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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PPGE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE
Linha de Pesquisa: Educação e Meio Ambiente
(MANAÃ) CANOA PANTANEIRA DO RIO PARAGUAI:
MANIFESTAÇÃO CULTURAL NA COMUNIDADE POTREIRO,
CÁCERES, PANTANAL MATO GROSSENSE.
Celso Ferreira da Cruz Victoriano
CUIABÁ-MATO GROSSO
2006
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1
CELSO FERREIRA DA CRUZ VICTORIANO
(MANAÃ) CANOA PANTANEIRA DO RIO PARAGUAI:
MANIFESTAÇÃO CULTURAL NA COMUNIDADE POTREIRO,
CÁCERES. PANTANAL MATO GROSSENSE.
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós Graduação em Educação, da
Universidade Federal de Mato Grosso,
como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação da
Professora Drª. Miramy Macedo, da
área de concentração Educação,
Cultura e Sociedade na Linha de
Pesquisa Educação e Meio Ambiente.
CUIABÁ-MATO GROSSO
2006
Foto: VICTORIANO, C, 2005.
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2
Prof. Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira
Examinador Externo (UNICAMP)
Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes
Examinador Interno (UFMT)
Profª. Drª. Miramy Macedo
Orientadora (UFMT)
Cuiabá, 08 de março de 2006.
DISSERTACAO APRESENTADA À COORDENACAO DO PROGRAMA DE POS-
GRADUACAO EM EDUCAÇÃO DA UFMT.
3
A Feliciana da Cruz Silva, na figura
de uma chimbuva que perpetue para
o fazimento das canoas
.
4
AGRADECIMENTOS
A Profa. Dra. Miramy Macedo, pela orientação, atenção e apoio durante o processo
desta pesquisa.
Em especial, agradeço ao Senhor Joaquim Santana da Silva, por aceitar o desafio
de participar juntos nesta construção dialógica científica, principal ator deste
trabalho.
Meus agradecimentos aos professores do Programa de Pós-Graduação,
especialmente, Suise Bordest, Michèlle Sato, Marta
Maria Pontin Darsie,
Germano
Guarim Neto, Cleomar Ferreira Gomes pelas valiosas sugestões.
À Coordenação do Programa Integrado de pós-graduação do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso, em especial aos técnicos administrativos
Mariana Serra Gonçalves e Jeison Gomes dos Santos pela atenção e
profissionalismo prestados.
A Universidade do Estado de Mato Grosso pelo apoio durante esta caminhada.
Aos adoráveis professores Ubiratan D’Ambrósio, Eduardo Sebastiani Ferreira e
Marineusa Gazzetta pelas preciosas orientações.
A Rogério Benedito da Silva Anez, que muito contribuiu para meu crescimento
científico e intelectual.
As professoras Emília Darcy Motta Cuyabano, Ermerita Luiza Sandoval Tedesco,
Maria Antonia Carnielo e ao professor José Antenor Ribeiro pelo incentivo e
participação na minha vida acadêmica.
Aos colegas de turma: Cátia G. Ruiz de Lima, Pedro Paulo C. Nogueira, Imara
Piazzato Quadros, Fernanda de A. Machado, Dolores A. Garcia Watanabe, Célia
M. de Campos Leite, Lina Márcia C. Silva Pinto, Maria Liete Alves Silva, e
Regina Aparecida da Silva pelo companheirismo e amizade.
Ao Senhor José Ricardo Fernandes Castrillon, pela autorização da derrubada da
árvore.
Ao Departamento de Pedagogia na pessoa de Maria Rosângela Beckert, pelo
apoio na hora certa.
Aos amigos Adriano Aparecido da Silva e Marcelo Geraldo Coutinho Horn,
Diretor de Faculdade e Chefe de Depto. de Ciências Jurídicas, respectivamente,
pelo apoio constante.
A Juíza de Direito Serly Marcondes Alves, pela amizade e incentivo em mais esta
etapa da minha vida acadêmica.
5
Ao Dr. Adilson dos Reis, amigo e orientador na hora certa.
Aparecida Cintra e Gilberto Chieus pela boa vontade em ceder dados de suas
pesquisas.
A Victor Oliveira de Lima, pelo apoio e amizade nos momentos certos.
A Paulo César Teixeira pela sensibilidade e por estar sempre junto.
A Hélio Inácio Santana pelos lindos versos em forma de canção.
Aos queridos alunos acadêmicos Samuel Longo, Luciano Além Brito e Metuzalem
Gonçalves Silva pelas orientações de Informática necessária.
Ao companheiro José Roberto Mercado pelas valiosas orientações tecnológicas.
A Luísa Maria Teixeira Silva Santos pelo carinho dispensado e orientações
necessárias para a concretização deste trabalho.
A Josefa S. dos Santos e a professora e amiga Waldinéia Alcântara Ferreira
pelos livros sugeridos e cedidos para o aprofundamento desta pesquisa.
A professora Fabíola Sartin e ao professor Welington Quintino Pedrosa pela
amizade e orientações referentes à Língua Inglesa.
A Zelma Maria de Assunção Mendes, pela participação neste Trabalho.
6
GUATÔ: uma ciranda com os deuses
Hélio Inácio Santana
É da mata esse canto
É da mata esse som
Pantaneiro poeta
Faz madeira falar
A viola de cocho
Convida à noite
O homem pantaneiro
Ao fogo sentar.
A história da tribo
Desde os ancestrais
Os velhos como deuses
Aos filhos vão contar.
As vitórias perdidas
Perdidas vitórias
De lutas sangrentas
Que foram em vão.
Morte de um irmão
Tanto lá quanto cá
Que vitória é essa?
Para comemorar?
Nossa história inda vive
Em corda e viola
Berrante e rio
Nesse som, nesse chão.
Macro-Jê canoeiro
Manaã de um pau só
Trazem das águas turvas
Jacaré e Pacu.
Lá pra ilha se vai
Para comemorar
O romance com os deuses
Macro-Jê a cantar.
7
SUMÁRIO
SUMÁRIO ................................................................................................................................. 7
RESUMO ................................................................................................................................... 8
ABSTRACT ............................................................................................................................... 9
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 10
LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................. 12
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15
1. REFLEXÕES TEÓRICAS ................................................................................................... 19
1.1. Cultura ........................................................................................................................... 19
1.2. Ambiente: um direito de todos (as) ............................................................................... 26
1.3. Etnobiologia .................................................................................................................. 33
1.3.1. Etnomatemática ...................................................................................................... 37
2. PASSOS PERCORRIDOS .............................................................................................. 44
2.1. Local da Pesquisa .......................................................................................................... 50
2.2. De onde vem a canoa? ................................................................................................... 54
2.2.1. A importância da canoa .......................................................................................... 58
2.3. Guatô: personagem da cena pantaneira. ........................................................................ 62
2.3.1 Os primeiros habitantes do Pantanal ....................................................................... 64
2.3.2 Guatô – Canoeiros do Pantanal ............................................................................... 65
2.3.3 A Cultura Guatô: história e situação atual ............................................................... 69
2.4. Remanescente do Guatô ................................................................................................ 72
2.4.1. Artesão Pantaneiro: com quem realizamos a pesquisa ........................................... 73
2.4.2. A madeira utilizada ................................................................................................. 75
2.4.3. Conhecimento da construção da canoa ................................................................... 76
2.5. Quais os materiais utilizados ......................................................................................... 78
2.6. Autorização para o corte da árvore ................................................................................ 78
3. A CONSTRUÇÃO DA CANOA ....................................................................................... 80
3.1. Passo a passo da construção da canoa: desde a escolha da árvore até a finalização da
canoa ..................................................................................................................................... 80
3.2. Passos construtivos do Remo ........................................................................................ 97
3.3 Indagações Pertinentes ................................................................................................. 101
3.3.1. Por que o espaço entre os bancos? ....................................................................... 102
3.3.2. Por que a quilha? Como descobre o equilíbrio? O bojo e as curvas? ................... 105
3.3.3. Por que escolha dessa árvore (chimbuva)? A ecologia: o cupim, a caída da árvore,
o seu nascimento, como acontece? ................................................................................. 107
4. ANÁLISE INTERPRETATIVA DA CONSTRUÇÃO DA CANOA ............................. 113
4.1. Proposta pedagógica para a sala de aula ...................................................................... 123
O PONTO FINAL DESSA CAMINHADA ....................................................................... 143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................. 149
ANEXOS ............................................................................................................................... 155
Glossário ............................................................................................................................. 155
Entrevista ............................................................................................................................ 156
Paisagens Inesquecíveis ...................................................................................................... 163
Documentos ........................................................................................................................ 164
8
RESUMO
A presente pesquisa procura investigar o saber do pescador
pantaneiro, na construção da canoa, numa perspectiva dialógica
ambiental, projetada em conhecimentos e necessidades locais que
favoreçam a Educação Matemática e Ambiental. O acompanhamento
dos passos construtivos de uma canoa pantaneira, na região de
Cáceres, MT, é o tema central deste estudo. O local da pesquisa foi na
Fazenda São Bento, localidade denominada Potreiro, próximo ao
Distrito de Vila Aparecida, antigo Bezerro Branco, que dista 50 km de
Cáceres, na Estrada Estadual MT 343, Cáceres a Barra do Bugres -
MT, a 800 (oitocentos) metros das margens do rio Paraguai, Pantanal
de Cáceres-MT. Pesquisa descritiva qualitativa do tipo etnográfica.
Utilizou-se para o levantamento dos dados pesquisa bibliográfica e de
campo, através de observação participante, entrevista aberta com
registro iconográfico e gravação de áudio. Registrou-se que para
fabricar a canoa o artesão utiliza o tronco de uma árvore denominada
localmente de Chimbuva (Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong
Mimosaceae), que tem sua circunferência medida por um cipó onde é
feita abertura, e os espaços dos bancos, a localização da proa e da
popa e também do ponto de equilíbrio por meio de raciocínios lógicos
matemáticos. Nesta pesquisa, registrou-se ainda o processo construtivo
do remo, valendo-se da análise interpretativa nos passos da construção
da canoa. Os dados apresentados suscitam do ponto de vista da
matemática como também do ponto de vista da conservação ambiental,
cuidados na conservação e preservação do saber cultural.
Palavras-chave: Artesão Pantaneiro. Canoa. Etnomatemática. Ambiente.
9
ABSTRACT
This research aims at investigating the knowledge of the fisherman from
Pantanal in terms of the construction of the canoe in a dialogic
environmental perspective projecting the local needs and knowledge in
order to promote the Math and Environmental Education. The following
of the constructive steps of the canoe in Pantanal, in Cáceres Mato
Grosso, is the central theme of this research. The context of the study
is São Bento farm, called Potreiro nearby Vila Aparecida District, old
Bezerro Branco which is located 50 km far from Cáceres, in the Road
343 Cáceres to Barra dos Bugres in Mato Grosso, far 800 m from the
Paraguay River. Qualitative descriptive research of ethnographic type.
It was used for the data survey: bibliographical and field research
through the participating observation; open interview with an
iconographic record and tape recordings. It was registered that in order
to build a canoe the hand maker uses the trunk of the tree called
Chimbuva (Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong
Mimosaceae), it is measured by vines where it was cut and the spaces
for the benches, the localization of the prow and the stern and also of
the equilibrium point through the logical maths reasoning. In this
research we have also considered the construction process of the
canoe paddle using an interpretative analysis observing the steps to
build up the canoe. The data presented here evoke, from a math point
of view as also from an environmental conservation point of view, care
with the conservation and preservation of the cultural knowledge.
Key-words: Hand maker from Pantanal. Canoe. Ethnomathematics. Environmental.
10
LISTA DE FIGURAS
Fig. 01 Estado de Mato Grosso, p.50.
Fig. 02 Vista panorâmica de Cáceres, p.51.
Fig. 03a, 03b e 03c Paisagens do local da realização da pesquisa, e
localização Geográfica da Comunidade Potreiro, Cáceres, p. 52.
Fig. 04 Amanhecer no Rio Paraguai Pantanal, p. 53.
Fig. 05 Guatô da Passagem Velha 4 léguas da Vila, p.62.
Fig. 06 - Guatô em duas canoas, p. 65.
Fig. 07 Construtor da canoa, p. 73.
Fig. 08a e 08b Entrada na mata de Potreiro e observação das árvores
apropriadas para a construção da canoa, p. 81.
Fig. 09a, 09b, 09c, 09d e 09e As primeiras medidas do tronco
escolhido, p. 82.
Fig. 10a, 10b e 10c Análise do corte e a problemática devido o uso da
motoserra, p. 83.
Fig. 11a, 11b, 11c, 11d,11e, 11f, 11g e 11h Medidas do tronco após o
corte e a caída adequada da árvore, p. 83 e 84.
Fig. 12a, 12b e 12c Preparação do tronco para a bateção das linhas,
p. 84.
Fig. 13a, 13b, 13c, Preparação da tinta para a marcação das linhas,
p. 85.
Fig. 14a, 14b,14c, 14d, 14e, 14f, 14g, 14h, 14i, 14j, 14k, 14l, 14m, 14n,
14o, 14p, 14q, 14r, 14s, 14t e 14u Bateção das linhas, talhamento e
preparação do tronco para a cavoucação, p. 86 a 90.
Fig. 15a, 15b e 15c Correção dos defeitos ocasionados pelo uso
incorreto da motoserra, p. 90.
Fig. 16a, 16b, 16c, 16d, 16e, 16f, 16g, 16h, 16i, 16j, 16k e 16l
Término da cavoucação, conferência da medida da boca da canoa com
a medida do cipó, viração e marcação das linhas de fundo e o
talhamento, p. 91 a 93.
Fg. 17a, 17b e 17c Processo final de limpeza na mata, p. 94.
Fig. 18a e 18b e 18c Arrastamento da canoa, p. 95.
11
Fig. 19a, 19b, 19c, 19d, 19e e 19f Transferência da canoa para a
casa do pesquisador para acabamento final da canoa, p. 95.
Fig. 20a e 20b, 20c, 20d, 20e, 20f, 20g, 20h, 20i Experimentação da
canoa no rio, p. 96 e 97.
Fig. 21a e 21b e 21c Passos construtivos do remo, p. 98.
Fig. 22a, 22b, 22c, 22d, 22e e 22f Primeiros cortes com serrote e
facão, p. 99.
Fig. 23a, 23b e 23c, 23d, 23f Acabamento final do remo, p. 99 e 100.
Fig. 24a e 24b Indagações pertinentes, p. 102.
Fig. 25a e 25b Indagações da quilha e do bojo, p. 105.
Fig. 26 Escolha da árvore, o por quê? p. 107.
Fig. 27a e 27 b A escolha da árvore ideal, p. 109.
Fig. 28a e 28b Raciocínio da medida do diâmetro, centro da altura da
fundura da popa, p.113.
Fig. 29a, 29b 3 29c Raciocínio da largura da Tabão do Prumo/nível da
canoa, p. 114 e 115.
Fig. 30a, 30b, 30c e 30d Raciocínio das medidas no tronco para
talhamento, linha de prumo e do levantamento da popa, p. 116 a 118.
Fig. 31a, 31b e 31c. Raciocínio das medidas das linhas de centro,
bojo, contornos e altura da profundidade da canoa, p. 118 e 119.
Fig. 32a e 32b Raciocínio do talhamento do levantamento do fundo da
popa e da proa e da finalização da canoa, p. 121.
Fig. 33 Raciocínio dos passos construtivos do remo, p.122.
Fig. 34 - Canoa pantaneira,p. 143.
12
LISTA DE SIGLAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
EA Educação Ambiental
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
EMPAER
Empresa Mato-grossense de Pesquisa Agricultura e
Extensão Rural.
FUNAI Fundação Nacional de Assistência ao Índio
GPEA - Grupo Pesquisador em Educação Ambiental
USP Universidade de São Paulo
USF Universidade de São Francisco
SHEM Sociedade de História em Educação Matemática
FIP - Festival Internacional de Pesca
SEMATUR Secretaria de Meio Ambiente e Turísmo
SEDTUR - Secretaria de Desenvolvimento do Turismo do Estado de
Mato Grosso
IBGE Instituto Brasileiro Geográfico e Estatística
TRE/MT Tribunal Eleitoral Regional de Mato Grosso
RADAMBRASIL Projeto Radambrasil
UCDB Universidade Católica Dom Bosco
IESPAN Instituto de Estudos do Pantanal
15
INTRODUÇÃO
Os animais não têm história, pois não
percebem que são distintos do mundo,
mas o ser humano percebe essa
diferença e por isso constrói uma
história e transforma o mundo.
Paulo Freire
A presente pesquisa trata-se de uma investigação do saber
informal do pescador pantaneiro, na construção da canoa, numa
perspectiva dialógica sócio-cultural projetada em conhecimentos e
necessidades locais que favoreçam a Educação Matemática e
Ambiental.
A leitura pela etnomatemática dos saberes do pescador
pantaneiro na produção da canoa é um tema que sempre me envolveu.
Primeiramente, porque nas minhas atividades pedagógicas sempre
priorizei trabalhar nesta perspectiva no espaço escolar, e esse tema já
me chamava a atenção.
Também devido a diminuição gradativa desta prática cultural
em nossa região. Pois, hoje em dia, é notável a escassa quantidade de
canoas presentes às margens do rio Paraguai. E também, não negamos
trabalhos realizados a respeito da canoa, porém, queremos aprofundar
e registrar esta manifestação cultural tão importante e necessária para
a nossa região.
Devido ser filho de pantaneira e ter nascido nesse contexto
onde o contato com canoa é constante, também impulsiona o interesse
neste estudo.
Pois, através de nosso olhar, identificamos conceitos
matemáticos naquilo que para ele é uma simples construção de canoa.
16
Como faz isso? Como realiza vários cálculos e medidas sem nunca ter
sido escolarizado? Assim, o interesse é grande em estudar a evidência
desses saberes e registrá-los para que perpetuem.
Outro fator importante pelo interesse neste estudo é poder
sugerir como proposta pedagógica direcionada à escola onde o
conhecimento que o aluno traz para a sala de aula, proveniente do seu
meio social, seja valorizado.
Nesse sentido, acreditamos que este estudo do saber formal
1
do pescador pantaneiro acrescentará contribuições pedagógicas para a
sala de aula que necessita de propostas atraentes e eficientes para a
consolidação de um ensino e uma aprendizagem mais consistentes. Por
isso, navegamos na perspectiva da Etnomatemática.
Percebemos que este conhecimento é importante e deve ser
preservado. Para que seja socializado no espaço escolar onde,
atualmente, necessita tanto de inovações e alternativas educativas
mais condizentes com a realidade dos nossos alunos. E desmistificar a
idéia errônea de que só se aprende matemática na metodologia
tradicional. Que quem sabe matemática é aquele que consegue decorar
e desenvolver o seu raciocínio apenas mecanicamente. Por isso, o
interesse em pesquisar esse saber popular que o ribeirinho pantaneiro
conhece bem e continua a transmitir aos seus descendentes.
Nesse sentido, o estudo suscitou as seguintes questões
norteadoras:
a) Como fazer uma leitura pela etnomatemática dos saberes do
pantaneiro na confecção da canoa?
b) Como ele maneja o ambiente, e como realiza a preservação
e conservação das espécies as quais ele utiliza?
1
Não é um saber formal dentro da academia, oficial, etc. É um saber muito bem formalizado pelo
pesquisado.
17
c) Quais as espécies vegetais que são utilizadas para
confecção da canoa (naturais ou exóticas)?
d) Como aprendeu a construir canoas?
e) Qual o significado dessa cultura material: a canoa é
construída para que funções?
e1) Transporte do pescador: sociedade dinâmica para o
trabalho, atividade de pesca, sua sobrevivência?
e2) Fonte de renda: cultura material: artesanato, sem
compromisso, somente para enfeite?
f) Qual a previsão do retorno da pesquisa à escola freqüentada
pelos filhos e ou netos dos ribeirinhos?
O trabalho está estruturado em quatro capítulos, sendo que no
primeiro encontra-se a reflexão teórica alicerçada pela cultura, pelo
ambiente, e com auxílio da etnobiologia e da etnomatemática que
sustentam no estudo da construção da canoa como cultura local, sua
influência na economia, a sua essencialidade para a comunidade, e o
direito à preservação desse saber.
No segundo capítulo encontram-se os passos percorridos
deste estudo na perspectiva da pesquisa descritiva qualitativa do tipo
etnográfica, desde o contato e a apresentação do sujeito pesquisado, à
escolha da área de estudo, à observação e os pontos básicos das
entrevistas, os materiais utilizados, a articulação da escolha e da
autorização do corte da árvore pelos trâmites legais. Sobre a origem da
canoa, através da aventura pelos Continentes onde há milhares de
anos já se construíam tais artefatos e chega-se ao Continente
Americano, principalmente, no Brasil, na Região Centro-Oeste, no
Estado de Mato Grosso, no seu Sudoeste, no Pantanal de Cáceres,
onde habitam até hoje os índios Guatô, exímios conhecedores dessa
cultura material e, inclui também a sua história e situação atual.
Descreve-se ainda neste capítulo, o pescador (caboclo) pantaneiro,
18
remanescente do Guatô, sua história de vida, seu etnoconhecimento,
com relevância como construtor da canoa.
No terceiro capítulo, registram-se os passos percorridos da
construção da canoa, desde a escolha da árvore até a sua finalização e
também a construção do remo. Uma tentativa de descrever o raciocínio
lógico matemático do pescador construtor da canoa, através de
registros fotográficos e a gravação de áudios. São colocadas as
indagações pertinentes ao trabalho: por que o espaço é tão grande
entre os bancos? Por que a utilização da quilha? Como descobrir o
equilíbrio e o bojo? As curvas? Por que a escolha dessa árvore, no
caso, a chimbuva? No aspecto da ecologia, o porquê do cupim, o corte
e a caída da árvore, o seu nascimento, como acontece?
No último capítulo, é apresentada uma análise interpretativa
da pesquisa realizada acompanhada de proposta de atividades
pedagógicas direcionadas aos educandos, para que haja valorização
em relação a um saber milenar e à sua preservação como cultura local.
Finalmente, a despedida, do primeiro passo dessa caminhada.
19
1. REFLEXÕES TEÓRICAS
A canoa, é segundo grande parte de
escritores, um dos primeiros tipos de
embarcações usadas pelo homem.
Representa provavelmente a
transformação natural do primeiro
tronco, de que se serviu ele para
arriscar as distâncias fora das praias.
Antonio Alves Câmara
Passemos agora ao esforço de entendimento do conceito
antropológico de cultura. Pois, a dificuldade está nos diferentes usos
do termo e a diferentes níveis de abstração envolvidos na discussão do
conceito. Em seguida, necessário se faz a tentativa de refletir a
respeito da realidade sócio-ambiental de um modo comprometido com a
vida, com o bem estar de cada um e da sociedade. Com enfoque na
etnobiologia e etnomatemática que amparam este estudo da construção
da canoa. Para isso, se fez necessário a leitura de vários autores
nessas áreas para uma melhor compreensão do que vem a ser cultura,
ambiente, etnobiologia e etnomatemática.
1.1. Cultura
Na nossa concepção a cultura é a soma de todos os saberes e
realizações do homem, portanto, ela não é algo natural ou
conseqüência de leis físicas ou biológicas, é o resultado dinâmico da
construção humana. Este ato é o desenvolvimento intelectual em
conjunto com o conhecimento adquirido pelo homem ao longo do tempo
e representado por inúmeras manifestações dentre elas a arte.
20
Todos os grupos, comunidades, organizações têm a sua
própria cultura que muitas vezes se difere, mas se birfuca no mesmo
sentido enquanto conceito.
Já Geertz explica:
Na discussão antropológica recente, os aspectos morais
(e estéticos) de uma dada cultura, os elementos
valorativos, foram resumidos sob o termo ethos,
enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram
designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um
povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu
estilo moral e estético, e sua disposição é a atitude
subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que
a vida reflete.
(GEERTZ, 1989:93).
Geertz (1989) continua:
O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade
os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente
semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem
é um animal amarrado a teias de significados que ele
mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias
e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência
interpretativa, à procura do significado. É justamente
uma explicação que eu procuro, ao construir expressões
sociais enigmáticas na sua superfície. Todavia, essa
afirmativa, uma doutrina numa cláusula, requer por si
mesma uma explicação. (p.4).
Nesse sentido, concordamos com o autor quando inspirados
buscamos entender o raciocínio lógico do construtor de canoas. Pois, a
cultura, mais do que herança genética determina o comportamento do
homem e justifica as suas realizações.
A fonte acima citada critica as desqualificações de outros
saberes por aqueles que se crêem credenciados e embasados na
ciência oficial para julgar os saberes pré-científicos. Para ele, o
senso comum é um sistema cultural e deve ser valorizado como saber
local, como conhecimento e como cultura.
21
Se a população não entender os seus direitos, qual é a regra
do jogo, quem administra, não haverá garantia Patrimonial Ambiental
Cultural. Realmente, temos que transformar a situação, levar até a
população o saber de que todo bem tem valor cultural e ao
entendimento de quais são os seus direitos.
É necessário que as várias comunidades entendam que é
garantido pela lei maior, ou seja, a Constituição Federal (1988) o
direito à cultura e à preservação dessa cultura para que se perpetue às
futuras gerações.
Entre o conjunto de deveres do Estado, previsto pela
Constituição Brasileira, está o de proporcionar os meios de acesso à
cultura, à educação e à ciência (art.23-V).
No art. 215 capítulo III, no título da Ordem Social, dedicado
à educação, cultura e desporto está previsto que o Estado garantirá
a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
O parágrafo 1
o
. do mesmo artigo ainda prevê: o Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e as de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional. (CF, 1988).
Por isso, defendemos a cultura dos construtores de canoas,
pois é uma manifestação cultural pantaneira resistente à longa data e
que deve ser preservada.
Dialogamos com Santos (1996) que nos informa ser a cultura
uma preocupação contemporânea, bem viva nos tempos atuais. É uma
preocupação em entender os muitos caminhos que conduziram os
grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas de
22
futuro. O desenvolvimento da humanidade está marcado por contatos e
conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se
apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a
realidade e expressá-la.
O autor alerta que não apenas os recursos naturais devem ser
considerados quando se pensa no desenvolvimento dos grupos
humanos. É importante ressaltar que o destino de cada agrupamento
esteve marcado pelas maneiras de organizar e transformar a vida em
sociedade e de superar os conflitos de interesse e as tensões geradas
na vida social.
Existem realidades culturais internas à nossa sociedade, e
essas realidades podem ser tratadas, e muitas vezes o são, como se
fossem culturas estranhas. Isso se aplica não só às sociedades
indígenas do território brasileiro, mas também a grupos de pessoas
vivendo no campo ou na cidade, sejam lugares isolados de
características peculiares ou agrupamentos religiosos fechados que
existem no interior das grandes metrópoles.
Nessas realidades culturais, pode-se tentar demonstrar suas
lógicas internas, sua capacidade de emitir pronunciamentos, de
interpretar a realidade que as produz, de agir sobre essa realidade. E
nesse sentido, preocupa-se com todos os aspectos da realidade social.
Assim, cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência
social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma
sociedade.
Já Brandão (1986) acrescenta que algumas pessoas acreditam
que só em meio cultura erudita ou a uma cultura popular urbana
existe uma criação nominada de autores individuais. Esta é uma
maneira de pensar que herdamos dos colonizadores, para quem uma
das diferenças entre a elite letrada e o povo iletrado é que ela tem
cultura e, ele, não.
23
Recorremos a Ferreira (2004) que faz alguns questionamentos
a respeito de povos letrados e não letrados:
“Mas o que são povos letrados? Do meu ponto de vista não existe
povos não letrados, pois o conceito de escrita que advogo é muito
amplo. Chamo de letramento qualquer forma de registrar um
conhecimento. Assim, os Guarani registram suas vidas em seus
cocares; pode-se ler um cocar guarani e saber praticamente toda a
vida do seu proprietário. Por outro lado, as pinturas corporais, hábito
bem difundido em quase todos grupos indígenas, também são uma
forma de escrita, pois cada uma delas tem uma representação bem
explícita. Todo artesanato admite leitura, quer no seu desenho, quer
na sua forma. Isto tudo é comum no saber-fazer de quase todos os
povos. Não conheço nenhuma etnia que não tenha alguma maneira
de representar seus conhecimentos. Portanto desconheço povos
não-letrados neste sentido.” (FERREIRA, 2004, p. 11).
Assim, percebemos que todo povo tem uma maneira de
codificar a sua cultura e é tão importante quanto qualquer cultura,
resultado de experiências que vêm sendo repassadas de geração a
geração. Deve ser preservada.
Nesse diálogo, DaMatta (1987) defende que no caso das
tradições culturais autênticas, o processo é dialético e existe uma
interação complexa, recíproca, entre regras e o grupo que as realiza na
sua prática social. Pois se as regras vivem o grupo, o grupo também
vive as regras. É precisamente um duplo vivenciar e conceber que
permite a singularização, valorização e preenchimento do tempo,
tornando-o visível, significativo e, muitas vezes, precioso.
Nesse sentido, as sociedades sem cultura apenas acontecem
no caso dos animais sociais, uma expressão, sem dúvida, contraditória.
No caso do homem, a cada sociedade corresponde uma tradição
cultural que se assenta no tempo e se projeta no espaço, ou seja, dado
o fato de que a cultura pode ser reíficada no tempo e no espaço.
