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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MARNGELA CONCEIÇAO VICENTE BERGAMINI DE CASTRO
O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE : EMPRESA
MARÍLIA
2008
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MARNGELA CONCEIÇAO VICENTE BERGAMINI DE CASTRO
O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE : EMPRESA
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito da Universidade de Marília
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Direito, sob a orientação da Profª. Drª.
Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2008
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Autora: MARNGELA CONCEAO VICENTE BERGAMINI DE CASTRO
Título: O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: EMPRESA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação da Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovado pela Banca Examinadora em 12/09/2008
________________________________________________
Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Orientadora
________________________________________________
Profª.Drª Miriam Fecchio Chueiri
_________________________________________________
Profª. Drª.Maria de Fátima Ribeiro
Dedico este trabalho ao meu marido João
Paulo, valioso e fiel companheiro, que
solidariamente me acompanhou em todas as
viagens no decorrer do curso,
proporcionando apoio e incentivo em todos
os momentos desta minha caminhada.
Agradeço primeiramente a Deus, pela saúde
e pela oportunidade de poder realizar
plenamente este desafio.
Aos meus filhos Fernanda, João Vitor e
João Pedro, pela compreensão nos
momentos de ausência.
Aos Professores do Curso de Mestrado,
pelos ensinamentos.
A minha orientadora, Profa. Dra. Jussara,
pela valiosa compreensão e colaboração no
decorrer deste trabalho.
Ao meu marido João Paulo, pelo
companheirismo e solidariedade.
O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE : EMPRESA
Resumo:
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a função social da empresa. Com o
advento do Estado Social e o reconhecimento da função social da propriedade alterou-se
o regime fundamental da propriedade privada, proporcionando uma situação de
equilíbrio entre o individual e coletivo. A função social da propriedade, prevista
constitucionalmente, determina que o proprietário, além de um poder sobre a
propriedade, tem um dever correspondente para com toda a sociedade de usar esta
propriedade de forma a lhe dar a melhor destinação sob o ponto de vista dos interesses
sociais. Esta pesquisa pretende demonstrar que a empresa, enquanto propriedade
privada dos bens de produção, a par do lucro desejável para os sócios, exigência de sua
subsistência empresarial, tem que atender aos interesses coletivos, determinados pela
sua função social. Para tanto, após o desenvolvimento histórico da evolução do direito
de propriedade, analisa-se o processo de funcionalização dos direitos subjetivos e da
propriedade, destacando a transformação dos institutos do direito privado, por meio da
função social que lhes foi atribuída, empreendendo-se uma análise critica da propriedade
na pós-modernidade. Em seguida, enfoca-se a empresa, como propriedade dinâmica,
atividade destinada à produção e circulação de bens e serviços. A esta propriedade
dinâmica dos bens de produção, vincula-se uma função social. Estudada em seu
contorno atual busca-se especificar o papel que a empresa pode desempenhar para
promover os valores albergados pelo ordenamento jurídico. Procede-se ainda à
investigação dos prinpios constitucionais e sua força normativa, analisando-se o
prinpio da função social previsto no Art. 170 da Constituição Federal e sua aplicação à
empresa e os bens de produção. O estudo permite concluir que a atividade empresarial
não mais se restringe aos interesses particulares dos proprietários, mas representa o
atendimento de interesses sociais potencializados pela funcionalidade que integra o
exercio do direito de propriedade.
Palavras-chave: Princípio da função social da propriedade. Empresa. Função social da
empresa.
THE BEGINNING OF THE SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY :
COMPANY
Abstract
This paper aims at examining the social function of the company. With the advent of the
welfare state and recognition of the social function of ownership,it has changed the
fundamental system of private property, providing a balance between the individual and
collective. The social function of property, constitutionally provided, states that the owner, as
well as a power on the property, has a corresponding duty to the whole society to use this
property in order to give the best destination from the standpoint of the interests social. The
paper intends to demonstrate that the company, while private ownership of goods of
production, alongside the profit desirable for the shareholders, a requirement for their
livelihood enterprise, has to meet the collective interests, as determined by its social function,
and critical analysis. For that, after the historic development of the evolution of ownership,it
is analyzed the process of functionalization of subjective rights and property, highlighting the
transformation of institutes of private law, through the social function which they were
assigned. Then, the enterprise is focused as dynamic property, activity for the production and
circulation of goods and services. To this dynamics property of goods of production,is bound
a social function. Studied in its current contours, it seeks to specify the role business can play
in promoting the values hosted by the legal system. It is also searched the constitutional
principles and their normative force, examining the principle of social function provided for
in Article 170 of the Federal Constitution and its application to business and assets of
production. The study indicates that the business activity no longer is limited to particular
interests of owners, but represents the interests of social care enhanced through the
functionality that includes the right of ownership.
Keywords- Begning of the social function of property. Company. Function of the company.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................
10
1
O INSTITUTO DA PROPRIEDADE........................................................
13
1.1 A
O
RIGEM DA
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA
..........................................................
13
1.1.1 Considerações sobre Origem e Fundamentos da Propriedade.......................
13
1.1.2 A Cultura Greco-romana: Origem e Conceito de Propriedade......................
16
1.1.3 A Propriedade na Idade Média/Feudalismo..................................................
20
1.1.4 A Propriedade segundo John Locke.............................................................
24
1.1.5 O Direito de Propriedade na Idade Moderna................................................
26
1.1.5.1
A revolução francesa e a propriedade..........................................................
29
1.1.6 Direito e Propriedade na Idade Contemporânea...........................................
32
1.1.7 A Concepção Materialista sobre a Origem da Propriedade...........................
37
1.1.8 A Propriedade no Entendimento de Leon Duguit.........................................
42
2
A PROPRIEDADE PRIVADA NO ESTADO SOCIAL............................
47
2.1 A
C
ONSTITUCIONALIZAÇÃO DO
D
IREITO DE
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA
..................
47
2.2 O
E
STADO
S
OCIAL E A
F
UNCIONALIZAÇÃO DOS
D
IREITOS
S
UBJETIVOS E DA
P
ROPRIEDADE
...............................................................................................
50
2.3 A
P
ROPRIEDADE
N
O
O
RDENAMENTO
J
URÍDICO
B
RASILEIRO
...........................
55
2.3.1 O Direito da Propriedade e seu Contexto na Geração de Direitos.................
56
2.3.2 A Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições Brasileiras...........
59
2.3.3
A Propriedade como Direito Fundamental e Elemento da Ordem
Econômica...................................................................................................
64
2.3.4 O Aspecto Funcional da Propriedade e da Empresa.....................................
67
2.4 F
UNÇÃO
S
OCIAL NA
C
ONSTITUIÇÃO DE
1988.................................................
70
3
EMPRESA PRIVADA E BENS DE PRODUÇAO....................................
77
3.1 E
VOLUÇÃO DO
D
IREITO
C
OMERCIAL
................................................................
77
3.2 A
E
MPRESA
..................................................................................................
80
3.2.1 Empresa e Função Social.............................................................................
84
3.3 A
E
MPRESA E O
D
IREITO
E
CONÔMICO
..............................................................
88
3.3.1 A Empresa como Sujeito do Direito Econômico..........................................
89
3.4 B
ENS DE
P
RODÃO E
E
MPRESA
P
RIVADA
.....................................................
93
3.4.1 A Classificão da Empresa dentre as Espécies de Propriedade...................
93
3.4.2 Propriedades Estáticas e Propriedades Dinâmicas........................................
96
3.4.3 Destinação dos Bens: Bens de Produção e Bens de Consumo.......................
99
3.4.4 A Propriedade e os Bens de Produção..........................................................
102
3.5 E
MPRESA E
L
EGISLAÇÃO
I
NFRACONSTITUCIONAL
..........................................
106
4 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA FUNÇÃO SO
CIAL DA
EMPRESA..................................................................................................
116
4.1 A
NÁLISE
C
RÍTICA DA
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA MA
P
ÓS
-M
ODERNIDADE
..........
116
4.1.1 Os Princípios Jurídicos................................................................................
116
4.1.2 Os Princípios Constitucionais......................................................................
119
4.1.3 Prinpios, Normas e Valores.......................................................................
122
4.1.4 Natureza e Características dos Princípios Constitucionais............................
126
4.2 O
S
P
RINCÍPIOS
C
ONSTITUCIONAIS DA
O
RDEM
E
CONÔMICA
............................
129
4.3 O
A
RTIGO
170
DA
C
ONSTITUIÇÃO
F
EDERAL
..................................................
132
4.3.1 O Prinpio da Propriedade Privada.............................................................
134
4.3.2 Função Individual e Função Social da Propriedade......................................
138
4.4 O
P
RINCÍPIO DA
F
UNÇÃO
S
OCIAL DA
P
ROPRIEDADE E DA
E
MPRESA
................
141
4.4.1 Origem e Definição da Função Social da Propriedade..................................
144
4.4.2
A Função Social da Empresa prevista no Art. 170, III da Constituição
Federal........................................................................................................
146
4.4.3
A Plena Aplicabilidade do Prinpio da Função Social à Atividade
Empresarial.................................................................................................
148
4.5 O
P
RINCIPIO DA
P
RESERVAÇÃO DA
E
MPRESA NA
L
EI
11.101/2005
PARA
M
ANUTENÇÃO DA
F
ONTE
P
RODUTORA
..........................................................
153
CONCLUSÃO........................................................................................................
161
REFERÊNCIAS......................................................................................................
170
10
INTRODUÇÃO
Como cláusula orientadora do exercio da propriedade privada e da atividade
empresarial, a função social da propriedade vem despertando discussões e controvérsias.
Tão logo o direito se apropriou do conceito de função social, no final do século
XIX, verificou-se a complexidade de seus desdobramentos, estabelecendo-se uma
polêmica existente até hoje, ante a dificuldade de administrar a tensão entre as
dimensões funcional e individual da propriedade privada e o exercício dos direitos e
liberdade de uma forma geral.
O reconhecimento da função social acarreta uma mudança no cerne da própria
estrutura da propriedade, que em decorrência da integração entre o individual e o social,
passa a abrigar deveres e obrigações de fazer, deixando de ser apenas um complexo de
privilégios. Além do poder sobre a propriedade, a função social determina que o
proprietário tem o dever de usar esta propriedade de forma a lhe dar a melhor destinação
sob o ponto de vista dos interesses sociais.
Prevista constitucionalmente, a funcionalização da propriedade ainda conduz a
outro aspecto. Como unidade produtiva, a propriedade é tida como bem de produção a
serviço da sociedade, com especial relevância para a empresa, responsável pela
produção de bens e serviços à comunidade, traduzidos em empregabilidade e
recolhimento de impostos e contribuições sociais.
A função social da empresa, dos bens de produção em dinamismo, determina que a
exploração da atividade empresarial não interesse apenas ao seu titular. Ela implica um dever
social que exige consonância entre interesse particular e o coletivo, sem é claro, desviar-se de
sua finalidade lucrativa, inerente à instituição e sem a qual ficaria desnaturada.
Estudar sobre a propriedade implica reconhecer que a instituição, em sua função
social, constitui-se, à primeira vista, em uma aparente dissociação axiológica referente
ao questionamento propriedade privada e fuão social. A análise a ser desenvolvida
compreende uma nova interpretação dos institutos jurídicos, dentre os quais a
11
propriedade empresarial, marcados pelo cunho individualista, frente aos novos direitos
de ordem social.
Por ocupar papel relevante nas sociedades capitalistas, uma vez que toda a
economia é fruto de processo produtivo de natureza empresarial, a empresa tem sua
importância no contexto social.
Busca-se nesta pesquisa o real sentido da empresa. A investigação destina-se a
saber se a propriedade empresarial tem mesmo que atender a sua função social ou se
pode ser exercida sem preocupação com os impactos que sua atividade pode causar ao
meio social.
Ao proceder ao exame da empresa privada, este estudo buscou indicar o
tratamento dispensado pela Constituição Federal à propriedade privada dos bens de
produção, identificar a possibilidade de caracterizar a empresa privada como elemento
da propriedade privada e a análise da sujeição dos bens de prodão e da empresa
privada ao Princípio da Função Social previsto constitucionalmente.
Para esta abordagem procura-se, inicialmente, no Capítulo I, através de reflexões
de ordem histórica e evolutiva, determinar os principais aspectos da propriedade privada
no período histórico estabelecido para este trabalho: desde a Bíblia a a
contemporaneidade verificando as indicações defendidas pela doutrina, bem como a
visão de autores clássicos e contemporâneos sobre o direito de propriedade. Busca-se
demonstrar as transformações ocorridas na caracterização da propriedade como
decorrência da própria evolução do Direito, enfatizando a transformação da idéia de
propriedade individualista para noção de propriedade função social.
O segundo capítulo trata do processo de constitucionalização do direito de
propriedade no Estado Social de Direito e a conseqüente funcionalização dos direitos
subjetivos. As a análise da influência destes direitos sobre o direito de propriedade,
será abordado o processo evolutivo no tratamento da propriedade pelas constituições, a
partir do advento da Constituição Alemã em 1919 (Constituição de Weimar) até as
Constituições Brasileiras. Complementando, pela análise das mudaas no pensamento
político-economico se estudará a configuração da função social da propriedade na
12
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ancorada nos princípios da
solidariedade e da dignidade humana.
A partir da evolução hisrica do direito comercial, até a implantação da teoria da
empresa com o atual Código Civil, no terceiro capítulo, será desenvolvido o estudo da
empresa privada, ente jurídico essencial à atividade econômica. Iniciando-se pela
análise do Direito Econômico, segue-se estudo das propriedades estáticas e dinâmicas,
bens de consumo e bens de produção, na busca de demonstrar a empresa como hoje é
conhecida e sua função social.
No estudo dos fundamentos constitucionais da função social da empresa,
empreendido no ultimo capítulo, as uma alise da força normativa dos princípios,
parte-se para o estudo dos princípios econômicos e da função social da propriedade
prevista no Art. 170, III da Constituição Federal. Busca-se avaliar a concepção da
função social da empresa no direito brasileiro, como principio constitucional a ser
conciliado aos demais princípios colocados como norteadores da atividade econômica.
Procura-se demonstrar a plena aplicabilidade do princípio da função social da
propriedade à empresa, a funcionalidade da empresa na legislação constitucional e o
principio da preservação da empresa na Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial),
evitando, sempre que possível, que ocorra o desaparecimento de unidades produtivas no
país. Busca-se avaliar, ainda, se o prinpio constitucional da função social da empresa,
a par de delimitar as atividades da empresa em razão do interesse social, pode garantir a
manutenção das atividades ecomicas desenvolvidas pela empresa, proporcionando
tratamento jurídico diferenciado para a salvaguarda e a proteção dos bens de produção
de empresa.
13
1 O INSTITUTO DA PROPRIEDADE
1.1
A
O
RIGEM DA
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA
1.1.1 Considerões sobre Origem e Fundamentos da Propriedade
A propriedade sempre suscitou grande interesse dos teóricos e filósofos que
buscaram determinar sua origem e seus fundamentos. Nesta busca, geraram-se
controvérsias, principalmente entre as correntes que entendiam ser a propriedade um
direito natural do homem, ou seja, um direito que nasce no estado de natureza, anterior à
formação do Estado e não sujeita a limitões, e aquela nega o direito de propriedade
como direito natural, entendendo a Propriedade como uma criação do Estado, estando
sujeita às normas dele derivadas.
Na evolução histórica da propriedade, a Igreja e o pensamento cristão foram
responsáveis pela formação de alguns teóricos que viriam a construir os alicerces do
Estado e do Direito contemporâneos. A defesa da propriedade seria uma reinterpretação
do Evangelho, das Sagradas Escrituras e das palavras dos santos, em especial, São
Tomás de Aquino.
Em sua principal obra, a Suma Teológica
1
no século XIII, São Tomás aceitava a
existência da propriedade, mas não a considerava um direito natural, ou seja, não a
admitia como um direito que pudesse se opor ao bem comum ou à necessidade alheia.
Para ele, o poder de dispor do proprietário estava na sua possibilidade de escolher
como entregar aos necessitados o que lhe sobejava, ou seja, de transferir um bem que lhe
pertencia.
Somente depois que a teoria política e as leis passaram a tratar a propriedade
como um direito natural, no século XVIII, quando já se pensava na constitucionalização
1
CHATELET, François. História da filosofia: de Platão a São Tomas de Aquino. Opus Biblioteca de Filosofia,
2ª ed., V.1., Lisboa: Publicações Don Quixote, 1995, p. 180-191.
14
do Estado e na constrão da propriedade privada tal como é conhecida hoje, é que a
Igreja Católica a reconheceu como direito natural, oponível a todos os outros direitos
criados pela sociedade.
Após São Tomás de Aquino, do século XIII ao século XIX, a Igreja silenciou
sobre o tema, abrindo espaço para as idéias iluministas, a propriedade feudal e, mais
tarde para a propriedade mercantil.
Também John Locke, em 1690, baseia-se na origem divina do legado concedido a
Adão como justificativa da propriedade individual. Procura explicar que a terra e todas
as criaturas inferiores são comuns a todos, mas que aquilo que cada homem retira por
meio de seu pprio trabalho, torna-se sua propriedade. Como o trabalho é propriedade
exclusiva do homem, ao cultivar a terra, colher um fruto ou abater uma caça, adquire um
direito privado sobre estas coisas.
2
Partindo do princípio de que Deus deu a terra para a subsistência de todos, o
autor considerava que a propriedade privada se justificaria pelo trabalho e seria legítima
somente enquanto o titular precisasse dela para utilizar e desfrutar. Tudo o que
excedesse pertenceria aos outros homens. Desta forma, atribuíu fundamentos morais -
trabalho e utilidade - para a aquisição e a utilização da propriedade privada.
Para Locke, adepto da teoria da propriedade como direito natural, a propriedade é
inerente ao homem no estado de natureza que, tomando certa porção de terra para si,
adquire a propriedade através do trabalho que sobre ela executa, afirmando quea
extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora, cultiva, cujos produtos usa,
constitui a sua propriedade. Pelo trabalho, por assim dizer, separa-a do comum.
3
Já a teoria de que o direito de propriedade nasce como conseqüência da
constituição do Estado, tem seus expoentes em Thomas Hobbes e Jean Jacques
Rousseau.
2
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução Alex Marins. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002,
p. 37 a 39.
3
Idem, ibidem, p. 37 a 39.
15
Na concepção de Thomas Hobbes
4
, é impossível a existência da Propriedade no
estado de natureza, onde todos têm direito sobre todas as coisas. A propriedade é uma
prerrogativa concedida pelo poder soberano, através de leis civis, a partir da instituição
do Estado.
Para o autor acima, os homens procuram viver sob a forma de Estado, visando à
sua conservação, segurança e melhores condões de vida, procurando através de um
pacto mantido por este poder controlador contornar as suas paixões naturais. Para ele, é
a renúncia aos direitos e liberdades inerentes ao estado de natureza em nome de um
poder soberano e a conseqüente instituão do Estado que dão origem à propriedade e às
regras de Justiça.
Para Jean Jacques Rousseau
5
, a Propriedade só tem origem a partir da instituição
do Estado. Inicialmente, as coisas são comuns e a posse advém da ocupação do que é
necessário à subsistência. Mas esta situação está sujeita à intervenção de terceiros,
estabelecendo-se a posse do primeiro ocupante, a partir do contrato social. Aí sim,
adquire a feição de propriedade, instituída por ato positivo e garantida pelas leis civis,
delimitando-se o que pertence a cada um.
Como instituto judico dinâmico e flexível, a propriedade sofre alterações no
curso da história em função das mudanças sociais, econômicas e políticas. Seus
contornos são formados de acordo com os prinpios e valores vigentes a cada época.
Desde o início da vida na Terra, o homem usou de seu trabalho ou de escravos
para obter alimentos para si e sua descendência. A Bíblia, no Gênesis, já descreve essa
incumbência como condição da vida humana na terra e assim fizeram outros povos,
como os hebreus e os egípcios.
A historiografia romana é especialmente rica e com ela inicia-se o estudo da
origem da propriedade privada.
4
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Coleção
Fundamentos do Direito. São Paulo: Ed. Ícone, 2000, p.86
5
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 124.
16
1.1.2 A Cultura Greco-romana: Origem e Conceito de Propriedade
Já é possível encontrar, em épocas bastante remotas, uma preocupação do Estado
com o destino das propriedades. Muitos autores se referem ao Código de Hamurabi
6
,
elaborado em 1965 a.C, contendo disposições sobre o trabalho, o comércio, a
propriedade, a organizão industrial, salários e acidentes de trabalho.
No século IV a.C, em A República, Platão revela as propostas de Sócrates para a
cidade onde, ao lado da comunidade de mulheres e dos filhos, a ausência de propriedade
seria uma das condições de felicidade para todos os cidaos. Afirma que nenhum
guardião possuirá bens próprios, a não ser coisas de primeira necessidade e nenhum terá
habitação ou depósito, em que não possa entrar quem quiser.
7
Aristeles, em A Política, refuta as teorias de Platão, examinando as diferentes
formas de governo propostas em inúmeras constituições da antiguidade, bem como o
regime adotado para as propriedades. Embora discordando da proposta contida na A
Reblica de Platão, Aristóteles, nesta comparação, oferece prova concreta de que
praticamente todos os governos da antiguidade clássica tinham em suas constituições,
dispositivos acerca do regime de propriedade.
8
Não se pode afirmar que se tratasse de uma intervenção sobre as propriedades, no
sentido que hoje é atribuído à expressão, mas desde aquela época, os governos da
antiguidade grega manifestavam, sob a égide das constituições, intenção de ordenar a
maneira pela qual deveriam reger-se as propriedades. O direito de propriedade para os
antigos baseou-se em princípios diferentes dos atuais, e disso resulta que as leis que o
garantiam eram sensivelmente diversas das nossas.
Nas populações primitivas da Itália e da Grécia, a propriedade privada era
intimamente ligada à religião doméstica e à família. A idéia de propriedade estava
6
O Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis encontrados, e um dos exemplos mais bem
preservados deste tipo de documento da antiga Mesopotâmia
.
In: Códigos Penais de Hamurabi . Disponível em:
<http://www.historiadomundo.com.br/babilonia/codigos-penais-hamurabi>. Acesso em 24.06.2008
7
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 51.
8
Op. cit., p. 52.
17
implícita na própria religião. Cada família tinha seu lar e seus antepassados, aos quais
apenas ela podia adorar e que a ela protegiam.
Sendo fixada à terra, a família ali se mantinha em nome de seus deuses,
caracterizando assim um dever religioso de permanecer na propriedade ao longo das
gerações. Analisando este aspecto, Fustel de Coulanges afirma que:
Cada falia possuía seus próprios deuses, suas sepulturas e seu culto,
ao qual nenhum estranho podia sequer assistir. Surgiu assim a
necessidade de estabelecer limites, através de muros, fossos ou
cercado, posteriormente fixado por lei, em Roma, em dois pés e meio.
Se algm pretendesse apossar-se do campo de um vizinho, era preciso
derrubar ou deslocar o marco. Mas este marco era equiparado pelos
antigos ao deus Termo e tocá-lo constituía sacrilégio, a que a tradição e
algumas leis atribuíam penas severas.
9
Com a profunda ligação entre a família e a terra, o culto dos mortos e deuses
particulares, subtrai-se ao indivíduo o poder de dispor da propriedade, que não lhe
pertence individualmente, mas sim a toda a família e aos antepassados mortos.
Fabio Konder Comparato lembra:
A idéia de propriedade privada, em Roma ou nas cidades gregas da
Antiguidade, sempre foi intimamente ligada à religião, à adoração do
deus-lar, que tomava posse de um solo e não podia ser, desde eno,
desalojado. A casa, o campo que a circundava e a sepultura nela
localizada eram bens pprios de uma gens ou falia, no sentido mais
íntimo, ou seja, como algo ligado aos laços de sangue que unem um
grupo humano.
10
Percebe-se que, embora não caracterizada plenamente como individual, a
propriedade na sociedade greco-romana já possuía contornos de propriedade privada.
Para este estudo é essencial a configurão da propriedade nas regras de Direito
Romano, pois instituíram as principais categorias judicas e adquiriram caráter
universal, influenciando grande parte dos sistemas jurídicos ocidentais. Aliás, em toda a
evolução do direito privado ocidental, a propriedade configura um poder jurídico
soberano e exclusivo de direito sobre uma coisa determinada.
9
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 72-75.
10
COMPARATO, Fabio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.bre/direitos/militantes/comparato/comparatol.htm>. Acesso em: 11 out. 2007.
18
Em traços largos, o conceito de propriedade que veio a prevalecer entre os
Romanos é o que modernamente se qualifica como individualista. No dizer de Orlando
Gomes:
[...] Cada coisa tem seu dono. Os poderes do proprietárioo mais
amplos. A formulação que emerge da investigação das fontes o
encontra área imune à controvérsia. [...] No Direito Romano Clássico a
expressão ius in re não coincide com o conceito jurídico hoje
denominado direito real. Os romanos não elaboraram um conceito de
direitos reais e o tiveram um nome para representar estes direitos.
Esta noção veio se formar muito mais tarde, a partir do século XVIII
com Pothier, passando aos romanistas do século XIX e, também a uma
parcela de autores modernos.
11
No Direito Romano arcaico, o poder do proprietário fazia parte das prerrogativas
do pater familias sobre o conjunto dos escravos e bens que compunham o grupo
familiar. Prerrogativas soberanas, porque absolutas e ilimitadas, imunes a qualquer
encargo, público ou privado, e de origem sagrada, por força de sua vinculação com o
deus lar. Por se percebe que seria absurdo falar no direito antigo de deveres do
cidadão, enquanto proprietário, para com a comunidade.
12
Nesta linha, a noção de propriedade corresponde sempre a um vínculo jurídico a
unir uma pessoa, titular do direito, ao objeto deste direito. Hely Lopes Meirelles resume
que os romanos conceituavam o direito de propriedade como o poder de usar, gozar e
abusar da coisa sob o seu domínio: jus utendi, fuendi et abutendi re sua.
13
Primeiramente, a propriedade romana é considerada como direito absoluto, por
ser oponível erga omnes, mas não se configura como um direito ilimitado, pois sofria
limitações referentes ao interesse público e ao interesse privado dos vizinhos.
Jean Philippe Levy assegura que era um direito exclusivo, já que cada porção de
terra poderia ter somente um proprietário e perpétuo,na medida em que eles não
podiam conceber uma propriedade que só tivesse sido adquirida por um dado período de
tempo a titulo provisório, ou condicionalmente. Destaca que os romanos não
11
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 1 ed. atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 115.
12
COMPARATO, Fabio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.bre/direitos/militantes/comparato/comparatol.htm>. Acesso em: 11 out. 2007.
13
MEIRELLES, Hely Lopes. O direito de construir. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 17.
19
transformaram a sua concepção de propriedade em dogma paralisante: aceitavam, por
exemplo, que se perdesse a propriedade em caso de abandono ou por confisco penal.
14
A propriedade no Direito Romano é freentemente apontada como direito
absoluto, exclusivo e perpétuo, que permite ao proprietário utilizar a coisa como bem
entender, inclusive destruí-la. Este posicionamento, entretanto, é questionado por parte
da doutrina, ressaltando que os textos romanos não exprimem literalmente estes
elementos.
No Direito Romano, a concepção de propriedade não se conservou estática, ao
contrário, modificou-se acompanhando a evolução política, cultural e social, refletindo
sobre as normas jurídicas, dando-lhes um sentido mais social.
Daí a lição de José Cretela Junior:
A Propriedade Romana passa por uma evolução que vai da Propriedade
caracterizada pela noção individualista até uma concepção marcada
pelo caráter social. [...]O Direito de Propriedade sofreu inúmeras
transformões no longo período em que vigorou o Direito romano, a
partir da antiga concepção, poder ilimitado e soberano, profundamente
individualista, até a concepção justinianéia, arejada por um novo e
altruísta sentido social.
15
A propriedade vai sofrendo transformações, adquirindo uma conotação social, no
sentido de que seu uso não atinja a propriedade e os direitos de outrem. Numa lenta e
gradual evolução, a propriedade vai perdendo sua conformação absoluta para assumir
um perfil mais brando, de um direito que acarreta obrigações e deveres morais,
afastando o direito de abusar da propriedade.
Após os dois primeiros séculos da Era Cristã, quando o Império Romano teve seu
sistema econômico, social e político funcionando bem, iniciou-se uma crise no início do
século III, ocasionada principalmente pela diminuição de produção de latifúndios em
virtude da falta de escravos, levando à desintegração do sistema por volta do século V,
rumando para o sistema de produção feudal.
14
LÉVY, Jean-Philippe apud CAVEDON, Fernanda de Sales. Função social e ambiental da propriedade.
Florianópolis: Visualbooks, 2003, p. 12.
15
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito romano. 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 153.
20
Do contato dos romanos e germânicos com outras civilizações, resultou no
surgimento de algumas, até então desconhecidas, espécies de propriedade, conforme
enumera Rogério Gesta Leal:
[...] a comunal, sucessora da antiga mark gernica; a alodial, tida
como livre; a beneficiária, surgida da concessão aos plebeus feita pelos
reis, a censual, que implicava a fruição dos imóveis mediante
pagamento e a servil, atribda aos servos que possam a terra, porém,
se mantinham vinculados a ela como seu acessório.
16
Os valores relativos ao direito de propriedade do Direito Romano foram então,
sendo modificados. O traço individualista dos primeiros tempos vai sofrendo contínuas
atenuações, cedendo espaço à entrada do elemento social.
1.1.3 A Propriedade na Idade Média/Feudalismo
Na Idade Média, contrariando o modelo unitário de propriedade romana, abre-se
espaço para a concorrência de proprietários.
O poder descentralizado, a economia
agrícola de subsistência e a mão-de-obra servil constituem a base desse sistema.
Com as diversas invaes ocorridas na Europa durante a Idade Média, como a dos
bárbaros, árabes, normandos,ngaros e eslavos, a vida era possível junto a um
castelo fortificado, onde as estruturas românicas e germânicas se integraram, dando
origem ao sistema feudal. Assim, contrariando o modelo exclusivista da propriedade
romana instituiu-se uma superposição de títulos dominiais, fundamentados na hierarquia
dos feudos que, a seu turno, identificavam-se com a hierarquia de pessoas.
17
As condições sociais básicas da sociedade feudal eram senhor e servo. O servo
tinha a posse útil da terra, devia obrigões e tinha o direito de ser protegido pelo
senhor. No feudalismo, uma escala de valores jurídicos e de valores políticos estendia-se
16
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998, p. 43.
17
COSTA, ssia Celina Paulo Moreira. A constitucionalização do direito de propriedade privada. Rio de
Janeiro: América Jurídica, 2003, p.13.
21
do soberano ao súdito. Aquele que cultivava a terra não era o seu dono e pagava uma
contribuão pelo uso e cultivo. Existia, desta forma, vínculo jurídico entre os
possuidores da terra e os que nela cultivavam.
No entender de Orlando Gomes:
No feudalismo, sobre o mesmo bem, há concorrência de proprierios,
um de direito, outro de fato. A dissociação revela-se através do
binômio donio eminente + donio útil. O titular do primeiro
concede o direito de utilização ecomica do bem que lhe pertence e
recebe, em troca, serviços ou rendas. Quem tem o donio útil
perpetuamente, embora suporte encargos, possui em verdade, uma
propriedade paralela.
18
Se na concepção romanista, a propriedade tinha um conceito unitário, no Direito
Medieval, a propriedade tem como traço dominante a concorrência de proprietários, a
multiplicidade e o desmembramento do domínio, representado pelo regime feudal.
Na Idade Média foi elaborado um conceito próprio de propriedade, introduzindo
uma superposição de titulações de domínios que se mantinham paralelas umas às outras.
A valorização do solo e a dependência entre o poder político e a propriedade de terras
criaram uma identificação entre o tema da soberania e o da propriedade, que é o senhor
feudal, e o domínio útil do vassalo.
19
Em outras palavras, havia uma delegação de poderes do proprietário do feudo ao
vassalo e a criação de certas obrigações de caráter financeiro e militar do vassalo em
relação ao senhor feudal. Toda a estrutura social baseava-se na propriedade da terra,
uma vez que a única fonte de poder encontrava-se no domínio fundiário. Os
trabalhadores pagavam tributos, obrigavam-se à prestação pessoal de serviços, em troca
de um pedaço de terreno para explorar e do auxílio prestado pelo senhor feudal. Os
roturiers ou vilains, que eram livres, constituíam classe intermediária entre os nobres e
os servos, podendo instalar-se onde quisessem. Estavam, no entanto, obrigados a prestar
trabalho periodicamente, ao senhor feudal.
20
18
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19ª ed. atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 115.
19
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 42-32.
20
OLIVEIRA, Magno Gomes. A função social da propriedade. In: Revista da Procuradoria Geral do Munipio de
Fortaleza. Vol. 3. Disponível em: <http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revista.PGM>. Acesso em 15.11.2007
22
Em decorrência de fatores como o aumento da população e o surgimento do
direito canônico e civil nas universidades, desenvolveu-se a hereditariedade dos feudos e
sua alienabilidade, surgiram diferentes direitos sobre as terras, o casamento com filhos
do vassalo, imposto sobre o casamento, além do sistema de taxas e rendas.
A prodão de excedentes fez com que os feudos buscassem alternativas para
comercializar seus produtos, surgindo as feiras onde se negociava todo tipo de produto.
Em torno delas é que vão se estruturar as cidades (burgos).
O processo de formação das cidades foi lento e a crise do feudalismo durou
aproximadamente três séculos. As classes burguesas (artesãos e comerciantes) formavam
ocleo da população urbana. Por vezes os burgueses se revoltavam e passavam a
governar eles mesmos a cidade. Em alguns casos, os nobres progressistas, ao
perceberem que as cidades lhes trariam vantagens sob a forma de impostos, declaravam
livres as povoações sob seu domínio.
Sobre o tema, Schiera tece a seguinte consideração:
Em todo o ocidente cristão, opera-se uma transformação de natureza do
poder: os laços pessoais organizados em torno da idéia de soberania
são progressivamente substituídos por uma hierarquia político-
administrativa centrada num princípio que anuncia a própria noção
moderna de soberania. A autoridade real não mais se exerce sobre um
patrinio povoado por populões protegidas ou assistidas, mas sobre
um terririo cujos habitantes possuem cada vez mais direitos e deveres
bem definidos; o próprio monarca, que comanda os seus súditos de
modo absoluto, não pode infringir as regras que editou ou com as quais
concordou.
21
Cássia C.P.M.Costa analisa a crise no regime feudal, a partir do século XIII
22
,
sob dois aspectos: no aspecto econômico, pela baixa produtividade, a exploração
agrícola predatória e extensiva e, a perda do poder aquisitivo da aristocracia; no aspecto
político; pelas mudaas no modo de pensar.
21
SHIERA, Pierangelo apud COSTA, ssia C.P.M. A constitucionalização do direito de propriedade privada.
Rio de Janeiro:América Jurídica, 2003, p.18
22
As considerações sobre a crise do regime feudal são extraídas da obra de Cássia. C.P.M.Costa, que as traçou
com muita propriedade. COSTACássia C.P.M. In A constitucionalização do direito de propriedade privada. Rio
de Janeiro:América Jurídica, 2003, p.18 a 20
23
Todas essas condições desfavoráveis foram agravadas pela Peste Bubônica, que
atingiu em cheio o modo de produção feudal. Em alguns lugares a peste chegou a
exterminar dois terços da população.
Nestas condições, a nobreza precisou renovar-se com elementos de outras
origens, por meio de casamentos com membros da burguesia, da burocracia monárquica
e mesmo do campesinato mais rico. A rigidez social, onde cada indivíduo é de
determinada camada, foi quebrada, a burguesia tornou-se mais forte, afirmando e
aproximando-se do poder.
O sistema feudal, anacrônico, não resistiu às novas concepções políticas que
foram surgindo, motivadas pela ânsia de liberdade. As comunas ou coletividades
urbanas, constituídas pelos burgueses, comerciantes ou artesãos, passaram a reivindicar
a liberdade municipal, instituindo os estatutos das cidades livres e as corporações de
ofício
.
A burguesia, nascida da própria dinâmica do feudalismo, passou a ser um
elemento desestruturador do regime, aproximando-se do poder.
De uma aliança entre a burguesia e os reis constitui-se o Absolutismo
Monárquico que dominou a Europa a o século XVIII, com a Revolão Francesa, que
veio cumprir sua tarefa de libertação.
Substituindo a arbitrariedade pela lei, o privilégio pela igualdade; a Revolução
Francesa livrou os homens das distiões das classes; o solo das barreiras das
províncias; a instria dos embaros das corporações e juízes de ofícios; a agricultura
das sujeões feudais e da opressão dos dízimos; a propriedade dos estorvos das
substituições; e reuniu tudo a um só Estado, a um só direito, a um só povo.
Estava aberto o caminho para a eliminação das prerrogativas do senhor feudal e
dos encargos que pesavam sobre o uso da terra, e para a consolidação da propriedade
livre de caráter individualista que vai marcar o Direito Moderno.
24
1.1.4 A Propriedade segundo John Locke
No estudo da evolução da propriedade privada torna-se necessário discorrer sobre
as teorias de John Locke sobre a origem da propriedade.
Ao criar teorias para justificar a propriedade individual, John Locke é
considerado o precursor do Liberalismo, por ter difundido as idéias deste movimento já
a partir de 1690.
23
Sua proposta liberal priorizava a importância da propriedade e da
liberdade como direitos naturais básicos e fundamentais, partindo do princípio de que o
reconhecimento destes direitos asseguraria por si só a harmonia social.
Num primeiro momento, a teoria de John Locke considera a propriedade como
sendo comum aos homens:
Concedeu a terra e tudo o que ela contém ao homem para sustento e
conforto da existência. E embora todos os frutos que ela produz
espontaneamente e todos os animais que alimenta pertençam à
humanidade em comum, destinando-se ao uso dos homens, deve haver
necessariamente meios de apropr-los do modo correto, antes de
serem usados e de se tornarem de qualquer modo benéficos para
qualquer homem em particular.
24
Em outro momento de sua teoria, o trabalho do homem aparece como o elemento
legitimador e fundamental da propriedade:
O trabalho de seus braços e a obra de suas os, pode-se afirmar, são
propriamente dele. Seja o que for que ele retire da natureza no estado
em que lho forneceu, e no qual o deixou, mistura-se e superpõe-se ao
próprio trabalho, acrescentando-lhe algo que pertence ao homem, e por
isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Retirando-o do estado
comum em que a natureza o colocou, agregou-lhe com seu trabalho um
valor que o exclui do direito comum de outros homens.
25
A teoria desenvolvida por John Locke, quanto ao estado de natureza, à criação do
Estado e à configurão da propriedade, pode ser considerada como o principal
embasamento teórico do Liberalismo e da concepção individualista da propriedade,
23
A obra de John Locke “Segundo tratado sobre o Governo Civil”, data de 1690.
24
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Alex Marins.São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002, p.37.
25
Op. cit., p. 38.
25
principalmente por defender direitos naturais do homem como a liberdade e a
propriedade, independente do poder soberano.
John Locke sustenta que o Estado tem origem em um contrato realizado entre os
homens, a partir do qual deixariam de viver em seu estado natural, passando do Estado
Social, tendo em vista principalmente a preservação da propriedade. Considera o Poder
Potico como o direito de fazer leis com pena de morte e, consequentemente, todas as
penalidades menores para regular e preservar a propriedade.”
