, algum tempo, fazem parte da paisagem da profissão docente.
Em primeiro lugar, está a perda de autonomia do professor e funcionário estatal, que
tem que cumprir as normativas elaboradas e impostas por estranhos ao cotidiano
escolar. Em segundo lugar, o descaso quanto ao efeito alienante, oriundo do fato de
o professor ter que assumir saberes como se estes fossem seus, quando na
realidade os está apenas (re)transmitindo.
No dizer de Tardif (2003, p. 35): “... o saber dos professores [...] parece
residir unicamente na competência técnica e pedagógica para transmitir saberes
elaborados por outros”. Ou seja, eles não se vêem com possibilidades de serem
pesquisadores, porque esta capacidade ao longo do tempo foi esquecida pela
ênfase dada à (re)transmissão. De acordo com Freire (2004, p. 29):
Não ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-
fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino
continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque
indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso
para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade.
A transmissão de conhecimentos, apesar de guardar a possibilidade de
ensino e a conseqüente aprendizagem, não é pedagogicamente eficiente, uma vez
que o professor define o seu gesto, mas este não é suficiente pois proporciona
somente o encontro entre o professor e o aluno, em detrimento do confronto crítico
das leituras das realidades, da teoria e do mundo.
Um profissional da educação incomodado, isto é, não satisfeito, torna-se um
desafiador. Para melhor entendimento, cito Rios (2003, p. 60) que sugere uma
perspectiva sobre o que pode contribuir para que o exercício profissional docente
alcance objetivos que possam ir além do simples arquivamento do conteúdo pelos
alunos:
A terceira demanda [...] encontra-se no interior do embate entre uma
razão instrumental e um irracionalismo. O que se requer é uma
busca de equilíbrio, procurando-se uma relação articulada de todas
as capacidades dos seres humanos na intervenção na realidade e na
relação com seus semelhantes. Trata-se, no plano da Filosofia, de
reafirmar seu sentido próprio de compreensão, que guarda uma
dimensão intelectual e afetiva, e, no plano da Didática, de retomar e
reafirmar o objetivo de uma formação que leve em conta todas as
capacidades a serem desenvolvidas nos alunos/aprendizes e que as
mobilize de maneira crítica e criadora. (grifo da autora)
À medida em que percebe e apreende com mais clareza o conceito da práxis,
o educador se na possibilidade de entender a importância de mudança de certas
perspectivas, que parecem congeladas, anacrônicas. Um exemplo desse
anacronismo é considerar como finalidade do ensino profissionalizante: “munir o
aluno de uma arte que o habilitasse a exercer uma profissão e a se manter como
artífice”
11
. Então, o que o educador tem que perceber é que não , nestes dias,
espaço para estagnação; sugerido pelo vocábulo “manter”. O que deve ser feito é,
sim, prosseguir; contudo, aperfeiçoando-se. O que é corroborado pelo conceito de
que a educação é um processo que implica em aprender, ensinar, construir e avaliar.
11
Consulte o site www.cefetmt.br
Talvez soasse melhor munir o aluno da arte de aprender para aprender, para
reprofissionalizar-se sempre que necessário, dando a ele condições para não se ver
excluído da realidade do mercado de trabalho. Desta maneira, trágico é não
oportunizar ao aluno discussões sobre os efeitos da globalização, que é perversa
em seu processo, quando resultados de seu malefício são evidentes, como, por
exemplo: desemprego e exclusão.
O saber pedagógico, ou melhor, os saberes pedagógicos são combinações
de saberes oriundos da formação profissional do professor, disciplinares,
curriculares e experienciais, constituindo esse amálgama, ao que parece, instigador
da intuição, combinações que provocam aproximação do professor com sua
responsabilidade política. (TARDIF, 2003)
É ressonante na
contemporaneidade a valorização do
caráter distintivo inerente à prática
docente; d estudiosos, como o
brasileiro Paulo Freire, abarcarem não
a formação acadêmica, mas a história de
vida e outras experiências que possam se
articular ao cotidiano profissional do
docente.
A complexidade do cotidiano
escolar propicia ao professor ou ao futuro
professor contribuições capazes de
perpassarem sua formação acadêmica e
mesmo constituírem em um laboratório
para sua formação continuada, na
perspectiva reflexiva; no entanto, essa
formação contínua tem um preço: vai
exigir do professor atitudes de
envolvimento, comprometimento e
reflexividade. Sobre esse assunto,
Perrenoud (2002, p.198) observa que:
um profissional reflexivo aceita fazer parte do problema. Ele reflete
sua própria relação com o saber, com as pessoas, com o poder, com
as instituições, com as tecnologias, com o tempo que se vai e com a
cooperação, assim como reflete sobre sua forma de superar limites
ou de tornar mais eficazes seus gestos técnicos.
Da atitude de envolvimento decorre
outra, que é a consciência da práxis. Esta
não pode ser decorrente da indiferença do
educador em relação ao aluno, ao tempo
e ao contexto, porque pesa sobre ele a
importante tarefa de mediar a teoria e a
prática com a realidade. A fonte de sua
ação está na acuidade para perceber a
realidade, ou melhor, nos incômodos que
a realidade que o envolve provoca pelas
conexões que faz, resultando em
injustiças, por exemplo.
Assim, na perspectiva dialógica,
não cabe a prática pedagógica da
repetição sem a justa provocação do
aluno, para que se veja presentificado
junto aos problemas do mundo, com
possibilidades reais para o exercício de
sua historicidade, potencial intrínseco ao
ser humano, e não como um
“componente” a mais na engrenagem da
sociedade.
Questiona-se como se processa a
prática pedagógica docente voltada para
a área técnica, ou seja, a prática dos
profissionais que possuem formação,
tributária, da racionalidade técnica e que
atuam na docência desse tipo de ensino,
mas que não deixam de ser profissionais
da educação e de quem, portanto, se
presume comprometimento não com o
treino técnico, mas também com a
formação do aluno. Este talvez venha a
ser um operário, mas será também
cidadão que, por sua vez, deve ser
comprometido com os contextos humano
e social na perspectiva dinâmica da
práxis.
Para Freire (2004a, p. 102):
É reacionária a afirmação segundo a qual o que interessa aos
operários é alcançar o máximo de sua eficácia técnica e não perder
tempo com debates “ideológicos” que a nada levam. O operário
precisa inventar, a partir do próprio trabalho, a sua cidadania que não
se constrói apenas com sua eficácia técnica mas também com sua
luta política em favor da recriação da sociedade injusta, a ceder seu
lugar a outra menos injusta e mais humana.
O comprometimento dos educadores
não é retórica de discursos inflamados e
vazios ou distantes do que clama a
sociedade hodierna, mas é justamente
uma nova cobrança feita aos
responsáveis diretos pela educação,
talvez porque o campo de atuação dos
docentes se encontre sobre o foco de um
novo olhar, pois, nele vislumbra-se a
efetiva alternativa para as mudanças na
sociedade.
Esteve (apud NÓVOA, 1995, p. 103)
recupera importante contribuição de
Faure, que situa a educação no momento
atual com responsabilidade nova:
Como assinala Faure (1973), pela primeira vez na história, a
sociedade não pede aos educadores que preparem as novas
gerações para responder às necessidades actuais, mas para fazer
frente às exigências de uma sociedade futura, que ainda não existe.
À educação e aos professores,
administradores das demandas sociais,
foi confiada a missão de expansão da
sociedade em direção ao progresso;
deste, como assinalado acima, agora para
a mutação da própria sociedade. Essa
nova demanda, requisita coragem e ao
mesmo tempo urgência, pois se trata de
trabalhar as raízes e teias estruturais da
sociedade contemporânea e, como é um
projeto confiado à educação para a
mudança, admite-se a perspectiva de um
longo período de embate, com o risco da
educação sair perdedora por conta do
imediatismo que estampa a sociedade
atual.
A educação tem no professor, de uma
forma geral, um parceiro importante na
pretensa consecução dos objetivos mais
nobres demandados pela sociedade, mas
por razões históricas ele foi impelido a
uma prática pedagógica da repetição e
excluído de importantes atribuições,
conforme anteriormente comentado.
Esse exercício de caráter técnico,
moldado no pensamento positivista,
confere, por exemplo, um olhar que
pressupõe os problemas da realidade
configurados de maneira linear e
previamente articulados às soluções, sem
guardar qualquer distância com a
realidade, ou seja, sem levar em conta a
complexidade da realidade, conforme já
comentado. Essa prática profissional
estará dentro da sala de aula em sua
prática pedagógica, ou seja, o docente
profissionalizante talvez se veja antes de
tudo como um técnico do que um
professor propriamente dito.
Schön parece inverter o
pressuposto da racionalidade técnica, no
que diz respeito ao fato de que soluções
não devem começar com o movimento
interior do sujeito em busca de soluções,
como comentado acima. Pimenta
(2002) aponta esse aspecto da
profissionalização docente quando se
refere ao movimento da prática imbricado
na capacidade humana de refletir, como a
reflexão na ação. Assim, não alcançando
em um primeiro momento o que se
deseja, pode retornar e recomeçar até
atingir o objetivo almejado. Vai
configurando-se em uma atitude de
autocrítica, o de refletir antes, durante e
depois da ação, nutrindo a experiência
que, por sua vez, abre o horizonte da
ação frente às oscilações naturais da
prática docente.
Em Pimenta (2002, p. 19)
encontramos o seguinte comentário:
Schön propõe uma formação profissional baseada numa
epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática
profissional como momento de construção de conhecimento, através
da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do
conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais
encontram em ato. Esse conhecimento na ação é o conhecimento
tácito, implícito, interiorizado, que está na ação e que, portanto, não a
precede. É mobilizado pelos profissionais no seu dia-a-dia,
configurando um hábito. No entanto, esse conhecimento não é
suficiente. Frente a situações novas que extrapolam a rotina, os
profissionais criam, constroem novas soluções, novos caminhos, o
que se dá por um processo de reflexão na ação. (grifo da autora)
A tentativa de incluir o princípio do
profissional reflexivo, proposto por Donald
Schön, às ações mais abrangentes da
educação, provoca a identificação de
lacunas com o uso, de certa maneira
indiscriminatório, do termo “reflexivo”,
conforme alerta Contreras (2002, p. 135):
Não é, como se poderia supor, que o pensamento original de Schön
tenha passado a dominar o campo pedagógico. Foi o uso do termo
que o dominou de tal maneira que hoje nos deparamos com toda
uma literatura sobre a docência que, embora se denomine reflexiva,
está longe de manter uma convergência de propostas e enfoques
para além do uso do termo.
O próprio Schön (2000, p. ix) adverte logo
no prefácio:
Digo pouco sobre a discussão em resposta aos problemas éticos da
prática em instituições burocráticas, nas quais os profissionais
passam cada vez mais tempo. No entanto, [...] preocupo-me com as
forças institucionais que restringem as liberdades pessoais,
essenciais para o exercício da perspicácia e do talento artístico. E
acredito que a educação para a prática reflexiva, ainda que não seja
uma condição suficiente para uma prática perspicaz e moral,
certamente é necessária. De outra forma, como os profissionais irão
aprender a agir com destreza, se não através da reflexão sobre
dilemas práticos que a exijam? (grifo nosso)
Esta advertência de Schön não passa
desapercebida, pois Contreras (2002, p.
139) faz o seguinte comentário sobre o
que considera lacuna:
[...] sua teoria não proporciona uma análise que ajude a compreender
em que perspectivas esta reflexão, que questiona os limites
institucionais, pode levar a uma rediscussão das concepções básicas
da análise e valorização que os profissionais possuem. Se os
processos de reflexão na ação se realizam a partir de determinados
pressupostos de compreensão e valorização das situações, estes
deveriam transformar-se, por sua vez, em objeto de reflexão.
Ainda na análise desse autor, Schön não
parece criar expectativa além da
apresentada como uma alternativa para
entender a prática profissional, que possui
caráter reflexivo, conforme citado. Daí
certos autores considerarem que sua
teoria, por focar o trabalho do profissional
em sua individualidade, não compõe,
desta forma, uma proposta de ação
transformadora extensiva à instituição,
como acontece com a do professor, que
guarda em seu interior a peculiaridade
pedagógica da práxis.
Nessa perspectiva, o repertório de
experiências conquistadas que
contribuem para que o profissional da
educação substitua com rapidez (e
tacitamente) as soluções incompatíveis
com as problemáticas emergentes não é
suficientemente satisfatória para
responder às questões que envolvem a
prática docente, no seu caráter de busca
de ideais para a transformação da
sociedade, como igualdade e justiça,
observa ainda Contreras (2002).
Então, para a consecução desta pesquisa
além de Schön (2000) como interlocutor,
trabalho com autores que inspirados no
paradigma do profissional reflexivo,
trazem contribuições para a educação, no
campo da formação (inicial e continuada)
de professores com o conceito de
professor reflexivo: Maurice Tardif
(2003, 2005), Isabel Alarcão, José
Contreras (2002), Philippe Perrenoud
(2002) e Paulo Freire (2004, 2003).
O embasamento teórico nos autores, já
citados, que têm seus estudos em
educação baseados na práxis reflexiva,
se pela complexidade que envolve o
trabalho do profissional professor. Além
disso, a complexidade que revela a
sociedade s-moderna, faz com que o
educador - comprometido ou não - sinta-
se provocado a (re)acreditar na
importância do seu papel, associando
duas possibilidades: reflexão e práxis,
proporcionadas pela capacidade de
responder aos desafios através da
transformação pelo trabalho
conscientemente realizado, próprio do ser
humano.
Considera-se, portanto, que a educação
desde sua raiz concorre como um dos
eixos incomensuráveis em importância
para a sobrevivência da espécie humana,
com o de alimentar. A primeira, oferece
possibilidades à superação da natureza
animal através do aperfeiçoamento das
dimensões da racionalidade, do
emocional e do espiritual; a segunda,
confere sustento para que uma mente
aprimorada através do exercício
intelectual encontre uma estrutura
orgânica robusta e, por conseguinte,
sadia para efetivar as respostas aos quais
foi desafiado, haja vista a necessidade de
adaptação humana aos diferentes
ambientes sociais humanos.
Libâneo (2005, p. 73) assinala que:
vínculos reais entre o ser humano que se educa e o meio natural
e social, um certo grau de adaptação às exigências desse meio.
A educação é, também, uma prática ligada à produção e reprodução
da vida social, condição para que os indivíduos se formem para a
continuidade da vida social. Nesse sentido, é inevitável que as
gerações adultas cuidem de transmitir às gerações mais novas os
conhecimentos, experiências, modos de ação que a humanidade foi
acumulando em decorrência das relações incessantes entre o
homem e o meio natural e social. Trata-se, assim, de reconhecer no
conceito de educação difundido no linguajar corrente esta idéia
balizadora: o acontecer educativo correspondente à ação e ao
resultado de um processo de formação dos sujeitos ao longo das
idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem capacidades e
qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por
determinado contexto social. (grifo nosso)
uma relação intrínseca entre a
sociedade e a educação, uma vez que o
processo educativo conduz a sociedade
moderna, através da sistematização dos
conhecimentos acumulados, cada vez
mais para um processo de complexidade
nas relações sociais, fazendo com que a
educação e a atividade docente também
se tornem, ao mesmo tempo, mais
complexas.
O trabalho do professor sugere,
efetivamente, uma atividade voltada para
uma atividade prática, observando que
em última análise a prática educativa está
sublinhada como atividade humana e
social, denotando um movimento
produtivo de cultura, entre outras
manifestações humanas.
O educador é também fruto do seu
contexto espacial e temporal: portanto,
não se pode admitir neutralidade naquilo
que fala e faz. Para Freire, “[...]
impossivelmente neutra, a prática
educativa coloca ao educador o
imperativo de decidir, portanto, de romper
e de optar, tarefas de sujeito participante
e o de objeto manipulado.” (2001, p.
69)
O pensamento de Paulo Freire apresenta
apenas uma possibilidade para o
educador, que é a de sempre se
posicionar ou contra ou a favor e não ora
contra e ora a favor e, vai além, ao
rechaçar qualquer oferta individual de não
assunção, através de uma pseudo
neutralidade, pois, para ele: “É o uso da
liberdade que nos leva à necessidade de
optar e esta à impossibilidade de ser
neutros.” (FREIRE, 2001, p. 69)
Dando complementação a este assunto,
na próxima unidade busco estudar alguns
desdobramentos desta possibilidade
humana, como a sua capacidade de
aprender, ensinar e fazer.
2.1. O HOMEM APRENDE,
FAZ E ENSINA. ENSINA,
APRENDE E FAZ ...
A espécie humana, ao se confrontar com
a adversidade do mundo, fez emergir,
entre outras necessidades, a de
sobrevivência. Até então, os seus
programas instintivos guardavam a
possibilidade de começar a epopéia da
espécie - a única capaz de se olhar e
reconhecer a si própria. Assim, como as
outras espécies, os seus primeiros
impulsos pela sobrevivência consideraram
que ensinando o saber que haviam
acumulado para as futuras gerações,
podiam também garantir a perpetuação.
Todas as outras espécies vivas, ao que
parece, de alguma forma preservaram o
instinto de transmissão do seu saber,
ensinando-o aos seus descendentes
direta ou indiretamente impresso no seu
patrimônio genético.
Na espécie humana, a razão surge por
força da evolução do cérebro humano,
fazendo com que, inicialmente, o homem
volte sua atenção para decifrar e ordenar
o mundo em que vivia, depois para si
próprio. Ele passa, a partir de então, a
considerar como explicável tudo o que
advém do mundo e do seu próprio esforço
para sobreviver. O ser humano muda o
foco para a ainda relativa autonomia
proporcionada pela sua inteligência e é
quase abandonado pelo seu
automatismo, chegando mesmo a perder
a prevalência de alguns dos seus
instintos, mas o de sobrevivência encontra
outros dispositivos para impulsionar-lhe à
preservação, cada vez mais refinados.
Büttner (1999, p. 21) faz a seguinte
observação sobre isso:
Este potencial humano que permite e obriga a construção do
conhecimento, pela individual liberdade na convivência com o
mundo, e com isso a possibilidade de erro e culpa, tirou-nos do
paraíso da segurança e da concordância automática com a natureza.
E ainda, a contribuição da característica
gregária, ou seja, de viver junto de outros
da mesma espécie, possibilitou ao homem
construir culturas. Esta característica é
fruto da independência conquistada ao
longo de milênios, em relação às
determinações naturais impostas pelos
instintos.
A inteligência proporcionou ao homem
uma singularidade para responder aos
desafios de maneira única e sem
precedente, entre outras espécies.
Porém, a liberdade para ser gerente das
soluções racionais para as suas
necessidades parece criar alguns
embaraços que o além da
compreensão, quando se manifestam
certos atos humanos instintivos,
requintados pela própria razão, para
sobrepujar material e psicologicamente o
outro ser humano.
Passamos a depender da nossa
inteligência. A natureza rompeu o cordão
umbilical através do desenvolvimento do
telencéfalo, para Büttner (1999, p. 20):
“Com isso, sua dimensão de ação se
amplia por um campo de possibilidades
abertas e livres para o comportamento.”
A educação
12
, paulatinamente, ao longo
dos tempos ganha o status de principal
dispositivo cultural para a transmissão das
experiências; molda o ser humano, com
todas as suas dimensões espiritual, ética,
política, social e recentemente recupera a
relação orgânica com a natureza;
advinda de peculiaridades culturais, que
guardam certa singularidade em cada
grupo de indivíduos. Jaeger (2001, p. 03)
aponta, com muita distinção, a relação
entre a educação e a perpetuação da
espécie para um determinado grupo:
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se
naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por
meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua
peculiaridade física e espiritual. Com a mudança das coisas, mudam
12
Cf. Dic. Houaiss: “ETIM lat. Educatio, õnis ‘ação de criar, de nutrir; cultura, cultivo’.” p. 1101
os indivíduos; o tipo permanece o mesmo. Homens e animais, na
sua qualidade de seres vivos físicos, consolidam a sua espécie pela
procriação natural. Só o Homem, porém, consegue conservar e
propagar a sua forma de existência social e espiritual por meio das
formas pelas quais a criou, quer dizer, por meio da vontade
consciente e da razão.
A educação, porém, não fica estanque em
suas raízes históricas e adquire uma
dinâmica interna própria, podendo, ao que
parece, atingir dimensões que contribuem
para algo que se caracterize por uma
mutação, conforme assevera também
Jaeger (2001, p. 03): “Uma educação
consciente pode até mudar a natureza
física do Homem e suas qualidades,
elevando-lhe a capacidade a um nível
superior.”
