Download PDF
ads:
1
Universidade Federal de Mato Grosso
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDNA FERNANDES DO AMARAL
CONHECIMENTO
E
(RE)CONHECIMENTO
NA
EDUCAÇÃO
POPULAR:
UMA
REFLEXÃO
SOBRE
A
EXPERIÊNCIA
EDUCACIONAL
DA
ABHP
CUIABÁ – MT
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
EDNA FERNANDES DO AMARAL
CONHECIMENTO
E
(RE)CONHECIMENTO
NA
EDUCAÇÃO
POPULAR:
UMA
REFLEXÃO
SOBRE
A
EXPERIÊNCIA
EDUCACIONAL
DA
ABHP.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação/IE/UFMT,
sob a orientação da Profª. Drª. Artemis
Augusta Motta Torres, como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Educação da Área de Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Educação e
Movimentos Sociais.
CUIABÁ – MT
2008
ads:
3
FICHA CATALOGRÁFICA
A 485c Amaral, Edna Fernandes do
Conhecimento e (re)conhecimento na educação popular: uma
reflexão sobre a experiência educacional da ABHP/ Edna Fernandes do Amaral.
Cuiabá: UFMT/IE, 2008.
174 p., il.color.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação/IE/UFMT, sob a orientação da Profª. Drª. Artemis Augusta Motta Torres,
como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação da Área de Educação,
Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Educação e Movimentos Sociais.
Bibliografia: p. 165-171
Apêndice: 172
Anexos: p. 173-174
CDU – 37.014.53
Índice para catálogo sistemático
1. Conhecimento
2. (Re) conhecimento
3. Educação Popular
4. Movimentos sociais
5. Sujeitos
4
EDNA FERNANDES DO AMARAL
Banca Examinadora, constituída pelos docentes:
____________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Nassim Vieira Najjar
Examinador Externo (UFF-RJ)
____________________________________________________
Profa. Dra. Maria Augusta Rondas Speller
Examinadora Interna 1 (UFMT)
____________________________________________________
Profa. Dra. Kátia Morosov Alonso
Examinadora Interna 2 (UFMT)
___________________________________________________
Profa. Dra. Artemis Motta Torres
Orientadora (UFMT)
Cuiabá, 22 de Abril de 2008.
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
5
“seja realista, demande o impossível”
Slogan do movimento político de maio de 1968,
na França, por mais democracia e autonomia regional.
6
Aos amores de toda a minha vida
Passos, meu grande e único amor
que, incondicionalmente, se colocou a meu lado nessa trajetória.
Meus filhos Matheus Aurélio, Ruth Benedita,
Leonardo Augusto, Vitória Beatriz, que cada um com seu jeitinho especial,
particular de ser, são inspiração e esperança de um futuro.
7
Aos educadores populares
que sendo singulares, cada um com seu sonho,
carrega em si a utopia de um mundo melhor para todos.
que conhecendo o mundo e suas circunstâncias
não se intimidam e se colocam a serviço dos irmãos
permitindo que possamos juntos,
caminhar rumo à felicidade.
8
AGRADECIMENTOS
A Deus pela existência.
Aos meus pais pela vida.
Ao IPESP E A ABHP, por oportunizar que eu pudesse neste espaço exercer minha
militância política, me constituir como sujeito e como ator social.
Aos educadores populares, sujeitos desta pesquisa, que incondicionalmente dispuseram de
seu tempo, de seus trabalhos e principalmente de suas vidas para contribuir com a
construção desta dissertação.
À professora Artemis Augusta Motta Torres pela presença amiga e profissional, como
educadora que é mantendo-se todo o tempo como instância crítica e inspiradora para
minha caminhada de pesquisadora, neste mestrado, e com certeza para toda uma minha.
Sua orientação firme, instigante, com exemplar respeito à minha autonomia, permitiu-me
que a criatividade pudesse fluir e chegar aos resultados que hoje apresento nesta
dissertação.
Às professoras Maria Augusta Rondas Speller e Kátia Morosov Alonso pela leitura
cuidadosa e contribuições relevantes ao meu trabalho.
Ao professor. Luiz Augusto Passos, meu companheiro e amor de toda uma vida, para o
qual dediquei minha entrada no mestrado e com mais certeza e carinho dedico o trabalho
concluído e, para quem dedicarei a minha entrada para o doutorado, provavelmente muito
breve. Por seu apoio incondicional na pesquisa, na educação dos filhos, na manutenção
cotidiana da vida.
Ao GPMSE espaço privilegiado de debate e confronto teórico-prático da convivência
fraterna e onde a produção de novos conhecimentos nunca cessa, e a cada educador
pesquisador com quem compartilhei momentos significativos e sem os quais este trabalho
teria sido mais difícil.
9
À Ada, secretária da ABHP e educadora popular que não mediu esforços na procura de
documentos e ajuda com a formatação das fotos e arquivos. Obrigada pelo
companheirismo e troca de conhecimentos.
À Marialva, sempre presente, mesmo estando em Ji-Paraná RO. Um exemplo de
educadora comprometida com a vida e a construção democrática da sociedade.
À Silvia, Alva, Lucirene, Sueli, e Valquíria, pelos momentos de intensa convivência e
companheirismo, pelo compartilhamento de saberes, pela amizade.
À secretaria do mestrado principalmente à Mariana, Luiza e Jeison, sempre atentos e
disponíveis nos encaminhamentos legais desse processo.
Aos meus filhos Matheus Aurélio, Ruth Benedita, Leonardo Augusto, Vitória Beatriz, que
mesmo não tendo toda consciência do meu trabalho, dele compartilharam cada momento,
seja nas perguntas: “Aonde você vai mãe?" – "Quem é a sua professora?” – “Você
volta?", nos sorrisos, nos conflitos cotidianos, ou nas ajudas “técnicas” com o
computador.
10
LISTA DAS ABREVIATURAS E SIGLAS
ABHP – Associação Brasileira de Homeopatia Popular;
ABONG – Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais;
AEC – Associação de Educação Católica;
AMHO-MT – Associação Médica de Homeopatia do Mato Grosso;
ANPED – Associação Nacional de Pós - Graduação e Pesquisa em Educação
ANEPS – Associação Nacional de Práticas de Educação Popular em Saúde;
ANTN – Associação Nacional de Terapeutas Naturistas;
ATENENG – Associação de Terapeutas Naturistas de Minas Gerais;
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior;
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base;
CERIS-RJ – Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais;
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil;
CPT – Comissão Pastoral da Terra;
ENEMEC – Encontros Nacionais de Medicina Comunitária;
FIOCRUZ – Fundação Osvaldo Cruz;
GF – Grupo Focal
GPMSE – Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação;
GSP-MT – Grupo de Saúde Popular;
IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento;
IPESP – Instituto Pastoral de Educação em Saúde Popular;
MEMISA MEDICUS MUNDI – Órgão de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
de Países no Terceiro Mundo;
MOPS-MT – Movimento Popular de Saúde de Mato Grosso;
ONGs – Organizações Não-Governamentais;
PJMP- Pastoral da Juventude do Meio Popular;
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação;
PROVIVAS – Pró-Reitoria de Vivência Acadêmica;
REDEPOP – Rede Popular de Saúde;
SIPEP – Seminário Permanente de Educação Popular;
STR – Sindicato de Trabalhadores Rurais;
Tx. B1 – Texto Base do PESP;
Tx. B2 – Texto Base da ABHP;
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso.
11
LISTA DAS FOTOS
Foto 1 e 2: 1º Congresso –1996;
Foto 3: 1ª Diretoria Eleita da ABHP – 1996 – Membros titulares;
Foto 4: estudo na sede da ABHP;
Foto 5: 3ª Assembléia Nacional ABHP;
Foto 6: curso de formação nas regiões;
Foto 7: seminário homeopatia popular tecendo rede de Educação Popular;
Fotos 8, 9, 10: salas onde de prepara e guarda as homeopatias chamadas popularmente de
“salinha da Pastoral” ou de “farmacinhas”;
Foto 11: Marialva no 2º Congresso de Homeopatia popular;
Foto 12: educadores populares Africanos presentes na 2ª Assembléia Nacional da ABHP;
Foto 13: atividade de grupo durante a Assembléia da ABHP;
Foto 14: curso ministrado por Marialva em Angola na África;
Foto 15: entrega de certificados-Angola;
Foto 16: preparação de homeopatias-Angola;
Foto 17: Josmarina no 2º Congresso de Homeopatia Popular;
Foto 18: João Carlos no 2º Congresso de Homeopatia Popular;
Foto 19: Irmã Odete – de frente – estudo em grupo no curso de extensão;
Foto 20: Lurdes Dulce- em frente de blusa rosa;
Foto 21: Neide – de branco – grupo focal;
Foto 22: foto seminário com a presença de membros do curso de extensão;
Foto 23: 1º Módulo do curso de extensão – faltam alguns cursistas;
Foto 24: sede da Associação Brasileira de Homeopatia Popular (ABHP), Bairro Carumbé –
Cuiabá-MT.
Foto 25: 1º curso de extensão.
12
LISTA DAS FIGURAS
Figura 1 – Arte da Logomarca da ABHP;
Figura 2 – Mapa das regiões onde existem sócios da ABHP;
Figura 3 – O pensador;
Figura 4 – Arte construída por Ada no cartão de Natal da ABHP.
13
RESUMO
Este trabalho é fruto da pesquisa realizada durante o período de Mestrado em Educação
intitulada Conhecimento e (Re)conhecimento na Educação Popular uma reflexão sobre a
experiência educacional da ABHP. Trata-se de uma investigação que revela como
"conhecimento e (re)conhecimento", se articulam na constituição de sujeitos e atores sociais,
posto que do meu ponto de vista e de diversos autores, "conhecimento e (re)conhecimento"
são dimensões inter-relacionadas, inseparáveis e dinâmicas e referem-se à construção mútua
de identidades implicando na consciência própria e na consciência do outro, como alteridade.
A investigação ocorreu no espaço da Associação Brasileira de Homeopatia Popular ABHP,
ouvindo o ponto de vista dos educadores populares sobre o tema de pesquisa e os significados
desse processo educacional na vida de cada um e da comunidade da qual participam. Com
base na pesquisa qualitativa fenomenológica (BIKLEN & BOGDAN, 1994) e nos
instrumentos escolhidos, investiguei documentos, colhi e analisei depoimentos, realizei um
grupo focal com os sujeitos da pesquisa, fiz observações e orientações no curso de extensão e
construí a partir desses dados, um perfil histórico da Associação e dos sujeitos desta pesquisa.
A revisão teórica acerca dos Movimentos Sociais, Educação Popular, Conhecimento e
(Re)conhecimento e da Constituição de Sujeitos, foi determinante para o estabelecimento do
contraponto entre essas teorias e o fazer concreto e pensado do grupo investigado. Por fim,
apresento algumas (in)compreensões do que foi possível vivenciar no decorrer da pesquisa,
adotando um olhar distanciado, porém, não desligado daquilo que foi construído
coletivamente. Serão encontradas neste trabalho, razões significativas que apontam para
necessidade de se promover cada vez mais espaços, como este pesquisado, para que a
produção e circulação de "conhecimento e (re)conhecimento" aconteçam e assim se efetive a
democratização da sociedade.
PALAVRAS CHAVES: Conhecimento (re)conhecimento Educação Popular
Movimentos Sociais – Sujeitos.
14
ABSTRAT
This paper is the fruit of a research conduced during my period of Masterhip in Education,
titled: “Knowledge and (ac)knowledgment in Popular Education: a reflexion about the
educational experience of ABHP”. It consists of an investigation aimed to understand how
knowledge and (ac)knowledgment articulate in the constitution of social subjects and authors,
since from my point of view and the point of view of various authors, knowledge and
(ac)knowledgment are inter-related dimensions, inseparable and dynamic, and referent to the
mutual construction of identities, implying in the own conscience and in the conscience of the
other person as an alterity (otherness) The investigation occurred at the premises of the
Brazilian Association of Popular Homeopathy ABHP, listening to the points of view
expressed by popular educators about the subject of the research and the significances of such
educational process for the life of each one and for the community of which they participate.
Based on a qualitative-phenomenological research (BIKLEN & BOGDAN, 1994) and on the
chosen instruments, I investigated documents, gathered and analyzed statements, held a focal
group with the subjects of the research, made observations and orientations during the
extension course and, starting from these data, I constructed an historical profile of the
Association and the subjects of this research. The theoretical revision concerning the Social
Movements, the Popular Education, the Knowledge and (Ac)knowledgment and the
Constitution of Subjects were determined in order to establish a counterpoint between these
theories and the concrete and deliberate doings of the group under investigation. Lastly I
present some (in)comprehensions of what was possible to experience during the research,
adopting a look distanced but not disconnected from what has been collectively constructed.
In this paper can be found significant reasons appointing to the necessity of promoting even
more spaces as the one researched, so that the production and circulation of knowledge and
(ac)knowledgment can happen and consequently give effect to the democratization of Society.
KEY WORDS: Knowledge-(ac)knowledgment Popular Education Social
Movements – Subjects.
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.................................................................................................................................................... 13
1º TEMPO: UM TEMPO PARA VER
CAPÍTULO I
-
OUSADIA OU UTOPIA? A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO POPULAR
....................................................................................................... 42
1.1
N
ASCE UM PROJETO DE
E
DUCAÇÃO
P
OPULAR EM
S
AÚDE
................................................ 43
1.1.1 (re)descoberta da homeopatia como tratamento e instrumento de transformação social ................... 47
1.1.2 Da demanda à construção de um espaço de exercício de cidadania .................................................. 48
1.1.3 A (in)sustentabilidade de um processo educativo popular .................................................................. 54
1.1.4 Razões que sustentam a prática da Homeopatia Popular ................................................................... 60
1.1.5 A ação multiplicadora dos educadores da Homeopatia Popular ....................................................... 62
CAPÍTULO II
PERFIL E TRAJERIA DOS SUJEITOS DA PESQUISA: ASSOCIAÇÃO E
EDUCADORES POPULARES
................................................................................................. 67
2.1
O
S ELOS DE UMA REDE DE
E
DUCAÇÃO
P
OPULAR CHAMADA
ABHP ................................ 69
2.2
O
PERFIL DOS EDUCADORES POPULARES DA
ABHP:
UMA AMOSTRA DA PARTE PELO
TODO
.....................................................................................................................74
2.2.1 O perfil de três sujeitos na visão da Pesquisadora ............................................................................. 74
2. 2. 2 O perfil de quatro sujeitos segundo sua própria visão ..................................................................... 86
2º TEMPO: UM TEMPO PARA REFLETIR
CAPÍTULO III - EDUCAÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONSTITUIÇÃO DOS
MOVIMENTOS SOCIAS E LUGAR DA CONSTRUÇÃO COLETIVA DE
CONHECIMENTOS. ................................................................................................................. 98
3.1.
O
M
OVIMENTO
S
OCIAL
(MS),
OS
N
OVOS
M
OVIMENTOS
S
OCIAIS
(NMS) ...................... 99
3.1.1. Crises e retomadas: fases de um movimento que se recria historicamente ..................................... 107
3.2.
O
SABER NA
E
DUCAÇÃO
P
OPULAR
............................................................................... 110
3. 2.1. Educação Popular – práxis ou categoria de análise ...................................................................... 113
3.3.
C
ONHECIMENTO E
(
RE
)
CONHECIMENTO
........................................................................ 125
3.4. A
CONSTITUIÇÃO DO
S
UJEITO E O SUJEITO DO CONHECIMENTO
.................................... 136
3º TEMPO – UM TEMPO PARA COMPREENDER
CAPÍTULO IV - CONHECIMENTO – RECONHECIMENTO NA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO
POPULAR: O PONTO DE VISTA DOS EDUCADORES................................................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................ 160
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................. 165
FONTES DOCUMENTAIS DA PESQUISA .................................................................................................. 170
APÊNDICE 1 ......................................................................................................................................................172
ANEXOS – TESTEMUNHOS .......................................................................................................................... 173
16
INTRODUÇÃO
Tive um sonho!
Sonhar é transpor barreiras, romper com a realidade, perspectivar, desejar uma nova
vida, na qual livre das amarras do real (passado e presente) se possa ser totalmente feliz
(futuro).
O sonho é algo que construímos a partir dos dados da realidade, sejam eles
conscientes (restos diurnos) ou inconscientes (fruto de situações traumáticas vividas e
recalcadas para o inconsciente), bem como de desejos não satisfeitos ou ainda, da articulação
entre eles". (FREUD, s/d)
1
. Sonhos, ainda, podem ser “utopias” que também, construímos a
partir da realidade vivida confrontado com a realidade desejada. Neste início de trabalho,
apresento o sonho que tive, acreditando que esse, por ter ocorrido em meio ao processo de
construção de conhecimento em que me encontro especificamente no Mestrado –, possa
servir de elo, ou de instrumento lingüístico para uma compreensão que quero apresentar,
estabelecendo as possíveis ligações entre sonho, utopia e verdade, palcos da construção de
sujeitos e de conhecimentos. Parto, portanto, da compreensão de que o sonho faz parte do
campo do desejo, mas não desligado do mundo real vivido. No percurso deste trabalho, essa
dimensão do sonho tomará forma mais definida na articulação que será estabelecida entre a
“utopia” sonhada pelo coletivo pesquisado e o projeto que esse coletivo realiza em seu
cotidiano.
Aqui, agora, quero descrever e, de alguma maneira, interpretar um sonho que tive
numa noite bem dormida, apesar da ansiedade do processo de construção de mestrado em que
me encontro mergulhada.
1
FREUD, Sigmund Interpretação dos sonhos in: Obras Completas de Sigmund Freud. Volume III. Traduzido
pelo Dr. Odilon Glote. Rio de Janeiro: Editora Delta S.A, s/d. “O sonho nunca se ocupa com coisas que durante
o dia não são dignas de com elas nos ocuparmos, e bagatelas, que durante o dia não provocam nossa atenção,
não conseguem também perseguir-nos durante o sono”. (p.28) e segue: “[...] o sonho não é desatinado nem
absurdo, nem pressupõe que uma parte do nosso acervo de representações esteja dormindo, enquanto outra
começa a despertar. É um fenômeno psíquico perfeito e é uma realização de desejos [...]” (p.182).
17
Nesse sonho ocorriam duas cenas em paralelo, afastadas por uma divisória que,
mesmo as separando, permitia que eu pudesse assistir ao mesmo tempo aos dois
acontecimentos, aparentemente em planos distintos, mas que guardavam entre eles uma
relação inegável.
[...] O sonho a princípio contenta-se com a relação incontestável entre todas as
partes das suas idéias, reunindo material numa situação. Ele restitui a relação lógica
como a aproximação no tempo e no espaço, do mesmo modo que o pintor reúne
para o quadro do Parnaso todos os poetas que nunca estiveram juntos no cume de
uma montanha, mas que constituem virtualmente uma comunidade. O sonho
continua esta minúcia e muitas vezes quando mostra no conteúdo do mesmo, dois
elementos um ao lado do outro, fala em favor de um nexo muito íntimo entre os
seus elementos correspondentes nas idéias do sonho [...]. (FREUD, s/d, p.32).
Cena 1 A cena assemelhava-se a um parlamento: havia pessoas sentadas e outras
que se movimentavam e falavam entre si, pessoas que se colocavam em posições distintas e
não pareciam convergir para uma mesma direção ou mesmo objetivo. Até que duas pessoas,
um homem e uma mulher, aparentemente jovens, se colocaram em uma plataforma que
possuía duas armações semelhantes a um púlpito e foram erguidos por uma estrutura
mecânica (guindaste?) a uma altura significativa e, de lá, iniciaram suas falas. Não se tratava
de um vereador, deputado ou senador, mas de alguém que os representava falava em nome
de um deles. A conversa era acirrada e nada amistosa, entre os dois. O público, lá embaixo,
dividia sua atenção entre eles próprios, nunca se dirigindo aos que falavam lá de cima.
Cena 2 Nessa cena havia muitas pessoas agrupadas, sentadas como se fosse uma
assembléia ou uma reunião comunitária (assembléia popular?). Naquele espaço
concentravam-se pessoas falando, nenhuma, em lugar distinto, todas permaneciam na roda, na
plenária, no meio do grupo e, ali, comunicavam-se entre si. Apesar das conversas “paralelas”
pareciam manter uma sintonia no debate, sem que ninguém sentisse constrangimento.
Acordei surpresa no meio desse sonho, sem saber o quê ou sobre o quê falavam.
Imediatamente pensei: “Nossa, que sonho! Por que será que tive este sonho?” Perguntava a
mim mesma.
Então, ainda no meio da noite, comecei a fazer conexões e interpretações. O que foi
mesmo que havia acontecido nesse sonho? Eu presenciava dois grupos em debate, com
procedimentos muito distintos na forma com que os conduziam. Apesar de nos dois grupos
existir um número grande de pessoas, a dinâmica interna de cada um deles se apresentava de
forma muito diferente. Em um dos grupos (cena 2) parecia haver
interação e debate em torno de questões de interesse comum; e, no outro (cena 1), a interação
18
entre as duas pessoas que ocupavam o púlpito, paralelamente e, desconectada do conjunto,
onde parecia existir diversos interesses e, mesmo quando havia um discurso cujo destinatário
parecia ou deveria ser para o público, a mensagem era direcionada a um interlocutor
específico, e os demais nem sempre acompanhavam o que ali se passava. Parecia-me estar
vendo de um lado uma sessão no parlamento brasileiro, e de outro, uma assembléia
comunitária. Ocorreu-me, ainda, que acabara de ler no dia anterior o livro: O que é
Democracia, de Denis Rosenfield (1994), no qual ele fazia uma exposição de conceitos de
democracia representativa e democracia direta, apontando, inclusive, que uma delas não
necessariamente excluía a outra. O que remetia à possibilidade de a conexão do sonho referir-
se a restos diurnos (FREUD, s/d). Se assim o fosse, por que eles me mobilizavam tanto?
Fazendo o exercício de “associação livre”
2
pude perceber determinantes inconscientes e frutos
de desejo. Talvez o leitor possa trilhar comigo alguns caminhos que percorri nas minhas
“associações livres”, entendendo como compreendi o processo vivido em minha história
pessoal e familiar. Fatos que me permitiram estabelecer conexões com esse sonho, que inclui
procedimentos de comunicação entre pessoas, ora de formas desconectadas do diálogo com os
outros e com o mundo (cena 1); ora de forma interativa e interpessoal (cena 2), demonstrando
um processo participativo e democrático.
Entendo aqui por processo democrático toda e qualquer forma de ação social que
permita e estimule a participação de cada cidadão em assuntos de interesse pessoal e coletivo,
sejam eles econômicos, culturais, sociais e/ou políticos.
Somos fruto de nossa história
Recordo que nas associações, minha história pessoal e familiar (im)possibilitou-me
sonhar nesse mundo de hoje vivido (por mim), com um mundo diferente novo e
democrático. Percorri um longo caminho para chegar onde hoje estou, uma vez que, somos,
todos, frutos de nossa história pessoal e coletiva.
Uma história que se inicia com o desejo, ou não desejo, de meus pais e, mais
concretamente, com meu nascimento. História que vai se desdobrando entre os percalços da
vida de uma menina terceira filha de uma família de 11 filhos pai, trabalhador braçal com
2
“[...] recordações espontâneas (que ocorrem) [...] naquelas associações involuntárias que surgem habitualmente
na trajetória de um processo mental determinado [...]” (FREUD, s/d, p. 177).
19
escolaridade até o ano primário, mãe, dona de casa costureira da família e dos vizinhos,
com escolaridade até a série primária. Ambos acreditavam que as filhas não precisavam
estudar além da série, que seriam como a mãe donas de casa e/ou costureiras. Nesse
contexto, sonhar limitava-se às possibilidades reais vividas e conhecidas, embora o acesso à
informação, ocorrera na escola e por rádio, mais ou menos na mesma idade – dos 7 aos 10
anos, quando fiz o primário (1º ao ano). Procurando emprego, saí de Mato Grosso do Sul e
chegando a Cuiabá-MT em 1974. Aos 14 anos, deparei-me, pela primeira vez, com o mundo
do trabalho. Trabalhando como empregada doméstica, os sonhos adormecidos, sonhos
frustrados (não realizados completamente), sonhos adiados e por que não, os não sonhados,
manifestaram, diante da possibilidade que se vislumbrara no horizonte, impulsionando-me a
retornar aos estudos, aos 16 anos; e, à participação social – nos grupos de jovens, que
inicialmente levaram-me ao encontro e à descoberta da militância social e política. Uma
militância influenciada pela participação na Igreja (teologia da libertação
3
), pela participação
nos movimentos comunitários, nos movimentos populares locais e nacionais, especialmente
aqueles ligados à educação e à saúde. Apesar dessa consciência “teórica” de cidadania, eu
vivia à margem da sociedade, no sentido mesmo de pessoa excluída, uma vez que nem
carteira assinada como trabalhadora eu possuía, nem nos empregos como doméstica, nem na
Pastoral da Saúde. Na luta pela sobrevivência eu continuava a sonhar, a realizar alguns sonhos
e ver outros sendo confiscados cotidianamente no embate de uma sociedade capitalista, de
classe, que insiste em manter de um lado os dominadores e de outro os dominados. Mas que
não consegue matar o desejo de liberdade e a busca da felicidade.
O sonho de uma sociedade democrática vai assim se construindo no meu imaginário e
nas experiências vividas. Influenciada, também pelos estudos e pesquisas realizados no meu
processo de formação profissional, mediante cursos de História e Engenharia Sanitária, ambos
oferecidos pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e inconclusos. Mais tarde,
ingressei em um curso de Psicologia, que concluí tornando-me profissional da área,
complementando minha graduação com um curso de especialização em Psicologia
Educacional, na UFMT. Hoje, nessa mesma instituição, mediante o Programa de Pós-
Graduação em Educação, que insere o Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação
(GPMSE/PPGE), realizo o Mestrado, razão que deu origem a esta pesquisa, cujo objeto por
3
“Teologia da libertação é um grande esforço de uma parte dos cristãos de fazer do Evangelho e da fé cristã um
fator de mobilização social [...] esse diálogo da Igreja com a sociedade, com a pobreza, e atingir as comunidades
eclesiais de base [...]”. Entrevista com Leonardo Boff "A IGREJA MENTE, É CORRUPTA, CRUEL E SEM
PIEDADE" (BOFF, 1998).
20
mim investigado me ajuda a resgatar a minha ação militante e a sistematizá-la.
Frise-se que nesses espaços de formação aprendi, e continuo a aprender, que vivemos
em um mundo dual. Mundo dividido em dois lados ou classes: o lado do opressor e o lado do
oprimido (FREIRE, 1987); a classe dominante (burguesia) e a classe dominada (proletariado)
(MARX, 1971); os ricos e os pobres (Medellín/Puebla/Igreja)
4
. De um lado, aqueles que,
historicamente, têm determinado os rumos da sociedade e criado, simultânea e
progressivamente, todos os mecanismos de manutenção do sistema gerado; e, do outro lado,
aqueles que, historicamente, estão subjugados a estes rumos estabelecidos à revelia de seus
desejos e necessidades e que têm procurado, sistematicamente, meios de subverter ou
transformar este sistema. Fui percebendo, neste processo de aprendizagem individual/coletiva,
que o lado do qual vamos travar nossa luta era, e ainda é, uma escolha que cada um tinha e
tem que fazer, permanentemente. Lembro-me, aqui, uma história que Passos, meu
companheiro de caminhada política e de vida, sempre contava e conta, em seus cursos, para
discutir estas escolhas políticas:
Uma cidade está para ser invadida por um exército armado até os dentes e sua
população assustada se esconde (foge). Um menino, de tenra idade, pega sua espada
pára diante do portão da cidade e espera a chegada do exército. Ao se deparar com
aquele menino, armado com sua espadinha de madeira, o capitão lhe pergunta se
ele acredita mesmo que pode vencê-los com aquela espada. O menino lhe responde:
– não, senhor capitão, sei que não posso vencê-los, mas queria que o senhor
soubesse de que lado eu estou. (PASSOS)
5
.
Isso me conduzia a certas reflexões, de maneira a fazer minhas escolhas, e
construindo, pessoal e coletivamente, uma visão de sociedade, pautada pelo sonho, pela
utopia de uma sociedade igualitária, solidária, democrática e participativa, assim traduzida:
Um sonho que se sonha só, pode ser só ilusão/
mas um sonho que se sonha junto, é sinal de solução/
por isso, vamos sonhar companheiro, sonhar ligeiro/
sonhar em mutirão. (JOSÉ VICENTE)
6
6
Sonhar coletivamente uma nova sociedade foi para mim uma escolha vital. Tratava-se
4
Documentos oficiais da Igreja Católica.
5
Comunicação do Professor Luiz Augusto Passos em cursos e palestras de formação para educadores populares.
6
Letra e música de José Vicente – músico e poeta nordestino, inspirado em texto de Dom Helder Câmara cantado
nos grupos e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
21
de escolher o lado daqueles, que eu sócio-economicamente fazia parte e que procuravam essa
nova sociedade; ou cerrar fileiras do lado daqueles que, mesmo integrando essa mesma classe
social, permaneciam “cegos” pela ideologia dominante, colocando-se ao lado dos opressores,
por acreditar que poderiam e/ou podem, desta maneira, sair de sua condição de oprimidos ou
ainda, por medo de enfrentar mais repressões tal como assinala Freire:
"Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, “imersos” na própria
engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade enquanto não se sentem
capazes de correr o risco de assumi-la. E a temem, também na medida em que, lutar
por ela, significa uma ameaça, não aos que a usam para oprimir, como seus
“proprietários” exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que se assustam com
maiores repressões". (FREIRE, 1987, p.19).
Pois bem, foi nessa retomada “associativa” de sonho que aponta dialeticamente os
dois lados, ou as duas dimensões de um processo de constituição do sujeito e da realidade,
que pude então começar a compreender as razões do impacto desse sonho. Quem sabe poderia
estar se tratando de uma retomada da consciência que, por vezes, foi ofuscada pelas demandas
cotidianas de sobrevivência e por ideologias dominantes, às quais estamos diuturnamente
submetidos e das quais também eu participei ativa e passivamente. Ou, ainda, diria Sung
(2002), a respeito da simultânea percepção de nossa “ausência” como sujeitos e da indignação
perante essa mesma condição: o ser o humano, a partir do momento que tem esse ato
perceptivo, não pode mais permanecer inerte, se obrigando a sair em busca de um mundo
melhor. Esse processo, afirma o autor, contribui para a construção das utopias, que
demandam, também, a construção de um projeto que as tire do campo da impossibilidade e as
aproxime do real.
Acreditando, também, naquele tempo, que outro mundo era possível, inseri-me em
um projeto de construção coletiva de um mundo melhor que se inspirava na utopia do Reino
de Deus. Em decorrência disso, a Educação Popular em saúde foi se destacando em minhas
opções e ações. Inseri-me na luta dos movimentos sociais por meio da Pastoral da Juventude
do Meio Popular (PJMP), constituída por uma parcela jovem da Igreja, que desenvolvia um
projeto de engajamento político, nos movimentos sociais e nos partidos. Assumi, em 1980 ali
na Igreja do Rosário e São Benedito, em Cuiabá, juntamente com outros companheiros
7
,
ligados à mesma paróquia, que naquele momento vivia, entre outros, o conflito com a Pastoral
da Juventude Diocesana, a minha militância. Fui, então, assumindo com este grupo, minha
7
Lourenço, Márcia Campos, Isabel, Tião Preto, Tião Branco, Mário, Dalva, Iara, Inácio, Julier, Zenildo, entre
outros que foram aos poucos entrando para o grupo.
22
comunidade no bairro Jardim Leblon, desde tarefas de catequese, evangelização para a
Crisma, o grupo jovem da comunidade, associação de moradores até o debate do Movimento
Popular de Saúde no Estado de Mato Grosso (MOPS/MT), em busca de uma ação militante.
Um trabalho que foi se desdobrando em demais frentes.
Participei, em 1981, da criação da Pastoral da Saúde Popular da Igreja Nossa Senhora
do Rosário e São Benedito com uma proposta de contrato de trabalho, em vista da
organização e luta pelos direitos à saúde, do resgate e da valorização do conhecimento
popular de saúde.
Mantive-me presente em reuniões da Paróquia, Diocese, Regional, fazendo parte da
Coordenação Nacional da Pastoral de Saúde e de encontros nacionais. Essa presença em
diversas instâncias organizativas fazia parte da estratégia da Paróquia de ligar o que aqui
acontecia ao que se passava no Brasil.
"Buscamos como estratégia, realizar uma imensa aliança e articulação de rede entre
o que se realizava, pastoral e politicamente, fortalecendo a formação popular e as
lutas pelos direitos negados, e tecer as lutas sociais locais com aquelas mais gerais
que se processavam em nível de país. O isolamento de tais iniciativas, pela falta de
comunicação, era tanto ou mais perigoso que a ditadura em si mesma. Buscamos
pessoas, movimentos, organizações, que tivessem identidade religiosa e pastoral
conosco, afinidade política e teológica. Queríamos desde o princípio que os
trabalhos não dependessem exclusivamente da Igreja Católica". (PASSOS, 2008, p.
6).
Sete anos depois, o interesse nos debates estabelecidos pelo grupo, em parceria com o
MOPS foi se ampliando para todo o Estado de Mato Grosso, razão pela qual o grupo decidiu
criar um Instituto para levar adiante a proposta inicial incorporando as novas lutas que o
processo havia gerado como poderemos acompanhar, no decorrer deste trabalho.
Foi, então, criado o IPESP Instituto Pastoral de Educação em Saúde Popular, do
qual, na época, tornei-me coordenadora. As atividades do IPESP, sempre avaliadas e
replanejadas em forma de projetos bienais, foram realizadas por um período de 10 anos,
conforme relatórios de prestação de contas às Instituições co-financiadoras e à comunidade.
Após 10 anos de trabalho, discutindo, com outros movimentos e grupos populares, as políticas
públicas no Estado e as formas de participação e controle social por meio dos Conselhos de
Saúde
8
, a direção deparou-se com a demanda que vinha crescendo entre os educadores
8
Os Conselhos de Saúde emergiram recentemente na cena político-sanitária brasileira, com a missão de
operacionalizar o principio constitucional da participação comunitária e assegurar o controle social sobre as
ações e serviços de saúde. Foram institucionalizados como órgãos permanentes e obrigatórios do Sistema Único
23
populares envolvidos no processo, de que o IPESP viesse a se tornar uma instância de
representatividade dos mesmos. Uma representatividade que demandaria o estabelecimento de
ações coletivas no fortalecimento da articulação entre os educadores populares (agentes
populares de saúde) para que pudessem assim:
a) fazer frente às pressões que vinham sofrendo pela classe dos médicos homeopatas;
b) lutar pela ampliação e garantia dos direitos à saúde e;
c) fortalecer a luta pela implementação da homeopatia e demais práticas
complementares nos serviços públicos de saúde. Foi, então, criada a ABHP Associação
Brasileira de Homeopatia Popular, que será mais bem apresentada a seguir, da qual participei
desde sua criação, em 1996, como presidente, nos dois primeiros mandatos, somados quatro
anos difíceis, além da necessidade de assessorar os processos de educação continuada e
permanente até a presente data.
Nesta caminhada, muitas dúvidas, muitas descobertas, muitas questões e perguntas
foram se colocando para mim. A instituição tornou-se objeto de investigação de diversos
pesquisadores, entre eles, Góes (2002), Passos (2004), que buscaram compreender e
demonstrar o tipo de trabalho realizado, a Educação Popular proporcionada naquele espaço, a
importância do trabalho, a formação de rede, etc. A mim, diante de minhas observações e
escutas, acompanhamento de muitos anos da formação, ficou a pergunta que me trouxe ao
mestrado: "que sentidos têm para estes educadores populares o conhecimento
9
e
(re)conhecimento
10
produzido na ABHP?" A associação não será entendida, aqui, como a
de Saúde, recebendo amplas atribuições legais e caráter deliberativo. Busca avaliar o grau em que esses órgãos
têm cumprido esse papel, bem como indaga de suas condições atuais e potenciais de impactar positivamente o
processo de transformação democrática do sistema de saúde brasileiro. [...] Apresenta o percurso histórico de
evolução das políticas e práticas que antecederam e deram origem à proposta dos Conselhos de Saúde no caso
do Brasil [...] atuam em três esferas governamentais – federal, estadual e municipal [...] (CARVALHO, 1994).
9
Além dos diversos sentidos que o conhecimento venha adquirir no decorrer deste trabalho, partirei do conceito
básico exposto por Houaiss como sendo: ato ou efeito de conhecer; o ato ou a atividade de conhecer, realizado
por meio da razão e/ou da experiência; ato ou efeito de apreender intelectualmente, de perceber um fato ou uma
verdade; cognição, percepção; fato, estado ou condição de compreender; entendimento, coisa conhecida;
domínio, teórico ou prático, de um assunto, uma arte, uma ciência, uma técnica etc.; competência, experiência,
faculdade de conhecer, intuição, pressentimento ou outra forma de cognição; fato de reconhecer uma coisa como
[...] sabida ou conhecida [...] adquirida pela experiência; noção que cada um tem de sua própria existência e das
pessoas familiares, coisas, fatos do dia-a-dia; somatório do que se sabe; o conjunto das informações e princípios
armazenados pela humanidade (Dicionário eletrônico Houaiss, da língua portuguesa, 1.0.5ª).
10
Da mesma forma outras maneiras de compreender o que seja reconhecimento aparecerão no decorrer deste
trabalho. Não se perderá de vista, no entanto, o conceito básico fundamental, conforme o dicionário utilizado:
[...] ato ou efeito de reconhecer; reconhecença, recognição, ação ou efeito de averiguar; exame, [...] aceitação da
legitimidade de (governo, culto etc.) aceitação de uma obrigação, recordação de benefício recebido; gratidão,
recompensa por serviços valiosos; galardão, prêmio [...]. (Dicionário eletrônico Houaiss, da língua portuguesa,
24
Instituição em si, mas como espaço social nacional, de articulação desses educadores e de
produção de conhecimentos.
Conhecimento e (re)conhecimento se destacaram como categorias em minhas
percepções, por entender que a democracia só se verificará verdadeiramente quando homens e
mulheres se constituírem como sujeitos e conseqüentemente como atores na transformação do
mundo(FREIRE, 1987). Quando, constituídos como subjetividades individuais, descubram,
simultaneamente o outro como outreidade e com ele inter-relacionem construindo uma
coletividade de respeito, justiça e solidariedade, condição da democracia. A esse respeito,
assim pronuncia Cecília Cardoso Alves:
"Todo conhecimento é autoconhecimento, nos insere os indivíduos num processo de
reflexão sobre sua própria realidade, palco no qual, os indivíduos se fazem, refazem,
constroem cultura e descobrem-se como coletivo e assim tornam-se
indissoluvelmente unidos ao que estão construindo" (ALVES, 1998, p.23).
Essas categorias serão compreendidas à luz da Educação Popular sonhada e
protagonizada por movimentos sociais e organizações populares que historicamente se
constituíram, muitas vezes no contraponto com a formal (escolar) empreendida por
organizações governamentais e particulares na realização de seus fins, que não raramente,
concorrem para manter o status quo de uma sociedade capitalista hierárquica.
Educadores e grupos populares descobriram que Educação Popular é sobretudo
processo de refletir a militância; refletir, portanto, a sua capacidade de mobilizar em
direção a objetivos próprios. A prática educativa, reconhecendo-se como prática
política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos
escolarizantes. Lidando com o processo de conhecer, a prática educativa é tão
interessada em possibilitar o ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua
conscientização. Nesse sentido, a Educação Popular, de corte progressista,
democrático, superando o que chamei, na pedagogia do oprimido, “educação
bancária” tenta o esforço necessário de ter no educando um sujeito cognoscente,
que, por isso mesmo, se assume como um sujeito em busca de, e não como a pura
incidência da ação do educador (FREIRE, 2001, p.16).
Nesse sentido, o leitor, encontrará nesta dissertação um percurso que vai do sonho
“utópico” de um pequeno grupo, que vislumbra um novo mundo e escolhe a Educação
Popular em saúde como projeto para construí-lo, percorrendo para isso caminhos que vão se
abrindo a cada passo dado. Esse caminho que vai sendo descortinado no processo do próprio
caminhar no sentido mesmo do poeta Antonio Machado: caminhantes não caminho, se faz
1.0.5ª). A atenção e o recorte que farei, especificamente, para dar conta do que pretendo abordar será o
reconhecimento social que venha a contribuir na constituição do sujeito e sua conseqüente construção de
25
o caminho ao andar.
Faz-se necessário destacar aqui, que como toda organização social, grupamento
humano e relações sociais de todas as espécies, a ABHP e os sujeitos dessa pesquisa também
não estão imunes às contradições do processo desde as mais simples contradições e
divergências de opiniões, até as mais complexas que se impõe a um grupo disposto a construir
coletivamente um projeto comum. Apesar de apontar algumas dessas contradições no
decorrer do trabalho, como dificuldades de escolarização, conflito com a classe médica,
conflito entre o trabalho voluntário e luta pela sobrevivência, e outras não tão explicitas
nem no grupo, nem neste trabalho como disputas internas, dificuldades de relacionamentos
entre membros dos grupos, a mudança de perfil ocorrida na passagem do IPESP para a
ABHP, onde as ações e demonstrações de solidariedade e compromisso alteraram
completamente. Se antes todos se sentiam responsáveis para que o trabalho do IPESP se
efetivasse, na ABHP, dado ao seu caráter representativo, espera-se que a direção conta da
realização da missão da Associação e as cobranças se canalizam nesse sentido. Esse fato é
mais bem percebido no número de correspondências enviadas à Associação de Matérias
remetidas ao Boletim. Essas contradições e outras, também percebidas nesta pesquisa, não
serão foco de aprofundamento nesse trabalho. Faço conscientemente a escolha de destacar no
processo político pedagógico mais acertos, ações e percepções positivas dos sujeitos
envolvidos, que permitiram a partir da produção e circulação de conhecimento e
(re)conhecimento, uma auto-afirmação e procura de valorização do outro, como sujeitos e
atores sociais capazes de transformar a sociedade capitalista em que vivemos em uma
sociedade justa, solidária que tenha o ser humano como centro. Não se trata de uma visão
romântica nem populista, mas um recorte de pesquisa.
Organizarei o relatório desta pesquisa, que será apresentado em forma de dissertação
de Mestrado, em três tempos como se segue:
1º tempo – como um tempo para ver
Vamos percorrer “simbolicamente”, no primeiro capítulo, os passos dados nesta breve
história de um grupo que ousou sonhar. Um caminho, como todos, inconcluso, e que continua
sendo construído, passo a passo.
cidadania (atuação social transformadora).
26
No segundo capítulo conheceremos os sujeitos protagonistas desta história. Falar de
cada sujeito envolvido no projeto seria, nesta pesquisa impossível, apresentarei os sujeitos
envolvidos diretamente nela, que como singularidades, carregam em si características e
sonhos comuns a essa coletividade que é a ABHP. Apresentando esses sujeitos apresento
simultaneamente suas ações e as ações que são prioridades na Associação.
2º tempo – como um tempo para refletir
No terceiro capítulo, buscarei realizar uma reflexão
11
do caminho percorrido à luz de
algumas teorias, que também historicamente, vêm sendo construídas para compreender o
movimento do ser humano e sua constituição, ao longo do tempo. Enfatizarei as teorias que
contrapõem ou confrontam com teorias que justificam e/ou conformam todo o processo de
construção cultural do ser humano, concebido como “natural”. Naturalidade que justifica
inclusive o processo de opressão e exclusão a que grande maioria do povo se encontra
submetido. Para esta reflexão apresentarei o pensamento de autores como: Alberto Melucci
(2001); Ana Maria Doimo (1995); Carlos Rodrigues Brandão (1986); Francisco Fernández
Buey (1985); Artemis Torres (1992, 1994, 2005), Reinaldo Fleuri (2002); Paulo Freire
(1987); Sigmund Freud (s/d); Ilse Scherer-Warren (1987); William Pereira (2002); Jung Mo
Sung (2002; 2000), entre outros.
3º tempo – como um tempo para compreender
No quarto capítulo apresentarei o entendimento dos educadores populares, eles
próprios descrevendo ou expondo, por meio dos seus depoimentos, histórias de vida,
avaliações e trocas de saberes cotidianos, que contam como eles compreendem seu próprio
ser e fazer, que expressa ao longo da vida e em momentos específicos que compõem sua auto
e hetero-formação (cursos, seminários, subsídios escritos e audiovisuais).
Consciente de que vida e ser humano não podem ser compreendidos em sua
totalidade, fora de seu contexto, o rigor de um trabalho científico de pesquisa requer que se
faça um recorte compreensivo e, assim, elejam categorias de análise e compreensão, que nos
orientem na interpretação dos fenômenos observados e estudados, sempre trianguladas com os
11
Reflexão No sentido paulofreireano que afirma: “A verdadeira reflexão crítica origina-se e dialetiza- se na
interioridade da “práxis” constitutiva do mundo humano – é também “práxis” (FREIRE, 1987, p. 8).
27
sujeitos. As categorias escolhidas para fazer essa compreensão, foram conhecimento e
(re)conhecimento, que, nesta pesquisa serão também analisados sob o recorte da Educação
Popular e dos movimentos sociais, em diálogo com o conhecimento acadêmico e com as
formas de poder institucionalizadas. Trago, também, para este diálogo, o conceito de sujeito
com o qual estarei trabalhando, haja vista que se pode falar de conhecimento e
(re)conhecimento de um indivíduo que se constitui como sujeito cognoscente (FREIRE,
1998).
Por fim, dando continuidade ao sonho que utopicamente não termina, mas se repõe
cotidianamente, apresentarei algumas in-compreensões e/ou considerações daquilo que pude
compreender e re-significar no decorrer do mestrado. Para tanto, adotei um olhar próximo e
distanciado ao mesmo tempo, porém, não desligado daquilo que foi construído coletivamente,
numa intersubjetividade simbólica, inclusive por mim, nesta caminhada de 26 anos, e que
continuará sendo reconstruído a cada passo dado adiante.
Talvez você, leitor, possa estar perguntando como, afinal de contas, construí este
percurso. Respondendo a essa pergunta e ao mesmo tempo respondo, para meu próprio
entendimento, o caminho seguido. Apresentarei a metodologia escolhida e realizada, bem
como as razões de sua escolha.
A Metodologia
Desde o início dessa caminhada no mestrado, optei pela metodologia “Aprender-
Fazendo”, inspirada na experiência vivida no IPESP e na ABHP. Aprender-Fazendo é uma
dinâmica de inspiração fenomenológica que visa: “[...] preencher a lacuna existente entre a
educação de inspiração idealista, desencarnada, individualista, para desenvolver processos
comunitários (concretos), com protagonismo de um coletivo de trabalho” (PASSOS, 2007 – o
grifo é meu).
Aceitei, então, como grupo demonstrativo da ABHP, os agentes (educadores
populares), ora matriculados no curso de extensão que a Associação está realizando em
28
parceria com a PROVIVAS
12
e o GPMSE
13
, da UFMT
14
, bem como alguns membros da
Diretoria da Associação, totalizando 25 pessoas que possuem no mínimo 5 anos de prática da
Educação Popular em Saúde por meio da Homeopatia Popular. A escolha desses sujeitos, no
entanto, não limitou meu campo de pesquisa e, por vezes, fiz incursões em um universo mais
amplo, como, por ocasião da realização do Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular,
ocorrido em Cuiabá, no final de julho de 2007, cujo tema foi intitulado pelos agentes:
"Homeopatia popular e solidariedade planetária: uma nova saúde é possível" e por ocasião
da realização de uma reunião ampliada dos educadores populares de Rondônia, realizada em
agosto desse mesmo ano, na qual, eles mesmos se dispuseram a discutir e fornecer
informações para minha pesquisa.
Metodologicamente a partir desse momento as informações referentes à pesquisa,
sejam depoimentos, avaliações, relatos, dados documentais retirados oficialmente, resultados
do debate no grupo focal, sejam dados de observação, em forma de citação, serão registradas
em itálico, diferenciando assim das contribuições teóricas dos autores citados neste trabalho.
Quero, ainda, explicitar que as transcrições documentais e dos depoimentos e relatos serão
mantidas conforme encontrados e/ou faladas, garantindo assim que os sujeitos desta pesquisa
possam se (re)conhecerem nos dados e sentirem-se (re)conhecidos em seu saber, sem que seja
necessária uma transformação de seu pensamento e de sua fala para norma culta, para que ele
seja compreendido e valorizado.
[...] agora que passou o sufoco do congresso [...] podemos começar a pensar em
outras coisas. No dia 20 de agosto estarei reunida com a coordenação ampliada da
saúde para darmos encaminhamento às questões do congresso [...] Também
avaliarmos a participação [...] enfim, não deixar esfriar este momento tão
importante para nossa caminhada. o sei se você conseguiu fazer todas as
conversas que querias com o pessoal, para sua dissertação [...] Sugiro que se
julgares oportuno, poderias aproveitar este espaço em que estamos reunidos e
enviar algumas questões para que possam mandar por escrito. Podemos abrir um
espaço para isto. "Também aquele texto que você queria que eu desse uma lida, se
tiver como me enviar, vou fazer com carinho". (e-mail
- enviado por Marialva em 31 de
julho de 2007).