26
Apesar de no estado natural, o homem viver em liberdade e igualdade, guiado
exclusivamente pela sua razão, para John Locke
27
este estado traria certos conflitos, pois
o homem poderia abusar desta liberdade e igualdade, passando a usar a razão para
beneficiar a si pprio ou lesar direitos dos outros. É com o intuído de evitar tal ameaça
e preservar o seu direito natural à propriedade que os homens abandonam a condição do
estado natural e através de um contrato entre si, buscam reunir suas forças e seu poder,
concentrando-os a fim de fazer cumprir as leis naturais, instituindo a sociedade política.
É visando a proteção do Direito de Propriedade que os homens abrem mão de sua
liberdade absoluta e ilimitada, unindo-se através do Poder Político para atingir tal fim.
Neste sentido John Locke diz:
Para evitar estes percalços que perturbam os homens no estado de
natureza, estes se unem em sociedade para que a somatória de suas
forças reunidas lhes garanta e assegure a propriedade, e para
desfrutarem de leis fixas que a limitem, que esclareçam a todos o que
lhes pertence. É esta a finalidade dos homens transferirem todo poder
que possuem naturalmente á sociedade a qual se filiam, sociedade que
deposita o poder legislativo nas os que julga mais aptas para esse
encargo, para que os homens sejam governados por leis explícitas; caso
contrário, a paz, a propriedade e a tranqüilidade, continuariam na
mesma incerteza em que se encontravam no estado de natureza.
28
Entendendo que a preservação da Propriedade, através de leis que fixem o que
pertence a cada um, como o objetivo da formação do Estado, John Locke coloca a
Propriedade Privada no centro das relões políticas e fim maior da sociedade.
26
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad.Alex Marins. São Paulo:Ed. Martin Claret, 2002, p. 40.
27
Idem, Ibidem, p. 43.
28
Idem, Ibidem, p.101.
26
Esta propriedade fixada através das leis do Estado é absoluta, exclusiva e
ilimitada, e o poder soberano nada pode dispor, contrariando o interesse de seu titular.
Locke expõe esta posição ao afirmar que quem detém o poder não pode tirar de
qualquer homem sua propriedade ou parte dela sem o seu consentimento.
29
Ressalte-se que mesmo a Propriedade conforme entendida por John Locke, sofria
algumas limitações, uma vez que não se poderia apropriar de extensão de terra maior do
que a que se pudesse utilizar, e que teria que haver o bastante para que os demais
também pudessem fazer o mesmo.
A propriedade é limitada no interesse de terceiros, conforme exe:
A mesma lei da natureza que nos dá acesso à propriedade, também a
limita. Deus nos deu de tudo abundantemente (I TIM 6.17)-é o que
diz a voz da rao confirmada pela inspiração. Mas até que ponto no-lo
deu? Para usufruir. Podemos fixar o tamanho da propriedade obtida
pelo trabalho pelo tanto que podemos usar com vantagem para a vida e
evitando que a diva se perca; o excedente ultrapassa a parte que nos
cabe e pertence aos outros.
30
Esta consideração não afasta o caráter preponderantemente individualista da obra
de Locke, uma vez que tinha em mente a exaltação do indivíduo e a limitão dos
poderes do Estado. Seu individualismo, no entanto, não o impedia de analisar as
repercussões sociais do exercício das liberdades individuais, mesmo porque estas eram
compreendidas como obrigação moral diretamente vinculada à fé em Deus. No contexto
histórico de afirmação de liberdade individual diante do absolutismo estatal, sua
filosofia já sujeitava o bem de produção da época - a terra - a limites decorrentes da
própria existência da sociedade e dos direitos dos demais membros desta sociedade.
1.1.5 O Direito de Propriedade na Idade Moderna
Com o objetivo de contextualizar o Direito Moderno, é preciso determinar o
peodo em que se inicia e se consolida o Estado Moderno e seus traços característicos.
29
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo.Trad. Alex Marins. São Paulo:Ed. Martin Claret, 2002, p. 102.
30
Idem, ibidem, p. 41.
27
O Estado Moderno decorre de um processo histórico que inicia nos séculos
XII/XIV, estendendo-se até o século XVIII, apresentando dois momentos: o Estado
absolutista (soberano, monárquico e secularizado) e o Estado liberal (capitalista,
constitucional e representativo)
31
.
No final da Idade Média, entre os séculos XIV e XV, ocorreu forte centralização
política nas mãos dos reis que concentravam praticamente todos os poderes: criavam
leis, impostos, taxas e obrigações, interferindo na economia dos países, chegando até a
controlar o clero em algumas regiões. A população mais pobre era oprimida, com pouco
poder político para negociar ou exigir mudanças. Nesta época quase toda a Europa era
absolutista.
Da luta entre o poder absoluto do monarca e a liberdade do indiduo nasceu a
primeira não de Estado de Direito, correspondente ao Estado Liberal, representativo
da liberdade do homem perante o Estado. Este esquema de conteão do Estado pelo
liberalismo inspirou a idéia dos direitos fundamentais e da divisão de poderes. A
filosofia política do liberalismo, preconizada por John Locke, Barão de Montesquieu e
Immanuel Kant, cuidou de salvar a liberdade decompondo a soberania na pluralidade
dos poderes. A teoria tripartida dos poderes, como princípio de organização do Estado
constitucional, é uma contribuição de Locke e Montesquieu
.
32
O Estado Liberal, consolidado com a Revolução Francesa de 1789, que incidiu
decisivamente sobre a configuração da propriedade no Direito Moderno tem algumas
características: a emergência social da classe burguesa enriquecida; a consagração do
individualismo; a supremacia constitucional e império da lei; prinpio da soberania
popular e do governo representativo; a doutrina dos direitos e garantias individuais e a
existência de um liberalismo econômico, movido pela lei do mercado e com mínima
intervenção estatal.
Na França, Inglaterra, Alemanha e Itália, escritores do século XVIII provocaram
uma revolução intelectual na história do pensamento moderno; surgia o Iluminismo.
31
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visual Books,
2003, p.17.
32
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 75- 81.
28
As idéias iluministas rejeitavam as tradições e procuravam uma explicação
racional para tudo, abrindo caminho para a Revolução Francesa. Filósofos e
economistas atacavam a injustiça, a intolerância religiosa, os privilégios, enfim, erros e
vícios do antigo regime.
O Iluminismo, movimento fundamentado em um conjunto de valores e idéias
revelou tendências como o racionalismo, individualismo e universalismo, expressou a
ascensão da burguesia e sua ideologia. Os homens passaram a usar a razão para
entenderem a si mesmo no contexto social.
Os fisofos iluministas consideravam que o prinpio organizador da sociedade
deveria ser a busca da felicidade. Ao governo caberia garantir direitos naturais: a
liberdade individual e a livre posse dos bens; a tolerância para a expressão das idéias;
igualdade perante a lei; justiça na punição dos delitos.
Os valores clássicos do iluminismo abalaram a França revolucionária do século
XVIII. A palavra de ordem era derrubar a ignorância, a superstição, o imaginário e
instaurar o mundo da razão e da ciência. Grandes nomes surgiram. Voltaire combate a
fatalidade e propõe a construção de uma nova civilização. Montesquieu estabelece a
teoria dos pesos e contrapesos e a tripartição de poderes.
33
Dos pensadores clássicos do Iluminismo, já destacamos o inglês John Locke,
adepto da Escola clássica do direito natural, que tratou da problemática da propriedade,
distinguindo-lhe atributos marcantes para a evolução do direito de propriedade.
Na obra Do Contrato Social
34
, Jean Jacques Rousseau exe sua teoria sobre a
criação do Estado atras de um contrato social entre os homens, que se unem em torno
de interesses comuns e abrem mão de sua liberdade ilimitada com o intuído de criar um
poder maior, um poder soberano, e viverem em sociedade, livrando-se das incertezas do
estado de natureza. Mas, o interesse maior em celebrar o contrato social é garantir a
33
FARIA, Ricardo de Moura. MARQUES, Adhemar M. História. Belo Horizonte: Editora Lê, 1989, p. 223.
34
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
29
propriedade, através das leis emanadas do poder soberano, com a instituição do Estado.
Para tanto, Rousseau declara que:
O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um
direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcaar. O que com
ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. A
fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, ime-se
distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas foas
do individuo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e,
mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito
do primeiro ocupante da propriedade, que só pode fundar-se num titulo
positivo.
35
Imanuel Kant, filósofo alemão, encontra uma posição intermediária entre a teoria
da propriedade como direito natural e como direito positivo. Kant defendia a aquisição
de um bem independentemente do Estado, mas acreditava que a aquisição de um bem em
seu estado de natureza é provisória, somente passando a ser peremptória após sua
instituição pelo Estado. Reconhecia ainda a ocupação como título de aquisição
originária da propriedade.
36
O Iluminismo, através das obras de seus pensadores, trouxe importante
contribuão perante os problemas das sociedades a que pertenciam, incluindo-se aí, a
propriedade.
As idéias liberais sacramentaram um direito de propriedade natural, individual e
indivisível, por ser inerente a condição humana, por vir completar a personalidade e a
liberdade do homem, e também um direito sagrado e indisponível, pela afirmação dos
direitos do indiduo em face do Estado.
1.1.5.1 A revolução francesa e a propriedade
O Direito Moderno tem seu marco histórico e ideológico na Revolução Francesa
de 1789, que traz modificações no contexto social, potico e jurídico, marcado pela
concepção individualista, pela exaltão das liberdades individuais e da mínima
intervenção do Estado na organização social.
35
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 42-43.
36
KANT, Imanuel apud NADER, Paulo. Filosofia do direito. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 143.
30
Para Norberto Bobbio, concepção individualista significa que primeiro vem o
indivíduo (singular), que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado e não vice-
versa, já que o Estado é feito pelo individuo e este não é feito pelo estado.
37
Contrapondo-se ao sistema feudal baseado em proposições e valores absolutos e
teogicos, a propriedade recebeu nova concepção nos seus aspectos jurídico e potico-
ideológico, quando se percebeu que o interesse social exigia restrições às prerrogativas
individuais.
A Revolução Francesa encerra como seus valores essenciais a liberdade e a
igualdade. No entanto, na estruturação do Estado e da Sociedade na Época Moderna, o
que parece ter predominado foi a liberdade, entendida por Norberto Bobbio, como a
situação na qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir
sem ser obrigado por outros sujeitos.
38
Este predomínio da liberdade dá origem ao Liberalismo
39
, concepção adotada
pelo Estado Moderno. Norberto Bobbio caracteriza a sociedade liberal como
individualista, conflitualista e pluralista. No seu entendimento, a principal finalidade
do Liberalismo é a expansão da personalidade individual, abstratamente considerada
como um valor em si, sendo o Estado liberal limitado e garantista.
40
A propriedade foi um dos núcleos essenciais das reformas trazidas pela
Revolução Francesa. No dizer de Tullo Cavalazzi Filho:
A Revolução Francesa foi um acontecimento de raízes profundas, de
tão grande alcance social que se chega a dividir a hisria à vista das
transformões que causou. Não passaria da superfície o movimento se
deixasse intacto o conceito medieval de donio, e, disto conscientes,
aqueles homens revolucionaram tamm a noção de propriedade.
41
37
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 60.
38
BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. ed. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1997, p. 48.
39
“Corrente de pensamento consolidada a partir das revoluções burguesas do século XVII caracterizada por
defender a liberdade do indivíduo frente ao Estado. Modelo social que conseguiu substituir o antigo regime e
cujos conteúdos se constituíram em fundamento jurídico e político das constituições democráticas. In: CRUZ,
Paulo Marcio. Política, Poder, Ideologia e Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 89.
40
BOBBIO, Norberto. Op.cit.1997, p. 42.
41
CAVALLAZI FILHO, Tullo. A Função Social da Empresa e seu Fundamento Constitucional. Florianópolis:
OAB/SC Editora, 2006, p. 33.
31
Dois aspectos no regime de propriedade neste período são marcantes: a extinção
do regime feudal e a exaltação da concepção individualista da propriedade. Inaugurou-se
uma era onde os limites do poder estatal passaram a ser os direitos dos cidadãos.
Foi significativa a ruptura com o Absolutismo, onde diante do poder ilimitado do
soberano não se podia falar propriamente em direitos subjetivos. O próprio conceito de
direitos subjetivo, fundado exclusivamente no indiduo, foi o instrumento para a
renovação do sistema jurídico.
Para Fabio Konder Comparato, isso fica claro no Art. 2º da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, segundo o qual a finalidade de toda
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem”,
esclarecendo, em seguida, que “tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança
e a resistência à opressão.
42
Como corolário da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem de
1789
43
, consagrou o Direito de Propriedade como sagrado e inviolável. A propriedade
assim é um direito absoluto, exclusivo, quase ilimitado, quando o proprietário pode
dispor livremente de seus bens. Caracteriza-se por instituir os direitos individuais dos
cidadãos que protegem, basicamente, a vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade.
Segundo Norberto Bobbio:
A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a
qual, para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem
enquanto tal, independentemente do Estado- partiria da hipótese de um
estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais:
o direito ä vida e à sobrevincia, que inclui também o direito à
propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades
essencialmente negativas.
44
42
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p.152.
43
Conforme Aurélio Wander Bastos, “o positivismo racionalista procurou viabilizar juridicamente uma proposta
universalista do homem. Os princípios racionais imanentes à natureza do homem eram princípios universais.
Todo homem, fosse ele francês, inglês, prussiano ou austríaco, tinha como elemento essencial da própria vida
não apenas o direito natural à vida, como transcrito e descrito nos Códigos, mas também o direito à liberdade,
propriedade e toda gama de direitos individuais preliminarmente fixados na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 1789, nas Constituições da Revolução Francesa e no subseqüente digo Civil Frances e todo
o conjunto dos demais Códigos promulgados por Napoleão.” BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do
direito.ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 1999, p. 15.
44
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos.Trad.de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 73.
32
Sobre o instituto da propriedade destaca ainda que:
A esfera da propriedade foi sempre mais protegida do que a esfera da
pessoa. o seria necessária uma norma para proclamar a propriedade
como direito sagrado e inviolável. Mesmo nos Estados absolutos, a
segurança da propriedade foi sempre maior que a segurança das
pessoas.
45
Nesse momento histórico, a nova concepção da propriedade foi elemento
essencial para a concretização dos ideais de liberdade e igualdade, figurando tamm
como fonte de riqueza e símbolo de estabilidade.
Sob este aspecto de garantia da liberdade individual, a propriedade passou a ser
protegida em sua natureza de direito subjetivo e instituto jurídico. Não se trata de
reconhecer apenas o direito individual do proprietário, garantindo-o contra as investidas
dos demais sujeitos ou do próprio Estado. Cuida-se também de evitar que o legislador
venha a suprimir ou desfigurar o instituto, em seu contdo essencial. É o que a
elaboração teórica da doutrina alemã denominou uma garantia institucional da pessoa
humana, expressão usada pela Lei Fundamental de Bonn, para definir a competência do
legislador ordinário, na regulação do conteúdo e dos limites de um direito
fundamental.
46
No curso do século XVIII, a justificativa da subsistência individual e familiar
transformou-se na garantia fundamental da liberdade do cidadão contras as imposições
do Poder Público. Cuidou-se de resguardar a esfera pessoal de cada indivíduo contra as
intrusões de outrem, efetivando-se através da nova concepção de propriedade, os ideais
de liberdade e de igualdade.
1.1.6 Direito e Propriedade na Idade Contemporânea
Com a Revolução Francesa, como movimento político de reão às desigualdades
do peodo feudal, se pretendeu alcançar aquilo que não se coadunava com o
45
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos.Trad.de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 123.
46
COMPARATO, Fabio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparatol.html>. Acesso em: 25 out. 2007.
33
desenvolvimento social da época. Neste período, a alteração do conceito de propriedade
se dá por uma imposição das novas idéias políticas e os ideais liberais da época.
No contexto revolucionário francês do final do séc. XVIII, resultante do
absolutismo monárquico e suas injustiças, a agricultura se desenvolvia com novas
técnicas de cultivo, iniciava-se a era da industrialização, a burguesia se fortalecia,
passando a pretender o poder político e a discutir os privilégios da nobreza, ao mesmo
tempo em que os camponeses desejavam libertar-se das obrigações feudais.
De inspirão iluminista e em conseqüência deste conjunto de fatores, é aprovada
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789
(Declaracion dês Droits de l´Homme et du Citoyen du 26 a oout 1789).
Neste documento, constituindo o núcleo ideológico de uma concepção de
propriedade que progressivamente se incorporaria aos textos constitucionais dos séculos
XIX e XX, já apareciam os termos inviolable et sacré, inviolável e sagrado. Dizia a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 17: La propriété étant um
droit inviolabrle et sacré, nul ne peut em être prive, si ce nest lorsque la nécessioté
publique, lélalement constatée, léxige évidemment et sous la condition d’une justew et
préalable indemnité. A propriedade, elevada à categoria de direitos fundamentais,
passou a figurar, no mesmo patamar, da vida e da liberdade.
47
Seguindo esta mesma ideologia, na Constituição Francesa de 1.791, o direito à
propriedade foi ratificado por Napoleão.
O Código Civil francês de 1803, neste diapasão, prescreve em seu art. 544:
propriété est lê droit de jouer et disposer dês choses de la manière la plus absolue,
pourvu quón nem fasse pás um usage prohibé par lês lois ou par lês réglements.
Analisando este artigo Izabel Vaz afirma que não seria exagero dizer que este
dispositivo sobre o regime das propriedades repercutiu em todos os códigos civis do
Ocidente, resistindo mesmo às alterações introduzidas pelas constituições, como vem
ocorrendo com o Código Civil brasileiro.
48
47
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 26-27.
48
Idem, Ibidem, p. 61.
34
Sobre o tema, diz Caio Mario da Silva Pereira:
A revolução Francesa pretendeu democratizar a propriedade, aboliu
privilégios, cancelou direitos perpétuos. Desprezando a coisa mobel
(Villis mobilium possessio) concentrou sua atenção na propriedade
imobiliara e o Código por ela gerado-Code Napoléon- que serviria de
modelo a todo um movimento codificador noculo XIX, tamanho
prestigio deu ao instituto, que com razão recebeu o apelido de código
da propriedade, fazendo ressaltar acima de tudo o prestigio do imóvel,
fonte de riqueza embolo de estabilidade. Daí ter-se originado em
substituição à aristocracia de linhagem, uma concepção nova de
aristocracia econômica, que penetrou no século XX.
49
De fato, a influência do Código Civil francês, se fez sentir, muito tempo depois,
na edição do Código Civil Brasileiro de 1916, que declarou a propriedade com igual
individualismo, em seu artigo 524: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar,
gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os
possua. Disposição semelhante foi mantida no Código Civil de 2002, no Art. 1228: O
proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O digo Napoleônico, de caráter absolutista e individualista, diferenciou o
direito de propriedade dos direitos políticos, assegurando ao titular a mais ilimitada
liberdade dentro dos parâmetros legais vigentes á época. Uma nova ordem estava
surgindo. A propriedade passa a ter um sentido de utilidade econômica, cujo objetivo é
garantir a utilidade exclusiva de seu titular, caracterizando-se como um direito quase
absoluto.
O objeto de preocupão do legislador francês da época era a propriedade
imobiliária, libertada do donio senhorial. Mas as exigências de uma economia
capitalista, que se firma em conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas,
tinha na propriedade fundiária o ranço do modo de produção feudal. Daí, justamente a
necessidade de libertar a propriedade fundiária de sua origem feudal que impediam o
uso economicamente progressivo dos bens de produção.
50
49
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 66.
50
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no novo digo civil. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004, p. 45.
35
O conceito unitário e individualista de propriedade, próprio da época, é
confirmado por Orlando Gomes:
No regime capitalista, o conceito unirio da propriedade é restaurado e
os poderes que ela confere são exagerados, a prinpio, exaltando-se a
concepção individualista. Ao seu exercício não se antepõem restrições,
seo rara, e o direito do proprietário é elevado à condição de direito
natural, no mesmo pé de igualdade das liberdades fundamentais.
51
Essa concepção sofreu sérias reações, dentre as quais se destacam: Pierre-Joseph
Proudhon, que, considera a propriedade individual "um roubo"; Karl Marx, ao pregar a
destruição da propriedade privada; e Augusto Comte, que vem aplainar a base da
funcionalidade da propriedade, ainda que privada. Proudhon, ferrenho contestador da
propriedade privada, critica a Revolução Francesa, discordando da inclusão do direito de
propriedade entre os direitos naturais, distinguindo-o da liberdade e segurança. Entendia que a
propriedade era um direito divisível e de exclusão.
52
Em sua obra La Théorie da la Propriété”, Proudhon teoriza a propriedade como
uma função e não como um direito:
A propriedade revela-se como uma função à qual todo cidadão é chamado,
assim como é chamado a produzir. Melhor dizendo, a propriedade se
torna um direito na medida em que é uma função. É uma função social e
econômica: a propriedade resulta do trabalho coletivo, por isso pertence ao
ser coletivo. Sua utilização fica submetida às exigências do ser coletivo, do
bem comum.
53
A nova idéia dada à propriedade ganha importância diante da posição da Igreja. A
Encíclica Rerun Novarum, em 1.891, abominava as soluções socialistas à propriedade e,
embora reconhecendo o direito de propriedade como decorrente do trabalho, defendia uma
distribuição mais ampla da propriedade privada, uma vez que sendo originária de Deus, era
direito natural de todos. A expressão justiça social aparece pela primeira vez no corolário
ideológico da Igreja.
51
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19ª ed. atualizada por Luiz Edson Fachin.Rio de Janeiro: Forense, 2008,p. 125.
52
ABBAGNANO, Nicola. Hisria da filosofia.Trad. Armando Silva Carvalho. ed. V. 9. Lisboa: Presença. 2000, p.
78.
53
PROUDHON, Pierre Joseh, apud COSTA, Cassia Celina Paulo Moreira da. A constitucionalização do direito
de propriedade privada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 34-35.
36
O conceito da função social da propriedade, de certa forma ainda recente nos
ordenamentos jurídicos, recebeu relevantes contribuições da Igreja Medieval e sua doutrina.
[...] desde Santo Ambrósio, propugnando por uma sociedade mais justa
com a propriedade comum, ou Santo Agostinho, condenando o abuso
do homem em relação aos bens dados por Deus, e Santo Tomás de
Aquino, que na propriedade um direito natural que deve ser
exercido com vistas ao bonum commune, até aos sumos pontífices que
afinal estabeleceram as diretrizes do pensamento calico sobre a
propriedade, sempre em todas as oportunidades, a Igreja apreciou a
questão objetivando humanizar o tratamento legislativo e político do
problema.
54
A presença eclesial na discussão sobre o uso da terra não parou com São Tomaz
de Aquino, cuja contribuição foi no sentido que, no concernente ao uso, o homem não
deve possuir os bens exteriores como pprios, mas como comuns, de tal forma que
facilmente os comunique nas necessidades dos outros. Prosseguiu no século XIX com as
Enclicas Rerum Novarum, quando se passou a discutir que o uso da propriedade
deveria contribuir para o bem comum.
Também a Quadragésimo Anno, em 1931 e Mater et Magistra, em 1962, em
1962, asseveraram em algum momento, a importância da inclusão social via trabalho e
distribuição das riquezas, no sentido da pregação de que a socialização é um dos
aspectos característicos de nossa época. Finalmente o Concílio Vaticano II e mais tarde
a Teologia da Libertação deram forte impulso a discussão acerca do uso da propriedade
e do tributo social que sobre ela repousa.
55
A Enclica Mater et Magistra demarcou iniciativa mais contundente da Igreja
Católica, no sentido de pregar a socialização, reafirmando o direito de propriedade,
necessariamente para todas as classes sociais e exercendo uma função social. Assim,
prega a Igreja que a função social é intrínseca à propriedade, compreendendo o
individual e o social, admitindo ainda a propriedade pública dos bens cuja apreensão
individual configuraria um risco para o bem comum.
54
ARAÚJO, Telga de. Função social da propriedade. In: FRANÇA, Rubens Limongi (coordenador)
Enciclopédia Saraiva de Direito. V. 39. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 6.
55
BERTAN, José Neure. Propriedade privada & função social. 1ª ed., 3ª tir.. Curitiba: Juruá, 2006, p. 57-61.
37
O instituto da propriedade sofre uma evolução, como que prenunciando a fuão
social da propriedade. Sobre o tema, diz Odilon Carpes Moraes Filho:
Com efeito, é neste temperamento da propriedade (retirando o poder de
abuso do proprierio) é que a fuão social da propriedade começa sua
história. Sem esquecer do trabalho da jurispruncia francesa, que
gradativamente impôs limites ao poder absoluto do proprierio. No
entanto, até aí, era tratado, apenas, como limites à propriedade. Nesta
evolução sistêmica, muitos pensadores foram fundamentais para esta
mudança de paradigma. Mesmo durante a revolução francesa Marat já
ia de encontro à concepção individualista absoluta da propriedade,
considerando apenas letima a propriedade que não importasse
espoliação do trabalho dos pobres. Von Ihering postulou uma teoria
social da propriedade e Otto Von Gierke, contra o sistema socialista
aleo, inspirado no direito hisrico, passa a defender a propriedade
privada, baseada na harmonia social e por um sentido social da
propriedade Merece atenção, tamm, a doutrina positivista de August
Comte e a doutrina solidarista de Émile Durkheim. O primeiro
preconiza a funcionalização total do instituto, enquanto o segundo
defende os conceitos de fraternidade e solidariedade no âmbito das
relações privadas.
56
Inicia-se aí a funcionalização do instituto da propriedade, com a contribuição dos
pensadores para a mudança de paradigma do direito de propriedade. Além do
cristianismo social, as idéias socialistas também tiveram influência no processo de
socialização dos direitos e limitação das liberdades individuais.
1.1.7 A Concepção Materialista sobre a Origem da Propriedade
Karl Marx e Friedrich Engels
57
estavam convencidos de que os detentores do
poder econômico, os grandes industriais e o Estado, não se preocupavam com a classe
trabalhadora, pois o proletariado estava predestinado a destruir a burguesia, pondo fim
aos seus privilégios.
Estas idéias, contidas no Manifesto do Partido Comunista
58
, pretendiam
demonstrar aos trabalhadores, como suas vidas foram afetadas com a mudança das
56
MORAES FILHO, Odilon Carpes. A função social da posse e da propriedade nos direitos reais. Disponível
em: <http://www.amprs.org.br/images/odilonm2.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2008.
57
MARX, Karl, ENGELS Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002.
58
No Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels difundiram de maneira simples, em
formato de “Manifesto”, sua nova concepção de Filosofia e de História.
38
formas de produção, fazendo surgir a emergente classe burguesa, em cujas mãos se
concentrou a riqueza.
Para eles, a burguesia seria cada vez mais rica e cada vez mais solitária. Quando
todos os segmentos da classe média encampassem a luta proletária, esta sim,
verdadeiramente revolucionária, ocorreria a extrapolação, que se seguiria à exacerbação
e ao conflito final. A posição adotada foi de guerra à sociedade defendida e dominada
pelo liberalismo.
Inconformado com as desigualdades sociais decorrentes da má distribuição de
riquezas e direitos sociais na Alemanha, em seus Manuscritos de 1844, Economia
Potica e Filosofia, Karl Marx concluiu sobre o papel determinante do trabalho e seu
valor econômico para o acúmulo de riquezas. O cerne de sua contribuição quanto à
importância do trabalho e a origem da propriedade privada dos meios de produção vem a
ser o apontamento de que a alienação do trabalho é responsável pelo aumento
incontrolável da produtividade proporcionando assim, o desenvolvimento da
propriedade privada, das trocas, das diferenças de riquezas e consequentemente o
sustentáculo das classes antanicas.
59
Ao tratar da mais valia, alertou que o salário percebido pelo proletariado nunca
é proporcionalmente justo à força dispensada no trabalho, de forma que na sua teoria
não há espaço para a propriedade privada dos bens de produção, admitindo apenas a
propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito. Para Karl Marx
60
, o capital é um
produto coletivo por ser gerado pelo trabalho assalariado e, desta forma por ser uma foa
social, deve pertencer a toda a sociedade como propriedade comum. Assim,o
justificativa para a conversão da propriedade pessoal em propriedade social, visto que, o
que é mutável é o cater social da propriedade.
Em seu Manifesto Comunista, Karl Marx
61
diz ainda que: A propriedade
privada moderna, a propriedade burguesa é a última e a mais perfeita expressão do modo
59
MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editora, 2004.
60
Op.cit.,p.93
61
MARX, Karl, apud VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades.Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.39-40.
39
de produção e de apropriação baseado nos antagonismos de classes, na exploração de
uns pelos outros.”
Na obra A Origem da falia, da propriedade e do Estado
62
, Friedrich Engels
expõe suas idéias sobre a origem da família, da propriedade privada e do Estado. Sob
esta ótica não é posvel separar a origem da propriedade privada das outras instituições.
A concepção materialista da história tem como fatores decisivos a produção e a
reprodução da vida humana e dos meios de subsistência.
Friedrich Engels afirma que essa produção e reprodução compreendem a
produção dos meios de subsistência e todos os instrumentos necessários à sua obtenção.
Compreendem também a produção do homem próprio, destinada a dar continuação à
espécie. Estas duas espécies de produção é que condicionam o grau de desenvolvimento
do trabalho e da família. Da mesma forma que o nível do trabalho condiciona a
quantidade de produtos e da riqueza, os laços e parentesco determinam o regime social.
Neste quadro, a produtividade aumenta sem cessar, proporcionando o desenvolvimento
da propriedade privada, das trocas, das diferentes riquezas, do emprego do trabalho
alheio.
63
Na concepção materialista, da constante busca do homem em dar continuidade às
espécies, surge o fator que condiciona a ordem social, consubstanciado no grau de
desenvolvimento do trabalho e da família. Para tanto, Friedrich Engels
64
distingue
diversas fases de desenvolvimento da divisão do trabalho, fases estas que representam
formas diferentes da propriedade: a propriedade tribal, a propriedade comunal e estatal
na Antiguidade, a propriedade feudal e a propriedade burguesa.
A propriedade tribal corresponde a uma fase não desenvolvida da produção em
que a agricultura é de subsistência, pressupondo grande quantidade de terras incultas.
Com a produção pouco desenvolvida a divisão do trabalho limita-se ao seio da família,
62
Engels escreveu esta obra em 1884 baseando-se, também, em escritos deixados por Marx após sua morte.
Nela discorre sobre o materialismo dialético comparando-o ao trabalho de Morgan sobre a história da família.
63
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do estado. São Paulo: Editora Centauro, 2004, p.
33 a 42.
64
Idem, Ibidem, p. 173 a 179.
40
reproduzindo sua estrutura: os chefes patriarcais da tribo, abaixo deles os membros da
tribo e finalmente os escravos.
Da reunião de várias tribos formando uma cidade, quer por contrato, quer por
conquista, constitui-se a propriedade comunal e estatal da Antiguidade. Nesta fase ainda
persiste a escravidão, entretanto a divisão do trabalho é mais desenvolvida. Coma já a
desenvolver-se, ao lado da propriedade comunal, a propriedade móvel e imóvel. Com o
desenvolvimento da propriedade privada já surgem as mesmas relações que aparecem na
propriedade privada moderna: a transformação dos pequenos camponeses plebeus em
um proletariado como resultado da concentração da propriedade privada.
Na propriedade feudal que surge na Idade Média são os pequenos camponeses
(servos) e não mais os escravos que constituem a classe produtora. A propriedade
principal durante esta época consistia, por um lado, na propriedade territorial à qual
estava ligado o trabalho dos servos e, por outro lado, no trabalho próprio com pequeno
capital, dominando o trabalho dos oficiais.
Para Marx e Engels
65
, a propriedade burguesa que caracteriza a época moderna
está ligada ao modo de produção capitalista. A manufatura veio substituir o modo de
produção feudal ou corporativo, mas devido ao crescimento e exteno dos mercados,
ela torna-se rapidamente insuficiente e foi a grande indústria que acabou por
revolucionar toda a produção.
Os pequenos industriais perderam o seu prestígio e foram substituídos pelos
milionários da indústria, os burgueses modernos. A grande indústria fez nascer um
mercado mundial e este permitiu o grande desenvolvimento do comércio, da navegação
e das vias de comunicão.
O que se vê na época moderna é o confronto direto de duas grandes classes: a
burguesia e o proletariado. O trabalhador ou proletário transfere ao proprietário o meio
de produção, fruto do seu labor, ficando subordinado aos fins, meios e métodos impostos
pelo burguês ou detentor do capital.
65
MARX, Karl, ENGELS Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002.
41
Sobre a alienação do trabalho, Karl Marx expõe:
O conjunto dos meios de produção existentes numa dada época histórica, o
conjunto dos meios científicos e técnicos de uma cultura e do poder que eles
representam são o fruto do trabalho e do pensamento de todas as gerações
anteriores, ou seja, quando os meios de produção são propriedade privada,
todo este patrimônio, no qual se apresenta a obra criadora de toda a
humanidade passada, da humanidade enquanto ser genérico, está em mãos
de alguns poucos indivíduos que dispõem, assim, de todas as invenções
acumuladas por milênios de trabalho e de gênios humanos.
66
Karl Marx aponta a propriedade privada como expressão máxima da alienão do
trabalho salientando que a alienação do trabalho é o oposto da criação e que esta
alienação surge com a propriedade privada. Enunciando a moral marxista, diz:
[...] o comunismo, abolição da propriedade privada dos meios de produção
que é a alienação do homem, é, por isso mesmo, apropriação real da
essência humana pelo homem e para o homem. É uma reconquista do
homem completo, consciente e a nada renunciando de toda a riqueza
adquirida pelo desenvolvimento anterior do homem social, isto é, do
homem humano. O homem se apropria de seu ser universal de um modo
universal, ou seja, enquanto homem total.
67
Sob esta ótica, em todas as formas de organização social existentes, desde a
sociedade tribal até a sociedade capitalista moderna, a exploração do homem pelo
homem é uma constante; opondo-se a isso, a teoria materialista propõe a coletivização
dos meios de produção capitalista e encontra na sociedade comunista a forma pela qual a
fase capitalista será superada.
Na concepção materialista, a propriedade sempre foi considerada do ponto de
vista da opressão de classe, seja no que denominam relações feudais de propriedade, seja
nas relações burguesas de propriedade.
Toda forma de propriedade seria tida como imperfeita, não existindo forma plena,
que favoreceria a sociedade em seu conjunto. A única forma perfeita seria a forma
coletiva (forma estatal) que deveria liberar as forças produtivas. Entretanto, a própria
história ensinou que as sociedades que estatizaram os meios de produção foram
exatamente aquelas que não se desenvolveram.
66
MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo:Boitempo Editora, 2004, p. 58.
67
MARX, Karl, ENGELS Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. o Paulo: Ed. Martin Claret, 2002, p. 94.
42
1.1.8 A Propriedade no Entendimento de Leon Duguit
Na evolução histórica, o Estado Liberal, de maneira lenta e gradual se
transformou em um Estado Intervencionista e Social.
Em relação ao direito de propriedade, considerado um direito absoluto, a doutrina
evoluiu e numa tentativa de relativizar os princípios abusivos em relação aos direitos
individuais, passou a considerar este direito como um direito de cater pleno, onde o
proprietário, ao invés de poder abusar de seu direito, passa a pautar sua conduta sob os
limites legais, impostos pelo direito positivo.
Nessa evolução do instituto, prenuncia-se a função social da propriedade.
Realmente, ao retirar o poder de abuso do proprietário, a função social começa a
aparecer, anunciando uma mudança de paradigma, já iniciada pela jurisprudência
francesa, no sentido de impor gradativo limite ao poder absoluto do proprietário.
Leon Duguit
68
modificou definitivamente o entendimento da propriedade ao
considerá-la não como um direito individual subjetivo, mas uma função social. Ele
inseriu no âmbito da reflexão jurídica a concepção de que a propriedade individual não
deveria existir senão na medida do interesse social.
Sua noção de propriedade deu origem à teoria da função social da propriedade e
sua incorporação nos ordenamentos judicos da atualidade, procurando demonstrar que
o sistema jurídico de cunho individualista não é o mais adequado para regular as
situações sociais.
68
Em obra publicada no princípio da década de vinte, Lês Transformations générales du droit privé depuis le
Code Napoléon”, Leon Duguit critica a noção individualista da propriedade privada, concluindo ter ela uma
fonction sociale”. Na ntese, todo o indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na
razão direta do lugar que nela ocupa. E o detentor da riqueza, pelo próprio fato de detê-la, pode cumprir uma
certa missão que ele pode realizar. Somente ele pode contribuir para o aumento da riqueza geral, assegurando
a satisfação das necessidades gerais. Fazendo valer para todos o capital que detém. Nessa conseqüência, está
socialmente obrigado a cumprir esta missão e não será socialmente protegido, senão se cumpri-la e na medida
em que o fizer. A propriedade não representa um direito subjetivo e exclusivo do proprietário, mas um benefício
realizado em prol de toda a sociedade, realçando a importância da função social do detentor de riqueza. In:
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A proteção constitucional ao Patrimônio Cultural. Revista do Ministério
Público. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id9.htm>. Acesso em: 02.07.2008
43
Sobre a importância da teoria desenvolvida por Duguit, o entendimento de
Aurélio Wander Bastos :
[...] Leon Duguit desenvolve na França, o pioneiro e historicamente mais
importante movimento sociologista como a primeira critica aos exageros
positivistas e como retomada da consciência de compromissos do direito
com a sociedade. Leon Duguit, o grande jurista sociologista inaugura a
critica ao legalismo, afirmando que existe uma verdadeira revolta dos fatos
contra os Códigos, que o dinamismo da sociedade ultrapassa o rigorismo da
lei e a sobrevivência do direito estaria, necessariamente, condicionada á sua
constante e sucessiva adaptação a inclinações éticas, morais e econômicas
da sociedade.
69
Ao apontar a ocorrência de uma transição do paradigma individualista para um
mais realista, embasado na noção de funções que o indivíduo deve desempenhar
enquanto membro da sociedade, Leon Duguit afirma:
O homem vive em sociedade e pode viver em sociedade; a sociedade
subsiste apenas pela solidariedade que une os indivíduos que a compõe. Por
conseqüência uma regra de conduta impõe-se a homem social pela própria
força das coisas, e essa regra pode formular-se deste modo: nada fazer que
atente contra a solidariedade social sob qualquer das suas duas formas e
fazer tudo o que for de natureza a realizar e a desenvolver a solidariedade
social mecânica e orgânica. Todo o direito objetivo se resume nesta
formula e a lei positiva, para ser legitima, deverá ser a expressão, o
desenvolvimento ou a execução deste princípio.
70
A solidariedade consistia na atribuição de valores aos fatos sociais. A
interdependência da propriedade para com os elementos sociais converte a propriedade
privada em função social, deixando essa de ser direito subjetivo do indivíduo. Os
sentimentos sociais fundamentais de solidariedade e justiça deveriam justificar a criação
de normas jurídicas, como transformação das normas econômicas e morais. Neste
entendimento, os direitos subjetivos, de caráter individualista, não existem.
