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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EMILENE FONTES DE OLIVEIRA XAVIER
CULTURA BRASILEIRA E A MEMÓRIA DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
NACIONAL NO GRUPO ESCOLAR LEÔNIDAS DE MATOS (1937-1945)
CUIABÁ-MT
2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EMILENE FONTES DE OLIVEIRA XAVIER
CULTURA BRASILEIRA E A MEMÓRIA DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
NACIONAL NO GRUPO ESCOLAR LEÔNIDAS DE MATOS (1937-1945)
Dissertação apresentada à comissão julgadora do
Programa de Pós-Graduação, do Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Educação na Área de
concentração: Educação, Cultura e sociedade, na
Linha de pesquisa: História da Educação sob
orientação do Prof. Dr. Nicanor Palhares e Co-
orientação da Profª. Elizabeth Madureira Siqueira.
CUIABÁ
2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Banca Examinadora
_______________________________________________________________
Prof. Dra. Marta Maria Chagas de Carvalho
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC
Examinadora externa
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Darci Secchi
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
Examinador interno
_______________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Adenir Peraro
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
Suplente
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
Orientador
4
AGRADECIMETOS
AGRADECIMETOSAGRADECIMETOS
AGRADECIMETOS
Agradeço a todos que contribuíram de alguma maneira para a realização desta pesquisa. Em
especial, ao Prof. Nicanor Palhares e a Prof. Elizabeth Madureira Siqueira pelas exigências
qualitativas de suas orientações.
Aos professores da banca examinadora, Marta Maria Chagas de Carvalho, Darci Secchi e
Maria Adenir Peraro, pela atenção e contribuições, com destaque á Prof. Marta Mª Chagas de Carvalho
por ter me auxiliado na busca de um olhar mais crítico e menos saudosista acerca da temática desta
pesquisa.
Aos meus colegas do Grupo de pesquisa Rosinete Maria dos Reis, Regina Simião, Ilza dias
Paião, Ana Paula Xavier e à Valdenice Xavier (in memorian), que demonstraram todo o seu apoio e
atenção nas horas mais difíceis.
Aos meus queridos colegas de mestrado, Marlene Flores, Nádia Cuiabano e Abimael, pois
gentilmente me auxiliaram na busca de fontes, na troca de idéias, no pernoite, e principalmente pela
amizade.
À Escola Estadual Leônidas de Matos, na Pessoa da Diretora Cleusa Barros e da Secretária
Saturnina Barros, pela contribuição no acesso e na localização dos documentos.
Aos meus familiares, pelo apoio e estímulo constantes, e em especial a meu esposo Isaias de
Oliveira Xavier, que foi muito paciente nos momentos de ausência e pela contribuição na parte de
informática, e às minhas tias Mariléia e Maisa, pela torcida e principalmente por terem cuidado do meu
filho nos períodos de estudo.
Enfim, agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para realização desta
pesquisa, que por sua vez, foi a realização de um SONHO.
5
SUMÁRIO
RESUMO 6
ABSTRACT 7
INTRODUÇÃO 8
CAPITULO I
APARELHOS IDEOLÓGICOS E EDUCAÇÃO NACIONALISTA 14
O caráter ideológico da nacionalidade 14
1.2 - Educação e nacionalismo no Estado Novo 21
1.4.1- O ensino primário nas reformas educacionais 30
CAPITULO II
O CENÁRIO SÓCIO-POLÍTICO DE SANTO ANTONIO DE LEVERGER E A
IMPLANTAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR LEÔNIDAS DE MATOS 38
2.1 Panorama histórico do município 38
2.2 A trajetória da institucionalização do Grupo Escolar Leônidas de Matos 44
2.3 Estrutura organizacional do Grupo Escolar 49
CAPÍTULO III
MANIFESTAÇÃO DA NACIONALIDADE NO COTIDIANO DO GRUPO ESCOLAR
LEONIDAS DE MATOS 71
3.1 Práticas pedagógicas e Cultura Escolar 71
3.2 Exaltar a pátria ou formar o cidadão: o ensino de história e suas representações acerca
da formação cívica e nacionalista 74
3.3 Festa cívica e patriotismo 78
3.4 Cartilhas e Livros de leitura no universo escolar 85
A construção da nacionalidade na voz de seus sujeitos 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 110
FONTES DOCUMENTAIS 117
6
RESUMO
Esta dissertação tem como finalidade discutir o tema da cultura brasileira
e da identidade nacional retomando as diferentes maneiras como estas foram consideradas
no plano da formação do “novo cidadão brasileiro”, durante o período do Estado Novo
(1937-1945), através de um importantíssimo veículo de transmissão cultural que é a escola.
A pesquisa foi realizada no Grupo escolar Leônidas de Matos, criado em 1932, situado no
município de Santo Antonio de Leverger – MT, antigo reduto corenelista do Estado. Trata-
se aqui de compreender como esta instituição de ensino organizou-se para atender aos
interesses do Estado, considerando que a política do Estado Novo tinha como proposta
consolidar os ideais republicanos na perspectiva da construção da unidade nacional,
difundindo os sentimentos de civilidade, patriotismo e cidadania. O estudo dessa
instituição na vertente da formação da nacionalidade, nesse período, e nesse local, foi
interessante, porque nos permitiu analisar a consolidação de um discurso nacionalista,
aparentemente, mais democrático, e/ou igualitário, em território que se imperava, até então,
o poder das oligarquias.
Nessa disputa pelo controle político, percebe-se que houve aceitação, por
parte da escola, à política educacional Getulista. Pois, à escola foi dadas a tarefa de
construir um sentimento de homogeneidade, unidade e identidade que se pretendia
nacionais. A fundamentação teórica aproximou-se da perspectiva cultural, com foco nas
normas e nas práticas didático-pedagógicas com que se pretendia regulamentar a forma e
cultura escolar. Os resultados da pesquisa evidenciam que a formação do sentimento de
nacionalidade contou com o importante auxílio da escola para divulgar os princípios
republicanos contidos na ditadura do Estado Novo, bem como, utilizou-se do ensino da
História, dos livros didáticos, das comemorações cívicas e patrióticas, dos símbolos
nacionais e do controle com a intenção de construir “uma identidade nacional”, que é
muito mais plural do que “una”.
Palavras-chave: Educação, Mato Grosso, Estado Novo, Cultura escolar, Nacionalismo.
7
ABSTRACT
This dissertation has the aim of discussing the topic of Brazilian culture and national
identity reviewing the different ways that theses areas were considered within the
formation plan “The new Brazilian citizen” during the “Estado Novo” (New State) (1937-
1945) by means of a most important means of cultural communication which is the school.
The research was carried out in the Leônidas de Matos group of schools created in 1932
and situated in the town of Santo Antonio de Leverger, Mato Grosso which used to be
subject to the “coronelista” state. This study aims to understand how this teaching
institution is organised to attend the needs and interests of the State taking into
consideration the policies of the New State to consolidate republican ideas in the
perpspective of building national unity and spreading the feelings of civlity, patriotism and
citizenship. The study of this institution within the discussion of the formation of
nationalism, in this period and in this location, was interesting because it allowed for the
analysis of the consolidation of a nationilistic disucssion which is appraently more
democratic and/or egalitarian in a place that was, until then, in the power of oligarchs. In
this dispute for political control it can be seen that there was acceptance on the part of the
school of the “Getulista” educational policy. This gave the school the task of building
feelings of homogeneity, unity and identity of a nationlistic nature. The theoretical
foundations became closer to the cultural perspective with a focus on teaching practice and
norms which were intended to regulate school culture. The results of the research showed
that the formation of a nationalistic feeling had the important help of a school so as to pass
on the republican principles contained in the dictatorship of the New State. It also made
use of the teaching of history, text books, civil and patritoic commemorations, national
symbols and control with the aim of building ‘a national identity” which is more pluristic
than “una” (uniting).
8
INTRODUÇÃO
Assistimos em nossos dias a um renascer das preocupações com a educação moral
e cívica nas escolas. O desaparecimento dos valores tradicionais e a coexistência de
diferentes modos de vida, que caracterizam as sociedades abertas e plurais como aquelas
em que vivemos, a vertiginosa rapidez das transformações técnicas e científicas que têm
agitado a vida da humanidade, o declínio dos sistemas ideológicos que dominaram o século
XX, todos estes fatores têm contribuído para criar a sensação de que nos deparamos com
uma “crise de valores”, porventura mais aparente que real, mas que reflete, em grande
parte, a insegurança que ausência das antigas referências “absolutas” provoca na vida dos
homens e dos povos.
Como compreender o renascimento de nacionalismos aparentemente adormecidos,
o desencadeamento das violências ou a intensificação das mais diversas formas de
intolerância? Acredita-se que são as próprias idéias de progresso e de civilização que se
vêem, assim, postas em causa. Acrescentam-se, os problemas que a sociedade do bem estar
não conseguiu resolver ou, que foram por ela própria criados, uma cada vez mais
acentuada desertificação dos interiores rurais; o crescimento de novas bolsas de pobreza
em mundos urbanos cada vez mais impessoais e inviáveis; o crescimento gritante de várias
marginalidades; profusão de “guetos”; um sentimento cada vez mais, real ou imaginário,
de insegurança pessoal e o aumento da angustia provocada por situações de crescente de
desemprego de longa duração, entre outros. Acrescenta-se a tudo isto a ameaça de
destruição que pesa sobre a própria vida do planeta, provocada pelos excessos de um
crescimento cego e incontrolável que pôs em causa os precários equilíbrios ideológicos.
Paradoxalmente, apesar de tudo, nunca como agora se fez tanta propaganda a favor
dos direitos do homem e se denunciaram suas graves violações, nunca como nos dias de
hoje se acreditou nas virtualidades da democracia como sendo provavelmente único regime
capaz de respeitar a humanidade existente em cada um de nós. Desenvolveu-se,
paralelamente, a consciência de que a maior parte dos problemas com que nos
confrontamos tem uma solução ética e não técnica.
Designadamente são os jovens em idade escolar que sentem mais intensamente
alguns destes problemas. A ausência de perspectivas profissionais pesa sobre o seu
percurso escolar, a ausência de ideais para o futuro é um obstáculo à sua formação pessoal
9
e social, a descrença e o desencanto instalam-se, levando à multiplicidade de falsas, e por
vezes perigosas, alternativas.
Parece que frente a todas essas considerações, as escolas ainda buscam promover
de alguma forma, a formação moral e cívica ao público que a freqüenta, tendente a uma
educação que respostas às suas necessidades e ansiedades e que lhes permita a
construção dos referentes axiológicos necessários a sua orientação em situações sociais
complexas e a resolução dos dilemas éticos constantemente postos pela vida; ao meu ver,
as escolas ainda acreditam que esta é uma forma de tentar evitar que os jovens se deixem
arrastar para uma existência sem critérios, nem perspectivas.
O tema da cultura brasileira e da identidade nacional integra um antigo debate
travado no Brasil, entretanto, ele permanece atual, constituindo uma espécie de subsolo
estrutural que alimenta toda a discussão em torno do que é nacional. “Toda identidade se
define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença” (ORTIZ, 2003, p. 7). Mas,
dizer que somos diferentes não basta, é necessário mostrar em que nos identificamos.
Esta dissertação tem como finalidade discutir o tema da cultura brasileira e da
identidade nacional retomando as diferentes maneiras como estas foram consideradas no
plano da formação do “novo cidadão brasileiro”, durante o período do Estado Novo (1937-
1945), através de um importantíssimo veículo de transmissão cultural que é a escola. A
pesquisa foi realizada no Grupo escolar Leônidas de Matos, criado em 1932, situado no
município de Santo Antonio de Leverger MT, antigo reduto corenelista do Estado. A
definição dessa temática se deu após um período de estudos em fontes primárias,
particularmente, as que correspondiam ao cotidiano desse mesmo grupo escolar. Optei por
esse momento histórico pelo fato de ter encontrado maiores evidências da formação da
nacionalidade a partir de 37. E também porque a ditadura representou uma intensa batalha
na construção do ideário nacionalista.
O objetivo da presente dissertação é retomar as diferentes maneiras como a
identidade nacional e a cultura brasileira foram consideradas no plano da formação do
“novo cidadão brasileiro”, através de um importantíssimo veículo de transmissão cultural
que é a escola”. A delimitação do tema à escola primária teve que ver com o fato de, para
os republicanos, esta ser a escola do povo por excelência e, portanto, aquela em que a
formação de cidadãos se punha de forma mais preemente.
A preocupação inicial foi a de compreender como a questão cultural se estrutura no
interior de uma sociedade que se organiza de forma radicalmente distinta do passado, pois,
10
na medida em que o capitalismo atinge novas formas de desenvolvimento, tem-se que
novos tipos de organização da cultura são implantados, “o cultural constituí um campo
multi e interdisciplinar, considerando suas variadas articulações, inclusive suas
interpretações” (FALCON, 2002, p. 80).
Dentro deste contexto, qual o significado da noção de cultura brasileira? Qual o
sentido de uma identidade ou de uma memória que se querem nacionais? Como foi a
participação da Educação, particularmente, do ensino primário, no processo da formação
dessa mesma? De que forma o Grupo Escolar Leônidas de Matos respondeu a esse
processo? De certa forma, o passado apresenta-se como uma maneira de se conhecer e
entender melhor o momento presente. Neste sentido, é interessante ressaltar que a
problemática da cultura brasileira, bem como, a construção de uma identidade nacional,
têm sido, e permanece, até hoje, uma questão política. Deste modo, procuro mostrar que a
formação de pertencimento de nação está ligada profundamente a uma reinterpretação da
própria construção do Estado Brasileiro.
Neste sentido, a educação revela sua dimensão ao se analisar os valores, diretrizes e
suas práticas, o que foi objeto de discussão ao longo das décadas de 20, e principalmente,
nas de 30 e de 40. Acreditando que a ensino público era um dos principais instrumentos de
construção da nacionalidade brasileira, os agentes históricos e as autoridades estatais
penderam para uma visão autoritária, dentro da qual ganharam relevo as concepções
nacionalistas que apontavam para um reforço do patriotismo e do civismo.
O interesse por esse tema teve origem pela curiosidade em conhecer e melhor
compreender o projeto nacionalista desenvolvido pela escola durante o Estado Novo.
nove anos sou professora de História na rede pública de Mato Grosso e observo, desde
muito tempo, o comportamento de alunos e professores quando da realização de atividades
cívicas, como as de 7 de setembro, 15 de novembro, época de copa do mundo etc. Na
maioria das vezes, a programação ou não correspondia aos valores de nacionalidade
internalizados pelos alunos, ou os alunos não tinham esses valores bem definidos. Isso me
fez pensar nas lembranças que os mais velhos (avós, tios, antigos professores) tinham da
sua infância e juventude acerca do que consideravam patriotismo, sendo os rituais e as
festas cívicas uma das relembranças mais fortes, e acima de tudo, um exemplo de amor,
respeito e devoção ao seu país.
No primeiro momento desta pesquisa, ainda me encontrava travada diante dessa
questão. Posso dizer que tive dificuldade em assumir uma posição que por ora se
11
expressava numa visão saudosista das memórias nacionalistas do Estado novo, e por outro
lado, eu sabia que seria muito difícil, praticamente impossível, resgatar essas práticas e
aplicá-las no cotidiano das escolas públicas da atualidade. Foi no que eu chamo de segundo
momento da pesquisa, depois de mais algumas orientações, “sugestões e criticas”, que
consegui fazer uma leitura mais madura e profunda das questões políticas e educacionais
que permeiam esta temática.
A pesquisa tem como referencial a intersecção entre a história cultural e cultura
escolar. Em relação à história cultural fundamentou-se nas obras de Chartier (1990) e
Certeau (1996), buscando compreender a relação entre as representações/práticas, e os
mecanismos de circulação e apropriação de modelos culturais.
A formação do caráter nacional, associada à difusão do sentimento de patriotismo,
unidade e identidade nacional, podem ser também reconstruídas se considerarmos os
processos internos da escola, partindo para a investigação da sua caixa preta”. Neste
sentido, a pesquisa manteve uma aproximação com a perspectiva cultural e adota os
pressupostos teóricos de Julia (2001) por oferecer possibilidades de análise histórica acerca
da cultura escolar.
Quanto ao processo de investigação, procedeu-se ao levantamento, seleção e
análise das fontes documentais guardadas no Grupo Escolar Leônidas de Matos e no
Arquivo Público de Mato Grosso (APMT), tais como: legislação referente à educação,
relatórios de diretores gerais da Instrução e de diretores do grupo escolar, ata de festejos,
ofícios, livro de posse dos professores, livro de matrículas, livro de almoxarifado, cartilhas
de alfabetização e depoimentos, documentos estes, que contemplam o objeto de pesquisa.
Na documentação oficial escrita procurou-se perceber os discursos políticos e as práticas
educacionais que foram difundidos e/ou assimilados pela escola.
A memória oral, para Pierre Nora (1993, p. 7),“ é a vida, sempre carregada por
grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento [...], vulnerável a todos os usos e manipulações”, entendida
desta forma, a documentação oral será utilizada aqui como técnica que dará suporte para a
discussão da temática. A coleta de dados e a produção de depoimentos poderão fornecer
informações relevantes, pois com suas histórias de vida é possível perceber movimentos e
práticas educacionais que em geral a documentação escrita não contempla, o que nos
permite um aprofundamento da discussão sobre o cotidiano escolar.
12
A análise do processo de formação do caráter nacional no Grupo Escolar Leônidas
de Matos de Matos, foi pautada ainda, pelo cotejo das fontes escritas e orais com uma
bibliografia possibilitando uma visão diversificada do cenário social e escolar em Santo
Antônio a partir do contexto da época, entendido como as múltiplas redes micro-sociais,
econômicas e culturais, permitindo, deste modo, aproximação e melhor compreensão do
objeto.
O texto dissertativo está dividido em três capítulos: inicia-se com a abordagem das
concepções político-educacionais acerca da construção da identidade nacional. O primeiro
capítulo, Aparelho ideológico e Educação nacionalista, aborda o contexto político e
educacional brasileiro em consonância com a região de Mato Grosso e sua relação com o
processo de formação do povo”. Desta forma, procura-se fazer uma discussão acerca dos
mecanismos ideológico veiculados através do discurso de modernização, homogeneidade,
unidade, identidade, nacionalismo, civismo e sentimento patriótico. Os diversos discursos
relativos, principalmente ao projeto de homogeneização cultural, fundamentaram-se na
questão nacional. Era em nome da Nação, ou da constituição de uma “nova nação” que
educadores e autoridades políticas realizaram um projeto educacional voltado para o que
denominaram de “educação popular”, pressupondo, o controle das “massas”.
No segundo capítulo, intitulado Estrutura organizacional do Grupo Escolar
Leônidas de Matos, procuro apresentar essa instituição de ensino. Acredito que é de suma
importância conhecer a escola por dentro, como ela se organizou internamente para atender
determinado público, mostrar essa clientela escolar, alunos e professores; sua estrutura
física, bem como a sua própria cultura.
O terceiro capítulo, A formação do caráter nacional no cotidiano do Grupo
Escolar, procura discutir a maneira pela qual foi conferida à educação primária, a tarefa de
formar o cidadão. Diante disso, a memória nacional a ser transmitida pela escola, dentro da
política educacional que se elaborava, deveria ser homogênea. Desta forma, este capítulo
buscou focalizar como o Grupo Escolar Leônidas de Matos tratou da heterogeneidade
social que deveria assimilar a memória nacional criada para revelar os heróis e as tradições
nacionais únicas e, principalmente preparar o aluno, para tornar-se “um cidadão digno”
tendo por base o trabalho organizado. Objetiva-se construir a “nova nação moderna” e,
para isso, a importância do ensino de História nessa formação. Procura-se evidenciar
também a influência dos livros de leitura (cartilhas) na formação dessa mesma. E por fim,
buscou-se recuperar a construção das tradições nacionais e as festas cívicas organizadas na
13
escola para perpetuar, na memória dos alunos e da comunidade extra escolar, os agentes
históricos desse processo, ou seja, as autoridades e as elites constituídas e estabelecidas no
poder.
A presente dissertação reiterou formulações de conhecimento geral, e específicos,
como também se valeu da apropriação de pesquisas anteriores sobre o tema na tentativa de
esclarecer determinadas experiências históricas do período da ditadura do Estado Novo,
momento em que, simultaneamente, lidou-se com a elevada expectativa do papel do ensino
primário na obra de regeneração nacional ou de construção de um “novo Brasil”.
A confiança na possibilidade de retirar, das experiências e erros do passado,
ensinamentos para o presente constituiu, sem dúvida, um incentivo para a escolha dum
tema como este. A investigação veio mostrar, sem pôr obviamente em causa a dinâmica
histórica, como são, por vezes, ilusórias as experiências de inovação pedagógica, ao
permitir filiá-las diretamente nos esforços na implementação da formação do cidadão
brasileiro. A presente investigação, que sobreleva o papel da escola enquanto difusora do
ideário de nação veiculado por Vargas que se desejava construir, procura contribuir na
ampliação do entendimento da educação no Estado Novo.
14
CAPITULO I
APARELHOS IDEOLÓGICOS E EDUCAÇÃO NACIONALISTA
1.1 O caráter ideológico da nacionalidade
Na compreensão de educação nacionalista difundida desde o final do séc. XIX
início do XX e, mais tarde, com o regime do Estado Novo, principalmente, esta aparece
associada com a concepção de identidade. A intenção, ou melhor, o interesse de formar o
cidadão para uma consciência de unanimidade nacional, igualdade social e sentimento de
pertencimento a uma nação que se pretendia culturalmente una, símbolo da identidade
nacional nesse momento, vem ao encontro da política instaurada nessa ditadura que, por
sua vez, não permitia contradição de interesses políticos, e, portanto, usava desse discurso
para reforçar a idéia de que existia um Brasil sem conflitos, sem diferenças sociais, e sem
contradições de interesses.
A proposta maior deste estudo é evidenciar como a educação foi utilizada como
instrumento de manipulação ideológica, mostrando no cotidiano de uma instituição de
ensino a maneira com que o Estado autoritário forçou a construção de uma mentalidade
ingênua, subserviente e cômoda em contraposição à formação de uma consciência
dinâmica, crítica e transformadora.
Hoje verifica-se que está se efetuando uma desconstrução das perspectivas
identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou de
outra, criticam a idéia de uma identidade integral, originária e unificada. Os termos
corretos no tratamento dessa questão atualmente são de identidades e/ou diferenças. Silva,
nos auxilia na compreensão dessa temática explicitando acerca dos conceitos de identidade
e diferença:
A identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou brasileiro”, “sou
negro”, “sou heterosexual”, “sou jovem”, sou homem”. A identidade
assim concebida parece ser uma positividade ( aquilo que sou), uma
característica independente, um fato autônomo. Nessa perspectiva a
identidade tem a si própria: auto-contida e auto-suficiente. Na mesma
linha de raciocínio, a diferença é concebida como uma identidade
independente. Apenas, neste caso, em oposição a identidade, a diferença é
aquilo que o outro é: “ela é italiana”, “ela é branca”, “ela é homosexual”,
“ela é velha”, “ela é mulher” (2000, p. 74).
15
Segundo Silva (2000), identidade e diferença estão em uma mesma relação de
dependência. A forma afirmativa que expressamos a identidade tende a esconder essa
relação. Diz ele que quando dizemos “somos brasileiros” parece que estamos fazendo
referência a uma identidade que se esgota em si mesma. Embora precisamos fazer essa
afirmação porque existem outros seres humanos que não são brasileiros.Em um mundo
imaginário totalmente homogêneo, no qual todas as pessoas partilhassem a mesma
identidade, as afirmações de identidade não fariam sentido. Da mesma forma, as
afirmações sobre diferença fazem sentido se compreendidas em sua relação com as
afirmações sobre identidade. Elas são pois inseparáveis.
O autor ressalta também que além da interdependência entre identidade e diferença,
elas partilham uma importante característica: “elas são resultados de atos de criação
lingüística”. Dizer que são o resultado de atos de criação significa dizer que não são
elementos da natureza, que não são essências, que não são coisas que estejam
simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas. A
identidade e a diferença são ativamente produzidas. Diz o autor que a identidade e a
diferença não podem ser compreendidas, pois, fora dos sistemas de significação nos quais
adquirem sentido. Não o seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que
a compõem.
A identidade e a diferença são o resultado de um processo de produção simbólica e
discursiva. Para o autor o processo de adiamento e diferenciação lingüísticos por meio do
qual elas são produzidas está longe, entretanto, de ser simétrico. A identidade, tal como a
diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição, discursiva e lingüística ,
está sujeita a vetores de força, a relações de poder. Elas não são simplesmente definidas;
elas muitas vezes impostas. Elas não convivem harmoniosamente, em um campo sem
hierarquias, elas são disputadas.
Silva (2000), diz que a teoria cultural e social pós-estruturalista tem percorrido os
diversos territórios da identidade para tentar descrever tanto os processos que tentam fixá-
las quanto aquelas que impedem a sua fixação. Têm sido analisadas, assim, as identidades
sexuais, as identidades de gênero, as identidades raciais e étnicas, as identidades nacionais.
Embora estejam em funcionamento, ambos tipos de processo obedecem a dinâmicas
diferentes. Por exemplo, enquanto o recurso à biologia é evidente na dinâmica da
identidade de gênero, ele é menos utilizado nas tentativas de estabelecimento das
16
identidades nacionais, onde são mais comuns essencialismos culturais. Segundo Silva,
neste caso, é extremamente comum, o apelo a mitos fundadores.
As identidades nacionais funcionam, em grande parte, por meio daquilo que
Benedith Anderson chamou de “comunidades imaginadas”. Na medida em que não existe
nenhuma “comunidade natural” em torno da qual se possam reunir as pessoas que
constituem um determinado agrupamento nacional, ela precisa ser inventada, imaginada.
Neste sentido, “é necessário criar laços imaginários que permitam “ligar” pessoas que, sem
eles, seriam simplesmente indivíduos isolados, sem nenhum “sentido” de terem qualquer
coisa em comum” (SILVA, 2000, p. 85). Historicamente, isso foi o que mais ocorreu. As
autoridades governamentais, intelectuais, a elite, sempre buscaram de alguma forma
moldar a sociedade seguindo padrões de comportamento que pressupõem comuns, para
consolidar cada vez mais, a sua relação de poder.
Guibernau (1997) em seu estudo sobre “nacionalismos”, entende que o
nacionalismo compreendido como princípio político, sustenta a concepção que a nação e o
estado devem ser mais congruentes. Mas o que nos leva a tal discussão é compreender se o
nacionalismo contém uma doutrina capaz de inspirar a ação política. E se o país é
governado por um “partido nacionalista”, isso nos permite conhecer a política que ele
deverá seguir?
Guibernau (1997) diz que os partidos nacionalistas, nos estados nacionais e em
nações sem estado, preenchem diferentes necessidades e apresentam características
distintas. Quando nação e estado são coexistentes, a palavra “nacionalista” , como rótulo,
raramente é usada, por se supor que todos os partidos são “nacionalistas” no sentido de que
a nação por eles representada tem um estado próprio; o “nacionalismo” é dado como
certo.
O exemplo citado por Guibernau de um partido que se define como nacionalista, e
isso acontece em poucas ocasiões, é do Partido Nacional-Socialista na Alemanha, antes de
1939; ou quando um estado nacional, por algum motivo, se acha ameaçado e o partido
precisa acentuar seu Caráter, nacional, talvez com o fim de apelar para certa espécie de
comportamento da parte dos cidadãos. O apelo à unidade nacional e aos valores nacionais
serve para estimular o senso comunitário de todos os cidadãos.
Outra questão diz respeito ao uso que certos políticos fazem das pretensões
nacionalistas para justificar suas políticas. Em estados nacionais, é muito comum legitimar
17
medidas impopulares específicas com o apelo à necessidade de fazer um sacrifício pela
ação”, afirmando que a nossa nação “merece um esforço”, entre outras palavras mais.
Guibernau também procura mostrar o quanto o nacionalismo, por um lado,
proporciona uma série de objetivos, tais como: a criação de um estado, a reconstrução da
nação, o desenvolvimento e estímulo da cultura e dos interesses nacionais; mas por outro
lado, ele não indica a direção a ser tomada ou todos que devem adotar para que aqueles
serem alcançados. E ainda acrescenta:
A meu ver, o nacionalismo não fornece uma descrição do conteúdo e dos
meios de ação de um partido, exceto num momento durante um período
de extrema repressão e inteira oposição ao estado. O nacionalismo o
determina que política seus adeptos devem apoiar. É insuficiente saber
aonde as pessoas querem ir; elas também precisam descobrir e decidir
como chegar lá. Desse modo, podemos achar que os partidos
nacionalistas seguem estratégias conservadoras, marxistas, social-
democrata ou liberais. (1997, p. 730)
Por que então o nacionalismo é tão importante? Na opinião de Guibernau, sua
relevância reside em sua capacidade de representar a vontade do povo de ser capaz de
decidir seu próprio destino político, sua vontade de ser respeitado como um povo apto a
desenvolver sua cultura e personalidade. Esses aspectos são funções de uma “necessidade
de pertencer” e de um senso de manutenção da integridade social e psicológica. O
nacionalismo faria pouco sentido num momento em que a boa confraternização entre as
culturas fosse possível e onde os estados poderosos não sentissem nenhuma tentação de
absorver os pequenos.
Quando, em vez de um pacifico multiculturalismo, as nações sentem a
constante ameaça de serem aniquiladas, quando os países
subdesenvolvidos precisam combater a exploração estrangeira e
empreendem uma luta desesperada para deter a fome de sus população ou
para lhe explicar por que está morrendo de fome, o nacionalismo
proporciona uma forte e útil ferramenta de preservação da cultura. Isso é
verdade especialmente para uma comunidade de estados nacionais de
fortes tendências à homogeneização, e é um aspecto das conseqüências
dos processos de globalização. A ausência de nacionalismo num mundo
futuro pode ser o resultado da conquista de uma comunidade
internacional pacifica que respeite e encoraje o multiculturalismo, ou o
sinal de um processo bem-sucedido de homogeneização cultural em
termos mundiais. (GUIBERNAU, 1997, p. 73-74)
18
No Brasil, como também em Mato Grosso, em termos históricos, a idéia de
nacionalidade é muito recente. A discussão sobre a nação e sobre suas possibilidades
esteve, quase desde de o inicio, imbricada com a discussão sobre a composição étnica do
povo brasileiro. Isto deve-se a que nossas elites intelectuais e políticas foram bastante
influenciadas pelas teorias raciais que eram produzidas na Europa e nos Estados Unidos.
Guibernau (1997), distingue três abordagens de explicação para o nacionalismo. A
primeira focaliza o caráter imutável da nação, e o chama de essencialismo. A segunda e a
terceira são abordagens mais abstratas e teóricas; requerem que se abaixo da superfície
do nacionalismo para descobrir uma realidade subjacente e responsável por este. A busca
por modernização, o desenvolvimento de novos modelos de comunicação e a ênfase em
fatores econômicos estão entre os elementos que a segunda abordagem traz consigo. A
terceira desenvolve teorias psicológicas associadas às necessidades que os indivíduos têm
de se envolverem numa coletividade com a qual possam identificar-se.
Hall (1992, p. 53), considera que “identidades nacionais não são coisas com as
quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”. Para ele,
isso significa que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz
sentidos, um sistema de representações culturais. Desta forma, as pessoas não são apenas
cidadãos/ãs legais da nação; elas participam da idéia da nação tal como representada em
sua cultura nacional. Hall afirma que a formação de uma cultura nacional contribuiu para
criar padrões de alfabetização universais, generalizar uma única língua vernacular como
meio dominante de comunicação, criar uma cultura que se pretende homogênea (1992, p.