Esse processo investigativo foi construído, buscou realizar um estudo teórico sobre as
categorias centrais desta pesquisa: Educação Popular, movimentos sociais, conhecimento e
(re)conhecimento, sujeito e sujeito do conhecimento. Além das disciplinas obrigatórias do
12
Pro - Reitoria de Vivência Acadêmica Social.
13
Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação.
14
Universidade Federal de Mato Grosso.
29
curso de Mestrado, que muito contribuíram, e dos seminários avançados de nossa linha de
pesquisa e reuniões de estudo do Grupo de Pesquisa (GPMSE), para construção do arcabouço
teórico, não apenas restrito à pesquisa, mas para mim, como sentido de toda uma vida.
Empenhei-me em conhecer, sob direção de minha orientadora, as dissertações com temas
afins, realizadas no Programa (MATSUBARA, 1994; ARRUDA, 1997; NOLASCO, 1998;
RISCAROLLI, 1998; PASUCH, 2004). Procurei também trabalhos de pesquisas de outras
instituições, por meio do Portal de Periódicos da CAPES e buscas na Internet
15
. A
participação em eventos e debates acadêmicos foi decisiva para a construção do objeto, do
campo de pesquisa, e de todas as inter-relações e interpretações dos dados da investigação.
Nesse percurso, confirmou-se a impressão de que a pesquisa qualitativa era o
instrumento mais adequado à investigação que me propus realizar. Primeiro, por estar como
pesquisadora e, antes, como militante, intrinsecamente ligada, à ABHP desde a sua criação; e,
antes ainda, por estar ligada, desde a constituição, ao Instituto Pastoral de Educação em Saúde
Popular, o IPESP, no qual a ABHP nasceu. Nesse sentido, essa última não era um objeto de
pesquisa longínquo. Segundo, porque o que busco em minha pesquisa não é saber o que faz a
Organização. Procuro, sim, os sentidos que os sujeitos envolvidos dão ao conhecimento e
(re)conhecimento produzidos e compartilhados no processo de Educação Popular, permanente
realizado pelo coletivo do qual participam, e do qual sou parte. Os sentidos de um grupo são
tecidos por todas as mãos que dele fazem parte, intersubjetivamente. Esse domínio me
ajudaria, em grande parte, a compreender as razões que a própria razão desconhece.
Quero destacar as características da abordagem qualitativa fenomenológica, com base
em Bogdan e Biklen (1994), algumas que me pareceram relevantes e significativas na
metodologia empregada:
Primeira característica: os depoimentos, em uma pesquisa com essa abordagem,
devem ser coletados diretamente das pessoas envolvidas na pesquisa, sendo o investigador
seu principal instrumento. Ou seja, fazer-se presente no espaço da pesquisa, na vida dos
investigados, prerrogativa que o pesquisador valoriza, pois procura compreender o contexto,
não só com as informações de segunda-mão. Como diz Geertz (apud BOGDAN, 1994, p. 48):
“Uma boa interpretação do que quer que seja um poema, uma pessoa, uma história, um
ritual, uma instituição, uma sociedade –, conduz-nos ao coração daquilo que se pretende
interpretar”.
15
Ver referências web-bibliográficas.
30
A propósito, Geertz, referenciado por BOGDAN (1994), ainda assevera que uma
pesquisa etnográfica é realizada em campo e requer uma convivência mais ou menos longa do
pesquisador com os seus sujeitos. Ponto favorável à escolha desta metodologia. Muito o
auxilia ele não ser ali, um estranho. Isso habilita o pesquisador a compreender sentidos
somente percebidos e nomeados por alguém que, de alguma maneira, faz parte do contexto
dos sujeitos, e compartilha da vivência cotidiana do sentido das relações e dos símbolos que
circulam entre as pessoas.
Segunda característica: a investigação é descritiva, o que possibilita trabalhar com os
depoimentos e relatos dos envolvidos, permitindo uma compreensão mais subjetiva dos dados
e da própria avaliação daqueles a quem o processo educativo pretende abranger. A descrição
para Geertz não é a mesma que a descrição de um fenômeno distante realizada por um
pesquisador positivista, que pretende neutralidade ou objetividade. Se minha pesquisa não é,
ainda, uma pesquisa realizada com todo o rigor de um antropólogo, é, entretanto, pesquisa de
uma militante no campo da Educação Popular; e tem a qualidade antropológica de ter tido
uma vivência longa imprescindível, segundo Geertz com as pessoas desde o início deste
projeto de Educação Popular. Essa vivência e domínio me possibilitaram compreender
significações, jogos de linguagem, percepções até afetivas, momentos de sofrimento e de
vitórias das quais fui parceira.
Terceira característica: na pesquisa qualitativa maior interesse nos processos em
curso do que nos resultados ou produtos. No caso a ser investigado, o sentido do
conhecimento e (re)conhecimento vivenciado no processo da formação, meu interesse está
direcionado para os processos empreendidos pelo grupo que geraram sentidos mobilizadores e
educacionais, para as conquistas pessoais e comunitárias ocorridas no percurso do trabalho.
Por exemplo, a força mobilizadora dos sentidos, construídos pelo grupo, que oportunizou o
envolvimento dos familiares; da comunidade; dos apoiadores e aliados e dos outros agentes na
pesquisa; nas grandes celebrações das vitórias, nos momentos de crise, permitindo uma
interpretação pessoal e coletiva dos resultados, bons ou ruins, que mantém a organização, a
mobilização, o enfrentamento e o entusiasmo, há tanto tempo.
Quarta característica: na pesquisa qualitativa a análise interpretativa dos dados tende
a ser feita de forma indutiva. Não se buscam dados para confirmar hipóteses pré-
estabelecidas. Ao coletar dados e elementos, se vai construindo um quadro de informações,
que vai ganhando forma e significado durante o processo, e que vai apontando dimensões,
sentidos que possuem certa regularidade ou impacto maior na interpretação do processo. De
31
forma que junto com os dados, vão surgindo, pondo e repondo, questões importantes a serem
compreendidas e aprofundadas.
Quinta característica: na pesquisa qualitativa, a importância do significado e dos
sentidos das informações obtidas volta menos para o pesquisador e, mais para as pessoas
envolvidas. O pesquisador estará atento aos sentidos que as diversas pessoas dão às suas
vidas, às suas experiências, adquiridas no processo de formação. Ele precisará devolver às
mesmas pessoas o caminho feito. Como percorreu o caminho, que dados encontrou e como os
interpretou, podendo compartilhar, corrigir e oferecer ao coletivo o resultado da
sistematização da pesquisa feita, na verdade, por todos. Deverá estar claro que procurando os
sentidos que as pessoas atribuem, mesmo que discorde disso precisará procurar uma lógica
que acompanha essa significação.
Roche (2000), em seu trabalho sobre avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs,
insiste que se uma pessoa ou um grupo emitir uma avaliação positiva e/ou negativa acerca de
determinada situação ou ação por eles realizadas, não poderia ser o pesquisador ou avaliador
externo a dizer o contrário; dado que, a mudança ocorrida deu-se na vida do envolvido e não,
provavelmente, na vida do pesquisador. Nesse caso, será difícil não compreender, em grande
parte, os sentidos expressos pelos agentes de saúde da ABHP, estando eu desde o início, não
como quem pesquisava academicamente, mas como quem vivia a mesma vida e perseguia os
mesmos sonhos. Ainda assim, consciente de que, mesmo fazendo parte desse coletivo, eu era
uma pessoa com uma história pessoal diferente da história de todas as outras; ocupava, um
lugar social diferente nos processos organizativos, com outras perspectivas no olhar, procurei
guardar a devida inter-relação e intersubjetividade, nem sufocando as possíveis interpretações
e atribuições de sentidos dos educadores participantes da pesquisa, e, dialeticamente, nem as
minhas possíveis interpretações e compreensões, isoladamente. Importante dizer que, para
Geertz, toda interpretação é um trabalho de intersubjetividade e de autoria também do
pesquisador. Que o mesmo deve declarar isso, para que sua visão de segunda mão, não induza
o leitor de ser essa interpretação, a única possível, ou que esgotaria outros sentidos possíveis,
que como pesquisadora não conseguirei registrar.
Apesar de não estar realizando “um estudo de caso” em sentido estrito, que seria
demasiado amplo e complexo, tomei em consideração algumas estratégias dessa metodologia.
Destaco aqui as contribuições de Stake (1998), especialmente no que tange à “triangulação”
das informações, interpretações e compreensões.
32
Stake (1998), expondo sobre a Investigación con estudio de casos, afirma que, como
investigadores, somos advertidos até pelo “sentido comum”, de que devemos retornar às
fontes, focar novamente, rever o ponto de partida das perguntas, de forma que possamos
construir com mais segurança as compreensões, interpretações e explicações que nos pareçam
consistentes. Para isso nos alerta que não basta termos intuição e boa intenção, precisamos de
disciplina e de estratégias que demandam precisão na investigação qualitativa, como é o caso,
segundo o mesmo autor, da “triangulação”.
[...] la palabra triangulación proviene de la navegación celeste. Nuestro navegante
sabía inferir muy bien. Todas las mañanas y todas las tardes en el mar infería
nuestra posición, en parte mediante la medición de los ángulos de elevación de las
estrellas
16
[…]. (
STAKE, 1998, p.95).
Apesar de no estudo do caso, o problema não ser o de estabelecer uma posição, mas
sim um significado, afirma Stake, (idem, p.96), analogamente: “a teoria é a mesma”, é
necessário e pertinente considerar todos os ângulos e todas as possíveis interpretações, que
possam somar e/ou corrigir interpretações apressadas.
Quero reafirmar que não se trata aqui de um estudo de caso. O estudo de caso,
diferente do que na maioria das vezes se pressupõe, não é um recorte acerca de uma
determinada experiência. Trata-se de um estudo, de uma experiência-caso-completo, referido
a uma realidade complexa com a qual interage determinando-a e sendo determinado por ela.
Ou seja, estabelecendo uma “rede de significações” (GEERTZ) que precisam ser explicitadas
e compreendidas para que se entenda o “caso” em estudo.
O que quero apontar é que embora esta pesquisa traga uma contextualização do grupo,
ela não responde às exigências de um estudo de caso, visto que busca “focar” um recorte, uma
dimensão específica do processo educacional realizado na ABHP e IPESP, procurando
compreender o significado dessa produção e circulação de conhecimentos na perspectiva da
constituição de sujeitos e da construção de uma sociedade justa, solidária e democrática. Esta
16
"Justo después de la puesta del sol subía al puente con el sextante. “Malditas nubes”, murmuraba, y después:
Ah, aquí está Vega, y seguía con su tarea de “establecer la posición”. Sus costumbres ya no necesitaban una voz
interior que dijera: [...] la posición de nuestra nave está en un círculo imaginario centrado en el punto de la
superficie terrestre sobre el que, en este momento, se observa directamente Veja, y cuya extensión se determina
por el ángulo de elevación, [...]. Para todos los momentos de todos los días, sus Tablas le indicaban dónde se
hallaban esos puntos centrales. Para cada una, calculó el margen de error de su supuesta posición, para
determinar así Cuanto había que corregirla. Naturalmente no bastaba con saber que estábamos situados en un
círculo determinado pero muy extenso sobre La superficie terrestre. Pero Cuando dirigía la vista hacia poniente
y alcanzaba el ángulo de Dubhe, obtenía un segundo círculo con dos puntos de intersección con el primero [...]"
(p.95).
33
pesquisa não se propõe a circunscrever a experiência toda, realizada pela instituição e sujeitos
envolvidos, apesar de o estudo permitir uma visualização dos objetivos, princípios normativos
(DUSSEL, 2007) e metas globais dos mesmos para a construção de uma nova sociedade, de
um novo homem e de uma nova mulher.
A pesquisa qualitativa fenomenológica aponta para a necessidade de se
compreender as diversas significações (sentidos) a respeito de um determinado fato, conforme
apontam as características expostas nas páginas 10 e 11 desta dissertação. Apesar de o
fenômeno em si ser o mesmo, cada sujeito ou cada grupo cultural pode estabelecer
significações específicas que, explicitadas e compartilhadas podem universalizar-se, sem
perder sua singularidade.
Sirvo-me, pois da estratégia da triangulação como categoria, para ampliar meu
próprio campo de percepções e assim, com maior, ou melhor, qualidade, explicitar
fenomenicamente as compreensões e sentidos atribuídos pelos educadores populares a
respeito da importância, para suas vidas e para a vida da comunidade (sociedade), do
conhecimento e do (re)conhecimento produzidos coletivamente nesse espaço chamado
ABHP/IPESP, em vista da construção de humanidades emancipadas e autônomas e de projeto
um verdadeiramente democrático.
A triangulação nesse sentido tornou-se, nesta pesquisa, desde o início prática
sistemática ativa e viva com a participação e controle ora dos próprios sujeitos, ora de outros
pesquisadores integrantes do GPMSE. No entanto, apontava a Professora Kátia Morosov
Alonso
17
, seria necessário ainda que se buscasse uma triangulação dos sentidos atribuídos
pelos educadores à sua prática com pessoas da comunidade e/ ou grupos onde realizam seu
trabalho. Dimensão essa que poderemos observar nos depoimentos de pessoas tratadas
(homeopaticamente) por alguns desses educadores e transcritos, a exaustão, nos relatórios que
esses (educadores populares) produziram no decorrer do curso de extensão – foco desta
pesquisa.
A escolha desta trajetória de pesquisa implicou, com certeza, na seleção de
instrumentos específicos. Os instrumentos abaixo me pareceram pertinentes, embora tenham
me permitido, de certa maneira, um distanciamento necessário ou segundo Husserl (2007),
uma “suspensão” dos meus “pré-conceitos” a respeito do trabalho realizado pelo grupo,
17
Professora Drª. responsável pela disciplina obrigatória do curso de Mestrado em Educação da UFMT O
Seminário de Pesquisa II.
34
condição necessária ao enfoque fenomenológico, isto é, para que possa permitir que a vida,
sem carimbos, rótulos de controle, se apresente fortemente como é. Dessa maneira, os
instrumentos escolhidos foram:
Análise documental banco de dados de cios da ABHP, relatórios e atas de
assembléias, reuniões de diretoria e dos cursos de avaliadores externos aos processos
(IBRADES; CERIS-RJ; MEMISA MEDICUS MUNDI (Irmão Bernardo); FIOCRUZ (Stotz
& Valla); ABONG (Caccia Brava); AEC; Conselho Mundial das Igrejas, Billance; e, pessoas
como Elsa Ferreira Lobo, José Renan Esquivel, Cecília Cardoso Alves; Celerino; bem como
os Boletins Internos produzidos trimestralmente, respectivamente, O DINAMIZANDO
18
do
IPESP e o SEMELHANTE
19
– da ABHP).
Grupo focalcom os educadores integrantes do curso de extensão/2006-2008, para
busca dos sentidos coletivos atribuídos ao conhecimento e (re)conhecimento recebidos e
produzidos no processo de formação do qual participam.
Entrevistas as entrevistas foram realizadas com dirigentes, fundadores e
educadores populares previamente selecionados, que participaram do Curso de Extensão
2003/2005 e com participantes do 2º Curso de Extensão 2006/2008. O objetivo das entrevistas
foi conhecer os ‘sentidos pessoais’ e ‘coletivos’ acerca da formação recebida no
IPESP/ABHP, bem como os motivos que levaram à fundação da instituição.
Observação participante acompanhamento e orientação do curso de extensão
processo de pesquisa e sistematização, espaço privilegiado da interação e participação que
permitirá o desenvolvimento da observação participante.
Triangulação permanente troca de informações entre a investigadora e os sujeitos
dessa pesquisa por meio da leitura e das contribuições permanentes, desses, à elaboração
teórica da pesquisadora a partir dos dados.
A escolha de um método de pesquisa é também reveladora da postura teórico-política
do pesquisador; demonstra sua opção de classe, apesar de esta opção não garantir que
estejamos no caminho certo, afirma Gadotti:
18
Boletim Informativo/formativo produzido pelo IPESP trimestralmente com participação dos educadores
populares entre os anos de 1989 e 2000.
19
Boletim Informativo/formativo que substitui o Dinamizando na Passagem do IPESP para a ABHP, assumindo
características próprias, porém mantendo os objetivos básicos do Dinamizando. Seus primeiros meros não
possuíam nome – eram apenas chamados de informativo até que por indicação e eleição em Assembléia Geral se
definiu o nome – O SEMELHANTE.
35
[...] o que nos leva a definir o ponto de vista do caráter da ciência que produzimos é
a opção de classe. Mesmo assim, essa opção não oferece nenhuma garantia de que
estamos no caminho certo: o pesquisador deverá manter por isso uma crítica e uma
autocrítica constante, uma dúvida levada a suspeita, e a humildade, de que tanto nos
fala Paulo Freire, para reconhecer cotidianamente às limitações do pensamento e da
teoria.
(GADOTTI, 2003 p. 38-39):
Nessa perspectiva de o me afastar de minhas convicções teórico-políticas, é que
efetuei a escolha metodológica para a realização da pesquisa. Resta, no entanto, manter a
permanente vigilância, atenção e humildade para que a proposta possa se verificar na prática
investigativa.
Como forma de observação participante, permaneci no grupo investigado realizando
assessoria no curso de extensão (foco desta pesquisa). A assessoria ocorreu de duas maneiras:
a) de forma presencial nos módulos: momento em que, como pesquisadora, procurei
manter um olhar e uma escuta, atenta àquilo que o grupo trazia de suas regiões, aos avanços e
dificuldades enfrentadas tanto na realização de suas ações na região de origem, quanto no
processo de sistematização e registro de suas experiências, fruto do processo de formação
adquirido no decorrer do curso de extensão, que ainda se processa. Uma escuta devidamente
registrada em “meu caderno de pesquisa”, e especialmente na experiência e memória do
vivido, e que esta pesquisa, com certeza por seu caráter restrito, não dará conta de expressar,
como diz Larrosa
20
(2004): "uma experiência não pode ser repassada, apenas vivida pelos
sujeitos, individualmente";
b) orientação à distância: por meio de cartas e internet. Estive sempre, antes, na
articulação do grupo e organização dos módulos, em contato, ou por telefone ou por e-mail,
muitas vezes por meio de Chat, com conversas mais ou menos longas, em vista de sua
realização, bem como durante o acompanhamento de suas etapas.
A orientação ateve-se aos temas escolhidos para aprofundamento e registro da
experiência dos cursistas e de seus grupos de origem. Seguiu-se um calendário estabelecido e
negociado coletivamente por ocasião do primeiro módulo, em que os educadores enviaram
por carta ou por e-mail seus projetos e suas produções. Nessa ocasião realizei orientações em
forma de correções, sugestões de bibliografia, fontes de pesquisa e recorte dos temas tratados;
20
Jorge Larrosa é professor de Filosofia da Educação na Universidade de Barcelona. É doutor em Pedagogia e
realizou estudos de pós-doutorado no Instituto de Educação da Universidade de Londres e no Centro Michel
Foucault da Sorbonne em Paris. Foi professor convidado em várias universidades européias e latino-americanas.
Dentre as suas diversas publicações, destacam-se La experiencia de la lectura (1996) e Pedagogia profana
(1998).
36
sugerindo acréscimos e/ou retiradas de assuntos referentes aos temas. Conhecendo suas
experiências, ou melhor, convivendo com esses educadores, mesmo que em momentos
específicos e deles ouvindo alguns sentidos atribuídos às suas vivências, fui apontando
dimensões importantes a serem consideradas em suas escritas e que, por vezes, eram
“esquecidas” ou “não significadas” (LARROSA, 2004). E sugerindo, por vezes, articulação
de uma pesquisa com outra – de modo que pudesse de alguma forma, configurar uma pesquisa
com caráter coletivo – e diálogo e complementaridade entre uns e outros.
A maioria dos integrantes do curso, apesar das dificuldades de escrita dado o grau
de escolaridade dos mesmos ou a pouca familiaridade com esse tipo de sistematização,
escreveu seus projetos. Grande parte dos projetos foi construída com a ajuda de alguém do
grupo, da família, de amigos ou parceiros de trabalho, no que viesse a envolver digitação,
manuseio da internet, bem como produções e registro de experiências coletivas.
Cópias das produções finalizadas 16 (dezesseis) ao todo, pertencentes ao curso
anterior; somadas àquelas em andamento, e ainda não concluídas, do presente curso que é o
espaço onde construí meu objeto de pesquisa, e parte delas se encontram na sede da
Associação, compõem a fonte documental viva de minha pesquisa. Dos demais sujeitos da
pesquisa, membros da diretoria, (4) concluíram o Curso de Extensão em parceria com a
PROVIVAS e o GPMSE/UFMT, no período de 2004/2006. Esses realizaram o registro de
suas experiências, e seus relatórios de conclusão encontram-se na sede da associação e na
Biblioteca do GPMSE. Da mesma forma, esse material escrito constituiu, também, em fonte
documental desta pesquisa. A complementação dos dados sobre o percurso histórico desses
sujeitos na educação e saúde por meio da homeopatia, tipo de intervenção realizado pelos
sujeitos em suas regiões, os sentidos do trabalho que realizam, busquei nos documentos
oficiais da ABHP (Atas de reuniões, relatórios de atividades, cartas recebidas, cursos...), nos
boletins informativos, respectivamente, Dinamizando (IPESP) e O Semelhante (ABHP).
Procurei nos documentos dados que apontassem os objetivos institucionais, sua metodologia e
princípios educacionais populares, forma de gestão interna e relações da pesquisa com os
demais grupos e movimentos populares.
O contato com os educadores populares, membros da diretoria, no momento em que
se processam as entrevistas, ocorreu por ocasião das reuniões da diretoria, já que estas
pessoas, sendo educadores de outras regiões, não estão no cotidiano da ABHP.
Utilizei também o contato por meio eletrônico com aqueles que se comunicam mais
37
facilmente por Internet. Nesse caso solicitei que os eles escrevessem suas características
pessoais e de militância expondo como gostariam de ser identificados no trabalho. Uma
escrita que, a partir de minhas vivências, experiências, percepções e imaginário sobre esses
educadores, pude ir complementando, devolvendo para que eles se confrontassem, se
reconhecessem, des-reconhecessem, complementassem ou rejeitassem minhas anotações. Um
processo que proporcionou também a eles, segundo avaliação deles e minhas, maior
autoconhecimento que julgavam significativo. Alguns chegaram a manifestar surpresa com os
dados autobiográficos que lhes enviei. Esse material foi parcialmente transcrito nesta
dissertação, e compõe parte da identificação e caracterização dos sujeitos desta pesquisa.
Esse mesmo processo, de autobiografia, foi solicitado aos demais membros da
pesquisa nos momentos presenciais do curso. Considero, para fins interpretativos, esse
processo como similar em relevância às entrevistas realizadas ao vivo.
Por ocasião da realização do segundo módulo do curso de extensão, combinado
antecipadamente com os educadores populares presentes, realizamos um debate sobre os
sentidos do conhecimento/(re)conhecimento para eles, e obtivemos a coleta de resultados por
meio da técnica grupo focal. O debate foi registrado em vídeo, e exibido numa das noites do
curso, com duração de duas horas. Na ocasião, solicitei a participação-observante de duas
colegas de mestrado, Silvia Maria Stering e Alva d´Abadia Amaral, que atentamente
acompanharam o debate, registraram as falas que consideraram significativas e realizaram
posteriormente um relatório de suas impressões, textos que também fazem parte do acervo de
informações, que permitem enriquecer a pesquisa e coleta de dados com um olhar “de fora”,
oferecendo subsídios críticos à pesquisa – “triangulação” (STAKE, 1998).
Muitas dessas informações registradas foram analisadas e interpretadas.
Esse processo individual e coletivo de busca de informações e de reflexões
proporcionou ao grupo e, especialmente, a mim, como educadora popular, o amadurecimento
crítico sobre a realidade e o fazer de cada um e, em especial, do meu, à medida que
proporcionou um olhar e uma explicitação “fala” sobre esse fazer, de certa forma objetivando-
o. Parafraseando Brandão e Streck (2006) podemos concluir que ao inserirem-se na pesquisa
participante, tanto o pesquisador quanto os sujeitos da pesquisa, eles constroem uma nova
visão da realidade e de si mesmos, ou seja, constituem (ao mesmo tempo em que) são
constituídos mutuamente.
Imersa no processo de pesquisa encontrei dificuldades em manter o distanciamento
38
necessário, sem perder o vínculo que permitia um olhar de pesquisadora e, não apenas, de
educadora envolvida no processo, para o bem e para o mal. Um olhar que pudesse, conforme
nos alerta Geertz: "olhar para a mesma direção" que os sujeitos dessa pesquisa olham, e
perceber, mesmo que parcialmente, os sentidos atribuídos por esses sujeitos, de modo a poder
dessa maneira compreender, em pequena parte, a forma de significar desses educadores.
Percebi uma acentuada dificuldade por parte dos educadores em registrar suas
experiências pessoais de forma refletida. Ainda que a grande maioria faça, a seu modo, o
registro dos dados, “sintomas” e histórias das pessoas que os procuram para tratamento. Essa
dificuldade pode ser expressão de falta de costume, de experiência em se auto-avaliar, de
registrar suas ações, ou ainda, expressão do sentimento de desvalia que atribuem à
consciência política a respeito dos impactos de suas relações com a comunidade e, sobretudo,
com a cultura dominante. A maioria deles iniciou suas atividades comunitárias motivada pelo
apelo cristão de missão, compaixão como demonstra o emblemático início do trabalho no
Bairro Cristo Rei, em Cuiabá, realizado por Irmã Odete Spagnol. Foi no processo que
conquistaram uma consciência mais política e social, entendendo seus atos como exercício
necessário de expressão de direitos e de cidadania, num contexto de injustiça e de exclusão de
direitos. Não desenvolvimento de consciência política linear por parte de educadores, nos
diferentes contextos em que se encontram. Alguns sofrem maior pressão por estarem em
realidades conflitivas, e nessas permanecem ligados com consciência combativa e de contraste
aos processos de opressão e perseguição. Nos contextos com menos contraste, a ação se
processa com menos confronto. Se por um lado esses educadores foram no próprio processo
descobrindo-se como sujeitos, por outro e simultaneamente, até por estarem envolvidos em
questões e descobertas que outras pessoas da comunidade foram assumindo papéis (funções)
que os colocaram à frente dos trabalhos comunitários e pastorais, como protagonistas da
história dos grupos de pastoral, sindicato, partido. Nesse caso, o grau de registro escrito
também é diretamente proporcional ao sentido e valor que dão ao trabalho coletivo e de luta.
Vivem assim, uma nova história, história da qual ele faz parte e é protagonista. Enfrenta nesse
processo o confronto entre saberes oficiais e reconhecidos e os saberes vividos e
experimentados pela comunidade; conflito de poderes entre instâncias autorizadas, oficiais e
instituídas, e os poderes de liderança, representação cultural e controle dos grupos populares.
Por se tratar de pessoas simples, do povo, com grau de escolaridade baixo, o menor domínio
dos mbolos escritos e de linguagem culta, reafirma um ciclo cumulativo de desvantagens.
Há, nesse caso, uma maior demanda de intervenção educacional por parte da ABHP para
39
apoiar a ação corajosa desses educadores, que enfrentam uma ideologia e perseguição que
exige autoconsciência da importância da escrita e da elaboração teórica sobre a prática, para a
luta e o confronto. Na verdade, a cultura dominante desenvolve o sentido da desimportância
da ação política da pessoa comum. Veicula a ideologia de que são eles, os intelectuais da
classe dominante, os “autorizados” a produzir conhecimento, ciência, ações, gestos e memória
histórica.
Chauí (2003, p.7) afirmava que na sociedade do conhecimento o “discurso
competente é o discurso instituído” e reservado às pessoas, lugares e tempos previamente
definidos:
[...] não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer
lugar e em qualquer circunstancia [...] o discurso competente confunde-se com a
linguagem institucionalmente permitida ou autorizada [...] no qual os interlocutores
foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir [.....] os
lugares e circunstâncias predeterminados [.....] o conteúdo e a forma autorizados
segundo os cânones da esfera de sua própria competência.
O direito de falar, ouvir, fazer história, por intermédio dos registros das experiências
fica ainda mais comprometido no grupo, pelo fato de muitos integrantes possuírem baixa
escolaridade. Entre os 16 integrantes do curso, 25% possuem o terceiro grau; 43,75%
possuem o grau completo e 31,25% não concluíram o grau. Acresce a isso a idade dos
integrantes, que muitas vezes têm servido, em seus discursos, como obstáculo ou justificativa
para as suas dificuldades de leituras e sistematização, gerando simultaneamente um
sentimento ou discurso de inferioridade, de submissão e baixa auto-estima. Daqueles que
possuem o terceiro grau (4) a idade varia entre 40 e 65 anos; dos que possuem o grau (7),
entre 25 e 80 anos e daqueles que possuem o grau incompleto (5) entre 40 e 60 anos. Os
demais sujeitos integrantes do curso anterior ou da diretoria da Associação também possuem
idades variando entre 35 e 50 anos. A baixa escolaridade e a idade desses educadores não
constituem impedimentos ou barreiras para se acessar o processo de formação desenvolvido
desde o IPESP até a ABHP. Pelo contrário, a simplicidade em que é processado o repasse e a
construção de conhecimentos, tem se tornado estímulo para que essas pessoas acessem a
educação formal.
Assim, as experiências realizadas antes pelo IPESP e atualmente pela ABHP podem
ser compreendidas como uma educação voltada para a população adulta. Ainda que, em
momentos como o Congresso Nacional deste ano, contemple uma população mais jovem,
ainda assim, trata-se, na maioria, de um grupo pertencente, pela condição de casamento e
40
filho, à população adulta.
Para que essas dificuldades não se tornassem elementos de desmotivação para esses
educadores e sim questões a serem enfrentadas, durante as orientações, fossem elas
presenciais ou à distância, procurava-se valorizar o que conseguia produzir, instigando este
educador popular a buscar ajuda no grupo, na família. Buscou-se ademais incentivar o retorno
ao estudo escolar convencional, o auxílio na leitura e na escrita, como também uma iniciação
da “alfabetização digital”.
O trabalho com a homeopatia, desde seus primórdios no Brasil, se constituiu em
estímulo ao estudo formal ou informal pela necessidade que impera no ato de repertorização,
de escuta e registro de sintomas, de estudo de matérias médicas (descrição detalhada das
patogenias
21
apresentadas nas experimentações). De modo que, na realização dos trabalhos
escritos como relatório do final do curso de extensão da ABHP, toda produção, desde as mais
simples às mais elaboradas, foram tomadas em consideração pelo grupo e pela coordenação
do curso com a mesma importância e valor pelo peso de luta e vivência nela expendido ou
colocado.
Seguindo a proposta de apresentação dessa pesquisa em três tempos, apresento a
seguir os dois capítulos: capítulo I ousadia ou utopia? A construção de um projeto político
pedagógico popular e o capítulo: II perfil e trajetória dos sujeitos da pesquisa: associação
e educadores populares, de forma que ambos compõem o tempo: tempo para ver.
Proporciona, dessa forma, que o leitor possa conhecer o trabalho sobre o qual essa pesquisa
tematiza.
21
Patogenesia é um conjunto sintomas e reações apresentadas pela pessoa em momentos de experimentações de
sustâncias tóxicas e/ ou diluídas segundo princípios farmacológicos da Homeopatia
41
tempo: UM TEMPO PARA VER
Homeopatia:
Em pequenas gotas tantas alegrias
Recriando a vida
Unindo Mãos
Repartindo o pão
E a poesia.
Antonio Sérgio Ximenes
Ceilândia Norte-Brasília –DF
Figura 2: Arte da Logomarca da ABHP.
42
CAPÍTULO I
OUSADIA OU UTOPIA? A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO
POLÍTICO PEDAGÓGICO POPULAR
Não se pode educar detendo a
dinâmica da Vida!
GUTIÉRREZ
22
Nesse capítulo quero apresentar ao leitor o sonho e o projeto de um grupo de pessoas
que culminou na criação da ABHP Associação Brasileira de Homeopatia Popular.
Apresento a trajetória de um grupo de educadores da igreja de Nossa Senhora do Rosário e
São Benedito. Esses, que vivendo os conflitos da ausência de condição de vida e saúde,
especialmente das comunidades pertencentes à paróquia, ousam sonhar com uma nova
realidade. Buscaram articulações com instâncias de apoio para realização de um projeto de
saúde popular que pudesse reconhecer a sabedoria e os conhecimentos populares, e, ao mesmo
tempo, procurar mecanismos para garantir o acesso da população à assistência técnica e
especializada de saúde. Como veremos a seguir, o projeto teve início em 1980 passando por
um processo de redefinição em 1986, quando foi constituído o IPESP. O Instituto
desenvolveu suas atividades durante dez anos, quando então passou por redefinição de
identidade e organização, face à conjuntura e demanda dos agentes populares, consolidando
uma nova forma organizativa.
Os agentes populares do IPESP, agora sob nova organização, passam a ser
denominados, doravante, nessa pesquisa, de educadores populares, e são eles que dão
continuidade à realização dessa utopia transformada em projeto. Pesquisarei nos documentos
internos, nos depoimentos escritos e falados, nas fotos e nos fatos, dados que possam
demonstrar o percurso e a metodologia de Educação Popular sonhada e a realizada desde
22
Francisco Gutiérrez é Doutor em Educação, com especialização em Pedagogia da Comunicação e Mediação
Pedagógica. É também fundador do Instituto Paulo Freire e autor de numerosos livros sobre Educação Popular e
comunicação. (Questões do Século XXI, tomo I/ José Eustáquio Romão, Jo Eduardo de Oliveira Santos,
(coordenadores) – São Paulo, Cortez, 2003).
43
1980, iniciando a partir da Igreja do Rosário e São Benedito, até a constituição da nova
Instituição, a Associação Brasileira de Homeopatia (ABHP), em 1996.
A linha que separa sonho e realidade é tênue, porém, a distância entre um e outro
pode tornar mais longa quanto maior for a dificuldade de criação de meios concretos
(projetos) para sua realização; quanto menos tornamos esse sonho coletivo; quando mais
perdemos a capacidade de sonhar. Sonhar é ultrapassar as barreiras do possível!
1.1 Nasce um projeto de Educação Popular em Saúde
A Associação Brasileira de Homeopatia Popular possui uma rica genealogia. O
projeto de Educação Popular em Saúde que a caracteriza, estudado nessa pesquisa, nasceu em
1980, de ações realizadas por algumas pessoas junto a grupos e Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), em Cuiabá, especialmente na Paróquia Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito. Motivados pelo ideal utópico de reconstruir a democracia; resgatar e valorizar o
conhecimento popular existente nas comunidades da mesma paróquia; proporcionar uma
organização comunitária capaz de lutar por seus direitos de acesso à saúde e à vida; e assim
contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária constituiu-se um grupo
composto por 15 pessoas
23
, que começa uma conversa nas comunidades sobre os
conhecimentos tradicionais existentes, realizando um levantamento de receitas caseiras (chás,
emplastros, “garrafas”) que as pessoas, sobretudo, as senhoras (mães, avós) utilizavam para
tratar seus filhos e netos. Esse levantamento e troca de conhecimentos que acontecia em
pequenas reuniões ou até mesmo em visitas e nas celebrações comunitárias da igreja católica
foram sistematizados e registrados em um livreto intitulado: “Pai Nosso, o Povo Passa Fome”,
frase retirada do banner que esteve presente na missa do Papa João Paulo II em sua primeira
23
Essas pessoas, salvo algumas exceções, continuam envolvidas em lutas sociais distintas: Baltazar
Organizações Populares Rondonópolis; Fátima Schrader Grupo de Saúde Popular (GSP) e Instituto de Saúde
Coletiva (ISC/UFMT); Suely Correa de Oliveira – ANEPS (Articulação Nacional de Educação e Práticas
Populares de Saúde); Luiza Moraes professora na Rede de Educação Municipal-Cuiabá; Sebastião Arnaldo de
Souza (Tião Preto) Trabalho junto aos Lavradores Assentados-MS; Maria Izabel Moreira Werner
professora da Rede de Educação Municipal e Estadual-MT e militante do Partido dos Trabalhadores; João
Werner – FEMA (Fundação Estadual de Meio Ambiente); Iara Ferreira Araújo – advogada e militante do Partido
dos Trabalhadores (PT); Aparecida da Silva enfermeira trabalhando na Secretaria Municipal de Saúde; Edna
Fernandes do Amaral, na ABHP); Passos – professor na UFMT; José Carlos Leite – professor na UFMT e
integrante da ANEPS; Dalva Rodrigues – professora na UFMT e integrante da ANEPS; Lourenço (In memoriam)
se encontrava no MOPS por ocasião de seu falecimento em 2006; Zelinda Haweroth – educadora popular
manteve-se na equipe de coordenação do IPESP e secretaria da ABHP até 2001.
44
vinda ao Brasil, e ilustrada, pelo artista cuiabano, hoje de renome mundial, Aldir Sodré. O
próprio título do livreto demonstrava a preocupação do grupo com as questões sociais e
políticas em que o povo brasileiro, no caso Mato-Grossense, estava submetido. Nesse período,
década de 80 (oitenta) o país vive o momento de grandes mobilizações sociais que
demonstravam que o regime político necessitava de reformas. A demanda por um regime
político democrático não podia deixar de ser ouvida. Atentos à demanda social, mas ainda
sem um mecanismo que favorecesse a participação popular efetivamente no processo, as
classes políticas brasileiras iniciaram uma “transição por cima”, como fora chamada, em que
as elites negociam arranjos do poder, sem participação popular, realizando a troca do regime
político militar e a implantação do regime político democrático. Assim, alguns governos de
“oposição” se ascenderam nos Estados. Governos que foram eleitos com promessas que
incluíam mudanças políticas, econômicas e sociais, apesar do cater meramente retórico de
muitos desses compromissos. No plano econômico-social, a economia brasileira estava
mergulhada numa profunda recessão, com reflexos imediatos sobre os veis de desemprego. A
migração rural-urbana na cada de 80 atingiu seu limite. Mato Grosso é um Estado que sofreu
essa migração intensa, por ser corredor da Amazônia e sua terra gerar cobiça mediante avanços
de pesquisa de recursos naturais, farmacológicos etc.. Acresce ainda a esse fato, a grande
propaganda que os próprios governos e as colonizadoras faziam para trazer migrantes de diversos
estados para o Mato Grosso garantindo assim a abertura de fronteiras para o Capital representado
pelas agroindústrias. Essa modernização do campo foi feita em detrimento das condições de vida
dessa população que via na possibilidade de conquistar seu pedo de chão, única saída de
sobrevivência; ou ainda, daqueles que buscavam nesse mesmo processo o enriquecimento rápido.
Soma-se a essa propaganda de terras boas e fartas, a corrida do ouro em Mato Grosso com as
aberturas dos garimpos. O sonho, porém, acaba no momento em que chegando a Mato Grosso
deparam com terras nem sempre de boa qualidade para uso imediato (cerrado), com a falta de
infra-estrutura para a sobrevivência (estradas, escolas, atendimento à saúde). O abatimento das
florestas gera desequilíbrios graves, fortalecendo a malária, leishmaniose, am de provocar
conflitos com a população autóctone; indígenas, remanescentes garimpeiros e seringueiros, que
vieram como soldados da borracha, durante a guerra. Havia muita dificuldade em contrair
créditos para trabalhar a terra, e quando cedidos pelos bancos, os juros eram acima dos lucros
auferidos. Diante dessa situação, os trabalhadores do campo deixam suas terras e para as cidades.
Outros ainda (meeiros, pequenos proprietários, posseiros) são expulsos de suas terras pelo
processo de concentração nas mãos de um pequeno grupo de latifundiários. Mato grosso registra
nos anos 80 o maior índice de crescimento urbano do país, chegando ao percentual de 9,6% ao
45
ano, sobretudo, em Várzea Grande-MT.
A população sem formação profissional e sem emprego ocupa a periferia da cidade,
montando barracos de lona, papeo, madeira, em espaços sem a menor infra-estrutura (ruas,
esgoto, água, escolas, postos de saúde etc.), cavando fossas e poços de água lado-a-lado. As
condições gerais então propícias ao desenvolvimento de diversos tipos de doenças além dos
conflitos diretos com “supostos” donos das terras. Essas ocupões ocorrem especialmente nas
áreas mais inchadas e pobres de Cuiabá, áreas da Paquia Nossa Senhora do Rorio e São
Benedito. É nesse contexto que surge a luta por melhores condições de vida e saúde
24
. O grupo
cria uma dinâmica de reuniões permanentes com as pessoas dessas comunidades,
especialmente nas celebrações e vão ampliando o debate a respeito das condições que
geravam e mantinham a ausência de saúde da população e em particular das crianças, maiores
vítimas da grande incidência de verminose, desnutrição, problemas pulmonares etc. Produzem
então outras cartilhas, materiais audiovisuais sobre verminose Alerta! Os bichinhos estão
chegando! sobre saneamento básico; sobre alimentação Os trabalhadores e a alimentação,
sobre a água Água do Canjica, para mobilizar a discussão e participação. O trabalho, por seu
caráter pastoral, isto é, “serviço da igreja ao mundo”, ganha força por ocasião da Campanha
da Fraternidade de 1981, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), que naquele ano escolhera o tema “Saúde Para Todos”.
Na cada de 80 os movimentos sociais crescem no Brasil, inicia a volta de grandes
lideranças do exílio, os movimentos ganham assim no Brasil, força e reconhecimento. O
MOPS, naquele momento, em articulação nacional, a partir dos Encontros Nacionais de
Medicina Comunitária (ENEMEC), é assumido em Mato Grosso por nosso grupo que passa a
ser seu principal articulador na região. As ações da Pastoral da Saúde, em comunhão com o
MOPS, por sua ação de formação de lideranças comunitárias, resgate e valorização do
conhecimento popular em saúde, produção coletiva e circulação de conhecimentos novos no
meio popular, vão ganhando reconhecimento e se ampliam no Estado de Mato Grosso. Ações
que levam o grupo a estender a rede de relações e articulações para fora de Mato Grosso.
Diversos foram os espaços de articulação desse trabalho com outros que vinham sendo
desenvolvidos em outros estados. Recordo-me que estive, representando o grupo e a
24
Fonte: projeto elaborado pela Pastoral da Saúde Popular da Igreja N. Sra.do Rosário em 1982 e enviado a
CEBEMO (Órgão de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento de países do Terceiro Mundo) para
busca de apoio financeiro.
46
articulação, na equipe de Coordenação Nacional da Pastoral de Saúde da CNBB e com outros
companheiros em encontros nacionais do MOPS, possibilitando, por um lado, um olhar mais
ampliado e crítico da realidade, e por outro, uma articulação mais efetiva entre o que se
encaminhava em nível nacional e local. Éramos denominados Projeto de Saúde Popular, como
Pastoral de Saúde Popular da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário.
Nesse processo em que o grupo foi ganhando (re)conhecimento, também foi
internamente amadurecendo seu papel, realizando distinções entre o MOPS e a Pastoral da
Saúde. Não se pode também deixar de registrar, que junto a esse movimento vieram os
conflitos que ora se manifestavam nos posicionamentos políticos, ora nos conflitos de poder.
O MOPS então procura se organizar autonomamente, de forma independente da paróquia,
porém não desarticulado da pastoral. A paróquia concentrava diversos grupos e movimentos
que nesse período (anos 80) vinham se organizando, e de certa forma ganhando autonomia
política e financeira com apoio de projetos internacionais e locais. O envolvimento da
Paróquia com esses movimentos e com as questões político-sociais da época fazia dela um
alvo permanente de investigações que a colocava sob suspeita. Assim, passava a ser alvo de
investigação fiscalização sobre suas movimentações financeiras e se via obrigada a
reestruturar seus serviços. Naquele momento os recursos financeiros dos projetos populares
no caso, o da Pastoral da Saúde, passava pela contabilidade da Paróquia. Dada a realidade do
grupo que já vinha discutindo a possibilidade de criação de uma instância jurídica que
respondesse à demanda, a paróquia propõe como forma de simplificar sua rede de serviços
25
,
que os grupos fossem aos poucos buscando sua autonomia financeira e organizacional. Essa
proposta convergiu no interesse de criar uma organização independente juridicamente da
Paróquia, porém não desvinculada dela: o IPESP Instituto Pastoral de Educação em Saúde
Popular, definido, em sua época, por seus membros, como organismo subsidiário de apoio e
assessoria a grupos populares, especialmente os grupos ligados à saúde e educação. Desse
mesmo processo de busca de afirmação política, financeira e organizacional – não sem
conflitos –, nasce tamm o GSP – Grupo de Saúde Popular.
25
A Paróquia não tinha, ainda, organizada a sua contabilidade. Era necessário colocá-la em ordem. Solicitou aos
grupos que tivessem manutenção ou financiamentos que formassem, também, sua estrutura jurídico-política
independente. Sentíamos ao mesmo tempo o fato de não sermos mais exclusivamente paroquiais e a homeopatia
que tínhamos começado, era já uma rede que se estendia por muitas regiões.
47
1.1.1 (re)descoberta da homeopatia como tratamento e instrumento de
transformação social
A homeopatia entrou aos poucos no projeto de Educação Popular desenvolvido desde
a Pastoral da Saúde da Igreja do Rosário, até o IPESP e ABHP. A vivência pessoal dos
membros do grupo com a homeopatia, a curiosidade sobre seu funcionamento, levaram-nos a
leituras iniciais, troca de experiências, compra de bibliografia sobre o assunto e realização de
seminários de trocas de informações. Esse momento se constituiu no início de uma
metodologia própria. Usávamos a apropriação dos conhecimentos técnicos da homeopatia e,
simultaneamente, a produção de um conhecimento novo ressignificado na prática, ou seja,
redito do nosso jeito, e passível de ser apreendido por aqueles que não tiveram acesso à
escolaridade, mas que eram portadores de um conhecimento popular relacionado com a saúde
e com a vida. Somava-se a isso o compromisso cristão, político e solidário das pessoas
envolvidas no projeto que apresentavam ávidos de novos conhecimentos que pudessem ser
instrumento de trabalho junto à comunidade e àqueles excluídos do acesso a uma vida de
qualidade.
O Texto Base (Tx. B1) elaborado pelo IPESP (1996) e reafirmado no Texto Base da
ABHP (Tx. B2, 2007, p.5)
26
, aponta a percepção que o grupo tinha da história da homeopatia
no país Intrigava-nos além do mais, a presença muito antiga da homeopatia [...] na
memória dos mais idosos, sua eficácia no tratamento e prevenção comprovada no meio
popular e seu desaparecimento".
Comprovada na prática do grupo a eficácia, vantagens e compreensão da homeopatia,
o passo seguinte, foi descobrir uma maneira de popularizá-la, agora de uma forma mais
elaborada e torná-la acessível à população como forma de tratamento de doenças e
recuperação da saúde. Deveria ainda constituir-se numa proposta que englobasse desde a
prevenção e promoção da saúde até a organização das comunidades na luta por seus direitos.
Posteriormente, com o amadurecimento da proposta, respaldada inclusive pelas experiências
realizadas inicia-se a luta pela implantação da homeopatia como projeto de saúde pública,
especialmente pós-congresso de homeopatia popular.
Importante lembrar que, diferente de hoje, em 1981 não se podia registrar ainda
grande interesse nacional em torno da homeopatia, menos ainda em Mato Grosso, onde ela
48
estava encapsulada como uma prática curativa restrita e desvinculada de qualquer dimensão
política. Apesar de a homeopatia historicamente ter sido difundida no meio popular, e
garantida especialmente pela ação dos centros espíritas em todo o país, bem como por
religiosos, padres, militares, e pessoas do povo, o avanço da medicina e dos grandes
laboratórios alopáticos conseguiu abafar essa contribuição tão valiosa no tratamento,
recuperação e promoção da saúde.
Assim vamos percebendo que as ações da Pastoral da Saúde e, posteriormente, do
IPESP foram permanentemente avaliadas e replanejadas de forma coletiva, conforme
documentos internos. Nesse sentido vale realçar, que o IPESP e a ABHP possuem
documentação extensa e bem preservada em sua caminhada histórica, apesar de necessitar de
melhor catalogação de forma que favoreça a localização e identificação clara dos documentos
existentes. A organização ganha reconhecimento nacional e culmina com a criação da
Associação Brasileira de Homeopatia Popular (ABHP), em Agosto de 1996.
1.1.2 Da demanda à construção de um espaço de exercício de cidadania
O IPESP de 1987 a 1996 tornou-se elo importante na articulação entre os educadores
populares que utilizavam a homeopatia popular, e, que nela buscavam uma metodologia que
viesse a contribuir no trabalho junto às comunidades na concretização de formas alternativas
de tratamento e garantia dos direitos à saúde individual e coletiva. Havia naquele momento
uma demanda desses agentes populares, de que o IPESP se tornasse instância de
representatividade da prática de homeopatia popular.
A demanda surgida dos conflitos que o grupo começava a enfrentar junto à classe
médica homeopata, que passava a emitir pareceres sobre os trabalhos populares como “prática
ilegal de medicina” e, portanto, perigosa para a população. A crítica inicial estava sendo
acompanhada de algumas pressões ora explicitas; por meio de solicitação à vigilância
sanitária para fiscalizasse as ações da Pastoral da Saúde como no caso de Toledo-PR, Ji-
Paraná-RO; ora com denúncias à polícia (Espírito Santo); ora com atitudes ameaçadoras por
meio de telefonemas anônimos (São Gabriel d´Oeste-MS).