Defendendo que uma concepção realista do sistema jurídico, baseada na noção de
função social, elimina a idéia individualista, Leon Duguit
71
afirma:
el hombre no tiene
derechos; la colectividade tampoco. Pero todo indivíduo tiene em la sociedad una cierta funciln
69
BASTOS, Aurélio Wander. Introdução a teoria do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 1999, p. 19.
70
DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Campinas: Editora LZN, 2003, p.19.
71
DUGUIT, Leon. Las trasformaciones de derecho (público y privado). Trad. de Adolfo G. Posada, Ramón
Jaén e Carlos G. Posada. Buenos Aires: Ed. Heliasta, 1975, p. 178.
44
que cumplir, uma cierta tarea que ejecutar. Y esse es precisamente el fundamento de la regla de
Derecho que se impone a todos, grandes Y pequenos, gobernantes y gobernados
72
Seguindo este raciocínio, não existem direitos individuais ou coletivos, mas
apenas uma função social a ser cumprida. Todo indivíduo tem a obrigão de cumprir na
sociedade uma determinada função, em razão direta ao lugar que ele ocupa. Modifica-se
a base jurídica em que se calca a proteção social da propriedade: de direito do indivíduo
para uma fuão social. O proprietário tem poder para com a coisa e com terceiros, mas
também o dever de satisfazer as necessidades sociais.
O próprio direito de propriedade deve conceber-se como o poder, para
certos indivíduos que se encontram de fato numa certa situação econômica,
de desempenhar livremente a missão social que lhes incumbe por virtude da
sua situação especial. Desde que se persista em fazer do direito de
propriedade um direito natural do homem, fundado na idéia de que o homem,
tendo o direito de exercer livremente a atividade, de ter o direito de se
apropriar dessa atividade, logicamente chega-se ao comunismo; porque todo
homem que trabalha deveria ser proprietário, e o que trabalha poderia sê-
lo. [...] A propriedade individual deve ser compreendida como um fato
contingente, produto momentâneo de sua evolução social; e o direito do
proprietário, como justificado e ao mesmo tempo limitado pela missão social
que lhe incumbe em conseqüência da situação particular em que se
encontra.
73
Esta é a essência da concepção de propriedade de Leon Duguit: a de que a
propriedade não é um direito subjetivo, mas sim, uma função dentro da sociedade.
A propriedade é marcada por uma dupla função: satisfazer às necessidades
particulares de seu possuidor e às necessidades sociais da coletividade, ou seja,
empreender a conciliação da satisfação dos interesses individuais do proprietário com os
interesses da coletividade.
Por isso que a condão de proprietário é caracterizada como um poder-dever
consubstanciado em poder de fazer uso de seus bens e riquezas conforme suas
necessidades e interesses, mas adequar esse uso às necessidades e interesses da
sociedade da qual participa.
72
DUGUIT, Leon. Las trasformaciones de derecho (público y privado). Trad. de Adolfo G. Posada, Ramón Jaén
e Carlos G. Posada. Buenos Aires: Ed. Heliasta, 1975, p. 178.
73
DUGUIT, Léon. DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Campinas: Editora LZN, 2003, p. 22.
45
Analisando a doutrina de Leon Duguit, partindo do pressuposto doutrinário de
que a propriedade não é um direito, mas a ppria coisa; o proprietário o é titular do
direito subjetivo da propriedade, mas encontra-se apenas, numa situação de direito
objetivo, protegida pela regra social que veda as perturbações de terceiros ao uso e gozo
do bem, segundo sua finalidade. Há, para todo detentor de riqueza, a obrigação de
empregá-la de acordo com a sua finalidade, aumentando a interdependência social, visto
que a propriedade é uma função social.
A negação do direito subjetivo da propriedade e a idéia de dever dada à
propriedade, dando origem a propriedade-função, foi alvo de acirradas críticas à época.
No entanto estas contraposições não foram suficientes para desmerecer a nova doutrina.
Nesta evolução, o homem passa a ser considerado um meio para cumprir uma
função social. A propriedade é uma situação jurídica puramente objetiva. O proprietário
tem garantida, através do ordenamento jurídico, apenas a liberdade de satisfazer a
função social que lhe compete por ser o detentor da riqueza. Há abuso de direito
quando, no seu exercio, não forem considerados os direitos de outros indivíduos. O
proprietário obriga-se a exercer seu direito, quando assim lhe exige o bem comum. A
função social visa fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira a cumprir o fim
a que se destina, ao menos no aspecto dogmático, numa combinação de interesse
individual e coletivo.
74
A partir d, o direito de propriedade, passa a vislumbrar uma tendência
sociabilizadora, iniciada pelas Cartas Sociais contemporâneas, que estabelecem uma
função social à propriedade -expressa ou implicitamente- de maneira a resguardar o
intere
No decorrer do presente catulo, ao discorrer sobre a evolução histórica da
propriedade, verifica-se que entre os povos ocidentais, o direito de propriedade e a
própria propriedade passaram por diferentes fases evolutivas.
74
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 43-44.
46
Em um primeiro momento a propriedade é coletiva, na órbita familiar. Em Roma
e Grécia desenvolvem-se novas formas de propriedade individual, um direito absoluto,
perpétuo e oponível erga omnes. Na Idade dia, o conceito unitário de propriedade é
desdobrado, a atribuição do domínio da terra é de mais de uma pessoa (soberano ou
senhor e servo). Posteriormente, com fundamentação jusnaturalista, na Idade Moderna,
a propriedade recebe um impulso favorável a ser unitária, livre e individual. No século
XIX, surgem novas formas de propriedade e a concepção individualista da propriedade
entra em choque com os movimentos de caráter coletivo
Nesta evolução temporal, fica ressaltada a função social da propriedade, numa
mudança de paradigma. A idéia de propriedade como direito subjetivo, baseado nos
interesses do proprietário não mais se justifica, sendo exigido do proprietário que atenda
a sua função social. O uso da propriedade privada tem que ser compatibilizado com o
interesse social.
O liberalismo clássico foi sendo superado pela crescente intervenção do Estado
na ordem econômica e social. Esse novo quadro trouxe como conseqüência, uma
mudança notável na concepção do direito de propriedade, que adquiriu caráter social. De
direito, transformou-se em direito-dever.
Esta nova concepção se irradia sobre o direito empresarial. O reflexo dessas
novas idéias no âmbito empresarial configura a noção de propriedade empresarial, que
será analisada adiante.
47
2 A PROPRIEDADE PRIVADA NO ESTADO SOCIAL
2.1
A
C
ONSTITUCIONALIZAÇÃO DO
D
IREITO DE
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA
A época contemporânea é marcada pela revisão da postura não intervencionista
do Estado e da concepção individualista da sociedade, próprias da ideologia liberal da
Época Moderna. Um movimento intelectual e social se intensificou na tentativa de
superar o individualismo que se consolidara no Estado Liberal, possibilitando a efetiva
realização da harmonia social.
A partir do final do século XIX, antes mesmo da consolidão do Estado Social,
que ocorreria apenas em meados do século XX, com a Constituição Mexicana de 1917 e
a Constituição de Weimar de 1919, iniciou-se uma reação contra o excesso de
formalismo do direito, de que é exemplo a teoria funcionalista de Leon Duguit, além das
de Rudolf Von Jhering, Maurice Hauriou e Otto Friedrich von Gierke.
75
A luta contra o formalismo estava normalmente associada à oposição contra o
individualismo e todas as teorias procuraram romper com a idéia de que o direito se
reduzia à lei ou a conceitos jurídicos formalmente estabelecidos. Sobre estas teorias
antiformalistas, Luiz Recaséns Siches ressalta:
[...] poder-se-ia destacar alguns dos aspectos mais interessantes das
teorias antiformalistas. A teoria finalistica de Jhering enfatiza as
finalidades dos indivíduos e da sociedade. A livre investigação
científica de Gény ataca o método exegético, mostrando que a
interpretação deve abrir-se a juízos outros, como o justo equilíbrio e
harmonização entre os interesses privados opostos. O sociologismo de
Ehrlich e o Direito Livre deslocam a atenção para o direito que
efetivamente é praticado na sociedade. A jurisprudência dos interesses
de Heck tem como ponto chave deslocar a preocupação da
jurisprudência dos conceitos com a lógica do conflito de interesses
vistos como necessidade da vida, já que estas é que precisariam ser
valoradas de acordo com as pautas axiogicas da lei. A interpretação
deformante ou construtiva de Saleilles tem como preocupação central a
equidade e a justiça.
76
75
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 107.
76
SICHES, Luiz Recaséns apud LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e
abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 108.
48
Só com esta ruptura do direito formalista, característico do Estado Liberal é que
se começou a discutir a legitimidade dos próprios direitos subjetivos, sem a qual não se
poderia reconhecer a teoria da função social da propriedade. De fato, se o Direito estiver
restrito à lei torna-se impossível qualquer juízo de legitimidade que não seja a própria
legalidade.
A partir da Revolução Industrial, no culo XVIII, os movimentos sindicais
passaram a exigir uma atitude positiva do Estado na proteção dos direitos sociais, no
sentido de prover determinadas necessidades básicas dos cidadãos, como saúde,
educação, trabalho e previdência social, bem como impor limitações à propriedade
privada.
No dizer de Norberto Bobbio:
Da ctica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a pratica
liberal do Estado é que nasceram as exincias de direitos sociais, que
transformaram profundamente o sistema de relações entre o indiduo e
o Estado e a própria organizão do Estado, até mesmo nos regimes
que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradão
liberal do século XIX.
77
Direitos sociais expressam o amadurecimento de novas exigências ou novos
valores, como os de bem estar e da igualdade não apenas formal e que poderíamos
chamar de liberdade através ou por meio do Estado.
Norberto Bobbio ensina que os direitos do homem sempre são históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e
nem de uma vez por todas.
78
O desenvolvimento de uma teoria sobre a função social da propriedade foi um
desdobramento da discussão sobre a solidariedade social. Pode-se atribuir a Augusto
Comte a primeira versão moderna do conceito. A função social da propriedade fora
assinalada pelo que é considerado o pai do positivismo, em Systema de Politique Positive,
antes mesmo dos juristas franceses que melhor sustentaram essa teoria, ao condenar os abusos
77
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Trad.de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 42.
78
Idem, ibidem. p. 33.
49
do sistema capitalista de propriedade e ao mesmo tempo as doutrinas socialistas consideradas
por ele como utopias ou extravagâncias.
79
Neste processo de socialização dos direitos e limitão das liberdades
individuais, surge o Estado da Época Contemporânea, também conhecido como Welfare
State, o Estado Intervencionista do Bem Estar Social. Antonio Carlos Wolkmer diz a
respeito do Estado Contemporâneo:
A crise e a falência do modelo político liberal, a eclosão da sociedade
industrial de massas, bem como as profundas transformaçõescio-
econômicas ocorridas em fins do século XIX e começo do século XX,
possibilitaram a complexa experiência de uma estrutura, que por estar
ainda em curso, assume diversas especificidades, cunhada por autores
com as designões de Estado Social, Estado Intervencionista, Estado
Tecnocrático, Estado do Bem-estar, Estado Providencia ou Assistencial
(Welfare State).
80
O entendimento do Direito de Propriedade modifica-se no Direito
Contemporâneo: opondo-se ao individualismo do Direito Moderno, acontece o
nascimento e positivação dos direitos coletivos e difusos.
É certo que o privilégio aos interesses particulares, em detrimento dos interesses
da coletividade tem conseências danosas à realização do bem comum. Nesta
perspectiva a propriedade adquire uma função social, inicialmente nas construções
teóricas dos doutrinadores, evoluindo para sua consagração no âmbito do Direito
Positivo.
O contexto social, político ereligioso dos séculos XIX e XX aliado à evolução
das idéias, também levam a uma progressiva transformação do conceito de propriedade
no sentido de uma maior limitação e socialização deste direito.
Como visto, Karl Marx, em seu Manifesto Comunista de 1848 pregava a abolição da
propriedade burguesa no que se refere aos instrumentos de produção. Também a Igreja
Católica enfatiza o momento chamado socialismo cristão, especialmente na Encíclica
Quadragésimo Anno, onde Pio XI busca suavizar a noção individualista da propriedade.
79
CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho. A doutrina da função social da propriedade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/>. Acesso em: 15 jan. 2008.
80
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 25.
50
A evolução dos direitos no sentido de uma maior consideração de seu aspecto
social culmina na Constituição Alemã de 1919, que inaugura uma fase, caracterizada
pelo sistema constitucional, que afetará profundamente o Direito de Propriedade.
2.2
O
E
STADO
S
OCIAL E A
F
UNCIONALIZAÇÃO DOS
D
IREITOS
S
UBJETIVOS E DA
P
ROPRIEDADE
Para uma análise adequada do princípio da função social da propriedade, é
fundamental abordar, ainda que de forma muito sintética, a evolução do Estado, tendo
em vista que o contdo atual do direito de propriedade está diretamente ligado à
evolução do Estado e da sociedade.
O Estado surgiu em razão de fatores hisricos, resultante na maioria das vezes de
lutas e conquistas da sociedade, evoluindo com o desenvolvimento cultural do povo.
Inicialmente marcado pelo absolutismo, com limitação das liberdades individuais
devido ao excesso de poder do soberano, o Estado evoluiu até o advento do Estado
constitucional de direito, marcado pela limitação dos poderes do Estado e ampliação das
liberdades dos indivíduos.
O Estado Social de Direito nasceu com a missão de conciliar o capitalismo com o
bem estar da sociedade. De acordo com José Afonso da Silva
81
, o Estado Social
caracteriza-se no propósito de compatibilizar, em um mesmo sistema, dois elementos: o
capitalismo, como forma de produção e a consecução do bem-estar social geral, servindo
de base ao neocapitalismo típico do Welfare State.
Para isso, as constituições passaram a reconhecer os direitos sociais, com a
previsão da proteção aos direitos fundamentais de segunda dimensão, bem como a
necessidade da intervenção direta do Estado na sociedade e na economia, além de
garantir a propriedade e sua função social.
81
SILVA,José Afonso. Curso de direito constitucional positivo.24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
p.116.
51
O Estado Social e Democrático de Direito buscou dar efetividade aos ideais de
justiça social reivindicados pela sociedade, buscando a materialização dos direitos
sociais e coletivos com a atuação e presea firme do Estado na ordem social e
ecomica.
A Constituição Alemã de 1919 (Constituição de Weimar) é o protótipo do Estado
social: o triunfo do Estado sobre a sociedade ou, pelo menos, a sua superioridade e
preponderância. Neste sentido, a interpretação de Paulo Bonavides:
A Constituão de Weimar inaugurou a primeira grande abertura para
os direitos sociais. Modelo cssico de organizão de um Estado
social-democrata, também procurou garantir direitos sicos ao
trabalhador. Com o Estado social, surgem os chamados direitos
fundamentais de segunda geração, intrínsicamente ligados ao princípio
da igualdade e normalmente desdobrados em direitos sociais culturais,
econômicos e também os direitos das coletividades.
82
A Constituição Alemã de Weimar veio instituir uma ordem jurídica, econômica e
social justa, instituindo uma série de prinpios destinados a regular o processo
produtivo, a atividade prestacionista do Estado e sua intervenção na economia, dando
origem à categoria dos direitos econômicos e sociais e a conseqüente juridicização da
propriedade e de outras instituições privadas.
83
Foi a primeira a reconhecer a propriedade como dever fundamental. Para este estudo,
destaca-se a importância de Artigo 153 da Constituição de Weimar
84
, onde se garante a
propriedade, mas ao mesmo tempo, limita seu conteúdo. Determina que a propriedade obriga
e que seu uso deve servir ao bem da comunidade.
Em conseqüência, o direito de propriedade se orienta para atingir o equilíbrio entre o
interesse individual e o bem social da comunidade.
A configuração desse Estado voltado para a proteção dos direitos sociais e o
caráter marcadamente social da Constituição de Weimar, influenciou grande parte das
82
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 476.
83
SILVA, Jo Afonso da. Bens de interesse publico e meio ambiente. In: Revista Critica Jurídica, n°19.
Curitiba: UniBrasil, 2002, p. 159/162.
84
Diz o Art. 153 da Constituição de Weimar:
"
A propriedade obriga, Seu uso constitui, conseqüentemente, um
serviço para o bem comum".
52
constituições, que a partir de então passaram a incorporar a noção de propriedade
vinculada a uma função social.
Quase todos os autores dedicam referências especiais à importância exercida pela
Constituição de Weimar, de 1919. Mas outros textos legais semelhantes e anteriores a
ela, a Constituição do México de 1917 e a Declaração Dos Direitos do Povo Trabalhador
e Explorado de 04.01.1918, também devem ser lembrados.
Sobre a relevância destes documentoso tema, diz Fabio Konder Comparato:
A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos
trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as
liberdades individuais e os direitos políticos (arts. e 123). A importância
desse precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência
de que os direitos humanos têm também uma dimensão social veio a se
firmar após a grande guerra de 1914-1918, que encerrou de fato o “longo
século XIX”. A Constituição de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da
Carta mexicana, e todas as convenções aprovadas pela então recém-criada
Organização Internacional do Trabalho, na Conferência de Washington do
mesmo ano de 1919, regularam matérias que constavam da Constituição
mexicana: a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a proteção da
maternidade, a idade mínima de admissão nos trabalhos industriais e o
trabalho noturno dos menores na indústria. Entre a Constituição mexicana e
a Weimarer Verfassung, eclode a Revolução Russa, um acontecimento
decisivo na evolução da humanidade do século XX. O III Congresso Pan-
Russo dos Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e Camponeses,
reunido em Moscou, adotou em 4 (17) de janeiro de 1918, portanto antes do
término da Guerra Mundial, a Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado. Nesse documento são afirmadas e levadas às suas
conseqüências, agora com apoio da doutrina marxista, várias medidas
constantes da Constituição mexicana, tanto no campo sócio-econômico
quanto no político.
85
Estes diplomas legais caracterizaram-se como os primeiros textos constitucionais
que efetivamente concretizaram, ao lado das liberdades públicas, dispositivos expressos,
impositivos de uma conduta ativa por parte do Estado, para que este viabilize a plena
fruição, por todos os cidadãos, dos direitos fundamentais de que são titulares.
Tais documentos definem, constitucionalmente, os direitos sociais como direitos
fundamentais da pessoa humana, sob proteção estatal. A partir desse momento, pode-se
85
COMPARATO, Fabio Konder. A constituição mexicana de 1917. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/mex1917.htm>. Acesso em: 23 jan. 2008.
53
dizer, estavam fincadas as bases para o garantismo social, vale dizer: o Estado como
provedor de garantias institucionais aos direitos sociais trabalhistas, marcados por um
forte protecionismo social.
Outro aspecto importante e pouco lembrado das Constituições Mexicana e Alemã
é a expressa referência, delas constante, à garantia de direitos fundamentais de terceira
dimensão, como aqueles pertinentes à protão ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural.
Destaca-se a importância desses dois textos constitucionais, uma vez queo
início a uma nova fase do constitucionalismo, que é a fase do constitucionalismo social.
Entretanto, nenhum desses diplomas deve ser analisado pelos resultados que
efetivamente gerou. Como se sabe, a Constituição de Weimar teve vida breve (até 1933),
tendo assistido ao advento do regime nazista, e o diploma Mexicano, embora em plena
vigência, têm sofrido questionamentos por alguns doutrinadores, em seus atributos de
identidade e rigidez constitucional, ante a numerosa quantidade de reformas a que já foi
submetido.
Mesmo sem uma alteração formal na Constituição, nos Estados Unidos, da
Grande Depressão, houve uma grande mudança na concepção dos direitos subjetivos, em
decorrência da implementão de medidas intervencionistas adotadas pelo Presidente
Roosevelt, o New Deal (Novo Ajuste), conjunto de medidas destinadas à superação da
crise
.
86
A potica liberal do governo americano, de não interferir no mercado teria sido a
responsável pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e pela depressão. Com o New
Deal, em 1932, pode-se afirmar ter ocorrido uma verdadeira revolução de direitos.
A partir daí, o constitucionalismo norte-americano entra numa fase marcada pelo
progressivo reconhecimento de diversos direitos sociais.
86
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 108.
54
As palavras de Ana Frazão de Azevedo Lopes são elucidativas::
O New Deal teve como ponto culminante o segundo Bill fo Rights, de
iniciativa do Presidente Roosevelt destinado, em ultima analise, a
reconhecer o direito a uma vida decente, o que incluía moradia, bem
estar, emprego, educão, sario que garantisse a alimentão,
vestimenta e recreação, dentre outros. O principal desafio dos
reformadores do New Deal era o de mostras o anacronismo, a
ineficiência e a injustiça dos prinpios do laissez-faire, que haviam sido
incorporados pela common law como se fossem uma parte da
Constituição.
87
As modificações sociais e econômicas ocorridas com o advento do Estado Social
permitem destacar, na perspectiva deste estudo, seus aspectos mais importantes, quais
sejam: a funcionalização dos direitos subjetivos e a tendência à objetivação dos direitos
fundamentais.
Isto fica claro sob a ótica de Paulo Bonavides: Com isso, o Estado Social
procurou trazer para as instituições sociais a hegemonia da sociedade, em substituição à
antiga supremacia do indivíduo que caracterizava o paradigma liberal.
88
O surgimento do Estado social se justifica, historicamente, com o escopo de
remediar as desigualdades materiais dos cidadãos, submetidos às leis do mercado,
geradoras de profundas diferenças e desigualdades sociais.
O Estado, nesse contexto, deve comprometer sua atividade objetivando conseguir
que a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos em que se integra sejam reais e
efetivas, de modo a facilitar e permitir a participação de todos os cidadãos na vida
política, ecomica, cultura e social.
A transição do Estado Liberal para o Estado Social certamente não se deu
tranquilamente. A ênfase excessiva no aspecto social acabou sendo indevidamente
utilizada pelos estados totalitários, que ao confundir social com interesse do Estado,
terminaram por oprimir os indivíduos.
87
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e abuso de poder econômico. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 108.
88
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 449.
55
José Afonso da Silva mostra a ambigüidade da expressão Estado Social. Entende
o autor que todas as ideologias, com exceção do marxismo, podem acolher uma
concepção de Estado Social. Assim preleciona:
[...]A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, Portugal
salazarista, a Inglaterra de Churchil e Attlle, a França, com a Quarta
Republica, especialmente, e o Brasil, desde a Revolução de 30, foram
Estados Sociais[...] o que evidencia que o Estado social se compadece
com regimes políticos, antagônicos, como sejam a democracia, o
fascismo e o nacional-socialismo.
89
O Estado Social não pode ser confundido com o Estado Socialista, ou com
qualquer socialização esquerdista. Ele representa a transformação estrutural pela qual
passou o Estado Liberal, e revela-se conciliador, mitigador de conflitos sociais e
pacificador necessário entre o trabalho e o capital, conservando, contudo, irrenunciável
adesão à ordem capitalista. Assim, o Estado Social deve ser vislumbrado nos estreitos
limites de um constitucionalismo democrático.
Orlando Gomes considera que de todas as constituições das democracias
ocidentais, a que melhor teria resolvido esse problema seria a Constituição de Weimar e
a superveniente Constituição Alemã de 1949, ao destacar que a propriedade obriga e que
o uso da propriedade deve concorrer também para o bem da coletividade.
90
Referindo-se ao ordenamento judico brasileiro, a inserção de um dispositivo na
Constituição, declarando que a propriedade tem uma função social e não pode ser
exercida contra o interesse coletivo, ocorreu declaradamente, na Constituição Federal de
1988, conforme se verificará a seguir.
2.3
A
P
ROPRIEDADE
N
O
O
RDENAMENTO
J
URÍDICO
B
RASILEIRO
Analisando o ordenamento jurídico brasileiro temos que destacar as duas
concepções da propriedade pasveis de serem identificadas: a propriedade
individualista, prevista pelo antigo Código Civil e a transformação do instituto no
89
SILVA, José Afonso.Curso de direito constitucional positivo. 2 ed.o Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.120.
90
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 1ed.atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130.
56
Código Civil de 2002, como adequação aos preceitos constitucionais; e a propriedade
dotada de função social, caracterizada na Constituição da Reblica Federativa do Brasil
Estas concepções de propriedade têm íntima relação com o processo evolutivo
dos direitos, o qual se passa a estudar na busca do conteúdo, significado e extensão da
função social da propriedade e consequentemente da empresa.
2.3.1 O Direito de
Propriedade e seu contexto na geração de direitos
Os direitos do homem são produto de um determinado contexto histórico e social,
surgindo como resposta a novas exigências e necessidades, relacionando-se à proteção
de determinados interesses da humanidade, conforme afirma Norberto Bobbio:
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos
poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de
uma vez por todas.
91
A evolução dos direitos é conseqüência das mudanças sociais e da incorporação
de novos valores pela sociedade. Adequando-se às novas necessidades da ordem
jurídica, surgem novos direitos e reformulam-se alguns já existentes. Fernanda de Salles
Cavedon
92
refere-se a direitos renovados, ao expor que
é
necessário ter em mente que os
novos direitos não são apenas jogados no ordenamento, à medida que vão sendo
positivados. Para o bem da logicidade do sistema, há um rearranjo do ordenamento
jurídico.
Neste sentido, os direitos já existentes vão se moldando de maneira a adaptar-se
aos novos anseios da sociedade e tornam-se objetos de positivação. Por isso, deve-se
falar tanto sobre novos direitos quanto sobre direitos renovados.
91
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Trad.de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 5.
92
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visual Books,
2003, p. 58
57
Essa evolução dos direitos pode ser compreendida em três etapas ou gerações,
que se sucedem e se sobrepõem como decorncia da nova ordem social, resultante da
crítica ao paradigma liberal individualista.
No dizer de Norberto Bobbio, os direitos da primeira geração, são marcados pela
exaltação da liberdade e autonomia do indivíduo em detrimento do Estado, cuja esfera
de atuação e interferência é restringida; os direitos de segunda geração, chamados
direitos sociais, exigem uma atitude positiva do Estado, uma prestação do Estado em
favor do indiduo; e os direitos de terceira geração, chamados difusos e coletivos,
marcados pela solidariedade e pela noção de poder-dever. O sujeito de direitos passa do
indivíduo isoladamente considerado, para o indivíduo enquanto membro de um grupo
social, inserido na sociedade, até o sujeito transindividual e indeterminável.
93
Neste sentido, o voto do Ministro Celso de Mello, no Supremo Tribunal Federal:
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) -
que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais -
realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração
(direitos econômicos, sociais e culturais)-que se identifica com as
liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o prinpio da
igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
titularidade coletiva atribdos genericamente a todas as formações
sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade.”
94
Quanto aos direitos de terceira geração, Guerra Filho os caracteriza como direitos
de solidariedade, que impõem aos Estados, e também a outras entidades coletivas das
sociedades, o respeito a interesses individuais, bem como coletivos e difusos, à fruição
de bens insusceptíveis de apropriação individual, quanto integrarem, por exemplo, o
patrimônio hisrico, cultural e natural comum.
95
93
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6.
94
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno MS n.º 22.164/SP. Relator: Min. Celso de Melo, Brasília, 30 de
outubro de 1995. Diário da Justiça. [Brasília, DF], 17 nov. 1995.
95
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. ed. São Paulo: RCS
Editora, 2005, p. 42.
58
Como conseqüência da evolução dos direitos, os novos bens e sujeitos tutelados
vão transformando o Direito de Propriedade num processo de evolução, com a finalidade
de adequar-se aos direitos que lhe são subseqüentes, configurando-se como um direito
renovado para atender as exigências trazidas pelos novos direitos.
Na primeira geração de direitos, o Direito de Propriedade é marcado pelo cunho
individualista, como direito inviovel e absoluto. As necessidades e carências da época
eram por liberdade e autonomia do indiduo, sem cogitar-se de sujeitar o proprietário a
obrigações ou limitações do direito de propriedade visando interesses sociais e difusos.
Essa concepção individualista da propriedade prevaleceu até a incorporão dos direitos
sociais, difusos e coletivos, pelos ordenamentos jurídicos.
A propriedade não permaneceu estática; dinamizou-se para adequar aos novos
direitos emergentes e, assim, manter a coerência dos ordenamentos judicos. Os direitos
tradicionais passam a ser estendidos à luz dos novos direitos. Neste processo, o direito
de propriedade passa de individualista e ilimitado (primeira geração) à Propriedade
vinculada a uma função social (segunda geração) e, por fim, incorpora os valores
ambientais (terceira geração).
Tendo em vista que os direitos preexistentes adquirem novas dimensões a partir
do surgimento de novos direitos, o direito individual de propriedade, num contexto em
que se reconhecem os direitos fundamentais, só pode ser exercido se observada a sua
função social.
Em se tratando da empresa, além da função social, a ela também é integrada uma
função ambiental, especialmente porque o efeito das atividades sobre o meio ambiente
aumentou significativamente a partir do início da Revolução Industrial, no final do século
XVIII.
O aumento da preocupação com o meio ambiente exerceu um grande impacto
sobre as atividades empresariais. Nas duas últimas décadas, a maioria dos pses criou
leis ambientais ou tornou mais restritivas as já existentes, regulando as atividades
industriais e comerciais.
59
Na busca de garantir a efetividade das normas, surgiram órgãos ambientais nos
diversos veis governamentais. Ao mesmo tempo, como conseência da
conscientização da sociedade, aumentou substancialmente o número de organizações
não-governamentais, atuando de maneira ctica em relação às atividades dos governos e
das empresas.
2.3.2 A Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições Brasileiras
O Direito de Propriedade, como se viu, sofreu a influência da transformação e do
surgimento dos novos direitos, passando por um processo evolutivo que vai desde a
concepção individualista e absoluta até a Propriedade revestida de caráter social e
ambiental.
As Constituições Brasileiras, desde 1824 até 1969, consagram a propriedade
como direito individual inviolável. A Constituão Política do Império do Brasil, de 25
de março de 1824, garantia o direito de propriedade em toda sua plenitude, destacando a
inviolabilidade de tal direito, salvo se o bem público exigisse a ingerência na
Propriedade do cidadão, cabendo a este indenização. Seguia assim, a orientação liberal e
individualista do Direito Moderno, consagrada no Código Francês de 1804.
96
Assim é que no Título 8º, que dispunha sobre as Garantias dos Direitos Civis e
Poticos dos Cidadãos Brasileiros, no seu art. 179, destaca a Propriedade como base de
tais direitos; e o inciso XXII previa: É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua
plenitude.
Como a Constituição de 1891, A Constituição do Império apresentava o caráter
individualista da propriedade, no contexto histórico referente à sua edição, assegurando
o direito de propriedade pleno, com exceção da desapropriação.
96
O Código Francês coloca o indivíduo frente ao Estado em posição superior, refletindo a mentalidade
individualista da época. Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual, na propriedade como
direito absoluto, e na responsabilidade civil fundada na culpa provada pelo lesado. In: VAZ, Isabel. Direito
Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.66
60
A Constituição da República dos Estados do Brasil de 1891, já no caput do Art.
72 da Seção II, que dispõe sobre a Declaração de Direitos, assegura a inviolabilidade da
Propriedade. Tal entendimento é reforçado no §17, que dispõe:O direito de propriedade
mantém-se em toda a plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade,
mediante indenização prévia.
Esta concepção manteve-se até a Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil de 16 de julho de 1934. Seguindo a nova orientação constitucional inaugurada
com a Constituição de Weimar, vinculava o exercício do Direito de Propriedade ao
interesse social.
Embora João Mangabeira, o relator geral do anteprojeto da Constituição de 1934,
já defendesse a utilização do termo função social, este não foi adotado, optando-se pela
forma mais evasiva do interesse social.
97
O interesse social utilizado nesta carta foi uma influência de movimentos
políticos europeus, como resultado da decadência do modelo liberal do século anterior.
A atribuição de finalidade para a utilização dos principais institutos jurídicos privados
seria a melhor maneira de inibir os males da liberdade contratual sem limites, no cenário
pós-Revolução Francesa.
A Constituição de 1934 apontava que o direito de propriedade não poderia ser
exercido contra o interesse social ou coletivo, expandindo as possibilidades de
intervenção pública na propriedade privada, desde que com vistas ao bem público e
mediante indenização, conforme disposição de seu Art. 113, n° 17:
É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido
contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A
desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos
termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo
iminente, como guerra ou comão intestina, podeo as autoridades
competentes usar propriedade particular até onde o bem público o
exija, ressalvado o direito a indenização ulterior.
98
97
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19ª ed. atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, 130.
98
As citações referentes aos artigos das constituições brasileiras constam da obra CAMPANHOLE, Adriano,
CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 1992.
61
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, outorgada pelo presidente
Getúlio Vargas, na implantação do Estado Novo, representa um retrocesso do processo
evolutivo do direito de propriedade, suprimindo a vinculação ao interesse social e
coletivo preconizado anteriormente. Garante apenas o Direito de Propriedade, salvo
desapropriação mediante indenização, conforme expõe o Art. 122, número 14, com nova
redação dada pela Lei Constitucional nº 5, de 10 de março de 1942:
O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, mediante indenização prévia, ou a hipótese prevista
no §2 do Art. 166. O seu contdo e os seus limites serão os definidos
nas leis que lhe regularem o exercício.
Resgatando a concepção de propriedade prevista na Constituição de 1934, a
Constituição de 1946 condiciona o uso da propriedade ao bem-estar social. Apesar de
manter inalteradas as disposições da Constituição de 1937, no que diz respeito aos
direitos e garantias individuais, no Título V, referente à Ordem Econômica e Social é
acrescentada a condicionante social ao Direito de Propriedade, conforme expõe o
art.147:
O uso da propriedade será condicionado a bem-estar social. A lei
poderá, com observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa
distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.
Foi o primeiro texto constitucional a introduzir efetivamente a noção de função
social, ao condicionar o direito da propriedade ao bem estar social, além de se constituir
num avao da democracia e das liberdades individuais do cidadão, restabelecendo e
ampliando as liberdades individuais e garantias do cidadão, que haviam sido suprimidas
pela Constituição de 1937.
A diretiva traçada pela Constituição de 1946 conferiu ao direito de propriedade
um conceito social amplo, distanciado do conceito restrito e ilimitado de propriedade no
Código Civil. Sob a influência do Código Napoleônico, ao contrio da Constituição de
Weimar que dizia em seu Art. 153 que a propriedade obriga e seu uso deve, ao mesmo
tempo, servir ao bem estar social, o Código Civil Brasileiro de 1916, o trazia qualquer
refencia à funcionalidade da propriedade.
62
A Constituição de 1967 e a Emenda n° 1 de 1969 é que se utilizaram, pela
primeira vez, da expressão função social da propriedade, ainda que tal princípio
estivesse previsto na parte relativa à ordem econômica e não dentre as garantias
fundamentais do cidadão.
Art. 157- A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social com
base nos seguintes princípios:
III - função social da propriedade [...]
Daí a discussão, que prossegue até hoje, sobre se a função social da propriedade
abrangeria apenas os bens de produção, razão pela qual estaria contemplada, na
Constituição de 1967, apenas na parte relativa à ordem econômica ou qualquer outro
tipo de bem.
No entanto, embora a função social projete-se com mais evidência sobre a
propriedade dos bens de produção, não existe óbice a que os bens de uso pprio
também se submetam ao prinpio, de maneira que a função social não se aplica
exclusivamente aos bens de produção, como propriedade dinâmica, mas também a
propriedade estática. Izabel Vaz confirma este entendimento ao dizer:
Quando nos referimos à função social da propriedade não nos limitamos,
porém a atribuí-la apenas às propriedades dinâmicas, embora reconheçamos
ser no âmbito das atividades econômicas mais viável a concretização desse
princípio. [...] A interpretação mais adequada, a nosso ver, seria considerar
tanto a propriedade estática quanto a dinâmica submetidas ao preceito da
função social, que não acarreta em nenhuma das hipóteses, a supressão do
princípio constitucional garantidor do direito à propriedade privada.
99
A Constituição de 1988 reconhecidamente introduziu profundas transformações
no direito de propriedade. Incluiu a propriedade privada e a função social da propriedade
no rol dos direitos e garantais fundamentais, além de inseri-los entre os alicerces da
ordem econômica.
Ao consignar em seu Art. 5°, XXII, a garantia ao direito de propriedade, a
Constituição Federal limitou o poder do Estado no campo econômico. Assegurou a
propriedade privada, mas previu e regulamentou hipóteses de ingerência estatal nos bens
particulares, quando necessária para o bem comum.
99
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 152-153.
63
O direito de propriedade, como norma constitucional, porém, está vinculado ao
bem-estar social, uma vez que o Inciso XXIII do Art. dispõe que a propriedade
atenderá sua função social. A Constituição de 1988, ainda classifica, em seu Art. 170, II
e III a propriedade privada e sua função social como prinpio da ordem econômica,
impondo sanções para o caso de não ser este observado (art. 182-191).
Ao mesmo tempo em que a propriedade constitui-se como direito individual
fundamental, releva-se o interesse público de sua utilização e aproveitamento de acordo
com os anseios sociais.
Como registra a doutrina mais atual, o texto constitucional em vigor representa
um verdadeiro marco na constitucionalização da função social da propriedade devido à
amplitude e ao detalhamento das normas da Constituição Federal.
Com o advento da Constituição de 1988, a idéia da função social e da
solidariedade social se espraiou por todo o discurso constitucional, tendo consagrado,
logo no seu art. 3°, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a redução das
desigualdades sociais como objetivos da República Federativa do Brasil.
A Constituição Federal de 1988 sistematizou as principais tendências sobre o
assunto, conjugando-as com as conquistas alcançadas nas Constituições anteriores. Ao
inserir a função social no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, o constituinte
concedeu proteção às teorias que legitimam uma nova leitura dos institutos privados,
que só podem existir se coerentes ao prinpio da solidariedade social.
O conteúdo e a efetividade da Constituição proporcionaram a edição de medidas
legislativas e judiciais colocando em prática o que dantes era apenas discussão
doutrinária.
Estas normas constitucionais não são meras declarações poticas ou objetivos a
serem atingidos, ao contrário, constituem-se em verdadeiras normas de conduta,
vinculando não só o legislador quando da edão de normas, como também o intérprete
da lei, assim como todos os destinatários das normas.
64
2.3.3 A Propriedade como Direito Fundamental e Elemento da Ordem Econômica
A Constituição Federal de 1988 além de contemplar a função social da
propriedade como prinpio geral da atividade econômica, inseriu também este princípio
no capítulo relativo aos direitos e deveres individuais e coletivos, no inciso posterior ao
que garante o direito de propriedade (art.5º, incisos XXII e XXIII), levando à
qualificação de tal direito, que é marcado agora pelo cunho social.
Ao qualificar a propriedade como portadora de uma função social, a Constituição
Federal visa a solução dos conflitos entre interesses individual do proprietário e os
interesses da coletividade, como demonstra Cristiane Derani ao dizer:
A norma jurídica, inclusive a norma constitucional, não é
simplesmente uma positivação, o estabelecimento de uma prescrição,
ela é ao mesmo tempo hipótese e tentativa de solucionar um problema.
Pode parecer relativista, mas, na verdade, é a norma mais que um
instrumento mediador das atividades sociais, ela é um meio para o
alcance de finalidades sociais
100
.
