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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
EDUARDO FERREIRA BALDOINO
“A FORMAÇÃO DOCENTE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – UM ESTUDO COM
PROFESSORES INICIANTES”
CUIABÁ-MT
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
EDUARDO FERREIRA BALDOINO
“A FORMAÇÃO DOCENTE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – UM ESTUDO COM
PROFESSORES INICIANTES”
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Educação do Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso,
como exigência para a obtenção do título de Mestre
em Educação, na Área de Concentração: Teorias e
Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, Linha de
Pesquisa: Formação de Professores e Organização
Escolar, sob a orientação do Prof. Dr. Ademar de
Lima Carvalho.
CUIABÁ-MT
2008
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Ficha catalográfica elaborada pela equipe da Biblioteca do CESUR
EDUARDO FERREIRA BALDOINO
B178f Baldoino, Eduardo Ferreira.
A formação docente em ciências biológicas – um estudo com
professores iniciantes / Eduardo Ferreira Baldoino. – Cuiabá:
UFMT/IE, 2008.
145f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso
2008.
Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.
1. Educação. 2. Professores iniciantes. 3. Curso de ciências
biológicas. 4. Aprendizagem profissional da docência. I. Título.
CDU 371.13
A FORMAÇÃO DOCENTE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – UM ESTUDO COM
PROFESSORES INICIANTES”
Aprovado em ____/____/____
Banca Examinadora
_________________________________________________________
Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho
Orientador – UFMT
_________________________________________________________
Profa. Dra. Simone Albuquerque da Rocha
Componente da Banca – UFMT
__________________________________________________________
Prof. Dr. Valter Soares Guimarães
Banca externa – UFG
À minha filha Mariana.
À minha querida e “eterna” amiga Soraiha.
Ao meu atual orientador Ademar.
Aos meus pais Ivo e Suely.
Ao meu irmão Alessandre.
Ao meu sobrinho Matheus.
À amiga Arlete Fonseca.
À professora Simone.
Ao professor Valter.
Aos meus alunos.
AGRADECIMENTOS
MEU MUITO OBRIGADO...
à Soraiha (in memorian), minha orientadora e amiga que continua viva entre nós,
espiritual e intelectualmente, por meio do seu legado científico e intelectual: suas pesquisas,
suas aulas, suas orientações, seus cursos de formação continuada, seus escritos, entre outras
coisas. Para mim e para tantos outros, Soraiha foi, “é”, um referencial de docência, de
seriedade e de compromisso com as questões da educação. Aprendi muito com você,
mestra!!! Saudades...
ao professor Ademar, meu atual orientador, por aceitar o convite em me orientar, por
“estender-me as mãos” e ajudar-me a prosseguir na conclusão deste trabalho, após momentos
de perdas e desafios... Obrigado, Ademar, principalmente pela sua simplicidade, pelas suas
contribuições teóricas e pelo exemplo de ser humano;
à Mariana, minha filha, presente de Deus, “ser” que me move, me inspira, me
fortalece, me anima e que me instiga na busca do aperfeiçoamento pessoal e profissional;
aos meus pais, Suely e Ivo que, mesmo diante de tantas dificuldades, sempre
procuraram me oferecer o melhor em termos de formação humana;
ao Alessandre, meu sempre grande companheiro, por compartilhar comigo a
cumplicidade de irmão consangüíneo;
ao meu querido sobrinho e afilhado, Matheus, por permitir-me exercitar a docência
através das histórias infantis contadas e das tarefas ensinadas;
à Elenir e Antônio, pelo apoio moral e material, sem o qual seria muito mais difícil a
conclusão desta jornada.
à Arlete, minha eterna amiga, pela correção paciente e criteriosa do presente trabalho
e por se converter, para mim, em exemplo de profissional comprometido com a transformação
da sociedade por meio do exercício do magistério;
à Profa. Sandra Gimenes pela tradução do resumo para a Língua Inglesa, obrigado
pelo desprendimento e pela boa vontade em ajudar-me.
à Helba, pelo apoio e incentivo para a produção deste trabalho;
à Ir. Maria Aparecida Zeferino (Ir. Cida), ex-coordenadora da Pastoral do Menor de
Guiratinga, por converter-se, para mim, em um dos meus primeiros modelos de docência, de
humanidade, de seriedade e de respeito ao próximo;
aos meus companheiros de orientação, Adair, Abner e Sérgio, e aos demais colegas
do mestrado. Obrigado pela oportunidade da convivência, pela troca de experiências e pela
amizade;
à Regina, à Michele, ao Cristyano, ao Ricardo (Tinão), à Gláucia, ao Rogério, ao
Ozéias, à Rosana Bueno, à Maura, à Rosana Ramon, à Mara Lídia, à Mara Zaher, ao tio
Rubens, à tia Deuzita, à Bernadeth, à Gisele, à Júlia e a tantos outros... pela amizade
sincera e pelo apoio incondicional em momentos em que a caminhada exigiu mais de mim;
à professora Simone, ao professor Valter, pela leitura respeitosa, criteriosa e pelas
contribuições para o desenvolvimento desta investigação;
ao CESUR, à UESP, ao Khalil, à Escola Estadual Joaquim Nunes Rocha e a
Escola Estadual Profa. Amélia Oliveira Silva, instituições educativas onde trabalho, pelo
apoio que recebi na conclusão deste mestrado;
aos participantes deste estudo: Antônio, Otávio, Vida e Luíza, por me permitirem
construir este percurso de investigação, por meio de seus depoimentos. Vocês, professores,
são co-criadores desta empreitada investigativa. Muito obrigado!
ao Departamento de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR, por garantir-me as
condições para a realização desta pesquisa, fornecendo o nome e telefone dos egressos e o
PPP do curso para servir de referencial teórico;
a todos os meus alunos que, ao procurar-me para aprender, acabaram sendo os meus
maiores professores;
enfim... a todos que direta ou indiretamente me auxiliaram na produção desta
dissertação, o meu MUITO OBRIGADO!!!
Não nasci marcado pra ser um professor
assim (como sou). Vim me tornando desta
forma no corpo das tramas, na reflexão sobre
a ação, na observação atenta a outras
práticas, na leitura persistente e crítica.
Ninguém nasce feito.
Vamos nos fazendo aos poucos, na prática
social de que tomamos parte.
(PAULO FREIRE)
.
CADA DIA É UMA BENÇÃO...
Nasceste no lar que precisavas, vestiste o corpo físico que merecias,
moras onde melhor Deus te proporcionou, de acordo com o teu adiantamento.
Possui os recursos financeiros coerentes com as tuas necessidades, nem mais, nem menos,
mas o justo para as tuas lutas terrenas.
Teu ambiente de trabalho é o que elegeste espontaneamente para a tua realização.
Teus parentes, amigos são as almas que atraístes, com tua própria afinidade.
Portanto, teu destino está constantemente sob teu controle.
Tu recolhes, escolhes, eleges, atrais, buscas, expulsas, modificas tudo aquilo que te rodeias
a existência.
Teus pensamentos e vontades são a chave de teus atos e atitudes.
São as fontes de atração e repulsão na tua jornada – vivência.
Não reclames nem te faças de vítima.
Antes de tudo, analisa e observa.
A mudança está em tuas mãos.
Reprograme sua meta, busque o Bem e viverá melhor.
Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode
começar a fazer um novo fim.
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
É melhor atirar-se em luta, em busca de dias
melhores, do que permanecer estático como
os pobres de espírito, que não lutaram, mas
também não venceram. Que não conheceram
a glória de ressurgir dos escombros. Esses
pobres de espírito, ao final de sua jornada na
Terra, não agradecem a Deus por terem
vivido, mas desculpam-se diante dele, por
simplesmente, haverem passado pela vida.
(BOB MARLEY)
RESUMO
Este estudo se insere no âmbito das investigações que buscam discutir e compreender o
processo de aprendizagem profissional da docência. Ele tem como referência as abordagens
qualitativas da pesquisa e se propôs a responder a seguinte questão: como os egressos do
curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR aprendem a docência na fase inicial do
exercício da profissão? Para realizá-lo, o principal instrumento de coleta de dados foi o
questionário de caracterização dos participantes e a entrevista individual em profundidade. Os
sujeitos desta pesquisa foram quatro professores da rede pública de ensino de Rondonópolis-
MT. Todos egressos do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR, com menos de
três anos no exercício do magistério, os quais se auto-nomearam: Antônio, Otávio, Vida e
Luíza. O referencial teórico adotado baseia-se, dentre outros, em Tardif (2002); Shulman
(1987); Lima, S. (2003); Lima, E. (2006); Mizukami (2004); Huberman (2000); Reali (2002);
Guimarães (2006); Carvalho (2005); Marcelo Garcia (1999) e Rocha (2001) e defende a idéia
de que a aprendizagem da docência é um processo contínuo que ocorre ao longo da carreira
docente e que a fase inicial de profissão é um período singular, marcado por especificidades, o
que merece, a meu ver, uma investidura em pesquisas para ajudar a construir um “arcabouço
teórico”, que nos permita clarificar melhor este período de iniciação profissional. Foram
considerados como eixos de análise para esta investigação: 1) a trajetória de vida dos
participantes deste estudo; 2) a formação inicial: o Curso de Ciências Biológicas; 3) as
experiências iniciais da docência; 4) as aprendizagens da docência e o desenvolvimento
profissional na fase de ingresso na carreira docente e 5) o caráter formativo das entrevistas em
profundidade. Nesse sentido, penso ser importante destacar que os eixos de análise se
configuraram apenas como grandes temas a serem investigados, pois procurei fazer as
análises a partir daquilo que os achados me revelavam. Os dados coletados demonstraram que
a aprendizagem da docência destes professores-iniciantes acontece pela intersecção de vários
contextos formativos, o que coaduna com a perspectiva teórica de Tardif (2002) de um “saber
plural”, oriundo de várias instâncias formativas dos sujeitos. Os professores de Ciências
Biológicas aprendem a docência nesta fase inicial de profissão de várias formas: observando
modelos de docência na própria família, relembrando a atuação dos professores da
escolarização básica, no curso de graduação, trocando experiências com antigos professores,
por meio do auto-estudo, na e pela reflexão sobre a própria prática, na relação com os alunos,
entre outras coisas. Este estudo, além de desvelar a forma como esses recém-professores
aprendem a docência no início do magistério, diz respeito às dificuldades enfrentadas nesta
etapa de entrada na carreira docente. Portanto, soma-se a outras investigações, que indicam a
necessidade de um apoio pedagógico ao professor iniciante e, além disso, aponta algumas
contribuições teóricas que poderão tornar-se objeto de reflexão para o aperfeiçoamento do
Curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR.
Palavras-chaves: Aprendizagem Profissional da Docência; Professores Iniciantes; Curso de
Ciências Biológicas.
ABSTRACT
This study fits itself in the scope of the inquiries searching to argue and to understand the
process of professional learning of the teaching process. It has as reference the qualitative
boarding of the research and it aims to answer the following question: how the egresses from
the course of Biological Sciences of the UFMT/ICEN/CUR learn the learning process in the
initial phase of the exercise of the profession? In order to carry it through, the main instrument
of data collection was the questionnaire of characterization of the participants as well as the
individual interview in depth. The citizens of this research were four teachers of the public
education of Rondonópolis-MT. All egresses from the course of Biological Sciences of the
UFMT/ICEN/CUR, with less than three years in the teaching exercise, which have auto-
named themselves: Antonio, Otávio, Vida and Luíza. The adopted theoretical referencial is
based, among others, in Tardif (2002); Shulman (1987); Rasp, S. (2003); Rasp, E. (2006);
Mizukami (2004); Huberman (2000); Reali (2002); Guimarães (2006); Oak (2005); Marcelo
Garcia (1999) and Rock (2001) and defends the idea of that the learning of the teaching
process is a continuous process that takes place along with the teaching career and that the
initial phase of profession is a singular period, marked for specific facts, which deserves, in
my opinion, an investiture on researches to help to build a " theoretician arcabouço", that
allows us to understand this period of professional initiation better. There have been
considered as axles of analysis for this inquiry: : 1) the trajectory of life of the participants of
this study; 2) the initial formation: the Course of Biological Sciences; 3) the initial
experiences of the teaching process and 4) the learning of the teaching process and the
professional development in the phase of in the teaching career ingression and 5) the
character of in-depth training. About this direction, I think it is important to detach that the
analysis axles are configured only as great subjects to be investigated, therefore I tried to
make the analyses from what the findings disclosed to me. The collected data had
demonstrated that the learning of the teaching process of these beginner teachers takes place
through the intersection of some formative contexts, what conciliates the theoretical
perspective of Tardif (2002) of "plural knowledge", deriving of some formative instances of
the citizens. The professors of Biological Sciences learn the teaching process in this initial
phase of profession through many ways: by watching models of teaching process in their own
family, by recalling the performance of the basic school teachers, during graduation course,
by changing experiences with old professors, through self-study, in and for the own reflection
over personal practices, in the relationship with the students, among other things. This study,
besides revealing the form as these just-professors learn the teaching process in the beginning
of teaching, concerns the difficulties faced in this stage of entrance in the teaching career.
Therefore, it is added other inquiries, that indicate the necessity of a pedagogical support to
beginning professor and, moreover, points some theoretical contributions that will be able to
become object of reflection for the perfectioning of the Course of Biological Sciences at
UFMT/ICEN/CUR.
Words-Key: Professional learning of the Teaching Process; Beginning Teachers; Course of
Biological Sciences.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
2 INÍCIO DA PROFISSÃO DOCENTE: UM CAMINHO DE ANGÚSTIAS E
DESAFIOS .............................................................................................................................. 17
2.1 APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA E SABERES DOCENTES
DOS PROFESSORES INICIANTES ................................................................................... 24
2.2 SABERES DOCENTES SEGUNDO SHULMAM ........................................................ 30
2.2.1 BASE DE CONHECIMENTO PESSOAL .................................................................. 30
2.2.1.1 PROCESSO DE RACIOCÍNIO PEDAGÓGICO ................................................... 32
3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DOS
ALUNOS ................................................................................................................................. 34
3.1 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM CIÊNCIAS NATURAIS E BIOLOGIA 36
4 PROPOSTA DE ESTUDO: PERCURSO METODOLÓGICO E
CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ..................................... 39
4.1 A OPÇÃO METODOLÓGICA ...................................................................................... 39
4.2 SELEÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA, OS CRITÉRIOS E OS
INSTRUMENTOS PARA A COLETA DE DADOS. ......................................................... 40
4.3 ENTREVISTA INDIVIDUAL EM PROFUNDIDADE E QUESTIONÁRIO DE
CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ..................................... 41
4.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA ................................................................................ 42
4.4.1 ANTÔNIO ...................................................................................................................... 42
4.4.2 OTÁVIO ......................................................................................................................... 45
4.4.3 VIDA ............................................................................................................................... 47
4.4.4 LUÍZA ............................................................................................................................ 50
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS .......................................................................... 53
5.1 TRAJETÓRIA DE VIDA DOS PARTICIPANTES DESTE ESTUDO ..................... 53
5.2 A FORMAÇÃO INICIAL: O CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ..................... 64
5.2.1 TRAJETÓRIA FORMATIVA DOS PARTICIPANTES DESTE ESTUDO
DURANTE O PERÍODO DE GRADUAÇÃO ..................................................................... 66
5.2.1.1 ANTÔNIO ................................................................................................................... 67
5.2.1.2 OTÁVIO ...................................................................................................................... 73
5.2.1.3 VIDA ............................................................................................................................ 76
5.2.1.4 LUÍZA ......................................................................................................................... 82
5.3 EXPERIÊNCIAS INICIAIS DA DOCÊNCIA .............................................................. 86
5.3.1 DIFICULDADES NO INÍCIO DO MAGISTÉRIO: “O CHOQUE DA
REALIDADE” ....................................................................................................................... 93
5.3.2 RELACIONAMENTO COM OS COLEGAS DE PROFISSÃO: O
“ESTRANHAMENTO” EM RELAÇÃO AO PROFESSOR SUBSTITUTO .................. 99
5.4 AS APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL NA FASE DE INGRESSO NA CARREIRA DOCENTE .................. 103
5.5 O CARÁTER FORMATIVO DAS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE ......... 110
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 114
6.1 APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA DO PROFESSOR DE CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS: CONCLUINDO O INCONCLUSO ........................................................ 114
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 120
ANEXOS ............................................................................................................................... 123
13
1 INTRODUÇÃO
Fazer uma tese
1
comporta, de fato, uma ímpar experiência de trabalho, que ela
mobiliza capacidades intelectuais e físicas e exige uma dedicação especial.
Identificar um tema, recolher documentação sobre ele, dar ordem a essa
documentação, examinar o tema, analisá-lo, refletir sobre ele e torná-lo acessível ao
leitor é um empreendimento de grande densidade formativa.
Soraiha Miranda de Lima
Um dos assuntos que tem despertado interesse por parte dos pesquisadores em
educação é o processo de aprender a ensinar, temática que os tem levado a indagar: como se
aprende a ser professor? Concepções, crenças e valores influenciam no seu fazer-docente? A
licenciatura é suficiente no sentido de ensiná-lo a ensinar? Que saber ou que conjunto de
saberes o professor precisa dominar para desenvolver a tarefa do magistério? Como é o seu
percurso formativo?
Nesse cenário de indagações, surge um fértil campo de investigação, que está em plena
exploração nos últimos anos: Aprendizagem Profissional da Docência, entendida como uma
formação plural e delineada pela agregação de saberes oriundos de vários contextos
formativos (circunstâncias, instituições), bem como da experiência profissional, dos saberes
das disciplinas e atividades práticas proporcionadas pelos cursos de formação.
Assim, o presente estudo sobre Aprendizagem Profissional da Docência de
Professores Iniciantes de Ciências Biológicas tem respaldo teórico em autores como: Tardif
(2002); Lima (2003); Lima (2006); Mizukami (2004); Vasconcellos (2002); Marcelo Garcia
(1998), Shulman (1999 apud MIZUKAMI, 2004), dentre outros, e objetiva compreender
como os egressos do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR aprendem o
ofício do magistério nos três primeiros anos de profissão.
O interesse por esse tema
2
surgiu de algumas reflexões sobre minha graduação em
Ciências Biológicas, na Universidade Federal de Mato Grosso Campus Universitário de
Rondonópolis no período de 1998 a 2002. Nessa época, eu atuava em sala de aula como
professor de Ciências Naturais no Ensino Fundamental de à série, e de Biologia no
ano do Ensino Médio. A imersão no mundo profissional me permitiu comparar, discutir,
refletir acerca dos saberes que eram abordados em sala de aula no curso de graduação. Essa
1
Que a palavra “tese” seja entendida, neste contexto, como a dissertação, o “recorte investigativo” que será
relatado. Com essa epígrafe, peço licença ao leitor para prestar uma homenagem póstuma à Profa. Dra. Soraiha
Miranda de Lima, uma pessoa muito especial, que me iniciou neste Processo de Investigação em Educação e que
foi afastada de nós prematuramente. A você, Soraiha, nossa saudade e gratidão...
2
Aprendizagem Profissional da Docência do Professor de Ciências Biológicas.
14
dupla experiência foi de suma importância, pois, ao confrontar os saberes acadêmicos com o
cotidiano da sala de aula, pude perceber que muitos deles estavam completamente
desarticulados da prática do professor.
Além disso, predominava o pensamento de que o estágio, ofertado no final do curso,
seria suficiente para fundamentar e preparar o futuro educador. Diante deste quadro,
instalava-se nos acadêmicos, mais precisamente nos do último ano do curso, o dilema e a
angústia: estou concluindo o curso de Ciências Biológicas. E agora? Será que estou
minimamente preparado para assumir uma sala de aula?
Ao me reportar a esse período, agora na condição de “pesquisador-iniciante”, após
algumas reflexões, vi-me tomado por novas inquietações investigativas: que aprendizagens o
jovem professor adquire quando ingressa na carreira do profissional? O que significa para o
egresso o início da profissão do magistério? Como é o seu saber-fazer docente? Como o curso
de Ciências Biológicas influencia no seu fazer pedagógico? Que contribuições o curso trouxe
e traz para a sua prática de educador? Há a necessidade de se repensar o curso ou ele responde
às expectativas de quem se inicia na carreira do docente?
Estas indagações me incitaram a eleger como objeto de investigação, a
aprendizagem profissional da docência desses alunos egressos, com o foco voltado para o
período da iniciação profissional.
Muitas pesquisas, dentre elas, as de Tardif (2002); Lima (2003); Lima (2006);
Mizukami (2004), Marcelo Garcia (1999); Nóvoa (2000); Guimarães (2006); Carvalho
(2005); e Rocha (2001) vêm sendo realizadas nos últimos anos sobre a formação de
professores.
São muitas as indagações sobre a formação do professor e sobre o processo pelo qual
ele aprende a ensinar. No entanto, em face dos propósitos da investigação realizada, limitei-
me a formular a seguinte questão de pesquisa: como os egressos do curso de Ciências
Biológicas da UFMT/ICEN/CUR aprendem a docência na fase inicial do exercício da
profissão?
De modo particular, meu interesse nesse processo investigativo recaiu sobre o recém
professor de Ciências Biológicas. Nessa perspectiva, foram consideradas as instâncias
formativas que ajudaram a constituir a aprendizagem profissional do recém professor.
algumas décadas, acreditava-se que bastava o indivíduo freqüentar um curso de
licenciatura para tornar-se professor. Pesquisas recentes, dentre elas, as de Tardif (2002);
Lima (2003); Mizukami (2006); Marcelo Garcia (1998); Nóvoa (2000); Reyes (2002) têm nos
mostrado que não é bem assim; existem fortes indícios de que a construção do “sujeito
15
professor” compreende várias instâncias formativas: história familiar, período de
escolarização, referenciais de antigos professores, experiência prática da profissão, diálogo
com os pares, cursos de formação continuada, etc. Segundo Lima (2003, p.10), “[...] a
aprendizagem profissional da docência ocorre ao longo da vida, tem na prática cotidiana um
espaço fundamental de aperfeiçoamento contínuo, é delineada por toda a biografia pessoal e
profissional do professor.” Nessa mesma perspectiva, Marcelo García (1998, p.52) sinaliza
que
[...] as pesquisas realizadas mostram que o conhecimento dos professores em
formação está associado a situações da prática [...]. Demonstrou-se que pode ocorrer
contradição entre as teorias expostas e as teorias implícitas e que a mudança no
conhecimento dos professores em formação não conduz necessariamente a
mudanças em sua prática.
Ancorada nessa compreensão, esta pesquisa objetivou investigar a aprendizagem
profissional na fase inicial do exercício da profissão sem ignorar as várias instâncias
formativas que ajudam a delinear esse processo de aprendizagem.
Assim, a pesquisa foi realizada com quatro professores da rede pública de ensino do
município de Rondonópolis-MT: Antônio, Otávio, Luíza e Vida. Os quatro em fase inicial de
carreira, ou seja, nos três primeiros anos de docência.
Para tanto, a metodologia utilizada na pesquisa foi a qualitativa e o instrumento de
coleta de dados utilizado foi a entrevista individual em profundidade e um questionário de
caracterização dos sujeitos.
Penso que compreender o processo do aprender a ensinar, sobretudo nos três primeiros
anos de profissão, é bastante relevante. Afinal, é nesse período que boa parte dos professores
se defronta com a situação complexa e multifacetada da sala de aula, seja pelas deficiências
formativas da graduação, seja pela falta de política adequada da instituição escolar que recebe
o professor novato.
Para se chegar às respostas, foram considerados cinco eixos de investigação: 1) a
trajetória de vida dos participantes deste estudo; 2) a formação inicial: o Curso de Ciências
Biológicas; 3) as experiências iniciais da docência; 4) as aprendizagens da docência e o
desenvolvimento profissional na fase de ingresso na carreira docente e 5) o caráter formativo
das entrevistas em profundidade. Apesar de delimitar os contextos formativos para os fins da
pesquisa realizada, penso que é importante ressaltar que a aprendizagem profissional da
16
docência é, aqui, entendida como um processo contínuo, que vai se delineando ao longo da
vida do educador, ou seja, não tem tempo nem espaço se constrói e reconstrói constantemente.
Ao longo desta empreitada de dois anos de investigação, cursei disciplinas, realizei
leituras, afunilei o objeto de pesquisa, identifiquei um tema preciso e escolhi os participantes
deste estudo. Coletei os dados e os examinei à luz das teorias existentes acerca do tema. A
interlocução com autores que estudam a aprendizagem profissional da docência se colocou
como uma necessidade. Portanto, o presente estudo foi sendo delineado pela articulação
desses vários elementos. Agora, após o fim deste “recorte investigativo”, proponho-me a
relatá-lo de forma que o mesmo possa ser compreensível, a quem a ele tiver acesso.
Esse relato foi organizado em três partes, assim compreendido: na primeira parte,
dissertei sobre a fase de ingresso na carreira docente, situei o objeto de pesquisa no contexto
da discussão sobre a temática, abordei a aprendizagem da docência e os saberes docentes e
discuti sobre a formação de professores; na segunda parte, apresentei o percurso
metodológico, os critérios para a seleção dos sujeitos de pesquisa, os instrumentos de coleta
de dados e uma breve identificação dos participantes deste estudo; na terceira parte, detive-me
na análise dos dados, os quais foram organizados em torno dos eixos de investigação
mencionados anteriormente. Nesse sentido, imprimi os meus esforços em discorrer acerca da
caracterização da fase inicial da profissão de professor e também em relatar as aprendizagens
docentes adquiridas pelos participantes deste estudo (Vida, Otávio, Luíza e Antônio).
Para finalizar, nas considerações finais do trabalho, com o propósito de contribuir
nesta área de investigação, que vem ganhando espaço, evidenciando as aprendizagens
docentes adquiridas na fase inicial da docência, apresentei algumas fontes de aquisição desses
saberes docentes, sugestões para o aperfeiçoamento do curso de Ciências Biológicas da
UFMT/ICEN/CUR a fim de que o mesmo continue se aperfeiçoando na tarefa de formar
qualitativamente novos licenciandos e perspectivas para novas pesquisas.
17
2 INÍCIO DA PROFISSÃO DOCENTE: UM CAMINHO DE ANGÚSTIAS E
DESAFIOS
[...] se você não ama a docência, você não vai ser um bom professor nunca; a
qualificação profissional é importante, buscando novos métodos; tirar aquela
imagem que professor numa altura e o aluno em outra, sabe? Tem que interagir
com o aluno, assim de modo positivo, incentivar intercâmbio de conhecimentos, de
informações, aulas práticas, aulas diferentes que os alunos gostam muito, e amar o
que faz, se for atrás só de recursos financeiros, ou por falta de opção, ou bico, não é
um bom profissional
3
(VIDA, p. 39-40).
O início da carreira docente é concebido como um espaço de tempo que compreende
os primeiros anos, nos quais o docente faz a transição de estudante para professor
(MARCELO GARCÍA, 1999) e tem sido objeto de interesse de alguns pesquisadores, os
quais o relatam como um momento decisivo no percurso profissional do recém-professor,
inclusive é tido como “um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos
geralmente desconhecidos e, durante o qual, os professores principiantes devem adquirir
conhecimento profissional além de conseguirem manter certo equilíbrio pessoal” (BORKO
1999 apud MARCELO GARCÍA, 1999, p.113). Conhecer os saberes produzidos pelo
professor em início de carreira e como os participantes da pesquisa concebem esse período foi
o que fundamentou o desenvolvimento dessa investigação. Com o cuidado de articular os
dados empíricos com a base teórica, a presente investigação se justificou em razão da
relevância da compreensão da fase inicial de ingresso na profissão, sobretudo, se
considerarmos as dificuldades enfrentadas por boa parte dos professores ao iniciarem o seu
ofício de ensinar. Tais dificuldades, na maioria das vezes, coadunam com as deficiências
formativas dos cursos de graduação. Além disso, o processo de socialização dos professores
principiantes é uma temática de investigação pouco estudada, portanto merece
maiores/melhores aprofundamentos investigativos a fim de contribuir para criar um
“arcabouço teórico” que nos permita compreender melhor este processo de aprendizagem da
docência.
São muitas as angústias por parte daquele que se inicia no ofício da docência. Vários
são os questionamentos que o inquietam acerca do cotidiano profissional: “como deve ser a
relação professor-aluno no contexto do processo ensino-aprendizagem? De que maneira devo
3
Vale ressaltar que os depoimentos dos participantes dessa investigação foram mantidos na sua forma original,
isto é, na linguagem coloquial, espontânea. Optei por não interferir ou “maquiar” os dados, portanto procurei ser
fiel aos mesmos. Quero destacar também que “Vida” é uma entre os sujeitos entrevistados, os demais
participantes são: Otávio, Luíza e Antônio, os quais serão apresentados no decorrer desta dissertação.
18
explicar determinado conteúdo? O que fazer para o meu aluno aprender? Como estabelecer
limites? De que forma eu posso tornar as minhas aulas significativas e prazerosas? Como sair
da monotonia no fazer-docente? De que maneira devo lidar com a complexidade de
determinados conteúdos? Será que, se eu pedir auxílio para explicar determinada matéria,
serei tachado de incompetente? Como lidar com os questionamentos dos alunos? E quando
não souber a resposta para uma determinada pergunta? O que devo fazer? Mentir? Dizer que
não sei, mas que irei pesquisar? Será que isto denota um atestado de incapacidade diante do
educando? O que fazer? Alguns desses questionamentos, talvez, pareçam extremamente
primários para os professores com mais tempo de carreira. No entanto, para quem se inicia na
profissão, na maioria das vezes, são encarados como obstáculos difíceis de serem superados,
“[...] é um confronto inicial com a dura e complexa realidade do exercício da profissão, à
desilusão e ao desencanto dos primeiros tempos de profissão e, de maneira geral, à transição
da vida de estudante para a vida mais exigente de trabalho” (TARDIF, 2002, p. 82). Ainda
sobre a fase de ingresso no magistério, Guimarães (2006, p. 10) destaca que
[...] o início da carreira docente e o ingresso numa nova rede são momentos de
grande tensão e fundamentais na vida profissional do professor e na qualidade do
ensino. Este é o período da necessidade de constituição, rápida, de “certezas
profissionais”, fixação de rotinas, enfim, de segurança para agir.
Um dos motivos que me levou a investigar a aprendizagem da docência na fase inicial
de profissão é que pesquisas como as de Nono e Mizukami (2005, p.145) têm apontado que
“os primeiros anos da docência parecem ser decisivos na estruturação da prática profissional e
podem ocasionar o estabelecimento de rotinas e certezas cristalizadas sobre a atividade de
ensino que acompanharão o professor ao longo da carreira”.
Nesse sentido, Marcelo García (1998) nos diz que os professores em formação
possuem crenças e imagens anteriores que os acompanham ao longo de sua trajetória, crenças
e imagens contra as quais, até agora, a formação de professores pouco tem podido fazer.
Segundo Feiman-Nemser (2001 apud NONO & MIZUKAMI, 2005), os primeiros anos da
docência representam um momento de intensas aprendizagens e não influenciam apenas no
sentido da permanência do professor na profissão, bem como o tipo de professor que ele virá a
ser.
Apesar de a fase inicial da profissão docente ainda ser um tema pouco investigado,
pesquisas como as de Marcelo García (1999) apontam que os professores iniciantes, em sua
maioria, são profissionais que se preocupam com o seu aperfeiçoamento e têm a consciência
19
de que sua formação é incompleta. Esses mesmos professores afirmam que os primeiros anos
do magistério são difíceis, tanto no aspecto pessoal quanto no profissional, principalmente
quando se trata de professores interinos
4
. Outro aspecto, evidenciado pelas investigações deste
mesmo autor, é que os professores principiantes se diferenciam entre si em função dos
contextos em que ensinam. Diante desses argumentos, sinto-me “provocado” a entender como
os professores iniciantes de Ciências Biológicas aprendem a docência nesta fase.
Jordell (1984 apud MARCELO GARCÍA, 1999) investigou o processo de
aprendizagem do professor em fase inicial de profissão e afirma que é importante considerar
três fases: a) as primeiras experiências, como criança e como adulto; b) as experiências nos
cursos de formação de professores, como estudante e como professor estudante; c) os
primeiros anos de experiência. Neste sentido, este pesquisador propôs um modelo que destaca
três níveis de influência na socialização dos professores principiantes: 1) dimensão pessoal; 2)
de classe; 3) institucional e social, sobre os quais discorrerei brevemente abaixo:
1) Dimensão pessoal Caracteriza-se pelas experiências prévias (biografia), isto é, sua
história pessoal, bem como as experiências na instituição de formação de professores. Esta
etapa influencia principalmente nas “teorias implícitas”, nos conhecimentos tácitos dos
professores sobre o processo ensino-aprendizagem;
2) Nível da classe As pesquisas mostram que os alunos, bem como os elementos estruturais
do ensino – imprevisibilidade, simultaneidade, imediatez, contribuem na formação docente do
recém-professor. Sendo assim, os estudantes, o ambiente da classe, a interação na aula são
aspectos que influenciam nas aprendizagens do jovem professor.
3) Nível institucional – Nesta etapa, deve-se considerar as influências/contribuições dos
próprios colegas de profissão, dos gestores (diretores, coordenadores pedagógicos). Neste
aspecto, também Jordell (1984 apud MARCELO GARCÍA, 1999) destaca uma influência, um
tanto velada, que é a representada pela estrutura econômica e política em que escola está
inserida.
Com base em Jordell (1984 apud MARCELO GARCÍA, 1999), pode-se concluir que a
“adequação”, ”o ajuste” do professor a sua nova profissão, dependerá de múltiplos fatores,
como: 1) a sua história de vida (biografia); 2) modelos de imitação docente; 3) da socialização
com os pares mais experientes; 4) a organização burocrática em que estará inserido neste
momento de sua aprendizagem profissional (fase inicial), entre outras coisas.
4
Professores interinos são aqueles que possuem um contrato temporário de serviço.
20
Nessa mesma perspectiva, Huberman (2000) realiza uma importante pesquisa, na qual
ele descreve fases da carreira docente. A fase inicial é caracterizada como um período de
sobrevivência, de descoberta e, para alguns professores, representa um momento de muitas
angústias. O autor conceitua essa fase como o “choque do real”, momento em que o jovem
professor se defronta com a realidade multifacetada da sala de aula, isto é, com sua
complexidade, sua singularidade que, muitas vezes, exige do profissional uma reflexão
imediata, uma flexibilidade para a resolução de determinadas situações peculiares ao processo
ensino-aprendizagem. No entanto, foi Simon Veenman (1984 apud MARCELO GARCÍA,
1999) que popularizou o conceito de choque de realidade” para conceituar o estágio que
muitos professores atravessam no seu primeiro ano de docência. Na concepção deste autor
holandês, o primeiro ano se configura por ser, em geral, um intenso processo de
aprendizagem, com tentativa de ensaio e erro, na maioria dos casos, descrito como um
momento de sobrevivência e por um predomino do valor prático. A compreensão que tenho
de “fase inicial da docência” coaduna com a de Huberman (2000) para o qual, a fase inicial da
profissão docente, compreende os três primeiros anos de ensino.
Os estudos sobre professores principiantes apontam que esta fase é um período de
aprendizagens diversas, e os sentimentos contraditórios em relação à profissão, à busca pela
superação de obstáculos e às fortes exigências pessoais em relação ao desempenho
profissional são freqüentes (NONO & MIZUKAMI, 2005). Essas mesmas pesquisas
evidenciam a necessidade de que os professores iniciantes possuam um acompanhamento
pedagógico que os ajudem a discutir e superar as dificuldades que enfrentam durante o ensino,
até porque os estudos de Nono & Mizukami (2005, p.148) afirmam que “o curso de formação
inicial parece não fornecer informações suficientes sobre que ocorre, de fato, no ambiente
escolar.”
Em face do exposto, a necessidade de se estudar, cada vez mais, a fase inicial da
docência, pois algumas pesquisas nos apontam que é um “momento crucial” no ofício de
professor. Nessa perspectiva, Tardif (2002, p.84-85) salienta que:
Essa fase varia de acordo com os professores, pois pode ser fácil ou difícil,
entusiasmadora ou decepcionante, e é condicionada pelas limitações da instituição.
Essa fase é tão crucial que leva uma porcentagem importante [...] 33% de iniciantes
a abandonar a profissão, ou simplesmente a se questionar sobre a escolha da
profissão e sobre a continuidade da carreira, conforme a importância do “choque
com a realidade”.