Büttner corrobora esta idéia: mais do que
a Seleção Natural, a Seleção Cultural,
através dos meios de aprendizagem, foi a
verdadeira propiciadora da manutenção
da espécie nas diferentes regiões do
planeta
13
. A capacidade humana de
aprender com as experiências e repassá-
las para que as futuras gerações possam
fazer mais e melhor denota o quanto
educar foi, é e será importante não
13
Sobre este assunto, consultar Büttner, em “Mutação no Educar”, p. 28-9.
para a sobrevivência da espécie, como
efetivamente para o aperfeiçoamento de
suas construções culturais.
Educar envolve muito mais do que
apenas a intenção de transmitir algo para
conservá-lo ao longo do tempo, faz parte
do processo de crescimento do espírito
humano e da sua sobrevivência. Para
facilitar o entendimento, recorro à
metáfora da espiral - figura geométrica
crescente, cujo prolongamento não
termina no mesmo ponto em que
começou, mas se afasta do seu centro,
num nível superior - para contribuir com a
compreensão do movimento aprender,
ensinar, aprender. Assim, educar(-se) é
um processo que acompanha o ser
humano durante toda história da sua vida.
À medida em que os sentidos se
desenvolvem e oferecem as condições
para o homem experimentar o mundo e
para a razão interpretá-lo, o sujeito
cognoscente, paulatinamente, apreende-o
ou é alimentado, a princípio pelo que o
impressiona e interessa. Esse sujeito, ao
fazer parte de um mundo já dado, esforça-
se, pela sua inteligência, para
compreender e adaptar-se e, se for do
seu desejo, modificá-lo, tornando,
portanto, a influência do ambiente sobre o
homem fomentadora da emergência de
ações e reações.
O conhecimento e a prática de ensinar
aquilo que se sabe sobre determinado
contexto parece ser a raiz constituinte da
educação e o fomentador da
potencialidade humana. Parece
importante, a meu ver, apresentar no
decorrer deste trabalho os conceitos de
educação e de instrução, porque o
primeiro é constituinte dos alicerces da
cultura humana, e o segundo não
ultrapassa, muitas vezes, a assimilação
de certos aspectos refinados de
determinado procedimento.
A educação, como referido, permeia a
vida humana, contribuindo para o
desenvolvimento, entre outras coisas, das
dimensões sociais, políticas e espirituais
do homem, ou seja, a sua pretensão não
fica restrita a instituições supostamente
erigidas para esse fim, pois ela, como
processo, deve estar presente nas
construções humanas. Ou seja, quando
nos referimos à educação podemos, pela
perspectiva cultural, seguir a afirmação de
Libâneo
14
(2001, p. 22):
Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de
desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formação
de qualidades humanas - físicas, morais, intelectuais, estéticas -
tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com
o meio social, num determinado contexto de relações sociais. (grifo
do autor)
Em nossos dias, quando mencionamos,
corriqueiramente, uma pessoa educada,
imediatamente nos salta um ideal de
homem: honesto, inteligente, polido. Essa
idealização tem na educação a maneira
mais segura de ser atingida. Porém, os
conhecimentos, para se chegar a esse
patamar idealizado de pessoa, não
podem ser restritos, mas igualmente
amplos como o próprio conceito ao qual
nos induz o da educação. Talvez por isso
se perceba certa dificuldade para
estabelecer regras ou caminhos únicos e
seguros para atingi-lo, porque em si estão
14
LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 2001, p. 22.
a complexidade e a multiplicidade das
culturas.
Quando o conhecer objetiva o instruir, não
deve ser tratado como se estivesse à
margem do processo, mas como outro
componente da educação, que contribui
na formação da pessoa. Outra vez,
recorro às palavras de Libâneo (2001, 23)
para entender o conceito de instrução e
de ensino:
A instrução se refere à formação intelectual, formação e
desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o domínio
de certo nível de conhecimentos sistematizados. O ensino
corresponde a ações, meios e condições para realização da
instrução; contém, pois, a instrução.
Então, parece existir uma relação direta
entre educar, instruir e ensinar. Ainda em
Libâneo (2001, p. 23) encontramos, com
bastante propriedade, uma consideração
acerca da subordinação que prende o
ensino à instrução e esta à educação;
porém, o próprio autor afirma que
conhecer algo não significa pôr esse
conhecimento em prática, assim como
conhecer princípios e normas de conduta
não significa ter atitudes que denotem o
ideal que se espera através da educação:
Há, pois, uma unidade entre educação e instrução, embora sejam
processos diferentes; pode-se instruir sem educar, e educar sem
instruir; conhecer os conteúdos de uma matéria, conhecer os
princípios morais e normas de conduta não leva necessariamente a
praticá-los, isto é, transformá-los em convicções e atitudes efetivas
frente aos problemas e desafios da realidade.
Neste sentido, compreendo com Büttner
(1999, p. 26) que o homem é condenado
a ser eterno aprendiz: homo dicens,
educabilis et educandus”, acrescentando
sugestiva idéia de que o homem não pode
ser verdadeiramente humano sem reunir
em si condições humanas cada vez mais
refinadas, proporcionadas pela educação
formal e informal para um agir ético.
Como abordado, o ser humano busca o aperfeiçoamento de si e de suas
construções através da educação. A cultura humana é também complexa, como é o
próprio ser humano que a engendrou e constituiu. A espécie humana, não pelo
seu caráter gregário, mas também pela capacidade universal de articular símbolos e
conceitos para se fazer entender, formou sociedades que têm o idioma como uma
das características comuns; contudo não fê-la única, pela própria especificidade dos
ambientes que as rodeiam.
A criação de distintos contextos representa mais um dos desafios enfrentados
pelo ser humano ao longo da trajetória evolutiva. Os diferentes contextos não
resultantes de também diferentes ambientes a princípio hostis, os quais o homem
teve de enfrentar para vencer o adverso natural e aos quais se adaptou fixando-se e
mudando seus hábitos, constituíram culturas diversas e adversas pela elaboração de
artifícios para se manter presentificado.
O ser que se encontra com o mundo é o homem, pois ele o reconhece, o
distingue e se “marca” nele com seu trabalho que é um fenômeno humano por
excelência, pois envolve sua capacidade de lançar-se à frente no tempo e no
espaço, ou seja, objetivar intencionalmente sua vontade e sua ação transformadora
para, uma vez mais, garantir sua sobrevivência.
O advento do pensamento racional, de acordo com a filosofia, surge entre os
gregos nos séc. VII e VI antes da era cristã. Porém, sem pretender ser enfadonho,
considero importante situar, com nitidez, que houve um período deveras longo até se
consolidar o aparecimento das representações rústicas da natureza e dos animais,
da escrita e das cidades, ou seja, para que os primeiros indícios das atividades
propriamente humanas aparecessem.
A partir da capacidade de registrar fatos e feitos, mesmo que inicialmente de
maneira mítica, o processo da evolução humana pôde organizar e representar
objetivos práticos através da teoria (theoría). Conforme Chauí (2002, p. 512) é a:
[...] ação de ver, observar, examinar para conhecer; contemplação
do espírito, meditação, estudo; especulação intelectual por oposição
à prática. [...] A seguir, passa a significar os que contemplam com os
olhos da inteligência ou do espírito e, portanto, que examinam idéias,
conceitos, essências, com o significado de raciocinar, pensar,
demonstrar, julgar, meditar e refletir.
O período de milhões de anos de atividade humana da qual não registros
representou para os seres humanos um período notadamente de atividades
instintivas. Em contraposição, apenas vinte e quatro séculos, aproximadamente,
o patrimônio humano começa a ser conduzido à luz da razão, mesmo com
equívocos aqui e ali. O c. XIX representa com mais clareza a vinculação entre a
teoria e a prática, mas já na qualidade de conceitos independentes e constituintes da
práxis e como categoria central do pensamento de Marx (1818 - 1883), consolidando
mais um passo na compreensão e no discernimento das possibilidades humanas.
No século XX ocorre vertiginoso movimento no processo de alteração na
paisagem humanizada e a união entre técnica e ciência se torna característica
dominante do trabalho intelectual humano. Fruto desse processo, nestes dias,
parece existir defasagem entre as mudanças e a percepção das mesmas,
principalmente por parte do contingente humano que se convencionou denominar de
excluídos em relação às tecnologias.
Daí uma cobrança da educação e do professor para, em sua prática docente,
fazer uso de abordagens pedagógicas críticas e históricas, a fim de situar os alunos
e futuros cidadãos não como agentes e reprodutores da realidade, mas e
principalmente contribuir para que se reconheçam possuidores de autonomia e
criticidade, elementos transformadores do real.
O profissional da educação é obrigado a
percorrer sem distinção e ao mesmo
tempo vários caminhos metodológicos.
Isso é possível? Ao que parece sim, pois
ele o faz e não é de hoje. Em sua
profissionalidade, percorre os caminhos
do aprender, ensinar e fazer.
É mais usual “dar aula”; porém, esse
conceito não atende mais à moderna
concepção da profissionalidade docente.
Ao dar ou doar uma coisa ou, no caso
aula, fecha a porta para qualquer
possibilidade de inter-ação. Por isso, o
caminho que se sugere na atualidade, é o
de “fazer aula”, pois o ato de fazer algo
encerra uma proposta coletiva de ação ou
uma inter-ação e guarda em seu interior a
possibilidade de abrigar professor e
alunos em um mesmo projeto de
construção de conhecimento, bem como
discutir quais suas conseqüências para o
mundo, para a vida.
Por que começar a modernizar a
educação justamente pelo “fazer aula”?
Porque é a instância maior da
efetivação do encontro das práticas
docentes de ensinar e aprender, através
da mais acabada forma de interação
humana: a comunicação, não se
constituindo esta em uma comunicação
qualquer, pois é realizada no ambiente
“sala de aula” da escola, onde todos estão
(ou pelo menos deveriam!) presentes com
a finalidade precípua de estudar. Esta
experiência, que se na sala de aula,
entre professor e aluno, tempo e espaço
dos aprendentes que se olham e se
analisam, possibilita explorar questões
agudas que se situam entre a teoria e o
mundo da vida, ao ir além da
comunicação puramente verbal.
Além disso, com a possibilidade do
aspecto coletivo de fazer aula o
conhecimento não fica estanque à escola.
E isso é importante na atualidade, pois se
fala da perspectiva de um cidadão do
mundo, que guarda a responsabilidade de
fazer, mas fazer com cuidado, que inclui o
uso dos recursos de múltiplos saberes
que demandam a profissão docente em
sua aventura de conhecer, entre outros os
da filosofia e da didática (RIOS, 2003, p.
27).
Portanto, diante da realidade capitalista do mundo globalizado, o
professor se refém das ideologias sociais “salvadoras”, no seu
contexto de trabalho. E cada vez mais é levado a assumir na
profissão docente características de contornos estranhos e de outras
áreas. Somente com a consciência das características próprias da
profissão docente poderá o professor adquirir autonomia, que
contribuirá para discernir em sua prática os interesses estranhos a
ela.
O fato real é que necessidade de continuarmos, aprendendo, ensinando e
acumulando experiências, oferecendo às futuras gerações oportunidades de
conhecer e analisar histórica e ideologicamente o passado e as tramas sociais do
processo civilizatório; portanto, com virtuais possibilidades de que as gerações
futuras trabalhem o mundo humanizado percebendo a conexão entre a própria
reflexão e ação.
No próximo capítulo, a discussão dar-se-á em torno das iniciativas humanas
que estabeleceram um novo contexto que guarda no seu núcleo razões políticas e
sociais e as impõe à escola e ao professor, sendo um dos pontos principais que o
aluno “retorne” à sociedade como mão-de-obra apta a integrar as fileiras que
impulsionam o progresso.
CAPÍTULO 3
A REFLEXIVIDADE E A PRÁTICA
PEDAGÓGICA
O objetivo neste capítulo é buscar
compreender a formação inicial e
continuada do professor que atua na
educação profissionalizante e o aporte à
luz de um novo conceito de formação
pedagógica e profissional: a prática
reflexiva. Este professor, longe de
recuperar o tempo perdido imposto por
uma prática pedagógica excludente e
pautada no pensamento positivista,
cumpre o papel de resgatar o que está ao
alcance dos profissionais da educação, ou
seja, utilizar como fonte de pesquisa a sua
prática pedagógica, o seu cotidiano e
ambiente escolar.
As contribuições de Schön no
aspecto de proporcionar ao profissional
explorar reflexivamente sua prática; e,
Freire com sua visão epistemológica mais
abrangente da educação, compõem este
texto. Porém, as razões de buscar o
pensamento desses dois estudiosos, não
passa pela idéia de confronto e muito
menos de colocar em relevo um em
detrimento do outro, mas, utilizar como
suporte teórico os seus pensamentos
convergentes no que tange ao ensino
profissional. Ao primeiro, uma maneira de
ampliar através da experiência a
possibilidade de ação individual diante do
inusitado; ao segundo, uma oportunidade
que solidificou e aprofundou a concepção
política emancipadora como ação
essencial de um educador.
Donald Schön, em seu estudos,
não esconde as limitações concernente
ao alcance institucional da sua proposta,
não obstante a tenha como necessária. A
partir da perspectiva por ele apresentada
pode-se - como ponto de chegada - dar
uma dimensão de completude ao inserir a
preocupação política e social da
educação à proposta inclusiva dos
estudos epistemológicos de P. FREIRE,
por exemplo.
P. FREIRE, inclui na epistemologia
da prática educativa de sua proposta o
contexto ao qual cada grupo social está
inserido. Objetiva despertar no aluno o
reconhecimento de sua inserção social e
política no meio em que vive,
desmistificando a ideologia de uma
passividade telúrica ao qual nada se pode
ou se deve implementar a partir de seus
sonhos e esperanças. Através do
diálogo, faz emergir e valoriza o saber que
o sujeito conquistou no cotidiano,
individual ou coletivamente, que
rechaçado pelo cientificismo se esconde.
Toca-me, particularmente, a
capacidade de P. FREIRE para extrair
bonitezas e riquezas culturais do
“tempero brasileiro, desconstruindo o
peso dos mitos da hegemonia dos
saberes de outras culturas em confronto
com o “exotismo” plantado aqui.
Este, tem por objetivo discutir o
conceito do prática reflexiva como
contraponto à influência da racionalidade
técnica e posta como opção curricular à
formação inicial e continuada do
educador, se origina nos estudos
realizados por Donald A. Schön. Inserida
como composição da graduação, a prática
reflexiva guardaria em seu interior a teoria
e a prática como abordagens comuns a
um mesmo ponto de partida, contribuindo
para que o labor docente possa responder
às emergências - densas no cotidiano
docente - que teimam em lograr as rotinas
parametrizadas nos moldes estabelecidos
pela racionalidade técnica, a qual diz que
para cada solução aprendida haverá um
problema correspondente.
Imaginemos somente a estrutura física da
escola em contraste com as crianças
correndo, professores e jovens em
diálogo. Estes, certamente, oferecem à
escola, vida, problemas, soluções e
utopias! Portanto, a essência da escola é
constituída pelo seu mosaico humano e
com suas muitas dimensões; nesse está
a gênese de uma sociedade dialógica
15
,
cooperativa e solidária, pois é apelo
15
Cf. Büttner (1999, p. 85-6): “O que, de verdade, faz dum diálogo qualquer um autêntico, Buber especifica
com dois
movimentos básicos principais
, caracterizados como ação essencial do homem em torno do qual se
constrói uma atitude essencial.
O primeiro, o dialógico, consiste no voltar-se-para-o-outro, no qual se usa o corpo como também a alma na
tentativa de apreender a totalidade do outro.
O segundo, o monólogico, designa o dobrar-se-em-si-mesmo, o que não deve ser confundido com o desviar-se-
do-outro, mas
Retrair do homem diante da aceitação, na essência do seu ser, de uma outra pessoa na sua singularidade,
singularidade que não pode absolutamente ser inscrita no círculo do próprio ser e que, contudo, toca e
emociona substancialmente a nossa alma, ainda que de forma alguma se lhe torne imanente.” (grifos do autor)
global a demanda por profissionais
reflexivos e cidadãos críticos e razoáveis.
Isabel Alarcão (2001, p. 17) corrobora
esse pensamento, quando diz:
No entanto, se a escola é um edifício, ela não é um edifício. É
também um contexto e deve ser, primeiro que tudo, um contexto de
trabalho. Trabalho para o aluno. Trabalho para o professor. Para o
aluno, o trabalho é a aprendizagem em suas várias dimensões. Para
o professor, é a educação na multiplicidade de suas funções. Não se
aprende sem esforço, e as crianças e os jovens precisam aprender a
se esforçar, a trabalhar, a investir no estudo, na aprendizagem, na
compreensão. Esforçar-se não deve equivaler a desprazer, mas
tampouco pode traduzir em metodologias de papinha feita,
castradoras do desenvolvimento das potencialidades escondidas em
cada um.
Contudo, neste estudo não pretendo
discorrer preconceituosamente acerca do
fazer prático, pois, talvez, em um
apressado exercício de imaginação,
considero a possibilidade de que o fazer,
por vir antes da consciência deste, foi tão
ou mais importante para a evolução e
sobrevivência da espécie humana quanto
o advento da racionalidade. E, também,
no fato de que o ser humano convive com
a racionalidade apenas dois mil e
setecentos anos, aproximadamente,
enquanto que para a emergência da
razão o caminho evolutivo foi de algumas
eras.
A capacidade de refletir (ou de pensar)
humana possibilitou condições cada vez
mais refinadas de como utilizar os
sentidos, os seus membros e,
principalmente, aproveitar as experiências
acumuladas no decorrer do seu percurso
evolutivo, ou seja, o fazer ganha outras
configurações quando o pensar dobra-se
sobre ele. Nessa perspectiva, fez-se (e
ainda se faz) e pensou-se sobre o feito
para refiná-lo.
As questões mais complexas da parceria
teoria e prática, ao que parece, ficam
diluídas quando o sujeito da ação mantém
contato desde o início da graduação com
as duas dimensões, possibilitando superar
as resistências adquiridas com enfoque
na ascendência de um sobre o outro
conceito. Essa dicotomia compromete a
ação do sujeito, impedindo-o muitas vezes
de trazer para o mundo objetivo enfoques
teóricos que possam fertilizar a prática ou
tornar o seu olhar profissional afunilado,
pendendo para uma ou outra
conceituação.
Recuando muito tempo no tempo, porque
o que existe no presente é fruto do
esforço da evolução natural e do trabalho
humano ocorrido no passado. Büttner
(1999, p. 152), com uma vista na
antropologia filosófica e outra na
educação, anota esta bela paisagem da
evolução humana:
Um dia, milhares de anos atrás, uma espécie de animal, com
aparência de homem, desobedeceu aos programas de instintos do
seu diencéfalo. Este, em todas as espécies, tem respostas
prontas, inalteráveis, repetitivas e seguras para cada provocação da
vida. A fome, a ameaça inimiga e a reprodução, por exemplo, são
atendidas sempre pela mesma ação mecânica, automática e
estereotipada, mas segura e eficiente.
[...] não atendeu mais aos imperativos inalteráveis do seu diencéfalo.
Isso foi um ato rebelde, na dimensão da natureza existente até esta
hora. Tornou-se pensador e criador com autonomia [...] Sendo
curioso e podendo espantar-se e admirar-se diante de sua realidade
circundante, tornou-se capaz de questionar e desvendar o misterioso
e o desconhecido, conseguindo inventar, a ponto de pensar o
impossível, sabendo comunicar-se e dialogar, em suma, podendo
desenvolver muitas habilidades que os outros animais não possuem.
(grifos do autor)
A capacidade humana de refletir,
ou seja, a possibilidade do homem de
dobrar-se sobre si mesmo, faz com que
este tenha “uma função totalmente
diferente daquela na visão mecanicista: o
homem é resultado e intérprete do
acontecer”, afirma, ainda, Büttner (1999,
p. 158); permito-me acrescentar que ele
também faz acontecer. O que está de
pleno acordo com as palavras de Alarcão
(2003, p. 41) sobre a “capacidade de
pensamento e reflexão que caracteriza o
ser humano como criativo e não como
reprodutor de idéias e práticas que lhe
são exteriores”.