53). E ainda:
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais,
mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um
discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações quanto à concepção que temos de nós mesmos. [...] As
culturas nacionais ao produzir sentidos sobre a nação”, sentidos com os
quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos
estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são
construídas. (HALL, 1997, p.55)
19
A formação de identidades culturais, ou culturas nacionais, não dependem somente
do caráter político e cultural isoladamente. Essa construção depende da articulação desses
dois processos somados a outros processos, como o econômico e social. Compreendendo
desta forma, fica mais fácil entender o motivo pelo qual o nacionalismo possui várias
interpretações ao longo da sua história.
Guibernau (1997), analisando a concepção essencialista, verifica que ela não é
efetivamente uma teoria do nacionalismo, mas uma interpretação com freqüência
incorporada aos próprios símbolos nacionalistas. Ela provém do romantismo, e considera a
nação uma identidade natural, como que eterna, criada por Deus. Uma língua e uma cultura
particulares encarnam o papel que cada nação tem a desempenhar na história. A ênfase é
colocada mais nos aspectos emocionais e idealizados da comunidade do que em suas
dimensões econômica, social e política.
A segunda abordagem considera o nacionalismo em função da modernização. Para
Guibernau, as economias dos estados industrializados dependem de uma alta cultura
homogeneizadora, da instrução das massas e de um sistema educacional sob controle do
estado. Focaliza-se o desenvolvimento de comunicações internas nos estados como algo
decisivo para criação de um senso comum de identidade política e moral.
Essa identidade é construída ideologicamente, aqui a ideologia é compreendida
partindo de uma análise marxista que a considera “não como um processo subjetivo
consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições
objetivas de existência social dos indivíduos” (CHAUÍ, 1980, p. 78).
A explicação economista é uma teoria desenvolvida dentro das descrições
marxistas, mas não limita a estas, da questão nacional. Porém, analisando sob o ponto de
vista marxista, compreende-se o nacionalismo como um produto do desenvolvimento
desigual de regiões dentro da economia capitalista mundial. O nacionalismo parece ser um
efeito da expansão capitalista, como ele se espalhou, e destruiu as antigas formações
sociais que o cercavam, elas sempre tenderam a se desintegrar ao longo das linhas de
ruptura nelas contidas. É fato que essas linhas fossem quase sempre as da nacionalidade.
Hobsbawn analisa a construção da nacionalidade partindo do pressuposto
econômico e político, do que puramente cultural: “O novo era emergência de tais Estados
nominalmente nacionais, mas na verdade plurinacionais da Europa ocidental, numa forma
muito mais política do que basicamente cultural (1990, p.169)”.
20
A terceira abordagem realça a importância da identidade nacional e da emergência
da consciência nacional. Guibernau realça a importância da identidade nacional como a
influencia mais poderosa e duradoura das identidades culturais e coletivas conhecidas. Ele
argumenta que:
A necessidade de imortalidade e dignidade coletivas, o poder da história
étnica, o papel das novas estruturas de classes e a dominação dos sistemas
interestatais no mundo moderno asseguram a continuidade da identidade
nacional no comando das sujeições humanas por um longo tempo ainda,
mesmo quando outras formas em escala maior, porém mais
indeterminadas, de identidade coletiva surjam ao lado das nacionais.
(1997, p. 11)
De modo geral, Guibernau ressalta que embora essas explicações tenham feito
contribuições importantes para a compreensão mais completa do nacionalismo, cada teoria
é deficiente em certos aspectos cruciais para interpretar a proeminência de tão poderoso
fenômeno contemporâneo. Ele considera o nacionalismo uma ideologia estreitamente
relacionada com a ascensão do estado nacional e comprometida com idéias a respeito da
soberania popular e da democracia suscitadas pelas revoluções francesa e americana.
A natureza fragmentária das abordagens atuais do nacionalismo, diz ele, tem
origem na sua inabilidade para juntar seus dois atributos fundamentais: o caráter político
do nacionalismo, como ideologia que defende a noção de que o estado e nação devem estar
em harmonia; e sua capacidade de ser um provedor de identidade para indivíduos cônscios
de construir um grupo baseado numa cultura, passado e projeto para futuro comuns, bem
como na fixação a um território concreto. O poder do nacionalismo emana de sua
habilidade para engendrar os sentimentos em torno de pertencer a uma comunidade
especifica. Os símbolos e ritos desempenham um grande papel no cultivo de um senso de
solidariedade entre os membros de um grupo.
No Brasil, a incorporação dessas teorias produziu um discurso bastante pessimista
sobre o futuro do país. Ademais, éramos um país de grandes senhores rurais, possuidor de
um patronato que não admitia perder seus privilégios, principalmente o de manter como
propriedade seus escravos. A partir disso, intensifica-se a discussão sobre a nação. O
esforço é dirigido para como formá-la.
Construir a pátria, a nação não significava somente transmitir aos brasileiros um
conjunto de ritos, tradições e mitos de origens. A idéia de nação pressupõe, portanto, uma
pauta de direitos e deveres entre o cidadão e sua nação. Mas no Brasil, o que perdurou foi a
difusão de sentimentos cívicos e patrióticos exacerbados como: a “veneração aos heróis
21
pátrios”, “respeito aos símbolos nacionais”, especialmente o respeito à bandeira. A escola
primária assume então um papel fundamental. Será também através dela que a identidade e
o sentimento nacional poderão ser construídos. Será ela quem difundirá novos hábitos e
valores que pressupunha-se uníssono, homogêneo e nacionais. Essa construção se deu sob
uma formação ideológica autoritária, foi imposta, e acabou gerando uma cultura
comodista, saudosista e arbitrária.
1.2 Educação e nacionalismo no Estado Novo
Desde as primeiras décadas do século XX, a questão da formação da nacionalidade
e da identidade nacional brasileira vinha ocupando espaço na produção intelectual e
política do país. A idéia de modernização corresponde em termos muito genéricos, ao
momento em que a expansão européia definiu os limites do mundo contemporâneo. No
entanto, o termo comporta ambigüidades, pois tem sido usado para se referir a realidades e
temporalidades distintas. A modernidade dos séculos XVIII e XIX construída sobre
estruturas do mundo medieval para, enfim propor e efetivar a destruição dos seus
resquícios, foi impulsionada por vigorosos movimentos na economia, política, na
sociedade, e no campo intelectual.
Em termos da educação, esse é o momento das
primeiras tentativas de sistematização de propostas
pedagógicas, da construção de novos modelos de
escola e da formulação, já em fins do século XVIII, de
sistemas educacionais de ensino. Mas também
outra modernidade, aquela que instaura efetivamente o
mundo contemporâneo nascida e associado à idéia de
modernização, visto que impulsionada pelas mudanças
no universo da produção e no campo das idéias. Essas
mudanças compõem a face mais evidente dos séculos
XIX e XX. Na educação, isso corresponde ao
momento da ampliação do âmbito da escola e da
implantação dos sistemas públicos de escolarização,
que buscou tornar concreta a antiga promessa da
“escola para todos”.
22
O Estado Novo se constituiu em decorrência de uma política de massas que se foi
definindo no Brasil a partir da Revolução de 1930, com a ascensão de Getulio Vargas ao
poder. Esse tipo de política, voltada para as classes populares, desenvolveu-se no período
de críticas ao sistema liberal, considerado incapaz de solucionar os problemas sociais.
Nesses anos manifestou-se na Europa, e em outras partes do mundo, uma crise do
liberalismo, ou seja, os impactos da Primeira Guerra e da Revolução Russa provocaram,
segundo inúmeros autores, uma crise de consciência generalizada que, por sua vez,
resultou em críticas à democracia representativa parlamentar de cunho individualista.
Percebe-se que correntes intelectuais e políticas antiliberais e antidemocráticas, de
deferentes matizes, revelam preocupação com a questão social e muito se discutia sobre as
novas formas de controle das massas com o intuito de evitar a eclosão de revoluções
socialistas.
Segundo Capelato (2003), uma das soluções propostas era a do controle social
através da presença de um Estado forte comandado por um líder carismático, capaz de
conduzir as massas no caminho da ordem. Essa política foi adotada em alguns países
europeus, assumindo características específicas em cada um deles. Regimes como o
fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o salazarismo em Portugal e o franquismo na
Espanha foram constituídos nessa época. O exemplo das experiências alemãs e italianas
serviu de inspiração para reformas políticas que ocorreram em alguns países da América
latina como, Argentino e Brasil principalmente.
Mesmo apresentando características próprias, o Estado Novo brasileiro teve
inegável inspiração européia. “Um traço comum foi a crítica à liberal democracia e a
proposta de organização de um Estado forte e autoritário, encarregado de gerar as
mudanças consideradas necessárias para promover o progresso dentro da ordem”
(CAPELATO, 2003, p. 110).
Mas, procurando compreender melhor o contexto do Estado Novo, parece
necessário que comecemos pela análise do processo político da “Revolução de 1930”.
Pandolfi (2003), em seu artigo “os anos 30: as incertezas do regime”, explora as
ambigüidades do período e aponta para a existência de diferentes projetos que disputaram
o jogo político da época. E salienta que diferentemente do discurso dos vitoriosos em 1937,
ela pretende mostrar que entre a revolução e o golpe ocorreram disputas importantes e, se
houve continuidade entre os dois acontecimentos, provavelmente houve também rupturas.
23
Os anos que antecederam o Estado Novo foram de efervescência e disputa política.
Essa situação se explica pela diversidade das forças que se aglutinaram em torno da
Aliança Liberal, coligação partidária oposicionista que em 1929 lançou a candidatura de
Vargas à Presidência da República. Esse grupo tinha como discurso a defesa da educação
pública e obrigatória, a reforma agrária, a adoção do voto secreto. No ideário da Aliança
Liberal estavam presentes temas relacionados com justiça social e liberdade política.
Segundo Pandolfi:
Os aliancistas propunham reformas no sistema político, a adoção do voto
secreto e o fim das fraudes eleitorais. Pregavam anistia para os
perseguidores políticos e defendiam direitos sociais, como jornada de
trabalho de oito horas, férias, salário mínimo, regulamentação do
trabalho das mulheres e dos menores. Propunham também a diversidade
da economia, com a defesa de outros produtos agrícolas além do café, e
diminuição das disparidades regionais (2003, p. 16).
Mesmo com todo esse discurso o candidato da Aliança Liberal, Getúlio Vargas, não
conseguiu se eleger nas eleições de 1930. Esse fato levou algumas pessoas do grupo a
preparar uma insurreição para chegar ao poder. A condução do movimento revolucionário
ficou a cargo dos tenentes e de um grupo de políticos civis. O movimento que ficou
conhecido como revolução de 30, que por sua vez, de revolução não teve nada, eclodiu no
dia 3 de novembro, momento em que Vargas assumiu a chefia do Governo provisório da
nação. De imediato o Congresso Nacional e as assembléias foram fechados, os
governadores de estados depostos e a Constituição de 1891 revogada. Vargas passou a
administrar através de decretos-lei.
Considerando a heterogeneidade do grupo que representava a Aliança Liberal, não
tardou-se para começar os embates entre eles. As divergências giravam em torno do
modelo de Estado a ser implantado no país. Enquanto alguns desejavam instalação
imediata da democracia, outros afirmavam que o retorno a uma ordem democrática
deveria ocorrer após a promoção das reformas sociais.
Segundo Pandolfi (2003), as primeiras medidas adotadas pelo governo Provisório
foram intervencionista e centralizadoras, inspiradas nas reivindicações dos setores
tenentistas. Os interventores eram nomeados e subordinados diretamente ao Presidente da
República. Na área social, o Governo Provisório fez investimentos significativos, foram
criados o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e o Ministério da Educação e Saúde
Pública. A jornada de trabalho no comércio e na indústria foi fixada em oito horas; o
24
trabalho da mulher e do menor foi regulamentado; adotou-se uma lei de férias; foi instituída
a carteira de trabalho e o direito a pensões e aposentadorias, etc. Porém, o investimento na
questão social era reforçado por uma legislação sindical cujo objetivo maior era subordinar
os sindicatos à tutela do Estado. A proposta de Vargas era implantar uma estrutura sindical
corporativista na qual patrões e empregados, reunidos nas associações de classe, se
transformassem em elementos de sustentação do governo.
No campo econômico, as medidas aditadas também foram centralizadoras e
intervencionistas. O governo desejava exercer um controle maior sobre a produção e
comercialização das principais produtos agrícolas brasileiros. Os anos 30 marcam uma
etapa importante nos rumos da economia brasileira. É a partir daí que se desencadeia o
processo de industrialização do país.
Conforme as propostas intervencionistas e centralizadoras eram implementadas,
crescia a insatisfação dos setores oligárquicos com a Revolução de 30. Além das
resistências civis, Vargas enfrentou sérias dificuldades na área militar, sobretudo por parte
de setores da alta oficialidade do Exército, insatisfeitos também com o fortalecimento do
tenentismo. Pandofi diz que apesar de lançadas no centro dos acontecimentos, as Forças
Armadas se encontravam frágeis e fragmentadas e na realidade:
[...] a Revolução de 30 havia sido um movimento civil que contou com a
participação de alguns setores da militares, sobretudo dos segmentos
inferiores. A maioria dos oficiais não havia participado da revolução e
alguns aderiram na última hora, quando o movimento estava praticamente
vitorioso. Vitoriosa a revolução, era necessário ter uma cúpula militar
afinada com o novo regime (2003, p. 23).
O pós-30 ainda foi um período de agitações e crises nos meios civis e militares.
Apesar de Vargas ter assinado um decreto criando uma comissão para elaborar o
anteprojeto constitucional e marcado as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte,
as insatisfações contra o governo continuavam.
Realizadas as eleições, os partidos que tiveram melhor desempenho, segundo Pandolfi
(2003), foram os situacionistas, articulados pelos interventores. A Constituinte brasileira
iniciou os trabalhos em 1933 e, logo depois, foi promulgada. Getúlio Vargas foi eleito
indiretamente, pelos constituintes, presidente da República.
25
Inovadora em muitos aspectos, a Constituição de 1934 atendia aos
anseios liberais democráticos presentes no ideário da Revolução de 30.
Na realidade ela propunha um modelo de Estado mais Liberal e menos
centralizador do que desejava Vargas. Embora limitasse a autonomia
financeira dos estados, o regime federativo ficava assegurado. [...] O
fortalecimento do Estado, no entanto, não podia ser confundido com o
poder intervencionista do Executivo federal, questão central para muitos
dos revolucionários de 30. Neste sentido, os representantes federais na
constituinte conseguiram assegurar o predomínio do legislativo no
sistema político e fazer dele um instrumento para inibir o avanço do
Executivo. [...] O mandato de todos era de quatro anos, não sendo
permitida a reeleição. Portanto as próximas eleições seriam em 1938 e
Vargas não poderia ser candidato. [...] Vargas não escondeu seu
descontentamento com a nova constituição. Segundo ele, a constituição
de 34, ao revés da que se promulgou em 1891, enfraquece os elos da
federação: anula, em grande parte, a ação do presidente da República,
cerceando-lhe os meios imprescindíveis à manutenção da ordem, ao
desenvolvimento normal da administração: acaraçoa as forças armadas à
prática do facciosismo partidário, subordina a coletividade, as massas
proletárias e desprotegidas ao bel-prazer das empresas poderosas; coloca
o indivíduo acima da comunhão. [...] Serei o primeiro revisor da
Constituinte (PANDOLFI, 2003, p. 29-30).
Vargas tratou-se logo de reorganizar o ministério. Na busca de apoio para levar
avante seu projeto político de fortalecimento do Estado e combate ao poder das
oligarquias, ele voltou-se para os militares. Entretanto, o projeto de Vargas estava em total
descompasso com o clima político do país.
No entanto, o restabelecimento de uma ordem legal estimulou, conforme diz
Pandolfi (2003), a participação política e fortaleceu o movimento social. Em razão disso,
eclodiram várias greves no período e o processo político radicalizou-se. À direita e à
esquerda surgiram duas organizações políticas não partidárias que tiveram abrangência
nacional e se tornaram bastante expressivas. Divergentes entre si, a Ação Integralista
Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL) eram bem definidas
programaticamente e conseguiram produzir grande mobilização no país.
A AIB, criada em 1932 e dirigida pelo intelectual Plínio Salgado, inspirada no
fascismo, possuía uma estrutura organizacional paramilitar. Pautava-se por um
nacionalismo e um moralismo extremados, o que a fez ter adeptos entre militares e
católicos. Seu objetivo era combater os partidos políticos existentes e defender a integração
total da sociedade e do Estado, que seriam representados por meio de uma única e forte
agremiação: a própria AIB. Segundo Pandolfi “a preocupação de mobilizar amplamente a
população levava-a a realizar encontros, festas, palestras e manifestações de rua, durante as
26
quais entrava em choque aberto com os comunistas” (2003, p. 31). A AIB, de início, dava
sustentação política ao governo Vargas, sobretudo na luta contra o comunismo.
A ANL inspirava-se no modelo das frentes populares que surgiram na Europa para
impedir o avanço do nazi-fascismo, ela foi criada em 1935. Diferentemente da AIB, fez
oposição ao regime Vargas, “defendia propostas antiimperialistas e levantava a bandeira da
reforma agrária e das liberdades públicas. A organização agregava comunistas, socialistas e
liberais desiludidos com o rumo que havia assumido o processo revolucionário iniciado e,
1930 [...]” (2003, pp. 31-32).
O momento continuava ainda sob muita tensão, o movimento de resistência ao
projeto golpista de Vargas ainda se fazia presente. Mas, apesar da expressividade das forças
políticas de oposição e mesmo entre os setores considerados situacionistas, haver um grande
número de elementos contrários ao continuísmo de Vargas e às manobras golpistas, muitos
dos pedidos de Vargas foram aprovados, inclusive o retorno de estado de guerra e a
suspensão das garantias constitucionais. Na manhã de 10 de novembro de 1937 o Congresso
Nacional foi cercado por tropas da polícia militar. Conforme Pandolfi:
O regime mudou, mas Vargas manteve-se na chefia do executivo. Parte
expressiva dos aliados de 1930 estava marginalizada do poder. O
afastamento dos aliados civis e militares foi se dando de forma lenta e
gradual. [...] Sem dúvida, a ação de Vargas, no sentido de garantir bases
de sustentação para o golpe, teve sucesso. Entretanto, o Estado Novo
esteve longe de ser um desdobramento natural da revolução de 30. Foi um
dos resultados possíveis das lutas e enfrentamentos diversos travados
durante a incerta e tumultuada década de 1930 (2003, p. 34).
Lenharo também comunga de idéias parecidas com as de Pandolfi, ou seja, o
Estado Novo não foi somente uma tentativa de continuidade dos interesses políticos do
regime instalado em 1930, mais do que isso foi uma expressão de que “O Estado Novo
levou a sério a existência da luta de classes, assim como as possibilidades reais da classe
operária no jogo do poder” (1986, p. 22). Desta forma, entende-se que a estratégia de
aliciamento e a proposta de sindicalização apontam para uma política de controle da classe
operária e de sua estruturação a partir da orientação imprimida pelo poder.
Lenharo ressaltou que ainda recentemente, não se costumava caracterizar a
sociedade brasileira nos anos 30, como uma real sociedade de classes. Portanto, esse modo
de pensar, levava a elaboração de estudos da política do país desvinculados dos conflitos
que tomavam conta do mundo naquele momento, gerando, por exemplo, um distanciamento
de fenômenos políticos como o do Estado Novo, a uma aproximação com a tendência
27
fascistizante que assolava o mundo capitalista. Deste modo, indica leituras de Marilena
Chauí, em seu estudo particular, Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista
brasileira”, que esclarece como se tem caracterizado a sociedade brasileira naquele
momento, num cenário em que as duas classes fundamentais, segundo Lenharo, burguesia e
proletariado, não se encontravam plenamente constituídas.
Segundo Chauí (Cf. Lenharo, 1986), nenhuma das frações da classe dominante é
portadora de um projeto universalizante em condições de legitimar sua hegemonia sócio-
política. E mais, a classe operária ainda não alcançara condições históricas suficientes para
propor um projeto político de confrontação aos seus dominadores em também a classe
média urbana não apresentava uma identidade sócio-histórica definida, sendo que sua
prática e ideologia caminhavam ao encontro das posições assumidas pelas duas classes
fundamentais.
Frente a essa discussão, Chauí ressalta que a visão do Estado e da sociedade tende a se
assemelhar com o discurso integralista, sendo que para estes o autoritarismo devia ser a
solução para os problemas do Brasil real e, para os intérpretes liberais e marxistas o
autoritarismo foi a solução encontrada pela classe dominante, impossibilitada de exercer por
conta própria a hegemonia.
Lenharo (1986), esclarece que o assemelhamento releva o fato de que o se nota
uma diferença relativizadora dos planos discursivos. Pelo contrário, o discurso crítico atua
como atenuador da caracterização de uma realidade que o poder ditatorial não fez questão
de ocultar. Para ele a visão de um Estado que cumpre necessárias tarefas para uma
sociedade ainda incapaz de efetivá-las, vem ao encontro da auto-imagem propagada pelo
Estado Novo, anunciadora da construção de uma identidade societária e da auto-
proclamação de ser agente capaz de intervir no fluxo histórico e estancar as tensões da luta
de classes.
A força do Estado Novo vem sendo explicada e justificada pela existência da
oposição de classes desde o regime anterior. Lenharo afirma que “a contrapartida
inevitavelmente recai sobre o espaço das oligarquias, lugar privilegiado das tensões que
percorrem o conjunto da sociedade” (1986, p. 21).
O autor pretende mostrar que a luta de classes era vista como um conceito negativo,
o positivo era compreendido por meio da colaboração de classes. E ele cita uma fala de
Francisco Campos sobre a nova realidade em gestação: “O corporativismo mata o
comunismo como o liberalismo gera o comunismo. O corporativismo interrompe o processo
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de decomposição do mundo capitalista previsto por Marx como resultante da anarquia
liberal” (Cf. Lenharo 1986, p. 22).
Outro fator importante a ser salientado no contexto do Estado Novo e que Lenharo
nos ajuda compreender, trata-se da máquina de propaganda. H á indícios de que antes disso,
articulava-se uma organização da propaganda. Após 37, ela se espande e se aperfeiçoa,
direcionando-se para atuar como uma máquina de dominação. Para Lenharo:
Sob o signo da mentira, o Estado Novo fincou suas raízes. A introdução
do cinismo e da mentira como recursos de dominação política, cingem-
se no mesmo plano a censura, a delação, a tortura. Projeta-se para a
sociedade, através dos meios de comunicação, uma imagem de si
mesma, imersa num mundo de ficção, a competir com o mundo de sua
realidade. O peso dos erros do passado fora afastado; a sociedade antes
dividida e conflituosa, agora, encontrava o caminho da paz e do
equilíbrio; o trabalhador, por sua vez, finalmente tinha a seu favor um
Estado protetor e justo; a nação reencontrava-se consigo mesma e abria-
se confiante para p progresso econômico. Alguns anos depois, quando as
dificuldades ficam evidentes, a ficção perderá sustentabilidade; a dura
realidade do trabalho a mais, exigido pela economia de guerra, a
desvalorização dos salários e a queda precoce do valor do relativo do
mínimo, roído pela inflação, significarão o fim do sonho da ilha de paz e
prosperidade do Estado Novo (1986, p. 38-39).
A criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) em 1939 foi uma
demonstração de que o Estado Novo não media esforços para se manter como estrutura
política dominante. À DIP cabia controlar e exercer a propaganda e a censura, assim
promover manifestações cívicas e culturais e exposições demonstrativas das atividades do
governo.
Dos dispositivos utilizados, Lenharo (1986) destaca o rádio como o principal deles
pelo clima e pelo teor simbólico que alcançava entre emissores e ouvintes. O rádio permitia
uma encenação de caráter simbólico e envolvente, “estratagemas de ilusão participativa e de
criação de uma imagem homogênea de comunidade nacional” (p. 40). O importante do
rádio não era o que era passado e sim como era passado, permitindo a exploração de
sensações e emoções propícias para o envolvimento político dos ouvintes. Segundo
Lenharo, “Vargas, quando se referia ao rádio, apontava para a sua importância enquanto
meio de educação cívica ao mesmo tempo que informador das diretrizes do governo e do
alcance de suas medidas” (1986, P. 41).
Lenharo resume que os meios de comunicação e a máquina da propaganda insistem
na imagem da comunidade harmoniosa permanentemente proclamada pelo rádio e em todas
29
as ocasiões em que as autoridades anunciam o milagre de todos por meio delas mesmas no
exercício da política. As manifestações públicas visavam atestar a impressão de
unanimidade dessa comunhão nacional, desse bem-estar político, dessa aceitação das
diretrizes impostas sem possibilidade de contestação.
Acerca das representações dessas imagens no campo educacional, Capelato (2003),
afirma que as imagens e os símbolos eram difundidos nas escolas com o objetivo de formar
a consciência do pequeno cidadão. Nas representações do Estado Novo, a ênfase no
“novo”era constante, o novo regime prometia criar o homem novo, a sociedade novo e o
país novo. O contraste entre o antes e o depois era marcante; o antes era representado pela
negatividade total e o depois (Estado Novo) era a expressão do bem e do bom. Segundo a
autora, avia promessas de um futuro glorioso. As crianças aprendiam o que significava o
novo através de publicações de texto em forma de diálogo, as perguntas e as respostas
ensinavam didaticamente o sentido das mudanças. Nas publicações destinadas à formação
cívica das crianças, como era o caso do Catecismo Cívico do Brasil Novo, as crianças
aprendiam a importância do princípio da autoridade e da ordem.
Capelato (2003), ressalta que amor, paz, felicidade, generosidade, concórdia
constituíam os elementos que compunham a estrutura afetiva organizada para propor a
unidade em torno de um todo harmônico. Ao estimular esses sentimentos, pretendia-se
neutralizar os conflitos através da formação de identidade nacional coletiva.
A produção artística cultural ficou restrita aos ideais do Estado, este era quem
controlava tudo. Segundo Capelato, a política cultural do varguismo foi coerente com a
acepção de Estado que orientou a atuação do governante. Em nome de valores políticos,
ideológicos, religiosos e morais, os representantes do regime justificaram a proibição ou
valorização de produtos culturais. A defesa da intervenção estatal na cultura, entendida
como fator de unidade nacional e harmonia social, caracterizou esse período. A cultura foi
entendida como suporte da política e nessa perspectiva, cultura, política e propaganda se
mesclaram. Nesse sentido, a forma autoritária do poder garantida pela constituição de 1937
certamente impediu a divulgação de obras críticas.
Em suma, Capelato afirma que esse regime implicou perdas e ganhos para as
classes populares. A questão social deixou de ser um “caso de polícia” como no período
anterior, mas passou a ser um caso de Estado e muitas lutas tiveram de ser travadas para que
o passado fosse superado. No plano político, o autoritarismo, que marcou presença na
sociedade brasileira, foi reforçado nesse período. Foi introduzida no país uma nova cultura
30
política, que transformou a cidadania numa peça de jogo de poder. As liberdades relativas
que existiam no período anterior foram extintas nesse momento em nome do progresso
destro da ordem.
O progresso material, sinônimo de desenvolvimento econômico, de fato
ocorreu, demonstrando que a meta primeira do governo estodonovista foi
atingida em parte. O Brasil, nessa época, deu um salto em termos de
superação do “atraso”, mas os resultados não chegaram a beneficiar as
classes populares como um todo, pois o desemprego era apontado como
um dos problemas mais sérios do momento. Além disso, a alta do custo
de vida e os baixos salários foram responsáveis pela insatisfação daqueles
que o governo elegera como os principais beneficiários de sua política
(CAPELATO, 2003, p. 140).
Concordo com Capelato na existência de pontos positivos e negativos em relação
ao regime do Estado Novo. Ao mesmo tempo em que representou, por um lado, avanços
significativos no setor econômico, como os direitos adquiridos com as leis trabalhistas, a
iniciação a uma cultura industrial, mesmo que incomparável com a dos países mais
desenvolvidos, por outro, no setor social e cultural principalmente, ficou bastante
comprometido, tanto pelo descaso do governo com a melhoria de vida dos cidadãos
brasileiros, quanto pelo autoritarismo e pela censura que impediam o avanço cultural.
Porém, é explicito que os pontos negativos foram bem maiores. Pois não há como associar
bem estar social, a busca pela democracia, pela igualdade de direitos dentro de um regime
autoritário, que usava do discurso da coletividade para conseguir benefícios particulares.
1.4.1 O ensino primário nas reformas educacionais
No contexto do Estado Novo, a ênfase na formação do sentimento de
nacionalidade revelou uma escola habitada por imagens cívicas. A atitude de cantar o hino
nacional praticamente todos os dias, hastear a bandeira, fazer ou declamar poesias de
cunho patriótico, os desfiles cívicos e as grandes festas em comemoração à memória dos
heróis nacionais eram sinais de que a escola já fazia concorrência vantajosa à paisagem da
rua.
Mas nem tudo foi êxito. A resistência à modificação dos hábitos da rotina escolar
permaneceu constante no cotidiano. A escola vista de forma alegre e festiva tinha também
versões menos atrativas, nas quais ainda se praticavam os castigos físicos e morais, nas
quais se exacerbava a vigilância sobre o estado de limpeza do corpo, da roupa e
31
principalmente, dos comportamentos dos alunos, nas quais os professores driblavam as
autoridades pedagógicas e suas medidas de controle dos resultados pedagógicos e os
métodos oficiais de alfabetização.
Segundo Nunes (2003, p. 373), em seu estudo acerca (des) encantos da
modernidade pedagógica, particularmente na cidade do Rio de Janeiro entre décadas de 20
e 30, diz que “a mensagem do livro de leituras, tanto quanto a das festividades, era clara: a
virtude homogeneíza (quase) todas as diferenças, quer ela, sejam de sexo, idade, espaço ou
tempo”. A autora ressalta em seu estudo o conteúdo do livro “Histórias da nossa terra” e,
fala como ele serviu de fonte de inspiração para formação do sentimento de nacionalidade,
associando este com a virtuosidade.
A fonte da virtude é uma só: a República, o único regime que conferindo
igualdade política permitia a qualquer homem, mesmo os de origem
obscura e humilde, chegar à presidência da República ou à propriedade de
uma fábrica. Sem nenhuma necessidade de explicar as diferenças
concretas entre os homens, tanto os organizadores das festividades cívicas
quanto a autora de Histórias da nossa terra, Júlia Lopes de Almeida,
podiam tentar quase que obstinadamente tocar as emoções, seja do
participante ou do leitor, para levá-lo às lagrimas (NUNES 2003, p. 373).
Nunes reforça essa questão dizendo que com a República, à medida que se
ampliavam a preocupação com “Quem somos nós”?, ampliava-se também a exigência da
resposta a uma outra interrogação: “Quem são os outros”? As respostas formuladas foram
sendo esboçadas, segundo ela, nos livros didáticos, nos romances e nas crônicas da época,
nos jornais, nos relatos e nos textos de avaliação do regime republicano.