21
Assim, o início da docência configura-se como um objeto de estudo de extrema
relevância, pois
[...] estudos vêm mostrando que esta é uma fase tão importante quanto difícil na
constituição da carreira de professor. É um momento dotado de características
próprias, no qual ocorrem as principais marcas da identidade e do estilo que vai
caracterizar a profissional/professora ou o profissional/professor ao longo de sua
carreira (LIMA, 2006, p. 9).
Valli (1992 apud LIMA, 2006) destaca ainda que as principais agruras do professor
iniciante são: o isolamento, a dificuldade de transferir o conhecimento adquirido na formação
inicial e o desenvolvimento de uma concepção de ensino mais técnica. Nessa mesma
perspectiva, Veenamn (1988 apud LIMA, 2006, p.11) endossa esta “lista de dificuldades” do
professor no início da profissão, ao mencionar alguns de seus desafios:
[...] manutenção da disciplina e estabelecimento de regras de conduta dos alunos;
motivação e trato com as características individuais dos alunos; relacionamento com
pais, alunos e comunidade; preocupação com a própria capacidade e competência;
docência vista como trabalho cansativo, física e mentalmente.
Em razão das conclusões apontadas, fica claro que o professor iniciante deve ser
assessorado nesses três primeiros anos de profissão. É necessário que os gestores escolares e
os especialistas responsáveis por elaborar políticas públicas implementem um modelo de
gestão colaborativa/dialógica/participativa que venha proporcionar, a este jovem professor,
estudos coletivos e troca de idéias/informações com os pares que possuem mais tempo de
profissão para que, efetivamente, ocorra entre os mesmos uma socialização de experiências,
visando à minimização das dificuldades que surgem, principalmente, nesta fase inicial da
profissão. De fato, “os professores experientes possuem um repertório maior de rotinas em
classe, o que lhes permite se adaptarem mais rápida e facilmente às diferentes situações
exigidas pelo cotidiano de trabalho” (BORGES, 2001, p. 67 apud DOSSIÊ: OS SABERES
DOCENTES E SUA FORMAÇÃO, 2001). E também porque a solidão profissional e o
sentimento de abandono parecem figurar como uma das principais características de mal-estar
dos professores o que é agravado pelo falta ou pouco apoio institucional (LIMA, 2006). Nesse
sentido, Corsi (2006, p.64) comenta sobre a “necessidade de as escolas proporcionarem
oportunidades sistemáticas para que os professores, especialmente os iniciantes, possam
trocar experiências e buscar apoio teórico e prático para resolverem situações que
enfrentam em sala de aula.” Ao se tratar de um apoio dos gestores aos professores
principiantes, (HULING-AUSTIN 1990, apud MARCELO GARCÍA, 1999) menciona a
22
existência de “programas de iniciação de ensino” freqüentes em alguns contextos educativos.
Estes programas entendem que o professor iniciante terminou pouco tempo o período de
formação, portanto necessita de apoio similar ao que recebeu na sua fase de estudante.
Segundo Marcelo Garcia (1999), os programas de iniciação ao ensino se propõem a dar
respostas às necessidades de assessoria aos professores principiantes que se encontram,
principalmente, no primeiro ano de ensino. Nesse sentido, estas propostas coadunam com a
concepção de formação de professores como um “contínuo” que deve ser “adaptada” a cada
etapa da carreira profissional do docente.
Em linhas gerais, em relação aos aspectos teórico-metodológicos desses programas de
formação, Marcelo Garcia (1999, p. 120) menciona os seguintes componentes:
materiais escritos sobre condições de trabalho e as normas da
escola;
reuniões e visitas prévias;
seminários sobre o currículo e ensino eficaz;
sessões de treino por professores mentores e outro pessoal de
apoio;
observações por supervisores, colegas, ou grupos e/ou gravação
em vídeo dos professores principiantes nas classes;
entrevistas de acompanhamento com observadores;
consultas a professores com experiência;
apoio, assessoria por professores mentores;
oportunidade para observar outros professores (ao vivo ou em
gravação);
redução do tempo/carga docente para os professores principiante
e/ou mentores;
reuniões de grupo de professores principiantes;
criação de situações de ensino em equipe;
cursos específicos para professores principiantes na universidade;
publicações para professores principiantes.
Ainda em relação aos programas de iniciação ao ensino, Marcelo García (1999) afirma
que a duração dos mesmos pode variar entre uma semana ou até dois anos letivo-escolares e
faz uma breve descrição de algumas estratégias neles implementadas:
a) Proporcionar informação: este aspecto se refere às informações/orientações a
serem fornecidas ao professor principiante no que diz respeito às disposições legais, meios,
facilidades, aspectos administrativos, etc., informações estas, que podem ser úteis no primeiro
ano de ensino.
b) Visita prévia: diz respeito a uma visita do professor iniciante (de curta duração) à
escola, com o objetivo de conhecer, de se familiarizar com o ambiente, os espaço, a filosofia,
com os colegas, etc.
23
c) Redução da carga horária docente: em países como a Austrália ou Inglaterra os
professores em fase inicial de profissão têm a sua carga de trabalho reduzida entre 5 e 10%.
Este tempo reduzido é utilizado para a proposição de cursos, reuniões com os
tutores/mentores para a realização de tarefas formativas.
d) Seminários de discussão: consistem em oportunidades de apoio pessoal e emocional
aos professores iniciantes com base na análise de situações problemas concretos da prática
educativa.
e) Conectar os professores principiantes através do correio eletrônico: esta estratégia
é algo relativamente novo, que oportuniza situações de troca entre os professores iniciantes
através do computador. Esta experiência tem demonstrado que este contato proporciona-lhes,
apoio emocional, pessoal, técnico, etc.
f) Casos de Ensino: são relatos de situações específicas de ensino que o postas em
discussão dentro de uma perspectiva reflexiva, a fim de ajudar os professores principiantes a
pensarem/refletirem e implementarem modos alternativos de agir em relação ao cotidiano da
sala de aula.
Ao pensar nesses aspectos que abarcam estes “programas de
acompanhamento/assessoramento ao recém-professor”, descritos por (HULING-AUSTIN
1990, apud MARCELO GARCÍA, 1999), e também tendo por base as pesquisas brasileiras
que reafirmam os resultados deste pesquisador e outros pesquisadores sobre as “dificuldades
do professor em início de carreira”, acredito que os gestores responsáveis pela elaboração e
implementação de políticas públicas no campo da educação, em particular no contexto
brasileiro, necessitam urgentemente elaborar propostas que minimizem as
agruras/obstáculos/angústias destes profissionais iniciantes, proporcionando-lhes a construção
de identidade profissional saudável e equilibrada para que, de fato, o seu trabalho proporcione
aos alunos uma educação de qualidade.
No entanto, é importante ressaltar que esta etapa de contato inicial com a profissão não
é vivida por todos da mesma forma, isto é, para muitos este período é mais um momento de
intensas aprendizagens. Muitos, ao conseguirem passar por esta “tempestade inicial”, acabam
continuando na profissão. Mas por quê?
Afirmam os estudiosos da área que conseguimos romper esse “tumulto” inicial por
causa de certo sentimento de “descoberta”. Isto é, apesar de todo o sofrimento, os professores
passam a fazer parte de um corpo profissional; experimentam a sensação de responsabilidade
por algo que é “deles”; têm a própria turma de alunos; sentem-se amados por eles e aprendem
24
coisas interessantes, a partir de variadas fontes: dos alunos, colegas, a própria formação, entre
outras coisas (LIMA, 2006).
Ao pensar sobre os processos de construção docente; em-me algumas indagações:
que conceituação os autores nos dão sobre a aprendizagem profissional da docência? Que
conhecimentos os professores constroem no seu processo de desenvolvimento profissional?
Como estes saberes são classificados pelos autores? Como os docentes utilizam estes saberes
nos diversos contextos de aprendizagens? Estes e outros questionamentos serão discutidos na
próxima sessão.
2.1 Aprendizagem Profissional da Docência e Saberes Docentes dos Professores
Iniciantes
Infelizmente, ainda muitas pessoas professores do primário e do secundário, e
mesmo professores universitários – que acreditam que basta entrar numa sala de aula
e abrir a boca para saber ensinar, como se houvesse uma espécie de causalidade
mágica entre ensinar e fazer aprender (TARDIF, 2002, p. 121).
A aprendizagem da docência e os saberes docentes são temas que se complementam
dialeticamente, posto que os saberes docentes são conteúdos da aprendizagem profissional.
A literatura sobre a aprendizagem da docência indica que os professores, em sua
trajetória profissional e pessoal, constroem e reconstroem seus saberes em variadas
circunstâncias do mundo profissional, assim como no âmbito das várias instâncias formativas
que experienciam. Sobre isso (GUIMARÃES, 2006, p. 11) afirma que
Os saberes profissionais, à medida da formação, da reflexão sobre a própria prática
vão se configurando em autonomia didática, reconstrução da teoria, da própria
experiência, frente a objetivos educacionais e a dificuldades do dia-a-dia da sala de
aula. Então, o desenvolvimento de saberes profissionais expressa tanto a construção
de um conhecimento sobre os nexos mais amplos do trabalho docente, quanto o
domínio (em constante construção) de formas específicas que expressam a
apreensão e o “dar conta” da realidade da sala de aula.
E complementa ao afirmar que
[...] classificar estes saberes é muito difícil. É difícil porque estes saberes são
constituídos em ação, ligados a juízos e decisões tomadas em situação (portanto não
são facilmente classificáveis), m origem diversa sob o aspecto de filiação teórica e
também porque estão associados à própria história de vida dos professores e à sua
situação identitária (GUIMARÃES, 2006 p. 12).
25
Com base em autores como Mizukami (2002); Tardif (2002); Lima (2003); Tancredi
(2002); Bitencourt (2006), entre outros, constato que não existe uma teoria geral acerca da
aprendizagem da docência, ou seja, de como o indivíduo aprende a se tornar professor. O que
existe são algumas contribuições teóricas que se dedicam a entender o processo de
desenvolvimento profissional dos professores. O que parece ser consensual ao consultar estes
autores é o fato de essa aprendizagem ser caracterizada como um processo de construção e
reconstrução de saberes, um movimento de idas e vindas, articulado às várias instâncias
formativas do sujeito: escolarização básica, formação inicial, formação continuada, entre
outras.
Durante muito tempo, como evidencia Schön (1992 apud BITENCOURT 2006), os
cursos de capacitação dos professores pautaram-se num modelo de racionalidade cnica,
segundo o qual a atividade profissional consistia na resolução de problemas instrumentais.
Segundo Mizukami (2002, p.14), “o limite desse modelo de formação se encontra no fato de
não levar em conta os aspectos do contexto mais amplo em que as práticas educativas estão
inseridas.” Nessa perspectiva, diversas pesquisas (Reali (2002); Reyes (2002); Tancredi
(2002); Melo (2002)) têm apontado a necessidade de se revisitar as capacitações docentes, por
longa data, caracterizadas por uma “didática prescritiva”. Por outro lado, quando o professor
se defronta com o cotidiano escolar, ele percebe que não existem “receitas prontas”, visto que
cada situação do processo ensino-aprendizagem está marcada por uma singularidade que lhe é
peculiar; o educador é um ser singular, assim como cada um dos alunos que estão sob a sua
responsabilidade.
Diante dessa complexidade, apresenta-se como alternativa ao modelo tecnicista, o
paradigma, da racionalidade prática. Nessa ótica, Mizukami (2002, p.15) afirma que
a formação docente é, então, vista segundo o modelo reflexivo [grifo meu] e
artístico, tendo por base a concepção construtivista da realidade com a qual o
professor se defronta, entendendo que ele constrói seu conhecimento profissional de
forma idiossincrática e processual ...
Deste modo, considera-se o professor não mais como um ser passivo como sugeria a
racionalidade técnica no seu processo formativo, mas como um forte protagonista no seu
desenvolvimento profissional. Marcelo Garcia (1999) advoga a idéia de que o
desenvolvimento do educador deve ultrapassar uma concepção individualista e fragmentada
das práticas de formação permanente (tecnicista) e também a necessidade de se superar a
dicotomia existente entre formação inicial (graduação) e continuada. Concebendo a formação
26
do professor como um processo contínuo, de construção e reconstrução de saberes que se
estende por toda a vida profissional.
Penso que uma postura pedagógica capaz de auxiliar eficazmente na aprendizagem
do professor é a de se propiciar nas escolas, momentos em que os professores possam discutir
conjuntamente acerca das suas práticas, e esta discussão precisa, a meu ver, estar atrelada
inevitavelmente à questão da reflexividade. É necessário que se criem no ambiente escolar,
situações para que o professor dialogue com os seus pares, externe as angústias, os avanços,
os retrocessos, ou seja, momentos para que ele se construa enquanto profissional em
exercício.
Com o objetivo de minimizar as discrepâncias entre aquilo que se ensina nos cursos de
licenciatura e a realidade que o jovem professor encontra na escola, Mizukami (2006, p.13),
em seu artigo intitulado “Aprendizagem da docência: professores e formadores” destaca a
importância da construção das “comunidades de aprendizagem” que envolvam professores da
escola e formadores da universidade com o intuito de proporcionar estratégias de
desenvolvimento profissional adequadas à profissão docente. Segundo ela, essas comunidades
são entendidas como uma comunidade profissional que leva em consideração a multiplicidade
dos contextos, nos quais o professor trabalha. Sendo assim, dois pressupostos devem ser
considerados por esta organização: “a melhoria da prática profissional e a crença de que os
professores são estudantes de suas áreas ao longo de sua vida”.
Ao se pensar sobre “que professor formar”, a literatura existente sobre a aprendizagem
da docência aponta algumas contribuições interessantes em relação a algumas frentes de
investimento para processos formativos, como advoga Mizukami (2006). Sob essa ótica, a
autora elenca algumas características orientadoras/norteadoras para os cursos de formação de
professores:
a natureza individual e coletiva da aprendizagem da docência;
a escola considerada enquanto “lócus” de aprendizagem do professor;
a existência de processos que não obedeçam a uma certa linearidade no aspecto
da aprendizagem;
a importância dos diferentes saberes construídos ao longo da trajetória
profissional, tendo como ponto de partida tanto o conhecimento acadêmico-
científico quanto a prática do educador;
a relevância da prática profissional para a construção de conhecimentos da
docência e de diferentes naturezas;
27
a necessidade de esclarecer a base de conhecimentos e de compreensão de
processos de raciocínio pedagógico na construção de conhecimentos da
docência;
a reflexão, como norte conceitual e fomentador da aprendizagem profissional;
a influência de crenças, valores, juízos etc. no delineamento de práticas
pedagógicas; a importância de se ter um ambiente adequando para partilha de
idéias, entre outras (MIZUKAMI, 2006)
5
.
Ainda sobre o aspecto formativo do professor, isto é, da aprendizagem profissional da
docência - Mizukami (2006) destaca a importância dos “casos de ensino” como estratégias
que desencadeiam processos de reflexão e investigação por parte dos professores. Entende-se
por “casos de ensino” as narrativas de situações cotidianas da prática escolar, sendo assim
frutos de relatos reais envolvendo o processo ensino-aprendizagem ou até mesmo podem ser
criados/elaborados para uma determinada finalidade. Nessa perspectiva, Shulman (1996 apud
Mizukami, 2006, p.13) enfatiza que a aprendizagem baseada em casos de ensino proporciona
uma resposta a duas problemáticas significativas: “a aprendizagem pela experiência e a
construção de uma ponte entre teoria e prática.” Nessa mesma ótica, “os casos” teriam o
objetivo de lidar com aspectos importantes da formação como: raciocínio, discurso e memória
profissional, pois os mesmos requerem do professor-estudante análise, atribuição de
significado e exigem respostas improvisadas ou deliberadas a um determinado problema.
Em relação aos saberes docentes, as pesquisa tem crescido muito com o passar dos
anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, obras de grande volume sobre esta temática são cada
vez mais freqüentes, mas este crescimento não condiz apenas ao aspecto quantitativo, pelo
contrário, observa-se uma grande diversificação qualitativa, tanto a respeito das metodologias
utilizadas nas investigações, quanto ao quadro teórico utilizado para “jogar luz” sobre os
dados (DOSSIÊ: OS SABERES DOCENTES E SUA FORMAÇÃO, 2001, 11). Entretanto, é
importante destacar as que têm se fundamentado no paradigma do “pensamento do professor”,
o qual oportunidade aos professores, valoriza a sua subjetividade e as suas histórias de
vida, bem como a implicação destas na prática pedagógica. Essa pesquisa é relativamente
recente no contexto educacional, pois, até então, o paradigma predominante nas investigações
em educação era o do “processo-produto” que tinha como objetivo investigar as implicações
do comportamento dos professores na aprendizagem dos alunos, paradigma este, que estava
5
Disponível em: http://www.pucsp.br/ecurricullum
28
aliado a uma visão de professor como técnico, como executor de programas elaborados por
especialistas (racionalidade técnica). Nesse sentido, Nóvoa (2000), com base nos estudos de
Ball e Goodson (1989 apud NÓVOA, 2000) e Woods (1991, apud VOA, 2000), afirma
que nos anos 60 os professores foram “ignorados”, parecia até que os mesmos não tinham
influência alguma no processo educativo; nos anos 70 os professores foram “esmagados”,
sendo, até mesmo, acusados de contribuírem com a reprodução das desigualdades sociais e
nos anos 80 os mesmos passaram a ser “controlados” por mecanismos de avaliação. Segundo
este mesmo autor, foi apenas em 1984, com a publicação da obra “O professor é uma pessoa”
de Ada Abraham, que uma reviravolta iniciou-se sobre o papel que o educador desempenhava
no processo educativo, recolocando-o no centro do debate educativo e das problemáticas de
investigação. A partir daí, a literatura pedagógica passou a ser “invadida” por obras e
pesquisas sobre “vida dos professores, as carreiras e percursos profissionais, as biografias e
autobiografias docentes ou o desenvolvimento pessoal dos professores” (NÓVOA, 2000, p.
15).
Mas, ao refletir sobre estas investigações acerca dos saberes docentes, cabem aqui
algumas indagações: qual é a origem dos saberes dos professores? Que tipos de saberes são
mobilizados por estes profissionais no ato de ensinar?
Alguns pesquisadores, como Tardif (2002); Lima (2003); Shulman (1987 apud
MIZUKAMI, 2004), entre outros, propuseram-se a construir teorias que pudessem responder
a estes questionamentos. Ao ler os resultados de suas pesquisas, parece-me consensual o fato
de que a origem desses saberes docente antecede à formação inicial. Trata-se de um “saber
plural”, como evidencia Tardif (2002), com origem na família do professor, no seu processo
de escolarização, na sua cultura pessoal, nas universidades, no diálogo com os pares, nos
cursos de formação continuada e na escola, esta última interpretada como locus privilegiado
de formação, pois no cotidiano escolar este ator, ao “testar” e “retestar” suas práticas, vai
construindo uma gama de conhecimentos práticos e experienciais.
Tardif (2002) propõe um modelo aproximativo desses saberes, o qual podemos
verificar no quadro apresentado abaixo:
29
Quadro 1 – Os saberes dos professores
Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no
trabalho docente
Saberes pessoais dos
professores
A família, o ambiente de
vida, a educação no sentido
lato, etc.
Pela história de vida e pela
socialização primária.
Saberes provenientes da
formação escolar anterior
A escola primária e
secundária, os estudos pós-
secundários não
especializados, etc.
Pela formação e pela
socialização pré-
profissionais.
Saberes provenientes da
formação profissional para o
magistério
Os estabelecimentos de
formação de professores, os
estágios, os cursos de
reciclagem, etc.
Pela formação e pela
socialização profissionais nas
instituições de formação de
professores.
Saberes provenientes dos
programas e livros didáticos
usados no trabalho
A utilização das
“ferramentas” dos
professores: programas,
livros didáticos, cadernos de
exercícios, fichas, etc.
Pela utilização das
“ferramentas” de trabalho,
sua adaptação às tarefas.
Saberes provenientes de sua
própria experiência na
profissão, na sala de aula e na
escola.
A prática do ofício na escola
e na sala de aula, a
experiência dos pares, etc.
Pela prática do trabalho e
pela socialização
profissional.
Fonte: Tardif (2002, p.63).
Ao analisar este quadro, verifica-se que esses saberes são, de fato, “mobilizados pelos
professores”. É interessante perceber que muitos desses saberes extrapolam o limite da escola,
como nos afirma Tardif (2002, p.64): “[...] vários deles são de certo modo ‘exteriores’ ao
ofício de ensinar, pois provêm de lugares sociais anteriores à carreira propriamente dita ou
situados fora do trabalho cotidiano.”
E o que dizem outros autores a respeito desses saberes? Será que eles são classificados
da mesma forma? Existe uma tipologia diferenciada?
30
2.2 Saberes docentes segundo Shulmam
Shulman (1987) explicita várias categorias dessa base de conhecimento
(conhecimento de conteúdo específico, conhecimento pedagógico geral,
conhecimento de currículo, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento
dos alunos e de suas características, conhecimentos dos contextos educacionais,
conhecimento dos fins, propósitos e valores educacionais) que podem ser agrupadas
em: conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico geral e
conhecimento pedagógico do conteúdo [grifo meu] (SHULMAN 1987 apud
MIZUKAMI, 2004)
6
.
Shulman (1987 apud MIZUKAMI, 2002) propõe dois modelos para a investigação do
papel do conhecimento no exercício da docência: 1) a base de conhecimento pessoal e 2) o
processo de raciocínio pedagógico.
2.2.1 Base de conhecimento pessoal
a) Conhecimento específico do conteúdo
São os conhecimentos básicos de uma área de conhecimento. se ensina àquilo que
se sabe. Para se ensinar Biologia/Ciências Naturais é necessário conhecer, profundamente,
essa área de conhecimento, assim como suas relações com as demais áreas. Portanto, quando
a pretensão de formar alguém é fundamental que o professor domine o conteúdo dessa
instrução, que conheça fatos, conceitos, processos, procedimentos pertinentes a ele.
Quando se fala de conhecimento de conteúdo específico, fala-se ao mesmo tempo
de dois tipos de conhecimento: o conhecimento substantivo para ensinar e o
conhecimento sintático para ensinar. As estruturas substantivas de uma área de
conhecimento (Shulman, 1987) incluem paradigmas explicativos utilizados pela
área. As estruturas sintáticas de uma área, por sua vez, referem-se a padrões que
uma comunidade disciplinar estabeleceu de forma a orientar as pesquisas na área.
Refere-se à forma como os novos conhecimentos são introduzidos e aceitos pela
comunidade. A estrutura sintática envolve conhecimento de formas pelas quais a
disciplina constrói e avalia novo conhecimento. É importante que o professor não
aprenda os conceitos, mas que os compreenda à luz do método investigativo e
dos cânones de ciência assumidos pela área de conhecimento
7
.
No que diz respeito ao ensino da matéria, Mizukami (2004) enfatiza dois elementos
importantes: o professor deveria possuir uma compreensão mínima e básica da matéria a ser
ensinada, de forma a possibilitar o ensino e a aprendizagem dos alunos, assim como um bom
conhecimento das probabilidades representacionais da matéria, tendo em vista os aspectos
6 Disponível em: < http://www.ufsm.br/ce/revista/revce/2004/02/a3.htm>.
7
Disponível em: http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2004/02/a3.htm
31
específicos dos contextos em que leciona, da população que freqüenta sua escola e suas
classes.
Portanto, é necessário que o professor conheça a área específica do conteúdo a ser
ensinado, assim como aquelas relativas à construção dessa área. Mas, isso não é suficiente,
existem outros saberes que precisam estar articulados ao conhecimento do conteúdo, como
veremos a seguir.
b) Conhecimento pedagógico geral
Como o próprio termo diz, o conhecimento é geral, transcende a disciplina específica,
compreende princípios relacionados ao processo de ensinar e aprender (características dos
alunos, processos cognitivos e desenvolvimentais de como os alunos aprendem). Inclui
conhecimentos sobre objetivos, metas e propósitos educacionais; manejo de classe; de
interação dos alunos com os seus pares e com o professor; relação com outros conteúdos, etc.
c) Conhecimento pedagógico do conteúdo
Segundo Mizukami (2002), para compreender o conhecimento pedagógico do
conteúdo, é importante que consideremos as “imagens de aulas”. Entende-se por esta
expressão,
[...] as visualizações do professor sobre as possibilidades e as contingências
relacionadas à aula, que incluem o conhecimento dos estudantes e de como eles
provavelmente reagiriam à aula, a predição do comportamento dos alunos, os
possíveis problemas de compreensão dos estudantes e de como os professores
lidariam com os mesmos (p.69).
Shulman (1987 apud MIZUKAMI, 2004, p.53) concebe este saber como a forma
particular, personalizada que o professor tem de ensinar determinado conteúdo, as
representações mais úteis de determinadas idéias, as analogias mais poderosas, ilustrações,
explanações, entre outros. Marcelo Garcia (1998) enfatiza que “o conhecimento do conteúdo
constrói-se a partir do conhecimento do conteúdo que o professor possui, assim como do
conhecimento pedagógico geral, e do conhecimento dos alunos, e também é conseqüência da
própria biografia pessoal do professor”. Alguns autores não destacam a distinção entre
conhecimento específico de um assunto e conteúdo pedagógico do conteúdo. Mas será que o
32
conhecimento específico do conteúdo traz embutido em si essa plêiade metodológica,
procedimental ou ela é adquirida no percurso do educador?
2.2.1.1 Processo de raciocínio pedagógico
Shulman (1987 apud MIZUKAMI, 2004) conceitua “processo de raciocínio
pedagógico” como um procedimento de raciocínio e ação, que compreende seis aspectos
pertinentes ao ato de ensinar: compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e
nova compreensão, conforme caracterizados abaixo;
a) compreensão: consiste no entendimento crítico de conceitos do conteúdo,
compreensão de propósitos da matéria, de sua estrutura;
b) transformação: envolve o processo de interpretação (compreensões do conteúdo
específico). Em seguida, inicia-se a representação (processo que abarca: analogias,
ilustrações, metáforas, adaptações, etc., que serão usadas de acordo com cada situação de
ensino);
c) instrução: é entendida como o manejo da classe, o processo de ensino em si,
compreende aspectos como: trabalho em grupo, disciplina, questionamentos, etc.;
d) avaliação: diz respeito à “checagem dos alunos” acerca daquilo que está sendo
ensinado, pode ocorrer durante a aula ou ao final do trabalho, com avaliações específicas;
e) reflexão: consiste no processo de aprendizagem a partir da própria experiência,
quando os professores refletem/pensam/avaliam o seu trabalho.
f) nova compreensão: é a última etapa do processo, consegue-se uma nova
compreensão uma compreensão enriquecida dos propósitos, do conteúdo, do ensino, dos
alunos, do próprio docente, e de outros conhecimentos da base de conhecimento para o ensino
–, é o resultado de processos de ensinar e de aprender, desenvolvidos, possibilitando a
consolidação de novas compreensões e de aprendizagens (MIZUKAMI, 2004).
É importante relembrar que o presente estudo se propôs a entender/compreender como
o egresso do curso de Ciências Biológicas aprende a ser professor na fase inicial de profissão,
que se refere aos três primeiros anos de docência.
Ao procurar entender os percursos formativos dos participantes dessa investigação, vi-
me no espelho e, inevitavelmente, em rios momentos, coloquei-me como indagador de
minha própria trajetória formativa, posto que meu percurso de constituição de docente, ao
longo de quase 10 anos de profissão, guarda semelhanças com as histórias que serão aqui
relatadas.
33
A minha trajetória de docente para pesquisador-docente perpassou por vários
contextos formativos. Venho de uma família pequena, constituída em uma pequena cidade do
interior de Mato Grosso Guiratinga. Minha mãe é dona de casa e o meu pai, ao longo da
vida, desempenhou múltiplos trabalhos como: garimpeiro, motorista e pescador. Tanto meu
pai como minha mãe não tem formação superior, apenas o antigo curso Técnico de
Contabilidade (correspondente ao atual Ensino Médio). No entanto, os mesmos, com todas as
limitações intelectuais e financeiras, fizeram o que puderam para que os filhos estudassem.
Cursei Ciências Biológicas na UFMT/CUR de1998 a 2002, após o rmino do curso, fiz
especialização pela mesma instituição e, em 2006, ingressei no Mestrado em Educação da
UFMT de Cuiabá. Foi por meio de um módulo de Didática do Ensino Superior, ministrado na
especialização, que me interessei, mais, pelas questões da educação, em especial pela
formação de professores.
Ainda sobre a formação de professores, algumas indagações me assediam: que
contribuições ela tem dado, no sentido de ensinar os professores a exercerem sua prática
pedagógica? Como esta área da educação é conceituada pelos diversos autores/pesquisadores?
Qual é a relação da formação dos professores com a aprendizagem significativa que os
educadores devem proporcionar aos alunos?
34
3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DOS
ALUNOS
[...] a formação de professores é a área que se ocupa do modo como os professores
aprendem a ensinar, aprendem a implementar mudanças em suas ações, a lidar com
os dilemas profissionais e a desenvolver sua competência profissional [...] (LIMA,
2003, p.35).
A formação de professores é um processo extremamente complexo, de múltiplas faces,
embora atualmente não exista um quadro teórico consensual acerca de sua conceituação. No
entanto, vários pesquisadores, como Marcelo García (1999); Schön, (apud NÓVOA, 1992);
Tardif, (2002); Shulman, (1987) entre outros, propuseram-se a “jogar luz” sobre este
fenômeno para melhor compreendê-lo.
Conforme a definição de Marcelo García (1999, p. 26), a formação de professores é
[...] a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no
âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais
os professores – em formação ou em exercíciose implicam individualmente ou em
equipe, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram
os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir
profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com
o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.
Articulados a este conceito, segundo o mesmo autor, há princípios que ajudam a
explicar as diferentes dimensões desse fenômeno: a formação de professores é um processo
que tem continuidade, que se estende ao longo da vida do educador. É um desenvolvimento
profissional contínuo através da própria carreira... O desenvolvimento profissional é uma
aprendizagem contínua, interativa, acumulativa, que combina uma variedade de formatos de
aprendizagem’ (FULLAN, 1987 apud MARCELO GARCÍA, 1999, p. 27). Nesse sentido,
penso ser importante ressaltar que o conceito de formação de professores adotado para a
realização desta investigação coaduna-se com a de Fullan (1987) e Marcelo García (1999),
apesar de eles terem investigado como os egressos aprenderam a docência na fase inicial de
profissão, entendo que a constituição dos mesmos como docente é um “processo contínuo”
que tem suas raízes em diversos momentos e contextos formativos e que se estenderá ao longo
da vida destes profissionais.
Ainda sobre o conceito de formação dos professores, o mesmo está associado à
inovação e mudança; está articulado com o desenvolvimento organizacional da escola, pois a
escola é uma instância tanto de trabalho como de aprimoramento profissional; está
35
relacionado à articulação de conteúdos acadêmicos e pedagógicos. Norteia-se pela relação
entre teoria e prática e, além disso, deve investir no desenvolvimento intelectual, emocional e
social dos professores. Existem diversas concepções acerca do conceito de formação de
professores: “atividade intencional, que se desenvolve para contribuir para a
profissionalização dos sujeitos encarregados de educar novas gerações” (RODRIGUES
DIEGUES, 1980, p.38; MARCELO GARCIA, 1999, p. 22); “[...] atividade humana
inteligente, caracteriza-se como uma atividade relacional e de intercâmbio, com uma
dimensão evolutiva e destinada a atingir metas conhecidas” (HONORÉ 1982 apud
MARCELO GARCIA, 1999, p. 22).
Na concepção de Ferry (1983 apud MARCELO GARCIA, 1999, p. 22), a formação de
professores não é comparável a outros estilos de formação porque apresenta dimensões
importantes que a distinguem das demais: trata-se de uma formação em que se deve aliar a
formação acadêmica (científica, literária, artística, etc.) à formação pedagógica; é um tipo de
formação profissional que prepara formadores. É também entendida como um momento em
que pessoas adultas se reúnem, uma interação entre formador e formando, com o objetivo de
mudança, ocorrendo em um contexto mais ou menos circunscrito (BERBAUM 1982 apud
MARCELO GARCÍA, 1999).
Corroboro a idéia de Medina e Domínguez (1989 apud MARCELO GARCÍA, 1999,
p. 23) que consideram a formação de professores como “a preparação e emancipação
profissional do docente para realizar crítica, reflexiva e eficazmente um estilo de ensino que
promova uma aprendizagem significativa nos alunos [...]” [grifo meu]. Afinal, o foco da
formação de professores é formar indivíduos que saibam efetivamente promover a
aprendizagem dos seus alunos. Penso que o conceito de “aprendizagem com significado” deve
ser uma temática a ser vista com uma atenção maior pelos processos de formação docente,
tendo em vista que os alunos, ainda, têm sido submetidos a um ensino descontextualizado,
distante do seu cotidiano. Já que ensinar é fazer o aluno aprender, nada melhor do que
proporcionar aos mesmos um ensino-aprendizagem que tenha relação com a sua vida,
portanto, neste aspecto, a formação de professores não pode ficar de fora desta discussão.
Ao falar de aprendizagem significativa, não posso deixar de mencionar as
contribuições de David Ausubel, estudioso desta temática. Ele é um representante do
cognitivismo e, como tal, propõe uma explicação teórica para o processo de ensino
aprendizagem (MOREIRA, 2001).
36
Na concepção de Ausubel a
[...] aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação se
relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Ou
seja, neste processo a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento
específica, [...] conceitos subsunçores ou, simplesmente, subsunçores (subsumers),
existentes na estrutura cognitiva do indivíduo (MOREIRA, 2001, p. 7).
Nessa perspectiva, Dominguez e Medina (1989 apud MARCELO GARCIA, 1999)
defendem a concepção de um professor reflexivo e inovador e ressaltam que a formação de
professores deve desenvolver nos mesmos um estilo de ensino próprio que lhes permita
propiciar ao aluno uma aprendizagem com significado.
Como os autores concebem a aprendizagem significativa nas disciplinas de Ciências
Naturais e Biologia? Penso que seja oportuno discutir essa questão.
3.1 Aprendizagem Significativa em Ciências Naturais e Biologia
A distinção entre aprendizagem significativa e aprendizagem repetitiva remete à
existência ou não-existência de um vínculo entre o material a ser aprendido e os
conhecimentos prévios: se o aluno consegue estabelecer relações “substanciais e não
arbitrárias” entre o novo material de aprendizagem e seus conhecimentos prévios, ou
seja, se o integra em sua estrutura cognitiva, será capaz de atribuir-lhes alguns
significados, de construir uma representação ou modelo mental do mesmo e, em
conseqüência, terá feito uma aprendizagem significativa; se, pelo contrário, não
consegue estabelecer tal relação, a aprendizagem será puramente repetitiva ou
mecânica; o aluno poderá recordar o conteúdo aprendido, durante um período de
tempo mais ou menos longo, porém não terá modificado sua estrutura cognitiva, não
terá construído novos significados (COLL, 1996, p. 397).
O conceito, apresentado por Coll (1996), destaca que aprender significa estabelecer
relações, construir significados. Apropriar-se do conhecimento é o mesmo que incorporar, à
estrutura cognitiva, o novo saber, estabelecendo relações com o que se sabe, a ponto de
modificar o conhecimento anterior.
Com base nesse conceito, cabe indagar: a aprendizagem significativa tem
caracterizado o ensino de Ciências Naturais e Biologia? Como conduzir o processo ensino-
aprendizagem na disciplina de Ciências Naturais e Biologia, de forma que o aluno adquira um
conhecimento rico em significados, que ultrapasse a simples aprendizagem mecânica dos
conteúdos? É suficiente dominar o conteúdo conceitual para ensinar Ciências Naturais e
Biologia?
37
Não se pode, de nenhuma forma, menosprezar a relevância do conhecimento científico
para os atos de ensinar e aprender”: saber o conteúdo é fundamental neste processo. No
entanto, igualmente relevante é compreender que o domínio do conteúdo não é suficiente, tal
como Perrenoud afirma:
Conhecer os conteúdos a serem ensinados é a menor das coisas, quando se pretende
instruir alguém. Porém, a verdadeira competência pedagógica não está aí; ela
consiste, de um lado, em relacionar os conteúdos a objetivos e, de outro, a
situações de aprendizagem [grifo meu] (PERRENOUD, 2000, p.26).