26
O Texto Base é documento da Instituição traduz seus princípios políticos, culturais e metodológicos,
caracteriza seus atores (sócios e educadores) e suas ações.
49
Havia uma consciência por parte dos integrantes do IPESP (coordenação e assessoria)
de que o instituto não se constituía numa entidade de representação e sim de formação e
assessoria. Propôs-se, então, a partir dos seminários e cursos de formação, em que havia
pessoas de diversos estados, a criação de uma comissão interestadual para debater o assunto.
Participaram desse grupo membros da equipe de Pelotas-RS, de Minas Gerais, de Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Rio Grande do Sul.
O grupo, reunido em Cuiabá, decidiu realizar um encontro nacional envolvendo um
número maior de educadores implicados, para juntos buscarem uma solução. A proposta, na
época, foi a realização do I Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular. Em preparação para
o Congresso o grupo elaborou, juntamente com representantes de diversos estados, um Texto
Base, contendo os princípios teórico-político-metodológicos que caracterizam a prática
empreendida até o momento. O documento delineava o perfil e a direção que o trabalho
deveria tomar a partir da realização do Congresso, previsto para o mês de julho de 1996, em
Cuiabá-MT.
Aconteceu então, o primeiro congresso nacional que foi intitulado: Congresso
Brasileiro de Homeopatia Popular; sediado nas dependências da UFMT. Dele participaram
mais de 300 (trezentas) pessoas das quais, 250 (duzentas e cinqüenta) tornaram-se sócios
fundadores. Eram representantes de 12 estados brasileiros. Nasceu assim, a Associação, com
sede e foro na Capital de Cuiabá – MT.
Foto 1 Foto 2
Foto 1 e 2: 1º Congresso/1996
O texto foi escrito coletivamente, passando por uma equipe de redatores, que foram
aprimorando o debate desses princípios, confrontados com a conjuntura político-econômica e
a prática popular. Pensava-se, e circulava entre todos, que o Congresso seria o momento de
50
comunhão e convergência de todas as ações de educação em saúde por meio da homeopatia
popular, realizadas nas bases e principalmente um momento privilegiado de publicização
(tornar visível e pública) dessas mesmas ações. O Congresso nesse sentido era mais que um
momento específico, ele acontecia bem antes do evento presencial, por meio do processo de
preparação e construção do Documento Base, por um movimento de ir e vir, recolhendo
sugestões, definindo melhor o texto, e esboçando a face que o trabalho deveria ter após o
Congresso. O Documento esclarecia também as relações entre as práticas populares e a
Medicina Homeopática e Alopática. Deixava claro, ainda, do que e como viviam os
educadores populares, de onde vinham os recursos da articulação realizada pelo Instituto, de
onde provinha a legitimação do trabalho popular na homeopatia. Insistia na diferença entre a
homeopatia praticada pelos agentes (educadores populares) e homeopatia exercida pelos
médicos, e a necessária complementaridade entre elas, justamente por que se tinha
consciência da divergência de opinião a respeito do tema.
Portanto, o grupo, durante a realização do congresso, deveria tentar descobrir formas
de organização em que respaldassem seus anseios, entre elas: ter uma instância de
representação que pudesse dar continuidade ao debate, articulação, construção de saberes e as
práticas utilizadas pelos agentes na homeopatia popular; promover estudos e intercâmbio das
práticas alternativas correlacionadas; propor e fiscalizar políticas públicas (saúde), bem como
de leis e normas que garantissem o uso e o direito de aplicação da homeopatia por terapeutas e
práticos e, portanto, direito ao uso, em caso de necessidade, por pessoas das comunidades não
médicas.
O Documento Base era incisivo: “Ao povo, homeopatia popular ou homeopatia
nenhuma!”.
A necessidade reincidente do grupo de traçar essas diferenças e reafirmar sua posição,
já deixava transparecer que havia conflitos de interesses na realização desse projeto de
Educação Popular em Saúde. Os problemas, na verdade, vinham despontando nos
enfrentamentos cotidianos de alguns educadores com a classe médica homeopática e
alopática. Conflitos ainda incipientes, como citados acima, mas que demarcavam o limite
(barreiras) que teriam após o Congresso, que na verdade, trazia visibilidade ao trabalho
realizado e de alguma maneira incitaria esses conflitos, sobretudo face ao marco legal
existente, a procura de controle do mercado da doença por setores médicos e farmacêuticos.
Além do mais, o mal estar de toda a iniciativa que busca autonomia por parte dos setores
pobres era visível.
51
Na realização do evento, o grupo deparou diretamente com aquilo que se temia: uma
reação orquestrada com todas as instâncias de repressão da classe médica frente ao trabalho
realizado. Fomos surpreendidos, com uma denúncia pública por “prática ilegal de medicina”
direcionada ao IPESP. A denúncia partiu da Associação Médica Homeopática de Cuiabá-MT
(AMHO-MT).
Surpreendidos, porque buscávamos estabelecer uma parceria na dimensão da
complementaridade, com a AMHO-MT. Essa mesma associação havia sido convidada,
oficialmente por nós, por meio de seus representantes, convidados a compor mesa de debate
no mesmo congresso e haviam aceitado o convite, que era, evidentemente, uma forma de
reconhecimento, e de que não estávamos na clandestinidade. Ademais nosso Congresso tinha
o apoio da Secretaria Estadual de Saúde, do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT. Foram
inclusive, médicos da AMHO-MT, leitores prévios do Texto Base antes de sua divulgação,
com a qual colaboraram, com observações e comentários. Tomamos conhecimento, no
entanto, por meio da imprensa, da denúncia articulada com as representações nacionais:
Associação Brasileira de Medicina, Associação Brasileira de Medicina Homeopática,
Associação Brasileira de Farmácia, todos haviam autorizado a ação repressiva e jurídica
contra o IPESP, levada a efeito no Estado pela AMHO-MT.
Ficamos, como equipe de articulação, perplexos e aguardamos, com certa ansiedade,
o parecer, julgamento e as ações que tivessem expressão do coletivo. Contrariando o que a
AMHO-MT imaginara, essa ação não frustrou por completo, ou intimidou os agentes
participantes. O grupo pôde expressar naquele momento uma avaliação dura do significado
dessa intervenção no Congresso. Estabeleceu-se um debate e enfrentamento da questão no do
evento, inclusive com os delatores presentes à mesa e no plenário. O conflito que já se
manifestava nas entrelinhas do processo em diversos estados e municípios, naquele momento
se materializava nesse ato. Os educadores populares (agentes), então, nos debates em
miniplenários e na grande Assembléia reafirmaram a necessidade da organização e da criação
imediata de uma “Associação” que pudesse mediar os anseios de todos, e representá-los
solidariamente para o enfrentamento. É importante considerar que a pauta da criação de uma
instituição representativa era apenas, até então, um dos pontos a serem considerados,
debatidos, para serem amadurecidos durante o Congresso e posteriormente. Contudo, o
confronto estabelecido não deixava alternativa. E, com entusiasmo redobrado, decidiu-se pela
criação, em paralelo de uma comissão de formulação de estatutos, com a finalidade de criar,
no Congresso, uma Associação representativa para enfrentar coletivamente a denúncia feita
52
pela AMHO-MT. Era uma ação necessária e urgente! Em regime de assembléia procedeu a
apresentação e aprovação dos estatutos, instituindo assim a Associação Brasileira de
Homeopatia Popular a ABHP
27
. Nesse mesmo ato, elege-se a primeira Diretoria da
Associação
28
.
Foto 3: 1ª Diretoria Eleita da ABHP, 1996 – Membros titulares
.
O movimento de luta pelo direito à saúde e formas diferenciadas de tratamento e luta
pelo (re)conhecimento das práticas populares (conhecimento popular), que até então era
realizado pelo IPESP e os educadores populares, espalhados em diversas regiões do país sob
formas diversas de organização como pastorais, associações, grupos, comunidades e outras
modalidades, naquele momento estabelecia nova forma de organização rearranjo
institucional. Tratava-se de encontrar novas maneiras de enfrentamento das demandas
advindas da conjuntura, sem perder as características de grupo composto por atores sociais
comprometidos com a transformação social e com a construção de um novo modelo
27
O Congresso como um todo encontra-se filmado, totalizando 14 fitas VHS e disponível na sede da ABHP.
28
Foram eleitas doze pessoas para compor a 1ª Diretoria: Edna Fernandes do Amaral MT Presidente; Dr.
Elton Otton-MT Vice Presidente; IrDirce Helena Vetorazzi RO 1ª Secretária; Oldina Boechi PR -2ª
Secretária; Ângelo Ravanello RS -1º Tesoureiro; Cícera da Silva Lima MS tesoureira; conselheiros
titulares: Vicente Wagner Dias Casali MG; Vera Maria Lobo MT; José Ricardo Alves MG. Conselheiros
suplentes: Antônia Anésia Mendes – MS; Nelci Julita Hammes – RS e Carlos Roberto Lima – RO.
53
civilizatório (utópico) pautado pela ética, justiça e solidariedade, a partir de ações concretas
que assegurassem, desde já, melhores condições de saúde e de vida.
Cabe ressaltar que tanto o IPESP quanto a ABHP, não estavam isolados de uma
grande rede, em parte de beneficiários, em parte de apostadores políticos em ações contra-
hegemônicas, mas sobretudo, do respaldo que cada agente tinha na sua base, na sua igreja, no
seu movimento social. Articulava-se ainda com a ABONG Associação Brasileira de
Organizações Não-Governamentais, com a Pastoral de Saúde Nacional e com os movimentos
sociais. Esses apoiadores, simpatizantes, participam por intermédio de seus educadores/sócios
de um movimento maior de luta pela saúde empreendida por diversas outras organizações
sociais como, por exemplo, o MOPS, o GSP-MT, a Pastoral da Saúde da CNBB, os
Conselhos de Saúde Municipais, Estaduais, o Conselho.
Federal, a REDEPOP (Rede Popular de Saúde), e atualmente, a ANEPS (Articulação
Nacional de Educação Popular e Saúde), entre outras redes com grande amplitude.
Dessa maneira a ABHP constituiu-se, desde seu início, num espaço democrático de
exercício de cidadania. Os educadores populares presentes no Congresso, registraram-se
como sócios fundadores da Associação, garantindo assim, meios e instrumentos técnicos
legalmente constituídos para o enfrentamento de seus opositores, para dar continuidade à
realização do projeto de construção de uma sociedade que se paute pela justiça, igualdade e
solidariedade, sem discriminação de direitos, dos quais, a vida dependa. O estatuto social da
ABHP se constituiu assim no instrumento legal de luta pela garantia de direitos,
especialmente o direito à saúde por todos os seus meios: práticas oficiais e não-oficiais
(alternativas ou paralelas) em diálogo e complementaridade.
Na continuidade desse processo, o grupo foi se afirmando, buscando mecanismos de
efetivação da Associação. Os debates ocorriam em Assembléias Gerais Ordinárias, em
Seminários com presença de educadores de diversos Estados prática existente muito antes
da criação da Associação. Assim, em Assembléia, definem sua missão:
Proporcionar aos/as Agentes Populares, prático (a)s e Simpatizantes da
HOMEOPATIA POPULAR, um espaço democrático de formação de educadores
populares em saúde, visando um apoio mútuo à socialização do conhecimento
técnico e do conhecimento produzido no meio popular, que venham implementar o
estabelecimento de novas relações do homem e da mulher, com eles mesmos, com
seus semelhantes e com a natureza, gerando mudanças substanciais na sociedade
(Ata da 2ª Assembléia Geral, 1998).
A ABHP se define, como um espaço de diálogo entre cnicos e não-técnicos, entre
54
profissionais e não-profissionais, em vista de uma nova concepção de ciência e conhecimento
que emerge na sociedade contemporânea, proporcionando uma conexão, troca e produção de
saberes, conceituados por muitos como uma síntese entre o saber científico e o saber popular,
a serviço dos mais pobres.
A partir do Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular, realizado em agosto de
2007 passaram a integrar a Associação, 1.165 sócios, oriundos de 19 Estados da Federação, e
de outros países (África, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Áustria e Portugal)
29
. Existem ainda
educadores populares que trabalham com a homeopatia popular que tiveram sua iniciativa na
ABHP, porém não filiados
30
.
Esses sócios e educadores, em sua maioria, são representantes
de movimentos populares, associações de mulheres, de trabalhadores, de pastorais da igreja
católica e de outras confissões cristãs ou não cristãs, que desenvolvem em suas regiões,
trabalhos de homeopatia popular. Os trabalhos de educação em saúde não se restringem à
homeopatia popular, eles integram diversas outras práticas alternativas e complementares de
tratamento, recuperação e promoção da saúde, tais como a Fitoterapia, Do-In, Massagem,
Alimentação alternativa, Shiatzu, Florais de Bach.
1.1.3 A (in)sustentabilidade de um processo educativo popular
A ABHP é constituída por uma Diretoria e um Conselho Fiscal eleitos, conforme
normas estatutárias, por um período de dois anos podendo ser reeleitos por apenas mais um
mandato consecutivo. Sua sede é cedida pelo, IPESP e fixada em Cuiabá, onde concentra e
disponibiliza seu acervo bibliográfico, sua documentação legal e exercício burocrático
administrativo: secretaria e financeiro; de onde realiza o processo de articulação nacional,
colegiada (um representante em cada região/estado). Conta com um funcionário em tempo
integral e outro liberado meio período, para os serviços da Associação na sede. As
representações regionais e estaduais são voluntárias. Os membros da Diretoria da Associação
são sócios de diversos estados, eleitos em Assembléia
31
. Estatutariamente a Associação possui
29
Os demais paises são: Nicarágua; República dominicana; Cuba; Argentina; Espanha; Itália; Uruguai;
Moçambique.
30
Fonte: Banco de Dados de sócios da ABHP. Apêndice 1, quadro síntese do mesmo.
31
Da primeira Diretoria participaram 6 estados (foram reeleitos para o segundo mandato); da terceira diretoria
participaram 6 estados (não foram reeleitos); da quarta diretoria, de quarto mandato 6 estados e do quinto
mandato participaram 4 estados e do último mandato eleitos em agosto de 2007, participam 5 estados.
55
três categorias de sócios: os sócios agentes populares
32
, aqueles que prestam serviços
voluntários à comunidade e passaram por um processo de formação na Associação nos cursos,
estudos, seminários, encontros de troca de experiências realizados tanto em Cuiabá, – local de
sua sede –, quanto nas diversas regiões onde existam educadores populares multiplicadores
(assessores populares); os sócios práticos, aqueles que em geral são terapeutas naturistas ou
pessoas autodidatas, ou ainda profissionais liberais que atuam com homeopatia e que recebem
formação de outros grupos, ainda que, após se tornarem sócios, passem a participar do
processo de educação permanente da ABHP. Esses, de forma geral, mesmo prestando serviços
à comunidade, utilizam a homeopatia em seus trabalhos profissionais particulares, não se
caracterizando como voluntariado expresso pelos agentes educadores populares; os sócios
contribuintes, aqueles que acreditam e apóiam os trabalhos de homeopatia popular sem que
desenvolvam essa prática. Todas as decisões pautadas por princípio em consonância com as
orientações e decisões tomadas nas Assembléias Gerais que se realizam a cada dois anos,
órgão máximo diretor da entidade, são definidas e implementadas pelo coletivo representativo
eleito na forma de diretoria da Entidade.
As distâncias geográficas a que estão submetidos os membros da diretoria e
articuladores da ABHP, e a não existência de recursos e projetos que garantam o
deslocamento, muitas vezes dificultam a participação de todos nas reuniões agendadas. Para
garantir a participação da minoria exigida por normas estatutárias “quorum” de 50%
(cinqüenta por cento) mais um da diretoria com participação direta, a ABHP lança mão dos
poucos recursos que dispõe e os demais são consultados por e-mail e/ou telefone.
As atividades da Associação, segundo Tx. B2 (2007) compõem-se de:
a) cursos intensivos para educadores populares (multiplicadores); cursos para
educadores populares de base, realizados em parceria com os educadores populares
multiplicadores em suas regiões/estados;
b) articulação dos sócios; por meio de assembléias anuais, encontros regionais, visitas
e comunicações online e diretas, por meio, especialmente, do boletim informativo O
Semelhante”;
32
Os sócios agentes populares passaram a ser denominados de “EDUCADORES POPULARES” durante os
encontros nacionais – Assembléias e seminários, à medida que o grupo foi fazendo uma reflexão sobre o trabalho
realizado e tomando consciência de que o objetivo maior da ação não é o tratamento da doença, mas um
processo de educação para a saúde. Por isso ainda o uso das formas de denominação. Ora intitulam-se
agentes, ora educadores. Nesta pesquisa, manterei a denominação: educadores populares.
56
c) produção de subsídios em linguagem popular (livros de conteúdos básicos e
avançados de homeopatia); boletim informativo/formativo O Semelhante”, apostilas
específicas para cada curso ou seminário;
d) articulação com entidades e grupos do movimento popular, com órgãos públicos
afins, para debates de temas de interesse social; de formação de lideranças
(educadores populares) e defesa da cidadania, e do direito junto às políticas públicas,
especialmente da Saúde e da Educação.
Foto 4: Estudo na sede da
ABHP
Foto 6: Curso de formação nas regiões
Foto 5: 3ª Assembléia
Nacional ABHP
57
A ABHP, como a maioria das ONGs populares, não recebe recursos públicos. Desde a
sua constituição, a Associação não teve projeto financeiro apoiado por grupos internos e/ou
externos, salvo ajuda episódica. Nos três primeiros anos de sua existência, o IPESP propôs e
obteve recursos da Billance
33
para ajudar na consolidação da Associação.
A razão para essa proposta do IPESP de transferir funções para a ABHP derivava da
responsabilidade que o grupo julgava ter em relação aos educadores
populares existentes nas diversas regiões do país, de que a Associação realmente se
fortalecesse e a expressão coordenadora do Instituto, para tal, diminuísse. Esse discurso
doloroso para os agentes que tinham forte referência no IPESP surgiu no Congresso
Nacional, e está espelhado no Boletim DINAMIZANDO. O Instituto foi assim, aos poucos,
realizando a transferência de responsabilidade, apoiando as atividades da ABHP de modo que
ao final a Associação assumisse por si mesma seu próprio processo. Esta “passagem”, no
entanto, não foi feita sem conflitos. Os educadores populares que participavam do IPESP e
dele se sentiam parte, especialmente aqueles de Cuiabá e Várzea Grande, por vezes
manifestavam seu sentimento de perda de identidade, de perda afetiva e, não sem razão,
percebiam que a associação não daria conta de toda a dimensão que os envolvia no projeto do
Instituto. Como todos se encontravam envolvidos, concretamente, nas ões e
emocionalmente nas relações afetivas estabelecidas, o IPESP representado em sua
coordenação, propõe um ciclo de debates para amadurecer a questão: era oportuno e
necessário fechar o Instituto e deixar o lugar para a ABHP, de forma a não confundir ou
enfraquecer a Associação?
Este debate foi realizado nos seminários intitulados “IPESP Novos Rumos I, II, III,
IV”. Após debates iniciais internos, decidiu-se pela procura de um Assessor externo que
pudesse com olhar mais distanciado contribuir no processo avaliativo. Buscou-se a assessoria
da FIOCRUZ, na pessoa do Prof. Dr. Eduardo Stotz. Com sua ajuda o grupo estabeleceu
algumas diferenças significativas, que Stotz expõe em seu relatório técnico:
[...] Percebeu-se, assim, que o trabalho educativo do IPESP, tal como
caracterizado, é marcado pela relação com o trabalho cotidiano, no nível local,
um trabalho que não apenas ultrapassa a prática de homeopatia popular como se
33
Billance órgão constituído por duas grandes entidades holandesas, a Cebemo e a Memisa Medicus Mundi,
que recebia recursos públicos do Governo Holandês para colaborador com países do terceiro mundo no
desenvolvimento da sociedade civil. Tivemos apoio certo tempo da CEBEMO, depois da MEMISA que se
definia mais pelos projetos voltados à saúde; quando ambas se articularam na BILLANCE, tivemos recursos
financeiros para o desenvolvimento dos projetos do IPESP até o ano 2000. De modo que a BILLANCE
acompanhou toda a evolução da criação da ABHP e o esforço de redefinir numa entidade representativa o
trabalho de Educação em Saúde dos agentes de Homeopatia Popular.
58
distingue por estar marcado pela "mística", pela "espiritualidade" pelo
"ecumenismo" traços da origem católica que o grupo quer preservar. A atividade
de representação da ABHP situa-se, em contrapartida, no nível jurídico e
institucional que requer a participação de
todos os envolvidos com a prática da homeopatia popular sem distinção religiosa,
não implicando necessariamente a referência de um significado espiritual para
esta prática. As distinções, como se verificou ao longo dos debates do Seminário,
trazem benefícios para as duas entidades. Diferentes, adquirem complementaridade
no intercâmbio a ser aprofundado. (STOTZ, 1999).
O motivo pelo qual o grupo tomava como referência para afirmar que o IPESP devia
continuar e não ser substituído pela ABHP era o forte caráter de representação que a
Associação poderia possuir e o caráter essencialmente educativo do IPESP. Stotz expõe este
entendimento do grupo da seguinte maneira em seu relatório:
[...] A resposta (do grupo) foi dada pela categorização das diferenças entre as duas
entidades, definindo-se melhor o perfil de cada uma delas. Genericamente as
categorias básicas foram definidas pela ação correspondente aos objetivos básicos
de cada uma das entidades, a saber, de uma em "educar" e da outra em
"representar". (STOTZ, 1999).
Ainda com a assessoria de Stotz o grupo propõe pistas para elaboração de um projeto
distinto entre o IPESP e ABHP. Cabe ressaltar que o grupo debatedor é local (Cuiabá-Várzea
Grande) e, portanto, não se trata de uma distinção proposta por membros da ABHP e sim por
membros do IPESP. O desafio, afirma Stotz:
[...] consistiu em refletir sobre a prática do IPESP enquanto entidade de Educação
Popular no trabalho da formação, da assessoria, da pesquisa e produção de
subsídios. Percebeu-se que o trabalho com as mulheres, um trabalho de gênero,
deveria aparecer. A terra e a agricultura, vistas como parte da ecologia e da
questão ambiental, deveriam merecer maior atenção. A capacitação dos grupos
populares para elaborar e desenvolver de modo autônomo projetos de seu interesse,
a ênfase no apoio à educação secundária completa e o objetivo de garantir a médio
e longo prazo a auto – sustentação financeira do IPESP foram também algumas das
idéias levantadas [...] "pistas" iniciais para serem avaliadas criteriosamente [...]
ouvindo a opinião de um número maior de interessados e envolvidos nas
atividades [...]. (idem).
Ao final dos três anos previstos em projeto do IPESP de apoio à ABHP, o instituto
deixa de contribuir “financeiramente” com a ABHP. Novamente quero ressaltar que não se
tratava de ajuda financeira direta a projetos da ABHP e sim, apoio às realizações de eventos e
atividades conjuntas em que se buscava incentivar os educadores a se associarem e criarem
um vínculo com a Associação e de certa forma tornar comum o espaço, telefone, computador,
impressora, etc. A ABHP vai assumindo seu caminho, sua gestão, sem ajuda sistemática de
59
apoio financeiro externo e, passa a manter-se com as contribuições de sócios que são as
anuidades estabelecidas em assembléias gerais, doações e projetos pontuais para eventos.
Os serviços realizados pela Associação não prevêem lucros. As taxas cobradas nos
cursos suprem precariamente despesas de alojamento e manutenção. Nesse caso, o interesse é
a garantia de participação de educadores populares no processo. Para isso, o pagamento é
sempre facilitado estabelecendo condições diferenciadas a cada situação (pagamentos
parcelados, cheques pré-datados, taxas especiais, etc.). No caso do curso de extensão,
estudado nessa pesquisa, os integrantes pessoalmente e/ou o grupo efetuam o pagamento de
forma parcelada em 24 meses. A Associação não se beneficia financeiramente com os
serviços prestados no cumprimento dos seus fins e objetivos. A busca de parcerias com órgãos
públicos, como no caso da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), por ocasião da
realização do Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular e no curso de extensão
estudado nesta pesquisa, com entidades de co-financiamento como a CESE/BA
(Coordenadoria Ecumênica de Serviços), CERIS/RJ (Centro de Estatística Religiosa e
Investigações Sociais) com projetos de apoio aos cursos e seminários realizados tanto pelo
IPESP como pela ABHP se constituem formas concretas de suprir a defasagem oriunda dessa
diminuição de custo aos educadores populares. Os sócios da ABHP contribuem com uma
anuidade estabelecida em Assembléias
34
e participam solidariamente de ações promovidas
pela Associação para angariar fundos para seus projetos, assim como já participavam de ações
que o IPESP promovia com os mesmos fins
35
. A Associação ainda faz a produção e o repasse
de material didático-pedagógico a custo acessível, para que possam garantir a reprodução do
mesmo.
A existência de projetos financeiros de apoio a um grupo e/ou entidade com
características similares a essa contribui e facilita o desenvolvimento de suas ações. O grupo,
apesar da consciência de que o apoio financeiro facilitaria a ampliação de sua ação, possui
orgulho de se auto-sustentar. As regionais que, em sua maioria, não possuem projetos de
apoio, busca ajuda da comunidade e de ofertas das pessoas atendidas para dar continuidade a
34
Na última Assembléia (agosto 2007) foram definidas uma taxa anual de R$ 30,00 para sócios agentes
populares; R$ 50,00 para sócios práticos e taxa livre para sócios simpatizantes.
35
Em 1997 o IPESP fez uma solicitação nacional, aos seus membros, de uma contribuição de R$ 5,00 ou
R$10,00 por dez meses – até aprovação de novo projeto financeiro. Assim diz o Dinamizando: “de março a maio,
tivemos 200 pessoas contribuindo [...] totalizando uma entrada de R$ 4.881,00” (DINAMIZANDO . 18); Em
2001 a ABHP também fez uma “ação de Natal Solidário”. No "Semelhante" nº. 4 diz: A ABHP agradece a
todos que responderam com prontidão e solidariedade a ação de natal [...]”; De março a junho/2006 a ABHP
realizou também uma rifa nacional, onde arrecadou R$ 14.513,00 (Relatório de prestação contas).
60
seus trabalhos.
A ABHP, apesar de tudo é financeiramente precária, e sempre que a necessidade
supera o saldo de caixa, de todos os lugares vem um pouco mais do que a ajuda solicitada,
todos contribuem para que ela permaneça viva e cumprindo suas funções de coordenação,
apoio e formação continuada.
1.1.4 Razões que sustentam a prática da Homeopatia Popular
De maneira geral as ações dos educadores populares, cios e/ou articulados com a
ABHP, segundo depoimentos, relatórios realizados nos cursos de extensão, e Texto Base
(2007), se destinam a grupos dos quais participam ou aqueles com os quais estabelecem
parcerias além da própria comunidade de competência e outras solicitantes: comunidades
necessitadas; pessoas indistintamente que procuram orientações e tratamentos diferenciados;
grupos organizados que querem ampliar conhecimentos, trocar experiências e articular-se
como Pastoral da Saúde e da criança; Sindicato de Trabalhadores Rurais; associações de
mulheres; associações de moradores; movimento popular de saúde (MOPS); organizações
não-governamentais (ONGs); movimento por cidadania ou direitos humanos; Comissão
Pastoral da Terra (CPT); Igrejas evangélicas; organizações espíritas e outras formas religiosas.
A diversidade de atuações, de motivações e de crenças é acolhida, nesse grupo, como
enriquecimento para as trocas de experiências e celebrações. O que pode ser muito importante
no perfil da Associação é o fato de a homeopatia não estar voltada para si mesma, de ser um
meio. Meio de organização popular da luta por cidadania, saúde e vida.
Com base em documentos internos da Associação e, especialmente no seminário
Homeopatia popular tecendo rede de Educação Popular
36
, os educadores populares ligados à
Associação definem as razões que sustentam suas práticas e com base nelas compreendemos
que se trata de uma expressão significativa do todo. As razões segundo eles são:
[...] a descoberta que sempre há algo mais a fazer pela vida, a fé, a solidariedade, a
política, a caridade, a compaixão, a realização pessoal de ver o outro sair do
sofrimento, o reconhecimento pelo trabalho realizado, a reciprocidade, a re-
elaboração permanente do conhecimento, o desejo de mudança de vida, a justiça, a
procura individual pela saúde plena sua e de sua família que se desdobra no social,
a busca da melhoria da qualidade de vida; a descoberta de um novo sentido de
36
Seminário que gerou uma avaliação da Associação, um debate acerca de sua metodologia e missão, já em vista
da nova versão do TX. B2, adequado ao Congresso ocorrido em julho de 2007.
61
vida. (Tx.B2, 2007, p.11). Grifo nosso.
Foto 7: Seminário Homeopatia
popular tecendo rede de
Educação Popular
Existe o entendimento de que a sociedade capitalista em que vivemos, pautada pela
exclusão, que dissemina a desigualdade, o individualismo, a concentração de renda, de terra e
conseqüentemente a fome, a injustiça e a morte precisa ser superada. Uma superação que só se
tornará realidade na ação de cidadania e implantação de um projeto democrático participativo.
Assim, qualquer que seja a motivação desses educadores para a ação, o que neles existe de
comum é a busca da democratização da sociedade, de seus serviços, valores e bens, e a
participação efetiva de todos, no destino do país.
[...] era um lugar assim, muita verminose, muita gripe e não tem posto de saúde,
não tem médico. na campanha política é que vão lá, e fazem aquele tipo, que a
gente sabe, de politicagem e depois o povo é esquecido. E eles se dão conta que
eles organizados eles são capazes de fazer muita coisa. Então eu vejo que além,
quer dizer, é a homeopatia que é aquele instrumento pro povo se conta que o
povo é capaz de fazer alguma coisa. Isso é o que eu acho mais bonito nesse
trabalho. Na experiência que eu venho fazendo [...] sou agente da minha saúde e
depois nós somos agentes da saúde da comunidade [...] (Ivani RR, entrevista
concedida à Marileuza, 1999 p. 1-14).
[...] se eu tivesse ficado 12 anos na faculdade estudando a realidade brasileira, eu
não sabia a metade do que existe dentro desse Brasil [...] não pra ficar parada
[...] tem a equipe toda que trabalha [...] as equipes são boas mesmo [...] se ajudam
muito [...] e existe um reconhecimento da comunidade que procura o tratamento (Ir.
Assunta –RS – entrevista concedida à Marileuza, 1999, p.40-43).
É possível, que enxergar a saúde humana sob este ângulo, que valoriza a participação
coletiva, o povo ajudando a cuidar do povo, (re)conhecimento da sabedoria e da capacidade
organizativa e transformadora da população, torne esta perspectiva essencialmente
diferenciada daquela dos que pensam e enxergam a saúde em termos de tecnologia, grandes
números, e, sobretudo, de descrença na saúde e ação vã, terminando por identificar o trabalho
da saúde como paliativo, conformado com o destino da morte, sobretudo para os pobres, e
contribuindo com a indústria da doença.
62
1.1.5 A ação multiplicadora dos educadores da Homeopatia Popular
A ação político-educacional popular, de educadores vinculados à ABHP e que
utilizam a homeopatia como meio e instrumento de trabalho, encontra-se presente em diversos
estados do Brasil, e vários países conforme o mapa a seguir:
Figura 1 – Mapa das regiões onde existem sócios da ABHP
A ABHP articula-se, principalmente, com as pastorais da igreja católica, fato que tem
contribuído para que o trabalho se espalhe por diversos estados brasileiros, conforme
podemos ver no mapa acima. No entanto, alguns estados ainda não fazem parte desse tipo de
trabalho. Isso se deve ao fato de a ABHP e, mesmo antes, o IPESP, terem optado por
trabalhar a partir da demanda explicita de alguém que em sua região assume a tarefa de
articular e dar continuidade ao processo. A Associação tem conhecimento de pessoas que por
63
migração e também pelas ações missionárias da igreja, realizam atividades da homeopatia
popular dentro dos mesmos princípios da ABHP em Estados como: Maranhão, Pará,
Tocantins, mesmo não tendo ainda uma articulação formalizada com a entidade.
Cabe ressaltar que a ABHP tem sede física (prédio) apenas em Cuiabá-MT, local
onde também tem constituído seu foro legal. A presença em outros estados e países ocorre por
meio da ação de educadores que utilizando a homeopatia popular e a metodologia
empreendida pelo IPESP e assumida pela ABHP, atuam a partir de inserção em outros
movimentos e organizações populares locais
37
(Pastorais, Igrejas, Associações, Escolas,
Sindicatos etc.). Essa presença e ação podem ser constatadas em documentos internos da
Associação. Os países com contatos conhecidos são: Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia,
Colômbia, Cuba, República Dominicana, Moçambique, Angola, Nicarágua, Portugal,
Espanha, Itália e Áustria. Esses agentes multiplicadores, em geral passaram pelo processo de
formação realizado pelo IPESP e/ou pela ABHP, direta ou indiretamente, e hoje trabalham
fora do Brasil, mantendo as características, orientação metodológica e/ou subsídios
produzidos pelo IPESP/ABHP, em alguns casos traduzidos para a língua do país em questão.
O fato é que hoje, alguns educadores da homeopatia popular geralmente em missão em
outros países –, vão espalhando esse modo particular de produzir conhecimento e de construir
cidadanias por todos os cantos, tornando acessível à apropriação de uma forma de trabalho
também técnico, mas estreitamente associada a visão sócio-humanista, solidária, ecológica e
mística.
A homeopatia popular que por direito não pertence a ninguém, exclusivamente, está
sob o controle e a serviço das populações mais pobres. no I Congresso Brasileiro de
Homeopatia se afirmava isso conforme publicação no Boletim Dinamizando nº. 17. Resgato
aqui a fala do Dr. Elton Otton, médico ortopedista, sócio fundador da ABHP, no final daquele
dramático e fundamental Congresso que gerou a ABHP:
[...] a homeopatia popular no Brasil. Ela não começa com o IPESP [...] muito
tempo existiam os práticos, aquela pessoa que tratava os doentes lá no interior [...]
pessoas que conheciam a homeopatia, mas não viviam disso, pessoas da
comunidade que recebiam as pessoas e falavam assim: "agora nós vamos consultar
o autor do livro”. Pegavam o livro e procuravam se informar qual era a
homeopatia que estaria indicada no caso [...] Outras eram as boticas homeopáticas
que eram vendidas no interior [...] caixinhas muito bonitas feitas toda de veludo
com rios vidrinhos dentro de homeopatias principais, para as pessoas
adquirirem e fazerem uso na medida das necessidades. Tinha que haver um
37
Uma das explicações possíveis para esta inserção ampliada dos educadores populares em várias frentes talvez
seja os próprios critérios estabelecidos para a participação no processo de formação no IPESP e, posteriormente,
na ABHP, como afirmavam nos textos base do IPESP- SP/ABHP.
64
conhecimento homeopático para isso. [...] o trabalho do IPESP se baseia na real
necessidade que estamos vivendo. Nesses confins do Brasil por onde passamos é
uma questão de vida ou morte... [...] é mais ou menos como o Betinho, embora
chamem-no de assistencialista quando ele fala contra a fome. Mas ele fala que não
para esperar para amanhã. A fome é hoje, não é amanhã [...] a questão da
doença é a mesma coisa. [...]. (Boletim Dinamizado nº. 17).
O Direito à homeopatia não é exclusividade também da ABHP. No Brasil existem
outros grupos organizados que divulgam a homeopatia e dela fazem uso como tratamento, que
prestam serviços comunitários utilizando-se da homeopatia como medicação complementar
aos diversos tratamentos que indicam individualmente e/ou a comunidades, entidades
filantrópicas etc. Podemos aqui citar a ATENEMG (Associação Terapeutas Naturistas de
Minas Gerais); Universidade Federal de VIÇOSA; FIOCRUZ (Fundação Osvaldo Cruz);
ANTN (Associação Nacional de Terapeutas Naturistas), além de outros, e de pessoas que
independentemente de organizações realizam serviços comunitários utilizando-se da
homeopatia como meio de tratamento eficaz, saudável e de baixo custo, bem como de
promoção da saúde. O que diferencia esses trabalhos dos da Associação é a dimensão da
Educação Popular voltada para a formação de educadores ligados a grupos e comunidades que
tenham afinidade com a proposta. Não precisam ser técnicos da área da saúde nem Terapeutas
Naturistas com reconhecimento, mas que tenham principalmente, compromisso social e de
voluntariedade explícitos em atos concretos, de organização e de luta pelos direitos à saúde
pública e que estejam dentro dos critérios estabelecidos pela ABHP, conforme
mencionados neste trabalho. No item a seguir, apresentarei a partir do perfil dos sujeitos, a
história que mostra concretamente a homeopatia na mão do povo. Na ABHP, seus membros
não se cansam de afirmar, que mesmo se tornando uma especialidade médica, a homeopatia
como terapêutica e instrumento de educação para a transformação social e construção de
cidadanias não é exclusividade médica.
Em Portugal, a formação de homeopatia é feita também em vel superior. João
Novaes, um homeopata português, licenciado, não médico, membro de nossa Associação
exerce a homeopatia legalmente em Portugal. Aos médicos, em Portugal, diz Novaes, está
vetada a utilização de homeopatia. Se o fizerem, terão seus títulos cancelados. As formas e
concepções acerca da homeopatia divergem de país para país. A forma legal brasileira é
apenas uma das concepções organizativa-prática, excludente, de direito subjetivo de cada
pessoa de poder dispor, com liberdade, de meios para preservar sua saúde e manter sua vida, o
que não corresponde a nenhum conhecimento científico. Na Suíça haverá em 2009 um
65
plebiscito para inclusão da homeopatia como sistema médico a vigorar em todo o país. Na
Espanha, todas as práticas de saúde recebem autorização prévia para serem utilizadas pela
população, de modo que o sistema diz preservar o direito de escolha, mas também o controle
público sobre serviços abertos.
Saint-Martin
38
(2006), afirma que o direito de uso e prática da homeopatia é garantido
pela tradição e pela lei brasileira:
A homeopatia [...] existe no Brasil 150 anos, ou seja, 130 anos antes da
Resolução/CFM ela vinha sendo praticada por não-médicos, e tem sobrevivido
graças a eles. Tornou-se direito adquirido da população brasileira (art.5º, XXXVI,
da CF e art. da Lei de Introdução ao CCB); inexiste lei federal proibindo os
homeopatas não-médicos de praticarem-na [...] os Decretos 57.477/65 e 74.170/74
e a Lei Federal 5.991/73 estabelecem a liberdade da prática da homeopatia por
não-médicos, sendo livre a venda desses produtos pelas farmácias do ramo a partir
das dosagens D3, D4 [...] (SAINT-MARTIN, 2006, p.158-159).
Trata-se, portanto, de uma conquista coletiva construída na prática e reconstruída na
teoria.
A experiência popular por sua simplicidade, e não por falta de rigor, tem facilitado a
divulgação e possibilitado o acesso da população mais pobre a melhor qualidade de vida e se
constituído num instrumento mobilizador de pessoas e instituições comprometidas com as
causas sociais no Brasil e em outros países.
A história de luta do IPESP, seguida pela ABHP, demonstra que a teoria homeopática
e a sua popularização m, como estamos tentando demonstrar, contribuído para a construção
e reconstrução de conhecimentos e de identidades pessoais e coletivas, marcadas por uma
consciência política e novos valores éticos que tem transformado pessoas, transformando
gradativamente o meio em que elas vivem.
Fotos 8, 9, 10: Salas onde se prepara e
guarda as homeopatias chamadas popularmente de
“salinha da Pastoral” ou de “farmacinhas”.
38
É Bacharel pela FD-UFMG/1971 e especialista em Direito Civil pela mesma Faculdade. Titulado em
Homeopatia e Fitoterapia pela Universidade Federal de Viçosa (1999/2000). Atual assessor jurídico do
CONAHOMM - Conselho Nacional Auto-Regulamentável de Homeopatia. (SAINT- MARTIN, 2006).
66
Foto 9 Foto 10
Até aqui, conhecemos o sonho utópico de um grupo, que num contexto de violência e
de direitos negados, tomou a educação em saúde e a homeopatia como instrumento de
mediação (projeto) na intervenção concreta no processo de construção coletiva de uma nova
sociedade, pela ampliação de direitos por meio dos quais busca fazer com que a justiça, a
solidariedade, o ser humano e a vida sejam prioridade. Vamos então, no próximo capítulo
conhecer alguns sujeitos que fizeram e fazem esse sonho e projeto tornarem-se realidade,
mesmo que essa não possa ser toda a realidade sonhada, mas que aos poucos vai permitindo
que se possa manter acessa a chama da esperança de mundo novo. Um novo mundo é possível
(Fórum social mundial), ou ainda: uma nova saúde é possível! (lema do segundo Congresso
Brasileiro de Homeopatia Popular/2007).
67
CAPÍTULO II
PERFIL E TRAJETÓRIA DOS SUJEITOS DA PESQUISA:
ASSOCIAÇÃO E EDUCADORES POPULARES
Sujeito e objeto são partes integrantes de uma pesquisa, mas não podem ou devem ser
confundidos entre si. Danilo Streck (2007, 269) expõe que, na perspectiva de “pesquisar
significa colocar-se ‘junto com’ os movimentos geradores de vida e de dignidade”. Ou, ainda,
conforme Brandão (2007, p.52) “Na pesquisa Participante se parte de um duplo
reconhecimento e confiança em meu ‘outro’, naquele que procuro transformar de objeto de
minha pesquisa em co-sujeito de nossa investigação”.
Com base nestes autores, procurei assim, estabelecer uma relação de cooperação,
cumplicidade e reconhecimento mútuo no processo de pesquisa que permitisse uma
construção coletiva do perfil de cada sujeito, participante, entendendo que o perfil, individual
é também representativo de um perfil comum e compartilhado na ABHP. Trabalho, com um
conceito analógico da linguagem, em particular ancoro-me na metonímia, isto é, utilizo a
estratégia desta “figura de linguagem” que pega a parte como um todo, ou seja: toma um
conjunto de pessoas (sujeito da pesquisa) que, na verdade, convergem nos seus valores,
modos de ver e agir, com características de um sujeito coletivo, universal, e que exprimem
certo consenso da totalidade dos educadores populares envolvidos no processo educacional
desenvolvido pela ABHP na ação individual e coletiva de cada um dos educadores. Escolhi
pessoas, todas relacionadas ao primeiro curso de Extensão ou ao segundo, em realização, com
histórias muito pessoais, muito próprias, mas que representam certa universalidade que
expressa a cultura da ABHP.
Falar dos sujeitos também não significa que poderemos apresentá-los tal como são,
pois é impossível captar toda dimensão e essência do ser sujeito de cada um que se constitui
em suas individualidades historicamente inacabadas, inatingíveis e como sujeitos em
construção difícil de serem apresentados.
68
[...] diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são
históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão.
se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente
humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que
seja a educação um quê-fazer permanente. Permanente, na razão da inconclusão dos
homens e do devir da realidade [...] (FREIRE, 1987, p. 42).
Apresento assim, um perfil do que foi possível perceber no processo de convivência
seja no decorrer desta pesquisa seja no decorrer das relações estabelecidas no cotidiano da
Associação na qual participo como sócia e assessora.
Hinkelammert (Apud SUNG, 2000 p.2) afirma que:
Siendo el sujeto un sujeto y no un objeto, su tratamiento como objeto es de por si
inadecuado, porque no puede jamás corresponder al ser subjetivo del sujeto, que es
una plenitud inalcanzable […] el sujeto, por tanto, transciende a todas sus
objetivaciones, aunque no puede existir sin ellas. El sujeto transciende también, por
tanto, a todas las formas de sujeto que aparecen al tratar el sujeto como objeto […].
Tendo em consideração que a constituição de sujeitos e, conseqüentemente de atores
sociais se pautam em uma proposta política a partir de diversos posicionamentos, trarei aqui,
demonstrativamente, a identificação contextualizada de alguns sujeitos desta pesquisa.
Para descrever o perfil dos sujeitos, escolhi três modos de apresentação. Primeira: "Os
elos de uma rede de chamada ABHP", da qual descrevo o perfil da Associação como
organização articuladora e formadora de rede em saúde e, por isso mesmo, participante da
rede de ações sociais que compõem o Movimento Social (MS), a razão disso é que os sujeitos
estão referenciados identitariamente na ABHP ao que Berger chamaria de estrutura de
plausibilidade, isto é, que lhes permite um discurso e uma prática cultural em contra-senso ao
discurso e a cultura dominante; Segunda: "O perfil dos educadores populares da ABHP: uma
amostra significativa do todo" divididos em dois subitens –, no primeiro item são
apresentados o perfil de 3 sujeitos a partir de minhas percepções, inclusive, fornecendo as
razões pelas quais foram escolhidos, para sujeitos desta pesquisa; e no segundo item exponho
depoimentos de 4 sujeitos que nos dão um relato de suas histórias, suas escolhas, de forma a
apresentar a maneira como se auto-reconheceram e se afirmaram como sujeitos. A razão é
proporcionar uma visão mais exterior e ao mesmo tempo mais interna dos sujeitos, dada por
eles mesmos. Ambas as descrições possibilitarão ainda uma percepção do leitor, do caminho
percorrido por esses sujeitos em sua auto e hetero-constituição, que são
sujeitos de relação. Touraine (2006, p. 123) já apontou para tal construção, ao afirmar:
69
nos tornamos plenamente sujeitos quando aceitamos como nosso ideal
reconhecer-nos e fazer-nos reconhecer enquanto indivíduos como seres
individuados, que defendem e constroem sua singularidade, e dando, através de
nossos atos de resistência, um sentido à nossa existência.
Recordo que a ABHP como instituição representa um universo de 1.165 sócios. A
apresentação de 7 sujeitos, não esgota a diversidade, nem as singularidades manifestadas na
vida da Associação, por uma extraordinária diversidade. Porém, essas singularidades,
carregam em si um desejo e um jeito de ser do/no grupo, de modo que podem ser
mensageiros e intérpretes, em suas vidas individuais/pessoais, da diversidade e do perfil da
maioria dos sujeitos representados pela Associação. Geertz diria que não conflito entre o
sujeito pertencer como universalidade ao gênero humano, como ser de cultura ter formas
particulares do seu grupo social e como indivíduo ser portador de uma identidade singular
que o distingue de todos os outros. A atribuição a ABHP gera formas culturais com
contornos, linguagens, gestualidades e comunhão de perspectivas convergentes. Streck
afirma também que a luta de todas as redes, que são muitas e que se organizam contra certa
globalização cruel, massacrante da vida e dos direitos, fazendo com que a luta de todos os
oprimidos tenha um coração comum.
Apesar da extensão dos textos de cartas transcritos, nos quais os sujeitos falam de si,
pareceu-me imprescindível deixar o fluxo do pensamento da pessoa desenhar para o leitor os
problemas, as buscas e os achados dentro do contexto vivido por ela.
É a partir da lógica acima, que organizarei a relação entre o espaço da rede, a ABHP
e os sujeitos que a ela atribuem sentidos e vida.
2.1 Os elos de uma rede de Educação Popular chamada ABHP
Os sujeitos desta pesquisa, em sua maioria mulheres, têm uma militância anterior em
outros grupos, diferente dessa exercida na ABHP. A maior parte, além da prática em saúde
por meio da homeopatia em suas comunidades, grupos e/ou pastorais, milita em outras
instâncias de organização como as já mencionadas: Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s),
Comissão Pastoral da Terra(CPT), Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR), Pastorais,
Movimentos de Mulheres, Associações de Terapeutas Naturistas, Organizações Civis de
caráter reivindicatórios (moradia, saúde, educação, transporte, terra etc.) e Partidos políticos
70
em seus respectivos estados. Os educadores populares
39
pertencentes à categoria de sócio
denominada pela ABHP de Agente Popular (aquele que realiza o trabalho voluntariamente e
em grupos/comunidades), constituem-se em 80% dos sócios da ABHP e expressam,
significativamente, os princípios político-metodológicos da Associação. A ABHP, desde sua
origem, que antecede a sua fundação, se caracteriza por uma ação organizativa que articula
pessoas e instituições em favor da luta por direitos sociais a partir da saúde e educação. Não
se caracteriza como movimento de massa com características de manifestações públicas
abrangentes, salvo em momentos de publicização de seus princípios e ações, em formas de
congressos e assembléias abertas à participação social, bem como em eventos realizados e
parcerias com outros movimentos e organizações populares. Pauta-se, prioritariamente, pelo
debate e busca de garantia de direitos acerca da Educação em Saúde como forma de
aglutinação, direcionamento do debate não perdendo de vista a devida articulação e interação
com todos os campos de direitos sociais. Articula-se numa rede constituída por organizações,
como as citadas anteriormente, e por pessoas que, individual e coletivamente, assumem sua
condição de sujeitos e escolhem a prática da em saúde por meio da homeopatia como forma
de atuação social. Cada educador popular atua em seu próprio espaço público/político e de
moradia. O que empresta caráter nacional à ABHP é a presença desses educadores em
diversos estados da federação. Dos 27 estados da federação, a ABHP se faz presente em 19
Estados. Documentos internos da ABHP boletim informativo, cartas, relatórios de
Assembléias –, apontam a forma como essa ampliação foi acontecendo tanto dentro do
próprio país, nos estados e municípios, quanto em outros países. De forma geral, esse
movimento se deu pelo processo de migração, pelo caráter de missão e essencialmente pelo
compromisso ético político dos educadores populares com a vida e conseqüentemente com
as condições necessárias para garanti-la com qualidade. A migração de educadores populares
de uma região para outra, sempre em busca de melhores condições de trabalho e de vida, na
busca de um pedaço de chão, contribuiu para espalhar a homeopatia popular ipespiana nos
quatro cantos do país, e fora dele. O agente popular, uma vez comprometido com a
comunidade, com a construção de uma sociedade melhor para todos, onde quer que esteja,
não pode se calar diante das injustiças e da falta de condições de vida e de seqüestro de
direitos. Leva, assim, suas matrizes homeopáticas, seus livros, sua sabedoria, seu
compromisso político, por vezes político-cristão para onde estiver reiniciando seu trabalho.