Quebrar a imagem de virtude projetada pelo espelho dos ideais republicanos, diz
Nunes, é tornar evidente a sua ausência, mas de qualquer forma reforça ainda a sua
necessidade. É o que fazem os relatórios dos Diretores da Instrução Pública, dos prefeitos,
entre outros que, denunciando a cidade como estigma de vários vícios sociais, como o
corpo destruído pelas doenças e pelas iniqüidades, fornecem um retrato do país. Fixam,
desta forma, de um modo dramático a desilusão iluminista que assolava as elites,
preocupadas com a identidade nacional e com a qualidade da sua intervenção numa
conjuntura de recriação institucional atenta a sua vocação de dirigente e à definição da sua
tarefa intelectual, como sendo um exercício de investigação e de prevenção ou correção de
rumos.
A escola primária nos grandes centros, por sua vez, revelava não os problemas
urbanos decorrentes da política de habitação, saneamento, trabalho, mas também a tensão
32
constitutiva entre poder público e privado, que está no próprio movimento de formação de
Estado e da extensão do seu papel e dos serviços que ele presta. É neste cenário que a
escola desconfigurava-se como extensão do campo familiar, privado e religioso e,
gradativamente, vão integrando uma rede escolar pública.
Parece que essas mudanças não se restringiram apenas nos aspectos materiais da
escola, mas também e, principalmente, em seus aspectos simbólicos, pois almejava-se da
escola primária a construção de um estado de espírito moderno. É possível afirmar que a
política de intervenção na escola primária visava modificar os hábitos pedagógicos
combinando, todo um processo de renovação via renovação da formação do docente e uma
séria tentativa de reformar os costumes das famílias que enviavam seus filhos às escolas.
Conforme Nunes, “A escola primária estava impregnada por uma ordem cristã de
sociedade expressa por um ideal civilizatório conservador, que encontrava suporte num
catolicismo difuso, emaranhado no cotidiano da sociedade” (2003, p. 378).
Nunes fala também da sua opção pelos (des) encantos da modernidade pedagógica,
porque pretendia vislumbrar a resistência e a diversidade para além da construção dos
espaços da cidade e da escola como produção/reprodução de controle e de opressão. Um
dos efeitos de mais importantes da modernidade pedagógica como prática cultural, diz ela,
foi o de produzir identidades sociais que se definiram, no entanto, num processo de
produção da diferença, que é decisivamente cultural e social. Reconstruíram-se
incessantemente tendo como referencia um outro. Nesse sentido, identidade e alteridade
caminharam juntas como categorias sociais e políticas.
Em Mato Grosso, a partir de 1910, o ensino primário foi estruturado segundo o
modelo paulista, que era visto como sinônimo de modernidade e eficiência. Carvalho
(2003), num estudo sobre Reformas da Instrução Pública, nos informa acerca das reformas
ocorridas em São Paulo, e diz que a escola paulista é estrategicamente erigida como signo
do progresso que a República instaurava; signo do moderno que funcionava como
dispositivo de luta e de legitimação na consolidação da hegemonia desse Estado
Federativo.
Para a autora é com a Reforma Caetano de Campos que se inaugura a lógica que
preside a institucionalização do modelo escolar Paulista. Na Escola Modelo (anexa à
Escola Normal criada pela Reforma) os futuros mestres podiam ver como as crianças eram
manejadas e instruídas. Fazendo aprender a montagem do sistema público de ensino
paulista dos novos métodos e processos de ensino intuitivo, a Reforma fazia também
33
depender o domínio desses métodos e processos da experiência de vê-los em execução. Em
relação aos métodos, vimos que:
[...] a arte de ensinar torna-se largamente dependente da capacidade de
observar. Observar inicialmente a prática de professores experientes e,
“escolas para os mestres”, que, “sem ter visto fazer”, não se aprende a
ensinar. Mas nessa situação de aprendizado, observar a própria prática de
observação, de que se tece a arte de instruir, modelarmente exibida nessas
escolas. Observar mais tarde, como professor já formado, que já aprendeu
“de beis mestres todos os mil segredos que a arte consumada pode
revelar’, a “natural atividade” da criança, como exige uma pedagogia que
se propõe cultivo das “faculdades em sua ordem natural”. Nessa
pedagogia como arte, como saber-fazer, a prática da observação modula a
relação ensino-aprendizagem, instaurando o primado da visibilidade
(CARVALHO 2003, p. 226).
É no inicio de 1920 que esse modelo paulista entra em crise. Segundo Carvalho
(2003), a crise do modelo paulista não derivou apenas de mutações nos paradigmas de
conhecimento. Ela foi determinada, também, pelas motivações políticas, sociais e
econômicas que confluíram para o chamado “entusiasmo pela educação”.
Outra reforma é estabelecida na tentativa de extirpar a crise da proposta anterior.
Esta foi implantada pelo Decreto 1.750 de 8 de dezembro de 1920 e foi chamada de
Reforma Sampaio Dória. Esta, em nome da erradicação do analfabetismo, reduziu a
escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos. Conforme Carvalho (2003),
Sampaio Dória capitalizava o que, na sua experiência de pedagogo envolvido no sistema
paulista, era a fórmula do sucesso da escola no estado: o ensino intuitivo. E diz também
que o único método que ele acreditava ser adequado, era o método de intuição analítica.
Estas reforçavam a idéia de que dois anos de formação pareciam suficientes para que o
aluno exercitasse as suas faculdades, desenvolvendo a sua capacidade de conhecer.
Muitas reformas foram feitas além desta, por exemplo, a de Lourenço Filho no
Ceará, a de Francisco Campos em Minas Gerais, a de Anísio Teixeira na Bahia e a de
Fernando de Azevedo no Distrito Federal. As Reformas realizadas após a de Sampaio
Dória, que, por sua vez serviu de referência para as demais, foram construídas com base
em alguns questionamentos acerca da Reforma de Dória. Segundo Carvalho, essa Reforma
foi “mal compreendida no seu intento pedagógico e político de condensar a educação
popular em dois anos de escolarização básica, a Reforma Sampaio Dória passa a
representar o caminho a ser evitado [...](2003, p. 230). Isso acarretou numa crítica a
campanha de alfabetização desenvolvida por Dória.
34
A contrapartida foi desencadeada por setores intelectuais, os quais articularam-se
em torno da propaganda da educação e de iniciativas de Reforma educacional nos estados,
produzindo, segundo Carvalho (2003), o que Jorge Nagle Chamou de “entusiasmo pela
educação, uma das vertentes do processo de avaliação da República instituída, encetado
por intelectuais que, desiludidos, propunham-se a “republicanizar a República, movendo-se
nos interstícios de um programa liberal sintetizado no lema “representação e justiça”e de
um projeto nacionalista de “soerguimento moral da sociedade”.
A autora ressalta que a plataforma política sintetizada no lema “representação e
justiça” era, sobretudo demanda de uma nova elite urbana, interessada em estruturar
mecanismos de controle das populações pobres no espaço da cidade. Ela também indica ao
leitor fazer um distanciamento da leitura de Nagle, propondo o entusiasmo pela
educação” como um projeto modernizador que se transforma, no decorrer de 20, sob o
impacto desse interesse de estruturar mecanismos de controle do quotidiano das
populações pobres nos grandes centros urbanos. Isso foi provocado no sentido de que para
as elites, o aceleramento dos processos de industrialização e urbanização atraía para os
grandes centros populações que, provenientes de outras culturas, ou de regiões muito
pobres do país, não partilhavam os comportamentos que regiam o cotidiano da convivência
interclasses no espaço urbano.
Nesse contexto, a imagem de uma cidade invadida por populações de costumes
bárbaros, como diz Carvalho (2003), que ameaçariam as rotinas citadinas mais
sedimentadas passa a ser referência constantes nos discursos de uma elite urbana letrada.
Portanto, moralizar esses costumes era o núcleo do programa das campanhas cívicas da
década de 20. No desejo de modernizar a educação segundo essa forma de pensar, a
Reforma da Instrução Pública se distanciou da luta contra o analfabetismo, e passou a
configurar-se como:
Estratégia política que gradativamente abandona a matriz liberal que
havia norteado a Reforma Sampaio Dória e as campanhas de
alfabetização desenvolvidas sob o lema “representação e justiça”, passa a
ser: (...) uma grande reforma de costumes, capaz de ajustar os homens a
novas condições e valores de vida, pela pertinácia da obra de cultura, que
a todas atividades impregne, dando sentido e direção à organização de
cada povo (CARVALHO 2003, p. 233).
35
Esse percurso nos faz entender que além de algumas possíveis continuidades, com
o Estado Novo a política educacional se transforma, pois o novo regime de autoridade
tinham diretrizes definidas e ideologia própria a ser difundida pela educação. Mantêm-se
as duas grandes linhas diretrizes da educação popular firmadas no período anterior, com a
diferença de que o governo central assume a responsabilidade de levá-las à prática. O
crescimento das redes de ensino elementar continua a se fazer no sentido da educação das
populações rurais; favoreceu-se o desenvolvimento da educação técnico-profissional nas
cidades. Mas a estratégia educacional, além dos objetivos de capacitação de mão-de-obra e
democratização do ensino elementar, visava mais claramente a defasa da ordem social.
Diminuindo o prestígio dos renovadores, volta a educação a ser pensada em conexão com
os demais problemas da sociedade. Antes, como instrumento para recomposição do poder
político; agora, como fator capaz de contribuir para a sedimentação desse poder
recomposto, como instrumento de difusão ideológica.
A ideologia modifica-se dos que detêm o poder quando o liberalismo da Segunda
República é substituído pelo autoritarismo do Estado Novo. A intenção da utilização da
educação como meio de difusão ideológica é explicita. A mesma orientação está presente
na constituição de 1937, que estabelecia a competência da União em matéria educativa
estipulando as despesas mínimas dos poderes blicos com a educação e a elaboração de
um plano nacional de educação a ser coordenado pelo poder central. A educação
compunha o quadro estratégico governamental de solução da “questão social” e do
combate à subversão ideológica.
Segundo Paiva (1987), durante o Estado Novo, as decisões em matéria de educação
são mais políticas do que técnicas, embora se mantenha o prestígio e mesmo a consulta de
alguns “profissionais da educação” que aderiram à nova forma de governo. Ela quer dizer
que o governo se decide pela difusão do ensino e, embora por influencia dos técnicos
getulistas mantenha a preocupação qualitativa, reforçou-se o objetivo quantitativo. A
autora citando Humberto Grande em seu estudo sobre “A pedagogia do Estado Novo”,
salienta que segundo ele, a pedagogia do Estado Novo era a “pedagogia da disciplina e da
autoridade que quer formar no espírito das novas gerações uma mentalidade vigorosa e
confiante”, e seus principais objetivos eram os de eliminar o analfabetismo, proporcionar
instrução agrícola e rural à população do campo e do interior dos Estados, ministrar ensino
técnico-profissional aos habitantes das cidades e educação universitária às elites. Para a
36
autora, a educação era concebida como instrumento do Estado para servir aos seus
objetivos, devendo ministrar ao povo patriotismo de cunho “nacionalista e nacionalizador”,
ligada a instrução militar generalizada como meio de exteriorizar o “culto à Pátria”.
Paiva (1987) ressalta também as iniciativas em favor de uma política educacional
de educação, da centralização das informações e da orientação educativa do país, bem
como em favor da difusão do ensino elementar. Ela diz que em 1938 foi criada uma
comissão Nacional do Ensino Primário para estudar e propor as bases da política a seguir
em matéria de ensino primário e também estabelecer um plano de combate ao
analfabetismo. Nesse mesmo ano, o governo central passou a colaborar financeiramente
com os Estados onde se fazia necessário um esforço nacionalizador, na fundação e
manutenção de escolas elementares. Ainda nesse ano foi criado o Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP) através do decreto 580 do mês de janeiro, como objetivo
de promover estudos e centralizar informações acerca da educação nacional.
Os primeiros estudos realizados pelo INEP, mostrando a precariedade do ensino de
primeiro grau, e as preocupações quantitativas do Governo, conduziram à convocação da
Conferência Nacional de educação realizada em 1941. Segundo Paiva, pretendia-se discutir
os problemas da educação escolar e extra-escolar tendo como principais temas a
organização, difusão e elevação da qualidade do ensino primário e normal e do ensino
profissional, bem como a organização, em todo o país, da juventude brasileira, entidade
destinada a congregar a mocidade para a educação física, moral e cívica. A medida
concreta indicada pela Conferência só foi tomada um ano depois, o governo federal
instituiu o Fundo Nacional do Ensino Primário, formado pela renda proveniente dos
tributos federais que para esse fim viessem a ser criados, destinado à ampliação e melhoria
no sistema escolar primário em todo o país.
A falta de pressa com a qual o governo concedeu o auxílio ao ensino primário
demonstra que, apesar de sua intenção de utilizar a educação como veículo de difusão
ideológica, a ação pedagógica através do sistema formal de ensino não era vista como
política muito importante; parece que apesar da orientação populista do Estado Novo, a
ação política seguiu os caminhos tradicionais das composições entre os grupos dominantes
nos centros decisórios, sem incorporar maiores parcelas da população a este processo.
O período do Estado Novo foi marcado pelo caráter forte, autoritário, centralizador
e monolítico do Estado que se instaurou neste período da história brasileira. Procede desse
pensamento a liquidação das frágeis instituições democráticas, bem como o arquivamento
37
de um projeto político pedagógico que visava formar o cidadão “livre” e capaz de
reconstruir democraticamente a “unidade nacional”. Contudo a educação a partir de 1937
foi norteada para e pelo trabalho; tornou se mais importante formar uma população para o
bem do capital, e não para o bem da Nação. Foi necessário fornecer conhecimentos
mínimos e formar os comportamentos adequados ao ritmo e à natureza do trabalho, que
passou a ser exigido pelo novo padrão de acumulação que vai se concretizando cada vez
mais após 1930.
Embora essa nova formação fosse a ideal no pensamento das elites dirigentes, ela
não alcançou de imediato todo o território brasileiro. A compreensão de que o houve no
pós-30 uma transferência imediata do poder dos grupos oligárquicos tradicionais para
novos grupos ligados ao setor industrial, considerando o Brasil como um todo, não é
menos verdadeira em se tratando dos espaços que se assentavam numa economia agrária,
como era o caso de Mato Grosso. Os desdobramentos conseqüentes do Movimento
revolucionário de Trinta, em Mato Grosso, levaram ao poder as oligarquias dissidentes, na
medida em que não se verificou na época nenhuma mudança econômica capaz de justificar
uma alteração nas bases do poder.
Aqui foi feita uma análise de cunho mais geral acerca das reformas, dos embates e
das principais discussões que permeavam a educação desde o início da primeira República,
buscando ampliar a visão dos estudos sobre a educação e a política do Estado Novo, bem
como, perceber as mudanças e as possíveis permanências existentes entre elas. O diálogo
entre as discussões de cunho nacional e as reformas implantadas no Estado de Mato Grosso
será abordada no próximo capítulo, onde procuro mostrar a organização e o funcionamento
do Grupo Escolar Leônidas de Matos nesse período.
38
CAPITULO II
O CENÁRIO SÓCIO-POLÍTICO DE SANTO ANTONIO DE
LEVERGER E A IMPLANTAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR
LEÔNIDAS DE MATOS
2.1 Panorama histórico do município
O município de Santo Antonio de Leverger, antes denominado Santo Antonio do
Rio Abaixo, pode-se dizer, que é um dos mais antigos de Mato Grosso, no presente ano
completou 104 anos de emancipação política, e destacou-se historicamente pela sua
importância econômica no contexto matogrossense devido a produção açucareira.
Com a abertura da navegação pelo Rio Paraguai, a partir do término da Guerra do
Paraguai, incentivou-se a produção açucareira e inseriu-se a Província de Mato Grosso no
circuito nacional e internacional (CAVALCANTE; RODRIGUES, 1999, p. 67). Uma
grande variedade de produtos industrializados passou a entrar na região, via Estuário do
Rio da Prata e, com isso, as máquinas substituíram a produção rudimentar, até então feita
pelas engenhocas. Esse foi o momento em que as usinas açucareiras se instalaram,
principalmente nas margens do Rio Cuiabá. Segundo as autoras Castro e Aleixo (1987, p.
69) “[...] a primeira usina foi fundada em 1893, pelo comendador Joaquim José Paes de
Barros a Usina Conceição (Santo Antônio), e 1895 teve início a construção de Itaicí
(Santo Antônio) considerada o melhor estabelecimento açucareiro de Mato Grosso”. A
produção açucareira estendeu-se até as primeiras décadas do período republicano.
Santo Antônio de Leverger, nesse período de ascensão econômica matogrossense,
era muito influenciado pelo poder dos coronéis, estes detentores do poder econômico,
exerciam grande influência em todos os setores da sociedade. O coronelismo foi um
fenômeno que constituiu-se como base fundamental para a compreensão do funcionamento
político da Primeira República em Mato Grosso. Esse fenômeno caracterizou-se pela
dominação de poderosos chefes políticos locais, praticamente, grandes proprietários de
terra, que tinham domínio sob os eleitores, atrelados pelos laços de dependência pessoal e
39
de favores eram subordinados a manipulação dos coronéis que visavam a manutenção de
seus interesses políticos.
No período das eleições, do domínio pessoal ao voto de cabresto, e até mesmo sob
a força dos capangas, garantia o poder local das oligarquias. Em Mato Grosso, dois grupos
de coronéis disputavam o poder político, segundo Valmir Corrêa, de lado tinha a oligarquia
nortista, proprietários das usinas circunscritas à região de Cuiabá e de outro, o da
oligarquia sulista, composta por proprietários da Mate-Laranjeira, comerciantes e
pecuaristas. E ainda diz que:
Dessa estrutura política matogrossense surgiram grupos oligárquicos,
como por exemplo, os Murtinhos, os Corrêa da Costa, os Ponces, os
Barros, os Celestinos, que se sustentaram no poder, na medida em que
mantiveram o respeito pela independência dos coronéis locais e seus
respectivos domínios. Isto vale dizer que o poder oligárquico era
composto não apenas por um grupo familiar, mas também por grupos
afins, unidos por interesses comuns e momentâneos, mas também
preservando uma relativa autonomia de um mando em âmbito local,
onde concentravam suas posses e seus patrimônios (CORRÊA, 1995, P.
54)
A política coronelista era baseada num sistema eleitoral aberto, ou seja, voto sem
sigilo. Os cargos blicos dos cartórios, escolas, delegacias e outros cargos municipais da
cidade, estavam sujeitos à influência dos coronéis. Tudo indica que havia uma enorme
relação de dependência da população municipal para com estes potentados, seja para
arrumar-lhe emprego, dinheiro ou conceder-lhes favores políticos.
Segundo Gaeta (1995), em seu livro “Vozes no Silêncio: subordinação,
Resistência e trabalho em Mato Grosso (1888-1930)”, o paternalismo na relação de
trabalho esteve sempre presente à formação econômica matogrossense. Ele foi
fundamental para o estabelecimento e fortalecimento dos grupos políticos locais, que
imprimiram à região características bem particulares. A autora frisou também que a
máquina administrativa do Estado era toda formada, durante o período republicano, pelos
elementos que apoiavam o político vencedor.
Outro fator que nos chama a atenção na política coronelista é o poder de controle
exercido sob o seu poder de “mando”. Conforme Gaeta:
40
Para exercer o controle sobre os camaradas, o coronel acabou por
constituir um corpo de vigilantes. [...] Além do capataz, dele faziam
parte os capangas, cuja função era de valar pela vida do patrão e policiar
o estabelecimento, em que seriam energicamente sufocados os pruridos
de rebeldia. Acresçam a eles os chefes dos armazéns, responsáveis pela
distribuição e controle dos gêneros consumidos pelos camaradas. Por
último, o administrador que, em não poucas ocasiões, aplicavam as
punições aos camaradas faltosos. [...] A força disciplinar não se
circunscrevia à sua propriedade, uma vez que controlava os caminhos, os
portos, os lugares e as cidades (1995, pp. 193-194).
Apesar de todo esse controle, havia focos de resistência, portanto, entende-se que
as ões de rebeldia contra a autoridade e dominação do coronel, sempre combatidas de
maneira enérgicas e exemplar, parece ter reprimido a possibilidade da construção de
mecanismos passíveis de se transformar em atos de insubordinação coletiva, mas, mesmo
assim, quando ocorriam, não deixavam de ter seu cunho político.
Em relação às disputas políticas nesse contexto político da Primeira República, de
um lado estava Antonio Paes de Barros (Totó Paes), este proprietário da Usina Itaíci (Santo
Antonio), que naquele momento era considerada a mais moderna da região e, de outro,
estava Generoso Ponce, Líder político e comerciante (Corumbá), e também a família
Murtinho da Companhia Mate-Laranjeira, esta alternava seu apoio ora para Totó Paes, ora
para Generoso Ponce. Durante quase toda a primeira República, os governantes de Mato
Grosso assumiram o poder após sucessivas lutas armadas entre esses coronéis. A exemplo
disso:
[...] Em 1889 Totó Paes de Barros e seus aliados lutaram para destronar o
coronel Ponce; em 1906 foi a vez de Ponce com seus aliados (muitos
deles ex-aliados do presidente), lutar para destronar totó Paes. Essa
situação lembrava a afirmação do deputado Luiz Adolpho, na discussão
sobre uma possível federal no Estado em decorrência da revolução de
1899: o que houve em Mato Grosso foi uma insurreição, uma violência
doméstica [...], uma verdadeira rebelião contra os poderes locais
(CORRÊA, 1995, p. 100).
Quem estabeleceu uma poderosa rede de poder político foi a família Paes de
Barros, donos de várias usinas ao longo do Rio Abaixo (Santo Antonio), são personagens
centrais dos maiores conflitos políticos na virada do século XX. Totó Paes até se “elegeu”
presidente de Estado.
Segundo Neves, os coronéis tinham o seu prestígio vinculado à questão do
fortalecimento dos municípios, pois, é na esfera do poder municipal que se sustenta o
sistema coronelista, e ainda, “[...] o desdobramento desse compromisso teve que chegar ao
41
município, que, pelo domínio que exercia sob um eleitorado rural geralmente
despolitizado, é o coronel local quem determina a orientação política e eleitoral” (1988, p.
144).
A análise da fase de consolidação republicana em Mato Grosso só seria possível
com a referência do sistema coronelista, no qual se enraizado o modelo representativo
brasileiro. O traço característico desse período, conforme Neves (1988), é o conteúdo da
violência nas lutas entre os grupos oligárquicos, alimentada pelo braço armado dos
coronéis e sustentada por uma seqüência de conflitos conhecidos como “revoluções”.
Fortalecido pelo poder federalista, o coronelismo em Mato Grosso representou a
força armada do poder oligárquico na luta pela hegemonia política, submetendo as
questões partidárias. Segundo Corrêa:
O advento da República não trouxe para Mato Grosso mudanças
substanciais que pudessem modificar as relações sócio-econômicas da
região e caracterizar uma nova situação em relação a violência e ao
banditismo ali existente. Na realidade, a nova ordem política vem tão
somente consolidar uma situação pré-existente no cenário das lutas pelo
poder de mando em nível local e regional, intensificando o clima de
violência e abrindo maior espaço à atuação declarada do coronelismo. A
região de Mato Grosso passou, então, a ser conhecida como a terra sem
Lei, ou onde a única Lei existente obedecia ao artigo 44, ou seja, a Lei
com calibre 44 (1995, p. 19).
A ação política dos coronéis em Mato Grosso delineou-se através dos partidos
republicanos estaduais, entretanto, as novas forças político-partidárias republicanas, a nível
estadual, foram principalmente endossadas pelos remanescentes dos antigos partidos
monárquicos (Liberal e Conservador), caracterizando não propriamente uma mudança na
estrutura política matogrossense, mas, certamente, uma nova composição no poder, com o
acirramento das lutas entre as oligarquias do norte e as do sul.
O poder dos coronéis começou a sofrer perdas com a construção do Estado Novo e
o fortalecimento econômico do sul do Estado. Entre 1930 e 1945, várias medidas foram
tomadas, tanto no âmbito nacional como no estadual, visando restringir o poder dos
usineiros.
Porém é importante dizer que não foi cil derrubar o poder das oligarquias em
território matogrossense, particularmente, as oligarquias do norte. Desde 1930, momento
agitado e convulsivo, Getúlio Vargas tomou o poder através de um golpe e, instalou um
governo provisório, pretendeu-se a centralização política e o fortalecimento do Estado.
42
A meta de Vargas era acabar com a crise econômica e criar mecanismos políticos
que lhe permitisse governar. Para tanto fechou o Congresso Nacional, as Assembléias
Legislativas Estaduais, as Câmaras municipais, e nomeou para os Estados, interventores
federais.
Para Mato Grosso, Vargas indicou Mena Gonçalves como interventor federal,
tendo como um dos principais propósitos diminuir o poder dos coronéis, grande parte deles
proprietários de usinas, como vimos. Mena Gonçalves cobrou dos coronéis o
cumprimento das leis trabalhistas como salário mínimo, aposentadoria etc. Ele também
iniciou uma perseguição aos coronéis, especialmente àqueles ligados ao açúcar,
principalmente, na região do Rio Abaixo. Conforme Siqueira (1990, p. 186), “Esse tipo de
procedimento radical, produziu forte reação por parte da oligarquia regional. [...] Nessa
ocasião os fazendeiros chagaram a ser presos e seus estabelecimentos interditados [...]”.
Para Gaeta (1995, p. 203), “este ato desferiu um golpe muito duro nos coronéis, fazendo-
lhes sentir, uma vez mais, que seu poder enfraquecia a olhos vistos. [...] Perceberam que
suas ações não podiam ser mais controladas”.
Um movimento importante ocorrido em Mato Grosso no ano de 1933, conhecido
como “Tanque Novo”, foi um exemplo de como as oligarquias do norte resistiam a política
de Vargas. O Tanque Novo localizava-se próximo a cidade de Poconé e é nesse lugar que
vivia Laurinda Lacerda Cintra, mas era chamada pelos moradores como Doninha. Segundo
Siqueira (1990), essa mulher, em 1931, aos 22 anos de idade, mãe de dois filhos e
esperando um terceiro, começou a ter visões de uma Santa, primeiramente chamada de
“Maria da verdade” e, mais tarde de “Jesus Maria José”. Por motivo dessas aparições,
Doninha começou a ser solicitada, muitas pessoas se dirigiram ao Tanque Novo, confiantes
em que todos os males seriam curados por ela, e não por isso, diziam também, que além
dos aconselhamentos sobre doenças, ela fazia algumas previsões para o futuro.
Como o ano de 1930 foi marcado por eleições para presidência da República
brasileira, Poconé apoiou o candidato da oligarquia paulista. “A Aliança Liberal, oposição
a essa, não conseguiu um único voto nessa região” (CALVALCANTE; RODRIGUES,
1999, p. 118), isso demonstrava que as forças políticas poconeanas não estavam
comprometidas com os ideais da Aliança Liberal, mas ao contrário, apoiavam a oposição
liderada por Washington Luís.
43
Mas, como diz Siqueira (1990), que mesmo Getúlio Vargas tendo perdido as
eleições e promovido um golpe, ele não estava interessado em tornar seu governo
antipatizante, porém, desejava ter a seu lado as forças políticas regionais e nacionais. Para
isso, foi afastado do cargo de interventor Antonio Mena Gonçalves, ocupando a sua
função, Artur Antunes Maciel. Caberia a ele conseguir adesão da população à causa
getulista nas zonas rurais, onde imperava as forças das oligarquias. Para a prefeitura de
Poconé foi nomeado o coronel Manuel Nunes Rondon, com a finalidade de atraí-lo, como
também a população, para essa mesma causa.
A dissertação de Costa (1987) “A dimensão política de um movimento religioso
(1930-1934)”, procura analisar na estância política do movimento, os interesses partidários
que interferiram no seu desenvolvimento, pretendendo demonstrar como os
acontecimentos de Tanque novo, por serem parte da disputa partidária no Estado só podem
ser entendidas levando em conta sua dimensão política, explicitando o que foi esse
movimento religioso do Tanque Novo.
Segundo Costa, o movimento teve início em 1931, quando uma moradora do sítio
de Tanque Novo, Laurinda de Lacerda Cintra (Doninha), disse ter visto a aparição de uma
Santa e, a partir daí, passou a fazer curas extraordinárias, prever o futuro etc, o que no
conceito popular se transformou em milagres, atraindo rapidamente muitas pessoas. A
religião oficial era o catolicismo e se respeitavam os seus valores e dogmas. A intersecção
do movimento religioso com as disputas municipais teve como base a análise da sua
própria dinâmica, uma vez que a existência do movimento (formação, desenvolvimento e
destruição), esteve imbricada aos enredos do Estado. O interregno político compreendido
entre a vitória militar da Aliança Liberal e sua vitória eleitoral, foi marcado, também em
Poconé, pelas lutas entre antigos grupos na disputa pela composição e domínio do poder
local. O objetivo imediato dos grupos contendores era o controle das máquinas
administrativa e eleitoral no município.
Em suma, Costa (1987) compreende que o Arraial do Tanque Novo, por reunir uma
numerosa população, se transformou, naquele momento, num dos vetores desta disputa. A
massa humana ali reunida passa a ser vista como possíveis e prováveis eleitores e por isso
vista também como elemento que poderia decidir esta disputa, pois quem conseguir o seu
apoio, conseguirá também a vitória eleitoral no município. Por esse motivo, o Arraial vai
se transformar no ponto nevrálgico das disputas, com um grupo lhe dando apoio necessário
44
para seu crescimento e outro, por ser opositor, forçando a sua pulverização: de um lado
antigos governistas e do outro aqueles que transformando-se em aliancistas, compõem o
novo grupo dominante do Estado.
Em 1932 foram criados em Mato Grosso o Partido Liberal Matogrossense
(situação), o Partido Constitucionalista de Mato Grosso (oposição) e o Partido da Liga
Eleitoral católica. A região de Poconé, por se identificar com os constitucionalistas, como
já foi dito, constituiu-se, em uma oposição a Vargas.
Vargas nomeou outro interventor para Mato Grosso, Leônidas Antero de Matos,
que por sua vez, afastou Manuel Rondon da prefeitura e colocou no lugar Antonio Corrêa
da Costa. Siqueira (1990) relata que este perseguiu os moradores do Tanque Novo, com a
intenção de destruir a oposição getulista. Nessa ocasião, enviou-se para Tanque Novo um
contingente policial que, sob pretexto de anarquia na localidade, tinha ordem para prender
seus habitantes, especialmente Doninha, responsável pelo aglomerado humano ali
existente, e também ressalta que:
Apesar de não se ter provas do boato contra Doninha, o pretexto bastou
para o ataque ao Tanque Novo, o qual ocorreu em julho de 1933. A força
policial saiu de Cuiabá no dia 06 de julho, composta de cinco policiais e
um quadro de esquadra que, chegando a Poconé na madrugada do dia
07, seguiu para Tanque Novo, os moradores receberam à bala. [...] A
caça aos moradores de Tanque novo durou cerca de vinte dias, tendo
sido deslocados para Poconé, a mando da interventoria, todo um
contingente policial militar e um batalhão patriótico. Ficou dado, ainda,
um alerta à Circunscrição Militar de Campo Grande e ao pelotão de
Cavalaria de Cáceres, que chegou a deslocar-se para Poconé
(SIQUEIRA, 1990, p. 190-191).
Neste universo podemos perceber como o destino desta localidade foi determinado
pela variação da política central do Governo Provisório, e também, pelo movimento de
resistência a essa política. Esse contexto histórico é um exemplo de como as forças
políticas varguista tiveram dificuldades em impor seus ideais em território matogrossense.
Foi por meio de muitos conflitos, injustiças e, com o tempo, que Vargas foi conquistando o
seu espaço político em Mato Grosso.