Assim, o autor complementa, pode haver cultura sem sociedade,
embora não possa existir uma sociedade sem cultura.
24
Por outro lado, na continuidade das leituras referentes ao
assunto em tela, percebe-se que o mundo assiste hoje a um cenário de
convergência tecnológica que modifica profundamente os processos de
produção de cultura e comunicação. Assiste também a um processo de
luta social em que os atores são capazes de perceber a dimensão
estratégica da comunicação digital para a construção de uma nova
sociedade. Qual o modelo de sociedade que queremos para os nossos
filhos e netos?
A cultura, segundo Chinoy (1961), faz parte de todas as
pessoas e vice-versa, pois todos herdam e transmitem suas
características. A importância da cultura para este autor reside no fato
de que ela proporciona o conhecimento e as técnicas que permitem ao
homem sobreviver, física e socialmente, e dominar e controlar, na
medida do possível, o mundo que o rodeia.
Burke (2003) informa que a teoria da cultura não foi inventada
ontem. Pelo contrário, ela se desenvolveu gradualmente a partir do
modo como indivíduos e grupos têm refletido sobre as mudanças
culturais através dos séculos.
O autor esclarece que a expressãotroca cultural passou a
ser usada habitualmente apenas recentemente. A sua popularidade
hoje, substitui termos mais antigos como empréstimo, se deve em
parte a um crescente relativismo. No entanto, o termo troca não deve
ser entendido como implicado em qualquer movimento cultural, em uma
direção. Está associado a um movimento igual, mas oposto na outra
direção: a relativa importância do movimento em diferentes direções é
uma questão para a pesquisa empírica.
Na perspectiva de Morin (2001), o homem somente se realiza
plenamente como ser humano pela cultura e na cultura. Não há cultura
sem cérebro humano e, mas não há mente, isto é, capacidade de
consciência e pensamento sem cultura. A mente humana é uma criação
25
que emerge e se afirma na relação cérebro-cultura. Com surgimento da
mente, ela intervém no funcionamento cerebral e retroage sobre ele.
Há, portanto, uma tríade em circuito entre cérebro/mente/cultura, em
que cada um dos termos é necessário ao outro. A mente é o surgimento
do cérebro que suscita a cultura, que não existiria sem o cérebro.
Em participação no Seminário Setoriais de Cultura
Construindo o Plano Nacional de Cultura, com tema central: Estado e
Sociedade: construindo políticas públicas de cultura, em Cuiabá
(2005), com a presença do Senhor Ministro da Cultura Gilberto Gil, que
afirmou em sua Palestra que um processo contínuo de democratização
cultural deve estar baseado em uma visão de cultura como força social
de interesse coletivo, que não pode ficar à mercê das disposições
ocasionais do mercado. (Informação verbal).
2
A cultura é um complexo de padrões de comportamentos,
crenças, instituições e de outros valores espirituais e materiais
transmitidos coletivamente de geração a geração. São expressões de
usos e costumes de uma sociedade que, reunidos a inúmeros outros
elementos, constituem a civilização.
Nesse sentido, a afirmação do ministro coaduna com a de
outros autores e reforça-nos quando buscamos entender todo o
processo, ou seja, o raciocínio lógico matemático do construtor da
canoa, durante todas as etapas construtivas dela. Aprofundar e
registrá-las para que possa contribuir na continuidade dessa
transmissão cultural. Pois, a cultura, mais do que herança genética
determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.
2
Informação verbal fornecida pelo Ministro da Cultura Gilberto Gil, Cuiabá, 2005.
26
1.2. Ambiente: um direito de todos (as)
A principal função do tema meio ambiente é contribuir para a
formação de cidadãos sensíveis, aptos para decidirem e atuarem na
realidade sócio-ambiental de um modo comprometido com a vida, com
o bem estar de cada um e da sociedade. Ou seja, qualidade de vida
para todos e todas.
Para que isso aconteça, é necessário, mais do que
informações e conceitos. A escola tem que se preocupar e direcionar o
seu trabalho pedagógico na direção da valorização das atitudes, da
formação de valores, como: honestidade, respeito, sensibilidade,
humanidade, etc., onde o ensino e a aprendizagem estejam alicerçados
pelas habilidades e procedimentos adequados. Para que os alunos
possam construir uma visão global das questões ambientais.
A Constituição Federal de 1988 erigiu a fruição de um meio
ambiente saudável e ecologicamente equilibrado como um direito
fundamental (art. 225, CF, 1988). O conceito normativo de meio
ambiente encontra-se no art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/81: o conjunto
de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abrigam e regem a vida em todas as suas
formas.
No diálogo com Fernandes (2005), ela nos informa que o meio
ambiente, num conceito jurídico, é considerado comoa interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento eqüitativo da vida em todas as suas formas. A
existência desses três aspectos, artificial, cultural e natural (ou físico)
pode levar a crer que a Lei n. 6.938/81 tenha se referido apenas ao
aspecto natural, mas ao referir-se àvida em todas as suas formas,
27
contempla, naturalmente, o ser humano e seu modus vivendis, pois a
vida social humana não é como algo à parte das outras formas de vida.
A autora ainda esclarece que a Educação Ambiental é um
instrumento pedagógico preventivo e de sensibilização e que direta e
indiretamente atinge o ser humano.
Castro (2000) confirma que essas e outras questões têm
norteado a luta pelo reconhecimento de direitos dos povos tradicionais
e de seus saberes, nos círculos de debate sobre biodiversidade. A
questão que se põe é ao mesmo tempo defender a natureza, sua
diversidade biológica, e proteger as culturas, os saberes herdados do
passado como patrimônio acumulado por gerações.
Nesse sentido, o pensamento do autor coaduna com o nosso
em valorizar o saber do construtor de canoas que sabe desempenhar
essa cultura material e sabe viver, conviver e se relacionar nessa
biodiversidade, ou seja, o construtor é ator e sabe muito bem qual é a
sua função diante desse contexto ambiental, e procura resolver os
desafios surgidos no seu dia-a-dia.
A Educação Ambiental, como é registrada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998) como um tema transversal, torna-se cada
vez mais importante em nossa sociedade porque a relação entre o
homem e a natureza constitui uma relação vital para a sobrevivência
em nosso planeta.
Quando se trata de Educação e Meio Ambiente, que é um
assunto universalmente vasto, urge aos poucos o desenvolvimento de
pesquisa nessa linha, que é questionada por Guarim (2002):
Aparece o problema relacional com o meio ambiente,
envolvendo a dimensão física, geográfica e,
principalmente, social. Questiona-se, na esfera do
ambientalismo: a educação é capaz de transformar a
28
sociedade nova? Há indícios que marcam nas duas
direções, indicando mudanças simultâneas, reconhecidas
como um desafio para o século XXI. (p. 21). [...] A
relação ambiental impactante irradiada pelo crescimento
descontrolado da cidade, rompendo com o modo
tradicional de relação com a natureza, contrasta com a
harmoniosa relação mantida pelas comunidades
ribeirinhas tradicionais remanescentes. (p. 23).
Inspirado em Gadotti (2000), percebemos que o mundo parece
uma rede complicada de eventos, na qual conexões de diferentes tipos
alternam-se, sobrepõem-se ou combinam-se, o que resulta na textura
do todo. Os princípios da Educação Ambiental: interdisciplinaridade,
realidade e participação, apoiados pela visão holística, valorizam os
Temas Transversais e o Etnoconhecimento em busca da solução dos
problemas da comunidade, através de propostas feitas pelos
conhecedores das diversas realidades, principalmente, no caso,
pantaneiras.
Então, precisamos estimular a prática do reconhecimento da
identidade local. Devemos reconhecer também, o ambiente em que
estamos inseridos como nosso próprio ambiente, e a valorização das
ações modificadoras da sua vida e das pessoas.
As questões ambientais, sobretudo aquelas resultantes das
atividades humanas sobre o meio ambiente, incluem-se dentre os
temas contemporâneos que exigem uma abordagem transdisciplinar,
que contempla uma nova articulação das conexões entre as ciências
naturais, sociais e exatas. E a escola deve estar atenta para isso.
A transdisciplinaridade é o grande desafio enfrentado no
processo de conhecimento que busca estabelecer cortes transversais
na compreensão e explicação do contexto do ensino e da pesquisa.
Trata-se de uma proposta de trabalho que, tendo como ponto de partida
uma realidade socioambiental complexa, exige, crescentemente, a
necessidade de internalizar um saber ambiental emergente num
29
conjunto de disciplinas multicausalidades e as relações de
interdependência dos processos de ordem natural e social que
determinam as estruturas e mudanças socioambientais.
E que essa busca de repostas na transdisciplinaridade para o
autor, deve-se à constatação de que os problemas que afetam e
mantêm a vida no nosso planeta são de natureza global e que suas
causas não podem restringir-se apenas aos fatores estritamente
biológicos, revela-se também nas dimensões políticas, econômicas,
institucionais, sociais e culturais.
DAmbrósio (1996) noticia que a educação é o instrumento
pertinente da promoção dos valores humanos universais, da qualidade
destes recursos e do respeito pela diversidade cultural. Os conteúdos e
métodos de educação precisam ser desenvolvidos para servir às
necessidades básicas de aprendizagem dos indivíduos e das
sociedades, proporcionar-lhes o poder de enfrentar seus problemas
mais urgentes, como: o combate à pobreza, aumento da produtividade,
melhoria das condições de vida e proteção ao meio ambiente. E
permitir que assumam seu papel por direito na construção de
sociedades democráticas e no enriquecimento de sua herança cultural.
O autor informa que estas afirmações de transdisciplinaridade
não se constitui uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma
ciência das ciências e muito menos uma nova postura religiosa. Elas
repousam sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo, sobre mitos,
religiões e sistemas de explicações e conhecimentos, que rejeita
qualquer tipo de arrogância e prepotência.
A transdisciplinaridade é portanto na sua essência,
transcultural, pois exige a participação de todos, vindo de todas as
regiões do planeta, de tradições culturais, formação e experiência
profissional as mais diversas.
30
Como bem nos orientam Gadotti (2000) e Guimarães (2000),
nesse cenário da pós-modernidade a escola precisa atuar e enfrentar
desafios e como educadores, principalmente, educadores ambientais,
necessitamos refletir que tipo de educação é mais adequado a todos os
homens e mulheres dos próximos 20 (vinte) anos, para viverem este
mundo tão diverso.
Certamente, eles e elas necessitam de uma educação para a
diversidade, de uma ética da diversidade e de uma cultura da
diversidade, ou seja, de uma sociedade multicultural, um ser humano
cultural, capaz de ouvir, prestar atenção no diferente e respeitá-lo. Por
isso, acreditamos que a Educação Ambiental tem a sensibilidade, a
coletividade e a harmonia para transformações plausíveis e
necessárias à educação humana.
A orientação é que se devem considerar de maneira explícita,
os aspectos ambientais nos planos de desenvolvimento e de
crescimento da sociedade. Ajuda na descoberta dos sintomas e nas
causas reais dos problemas ambientais. Com destaque na
complexidade desses problemas deve imperar a preocupação com o
desenvolvimento do senso crítico e das habilidades necessárias para
resolver e enfrentar os problemas.
E a utilização de diversos ambientes educativos e uma ampla
gama de métodos para comunicar e adquirir conhecimentos sobre o
meio ambiente e a valorização permanente das atividades práticas e
das experiências pessoais.
Nesse sentido, coaduna com as idéias de Sato (2004),
esclarece que qual seja a estratégia aplicada, a EA parece querer
romper com a hegemonia técnica estabelecida pela Modernidade,
clamando por novas metodologias possíveis para evidenciar caminhos
onde não somente a racionalidade científica esteja presente, mas que a
31
sensibilidade, valores e cosmovisões dos sujeitos evidenciem uma nova
ética frente ao mundo e a este século.
O argumento é que os educadores ambientais podem se
libertar da construção de teorias abstratas sobre bases idealizadas,
que despejam uma enormidade de informações desconexas e
atomizadas e que não favorecem a intervenção qualificada dos agentes
sociais, mas apenas a proliferação de queixas individuais sobre o
estado da miséria e degradação ambiental; sem efeitos públicos. E
essa releitura da Educação Ambiental é desejável porque educar sem
clareza do lugar ocupado pelo educador na sociedade, de sua
responsabilidade social, e sem a devida problematização da realidade,
é se acomodar na posição conservadora de produtor e transmissor de
conhecimentos e de valores vistos como ecologicamente corretos, sem
o entendimento preciso de que estes são mediados social e
culturalmente.
O Meio Ambiente, como sabemos, é sempre suporte de todos
os modelos de desenvolvimento estabelecidos ao longo do processo de
ocupação humana dos espaços, provoca impactos e uma crescente
degradação da Terra e, conseqüentemente, uma considerável perda da
qualidade de vida pelas populações. O ambiente construído, resultante
desse processo ocupacional, requer ações que promovam a reversão
da atual tendência pela implementação de modelos de desenvolvimento
sustentável.
A forma como os recursos naturais e culturais vêm sendo
tratados é preocupante. No que se refere à produção rural, muitas
vezes, para se extrair um recurso, perde-se outro de maior valor. Um
exemplo típico é a derrubada da floresta nativa para a formação de
pastos, para a exploração de espécies mais valiosas ou para a
extração mineral, que, além de degradar os ecossistemas onde se
insere, leva a riqueza para outras regiões ou para fora do país, sem
gerar benefícios locais.
32
É percebível hoje em nossa sociedade a degradação dos
ambientes urbanizados, onde vive hoje a grande maioria da população,
é fonte de grande preocupação. A fome, a miséria, a injustiça social, a
violência e a baixa qualidade de vida são fatores que estão fortemente
relacionados aos modelos de desenvolvimento econômico inadequados,
que geram impactos socioambientais.
Zart (2004) noticia que o grande objeto trazido pelo movimento
ambiental é a visualização da inter-relação entre as diversas e
diferentes dimensões que constituem a realidade.
O referido autor informa que a expressão Educação Ambiental
Crítica
3
foi expressa por Guimarães (2000) para ilustrar a necessidade
da transformação da sociedade em direção a novos paradigmas de
justiça ambiental e qualidade ambiental. Segundo a perspectiva crítica,
temos a afirmação, da necessidade e da possibilidade da
transformação dos processos, estruturas e relações que englobam o
conhecimento e a sociedade. E que o saber para ser constituído e
comum a todos e a todas é necessária a abrangência da multiplicidade
de fenômenos: culturais, sociais, econômicos, naturais, psicológicos,
políticos.
A emergência da questão ambiental nos últimos anos jogou
ainda uma outra luz sobre esses modos arcaicos de produção. Ao
deslocar o eixo de análise do critério da produtividade para o do
manejo sustentado dos recursos naturais, evidenciou a positividade
relativa dos modelos indígenas de exploração dos recursos naturais e
desse modelo da cultura rústica. (ARRUDA, 2000).
O autor informa ainda que a maior parte das áreas ainda
preservadas do território brasileiro é habitada com maior ou menor
3
A Educação Ambiental Crítica penetra no âmago das contradições sociais e fornece proposição
cultural, filosófica e educacional que tem como horizonte a contínua e constante transformação e
superação dos modelos e paradigmas existentes.
33
densidade por populações indígenas ou por comunidades rurais
tradicionais caiçaras, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas,
caipiras para as quais a conservação da fauna e flora são a garantia
de sua perenidade. O processo de expansão das fronteiras agrícolas e
extrativistas da sociedade brasileira, por sua vez, reproduz e se pauta
por um modelo de ocupação do espaço e de uso dos recursos naturais
gerador da degradação ambiental e de enormes custos sociais.
No diálogo com Diegues (1996), este diz que mais do que
repressão, o mundo moderno necessita de exemplos de relações mais
adequadas entre homens e natureza. Essas unidades de conservação
podem oferecer condições para os enfoques tradicionais de manejo do
mundo natural sejam valorizados, renovados e até reinterpretados,
para torná-los mais adaptados a novas situações emergentes. Finaliza,
é essa dimensão que falta ser assumida de forma mais definida pela
política ambiental brasileira sob pena de ser fadada ao insucesso.
DAmbrósio (1996) finaliza dizendo que tudo se resume em
atingirmos melhor qualidade de vida e maior dignidade da humanidade
como um todo e isso se manifesta no encontro de cada indivíduo com
outros.
1.3. Etnobiologia
A Etnobiologia, que nos auxilia neste estudo, é essencialmente
o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por
qualquer sociedade a respeito da biologia. Como orienta Darrell Posey
(1986) em outras palavras, é o estudo do papel da natureza no
sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados
ambientes. Nesse sentido, a Etnobiologia relaciona-se com a ecologia
34
humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados
pelos povos em estudo (p. 15).
4
O autor diz que a pesquisa etnobiológica pode prover os dados
necessários a uma poderosa argumentação em favor das populações
indígenas e de suas terras, bem como de outros grupos culturais e do
meio ambiente. Pois, dessa forma, se obterá o apoio necessário para
preservar essas sociedades e seu saber, que constituem um patrimônio
humano inestimável da cultura universal.
Sendo assim, percebemos que o interesse neste estudo da
construção da canoa é importante por ser uma cultura milenar nesta
região pantaneira e, precisa ser preservada para constituir como
patrimônio cultural deste povo. E que o saber cultural do construtor de
canoa está implícito de tantos conhecimentos etnobiológicos que são
importantes para a academia e devem ser preservados. Mesmo ele sem
dar conta o quanto esse saber é importante para a sociedade universal.
Nesse sentido, recorremos a Ribeiro (1987) que apresenta o
saber etnobiológico, em particular a do saber indígena, com uma
reflexão profunda sobre modelos alternativos de desenvolvimento,
como únicas saídas ecologicamente válidas e socialmente responsáveis
para os atuais impasses de ocupação devastadora de imensas regiões,
principalmente da Amazônia.
Marques (2001) também propõe uma etnoecologia abrangente
no sentido de que pode ser aplicada a qualquer ecossistema, inclusive
o urbano e em qualquer contexto sócio-cultural, ou seja, uma proposta
metodológica que parte do reconhecimento da etnoecologia como um
campo de cruzamento de saberes e a busca de uma integração entre a
Antropologia e a Biologia. Todas essas concepções estão associadas
a Paulo Freire (1981, 2001) que defende a educação dialógica, com a
4
Etnobiologia: teoria e prática Introdução Traduzido e Coordenado por Berta Ribeiro Súmula
Etnobiologia Brasileira.
35
inclusão de todos e de todas no processo educativo para a garantia de
uma transformação social.
Freire (1981) afirma que transformar o mundo através de seu
trabalho, dizer o mundo, expressá-lo e expressar-se são próprios dos
seres humanos. E que a educação, qualquer que seja o nível em que
se dê se fará tão mais verdadeira quanto mais estimule o
desenvolvimento desta necessidade radical dos seres humanos, a de
sua expressividade.
Amorozo (2002) e Marques (2001) esclarecem que a
etnobiologia é uma área que deve muito à contribuição das Ciências
Sociais (em especial, a Antropologia) que oferece ferramentas que
estão à nossa disposição para o trabalho em Etnobiologia e
Etnoecologia, e, das Ciências Naturais (sobretudo Biologia e Ecologia).
Com realce na formação interdisciplinar, e ao mesmo tempo oferece
discussão e avaliação com os enfoques qualitativo e quantitativo.
Os autores iluminam que esta ciência proporciona uma forma
prática e objetiva, suporte para discussões fundamentais para se
compreender a formação e o alcance deste campo de conhecimento
acadêmico, que procura iluminar os vários aspectos da complexa
relação das culturas e grupos humanos com seu ambiente.
Julga ser proveitoso incluir também a transdisciplinaridade na
Pesquisa Etnocientífica. A transdisciplinaridade é marca constitutiva
das Etnocências. Pois, a realização de um trabalho em Etnobiologia
ou Etnoecologia pressupõe o diálogo e a colaboração entre diferentes
áreas do conhecimento acadêmico. Mais importante ainda, o seu foco
de interesse é o saber, o sentir e o fazer do outro. Que a experiência
dos praticantes desses estudos, no entanto, cada vez mais vem
demonstrar que tal interface constitui um núcleo mínimo, necessário,
porém insuficiente para lidar com a compreensão de uma complexidade
36
que está implícita nas inter-relações entre organismos vivos e sistemas
culturais.
O campo de estudos transdisciplinares que estuda o modo
como populações humanas inserem-se culturalmente com
ecossistemas, tanto através de processos cognitivos, como de reações
emocionais e comportamentais, no qual se interpretam conexões que
emergem como um interpenetrar-se de sociedade e natureza que se
contradiz e se complementa.
Para Begossi et al. (2002), ao tratar de diferentes
comunidades em ambientes distintos, a Etnobiologia é particularista e
relativista, no sentido de focalizar uma dada comunidade e seu
ambiente: procura compreender os processos de conhecimento e
manejo dos recursos naturais. Assim, a Etnobiologia contribui para
esclarecer diferenças culturais e analisar a diversidade ou
heterogeneidade cultural.
Pompa e Kaus (2000) acrescentam que o conceito de
ecossistemas naturais como terrenos intocados ou indomados é
principalmente fruto de uma percepção urbana, da visão de pessoas
muito afastadas do meio ambiente natural, do qual dependem para
obter recursos não industrializados.
As autoras complementam que os habitantes das regiões rurais
têm visões diferentes sobre as regiões designadas como ecossistemas
virgens pelos citadinos, e é nessas concepções que baseiam o uso de
suas terras e as práticas de manejo dos seus recursos. Grupos
indígenas nos trópicos, por exemplo, não consideram o ambiente das
florestas tropicais como selvagem; é sua morada. Para eles, talvez as
áreas urbanas sejam as selvagens.
As mesmas autoras noticiam que muitos agricultores entram
em relação pessoal com o meio ambiente. A natureza deixa de ser um
37
objeto, uma coisa, torna-se um mundo complexo, cujos componentes
vivos são freqüentemente personificados e deificados como mitos
locais. Alguns desses mitos são construídos com base na experiência
de gerações; a maneira como representam as relações ecológicas pode
estar mais próxima da realidade do que o conhecimento científico. A
conservação talvez não esteja presente no vocabulário, mas é parte de
seu modo de vida e de suas percepções do relacionamento humano
com o mundo da natureza.
1.3.1. Etnomatemática
A Etnomatemática é um tema que vem sendo discutido pela
academia desde a década de 70, antigamente, defendida como uma
proposta de pesquisa. Atualmente, chega-se cada vez mais próximo
dos assuntos pertinentes ao espaço escolar. Ubiratan D Ambrósio,
Eduardo Sebastiani Ferreira, Gelsa Kininjk, Marineusa Gazzetta e
outros, são alguns dos mais relevantes teóricos desta importante
tendência da Educação Matemática.
A expressão Etnomatemática é relativamente recente. Informa
Knijnik (1996) que o brasileiro Ubiratan DAmbrósio foi o primeiro que
utilizou o termo em meados da década de setenta. No Brasil, Eduardo
Sebastiani Ferreira foi o pioneiro em trabalho de campo na área,
realizou e orientou investigações cujas pesquisas empíricas se
desenvolveram (e seguem em desenvolvimento) em regiões da periferia
urbana de Campinas e em comunidades indígenas. O educador, a partir
de suas atividades de capacitação de professoras/es indígenas para
atuarem em suas comunidades, tem contribuído para o aprofundamento
teórico de questões relativas à Educação indígena, especialmente, com
enfoque nas conexões entre a matemática acadêmica e a
matemática-materna, expressão esta que utiliza em homologia à
língua materna, para expressar o conhecimento etno que a criança traz
para a escola.
38
É certo que o desenvolvimento do raciocínio matemático
apresenta dificuldades específicas assim como qualquer outro
assunto. Tais dificuldades, no entanto, não parecem suficientes para
justificar tanta nitidez na diferenciação das pessoas no que se refere à
postura diante da aprendizagem, tão natural no caso da Educação
Ambiental e tão discriminadora no caso da Matemática. A julgar pelas
raízes históricas da matemática, observa-se que o homem sempre
construiu modelos matemáticos para explicar a realidade, desde os
primórdios.
Portanto, as disciplinas educação ambiental e educação
matemática deveriam apresentar menos dissonâncias do que as
costumeiras em questões do ensino e da aprendizagem, pois, queiram
ou não, estão conectadas, mesmo sem a percepção de alguns
profissionais da matemática.
DAmbrósio (2003) afirma que a Educação Matemática, no
Brasil e em todo o mundo, passa por um período de vitalidade. Novos
métodos, propostas de novos conteúdos e uma ampla discussão dos
seus objetivos fazem da Educação Matemática uma das áreas mais
férteis nas reflexões sobre o futuro da sociedade e nos faz refletir, em
suas obras, a respeito de que haverá possibilidades de um futuro em
que todos se beneficiarão dos progressos científicos e tecnológicos,
com justiça social, plena dignidade e respeito por raízes culturais e
tradições. Acreditar nessa possibilidade, que pode parecer uma utopia,
é o ato de amor que deve nortear a educação [...] (informação verbal)
5
.
O mesmo autor continua a dizer que a relação entre Educação
Matemática e Etnomatemática se dá naturalmente, pois ela é uma
forma de se preparar jovens e adultos para um sentido de cidadania
crítica, para viver em sociedade e ao mesmo tempo desenvolver sua
criatividade. Então, ao praticar Etnomatemática, o educador atinge os
grandes objetivos da Educação Matemática, com distintos olhares para
5
Informação fornecida por D’Ambrósio no V Seminário Nacional de História da Matemática, em 2003.
39
distintos ambientes culturais. Que a Etnomatemática propõe pedagogia
viva, dinâmica, de fazer o novo em resposta a necessidades
ambientais, sociais, culturais [...] (informação verbal).
6
Para Ferreira (2004), a Matemática é vista como um produto
cultural e, então, cada cultura, e mesmo sub-cultura, produz sua
matemática específica, que resulta das necessidades específicas do
grupo social.
Ferreira (1997) afirma que a etnomatemática, uma das mais
importantes tendências da Educação Matemática hoje, deve fazer parte
de toda a formação do Educador Matemático. E que como este
paradigma está intrinsecamente interligado com o social, sua
expressão só se faz, de fato, quando o aprendiz é colocado numa
situação vivencial, para retirar do saber étnico o conteúdo necessário e
modelá-lo em matemática na sala de aula.
O autor alerta que para isto, o aprendiz tem que estar
consciente do processo de coleta dos dados necessários, bem como de
suas repercussões. Ele deve saber, por exemplo, que em uma pesquisa
de campo, ocorre troca de conhecimentos através da relação
pesquisador-pesquisado e, ainda, que quando mal preparado, o
pesquisador pode até mesmo causar danos ao social do pesquisado.
DAmbrósio (1990, 2002) que defende ser a matemática
praticada por grupos culturais
7
, ou seja, a Etnomatemática, além de seu
caráter antropológico, um indiscutível foco político. A etnomatemática é
embebida de ética, focalizada na recuperação da dignidade cultural do
ser humano.
6
Informação fornecida por D’Ambrósio em Rio Claro-SP, em 2003.
7
D’Ambrosio coloca como grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de
trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades
indígenas e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos
grupos.
40
Nesse sentido, mesmo autor orienta:
A relação entre Educação Matemática e Etnomatemática
se dá naturalmente, pois Etnomatemática é uma forma de
se preparar jovens e adultos para um sentido de
cidadania crítica, para viver em sociedade e ao mesmo
tempo desenvolver sua criatividade. Então, ao praticar
Etnomatemática, o educador estará atingindo os grandes
objetivos da Educação Matemática, com distintos olhares
para distintos ambientes culturais. Então,
Etnomatemática não é uma nova disciplina. Mas não é
como a Educação Matemática tradicional, que não faz
mais que descongelar teorias e práticas congeladas nos
livros, esperando que o aluno seja capaz de repetir o que
outros fizeram. A Etnomatemática propõe pedagogia viva,
dinâmica, de fazer o novo em resposta a necessidades
ambientais, sociais, culturais. Assim, dá espaço para a
imaginação e para a criatividade. É por isso que na
pedagogia da Etnomatemática, utiliza-se muito a
literatura, a leitura de periódicos e diários, os jogos, o
cinema, etc. Tudo isso tem importantes componentes
matemáticos (2004, p. 15)
.
Segundo o mesmo autor: São as questões mais simples e
fundamentais do cotidiano de uma comunidade que devem e precisam
fazer parte da escola, pois são elas que dão significados tanto ao
aprendizado quanto ao papel da escola na comunidade a que
pertence. (p.09).
Ferreira (2004) afirma que a matemática como produto cultural,
tem sua história, nasce sob determinadas condições econômicas,
sociais e culturais e desenvolve-se em determinadas direções e
podemos dizer que o seu desenvolvimento é não-linear o que, na visão
de Barton, tem contribuído para um entendimento do que poderíamos
chamar de filosofia da etnomatemática.
No sentido lakatosiano, a metodologia de pesquisa
Etnomatemática deve ser ampla, pois focaliza a geração, a organização
e a difusão dos conhecimentos. É nesse difundir que aparece a
Educação que se complementa com os estudos da cognição,
epistemologia, história e sociologia do conhecimento, sem esquecer da
Educação. (DAMBRÓSIO, 2002).
41
Também, Ubiratan DAmbrósio (1990, 1996, 2002,) defende
que a Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de
entender, nos diversos contextos culturais e recentemente a considera
como uma sub-área da História da Matemática e da Educação
Matemática, em uma relação muito natural com a Antropologia e as
Ciências da Cognição, com especial evidência na Política.
Nesse mesmo diapasão, corroboramos com o pensamento do
autor quando complementa que a Educação Matemática tem a grande
contribuição nesse processo, pois considera que há uma concordância
mundial quase unânime de que educação, ciência e meio ambiente são
as três colunas mestras sobre as quais será possível construir uma
sociedade moderna que substituirá a atual volúpia dos lucros sonantes,
pela valorização dos aspectos morais e éticos, aqui incluídos os
aspectos culturais e ambientais, que conduzem o homem para a
posição de alvo principal das ações, projetos e programas sociais.
Já Knijnik (1996) esclarece que vivemos tempo em que nossa
geografia social, política e cultural está sendo remapeada. Nos
desenhos destes novos mapas, estão atores sociais antes invisíveis.
Agora, organizados, movimentam e conquistam vozes, e saem da
invisibilidade e explicitam suas diferenças, apresentam demandas
específicas para a concretização de suas ações reivindicatórias
perante os grupos dominantes.
A autora afirma que diante das novas condições atuais,
também são outros os tempos para a Educação Matemática. Hoje,
questões não só meramente econômica como a do pluralismo e
diversidade cultural, inclui-se aí, a diversidade matemática.
Knijnik complementa que novas abordagens teóricas se fazem
necessária, a partir de pressões produzidas no amplo espectro do
espaço social pelas fortes desigualdades e discriminações a que os
42
grupos minoritários estão submetidos e suas decorrentes
conseqüências. Isto também se expressa na área da Educação, e, em
particular, na área da Educação Matemática. É neste contexto que se
situa o surgimento da Etnomatemática.
No diálogo com Monteiro (2004), que diz que Etnomatemática
é uma proposta educacional e filosófica comprometida com os grupos
menos favorecidos, que nos desafia a buscar meios reveladores da
trama imposta pelos grupos dominantes. O objetivo é que experiências
sociais e culturais dos sujeitos advindos de classes desfavorecidas e
oprimidas possam ser valorizadas, fortalecidas e contribuir, assim, para
a construção de uma sociedade mais ética, fraterna e solidária.
Orey (2004) explica que sua tendência é permanecer próximo à
definição dada por DAmbrósio, na qual a etno + matema + tica possui
um significado maior do que a simples identificação de diversas
técnicas, habilidades e práticas utilizadas por grupos culturais
distintos, em suas buscas para explicar, conhecer e compreender o
mundo no qual estão inseridos. A Etnomatemática deve ser entendida
em sua abrangência. Assim, necessitamos ser cautelosos para que não
nos tornemos rígidos em nossas percepções sobre o que é ou o que
não é etnomatemática, pois se uma atividade ou um procedimento
possuem particularidades que as enquadram na descrição que foi
elaborada, acredita que elas possuam características etnomatemáticas.
Sendo assim, DAmbrósio (2005)
8
destaca que desde a década
de setenta, quando se intensificaram os estudos da área, o Brasil
destacou-se, juntamente com os Estados Unidos, pelo potencial da
Etnomatemática na Educação. Em sintonia com o pensamento de Paulo
Freire, ela mostrou que, além da importante pesquisa sobre o saber e o
fazer matemático de várias culturas, abordado nas dimensões
8
In SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL. Etnomatemática. Edição Especial n. 11, São
Paulo, 2005.
43
etnográficas, histórica e epistemológica da etnomatemática, dá-se igual
importância à dimensão pedagógica, uma vez que ela propõe uma
alternativa à educação tradicional.
Neste sentido, o estudo desta pesquisa prioriza o saber
informal do construtor de canoas. E a etnomatemática que será o fio
condutor nesse processo. O registro dos passos construtivos da canoa
e do remo pantaneiro. Visando uma possível ação pedagógica.
44
2. PASSOS PERCORRIDOS
Este estudo leva a ver a Matemática
como um produto cultural, e, então,
cada cultura, e mesmo sub-cultura,
produz sua matemática específica, que
resulta das necessidades específicas
do grupo social.
Eduardo Sebastiani Ferreira
Para que ocorresse este estudo do saber popular do artesão
pantaneiro, na construção da canoa, fez-se necessário percorrer vários
caminhos e o aprofundamento em vários teóricos que sustentam a
pesquisa descritiva qualitativa do tipo etnográfica.
No decorrer do ano de 2004 foram organizados: o
planejamento da pesquisa, a revisão bibliográfica, a pesquisa de
campo, na perspectiva da Etnomatemática onde se faz uso de alguns
procedimentos etnográficos.
Como explicam Monteiro et al. (2004)
9
em seu texto
Considerações Sobre a Pesquisa de Campo:
A pesquisa de campo na perspectiva da Etnomatemática
inspira-se na Etnografia originada na antropologia.
Embora longe de constituir uma etnografia, a
Etnomatemática faz uso de alguns procedimentos
etnográficos. Um trabalho etnográfico é uma explicação
descritiva da vida social e da cultura em um dado sistema
social baseado em observação detalhada do que as
pessoas de fato fazem. Nesse tipo de trabalho há
preocupação em explicar toda a gama de normas, regras
e valores que governam e dão sentido ao comportamento
dentro do grupo. O desafio maior nesse tipo de pesquisa
é superar as barreiras existentes para a compreensão e
interpretação do outro. (In FERREIRA, 2004, p. 59).
9
SHEM/USP/USF.
45
Realizamos a saída a campo com a intenção de entender e
descobrir a realidade desconhecida, ou seja, a construção da canoa.
Nessa inserção ao campo, realizamos a pesquisa exploratória na
tentativa de realizar o levantamento das impressões iniciais sobre o
contexto a ser observado para a realização da coleta dos dados. De
certa maneira, houve momentos de dificuldades para continuidade da
pesquisa, principalmente, no momento em que acontece o
estranhamento familiar, ou a familiarização com o estranho, quando
aconteceu a compreensão do local e do sujeito pesquisado, anotações,
gravações e entrevistas foram realizadas.
Nessa direção, eu e o sujeito pesquisado, aqui mencionado
como Seu Joaquim, após contatos e explicações do interesse nesta
pesquisa da canoa fomos a campo na localidade Potreiro, descrita com
mais detalhes à frente.
Numa bela manhã do dia 02/12/2004, às 7 horas, deslocamos
para Potreiro, lá encontramos com um dos proprietários da fazenda,
Senhor Joaquim Castrillon, mais conhecido como Quinco, que
prontamente nos recebeu e após conversa a respeito do nosso objetivo,
construir uma canoa de um tronco só, o mesmo autorizou-nos a
derrubada de uma árvore chamada cambará, que segundo Seu
Joaquim, é uma madeira não muito dura, mas não é a mesma coisa que
a chimbuva ou tambori, que para ele é a melhor madeira para fazer
canoa, viola de cocho, gamela e outros artesanatos, pois é uma
madeira macia. Por isso, teríamos que falar com Senhor José Ricardo
Castrillon, outro proprietário da fazenda, pois na sua área é que tem
muitas árvores de chimbuva. Que conforme Seu Joaquim, conhecedor
bem da área, afinal morou aproximadamente 28 (vinte e oito) anos
nessa região.
No dia seguinte, dirigimos à Escola Agrotécnica Federal de
Cáceres, onde o Senhor José Ricardo era Diretor na época, uma vez
que tínhamos pressa para a realização do corte da árvore, pois
46
estávamos na fase da lua minguante, que segundo Seu Joaquim, é a
melhor lua para a construção da canoa. Pois, se cortada nessa fase da
lua, a canoa não racha, e nem cria brocas. E também porque
estávamos em pleno verão e esta época no Pantanal chove muito e
dificultaria no processo da construção da canoa. Chegando lá, o
mesmo nos recebeu e após longa conversa detalhada de todo nosso
objetivo, autorizou o corte de uma árvore com a seguinte proposta: eu
deveria doar num total de 100 (cem) mudas de árvores exóticas, no
caso, ipê amarelo, roxo e árvores frutíferas como a jabuticabeira.
Aceitamos a proposta e, na mesma data, dirigimos ao IBAMA e,
requeremos a autorização para o corte da árvore e a confecção da
canoa. O que foi autorizado.
No dia 06/12/2004, às 7 horas, Seu Joaquim, Seu Raul e eu
fomos para o local, preparados para a realização do corte da árvore. O
Seu Raul iria utilizar a sua motoserra para a derrubada, devido a idade
avançada do Seu Joaquim não agüentaria derrubar a árvore apenas
com o machado, como fazia na sua juventude.
Entramos na mata e após algumas buscas encontramos uma
árvore apropriada dentre várias existentes no local, conforme tinha dito
Seu Joaquim. Era uma árvore que aparentava ter aproximadamente 40
(quarenta) anos e tinha 10 (dez) a 15 (quinze) metros de altura. Após a
observação de todos os detalhes necessários, Seu Joaquim pegou um
cipó de imbê que estava próximo, mais ou menos de 3 (três) metros e
começou a realizar suas medidas para verificar se o tronco era
suficiente para a construção da canoa, conferindo sempre com seu
palmo. Abraçou o tronco com o cipó e através dos seus cálculos que
serão apresentados no próximo capítulo, percebeu que era uma árvore
apropriada e autorizou sua derrubada, eram precisamente, 10h. E em
seguida, após a derrubada da árvore, foi medindo com seu palmo o
diâmetro da tora para encontrar o arrasamento da popa, da proa,
apurar e alinhar a largura da boca, da beirada com desconto e tudo.
47
No dia 09/12/2004, após a preparação do tronco, da tinta,
realizou a bateção das linhas, 37 (trinta e sete) no total: centro, popa,
proa, bojo, altura da fundura, e laterais. Também ocorreu o começo do
arrasamento, o talhamento com motoserra, com machado, ou seja, a
preparação da limpeza do tronco.
No dia 10/12/2004, após o talhamento e limpeza da proa e da
popa, começa a cavoucação, ocorreram problemas devido ao
talhamento com a motoserra (será descrito no próximo capítulo), Seu
Joaquim realizou uma nova medida para retirar os defeitos
ocasionados.
Já no dia 11/12/2004, após chuva, podemos sentir mais de
perto a beleza e riqueza da natureza que temos. Os vestígios da chuva,
a chegada do sol, o despertar da mata, o cântico dos pássaros e
milhares de ruídos dos insetos que parece uma sinfonia a perturbar o
silêncio da floreta. Nesse ambiente, aconteceu o arrasamento da boca,
da proa e da popa. A continuação da cavoucação da canoa, que
conforme Seu Joaquim é a parte mais difícil, pois o sobe e desce, ou
seja, trabalhar abaixado cansa muito. Porém, neste quarto dia de
acompanhamento é notável a criação maravilhosa que o homem
consegue transformar. A imagem da canoa de um tronco já começa a
surgir. Que segundo Seu Joaquim, o tamanho desta canoa é próprio
para duas pessoas e para pescar no mato
10
, principalmente, pacu.
Nesta data, resolvi participar da cavoucação e do arrasamento
da canoa com o machado e o enxó. Tem que ter energia e força, não é
fácil. Pois, o trabalho de cavoucação da proa e da popa e viração para
a marcação do fundo e arrasar requer muito esforço também. Em
seguida, a preparação para a bateção de linha do centro da canoa até
o banco da popa. Que depois de marcar dos dois lados, essas medidas
10
Pescar no mato significa sair do canal do rio e entrar no pântano onde está alagado na época da
enchente: a água que sai das margens do rio, de dezembro a abril, a procura dos pés das árvores
frutíferas onde estão os peixes, principalmente, o pacu.
48
são para a fundura da canoa. Depois da batida da linha, Seu Joaquim
explica que abaixo da linha a madeira vai sair todinha, o que sobrar já
é a canoa, agora é só trabalhar na limpeza e no cipio.
No dia 12/12/2004, às 7h30min, aconteceu o talhamento com
motoserra (com cuidado) e arrasamento da proa, da popa e do fundo da
canoa. Depois dessa retirada de madeiras, já se deu o formato da
canoa. Logo, realizamos a viração da canoa para Seu Joaquim arrasar
o fundo e arrasar o tabão que é a madeira que fica de fora e o fundo é
a madeira que fica dentro da canoa. Nos dias 14, 15, 16 e 19/12/2004,
continuação do arrasamento e cavoucação da canoa. No dia
21/12/2004, retornamos a Potreiro, e viramos novamente a canoa com
a boca para cima para dar mais cavoucada no seu interior para facilitar
no arrastamento e transporte para a casa do Pesquisador.
No dia 22/12/2004, às 7 horas, fomos preparados para o
transporte da canoa da mata de Potreiro para a residência do
Pesquisador, que fica próxima do rio Paraguai, para facilitar no
acabamento final da canoa, devido a constante chuva nessa época.
Com isso, Seu Joaquim teve tempo nos dias 23, 27, 28, 29 e
30/12/2004, para a limpeza e o acabamento final da canoa.
No ano de 2005, foi feita a compilação dos dados, novamente
as revisões bibliográficas e análises interpretativas com as devidas
correções. Também foram realizadas as Atividades Programadas,
apresentada para o Programa de Pós-Graduação.
No mês de outubro do corrente ano, ocorreu a construção do
remo e no dia 30/12/2005, a canoa foi colocada no rio Paraguai para
testar a sua navegabilidade.
Esta pesquisa é de cunho descritiva qualitativa do tipo
etnográfica de acordo com Lüdke e André (1986) e Bogdan e Biklen
(1982).
49
Autores como Both e Siqueira (2004), Lakatos e Marconi
(2004), Triviños (1987), Haguette (1987), Woods (1992) e Macedo
(2004) corroboram com as idéias de Lüdke e André no estudo científico
com sentido na pesquisa qualitativa, pesquisa de campo, etnográfica,
observação participante e a presença do olhar senso-crítico. Todas
essas concepções estão associadas a Paulo Freire (1981, 2001) que
defende a educação dialógica, com a inclusão de todos e de todas no
processo educativo para a garantia de uma transformação social.
Buscamos sustentação na antropologia social de Geertz (1989)
que orienta na compreensão do que é a etnografia, ou mais
exatamente, o que é a prática da etnografia, onde podemos começar a
entender a análise antropológica como forma de conhecimento.
Dialogamos também com Bandeira (2000), o qual sustenta que
a etnografia como ciência da descrição cultural envolve pressupostos
específicos sobre a realidade e formas particulares de coleta e
apresentação de dados.
Orienta-se no sentido de apreender a organização da cultura
e, a partir dela, analisar e explicar os modos de pensar, de sentir, de
fazer, de conhecer e de expressar. A alteridade é enfocada tanto em
nível da relação entre culturas, como no interior de cada cultura
particular, levando em conta a diferenciação de classes e outras
diferenciações internas de grupos sociais que compõem a sociedade e
a sua cultura.
Ainda, Peter Loizos
11
sustenta que a fotografia,
adequadamente aumentada, pode servir como um desencadeador para
evocar memórias de pessoas que uma entrevista não conseguiria, de
outro modo, que fossem relembradas espontaneamente, ou pode
11
In Bauer e Gaskell. Pesquisa qualitativa como texto: imagens e som: um manual prático. 2002.
50
acessar importantes memórias passivas, mais que memórias ativas,
presentes.
DaMatta (1987)
12
destaca a possibilidade da pesquisa de
campo estar inserida de sentimento e emoção e que a situação
etnográfica não é realizada num vazio e que tanto lá, quanto aqui, se
pode ouvir os anthropological blues!
A análise final dos dados foi feita conforme metodologia
utilizada por Marineusa Gazzetta no último capítulo do livro de Ferreira
(2004, p. 73-84).
2.1. Local da Pesquisa
A pesquisa foi realizada na Fazenda São Bento, conhecida
como Potreiro no município de Cáceres, Mato Grosso. (Fig. 01).
Figura. 01: Estado de Mato Grosso.
O município está localizado a 210 quilômetros de Cuiabá, a
capital deste Estado, e a 80 quilômetros da cidade boliviana de San
Mathias. A principal atividade turística da região é a pesca esportiva.
12
In Nunes (2001) “O Ofício do Etnólogo ou como Ter ‘Anthropological BluesPublicações do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, 1974.
51
Figura. 02: Vista panorâmica de Cáceres Fonte: Google.
O município de Cáceres é um dos mais desenvolvidos centros
regionais do oeste de Mato Grosso. Sua área territorial é de 27.462,38
km2, ocupada por aproximadamente, 86.000 (oitenta e seis mil)
habitantes, distribuídos 77% (setenta e sete por cento) na zona urbana
e 23% (vinte e três por cento) na zona rural, conforme IBGE/2000. (Fig.
02).
O ecossistema da região é composto por 35% de cerrado, 15%
da Floresta Amazônica de transição e 50% de pantanal. (SEMATUR,
2005).
E nesse pantanal, situa-sePotreiro, conforme as imagens,
onde visualiza-se bem esse fascinante ambiente. (Fig.03).
52
Fonte: Google
13
, 2005.
Figura 03: Paisagens do local da realização da pesquisa. A a distância de 800 m das
margens do Rio Paraguai; B - Vista da margem esquerda do rio Paraguai; C - Localização
geográfica da comunidade de Potreiro, CáceresMT. Foto: VICTORIANO, 2004.
A Fazenda São Bento, localidade denominada Potreiro,
próxima ao Distrito de Vila Aparecida, antigo Bezerro Branco, dista 50
km de Cáceres, na Estrada Estadual MT- 343, Cáceres à Barra do
Bugres - MT, e fica a 800 metros das margens do Rio Paraguai, no
Pantanal de Cáceres-MT. Na figura n. 06, visualiza-se a mata onde foi
realizada a derrubada da árvore e confecção da canoa, às margens do
Rio Paraguai. (Fig. 03).
A citada fazenda tem uma área de 240,7499 hectares e um
perímetro de 8.635,10 metros.
13
Acesso dia 10/12/2005: www.google.com.
A B
C
53
O bioma Pantanal é caracterizado pela sua diversidade de flora,
fauna e da sua cultura, que está inter-relacionado com a periodicidade
de sua rede hídrica e belezas naturais, o que proporciona belíssimas
paisagens onde se depara com o nascer do sol no majestoso Rio
Paraguai, da antiga cidade de São Luiz de Cáceres. (Fig. 04).
Figura: 04 - Amanhecer no Rio Paraguai – Pantanal - Foto: VICTORIANO, C, 2005.
O Pantanal é uma planície sedimentar, situada na região
central da América do Sul, que, segundo os registros de Carvalho
(1986), ocupa no Brasil, uma área de 168.000 km², compreendendo o
Estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Neste fluxo e refluxo das águas, o Pantanal respira, organiza-
se, compõe-se e reorganiza-se em ritmos e sistemas de vida que se
entrecruzam. É o ritmo das águas. Que movimenta as canoas.
54
2.2. De onde vem a canoa?
A canoa existe desde épocas imemoriais. Em vários textos há
citação de que desde, aproximadamente, 25 (vinte e cinco) mil anos
atrás, as canoas já eram partes essenciais na vida das civilizações do
Oceano Pacífico, como por exemplo, no texto de Ribeiro, abaixo
transcrito. As primeiras embarcações, que colonizaram as Filipinas e
Ilhas da Indonésia e, posteriormente a Melanésia e a Austrália, eram
jangadas de bambu com velas de junco. O mar aberto exigia que os
cascos dos barcos fossem maiores e resistentes e para isso era
necessário que fossem cavados de um único tronco.
Como relata Berta Ribeiro (1987):
Dentre os inúmeros sistemas de classificação usados
pelas sociedades mais simples, o que tem sido objeto de
estudo, mas fecundo é a Etnobiologia. Compreendem a
etnobotânica, Etnozoologia e Etnoecologia. Nesse tipo
de estudo combina-se a visão do observador estranho à
cultura, refletindo a realidade percebida pelos membros
de uma comunidade. (p.11). [...] Trabalhando
primordialmente com artesanato indígena, surpreende-
me verificar como os índios descobriram as virtudes e as
potencialidades da flora que os rodeia, retirando da
matéria bruta a matéria prima e transformando-a em
bens culturais. (p. 12). [...] Selecionam os troncos que
escavados, se transformam em canoas e que diferem dos
que utilizam para fazer arcos, pontes, casas ou pilões ou
aqueles que usam para acender fogo ou para queimar a
cerâmica. Grifo meu. (p. 13).
As árvores na Polinésia eram selecionadas por sacerdotes, em
função do seu espírito, e abençoadas antes do seu corte. O primeiro
entalhe era realizado com uma enxó
14
, em um cerimonial sagrado
também seguido de nova benção do Kahuna Kalai Waa (tipo de
sacerdote). Depois de entalhada a canoa era novamente abençoada
num cerimonial de proteção chamado Pui i Ka Waa, antes de seguir
14
CANOA, trabalho de pesquisa realizado no Curso lato sensu em Educação Matemática, pelas alunas Antonia
Eliete Soares Bezerra e Maria Aparecida T. M. Monteiro, orientação da profa. Ermerita Sandoval Tedesco,
UNEMAT, 2002.
55
para a casa do Kalaiwaa (construtor de canoas), onde seria finalizada.
A canoa era e, ainda, é considerada como um objeto sagrado
15
.
Na bacia central da Polinésia, a canoa, geralmente era uma
casca feita de uma peça de madeira e com pontas nas extremidades.
Eram pequenas e utilizadas para curtas distâncias ou para a pesca.
Segundo Levi-Strauss, na Guiana, canoas e ubás eram
fabricadas das seguintes árvores: siruaballi (Nectandra spp.), tenyari
ou mara (Cedrella odorata); Copaíba (Copaifera pubiflora), kabukalli
(Goupia glaba), itenalli (Vochysia tetraphylla), sumaúma (Ceiba
pentandra), andiroba (Carapa guianensis), árvore de incenso (Protium
guianense), Dimorphandra mora e diversas espécies ainda não
identificadas. No norte do Brasil, as canoas eram escavadas em
troncos de Cedrela odorata e Ceiba pentandra. Os índios do Brasil
central faziam suas canoas da casca do jatobá (Hymenaea courbaril). A
mesma madeira era provavelmente usada pelos Tupinambá. Os Tupi
escavavam canoas numa Bombacácea ou no Fícus doliaria. A Iriartea
ventricosa é usada para o mesmo fim. (apud RIBEIRO, 1987: 36).
Os maoris, da Nova Zelândia, são mestres na construção das
canoas de tronco. Ao longo da costa ocidental da África os pescadores
ainda usam grandes canoas de troncos para pescar, permanecendo
longos dias em mar alto
16
.
Malinowski (1978) afirma que:
A canoa é elemento da cultura material e, como tal, pode
ser descrita, fotografada e até mesmo fisicamente
transportada para um museu. [...] A realidade etnográfica
da canoa não poderia ser transmitida ao estudioso
simplesmente colocando-se diante dele um exemplar
perfeito da embarcação. [...] A canoa é feita para
determinado uso e com uma finalidade específica;
15
Idem.
16
Idem.
56
constitui um meio para atingir determinado fim, e nós,
que estudamos a vida nativa, não podemos inverter essa
relação, fazer do objeto em si um fetiche. (p. 87).
Câmara (1888) afirma que a origem da palavra canoa é
americana, dos caraíba [...] os dicionários e vocabulários não são
claros a respeito de sua origem, a exceção do de Littré que a supõe
americana por ser citada por Colombo, e os primeiros viajantes da
América, e de Webster, que a denuncia de canoas dos caraíbas.(p.
33).
Para o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa de Antônio Geraldo da Cunha, editora Nova Fronteira
(1991) a palavra portuguesa canoa originou-se do castelhano canoa
que por sua vez derivou-se do aruaque. Portanto, é de origem
americana. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa confirma essa
origem.
Segundo Tedesco (2002), em várias partes do planeta,
inclusive no Brasil, ainda se usam canoas primitivas feitas de uma
longa tora de madeira escavada a machado, a fogo ou por uma
combinação dos dois. Muitas são maravilhosamente esculpidas e
ornamentadas e têm consideráveis tamanhos e capacidade de carga.
Câmara (1888) principia a descrição no seu Ensaio pelas
canoas da província da Bahia, onde ela apresenta mais variedade e
perfeição. Para a sua construção desbastam um tronco a machado por
dentro e por fora, operação esta que chamam de chabocar, ao que se
segue o trabalho a enxó
17
plana pelo lado de fora, e a goiva pelo de
dentro.
Na província do Rio de Janeiro, o processo da construção
apresenta algumas pequenas diferenças. Derrubado o pau, o falquejam
com machado, dando-lhe a forma de um paralelepípedo, e depois a de
17
Nesta obra o termo enchó é escrito com “ch” diferente das outras que trazem “x”, porém consideramos “enxó”.
57
casco bruto. Viram-no, debastam por dentro com machado, e em
seguida com enxó goiva, e furam em diversos lugares para marcar a
espessura da embarcação, e a esses furos, que servem de bitola, dão o
nome de balisas. (CÂMARA, 1888).
Câmara (1888) noticia que:
As canoas representaram um papel muito saliente na
defesa da cidade de São Sebastião, no século XVI, da
invasão dos franceses confederados com os tamoios, nos
muitos combates, que se deram entre os portugueses e
eles, auxiliados uns e outros por índios. (p. 55). [...] As
canoas do Rio de Janeiro para o sul, muito se parecem, e
a maneira de construí-las muito se assemelha. As
províncias de São Paulo e de Santa Catarina são as que
possuem maiores. Há ainda em Santos algumas, que
fazem a pequena cabotagem para Iguape, armadas de
uma, duas, e às vezes até de três velas redondas, como
as das canoas do Rio. (p. 58).
Câmara afirma que em canoas pequenas, livraram-se os
habitantes do Recife em 1593 do assalto do pirata inglês Lancaster,
retirando-se pelo Beberibe e Capiberibe, o qual, havendo tomado de
assalto à fortaleza do Bom Jesus.
Entre muitos fatos as que estão ligadas estas embarcações,
pode-se ainda citar a tomada de um navio holandês em 1613 por um
corpo de Tapuias embarcados em canoas e capitaneados por Martins
Soares Moreno, capitão-mor e fundador do Ceará; a tentativa de ataque
dos índios de Cumá em dezesseis canoas aos soldados de Pernambuco
no rio Muny no Maranhão. (CÂMARA, 1888).
A canoa se faz presente nesses rios brasileiros, faz-se
presente à lenda da cachoeira de Paulo Afonso, segundo a qual o
padre Jesuíta desse nome, surpreendido no alto em canoa com um
índio, precipitara-se no abismo, o qual saíra com vida, tendo morrido o
índio, ou, segundo outra versão, morrera com o índio. O mesmo autor,
Câmara, diz que acerca da navegação do alto São Francisco
58
acrescenta-se o seguinte trecho de um viajante, que acompanhou Sua
Majestade Imperial às províncias do Norte em 1859.
Tedesco (2002) informa que os índios que vivem na beira dos
rios se utilizam desse elemento indispensável, a canoa denominada de
Ubá ou Piroga. Na Amazônia, na região do Xingu, é comum outro tipo
de canoa, a da casca do jatobá.
Câmara declara que as pequenas embarcações das províncias
do Pará e Amazônia têm nomes muito variados, tirados de termos da
língua geral dos indígenas, e de canoas, propriamente, denominam-se
as grandes, próprias para carga. Ubás é o nome genérico das
embarcações feitas e usadas pelos índios, que habitam às margens do
Amazonas, e de seus afluentes.
2.2.1. A importância da canoa
A necessidade de o homem (nômade) deslocar-se através do
transporte fluvial para enfrentar diversos desafios colocados pela
natureza e pela vida, tais como: o transporte para adquirir alimentos,
conquistar territórios, combater nas diversas guerras que surgiam,
sobreviver nas enchentes, etc., levaram-no a criar mecanismos que
viessem satisfazer essas necessidades. Inspirado por isso, construiu a
CANOA de um tronco só que acabou sendo na ocasião um grande
avanço para a humanidade.
Lima (2004) diz que pescador pantaneiro é aquele que sabe
jogar a rede ou o anzol no rio Paraguai para pegar o peixe e levá-lo
para matar a fome da família, ou seja, é aquele que conhece o
movimento que se faz em pé no meio da canoa para lançar a rede e
pescar. Isso é denominado RASCA, conhecimento genuinamente mato-
59
grossense que dá origem ao passo da dança do Rasqueado [...].
(informação verbal)
18
Gazzetta (2002) afirma que o pensamento do pescador na
construção da canoa é matemático, dentro da concepção atual de que
existem várias matemáticas. (informação pessoal)
19
.
O pescador pantaneiro utiliza-se da canoa para sua
locomoção, para poder pescar e vender o peixe, transportar os
alimentos para seu consumo e realizar barganhas. Ainda, constrói
canoas para venda o que aumenta a sua renda familiar. Como,
geralmente, sobrevive do salário de uma aposentadoria, necessário se
faz recorrer a essas alternativas que são atividades imemoriais dos
grupos canoeiros que se estabeleceram na região, como os Guatô,
Guaxarapo e Payaguá.
Rondon (1972) informa que os veículos de transporte da vasta
região, durante muito tempo foram: o cavalo e o carro-de-boi durante a
seca e canoa ou batelão na época da enchente. E, o pantaneiro,
habituado ao lombo do cavalo tanto para viagens como para os
trabalhos, afirma cavalo de minha montaria, do meu arreio, animal da
minha sela, e esse costume deve tê-lo o levado a empregar a palavra
montaria para designar a canoa pequena e até a mediana, na qual
navegava durante a enchente até mesmo para campeios.
A canoa, montaria, segundo Rondon (1972) teve papel
importante no passado, pois, quando ocorria enchente anual, ela
deslizava sobre as águas do campo inundado e transportava o
campesino pantaneiro para olhar os animais, nas viagens, nas caçadas
de peixe - quando utilizavam o arco e a flecha ou o arpão, que era mais
conhecido por fisga.
18
Informação verbal fornecida por Victor de Oliveira Lima, Biólogo, Cuiabá-MT em 2004.
19
GAZZETTA, M. mensagem recebida pelo E-mail: marigazzetta@hotmail.com, em 10/02/2002.
60
Rondon (1972) diz que,
Para o transporte de carga, da família empregávamos o
batelão, ao que dizíamos bartelão, canoa grande também
feita de um só tronco e de capacidade para até mais de
dois mil quilos de carga. [...] era impelida, empurrada
por força muscular de um ou mais remadores conforme o
tamanho, peso da embarcação e da carga. [...]
utilizávamos remo de cabo comprido, de dois e meio a
três metros, para remar quando em lugar fundo ou zingar
quando no raso, e a zinga, uma vara fina e comprida.
[...] o piloto trabalha na popa, parte traseira da
embarcação, é o trabalho mais pesado porque ele tanto
empurra como controla a direção. O proeiro trabalha na
proa, na parte da frente e vai informando ao piloto sobre
os obstáculos que vê. [...] os peixes são encontrados em
qualquer parte quando em viagem, ao redor das árvores
das quais apreciam os frutos carandeiros, canjiqueiras,
roncadozeiros e de outras. [...] as pessoas conversam
por meios de gestos, o flechador apontando a arma de
origem indígena mostra o rumo desejado, e pelos gestos,
movimentos o piloto compreende o que deve fazer até
que flechador retese o arco e solta a flecha para vê-la
cortar água na disparada do peixe ofendido. [...] as
enchentes desaparecendo, o aumento de muitos veículos
de transportes, os canoeiros do pantanal também estão
diminuindo e tende a desaparecer esse tipo típico do
pantanal, que de pés descalços, calça de mesela
carcomida pela água e espinhos, camisa de mangas-
compridas, chapéu de palha dava vida ao ambiente que
é belo. (p. 51-52).
Oliveira (1995) informa que a canoa é muito importante para os
ribeirinhos pantaneiros, que a utilizam no seu dia-a-dia e realizam os
mais diversos afazeres. O seu uso é constante e necessário,
principalmente, para a subsistência familiar.
A pesca talvez seja a principal atividade de subsistência dos
ribeirinhos. Trata-se de um fazer realizado com muita freqüência
durante todo o ano, principalmente, na cheia, quando a pesca se torna
mais fácil, porque nos campos inundados e nas baías aparecem com
maior freqüência algumas espécies de peixes, como o pacu (Piaractus
mesopotamicus), normalmente encontrado em locais onde existem
espécies florísticas em frutificação, como tucum e carandá (Copernicia
61
Alba). São locais que funcionam como verdadeiras cevas para essas
espécies.
Berta Ribeiro (1987) trabalhando primordialmente com
artesanato indígena, surpreendeu-se ao verificar como os índios
descobriram as virtudes e as potencialidades da flora que os rodeia,
retirando da matéria bruta a matéria prima e transformando-a em bens
culturais. Selecionam os troncos, que escavados, se transformam em
canoas e que diferem dos que utilizam para fazer arcos, pontes, casas
ou pilões ou aqueles que usam para acender fogo ou para queimar a
cerâmica.
É importante ressaltar que os índios brasileiros sempre
utilizaram canoa em sua rotineira vida selvagem. A canoa, portanto, é
usada no Brasil desde muito antes do seu descobrimento. Os indígenas
já a conheciam e ela continua, ainda, a ser utilizada na pesca,
passeios e transporte fluvial. Os Caiçaras
20
têm a cultura de construir
canoas e navegar pelos espelhos dos rios paulistas. Os índios do
Amazonas, em sua maioria, utilizam-se dessa cultura material
comprovadamente há muito tempo e também essa cultura impera em
outras regiões brasileiras.
Câmara (1888) afirma que no Pantanal Mato-grossense os
Guatô tornaram-se notáveis pelo equilíbrio que têm nas suas canoas,
que são muito esguias.
20
JUNIOR, Gilberto Chieus. Matemática Caiçara Etnomatemática contribuindo na formação docente.
Dissertação de Mestrado. FE-Unicamp, 2002.
62
2.3. Guatô: personagem da cena pantaneira.
Além de tudo isso o Guatô é um
habitante aquático por excelência;
mais do que qualquer outra tribo do
continente sul-americano
Max Schmidt
Figura. 05. Guató da Passagem Velha, 04 léguas da Vila. Fonte: Florence, 1977.
Os Guatô, segundo Oliveira (1995) é povo de língua do tronco
Macro-Jê, foi considerado extinto por 40 anos, até que, em 1977, foi
reconhecido um grupo na Ilha Bela Vista do Norte, no Pantanal Mato-
Grossense. São conhecidos como índios canoeiros e vivem dispersos
ao longo dos rios do médio e alto Paraguai: São Lourenço e Capivara,
no município de Corumbá - MS. (Fig. 05).
Segundo a FUNAI, em 1989 eram 382 índios. Em Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul, poucas pessoas sabem quem é o Guatô, povo
indígena que há séculos vive no Pantanal e cuja língua possui um certo
parentesco com as faladas pelo Bororo, Kaigang, Karajá e Xokleng,
segundo Carlos Roberto Cerqueira
21
.
Oliveira (1995) afirma que os Guatô tradicionalmente se
organizam em famílias nucleares, características que os distinguem de
outros povos que se organizam em grandes aldeias, a exemplo dos
Bakairi, Kaiapó, Kaiowá e Terena. Sua organização social atesta uma
21
http://www.ccerqueira.hpg.ig.com.br/Nações_indigenas.htm.
63
forma de adaptabilidade ecológica relacionada ao ritmo das águas do
Pantanal.
Esses índios, segundo esta mesma fonte estão estabelecidos
no Pantanal há mais de 500 anos. Tradicionalmente, são dóceis,
pacíficos, cultivam milho, abóbora, batata, algodão e outros gêneros
agrícolas. Além da lavoura, eles vivem da caça, da pesca, da flora e da
fauna pantaneira. Fabricam também lindos tecidos coloridos de
algodão. Não constituíram obstáculo para a colonização da Bacia
Platina, tendo em vista serem índios pacíficos, o que é mencionado nos
conhecidos Comentários do conquistador espanhol Alvar Nuñez
Cabeza de Vaca, que ali esteve em 1543. Dados arqueológicos obtidos
para a região do morro do Caracará, MT, levam a pensar que talvez
eles ali estivessem há mais de 800 anos.
Câmara (1888) informa que, se bem que muito conhecida, a
maneira curiosa e original pela qual fazem os Guatô, e outros índios da
Província de Mato Grosso a colheita do arroz silvestre, não deve deixar
de ser lembrada nesta memória, em que, a par da descrição do modo
de construir as embarcações, se têm citados os seus usos e costumes,
e até fatos históricos, que a elas se prendem.
Eles penetram no arrozal, e vão batendo com as pás nas
espigas pendidas para dentro da canoa, e sem mais outro trabalho a
enchem de arroz. Estas eram as únicas embarcações, que encontrou L.
dAlincourt em toda a província de Mato Grosso, com a denominação de
batelões as pequenas, e de guerras, as grandes, e ainda são as que
atualmente existem consideradas indígenas, exceção feita de barcos
chatos por ele vistos no rio Sepotuba, que deságua no Paraguai.
64
2.3.1 Os primeiros habitantes do Pantanal
A ocupação humana na região pantaneira é bastante antiga.
Oliveira (1995), em estudos arqueológicos, data em 8.000 anos os
sítios situados em margens altas do rio Paraguai e lagoas, assim, como
em encostas e morros. Segundo os autores, situa-se em torno de 2.000
anos atrás a época em que se intensificou a ocupação das áreas
alagáveis.
Campos Filho (2002) diz que quando os bandeirantes
portugueses e paulistas chegaram na região pantaneira, os povos
locais eram Guatô e Bororo, com o grupo de Beripoconé. Este último
habitava as bordas externas da planície pantaneira, onde, atualmente,
é Poconé. Fontes orais indicam ser os Porrudo, citados em relatos
setecentistas, o grupo indígena que habitava o baixo curso do rio
Cuiabá. Além destes, aí habitavam também os Bororo e os Guatô,
hábeis canoeiros e nadadores, que conforme relatos orais eram
capazes de nadar em pé, com o tronco para fora da água.
Rondon (1981) cita ainda que existiam nesta região os Bororo
de Cáceres e os índios Guaná.
Os Guatô foram uns dos primeiros a domar as águas do
Pantanal, antigo Mar dos Xarayes
22
, e eram construtores de canoas,
zinga, zagaia, viola de cocho
23
, cestarias, cerâmicas e chicha de acuri,
dentre outros. Além de serem exímios pescadores, eram também bons
caçadores, principalmente, de onça pintada
24
.
22
Notícias de Xarayes: pantanal entre os séculos XVI a XVIII. Maria de Fátima Costa, (UFMT). Tese
de Doutorado. (USP, 1997).
23
A viola de cocho não faz parte das culturas indígenas originais, foi introduzida pelos jesuítas
missionários.
24
VICTORIANO, Celso F. C. Projeto Expoarte de Nossa Universidade: GUATÔ. Integrarte, IL, Depto.
Letras, Campus Universitário de Cáceres Jane Vanini”, 2002. (valorização do etnoconhecimento da
cultura pantaneira).
65
Corrêa Filho (1955) indica o território dos Guatô nas
imediações da Gaíva, mas Oliveira (1995) lhes confere território maior,
compreendido entre os rios Cuiabá e Paraguai, e as faixas marginais,
até a região do rio Alegre.
Rondon (1972) nos diz que os Guatô combatiam os Guaicuru
que, na seca, traziam seus animais para o território. Se perdessem a
batalha, seriam por eles escravizados. Nas enchentes surgiam os
canoeiros Paiaguá. Sobre a organização social Guatô, diz ser dividida
em pequenos grupos, famílias acampadas em redutos secos.
O mesmo autor considera os Guatô como os formadores do
povo pantaneiro, juntamente com os Beripoconé, e mais tarde os
paulistas, portugueses, espanhóis, escravos de origem africana e
índios escravizados, e posteriormente alguns estrangeiros e brasileiros
de diversas regiões, como mineiros, goianos e nordestinos.
Siqueira (2002) informa que Antonio de Almeida Lara, em
1728, enviou duas canoas de guerra e algumas de carga para a região
pantaneira dos Guatô, onde se havia encontrado mudas de cana-de-
açúcar. Depois de dois meses, a expedição retornou trazendo as
mudas que foram plantadas no seu Sítio em Chapada, hoje dos
Guimarães.
2.3.2 Guatô – Canoeiros do Pantanal
Figura. 06. Guató em duas canoas. Fonte: Florence, 1977.
66
A canoa, principal meio de transporte da nação Guatô
25
, desde
o tempo mais longínquo, já era de grande utilidade para esse povo
resistente e domador das águas do Pantanal. (Fig. 06).
Necessário se faz mencionar, os primeiros habitantes do
Pantanal, considerados Os Argonautas Guatô:
26
Além de tudo isso o
guatô é um habitante aquático por excelência; mais do que qualquer
outra tribo do continente sul-americano (SCHMIDT, 1942b, p. 249).
Oliveira (1995) relata que a canoa monóxila ou manum
27
é o
principal meio de transporte para os Guatô, principalmente na cheia, a
tal ponto que as pernas dos homens são pouco desenvolvidas e
arqueadas para dentro, enquanto o tronco permanece notadamente
mais desenvolvido por causa da atividade de remar.
Magalhães (1873) também descreve que:
De Corumbá para cima é o país dos Guatô, tribo de
navegantes eternos que, consubstanciados com suas
canoas, quase como o caramujo com a sua concha, erra
e vive por aquelas alegres e fartas regiões dos pantanais
do alto Paraguai, S. Lourenço e Cuiabá. Para o índio
essa é a região onde a vida é fácil: a caça e o peixe são
aí não só em grande abundância, mas tão facilmente
colhidos que, para viver e gozar de abundância, não é
necessário trabalhar (p. 375).
Vale ressaltar que o índio muitas vezes é visto com olhar
carregado de preconceito bem explícito no comentário acima para
viver e gozar de abundância, não é necessário trabalhar. Isso reafirma
a concepção vigente de que o índio não gosta de trabalhar. O que é
25
Afinal, é Guatô ou Guató? Sempre foi mencionado Guató, por isso na literatura encontra-se esse
registro, porém, em 2004, em Corumbá-MS, contato com os índios Guatô de lá, informaram-nos que
a pronúncia certa é Guatô, devido a auto-denominação ser Ma’Guatô, desde então, passamos a
chamar assim, Guatô.
26
Aportes para o conhecimento dos assentamentos e da subsistência dos grupos que se
estabeleceram nas áreas inundáveis do Pantanal Mato-grossense. Jorge Eremites de Oliveira,
(UFMS). Dissertação de Mestrado. (PUCRS, 1995).
27
Além de Manaã também encontramos na literatura atual a palavra canoa na língua Guatô como
Manum.
67
meramente preconceituoso, pois o índio sempre cumpriu seus afazeres
na parte econômica, social e política.
Ferreira (1993) menciona em sua obra que:
Passam o dia nas suas canoas que eles mesmos
fabricam com bastante perfeição e são pequenas e
velozes; multiplicam o número delas na proporção dos
membros da família e como são polígamos, não é raro
ver um Guatô com 5 ou 6 canoas cheias de suas
mulheres, e mesmo alguns se contentam com uma. (p.
84-85).
Moure (1862) relata que muitas vezes as famílias passam a
noite em suas próprias canoas, que são fabricadas com uma rara
perfeição, e possuem notável elegância e rapidez. A mulher é
responsável por governá-la, permanecendo na popa. Quando toda a
família está embarcada, a borda da canoa fica a alguns centímetros
acima da água, o que não impede o uso do arco e flecha para pescar e
caçar.
Segundo Oliveira (1995), neste contexto o processo de
fabricação da canoa implica na escolha da madeira apropriada, que
deve ser mole, leve e flutuante, geralmente cambará (Vochysia
divergens). Geralmente, essa espécie atinge de 6 a 8 m de altura. A
derrubada da árvore deve ter sido feita no passado com o auxílio de
machado com lâmina feita de material lítico.
Figueiredo (1939) explica que canoa é do tipo ubá, escavada
com fogo a beira da água até adquirir a forma almejada. O uso do
machado deveria ser decisivo no acabamento final.
Segundo informa Schmidt (1942b) a proa ou eopigagá possui
forma cônica, e a popa ou hihe é mais larga para servir de assento.
68
Oliveira (1995) alerta que para uma melhor conservação da
canoa contra a ação da água ou de brocas (insetos), quando
necessário, deve-se retirá-la da água, erguê-la em estruturas de
madeira para, em seguida, atear fogo por baixo, retirando a água que
penetra nos poros da madeira. A impermeabilização era feita através
do processo de defumação da canoa, lubrificando-a concomitantemente
com gordura animal, geralmente retirada de capivara ou jacaré.
O autor acima informa ainda que os remos ou macum
28
normalmente são feitos de caneleira (Ocotea spp.), também conhecida
na região pela sinonímia de loro. Menciona que o tamanho dos remos
pode variar, mas os mais usados possuem pás lanceoladas que medem
70 cm (setenta centímetros) de comprimento por 26,5 cm (vinte e seis
centímetros e cinco milímetros) de largura.
Schmidt (1942b) menciona também em seus escritos que os
remos grandes com 2,5 m (dois metros e cinqüenta centímetros) e
remos infantis com 84 cm (oitenta e quatro centímetros) de
comprimento. Fala da zinga ou madyuada, por sua vez, é uma vara
comprida usada na propulsão da canoa em lugares pouco profundos,
feita também de caneleira. Schmidt observou ainda uma zinga com
ponta de dente de onça-pintada, que possuía duas finalidades,
empurrar a canoa no meio da vegetação e ser usada como zagaia
29
.
Além da canoa, remo, zinga e zagaia, o povo Guatô tem outras
culturas materiais como: arcos, flechas, bodoques, artefatos líticos,
armadilhas para caçar, equipamentos domésticos e de trabalho,
trabalhos em madeira: viola de cocho e, a utilização de conchas de
moluscos, cerâmicas, trançados e tecelagem e outros.
28
Na língua Guatô.
29
Zagaia é uma lança curta também conhecida como azagaia, utilizada para caçar grandes
mamíferos e répteis, mencionada em Castelnau (1943), Florence (1948) e Leverger (1862a), e
descrita por Koslowsky (1895) e Schmidt (1902 e 1942b) que, por sua vez, a menciona como madzúr.
69
Cintra (2001) relata em sua pesquisa:
O trabalho refere-se ao estudo da origem e
hidrodinâmica da canoa utilizada pelos pescadores
tradicionais de Cáceres-MT. Com base em dados de
campo e fontes primárias iconográficas e relatos orais
com dois informantes conhecedores e artesões desta
cultura material canoa de um único tronco. Este tipo de
embarcação fora herdada dos povos indígenas que
habitavam nesta região do Rio Paraguai, quando do
povoamento de Cáceres. Era um único meio de
transporte fluvial do qual os Guatô e Bororo, que viveram
na região, utilizavam para ir em busca de alimentos
(caça e pesca) para a sua subsistência e por onde
faziam longas viagens com seus familiares.
2.3.3 A Cultura Guatô: história e situação atual
Segundo Lucy Seki (1984) a nação Guatô tem a origem do
tronco lingüístico Macro-Jê, que definido com base em evidências
menos claras inclui 06 (seis) famílias genéricas: Jê, Bororo, Botocudo,
Karajá, Maxacali, Pataxó e 04 (quatro) línguas: Guatô, Ofayé, Eribaktsá
e Fulniô. As línguas filiadas a esse tronco, exclusivamente brasileiro,
são faladas principalmente nas regiões de campos e cerrados, desde o
sul do Maranhão e Pará, passando pelos Estados do Centro-Oeste até
Estados do Sul do País.
Eles já foram dados como extintos. Segundo Oliveira (1995)
hoje, sabe-se que são menos de 500 índios, sem terra demarcada. Mas
sua língua resiste misteriosamente viva na memória dos últimos
remanescentes desse povo canoeiro, o primeiro a domar as águas do
Pantanal. Uma língua rápida, doce e rítmica, como suas reivindicações:
mata fogo; mabae chuva; mabíro estrela; múpina lua; mikó
jacaré; mádar árvore; gua-dá-can pantanal; chicha bebida feita da
fermentação do acuri; mifau feio; mipagó onça; mévêe mulher;
manaã canoa; magng água.
70
Foi uma missionária salesiana, a irmã Ada Gambarotto, quem
retornou o fio que conduzia aos Guatô, ao encontrar Josefina Alves
Ribeiro a Mabodô. Descobriram-se, a partir daí, que os sobreviventes
desta nação, que durante séculos habitou o Pantanal, estavam
dispersos pelas margens dos rios, ou trabalhando em fazendas, ou
ainda vivendo em cidades vizinhas, em condições deploráveis.
Segundo Adair Pimentel Palácio, do Núcleo de Estudos
Indigenistas do Departamento de Letras da Universidade Federal de
Pernambuco, acredita-se que apenas 50 pessoas, entre os
remanescentes da tribo, falam a língua guatô. E destes, somente 20 ou
30 a empregam diariamente ao lado do português. É mínima a
documentação sobre seu idioma uma das 40 línguas indígenas
brasileiras ainda não analisadas. Pertencente a família Guatô,
autodenominação MaGuatô, situação atual da língua indígena não é
falada pelo grupo e há registros escritos. (Informação verbal)
30
.
Os Guatô sempre viveram da caça e da pesca, sendo exímios
canoeiros. Construíam aterros de conchas e areia, para vencer as
cheias do pantanal, e sobre eles faziam pequenas roças de milho,
abóbora, banana ou acuri, do qual extraíam o palmito ou faziam a
chicha bebida fermentada embriagante, que produziam deixando o
líquido fermentar naturalmente na madeira. Dormiam na tarimba, uma
esteira trançada com folha de banana, e usavam o jurupará uma
flecha de madeira e osso, em suas caçadas.
Hoje, uma das aldeia Guatô fica a três dias de barco, ou seja,
a 360 km, rio acima a partir da cidade de Corumbá, na ilha Ínsua, ao
noroeste do Mato Grosso do Sul. É denominada de Aldeia Uberaba, e
tem uma população de, aproximadamente, 180 (cento e oitenta)
pessoas, contando com 03 (três) falantes fluentes (Morro Caracará) e
mais 12 (doze) falantes dispersos pelas margens do Rio Paraguai. O
30
Informação verbal fornecida pelo antropólogo Giovani José da Silva, (FUNAI), na Capacitação dos
PCNS e língua Guatô, UCDB – IESPAN, Corumbá – MS, 2004.
71
Cacique é o Severo Ferreira, que diz estar sua cultura presente na
canoa de um pau só e remo, nos trançados de taboa e camalote do
qual fazem esteiras, tapetes, cestos, etc.
A Viola de Cocho
31
é um dos seus tradicionais elementos
culturais e a base alimentar dos Guatô é composta de uma grande
variedade de alimentos: eles comem de tudo, mas o que eles mais
gostam é do pacu, jacaré, capivara e frutos cozidos de Acuri.
(Informação Verbal).
32
Na mitologia guatô, a ilha Ínsua é o centro do universo. Lá vive
o único agrupamento que resistiu à colonização. Atualmente, ainda é
uma área militar, ocupada pelo Exército, que ali se instalou em 1930,
durante a passagem da Coluna Prestes
33
, mas o povo Guatô através de
um movimento reinvidicatório já conseguiu a demarcação de suas
terras que inclui a tal Ilha
34
.
Ainda, a FUNAI, admite que às margens do rio São Lourenço
habitem muitos índios Guatô e estão organizados e espalhados em
toda a sua extensão. E em Cáceres, às margens do rio Paraguai,
também podemos perceber que é um grande reduto dos Guatô, pois já
temos alguns casos já reconhecidos, inclusive na minha própria família.
O que falta é a realização do auto-reconhecimento, ou seja, a
adscrição
35
perante FUNAI.
31
Relembrando que a viola de cocho não faz parte das culturas indígenas originais, foi inspirada nos
instrumentos de cordas trazidos pelos europeus. Como disse Mário de Andrade sou um tupi
tangeando o alaúde”. Instrumento musical de corda de origem grega.
32
Informação verbal fornecida por Anísio Guatô, no I Encontro Cultural das Águas do Pantanal, 2003.
33
Informação verbal fornecida por Anísio Guatô, Cáceres, UNEMAT, 2003.
34
Informação adquirida na Capacitação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e ngua Guatô
UCDB – IESPAN – Corumbá – MS, 2004.
35
Exigência da FUNAI para ser reconhecido como índio tem que cumprir com a adscrição: primeira
condição reconhecer-se como índio e segundo o reconhecimento pelo grupo.
72
2.4. Remanescente do Guatô
O pescador pantaneiro de Cáceres tem toda característica de
descendência Guatô, a relação é evidente e os aspectos aproximam em
seus gestos, atitudes, saberes, habilidades e conhecimentos, até como
aspectos físicos, porque estes se assemelham ao biótipo dos
remanescentes Guatô. Muitos negam essa identidade como estratégia
de sobrevivência, pois esses índios sempre foram massacrados,
explorados e até expulsos do seu próprio território.
O medo e até vergonha impera, pois ser chamado de bugre
muitas vezes soa como discriminação e muitos nem se consideram
índios e nem seus descendentes, negam, aceitam outras naturalidades
ou descendências como a boliviana e paraguaia.
Porém, podemos notar nesses 04 (quatro) anos de Projeto
Guatô
36
, desenvolvido com as crianças, acadêmicos, professores e
comunidades, na UNEMAT, percebemos que a aceitação e a
reafirmação de sua identidade florescem e hoje encontramos muitas
das crianças que nos dizem que seus avós são índios Guatô ou
descendentes desses, dizem até com certo orgulho, porém é notável o
crescimento da auto-estima que já estava quase desaparecendo.
Corrêa Filho (1955) afirma que o caboclo regional,
descendente de bororo, de Pareci, de Guatô. Pode-se dizer que
substancial parte da população local possui forte ascendência
indígena, nem sempre reconhecida. À parte disso, fontes orais não
confirmam ascendência Pareci, mas sim Guatô e Bororo, chamados
genericamente de bugres.
36
Projeto idealizado por mim e pela profa. Zelma Maria de Assunção Mendes, 2002.
73
2.4.1. Artesão Pantaneiro: com quem realizamos a pesquisa
O canoeiro tem que conhecer os golpes da água, para fazer a canoa.
Seu Joaquim
37
Figura. 07: Construtor da Canoa – Foto: VICTORIANO, C, 2005.
Joaquim Santana da Silva, com 72 anos de idade, nasceu em
25 de julho de 1933, natural de Cáceres-MT, residente e domiciliado na
Rua João Albuquerque, n. 231, Bairro Cavalhada, há 15 anos. Filho de
Benedito José da Silva e Francisca Catarina da Silva (falecidos). Nunca
estudou. Trabalha desde os 10 (dez) anos de idade. Casou-se aos 22
anos com Anastácia da Costa Silva, e moraram 28 anos na localidade
POTREIRO, e teve 05 (cinco) filhas e 02 (dois) filhos.
Além de ter habilidade na construção da canoa, é tocador de
viola de cocho, sabe fazer gamela, pilão, colher de pau, remo, tem
experiência em trabalhos de fazenda, conhecedor da fauna e flora
pantaneira, do cerrado e é um conhecedor das rezas de santos, dos
remédios caseiros e da música, pois é um exímio Cururueiro,
participante na comunidade nessa manifestação cultural como as rezas,
Cururu, Siriri e São Gonçalo. E tem o maior orgulho de ser pantaneiro e
conhecedor da cultura da construção da canoa. (Fig. 07).
Aprendeu a fazer canoa com seus tios, porque todos eles
dominavam esse tipo de construção. O seu padrinho, avô de Bastiana
37
Como é mencionado nesta pesquisa.
74
Cacerense, personalidade folclórica de Cáceres, era fazedor de canoas
e dos bons. A última canoa feita com o seu padrinho foi no Barranco
Alto, próximo à antiga Fazenda de Fernandão, que era anteriormente
da família Dulce, hoje é do proprietário da Serraria Cáceres.
Construiu, também, canoas na localidade do Cabaçal, onde
hoje, é o Município de Reserva do Cabaçal-MT, antigo Distrito de
Cáceres. Lá havia muitas árvores nobres como: araputanga, madeira
bonita, boa de fazer canoa. Ele ajudava o seu padrinho, pois, nesse
tempo não sabia fazer canoa ainda, era somente ajudante.
O Seu Joaquim no primeiro momento não se lembrava mais
quantas canoas tinha feito, depois lembrou e disse que com esta que
está construindo para esta pesquisa, já perfazem 15 canoas e um
batelão
38
. Esse batelão que construiu sozinho fez para vender, e tinha
11 (onze) metros de comprimento, com 01 (um) metro e 10 (dez)
centímetros de boca, isso quer dizer, a largura do batelão, e a sua
popa tinha 01 (um) metro e 80 (oitenta) centímetros. Disse também que
quando fez esse batelão, tinha fôlego, que agora não consegue mais,
pois, hoje por causa da operação de úlcera, não pode mais trabalhar
abaixado, posição exigida para construção da canoa.
O pantaneiro tem o seu cotidiano relacionado com os recursos
naturais dos quais usufrui, no caso, o uso da diversidade dos recursos
da região de Potreiro em Cáceres. A seleção do entrevistado deu-se
por meio de informações de pescadores da comunidade em estudo.
Contactei o entrevistado, Seu Joaquim, através de visitas onde o
informamos sobre o objetivo do trabalho. Fizemos questionamentos
sobre o uso dos recursos naturais pantaneiros utilizados no seu dia-a-
dia.
38
Canoa grande que servia para transportar muitas mercadorias nos rios do Pantanal. A condução
que existia no Pantanal, feito de uma madeira só, media de 12 a 15m de comprimento.
75
O entrevistado citou o uso da vegetação: de ervas aromáticas e
medicinais, de madeiras úteis para confecção de canoa e de outros
utensílios como gamela, pilão, colher de pau, remo, currais, cercas
como experiência em trabalhos de fazenda, de frutos comestíveis, de
grãos para plantio de sua subsistência, de animais para alimentação e
criação, da utilização da caça e, até hoje, da pescaria que é a sua
atividade preferida, e dos recursos hídricos como sustentáculo da vida
e para o seu trabalho.
O canoeiro, do seu jeito, é conhecedor da fauna e flora
pantaneiras e, do cerrado e, também, das manifestações culturais. Ou
seja, é um exímio conhecedor da cultura ribeirinha. E nunca freqüentou
uma escola!
2.4.2. A madeira utilizada
Atualmente, a madeira que Seu Joaquim mais gosta de utilizar é a
chimbuva ou tambori, (Enterolobium Contortisiliquin (Vell) Morong,
família Mimosaceae), por ser a madeira mais fácil de ser encontrada,
além de ser macia, enquanto verde, facilita a construção; depois de
seca torna-se uma madeira dura e dificulta o processo
.
.
Também podem ser utilizadas as madeiras piúva, jatobá,
peroba rosa, que estão, hoje, difíceis de ser encontradas e aí se
aproveitam outras como, por exemplo, o pinho cuiabano, com o qual é
possível construir a canoa apesar de ser uma madeira bastante ruim
para trabalhar. Outras também podem ser utilizadas como: o jacarandá,
cedro, louro preto, cambará, etc.
Como explica seu Joaquim: porque a chimbuva hoje é a
madeira que só serve para a construção da canoa, a madeira é mais
fácil hoje, porque a sua fruta está contaminando o gado, aí derrubam
ela e não serve pra gente, pois ela é uma madeira excelente para
construção da canoa, fazer gamelas e gamelão, ripa de casa, mais não
76
é confiável, o povo,ou seja, o mestre de obra, na sua construção não
gosta porque ela é uma madeira muito leve e fofinha, mais não é, é o
jeito da madeira, em vista dela é melhor que o cedrinho para fazer ripa,
mais ele não tem esse conhecimento.
2.4.3. Conhecimento da construção da canoa
Ao olhar o tronco da árvore Seu Joaquim imagina como ficará
a canoa; a noção vem da sua experiência, porque esse tronco tem que
ter diâmetro maior do que a largura que terá a canoa.
Após a escolha da árvore, começa a lavrar a madeira com o
machado, depois executa o alinhamento, bate as linhas. Na canoa
grande tem que bater as linhas, prestar atenção no prumo e depois no
nível, existe uma ciência nisso que será descrita no capítulo terceiro.
Coloca duas linhas para tirar a costaneira da madeira (os
lados) depois, põe a madeira no prumo nas cabeceiras do tronco
cortado (02 pontas), aí coloca as linhas de lado e depois a 2ª linha que
é cavoucada, bate a linha para o formato da canoa e aí vira o tronco e
risca a diferença da madeira que vai tirar da popa e da proa, para dar a
forma final à canoa. Depois, vira a canoa com a boca para cima, com o
machado faz a limpeza final da parte cavoucada e finalmente risca os
bancos da proa e da popa.
Segundo Seu Joaquim: a canoa tem que ter 06 (seis) linhas,
ou seja, no alinhamento da canoa tem 03 (três) linhas de levantamento
de frente e 03 (três) linhas em cima do arrasamento da boca da canoa,
que são: 01 (uma) do centro para o prumo da canoa, ou seja, a linha
mestre; e 02 (duas) de lado para o bojo, o boleio para igualar a boca
da canoa, para ela ficar firme na água.
77
Seu Joaquim continua a sua explicação que também tem que
ter 02 (duas) linhas de lado para bojar a canoa, bolear o corpo da
canoa e 01 (uma) linha só dos dois lados para fazer o levantamento da
proa e da popa, essa linha tem que bater na frente do banco porque
senão não tem levantamento, não tem saída de água, essa é a
verdadeira canoa pantaneira.
Pois, assim, aqui ocupa as linhas mais têm a de baixo e a de
cima. Que cada uma tem um jeito para fazer o levantamento. O
alinhamento da canoa é complicado, o marceneiro da canoa é diferente
do marceneiro de outros móveis. O canoeiro tem que conhecer os
golpes da água, para fazer a canoa.
É bom ressaltar que para o Seu Joaquim são necessárias 06
(seis) linhas mestras que destas originam mais 31 (trinta e uma) linhas,
que resultam em 37 (trinta e sete) linhas, distribuídas assim: 02 (duas)
linhas de lado; 02 (duas) linhas de levantamento da popa; 02 (duas)
linhas de levantamento da proa; 01 (uma) linha do prumo/centro da
popa; 02 (duas) linhas do bojo da popa; 01 (uma) linha do arrasamento
da popa; 01 (uma) linha do levantamento da popa; 01 (uma) linha do
prumo da proa; 02 (duas) linhas do bojo da proa; 01 (uma) linha do
arrasamento da proa; 01 (uma) linha do levantamento da proa; 01
(uma) linha do centro/prumo parte superior do tronco; 02 (duas) linhas
do bojo; 06 (seis) linhas do boleamento da canoa; 04 (quatro) linhas
dos bancos internos; 06 (seis) linhas do levantamento da fundura da
popa e da proa e 02 (duas) linhas corretivas para a retirada dos
defeitos ocasionados pela motoserra.
Seu Joaquim, empolgado ressalta que na água braba se não
tiver bem feita, a canoa vira. Tem que ser a linha ponta agulha para
cortar a água, e não tem água braba que ela não corta.
E finaliza com propriedade: tem gente que faz canoa
rumbudona, não tem saída de água, cria aquele bigodão, chega nágua
78
braba ela não vai pra frente, ela fica parada, tem que fazer muita força,
principalmente nas correntezas, ou nos rebojos
.
Por isso, podemos defender a canoa como material cultural
necessário a esta geração e à futura geração. É a nossa cultura
pantaneira. Como afirma Sr. Joaquim, sujeito da pesquisa:
Pois é, aí tem muita gente que sabe fazer canoa. (J.S.S)
2.5. Quais os materiais utilizados
:
Como pesquisador utilizei caderno de campo, máquina digital
fotográfica, gravador de áudio, com autorização do pesquisado, veículo
Fiat Uno. O pesquisado utilizou-se do machado, enxó goivo, enxó
curvo, enxó ribeiro, enxó chato, trena, compasso, motoserra, facão, fios
de algodão (barbante), tinta de jenipapo e carvão, pregos, martelo,
cola, verniz, prumo de mão, cipio.
2.6. Autorização para o corte da árvore
Não poderia terminar este capítulo sem mencionar os
procedimentos necessários para que fosse autorizado o corte da árvore
chimbuva, usada na construção da canoa. Foi necessário requerer
autorização ao IBAMA para a derrubada da árvore com a anuência do
construtor da canoa, Seu Joaquim Santana da Silva, e do Proprietário
da Fazenda São Bento, o Sr. José Ricardo Fernandes Castrillon,
conforme documentos anexos.
E para que a derrubada da árvore fosse autorizada pelo
proprietário da fazenda, fez-se a exigência de uma doação à Escola
Agrotécnica Federal de Cáceres de 100 (cem) mudas de árvores
exóticas, como ipê roxo e amarelo. Porém, este pesquisador
sugestionou que fossem incluídas também árvores frutíferas, já que é
uma Escola que possui muitos alunos de diversos lugares do Estado e
do País.
79
Após concordância dos responsáveis, foram adquiridas as
mudas na EMPAER, e doadas 20 (vinte) mudas de cupuaçu, 20 (vinte)
mudas de nim, 20 (vinte) mudas de pequi, 20 (vinte) mudas de ipê roxo
e 20 (vinte) mudas de ipê amarelo. O que fora aceito pelo Sr. José
Ricardo Fernandes Castrillon que na época pertencia à Direção da
Escola Agrotécnica Federal de Cáceres. O que foi realizado. Também
conforme, Termo de Doação, anexado.
80
3. A CONSTRUÇÃO DA CANOA
“Ao estudarmos a construção de uma canoa,
vemos os nativos empenhados num
empreendimento econômico de grande
escala. Eles têm de enfrentar dificuldades
técnicas que exigem determinados
conhecimentos, que podem ser superadas
através de um esforço contínuo e sistemático
e que, em certos estágios, precisam ser
resolvidas através de trabalho comunitário.
Tudo isso obviamente implica nalguma forma
de organização social”.
Malinowski
3.1. Passo a passo da construção da canoa: desde a escolha da
árvore até a finalização da canoa
Depois de termos escolhido a árvore apropriada para a
construção da canoa, com aproximadamente de 10 (dez) a 15 (quinze)
metros de altura, e também aparentando uns 40 (quarenta) anos de
idade, preparamos a sua derrubada que é diferente de outras
derrubadas para outros fins. Para a construção da canoa é feito o corte
boca de lobo que é um corte para dentro para indicar a direção da
caída da árvore e para não haver desperdício da madeira ao cair.
Para facilitar o processo de construção tem que ser escolhida
a posição ideal para trabalhar na canoa e para isso tem que ser
escolhida também a posição adequada para a sua queda. Este corte
tem que se dar numa fase adequada da lua, por isso, no nosso caso,
foi no dia seis de dezembro de dois mil e quatro, em plena lua
minguante, porque nessa lua conforme seu Joaquim: ela não dá trinca
e nem encaruncha
39
com o passar do tempo.
E depois, começamos a preparação da madeira chimbuva de
aproximadamente 06 (seis) metros de comprimento, sob os cânticos
39
Criar brocas.
81
dos pássaros: sabiá, assanhaço, caga-sebo ou joão-corta-pau, curicaca
e o bem-te-vi.
1º Passo: Escolha da árvore apropriada para a construção da
canoa. Observação se a madeira apresenta rachaduras ou não e se
vai ficar adequada para a construção. A árvore escolhida. (Fig.
08).
Figura 08: Entrada na mata de Potreiro e observação das árvores apropriadas para
construção da canoa. A Escolha da árvore; B Vista panorâmica da árvore
escolhida. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
Para isso, tem que se medir a madeira com palmos e cipó de
imbê encontrado próximo à árvore escolhida. A medida 12 (doze)
palmos e a medida do palmo do Seu Joaquim é de aproximadamente 22
cm (vinte e dois centímetros), resultando aproximadamente em 2m64cm
(dois metros e sessenta e quatro centímetros) no sistema de medida
decimal, que representa a grossura da árvore, ou seja, o perímetro do
tronco. A melhor maneira para derrubar a árvore é com o machado,
tem que trabalhar com jeito para não rachar a madeira e para isso o
machado tem que estar bem amolado, afiado. Devido à idade avançada
de Seu Joaquim foi usada a motoserra (Fig. 09).
A
B
82
Seu Joaquim diz: “Vou medir com o cipó de imbê no tronco da árvore e com
palmos
40
que 12 palmos de grossura e depois nós vamos cortar ela e
descobrimos a largura dela. Vou medir aqui e dobrar para achar a largura da boca
da canoa como que vai dar mais ou menos 66 centímetros de boca. Vai dar uma
canoa muito boa não vai ficar muito pequena essa árvore de chimbuva tem mais ou
menos 40 anos e uns 10 a 15 metros de altura”.
Figura 09: As primeiras medidas do tronco da árvore escolhida antes do corte. A O pesquisado
mede com um cipó o perímetro do tronco; B – com a marcação no cirealiza medidas do palmo: 12
(doze) palmos; C – com o resultado da medida dos palmos, dobra o cipó em quatro vezes, encontra a
largura que terá a boca da canoa; D a preparação da derrubada da árvore com motoserra; E a
derrubada da árvore. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
Obs.: Como a árvore foi derrubada com motoserra houve um problema
no núcleo central da árvore (Fig. 10a) o que ocasionou uma perda de
cerca de 60 cm (sessenta centímetros) no comprimento da canoa, pois
com a queda e sem o corte de boca de lobo, por ser com motoserra e
com corte reto deu defeito (Fig. 9d), puxou o cerne de dentro do tronco.
Prejuízo no tamanho da canoa.
40
O palmo de Seu Joaquim é de aproximadamente 22 cm.
B
C
A
D
E
83
Figura 10: análise do corte e a problemática devido o uso da motoserra. A Conferência
do problema ocorrido; B - Acerto da extremidade, com a retirada parte do tronco
prejudicado pelo corte, aproximadamente, 60 (sessenta) cm. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
2º. Passo: Inicialmente Seu Joaquim usa trena, prumo de
marceneiro para as primeiras medidas e para a determinação do
nível da canoa (Fig. 11).
A
B
A
B
C
D
E
84
Seu Joaquim realiza inicialmente a medida do arrasamento da boca (Fig. 11a, b e c),
em seguida, encontra o prumo ou nível da canoa (Fig. 11d, e, f, g e h), ou seja, o
centro da secção do tronco. Ele utiliza-se do prumo de marceneiro porque é mais
prático e exato, antigamente, usava-se nesse alinhamento uma cuia de cabaça
41
,
um copo ou qualquer recipiente com água
42
. Este prumo que Seu Joaquim usa não
é o mesmo prumo utilizado pelos pedreiros, para colocar as paredes na horizontal e
nem o fio de prumo que é outro instrumento muito comum nas medidas. Na medida
da canoa é necessário usar um instrumento que tenha líquido como a água para
encontrar o nível da canoa. Através dessa medida, encontra-se a linha de centro que
é a linha mestra responsável pelas outras linhas necessárias e pelo equilíbrio da
canoa, favorecendo assim a sua navegabilidade, por isso, o prumo de marceneiro,
hoje, é o mais apropriado.
Figura 11: Medidas do tronco após o corte e a caída adequada da árvore. A medida com trena encontrar a
altura da canoa e para fazer o arrasamento; B medida com prumo de marceneiro para o arrasamento; C
medida com prumo de marceneiro para encontrar o equilíbrio; D medida do centro e ou prumo da canoa com
trena; E – confirmação da medida do centro e ou prumo da canoa com o prumo de marceneiro; F – marcação da
medida da linha do prumo e do bojo; G medida do centro e ou prumo e do bojo e H riscos com lápis para a
demarcação das medidas. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
3º. Passo: após as medidas iniciais, Seu Joaquim tira a casca do
tronco para a bateção das linhas (Fig. 12).
41
Muito utilizado pelos índios.
42
O prumo de marceneiro é utilizado pelo Seu Joaquim por ser prático e o líquido existente no
instrumento e bem delimitado pelos riscos laterais o que facilita a demarcação do nível ou prumo que
dará o equilíbrio à canoa que proporciona sua navegabilidade segura.
F
G
H
A
B
C
85
Figura 12: Preparação do tronco para a bateção das linhas. A Limpeza lateral do tronco: B -
Limpeza do outro lado do tronco e C limpeza final da proa e popa para as linhas. Fotos:
VICTORIANO, C, 2004.
4º. Passo: preparação do carvão que vai ser usado como tinta na
marcação das linhas. Tradicionalmente, o carvão vegetal moído é
misturado com jenipapo e água para que a marcação permaneça
mesmo com chuva. Umedece as linhas de algodão bem resistentes,
para marcar bem a madeira (Fig. 13).
Figura 13: Preparação do carvão para a marcação das linhas. A carvão, jenipapo e água; B
mistura dos ingredientes e C umedecimento do barbante de algodão na tinta. Foto: VICTORIANO,
C, 2004.
5º. Passo: É feita a bateção de linhas: as linhas de lado, do centro,
do bojo, das curvas, da popa, da proa e do fundo da canoa. É
marcada a linha do prumo da popa e da proa, com pregos, após
encontrar o centro da canoa, e medindo 16 cm (dezesseis
centímetros) de cada lado, bate a linha do levantamento da popa e
da proa, ou seja, a linha do prumo da popa é a mesma coisa da
proa, a mesma medida. É feito também o talhamento com motoserra
para facilitar o corte longitudinal da parte de cima do tronco que
será a abertura da canoa. Nesse processo, Seu Joaquim continua a
realizar medições (Fig. 14).
A
B
C
86
Linhas de arrasamento e de levantamento da popa e da proa. 06 (seis)
linhas.
Linhas de levantamento de popa e proa do outro lado e linha prumo ou
centro da canoa.
Linhas de centro/prumo, linhas de arrasamento e levantamento da popa
e da proa. 10 (dez) linhas.
Seu Joaquim explica pois aqui vai pegar outra cinco linhas, aqui vai outra linha,
aqui mede 2 cm pra fazer o levantamento da canoa, porque a linha tem que ficar do
A
B
C
D
E
F
87
jeito da canoa, porque se fizer o levantamento pra baixo, dá problema. Porque esta
é pra ficar assim e a altura daqui, que é chamada tabão, ela vai chegar nessa
linha que vai encontrar com aquele do banco. A linha vem direto nessa daqui, daí
do banco da proa da saída do levantamento da popa. É nesta altura que é pra fazer
a canoa. Se não fizer isso certo, ela fica louca”.
Com o machado Seu Joaquim faz o arrasamento e conferência das
medidas entre a linha de prumo com a do bojo. O porquê da utilização
do compasso (Fig.14J), segundo Seu Joaquim é para saber as medidas
da boca da largura da canoa, pois a medida do compasso é mais exata
que a medida do metro, ou seja, o uso do compasso é para saber a
metragem,ou seja, a simetria, os centímetros são mais corretos, e o
seu uso é mais prático, o que fica difícil com o metro. Antigamente,
existia o compasso de marceneiro e era de ferro, firme, era muito
utilizado para fazer gamela, canoa e outras medidas necessárias. Hoje
não existe mais, por isso utiliza-se o compasso de quadro escolar, pois
é a mesma coisa.
Seu Joaquim afirma: aqui seria o nível, depois faz o arrasamento da boca, então
daí feito certinho a canoa fica firme, se não fizer isso a canoa emborca fica de boca
pra cima aí é que está o segredo da canoa. Depois aqui, tira a altura da fundura que
é 63 cm faz a canoa, o prumo é sempre no meio da canoa se fizer do lado
errado, esse daqui vem a linha de lá, pois, o que fizer aqui faz lá também, que passa
a linha aqui do prumo que vai bater outra linha. Essa daí é do meio, prumo ou nível e
ou centro e as duas de lado são do bojo, aqui é o centro da canoa, a linha mestra,
G
H
I
J
88
se essa sair torta a canoa sai torta, porque as linhas de marceneiro esses fazem
aqueles nós diferente que a linha do marceneiro da canoa, linha de canoa, se a
gente não entende não consegue fazer a canoa, se fizer ela não navega”.
Seu Joaquim realiza o arrasamento total da canoa com o machado.
A bateção da linha de centro na canoa na parte superior.
A bateção de linhas do centro/prumo, dos bojos e das laterais para o
formato da canoa. 13 (treze) linhas.
K
L
M
N
O
P
89
A retirada das laterais do tronco para a cavoucação do tronco e
continuidade das medidas.
Processo de cavoucação da canoa internamente com o enxó e
machado.
Figura 14: bateção das linhas, talhamento e preparação do tronco para a cavoucação. A - Linhas de lado; B
Linhas de popa; C Linhas de proa; D Linhas de centro/prumo; E Linhas do bojo e curvas; F Linhas do
arrasamento e levantamento; G Talhamento com motoserra; H Continuação do talhamento; I Talhamento
com machado; J Confirmação das medidas com compasso pedagógico da linha de prumo com a de bojo; K
Q
R
S
T
U
90
continuação do talhamento com machado; L Finalização do talhamento superior; M preparação da linha de
centro; N bateção da linha de centro; O Bateção das linhas do bojo; P Bateção das linhas dos lados da
canoa; Q Preparação das laterais do tronco; R Retirada das laterais; S Preparação para a limpeza; T
Processo de “Cavoucação”
43
da canoa e U – Continuação da cavoucação. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
6º. Passo. Como a motoserra entrou demais nas laterais foi
necessário que Seu Joaquim fizesse a correção das laterais
descendo as linhas de lado para que a canoa não ficasse
assimétrica em relação ao eixo longitudinal. Segundo o seu
depoimento, esta incorreção não teria ocorrido se o processo
tivesse sido realizado com o machado ou com um operador de
motoserra muito experiente nesse tipo de trabalho, o que é difícil
encontrar (Fig. 15).
Seu Joaquim está batendo outra linha abaixo para a retirada com
machado dos defeitos ocasionados pela motoserra. 02 (duas) linhas.
Figura 15: Correção dos defeitos ocasionados pelo uso incorreto da motoserra. A análise dos
defeitos nas laterais; B – Bateção de outra linha corretiva e C - Processo de correção com o
machado. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
43
Cavoucar significa cavar.
A
B
C
91
7º. Passo. Após o término da cavoucação da popa e da proa Seu
Joaquim efetua a medida da boca da canoa com um cipó de imbê;
essa medida é a quarta parte da medida da circunferência do
tronco, medido na etapa inicial. Após, é feita a viração e a
marcação das linhas de fundo. Para fazer a viração Seu Joaquim
usa um galho grosso da árvore como alavanca (Fig. 16).
Conferência da largura da boca da canoa (quarta parte) da medida da
circunferência do tronco através do cipó de imbê.
Como a medida do perímetro do tronco é de aproximadamente de 12
palmos que conforme a medida do palmo de Seu Joaquim é de 22 cm,
totaliza em 2m64cm que dividido por quatro resulta em 66 cm que é a
medida da largura da boca da canoa depois de pronta.
A
B
C
D
92
Preparação de uma alavanca para a viração da canoa para a
continuidade do processo de medidas do fundo.
Seu Joaquim realiza a bateção da linha da altura da fundura da canoa tanto
na popa como na proa e do fundo da canoa. 06 (seis) linhas.
E
F
G
H
I
J
93
Figura 16: Término da cavoucação, conferência da medida da boca da canoa com a medida do cipó,
viração da canoa, marcação das linhas de fundo e talhamento. A Término da cavoucação: B
Análise da medida da boca com a medida do cipó; C - A quarta parte da medida do perímetro do
tronco; D – Preparação para a viração do tronco; E – Utilização de alavanca na viração; F –
Dificuldades para a viração; G Vista de outro ângulo na viração; H Viração do tronco; I Bateção
de linha de lado, do levantamento da proa e da popa e do fundo da canoa; J Talhamento do fundo
com motoserra; K Talhamento com o machado; L Término do talhamento do fundo da canoa.
Foto: VICTORIANO, C, 2004.
8º. Passo. Limpeza final da canoa. Seu Joaquim novamente vira a
canoa de lado, de boca para cima, do outro lado para fazer a
limpeza final. O processo de limpeza é denominado de
desempenação. Para desempenar a madeira, usa-se o enxó ribeiro
e para cavoucar usam-se dois tipos de enxó: goivo e reto (primeiro
é o carpidor, tirar o grosso da madeira e o outro é para limpar o
bojo por dentro). (Fig. 17).
K
L
A
B
94
Figura 17: Processo final de limpeza na mata. A Viração da canoa novamente para cima;
B preparação da canoa virada e C Continuação da limpeza da canoa no seu interior.
Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
9º. Passo. Arrastamento da canoa da mata até à casa do
Pesquisador para o processo de acabamento final: a canoa
praticamente é confeccionada no local onde é derrubada a árvore e
só depois, com um peso muito menor é transferida para outro local
mais próximo da beira do rio (Fig. 18).
Figura 18: Arrastamento da canoa. A Utilização de estivas; B Arrastamento da canoa e C
Transferência da canoa para a casa do pesquisar. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
10º. Passo. O acabamento da canoa é feito num local próximo à
beira do rio (no caso, foi feito na casa do pesquisador) e consiste
em fazer o cipio que é tirar os defeitos, como pequenas rachaduras
A
B
C
C
95
e buracos usando um preparado feito com gasolina e isopor, que é
a calafetação e depois o envernizamento (Fig. 19).
Figura 19: transferência da canoa para a casa do pesquisador e acabamento final da canoa. A
Transferência da canoa; B – Limpeza da canoa internamente; C – Limpeza final do fundo da canoa; D
Limpeza das laterais externas com cipio; E limpeza das laterais internas com cipio; F
Acabamento geral da canoa. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
A
B
C
D
E
F
96
11º. Passo. Experimentação da canoa no rio. A fase final é a
experimentação da canoa no rio para verificar todos os aspectos
necessários a uma boa embarcação: não haver vazamento, haver
equilíbrio, maleabilidade, etc. Nesse momento, o único problema
ocorrido foi um pequeno vazamento (fig. 20d), logo corrigido pelo
Seu Joaquim. No final a canoa ficou com as seguintes dimensões:
comprimento (5m28cm), diâmetro da popa (33cm), diâmetro da proa
(25cm), largura da boca (66cm). Finalmente, o pesquisador
reaprendeu a manejar a canoa. (Fig. 20).
A
B
C
D
E
F
G
97
Figura 20: Experimentação da canoa no rio. A – Preparação do transporte da canoa; B Transporte da
canoa para o rio; C A decida da canoa na água; D o pesquisado com a canoa na água e
aparecimento de um vazamento; E Correção de defeitos do vazamento, o pesquisado experimenta
a navegabilidade da canoa; FO Pesquisador e Pesquisado na canoa; GA canoa navegando com
o Pesquisador; H A canoa navegando com o Pesquisado e I
Finalmente a canoa pantaneira.
Fotos: VICTORIANO, C, 2004
.
.
3.2. Passos construtivos do Remo
Tão importante como a construção da canoa é a construção do
remo. Segundo as palavras do Seu Joaquim o remo é o coração da
canoa, nada vale ter uma canoa e não ter um remo. Antes você ter o
remo do que a canoa, não é todos que gostam de arrumar remo para
você, não adianta nada ter a canoa e não ter o remo. Se você bate de
chato na água já racha o remo, ou então se não sabe remar, também
vai quebrar com a força da água, por isso que muitos não gostam de
emprestar, mesmo eu.
1º. Passo: a partir de uma tábua de 2 (dois) metros de
comprimento, 30 (trinta) centímetros de largura e 5 (cinco)
centímetros de espessura é construído o remo. Inicialmente, Seu
Joaquim faz a marcação das bordas, da colher e do cabo, sempre
tendo a preocupação de manter a simetria ao longo do eixo
longitudinal. (Fig. 21).
H
I
98
Figura 21: Passos construtivos do remo. A - Marcação do remo; B – Medidas iniciais na madeira; C
Preparação para a construção do remo. Fotos: VICTORIANO, C, 2004
.
.
Nós encontramos a madeira chamada cedro (Fig. 21),
companheira da araputanga, que é uma madeira ideal para fazer o
remo, conforme Seu Joaquim que continua a construção do remo e
explica que:
O remo é feito de tábua ou qualquer pedaço de pau que
dá pra fazer o remo. O melhor mesmo é louro preto e/ou
peroba rosa. Como encontramos o cedro que é a melhor
madeira para móveis, depois vem a araputanga. A
chimbuva não é muito boa, pois é muito leve. Canoa de
cedro é muito bonita, ideal para canoa também igual
araputanga. Agora o remo de louro, é madeira dura e
difícil de fazer, depois de pronto não quebra fácil e é
muito caro. Quase não existe mais, eu fiz muito remo de
louro.
2º. Passo: após a marcação são feitos os cortes com a utilização
de serrote e facão.
Seu Joaquim afirma que O remo é mais fácil do que a canoa,
nem se compara, na conseqüência da canoa aprendi o remo, tem
diversos modelos, uns fazem a pá redondo, faz muito barulho, este que
estou fazendo é pantaneiro, não faz barulho e pega muita água nas
remadas, faz a canoa andar mais rápida. (Fig. 22).
A
B
C
99
Figura 22: Primeiros cortes com serrote e facão. A - Início dos cortes do remo; B Utilização do
facão na construção; C O remo e a sua forma; D Corte e acabamento do cabo do remo; E
Limpeza do remo com facão e F – Continuação da limpeza do remo. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
Nesta fase da construção do remo, Seu Joaquim informa que: “Esta parte
é muita ciência, tem que prestar muita atenção senão estraga o remo, a gente pega
o jeito dela, se pegar de arrepio, ou seja, de revezo
44
da madeira. Se não prestar
atenção nisso pode estragar a madeira e perde o remo, tem que pegar o jeito que a
madeira cresceu.” (Fig. 22).
3º. Passo. Após os cortes, é feito o acabamento, ou seja, o cipio do
remo com facão, e outro instrumento também denominado cipio.
44
É o jeito que a madeira cresceu.
D
A
B
C
F
E
G
B
C
100
Seu Joaquim informa que O remo é feito basicamente no
facão, não tem jeito de fazer com outra ferramenta, primeiro faço o
modelo dele e depois a afinação, e o único instrumento é o facão, é
mais simples não precisa mais do enxó, até pode trabalhar com o enxó
ribeiro, mas não é muito bom, o bom mesmo é com o facão. (Fig. 23).
Figura 23: Acabamento final do remo. A limpeza da do remo; B – Limpeza do cabo do remo e C
- Continuação da limpeza do cabo do remo; D Cipio do remo; E – Cipio do cabo e F – Cipio final do
remo. Fotos: VICTORIANO, C, 2004.
Na seqüência da construção, Seu Joaquim expressa que E
quem tem prática faz rápido e a madeira boa também obedece bem,
quando não é, racha, sai de lado, torto, no caso desta, olha como está
ficando, obedece o serviço, e sai bonito o remo. Andamos tanto atrás
da madeira para o remo e ela chegou até nós. Dá para fazer um remo
por dia bem feito com todo o acabamento. De tábua faz, mas o cabo
não fica bom. Esta madeira é apropriada, para remo fica muito boa.
(Fig.23)
Empolgado Seu Joaquim relembra que: Uma vez apareceram
uns turistas paulistas lá no Potreiro e viram uns 05 (cinco) remos que
eu tinha feito e encomendaram uns 08 (oito) para levar para São Paulo
para enfeite, pois lá ninguém sabe fazer desse jeito pantaneiro, disse o
turista.
D
E
F
101
Seu Joaquim ainda relembra nessa construção do remo que
Uma vez apareceu um professor moreno e disse para mim se eu
conheci o Etruria, eu disse para ele: - é claro, todos os dias nós íamos
comprar pão e tomar chá lá na beira do rio, no Etrúria. O Etrúria vinha
com duas chatas. Era quase uma semana para descarregar uma dessas
chatas, muitos marinheiros passavam o dia inteiro descarregando para
carregar e levar daqui para lá, ainda passava na fazenda Descalvado
45
para pegar carne e levar para Corumbá, isso era muito bom, agora
ficou só na história.
Seu Joaquim, muito injuriado fala queDepois que acabaram
com tudo, proíbem. Do outro lado do rio tinha muita araputanga, cedro,
era um matagal disso e tocaram fogo acabaram com tudo e virou
pântano. Pois até os bichos não têm mais o que comer hoje em dia. É
incrível isso! Hoje, para derrubar um pauzinho qualquer é a maior
tempestade num copo de água. Preservar o que, depois que acabou. É
igual os peixes, matam os grandes, deixam os pequenos quando
crescem os pequenos, matam, não é para acabar mesmo?
3.3 Indagações Pertinentes
Quanto maior a distância entre o
casco e o flutuador externo, tanto
maior a estabilidade da canoa. Visto
que o momentum de rotação depende
da distância e do peso do flutuador
externo. Uma distância
demasiadamente grande prejudicaria a
maneabilidade da canoa.
Malinowski
45
Fazenda Descalvado fundada em 1854, pelos belgas, situa-se às margens direita do Rio Paraguai.
Funcionava a Charqueada que exportava carnes para São Paulo e outros lugares.
102
3.3.1. Por que o espaço entre os bancos?
Figura 24: Indagações pertinentes. A - Explicação inicial pelo pesquisado e B - Espaço entre os bancos.
Fotos: VICTORIANO, C, 2005.
Seu Joaquim, o construtor da canoa, conhece bem essa
prática, sabe que o espaço entre os bancos é importante e, pela
medida da canoa e sua experiência, diz que a distância de três metros
é necessária para a sua capacidade e condições de navegação com
segurança. Afirmou que aprendeu essa maneira de medir pelo tamanho
da canoa. Como é o corpo da canoa que fica que é pá cabê, no caso
desta canoa que tem 5m28cm (cinco metros e vinte e oito centímetros),
eu deixei 3m28cm (três metros e vinte oito centímetros) livre de corpo
da canoa como espaço do tamanho da canoa para cabê duas pessoas e
mais alguma traia de pesca e de acampamento, disse o entrevistado.
(Fig. 24). Segundo ele, isso quer dizer que ficou três metros e vinte
oito centímetros livres para a ocupação no transporte na canoa. Se a
canoa fosse maior, esse espaço seria maior também, se fosse menor,
por exemplo, de quatro metros, essa medida seria de dois metros,
aproximadamente.
A
B
103
Ele tem a noção de proporcionalidade e medidas através de
conhecimentos transmitidos antropologicamente, de seus ancestrais,
como encontram-se explícitos. Ele ainda reforça quando fala - Porque
a canoa com uma medida menor que quatro metros, fica difícil de
navegar, ela fica rumbudinha. Seu Joaquim explica que rumbudinha é
quando não tem saída de água, e para que isso não aconteça, o
espaço entre os bancos da proa e da popa não deve ter menos que um
metro de comprimento... senão ela fica louca, ou seja, fica circulando
sem direção.
Ele sabe adequar o espaço da canoa à quantidade de
ocupantes e seus equipamentos necessários à pescaria (traia de pesca
e acampamento). Percebe-se que a medida da canoa é muito
importante e está diretamente relacionado, primeiramente, com a sua
hidrodinâmica (direção e atrito) e em segundo lugar com sua função,
transportar pessoas e seus equipamentos necessários à pesca. A forma
da canoa é importante para possibilitar seu movimento sobre a água.
É uma questão da física explicada pela aerodinâmica e pela
hidrodinâmica, que após várias leituras de textos físicos a respeito do
assunto em tela, Marineusa Gazzetta (2005) sugere uma explicação
para esse fenômeno conforme o quadro explicativo a seguir
(informação pessoal)
46
:
46
GAZZETTA, M. mensagem recebida pelo E-mail: marigazzetta@hotmail.com, em 01/02/2006.
104
Um corpo com uma forma que facilita seu movimento num fluido se diz ter forma
aerodinâmica (mesmo que o fluido não seja o ar). A melhor forma aerodinâmica é a
de um peixe: arredondado na frente e diminuindo de espessura aos poucos para trás
(Fig. B). milhares de anos, os povos primitivos aprenderam como arredondar as
extremidades de suas canoas para diminuir a resistência de atrito. Os navios
modernos são aerodinâmicos, especialmente as lanchas de corrida e as lanchas
torpedeiras. Em barcos projetados recentemente, o casco eleva-se acima da
superfície da água pela ação de "asas" em baixo da água. O atrito da água sobre o
barco é assim muito diminuído.
Linha aerodinâmica. (A) O disco produz turbilhões no ar (ou na água) e causa
grande atrito ou resistência. (B) A resistência nesse objeto aerodinâmico é apenas
um décimo da resistência no disco. (C) Esse peixe é apenas parcialmente
aerodinâmico e move-se lentamente. (D) Esse peixe é aerodinâmico e tem grande
velocidade.
Quando acontece uma interação entre corpos, podem ocorrer variações
na velocidade, deformações ou ambos os fenômenos. E quando as superfícies dos
corpos que interagem se tocam, a força é chamada de contato.
Um corpo ao deslizar sobre outro surge uma força de contato que se opõe
ao movimento, chamada força de atrito dinâmico. Isso ocorre no contato da canoa
com a água através do impulso, ou seja, sempre que uma força agir em um corpo
durante certo intervalo de tempo, dizemos que o corpo recebeu um impulso, no caso
da canoa, isso acontece quando ocorre a remação que impulsiona a canoa, uma
força resultante. Também temos que considerar o meio no qual o corpo está imerso
(ar e líquido) oferece também uma resistência ao deslocamento. Essa força de
resistência do ar é variável e depende da velocidade do corpo, de sua forma e da
maior secção transversal em relação à direção do movimento.
105
O atrito é a resistência ao movimento que surge quando se desliza ou se
rola uma peça sobre outra.
Outro fenômeno que ocorre com a canoa em contato com a água é o
empuxo que representa a força resultante da água sobre a canoa. Pois as somas de
todas as forças têm direção vertical e sentido para cima. Essa força é o empuxo que
empurra para cima os corpos mergulhados nos líquidos.
3.3.2. Por que a quilha? Como descobre o equilíbrio? O bojo e as curvas?
Figura 25: Indagações da Quilha e do bojo. A Por que a quilha na canoa? B Qual a importância
do equilíbrio, como descobre? Indagações do Bojo. Fotos: VICTORIANO, C, 2005.
Como diz seu Joaquim, com tranqüilidade, a utilização da
quilha numa canoa é para facilitar nas viagens e nas pescarias e,
principalmente, para facilitar naquela pescaria que necessita entrar no
mato, na época das cheias no Pantanal e, quando não tem outro
companheiro ou companheira para realizar a função de piloto, porque
a quilha é feita para só uma pessoa utilizar a canoa, a quilha peloteia a
canoa, ela não precisa de piloto, a quilha governa a canoa e não deixa
emborcar facilmente, como nas ondas, e a canoa anda demais, você
controla lá na proa a canoa e ela anda ligeiro, ninguém consegue
pegar. (Fig. 25).
A B
106
Também ela facilita a caçada e a pescaria, principalmente no
mato na época da enchente, pois a manobra com a canoa fica mais
fácil. Explica Seu Joaquim que essa é uma invenção dos antigos
caçadores, no tempo em que se caçavam os animais para vender sua
pele.
Percebe-se que a quilha está relacionada ao equilíbrio da
canoa, ou seja, é o centro de equilíbrio que a canoa deve ter. Isso
depende do nível ou prumo realizado adequadamente na fase inicial
construtiva da canoa. A quilha determina a direção que a canoa deve
seguir; nada mais é do que o leme, que tem a função de direcionar os
barcos e navios, aqui, no caso, da canoa, chamado de quilha.
O pesquisado informou que o prumo do centro é que manda
na canoa todinha, se não tiver certo o prumo, ela desiquilibra e o bojo
é que segura. Ou seja, as duas linhas do bojo é que seguram a
firmeza da canoa, para ela não virar, o que veremos logo a seguir. O
bojo é que não deixa a canoa virar, pois a canoa tem que ser bojada,
senão ela vira mesmo, e depois o remo que é responsável pelo
equilíbrio.
Para Seu Joaquim, o remo é muito importante no equilíbrio da
canoa que dependerá, também, do remador: ... Se a canoa vai virar,
joga-se o remo na água e a equilibra. O segredo está no jogo de corpo
do canoeiro, a alma do canoeiro é o remo. O bojo é necessário na
canoa para o firmamento do equilíbrio da canoa na água. O bojo é a
mesma coisa que as curvas da canoa, porque a canoa feita de uma
madeira só ela não tem curva, ela tem somente os bojos....
O pesquisado explicou com paciência que: o bojo é tirado na
medida da beira da canoa por fora até na linha do bojamento, ou seja,
a segunda linha que é do bojo. Não pode ser a linha do centro, senão
ele não fica com o tabão apropriado, fica como fundo de telha, que não
tem equilíbrio, a canoa fica louca e ninguém consegue comandar ela.
107
Pelos procedimentos utilizados e pela explicação do Seu
Joaquim, identifica-se a aplicação da noção de simetria em relação a
um eixo longitudinal central, denominado de linha do centro. É evidente
que a simetria longitudinal (o bojamento) é um dos elementos
responsáveis pelo equilíbrio da canoa.
3.3.3. Por que escolha dessa árvore (chimbuva)
47
? A ecologia: o cupim, a caída
da árvore, o seu nascimento, como acontece?
Seu Joaquim tem um vasto conhecimento biológico e nem se
dá conta disso. Quando adentramos na mata desde a fase inicial da
investigação, o pesquisado reconhece inúmeras plantas. (Fig. 26)
principalmente, as medicinais, como: aroeira, novateiro, angico, caiapá,
salsaparilha, entre outras, muitas aves e quase todos os animais
pertencentes à fauna pantaneira, além de uma infinidade de insetos.
Figura 26: Escolha da árvore. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
Conforme as orientações do Seu Joaquim, a escolha dessa
espécie é porque a chimbuva sempre foi considerada apropriada para
fazer canoa: é uma madeira leve, fácil de encontrar, uma madeira que
não é de lei, é nativa e o povo não liga muito para ela. Afirmou o
47 (Enterolobium Contortisiliquin (Vell) Morong, família Mimosaceae).
108
entrevistado: eles, principalmente os fazendeiros só querem destruir a
madeira de lei, e esta é considerada como refugo, não tem muita
importância, é uma madeira criminosa, pois agora descobriram que é
venenosa, pois o seu fruto está matando os gados das fazendas.
Existe uma discussão na região de Potreiro e outras regiões de
que os frutos da chimbuva que caem no chão estão matando o gado da
fazenda. Por isso, condena-se essa espécie. Seu Joaquim indignado
argumenta que: eles condenam essa madeira, mas eu acho isso pura
bobagem, pois toda a vida os bichos do mato comeram demais deles,
como todos os bichos: anta, paca, veado, caititu, cutia, enfim quase
todos os bichos do pantanal come essa fruta que é conhecida como
orelha de macaco, inclusive sempre os bois comeram dessa fruta. Seu
Joaquim sempre indaga por que só agora está matando os bois? Se
sempre o gado e outros animais comeram dessa fruta.
E finaliza: ora, só agora é que está matando, eu não acredito
nisso, pois antigamente que era somente mato, essa árvore existia
muito, e os animais não morriam. Eu acredito que seja essa represa
que eles os fazendeiros fazem e colocam veneno que borrifam no pasto
e quando chove a água corre para as represas e os bois bebem dessa
água e também os peixes e os animais, eles morrem por causa do
veneno, mas como eles fizeram pesquisa e comprovaram que a fruta da
Chimbuva está matando, são doutores que falaram, formaram para
isso, quem sou eu para contrariar, doutor falou água parou, pois penso
eu, como antigamente os animais não morria disso?
Quanto ao cupim que foi encontrado na árvore ainda viva, Seu
Joaquim informou que a seiva existente na árvore atrai os cupins. Eles
gostam das árvores que têm seiva como o jatobá, aroeira, cumbaru
entre outras. O informante é categórico em afirmar que é por causa da
seiva da árvore, o cupim gosta do cheiro da árvore e por isso entranha
no seu centro, no miolo da madeira, aí ele vai roendo, comendo a
madeira e com isso a madeira vai estragando, apodrecendo, o cupim
109
persegue as árvores que tem seiva, eles gostam da seiva, como o
jatobá, cumbaru, aroeira, e outras madeiras que dão seiva.
Sabe-se que alguns estudos e pesquisas estão sendo
desenvolvidos para verificar a relação entre a interferência do homem
no ambiente e a presença de cupinzeiros. Sobre isso, Seu Joaquim,
que residiu vinte e oito anos bem próximo a esse espaço, onde foi
escolhida e derrubada a árvore, inclusive tinha roça nesse mesmo
lugar, afirma que quando há interferência do homem no meio intacto,
acontece isso. É uma outra possibilidade de explicação para o
aparecimento dos cupins nas árvores.
Em relação ao corte, ele escolhe a posição para a queda da
árvore que facilite a construção da canoa. Além disso, preocupa-se
com o nascimento de outra árvore no local. Segundo Seu Joaquim,
deve-se cortar o tronco da árvore bem próximo do chão para surgir uma
resina que é responsável pelo brotamento de outros troncos no futuro:
Após o corte da árvore chimbuva, no corte, cria-se uma regina e daí é
que nasce três ou mais brotos que futuramente criam árvores
rapidamente.
O informante disse, ainda, que por ser nativa e pela realização
do corte devido, todas as vezes que ele cortou, nasceram outras no
mesmo local, ou seja, no mesmo tronco. Como afirmou e de todas que
derrubei para fazer canoas, nasceram outras no mesmo corte. Quando
não nasce no mesmo corte, nasce na raiz em volta dela. Seu Joaquim
não cansa de explicar que se fizer o contrário, realizar o corte alto no
tronco da árvore, com certeza não nascerão outras, pois já realizou
experiências e realmente não nascem.
Como assegurou: para não nascer outras, se cortar arto, isso
é, fazer o topo arto, como um metro de altura, todas as árvores
cortadas arto ela seca, não nasce outras, o segredo é cortar baixo, ou
seja, próximo do chão, isso porque aquela regina conserva o corte da
110
árvore, e a umidade da água ajuda a conservar, não seca a raiz toda, a
raiz puxa a umidade. Seu Joaquim afirma que depende da altura do
corte da árvore em relação ao solo, tem que ser uma medida abaixo de
meio metro. E ele confirmou se cortada também baixinho, logo dá
outro broto, como: a bananeira, a taboca e a cana são a mesma coisa,
cortou arto ela morre, tem que ser cortados bem em baixo. (Fig. 27b).
Isso nós poderemos verificar, já faz um ano do corte da árvore. Eu e o
pesquisado retornaremos ainda no local do corte da árvore para
analisar de perto e poder comprovar se isso é verdadeiro ou não.
Figura 27: Escolha da árvore ideal. A A Chimbuva escolhida para a construção
da canoa; B O corte próximo ao chão. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
Após este estudo, percebi que o saber do artesão pantaneiro
encerra um saber milenar que permitiu a conservação do equilíbrio
ecológico em vastas regiões do mundo.
É sintomático constatar que só recentemente a questão de
ecologia aflorou como problema nacional entre nós a reclamar a
atenção dos poderes públicos. Pareceria que, de tão exuberante e
perene, o verde das nossas matas não acabaria jamais.
A consciência de que a derrubada das florestas nas áreas
tropicais, principalmente, no Brasil, está chegando a um nível
alarmante, tem sido expressa pela enorme quantidade de artigos e
A
B
111
livros produzidos por toda parte. Argumenta-se que, a continuar assim,
um milhão de espécies de plantas e animais se extinguirá ao findar o
século. A população indígena nas Américas em particular a do Brasil
tem sido impiedosamente extirpada. Com isso, não só se atentou
contra sua integridade física como se perdeu a imensa contribuição que
poderia ter dado e ainda pode dar à sobrevivência do homem no
trópico (RIBEIRO, 1985).
Os dizeres de Berta Ribeiro (1997) acima transcritos,
provavelmente, se enquadram na análise dos saberes demonstrados
por Seu Joaquim, artesão pantaneiro, no que se refere à etnobiologia,
pois, ele, a todo momento, demonstra a preocupação com a
preservação genética das plantas, a influência da ação do homem
sobre o ambiente, etc.
Por outro lado, o conhecimento deste pantaneiro não se
enquadra em categorias e subdivisões precisamente definidas como as
que a ciência acadêmica tenta organizar. O conhecimento da escolha
da árvore, a derrubada certa da mesma, a lua certa para o corte, o
olhar experiente nesse processo, a forma como realiza as suas
medidas, escolhendo um cipó de três metros calculados com a ajuda
dos seus palmos, abraça o tronco da árvore ainda intacto e com ele
encontra a medida e dobra em dois e mede novamente no palmo e
encontra igual a seis palmos e meio e encontra treze palmos em volta e
sabe que é o perímetro da tora, que dividido por quatro determina o
tamanho da boca da canoa, ou seja, sua largura. Encontra e delimita a
popa e a proa, como apura e alinha a largura, como determina a
fundura da canoa.
E os saberes referentes à aerodinâmica, ao equilíbrio e à
navegabilidade da canoa formam um (a) amálgama de plantas, animais,
caçadas, pescarias, rios, energias, mitos, cantos, que se perpetua, de
geração em geração, entre os índios, entre os ribeirinhos pantaneiros,
os pescadores e construtores que sabem e entendem de canoas, tanto
112
na sua construção, como na habilidade de manuseá-las, conhecem os
segredos, os perigos, as vantagens, as desvantagens e sabem até
onde chega o seu limite.
Esses saberes precisam e devem ser preservados. Não coloco
aqui, de maneira nenhuma a proposta de abandono dos conceitos
científicos ocidentais. O que proponho é o abandono dos conceitos
etnocêntricos de superioridade frente ao saber indígena, ao saber
pantaneiro, a fim de que se possam registrar com propriedade e clareza
os conceitos científicos de outras culturas, ao mesmo tempo em que se
desenvolvem idéias e hipóteses que enriqueçam o nosso próprio
conhecimento.
113
4. ANÁLISE INTERPRETATIVA DA CONSTRUÇÃO DA CANOA
À medida que Seu Joaquim ia executando os procedimentos
necessários à construção da canoa, o pesquisador ia anotando esses
procedimentos através de esquemas explicativos que são colocados a
seguir:
Figura 28: Raciocínio da medida do diâmetro, do centro e da altura da fundura da popa. A – Medidas
do centro/prumo do tronco, linhas do levantamento e arrasamento; B Largura do tabão, altura da
fundura da popa. Desenho: VICTORIANO, C, 2005.
114
O tronco escolhido era de aproximadamente 04 (quatro)
palmos e mais uma medida de 05 (cinco) centímetros era o diâmetro no
pé da árvore na sua medida original, segundo o sistema de medida
utilizado pelo Seu Joaquim, isto é, no sistema métrico decimal, 93
(noventa e três) centímetros. (Fig. 29b). No lado da popa, o tronco
media, tirando o meio/centro da madeira, 83 (oitenta e três)
centímetros por 33 (trinta e três) centímetros de tabão. Daí resulta a
medida de 41,5cm (quarenta e um centímetros cinco milímetros), que é
o meio da popa da canoa, ou melhor, o seu nível/prumo. (Fig. 28a).
Assim, o pesquisado encontra ainda a medida da altura da fundura da
popa que é de 53 (cinqüenta e três) centímetros. (Fig. 28b).
Seu Joaquim continua com as medidas na outra extremidade
do tronco que é a proa da canoa (Fig. 29a).
Altura da
fundura da
proa
115
Figura 29: Raciocínio da Largura do Tabão e do Prumo/Nível da canoa. A medida do diâmetro da
proa da canoa; B Medidas no tronco das linhas de centro/bojo da popa; C Medida no tronco das
linhas de centro e bojo da proa. Desenho: VICTORIANO, C, 2005.
Na figura acima, está registrado o raciocínio feito para
encontrar a medida da popa e da proa, ele considera a medida do
diâmetro do tronco bruto da popa de 93 (noventa e três) centímetros
(Fig. 29b) e da proa de 65 (sessenta e cinco) centímetros (Fig. 29c),
que mais tarde resulta nas medidas de 83 (oitenta e três) centímetros
por 33 (trinta e três) centímetros que divididos por dois encontra-se a
medida de 16,5cm (dezesseis centímetros e cinco milímetros) que é a
116
medida da largura do tabão da popa. As medidas 63 (sessenta e três)
centímetros por 25 (vinte e cinco) centímetros divididos por dois resulta
a medida de 12,5cm (doze centímetros e cinco milímetros) darão o
centro do tabão da popa da canoa. Ainda, encontra-se a medida de
31,5cm (trinta e um centímetros e cinco milímetros) que é o centro, ou
seja, o prumo ou nível da canoa na proa. Também, encontra-se a
medida de 22 (vinte e dois) centímetros que é a altura da fundura da
proa. E, ainda, as medidas de 01 (um) metro a partir das extremidades
da popa e da proa para a construção dos bancos da canoa. Determina-
se então a medida de 3 (três) metros e 28 (vinte e oito) centímetros
que é o espaço compreendido entre os bancos no centro interior da
canoa. Encontra-se ainda, a medida de 48 (quarenta e oito)
centímetros de largura do cerne do tronco e 66 (sessenta e seis)
centímetros que é a largura da boca da canoa. (Fig. 29).
117
118
Figura 30: Raciocínio das medidas no tronco para o talhamento, bateção das linhas de Centro, Linha
do prumo e do levantamento da popa. A Medidas da distância das extremidades da popa e proa
aos bancos da canoa; B Linhas do levantamento e arrasamento da canoa; C Talhamento do
levantamento e arrasamento da canoa; D Linhas de centro/prumo e bojo da popa e proa. Desenho:
VICTORIANO, C, 2005
.
Na (Fig. 30), apresenta-se o raciocínio efetuado na marcação
das linhas de lado, da popa, da proa e do talhamento do centro da
canoa. A marcação da linha de prumo e as posições das linhas de popa
que são feitas com pregos e depois com o barbante (linha) esticado e
embebecido com a tinta feita com carvão, jenipapo e água realiza a
bateção das linhas. Para a marcação da linha de levantamento da
popa, considera-se a medida de 02 (dois) centímetros a partir das
linhas de lado. O pesquisado também realiza a marcação de uma
medida de 01 (um) metro compreendido entre os bancos da popa e da
proa à extremidade da canoa. E a medida restante, ou seja, 3m28cm
(três metros e vinte e oito centímetros) fica como espaço da canoa para
utilização de materiais de pesca e acampamentos.
119
Figura 31: Raciocínio das medidas das linhas de centro, bojo, contornos e medida da altura da
profundidade da canoa. A – Vista panorâmica das medidas de centro, dos bojos e a medida da canoa
e do seu espaço entre os bancos; B – medida das bordas da canoa, as medidas do banco da proa da
popa e da largura no centro da canoa; C medidas das alturas da fundura da proa e popa da canoa.
Desenho: VICTORIANO, C, 2005.
O raciocino do Seu Joaquim contido na (Fig. 31), são medidas
da canoa numa visão panorâmica, ele considera as medidas de 12,5cm
(doze centímetros e cinco milímetros) que é a metade da medida da
proa que é 25 (vinte e cinco) centímetros. As medidas de 16,5cm
(dezesseis centímetros e cinco milímetros) é a metade de 33 (trinta e
120
três) centímetros, que é a medida da popa. Seu Joaquim sempre usa
da divisão e da multiplicação, como no exemplo acima, ou ele
multiplica por dois ou divide por dois. Ou seja, 33:2= 16,5 e 25:2= 12,5
vice versa.
A medida da largura, ou seja, a boca da canoa como é
chamada pelo Seu Joaquim é de 66 (sessenta e seis) centímetros. Esta
medida é o resultado da medida inicial ainda no tronco intacto feita
com o cipó que resultou em 12 (doze) palmos do Seu Joaquim e o seu
palmo é de aproximadamente 22 cm (vinte dois centímetros), ele
encontra 2m64cm (dois metros e sessenta e quatro centímetros) que
quando dobra o cipó em quatro partes encontra a medida transversal
da canoa.
A medida do banco da proa mede 46 cm (quarenta e seis
centímetros) e o da popa 50 cm (cinqüenta centímetros). Outra medida
feita pelo Seu Joaquim é do centro da canoa é de 01 (um) metro e 64
(sessenta e quatro) centímetros, medida esta que é a metade de 03
(três) metros e 28 (vinte e oito) centímetros, já desconsiderando os 02
(dois) metros das medidas das extremidades da popa e da proa até os
bancos internos. E ainda Seu Joaquim encontra as medidas 25 cm
(vinte e cinco centímetros) que é a altura da fundura da canoa na proa
e 26 cm (vinte e seis centímetros) é a medida da altura da fundura da
canoa no seu centro e da popa. (Fig. 31c).
121
Figura 32: Raciocínio do talhamento do levantamento do fundo e a finalização da canoa. A Vista
dos talhamentos do levantamento do fundo de baixo para levantamento da popa e da proa; B
Finalmente a canoa pantaneira. Desenho: VICTORIANO, C, 2005.
Neste raciocínio, encontra-se o alinhamento da popa e da
proa, medidas feitas após a viração da canoa para em seguida realizar
o talhamento do levantamento do fundo de baixo para o levantamento
da popa e da proa, aqui Seu Joaquim considera as medidas já
realizadas na figura 31 (25cm e 26cm). E finalmente, Seu Joaquim
realiza a limpeza da canoa e o acabamento com o cipio para depois
122
realizar o envernizamento
48
da mesma. Enfim, temos a canoa
pantaneira. (Fig. 32b).
PASSOS CONSTRUTIVOS DO REMO
Figura 33: Raciocínio dos passos construtivos do remo. A1 Madeira bruta; A2 – Medidas na
madeira; A3 Visualização do formato do remo; A4 e A5 – Primeiro corte com serrote e A6 – O remo
pantaneiro.
Neste processo, Seu Joaquim começa com a marcação das
medidas na madeira que tinha as seguintes medidas: 02m (dois metros)
de comprimento; 30 cm (trinta centímetros) de largura e 05 cm (cinco
centímetros) de espessura. Em seguida, Seu Joaquim marca as
medidas do cabo 01m50cm (um metro e cinqüenta centímetros) que
será o seu comprimento e 05 cm (cinco centímetros) que será o seu
diâmetro. Na colher do remo, termo usado pelo pesquisado, a medida
de 50 cm (cinqüenta centímetros) ele distribui três medidas, ou seja,
10cm (dez centímetros) na ponta da colher; 25cm (vinte e cinco
centímetros) no seu centro e 15cm (quinze centímetros) na parte
superior da colher do remo. Medidas necessárias para a realização do
contorno da colher do remo. Que segundo Seu Joaquim é o verdadeiro
48
Seu Joaquim utilizou verniz de marceneiro próprio para móveis de madeira e com a finalidade de
proteção da água e para seu embelezamento. Os índios utilizam gordura de capivara ou jacaré para a
proteção contra a água.
123
remo pantaneiro, facilita nas remadas e faz menos barulho no contato
com a água. O que facilita nas caçadas e pescarias.
4.1. Proposta pedagógica para a sala de aula
Algumas considerações: Na postura da etnomatemática, é valorizado
o processo educativo que acontece numa dimensão escolarizada e não
escolarizada com uma base transdisciplinar que procura explicar este
conhecimento, que fora buscado fora da escola para que as crianças
quando chegam a esta não deixem lá fora aquilo que conhecem e
sabem no seu dia-a-dia. Queremos propor o resultado deste estudo
como prática pedagógica à educação escolar.
Então, perguntamos como deve acontecer a prática
pedagógica da etnomatemática na sala de aula?
Primeiramente, o professor deve ter uma formação ampla da
Educação Matemática e deve mudar suas atitudes, desde o
recebimento do aluno como pessoa até as atividades propostas. Deve-
se quebrar o paradigma de que está tudo pronto e entregar para o
aluno como presente.
Este estudo deve ter seu valor pedagógico na obediência da
prática, pois ajuda nas atitudes das crianças e favorece na mudança de
paradigma, ou seja, deixa os procedimentos do ensino tradicional, a
mesmice de sempre. Esta área pode colaborar com os alunos no
sentido mais amplo, pois devem utilizar destes conhecimentos para
inserí-los na sua comunidade.
As revoluções científicas contribuíram para o ensino da
matemática, quando foi derrubada a impositiva matemática moderna
que era dominadora como metodologia de ensino. Hoje, aparecem
124
várias metodologias ou paradigmas educacionais como: a Modelagem
Matemática, a Resolução de Problemas, a História da Matemática e a
Etnomatemática, dentre outras.
Acreditamos, portanto, que a Etnomatemática tem a função do
educador matemático que é extremamente necessária neste processo.
Ele deve conhecer todas essas linhas e deve decidir com qual delas vai
trabalhar na sala de aula, por isso, o educador matemático tem o
direito de conhecer as tendências educacionais da matemática, para
escolher aquela que ele achar mais adequada para sua prática.
Cada professor tem a sua metodologia de ensinar. Entretanto,
na Etnomatemática o educador deve ser pesquisador, para depois
voltar com essa pesquisa de campo à sala de aula, fazer uma análise
dos dados pesquisados, levantar problemas com os alunos, desafiando-
os nos porquês e depois modelar matematicamente, onde necessitará
encontrar soluções e logo em seguida retornar para aquela realidade
onde foi pesquisado para que contribua de forma econômica, política e
social e conserve os conhecimentos adquiridos.
Por exemplo, neste trabalho, com os dados coletados como: as
medidas da canoa, a noção de proporcionalidade, simetria, o ponto de
equilíbrio, a aerodinâmica, a hidrodinâmica, o atrito, os inúmeros
conceitos geométricos como: ângulo, formas geométricas, ponto médio,
comprimento, largura, altura, cálculos e operações dentre outros podem
contribuir no enriquecimento das aulas em qualquer nível de ensino.
Uma atividade pedagógica direcionada à sala de aula para o
Ensino Médio, elegemos como exemplo, um conceito utilizado no
raciocínio da construção da canoa pelo Seu Joaquim cuja atividade
seria assim:
125
Atividade Pedagógica para sala de aula
(Ensino Médio CH: 10h)
Assunto: Prumo: o segredo da canoa
Apresentação: Contextualização da canoa como manifestação cultural
na história da humanidade.
Objetivo: Calcular o ponto de equilíbrio da canoa através do círculo.
Pré-requisitos: Introdução e definição de simetria, circunferência,
cilindro, pirâmide, cone, tronco de cone. Saber utilizar a régua, o
esquadro e o compasso.
Material: retro-projetor ou data show, papel cartão, fita adesiva,
tesouras, trena, prumo de marceneiro, pincéis atômicos coloridos,
compasso de lousa.
Procedimentos: O trabalho será realizado em duplas, cujos
componentes construirão círculos, de papel cartão, que serão colados
no papel pardo e em seguida, fixados na parede. Utilizar-se-ão da
trena, do prumo de marceneiro e encontrarão o prumo ou equilíbrio nos
círculos e, com o compasso, demarcarão as medidas do bojo, utilizando
o conceito de simetria.
Primeiro momento: (Revisão)
Conceitos básicos:
- Eixo de simetria, ponto simétrico e simetria central: (verificar com
régua se o centro é ponto médio do segmento que une um ponto a seu
simétrico a simetria que existe entre as duas figuras é chamada
simetria central).
- Perpendiculares e paralelas: (retas perpendiculares formam ângulos
retos duas retas paralelas nunca se encontram, elas mantêm sempre
uma mesma distância entre si reta e plano perpendiculares a
circunferência e seus elementos).
- Prismas: (princípio de Cavalieri) cilindro e seu volume pirâmide e
seu volume Cone e seu volume tronco de cone.
126
- Perspectiva e Épura: (sólidos em perspectiva isométrica e projeção
ortogonal e transposição didática: cilindro cone tronco de cone).
Revisando:
a) Construção de retas perpendiculares, (IMENES, 2003):
127
b) Construção de retas paralelas:
c) Reta e plano perpendiculares:
No plano, sabemos que por um ponto P de uma reta r é possível
traçar uma única reta s perpendicular à reta r.
Agora, imaginemos que o plano que
contém essas perpendiculares gire
em torno de uma delas. Por
exemplo, em torno da reta r.
128
Nesse suposto movimento, a reta
s gira em torno de P e mantém-se
perpendicular a r. Desse modo, no
espaço, existem infinitas retas
perpendiculares a r no ponto P.
Assim, chegamos ao Teorema
Fundamental da Perpendicularidade:
Seja r uma reta secante a um plano
α num ponto P e sejam a e b duas
retas de α concorrentes em P. Se r é
perpendicular a ambas as retas a e
b, entãor é perpendicular a todas
as retas de α que passam por P,
inclusive uma reta qualquer x.
Portanto:
c) A circunferência e seus elementos:
Popa Proa
São semelhantes?
A área do círculo? O seu perímetro?
(r
α) r a, r b, r x,
129
A circunferência é um conjunto de pontos do plano que estão a uma
mesma distância de um ponto fixo. O ponto fixo é o centro da
circunferência. (Obs.: toda linha que goza de uma característica que
lhe é exclusiva denomina-se Lugar Geométrico: LG).
d) Prismas:
Definição: Considere um polígono qualquer contido num plano α e
seja r uma reta qualquer, secante a α em um ponto X. Em r,
considere também um ponto Y distante de X.
Chama-se PRISMA a reunião de todos os
segmentos paralelos e congruentes a XY
que têm uma extremidade num ponto
qualquer do polígono e que estão
situados num mesmo semi-espaço
determinado por α.
Secção Transversal:
Definição: Chama-se secção transversal
de um prisma a intersecção, não vazia,
desse prisma com qualquer plano,
paralelo às suas bases.
Note que, num prisma qualquer, todas as secções transversais são
congruentes às bases.
130
Princípio de Cavalieri (BEZERRA & PUINOKI, 1996):
Considere dois sólidos e um plano α. Suponha que todo plano
paralelo a α , que intercepte um dos sólidos, intercepte também o
outro e determine secções transversais de áreas iguais. Nessas
condições os dois sólidos têm volumes iguais. Observe abaixo:
Ou seja, dois sólidos, nos quais todo plano secante, paralelo a um
dado plano, determina superfícies de áreas iguais (superfícies
equivalentes), são sólidos de volumes iguais (sólidos equivalentes).
A aplicação do princípio de Cavalieri, em geral, implica a colocação
dos sólidos com base num mesmo plano, paralelo ao qual estão as
secções de áreas iguais (que é possível usando a congruência).
Observação: O volume de um prisma é o produto da área da base
pela medida da altura, ou seja,
e) Cilindros:
Definição: Considere dois círculos de mesmo raior contidos em
planos paralelos e seja e a reta que passa pelos seus centros.
Chama-se cilindro circular, ou
simplesmente cilindro, a reunião de
todos os segmentos paralelos à reta
e, cujas extremidades pertencem
cada uma a um dos círculos
considerados.
V = B. h
131
Volume do cilindro: Com o auxílio do princípio de Cavalieri,
podemos facilmente constatar que um cilindro e um prisma, cujas
alturas são iguais e cujas bases têm a mesma área, têm volumes
iguais.
V cilindro = V prisma
Tal como o volume do prisma, o volume do cilindro é dado pelo produto
da área de sua base pela sua altura. Assim, V =
S
b
. H , ou
g) Pirâmides:
Definição: Considere um polígono qualquer contido num plano α e
um ponto P, também qualquer, fora desse plano. Chama-se pirâmide
a reunião de todos os segmentos que têm uma extremidade em P e a
outra num ponto qualquer do polígono.
Volume da Pirâmide: Tomemos um prisma triangular que tenha a
mesma base e a mesma altura da pirâmide.
Sb = área da base
H = altura
V = πr². H
132
Tomemos um prisma
triangular que tenha a mesma
base e a mesma altura da
pirâmide.
Podemos decompor o prisma
triangular em três pirâmides
de volumes iguais. V1 = V2 =
V3
O volume de cada pirâmide é um terço do volume do prisma e como
a pirâmide (01) tem a mesma base e a mesma altura do prisma,
concluímos que:
V1 = 1/3. S
b
.H
Esta fórmula pode ser generalizada para quaisquer tipos de bases,
conquanto a pirâmide qualquer e a pirâmide triangular tenham a
mesma altura H e que suas bases tenham a mesma altura S
b
.
V = 1/3 . S
b
. H
133
Segundo Tales de Mileto (RIBEIRO, 1999), o triângulo retângulo
que gera o cone:
Volume do cone inferior:
Achar a altura do triângulo de fora (menor), segundo Tales:
134
h) Cone:
Considere um círculo contido num plano e um ponto P fora desse
plano. Chama-se Cone Circular, ou simplesmente Cone, a reunião
de todos os segmentos que têm uma extremidade em P e a outra
num ponto qualquer do círculo.
Veja: verifica-se que qualquer secção transversal de um Cone
Circular é um círculo. Para essa secção, vale a propriedade análoga
à que demonstramos para as pirâmides.
Volume do Cone:
Empregando-se o princípio de Cavalieri, verificamos que um Cone e
uma Pirâmide, cujas alturas são iguais e cujas bases têm áreas
iguais, têm volumes iguais.
Concluímos que o volume de um Cone qualquer é igual a um terço
do produto da área de sua base pela sua altura.
135
Ou seja:
V = 1/3 . S
b
. H
V = 1/3 . (πr²) . H
i) Tronco de Cone de bases paralelas:
Deduzindo, temos:
V = V
2
V
1
= 1/3 πR²H
2
– 1/3 πr²H
1
Considerando: H
2
= H
1
+ h V = π/3 [R²(H
1
+ h) - r² H
1
] (1)
V = π/3 [R²h+(R²-r²)H
2
]
Cálculo de H
1
em função dos dados:
Substituindo H1 de (2) em (1):
V = π/3[R²h+(R²-r²) hr/R-r] = πh/3 [R²+(R+r) (R-r) r/R-r]
Portanto, temos a seguinte fórmula:
V = 1/3 . πr² . H
V = πh/3 [R²+Rr+r²]
136
j) Uma viagem pela geometria espacial, pelos sólidos até chegar
no objeto de estudo: tronco de cone.
Partindo para a transposição didática através do cilindro cone
tronco de cone, temos em 3D (tridimensionalidade), aproximando
mais da realidade. Buscamos sustentação nas noções elementares
de geometria descritiva: perspectiva e épura.
Conceito de perspectiva e épura (3D), (RIBEIRO, 2004):
k) Como representar um sólido em perspectiva isométrica:
A perspectiva de um sólido é a sua representação gráfica tal como
ele é visto na realidade. Seu traçado baseia-se num sistema de
linhas que formam entre si ângulos de 120º.
137
Exemplo: Cubo em Perspectiva Isométrica, (RIBEIRO, 1999):
l) Como representar um sólido na projeção ortogonal:
A projeção ortogonal de um sólido é a sua representação
geométrica, com as medidas reais, mostrando-o em três posições
diferentes:
As vistas são desenhadas sobre os três planos das projeções:
138
Na prática, contudo, as projeções são apresentadas como na figura
abaixo, onde os planos de projeções são rebatidos sobre um mesmo
plano.
Segundo momento: Contextualização da canoa como manifestação
cultural na história da humanidade: o processo construtivo da canoa de
um tronco só (cilindro) e suas medidas a partir do prumo/nível
(círculos).
Terceiro momento: Desafiar os alunos a construírem círculos no papel
cartão, com medidas de 83 cm e 63 cm de diâmetro e realizar a
colagem no papel pardo para fixação na parede, na altura adequada
aos alunos de modo que fiquem na posição vertical (idéia da posição
do tronco de uma árvore em relação ao solo). E, na seqüência, irão
encontrar (traçar uma reta/corda) na parte superior do círculo acima do
seu centro, utilizando régua e o prumo de marceneiro e encontrar o
prumo exato, isto é, horizontalmente.
139
Quarto momento: Com o prumo de marceneiro, os alunos devem traçar
duas retas paralelas com espaço de dois centímetros entre elas para
realizarem as medidas do arrasamento e levantamento da canoa
(popa/proa) relacionado com os círculos com medidas de 83 cm e 63
cm, respectivamente. Para que na seqüência, utilizando o prumo de
marceneiro, encontrem o nível da canoa na horizontal.
Quinto momento: A seguir, os alunos utilizarão a régua e o prumo de
marceneiro, novamente devem encontrar o nível (traçar uma reta)
central perpendicularmente, ou seja, uma reta central no tronco
obedecendo o ponto médio nas medidas de 83 cm e 63 cm (diâmetro
dos círculos).
Sexto momento: Com o compasso, os alunos devem encontrar os
pontos paralelos à reta central e encontrar o prumo e traçar
verticalmente outra reta, deve obedecer seu ponto simétrico, pois
140
demarcadas essas medidas, os alunos devem traçar as linhas de bojo
(linhas paralelas à linha de prumo).
Sétimo momento: Os alunos deverão traçar as linhas obedecendo os
pontos perpendiculares do primeiro círculo (83cm de diâmetro) com o
segundo círculo (63cm de diâmetro) e descobrir o eixo simétrico e o
prumo/nível exigido na construção da canoa para a sua navegabilidade.
As geratrizes
Avaliação: Após o trabalho, os alunos deverão realizar uma discussão
partindo dos seguintes questionamentos e entregar por escrito:
O que isso significa para eles, matematicamente?
O que implica nessas medidas e cálculos?
141
Por que a canoa não vira (ficar louca)? Isso tem a ver
com a perpendicularidade?
O ponto de equilíbrio é importante nesse processo?
O que pensam a respeito disso: construção da canoa
com a matemática, física, tem algum significado para
eles?
A geometria espacial é importante nesse processo?
É importante trabalhar com esses conhecimentos
populares na sala de aula?
Considerações finais: Na realidade escolar, elegeríamos qualquer
conteúdo implicado na construção da canoa pelo Seu Joaquim.
Escolhemos este assunto porque acreditamos ser interessante
socializar com os alunos
49
. Ao discutir esses conceitos matemáticos,
geométricos e físicos no Ensino Médio, poderemos ter a chance de
oportunizar e suscitar indagações pertinentes e reconhecer os
significados existentes na relação com a matemática formal desses
saberes ocultos e menosprezados pela academia. A partir daí,
proporíamos situações-problema onde os alunos teriam a liberdade de
escolher estratégias para solucioná-los. E com a nossa orientação eles
realizariam uma pesquisa extra-classe, para que sejam pesquisadores
de campo. É claro que numa abordagem contextualizada.
Bibliografias consultadas (Plano de Aula)
BEZERRA, Manoel Jairo; PUINOKI, José Carlos. Matemática 2º.Grau.
v. único. 4. ed. São Paulo: Scipione, 1996.
DOLCE, Osvaldo. Fundamentos de matemática elementar: geometria
espacial: posição e métrica. 5. ed. São Paulo: Atual, 1993.
IMENES, Matemática. São Paulo: Scipione, 2003.
49
Queremos deixar claro que escolhemos alunos do Ensino Médio tendo em vista o ensino da
Matemática ser muito precário nessa realidade escolar, principalmente quanto ao ensino da
Geometria. Porém, esses diversos assuntos podem ser direcionados a qualquer vel de
escolaridade, desde o ensino básico até o superior.
142
MERCADO, José Roberto. Design Geométrico. Cáceres-MT: Unemat,
2006.
RIBEIRO, José Antenor. Curso de Geometria Espacial. (Laboratório de
Didática da Matemática Depto. De Matemática). Cáceres-MT: Unemat,
1999.
________. Sólidos em Perspectivas Isométricas e Projeção ortogonal
(Projeto de Extensão: Geometria - Depto. De Matemática). Cáceres-MT:
Unemat, 2004.
Nesse sentido, teríamos uma aula diferente da tradicional e os
alunos teriam a oportunidade de perceber os diversos conceitos
matemáticos impregnados na construção da canoa e com isso facilitaria
o entendimento e compreensão dos conceitos que estão congelados
nos livros didáticos. Perceberiam uma matemática ligada à vida e com
significados, e com certeza aprenderiam a gostar mais de estudar a
matemática e valorizariam esses conhecimentos populares do artesão
da canoa.
Não realizamos essa experiência com os alunos, pois não era
o nosso objetivo nesse momento, mesmo assim, a nossa intenção é
socializar esse conhecimento com os educandos num segundo
momento. Por isso, queremos propor à escola esta experiência como
atividade pedagógica para a sala de aula.
Pretendemos, portanto, com este estudo, chamar a atenção
dos professores para que as atividades na sala de aula não sejam
apenas mais uma estratégia, mas que passe a ser de fato, um estímulo
para a capacidade intelectual da criança/educando, que substitua os
inúmeros exercícios de fixação e as atividades repetitivas e
descontextualizadas.
Trabalhar com os conhecimentos prévios dos educandos e
valorizá-los sempre, como deste ribeirinho, com a sua matemática
aplicada na construção da canoa. Seria um motivador para melhoria no
processo de ensino e da aprendizagem das crianças, tanto a educação
formal como a não-formal.
143
O PONTO FINAL DESSA CAMINHADA
“Choram os olhos d’agua das Sete lagoas e a
linfa corre, busca o amolar, ramo principal do
Paraguai. Recebe o ribeirão do Ouro, colhe o
Brumado, o Sant’Ana, Jaucoara e o Bugres.
Entra-lhe o Sepotuba cristalino à direita. As
águas se entrechocam, remoinham,
esbravejam...Fundem-se por fim suas
correntes para serem um rio, mais forte,
mais belo e navegável. Do reino dos antigos
Cabaçais mais um tributário lhe entre pelo
flanco, e, agora, soberbo, o Paraguai procura
a Urbe de Albuquerque...”
Natalino Ferreira Mendes
Figura 34: Canoa pantaneira. Foto: VICTORIANO, C, 2004.
Com a expansão acelerada do mundo contemporâneo, surge
um novo mundo globalizado e tecnológico que cada vez mais desafia o
homem, o tempo e o espaço. E que sem um planejamento sustentável
preocupado com os efeitos ambientais do planeta poderá contribuir
contra o próprio homem que com sua ganância estará sujeito ao seu
empobrecimento e até desaparecimento súbito, sem escolha.
O Brasil é líder mundial da biodiversidade, a sua fauna é uma
das mais ricas do mundo, a concentração de mamíferos é a maior do
globo, possui o maior número de etnias indígenas, mas, também estará
144
sujeito a esse efeito ambiental catastrófico ocasionado pelo
desenvolvimento tecnológico desenfreado e mal planejado.
Por outro lado, esse efeito ambiental atingirá também os que
vivem nos mais longínquos rincões e nas mais próximas periferias dos
grandes centros urbanos, escolarizados e mesmo os que sem acesso à
educação, ao emprego, à tecnologia, à alimentação, à qualidade de
vida e à dignidade humana, poderão se encontrar encurralados e
desprovidos de qualquer defesa.
Frente a esse avanço, a questão ambiental tem que ser
colocada em evidência. O desrespeito ao meio ambiente é tão evidente
no nosso município, estado, país, enfim, no mundo todo. Podemos
perceber a violência nos bens e valores ambientais que afetam a nossa
qualidade de vida. A questão de meio ambiente para nós está no
respeito ao solo, no cuidado com as florestas, no respeito às águas
dona da vida e do precioso ar, necessidades básicas que todos os
seres vivos precisam para viver e sobreviver neste planeta Terra, ou
seja, é uma luta de todos e todas.
Nesse processo, o Estado procura criar condições de acesso
igualitário à cultura para todos os indivíduos e grupos. Numa
democracia participativa, a cultura deve ser encarada como uma das
expressões da cidadania; um dos objetivos de governo deve ser então,
o da promoção das formas culturais de todos os grupos sociais,
segundo as necessidades e desejos de cada um, na procura de
incentivar a participação popular no processo de criação cultural e
promover modos de autogestão das iniciativas culturais.
A metodologia aplicada à obtenção de dados etnográficos é
bastante complexa porque o pesquisador está lidando com outra
cultura. Ele pode, em alguns casos, estar fazendo pesquisa na sua
própria cultura, e, por esse motivo, pode inadvertidamente, limitar os
dados fornecidos pelos seus informantes. Procuramos, em nosso
145
trabalho, interferir o mínimo possível, limitando-nos mais em observar e
fotografar todo o processo da construção da canoa.
Uma das desvantagens dos pesquisadores de campo é que já
trazem suas hipóteses de pesquisa totalmente formuladas e estas
questões preconcebidas raramente refletem a lógica e a realidade
internas de uma cultura, a não ser a do próprio pesquisador. A todo o
momento procuramos ser muito cuidadosos com esta questão.
Não devemos abandonar os conceitos científicos ocidentais no
estudo de uma ciência não ocidental (como o caso da ciência guatô),
mas que se abandone os conceitos etnocêntricos de superioridade
frente ao saber indígena ou outro qualquer, e devemos registrar com
clareza e seriedade esses conceitos, essas idéias e inúmeras hipóteses
encontradas no decorrer das pesquisas etnográficas para que possam
contribuir no enriquecimento do nosso próprio conhecimento.
Após toda essa experiência vivida, percebi que o conhecimento
informal do construtor de canoas é importante e precisa ser
preservado. Além de ser um cidadão que tem um conhecimento popular
enorme que muitos mestres e doutores não conhecem. E aprendeu com
seus tios, padrinho, enfim, essa cultura foi e é transmitida de geração a
geração na sua família. Hoje temos técnicas e instrumentos
sofisticados com os quais, talvez, consigamos construir canoas. Mas
será que terá a mesma precisão, o mesmo equilíbrio?
Neste sentido, perguntamos: de onde vem a canoa? Acreditamos
na importância do conhecimento da história da canoa neste contexto,
assim, percebemos que essa cultura faz parte da história do próprio
homem. Por outro lado, a árvore para construir a canoa está na
natureza, e inserida no meio ambiente. O pescador pantaneiro
construtor da canoa quase não erra na escolha da árvore a ser
extraída, porque ele sabe qual é a árvore certa. O seu
146
etnoconhecimento tradicional local é vasto em relação ao ambiente que
o cerca.
Ele se preocupa e tem o maior cuidado com a retirada da árvore.
A lua certa para o corte. A posição da queda. A maneira do corte para
favorecer o nascimento de outra ou outras árvores no local. E isso é
questão ambiental, pois a preocupação da Educação Ambiental é a
regeneração, devolver para a natureza o que dela extraiu. Ele
consegue realizar o manejo, o que parece ser difícil. Isso é explicável,
pois os índios, ribeirinhos, construtores da canoa, utilizam a retirada da
mesma árvore há milhares de anos, sem destruir o meio. Até hoje tem a
árvore apropriada para esse fim. E são árvores nativas que mais se
utiliza, como a Enterolobium Contortisiliquin (Vell) Morong, família
Mimosaceae, a popular chimbuva.
Na perspectiva do pesquisado, o maior culpado pela devastação
que contribui para o desaparecimento acelerado de muitas espécies de
árvores são os fazendeiros que com ganância e seus tratores munidos
de correntes detonam com inúmeras árvores ao mesmo tempo para o
plantio de soja, criação de gado dentre outros. Jogam pesticidas nos
pastos e estes com as chuvas correm em direção de rios, riachos,
lagoas, cachoeiras, enfim, favorecem o envenenamento e a destruição
da natureza mais rapidamente.
Essa cultura material, no caso, a canoa de um pau só tem um
significado muito grande para o pesquisado, pois é uma cultura
pantaneira e tem que ser preservada para as futuras gerações. Por
isso, não hesitou em participar neste processo. Pois, entendeu a
importância dessa cultura para todos e todas, principalmente para as
crianças, como seus netos. A canoa tem tanto valor para o transporte,
atividade rotineira, como para a pesca e como dinâmica para o seu
trabalho, como também como fonte de renda. Pois, já construiu 15
(quinze) canoas e 01 (um) batelão, e se tivesse mais juventude e
saúde, construiria outras.
147
Assim, como nas diversas atividades do seu cotidiano, ele sabe
utilizar desse conhecimento e consegue se interagir com a natureza
mantendo sempre o equilíbrio. Isso não é fantástico?
Ele nos dá uma lição de educação ambiental. Além disso, a
relação do pesquisado (homem) versus ambiente versus saber (canoa),
está intimamente ligada nesse contexto étnico, o homem artesão com o
seu saber popular da canoa, do conhecimento da mata, do tempo, do
clima, todo esse conhecimento étnico são os indicadores que
oportunizam a ação pedagógica para que a EA aconteça.
Ou seja, essa ligação da canoa que é um produto de uma árvore
que faz parte de um ambiente e de uma cultura, desde o conhecimento
da combinação dos materiais necessários para a pesca e para
navegação no seu cotidiano, o cuidado que se tem com a retirada
dessa árvore, revelam-se como indicadores para o favorecimento da
Educação Ambiental, principalmente, no âmbito escolar.
O desenvolvimento do pensamento matemático do pescador
pantaneiro está em todos os seus movimentos sociais, utiliza-se em
seus atos sempre da lógica, dos cálculos, das medidas necessárias
para construir a canoa.
No caso da etnomatemática, por exemplo, alguns críticos a
ela se referem como restrita ao campo lúdico. É claro que quando um
indivíduo busca um emprego, realiza um concurso público ou presta um
vestibular (muito embora, alguns processos seletivos estejam se
transformando e comecem a se preocupar com o aspecto cultural da
sociedade) ele será avaliado por seu conhecimento da matemática
clássica. No entanto, a educação é mais que uma transmissão de
instrumentos utilitários direcionados para o sucesso profissional; ela
deve valorizar a diversidade cultural e desenvolver a criatividade.
148
Assim, denominamos este capítulo de o ponto final dessa
caminhada como sendo somente o ponto final desta etapa, pois
pretendemos dar continuidade a esta pesquisa, principalmente, no que
se refere à revitalização da cultura pantaneira e a um debate
educacional sobre ocupação do currículo pelas práticas culturais locais
com evidência à importância de uma abordagem transdisciplinar à
construção de conhecimentos que possam integrar os programas de
educação escolar.
E é bom lembrar, uma educação que tenha o compromisso
para a construção da cidadania, exigente na prática educacional e
esteja voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e
responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental.
Portanto, visualizo como continuidade deste trabalho a
proposição de projetos educacionais que envolvam a etnobiologia e a
etnomatemática, como uma importante contribuição na reafirmação e,
em numerosos casos, na restauração da dignidade cultural das
crianças.
149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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ANEXOS
Glossário
Rasca: Movimento que o pescador pantaneiro faz em pé no meio de uma
canoa e lança a rede ou anzol para capturar o peixe e leva-lo para matar a
fome da família. Conhecimento genuinamente mato-grossense.
Rasqueado: Dança tradicional mato-grossense que tem seus movimentos
rápidos e harmoniosos que se deslizam nos salões das festas,
principalmente, dos ribeirinhos pantaneiros.
A enxó: Pequena enxada com lâmina de pedra, concha ou jade para entalhar
madeira foi o que permitiu esse avanço náutico. A enxó era considerada um
instrumento religioso e sagrado, sendo abençoado em rituais e venerado
pelas civilizações marítimas.
Prumo de mão: Instrumento utilizado para encontrar o equilíbrio.
Cipio: Instrumento para realizar o acabamento da canoa.
Aracuã: Ave pantaneira muito barulhenta.
Anhuma: Ave pantaneira mais barulhenta que a aracuã
Currussé: Dança típica da fronteira brasileira com a Bolívia.
Rebojo: Forma de redemoinho que se forma nas águas do rio.
Quilha: É o leme da canoa.
Bojo: É a curva da canoa.
Encaruncha: Criar brocas, estragar.
Trinca: Sinal de estragada a madeira.
Talhamento: Recortar o tronco para facilitar no processo de limpeza da
canoa.
Emborcar: Virar a canoa.
Rumbuda (dinha): Canoa louca, sem nível/direção/equilíbrio.
Traia: Material de pesca.
Tabão: Altura da popa e da proa.
Regina: Mesmo que resina.
156
Entrevista
A Entrevista: Joaquim Santana Da Silva
C = Celso: _ Quantos anos o Sr. tem seu Joaquim?
J.S = Joaquim Santana: _ Eu estou com 71 anos.
C.: _ 71?
C.: _ Quando o nasceu?
J.S.: _ Eu nasci em 33.
J. S.: _ É 1933...
C.:_ Que dia?
J.S.:_ 25 de julho
C.: _ O Senhor é cacerense? Filho de cacerense?
J.S.:_ Sim, cacerense e filho.
C.:_ O Senhor estudou?
J.S.:_ Eu nunca estudei, porque eu criei sem pai, sem mãe. Minha mãe morreu eu tava com
cinco meses, eu tava mamando ainda. Ela morreu assim de repente, ela tava sadia. Ela
sentou na rede pediu uma xícara de café. Escovou o dente, pediu a xícara de café, quando
ela acordou. Quando vieram com café para ela, ela tava acabando de morrer. eu fiquei,
meu pai morreu, eu fiquei. Trabalhava deis da idade de dez anos. Eu trabalhava ajudando
ele. Nóis mechia com moagem de cana bainhação. ele faleceu, eu fiquei com os
parentes. Morava com uma tia, aí com um ano a minha tinha morreu. eu fiquei nas casas
de parentes, ia com um, ia com outro... eu trabalhei aqui na cidade bem uns dois anos,
padeiro.Com os Castrillon mesmo. eu saí e fui trabalhar na fazenda. Fui aprender a
domar cavalo.
C.: _. Aí a paixão era essa né? Domar cavalo?
J.S.:_ A domar cavalo, trabalhei a vida inteira. Eu tomei conta de fazenda mais de
cinqüenta anos trabalhando no ramo. Aí eu casei.
C.: _ No Pantanal?
J.S.: _ Foi aqui mesmo, aqui no Pantanal. Dr. José Ricardo mesmo, eu da fazenda do
Potreiro 17 anos para ele. Morei 28 anos lá, eu que formei tudo aquele trem lá. Tudo quanto
é serviço que tem foi feito por esses braços aqui. O pai dele não tinha muita confiança
com a gente. Quando entrei lá, Sr. Ricardo estava estudando o primeiro ano. Eles eram tudo
criançada. Aí quando eles tavam de férias. Ele iam lá e ficavam lá o dia inteiro.depois foi
estuda para formar e eu trabalhava lá. Isso foi, trabalhava aqui. Nesse Pantanal, quatro
anos eu puxei um gado lá, eu vinha sozinho. Com a boiada de lá, eu e dois companheiro,
tinha vez deu chegar aqui, esse carrapatinho aqui tudo era deles. aqui quatro anos eu
puxei boi aqui, atravessava aqui na Baía comprida ali nos três Beco. Pra do Dáverom, ali
nóis passava com essa boiada em frente o córrego. Todo ano era esse trabalho para mim.
Ah... eu não tinha muito em que se falar não. As vez quando eu entrava uma hora dessa eu
tava do outro lado do campo mexendo com o Pantanal. Eu vinha saí de lá, tinha vez
oito horas da noite, sem comer, sem nada, eu sofri muito. Hoje a gente fica quieto, parado.
C.: _ O Sr. aposentou?
J.S.: _ Ah... eu aposentei, na época eu tava assim meio, e levei para ele assinar, que
ele assinou a minha carteira. O veio era assim meio descuidado e não pagou o INPS
para mim. quando foi na época deu aposentar...rapaz deu a maior zebra para mim. Mas
esse povo criou classe né, lutaram e me aposentaram. Minha aposentadoria ficou
muito bem feita.
C.: _ Aí o Sr. casou? Tem quantos filhos?
J. S.: _ Eu tenho cinco filhas e um filho que criei comigo. filha, agora filho eu não tive
sorte de criar nenhum. Depois de grande, tive um que faleceu. Morreu aqui mesmo no
hospital. Um morreu com seis anos, morreu com sarampo adoeceu todim, ele foi o único
que adoeceu, quando tinha seis dias que ele tinha adoecido faleceu. Deu pneumonia
157
nele, aí ele faleceu. Aí o outro morreu com onze anos, o caçula. Ah eu tinha um que eu criei
desde a hora que ele nasceu, a menina pegou ele. com vinte e quatro anos,
trabalhando na construção, pois ele para estuda. E ele é bom, é curioso, ele nunca
reprovou de ano, que ele abandonou o estudo dele, arrumou família né. Encontrou uma
mulher aí com casal de com filho.
C.: _ ele está bem?
J.S.: _ Tá bem. Tá trabalhando né. Agora ele ta trabalhando, ele fez curso na Cemat, só que
precisa de motorista, então ele deu entrada para fazer a carteira dele, parou o serviço,
tava sem trabalhar porque agora ele trabalha de pedreiro. Ta trabalhando na firma aqui na
Unemat. Levaram ele pra Sapezal outro dia. Ficou trabalhando mais de um mês com
empreiteiro. Agora ta aqui no campo da Unemat.
C.: _ Hein seu Joaquim, como o Sr. aprendeu a fazer canoa?
J.S.: _ Ah... meu povo tudo era fazedor de canoa. Essas terras do Barranco hoje é da
Serraria Cáceres, aquela parte ali perto do Cabaçar. Nós é que cuidava né? então
muito araputanga, eu não fazia canoa, eu ajudava ele.
C.: _ O pai do Sr.?
J.S: _ Meu pai não... o irmão dele era né? Esse era cuiabano. Aí meu o padrinho acabou de
me criar que era avô daquela Bastiana Cacerence. Esse era fazedor de canoa, a última
que eu fiz eu tava com ele ainda. Nós fizemos na Serra do Barranco, que nós é que
oiava a casa ali do Cabaçar. Eu aprendi com ele. Esse tempo não fazia canoa. Ele era
meu vizinho, então é por isso que ele jogou em cima de mim porque ele sabe desde eu
sou mais velho que ele. Ele com sessenta e pouco anos. É por esse que quando foram
fazer a pesquisa ele me chamou, ele conheceu tudo meu povo.
C. : _ Ah então é por isso!
J.S.: _ Todo meu povo pe fazedor de canoa.
C.:_ Ah. tinha que ser o Sr. porque eu tinha falado com Sr. Lourenço. Foi para
Cuiabá que tinha que ver logo. O Lourenço sabe fazer canoa?
J.S.: _ Não, o Lourenço eu não sei se sabe fazer canoa, eu conheço ele muitos anos,
desde o sogro dele, o sítio do sogro dele é divisa da fazenda do Ricardo.Então ele moremos
muito tempo vizinho junto né. Mas seu Lourenço nunca ouvi falar que ele faz canoa. Agora
que lê ta fazendo canoa de miniaturazinha.
C.: _ Não eu falo de Lourenço irmão da Sebastiana Cacerense.
S.J.: _ Ah... tá… esse é meu sobrinho.
C.: _ Lourenço Ferreira, ele faz canoa de artesanato, ele não sabe fazer canoa grande.
artesanato, porque eu ia fazer com ele. fiz com ele da pequena, eu tava
falando do Lourenço irmão da Sebastiana, porque ele ia fazer pra mim.
J.S.: _ Ah... já sei... eu pensei que era aquele Lourenço que faz artesanato.
C.: _ Não... eu já fiz com ele só do artesanato. E o Sr. sabe fazer da pequenininha?
J.S.: _ Ah... pois é, ele é marceneiro, ele aprendeu lá com o tio dele o Zé Neto né?
C.: _ Então eu to com a pessoa certa. Daí o Sr. aprendeu com seu padrinho? Não
parou mais de fazer canoa? O Sr. fez quantas canoas? O Sr. lembra?
J. S.: _ Eu fiz tanta canoa que não sei mais... a primeira foi dois que eu fiz com meu
padrinho, o que é avô do Lourenço, depois que mudei pra cá, eu fez muita canoa, eu
mesmo fez um batelão, eu sozinho com Deus, eu paguei um companheiro, mas esse tempo
eu tava forte ainda, eu fez uma batelão de onze metros de comprimento, ele tinha um metro
e dez centímetros de boca. Eu fiz pra mim vender, até vendi esse batelão aqui na Goiabeira,
um Sr. velho de idade.Naquele época eu aprendi com mucegueiro, ele tinha dezoito parmo
de roda, ele deu um metro e pouco de altura depois que tava derrubado. Eu durei vinte e
cinco dias fazendo esse batelão.Mas aquela época eu tinha fôlego pra trabalhar. Agora, hoje
não... esse problema depois que eu operei da úlcera eu fiquei mais fraco, não posso
trabalhar muito abaixado e a canoa ele obriga muito a gente porque o serviço é só abaixado.
Vai indo a gente cansa e o fôlego está muito curto, mas você puxa muito a canoa. A última
canoa que eu fiz ainda no Potreiro, até o Ricardo não via não, não sei se ele chegou de ver,
mas o Sr. Cláudio dos Castrillon, eu tirava cascalho lá, eu tinha um velho que via essa
canoa lá, nessa época eu não podia trabalhar porque eu tava operado de novo, operei
158
úlcera. Aí o rapaz tava louco para mim ir, para mim marcar a canoa. Bom, eu falei que posso
ir alinhar a canoa, porque a canoa tem muita ciência pra gente trabalhar com ele. O que não
pode é pular a linha, se pular a linha, uma dá defeito.
C.: _ O grande segredo ta na linha então?
J. S.: _ Ta.... o segredo ta na linha e quando o Sr. bateu a linha nele tem que ser aquele ali.
Ocê tem que trabalhar naquela linha, não pode ofender a linha.
J.S_ Ai ele tinha motocerra , ele pediu para mim , ai eu disse não vou fazer ai eu fui com ele.
Eu nunca tinha feito canoa daquele tipo de madeira, rapaz mas que madeira boa para fazer
canoa, mais deu uma canoa bonita.
C _ E que madeira era ?
J.S _ Ele é uma madeira que da no brejo, é ai no potreiro tem uma mais da um mundo de
canoona muito bonita.
C _ E ela ta lá ?
J.S Ela tá, tá do outro lado do rio, ela na fazenda Sóteca, o Sr. tem que falar com o
gerente, aquele ali é uma madeira, que nem aquele tal de Girimum, com o tempo amolece a
madeira né. Ela é uma madeira que na parmeia dá muito bem, ele dá uma casquinha só um
tantinho assim, no cerno mais é uma madeira dura para gente trabalhar com ele de
machado, porque ele é muito reverzado mais para o enxó ele é uma beleza, o enxó corta ele
que quando ele seco mesmo.Eu fiz uma canoa na mais boa mesmo ela dava para umas
quatro pessoas, mais ficou uma beleza de canoa essa foi a última canoa que eu fiz.. está
com 19 anos que eu fiz essa canoa.Aí eu arrumei um companheiro bom também um
pescador ele mora ali no nosso bairro, esse dia eu fui lá e falei com ele, ele disse não, se
você achar a madeira eu vou ajudar você fazer a canoa. Porque as vezes a gente meio
que bobia com a linha, faz muito tempo que a gente não faz né, não por dentro como
quem faz todo os dias, é que a gente meio caduco, então eu fui falar com ele, ele disse
não, quando o Sr arrumar a madeira nós vamos lá fazer. Porque sempre preciso de mais de
dois companheiro, porque um não tem como, tem que puxar a linha bater né? É tem que
ter.Eu tenho um cunhado meu também é bom pra fazer, ele fez uma canoinha na Vila
Aparecida
C _ É fácil perguntar pra ele se ele pode ajudar o Sr. então?
J.S_ È fácil perguntar para ele é bom que ele tem as ferramentas ele também mora aqui na
cidade
C _ O Sr é que vê, se o Sr. precisar de mais gente mais de um, a gente vai mais
rápido.
J.S_ É, a gente precisa mais é de um moto-serra, tendo o moto-serra a gente faz mais
rápido.
C _ Mais tem como emprestar esse moto-serra ou aluga de alguém?
J.S Olha, eu não sei lá para o centro da cidade, aqui tem um rapaz gente do seu Creudis me
disse que o moto-serra está aqui no sítio dele.
C _ Então ele podia alugar para nós, ele não aluga?
J.S_ A gente tem que conversar com ele.
C _ Vê com ele quanto que ele cobra ,será que ele vai cobrar o que? Só a gasolina?
J.S _ É ele é meio sistemático com as coisas dele.
C _ Mais o Sr sabe mexer com o moto-serra?
J.S _ É eu já lidei com moto-serra.
C _ É mais com o Sr. não vai ter problema?
J.S _ Daí também para cortar com o moto-serra tem que ter ciência se descer ele assim a
ponta corta muito e as vezes ele ofende a linha, então tem que cortar meio arisco.
C _ O Sr fala como, quando cortar a árvore? Não para cortar depois de cortado?
J.S _ É porque ele ajuda, vai mais rápido que o machado. E agora cortar no machado tem
que cortar de um lado, porque a maneira para cortar canoa tem que falar boca de lobo cortar
assim com um taio no meio, que é para ele não dar aquele estalo.
C _ Esse é na proa?
J.S _ Não na proa não tem problema, na proa pode.
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C _ Pois é então o problema é esse, parece que ele tá com ciúme da madeira, o que eu
tou achando difícil é a madeira, e também é difícil achar quem faz, a gente acha
muitas pessoas que querem fazer, mas tem uma série de coisas que nos impede de
fazer, mas tem o Sr. que sabe fazer. A gente precisa registrar isso, esse saber,
então eu quero é acompanhar todos os passos, os movimentos, que a gente vai
registrar isso, sabe eu quero que isso fique registrado para outras futuras gerações.
Ah! Alguém vai querer saber como que fazia canoa. Mesmo que ninguém faça mais,
mas vai ficar registrado, todos os espaços, essa linha, tudo isso que o Sr. falou eu
vou querer registrar. Eu vou fotografar, eu vou gravar, vou escrever.
J.S _ É como aquele dia é que nóis fizemos a permissão lá, o Zé falou eu não vou porque os
homens não licença, não é que não da licença sim, depende dele saber como é que
vai fazer com a madeira, como ele explicou esses dias, esses dias eu ouvi ele falando com o
Ambrosio, esse rapaz que eu falei que fez canoa agora pouco tempo, ele foi no IBAMA e
tirou licença, falou não... oceis pode fazer a canoa no meio do Pantanal oceis pode fazer
canoinha pequeno, agora madeira grande, canoa de motor aí é barco né? Aí é barco, mais o
canoinha pequeno é esse que a gente fala desintera família, esse aí pode fazer lá a
vontade, é uma madeirinha que não vai dar preocupação pra ninguém, não vai fazer a deus
dará, vai fazer uma, duas e ele dura aí o Sr. pode fazer, eu tirei licença para fazer uma.
C _ Ah, o Sr já tem uma?
J.S _ Não eu ia tirar nessa fazenda, tem madeira boa, Cambará bonito, tem esse seu
Tadeu da ponte, tem muito tempo que ele vem me perseguindo para mim fazer uma
canoa para ele, mais ele é muito enrolado para pagar a gente, e a canoa trabalho, pra
gente fazer não é fácil, esses dias mesmo eu estive na inauguração da ponte lá, ele falou,
mais vamos fazer a canoa, eu falei com o João né, então ele falou com o gerente da
Sóteca acho que cederam a madeira para ele porque falaram dessa madeira que tinha
aí.Ele falou ocê faz para mim e faz outra para você, mais eu pensei para que eu quero
canoa né, para mim deixar aqui na cidade eu não quero para roubar, então não me
interessava mais canoa porque eu não vou viver mais de pescaria, trabalho aqui, só é eu e a
mulher.
C _ O sr já viveu disso né?
J.S _ Eu vivi, então se for pra fazer eu faço, que depende do salário, eu falei tem
que pedir autorização para o dono da madeira da terra, para tudo tem que ter isso né? O
dono da terra já autorizou para cortar aquela madeira, esse é o que ele exige né, agora o Sr.
vai cortar madeira dentro de uma terra alheio o IBAMA chega e estranha mesmo com a
pessoa, falam ocê roubando madeira aqui, é isso que o fica com medo, ele diz que
fez sem, eu infrigi também.Derrubei a mata aqui no pai do Ricardo ele pediu uma
autorização para derrubar uma terra para fazer uma roça de trinta hectares, viemos,
tiramos a autorização, fomos né, até que um dia que fechou a pescaria polícia desceu
lá.Desceu com o maior desaforo com a gente, passou do lado da casa eu tava dando milho
as galinhas, desceram foram no porto depois voltaram parou e ficaram conversando
comigo. O Sr tem muita galinha aí. E depois perguntaram, e os pescadores?... eu falei, o
pescador aqui ele tem autorização do IBAMA para pescar aqui, para ele pegar o peixe aqui
no porto, mais aqui não tem pescado porque eu não deixo eu não aceito, pescador eu vi um
mais tava acampado pra onde oceis deve ir e não caçar pescador aqui no porto da
fazenda, porque aqui no porto da fazenda o dono tem autorização do chefe seus, aí eu fui
e peguei autorização e mostrei pra eles, aí eles ficaram sem graça , oceis deve pegar eles lá
na mata e outra coisa, porque oceis desceram aqui sem minha autorização, não me pediram
nada para descerem aqui no porto falei aqui, é do dono da fazenda, porque aqui eu cuido a
mesma coisa que oceis cuida e talvez eu cuido mais que oceis, porque aqui na fazenda eu
não aceito baderna na beira do rio de jeito nenhum, ficaram meio assim. A polícia tem
algum deles que cumpri a ordem mais muitos deles passam por cima né, quer passar por
cima né, mais aí eu dei uma chaqualhada neles, nunca eles passaram para me investigar
eu mostrei autoridade. Eu olhava, eu cuidava, não é que aqui eu não aceito do jeito que ele
pede para eu cuidar, eu cuido, eu cuidei muito, eu fui administrador de fazenda.Eu sei
tudo por aqui é lei, e não tem esse negócio de bacana não, aqui não tem nada escondido,
160
eu não aceito nada escondido aqui, e se ele vem com alguma coisa escondido eu tiro ele
fora mesmo, porque depois quem vai cair na rede sou eu. Eu que sou o tomador de conta
da fazenda, eu que não vou ficar aí, porque a gente não pode passar por cima da lei né?
C _ Então que bom, o que eu percebo é um pouco de ciúme da madeira, que ele falou
que não era para a gente ir ver hoje de manhã, aí ela vai falar com ele porque não é ela
que manda, é o que manda para ver essa autorização para pesquisa, eu disse para
Solange que era para a pesquisa. É uma canoa só, precisa registrar se quiser vender
eu compro, vou pagar Sr. Joaquim para fazer, mas eu preciso da madeira. Então como
eles são ligados com educação e a pesquisa pode ser que o Zé autoriza, ela falou que
se fosse por ela tinha autorizado, mas o problema que ela falou que o dono é o Zé.
Outra coisa, também vai depender do dia, então por isso que o quer ver porque do
dia quinze em diante, ele quer passar uns quinze dias isolado sem ninguém, ele
quer plantar, ele quer descansar, então a gente tem que vir antes dele fazer, antes
dele vir então tem que ser assim rápido. Por isso que eu falei que é hoje, vamos lá e aí
o Sr. se certo, verifica e se der certo dele autorizar a gente, começa ajeitar
todos os apetrechos, então ele sabe quem é o Sr...mas a gente não pode deixar
morrer essa cultura.
J.S _ Pois é, aí tem muita gente que sabe fazer canoa.
C _ Pois é tava na maior dificuldade ainda bem que eu encontrei o Sr., para o Sr vê, eu
fui no seu achando que ia ser ele, falou do Sr., tinha que ser o Sr. mesmo. Então
lá onde nós vamos passa o rio Paraguai ?
J.S _ Passa.
C _ Então vai dar certinho porque é na margem do rio Paraguai.
Esta entrevista ocorreu no dia 02/12/2004, 8h às 12h.
Continuação da entrevista
C – O Senhor conhece quem faz canoas?
JS tem muita gente que sabe fazer canoa, então agora na época da pesca. Uma
semana atrás apareceu um rapaz procurando canoa. Eu sei que no Cabaçal tem
gente que sabe fazer, aqui também, mais poucos têm coragem. Muitas pessoas
procuram a canoa para fazer apresentação principalmente para os turistas. Têm
muitos que tem medo de fazer, eu não tenho o que eu sei eu sei aprendi naquela
época e não tenho medo de fazer como muitos.
C – que bom que encontrei o senhor vamos fazer a canoa?
JS vamos, mas temos que achar a madeira, no Potreiro eu sei onde tem uma
árvore fica na beira do rio, se ela não morreu está num tamanho bom, uns cinco
metros e meio mais o menos, chama cambarazinho, agora, quando a gente tira uma
árvore do lugar a gente planta outra da mesma espécie. perto do Iate também
tem cambará no fundo. Cambará é uma árvore bonita e uma canoa muito
bonita e dura muito. Eu fiz uma aqui para o pai de Ambrósio, ela ficou uma canoa
bonita todo mundo namorava essa canoa, fui pescar com ela no rio, todo mundo
queria comprar ela, mas já estava vendida.
C – O senhor conhece algumas plantas que são remédios?
JS a gente conhece, temos conhecimento sobre as cascas, raízes, folhas,
sementes, como por exemplo, a casca de açoita cavalo é muito bom para pedra nos
rins, põe na água para beber. Novateiro, a sua casca na água é bom para a
próstata. Eu sempre usei, tenho 71 anos e nunca tive problema de próstata, fui
operado de úlcera. Mais desde jovem que eu uso o novateiro.
161
C Seu Joaquim a minha avó também é raizeira, ela conhece muitas plantas e
ervas, hoje ela está com a vista curta, não enxerga mais, mas antigamente
dava gosto de entrar no mato com ela, conhecia a maioria das ervas.
JS Isso é bom, para qualquer problema de estomago, é pegar folha de
mamoeiro aquela que está amarelando esta para cair, pega e faz chá pode ser de
qualquer mamão, deve beber em jejum, mas rapaz, é bom. A seiva de jatobá é bom
para quem fuma. Quem fuma sente dor na garganta, peito, é por um pouquinho
de mel junto com a seiva e um pouco de água, não pode beber a seiva pura, é muito
forte. O melado da cana também é bom.
C – O Senhor nunca estudou?
JS – Não, só uma vez que tentei, mas a professora já queria que eu escrevesse sem
conhecer as letras, desisti, mas ano que vem eu quero estudar, vou aproveitar e
fazer esta canoa antes que a minha mulher opera da perna e depois eu vou fazer
duas canoas para ficar de lembrança. Daqui algum tempo não vou poder fazer mais
canoa, estou mais velho e não poderei mais fazer. Às vezes eu volto aqui em
Potreiro para pescar, eu nasci e criei na beira do rio aqui no Cabaçal e eu era o
maior canoeiro que tinha por lá, eu andava qualquer hora da noite e ando até hoje,
antes não tinha condução para vir para a cidade a não ser de canoa ou a cavalo.
Também tinha o carro de boi. Hoje está acabando tudo.
C – Quando vamos começar a construção da canoa?
JS – vamos começar a fazer hoje, pois amanhã eu não posso, com dois dias a gente
afina ela e tira o miolo e traz para cidade. Vou medir com o cipó de imbê no tronco
da árvore e com palmos que 12 palmos de grossura e depois nós vamos cortar
ela e descobrimos a largura dela. Vou medir aqui e dobrar para achar a largura
da boca da canoa como que vai dar mais ou menos 66 centímetros de boca. Vai dar
uma canoa muito boa não vai ficar muito pequena essa árvore de Chimbuva tem
mais ou menos 40 anos e uns 10 a 15 metros de altura.
C – Como o senhor sabe que ai da uma canoa?
JS Pela grossura e altura dela a gente sabe né. Vamos cortar ela aqui a gente vai
ter que fazer a boca de lobo daqui naquele espaço ele vai dar quase 8m aaqui.
Aquela parte dos galhos vai servir de estiva para a árvore cair em cima da estiva.
Pois na hora que tombar não terá problema, pois cai em cima da estiva. Agora estou
com medo desses cupins, acho que vamos ter que remendar. A chimbuva é uma
madeira bonita e na beira do rio tem uma bem menor que esta, mas esta está
mais fácil para transportar ela depois, fica muito difícil. E aqui não tem muito
mosquito e tem muito. Vamos fazer com esta mesmo, ela vai dar quase 70 cm de
boca, e deu uns 80cm de um canto no outro tirando a casca. 80 cm de
madeira, agora o cerne tem duas espessuras. Depois de pronta ela vai ficar bem
levinha, quero fazer ela bem lizinha, depois envernizar.
C – Então vai derrubar esta mesma?
JS Sim, seu Raul pode cortar aqui e depois no outro canto dela lá. Acho que tem
que pegar mais óleo, pois é grossa demais e vai gastar muito óleo. Quase um
tanque de combustível. Enquanto vocês vão buscar eu vou cascando aqui com
machado para botar a régua porque aqui não pode acertar com a motoserra. Tem
que acertar no machado. vou botar a régua assim porque aqui não pode acertar
na motoserra tem que acertar no machado, este aqui para colocar e deixar no
jeito. Aí em casco ele e deixo secar pra mim bater, porque senão eu deixar ele assim
ele cria uma regina, se não tampa ele esses dias que ele vai ficar sem fazer,
ele estando seco você bateu a linha ali ele segura eu casco ele aqui e não
vai ficar igual aqui tem mais madeira do que aquele lado pra poder pegar o tronco
162
Daquele lado, por exemplo se fosse aqui que tem 84 cm por 43 cm pra achar o
centro que igual a 42 cm é o prumo esse aqui você faz a canoa e tem que ficar
retinho conforme essa medida do prumo ta certo, se fosse a medida certa.
C – O Senhor já acha o nível, isso?
JS aqui seria o nível, depois faz o arrazamento da boca, então daí feito certinho a
canoa fica firme, se não fizer isso a canoa emborca fica de boca pra cima é que
está o segredo da canoa. Depois aqui, tira a altura da fundura que é 63 cm faz a
canoa, o prumo é sempre no meio da canoa se fizer do lado errado, esse daqui
vem a linha de lá, pois, o que fizer aqui faz também, que passa a linha aqui do
prumo que vai bater outra linha. Essa daí é do meio, prumo ou nível e ou centro e as
duas de lado são do bojo, aqui é o centro da canoa, a linha mestra, se essa sair torta
a canoa sai torta, porque as linhas de marceneiro esses fazem aqueles nós diferente
que a linha do marceneiro da canoa, linha de canoa, se a gente não entende não
consegue fazer a canoa, se fizer ela não navega.
C – É Seu Joaquim?
JS é, pois aqui vai pegar outra cinco linhas, aqui vai outra linha, aqui mede 2 cm
pra fazer o levantamento da canoa, porque a linha tem que ficar do jeito da canoa,
porque se fizer o levantamento pra baixo, dá problema. Porque esta é pra ficar
assim e a altura daqui, que é chamada tabão, ela vai chegar nessa linha que vai
encontrar com aquele do banco. A linha vem direto nessa daqui, daí do banco da
proa da saída do levantamento da popa. É nesta altura que é pra fazer a canoa. Se
não fizer isso certo, ela fica louca. Aqui vou marcar sei que tenho que resolver
esse defeito. Desde lado vai ser a proa já vai ser outra medida que deu 63 cm por 25
cm, agora estou medindo pra achar o centro o centro que é 31,5 cm, o segredo da
canoa é esse aí, achar essa medida certa, porque se não colocar no prumo a canoa
fica torta. Agora vamos achar a altura do fundo 23 cm. Fazendo isso, depois é
bater a linha e talhar. A motoserra que vai ajudar a cortar aqui pra mim, aí eu vou
tirar todas esta camada e jogar fora, está estragada, e depois bater a linha de trás.
Porque com a motoserra vai ficar ruim, assim, eu vou tirar no machado conforme a
grossura que sai a largura da canoa. Seu Raul tem que ter o cuidado na hora de
passar a motoserra pra não pegar a beira da canoa, tem que chegar a3 cm da
beira, se a motoserra chegar até aqui dá errado, defeito. Eu quero que ele
faça isso pra ficar mais fácil pra mim depois no machado e enxó.
C- Mais alguma coisa Seu Joaquim? O Senhor gostaria de falar mais?
JS o uso da motoserra é pra facilitar pra mim, se fosse fazer no machado
trabalho de um dia e meio. Pois veja bem, se eu tivesse no machado como
antigamente, estava ainda muito longe, agora que eu estava derrubando a árvore.
Olha esta é uma madeira larga, depende da cintura dele, a canoa quem manda é
o bojo, essa canoa que muitos fazem com fundo de caixão essa é perigosa. Agora
deste tipo que faço bato a linha do lado do tabão, daqui do centro sai uma linha e
encontra com a outra do outro lado e vai pegar certo na beira da canoa, aí vou
tirando e bolando pra que ela ficar bojada, sem esse bojo ela estorva na água, ela
assim rapaz você pisa assim e ela emborca mesmo.
C – E o tamanho da canoa ela influencia na navegabilidade?
JS Uma canoa pequena, ela anda pra toda parte, mas tem que saber fazer ela,o
tamanho mínimo seria de 4m, canoa menor que essa medida problema, maior
é só saber fazer ela certa que tudo bem.
C assim Seu Joaquim continua a construção da canoa pantaneira:
arrazamento, cavoucação, desempenação, limpeza e cipio.
163
Paisagens Inesquecíveis
À pantaneira que nasceu às margens do Rio Jauru,
afluente do Rio Paraguai, conhecedora da cultura local
e de uma grande sabedoria, nunca freqüentou escola,
que sempre me proporcionou contato com rio e canoa,
o que mais me fascinava era poder deslizar pelas
águas mágicas do rio Paraguai, principalmente, quando
no período de férias escolares, navegava, sem
compromisso, com o meu saudoso tio Irineu Penha
Mendes, que muito me ensinou e me sensibilizou pelas
maravilhas e riqueza do nosso Pantanal, pois ele era
apaixonado pelo mesmo, residia às margens do Rio
Sepotuba, outro afluente do majestoso rio Paraguai.
Ficava maravilhado com a beleza das paisagens que ia atravessando. Não me fartava de
admirar as margens do rio, a calmaria da superfície das águas, os cânticos dos diversos
pássaros, tudo colaborava para mergulhar-me a alma em doce alegria. Quando o sol se ia,
no mais belo crepúsculo, nos matizes carmim, o espetáculo da natureza mudava: erguia a
encantadora lua, e o seu suave clarão vinha dar mais formosura àquela noite serena e bela,
onde as árvores frondosas entrelaçavam os ramos e formavam cenários encantadores a
qualquer viajante, e naquela claridade condizente com o silêncio, que o bater dos remos,
eu na proa e ele na popa, e a canoa cheia de mantimentos no equilíbrio de uma polegada
na borda da canoa para a entrada da água, e sob a orquestra das aves noturnas: marreca,
quero-quero, coruja e outras, colaboravam com a nossa feliz viagem, que no amanhecer
éramos surpreendidos pelos escandalosos pássaros cantores como o aracuã e a anhuma,
que saudades!
A VOCÊS:
Feliciana da Cruz Silva
minha mãe
por sempre estar ao meu lado
e
acreditar na minha capacidade intelectual de elaboração deste trabalho
Nelson Catarino da Silva
meu padastro, mais que pai...
que também esteve presente
Leonardo Lincoln Silva Campos, Émile Silva Campos, Isabele Letícia da Cruz Silva,
Rodrigo Monteiro Victoriano, Rogério Monteiro Victoriano,
Brunno Fernandes Loureiro Victoriano e Luis Fernando da Gama Victoriano Monteiro.
Meus queridos sobrinhos queridos!
Kenny Hellen da Cruz Silva, Edson da Cruz Silva, Fábio José da Cruz Silva,
Fabiane Cristina da Cruz Silva
Eliete Mendes Duarte
Vera Lúcia Victoriano
Luis Carlos Victoriano
Maria Antonia Victoriano
Outros que não conheço
Meus adoráveis e queridos IRMÃOS!
Enfim, a todos os meus familiares e amigos que são tantos.
Foto: VICTORIANO, C, 2005.
164
Documentos
Autorização do IBAMA
165
Compra das mudas na EMPAER
NF
166
Termo de Doação à EAFC
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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