39
Os educadores populares de saúde, são pessoas do povo que, por solidariedade, por posicionamento político, ou missão
assumem o serviço de atenção à saúde/doença junto ao mesmo povo [...] vivem a reciprocidade[...] sabem que sós não
subsistirão, apontando para a necessidade de uma ação de parcerias e complementaridade (TX. B2, 2007)
.
71
Procura contato com a Associação, por meio de seus educadores/assessores espalhados nos
estados ou diretamente na sede da Associação em Cuiabá-MT.
Ao sair de Rondônia, onde participou dos cursos de formação de Agente de Saúde e
dos cursos de homeopatia popular, para voltar para sua terra natal no Ceará, Argentino
continuidade à sua luta por melhores condições de vida para si e para a comunidade. Recorre
à Associação para ter apoio nessa tarefa:
É com muito prazer que escrevo, pois preciso muito de ajuda [...] tenho feito pouca
coisa, pois é muito difícil aqui, pois não tem nem um trabalho como eu era
acostumado (em Rondônia) e fiquei sem assessoramento e preciso me atualizar de
receber boletim mesmo que seja velho e o pior e que não tem nem um órgão que
patrocine pra gente, a comunidade ainda não entrou no esquema a porque eu
não pude oferecer muita coisa, mas já tem um começo nas pequenas comunidades e
a partir de janeiro eu quero crescer o trabalho [...] o povo são carente e tem me
procurado sempre e o que eu posso fazer faço [...] me escreva para que eu fique
por dentro das novidades [...] o quero perder vocês de vista [...] como posso
participar dos estudos mesmo longe, pois estou sentindo falta[...]
(ARGENTINO DE - Arapá-Tinguá-Ceara carta enviada em 08 de
dezembro/1991)
Da mesma maneira, irmã. Elisângela que, ao sair também de Rondônia, onde
participava do grupo do Neto (educador popular de referência na região) vai para Pernambuco
e lá, diante da realidade, é novamente desafiada a interferir buscando formas adequadas à
nova situação.
Oi Irmã, (para a irmã Marialva, ex-presidente da ABHP) estou felicíssima; tudo
está indo muito bem. A homeopatia tem se espalhado nesta cidade, nosso trabalho
está bem encaminhado na organização. Estou atendendo várias pessoas e o melhor
de tudo temos casos que os resultados tem sido excelentes. Cada dia que passa
minha paixão pela homeopatia aumenta, o povo tem se maravilhado com os
resultados. A nova experiência tem sido o atendimento a domicilio, de casos que
não podem se deslocar, bairros distantes e muito pobres. Trabalhamos com fito e
as pomadas e homeopatia. Foi tudo rápido, compramos o material em Recife [...]
(e-mail enviado por Elisângela no dia 8/11/2007). (o destaque é meu).
Marialva, maravilhada com a boa notícia escreveu:
Edna uma olhada nesta cartinha, não é uma maravilha? Elisângela é uma Irmã
muito jovem que trabalho aqui em Rondônia no grupo do Neto. Fez a escola de
Homeopatia conosco e foi transferida para Pernambuco. É uma pessoa muito
inteligente e esforçada. Nossa estou muito orgulhosa dela, afinal a Homeopatia
está sendo implantada em mais uma realidade. Estes são nossos agentes
Multiplicadores. (E-mail de Marialva enviado no dia 8/11/2007).
Assim, a homeopata popular foi levada para o Ceará, Pará, Roraima, Amazonas,
72
Maranhão e para o interior de diversos estados brasileiros. Pela missão, muitos religiosos,
foram enviados a estados diferentes ou para países distintos, onde também foram semeadores
da boa nova da homeopatia popular como instrumento de tratamento e recuperação da saúde,
bem como de organização e luta pela garantia dos direitos à saúde e à vida conquistados
pela população e pela implementação de novos diretos sociais necessários à melhor qualidade
de vida. Um processo que demonstra a sensibilidade e a solidariedade encarnada na realidade,
na vida, por parte desses educadores.
A ABHP se constitui em espaço da interlocução, da articulação, da troca de saberes,
da produção de conhecimentos, da expressão das demandas locais e nacionais advindas por
perseguir essa prática de permanente vigilância pela garantia e ampliação dos direitos
instituídos e da construção utópica de uma sociedade pautada por novas relações de
solidariedade, direitos e subjetividades individuais e coletivas.
Na tarefa de implementação dessas ações locais, nacionais e internacionais a ABHP
não dispõe de estrutura jurídico-política, nem administrativa nas regiões(estados) onde atuam
os educadores populares, essas estão apenas na sede. A articulação da sede nacional com os
educadores de cada Estado é realizada por intermédio de uma coordenação composta de
representantes dos estados e se unem por critérios de proximidade e afinidade de trabalho.
Esses representantes são responsáveis pela mobilização dos sócios, pelo processo de formação
e articulação regional, bem como pelos contatos com a nacional. Isto, porém, não exime o
sócio de individualmente se responsabilizar por suas obrigações sociais junto à ABHP, uma
vez que sua representação não pode ser delegada.
A coordenação nacional assegura plena autonomia das regiões, não intervindo ou se
responsabilizando, financeira e estruturalmente, pelos encaminhamentos locais. As regionais
devem contribuir para o bom funcionamento da nacional, sempre que for necessário, fazendo
os devidos encaminhamentos junto aos sócios de sua região. Nesse sentido a ABHP, como
instituição, não tem obtido visibilidade nos Estados como estrutura física ou como instituição,
trata-se de pessoas trabalhando na sua região, voltadas a ela, por meio de suas organizações e
movimentos locais, vinculadas a ABHP por mística, formação, bandeiras comuns e
acompanhamento, e curiosamente, freqüentemente se identificam como ligadas ao IPESP. Na
verdade, o instituto não chegou a ser extinto, ainda que organizacionalmente não exista. E,
por vezes, é assumido como uma forma própria de organização e luta por saúde em nossa
região. O que estou ressaltando, nesta pesquisa como característica comum a todos esses
educadores, independentemente do local e da organização onde atuam é a popularização da
73
homeopatia e a prática de educação em saúde como instrumento de luta e garantia ao
atendimento diversificado, de qualidade e para todos no Sistema Único de Saúde (SUS),
bem como de transformação social. O princípio fundamental, desde o início do trabalho é de
não substituir os serviços públicos de saúde, como direito de todos e dever do estado. Por isso
também a ligação dos agentes, sobretudo em algumas regiões, nos Conselhos como forma de
acompanhar, contribuir e propor políticas públicas.
A ABHP como rede no seu campo de atuação e, como membro de outras redes que
compõem o Movimento Social, como por exemplo: a REDEPOP Rede Popular de Saúde; a
ANEPS – Articulação Nacional de Práticas de Educação Popular em Saúde; ABONG
Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais, entre outras, incentiva e
mantém relação de respeito à autonomia dessas pessoas e entidades, como alteridade na
busca de complementaridade. É importante notar que, a bandeira de complementaridade que
agora se encontra presente na recente Portaria 971 de maio de 2006 do Governo Federal, se
encontrava presente dez anos nos debates do grupo conforme descreve o texto do
Documento Base do IPESP:
[...] é possível reivindicar o que se conhece. A homeopatia Popular quer ser
espaço de reivindicação do direto de poder ser tratado por profissionais
homeopatas na saúde pública. É necessário que as pessoas dos setores populares
tenham feito experiência dela e a conheçam como alternativa terapêutica para que
a reivindiquem. (Tx. B.1, 1996, p. 31).
Diretamente a ABHP não participou da elaboração do documento que virou a portaria
971, mas acompanhou os trabalhos realizados pelo Grupo constituído no Ministério da Saúde
com o objetivo de elaborar a Política Nacional de Medicina Natural e Práticas
Complementares (PMNPC) e, teve parte nas discussões sobre a homeopatia na saúde pública,
sempre que a sociedade geral e organizada foi convocada. A portaria saiu somente em 2007,
ainda polêmica, que institui a obrigatoriedade de implantação das práticas
alternativas/complementares (Fitoterapia, Acupuntura, Homeopatia, entre outras) nos serviços
realizados pelo SUS. É uma conquista do povo brasileiro, que lutou por isso. Essa Portaria foi
eixo principal no debate no Congresso de Homeopatia Popular, recolocado no debate no
seio da ABHP. A Associação inscreveu-se no Estado do Mato Grosso para fazer parte da
comissão que prepara para estabelecer a regulamentação da portaria. Prepara-se, ainda, para
novas bandeiras de luta frente à conjuntura.
74
2.2 O perfil dos educadores populares da ABHP: uma amostra da parte pelo
todo
2.2.1 O perfil de três sujeitos na visão da Pesquisadora
Apresento aqui alguns educadores que participando do processo educacional
empreendido pela ABHP, compartilham também do curso de extensão, oferecido pela
instituição em parceria com a PROVIVAS e DTFE/GPMSE, e se constituindo por isso
mesmo, em sujeitos desta pesquisa. Pessoas que podem exemplificar em suas ações e na
compreensão que possuem de si, de seu trabalho e dos processos sociais, o processo
pedagógico desenvolvido na Associação.
Escolho Marialva, João Carlos e Josmarina para apresentar, por serem educadores
com os quais mais convivi e que participaram do primeiro curso de extensão (2003-2005) e,
por expressarem, também características singulares no jeito de realizarem seus trabalhos
comunitários e de conduzirem os tratamentos homeopáticos. Uma apropriação e recriação de
conhecimentos, que embora possuam características próprias guardam as singularidades
fundamentais que marcam metodológica e politicamente as ações educativas desenvolvidas na
ABHP. Escolho-os também, por serem pessoas que participam da ação educacional desde seu
início no IPESP.
a) Irmã Marialva de Oliveira Costa – Jaru-RO
Foto 11 - Marialva no 2º Congresso
de Homeopatia Popular.
75
Marialva é irmã de Congregação Religiosa. Chegou a Jaru/RO em 1989, com a
missão de trabalhar, a partir da igreja local, na Pastoral social. Diante da realidade da região
onde foi destinada pela Congregação, com altos índices de malária e pouca estrutura de saúde
pública, envolveu-se com a Pastoral da Saúde, na qual até hoje atua. Inicialmente, exerceu
essa atividade como coordenadora de sua comunidade, depois, da paróquia, tornando-se,
inclusive, coordenadora da Pastoral de Saúde Diocesana de Ji-Paraná. Participou das quatro
etapas de formação em homeopatia popular no IPESP. No ano de 1993 saiu de Rondônia,
destinada à missão para Angola, na África. Lá, fixou-se em Luanda, e, contribuiu na formação
de lideranças locais, também atuando na área da saúde. Levou a experiência com a
homeopatia popular, socializando e recriando esse conhecimento às condições concretas da
África. Ao retornar ao Brasil, deixou na África um extenso grupo de agentes locais endógenos
e de diferentes etnias, atuando no campo da saúde popular e da homeopatia (desses, 6
angolanos são sócios da ABHP). Três deles: duas mulheres e um homem participaram
alguns anos de uma das Assembléias Gerais da ABHP, em Cuiabá, ao mesmo tempo em que
vieram fazer estágio na área da homeopatia popular. O aprendizado ocorreu tanto na sede da
Associação, com assessoria da equipe, quanto nas comunidades dos bairros: Osmar Cabral,
Pedregal e Cristo Rei, na Várzea Grande, nesses estágios ficaram sob orientação e
acompanhamento dos Educadores Populares de cada bairro.
Foto 11: educadores
populares africanos
presentes na Assembléia
Nacional da ABHP
76
Transcrevo abaixo, uma das cartas, escritas por Marialva, em Angola, comunicando,
sua atuação em Luanda:
Aqui [...] vem gente de muitos lugares [...] estávamos atendendo em média100
consultas [...] o impaludismo (malária) é o inimigo principal da população. Mata
mais do que a guerra. De cada cem pessoas noventa tem impaludismo. [..] o
principal fator desencadeante de tantas doenças é a desnutrição [...] não
médicos, medicamento que usavam, era fornecidos pelo posto da Missão [...]
acabou quase que totalmente a medicação básica [...] gastávamos em média, 1500
comprimidos para os tuberculosos, e 1000 anti-palúdicos diários [...] sabíamos
[...] da eficácia da homeopatia. Mas não tínhamos o material necessário frascos,
matrizes, álcool, como também pessoal preparado para nos ajudar [...]
dinamizamos, isto é, transformamos em homeopatia, os principais medicamentos
(químicos) que usamos para tuberculose [...] também os anti-palúdicos [...] também
outros medicamentos sicos [...] iniciamos a experiência com algumas pessoas, o
número foi aumentando na medida em que os resultados foram sendo positivos [...]
vocês devem estar perguntando, se conseguimos o álcool e os frascos... Dizem que
“quem não tem cão caça com gato”. Preparamos tudocom água [...] uma média de
25 litros de água fervida por semana [...] em litros e garrafas [...] estamos super
cansadas [...] mas a tarefa principal é preparar leigos para que assumam sua
própria história. Iniciamos a preparação de agentes [...] E assim enquanto pensam
em reconstruir Angola destruída por tantos anos de guerra, estamos tentando
reconstruir o Angolano. Queremos continuar lutando em defesa da vida, que é tão
desvalorizada. (carta arquivada e transcrita no Dinamizando nº. 16).
Mais uma carta para o IPESP:
[...] como estou aqui em Luanda, por pouco tempo, precisei começar logo um
trabalho aqui, na questão da saúde alternativa. Foi muito interessante
[...] foi um grupo misto, lideres das comunidades. Na maioria atuam na área da
Foto 12: atividade de
grupo durante a
Assembléia da ABHP
77
saúde [...] As tinturas que fizemos no início, no final dinamizamos
40
[...] foi com
muito carinho que o grupo preparou a“farmacinha
41
que ficou centralizada numa
sala na Cúria Diocesana. formaram uma equipe e coordenação, liderada por
uma médica Angolana. tem uma escola de encontros do grupo todo dentro da
movimentação, porque me visitam direto. Cada dúvida que tem, procuram-me [...] e
a resposta da homeopatia está sendo ótima. E, com isso, se animam e a fama
está longe. É lindo ver a vida ressurgir![...] Sinto-me, ou melhor, sou parte do
IPESP. (carta arquivada no IPESP).
Pronunciamento de um participante desse processo de formação desenvolvido
por Marialva em Angola:
[...] Nós estamos em Angola 3 anos. Viemos a serviço do Movimento Focolares
[...] temos 6 filhos, dos 18 aos 2 anos de idade, que também estão aqui conosco
[...] No Recife, onde morávamos tivemos nosso primeiro contato com a cura através
da homeopatia, e nos tornamos, de certo modo, divulgadores informais nos nossos
ambientes de trabalho. Trouxemos para Angola uma farmácia básica, o Nilo Cairo
(livro de matéria médica homeopática) e o desejo de passar adiante os benefícios
da homeopatia. Entretanto, nos sentíamos muito inseguros, cheios de perguntas às
quais ninguém sabia responder aqui [...] Conheci a Ir. Marialva e foi para nós um
presente de Deus. Ela deu-nos (a 30 pessoas) um curso intensivo de iniciação à
Homeopatia o qual abriu novos horizontes e uma alternativa valiosíssima para o
nosso trabalho em defesa da vida [...] O grupo treinado agora se encontra
regularmente e o trabalho embora em fase embrionária, tem crescido [...] a essa
altura é supérfluo dizer o quanto para nós é importante continuar recebendo o
DINAMIZANDO [...]. (Carta enviada de Luanda em 05/12/1994 – arquivada).
Foto 13 – curso ministrado por Marialva em Angola na África.
40
Dinamizar é o ato de succionar (agitar com movimentos contínuos), batendo o fundo do vidro contra a mão,
contra um livro, ou uma superfície que não o quebre, e permita que a tintura diluída quase ao infinito adquira as
‘características’ ou ‘identidade’ da substância da qual deu origem a homeopatia.
41
Farmacinha é o nome atribuído pelos agentes populares ao conjunto de matrizes homeopáticas disponíveis no
grupo e, geralmente, organizada em sala na Igreja (Pastoral) ou na Associação, no Sindicato.
78
De volta ao Brasil, Marialva retornou para Rondônia e ficou sediada, na cidade de
Jarú-RO. Participou do Projeto Padre Ezequiel
42
na Diocese (Projeto Social da Diocese que
engloba as ações junto aos pequenos agricultores e as diversas pastorais sociais); articulou a
Pastoral da AIDS na região e, voltou a coordenar, atualmente, a Pastoral da Saúde da Diocese
de Ji-paraná. Deste trabalho retira seu sustento, é liberada, isto é, recebe da Pastoral
Diocesana um salário para realizar com dedicação exclusiva o trabalho na região. Tornou-se
sócia da ABHP no ano de 1998. No ano de 2003 foi eleita para a presidência da Associação
para um mandato de dois anos e, em 2005 foi reeleita por mais dois anos, de acordo com os
estatutos. Tomou parte no Curso de Extensão da ABHP, em parceria com o
GPMSE/UFMT (2003/2005). Seu trabalho de pesquisa e conclusão do curso versou sobre:
homeopatia e organização popular.Marialva foi escolhida, por representar essa articulação e
inserção pessoal nas várias dimensões sociais que perpassaram sua atuação na saúde.
[...] conseguimos discutir muito a questão da organização e luta no combate ao
império da morte. Nossa bandeira de luta deste ano é a participação ativa nos
conselhos municipais de saúde [...] (carta enviada ao IPESP).
Sendo coordenadora da Pastoral da Saúde, na Diocese de Ji-Paraná, ex-presidente da
ABHP, substituída em Julho de 2007, por Itamar Camarajibe, biólogo que atua na
coordenação do Jardim Zoológico da UFMT. Está envolvida com questões políticas
42
Padre Ezequiel Ramin, missionário italiano, que exercia funções na Diocese de Ji-Paraná. Foi assassinado em
emboscada quando na defesa da terra de agricultores que estavam sendo expulsos pela violência de Jagunços. À
sua morte, houve, por parte da Diocese Italiana apoio aos trabalhos na Diocese Brasileira onde ele atuava,
F
oto
14
E
ntrega de c
e
rtificado
s
-
Angola
Foto 15 – Preparação de homeopatia
79
concernentes a esse campo ANEPS MOPS PASTORAL SOCIAL PASTORAL DA
AIDS, CONSELHOS DE SAÚDE e redes correlatas. Por missão, compromisso político, e até
por função, mantém contato e faz circular informações da atuação dos agentes populares mais
diretamente de sua Diocese e indiretamente de todos os sócios da ABHP. A sensibilidade com
as questões políticas sociais e com a vida faz dela uma líder altamente reconhecida e
respeitada por todos. Qual o impacto desse (re)conhecimento em sua vida e nas relações que
estabelece no campo da saúde? De que forma ela confere (re)conhecimento aos educadores
populares ligados à Associação e a Diocese das quais é coordenadora? Esse mútuo
(re)conhecimento vivo que permeia as relações é essencial para a Educação Popular da
ABHP? Quais as dimensões que ele estimula, tece e produz na criação da força do movimento
social entre as pessoas?
Dada a relevância de sua função e papel social, questões como estas possibilitarão
uma compreensão, tanto do papel do conhecimento e (re)conhecimento na vida de Marialva,
quanto do impacto desse na vida dos educadores populares com os quais estabelece contato e
que também são sujeitos nessa pesquisa.
b) Josmarina de Souza da Silva - Vilhena – RO
Josmarina é casada e tem dois filhos. Sempre atuou na Pastoral da igreja católica em
diversos setores. No ano de 1991, quando “cansada”, na expressão dela, de passar por
médicos da saúde pública sem solução para seus problemas, recorre ao IPESP por meio da
agente de saúde Zilda Borges, da comunidade do Pedregal (hoje assessora e membro da
diretoria da ABHP) e, em pouco tempo, sua saúde restabelecida. Entusiasmada, busca
conhecer o trabalho. Passa pelos cursos de formação de lideranças do IPESP e da ABHP e
começa a realizar um trabalho em seu bairro (Osmar Cabral) formando um grupo de Pastoral
da Saúde, envolvendo com a construção dos Conselhos, Gestores de Saúde. Migrante, como a
maioria dos brasileiros pobres, a procura de uma vida melhor, muda- se para São Paulo e lá,
na Pastoral da igreja local, continua seu trabalho, atendendo as pessoas e divulgando a
homeopatia. Não muito tempo depois, retorna a Cuiabá e segue para Vilhena em Rondônia
onde reside com a família. Trabalhadora diarista investe seu tempo “extra” na Pastoral da
procurando promover a vida, projetos de economia viáveis e com perspectivas ambientais, a saúde e a autonomia
das comunidades.
80
Saúde local, dedicando-se à
homeopatia popular e à formão
de novas lideranças, participando
do Conselho Municipal de Saúde.
Inscreveu-se no curso de extensão
(2006/2008), em vista de sua
formação permanente e pesquisa,
sendo que possui escolaridade de
4ª série primária. Por decisão do
seu grupo de pastoral, escolhe o
tema: Homeopatia e os problemas
cardiovasculares. A razão para
essa escolha reside na demanda
local. Trata-se de compreender
todas as situações ambientais,
sociais, de trabalho que fazem com
que esses “problemas” se multipliquem naquele lugar e o que a homeopatia poderia fazer pela
comunidade.
Josmarina é dona de casa, educadora popular, agente pastoral, com escolaridade
concluída até a série primária. Nas comunidades onde mora, sempre se envolve a partir da
Pastoral e com os problemas sócio-políticos locais, logo se destacando como líder obtendo
sempre um reconhecimento positivo de suas ações. Jamais esteve ligada a partido político,
como também escolhe não mediar sua atividade por vínculos institucionais formais. De onde
vem seu conhecimento e como obtém esse (re)conhecimento? O que a leva, então, a se
envolver nestes projetos comunitários? É o que esta pesquisa vai responder.
81
c) João Carlos da Silva – Ouro Preto d´Oeste – RO
Quem é João Carlos?
João Carlos é casado, lavrador e
participa dos trabalhos da Pastoral da
Saúde da Diocese de Ji-Paraná-RO
desde 1979, e assim se apresenta em
seu trabalho de conclusão do curso de
extensão 2003/2005:
Sou agente Pastoral da Saúde, atuo na área preventiva para obter melhores
condições de saúde, através da Homeopatia, tratando segundo as suas
possibilidades; a Homeopatia Popular, com repertorização e apersonalização.
Sou formado pela Pastoral da Saúde da Diocese de Ji- Paraná, e pelo IPESP, e pela
ABHP.
O primeiro curso de formação para agentes de Pastoral da Saúde do qual participou
em Ji-Paraná, priorizava a saúde preventiva. Depois de algum tempo de trabalho comunitário
e estudos das plantas medicinais e outras formas de tratamento,
João foi convidado a participar do primeiro curso de Homeopatia Popular na região,
que aconteceu em abril de 1989, assim expressa João Carlos, sobre esse início:
[...] participei do curso com duração de seis dias, achei difícil, mas, fiquei
Foto 17 - João Carlos no 2º Congresso de
Homeopatia Popular
82
interessado, obtive um livro do (IPESP), o popular livrinho do gato [...] comecei a
preparar tinturas de todas as ervas existentes na minha região [...] depois de
prontas as tinturas, convidei um companheiro de trabalho da comunidade, então
começamos a testar o que aprendi com as famílias [...].(relatório de conclusão de
curso de extensão 2003/2005).
O início de seu trabalho foi inseguro, porém, cuidadoso, atento e respeitoso com a
vida das pessoas. Sabia de sua responsabilidade e de seus limites:
Logo no início apareceu uma pessoa de fora da comunidade querendo atendimento
com homeopatia. Eu, muito inseguro, tentei de todas as formas o favorecer a ela
o uso da homeopatia, mas ela insistiu, insistiu ao ponto de eu não ter argumento
para desestimular o uso da mesma. No fim tive que ouvir os sintomas [...]
pesquisar (e indicar a homeopatia) [...] dveio a preocupação porque a matéria
médica
43
de Beladona descreve agitação, congestão e delírio [...] As coisas
ocorreram tão bem que o resultado de Belladona tornou a publicidade do meu
trabalho de pesquisa e estudo da homeopatia popular. (idem).
A “publicidade” de que fala João Carlos é a propaganda boca-a-boca feita por aqueles
que são beneficiados e que passam a recomendar às pessoas que o procurem, também. Isto é
recorrente em diversos discursos feitos pelos educadores, agentes de saúde, como poderemos
ver abaixo na história de irmã Odete.
Dados os primeiros passos no atendimento, João viveu a experiência da procura e do
reconhecimento de seu trabalho. O que ele vivenciou, naquele momento, foi a mesma
experiência de muitos outros educadores populares, como se pode perceber nos depoimentos
feitos ao IPESP, por ocasião da pesquisa realizada por Marileuza Barbosa, em diversas
regiões do país
44
. Vejamos o relato que João faz de sua vivência nos primeiros anos de
trabalho com a saúde popular (1984-1995), no trabalho de conclusão do curso de extensão
2003/2005 da ABHP/PROVIVAS:
Logo no início apareceu uma pessoa de fora da comunidade querendo atendimento
com homeopatia. Eu, muito inseguro, tentei de todas as formas o favorecer a ela
o uso da homeopatia, mas ela insistiu, insistiu ao ponto de eu não ter argumento
para desestimular o uso da mesma. No fim tive que ouvir os sintomas [...]
pesquisar (e indicar a homeopatia) [...] dveio a preocupação porque a matéria
médica
43
de Beladona descreve agitação, congestão e delírio [...] As coisas
43
Matéria médica é a descrição detalhada de todos os sintomas que a substância experimentada em pessoas
sadias (mínimo de 20 pessoas) pode provocar. As pessoas em experimentação vão descrevendo sintomas físicos,
mentais, sensações, desejos, aversões, horários e situações que levam à melhora e/ou agravamento etc. Enfim
toda e qualquer alteração percebida no processo. O conjunto desses registros formará a descrição da matéria
médica homeopática disponível em livros, desde Hahneman.
44
Trata-se de uma pesquisa proposta pelo coletivo do IPESP e realizada por Marileuza Barbosa (na época
liberada pela instituição) por meio de visitas aos Estados onde realizou entrevistas (99 ao todo) que foram
gravadas em fitas K7 e em vídeos e posteriormente transcritas e impressas.
83
ocorreram tão bem que o resultado de Belladona tornou a publicidade do meu
trabalho de pesquisa e estudo da homeopatia popular. (idem).
A “publicidade” de que fala João Carlos é a propaganda boca-a-boca feita por aqueles
que são beneficiados e que passam a recomendar às pessoas que o procurem, também. Isto é
recorrente em diversos discursos feitos pelos educadores, agentes de saúde, como poderemos
ver abaixo na história de irmã Odete.
Dados os primeiros passos no atendimento, João viveu a experiência da procura e do
reconhecimento de seu trabalho. O que ele vivenciou, naquele momento, foi a mesma
experiência de muitos outros educadores populares, como se pode perceber nos depoimentos
feitos ao IPESP, por ocasião da pesquisa realizada por Marileuza Barbosa, em diversas
regiões do país
44
. Vejamos o relato que João faz de sua vivência nos primeiros anos de
trabalho com a saúde popular (1984-1995), no trabalho de conclusão do curso de extensão
2003/2005 da ABHP/PROVIVAS:
[...] Em pouco menos de 3 meses, minha casa encheu e de pessoas procurando
atendimento com homeopatia popular, chegavam pessoas de todos os lugares,
vinham a pé, de bicicleta, moto, de carro, a cavalo, de trator e caminhão. Isso foi
mais ou menos em 1990, eu e minha família sentia muita dificuldade até para fazer
as refeições, era tanta gente que não tínhamos como organizar nada, uns traziam
comida pronta, outras queriam que esquentasse, outros traziam alimentos crus para
preparar, outros não traziam nada e 4:00h horas da manhã começavam a
chegar pessoas para o atendimento e era possível parar pelas 9:00 horas da
noite [...].(relatório de conclusão de curso de extensão 2003/2005).
Assim como os demais educadores populares, João viveu o conflito do
reconhecimento de seu trabalho. Por um lado, foi bastante procurado, valorizado, por outro,
perdeu sua privacidade familiar e pessoal. Nesse impasse procurou como a maioria dos
educadores populares que atuam com a homeopatia popular, uma solução comunitária,
conforme pode ser percebido em relatórios, cartas e boletins da ABHP e IPESP. Não se
tratava de uma questão pessoal. A experiência de Pastoral e de comunidade falou mais alto
que a possibilidade de sentir-se “endeusado”, de sentir-se vaidoso com o reconhecimento e
valorização de seu trabalho individual. Isto aconteceu a João por sua doação pessoal e
absoluta, por sua capacidade de escuta e respeito pelas pessoas, na região. Reconhecimento
que ele coloca a serviço da comunidade e de cada pessoa que o procura para um tratamento ou
para uma orientação nos processos de agricultura familiar e agroecologia.
Por ocasião do Congresso de Homeopatia Popular (2007) ele dizia a mim: acho
84
exagerado esse reconhecimento”. João dizia ainda, que se achava uma pessoa comum, como
outra qualquer e o que ele desejava é que aquilo que querem dar a ele como privilégio,
devesse ser dado a todos como direito.
Vejamos como João Carlos resolveu a questão da procura de atendimento em sua
casa:
Isso mudou quando conheci Padre Giovanne Zanotto, que ao ter conhecimento
da situação convocou uma reunião com o CPC (Conselho de Pastoral da
Comunidade) e buscou uma forma de organizar na comunidade e na Paróquia os
atendimentos. então pôde modificar, distribuindo trabalhos, organizando cursos
e encontros para formar grupos a nível Paroquial e com este objetivo fui
encaminhando à coordenação diocesana para aprofundar conhecimento na
Homeopatia Popular, então me inscrevi no curso de aprofundamento no IPESP em
Cuiabá – MT. (Relatório de conclusão de curso de extensão 2003/2005).
João Carlos participou das quatro etapas de formação no IPESP (1991-1994) nunca
deixando de participar de outros momentos formativos como Seminários em Cuiabá e cursos
de formação, em sua região. Tornou-se um agente multiplicador exemplar. Formar agentes
multiplicadores era o objetivo do IPESP. João Carlos tornou-se referência tanto em sua região
quanto fora dela. Prestando assessoria à formação de novas lideranças locais e nacionais e até
fora do país, na Itália. Ele tem consciência da importância de seu trabalho, das mudanças que
provoca na sociedade e em sua própria vida. Procurou de maneira sistemática comunicar-se
com os demais educadores ligados ao IPESP e posteriormente a ABHP, da qual é cio-
fundador, por intermédio dos boletins informativos e nos momentos coletivos (cursos,
Assembléias, Seminários). Assim se expressa:
[...] fiz três etapas (do curso de formação) e comecei a fazer o repasse na
Paróquia, depois na Diocese e nas Paróquias vizinhas,
em julho de 1993 estive na Itália e em 1996 fui a Nova Venécia e São Mateus – ES,
isso aconteceu de externa (fora da comunidade). Na minha vida pessoal também
muita coisa mudou, mudou a forma de relacionar, de agir e minha visão em
relação às pessoas. Hoje percebo que aprendi muito com isso, guiando deparo com
pessoas com problemas e que me procuram, refletindo sem querer estas pessoas
nos ajudam a desenvolver, com isso me tornei extrovertido, democrático, aprendi a
planejar minha vida, meus trabalhos, meu lazer, tornei-me uma pessoa mais
responsável, ganhei uma estrutura mais sólida, me sentindo seguro em qualquer
desafio. (relatório de conclusão de curso de extensão 2003/2005 destaques do
próprio autor).
Atualmente, João Carlos é assessor popular na escola de formação da Pastoral da
Saúde da Diocese de Ji-Paraná-RO. Tem realizado uma experiência inovadora no campo da
homeopatia e agroecologia bem como da agricultura orgânica, num projeto diocesano de
85
agroecologia intitulado: “Terra sem males”. Nessa experiência trabalha em de sua pequena
propriedade (agricultura familiar), com o uso da biodinâmica, da homeopatia popular, do
rodízio de cultura, do reflorestamento das margens do rio (que passa em sua propriedade) e da
produção seletiva para uso familiar.
Vivida, acompanhada pelo projeto “Terra sem Males” e comprovada a experiência,
sua propriedade recebeu o título de "propriedade orgânica" e tem sido referência para toda a
região, inclusive disponibilizando-a para estágios de alunos do curso de agronomia da região
e de novos agricultores que querem implantar o sistema em suas propriedades.
Durante sua passagem pelo Congresso de Homeopatia, contou-me como foi que
despertou para esta necessidade de cuidar da natureza. Além de perceber que não adiantava só
cuidar quando estava doente e sim antes de ficar doente e que o meio onde se vivia era
muito importante, participou de um curso, no qual foi contada uma historinha “parábola” (?)
de um senhor, que sempre dizia a seus netos que no seu tempo havia muitas árvores grossas,
que juntando dois e três homens não conseguiam abraçá-las. Os netos ficam muito curiosos,
pois não conheciam nenhuma árvore assim. Então um deles disse ao avô: Vô, o senhor fala
dessas coisas, mas não tem nada para provar, nenhuma foto pelo menos! Foi que fiquei
pensando: Temos que cuidar da natureza para poder mostrar para nossos netos que é
possível ter árvores grandes e vida saudável.
Contou-me ainda sobre uma experiência muito interessante. Assim dizia:
Outro dia, atendi uma jovem que me procurou porque estava com muita depressão
e aí falaram para ela me procurar. Ela era estudante de agronomia. Chegou e
disse que não tinha mais esperança, que a vida não tinha mais sentido. Ela entrou
para o curso porque acreditava que poderia fazer alguma coisa, mas descobriu que
não adianta fazer nada que ninguém quer mudar nada e por isso abandonou o
curso e estava até achando que não valia a pena viver. Olhei para ela e disse:
“Nossa, você é tão jovem e tão bonita e desse jeito!” E ela falou: “E o senhor
acha que tem jeito?” E eu disse: “Sim, acho! Porque eu faço. E se eu faço, eu acho
que outras pessoas também vão fazer. Ela me olhou e disse: E o que é que o senhor
faz?” Convidei ela para visitar meu sítio e dei também uma homeopatia. Ela foi e
ficou encantada, e hoje retomou seus estudos, e não está mais em depressão.
(entrevista realizada durante o II Congresso de Homeopatia popular, 2007).
O episódio acima mostra a sutileza das intervenções feitas, em que uma troca de
percepções na escuta e na fala. Fato esse que situa a pessoa frente a ela própria num
confronto, que permite que, além da medicação, estabeleça um acompanhamento também de
dimensões psicológicas, que foram aprendidas pela prática cotidiana no atendimento. uma
responsabilização da própria pessoa na recuperação da sua saúde e da sua esperança.
86
Uma entrevista realizada por Marileuza com irmã Assunta
45
em Pelotas mostra
impressionante habilidade no trato humano, e na postura diferenciada daquela que seria
adotada, normalmente, por um médico convencional. O fato demonstra como no caso acima, a
perspicácia da escuta, a maturidade com que lida com seu reconhecimento, além da
competência na homeopatia e extraordinário conhecimento da fitoterapia. Nesse caso, o
médico é quem procura a irmã para tratar de uma asma, levado por sua mulher, mas
protestando que não acredita que a homeopatia e a irmã pudessem curá-lo. Vejamos:
Tinha um médico, eu acho que ele tinha asma desde os dez anos, e a esposa dele
tava se tratando comigo. Aí ela disse que ele queria (se tratar com ela). Eu disse:
Bom, que ele venha! Eu não dou remédio sem ver a pessoa [...] ele veio, a gente
conversou bastante. E ele disse que tinha essa asma desde os dez anos. Ele dormia
até a meia noite. Da meia noite em diante ele passava na janela. Não conseguia
mais dormir com a falta de ar que ele tinha. ele me disse: se a senhora me
curar, eu posso dizer pra meus colegas que a senhora trabalha bem. Eu disse: Eu
não. Eu não vou te curar. É Deus que vai te ajudar se você tiver fé. ele riu. E eu
disse: E a tua asma meu filho, o que aconteceu lá nos dez anos, ou antes, dos dez
anos que você acarretou essa asma? Aí ele olhou para a esposa. Eu disse: É, o que
levou você a ter crise de asma? Aí ele disse: – Foi quando meu pai morreu. Meu pai
morreu, eu era o mais velho dos oito irmãos, eu tive que assumir junto com minha
mãe, a família. Daí, que eu comecei com asma. Eu disse: E o teu pai morreu
justamente da meia noite para o dia, pelas duas horas. Ele disse: Justamente.
Aí, eu dei o tratamento e disse para ele: Olha põem uma pedra em cima. Passou.
passou. Agora tu não ta lá nos dez anos. Tu agora é um pai de família é tu que
vai melhorar.Vai tomar os remédios direitinho [...] Ele fez o tratamento e ficou
bom. (Relatório de pesquisa, 1999)
É assim que este educador popular, e também outros, como podemos ver na ilustração
do caso atendido por irAssunta, realiza seu trabalho. Servindo-se da homeopatia como
instrumento de transformação pessoal (dele mesmo), individual (de cada sujeito) e coletiva
(na sociedade), gerando uma nova cultura de relações do homem consigo mesmo, com o outro
e com o mundo.
2. 2. 2 O perfil de quatro sujeitos segundo sua própria visão
Quando apresentamos uma pessoa apresentamos aquilo que apreendemos e
entendemos sobre ela, uma identidade construída a partir de nossas percepções sobre a pessoa.
Nossa percepção sobre o outro, no entanto, está comprometida com nossas relações
45
Irmã Assunta foi uma das homenageadas no II Congresso com o Prêmio Benoit Mure criado nesse ano na
ABHP.
87
transferenciais. Por isso corremos o risco de não expressar quem realmente são elas, mesmo
que procuremos manter “metodologicamente” um distanciamento, ou como orienta Geertz
olhar a partir do olhar desses próprios sujeitos, o que eles são ou desejariam ser. Corremos
sempre o risco de ver "coisas" que os sujeitos não reconheçam em si mesmos. Para corrigir
um pouco desse desvio de interpretação, passo a palavra a alguns sujeitos para que possam,
ainda que representativamente, esboçar casos comuns e compartilhados que traçam um perfil
geral dos sujeitos desta pesquisa.
Deixar que os sujeitos tivessem voz direta nessa pesquisa não foi uma concessão
aleatória. Eles efetivamente participaram desse processo. Brandão (2003) discute que a
investigação científica é aparentemente um exercício solitário, que envolve a todos os que
com dialogam com o pesquisador. Neste sentido sempre do outro lado, porém não no
sentido tradicional de objeto, o “outroque interage e a quem, como pesquisador, devemos
reciprocamente servir. Os educadores populares de saúde que participam da ABHP são
sujeitos diretos desta pesquisa e por isso falam diretamente de suas experiências que também
se orientam pela mesma reciprocidade.
As exposições abaixo são extensivas, porém, foi a forma que essas educadoras
escolheram para apresentar seu pensamento, sua história pessoal de entrada e domínio nesse
trabalho com homeopatia, em seus relatórios de conclusão de curso. Decidi manter a forma de
expressão exata e por isso mesmo resolvi mantê-las como foram escritas, mesmo por que
também para mim são histórias significantes à medida que mostram a sensibilidade,
criatividade e sabedoria de mulheres comprometidas com a vida e com a transformação social.
Quero relembrar que as histórias foram construídas por esses sujeitos, no processo de
formação permanente, curso de extensão, foco desta pesquisa. Apresento a seguir os
depoimentos de: irmã Odete, Dulce, Neide e Adelaide.
88
d) Irmã Odete Spagnol
46
– Alvorada – RS
[...] Em 1988 fui enviada pela Congregação a Várzea Grande, MT, com a
finalidade de me integrar na Pastoral e nas CEBs [...] comecei conhecendo a
Paróquia Cristo Rei, as Comunidades da mesma, participar das missas, cultos,
terços, reuniões em famílias [...] iniciamos um grupo de oração, reflexão e partilha,
com encontros semanais à noite, onde eram trazidas para o grupo experiências
vividas durante a semana, bem como as dificuldades encontradas, famílias
visitadas, doentes, migrantes e necessitados de algum apoio. Esta experiência me
fez tomar consciência da realidade [...] entre esses moradores, encontramos uma
pobre viúva, tuberculosa, acamada, em condições sub-humanas, carecendo de tudo,
em especial do amor, da compaixão e ajuda de uma Irmã Missionária
Scalabriniana para os migrantes doentes e necessitados. À noite, levamos o caso
para o grupo, a fim de ver o que e como poderíamos fazer para ajudar esta pobre
doente.
(relatório de conclusão do curso de extensão 2006/2008 – em construção).
O caminho de quase todos os agentes começa com a compaixão, com o movimento de
ver a realidade, identificar em si próprio a condição do outro, assumindo mobilização
solidária que dê sentido à vida dos que jaziam na solidão.
Todo o grupo se prontificou em ajudar [...] A esposa de um Bioquímico, que faz
parte do grupo, conseguiu 3 potes de glóbulos homeopáticos e ensinou como tomar.
Também foi feito um xarope de coração de bananeira, multimistura [...] para nossa
alegria, aos poucos, a mulher foi melhorando. Com isso nos entusiasmamos e
começamos a fazer xaropes, multimistura e remédios para outras pessoas doentes.
A notícia foi se espalhando [...] um sacerdote que conhecia muito bem a
homeopatia e trabalhava em uma comunidade do interior de MT [...] conversando
sobre o nosso trabalho [...] ouviu tudo quietinho e no final nos disse: “Aprendam a
trabalhar com homeopatia, que é muito mais fácil, mais econômico, e o precisa
tanto trabalho em fazer xaropes e garrafadas”. Achamos muito boa a sugestão,
que ninguém do grupo conhecia algo sobre homeopatia. O sacerdote nos indicou o
IPESP, onde poderíamos fazer o curso de homeopatia. Para nós foi uma pequena
luz!... Semanas depois, recebemos a visita de um Homeopata prático que
trabalhava na CPT e se ofereceu para nos dar uma iniciação em homeopatia. Logo
marcamos data e local [...] Foi ótimo! Além da teoria, nos deu a prática [...] Um
46
Irmã Odette é gaúcha natural da região italiana, próxima a Alvorada (RS).
Foto 18 - Irmã Odete – de frente
estudo em grupo no curso de
extensão
.
89
tempo depois, recebemos um convite do IPESP para um dia de estudo sobre
homeopatia, na Igreja do Rosário, em Cuiabá, MT. Depois de vários encontros, fui
convidada pelo IPESP a participar do Curso de Homeopatia, que seria de 4 etapas
de uma semana, uma em cada ano. Durante este tempo, além da formação em
homeopatia, tivemos cursos de plantas medicinais, massagem, Do-in, alimentação,
como organizar e trabalhar com o povo em comunidades e outras [...] Fiz parte do
IPESP durante 8 anos. Foi um tempo de graças e bênçãos de Deus, de estudo e
aprendizado em todos os sentidos. Neste tempo, várias pessoas da Comunidade
Cristo Rei começaram a participar de estudos e cursos do IPESP. Fundamos a tão
sonhada Pastoral da Saúde, que até hoje está trabalhando e atendendo pessoas
doentes. Em 1996 fui transferida para Alvorada, RS, onde havia um começo de
trabalho com Bioenergética. Mas a Congregação queria iniciar uma Pastoral da
Saúde com terapias naturais, homeopatia, orientação alimentar e outras. Apesar
de conhecer bem a realidade
46
[...] Não foi fácil o começo do novo trabalho, como
também a separação do grupo de Mato Grosso, que, pelas distâncias e pelo
trabalho assumido aqui, o consegui mais acompanhar o trabalho daquele
Instituto, mas pude por em prática muito do que aprendi, realizando meu trabalho
de Saúde Popular. (relatório de conclusão do curso de extensão 2006/2008 em
construção).
Irmã Odete, fez todas as etapas do curso do IPESP e ABHP, e está matriculada no
curso de extensão em andamento, no qual faz um trabalho de pesquisa, que responde a
problemas de sua região, trabalho compartilhado com seu grupo em Alvorada RS. O tema
de seu trabalho é: homeopatia popular e migração: as contribuições da homeopatia aos
migrantes.
e) Lourdes Dulce Maria Perdoncini de Assis – Juina – MT
Foto 19 - Lurdes Dulce - em frente de blusa rosa
plenário curso de extensão.
Em agosto de 1990, minha querida amiga e vizinha Adélia Maria Bento, me
convidou a participar do encontro da Pastoral da Saúde em Juina [...]. A partir
deste encontro me senti ainda mais tocada e sensibilizada a continuar esta
missão da qual Deus me determinou [...]Passamos pelo processo de identificação
das plantas, TM (tintura Mãe); em seguida como preparar a tão famosa
90
Homeopatia [...] conhecer plantas, fazer tinturas em seguidas fazer algumas
homeopatias, foi uma grande conquista [...] um verdadeiro milagre para nossa
comunidade, pois através destes conhecimentos, muitas vidas foram salvas [...]
com a descoberta de garimpos (na região de Juina), a malária e muitas outras
doenças apareceram [...] a população entrou em pânico. O que fazer diante de tão
pouco recurso e tantas doenças? [...] com poucas experiências, mas muita força de
vontade começou nosso trabalho de evangelização, orientação e prevenção [...]
fomos ensinando a não deixar águas paradas, fossas abertas, lixos nos quintais, a
ter higiene com a casa e com seu corpo, a fazer hortas caseiras de verduras e de
ervas medicinais. Além de termos oficinas de treinamentos para a prática da
Homeopatia Popular e demais tratamentos [...] e assim foi seguindo, entre tantos
outros cursos, alguns novos ao longo destes 11 anos, que estamos em 2006. E
com esses todos damos continuidade, nos aperfeiçoando sempre e,
acompanhando os desenvolvimentos dos estudos em favor da SAÚDE DE NOSSO
POVO! [...] é gratificante conhecer, usar, indicar, ver resultados. Deus não coloca
este trabalho em nossa vida por um acaso, com certeza “Ele” quer algo, algo que
possa unir dar vida, dar esperança [...] hoje, com mais de 60 anos sou mais forte,
mais resistente. Entrei na menopausa sem problemas, se levo uma vida tranqüila
graças a Deus é ao milagre da homeopatia em minha vida. (relatório de conclusão
do curso de extensão 2006/2008 – em construção).
f) Maria Neide de Oliveira Ritter – Juina-MT
Neide é uma poetisa popular. Escolhe assim uma forma inédita e poética para falar de
sua história de vida na homeopatia e na Pastoral.
[...] Tudo começou há doze anos atrás. Minha filha caçula doente ficou
A Pastoral muito existia. E remédios homeopáticos alguém indicou. Quando
na Pastoral cheguei. Com minha pequena nos braços
Fomos muitas bem recebidas. Para o alívio de meu cansaço. Lá, Dona Tânia;
Minha filha repertorizou
47
47
47
Repertorizar é buscar a homeopatia sósia da pessoa que procuramos ajudar. A homeopatia procura sintonizar
com a pessoa, seu temperamento, necessidades, aversões e não se dirige em primeiro lugar à doença, mas ao
Foto 20 – Neidede branco
– grupo focal.
91
Depois de alguns estudos. Para ela o remédio encontrou De volta para minha casa.
Os remédios eu fui dando Dentro de poucos dias notei. Que Juliane estava sarando.
Com muito mais fé. Continuei o tratamento
“Homeopatia”, que Santo Remédio. Alopatia, quanto sofrimento. Por ser longe de
minha casa. Dona Tânia me orientou
Continue o tratamento em seu bairro. E da Pastoral da Saúde me aproximou.
E assim aconteceu. Pelas agentes eu fui procurar
No bairro, módulo cinco; Minha e de minhas filhas a saúde encontrar. Chegando
lá, que coisa boa; Duas agentes eu encontrei.
Eram as agentes Marta e Nilza. E dos problemas eu falei. Com carinho e atenção.
Calmamente me ouviram
Indicaram-nos uma homeopatia. Em no tratamento insistiram.
Dali em diante. O convite me foi feito
Que eu entrasse na Pastoral. E na saúde das pessoas desse jeito.
Primeiro de minha saúde eu fui tratando. De vez em quando na Pastoral eu ia
Com dificuldades minha vida eu fui levando. De repente vi que a vida, para mim,
sorria.
De mãe, esposa, dona de casa; Algo ainda faltava em mim.