O professor, orientado pelo desejo de favorecer a aprendizagem significativa dos
alunos, precisa desenvolver algumas competências que o auxiliarão no processo ensino-
aprendizagem, visto que
[...] aqueles professores que lêem, que buscam na literatura o conhecimento das
teorias do ensino-aprendizagem, estão, ao mesmo tempo, em sua sala de aula,
aprendendo com a experiência. Assim, eles confrontam-nas, procurando nas teorias
as orientações, explicações ou justificativas que norteiam o ato do seu ensino. Desta
forma, o estudo da literatura permite-lhes verificar as coerências ou as incoerências
de suas propostas de ensino, confrontadas com a sua experiência no cotidiano
(CARRIJO, 1999, p. 86-87).
Para a promoção da aprendizagem significativa daquilo que o professor se propõe a
ensinar, é necessário conhecer os mecanismos intrínsecos do processo de ensinar e aprender e
não apenas o conteúdo a ser ensinado. Segundo Moreira (2001, p.7), “[...] essa aprendizagem
significativa ocorre quando a nova informação ancora-se em conceitos relevantes na estrutura
cognitiva de quem aprende”.
Vygotsky (apud MARTINS, 2005) um sentido muito profundo ao processo ensino-
aprendizagem. Ele concebe cada ser humano como “sujeito histórico”, fruto das interações
sociais que protagoniza no decorrer da vida com os familiares, os professores, a sociedade em
geral. Em outras palavras, o ser humano constrói o conhecimento, nas interações que
desenvolve com o meio e com o outro, com a mediação de alguém mais experiente, a
exemplo do PROFESSOR. Vygotsky (apud MARTINS, 2005), em nenhum momento, afirma
que o professor “é o detentor do saber”, mas reconhece sua autonomia para conduzir a prática
pedagógica de forma a fazer os alunos avançarem na construção do conhecimento. Para ele, a
aprendizagem é a “mola propulsora do desenvolvimento”, antecedendo-o. Nessa concepção, o
professor tem um papel extremamente importante como mediador e interventor. Sendo assim,
a sua intervenção deve ser munida de intencionalidade, no intuito de fazer o aluno avançar na
38
apreensão e construção de conhecimento. Vygotsky elabora o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal para identificar aquele processo que se “localiza” entre aquilo que
o aluno sabe (zona de desenvolvimento real) e aquilo que ele poderá vir a saber (zona de
desenvolvimento potencial) com o auxílio de alguém mais experiente. Por isso,faz-se
necessário, como afirma Lima (2000, p.75), em seu artigo A dimensão pedagógica das teorias
construtivistas, “[...] instituir um local de interlocução, que possa fazer desabrochar no aluno
o sentido da análise, da liberdade de compreensão e julgamento, sem a coação a uma
submissão passiva”. Nessa perspectiva, posiciona-se Freire (1996, p.23): “não docência
sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objetos, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender” [grifo meu].
Mas como conseguir isto, tendo em vista que os próprios cursos de formação de
professores, a começar pelas licenciaturas em Ciências Biológicas, estão respaldados em um
modelo tradicional de ensino, o qual acredita que o conhecimento é “transmitido” e não
“construído?” Como superar um modelo pedagógico de ensino caracterizado pela
diretividade, cuja participação do aluno é negligenciada, o professor é visto como “o detentor
do saber” e os educandos como sujeitos passivos no processo ensino-aprendizagem?
Sob outra perspectiva, acredito que o professor precisa se inteirar dos estudos que
vêm sendo realizados sobre o processo ensino-aprendizagem, pois os mesmos nos mostram
que a concepção de “ensino de Ciências e Biologia” vem se modificando com o passar do
tempo: de um ensino “livresco”, diretivo, marcado pelas simples respostas a questionários,
pela mera reprodução e repetição do que se sabe, para um ensino que considera o “mundo
em que o aluno está inserido”, o contexto social em que ele se encontra. Esta nova orientação
está pautada em uma concepção interacionista que “valoriza o conhecimento prévio do aluno”
(COLL, 1996), que investiga, que problematiza os conteúdos, que propõe hipóteses, que
transcenda o espaço físico da sala de aula e que não se restrinja “às quatro paredes de um
laboratório”, mas que considere a natureza como um “grande laboratório” a ser observado e
pesquisado.
Por isso, interessa-me entender como os professores de Ciências Naturais e Biologia
aprendem a docência na fase inicial de profissão, que saberes eles constroem, e como os
mobilizam no ato de ensinar e aprender quando se propõem a ensinar os seus alunos.
39
4 PROPOSTA DE ESTUDO: PERCURSO METODOLÓGICO E
CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
4.1 A opção metodológica
[...] a escolha do método não deve ser rígida, mas sim rigorosa, ou seja, o
pesquisador não necessita seguir um método com rigidez, mas qualquer método
ou conjunto de métodos que forem utilizados devem ser aplicados com rigor
(BOURDIEAU, 1999, apud BONI e QUARESMA, 2005, p. 9).
A pesquisa foi desenvolvida em uma perspectiva qualitativa. Optei por esta
metodologia porque acredito que ela seja a mais coerente com o meu objeto de pesquisa.
Essa abordagem de investigação, dentre outras peculiaridades, considera o ser humano como
uma fonte significativa de informações, pois ele “[...] é essencialmente qualitativo
(MINAYO, 1994, p. 14). Bogdan, Biklen (1994) e Minayo (1994) evidenciam algumas
características importantes da pesquisa qualitativa:
1. tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como o
instrumento principal. Nessa abordagem metodológica, o investigador considera importante
conhecer o contexto para compreender o fenômeno a ser estudado; a interação pesquisador-
respondente é vista como uma situação que permite um maior aprofundamento acerca do
objeto em estudo, Bogdan e Biklen (1994, p.48) advogam a idéia de que: “[...] divorciar o
acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado”;
2. a investigação qualitativa é descritiva, os dados e palavras são recolhidos não em
forma de estatísticas, mas em forma de palavras ou imagens. Os dados compreendem
transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, deos, documentos pessoais, entre
outros.
3. os pesquisadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que
simplesmente pelos resultados ou produtos. Nessa perspectiva, a grande tríade a ser
contemplada seria o ato de descrever, compreender e analisar;
4. os pesquisadores qualitativos tendem a dar aos dados um tratamento indutivo; não
uma preocupação exorbitante no sentido de confirmar hipóteses. As conclusões, que “[...]
são explicações parciais da realidade” (MINAYO, 1994, p.18), são construídas à medida que
os dados são analisados;
40
5. o “significado” é de real importância nessa abordagem metodológica; os
pesquisadores estão mais interessados na maneira como os sujeitos dão sentido à suas vidas,
pois, na “[...] abordagem qualitativa, aprofunda-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas” Nesse mesmo sentido, “[...] o significado é o conceito central de investigação”
(MINAYO, 1994, p.22).
Diante dos argumentos apresentados por Bogdan, Biklen (1994) e Minayo (1994),
acredito que a opção pela abordagem qualitativa foi a mais adequada à proposta de
investigação que desenvolvi, pois
[...] ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos ‘a operacionalização de
variáveis’ (MINAYO, 1994, p. 21).
4.2 Seleção dos sujeitos da pesquisa, os critérios e os instrumentos para a coleta de
dados.
Com o propósito de selecionar os sujeitos desta pesquisa, fui até o Departamento de
Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR e pedi à secretária do mesmo, que fizesse um
levantamento dos alunos formados nos dois últimos anos e que, possivelmente, estivessem
atuando em sala de aula. Com a lista de nomes e telefones dos egressos em mãos, entrei em
contato com os mesmos. A escolha dos sujeitos obedeceu dois critérios bem definidos: ser
egresso do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR e ser professor iniciante, isto
é, estar nos três primeiros anos do exercício profissional.
Assim, foram selecionados quatro professores na rede pública de ensino do município
de Rondonópolis-MT. Dois homens e duas mulheres. Com o intuito de que os sujeitos
tivessem autonomia e se sentissem verdadeiros co-participantes, co-produtores desse processo
de investigação, pediram que eles próprios escolhessem os seus pseudônimos: Antônio,
Otávio, Vida e Luíza.
Para a coleta dos dados, foram utilizadas duas técnicas de pesquisa: a entrevista
individual em profundidade, baseada em um roteiro semi-estruturado e um questionário de
caracterização dos sujeitos da investigação. Como orienta a investigação qualitativa, após a
“aplicação” desses instrumentos e, posterior registro, os dados foram organizados, transcritos,
41
codificados e categorizados para que se pudesse proceder ao processo de análise a partir dos
mesmos, tendo em vista o objeto de pesquisa.
Mas em que consiste a entrevista em profundidade? E o questionário de
caracterização? Que técnicas de pesquisa são essas? Com o intuito de clarificar melhor estes
instrumentos, os próximos tópicos pretendem detalhar cada uma dessas técnicas.
4.3 Entrevista Individual em Profundidade e Questionário de Caracterização dos
Participantes da Pesquisa
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação
imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de
informante e sobre os mais variados tópicos (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.34).
Segundo Vergal e Gondim (2001, p.5), a entrevista individual em profundidade tem
como seu ponto forte a questão da “subjetividade”. Sendo assim, é interessante que toda a
interpretação leve em consideração a perspectiva da pessoa analisada. “Sua vida e seu mundo
podem ser entendidos a partir de ‘seus olhos’”. Segundo as autoras, esse tipo de pesquisa é
importante, pois permite um maior aprofundamento da temática e da experiência pessoal do
entrevistado. Nesse sentido, o interlocutor se apresenta como fonte significativa de
informação. Boni e Quaresma (2005, p.12) complementam tal afirmação, salientando que não
podemos perder de vista que os participantes de uma entrevista são selecionados a partir de
um determinado grupo, cujas idéias e opiniões coadunam com os interesses da investigação.
Portanto, “[...] cada instrumento de coleta de dados deve estar intimamente ligado ao
problema de pesquisa”. Destacam também que “[...] uma entrevista bem sucedida depende
muito do domínio do entrevistador sobre questões previstas no roteiro(p.11). Para os fins
desta investigação, o roteiro semi-estruturado da entrevista em profundidade foi pautado nos
seguintes eixos de investigação: 1) a trajetória de vida dos participantes deste estudo; 2) a
formação inicial: o Curso de Ciências Biológicas; 3) as experiências iniciais da docência; 4)
as aprendizagens da docência e o desenvolvimento profissional na fase de ingresso na carreira
docente e 5) o caráter formativo das entrevistas em profundidade.
Cada tema, citado anteriormente, configurou um eixo que agrupava vários
questionamentos, que tinham como “pano de fundo” o propósito de entender como o
professor iniciante foi se constituindo, isto é, “aprendendo a docência” ao passar pelas
instâncias formativas, em especial, na sua fase inicial de profissão.
42
Concomitantemente ao momento das entrevistas, realizei algumas perguntas do
questionário, o qual teve o objetivo de caracterizar os participantes desta investigação. Os
questionamentos deste instrumento versavam sobre aspectos da biografia pessoal dos
envolvidos, bem como aspectos formativos, relativos à educação básica, ensino superior e
exercício do magistério.
Optei pelo roteiro semi-estruturado, porque compartilho da idéia de Gatti (2005, p.35)
que afirma que “[...] a condução menos estruturada, menos diretiva, parece favorecer a
emergência de falas mais densas em relação ao problema discutido, permitindo análises e
teorizações mais profícuas”. A diminuição da diretividade, porém, não significa a anulação do
pesquisador no processo. Também utilizei a gravação em áudio, que foi complementada com
anotações escritas.
Parafraseando Vergal e Gondim (2001), a conjugação de entrevistas em profundidade
e o questionário de caracterização dos indivíduos da investigação, ampliaram as
possibilidades de análise do pensamento dos sujeitos da pesquisa.
Portanto, diante da escolha e aplicação destes instrumentos de coleta de dados, cabe
aqui perguntar: Qual é o perfil dos participantes deste estudo? Como foi a sua trajetória
escolar? Como suas famílias concebiam a escola e os estudos? Como eles reagiram ao serem
convidados a co-participarem desta investigação? Responderei essas e outras indagações no
próximo tópico.
4.4 Participantes da pesquisa
4.4.1 Antônio
Eu sou assim com os meus alunos, aquela aula descontraída onde todo mundo
tem liberdade de falar, eu não sou aquela figura, que repreende que a sala tem que
ficar o tempo todo ali parada, olhando para mim. É uma aula descontraída, às
vezes, rola uma piadinha, uma brincadeira pra “quebrar o gelo”, mas sempre
voltada para o conteúdo e eu tenho conseguido êxito! (ANTÔNIO, p.15).
O professor Antônio é natural de Goiânia, a mãe é baiana e o pai, goiano. Tem 27
anos, sua família está em Mato Grosso mais de 35 anos. Ele vem de uma família de três
filhos: um homem e duas mulheres. Fez o Ensino Fundamental I na Escola Pindorama, o
Ensino Fundamental II na escola Santo Antônio e o Ensino Médio na escola Marechal Dutra.
Iniciou o curso de Ciências Biológicas na UFMT/CUR em 2001 e o concluiu em 2006.
Iniciou sua profissão menos de um ano, lecionando num cursinho comunitário organizado
43
pela Igreja. Atualmente, atua no supletivo da Escola Estadual José Salmen Hanze, à noite, e,
durante o dia, desempenha a função de atendente de sinistro
8
na Corretora de Seguros R.V.
Pretende ser professor do Ensino Superior.
Consegui seu telefone com o professor Otávio, outro sujeito dessa pesquisa. Convidei-
o para ser um dos participantes dessa investigação e ele se prontificou de imediato e, para
minha surpresa, extremamente aberto e entusiasmado por ser um dos entrevistados.
No dia 04/10/2006, encontramo-nos na Corretora de Seguros entre às 15h00min e
15h40. Apresentei a ele, em linhas gerais, o objetivo da investigação e a importância da sua
participação em todo processo investigativo. Ele demonstrou-se extremamente solícito. Iniciei
a pesquisa, aplicando o questionário de caracterização dos participantes, com a finalidade de
traçar o seu perfil. Em seguida, fiz alguns questionamentos acerca da sua formação geral,
antes de começar a entrevista em profundidade propriamente dita.
Ao questionar sobre a sua biografia escolar, constatei que o professor Antônio teve um
início de escolarização meio conturbado, pois ele afirma em seu depoimento: [...] eu era
muito disperso, só queria inventar de fazer desenho ali no caderno e “enrolar” a aula”
(ANTÔNIO, p.9). Chegou até a afirmar que, em alguns momentos, sentia certa aversão aos
estudos: “[...] odiava estudar [...] não gostava de estudar, de a série, eu não tinha prazer
nenhum de estar na escola. Não sentia mesmo! Era uma obrigação [...]” (ANTÔNIO, p.6 e. 9).
Este desinteresse inicial pela escola chegou a comprometê-lo de tal forma, que o
mesmo chegou a ficar retido:
[...] como eu te disse, eu não gostava de estudar, na 4ª série, na Escola P. [...], aí
chegou a 5ª série, não tinha vontade de estudar só bagunçar, bagunçar, bagunça; aí
teve um dia que, chegou o final de ano, percebi que não tinha chance de jeito
nenhum, aí reprovei (ANTÔNIO, p.10).
Com o intuito de ajudá-lo a superar essa “fase de desencontros com os estudos, ele diz:
“[...] meu pai me pegou e me levou para uma escola religiosa, no Santo Antônio”
(ANTÔNIO, p. 6).
Nesse sentido, o pai logrou êxito, já que, segundo o professor Antônio, essa escola lhe
proporcionou momentos inesquecíveis. Foi ali que ele passou a tomar gosto pelos estudos.
Segundo ele, os conteúdos eram trabalhados de forma contextualizada e significativa, e a
leitura de forma prazerosa:
8
É o profissional que faz as ocorrências de prejuízos em automóveis, vida, empresa e residência para a
seguradora.
44
[...] era teatro nas aulas de História, aprendia através do teatro, e a escola
incentivava muito isso, Português, Literatura a gente lia muito literatura clássica, o
tanto é que eu tenho vários livros em casa. fui pegando gosto pela leitura,
criou aquela vontade de dentro de mim de estudar mesmo [...] (ANTÔNIO, p.11).
Pelo fato de a escola trabalhar dessa forma, Antônio desenvolveu uma grande
afetividade por este espaço de aprendizagem, pois, segundo ele: “[...] é uma escola que eu
comento em todo lugar, [...] que eu levo no meu coração, porque era uma escola que
incentivava muito a questão da cultura” (ANTÔNIO, p.6).
O professor Antônio fez questão de frisar quão importante fora receber o estímulo à
leitura nessa escola e declara que isto o auxiliou a “descobrir” o prazer pelos estudos.
[...] lá, aluno de série tinha que ler livro de literatura clássica, assim, que tem
gente que até hoje não consegue ler [...] isso foi muito importante pra mim porque
eu peguei um gosto muito grande pela leitura e vontade de estudar mesmo [...]
(ANTÔNIO, p.6).
É importante o relato do professor Antônio em relação a esta vivência educacional,
pois “[...] boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor
e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida, principalmente de sua
socialização enquanto aluno (TARDIF, 2002, p.68)”. Sendo assim, possivelmente, isto terá
“peso”, influência na forma como o mesmo se porta, diante dos seus alunos e do ensino.
Ele afirma ainda que, mesmo os seus pais não tendo uma escolarização básica
completa, a preocupação com os seus estudos era algo muito presente:
[...] a prioridade para eles eram os estudos [...] a preocupação muito grande com o
estudo nosso, sabe, aquela situação assim, ele (o pai) viu que a gente não tava
estudando ou tirava nota baixa, ele ficava triste, desapontado [...] sempre buscava
incentivar para que melhorasse. Ela (a mãe) sente muito orgulho, ela sempre
incentivava de ver a gente ali buscando estudar, aí incentivava, incentivava e
falava, continua buscando e quando a gente relaxava um pouquinho a cobrança
vinha mais dela; ela cobrava mesmo; vai estudar, aí, aquela figura que sempre
procurava saber o que o filho estava fazendo, se estava fazendo as tarefas, se estava
estudando para uma prova, não tinha “enrolação” com ela (ANTÔNIO, p.6-7).
Mesmo com algumas limitações intelectuais”, o incentivo aos estudos era algo
valorizado e estimulado pela família: “[...] meus pais, mesmo, não tiveram grau de instrução,
estudo; mas sempre buscaram o melhor pra mim, pra minhas irmãs, e sempre me
incentivaram muito” (ANTÔNIO, p.6).
O professor Antônio possui uma trajetória inicial de escolarização um tanto
conflitante, no entanto foi interessante perceber que ele não se deixou abater diante das
45
dificuldades. Prosseguiu os estudos e, hoje, é professor num grupo de E. J. A Educação de
Jovens e Adultos e se diz realizado com a profissão que desempenha.
4.4.2 Otávio
[...] pra mim dar uma boa aula hoje; uma aula prática, eu tiro do bolso, eu faço o
papel do Estado [...] como formador de opinião que você é, você sabe que, muitas
vezes um cargo político tem implicação e influência numa geração inteira
(OTÁVIO, p.21).
O professor Otávio tem 31 anos. É filho de mãe cearense e pai pernambucano. Seus
pais, radicados em Rondonópolis mais de 30 anos, têm 6 filhos (4 homens e 2 mulheres).
O pai é analfabeto, e a mãe foi professora primária na zona rural por aproximadamente 10
anos. Além de Otávio, uma irmã também seguiu os mesmos passos da mãe, pois se formou
em Pedagogia.
O entrevistado fez o Ensino Fundamental e o Médio na escola José Moraes. Iniciou o
curso de Ciências Biológicas na UFMT/CUR em 2000 e o concluiu 2004. Atualmente faz
pós-graduação em Ecoturismo pela Universidade On-line de Viçosa. Acumula uma dupla
jornada de trabalho. Durante o dia, é farmacista, isto é, atendente em uma farmácia local e, à
noite, é professor de Biologia na mesma escola em que cursou o Ensino Médio.
Entrei em contato com o professor Otávio pelo telefone cujo número conseguira no
departamento de Ciências Biológicas. Expliquei a ele, em linhas gerais, os propósitos dessa
investigação e marcamos a nossa primeira entrevista que me foi concedida na farmácia no dia
04/10/2006 por volta das 11h da manhã. Confesso que o primeiro contato foi um tanto
tumultuado, pois eu o entrevistava ao mesmo tempo em que ele trabalhava. Sendo assim, a
entrevista foi interrompida diversas vezes, o que, posteriormente, até dificultou o processo de
transcrição das falas. Isso em parte por causa das interrupções, em parte por causa do barulho
de carros na rua e fluxo de pessoas na própria farmácia.
No princípio da entrevista, tive a sensação de que o Otávio estava meio tímido,
nervoso. Pelas suas primeiras falas, percebi que estava sempre na defensiva. No entanto, no
transcorrer do processo, tive a impressão de que o mesmo estava mais à vontade. Gravamos
aproximadamente uns 20 minutos de entrevista e acordamos marcar a próxima após a
transcrição desta primeira.
46
Ao contrário dos demais participantes dessa pesquisa, a mãe do professor Otávio fora
professora primária, numa escola da zona rural, fato que lhe serviu de modelo de docência: “A
influência maior que eu tive foi da minha mãe, ela era professora [...]” (OTÁVIO, p.18).
Portanto, o primeiro convívio com o mundo da leitura e da escrita foi de certa forma
mais natural. Otávio disse que o contato com o ambiente escolar e os estímulos que a sua mãe
proporcionava, ajudou-o a adquirir habilidades que auxiliaram na sua inserção na escola:
Minha e pelo fato de ser professora e, por não ter com quem ela me deixar, ela
me levava para sala de aula, eu brincava com restos de giz, estas coisas [...] e tinha
loucura para aprender a ler [...] minha mãe começou a comprar gibi, turma da
Mônica, Cascão, Tio Patinhas, Almanaque, e eu sempre pedia pra ela ler pra mim
[...] quando eu entrei na sala de aula eu sabia ler, eu tinha coordenação
motora, levava certa vantagem em relação aos outros alunos. A minha mãe foi a
minha maior incentivadora, o meu espelho, foi a minha mãe (OTÁVIO, p.18).
Apesar de a sua mãe ser professora, Otávio diz que a cobrança em relação aos estudos
foi algo que ocorreu de maneira fluida, tranqüila, natural, isto é, não havia uma pressão
insistente e desgastante para que ele estudasse e prosseguisse com os estudos, conforme p.19:
“Minha mãe sempre falava, mas nunca impôs: vai estudar! Ela falava assim, pelo menos
termina o 2º grau [...]”.
O professor Otávio, a meu ver, possui uma biografia escolar que, a exemplo dos
demais participantes, também não foi muito fácil, pois teve que parar de estudar uma época, a
fim de garantir o sustento da família, conforme relatado à p. 19: “Aos nove anos por motivo
de trabalho tive que parar de estudar, parei de estudar e não fiquei contente, porque o trabalho
me consumia e não dava tempo para nada”.
Em relação à escolha da profissão, Otávio revelou que tinha muita vontade de fazer
Medicina, mas, na época, as “condições materiais de existência” não permitiram. Então, por
“falta de opção”, aqui subentendida como falta de condições financeiras para atingir este
objetivo, decidiu fazer Biologia:
Sempre gostei muito de Biologia, gosto de Biologia! E sempre quis ser médico, eu
decidi ser biólogo, fazer o curso de biologia, até por “falta de opção”, mas depois
eu descobri que era apaixonante e me envolvi (OTÁVIO, p.21).
Nesse sentido, Marx apud Lima (2003, p. 79) afirma que “os homens fazem sua
própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de sua escolha
e sim sob aquelas com que se defrontam diariamente, ligadas e transmitidas pelo passado”
[grifo meu]. O mesmo se aplica às condições de trabalho precárias, ao que o professor Otávio
diz enfrentar na escola em que trabalha:
47
[...] é muito difícil trabalhar Biologia, falar de célula, falar de vida microscópica,
falar de uma alga, de um inseto, se você não tem um microscópio, por exemplo, se
você não tem uma sala de vídeo. Nós somos muito carentes nisso” (OTÁVIO, p.19).
No entanto, sob outro prisma”, os estímulos maternos mais o seu empenho pessoal
são perceptíveis e contribuíram para que ele tivesse uma inserção harmoniosa na profissão,
fatores que o auxiliaram a constituir-se professor, na escola em que ele mesmo um dia
estudou.
4.4.3 Vida
E pra docência, eu tive influência da minha irmã; quando eu era criança ela era
professora. Então, eu via ela trabalhando e achava interessante (VIDA, p. 25).[...]
se você não ama a docência, você não vai ser um bom professor nunca (VIDA, p.
39).
Na época em que realizei a primeira entrevista com a professora Vida, ela estava há,
aproximadamente, 10 meses no exercício da docência. Ingressou na profissão trabalhando
com a Educação de Jovens e Adultos – EJA na Escola Alfredo Marien.
Durante a faculdade, estagiou por 15 dias na escola Marechal Dutra e acabou
assumindo a turma. A professora Vida é de uma família de paulistas que está mais de 40
anos no Mato Grosso. Seu pai é de Araçatuba SP, e sua mãe de Fernandópolis SP, ambos
analfabetos. Ela é a caçula de quatro irmãos, sendo que um deles, isto é, uma de suas irmãs, é
professora há mais de 20 anos.
Vida cursou o Ensino Fundamental em duas escolas: Escola Adolfo Augusto de
Moraes e Escola José Antônio da Silva e o Ensino Médio na escola Major Otávio Pitaluga,
todas da rede pública.
Iniciou sua graduação em Biologia pela UFMT/CUR em 2001 e a conclui em 2005.
Também, a exemplo dos demais participantes, entrei em contato com ela, através de um
número de telefone fornecido pelo Departamento de Biologia da UFMT. Vida mostrou-se
extremamente solícita tão logo soube dos objetivos desta investigação. A primeira entrevista
foi-me concedida em sua residência, no dia 02/01/2007, por volta de 14h30. Num primeiro
momento, fiz questionamentos gerais acerca de sua biografia pessoal; apliquei o questionário
de caracterização dos participantes da investigação e iniciei a primeira etapa de entrevistas.
A professora Vida é extremamente comunicativa, fala com fluência e relata com
detalhes sobre as argüições que lhe foram realizadas. Ao ser questionada sobre referenciais
48
para a “opção” pela docência, ela menciona a figura da irmã que, como disse anteriormente, é
professora mais de 20 anos. No entanto, Vida afirma algo que é importante salientar:
segundo ela, apesar de os pais serem analfabetos, o estímulo maior para o prosseguimento e
valorização dos estudos veio deles:
[...] na questão da influência de incentivo ao estudo, isso eu tive muito da minha
mãe e do meu pai mesmo; meu pai sendo analfabeto e a minha mãe sendo uma
analfabeta funcional. Meu pai nem assina o nome dele, e a minha mãe muito pouco;
ela falava assim: tem que estudar. Então quando eu chegava da escola, ela
perguntava: - você tem tarefa pra fazer? Mesmo se eu pegasse o caderno e tivesse
um monte de tarefa ou sem nenhuma tarefa, ela não ia saber se tinha ou o tinha
tarefa, mas ela falava: - Vida vai fazer tarefa; Vida vai estudar pra prova! Sem
saber como eram as coisas, mas me mandava fazer (VIDA, p. 25-26).
Inclusive Vida destaca que, o valor que seus pais davam à escola e aos estudos era tão
grande que, na visão deles, o estudo seria capaz de promover a construção” de um sujeito
bem sucedido na sociedade:
[...] desde pequena eu fui influenciada a estudar, estudar, estudar, pra ser alguém
na vida; tinha que estudar; tinha duas opções ou você estudava para ser alguém na
vida ou não estudava e não ia ser nada! [grifo meu!] (VIDA, p. 25).
Em relação aos estudos, ela disse que não teve grandes problemas no seu início de
escolarização, pois adorava estudar:
[...] quando eu fui estudar, eu era muito pequenininha [...] naquela época eles
pegavam alunos com [...] sete anos. Eu lembro que quando ia fazer a minha
matrícula, [...] eu ergui os “pezinhos” e dizia: - não eu grande! Eu grande!
[...] a minha paixão era ir pra escola porque eu ficava muito sozinha em casa; todo
mundo já era adulto. O dia que eu cheguei na escola, a escola estava de greve, aí eu
chorei, chorei, chorei, queria estudar e não ia ter aula na escola (VIDA, p. 28).
Mas, mesmo gostando do ambiente escolar e dos estudos, algumas vezes seus
responsáveis precisaram ser chamados à escola, porque “[...] eu era muito conversadora, eu
não parava quieta, eu falava muito e, em vez em quando, a minha mãe era chamada na escola”
(VIDA, p. 29).
Ao concluir o Ensino Médio, a escolha do curso de graduação ainda não estava bem
delineada:
[...] o que eu queria mesmo era Jornalismo até comecei a fazer um vestibular
seriado na época em Brasília, mas não deu certo (VIDA, p. 27).
Ah! Não sei se quero dar aula, mas eu pensei: se eu fizer Letras vou ter que dar
aula, pois não tem como ir pra fora pra fazer Jornalismo; os outros cursos são tudo
pra licenciatura. [...] fiquei pensando, aí pensei na Biologia. Bom; a Biologia você
entra pensando, ah! Eu poderei trabalhar em laboratório, na pesquisa, nisso,
49
naquilo. Então pensei, vou fazer Biologia porque não tenho a opção de dar
aula. eu fiz o vestibular pra Biologia e fui muito bem classificada e comecei no
ano seguinte (VIDA, p. 39).
No que diz respeito à docência propriamente dita, ela menciona a figura das irmãs
como um importante referencial de formação; mas, mesmo assim, acredita que a docência é
um “dom”, algo próprio da personalidade, isto é, alguma coisa inata ao sujeito:
[...] e minha irmã é professora mais de 20 anos; é ela que me influenciou [...]
(VIDA, p. 25).A minha irmã mais velha é professora! E a minha outra irmã está
terminando Matemática (VIDA, p. 27).E eu acho que esta questão da docência você
nasce pra ser ou não professor (VIDA, p. 26).
Em relação a essa concepção inatista do “ser professor”, Tardif (2002. P.78) nos
adverte que
[...] quando os professores atribuem o seu saber-ensinar à sua própria
“personalidade” ou à sua “arte”, parecem estar se esquecendo justamente de que essa
personalidade não é forçosamente “natural” ou “inata”, mas é, ao contrário,
modelada ao longo do tempo por sua própria história de vida e sua socialização.
Inclusive Vida, quando pequena, teve uma experiência “simbólica” com a profissão
docente que vale a pena ser ressaltada:
Eu lembro de uma vez que eu não estudava mais na escola, ela (a irmã) tava
tomando leitura das crianças e pediu pra eu tomar conta da turma que ela havia
tomado a leitura, eu ficava com a turma que já tinha feito e ela ficava com os outros
[...] (VIDA, p.26).
A este respeito Tardif (2002, p.77) afirma que “em certos casos, tais experiências são
suficientes para ter determinado a escolha da carreira”. Nessa mesma perspectiva, este autor
cita a pesquisa de Raymond, Butt e Yamagishi (1993 apud TARDIF, 2002) em que estes
pesquisadores apresentam como síntese de suas investigações sobre algumas “autobiografias
de professores” analisadas que “[...] experiências realizadas antes da preparação formal para o
magistério levam não somente a compreender o sentido da escolha da profissão, mas influem
na orientação e nas práticas pedagógicas atuais dos professores e professoras” (TARDIF,
2002, p. 73).
Nas entrevistas que se sucederam, a professora Vida disse-me que a docência não foi à
primeira vista uma “opção deliberada”; porém, ao se permitir exercer esta profissão, gostou
tanto que chegou à conclusão de que, para melhor exercê-la, o sujeito precisa realmente
gostar, amar, ter prazer naquilo que faz.
50
4.4.4 Luíza
Eu pego muitas dicas de alguns professores, muitos dizem: - você entra com
uma cara assim; não fica mostrando os dentes, você entra com a cara do
capeta e sai com a cara do diabo (risos). que eu não consigo ser sempre
assim, às vezes eu faço alguma dinâmica, para ser um pouco amiga também,
pra não ter muitos problemas [grifo meu!] [...] (LUIZA, p. 48).
A professora Luíza foi a primeira participante com quem mantive contato para a
realização desta pesquisa, pois fomos colegas de trabalho cerca de dois anos numa instituição
privada de ensino a escola Khalil Zaher. Período em que pudemos “trocar”, “partilhar”
várias experiências acerca do ensino de Ciências Naturais no Ensino Fundamental. Gostaria
de sinalizar que tanto em relação a essa “troca de experiências” quanto aos conselhos e dicas
que a professora Luíza diz “pegar” de alguns professores no trecho acima citado, Tardif
(2002, p.52) nos lembra que:
É através das relações com os pares e, portanto, através do confronto entre os
saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes
experienciais adquirem uma certa objetividade: as certezas subjetivas devem ser,
então, sistematizadas a fim de se transformarem num discurso da experiência capaz
de informar ou de formar outros docentes e de fornecer uma resposta a seus
problemas.
Portanto, essa relação de trabalho com Luíza foi de extrema importância, pois pude, no
decorrer desse tempo, situar a respondente sobre as metas a serem alcançadas com este
processo investigativo.
Luíza tem 25 anos, é filha única, seu pai, falecido, é de Goiás, e sua mãe de Dom
Aquino/MT. Vem de uma família em que a presença da docência é significativa, pois alguns
primos são professores de disciplinas como: Português, Inglês, Biologia, etc. Durante os
nossos diálogos, ela uma ênfase especial sobre o magistério, ao mencionar a figura de sua
madrinha que também é professora, formada em Pedagogia.
Seu processo de escolarização, tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio ocorreu
na Escola Dom Wunibaldo, em Rondonópolis-MT. Iniciou o curso de Biologia na
UFMT/CUR no ano 2000 e o concluiu em 2004. Após a graduação, Luíza fez vários cursos de
extensão, cujas temáticas foram: Educação Ambiental, Entomologia, Alimentação Saudável,
entre outros; atualmente, leciona para o Ensino Fundamental na Escola São José Operário.
51
Nossa primeira entrevista aconteceu em sua residência, no dia 26/01/2007, por volta
das 14h30min. A professora Luíza demonstrou tranqüilidade durante este primeiro contato,
provavelmente, pelo fato de já nos conhecermos. Ela respondeu prontamente a todos os
questionamentos realizados, inclusive, foi detalhista em suas respostas, respondendo a tudo de
forma bem descontraída e alegre. A gravação desta primeira etapa da entrevista foi de
aproximadamente 20 minutos. Ficamos de nos encontrar novamente assim que eu concluísse a
transcrição dessa etapa.
Segundo Luíza, o incentivo aos estudos foi, principalmente, de sua mãe, tendo em
vista que o seu pai faleceu quando ela era bem novinha:
A minha mãe não desejava que eu fosse professora, mas dava o apoio pra que eu
estudasse; ela sempre foi um pai, uma mãe; sempre arcou com tudo, né! Ela até
queria ter dado muito mais, que eu tivesse feito até outro curso fora, mas a gente
não podia, né! (LUÍZA, p. 42).
Luíza afirma que a mãe sempre a incentivava em relação aos estudos, os estímulos
para que ela se apropriasse do universo da leitura de forma lúdica e com prazer: “Minha mãe
contava histórias, cantava, eu era muito paparicada. Muito paparicada, Eduardo! (risos)
(LUÍZA, p. 42).
Uma figura importante que ela ressalta como referência de docência e de valorização
aos estudos é a sua madrinha que, inclusive, influenciou outras pessoas da família:
[...] a minha madrinha sempre [...] deu o maior apoio, tanto é que ela me deu livros,
é através dela que eu gosto da leitura, que eu gosto de ler, então o apoio foi assim;
o tanto que nem eu queria muito ser professora, depois foi entrando na cabeça, né!
(risos) [...] e ela tava me dando o maior apoio e me ajudava muito, até
financeiramente muitas vezes; ela me dava uma mão, pra tudo! Ela é um amor
(LUÍZA, p. 41). E tanto que a minha prima prestou pra Pedagogia por influência
dela (LUÍZA, p. 41).
Nessa mesma perspectiva, as pesquisas de Lessar & Tardif (1996, p.76), citadas pelo
próprio Tardif (2002, p.76), apontam que “muitos professores especialmente mulheres,
falaram da origem familiar da escolha de sua carreira, seja porque provinham de uma família
de professores, seja porque essa profissão era valorizada no meio em que viviam. Encontra-se
aqui a “mentalidade de serviço” peculiar a certas ocupações femininas”.