Alarcão faz dessa prerrogativa
humana o télos da prática reflexiva pelo
profissional da educação. Observa,
ainda, que é “central, nesta
conceptualização, a noção do profissional
como uma pessoa que, nas situações
profissionais, tantas vezes incertas e
imprevistas, actua de forma inteligente e
flexível, situada e reactiva.” (2003, p. 41)
Vejo-me, assim, capaz para
escrever digitando sem olhar no teclado
do meu computador; enquanto isso,
reflito sobre o que escrevo, para não
perder o norte do trabalho; pensamentos
que se referem a este instante, ao dia
anterior, ao passado e às expectativas
futuras imiscuem-se na minha mente,
constituindo um movimento tempestuoso
de idéias paralelas e simultâneas;
enquanto isso, o habitus da digitação faz
com que cada um dos meus dedos
encontre a sua respectiva letra na tecla.
Não me perco. Resumindo (por
enquanto, alcanço até aqui), é um
trabalho de tamanha complexidade que,
se a razão me permitisse adentrar para
conhecer os labirintos dessa possibilidade
humana, talvez, o me sobrasse tempo
para mais nada, em toda a vida.
Em que pese o ato de aprender,
Alarcão (2003, p. 45) afirma que este
possui possibilidades que superam em
muito o ato de ensinar, isto é, quando as
capacidades humana de criar, agir, intervir
e improvisar contribui para a introspecção
de conhecimentos e habilidades, no
momento requisitado, a inteligência tácita
pode criar conexões para constituir uma
ação razoável e inteligente, fazendo, por
assim dizer, interface com o imprevisto.
O docente, como referido, é
parte dos acontecimentos do seu dia-a-
dia. Acontecimentos que envolvem
situações do social e político, bem como
aqueles que abarcam as conversas com o
aluno e consigo são trazidos à baila, não
somente para debater sobre eles, mas
com a perspectiva de intervir. Situações
da prática pedagógica que exigem
imediata reflexão sobre cada tema, texto
ou assunto proposto, quando os alunos
solicitam que os mesmos se estendam
para outras áreas da vida, pedem que o
professor assuma com um diálogo aberto
e sincero as suas lacunas.
Portanto, as interações professor e
aluno, ensino e aprendizagem, não se
fazem possíveis sem a mediação do
diálogo, que busque “atingir um nível
explicativo e crítico que permita aos
profissionais do ensino agir e falar com o
poder da razão”, afirma Alarcão (2003,
46). Para atingir esse patamar, a
formação inicial deve proporcionar à
prática do futuro professor “uma postura
[...] base de uma análise metódica,
regular, instrumentalizada, serena e
causadora de efeitos”; essas disposições
são “[...] adquiridas por meio de um
treinamento intensivo e deliberado”,
completa Perrenoud ( 2002, p. 46).
Provavelmente, a chave para
muitas questões que envolvem quem já
está na prática docente esteja no verbo
“deliberar”, pois não há superação de uma
prática arcaica sem reflexão e uma firme
decisão, que diz respeito a sua
profissionalidade. O que pode ocorrer,
segundo Perrenoud (2002, p. 49), para
responder à demanda do profissional da
educação que busca a formação
contínua, seria compensar a
superficialidade da formação profissional,
porque
Sem pretender afirmar que formação acadêmica dos professores é
ideal, temos de reconhecer que ela é inferior à sua formação
didático-pedagógica. O desequilíbrio é grande no ensino médio e
maior ainda no superior, já que uma parte dos professores ocupa sua
função sem ter nenhuma formação didática.
A complexidade do trabalho
docente permite um leque de
considerações. Desta forma, com um
olhar mais próximo - do sujeito que olha -
identifico uma esfera mais exterior ao
trabalho docente, que é a prática. Esta,
hipoteticamente, afirma Perrenoud (2002,
p. 50), não vai além do ponto de equilíbrio
e de funcionamento econômico para fazer
com que o professor ligue o piloto
automático, ou seja, não busca superar o
recorrente sentido utilitarista desse
conceito.
Isto abarcado pelas palavras de
Vázquez (1968, p. 14) faz transportar a
compreensão sobre essa temática para
um outro patamar:
Para a consciência comum a vida é “prática”, não no sentido que
Marx confere a essa expressão, mas no do prático-utilitarista. Por
outro lado, longe de reconhecer essa dimensão limitada da
concepção, a vê dotada de um poder auto-suficiente, como uma
atividade que abre caminho por si mesma sem necessidade de
apoios estranhos. Não exige, em seu modo de ver, uma atividade
teórica que, em conjugação com ela, lhe desembarace o caminho. O
homem “prático”, cuja imagem tem diante de si a consciência
comum, vive num mundo de necessidades, objeto e atos “práticos”
que se impõe por si mesmo como algo perfeitamente natural, e ao
qual não é possível subtrair-se a menos que se queira tropeçar como
tropeçam a cada instante os teóricos, particularmente os filósofos.
No entanto, a prática docente,
como aludido, ao se constituir em uma
complexa atividade permite, por isso,
ações que não ultrapassem às instâncias
mais superficiais de comprometimento,
distantes de fatores sociais e políticos. E
mais, comprometer-se superficialmente,
de uma certa maneira, “descola” o
profissional de sua profissionalidade.
Freire (1994, pp. 15-26) faz da frase “o
compromisso do profissional com a
sociedade” uma ação concreta do
profissional ao assumir a frase como se
fosse uma só, por inteira, pois, faltando
uma das palavras, o conceito
compromisso que se encerra ficaria
comprometido, ou seja, conduz para outro
extremo semântico: prejudicado.
Comprometer-se como profissional
da educação parece ser um exercício
continuado sobre sua prática pedagógica,
elaborando e aprofundando
questionamentos sobre a autenticidade de
sua posição como ator e a consonância
do seu discurso que legitima sua ação.
Freire (1994, p. 20-1) faz a seguinte
consideração sobre este assunto:
Não devo julgar-me, como profissional, “habitante” de um mundo
estranho; mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais,
donos da verdade, proprietários do saber, que devem ser doados aos
“ignorantes e incapazes”. Habitantes de um gueto, de onde saio
messianicamente para salvar os “perdidos”, que estão fora. Se
procedo assim, não me comprometo verdadeiramente como
profissional nem como homem. Simplesmente me alieno.
Para Freire (1994, p. 21), quem se
compromete verdadeiramente, o pode
possuir uma consciência ingênua da
realidade e dos homens, e, ainda, não
cabe uma visão da realidade estática,
imutável, fragmentada e nem se inteirar
dela sem criticidade. Assim, discernindo
criticamente do seu contexto o que
pertence as outras culturas, que vivem em
outro espaço e tempo histórico, cuja
influência não pode passar desapercebida
por quem se compromete com a
educação.
Além disso, o professor e
profissional da educação deve denunciar
as sutilezas utilizadas para sustentar a
influência cultural, que pode resultar em
alienação. Daí Freire (1994, p. 25) expor
que um terreno acrítico é fértil de atitudes
descompromissadas, porque alienantes
essas “[...] manifestações [...] explicam a
inibição da criatividade [...] produz uma
timidez, uma insegurança, um medo de
correr o risco da aventura de criar, sem o
qual não há criação”.
É necessário imergir nas esferas
mais centrais e delicadas, onde se
encontram as dimensões que sustentam a
profissionalidade docente, que Contreras
(2002, pp. 71-85) define como “obrigação
moral”, “compromisso com a comunidade”
e a “competência profissional”, e que
segundo esse mesmo autor possibilita o
desenvolvimento da autonomia, pois põe
em tela o exercício de decidir,
imprescindível junto com a
responsabilidade e a capacitação. Ou
seja, para Contreras (2002, p. 74): “Falar
em profissionalidade significa [...] não
descrever o desempenho do trabalho de
ensinar, mas também expressar valores e
pretensões que se deseja alcançar e
desenvolver nesta profissão.”
Na dimensão da obrigação moral,
caracterizada por Contreras (2002, p. 76),
destaca-se que:
[...] acima das conquistas acadêmicas, o professor está
comprometido com todos os seus alunos e alunas em seu
desenvolvimento como pessoas, mesmo sabendo que isso costuma
causar tensões e dilemas: é preciso atender o avanço na
aprendizagem de seus alunos, enquanto que não se pode esquecer
das necessidades e do reconhecimento do valor que, como pessoas,
lhe merece todo o alunado.
Contreras (ibdem, p. 78-82) aponta
que a moral não é um fato isolado, mas
que tem implicações nas raízes mais
profundas das construções sociais,
imbricando, portanto, a prática
pedagógica com a comunidade e o
contexto, que agora atinge padrões
globalizados. Fenômeno este que
convida, ainda mais, ao engajamento do
professor em relação às temáticas sociais
e políticas da sua comunidade. Nesse
compromisso, a educação como um
exercício de caráter público e coletivo irá,
provavelmente, determinar o grau de
responsabilidade do professor.
Portanto, o professor deve tomar a
atitude que contribua para que a
sociedade conscientize-se e minimize
seus problemas, e não tomar como ponto
de partida ações que gravitem em torno
de um enredo solipsista
16
para busca de
soluções dos problemas da sociedade da
qual faz parte.
Por conseguinte, Contreras
(ibdem, p. 199) garante que:
[...] tanto a autonomia profissional como pessoal [...] não se
desenvolvem nem se realizam, nem são definidas pela capacidade
de isolamento, pela capacidade de “se arranjar sozinho”, nem pela
capacidade de evitar as influências ou as relações. A autonomia se
16
Cf. Blackburn (1997, p. 367): “A crença de que, além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo
é a conseqüência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência
interiores e pessoais, e de não se conseguir encontrar uma ponte pela qual esses estados nos dêem a conhecer
alguma coisas que esteja além deles. O solipsismo do momento presente estende este ceticismo aos nossos
próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o seu presente. Russel conta-nos que conheceu
uma mulher que se dizia solipsista e que estava espantada por não existirem mais pessoas como ela.”
desenvolve em um contexto de relações, não isoladamente. Tem a
ver, portanto, com uma forma de manter relações.
Conseqüentemente, as qualidades que estas relações reunirem são
as que poderão favorecer ou entorpecer. Uma autonomia a define
não como a posse de direitos e atributos, mas como a busca e
construção de um espaço de entendimento no qual podem se
desenvolver por meio do diálogo, tanto em sua significação como em
sua realização. Portanto, a autonomia tanto faz referência a uma
disposição de encontro pedagógico, como à qualidade e à
conseqüência deste. (grifo nosso)
Quando imagino que “ninguém
educa ninguém”, parece cair no vazio
todo o esforço para que a educação seja
a matriz do propósito de dotar o ser
humano de atitudes morais idealizadas
mais refinadas. No entanto, ao que
parece, é justamente nesse axioma que
encerra uma verdade coletiva, sob a
óptica da educação como patrimônio de
todos, e não de alguns. Daí, pode-se
refletir sozinho ou coletivamente, mas,
deveras, o resultado alcançará o mundo
da vida.
Contreras (2002, p. 210) ao dizer
[...] que a base de nossos valores se
encontra no sentimento pela dor dos
outros, não podemos [...] desenvolver
uma prática autônoma [...] sem prestar
atenção aos nossos sentimentos”;
portanto, a raiz cartesiana, que encerra há
muito um pensamento desagregador do
próprio homem e da natureza, não pode
sustentar a educação como fulcro de um
novo homem e um novo tempo com o fim
de obter uma sociedade menos feia.
Cabe, portanto, ao professor
buscar assumir a prática pedagógica com
acuidade, pois suas palavras, suas
observações e seus gestos podem ganhar
dimensões inimagináveis sobre o
emocional do seu aluno. Para
compreender melhor esta questão
considero significativo o pensamento
freireano, no sentido que recupera, como
educando, a influência do seu educador
sobre si
Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um
desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto
cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida
por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim.
Estava sendo, então, um adolescente inseguro, vendo-me como um
corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que os
outros, fortemente incerto de minhas possibilidades. Era muito mais
mal-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava.
Qualquer consideração feita por um colega rico da classe já me
parecia o chamamento à atenção de minhas fragilidades, de minha
insegurança.
O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e,
chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em
certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto,
sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito
e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a
própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor
me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era
possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em mim
mas que seria tão errado confiar além dos limites quanto errado
estava sendo não confiar. A melhor prova daquele gesto é que dele
falo agora como se tivesse sido testemunhado hoje. E faz, na
verdade, muito tempo que ele ocorreu... (FREIRE, 2004a, p. 42/3)
A sempre alvissareira educação é
outra vez convocada pela sociedade.
Esta, no entanto, parece continuar
hesitante em seus objetivos, pois o
conflito está em municiar, pela educação,
as camadas excluídas da sociedade de
condições para que com criticidade
problematize as condições aviltantes a
que são submetidas por um trabalho que
não objetiva outra coisa se o alojar na
memória esquemas de execução e
movimentos que são trazidos à tona
sempre que se precisa repeti-los. Mas,
como assinala Freire (2004b, p. 61), a “[...]
questão está em que pensar
autenticamente é perigoso”.
O ato de ensinar, por outro lado,
não pode confirmar uma prática
pedagógica segregacionista de raça,
credo ou condição social. Também não
pode ser uma que encerrar em seu
interior objetivos que levem à passividade
e ao amoldamento, sem quaisquer
perspectivas de mudanças por parte dos
sujeitos históricos, professores e alunos.
Por isso, talvez, não caiba mais
reduzir a educação aos jovens das
classes menos favorecidas apenas à
instrução técnica. Nessa perspectiva,
uma instituição pública de ensino, técnica
ou não, não pode sustentar, nestes dias,
um corpo docente sem visão do
pedagógico sobre sua prática, ou seja,
apenas com uma prática docente e a
teoria tecnicista a ser repassada,
destituída de sentido para a vida do aluno
ou desconectada da realidade de vida do
educando. Freire (2004b, p. 57) observa
que na concepção “bancária”:
[...] o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu
real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos
conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da
realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em
cuja visão ganhariam significação.
Ora, no contexto atual da
empregabilidade pedem-se trabalhadores
com competências, baseadas em um
conjunto de propriedades instáveis
submetidas constantemente à prova, em
oposição à qualificação que era medida
pelo diploma do candidato. Por
conseguinte, o critério por competência é
sempre associado ao conceito de
desenvolvimento; como resultado, então,
mister se faz à perspectiva de uma
educação continuada, também, para o
trabalhador. Recupera-se, desta maneira,
o papel dinâmico da experiência na
formação da competência, que constitui
oportunidade de aprendizagem ao longo
da vida. (DEFFUNE & DEPRESBITERIS,
2002, p. 73-8)
A estrutura sica da escola,
portanto, tende a ficar, com o passar do
tempo, mais sólida, mas o discurso e a
prática docente, por outro lado, o
podem seguir o caminho da petrificação,
porque possuem a possibilidade básica
de se dobrar sobre o seu pensar e fazer,
que é a de todos os seres humanos. Com
efeito, tem o profissional professor o
compromisso de educar-se,
continuamente, irrigando sua prática com
suas próprias reflexões e estas fertilizadas
com as idéias dos teóricos preocupados
com a arte de educar. Talvez nesse
percurso o professor possa desenvolver
uma pedagogia autônoma e consciente
dos seus compromissos práxicos.
O exercício intelectual guarda certa
semelhança com o exercício para o
fortalecimento dos músculos. Ambos não
são cumulativos, pois necessitam
continuamente buscar atividades que
impeçam a atrofia. O exercício sico é
aconselhável desde a idade mais tenra
até aos cem anos ou mais, no entanto as
atividades deverão ser de acordo com
cada faixa etária. Assim, também, parece
ocorrer com a nossa possibilidade
cognitiva, com a diferença de que ao
ganhar idade - em condições normais de
saúde - pode-se aumentar o “peso” do
exercício intelectual.
Em sua Prática Pedagógica, o
professor entra em sala para fazer aula;
vai à lousa e apresenta-se aos alunos,
pede que estes se apresentem; discute a
ementa; negocia algumas rotinas, como
por exemplo: se o “celular” deve ficar no
modo “silencioso” ou desligado; pode
começar, por pretexto, o assunto com um
texto para introduzi-lo; Ora sentado, ora
de pé, procura estimular à participação
através do diálogo problematizador,
enquanto em certos momentos anda pela
sala, querendo se fazer mais próximo dos
seus alunos. Enfim, faz breve resumo do
assunto, despede-se e vai fazer outra
aula.
O professor tende a analisar antes,
durante e depois do encontro com os
seus alunos. Recupera cenas e fala dos
alunos durante a aula, enquanto analisa
quais caminhos percorrerá, pois deverá
deliberar sua organização pedagógica no
calor do próximo encontro, no qual outra
vez fará outra aula.
Enquanto transcorre o seu
exercício pedagógico, grosso modo
descrito acima, pesa sobre sua prática
pedagógica condicionantes políticos,
sociais e contextuais que objetive, entre
outros, que o assunto trabalhado não se
solte da realidade objetiva dos seus
alunos. Contribuindo para que estes, em
sua formação teórica, aprendam a pensar
crítica e criativamente, desenvolva suas
possibilidades cognitivas, com o propósito
de ampliando o seu entendimento do
mundo possa autodirigir-se, “[...] a fim de
que o educando possa caminhar na
direção do autodiagnóstico,
posteriormente à teorização e ação crítica
sobre a realidade em que está inserido”,
acrescenta ainda, com muita propriedade,
Carvalho (2005, p. 61).
Compreendendo que, o professor
que reflete sobre sua prática educativa
tem maiores possibilidades de cumprir a
finalidade apontada ao final do parágrafo
anterior, no processo de ensino e
aprendizagem. Carvalho (ibdem, p. 65-6)
observa também que:
O educador que se pauta pelo desenvolvimento integral do
educando, deve percorrer caminhos - da educação, do ensino e da
vida - junto com ele, dialogando a respeito dos acontecimentos do
cotidiano, articulando-se ao processo histórico, a fim de que possa
compreender o presente e projetar o futuro.
O fato real é que, o professor e
alunos vêem o mundo dentro de suas
próprias ópticas e através das lentes dos
referenciais que os afetaram ao longo de
suas vidas, fazendo-os agir e reagir
conforme “esquemas” amealhados ao
longo de suas experiências. Mas,
precipuamente, ocorre encontro de
possibilidades, isto é, entre todas as
espécies que habitam a Terra, sem
exceção, de refletir antes, durante e
depois de agir; guardar o passado como
experiência; dar sentido ao presente e
invadir o futuro com seus projetos,
provocando um movimento que faz
enriquecer ainda mais o agir prático.
Isto significa que, a profissão
docente tem, juntamente com a
educação, os seus diferenciais, como, por
exemplo, contingências, imprevisibilidade,
explorar sua criatividade,
responsabilidade política, entre outros.
Percebe-se uma nítida e complexa
atividade da profissionalidade docente em
relação a outras, por exemplo: de um
violoncelista; ou seja, a profissionalidade
docente possui um movimento bastante
adverso de outras tantas ocupações,
portanto não se justifica mais a tentativa
de buscar parâmetros explicativos para
entendê-la, sendo que, do seu movimento
interno, pode-se encontrar definições mais
próximas e satisfatória da
profissionalidade docente.
A educação, como observado
possui condicionantes específicos, por
exemplo: uma sala de aula, um professor,
os alunos são facilmente reconhecidos
como atividade educativa em qualquer
parte do mundo contemporâneo. Ao
passo que, certas atividades humanas
foram desaparecendo conforme satisfeitas
às necessidades, no entanto, com a
educação ocorre acréscimo de novos
condicionantes necessários para
perpetuar e mudar a organização social e
política.
Ensinar constitui-se em um
trabalho irremediavelmente abundante em
variáveis e condicionantes. E o professor
é um tipo de ator que tem que tomar
decisões e “controlar uma sucessão de
microssituações que se encadeiam e se
embaralham”. Primeiro, porque para o
professor é praticamente impossível fazer
preparações didáticas que abarque todos
os acontecimentos de uma única aula;
segundo, porque no mesmo dia ou no
seguinte enfrentará novas situações e
microssituações. Portanto, no ofício de
professor é preciso avançar “com
rapidez”, em um turbilhão de emergências
experienciais práticas, que pode até
mesmo surpreendê-lo fazendo afirmações
como esta, por exemplo: “Eu me vi
fazendo... e me ouvi dizendo...”
(PERRENOUD et al., 2001, p. 188-9).
No próximo capítulo, coloco em
relevo alguns condicionantes, que
acredito poderem contribuir para a
compreensão do eixo problematizador
desta pesquisa. Esses, estão assim
dispostos: Educação, Ensino e Aluno.