Um chamado eu ouvia bem forte. Era Deus que me chamava assim. O tempo foi
passando. Novas idéias me foram surgindo
De local foram mudados os remédios. Nova vida na comunidade para mim foi se
abrindo.
Atuando já na comunidade Santo Agostinho. Com outra companheira a
Marta encontrei
Estava com uma nova agente, a Rosa; E com também me simpatizei. Novamente eu
fui convidada. De voluntária a trabalhar
Desta vez não resisti. De agente iniciante pus-me a ajudar.
Aceitei o chamado e, para a Pastoral, eu ia. Mas eu nunca ia sozinha
Minhas filhas Jaqueline e Juliane. Eram minhas companhias.
Elas eram bem pequenas. Mas comigo lá ficavam
Enquanto eu aprendia sobre Homeopatia. Elas brincavam, cansavam e choravam.
Muitos desafios e alguns desencantos. Em nossos caminhos fomos encontrando
Mas nunca medimos esforços. As pessoas nós fomos ajudando.
A Marta e a Rosa que sempre me incentivara. Eu as agradeço a elas faço minha
oração
Da comunidade Santo Agostinho onde comecei. Trabalhar na Paróquia
Sagrado Coração.
E até hoje, depois de oito anos lá estou; Ajudando no que posso ajudar;
Lá também encontrei muitos amigos. Que me incentivariam a lutar.
A todos estes agentes de saúde. Meu amor e gratidão
Não digo o nome de todos: são muitos; Estão todos em meu coração.
doente, à pessoa que está com uma enfermidade. Costuma-se dizer na medicina convencional, “Francisco está
doente, porque tem uma gripe...”. Na homeopatia inverteríamos: “Francisco tem uma gripe, porque está doente.
92
Que Deus abençoe a Hahnemman. Pela Homeopatia ter encontrado
Ter colocado em prática e em livros. Para muitos serem curados.
A Deus sou muito grata. Dou-lhes o meu louvor
Os desafios eu estou superando. Pois trabalho com muito amo
Também sou grata, a esta Associação; Que há muitos anos vem lutando;
Edna, Passos e tantos outros; A humanidade homeopatizando.
E assim dez anos de caminhada. Sei que ainda eu tenho muito que fazer
O trabalho Homeopático me chama.
Ao Nosso bom Deus, tenho que obedecer.
(relatório de conclusão do curso de extensão 2006/2008 em construção).
g)
Adelaide Bispo Tasso – Sorriso-MT
[...] Ainda muito criança, através de um tio conheci e tomei pela primeira vez
homeopatia, como era muito pequena não entendia o que estava acontecendo, era
muita gente que chegava a casa de meu tio, crianças, adultos e alguns até
carregados por familiares. Com 8 ou 9 anos de idade tive uma alergia e tomei
umas gotinhas que meu tio me deu, hoje descobri que estas gotas era Urtica
Urens, nunca mais tive alergias. Passado algum tempo quando eu era casada e
mãe de três filhos meu tio[... [resolve aparecer novamente [...] ele continuava com
seu maravilhoso trabalho tratando as pessoas que necessitavam de suas
abençoadas gotas permaneceu neste local por alguns anos e de repente decidiu
novamente ir embora, mas desta vez deixando comigo todos os frascos de
homeopatia que tinha do laboratório Almeida Prado e um livro com o titulo Livro
da Família, me deixou também algum conhecimento prático, para que eu pudesse
ajudar outras pessoas. Uma vizinha ficou muito doente com muita dor nas juntas
[...] Ela veio falar comigo para saber se eu sabia de algo que lhe acalmasse a dor.
Fui procurar no livro [...] encontrei a Beladona, e pedi que ela tomasse 10
glóbulos, sem acreditar muito continuou [...] até que se curou por completo (tratei
assim diversas outras pessoas). Então meu tio novamente volta. Ajudou-nos em
várias situações, inclusive meu filho e eu mesma não estava me sentindo bem, não
sabia explicar o que tinha e ele me deu Duartina e Consolarina, fiquei muito bem.
Passado mais uns dez meses [...] ele foi embora deixando mais de 200 homeopatias
e o seu livro e me disse que meu trabalho era com o povo e a homeopatia [...]
Continuei trabalhando com aquelas homeopatias a pedido dele, que foi por
pouco tempo, porque aconteceu um problema pessoal (não quero relatar no
momento) que me fez parar de trabalhar. Em 1980 vim para Mato Grosso com
minha família, fui morar numa agrovila onde tinha 70 famílias. Eu tinha que fazer
alguma coisa para não entrar em desespero [...] Aos domingos comecei a reunir o
povo e rezar o terço, e dar catequese para as crianças, formava grupos de oração,
novenas de natal e páscoa [...] passados alguns anos nos mudamos para a cidade
Terra Nova do Norte e aí trabalhava Irmã Ângela, trabalhei com ela na Pastoral da
Criança, por 10 anos [...] em 1993 conheci o bioenergético, fiz o primeiro curso,
sem entender muito comecei a atender algumas pessoas conhecidas e vi que tudo
foi dando certo [...] me dediquei inteiramente ao bioenergético e a atender o mais
necessitado, porque evangelizar também é cuidar dos doentes. Jesus mesmo disse
estive doente e me visitastes. Através do MOPS (movimento popular de saúde) foi
que fiquei sabendo sobre os cursos de homeopatia em Cuia[...] com ajuda [...]
consegui fazer as 4 etapas de curso de homeopatia em Cuiabá onde conheci [...]
pessoas maravilhosas[...] graças a Deus e todas estas pessoas que hoje posso fazer
o curso de extensão e pesquisa em homeopatia popular. (relatório de conclusão do
curso de extensão 2006/2008 – em construção).
93
2.2.3 Perfil dos sujeitos participantes do curso de extensão 2006/2008 na visão de
Neide – Juina-MT
Com o intuito de prestar uma homenagem aos colegas do curso de extensão
2006/2008, Neide, de Juina-MT, escreve a cada um destacando as características pessoais que
eles passaram no processo de convivência durante os módulos e nas partilhas de experiências.
Aproveito esta escrita aqui, com sua autorização, como forma de complementação do perfil
desses sujeitos da pesquisa. Assim, Neide compreendeu o perfil de cada colega:
JOSMARINA. Esse seu jeito tímida e recatada esconde em sua humildade um
grande saber. Mulher serena dedica-se às causas sociais. Incentivadora da
comunidade, conselheira e amiga. Como Nossa Senhora é defensora dos inocentes.
Esta é Josmarina.
JACINTA. Animadora, extrovertida, mulher disposta e inteligente, não tem
preguiça para ensinar, solidária compartilha seus dons e seus saberes com querer
aprender. Conta uma piada como ninguém. Lutadora não desanima nunca.
Continue assim, Jacinta.
ROBERTO. Único homem do grupo. Inconformado com a divisão da
economia de nosso país. Acredita que um soldado só, não vence a guerra. Ele
anuncia, denuncia e diz “unir-se é preciso”. É isso aí, Roberto, estamos contigo.
DULCE. Carrega em sua bagagem, um grande conhecimento. Mas tem muita
insegurança. Acha que não tem capacidade, mas tem muita história para contar, só
precisa de um empurrãozinho. Coragem, Dona Dulce.
MARINA. Mulher sonhadora tem muito conhecimento, mas gosta de ficar
escutando de lado. Devido a sofrimentos passados é um pouco desconfiada. É mãe
protetora e exigente, é a supermãe. Assim é Marina.
MARLENE. O que tem de pequenininha tem de inteligente, tem sede de saber,
defensora, lutadora, mulher preocupada, parece carregar o mundo em seus
ombros. Insistente em suas convicções. Vai em frente, Marlene, você vai conseguir.
Irmã ODETE. Que exemplo de vida! Não se cansa de aprender e a passar seus
conhecimentos. A vida não lhe deu muitas facilidades e sim muitos desafios, mas
enfrenta tudo com muita fé. Que Deus lhe dê muita saúde para cumprir sua missão.
Imã Odete Admiro você, tem muito a nos ensinar.
DIVA. O nome já diz tudo. É uma Diva. Mulher inteligente, tímida, sofre com essa
insegurança, acha a vida muito boa, mas tem receio de vivê-la plenamente. Não
tenha medo, viver faz bem e como é bom viver. Viva intensamente, Diva.
SANDRA. Baiana descontraída gosta de sua naturalidade, de axé. Seria diferente
se não gostasse. Vive intensamente a vida. Continue assim, Sandra. A vida só é bem
vivida se vivemos intensamente.
94
ADA. Grande guerreira, jeitinho tímido, mas de grande sabedoria. Trabalha,
estuda, tem muito que fazer. Ficou com a grande responsabilidade de secretariar o
trabalho no IPESP, às vezes fica estressada, mas com calma tudo se ajeita. Siga
em frente Ada, Deus está contigo.
EDNA. Mulher de fibra, inteligente e cautelosa. Sabe o que quer. Com seu marido
PASSOS forma uma dupla infalível. Juntos lutam pela educação e a liberdade do
nosso país. Deus abençoe esta união. E a cada sonho planejado juntos seja
realizado. Amo vocês.
FIDELCINA. Grande lutadora enfrentou tantos desafios em sua missão
evangelizadora, encarou o sol, a chuva, a privacidade, mas o maior deles a luta
pela vida. Estamos rezando por você Fidel. Você vai conseguir. Que Deus lhe a
saúde total de que estás precisando, querida.
HELENA. Mulher lutadora. Venceu muitas etapas em sua vida, sofreu muito, mas
encara a vida como algo especial usando seus dons com muita ternura. Admiro-te
Helena, continue assim. Nota: Durante o seguimento de nosso trabalho ficamos
sem esta grande companheira, pois deixou esta vida terrena para viver ao lado de
Nosso Senhor Jesus. Acreditamos que está muito bem, pois enquanto viveu esta
passagem terrena praticou o bem, amou intensamente, lutou por justiça. Com
certeza Deus lhe deu seu trono premiado dos Anjos merecido por sua boa conduta.
Descanse em paz, Helena.
.
Foto 21 – Foto do seminário
com presença de membros do
curso de extensão
Foto 22 – 1º Módulo do Curso de
Extensão – faltam alguns cursistas
95
Os demais sujeitos, também envolvidos na pesquisa, possuem histórias igualmente
singulares que marcam a opção por ações coletivas de solidariedade e compromisso social.
Histórias pessoais individuais que comungam com uma opção e proposta política
delineada pela ABHP.
Salvo algumas exceções, de educadores que estão diretamente filiados à associação
como único espaço organizativo social de participação, a maioria está filiada ou participa de
outros espaços/grupos e suas ações são de complementaridade, seja no campo da saúde
(outros saberes e práticas de saúde), seja nas articulações políticas mais amplas de garantia e
aumento de direitos.
As duas primeiras depoentes mostram uma entrada para a homeopatia e/ou para os
serviços ligados à educação e saúde, por meio de uma sensibilização com as condições de
vida da comunidade e da percepção que tiveram de que por esse caminho poderiam ser
instrumentos “de Deus” para contribuir na melhoria da saúde e da vida daquelas pessoas.
Percebem também que suas próprias vidas melhoraram a partir do momento em que passaram
a trabalhar e usar a homeopatia.
Valla (1998 a), apontava em seus escritos os benefícios que os grupos de auto-
ajuda, por seu caráter solidário e de relações interpessoais traziam para a garantia e melhoria
da qualidade de saúde das pessoas.
As outras duas parecem fazer um movimento inverso. Vêm para a homeopatia por
questões pessoais procuram tratamento para si ou para membros de sua família
experimentam os resultados, comparam a forma como foram tratadas, recebidas e orientadas
por educadores de saúde que as atenderam, em relação à forma como são tratadas nos serviços
públicos de saúde, e percebem que assim como aquelas pessoas, não médicas, puderam lhes
ajudar, também elas, poderão fazer algo pelo outro. Por isso aceitam o convite ou o chamado,
como algumas gostam de dizer, e vão se aproximando, estudando adquirindo conhecimento e
(re)conhecimento por parte do grupo e comunidade.
De forma geral, as ações educativas desenvolvidas pelo grupo comportam sempre um
jeito próprio do fazer, mas aponta simultaneamente uma característica coletiva, democrática e
de respeito ao outro. Embora exista, em regiões como a de Rondônia um coletivo que articula,
coordena e uma direção para o trabalho de educação em saúde, circunscrito em um projeto
social diocesano o projeto Pe. Ezequiel –, mais ampliado, ele de forma alguma formata ou
engessa a liberdade criativa dos grupos locais no encaminhamento de suas ações
96
comunitárias, estes, porém, devem guardar os princípios básicos como descritos
anteriormente.
Entre os pesquisados, a diversidade de ações (atendimento; produção e distribuição de
homeopatias; participação em conselhos de saúde, educação; participação em outras pastorais
e movimentos sociais populares; partidos etc.), mostra a amplitude do campo educacional no
qual se insere a prática de Educação Popular em Saúde desenvolvida pelo grupo. Amplitude
que talvez se explique pela dimensão universalizante e humanizadora que a saúde possui para
todos, especialmente diante da realidade dura e conflituosa que desde o início do projeto, o
grupo buscou, utopicamente, transpor por meio de projetos concretos.
Conhecendo o sonho e os passos dados, pelo grupo em estudo, na direção de sua
realização podemos então fazer uma parada para reflexão. Proponho nas páginas seguintes o
tempo: um tempo para refletir. Trago para iluminar essa reflexão sobre a prática do grupo,
alguns teóricos que buscando compreender e registrar os processos históricos vividos por
diversos grupos e pessoas, tematizaram e escreveram sobre: os movimentos sociais, a
Educação Popular, a produção de conhecimento e (re)conhecimento, a constituição de sujeitos
e de cidadania.
Foto 23. Sede da Associação Brasileira de Homeopatia
Popular (ABHP), Bairro Carumbé, Cuiabá-MT.
97
2º tempo: um tempo para refletir
Figura 2 – O Pensador.
98
CAPÍTULO III
EDUCAÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONSTITUIÇÃO
DOS MOVIMENTOS SOCIAS E LUGAR DA CONSTRUÇÃO
COLETIVA DE CONHECIMENTOS.
Estabelecemos, até aqui, um tempo para olhar, para ver, o que e como estas pessoas
(sujeitos desta pesquisa) partindo de suas realidades, construíram utópica e coletivamente: um
projeto de Educação Popular que tomando como referência a vida ousou propor uma
transformação social pessoal e global. Tomemos agora algumas teorias que possam nos ajudar
a compreender esses caminhos, realizando metodologicamente, à luz de algumas matrizes
teóricas, um “julgamento crítico” que permita a cada um dos envolvidos na pesquisa e
também ao leitor, apropriar-se daquilo que tenha como valor e evitar os equívocos e contra
valores que a experiência tenha gerado.
Interessa-nos o fazer, como o lugar rico dos sentidos construídos. Realizarei, a seguir,
uma exposição de fundamentos teóricos que possibilitem uma reflexão um julgar sobre
esse fazer de Educação Popular. Em cada etapa do processo de Educação Popular vivido por
esses sujeitos, participantes diretos e também os indiretos, na ABHP e em suas regiões, repõe-
se um novo começo, que embora sendo continuidade, não o é, linearmente, o mesmo uma vez
que incorpora novas realidades, aspectos, novas práticas e vai se redefinindo em conjunturas
diferenciadas. IPESP e ABHP partiram sempre de elementos novos, demandas urgentes, que
exige recolocar as mesmas questões sob nova perspectiva. É assim que se pretende que essas
teorias possam apontar saídas inovadoras que aproximem o sonho de uma nova realidade.
A abertura de um capítulo é sempre o ensaio do primeiro passo. Vamos tateando,
esperando um apoio ou porto seguro para não cair, simultaneamente nos aguça o desejo de
continuar e dar longos passos para chegar mais rápido ao destino. Ao longo da caminhada, no
entanto, vamos percebendo que se formos mais lentamente, poderemos trilhar caminhos mais
99
seguros e com menos tropeços. Assim, apesar de minhas ansiedades de poder chegar às
conclusões dessa pesquisa, desejo iniciar este capítulo fazendo uma retomada histórica, apesar
de sintética, dos caminhos percorridos para/na construção do projeto democrático, no
contexto da sociedade capitalista ocidental, particularmente latino-americana e
especificamente brasileira, sob a perspectiva das contribuições das lutas dos movimentos
sociais e da Educação Popular. Para tanto, apresentarei alguns aspectos do projeto da
modernidade com ênfase no movimento que demandou e fez surgir a organização social civil
e que culminará na construção do movimento social popular. Buscarei um diálogo com:
Melucci (2001), Scherer-Warren (1987), Doimo (1995) e Pereira (2002) sobre os movimentos
sociais; dialogando com educadores como Freire (1987) e Brandão (1986) para compreender
o papel da Educação Popular como elemento motivador e propulsor do movimento social; e,
finalmente, com Jung Mo-Sung (2000, 2002) e Fleuri (2002) procurando refletir acerca das
implicações desse processo para a constituição de sujeitos individuais e coletivos, bem como
para a produção coletiva do conhecimento interessado na Educação Popular.
3.1. O Movimento Social (MS), os Novos Movimentos Sociais (NMS)
Entre os séculos XVI e XVIII, com o advento da modernidade, iniciou-se a
construção de novos modelos de sociedade e de sujeito. Segundo Pereira (2002), o novo
modelo (o capitalista ocidental) tinha como principal objetivo a produção de mercadorias
visando o desenvolvimento e o progresso social. Nessa perspectiva a modernidade
corresponderia a um contexto sócio-histórico no qual se apresentam modelos de sociedade e
de homem com um traço comum: o da valorização da razão. Caracterizou-se
fundamentalmente pela reversão das bases sócio-econômicas e políticas vigentes até então,
incorrendo em uma ruptura dessas estruturas, na imposição de um novo padrão de
comportamento e de uma nova maneira de viver, tornando possível a convivência ou o
surgimento repentino de diversas concepções de relações humanas. Apesar da novidade e de a
necessidade de romper com os padrões anteriores, o novo não se instalou em oposição ao
velho. Consistia do surgimento de uma nova sociedade, talvez “mais avançada” e com novas
tecnologias e formas organizativas não antagônicas à sociedade existente. Esse novo modelo,
afirma Pereira (2002, p.22), cria o homem universal, a razão para desenvolver a ciência
objetiva, as leis universais visando à liberdade, ao progresso e à organização social.
100
Ainda, segundo o mesmo autor são fundamentais à modernidade, os conceitos de
universalidade, individualidade e autonomia. Conceitos operacionalizados pela sociedade
urbana industrial, da história como história universal e da centralidade do homem como
sujeito histórico e autoconsciente, capaz de dirigir os seus próprios destinos. A modernidade
significou uma nova concepção da realidade social e de atitude do homem frente à vida, às
possibilidades do conhecimento, das tecnologias em vista das recentes formas sociais.
As recentes atitudes impunham também novas formas de enfrentamento e
organização social. Um movimento de maior expressão nesse contexto é o dos operários
europeus, na busca de garantia de seus direitos como trabalhadores, frente aos patrões,
ocasião de expressão concreta da luta de classe. Consistia da busca da construção participada
no político e do político.
Scherer-Warren (1987) afirma que o movimento social como categoria surge por
volta de 1840 para definir as características desse movimento de caráter coletivo que se
iniciava entre os operários europeus.
Surge das práticas e da lutas (SCHERER-WARREN, 1999, p. 15), uma distinção
entre movimentos sociais como categoria empírica e o Movimento Social como categoria
teórica. É possível distingui-los da seguinte forma: os movimentos sociais se constituem em
respostas a um contexto histórico se manifestando em formas de denúncias, protestos,
cooperação, parcerias em busca de solução para problemas sociais, ações de solidariedade,
proposições e realizações de projetos alternativos que respondam às necessidades imediatas
ou que proponham mudanças etc. Portanto, segundo a mesma autora, eles podem agir sob as
formas de contestação, de solidariedade ou de proposição. Ações essas que podem ser
isoladas ou simultâneas. O Movimento Social se constitui na culminância dessas múltiplas
práticas, produto das articulações de sujeitos e associações civis. A categoria teórica dos
movimentos sociais é a tematização pela academia de pressupostos teóricos metodológicos,
concepções políticas de interpretação sob os significados das intervenções empreendidas.
Alberto Melucci (2001) traz para o debate novas contribuições. Para ele, movimento
social é uma categoria analítica e não uma categoria empírica passível de ser identificada na
realidade concreta. E, como uma categoria analítica, ele se caracteriza por três movimentos
básicos: pela mediação da ação coletiva ligada a organização social ou ao sistema político;
pela reivindicação manifestada no conflito e ruptura nos limites de uma sociedade organizada
em classes exigindo direitos, privilégios, justa distribuição de bens e serviços, participação
101
política; pelo antagonismo, movimento que coloca claro sua oposição ao regime estabelecido.
É a presença destas três dimensões apontadas por Melucci que define se uma ão coletiva é
ou não um movimento social.
Dessa maneira afirma Melucci (1999), os movimentos sociais não correspondem a
uma unidade de objetivos a eles atribuídos. Pautam-se pela construção coletiva de objetivos,
crenças, decisões, que se articulam criando um campo sistêmico, que é estabelecido por um
conjunto de conceitos que relacionam e articulam fenômenos distintos globalizadamente e/ou
holisticamente. Nessa perspectiva os movimentos se constituem de atores distintos. Ainda,
segundo Melucci (1999), o que buscam esses atores sociais, por intermédio das organizações
não são meramente bens materiais, mobilização popular para confronto com os sistemas
políticos ou para aumentar a participação no mesmo. Também se trata de uma luta por
projetos simbólicos e culturais. São agentes de modernização, criam novas formas de
comunicação, valores, práticas e uma ética pautada pela justiça, solidariedade e centralidade
na pessoa humana e que gradativamente vão sendo incorporados nas práticas sociais, nos
discursos e produções acadêmicas, enfim nas diversas esferas da vida social.
O modo com que Melucci (1999) entende os movimentos sociais parece muito
compatível com aquilo que vivenciamos em nossa atualidade e se constituirá para mim ponte
de partida para compreender as ações dos Educadores Populares da ABHP. Diante da
realidade latino-americana e, especialmente da realidade brasileira, na qual, a maioria da
população vive, em situação de extrema miséria e fome, os movimentos sociais foram
adquirindo características bastante distintas como movimento de luta pela transformação
sócio-político-estrutural da sociedade. Assumindo por um lado, cada vez mais ações
imediatas que viessem garantir a vida em primeiro plano e por outro, instituindo, na prática,
uma nova cultura de ética pela vida, que vai aos poucos estabelecendo bases para a
formulação de um novo contrato social.
Essa preocupação com as questões imediatas institui um movimento de solidariedade,
de ações diretas (DOIMO, 1995), de busca de parcerias com o próprio Estado, seja por meio
da composição de conselhos políticos, formados no âmbito do próprio Estado, seja nas
parcerias para projetos de soluções imediatas de problemas relacionados à educação, a saúde,
moradia, trabalho, entre outros. A parceria se constitui no fornecimento pelo Estado de
recursos financeiros e pelos grupos, os serviços de aplicação e benefícios, de forma coletiva
voluntária e/ou cooperativa, buscando caminhos para o alargamento dos campos de direitos
sociais.
102
Esse novo jeito de agir e de se posicionar frente à realidade impõe simultaneamente
novos recursos analíticos para compreensão desses movimentos sociais.
Doimo (1995, p.37) afirma que a categoria de movimentos sociais vem sofrendo
mudanças e readequação frente às realidades:
[...] desenvolvida no âmbito do marxismo para representar a organização racional
da classe trabalhadora [...] adquiriu [...] a capacidade de referir-se a uma
multiplicidade de novas formas de participação, igualmente pensadas em função da
alteração da lógica capitalista, que, agora, organizadas espontaneamente na
esfera da cultura enquanto ‘novos movimentos sociais’ [...] o que significa uma
“oscilação entre a determinação econômica e o papel ativo da cultura na
constituição de sujeitos históricos” [...].
Esses “novos movimentos sociais” (NMS) surgidos especialmente nos anos 70/80
constituíram-se em grandes movimentos de luta por cidadania e democracia, como por
exemplo, a luta pela anistia em 1979; a campanha pelas “Diretas Já” em 1983 entre outros.
Movimentos estes que continuam gerando e reafirmando uma cultura de participação, de
solidariedade e exercício de cidadania.
Ao lado desses movimentos sociais historicamente constituídos a partir das lutas de
classe e das lutas por mudanças estruturais da/na sociedade, foram surgindo organizações e
grupos populares comunitários de menor porte, muitos deles motivados e organizados pela
Igreja Católica por meio das pastorais sociais, das CEBs, da teologia da libertação etc.
Movimentos que garantiam e ainda garantem a sustentabilidade dessas grandes mobilizações,
despertando no cotidiano e mais localmente (na comunidade), uma consciência grupal, cidadã
e política pautada pela ética, pela justiça, pela solidariedade e compromisso dos cristãos com
o mundo.
Esse movimento comunitário próximo, solidário com as pessoas e com suas lutas
concretas pela sobrevivência, pela garantia da saúde, da moradia, do trabalho, gera um
envolvimento humano intersubjetivo, que ultrapassa os limites meramente políticos.
Reconstroem, cotidianamente, outros valores sociais que vão recair num aprendizado cada
vez maior e melhor da participação e conseqüentemente na construção de um projeto
democrático a partir da prática e da vivência social. Reconstroem porque na verdade,
recolocam no campo político vigente, valores da vida social cotidiana que se rege por um
“contrato social” que exprime conforme nos aponta Mauss (2003, p.187) “a sociabilidade
criada pela Dádiva”. É um princípio ético que normatiza a vida humana em tríplice dimensão,
o direito (e dever) de aceitar, receber e retribuir o dom. Na dávida segundo o mesmo autor
103
“não se trata de acordos entre indivíduos racionais, mas da organização social primitiva [...]”.
E nos afirma:
Os fenômenos sociais totais que a Dádiva encerra são jurídicos, de direito
privado e público, de moralidade organizada e difusa, estritamente
obrigatórios ou simplesmente aprovados ou reprovados, políticos e
domésticos ao mesmo tempo, interessando tanto ás classes sociais quanto
aos clãs e às famílias. São religiosos [...] econômicos [...] essas instituições
têm um aspecto estético importante: as danças [...] os cantos e os desfiles
[...] as representações dramáticas [...] os mais diversos objetos que se
fabricam [...]. Esses fenômenos são claramente morfológicos. Tudo neles se
passa durante assembléias, feiras, mercados [...]. Por outro lado, é preciso
alianças tribais, inter-tribais ou internacionais para que tudo aconteça.
(MAUSS, 2003, p. 308-9).
Portanto, se trata de valores que reportam a uma experiência de vivência primitiva,
que se recoloca sistematicamente na educação, passada de geração em geração e reafirmada,
inclusive, nos valores religiosos dos primeiros cristãos. Esse contrato social pautado por
valores não capitalistas, mas do “dever” em relação ao outro e que, apesar de invadir toda a
esfera cotidiana de mútuas negociações, e que pareceria livre, na verdade pressupõe a costura
da sociabilidade que garante o cuidado com a produção da vida e manutenção da
solidariedade para se poder viver.
Bordenave (1983) afirmava, na década de 80, que estávamos entrando na era da
participação e assim todos eram conclamados a participar de alguma maneira na vida social.
A participação afirma Bordenave (op.cit, p.74) “é inerente à natureza social do homem”. O
ser humano é o único ser que não sobrevive sem a participação do “outro”: desde a
fecundação em que exige a participação do homem e da mulher; da vida intra-uterina em que
depende da mãe; dos primeiros anos de vida em que depende do “outro” para alimentar-se,
para sobreviver. Isso mostra a natureza social - coletiva do ser humano que não pode por
muito tempo sobreviver sozinho. Parece, inclusive, que com o advento do capitalismo, na
modernidade, que buscou ressaltar a importância da “individualidade”, acabou por dar ênfase
no individualismo, como se o mais importante fosse a dimensão particular e não a coletiva.
No entanto, a vida se rebela mostrando que na “solidão” o sofrimento é insuportável. Não é
sem razão, que hoje os consultórios estão superlotados de tantas doenças psicossomáticas. Da
mesma forma não é sem razão, que a busca por tratamentos desses males se expressam em
formas coletivas, em tratamentos alternativos e em especial, as terapias de grupo, os grupos
de apoio social (VALLA, 1998a) entre outras, sempre voltadas para a participação e inserção
num coletivo.
104
Por isso, a participação acaba sempre se tornando atrativa e, até, envolvente”. Ou
seja, recolocando o sujeito no seio da convivência humana de tal forma que ele vai
descobrindo sempre novas formas de participação, que oportunizam o diálogo com o olhar do
outro, que o reconhece e permite a ele próprio se conhecer, de maneira que não deseje mais
voltar à solidão.
Aponta por isso mesmo Bordenave que a participação intencionada não é mecânica,
nata, e sim um aprendizado:
[...] a participação não é transmitida [...] é uma vivência coletiva e não individual,
de modo que somente se pode aprender na práxis grupal [...] participando. A
participação pode ser aprendida e aperfeiçoada pela prática e a reflexão [...] até
culminar na auto-gestão [...] a qualidade da participação se eleva quando as pessoas
aprendem a conhecer sua realidade, a refletir, a superar contradições reais ou
aparentes [...]. (op. Cit, p.74).
Participando e aprendendo a gerir problemas de forma coletiva e não individual, vão-
se estabelecendo elos entre os problemas locais e os nacionais, os internos da própria
comunidade/grupo e os externos de uma sociedade mais ampla. Entre os problemas imediatos
e de garantia de sobrevivência (trabalho, moradia, saúde, educação, alimentação etc.) e os
estruturais inerentes à sociedade capitalista em que vivemos.
Alain Touraine, segundo Doimo (1995, p. 42), traduz o movimento popular por
“aquele que capta as tendências centrais da cultura e coloca-se na luta face a face com a classe
dirigente”. Dessa maneira, o movimento social por meio das diversas formas organizativas, se
coloca como o grande interlocutor entre a sociedade civil organizada e as instituições
governamentais e o grande capital.
Raschke (apud FERNÁNDEZ BUEY, 1985, p. 77) entende que:
O movimento social é um agente coletivo mobilizador, que tem o objetivo de
provocar, impedir ou anular uma mudança social fundamental, trabalhando para
isso com certa continuidade, um alto nível de integração simbólica e um nível baixo
de especificação de tarefas, valendo-se de formas de ação e organização variável.
Sendo um agente coletivo, o movimento social não está isento das contradições
inerentes ao processo de transformações e rearranjos que a própria realidade social e grupal
lhe impõe. A realidade social, por sua dinâmica de permanentes transformações sejam
naturais (climáticas catastróficas), ou aquelas advindas das relações sócio-econômico-
culturais (fome desemprego racismo relações de poder etc.); as relações grupais então,
105
mesmo primando pelo reconhecimento das singularidades individuais e da busca de um
objetivo compartilhado, apresentam os conflitos imanentes a qualquer agrupamento humano
na conquista e/ou manutenção do “estado de poder”.
Fernández Buey (1985) afirma que essas transformações pelas quais os movimentos
populares passam não os desqualificam, e sim, expõem características que são próprias dos
novos movimentos sociais, que tendem a ser mais conjunturais e possuir maior mobilidade e
capacidade de rearranjos organizacionais, sem perder de vista o seu papel primordial que é a
luta pelos direitos sociais. Diante da ausência de soluções governamentais, realizam
programas concretos (ações não-governamentais) para garantir resultados imediatos em
situações de emergências e de carências em que a vida esteja em risco.
Se por um lado, atuam na realidade de forma imediata, por outro, vão garantindo que
as carências, até então tidas como problemas pessoais, tornem-se uma preocupação de todos,
não mais um problema individual, isolado. Vai se transformando, no dizer de Chauí (2005),
em uma questão de interesse comum, assim como também determinados privilégios podem
ser transformados em direitos de todos indistintamente, alargando igualmente o campo dos
direitos sociais. Como exemplos de privilégios transformados em direitos, podemos citar: o
acesso ao tratamento homeopático antes reservado a quem possuía melhores condições sócio-
financeiras para pagar uma consulta, que custa o dobro de uma consulta normal”, e que hoje
se encontra disponível nos serviços públicos de saúde; o acesso a uma educação de qualidade,
reservado a quem tem condições de comprá-la ou a trabalhadores, hoje direito de todos; ou
ainda a aposentadoria que até pouco tempo era privilégio de trabalhadores e pessoas que
efetivamente pagavam o imposto devido ao INSS
48
, ou a previdência privada e que hoje está
garantida a todos (aposentadoria por idade), etc.
Marilena Chauí, afirma que a manutenção de privilégios e carências contraria os
princípios democráticos:
[...] privilégios e carências determinam a desigualdade econômica, social e política,
contrariando o princípio democrático da igualdade, de sorte que a passagem das
carências dispersas em interesses comuns e destes aos direitos é a luta pela
igualdade. Avaliamos o alcance da cidadania popular quando tem força para
desfazer privilégios, seja porque os faz passar a interesses comuns, seja porque os
faz perder a legitimidade diante dos direitos e também quando tem força para fazer
carências passarem à condição de interesses comuns e, destes, a direitos universais.
(CHAUÍ, 2005 p.26).
48
Instituto Nacional de Seguridade Social
106
O que não se pode negar é que a ação dos movimentos sociais, mesmo as de caráter
mais imediato vai garantindo conquistas que perspectivam mudanças mais estruturais.
Um movimento social abre novos espaços cognitivos e sociais, cria novas tarefas
sociais e categorias profissionais, transforma as regras do jogo na sociedade onde
atua e desaparece num processo de institucionalização. (FERNANDEZ BUEY,
1985, p. 78).
O movimento popular caracteriza-se especialmente pela criação de um espaço para
que o debate e as propostas político-culturais ocorram num movimento integral de educação
política que tenha como centralidade a vida (VALLA, 1998b).
Nessa compreensão o IPESP e a ABHP, em sua dinâmica de formação de educadores
populares a partir da dimensão da Saúde, à medida que esses sujeitos se constituem em canais
de veiculação de interesses coletivos, participam como atores estratégicos e se constituem em
elos de uma rede de organizações populares que compõe o Movimento Social. A definição de
sua missão, como citado anteriormente no capítulo I, bem como, a definição dos objetivos de
seu boletim informativo “DINAMIZANDO” confirmam e dão fé ao papel que desejam
representar:
A partir da formação de um grupo interestadual de agentes e técnicos para estudos
de Homeopatia sentiu-se a necessidade de um instrumento que veiculasse as
notícias das novas descobertas; os avanços no campo da homeopatia e fosse
espaço de troca de experiências entre o grupo e do grupo com outros organismos
ou pessoas (técnicas ou não), que desenvolva trabalho e pesquisa no campo da
homeopatia [...] (Dinamizando nº1).
Os sócios educadores populares conforme relatórios do curso de extensão estudados
nessa pesquisa, por meio de suas atividades vão ampliando os elos dessa rede quando
destinam suas ações a uma diversidade de frentes, desde o atendimento às pessoas
individualmente, às comunidades, às populações mais sofridas, à comunidade indígena, até
aos grupos organizados nas lutas concretas que interessam aos setores populares. Suas
atividades se diversificam, mas de forma geral, segundo eles próprios, as mais comuns são:
a) atendimento com orientação de tratamento por meio da homeopatia e outras
práticas populares e alternativas, às pessoas e grupos;
b) reeducação alimentar, de higiene pessoal e do meio ambiente;
c) cursos de saúde alternativa (complementar) e homeopatia popular;
107
d) orientação geral para a comunidade sobre os problemas de saúde; formas de
tratamento; políticas públicas de saúde e luta pela manutenção dos direitos sociais adquiridos;
e) organização e acompanhamento de atividades populares que visam à saúde e
cidadania;
f) articulação entre educadores populares, comunidade local e comunidade indígena;
g) luta por melhores condições de saúde da população pobre;
h) produção e manutenção de hortas caseiras e/ou comunitárias, sem uso de
agrotóxicos e com aplicação de métodos naturais e homeopáticos que garantam a qualidade
do solo e das plantas;
i) tratamento e recuperação da saúde e animais domésticos por meio da homeopatia;
j) atendimentos de urgência em casos de desequilíbrios psicológicos, atendimento a
idosos, massagens e outras formas que utilizem recursos acessíveis.
É, pois, relatando e analisando esse processo de formação de sujeitos capazes de
serem agentes de transformação social em seu próprio meio (moradia, trabalho, comunidade
etc.), que busco trazer contribuições para uma reflexão da práxis de Educação Popular
empreendida pelos movimentos sociais. Entendo práxis como o diálogo entre os saberes e as
práticas dos agentes, e, portanto, a articulação entre as teorias e as ações empreendidas a partir
da orientação dessas teorias.
A ênfase na análise dos dados, mesmo quando apresentado o programa institucional
da ABHP, se daa partir das informações oferecidas pelos educadores populares em seus
depoimentos, cartas, relatórios e jeito de fazer educação e produzir conhecimentos, bem como
da compreensão que esses têm de seu próprio papel de educador e ator social e político.
3.1.1. Crises e retomadas: fases de um movimento que se recria historicamente
Uma sociedade que se ergue sob a égide do capital, não está isenta das contradições
inerentes a todas as formas de relações desumanizantes no capitalismo. Os movimentos
sociais como espaços de relações sociais, onde convivem interesses diversos, apesar da busca
permanente do estabelecimento de uma meta comum: a transformação da sociedade, como
citado anteriormente, vive ou revive essas contradições cotidianamente. Uma crise
108
permanente que colocam esses educadores em movimento: ora se destituindo de seus papéis,
ora se institucionalizando, ora se transformando ou se diluindo em outros movimentos
(FERNÁNDEZ BUEY, 1985).
O que presenciamos nos últimos anos (PEREIRA, 2002, p.67) é um refluxo dos
movimentos de Educação Popular comunitários, apesar de não se poder afirmar que os Novos
Movimentos Sociais e a Educação Popular tenham sido suprimidos, afinal os movimentos
populares sempre estiveram presentes, na forma de obstinação, no contexto brasileiro.
Alternam-se como poder que se expressa e como potência quando refluem aguardando o
momento de outra vez vir à tona (DUSSEL, 2007). E, de forma inventiva, criaram
mecanismos originais de oposição, de modo que Valla (1996) inclusive salienta que muitas
vezes a aparente concessão ou reações de resistência dos movimentos, sem necessariamente
aparecerem como forma de contestação, ainda assim, parecem resistir. “Uma parcela
organizada da população pobre nunca desistiu de lutar e de resistir” (idem). Essa mesma
constatação é feita por Michel de Certau, uma vez ou outra, a lógica se expressa publicamente
como se fosse uma reação isolada, permanecendo invisível como ação constante de
resistência separada.
Outro elemento importante que vem se destacando nas últimas décadas segundo o
mesmo autor, e que pode ter contribuído para este refluxo, é a ausência ou diminuição
significativa dos chamados “agentes externos
49
no meio popular, do qual eram assíduos
freqüentadores no período de 60/80. Penso que a ocupação do Estado no Brasil pelo Governo
de Lula, também inseriu na área do governo, setores da liderança dos Movimentos Sociais,
por vezes tirando a força da organização, quando ela ainda dependia das lideranças.
O que aconteceu neste processo?
Nuñez Hurtado (1992, p. 38) aponta para o desencontro entre o processo pedagógico
conscientizador e a ação organizativa ou reivindicativa, na qual a proposta teórica era mais
radical do que se podia sustentar na prática, dada a ausência da consciência de cidadania,
gerando muitas desilusões e descrença no próprio processo; desilusão que se aprofundava
pelo discurso radical da própria esquerda, sem viabilidade e apoio da sociedade civil
O processo de “conscientizarse fazia antes de realizar e/ou gerar qualquer ação
organizativa ou reivindicativa {...} sustentada por uma proposta teórica mais radical
do que podia gerar a prática, com grande dose de voluntarismo e emotividade [...]
49
Agentes externos são pessoas e/ou movimentos sociais que atuando na comunidade contribuem para gerar
processos educacionais e de formação de cidadania. Como afirma Maria da Glória Gohn são “os novos
educadores”, atores fundamentais na organização e desenvolvimento dos projetos (GONH, SEMIEDU/2000).
109
num contexto político de agitação, com uma sociedade civil praticamente
inexistente [...] gerando o “radicalismo” de esquerda [...].
Pereira (2002, p.68-69) aponta para a possibilidade de haver certo cansaço e
impaciência com o ritmo e o modo próprio do povo em coordenar os seus trabalhos, à medida
que as lideranças querem encurtar o espaço entre a proposta e sua realização, instintuindo-a a
curto prazo. “Uma lacuna lamentável”, afirma o autor. Afinal, foi da aliança e respeito mútuo,
entre os líderes populares e os assessores advindos da classe média e intelectual, agentes
externos aos grupos populares, que a cultura política dos movimentos comunitários e sociais
foi gestada, planificada e desenvolvida, por meio de ações e reivindicações do acesso
gradativo aos bens e serviços coletivos, do direito à saúde, escola, creche, moradia, terra.
Fleuri (2001, p. 16) em “Travessia” aponta que, nas décadas de 93/94, no GT
Educação Popular da Anped
50
, o debate girou em torno da crise dos mediadores das práticas
de Educação Popular e, especialmente em 94, “da dificuldade que os profissionais e
intelectuais
51
têm de compreender o que as classes populares estão querendo lhes dizer”.
Por intelectuais deve-se entender não somente essas camadas sociais
tradicionalmente chamadas de intelectuais, mas em geral toda a massa social que
exerce funções de organização em sentido amplo: seja no plano da produção, da
cultura ou da administração pública” (Gramsci, 2000, vol. 3, p. 201. Caderno de
Cárcere).
Victor Valla (in FLEURI, 2001, p.16) levanta a possibilidade de que:
[...] esta dificuldade está relacionada tanto com o preconceito de que as pessoas
‘humildes, pobres, moradoras da periferia’ sejam incapazes de produzir um
conhecimento válido e tomar iniciativas coerentes, quanto com a desconsideração
da diversidade de grupos sociais, constituída a partir de diferentes raízes culturais,
que são entendidas sob o conceito de classes subalternas.
Esta desqualificação segundo Fleuri (op.cit, p.17) impossibilita os intelectuais, e
operadores sociais, de entender esse conhecimento produzido e acumulado no meio popular,
gerando o que o próprio Fleuri chama de necessidade de alargar o campo da compreensão do
“compreender do outro”.
50
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
51
Aqueles que segundo a academia são os “que dominam um campo de conhecimento intelectual ou que têm
muita cultura geral; erudito, pensador” (Dicionário eletrônico Houaiss, 1.0.5ª).
110
A Educação Popular
52
, por sua própria dinâmica, conforme analisarei adiante
constituiu ao longo desses anos, mesmo contraditoriamente, no caminho privilegiado para se
construir e dar visibilidade ao conhecimento popular que nasce desse compreender
diferenciado. assim se poderá falar de um processo verdadeiramente democrático. Onde
todos os saberes e forma de compreender a vida possam ser expressos e respeitados. É
provável que não se construa uma democracia sem a participação coletiva dos setores
populares na sua criação, organização e consolidação. Uma democracia só será efetivamente
democrática se for expressão da grande maioria, hoje excluída.
3.2. O saber na Educação Popular
Sem medo do senso comum concordo com Brandão (1986) quando afirma que as
pessoas a quem geralmente nós denominamos povo e cujo conhecimento denominamos
senso comum, também elas investigam e constroem conhecimentos que contribuem para a
sustentabilidade da vida e da solidariedade. Também no senso comum se pergunta e busca
resposta. As pessoas comuns, quando falam da vida, quando pensam e constroem caminhos
para si e para a família, para sua comunidade, quando se questionam, individual e
coletivamente, sobre seu destino e criam alternativas de sobrevivência individual e coletiva,
produzem conhecimentos que geram humanização e tecnologias apropriadas à sobrevivência.
É no interior da vida coletiva, por sua dinâmica social empreendida no trabalho e na
troca dos frutos do trabalho, como forma de garantia de sobrevivência, de convivência e, pela
transcendência que este gesto possibilita que se pode garantir, afirma Brandão (1986, p. 18):
“que no interior de uma vida coletiva anterior à escola, mas plena de educação, os homens
entre si ensinam-e-aprendem”. Podemos assim partir da premissa de que é da própria vida,
que o saber surge e circula entre as pessoas e é onde se aprende e ensina dimensões
inseparáveis, segundo Paulo Freire, do conhecimento relevante. Quem aprende, ensina e
quem ensina aprende (
FREIRE, 1998)
.
Gramsci (1968) nos aponta que o “senso comum” não é uma simples apreensão
passiva de valores de uma determinada sociedade, mas sim, uma construção individual
realizada pelos indivíduos que compõem uma determinada sociedade de uma classe, com base
52
Mais adiante tratarei das distintas definições de Educação Popular.
111
nas idéias recebidas e conclusões formadas a partir do seu cotidiano e tecida nos fios da
cultura social.
Uma educação, portanto, produzida no meio popular e que antecede, perpassa e
ultrapassa a vida escolar, à medida que conduz e é conduzida pela vida, criando condições
para que a pessoa humana possa existir, ultrapassando a sua condição de ser, meramente
“organismo humano”, elemento da natureza, tornando-se pessoa: um ser da cultura.
Essa educação gera e é gerada pela criação da cultura, dos valores, das regras de
convivência, de criação de condições de sobrevivência individual e coletiva. Mesmo assim
podemos falar de uma educação familiar, comunitária, que mesmo imersa na cultura
permeada pelas relações de competição, de consumo e de individualismo, encontra formas de
transcendência na construção de contra valores ou de ações contra-hegemônicas, em que o
que vale é a criação da própria pessoa, é a construção de humanidades.
Brandão (1986, p. 18-19) nos diz que: “[...] uma relação de saber e de trocas de
conhecimento entre pessoas é condição da criação da própria pessoa [...] Os mais velhos
fazem e ensinam e os mais moços observam, repetem e aprendem [...]e da realidade, à
medida que se vai aprendendo com os mais velhos, essa aprendizagem é circunscrita em uma
nova realidade e por isso mesmo recriada sistematicamente.
Esse saber, no entanto, passa historicamente por processos simultâneos e sucessivos
de reconhecimentos e desqualificações por parte daqueles que se convencionou serem os
“intelectuais” e “cientistas” os únicos portadores de um “conhecimento técnico-científico” e
conseqüentemente com a “competência” de poder educar.
Nesse processo histórico, o saber do povo foi e é, não raramente, tido como pobre em
entendimento, feito de retalhos de saberes, sem uma racionalidade que o articule com coesão
ou conta de sua explicação. É um saber concebido, inapropriadamente, como um
conhecimento mítico da realidade. Para a academia, salvo exceções, o conhecimento que tem
valor é o acadêmico-científico, presente nas escolas, universidades e meios científicos, como
um acontecimento espontâneo, “natural” e sem intencionalidades.
É muito provável que o que ocorre seja a ignorância do intelectual sobre a lógica das
lutas e da incompreensão da fala popular. Eles vêem nos eventos públicos, rebeliões e revoltas
que acabam rápido, uma manifestação ingênua de manobra daqueles que detém o poder e a
hegemonia ideológica, e, não percebem que elas fazem parte de uma luta de resistência, nem
sempre explícita, mas eficaz, para entravar processos de dominação (DUSSEL, 2006). No
112
Brasil há, historicamente falando, uma política de alternâncias de partidos no poder. É
estratégia eficaz para não permitir uma completa hegemonia de um partido único. Tal
estratégia tem poder a longo prazo de não permitir que um pólo de poder, se estenda
perenemente. Essa resistência e capacidade de agir em momentos específicos demonstram a
capacidade de articulação de um conhecimento sobre a realidade, nem sempre explícito.
Brandão, novamente, coloca luz nessa discussão, quando afirma:
[...] um saber popular se dá, pois, em direção oposta àquela que muitos imaginam
ser a verdadeira. Não existiu primeiro um saber científico (...) sábio e erudito (...)
que, levado a escravos, servos, camponeses e pequenos artesãos, tornou-se,
empobrecido, um “saber do povo”. Houve primeiro um saber de todos que,
separado e interdito, tornou-se “sábio e erudito” [...] a diferença entre um e outro
não está tanto no grau de qualidade. Está no fato de que um “erudito” tornou-se
uma forma própria, centralizada e legítima de [...] formas de poder [...] enquanto o
outro “popular” restou difuso, não centralizado [...] no interior da vida subalterna da
sociedade. (BRANDÃO, 1986, p.25).
Há, sim, uma reserva de classe, que se estende a determinados saberes; na qual o
saber, simbolicamente, faz a demarcação de uma posição de privilégio de pessoas no poder.
Não é o saber que importa, é o poder que ele legitima. Essa dimensão é suficientemente
trabalhada por Marilena Chauí acerca do saber e da fala competente (CHAUÍ, 2003).
O saber popular, nesse contexto, contrasta com o conhecimento produzido no meio
acadêmico e científico, divulgado e imposto por uma estrutura, em regra, opressora, que cria
instituições educacionais, por meio das quais propaga sua ideologia, fazendo uma reserva do
conhecimento por elas produzido, como único e verdadeiro. Essa é mesma posição defendida
também por Vorraber Costa:
[...] os saberes populares [...] não se engradam nos critérios lógicos e de
racionalidades estabelecidos pelo pensamento racional ocidental de origem
européia e de tradição judaico-cristã. É, segundo essa lógica [...] que os saberes de
grupos, povos e culturas posicionados fora desse eixo foram sendo adjetivados
como “outros”, “alternativos”, “marginais”, “irracionais”, “exóticos”,
“excêntricos”, etc., etc. [...]. Não concordo por isso, que ela seja aquele lugar
privilegiado [...] capaz de distinguir o certo e o errado, a veracidade e a falsidade. A
ciência é um lugar de produção de verdades como qualquer outro e é parcial,
incompleto, sujeito a incertezas e incorreções. (COSTA, 2001 p. 46).