Diante dos relatos apresentados pelos participantes, a mim ficou perceptível que a
escola continua sendo encarada, por boa parte dos indivíduos, como uma possibilidade de
“ascensão social”, o que podemos visualizar também nos dados apresentados abaixo:
52
Porque ela (a mãe) buscava em mim aquilo que ela não teve; ela sente falta disso;
até hoje ela comenta; então, aquilo que ela não teve, ela queria que a gente tivesse;
se a gente relaxa um pouquinho, ela buscava caminhos para que a gente pudesse
perceber o quanto isso era importante no futuro [...]ela abuscava professores
particulares pra mim! [grifo meu!] (ANTÔNIO, p.7).
[...] desde pequena eu fui influenciada a estudar, estudar, estudar, pra ser alguém
na vida tinha que estudar, tinha duas opções: ou voestudava para ser alguém
na vida ou não estudava e não ia ser nada! [grifo meu!] (VIDA, p. 25).
[...] o meu maior incentivo foi minha e. Porque eu via toda a batalha dela assim
pra trabalhar, para dar estudo, que eu quis ser alguém na vida e gostava de dar
aula, então foi ela que teve influência assim, ativa, foi a dela! [grifo meu!] (VIDA,
p. 27).
Nesse sentido, os “estudos escolares” convertem-se em instrumentos significativos
que, possivelmente, proporcionarão, na visão dos entrevistados, a minimização das diferenças
sócio-econômicas, ainda tão presentes na sociedade contemporânea.
Mas o que nos “disseram” dados das entrevistas ministradas? Que outros elementos
investigativos surgiram ao analisá-los detidamente? Que experiências de vida aconteceram,
que colaboraram na constituição do perfil de professores que os participantes da pesquisa são
hoje? Como suas famílias concebiam a escola e os estudos? Que relevância a escola e os
professores tiveram na sua trajetória formativa como educador? Como eles estão se
constituindo como educadores?
53
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Após ter gravado as entrevistas, fiz a transcrição da fala de cada um dos participantes
e, posteriormente, iniciei o processo de codificação e agrupamento de dados como
preconizam Bogdan e Biklen (1994).
É importante relembrar que tive como eixos norteadores para as entrevistas em
profundidade os seguintes temas de investigação: 1) a trajetória de vida dos participantes
deste estudo; 2) a formação inicial: o Curso de Ciências Biológicas; 3) as experiências iniciais
da docência; 4) as aprendizagens da docência e o desenvolvimento profissional na fase de
ingresso na carreira docente e 5) o caráter formativo das entrevistas em profundidade. No
entanto, quero lembrar ainda que, dentro destes quatro grandes núcleos temáticos, no decorrer
das entrevistas, mais precisamente no momento das análises, foram emergindo
subtemas/subcategorias, que me chamaram a atenção pela freqüência com que elas
apareceram nos dados e que, também, de certa forma, coadunavam com a proposta desta
investigação. Portanto, as mesmas também foram contempladas nas análises a seguir, o que
na minha “modesta” opinião enriqueceu ainda mais o trabalho. Mas, mesmo assim, é
importante reiterar ao leitor que “o fio condutor” das análises e da ordenação dos dados está
orientado pelas quatro grandes categorias explicitadas anteriormente.
5.1 Trajetória de vida dos participantes deste estudo
“[...] o aprendizado da docência, é um processo longo e contínuo que se mesmo
antes de o indivíduo tornar-se professor” (GUIMARÃES, 2006, p. 7)
Ao procurar entender os motivos que levaram os participantes desta investigação a
optar pelo curso de Ciências Biológicas e como os mesmos foram se constituindo como
professores nesta área, propus-me a fazer questionamentos que tivessem relação com suas
infâncias, principalmente no que tange ao contato que eles tiveram com a natureza, tendo em
vista que a Biologia, grosso modo, é uma ciência voltada essencialmente, entre outras coisas,
para os fenômenos naturais.
Nesse sentido, o professor Antônio, por exemplo, diz ter ótimas lembranças de
infância em relação à natureza, inclusive, destaca o avô como um preceptor que o ajudou nas
suas experiências mais profundas com esta realidade: E desde pequeno eu lembro do meu
54
avô. [...] daquela figura que me ajudava nas minhas loucuras. Pra você ter uma idéia eu
colecionava lagarta de fogo!”(ANTÔNIO, p.8).
Foi uma experiência tão intensa com o mundo natural que, segundo ele, de certa forma
o ajudou a decidir pelo curso ao rememorar a sua infância:
[...] eu gostava de trabalhar com bicho, desde pequeno uma coisa que eu sempre
tive comigo assim; por isso que eu me identifique tanto com a Biologia. Quando eu
entrei ali, eu disse não sei se é o que eu quero, mas aí passou o primeiro ano e eu
comecei a pensar, a voltar mesmo na infância, e falei: Pôxa! É o que eu sempre
gostei (ANTÔNIO, p.8).
Dentre os seres vivos que ele teve contato, a sua maior identificação foi com os
animais (cachorro, cavalo, lagarta de fogo, etc), nesse sentido, manifestou na infância o desejo
de ser veterinário:
[...] eu falava que queria ser veterinário, toda criança fala que quer ser veterinário,
né! [...] desde pequeno gostei de mexer com insetos, com bichos, era uma criança
meio maluquinha! (ANTÔNIO, p.8).
Assim como o professor Antônio, a infância de Otávio também foi permeada de
experiências significativas em relação à natureza, como declara: “Foi muito bom! Banho de
rios, caminhada, andava a cavalo, na fazenda, né! Matei passarinho, fiz de tudo! Tudo o que
podia e não podia [risos]” (OTÁVIO, p. 21).
A sua identificação com o mundo natural foi tanta que o mesmo manifesta
deliberadamente a preferência por uma vida mais do campo do que uma vida mais urbana,
afirmando que essas experiências o influenciaram na opção pela Biologia:
Se você me perguntar: - você quer ir para um grande centro ou para o meio do
mato? Eu quero ir para o meio do mato! A Serra da Petrovina, eu acho fantástica!
Eu acho que a infância na fazenda, influenciou muito! [grifo meu!] (OTÁVIO,
p.22).
A professora Vida teve uma infância com estreita ligação com os ecossistemas
naturais, porém na sua fala, ao contrário dos outros entrevistados, não percebi uma resposta
tão convincente no sentido dessas experiências terem influenciado na “opção” pelo curso:
[...] todas as minhas férias escolares eu ia ficar com o meu pai, o meu pai toda a
vida morou em fazenda, e eu ia pra ficar na fazenda junto com ele, ele mora num
lugar lindo até hoje próximo do rio, então eu tive muito contato com a natureza [...]
subi em de pequi, em de manga, corri atrás dos cachorros dele, ia no rio,
essas coisas assim eu tive muito. Talvez
seja até por isso que eu tenha escolhido o
curso de Biologia [grifo meu!] (VIDA, p. 27).
55
a professora Luíza declara ter tido experiências com a natureza, no entanto afirma
que “a opção” pelo curso não se circunscreve a este contexto:
Eu ia pra fazenda de uma amiga, amava fazer bonequinha de milho. A gente
acordava cedinho pra tomar o leite direto da vaca, mas o tinha aquele contato
direto, direto. Não optei pelo curso por este lado não! (LUÍZA, p. 44-45).
Pude constatar que alguns entrevistados disseram ter optado pelo curso, tendo em
consideração este contato com o “mundo natural”, mas como foi perceptível uns com maior
intensidade e outros com menor intensidade.
Outro aspecto, que a mim ficou visível, ao analisar os dados referentes à trajetória de
vida dos participantes desta investigação, em especial sobre o processo de escolarização, foi a
relevância que eles atribuíram a “afetividade” na prática pedagógica.
No entanto, ao mesmo tempo em que isso “saltava aos meus olhos”, os meus “ranços”
de uma ciência pautada na objetividade, na ilusão da neutralidade, na racionalidade e frieza
científica impediam-me de considerar esta temática para abordá-la nesta dissertação. Nesse
sentido, Morin (2001) diz que:
De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso
dizer que no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o
desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da
curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou
científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-
lo (MORIN, 2001, p. 20)
Portanto, ao retomar leituras realizadas, ao refletir sobre a afetividade no processo
educativo e confrontar esta temática com a minha prática de quase 10 anos de docência, a
minha consciência fez-me reconsiderar este dado e também a discuti-lo neste trabalho, pois
como Freire (1996):
[...] preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem de querer bem
aos educandos e à própria prática educativa de que participo. Esta abertura ao querer
bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem a
todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade não me
assusta, que não tenho medo de expressá-la. [...] Na verdade, preciso descartar como
falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade. Não é certo,
sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais
severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os
meus alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar (FREIRE, 1996, p.
141).
56
Ainda sobre este aspecto, Freire (1996, p.141) afirma: a afetividade não se acha
excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade
interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade.”
Nessa perspectiva, o professor Antônio diz que tem lembranças de professores que
marcaram a sua trajetória educacional pela forma com que era tratado:
[...] tem uma professora que eu nunca me esqueci dela; toda vez que ela me
encontra na rua, assim bem de idade, ainda lembra de mim; eu chamava ela de tia
Nadir, ela me incentivava a estudar [...] Aquela “mãezona”, ao mesmo tempo
“vozona”, sempre incentivando [...], passou anos, e eu grande, adulto, ela ia na
minha casa, cameu aluninho e tal! Aquela coisa assim bem gostosa de guardar
(ANTÔNIO, p.9-10).
Nesse sentido, ele destaca em seu depoimento que foi a postura de uma educadora em
relação a ele, que o fez mudar de atitude em relação à forma como concebia os estudos:
[...] a irmã Ivone (religiosa) foi uma pessoa que marcou muito na minha vida; o
primeiro dia de aula me levou para a sala dela, e eu fiquei o dia inteiro na sala da
diretora, e sermão, e sermão. E a partir daquele ano, eu percebi que eu tava
prejudicando a mim mesmo, que eu não ia chegar a lugar nenhum e que isso ia
fazer falta na frente. Ela falou que eu era capaz [...] que eu tinha que mostrar o
verdadeiro potencial que eu tinha dentro de mim. Aí a partir daquele ano, eu
consegui me destacar, e me tornei como destaque, o melhor aluno da escola [...]
[grifo meu!] (ANTÔNIO, p.11).
[...] ela demonstrou por mim um carinho, que depois de tudo o que eu fiz, as coisas
que eu aprontei na sala de aula. O carinho de mãe mesmo assim, sabe? Me levou
adiante [grifo meu!] (ANTÔNIO, p.12).
Ao ser questionado sobre a forma como ele se portaria com os alunos no processo
ensino-aprendizagem, Antônio (p.12) diz “[...] eu seria da mesma forma que eu sou hoje... é,
é..., pai, amigo, companheiro, mesmo sendo mais novo [...] estaria ali como amigo, falando
que ele poderia contar comigo e descontraído, aula rende mais [...]”.
O professor Otávio, ao se lembrar dos professores que marcaram a sua escolarização,
declara que gostava muito da interação professor-aluno, principalmente, na hora do recreio, o
que, agora como professor, pretende colocar em prática. Segundo ele, essa interação é uma
oportunidade ímpar de aproximar-se dos alunos para conhecê-los melhor:
[...] eu me espelhei nele para dar aula (um professor de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental), ele não era aquele professor de terminar a aula e dar o
intervalo e ir pra dentro da sala dos professores; era um professor que ficava
batendo papo com o aluno no corredor. Eu sempre achei isso legal; é uma coisa que
eu faço hoje é...é... conversar e ouvir o aluno (grifo meu!) (OTÁVIO, p. 19).
57
[...] lembro dos professores participando do intervalo, mesmo! A Raquel, era
professora de Matemática. No intervalo cansei de vê-la organizar brincadeiras com
os alunos, isso não era função dela! Cansei de ver alguns professores na cantina,
organizando momentos para brincar (OTÁVIO, p.23)
a professora Vida se lembra com saudade de uma professora de Português,
principalmente pela forma como ela trabalhava:
No primeiro ano, a professora que mais me marcou foi uma professora de
Português. Essa sim! Acho que eu nunca vou esquecer. Era uma senhorinha de
cabeça branca, o nome dela é Terezinha. Ela entrava na sala todos os dias; era
metódico; não mudava. Ela entrava séria, sentava no centro, antes ficava em no
meio da sala e dizia: Pronto?! E todo mundo: Pronto! E ela: Então vamos
(todo mundo levantava). Então vamos fazer a nossa oração. Ela fazia a oração e
pedia que o dia fosse bom, que Deus iluminasse que a gente estudasse bem, todo
mundo sentado e assim; não podia estar meio centímetro fora do alinhamento. Todo
mundo enfileirado, ela abria o livro e começava a dar aula, mesmo sendo tão
antigo este método dela, ela tinha um carisma o grande quando falava, quando
estava explicando que ninguém queria desobedecer ao que ela pedia. Se você
ficasse sem fazer uma tarefa que ela pedia pra casa, você não precisava ir na escola
no outro dia. Porque se você fosse, não precisava entrar na aula dela, acho que nem
era medo dela, mas era medo de desagradar ela. Muito boa ela, muito boa! E ela
passava o conteúdo assim com uma propriedade, com certeza do que ela estava
fazendo; era português e literatura. Quando ela começava a recitar os poemas na
sala, ela chorava, mostrava que tinha amor por aquilo que ela estava fazendo. Eu
acho que ela deve ter se aposentado porque, na época ,ela disse que estava em
processo de aposentadoria. [grifo meu!] (VIDA, p. 35).
Vida relembra um episódio de suma importância que ainda está gravado em
sua memória:
[...] agora me lembrei que uma vez a professora pediu pra fazer uma redação sobre
o bairro; [...] o Atlântico, a questão era muito precária ainda, não tinha asfalto, as
ruas não eram pavimentadas e eu fiz uma redação muito legal assim, que depois ela
pediu para eu ir ler na frente da classe toda, e eu amei ser chamada lá na frente pra
ir fazer a leitura (VIDA, p. 30).
No entanto, se, no quesito afetividade, alguns professores marcaram positivamente a
trajetória escolar dos participantes dessa investigação, houve também os que deixaram suas
“marcas” negativas pela falta de afeto:
Eu tava fazendo um exercício no quadro, nunca me esqueci disso, foi na série,
e...e...ela puxou a minha orelha” porque eu errei o exercício, e aquilo me deu uma
revolta muito grande [...] Pôxa! Como uma criança vai lembrar disso? Mas isso
me marcou! [grifo meu!] (ANTÔNIO, p.9).
[...] eu tinha uma outra professora, que dava tudo pra eu desistir, porque ela era
aquela pessoa “carrasca”, que toda criança um dia imaginou ter, eu tive,
principalmente porque ela puxou a minha orelha, nossa! Aí eu queria largar de
estudar totalmente (ANTÔNIO, p.9).
58
Perguntado qual seria sua postura hoje na condição de professor diante de um caso
semelhante, Antônio (p.15) afirma: “[...] eu não faria o que aconteceu comigo, no caso de
cometer um erro e a professora em vez de mostrar onde eu errei e tentar me ajudar, puxar a
minha orelha.”
A professora Luíza relembra um dia em que foi à lousa para resolver um exercício de
Matemática, sem imaginar que seria extremamente humilhada pela professora diante de todos
os seus colegas:
Ela expunha muito os alunos, ela gritava; não ela; tinha outros professores que
gritavam muito com a gente; brigavam por qualquer coisa, expor dessa forma. Se
eu fosse outro aluno, talvez jamais voltaria, né? Sabendo poderia ter ensinado de
uma outra forma, né, não sabendo se eu o sabia, me levando na frente, né, na
frente de todos os meus amiguinhos, né, é uma aula que eu faria jamais! [grifo
meu!] (LUÍZA, p. 45).
Tanto a professora Vida quanto o professor Antônio ressaltaram em seus depoimentos
a importância de o professor acreditar no potencial do aluno e de estimulá-lo a demonstrar as
suas habilidades: “Porque muitas vezes, você, ao estimular aquele aluno a descobrir onde ele
errou, ele iria tomar gosto por aquilo” (ANTÔNIO, p.11).
Diante do exposto, penso ser importante salientar ao leitor que afetividade no processo
ensino-aprendizagem o deve ser concebida numa visão apolítica, acrítica, muito menos
desvinculada de uma intencionalidade educativa. A afetividade deve ser concebida, como um
acolhimento social, como um mecanismo que, aliada a outros aspectos como domínio de
conteúdo, metodologia adequada, respeito aos saberes dos educandos, interação entre
professor e alunos, poderá proporcionar uma aprendizagem com significado. Nesse sentido, o
professor deve ter competência para ordenar pedagogicamente os elementos de relações com
o conhecimento e os estudos que levam em consideração as experiências dos alunos. Enfim, o
professor deve proporcionar no cotidiano da sala de aula a cultura do diálogo e da alteridade
(CARVALHO, 2005).
Outro dado que apareceu com certa freqüência nos resultados dessa pesquisa foi a
dificuldade que os participantes disseram apresentar em relação à “aprendizagem da
Matemática”. Antônio, por exemplo, foi reprovado em Matemática e por isso tinha aversão a
essa área do conhecimento:
59
Matemática! Eu odiava Matemática (ANTÔNIO, p.9-10).
Como eu te falei, tinha reprovado de Matemática, numa outra escola [...] chegou o
final de ano a professora para se ver livre de mim falou: - Oh! Tira tanto de
Matemática que eu te passo, era 1,5 se não me engano, e eu não tirei, reprovei de
novo [...] (ANTÔNIO, p.11-12).
Luíza afirma que sempre teve dificuldade com a Matemática, e parece-me que isto se
agravou devido à humilhação que a mesma disse ter sido vítima, ao ser argüida com certa
“pressão psicológica” na frente de seus colegas:
A professora era o brava e eu ainda não tinha aprendido a fazer a bendita conta
de dividir; tava acabando o ano e essa professora tinha visto que não havia feito
tarefa (risos). Na hora ela me mandou para o quadro para fazer as contas de
dividir; e como eu ia fazer se eu não sabia? (risos) (LUÍZA, p.43).
Eu sempre tive dificuldade na Matemática, então tinha notas baixas nesta época
(LUÍZA, p.43).
No entanto, os professores Antônio e Luíza disseram que, com o passar dos anos,
superaram essas dificuldades:
Saí de lá, tudo novo, né! Fui para o EEMOP e foi uma experiência totalmente nova,
mas eu tinha uma base, porque o Santo Antônio me deu essa base! Saí de lá
preparado para entrar no primeiro ano então não tive tanta dificuldade e me
identificava com Química e Física, cálculo! [Grifo meu!] (ANTÔNIO, p.12).
[...] a maioria que eu lembro sempre é da área da matemática, até porque nesta
fase, eu tinha sanado meus problemas na área de matemática, mas parece que
eles sempre já são rígidos do que os outros assim [Grifo meu] (LUÍZA, p. 45).
Talvez a Matemática trabalhada, nessa época, com os sujeitos dessa investigação fosse
distante da realidade social, do cotidiano dos mesmos, isto é, desvinculada da vida, pois:
A prática mais freqüente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou técnica
e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de empregar
o que lhes foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um problema
significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar algo que
aprenderam nas aulas.
Desse modo, o que o professor explora na atividade matemática não é mais a
atividade, ela mesma, mas seus resultados, definições, técnicas e demonstrações.
Conseqüentemente, o saber matemático não se apresenta ao aluno como um sistema
de conceitos, que lhe permite resolver um conjunto de problemas, mas como um
interminável discurso simbólico, abstrato e incompreensível.
Nesse caso, a concepção de ensino e aprendizagem subjacente é a de que o aluno
aprende por reprodução/imitação (PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS: MATEMÁTICA, p. 42-43).
Possivelmente tenha sido esta postura de seus antigos professores que tenha agravado
o “olhar” que os entrevistados possuem em relação a esta área do conhecimento.
60
As “aulas práticas” também tiveram papel de destaque na opinião dos participantes
desta investigação:
Eu amei assim o meu 2º grau como um todo foi no EEMOP, era um colégio
assim, bem localizado; faziam feiras científicas, tinha que desenvolver trabalho,
aula prática, tinha passeio. Lembro que a professora de Física nos levou na
Fazenda João Basso. Na “Cidade de Pedra”. Foi bom porque nós vimos toda
aquela natureza , mas faltou aquelas explicações específicas que se faz com os
alunos, mas foi aquele, o contato que a gente teve com a natureza. Outro trabalho
assim relacionado à Biologia no grau foi uma pesquisa sobre o uso de esteróides
anabolizantes, foi interessante também. É acho que é isso! (VIDA, p. 33).
Neste depoimento da professora Vida, evidenciado no trecho acima, percebo quanto é
importante as aulas práticas, tanto nas disciplinas de Ciências Naturais quanto nas aulas de
Biologia, serem devidamente planejadas, pois elas têm o propósito de desenvolver a
potencialidade investigativa dos nossos alunos, bem como a curiosidade e a motivação,
contanto que estejam articuladas a um objetivo pedagógico claro e bem delineado. Neste
sentido, Bizzo (2002, p.75) afirma que “a experimentação é um elemento essencial nas aulas
de Ciências, mas que ela, por si só, não garante um bom aprendizado”.
Ao mencionar as aulas práticas, estou me referindo tanto às aulas ministradas no
laboratório, como às aulas de campo. Muitos professores reclamam que não conseguem
propiciar uma aprendizagem rica em significados aos seus alunos porque não possuem
materiais adequados para desenvolver as suas aulas, como: microscópio, vidrarias de
laboratório, computadores, um espaço físico adequado, etc. É evidente que esses materiais são
componentes que têm o seu valor no processo ensino-aprendizagem, no entanto não são
determinantes para tal. Prova disso são as aulas práticas, vivenciadas pelos participantes desta
investigação:
Na série, quando faz aquele movimento de rotação e translação, a professora
levou [...] a laranja e a vela, rodava a laranja fazendo circular, isso eu lembro,
mas outras coisas eu não me lembro [...] (VIDA, p. 31).
Agora o que me marcou mesmo nas aulas de Ciências foram as aulas de capturar
inseto (ANTÔNIO, p.12).
Ele sempre fazia alguma coisa prática, né! Filtração, eu lembro que ele ensinou a
fazer um filtro né! Com pedra, areia fina, areia grossa. Ele explicou uma vez como
era absorvida água no solo, que maravilha de explicação! Muito boa, hoje; ele não
lembra de mim mais. Mas eu nunca esqueci dele! (OTÁVIO, p. 24).
No Ensino Médio, a gente fazia algumas aulas de campo, a gente já foi na
faculdade, né, fazer experimentos no laboratório, conhecer, então a disciplina de
Biologia, ela ficou mais rica, né. foi um pouquinho mais marcante (LUÍZA, p.
47).
61
Na série, era Química e Física, né! Aí tinha um laboratório bem
“precariozinho”, mas tinha; aí nesse laboratório foi feita uma prática, se eu não me
engano sobre eletricidade e foi muito legal aquela aula, todo mundo gostou porque
não tinha tido ainda uma experiência daquela prática no laboratório (VIDA, p. 33).
Como podemos verificar nestes depoimentos, são práticas simples de serem
desenvolvidas com os alunos que, no entanto, carregam um “potencial formativo” substancial
que não pode ser ignorado pelo professores. Nessa perspectiva, defendo a idéia de que o
ensino de Ciências Naturais e Biologia transcenda o espaço físico da sala de aula. O próprio
pátio da escola pode servir como objeto de estudo para a abordagem de vários conceitos
como: ecossistema, comunidade biológica, população, etc. Os materiais de laboratório
convencionais podem ser substituídos por materiais alternativos feitos a partir de sucatas,
materiais reciclados. A natureza, por si só, é um grande “laboratório” que poderá ser
explorado com a observação, a coleta de dados, etc. Nesse sentido, certa vez, ao trabalhar o
tema “água” com uma turma de série, resolvi “alçar novos vôos”. O resultado foi muito
positivo: após a discussão, com os alunos, marquei uma visita à estação de tratamento de água
do município de Rondonópolis-MT, para conhecer o processo. Foi muito interessante
entender “ao vivo e em cores” as etapas pelas quais a água passa para chegar potável às
nossas torneiras.
Pedi aos alunos que, após a observação, elaborassem um relatório pra ser socializado
na aula seguinte entre os colegas e comigo. Os resultados foram além das minhas
expectativas. Penso que um dos fatores que ajudaram para que a aula fosse satisfatória foi
atribuir-lhe uma perspectiva investigativa: o tratamento da água estudado in loco. Acredito
que seria muito “pobre” o desfecho dessa aula se não buscasse uma alternativa mais
“palpável”, local, para atribuir significado ao tema estudado.
Ao estudarmos botânica (estudo das plantas), quando discutimos a anatomia do
vegetal (raiz, caule, folhas, flores, frutos e sementes) e a sua fisiologia (funcionamento dos
órgãos) muitas vezes desperdiçamos uma oportunidade singular. Por que não levar o aluno até
a mangueira que está à janela da sua sala para tocar, sentir, ver seus componentes e compará-
los com o conteúdo abordado, articulando teoria e prática?
A problemática do lixo é “trabalhada” nas aulas, mas muito pouco discutida, refletida.
Por que não conhecer o sistema de coleta de lixo do meu município? Por que não refletir, com
os alunos, sobre a importância de se deixar o próprio ambiente da sala de aula limpo para a
realização dos trabalhos?Aula prática por aula prática não é garantia de uma aprendizagem
significativa. Mas o papel do professor, neste momento, é muito importante: ao problematizar
o conteúdo, pode argüir os alunos e instigá-los a construir hipóteses e explicar determinado
62
fenômeno. Assim, o professor estará conduzindo o aluno a uma reflexão importante, que o
ajudará na sua construção pessoal, inclusive ajudando-o a “desconstruir” uma visão
estereotipada de um determinado conteúdo. Vivências desse tipo estão impressas na formação
de Vida quando ela diz que “era uma experiência com uma bolinha de isopor e com um
“espiralzinho” de alumínio, foi muito bom! Foi legal! Pois eu achava difícil a Química; a
Química me assustou! (p. 33).
Termos como “observar”, “manipular”, experimentar” acabaram tornando lugares-
comuns no discurso educacional com o passar dos anos, fortalecendo a tendência em imputar
à falta de experimentação a responsabilidade maior pelo não aprendizado das Ciências. Neste
aspecto, Weissman (1998) nos alerta que é um risco pensar que com a aprendizagem de um
procedimento poderemos garantir a aprendizagem de um conceito.
Contudo, o equívoco dessa visão reside no fato de deslocar o eixo pedagógico do
verbal para o experimental, acreditando, com isso, resolver os problemas do ensino de
Ciências. “Todavia, é tanto possível dar péssimas aulas utilizando laboratório e equipamentos
sofisticados quanto dar boas aulas tendo como recurso a palavra, o quadro negro e o giz”.
(OLIVEIRA, 2000, p.120).
Como já falei anteriormente, a experimentação pode ser uma grande aliada do
professor na sua tarefa pedagógica, contanto que o mesmo tenha um objetivo a ser alcançado,
num planejamento bem definido.
Outro aspecto evidenciado pelos professores iniciantes como um componente
extremamente significativo no processo ensino aprendizagem foi o “diálogo”, algo que,
permeado pelo saber científico e pelos saberes dos educandos, se configurou como ferramenta
significativa na construção de conhecimento segundo os professores. A respeito disso,
existe um jargão muito comum na educação: O nosso dever como professores é formar
cidadãos críticos, capazes de transformar o mundo”... É uma frase que expressa o objetivo
manifestado por boa parte dos professores, no entanto a prática na sala de aula, geralmente,
não conduz a essa formação para a transformação, pois está fundamentada em um modelo de
ensino desacreditado, ancorado na passividade, na alienação, na acriticidade, que exige pouca
participação do aluno. Esta “educação do silêncio” provoca conseqüências negativas no
indivíduo, como podemos verificar no depoimento de Luíza à p.46: “[...] trabalho pra gente
expor, seminário, não existia de forma nenhuma. Tanto que quando eu cheguei na
universidade, e eu tive muita dificuldade, porque isso não era trabalhado [grifo meu!]
[...]”.
63
É importante salientar que, ao mencionar a fala da professora Luíza sobre o seminário,
estou concebendo esta metodologia na sua forma mais participativa, democrática e crítica, isto
é, numa estratégia metodológica que permita uma interlocução de vozes, em que a aquisição
de determinado conhecimento possa se efetivar mediado pelo diálogo entre o professor e os
alunos.
Uma visão “depositária de ensino” desconsidera o aluno como “sujeito sócio-
histórico”, que carrega consigo uma história de vida, um conhecimento de mundo” a ser
discutido, compartilhado e reelaborado.
Nesse modelo de ensino diretivo:
[...] o educador é aquele que sabe se os alunos sãos os que não sabem nada, cabe ao
primeiro dar, entregar, transmitir, transferir o seu saber aos segundos. E este saber
não é mais aquele da “experiência vivida”, mas sim o da experiência narrada ou
transmitida.
Não é de surpreender então, que, nesta visão “bancária da educação”, os
homens sejam considerados como seres destinados a se adaptar, a se ajustar. Quanto
mais os alunos se empenham em arquivar os “depósitos” que lhes são entregues,
tanto menos agentes de sua transformação, como sujeitos. Quanto mais se lhes
impõem a passividade, tanto mais, de maneira primária, ao invés de transformar o
mundo, eles tendem a adaptar-se à realidade fragmentada contida nos “depósitos”
recebidos (FREIRE, 1996, p.60).
Tenho clareza de que, para que haja uma educação de qualidade, muitos fatores devem
ser considerados: salário, estrutura física, material didático, cursos de formação continuada
para professores, etc.
Se realmente queremos alunos críticos, transformadores da realidade que nos cerca,
precisamos proporcionar-lhes situações em que sua autonomia possa ser devidamente
construída. A prática do educador deve propiciar situações de interatividade, momentos em
que os alunos possam questionar, opinar, contestar, concordar, enfim, construírem-se “sujeitos
de transformação”. Marcas dessa prática são relembradas pela professora Vida e pelo
professor Antônio:
Eu sempre gostei de atividades que faziam a gente falar e ela passava trabalhos que
tínhamos que expor, então, talvez tenha sido isto que eu tenha gostado da aula dela,
né, dela deixar o aluno falar (VIDA, p. 32-33).
Tem que interagir com o aluno, assim de modo positivo, incentivar intercâmbio de
conhecimentos [...] (VIDA, p. 39-40).
Eu sou assim com os meus alunos, aquela aula descontraída onde todo mundo
tem liberdade de falar (ANTÔNIO, p.15).
64
Das tendências atuais, uma das concepções que mais se aproximam da reflexão que
quero promover está embasada na concepção “sócio-construtivista ou sócio-interacionista”,
proposta pelo psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky que, entre outras coisas, destaca a
importância das “interações sociais” no processo educativo. O professor João Carlos Martins
(2005) afirma que:
Quando imaginamos uma sala de aula em um processo interativo, estamos
acreditando que todos terão possibilidade de falar, levantar suas hipóteses e, nas
negociações, chegar a conclusões que ajudem os alunos a se perceberem parte de um
processo dinâmico de construção.
Não nos estamos referindo a uma sala de aula onde cada um faz o que quer,
mas onde o professor seja o articulador dos conhecimentos e todos se tornem
parceiros de uma grande construção; pois, ao valorizarmos as parcerias, estamos
mobilizando a classe para pensar conjuntamente e não para esperar que uma única
pessoa tenha todas as respostas para tudo.
Ao valorizarmos as interações, não estamos esquecendo que a sala de aula
tem papéis que precisam estar bem definidos, mas também queremos reforçar que
estes papéis não estão rigidamente constituídos, ou seja, o professor vai, sim, ensinar
o seu aluno, mas este poderá aprender também com os colegas mais experientes ou
que tiverem vivências diferenciadas. Ao professor caberá, ao longo do processo,
aglutinar todas as questões que apareceram e sistematizá-las de forma a garantir o
domínio de novos conhecimentos por todos os seus alunos.
Radicalizamos o argumento em favor da interação porque acreditamos que
o Homem se constitui enquanto tal no confronto com as diferenças, e um dos
laboratórios privilegiados para isso é a escola, onde somos reunidos com diferentes
realidades e, no conjunto de tantas vozes, acabamos por acordar significados para
determinadas coisas que na individualidade de cada um podem ter diversos sentidos
(MARTINS, 2005).
É esta interlocução de várias vozes mediadas pelo conhecimento científico, pela
realidade social e pelo outro”, isto é, pelo professor ou por um aluno mais experiente, que
ajudará os alunos a se desenvolverem criticamente e a construírem a sua autonomia.
5.2 A formação inicial: o Curso de Ciências Biológicas
Neste tópico, antes de proferir as análises, discorrerei brevemente sobre o curso de
Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR,“cenário de formação” dos participantes desta
pesquisa.
A Universidade Federal de Mato Grosso, com sede em Cuiabá, foi criada em 10 de
dezembro de 1970. Atualmente, além do Campus de Cuiabá, desenvolve atividades em três
campi permanentes no interior do Estado: Rondonópolis, Pontal do Araguaia e Sinop.
65
O Campus Universitário de Rondonópolis CUR foi criado e oficializado em 31 de
março de 1976, ocasião em que oferecia, simultaneamente, os Cursos de Licenciatura Curta
em Estudos Sociais e Ciências.
A análise da referida licenciatura, como se no Projeto Político Pedagógico do
Curso de Ciências Biológicas (2005), mostrou que a mesma jamais atingiu,
satisfatoriamente, seus propósitos, devido a uma série de fatores que interferiram na formação
adequada de professores, como por exemplo: a) o baixo número de alunos graduados na
habilitação, pela insatisfação com a grade curricular que continha disciplinas de outras áreas
(Matemática, Física, Química, Biologia), não permitindo um melhor domínio conceitual nas
áreas específicas e, conseqüentemente, prejudicando a formação polivalente preconizada na
licenciatura curta; b) o tempo insuficiente para uma formação de conteúdo especializado e
para a instrumentação do ensino de Biologia; c) alta taxa de evasão escolar; d) os alunos
classificados para o curso de Ciências matriculavam-se com pretensões de serem biólogos ou
matemáticos ou químicos ou físicos.
Diante de tais limites, foi apresentado um projeto para a implantação do curso de
Licenciatura Plena em Biologia, a partir do segundo período letivo de 1988, em substituição
à Licenciatura em Ciências, com o objetivo de formar profissionais melhor capacitados, que
viessem a participar efetivamente na busca de soluções para os problemas existentes, ao
atuarem no ENSINO, PESQUISA e EXTENSÃO na área biológica.
O principal objetivo do curso, atualmente, é
[...] formar profissionais na área das Ciências Biológicas, para o exercício do
magistério no Ensinos Fundamental e Médio, atendendo a demanda da rede pública
e particular. Esses profissionais adquirem, também, condições de atuar no Ensino
Superior, quer seja pela fundamentação teórica suscitada durante o curso, quer seja
pela experiência com a pesquisa (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO
CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS, 2005, p. 15).
O documento mencionado aponta o perfil desejado para o graduado em Ciências
Biológicas:
[...] uma formação básica, ampla e sólida, com adequada fundamentação teórico-
prática que inclua o conhecimento profundo da diversidade dos seres vivos, bem
como sua organização em diferentes níveis, suas relações filogenéticas e evolutivas,
suas respectivas distribuições e relações com o ambiente em que vivem.
Esta formação deve propiciar o entendimento do processo histórico de construção do
conhecimento da área biológica, no que diz respeito a conceitos, princípios e teorias,
bem como a compreensão do significado das Ciências Biológicas para a sociedade e
da sua responsabilidade como educador nos vários contextos de sua atuação
profissional, consciente no seu papel na formação de cidadãos. Deve, também,
66
capacitar a busca autônoma, a produção e a divulgação do conhecimento e propiciar
a visão das possibilidades presentes e futuras da profissão.
O biólogo deve se comprometer com os resultados de sua atuação, pautando sua
conduta profissional por critérios humanísticos e de rigor científico, bem como por
referenciais éticos e legais. Deve ter consciência da realidade que vai atuar e da
necessidade de se tornar agente transformador dessa realidade, na busca da melhoria
da qualidade de vida da população humana e preservação da biodiversidade como
patrimônio da humanidade (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS, 2005, p. 17)
O curso de Ciências Biológicas oferece 60 vagas, das quais, 30 para o período
vespertino e 30 para o período noturno.