CAPÍTULO 4
EDUCAÇÃO, ENSINO E ALUNO
NA VISÃO DE PROFESSORES DO
CEFETMT: ÍNDICES ANALÍTICOS
QUE REPRESENTEM SUA
PRÁTICA PEDAGÓGICA
4.1 ANÁLISE DOS DADOS DA
PESQUISA
O Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, ao longo dos
seus noventa e três anos, participa efetivamente da história deste Estado. E desde
sua fundação, em 23.09.1909, com o nome de Escola de Aprendizes de Artífices de
Mato Grosso - tinha o objetivo de munir o aluno de uma arte que o habilitasse a
exercer uma profissão e a se manter como artífice. Esse objetivo estava em
consonância com aquele contexto em que se originaram as primeiras escolas
profissionalizantes de artífices no Brasil.
Fazendo uma análise preliminar nas mudanças processadas na denominação
dessa Instituição Federal de Ensino, observo que da sua fundação até à primeira
alteração se passaram cinqüenta anos, de 1909 a 1959 através da Lei 3.552, de
16/02/1959, denominando-se Escola Industrial de Cuiabá; desta para a segunda, ou
seja de 1959 a 1965, através da Lei 4.759 de 20/08/1965, seis anos, passou a
denominar-se Escola Industrial de Mato Grosso; e três para a terceira, assim de
1965 a 1968, através da Portaria Ministerial 331 de 17/06/1968, “alerta a Lei
anterior” passando a denominar-se Escola Técnica Federal de Mato Grosso.
Depois, em um intervalo de, aproximadamente, trinta e quatro anos, deu-se a
cefetização, ou seja em 19/08/2002, passando a denominar-se Centro Federal de
Educação Tecnológica de Mato Grosso.
Então, comparando a velocidade das mudanças transcorridas desde a
primeira, em relação à fundação, percebe-se que em menos de cinqüenta anos
ocorreram quatro tentativas de se inserir a escola no contexto tecnológico e social.
Entre a última alteração em 1968 e cefetização, em 2002, transcorreram trinta e
quatro anos. Estas alterações, se deram na tentativa de responder ao
desenvolvimento tecnológico, social e globalizado contemporâneos. Refletindo cada
contexto, tema este já abordado anteriormente.
As alterações, vale ressaltar, nas denominações se deram “de cima para
baixo” ou seja, literalmente, por Decretos. Em uma perspectiva longe da freireana, a
“cara” da escola mudava por uma decisão externa à realidade do contexto
pedagógico daqueles profissionais que estavam inseridos na prática educativa.
Segundo Manfredi (2003), as escolas profissionalizantes foram instaladas também
nas capitais onde não havia indústrias; portanto, o ranço do critério político remonta
às suas fundações, em detrimento do exercício reflexivo, participativo e colaborativa.
A escola onde trabalha parece constituir o locus mais que apropriado para a
práxis do professor no processo perene da sua formação continuada. Muito embora,
não seja objeto desta pesquisa, a formação continuada, nos atuais dias, não se
pode falar da graduação sem fazer menção a continuidade de aprimoramento.
Porquanto, na escola, o professor estará diante da complexidade e da
incerteza do seu cotidiano, que possibilitará um envolvimento - na perspectiva da
pesquisa-ação - mais estreito na identificação conjunta de problemas e na busca de
soluções.
O professor, juntamente com a comunidade, têm a oportunidade de realizar
um trabalho contínuo de pensar e avaliar os projetos a que a escola se propõe:
atender aos objetivos sociais; e ainda, agir, dialogar e refletir sobre e no percurso, a
fim de corrigir e implementar busca de novos rumos. Isto equivale dizer que a
formação continuará para os professores na arena escolar, que passará a ser o
centro de sua atenção, voltando seus olhares e pensamentos com criticidade e
sensibilidade sobre o cotidiano do seu contexto, no qual sua prática pedagógica
influencia e sofre influência. Assim, os professores, nessa perspectiva, poderiam
estar diretamente comprometidos nas questões da educação em que atuam:
envolvendo-se, identificando e buscando soluções para os problemas.
No dizer de Alarcão (2001, p. 25):
Se, como dizia Habermas, o EU que se conhece a si próprio e
questiona a si mesmo é capaz de aprender, de recusar tornar-se
coisa e de obter autonomia, eu diria que só a escola que se interroga
sobre si própria se transformará em uma instituição autônoma e
responsável, autonomizante e educadora. Somente essa escola
mudará o seu rosto.
Nesta unidade, proponho apresentar a
análise das entrevistas realizadas entre os
dias 24 e 26 de janeiro de 2005 com
professores que atuam no CEFETMT,
com a qual busco compreender a prática
pedagógica do professor que atua na
docência profissionalizante.
Este estudo foi realizado no Centro
Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso - CEFETMT, localizado na
rua Zulmira Canavarros, 95, Cuiabá-MT.
Assim, para facilitar objetivo desta
unidade centro as entrevistas em
professores da docência
profissionalizante, com perguntas semi-
estruturadas. Desta maneira, com objetivo
de esclarecer a problemática proposta
acima, procuro levantar questões que
representem alguns dos condicionantes
do cotidiano e do espaço pedagógico que
possibilitem a apontar para a contextura
da prática docente desse professor, haja
vista que não realizei diretamente a
pesquisa sobre a sua prática, no entanto,
esses dados, adicionados aos referenciais
bibliográficos, contribuem para apontar no
sentido do equacionamento do problema
por mim enfrentado nesta pesquisa.
Então, para a análise das respostas que
vise fornecer índices de sua prática
pedagógica, as entrevistas foram divididas
em três categorias: Educação, Ensino e
Aluno. Nestas, procuro obter subsídios
para compreender em que bases se
sustenta visão dos sujeitos da pesquisa
sobre os assuntos propostos nas referidas
categorias, daí esses tópicos não serão
discutidos separadamente, pois é do meu
interesse observar o conjunto das
informações contidas no material
discursivo dos professores.
Contudo, as falas, na análise pontual, que
considero mais representativas dos
mesmos serão confrontadas com as dos
autores que sustentam o eixo desta
pesquisa, e não entre as dos próprios
sujeitos da pesquisa. Busco, assim,
dialogar com autores que trabalham a
formação inicial e de professores na
perspectiva do profissional reflexivo,
aspecto este já comentado anteriormente.
Para melhor compreensão desta unidade,
busco representar melhor a amostra dos
sujeitos da pesquisa, desta maneira nas
entrevistas, conto com a participação de
um (01) professor que possui apenas o
Curso Técnico de Nível Médio, um (01)
com Graduação em Nível Superior e com
Especialização, um (01) Mestre e um (01)
Doutor.
Entendo que a minha investigação insere-
se nos pressupostos definidos pelo modo
qualitativo; inspiro-me, nesta perspectiva,
para esta pesquisa em Marli André
(1995), no qual me limito a apresentar a
entrevista com um grupo com quatro (4)
sujeitos, que representam o seguimento
de docentes cuja prática pedagógica está
voltada para o ensino profissionalizante a
nível de ensino médio e, agora, superior,
com entrevistas semi-estruturadas.
Como ex-aluno do Curso Técnico em
Edificações e mais de dez anos
fazendo parte do quadro permanente de
servidores do CEFETMT, tive a
experiência de participar da transição de
uma Instituição que abrigou apenas
cursos técnicos de nível médio, para uma
com cursos em nível superior.
Naturalmente, se percebe certa
resistência, que faz parte de um contexto
de transição, que não será demolida
apenas “por decreto”, mas, talvez, pela
participação efetiva de todos os
segmentos que compõem a Instituição.
Pôr em relevo questões qualitativas para
sujeitos com um forte viés quantitativo
parece ser uma oportunidade rica e
interessante, além de deveras
preocupante. Um outro dado, participo
ativamente no ambiente pesquisado, o
que me obriga a um esforço muito grande
para, ao distanciar-me do seu contexto,
empreender um olhar voltado para a
análise. Adverte Bogdan que em
qualquer meio ecológico em que o
pesquisador se aventure em uma
pesquisa qualitativa, certas advertências
devem ser levadas em consideração
porque, segundo ele, em se tratando de
educação, as crenças, estilos de vida, ao
que parece, serão variáveis importantes
na avaliação. Assim:
Os indivíduos que tentam modificar a educação, quer seja numa
dada sala de aula ou em todo o sistema educativo, raramente sabem
o que pensam as pessoas envolvidas no processo.
Conseqüentemente, são incapazes de antecipar com precisão a
forma como os participantes irão reagir. Caso desejemos que a
mudança seja efectiva, temos que compreender a forma como os
indivíduos envolvidos entendem a sua situação, pois são eles que
terão que viver com as mudanças. (BOGDAN & BILKLEN, 1982,
265)
Diante deste contexto, então, reservo-me o direito de fazer referência a
memória histórica de vida. Como aluno de um curso técnico, ainda concomitante
com o propedêutico, guardo em minha memória que um dos professores...
... solicitava previamente todos os materiais necessários para a aula, como
lápis, papel milimetrado, borracha, escala, compasso, fita adesiva; recebíamos as
instruções passo a passo do objetivo a ser alcançado, que começava ao colar o
papel na carteira e desenhar os pontos a serem “materializados” no mesmo; porém,
como a criatividade natural (dos jovens alunos), às vezes falava mais alto, este
adiantava por conta própria algum passo; percebendo isso, o professor ordenava
que se apagasse aquilo, pois ele ainda não havia mandado executar tal passo;
deveríamos, então, seguir o ritmo da turma, impulsionado pelas suas ordens.
Percebi que em certa altura do semestre, todos estavam em uma cadência
orquestral. A cada ordem dada pelo mestre, a tarefa era prontamente executada; e
aqueles que por um motivo ou outro, não conseguiam se “afinar”, prejudicavam o
seu timing com a turma, pois o que estava em jogo, assim, era nossa capacidade de
contribuirmos para com a destreza pretendida.
Talvez uma rápida consideração sobre o
contexto ajudaria a compreender um
pouco outras características agregadas à
prática desse professor. A ditadura militar
ainda estava presente na vida nacional no
final da década de 70, início da de 80 e,
portanto, numa Instituição Federal de
Ensino e Técnica, cujo Departamento de
Ensino era chefiado por um Coronel da
reserva, não se poderia esperar
condições mais apropriadas para migrar a
disciplina militar em um momento
essencialmente tecnicista como foi os
anos setenta. É pertinente esclarecer que
o hoje CEFETMT esteve outras vezes sob
à direção de pessoas com formação
militar.
Parece-me, a priori, evidente que o aluno
apresentava características de uma
condição subserviente e anulado em sua
capacidade criativa, conforme assinala
Becker (2004, p. 9), porque o
conhecimento indicava-se centrado no
professor, isto é, por força institucional do
seu objetivo em formar trabalhadores com
habilidades técnicas.
Naturalmente, a análise feita não deverá
ser a palavra final - e não é esse o meu
objetivo! -, muito menos uma crítica que
vise eclipsar o trabalho sério de
profissionais que lutam para manter o
prestígio dessa Instituição quase
centenária, mas contribuir com minhas
observações mais de caráter inquiridor,
sobretudo.
Em relação as seqüências das falas dos
sujeitos da pesquisa, apresento-os na
ordem proposta no início desta
unidade, porém, por razões obvias
denomino-os, respectivamente, por:
Professor 1 (14 anos de docência no
CEFETMT, possui o curso Técnico em
Nível Médio); Professor 2 (26 anos de
docência e 10 anos só no CEFETMT, com
graduação em Engenharia Elétrica e com
especialização na área); Professor 3
(vinte e quatro anos de docência no
CEFETMT, engenheiro eletricista, com
Mestrado na área de Processamento de
Informação); e, Professor 4 (com oito
anos de CEFETMT, graduado em
Engenharia Elétrica, Doutorado em
Processamento de Informações).
As perguntas basicamente foram divididas
para atender as categorias que envolvem
a educação, ensino e aluno, conforme
aludidas. Busco através das perguntas
formuladas para a primeira categoria,
obter as suas concepções pessoais sobre
a corrente teórica; como aborda os outros
condicionantes da vida em sala; como
age diante da crítica de um profissional de
outra área; e, por último qual a
concepção de educação. Para atender a
categoria ensino, levanto questões sobre
os livros lidos para embasar a prática
pedagógica; sobre a relação teoria e
prática; procuro saber, em seguida, sobre
as questões inusitadas da aula; a idéia
da verdade como imutável; para fechar
essa categoria, indago como ele
administra o imprevisto.
E, por último, a categoria aluno, em que
utilizo as questões: como aproveita a
criatividade do aluno; qual a expectativa
em relação ao futuro técnico que ele
ajuda a formar; como o aluno participa da
produção do conhecimento; e enfim,
como concebe o aluno questionador ou
critico.
Na análise é perceptível, inicialmente,
uma característica em comum: os
professores investigados possuem
graduações somente em cursos como
engenharia civil, elétrica, técnico em
secretariado. O que pode ser significativo
para a presença da racionalidade técnica
como fulcro para sua atividade
pedagógica. Pois, não acompanha esta
característica a certeza de que a sua aula
seja voltada apenas para a perspectiva
técnico-utilitarista do conhecimento ou
que ela esteja centrada no professor,
conforme poderia se presumir
apressadamente.
Contudo, vale acrescentar, que a
educação e a escola agregam, ainda,
novos contornos das especialidades,
paulatinamente, sofrem um processo de
esvaziamento das suas finalidades
universais com vistas à formação humana
do homem. Isso posto, Gadotti (2001, p.
234) afirma que baseado na “concepção
burguesa da educação de que o ensino é,
antes de mais nada, um investimento
social produtivo e necessário”, abre
caminho para a implantação da escola
profissionalizante para preparar o aluno
para cumprir um papel no mercado de
trabalho, dentro do modo de produção
capitalista.
Antes de apresentar uma compreensão
mais pontual sobre as concepções em
torno dos temas didáticos-pedagógicos
das falas dos sujeitos da pesquisa, julgo
importante fazer, inicialmente, análise
sobre as suas falas com relação ao
Ensino, pois, considero essas apreciações
relevante para discutir questões mais
centrais que me possibilitem entender a
relação docente e docência, desse
profissional:
ENSINO: PROFESSOR 1
Quais livros você leu nos últimos tempos para embasar sua prática?
P1
: A maioria livros técnicos sobre o meu curso, que é Secretariado. Também gosto de
livros, não de auto ajuda, mas livros que possam me ajudar de uma forma geral, como um
todo, até para mim mesma, como pessoa, mas a maioria dos livros que eu leio, voltado
para o meu aprimoramento são livros técnicos.
Como você compreende a relação teoria e prática? exemplos de como isso ocorre em
sua aula.
P1: Por exemplo, a teoria, quando você passa para o aluno a teoria, é muito fácil, até
quando você está bem embasado, é facílimo, você passar para o aluno a teoria em sala de
aula. Relacionado isso com a prática, eu acho muito importante que haja sempre um
estágio, um acompanhamento do aluno no estágio, o aluno tem que fazer o estágio, porque
se ficar na teoria, com certeza ele vai se perder fácil. Agora, como exemplo, eu vejo,
como orientadora de estágio, que eles colocam muito bem em prática, até muito mais do
que a gente ensina em sala de aula. Por exemplo, a gente mostra que a secretária tem
uma postura; com certeza, ela vai seguir aquela metodologia que a gente está ensinando,
mas ela vai melhorar mais ainda para ela, ela vai buscar uma melhoria mais acirrada,
buscar mais o aprimoramento dela.
Ocorre ou já ocorreu situações inesperadas em sua aula? Como você agiu?
P1: Não, geralmente minhas aulas são tranqüilas, às vezes eu encontrei alunos que
quiseram defrontar com o curso, não gostaram, entraram na escola e fizeram teste,
passaram, entraram na escola, mas não se identificaram com o curso, com a profissão que
porventura elas vão exercer; então, eu busco, eu vejo que ali um perdido no ninho e
eu busco saber porque que ela está agindo daquela forma, eu chamo ela em particular e
falo: Oh, se você não gosta do curso, é melhor que você troque de curso, busque o que
você quer. Então, geralmente são bastante tranqüilas as minhas aulas.
Qual a relação entre o que você ensina e a idéia de uma verdade perene e imutável?
P1
: O que a gente ensina hoje no Curso, por exemplo, de Gestão de Secretariado, a gente
busca a prática para confrontar com a teoria e a realidade com o que está acontecendo
hoje, só que às vezes, eu notei de um certo tempo para cá, que a escola, o CEFET, não
está mais formando Secretárias, os alunos que estão vindo hoje para a escola, eles não
estão vi
ndo, por exemplo, quando eles fazem o teste de seleção, eles não buscam, por
exemplo, eu quero ser Secretária de uma grande empresa, e isso eu notei de um tempo
para que não está mais ocorrendo, 10 (dez) anos atrás, quando eu comecei a dar
aula, uns 14 anos atrás, na primeira turma, eu notei realmente que tinham alunas que
gostariam de ser Secretárias, no sentido real da palavra, hoje não, hoje elas buscam como
terceira opção, porque não passaram no vestibular, porque estão sem fazer nada, estão
buscando uma qualificação para arrumar um emprego; então, às vezes essa realidade aqui
dentro ela não é a realidade fora e eu tento passar isso para os alunos que, pelo menos
se elas não vão ser secretárias, mas pelo menos seja uma empreendedora, seja uma líder,
busquem alguma alternativa que possa suprir essa necessidade delas naquele momento.
Como você administra o imprevisto?
P1:
Não existe imprevisto, porque eu faço um planejamento, geralmente as minhas aulas
são planejadas, eu sigo um roteiro, esse planejamento é seguido à risca e até é
implementado, complementado, eu busco fazer algumas modificações; então, eu não
trabalho com imprevisto, não para trabalhar, se tiver que acontecer algum, eu até tiro de
letra, a gente dá uma jeitinho.
No conjunto, o Professor 1 externa uma
gama de ocorrências que agregam o
cotidiano pedagógico; demonstram de
sua parte, respostas com fonte apenas
em sua prática escolar cotidiana, que não
apontam para argumentos propriamente
teóricos relacionados a arte de ensinar.
Observo, ainda, que o exercício de
reflexão não se mostra voltado, no
Ensino, para uma análise sobre sua
prática didático-pedagógica, não
caracteriza um movimento que denote
análise entre o fazer e o pensar sobre o
fazer, mas para um encaminhamento
entre causa e efeito. Ele ensina e os
aluno aprendem.
Para o Professor 1, o compromisso
consiste no empenho para formar o
profissional técnico para secretariar
grandes empresas. Sustentada-se na
idéia de quatorze anos atrás, não
demonstra disponibilidade em ouvir os
alunos sobre a percepção que
manifestem da realidade do mercado
atual de trabalho; do desejo destes, fazer
o curso como terceira opção profissional.
Por isso, não observo em suas palavras,
considerações que denotem que a
liberdade de ensinar como a liberdade de
aprender pode possibilitar assinalar a
metáfora da “via de mão-dupla”, que
valorize os saberes dos educandos.
ENSINO: PROFESSOR 2
Quais livros você leu nos últimos tempos para embasar sua prática?
P2: Olha, eu tenho lido livros bem re
lacionados com a área, por estar dentro de um
contexto tecnológico, aos avanços, a velocidade dos acontecimento é muito grande; então,
os livros que eu tenho lido, que eu manuseio, são livros bem direcionados da área mesmo,
elétrica.
Como você compreende a relação teoria e prática? exemplos de como isso ocorre em
sua aula.
P2: Olha, com a teoria e pratica, nós estamos num contexto de escola aonde você
tem que
desenvolver a teoria, o aluno necessita conhecer o saber porque das coisas e ao mesmo
tempo a própria clientela nossa, os cursos que a gente desenvolve, ele exige também que
você mostre para o aluno como fazer; então, por ser uma escola técnica a gente
desenvolve “porque fazer”, que é o teórico e o “como fazer”, que é o prático e a gente
desenvolve isso de uma forma demonstrativa, temos equipamentos, temos todos os
recursos didáticos, práticos para desenvolver essa teoria.
Ocorre ou já ocorreu situações inesperadas em sua aula? Como você agiu?
P2: Situações inesperadas que eu entendo são situações onde um aluno te faz uma
pergunta aonde você tem como demonstrar a ele na prática aquilo que ele perguntar, às
vezes em relação a um equipamento, ao f
uncionamento de uma determinada máquina, a
saída que a gente tem é usar comparativos, às vezes você usa formas comparativas de
explicação aonde você leva o aluno a formar uma idéia daquilo que ele mesmo procurou
saber; então, a gente tem uma forma rápida
até e prática de sair dessa situação, deixando
o aluno com satisfação e contente de ter aprendido algo que o professor facilitou para ele.