Observa-se conforme o entendimento da autora, que com relação à finalidade
social prescrita pela norma, há uma diferença entre as finalidades a serem alcançadas
pela norma constitucional e pelas normas de direito ordinário. As finalidades das normas
ordirias são em regra, muito mais concretas e restritas, mais ligadas ao cotidiano que
as finalidades dispostas pela Constituição. Contudo, a norma constitucional é
indubitavelmente objetiva, devido à amplitude de seus enunciados, sendo, portanto,
direcionadas para produzir efeitos.
Constitucionalmente, a propriedade é entendida como direito fundamental e como
elemento da ordem econômica. No seu art. 5º, que traz o rol dos direitos fundamentais
do cidadão e da coletividade, a Constituição Federal, ao mesmo tempo em que garante o
direito de propriedade, atribui a este uma função social, dispondo no inciso XXII, que é
garantido o direito de propriedade e no inciso XXIII, que a propriedade atenderá a sua
função social.
100
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, p. 215.
65
A partir destes dispositivos, qualifica o direito de propriedade, que passa a ser
marcado pelo cunho social. Só merecerá proteção constitucional a Propriedade que
efetivamente cumprir sua função social. Esta função constitui então, elemento
integrante do direito de propriedade, direcionando o seu exercício a fim de
compatibilizá-lo com a utilidade social.
No sistema judico atual, a propriedade está positivada entre os direitos e
garantias do cidadão, enquanto principio jurídico de garantia da propriedade privada,
mas se relativiza diretamente por outro principio jurídico, também positivado, que é o de
sua função social. A propriedade privada está, pois, intimamente ligada à sua função
social.
No entendimento de Fernanda de Sales Cavedon:
A única propriedade que merece proteção constitucional no Brasil, não
é propriedade simples’; ao contrário é a propriedade-qualificada,
pela circunstância de estar servindo ao alcance dos interesses de seu
titular e também de utilidade social.
101
Quando o direito de propriedade passa a compreender objetivos de ordem social,
transpõe-se a concepção da propriedade eminentemente individualista do direito
moderno. A nova conceituação do direito de propriedade decorre da intenção de
conciliar as vantagens individuais do proprietário no exercio deste direito, com os
interesses maiores da sociedade.
A Constituição Federal estabelece uma relão da propriedade com a sociedade
(art. 5, XXIII e art. 170, III e VI). A propriedade deixa de ser simplesmente um direito e
uma garantia individual. Juridicamente não existe tutela para a propriedade que agride a
sociedade, ou que venha a ferir os direitos de outros membros desta sociedade.
É preciso entender, ainda, este processo de publicização do direito de propriedade
no âmbito dos direitos fundamentais. Assim, liberdades individuais e liberdades sociais
estão interligadas, sendo necessária uma releitura dos direitos fundamentais a partir
desta nova abordagem.
101
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visual Books,
2003, p. 65.
66
No início de sua construção jurídica, no século XVIII, os direitos fundamentais
eram compreendidos como garantias contra o poder do estado, num dualismo entre
Estado e individuo.
Após a perda do poder absoluto dos reis, as novas relações de poder fazem
desmoronar a concepção de que os direitos fundamentais poderiam se resumir apenas a
garantias subjetivas contra o Estado. Cristiane Derani afirma:
Na esfera liberta do donio estatal, estende-se agora uma depenncia
social [...]. A liberdade individual não é mais ameaçada apenas pelo
Estado. Enfim, o processo se desenvolve de tal forma, que uma seria
de liberdades expostas como direitos fundamentais não podem mais ser
realizada individualmente, porém somente através de instituições
sociais. Quer dizer, cai por terra a máxima de que a liberdade de
outrem se encerra onde a minha se inicia. A liberdade individual é
possível de ser alcançada somente por uma composição social.
102
Os direitos fundamentais, consubstanciados em liberdades individuais só existem
associados às liberdades sociais ou coletivas. A realização do indivíduo não é passível
de ser alcançada sem a concreta difusão das liberdades pela sociedade como um todo.
A previsão constitucional sobre a propriedade integra, também, a ordem
ecomica, não se restringindo ao aspecto dos direitos fundamentais. Assim, no
Capítulo destinado aos prinpios gerais da atividade econômica, a Constituição Federal
integra definitivamente propriedade privada e função social.
No desenvolvimento de atividades econômicas, o direito de propriedade deverá,
além de atender às necessidades do proprietário, incorporar-se aos interesses da
sociedade.
Por sua vez, o direito à livre iniciativa e ao exercício da atividade econômica é
limitado no interesse da coletividade, de forma tal que, por força das normas
constitucionais e legais, tanto o exercio do direito de propriedade como o exercício do
direito da livre iniciativa econômica se condicionam às limitações constitucionais e
legais vigentes.
102
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.
67
No exercio do direito de propriedade, hão de se conciliar as vantagens
individuais do proprietário e benefícios sociais, sem o que tal direito não recebe
proteção constitucional. Em decorrência da previsão constitucional contida no Art. 170,
a produção privada de riqueza está associada ao proveito coletivo. Para garantir a
realização dos valores inseridos no texto constitucional é que se faz presente o Estado
Social.
2.3.4. O Aspecto Funcional da Propriedade e da Empresa
A função social da propriedade veio acompanhada da garantia constitucional à
propriedade privada. Estava aí lançado um grande desafio ao direito: como
compatibilizar o aspecto funcional e o aspecto privado atribdos a propriedade e em
que grau se daria esta compatibilização.
A propriedade estabelecera-se como direito de ntese entre o blico e o
privado. Era preciso assegurar a efetiva realização da função social da propriedade, mas
encontrar um ponto de equilíbrio, evitando a completa funcionalização do instituto, que
poderia provocar um intervencionismo sem limites e até mesmo o totalitarismo.
Izabel Vaz fala sobre as arbitrariedades praticadas na França, na década de 40,
sob inspiração do Conselho de Resistência, tendo como justificativa o interesse social,
utilizando as propriedades como punição por atos de natureza política:
A destruição da propriedade individual representava, naquelas
circunsncias, a pena imposta aos que não tivessem usado seu direito
de propriedade em favor do interesse nacional ou pelo bem comum.
Nacionalizações de empresas jornalísticas, de fabricas de autoveis,
requisições de prédios, confisco de bens e expulsão de proprierios de
suas residências foram realizados de modo tão abusivo que o Conselho
de Estado teve que anular varias decisões da Administração.
103
A limitação do significado de propriedade teria que assegurar os interesses
individuais do proprietário, mas esta conteria uma função social. Estes dilemas
projetavam, por vezes, e com mais intensidade sobre a questão da propriedade dos bens
de produção e consequentemente sobre a função social da empresa.
103
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 67-68.
68
Orlando Gomes entende que as mudanças voltavam-se principalmente a um
momento de atividade do empresário, que é o da empresa, especialmente porque alguns
autores consideravam que a função social aplicava-se apenas aos bens produtivos. Daí
sua lição:
A funcionalização da propriedade se resolveria na distinção entre
escies particulares de bens, classificados mediante critério
econômico, e pela modificação das normas que disciplinam a atividade
do proprietário. Quanto aos bens, é relevante a classificação entre bens
de produção, bens de uso e bens de consumo, por isso que só os bens
produtivos são ineos à satisfação de interesses econômicos e
coletivos que constituem o pressuposto de fato da função social. Só
apedeutas estendem aos bens de uso o princípio da fuão social,
falando em função social da propriedade elica ou, até mesmo, na dos
bens duveis.
104
A utilização indevida da função social da propriedade por parte do fascismo
levou a doutrina italiana a debruçar-se sobre o assunto, até o paulatino entendimento de
que a função social da propriedade alterava a própria estrutura do direito, passando a
assumir um papel de promover o interesse coletivo, mas sem comprometer o núcleo de
individualidade, próprio da propriedade privada.
No entendimento de Perlingieri
105
, a função social implica que, ao lado das
prerrogativas de usar, gozar e dispor do bem, o proprietário passa a ter não apenas
limites ao exercício do seu direito, mas também obrigações positivas em favor da
coletividade. Assim a função social não pretende apenas anular as condutas anti-sociais,
mas também direcionar e orientar a conduta do titular para a realização do interesse
público.
A doutrina italiana abrou este entendimento. Além de Perlingieri, autores como
Pugliati e Barassi e Rodotá defendem que a função social altera a estrutura da
propriedade, pressupondo uma ação efetiva do proprietário em beneficio do interesse
social. Para eles a propriedade tem que ser utilizada em favor da sociedade. A função
social não tem a finalidade apenas de limitar a expano ou reduzir os poderes do
proprietário -finalidade imediata da função social- mas pretende igualmente se servir da
104
GOMES, Orlando. Direitos Reais.19ª ed. atualizada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 125.
105
PERLINGIERI, Pietro apud LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade-função social e abuso
de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 121.
69
propriedade como um meio e o proprietário como um agente na realização do interesse
coletivo, a finalidade mediata da função social.
106
Sob este prisma, a propriedade deixa de ser instrumento de satisfação apenas de
seu titular e passa a ser analisada dentro do contexto social. Um ordenamento jurídico
voltado para a realizão de valores como liberdade e dignidade humana não pode
permitir que a autonomia do proprietário seja confundida com o livre arbítrio. Gustavo
Tepedino, ao tratar da temática observa:
A propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder
tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou,
de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal
modo que, até uma certa demarcação, o proprierio teria espaço livre
para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A
determinação do contdo da propriedade, ao contrario, dependerá de
centros de interesses extraproprietários, os quais seo regulados no
âmbito de relação jurídica da propriedade.[...]Tal conclusão oferece
suporte teórico para a correta compreensão, que terá, necessariamente, uma
configuração flexível, mais uma vez devendo-se refutar apriorismos
ideológicos e homenagear o dado normativo. A função social modificar-se-
á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos
constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo.
107
A parte mais significativa da doutrina reconhece que a função social implica,
antes de tudo, um compromisso positivo do seu titular com o atendimento dos interesses
sociais, resgatando a responsabilidade e a intersubjetividade que devem caracterizar o
exercio dos direitos subjetivos.
Na sociedade pós-moderna, a propriedade cada vez mais perde seu caráter
excessivamente individualista, à medida que se acentua a sua função social,
condicionando seu uso a pametros condizentes com os direitos alheios e às limitações
em benefício da coletividade.
Esta concepção de propriedade tem reflexos também sobre o direito empresarial.
Não é permitido ao proprietário de empresa, sócio ou acionista, exercer de maneira
abusiva, o direito de propriedade assegurado constitucionalmente de maneira abusiva.
106
MORAES, José Diniz. A função social da propriedade e a constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999,
p. 106-108.
107
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de direito civil. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 280-281.
70
Nesta nova concepção de propriedade, surge a noção de propriedade empresária,
como afirma Calixto Salomão Filho:
No Brasil, a idéia da fuão social da empresa também deriva da
previsão constitucional sobre a função social da propriedade (artigo
170, III). Estendida à empresa, a iia da fuão social da empresa é
uma das noções de talvez mais relevante inflncia ptica na
transformão do direito empresarial brasileiro. É o principio
norteador a regulação externa dos interesses envolvidos pela grande
empresa. Sua influência pode ser sentida em campos tão díspares
como direito antitruste, direito do consumidor e direito ambiental.
108
A função social estendida à atividade econômica exige que o exercício da empresa, a
liberdade de iniciativa e a livre concorrência estejam em conformidade com os valores
fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da solidariedade.
Ao assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, garantindo
assim o exercício da empresa, a Constituição Federal impõe o dever de observar a função
social da propriedade.
A livre iniciativa e o próprio exercício da atividade empresarial são protegidos pela lei
na medida em que atendam sua função social e assegurem a realização dos valores
fundamentais. Não se pode mais vislumbrar uma atividade empresarial desvinculada da
função social, nem distante dos objetivos fundamentais previstos constitucionalmente.
2.4
F
UNÇÃO
S
OCIAL NA
C
ONSTITUÃO DE
1988
A Constituição Federal enuncia em seu Art. 3°, os objetivos fundamentais da
República, dentre os quais no inciso I está a construção de uma sociedade solidária. A
solidariedade ou socialidade é um dos princípios base do Estado e elemento essencial de
interpretação constitucional, em uma democracia social e ecomica. A inclusão no
texto constitucional de vários princípios e regras tipicamente de Direito Privado impõe
que todas as normas infraconstitucionais devam ser interpretadas em conformidade com
a Constituição.
108
SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil,
vol. 132. São Paulo: Malheiros, Out/Dez 2003, p. 17.
71
O prinpio da solidariedade vincula Estado e entes privados. Ao determinar a
socialidade como uma finalidade estatal, a Constituição optou por unir os cidadãos numa
comunidade onde todos têm o direito e o dever de contribuir para o bem do pximo.
Implica, portanto, o reconhecimento de que a sociedade deve ser um espaço de diálogo,
cooperação e colaboração entre pessoas livres, com individualidade, mas de alguma
forma irmanadas por um destino comum.
A solidariedade é a expressão da sociabilidade que caracteriza a pessoa humana.
No contexto atual, a Constituição Federal exige que os indiduos se ajudem
mutuamente, porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, cabe a todos
e a cada um.
A norma constitucional expressa um comando, uma ordem que deve pautar as
ações, para o atingimento de um estado ideal, uma finalidade a ser alcançada pela
sociedade. Neste sentido, o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama :
A construção de uma comunidade imbuída de valores de respeito ao
próximo e igualdade social perpassa por uma necessidade de
transposição das antigas muralhas que separam o Direito e a Moral,
reconhecendo que o primeiro pode ser oxigenado por valores
extrínsecos ao mesmo, mormente os de caráter ético e pluralista.
109
Outro princípio constitucional também amparou o desenvolvimento da idéia
central de função social na Constituição de 1988: a dignidade da pessoa humana,
expresso como um dos fundamentos da República no art. 1°, III do referido diploma
legal.
O conteúdo deste prinpio, aponta Fabio Konder Comparato
110
, passou por cinco
fases na sua elaboração. Constrdo historicamente pela Filosofia, foi depois adotado
pelo Direito. As primeiras duas fases tratam das influências clássicas e medievais no
tratamento do ser humano. A terceira fase ocorreu quando se entendeu a pessoa como
sujeito de direitos universais. A quarta etapa refere-se à descoberta do mundo dos
109
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função social no Direito
Privado e Constituição. In: Função Social no Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 24.
110
COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 20.
72
valores: o homem aqui é entendido como único ser vivo que dirige sua vida em função
de preferências valorativas. Finalmente, a quinta fase trouxe a idéia do caráter único e
inigualável da personalidade individual, coroando o modelo contemporâneo de pessoa
humana e sua dignidade.
A dignidade é valor próprio da pessoa humana em seu convívio em sociedade.
Todos os interesses têm como centro a pessoa humana, foco principal de qualquer
política publica ou pensamento, sendo imperioso harmonizar a dignidade da pessoa
humana ao desenvolvimento da sociedade.
No entanto, a tarefa de estabelecer o âmbito da proteção constitucional da
dignidade da pessoa humana não é tarefa cil, uma vez que se trata de conceito
caracterizado pela diversidade de sentidos que lhe é atribuída. Contudo, a dignidade
pode ser considerada como algo real, pois é perfeitamente possível identificá-la nos
casos em que é violada ou ameaçada de lesão.
A noção de vida digna está intimamente relacionada à conceituação da dignidade
da pessoa humana. Nas sociedades democráticas contemporâneas não há uma
conceituação gida a respeito da dignidade da pessoa humana, uma vez que pluralismo e
diversidades de valores são próprios destes regimes.
O conceito de dignidade da pessoa humana encontra-se em permanente processo
de reconstrução e desenvolvimento. Para Ingo Wolfgang Sarlet, reclama uma constante
concretização e delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos
estatais.
111
É preciso salientar, no entanto que a dignidade da pessoa humana não resulta de
sua positivação constitucional. Como valor, não foi introduzida pelo direito, mas, ao
contrário, é valor próprio da natureza da pessoa humana.
O prinpio da dignidade da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o
fundamento da República e do Estado Democrático de Direito por ela instituído.
111
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 40.
73
A fórmula adotada implica, em linhas gerais, que a Constituição brasileira
transformou a dignidade humana em valor supremo da ordem jurídica e política por ela
instituída. Em outros termos, dizer que a dignidade da pessoa humana é um valor
supremo, um valor fundante da República, implica admití-lao somente como um
prinpio da ordem judica, mas também da ordem política, social e econômica.
Daí a oportuna afirmação de Flademir Jerônimo Belinatti Martins:
Deixa-se de lado uma visão patrimonialista das relações políticas, econômicas
e sociais para conceber o Estado, e o sistema jurídico que ele estabelece a
partir destas relações, como estrutura voltada ao bem estar e desenvolvimento
do ser humano. Assim, a pessoa humana passa a ser concebida como centro
do universo jurídico e prioridade justificante do Direito.
112
O reconhecimento, por parte da Constituição, da fundamentalidade da dignidade
da pessoa humana e, por conseência, da função social, inicialmente da propriedade,
para depois migrá-la a outros institutos, traduz a necessidade de procurar a extensão
máxima dos direitos ali inscritos e a urgência de sua aplicação em todos os planos
jurídicos.
A função social diz respeito à própria estrutura do direito de propriedade. Da
mesma forma, todos os outros institutos que ensejam esta possível funcionalização,
atendendo aos interesses da sociedade, a guardam em sua estrutura. Portanto, ao mesmo
tempo em que a propriedade é regulamentada como direito individual fundamental,
releva-se o interesse publico de sua utilização e de seu aproveitamento adequado aos
anseios sociais.
Como imposição para o bem estar da sociedade como um todo, esse dever
fundamental, inerente ao direito de propriedade e de outros institutos de natureza
privada, atua no intuito de evitar choques de interesses entre os particulares. Procura-se
congraçar os aspectos do individual e do social, de forma que possam ser satisfeitos
todos os interesses, senão plenamente, mas em um grau razoável de realizão. As
112
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: principio constitucional fundamental
4ª tir. Curitiba: Juruá Editora, 2006, p. 72.
74
modernas concepções de propriedade são aplicadas à preservação de uma situação de
equilíbrio entre o individual e social.
O reconhecimento de que a propriedade deve atender aos interesses sociais, leva
ao entendimento de que a propriedade privada não existe mais de modo absolutizado
como previam os estatutos jurídicos pretéritos, mas insere-se no todo que representa a
vida da sociedade atual.
A função social da propriedade implica comportamentos por parte do
proprietário, que não só tem o dever de não exercitar seu direito em prejuízo de outro,
como, igualmente, tem o dever de exercitar aquele direito em favor da coletividade em
geral.
Importa destacar ainda que a função social, aqui considerada como cláusula
pétrea, uma vez inserida nos direitos e garantias fundamentais, assim como qualquer
tipo de ordem constitucional, está pouco sujeita a alterações.
Não se pode olvidar, entretanto, a importância da mutação constitucional, uma
vez que o conteúdo do que seria socialmente desejável ou interesse coletivo é
modificado a cada momento histórico.
Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama, a interpretação constitucional,
enquanto processo de mutação constitucional, representa a possibilidade de alteração do
significado, do sentido ou do alcance da norma constitucional, sem que ocorra qualquer
modificação da letra do texto constitucional.
113
Nesse processo, o Brasil conheceu inúmeros sentidos para a expressão função
social, desde que ela foi inserida no ordenamento jurídico nacional. Da ênfase aos
direitos sociais, da proteção do consumidor até a tutela do meio ambiente, inúmeras
foram as alterações desse preceito no panorama constitucional brasileiro.
Como síntese do exposto neste capitulo, na alise da propriedade privada sob a
égide do Estado Social, verifica-se a ruptura do direito formalista do Estado Liberal,
113
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Alterações constitucionais e limites do poder de reforma. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 26.
75
com a introdução da discussão sobre a legitimidade dos direitos subjetivos, base do
reconhecimento da função social da propriedade.
O desenvolvimento da teoria sobre a função social foi um desdobramento da
discussão sobre a solidariedade social. Opondo-se ao individualismo, ocorre uma
evolução dos direitos, com o nascimento e positivação dos direitos difusos e coletivos.
Esta evolução transforma o direito de propriedade, ele próprio evoluindo para
adequar-se aos direitos que lhe são subseqüentes. A propriedade não permaneceu
estática; dinamizou-se para adequar aos novos direitos emergentes e, assim, manter a
coerência dos ordenamentos jurídicos. Nesse processo, o direito de propriedade passa
de individualista e ilimitado (primeira geração) à propriedade vinculada a uma função
social (segunda geração) e por fim incorpora os valores ambientais (terceira geração).
Com o advento do Estado Social os direitos fundamentais são desdobrados em
direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos de coletividade, marcados pela
Constituição de Weimar, em 1919, influenciando grande parte das constituições que
passaram a incorporar a noção de propriedade vinculada a uma função social.
A propriedade deixa de ser instrumento de satisfação apenas de seu titular e passa
a ser analisada dentro do contexto social.
No Brasil, após analise da evolução do direito de propriedade nas Constituões,
constata-se que a Constituição Federal de 1988 introduziu profundas transformações,
incluindo a propriedade privada e a função social no rol dos direitos e garantias
fundamentais, além de inseri-las entre os alicerces da ordem econômica.
No sistema judico atual, a propriedade está positivada entre os direitos e
garantias do cidadão, enquanto prinpio jurídico de garantia da propriedade privada,
mas se relativiza diretamente por outro princípio jurídico, também positivado, que é o de
sua função social. A propriedade privada está, pois, intimamente ligada à sua função
social.
76
Os princípios da solidariedade ou socialidade e da dignidade humana constituem
os fundamentos da função social da propriedade. O primeiro, por constituir-se elemento
essencial de interpretão constitucional, em uma democracia social e econômica e o
segundo, porque a proteção plena do direito de propriedade só se concretiza com as
garantias dos princípios da isonomia, razoabilidade e solidariedade, todos eles inerentes
à figura da dignidade humana.
Quando o direito de propriedade passa a compreender objetivos de ordem social,
transpõe-se a concepção individualista da propriedade. Passa-se a conciliar as vantagens
individuais do proprierio no exercício deste direito, com os interesses maiores da
sociedade. À medida que se acentua a função social, o uso da propriedade fica
condicionado a parâmetros condizentes com os direitos alheios e às limitações em
beneficio da coletividade.
Esta concepção de propriedade tem reflexos também sobre o direito empresarial.
Não é permitido ao proprietário de empresa, sócio ou acionista, exercer o direito de
propriedade assegurado constitucionalmente de maneira abusiva. A função social
estendida à atividade econômica exige que o exercício da empresa, a liberdade de iniciativa e
a livre concorrência estejam em conformidade com os valores fundamentais da dignidade da
pessoa humana, do trabalho e da solidariedade.
Não mais se admite uma atividade empresarial desvinculada da função social, nem
distante dos objetivos fundamentais previstos constitucionalmente..
No entendimento de que a propriedade deve atender aos interesses sociais,
verifica-se que a propriedade privada deixou de ser direito subjetivo do indivíduo. A
função social da propriedade implica comportamentos por parte do proprietário, que não
só tem o dever de não exercitar seu direito em prejuízo de outro, como, igualmente, tem
o dever de exercitar aquele direito em favor da coletividade em geral.
77
3 EMPRESA PRIVADA E BENS DE PRODUÇAO
Antes da análise a ser empreendida sobre o tema da empresa e sua função social,
é preciso traçar um sucinto panorama histórico da evolução do direito comercial,
compreendido em suas diferentes fases até a implantação da teoria da empresa com o
Código Civil de 2002, para facilitar o entendimento das dimensões assumidas pelo
fenômeno empresarial na atualidade.
3.1
E
VOLUÇÃO DO
D
IREITO
C
OMERCIAL
A atividade comercial se intensificou durante a Idade Média, quando cresceram o
número de feiras e corporações nos burgos medievais. Com sua expansão e do comércio
ocorreu a profissionalização das atividades dos agentes comerciais, com tendência a se
agrupar com a classe burguesa, contraposta à nobreza feudal. Com a necessidade de
regulamentar o exercio da atividade comercial, a tarefa foi executada pelas
corporações de ocios, com as juntas de comércio (com instâncias para resolução dos
ligios) e com o registro dos praticantes do comércio. Por este motivo, o direito
comercial surge como um direito corporativo, autônomo em relão ao direito civil e
baseado nos costumes, adotando-se a teoria subjetiva, considerando comerciantes
aqueles matriculados em uma corporação.
O desenvolvimento gradual deste ramo judico consolidou instituições
importantes no mundo econômico atual, como as sociedades mercantis, quando se
passou a admitir a limitação da responsabilidade de seus integrantes. Além das
sociedades, se firmaram os livros mercantis e a contabilidade, os títulos de crédito, os
contratos de seguro, a concordata e a falência.
O direito comercial, disciplina jurídica especial, era propício ao progresso da
mercancia, mas a concepção subjetivista (centrada no comerciante) foi substituída por
uma noção objetivista, fundada nos atos do comércio e não mais na figura do
comerciante, enquanto apenas profissional registrado.
78
Sobre essa transição, o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
Assim sendo, comerciante seria aquele que praticasse atos de comercio
profissionalmente, com habitualidade, independentemente da filiação a
alguma corporação de oficio e essa posição objetiva acabou sendo
assumida pelo digo comercial frans de 1807, bem como por muitas
posteriores codificações de outras nações, dentre as quais o Código
Comercial brasileiro de 1850. Neste ultimo diploma, contudo, em seu
art. 4°, era posvel observar certo resquício de subjetivismo, tese
refoada pelo fato de que este documento legislativo o continha
qualquer enumeração de atos de comercio, o que só foi feito pelo
posterior Regulamento n° 737, em seu art. 19.
114
A indefinição do legislador brasileiro sobre os atos de comércio deu origem à
denominada teoria da intermediação, segundo a qual somente seria comerciante aquele
que praticasse atos com essa natureza. Este entendimento deixou à margem da
disciplina comercial, muitas atividades relevantes para a economia como a prestação de
serviços.
No entanto, a despeito das lacunas e das restrições que causava ao direito
comercial, a teoria objetiva persistiu no ordenamento brasileiro. Leis esparsas incluíram
expressamente certas atividades como comerciais, embora o dinamismo da economia
não permitisse que desta forma fossem abrangidas todas as novas formas de produção e
de circulação de produtos e serviços.
Essa situação perdurou até o Código Civil de 2002, quando, nos moldes do
Código Civil italiano de 1942
115
, recepcionou a moderna teoria da empresa. O direito
comercial passa a ser denominado direito empresarial.
O Código Civil, rompendo com a tradição da teoria do ato jurídico, recepciona na
parte geral, a teoria do negócio judico e na seência, ao revogar a parte geral do
Código Comercial, igualmente retira de cena a figura tradicional do comerciante, para
dar vez à teoria da empresa. As atividades empresariais são reguladas pelo novo digo,
114
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social da empresa. In Função
social no direito civil. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 93.
115
O Código Civil italiano de 1942 realizou a unificação legislativa do direito privado na Itália. A teoria da
empresa elaborada pelos italianos afasta o direito comercial da prática de atos de comércio para incluir no seu
núcleo a empresa, ou seja, a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de
serviços.
79
com apoio da doutrina, precursora das melhores, para a matéria. Modificão que tal
representa para o setor privado de economia, delimitação clara de fronteiras, demarcadas
principalmente, pelo novo modelo de reformulação dogmática e organizacional da
empresa.
116
Pela teoria da empresa, o elemento definidor de direito comercial é a organização
dos fatores de produção. Com a teoria positivada pelo atual Código Civil, o que
diferencia a atividade ecomica regida pelo direito comercial é a existência de
organização.
Desloca-se para a figura do empresário e da empresa, entendida esta como a
atividade econômica organizada e realizada de forma habitual, o âmbito da parte geral
do direito comercial, antes centrado nas figuras do comerciante e atos de comércio, pela
teoria da empresa.
Pode-se dizer que o moderno direito comercial é o direito regulador da empresa,
que abrange a parte mais expressiva da atividade econômica.
Com relação a teoria da empresa, Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma:
O cerne dessa teoria está neste ente economicamente organizado que se
chama empresa, a qual pode se dedicar tanto a atividades eminentemente
comerciais como a atividades de prestação de serviços ou agricultura, antes
não abrangidas pelo direito comercial.
117
A leitura do art. 966 do Código Civil
118
, demonstra esta orientação, no sentido de
evitar a controvérsia sobre o conceito técnico jurídico de empresa, ao defini-la através
da noção de empresário, ou seja, no papel subjetivo do instituto.
116
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nassar. Função social e função ética da empresa. Argumentum.
Revista de Direito. Universidade de Marilia.Vol. 4. Marilia: Unimar, 2004, p .39
117
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. . BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social da empresa. In Função
social no direito civil. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 94.
118
Art. 966 do Código Civil: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
80
Este novo paradigma é salientado por Fabio Ulhoa Coelho:
O sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica,
sintetizado pela teoria da empresa, acabou superando o francês, ou seja,
as legislações de direito privado sobre matéria econômica, a partir de
meados do século XX, não têm mais dividido os empreendimentos em
duas categorias (civis e comerciais), para submetê-los a regimes
distintos. A isso, têm preferido os legisladores criar um regime geral
para a disciplina privada da econômica, excepcionando algumas
atividades de expressão ecomica marginal. A teoria dos atos de
comercio vê-se substituída pela da empresa, ainda que o se adotem,
na lei ou na doutrina, exatamente estas designações para fazer
referência, respectivamente, ao modelo frans de partição das
atividades ou ao italiano, de regime geral parcialmente excepcionado.
119
A passagem da figura do comerciante a de empresário não ocorreu subitamente.
Alguns fatores concorreram para isto, como a progressiva necessidade de capital fixo, o
ideal do desenvolvimento econômico como prioridade básica da sociedade e a
internacionalizão da economia. Este fenômeno passou ao largo de grande parte da
comunidade judica e dos legisladores.
Visando superar esta visão e a permitir a harmonização dos vários interesses -
algumas vezes conflitantes - que cercam a empresa, torna-se fundamental a fixação de
um parâmetro orientador do comportamento empresarial e o aprofundamento do
prinpio da função social da empresa e suas esferas de atuação.
3.2
A
E
MPRESA
A empresa, como legítima expressão da Revolução Industrial, tem papel
relevante na sociedade contemporânea. Fruto do dinamismo e do poder de transformação
do regime empresarial, o papel da empresa manifesta-se na criação de uma rede de
interação e interdependência entre agentes econômicos assalariados e não assalariados
que gravitam em torno dos empreendimentos empresariais; na grande parcela de bens e
serviços produzidos por eles e consumidos pela população; sem contar é claro, nas
receitas fiscais advindas do exercio dessa atividade empresarial.
119
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. V. 1, ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 20.
81
O fenômeno da empresa é recente na história econômica e social. No entanto, no
mundo atual a empresa ocupa, praticamente, todos os espaços na vida do homem
moderno. Dela depende o trabalho, o lazer, a produção de alimentos, mobiliário e
vestrio, a defesa da sde, a habitação, enfim, tudo o que se emprega no cotidiano do
homem moderno.
A atuação mais marcante exercida pela empresa atualmente diz respeito à
influência exercida na determinação do comportamento de outras instituições e grupos
sociais que permaneciam alheios ao alcance da órbita empresarial.
Nesse contexto, a citação de Fabio Konder Comparato serve para trazer a lume a
influência das empresas na atual realidade econômica e social:
Tanto as escolas quanto as universidades, os hospitais e os centros de
pesquisa medica, as associações artísticas e os clubes desportivos, os
profissionais liberais e as Forças Armadas- todo esse mundo
tradicionalmente avesso aos negócios viu-se englobado na vasta área de
atuação da empresa. A constelação de valores típica do mundo
empresarial- o utilitarismo, a eficiência técnica, a inovação permanente,
a economicidade de meios - acabou por avassalar todos os espíritos,
homogeneizando atitudes e aspirações.
120
A palavra empresa é derivada do latim prehensus, de prehendere (empreender,
praticar) e significa empreendimento ou cometimento intentado para a realização de um
objetivo.
121
Empregada no Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito Tributário,
Direito Administrativo e Direito Ambiental, a palavra empresa tem acepções distintas e
significados diferentes, ora referindo-se ao empresário, ao estabelecimento, à
organização feita ou atividade desenvolvida, ora sendo compreendida como instituição.
Estes diversos significados constituem a razão pela qual o Código Civil, seguindo
o modelo italiano, optou por definir tão somente a figura do empresário.
120
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 9.
121
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 11ª ed., 1991, p. 158.
82
É neste sentido a lição de Rachel Sztajn:
O desenvolvimento doutrinário sobre a empresa repetia e baseava-se no
entendimento de juristas italianos e talvez por isso, a recepção da empresa pelo
ordenamento positivo seguiu a mesma linha de orientação do Códice Civile,
que parte da noção de empresário, tendo o sujeito como foco. Essa forma de
apresentar o instituto, tem fulcro no ensinamento de Alberto Asquini, em texto
de 1943, que aborda os perfis da empresa.
122
A conceituação de empresa como ente jurídico, não é matéria fácil, uma vez que
como fenômeno econômico envolve vários aspectos e perfis. Um deles é o perfil
funcional, que a analisa como atividade empresarial dirigida a determinado escopo
especulativo, distinguindo-a de seus sentidos subjetivos (empresário), patrimonial
(estabelecimento) e corporativo (empregados).
Para o jurista italiano Alberto Asquini
123
, a empresa compreende quatro
significados, chamados de perfis: a) perfil subjetivo, onde a empresa é o empresário; b)
perfil funcional, em que a empresa é uma atividade de produção e circulão de bens e
serviços; c) perfil objetivo ou patrimonial, quando a empresa é um conjunto de bens
utilizados na atividade econômica; d) perfil corporativo, com a empresa como um cleo
social organizado, em função de um fim econômico comum.
Ao atribuir à empresa esta pluralidade de perfis, Asquini demonstra que é
impossível dar um conceito jurídico que englobe todos eles. Cabe então ao direito,
avaliar a empresa levando em conta esta diversidade de perfis, para que se possa
distinguir entre a empresa como empresário, como estabelecimento, como atividade
empresarial ou como instituição.
Não se pode negar, entretanto, que o perfil funcional da empresa é atualmente o
de maior importância para os ordenamentos jurídicos. Não se pode entender a empresa
sem que haja uma atividade econômica organizada e profissionalmente exercida.
122
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004, p. 7.
123
A teoria de Asquini representou um marco na formulação da teoria jurídica da empresa. Para ele “o conceito
de empresa é o conceito de um fenômeno poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos
perfis em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa, podem, portanto,
ser diversas, segundo o diferente perfil, pelo qual o fenômeno econômico é encarado. In ASQUINI, Alberto.
Perfis da empresa. Trad. de Fabio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil. N.104.
83
Fabio Ulhôa Coelho conceitua a empresa como uma atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se confunde com o
empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).
124
Do conceito proposto destaca-se o aspecto funcional da empresa, caracterizando-
a como uma atividade, destacando, contudo, a relação entre o sujeito de direito que
exercita (empresário) e o objeto de direito (estabelecimento).
Sem pretender discutir as diferentes teorias a respeito da empresa, constata-se que
elas terminam por focalizá-la enquanto instituição dotada de personalidade jurídica,
onde se organizam os fatores de produção, visando o exercício de atividades
ecomicas, sob a observância de determinadas regras judicas, em consonância com os
prinpios adotados na Constituição.
Na sociedade atual, a empresa vem revelando-se como um fenômeno amplo, de
estrutura complexa, apresentando elementos reais e pessoais, e ainda com natureza
dinâmica. Considerada como organização dos fatores de produção, a empresa tem como
elementos o empresário e o estabelecimento, como bem salienta Waldirio Bulgarelli:
E é justamente por este prisma a empresa concebida como atividade
econômica organizada que se revela seu valor jurídico, pois serve de
critério orientador para a qualificação do empresário, sem que fique
ausente a referibilidade ao estabelecimento, que surge atras do
conceito de organização técnica dos bens e ao empresário, como agente
dessa atividade, revelando assim a íntima conexão entre os três
conceitos.
125
A conceituação de empresa como atividade, confirma-se nas palavras do autor acima:
A atividade econômica organizada de prodão e circulação de bens e
serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em caráter
profissional, através de um complexo de bens, sendo concebida como
pessoa judica.
126
124
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. V. 1, 6ª ed. revista e atualizada de acordo com o novo
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 58.
125
BULGARELLI, Waldírio. Tratado de direito empresarial. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 1997, p. 100.
126
Idem, Ibidem, p. 109.
84
Considerando-se o perfil funcional da empresa, qual seja, empresa atividade
ecomica é preciso considerar três aspectos: organicidade, profissionalidade e
economicidade. O primeiro se refere à organização dos fatores de produção pelo
empresário, a profissionalidade significa a maneira sistemática com que o empresário
exerce a atividade e a economicidade refere-se à efetiva produção de riquezas postas no
mercado. Se presentes estes elementos, está demonstrada a atividade empresarial.
Cumprida uma breve análise conceitual, cabe agora distinguir a empresa nas suas
formas estatal e privada. A empresa privada é formada pela composição de capitais
particulares, organizados contratualmente, em busca do lucro no interesse de seus
proprietários. Já a empresa estatal - empresas públicas, sociedades de economia mista e
outras controladas pelo Estado - está sujeita ao controle do poder público.
Dentro da evolução por que passou o direito de propriedade, a empresa privada,
neste contexto, será estudada no seu contorno atual, especificando-se o papel que ela
pode desempenhar no sentido de promover os valores albergados pelo ordenamento
jurídico brasileiro, sem, é claro, desviar-se de sua finalidade lucrativa, inerente à
instituição e sem a qual ficaria desnaturada.
3.2.1 Empresa e Função Social
Demonstrada a existência de um comprometimento de todos os tipos de
propriedade com a realização de uma função social, revelam-se inúmeros
desdobramentos.
Em virtude dos direitos econômicos e sociais assegurados constitucionalmente,
impõem-se deveres e restrições à propriedade, até mesmo no seu aspecto estático. Mas é
no plano da empresa, incluída entre os bens de produção, que pode e deve a função
social realizar-se em sua plenitude.
Ganha relevo a noção de função social da empresa, tendo em vista a necessária
releitura dos institutos privados diante da Constituição Federal e em decorrência da
progressiva superação entre direito publico e privado.
85
O instituto propriedade deve ser exercido em consonância com os interesses
sociais, sob pena de perder seu fundamento em virtude do não cumprimento de sua
função social.
A propriedade aparece como direito que deve ser modelado de acordo com as
mudanças verificadas no meio social, servindo à sociedade como autentico bem de
produção de riquezas. A publicização do direito privado ocorre no momento em que
este se preocupa em atender e atingir objetivos coletivos, uma vez que estão presentes os
ditames de direito publico
A função social da empresa determina que a exploração da propriedade não
interesse apenas ao seu titular, e tampouco, destine-se exclusivamente à busca
desenfreada do lucro. Na verdade determina que os interesses e exercios derivados da
atividade empresarial devem projetar-se na vida em sociedade, atingindo trabalhadores,
fornecedores, fisco e meio ambiente, entre outros.
Esta funcionalização acarreta a superação do caráter individualista, devendo o
direito individual do seu titular coexistir com a função social do instituto. A empresa
tem, então, duplo papel, uma vez que serve ao proprietário, mas também às necessidades
sociais, exercendo seu papel produtivo em beneficio de toda a coletividade.