A questão nacional ocupava um lugar privilegiado no pensamento social brasileiro,
e por maneiras diversas, aparece nos discursos daqueles preocupados com a coesão social e
criação de uma identidade própria. O ideário Getulista objetivava formar o cidadão que
valorizava, de forma acentuada, o sentimento de pertencimento à nação. A integração dos
cidadãos ao Estado era o cerne desse ideário e, propunha-se o enaltecimento dos símbolos
45
nacionais e o respeito à ordem, à disciplina, e a história pátria e seus vultos, especialmente
da sua pessoa. Vargas tentou de todas as formas, impor essa doutrina, principalmente em
território que as oligarquias tinha sua política bem estabelecida, e seu poder de mando
quase que intocável.
Para isso, usou a escola como instrumento de sacralização dessa política, esta, por
sua vez, sem muita opção de escolha, lhe restou aderir ao projeto de Vargas. Nesse sentido,
acredita-se que a própria criação do Grupo Escolar Leônidas de Matos serviu como
instrumento de cristalização do poder central numa área oligarca, pois, levando em
consideração que esse município sempre foi importante no canário da História de Mato
Grosso, por que no setor educacional ele se manteve, até 1932 sem um grupo escolar? Um
fator importante a ser salientado, e que pode nos ajudar a compreender essa indagação é a
existência de escolas no interior das usinas, o que, até certo ponto, despotencializava a
criação do grupo escolar em Santo Antonio, e até mesmo porque quanto mais próximo
tinha-se seus subalternos, mais os coronéis podiam controlá-los.
Diante desses fatos, percebe-se que a criação do Grupo Escolar em Santo Antonio
de Leverger ocorreu praticamente sob o desmantelamento do poder das oligarquias, no
momento em que o novo poder se instalava no Brasil, e sem dúvida o Grupo Escolar
Leônidas de Matos serviu como ícone dessa nova política para a sociedade Levergense,
isso justificaria a ênfase nas encenações cívicas e patrióticas que na prática são
demonstrações públicas de que essa nova política estava sendo implantada no município.
2.2 A trajetória da institucionalização do Grupo Escolar Leônidas de
Matos
O Grupo Escolar Leônidas de Matos foi criado através do Decreto 192, de 23 de
setembro de 1932, e implantado em 3 de novembro do mesmo ano. Porém, acredita-se ser
de fundamental importância recuar um pouco na história educacional do município com a
finalidade de situar o processo que desencadeou a criação desse estabelecimento de ensino.
Verifica-se que no ano de 1930 foram reunidas na sede da cidade, três escolas de
ambos os sexos. Segundo o Relatório apresentado pela diretoria das Escolas Reunidas de
Santo Antonio do Rio Abaixo, ao Diretor Geral da Instrução Pública do Estado, Dr.
Cesário Alves Corrêa: “[...] verificando-se a instalação e abertura das aulas no dia 4 de
março do corrente ano (1930), no prédio de propriedades do cidadão Benedito Nunes
46
Ferraz, sito a praça Mario Corrêa, alugada pelo governo”. O professor Américo Pinto
Brasil, foi nomeado diretor da instituição, em 13 de janeiro de 1930, assumindo o exercício
do cargo somente a 4 de março, início do ano letivo.
Nas escolas Reunidas constaram as matrículas das três unidades incorporadas,
sendo os seguintes números de alunos:
Sexo masculino 137
Sexo feminino 111
Total 248
.
As Escolas Reunidas foram desdobradas em classes que ficaram assim
distribuídas com as suas respectivas professoras:
Duas classes masculinas Prof. Alda Ironi e Izabel Ribeiro
Primeira classe feminina Prof. Zenaide de Aquino Ribeiro
Segunda classe feminina Prof. Haydee de Almeida Pinto
Terceira classe feminina Prof. normalista Augusta Barauma
Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso, Livro 111, fl. 7, 1930.
O diretor das escolas Reunidas, professor Américo Pinto Brasil, segundo
consta no relatório, deixou de solicitar o desdobramento da primeira classe da seção
feminina, que atingiu o número de 59 alunos matriculados, em face à dificuldade de
provê-la por professoras normalistas.
[...] essas diplomadas não querem absolutamente aceitar cadeiras fora do
perímetro urbano de Cuiabá, como se a Instituição Pública ali se
circunscrevesse. E quando as aceitam é bem a contragosto. Não negar a
experiência, hoje tolerada do estágio por dois anos nas escolas rurais, que dava o
direito de transferência para as cidades e vilas aos professores primários era uma
medida que importava não assegurar o aproveitamento daquelas em tais
escolas, como facultar o desenvolvimento da Instrução nas povoações do Estado.
(MATO GROSSO, Relatório..., 10/12/1930)
O mobiliário escolar encontrava-se em ssimas condições, o mesmo relatório
informa o estado pela qual a instituição de ensino funcionava, “Quase nenhum material
possuem essas Escolas Reunidas”. Nas cargas recebidas em 4 de março, quando foi
instalada verificou-se:
47
Oito (8) bancos de madeira
Oito (8) carteiras
Três (3) mesas
Quatro (4) quadros negros
Em 4 de Abril de 1930 foram fornecidos pelo Almoxarifado Geral do Estado:
Seis (6) cadeiras
Uma poltrona, já usada, e em mal estado
Fonte: Relatório apresentado pela Diretoria das Escolas Reunidas de Santo Antônio do Rio Abaixo
de 1930. APMT – Livro 111, fl. 1-7.
O diretor das escolas Reunidas ressalta que “é desolador o estado do
estabelecimento nesse caráter, apresentando ao visitante um aspecto desagradável e em
desarmonia em seus intuitos” (MATO GROSSO, Relatório..., 1930). também um dado
que nos chamou a atenção na fala do diretor Américo Pinto Brasil - “há no estabelecimento
diversos bancos de madeira e mesas tomados por empréstimos a particulares, mais um
quadro negro e uma esfera cedida pelo Cel. Palmyro Paes de Barros” - a participação de
um coronel usineiro no setor educacional, demonstra a sua inserção no novo cenário
político, o período coronelista encontrava-se em declínio, não tinha historicamente a
mesma representatividade, restava, portanto se integrar nessa nova proposta política.
No Relatório de 1930, apresentado pelo diretor Américo Pinto Brasil, encontra-se
informações sobre o cotidiano da escola, no plano “ordem e disciplina”, na voz do diretor:
“os alunos, que foram incorporados a esta unidade escolar trouxeram a boa ordem e
disciplina que lhes distribuíram os seus anteriores professores não tendo sido alteradas no
decurso do ano letivo”, esse discurso evidencia o interesse da Associação Brasileira de
Educação em reproduzir o discurso cívico, o que pretendia transformar o brasileiro, visto
como um doente, indolente, apático e degenerado, em um cidadão laborioso, disciplinado,
saudável e produtivo. Essa tarefa era o que isso era o que se esperava da escola.
Segundo Carvalho, a Associação Brasileira de Educação funcionou como uma
instância de disseminação de um saber sobre o social, de marcada configuração autoritária,
em que o povo brasileiro é figurado como matéria informe e plasmável pela ação da elite
que projetava conformá-lo a seus anseios de Ordem e Progresso. E ainda:
48
A implantação de hábitos de trabalho e o cultivo da operosidade como valor
cívico eram pontos essenciais da “grande reforma de costumes” referida por
Lourenço filho. Segundo ele, deveria ajustar os homens à novas condições e
valores da vida”. O ajustamento dependia de uma remodelação e reestruturação
do aparelho escolar. (1989, p. 57).
A concepção de ordem e progresso estava associada à disseminação de rituais
cívicos e patrióticos. Cuidados com a formação cívica apareciam como garantia do
trabalho metódico, adequado, remunerador e salutar. Tais cuidados, amplamente forjados
por rituais de corpos saudáveis, de mentes e corações disciplinados tinha na educação
cívica a garantia de que a escola não viesse a tornar-se fator de desestabilização social.
Como exemplo pode-se constatar pelo discurso do diretor Américo Pinto Brasil, argüindo
acerca das festividades de caráter cívico ocorridos no Grupo Escolar Leônidas de Matos:
Sempre com o mais vivo interesse, incutir no espírito dos educandos
maior soma de civismo prelecionando sobre os fatos [...] que se prendem
aos nossos feitos gloriosos que nos enobrecem, nos empolgam um justo e
patriótico orgulho. Ao se aproximar a data de 7 de setembro, índice da
nossa Independência e da nossa integração no conclave das nações cultas,
determinei por portaria, as adjuntas desta unidade escolar, a prepararem
os seus alunos para o maior realce dar a festividade daquele dia. A
expectativa ultrapassou aos olhos dos habitantes que compareceram ao
pequeno festival escolar recebendo esta Diretoria, os mais francos
aplausos, que os tornem extensivos aos corpos docentes e discentes do
estabelecimento. (MATO GROSSO, Santo Antonio, Relatório...,
10/12/1930).
Para esta avaliação, fica clara a influência que a Educação exercia em cada
indivíduo. Visto que sob o aspecto teórico, ela consistia em certas leis preestabelecidas e
cujo fim dar um caráter, uma orientação, a cada estudante. O civismo parecia-lhe ser
inerente à alma humana. O acatamento às leis e autoridades e à obrigação de respeitar os
superiores eram sinônimo de cooperação eficaz para o grande ideal: o progresso de nosso
país.
Então, desde a escola primária, o professor já procurava incutir na mente da
criança o amor à pátria, dar-lhe a exata compreensão de seus nobres ideais, essa inculcação
é o que Julia (2001, p. 10) considera como cultura escolar, ou melhor, “um conjunto de
normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, aliados a um conjunto
de práticas que permitem a transmissão desses comportamentos”. Também, o autor instiga
o pesquisador a considerar os processos internos da escola, saindo de uma visão
externalista e partir para uma investigação da “caixa preta da escola”, ou seja, os atos
cotidianos que são construídos através das atividades pedagógicas, administrativas, cívicas.
49
A escola, por sua vez, tinha o compromisso com a formação do caráter do povo
brasileiro, e ela estava associada à construção do sentimento de nacionalidade, à
identificação do povo com o seu país. Neste sentido, tinha também como dever explicar o
Hino Nacional, a Constituição brasileira, a bandeira, em suma, tudo o que pudesse
despertar interesse e sentimento pátrios. A instrução pública se via diante de duas
importantes tarefas, a primeira, tornar o ensino primário obrigatório; e, a segunda, ampliar
o civismo nas escolas, e tudo levam a crer que esta última tarefa era cumprida sem muitas
resistências. A formação da identidade nacional associada ao desejo de se estabelecer uma
unidade nacional se tornara uma responsabilidade escolar em Santo Antônio de Leverger,
antes mesmo da implantação do Grupo escolar. riqueza de detalhes que demonstram o
quanto o ensino primário esteve comprometido com esse ideário, e um pouco dele foi
exemplificado acima. Não vejo necessidade de continuar explicitando sobre a formação do
caráter nacional nas Escolas Reunidas, até mesmo porque o objeto é o Grupo escolar
Leônidas de Matos que, por sua vez, representou uma nova organização educacional, em
substituição à estrutura das Escolas Reunidas. No entanto, foi de extrema importância
apresentar a trajetória e/ou o momento de transição de um sistema de ensino para o outro,
com a finalidade de observar as possíveis mudanças e/ou permanências que constroem a
história educacional de Santo Antônio de Leverger.
2.3 Estrutura organizacional do Grupo Escolar
O Grupo Escolar Leônidas de Matos foi instituído no município de Santo Antônio
de Leverger em 1932, recebeu este nome por solicitação do diretor da escola Américo
Pinto Brasil e dos demais professores. Conforme um abaixo-assinado, a solicitação
argumentava:
Os abaixo assinados, professores do Grupo escolar da cidade de Santo Antônio
do Rio Abaixo, criado pelo
de
Decreto 192, de 23
Setembro de 1932 e a
inaugurar à 3 de Novembro próximo, vem pedir a v. excia. Se digne decretar a
denominação “Leônidas de Matos” a esse estabelecimento educacional, Por ser,
não só, essa autoridade seu legítimo fundador, como portadora de alto valor
intelectual e administrativo. É ocasião oportuna de fazerem sentir a v. excia. Que
desde o Brasil Império e
durante os quarenta anos de República, nenhum
Governo de Mato Grosso dispensará a este município o menor benefício siquer,
cabendo, essa glória a s. excia. o Sr. Leônidas Antero de Matos, benemérito
Interventor Federal neste Estado, que o dotara com um estabelecimento
educacional condigno à sua categoria e a crescente população que se verifica.
Portanto é justo que o aludido Grupo escolar, perpetue o seu fundador, em
homenagem à tão ilustre mato-grossense, orgulho desta terra que lhe serviu de
berço (Mato grosso, Santo Antonio de Leverger, diretoria do Grupo Escolar,
Abaixo assinado, 1932).
50
Segundo informações contidas na ntese histórica dos 40 ocupantes da cadeira da
Academia Mato-Grossense de Letras, publicada na Revista comemorativa do Jubileu de
Diamante (1921-1996), é traçado o perfil do patrono do Grupo Escolar: Leônidas Antero
de Matos, filho do General Antero Aprígio Gualberto de Matos e Francisca de Figueiredo
Matos, nasceu em 1894, completou o curso ginasial e secundário em Cuiabá (Liceu
Salesiano). Estudou música através da Lira e, acompanhado por esse instrumento,
passou a compor suas peças literárias. Ausentou-se de Cuiabá objetivando formar-se como
bacharel em Direito, o que se concretizou na faculdade gaúcha de Porto Alegre. Leônidas
era também associado ao Grêmio Literário Álvares de Azevedo. Faleceu no ano de 1936.
A inauguração de um Grupo Escolar em Santo Antônio de Leverger, ajudou a
marcar o processo de substituição das cadeiras isoladas por outro modelo de organização
escolar o que representou inovação no ensino regional. Conforme Mensagem do Presidente
do Estado de Mato Grosso, Annibal Toledo em 13 de maio de 1930:
O ensino é um dos serviços públicos mais eficientes do nosso Estado.
Iniciada em 1910 a adoção dos métodos pedagógicos modernos com a
introdução de professores paulistas, a semente se desenvolveu nesta
capital, como um terreno fértil, e propagou pelas cidades principais em
Grupos Escolares que vão apresentando resultados compensadores do
esforço e dos encargos que impõem ao Tesouro. (MATO GROSSO,
Mensagem...1930)
Essa nova organização escolar foi se moldando às novas condições político-
econômicas para atender aos anseios de modernização do Estado, estruturando da seguinte
maneira: segundo o Regulamento de 1927, os Grupos Escolares deveriam ter, no mínimo,
oito classes, e eram criados onde houvesse, pelo menos num raio de dois quilômetros,
duzentas e cinqüenta crianças em idade escolar (art. 34). Conforme o art. 124, do mesmo,
os professores dos grupos escolares, como também das escolas reunidas, tinham por dever:
51
Cumprir e fazer cumprir as instruções e ordens do diretor, relativas ao
ensino; reger a classe que lhe for determinada; exercer a vigilância nos
recreios na forma e hora que o diretor determinar, comparecendo à escola
30 minutos antes do horário regulamentar, quanto lhe couber fiscalizar os
alunos, antes do inicio das aulas; assinar ponto diário, antes do inicio das
aulas; receber a sua classe no pátio do recreio e acompanhá-la à sala de
aula, na forma prescrita pelo diretor; auxiliar o diretor na organização e
realização das festas escolares; comparecer às reuniões convocadas pelo
diretor e tomar parte nas palestras pedagógicas por este, organizadas;
auxiliar o diretor no serviço de recenseamento escolar. (MATO
GROSSO, Regulamento... 1927, art. 124)
Em relação aos deveres dos alunos, conforme o art. 149:
São deveres primordiais dos alunos: ser assíduos e pontuais; ser atentos,
aplicados e obedientes; trajar-se com asseio e decência; respeitar aos
professores, aos diretores, aos empregados do estabelecimento; estimar os
colegas, conservar o mobiliário e o material escolar. (MATO GROSSO,
Regulamento... 1927, art. 149)
No início da década de 30, Mato Grosso contava com onze Grupos Escolares,
assim distribuídos:
ANO GRUPOS ESCOLARES MUNICÍPIO
1910 BARÃO DE MELGAÇO CUIABÁ
SENADOR AZEREDO CUIABÁ
1912 GENERAL CAETANO POCONE
ESPIRIDIÃO MARQUES SAO LUIS DE
CACERES
PRESIDENTE MARQUES RASARIO OESTE
1922 AFONSO PENA TRES LAGOAS
JOAQUIM MURTINHO CAMPO GRANDE
1924 CAETANO PINTO MIRANDA
LUIS DE ALBUQUERQUE CORUMBA
ANTÔNIO CORREA AQUIDAUANA
1926 MENDES GONÇALVES PONTA PORA
Fonte: Relatório da instrução Pública primária de 1910-1927
Conforme o Relatório de 1943, Mato Grosso já contava com 13 Grupos escolares, no
quadro abaixo está listado a criação dos dois últimos grupos, referente ao período da
pesquisa:
52
ANO GRUPOS ESCOLARES MUNICÍPIO
1932 LEONIDAS DE MATOS SANTO ANTÔNIO
DE LAVERGER
1933 AMAMBAÍ CAMPO GRANDE
Fonte: Relatório da Instrução Pública primária de 1943
Acerca da estrutura organizacional dos grupos escolares de Mato Grosso, segundo
Reis (2003) em “Palácios da Instrução: institucionalização dos Grupos Escolares em Mato
Grosso (1910-1927)”, foi a partir da Reforma de 1910, que o ensino em Mato Grosso
passou a revestir-se de maior importância após a implantação dos Grupos Escolares e da
Escola Normal. Estas instituições passaram a funcionar como focos de atração e como
locais especificamente criados para formar o cidadão mato-grossense republicano.
Conforme Reis (2003), no início do culo XX, Mato Grosso contou com Pedro
Celestino Corrêa da Costa como governante que assumiu a presidência do Estado por dois
mandatos. Durante sua administração apresentou um extenso programa governamental
tendo sido o principal objetivo industrializar o Estado, oferecendo uma infra-estrutura
necessária. Mas para isso, julgou importante que para proceder essa reforma e conseguir
alcançar seu objetivo, deveria reformar o sistema de ensino.
Foi na sua administração que resolveu implantar a reforma do ensino primário
logo após a sua posse, começando pela implantação dos grupos escolares, por meio de um
regulamento elaborado nas primeiras décadas do século XX, “[...] reafirmando que o futuro
da instrução popular era a base fundamental de todo o progresso social” (REIS, 2003, p.
91). O modelo de escola representado pelo Grupo Escolar, segundo Reis, simbolizava a
materialização do ideal de renovação pedagógica, defendido por intelectuais e
administradores do ensino público de Mato Grosso e entendido como condição para a
modernização da escola pública, responsável pela formação do cidadão republicano.
Os Grupo Escolares foram criados oficialmente em Mato Grosso pela Lei nº 508
de 1908, constituindo-se como inovação da Reforma da Instrução Pública Primária de
1910. A criação dos Grupos Escolares surgiu no interior do projeto republicano de reforma
social e de difusão da cultura popular. Conforme Reis, denominado inicialmente de escolas
graduadas, seriadas e centrais, pressupunha um modelo de ensino mais ordenado e de
caráter estatal; com um programa enciclopédico, de acesso obrigatório e universalizado. E
mais:
53
A organização das escolas em Grupos escolares, a partir de agosto de
1910, presumia um novo modelo de escola, modificando desde a sua
estrutura física até as relações humanas intra-escolares constituídas de
acordo com a racionalidade científica e a divisão do trabalho do
professor e dos funcionários da escola. Delineou-se naquele momento
uma política de formação e de escolha de dirigentes para a educação, por
meio de mecanismos tanto de estímulos, quanto de punição. No reforço à
autoridade e na divisão de responsabilidades esperou-se o esforço para
instruir a população (2003, p. 92)
O estudo de Reis (2003), ressalta que na visão dos matogrossenses, os grupos
escolares representaram uma forma de escola moderna que foi possível graças à chegada
dos professores paulistas, contratados por Pedro Celestino, Leowigildo Martins de Mello e
Gustavo Kuhlmann. Segundo a autora, esses dois normalistas embora recém formados,
possuíam uma sólida formação e foram qualificados dentro dos pressupostos republicanos
essenciais no período. Eram eles os detentores dos saberes teóricos e metodológicos a
serem implantados na Escola Normal, na divulgação, definição e introdução dos novos
métodos de ensino e concepção de educação.
A implantação dos Grupos Escolares em Mato Grosso parece ter alcançado a
satisfação de seus governantes, tanto que Reis (2003) registra que em 1912, na
administração de Joaquim Augusto da Costa Marques, considerou necessário ampliar o
número de escolas, providenciando a construção de novos grupos escolares pelo interior do
Estado.
Nesse processo de expansão dos grupos escolares, os mesmos seguiam as normas
estabelecidas no Regulamento de 1910, e mais tarde no Regulamento de 1927, sendo este
último mais significativo para compreensão do período que realizo esta pesquisa, embora
não perceba-se mudanças radicais entre eles. O Regulamento de 1927 pouco se difere do
Regulamento de 1910. De modo geral, segundo Reis (2003), pode-se considerar que o
processo de institucionalização dos grupos escolares em Mato Grosso sofreu considerável
avanço com a retomada feita na segunda gestão do então Pedro Celestino (1922), e
finalizando com o Regulamento de 1927, gestão do Presidente de Estado Mário Corrêa da
Costa. Esse Presidente de Estado retomou alguns princípios previstos no Regulamento
de 1910, como a questão da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino. A reforma foi
regulamentada pelo Decreto 759, de 22 de abril de 1927. Em mensagem à Assembléia
Legislativa, lida na abertura da Sessão Ordinária da 15ª Legislatura, no dia 13 de maio
de 1928, o Presidente de Estado Mario Corrêa da Costa, disse que “somente no corrente
ano entraram em execução as disposições desse novo regulamento moldadas sobre bases
54
aceitas a adotadas pelos Estados que, com mais carinho, têm curado do momentoso
problema da Instrução pública” (MATO GROSSO, Mensagem..., 1928, p.132). Nessa
mensagem, o Presidente de Estado falou ainda do contexto de profundas insatisfações que
cercava o sistema educacional, o seu discurso como o de tantos outros, era de grande
preocupação com a melhoria da Instrução no Estado, por esta, segundo ele, apresentar-se
defeituosa, dando a entender que o Regulamento de 1910 não atendia mais as exigências
da sociedade que estava se modernizando. Acreditava-se que a nova reforma resolveria os
problemas relacionados a expansão do ensino em Mato Grosso, freqüência, precariedade
nas condições de trabalho, etc. E ainda reforça dizendo que:
Removidos, como forma, os vários inconvenientes da anterior
organização, os quais muito contribuíram para entorpecer e dificultar o
serviço da difusão do ensino, resta cuidar ainda da parte importante que é
também a sua fiscalização, pois, como sabeis, Srs. Deputados, uma das
causas predominantes da sua ineficácia, tem sido o abandono em que
ficam muitas escolas, uma vez criadas, longe das vistas das autoridades
que deviam se interessar pela sua utilidade e funcionamento,
complemento descuradas e esquecidas, outra coisa não representando os
professores senão meros pensionistas do Estado, aos quais são dadas
todas as facilidades tão somente para receberem os seus vencimentos. [...]
daqui dirijo um veemente apelo a todos os conterrâneos responsáveis pelo
destino e bem estar dos municípios para que especialmente dêem ao
governo o seu concurso valioso nesta cruzada patriótica de difundir a
instrução em todos os cantos do Estado, conscientes de que nenhum
serviço poderá prestar mais relevante e meritoso, em tal objetivo, do que
tomar cada um a si, o encargo de velar pela regularidade do
funcionamento das escolas, influindo que o seja a sua freqüência, de
modo a evitar que o Estado continue despendendo em pura perda os
recursos aplicados na manutenção de tais ficções que nesse caso,
constituem apenas como da sinecura de que vivem regaladamente muitos
protegidos e afilhados (MATO GROSSO, Mensagem..., 1928, p. 133)
Conforme o Regulamento de 1927, o ensino em geral foi dividido em primário e
secundário, sendo que em ambos os graus, ele era para ser administrado em
estabelecimentos públicos e podia ser ministrado em estabelecimentos particulares, sujeitos
à fiscalização. Em relação ao ensino público primário, este era gratuito e obrigatório a
todas as crianças normais, analfabetas, de 7 a 12 anos, que residirem até 2 Km de escola
pública. Das categorias das escolas primárias, ficou assim distribuída: escolas isoladas
rurais; escolas isoladas urbanas; escolas isoladas noturnas; escolas reunidas e grupos
escolares.
São rurais as escolas isoladas localizadas a mais de 3 quilômetros da sede do
município. A escola rural tem por fim ministrar a instrução primária rudimentar, seu curso
55
era de 2 anos e o programa constava de leitura, escrita, as quatro operações, noções de
História Pátria, Corografia do Brasil e especialmente de Mato Grosso e noções de higiene.
Constava também que as escolas rurais teriam maior disseminação e seriam criadas a juízo
do governo, por proposta do Diretor Geral da Instrução, mediante informações dos
inspetores gerais, nos lugares onde houver elementos: prédio facilmente adaptável às
necessidades escolares, trinta crianças em idade escolar, num raio de 3 Km do prédio
indicado. A instalação da escola rural teria caráter festivo, presidida pelo respectivo
inspetor distrital ou qualquer autoridade superior do ensino, lavrando-se uma ata assinada
por todos os presentes e cuja cópia seria remetida à Diretoria Geral.
Em relação às escolas isoladas urbanas, ela seria considerada pertencente a essa
categoria quando localizada num raio de 3 Km da sede do município. O curso era de três
anos, sendo o programa dos dois primeiros anos igual ao das escolas rurais. Os cursos
noturnos, semelhantes às escolas isoladas urbanas, destinavam-se aos meninos de 12 anos
para mais, que se encontravam impossibilitados de freqüentar as aulas diurnas.
As escolas Reunidas funcionavam quando num raio de 2 Km, tinham três ou mais
escolas isoladas, com freqüência total de 80 alunos, o governo poderá reuni-las num
estabelecimento. Elas teriam no máximo sete classes e não poderiam funcionar com menos
de três. A criação das escolas Reunidas visava: melhorar as condições pedagógicas e
higiênicas das salas escolares, classificar os alunos pelo nível de desenvolvimento
intelectual, facilitar e intensificar a inspeção. O diretor de escolas reunidas teriam, além
dos vencimentos que lhe competirem como professor, uma gratificação mensal de 30$000
(trinta mil réis) por classe, não computada a sua.
Os grupos escolares teriam oito classes, no mínimo, e seriam criadas onde houver,
pelo menos, num raio de 2 Km, 250 crianças em idade escolar. As escolas reunidas que,
em virtude de desdobramento de suas classes, funcionarem durante um ano, com oito
classes, transformar-se-iam em grupos escolares. Em 1927 existiam 11 grupos escolares no
Estado de Mato Grosso.
Apresentadas todas as categorias de ensino, acredito ser mais importante neste
momento, restringir o estudo do Regulamento de 1927 à abordagem referente aos grupos
escolares, e especificamente aos métodos de ensino. Neste sentido, o Art. 91 do referido
regulamento, o qual tratava dos métodos de ensino e das prescrições pedagógicas
essenciais, instituiu as normas básicas que os professores deveriam seguir: 1) passarão
sempre, no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o abstrato, do simples para o
56
complexo, do imediato para o mediato, do conhecido para o desconhecido; 2) farão o mais
largo emprego da intuição; 3) conduzirão a classe às regras e às leis pelo caminho da
indução; 4) conservarão de vista a finalidade educativa e procurarão o melhor caminho
para alcançá-la; 5) empregarão o ensino de leitura e do método analítico; 6) estudarão os
alunos para conduzir de acordo com a capacidade de cada um; 7) promoverão pela
instrução, o desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades infantis; 8) transformarão
os alunos em colaboradores; 9) tornarão as lições interessantes; 10) educarão pela palavra e
pelo exemplo e 11) evitarão a rotina a acompanharão de parte as lições, a experiência
didática e, da ciência pedagógica.
O Art. 124 aborda sobre os deveres dos professores dos grupos escolares: 1)
cumprir e fazer cumprir as instruções e ordens do diretor, relativas ao ensino, 2) reger a
classe que lhe for determinada, 3) exercer a vigilância nos recreios na forma e hora que o
diretor determinar, comparecer à escola 30 minutos antes do horário regulamentar, quando
lhe couber fiscalizar aos alunos, antes do início das aulas, 4) assinar ponto diário antes do
inicio das aulas, 5) receber a sua classe no pátio do recreio e acompanhá-la à sala de aula,
na forma prescrita pelo diretor, 6) auxiliar o diretor na organização das festas escolares, 7)
comparecer às reuniões convocadas pelo diretor e tomar parte das palestras pedagógicas
por este organizada, 8) auxiliar o diretor no serviço de recenseamento.
No Art. 149 constava que são deveres do aluno: 1) ser assíduos e pontuais, 2) ser
atentos, aplicados e obedientes, 3) trajar-se com asseio e decência, 4) respeitar aos
professores, aos diretores, aos empregados do estabelecimento, estimar os seus colegas,
conservar o mobiliário e o material escolar.
Constava no Regulamento a implantação do Curso complementar, sendo de sua
natureza e fins, os seguintes aspectos: Art. 199, Anexos às Escolas Normais, funcionarão
cursos complementares destinados a estabelecer, do ponto de vista dos métodos, dos
programas e do regime das aulas, a transcrição entre o ensino primário e secundário. Art.
200, os cursos complementares serão dirigidos pelos diretores das Escolas Normais a que
forem anexas. Art. 201, o curso complementar é gratuito e facultativo a ambas os sexos.
Em relação às aulas e regime do curso ficou estabelecido que: Art. 202, o curso
complementar é de um ano e compreende o ensino das seguintes matérias: Português,
Aritmética, Morfologia, Geometria, Desenho, Geografia, História do Brasil, Instrução
Moral e Cívica, Noções elementares de Ciência físicas e naturais.
57
Ao analisar o Regulamento de 1927, foi possível perceber que apresentou um certo
avanço em relação ao Regulamento de 1910, apesar de ter ocorrido mudanças
significativas, e importantes, não representou uma revolução no ensino matogrossense, até
mesmo porque utilizou-se muito dos princípios contidos no Regulamento de 1910,
acredita-se que houve apenas uma complementação referente ao trabalho anterior, mesmo
tendo sido duramente criticado. Para destacar as possíveis inovações, apresento um quadro
comparativo dos dois regulamentos:
REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA DE MATO GROSSO DE 1910
REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA DE MATO GROSSO DE 1927
Art. 1 – O ensino primário no Estado de
Mato Grosso será leigo e administrado à
custa dos cofres estaduais, a todos os
indivíduos, de ambos os sexos, sem
distinção de classes nem de origem.
Art. 1 Divide-se o ensino, no Estado de
Mato Grosso, quanto à natureza do curso,
em: primário e secundário.
Art. 5 A instrução primária é obrigatória
para todas as crianças de 7 a 10 anos de
idade.
Art. 3 – O ensino público primário é gratuito
e obrigatório a todas as crianças normais,
analfabetas, de 7 a 12 anos.