Qual a relação entre o que você ensina e a idéia de uma verdade perene e imutável?
P2: Bom, uma idéia perene e imutável se caracteriza na minha opinião como algo que não
se muda, algo que não é constante e que não muda. Na área que eu trabalho, que eu
desenvolvo, as coisas são um pouco diferente, elas são mutáveis; algumas leis que regem
os fenômenos elétricos, elas
são imutáveis e sempre existiram; agora, em relação ao uso
dessas leis, as tecnologias vão se adaptando cada dia mais ao fácil, ao rápido; então, a
gente contorna, orientando o aluno a entender cada dia mais que ele está num universo
mutante mesmo, que sempre está sofrendo mudanças.
Como você administra o imprevisto?
P2: Ao longo dos anos, eu posso dizer que a gente vai criando um amadurecimento, vai
criando uma forma segura de ensino onde todo o imprevisto que vai acontecer parece que
você já tem formatado dentro do seu dia-a-
dia uma saída para aquilo, você tem uma
solução rápida para a situação que você não esperava, às vezes são perguntas, às vezes
são situações mesmo reais que ocorrem nos equipamentos e sempre a gente tem um jeito,
a gente cria, mas isso garanto que é devido ao tempo de trabalho, eu no passado eu
tinha dificuldade em às vezes criar uma situação nova por não ter aquela rapidez de
raciocínio, amadurecimento profissional mesmo.
O Professor 2, não parece reconhecer
que, no ensino, ele pode se tornar um dos
sujeitos de sua própria análise, com intuito
de buscar outros elementos que
constituem, teoricamente, sua prática
pedagógica, além dos que, supostamente,
possam oferecer os livros direcionados à
área elétrica.
O Professor 2 demonstra que depois de
ao longo dos anos de exercício docente,
começa a perceber a segurança que,
possivelmente, a vivência prática na
profissão como a de docente oferece,
apesar de ficar evidente, que a partir das
situações novas oferecidas com o tempo
de trabalho como professor, ele começa a
configurar respostas para as situações
emergentes. Na perspectiva da formação,
portanto, com base na concepção do
professor reflexivo, se supõem uma
introjeção de situações quando a
formação se junto à prática de ensino
para a profissão de docente, conforme
comentado.
ENSINO: PROFESSOR 3
Quais livros você leu nos últimos tempos para embasar sua prática?
P3: Olha, basicamente são os livros profissionais, o mais recente livro que eu estou lendo é o “Rede
de Computadores”, [...], Interligação de Redes de Computadores, [...], Rede de Comutadores, do
Gabriel Torres, em termos de prática de educação são praticamente esses que eu tenho o hábito de
vida nas atividades mais na sala na rede de computadores, então seria basicamente esses livros,
últimos livros que eu tenho lido.
Como você compreende a relação teoria e prática? Dê exemplos de como isso ocorre em sua aula.
P3
: Olha, eu gosto muito, eu tenho muita prática, eu tenho muita facilidade de fazer essa relação de
teoria e prática, inclusive às vezes com meus alunos, dependendo das circunstâncias, muitas vezes
eu primeiro dou aquele embasamento teórico e depois a gente vai para a prática para fazer aquelas
comprovações, mas em certas situações necessidade de você fazer a prática primeiro, você
mostra aquilo e depois você vai entender o porquê que aquilo aconteceu e das duas formas eu acho
que uma completa a outra e o resultado é bom, agora de qualquer forma é fundamental e eu sou um
professor que levo isso muito em conta. Quando chego no laboratório aqui na escola muitas vezes
fico parado e fiquei sabendo que não houve um curso, mas eu mesmo fui lá, pequei os
manuais, tudo em inglês muitos, traduzi, precisava de computador, já fui atrás, arrumei o computador
e você que os alunos, quando tem a prática, a motivação é outra, eles ficam muito mais motivados
do aprendizado; então, eu dou muito valor e exerço muita essa atividade, a relação teoria e prática,
eu acho isso muito importante.
Ocorre ou já ocorreu situações inesperadas em sua aula? Como você agiu?
P3
: Bom, muitas vezes quando têm situações inesperadas, dependendo da situação, você tem
como, particularmente em minha aula, não houve grandes incidências principalmente ultimamente
não tenho, só às vezes quando por exemplo, hoje em dia uma turma muito agitada que teve o ano
passado, começaram a conversar demais em sala de aula, eu tive que chamar, assim de, forma,
conversar às vezes eles conversam, de forma, vem chamei, tive uma conversa, se eles não
quisessem prestar atenção por exemplo, até não faço questão, mas não fiquem conversando para
não atrapalhar quem queira prestar atenção, se vocês não quiserem prestar atenção, tudo bem, mas
eu peço que se retirem, eu não vou nem me importar, mas a coisa vai amadurecendo e eles
começaram a entender, a retrucar e a gostar e resolve. Agora, situações mais assim eu não tive
muitas experiências em situações que fugiram realmente do cotidiano de forma muito, eu não tive
essas experiências.
Qual a r
elação entre o que voensina e a idéia de uma verdade
perene e imutável?
P3
: Olha, a não ser princípios éticos, essas coisas verdades, porque isso eu entendo que são
imutáveis. Agora, com relação à tecnologia, isso não tem como se fazer é difícil, na área que a
gente trabalha, de telecomunicações e informática, dizer que é uma coisas verdade e imutável, isso
não tem como você falar, os princípios, até princípios de tecnologia que são renovados substituídos
de uma forma muito grande, tá, alguns princípios básicos não mudam, mas outros, outras formas,
outras técnicas, outras tecnologias, elas são recentemente, são constantemente, vamos dizer assim,
mudadas. Tá, não existe agora, é o que eu falei, algumas coisas, a tulo de comportamento, de
verdade, isso que eu costumo falar embora no início eu disse que eu gostaria de estar exercendo
mais, falando mais sobre as coisas, não que eu não faça, que eu não goste, há muitos momentos
que eu chamo, falo e mostro e acho que até a própria atitude da gente faz com que eles entendam
que essa é uma coisas que precisava ser feita, essas coisas, então, de vez em quando eu chamo e
falo e mostro a importância disso, né, eu gosto muito disso e muitas vezes eu gostaria ade fazer
mais, não que eu não faça e não que acha importante isso para eles.
Como você administra o imprevisto?
P3
: Olha, o imprevisto, como o próprio nome diz, imprevisto, não tem como você, cada situação é
uma situação, mas uma coisa que eu procuro, tento sempre, é controle, equilíbrio, eu gosto, inclusive
falo para eles uma situação de desespero complica, não ajuda nada, né, aquilo que não pode ser
mudado você não pode esquentar se não pode mudar, não tem como, e se tem solução não tem
porque desesperar também; então, qualquer que seja o imprevisto você não pode desesperar, se
não pode mudar, o desespero não vai adiantar nada, não muda. Agora, se tem solução, então
vamos esperar e procurar com calma que a gente encontra a solução muito mais fácil, então, quanto
a isso, eu tenho uma certa serenidade de enxergar essas coisas e mostrar, mesmo em diversas
situações, de mostrar essa tranqüilidade, o desespero não ajuda nada, qualquer que seja o
imprevisto.
...essa serenidade ...ela tem um componente na experiência, na
vivência?
P3
: Sim
O Professor 3 apresenta também como
sustentação de sua prática pedagógica,
isto é, para a sua prática de educação os
livros profissionais ligados mais na
sustentação do conteúdo de sua disciplina
e, possivelmente, com conteúdo para a do
seu pedagógico. Não faz referência a
autores que poderiam reforçar sua prática
pedagógica, pois ensinar não se esgota
ao repassar a teoria demonstrada pela
prática ao aluno do ensino
profissionalizante.
O Professor 3 ao se referir a imutabilidade
das verdades, traz à tona as questões
concernentes as alterações tecnológicas
que sustentam sua disciplina, porém, ao
estender essas mesmas questões para as
relações mais humanas da sua docência,
ele me parece evasivo, confuso, pois,
pouco se deixa fazer compreender se fala
com mais ênfase dos alunos ou das
outras coisas. É claro,porém, quando sua
“própria atitude” ou ao dizer “quando eu
chamo e falo e mostro a importância
disso”, parece demonstrar como
referencial para que as “coisas” que
precisavam ser feitas ele, o professor,
faz, e, “eles [os alunos] entendam”.
Portanto, o papel do professor no
aprendizado do aluno parece ganhar
relevância.
ENSINO: PROFESSOR 4
Quais livros você leu nos últimos tempos para embasar sua prática?
P4
: Na realidade, eu estou lendo bastantes livros, hoje mesmo estou com um [...], estou
lendo livros na área [...] distribuídos na prática de educação. Então, na prática eles estão
distribuídos, livros de [...], de segurança, de rede, de livros de redes com fatores. Eu tenho
uma média de leitura bastante alta; porém, eu costumo ler livros também diversos, mas eu
leio geralmente mais livros técnicos.
Como você compreende a relação teoria e prática? exemplos de como isso ocorre em
sua aula.
P4: Para mim, fica bastante fácil na disciplina que eu leciono por conta exatamente ser
disciplinas práticas; então, são disciplinas da área de programação, é fácil de relacionar
com isso. A teoria prática eu leciono, eu [...] com aqueles sistemas distribuíd
os ao sistema
de [...]. Então, eu mostro o programa da [...] e ensino-os a desenvolver isso, mostrando
qual o contexto disso na prática para esses programas que estão sendo montados. Então,
isso é tranqüilo exatamente pelas disciplinas que eu leciono.
Ocorre ou já ocorreu situações inesperadas em sua aula? Como você agiu?
P4: Na realidade, situações inesperadas sempre surgem. Então, logo que eu comecei a
dar aula existiu uma situação bastante interessante. Eu peguei uma disciplina bastante
nova e adquiri [...]
o direito de estar lendo a apostila, onde o direito autoral vinha na última
capa; porém, vinha o direito de você colocar o nome do professor na frente, na contracapa
e eu vi exatamente a contestação do aluno: “Professor, essa apostila não é s
ua”. Eu tive
que explicar em sala que realmente não era, porque eu tinha o direito de fornecer a eles
porque eu havia comprado e apresentado. Então, eu acho que essa foi a mais
constrangedora que me passou exatamente no contexto de você ter comprado os direito de
venda daquilo; porém, apesar de você estar vendendo com apresentação de que ela não
é sua. Então, é muito comum nos cursos por , que ocorreu no CEFET, antiga Escola
Técnica, foi a mais inesperada que me ocorreu, foi essa.
Qual a relação entre o que você ensina e a idéia de uma verdade perene e imutável?
P4
: Aqui, na realidade, eu não consigo enxergar essa relação normalmente porque a
informática não é perene, nem imutável, ela muda a cada 5 (cinco) minutos. Então, eu não
consigo relacio
nar isso em alguns momentos da informática. Realmente, essa eu não teria
como relacionar ao meu contexto diário.
Como você administra o imprevisto?
P4: O que eu tento fazer é tentar responder ao acontecimento da melhor forma e mais
simplesmente possível naquele momento e conseguir responder, em caso contrário, levo
isso comigo para tentar trazer num segundo momento.
A maioria parece convergir ao
embasamento da disciplina através dos
livros técnicos, porém, com enfatizado,
os mesmos podem contribuir para o
pedagógico dos sujeitos da pesquisa. O
Professor 4, não escapa dessa afirmação,
muito embora leia outros livro, mas
técnicos, em sua maioria.
Em seu discurso, é importante destacar
que o tempo para professor 4 é rápido, e
processa na perspectiva da informática,
de maneira tal, que ele parece não
perceber o cotidiano e seus
acontecimentos pela perspectiva mais
lenta dos sentidos humanos naturais.
Não encontro parâmetro fora do (seu)
contexto da informática para estabelecer
relação, entre a velocidade do
processamento das informações por um
computador e a que possa normalmente
ferir os nossos sentidos, haja vista que,
grosso modo, não concebemos realizar
certas ações sicas e entendê-las como
fatos, que podem levar à percepção e
interpretação, minha e de outros, em uma
fração pequena de tempo, como, por
exemplo, tomar um copo d’água.
Ensinar parece requerer algo além de
apreensão da realidade. Talvez, “ruminar
não seja o termo mais preciso, mas,
seguramente, representa que demanda
tempo compreender a realidade.
Portanto, parece haver discrepância entre
o que o Professor 4 entende pela
velocidade do processo do movimento da
mutabilidade e convivência entre uma
verdade que morre e outra que nasce,
denotando flagrante que as suas
concepções passam pela “janela” da
informática, quando afirma que, “ela muda
a cada 5 (cinco) minutos [...] essa
[pergunta] eu não teria como relacionar ao
meu contexto diário.”
Considero importante destacar aspectos
da Educação e Aluno, pois estas
categorias compõem, juntamente com
Ensino, o conjunto de condicionantes que
elegi para responder a questão
problematizadora deste trabalho. Para
isso, destaco pontos de vistas dos sujeitos
da pesquisa, que considero em relevo,
convergentes e divergentes.
A educação, sem querer ser enfadonho,
desperta desde a idéia de sobrevivência
da sociedade até o refinamento das
qualidades humanas, pois se trata de uma
temática complexa e ampla. Nestes
sentidos, os sujeitos da pesquisa parecem
convergir em suas idéias sobre este
assunto; o Professor 2, resume essa
convergência de opiniões entre os
mesmos, da seguinte maneira: “tudo está
baseado numa educação completa, é o
homem que nós formamos, além do
técnico”.
Porém, a resposta acima do Professor 2,
que denota certa convergência dos
sujeitos, demonstra convergir outras vez
nas expectativas dos mesmos em relação
a temática aluno na condição de futuro
técnico. Quando o assunto é este, os
sujeitos privilegiam habilidades que
aprimorem “a interface entre o homem e a
máquina”, conforme as palavras do
próprio Professor 2, que, outra vez,
resume a concepção dos sujeitos da
pesquisa.
No entanto, paradoxalmente, é evidente
as divergências entre as expectativas que
envolvem dois momentos de um mesmo
aluno, por parte dos sujeitos da pesquisa.
Neste sentido, portanto, defrontamos com
uma convergência, para o presente, ao
pretender oferecer formação mais ampla
ao aluno, e uma convergência para o
futuro ao unidimensionar cada vez mais o
aluno.
A análise, a partir de agora, passa a ser
mais pontual. Os fragmentos das
resposta são as que consideramos
significativas para contribuir com o que
proponho responder, juntamente, com a
pesquisa bibliográfica: como se processa
e quais os condicionantes
epistemológicos que estão inseridos em
sua prática pedagógica.
Apresento, inicialmente, a fala do
Professor 1, com Curso Técnico em
Secretariado, para análise das primeiras
respostas. Este sujeito representa um
contingente de professores
remanescentes, de nível médio, que os
habilitaram trabalhar com a docência
profissionalizante, portanto considero
igualmente importante a sua opinião na
composição da análise global das
respostas mais em destaques.
Ao dar resposta em torno da temática
Educação, o Professor 1, responde que a
técnica, o ensino profissionalizante é a
corrente teórica que norteia sua prática
pedagógica. Em seguida, destaco a fala
na qual como outras dimensões da vida é
abordada em sua aula:
Eu procuro abordar, por exemplo, eu dou aula para formação da
secretária e quando eu busco aprimorar esses conhecimentos com
os alunos, eu coloco de forma que ele esteja interagido com o
momento, sempre o que ele vai encontrar [...] numa empresa.
Na perspectiva de educar, de acordo com
as diretrizes básicas da educação, ou
seja, inicialmente o seu preparo para o
exercício da cidadania condiz com a
expectativa mais ampla de formação,
apontar somente a empresa como fim não
atenderá aos objetivos sociais requer para
isso atitude dialógica, um caráter
igualitário em relação ao conhecimento e
criticidade como forma de ir além da
transmissão do saber. Portanto, ter em
mira apenas a empresa reduz a
possibilidade que a educação tem em
contribuir com a formação da pessoa do
aluno.
A interação humana representa em certos
momentos rupturas, em outros soma de
outras opiniões. Não nascemos prontos e
acabados, que não nos falte arestas
suscetíveis de provocar análises de
outrem. Destaco que na possibilidade de
uma observação em um tom mais crítico,
o Professor 1 adverte:
Se alguém ... chegar para mim, criticando ..., eu espero que essa
pessoa ... venha fazer uma crítica construtiva, e não derrubando,
então não aceito muito não, eu sou meio radical nesse ponto aí...
Quando se refere ao aluno, com
características de questionador ou crítico,
sua resposta parece confrontar com a
resposta dada acima, ou seja, demonstra
um dificuldade para inserir no seu
discurso suas reflexões sobre assuntos
atuais:
Isso é muito importante ... porque hoje houve uma mudança
significativa no ensino, principalmente no ensino profissionalizante,
onde não existe mais aluno que tem que ficar calado, houve uma
mudança muito significativa quando veio a tecnologia, a globalização
e hoje o aluno tem que ser crítico, ele tem que ser questionador, [...]
o professor que não sabe trabalhar com um aluno desse, ... está um
pé atrás ... do contexto atual.
Fechando esta temática com sua
concepção do ato de educar, denota um
distanciamento entre o mundo da escola
e o mundo da vida, pois não se percebe,
nesse seu discurso, a escola, que faz
parte da paisagem humana, inclusa no
aspecto integral da educação:
... educar é quando você passa valores, desde quando a gente
nasce, os nossos próprios familiares, nossos próprios pais já se
preocupam com esse tema, educação. O que é educar? Educar ... é
você direcionar para um ponto positivo, mostrar valores da vida, da
família, da sociedade, eu acho que é você trilhar um caminho certo.
Diante da atualidade caracterizada pelas
transformações em ritmo jamais
registrado na história, e da instabilidade e
incerteza oferecidas até mesmo pela
ciência que as manteve por longo período
como contraponto, vejamos como o
Professor 1 administra o imprevisto:
Não existe imprevisto, porque eu faço um planejamento; geralmente
as minhas aulas são planejadas, eu sigo um roteiro, esse
planejamento é seguido à risca e até é implementado,
complementado, eu busco fazer algumas modificações; então, eu
não trabalho com imprevisto, não para trabalhar, se tiver que
acontecer algum, eu até tiro de letra, a gente dá um “jeitinho”.
Embora a professora acredite que no
processo de desenvolvimento da aula não
exista imprevistos, Schön (2000, p. 16)
afirma que no ato de lidar com a realidade
acontece situações que não estavam
planejada,
... como pudemos ver com uma clareza cada vez maior nos últimos
vinte e poucos anos, os problemas da prática do mundo real não se
apresentam aos profissionais com estruturas bem-delineadas. Na
verdade, eles tendem a não se apresentar como problemas, mas na
forma de estruturas caóticas e indeterminadas.
Contreras corrobora observando que na
prática docente os pressupostos da
racionalidade técnica disponíveis não são
suficientes para fazer frente as variáveis;
ou seja, não uma fórmula que resulte
em um equacionamento pronto e acabado
para o reconhecimento do problema e a
sua imediata solução, pois a singularidade
em que se “o problema” muitas vezes
ainda não vivido, solicita franquia - esta
postura sim, pode e deve repetir-se - para
interpretá-la e encontrar outras possíveis
soluções - às vezes provisórias -, assim:
A prática docente é em grande medida um enfrentamento de
situações problemáticas nas quais conflui uma multidão de fatores e
em que não se pode apreciar com clareza um problema que coincida
com as categorias de situações estabelecidas para as quais
dispomos de tratamento.
(CONTRERAS, 2002, p. 97)
Nota-se que o Professor 1, se refere à
importância que impõe ao cumprimento
do que preparou para sua aula e que sob
quaisquer circunstâncias deve se efetivar
a transmissão do conteúdo; fica evidente
a perspectiva que faz com que tenha
domínio unilateral da interação com os
alunos e sobre a realidade na sala de
aula. É interessante notar um
distanciamento entre a sua prática
docente e a perspectiva atual da
concepção de uma aula voltada ao
desenvolvimento de condições que
possibilitem ao aluno o perceber a
realidade de forma linear, mas a maneira
de uma borboleta no seu vôo.
O Professor 1, responde sobre a relação
entre teoria e prática, expressando-se da
seguinte maneira:
Por exemplo, a teoria, quando você passa para o aluno a teoria, é
muito fácil, até quando você está bem embasado, é facílimo, você
passar para o aluno a teoria em sala de aula. Relacionando isso
com a prática, eu acho muito importante que haja sempre um estágio
[...] Agora, como exemplo, eu vejo, como orientadora de estágio, que
eles colocam muito bem em prática, até muito mais do que a gente
ensina em sala de aula.
Apesar da condição atribuída a si mesma
de transferidora do conhecimento, a
concepção da profissionalidade docente
deve promover, nos dias atuais, a
autonomia, esta não ocorrerá sem
assumir a parcela que cabe ao professor
na construção do conhecimento e o
esclarecimento de suas implicações
sociais e ideológicas do seu e do contexto
do aluno. Para Freire
(2004a, p. 47), a
formação (inicial e continuada) docente deve
tratar o compromisso de ensinar pela seguinte
óptica:
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a
indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas
inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que
tenho - a de ensinar e não a de transferir conhecimento.
É preciso insistir: este saber necessário ao professor - que ensinar
não é transferir conhecimento - não apenas precisa de ser
apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser -
ontológicas, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também
precisa de ser constantemente testemunhado, vivido. (grifos do
autor)
Ao apontar como diferencial da
criatividade a fase de estágio, quando
afirma que o aluno coloca muito mais em
prática do que a gente ensina em sala de
aula”, ele se desenvolve mais, corrobora
com as observações que Schön (2000)
faz nos estudos sobre a importância de se
aprender concomitantemente com a
prática. No entanto, ao fazer uso do
verbo passarno sentido de transferir, no
início de sua fala, confronta com a idéia
freireana de que ensinar é muito mais que
transferir informações, mas possibilitar a
construção do conhecimento com os
alunos.
Apresento as respostas que mais se
destacaram do Professor 2, 26 anos de
docência e 10 anos só no CEFETMT, com
graduação em Engenharia Elétrica e com
especialização na área. Este sujeito,
representa um novo contingente de
professores, isto é os que além da
graduação possuem um curso de
especialização.
O Professor 2, responde que sua
corrente teórica está na sua tendência de
trabalhar aproximando a teoria da prática”.
Ouçamos a voz em duas respostas dadas
pelo Professor 2, no aspecto das
conexões entre a disciplina ministrada e a
relação dialética com os alunos:
... quando a gente ensina a tecnologia para o aluno, a eletrônica, a
eletricidade, a gente não pode desvincular esse assunto do meio que
você vive e hoje as questões políticas, as questões científicas estão
todas ligadas uma com a outra. [...] não tem como ... ser professor
somente daquele assunto, ... tem que fazer com abrangência maior
[...] levando o aluno a conhecer e criar até um senso crítico sobre
aplicação daquilo que ele está aprendendo no contexto que ele
trabalha, que ele vai desenvolver ao longo da sua vida.
...nós que trabalhamos com tecnologia, nós nos prendemos muito a
estudar as causas, os efeitos dos fenômenos elétricos, eletrônicos e
às vezes nós esquecemos um pouco do lado de relacionamento às
vezes com o próprio aluno aonde pode chegar ... algumas críticas...
O Professor 2 demonstra intenção de
trabalhar com assuntos que se referem às
questões urgentes da atualidade; porém,
parece apontar para dificuldade que o
relacionamento com o aluno, este parece
ser deixado de lado face a ênfase dada à
formação técnica.
O professor 2, respondendo sobre como
age diante de situações inesperadas, diz:
Situações inesperadas que eu entendo são situações onde um aluno
te faz uma pergunta aonde vo tem como demonstrar a ele na
prática aquilo que ele perguntar, [...] em relação a um equipamento,
ao funcionamento de uma determinada máquina, a saída que a gente
tem é usar comparativos, às vezes você usa formas comparativas de
explicação aonde você leva o aluno a formar uma idéia daquilo que
ele mesmo procurou saber; então, a gente tem uma forma rápida até
e prática de sair dessa situação, deixando o aluno com satisfação e
contente de ter aprendido algo que o professor facilitou para ele.
Nas palavras do professor 2, confrontadas
com as duas primeiras apresentadas
percebe-se, outra dificuldade, a de
efetivar em sua aula questões paralelas.
Assim, este professor guarda a
expectativa de contribuir com
esclarecimento do aluno quando afirma
que as questões científicas e políticas
estão interligadas, mas parece ter
dificuldades para efetivá-las, conforme
fica evidente em sua resposta dada
acima, ou seja, ele não ultrapassa os
livros que têm lido para embasar a sua
prática pedagógica, que podem até
confirmar sua prática pedagógica, no
entanto, parecem apontar mais para dar
suporte para a disciplina com a qual
trabalha. Ouçamos, então, o Professor 2:
... tenho lido livros bem relacionados com a área, por estar dentro de
um contexto tecnológico, aos avanços, a velocidade dos
acontecimentos é muito grande; então, [...] os livros que eu tenho
lido, que eu manuseio, são livros bem direcionados da área mesmo,
elétrica.
Com relação ao Professor 2, este
apresenta uma aparente contradição
entre o seu discurso bem intencionado e
sua prática pedagógica. O discurso bem
intencionado parece tornar-se
inexeqüível, pois o aluno é visto como
mero mantenedor de engrenagens ou, em
outras palavras, essas e as ferramentas
serão as únicas coisas com as quais ele
interagirá (sic) em sua vida profissional.
Isso equivale dizer, que o aluno não
precisaria ir além da manutenção de
equipamentos, o que faz rechaçar as
implicações morais que o professor
exerce sobre a vida dos alunos.
Desenvolver sua docência apenas nessa
dimensão, isenta das contribuições dos
estudiosos da educação para uma
formação continuada de sua docência,
além de não responder as exigências
atuais do exercício pedagógico e impede
reflexões sobre sua prática docente.
Para encerrar a contribuição dada pelo
Professor 2, observo que sua interação
com o aluno mediada pelo conhecimento
possibilitaria um exercício e uma
introspecção mais aguda da importância
da interação humana, em contraste com a
mediação enfatizada nos equipamentos.
Apresento, agora, as respostas que mais
se destacaram do Professor 3, vinte e
quatro anos de docência no CEFETMT,
engenheiro eletricista, com Mestrado na
área de Processamento de Informação.
Esta análise torna-se importante pela
perspectiva de ampliar a possibilidade de
ação da educação profissional com a
contribuição eivada de uma experiência
esclarecida e enriquecida pelo tempo
desse sujeito, não obstante os
impedimentos de ordem regulatórias que
norteiam a Instituição em relação a uma
educação mais integral dos alunos.
Cito, inicialmente, a fala do Professor 3, à
qual responde sobre a corrente teórica
que mais se identifica:
Olha, basicamente o existe uma corrente específica, porque toda aquela
estória a gente no início ênfase no professor, depois ênfase no conteúdo,
depois aquela que envolve a dialética, em praticamente eu sou mais nessa
última recente, que envolve o professor, o aluno e a interação entre eles,
não existe um centro propriamente dito, uma interação, se leva em
consideração todo o histórico do aluno, a ênfase é aquele processo todo; a
interação do professor/aluno, não existe um centro; então, basicamente, eu
não me prendo àquela corrente, existe uma prática que gradativamente
nesses anos vai evoluindo, você sente que vai evoluindo, a própria
sociedade evolui, a forma dos alunos se comportarem; então esse processo
gradativamente vai se evoluindo. (grifos nosso)
Na perspectiva do Professor 3, a interação entre o professor e o aluno decorre de sua prática
em sala de aula, que faz parte de um processo maior que é a interação. Com relação ao outro
(o aluno), percebe-se em suas palavras, que não manifesta conotação de “objeto”, pois ao
trazer à superfície o conceito de “interação”, sua presença e a do aluno aparentam ter a mesma
importância. Tardif (TARDIF & LESSARD, 2005, p. 36), sobre este assunto afirma que:
[...] docência é um trabalho cujo objeto não é constituído de matéria inerte
ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas capazes de iniciativa
e dotadas de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos
professores.
Assim, o Professor 3, o parece desarticular outras dimensões da docência, como a
profissionalidade, o trabalho, o aluno, o conhecimento, entre outras; mas, pelo contrário,
confirma uma tendência que vem sendo apresentada pelos estudiosos da ciência da educação
na contemporaneidade. Tardif diz ainda que o trabalho com gente “trata-se [...] do âmago das
relações interativas entre os trabalhadores e os ‘trabalhados’ que irradia sobre todas as outras
funções e dimensões do métier.” (Ibdem, 2005, p. 36)
O Professor 3, contribui para trazer à superfície uma discussão muito importante para o seu
contexto de uma escola profissionalizante e pública, que passa pela importância que constitui
a sua presença no processo da construção do conhecimento. O discente, pelas palavras do
Professor 3, oportunizado a sublinhar, na perspectiva ética, sua voz e vez de se oferecer como
um ser, deveras, inacabado, porém, pode possibilitar, talvez, aspecto que o leve a se perceber
incluso e curioso.
Considerar e respeitar, nessa perspectiva, os saberes trazidos pelos alunos, torna emblemática
a idéia de que não um vazio a ser preenchido, mas conhecimentos para serem acrescidos,
enriquecidos e melhorados com aportes teóricos e práticos; Na verdade, qualquer forma
menos digna de tratar o saber do aluno, pode ter como efeito o arrefecer de sua
espontaneidade criativa, conforme apresenta Freire (2004a, p. 59/60):
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético,
a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua
prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que
“ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima,
tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de
propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar
respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride
os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.
Denota-se da resposta anterior do professor 3, conforme já observado, que na interação não se
denota hierarquia, mas uma oportunidade de aprender, que fica mais clara na resposta a seguir
desse mesmo professor, sobre participação do aluno na produção do conhecimento em sua
aula. Ele reconhece que entrega o “produto pronto”, mas busca minimizar essa transferência
com o saber trazidos pelos alunos, denotando além de respeito ao seu corpo discente, uma
forma de problematizar indo além do prescrito pela formação com aporte na racionalidade
técnica. Vamos à sua fala:
[...] tenho procurado algum tempo, sempre que possível, antes de
entregar o produto pronto, questionar o que eles sabiam disso e muitas
vezes nessa área técnica, algumas vezes têm alunos que já exercem a prática
em determinadas empresas [...] e alguns contribuem com conhecimentos
práticos muito maior até que o meu, e isso
enriquece
de forma
significativa a aula.(grifos nosso)
Esse professor, a meu ver, parece reconhecer que em sua prática entregar o produto pronto”
não atinge a compreensão que se espera com a construção de conhecimento; por outro lado,
acena, ainda, com a reflexão sobre a própria docência. Esta sua atitude, também, articula-se a
uma outra, que é a valorização do saber do aluno, pois ao franquear a narração da experiência
sobre o assunto não o toma como tábula rasa. Possibilita, portanto, não ver o aluno conforme
a imagem crítica descrita por Freire (2004b, p. 58):
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais, ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador.
Quanto mais “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto
melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto
melhores educandos serão. (grifo do autor)
Schön (2000, p.79) oportunamente traz luz sobre quais significados educação e treinamento
podem conotar, citando carta recebida do seu amigo, o Professor Thomas Cowan:
O velho Carl Gustav Jung é o meu preferido em educação. Você sabe que,
diferentemente de Freud, para quem a psicanálise é um ramo das artes
curativas, Jung sempre insistiu em que ela é uma propedêutica, um ramo da
educação. Para ele, educação é aquilo que alguém faz para si e por si. Daí a
irrelevância universal de todos os sistemas de educação... essa visão forçou-
me a distinguir educação de treinamento: educação é o processo de auto-
aprendizagem; treinamento, aquilo que outros fazem você fazer... o que os
(assim chamados) sistemas de educação estão realmente fazendo? Por
exemplo, descobri que a faculdade de direito inicialmente treina os
estudantes para ouvir... pensar e falar como o resto da profissão. Qual é,
então, sua função educacional? Levar você à loucura com seu movimento
incessante para educá-lo. O processo é ou parece ser um terrível
desperdício, ainda que alguns acabem se educando. Se o professor tivesse
um porrete e batesse em sua cabeça toda a vez que você tentasse fazer com
que ele o educasse, a coisa estaria terminada em menos de um semestre. [...]
(grifo do autor)
Neste ponto da análise, eu mesmo me pergunto e considero imprescindível esclarecer sobre a
presença do educador brasileiro Paulo Freire, que sempre esteve ligado aos aspectos da
educação mais elementares na perspectiva libertadora; enquanto, que o estadunidense Donald
A. Schön, o me promoveu esta estranheza ao se falar da educação profissional pelo seu
trabalho sobre educação em arquitetura do Instituto de Tecnologias de Massachusets (EUA),
nos anos 70.
Acontece que Paulo Freire trabalhou - dos 22 aos 29 anos - no SESI (Serviço Social da
Indústria), na sua Divisão de Educação e Cultura, do Estado do Pernambuco, cujo campo de
experiência, de estudo, de reflexão, de prática constituiu experiência significativa e
indispensável à gestação do seu livro Pedagogia do oprimido. Porém, conforme adverte o
próprio Freire (1997, p. 18):
Nunca um acontecimento, um fato, um feito, um gesto de raiva ou de amor,
um poema, uma tela, uma canção, um livro têm por trás de si uma única
razão. Um acontecimento, um fato, um feito, uma canção, um gesto, um
poema, um livro se acham sempre envolvidos em densas tramas, tocados por
múltiplas razões de ser de que algumas estão mais próximas do ocorrido ou
do criado, de que outras são mais visíveis enquanto razão de ser. Por isso é
que a mim me interessou sempre muito mais a compreensão do processo em
que e como as coisas se dão do que o produto em si.
A partir da concepção de que o trabalho de Paulo Freire tangencie o romântico, o utópico,
parece-me, que o espectro de uma angústia, talvez, possa ficar no ar. Após um longo percurso
de influência da racionalidade técnica, não está na hora de outras dimensões humanas
fazerem-se presentes na tarefa complexa da educação, em especial da educação profissional?
Quem sabe resposta e pergunta se encontrem em uma outra oportunidade.
17
17
Cf. Rios (2003, p. 43): “num mundo em que se defrontam a afirmação de uma razão instrumental e a de um
irracionalismo, é preciso encontrar o equilíbrio, fazendo a recuperação do significado da razão articulada ao
sentimento e, no que diz respeito ao ensino, a reapropriação do afeto no espaço pedagógico.”
Retornando às palavras do Professor 3, destaca-se que uma outra questão própria de um
professor que reflete sobre sua prática quando responde sobre sua compreensão acerca da
relação teoria e prática:
[...] eu tenho muita prática, eu tenho muita facilidade de fazer essa relação
de teoria e prática, inclusive às vezes com meus alunos, dependendo das
circunstâncias, muitas vezes eu primeiro dou aquele embasamento teórico e
depois a gente vai para a prática para fazer aquelas comprovações, mas em
certas situações necessidade de você fazer a prática primeiro, você
mostra aquilo e depois você vai entender o porquê que aquilo aconteceu e
das duas formas eu acho que uma completa a outra e o resultado é bom [...]
Quando chego no laboratório aqui na escola muitas vezes fico parado e
já fiquei sabendo que não houve um curso, mas eu mesmo já fui lá, peguei os
manuais, tudo em inglês muitos, traduzi, precisava de computador, já fui
atrás, arrumei o computador e [...] os alunos, quando têm a prática [...] eles
ficam muito mais motivados do aprendizado; então, eu dou muito valor e
exeo muito essa atividade, a relação teoria e prática, eu acho isso muito
importante.
A questão que envolve a teoria e a prática são interessantes abordagens trazidas à superfície
pelo Professor 3, porque, a meu ver, elas não promovem uma dicotomia radical entre os dois
conceitos; ao contrário, sua atitude de buscar “fazer com que a coisa funcione” com a
participação dos alunos; ao traduzir manuais em inglês, para que equipamentos não fiquem
parados no laboratório ou constitua motivo para que não haja cursos por falta deste ou daquele
recurso; parece centrar em uma prática de busca alternativas, denotando, assim, um
profissional incomodado e não um que se aproxime daquele com o piloto sempre ligado no
automático ou que o quer um encontro com o desespero, conforme discute Perrenoud
(2002).
Explorando mais um pouco a resposta dada acima dada pelo Professor 3, pode-se aproveitar a
contribuição de Perrenoud (ibdem, p. 52), ao afirmar que a “preguiça intelectual inibe a
prática reflexiva”, pois
Quais são os ingredientes necessários para ir além do benefício imediato?
Sem dúvida, curiosidade e vontade de saber mais, ingredientes que
distinguem aqueles que fecham um livro depois de [...] encontrar a
informação desejada daqueles que adoram a brincadeira e continuam a ler...
Perrenoud (ibdem, p. 52) afirma que um “profissional reflexivo nunca deixa de se
surpreender”. Enfatiza, ainda, esse mesmo autor: “Esperamos que os saberes desencadeados
pela experiência sejam fecundados por uma grande cultura na área das ciências da educação”
(Ibdem, p. 52-3).
É preciso distinguir dois profissionais docentes da educação. O primeiro, possui formação na
própria área, com todos os cabedais oferecidos para a formação docente. O segundo, é o
professor que trabalha à docência profissionalizante, como já referido, possui um curso
baseado nas ciências exatas, engenharia civil, elétrica, ou sociais, economia, ciências
contábeis, entre outros; nos quais, ao que parece, ocorre opcionalmente a devida
complementação didático-pedagógica, para oferecer condições mais amplas ao exercício da
sua docência, conforme determina a própria lei referida anteriormente.
Na perspectiva da prática reflexiva, a formação docente tem a possibilidade aproveitar o
capital de saberes acumulados dos que estão na prática docente.
A profissão docente gravita em torno do trabalho com seres humanos e a maneira como o
professor intercambia as dimensões humanas que o inevitável encontro requer. A partir daí,
os atores talvez se reconheçam possuidores de “preferências, hesitações, lacunas, falhas de
memória, preconceitos, desgostos e atrações, entre outras fraquezas inerentes à condição
humana” (Ibdem, p. 58) e que estão sempre na possibilidade de agir, mas, igualmente, de
reagir.
Perrenoud (ibdem, 198) respondendo à própria pergunta sobre o por quê da necessidade de
inserir uma postura reflexiva na identidade profissional dos professores assim diz:
Em primeiro lugar, para livrar os profissionais do trabalho prescrito, para
convidá-los a construir seus próprios procedimentos em função dos alunos,
da prática, do ambiente, das parcerias e cooperações possíveis, dos recursos
e limites próprios de cada instituição, dos obstáculos encontrados ou
previsíveis. (grifo do autor)
Portanto, ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, assevera Freire (2004a, p. 30/1),
não por parte do professor, mais amplamente pela escola, pois adquire uma dimensão
maior às discussões sobre os problemas que envolvem os saberes socialmente construídos.
A partir de agora, apresento o Professor 4, com oito anos de CEFETMT, graduado em
Engenharia Elétrica, Doutorado em Processamento de Informações. Os comentários desse
sujeito, na composição desta análise, é importante. Desta maneira, acredito enriquecer o
quadro da análise fechando com mais este sujeito da pesquisa.
O professor P4, fala sobre como aproveita a criatividade do aluno:
... costumo trabalhar muito a questão de criatividades em sala [...]
trabalho exercícios com um formato final e costumo exigir que eles
trabalhem exatamente essa idéia de cada um desenvolver uma
versão final e estimulando bastante a questão da produção,
estimulando inclusive a questão da publicação no final desses
trabalhos com artigos ou trabalhar como pesquisa, quando é
possível. Então, a tendência é realmente bonificar ou com notas ou
com publicações aqueles que se destacam com relação à
criatividade, tanto em beleza, quanto no aspecto técnico dele. Então,
a idéia maior é exatamente deixar livre a construção deles, passar o
projeto, porém deixar a eles a construção do projeto, deixar a
resposta a eles. Então, numa turma de vinte alunos, eu posso ter
vinte respostas diferentes para um mesmo exercício.
Esse professor estimula a criatividade, mas o produto da “criatividade” do seu
aluno encontrando interface na sua concepção de “criatividade”, “beleza” e “aspecto
técnico” serão dignos à “bonificação”. Nesta, é bastante nítida uma certa presença
behaviorista
18
em sua prática pedagógica, pois o “bônus” será oferecido àqueles
trabalhos mais “criativos”, em uma perspectiva pessoal de criatividade.
O aluno não contemplado ainda pode ser criativo, percebendo que o trabalho
“bonificado foi mais “criativo” do que o seu; então, poderá copiar - resignado e
bastante “estimulado” em busca de “bonificação” - o padrão de criatividade do
colega que teve o seu trabalho reconhecido como o melhor. Assim, o aluno que não
é criativo resolverá questões mais intrínsecas do seu problema em criatividade.
A imaginação foi a primeira possibilidade humana, segundo a filosofia,
inquirida sobre a natureza e os seus movimentos, este que em grego significa
kínesis, cujas alterações podem ser notadas quantitativa, qualitativa e de lugar. As
respostas em forma de Mýthos (palavra proferida, histórias, narrações), que
18
Para Maria cia de Arruda Aranha, (In: Filosofia da Educação, 2000 : 130): O empirismo e o positivismo
caracterizam a tendência naturalista que marca fortemente o início da constituição do método das ciências
humanas, no final do século XIX e no começo do século XX. [...]
Outra Corrente de psicologia que tem exercido influência na pedagogia contemporânea é o behaviorismo (de
behaviour ou behavior, conduta) ou psicologia comportamentalista. Oriunda da mais autêntica tendência
naturalista e inspirando-se inicialmente nas experiências com reflexo condicionado levadas a efeito pelo russo
Pavlov [...] desenvolveu-se com a contribuição de Skinner (1904-1990).
obtivemos quase três mil anos, continua fazendo parte ainda do repertório da
possibilidade racional humana. Quem até hoje não bate três vezes na madeira para
espantar a sorte? Ou, quem não sente-se incomodado com certas
coincidências, por exemplo: um gato com pelagem preta atravessando-lhe a frente
numa sexta-feira, treze?
Grosso modo, objetivo deixar em relevo que apesar do alcance tecnológico,
esse traço da evolução ainda continua interferindo na nossa visão de mundo e
sendo o ponto de partida para explicações racionais. O exercício à imaginação, no
entanto, sofre um processo de desvalorização a partir da socialização, que se
ainda na infância, com o “aprendizadoda censura às próprias idéias, resultado do
medo de represálias, gozações ou críticas - esta característica é evidente na
sociedade ocidental. Decorre, a partir daí, de certa maneira um certo prejuízo à
criatividade, com o passar do tempo auto-censura-se mais, então a pessoa começa
a hesitar ao expor os próprios pensamentos, haja vista “o reflexo do medo de
cometer erros, que é talvez uma das principais barreiras à produção de
idéias.”(ALENCAR, 2002, p.62)
Assim, guardando-se a “avaliação das idéias, conforme Eunice Soriano de
Alencar, no primeiro momento abre caminhos à liberdade de pensar. Na exposição
das primeiras idéias a avaliação deve ser suspensa, pois se trata de um processo de
amadurecimento e de busca, que vai melhorando à medida em que o aluno se sente
“desamarrado”, livre (leve e solto) para imaginar; mas, tê-las por mais ridículas,
inusitadas, inapropriadas e inconvenientes que possam parecer à primeira vista.
(ALENCAR, 2002, p. 62)
O princípio do condicionamento se baseia no associacionismo. Segundo essa teoria, a aprendizagem se faz
quando associamos dois estímulos, sendo que um deles funciona como reforçador de uma resposta.”
É importante destacar que o trabalho docente é constituído de condicionantes
que o faz complexo, não frente às situações inusitadas em face da interação
entre professor e o seu aluno, mas também na perspectiva de que sua formação
como trabalhador da educação nunca cessa o compromisso com sua própria
formação e a abrangência desta.
O exercício docente pleno requer, além da prática e do conhecimento da
disciplina ministrada, a mediação pedagógica, que orienta os princípios do ensino e
aprendizagem na sala de aula, combinando fatores importantes para ampliar a visão
do educador com relação a sua presença como importante agente transformador
social.
Portanto, o docente o foge da necessidade, em seu efetivo exercício na
sala de aula, da mediação pedagógica centrada no diálogo, porque este é da
natureza humana, entre ele e o(s) seu(s) aluno(s). No enfrentamento das
problemáticas, professor e aluno buscam caminhos desafiadores que levam à
superação, ou nas palavras de Freire (2004a, p. 25):
É isto que nos leva, de um lado à crítica e à recusa ao ensino
“bancário”, de outro, a compreender que, apesar dele, o educando a
ele submetido não está fadado a fenecer; em que pese o ensino
“bancário”, que deforma a necessária criatividade do educando e do
educador, o educando a ele sujeitado pode, não por causa do
conteúdo cujo “conhecimento” lhe foi transferido, mas por causa do
processo mesmo de aprender, dar, como se diz na linguagem
popular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro
epistemológico do “bancarismo”.
O necessário é que subordinado, embora,
à prática “bancária”, o educando
mantenha vivo em si o gosto da rebeldia
de arriscar-se, de aventurar-se, que de
certa forma o “imuniza” contra o poder
apassivador do “bancarismo”. (...) Esta é
uma das significativas vantagens dos
seres humanos - a de se terem tornado
capazes de ir mais além do que “manda”
seus condicionantes.
Muito embora uma instituição pública de ensino profissionalizante represente
as forças econômicas, pois oferece ao mercado de trabalho mão-de-obra específica
e qualificada, cumprirá apenas parte do que pode fazer se seus educadores não
levarem à sala de aula questões da sociedade atual. Além disso, e mencionado,
a gênese de muitas construções que fazem parte da paisagem social não pode
desestimular o olhar curioso do estudante, mas provocá-lo e instigá-lo à criticidade.
Ouçamos, então, a resposta dada pelo
Professor 4, quando perguntado sobre
abordagens dos acontecimentos
cotidianos, a sociedade, a ecologia, a
política e a responsabilidade sobre o
contexto.
Eu tento, na realidade, fazer com que ele interligue isso, porque
informática na realidade, ela traz um contexto muito duro e muitas
vezes afasta ele dessa realidade do meio ambiente. A informática
busca e muitas vezes deixa o aluno e dá essa impressão da pessoa
estar afastada do mundo, isolado, para poder estar trabalhando.
Então, realmente é difícil trazer o sentido de ecologia e a gente ter
um contexto transversal com a idéia de ecologia. (grifos nosso)
O caráter emancipador da educação frente às reproduções das construções
sociais no atual momento, não pode passar pelo isolamento do aluno. Para Freire
(2004b, pp. 83/6): “A educação autêntica [...] não se faz de A para B ou de A sobre
B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo.”
O Professor 4, inicia sua fala dizendo que
tenta, mas ao final irrompe com é difícil;
a meu ver, apresenta dificuldade em
envolver os alunos em outros diálogos.
No entanto, entre sua intenção e a difícil
tarefa está a parafernália tecnológica, não
é o mundo que se encontra mediatizando
a relação ensino e aprendizagem.
Aproveitando, ainda, a contribuição do
Professor 4, salta um questionamento
preocupante, que envolve o aluno e futuro
profissional dando as costas para o
mundo e para o ser histórico que ele é.
Agregando a esta a objeção de que a vida
deste hipotético profissional não estaria
resumida ao que constitui sua
instrução, pode-se, porém, em um
apressado exercício de imaginação, dizer
que: isolando-se, este possivelmente terá
dificuldades com a alteridade.
Para Freire (2004b, p. 86): “Será a partir
da situação presente, existencial,
concreta, refletindo o conjunto de
aspirações do povo, que poderemos
organizar o conteúdo programático da
educação ou da ação política”.
O profissional da educação, portanto, passa a estimular a associação de sua
prática pedagógica com o cotidiano da Instituição através do exercício interativo, ou
seja, as observações sobre o próprio contexto e as conexões com sua prática
pedagógica favorecem a aproximação com sua realidade. Talvez o faça adquirir
atitudes simples, como por exemplo: saber ouvir experiências acumuladas que
podem contribuir com novos parâmetros na sua forma de trabalhar ou, mesmo,
saber quem compõe a vizinhança de sua escola.
Portanto, o ambiente escola necessita do componente humano para fazê-lo
verdadeira e socialmente útil, pois as gentes dão a subjetividade para a estrutura
física que o compõe. Daí, muitas vezes, comentamos: a escola do diretor fulano;
na época do coordenador pedagógico beltrano, sim, era boa; cicrano dava ritmo à
escola. Isto significa que para desenvolver educação de qualidade social, a escola
profissionalizante necessita construir um projeto político pedagógico que articule a
história ao mundo do trabalho, em uma perspectiva de humanizar cada vez mais o
ser humano.
Como premissa para o professor,
vale recordar Gadotti (2001, p. 88) ao
afirmar que educar objetiva conscientizar
frente ao mundo; então, “a educação é
ato essencialmente político”,
acrescentando a esta que se o professor
é quem faz essa mediação, segue-se que
a sua ação não pode possuir contornos
estanques à sua formação específica ou a
prática pedagógica, ou, mesmo, ao
pedagógico, porque se constitui a
docência em um agir político, não pode,
pois, permitir a morte do espanto diante
do que acontece no mundo, mas o
revigorar da análise crítica que compõe a
trama social que envolve os seus atores.
Gadotti (ibdem, p. 89) contribui ao
falar do encontro entre o discurso
pedagógico e a realidade:
Uma visão dogmática das teorias pedagógicas esconde o essencial,
a realidade que não se adapta definitivamente à nenhuma teoria. Foi
no grande livro da realidade que aprenderam os grandes teóricos e
não outro caminho para aprender. Tenho medo dos educadores
que ficam lendo livros de educação como temo aqueles que nada
lêem.
Assim, a educação possui a
possibilidade de vaguear com o tempo
histórico e o tecido social, mas o educador
comprometido pode levá-la além do seu
tempo, inspirar e mesmo propor
dissidências ao problematizar temas
vigentes relacionados com as
contradições em que vive a sociedade,
até como uma forma de se proteger das
forças que procedem dos setores mais
influentes da sociedade.
O educador faria da escola um
oásis, mantendo-a funcionando até
mesmo nos momentos de crises
econômicas ou de guerras. Assevera,
ainda, Perrenoud que a “[...] escola não
tem a vocação para ser instrumento de
uma determinada facção e nem de
partidos no poder. Ela pertence a todos.
(PERRENOUD, 2002, p. 190)” Está aí,
talvez, o coração da profissão docente,
tendo como perspectiva o seu
compromisso político.
Ora, sendo o trabalho o diferencial
pelo qual o ser humano humaniza a
natureza e também supera sua própria
condição...; e, reconhecendo, inclusive
legalmente, que a educação e, em
particular, a educação profissional deve
preparar o jovem para um exercício
profissional no mercado de trabalho, como
é sabido sobre as várias dicotomias, como
por exemplo: entre prática e teoria,
trabalho intelectual e manual, decorrente
do que afirma Aranha (2000, pp. 211-12):
A apropriação do saber tem sido sistematicamente negada às
camadas pobres, o que se verifica pelos altos índices de exclusão,
evasão, repetência e, ainda, pelo dualismo escolar, em que aos ricos
é oferecida a formação intelectual, com abertura para a formação
superior, e aos pobres a escola profissionalizante [...]
As camadas mais pobres da
sociedade acorrem às escolas
profissionalizantes públicas desde as
primeiras dessas instituições, como
demonstram os estudos histórico e crítico
sobre as mesmas. Então, o trabalho da
docência profissionalizante parece
reduzido, se o efetivo exercício de sua
profissionalidade não supera o
“bancarismo”, ou seja, fica limitado
“somente” para a entrega de pacotes
prontos, talvez, para, em um esforço de
superação, adquirir o hábito de refletir
sobre sua prática e ressignificar os
conceitos trabalhados, com vistas a
contribuir com uma concepção mais
conexa do teórico e do prático e a
realidade vivenciada pelo aluno.
Então, o professor que atua na
docência profissionalizante possui um
campo fértil - com pedras no caminho, é
verdade - de luta, o qual ele não pode
ignorar, mas pode ir ao encontro dos
desafios propostos pela realidade, que
irrigue sua prática com possibilidades de
ampliar sua intervenção no contexto
social. Para que esta intervenção se
torne significativa, a formação docente,
como um todo, e mais especificamente a
do educador profissionalizante, pode ser
completa nos seus aspectos didáticos,
filosóficos e sociológicos. Recorrendo a
Rios (2003, pp. 136), que sugere:
a superação da fragmentação: a necessidade de um diálogo
dos saberes que se encontram na ação docente, a revisão de
conteúdos, métodos, processos avaliativos, apoiada em fundamentos
consistentes;
a superação da massificação decorrente da globalização: a
necessidade de uma percepção clara das diferenças e
especificidades dos saberes e práticas para um trabalho coletivo e
interdisciplinar;
a superação de um embate entre a razão instrumental e o
irracionalismo: a necessidade da descoberta e valorização da
sensibilidade, a articulação de todas as capacidades dos indivíduos.
Da palavra superação para mim, em sua
semântica mais prosaica emerge:
processo; mobilidade, porém, para cima e
na vertical; (r)evolução; alteração do
significado junto à realidade, porque esta
com o trabalho tende à mudança.
A exigência de que a docência
profissionalizante seja mais humanizada,
se supere, prende-se o fato de que o seu
aluno e profissional deve se afinar ao
sistema produtivo com algo a mais do que
o seu “arquivo” abarrotado de
informações, gestos e raciocínios
técnicos. Adverte Marco Antonio Oliveira,
no seu texto intitulado “O mundo do
trabalho” (In: A construção da proposta
pedagógica do Senac Rio. - Rio de
Janeiro: Ed. SENAC Rio, 2000, p. 88):
quarenta anos, um técnico de bom nível poderia soltar os
cachorros sobre todo mundo, poderia ser um sujeito irascível,
irrequieto, irritadiço, briguento, mal-educado e tudo seria tolerado
porque era um grande técnico. Hoje não. Essa pessoa perde o seu
lugar imediatamente. A competência emocional, a capacidade de
lidar com os próprios sentimentos e com os sentimentos dos outros é
fundamental num mundo onde os sentimentos são testados o tempo
todo pelos absurdos das situações.
A partir do fragmento citado acima, mais
uma pergunta se cala profundamente,
mas que abre espaço a uma interlocução
crítica. Em que medida um professor que
atua na docência profissionalizante, se
não desenvolveu as condições de refletir
sobre sua prática pedagógica, pode
contribuir para que o aluno e futuro
profissional também tenha condições de
responder aos absurdos das situações?
Sigo e faço minhas as palavras de Rios
(2003. p. 138), ao enfatizar que:
O ensino da melhor qualidade é aquele que cria condições para a
formação de alguém que sabe ler, escrever e contar. Ler não
apenas as cartilhas, mas os sinais do mundo, a cultura de seu
tempo. Escrever não apenas nos cadernos, mas no contexto de que
participa, deixando seus sinais, seus símbolos. Contar não apenas
números, mas sua história, espalhar sua palavra, falar de si e dos
outros. Contar e cantar - nas expressões artísticas, nas
manifestações religiosas, nas múltiplas e diversificadas investigações
científicas.
Paulo Freire (apud GADOTTI, 1992?, p.
255), no Simpósio Internacional para a
Alfabetização, em Persépolis, Irã, em
setembro de 1975, diz na sua conclusão
que: “Não basta saber ler mecanicamente
que Eva viu a uva”. É necessário
compreender qual a posição que Eva
ocupa no seu contexto social, quem
trabalha para produzir uvas e quem lucra
com esse trabalho”.
Ao professor da docência
profissionalizante, da área de automação,
por exemplo, não seria suficiente, nessa
perspectiva, ensinar ao seu aluno o
funcionamento e dar manutenção em um
“caixa eletrônico”, sem que tenha
consciência da implicação histórica, social
e política desse evento, que causou o
desemprego do segurança, da
recepcionista, do “caixa bancário”, dentre
muitos outros, não para fomentar ódio à
tecnologia, mas porque educar é
conscientização. Talvez, fosse um
desperdício de tempo, pode passar pelo
pensamento de alguns, mas considerar
desperta a possibilidade de que se pode
caminhar um pouco além.
Galeano (apud RIOS, 2003, p. 138-9)
discorrendo sobre a utopia, observa que:
Ela está no horizonte (...) Me aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para caminhar.
Ocorre um outro fenômeno curioso
advindo por força da globalização, que é o
incentivo ao aluno para que se mais
independente em relação ao “emprego”,
no sentido de que ele seja o dono do seu
próprio negócio. Esse advento, ao que
me parece, aponta para a recuperação da
autonomia das condições de trabalho, que
envolve o uso do tempo e a propriedade
das ferramentas, como lhe convier; que,
parece, fazer parte do processo da
reestruturação produtiva da sociedade
capitalista.
Qualquer semelhança com as
características da atividade artesã o se
fundamenta em mera coincidência. Em
síntese, isso não parece ser somente uma
estratégia didática para que o aluno se
torne também arrojado e criativo, mas se
assenta principalmente no fato de que os
postos de trabalhos estão em declínio, em
função dos ajustes promovidos pelas
empresas, como, por exemplo, diminuição
e “estreitamento” dos quadros
hierárquicos, bem como a automação de
várias tarefas, essas abordagens são
relevantes à formação crítica do aluno.
Paralelo às problemáticas mais urgentes
da atualidade, provocadas pelo advento
da globalização, está a historicidade
humana, ao qual o professor da docência
profissionalizante pode levantar questões
problematizadoras. Não isto, mas dar
ao aluno a compreender, de que ele não é
um espectador dos movimentos impostos
à sociedade, mas um expectador da
História e principal articulador.
Em consonância com o quadro delineado
acima, percebo significativa
responsabilidade da Instituição Escolar
Profissionalizante, pública. O
compromisso do professor que atua na
docência profissionalizante representante
daquela, porque o seu trabalho é
consciente e cuja a finalidade última é
educar; portanto, sua ação é práxis, pois
o seu compromisso é político e
transformador.
Perrenoud (2002, p. 203) alerta para que
o profissional da educação saia de sua
“passividade crítica”:
De que forma? A operação é delicada, pois não se quer dizer que os
futuros professores adotem uma visão única da educação. Seria
necessário encontrar algo equivalente a essa mensagem “cívica”
destinada aos eleitores: Votem em quem quiserem, mas votem!
Mais que doutrinação, deve-se utilizar análise e compreensão dos
desafios. Nesse sentido, uma formação nima nos âmbitos da
filosofia da educação, economia, história e ciências sociais não seria
uma atitude supérflua, ainda que esses saberes não fossem
aplicados de modo direto na sala de aula. Quantos professores não
perceberam nada quando o fascismo se instalou em seu país?
Muitos não têm a mínima idéia do custo real da educação, nem de
seu orçamento. A maioria conhece apenas rudimentos da história do
sistema educativo ou não tem uma visão clara das desigualdades
sociais e dos mecanismos que a perpetuam.
Para um novo éthos do professor, faz-se
necessário uma sólida formação teórico
prática que possa pela apropriação do
conhecimento apontado por Perrenoud,
seguido do saber pedagógico.
Para a definição da palavra éthos, recorro
ao Dicionário Houaiss (2001, p. 1271):
“conjunto de costumes e hábitos
fundamentais, no âmbito do
comportamento (instituições, afazeres,
etc) e da cultura (valores, idéias ou
crenças) características de uma
determinada época ou região [...]”.
A formação (graduação e continuada)
para a docência profissionalizante passa
pela reflexão sobre o paradigma
dominante da Instituição de Ensino
Público Profissionalizante, para que se
construir uma prática que se confunda
com a teoria.
Primeiro, o professor tem a possibilidade
de se ver como um trabalhador qualquer,
identificar e assumir as atividades
intrínsecas que caracteriza e fortalece a
profissionalidade docente. Segundo, que
a docência é de caráter essencialmente
praxista, pois tem implicações histórico,
social e política, que são condicionantes
materiais, dinâmicos e influenciadores do
mundo íntimo dos atores sociais. E por
último, o caráter interativamente denso do
trabalho docente tem implicações no
aspecto ético, pois sua atividade prática,
objetiva e intencional são referenciais
para avaliações críticas e valorativas do
patrimônio cultural da sociedade, que
somos herdeiros, porém com a
capacidade de escolha possibilita oferecer
dignidade ao agir humano.
Em Severino (1994, p. 140) encontramos
a seguinte contribuição:
Mas o que a educação tem a ver com a ética? Tem e muito. Em
primeiro lugar, a questão da moralidade de nosso agir é de caráter
universal, ou seja, interessa diretamente a todos os homens,
quaisquer que sejam as circunstâncias concretas que constituem
suas mediações históricas e sociais. Podem variar os conteúdos dos
sistemas éticos, mas todas as comunidades humanas vivenciam, sob
formas particularizadas, a sua sensibilidade ética. Assim, variam os
sistemas morais, mas não variam a exigência da moralidade e a
sensibilidade dos homens aos valores morais.
O refinamento das relações humanas não
pode ser produto de uma interação
regulada pela barbárie, d a esperança
nos recursos que a educação pode
favorecer para um pensar crítico e
cuidadoso do homem na atualidade. Ou
seja, não se sustenta mais reduzi-la
apenas à transmissão de conhecimentos
e técnicas que visem o conforto e a
sobrevivência, mas abri-la à pedagogia
dos valores humanos de cuja abordagens
transdisciplinares denotem sabedoria no
usufruto da vida, natureza e do
conhecimento científico que conquistamos
e que conquistarmos.
A forte crença na ilusão de que “cada um
é responsável por sua posição no sistema
produtivo” (ROSSI, 1980, p. 98), fomenta
um pensamento individualista e
espoliativo por parte de uma minoria, em
detrimento do bem estar da coletividade.
Portanto, é no aprimoramento da
consciência política que vise enfrentar e
solucionar os conflitos e as diferenças,
com clareza e análise crítica dos fatos
sociais, com vistas a uma sociedade mais
justa; despertando, ainda, discussões
que apontem para a concepção de que
não somos desconectados da natureza,
isto é, se influenciamos em sua ordem,
ela possivelmente retroagi com
desordem para restabelecer-se.
Postos de emprego em definhamento,
atividades laborais extintas, surgimento de
uma massa de ex-trabalhadores que não
conseguem se reprofissionalizar são
alguns dos problemas mais agudos que
enfrentamos na atualidade. Além disso,
ocorre migração de mão-de-obra para a
fabricação e comércio do que se
convencionou denominar de “produtos
piratas”, que são aqueles que estão à
margem dos tributos legais.
O medo de numa hora para outra perder o
seu emprego, assombra a todo momento
o trabalhador. Este estado de difícil
equacionamento não é mais assunto
isolado e distante, pelo contrário, é
doméstico e pode se dizer que é até de
Saúde Pública. A tecnologia, amiga da
produtividade do trabalhador,
transformou-se em inimiga em pouco
tempo, dando origem a legiões de
excluídos, deserdados e desesperados
domésticos e transnacionais. Esta
dissertação exige de mim em se tratando
da atividade prática apenas o
computador; antes, mais pessoas
estariam envolvidas em digitação,
correções, encadernação, entre outras
atividades de um gráfico, de um
datilógrafo. Mais despesas. Não sinto
saudade desse tempo, mas preocupa-me
o futuro, pois as evidências da prática
cotidiana me alertam que não me acho -
em hipótese alguma - imune.
A educação de cujo representante se faz
o professor, o constitui em mais um aliado
- não o único e nem o melhor - ,
principalmente porque o “diálogo pode ser
um passo importante no desenvolvimento
do processo de mudança”, afirma
Fernando Magalhães (MAGALHÃES,
2005, p. 57) e assevera Paulo Freire, que
ensinar exige disponibilidade para o
diálogo. Estes são ingredientes
indispensáveis para se fazer professor,
pois, ainda, para ensinar e formar tem ele
que estar aberto ao contorno geográfico,
econômico, ecológico e social dos
educandos. (FREIRE, 2004a, pp. 135/7).
Com Paulo Freire (2004a, p. 138) ainda
O fundamental é a minha decisão ético-política, minha vontade não
piegas de intervir no mundo. [...] No fundo, diminuo a distância que
me separa das condições malvadas em que vivem os explorados,
quando, aderindo realmente ao sonho de justiça, luto pela mudança
radical do mundo e não apenas espero que ela chegue porque se
disse que chegará. Diminuo a distância entre mim e a dureza de
vida dos explorados não com discursos raivosos, sectários, que
não são ineficazes porque dificultam mais ainda a minha
comunicação com os oprimidos. Com relação a meus alunos,
diminuo a distância que me separa de suas condições negativas de
vida na medida em que os ajudo a aprender não importa que saber,
o do torneiro ou o do cirurgião, com vistas à mudança do mundo, à
superança das estruturas injustas, jamais com vistas a sua
imobilização.
O professor, portanto, tem o seu papel
importante no contexto da educação; no
entanto, os condicionantes família,
sociedade, entre outras instituições
societais também concorrem para a
formação dos alunos. Mas, o professor
atrai para si responsabilidades
experienciais que exige respostas
contundentes frente aos inúmeros
representantes da sociedade com os
quais interage, principalmente os alunos,
jovens, adultos, crianças, oriundos de
todas as camadas. Essas respostas
devem estar “embebidas” de autonomia
cujo o exercício pleno passa pela
conscientização política do ato de educar
e a expectativa práxica da sua atividade.
À GUISA DE CONCLUSÃO
Assim, considerando as idéias acima
apresentadas, mas preferindo começar as
minhas conclusões com o foco
inicialmente na Instituição (CEFETMT),
posso inferir que esta ainda mantém uma
cultura de preocupações com os aspectos
mais formais que envolvem os alunos em
sua relação com a mesma. Uma delas
está evidenciada na obrigação do uso de
uniformes por parte dos alunos (e de
maneira mais sutil por parte do corpo
técnico administrativo), até mesmo em
detrimento do material escolar como
condição para sua presença em sala de
aula. Ou em última instância, sua
presença como ser humano que tem todo
direito em compartilhar do saber
intelectual, historicamente produzido.
Esta tradição entre outras, teve sua
origem no modelo fabril rígido, com o
objetivo de se obter como resultado um
cidadão “programado” para ser um
operário ou uma mão-de-obra adestrada.
Acontece que, conforme afirma Perrenoud
(PERRENOUD et al., 2001, p. 162/3), não
se pode na sociedade pós-moderna
pensar em “programação”, ou seja, na
composição da profissionalidade docente
atual, é atualmente aceitável um perfil de
profissional da educação autônomo e
responsável, capaz de inovar e de
construir estratégias flexíveis de ação.
Daí, o educador que atua professor
profissionalizante deve e pode questionar
a tradição da Instituição na qual trabalha,
e buscar junto, não só aos seus pares,
mas, inclusive à comunidade, caminhos
que possam envolver a todos em um
projeto comum, mas com possibilidade de
se trabalhar coletivamente, à feição de
uma cultura nascente.
O professor, portanto, deve se capacitar
com os aspectos intrínsecos que fazem
dele um educador, para poder refletir
sobre sua prática e, por conseguinte, dar
o suporte necessário ao seu aluno para
que possa ir além do que prescreve os
manuais técnicos. Além disso, situar o
conteúdo historicamente como resultado
do trabalho humano consciente, talvez,
nessa perspectiva possibilite que o aluno
também se veja como um agente
dinâmico e transformador dela através do
seu próprio trabalho crítico e criativo.
A ênfase dada a transmissão de
conteúdo, a meu ver, é um ponto de
convergência juntamente com uma
carência de articulação entre os
professores profissionalizantes, isto é, de
diálogo que vise ao pedagógico, pois,
pode possibilitar, na perspectiva
interdisciplinar e transdisciplinar, uma
aproximação do conteúdo ministrado com
a realidade, em objeção a situação em
que cada um mantém e defende seu
“território”.
O que se discute atualmente tem como
base emancipar o ser humano dos
condicionamentos que denotem idéias,
gestos, gostos, objetivos, entre tantas
outras padronizações que sofre. Ao
educador cabe justamente problematizar
e promover o diálogo com aluno/cidadão
sobre essas questões atuais, porque
urgente, porque é o seu compromisso
com a sociedade e com características
que dêem sustentação a sua
profissionalidade docente.
Morin (2003, p. 27) comenta que o
imprinting cultural marca os humanos
desde o nascimento, primeiro com o selo
da cultura familiar, da escolar em seguida,
depois prossegue na universidade ou na
vida profissional.” Daí, o aluno não
busca nos gestos e atitudes do professor
um modelo, como tende a segui-lo.
Portanto, o professor aberto para refletir
sobre sua própria prática, que possibilite
agir com criticidade exige intenso
trabalho, porque são conquistas pessoais
e não se pode tomar como um “presente
dos deuses”.
Em outra face da mesma moeda,
percebe-se uma convergência deveras
saliente, embora nas entre linhas, o fato
de que entre as respostas dos sujeitos
não houve qualquer alusão ao interesse
por programas de aperfeiçoamento que
contemplassem a formação contínua,
complementando a carência da dimensão
pedagógica, que também caracteriza a
profissionalidade docente, com vistas a
oferecer esse viés, que agregado ao seu
conhecimento da área específica e com a
prática pedagógica, possibilite
ressignificar o processo de ensino e
aprendizagem do professor
profissionalizante.
Portanto deste estudo ficam em
superfície, ausentes análises
problematizadoras e profundas, que
tangencie a necessidade da formação
contínua na perspectiva proposta do
professor reflexivo; o efetivo despertar do
compromisso de uma escola pública com
as questões mais pontuais pelas quais
passa a sociedade, como por exemplo:
desemprego, exclusão, injustiças sociais,
privilégios, nepotismos, entre tantos
outros. E, o exercício da docência como
representante da educação,
compreendendo a atividade pedagógica
como práxis.
No próximo e derradeiro passo desta
pesquisa, apresento as considerações
finais - como se isto possível fosse.
Recupero e coloco em relevo as questões
centrais que nortearam este trabalho: o
tema, o problema da pesquisa, objetivos e
resultados da mesma. Incluindo nestes, o
significado desta pesquisa em minha
visão pessoal, ou seja, o que para mim
representou este trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se alguém disser o nome definitivo das coisas
acaba a conversa. Quem deu o nome último, final,
unívoco das coisas, esse mata a discursividade, a
linguagem; mata a alma, a cultura, a literatura, a
poesia, a filosofia, a sociologia, a política e toda a
conversa dos mortais.
Pessanha, José Américo
Neste tópico final, resgatarei algumas
idéias centrais dos estudos sobre o
professor reflexivo, que deram suporte
para este trabalho e que permeiam esta
minha investigação. Levando-se em
consideração o caráter qualitativo deste
trabalho anoto, também, o que este
estudo em mim acrescentou.
O objetivo deste trabalho, foi pesquisar,
através do material verbal dos sujeitos da
pesquisa, a concepção da prática
pedagógica do professor
profissionalizante no CEFETMT. O
problema, portanto, que se constituiu
núcleo desse estudo foi constatar, em que
medida os condicionantes educação,
ensino e aluno, poderiam oferecer
indicativos sobre a concepção da prática
pedagógica desse profissional da
educação. Destaquei, para tanto, a
categoria ensino, pois, a meu ver,
representou a concepção que indicou
elementos substanciais, que me
permitiram entrever como se a prática
pedagógica do professor
profissionalizante.
Dentre os objetivos deste estudo, sublinho
a possibilidade de contribuir com outro
referencial teórico, que possa ampliar a
prática pedagógica do professor
profissionalizante, na perspectiva do
professor reflexivo.
Partindo dos pressupostos, abordados
pelos meus interlocutores, de que
prescinde para o exercício competente e
profissionalidade da docência de três
pilares: a prática pedagógica, o domínio
do conteúdo e, dentre os interlocutores,
Severino (1994, p. 89) aponta à
importância do campo educacional, ou
seja, do pedagógico, para completar os
aportes que sustentem a profissionalidade
do docente.
Constato, assim, que os sujeitos
entrevistados, possuem formações que os
habilitem ao exercício de profissões de
caráter técnico. Essas formações, lhes
conferem o domínio do conteúdo; o
“encontro” com os alunos a prática
pedagógica. No entanto, concl que se
encontra ausente a dimensão pedagógica
que completa a qualidade da docência
como profissão, para esses professores
profissionalizantes.
A título de esclarecimento, a formação
continuada não é o núcleo e nem
problema deste estudo, mas tão-somente
uma necessidade profissional que não
pude deixar de sublinhar, pois, observam
os interlocutores, que iniciar a formação
docente significa terminá-lo, porém,
grosso modo, jamais concluí-lo.
Então, mesmo reconhecendo os limites
desta minha pesquisa, a meu ver, a
formação continuada - como necessidade
e não mais como possibilidade - traz as
condições efetivas de abrir caminho à
prática reflexiva. Uma vez que, trinta e
poucos anos, a graduação era suficiente
para sustentar o trabalho do professor;
mas, hoje, com o dinamismo dos
acontecimentos proporcionados pelo
advento da globalização facilitada pela
transferência de informações de um lado
para outro do planeta, através da
informática, as mais diversas profissões
se vêem compelidas a acompanhar,
quando pode, esse movimento.
A prática reflexiva, resultado dos estudos
feitos por Donald Schön (2000), que
possibilita buscar explorar o “veio” que a
prática pode contribuir para a formação
inicial e continuada de algumas
profissões, entre elas na da docência, que
por muito anos buscou, até perceber que
sem sucesso, na racionalidade técnica
respostas e soluções sem consistências
para acontecimentos na profissão de
professor, por exemplo.
Porém, algumas profissões, como
abordado, entre elas a de professor, teve
sua formação ancorada no paradigma
epistemológico da racionalidade técnica.
O que levou Schön (2000, p. 18/9) a
observar que a crise de confiança tinha
como ponto de partida as escolas de
educação profissional, pois as mesmas
não conseguiam ensinar os rudimentos da
prática ética e efetiva. Além disso, as
profissões especializadas estavam sendo
acusadas de ineficácia e inadequação.
Schön (2000), observa, portanto, que a
educação profissional estava sofrendo
uma crise de descrédito, porque
alicerçada na racionalidade técnica, que
se constitui em uma epistemologia da
prática consignada no pensamento
positivista, não dava conta das “zonas
indeterminadas” da prática que enfrentam
profissões como a de professor, por
exemplo. Para esta, a racionalidade
técnica não dispunha de “meios técnicos”,
pois, os problemas que se apresentam
não são instrumentais.
Schön (2000), no entanto, reconhece os
limites do seu trabalho, mas os seus
estudos com foco apenas nas mudanças
das práticas individuais abre margem a
críticas. Porém, esta questão me leva a
outra, se haverá mudança coletiva sem
que antes ocorra a individual? Que dirá
do educador que trabalha com a disciplina
de português anos, por exemplo, e
prefere manter o seu dicionário a mercê
das traças e da poeira em sua estante, ao
invés de emprestá-lo aos alunos para
dissolverem suas dúvidas em relação as
palavras que eles não conhecem?
Mesmo que, na pior das hipóteses o
rabisquem, mas a aventura da pesquisa
foi realizada, diria Paulo Freire.
A profissão de educador é “pantanosa” e
rica em “zonas indeterminadas da
prática”, no entanto cumpre o mesmo
percurso de profissões baseadas em
padrões e rigor estabelecidos, ou seja
“[...]apresenta, em primeiro lugar, a
ciência básica relevante, em seguida, a
ciência aplicada relevante e, finalmente,
um espaço de ensino prático” (SCHEIN
apud SCHÖN, 2000, p. 19).
Nesta pesquisa, constato, com nitidez,
delinear tensões, ao se verem juntas
atividades que são imbricáveis, não resta
dúvida, mas que necessitam de aportes
teóricos distintos. De um lado, como já
comentado, o rigor de profissões cuja
formação tem na racionalidade técnica o
suporte dominante; que por sua vez, é
oriunda do paradigma positivista, por
exemplo: as engenharias, entre tantas
outras que solucionam problemas
instrumentais, selecionando os meios
técnicos mais apropriados; portanto, me
parece evidente, o repasse de conteúdo
como solução, matemática, aos processos
de ensino e aprendizagem, isto é, ao
apresentar o conteúdo,
conseqüentemente, ocorre o aprendizado.
Parece-me, ainda, que aponta, essa
perspectiva, por delinear a concepção
pedagógica dos sujeitos da pesquisa.
Esses mesmos profissionais no exercício
da atividade de professor, mesmo sendo
de professor profissionalizante, deparam-
se com uma outra atividade, pois esta
possui condicionantes cuja única
previsibilidade é ser deveras imprevisível,
porque abarca interações humanas:
professor e aluno; especificidades como
compromisso político e sensibilidade
ética, entre outras.
Concluo que falta o pedagógico; no
entanto, está presente a prática
pedagógica; portanto, o professor
profissionalizante do CEFETMT, reúne as
condições para se municiar da
competência pedagógica, com a
possibilidade de ter sua prática
pedagógica fertilizada pelas teorias da
educação, em um curso de formação
continuada, por exemplo.
O “objeto” de ensino do professor é outro
ser humano, neste caso as relações de
valores e éticas são travadas em âmbitos
das dimensões mais recônditas da
subjetividade, podendo manifestarem-se
em indiferenças. Então, a proposta do
professor reflexivo, que vai do “pensar na
prática até o “pensar sobre o pensar na
ação” busca, justamente, propor ao
educador refletir sobre sua própria prática
pedagógica. Daí, o modelo positivista
quando restringido ao “conhecimento
disciplinar”, que o professor
profissionalizante possui, por excelência,
atende a um dos pilares que compõem a
docência, que é o domínio do conteúdo.
No entanto, fazer migrar esse cabedal da
racionalidade técnica para o “pilar” do
“conhecimento pedagógico”, pode até
sustentar a estrutura docente; porém,
talvez, com o “balizamento” correto do
“conhecimento pedagógico”, a reação
seria otimizada ao ensinar os rudimentos
da prática ética e efetiva, como resposta
ao descrédito no conhecimento e na
educação profissionais.
Superar é mais do que esperar acontecer.
Dialogar, consigo e com outrem, vai muito
além de blablablá. Superar e dialogar são
fazeres que pressupõem melhores
resultados quando realizados
coletivamente. “Como - pergunta Paulo
Freire - posso dialogar se temo a
superação e se, em pensar nela, sofro
e definho?” (FREIRE, 2004a, p. 81)
Talvez o primeiro passo a ser dado para a
superação do papel de (re)transmissor de
conhecimento seja a desobediência e o
desrespeito para consigo, para com certos
paradigmas incrustados na fixidez que
alimenta uma única verdade, na pretensa
imagem do [...] sábio, à reprodução do
individualismo. Para o educador, desse
modo, torna essenciais seu discurso e
posicionamento diante dos problemas da
sociedade, ou seja, para que os alunos
vejam que estão diante de um mestre não
omisso, mas autêntico. (GADOTTI,
2001).
Não há, também, mais espaço para um
aluno e futuro cidadão “domesticado”,
mas sim para aquele no qual
densidade de conteúdo, saiba de sua
força histórica e, por conseguinte, da
capacidade coletiva de transformação. A
escola como armazém de dados não cabe
mais neste tempo, no entanto, vislumbra-
se a possibilidade de tornar-se
fundamental como usina na qual os
conhecimentos ganham sentido
19
.
Nesse aspecto, implica em reconhecer as
resistências como primeiro desafio a ser
enfrentado. O segundo, talvez, trazer
para o primeiro plano o objetivo da
Instituição na condição de Pública antes
de Profissionalizante, pois desta maneira,
o significado da estrutura social em que
está inserida ganha relevo com uma
Instituição Humana e Profissionalizante.
Isto possibilita indicar que a educação
profissionalizante precipuamente estará
voltada para a humanização e para a
contínua profissionalização do cidadão.
A práxis, na perspectiva da educação,
possui aspectos peculiares, como, por
exemplo, o conhecimento científico, como
instrumento básico, que age sobre a
matéria prima, que é a consciência do
aluno, o têm caráter real, mas se
colocam em e como atividades
transformadoras. Este foi um outro viés
interessante que constatei, identificar o
professor como o mediador e
representante da educação, que possui
as condições efetivas de transformação
da sociedade através de sua ação
pedagógica, que é de fato práxis.
A proposta de uma prática pedagógica inseparável de sua
práxis, ou seja, da possibilidade de transformação e não
simplesmente reprodutora, que leve a uma educação que vise
o direito à cidadania no dia-a-dia dos alunos; superação da
mentalidade mecânica e instintiva; além de instigá-los a
assumirem sua historicidade, possibilitando instaurar uma
concepção agregadora e respeito às várias realidades que os
cercam.
Este trabalho, como abordado, possui os seus limites.
Talvez, não reuniu todas as inferências possíveis de divisar
através do material discursivo do sujeitos da pesquisa. O que,
por um lado, tranqüiliza-me por oferecer algo inacabado, mas
com possibilidades de servir de suporte para estudos mais
aprofundados; e, por outro, me conscientizou do meu
inacabamento, que me fez ir ao horizonte, ao encontro de
19
Ver texto de Guiomar Namo de Mello, intitulado: “Educar para Cidadania, sim. Mas com conteúdo”, Revista
Nova Escola, n° 175, de setembro de 2004.
outras possibilidades e de superação.
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