Neste sentido, reflete Eros Roberto Grau:
[...] se pensarmos a propriedade dos bens de produção, em organização
do tipo capitalista, aí teremos, nos dois momentos, a sociedade e a
empresa. A sociedade -os acionistas- detém uma situão judica de
pertinência. Já a empresa detém o poder que os bens sociais emergem.
D podermos sustentar que a sociedade existe juridicamente enquanto
situação subjetiva -direito- ao passo que a empresa existe juridicamente
enquanto fonte de poder-função.
127
A formação do conceito atual de propriedade, aqui incluída a propriedade
empresarial, faz parte da adaptação necessária do direito à realidade social. A integrão
dos direitos individuais e coletivos, especialmente os de cunho social, passam a fazer
127
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 128.
86
parte do conceito de propriedade. A interação entre o objetivo individual e o social
acaba por modificar este conceito.
Ocorre que essa característica sócio-política passa a integrar o conceito de
propriedade num momento histórico marcado pela alta concentração de poder
ecomico, capaz de repercutir em muitos outros aspectos da propriedade privada.
Nasce então uma nova noção de propriedade empresarial, irradiada da concepção
moderna de propriedade - dotada de função social - não sendo facultado aos sócios,
proprietários ou acionistas de empresas, exercerem abusivamente o direito que a
Constituição Federal lhes assegura.
Nesse particular destaca-se o Enunciado 53, aprovado na Jornada de Direito
Civil, STJ, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, sob coordenação científica do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, nos dias
11 a 13.09.2002: Deve-se levar em consideração o prinpio da fuão social na
interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência
expressa.
128
O uso dos bens fica condicionado às suas finalidades econômicas e sociais, sendo
defeso ao proprietário a prática de atos que não lhe tragam qualquer comodidade ou
utilidade e que objetivem prejudicar terceiros.
Destaque-se que a despeito da função social inerente ao exercício da atividade
empresarial, o lucro não é proibido, podendo ser o objetivo principal da atividade, o que
não afasta a obrigatoriedade de distribuí-lo de forma a satisfazer acionistas e
investidores, nem de atender o imperativo da solidariedade previsto na Constituição
Federal.
Discute-se também a ausência de sanções normativas espeficas quando da
violação do princípio da função social da empresa. No entanto, a tese da ausência de
sanções normativas não encontra respaldo, uma vez que a aplicão do direito,
128
Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/cedes/enunciados_jornada_direito_civil.htm>. Acesso em: 25.06.08
87
especialmente o contido na Constituição Federal, devidamente concretizado, autoriza a
aplicação de sanções patrimoniais e penais ao sujeito que viole o princípio
constitucional da função social.
Tome-se como exemplo a decisão proferida pela Justiça do Trabalho, 2ª Vara do
Trabalho de Curitiba, em sede de Ação Civil Pública 14/2004, promovida pelo Ministério
Público do Trabalho, por intermédio da qual os sócios proprietários foram afastados da
administração da empresa, que passou a ser administrada pelos próprios funcionários, através
de um Conselho Gestor. Destaque-se o trecho da decisão da Juíza Graziela Carola Orgis:
[...] Se por um lado, a Constituição Federal assegura o direito de propriedade
e a livre iniciativa, por outro lado, o mesmo texto constitucional contempla a
função social desta propriedade, a dignidade da pessoa humana, a
valorização do trabalho humano e a busca do pleno emprego(art. 1°, III e IV,
art, 5°, XXII e XXIII, art. 170, todos da CF/88) Tais postulados,
aparentemente antagônicos, não se excluem. Ao contrário, complementa-se
formando um sistema harmônico[...] O direito de propriedade, no sistema da
CF/88, não é pois, absoluto, nem é um fim em si mesmo. Ao contrário, o
direito de propriedade tem sua justificativa na função social do seu exercício
e é em tal medida que recebe proteção [...] O exercício do direito de
propriedade pelos réus está cada vez mais dissociado de sua função social do
implemento da dignidade da pessoa humana. A intervenção judicial, em
carater temporário, é, ao ver do juízo, a única maneira de se restaurar a
ordem[...[ e ao mesmo tempo, assegurar a manutenção da atividade
econômica e dos empregados. Não se trata, certamente de medida
expropriatória, mas apenas de transferência provisória da responsabilidade
pela gestão do empreendimento, aos próprios empregados.
129
Isto não significa, contudo, que a existência de mecanismos judiciais destinados à
sanção da inobservância ao princípio da função social da empresa, venha alterar os deveres e
objetivos relacionados ao Estado, responsável por guiar e dirigir a nação em busca de uma
sociedade livre, justa e solidária (Art. 3, I da Constituição Federal), bem como a realização do
bem estar e da justiça social (art. 193 da Constituição Federal).
Os deveres inerentes à atividade empresarial se desenvolvem em compasso com as
obrigações e objetivos da República Federativa do Brasil, incumbindo ao Estado não
concretizar políticas públicas destinadas à saúde, educação, moradia e segurança, como
também garantir o desenvolvimento nacional e atuar como agente normativo da atividade
econômica.
129
CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Preservação da empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá Editora, 2007,
p. 141.
88
3.3
A
E
MPRESA E O
D
IREITO
E
CONÔMICO
Tomando-se os acontecimentos da Revolução Francesa como ponto de partida
para o surgimento do direito moderno, verifica-se que os prinpios da liberdade da
iniciativa econômica e o da propriedade privada dos bens de produção foram os
prinpios fundadores da sociedade da burguesa. Estes prinpios conduziram à
formação do direito positivo econômico.
Entende-se por Direito ecomico o conjunto de normas da política econômica,
como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas,
procurando compatibilizar fins conflituosos. Nesse sentido, o direito é um instrumento
utilizado pela política econômica. Por sua vez, a política econômica é também orientada
pelo direito ecomico, que se revela como seu fundamento, o ponto de partida para o
seu desenvolvimento.
Para Cristiane Derani: A contradição imanente ao sistema ecomico capitalista
tem sua redenção reivindicada no direito econômico, que, através de normas procura
ordenar os comportamentos dentro de um âmbito próprio (uma esfera comunicativa
própria do direito).
130
A empresa é ente determinante na política econômica, e como agente de execução
desta política, empenha-se no cumprimento dos prinpios ideológicos que norteiam a
ordem jurídico-econômica de uma não. Ajustando-a ao conceito de Direito
Econômico, a empresa será considerada em relação à política econômica posta em
prática, para a efetivação da ideologia constitucionalmente adotada, isto é, integrada na
ordem jurídico-político-econômica.
O direito ecomico procura realizar a ordem econômica, visando os objetivos de
uma sociedade e uma efetiva justiça. Para isso suas regras requerem constante
130
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p.62.
89
renovação, demarcando a esfera de interesse individual, orientando e apresentando
meios ou soluções quando do surgimento de objetivos conflitantes.
O direito é concebido na sua relação com a economia como um instrumento de
sua efetivação e ao mesmo tempo, como meio de direcionamento da mesma. O direito
ecomico como garantidor das relações ecomicas apresenta os meios de realização
da atividade econômica pelos seus sujeitos assim como regulamenta a relação entre eles.
No cumprimento do seu papel orientador da atividade econômica, o direito tem
duas finalidades, quais sejam: por um lado defende os valores básicos do direito,
expostos nos princípios constitucionais de liberdade, igualdade de oportunidades e
justiça social; por outro, dispõe sobre objetivos de política e prática econômica, na busca
da eficiência da economia.
A empresa, para o Direito Econômico, tem uma tendência moderna, afastando-se
da idéia de ser considerada apenas uma atividade ecomica. Ela passa a ser considerada
como um organismo, um ente com capacidade de praticar a ação ecomica, não se
confundindo com esta. No seu sentido atual, a empresa se constitui em sujeito de direito
ecomico, regulada, portanto, pelas normas deste ramo judico.
3.3.1 A Empresa como Sujeito do Direito Ecomico
A empresa, no seu aspecto jurídico é tema relevante para qualquer estudioso do
Direito. Desde o surgimento do termo, no campo legal, tem-se buscado uma definição,
que a par de representar o aspecto econômico, possa dar uma roupagem judica a célula
prioritária do sistema capitalista.
No mundo atual, a empresa passou a ter relencia ímpar na vida cotidiana,
passando a ser agente-chave de várias transformações em curso na sociedade moderna.
Local ou multinacional, privada ou estatal, a empresa é dentro da ordem econômica,
agente organizador da atividade produtiva. Desta forma, não poderia o Direito esquivar-
se de colocar sob suas normas ente tão importante.
90
Fica claro que o tratamento a ser oferecido pelo direito, observado o tema dentro
do ordenamento judico brasileiro, deve obedecer a ótica constitucional, jamais
significando uma restrão, mas sim um enquadramento legal que atenda aos prinpios
ecomicos-ideológicos insculpidos na Constituição e representem a função-social que
todas as empresas devem ter perante o Estado Moderno. Há que se lembrar, contudo,
que, apesar da empresa ter se desenvolvido a partir da Revolução Industrial como
propulsora do sistema econômico moderno, com avanço na produção, na circulação de
riquezas, na repartição de renda, no consumo e no trabalho, ela ainda desafia o esforço
dos técnicos em ciências sociais e dos legisladores.
131
A empresa será reconhecida nesta pesquisa, como sujeito de Direito, sob a ótica
do Direito Econômico, ramo espefico do direito para regular a política ecomica,
onde a empresa assume importância primordial, pela força econômica que desenvolve na
sociedade capitalista. Sujeito de direito é toda pessoa física ou moral, civilmente capaz,
ativa ou passiva de uma relação judica.
Embora seja tratada pelo Direito Econômico, a empresa não é merecedora de
distinção e privilégio em relação a outros sujeitos deste ramo jurídico. O Estado e o
indivíduo, também sujeitos do Direito Econômico, merecem igual importância. Em
verdade, podemos afirmar não haver um predomínio de um sujeito do Direito
Econômico sobre outro. O que pode ocorrer, por vezes, é, em face de um determinado
momento político-econômico, um sofrer uma maior normatização do que outros.
A moderna legislação brasileira, a doutrina e a jurisprudência acolhem a empresa
como sujeito de direito. A aceitação de dano moral à empresa e a imputação criminal
prevista na legislação ambiental confirmam a visão da empresa como sujeito e não mero
objeto da ação do empresário.
Alguns estudiosos do Direito Econômico ainda consideram a empresa como
objeto do Direito Econômico. Entretanto, a posição mais aceita é a de ser a empresa
sujeito de direito.
131
SOUSA, Fábio Torres de. A empresa e o Direito Econômico. Boletim Jurídico. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1662>. Acesso em: 07 fev. 2008.
91
Este entendimento é confirmado por Washington Peluso Albino de Souza, ao
dizer que a empresa :
É sujeito do ato econômico e, neste caso, sujeito do ato jurídico, embora
o direito de alguns países não a adote como tal em sua terminologia.
Tem, pois, seu patrimônio próprio, sua capacidade de resolução e ação,
elabora e executa planos com objetivos próprios para a sua atividade,
possui, enfim, personalidade jurídica independente de seus próprios
donos. Cada dia mais o empresário, em relação a ela, configura-se como
o proprierio de parte ideal do seu patrimônio, com isto participando
das assembléias decirias com poder de voto apenas restrito à sua
própria quota, enquanto que a administração e grande parte das próprias
medidas de caráter decisório são tomadas pelo gerente, superintendente
ou elemento executivo, que age em seu nome devidamente credenciado
e autorizado.
132
Exatamente porque a empresa se integra na política econômica como seu sujeito,
o Direito Econômico preocupa-se com sua atuação, vai traçar-lhe normas de conduta,
impor-lhe incentivos e limitações, bem como proteger seu destino, quando quaisquer
fatos ou medidas venham prejudicá-la.
Tida como ente jurídico com personalidade própria, a empresa pode se constituir
através de diversas formas societárias. Como sujeito de Direito Ecomico, é regulada
pelas normas deste ramo jurídico, apesar de se submeter também a normas de outros
ramos de direito, como Comercial, Trabalhista e Administrativo, quando se trata do ato
constitutivo da empresa, de sua relão com os empregados e quando se trata de empresa
pública, respectivamente.
Para Izabel Vaz, na perspectiva do Direito Econômico, a empresa constitui:
[...] instituição dotada de personalidade jurídica, no seio da qual se
organizam os fatores da produção com vistas ao exercício de atividades
econômicas ou prestação de serviços em face dos princípios ideológicos
adotados na Constituão. No contexto de um modelo econômico que
abriga princípios de economia de mercado, a empresa, pública ou
privada, assume um papel tão preponderante e compromissos tão sérios
perante a ordem jurídico-econômica, que considerá-la simples objeto’
de apropriação do Estado ou do particular, não parece a posição mais
adequada.
133
132
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 131-132.
133
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 481.
92
Ao Direito Econômico, a empresa interessa especialmente com relação à política
ecomica que desenvolve, conforme a ideologia adotada constitucionalmente,
constituindo-se em decisivo instrumento de ação privada para a consecução dos
objetivos econômicos.
A empresa, então, possui relevância para o Direito Econômico, enquanto sujeito
da relação jurídico-econômica a ser por ele regulamentada. Nesse contexto, a empresa é
o instrumento deão do poder privado econômico. Com capital privado, buscando
lucro e conquista do mercado, ela se apresenta como um elemento primordial da
atividade econômica, no conceito neoliberal, fruto da evolução do Direito.
Isabel Vaz compartilha o entendimento da empresa como sujeito de direito ao
afirmar:
A caracterização da empresa como sujeito de direito não decorre de uma
ruptura brusca das criações operadas por algum elemento estranho ao
conjunto de fatores determinantes da evolução do Direito. Este novo
aspecto resulta de um movimento ascendente, cujas etapas têm de ser
respeitadas, vivenciadas e cuidadosamente analisadas, se pretendemos
atingir a construção de uma instituição jurídica de bases sólidas e,
sobretudo, que contribua para o aperfeiçoamento do Direito e para a
harmonia das relações sociais.
134
Da leitura do Art. 170, III da Constituição, verifica-se que a empresa está
contemplada como ente integrante da ordem econômica nacional, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observados os princípios da
Propriedade Privada e da Fuão Social.
Analisando o dispositivo constitucional acima citado, diz José Afonso da Silva:
[...] tem-se configurada sua direta implicação com a propriedade dos
bens de produção, especialmente imputada à empresa pela qual se
realiza e efetiva o poder econômico, o poder de dominão empresarial.
Disso decorre que tanto vale falar de função social da propriedade dos
bens de produção, como de fuão social da empresa, como de função
social do poder econômico.
135
134
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 486
135
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.
712/713.
93
O tratamento da empresa perante os princípios ideológicos adotados na
Constituição confirma a complementação do racionio de que todos os tipos de
propriedades estão comprometidos com a realização de uma função social, cujo
relacionamento com a idéia de justiça revela inúmeros desdobramentos. Em virtude dos
direitos econômicos e sociais assegurados constitucionalmente como a habitação, vida
digna, entre outros, até às propriedades estáticas são impostos deveres e restrições.
Mas é no plano da empresa, que a função social pode e deve realizar-se em sua
plenitude. Sob o paradigma de propriedade como categoria de bens de produção, a
empresa, considerada fonte de riqueza da sociedade, deve ter sua atividade pautada pelo
atendimento de uma função social.
Considerando a empresa como ente jurídico ligado á propriedade privada, e,
portanto, adstrita aos preceitos da ordem econômica constitucional, cabe agora analisar
os bens que a compõem e sua conseqüente dinamizão.
3.4
B
ENS DE
P
RODÃO E
E
MPRESA
P
RIVADA
3.4.1 A Classificação da Empresa dentre as Espécies de Propriedade
Na fase marcada pelo sistema capitalista, verifica-se que as diversas
classificações dos bens sujeitos à apropriação privada, sofrem uma reversão em sua
posição de importância, gerando, dessa forma, um marcante reflexo sobre a elaboração
do atual conceito de propriedade.
A classificação dos bens em móveis e imóveis
136
ainda é considerada importante,
tanto na lei como na doutrina, mas o sistema capitalista, primariamente ligado ao
comércio, à economia monetária e à vida urbana, reverteu essa posição de importância
relativa entre as duas espécies de bens.
136
Comparato reconhece a importância da classificação em bens móveis e imóveis, destacando que “suas
origens são medievais e constituem um reflexo na organização política vigente na Europa, desde a queda do
Império romano do Ocidente até o surgimento do Estado moderno, nos alvores do Renascimento. In
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 28.
94
É o que confirma Fabio Konder Comparato:
A riqueza mobiliária, constituída pela propriedade de moedas e metais
preciosos, serviu de base à instauração do sistema de credito, que, em pouco
tempo, avassalou a economia rural e até mesmo o funcionamento a
organização estatal incipiente. Fundos rurais de exploração decadente
passaram à propriedade de capitalistas urbanos, por força das execuções
hipotecarias. Inúmeras comunas e o próprio Estado central, em vários
países, recorreram largamente aos empréstimos bancários, pela ineficiência
do sistema tradicional de arrematação privada das rendas publicas. Ao
mesmo tempo, a criação dos papéis comerciais, dos títulos-valores e dos
diferentes sistemas de contas mercantis completou o instrumental necessário
à eclosão e ao desenvolvimento da revolução industrial.
137
Com a concentração do poder econômico, tornou-se necessário imprimir ao
domínio maior flexibilidade, que lhe permita adaptar-se a condições de mais fácil
mobilização de capitais e diminuição de encargos tributários. Por outro lado, certos
empreendimentos requerem disponibilidades enormes. O direito passa a conhecer a
propriedade empresarial.
Desta sorte, a propriedade não deixa de ser um direito subjetivo e, sem perder as
suas caractesticas individuais, fragmenta-se.
A empresa, administrada por um grupo controlador, é proprietária do acervo de
bens, às vezes de valor imensurável, enquanto os indivíduos que concorreram para a
formação dos recursos financeiros tem os seus direitos restritos ao gozo das vantagens,
ou reduzidos à percepção de certa rentabilidade.
Nesta perspectiva, não há que se falar mais em propriedade no mesmo sentido e
alcance tradicional.
Em tema de função social da propriedade afasta-se a clássica distião entre bens
moveis e bens imóveis, para se concentrar nos bens de consumo e bens de produção,
propriedades estáticas e propriedades dinâmicas.
137
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 28.
95
Sobre a estrutura da propriedade, ainda sob o prisma da doutrina individualista do
Código Civil de 1916, leciona Gustavo Tepedino:
A propriedade pode ser estudada em dois aspectos, o estrutural e o
funcional. A dogmática tradicional, e, na sua esteira, o digo Civil
brasileiro, preocupa-se somente com a estrutura do direito subjetivo
proprierio. O art. 524 do C.Civil, com efeito, evitando defini-la, dise
sobre os poderes do titular do donio, fixando o aspecto interno ou
ecomico, caracterizador do senhorio, e outro externo, o aspecto
propriamente jurídico da estrutura da propriedade. O primeiro aspecto,
interno ou econômico, é composto pelas faculdades de usar, fruir e
dispor. O segundo, o jurídico, traduz-se na faculdade de excluo de
ingerências alheias. Estes dois aspectos, o interno e o externo, comem
a estrutura da propriedade, o seu aspecto estético. o segundo aspecto,
mais polêmico é alvo de disputa ideogica, refere-se ao aspecto
dimico da propriedade, a função que desempenha no mundo judico e
ecomico, a chamada função social da propriedade.
138
A propriedade em seu perfil dinâmico traz ao proprierio uma esfera de
responsabilidades, onde o mero direito (poder) passa para o âmbito do dever (função) e
desta forma passa a ser regulada por instrumentos que se encontram na esfera do direito
blico, como se dá com os mandamentos sobre a função social da propriedade.
A função social da propriedade, conforme demonstrado, ganha subdios com o
fortalecimento do Estado Social, onde os valores sociais são elevados à categoria de
prinpios. Constituindo a propriedade o meio de prodão mais utilizado numa economia
capitalista, no processo de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, o sistema
jurídico passa a positivar a função da propriedade nos seus aspectos público e privado,
visando a realizão de uma sociedade mais equilibrada e justa.
Luiz Edson Fachin adverte: “[...] a tendência social revela aos titulares dos direitos
subjetivos, senvel horizonte diverso. Trata-se do exercio da solidariedade social, e
esta não se capta com esquemas judicos, consti-se na vida social e econômica.”
139
Pode-se afirmar que a propriedade deixou de ser direito subjetivo do proprietário
para se tornar a função social do detentor de riqueza. Apenas o proprietário, titular do
direito, pode exercer o dever funcional, no intuito de fazer com que sua propriedade
138
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de direito civil. 2ª Ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 279.
139
FACHIN, Luiz Edson. Teoria critica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 331.
96
contribua para o enriquecimento da sociedade. A propriedade, então, pode ser
considerada como direito que deve ser modelado de acordo com as mudanças sociais,
servindo à sociedade como verdadeiro bem de prodão de riquezas.
3.4.2 Propriedades Estáticas e Propriedades Dinâmicas
A clássica divisão de bens em móveis e imóveis, como visto, inegavelmente tem
sua importância na legislação civil. Ora por sua influência na exigência ou não de
determinadas formalidades para a transferência de sua propriedade, como a exigência de
escritura pública para os imóveis; ora nos prazos para a prescrição aquisitiva de direitos
e até mesmo na possibilidade de sujeição a institutos como enfiteuse e contrato de
mútuo.
Havida como sinal de poder e riqueza, no direito medieval, só a propriedade
imóvel tinha valor, constituindo a propriedade por excelência e a propriedade móvel
ficava relegada a plano secundário. O Código de Napoleão também atribuiu importância
fundamental à propriedade imóvel, considerando a o verdadeiro fundamento da riqueza
nacional.
Na evolão histórica, quando o caráter unitário e absoluto da propriedade foi
gradativamente transformando-se, suprimindo-se o domínio eminente, simbolizado pela
propriedade estática, surgindo o domínio útil, a propriedade dinâmica.
Sob o aspecto econômico, atualmente não faz mais sentido o tratamento
privilegiado da propriedade imóvel, até porque a riqueza mobiliária, justamente por sua
mobilidade e livre circulação, adquiriu igual ou maior capacidade de valorão
ecomica que os próprios bens imóveis.
A distinção entre bens móveis e imóveis deixa de ser absoluta, pelo menos sob o
prisma econômico e uma nova classificação surge na doutrina, baseada na importância
dinâmica que o bem pode desenvolver para gerar frutos e riquezas: a propriedade
estática e a propriedade dinâmica.
97
As propriedades estáticas referem-se às propriedades imobiliárias, os créditos e
as relações jurídicas delas derivadas para os seus titulares, que são regidas
eminentemente pelo Código Civil. Não leva em conta o uso do bem sobre qual recai o
direito de propriedade, mas sim o poder emanado e atrelado a este direito. Tem cunho
individualista.
A empresa não se adequa à figura da propriedade estática. Como complexo de
relações jurídicas e econômicas, não há como classificar a empresa em outra categoria
que não seja a propriedade dinâmica. Talvez ela seja o mais expressivo exemplo de
propriedade dinâmica, mesmo porque o que nela realmente importa é o dinamismo com
que é dirigida pelo empresário.
As propriedades dinâmicas, em contraposição às propriedades estáticas estão
relacionadas com as atividades ecomicas, industriais e comerciais, que se destinam a
produzir e promover a circulação, a distribuição e consumo de bens. Isabel Vaz
compreende o sentido de propriedade dinâmica na seguinte acepção:
Retirar o capital, os bens de prodão do estado de ócio (aspecto
estático), consiste, pois, em utilizá-los em qualquer empresa proveitosa
a si mesma e à comunidade. É dinami-los para produzirem novas
riquezas, gerando empregos e sustento aos cooperadores da empresa e à
comunidade. É substituir o dever individual, religioso, de dar esmola
pelo dever jurídico inspirado no compromisso com a comunidade, de
proporcionar-lhe trabalho útil e adequadamente remunerado.
140
A doutrina utiliza a expressão propriedade dinâmica para referir-se à propriedade
dos bens ou recursos através dos quais se exerce as atividades econômicas. A expressão
atividade econômica é utilizada pela Constituição Federal para referir-se às empresas.
Tendo em vista que a empresa agrega agentes econômicos, como investidores,
fornecedores ou prestadores de serviços, verifica-se que a atividade empresarial engloba
uma serie de fatores dispostos na sociedade, ficando ainda mais patente seu dinamismo e
a relevância de atribuir-lhe uma função social.
O núcleo, por excelência, das propriedades dinâmicas é a empresa. Ela conjuga
todos os fatores da produção, e pressupõe ao mesmo tempo, a titularidade sobre certos
140
VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.151
98
tipos de propriedades, que a tornam indiscutivelmente condicionada a uma função
social. Sobre o dinamismo da empresa, configura-se oportuna a afirmação de Eros
Roberto Grau :
[...] no momento estático a propriedade é direito subjetivo; no
dinâmico, fuão. Se pensarmos a propriedade dos bens de produção,
em organizão de tipo capitalista, teremos, nos dois momentos, a
sociedade e a empresa. A sociedade - os acionistas - detém uma relão
jurídica de pertinência. Já a empresa, detém o poder que dos bens
sociais emergem. Daí podermos sustentar que a sociedade existe
juridicamente enquanto situação subjetiva direito - ao passo que a
empresa existe juridicamente enquanto fonte de poder-fuão.
141
Demonstra-se inegável, portanto, o dinamismo empresarial, tendo em vista que a
empresa, como um todo organizado de bens de produção, voltados para determinada
atividade econômica, tem a finalidade de produzir riqueza à sociedade.
A propriedade dinâmica, ou o controle sobre os bens de produção, sob a ótica de
Fabio Konder Comparato, não tem por objetivo a fruição, mas a produção de outros bens
e serviços e por isso mesmo, implica necessariamente, uma relação de poder sobre os
outros homens, na medida em que a produção sai da fase artesanal para a industrial. A
propriedade dinâmica de bens de produção é a que se realiza sob a forma de empresa.
Perante uma propriedade deste tipo, a problemática fundamental não é a proteção e
tutela contra as turbações externas, mas sim a de fiscalização e disciplina de seu
exercio, a fim de se evitar o abuso ou o desvio do poder.
142
Ao atentar-se para o fato de que a empresa é propriedade dinâmica e constitui-se
no principal fundamento das sociedades capitalistas, não se pode negar a importância de
ser imposta uma função social à empresa, em virtude do seu valor na ordem econômica.
O destaque para a visualização da propriedade dinâmica es desta forma,
justamente para a empresa - como conjunto de bens em dinamismo - que deve ser objeto
de tratamento judico diferenciado do que se aplica a propriedade estática.
141
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 131.
142
COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. ed. rev. atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1983, p. 100.
99
A real importância da propriedade dinâmica, representada pelos bens de
produção, é justamente servir de base para a produção e circulação de novos bens ou
riquezas. Por conseguinte, a propriedade passa a ter uma função, em razão da finalidade
social que se destina.
Para esta pesquisa, direcionada à esfera da atividade econômica, sobre a empresa
e a aplicação da função social da propriedade, interessa agora a classificação entre bens
de produção e bens de consumo.
3.4.3 Destinação dos Bens: Bens de Produção e Bens de Consumo
Sob o advento do sistema capitalista, quando toda a vida da sociedade passa a ser
orientada para a atividade de produção de bens ou prestação de serviços em massa,
conjugada ao consumo padronizado, torna-se evidente a classificação jurídica de bens de
produção e bens de consumo.
Na lição de Fabio Konder Comparato:
[...] os bens de produção são móveis ou imóveis, indiferentemente. Não
somente a terra, mas também o dinheiro, sob a forma de moeda ou de
credito, podem ser empregados como capital produtivo. De igual modo
os bens destinados ao mercado, isto é, as mercadorias, pois a atividade
produtiva é reconhecida na analise econômica, não pela criação de
coisas materiais, mas pela criação de valor. Mas as mercadorias
somente se consideram bens de prodão enquanto englobadas na
universalidade do fundo de comercio; uma vez destacadas delas, ao
final do ciclo distributivo, ou elas se incorporam a uma atividade
industrial, tornando-se insumos de produção, ou passam à categoria de
bens de consumo.
143
Observe-se que, nessa ampla categoria dos bens de consumo, a apropriação é
algumas vezes, impossível e, outras vezes, obedece a um regime jurídico diverso do
comum. As coisas de uso comum, cuja noção se amplia ultimamente com as ameaças
concretas de destruição do equibrio ecológico, são pela sua própria natureza,
143
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 29.
100
insuscetíveis de apropriação, pois esta significa, justamente, excluir o bem do uso
comum.
Por outro lado, as coisas cujo consumo consiste na destruição ao primeiro uso,
amoldam-se dificilmente ao regime ordinário da propriedade, levando-se em conta que a
pretensão negativa universal que constitui o núcleo dos direitos reais, supõe a
permanência e a identificação da coisa em mãos de qualquer pessoa. A imediata
destruição da coisa consumível afasta-a dessa proteção absoluta, característica do
domínio.
Para parte da doutrina, a propriedade dos bens de produção, por terem origem no
dinamismo gerado pela atividade econômica e empresarial, deve receber tratamento
jurídico diferenciado do aplicável aos bens de consumo.
No conceito de José Afonso da Silva tem-se:
Bens de produção, chamados também capital instrumental são os que se
aplicam na produção de outros bens ou rendas, como as ferramentas,
quinas, fabrica, estradas de ferro, docas, navios, matérias primas, a
terra, imóveis não destinados à moradia do proprietário, mas à produção
de bens.
144
Os bens de produção, entendidos como sendo aqueles que permitem produzir
outros bens, ao contrário dos bens de consumo, não são consumidos e estão aptos à
criação e gerão de renda.
A legislação econômica atual considera a propriedade como elemento que se
insere no processo produtivo. Neste processo, outros interesses concorrem com os do
proprietário e ao mesmo tempo o condicionam e por ele são condicionados. Este direito
implica o reconhecimento de um novo perfil do direito de propriedade, diverso e distinto
da tradicional: a fase dinâmica. Aí é que se realiza a função social da propriedade, já que
no capitalismo, os bens de produção são colocados em dinamismo, em regime de
empresa, como função social da empresa.
145
144
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 793
145
O art. 154 e o parágrafo único do Art. 116 da Lei 6.404/76, referem de modo expresso, a função social
da empresa e a função social da companhia.
101
Retirar os bens de produção, o capital do seu aspecto estático, consiste em utilizá-
los em uma empresa que traz proveito a si e à comunidade. A dinamização destes bens
gera empregos e outros benecios à sociedade. Por conseência, a função social da
propriedade se concretiza plenamente na atividade econômica.
Para Eros Roberto Grau, a propriedade dos bens de produção, representa um
poder-dever de organizar, explorar e dispor.
146
É nesta fase dinâmica que o principio da fuão social da propriedade realiza a
imposição de comportamentos positivos ao titular da propriedade. E neste nível
dinâmico, a propriedade dos bens de produção desponta como propriedade em regime
jurídico de empresa.
Constata-se que, uma vez dinamizada a propriedade através de bens que
proporcionem efetivos frutos para a coletividade, como a produção de outros produtos,
geração de renda e trabalho, estaria a propriedade sobre os bens de produção
caracterizada como um poder-dever, já que, além da carga subjetiva que a vincula a seu
proprietário, a propriedade o faz assumir um compromisso intrínseco de servir à
sociedade.
147
Quanto mais a propriedade se distanciar do individual e isto se verifica na
propriedade empresa, como agente econômico atuante no mercado, mais ainda sua
funcionalização será exigida.
A preocupação com o uso da propriedade empresária fica patente no atual Código
Civil
148
, especialmente no que tange à exigência de probidade para os administradores
de pessoas judicas de direito privado, exincia esta só cobrada anteriormente dos que
exerciam cargos públicos. Tal norma revela que o Direito não aceita mais, pelo menos
146
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores.
2005, p. 241.
147
CAVALLAZZI FILHO, Tullo. Função social da empresa e seu fundamento constitucional. Florianópolis:
Editora OAB/SC, 2006, p.71
148
Diz o Art. 1.011, Par. do Código Civil: Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por
lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por
crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o
sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a
pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação
.
102
sem criticas ou ponderações a dicotomia público/privado que caracterizou grande
peodo de sua evolução.
3.4.4 A Propriedade e os Bens de Produção
Para que a empresa possa ser parte legítima das relações jurídicas decorrentes de sua
atividade, deve possuir personalidade jurídica, que é exercida por uma pessoa jurídica de
direito privado.
Fabio Ulhoa Coelho conceitua pessoa jurídica como a unidade de pessoas
naturais ou de patrimônios que visa a obtenção de certas finalidades, reconhecida pela
ordem judica como sujeito de direitos e obrigões. Ela é um expediente do direito
destinado a simplificar a disciplina de determinadas relações entre os homens em
sociedade. Tem o sentido de autorizar determinados sujeitos de direito à prática de atos
jurídicos em geral.
149
A pessoa jurídica que exerce atividade econômica organizada para a produção de
bens ou a circulação de bens ou de serviços é a sociedade empresária. Esta sociedade
empresária, organizada e responsável pela atividade da empresa, é formada por pessoas,
que através da celebração de um contrato de sociedade, passam a deter direitos de
propriedade sobre as cotas ou ações sociais que representam a participação que cada
uma delas detém sobre o capital social que constitui a sociedade empresária.
Por este prisma, é forçoso concluir que há entre os sócios e a sociedade uma
relação de propriedade. Oscios detêm direitos sobre cada cota de participão na
empresa, cujo efeito direito é a recebimento, por parte dos primeiros, dos lucros
provenientes da atividade empresarial exercida pela sociedade empresária.
No exercio da atividade empresarial é preciso destacar a figura do empresário,
que na forma do Art. 966 do Código Civil é aquele que exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços.
149
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 112.
103
Com estes conceitos é possível ter a compreensão da questão da propriedade dos
bens de produção. A empresa é uma atividade organizada economicamente, praticada
por uma pessoa jurídica, constituída por meio de uma sociedade empresária.
No entanto, para alguns doutrinadores, o controle da sociedade empresária
exercida pelos sócios não pode ser entendido como sendo equivalente à propriedade dos
bens de produção, pois estes, na sua fase dinâmica, colocados para funcionar em regime
de empresa, passam a integrá-la e a pertencer-lhe. Dessa forma, resta aos sócios o
exercio da propriedade sobre as cotas e o poder de controle
Sobre o tema, Eros Roberto Grau leciona:
Se pensarmos a propriedade dos bens de prodão, em organização tipo
capitalista, aí teremos, nos dois momentos, a sociedade e a empresa. A
sociedade- os acionistas- detém uma situação jurídica de pertinência. Já
a empresa, detém o poder social que dos bens sociais emergem.
150
A constituição de empresas sob a forma de pessoas jurídicas separa o acervo
empresarial do patrimônio individual dos sócios. De proprietários, os sócios passam a
posição de participantes nos resultados de uma exploração aunoma.
Sob a ótica de Fabio Konder Comparato, em se tratando de bens de produção, o
poder-dever do proprierio de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da
coletividade, transforma-se em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa
para a realizão dos interesses coletivos, quando os bens são incorporados a uma
explorão empresarial.
151
Diante da incorporão dos bens de produção por uma exploração empresarial, a
função social já não é um poder-dever do proprietário, mas do controlador, que tem
então deveres sociais. O poder de controle não se confunde com propriedade, não é um
direito real, mas um poder de organização e direção, envolvendo pessoas e coisas.
150
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p.131
151
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 32.
104
Para Eros Roberto Grau, o exercício da empresa pelo empresário o transforma
num proprietário empreendedor. Considera a propriedade dos bens de produção como
um poder-dever, afirmando que a função social da propriedade impõe comportamentos
positivos ao proprietário e o configura como proprietário-empreendedor.
152
A afirmação do autor vem confirmar que qualquer bem da empresa, incorporado à
atividade como bem de produção, mesmo sendo propriedade da empresa, impõe ao
titular do controle, o dever de utilizá-lo em prol da empresa e da sociedade, sujeitando-o
à aplicação do Principio da Função Social da Propriedade.
A propriedade sobre a qual os efeitos do prinpio da função social são refletidos
mais intensamente é justamente a propriedade dinâmica, dos bens de produção. Ao se
aludir à função social dos bens de produção em dinamismo, na verdade está-se referindo
à função social da empresa.
A empresa é a forma mais estruturada dos bens de produção, constituindo-se em
uma forma de propriedade em seu perfil dinâmico, empregando mão de obra e
produzindo bens de consumo.
Denota-se que a propriedade dinâmica, como uma forma organizada de bens de
produção, estrutura-se com a força do trabalho humano. O homem passa a constituir um
dos fatores de produção das empresas. Atinge-se assim, diretamente o meio social.
Ganha relevância a constatação de que a dinamização da propriedade acarreta ao
proprietário a observância de certos limites e o cumprimento de determinados deveres.
Os bens de produção são as fontes de riqueza de uma sociedade. São responsáveis
pela produção de outros produtos, bens e serviços de consumo e desta forma, essenciais
quando inseridos em um processo produtivo. Numa linha de produção industrial têxtil,
todo o conjunto de maquinário ali disponibilizado está inserido no contexto produtivo,
de forma que a retirada de uma das máquinas, ou sua apreensão, impossibilita a
continuidade da atividade de outros equipamentos e da própria empresa.
152
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981. p. 127.
105
Pode ocorrer também, além da relação de dependência de uma mesma linha de
produção, uma corrente entre as empresas que estão alinhadas com o objetivo de
produzir determinados bens de consumo ou outros bens de produção.
Tome-se como exemplo as empresas produtoras de peças para o setor
automobilístico, que tem exclusividade para a produção e fornecimento de componentes
essenciais para a fabricação de um automóvel. É cil perceber que uma eventual
interrupção da produção de componentes numa das empresas é capaz de provocar a
interrupção na prodão de outros bens de produção, os autoveis, gerando assim,
reflexos e danos aos trabalhadores, ao Estado e à comunidade.
153
Entendidos e observados sob este ponto de vista, os bens de produção o
essenciais para se alcançar os objetivos da empresa e da Ordem Econômica, tornando
posvel até mesmo uma indagação sobre a possibilidade da defesa de sua integridade.
Este é o entendimento de Fabio Konder Comparato ao afirmar:
A essencialidade dos bens de produção e a conseqüente função social
por eles desempenhada em razão da destinação que lhes é dada,
proporciona uma discussão acerca da possibilidade de se interpretar um
tratamento diferenciado a esta categoria de bens, de modo a privilegiar
sua manutenção e integridade, mesmo em detrimento dos interesses
particulares dos credores.
154
Na opinião de Raquel Stajn, as relações jurídicas exigem estabilidade de modo a
promover a produção e circulação de bens e serviços, para garantir a segurança da
circulão de riqueza. Para isso, a cadeia produtiva requer que ninguém se torne refém
de procedimentos de qualquer outro integrante do processo, no caso o fornecedor de
bens de produção ou prestação de serviços. Da mesma forma, não interessa ao sistema
produtivo que isso ocorra.
155
Outra maneira de observar a essencialidade dos bens de prodão, e em
decorrência, defender sua integridade, vem do próprio encargo imposto ao proprietário
153
SILVA, Américo Luis Martins. A Ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.219
154
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 15.
155
SZTAJN, Raquel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 11.