Art. 21 – Enquanto o Estado não possuir
prédios em número suficiente para neles
funcionarem as escolas primárias, abonar-
se-á a cada professor que lecionar em casa
particular um auxílio pecuniário para
aluguel, o qual será fixado anualmente pelo
poder Executivo para cada localidade,
precedendo proposta e informação do
Diretor Geral da instrução Pública.
Art. 85 - O governo dará maior
desenvolvimento à construção dos prédios
escolares; reformando os próprios estaduais
escolares, a fim de melhorar as suas
condições higiênico-pedagógicas;
construindo novos edifícios; concedendo, a
título de auxílio, contribuições pecuniárias
às populações rurais e aos particulares que
se propuserem a construir prédios escolares.
58
Art. 12 – O ensino nas escolas primárias
será tão intuitiva e prático quanto possível,
devendo nele o professor partir sempre em
suas preleções do conhecido para o
desconhecido, e do concreto para o abstrato,
e abstendo-se outrossim de perturbar a
inteligência da criança com o estudo do
prematuro de regras e definições, mas antes,
esforçando-se para que seus alunos, sem se
fatigarem tomem interesse pelos assuntos de
que houver de tratar em cada lição.
Art. 91 – [...] passaram sempre, no ensino de
qualquer disciplina, do concreto para o
abstrato, do simples para o composto e o
complexo, do imediato para o mediato, do
conhecido para o desconhecido: farão o mais
largo emprego da intuição; conduzirão a
classe às regras e às leis pelo caminho da
indução; empregarão, no ensino da leitura, o
método analítico; estudarão os seus alunos
para os conduzir de acordo com a
capacidade de cada um; transformarão os
seus alunos em colaboradores; tornarão as
lições interessantes; educarão pela palavra e
pelo exemplo; evitarão a rotina e
acompanharão de parte as lições, a
experiência didática e da ciência
pedagógica.
Art. 26 Apesar da questão dos castigos ser
um pouco contraditório, este artigo
estabelece que o professor, tanto na
distribuição dos prêmios, como na aplicação
dos castigos, deverá ter todo o cuidado em
não baratear aqueles, afim de que possam
servir de estímulo à assiduidade, conduta e
moralidade dos alunos: bem como, não
exceder-se nos castigos, para que possam
produzir os bons resultados que são de
esperar de sua prudente imposição
Art.123 - Manter a disciplina dos alunos;
aplicar com moderação e critério as
penalidades da sua competência.
Fonte: Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato Grosso de 22 de outubro de
1910, Livro 213, p. 119-153; Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Mato
Grosso de 22 de abril de 1927, Leis e Decretos, fl. 163-227. APMT (Arquivo Público de Mato
Grosso),
A comparação desses regulamentos demonstra que houve uma tentativa de
melhorar o ensino. O fato de estender a obrigatoriedade do ensino para 7 a 12 anos,
expandir o número de escolas públicas que segundo Reis (2003, p. 70), baseada no
recenseamento de 1920, era um total de 144 escolas no Estado, e subiu para 176 conforme
relatório de 1928, mas, em relação aos métodos de ensino, tenho dúvidas se de fato houve
melhorias no sentido da aplicabilidade do método analítico, de conduzir o aluno segundo a
capacidade de cada um, como também da eficácia do ensino intuitivo, que historicamente
teve a sua importância. Pela análise da instituição educativa que pesquiso, o método mais
59
utilizado pelos professores foi o da “memorização” e da “repetição”. Nas entrevistas
concedidas pelos ex-alunos do Grupo Escolar Leônidas de Matos, em Português e História,
por exemplo, tomava-se o “ponto”, os alunos tinham que decorar textos enormes, saber os
nomes das personagens, os fatos, as datas; na disciplina de matemática, um outro exemplo,
era o de decorar a tabuada. E tudo indica que esse método era estendido para todas as
disciplinas. Segundo o depoimento da Sr. Benedito Pedroso, ex-aluno do Grupo Escolar
Leônidas de Matos: [...] “ela (professora) passava no quadro, você copiava para decorar
tudo, inteirinho, no outro dia, você tinha que trazer de decorado”. A Srª Deolinda Alves,
ex-aluna do Grupo Escolar, também lembrou-se do método:
Eu lembro de quando eu estudava, a gente era muito feliz na escola
porque a professora passava o ponto pra nós. Hoje em dia não estudam
mais ponto. [...] Passava o ponto e na hora que chegava tinha que saber o
ponto. Chegava, a primeira coisa que a professora fazia era tomar o
ponto, quem não sabia já ficava de castigo pra estudar. Era ponto,
tabuada, isso era todos os dias, tinha que ir com o ponto na língua, bem
sabido (ALVES, depoimento..., 2004).
Desta forma fica difícil identificar na prática todo os anseios manifestados nos
discursos dos governantes matogrossenses. O desejo de modernização do Estado, como
também do ensino, parece ter sido uma estratégia de manipulação política, e/ou imposição
de uma construção ideológica que visava transmitir uma imagem de sujeitos preocupados e
interessados na melhoria da qualidade de vida e de ensino dos cidadãos do Estado, sendo
que na realidade tudo não passava de um jogo de interesses particulares, de pessoas que
utilizam a boa retórica, da lingüística, e de suas relações para se manter no poder. Acredito
até que haja sim algumas exceções, embora não consiga de imediato comprová-las. Mas o
que percebe-se de fato, é uma evolução educacional lenta, rastejante, e as mudanças
aconteceram e acontecem literalmente, aonde as autoridades políticas educacionais
permitem.
A população sem dúvida tem a sua participação nesse sofrível contexto histórico,
por ter sido manipulada ou excluída na maioria dos principais acontecimentos. Vimos
atualmente, como também na nossa história recente, uma atuação passiva frente a todos os
embates ocorridos em “prol” da educação e da cidadania. Todos nós somos sujeitos da
história, se nossa formação foi e continua sendo moldada na passividade, no comodismo,
na obediência, e na subserviência, como este estudo por ora vem tentando demonstrar, a
história será legada ao continuísmo, a mudança sempre vem, mas quem fica com a melhor
60
parte, está comprovado historicamente, é somente uma minoria. E até quando será assim?
Difícil de responder.
Voltando a questão dos aspectos organizacionais do Grupo Escolar Leônidas de
Matos, verificou-se que foi um estabelecimento de ensino público primário que, a
princípio, funcionou no mesmo prédio da extinta “Escolas Reunidas”. Mudaram-se as
estruturas organizacionais para estudos seriados e, as metodológicas teoricamente foram
reforçadas com a prática do ensino intuitivo e analítico.
No Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso do
ano de 1943, apresentado ao Presidente do Estado pelo Diretor da Instrução Pública,
Francisco Alexandre Ferreira Mendes, consta que segundo a diretoria do estabelecimento,
diz que: “o prédio está em péssimas condições exigindo reparos”. Percebe-se que as
condições de funcionamento não eram diferentes das Escolas Reunidas. de reparos
estão listados os seguintes:
1) Reparar em grande parte ou mesmo totalmente, o telhado do edifício,
tomando inúmeras goteiras, muito prejudiciais às paredes do mesmo; 2)
reparar as paredes externas e fazer uma limpeza geral nas internas; 3)
melhorar as cinco privadas, aumentando-lhes as paredes, para que elas
fiquem indevassáveis, pois, como estão, muito comprometem a moralidade
exigível especialmente nos estabelecimentos de educação, a construção
dessas privadas não satisfaz às exigências da Saúde Pública, devido ao
cheiro desagradável que se nota diariamente, causando impressão aos
que entram neste estabelecimento; 4) traçar o piso em três salas de aula,
pois, acha-se completamente estragado; 5) abrir um poço no quintal deste
Grupo Escolar, com parede de alvenaria,
tampa, bocal e bomba para
tiragem, pois não se pode manter higiene num estabelecimento, com
privadas mal construídas. (MATO GRSSO, Relatório, 1943, p. 13)
O Relatório de 1943 foi utilizado por ser o documento encontrado mais próximo
do período de implantação e por fornecer alguns dados acerca das características físicas do
Grupo Escolar. Mas, se considerarmos que onze anos representa um período muito curto
para mudanças substanciais, o deixa de ser ilegítimo o uso de informações posteriores à
implantação. Até mesmo porquê, em onze anos de funcionamento é explícito o descaso do
governo com a educação, pois, o estado físico do Grupo, como pôde-se constatar,
continuava o mesmo, senão, pior.
Outra informação importante diz respeito ao número de matrículas do Grupo
Escolar. Observando alguns dados contidos no Relatório apresentado ao Presidente Getúlio
Vargas pelo Interventor do Estado de Mato Grosso, Júlio Strubing Muller, no ano de 1941,
o Grupo Escolar Leônidas de Matos teve um número de 242 matrículas. No Relatório de
1943, o número de alunos era de 257, apresentando um aumento não muito significativo.
61
Enfatizou o mesmo Diretor que “neste ano foram abertas apenas 7 classes por não ter
maior público escolar, funcionando em desacordo com o Art. 34 do Regulamento da
Instrução”, ou seja, para que o estabelecimento educacional funcionasse como Grupo
Escolar seria necessário haver, no mínimo, 8 classes.
Isso nos leva a perguntar por que a população levergense não tinha muito interesse
e/ou não se sentia estimulada à procurar uma unidade escolar? O diretor da Instrução
Pública Francisco Alexandre Ferreira Mendes, no Relatório de 1943, nos fornece algumas
informações que podem ajudar a responder tão questão:
A população de leverger é numerosa e só com medidas enérgicas e repressivas se
poderá conseguir elevar a matrícula no Grupo Escolar Leônidas de Matos. [...]. O
estado sanitário foi sofrível. População pobre, a infância de leverger, como a de
muitos outros municípios do Estado é doentia, mal alimentada, na sua grande
maioria atacada de verminose. (MATO GROSSO, Relatório...,1943, p. 14)
Como se pode notar, este Grupo Escolar não era uma instituição elitizada. Nela
estudavam além das famílias mais abastadas de Santo Antônio, alunos de famílias pobres.
Talvez, isso deve-se ao fato de que a categoria Grupo Escolar, era sinônimo de educação
modelo, exemplar, tinha prestígio e, diante disso, até mesmo a elite optava por estudar
nessas instituições.
Num livro de Registro Escolar do ano de 1949, consta a profissão dos pais dos
alunos, e, deste modo, pode-se verificar como o público escolar era plural, oriundo de
famílias de criadores, coletores federais, comerciantes, lavradores, açougueiros, tabeliões,
professores públicos, alfaiates, funcionários públicos federais, oleiros, caixeiros,
motoristas, marceneiros, agenciadores , chaufeurs, sapateiros, cabos de ranchos, pedreiro,
fazendeiros, mecânicos, foguistas, militares, redeiros, maquinistas. A maioria deles
atestava ter o ensino primário, sendo que um bom número era de analfabetos, e, poucos
tinham o ensino secundário. As profissões mais recorrentes foram de lavrador e criador,
constando em todas as séries do ensino primário.
Esses dados nos dão indícios de que a população vivia basicamente da agricultura
de subsistência. Muito provável que os pais levassem seus filhos para a lavoura ou até
mesmo para o rio, relegando a escolarização para o segundo plano. Ressalta-se também o
fato destacado pelo Diretor da Instrução Pública Francisco Alexandre F. Mendes, por ser a
população levergense desprovida de boas condições de vida, era comum que as crianças
adoecessem, e isso tornava-se mais um motivo para que as mesmas não fossem à escola e,
de modo geral, esse cenário demonstra que apesar do ensino ser necessário, talvez ele não
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despertasse, a priore, tanto interesse na população. O fato de “ter estudo” parece que não
era compreendido como uma oportunidade de mudança de vida.
Para se estudar nos Grupos Escolares, a idade mínima era de 7 a 12 anos, para
estes, obrigatório. O Regulamento de 1927 no Art. 133º evidencia que nenhum aluno seria
matriculado em escola primária sem que tivesse a idade completa de sete anos, pelo menos,
e provasse com atestado médico, que era vacinado, e não sofria de nenhuma moléstia
contagiosa.
Em Mato Grosso, com a criação dos Grupos Escolares, permitiu-se o acesso das
mulheres à educação de uma forma mais expressiva. As primeiras experiências, segundo
Reis (2003), demonstravam que o número de professoras era superior aos de
professores, tomando a Escola Modelo como exemplo.
No Grupo Escolar Leônidas de Matos, conforme o livro de posse dos professores
do Distrito de Santo Antônio do Rio Abaixo, a maioria do corpo docente era composta
por mulheres, em grande parte normalista, como pode-se observar no quadro abaixo:
Nome Ano cargo
Normalista Domitila de
Siqueira
1933 Prof.ª adjunta efetiva
Normalista Alzira Lacerda
de Magalhães
1933 Prof.ª adjunta efetiva
Alcina de Moraes 1933 Prof.ª adjunta interina
Benedita Hostilia de Arruda
1933 Prof.ª adjunta interina
Judith Soares de Lima 1934 Prof.ª adjunta interina
Normalista Waldomira da
Silva Bueno
1934 Prof.ª adjunta interina
Normalista Maria Pereira de
Souza
1934 Prof.ª adjunta efetiva
Normalista Alaíde Ribeiro 1935 Prof.ª interina
Normalista Anna de Arruda
e Sá
1935 Prof.ª interina
Normalista Orfila de
Albuquerque
1936 Prof.ª interina
Normalista Horminda
Pitaluga de Moura
1936 Prof.ª adjunta efetiva
Normalista Constança
Ribeiro Teixeira
1936 Prof.ª adjunta interina
Normalista Odete Soares da
Silva
1936 Prof.ª adjunta interina
Normalista Orfila de
Albuquerque Nunes
1936 Prof.ªadjunta interina
Normalista Doralice do
Couto
1937 Prof.ª adjunta interina
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Normalista Antonia de
Almeida Siqueira
1937 Prof.ª substituta da adjunta
efetiva Alzira Lacerda
Magalhães
Normalista Hilda Alves da
Costa
1937 Prof.ª substituta da adjunta
Domitila S. da Silva
Normalista Célia da Silva
Pereira
1937 Prof.ª adjunta
Fonte: Livro de posse dos professores do Grupo Escolar Leônidas de Matos – Arquivo da escola
É interessante ressaltar a questão do gênero na educação, ou seja, o papel da
mulher “professora”, e sua contribuição na construção da nacionalidade brasileira. Pois, ser
professora, nessa época, era muito mais do que conquistar a possibilidade de uma renda, ou
adquirir prestígio social para si e para a família. Segundo Muller (1999, p. 169), “ser
professora era, principalmente, conquistar um direito que desde a escravatura era
concedido a todos os brasileiros, o direito de ir e vir”.
Em relação ao programa de ensino, seguia-se o modelo implantado para todos os
grupos escolares de Mato Grosso, conforme Decreto da Presidência do Estado 759, de
22 de abril de 1927, estavam assim distribuídas:
1º Ano
Leitura e linguagem oral e escrita. Aritmética;
geografia; ciências físicas e naturais; educação
higiênica; instrução moral e cívica; desenho;
trabalhos manuais e canto.
2º Ano
Leitura e linguagem oral e escrita; aritmética;
geografia; história do Brasil; educação moral e
cívica; desenho; educação higiênica; trabalhos
manuais e educação física.
3º Ano
Leitura e linguagem oral e escrita; aritmética;
geografia e cosmografia; história do Brasil;
instrução moral e cívica; geometria e desenho;
ciências naturais e higiene.
4º Ano
Linguagem oral e escrita, aritmética, geografia e
cosmografia; história do Brasil; ciências físicas e
naturais; instrução moral e cívica; geometria e
desenho; educação higiênica; trabalhos manuais.
No Regulamento de 1927, a orientação dada aos professores do ensino primário
acerca da aplicabilidade dessas disciplinas, indicava a utilização dos métodos intuitivo e do
analítico, principalmente para o ensino da leitura. Estes, por sua vez, eram considerados
modernos no campo educativo, e os professores teriam que corresponder aos anseios do
Estado no diz respeito à modernização de Mato Grosso, na tentativa de igualá-lo às
expectativas dos grandes centros urbanos.
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Num contexto de inovações dos métodos de ensino e de organização escolar, a
consolidação dos grupos escolares e a aplicação do método intuitivo representaram uma
tentativa de racionalização do ensino tendo por base os fundamentos de Pestalozzi conforme
afirma Reis (2003). Propunha modificações profundas na metodologia de ensino,
particularmente no âmbito da escola primária. Segundo a autora, ele defendia que a
educação deveria acontecer em um ambiente que fosse o mais natural possível, sob um
clima de estrita disciplina, mais amorosa, o que contribuía para o pleno desenvolvimento
infantil. Preocupava-se também com a idéia de educar pelos sentidos, levando adiante as
noções rosseauniana de prontidão de organização graduada do conhecimento, partindo do
mais simples para o mais complexo.
O método intuitivo foi então denominado como uma possibilidade de tomar para si
os princípios fundamentados na idéia de processos naturais de aprendizagem. A utilização
dos sentidos como mecanismo de aprendizagem seria a base central desse processo.
Segundo Dória (1917), a “intuição seria a base da inteligência, a observação direta, pessoal,
do sujeito cognoscente”. Para ele o método intuitivo propunha estabelecer um contato do
aluno com o que se quer conhecer, ou seja, por meio do contato direto, ou lançando mão de
explicações aproximativas a partir dos conhecimentos que as crianças dispunham.
Conforme Carvalho (1999), o método intuitivo foi peça central nas estratégias republicanas
de constituição de um sistema de educação pública modelar e, na concepção de Dória, foi
um método fundado no princípio de que a educação deveria recapitular, no indivíduo, o
processo de evolução da humanidade, atrelando pedagogia ao evolucionismo spenceriano
a Lei da recapitulação abreviada. Sobre o evolucionismo Spenceriano, Vidal (1999, p. 112)
diz que “o conhecimento das ciências naturais, seria a principal função da educação.
Deveria o ensino preocupar-se com a fisiologia, higiene, física e química, antes de ocupar-
se das áreas do conhecimento, do cuidado da prole e da vida social e política”. Assim as
ciências naturais precederiam as ciências sociais no trabalho escolar.
Segundo Reis (2003), o método intuitivo chegou ao Estado de Mato Grosso no final
do século XIX, tendo ampla divulgação por todo o interior, pois seus defensores
acreditavam que sua utilização poderia reverter a ineficiência do ensino das escolas públicas
primárias, reduzindo as despesas. Na Reforma de 1910, século XX, como foi referido,
também atribui a utilização do método. A sua implantação e divulgação estavam sob a
responsabilidade dos professores Paulistas Leowigildo de Mello e Gustavo Kuhlmann. Nos
discursos, havia um propósito de convencimento sobre a superioridade do método,
65
acentuando importância à intuição e a observação como primeira alternativa para o
aprendizado. Na visão da autora, os alunos eram levados a ver, sentir, tocar e observar os
objetos, partindo dos que estavam na sala de aula como os próprios materiais escolares, a
natureza, os fenômenos, objetivando a educação dos sentidos.
No decorrer do seu estudo Reis pontua mais algumas informações que nos leva a
entender que realmente esses métodos estavam sendo aplicados em Mato Grosso e,
apresentavam certa eficiência. Porém, não consegui até o momento identificar a aplicação
desses métodos no Grupo Escolar Leônidas de Matos, principalmente por ser um estudo de
um período bem posterior, e por isso, pressuponho que se desde a Reforma de 1896,
estendendo a de 1910, o método já se fazia presente na prática pedagógica, por que será que
o Grupo de Santo Antonio, implantado em 1932, não utilizava-o ainda?
Posso dizer que o Grupo Escolar Leônidas de Matos estava tão distante desse
método quando nos depoimento a lembrança mais comum era da formação moral, nos
depoimentos abaixo, por exemplo, demonstram isso:
Naquele tempo é bem diferente de agora, se aprendia cultura e
educação, hoje tem cultura. Naquele tempo você aprendia as duas
coisas no colégio, até pra se sentar, você tinha que ter um preceito de
sentar, senão você tomava uma réguada na perna. Tudo era em cima de
um certo respeito. O professor era uma autoridade dentro da sala de aula,
e a diretoria, cumpria rigorosamente as reclamações de um professor
(PEDROSO, depoimento..., 2003) Era ótimo naquele tempo. Você era
professora, nós estávamos na classe todo mundo sentado, você chegava,
bom dia criança, todos nós levantávamos para cumprimentar você. [...] a
professora entrava na sala de aula, nós levantávamos, aí, na hora que ela
sentava, mandava nós sentar, era diferente, por isso que a educação era
bem melhor (ALVES, depoimento..., 2004).
A formação moral era um dos aspectos que não foi priorizado com o método
intuitivo, baseado no pensamento Spenceriano, mas no Grupo Escolar era uma constante.
Outro utilizado foi a aplicação do método de memorização e repetição, que por sua vez,
não permitia qualquer possibilidade do aluno pensar por ele mesmo, de raciocinar, de ter
opinião própria, ou de simplesmente demonstrar de alguma forma, aquilo que sabia. As
atividades, segundo depoimentos, era com base em leituras mecânicas e cópias. Aquelas
desenvolvidas extraclasse ocorriam em dias de comemoração cívica, onde faziam
declamações de poesias, cantavam hinos patrióticos e muito raramente, faziam alguma
apresentação teatral.
66
Confesso que não consegui entender o porquê desse Grupo Escolar não ter
manifestado algum indício de aplicação dos métodos considerado modernos, ao mesmo
tempo em que os demais grupos, segundo Reis (2003), já utilizavam-os. Confesso também,
que tenho dúvidas se de fato a teoria esteve associada à prática. Acredito que somente um
estudo mais minucioso poderia esclarecer melhor como se deu o processo de modernização
da ação pedagógica no Estado de Mato Grosso frente as mudanças ocorridas na primeira
metade do século XX.
Desde o início da primeira República as normas eram elaboradas e analisadas com
o pensamento voltado para a modernização do Estado e do ensino. Os métodos foram
teoricamente sendo inovados, embora pense a prática educativa não acompanhasse com a
mesma velocidade, a evolução do pensamento pedagógico. No Brasil, a partir das décadas
1920 e 30, especialmente, se enfático o movimento conhecido como Escola Nova. A
primeira leitura que tive dos textos de Dewey, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e
Anísio Teixeira, me convenceu que esse movimento realmente trouxe mudanças
significativas para a educação brasileira. Posso dizer que incorporei toda aquela idéia de
reconstrução Social pela reconstrução educacional. Porém, fazendo outras leituras, como
do livro de Carvalho (1998), Molde Nacional e fôrma cívica, deparei-me com um estudo
diferenciado no tratamento das idéias escolanovistas. A autora faz uma crítica do
movimento de renovação educacional proposto por Fernando de Azevedo, em “A cultura
Brasileira”, referente a forma como o texto conduz o leitor a incorporar “a marcha gloriosa
e avassaladora do “novo”, batendo em diversas frentes contra o “velho”, o “tradicional”e o
“arcaico” (1998, p. 19). O que é descrito aqui como marcha gloriosa, ascensional e
inexorável do “novo”contra o “velho”, salienta Carvalho, é que “a oposição
tradicionalismo X renovação é alçada a categoria explicativa principal, senão exclusiva,
dos embates que então se verificavam (p. 20).
Para Carvalho (1998), o discurso de Fernando de Azevedo, produzido durante o
Estado Novo, consagra, em aspectos relevantes, a memória, então oficial, sobre a história
recente do país. Ela procura mostrar que o rompimento com a política oligárquica abriu
espaço para que a Revolução de 30 fosse pensada como o desfecho necessário da
insatisfação política dos anos 20, compreendida como embate contra o arcaico. Desta
forma, potencializou a circulação de idéias e as trocas culturais, possibilitando a infiltração
de doutrinas extremadas e partidos subversivos que agitaram o embate entre “novos e
67
velhos”, tradicionalistas e renovadores. Por sua vez, o Estado Novo pressupunha repor em
seu curso correto a marcha avassaladora do novo sobre o velho, depurando-a.
A oposição tradicionalista X renovadores, segundo Carvalho, funcionou como
regra de ordenação do discurso de Fernando de Azevedo, articulava-se assim, como
narrativa de eventos conexos as realizações “renovadoras”, constituindo-as. O novo” para
Fernando de Azevedo, conforme cita Carvalho, tem três acepções básicas:
1ª) permeabilidade do país aos valores culturais da Europa e dos Estados
Unidos do pós-guerra, com destaque especial para as “reformas
educacionais com que sonhava forjar uma humanidade nova em que se
concentravam as últimas esperanças de uma vida melhor, da restauração
da paz pela escola e da formação de um novo espírito, mais ajustado as
condições e necessidades de um novo tipo de civilização”; 2ª) adaptação
do sistema escolar “as exigências de uma sociedade nova, de forma
industrial, em franca evolução para uma democracia social e econômica”,
sem que fosse descurada “condições específicas do meio social brasileiro,
ainda não profundamente atingido pelos efeitos da revolução industrial”;
3ª) unificação do sistema educacional em nível nacional por uma “política
orgânica traçada pelas elites governantes”, em outros termos, o que era
entendido por uma política nacional de educação” (1998, p. 23).
A autora discorda que de fato estas acepções de novo viessem trazer realmente
algum beneficio para a educação. Ela diz que as três acepções entrecruzam-se de forma a
enfeixar o significado do movimento ascencional do “novo” naquilo que é referido como
“marcha resoluta para uma política nacional de educação” cujo objetivo principal seria
minar o papel dos sistemas educativos estaduais na “conservação e difusão de tipos de
ensino tradicionais e das velhas culturas”, abrindo caminho para uma escola que,
identificada com os valores da nova sociedade urbano-industrial que se constituía, e
permeada por valores culturais estrangeiros, viesse a atuar nacionalmente, direcionada pelo
Estado, como instância de “renovação” e “democratização” social.
O fato da obra de Fernando de Azevedo A Cultura Brasileira, ser considerada
referência mais importante acerca dos estudos do movimento de renovação educacional,
parece ter estimulado a autora problematizar o discurso de Azevedo, mostrando um outro
ponto de vista, como também, evidenciar as verdadeiras intenções, principalmente
políticas, desse movimento. Carvalho critica a oposição tradicionalista X renovadores
enquanto categoria descritiva que biparte o movimento em dois campos diferenciados e
antagônicos, embora ela venha mostrar que são mais semelhantes. No movimento
educacional em 20 não estiveram engajados apenas apologistas do novo, sendo possível
distinguir, nele, tradicionalistas e renovadores. Mas, tudo indica que as diferenças entre
68
eles foram relativamente compatibilizadas. Essas duas vertentes moviam-se num mesmo
campo de debates. “Propunham a questão educacional preponderantemente da ótica da
“formação da nacionalidade”. Por isso, nas propostas, as semelhanças eram mais relevantes
que as diferenças” (CARVALHO, 1998, p. 24).
Carvalho (1998), ressalta que foi um projeto marcadamente elitista cujo suposto
principal era o de que a “nação’só poderia constituir-se por um trabalho de direção das
“elites”. Com isso, por exemplo, o sentido modernizador dominante nas propostas dos
renovadores sediados na ABE não, como faz crer Azevedo e como alguns estudos
repropõem, o da crítica do caráter excludente da escola, e disse mais:
Se houve proposta “modernizadoras”, seu sentido não foi o de “acenar a
educação como forma de mobilidade social para as classes populares”.
Articuladas no âmbito de um projeto de construção de “nacionalidade”,
tais propostas privilegiaram não a satisfação de um demanda da
população e sim a efetivação de um particular projeto da sociedade.
Correspondiam, assim, à modalidade típica de conexão entre mudança
social e mudança educacional que Celso Beisiegel identificou nos
projetos da “elite liberal” dos primórdios da Independência e no
programa dos republicanos, privilegiando a educação como instrumento
de conformação dos indivíduos a uma sociedade almejada. O sentido
modernizador das propostas dos “renovadores” sediados na ABE
manteve relação com o que Azevedo chamou de “exigências de uma
sociedade nova, de forma industrial”. Mas, é preciso entender, aqui, o
sentido em que se resgata o tema da industrialização nos projetos que
circulam na ABE. Este sentido foi, principalmente, o de responder a
problemas políticos e sociais que a presença da fábrica gerava. Neste
escopo, propostas “modernizadoras” diferenciam das “tradicionalistas”
por programarem esse controle incorporando novos métodos, técnicas e
modelos educacionais, tomando a fábrica como paradigma da escola e da
sociedade. Tratava-se, neste caso, de programar, em moldes mais
adequados “às exigências de uma sociedade nova, de forma industrial”,
mecanismo de controle social (CARVALHO, 1998, p. 26-27).
A autora explicita cuidadosamente cada acepção apregoada por Fernando de
Azevedo, possibilitando uma compreensão mais plural, ou seja, a análise do discurso e da
prática política e educativa do período, sob diversos olhares e/ou pensamentos. Penso que
não seja necessário fazer uma alusão a todos tão detalhadamente, mas o estudo da terceira
acepção é fundamental para a compreensão da temática desta pesquisa, principalmente no
que diz respeito a campanha cívico-educacional. Deste modo, procurar-se-á fazer alguns
apontamentos acerca das abordagens que Carvalho traz sobre este tema.
Sendo assim, a verifica-se que a campanha cívico-educacional promovida pela
ABE nos anos 20 reuniu dois projetos nacionalistas diversos. Um católico, que enfatizava
o papel das elites na construção de um nacionalismo a partir do Sentimento patriótico,
69
existente na multidão. E outro, ativado pela ABE, que recusava o catolicismo, mas,
igualmente atribuía a “elites” um papel fundamental na formação da nacionalidade,
coincidindo com o nacionalismo católico ao propor a relação “povo-elite” como relação
não mediada pela razão.
O primeiro projeto segundo observa Lúcia Lippi de Oliveira (Cf. Carvalho, 1998),
estava reservada uma difícil missão a essa elite: identificar o que deve ser criticado nas
tradições da pátria e o que deve ser recuperado e transformado em dogma. Carvalho
ressalta que a visão do projeto católico era muito próxima da formulada por Jackson
Figueiredo, reforçando a questão do sentimento patriótico. Neste sentido, ele afirma que
para os nacionalistas, sendo também um deles, Havia a princípio uma obrigação,
indagar da consciência nacional quais as tradições e costumes, as idéias que de fato lhe são
essenciais. O resultado, o catolicismo é a força de ordem moral e religiosa que arregimenta
todas as forças do país. O catolicismo é o cimento da “unidade nacional” e, se atentar para
a colaboração que a Igreja prestou ao Governo na década de 20 na preservação da ordem,
da coesão e “harmonia social”.
Do outro lado, o projeto da ABE, tinha forte presença das preposições de Gustavo
Le Bon sobre a psicologia das multidões. Conforme Carvalho (1998, p. 44), as proposições
de Le Bon são movidas pelo inconsciente. As revoluções, as greves, os movimentos de rua
são excogitados como manifestação do homem-massa, que incapaz de refletir e raciocinar
está capacitado para agir. Desta capacidade decorria a importância das elites como guias ou
condutores de multidões. Se o objetivo dessa conduta era racionalmente determinado pelos
guias, ela se fazia como sugestão. Produzia-se também pela educação entendida como
processo de transferência do consciente para o inconsciente de valores e atitudes, pela
formação de hábitos, forma de condução mais eficaz e duradoura porque não mediada por
nenhum tipo de adesão voluntária.
De modo geral, a autora nos faz pensar na educação das cadas de 20 e 30 , como
um projeto autoritário, descomprometidos com a qualidade de vida e educacional dos
cidadãos brasileiros, e principalmente por não estimular a mobilidade social. Para
Carvalho:
70
A exigência de uma “política educacional de educação” esteve articulada
a projetos de homogeneização cultural e moral aos quais não foi estranho
o arsenal autoritário referido. [...] Trata-se antes, de enfatizar que o
projeto de elaboração desta política educacional deu-se no âmbito da
questão da formação da nacionalidade. [...] o movimento educacional foi
sem dúvida uma das instancias de elaboração e disseminação da ideologia
autoritária nos anos 20. Nele foram propostas representações do “povo
brasileiro” como carência, passividade e amorfia. Nele se constituíram as
“elites”, atribuindo-se um papel diretor de qualquer transformação social.
Nele se delineou a figura do Estado como agenciador principal das elites
na promoção da “unidade nacional”, exaltando-se com isso, as
virtualidades criadoras da intervenção deliberada, e do controle coercitivo
através de um poder burocrático (1998, p. 44-45).
O estudo de Carvalho (1998) é de fundamental relevância por possibilitar a
desmistificação de um período importante para a historiografia educacional brasileira. Em
Mato Grosso, muitos estudos precisam ser realizados referente às primeiras décadas do
século XX, especialmente, acerca da atuação dos discursos e práticas pedagógicas
fundamentados no movimento de “renovação educacional” apregoado por Fernando de
Azevedo. Nesta pesquisa, não foi possível avançar o tanto necessário para compreensão
deste movimento no Estado. Ainda continua, de certa forma, bastante vaga, a idéia de
como foi aplicado, se é que foi, esse projeto no contexto político e educacional
matogrossense. Mato Grosso não teve e, não tem até o momento, um perfil de potência
industrial; pelo contrário, sempre foi um território potencialmente agro-pecuário. Isso nos
permite até pressupor que se de fato houve uma tentativa de moldar o ensino
matogrossense às exigências da “Escola Nova”, esta ocorreu de forma tardia e
incomparável com o sucedeu nos grandes centros urbanos.
No próximo capítulo, serão analisadas as manifestações da nacionalidade que
foram incorporadas pelo Grupo Escolar Leônidas de matos. O estudo dessas práticas
permite fazer uma reflexão do que de fato foi internalizado como cultura escolar em
relação ao que as leis estabeleciam. Os dados apontam que as intenções nem sempre eram
as mesmas que os gestos.
71
CAPÍTULO III
MANIFESTAÇÃO DA NACIONALIDADE NO COTIDIANO DO
GRUPO ESCOLAR LEONIDAS DE MATOS
3.1 Práticas pedagógicas e Cultura Escolar
As reflexões aqui apresentadas buscam estabelecer um diálogo entre práticas
pedagógicas e cultura escolar, analisando, no cotidiano do Grupo Escolar Leônidas de
Matos como se deu a formação da nacionalidade. Interessar-se por essa temática significa
reconhecer não apenas a coexistência de posições, mas também as resistências ao projeto
estadonovista, aqui observado enquanto uma resistência silenciada, mas que, por sua vez,
não deixou de fazer ecoar os seus valores.
Olhar para a possibilidade de resistência ou não resistência é também reconhecê-
las enquanto uma manifestação cultural e social que contribuiu para a construção e
reconstrução das práticas escolares no espaço social configurado por interlocuções capazes
de criá-las e recriá-las. Entende-se que o fazer escolar se constituiu historicamente, não
pelas exigências econômicas, mas pelas práticas concretas de que necessitou desenvolver a
partir das resistências “explícitas” ou “silenciosas” ao projeto civilizador. Nesse sentido,
nos filiamos, aqui, às reflexões de Dominique Julia (2001) quando afirma que a cultura
escolar não pode ser estudada sem a análise, precisa das relações que mantém, a cada
período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas.
Não se trata de ver na escola apenas o meio inventado pela burguesia, de adestrar e
normalizar o povo. Foi com este espírito que passamos a observar a presença subterrânea
de aspirações de ensino da cultura popular. Nossas intenções caminham em busca de
rastros da cultura popular que possam desvendar, por exemplo, os sinais de sua existência
enquanto elementos constitutivos da heterogênea e contraditória elaboração dos sistemas
culturais e educacionais.
A educação oficial era entendida como a que infiltrava preconceitos e regras com
o objetivo de apaziguar “os ânimos” dos movimentos de resistência, conduzindo as pessoas
a uma obediência aos mandões. A Igreja exigia o respeito aos dogmas e o Estado às leis.
72
Diante desse fato, a escola moderna teria por missão esfolhar o cérebro do povo, elevando
o nível da sua mentalidade.
Penetrar por entre os muros das escolas modernas e adentrar na prática instituída
do seu fazer parecia tarefa impossível devido a tamanha complexidade. No entanto, a
documentação oficial e não oficial constituem num material riquíssimo, revelador de uma
prática escolar que buscou adaptar a educação à realidade político-social da época. Nesse
sentido, as práticas escolares que foram remodeladas para atender ao projeto republicano,
passaram por um movimento de assimilações e adaptações que nos faz pensar a escola não
apenas como um meio inventado pela burguesia, mas como um espaço criado através das
interlocuções e, nesse interstício, as práticas instituídas nas escolas públicas primárias
contribuíram para a constituição da cultura escolar.
A ênfase dada ao estudo da cultura escolar através das práticas de professores e
alunos da escola primária em Santo Antônio durante o Estado Novo é uma das formas
encontradas para melhor reconstruir a memória da formação da nacionalidade frente a esse
contexto. A cultura escolar, segundo Julia (2001) nos oferece uma visão mais ampla acerca
dos comportamentos, das atitudes, dos valores e até mesmo das construções ideológicas.
Diante disso, o estudo da cultura escolar pode ser encaminhado em duas dimensões
complementares. A primeira pode ser visualizada na ação reguladora imposta pelas
estratégias de imposição de uma cultura escolar, pela via da circulação dos procedimentos
e objetos escolares postos a demarcar e prescrever o tipo pedagógico novo, moderno,
experimental e cientifico que se deseja como modelo escolar, desde primórdios do século
XX.
A segunda refere-se a ão ocorrida no cotidiano que recebeu prontos, definidos e
prescritos todos os procedimentos didáticos e os objetos escolares, que determinariam a
realização pedagógica desejada e pensada de acordo com o modelo imposto.Diante dessa
dupla dimensão, há de se considerar que existe um distanciamento entre o que foi prescrito
pela estratégia de imposição e o que realmente aconteceu no subterrâneo das práticas
cotidianas escolares.
Nesse caso, é pertinente a intervenção explicativa das práticas escolares a partir do
conceito de tática, concebidas por Michel de Certeau (2000), que o compreende enquanto
movimento que ganha vida no fazer da prática escolar, criando sua maneira de fazer e
utilizando, manipulando e alterando os procedimentos, bem como estabelecendo novos
usos dos objetos, que lhes são impostos.
73
Conhecer as apropriações feitas pelos sujeitos no cotidiano da escola é produzir
uma história das práticas escolares e, portanto, compreender a produção da cultura escolar.
Práticas que produziram os sujeitos professores e alunos, que vivenciaram o dia-a-dia da
escola primária em Santo Antônio e, que também foram produzidos por elas.
Tais práticas serão concebidas como maneiras de fazer peculiares da escola e que
ocorreram no cotidiano, mas que não se constituíram como um lugar próprio. Uma tática,
segundo Certeau (2000, p. 100), se opera no espaço daquele que detém o poder de
imposição. Sua ação é de astúcia, de tática de apropriação dos procedimentos e dos objetos
que lhes são impostos pelas estratégias postuladas pelos promotores da modernização da
educação no Estado.
As táticas apropriadas não significam uma ação de reprodução dos interesses
impostos, mas ao contrário, são ressignificadas a partir de um lugar que se estabelece no
interior das práticas escolares e que nele desenvolvem usos particulares dos procedimentos
e dos projetos inovadores e, que se constituem em representações que fazem os rios
sujeitos envolvidos em tais práticas escolares.
Todo processo educativo tem como meta alterar comportamentos humanos para
que, de forma mais disciplinada, o homem consiga avanços consecutivos ou produtos mais
eficientes na resolução de suas necessidades ou problemas. No caso da formação do
cidadão através da educação, todo um cenário de ritualizações, de simbologias e de
representações sociais que permitem criar valores que enraízam no sujeito de tal maneira,
que acabam por transformar esses valores em cultura escolar, e por se tornar cultura,
transformam também em registros.
Estes modos de registros constituem-se como material de estudo, que propõe,
como objetivos, dar maior visibilidade e aprofundar a compreensão dessas práticas
culturais, que são cotidianas no contexto em que se inscrevem e, por isso, históricas.
Conforme Chartier (1990, p. 16-17), “A história cultural, tem por principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
social é construída, pensada e dada a ler”. O saber cotidiano é uma categoria objetiva,
tendo em vista que ele pertence a uma época, a um estrato social e a uma integração social.
Na tentativa de formar o cidadão sob o olhar republicano, pode-se notar a
necessidade de se propor um padrão de sociabilidade na escola de forma que este, uma vez
instaurado na vivência escolar, ultrapasse os seus muros, atingindo, assim, a sociedade. A
educação sob influência da Escola Nova entendia que o papel da escola era menos de
74
desenvolver os aspectos cognitivos que os sociais. Tudo indica que a formação de um bom
trabalhador, cidadão consciente de seus direitos e deveres, disciplinado e respeitoso
tornava-se o foco da escola. Segundo de Souza (2002, p. 442), em seu trabalho acerca das
reformas escolanovistas, a escola deveria “ampliar o seu atendimento à população,
considerado massa ignorante e despreparada que a educação deveria moldar e conduzir”.
As propostas disciplinares estavam inspiradas no movimento escolanovista e iam
sendo adaptadas conforme os interesses e características inerentes às reformas. Nesse
momento, a escola, vista como espaço formador, deveria atentar-se para um novo padrão
de sociabilidade a ser construído. Para isso, era necessário condenar as práticas punitivas,
imagem típica da criticada escola tradicional, e instaurar um novo modelo educativo,
baseado nas proposições científicas, em voga no período.
A escola nesse período, bem como nos períodos anteriores, desenvolveu uma
cultura de disciplinarização, de controle das atitudes e comportamentos tanto de alunos
quanto de professores, e fez com que essa prática ocupasse todo o ambiente escolar,
controlando os espaços, os tempos, os deslocamentos, enfim todas as atividades
desenvolvidas. O controle sutil e onipresente constitui a marca principal da disciplina.
Olhares, posturas, gestos, sinais, horários, corredores, salas e ambientes determinam
comportamentos, recriminam, punem e aprovam.
3.2 Exaltar a pátria ou formar o cidadão: o ensino de história e suas
representações acerca da formação cívica e nacionalista
Desde que o a História se estruturou como disciplina escolar, a formação e o
fortalecimento do sentimento de identidade nacional foi um dos objetivos de seu ensino. A
questão da identidade nacional brasileira se colocava com muita força entre intelectuais e
educadores brasileiros da primeira metade do século XX. Entre estes últimos, os que
participavam dos órgãos públicos educacionais procuraram fazer com que a História fosse
um veículo para as suas idéias, que foram incorporadas pelos programas da disciplina, e os
livros didáticos dessem especial importância à formação do povo brasileiro, à integridade
territorial e administrativa do Brasil, bem como, à unidade cultural do Brasil.
Os órgãos de instrução teriam um papel fundamental na formação da consciência
nacional e, dentre esses elementos, destacavam-se os objetivos que competiam à História.
A História tem sido considerada, por excelência, a disciplina formadora dos cidadãos.
Furet (s/d), nos lembra que, no momento de sua introdução como disciplina escolar,
75
interessava formar com seu ensino uma ciência social geral, que desse aos alunos a noção
da diversidade das sociedades do passado e o sentido de sua evolução.
A disciplina deveria ser o estudo da mudança e, no final do séc. XIX, era um
método científico e uma concepção de evolução. O homem caminhava rumo ao Progresso
e à Civilização, procurando identificar as bases comuns, formadoras do sentimento de
identidade nacional. Assim, a História se desenvolveu buscando o fortalecimento do
Estado, conformação material da nação.
Os programas de ensino de História continham elementos fundamentais para a
formação que se pretendia dar ao educando, no sentido de levá-lo a compreender a
continuidade histórica do povo brasileiro, compreensão que seria a base do patriotismo.
Nessa perspectiva, o ensino de História seria um instrumento poderoso na construção do
Estado Nacional, pois traria à luz o passado de todos os brasileiros, e segundo consta no
Plano Nacional de Educação (1936, p. 13), teria “(...) o alto intuito de fortalecer cada vez
mais o espírito de brasilidade, isto é, a formação da alma e do caráter nacional”.
As orientações para o trabalho pedagógico elaborado pelas instituições
educacionais durante o período Vargas, as listas de conteúdos, sua distribuição pelas séries
da escola primária, traduziam a preocupação oficial e as discussões que perpassavam os
meios intelectuais brasileiros. Mais do que isso eram um instrumento ideológico para a
valorização de um corpus de idéias, crenças e valores centrados na unidade de um único
Brasil, num processo de uniformização, no qual o sentimento de identidade nacional
permitisse a omissão da divisão social, a direção das massas pelas elites e a valorização da
“democracia racial”, que teria homogeneizado num povo branco a população brasileira.
Com ênfase no ensino de História, pelo Regulamento de 1927 percebe-se que o
conteúdo estava disposto por série e procurava abranger prioritariamente, o estudo da
História do Brasil que, por sua vez, contou com o auxílio da disciplina de educação moral e
cívica para divulgar os ideais da elite na formação deste novo cidadão brasileiro. Na
verdade, observa-se que desde o Regulamento de 1910, este considerado o que ofereceu
uma nova roupagem à instrução púbica primária em Mato Grosso, tendo o Estado de São
Paulo como modelo educacional, e exemplo de modernidade, não se uma mudança
significativa no processo educativo.
A interpretação histórica produzida para a escola primária, em sua versão oficial,
valeu-se das configurações fundamentais que explicitam a presença da História como
76
disciplina escolar obrigatória, ou seja, a construção de uma imagem de nação e de povo.
Todo o conteúdo de História desenvolvido na escola primária, tanto em 1910 como em
1927, utilizou-se de dois arquétipos:
[...] nação e povo funcionam como arquétipos ou como entes simbólicos
saturados de sentido que se materializam em casos particulares, tidos
como expressões dos símbolos gerais. Encontramos o índio, o negro, o
sertanejo, o operário, o camponês, a verde mata, os verdes mares, o céu
de anil, a rudeza, a bravura, a não violência, a crendice, a indolência, a
floreta, a cidade, a fábrica, a usina, o sindicato, a revolução, o patrão, a
burguesia, o estrangeiro. (CHAUÍ, 1984, p. 48)
Considerando os programas de ensino de História em 1927, a partir do ano o
aluno aprendia a conhecer a Pátria, por descrições que garantissem o despertar no espírito
das crianças o interesse e sentimento de entusiasmo pela pátria. Estudavam-se então os
vultos mais notáveis da nossa história, empreendendo, por este caminho, a construção da
imagem da pátria para se buscar a identidade nacional, a qual poderia se construir com
agentes sociais únicos tanto em História como nas aulas de educação Moral e cívica,
disciplina encarregada de fazer o aluno incorporar os valores de um bom cidadão. No
ano repetia-se histórias, narradas pelo professor, enfatizando fatos de patriotismo,
heroísmo, abnegação.
O tema “trabalho” foi uma das vertentes do discurso nacionalista. Conforme
Bittencourt (1990), aliava-se o conhecimento sobre as formas de exploração das riquezas
com a formação do povo brasileiro encarregado historicamente de transformar a nação em
um país rico diante do mundo civilizado. E mais:
[...] O brasileiro patriota deveria realizar-se pelo trabalho produtivo,
dirigido para o fortalecimento do “bem comum”. Explicitava-se de uma
argumentação nacionalista a necessidade de construir uma educação
única e integral, voltada para a organização do trabalho e do trabalhador.
(1990, p. 136)
Para Cardoso o problema fundamental da geração dos anos vinte, era repensar a
“civilização brasileira” sob o enfoque das questões econômicas em sua articulação com a
organização do trabalho. A República brasileira havia nascido com a instalação do
trabalho livre, mas, até então, não conseguira reinstaurar um efetivo equilíbrio político-
econômico após a emancipação repentina do braço escravo, sem que houvesse, na
generalidade do país, organização suficiente para dispensá-lo. Dizia que:
77
Política para a fase atual que a humanidade atravessa, a parcela mais
adiantada dela, deve implicitamente expressar política econômica. Para
terras novas, habitadas por povos também novos, onde não existe ainda
trabalho organizado e sistematizado, não mister encarecer a fragrância
desta verdade. Ninguém, de resto, que pense nestas coisas deixará de
reconhecer que os problemas vitais do Brasil são todos econômicos ou
deles intrinsecamente independentes. (CARDOSO, 1981, p. 103)
Cabia, então, estabelecer uma “política econômica, política do trabalho, política de
independência” e nesta perspectiva, a educação possuía a função específica de organizar
cada individuo para compor a “nova” sociedade fundada no trabalho livre. Delimitava que:
A função da instrução nas sociedades é precisamente a do condutor, do
transmissor pelo qual é possível a transformação da energia potencial do
homem em energia cinética. Insuflando, despertando, desenvolvendo as
energias potenciais dissimuladas pela ignorância, a instrução é bem o
veículo que permite a transformação delas em energias atuais, cinéticas,
donde conseqüentemente, em resultado, o próprio trabalho amplificado.
Daí a necessidade imperiosa da formação dos modeladores do povo, à
custa da organização dinâmica do trabalho destro da estabilidade da
ordem. Instruir
é
formar cidadãos, é sanear mentalmente, é fundamentar
os laços da coletividade da Pátria. (CARDOSO, 1981, p. 109)
Para os autores que assumem a mesma definição de trabalho citada por Cardoso, a
questão do trabalho e das formas como deveria ser organizado, vinculam-se à montagem
da estrutura escolar, incluindo nesta elaboração, os conteúdos das matérias que
compunham o currículo. “Uma das tarefas primordiais de ensino de História, assim como
as demais “matérias” do currículo escolar, era a de veicular as vantagens do trabalho
“livre”, de acordo com os princípios da “organização do trabalho” (BITTENCOURT,
1990, p. 139).
Esta tarefa do ensino de História, aparentemente simples, esbarrava em questões
divergentes entre os vários autores que se dedicavam à construção da memória nacional.
Tendo em vista o que foi exposto sobre o ensino de História, ressalta-se que não será
aqui analisada com maior profundidade, por entender que essa temática por si só daria uma
outra dissertação. Porém, acrescenta-se aqui uma citação que é uma parte de um oficio
expedido pela Diretora do Grupo Escolar Leônidas de Matos, Francisca Gaeta, para o
Diretor Geral da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes, comunicando que não foi
atingido o número ideal de matrículas pelo fato das crianças estarem com os pais
trabalhando na colheita do arroz, explicitando, assim, o desinteresse dos pais sobre o saber
e os valores veiculados pela escola, e na ausência destes, o interesse pelo trabalho vem em
primeiro lugar:
78
[...] A matrícula neste Grupo Escolar ainda não atingiu ao número de
matrículas regulamentares, por ser de praxe certas famílias matricularem
seus filhos depois da colheita de arroz; por este motivo solicito-vos
permissão para prolongar a matrícula dos mesmos até o dia 30 do
corrente. (GRUPO ESCOLAR Leônidas de Matos. Diretoria. Oficio n.
13, Santo Antônio de Leverger, 5 de Abril de 1941)
Esse registro nos indícios do quanto o trabalho era priorizado na vida cotidiana
da população levergense, essa relação de trabalho e ensino de História, mesmo
compreendidas por vários ângulos, vem evidenciar a necessidade de se estabelecer uma
nova organização econômica naquele momento, e o quanto a escola foi importante nesse
processo. A formação do cidadão voltado para o setor produtivo, conforme o ponto de vista
dos autores citados, foi criando uma cultura do trabalho, distinguindo o trabalho do homem
da cidade e do homem do campo.
A representação do trabalhador brasileiro fazia-se principalmente pelas
interpretações relacionadas ao debate em torno das teorias sobre a superioridade e
inferioridade das raças e creio que também da territorialidade, pois temos a impressão,
senão a convicção, de que, por exemplo, o trabalho industrial era visto como um trabalho
mais dignificante que ao do campo, isso nos lembra a história do Jeca Tatu. O trabalho que
mantém apenas a sua subsistência, como foi o caso da população de Santo Antônio, a falta
de ambição e de saúde era sinais representativos de uma ausência de utilidade, de um
indivíduo sem pátria, portanto, possível de transformação.
O ensino de História foi um dos alicerces na construção da cidadania, tendo em
vista que as autoridades educacionais preocupavam em estender a educação escolar no
sentido de ampliar a clientela estudantil, e não apenas para alfabetizar um contingente
maior da população, mas também para assegurar que um determinado saber fosse
transmitido aos novos segmentos sociais, porém, sabemos que o saber que se pretendia
transmitir era diferente entre a elite e as camadas sociais menos favorecidas.
3.3 Festa cívica e patriotismo
O ensino de História muito contribuiu na produção de uma consciência nacional
romântica, e a ação dos conhecimentos históricos transmitidos na época não se limitou
apenas ao espaço da sala de aula. Esses conhecimentos, somados à consciência nacional
79
produzida naquele momento, ultrapassaram o espaço interno da escola em forma de
desfiles, cerimônias e rituais cívicos e patrióticos.
A memória histórica, veiculada pelo poder governamental, fez parte dos diversos
programas de ensino para a escola primária sem que este instrumento fosse, entretanto,
considerado como suficiente e único para introjetar a visão de passado desejável.
Conforme Bittencourt (1990), os programas de ensino das escolas primárias
passaram a incluir uma série de atividades que se incorporaram ao currículo. As atividades
programadas para a escola oficial compunham-se de comemorações relacionadas às datas
nacionais, de rituais para hasteamento da bandeira nacional e hinos pátrios além de uma
série de outras festividades que foram englobadas sob o título de cívicas, compondo com
as demais disciplinas o cotidiano escolar.
Considerando o cuidado com que as autoridades educacionais organizavam e
fiscalizavam tais práticas escolares e seguindo o conteúdo das denominadas festas cívicas,
é possível verificar que o ensino de História do Brasil não era conteúdo exclusivo da ação
dos professores em sala de aula. Além da História da Pátria ser tema preferencial de livros
de leitura e das músicas escolares, havia outros recursos de comunicação, com rituais e
símbolos construídos para a institucionalização de uma memória nacional.
Um estudo mais global das práticas e símbolos do mundo contemporâneo realizado
por Hobsbawm, mostrou o relacionamento entre o fenômeno nacional e a construção das
tradições ou invenção das tradições, como ele denomina, no sentido de legitimar os vários
“nacionalismos” surgidos a partir do século XIX:
As tradições inventadas são altamente aplicáveis no caso de uma
renovação histórica comparativamente recente, a nação” e seus
fenômenos associados: o nacionalismo, o Estado nacional, os símbolos
nacionais, as interpretações históricas e daí por diante. (1984, p. 22)
Dentro da perspectiva de Hobsbawm, os rituais cívicos, a construção de
monumentos e demais símbolos relacionados às tradições nacionais merecem uma
interpretação que ultrapasse a questão interna da organização escolar. Nesse sentido,
procurou-se aqui, contextualizar as atividades pedagógicas ligadas ao civismo em meio aos
discursos educacionais que se fundamentam no nacionalismo.
Segundo Carvalho, existiu uma batalha em torno da simbologia republicana em
relação à bandeira e ao hino. De adoção e usos obrigatórios, esses dois símbolos tinham de
ser estabelecidos por legislação, com data certa. O autor reforça a idéia de que o “que se
pede de um símbolo nacional é a capacidade de traduzir o sentimento coletivo, de
80
expressar a emoção cívica dos membros de uma comunidade nacional” (1990, p. 127).
Para ela a republica brasileira não possuía suficiente densidade popular para refazer o
imaginário nacional. Suas raízes eram escassas, profundas apenas em setores reduzidos da
população, nas camadas educadas e urbanas. O grosso da nação era-lhe alheio, se não
hostil. Sua proclamação por iniciativa militar, diz ele, também não contribuiu para
popularizá-la de imediato. O esforço de recriar o imaginário caia no vazio, quando não
encontrava resistência ou se prestava ao ridículo. E ainda diz mais:
quando se voltou para as tradições culturais mais profundas, às vezes
alheia à sua imagem, é que conseguiu algum êxito no esforço de se
popularizar. Foi quando apelou à Independência e a religião, no caso de
Tiradentes; aos símbolos monárquicos, no caso da bandeira; à tradição
cívica, no caso do hino. Eram freqüentes as queixas dos republicanos em
relação à falta de capacidade do novo regime de gerar entusiasmos. Os
símbolos monárquicos, continuava, ainda se via em quase todos os
edifícios (CARVALHO, 1990, p. 128).
A escola levergense, bem como, as demais de Mato Grosso não era diferente em
termos de difusão da nacionalidade, devendo então, cuidar de transformar o “caboclo” em
cidadão brasileiro. Essa era a ótica do nacionalismo, criada para “formar o cidadão”.
O regime republicano ao restringir o direito de voto aos alfabetizados colocou a
escola em posição destacada para a constituição do direito político dos cidadãos
brasileiros. A escola formava os futuros eleitores, mas na medida em que a concepção de
cidadania não se restringia ao direito político, estendendo-se o status de cidadão aos
trabalhadores e possibilitando o acesso destes, em princípio, aos direitos sociais, a
educação escolar deveria ainda completar a formação do cidadão brasileiro. Ser cidadão,
com determinados direitos garantidos, significava também “cumprir obrigações e estar de
acordo com valores ditados pelo poder constituído, sendo que estas normas estabelecidas
integravam uma das aprendizagens fundamentais para o aluno” (MARSCHALL, 1967, p.
39).
A tarefa da escola pública tornava-se mais complexa ao se ver obrigada a
introduzir, para alunos provenientes de diferentes setores sociais, formas de socialização
comuns a todos e contraditoriamente inculcar um conteúdo alicerçado nos feitos da “elite”,
únicos agentes dignos de figurar no rol dos construtores da nação.
A missão da escola relativa ao ensino das tradições inventadas, preferencialmente a
coesão nacional em torno de um passado único, construtor da nação, justificava a
preocupação na organização das atividades cívicas criadas para reforçar essa memória. As
81
tradições nacionais não poderiam, dentro deste contexto, ser tratadas apenas pelos livros
didáticos acompanhados das preleções dos professores em sala de aula. As festas e
comemorações, discursos e juramentos tornaram-se partes integrantes e inerentes da
educação da educação escolar.
O expoente maior do civismo patriótico foi Olavo Bilac, intelectual, autor do Hino
à Bandeira e de inúmeras poesias patrióticas que foram declamadas por alunos em várias
gerações, dedicou-se à difusão do “espírito nacionalista”. O estilo de propaganda de Bilac
baseava-se na denúncia da ausência de patriotismo dos brasileiros como fonte principal dos
males do país. O antipatriotismo dos brasileiros era fruto de uma educação mal conduzida
e segundo Bilac, a solução estaria na escola e no quartel:
O nosso sonho, o nosso desejo será isto, que espero, será uma realidade.
O exército nacional será um laboratório de civismo: uma escola de
humanidade, dentro do patriotismo; uma escola de energia social,
começando por ser uma escola de energia nacional. Ambicionamos que
todos os brasileiros passem pelo quartel, revezando-se; que cada um dê ao
menos um ano de sus vida ao serviço da vida da pátria. Queremos que
dentro de cada quartel haja uma aula primária; e que ao lado de cada
quartel uma aula profissional. (BILAC, 1924, p. 236)
Na concepção de Olavo Bilac, escola primária e exército eram as instituições
formadoras do “patriotismo”. Professores e militares eram educadores na tentativa de
defender e salvar a pátria.
O ritual cívico sempre foi muito bem planejado pelas autoridades e pelos
educadores. As festividades, solenidades do culto à bandeira, as que se referiam ao hino
nacional e grandes espetáculos patrióticos, foram incorporados por professores e pelos
próprios alunos. Segundo Bertolini:
Os espetáculos e as festas eram os monumentos radiantes em que a pátria
se tornaria visível, cabendo à educação o adequado preparo da
participação dos cidadãos, sem o qual se estabeleceria a necessária
vinculação afetiva com as encenações. Sem um delineamento maior da
educação, o que também envolvia o estudo da história nacional e a
valorização de seus episódios mais significativos, não se estabeleceria
uma base sólida sobre a qual a veneração da tria seria erigida e
edificada. Portanto, com dois alicerces fundamentais, a reiteração de sua
presença permanente e em todos os momentos e situações, desde a mais
tenra idade, e a organização de regulamentos que coloquem a educação
no correto caminho almejado, é que a vinculação à pátria se consolidaria.
(2000, p. 59)
82
A História por sua vez, valendo-se do seu poder de legitimar os agentes históricos
merecedores de reconhecimento por toda a população, não podia furtar-se de ter como
conteúdo introdutório na escola primária, o estudo dos grandes “personagens históricos”.
A exemplo disso, cito uma ata de 1939, que registrou um evento comemorativo do
cinqüentenário da proclamação da República Brasileira, realizada no Grupo Escolar
Leônidas de Matos, organizado pelas autoridades locais. Para esta festividade foi montada
uma programação de caráter cívico e patriótico, respeitando o Art. 161 do Regulamento da
Instrução Pública Primária do Estado de Mato Grosso do ano de 1927: “respeito aos
feriados nacionais e estaduais; além disso, e de modo todo especial, examinar; o ensino
vernáculo; e o ensino da História pátria e Educação Cívica”.
Essa festividade foi organizada pelas autoridades do município em conjunto com o
grupo escolar, embora tudo leva a crer que a escola, apesar de bastante envolvida no
evento, era vista como um espaço privilegiado para a difusão da história oficial e ainda, era
mais uma oportunidade dos políticos locais encenarem seus belos discursos em favor da
nação. Segundo Bittencourt:
O ritual cívico nas escolas era planejado, como se percebe, pelas
autoridades e por educadores que assumiam os cargos políticos na
Diretoria da Instrução Pública; ao professores recebiam, com detalhes, as
regras sobre o método a ser utilizado nas festividades escolares. (1990, p.
175)
Foi através da educação que se conseguiu obter a adesão da população aos projetos
político das elites dirigente de cada país, e assim se reproduzia logicamente, nos Estados e
municípios.
Os discursos proferidos pelas autoridades reforçavam o mito do “Herói”, ou seja,
exaltavam quase sempre os feitos dos grandes homens que construíram a história
republicana”, como também, havia uma forte exaltação à bandeira e ao hino nacional que
eram consideradas como grande expressão do sentimento nacionalista.
Houve todo um ritual, a festividade começou do lado de fora do Grupo Escolar,
onde estavam presentes várias autoridades, a comunidade escolar e parte da sociedade
levergense. Depois de alguns discursos, todos foram recolhidos para o interior do
estabelecimento dando início a sessão solene. O primeiro a discursar foi o Juiz de Direito
Hélio Ferreira de Vasconcellos, discorreu sobre “o histórico da vida política do Brasil,
83
concitando a infância escolar, a amar a pátria, tendo como exemplo a conduta dos nossos
grandes homens”.
Em seguida falou o Prefeito do município Sebastião de Oliveira, “justificando
numa sublime e aplaudida oração os justos motivos que o levaram a denominar diversas
ruas e praças desta cidade, com o nome dos fundadores da República”; foram citados nesse
discurso, os nomes do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto
como homens de inteligência e benemerência pelo qual seus nomes “devem perpetuar não
nos corações de todos os brasileiros, como nas placas em que a infância possa ler e se
recordar com veneração dos seus feitos em prol da grandeza da nossa querida pátria”.