O curso de Ciências Biológicas
9
da UFMT/ICEN/CUR é uma licenciatura. Portanto,
propõe-se, dentre outras coisas, a preparar os seus alunos para atuar no ofício da docência.
Ao perguntar aos participantes dessa investigação (Antônio, Otávio, Vida e Luíza)
sobre os motivos que os levaram a esse curso, a mim ficou claro que o fator determinante para
a escolha do curso foi a “situação financeira”. Ou seja, foram as “condições materiais de
existência” que os levaram a essa escolha - alternativa que se constituiria em renda
complementar, ou até mesmo, em algumas situações como veremos, a seguir, fonte única de
subsistência, dado este constatado também por Lima (2003)
10
em suas investigações sobre
aprendizagem profissional da docência.
Ao pensar sobre as contribuições formativas do curso de Ciências Biológicas, algumas
indagações me assediam: como terá sido a formação inicial destes participantes? Que
aprendizagens eles construíram ao longo dessa instância formativa (a graduação)? O que
significou o curso de Ciências Biológicas como momento formativo para a docência?
Essas e outras indagações serão contempladas nas próximas sessões.
5.2.1 Trajetória formativa dos participantes deste estudo durante o período de
graduação
No relato dos participantes desta investigação acerca das aprendizagens adquiridas
durante o curso de Ciências Biológicas, bem como acerca dos professores e das disciplinas
ministradas, serão destacadas e analisadas as disciplinas que compõem o núcleo central da
área pedagógica.
9
Usarei, neste trabalho, as expressões: Ciências Biológicas e Biologia apenas com o propósito de evitar
repetições ao longo do texto, pois estas expressões dizem respeito ao mesmo curso.
10
LIMA, Soraiha Miranda de. Aprender para ensinar, ensinar para aprender: um estudo do processo de
aprendizagem profissional da docência de alunos-já-professores – Tese (Doutorado). São Carlos: UFSCar, 2003.
67
Por outro lado, destaco que não tenho uma visão dicotomizada / fragmentada/
estanque da aprendizagem profissional da docência. Entendo que tanto as áreas específicas
quanto as pedagógicas são importantes elementos fomentadores/ integralizadores das
aprendizagens dos recém-professores. Compreendo este processo de formação docente como
“um contínuo” que vai se delineando por meio de uma “teia formativa” oriunda de diversos
contextos formativos. Neste caso, em especial, pelas intervenções proporcionadas pelo curso
de Biologia.
Nesse sentido, durante o transcorrer do texto, as disciplinas bem como a prática dos
professores universitários serão analisadas em separado apenas por questões didáticas, para
facilitar a compreensão do leitor.
5.2.1.1 Antônio
Ah eu sempre lamentava, falava: Deus me livre ser professor! É uma coisa que eu
nunca quero ser... (ANTÔNIO, p. 52).
Ao relatar os motivos que o levaram a optar pelo curso de Biologia, o professor
Antônio deixou claro que foi por falta de oportunidade para fazer o curso que almejava.
Assim, Biologia, ou melhor, a docência não fazia parte de seus planos.
[...] uma prima que já fazia Biologia [...] minha irmã já estava fazendo o curso, [...]
a gente entrou achando que o curso não era exatamente o que a gente queria na
época, eu não me identificava com Biologia, pensava em fazer Jornalismo [...]
resolvi fazer Biologia mesmo porque não tinha como sair da cidade, então falei: -
ah vou fazer isso, né?! Pelo menos, é um curso que é “cheio de mulher” (risos)
(ANTÔNIO, p. 52).
Ah! Eu sempre lamentava, falava: Deus me livre ser professor! É uma coisa que eu
nunca quero ser. [...] cheguei até fazer o teste numa rádio pra jornalista e acabei
atuando numa área totalmente diferente.[...] fui parar na Biologia - e hoje eu aí,
como professor (ANTÔNIO, p. 52).
Por outro lado, atualmente, Antônio vislumbra a possibilidade de continuar no
magistério: “Amanhã não sei se estou como sinistro
11
, posso estar como professor, eu
pretendo isso! (ANTÔNIO, p. 75).
A partir do momento em que Antônio se permitiu “experimentar” o curso, ele
começou a se identificar com o mesmo, dizendo-se até ter ficado “apaixonado pela docência”.
Nesse sentido, segundo ele, dois professores tiveram um papel crucial neste “processo
de encantamento”:
11
Profissional que faz ocorrências numa empresa de seguros.
68
[...] a partir do segundo ano, que eu me descobri em Biologia [...] teve dois
professores: a N. (disciplina de Invertebrados) e o V. (disciplina de Histologia) os
quais eu me identifiquei muito, e eles fazem a gente se apaixonar por aquilo que a
gente está vivendo ali, eles têm esse dom, então, eu acabei gostando do curso e
acabei me encontrando verdadeiramente! [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 53).
Em relação ao processo ensino-aprendizagem, Antônio, de maneira enfática, descreve
sua admiração por esses dois educadores que, além de estimularem os alunos pela didática,
sabiam estabelecer uma interação com os alunos:
[...] eles tinham um diferencial [...] estavam ali para ensinar e não era somente
aquele professor que “jogava o conteúdo” e o aluno que se vire; não, eles se
preocupavam se você estava aprendendo ou não [...]. Não a forma deles darem
aula, mas o contato com o aluno [...] ali na UFMT - - existe “um espaço” muito
grande entre professor e aluno [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 53).
Nessa perspectiva, percebe-se que ele fez questão de se assenhorear dessas
características, que considerou positivas, e de as pôr em prática com seus alunos. Algo que
hoje ele denomina de o momento de “tirar dúvidas do aluno”:
[...] eu criei esse vínculo também com os alunos, implantei desde o cursinho, foi um
professor e um amigo deles! [grifo meu!]. [...] tem uma turma lá, que era de
supletivo, eu era muito amigo deles. Tanto que quando terminou o meu contrato,
uma semana antes de terminar as aulas, voltou a professora que tava com eles
para dar uma semana de aulas e os alunos foram até reclamar na direção [...]
(ANTÔNIO, p. 60).
Eu falava [...] - no intervalo! [...] eu ficava no intervalo, para poder tirar as
dúvidas, [...] eu chegava uma hora mais cedo, antes do intervalo eu tava ali e eu
tinha muito contato com os alunos! [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 67).
Para o professor Antônio, a relação professor-aluno é importante o processo ensino-
aprendizagem porque “facilita! Porque você tem um ambiente legal, um ambiente gostoso, um
clima adequado [...]” (ANTÔNIO, p. 70).
Ainda neste aspecto, ele relembra de um professor da graduação, o M.K., que lecionou
a disciplina de Metodologia e Práticas de Ensino:
[...] ele contribuiu muito - a forma de “aplicar a aula”, - a forma de falar, a postura
em sala de aula, o entendimento com o aluno [...] isso aí, eu me espelhei muito
nele! [...] ele não era aquele professor que entrava ali somente para dar aula, ele
além de estar ensinando, ele criava um vínculo de amizade com os alunos e isso foi
muito legal entre nós (grifo meu!) (ANTÔNIO, p. 55).
E ressalta a profunda admiração pela postura profissional desse educador:
69
Ah, ele era [...] como nós, ele era professor, ele passava, você via que era uma
pessoa esforçada, estudava muito, não deixava um aluno com dúvida, mas acabou a
aula ali, [...] ele era um de nós! (ANTÔNIO, p. 58).
É visível tanto no depoimento de Antônio, como no dos demais participantes desta
investigação, a importância do relacionamento professor-aluno no processo de ensino-
aprendizagem. Nesse sentido, Tardif (2002), em tom de desabafo, enfatiza:
Na educação, não lidamos com coisas ou com objetos, nem mesmo com animais
como os famosos pombos de Skinner: lidamos com os nossos semelhantes, com os
quais interagimos. Ensinar é entrar numa sala de aula e colocar-se diante de um
grupo de alunos, esforçando-se para estabelecer relações e desencadear com eles
um processo de formação mediado por uma grande variedade de interações [grifo
meu!] (p. 167).
Entre outras coisas, Antônio relata outra aprendizagem a dialogicidade no processo
educativo
12
isto é, a forma dialógica como estes professores citados anteriormente
conduziam a prática docente, ajudando-o a encarar os estudos de uma forma mais prazerosa:
[...] os alunos acabavam tendo prazer de estudar, eu mesmo sentia, eu gostava das
aulas participativas, eu não gostava daquelas aulas onde o professor falava e o
aluno tinha que ficar calado! [(grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 53).
Nessa mesma perspectiva, Tardif (2002, p. 221-222) nos lembra que manter os alunos
“presos” fisicamente na sala é até possível; o que é impossível é levá-los a aprender sem o seu
consentimento e sua colaboração voluntária. Isto, para ele, é imprescindível, pois ninguém
pode aprender sem ser “os atores de sua própria aprendizagem”. E finaliza: “transformar os
alunos em atores, isto é, em parceiros da interação pedagógica, parece-nos ser a tarefa em
torno da qual se articulam e ganham sentido todos os saberes do professor”.
Nesse movimento, “o diálogo” no processo de ensino-aprendizagem é uma ferramenta
de extrema relevância, pois como afirma Vasconcellos (2002, p.111):
[...] a passagem da metodologia expositiva para a exposição dialogada, apesar de
não ser marcada por um glamour, por uma sofisticação, no atual contexto
educacional brasileiro, significa um enorme avanço na prática pedagógica. [...] Não
requer material especial, local especial; implica basicamente a mudança de postura
do professor [...] na exposição dialogada, procura-se garantir a interação professor-
aluno-objeto de conhecimento-realidade (grifo meu!).
12
Esta aprendizagem tem sido recorrente no depoimento dos participantes dessa investigação. Para averiguar
isto, basta consultar o início das análises dos dados neste mesmo capítulo.
70
Mais adiante, Vasconcellos (2002, p.136) complementa:
“Numa metodologia participativa, o aluno é mobilizado a buscar respostas para os
seus questionamentos: à medida que é sujeito da construção do conhecimento,
possibilidade de resolver suas perguntas e dúvidas (através da pesquisa, do diálogo)”
[grifo meu!].
Ainda em relação a esse processo de interação, Carrijo (1999, p.64) afirma que o
diálogo quebra a rotina da aula; o professor torna-se mais receptivo às idéias dos alunos, suas
aulas são mais dinâmicas, ele consegue ser mais compreensivo, conselheiro, porque se
estabelece um clima de empatia.
Outros aspectos formativos que Antônio destaca no curso de Biologia foram as aulas
de laboratório
13
:
É uma coisa que sempre “me prendeu [...] inclusive nas aulas do V. que foi o
primeiro professor a levar a gente no laboratório, e as aulas dele de laboratório
eram muito puxadas, bem complexas, o V. ele é meio...
- Prova de lâmina! Contando ali 30 segundos e, quando ele assoviava, tinha que
pular para outra, eu tremia na base, mas me instigou muito a continuar no curso
[grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 54).
Outro momento formativo para Antônio foram as aulas de campo que lhe despertaram
o interesse pela pesquisa. Nesse sentido, ele enfatiza que o fato de ele ser professor não o
impede de ser um pesquisador. Em seu depoimento, é visível a possibilidade de articulação
entre ensino e pesquisa:
[...] é a possibilidade de um sonho que vinha de criança, de um dia estar envolvido
em uma pesquisa científica [...] o fato de eu optar por ser professor não quer dizer
que eu tenha que largar de estar na pesquisa! (ANTÔNIO, p. 60).
As aulas de campo o fizeram identificar-se com a Botânica:
Eu gostava mais da área, principalmente relacionada à botânica. Eu tenho uma
pendência mais para essa área porque eu gostei muito de estudar os vegetais [...] eu
sempre lia muito relacionado a isso [...] aquilo que me chamou mais atenção, que é
a Botânica (ANTÔNIO, p. 58).
13
Esta também é uma aprendizagem recorrente no relato dos participantes deste estudo (ver início deste
capítulo).
71
Por causa desse seu interesse pela pesquisa, no período da graduação, Antônio pediu
demissão de um antigo emprego para participar de um estágio em um laboratório de análises:
“[...] a minha vontade era tanta na pesquisa que [...] eu pedi demissão para fazer um estágio
numa empresa, num laboratório, de 6 meses [...]” (ANTÔNIO, p. 60).
Ao refletir sobre a importância das aulas de campo, o professor Antônio relembra uma
dessas passagens, que contribuíram muito para a sua formação: “[...] uma viagem de campo,
ao qual a gente passou um final de semana inteiro acampado na Serra da Petrovina [...]
fizemos aulas práticas que contribuíram muito!” (ANTÔNIO, p. 54).
Foi, neste contexto, que ele diz ter se identificado por completo com a docência: “[...]
foi a partir do 2º ano, aula de Botânica, não era nem Botânica, era Taxonomia de Criptógamas
e Fanerógamas
14
, com o Prof. P. [...]” (ANTÔNIO, p. 55).
Outra aprendizagem que Antônio afirma ter marcado sua trajetória formativa foi a
vontade de ensinar de alguns professores:
[...] o esforço dele (o professor M.K.), - a vontade, - porque ele tinha ficado muito
tempo fora [...] ele não entrava na sala para deixar um aluno com vida [...] se
preparava, tinha uma dedicação, dedicação também é importante no meio hoje
[grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 59).
Antônio afirma que as aulas de Metodologia e Práticas de Ensino
[...] eram feitas micro aulas, onde a gente chegava ali na frente como se estivesse
em uma sala de aula, e a gente apresentava um conteúdo predeterminado e, ali,
após, ela corrigia os erros [...] a postura, não apagar o quadro com a o, esse
tipo de coisa, posicionamento diante da lousa, como falar com o aluno, como
direcionar a posição na sala, tudo isso ela mostrava (ANTÔNIO, p. 55).
Refletindo de forma mais genérica acerca das aprendizagens no curso de Biologia, o
professor Antônio explica:
[...] a forma de tratar um aluno, a didática que eu aplico, não é como os
professores tradicionais, eu sou mais dinâmico, eu gosto de aulas mais expositivas,
levar uma transparência, um vídeo, algumas figuras [...] eu gosto de falar e
mostrar, porque ele vendo aquilo ali, ele visualizando, ele consegue ter uma noção
melhor de ruminando” aquilo e guardando para ele. Então são posturas que eu
aprendi na faculdade! [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 55).
14
Grosso modo, essa disciplina faz referência ao estudo de vegetais com estruturas reprodutivas visíveis
(fanerógamas) e vegetais em que essas estruturas não são visíveis (criptógamas).
72
É interessante observar que a frase, acima grifada, a didática que eu aplico”, suscita
uma crença ainda muito presente na educação, a de que uma possível linearidade entre
teoria e prática. É como se a teoria fosse transposta diretamente para a prática sem
modificação alguma, em detrimento da subjetividade e da história de vida do professor, isto é,
como se a dimensão subjetiva do educador não interferisse nessa transposição. A respeito
disso, Lima (2007) esclarece que teoria e prática estão imbricadas; a prática está carregada de
teoria, e a teoria está carregada de prática; quem faz a mediação entre estas duas dimensões é
o cérebro humano a história do sujeito. Portanto, não existe uma relação linear entre
ambas.
15
Quando perguntei a Antônio, sobre algumas disciplinas pedagógicas, além de
Metodologia e Práticas de Ensino, que tinham contribuído com sua formação de docente, ele
mencionou uma passagem interessante em relação à Psicologia da Educação:
Essa disciplina (Psicologia da Educação) foi meia “cabulosa”; o professor fez
muito aluno chorar [...] era o T. e ele botava todo mundo em rculo e começava
falar, e quando você via, tinha um chorando aqui e outro acolá, ele trabalhava bem
o lado psicológico da pessoa [...] ele trabalhou muito uns vídeos de Freud lá, e
depois ele começou a mostrar como a gente deveria agir numa sala de aula, como
os alunos costumam reagir, como a gente deve agir, tudo isso ele mostrava
(ANTÔNIO, p. 55).
Ao ser argüido sobre a sua postura de estudante universitário, ele declara:
[...] quando todo mundo ia dormir, era a hora que eu pegava para estudar”).
era o único aluno ali que, além de assistir aula na minha sala, eu ia assistir em
todas as outras. É [...] fiz viagens de campo com a minha turma, fazia com a minha
turma e com as outras também (ANTÔNIO, p. 57).
Mas, mesmo afirmando ter sido tão estudioso; em alguns momentos, por meio do
depoimento de Antônio, percebi que ele teve problemas com algumas disciplinas, assunto
sobre o qual não quis dar maiores detalhes: “[...] tive alguns probleminhas [...] não podia fazer
umas disciplinas, porque eu tava meio ‘enrolado’” (ANTÔNIO, p. 57).
Em resumo, esse relato retrata um pouco da trajetória de Antônio na sua formação
inicial, isto é, no curso de Biologia da UFMT.
15
Comunicação verbal proferida no dia 05.07.2007, às 14h45min. pela Profa. Dra. Soraiha Miranda de
Lima, por ocasião da disciplina de Seminário de Pesquisa II do Mestrado em Educação – Cuiabá-MT.
73
5.2.1.2 Otávio
Agora, o fato mais marcante foi quando eu passei no vestibular! (OTÁVIO, p. 86).
O professor Otávio, em vários momentos das entrevistas realizadas, disse que o seu
sonho era fazer Medicina. Queria se especializar em cardiologia. No entanto, as condições
financeiras não favoreceram para que este desejo fosse concretizado: “[...] meu sonho sempre
foi Medicina, sempre gostei de medicina, é, eu falaria pra você cardiologia, não pude por
fatores de ordem financeira e resolvi fazer Biologia” (OTÁVIO, p. 86).
A despeito disso, identifica-se no depoimento de Otávio o que Karl Marx denomina de
relações entre a determinação das condições objetivas de existência, isto é, a base
econômica
16
sobre a superestrutura. Ou seja, o desejo de ser médico cardiologista
(superestrutura) foi determinado pelo mundo material, ou seja, as suas reais condições de
subsistência.
Nesse mesmo sentido, Naves (2000) parafraseia Marx ao dizer que:
A produção de idéias, de representações, da consciência, está, de início, diretamente
entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens,
como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos
homens aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material (p.
34).
Sendo assim, o simples desejo de “tornar-se cardiologista”, por si só, não possibilitou
a Otávio a concretização desse sonho. Naves (2000, p.34), apoiado em Marx, nos faz lembrar
que:
Se o domínio da superestrutura é condicionado pela base econômica, se ela não
possui autonomia, movimento próprio, então nenhuma iniciativa que se limite ao
plano das idéias, por mais “críticas” que estas venham a ser, pode ter o condão de
alterar de qualquer modo a realidade material.
Ao falar de sua fase inicial de faculdade, Otávio diz que a euforia de ter passado no
vestibular parece ter desaparecido, após alguns meses de aula, como podemos verificar
abaixo:
16
Base econômica e superestrutura são expressões adotadas por Karl Marx, grosso modo a base econômica
diz respeito ao modo de produção, as relações materiais, a produção capitalista, etc., e a superestrutura
compreende todos aqueles elementos de natureza “não-econômica”.
74
[...] eu tenho uma mania de falar comigo mesmo, eu acho que, todo mundo tem, -
pouca gente admite, - aí eu falei: - vou partir pra faculdade, parti... e graças a Deus
passei, consegui entrar na Federal e entrei numa faculdade, olha... apaixonado!
que, dentro de uns 3 meses eu comecei... sabe como que é, né? (OTÁVIO, p.78).
Otávio afirma em seus depoimentos que algo que ele achava problemático durante a
época de faculdade, era o fato de o “calouro” ter um campo de atuação limitado, isto é, não
ser estimulado e orientado a participar das atividades acadêmicas: Você entra cheio de
planos na hora que chega lá; aquele ‘balde de água fria’, você não pode fazer nada que
entrando agora!” (OTÁVIO, p. 78).
Segundo ele, as dificuldades com as quais se deparou no curso de Biologia são
decorrentes da falta de informação aos alunos-calouros:
Primeiro, eu imaginava, por exemplo, algumas linhas de pesquisa; que a faculdade
seria um tutor, na verdade não! Você tem que correr atrás, correr atrás e muito...
porque o professor de nível superior, ele se acha tão acima do bem e do mal; isso
é... alguns, É claro que existem muitas exceções, que ele não se preocupa com o
aluno, o aluno ele entra na faculdade... Eu “me senti perdido, eu não sabia o que
fazer, eu tive que buscar um certo espaço; você começa a retrair... o sabe o que
fazer; então o que aconteceu? Eu tentei sobressair, fui atrás do DCE
17
, me envolvia
nos movimentos, fui atrás do CABIO
18
saber como é que funciona e, por que eu
comecei a descobrir algumas vantagens em ser aluno e as desvantagens em ser.
Achava muito chato, quando saía aquelas bolsas de pesquisa que o pessoal
colocava aqueles “avisos minúsculos”, entendeu? Eu “queria morrer”, eu reclamei
muito daquilo lá. Faltavam dois dias... ou quando achava tava vencido o aviso de
bolsa, “aluno bolsista tal, tal...” foi!. Eu queria morrer com aquilo lá! (grifo
meu!) (OTÁVIO, p. 88).
Otávio relata, ainda, as dificuldades que alguns professores possuíam de ensinar o
conteúdo proposto e chega a afirmar que alguns deles não possuíam didática:
[...] O Prof. L. (Bioquímica Celular), ele tem dificuldade; é uma dificuldade de se
expressar. Ele fazia um Círculo de Krebs” no quadro, aquela nutrição animal;
ele apagava duas vezes; eu falava: - Jesus aonde que eu tô? Na verdade, existem
muitos professores na faculdade que não têm didática! (OTÁVIO, p. 89).
Ao rememorar os professores que o “marcaram”, durante esta trajetória formativa,
Otávio lembra a professora, de Invertebrados: “Ela é interessada em aprender e ensinar, ela é
comunicativa, [...] excelente profissional por ser comunicativa, [...] ser comunicativo e ser
cativante, entendeu, já é um fator positivo pra você!” (OTÁVIO, p. 90).
17
Diretório Central dos Estudantes.
18
Centro Acadêmico de Biologia.
75
Otávio lembra também de alguns professores substitutos que, segundo ele,
contribuíram muito na sua formação:
[...] tinha um professor substituto também muito bom, superava as expectativas, o
M. K., muito inteligente, excelente [...] ele não tinha assim muita didática porque
ele é meio fechado também, mas ele tem uma maneira de passar no papel, a prática
dele é muito boa, foi muito boa. (OTÁVIO, p. 90).
Tive a professora F., uma professora que eu adoro, entendeu? Nossa Senhora! Acho
ela show! Ela, eu acho, que nem sabe a admiração que eu tenho por ela, admiro ela,
de coração mesmo! A professora F. ela era substituta também, dava aula de
Entomologia, pessoa fantástica! (OTÁVIO, p. 90).
A exemplo de Antônio, Otávio também destaca a importância do relacionamento
professor-aluno como elemento significativo no processo ensino-aprendizagem. Isso fica mais
claro, quando ele discorre sobre a “postura fechada” de um de seus professores da
universidade:
O professor V. é um cara bom, muito fechado, tem alguns medos de se abrir, de
conversar, de trocar idéia, ele é um cara bom, mas ele não é muito acessível pro
aluno, eu acho que ele teria mais a ganhar do que a perder se ele fosse mais
acessível, ele se torna muito reservado, deixa de descobrir grandes potencialidades
dentro de sala de aula, acontece com professor que se fecha, mas é um professor
bom, é uma pessoa que me surpreendeu também! (grifo meu!) (OTÁVIO, p.90).
A importância do relacionamento professor-aluno também ficou evidente no seu
depoimento sobre a escolarização básica. Mencionou a figura de outro professor:
O professor Rogério trabalhava Língua Portuguesa (Ensino Fundamental). E a
gente tinha um circulo de amizade, e ele sempre tava à disposição do aluno ele não
era aquele cara inacessível”, entendeu, “o todo poderoso”, era muito fácil
encontrar com ele, [...] então, a relação tava muito próxima entre os alunos! [grifo
meu!] (OTÁVIO, p. 80).
A respeito disso, Tardif (2002, p.20) destaca que ao ofício do professor são
importantes suas experiências familiares e escolares anteriores à formação inicial. Segundo
ele, o saber-ensinar é um processo que se herda da experiência escolar anterior, a qual é muito
forte e que persiste através do tempo e que a formação universitária não consegue transformá-
lo nem muito menos abalá-lo.
Assim, percebe-se que posturas docentes positivas durante a trajetória formativa do
professor Otávio refletiram na sua prática docente hoje: “[...] no Ensino Médio eu ajo dessa
maneira, bastante contato com o aluno, entendeu? Bastante... pra sentir o que o aluno
precisa!” (grifo meu!) (OTÁVIO, p.87).
76
Ao ser convidado a fazer um “balanço” acerca das aprendizagens que ele teve com os
professores universitários, ele menciona alguns nomes e alguns dos conhecimentos adquiridos
com estes educadores:
[...] pela didática dela, muito boa, me apropriei um pouco dessa parte dela. O V.
pelo que não fazer, não ser o fechado com meus alunos que eu tenho muito a
aprender com eles, que mais? O P. R. (Taxionomia de Criptógamas e
Fanerógamas) professor muito bom é um pouco explorador, [...] ele pede muito,
muito, muito mesmo [...] ele poderia aproveitar mais o aluno também,[...] A S. P.
pela dedicação extrema dela, [...] A professora L. [...] substituta, é muito
dedicada,[...], tive outras professoras também que não me marcaram tanto,[...]
[grifo meu!] (OTÁVIO, p. 90).
Fazendo um “diálogo” uma articulação - entre as falas de Antônio e Otávio;
podemos observar mais uma coisa em comum entre eles. Ambos ressaltam a vontade do
professor em ensinar, de fazer a aprendizagem acontecer como um dos componentes
importantes do processo educativo: “Eu Admiro o professor M. K. pela didática, pela -
vontade de fazer [grifo meu!] (OTÁVIO, p. 90). [...] o esforço dele (o professor M.K.), a
vontade...” [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 59).
Indagado sobre sua postura de aluno universitário, Otávio diz: “[...] eu fui um pouco
“caxias” [...], porque eu varei muitas noites fazendo trabalhos, [...] descobri que eu gostava de
estudar, eu não tinha essa noção, eu descobri que [...] eu gostava de estudar, então, eu
aprendi!” (OTÁVIO, p. 94).
E esse é o breve resgate da trajetória formativa de Otávio durante o curso de Ciências
Biológicas.
5.2.1.3 Vida
[...] eu acho que é a profissão mais nobre que tem - você ensinar a pessoa, - sabe?
Porque [...] a docência você toca o coração, às vezes, da pessoa; você marca um
aluno pro resto da vida dele [...] é uma responsabilidade muito grande! (VIDA,
p.110).
A professora Vida, também, como os demais participantes da investigação, não tinha
pensado a priori em fazer o curso de Biologia para ser professora. Escolheu esse curso porque
vislumbrava nele a possibilidade de poder atuar em outra área profissional, na de saúde, por
exemplo:
77
[...] nem sei por que eu escolhi fazer biologia,[...] queria fazer um curso superior, a
minha mãe insistia nisso [...] na hora quando eu fui no correio, nas opções de
curso que teve, eu escolhi Biologia, mas eu acho que porque eu imaginei que
poderia me estendendo pra outras áreas, não docência com esse curso (grifo
meu!) . ,[...] durante o 2º grau, os professores faziam algumas aulas práticas e era a
única aula onde talvez usasse jaleco, eu imaginei muito voltado pra essa área
laboratorial [...]. Fazer experimentos, abrir insetos, ir pro meio do mato, pensei
muito nisso, logo quando eu cheguei na faculdade,... (VIDA, p. 103).
Exercer a docência, para Vida, durante o curso, era uma possibilidade remota; mas, no
período de estágio, ela acabou gostando da profissão:
[...] eu gostei, decidi dar aula, mas eu também não tive nem uma outra
oportunidade, talvez se eu tivesse trabalhado em um outro local, sem ser na sala de
aula, eu poderia analisar mais friamente essa situação, mas como eu não tive
nenhuma outra oportunidade “a única porta” que me foi aberta foi essa; e foi a que
eu me agarrei! (VIDA, p. 123).
Dessa forma, o período de estágio converteu-se ao mesmo tempo em um período
formativo e de decisão profissional. Os anos que freqüentou o curso de Ciências Biológicas
não foram suficientes para despertar em Vida o gosto pela docência. Isso, talvez, revele a
existência de lacunas no conhecimento pedagógico; o curso não motivou Vida para o
exercício do ensino-aprendizagem. Sendo assim, Vida iniciou a carreira de professora,
simplesmente, porque foi a única que lhe abriu as portas. Além disso, do relato dela, percebe-
se também, como no de Otávio, a evidente e problemática falta de informação a respeito do
curso.
Daí se infere que os alunos saem do Ensino Médio desconhecendo seu próprio
objetivo profissional, escolhem à revelia o curso, ingressam no curso e continuam à margem
dos conhecimentos básicos que a profissão exige. Compare as declarações de ambos:
[...] não sabia a diferença de um curso de licenciatura pra um curso de bacharel,
[...] então eu vi que eu tava me preparando pra ser professora e a área de pesquisa
ela exige muito esforço,[...] e me interessou mais a área da docência mesmo”
[grifo meu!] (VIDA, p.110).
eu imaginava [...] algumas linhas de pesquisa; que a faculdade seria um tutor, na
verdade não! correr atrás e muito [...] Eu “me senti perdido”, eu não sabia o que
fazer,[...] você começa a retrair [...]. (grifo meu!) (OTÁVIO, p. 88).
[...] tudo favorecia, principalmente a partir do momento, que a gente começou a
fazer os estágios mesmo, porque eu vi como que é gratificante,[...] ensinar a
pessoa... [grifo meu!] (VIDA, p.110).
Ao ser indagada sobre os professores que foram seus referenciais de docência no
Ensino Superior, a professora Vida diz:
78
[...] no último ano eu tive uma professora que eu levo muito dela que foi a M. C.
(Anatomia Humana) o modo como ela ensina; o método, o modo como ela fazia, a
metodologia dela, o carisma dela e - a vontade dela de ensinar - isso eu gostei e
quero fazer igual (grifo meu!) (VIDA, p. 105).
Vida, ao se referir à profa. M.C, enfoca, como Antônio e Otávio, a vontade de ensinar,
que ela denomina como “paixão pela profissão” ao descrever a prática desta professora:
[...] por ela ser apaixonada pela profissão, demonstra isso pelas ações dela, ela
vinha de Cuiabá e sempre mostrou pra nós que o professor quando entra em sala de
aula, ele tem que tentar deixar os problemas fora, ela ia hiper elegante pra sala,
isso é uma coisa que eu não copiei porque faz parte da personalidade dela e ela
falava assim: - eu to aqui gente, é uma apresentação, um artista ele não se prepara
pra se apresentar pro seu blico? Eu tenho que me preparar pra me apresentar
pra vocês, e ela preparava aulas... a metodologia que ela vai utilizar, e o conteúdo -
e seguia aquilo, - tanto que, quando alguma coisa saía do roteiro; d dava pra
perceber que tinha fugido daquilo, e ela falava. A forma com que ela tratava os
alunos, com muito carinho. era muito bom [...] ela não tratava a gente como alguns
professores: - olha você no mundo universitário, aqui você vai se virar, aqui é
tudo por sua conta. Não! Sabe aquele professor que quer proteger o aluno? Isso era
explicito assim na cobrança que ela fazia... Eu lembro... acho que foi a primeira
avaliação dela, que nós fizemos. Foi uma avaliação oral, então a gente teve que
falar os nomes dos 206 ossos todinhos, só que - não foi uma coisa maçante, - porque
ela ensinou muito bem, então foi gostoso, você aprender e depois repassar o que
você tinha aprendido. (VIDA, p. 114).
Outra aprendizagem que a professora Vida atribui à professora M.C. é o fato de
aprender com ela a fazer pesquisa, “ela incentivava muito a pesquisa, nós desenvolvemos
alguns projetos com ela! (VIDA, p. 114).
Ela descreve abaixo a prática de dois outros professores, que a marcaram igualmente
como a M.C., pelo aspecto da didática, compromisso, entre outras coisas:
Aí eu “entrei no mundo da Biologia” mesmo, né, com a N. e com o V. porque aí eles
ensinam Biologia mesmo, né, eu comecei a ver o que significava a Biologia eu
comecei a entender mais o que era o curso, que eu poderia esperar daquele curso
quando eu terminasse a faculdade (VIDA, p. 105).
Vida afirma que o mais lhe chamou atenção em relação à professora N. foi “[...] mais a
forma como ela repassava [...] ela demonstrava uma paixão pelo que ela fazia e isso de certa
forma era contagiante em nós! [grifo meu!] (VIDA, p. 113).
Em relação aos fundamentos da educação do curso, ela se lembra significativamente
da disciplina de Psicologia da Educação; inclusive responsabiliza o trabalho desenvolvido
nesta área como fator preponderante para sua identificação com a docência, principalmente,
porque as aulas, segundo ela, permitiam que os alunos exercitassem o ato de pensar e
79
refletissem sobre o cotidiano da sala de aula, principalmente sobre aspectos relacionados à
aprendizagem:
Teve uma professora que [...] era contratada, e ela passou a ensinar Psicologia da
Educação e eu acho que foi a partir daí que eu percebi que a docência era boa. O
nome dela era J.[...] era muito boa [...]porque ela fazia a gente refletir muito, [...]
com didática assim, dinâmica assim, então ela colocava a gente muito pra pensar
[grifo meu!] (VIDA, p. 106).
[...] eu acho que ela (a professora de Psicologia da Educação) até se estendeu além
do que ela deveria passar do conteúdo mesmo, da ementa dela, foi muito bom, que
foi com ela que a gente começou a ver os problemas que os alunos têm, que os
professores por não ter uma boa formação não conseguem entender, ai eu vi
hiperatividade que eu não conhecia, dislexia, todas essas situações que me ajudam
hoje.. A J. me ajudou a entender os problemas, né, que os educandos possuem!
(VIDA, p. 107-108).
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Vasconcellos (2002, p.99) afirma que “[...]
uma das tarefas básicas do educador é fazer pensar, propiciar a reflexão crítica e coletiva em
sala de aula, pois só esta poderá assegurar uma aprendizagem efetiva”.
Agora no tocante à Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio, a
professora Vida afirma que a professora responsável pela disciplina era uma boa profissional,
no entanto envolvia-se com tantas atividades, que acabava relegando a docência ao segundo
plano:
[...] teve a professora J., é uma pessoa excelente, nada contra “o pessoal dela”,
mas ela se envolve com tantas coisas que, ela não consegue fazer nenhuma das
coisas direito, [...] envolvida com sindicato, com presidência do sindicato, com
tentar ser vereadora, tentar ser senadora, ela trabalhou muito no Estado e não
“sobrou forças” pra trabalhar na faculdade nesse período [...], e a parte que ela foi
ensinar também não é muito gostosa de se aprender, pelo menos eu não gosto que
foi leis -, como que são as leis que regem a educação, os estatutos e tal, e foi muito
ruim mesmo, acho que não tinha um aluno que gostava dessa disciplina, tanto que
quando ela se atrasava dois minutos; a gente tava saindo do portão para fora da
faculdade. Foi o primeiro contato que eu tive com alguma coisa da educação e
achei muito ruim! (VIDA, p. 106-107).
Mas, mesmo assim, afirma ter adquirido algumas aprendizagens importantes: “[...]
mas deu pra gente entender alguma coisa de como é organizado o sistema educacional no
Brasil, né, e principalmente um pouco da história da educação, que ela falava muito disso...”
(VIDA, p. 108).
Em relação à Metodologia e Práticas de Ensino, Vida afirma ter tido um experiência
positiva, pois, segundo ela, o professor sorteava as matérias específicas da Biologia e Ciências
Naturais, bem como conteúdos sobre avaliação, indisciplina, etc. e orientava os alunos a
80
exporem na forma de seminário para a sala, o que, para ela, converteu-se em uma experiência
rica em aprendizagens, preparando-a para os estágios e para a docência:
[...] ele não passou tanta coisa porque, na realidade, ele não passa; ele coloca você
pra passar; ele joga os temas, então a gente tem que estudar: conteúdos específicos,
avaliação, disciplina, indisciplina, - tudo que tem que estudar dentro, dessa grade, e
ai cada grupo vai fazer sobre um seminário, então você aprende com os colegas
porque ele mesmo não passa! [...] foi muito útil, porque foi com as aulas dele que eu
fui pro estágio, né? Que eu fui começar, fui vendo na prática, praticando o que eu
estava estudando que eu comecei, sem dúvida foi válido e útil! (VIDA, p. 107-
108).