106
do bem de produção, que passa a exercer uma fuão social equiparada a um poder
dever do proprietário.
Isto significa que, se por um lado a empresa tem o dever de gerar renda para o
Estado, manter postos de trabalho, além é claro, de exercer sua função principal que é
produzir bens para a coletividade; por outro lado tem também a garantia de ver mantida
a integridade de seus bens e de seu funcionamento, para que possa desincumbir-se de
suas obrigações legais.
A tendência de preservação e manutenção dos bens de produção da empresa pode
ser verificada também até mesmo em confronto com o direito de terceiros, como o
direito do locatário de obter a renovação compulria da locão ou de ser indenizado
caso o locador deseje a retomada na locação comercial de prédios.
3.5
E
MPRESA E
L
EGISLAÇÃO
I
NFRACONSTITUCIONAL
A função social da propriedade como afirmado anteriormente, implicou a
previsão deste princípio também na legislação constitucional, para o cumprimento do
mandamento constitucional que prevê a função social.
A empresa, vista como instituição cuja importância transcende à esfera
ecomica, passa a abranger interesses sociais relevantes como a sobrevivência e o bem-
estar dos trabalhadores que para ela prestam seus serviços, além dos interesses dos
cidadãos integrantes do espaço social onde ela se situa, ficando patente que tem uma
função social.
O Professor Miguel Reale
156
, sempre esclareceu que três valores fundamentais
deveriam estar presentes na elaboração do Código Civil: eticidade, socialidade e
operabilidade. Ademais, sendo ele o idealizador da Teoria Tridimensional do Direito,
156
O Prof. Miguel Reale foi o presidente da Comissão Elaboradora do Código Civil de 2002 e defendeu que a
eticidade, socialidade e operabilidade eram valores fundamentais no referido diploma legal.. In REALE, Miguel.
Visão Geral do Novo Código Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718
>
. Acesso
em: 14 jul. 2008.
107
para a qual a norma se compõe de fatos valorados socialmente, parece claro que seu
maior objetivo era conferir à legislação reformada uma forma de ser aplicada sem
distanciar-se do contexto social.
Eticidade, socialidade e operabilidade são valores interligados e apresentam-se
como responsáveis pelo eficaz funcionamento das normas do Código Civil.
A eticidade
157
, como princípio norteador das relações disciplinadas pelo Código,
postula que o relacionamento dos indiduos, os verdadeiros destinatários da norma,
sejam pautados por valores éticos necessários à manutenção da ordem social.
O Direito Civil não mais se preocupa com o homem isolado em suas relações
privadas, mas também com as repercussões que tais relações trazem aos indiduos.
Assim aparece a socialidade no Código Civil.
A socialidade
158
já vem repleta de conteúdo ético, já que a ética é o melhor meio
de se manter a ordem e a boa relação entre os homens. Isto não significa que o indiduo
tenha que ser sacrificado em prol do social. Os critérios valorativos da pessoa humana,
tal como o prinpio da dignidade humana, continuam a prevalecer, mas o indiduo só
se realiza no seu relacionamento social. É neste sentido que o Código Civil reforça a
noção de socialidade.
157
Miguel Reale diz a respeito das clausulas gerais: [...] não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a
indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da
técnica jurídica, que com aqueles deve se compatibilizar. Daí a opção, muitas vezes, por normas genéricas ou
cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a criação de
modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos
preceitos legais. Cita alguns artigos sobre a eticidade no Código Civil: Art. 113 :"Os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração." E mais : Art. 187. Comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.""In: REALE, Miguel. Visão
Geral do Novo Código Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718
>
. Acesso em:
14 jul. 2008.
158
É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei
anterior. Alguns exemplos de socialidade no CC: "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e
nos limites da função social do contrato." "Art. 422. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas
ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 1.228, - O proprietário
também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de
boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela tiverem realizado, em conjunto
ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante."
108
Não há meio de consolidar na prática a eticidade e a socialidade, a não ser através
da operabilidade
159
. Este valor significa que o Código Civil deve proporcionar uma fácil
compreensão aos seus destinarios, de fácil implementação ao operador, ou de qualquer
daqueles que dele irão se servir.
Para se analisar os preceitos do digo Civil, sem esquecer os valores que
nortearam sua elaboração, é preciso levar em conta o Art. 1.228, Parágrafo, que
delineia a função social da propriedade:
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio hisrico e
artístico, bem como evitada a poluão do ar e das águas.
Referido artigo do Código Civil visou dar operatividade ao Art. 5°, inciso XXII,
da Constituição Federal, que dispõe ter a propriedade função social. É a
Constitucionalização do Direito Civil. Atribuir uma finalidade a um instituto do direito
privado é consolidar os valores que nortearam a elaboração do Código Civil e
reconhecer que a referida finalidade voltada à coletividade. Por isso denomina-se função
social da propriedade.
Reconhecendo expressamente a função social da propriedade, instituto
intimamente vinculado ao exercício da empresa, parece lógico deduzir que o Código
Civil acolheu a função social da empresa. Por esta razão, não pode o empresário deixar
de cumpri-la no empreendimento de seus negócios. Ainda, em atendimento aos critérios
dirigentes da interpretação do diploma legal, exige-se da atividade empresária o
atendimento aos princípios da eticidade, socialidade e a operabilidade.
159
Segundo o Prof. Miguel Reale foi muito importante a decisão tomada no sentido de estabelecer soluções
normativas no Código Civil, de modo a facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito, citando
como exemplo de operabilidade: “Distinção entre prescrição e decadência, tendo sido baldados os esforços no
sentido de verificar-se quais eram os casos de uma ou de outra, com graves conseqüências de ordem prática. Para
evitar esse inconveniente, resolveu-se enumerar, na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus clausus,
sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a disposição normativa que a estabelece.
Assim é, por exemplo, após o artigo declarar qual a responsabilidade do construtor de edifícios pela higidez da
obra, é estabelecido o prazo de decadência para ser ela exigida”. In REALE, Miguel. Visão Geral do Novodigo
Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718
>
. Acesso em: 14 jul. 2008.
109
Augusto Geraldo Teizen Junior entende que a função social da propriedade
consiste em cláusula geral prevista no artigo constitucional, atribuindo-lhe a qualidade
de fonte criadora de direitos e obrigações. Sobre a natureza de tais cláusulas informa:
Como as cláusulas gerais têm função instrumentalizadora, porque
vivificam o que se encontra contido, abstrata e genericamente, nos
princípios gerais de direito e nos conceitos legais indeterminados, o
mais concretas e efetivas do que esses dois institutos. Clausula geral
não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica, isto
é, fonte criadora de direitos e obrigações.
160
As cláusulas gerais conferem mobilidade e dinamismo ao sistema normativo,
evitando os prejuízos resultantes da rigidez da norma, possibilitando a adequação do
direito aos fatos reais, não ficando o operador do direito apenas adstrito à lei. Por outro
lado, as cticas às clausulas abertas consistem na possibilidade de sua aplicação sem a
adequada avaliação do caso concreto, podendo determinar insegurança jurídica.
No caso brasileiro, a aplicação das cláusulas gerais há de ser feita de maneira
coerente com o sistema judico, sendo necessária verdadeira interpretação e aplicação
sistetica do direito.
O poder de controle empresarial está abrangido no conceito de propriedade,
constante da Constituição Federal e dodigo Civil, tornando-se inegável a função
social da sociedade empresária, referida nesta pesquisa como função social da empresa
O Art. 50 do Código Civil
161
traz em seu bojo a idéia da função social da
empresa enquanto pessoa judica. Estabelece que o desvio de finalidade na atividade
empresarial, como demonstração de desvio da própria função social da empresa,
ocasionará ao empresário os danos da desconsideração da personalidade jurídica,
possibilitando que os bens particulares dos cios possam ser atingidos por credores e
por terceiros lesados.
160
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2004, p. 110-111.
161
Art. 50 do Código Civil. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou o Ministério Publico quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas de determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
110
Tal como o artigo 1.228 anteriormente citado, o artigo 50 não tem correspondente
no texto do Código Civil de 1916, demonstrando que o atual diploma legal está agora
em consonância com os ditames da Constituição Federal.
O direito de empresa, aqui entendida como atividade destinada a produção,
circulão e distribuição de riqueza, surge no Código Civil como conseqüência imediata
do direito das obrigações. É por este motivo também que se pode falar em fuão social
da empresa.
Para Rubens Requião, a empresa, no sentido econômico, pode ser definida como
uma organização de fatores de produção.
162
Por este conceito, uma vez que a empresa
está inserida na ordem econômica como agente organizador da atividade produtiva e
gestora de propriedades privadas, concluí-se que a limitação que condiciona a livre
iniciativa e a propriedade a uma função social repercute diretamente na empresa,
impondo-lhe também uma função social, à semelhança do que ocorre com o contrato.
O entendimento do art. 421 do Código Civil
163
, dispondo sobre a função social do
contrato, estende esta função à empresa, considerada como contrato plurilateral. Assim é
que a função social da empresa limita a vontade e o interesse dos sócios, substituindo
esse poder arbitrário pelo equilíbrio que deve passar a existir entre as forças que
cooperam para o desenvolvimento das finalidades empresariais. Trata-se de submeter o
interesse particular ao interesse social.
Resta citar a função social da empresa em outros textos legislativos. A Lei
6.404/76, que trata das sociedades por ações, mesmo anterior à Constituição Federal de
1988 já estabelecia em seu Art. 154:
Art. 154: O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o
estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia,
satisfeitas as exigências do bem blico e da fuão social da empresa.
162
REQUIÃO, Rubens. A co-gestão: a função social da empresa e o Estado de direito. In Revista Forense, v.
262. Rio de Janeiro: Editora Forense: 1974: p.32
163
Art. 421 do Código Civil de 2002: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.
111
O referido preceito determina a vinculação dos fins econômicos ao atendimento
de exigências sociais, o que justifica a função social da empresa. Com isso não fica
desvirtuada a atividade empresarial, lucrativa por excelência, mas requer que o
desempenho desta atividade não resulte em perda ou degradação de bens necessários ao
interesse público.
Ainda na mesma Lei, destaca-se o Parágrafo único do Art. 116, com expressa
previsão da função social da atividade empresarial:
Art. 116. [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o
poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir
sua fuão social e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionista da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade
em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender.
Isto quer dizer que a atividade empresária tem responsabilidades internas e
externas, que devem ser cumpridas pelo administrador. Como pessoa jurídica, onde se
encontra a atividade produtiva, a empresa é vista como importante agente social, não
podendo ferir o interesse público.
Também o Código de Defesa do Consumidor funda-se na função social da
empresa. Ao elaborar normas de protão ao consumidor, impõe às empresas, deveres de
respeito e atenção com seus consumidores. Sobre o assunto sustenta Luiz Fernando
Prudente do Amaral:
A atividade empresarial não pode causar dano ao consumidor, impondo
às empresas normas de caráter negativo (abstenção) e positivo (ação),
sendo este ultimo o caso de obrigatoriedade de observância dos
princípios da boa, com seus corolários da lealdade, informação e
proteção, etc... Por outro lado, a Lei 8.078/90-Código de Defesa do
Consumidor- fez com que os produtos e serviços destinados aos
consumidores ganhassem em qualidade e segurança, favorecendo a
coletividade.
164
São importantes, assim, as normas do Código de Defesa do Consumidor, não
apenas para defender os consumidores, mas também para fazer com que as empresas
produtoras desempenhem a função social que lhes é imposta.
164
AMARAL, Luiz Fernando de Camargo Prudente. A função social da empresa no direito constitucional
econômico brasileiro. São Paulo: SRS Editora. 2007, p.135.
112
A Lei 8.884/94 que trata de prevenção e repressão às infrações contra a ordem
econômica e questões relativas à concorrência no setor empresarial também consolida a
função social da empresa ao estabelecer em seu art. 1°:
Art. 1°. Esta lei dise sobre a preveão e a represo às infrões
contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de
liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade,
defesa dos consumidores e represo ao abuso do poder econômico.
Pagrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos
por esta Lei.
A função social fica determinada quando o legislador define a coletividade como
titular dos bens que a lei tutela. Referida lei instituiu o CADE - Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, autarquia federal ligada ao Ministério da Justiça,
responsável por analisar casos que tendam a violar quaisquer dos bens elencados no
artigo citado.
A Lei 9605/98 que tutela o meio ambiente, determina que toda e qualquer
atividade de natureza econômica tem que respeitar e se responsabilizar pelo meio
ambiente de maneira sustentável, sob pena de desviar-se da fuão social da empresa.
Para tanto, a lei criou mecanismos de preservação ambiental e punição em caso de
ofensa ao meio ambiente.
Mais recentemente, a Lei 11.101/05, que dispõe sobre a recuperação de empresa,
traz em seu art. 47 expressa menção à função social da empresa e preservação desta:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação
da situão de crise ecomico-financeira do devedor, a fim de permitir
a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estimulo à atividade econômica.
Tal dispositivo vem confirmar o reconhecimento pelo legislador
infraconstitucional da função social, condicionada ao exercício da empresa.
Em nenhuma das leis aqui citadas, se faz refencia a um contdo determinado
para a função social da empresa, daí se afirmar sua condição de cláusula aberta, sujeita à
113
interpretação do juiz no caso concreto, dentro, é claro, dos valores e princípios
estabelecidos constitucionalmente.
Enveredando no presente capítulo, como síntese, verifica-se inicialmente a
evolução do Direito Comercial até o atual Código Civil, recepcionando a moderna
Teoria da Empresa, que passou a ser definida através da noção de empresário. O Direito
Comercial passou então a denominar-se Direito Empresarial.
A empresa cujo papel é relevante no aspecto ecomico, constitui-se em
fenômeno que possui rios aspectos e perfis jurídicos a serem considerados. O perfil
funcional é o de maior imporncia para os ordenamentos jurídicos. A empresa, como
atividade econômica organizada e profissionalmente exercida acompanhou a evolução
porque passou o direito de propriedade e ganhou relevo sua fuão social.
A funcionalização da atividade empresarial acarreta a superação do caráter
individualista, devendo o direito individual do seu titular coexistir com a função social
do instituto. A empresa além de servir ao proprietário, tem que atender às necessidades
sociais, exercendo seu papel produtivo em benefício de toda a coletividade, sem, é claro,
desviar-se de sua finalidade lucrativa, inerente à instituição e sem a qual ficaria
desnaturada.
Verificou-se também que o Direito Econômico reveste-se de dupla dimensão
atuando como garantidor da iniciativa ecomica privada e implementador do bem estar
social. A moderna legislação brasileira, a doutrina e a jurisprudência acolhem a empresa
como sujeito de direito. Neste contexto, como sujeito de direito ecomico, ela assume
importância primordial, pela força econômica que desenvolve na sociedade capitalista.
A empresa interessa ao Direito Econômico, especialmente pela política
ecomica que desenvolve conforme a ideologia adotada constitucionalmente.
Exatamente porque a empresa se integra na política econômica como seu sujeito, o
Direito Econômico preocupa-se com sua atuação, vai traçar-lhe normas de conduta,
impor-lhe incentivos e limitações, mas também proteção.
114
Prosseguindo na busca de estabelecer a função social da empresa, é preciso
considerar os aspectos estáticos e dinâmicos da propriedade. Demonstrou-se, então, que
as propriedades dinâmicas, em contraposição às propriedades estáticas, eso
relacionadas às atividades econômicas, industriais e comerciais. O núcleo das
propriedades dinâmicas é a empresa, pois conjuga todos os fatores de produção.
A propriedade dinâmica de bens de produção é a que se realiza sob a forma de
empresa. Ao contrário dos bens de consumo, os bens de produção não são consumidos e
estão aptos à criação e geração de renda. A dinamização da propriedade através de bens que
oferecem trabalho para a comunidade, que geram renda e produzem outros produtos, faz com
que a propriedade dos bens de produção seja caracterizada como um poder dever, vez que a
carga subjetiva que a vincula a seu proprietário, faz com que ele assuma um compromisso,
inerente ao direito de propriedade, de servir à sociedade.
O exercício da empresa pelo empresário o transforma num proprierio
empreendedor. A função social da propriedade impõe comportamentos positivos ao
proprietário e o configura como proprietário-empreendedor.
A empresa, como a forma mais estruturada dos bens de prodão, constitui-se
uma forma de propriedade em seu perfil dinâmico, empregando mão-de-obra e
produzindo bens de consumo. A propriedade dinâmica estrutura-se com a força do
trabalho humano, atingindo diretamente assim o meio social. Constata-se que a
dinamização da propriedade acarreta a observância de certos limites e cumprimento de
determinados deveres, determinados pela funcionalização do instituto.
A propriedade sobre a qual os efeitos do prinpio da função social são refletidos
mais intensamente é justamente a propriedade dinâmica, dos bens de prodão. A função
social dos bens de produção em dinamismo constitui-se na função social da empresa.
Procurou-se demonstrar também que se os bens de produção são as fontes de
riqueza de uma sociedade. Sendo responsáveis pela produção de outros produtos, bens e
serviços de consumo, os bens de produção tornam-se desta forma, essenciais quando
inseridos em um processo produtivo, uma vez que numa cadeia de produção, a
115
interrupção das atividades de qualquer dos seus componentes pode atrapalhar todo o
sistema de produção.
A essencialidade dos bens de produção, uma vez considerada sua função social
abre a possibilidade de discutir-se sobre um tratamento diferenciado a esta categoria de
bens, de modo a privilegiar sua manutenção e integridade, mesmo em detrimento dos
interesses particulares dos credores.
Através de considerações sobre textos legislativos, verificou-se que refletem
dimensões da função social da empresa. O Código Civil, apesar de não recepcionar
expressamente a noção de função social da empresa, deu-lhe acolhida, como demonstra a
análise dos artigos 50 e 1.228, Parágrafo 1°. Da mesma forma o art. 421, que dispondo sobre
a função social do contrato, estende esta função à empresa, considerada como contrato
plurilateral.
Outras fontes legais essenciais para demonstrar a função social da empresa em
nosso ordenamento judico constituem-se na Lei das Sociedades Anônimas (Lei
6.404/76) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A primeira determina a
vinculação dos fins econômicos ao atendimento da função social e coloca
responsabilidades ao administrador de empresas e a segunda, ao proteger os
consumidores, ime às empresas deveres de proteção, favorecendo a coletividade.
A Lei 8.884/94 denota a existência da função social da empresas ao definir a
coletividade como titular dos bens que tutela. Por seu turno, a Lei dos Crimes
Ambientais tutela o meio ambiente, exigindo das empresas proteção do ambiente para o
efetivo cumprimento de sua função social. Já a Lei 11.101/05, ao dispor sobre a
recuperação da empresa, dispõe expressamente que um de seus objetivos é promover a
preservação da empresa e sua função social.
116
4 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
4.1
A
NÁLISE
C
RÍTICA DA
P
ROPRIEDADE
P
RIVADA NA
P
ÓS
-M
ODERNIDADE
Nessa fase da pesquisa, após acompanhar a evolução histórica do direito de
propriedade, verificar a constitucionalização e a incorporação da função social no direito
de propriedade no Estado Social e constatar a funcionalidade da empresa como atividade
ecomica organizada, torna-se necessária uma abordagem que permita a
contextualização dos princípios no quadro normativo brasileiro. O objetivo desta
pesquisa além de apontar a existência da função social no exercício da empresa privada,
é também verificar a hipótese da aplicão plena do prinpio da função social da
propriedade, previsto pelo artigo 170 da Constituição Federal, à atividade empresarial.
4.1.1 Os Princípios Jurídicos
Inicialmente torna-se necessário estabelecer o conceito de prinpio jurídico, em
seguida a correlação com os prinpios constitucionais, uma vez que esta pesquisa trata
especialmente sobre um deles, o da função social da propriedade.
Em sentido lato, o termo princípio indica icio, origem, sendo derivado do latim
principium. A palavra princípio tal qual se encontra na expressão princípios
fundamentais do Título I da Constituição Federal Brasileira, significa, na lição clássica
de Celso Antonio Bandeira de Mello:
Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear
de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se
irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esrito e servindo de
critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere a tônica e lhe dá sentido harnico. É o conhecimento dos
princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes
do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
165
165
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo.24ª ed. rev. atual. e amp. São
Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 451-452.
117
No mesmo sentido, Carlos Ary Sundfeld afirma que princípio jurídico é norma de
hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance destas, que não
podem contrariá-lo, sob pena de por em risco a globalidade do ordenamento judico.
Deve haver coerência entre os princípios e as regras, no sentido que vai daqueles para
estas. Por isso, conhecer os princípios do direito é condição essencial para aplicá-lo
corretamente. Aquele que só conhece as regras ignora a parcela mais importante do
direito - justamente a que faz delas um todo coerente, lógico e ordenado. Logo, aplica o
direito pela metade.
166
Para Paulo Bonavides “prinpio de direito é o pensamento diretivo que domina e
serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição, de
um código ou de um direito positivo.
167
Norberto Bobbio, perante a idéia conceitual dos princípios jurídicos, esclarece
que, distintos dos direitos constitucionais ou fundamentais, os prinpios jurídicos são
extraídos da natureza das coisas, seja da natureza da relação jurídica, seja do instituto,
seja da lei, seja do sistema, entendendo-se por natureza de uma coisa a função
ecomico-social.
168
No entender de Paulo Nader, o Direito está mais nos princípios que nas leis. É
que neles se acham concentradas as idéias diretoras dos sistemas judicos.
169
Ainda sob o raciocínio do autor, os princípios são tidos como fonte subsidiária
possibilitando ao jurista discernir sobre sua aplicabilidade, perante a observância à
coerência axiogica do direito. Na elaboração da lei, o legislador baseia-se nos
prinpios e o aplicador do direito por sua vez interpretará o direito objetivo conforme o
os princípios norteadores desta aplicação.
Os prinpios gerais de direito são os mandamentos que não foram ditados,
explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos no ordenamento
166
SUNDFELD, Carlos Ary. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p. 140.
167
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 228.
168
BOBBIO, Noberto, apud COSTA, Cassia C.P.M. A constitucionalização do direito de propriedade privada.
Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p.64
169
NADER, Paulo. Filosofia do direito. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 82-83.
118
jurídico. Não são resgatados fora do ordenamento jurídico, estão em seu interior.
Servem para determinar o modo pelo qual deverá enveredar o direito.
Os princípios existem, portanto, como instrumento oferecido ao legislador, ao
intérprete (os operadores do direito) e aos aplicadores (juízes) das espécies normativas
do ordenamento jurídico.
O legislador tem que levar em conta uma série de princípios que resultaram na
produção legislativa. O intérprete, dependendo da posição no caso concreto em que
trabalha, interpretará a norma com a valorização de alguns princípios, algumas vezes até
em detrimento de outros. Na atividade jurisdicional, deverá o magistrado observar a
norma cabível à demanda, mas para isso, há de pautar-se em princípios norteadores
dessa atividade de aplicação legal
A conceituação dos prinpios jurídicos, ou princípios gerais do direito é
diversificada na doutrina. Há quem os identifique como direito natural, como fonte, sem
normatividade jurídica, outros lhes atribuem normatividade na interpretação e aplicação
da lei, e existem ainda os que atribuem aos princípios, a função de orientar o legislador,
o operador e o aplicador das normas jurídicas.
A moderna hermenêutica jurídica indica que os princípios devem ser analisados
como categorias ou diretrizes destinadas a orientar o intérprete ou o aplicador da lei na
determinação semântica dos textos legais. Assim, os princípios deixaram de ser vistos
apenas como fonte de direito, passando a ser utilizados na importante tarefa de
solucionar conflitos entre regras, eliminar antinomias judicas e suprir lacunas
existentes no ordenamento.
O verdadeiro momento dos prinpios na experiência judica se verifica quando
da aplicação da norma. Os prinpios, ainda que formalmente não tenham uma descrição
detalhada como as leis, têm posição decisiva no sentido de nortear comportamentos e
tomadas de decisões, especialmente quando aplicáveis a casos de interesse coletivo.
Servem, pois, como fonte inspiradora aos legisladores, intérpretes e aplicadores das
normas jurídicas.
119
4.1.2 Os Princípios Constitucionais
A doutrina, em geral, costuma separar os prinpios gerais do direito dos
prinpios constitucionais ou fundamentais. Muitas vezes, os princípios gerais do direito
são tidos como gênero, que se subdivide em princípios gerais de direito e prinpios
constitucionais.
Os prinpios gerais de direito destinam-se a interpretação, conhecimento e
aplicação do direito positivo. Já os princípios constitucionais são resultantes da intenção
política do legislador constituinte e desta forma, não podem ser equiparados aos
prinpios gerais de direito, frutos da evolução histórica e consolidão da consciência
jurídica.
Confirmando este entendimento, José Diniz de Moraes afirma:
[...] aos princípios gerais de direito é atribuída a qualidade de
mecanismo necessário a interpretação, integração, conhecimento e
aplicação do direito positivo ou na falta de regras jurídicas especificas.
São eles fruto da consolidão progressiva da consciência jurídica que
ocorreu ao longo da evolução histórica do direito. Quanto aos
princípios constitucionais, diferenciam-se dos prinpios gerais de
direito por serem resultantes da intenção política do legislador
constituinte.
170
Sobre os princípios, Eros Roberto Grau afirma que o sistema que é o direito
compõe-se de prinpios explícitos, recolhidos no texto da Constituição ou da lei; os
prinpios impcitos, inferidos como resultado da analise de um ou mais preceitos
constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislão
infraconstitucional (Exemplos: o prinpio da motivação do ato administrativo, art. 93,
X da Constituição Federal; o princípio da imparcialidade do juiz, arts. 95, § único, e 5°,
XXXVII) e prinpios gerais de direito, também implícitos, coletados no direito
pressuposto, qual o da vedação do enriquecimento sem causa.
171
170
MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e a Constituição Federal de 1988. o Paulo:
Malheiros, 1999, p.59-60
171
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2005, p.157
120
Para esta pesquisa interessam os prinpios contemplados pela Constituição
Federal, especialmente para a interpretação e aplicação da ordem econômica. Dos
prinpios constitucionais emerge o fundamento formal e material para as demais
normas que compõem o sistema normativo.
A interpretação da ordem econômica na Constituição de 1988 é informada pela
ponderão dos princípios jurídicos explicitados e implícitos no texto constitucional. No
campo do direito ecomico, os prinpios constitucionais interferem diretamente no
ordenamento das atividades econômicas e empresariais, ora regulando suas ações, ora
representando garantias para a efetivação de seus objetivos.
Todas as leis ou atos normativos devem acatar os padrões estabelecidos pelos
prinpios constitucionais. Além disso, parece válido afirmar que o estudo dos princípios
constitucionais ultrapassa o campo jurídico, refletindo igualmente uma natureza política,
ideológica e social.
Sobre a ideologia constitucional, Eros Roberto Grau tem o seguinte
entendimento:
O direito- e, muito especialmente, a Constituição- é não apenas
ideologia, mas tamm nível no qual se opera a cristalizão de
mensagens ideogicas. Por isso, as soluções que cogitamos somente
poderão ser tidas como corretas quando e se adequadas e coerentes com
a ideologia constitucionalmente adotada.
172
A ideologia, contida na Constituição Federal, vincula o intérprete, e não permite
a opção por conceões ideológicas diferentes. O direito positivo está condicionado à
ideologia constitucionalmente adotada.
É preciso lembrar também que o direito existe em função da sociedade e não a
sociedade em função dele. Assim, o direito tem que espelhar a realidade social,
representada pelo momento presente, hostilizando a interpretação judica estática, ou
apenas baseada na vontade do legislador.
172
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2005, p. 168-169.
121
A aplicação do direito, interpretado conforme os prinpios constitucionais,
constitui-se num processo de connua adaptão de suas normas à realidade e seus
conflitos. É a vida, a realidade que confere vida ao direito e à Constituição Federal.
Uma vez que se entende que a “Constituição é um dinamismo
173
, é valido
afirmar que o significado dos princípios além de ser variável no tempo e no espaço
pode, também, apresentar variações históricas e culturais.
Paulo Bonavides divide a evolução dos princípios jurídicos em três fases: a
primeira, jusnaturalista, atriba aos princípios um caráter axiomático jurídico, em que
as verdades emanavam da justiça divina e humana; a segunda, juspositivista, onde
prinpios eram posicionados teoricamente como fontes subsidiárias dos ditames legais e
a fase subseente, a do pós-positivismo, aceita nos dias atuais, em que os prinpios
são tidos como normas judicas vinculantes, cogentes e dotadas de eficácia positiva e
negativa.
174
Analisando esta evolução dos prinpios jurídicos, verifica-se que sua eficácia
normativa nem sempre foi reconhecida. Apenas com a superação do jusnaturalismo e do
positivismo, os prinpios materializam-se no pós-positivismo e o abrigados pela
Constituição Federal. Atualmente os princípios jurídicos possuem normatividade,
conforme dispõe Ruy Samuel Espíndola:
No pensamento judico contemporâneo, existe uma unanimidade em se
reconhecer aos prinpios jurídicos o status conceitual e positivo de
norma de direito, de norma jurídica. Para este núcleo de pensamento, os
princípios têm positividade, vinculatividade, são normas,obrigam, têm
eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados
bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, como
as regras e outros princípios derivados de generalizações mais
abstratas.
175
Conforme o exposto verifica-se que os prinpios jurídicos, tanto os expcitos,
positivados pela Constituição, como os impcitos, abstraídos do ordenamento judico,
173
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2005, p. 168.
174
Idem, Ibidem, p. 237-238.
175
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação
dogmática constitucionalmente adequada. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p. 60.
122
norteiam todo o sistema normativo. Sua efetiva normatividade realiza de forma plena os
imperativos da segurança jurídica. Os princípioso normas jurídicas vinculantes, que
consubstanciam a própria idéia do direito, além de orientar a interpretação e a aplicão
de toda e qualquer norma.
4.1.3 Princípios, Normas e Valores
Normas jurídicas, no dizer de José Afonso da Silva são preceitos que tutelam
situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem por um lado, às
pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou
exigindo ação ou abstenção de outrem e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades
à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção
em favor de outrem.
176
Prinpios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são,
como observa J. J. Gomes Canotilho
177
, “núcleos de condensações nos quais confluem
valores e bens constitucionais. Os prinpios, que começam por ser a base de normas
jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-
prinpio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.
Sobre a análise dos princípios jurídicos, Eros Roberto Grau se vale dos subsídios
de Ronald Dworkin:
[...] Dworkin observa que, em determinados casos, sobretudo nos casos
dificultosos, quando os profissionais do direito arrazoam ou disputam
sobre direitos e obrigões legais, fazem uso de pautas (standars) que
não funcionam como regras, mas operam de modo diverso, como
princípios, diretrizes (policies) ou outra espécie de pauta. Proem-se,
eno, a usar o vocábulo princípio genericamente, para referir, em
conjunto, aquelas pautas que não são regras, em outras ocasiões, no
entanto, adverte, é mais preciso, distinguindo entre prinpios e
diretrizes.
178
176
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 2ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 95.
177
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 172.
178
DWORKIN, Ronald, apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 158
123
Neste entendimento, diretrizes são as pautas que estabelecem objetivos a serem
alcançados, que se referem normalmente a algum aspecto potico, econômico ou social,
ainda que alguns objetivos sejam negativos, quando definem que alguns aspectos devem
ser protegidos contra alterações adversas. Por outro lado, os princípios constituem as
pautas que devem ser observadas, porque correspondem a um imperativo de justiça, de
honestidade ou de outra dimensão da moral.
Há, no entanto, na doutrina, quem concebe regras e prinpios como espécies de
normas, de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre
duas espécies de normas.
Prinpios são aqueles que de uma forma ou de outra estão implícita ou
explicitamente demonstrados na decisão que foi tomada pelo legislador, inrprete ou
aplicador da norma positivada. Os princípios servem para determinar o modo pelo qual
deve enveredar o direito.
Os prinpios têm valor explícito e seu valor axiológico é muito mais claro do
que o existente nas regras. Esta é a base para uma distinção entre regras e prinpios. As
regras concretizam as idéias e os valores expressos pelos princípios.
A doutrina apresenta vários critérios para distinguir prinpios e regras. Para J. J.
Gomes Canotilho
179
, os critérios utilizados podem ser o grau de abstração, grau de
determinabilidade, proximidade da idéia de direito e principalmente o caráter de
fundamentabilidade que representam no sistema de fontes de Direito.
Objetivando um melhor entendimento, pode-se afirmar que os princípios
jurídicos se apresentam como normas jurídicas com grau de generalidade alto,
especialmente devido à ausência de descrições de fato em sua formulação, enquanto as
regras, ocupando-se de descrições fáticas e conseências judicas, possuem um menor
grau de generalidade.
179
CANOTILHO, J. J. Gomes, apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.166
124
A compreensão desta questão - distião entre normas e princípios - não tem um
entendimento unânime na doutrina. Para esta pesquisa, nos moldes apresentados acima,
normas judicas são aqueles preceitos, que tutelando situações subjetivas, reconhecem
às pessoas ou entidades a possibilidade de realizarem seus interesses, ligando-os
conseentemente também a outras pessoas ou entidades.
No âmbito da ordem jurídica a norma pode estar representada por dois tipos
básicos: as regras, procurando estabelecer previsão de condutas ou situações
determinadas e os princípios, responsáveis por positivar juridicamente certos valores
fundamentais e dominantes na comunidade.
Quanto à sua aplicação, pode-se afirmar que o princípio é hierarquicamente
superior à regra, já que além de se aplicar a todas as relões jurídicas, possui também
uma função estrutural e hermenêutica dentro do ordenamento judico.
Mas são os valores, intrinsecamente ligados à formação do princípio enquanto
norma jurídica, que lhe conferem legitimidade para este posicionamento hierárquico e
estrutural. Os valores serão considerados aqui como um dos principais elementos
formadores das normas judicas.
Segundo Luiz Roberto Barroso:
Os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores
principais da ordem jurídica. A Constituição [...]é um sistema de
normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras que se
justapõem ou que se superem. A iia de sistema funda-se na de
harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica
existem valores superiores e diretrizes fundamentais que costuram suas
diferenças partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as
premissas sicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo
sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem
percorridos.
180
A Constituição Federal Brasileira materializou essa importância dos prinpios ao
afirmar em seu Art. 5°, LXXVIII, Parágrafo 2° que os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
180
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades
da Constituição brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 285.
125
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
Os princípios constituem-se, portanto, no critério com que se estimam os
conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada. Ora, sendo a
Constituição um sistema de regras e princípios que resulta do consenso social sobre os
valores básicos, e considerando mais, que os prinpios fundamentam as regras, parece
bastante fácil compreender que os princípios estão no ponto mais alto da pirâmide
normativa.
Nas palavras de Paulo Bonavides, “são qualitativamente a viga mestra do
sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das
regras de uma constituição.
181
O Supremo Tribunal Federal vem captando a dimensão funcional dos princípios,
conforme se observa no voto do Ministro Celso de Mello, proferido na PET -1458/CE :
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se
como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses
valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são,
um papel subordinante na própria configurão dos direitos individuais
ou coletivos - introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e
rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relões, sempre
tão estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder. Dessa
forma, as normas que se contraponham aos núcleos de erradião
normativa assentados nos princípios constitucionais, perderão sua
validade (no caso da eficácia diretiva) e/ou sua vigência (na hipótese de
eficácia derrogatória), em face de contraste normativo com normas de
estao constitucional.
182
A despeito da dimensão do sentido da palavra prinpios, torna-se importante
destacar que no pós positivismo, os prinpios judicos, sob qualquer ângulo, do jurista
ou operador do direito, se caracterizam por possuírem um grau máximo de juridicidade,
vale dizer, uma normatividade potencializada e predominante.
181
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 358
182
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. PET-1458/CE . Voto Min. Celso de Mello. Brasília, 26 de fevereiro
de 1998. Diário da Justiça. [Brasília, DF], 04 mar. 1998. Disponível em:
http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.asp. Acesso em: 21 mar. 2008.
126
Confirmando a fundamental característica normativa dos princípios, a afirmação
de Paulo Bonavides:
Princípio é, com efeito, toda norma judica, enquanto considerada
como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a
pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito
em dirões mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e,
portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas
efetivamente postas, sejam, ao contrio, apenas deduveis do
respectivo prinpio geral que as contém.
183
Constata-se que os princípios constitucionais são normas de direito e mais,
normas constitucionais dotadas de efetiva juridicidade, como se pretende confirmar com
a análise de suas principais características.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os prinpios estão no topo de
todo ordenamento jurídico e representam uma fonte primária do Direito, e sob sua luz
todas as demais normas devem ser interpretadas.
A função social da propriedade privada, objeto desta pesquisa, é configurada
como princípio, constituindo-se em norma fundamental de aplicabilidade imediata,
dotada de plena eficia. Sua inserção no corpo constitucional faz com que a
propriedade, em todas as suas modalidades, assegure a realização dos valores
inspiradores do ordenamento jurídico.
Nesta seara, como princípio constitucional, o princípio da função social da
propriedade, exige do intérprete, para sua aplicação, a integração com todo o sistema
constitucional e paralelamente com o Código Civil, que é o ponto nuclear de todo o
ordenamento privado.
4.1.4 Natureza e Características dos Princípios Constitucionais
Para o entendimento da natureza jurídica dos princípios constitucionais, é preciso
considerar que por serem núcleos valorativos que aliceam o sistema jurídico,
183
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.238.
127
evidenciam opções ideológicas, poticas e sociais, que vão dar fundamentação
axiológica, ética e social à concretização o direito. Portanto, o se pode negar a eles
natureza normativa.
Discorrendo sobre a natureza dos princípios constitucionais Carmem Lucia Rocha
Antunes salienta que:
Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do
sistema jurídico normativo fundamental de um Estado. Dotados de
originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que
formam o ordenamento jurídico constitucional, os valores firmados pela
sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo
constituinte sedimentam-se nas normas, tornando-se então, pilares que
informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no
Estado. o eles, assim, as colunas mestras da grande construção do
Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional. [...]
As decisões poticas e jurídicas contidas no ordenamento constitucional
obedecem a diretrizes compreendidas na principiologia informadora, no
sistema de Direito estabelecido pela sociedade organizada em Estado.
184
Os valores fundamentais de uma ordem jurídica constitucional estão
representados pelos Princípios Jurídicos constantes na Constituição, sobretudo por que
representam normas que são aplicáveis a todo o mundo judico, como bem analisa
Paulo Bonavides:
Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmo, sendo
norma, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento.
Servindo de pautas ou critérios por excelência, para a avaliação de
todos os conteúdos normativos, os princípios, desde a sua
constitucionalizão, que é ao mesmo tempo positivação no seu mais
alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria
constitucional, rodeada do prestigio e da hegemonia que se confere às
normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os
princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja,
norma das normas.
185
Dos princípios constitucionais é que emerge o fundamento formal e material para
as demais regras que compõem o sistema normativo, garantindo, assim, uma melhor
interação e equilíbrio entre as normas e os valores que lhe são intnsecos.
184
ROCHA, Carmem Lucia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del
Rey, 1994, p. 25-26.
185
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.289
128
Referidos prinpios desempenham também, uma função de organização
sistetica do ordenamento judico. Todas as leis, decretos e atos normativos devem
obedecer e acatar os mais altos padrões normativos, representados pelos princípios
constitucionais. E isso ocorre em todos os ramos do direito, seja penal, civil, trabalhista,
previdenciário, processual, ou qualquer outro.