Sabemos ainda, que mesmo que se divulgue inapropriadamente, que o saber popular é
uma colcha de retalhos, sem uma racionalidade que o sustente. Isso não constitui uma
verdade, o que não existe é um saber esfacelado, mas sim um saber em outra lógica. Um saber
que se pauta pela não reserva de saber, pela lógica da vida (BRANDÃO, 1986). O saber é um
113
saber de totalidade e um saber de todos. A operação desmonte da modernidade é que reservou
parcelas do conhecimento de todos para si, proibiu-as aos setores populares, forjou uma
linguagem "técnica" de dominação, de maneira a criar com ela uma reserva de mercado e de
poder. Não foi qualquer modernidade, entretanto, que gerou esse desmantelamento, foi mais
precisamente quando o iluminismo que pretendia a universalidade, o republicanismo, a
felicidade como promessa para toda a humanidade, conforme expusemos no capítulo III a
partir de Melucci ficou restrita, por razões de mercado, na mão da burguesia e dos
controladores do capital. O sonho para todos tornou-se um sonho para alguns. O sonho para a
escola como afirmação da cidadania tornou-se uma escola para confirmar o poder de poucos.
O Direito de todos justifica o direito de poucos, em nome de todos. O saber que se pretendia
universal torna-se mercadoria restrita pela institucionalização e controle.
3. 2.1. Educação Popular – práxis ou categoria de análise
A expressão Educação Popularé usada pela primeira vez, de modo sistemático e
militante, na luta pela escola pública deflagrada por intelectuais e educadores latino-
americanos, entre fins do século XIX e começo do século XX; na luta pela escola pública e
gratuita em todos os níveis; na luta pela educação de adultos e no desenvolvimento de
diversas práticas educativas desenvolvidas pelas próprias classes populares.
Não cabe aqui desfiar o novelo da recente, mas extensa história da Educação Popular.
No entanto, para melhor compreender o significado e as diferenças do que se convencionou
chamar de Educação Popular, parece-me oportuno apresentar um breve percurso desse
processo, especialmente no Brasil. É importante, ao menos de maneira sumária, ter
consciência de que sempre existiram movimentos de afirmação do sentido da cultura e da vida
dos setores pobres, no país. E que, desde os movimentos e revoltas como Canudos, Palmares,
Contestado, se buscou a afirmação de um modo de vida livre e de expressão baseada em
formas de organização em contraste com a cultura voltada ao uso dos recursos e da força de
trabalho para a acumulação capitalista.
Paiva in (BRANDÃO, 1986, p.31) afirma que:
Ao iniciar o período republicano, a situação da instrução popular não era das mais
alentadoras [...] o Boletim Comemorativo da Exposição Nacional de 1908
anunciava um total de pouco mais de 11 mil escolas elementares com matrícula de
quase 600 mil alunos e freqüência inferior a 400 mil em todo o país.
114
Apesar dessa realidade, foi apenas a partir de 1920, afirma Brandão (1986, p.31 32)
que no Brasil inicia-se o que se poderia caracterizar como: uma primeira e ampla luta em
favor de uma Educação Popular; e, conseqüentemente traziam à tona o debate sobre a
democratização da educação e da sociedade. Esse período, compreendido entre os anos 20 e
40, foi muitas vezes chamado pelos educadores e estudiosos de período do “entusiasmo pela
educação”, um entusiasmo que na verdade não conseguiu, mesmo com muitos esforços
empreendidos, a concretização de um projeto de educação amplo e popular no Brasil. A
educação de adultos, muitas vezes, confundida com a Educação Popular, e por vezes
classificada como especial e compensatória, na verdade não cumpriu esse papel. Não por que
era difícil, mas por que nasce para ser assim mesmo “compensatória”, afirma Brandão:
[...] dedicada àqueles a quem o sistema tornou carentes e, portanto, candidatos a
uma educação corretiva [...] compensatória ela não forma, não prepara e, muito
menos, não transforma aqueles que, excluídos antes da escola, são excluídos,
através da educação de adultos, de serem um dia educados (BRANDÃO, 1986, p.
62– 63).
Brandão pondera que a educação de adultos, diferente dos demais programas
educacionais, não pode cumprir com seus propósitos de uma educação para cidadania plena,
por estar submetida a um sistema político estruturado para a manutenção das desigualdades.
Nesse sentido ela já nasce com o propósito, implícito, de oferecer alfabetização como
compensação, mas não necessariamente, educar o adulto excluído da escola na idade em que
deveria ter estudado. O próprio sistema não comportaria tal ação, por ser estruturado para que
uns (senhores do poder) recebam o máximo da educação, sem que isso seja revertido em
formas de trabalho; outros (os especialistas) saibam o bastante para trabalhar para os
primeiros (patrões) e, poderem ser liberados dos trabalhos braçais os intelectuais, os
profissionais liberais; e, uma grande maioria, entre eles, os adultos excluídos da escola
recebam o suficiente para que se tornem eficazes no trabalho, porém que não geram
expectativas maiores que as “necessárias” para sua condição de subalterno. Uma educação
feita para manter a hierarquia dos deveres e direitos. Nessa sociedade capitalista ocidental
de direitos, a constituição garante “igualdade”, porém, uns são “mais iguais que os outros”
conforme já alertava George Orwell (1945) em “A Revolução dos bichos”.
A Educação Popular emerge de maneira particular nas grandes campanhas do Teatro
Popular da UNE, do Cinema Novo, das Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião, da
115
alfabetização de Paulo Freire e na institucionalização de um projeto que nasce da Igreja, o
Movimento de Educação de Base (MEB). Movimentos esses, que se voltavam às maiorias
excluídas do acesso dos signos e dos significados da cultura dominante, com vistas a sua
participação na vida e nas decisões do país.
Foi, contudo, no bojo das mobilizações dos anos 60, que se popularizou o termo
“Educação Popular”, e isso aconteceu, à medida que ele se distinguia da educação
convencional, que tinha outros objetivos que eram a reprodução da cultura dominante e sua
manutenção. A Educação Popular passa a ser considerada pelos movimentos sociais, como a
educação capaz de garantir às classes populares, a autonomia e a capacidade de assegurar o
controle sobre seus movimentos e processos educacionais com perspectivas emancipatórias e
libertadoras, diferentemente daquela proposta pela educação de adultos, marcada pelo caráter
meramente “compensatório”.
Qualquer mudança sócio-política e, por que não, estrutural, passa pela capacidade que
a sociedade civil organizada e as instituições compreendem a realidade histórica e
conjuntural, como trama social com determinações concretas, para nela agir coletivamente,
garantindo suas características próprias e suas singularidades. Assim nos afirma Brandão:
[...] o que tornou historicamente possível a emergência da Educação Popular foi a
conjunção entre governos populistas, a produção acelerada de uma intelectualidade
estudantil, universitária, religiosa e partidariamente militante, e a conquista de
espaços de novas formas de organização das classes populares. (BRANDÃO, 1986,
p. 67).
Continua Brandão, referindo-se àquela conjuntura dos anos 80:
Estamos em presença de atividades de Educação Popular quando,
independentemente do nome que levem, se está vinculando a aquisição de um saber
(que pode ser muito particular ou específico) com um projeto social transformador.
(idem, p. 68).
É importante aqui ressaltar, que tomarei este conceito de Educação Popular elaborado
por Brandão, que a compreende mais no sentido de sua intencionalidade do que em que lugar
é produzido, se no meio popular ou nas academias, se específico ou particular. A
intencionalidade a ser tomada em consideração é a de construção de um projeto social
transformador, como citado acima por Brandão. Compreendo que existem diversas maneiras
de falar e entender os processos de Educação Popular, e que a mesma não está restrita a um
lócus específico de produção. No entanto, aqui nesta pesquisa e dissertação estarei me
116
referindo à Educação Popular construída e vivenciada em/por um grupo específico de meio
popular e assim buscarei em Nuñez Hurtado (1992), logo adiante, a complementação desse
conceito de Educação Popular, uma vez que as compreendendo como intencionalidade na
direção da transformação social, compreendo, ainda, a partir de um “lócus” específico: a
Associação Brasileira de Homeopatia Popular – ABHP.
É exatamente nesse lugar e nesse sentido, que busco nesta pesquisa, compreender as
ações desenvolvidas pelos educadores populares que participam da ABHP/IPESP e os
sentidos por eles atribuídos a esse fazer pedagógico.
Durante o III módulo do curso de extensão, foco desta pesquisa, os educadores
presentes assim se expressaram ao ser solicitado por Rosângela Carneiro Góes –assessora –,
que definissem, em grupo, o que era para eles “Educação Popular”. O plenário registrou os
resultados:
“Conhecimento que se aprende com a convivência e que é passado de geração em
geração”.
“Educação que não é escolar, é tudo o que fazemos de trabalho de grupo,
sindicato, Associação e que não é oficial [escolar]”;
“Tudo o que fazemos com o povo e para o povo”;
“Tudo o que se aprende e transmite a partir do saber do povo. A metodologia, o
conteúdo vem do povo e é enriquecido na troca”;
“A Educação Popular leva as pessoas a se organizar, a ter o seu próprio sustento,
sua autonomia”;
“Trabalho realizado em favor dos menos favorecidos”;
“Educação que leva à uma vida digna”.
Esses discursos sugerem uma consciência de um saber que vem do povo – das
relações interpessoais vividas cotidianamente, mas que também é complementada com outro
saber que vem da participação política nos sindicatos, associações e outros espaços. Um saber
que deve ser compartilhado, no sentido de troca de saberes. Que leva a uma nova vida e à
construção da autonomia. Apresentam, também, a marca da ideologia que circula como
dominante, com o povo e para o povo”, e registra certo distanciamento da condição do
agente, que pode não estar se identificando como parte do povo, mantendo uma diferença
preocupante. Um saber, que por deter um pouco mais de informações, já não se mistura com o
“povo”. Eles, educadores populares, já não se sentem mais povo, seus discursos são “sobre” o
povo a quem devem levar conhecimento, ajudar, prestar solidariedade. É possível que em
parte, essa diferença seja sempre real, mas é possível também que a linguagem da diferença
117
entre quem sabe e quem não sabe, e que circula na educação de modo geral, esteja
reproduzida na Educação Popular e em seus agentes, inclusive nos educadores da ABHP.
Como anunciei anteriormente, tomo emprestada a definição de Educação Popular de
Nuñez Hurtado (1992, p. 44 45) para reafirmar o conceito de Educação Popular a que me
referencio, e que de alguma maneira, aparece nos discursos dos Educadores Populares:
Educação Popular é o processo contínuo e sistemático que implica momentos de
reflexão e estudo sobre a prática do grupo ou da organização; é o confronto da
prática sistematizada com elementos de interpretação e informação que permitam
levar tal prática consciente e intencional a novos níveis da compreensão. É a teoria
a partir da prática e não a teoria “sobre” a prática. (o grifo é meu).
Destaca-se ainda, como característica primordial, segundo o mesmo autor, o
compromisso político de classe (não necessariamente partidário) e sua inserção no movimento
popular.
Talvez possamos dizer, que o que aqui chamamos de Educação Popular, se distingue
da Educação formal instituída socialmente como a educação escolar em sua metodologia e na
proposição política, que a educação em si é prática indispensável aos seres humanos, nos
afirma Paulo Freire. Não se trata de uma consciência que se segue a uma intervenção
posterior. na Pedagogia do Oprimido Paulo Freire distingue a consciência histórica, aquela
que se prolonga na luta, da história da consciência historiadora, aquela que faz a história pela
ação de conhecer, fazendo. Vejamos em Freire (2001) as características dessa educação para a
luta e na luta:
Como processo de conhecimento, formação política, manifestação ética, procura da
boniteza, capacitação científica e cnica, a educação é prática indispensável aos
seres humanos e deles específica na história como movimento, como luta. (p.10)
[...] não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta dizer
que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade
da educação. (FREIRE, 2001, p.25).
A emancipação almejada pela Educação Popular e a conquista de uma sociedade
igualitária passa predominantemente pela dimensão da transformação pessoal, social e
cultural, que conseqüentemente culminará na emancipação político–estrutural. Busca que
também é realizada por meio da participação político-partidária por outros militantes. Os
integrantes dos movimentos sociais procuram pautar suas lutas por formas organizativas
baseadas na democracia direta (participativa) ou representativo-participativa. É diferente de
muitas lutas por cidadania nas quais, freqüentemente, a representação é de cunho meramente
118
formal: democracia de representantes desconectados daqueles que deveria representar, sem
partir dos interesses deles, e sem dar retorno dos encaminhamentos que lhes dizem respeito.
Historicamente, a Educação Popular vislumbrou a construção da cidadania,
manifestada na autonomia e emancipação do povo. Essa também é a principal característica
da educação libertadora de Paulo Freire realizada pelos setores oprimidos.
Se anos 60/80, os objetivos de uma Educação Popular estavam centrados no contexto
geral, na política, na busca de mudanças estruturais da sociedade, nos anos 90, essa mesma
educação, sem perder de vista a necessidade de construção de uma nova sociedade, volta sua
atenção para os indivíduos, para sua cultura e representações (GOHN, 2002). Na verdade,
rompe com a única determinação da libertação vista como classe, sem perceber que outras
dimensões culturais contêm e reforçam o classismo sob o pretexto da cor, do sexo, da opção
sexual, da etnia e assim por diante. Esse novo olhar e agir leva os movimentos sociais a uma
reflexão e confronto entre o saber existente advindo de suas experiências pessoais e o
conhecimento recebido no diálogo com o educador seja ele educador popular ou educador
formal. Era o caso de tomar em consideração o saber do educando, colocando-o em contato
com o saber instituído academicamente, e a cultura hegemônica, sistematizada da
humanidade, confrontando-os de forma que ambos os conhecimentos (popular e acadêmico)
pudessem ser re-significados (atribuídos sentidos novos), construindo assim um novo saber,
um conhecimento novo, gerado num processo dialógico e, portanto, permeado também de
conflitos, confrontações, interesses antagônicos etc. Essa é também a discussão de Boaventura
Souza Santos acerca de um paradigma de complementaridade entre o conhecimento
acadêmico, científico e o “senso comum”, compreendido como uma lógica que rege o
cotidiano e que define as relações do dia a dia (SANTOS, 2000).
Apesar de a Educação Popular ganhar centralidade nas políticas públicas,
especialmente nas parcerias entre ONGs e entidades públicas/estatais, garantidas na “Lei do
Terceiro Setor” desde março de 1999 (GOHN, 2002), os movimentos sociais, nesse caso, e a
Educação Popular ocorrem no marco da sociedade civil e não no marco do Estado. Guardam
inclusive distância calculada em relação ao Estado e em simetria às relações que mantém com
os partidos (FLEURI, 2002, p.75 – 76).
Sabiamente, a Educação Popular vem buscando formas de se tornar reconhecida e
valorizada. Os movimentos sociais, organizações populares e processos educacionais
alternativos vêm gerando, sistematicamente, mecanismos de criação e recriação de saberes em
119
diversas áreas do conhecimento: educação saúde economia tecnologia. Outra frente que
ela tem pesquisado é a de uma interlocução com a academia. Interlocução essa, que tem
proporcionado tanto uma ressignificação do saber popular, quanto da própria academia.
Segundo Fleuri (2002), a ligação dos projetos acadêmicos com as organizações
populares contribui para a evolução de ambos, à medida que, garantindo autonomia e
organicidade, possibilita por um lado, acesso a um referencial concreto da prática social à
academia e por outro, acesso a um referencial científico às organizações populares
permitindo-lhes sistematizar sua práxis, tecendo assim nesse diálogo tensivo uma nova
Educação.
A Educação Popular radicaliza [...] a idéia da inserção, e a ela uma conotação
mais política: conscientizar, politizar [...] Os pobres radicalizam a cidadania [...]
Lutaram mais do que nós, na academia [...] A escola nem sempre é conduzida pelo
social [...] E diria para vocês que está na hora de termos um pouco de senso comum
[...] O que não dispensa consciência crítica [...] São chamadas ao debate todas as
práticas educativas, imersas nas lutas sociais, nas lutas dos educadores, nas lutas de
construção da identidade nacional [...] Ela, contudo, resultará do entretecimento
pessoal e coletivo de relações abertas, em que as diversidades e as singularidades de
cada um/a se expressem e se enriqueçam em movimento social organizado e
estejam referenciadas a valores reguladores construídos no diálogo de tudo com
todos, favorecendo uma vivência da complexidade e da tensividade criativa,
compreensiva e solidária
(ARROYO, 2002).
O grupo, por nós pesquisado neste trabalho, parece ser um exemplo deste modelo
expresso nesta última citação (ARROYO, 2002), quando em seu processo de formação busca
uma reapropriação de um saber ‘erudito’ produzido na academia, tornando-o acessível ao
meio popular. O grupo realiza esse trabalho adquirindo livros relacionados à medicina
homeopática para estudos e reconstrução dos saberes existentes no meio popular.
Transferem as leis de experimentação, da homeopatia técnica, para campo de pesquisa
popular, permitindo assim, a descoberta de novas homeopatias, ainda não experimentadas e
registradas nas literaturas acerca das matérias médicas homeopáticas. Ao produzirem essas
homeopatias não estão sob o controle de conhecimento estabelecido institucionalmente, que
possa talvez representar recurso menor em favor da saúde e da vida, do que o seu significado
como apropriação e forma de poder (empoderamento) dos setores populares. Conhecimento e
produção que contrapõe à hegemonia do saber e do mercado, muito mais voltado para
consolidação da indústria da doença e da materialização do poder sobre vidas humanas, do
que para promover saúde e vida. A Associação, em função da produção e do reconhecimento
desse saber, criou uma categoria de sócios intitulada “sócio prático” aquele que possui um
saber e uma prática da homeopatia popular anterior ao IPESP e à ABHP e que, não passou
120
pelo processo de formação oferecido pela Associação. É importante notar, que a inclusão
dessa categoria de sócio na ABHP, explicita a opção clara da instituição de reconhecer
qualquer outro saber popular, que não aquele exclusivo realizado dentro dos processos de
formação do IPESP e da ABHP. É o caso aqui, do reconhecimento do saber da tradição
popular, independentemente daquela que circula na ABHP. Quero sublinhar, que se trata de
acolher o valor do conhecimento do “outro” e, portanto, reconhecer como expressão de poder-
serviço, independentemente de onde esse conhecimento tenha sido adquirido, como
autodidata, como conhecimento recebido de pessoas da família ou de práticas populares, sem
o “carimbo” do saber produzido e circulante na ABHP. Em suma: se trata de um saber
repassado de geração em geração
53
e, por isso mesmo, legítimo. É bom lembrar o Texto Base:
há muito mais homeopatia além da ABHP.
Recorrendo novamente, a Brandão, quando ele se reporta a esse mecanismo de
reapropriação e construção e reconstrução de conhecimento no meio popular:
Há um processo contínuo de reapropriação popular de segmentos de um saber
erudito que a lógica do campesinato, por exemplo, redefine curandeiros do interior
de Goiás compram livros de medicina homeopática, lêem, aprendem, rearticulam o
conhecimento “médico” com o curandeiro e receitam, ao mesmo tempo, remédios e
“garrafadas” (BRANDÃO, 1986, p. 26).
Não se trata, é bom dizer, de uma reapropriação simplista, ingênua. É uma ação
política, que coloca ética e democraticamente, o saber a serviço da vida, e a vida, sim, como
centralidade. Uma reapropriação e ressignificação de conhecimentos que culmina na
produção individual e coletiva de um novo conhecimento, que não é o conhecimento popular
anteriormente existente, nem o conhecimento erudito anteriormente produzido pela academia
é o caso de um conhecimento novo.
O Brasil afirma Rosângela Carneiro Góes (2006):
[...] é referência na e para Educação Popular no mundo. Temos o maior educador
popular, que é Paulo Freire. Mesmo quando a Educação Popular é para todos nem
sempre atende a vida. A Educação Popular, da qual estamos falando é aquela que
é contextualizada e tem a ver com a produção da vida. Uma educação que seja
importante para um povo, como por exemplo, um grupo indígena, um povo da
cidade, do campo, portanto, uma educação que atenda a especificidade de cada
53
Conforme podemos perceber na história de vida de D. Adelaide (Capítulo II); em declarações feitas por
pessoas da comunidade de Água Fria e Pedra Preta – Mato Grosso acerca da veracidade dos trabalhos de saúde e
de homeopatia feito por Sr. Zeferino Dias (1º sócio prático admitido na ABHP em 1998) naquelas regiões.
Declarações que constam do processo de filiação do Sr. Zeferino a ABHP como Sócio prático (trata-se de
declarações exigidas para quem não passou pelo processo de formação do IESP/ABHP nem de outros grupos e
que, portanto, não possuem certificados de cursos) (Fichário de documentações dos sócios da ABHP).
121
grupo ou povo. Neste sentido ela é contextualizada. Parte daquilo que as pessoas já
sabem, valorizando as práticas educativas existentes no meio popular e vai
enriquecendo este saber com os estudos, com a convivência com a troca entre os
saberes [...] (relatório módulo III do curso de extensão 2006/2008).
No caso do IPESP/ABHP, trata-se de uma produção de conhecimento popular acerca
da homeopatia. No entanto, não se trata mais da homeopatia médica, nem da homeopatia
anteriormente exercida pelos práticos populares em diversas regiões do país, que tinham suas
“boticas homeopáticas” acompanhadas de um guia médico, e que cuidava da população que
não possuía assistência médica. A homeopatia praticada pelos educadores populares, apesar
de apropriar-se das técnicas e fundamentos teóricos da homeopatia oficial-médica, é outra
homeopatia, que desde o primeiro Documento Base é afirmada:
[...] A Homeopatia popular distingue-se da homeopatia oficial, pelas relações que
gera entre os agentes e o povo. Trata-se de um agente endógeno, isto é, que vem de
dentro do seu grupo (...) reveste a relação enfermo(a)-agente de saúde com um
significado inteiramente novo. Trata-se ainda de um sentido constituinte destas
mesmas relações, distintas das relações médico-paciente (...) o que garante a
continuidade e persistência deste atendimento é, em última análise, o fato de sua
atividade estar ligada a uma tradição de medicina familiar, tribal, ou de clãs (...)
diferente da cultura da modernidade em que a autoridade provém de fora e por
“investidura” (...). (Tx. B1, 1996, p.41; Tx. B2, 2007, p.40).
Ou ainda, como diz Góes, a partir do debate com os educadores populares (2006):
A homeopatia popular contribui muito com a Educação Popular pelo processo da
escuta, da percepção do outro, da relação humana diferenciada, processos que
ajudam na construção de novas relações, pautadas pela amorosidade [...]
Constitui-se em espaço onde se pode trabalhar, aprender, estudar, ensinar...
aprendemos trabalhando [...] Aqui a Educação Popular passa pela experiência
pessoal que é repassada, compartilhada no coletivo [...]. (relatório módulo III do
curso de extensão 2006/2008.
O trabalho com homeopatia popular, dizem os educadores:
[...] Constitui-se em espaço onde se pode trabalhar, aprender, estudar, ensinar,
aprendemos trabalhando [...] a homeopatia é instrumento metodológico de
construção de novos valores, espaço que proporciona a escolha a opção pelo
ser humano [...]. (relatório módulo III do curso de extensão 2006/2008).
Todo ser humano estabelece um sentido para seus atos que lhe significado e razão.
A Educação Popular, conforme Brandão (1994) “é o espaço onde as pessoas trocam
experiências, recebem informações, criticam ações e situações, aprendem e ensinam,
constroem saberes novos (...)”. O conhecimento e o (re)conhecimento produzidos e
122
disseminados nesse ambiente educacional parecem contribuir, segundo relatos e avaliações
feitas por educadores, no resgate e elevação da auto-estima, e na construção de sujeitos
eticamente capazes de construir relações de solidariedade viáveis para o surgimento de novas
humanidades. No Congresso de Homeopatia Popular em 1996, o Dr. Júlio Muller aponta o
que é, na percepção dele naquele momento, que diferencia a prática de educação em saúde do
IPESP de outras práticas e discursos vigentes:
[...] Acredito por tudo que vi, pela presença de vocês que esse evento é um evento
de muito sucesso, principalmente por que vocês aqui estão discutindo uma coisa
que eu particularmente reputo da maior importância, e que nem sempre está nas
discussões oficialistas de saúde; nem sempre está presente nas discussões que
fazemos do SUS ou das Instituições Oficiais; vocês aqui estão discutindo como é
que se recupera o sujeito, como é que os grupos sociais e como que os indivíduos
se tornem sujeitos e o objetos. [...] espero que vocês continuem nessa linha que
seguramente vocês vão contribuir para ampliar e aprofundar este debate tão
importante, não no Mato Grosso, mas no país, e eu acredito, até mesmo em
escala internacional. (DR. JÚLIO MÜLLER
54
- Discurso proferido no I Congresso
de Homeopatia Popular e transcrito no Boletim Dinamizando nº 17)
Também os educadores populares que participaram de cursos oferecidos pelo IPESP e
pela ABHP escrevem sobre o significado desse conhecimento e (re)conhecimento adquirido e
produzido coletivamente:
Quero falar simplesmente da importância da participação (no curso de extensão)
de quem trabalha com a homeopatia, que na sua essência é popular. Nasceu para o
povo e foi preservada, até nós, através do povo. O povo tem menos preconceitos em
relação à homeopatia, por isso favorece emocionalmente para que cumpra seu
papel imunizante, dispondo a energia vital em seu próprio beneficio (quem a
utiliza) [...] Foi isso que vim buscar aqui, esses dias todos e retorno convencida da
abrangência e da seriedade da Educação Popular que através da homeopatia
pode-se promover. O quanto seus princípios contribuem e favorecem para a
autocura consciencial “Conheça-te a ti mesmo” para conhecer o outro e seu
criador [...] Esses encontros da uma linguagem comum e fortalece nossos
conhecimentos. Ao mesmo tempo nos confiança e coragem para enfrentar as
dificuldades diárias, conhecendo as dificuldades (maiores) dos colegas. Os
“homeopatas” estabelecem laços sutis, mas firmes à base de “conta gotas” os
quais se tornam sólidos. Parabéns para os organizadores e para os colegas nos
quais descobri qualidades especiais em cada um. Agradeço a Deus por vocês, e
também eu, existirmos. (HELENA VICENSI, avaliação II Módulo do curso de
extensão – o grifo é meu).
[...] aprendemos muita coisa maravilhosa, outras relembramos. Foi ótimo ouvir o
Passos relembrar que o ser humano, é um ser que não se divide, e devemos tratá-
los como um todo corpo e alma e não apenas um órgão... por isso a necessidade
de olhá-lo por inteiro e compreendê-lo assim. Foi também muito bom as trocas de
experiências onde cada um tem um pouco a oferecer com sua sabedoria popular.
Devemos valorizar a pessoa doente e não a doença. Falar também sobre a teoria
dos miasmas. Também pessoas que o medem esforços para ajudar os outros.
Cada um tem uma dificuldade própria mas não desiste (porque são brasileiros e
brasileiro não desiste nunca). Aprender na pratica com a experiência e não na
54
Médico e secretário de Saúde do Estado de Mato Grosso no ano de 1995 a 2002.
123
teoria. Todos temos vontade de mudar para melhor. (LENILDA, avaliação II
Módulo do curso de extensão – o grifo é da educadora).
[...] Ao terminar mais uma das etapas de aprendizagem, tenho a sensação de que
início uma nova e longa etapa de caminhar, de pensar e de principalmente agir.
Em nossa mente fica armazenado um pouco de tudo o que foi dito e a vontade de ir
em frente, conseguir cumprir as metas colocadas e ainda mais: criar, fazer as
coisas acontecerem de forma correta. Esse encontro com pessoas de outros
lugares, costumes diferentes, nos faz ver claramente que temos que ter a
sensibilidade para ver o invisível e assim sermos solidários. Nossa mente (coração)
tem que ter a nobreza de Tereza de Calcutá. Somos grandemente insignificantes. O
amor, o respeito exigido entre os componentes desse módulo foi de uma grandeza
imensa, embora sempre existam conversas paralelas! (JACINTA, avaliação II
Módulo do curso de extensão - o grifo é da Educadora).
Compreender os sentidos que os sujeitos desse processo educacional popular vêm
construindo em diversos espaços de organização social poderá fornecer, a eles e a nós, como,
pesquisadores e educadores, novos elementos para uma intervenção intencionada que amplie
a ação educacional e a expressão política desses atores. E parafraseando Arroyo (2002),
contribuir para trazer esse jeito de fazer educação, essa pedagogia que resgata o sentido
mesmo de educação como Paidéia para dentro da academia. Em seu artigo para a revista de
educação, 2002 assim se reporta à Paidéia:
Todo ato educativo é um ato de interação entre humanos, isso é uma das coisas mais
radicais em Paulo Freire, é uma das matrizes mais presentes do pensamento
pedagógico, desde a Paidéia. (...) A Paidéia o ensina como o mestre vai educar seu
aluno. É a arte de constituir humanos dentro de uma cadeia de processos, dentro de
um projeto social, político, cultural, concreto: e isso é muito importante (ARROYO:
2002, p. 133).
A Paidéia se constitui segundo Platão em Jaeger (1995,147) na “essência de toda a
verdadeira educação ou Paidéia
55
é a que ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um
cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”. Quero
lembrar aqui o poder obediencial de Dussel (2007, p. 39 40) que diz que “desde os Chiapas
nos é ensinado que os que mandam devem mandar obedecendo [...] o poder obediencial seria,
55
Pais, paidos, termo grego, etimologicamente significa Criança ou Infância. Em três séculos do século VII
a.C. período de ouro da universalização nas cidades gregas em que a aretê (a virtude) que se obtém por
processos educacionais presente na Odisséia e em Ulisses, poemas referenciais para a identidade grega, evoluem
para uma compreensão densa que implica um sentido tão abrangente como a idéia contemporânea da vivência de
uma ‘cultura’, no período da sofistica e dos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles no século IV, tendo como
referência a Arete (virtude) política. Paidéia implica a vivência da ‘cultura’ grega que é a soma dos processos e
dos resultados que produzem a ação de construir a humanidade universal do homem como animal político
racional e virtuoso, via ação educativa, pedagógica. (PASSOS, 2005).
124
assim, o exercício delegado do poder de toda autoridade que cumpre com a pretensão política
de justiça”.
Ainda, segundo Passos (2005, p.33), a Paidéia:
[...] consistia em compreender que a humanidade estava incompleta e podia ser
trabalhada social e politicamente no sentido de sua manufatura. Assim a Paidéia
olhava o melhor do passado, as grandes utopias do futuro, e tentava construir as
humanidades de que precisava para o espaço e o tempo presente. Paidéia era a
ousadia de inventar humanidades a um tempo, singulares, particulares e
universais, vale dizer, políticas. Intento que permanece válido para toda e qualquer
educação humana (PASSOS, 2005: 33).
Esta dissertação de Mestrado, que soma a tantas outras dissertações que também
tratam da Educação Popular e dos Movimentos Sociais, possibilita que a própria pedagogia se
ressignifique em seus princípios básicos de educação voltada para a formação de seres
humanos capazes de constituírem a si mesmos, pessoal e coletivamente, e de intervir
transformando o mundo.
A procura de sentidos na Educação não é novidade. Nos anos 70 vários países da
América Latina procuravam realizar diferentes experiências educativas que levassem em
consideração a “linguagem total”. Uma educação que buscava integrar, afirma o autor, três
elementos fundamentais
56
para uma educação constituidora de sujeitos a singularidade,
criatividade e o conhecimento, segundo ele, uma educação, autopoiética (autopoiésis
57
), isto
é, uma educação tecida pelos próprios sujeitos. (GUTIÉRREZ, 2003).
Essa educação autopoiética não separa, portanto, o conhecimento da sabedoria.
56
Esse processo educativo, Gutiérrez classificou como idiogenomatesis que são formados de três elementos
fundamentais: idio refere-se ao próprio, pessoal, peculiar, privado, o particular de um ser. Genoma. Geno tem a
ver com gerar, originar-se, criar-se, realizar-se, manifestar-se, chegar a ser, quer dizer, toca o mais genuíno do
processo de auto-organização do ser humano. Tesis-matesis faz uma referência direta ao aprender, saber, estar
informado, conhecer, reconhecer, compreender [...] um-pessoal-ir-se-fazendo-se-no-conhecimento [...]
(GUTIERREZ, 2003, p. 37-38)
57
Autopoiése: poiése em grego significa produção, fazer, criação; de modo que, autopoiése afirma a educação
como construção dos sujeitos por eles próprios; autoprodução do seu ser.
125
3.3. Conhecimento e (re)conhecimento
O Reconhecimento é uma cerimônia de inclusão na
comunidade. Inclusão por experiências comuns, por
ideais, atitudes e procedimentos partilhados
Silo
58
Na verdade, ninguém como ser humano pode se furtar de agir no mundo. Somos seres
humanos e, como tais, nos distinguimos dos demais seres da natureza. O ser humano,
ontologicamente, fazendo parte da natureza jamais conseguiu adaptar passivamente a ela e às
suas determinações. Desde os primórdios, procurou interferir na natureza para criar condições
de sobrevivência, modificá-la de forma a torná-la acessível e adaptada às necessidades de seu
“ser”. De forma que não se conformando com o determinismo da natureza, procurava
dominá-la e dela tirar proveito para sua satisfação: ora, por necessidade de sobrevivência, ora,
pela necessidade de se impor frente a outro ser humano. Ato que constituía em tornarem-se
diferentes dos demais seres da natureza, e, simultaneamente, diferentes entre si mesmos.
Demonstrava, assim, sua força e seu poder. Pelas mesmas necessidades, descobriu a
importância de não poder ser só, e de se organizar em grupos
59
, de criar instrumentos
60
que os
auxiliassem no enfrentamento e modificação do meio e de adaptação ou transformação de si
mesmos. Historicamente, portanto, distanciou-se da determinação da natureza e se constituiu
como ser humano diverso dos demais seres vivos, distintos, também, entre si: criou
subjetividades e idiossincrasias próprias de cada pessoa e pelo processo de agrupamentos
(clãs tribos) de idiossincrasias coletivas, o que se convencionou chamar de culturas
diferenciadas. Culturas que, historicamente, se contrapõem, se complementam e se enfrentam
em uma luta permanente pelo reconhecimento de seus valores, seja internamente no próprio
grupo, seja dos demais grupos.
O reconhecimento é algo ontológico. Faz parte essencial de nossa humanidade.
Precisamos dos outros para nos constituir como “ser”; temos consciência de nossa própria
existência quando espelhados nos outros. Mas não nenhuma separação estanque de nosso
ser humano particular de todos os outros no que diz respeito à universalidade e a nossa
58
http://mensagemdesilo.no.sapo.pt/exp_8.htm – visitado em setembro 2006.
59
Osório (2003, p. 7) citando Foulkes afirma muito antes de ter aprendido a fazer o fogo ou a construir um
abrigo, o homem percebeu as qualidades especiais que podiam ser obtidas da reunião com seus semelhantes”.
60
Criação dos instrumentos e as modificações que eles impunham ao próprio homem (BERGER, SAVIANI);
126
participação na cultura. Todos os outros, inclusive humanos e não humanos, me criam e me
recriam. Ontogeneticamente em nosso corpo biológico e psicológico “revivemos” em breve
espaço de tempo, desde a fecundação do óvulo até o nascimento, a história do filo humano, do
gênero humano. Vivência essa que se repõe no desenvolvimento biofisiológico, sede de nossa
personalidade e que, portanto, guarda características próprias que adquirimos nas experiências
vividas. Somos seres históricos e sociais. Nos fazemos na relação com os outros. Alves
(1999), assim escrevia na revista de educação do município de Jaciara-MT:
[...] o que aparece, muitas vezes, como absolutamente individual: os pensamentos,
as emoções, os afetos, as fantasias, a vontade, os desejos, a memória etc. tem no
fundo uma base social e cultural [...] (p.14)
Parafraseando Vigotsky (1994) diríamos que o desenvolvimento de cada ser humano
se constrói na relação que esse tem com seu meio, das percepções construídas a partir da
vivência concreta, dos sentidos biopsicossociais atribuídos por esse mesmo indivíduo por
meio da atividade humana. Não se separa os níveis de desenvolvimento do ser humano em
nenhuma de suas esferas seja biológica, psicológica ou social. Mesmo que em diversos
momentos, se buscou definir as fases do desenvolvimento humano, em nenhuma ocasião
pode-se afirmar que ao conquistar uma nova fase do desenvolvimento, a outra (anterior) tenha
sido anulada. Ao desenvolver as funções psicológicas superiores (VIGOTSKY, 1994), ou os
estágios de desenvolvimento (Piaget) essas não anulam as anteriores, mas as integram em
uma simultânea ida e volta de funções, percepções e reações que se repõem a cada nova
experiência vivida concretamente nas relações sociais e significada individualmente. Vigotsky
assim se reporta em uma de suas teses
:
[...] desde os primeiros dias de desenvolvimento, as atividades de uma criança
adquirem um significado próprio em um sistema de comportamento social e,
estando dirigida para um objeto definido, são refratadas pelo prisma do ambiente em
que vive. O caminho entre o objeto e a criança e entre a criança e o objeto passa por
outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é produto de um processo de
desenvolvimento profundamente enraizado nos elos entre a história individual e a
história social [...] (VIGOTSKY, 1994, p.30).
Parece-me que toda a onto-filogênese vivida desde o surgimento da vida por sobre o
planeta, da evolução das espécies até o surgimento do humano, é revivida por cada um de nós,
nessas relações e interações com o mundo. Da mesma forma, o que é vivido na Educação
Popular no cotidiano, na medida em que possibilita uma nova significação e/ou reconstrução
identitária, repõe sistematicamente essa revivência” que não se fecha na produção do ser
127
humano, que é incompleto. Somos como filo, incompletos. Refazemos em nós a cada
momento essas dimensões do parto de nossa própria humanidade como coletivo. Somos, nos
afirma Freud, seres da falta e, por isso mesmo, do desejo de completude, o que nos move
sempre na busca de novas experiências e, de reconhecimento do outro.
A necessidade de reconhecimento, desse ponto de vista, é consubstancial ao próprio
ser humano. Sem o reconhecimento, aliás, o ser humano sequer consegue sobreviver. Ao
nascer, sobrevivemos, apenas com a ajuda do outro. Não reconhecemos a nós próprios sem a
humanidade partilhada pelos outros. Não nos reconhecemos nem como objeto, nem como
sujeitos. É na relação, especialmente a relação com a mãe e com os mais próximos a
família, que mediatizam a cultura humana geral e particular, que nos constituímos como seres,
como indivíduos e como sujeitos.
A criança inicialmente se e vê o mundo num contínuo. Com o tempo, nas relações
que vão se estabelecendo, o mundo que se restringe a ela e à mãe como continuidade de si
mesma, vai se ampliando e, então, vai aprendendo a reconhecer o seu corpo como separado da
mãe e do mundo. A mãe, o pai, enfim os outros mais próximos, mais significativos, fazem a
ponte, entre todos os outros, da cultura com aquele novo indivíduo, que internaliza de maneira
própria e singular a cultura que lhe é oferecida. Ou seja, a criança aprende a estabelecer limite
entre o seu corpo e o ambiente, sempre de maneira conflitiva, e vai aprendendo na fala do
outro que a nomeia a chama pelo nome quem ela é e quem ela deve ser. Assim somos
constituídos e nos constituímos na relação com o outro que diz quem somos e na aceitação ou
negação que fazemos desse dizer (discurso do outro).
Portanto, necessitamos como seres humanos, do reconhecimento que vem do outro,
isto é fundamental para nossa existência como sujeitos e para a formação de nossa
humanidade. Queiroz (2007) afirma que o não reconhecimento ou o reconhecimento
indevido, nos coloca em uma condição de opressão cruel, uma vez que, poderá marcar a
pessoa com sentimentos irreversíveis de incapacidade e de ódio contra ela mesma, e
poderíamos acrescentar, contra o mundo. Uma pessoa que não passou pela experiência do
reconhecimento, seja em seus direitos, seja em seu saber, seja como ser humano, enfim, como
alteridade que é dificilmente terá condições de reconhecer o “outro” como outreidade.
Se ontológicamente o reconhecimento se re-põe, fazendo elo do ser humano como ser
pessoal e como expressão de cultura universal, é por que esse mesmo ser “humano” cria
condições para que tal movimento aconteça. Não conseguindo viver ou sobreviver sozinho, o
128
ser humano vai se constituindo num ser de relações, aceitando e rejeitando parte do que lhe é
oferecido, e, dialeticamente, delas se tornando parcialmente dependente/independente. Cria
uma “cultura”, uma rede de relações humanas e sociais, uma rede de significados da qual
precisará para viver (Geertz). A pessoa não sobrevive a não ser em relação com os seus
semelhantes. Foi esse processo que permitiu então, nessa mesma cultura, compreender
homens e mulheres como seres eminentemente sociais, não podendo dissociar indivíduo e
sociedade, mas também não confundindo o sujeito individual com mera reprodução da cultura
dominante.
É nas relações sociais, desde a família até a sociedade mais ampla, que o ser humano
se constitui humano. Isso implica dizer, que não adianta a família ou a sociedade, em geral,
fazer um discurso de reconhecimento do outro ser humano, se não oferecer condições
materiais, objetivas que sustentem esse discurso. O pão e a palavra, sempre se constituíram
em elementos essenciais para a vida humana. A palavra o discurso necessita de
concretização: “e o Verbo se fez Carne” (Jó 1.14). Ou, ainda, como dizia Jesus: “Nem de
pão vive o homem, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus” (Mt 4.4).
O reconhecimento vindo do outro, do grupo ao qual pertencemos é a contrapartida
que confirma o conhecimento e o valor positivo que, normalmente, atribuímos a nós mesmos,
caso sejam representados materialmente nas condições de vida. (vide acima). O
reconhecimento é, então, a ação mais importante de domínio, de valor, de crer nas
possibilidades, de convergir no bom conceito que construímos de nós mesmos (auto-estima) e
que se media nas possibilidades de acesso ou não, às coisas que precisamos para viver
(trabalho). É com base nessa percepção, sentida cotidianamente, e expressa nos depoimentos,
que os educadores populares participantes desta pesquisa, atribuem a firmeza de sua ação, de
sua intervenção, suas gestões na educação em saúde. É o fato de as pessoas do grupo e da
comunidade, dos quais fazem parte, partilharem da mesma crença, e, conferirem a eles a
credibilidade e a “autorização” que sustentam a continuidade do fazer. Fazer, que lhes garante
a sobrevivência, saúde, trabalho, solidariedade, alegria, festa e principalmente, o pão,
adquirido com o suor do rosto.
[...] O que garante a continuidade e persistência deste atendimento é, em última
análise, o fato de sua atividade estar ligada a uma tradição de medicina familiar,
tribal, ou de clãs, que se fundamenta em diferentes laços de confiança e de
reciprocidade que variam de grupo para grupo. Diferente da cultura da
modernidade em que a autoridade provém de fora e por "investidura" [...] a
cultura da sociedade brasileira confere o poder aos seus raizeiros, agentes
populares de saúde, a partir de qualidades internas aos próprios indivíduos em um
complexo jogo de critérios de reconhecimento de domínio apenas do próprio
129
grupo. É somente a partir destas relações que o agente de saúde da homeopatia
popular se referencia e encontra o lugar que lhe é próprio. (Tx.B2, 2007 p. 39).
Ainda, que um indivíduo se inclua em uma ação grupal, ele demandará da parte dos
‘outros’, o reconhecimento de seu direito nessa participação.
Poletto (1989 p.21) afirma que re-conhecimento é uma categoria que nos remete,
simultaneamente, a um tríplice movimento: a) “reconhecimento de si”; b) “dos outros
indivíduos”; c) “das condições que impedem, mas também das que permitem construir
possibilidades novas de humanização”. Isso permite aferir que o reconhecimento aceita e
estabelece uma articulação ampliada de novas relações e criação de valores sociais. Mas,
também sublinha, que tal reconhecimento é político por excelência.
a) O reconhecimento de si, aqui é tratado como um Conhecer-se, apropriando-se do
conhecimento já existente sobre si, ampliando-o e ressignificando-o no diálogo e interlocução
com o outro.
b) Reconhecer o “outro” é dialeticamente reconhecê-lo como alteridade e, ser
reconhecido como tal.
c) permitir que no encontro eu outro surja na/da relação, um conhecimento novo
capaz de gerar impactos significativos, duradouros ou não, para cada um e para a
coletividade, possibilitando o surgimento de novas humanidades.
Por isso, falar de reconhecimento remete imediatamente à reflexão sobre a condição
do conhecimento existente, dado que a busca de reconhecimento se exatamente na falta
dele, ou seja, no momento em que se demanda reconhecimento face à situação de não-
reconhecimento. Ou seja, no exato momento em que, segundo Sung (2002), a pessoa toma
consciência de sua não-pertença à humanidade, do vácuo de sua ausência e, rejeitando essa
condição, busca o reconhecimento como direito inalienável, tornando-se assim sujeito.
Quero reafirmar que conhecimento e reconhecimento, categorias com as quais estou
trabalhando, são dimensões inter-relacionadas, inseparáveis, dinâmicas. Referem-se à
construção mútua de identidades, implicam na consciência própria e na consciência da
alteridade (do outro), como ponto de vista coincidente que diz respeito à universalidade
humana dos direitos –, com implicações sócio, econômico e ético-políticas.
O que torna, mais complexa essa discussão acerca das duas categorias é ter na cultura
em vigência, uma ativa negação do conhecimento de que estão expostas pessoas pertencentes
130
às classes populares e portadoras de diferenças culturais. Não se trata, apenas, da afirmação
abstrata desses valores, mas da luta contra toda institucionalidade que se arma para a
exclusão, e legitimação, dessa mesma exclusão, como justa e “natural”. Ideologicamente, a
classe hegemônica, desarma a consciência dos explorados, hospedando-a (Freire, 1987) em
vista dos interesses dos opressores, para aliená-los, isto é, alijá-los de si próprios. Tecem por
isso, uma legitimação “racional”, que internalizada em sua consciência, os convencem de que
precisam ter, merecidamente, um tratamento desigual.
[...] é a dualidade existencial dos oprimidos que “hospedando” o opressor [...] não
chegam a localizar o opressor concretamente [...] assumam atitudes fatalistas em
face da situação de opressão concreta em que estão [...] quase sempre este fatalismo
está referido ao poder do destino ou de sina ou do fado potências irremovíveis
ou a uma destorcida visão de Deus. (FREIRE, 1987, p. 27).
Felizmente, apesar dessa estratégia de dominação, os movimentos sociais e a
Educação Popular, democraticamente, vêm imprimindo uma dinâmica diferenciada. Partindo
das experiências vividas por cada um, no cotidiano familiar e comunitário, vem
institucionalizando novos valores, construindo novas universalidades, ressignificando a
compreensão de conhecimento e de poder do povo “o pessoal também é político” assegura
Scherer-Warren (2000).
Segundo Freire, trata-se, de realizar por meio da Educação Popular, o desalojamento
do opressor e sua ideologia, da consciência dos oprimidos. “Somente quando os oprimidos
descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação,
começam a crer em si mesmos, superando, assim, a “conivência” com o regime opressor”
(1987, p. 29).
Desalojar o opressor significa, e é a um tempo, descortinar a possibilidade de
surgimento de uma nova ideologia uma contra-ideologia, pautada por novos princípios de
relações humanas, novos valores e novas regras, como se costuma afirmar na Educação
Popular: na construção de um novo homem; mantendo, a ambigüidade e a dialeticidade de
todo processo democrático, que garante antes de tudo, a liberdade do ser humano, possibilita
também a reafirmação dessa mesma ideologia opressora, agora não mais por não ter
consciência dela, mas por assumi-la com todas as suas conseqüências, mesmo que do nosso
ponto de vista, de educadores populares isso possa ser contraditório. É que, ao fazer uma
Educação Popular, e juntos, educador-educando, descortinarem novos horizontes, nesse
mesmo movimento, se processa a construção de conhecimentos. Conhecimentos novos, que
131
não serão nem aqueles que já estão instituídos pelas relações estabelecidas e entranhados com
a ideologia dominante, nem aqueles trazidos pelo educador popular. Será um conhecimento
inteiramente novo, gerado pelos sujeitos a partir de suas práticas e experiências,
ressignificados, e do qual não se poderá, antecipadamente, saber qual será, nem quem os
produzirá.
No projeto de Educação Popular acompanhado por Reinaldo Fleuri, e empreendido
pela UNIJUI-RS, em vista da formação permanente de lideranças políticas que atuam nos
movimentos sociais, os atores envolvidos no processo assim definem o conhecimento:
[...] Conhecimento é o produto de processos e vivências sociais em que os sujeitos e
o objeto, em relação, se constroem mutuamente. A construção desses sujeitos se
na medida em que, na relação entre eles e deles com a realidade, o acionamento
e a ampliação de percepções, conceitos, categorias acumuladas pela humanidade,
em razão das necessidades que gera, possibilitando a apreensão e o questionamento
das leis da estrutura e do funcionamento desse real. Ao atuar no sentido de
satisfazer a essas novas necessidades, há a intervenção desses sujeitos sobre o
objeto-realidade, reconstruindo-o. (FLEURI, 2002, p. 103).