O último a falar foi o tenente policial Luis de Carvalho repetindo de certa maneira
os discursos proferidos, exaltando o trabalho dos “Heróis brasileiros”. O Juiz de Direito
encerrou a sessão com o corpo discente do Grupo Escolar cantando o Hino Nacional
Brasileiro. O aluno Amadeu falou sobre a bandeira, e a aluna Maria declamou uma poesia
saudando e glorificando o pavilhão do Brasil. Percebe-se que esse foi um dos poucos
momentos que a escola teve participação ativa no evento, confirmando a observação de
que a escola, nesse momento, foi utilizada como um cenário de representação política-
ideológica, mas, sobretudo, não deixou de transmitir valores “civilizatórios” que
contribuíram para a construção da identidade e sentimento nacional.
As solenidades cívicas espetaculares e as demais festividades do Estado Novo se
revestiram de um apuro e de um preparo que se prestaram para a abordagem dos
fenômenos relativos às encenações do poder, como demonstra a comemoração da
Proclamação da República de 1939 no Grupo Escolar. As representações da unanimidade
nacional articulavam-se com diversos espaços estatais, inclusive o da escola, possibilitando
estabelecer relações entre o ideário político de seus pensadores autoritários, as propostas
pedagógicas de 1920 a de 1940 e suas iniciativas de arregimentação de crianças, jovens, e
de trabalhadores. Foi notável a constatação de que ocorrera um intenso intercâmbio de
forças de encenação, de ritualizações e de seus respectivos valores na propaganda política
do regime.
outros registros a respeito das festas comemorativas realizadas no Grupo
Escolar Leônidas de Matos, segundo um ofício expedido pela diretora Francisca Gaeta, ao
prefeito municipal Acyndino Pinto Duarte, foi enviado para apreciação o programa dos
festejos em comemoração à Independência do Brasil, solicitando também, “angariar apoio
à parte final do referido programa”. Não foi encontrado o programa original, somente esse
84
oficio. Uma outra atividade registrada, num oficio expedido pela mesma diretora, trata-se
de uma homenagem ao aniversário do Presidente Getúlio Vargas:
Tenho a honra de comunicar a V. Excia que, em homenagem a data
aniversária do S. Excia o Presidente Getúlio Vargas foi realizado, no dia
19 do corrente, neste estabelecimento de ensino uma pequena festa
escolar, constando de: inauguração do retrato do Presidente Vargas, de
preleção sobre a individualidade do ilustre chefe da Nação e de alguns
recitativos. No ato da inauguração compareceram além das autoridades
locais, elevado números de família. Nesse ato usaram da palavra a
Professora Alaíde Ribeiro e o Sr. Manoel Antônio Álvares da Cruz,
Promotor de Justiça desta. (GRUPO ESCOLAR Leônidas de Matos.
Diretoria. Oficio n. 17, Santo Antônio de Leverger, 22 de abril de 1941)
Em 22 de outubro de 1941, segundo um outro oficio expedido pela diretora
Francisca Gaeta ao Diretor da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes, comunica
acerca da remessa de dinheiro, em virtude de uma coleta realizada entre os alunos,
objetivando contribuir para a construção de um monumento ao Presidente Getúlio Vargas:
Com este tenho a honra de remeter a V. Excia., a importância da coleta
feita durante o corrente mês, por ordem dessa Diretoria Geral, entre os
alunos deste estabelecimento de Ensino, afim de contribuir também, com
sua pequena parcela, na justa e louvável obra construtora do monumento
ao eminente chefe da Nação, o Dr, Getúlio Vargas, que terá por
significativa a gratidão dos jovens estudantes brasileiros ao excelso
fundador do Estado Novo. Essa contribuição escolar poderia atingira uma
soma elevada, si não fosse a pobreza extrema de alguns alunos e a falta de
compreensão, por parte dos pais, de muitos outros [...]. (GAETA, 1941,
oficio n. 42)
O civismo, o patriotismo, as solenidades espetaculares, tiveram sua origem nas
práticas do espaço escolar. Desde a infância a escola incentivava a exaltação à pátria e a
veneração aos símbolos nacionais. A própria instauração da ditadura do Estado Novo foi
marcada por eventos solenes de elevado teor simbólico e principalmente emocional, como
foi visto.
A escola, era a instituição fundamental, criada pela “nação” para formar o cidadão,
possuindo, portanto, tarefas específicas que permeavam o conjunto das disciplinas com
seus conteúdos e métodos. As atividades programadas para a escola oficial compunham-se
de comemorações relacionadas às “datas nacionais”, de rituais como o hasteamento da
bandeira nacional e cantos dos hinos trios, além de uma série de outras festividades que
foram englobadas sob o título de “cívicas”, compondo com as demais disciplinas o
cotidiano escolar.
85
3.4 Cartilhas e Livros de leitura no universo escolar
As cartilhas escolares e os livros de leitura foram, e são até hoje, um forte
instrumento de circulação e apropriação de modelos culturais. Nesse sentido, objetiva-se
aqui, estudar a influência desses livros na formação do cidadão, e os mecanismos
utilizados nele, para a internalização do projeto político Estadonovista, visando
compreender como os textos produzidos para o ensino primário, auxiliaram os professores
na difícil tarefa de reproduzir o discurso Varguista, que, por sua vez, reelaborou toda uma
simbologia inscrita na mentalidade coletiva.
Para conhecer melhor esse processo de internalização do discurso na prática,
pressupõe-se que seria importante tratar primeiramente, de maneira bem geral, sobre a
finalidade da utilização das cartilhas e dos livros em sala de aula. Para isso, retomamos os
estudos de Mortatti (2002), Chervel (1990) e Bourdieu (1992), que discutem como as
cartilhas são instrumentos de produção cultural, influenciando no modo de pensar, sentir e
agir das pessoas. Retomamos também, os estudos de Amâncio (2000) e Rosa (2002),
ambas discutem a circulação das cartilhas e livros de leituras em Mato Grosso, focalizando
os mecanismos de alfabetização e de práticas de leitura, permitindo conhecer os
exemplares e os métodos aplicados no Estado. Para compreender esse mesmo universo no
contexto do Grupo Escolar Leônidas de Matos, recorremos a fontes primárias,
particularmente, ao livro de Carga e Descarga do almoxarifado da escola, que aponta os
exemplares que possivelmente foram utilizados, e as próprias cartilhas.
Historicamente, observa-se que a partir da última década do século XIX, com a
organização republicana da instrução pública no Brasil, iniciou-se um movimento de
escolarização das práticas de leitura e escrita e de identificação entre o processo de ensino
inicial dessas práticas e a questão dos métodos.
A partir de então, a cartilha vai-se consolidando como um imprescindível
instrumento de concretização dos métodos propostos e, em decorrência, de configuração de
determinado conteúdo de ensino, assim como de certas silenciosas, mas operantes,
concepções de alfabetização, leitura, escrita e texto, a finalidade e utilidade não se
86
encerram nos limites da própria escola e cuja permanência se pode observar até os dias
atuais, no cotidiano das pessoas.
As cartilhas e livros de leitura, compreendidos como instrumento de produção
cultural, influenciaram na formação da nacionalidade, uma vez que, trazia em seu bojo,
textos de cunho cívico, patriótico e moral. Analisar esses textos é o objetivo que ora
propomos aqui, pois assim como as festas cívicas, os símbolos nacionais, o ensino de
história, influenciaram nesse processo; as cartilhas também serviram de mecanismo de
inculcação de uma cultura escolar, privilegiando certos aspectos constantemente tidos
como universais e, para cujo engendramento, transmissão e perpetuação, têm-se aliado,
muitas vezes, para o conservadorismo cultural da escola e do professor.
Conforme Mortatti (2000), baseando-se em uma imagem idealizada de
linguagem/língua, assim como substituindo o trabalho de professores e alunos na medida
em que àqueles impõe métodos e conteúdos de ensino previamente estabelecidos e
questionáveis e, a estes, os alfabetizandos, modelos equivocados de leitura, escrita, texto –,
a cartilha de alfabetização instituiu e perpetua certo modo de pensar, sentir, querer e agir,
que, embora aparentemente restrito aos limites da situação escolar, tende a silenciosamente
acompanhar esses sujeitos em outras esferas de sua vida pessoal e social, tornando-se
cultural. Segundo Forquin:
Se o imperativo da "transposição didática" impõe a emergência de
configurações cognitivas específicas (os saberes e os modos de
pensamento tipicamente escolares), estas configurações tendem a escapar
de seu estatuto puramente funcional de instrumentos pedagógicos e de
auxiliares das aprendizagens, para se constituir numa espécie de "cultura
escolar" sui generis, dotada de dinâmica própria e capaz de sair dos
limites da escola para imprimir sua marca "didática" e "acadêmica" a
toda espécie de outras atividades.[...]. (1993, pp. 17-18)
Nessa perspectiva, tem sido problematizado o papel do ensino na formação de
determinados tipos de raciocínio e de pensamento e, segundo Bourdieu (1992), a escola
opera em diferentes níveis para a transmissão da cultura, a fim de produzir, implícita ou
explicitamente, o consenso cultural. Sua grande força influenciadora proviria da
constituição de determinados hábitos mentais e da criação de disposição para gerar
esquemas interpretativos suscetíveis de serem aplicados em diferentes campos de
conhecimento e de ação, que poderiam ser generalizados como "hábito culto".
87
Assim sendo, pode-se apontar a existência de um vínculo entre as escolas de
pensamento e a cultura de uma classe social específica, pois os esquemas de pensamento
provenientes de concepções teóricas, adotados pela escola como consensuais, seriam a
expressão de uma determinada classe social, que passa a ser referência para modelos de
pensar e constituir problemáticas.
Bourdieu (1992) afirma também que, entre os elementos determinantes desse
processo de inculcação de modos de pensar e de sistemas de pensamento, podem ser
incluídos o processo de aquisição de saberes, a natureza dos exercícios, lições e tarefas que
foram impostos aos alunos, as provas a que se submeteram, os critérios segundo os quais
foram julgados e o tipo de relação estabelecida entre os alunos e os professores e/ou
representantes da administração escolar, criando, por meio de tais mecanismos, um elo de
cumplicidade entre os membros de uma mesma classe social, participante do mesmo
processo. Aqui, Bourdieu aponta outros mecanismos, além dos processos de leitura e
escrita, que ajudam a compreender a formação da cultura escolar.
Para Chervel (1990), a análise da cultura que a escola transmite aos seus alunos
comporta, tanto a clivagem histórico-social, quanto a análise propriamente pedagógica ou
interna, que engloba o programa escolar, com as finalidades educativas que lhe são
confiadas, o conteúdo aprendido e também objetivos não explicitados, decorrentes dos
mecanismos didáticos postos em ação para o ensino, isto é, o modo como os conceitos são
aprendidos.
Chervel, reconhecido pelo seu trabalho pioneiro acerca das disciplinas escolares,
enfatiza que determinados elementos culturais, como os de cunho pedagógico, não podem
ser compreendidos sem a análise dos aspectos sociais. Portanto, entende-se que seja
necessários estabelecer uma relação investigativa entre o mecanismo de produção cultural
(cartilha), o interlocutor (professor), o projeto político-pedagógico (construção ideológica)
e o público alvo (alunos).
Em Mato Grosso, a circulação e uso de livros de leitura nas escolas primárias, nas
primeiras décadas republicanas, segundo Rosa (2002) eram parte da estratégia de
conformação e controle das práticas escolares, previstas nos textos legais. A pesquisadora
também ressalta que a escolha dos livros não era feita pelos professores, seguindo os
Regulamentos da Instrução Pública mato-grossense, referentes aos anos de 1854, 1873 e
88
1891, respectivamente, a função foi primeiramente do Inspetor Geral de Estudos e mais
tarde ficou aos encargos do Conselho de Literário e em seguida do Conselho Superior da
Instrução Pública.
Recorrendo-se às relações de material, sobretudo de cartilhas, enviado às escolas
públicas de Mato Grosso durante a segunda e terceira décadas do século XX, Amâncio
(2000) evidencia a diversidade de cartilhas utilizadas naquela época, representativas das
muitas e variadas orientações que fundamentavam a recente, mas promissora produção de
cartilhas no Brasil, especialmente de autoria de professores paulistas. Em ralação à escolha
das cartilhas, observa-se que em Mato Grosso:
Parecia pacífica a convivência, por exemplo, de cartilhas fundamentadas
no método analítico, como Cartilha Analytica (1910), de Arnaldo Barreto
e cartilhas respaldadas nos “antigos” métodos sintéticos, como é o caso de
Cartilha da Infância (provavelmente de 1880), de Tomaz Galhardo; ou
ainda, de cartilhas que se fundamentam em princípios inovadores para a
época de sua publicação, como a Cartilha Nacional (provavelmente de
1880), de Hilário Ribeiro, que defendia o ensino simultâneo da leitura e
da escrita e que teve enorme repercussão em Mato Grosso, sendo
mencionada em relações de material escolar por mais de três décadas
seguidas. (AMANCIO, 2000, p. 215)
Os títulos de cartilhas mais citados em Mato Grosso, nas primeiras décadas deste
século, segundo Amâncio (2000), foram:
Título Autor
Cartilhas das Mães Arnaldo Barreto
Cartilha Nacional Hilário Ribeiro
Meu Livro Theodoro Moraes
Cartilha Analytica Arnaldo Barreto
Cartilha Ensino Rápido de Leitura Mariano de Oliveira
Cartilha Analytico-Syntética Mariano de Oliveira
Cartilha da Infância Tomaz Galhardo
Fonte: APMT. Diversos livros de registros de entrada e saídas de material escolar –
Diretoria Geral da Instrução Pública de Mato Grosso
89
A princípio, é preciso considerar que a simples menção de determinados títulos de
livros escolares, pouco colabora para a elucidação do modo como os conteúdos e métodos
de ensino efetivam-se nas práticas pedagógicas, Por outro lado, tal como assinala Corrêa:
Os livros escolares, de modo geral, configuram um objeto em circulação
como bem frisa Chartier (1990) e, por essa razão, são veículos de
circulação de idéias que traduzem valores [...] e comportamentos que se
desejou fossem ensinados. Some-se a isso o fato de que a relação entre
livro escolar e escolarização permite pensar na possibilidade de uma
aproximação maior do ponto de vista histórico acerca da circulação de
idéias sobre o que a escola deveria ensinar/transmitir e, ao mesmo tempo,
saber qual a concepção educativa estaria permeando a proposta de
formação dos sujeitos escolares. Nesse sentido, então, esse tipo de fonte
pode servir como um indicativo do projeto de formação social
desencadeada pela escola. (2000, s/p)
Sob essa ótica, justifica-se a pertinência de uma análise mais detida dos livros de
leitura e das cartilhas, buscando levantar o quadro de idéias, saberes, valores e padrões de
comportamentos em circulação no Grupo Escolar Leônidas de Matos. Para isso,
elencaremos os títulos dos livros e cartilhas utilizados no Grupo, nessa relação consta
apenas os exemplares registrados entre 1937-1945, e particularmente, desconsiderei por
este momento, os livros de matemática, por exemplo, a intenção era de selecionar àqueles
que mais se aproximaram da temática desta pesquisa, conforme segue tabela abaixo:
ESPÉCIE DISCRIMINAÇÃO
Livro Ciências sociais
II Ler e Aprender
II Menino de qualidade
II Leitura Intermediária (Erasmo Braga)
II Leitura I, II, III de Erasmo Braga
II Hinário patriótico
Cartilha Cartilha do Povo
Cartilha Cartilha Amiga
Livro Meus deveres 3º e 4º anos
90
II Minha pátria 2º e 3º anos
II Nosso Brasil
Cartilha Meu Livro (Theodoro Moraes)
Livro 1º Livro de Leitura por M. da V. C.
Cartilha A, B, C infantil
Livro História do Brasil
II Vou Ler
II Seleta da Infância
Fonte: Livro de Carga e Descarga das Escolas Reunidas e do Grupo Escolar Leônidas de
Matos de Santo Antonio de Leverger (1930-1955) – Almoxarifado, pp 21-54.
Segundo pode-se observar por meio dos registros desses livros e cartilhas, que entre
os anos de 1937 a 1940, o Grupo contava ainda com um pequeno acervo. A partir de 1941-
1942, percebe-se o aumento de exemplares e a diversidade dos mesmos, tanto que de 8
exemplares registrados a1940, saltou progressivamente, para 16 em 1945. Talvez, para
alguns leitores seja um aumento apenas simbólico, mas sendo este Grupo do interior de
Mato Grosso, e precário no que diz respeito à condição de funcionamento, ter um acervo
com esse número de exemplares, parece ser realmente um privilégio.
Em relação à distribuição dos livros, entre 1937-1938, não informações sobre
distribuição, a partir de 1939, aparece a distribuição de alguns títulos, e vai aumentando
a cada ano. A distribuição é feita tanto dos livros considerados em bom estado, quanto os
danificados. informação também de que alguns alunos eram presenteados com livros, a
titulo de prêmio de aplicação. Um outro fator a ser considerado, trata-se do número de
exemplares distribuídos, havia uma variação, alguns títulos como meus deveres e nosso
Brasil, por exemplo, eram poucos, uma média de 9 exemplares.
Por outro lado, o livro Minha pátria era o mais distribuído, numa faixa de 35 títulos.
Mas, de modo geral, a média de distribuição ao longo desses anos, era de 15 a 25
exemplares, e não acredito que era por turma, pois o registro informa esses números sendo
a quantidade de títulos existentes na escola, e pelo livro de matricula de 1949, o único
encontrado e mais próximo do período da pesquisa, consta um número de 71 alunos em
uma única turma, no caso, 1ª A, e como estavam misturados alunos da 1ª série A, B e C, fiz
91
questão de contar cada um em suas respectivas séries, sendo 47 na B e 33 na C, e
contei também os alunos matriculados na série, esta não estava a priore dividida por
turma, e consta um número de 53 alunos, evidenciando que não havia livros para todos.
Na busca de realizar uma análise dos conteúdos das cartilhas e livros de leitura
utilizados no Grupo Escolar Leônidas de Matos, sinto dizer que não tive acesso neste
momento a maioria dos títulos, na verdade, consegui somente a cartilha intitulada “Meu
Livro”, pela qual selecionei três textos que correspondem a uma forma de representação
política, a tentativa de implantar um modelo de cidadania que se pretendia homogênea.
A Cartilha intitulada Meu Livro (1920), de Theodoro de Moraes traz algumas
poesias sobre o Brasil,
a bandeira
92
E personalidades brasileiras:
Os temas apontam aspectos da vida cotidiana, carregados de mensagem de cunho
cívico, patriótico e moral, as quais reforçadas pela intenção de inculcar sentidos de
disciplina e dever acabam por transmitir valores que por muitas vezes não são seus.
Considerando os textos, chama a tenção a permanência dos valores que possam ter
justificado seus usos por longos anos nas escolas em diferentes contextos políticos.
O primeiro texto, uma espécie de poesia referente ao amor dos cidadãos para com a
sua terra, demonstra que o cidadão ideal é aquele que ama, respeita e venera o seu país.
Nesse sentido, faz tudo parecer que está em plena harmonia, que o Brasil é uma terra sem
conflitos, sem dor, sem desespero, sem pobreza, sem diferenças sociais. A expressão
“Como é Belo meu Brasil! Azul, branco, verde e amarelo!”, mostrando um Brasil todo
colorido e feliz. Não pretende-se aqui fazer apologia ao sofrimento. O Brasil é lindo, rico
na sua pluralidade social, ambiental e cultural, mas traz consigo uma herança do período
colonial penosa, que é a questão da escravidão, da subserviência, do preconceito com o
mestiço, pela qual, fica difícil imaginá-lo tão colorido assim.
O segundo texto, que trata sobre a Bandeira do Brasil, busca transmitir uma idéia
de identidade, de pertencimento a nação. A bandeira, compreendida como uma
representação simbólica de um país, tem o poder de adentrar-se na alma das pessoas e,
93
interferir em seus sentimentos, em sua prática cidadã. A bandeira como objeto influencia
na construção de uma determinada ideologia, esta é elaborada a partir dos discursos, esses
são formadores de opiniões e contribuem de forma positiva ou negativa, na formação do
cidadão. Desta forma, a bandeira sempre foi vista como uma maneira de reforçar o espírito
nacionalista. Ela passou a ser uma representação de um povo.
O terceiro texto evidencia a suposta necessidade que o brasileiro tem de seguir
modelos prontos e acabados, o perfil de cidadão brasileiro que se pretendia cristalizar na
época, e que por sinal não é tão diferente hoje, está na figura do “grande Homem”, e quem
são eles? Os militares, as autoridades políticas e religiosas, e neste caso, um poeta
Gonçalves Dias. No texto ele é rememorado pela expressão de brasilidade que transmitia
em suas poesias. Ele ficou reconhecido como alguém que amava demais o seu país.
Segundo Sacristán (2001), a cidadania enquanto forma cultural requer uma
organização baseada em uma determinada cultura formada por aquelas crenças, normas e
procedimentos que o sujeito deve subjetivar como atributos incorporados a seu
pensamento, a seus valores e a seu comportamento. Para ele trata-se de uma nova realidade
que impõe e propõe um modelo de vida e um modelo educativo para canalizar o
desenvolvimento das redes sociais entre os seres humanos. É uma cultura que se define
normativa por meio de leis, mas que, sobretudo, deve ser uma forma de vida que dirija
internamente os indivíduos.
3.5 A construção da nacionalidade na voz de seus sujeitos
Neste capítulo procuro abordar a questão da construção da identidade nacional,
compreendida como cultura escolar, imbuída de valores como o da construção de uma
identidade nacional brasileira e da difusão dos rituais cívicos/ patrióticos sob o olhar dos
seus sujeitos.
O objetivo é compreender alguns aspectos da cultura escolar analisando a seleção
de valores culturais e educacionais operada pela escola pública primária, tendo como base
à memória histórica de seus protagonistas.
Este estudo tem por finalidade restaurar uma parte da memória histórica da
educação levergense, com ênfase na história oral, pela importância de conservar viva as
94
lembranças de uma cultura escolar que estão continuamente ensinando e transmitindo
valores.
A história oral definida por Thompsom (2000, p. 9) como sendo a “interpretação da
história e das mutáveis sociedades e culturas através da escuta das pessoas e do registro de
suas lembranças e experiências”, foi um importante recurso metodológico, por permitir
conhecer e analisar registros, digamos que “não oficiais”. Neste momento, a história oral
vem se apresentando como um grande suporte investigativo para compreendermos como se
configurou a formação da nacionalidade na vida pessoal dos sujeitos da história.
Os estudos de Halbwachs (1994) ajudam a entender que o trabalho da memória é
essencialmente de elaboração da experiência, a partir de reconhecimento e reconstrução da
lembrança com vitalidade, que [...] não é na história aprendida, é na história vivida que
se apóia a nossa memória” (HALBWACHS, 1994, p. 61). A memória traz consigo as
marcas do grupo, do tempo e do espaço. As lembranças são retomadas a partir de uma
referência coletiva, a partir de um grupo com o qual se compartilha uma visão de mundo,
cuja permanência de um vínculo afetivo permite atualizar uma identificação com a
comunidade de referência.
A dinâmica da memória acontece no contato com a realidade presente, uma vez que
utilizam os recursos de conhecimento acumulados para lidar com situações novas, que se
encontram unidos a lembranças que, por sua vez, estão associadas à maneira de pensar de
tantos outros que fizeram parte da história da pessoa. Para Halbwachs (1994) a memória é
socialmente construída. Isso quer dizer que não é o passado individual que é mantido na
memória individual, mas sim são as representações coletivas que vão construir o passado,
com base nas necessidades do presente. Assim, o passado é constantemente reconstruído
dentro de um processo de re-vificação do evento lembrado e de re-significação do
conteúdo recordado. A memória do indivíduo está presa à memória coletiva do grupo, e
esta, por sua vez está amarrada à memória coletiva de cada sociedade.
Apoiar essa pesquisa na memória oral nos faz perceber que ao estudar a escola, não
é apenas a descrição do ambiente físico, ou ainda a caracterização de sua clientela, que nos
permitirão conhecê-la em profundidade, mas são as atitudes, percepções, juízos de valores
e crenças daqueles que a constroem que nos permitirão adentrar no imaginário da
instituição tentando, assim, compreender aspectos menos óbvios e não plenamente visíveis
que transitam no interior de seus muros.
95
A escolha pela temática da construção da nacionalidade, surgiu a partir de algumas
observações no modo de pensar das pessoas mais idosas, no momento em que
evidenciavam em suas falas como acreditavam que fosse o comportamento dos alunos e
dos professores na escola de seu tempo. Suas lembranças não estão distantes do
pensamento de hoje, ou seja, as escolas atualmente são desafiadas a que o esforço
pedagógico caminhe no sentido de colocar o ensino das crianças e jovens em maior
sintonia com a sociedade da informação e da inclusão social. Porém, na prática cotidiana,
tem-se ouvido por parte de muitos professores que “a escola do passado é que era boa”, “os
alunos de hoje não são mais os mesmos”, “os alunos não respeitam mais os professores” ou
“eu sou de um tempo em que os professores eram respeitados”.
Os fragmentos da fala acima, assim como vários outros com conotação semelhante,
nos têm sido dirigidos em conversas informais ao longo do tempo em que atuamos na rede
pública de ensino. Esses excertos demonstram uma tendência cada vez maior de
engrandecer o passado e depreciar o presente. Isso nos leva a pensar que a escola hoje se
apresenta em uma visão pessimista comparada à do passado, pois surgem opiniões como
“agora não disciplina e a tendência é piorar” ou “se fosse naquele tempo as coisas não
estariam tão sem rumo”. Parece que tanto as vozes do passado quanto à do presente sentem
que a educação se faz através da ciência, da ética, e principalmente, da disciplina e da
moralização.
O Grupo Escolar Leônidas de Matos serviu como um importante veículo de
transmissão dos ideais nacionalistas, como outras instituições de ensino. É evidente o
esforço envidado pela instituição para disciplinar as crianças através da educação, além da
preocupação com a construção de uma identidade nacional e a formação do sentimento
patriótico. Não era outra a preocupação da elite brasileira, que tinha como interesse maior
“regenerar as populações brasileiras, cleo da nacionalidade, tornando-as saudáveis,
disciplinadas e produtivas”, e a educação estaria “erigida nesse imaginário em causa cívica
da redenção nacional” (CARVALHO, 1990, p. 10).
Para compreender o papel da educação como veículo de reprodução ideológica,
faz-se necessário apreender as articulações do poder em relação à política educacional a
serviço do regime autoritário, objetivando o consenso e a legitimação da sociedade para
com a nova ordem política instaurada em 10 de novembro de 1937. Nesse sentido, a
característica que predominou durante todo o período do Estado Novo, em virtude de se
estabelecer uma “nova ordem”, foi a difusão, por todo o país, de um sentimento patriótico,
96
enaltecido pelos símbolos nacionais, a exemplo da Bandeira e do Hino Nacional. As
grandes manifestações populares encenadas por ocasião das festas de “7 de setembro e 15
de novembro” se tornaram a grande expressão cívica de todo a nação brasileira.
Sem dúvida, era o inicio de um novo momento histórico, que aos poucos foi se
firmando, marcado pela intensa cultura cívica, visando principalmente, conduzir todos os
Estados da nação, a um movimento único e homogêneo, de profundo nacionalismo que se
propagou indistintamente no interior de todas as escolas do Brasil.
Durante o Estado Novo, a semana da pátria passa a ser comemorada com muito
entusiasmo e profundo sentimento patriótico. Era um momento de intensa atividade
cultural e cívica, onde eram envolvidos a escola, os políticos e toda a sociedade levergense.
A ex-aluna do Grupo Escolar Leônidas de Matos, Srª. Deolinda Alves, 70 anos de idade,
relembrou como era a organização das atividades cívicas:
Eu me lembro muito, muito pouco. 7 de Setembro a gente fazia poesia,
cada um já tinha que fazer a poesia. O aluno que fazia. Ficava o
professor na frente sentado na mesa, tudo escrito fulano de tal, vai
apresentar tal coisa. Eu lembro de uma poesia que eu fiz, era da pátria
“Tu és a tria querida” [não se recorda mais]. (ALVES, depoimento...,
2004)
O discurso desse período conclamava a escola para a campanha pela unidade da
pátria, conforme podemos observar na fala do sr. Benedito Pedroso, popularmente
conhecido como seu Doca, 82 anos, quando perguntei a ele se a escola fazia alguma
atividade especial nas datas comemorativas, ele disse:
Fazia comemorações fantásticas, como no dia da Independência saíamos
pra rua, desfile, bandeiras, com tudo, coisas que eu não vejo hoje, aquele
tempo acontecia o nacionalismo, como eu falei pra vocês, era
verdadeiro, o espírito da criança, qualquer criança que você conversasse,
falava eu sou brasileiro, batia no peito. Hoje, ninguém fala no Brasil, era
diferente a mentalidade da juventude antiga com a de hoje, se tinha
orgulho da sua pátria, hoje ele nem fala na pátria. (PEDROSO,
depoimento..., 2003)
O projeto de nacionalização e cidadania vinha sendo implantado desde o inicio da
República, sendo definitivamente absorvido pelo Estado Novo. Pode-se notar que os
entrevistados foram protagonistas desse momento histórico, demonstrando um profundo
amor à pátria constantemente referenciado nos depoimentos.
A partir do Decreto federal 2.072 de 8 de março de 1940, passava a ser
obrigatória às disciplinas de Educação Cívica, Moral e Física para a infância e juventude
brasileira. A implantação da disciplina de educação cívica, especificamente, visava a
97
formação da consciência patriótica, criando no espírito infantil e juvenil o sentimento de
responsabilidade pela segurança e engrandecimento da tria. A escola, por sua vez, era o
local onde se aprendia o amor e o respeito aos símbolos nacionais.
A educação moral visava estabelecer uma relação de lealdade e confiança entre pais
e professores. Esta relação era mantida através de um diálogo onde o pensamento e as
atitudes fossem iguais para ambas as partes. Deste modo, as crianças eram preparadas para
assumir uma determinada personalidade material e espiritual, advinda de um rigoroso
hábito de disciplina. Parece que a educação moral acabou por estabelecer entre pais e
mestres a responsabilidade de disciplinar as crianças, e as punições eram vistas como
necessárias para a manutenção da ordem. O Estado outorgava aos pais, que por
conseguinte, outorgava aos professores o direito de intervir com severidade na formação de
seus filhos:
A família, como célula social, gira em torno da autoridade do chefe, ao
qual está conferido o exercício do pátrio poder. O pai, dentro da família,
exerce um reflexo do poder público, e, por isso mesmo, o exercício dessa
faculdade primordial é condicionado a regras e princípios que o Estado
Novo considera pontos cardinais de sua estrutura. (...) O Estado,
colocando a educação como primeiro de seus deveres morais, estaria
faltando com a finalidade essencial, se embora respeitando em sua
plenitude o livre exercício do pátrio poder, não incutisse, por todas as
formas de persuasão ao seu alcance, a alta noção do dever de que incide
no pai, como centro e irradiação da família como guia, seu protetor,
podendo em qualquer emergência invocar a autoridade supletiva do poder
público, que não lhe recusará o apoio moral e mais indispensável ao
desempenho de sua nobre e elevada missão (DEPARTAMENTO DE
IMPREENSA E PROPAGANDA. Comissão de Doutrina e Divulgação.
1938, p.3)
No depoimento da Srª Deolinda, quando ela relata sobre a sua infância, percebemos
o quanto era forte a questão do pátrio poder:
Era muito gostosa nossa época de criança, a gente tinha mais (...), ah, não
sei! Era mais rígido a educação naquele tempo, o pai falava não faz isso, a
gente não fazia. Mas a gente brincava de pegador de noite, pulava corda,
era muito movimentada nossa vida, agitada né. Mas de madrugada
mamãe levantava nós pra estudar, ai pra panhar água pra vir pra tomar
banho, pra ir para escola. Chegava, tinha que ir no rio torcer roupa. Era
assim que era. A gente foi muito bem criado, não respondia. (ALVES,
depoimento..., 2004)
Num outro momento do depoimento a Srª Deolinda, fala da sua infância e da
relação de trabalho que era estabelecida pelos pais, demonstrando que o pátrio poder era
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visto com muita seriedade e obediência. Quando fiz uma simples pergunta: Seus pais
estipulavam um horário para brincar? Ela respondeu;
[...] Passava da hora papai falava, ei! acabou a brincadeira. Batia palma e
vinha, não falava ah! Não! Era chamar, já vinha, tomava banho e ia
dormir, nós tivemos uma infância muito boa. Graças a Deus, trabalhamos
bastante [...] Ah! Trabalhava assim, lavava roupa, passava ferro e naquele
tempo não é como agora né? Naquele tempo tinha ferro de brasa, não
tinha água encanada, se tinha que ir na cacimba, no poço ou no rio, então
era esse que era o nosso serviço, não tinha fogão à gás, você tinha que
pegar lenha. (ALVES, depoimento..., 2004)
O Sr. Benedito Pedroso também relata em seu depoimento que na sua infância
estudava e também já trabalhava:
[...] Comecei a trabalhar com oito anos.e o meu primeiro patrão foi seu
Osvaldo Ribeiro Teixeira, eu trabalhava e estudava, eu ia pro açougue às
6:00 hs. da manhã, pra repartir carne na rua, e ai voltava pra casa 7:00 hs.
né, chegava no açougue distribuía a carne, voltava as sete horas ai ia pra
casa, tomava banho, o chá e ia pro colégio oito horas, eu tinha permissão
da diretoria do colégio pra chegar oito horas porque eu trabalhava. [...] Ai
eu comecei a luta pela sobrevivência [...] Até onze e meia que soltava o
colégio, onze e meia eu saia do colégio pra casa almoçava, pegava o
almoço do meu pai, ia pra roça e voltava de seis horas da tarde, na
inchada né, é o negócio não foi fácil. (PEDROSO, depoimento..., 2003)
Desde o começo da República, os programas de ensino eram precedidos de
discursos, prevalecendo o tema da nacionalização aliado à formação de um “novo
cidadão”, permanecendo na construção das disciplinas a preocupação com o trabalho.
Neste sentido, o ensino de História, como foi dito, foi uma das disciplinas que mais
contribuiu na difusão da construção ideológica da nacionalidade. Cabia à História mostrar
“a nossa capacidade para o trabalho”, como também, os feitos dos grandes líderes,
“construtores da nossa nacionalidade”. Acreditava-se que o conhecimento do passado
apontava para uma direção comum a todo o cidadão, ou seja, “construir, pelo trabalho, o
engrandecimento da nação”. A dignidade do homem realizava-se pelo trabalho produtivo,
talvez essa concepção explique o porquê dos depoentes aliarem trabalho infantil a orgulho,
satisfação e até ao prazer.
O ensino de História estava associado à necessidade de desenvolver nas crianças e
nos jovens o gosto pela História como condição para a criação de um “espírito de povo”.
Portanto, sabe-se que não foi somente o ensino de História que contribuiu para a formação
do espírito nacionalista nos cidadãos brasileiros; Veríssimo apontava desde o final do
99
século XIX, para a necessidade de se ensinar a História “Pátria” em todos os momentos e
espaços utilizando-se de outros signos:
Porque não é somente nas escolas ou pelo estudo dos Autores e
documentos que se pode estudar a história pátria. O mínimo ao menos do
conhecimento do passado nacional indispensável ao cidadão de um país
livre e civilizado, e, por acaso, o que mais importa saber para despertar
nele os fecundos estímulos do sentimento pátrio, outros meios que o
ensinem. Os monumentos, os museus, as coleções arqueológicas e
históricas, essas construções que os nossos antepassados com tanta
propriedade chamaram memórias, são outras tantas maneiras de
recordação do passado, de ensino histórico, portanto, e em última análise,
nacional. (1985, p. 101)
As memórias na concepção de José Veríssimo, para transformarem-se em
nacionais, teriam de compor um conjunto homogêneo de rituais vinculados pelo culto à
pátria. A questão que se colocava para a escola situava-se na dificuldade em transmitir
concretamente, para os alunos, valores mais ou menos vagos como “amor à pátria” ou
“patriotismo”.
Embora a sociedade tivesse outras possibilidades de desenvolver uma identidade
nacional, como a participação na vida religiosa e política, tudo indica que a escola foi o
principal instrumento ou veículo de transmissão dessa cultura, ao menos em território
levergense. Pois, não foi constatado, ao menos nesta primeira tentativa, nenhum indicio de
participação dos alunos nessas outras atividades elencadas acima por Veríssimo. O que se
observa é a presença de uma memória muito forte daquilo que a escola transmitia em
relação a formação da nacionalidade, talvez seja pelo próprio meio.
A exemplo disso, pode-se observar na fala da Srª Deolinda relembrando as
disciplinas escolares, quando destacou que gostava mais de Português, de Matemática e da
“História do Brasil”, embora tenha detalhado sobre esta última, demonstrando ter sido
esta disciplina a que deixou maiores significações:
Eu gostava mais de Português, de Matemática e de História do Brasil. Ah!
Eu lembrava de muita coisa boa, hoje em dia é que a gente vai ficando
velho e a cabeça vai esquecendo né, mas nós sabia as datas de tudo que
comemorava, hoje em dia as criança não sabe mais. (ALVES,
depoimento..., 2004)
Na tentativa de estabelecer laços sólidos de lealdade e de identificação dos cidadãos
ao Estado e ao sistema dirigente, a escola primária, rapidamente universalizada, “civilizou”
e nacionalizou as massas populares. Desde a instauração da República, como vimos,
intensificaram-se os debates acerca da construção da nacionalidade.
100
A idéia era de que “não tínhamos um povo, havia que formá-lo”. A escola por sua
vez tornou-se espaço privilegiado para a construção da nação, através da construção da
identidade e do sentimento nacional.
A proposta era que a escola primária formasse a mentalidade popular. À escola foi
dada a tarefa de construir o sentimento e a identidade nacional através da difusão da
história oficial e disseminação de hábitos e valores e comportamentos próprios de
sociedades urbanizadas e modernizadas, neste caso, acrescento que o município de Santo
Antônio ainda estava longe, economicamente e culturalmente desses princípios.
Assim, as solenidades do culto a bandeira, as que se referiam ao hino nacional, as
poesias, outros hinos patrióticos e a comemoração das datas nacionais, entendidos como
rituais cívicos, prevaleceram como espécie de culto sacralizado que foi sendo incorporado
por professores e pelos próprios alunos. Os ex-alunos do Grupo Escolar o Sr. Benedito
Pedroso, e o Sr. Mário Marcelino da Silva, relataram com muita emoção e saudosismo do
tempo em que contava o hino nacional na escola:
Todos cantavam, todo mundo sabia cantar o Hino Nacional, de cor, Hino
da Bandeira, Hino da Independência, todos os hinos da escola naquela
época. Eu lembro de alguns hinos, assim longe, mas lembro um
pouquinho, um dia eu quis ir , se tivesse perto eu ia num programa de
televisão, tinha 14 mil em prêmios, ninguém ganhou, pra cantar o Hino
Nacional, eu falei, ah! Se eu estou mais perto eu ia lá ganhar esse
dinheiro. (PEDROSO, depoimento..., 2003)
[...] Agora tinha naquele tempo, na entrada e na saída o Hino Nacional,
isso era cantado. Todos os dias na entrada e na saída, um dia era o Hino
Nacional, outro dia era o Hino da Bandeira. Tinha que ser cantado pelos
alunos, e cada mês era uma classe que tirava o Hino Nacional e as
professoras ficavam olhando, aquele que não cantasse era castigado.
(SILVA, depoimento..., 2004)
Em uma outra parte do depoimento o Sr. Benedito Pedroso demonstrou o quanto ficou
enraizado o que aprendeu na escola acerca do nacionalismo e ficou de certa forma irritada
quanto a ausência do espírito nacionalista na sociedade hoje:
[...] Você viu alguém conversar, não, isso é meu dever. [...] O brasileiro
só lembra do direito que tem, mas não fala dos deveres que tem de
cumprir. Esse é um grande erro, fala que ta de espírito nacionalista,
perdeu a identidade, o povo brasileiro perdeu a identidade, não lembra
que o Brasil é a pátria dele e tem deveres a cumprir com ela, esse dever
eles não querem nem saber. (PEDROSO, depoimento..., 2003)
A questão de existir ou não ausência do espírito nacionalista na sociedade de hoje é
um juízo de valor atribuído pelo depoente, e não cabe aqui fazer nenhuma análise referente
101
a juízos de valores, dizer se tal momento histórico foi melhor ou pior, interessa a está
pesquisa identificar o modo pelo qual a escola auxiliou o Estado na construção de uma
identidade para o povo brasileiro, despertando o sentimento de nacionalidade. Mas o juízo
de valor pode ser analisado como um dado, que, com emoção ou sem emoção, não deixam
de registrar resquícios dos momentos da nossa história, esse dado pode nos oferecer
indícios da cultura escolar. Esse relato por mais que receba forte influência do presente,
sugere compreender o quanto à escola, e até mesmo a família e outros setores da
sociedade, naquela época, criaram um perfil de cidadão brasileiro sendo aquele que
trabalha, contribui, aceita e defende a sua “pátria”.
A escola foi um importante espaço de circulação e transmissão dos ideais do Estado
Novo, bem como, de outros períodos históricos. Dentre outros ideais, a formação da
nacionalidade foi tema constante de debates e produções desde o período imperial. A
participação da escola nesse processo foi indispensável, com isso criaram-se mecanismos
para que através dela fosse construída uma unidade nacional, a identidade e um sentimento
nacionalista.
Então a escola buscou no ensino de História, nos livros didáticos, nas
comemorações cívicas e na disciplina (esta compreendida como um instrumento de
controle), uma forma de atuarem como mediadores entre concepções e práticas políticas e
culturais, tornando-se parte importante da engrenagem de manutenção de determinadas
visões de mundo e de história. Segundo Fonseca (2003, p. 73) “Os livros didáticos têm
sido, de fato, grandes responsáveis pela permanência de discursos fundadores da
nacionalidade”. É fundamental, portanto, discutir as suas dimensões como lugar de
memória e como formador de identidades, evidenciando saberes consolidados, aceitos
socialmente como as “versões autorizadas” da história da nação e reconhecidos como
representativos de uma origem comum.
A festa cívica, por sua vez, constitui exteriorização dos valores inscritos no ensino
de uma história nacionalista e, ao envolver a escola, cumpre seu papel educador, de acordo
com os interesses de seus organizadores. Assim, por meio dos livros didáticos e das festas
cívicas, pode-se perceber as relações entre política, cultura e ensino, pelas representações
construídas e pelo imaginário, quadro no qual pode ser analisado o papel de determinados
eventos históricos como o 7 de setembro, 15 de novembro, etc.
A formação da nacionalidade deveu-se muito ao trabalho docente, mesmo com o
surgimento de novas técnicas pedagógicas inspiradas nos ideais da Escola Nova,
102
constatou-se que a escola primária durante o Estado Novo (1937-19450), era dependente
da ação do professor, que agia muito mais pela adaptação de uma prática pedagógica, do
que propriamente por métodos científicos.
O controle era exercido através do autoritarismo que imperava tanto na família
quanto na escola. A disciplina impunha padrões de comportamento, executava-se através
de castigos físicos que eram normalmente autorizados. O Estado visando o bem estar social
da família e a formação do cidadão, definia uma política de severidade que era absorvida
pelos professores em suas práticas pedagógicas, a exemplo disso, a Srª. Deolinda relata:
[...] Ficava de castigo [diretoria] pra estudar tabuada [...], quanto que é
duas vezes duas? Quatro; Duas vezes nove? Assim ia falando, se não
acertar, tomava a palmatória na mão. Agora não existe mais [...], Eu
acho que os direitos humanos, acabou com isso né, naquele tempo tinha
toda essas coisas. (ALVES, depoimento..., 2004)
E ainda quis saber se tinha mais algum tipo de castigo aplicado e, ela respondeu:
[...] Não era aqueles castigos severos, ficar de castigo em ali pra
estudar até saber o ponto, se ficasse dentro, se não estudava, passa um
meche com você, passa outro, então. (ALVES, depoimento..., 2004)
A preocupação com a disciplina interna das escolas era ponto central nos
regulamentos da Instrução Pública. A disciplina se dava, através da ação dos professores,
estabelecida por lei: Art. 123 do Regulamento da Instrução Pública de 1927 são deveres
dos professores: a) manter a disciplina dos seus alunos, b) aplicar com moderação e
critério, as penalidades da sua competência. Os castigos físicos e morais eram aplicados
com freqüência pelos professores, embora já tivesse mudado significativamente em relação
à aplicação de castigos na escola do século XIX. Conforme Siqueira (2000, p. 238) “Na
medida que as sociedades foram sofrendo transformações, especialmente a partir do
momento em que passaram a ser regidas por leis e normas escritas, verificamos claras
alterações no uso dos castigos”.
Outro componente fundamental para garantir a ordem e a moral nas escolas era a
sólida formação religiosa em que eram submetidas aos alunos, essas práticas ocorrera
desde o século XIX e continuou transmitindo seus valores, segundo Castanha (1999, p. 74)
“Além da oração ao iniciar e finalizar o período de estudo, fazia parte da grade curricular,
o estudo dos princípios religiosos [...]. Conforme depoimento da Sr. Deolinda, identifica-se
algum indício da influência católico transmitida pela escola”:
103
[...] Mas s sabia as datas, tudo que comemorava, hoje em dia as
crianças não sabem mais, a gente pergunta pra eles, não sei. Naquele
tempo tinha o dia das crianças, dia de Santo Antônio, dia de São Cosme,
tudo era comemorado, hoje que não comemora mais. (ALVES,
depoimento..., 2004)
Sem dúvida nesse processo de construção da nação, a instrução teve um papel
fundamental. Os sentimentos de pátria, nação, não existiram sem a difusão da escola
pública, elemento básico para a construção da “identidade nacional”. Foi através da
educação que se conseguiu obter a adesão da população aos projetos político das elites
dirigente de cada país. E também foi através da escola pública que se conseguiu a
“unificação lingüística e a difusão e aceitação de mitos de descendência, memórias
históricas, a difusão de uma cultura comum e um sentido de solidariedade” (MULLER,
1999, p.40).
A escola foi espaço privilegiado de difusão da história oficial, isto é, o uso da
memória seletiva e da criação de mitos e, dessa maneira, ajudou a cristalizar e reforçar a
identidade e o sentimento nacional difundidos no Estado Novo.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre outros momentos, a chamada “Era Vargas” é particularmente privilegiada
quanto às ações do Estado no sentido de orientar o ensino para a formação moral e política.
O governo de Getúlio Vargas, desde 1930, entendeu a importância do cultivo de uma
história e de uma memória nacionais para a construção da identidade nacional. Suas
estratégias não se limitavam ao ensino escolar propriamente dito, mas iam além, atingindo
políticas de preservação do patrimônio histórico e da celebração de memória da nação, por
meio das festas cívicas. Essas ações foram, afinal, mantidas por várias décadas.
A formação da nacionalidade vem se caracterizando como uma discussão ainda
recente na história da educação em Mato Grosso. Mas muitas alternativas de investigação
se abrem nesse sentido, contudo a escola é vista como um campo de possibilidades,
servindo de ponto de referência para análise empreendida.
A situação atual do ensino público brasileiro em relação à nacionalidade vem
sugerindo questões, que para serem esclarecidas, dependem de um olhar retrospectivo, com
propósito de encontrar uma compreensão para o presente, na voz daqueles que de alguma
maneira vivenciaram o processo.
É a partir da compreensão do lugar da escola e dos seus sujeitos que podemos
visualizar a concretização do projeto nacionalista, o qual vinha sendo implantado desde a
República e, foi se consolidando no regime estadonovista. Como diz Carvalho:
[...] o projeto de elaboração desta política nacional deu-se no âmbito da
questão da “formação da nacionalidade”. [...] Nele se propôs a escola
como instancia de homogeneização cultural por via da inseminação de
valores e da formação de atitudes patrióticas. (1998, p. 44)
O projeto ideológico, político e educacional se restringiam às elites, devido às
transformações na sociedade desde a implantação da República, sendo assim necessário o
extravasamento de tais visões. Para isso tornava-se necessário despertar no povo o
sentimento nacionalista, a fim de alcançar a unidade nacional, e com isso, suscitar de amor
e devoção à pátria. Isso só seria possível através da educação e, principalmente, dos
professores. Tinham eles a missão de formar o cidadão, instruindo-o com os conteúdos
científicos e morais.
105
Mato Grosso também buscou criar condições objetivas para a consolidação do
ideário estadonovista, de formação da nacionalidade. Mas, Isso deve ser compreendido se
levarmos em consideração a trajetória desse processo. Deste modo, desde 1910
aconteceram mudanças significativas na educação mato-grossense. Nesse momento, foram
contratados professores paulistas para reorganizar a educação, para isto, organizou-se a
escola normal de Cuiabá que funcionava anexa a escola modelo. Naquele período
registrou-se também a criação dos grupos escolares, bem como, a inovação no método de
ensino, denominado método intuitivo, possibilitando a inovação das idéias pedagógicas
entre os professores, ensinando através dos sentidos. Embora houvesse tanta renovação, os
ensinos ministrados nas escolas ainda não acompanhavam o ritmo das mudanças ocorridas,
pois as aulas eram extremamente tradicionais, priorizando a memorização dos dados. .
A formação da nacionalidade não significava somente transmitir aos brasileiros
um conjunto de ritos, tradições e mitos de origem (MULLER, 1999). A idéia de nação
pressupõe o cidadão e uma pauta de direitos e deveres entre o cidadão e sua nação.
Significou também a difusão de sentimentos, como: a amor à pátria, a veneração aos heróis
pátrios, o culto a Vargas, o respeito aos símbolos nacionais, em especial a bandeira e ao
hino. À escola foi dada a tarefa de construir o sentimento de unidade e identidade nacionais
através da difusão da história oficial e disseminação de comportamentos, hábitos e valores
próprios de sociedades urbanas e modernizadas. Os rituais cívicos estimulavam o
sentimento de pertencimento a uma nação harmoniosa. E, dessa maneira, confirmavam e
consolidavam uma nova sensibilidade e uma nova civilidade aos brasileiros. A tarefa de
fazer do ensino da história instrumento de legitimação de poderes e de formação de
indivíduos adaptados à ordem social não poderia se resumir, no entanto, à imposição de
uma abordagem histórica que privilegiasse o Estado e a ação dos “grandes homens” como
constituidores da identidade nacional. A imposição existiu sim, mas ao tratar de valores e
de comportamentos ideais, não poderia deixar de haver certa sintonia destes com universo
cultural mais geral, do qual fazem parte à educação e os sujeitos nela envolvidos. Segundo
Fonseca:
[...] Ao valorizar certo tipo de ação heróica e abnegadas de algumas
personagens da História como modelos de conduta moral e patriótica, o
ensino de História, a par do que fazia a historiografia, trabalhava com
noções e valores caros à formação cultural brasileira, de forte herança
cristã, sobretudo católica. A identificação da população escolar com esses
valores certamente facilitaria apreensão daquilo que se queria transmitir e
reforçar [...]. (2003, 73)
106
Livros didáticos e rituais de comemorações cívicas atuaram como mediadores
entre concepções e práticas políticas e culturais, tornando-se arte importante da
engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo e de história, como foi a
ação do projeto estadovista. Os livros didáticos têm sido, de fato, grandes responsáveis
pela permanência de discursos antidemocráticos, fundadores da nacionalidade. Foi
fundamental, portanto, mostrar suas dimensões como lugar de memória e como formador
de identidades que se pretendia una, evidenciando saberes consolidados, aceitos
socialmente como versões autorizadas da história da nação e reconhecidos como
representativos de uma origem comum.
As festas cívicas, por sua vez, constituíram a exteriorização dos valores inscritos
no ensino de uma historia nacionalista e, ao envolver a escola, cumpre seu papel educador
e cultural, de acordo com os interesses de seus organizadores. Assim, por meio dos livros
didáticos e das festas cívicas, percebeu-se as relações entre política, cultura e ensino, pelas
representações construídas e pelo imaginário.
Na busca do passado no quadro do ideário nacionalista, a ênfase em grandes feitos
e grandes heróis não poderia deixar de ser considerada. Uma das idéias mais caras a essa
perspectiva é a do trabalho em prol do coletivo, o serviço prestado à nação e o sacrifício
pela pátria. O discurso sacralizado será, portanto, perfeitamente adequado aos objetivos do
Estado.
A idéia de homogeneidade observada entre 1937 a 1945 era, assim, resultante da
concepção de uma nação una e coesa, que deveria conhecer de maneira unânime uma
história, compartilhar uma mesma memória, cultuar os mesmos heróis. A idéia de uno
aparecia, ainda, no destaque àqueles setores da sociedade brasileira a quem fora atribuído,
pelo Estado Novo, papel relevante na construção e na consolidação da nação.
A pretensão da unidade também se expressa na uniformidade dos programas
celebrativos realizados nas escolas, quase os mesmos em todos os lugares do Brasil e, em
geral, obedecendo a mesma seqüência: hasteamento da bandeira, execução do Hino
nacional, entre outros hinos patrióticos, palestras para os estudantes, apresentação de
trabalhos escolares sobre os “heróis” do Brasil, declamação de poesias alusivas ao passado
histórico, dramatizações, etc. A conclamação do povo ao patriotismo e à defesa nacional, a
exemplo do que fizera com Tiradentes no século XVIII, anunciava, também, o discurso
que se faria depois da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
107
As práticas escolares que resultaram desse processo e que se enraizaram não
podem ser vistas apenas como o produto da eficácia do direcionamento imposto pelo
Estado naquele momento, mas também como elemento cultural.
Livros didáticos, obras historiográficas, desenhos e pinturas infantis apontam para
uma percepção da história da nação como obra de espíritos elevados e de atos de heroísmo,
destinada a ser mais celebrada do que compreendida. Uma história de caráter sacralizado,
visível, por exemplo, na interpretação dos episódios que cercam o martírio de Tiradentes.
A análise do movimento das representações dos feitos de nossos “heróis” no universo
escolar demonstra, ainda, como a educação é um poderoso instrumento de legitimação
política, o que foi percebido com muita lucidez pelos grupos que assumiram o poder a
partir de 1930. As bases de formação cívica e nacionalista por eles lançados deitaram
raízes profundas, sobrevivendo ao regime que as criara e, com certeza, ainda produzem
efeitos nos dias atuais.
Neste cenário de interpretações e representações acerca da nacionalidade pode-se
dizer que o Grupo Escolar Leônidas de Matos internalizou o discurso nacionalista ditado
pelo Estado e se mostrou complacente com as ordens estabelecidas. O terceiro capítulo
principalmente demonstra como a escola se organizou para construir no seu público escolar
uma consciência nacional segundo o ponto de vista do Estado. Para isto, utilizou-se de
recursos como o ensino de História, educação Moral e Cívica, das festividades cívicas, dos
símbolos nacionais, literaturas brasileiras, e, sobretudo, de muito autoritarismo, para
consolidar essa cultura e difundir um sentimento e uma identidade que se julgava nacional.
A utilização da história oficial serviu de base para a constituição de “nossa
identidade nacional”. Para a criação e a consolidação de uma comunidade nacional, na
visão dos governantes do regime do Estado Novo, são importantes os heróis, as lembranças
“comuns”, e demais mitos “comuns”, com a conseqüente diferenciação entre o “nós” e os
“outros” (MULLER, 1999). De modo geral, esse foi o padrão de construção para todas as
nações ocidentais, porém, os processos foram diferentes, mas os elementos que constituem
uma nacionalidade são os mesmos. Portanto, o que nos faz brasileiros? A língua? O hino?
A bandeira? Memórias e tradições comuns? Um mesmo Estado? Todos esses elementos e
outros. Contudo, sabemos que não somos todos cidadãos iguais (DA MATTA, 1993;
SANTOS, 1987).
108
O discurso da construção da nacionalidade, segundo Bertolini:
[...] era definido por um horizonte bastante estreito, com apostas políticas
e alianças entre setores específicos da sociedade civil que nem de longe,
haviam cogitado em construir uma comunidade humana na pluralidade,
no respeito mútuo, na valorização da diversidade étnico-cultural e na
participação autônoma de seus cidadãos. Muito ao contrário, caso que
perdura largamente até nossos dias, a identidade nacional assentada em
concepções autoritárias eleva determinados componentes particulares e
específicos à condição de representantes da totalidade. (2000, 177-178)
A incorporação de importantes categorias de análise como práticas culturais – aqui
vistas na dimensão da cultura escolar -, de representações e de imaginário ajudam na
compreensão da complexidade das relações presentes na escola. Da forma como foi
sugerida neste trabalho, a análise sobre a formação da nacionalidade, nesta perspectiva, é
vista nas relações de representação e a cultura escolar, mostrando-se multifacetadas,
expondo as ações dos sujeitos nela envolvidos, a multiplicidades de interesses presentes
em sua constituição, e as referências culturais de que se alimentam.
Por fim, gostaria neste momento de voltar, especificamente, na inquietação que me
levou a realizar este trabalho, ou seja, compreender por que os estudantes da atualidade
resistem a esse tipo de cultura escolar. Essa inquietação inicial surgiu num momento que
eu pouco compreendia a dimensão que foi o projeto do Estado Novo para a sociedade
brasileira. Como afirmei em outro momento, também estava envolvida dentro desse
ideário pelo qual fui formada, e a princípio não foi fácil, nem mesmo pra mim, enquanto
pesquisadora, desconstruir e desmistificar a visão romântica da formação da nacionalidade.
Confesso que fui contagiada por um sentimento saudosista que me impedia de enxergar o
outro lado da história.
Depois de tantas descobertas, gostaria também de argumentar em favor de uma
estratégia pedagógica e curricular de abordagem da identidade e da diferença, temas que
continuam bastante pertinentes, que levasse em conta precisamente as contribuições da
teoria cultural. Nessa abordagem, a pedagogia e o currículo tratariam a identidade e a
diferença como questões políticas. Em seu centro estaria uma discussão da identidade e da
diferença como produção. Uma estratégia que admita e reconheça o fato da diversidade
como capaz de fornecer os instrumentos para questionar os mecanismos e as instituições
que fixam as pessoas em determinadas identidades culturais e que as separam por meio da
diferença cultural. Uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a
109
obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença.
Ela tem que colocar em seu centro um espaço que permita não simplesmente reconhecer e
celebrar a diferença e a identidade, mas, sobretudo questioná-las.
A análise fundamentada em aportes teóricos da História Cultural extrapola, assim,
o âmbito puramente pedagógico que tem caracterizado boa parte dos trabalhos. Tem-se
aqui, a perspectiva de ampliação do espectro de fontes e da diversidade de seu tratamento,
do desenvolvimento de análises que consideram as múltiplas temporalidades e os indícios
de permanências e rupturas nas práticas escolares, que são também práticas culturais. Isto,
porém, enriquece muito o trabalho do historiador da educação.
110
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Primária do Estado de Mato Grosso de 1910. (Decreto n. 265 de 22 de outubro de 1910).
______. ______. Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado. (Decreto n. 759
de 22 de Abril de 1927).
______. ______. Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado (Decreto n. 260
de 25 de Março de 1939).
b) Relatórios
MATO GROSSO. Diretoria da Instrução Pública. Relatório apresentado ao Diretor
Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso pelo Diretor das escalas
Reunidas de Santo Antônio do Rio Abaixo – 1930.
______. ______. Relatório apresentado ao Presidente Getúlio Vargas, pelo Interventor
Federal Júlio Strubing Muller, sobre a Instrução Pública – 1940.
______. ______. Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de Mato
Grosso, apresentado ao secretário de Estado – 1943.
118
c) Mensagens
MATO GROSSO. Governo. Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, Dr.
Aníbal Toledo à Assembléia Legislativa, lida na abertura da Sessão Ordinária de
sua 15ª Legislatura, Cuiabá 13 de maio de 1930.
______. ______. Mensagem do Interventor federal do Estado, Cap. Manoel Ary da
Silva Pires à Assembléia Legislativa, Cuiabá, 13 de Junho de 1937. APMT Livro 71
Páginas 23 a 45.
______. ______. Oficio n. 13 da diretora do Grupo Escolar Leônidas de Matos,
Francisca Gaeta ao Diretor Geral da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes,
comunicando que a matrícula não atingiu o número regulamentar pelo fato das famílias dos
alunos se encontrarem na colheita do arroz. 5 de Abril de 1941.
______. ______. Oficio n. 17, da Diretora do Grupo Escolar Leônidas de Matos,
Francisca Gaeta ao Diretor Geral da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes,
comunicando que foi realizada uma festa em comemoração ao aniversário do Presidente
Getúlio Vargas. 22 de Abril de 1941.
______. ______. Oficio n. 42, da Diretora do Grupo Escolar Leônidas de Matos,
Francisca Gaeta ao Diretor da Instrução Pública Francisco Ferreira Mendes, comunicando
acerca da remessa de dinheiro referente a coleta feita pelos alunos para contribuir com a
construção do monumento à Getúlio Vargas.
Diversos (livro de almoxarifado, livro de atas, livro de visitas, livro de registro
escolar, cartilhas escolares, programas de ensino)
MATO GROSSO. Livro do almoxarifado do Grupo Escolar Leônidas de Matos.
Entrada e saída de material escolar. 1926-1956.
______. Livro de Atas do Grupo Escolar Leônidas de Matos. 1923-1942.
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______. Livro de visitas das autoridades do Grupo Escolar Leônidas de Matos. 1934-
1963.
______. Livro de Registro Escolar: matrícula, professores e aparelhamento escolar. 1949.
BARRETO, Arnaldo de Oliveira. Cartilha das Mães. 52 ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1941.
______. Cartilha Analytica. 27 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1926.
GALHARDO, Thomaz. Cartilha da Infância. 141 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1939.
MORAES, Theodoro de. Meu Livro (Primeiras Leituras de acordo com o método
analytico) 9 ed. São Paulo: Augusto Siqueira & Comp.., 1920.
OLIVEIRA, Mariano. Nova Cartilha Analytico-Syntética. 54. ed. São Paulo: Companhia
Melhoramentos, (s.d.)
______. Cartilha Ensino Rápido de Leitura. 12. ed. São Paulo: weiszflog Irmãos, 1921.
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MATO GROSSO.Governo. Programa de ensino para os grupos escolares. Mandado
observar pelo Decreto da Presidência do Estado n. 759, de 22 de Abril de 1927.
______. ______. Programa de Ensino para os Grupos Escolares. Mandado observar
pelo Decreto da Presidência do Estado n. 260 de 25 de março de 1939.
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