Os princípios constitucionais apresentam características pprias que os
distinguem das demais normas constitucionais. Discorrendo sobre as características que
individualizam e definem a natureza dos prinpios constitucionais, a atual ministra do
Supremo Tribunal Federal, Carmen Lucia Antunes Rocha
186
enumera algumas
características que os distinguem das demais normas constitucionais e apresenta
classificação, a seguir detalhada.
Generalidade, para a autora, significa que os princípios constitucionais não
indicam de forma específica as hiteses de regulação jurídica, possibilitando o
desenvolvimento de seus conteúdos normativos de acordo com as aspirações sociais. A
característica da primariedade é decorrente de que os prinpios posicionam-se em
primariedade perante as demais fontes normativas.
Os princípios constitucionais têm dimensão axiológica, na medida em que são
dotados de valores éticos, que não os consagram como verdades absolutas, uma vez que
estão sujeitos às mutações sociais. Por objetividade entende-se os que os prinpios
constitucionais têm substância jurídica própria, muito embora a generalidade do seu
conteúdo. Sua explicitação é tarefa do aplicador das normas nas quais eles se contêm..
A característica da transcendência decorre de que seus contdos transcendem os
significados literais, densificando-se em conceitos e opiniões constitucionalmente
adequadas e a atualidade significa que os princípios devem estar sintonizados com as
bases normativas e o ideário vivenciado em dado momento, processando-se sua
atualização pela força interpretativa do texto e do contexto.
186
As características dos princípios constitucionais aqui descritas foram sistematizadas por Carmem Rocha
demonstrando a peculiariedade dos princípios enquanto norma de direito e norma constitucional : generalidade,
primariedade, dimensão axiológica, objetividade, transcendência, poliformia, vinculabilidade, aderência,
informatividade, complementariedade e normatividade jurídica. In ROCHA, Carmem Lucia Antunes. Princípios
constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 29-43
129
A poliformia é característica que possibilita a multiplicidade de sentidos,
permitindo a mudança de sentido dos textos para atender às novas exigências sociais
sem necessidade de alteração de seus enunciados. Por sua vez, a característica da
vinculabilidade deve-se ao fato de que os princípios o vinculantes e vinculados:
vinculantes porque o normas jurídicas impositivas, coercitivas e imperativas;
vinculados porque nenhum princípio deve ser considerado isolado ou auto-suficiente,
estando, portanto, vinculados entre si.
A autora em enfoque considera que a característica da aderência impele toda
espécie normativa estatal ou particular a aderir à ideologia principiológica
constitucional, sendo inválidas as normas do Estado ou da sociedade que destoaram do
conteúdo do princípio. A informatividade denota que os princípios são informativos de
todo o sistema jurídico, e desse modo constituem fonte de todas as ordenações.
A característica da complementaridade decorre de que os princípios são
condicionantes uns dos outros, sendo o entendimento de um decorrente do entendimento
dos demais, tudo dependendo do entrosamento entre eles, conduzindo a uma conjugação
e coordenação de todos os prinpios. Por fim, a normatividade jurídica, significando
que os princípios têm qualidade de norma de direito, de juridicidade.
Destas características, resulta que, além das funções interpretativa e normativa
subsidiária, atribuídas doutrinariamente aos prinpios constitucionais, eles têm função
normativa própria, são dotados de aplicabilidade e eficácia, servindo à regulação de
casos concretos. Fica evidenciada, de modo amplo, a natureza peculiar dos princípios
constitucionais, como norma constitucional dotada de efetiva juridicidade.
4.2
O
S
P
RINCÍPIOS
C
ONSTITUCIONAIS DA
O
RDEM
E
CONÔMICA
Após a análise empreendida sobre os princípios constitucionais, parecelido
afirmar que seu alcance vai além do campo jurídico, refletindo uma natureza política,
ideológica, social e econômica.
130
No campo do direito econômico os princípios constitucionais interferem
diretamente no ordenamento das atividades econômicas e empresariais, ora regulando e
permitindo suas ações, ora apresentando garantias para a efetivação de seus objetivos.
Seguindo o racionio de que o Direito se deixa evidenciar diante de uma
realidade fático-normativa, segundo valores que se hierarquizam e escalonam num
sentido de justiça; ao conjunto normativo positivado no texto constitucional que
interfere na atividade econômica tem sido atribuída a designação constituição
ecomica.
Tirante o fato que a expressão não é pacificamente aceita, Lafayete Josué Petter,
entende por constituição ecomica, o conjunto de normas constitucionais que,
exclusivamente ou não, regulam fatos que repercutem no modo de ser econômico da
sociedade. É a regulão jurídica da Economia, no sentido mais amplo que esta
afirmativa comporta.
187
O sistema econômico, no ordenamento jurídico brasileiro, está
constitucionalizado nos Arts. 170 a 190, separados distintamente em quatro capítulos,
sendo que nesta pesquisa analisa-se o Capitulo I- Dos prinpios gerais da atividade
ecomica.
Se considerado o conjunto de normas garantidoras da atividade econômica e seus
elementos substanciais definidos em nossa Constituição, evidencia-se a existência de
uma Constituição econômica formal como pertencente ao corpo constitucional político e
não uma Carta autônoma paralela. D a terminologia Constituição Econômica Formal
utilizada por José Afonso da Silva, que justifica:
[...] como objeto do Direito Constitucional positivo, consiste o num
conceito autônomo de Constituão ao lado da Constituão política,
mas, sim, no conjunto de normas desta que garantindo os elementos
definidores de um determinado sistema econômico estabelece os
princípios fundamentais de determinada forma de organização e
funcionamento da economia.
188
187
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2005, p. 149.
188
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 722.
131
A Constituição Federal declara que a ordem econômica é fundada na valorização
do trabalho humano e na iniciativa privada. Em primeiro lugar isto quer dizer que
consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é
um prinpio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora
capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre
todos os valores da economia de mercado.
Priorizando o trabalho humano e a iniciativa privada, fundamentos da República
Federativa do Brasil (Art. 1°, IV) protege-se, como conseqüência, a propriedade privada
e a função social da propriedade. Por meio da intervenção estatal ao domínio
ecomico ficam assegurados os direitos econômicos, em prol de uma existência digna
para todos.
A finalidade da ordem econômica, qualquer que seja a exegese que se faça da
normatividade da atividade ecomica é sempre a de proporcionar uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social. Assim é, que antes de, e acima de tudo, busca-se,
correta e incessantemente, dar efetiva e concreta vincia ao prinpio constitucional da
dignidade da pessoa humana.
Daí não guardarem adequação ao ideal de justiça, formas de desenvolvimento que
sejam medidas exclusivamente em função do crescimento econômico, uma vez que o
verdadeiro desenvolvimento há de significar a transposição de melhores condições de
vida para todos, realizando a justiça social.
Fica fácil entender a assertiva de Cristiane Derani que afirma:
O Direito Econômico como tradão do que de expresso ou latente
numa sociedade, não desenrola uma rota sem conflitos. Ao espelhar as
diferenças e divergências sociais ao mesmo tempo em que incorpora seu
papel político de objetivar o bem comum da sociedade, transita pela s
mais distintas esferas do relacionamento social. Assim, justifica-se, e
mais, torna-se imprescindível esta dupla dimensão do direito
econômico: garantidor da iniciativa econômica privada e implementador
do bem-estar social.
189
189
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 70.
132
Afastando-se do pensamento econômico, sem preterir sua importância, dar-se-á
amplitude à interpretação do exercio da função social da propriedade em geral, tendo
em vista que esta função constitui-se num princípio constitucional inerente à
propriedade privada.
Seu contdo e extensão, já analisados nesta pesquisa, devem ser funcionalizados
de maneira que a harmonia entre a natureza do bem e sua utilização de acordo com os
fins legítimos da sociedade, atinja a promoção dos valores fundamentais previsto na
Constituição Federal.
Constata-se que a Constituição recepciona preceitos jurídicos que efetivamente
integram-se ao texto constitucional, passando a definir o sistema e a ordem econômica,
bem como seus princípios informadores.
4.3
O
A
RTIGO
170
DA
C
ONSTITUIÇÃO
F
EDERAL
As disposições contidas no título da ordem econômica indicam a opção por um
modelo capitalista de produção, numa economia de mercado, onde os agentes
ecomicos atuam livremente.
No entanto, o capitalismo atual é marcado por diferentes graus de
intervencionismo estatal, como demonstra Josué Lafayete Peter:
Os limites da atuação interventiva do Estado, portanto, constituem parte
essencial do estudo dedicado ao regramento judico da economia.
que se rememorar que a partir da Revolução Industrial, no século XIX,
caracterizada pela crescente concentração de capital e pelo aguçamento
das desigualdades sociais, é que esta ação interventiva se potencializou,
no intuito de corrigir as disfuncionalidades naturais que a ordem
evolutiva espontânea da econômica faz surgir no cenário econômico
real do nascente capitalismo. A historia e, portanto reveladora de uma
primeira idéia: a de que a presença estatal-normativa e, portanto
exetica- haverá de ser graduada em sintonia e proporção às injustiças
e abusos de toda ordem identificados na realidade socioecomica.
190
190
PETER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.186-187
133
No Art. 170 da Constituição Federal encontram-se princípios que brotam do
espontâneo movimento de nossa realidade, como a livre iniciativa e a propriedade, e
outros que somente podem se concretizar com a interferência estatal, como a função
social e a redução das desigualdades sociais.
Mas estes prinpios não podem ser considerados isoladamente, pois
individualmente podem sinalizar situações opostas. Somente seu entendimento como
um todo é que permitem estabelecer o real alcance de seu sentido.
Por ser o ordenamento jurídico formado e conformado pela realidade, temas que
aparentemente se revelam contraditórios no texto normativo, como liberdade e restrição,
individualismo e coletivismo, igualdade e diferença, devem ser compreendidos não
como apresentando um antagonismo, mas conformando uma polaridade estrutural, posto
que a existência simultânea desses opostos é inerente ao mundo da vida e estão
essencialmente ligados entre si.
191
As bases constitucionais do sistema econômico encontram-se principalmente nos
Arts.170 a 192, mas não apenas neles. Afirma Eros Roberto Grau:
Encontramos inúmeras disposições que operam a institucionalizão da
ordem ecomica (mundo do ser) que não se encontram englobadas no
chamado Título da Ordem Econômica e Financeira. Assim, como
aquelas inscritas nos artigos. 1° e 3°, em inúmeros artigos do Título da
Ordem Social, especialmente o 8° e 9°.
192
Neste aspecto a Constituição tem que ser entendida como um conjunto de
normas, que garantindo os elementos definidores de um determinado sistema
ecomico, estabelece os princípios fundamentais de determinada forma de organização
e funcionamento da economia e constitui por isso mesmo, uma determinada ordem
ecomica.
193
191
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 48.
192
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2005. p.88.
193
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 1ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.p. 765.
134
Para este estudo, dentre os princípios constitucionais da ordem econômica
relacionados no Art.170 da Constituão Federal
194
, importa especificamente a análise
do reflexo do princípio da fuão social da propriedade privada estabelecido no inciso
III, como um dos princípios gerais da ordem econômica.
Este prinpio será interpretado como um dos fundamentos de toda ordem
ecomica, sem as possíveis restrições que uma análise deles como normas meramente
informadoras do sistema poderia trazer.
4.3.1 O Prinpio da Propriedade Privada
A noção de propriedade, conquista inderrogável de um processo evolutivo
secular, no dizer de Gustavo Tepedino
195
, cujo itinerio não seria nem oportuno nem
posvel retomar, corrobora a rejeição, há muito intuitivamente proclamada, da
propriedade como noção abstrata. Chega-se por este caminho, à configuração da noção
pluralista do instituto, de acordo com a disciplina judica que regula, no ordenamento
positivo, cada estatuto proprierio.
E continua explicando o autor:
A construção, fundamental para a compreensão das inúmeras
modalidades contemporâneas de propriedade, serve de moldura para
uma posterior elaboração doutrinária, que entrevê na propriedade não
mais uma situão de poder, por si só e abstratamente considerada, o
direito subjetivo por excelência, mas una situazione giuridica
soggettiva pica e complessa”, necessariamente em conflito ou coligada
com outras, que encontra a legitimidade na concreta relação judica na
qual se insere.
196
194
Art. 170 da Constituição Federal - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre
concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das desigualdades
regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de
capital nacional de pequeno porte. IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o
livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.
195
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de Direito Civil. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 278-279.
196
TEPEDINO, Gustavo. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil, V. 132.
São Paulo: Malheiros, 2003, p. 279.
135
Esta tese oferece suporte teórico para a correta interpretação da função social da
propriedade, que terá necessariamente uma configuração flexível, modificando-se de
estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais.
A propriedade privada e sua função social estão previstas constitucionalmente
como princípios da ordem econômica. Isto quer dizer que, embora prevista entre os
direitos individuais ela não poderá mais ser considerada puro direito individual,
relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os prinpios da ordem
ecomica são preordenados à vista da realização de seu fim, que é assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Assim sendo, a propriedade
privada, que ademais tem que atender à sua função social, fica vinculada à consecução
daquele fim.
197
A propriedade privada está prevista na Constituição Federal como direito
individual (Art. 5°, XXII), vinculada ao cumprimento de sua função social (Art. 5°,
XXIII). A função social da propriedade está contida no Art. 170, inciso III, como um
dos princípios da ordem ecomica e financeira. Com essa prescrição, a função social da
propriedade caracterizou-se como condicionante à atividade econômica, com a
finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Uma decisão central em toda Constituição, diz respeito ao modo como a
propriedade é regulada. Na Constituão Federal de 1988, pela sua estrutura complexa,
a propriedade é um direito subjetivo pela ótica do proprietário, mas é também uma
situação jurídica complexa pela conjugação direito-dever. Nesse contexto é preciso
determinar o modo de exercício e os poderes associados à situação proprietária,
elucidando de forma mais precisa, o real conteúdo e a elasticidade deste donio.
O conceito clássico de propriedade não admitia limitações, mas o interesse
individual, a garantia da propriedade privada, não pode ser tomada num sentido
independente do sentido coletivo, dos interesses da sociedade, uma vez que a concepção
constitucional é o homem inserido no contexto social.
197
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
p. 786.
136
O direito de propriedade mudou muito, e hoje no sistema normativo vigente, o
é mais possível conceituar e disciplinar a propriedade de modo apartado de sua função
social, que atinge a essência do direito de propriedade.
A função social da propriedade tem como objetivo promover os valores
constitucionais fundamentais, como informa Fabio Konder Comparato:
Escusa insistir no fato de que os direitos fundamentais protegem a
dignidade da pessoa humana e representam a contraposição da justa
ao poder, em qualquer de suas espécies. Quando a propriedade não se
apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana,
mas, bem ao contrario, serve de instrumento ao exercio do poder
sobre outrem, seria rematado absurdo que se lhe reconhecesse o estatuto
de direito humano, com todas as garantias inerentes a essa condição.
198
A propriedade funcionalizada ao atendimento de um fim social confere uma nova
significação e conteúdo ao direito de propriedade, que confere sim o uso, gozo e
disposição do bem pelo proprietário, mas sem perder de vista os interesses sociais
potencializados pela funcionalidade que integra o exercio deste direito.
A evolução na compreensão do instituto jurídico da propriedade leva ao
entendimento que a propriedade individual deixa de ser um direito do indivíduo para
converter-se numa função social, operando-se uma interdependência entre os elementos
da estrutura social.
Estando a propriedade privada assegurada em paralelo à sua função social, exige-
se do titular do domínio, a realização de um fim social. Se o titular do direito não utiliza
as faculdades inerentes ao donio para extrair do bem os frutos que produz ou tem
capacidade para produzir, estará sujeito às cominações legalmente estabelecidas.
O conceito atual de propriedade advém dos dois princípios que concorrem na sua
construção. O prinpio da garantia da propriedade privada e seu livre exercio, que traz
em seu bojo valores individualistas, e o prinpio da função social da propriedade, de
valor pluralista, que fazendo contraponto ao anterior, relativiza o individualismo pelo
198
COMPARATO, Fabio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Disponível em:
<http:www.dhnet.org.bre/direitos/militantes/comparato/comparatol.html>. Acesso em: 11 out. 2007.
137
interesse público e social. Desse entendimento, decorre que a propriedade não atende
seu fim social quando sua destinação é incompatível com o interesse coletivo.
Alcança-se assim a repersonalização do estatuto proprietário, pois o prinpio da
propriedade e da função social advém ao sistema judico informados pelo princípio da
dignidade da pessoa humana. Qualquer hierarquização axiológica que dê primazia ao
patrimônio, ao invés da pessoa humana, resulta em quebra do sistema jurídico.
A propriedade não funcionalizada sofre intervenção estatal pela via jurisdicional
ou administrativa. Não merece tutela a propriedade que não atende a função social, uma
vez que o interesse individual sucumbe ante o interesse publico. Cabe intervenção
estatal em prol da funcionalização, donde se pode afirmar que a propriedade constitui
um direito e um encargo.
O instituto da desapropriação é um mecanismo importante na busca da efetivação
do prinpio da função social da propriedade. Descumprida pelo proprietário sua
obrigação perante a coletividade, cabe a desapropriação. Referindo-se ao cumprimento
da função social da propriedade, interessa a esta pesquisa a desapropriação com fulcro
no interesse social.
Os fundamentos constitucionais para a desapropriação por interesse social
constam do Art. 5, XXIV, que trata do poder geral de desapropriar
199
, do Art. 182, que
trata da propriedade urbana descumpridora dos requisitos da função social, previstos no
Plano Diretor
200
e o Art. 184, que dispõe sobre a desapropriação para fins de reforma
agrária, que recai sobre a propriedade rural
201
.
199
Art. -XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição.
200
Art. 182.da Constituição Federal. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 4º - É facultado ao Poder Público
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: III-desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais
201
Art. 184.da Constituição Federal. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em
138
A desapropriação-sanção, ou seja, aquela em que a indenização pela perda da
propriedade é efetivada com o pagamento em títulos, incide, obrigatoriamente, sobre a
propriedade descumpridora da função social. Nesses casos, a intervenção estatal funciona
como punição pela inobservância de preceito constitucional.
4.3.2 Função Individual e Função Social da Propriedade
A propriedade dos bens de consumo e de uso pessoal (roupas, alimentos,
moradia) é essencialmente destinada à apropriação privada, pois necessários à própria
existência digna das pessoas, ou seja, satisfação de necessidades primárias, que se
destinam à manutenção da vida humana. Justifica-se até a intervenção do Estado no
domínio de sua distribuição, de modo a propiciar a realizão ampla de sua função
social.
Observa Fabio Konder Comparato:
[...] a propriedade sempre foi justificada como modo de proteger o
indiduo e sua falia contra as necessidades materiais, ou seja, como
forma de prover à sua própria subsistência. Acontece que na civilização
contemponea, a propriedade privada deixa de ser o único, senão o
melhor meio de garantia da subsistência individual ou familiar. Em seu
lugar aparecem sempre mais, a garantia de emprego e salário justo e as
prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a evidência
contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a
habitação, o transporte e o lazer.
202
Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar - portanto
a dignidade da pessoa humana - a propriedade é um direito individual e, sem dúvida,
cumpre função individual. A essa propriedade não é imputável função social, apenas os
abusos cometidos no seu exercício encontram limitação, no poder de polícia estatal.
Esta idéia de propriedade como direito humano, como um direito à aquisição de
bens indispensáveis à sobrevivência de cada pessoa e de sua família, segundo os
títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
202
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo:Saraiva, 1995, p.30
139
parâmetros da dignidade aferíveis nas circunstâncias fáticas e históricas, por natureza,
mutáveis no tempo e no espaço, há de ser reconhecida, por exemplo, no direito
fundamental à pequena propriedade rural, previsto no inciso XXVI do art. 5° da
Constituição Federal, que dispõe que a pequena propriedade rural, assim definida em lei,
desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos
decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre meios de financiar o seu
desenvolvimento.
O mesmo ocorre com o usucapião constitucional urbano, previsto no Art. 183 da
Constituição Federal
203
, que confere a propriedade àquele que utilizar o bem como
moradia; e o usucapião constitucional rural, previsto no Art. 191
204
, que confere a
propriedade àqueles que nela labutam e têm sua moradia, são exemplos da proximidade
existente entre o direito de propriedade e os direitos humanos.
Os bens de produção, entretanto, não desfrutam de um espaço assim tão
individualizado, como confirma a lição de Lafayete Josué Petter:
A propriedade dos bens de produção redunda em poder sobre os bens
que também se projeta e se exercita sobre homens. Não é por outra
rao que a propriedade privada sobre os bens de produção - à qual dá
suporte decisivo a livre iniciativa empresarial, configuradora, por
excelência, da atividade ecomica, consoante o modelo constitucional
(art.1°, III, 170, II, e 172, caput) - está funcionalizada à meta de
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social (art. 170, caput) e não, meramente, à acumulação da riqueza, e à
apropriação individual do lucro, pelo empresário.
205
Bens de produção, também chamados capital instrumental, são os que se aplicam
na produção de outros bens ou rendas, como as ferramentas, máquinas, fábricas, navios,
203
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão
de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil § 2º Esse direito
não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.
204
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinqüenta hectares, tornando-a produtiva
por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua
moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os
imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
205
PETER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o alcance do Art.
170 da Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.207-208
140
estradas, matérias primas, terra e imóveis destinados à produção de renda. Estes bens
não são consumidos, são utilizados para a geração de outros ou de rendas.
Este sistema de apropriação privada tende a organizar-se em empresas, sujeitas
aos princípios da função social. Nosso sistema é o da propriedade privada dos meios de
produção, dentro de uma ordem social intensamente preocupada com a justiça social e
dignidade da pessoa humana.
A moderna legislação ecomica considera a disciplina da propriedade como
elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros
interesses que concorrem com aqueles do proprietário e, de modo diverso, condicionam
e por ele são condicionados.
Esse novo tratamento normativo diz respeito aos bens de produção, uma vez que,
o ciclo de propriedade dos bens de consumo se esgota na sua própria fruão.
O princípio da função social da propriedade substancia-se precisamente quando
aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da
propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação.
A propriedade sobre a qual os efeitos do prinpio são refletidos com maior grau
de intensidade é justamente a propriedade, em dinamismo, dos bens de produção. Na
verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo,
estamos a aludir à função social da empresa.
A função social, não incide, no entanto, apenas sobre os bens de produção,
afetando também a propriedade que excede aquilo que se caracteriza como propriedade
com função individual. Entende-se como excedente deste padrão especialmente a
propriedade com fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso que se
destina.
A propriedade individual se justifica na garantia de que possa o indiduo prover
sua subsistência e de sua família. Já a propriedade dotada de função social é justificada
pelos seus fins, seus serviços e sua função.
141
4.4
O
P
RINCÍPIO DA
F
UNÇÃO
S
OCIAL DA
P
ROPRIEDADE E DA
E
MPRESA
A palavra função origina-se do latim functio, de fungor (functus sem, fungi) cujo
significado é de cumprir algo, desempenhar um dever ou uma tarefa, ou seja, cumprir
uma finalidade, funcionalização. Para Fabio Konder Comparato a noção de fuão:
[...] representa um poder, a saber, o poder de dar ao objeto de sua
propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo, sendo
que tal o adjetivo social mostra que tal objetivo deve corresponder ao
interesse coletivo no sentido de sua harmonização com o interesse
individual.
206
Na análise institucional do direito usa-se o termo função para designar a
finalidade legal de um instituto jurídico, ou seja, o bem ou valor em razão do qual
existe, segundo a lei, um conjunto estruturado de normas.
Mas a função jurídica pode também ser tomada, num sentido mais abstrato, como
atividade dirigida a um fim e comportando de parte do sujeito agente, um poder ou
competência. Atividade, em direito, designa sempre uma série de atos unificados em
razão do mesmo objetivo global. A atividade empresarial é exemplo dessa atividade.
Essa função, essa atividade desenvolvida pelo titular do poder constitui-se num
poder-dever, qual seja, o dever de fazer ou cumprir os limites estabelecidos pela norma
ou lei, tendo como escopo, não o próprio interesse do titular do poder, mas sim um
interesse alheio. No sentido desse poder-dever é que hoje se entende o direito como um
sistema aberto, em constante transformação, reflexo da mudança social, econômica e
política.
207
Por via da concepção constitucional conferida à propriedade privada em seu
aspecto funcional, voltado ao gozo e exercio de interesses sociais, pode-se entender
que a propriedade privada sofre significativa restrição à liberdade do titular do domínio,
com relação à efetivação de seus poderes de proprietário.
206
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito empresarial:
estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 32.
207
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. . A função social no código civil. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2004, p.132
142
Todavia, não há que se interpretar as imposições funcionais ao direito de
propriedade apenas como limitações ao direito do proprietário, nem conferir-lhe ônus.
Diante da necessidade de sua preservação, conforme o anseio social, o direito de
propriedade teve que adequar-se às imposições constitucionais, que objetivam promover
os valores fundamentais previstos como princípios no texto constitucional.
O conteúdo da função social faz com que a propriedade -em todas as suas
modalidades- assegure a realizão dos valores inspiradores do ordenamento jurídico.
Na ciência jurídica, função representa um efeito a ser atingido por determinado
instituto ou instituição judica, tanto diretamente no campo jurídico, como em outras
áreas como a econômica.
Sobre o princípio da função social da propriedade, Fabio Konder Comparato
expõe:
Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as
restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são limites
negativos aos direitos do proprietário. Mas a noção de função, no
sentido em que é empregado o termo nesta matéria, significa um poder,
mais especificamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino
determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra
que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse
próprio do dominus; o que não significa que não possa haver
harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está
diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade
corresponde a um poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem
jurídica.
208
Referindo-se especificamente à função social da empresa, verifica-se que no
momento em que a empresa aparece no contexto social como importante agente de
dinamismo e transformação, criando relações e projetando efeitos sobre os diversos
setores da sociedade, observa-se que a empresa também tem uma feição social.
A empresa passa a ser vista como instrumento para a consecução dos objetivos
dos Estados, cujos valores estão contidos nas Cartas Constitucionais. Estes objetivos
têm que ser conciliados aos objetivos do empresário, para manutenção da empresa como
208
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In: Direito
empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 32.
143
instituição que movimenta a economia. Neste contexto é que se dá a política econômica
dos Estados.
Quando o Direito Público, através da Constituição Federal impõe programas a
serem cumpridos pelos agentes sociais, tamm impõe à empresa deveres relativos à
propriedade dos bens de produção, especialmente para corrigir falhas que o sistema
capitalista apresenta.
Com base nessa premissa, a função social da propriedade e por conseqüência, da
empresa, exige o exercio da atividade empresarial em harmonia com o ordenamento
jurídico. Condutas em contrio podem se configurar em abuso de direito, contra
consumidores, cidadania, livre concorrência e meio ambiente.
O exercio da atividade empresarial deve levar em conta a livre iniciativa
garantida constitucional, mas há de ser conciliada com os demais prinpios norteadores
da atividade econômica. Logo, se a função social está prevista como princípio, a
liberdade de iniciativa é concedida ao particular, mas limitada pelos demais princípios
constitucionais.
José Afonso da Silva confirma este entendimento ao dizer:
A iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no sistema
da constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na atuação
empresarial, e essa se subordina ao principio da função social, para
realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada a
existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se vê
que a liberdade de iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva
consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem ecomica.
Essas considerações são ainda importantes para a compreeno do
princípio da necessidade que informa a participação do Estado
brasileiro na economia (Art. 173), pois a preferência da empresa
privada cede sempre à atuação do poder publico, quando não cumpre a
fuão social que a Constituição lhe impõe.
209
A previsão legal dos institutos que impõem a função social à propriedade e lhe
delimitam a incidência é importante para diferenciá-la da responsabilidade social. A
função social, prevista constitucionalmente, é dotada de coercitividade da própria norma
209
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
.p.794
144
que a prevê. Já a responsabilidade social é uma liberalidade do empresário, auxiliando
terceiros que não estejam envolvidos em sua atividade empresarial.
Para entendimento do que significa a expressão função social, é preciso analisar o
conteúdo histórico da filosofia jurídica, como anteriormente abordado, para entender a
evolução do conceito de propriedade e do próprio sistema de direito até o sistema
aberto, permitindo reflexão e construção para o jurista, tendo em conta valores
ecomicos, sociais e éticos correspondentes ao momento social.
4.4.1 Origem e Definição da Função Social da Propriedade
A doutrina, de há muito, estuda a função social da propriedade. Busca entendê-la
através de suas relações com o Direito e através de suas origens, como afirma Eros
Roberto Grau:
A origem da função social da propriedade tem nebulosa sua origem.
Teria sido, segundo alguns, formulada por Augusto Comte e postulada
por Duguit, no começo do século. Anota-se, todavia, a circunstância
que anteriormente a isto, teria sido cogitada por São Basílio e São
Tomas e retomada por Rousseau, no seu Projeto de Constituição para a
Córsega.
210
Outros doutrinadores entendem que a análise da Função Social da Propriedade só
pode ocorrer as o estudo das transformações ocorridas na época contemporânea, como
a perda do valor explicativo da divisão da ordem normativa em direito público e direito
privado.
Sobre esta dicotomia público/privado, diz Norberto Bobbio:
Resta que tal dicotomia, tanto no sentido de coletivo/individual, quanto
no sentido de manifesto/secreto, constitui uma das categorias
fundamentais e tradicionais, mesmo com a mudança dos significados,
para a representação conceitual, para a compreensão histórica e para a
enunciação de juízos de valor no vasto campo percorrido pelas teorias
da sociedade e do Estado.
211
210
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 113.
211
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1997, p.15.
145
Segundo a corrente política do século XVIII, especificamente pela obra de
Montesquieu, as coisas que dependem dos prinpios do direito civil, não se devem
regular segundo os princípios do direito político. Na concepção da época, a separação
entre público e privado, decorria da renuncia dos direitos naturais do homem a favor de
uma vida regida pelas leis que lhe garantiram, em primeiro lugar a liberdade e depois a
Propriedade.
212
O Estado liberal, que vem a seguir, admite separões claras entre Estado e
sociedade civil, indivíduo e cidadão, vida econômica e exigências sociais, ou seja,
assume a dicotomia do público/privado.
Esta situação aos poucos é ampliada, na busca de adaptação à realidade
contemporânea, como confirma Fabio Konder Comparato:
No espaço intermediário às áreas próprias, quer do Estado, quer dos
particulares, vai-se afirmando a esfera do social, o campo dos interesses
comuns do povo, dos bens dos valores coletivos, insuscetíveis de
apropriação excludente. Aí, nem o Estado, nem os particulares podem
pleitear prioridades, hegemonias ou poderes adquiridos. Todos são
compelidos a exibir, como titulo de legitimação à sua iniciativa
empreendedora, tão-só aptio a satisfazer as necessidades e os
interesses comuns do povo.
213
A substituição do Estado Liberal pelo Estado Social, além de acarretar uma
simples publicização do direito privado, acarretou também uma privatização do direito
público. O Estado passou a lançar mão de típicos instrumentos privados, como a
sociedade mercantil e a empresa capitalista, para desempenhar suas funções sociais.
Outros doutrinadores atribuem o surgimento da função social da propriedade a
outras concepções históricas, especialmente as cristãs, pregadas por São Tomás de
Aquino, entre outros, que viam na propriedade uma utilização comunitária e as
concepções positivistas de que a propriedade, ainda que privada, deveria ser uma
geradora de frutos para as gerações seguintes.
212
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultura, 2005, p. 21.
213
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 9-10.
146
Como observa Calixto Salomão Filho
214
, a origem histórica mais influente do
termo função social é encontrada na Constituição de Weimar, de 1919 e diz respeito à
propriedade. O Art. 153 desse texto constitucional foi retomado pela Constituição da
República Federal da Alemanha, de 1949, em seu Art. 14, 2° alínea: A propriedade
obriga. Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o interesse da coletividade.(Eigentum
verpflichtet, Sein Gebrauch soll augleich dem Wohle der Allegemeinheit dienen)
Os precedentes históricos da origem e conceito da propriedade apresentados no
Capítulo I deste estudo, também são utilizados na explicação da função social da
propriedade, como atributo a ela inerente.
Uma das mais importantes doutrinas que explicam a função social da propriedade
é a de Leon Duguit, já analisada no Catulo I, para quem a propriedade é instituição
jurídica que se formou para responder a uma necessidade econômica, como todas as
instituições jurídicas, e ela evolui no mesmo ritmo das necessidades econômicas; e estas
necessidades, transformando-se em necessidades sociais, transformam a propriedade em
função social, considerando a interdependência cada vez mais estreita dos elementos
sociais.
215
O objetivo desta breve incursão histórica vem confirmar que, em tempos atuais, a
função social é atributo inerente à propriedade e que o exercício do direito de
propriedade está necessariamente vinculado à observância desta função social, num
equilíbrio entre as esferas do individual e do coletivo ou social.
4.4.2 A Função Social da Empresa prevista no Art. 170, III da Constituição Federal
Já se demonstrou, nesta pesquisa, que a empresa constitui-se na base da
sociedade contemporânea. Sua origem resulta do exercio do direito de propriedade,
constituindo-se uma situação predominante econômica. Apesar disso, interessa ao
214
SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil,
V. 132. São Paulo: Malheiros, 2003, p.7
215
DUGUIT, Leon apud MORAES, Jose Diniz. A função social da propriedade e a Constituição Federal de
1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 95.
147
Direito, especialmente porque, por força do princípio constitucional, deve cumprir sua
função social.
Como princípio constitucional, a função social ordena e transforma o conteúdo da
propriedade privada, garantindo-a e constituindo-se como um de seus fundamentos. Esse
prinpio adquire fundamental importância quando envolve bens destinados a produção e
consumo, tanto que na afirmação de Eros Roberto Grau
216
“ao se examinar a função
social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da
empresa.
A propriedade empresarial, em virtude da função social que lhe é determinada
pelo Art. 170, III da Constituição Federal, ganha também um status constitucional. A
atividade empresarial, desde que exercida com ônus social, também pode representar
uma garantia constitucional, como lembra Calixto Salomão Filho:
Cedo fica evidente, na ppria teoria constitucional, que a abrangência
do termo função social tinha que ser ampliada. No campo empresarial,
em virtude da influência e relencia para a vida social, essa ampliação
é fundamental. É interessante notar que na teoria constitucional a
fuão social passa então a justificar a própria atribuição dos direitos
fundamentais das pessoas jurídicas.
217
A Constituição de 1988 tratou da atividade econômica definindo que a ordem
ecomica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Definiu
que esta tem como finalidade assegurar a todos uma existência digna com justiça social,
observados os princípios tais como: soberania nacional, propriedade privada, função
social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, do meio ambiente,
redução das desigualdades sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido às
pequenas empresas brasileiras, assegurando a todos o livre exercio de qualquer
atividade econômica.
Não se pode falar, portanto, na concretização dos direitos fundamentais e, por
conseguinte, na construção de uma sociedade mais justa e solidária, sem enfrentar e
destacar o papel das empresas na atualidade.
216
GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 128.
217
SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade anônima: interesse público e privado. In: Revista de Direito
Mercantil, V. 127. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 19.
148
A empresa está inserida na ordem ecomica, como agente organizador da
atividade produtiva, gestora das propriedades privadas, consideradas aquelas na fase
dinâmica relativa aos bens de produção. Como conseência, a função social da
empresa, assim como a da propriedade, está erigida a um principio constitucional.
O conteúdo do prinpio da função social da propriedade e dos demais incisos do
art. 170 e sua verificação na realidade revelam-se basilares para a consecução do valor
máximo da ordem econômica: assegurar existência digna, prinpio-essência do Estado
Brasileiro.
A propriedade, além de privada, ou seja, ligada a um sujeito particular de direito,
atenderá uma destinação social, isto é, seus frutos deverão reverter de algum modo à
sociedade, o que não exclui naturalmente o poder de fruição particular, inerente ao
domínio, sem o qual o conteúdo privado da propriedade estará esvaziado.
218
A propriedade, aqui incluída a empresa, é um valor constitutivo da sociedade
brasileira, fundada no modo capitalista de produção. Sobre este preceito, recai outro que
lhe confere novos contornos.
É por este sentido dado à propriedade privada que se pode exigir, por meio do
ordenamento jurídico, um uso privado compatível com o interesse público, buscando um
equilíbrio entre o lucro privado e o proveito social.
4.4.3 A Plena Aplicabilidade do Princípio da Função Social à Atividade Empresarial
A empresa privada é um corolário da propriedade privada, pois em sua formação
agrega o ingresso de capitais originariamente pertencentes a proprietários privados,
permitindo que o lucro obtido com a sua atividade reverta em prol daquelas pessoas,
naturais ou jurídicas, que detêm o seu controle.
218
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 253.
149
Confirmando este entendimento, Washington Peluso Albino de Souza afirma que:
[...] tomada como sujeito do Direito Econômico, a empresa, em
principio, é instrumento do Poder Privado Econômico. Composta de
capitais particulares, organizada contratualmente, na corrida em busca
do lucro no interesse de seus proprietários, aplica-se livremente ao tipo
de iniciativa econômica da preferência dos mesmos.
219
Para se determinar, no entanto, a efetiva função social da empresa, é preciso
considerá-la sempre como uma atividade que não se restringe apenas aos interesses
particulares dos proprietários e a serviço do lucro, mas também como um ente, cujo
perfil funcional está cada dia mais representado pelo atendimento de interesses
comunitários.
É intuitivo que, dentre as principais atividades empresariais, algumas
especificamente, tem maior significação social (hospitais, escolas, bancos, seguradoras,
transportes), o que não quer dizer que as demais não estejam submetidas à
funcionalidade prevista constitucionalmente.
O perfil funcional da empresa é destacado com clareza por Fabio Konder
Comparato, quando afirma:
[...] se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência,
dinamismo e poder de transformão, sirva de elemento explicativo e
definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: esta
instituição é a empresa.
220
É da empresa que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da
população ativa, pela organização do trabalho assalariado. É delas que o Estado retira a
maior parcela de receitas fiscais. Em torno delas se reúnem agentes econômicos como
fornecedores, prestadores de serviço, investidores de capital, além do que, é das
empresas também, que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pela
população.
219
SOUZA, Washington Pelluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. ed. São Paulo: LTR,
2003, p. 294.
220
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 3.
150
Estabelecida, portanto, a aplicabilidade do princípio da função social da
propriedade à atividade empresarial, cumpre agora analisar o fenômeno da
funcionalização do instituto, refletido no condicionamento do exercio do direito de
propriedade aos interesses da sociedade, disposto no texto constitucional.
Nessa concepção, a função social da empresa não é mera conseqüência da
associação entre o poder de controle empresarial, na direção dos bens incorporados a
explorão por uma empresa e a fuão da propriedade em si.
O fenômeno da funcionalização se estende a todos os institutos do direito. A
inobservância da função social implicaria um desvio no exercício do direito,
configurando-se uma das modalidades de abuso de direito.
Destarte, a realização da empresa deve se prender, no contexto do prinpio da
livre iniciativa, aos demais pametros constitucionais que regem o exercício da
atividade econômica, quando só eno merece a devida tutela.