Nesta definição, o conhecimento aparece como resultado e resultante de uma
produção coletiva do conhecimento ativo que se faz e refaz. Um conhecimento novo cheio
de significações e percepções, advindas da própria realidade e da diversidade de
compreensões, seja dos atores sociais populares em diálogo com intelectuais da academia,
pesquisadores, em que todos estão mediatizados pelo mundo que os transcende, aprendendo
e ensinando (FREIRE, 1987; FLEURI, 2002).
Nessa experiência, afirma Fleuri (2002, p. 103), a produção do conhecimento “é um
processo teórico-prático de criação e recriação coletiva de conhecimento”.
Um conhecimento assim produzido contribui sem dúvida, para a construção de
novos valores sociais, de novas sensibilidades e humanidades. Conseqüentemente,
confronta-se com os valores vigentes na lógica da sociedade capitalista.
A produção do conhecimento, nesse grupo, é vista como resultado do confronto de
saberes entre diversos agentes sociais que buscam compreender e superar os problemas
enfrentados na prática social, construindo assim, teórico-praticamente, em uma ética de
reciprocidade, de reconhecimento mútuo e justiça, da produção do saber coletivo, e nessa
produção de saberes, a produção de novas relações humanas e novos sujeitos, homens e
mulheres que se refazem coletivamente, e pessoalmente, a partir dessa produção. (FLEURI,
2002, p.211).
132
Isto implica em dizer que da mesma forma como o novo jeito de fazer educação
produz novo conhecimento, ele faz surgir também um novo sujeito do conhecimento, que da
mesma forma, deixa de ser só – individual, que sem deixar de ser pessoa, passa a ser também
um sujeito coletivo, interativo, não isolado (FLEURI, 2002). O mundo e o ser humano como
fenômeno a ser conhecido é assumido na sua complexidade, na sua dinamicidade e em sua
dialeticidade: homem-mundo-outros.
Um conhecimento que nasce de uma prática social, das relações grupais e
interpessoais é grávido de subjetividades, de sonhos, de esperança e, por isso mesmo,
remete-nos, pessoalmente, a um projeto – individual e coletivo de sociedade em que todos,
conscientes do processo de alienação, lutem para reconquistar direitos negados, entre eles o
“direito de possuir direitos" (ARENDT, 1989), sobretudo o de ser reconhecido como sujeito
que é.
Até aqui nos referimos a um conhecimento e reconhecimento que perpassa as
relações humanas de um ser eminentemente social, que se cria e se recria cotidianamente a si
mesmo e ao outro, a partir de condições concretas e de uma determinada cultura que ocorre
na construção de pessoas, no campo relacional e no campo psicológico. Mas essas condições
estão marcadas pelas determinações materiais oportunizadas ou impedidas pelas formas
capitalistas. Ora, nessa pesquisa nos referimos, especificamente, às relações mediadas pela
cultura ocidental, e como tal, uma cultura marcada pela Modernidade estruturada no sistema
político-econômico - social capitalista. Cultura que gera a necessidade do reconhecimento a
partir do campo do direito, da cidadania política. Reconhecemos esta amplitude de
desdobramentos da esfera do direito político, porém, queremos enfatizar a dimensão
educacional de construção de humanidades e da própria subjetividade e autonomia dos seres
humanos, que necessitam de um reconhecimento específico, que perpassa e, de certa forma,
ultrapassa os acessos e exercício do poder político inerente à cidadania.
Ressaltamos anteriormente, a dimensão de construção de subjetividades, por vezes
atropelada pela reflexão prática do acesso a direitos, de modo, inclusive, a ir além dos
estatutos jurídicos instituídos. Avança, assim, em uma luta pela criação de novos direitos.
Luta pela ampliação desses e como nos aponta Chauí (2005), luta na transformação de
privilégios, geralmente garantidos para as grandes elites e negados ao homem comum, em
prol de todos. Reconstrói, portanto, novas subjetividades, direitos e universalidades,
pautados por co-responsabilidades solidárias. Não adianta ficar apenas em cima dos direitos
políticos, que em geral estão garantidos pelas formulações legais, ainda que negados na
133
prática, e, por vezes, invisíveis e não percebidos pelas pessoas, como direitos referidos a
elas. Poderes que estão direcionados a um cidadão burguês moderno, abstrato e universal, e
que não se enraízam na realidade histórica, nem nos lugares sociais ocupados pelos
oprimidos. Esses direitos que se referem, por vezes, às condições práticas e a necessidades
básicas imprescindíveis à realização plena da humanidade das pessoas e que a elas são
negadas.
A negação desse “ser ontológico” das pessoas comuns em contraste com a
reafirmação dos mesmos direitos aos poderosos acaba por impedir o acesso da pessoa
comum “não cidadã”, – porque é considerada não trabalhadora, não produtiva, ou não
consumidora de poder fazer parte, tomar parte, ser, enfim, incluída na vida da sociedade,
do outro, e de, por fim, permitir que ela encontre valor em si mesma.
É do reconhecimento dos outros significativos, dos outros de minha classe social, de
minha etnia, e também de todos os outros, como espécie humana, que progressivamente
inicia, cresce e se amplia a descoberta de si mesmo como sujeito pessoal em uma
determinada sociedade, proporcionada e estimulada nos processos educacionais.
A ABHP parece possibilitar permanentemente a construção e a reconstrução desse
tornar-se sujeito, que nunca termina como processo de autopoiése e construção de si próprio,
na relação com os outros. Constato que esse reconhecimento tem permitido um “agir no
mundo”, responsável e com autonomia, que dispensa autorização exterior, permite inclusive,
que as pessoas mudem o grupo de referência, vizinhança, moradia, estado, país, e onde
estiverem continuem sentindo o elo de uma ligação que confirma a caminhada na mesma
direção, sem os apoios exteriores ou próximos. Internalizam, em uma perspectiva, pessoal e
assumem os riscos, mesmo em condições desfavoráveis. Ciente de que a população tem
vivido em péssimas condições sociais de sobrevivência e que a busca por melhoria, é um ato
político-cidadão imperioso sobre cada um de nós, não podemos esquecer: por mais
favoráveis que sejam as situações vividas, elas não conseguem satisfazer o “desejo humano”
que demanda sempre mais. Rondas (2004) assim refere-se ao desejo humano:
[...] O encontro com o objeto de nosso desejo é sempre faltoso, nunca satisfaz,
nunca o idealizado é igual ao encontrado [...] justamente por nos faltar é que
buscamos, fazemos planos, estudamos, lemos [...]. O desejo nos move na vida [...] o
ser humano quer que se lhe reconheça o direito de desejar [...]. (RONDAS, 2004,
p.24 – 25)
134
Essa dimensão é educacional no sentido radical da Paidéia, que é a construção de
humanidades novas, inédita-viáveis, no dizer de Freire. O sujeito nesse contexto nasce de
uma ausência mobilizadora, ou como nos diria Freud em uma falta que gera Desejo e,
portanto, demanda satisfação. Consciente da situação de esvaziamento ele precisa lutar por
esse direito (objeto de desejo), por uma ação que o afirme como sujeito, ainda que não esteja
amparado por um grupo de referência próximo. Ou, ainda, nos aponta Rondas Nesse
momento, dialeticamente, ele ultrapassa a condição de sujeito e a afirma em uma nova
condição, como ator da/na ação política. A ação política, portanto, para Jung Mo Sung
(2000), pressupõe freireanamente, a tomada de consciência subjetiva, de si próprio, em
demanda de sujeiticidade, que está, no atual sistema político, negada e em ausência.
Sujeiticidade se define como sendo “a qualidade de estar se construindo como sujeito”,
fugindo à convencionalidade da definição de “subjetividade”. Na verdade, esse termo está
desgastado, como se fosse uma interioridade própria de um indivíduo; estado de sujeito. A
idéia de sujeiticidade, segundo ele, tem maior fidelidade ao conceito de sujeito em
Hinkelammert. Utilizo aqui essa definição de sujeiticidade porque me parece mais adequada
ao que quero explicitar sobre esse "tornar-se sujeito", que não é a posse interior de si, mas
sim, o processo de fazer-se sujeito em movimento, à medida que se coloca contra aquilo que
permanentemente nega essa condição, e, também, pela luta permanentemente desenvolvida
pela posse de si mesmo em comunhão com os outros excluídos, pela aquisição das condições
de liberdade e solidariedade.
Se não existir sujeito que demande seus direitos, estatutos político-constitucionais,
essas definições não se dirigem a ninguém, caem no vazio. Não bastam as respostas
constitucionais, não são suficientes para a condição de plenitude do sujeito. um sujeito a
ser anunciado, construído, com uma consciência reivindicante, aberta para a batalha solidária
pelos movimentos sociais que lutam pela autonomia e pela emancipação de todos.
A modernidade ao instituir os valores da universalidade, individualidade e
autonomia, e da centralidade do homem como sujeito histórico, traz no seu bojo a
necessidade de reconhecimento social, sem os quais esses valores não poderiam ser
assegurados. Fraser (2001 in QUEIROZ, 2007), afirma que “a luta por reconhecimento se
na esfera da luta por justiça, constituindo tanto uma questão de redistribuição quanto de
reconhecimento”. Assim, ao dar ênfase na dimensão ontológica e psicológica do
reconhecimento do ser humano, como fundantes na construção do sujeito, não des-
135
reconhecemos as outras dimensões do mesmo, em especial, a política. Dimensão, aliás,
intrínseca a todo o processo histórico da Educação Popular.
Na exposição sobre Educação Popular, no item anterior, pudemos perceber que
uma busca permanentemente reafirmada nas ações empreendidas nos movimentos sociais,
por reconhecimento e expressão política, nas lutas feministas, indigenistas, raciais, das
diferenças sexuais etc.
No campo do saber popular, esse embate freqüentemente ocorre entre os processos
marginalizadores promovidos pelas elites, e que transferem e ampliam a exploração
econômica para o campo da exploração simbólica e cultural, estigmatizando o conhecimento
popular em suas variadas expressões, como um saber ingênuo, destituído de comprovação,
empírico ou equivocado. Atribuem “incompetência” aos saberes populares na comparação
com os discursos instituídos das ciências e da academia, reconhecidos como discursos
competentes, como já o afirmava Marilena Chauí (2003) citada na página 36.
Assim, a Educação Popular protagonizada nos movimentos sociais, e realizada por
educadores populares, sempre enfrentou a resistência e a dificuldade da academia
(intelectuais) em reconhecer esse conhecimento, como autêntico e válido, fato já mencionado,
por ser expresso por outra lógica. Ao estigmatizar o conhecimento popular, a cultura
dominante assume explicitamente que se trata de uma luta claramente marcada pelas relações
de poder e classe, e, portanto, de caráter desumanizador, anti-solidário e antidemocrático. A
Educação Popular entende que o reconhecimento de outro saber se constitui como risco para
sua hegemonia política, como também nas suas pretensões de controle de mercado. Imaginar
que se, para os movimentos sociais como luta organizada de um setor da sociedade é difícil
conquistar esse reconhecimento, para as pessoas, individualizadas, apesar de seres humanos,
cidadãos de direitos individuais e subjetivos, a dificuldade aumenta sensivelmente.
A Educação Popular realizada pela ABHP, conforme documentos e avaliações de
seus educadores, já expressos até aqui e que serão tratados adiante, têm como nota específica,
o reconhecimento que confere legitimidade dos setores excluídos, ou cuja sujeiticidade, ao se
confrontarem com os saberes oficiais, seja negada.
136
3.4. A constituição do Sujeito e o sujeito do conhecimento
Que el ser humano sea sujeto
es una determinación que
surge con la modernidad.
Hinkelammert
Reconhecemos, até aqui, que os movimentos sociais se constituem no campo das
ações organizadas da sociedade civil e, portanto, no campo do debate e da própria prática da –
teoria-prática. A Educação Popular é compreendida também como propulsora e mediadora
desse mesmo movimento, que se articula em redes de relações - espaço privilegiado de
construção de conhecimentos e de sujeitos de conhecimento. Se a constituição de
humanidades, de sujeitos, é o princípio básico e fundante da Educação Popular, é importante
dizer de que sujeito se está falando. Em primeira mão afirmo que não se trata do indivíduo
burguês, aquele instituído pelo projeto de modernidade implantado pelo capitalismo. Buscarei
explicitar, apoiada em Jung Mo Sung (2000) que se pauta pela teoria de Hinkelammert, o que
estou compreendendo como sujeito.
Durante toda minha pesquisa, desde a sua proposição tenho procurado pautar-me por
uma metodologia participativa e interativa como meu campo de pesquisa e com os sujeitos
envolvidos no processo. Chamo nesse caso de sujeitos desta pesquisa, os educadores
populares que participam ou participaram de uma das fases do processo de formação da
Instituição pesquisada o curso de extensão realizado em parceria com a
UFMT/GPMSE/ABHP; a direção da Associação, integrantes do grupo de pesquisa do qual
faço parte nessa Universidade o GPMSE; a orientadora, e, pessoas independentes que têm
contribuído com minhas reflexões.
Como mencionamos no início deste capítulo, a modernidade traz consigo uma
proposta de que ao longo do tempo vão mudando conceitos, valores, posicionamentos
políticos e econômicos bem como as formas de relações sociais. Vai incidir também, como
nos aponta Hinkelammert, na epígrafe no início deste capítulo, no conceito de ser humano.
O mundo moderno e a burguesia, afirma Sung (2002), foram portadores de uma
proposta “revolucionária”, uma vez que toma o conceito de sujeito como afirmação do ser
humano, em detrimento de qualquer sistema hierárquico ou legal. O problema surge, quando é
concebida a realização deste intento. Nesse momento o sujeito passa a ser entendido na
137
prática, como indivíduo burguês (HINKELAMMERT in SUNG, 2002), o que o difere
completamente de sujeito, visto que demanda uma ação concreta de estabelecimento de
finalidades e meios para cumpri-las. Ou seja, simultaneamente institui um código de valores e
leis que garantam a condição de ser humano, institui também e, ao mesmo tempo, por
exclusão, uma marginalidade ao sistema, de modo que quem não estiver "dentro" do padrão
instituído, não tem acesso a esses bens que genericamente são para todos em geral. Nesse
sentido, modernidade e sistema capitalista se confundem ou se afirmam mutuamente, o que,
no entanto, é inegável é que na modernidade, que coincide com o capitalismo, o indivíduo
necessite de um grande investimento psico-físico-econômico e político, para tornar-se sujeito
e cidadão. Para colocar-se reconhecidamente no seio da sociedade, saindo assim da margem
social, que o capitalismo pelo processo de acumulação de riquezas gera ininterruptamente: a
pobreza e a miséria de muitos.
Sung (2002) nos aponta que o sujeito surge quando o ser humano tem a percepção
dessa expropriação, condição de “negação”, em que se encontra e se indigna com essa
condição. Uma condição que o coloca à margem de todo o processo de socialização. Embora
Jung Mo Sung não faça uma referência direta à teoria da marginalidade tratada com maior
detalhe por Nuñez Hurtado (1992) seu debate contribui para entendermos como, a partir da
margem, vêm se construindo processos revolucionários que aos poucos vão transformando a
sociedade. Daí toda a teoria da marginalidade, que durante algum tempo foi base de reflexão e
norteadora das práticas, afirma Nuñez Hurtado (1992, p.32 – 33):
Segundo essa teoria, a sociedade estava dividida em participante e marginal. Estas
duas características marcavam uma divisão injusta, na qual uma pequena minoria, a
participante, contribuía ativamente com o processo de desenvolvimento e gozava
igualmente dos benefícios que a sociedade proporcionava (salário, saúde, moradia,
lazer, etc., etc.,); a outra parte, claramente majoritária, estava “à margem” desta
sociedade (...) não participavam nem “ativamente” nem “passivamente” do
processo de desenvolvimento (são desempregados ou subempregados, operários
não qualificados, etc.) e obviamente não recebem nem um mínimo de bens e
serviços que todo ser humano requer.
Nesse momento histórico os esforços se concentraram em empreender esforços que
pudessem garantir uma “inserção social”.
Pergunta-se atualmente: Que inserção? Inserir onde? Por acaso essas pessoas também
não fazem parte da mesma sociedade, pensada e organizada para ser exatamente assim: uns
poucos, a classe dos proprietários, podendo usufruir de todos os bens e serviços; uma grande
maioria, a classe trabalhadora, para prestar serviços e usufruir de alguns benefícios
138
concedidos como premiação, mesmo sendo esses os únicos a pagarem por esses mesmos
serviços e, principalmente, os marginalizados que nem produzem nem consomem, mas
alimentam da mesma maneira toda a lógica capitalista?
Diria-nos ainda, Nuñez Hurtado (1992, p.36): “Não se trata mais de incorporar o
pobre ao sistema, superando a “marginalização”, mas de incorporar-se à luta para mudar o
sistema”.
Dessa reflexão realizada no seio dos movimentos sociais, em uma interação entre
educadores populares e intelectuais comprometidos, dos quais podemos citar Paulo Freire,
Dussel (Ética da Libertação) e o próprio Jun Mo Sung, entre outros, nasce com mais clareza o
debate sobre os “excluídos” ou mais precisamente sobre o processo de exclusão, apesar desse
conceito ser tratado de diversas maneiras e em diferentes tempos por outros pensadores
como Durkheim que entendia a sociedade como perfeita e os “marginais’ como desajustados
e que por isso precisavam ser “re-educados (reeducados) para fazer a re-inserção (reinserção)
social (positivismo), e o próprio Marx, que entendia a sociedade, como capitalista, como má e
produtora da própria exclusão (capitalismo).
É tomando consciência dessa produção “intencional” do sistema capitalista, que o
“marginaliza” ou “exclui”, e que, portanto, não se trata de algo natural que o ser humano pode
indignar-se e resistir. Nessa indignação, nos garante Sung (2002, p.81) surge o sujeito: “O
sujeito é uma ‘ausência que grita’, uma potencialidade ou o conjunto de potencialidades que
possibilita ao ser humano se opor e resistir à redução pretendida por um sistema social
dominante”.
Assim, o ser humano se afirma como sujeito gritando, se opondo a esta redução que
torna a sua vida insuportável.
Quando a pessoa consegue ultrapassar a barreira ideológica de um sistema que oprime
e que a toma por valor o econômico, mediada pela relação capital x trabalho, pelo poder de
consumo e percebe o engendramento social capitalista no qual ela está “incluída” ou tomada
como elemento de justificativa para manutenção desse mesmo sistema, ela fica indignada com
tal condição. Esta indignação, diz Mo Sung, é condição para que ela possa ultrapassá-la.
Revoltada ela vai buscar caminhos, meios de saída e então passará a atuar socialmente
construindo sua cidadania: Contudo a vítima negada que grita para afirmar-se como sujeito
não pode prescindir de atuar no plano social e institucional como um ator social (...)”
(SUNG, 2002, p.82).
139
É nessa experiência de ação como atores sociais, que esses sujeitos resistem às
relações opressivas às quais estão submetidos pessoalmente e podem assim perceber as
conexões mais amplas dessas relações que são extensas às demais pessoas. Reconhecendo-se
como sujeito pode reconhecer a sujeiticidade de outras pessoas para além de todo e qualquer
papel social (op. cit, p. 63).
Ainda segundo Jung Mo Sung (2002, p.73), o sujeito revela-se como ausência que
grita [...] fazer-se sujeito é responder a esta ausência positivamente, porque esta ausência é
solicitação..”.
A que ausência se refere Mo Sung?
À ausência de sua condição de sujeito. Como é possível a um ser humano estar
privado ou ter negada sua condição própria de sujeito? Pressupõe-se um fator exterior,
aniquilador, ou negador de sua sujeiticidade, uma des-naturalização (desnaturalização). Mas
“pode-se conceber a condição humana subjetiva como natural, como prévia, pronta, anterior,
como um ‘dado’"? Parece que não. O sujeito se constrói sujeito, pela experiência, pela vida,
pelas escolhas que faz e pela liberdade, se as tiver. Adultos que não conquistaram sua
condição de sujeitos tiveram, com certeza, um seqüestro dessa condição. Isto é, poderem, a
cada momento, construírem-se como sujeitos. (eu = isto é, quando podem se construir como
sujeitos)
A existência de pessoas que não são tomadas em consideração, em nossa sociedade,
que não existem para as estatísticas e projetos de políticas públicas, nos quais o padrão de
consumo é fator determinante na definição da identidade e do seu reconhecimento, da
identidade e da dignidade dos indivíduos exige que tais sujeitos assumam pessoal e
coletivamente seu papel de intervenção social, ultrapassando a condição de sujeito individual
e assumindo uma nova condição de comunidade-sujeito: “[...] quando as pessoas se unem
para protestar e resistir contra a negação da sua dignidade humana podemos dizer,
analogicamente, que elas formam uma comunidade-sujeito” (op.cit p, 64).
Jung Mo Sung esclarece que ao ato de violência infringida, imposta, de negação da
dignidade humana realizada de fora, pelo poder exterior, heterônomo, de outro, exige uma
ação coletiva por meio da resistência, do protesto, da rebeldia, formando assim uma
comunidade sujeito que se levanta da ausência e se constitui como presença de sujeitos
coletivos.
140
A experiência de ser sujeito no encontro face a face e na luta pela dignidade de si e
de outras pessoas é uma experiência realmente gratificante e doadora de um sentido
profundo e humano para a nossa existência... o ambiente mais propício para estas
experiências é, sem dúvida, o ambiente comunitário e das lutas sociais locais
(SUNG, 2002, p. 64).
A experiência do encontro não é o centro para Jung Mo Sung, mas o encontro face a
face na luta pela dignidade de todos, de si e dos outros, é o que nos humaniza, por ser uma
ação solidária.
Onde se situariam os lugares para esta experiência? No ambiente comunitário diz
Sung – e nas lutas sociais locais. Nelas se oportuniza a tomada de consciência do seqüestro da
consciência de conhecimento, da produção social da injustiça, da negação da própria condição
humana, consciência da ausência das condições de dignidade, enfim a saída da alienação.
[...] o reconhecimento gratuito entre sujeitos na relação sujeito-sujeito, “face a
face”, é uma verdadeira experiência espiritual da graça e da justificação pela fé. É
uma experiência que justifica a existência não da pessoa oprimida, mas também
a da pessoa que sente a indignação [...] (SUNG, 2002, p. 49).
Jung Mo Sung dialoga com a teologia, mas retorna à mesma expressão citada, da
relação de sujeito-sujeito, "face a face" como uma experiência de gratuidade e de
solidariedade que sentido à existência tanto da pessoa oprimida, que passa a ser
considerada como sujeito, como se torna possibilidade de ressignificação para o ‘outro’ frente
ao mundo. À medida que esse sinta indignação pela condição de expropriação da dignidade
do “outro”, que é um “outro-eu” com o qual se comunga ético-politicamente.
O entendimento de Sung concebe uma diferença, entre o apelo ético em nível de
idealidade e utopia e a concretude histórica dessa idealidade.
[...] a relação que há entre o conceito de sujeito e ator social é análoga à relação que
existe entre a utopia (conceito transcendental) e projeto sócio-histórico. Utopia é
um horizonte irrealizável que dá sentido para projetos históricos concretos [...] que
ao serem implantados, negam a mesma utopia [...] Contudo a utopia não pode ser
antecipada sem um projeto histórico que a negue [...] (SUNG, 2002, p, 84).
Qual é a relação que aproxima e diferencia ator social de sujeito?
Jung Mo Sung utiliza com analogia, o conceito que ele chama de transcendental, e,
por isso, "ideal" e não, o conceito de historicidade, figura ou representa essa idealidade. O
conceito de "utopia" é utilizado, analogamente, para dizer que assim como utopicamente
141
criamos nossos ideais e a partir deles elaboramos nosso projeto mais próximo do realizável e,
portanto, negador dessa mesma utopia, também assim, tornar-se sujeito é precondição para
que possamos assumir o papel de ator social. O sujeito para Jung Mo Sung tem muito de
idealidade, muito de utópico e se realiza sempre no tempo e na história pela condição de ator
social. Ao assumir a condição de ator social de alguma maneira realizamos nossa condição de
sujeitos no tempo, mas nunca integralmente. Estamos abertos a reconstruí-lo dinamicamente,
passo a passo.
Reconstruir dinamicamente sujeito e tempo significa concomitantemente, reconstruir -
permanente e criativamente – sujeito e conhecimento.
Nesse tempo de reflexão, apresentei as categorias fundamentais deste trabalho:
Conhecimento e (re)conhecimento; Educação Popular; Movimentos Sociais e Constituição de
Sujeitos, buscando as interfaces entre elas, de forma que elas pudessem se constituir em bases
teóricas para avaliação do fazer pedagógico educacional, desenvolvido na ABHP, grupo do
qual desenvolvi minha pesquisa, pelos Educadores Populares, em especial aqueles que se
constituíram em sujeitos desta pesquisa, inclusive o meu próprio fazer como educadora e
pesquisadora. Dessa reflexão pude juntamente com os demais sujeitos dos quais relatei
avaliações, conceitos, ações desenvolvidas –, olhar a prática e dela extrair algumas
compreensões que apresentarei, em síntese, na próxima parte deste trabalho, o tempo:
tempo para compreender, que compõe o Capítulo IV e das (in) compreensões.
142
3º tempo – UM TEMPO PARA COMPREENDER
Um preencher o vazio
Endurecer a solidão
Sentir a beleza da vida
Construindo o amor
Sem utopia e falsos valores
Sem lágrimas e temores
Ensina libertar-se
Do medo
Do abandono
Ou da opressão
Ensina como deixar de fugir e fantasiar
Ensina todas as poesias
Alegrar... talvez apenas conjugar
O verbo amar.
Ensina pisar o chão
Talvez resgatar a mais linda de
Todas as ilusões
Viver e ser feliz.
Vera Lúcia Marques P. da Silva
APESP-Juara-MT
Figura 4: Arte construída por ADA no cartão de Natal da ABHP.
143
CAPÍTULO IV
CONHECIMENTO RECONHECIMENTO NA PRÁTICA DE
EDUCAÇÃO POPULAR: O PONTO DE VISTA DOS EDUCADORES.
Pesquiso para constatar e, constatando, intervenho,
intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade.
(Paulo Freire*)
Neste capítulo apresentarei os dados de pesquisa à luz das matrizes teóricas
escolhidas. Destacarei os sentidos que os atores sociais individuais e coletivos, pesquisados,
atribuem aos conhecimentos pessoais e coletivamente construídos no processo de Educação
Popular permanente do qual participam. Demonstrarei o fazer pedagógico no processo do
aprender/ensinar realizado por eles. Entendo que assim o leitor poderá compreender os
caminhos percorridos e os sentidos atribuídos pelos sujeitos desta pesquisa ao seu trabalho e
ao processo de Educação Popular proposto e realizado por intermédio do IPESP/ABHP.
Buscar-se-á, portanto, compreender a forma de compreender desses educadores
populares (FLEURI, 2002).
Olhar a partir do outro, compreender a compreensão do outro, aprender a aprender
com o outro. Talvez sejam esses, os passos essenciais de uma metodologia que seja capaz de
trazer inovações para o campo da pesquisa e da educação. Em um trabalho em que se busca
apreender os sentidos atribuídos pelos próprios sujeitos ao conhecimento construído/adquirido
e ao reconhecimento dele advindo, em uma inter-relação direta, o pressuposto teórico
metodológico que toma o “outro” como sujeito, é condição sine qua non para não tomá-lo por
mero objeto de estudo, e sim, como participante ativo e sujeito da pesquisa.
Saber como o sujeito conhece e produz conhecimento; como se reconhece a si mesmo
e ao outro e obtém reconhecimento, requer trilhar caminhos profundos de debate teórico, de
outras pesquisas, recortes e estudos que venham adensar a compreensão que esta pesquisa por
seu recorte, não é capaz de esgotar.
144
Por meio da descrição, interpretação e compreensão, metodologia empreendida por
mim, nos encontros com os sujeitos desta pesquisa e nas atividades da Associação, procurei
estabelecer um olhar, o mais distanciado possível, segundo uma metodologia de pesquisa
qualitativo-fenomenológica (BIKLEN & BOGDAN, 1994), já explicitado anteriormente.
Para que esse olhar compreensivo, pudesse assim transcorrer procurei, respaldada
pelo pensamento de Stake (1998), manter um processo permanente de “triangulação” dos
dados da pesquisa. Dados colhidos nas entrevistas, documentos internos da Associação,
realização do grupo focal, conversas informais e presença no cotidiano da ABHP, assessorias
prestadas aos educadores do curso de extensão (observação participante), produções
(relatórios) realizadas pelos educadores; triangulação da construção teórica com
pesquisadores do GPMSE e com alguns sujeitos da pesquisa. A triangulação, no que se refere
à compreensão da comunidade sobre o fazer desses educadores e que, conseqüentemente recai
sobre a percepção dos próprios sujeitos da pesquisa sobre si e seu fazer, procurei nos
depoimentos de pessoas que foram atendidas por alguns desses educadores populares por
ocasião da busca de tratamentos homeopáticos e orientações (anexos testemunhos 1- 4). Os
depoimentos fazem parte dos relatórios de conclusão do curso de extensão foco desta
pesquisa.
O grupo investigado, na pessoa de seus educadores, metodologicamente, demonstra
um processo educacional voltado para a produção coletiva e compartilhamento de
conhecimentos, que se pautam pelo respeito à multiplicidade de saberes, pelo estímulo à troca
permanente, complementação e criação de novos conhecimentos, conforme se pode perceber
nos relatos e no próprio desenvolvimento do trabalho durante os módulos do curso de
extensão. A seguir, trago algumas avaliações que demonstram esse processo. As avaliações
foram escritas coletivamente, nos grupos que produziram a pesquisa e aprofundamento por
temas afins no 1º Curso de extensão 2003/2005.
145
Foto 24 Curso de
extensão.
Os grupos foram formados por áreas de pesquisa e distribuídos desta forma:
Grupo 1. Homeopatia e Transformação Social, que assim avaliam o curso em todas
as suas dimensões teórico-práticas:
Um enriquecimento de conteúdos. Grande aprendizado DESPERTAR,
RENOVAR. Mostragem da sensibilidade dos agentes e dos condutores e a
demonstração da capacidade de transformação pessoal, comunitária e grupal.
Para nós ficou a marca da rede que nos fez trabalhar integrado(a)s com o mesmo
fim, um dependendo do outro para fazer acontecer o Reino de Deus no meio de
nós: TRANSFORMAÇÃO SOCIAL. (MARIALVA–RO/URÂNIA–ES/ ALMIRA–
ES/ JOSÉ BENEDITO–BA).
Grupo 2. Homeopatia e Agroecologia, uma área de grandes perspectivas, uma vez
que ultrapassam o limite do atendimento individual à saúde e apontam para a necessidade de
estabelecer cuidados diferenciados com o ambiente, a terra, os animais e as plantas. Os
Educadores populares, sensíveis aos processos de mudanças e às urgências de uma nova
relação com o ambiente, avaliam e registram suas experiências. Ao final do curso, assim se
pronunciaram:
Este curso nos ensinou a valorizar, estudar e respeitar os animais e vegetais que
habitam o ambiente de forma individual e coletiva, tratando suas doenças com os
próprios mecanismos de defesa que estão inseridos no potencial de cada um.
(ISABEL MARIA NOGARA–MT / LEONOR PLENS–MT).
Grupo 3. Homeopatia e tratamento de doenças endêmicas e epidêmicas. Foram
escolhidas pelas educadoras, por suas experiências concretas e pelos resultados observados
como positivos, a hanseníase e a dengue, para serem estudadas. Desta forma compreendem o
curso e o aprendizado que tiveram:
O curso foi ótimo. Com as pesquisas que realizamos foi um enriquecimento muito
grande, onde pudemos comprovar o valor da homeopatia no tratamento de uma
146
doença aguda, que se não for tratada pode amatar, como é o caso da dengue e
aquelas que não matam, mas podem deixar seqüelas, se for tratada a tempo, como
é o caso da Hanseníase... A homeopatia é o caminho de sabedoria. Onde busca e
encontra aquilo que procura [...] (SALETE TEREZINHA–MT / ALZIRA R.
DOS SANTOS– MT ).
Grupo 4. Homeopatia e Energia vital. Contrapondo a energia vital e a energia
mórbida busca na homeopatia uma fonte de equilíbrio para a vida. Energia que vem também
das relações interpessoais estabelecidas, vejamos como avaliam o curso:
As apresentações dos grupos foram ótimas, enriqueceram bastante as nossas vidas.
Acrescentou mais subsídios para nossos trabalhos comunitários (popular) [...]. A
homeopatia é uma porta aberta para cura e uma vida mais harmonizada. Ela além
de harmonizar nossos corpos, equilibra a natureza, estimulando a força vital
(JOÃO CARLOS-RO / LUZMARINA–BA / MARIA DE FÁTIMA–MT).
Grupo 5: Homeopatia e Doenças Respiratórias. O grupo conclui que respiração é vida
e que sem um ambiente saudável não podemos respirar satisfatoriamente. Partem da
necessidade de mudança de hábitos. Valorizam o crescimento pessoal que tiveram nesse
processo:
Para nós do grupo doenças respiratórias é uma grande alegria a realização deste
trabalho, pois mesmo com as dificuldades que encontramos fez de nós pessoas mais
ativas e realizadas [...]. Aos leitores nós queremos a homeopatia divulgar esta
força e energia que nos leva a lutar como nós nos apaixonamos você também vai se
apaixonar (MARIA AURORA–MT/ VARA LÚCIA–MT/ NEUZA–BA).
Grupo 6: Homeopatia e idade. Cientes dos problemas sociais que essa faixa etária
vive, bem como das questões relacionadas à saúde, essas educadoras, partindo de situações e
regiões distintas, abordam os cuidados necessários para essa idade, as doenças mais comuns e
as possibilidades de tratamento com a homeopatia. Apontam ainda como, a partir dessa
dinâmica homeopática podemos possibilitar maior qualidade de vida para os idosos.
idade não é o fim e sim o começo de uma nova etapa de vida e integração de
relações com a família, comunidade e sociedade [...]. É um tempo de
conhecimento, experiências e independência, participação, ocupação que poderão
contribuir para o crescimento pessoal e social [...]. Na idade é fundamental a
consciência da sociedade na luta pelas políticas públicas que assegurem aos idosos
melhores condições de longevidade e qualidade de vida (DIRCE–PR /
ANGELITA–MS/ MARIA ARAUJO–RO).
Grupo 7. Homeopatia e Psicohomeopatia. Ver o ser humano como único, como
indissociável e responsável por sua própria vida e a de seus semelhantes é prerrogativa de
147
quem reconhece o “outro” como alteridade. O grupo que pesquisou e estudou o tema, com
toda a consciência da importância dessa visão, assim avalia o curso:
O bom deste trabalho foi deixar cada um caminhar com suas próprias pernas [...].
A homeopatia equilíbrio ao corpo e mente, aumenta a força vital, socializa as
pessoas, motiva para partilhar os dons, deixando-as mais atentas à realidade e
elevando para a profundidade da alma. Ao novo grupo diríamos: caminhando e se
esforçando é que encontramos o que queremos (GORET–MT/ CECÍLIA
GIROTO–PE/ MARISTELA–RO/ MANOEL M. NETO–RO/ JÚLIA DELFINO–
RO / MARTA–MT).
Grupo 8. Homeopatia e a Teoria dos Miasmas. Compreender os miasmas não é tarefa
fácil. É uma das teorias mais complexas da homeopatia e fala das pré-disposições energéticas
para se desenvolver determinadas doenças e sintomas. Compreender essa teoria e convertê-la
em uma linguagem simples capaz de ser apreendida. O meio popular foi tarefa desse grupo, a
partir das experiências vividas e das sistemáticas leituras e debates. Coube ainda ao grupo, o
papel de dizer como utilizá-la na prática popular, de forma a contribuir para um trabalho
seguro, e a busca do caminho de cura das pessoas atendidas. A eles ficou a percepção do que
viveram e aprenderam nessa construção de conhecimentos:
No decorrer destes dois anos de pesquisa, de trabalho árduo surgiram os desafios
que faz necessário dispor nessas capacidades e práticas, conhecimentos,
experiências vividas e acompanhadas, nos fizeram crescer e perceber que podemos
contribuir muito mais, ajudando primeiramente a nós e a comunidade em que
vivemos (ADEMAR–MG/CLEUZA–MT/MILTON–MT/ANTONIO–MT/
FÁTIMA–MS).
Um jeito próprio de fazer educação, que partindo dos princípios básicos da Educação
Popular, precisamente no sentido exposto nos capítulos anteriores, descobriu caminhos novos
que vão se recriando no cotidiano e na realidade de cada um. Por isso mesmo, sua dinâmica
não pára apesar das dificuldades e adversidades de cada região.
[...] Caros companheiros, viemos por meio desta dar-lhes algumas informações da
nossa caminhada sobre a Educação Popular de Saúde... tivemos 2 cursos de
formação no qual participaram cerca de 40 voluntários sendo uma etapa para os
novatos e outra para os mais experientes. Os mais experientes estão concluindo um
trabalho de atendimento à população e treinamento dos agentes de saúde durante 2
dias por semana em uma central na cidade, onde o repassados os conhecimentos
e discutidas as dificuldades dos agentes [...] a maior dificuldade é financeira tanto
na central quanto nas comunidades, pois somos de comunidade de porte financeiro
muito fraco. Outra dificuldade é na conscientização da população quanto a
necessidade da continuação do tratamento, e conscientização básica de higiene e
alimentação [...]. (JOÃO CARLOS, 1992 – carta enviada ao dinamizando).
Uma metodologia, que não perdendo de vista, as implicações de uma conjuntura
político-econômica global neoliberal, de seus desdobramentos nas políticas brasileiras, busca
148
compreendê-las a partir do local, região-estado-município, onde as atividades educacionais se
processam na relação micro-estruturais e políticas e nas relações interpessoais
(intersubjetivas). No Tx. B2 (2007) expressam os princípios teórico- metodológicos dos/nos
quais se pautam para a ação cotidiana. Do ponto de vista econômico:
A ABHP denuncia as formas capitalistas, entre elas a Neoliberal ainda em curso
em nosso país [...] O governo brasileiro parece incapaz de reverter estas situações
estruturais. Há impacto direto da macroeconomia sobre a qualidade de vida de
todos os brasileiros [...] denunciamos ainda a riqueza ostensiva, bem como a posse
de bens em vista da acumulação e “estoque”, especialmente do solo rural e urbano
[...] a violência do Estado responsável ou por omissão ou por prática de violência
nua ou simbólica contra trabalhadores, mulheres e crianças [...] população
indígena [...] população das favelas e afro-descendentes [...]. (Tx. B2, p. 19).
Do ponto de vista político:
A ABHP se compreende brasileira e latino-americana. Entende que o capitalismo
não é democrático [...] não é possível haver respeito à dignidade humana sem
isonomia política entre todos os homens [...] denunciamos, por isso, as formas de
dominação dos países capitalistas centrais por sobre os países latino-americanos e
de terceiro e quarto mundo. Apostamos na organização de base dos pobres e
“incluídos na miséria, na pobreza e na fome pelo capitalismo mundializado”. É
necessária a construção diuturna da fraternidade humana e da equidade [...]. (Tx.
B2, p.20).
E afirma:
Mesmo neste contexto, a ABHP, anuncia a partir da organização popular (local)
que uma nova economia, solidária (um novo mundo, uma nova saúde) é
possível, e está em curso na América Latina e no planeta! (idem, p. 20, o grifo é
meu).
O processo de formação política, pautado por esses e outros princípios, é na ABHP
mediatizado por:
a) cursos intensivo-extensivos (nacionais, regionais e locais);
b) estudos de grupos (locais);
c) trocas de experiências (em encontros, Assembléias nacionais);
d) produção e circulação de subsídios escritos (cartilhas, apostilados, livros, boletins
informativos) e audiovisuais;
e) prática cotidiana:
149
1) do atendimento e orientações (educação em saúde) à pessoas, grupos e comunidades;
2) da organização e luta pela garantia e ampliação dos direitos (reuniões comunitárias,
participação nos conselhos, parcerias e articulações com os demais grupos do movimento
social e em alguns casos, com o próprio Estado).
Lopes (2007, p. 20) parafraseando Machado (2005), caracteriza ações como essas,
que não se pautam por relações de produção capitalista e sim por relações emancipatórias, de
“exercícios pedagógicos”.
Gutiérrez (2003) afirma que a educação não é algo natural, no sentido exato de
natureza, mas sim, cultural, ensinada e aprendida. Deste modo, a educação é carente de
“mediação pedagógica” (p. 41). Diríamos que essa mediação necessita ainda de um mediador
– seja ele professor, o pai/mãe, o grupo, a comunidade, o sindicato, o partido, etc. que
contribua na “procura de sentido” (idem), e continua o autor: “o sentido se faz e se refaz na
vida cotidiana; é, em conseqüência, o resultado da vivência pedagógica desses espaços
cotidianos” (p.45).
Nessa linha de educação mediada e co-participada, na busca de sentidos, na ABHP
“os exercícios pedagógicos” ou “mediação pedagógica” ocorrem na seguinte lógica:
primeiro momento: reconhecimento do “outro” como sujeito –, ação que ocorre no
atendimento da pessoa doente que procura o agente de saúde, para tratamento com
homeopatia e/ou outras formas de tratamento e nessa hora é recebido com empatia e respeito
ao seu sofrimento. A ele é dada a “palavra” e emprestado o “ouvido”. Metodologicamente,
são registradas suas informações e consideradas como verdadeiras De modo que serão elas,
as informações, base de repertorização na busca da homeopatia mais apropriada para aquela
pessoa. Na homeopatia não se trata doenças, trata-se pessoas doentes
61
. Esse momento se
constitui na acolhida da pessoa. Grande parte dos educadores populares da homeopatia, em
torno de 80% veio por meio de um tratamento realizado e um convite feito. Segundo Lopes,
trata-se do momento de arregimentamento” (sic), visto que possibilita ao sujeito um
confronto e questionamento da condição social vivida no caso, do confronto com os
tratamentos médicos e de saúde pública aos quais estão submetidos, e que em regra, por esta
61
“Na homeopatia, rigorosamente, não existem doenças e sim doentes. Em geral costuma-se dizer entre nós:
“Fulano esdoente porque tem laringite”. Porém, na homeopatia, diríamos: “Fulano tem laringite, porque está
doente”. Não tratamos um pedaço do doente, uma parte, ou uma doença, mas a ele como pessoa, a sua
totalidade” – (AMARAL, PASSOS, 2003).
150
confrontação, gera uma “predisposição para intervenção” (SANDOVAL, 1994 in LOPES,
2007 p. 20)
62
Segundo momento envolvimento direto dessa pessoa nas ações cotidianas do
grupo. O fato se dá, em regra, depois de o convite ser aceito pela pessoa convidada. A
aceitação em geral ocorre pelo relacionamento interpessoal estabelecido (empatia), e pela
predisposição gerada no processo de confrontação entre a realidade e a possibilidade de
mudança. De forma geral, a entrada para o grupo ou para a Associação varia de acordo com a
realidade de cada pessoa e de cada grupo, sendo ora por inserção em cursos de formação
básica em homeopatia (cursos de iniciação); ora por participação em outros cursos de
orientação para saúde como fitoterapia, alimentação alternativa, entre outros; cursos e
encontros de orientações gerais de higiene e saúde, com participação direta na produção de
fitoterápicos, de homeopatias, etc. Cada grupo, de acordo com sua realidade organiza essa
inserção. O que, porém, é comum e critério geral
63
é a voluntariedade dos serviços (são
voluntários); a disposição para o trabalho comunitário e de grupo; a responsabilidade, respeito
e ética no trato da pessoa humana e de seus sofrimentos. É o momento em que a disposição
para intervenção ganha “concretude” (LOPES, 2007, p. 20). Uma ação individual e coletiva
que se confrontam cotidianamente nos serviços prestados à comunidade e no enfrentamento
do descaso dos serviços blicos bem como nos interesses pessoais, mas que permite ao
grupo se reconhecer mutuamente construindo assim o campo da ação comum.
terceiro momento momento do confronto entre o individual e o coletivo, entre a
prática médica oficial – alopática e as práticas alternativas (entre elas a da homeopatia
popular). Consiste em um desdobramento do momento anterior. Os conflitos advindos desse
momento, nem sempre são resolvidos no consenso, e, como toda prática, esses consensos ou
soluções são buscados em Assembléias, em processos de formação política (idem, p. 20), de
formação técnica pesquisa de conhecimentos produzidos na área e construção de novos
conhecimentos, de elaboração de processos dialógicos educacionais que, em regra, primam
pela formação do ser humano como sujeito – construção de cidadanias.
quarto momento constitui no processo de continuidade da ação que se
reconfigura e recria cotidianamente (desde o primeiro passo) nos níveis locais, regionais,
62
A concepção de “predisposição para intervenção” é elaborada por Sandoval para ampliar as dimensões da
consciência política sugeridas por Alain Touraine (identidade, oposição e totalidade), incluindo nelas “[...] a
questão da percepção que o indivíduo tem de sua capacidade de intervenção para alcançar seus interesses, um
fator estreitamente associado ao conceito de consciência no sentido voluntarista, e certamente implícito nas
explicações causais da ação coletiva” (Sandoval, 1994, p. 67–68).
151
nacionais e até internacionais mediatizado pela Associação, sem perder suas características
básicas de "em movimento", como diriam os próprios educadores: dinamizando as energias
em favor de um mundo novo solidário – possível.
quinto momento – intercâmbio e articulações, para garantia e ampliação dos
direitos ocorre, não separadamente, mas inclusive como conseqüência dos anteriores e da
percepção de que sozinhos não poderemos nada. A busca de intercâmbios, articulações e
parcerias com outros grupos; movimentos, entidades não governamentais e até mesmo com
entidades governamentais, tornam-se fundamentais para garantir e ampliar direitos sociais.
Momento mediado por participação em reuniões, eventos coletivos, conselhos políticos
(educação e saúde), promoção de seminários, congressos, edição e distribuição de boletim
informativo de circulação interna entre os educadores populares sócios e educadores
populares parceiros articulados. Está se tratando da formação e participação de rede de
Educação Popular.
Os passos anteriormente descritos, foram possíveis de serem reconstruídos, re-
visitando os relatórios técnicos, documentos oficiais da ABHP, boletins informativos
(Dinamizando e Semelhante), onde se encontram as experiências dos educadores. A ABHP,
não os têm formulado nessa perspectiva. Conforme pode ser percebido nas transcrições
abaixo, metodologicamente, o grupo expressa uma forma pedagógica própria, mas em
comunhão com a metodologia manifestada nos diversos movimentos sociais, como
afirmávamos anteriormente. Em carta enviada ao boletim Dinamizando (1993), assim se
exprime Marialva, de Jarú–RO:
Os trabalhos da Pastoral da Saúde estão bem em todas as paróquias (Diocese de
JI-Paraná-RO). Tivemos o nosso curso diocesano em homeopatia com o grupo dos
agentes mais velhos. é um grupo de 4 anos de caminhada. Foram dias de
aprofundamento e avaliação. O grupo que participa das etapas do IPESP estavam
presentes pra ajudar no aprofundamento. João Carlos trabalhou Repertorização e
Miasmas. Foi muito rica a troca de experiências [...] conseguimos discutir muito a
questão da organização e luta no combate ao império da morte. Nossa bandeira de
luta deste ano é a participação ativa nos conselhos municipais de saúde [...]. (o
grifo é da Marialva).
Continuando, apontando para o rigor metodológico/pedagógico das ações teórico-
práticas do grupo, que tem consciência da articulação em rede a partir da realidade local,
porém, em responsável comunhão com o movimento maior:
63
O critério é geral. A formulação, no entanto, é sempre elaborada de acordo com a realidade de cada região.
152
[...] estamos sentindo a necessidade de começar a formação de um novo grupo, por
etapas, para facilitar o acompanhamento ao processo de formação [...] colocamos
alguns critérios para participação: 2 agentes por paróquia, que participam de
outros movimentos, que tenham uma iniciação em homeopatia e estejam
dispostos a ajudar na formação de novos agentes. Os agentes que participaram das
etapas no IPESP ajudarão na formação do grupo, com a assessoria daí. Assim
poderemos garantir a integridade do projeto da popularização da homeopatia e
experiência que vocês já têm. Não pretendemos começar de novo, e sim, dar
continuidade a um processo que está em andamento e somarmos as forças no
combate à doença e suas causas mais profundas [...]. (Dinamizando, 1993)
Metodológica e politicamente uma preocupação em valorizar os conhecimentos
existentes, a caminhada feita pelo grupo, sem se darem por satisfeitos, preparados e/ou donos
do saber. uma preocupação explicita em compartilhar conhecimentos, em aprimorar os
saberes e, especialmente, na formação continuada dos educadores (assessores), da formação
de novos educadores bem como da participação nos processos mais amplos da sociedade.