Para Vida, o seminário é uma excelente estratégia metodológica, porque prepara o
aluno para a docência. Inclusive relata, de forma engraçada, os seus “ensaios docentes” para
a implementação de suas aulas:
[...] os outros professores, todos eles passavam seminário e isso era muito bom
porque você estudava antes e eu lembro que eu me preparava bem de forma
engraçada assim quando eu tinha seminário, eu gosto muito de expor alguma coisa
porque eu acho que Biologia votem que “enxergar”, nós somos seres visuais, se
você não ver o que você quer falar você não consegue entender, então, eu sempre
fazia alguma coisa em cartolina, um esquema, algum negócio assim, eu ia aqui
em casa, prendia no varal com um prendedor de roupa minhas cartolinas e sentava
a minha mãe, pra minha mãe ficar olhando, ai eu falava, falava, falava, entendeu
mãe? “Hum Hum!” (risos) Eu falei: - Mas a senhora acha que certo? - A mãe
responde - “Eu acho que tá... mas eu não entendi nada” (risos). Porque assim, eu
ficava ensaiando como que eu ia falar e isso é bom porque eu tava me preparando
pra uma aula na realidade, né? Uma apresentação de seminário não deixa de ser
uma aula! [grifo meu!] (VIDA, p. 108).
Apesar da ênfase que a professora Vida atribuiu a essa metodologia, Wideen (1998
apud Tardif 2002) nos lembra que os cursos de formação para a docência são globalmente
idealizados e pautados num “modelo aplicacionista do conhecimento” os alunos passam
certo número de anos assistindo às aulas baseadas em disciplinas e constituídas de
conhecimentos proporcionais. E, em seguida, ou, durante as aulas, eles vão estagiar para
“aplicarem” esses conhecimentos. Em suma, quando a formação termina, os professores
começam a trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na prática e constatando, na maioria das
vezes, que esses conhecimentos não se aplicam na ação cotidiana.
No entanto, Feiman e Buchmann (1987 apud MARCELO GARCIA, 1999, p. 99)
salientam que
[..] as práticas de ensino podem contribuir para a formação de professores quando
respondem a determinadas condições, entre as quais se destacam: que os professores
em formação melhorem as suas disposições e competências para desenvolver a
81
aprendizagem; que aprendam a questionar o que vêem, o que pensam e o que fazem;
que vejam os limites da justificação das suas decisões e acções (sic!) [...] e que
compreendam a experiência como um princípio em vez de a entenderem como
momento culminante da sua aprendizagem.
Ao ser questionada sobre sua postura de estudante universitária, Vida afirma que era
estudiosa, mas que não ia além daquilo que os professores cobravam:
[...] eu procurava estudar, só que [...] nunca fui de ficar muito presa àquilo, [...]não
me mergulhava em livros [...] como eu via alguns colegas fazerem, [...] eu não
achava que aquilo ali era tudo,[...] eu estudava pras avaliações, [...] pros
seminários,[...] em sala de aula eu dava o meu ximo, li pouquíssimos livros
assim, o que era pedido pra fazer um ou outro trabalho, mas [...] eu estudava
outras coisas, [...] não fiquei presa com aquilo ali,[...] eu não fazia visitas na
biblioteca pra pegar bibliografias pra [...] pra casa[...] eu me concentrava no que
era pedido, - olha por exemplo, passou ali um conteúdo sobre botânica, “então você
vai ter que trazer pra s as plantas de Mato Grosso”, então, eu ia e pesquisava
as plantas de Mato Grosso e levava, não me estendia além disso, eu não queria
saber quais são as plantas da Amazônia, eu pegava as que foram me pedidas.
(VIDA, p.111).
Ao final dessa entrevista relativa ao curso de graduação, pedi à professora Vida que
fizesse um balanço de sua formação inicial, momento formativo para a docência. Nesse
contexto, percebi que ela reconhece várias aprendizagens proporcionadas pelo curso, no
entanto aponta algumas deficiências que poderiam ser sanadas a fim de que o curso cumpra
mais e melhor este papel:
O curso de Biologia contribuiu no sentido de me passar o referencial teórico que eu
preciso; contribuiu me ensinando metodologias que eu não sabia; como um
professor deveria atuar em sala de aula; contribuiu me mostrando qual que é a
ética que um profissional verdadeiro deve ter; contribuiu pra me mostrar como, de
que maneira que eu devo exigir dos meus alunos o que é repassado, da mesma
forma como que eu tenho que repassar isso; as metodologias que devem ser usadas,
que devem ser aplicadas e a grade, o conteúdo que cabe a biologia e a ciências
também [...]; se eu não tivesse tido essa formação, eu não saberia o que eu sei pra
ensinar. Só que eu acho que, como no Ensino Fundamental, é mais superficial o que
se ensina, é mais fácil de lidar; eu acho que a dificuldade que talvez eu tenha no
Ensino Médio com a Biologia é mais na parte da Química Celular; essa eu tenho
muita dificuldade, justamente, eu acho porque eu não tive isso na graduação; as
disciplinas onde foi bem repassado como deveria ser tranqüilo, agora essas outras -
Química Celular - é a principal, eu acho que eu não diria essa, é a que eu tenho
mais dificuldade que é ensinado no Ensino Médio, né? (VIDA, p.112).
Este foi um breve relato acerca do percurso formativo da professora Vida no curso de
Ciências Biológicas da UFMT.
82
5.2.1.4 Luíza
Eu acho que ele (o curso de Ciências Biológicas) me ajudou muito, principalmente
na parte prática, né, laboratório que a gente entra totalmente crua mesmo... sem
conhecer... até porque as escolas, pra quem estudou em escola blica, não tem
estrutura de um laboratório [...] (LUÍZA, p. 134).
Ao “optar” pelo curso de Ciências Biológicas, a professora Luíza ainda não estava
segura sobre a escolha do curso. Mas, o que a atraiu foi a expectativa de um curso
extremamente prático, com bastantes aulas de laboratório e a ampla possibilidade de atuação
profissional que o curso lhe proporcionaria:
Bom, eu fiquei muito na dúvida ao escolher... ao fazer minha inscrição pro
vestibular; mas o que me levou a fazer foi o campo, né, a grande variedade, né,
de... Que eu poderia me especializar, é um curso amplo! E achei que ia ter muitas
aulas práticas, que o ia ser aquele curso o monótono; então, achei que tinha
mais a ver assim comigo. Eu sempre gostei de lidar principalmente com a parte de
animais e seres humanos então eu me identifiquei (LUÍZA, p. 127).
Essa idéia de um curso voltado para a prática e com uma ampla variedade de aulas de
laboratório e viagens de campo parece ter sido alimentada no seu primeiro dia de aula:
No primeiro dia, na primeira semana ali da apresentação que os professores
contavam e diziam a forma que eles iam trabalhar a sua expectativa vai a mil, aula
prática, muita aula prática, muita viagem, né; os professores todos simpáticos ali
se apresentando; você cria a expectativa que tudo vai ser novo, que você vai ter
uma facilidade que amesmo tudo que é mais prático você assimila com maior
rapidez; então, eu tinha uma expectativa que ia ser maravilhoso! [grifo meu!]
(LUÍZA, p. 128).
Logo no primeiro ano de curso, porém, veio o desânimo. A expectativa e a euforia do
início foram quebradas, porque “Ah meu Deus! No ano, é, a gente vai toda animada, cheia
de novidades, de expectativa, no 1º ano peguei uma greve de 5 meses, né!” (LUÍZA, p. 127).
Sobre os referenciais de docência na sua formação acadêmica, a professora Luíza
destaca, num primeiro momento, a atuação de dois professores: a profa. N., de Invertebrados,
e o prof. V, de Histologia. Do relato de Luíza, infere-se que esses dois educadores
configuraram fortes modelos de docência a serem seguidos:
Olha, noano, foi a professora N.; nós pegamos ela no 1º ano. O que fez não a
mim, mas todos admirarem ela. Era a didática. Ela tinha facilidade de transmitir o
conteúdo, ela transmitia aquilo com muito amor, com muita simpatia; ela estava
sempre disposta a ajudar, a fazer realmente a gente aprender, tanto que muitas
vezes ela mandou tantos colegas reapresentarem o trabalho pra não serem
83
prejudicados. Além de ser excelente assim, uma professora maravilhosa, ela era
muito humana. Então, eu acho ela uma professora muito especial! (LUÍZA, p. 128).
Ah! s tivemos o professor V., admirava ele muito pelo raciocínio, pela agilidade,
as aulas práticas também nós realizávamos várias, era interessante; então eu
admirava ele por esse lado dele, ele tinha um raciocínio muito bom, memorizava as
coisas assim, né, passava pra gente coisas que ele memorizava (LUÍZA, p. 129).
A influência da professora N. parece ter sido preponderante na formação docente da
professora Luíza que relata, emocionada, as aprendizagens adquiridas com essa educadora:
Olha, eu acho que... não sei se é por que eu tenho um carinho muito especial; eu
acho que é a professora N., assim, a parte de invertebrados, assim, foi delicioso,
sabe? A forma como ela lidava com a gente, muitas vezes ela parecia que queria ser
sabe... como uma mãe, assim..., pra todo mundo... ela dava bronca quando era
necessário, [...] ela se dispunha muitas vezes a atender a gente na casa dela, sabe?
Então eu achei assim que, ela foi marcante, aquela professora doce, carismática,
que sabe transmitir todo aquele conhecimento que ela tem, sabe? Ah, eu acho ela
um amor! Eu aprendi a realizar pesquisas, a ser humana, a inovar nas práticas,
até mesmo em coisas simples, né, que ela levava muitas vezes pra gente, maquetes,
cartazes, até mesmo às vezes um objeto... coisas simples assim... que ela fazia,-
mas que fazia, sabe? A diferença... toda a diferença! A professora N.! A
professora N. na área de “Invertebrados” não tem pra ninguém! [grifo meu!]
(LUÍZA, p. 133-135).
Num segundo momento, a professora Luíza destaca uma professora cujo trabalho não
foi tão significativo como o dos professores anteriores, no entanto afirma que o que mais
colaborou no trabalho desenvolvido foi a ênfase dada as aulas práticas:
No 2º ano, eu me lembrei de uma professora também que era contratada, a
professora A. As aulas em si, ela deixava um pouco a desejar; não tinha muito
domínio, mas ela assim... pra viajar... ela corria, ela batalhava e a gente conheceu
lugares, assim, muito bonitos e muito importantes, assim, pra área da Biologia que
ela pode nos levar (LUÍZA, p. 129).
Destaca também a importância das aulas de Metodologia e Práticas de Ensino,
embora ache que o estágio devesse ser mais supervisionado, mais orientado, pelo professor da
disciplina:
A prática de ensino também foi o M. K., ele deu suporte, assim, até certo momento,
ele tirou as dúvidas. Mas, eu não sei se é pela disciplina mesmo que é uma
disciplina que deixava a gente bastante livre... a gente praticamente fazia as coisas
mais em casa - orientava mais ou menos, algumas vezes ia na faculdade,
orientava a gente... realizava mais em casa, nós ficamos bastante decepcionados,
[...] em relação à parte assistida, porque praticamente ele não foi; a mesma nota
que ele deu, por exemplo, que ele avaliou o Fundamental, ele deu pro Médio, então
ele o foi assistir uma aula; a gente trabalhando, que é obrigatório; ele não foi
assistir uma aula do Ensino Médio e outra do Fundamental e também, no meu caso,
ele foi me assistir, porque depois a professora estava gestante e eu assumi as
aulas, porque quando ele foi assistir, eu tinha terminado a minha carga horária,
84
então ele foi me assistir bem depois, então não teve aquele, aquela orientação na
sala de aula [grifo meu!] (LUÍZA, p. 131).
No entanto, este mesmo professor, ao ministrar a disciplina de Zoologia, superou as
expectativas de Luíza:
O M.K. por ser inexperiente, ele transmitiu conhecimentos, assim, ótimos
principalmente aulas de laboratório... foi muito bom... foi o M. K. [...] É ele foi
ótimo assim, você via que ele se esforçava, que aquelas aulas práticas todas que
ele dava pra gente, ele refazia antes, sabe? Eram ótimas, assim, as aulas dele e
também a gente teve oportunidade de fazer viagens, assim, muito legais assim que
nós aprendemos muito! [grifo meu!] (LUÍZA, p. 129).
Das aulas de Metodologia Científica, Luíza faz a seguinte observação:
nós tivemos a parte de Metodologia Científica, que foi a E., eu acho que ela
também não tinha muita experiência, eu não sei se era o 1º ano que ela tava
ministrando aquela disciplina, que ela era um pouquinho contraditória em alguns
projetos, algumas coisas assim e a gente ficava até hoje meio que na dúvida de
como se monta um e nós tivemos a D. no ano, a D. trabalhou... (LUÍZA, p.
130).
Em relação à Psicologia da Educação, parece-me que as expectativas de Luíza não
foram correspondidas, algo que ela atribui a algumas ausências do professor durante o curso:
Foi o professor T. D., ele faltava mais do que ia, né; ele muitas vezes mandava as
atividades pra gente fazer, e a gente ia embora; ninguém ficava, e avaliou a gente
lá, as avaliações dele eram assim bastante pessoais, assim, bem voltadas pra
psicologia mesmo; na verdade a gente nem sabia por que ganhava aquela nota, né,
que ele dava (LUÍZA, p. 130).
Em relação à sua postura de estudante universitária, Luíza confessa que poderia ter se
empenhado mais e se justifica, dizendo que, talvez, isso se deva à baixa qualidade de ensino
proporcionada pelo curso:
Eu acho que, em vários momentos, eu poderia ter me dedicado muito mais ao curso.
Mas é que às vezes vose desmotiva pela própria qualidade; os professores não te
dão aquele apoio, né? Às vezes, não tem o material necessário; então algumas vezes
eu acho que eu poderia ter me dedicado um pouco mais ao curso; acho que eu
poderia ter estudado um pouco mais, aproveitado um pouco mais algumas coisas,
né, algumas das poucas oportunidades que s tivemos [grifo meu!] (LUÍZA, p.
133).
Entretanto, afirma que se dedicou bastante nas atividades extraclasse, era bastante
comprometida com os trabalhos:
85
Minha mãe diz que eu exagerava demais, sabe? Porque, às vezes, eu virava a
noite... cansei assim de virar a noite estudando...fazendo trabalho. Eu emagrecia,
porque, quando eu começava a estudar, eu não queria parar, sabe, por quê? - “ah!
se eu parar, eu não volto!”. Então, eu estudava muito, até mesmo porque eu fiz o
curso à noite, achando que eu ia trabalhar, mas eu acabei o trabalhando, assim,
principalmente, nos dois primeiros anos... Eu fui trabalhar, mas já no e noque
eu comecei a trabalhar... Então, principalmente nos dois primeiros anos, eu tinha,
tempo integral pra me dedicar à faculdade, ao curso. Eu nunca tinha aquele horário
certinho, porque eu acabava praticamente o dia inteiro estudando (LUÍZA, p. 133).
Indagada sobre as contribuições formativas do curso de Ciências Biológicas, Luíza faz
algumas críticas e aponta algumas deficiências que podem ser revistas / repensadas pelo
curso, a fim de que o mesmo possa melhor preparar os seus estudantes para a atuação no
mundo do trabalho, em especial, no magistério:
Olha... de um modo geral, convenhamos que tem aulas que nós nem tivemos... que o
professor muitas vezes não aparecia, que às vezes mandava alguma outra atividade
que às vezes o era relacionada... o tinha nada a ver com o curso. Tem aquelas
disciplinas que você esperava mais, né? E que deveria realmente ter como o caso da
Física, a parte da Química eu não pegaria uma aula no Ensino Médio, a série
ainda dá pra você levar... e olha! que ainda não tem aquele domínio todo de
conteúdo. Tem que estudar muito, porque o que nós vimos foi básico, foi... nossa!
Deixou muito a desejar... tem muitas disciplinas que deixou assim muito a desejar,
sabe? [grifo meu!] (LUÍZA, p. 132).
E complementa:
Eu acho que, se fosse depender da nossa formação, lá dentro, eu não teria encarado
ser uma professora o. Tanto que outros colegas, a minoria da turma quis ir pra
uma sala de aula justamente pela falta de preparo, né? que a gente sempre espera
algo mais voltado pra educação, né?, pra sala de aula... a gente sempre esperava
um pouco mais, então nós nos achávamos, assim, muito inseguros, imaturos, né?,
pra assumir uma turma, uma sala de aula... eu consegui... assim, fui pra sala de
aula realmente, porque eu não esperei terminar o curso [grifo meu!] (LUÍZA, p.
134).
Luíza também destaca as substituições que pegou, antes de se formar, como fator
importante à sua preparação para docência:
[...] pra começar a trabalhar em sala de aula, né? Antes, eu pegava substituição,
pegava três meses... então eu consegui me soltar, consegui ter mais... mais...
como eu vou falar?, mais didática. Também, mesmo pra trabalhar com eles, então
eu já tinha uma certa experiência, né? Então, por isso que eu saí sabendo que eu
iria pra sala de aula... que era o que eu sabia fazer [grifo meu!] (LUÍZA, p. 134).
86
Para Tardif (2002), os professores não colocam todos os seus saberes em pé de
igualdade, mas tendem a hierarquizá-los em função de sua utilidade no ensino. Talvez, resida
aí o valor que Luíza atribui às substituições para sua formação docente.
Apesar das críticas apresentadas em relação à graduação, Luíza reconhece a
contribuição, principalmente, das aulas práticas do curso de Ciências Biológicas para a prática
educativa:
Eu acho que ele (o curso) me ajudou muito, principalmente na parte prática, ...
laboratório que a gente entra totalmente crua mesmo..., sem conhecer... até porque
as escolas... pra quem estudou em escola pública... não tem estrutura de um
laboratório, é realmente que você vai ter esse contato, né? e então, essa parte
prática eu acho que eu aprendi muito, carrego muitas coisas comigo É a
convivência amesmo ali em sala de aula... vojá tem uma idéia quando você vai
apresentar... eu aprendi a me soltar mais, a ter mais facilidade pra falar em
público, né? ... que eu era muito tímida pra isso, então isso foi positivo [grifo meu!]
(LUÍZA, p. 134).
Este foi, então, um breve recorte da trajetória formativa da professora Luíza no curso
de Ciências Biológicas.
Analisando os depoimentos dos entrevistados, percebe-se que o curso de Ciências
Biológicas da UFMT/ICEN/CUR trouxe, para os participantes desta investigação, inúmeras
aprendizagens no tocante à preparação para o exercício da docência. Muitas questões relativas
ao curso, porém, podem ser revistas para que se possa aperfeiçoar, ainda mais, sua tarefa de
preparar os egressos para o mercado de trabalho, aqui, em especial, para o magistério.
Nesse sentido, tenho a esperança de que o presente trabalho possa dar a sua
contribuição social, apontando caminhos e suscitando reflexões que possam colaborar neste
processo de aperfeiçoamento.
Após percorrer a trajetória formativa de Antônio, Otávio, Vida e Luíza, algumas
inquietações me assediam: como foi o primeiro dia de aula desses professores? Quais foram
as maiores dificuldades e conquistas no início da docência? Como eles significaram este
período de desenvolvimento profissional docente? Que aprendizagens eles adquiriram na fase
inicial de profissão no magistério?
5.3 Experiências Iniciais da Docência
A fase inicial de profissão docente é caracterizada, basicamente, pela passagem da
vida de estudante para a vida de professor, processo este que tem o seu início no curso de
formação inicial (graduação), por meio da realização de atividades de prática de ensino e
87
estágio. Todavia, neste momento, o contato dos universitários com o campo profissional é um
tanto incipiente, porque eles ainda não são efetivamente profissionais (LIMA, 2006),
sobretudo porque a prática de ensino e estágio constitui parte essencial do processo de
formação para o exercício da docência.
Muitas investigações indicam que o início da docência é, com muita freqüência, um
período que em que o professor encontra situações inesperadas e, às vezes, difíceis de serem
enfrentadas, todavia configura-se também como um momento rico na construção de um saber
especificamente ligado à prática pedagógica (CORSI & LIMA, 2005).
Um dos autores de relevância, no que tange ao processo de entrada dos docentes na
aprendizagem profissional, é Huberman (2000) que fez um trabalho de investigação
significativo acerca do ciclo de vida profissional dos professores. Este pesquisador identifica
a primeira fase desse ciclo, a de entrada na carreira, como um período de sobrevivência e
descoberta, estas fases podem aparecer de diferentes maneiras na prática do professor,
inclusive, podendo prevalecer uma delas. Huberman (2000, p.39) descreve, por exemplo, o
momento de sobrevivência como:
[...] o ‘choque do real’, a constatação da complexidade da situação profissional: o
tatear constante, a preocupação consigo próprio (‘Estou a me agüentar? ’), a
distância entre os ideais e as realidades cotidianas da sala de aula, a fragmentação do
trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à
transmissão de conhecimentos, a oscilação entre as relações demasiado íntimas e
demasiados distantes, dificuldades com alunos que criam problemas, com material
didático inadequado etc.
Nesse sentido, é importante destacar que as características do início da docência se
manifestam com algumas especificidades (LIMA, 2006), razão pela qual o presente trabalho
se propôs a desvelar e a entender, como os egressos do curso de Ciências Biológicas da
UFMT/ICEN/CUR aprendem a docência nesta fase inicial de profissão docente.
Decorrente disso, apresentarei, a seguir, os depoimentos dos sujeitos dessa pesquisa
Antônio, Otávio, Vida e Luíza nos quais eles falam sobre como estão significando este
período de iniciação profissional. Como terá sido este início? Quais foram as suas maiores
agruras? Que conquistas foram alcançadas?
A respeito disso, durante as entrevistas, o professor Antônio me relata que, após ter
concluído o curso de Ciências Biológicas, a sua primeira experiência como professor foi em
um cursinho comunitário, organizado pela Igreja Católica: “[...] foi no cursinho [...]. Foram
dois meses e meio, eu fiquei um mês a mais, foram três meses e meio” (ANTÔNIO, p. 62).
88
Período ao qual o depoente não atribui grande significação: “[...] o cursinho era uma coisa que
eu chegava ali, ‘tchau e bênção’; terminava e ia embora; na escola, não! eu tinha aquele
compromisso todos os dias [...]” (ANTÔNIO, p. 66). Para ele, o período significativo foi
quando pegou uma substituição de Química e Física na Escola José Salmen Hanze: “[...] pra
mim, falar de uma turma mesmo, foi este ano no Salmen Hanze. Uma professora teve que
pegar uma licença médica de 15 dias e eu peguei aula de Química e Física” (ANTÔNIO, p.
61).
Nesse contexto, Antônio afirma que não imaginava que iria viver tantas experiências
num período tão curto de tempo: “Foi tudo muito rápido, colei grau esse ano, entrei numa
sala de aula, então foi tudo de surpresa pra mim, eu não esperava que nesse ano, eu chegasse a
viver tudo isso” (ANTÔNIO, p. 66).
Sobre o “primeiro dia de aula”, o professor Antônio diz que sentiu certa ansiedade ao
se deparar com a turma de alunos: “[...] quando eu vi aquela sala de aula lotada, deu aquele
‘gelinho na barriga’, mas correu normalmente” (ANTÔNIO, p. 61).
Apesar das dificuldades iniciais da profissão docente, Antônio denota certo
entusiasmo acerca do sucesso alcançado pelos seus alunos, em especial, nos concursos
vestibulares: “[...] uma experiência única; porque, depois você olha na relação de aprovados
do vestibular, e vê alguns alunos daqueles que estavam ali com você, [...] Alunos que estavam
há muito tempo sem estudar ainda” [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 61).
Entusiasmo este que a professora Vida também declara ter sentido no início do
exercício da docência:
Eu arrasei, eu acho! Não... eu brincando. Foi assim...uma oportunidade
maravilhosa que eu tive na minha vida e num momento que eu precisava bastante;
não daquela profissão, mas daquele salário; e eu comecei a trabalhar, e eu vi que
eu poderia fazer melhor e fiz melhor. Dei o meu máximo totalmente mesmo pra
profissão; eu, além de trabalhar o que eu deveria com os alunos, eu ajudava eles em
projetos, que é muito deficiente isso pelo menos na escola que eu trabalho,
desenvolvi projetos, é... fiz aulas práticas; levei pra passeios; fiquei muito feliz com
meu rendimento logo no início, tanto que, eu analisei a partir do ano que era
aquilo que eu gostaria de continuar fazendo o resto da minha vida, porque eu fiz
bem feito e, às vezes, quando você faz uma coisa que não é bem feita, você não fica
feliz com o resultado, e o resultado me deixou muito mais feliz e a satisfação que
eu tenho, porque hoje eu continuo trabalhando nessa mesma escola, é que muitos
que foram meus alunos do ano passado, no ano do Ensino Médio, hoje estão no
ano e dizem: (não sei também se é tão verdade, mas eu acredito que sim!) - que
querem fazer Biologia, porque se descobriram no ano anterior com o que foi
estudado comigo [grifo meu!] (VIDA, p. 115).
A respeito disso, Huberman (2000, p.39) afirma “que o aspecto da ‘descoberta’ traduz
o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de
89
responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa), por se sentir colega
num determinado corpo profissional [...]” Para ele, são estes fatores que contribuem para que
o recém-professor continue na profissão, ajudando-o a superar este período de sobrevivência,
ou seja, de fase inicial de profissão no magistério.
Com o professor Otávio, porém, a história parece-me ter sido um pouco diferente. Ele
relatou que enfrentou grandes dificuldades neste início de profissão:
[...] foi muito difícil [...] muitas vezes, a gente não sabe a melhor maneira de fazer,
e você é obrigado a descobrir essas coisas [...] cheguei no colégio apto pra ensinar;
peguei uma substituição; acho que a maioria começa com uma substituição [...] aí a
professora veio; me deu uma caixa de giz e me deu um apagador, e eu falei: - Qual
é a matéria que trabalhando? Aonde você parou? E ela falou: - Olha são seis
turmas – dá uma olhada aí, entendeu! [grifo meu!] (OTÁVIO, p.95).
[...] eu estava perdido, então foi mais ou menos a primeira semana foi um
desespero!” [grifo meu!] (OTÁVIO, p.96).
É evidente, no depoimento de Otávio, a sensação de “solidão profissional”, a cobrança
interna, a obrigação de ele por si resolver essas dificuldades iniciais da docência. Nesse
sentido, percebe-se que o apoio institucional/pedagógico poderia amenizar este confronto
inicial com a realidade da sala de aula. Nesse movimento, penso que uma das grandes
contribuições dessa investigação, em congruência com outras pesquisas realizadas, é a
chamada de atenção aos gestores da educação acerca da importância da acolhida, da
orientação e formação desses professores iniciantes. Muitos deles, nesta fase crítica da
carreira docente, sentem-se culpados, incapazes, incompetentes, o que leva quase 33% dos
docentes iniciantes desistirem da profissão (TARDIF, 2002).
Acerca deste primeiro contato com a sala de aula, uma aprendizagem, construída neste
início de profissão docente que gostaria de destacar e que percebi no depoimento de Antônio e
no dos demais participantes dessa investigação como se verá a seguir –, é a realização da
sondagem, isto é, a investigação sobre os conhecimentos prévios dos alunos, das suas
expectativas da turma em relação às aulas, etc.
Pude perceber que esta estratégia metodológica permite ao professor iniciante a
construção de uma base, de “um tatear do terreno”, de conhecer seus alunos, de se conhecer,
de “tomar um fôlego”, muitas vezes, do “susto inicial” e de perceber que decisões podem ser
tomadas a partir de então:
90
Primeira coisa que eu fiz foi chamar eles para uma conversa: - o que vocês tão
buscando? Qual é a dificuldade? Eu fui fazer uma avaliação com eles ali, o que eles
estavam vendo, o que eles estavam com dificuldade (ANTÔNIO, p. 62 - 63).
[...] soltei uma sondagem na sala, né! Fui pra sala conversei com eles, geralmente
são duas aulas, nesse meio tempo, tempo eu dar uma olhada nos cadernos deles,
ver o que eles tavam fazendo, que eu estava perdido (OTÁVIO, p. 96).
Outro aspecto formativo que se articula à sondagem é o estabelecimento de um
contrato pedagógico entre professor e aluno, o que, na visão de Antônio, contribuiria para o
bom desenrolar das aulas:
[...] foi um pacto que eu fiz com meus alunos; eu peguei as notas anteriores com
eles, e falei: - gente, vocês vão mudar, e eu preciso que vocês façam um trato
comigo; se vocês concordarem, eu me proponho a ajudar vocês e vocês se propõem
até o final do ano todo mundo ir bem de nota, eu falei: - no final do bimestre, eu
quero todo mundo ou com “E” de excelente ou com “O” de ótimo; que são as duas
maiores notas, mas eu não vou dar nota para vocês; vocês vão buscar. E olha! Eu
vou falar um negócio para você, de cada turma, se 3 alunos tiveram menos que O...
foram 3 ou 4 alunos que tiveram B, eu não tive nem um aluno com I ou com S
(ANTÔNIO, p. 69).
E complementa: “[...] sempre falava para os meus alunos: - vocês têm a liberdade de
falar comigo como eu tenho de falar com vocês; quem quer conversar com a pessoa do lado,
converse; desde que não atrapalhe o que quer estudar!” (ANTÔNIO, p. 69).
Nesse período, uma estratégia de sobrevivência adquirida por Antônio em suas aulas e
que o ajudou na prática pedagógica foi a promoção da interação entre os alunos, delegando
a função de monitores aos alunos mais experientes:
[...] botava eles em grupo ali para discutir: um mostrar pro outro e aqueles que
estavam em atividade
19
procurar ajudar aqueles que não estavam, e eu circulando
na sala, tirando vida aqui, outra ali. Mas o que eu fiz foi a interação entre os
alunos que estavam em atividade e aqueles que tinham parado algum tempo
(ANTÔNIO, p. 63).
Ao pensar sobre uma prática dialógica na sala de aula, compartilho da idéia de
Carvalho (2005, p. 13) quando afirma que “[...] é fundamental que a escola desenvolva ação
educativa que crie condições necessárias, que favoreçam a tomada de decisão, a aquisição de
atitude crítica ante o mundo, a realidade e a existência. Carvalho (2005, p. 35) complementa
que “[...] no cotidiano da sala de aula, o professor necessita de tempo para analisar e dialogar
com os alunos sobre suas reações perante o ensinado”.
19
Quando o professor Antônio fala de “alunos em atividade”, ele se refere aos alunos que não interromperam os
estudos, o que é, na opinião dele, diferente daqueles que estão um certo tempo sem estudar, os quais ele
denomina como os alunos que “não estão em atividade”.
91
Ainda sobre esta reflexão acerca das interações sociais em sala de aula, tenho um
artigo produzido sob a supervisão da Profa. Dra. Soraiha Miranda de Lima, intitulado “Ensino
de Ciências: possibilidades de uma prática progressista”
20
, no qual faço uma discussão
acerca do professor e do aluno mais experiente como o “outro” que deve ser valorizado, a fim
de promover uma aula dialógica e participativa, isto é, uma parceria significativa, que venha a
contribuir na construção do conhecimento dos alunos (BALDOINO, 2006).
a professora Vida, em relação ao primeiro contato com a sala de aula, afirma que o
seu nervosismo não permitia que ela “olhasse”, “sentisse”, “percebesse” os seus alunos, o que
acabou prejudicando até no ritmo de suas explanações e na compreensão por parte dos
estudantes acerca da matéria que estava sendo ensinada, pois a quantidade de conteúdos
repassada por ela, se sobrepunha à qualidade da exposição dos mesmos:
Quando eu um pouco ansiosa, assim... dizem né, que eu nunca analisei por esse
lado, mas eu acho que é verdade. Eu começo a falar muito rápido, eu começo a
falar rápido, rápido, rápido. Às vezes não dou tempo pras pessoas entenderem, pra
se situarem e eu falava muito rápido e queria passar muito conteúdo, isso eu não
digo que só o 1º dia não, a 1ª semana [...] (VIDA, p.115).
Vida relata que, com a experiência, aprendeu que a qualidade dos conteúdos
transmitidos é mais importante do que a quantidade dos mesmos, como se observa abaixo:
[...] depois eu percebi que não é [...] a quantidade de conteúdo que é passado, mas
a qualidade como aquele conteúdo é transmitido, eu fui melhorando aos
poucos..., hoje em dia acho que eu vou no ritmo que deve ser, tem que cumprir a
grade, mas também tem que dar tempo pros alunos assimilarem o que sendo
passado pra eles! [grifo meu!] (VIDA, p.115).
Quando solicitei à professora Vida que fizesse uma comparação do primeiro dia de
aula com a forma como ela aula hoje, percebi que muitas aprendizagens foram adquiridas
neste curto tempo de profissão, como é observável em seu relato:
Ah... eu melhorei muito, eu, [...] quando fui pra minha aula... acho que peguei
mais ou menos uns seis livros... ia explicar sobre a fotossíntese, peguei mais ou
menos uns seis livros e fiz um resumo. Fazia um e fazia outro; fazia um, e fazia
outro, no final... ficou o menor de todos, que eu acabei utilizando, e falei muito
rápido, e não tive tempo pra olhar pros alunos, olhar nos olhos dos alunos,
conhecer aquele espaço ali, e, hoje em dia, essa situação é o oposto... eu entro...
cumprimento eles, como a gente já tem essa relação, eu consigo observar quem não
tão bem, quem com algum problema; tem uma flexibilidade maior com
20
Disponível em: < http://www.cesur.br/?f=artigos_publicacoes/ensino_ciencias_naturais.php
92
aquela pessoa que não tão disposta naquele momento... e passo o conteúdo, mas
levando em consideração as limitações dos alunos, e eu não tinha isso no primeiro
momento... eu não sabia qual que era o limite deles, e agora eu sei. Por ser uma
escola ensino EJA, já são adultos e, a maioria é bem adulto mesmo; eles têm muitas
limitações, mesmo assim, tudo isso tem que ser levado em consideração, e eu
procuro entender “o pessoal” deles (exemplos): - “briguei com o meu marido,
professora! Meu filho internado! Hoje meu marido não queria deixar eu vim
estudar! Tudo isso tem que ser considerado, mas não deixar que aquilo ali
também atrapalhe o rendimento dos outros, que não tem culpa dos problemas que
aquela pessoa passando. Eu tenho uma flexibilidade com aquele aluno, não
com toda a turma, porque senão... é levado muito no “relaxado” também... e não é
bem assim! [grifo meu!] (VIDA, p. 121).
Outro aspecto formativo interessante que pude perceber, nos relatos dos professores
investigados, é o valor que os mesmos atribuem à experiência, pois os educadores, ao
testarem e retestarem suas práticas, no âmbito da sala de aula, vão adquirindo um “saber
experiencial” que tem como função servir de norte para as futuras práticas. Inclusive, chegam
a afirmar que esta experiência confere a eles uma “segurança maior” acerca do processo de
ensino-aprendizagem:
Quando eu peguei a turma aqui no Salmen Hanze, eu entrei mais seguro, fui
substituir uma professora de Química e Física, que é uma disciplina totalmente fora
da minha área [...] [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 63).
[...] então eu preparava alguns resumos levava, conversava, sentava em grupo, mas
com uma segurança maior... com uma segurança maior [...] [grifo meu!]
(ANTÔNIO, p. 63).
[...] eu não esperei terminar o curso pra começar a trabalhar em sala de aula, né?
Antes eu pegava substituição, já pegava três meses, então eu consegui me soltar;
consegui ter mais, mais [...] didática [...] Pra trabalhar com eles; então, eu
tinha uma certa experiência, né? Por isso que eu saí (do curso de Biologia)
sabendo que eu iria pra sala de aula, que era o que eu sabia fazer [grifo meu!]
(LUÍZA, p. 135).
A respeito do saber experiencial, Tardif (2002) afirma que
[...] o saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos definidos de
uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma carreira
profissional na qual o professor aprende progressivamente a dominar seu ambiente
de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de
regras de ação que se tornam parte integrante de sua “consciência prática”
(TARDIF, 2002, p.14).
Como se pode perceber, os professores aprendem por meio da experiência; portanto
vão construindo uma gama de saberes práticos, que são validados ou não pela prática
cotidiana. Ao pensar nesta dimensão formativa do professor (a prática pedagógica), penso
93
como Rocha (2001, p.172) quando a mesma afirma que: “[...] a prática é um elemento
fundamental para se discutir os saberes profissionais, mas por si não se constitui em saber
profissional. É a reflexão da prática e na prática que viabiliza a reconstrução de saberes
pedagógicos”.
Imersos na prática, tendo que aprender fazendo, os educadores devem provar a si
mesmos e aos outros que são capazes de ensinar. Estes saberes validados pela experiência
transformam-se em macetes da profissão, em habitus, em traços da personalidade profissional
(TARDIF, 2002).
Nessa perspectiva, é importante lembrar que é no início da docência que a estrutura do
saber experiencial é mais forte e importante. Gradualmente, a experiência nova proporciona
aos educadores certezas em relação ao contexto de trabalho, o que possibilita a sua
consolidação no ambiente profissional escola e sala de aula –, pois a experiência nova
confirma também sua capacidade de ensinar (CORSI & LIMA, 2006).
Tardif & Raymond (2000 apud CORSI & LIMA, 2006), por meio dos dados de suas
pesquisas, afirmam que é na experiência que são adquiridas a força e a estabilidade na
profissão. E é neste momento que os saberes da história de vida e os saberes do trabalho
construídos na fase inicial da prática profissional ganham sentido, pois formam o alicerce no
qual se assentam os fundamentos da personalidade do professor.
5.3.1 Dificuldades no início do magistério: “o choque da realidade” 21
[...] ela me ligou à tarde: “- Ah, vem aqui à noite”. Achei que era pra conversar
com a professora... ela me entregou o material e “sumiu no mundo”, tive que
assumir a turma naquele dia (ANTÔNIO, p. 62).
O início do magistério para os professores tanto pode se encarado como um momento
difícil, de obstáculos a serem superados, como pode se constituir em uma fonte de intensas
aprendizagens.
Para o professor Antônio, o que ele achou mais difícil neste período de iniciação
profissional foi o fato de os alunos possuírem uma defasagem de aprendizagem no
conhecimento específico. O que se constituiu em um obstáculo a ser superado. Obstáculo que
ele atribui ao “Programa de Aceleração da Aprendizagem dos alunos”
22
:
21
Expressão utilizada por Shulman (1986); Garcia (1999); Tardif (2002); Lima (2006), entre outros.
22
O programa Aceleração da Aprendizagem destina-se a solucionar distorções no percurso escolar do indivíduo
que, devido a sucessivas repetências, apresentam a defasagem idade/série, de acordo com o ensino regular
(Informação disponível em: www.seduc.mt.gov.br)
94
[...] eu levei um certo susto, porque eu peguei aluno totalmente despreparado [...]
você pega um aluno que faz uma série, se vai saltando de 2 em 2 anos; ele vai
pulando as bases de algumas coisas. ele chega no ano, preparando para ir
pro “terceirão pra preparar pro vestibular e ele não sabe o que é uma equação de
2º grau que você começa a ver lá na 5ª série (ANTÔNIO, p. 63). (ANTÔNIO, p. 63).
Em determinados momentos, ele chega a falar do processo de “aceleração”, até com
certa indignação. Nesse sentido, chega a afirmar que os professores não são preparados para
lidar com este tipo de situação:
[...] é muito difícil um aluno pular etapas e você conseguir fazer ele acompanhar
na frente; que se pega uma turma que veio desde o início regularmente e pega um
aluno que pulou duas turmas, como é que você faz? Eu vejo que os professores não
estão preparados para isso, não estão, e eu senti isso nos conselhos de classe [grifo
meu!] (ANTÔNIO, p. 71).
[...] tinha aluno da série. Eles aceleraram pro ano... então, ele pulou todo o
início do processo, né? Então a dificuldade com esses alunos era maior, eu
conversava, eu preparava, eu via que passar exercício o ia adiantar, [...]
(ANTÔNIO, p. 63).
[...] por exemplo, eu começando hoje, pegar uma turma no ano, começo
falar ali de uma cadeia de carbono e o aluno não sabe o que é uma cadeia de
carbono. [...] ele foi acelerado da 5ª pra 7ª, ou da para a e ele foi acelerando
de ano a ano, pulando fases, pulando etapas, chegou na série, aceleraram pro
ano e chega lá, o aluno não consegue fazer uma equação de grau (ANTÔNIO,
p. 63).
Diante das considerações de Antônio, cabe aqui levantar uma indagação: será que não
está subjacente na prática deste professor uma defasagem no processo de “ensinagem”? Os
dados não nos revelaram respostas para esta questão, mas penso que vale a pena levantar este
questionamento para reflexão.
Além da dificuldade mencionada anteriormente, Antônio afirma que teve outros
desafios a serem superados, pois teve de “preparar diário, hora-atividade, preparar aula...”
(ANTÔNIO, p. 64). Teve de aprender a lidar com a dupla jornada de trabalho, ou seja, o
emprego na corretora de seguros e a docência:
[...] eu tenho meu trabalho aqui na corretora; tinha que sair daqui, chegar em
casa, tomar um banho, comer alguma coisa e tinha que ir dar aula. Então, eu
chegava [...] da aula e ia preparar a aula do dia seguinte. Aqui no meu trabalho
também quando eu tinha tempo eu entrava na Internet, “fuçava” alguma coisa nova
[...] o dia-a-dia de um professor não é fácil! [...] (ANTÔNIO, p. 64).
95
o professor Otávio relata que uma de suas grandes dificuldades no início do
magistério foi aprender a lidar com alunos portadores de necessidades educativas especiais:
[...] pegar aluno com necessidade especial é lindo [...] o discurso [...] de colocar um portador
junto com os alunos “normais”! Perdão, são todos normais! É... “excepcionais!” Eu tive
“uma experiência horrorosa!” [grifo meu!] (OTÁVIO, p.96). Otávio relata que teve uma
experiência na sua prática docente, da qual não tem nenhuma saudade:
[...] Tinha uma portadora de deficiência física que tava comigo na sala. ela
menstruou, e ela queria trocar o absorvente, e eu fiquei tão...tão... eu não sabia o
que fazer... [...]; eu tinha que sair atrás de alguém pra levar ela no banheiro pra
trocar o absorvente dela [...] eu tive que pedir socorro pra uma colega minha;
fiquei cuidando da sala dela pra ela ir e trocar o absorvente da menina. [...]. Se
torna constrangedor pra as duas partes, entendeu? Ela, envergonhada por falar [...]
da menstruação tinha descido, naquele exato momento, e [...]eu o sabia o que
fazer, porque na verdade, Eduardo, nós não estamos preparados pra isso [grifo
meu!] (OTÁVIO, p.97).
E tinha o E. que tinha problema de fala, né. Ele tinha um problema de fala e de
escrita, entendeu? Ele tinha dificuldade de pegar a explicação, eu tinha que chegar
dar a folha pra ele, dar a aula normal e no intervalo chamar ele e dar a aula
particular pra ele (OTÁVIO, p.97).
Mas de todos os obstáculos do início da carreira, o que deixa Otávio mais indignado é
a falta de apoio dos professores com mais tempo de profissão e os comentários que eles
costumam fazer:
Então, eu acho que, a maior dificuldade da pessoa que tá iniciando na profissão é o
comentário ridículo de alguns colegas. Eles falam assim: - querendo mostrar
serviço o novato! Entendeu? Eu acho que o serviço tem que ser mostrado
independente ou não de ser novato (OTÁVIO, p.98).
Para a professora Vida, a sua maior dificuldade no início da profissão foi lidar com a
indisciplina de alguns alunos. Nesse movimento, ela afirma que o respeito à figura do
professor é algo pouco presente nos dias atuais:
A problemática que eu acho... que tem em toda a educação é a indisciplina. Não
existe mais o respeito que deveria existir pelo professor; o professor não é encarado
por muitos alunos - principalmente adolescentes - como a autoridade naquele
momento em sala de aula,... o professor às vezes é comparado com rias coisas,
menos com alguém que deve ser respeitado, naquele momento, em uma sala de aula,
onde você tem um aluno que não tem respeito, não tem disciplina. Ele atrapalha
muito, não atrapalhaa sua aula, como atrapalha o rendimento dos outros alunos
e esse é o problema maior que eu tive; eu nunca tive problema com o conteúdo,
porque eu me preparo pra ir pra sala de aula, em passar o conteúdo ou com a
metodologia que eu resolvi usar naquele dia, mas com aluno indisciplinado e
desrespeitoso aí eu tenho problema! [grifo meu!] (VIDA, p. 116).
96
Com base em estudos realizados sobre o início na profissão docente, Veenam (1988
apud CORSI & LIMA, 2006) indica que a indisciplina aparece em primeiro lugar entre as
dificuldades apontadas pelos professores iniciantes. O pesquisador enfatiza que nem todos os
professores têm esse problema em relação à disciplina, mas uma grande parcela é afetada por
ele. Destaca, também, que a disciplina é um conceito ambíguo, pois pode ter significações
diferenciadas para cada professor, isto é, o comportamento inadequado por um professor pode
ser entendido de maneira diferente por outro.
Ao ser perguntada sobre como lidava com as dificuldades que se apresentavam no
início da docência, a professora Vida disse:
Quando eu encontro dificuldade com relação ao conteúdo, eu estudo; eu não
recorro a ninguém, eu mesmo estudo; pego livros, pego apostilas, vou atrás e
procuro entender aquele conteúdo porque, por exemplo, esse ano eu tendo um
pouquinho de dificuldade porque eu peguei duas aulas, duas salas de Química, e
Química, não é o meu forte, muito pelo contrário é o meu fraco. Então, eu tenho que
estudar muito, eu estudo pra passar. Agora, quando o problema é com aluno... se é
um problema simples, eu procuro resolver sozinha, quando é a questão da
indisciplina e do desrespeito, eu recorro à coordenação e, quando é uma coisa
administrativa, eu vou à secretaria (VIDA, p.122).
No que tange à Educação Especial, diferentemente do professor Otávio, Vida diz que
teve a oportunidade de fazer um curso de “Libras”
23
que a ajudou no processo ensino-
aprendizagem com aluno portador de necessidades educativas especiais:
Um curso [...] que me ajudou muito na minha profissão, foi um curso de Libras
Língua Brasileira de Sinais. foi muito bom, porque eu tenho uma aluna surda e eu
tinha dificuldade com ela, eu tinha que dar aula e ficar olhando pra ela o tempo
todo, que ela lábios, e agora eu sei um pouco, me comunicar com Libras;
então, facilitou o aprendizado dela e o meu trabalho também, é um curso bom, que
me ajudou muito na profissão, muito mesmo! (VIDA, p.124).
Para a professora Luíza, o início da docência, também, parece não ter sido tão fácil.
Em seu depoimento, percebi que foi um período marcado por instabilidades, inseguranças,
medos acerca do processo ensino-aprendizagem:
No início, até mesmo antes, né?... Antes de entrar na sala, eu estava tensa. Quando
eu entrei na sala, eu tremia, tudo novo, né? Os alunos todos te olhando, né? E
querendo saber quem é... então, você fica naquela expectativa, naquela ansiedade,
naquele medo de não conseguir, de não conseguir fazer com que eles aprendam, de
transmitir seu conhecimento, até mesmo por não ter tanta experiência [...] (LUÍZA,
p. 136).
23
Língua Brasileira de Sinais
97
Algo que me chamou atenção, é que a professora Luíza, ao relembrar os momentos
significativos deste período inicial do magistério, busca em suas lembranças, memórias acerca
de sua vivência como aluna:
[...] como aluna também que fui um dia, a gente sabe que é difícil , né? Quando
entra um professor novo, principalmente se você se abre dizendo que você é nova na
profissão, que eles te vêem como uma pessoa inexperiente. E então eu tinha... eu
tive nesse dia muito medo, mas eu sou uma pessoa assim. Depois que eu começo a
falar também que eu me encontro, aí não tenho medo de nada, eu acho que eu
falo até demais (LUÍZA, p. 136).
Sobre isso Reali e Mizukami (2005, p. 124) afirmam que
a influência das experiências de escolarização é aparentemente forte, já que os
professores passam por um processo de ‘aprendizagem por observação’ informal ao
longo do tempo, o que constitui um desafio quando o aprender a ser professor é
comparado com a aprendizagem de outras profissões.
A professora Luíza tem algo em comum com o professor Otávio: o sentimento de
solidão profissional no início da profissão docente, imbricado a um forte componente de auto-
cobrança acerca do sucesso na carreira. O que está atrelado a esse sentimento é a preocupação
com a aprendizagem, a motivação dos alunos, a indisciplina, a correta utilização dos diários, o
domínio de sala, conforme depoimento:
[...] tudo muito novo... então você não tinha a intimidade ainda com os demais
professores... então você tinha que sempre pedindo auxílio pra trabalhar com
diários, né? Cada escola tem uma diferença muito grande de um diário pra outro. E
então você tem medo... e tem medo de errar... tem medo de falar alguma coisa
errada, né? E fica também assustada com aquele aluno que você não consegue
chamar a atenção, que você o consegue ter domínio sobre ele... Então, às vezes,
acaba desanimando, vai pensando: - será que é comigo que sou nova? Será que eu
não tenho domínio sobre ele? No início você tem que estudar muito, né? Então, você
fica com medo de, de repente, passar uma informação errada, de não estar
conseguindo transmitir, deles não estarem conseguindo aprender. Às vezes, não
conseguem aprender e você fica pensando: será que eu não consegui passar o
conteúdo da forma adequada? E você fica pensando em outras formas, em outras
formas de passar o conteúdo pra aquele aluno entender (LUÍZA, p. 136).
Sobre isso, Nono e Mizukami (2005) afirmam que
[...] a entrada na carreira parece marcada [...] por aprendizagens diversas, pelo
convívio de sentimentos contraditórios em relação à profissão, pela busca excessiva
de superação de obstáculos, por fortes exigências pessoais em relação ao próprio
desempenho profissional (p.147).
98
Outra dificuldade que a professora Luíza destaca sobre início do magistério é o
relacionamento com os pais dos alunos, pois os mesmos, segundo ela, por não entenderem
como o trabalho pedagógico acontece, acabam atribuindo o insucesso dos seus filhos apenas
aos professores e se esquecem de que são muitas as variáveis (dentre elas, o próprio
desconhecimento sobre a vida escolar dos filhos) que determinam o resultado da
aprendizagem dos estudantes:
[...] também tem pais que, muitas vezes, no início, não entendem o trabalho da
gente, né? Que muitas vezes não conhecem o próprio filho... então acaba, achando
que muitas vezes s somos os culpados, porque muitas vezes o filho não
superando aquela expectativa, que os pais têm [...] (LUIÍZA, p. 136).
Sobre a sua maior dificuldade no início da docência, Luíza afirma que foi o quesito
domínio de sala, pois, para ela, estabelecer empatia com os alunos e ao mesmo tempo
direcionar os trabalhos numa sala de aula, configurou um grande paradoxo:
Olha, a principal dificuldade que eu vejo, é você conseguir ao mesmo tempo
dominar uma sala e “ser doce” ao mesmo tempo com eles, ?... porque, às vezes,
“o domínio de sala” que eu vejo, principalmente, nos colegas novos é... é falar alto,
é gritar, é ter que chamar a atenção, e na maioria das vezes, isso não resolve, e isso
também, é algo que você vai aprendendo, vai ganhando com a experiência, ?
Então, a dificuldade principal é o domínio de sala e também, muitas vezes, o colega
que não conhece a escola vai com muita expectativa de fazer algo diferente e muitas
vezes a escola não tem estrutura pra isso... então, ele tem que ter a criatividade pra
trazer aquele conteúdo pra realidade do aluno, que de uma forma bem mais
simples, trabalhando com materiais, com instrumentos bem mais simples (LUÍZA, p.
138).
Sobre isso, Tardif (2002) nos lembra, ao mencionar algumas pesquisas realizadas por
Huberman (1989 apud TARDIF, 2002) sobre os professores suíços, que alguns indicativos
importantes foram desvelados nestas investigações a fim de proporcionar uma “estréia” mais
tranqüila na profissão pelo professor iniciante. Entre os quais ele destaca:
[...] ter turmas com as quais seja fácil lidar, um volume de trabalho que não consuma
todas as energias do professor, o apoio da direção ao invés de um controle
“policial”, um vínculo definitivo com a instituição (conseguir um emprego regular,
estável), colegas de trabalho “acessíveis” e com os quais se pode colaborar, etc.
´[grifo meu!] (p. 85-86).
99
Realmente, pude constatar que o fato de o professor iniciante não possuir estabilidade
profissional, isto é, não poder estar em definitivo naquela instituição em que atua gera certa
angústia, como é possível observar no depoimento da professora Vida:
[...] eu gostaria de continuar sendo professora, só que eu queria ter uma segurança.
Eu não queria mais ser professora contratada, porque a gente fica muito ansiosa
assim, sabe? Todo final de ano você, desempregada... você tem uma disputa com
colegas, que até chega a ser desumano, em busca de aulas e aulas. Você não tem
direito a nada ... você ganha muito pouco, em relação aos seus colegas que
trabalham o mesmo tanto que você, então, eu queria ter uma segurança a mais, eu
acho que se eu tivesse um amparo assim: - Você é concursada, vo tem a sua
carteira assinada, você “fixa” , por tempo indeterminado, eu acho que é uma
tranqüilidade melhor, e ia repercutir também em sala de aula, mas nada impede
também que eu... se essa profissão não for mais... eu o conseguir mais aulas, não
tiver mais setor, eu faço outra coisa também, mas eu gostaria de continuar sendo
professora! [grifo meu!] (VIDA, p. 125).
Ainda sobre este início de desenvolvimento profissional docente, algumas indagações
me assediam: como terá sido a relação dos participantes deste estudo com os colegas de
profissão? Como eles significaram esta interação com os pares? Quais foram os avanços?
Quais foram as dificuldades?
5.3.2 Relacionamento com os colegas de profissão: o “estranhamento” em relação ao
professor substituto
Sobre o contato que os sujeitos da pesquisa tiveram com os pares no início do
magistério, foi constatado, de maneira clara e enfática, a rejeição, isto é, a “não-aceitação”
que os mesmos dizem ter enfrentado em relação aos colegas e aos alunos. Segundo ele, em
muitas situações, foram tratados com indiferença, encarados como incapazes, por serem
iniciantes na carreira docente.
Como veremos a seguir, os depoimentos foram dados em “tom de desabafo”, o que
mais uma vez indica a necessidade de um assessoramento pedagógico da instituição tanto para
o professor iniciante, como para os mais antigos que deveriam ser orientados pra acolher,
adequadamente, os recém-chegados.
Nesse contexto, o professor Antônio afirma que chegou a sentir-se pouco à vontade
com seus pares na sala dos professores:
100
Em relação ao meu contato com os colegas de profissão, eu tive muita dificuldade
porque tem professores ali que estão dando aula 15, 20, 30 anos no Estado, e eu
cheguei na escola, pô!, Professor recém-formado... e eu me senti um pouco
excluído, muitas vezes, eu chegava, eles paravam de falar [...] eu não me sentia à
vontade na sala dos professores [grifo meu!] (ANTÔNIO, pp. 67 e 68).
Mas, mesmo se sentindo excluído, o professor Antônio diz não se esmorecer. Pelo
contrário, adotou uma postura altiva, emitindo suas opiniões com convicção, em especial nos
conselhos de classe:
Quando eu saía, aconteciam reuniões... quando eu chegava, parava... mas eu nunca
fui de abaixar a cabeça, tinha conselho de classe, eu falava como se estivesse ali
anos [...] chegaram a falar que eu tava querendo ganhar espaço, mas eu ainda
tenho um respeito imenso por cada um deles, pois eu não sei o que acontece, é um
medo, não sei... [grifo meu!] (ANTÔNIO, pp. 67 e 68).
Quando perguntei a Antônio sobre esta relação com os colegas de profissão, ele afirma
que não tinha clareza do motivo que desencadeou o “clima de antipatia” no ambiente de
trabalho. Mas, ao rememorar os fatos, ele teve um “insight”, e declarou que, possivelmente, a
antipatia podia ser decorrente das intervenções que fez nos conselhos de classe:
[...] eu saí aem defesa de um aluno no meu conselho de classe, com 15 dias
dando aula... eu cheguei e falei... acho que, pode ser que tenha saído daí, essa
antipatia dos colegas comigo... eu não tinha parado para pensar... , mas pode ter
sido aí, que eu ganhei essa antipatia. [grifo meu!] (ANTÔNIO, p. 71).
O professor Otávio, também, evidencia esta rejeição, ao professor novato, em
particular, ao “professor substituto”. Pelo que pude perceber, esta “não-aceitação” ao novo
não veio só dos colegas com mais tempo de profissão, mas também dos alunos:
[...] eu senti que eu peguei a “transferência”, a rejeição do substituto, quando vo
entra na sala de aula e o professor fala assim (um exemplo!): - Olha, o professor
Eduardo que está aqui é o meu “substituto”. Você pega uma “carga de
transferência negativa” enorme, se você pega, por exemplo, igual eu peguei sala do
Prof. R., e ele fala assim: - Olha tá entrando aqui o professor Eduardo, no caso, ele
não é o substituto, ele “é o professor”, a rejeição é menor. O aluno pensa que é
passageiro, entendeu? É passageiro, então ele pode aprontar, ele pode deixar de
fazer com você. [grifo meu!] (OTÁVIO, p. 92).
Esta “não-aceitação” que os participantes deste estudo dizem ter sentido dos seus
pares, a mim ficou mais clarificada com o depoimento da professora Vida:
101
Quando eu ainda tava substituindo professores, foi horrível, mas horrível, horrível
mesmo! porque muitos colegas, eu não sei o porquê, não consigo entender... eles
encaram a pessoa que vai substituir como “alguém incapaz”, como um pobre
coitadoque ali e não sabe nada, e isso é muito ruim, porque não é assim...
dava pra sentir... uma vez eu fui numa determinada escola que, quando chegou o
horário do intervalo, os professores fecharam assim em volta da mesa, e eu tive que
sentar fora da mesa e eu não entendi aquilo - por quê? Talvez, eu acredito que
seja porque eu ainda tava no último ano da graduação. Então me achavam
inexperiente ainda, mas nem um fato justifica essa indiferença e foi muito horrível
mesmo. Quando eu comecei na Escola A., é lógico que a gente observa olhares...
assim suspeitos, sabe? - Sempre me acharam muito imatura, assim, pela idade, “já
trabalhando? Mas tem o quê? 22, 23 anos”, “não tem idade pra fazendo
isso!”, mas foi só no início... [grifo meu!] (VIDA, p. 117).
Quando perguntei à professora Vida acerca do diálogo que ela poderia ter com os
professores da escola onde ela trabalha, a fim de ajudá-la a sanar algum problema, alguma
dificuldade com o conteúdo de Biologia, ela foi categórica ao afirmar que os seus pares, com
certeza, não estariam dispostos a auxiliá-la, o que reafirma, a meu ver, “a rejeição”,
mencionada anteriormente:
[...] eu acho que eles não estão disponíveis a ajudar. Os colegas de trabalho, por
exemplo, em relação aos conteúdos da área, eles têm outras profissões e nunca
deram essa abertura pra mim pedir ajuda; e eu não me sinto à vontade em pedir
ajuda a eles. Eu acho que, talvez, assim, se for uma situação que eu não consiga
mesmo entender, resolver, eu vou conversar com algum amigo da área da Biologia
do que com algum colega da Biologia da escola (VIDA, p.122).
E complementa:
Quando eu não sei, a primeira coisa que eu faço é gritar: - Não sei! Eu preciso de
ajuda. Mas ali necessariamente, os meus colegas de profissão da área na escola, eu
acho que eles não estariam dispostos a ajudar... eu acho que eles o levam com
tanta seriedade a profissão, e o ficariam felizes em ter que me ajudar, em ter que
me explicar [grifo meu!] (VIDA, p.122).
Nessa perspectiva, ela menciona a existência de certa “competição” entre os
professores, sobre quem melhor desempenha a sua função docente:
[...] eu não sei se é ilusão, mas não é não. Muitas vezes, uma competição, assim,
sabe? É de como você passando o conteúdo, porque são várias turmas de ano,
2º... então, eu dou aula no e a outra professora também; dou aula no e outra
professora também. Então, as outras professoras perguntam aos alunos: - “Como
que é ela passando o conteúdo?” - como que é?, Coisas, assim, infantis, apra
quem já é adulto! (VIDA, p.122).
102
A professora Vida confessa que as suas dificuldades maiores dizem mais respeito aos
seus pares do que aos alunos. Segundo ela, o professor deve ter bastante clareza de seus
objetivos educacionais a fim de superar esta fase de antipatia de alguns colegas:
[...] só que os colegas de trabalho... eles não deixam de ter uma influência negativa
em certo ponto também, seria isso que eu mais citaria... assim... com os alunos eu
acho que o é a problemática, sabe? O professor primeiro tem que estar bem com
ele mesmo, tem que saber o que ele quer; o que está fazendo ali, o objetivo dele, aí,
é ir pra frente... (VIDA, 117).
Ainda sobre as dificuldades enfrentadas no início da profissão, a professora Vida faz
uma reivindicação para o curso de Biologia: por se tratar de uma licenciatura, o curso teria
que contemplar uma formação voltada para a realidade da sala de aula; pois, muitas vezes, as
aulas na faculdade não proporcionaram um aporte teórico-metodológico significativo, capaz
de preparar o docente para enfrentar as dificuldades no cotidiano da sala de aula:
A maior dificuldade... é a formação, porque se você faz uma graduação e não te
mostram a realidade do mundo lá fora, fica muito difícil, porque ali na faculdade,
enquanto você fazendo seminários, você apresentando pra adultos; é uma
situação; depois, quando vocai numa selva” ... é outra situação. Então, se
você não tem uma boa preparação é muito difícil, [...] durante a graduação, eu
tava fazendo algumas substituições; então, fui observando como que era “o
mundo escolar”, assim, fora daquele “universo universitário”; Então, por isso, foi
mais fácil [...] [grifo meu!] (VIDA, 117).
A respeito disso, Tardif (2002) afirma que
o início da carreira é acompanhado também de uma fase crítica, pois é a partir das
certezas e dos condicionantes da experiência prática que os professores julgam sua
formação universitária anterior. Segundo eles, muita coisa da profissão se aprende
com a prática, pela experiência, tateando e descobrindo, em suma, no próprio
trabalho. Ao estrearem em sua profissão, muitos professores se lembram de que
estavam mal preparados, sobretudo para enfrentar condições de trabalho difíceis,
notadamente no que se refere a elementos como o interesse pelas funções, a turma
de alunos, a carga de trabalho, etc. (p.86).
Já, para a professora Luíza parece ter sido tranqüila a relação com os colegas
professores, como é perceptível em seu depoimento:
Eu sempre consegui lidar muito bem, assim... com as pessoas, principalmente no
primeiro contato. É claro que um “probleminha” ou outro sempre tem, mas nessas
escolas do Estado, que eu trabalhei, eu não tive problema com ninguém; nunca tive
problema com a coordenação, pelo contrário, sou muito elogiada; gostam muito do
meu trabalho, me dou muito bem com os pares também. É claro que não adianta
você falar que você nunca tem problemas com ninguém, sempre uma pessoa que
você se identifica menos, que você não tem aquela intimidade [...] (LUÍZA, p. 138).
103
Será que este período de desenvolvimento profissional docente foi marcado apenas por
momentos difíceis? Que conquistas os participantes deste estudo alcançaram com o passar do
tempo? Que outras aprendizagens foram construídas neste curto período de experiência
docente?
5.4 As aprendizagens da docência e o desenvolvimento profissional na fase de ingresso
na carreira docente
Ah! essa pergunta é difícil. Onde e com quem eu aprendi a ser professora? Eu acho
que eu não aprendi com ninguém... eu acho que eu era professora... eu
desenvolvi essa profissão por mim mesma assim... eu precisava de ter uma sala de
aula e alunos pra me ouvirem... Eu levei uma coisa de cada pessoa, que passou na
minha vida, de cada professor, de cada local, da minha família, porque não
deixam de ser professores, instrutores em rias fases da sua vida, mas eu não
acho que eu aprendi com uma pessoa a ser professora não! [grifo meu!] (VIDA, p.
120).
A docência, eu não busquei a docência, ela me buscou! (OTÁVIO, p. 100).
Como disse anteriormente, as pesquisas têm demonstrado que os sujeitos desta
investigação dão significados diferenciados ao início da profissão docente, pois o “aprender
envolve a relação e a construção de significados e a valorização das experiências que
reconstruirão a prática dos professores” (ROCHA 2001, p. 172). Muitos deles destacam
aspectos negativos dessa fase, mas, por outro lado, existem depoimentos interessantes acerca
de conquistas e aprendizagens construídas ao longo deste curto tempo de profissão.
Nesse sentido, o professor Antônio destaca como uma de suas maiores conquistas no
magistério o fato de aprender a se identificar com a profissão, ou seja, de ter aprendido a se
identificar com a mesma, de ter se convencido de que poderia ser um educador: “eu coloco
como maior conquista a minha identificação com a profissão de professor. É uma
conquista!” [grifo meu] (ANTÔNIO, p. 65). E complementa: “eu tive que inicialmente
convencer a mim mesmo que eu poderia ser um professor!” (ANTÔNIO, p. 74).
A aquisição de uma “segurança” em relação à prática docente, conferida pela curta
experiência no magistério, parece se destacar entre eles, como uma aprendizagem importante
que está sendo conquistada:
104
[...] dentro de sala, pra falar as coisas, você tem que um pouco seguro, então eu
gosto de trabalhar e estudar, eu sempre estudo antes as minhas matérias [...]
Entendeu? E se eu errar, eu tenho hombridade pra falar: - Olha, eu errei, tava
errado, vamos corrigir! (OTÁVIO, p.97).
[...] tenho que estar seguro daquilo que eu estou falando. Se eu falo uma coisa, eu
tenho que garantir aquilo que eu tô falando (ANTÔNIO, p. 65).
Tardif & Raymond (apud CORSI & LIMA, 2006, p.175) indicam que, no início do
magistério, as competências ligadas à ação pedagógica são as de maior importância para o
professor:
O domínio progressivo do trabalho leva a uma abertura em relação à construção de
suas próprias aprendizagens, de suas próprias experiências, abertura esta ligada a
uma maior segurança e ao sentimento de estar dominando bem as suas funções. Esse
domínio está relacionado, inicialmente, com a matéria ensinada, com a didática ou
com a preparação da aula. Mas são, sobretudo, as competências ligadas à própria
ação pedagógica que tem mais importância para os professores.
O aprender a lidar com os “alunos difíceis” figura como um aspecto formativo
importante para o professor Antônio: [...] tive alunos difíceis que todo mundo manda pra
sala da diretora [...]; procurei não levá-los; procurei conversar com eles, depois no final do
ano, tive um resultado positivo!” (ANTÔNIO, p. 66).
Ao perguntar à professora Vida sobre as suas conquistas neste curto período de
profissão, ela diz:
Ah! É ver o interesse dos alunos, a participação que eles têm, a vontade de
aprender, quando assim... por exemplo, a gente passa um trabalho pra eles fazerem,
você, sem querer, acaba vendo nos corredores, eles conversando sobre aquilo...
na biblioteca fazendo... quando chegam assim... e mostram que realmente você
passa um desafio... você imagina: isso aqui vai “puxar”, ser difícil pra eles, mas
eles vêm com tudo pronto! sabe? Superaram até as barreiras deles mesmo - e isso é
muito bom! (VIDA, p. 116).
Os depoimentos dos sujeitos desta pesquisa me revelaram um dado interessante: com o
passar do tempo, o “estranhamento”, a rejeição, que sentiram no início da carreira por parte de
seus pares, diminuiu. Segundo o professor Antônio, os colegas de profissão perceberam que
ele não estava ali para “ganhar espaço”, mas para cumprir com o seu ofício de professor:
105
[...] eles passaram a me conhecer e viram que eu não estava querendo tomar o
espaço de ninguém; eu apenas estava no meu espaço, cumprindo a função que eu
tinha que fazer ali, que era ensinar, passar para os alunos o máximo que eu
pudesse; e aquelas dúvidas que eles tivessem, eu tinha que estar ali para tirar [...]
(ANTÔNIO, p. 68).
A esse respeito, Vida diz que, ao agir com naturalidade, sem dar muita importância
aos comentários dos seus pares e a rejeição proporcionada por alguns deles, conseguiu se
impor pelo trabalho, o que, segundo ela, configurou, na sua profissão, uma aprendizagem de
sobrevivência importante, que, por si só, deu “a resposta” àqueles que não acreditavam no seu
potencial de educadora:
Eu deixei assim - pra sabe? Não levei em consideração; eu acho que eu consegui
convencer pelo meu trabalho [...] independente do que eles fizessem ou dissessem,
ia me desmotivar ou ia me atrapalhar, no que eu me propus a fazer... e fui levando
meu trabalho, fui tentando conquistar os meus alunos, que é o que eu imagino que
eu devo fazer, ter um relacionamento amigável [...]; eu acho que eu tratei com
indiferença, que quando você trata com indiferença às vezes fere mais do que tentar
forçar a situação, discutir, impor a sua presença; eu nunca quis, me impor, sabe?
Quando eu percebia que não tavam me aceitando, eu [...] ficava no meu canto,
sentava em outro lugar e fui mostrando pelo meu trabalho, fui disposta a ajudar.
Nos meus projetos, incluía os professores que desejavam participar também e aí
hoje a gente tem um relacionamento bom (VIDA, 117).
Vida declara que superar o período de rejeição com seus pares não foi tão difícil
porque
[...] na escola em que trabalho, me senti acolhida, principalmente por parte da
coordenação e da direção, e aí quando a coordenação te dá um suporte,independe a
indiferença dos colegas, porque votendo o amparo deles, né? Agora quando
há só indiferença, aí é complicado! (VIDA, 117).
O professor Antônio, por sua vez, declara que aprendeu a ser professor nessa fase
inicial de profissão, [...] buscando coisas novas, [...] com pessoas que possam acrescentar
alguma coisa [...] (ANTÔNIO, p. 74).
Em relação a esta busca de “coisas novas”, os participantes desta investigação
destacam a importância de aprender a docência buscando o diálogo com os pares mais
experientes, aqui em particular, refiro-me aos antigos professores:
106
Quando tem alguma dificuldade com algum conteúdo, eu nunca tive vergonha de
procurar meus antigos professores. Eu sempre procurei tirar dúvida, ó, eu vou falar
sobre isso hoje, mas ainda com dúvida. eu ligava pra um, pra outro... sempre
procurei esclarecer, porque pra mim, uma vez professor, vai ser sempre...
(ANTÔNIO, p. 66).
[...] eu tenho contato com os professores, eu não perdi isso, eu acho! (ANTÔNIO, p.
74).
Antônio ressalta, ainda, que o fato de ele buscar auxílio nos antigos professores é uma
forma de valorização do trabalho daqueles que um dia nos ensinaram muito daquilo que hoje
sabemos:
[...] esse tipo de contato que é interessante [...] você acha que nunca mais vai
precisar dele, você vai! Esse contato que é legal; você estar sempre em contato, não
sei se você é assim com seus alunos, mas quando algum aluno diz: - “hei!
Professor”, isso é gratificante! (ANTÔNIO, p. 74).
Ainda sobre a troca de experiências com os antigos educadores, a professora Luíza
enfatiza a importância dos mesmos como modelos de professor a serem refletidos e
incorporados à prática docente:
[...] foi através de experiência de outros professores... lembrando daqueles que a
gente não esquece, né? na faculdade... a forma como eles trabalham e foi a prática
mesmo, foi querendo inovar, querendo fazer algo diferente, foi assim que, eu fui
aprendendo mesmo a dar aula! (grifo meu!) (LUIZA, p. 131).
E complementa dizendo que também tem aprendido a docência
[...] correndo atrás mesmo! lendo, estudando, tirando dúvida muitas vezes com
outros professores que, algumas vezes, tinham trabalhado aquela disciplina... às
vezes, indo na escola conversar com o professor que trabalhou com você - no
Ensino dio pra ele te orientar, te auxiliar, porque deixa a desejar muito a
faculdade! (LUÍZA, p. 132).
E por acreditar na importância da “figura dos professores mais experientes”, no que
compete à aprendizagem da docência, hoje, Luíza diz fazer o mesmo com os seus colegas que
recém adentraram ao magistério:
107
[...] eu recebo e recebi muita ajuda de professores que estão na educação
algum tempo, amesmo, na mesma escola muitos anos. Hoje também eu ajudo, eu
auxílio muitos profissionais, então, é importante... a gente nunca sabe tudo,né?
Então, é importante a gente buscar ajuda e ajudar também! (LUÍZA, p. 140).
O professor Otávio destaca como uma de suas aprendizagens o fato de fazer
experiências com os alunos em sala de aula – aprendizagem esta que ele adquiriu com uma de
suas professoras durante o seu período de escolarização:
Eu trago da Profa. L. o seguinte: fazer experiências dentro de sala de aula. Sempre
quando ela podia fazer, trazer alguma coisa pra fazer experiência dentro da sala de
aula, ela sempre buscou trazer, entendeu? Por exemplo, apresentar o microscópio
pro aluno... tem aluno que não tem acesso a isso! (OTÁVIO, p. 85).
Nesse sentido, ele afirma que aprendeu alguns “macetes” com os seus antigos
professores, o que muito contribui para a sua prática pedagógica, dentre eles, ele destaca o
fato de dar aulas com fichas, o que de certa forma, na opinião dele, tem ajudado bastante
durante as suas aulas:
Eu sempre peço socorro aos antigos professores; então, eu descobri alguns
“macetes”, por exemplo, “dar aula com fichinhas”, entendeu? Aprendi com o Prof.
V., pois ele dita a matéria, mas geralmente ele e a bolsa na frente das fichinhas
[...] (risos) (OTÁVIO, p. 99).
Otávio afirma que aprende a docência também com seu próprio aluno. Segundo ele, a
devolutiva dada pelo estudante lhe proporciona o norte em que ele está se constituindo, e o
refletir sobre a aprendizagem do aluno vai “ditar os rumos de sua prática pedagógica”:
Eu acho que a grande faculdade que me faz ser professor, que me faz ensinar, “é o
meu aluno”... é lá que eu “bebo a água”, é lá que eu “recarrego as minhas
energias”, é que eu brigo, é que eu choro, é que eu fico frustrado, mas é
que eu volto com toda a satisfação pra ensinar. É estressante? - Demais. É
cansativo? - Demais. vontade de desistir... todos os dias... é “o meu aluno”, que
me faz levantar todos os dias! (OTÁVIO, p.99).
Nessa mesma perspectiva, o professor Antônio também destaca em seu relato a
importância do aprender com o aluno. Para ele, aprender a docência é também permitir-se
aprender com o educando numa relação dialética em que professor e aluno podem tornar-se
parceiros de uma aprendizagem mútua:
108
[...] eu aprendo muito com eles, eu dei aula para pessoas muito mais vividas que eu.
Eu hoje, com 28 anos, eu dei aula para pessoas com quase 60 ou mais de 60. Eles
têm muito a nos ensinar. Então, por isso que eu falo... no meu contato com o aluno,
eu procuro não passar, como aprender também. Porque o histórias de vida,
são experiências que podem te acrescentar alguma coisa na frente! [grifo meu!]
(ANTÔNIO, p. 76).
Outro elemento formativo está evidenciado nos depoimentos dos entrevistados é a
relevância que atribuem à prática no magistério.
Prática, prática, prática [...] você aprende muito; no dia-a-dia, ali na prática.
Muito mais do que você pegar um livro, e ficar lendo horas, às vezes, com 5 minutos
de prática, você aprende muito mais! (ANTÔNIO, p. 75).
[...] ensinar é uma questão básica, mas “ensinando você aprende demais”, então,
algumas dificuldades eu primeiro tento solucionar, tento trocar idéias, vou atrás
dos meus amigos, vou atrás dos meus antigos professores, vou atrás dos meus
companheiros de escola também, pois eu tento não deixar sem resposta nem meus
alunos, nem a mim mesmo! [grifo meu!] (OTÁVIO, p. 99).
E completa esta idéia, destacando o auto-estudo e a reflexão sobre a própria prática
como uma estratégia formativa importante de aperfeiçoamento docente:
[...] a gente aprende também fazendo... e a gente aprende também por conta
própria, você o necessita da figura do professor, do orientador; você aprende
através dos seus erros e dos seus acertos (OTÁVIO, p. 85).
[...] eu tenho que me avaliar o tempo todo dentro da sala, tenho que “me ver”
dando aula (OTÁVIO, p. 82).
Sobre isso Rocha (2001, p. 172) nos lembra que “[...] a reflexão é um requisito
importantíssimo para a formação dos professores, porque propicia o repensar do fazer
pedagógico, portanto trata-se de recurso privilegiado para o tratamento dos conteúdos de
todos os âmbitos do conhecimento profissional”.
A professora Luíza tem uma posição que coaduna com as dos professores
mencionados anteriormente. Também, para ela, a prática configura-se como uma
oportunidade singular, para se aprender a docência. Ela faz questão de enfatizar que aprendeu
muito mais na prática diária como professora, do que na época do estágio na universidade:
[...] eu acho que realmente é a prática...depois que vosai, que você vai lidar, vai
trabalhar... porque o período de estágio, além de ser curto, o aluno chega de uma
forma diferente, né? você como estagiária é uma pessoa e, como professora,
realmente, é outra, né? Então, acaba sendo totalmente diferente da forma de você
trabalhar, então, o que eu aprendi realmente foi depois! (LUÍZA, p. 131).
109
Quando foi perguntado à Luíza sobre sua constituição como professora, ou seja, quais
as aprendizagens em que tem se apoiado, ela diz:
[...] eu acho que, do ano de 2006 pra cá..., observo, assim... grandes avanços em
mim... pra você saber um conteúdo de cor e salteado, é tempo. Então, hoje, eu vejo
que eu tenho o domínio de uma ampla quantidade de conteúdo; eu vejo que eu
mais paciente com os alunos, porque aí você vai aprendendo a lidar com os
problemas, que eles trazem também, né? Que acaba atrapalhando muitas vezes, em
sala de aula... Hoje, eu vejo que eu consigo ouvir muito mais, que eu consigo
transmitir mais conforto pra eles, eu consigo obter avanços com eles, né? Que eu
consigo também dar muitas vezes aulas diferenciadas, que eles gostam, com a
prática e conversando com outros professores e pesquisando, você consegue muitas
vezes diferenciar uma aula, - algo que chame mais a atenção deles. Então, eu vejo
que eu ganhei muito assim, acho que eu melhorei bastante! [grifo meu!] (LUÍZA,
p. 137).
E complementa:
Domínio... domínio de conteúdo, domínio de sala... essa parte de humanização,
porque tem momento que eles chegam assim... pelo menos eu lido muito com
crianças extremamente carentes, o financeiramente, mas também
afetivamente... então, eu aprendi muito a lidar com isso, aprendi a lidar melhor
também com os pais que, muitas vezes, não são fáceis. Aprendi também através de
pesquisas... eu consegui aprender algumas práticas levando pra realidade da escola
que muitas vezes é desanimadora. Comecei a investir mais também em livros, em
DVDs que a escola muitas vezes não tem... a gente também tem que fazer a parte
da gente![grifo meu!] (LUÍZA, p. 140).
Algo que pude perceber no depoimento da professora Luíza é uma preocupação em
diferenciar as aulas, envolver os alunos, como se pode observar abaixo:
Eu tento, assim, diferenciar principalmente esses alunos que chegam nos sextos
anos que agora é a sétima série... que eles ainda são muito imaturos, né? Então,
não adianta você ficar com aquela aula falando, falando, explicando e muitas
vezes deles lerem o conteúdo, porque eles vão perdendo o interesse, né? Então, eu
trabalho muito com a estrutura da escola, né, que também é complicado, mas nessa
escola que estou... nos dois últimos anos, eu trabalho muito com o que tem , que
são vídeos, pesquisa, muitas vezes agente , quando trabalha muito a parte de
solos, de ar, a gente caminha muito pelo bairro, muitas vezes vai na praça que é
próximo, a gente faz algumas coletas, algumas vezes retro projetor, mas, não uso
muito, porque ultimamente, não chama muito a atenção deles (grifo meu!)
(LUÍZA, p. 139).
Ao perguntar à professora Vida as aprendizagens construídas nesta fase inicial de
profissão, ela evidenciou em seu relato algumas aquisições formativas importantes:
110
Eu aprendi a ser mais calma. Eu aprendi a ser mais paciente. Eu aprendi a repassar
o conteúdo de uma forma mais clara e objetiva. Eu aprendi usar mais recursos, não
ficar tão pressa ao quadro e ao giz e eu acho que principalmente, eu consegui
envolver os alunos na aula, que eu acho que é isso que faltou, eu fui ali um orador
falei, falei, falei... eles ouviram, ouviram, ouviram, e ficou nisso. Hoje não, “nós
somos oradores”, fazemos a aula, eu e os alunos, eu falo, eles falam, eu pergunto,
eles respondem, eles perguntam, eu respondo, o envolvimento como um todo eu falo
pra eles: - Aqui nós estamos pra aprender vocês e eu. Isso eu acho que melhorou
muito! (VIDA, p. 121).
A busca pela erudição (no sentido de conhecimento amplo, variado que abrange outras
áreas do conhecimento além das Ciências Biológicas) me parece ter sido uma aprendizagem
importante adquirida por alguns participantes desta investigação:
[...] leio diariamente tudo que sai no mundo, é guerra [...] leio tudo, alguma coisa
que ele (o aluno) me perguntar e, se eu não souber responder, não tem problema, eu
vou saber o direcionamento [...] gosto muito de estar por dentro, eu gosto de
acompanhar jornais; eu gosto de estar atualizado, eu acho que a gente tem que
estar se atualizando [...] Não porque eu sou professor de Biologia eu tenho que
me atualizar, eu tenho que saber tudo [...] ele (o aluno) tem que conhecer outras
coisas [...] (ANTÔNIO, p. 74).
Penso que, além das aprendizagens explicitadas pelos participantes deste estudo na
fase inicial de profissão no magistério, uma das contribuições a serem destacadas neste estudo
é a explicitação das dificuldades enfrentadas pelos professores no início da docência, além do
indicativo de que um apoio pedagógico, oferecido aos mesmos, minimizaria parte de suas
agruras neste início de desenvolvimento profissional.
5.5 O caráter formativo das entrevistas em profundidade
A fim de obter um feedback dos sujeitos da pesquisa, pedi que eles traçassem um
paralelo entre o antes e o depois da experiência de serem entrevistados, relatando as
reflexões que a entrevista suscitou. Queria saber se houve a geração de movimentos reflexivos
de aprendizagem da docência em cada um deles.
Assim, neste eixo de análise, pretendo destacar, brevemente, o caráter formativo das
entrevistas individuais em profundidade, pois as mesmas se configuraram como o principal
instrumento de coleta dos dados. Ao longo de dez meses, assumi o papel daquele que ouve e
tive a preciosa oportunidade de registrar as reflexões dos participantes acerca de suas histórias
de vida e processos formativos da docência. No momento em que os participantes deste
111
estudo narraram suas histórias, os mesmos foram “provocados” a recuperarem suas memórias,
foram encorajados a compreender a si mesmos, a refletir e a aprender.
De certa forma, os professores iniciantes de Ciências Biológicas foram estimulados a
reavaliar a sua prática docente e a sua vida profissional. Nessa perspectiva, Catani (2000 apud
Lima 2003, p.304) afirma que
[...] arriscaria a afirmar que o prazer de dizer-se ou contar-se, em alguns casos, o
fato de dispor de uma escuta ou leitura atenta por si contribui para que o
indivíduo, aluno/professor inicie a reflexão sobre sua história e os processos
formadores. O prazer de narrar-se favorece a constituição da memória pessoal e
coletiva inserindo o indivíduo nas histórias e permitindo-lhe, a partir dessas
tentativas, compreender e atuar.
Ao propor à professora Vida que fizesse um relato sobre a experiência de ser
entrevistada, ela afirmou que este processo desencadeara nela várias reflexões, dentre elas, o
fato de reconhecer a irmã como um referencial de docência significativo, em sua trajetória
formativa e o fato de relembrar sua trajetória formativa e dela fazer uma auto-análise,
refletindo sua identidade profissional:
Foi importante, importante mesmo, porque eu lembro a primeira vez que você veio;
quando você foi embora... eu fiquei pensando naquilo tanto tempo; eu conversei
com a minha irmã, eu falei pra ela quem era você e qual era o motivo da entrevista;
e aí eu falei pra ela, como eu tinha citado ela, e era uma coisa que eu sabia, mas
eu não assumia assim... aí, ela ficou toda convencida:, ’eu falo pra voque sou
eu, tal...’ E eu fiquei analisando muito tempo em cima daquilo, pensando a respeito
[grifo meu!] (VIDA, p. 126).
Hoje que eu sabia que você viria, que eu tava esperando, eu pensei: - eu acho que
ele vai perguntar coisas da faculdade, e é bom porque a gente faz uma auto-análise,
se você não viesse, não me entrevistasse, eu acho que eu não voltaria ao meu
passado nesse sentido; e nunca pensaria por que eu decidi ser professora, por que
ninguém ia me perguntar isso nunca! E, agora, eu tive a oportunidade de analisar a
minha vida - eu mesmo... com alguém me questionando, porque sozinha, é difícil da
gente fazer esses questionamentos [grifo meu!] (VIDA, p. 126).
A professora Vida ainda afirmou que as entrevistas a ajudaram a rever a sua prática
docente, pois, ao se permitir “voltar ao passado”, fez uma auto-avaliação que iajudá-la a
ressignificar a sua atuação como professora daqui por diante:
[...] quando você se analisa... que você perguntou muito no primeiro dia... e eu fui
falando coisas que eu não tava lembrando, não ia lembrar... e, quando você vai
lembrando disso, você vai sabendo... você vai fazendo uma auto-análise e vai
vendo o que você pode melhorar... eu falei pontos que eu melhorei, mas eu ainda
tenho muitos pontos a melhorar e aí, quando você se analisa, vosabe aquele
112
lugar que você precisa melhorar - e voprocura melhorar naquilo - e isso é bom,
né? [grifo meu!] (VIDA, p. 126).
Assim como a Vida, Luíza também atribui às entrevistas este caráter reflexivo-
formativo:
[...] eu procurei trazer o passado pro presente, você vai fazer toda uma
retrospectiva; aí você começa a se lembrar de coisas que você podia ter feito
melhor, né, o que você deixou de fazer, aí você se lembra de pessoas agradáveis que
te marcaram, né? Então, eu acho que foi muito válido, muito gostoso, você lembrar
de algo que te marcou, que fez parte da sua vida por um tempo, essas coisas...
(LUÍZA, p. 143).
Para Antônio, as entrevistas se converteram em um momento prazeroso, no qual foi
possível trazer à tona rias lembranças sobre a sua trajetória formativa. Parece-me que ao
“dizer-se”, “contar-se”, o professor Antônio reviveu boa parte de suas experiências:
É uma sensação gostosa; assim... porque, na correria do dia-a-dia, a gente deixa de
lembrar muita coisa boa que a gente viveu; a gente guarda no fundinho coisas
que a gente nem imaginava mais, nem passava pela sua cabeça. De repente, você
traz à tona.. é gostoso,... uma sensação gostosa. Tanto que, depois da entrevista, eu
cheguei e falei pra minha e: acho que tudo que eu falei aqui, eu retransmiti para
ela coisas que eu nem lembrava e que eu nunca tinha falado para ninguém. Estava
no esquecimento mesmo, a gente traz, volta a viver, é gostoso! (ANTÔNIO, p. 76).
Otávio, por sua vez, me surpreendeu pela emoção que imprimiu em seu depoimento.
As entrevistas em profundidade se configuraram para ele numa espécie de “filme biográfico”,
em que ele, ao mesmo tempo em que relatava as suas histórias, pôde verificar quantas
conquistas, quanta superação houve em sua trajetória pessoal e profissional, e também muito
de suas origens, de suas limitações e os vôos que ainda pode alçar como professor daqui para
frente:
Olha, Eduardo, foi muito bom, sabe por quê? Porque eu não me esqueço da onde
eu vim... não me esqueço o que eu sou, entendeu? Então relembrar, buscar algumas
coisas me faz situar como pessoa... que algumas pessoas... elas costumam
“amortecer”, entendeu? Da onde vieram, quem são, entendeu? Então eu faço
questão de ressaltar: eu sou isso aqui que vovendo, nem mais nem menos. Eu
quero ser o quê? Eu quero ser melhor. Posso ser melhor?... Posso. Posso ser
pior?... Sem dúvida!... Existem pessoas melhores que eu? Muito mais, mas eu quero
tá pelo menos entre elas. Você me fazer lembrar... você vir buscar a minha infância,
isso fez... é... eu... me afirmei mais uma vez como ser humano! (voz embargada!)
(OTÁVIO, p.101).
Portanto, penso que as entrevistas individuais em profundidade cumpriram um duplo
papel neste processo investigativo, ou seja, coletaram dados que me permitiram responder ao
113
problema de investigação e se converteram em um precioso instrumento de reflexão e
formação para os participantes deste estudo.
114
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1 Aprendizagens da docência do professor de Ciências Biológicas: concluindo o
inconcluso24
[...] eu acredito no potencial da periferia, entendeu? Foi daqui que eu vim é aqui
que eu quero ficar, não almejo, assim, coisas grandiosas, meu sonho é dar aula na
faculdade; tenho grande vontade... então, eu quero melhorar sempre, ser melhor,
então, tudo que eu puder aprender, eu vou! (grifo meu!) (OTÁVIO, p. 98).
Eis o momento de concluir a investigação proposta. Penso que, durante este estudo, foi
viável apresentar possíveis respostas para o problema de pesquisa em questão: “como os
egressos do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR aprendem a docência na
fase inicial de profissão?”.
Durante este percurso investigativo, foram considerados cinco contextos formativos:
1) a trajetória de vida dos participantes deste estudo; 2) a formação inicial: o Curso de
Ciências Biológicas; 3) as experiências iniciais da docência; 4) as aprendizagens da docência
e o desenvolvimento profissional na fase de ingresso na carreira docente e 5) o caráter
formativo das entrevistas em profundidade. Nessa perspectiva, realizei diversas leituras com o
propósito de me apropriar de teorias que me ajudassem a “jogar luz” sobre o fenômeno em
estudo.
Orientado pelo referencial teórico na dimensão da formação de professores, sobretudo
que consubstancia a aprendizagem da docência por todas essas leituras, ao analisar os dados
dessa investigação, compreendi que a aprendizagem profissional da docência do professor
iniciante de Ciências Biológicas se faz e se refaz periodicamente por meio do auto-estudo, na
e pela reflexão sobre a própria prática, na troca de experiências com antigos professores, no
curso de graduação, observando modelos de docência na própria família, na relação com os
alunos, etc.
24
Esta expressão “concluindo o inconcluso” é adotada pelo meu orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima
Carvalho.
115
Pelo depoimento dos sujeitos da pesquisa, pude perceber a presença de uma longa
trajetória formativa que passa pela família, pela infância, pela adolescência, pela juventude,
pela idade adulta, pelo contato com a natureza, pela educação básica e pela formação inicial
num processo contínuo que sofre influência de muitos determinantes, por exemplo, das
condições materiais de existência que influencia, inclusive, na “opção” pelo curso e por esta
profissão.
Como Lima (2003), chego também à conclusão de que a aprendizagem destes
professores iniciantes é processual e desenvolvimental, isto é, carrega marcas das
peculiaridades de cada história de vida; constrói-se por meio de movimentos de avanços e de
recuos; provoca conflitos, desestabiliza, desequilibra, reequilibra; é construída por valores
pessoais, por crenças, concepções, elementos estes que são ressignificados, relativizados em
confronto com a experiência individual e coletiva.
Os participantes deste estudo Antônio, Otávio, Vida e Luíza possuem algumas
características em comum. São oriundos de famílias com limitadas condições financeiras.
Buscaram a docência como um mecanismo de ascensão profissional, ou seja, como estratégia
de emancipação econômica. Passaram por um período de dificuldades no início do magistério,
dentre elas, por exemplo, um processo de estranhamento” por parte dos colegas com mais
tempo de profissão, desencadeado no ambiente escolar, além das angústias que muitos deles
enfrentaram no contexto da própria sala de aula.
Muitas foram as aprendizagens que os sujeitos da pesquisa foram construindo ao longo
da profissão docente. Não pretendo aqui retomá-las todas, pois estas aprendizagens foram
relatadas em capítulos anteriores e estão amealhadas ao texto, portanto redizê-las seria
redundância. O que me proponho a fazer é destacar, de forma bem sintética, pontual, algumas
das aprendizagens que foram construídas na fase inicial do magistério, que se configuram
como possíveis respostas à questão de pesquisa.
A primeira aprendizagem que parece figurar entre os participantes deste estudo é a
realização da sondagem, aqui entendida como uma avaliação diagnóstica ao que compete
aos saberes prévios dos alunos, às suas expectativas em relação às aulas. Isto ao professor
iniciante uma base, “o sentir o terreno”, um conhecimento acerca do seu público-alvo, que lhe
permitirá reorganizar a sua prática a fim de atender os seus objetivos pedagógicos e as
demandas de aprendizagens por parte dos educandos.
O identificar-se com a profissão docente figura entre os participantes deste estudo,
em especial Antônio, como uma aprendizagem de grande valia, pois a partir do momento
em que o mesmo se convenceu de que poderia ser professor, que teria capacidade de ensinar
116
alguém, que ele passou a construir uma identidade docente mais positiva em relação ao ofício
do magistério.
Outro aspecto interessante que apareceu na fala dos depoentes foi o contrato
pedagógico entre professor e aluno estabelecimento de regras de conduta, de
comportamento, o que minimizaria imprevistos entre professor/aluno, por exemplo, em
relação à problemática da indisciplina em sala de aula.
Outra importante aprendizagem construída pelos egressos foi o fato de procurarem
promover a interação entre os alunos, estratégia que permitia aos professores iniciantes
“tomarem fôlego”. Antônio, por exemplo, ao passar exercícios, delegava a função de
monitores a alguns alunos mais experientes, o que criava um clima de motivação e
aprendizagem colaborativa.
A consciência de que a qualidade dos conteúdos transmitidos é mais importante
do que a quantidade dos mesmos também foi destacada, pois muitas vezes a inexperiência,
no início do magistério, leva o jovem professor a dar um valor muito grande à quantidade de
conteúdos ministrados em detrimento da qualidade, isto é, da forma como os mesmos estão
sendo ministrados. Nesse sentido, Vida (p.115) relata que, com a experiência, ela conseguiu
“dar tempo pros alunos assimilarem o que estava sendo passado.”
Mais uma vez, a experiência aparece como uma fonte importante de aprendizagem
para o recém-professor, o que reafirma as conclusões de vários pesquisadores sobre a
Aprendizagem Profissional da Docência: Tardif (2002); E. Lima (2006); Mizukami (2004),
etc. É por meio da experiência que os professores iniciantes vão construindo uma gama de
saberes práticos que podem ser validados ou não ao confrontarem os mesmos com a prática da
sala de aula.
Este saber experiencial promoveu aos participantes deste estudo a aquisição de uma
aprendizagem importante: segurança em relação à prática docente, mesmo considerando o
curto tempo de experiência profissional. Segurança esta que é proporcionada pelo auto-estudo
e pelas “experimentações”
25
que são desenvolvidas pelos professores no contexto de sua
prática pedagógica. Nessa perspectiva, não podemos nos esquecer de que, para a consolidação
desta “segurança” em relação à prática educativa, o professor não pode se esquecer da
reflexão como fio condutor do seu trabalho.
O aprender a lidar com os alunos difíceis figurou como uma aprendizagem
importante para os professores desta investigação; inclusive, para muitos, foi uma questão que
25
Entenda-se “experimentações”, neste contexto, como o fato de o professor promover ensaios de tentativas e
erros no que circunscreve à prática educativa.
117
se colocou como um desafio a ser superado. Nesse sentido, Antônio, em um dos seus relatos,
destaca eufórico “o resgate” de alunos que eram tidos como irrecuperáveis por parte de alguns
dos seus colegas de profissão.
Outra aprendizagem docente que faço questão de destacar e que me chamou muito a
atenção foi o impor-se pelo trabalho. Os professores, à medida que foram desenvolvendo a
sua prática pedagógica com responsabilidade e seriedade, conquistaram o respeito dos pares.
A professora Vida, por exemplo, afirma que o trabalho dela, por si só, “deu a resposta”
àqueles que não acreditavam no seu potencial de educadora.
Os participantes deste estudo afirmaram também que estão aprendendo a docência, à
medida que buscam um diálogo com os pares mais experientes. Os professores com mais
tempo de profissão possuem uma trajetória significativa de experiências docentes e, a partir
do momento em que elas são partilhadas com os professores novatos, diminui
consideravelmente boa parte das agruras nesta fase inicial de profissão docente.
Como se trata de professores de Ciências Biológicas, o fazer experiências com os
alunos na sala de aula configurou-se como uma aspectos formativo relevante, pois isto,
segundo os sujeitos da pesquisa, estimulava a curiosidade e proporcionava motivação de
estudo dos alunos, o que dava de certa forma significado ao conteúdo que estava sendo
ministrado.
Os professores ingressantes afirmaram também que aprendem o magistério à medida
que adotam como referencial da sua prática o seu próprio aluno, pois esta devolutiva dada
pelos alunos permite ao professor redirecionar a sua prática a fim de promover uma
aprendizagem mais significativa ao alunado.
O aprender com o aluno apresenta-se também como um elemento formativo para os
jovens professores, pois evidenciaram, em seus depoimentos, que partilham conhecimentos
prévios com seus alunos. Neste aspecto, Antônio enfatiza os saberes compartilhados com
estudantes mais velhos quando trabalhou com a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Mais uma vez, a exemplo de outras investigações, a prática teve seu destaque como
potencial formativo. Nessa perspectiva, Vida enfatiza que aprendeu muito mais na prática
diária como professora do que no estágio quando cursava Ciências Biológicas na
Universidade.
A busca pela erudição também aparece como uma aprendizagem importante. Muitos
professores não se limitam a estudar a sua área de atuação, mas procuram adquirir
conhecimentos de outras áreas com o propósito de melhorarem a sua prática educativa.
118
Por meio das entrevistas em profundidade, foi possível fazer um “recorte”
significativo de como os egressos do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR
estão aprendendo a docência nesta fase inicial de profissão. Além disso, pelos relatos dos
depoentes, percebi que este processo investigativo desencadeou neles momentos de reflexão
sobre a prática configurando-se como situações formativas significativas.
Em suma, penso que o presente estudo oferece alguns elementos importantes de
reflexão, tanto em relação às condições objetivas de trabalho (infra-estrutura, material
didático, laboratório, etc.) quanto à situação formativa dos professores iniciantes ou com mais
tempo de experiência, que atuam nas escolas públicas. Existem “queixas” por parte de alguns
depoentes em relação à falta de formação para atender aluno portador de necessidades
educativas especiais, como é visível, por exemplo, na vivência do professor Otávio, relatada
em páginas anteriores. Falta uma formação pedagógica que também ajude, suporte ao
professor ingressante acerca de situações complexas como é o caso da indisciplina dos alunos
e o do relacionamento com os pais dos estudantes. Muitos se queixam e evidenciam também
em seus depoimentos uma solidão profissional, que é acompanhada por um sentimento
unilateral de responsabilização pelo fracasso dos alunos.
Em relação ao curso de Ciências Biológicas tanto em relação às disciplinas oferecidas
pelo mesmo (específicas e pedagógicas), quanto à própria atuação dos professores
formadores, chamou-me a atenção, e penso que deve ser um elemento de reflexão por parte
dos formadores, o fato de os egressos “se espelharem” muito mais nos professores substitutos
do que nos professores efetivos, com mais tempo de atuação profissional. Sobre isso, cabe
questionar: por que isto acontece? Como é a prática desses professores? Como está a sua
formação continuada? Que concepções eles possuem sobre ensino e aprendizagem? Mas, com
certeza, essas são indagações que renderiam uma nova empreitada investigativa. Alguns dos
entrevistados reivindicaram para o curso uma formação que tenha maior relação com o que o
aluno encontrará na prática pedagógica, tendo em vista que uma de suas atribuições é preparar
o indivíduo para o magistério, ou seja, para a realidade em que vai atuar.
Outro aspecto interessante que também gostaria de evidenciar é que os dados desta
pesquisa somam-se a outras investigações, reiterando a necessidade de se oferecer um apoio
pedagógico ao professor iniciante, considerando as peculiaridades desta etapa da carreira
docente.
Confesso que, ao mesmo tempo em que procurei desvelar, entender quais eram e como
estas aprendizagens foram construídas pelo recém-professor, novos questionamentos
passaram a me assediar, por exemplo: o que faz um professor significar tão bem este início de
119
docência, enquanto outro o internaliza como um período de sofrimento? Que fatores
influenciam nesta significação?
Mas estas são indagações a serem pesquisadas em um próximo empreendimento
investigativo...
120
REFERÊNCIAS
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123
ANEXOS
124
1 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE COM ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO
(QUESTÕES BÁSICAS)
Pesquisador: Eduardo Ferreira Baldoino
a) Questão de pesquisa:
Como os egressos do curso de Ciências Biológicas da UFMT/ICEN/CUR aprendem a
docência na fase inicial do exercício da profissão?
b) Eixos de investigação: 1) a trajetória de vida dos participantes deste estudo; 2) a formação
inicial: o Curso de Ciências Biológicas; 3) as experiências iniciais da docência; 4) as
aprendizagens da docência e o desenvolvimento profissional na fase de ingresso na carreira
docente e 5) o caráter formativo das entrevistas em profundidade.
1.1. A TRAJETÓRIA DE VIDA DOS PARTICIPANTES DESTE ESTUDO
1) Gostaria que me contasse que incentivos de valorização ao estudo, à cultura (geral) que você
recebeu por parte dos seus familiares (pais, irmãos, tios, avós, padrinhos, etc.). Você consegue
se lembrar de alguém que trabalhava com você a leitura, a escrita ou a alfabetização
propriamente dita? Eles o levavam ao cinema, teatro, feira de livros, entre outras coisas?
Como eram esses incentivos? Nesse sentido, existe algum fato que o marcou na infância?
2) Neste momento (na atualidade), você consegue “enxergar” algum referencial familiar que o
inspirou a crescer intelectualmente ou que talvez tenha até o influenciado na “opção” de
profissão que você tem hoje? Em caso afirmativo, por que ele se configura como um
referencial para você?
3) Como foi o seu contato com a natureza (meio ambiente: plantas, terra, animais, etc.) nesse
período (infância) da sua vida? Que relação você estabelecia com ela? Caso tenha sido uma
relação fecunda, você consegue enxergar alguma ligação desse contexto com a “opção” pelo
curso de Biologia?
1) Fale-me da sua formação escolar, procurando neste primeiro momento relembrar a sua
escolarização infantil. Como foi? Em que tipo de escola estudou (pública, particular,
supletivo, multisseriada)? Qual foi o professor (a) que mais o marcou neste período? Por
quê? Que tipos de lembranças você tem dessa época?
2) Considerando agora o equivalente ao Ensino Fundamental I (1ª à série) e Ensino
Fundamental II (5ª à série), como foi a sua formação nesse período? Que lembranças você
tem? Como os professores atuavam nas diversas disciplinas? Quais o marcaram?
3) Agora “olhandomais especificamente a disciplina de Ciências Naturais nessa época: Como
eram as aulas? Você consegue se lembrar de fatos que o tenham marcado tanto positiva
quanto negativamente no contexto dessa matéria? Teve algum professor que o marcou nessas
aulas? Quem? Por quê? Qual era o seu perfil? Você consegue estabelecer relações com as
aulas ministradas por este professor com as aulas que você ministra hoje? Quais?
125
4) Que lembranças você tem do Ensino Médio? Como foi esse período de escolarização? Como
eram as aulas nas diversas disciplinas? Que professor (es/as) o marcou (aram) nesse
momento?
5) E o que você me diz das aulas de Biologia? Elas foram ao encontro das suas expectativas de
estudante? Se você tivesse a possibilidade de “voltar ao passado”, nessa mesma sala em que
você foi aluna, agora, como professora; com o conhecimento que você tem hoje em relação
ao processo ensino-aprendizagem, o que você faria diferente? Por quê? Quem o ensinou a
ministrar aulas desse jeito? Como foi/tem sido essa aprendizagem?
6) Em sua opinião, que contribuições a disciplina de Ciências Naturais e Biologia deveriam
oferecer aos estudantes neste período de escolarização básica?
1.2 FORMAÇÃO INICIAL – O CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
1) Por que vo“optou” por fazer Ciências Biológicas? Em sua opinião, que contribuições essa
área de conhecimento pode trazer à sociedade? Ao iniciar o curso, quais eram as suas
expectativas em relação a ele? Elas foram contempladas? Que professor ou professores o
marcaram nesse momento? Por quê?
2) Que “disciplinas pedagógicas”
26
foram oferecidas pelo curso? Você se lembra do nome de
alguma? Você acredita que elas foram importantes, no sentido de trazer contribuições
significativas para o ofício da profissão de professor? Por quê? E as demais disciplinas, que
contribuições ofereceram na perspectiva de te preparar para a atuação no magistério?
3) Como foram as aulas da disciplina de Didática do ensino de Ciências Naturais e Biologia
27
?
A seu ver, que contribuições esta disciplina trouxe para o ofício do magistério? Por quê? Em
sua opinião, que contribuições ela deveria oferecer?
4) Considerando o ofício da profissão docente, qual foi o momento (durante as aulas) em que o
curso mais colaborou com esse objetivo? Por quê? Que tipos de aprendizagens você traz
desse momento?
5) Como você analisa o seu empenho como universitária nesse contexto? Você se considerava
uma boa aluna? Tinha horários para estudo? Como eram as suas leituras?
6) Se você fosse fazer um balanço do papel do curso de Ciências Biológicas no processo de
ensiná-lo a ser professora de Ciências Naturais e Biologia, como seria esse balanço? Quais
foram as contribuições do curso nesse sentido? Que disciplina ou professor que mais
contribuiu? Por quê?
1.3 EXPERIÊNCIAS INICIAIS DA DOCÊNCIA (OS TRÊS PRIMEIROS ANOS)
1) Como foi o seu ingresso na carreira docente? Como foi/tem sido o seu início de profissão
como professor(a)? Quais foram/são as suas maiores dificuldades? E quais têm sido as suas
maiores conquistas? A quem ou a que você atribui os seus retrocessos e sucessos? Como foi o
26
Aqui estou me referindo às disciplinas que se propõem a preparar para a docência.
27
Talvez na grade atual esta disciplina apareça com outra nomenclatura.
126
seu primeiro contato com os alunos? E com os colegas de profissão? Em sua opinião, qual é a
maior dificuldade de quem inicia na profissão docente?
1.4 AS APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL NA FASE DE INGRESSO NA CARREIRA DOCENTE
1) Como é o seu trabalho em sala de aula? Em quais séries você lecionou? Fazendo um
retrospecto profissional, responda-me onde e com quem você aprendeu a ser professor(a)?
Fazendo uma comparação do primeiro dia de aula como professora e com o dia de hoje, quais
seriam as aprendizagens adquiridas? Enumere-as. Como elas foram se construindo? Quando
você tem dificuldade com alguma situação na profissão, como você procura resolver?
2) Que imagem você tem de si mesmo (a) como educador? Você gosta do que faz? Você fez
uma opção consciente pela profissão?
3) Como tem sido o seu aperfeiçoamento profissional na carreira docente? Tem freqüentado
cursos de capacitação? Quais? Eles têm sido significativos na sua formação? Por quê? Em sua
opinião, que contribuições um bom curso de capacitação para auxiliar o professor na sua
prática docente deveria fornecer?
4) Como foi o seu primeiro dia de aula como professor (a)? Descreva-o, passo a passo, por
favor.
1.5 O CARÁTER FORMATIVO DAS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
Por favor, gostaria que me relatasse como foi a experiência de ser entrevistado (a) sobre a sua
trajetória docente. Que reflexões você fez? Consegue traçar um paralelo entre antes e depois
de ser entrevistado (a)?
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