Por seu turno, o Art. 170 e seus incisos, atuam como norteadores no sentido de
determinar o conceito de função social da empresa, determinando deveres negativos e
positivos para o empresário e o administrador da empresa. Da análise dos incisos II e III,
evidencia-se a presença dos princípios da propriedade privada e da função social da
propriedade, que também integram o rol dos direitos e garantias fundamentais (Art. 5°,
XXII e XXIII).
Do elenco sucessivo destes preceitos, denota-se que o ordenamento jurídico adota
um sistema econômico de iniciativa privada, que proporciona uma margem de liberdade
aos indiduos na consecução de seus interesses particulares, mas condiciona essa
liberdade, que envolve a própria liberdade da empresa, à garantia da uma existência
digna a todos e observância da justiça social.
O princípio constitucional da função social da empresa foi consolidado não
apenas para impedir o exercio anti-social da atividade empresarial, mas para direcioná-
la ao atendimento das finalidades sociais, inclusive mediante a imposição de deveres à
151
empresa. A finalidade da função social é relacionar a liberdade de iniciativa e o direito
de propriedade à dignidade da pessoa humana.
Na disposição de José Antonio da Silva:
[...] a iniciativa econômica privada é amplamente condicionada no
sistema da constituição econômica brasileira. Se ela se implementa na
atuação empresarial, e esta se subordina ao principio da função social,
para realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada
a existência digna de todos, conforme ditames da justiça social, bem se
que a liberdade de iniciativa só se legitima quando volta à efetiva
consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem ecomica.
Essas considerações são ainda importantes para a compreeno do
principio da necessidade que informa a participação do Estado
brasileiro na economia (art. 173), pois a prefencia da empresa privada
cede sempre à atuão do Poder Público, quando não cumpre a fuão
social que a Constituição lhe ime.
221
No dizer de Pietro Perlingieri
222
, a moderna funcionalização dos institutos
jurídicos é um fenômeno estritamente ligado ao valor fundamental que o ordenamento
confere à pessoa humana, de forma que a função social da propriedade apenas mostra o
compromisso desta com a dignidade do homem.
A função social, não tem, portanto, a finalidade de acabar com as liberdades e os
direitos dos empresários nem de tornar a empresa um simples meio para atender as
finalidades sociais. Seu objetivo é mostrar o compromisso e as responsabilidades da
empresa, inserindo a solidariedade social. Neste sentido merece destaque trecho do voto
do Ministro Celso de Mello ao julgar a ADI 1003/4-DF:
Cumpre aduzir que a Constituição Federal, ao fixar as diretrizes que
regem a atividade ecomica e que tutelam o direito de propriedade,
proclama, como valores fundamentais a serem respeitados, a
supremacia do interesse público, os ditames da justiça social, a redução
das desigualdades regionais, dando especial ênfase, dentro dessa
perspectiva, ao principio da solidariedade.
223
221
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 2ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 788.
222
PERLINGIERI, Pietro apud LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e propriedade: função social e abuso
de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 281.
223
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1.003/4/DF. Voto do Min. Celso de Mello, Brasília, 01 de agosto
de 1994. Diário da Justiça. [Brasília, DF], 10 set. 1999. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/ADI-MC1003>. Acesso em 24.06.2008
152
Na área trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, a apreciar o caso de empregado
demitido, infectado pelo rus HIV, decidiu com base no princípio da função social da
empresa. Mesmo a empresa negando existir relação entre a doença e a demissão, o Tribunal,
ainda que a dispensa não tenha ocorrido por discriminação, reintegrou o empregado tendo
em vista o Art. 421 do Código Civil, que estabelece a função social do contrato. A decisão
da Vara do Trabalho de São Paulo foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da
Região (SP) e, no TST, pela Turma e pela Seção Especializada em Dissídios Individuais
(SDI-1). Abaixo trecho da decisão:
Trata-se de um caso excepcional, onde está em jogo a vida de um
empregado portador de uma doença terrível, incurável e avassaladora,
que não só destrói o corpo de se portador como também sua auto-
estima. Embora não exista norma legal prevendo estabilidade ao
portador de HIV, a sentea considerou que o caso deveria ser
analisado pela ótica da função social da empresa, conforme princípios
adotados na Constituição Federal, principalmente no Art. 170, inciso
III, que trata do principio da função social da propriedade.
(
TST-E-RR
409/2003-004-02-00).1
224
A função social da empresa tem o propósito de torná-la responsável socialmente,
diante dos compromissos que lhe atribui a ordem constitucional econômica. Ocorre que
esses compromissos não são atingidos quando a empresa se limita apenas a não
prejudicar a sociedade. O cumprimento da função social, não diz respeito apenas à
ausência de prejuízos, mais do que isso, demanda a existência de benefícios social.
No julgamento da ADI 319, o Supremo Tribunal Federal assentou que a livre
iniciativa não se legitima se exercida apenas em busca do lucro e realização individual
do empresário, mas o será se distribuir riqueza e propiciar justiça social. Ressalte-se
trecho do voto do Ministro Moreira Alves:
Portanto, embora um dos fundamentos da ordem econômica seja a livre
iniciativa, visa aquela a assegurar a todos existência digna, em
conformidade com os ditames da justa social, observando-se os
princípios enumerados nos sete incisos deste artigo. Ora, sendo a justa
social a justiça distributiva - e por isso mesmo é que se chega à
finalidade da ordem econômica (assegurar a todos uma existência
digna) por meio dos ditames dela-, e havendo a possibilidade de
incompatibilidade entre alguns dos princípios constantes dos incisos
desse artigo 170, se tomados em sentido absoluto, mister se faz,
evidentemente, que se lhes dê sentido relativo para que se possibilite a
224
Revista Consultor Jurídico, 19.03.2007. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/dinamic/search/results>.
Acesso em: 26 jul. 2008.
153
sua concilião a fim de que, sem conformidade com os ditames da
justiça distributiva, se assegure a todos- e, portanto, aos elementos de
produção e distribuição de bens e servos e aos elementos comuns
deles- existência digna.
225
O princípio da função social da empresa é caracterizado também por outras
circunstâncias, como o prinpio da livre concorrência, instrumento para o cumprimento
de várias finalidades da área ecomica, como a repressão ao abuso do poder
ecomico. Figuram ainda como princípios da atividade econômica e, portanto, da
função social da empresa, os princípios de integração como a defesa do consumidor e do
meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno
emprego.
A função social da empresa é o corolário de uma ordem ecomica que, embora
constituída por vários prinpios, possui a finalidade comum de assegurar a todos uma
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Daí afirmar-se que a empresa
tem responsabilidades perante a sociedade como um todo.
A aplicação do principio da função social da empresa, foi o fundamento da
decisão de desconsideração da personalidade jurídica de empresa, na Apelação Cível
70006210553, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja Ementa é transcrita
abaixo:
FALIMENTAR. TEORIA DA DESCONSIDERAÇAO DA
PERSONALIDADE JURIDICA. CABIMENTO. DESVIO DO OBJETO E
DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. INOBSERVÂNCIA DA LEI E DO
CONTRATO SOCIAL. LIMITAÇÃO DA ABRANNCIA DA
RESPONSABILIDADE DOS SOCIOS INACEITAVEL. Quando o ente de
direito mercantil não possui fundos liquidos, nem ativo circulante, ou
ativo mobilizado e imobilizado suficientes para solver suas obrigações,
está insolvente. Verificada a causa da insolncia pela conduta dos
sócios empresários, é correta a aplicação da teoria da disregard
doctrine’, para se declarar lata a responsabilidade dos mesmos. Caso em
que houve desvio do patrinio social e, as, doões a terceiros,
visando eludir incincias de posvel ineficácia dos atos fraudatórios
ao crédito publico. Sentea confirmada em parte (Apelão Cível n
70006210553.Quinta Camara vel.TJRS, Relator Clarindo Favretto,
Julgado em 04.09.2003)
226
225
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. VADI QQ 319, Voto do Min.Moreira Alves. Diário da Justiça. [Brasília,
DF], 30 abr. 1993. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/ADI-MC1003>. Acesso em: 23 jul. 2008.
226
BRASIL. Tribunal de Justiça RS. Apelação Cível n 70006210553. Quinta Camara Cível. Rel. Clarindo
Favretto,Julgado04.09.2003. DJ 04.09.2003. Disponível em http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php
Acesso 23.07.2008
154
Entendeu o Tribunal, neste caso, que a decisão fundamentada no principio da
função social da empresa ocorreu, porque não o fazendo, implicaria prejuízo às partes
que firmaram com a empresa em processo falimentar, alimentados pelo principio da boa-
fé. Nesse sentido, a desconsiderão da pessoa judica seria o único meio de se
restabelecer a ordem na vida daqueles que foram atingidos pelo não atendimento da
função social da empresa, por parte de seus dirigentes.
Para Fabio Konder Comparato, significa que não obstante a afirmação legal de
seu escopo lucrativo, este deve ceder o passo aos interesses comunitários e nacionais,
em qualquer hitese de conflito. A liberdade individual de iniciativa empresarial não
torna absoluto o direito ao lucro, colocando-o acima do cumprimento dos grandes
deveres de ordem econômica e social, expressos na Constituição Federal.
227
A atividade empresarial, de caráter privado, faz a empresa assumir também uma
responsabilidade com a comunidade, não se restringindo aos interesses da sociedade
controladora ou de seus administradores, mas também direcionada ao interesse comum
no meio social em que está inserida.
4.5
O
P
RINCIPIO DA
P
RESERVAÇÃO DA
E
MPRESA NA
L
EI
11.101/2005
PARA
M
ANUTENÇÃO
DA
F
ONTE
P
RODUTORA
A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, Lei n° 11.101, que entrou
em vigor em 9 de Junho de 2005, reveste-se de grande importância, na medida em que
busca viabilizar a continuação do necio ou a preservação da empresa.
Referida lei tem como linha mestra os prinpios da eticidade e da preservão da
empresa para revisão do instituto de falência e vem substituir eficaz e eficientemente a
concordata, que perdeu a razão de ser, diante do desenvolvimento social e ecomico.
227
COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle das sociedades anônimas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1983, p. 301.
155
A antiga Lei Falimentar brasileira, representada pelo Decreto-lei n° 7.771,
editada em 1945, continha uma concepção ultrapassada, de cuidados ao comerciante
individual e de encaminhamento da liquidação da empresa.
Nos moldes do entendimento econômico e social da época, seu intento era o
organizar o processo falimentar do empresário que, sujeito às condições do mercado,
poderia vir a perder o controle de seu negócio, atingindo todos os envolvidos na
atividade empregados, fornecedores, consumidores, sócios, investidores e, sobretudo
a ppria atividade econômica.
O antigo diploma era, pois, inteiramente anacrônico para a realidade econômica
atual, onde o papel da empresa moderna se sobrepõe de forma definitiva sobre papel
outrora desempenhado pelo antigo comerciante.
A mudança começou a surgir na legislação Francesa. O legislador percebeu que
a insolvabilidade de uma empresa de interesse social pode afetar não apenas a massa dos
credores, mas tamm o equilíbrio econômico e social da região, ou mesmo do país. A
ordenação Francesa 67-820 de 23.09.1067 instituiu um processo extraordinário de
reerguimento econômico e financeiro para as empresas insolváveis, cujo
desaparecimento poderia causar grave perturbação à economia nacional ou regional e ser
evitado em condições compatíveis com o interesse dos credores.
228
Já pela alise da legislação francesa, nota-se a presença do prinpio da função
social, que permite à empresa, como instituição social, sobrepor-se aos interesses dos
credores. No Brasil, ainda na vigência da antiga Lei Falimentar, já se reconhecia a
importância social da empresa, flexibilizando alguns dispositivos da lei, para
proporcionar a recuperação da empresa. É o que se verifica na decisão do Des. Pedro
Manuel de Abreu, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na AI 98.018011-2 de Mafra,
anterior à nova lei :
Hermenêutica mais afeita à realidade do ps reclama a flexibilização de
seus pressupostos, sendo notórios e ruinosos os reflexos ecomicos e
sociais da falência, medida que, em regra, o aproveita nem aos
228
COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. In: Direito Empresarial: estudos e pareceres. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 15.
156
empregados, nem aos credores, ao contrio, é prejudicial a todos. No
exame do instituto é conveniente, senão imperioso, imprimir contornos
menos rijos a seus requisitos, em homenagem não só ao principio da
continuidade da empresa, como também ao art. 5° da Lei de
Introdução ao Código Civil, mormente em se tratando de empresa
trintenária, fonte de mais de uma centena de empregos, dotada de
valioso fundo de comercio, de matéria prima abundante e de vultosos
pedidos em carteira.
(
AI 98.018011-2)
(
grifo nosso)
229
Nos termos da atual Lei de Recuperação de Empresas, em seu Art. 47
230
, restou
adotada a Teoria de Empresa, dispondo que a recuperação judicial destina-se a sanear a
situação da crise econômico-financeira do devedor, mantendo a fonte produtora, o
emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores, viabilizando desta forma, a
realização da função social da empresa.
Com a inserção do instituto da recuperação econômica, o sistema jurídico
brasileiro coloca-se em consonância com a legislação falimentar vigente nos principais
países europeus e sul-americanos.
A edição da lei criou nova ambientação de preservação da atividade econômica,
reconhecendo-se, finalmente, a função social da empresa, geradora de riquezas,
empregos e impostos.
Levando-se em consideração a viabilidade econômica da empresa em dificuldade,
será possível a aplicação de um plano que leve à sua recuperação.
Ao criar a possibilidade de resolver as crises ecomico-financeiras das
empresas, a legislação em vigor busca-se evitar que ocorra o desaparecimento de
unidades produtivas do ps, resguardando a integridade e a manutenção da atividade
empresarial, enfatizando o princípio da preservação da empresa.
229
Acórdão Tribunal de Justiça de Santa Catarina: AI 98.018011-2, Dês. Pedro Manoel Abreu, Decisão: 7 out. 1999.
230
Art. 47.A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
BRASIL, Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do
empresário e da sociedade empresaria. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 21 mar. 2008.
157
A decisão judicial abaixo confirma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SE, MESMO NO CURSO DO PROCESSO
DE FANCIA, O DEVEDOR SATISFAZ SUA OBRIGÃO COM O
CREDOR - E, POIS, DEMONSTRA NÃO SER INSOLVENTE -, PODE O
MAGISTRADO, ATENDENDO AOS FINS SOCIAIS DA LEI, DEIXAR DE
DECRETAR-LHE A QUEBRA (ART. DO DECRETO-LEI 7.661/45).O
Decreto-Lei 7.661/45 deve interpretar-se à luz da Constituição Federal de
1988 e, destarte, fomentar a preservação “da empresa econômica viável,
ainda que atravesse dificuldades financeiras transitórias” (cf. Carlos Alberto
Farracha de Castro, in Rev. Tribs., vol. 776, p. 90). Princípio é esse de
grande sabedoria e relevo social, que a nova Lei de Falências (Lei
11.101/2005) consagrou em seu art. 47, in verbis: “A recuperação judicial
tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica”. A aceitação de pagamento parcial do débito, circunstância que
equivale a moratória, elide a falência. (TJSP - Câm. de Direito Privado; AI
359.785-4/0-00-Mirassol-SP; Rel. Des. Carlos Biasotti; j. 28/4/2005; v.u.).
231
Neste processo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, aplicou o artigo 47 da Lei
11.101/05, justificando a decisão, dentre outros argumentos, com base no princípio da
função social da empresa, seja em razão da continuidade de suas atividades, ou seja, sua
preservação, seja em respeito à manutenção da atividade econômica como forma de
satisfazer interesses ainda maiores do que os do empresário em si, como os dos
trabalhadores e consumidores.
A doutrina vem entendendo que a Lei de Recuperação de Empresas e Falência
utilizou como instrumento teórico o Código Civil. Assim, se a lei específica que trata da
recuperação (preservação) de empresas utiliza como referencial o Código Civil, o
prinpio da preservação da empresa pode ser entendido como um dos pilares deste
diploma legal.
Neste sentido, Mauro R. Penteado
232
Afirma que os conceitos de empresário e
sociedade empresária, do ponto de vista legal, constam do Código Civil de 2002, e é
nele e na doutrina que vem sendo elaborada em torno da nova codificação do nosso
231
BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. AI nº 359.785-4/0-00-Mirassol-SP. Relator: Des. Carlos Biasotti,
São Paulo, 28 de abril de 2005. In: Revista dos Tribunais, vol. 777, p. 261.
232
PENTEADO, Mauro R. Devedor na nova lei-empresário e sociedade empresária. In: SOUZA JUNIOR,
Francisco Satiro de; PITOMBO, Antonio S. A. Moraes (Coords). Comentários à Lei de Recuperação de
Empresas e Falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 92.
158
direito privado, que deve ser aprofundada a matéria, e não, em comentários breves e de
primeira mão sobre a nova Lei de Falências e Recuperões.
Recente decisão neste sentido ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, quando o Des. Ubirajara Machado de Oliveira, ao reformar sentença declaratória de
falência, não só aplicou o principio da preservação da empresa, como no corpo do
Acórdão afirmou:
[...] não obstante o principio da preservação da empresa tenha sido
contemplado de forma expressa somente na nova Lei de Falências, sua
aplicação vem sendo consagrada pela jurisprudência. Decorre,
outrossim, da interpretação sistetica do Novo digo Civil, da Lei
11.101/05 e do Decreto-lei 7.661/45.
233
A empresa tem uma função social a cumprir, positivada nos textos legais. Do princípio
da função social da empresa, decorre o princípio da preservação da empresa. Ao
proporcionar, sempre que possível, dar continuidade às atividades produtivas como um valor
social que deve ser protegido e reconhecer, por outro lado, que os efeitos da extinção das
atividades empresariais prejudicam além do empresário ou sociedade empresária, também os
trabalhadores, consumidores, parceiros, etc. O princípio da preservação da empresa está
refletindo o conteúdo da função social da empresa.
Neste capítulo, dedicado a interpretação da função social da propriedade e sua
aplicação à atividade empresarial, procurou-se após a conceituação, cuidar do estudo dos
prinpios jurídicos, princípios constitucionais e sua interpretação, sendo estes dotados
de positividade e concretude, reconhecidos nos textos constitucionais. Demonstrou-se
que os princípios constitucionais representam a incorporação de valores pelo
ordenamento jurídico, tarefa exercida também pelos prinpios gerais da ordem
ecomica.
233
Integra do acórdão
:
Agravo de instrumento. Falência. Pagamento do débito após o decurso do prazo para o
depósito elisivo e da prolação da sentença de quebra. Levantamento. Possibilidade. Havendo o pagamento, pela
falida, da integralidade do crédito da requerente e considerando a ausência de outros credores habilitados,
possível o levantamento da falência. Circunstância com a qual anuíram a autora do pedido de quebra e a síndica.
Aplicação do princípio da preservação da empresa, o que atende ainda à continuidade de relações de emprego.
Demonstração de ter sido obstada, no quadro ora em exame, a insolvência que deu azo à decretação de quebra.
BRASIL, Tribunal de Justiça. AGRAVO PROVIDO. Câmara Cível. Ag. Inst. 770012350278. Relator: Des.
Ubirajara Machado de Oliveira, 26 mar. 2006.
159
Os princípios têm posição decisiva no sentido de nortear comportamentos e
tomadas de decisões, especialmente quando aplicáveis a casos de interesse coletivo.
Servem, portanto, como fonte inspiradora aos legisladores, intérpretes e aplicadores das
normas jurídicas. Os princípios estão no ponto mais alto da pimide normativa,
possuindo um grau máximo de juridicidade, portanto, todas as leis ou atos normativos
devem acatar os padrões estabelecidos pelos princípios constitucionais.
Dos princípios constitucionais emerge o fundamento formal e material para as
demais normas que compõem o sistema normativo. Pode-se afirmar que o estudo dos
prinpios constitucionais ultrapassa o campo jurídico, refletindo igualmente uma
natureza política, ideogica e social, uma vez que estabelece os principais valores de
organização da vida em sociedade.
A interpretação da ordem econômica na Constituição Federal de 1988 é
informada pela ponderação dos prinpios judicos explicitados e impcitos no texto
constitucional. Ao declarar que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho
humano e na iniciativa privada, a Constituição Federal consagra uma economia de
mercado, de natureza capitalista, mas a ordem econômica, embora capitalista, dá
prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os valores da economia de
mercado.
A finalidade da ordem econômica é sempre a de proporcionar uma existência
digna, conforme os ditames da justiça social. Busca-se sempre efetivar o prinpio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
No Art. 170 da Constituição Federal encontram-se princípios que brotam do
espontâneo movimento de nossa realidade, como a livre iniciativa e a propriedade, e
outros que somente podem se concretizar com a interferência estatal, como a função
social e a redução das desigualdades sociais. Estes princípios não podem ser
considerados isoladamente. Somente seu entendimento como um todo é que permite
estabelecer o real alcance de seu sentido.
No tocante ao princípio da propriedade privada denota-se que, no sistema
normativo vigente, não é mais possível conceituar e disciplinar a propriedade, de modo
160
apartado de sua função social, uma vez que a função social da propriedade visa
promover os valores constitucionais fundamentais.
Prevista no Art. 5º, XXII da Constituição, a propriedade privada está vinculada
ao cumprimento de sua função social (Art. , XXIII). A função social da propriedade
está contida no Art. 170, inciso III, como um dos princípios da ordem econômica e
financeira. Com isso, a função social da propriedade caracterizou-se como condicionante
à atividade econômica, com a finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social.
A propriedade funcionalizada ao atendimento de um fim social confere uma nova
significação e conteúdo ao direito de propriedade, que confere sim o uso, gozo e
disposição do bem pelo proprietário, mas sem perder de vista os interesses sociais
potencializados pela funcionalidade que integra o exercio deste direito.
Dentre as propriedades dotadas de função social, encontram-se os bens de
produção, utilizados para a geração de outros bens. Este sistema de apropriação privada
tende a organizar-se em empresas, sujeitas, portanto ao prinpio da função social.
Para se determinar, no entanto, a efetiva função social da empresa, é preciso
considerá-la não apenas como atividade restrita à busca do lucro e a favor do interesse
do proprietário, mas também como ente jurídico, cuja funcionalização está cada dia mais
representada pelo atendimento de interesses comunitários. Deste entendimento, decorre
que a propriedade não atende seu fim social quando sua destinação é incompatível com
o interesse coletivo.
A empresa está inserida na ordem ecomica, como agente organizador da
atividade produtiva, gestora das propriedades privadas, consideradas aquelas na fase
dinâmica relativa aos bens de produção. Como conseência, a função social da
empresa, assim como a da propriedade, está erigida a um princípio constitucional.
O princípio constitucional da função social da empresa foi consolidado não
apenas para impedir o exercio anti-social da atividade empresarial, mas para direcioná-
la ao atendimento das finalidades sociais, inclusive mediante a imposição de deveres à
161
empresa. A finalidade da função social é relacionar a liberdade de iniciativa e o direito
de propriedade à dignidade da pessoa humana.
Deu-se destaque ainda à Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nº
11.101/05), criando nova ambientação de preservação da atividade econômica. Dispõe a
referida lei que a recuperação judicial destina-se a sanear a situação da crise econômico-
financeira do devedor, mantendo a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os
interesses dos credores, viabilizando desta forma, a realização da função social da
empresa.
Levando-se em consideração a viabilidade econômica da empresa em dificuldade,
será possível a aplicação de um plano que leve à sua recuperação. Ao criar a
possibilidade de resolver as crises econômico-financeiras das empresas, a legislação em
vigor busca-se evitar que ocorra o desaparecimento de unidades produtivas do país,
resguardando a integridade e a manutenção da atividade empresarial, enfatizando o
prinpio da preservação da empresa.
Com a edição da lei criou-se nova ambientação de preservação da atividade
ecomica, reconhecendo-se a função social da empresa, geradora de riquezas,
empregos e impostos.
162
CONCLUSÃO
Ao concluir este estudo destinado a analisar a função social da propriedade e da
atividade empresarial, como prinpio constitucional, verificou-se inicialmente, ao
discorrer sobre a evolão histórica da propriedade, que, entre os povos ocidentais, o
direito de propriedade e a própria propriedade passaram por diferentes fases evolutivas,
até o conceito atual.
Em um primeiro momento a propriedade é coletiva, na órbita familiar. Em Roma
e Grécia desenvolvem-se novas formas de propriedade individual, um direito absoluto,
perpétuo e oponível erga omnes. Na Idade Média, o conceito unitário de propriedade é
desdobrado, a atribuição do domínio da terra é de mais de uma pessoa (soberano ou
senhor e servo).
Posteriormente, com fundamentação jusnaturalista, na Idade Moderna, a
propriedade recebe um impulso favorável a ser unitária, livre e individual. No século
XIX, já surgem novas formas de propriedade e a concepção individualista da
propriedade entra em choque com os movimentos de caráter coletivo.
Nesta evolução temporal, ficou ressaltada a função social da propriedade, numa
mudança de paradigma. A idéia de propriedade como direito subjetivo, baseado nos
interesses do proprietário não mais se justifica, sendo exigido do proprietário que atenda
a sua função social, ou seja, o uso da propriedade privada tem que ser compatibilizado
com o interesse social. A função social passa a integrar o conceito jurídico-positivo de
propriedade.
O liberalismo clássico foi sendo superado pela crescente intervenção do Estado
na ordem econômica e social. Esse novo quadro trouxe como conseqüência, uma
mudança notável na concepção do direito de propriedade, que adquiriu caráter social. De
direito, transformou-se em direito-dever.
163
Sob a égide do Estado Social, verificou-se a ruptura do direito formalista do
Estado Liberal, com a introdução da discussão sobre a legitimidade dos direitos
subjetivos, base do reconhecimento da função social da propriedade.
O desenvolvimento da teoria sobre a função social foi um desdobramento da
discussão sobre a solidariedade social. Opondo-se ao individualismo, ocorre uma
evolução dos direitos, com o nascimento e positivação dos direitos difusos e coletivos.
Esta evolução transformou o direito de propriedade, ele próprio evoluindo para adequar-
se aos direitos que lhe o subseqüentes.
Reconheceu-se, na pesquisa, que a propriedade não permaneceu estática;
dinamizou-se para adequar aos novos direitos emergentes e, assim, manter a coerência
dos ordenamentos jurídicos. Neste processo, o direito de propriedade antes
individualista e ilimitado, passou a ser compreendido no seu aspecto funcional. A
propriedade deixa de ser instrumento de satisfão apenas de seu titular e para ser
analisada dentro do contexto social.
Com o advento do Estado Social os direitos fundamentais foram desdobrados em
direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos de coletividade, previstos na
Constituição de Weimar, em 1919, passaram a influenciar grande parte das
constituições, incorporando a noção de propriedade vinculada a uma função social.
No Brasil, após análise da evolução do direito de propriedade nas Constituões,
constatou-se que a Constituição Federal de 1988 introduziu profundas transformações,
incluindo a propriedade privada e a função social no rol dos direitos e garantias
fundamentais, além de inseri-los entre os alicerces da ordem ecomica.
No sistema judico atual, a propriedade está positivada entre os direitos e
garantias do cidadão, enquanto prinpio jurídico de garantia da propriedade privada,
mas se relativiza diretamente por outro princípio jurídico, também positivado, que é o de
sua função social. A propriedade privada está, pois, intimamente ligada à sua função
social.
164
Do estudo, constatou-se que os princípios da solidariedade ou socialidade e o
prinpio da dignidade humana são os fundamentos da função social da propriedade. O
primeiro, por constituir-se elemento essencial de interpretação constitucional em uma
democracia social e econômica e o segundo, porque a proteção plena do direito de
propriedade só se concretiza com as garantias inerentes ao princípio da dignidade
humana.
Quando o direito de propriedade passou a compreender objetivos de ordem
social, restou transposta a concepção individualista da propriedade. Passou-se a conciliar
as vantagens individuais do proprietário no exercício deste direito, com os interesses
maiores da sociedade. À medida que se acentua a função social, o uso da propriedade
fica condicionado a pametros condizentes com os direitos alheios e às limitações em
benecio da coletividade.
Esta concepção de propriedade refletiu também sobre o direito empresarial. Não é
mais permitido ao proprietário de empresa, sócio ou acionista, exercer de maneira
abusiva o direito de propriedade assegurado constitucionalmente.
A função social estendida à atividade econômica passa a exigir que o exercio da
empresa, a liberdade de iniciativa e a livre concorrência estejam em conformidade com
os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da solidariedade.
Não mais se admite uma atividade empresarial desvinculada da função social, nem
distante dos objetivos fundamentais previstos constitucionalmente.
Pela constatação de que a propriedade deve atender aos interesses sociais, a
propriedade privada deixou de ser direito subjetivo do indivíduo. O reconhecimento da
função social da propriedade implica comportamentos por parte do proprietário, que não
só tem o dever de não exercitar seu direito em prejuízo de outro, como, igualmente, tem
o dever de exercê-lo em favor da coletividade.
A propriedade privada tem seu conceito redefinido, deixando de caracterizar-se
como instituto de cunho exclusivamente individual para assumir caráter social.
165
Para o necessário estudo e análise da empresa e seus bens de produção, verificou-
se inicialmente a evolão do Direito Comercial até o atual Código Civil, recepcionando
a moderna Teoria da Empresa, que passou a ser definida através da noção de empresário.
Aferiu-se, pelo estudo, que a empresa cujo papel é relevante no aspecto
ecomico, constitui-se em fenômeno que possui vários aspectos e perfis jurídicos a
serem considerados. O perfil funcional é o de maior importância para os ordenamentos
jurídicos. A empresa, como atividade econômica organizada e profissionalmente
exercida acompanhou a evolução porque passou o direito de propriedade e ganhou
relevo sua fuão social.
A funcionalização da atividade empresarial acarretou a superação do caráter
individualista do proprietário/sócio, devendo o direito individual do seu titular coexistir
com a função social do instituto. Neste contexto, a empresa além de servir ao
proprietário, tem que atender às necessidades sociais, exercendo seu papel produtivo em
benecio de toda a coletividade, sem, é claro, desviar-se de sua finalidade lucrativa,
inerente à instituição e sem a qual ficaria desnaturada.
Pelos elementos pesquisados constatou-se que a moderna legislação brasileira, a
doutrina e a jurisprudência acolhem a empresa como sujeito de direito. A empresa
interessa ao Direito Econômico, especialmente pela política econômica que desenvolve
conforme a ideologia adotada constitucionalmente. Exatamente porque a empresa se
integra na política econômica como seu sujeito, o Direito Econômico passou a
preocupar-se com sua atuação, traçando-lhe normas de conduta, impondo-lhe incentivos
e limitações, mas também proteção.
Prosseguindo na busca de estabelecer a função social da empresa, passou-se ao
estudo dos aspectos estáticos e dinâmicos da propriedade. Demonstrou-se, então, que as
propriedades dinâmicas, em contraposição às propriedades estáticas, estão relacionadas
às atividades econômicas, industriais e comerciais.
Conjugando os fatores de produção verificou-se que a empresa constitui-se no
núcleo das propriedades dinâmicas. A propriedade dinâmica de bens de produção é a que
se realiza sob a forma de empresa. A dinamização da propriedade através de bens que
166
oferecem trabalho para a comunidade, que geram renda e produzem outros produtos, faz
com que a propriedade dos bens de produção seja caracterizada como um poder dever,
vez que a carga subjetiva que a vincula a seu proprierio, faz com que ele assuma um
compromisso, inerente ao direito de propriedade, de servir à sociedade.
A função social da propriedade empresarial impõe comportamentos positivos ao
proprietário, configurando-o como proprietário-empreendedor, uma vez detentor de
propriedade no perfil dinâmico, a propriedade no seu perfil funcional. A propriedade
dinâmica estrutura-se com a força do trabalho humano, atingindo assim, diretamente o
meio social. Sobre esta propriedade é que se reflete mais intensamente o prinpio da
função social.
Restou demonstrado também que os bens de produção são as fontes de riqueza de
uma sociedade. Responsáveis pela produção de outros produtos, bens e serviços de
consumo, os bens de produção tornam-se essenciais quando inseridos em um processo
produtivo, uma vez que numa cadeia de prodão, a interrupção das atividades de
qualquer dos seus componentes pode atrapalhar todo o sistema de produção.
Da essencialidade dos bens de produção, uma vez considerada sua função social,
abre-se a possibilidade de um tratamento diferenciado a esta categoria de bens, de modo
a privilegiar sua manutenção e integridade.
Ao relatar previsões positivadas da função social da empresa, constatou-se que na
esfera infraconstitucional, várias legislações refletem dimensões do prinpio da função
social da propriedade empresária. O Código Civil, apesar de não recepcionar
expressamente a noção de função social da empresa, deu-lhe acolhida, como demonstra
a análise dos artigos 50 e 1.228, Parágrafo 1°. Da mesma forma o art. 421, que dispondo
sobre a função social do contrato, estende esta função à empresa, considerada como
contrato plurilateral.
Outras fontes legais essenciais que demonstram a função social da empresa em
nosso ordenamento judico constituem-se na Lei das Sociedades Anônimas (Lei
6.404/76) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A primeira por
determinar a vinculação dos fins econômicos ao atendimento da função social e colocar
167
responsabilidades ao administrador de empresas e a segunda, ao proteger os
consumidores, ime às empresas deveres de proteção, favorecendo a coletividade. Por
seu turno, a Lei dos Crimes Ambientais tutela o meio ambiente, exigindo das empresas
proteção do ambiente, para o efetivo cumprimento de sua função social. a Lei
11.101./05, ao dispor sobre a recuperação da empresa, dispõe expressamente que um de
seus objetivos é promover a preservação da empresa e sua função social.
A pesquisa levou à conclusão que a atividade econômica desenvolvida pela
empresa privada, como elemento da ordem econômica nacional, está plenamente sujeita
ao prinpio da função social da propriedade.
Do estudo dos princípios jurídicos, princípios constitucionais e sua interpretação,
concluiu-se que são dotados de positividade e concretude, reconhecidos nos textos
constitucionais. Demonstrou-se que os princípios constitucionais representam a
incorporação de valores pelo ordenamento judico, tarefa exercida também pelos
prinpios gerais da ordem ecomica. O estudo dos princípios constitucionais
ultrapassa o campo jurídico, refletindo uma natureza potica, ideológica e social.
Sua posição decisiva no sentido de nortear comportamentos e tomadas de
decisões, especialmente quando apliveis a casos de interesse coletivo, servem como
fonte inspiradora aos legisladores, intérpretes e aplicadores das normas judicas.
Possuindo um grau máximo de juridicidade, os princípios estão no ponto mais alto da
pirâmide normativa. Em decorrência as leis ou atos normativos devem acatar os pades
estabelecidos pelos princípios constitucionais.
A interpretação da ordem econômica na Constituição Federal de 1988 é
informada pela ponderação dos prinpios judicos explicitados e impcitos no texto
constitucional. Ao declarar que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho
humano e na iniciativa privada, a Constituição Federal consagrou uma economia de
mercado, de natureza capitalista, mas a ordem econômica, embora capitalista, dá
prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os valores da economia de
mercado. Tanto é que a finalidade da ordem econômica é sempre a de proporcionar uma
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Busca-se sempre efetivar o
prinpio constitucional da dignidade da pessoa humana.
168
Resultante da pesquisa sobre o Art. 170 da Constituão Federal, verificou-se que
ali se encontram prinpios que brotam do espontâneo movimento da realidade, como a
livre iniciativa e a propriedade, e outros que somente podem se concretizar com a
interferência estatal, como a função social e a redução das desigualdades sociais. Estes
prinpios não podem ser considerados isoladamente e apenas seu entendimento como
um todo é que permite estabelecer o real alcance de seu sentido.
No tocante ao princípio da propriedade privada verificou-se que, no sistema
normativo vigente, não é mais possível conceituar e disciplinar a propriedade, de modo
apartado de sua função social, uma vez que a função social da propriedade visa
promover os valores constitucionais fundamentais. Prevista no Art. 5, XXII da
Constituição, a propriedade privada está vinculada ao cumprimento de sua função social
(Art. 5°, XXIII). A função social da propriedade está contida no Art. 170, inciso III,
como um dos princípios da ordem econômica e financeira. Com isso, a função social da
propriedade caracterizou-se como condicionante à atividade econômica, com a
finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
A propriedade funcionalizada ao atendimento de um fim social confere uma nova
significação e conteúdo ao direito de propriedade, que confere sim o uso, gozo e
disposição do bem pelo proprietário, mas sem perder de vista os interesses sociais
potencializados pela funcionalidade que integra o exercio deste direito.
Dentre as propriedades dotadas de função social, encontram-se os bens de
produção, utilizados para a geração de outros bens. Este sistema de apropriação privada
tende a organizar-se em empresas, sujeitas, portanto ao prinpio da função social.
Para se determinar, no entanto, a efetiva função social da propriedade
empresarial, concluiu-se que é preciso considerá-la não apenas como atividade restrita à
busca do lucro e a favor do interesse do proprietário, mas também como ente jurídico,
cuja funcionalização está cada dia mais representada pelo atendimento de interesses
comunitários. Deste entendimento, decorre que a propriedade não atende seu fim social
quando sua destinação é incompavel com o interesse coletivo.
169
A empresa está inserida na ordem ecomica, como agente organizador da
atividade produtiva, gestora das propriedades privadas, consideradas aquelas na fase
dinâmica relativa aos bens de produção. Como conseência, a função social da
empresa, assim como a da propriedade, está erigida a um principio constitucional. Neste
contexto, a empresa haverá obrigatoriamente de respeitar o prinpio da função social da
propriedade, expresso na Ordem Econômica da Constituição Federal.
Isto permite afirmar que o principio constitucional da função social da empresa foi
consolidado não apenas para impedir o exercício anti-social da atividade empresarial,
mas para direcioná-la ao atendimento das finalidades sociais, inclusive mediante a
imposição de deveres à empresa. A finalidade da função social é relacionar a liberdade
de iniciativa e o direito de propriedade à dignidade da pessoa humana.
Destacou-se finalmente a Lei de Recuperação de Empresas e Falências, (Lei nº
11.101/05) criando nova ambientação de preservação da atividade econômica. Dispõe a
referida lei que a recuperação judicial destina-se a sanear a situação da crise econômico-
financeira do devedor, mantendo a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os
interesses dos credores, viabilizando desta forma, a realização da função social da
empresa. Levando-se em consideração a viabilidade econômica da empresa em
dificuldade, será possível a aplicação de um plano que leve à sua recuperação.
Ao criar a possibilidade de resolver as crises econômico-financeiras das
empresas, a legislação em vigor busca evitar que ocorra o desaparecimento de unidades
produtivas do país, resguardando a integridade e a manuteão da atividade empresarial,
enfatizando o princípio da preservação da empresa. Com a edição da lei criou-se nova
ambientação de preservação da atividade econômica, reconhecendo-se a função social da
empresa, geradora de riquezas, empregos e impostos.
Em conclusão, depreende-se que a atividade empresarial só se legitima se atender
ao mandamento legal da função social da propriedade, entendida a partir do paradigma
do Estado Democrático de Direito. Ao empresário cabe conciliar seus interesses
legitimamente lucrativos, com os interesses da coletividade, de forma que a empresa,
como atividade dinâmica e agente organizador da atividade produtiva, possa cumprir seu
relevante papel no contexto social.
170
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