João é outro educador que demonstra em seus escritos, essa preocupação e “jeito de
fazer” voltada para a promoção da cidadania e da autonomia:
[...] estamos organizando um curso para um grupo de agentes novos. Os encontros
para estudos continuam sendo semanais [...] estamos discutindo uma forma de
descentralizar o nosso trabalho de treinamento dos agentes, pois em novembro
teremos mais 30 agentes trabalhando com homeopatia [...] estive 9 dias no Estado
do Paraná no curso de fitoterapia, onde pude conhecer alguns trabalhos
interessantes [...] aproveitando a oportunidade assessorei um cursinho para as
irmãs. Foi muito bom ter feito essa viagem! Estamos preparando agentes de nossa
equipe que irão plantar a sementinha da homeopatia em Roraima [...] isso é muito
bom para a Pastoral e para Diocese, essa partilha nos ajudará no nosso
crescimento [...]. (Dinamizando, 1993)
A vivência e troca de saberes com grupos similares, busca e partilha de conhecimento
interno, no grupo, e com outros grupos torna-se fonte primordial de crescimento. Esperamos
que uma “sementinha” plantada gere novos frutos tão bons ou melhores do que aqueles
plantados e colhidos. Assim, simbolicamente, ao falar de “plantar a sementinha em Roraima”,
João está na expectativa positiva dos resultados desse investimento que começa na preparação
de educadores (assessores populares) até a realização do trabalho no grupo solicitante e seus
desdobramentos no grupo e na própria equipe. Nesse grupo podemos perceber que o
conhecimento é fruto das vivências internas e das relações externas estabelecidas.
Uma forma de compreender o conhecimento, que mesmo sendo tão própria desse
grupo, não está desarticulada de uma forma de compreensão mais geral, comungada por
outros que compõem o movimento social. Podemos verificar essa afirmação, estabelecendo
153
um paralelo com outros grupos. Apresentamos aqui, a compreensão de conhecimento
formulada por educadores populares participantes do Sipep (Seminário Permanente de
Educação Popular), por ocasião de debate e avaliação do grupo, registrado em relatórios
técnicos internos e transcrito por Reinaldo Fleuri (2002):
Conhecimento é o produto de processos e vivências sociais em que os sujeitos e o
objeto, em relação, se constroem mutuamente. A construção desses sujeitos se dá na
medida em que, na relação entre eles e deles com a realidade, o acionamento e a
ampliação de percepções, conceitos, categorias acumuladas pela humanidade, em
razão das necessidades que gera, possibilitando a apreensão e o questionamento das
leis da estrutura e do funcionamento desse real. Ao atuar no sentido de satisfazer a
essas novas necessidades, a intervenção desses sujeitos sobre o objeto-realidade,
reconstruindo-o (FLEURI, 2002, p. 103).
O Sipep foi criado em 1987, pela Unijuí – RS.
Esta definição do conhecimento aparece como resultado de uma produção coletiva do
conhecimento. Um conhecimento novo, cheio de significações e percepções, advindas da
realidade e da diversidade de compreensões seja dos atores sociais populares, seja da
academia, dos intelectuais pesquisadores, mediatizados pelo mundo (FREIRE in FLEURI,
2002, p. 111).
Conhecer e compartilhar conhecimentos na Educação Popular não precisa de
formalidades. O conhecimento válido para a ação política é aquele que permite uma ação
transformadora da pessoa e da sociedade. Roberto, do Acre expõe deste modo, o sentido de
conhecimento para ele:
[...]o tem uma etiqueta de diploma, mas ajuda as pessoas a participar e
transformar. [...] O IPESP possibilita conhecer pessoas. Foi extraordinário
trabalhar junto à comunidade. A homeopatia foi a maior descoberta da minha vida.
Foi o início de uma caminhada que ainda não terminou. (GF, 2006)
O conhecimento para Roberto, não precisa reconhecimento legal atribuído pelo
"diploma". Para ele, o conhecimento significativo é aquele que coloca a pessoa em
movimento, que gera vida, que possibilita a busca de novos valores.
A perspectiva de transformação que se apresenta como ênfase e reincidência na fala
dos educadores populares da homeopatia, manifesta duas dimensões bem distintas, mas não
separadas.
Uma transformação pessoal:
154
Estou mais feliz agora do que quando mais jovem. Isso é a Homeopatia. (Dulce
Juina–MT – GF, 2006).
Para mim é um meio de transformação. Hoje eu tenho condições de falar, eu era
tímida, não conseguia falar. As pessoas com quem trabalhamos mudam e vem nos
procurar. Veja a transformação das pessoas que atendemos e a nossa também.
(Aurora – Juara–MT– GF, 2006).
Uma transformação social:
Ela (a homeopatia) serve para melhor auxiliar as pessoas, promover a
conscientização das pessoas, a fim de se formarem atores da própria situação. A
doença maior é o fato de não saber ser ator de seu próprio destino. (Roberto
Acre – GF, 2006 – o grifo é meu).
Como afirma Brandão (2003), no meio popular também se faz perguntas, se deseja
conhecer. Isto é pesquisa. Pesquisa que não se pauta pelo valor acadêmico, mas sim, pelo
desejo do conhecer para agir com mais segurança, para transformar. Quando Helena (in
memorin) diz que “pararia de fazer tudo”, a princípio parece que ela deixaria de trabalhar para
estudar. Mas quando afirma que pararia para “pesquisar, estudar e trabalhar”, nos remete à
reflexão sobre o que significa para ela trabalhar? Que trabalho, Helena pararia de fazer?
Parece-me que ela fala do trabalho remunerado, uma vez que em seguida, fala de outro
trabalho. Está se referindo ao trabalho comunitário voluntário, a serviço do outro, da vida.
Novamente surge a ambigüidade nos conceitos: o conhecimento que necessita de distinção
entre o popular “senso comum” e o “acadêmico” científico, e mais, o trabalho remunerado
(relação capital x trabalho) e o trabalho voluntário (relação trabalho x solidariedade).
Com a homeopatia pude conhecer cientificamente e vejo nela um instrumento de
transformação muito grande e nas mãos de pessoas simples. Isso trás ânimo e a
expectativa de que vale a pena. Se eu pudesse, eu
deixaria de fazer tudo e faria
isso. Pesquisar, estudar e trabalhar. (Helena – SC – GF, 2006).
Um conhecimento a serviço das pessoas:
"Há, por um lado, um auto reconhecimento como agentes de saúde militantes a
serviço da sua comunidade". "A alegria da gente é saber que com o pouco saber que a gente
tem a gente ajuda muitas pessoas" (SANDRA-BA), então, um reconhecimento que advém do
grupo, como aponta o IPESP/ABHP, respectivamente em seus textos base:
[...] é o grupo que legitima ou des-legitima as atividades do agente popular de
homeopatia, na medida em que o procura, e recebe dele a orientação necessária,
participando ativamente de todas suas atuações. Sua credibilidade advém de um
155
sistema de reciprocidade, de confiança, e aprovação das pessoas à sua atividade.
(Tx. B1, 1996; Tx. B2, 2007).
Ou, como nos aponta Irmã Odete, do Rio Grande Sul, conhecimento e
reconhecimento não se separam e quem atribui o valor e reconhece é sempre o outro. Seja no
discurso, seja na busca e recomendação de seus serviços, ou na mostra concreta de
solidariedade humana, quando as pessoas sensibilizadas com o sofrimento do outro se
responsabilizam levando-o até os locais de trabalho da pastoral.
Quem faz o reconhecimento do nosso trabalho não somos nós, é o povo que vai nos
procurar. Temos muitas pessoas recomendadas pelos seus médicos. Sentimos que
somos reconhecidos pelo valor do nosso trabalho. Aprendemos a trabalhar em
comunidade. As pessoas que falam de nós se referem às curas que obtiveram. Para
mim não é o conhecimento que adquiri, mas sim as respostas do povo que s
acompanhamos e tratamos. Um leva o outro. Muitas vezes o levadas por pessoas
que estão na rua. Além do remédio procuramos orientar para a qualidade de vida.
Nosso trabalho é bem familiar e nada formalizado. (ODETE Nova Esperança
RS – GF, 2006).
O conhecimento diz ADA (Juara MT) é fonte inesgotável e se em rede onde
todos ensinam e aprendem. Reafirma como os demais educadores, que o reconhecimento do
fazer e do conhecimento popular em saúde vem do outro.
Essa troca de trabalho [...] ninguém sabe mais que o outro [...] ninguém sabe tanto
que não possa aprender nem tão pouco que não possa ensinar. Aprender a escutar
traz coisas novas pra gente. Quem nos reconhece é o trabalho do outro, que busca,
que vem atrás e traz, formando uma rede de ajuda pra todos. (ADA Juara - MT
GF, 2006).
Ao afirmar constantemente que o reconhecimento advém do outro, pode parecer que
os educadores, sujeitos dessa pesquisa, não tenham percepção própria de seu conhecimento.
No entanto, em diversos momentos, suas falas apresentam uma nítida revelação de que se
auto-reconhecem capazes e dignos de reconhecimento.
[...] nosso trabalho está progredindo e com muita procura estamos atendendo
diariamente na sede do município [...] saiu uma reportagem da revista globo rural
sobre nosso trabalho em todos os sentidos, e os mesmos elogiaram muito nossos
trabalhos [...] em junho de 1995 nossos municípios recebeu a visita de uma equipe
da Organização Mundial da Saúde (OMS) com representantes de vários países
entre eles estava um médico homeopata de Honduras que visitou as dependências
de nossa farmácinha homeopática e aprovou a maneira e a Dinâmica de trabalho
[...]. (LENIR – Aratiba – RS – Dinamizando 12).
156
O auto-reconhecimento, no entanto, sempre carrega em si mesmo, o olhar do outro.
Constituímo-nos como sujeitos desde o olhar do outro, afirma Lacan:
Para que se aproprie da imagem, precisa que o Outro […] a reconheça, dizendo de
quem é esta imagem. É a partir desse reconhecimento, que vem do Outro, que se
constitui o eu ideal. O Outro, enquanto testemunha do estádio do espelho, regula a
estruturação imaginária do eu, pois é através do Outro que acontece a entrada no
registro simbólico. (LACAN in LEITE, 2007).
Ou ainda, poderemos nos remeter ao que nos aponta Stake (1998), que devemos
sempre desconfiar de nossas próprias percepções e compreensões e, por isso, recorrer
metodologicamente ao processo de triangulação, permitindo assim que outras opiniões e
concepções venham completar, corrigir ou alterar nossa própria concepção. Mesmo que essa
concepção seja com relação a nós mesmos ou aos outros.
Como neste capítulo estamos apresentando a compreensão dos próprios sujeitos sobre
seu “ser” e “fazer”, que se distingue para efeitos heurísticos e de construção
epistemológica, tomo em consideração a perspectiva stakiana, de triangulação, trazendo para
o debate, o parecer de Silvia Stering, pesquisadora do GPMSE, do qual participou como
observadora externa, por ocasião da realização do grupo focal com os sujeitos desta pesquisa.
Deste modo, mesmo que os educadores populares sempre remetam o seu
conhecimento e reconhecimento ao outro e que, por vezes, deixem transparecer seu auto-
reconhecimento, a visão de Silvia aponta novas perspectivas e reafirmações nessas
compreensões. Assim se refere Silvia Stering, a respeito das percepções dos educadores sobre
o reconhecimento:
[...] os entrevistados parecem não se preocupar com o reconhecimento vindo dos
outros. Eles próprios reconhecem a importância do trabalho para suas próprias
vidas [...] se sentem privilegiadas [...] importantes pelo fato de serem pessoas
simples do ponto de vista financeiro e por realizarem um trabalho importante via
homeopatia [...]. (STERING, 2006).
A capacidade de auto-reconhecimento apontada por Stering, talvez nos mostre a
capacidade desses educadores, de mesmo se reconhecendo capazes e dignos do que fazem
atribuírem ao reconhecimento vindo do outro como mais significativo, uma vez que sem ele,
não poderiam confirmar o seu autovalor. De maneira que é, na prática, no cotidiano, que
podem assegurar seu reconhecimento.
[...] os homens e mulheres que realizam a prática da homeopatia popular possuem
um conhecimento significativo quanto a Educação Popular, conhecimento este
157
adquirido através da prática efetiva na comunidade, de maneira sistemática [...].
(STERING, 2006).
Silvia ainda diz que eles continuam demonstrando em sua percepção, a maneira como
fazem da prática da homeopatia a prática da liberdade, da transformação e da ressignificação
da vida.
[...] se sentem atores do seu próprio destino; em na homeopatia a prática da
liberdade [...] um marco ao descreverem o antes e o depois da experiência junto à
prática da homeopatia popular [...] a prática exerce o poder de transformação e
ressignificação da vida de cada um; ainda que alguns participantes do grupo não
tenham concluído o ensino fundamental ou médio, todos são pesquisadores por
excelência; fazem da pesquisa uma atividade contínua [...]. (STERING, 2006).
Uma liberdade que é simultaneamente a libertação de uma condição (de não saber
de não existir) e o assumir de uma nova condição (de saber de existir) e de novamente, ter
que se submeter a essa, de não mais poder ignorar as condições impostas pela sociedade, e
assim, eticamente, não poder deixar de agir. Portanto, se refere, a uma ação transgressiva e
contra-hegemônica, ou, como afirma Sung (2002), uma afirmação do sujeito a partir da
“ausência” sentida e negada.
[...] a prática da Educação Popular imprime nessas pessoas o desejo de
transformação que acontece de dentro para fora; a vida na perspectiva dos
praticantes da homeopatia popular tem o sentido de doação, amor ao próximo,
solidariedade; são pessoas realizadas [...] úteis e felizes por poderem auxiliar o
próximo; o fato de não terem tido a oportunidade de realizar os estudos
sistemáticos, não os intimidam, aafirmam que
preferem estar do lado de da
academia [...]. (STERING, 2006).
A expressão “preferem estar do lado de da academia” parece expressar a
ambigüidade em que vivem os educadores que participando de um processo “formal” de
Educação Popular, e tomando consciência de sua condição de excluídos dos processos
educacionais convencionais, preferem afirmar-se "do de cá". Estar do lado de lá,
significaria assumir as contradições do processo, o sofrimento, e quem sabe, não está aí, a
contradição a não segurança de que se inserir na escola, levaria a mudanças substanciais; à
possibilidades de novas perspectivas de outra vida, com novas condições e consequentemente
à novas responsabilidades; ou se ao contrário, estar do lado de lá, na escola, confirmaria sua
exclusão. Talvez por isso seja melhor “ficar do lado de cá...”, desse lado a condição é
conhecida, não surpresas. O novo é ao mesmo tempo atrativo e ameaçador. Atrativo,
porque abre perspectiva, espaço para o projeto, para as novas possibilidades, ameaçador,
158
por que por um lado, essas possibilidades são desconhecidas e impõem responsabilidade e
compromisso e, por outro lado, por que pode não se concretizar, trazendo, ainda mais
sofrimento.
Na ambigüidade ou dialeticamente, o educador se mantém no processo pressionando
a si e ao outro, para um movimento de busca de superação do instituído - excluinte e
construção de um projeto democrático, permanentemente instituído de novos valores e formas
de participação para toda a sociedade, onde todos possam ter direito à voz e à vez. Um projeto
que começa na ação direta de cada um, nas novas relações que vão construindo
cotidianamente.
[...] entendem o tratamento homeopático como um tratamento democrático; a
homeopatia [...] é entendida como via de mão dupla, ambos os envolvidos se
ajudam [...] são extremamente críticas, portadoras do desejo de transformar a
realidade através da participação [...]. (STERING, 2006).
A construção deste projeto, passa pela construção de cada um, como sujeito e como
ator de seus destinos, como pôde perceber Sílvia em suas observações:
[...] a homeopatia é um trabalho voluntário; a homeopatia é uma soma de esforços,
trabalho coletivo [...] uma possibilidade de construção da consciência crítica, bem
como do resgate da dignidade e, sobretudo, da transformação do homem em sujeito
[...]. (STERING, 2006).
Ou ainda, como nos aponta Sherer-Warren (1999, p. 15), o sujeito:
[...] se constitui nas relações sociais, que inclui a autonomia, ou autocriatividade, e
a alteridade, ou o reconhecimento coletivo e referenciado por valores, que se
tornam socialmente relevantes nos grupos identitários e, às vezes universalizam-se.
A universalização pode assim, tanto se tratar do universo da ação realizada pelo grupo
que constitui as relações em uma dialética, indivíduo-coletivo; como de um universo
socialmente ampliado, onde os valores vivenciados no grupo vão ganhando reconhecimento
social e construindo uma nova cultura.
Conhecimento e (re)conhecimento, nas exposições acima se articulam
permanentemente, de forma que podemos dizer que o conhecimento não se sustenta por si só.
Fora dessa relação humana, culturalmente construída, precisa permanentemente do
(re)conhecimento que advém do outro e de si próprio. Constituir-se como sujeito e como ator
159
social, é conseqüência da percepção que cada indivíduo tem de seu meio e de suas relações
com o outro e com o mundo, e dos sentidos que a eles atribuem.
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que apresento aqui são (in)conclusões, ou melhor, são percepções que construí ao
longo da experiência vivida no IPESP/ABHP, desde a constituição do projeto, e que pude re-
construir no processo de estudo e pesquisa do Mestrado, realizado nesses dois últimos anos.
Reconstrução orientada pela metodologia escolhida, onde busquei estabelecer um
distanciamento calculado que me permitisse por um lado, ver o fenômeno educativo
desenvolvido, ouvir os sujeitos implicados no processo e ao mesmo tempo não me distanciar
tanto que não me permitisse continuar con-vivendo e com-partilhando da experiência. Quero
ressaltar que o Mestrado se constituiu, para mim e para os sujeitos envolvidos, em um
momento avaliativo. Isso por que nos permitiu rever a caminhada e perceber se a direção dada
e as atividades desenvolvidas no intuito de alcançar objetivos, muitas vezes imediatos, eram
compatíveis com os objetivos e princípios normativos da Associação, que orientam para uma
luta em busca da transformação estrutural da sociedade.
Quais as coisas mais relevantes, que tendo sido aprendidas durante minha vida no
IPESP e na ABHP, retornaram à minha consciência e foram re-significadas durante esta
pesquisa?
1. A ABHP se propõe a ser um espaço de diálogo entre o saber técnico-científico e o
saber popular no campo da saúde, seja nos aspectos técnicos, como nos aspectos
políticos. Isto foi possível de se verificar tanto pelo expressivo número de técnicos
associados, como nos que, de alguma maneira, contribuíram com o processo
educacional desenvolvido em todos os espaços dos quais a Associação proveio
(IPESP; cursos regionais; congressos).
2. A parceria dialógica entre o saber popular e o saber técnico-científico vem
proporcionando uma evolução de ambos os saberes. À medida que, por um lado, tem
contribuído para a conquista da autonomia pessoal e grupal dos educadores populares
envolvidos, por outro, tem se constituído em espaço de confronto teórico-prático para
161
a academia, que tenta reconhecer e sistematizar os parâmetros político-metodológicos
dessa prática educacional e empírica dos movimentos sociais.
3. O projeto de Educação Popular estudado apresenta, efetivamente, conforme pude
perceber nos documentos e depoimentos pesquisados, um perfil de movimento social,
segundo as categorias elencadas em Scherer-Warren, Mellucci; Fernández Buey, etc.
O Projeto mostra, por sua história, capacidade de se redefinir em sua identidade,
rearticular-se frente aos processos avaliativos da conjuntura e das demandas sociais
(Pastoral da Saúde Popular; Igreja do Rosário e São Benedito; IPESP; ABHP) sem, no
entanto, perder os princípios normativos fundamentais onde estão previstos a
transformação social, a ética, a solidariedade, a justiça, a vida.
4. Existe uma metodologia própria da ABHP que se repõe historicamente nesse projeto,
reportando a uma metodologia da Educação Popular mais ampla no que se refere à
valorização do saber pré-existente. Assim, a teoria a partir da prática, a avaliação da
conjuntura, a ação e o saber intencionados para a transformação social, as práticas de
saúde anti-hegemônicas, a estratégia no enfrentamento das crises, a formação
permanente do coletivo, a busca de emancipação e autonomia, o viver-aprender-
ensinar-trabalhar fazem parte do mesmo processo.
5. A Educação Popular desenvolvida tem proporcionado a constituição de sujeitos e de
atores sociais para a cidadania? Os depoimentos, as histórias de vida e relatos
demonstram de diversas maneiras como esses educadores sujeitos da pesquisa
foram se apercebendo da realidade, no caso específico, da saúde e, a partir dessa, da
sociedade em geral. Assumiram uma postura crítica frente ao processo de exclusão no
qual se encontravam ou se encontram submetidos e partiram para a procura de
soluções coletivas, a partir de seus grupos e comunidades. Sejam elas, soluções
imediatas para aliviar a dor, curar-se e curar o outro de uma enfermidade; soluções a
médio prazo na luta, nos conselhos, pelo direito à saúde pública e complementaridade
na saúde; seja a longo prazo na busca de mudanças estruturais da sociedade
(participação em partidos políticos, pleiteando cargos políticos, articulando-se com
outras organizações sociais para somar forças, etc.).
6. Conhecimento e (re)conhecimento se articulam e se constituem em ferramentas
(instrumentos) de transformação nas mãos e na vida daqueles que intencionadamente
buscam construir uma sociedade justa e fraterna para todos. Os sujeitos desta pesquisa
162
se reconhecem portadores de um saber popular histórico, alguns com exemplos
familiares ou de pessoas próximas. Esse saber vem sendo repassado de geração em
geração, por meio das histórias contadas pelos pais e socialmente compartilhadas,
gerando referência e identificação histórica do trabalho que realizam. Sabem-se
portadores de um direito ao uso desse saber, em seu benefício e em benefício do outro.
Confiantes nesse saber, enfrentam com segurança as adversidades dos processos,
procurando formas legais e legítimas de se defenderem e de se auto-afirmarem como
sujeitos dessa história. A ABHP é fruto dessa consciência e dessa luta pelos direitos.
7. (Re)conheço que os participantes da Educação Popular percorrem etapas semelhantes
no processo de descoberta, construção e articulação do conhecimento e
(re)conhecimento. Para mim, a existência de um grupo com referenciais utópicos de
transformação social foi importante e significativo como seta que, por um lado, aponta
saídas e, por outro, vai descortinando a realidade opressora. Os depoimentos dos
educadores populares demonstram também, como o IPESP e a ABHP, como
instituições, e alguns educadores (assessores) têm se tornado fundamentais no
desenrolar do processo de libertação de cada um. Esse movimento de
(re)conhecimento do outro como significado de nossas próprias escolhas, dando
sentido à nossas escolhas, mostra-se presente especialmente naqueles que
compreendem que é na relação com o outro e com o mundo, que nos constituímos
como sujeitos. Os depoimentos, relatos e a metodologia empreendida no grupo
pesquisado, com todas as contradições, demonstram sinais dessa consciência.
8. Aprendi que de nada adianta um grande projeto de transformação social, se este não
contempla as diferenças e as pessoas como elas são e se não estiver articulado com as
mais urgentes necessidades do cotidiano, da vida material e espiritual. Projeto de
transformação tem que ser vivido, saboreado, em pequenas vitórias no dia-a-dia, não
pode ser distante e inalcançável.
9. Compreendi que sem utopia não transformação pessoal, nem social. A utopia, ou a
coragem de um grupo que em 1981 ousou sonhar com um projeto de sociedade
igualitária e que escolheu a Educação em saúde como campo privilegiado de sua ação;
nela escolheu a valorização do conhecimento da homeopatia que existia, mas que
era negada; a produção coletiva de novos conhecimentos a partir do passado e das
necessidades do presente; a construção do novo homem, como instrumento de
libertação e de formação de uma nova sociedade, já começa a dar sinais.
163
10. uma construção coletiva de cultura de solidariedade e compromisso social. Os
depoimentos demonstram que novos valores e culturas estão sendo gestados. Marialva
costuma dizer “quando nos encontramos para estudar, para tomar decisões, as coisas
fluem, parece que existe assim, uma sinergia que nos conduz para o mesmo lugar,
para os mesmos objetivos”. Trata-se da criação de uma cultura que orienta para certa
direção, propósito, meta, uma utopia comum.
11. Não importa as razões pelas quais se faz a escolha pela “luta coletiva” e pela
“transformação social”, o que importa são as razões pelas quais, assumindo a luta, nela
permanecem. Uma vez que essas suplantam o limite do interesse individual.
Ultrapassam o individual, mas não o ignoram. Adversamente, partem da participação
de cada um, na sustentação da luta coletiva. Tanto os documentos formulados pela
instituição, quanto os depoimentos do grupo apontam sem qualquer dúvida, a presença
deste critério, ao definir as razões que sustentam o trabalho. Trago aqui a citação
utilizada no corpo deste trabalho, pois entendo que ela articula com clareza, dimensões
individuais e coletivas que sustentam a prática de Educação Popular do grupo:
[...] a descoberta que sempre há algo mais a fazer pela vida, a , a solidariedade,
a política, a caridade, a compaixão, a realização pessoal de ver o outro sair do
sofrimento, o reconhecimento pelo trabalho realizado, a reciprocidade, a re-
elaboração permanente do conhecimento, o desejo de mudança de vida, a justiça,
a procura individual pela saúde plena sua e de sua família que se desdobra no
social, a busca da melhoria da qualidade de vida; a descoberta de um novo sentido
de vida. (Tx. B2, 2007, p.11). [Grifo nosso].
12. A escolha pessoal pelo coletivo, por valores da solidariedade, gera um processo
constante de busca do caminho de “emancipação” e liberdade, que relativiza onde as
pessoas se encontram, o que importa é a busca incessante de uma sociedade justa para
todos. Os educadores populares da homeopatia demonstram essa “autonomia” quando
permanecem na luta pela vida onde estiverem no recriar, a partir das condições
existentes. Muitas vezes em situações de imensa precariedade e pobreza, a
organização e a luta pela vida, sem se deixarem amarrar pelas carências, perseguições,
e ao mesmo tempo sem vínculos de dependência, sem necessidade de autorização de
quem quer que seja, inclusive da própria ABHP. São protagonistas que se co-
responsabilizam pela sua história, sua vida e da vida dos demais.
13. Os educadores de uma forma geral têm um importante papel de formação na rede da
ABHP. Eles são valorizados pelo papel relevante que exercem, possibilitando o mútuo
164
reconhecimento existente entre os membros da Associação os quais tecem uma trama
que a todos autoriza e faz com que todos se sintam por sua vez autorizados,
legitimados e fortalecidos na perspectiva da luta pela saúde, de modo que os
educadores superem o estreito limite dos processos institucionais. A cultura médica
oficial hegemônica costuma se arrogar o direito de impor às pessoas que se regulem
no campo da saúde, dentro das normas estabelecidas. E o que es estabelecido?
Direito reconhecido e atribuído constitucionalmente de as pessoas esperarem a saúde
como presente dos agentes e das agências instituídas, instâncias que teriam função
específica, com direito à privatização do conhecimento e o controle da prática de
tratamento e recuperação da saúde de todos. Nessa esfera institucional são
determinadas as formas, meios, medicamentos, ações, cabendo ao “paciente”, o papel
de se submeter, sem questionamentos, sem recusas, acatando as orientações vindas do
conhecimento regulamentado e competente, e, portanto, reconhecer e conformar-se
com a desigualdade e sua incompetência. A cultura de saúde estabelecida possui, por
isso, um conhecimento dominador, explorador, que torna as pessoas objetos e não
sujeitos, alienando-as de si mesmas. Diferente da cultura que os educadores populares,
sujeitos desta pesquisa vem construindo em seus grupos e comunidades.
14. Na esfera da Pedagogia da ABHP partindo de uma concepção política crítica, o grupo
se pauta em princípios éticos, de se contrapor ao regime legal, que rege a saúde
pública no Brasil, considerado como legal, mas ilegítimo, porque é injusto,
discriminador e perverso, na aplicação prática e na condução das políticas públicas e
na distribuição de serviço e acesso das descobertas científicas, que possuem validade e
importância na medicina oficial alopática. Aliás, reivindicamos o acesso por direito a
ela, mostrando a fragilidade da autocracia médica, o perigo da atuação
plenipotenciária do agente técnico, médico, muitas vezes utilizado como objeto dos
grandes grupos econômicos que atuam na saúde e na conhecida “indústria da doença”.
Tanto no texto base do IPESP como atualmente no texto base da ABHP, são
veementes em dizer que, a saúde é demasiado importante para ser atribuída a um setor
especializado, e que ela é, por isso, tarefa de direito subjetivo a ser compartilhada por
todos.
165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Cecília Cardoso. Ciclos de formação: documento orientador da organização dos
espaços e dos tempos nas escolas municipais de Jaciara. Revista de Educação de Jaciara nº 1,
ano 1. Jaciara – MT: Editora e Gráfica Atalaia, 1998.
______________________. Educação Infantil e Ensino Noturno: possibilidades e
construções através dos ciclos de formação. Revista da Educação. Jaciara, PMJAC, 2,
1999.
AMARAL, Edna F., PASSOS, Luiz A. Homeopatia: a cura pelos semelhantes. 4ª ed.,
Cuiabá: Masiero Impressões Gráficas, 2003 (Coleção a cura pelos semelhantes – módulo I).
ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 1989.
ARROYO, Miguel G. Educação e Cidadania na América Latina. Revista de Educação
Pública. Cuiabá: v. 11, n.19, jan – jun. 2002. p.343 – 357.
ARRUDA, M. L. M. Plantas Medicinais: conhecimento popular x conhecimento
científico. UFMT/IE, 1997, p.290.
BIKLEN, Sari; BOGDAN, Roberto. Investigação qualitativa em educação. Uma introdução
à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.
BRANDÃO, Carlos Estevão. A pergunta a várias mãos. A experiência da pesquisa no
trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003. (série saber com o outro; v.1).
________________________. Educação Popular. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
[Primeiros vôos].
________________________. O que é educação? 31. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
[Coleção Primeiros passos; 20].
BOFF, Leonardo. http://carosamigos.terra.com.br/outras_edicoes/grandes_entrev/boff.asp.
visitado em 10/10/2007.
BORDENAVE, Juan E. Dias. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção
primeiros passos).
CARVALHO, Antonio Ivo de. Conselhos de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro, 1994
(Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública para obtenção do
grau de Mestre).
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência. Aspectos da cultura popular no Brasil. São
Paulo: 6ª ed., Brasiliense, 1994.
166
_______________. Os sentidos da democracia e da participação. in Revista Polis 47. São
Paulo, 2005.
_______________. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo:
editora Moderna, 2003.
CIAMPA, Antônio da Costa. A História do Severino e a História da Severina: um ensaio de
psicologia social.o Paulo: Brasiliense, 1996.
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no
Brasil pós70. Rio de Janeiro: Relume, 1995.
DUSSEL, Enrique. 20 Teses de política. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias
Sociales CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, 2007. Traducido por: Rodrigo Rodrigues
(Pensamento social latino-americano dirigida por Emir Sader).
FERNÁNDES BUEY, Francisco. Redes que dan Liberdad: Introducción a los nuevos
movimientos sociales. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica S/A, 1985.
FLEURI, Reinaldo Matias. A questão do conhecimento na Educação Popular: uma
avaliação do Seminário Permanente de Educação Popular e suas implicações
epistemológicas. Ijuí: Editora Unijuí, 2002 (Coleção educação).
_____________________. Entre o oficial e o alternativo em propostas curriculares:
olhares, conexões e problematização a partir da Educação Popular. 23ª Reunião Anual da
ANPED. 26/09/00, Caxambu – MG. Acessado em 16 de janeiro de 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 9 ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1998.
____________, 1921–1997. Política e Educação: ensaio / Paulo Freire. ed. São Paulo,
Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época; v. 23).
FREUD, Sigmund. Interpretação dos sonhos in: Obras Completas de Sigmund Freud.
Volume III. Traduzido pelo Dr. Odilon Gallotti. Rio de Janeiro: Editora Delta S.A, s/d.
_______________. O futuro de uma ilusão in: Obras Completas de Sigmund Freud. Volume
III. Traduzido pelo Dr. J.P. Porto-Carrero. Rio de Janeiro: Editora Delta S.A, s/d.
GÓES, Rosangela C. Instituto Pastoral de Educação e Saúde Popular (IPESP): um
trabalho de Educação Popular produzindo Conhecimento e Rede de Solidariedade.
Dissertação de Mestrado. UFMT, 2002.
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais. São Paulo: Loyola, 1995.
___________________. Teorias dos novos movimentos Sociais: paradigmas clássicos e
contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
___________________. http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev19/gohn.htm visitado em
10/03/2008).
GRAMSCI, A. 2000, vol. 3, p. 201. Caderno de Cárcere. Tradução de Mario A. Manacorda.
Versión castellana de Carlos Cristos. Madrid: Istmo, Barcelona: Hogar del libro, 1985.
GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
167
GRIGNON, Claude. Cultura dominante, Cultura Popular e Multiculturalismo Popular. In
Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação. T. T. da
SILVA (org.) Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GUTIÉRREZ, Francisco. A procura de sentido na Educação: três itinerários, três
aproximações. in Questões do Século XXI, tomo I/ José Eustáquio Romão, José Eduardo de
Oliveira Santos, (coordenadores). São Paulo: Cortez, 2003, p. 38 47. (Coleção Questões da
nossa época; v.100).
KENT, James Tyler. Filosofia Homeopática. Buenos Aires/Argentina: Editorial Albatroz,
1990.
LACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In Escritos. Trad.
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. [Campo Freudiano no Brasil]. p. 237324.
LAJONQUIÈRE, L. De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens. Petrópolis,
Vozes, 1993.
LARROSA, Jorge. Conferencia de apertura del I Congreso Internacional sobre Pesquisa
(Auto)biográfica celebrado en Porto Alegre (Brasil) en septiembre de 2004.
LARROSA, Jorge & Skliar, Carlos (orgs.). http://edrev.asu.edu/reviews/revp2.htm visitado
em 10/10/2007).
LEITE, Maria. http://psicanaliselacaniana.blogspot.com/2007/07/o-sujeito-na-teoria-
lacaniana-o.html. visitado em 10/10/2007.
LIZANA, Clemente. A questão do corpo nos movimentos populares. In: Cadernos do CEAS;
134. Salvador – BA, jul. – ago/1991.
MARTINS, Jo de Souza. Dilema sobre as classes subalternas na idade da razão. In
Caminhada no chão da noite. São Paulo: Hucitec, 1889.
MARX, KARL. O Capital
Crítica da Economia Política. Tradução de Reginaldo Sant'Ana. Livro 1,
Volume 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971.
MATSUBARA, Marilda C. E. Movimentos populares urbanos e o processo de organização
social: experiência do grupo de saúde popular no bairro Alvorada. UFMT/IE, 1994.
MAUSS, ........
MELO, Maria Lúcia de Almeida. Subjetividade e Conhecimento. Miradas
psico(educacionais). São Paulo: Vetor, 2002.
MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades
complexas. Petrópolis: Vozes, 2001.
MUNCK, Geraldo. Formação de atores, coordenação social e estratégia política:
problemas conceituais do estudo dos movimentos sociais. In: Rev. Dados, v. 40 n. 1, RJ,
1997.
NOLASCO, R. S. Teatro, cultura e educação: uma experiência de teatro comunitário.
UFMT/IE, 1998.
NUÑEZ HURTADO, Carlos. Educar para transformar, transformar para educar:
comunicação e Educação Popular. Trad. Romualdo Dias. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
ORWELL, George.
www.jahr.org - www.ebooksbrasil.com – visitado em 03/11/2007.
168
O Pensador www.Google.com/i.ehow.com/.../Rodin-Thinker-main_Full.jpg pesquisado
em 25/08/2008.
PASSOS, L. A.; AMARAL, E. F. Homeopatia Popular: caminho de transformão. Texto
base produzido pelo IPESP – Instituto Pastoral de Educação em Saúde Popular. Cuiabá, 1996.
PASSOS, L. A. Memorial de um Pároco de uma aldeia-quase-cidade. 2008 (No prelo).
____________. In XIV ECODEQ Função social do Ensino das Ciências Naturais e
Matemática: reencontro com nossa própria humanidade. Encontro do Centro Oeste de
Debates sobre o Ensino de Química: Na Confluência dos Saberes: Educação em Ciências,
Diversidade Cultural e Tecnologias. Cuiabá: Anais. ICET. 2005. p.31 – 37.
PASUCH, Márcia Cristina. Estudo da pedagogia política dos guardiões da cidadania de
Alta Floresta. UFMT/IE, 2004.
PEREIRA, William César Castilho. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria,
método e prática. Belo Horizonte:Vozes: PUC Minas, 2002
POLETTO, Ivo. Reflexões sobre o saber e o poder. In: Cadernos do CEAS; n°.124. Salvador–
BA, nov – dez/1989.
PORTAL CAPES http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp visitado em
2006.
RISCAROLLI, Eliseu. Educação liderança e consciência política de mulheres
camponesas. Dissertação de mestrado. UFMT/IE, 1998.
ROCHE, Chris. Avaliação de Impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar as
mudanças. [edição adaptada para o Brasil ABONG; Tradução: Tisel Tradução e Interpretação
Simultânea Escrita]. São Paulo: Cortez: ABONG; Oxford, Inglaterra: Oxfam, 2000.
RONDAS, Augusta. Psicanálise e educação: caminhos cruzáveis. Brasília: Plano Editorial,
2004.
ROSENFIELD, Denis. O que é democracia. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção primeiros
passos; p. 219).
SAINT-MARTIN, Juracyr G.A. O Direito nas Terapias Naturais. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2006. p.312.
SANTOS, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício das
experiências. São Paulo: Cortez, 2000.
SCHERER-WARREN, Ilse & KRISCHKE, P. Uma revolução no cotidiano? Os novos
movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1987.
SCHERER-WARREN, Ilse. Redes e movimentos sociais. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1996.
______________________. Movimentos sociais e a dimensão intercultural. In Intercultura e
Movimentos Sociais. Reinaldo Matias FLEURI (org.). Florianópolis: Mover, NUP, 1998. p. 31–
32.
______________________. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da
globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.
______________________. Educação e Diálogo Intercultural. In Revista de Educação
Pública. Cuiabá: UFMT, v. 11, n. 19, jan – jun. 2002. p. 31 – 41.
Stake, Robert. E. Investigación com estúdio de casos. Traducción de Roc Filella.
169
Madrid: Ediciones Morata, S. L., 1998.
Silo.net. http://mensagemdesilo.no.sapo.pt/exp_8.htm – visitado em setembro 2006.
STRECK, Danilo R. Pedagogia no encontro de tempos: ensaios inspirados em Paulo
Freire. Petrópolis: Vozes, 2001.
_________________. A Educão Popular e a Reconstrução do Público. fogo sobre as
brasas? Revista Brasileira de Educação. Campinas, v. 11, n. 32, 2006. p. 272 – 284.
SUNG, Jung Mo. Sujeito e sociedades complexas. Petrópolis: Vozes, 2002.
_____________. Sujeito como transcendentalidade ao interior da vida real: um diálogo
com o pensamento de Franz Hinkelammert. Cadernos do IFAN, Bragança Paulista, 20
2000. p.47 – 66.
TORRES, A. Mobilização por Escola e Consciência Política: o caso do bairro Bela Vista.
Doutorado em Ciencias de La Educación. Orientador: Francisco Fernández Buey.
Universidad Autonoma de Barcelona, U.A.B., Espanha, 1992.
__________. Mato Grosso em Movimentos: ensaios de Educação Popular. Cuiabá (MT):
EdUFMT, 1994. v.1, p. 353.
__________. Educação em Movimentos Sociais: novos atores, novos desafios. Revista de
Educação Pública, Cuiabá, MT, v. 14, n. 25, p. 155 –168, 2005.
VALLA, Victor Vincent. Educação Popular e Saúde: a religiosidade popular como expressão
do apoio social. In 20 Anos de Educação Ambiental pós Tx. Bilisi. Simpósio Brasileiro de
Educação Ambiental. Hedy Silva Ramos de VASCONCELLOS e Speranza França da MATA
(orgs.). Rio de Janeiro: PUC–RIO / UFRJ, s/d.
_____________________ (org.). Saúde, Educação. Rio de Janeiro: PP&A Editora, 2000.
_____________________. Apoio Social e Saúde: buscando compreender a fala das classes
populares. In. COSTA, M.V. (org.). Educação Popular hoje. São Paulo: Loyola, 1998a.
_____________________. Movimentos Sociais, Educão Popular e intelectuais: entre
algumas questões metodológicas. In Intercultura e Movimentos Sociais. Reinaldo Matias
FLEURI (org.). Florianópolis: Mover, NUP, 1998b. p. 187 – 198.
_____________________. A crise de interpretação é nossa: procurando compreender a
fala das classes subalternas. In Educação & Sociedade. Porto Alegre v. 21 n. 2; jul. dez.
1996. p. 179 – 188.
VILELLA, Hugo. La educación popular bajo el orden neoliberal. Amerinda Estúdios
Ediciones. Santiago – Chile, ago/1993. Xérox.
VIGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo, Martins Fontes, 1994.
170
FONTES DOCUMENTAIS DA PESQUISA
DOCUMENTOS OFICIAIS DO IPESP
LIVROS OFICIAIS
Livros de Atas de Fundação do IPESP
Livro de registros de reuniões da Diretoria
RELATÓRIOS TÉCNICOS
Relatórios de cursos e seminários escritos e arquivados.
Relatório do seminário IPESP NOVOS RUMOS” digitalizado e guardado em
CD´s e no próprio computador.
Relatório de avaliação dos 10 anos do IPESP – realizado com assessoria de
Cecília Cardoso Alves.
Relatórios enviados à CEBEMO e BILLANCE – órgãos financiadores.
Relatório de pesquisa do IPESP (transcrição das 99 entrevistas realizadas
correspondente a mais de 2000 páginas transcritas).
PRODUÇÕES GRÁFICAS
Coleção “A cura pelos semelhantes” – Módulo I e Módulo II
Matéria Médica em Linguagem popular.
Texto Base (Tx. B1), 1996.
Homeopatia e verminose.
Boletim Informativo “DINAMIZANDO”
Coleção Boletim informativo DINAMIZANDO (1 ao15), encadernado por
ocasião do 1º Congresso de Homeopatia Popular.
Pastas de arquivo contendo os Boletins nºs 16 a 26 (última produção de boletins
do IPESP).
ARQUIVO DE FOTOS
Álbuns de Fotografias que contam a sua história:
Álbum 1 desde as primeiras reuniões da Pastoral da Saúde da Igreja do Rosário
e São Benedito;
Álbum 2 – do início e processo de formação e atividades do IPESP;
Álbum 3 – da fundação à atualidade da ABHP,
Álbum específico (conjunto de 3 álbuns) de registro das viagens realizadas no
processo de pesquisa realizado em 1999, por Marileuza.
171
DOCUMENTOS OFICIAIS DA ABHP
LIVROS OFICIAIS
Livros de Atas de Fundação do IPESP
Livro de registros de reuniões da Diretoria
Livro registro de assinaturas em Assembléias e Congressos.
RELATÓRIOS TÉCNICOS
Relatórios de cursos e seminários
Relatório da pesquisa realizada em 1999;
PRODUÇÕES GRÁFICAS
Boletim Informativo “O SEMELHANTE” Pasta com os nºs 1 a 15. Texto Base (Tx.
B2), 2007
ARQUIVO DE FOTOS
Álbuns de Fotografias que contam a história:
Álbum 1 – Fotos do 1º Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular/1996 e
primeiras Assembléias;
Álbum 2 Fotos de Assembléias, cursos, seminários e demais atividades
realizadas pela nacional e regiões.
Fotos digitais em CD´S
Fotos de eventos congressos, assembléias, cursos, seminários realizados pela
ABHP.
Fotos de eventos – cursos e registros de experiências em outras regiões do país.
172
APÊNDICE 1
Tabela Quantitativa de Sócios por Estado/Categoria
Estado
S.
Fundador/Ag
.
S. Agente
Popular
S.
simpatizant
e
S. Pratico
da Hom.
C. não
especificad
a Masculino
Feminino Total
AC
2 1 0 0 0
1 2
3
AM
1 20 0 0 0
3 18
21
AP
0 2 0 0 0
0 2
2
BA
0 12 0 1 1
5 9
14
CE
0 0 0 0 1
1 0
1
ES
1 46 3 5 11
15 51
66
GO / DF
0 6 1 1 3
4 4
11
MG
2 21 0 20 15
33 25
58
MS
4 25 3 1 1
6 28
34
MT
36 121 12 6 26
34 167
201
PE
1 1 0 1 1
1 3
4
PI
0 1 0 0 0
0 1
1
PR
2 33 0 1 10
11 35
46
RJ
1 13 2 10 45
24 47
71
RO
9 269 10 6 14
71 237
308
RR
0 29 3 0 2
8 26
34
RS
7 70 2 1 4
14 70
84
SC
2 51 1 2 4
9 51
60
SP
0 2 0 2 6
2 8
10
Angola
0 4 0 0 1
0 5
5
Portugual
0 0 0 1 1
1 1
2
Alemanh
a
0 1 0 0 0
0 1
1
Colombia
0 1 0 0 0
0 1
1
OUTROS
0 5 1 0 13
19
Total 68 734 38 58 159 243 792 1057
Obs: Como OUTROS são designadas: entidades, pastorais, instituições e dioceses associadas.
Fonte: Banco de dados eletrônico da ABHP.
173
ANEXOS – TESTEMUNHOS
Testemunho 1 – Condeúba – Bahia
"N.S.O. é uma criança que tem hoje 8 anos de idade, desde pequenininha comou a ter
crises de falta de ar todas as vezes que gripava, eram crises fortes de ficar internada. Quando
começou as crises tinha um espaço mais longo de tempo para repetir. O tempo foi passando e as
crises foram repetindo com mais freqüência, isto é, com até 15 dias depois. Conversando com
uma amiga que trabalha com homeopatia, uma pessoa bastante segura de seu trabalho me
orientou da seguinte forma: que ela deveria começar a fazer um tratamento com a homeopatia; e
graças a Deus deu certo. As crises foram diminuindo, o espaço de tempo para repetir também, a
gravidade do problema, isto é, não sendo mais necessário ficar internada. As crises foram
ficando fraquinhas até que agora não tem mais crises graças a Deus, esse tratamento para
mim foi de grande valor, e quero dirigir a todas as mães que passam por esse problema que faça
como eu e será recompensada.
Um abraço carinho da mãe de N.S.O".
Testemunho 2 – Condeúba – Bahia
"A partir de um ano de idade a primeira vez que começou com uma gripe e tosse com
catarro e logo depois teve uma crise de falta de ar que levava ao médico e tomava inalação até
ficar melhor, dava estas crises constantemente. Começava a tossir e logo depois começava as
crises, eu estava ficando desesperada de ver meu filho sentindo essas crises e com tanta
aflição levava ao médico melhorava alguns dias e depois começava tudo de novo. Um belo dia
vindo da escola com meu filho vim conversando com uma amiga e lhe contei o meu problema,
174
ela me aconselhou a procurar a pessoa que trabalhava com homeopatia, porque ela enfrentava o
mesmo problema com seu filho e por meio da homeopatia hoje seu filho estava curado. Antes
de tomar a homeopatia ele tomava o xarope, usava bombinha e nada adiantava, a garganta
também, vivia inflamada, hoje graças a Deus ele está curado. Eu sou Evangélica, mas
acredito na homeopatia e divulgo para todos meus amigos o poder de cura que a homeopatia
tem, porque ela cura de verdade não é tranqüilizante que você toma melhora e logo depois
começa tudo de novo. Agradeço ao meu bom Deus porque encontrei esta grande graça,
aconselho a todas as mães que sofra com esse problema para procurar a homeopatia.
Um abraço desta mãe muito feliz".
Testemunho 3 – Jarú – Rondônia
N.C.P. 46 anos. "Faço uso da homeopatia a quatro anos. Comecei a tomar desde que
meu pai faleceu. Neste dia alguém me deu umas gotinhas sem nenhum gosto, deram a mim,
minhas irmãs e minha mãe. Até eu não conhecia a homeopatia. Diante de tanto desespero,
comecei a perceber uma serenidade e equilíbrio emocional. Pude até ir ao cemitério. Coisa que
eu jamais pensei em conseguir. Daí, comecei a tomar para outras doenças. Hoje faço tratamento
para menopausa. Tomo Propianato de testosterona, Hipófise, Foliculina, Ovarium, Lilium
tigrinum e estou me sentindo muito bem. Bem de saúde e bem de bolso".
Testemunho 4 – Jarú – Rondônia
M.P.S. 52 anos, casada, 4 filhos. "Desde muito pequena, eu ouvia falar de homeopatia. Na
época meu pai e minha mãe, tinham algumas homeopatias guardadas. Durante um bom tempo
fiquei sem ouvir alguém falar de homeopatia, até eu vir morar aqui em Rondônia. Daí para cá já
faz uns 13 anos que eu e minha família tomamos homeopatia. Agora estou fazendo tratamento
para menopausa e estou me sentindo muito bem. Durante um ano tomei as seguintes
homeopatias: Lacheses, Hipófise, Foliculina, Tirioidinum, Ovarium, Luteina. Sinto-me muito
feliz por ter pessoas como vocês. Agentes da Pastoral da Saúde, que ajudam as pessoas quando
precisam".
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo