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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
AGRICULTURA “CAIFICADA” NO SUDOESTE DE GOIÁS:
do bônus econômico ao ônus sócio-ambiental
Dinalva Donizete Ribeiro
Niterói (RJ)
2005
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AGRICULTURA “CAIFICADA” NO SUDOESTE DE
GOIÁS: do bônus econômico ao ônus sócio-ambiental
Dinalva Donizete Ribeiro
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia do Instituto de
Geociências da Universidade Federal
Fluminense, Niterói (RJ), como requisito à
obtenção do título de doutor em Geografia.
Área de Concentração: Ordenamento Territorial.
Linha de Pesquisa: Ordenamento Territorial
Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Jacob Binsztok.
Niterói (RJ)
2005
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R484 Ribeiro, Dinalva Donizete
Agricultura “caificada” no Sudoeste de Goiás: do bônus
econômico ao ônus sócio-ambiental./Dinalva Donizete
Ribeiro. -- Niterói : s.n., 2005.
262 p.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2005.
1.Agricultura – aspecto econômico. 2.Agricultura – aspec
to ambiental 3.Complexos agroindustriais. I.Titulo.
CDD 630.98173
COMISSÃO EXAMINADORA
Presidente e Orientador: ...........................................................
Prof. Dr. Jacob Binsztok
2º. Examinador: ..............................................................................
Prof. Dr. Carlos Alberto Franco da Silva
3º. Examinador: ...............................................................................
Prof
a
. Dr
a
. Júlia Adão Bernardes
4º. Examinador: ...............................................................................
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça
5º. Examinador: ................................................................
Prof. Dr. Ruy Moreira
.................................................................
Dinalva Donizete Ribeiro
Niterói, 15 de dezembro de 2005.
Vejo na capacidade de entender a teia da vida, de ter discernimento e de
amar, o episódio mais importante e necessário à harmonia e à alegria.
Este privilégio não vem por si só, tampouco vem de repente. P’ra mim, ele só
veio pois conduzido por um fio muito sutil e sublime, que é a base da minha
formação pessoal e existencial.
Na realidade, esse fio é um feixe... E, tudo que de mim parte compartilho
com ele, que é composto pelos seres mais esplêndidos que tenho a regalia de
conhecer e conviver: Sr. Jair Coelho de Mesquita, Sr
a
. Maria da Luz Ribeiro de
Mesquita, Terezinha Aparecida de Mesquita, Regina Ribeiro de Mesquita, Nicole
Ribeiro de Mesquita Borges, Cláudia [Cacau] Pires de Mesquita.
Feixe este que só pôde se formar com tal coesão, devido a um outro,
precursor, cuja origem está nos Senhores e Senhoras (in memorian): Américo
Ribeiro Borges e Rosamira Marciano Rosa, e Virmondes Cornélio de Mesquita e
Maria Coelho Borges.
Todos eles, Homens, Mulheres e Crianças, verdadeiros doutores que, com
suas origens e cultura rural, fundamentadas na honestidade, no respeito e na ética,
me formaram para a vida.
A todos dedico...
AGRADECIMENTOS
O trabalho ora apresentado é fruto de trocas diversas, que ocorreram ao
longo dos últimos anos, de maneira formal e informal. Por isso, na verdade este
deveria conter a rubrica de tantos outros co-autores. A esses apresento a minha
estima e os meus mais sinceros agradecimentos.
Dentre eles agradeço nominalmente:
A todos que contribuíram com informações e dados, agradeço por meio de
Lívia Leite (SEMARH - Goiânia), Marilaque Barros da Silva (Secretaria de Ação e
Promoção Social - Rio Verde/GO) e Deuzeni Peres Assis (SINE – Jataí/GO).
Estas foram pessoas que, assim como as demais, tiveram muita disposição em
receber as solicitações e organizar e disponibilizar o material solicitado.
Aos que participaram na construção do trabalho, junto comigo em trabalhos
de campo, revisão, elaboração de material gráfico, coleta de dados e imagens.
São amigos que se dispuseram a contribuir, por generosidade e camaradagem:
Cláudia Graça (Trabalhandoarte), Nágela Melo, Lucimar Görgen, Adriano Oliveira,
Adriana Olívia, Leonardo Furtado de Freitas, Iza Carla. À Alessandra Cavalli por
informações agronômicas preciosas.
À professora Zilda de Fátima Mariano, à Cláudia Adriana Görgen e a
Maikon Eduardo Mantelli, pela disponibilização de fotografias.
Ao Lazinho (LF Produções), ao Cecílio (Papelaria Vila Rica) e ao Narciso
(TecnoCom Informática), pelo auxílio técnico nas etapas de impressão e de
confecção de cópias.
À Ibrantina Maria dos Santos (Branca) que gentil e serenamente realizou a
revisão gramatical do texto aqui apresentado.
Aos professores do curso de Geografia do Campus da UFG em Jataí-GO,
por terem criado as condições para que eu fizesse o curso de doutorado. Em
especial à professora Lucimar Görgen, que contribuiu com incontáveis
informações.
Ao professor Dr. Jacob Binsztok, orientador tranqüilo e respeitador das
minhas idéias, cuja inteligência e brilhantismo contribuíram sobremaneira para a
realização do trabalho. A este meu respeito sincero!
Aos professores Carlos Enrique Guanziroli, Carlos Alberto Franco da Silva e
Ruy Moreira que estiveram presentes em bancas anteriores (qualificação e
colóquios) e, com sábias ponderações, contribuíram para o crescimento reflexivo e
intelectual. Ainda, ao professor Ruy pelo bom senso e serenidade no conduzir das
coisas.
Aos colegas, professores e funcionários do Programa de Pós-graduação
em Geografia – Instituto de Geociências/ UFF.
Aos colegas do curso de pós-graduação que se tornaram amigos: Amélia e
Flávio; aos que já eram amigos, cuja amizade se reforçou: Viviane, Gilmar, Sandro
e Bira, este que, com carinho incomensurável, zelou de toda a minha trajetória
pelo curso.
Ao Mestre e Amigo professor Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça, um dos
pilares da minha formação acadêmica, política e pessoal, cuja amizade e
proximidade foi reforçada, paradoxalmente, em momentos de ausência e de
distância física.
À família Fontes Graça: Sr. Rubens, Sr
a
. Célia, Cláudia, Diego e Luíza, que
me acolheu de forma afetuosa, viabilizando minha estadia no Rio de Janeiro e em
Niterói. Sem os mesmos, certamente, o curso de doutorado teria sido mais
penoso. Verdadeiramente, os agradeço!
Ao meu Pai, à minha Mãe, à Têra, à Rege, à Nicole e à Cacau, que zelam
da saúde e da harmonia da nossa família e da nossa casa, me liberando, dessa
forma, para que eu possa me empenhar em outras tarefas, dentre elas o curso de
doutorado. À minha Mãe, em especial, que bravamente lutou por se manter viva,
garantindo, dessa forma, a minha alegria de tê-la Mãe! Ao meu Pai, em especial,
com um amor tão grande, que mal cabe no peito!
Aos novos queridos que surgiram com a minha passagem pelo Rio de
Janeiro e por Niterói: Albita, Luciana, Daniela, Yasmin, Flávia, Chico e Dácio.
De forma muito especial, agradeço à Cláudia Graça, cujo encontro se deu
de forma inusitada, mas que, de forma muito rápida, se tornou um Ser
fundamental na minha existência. Agradeço pela acolhida, carinho, amizade,
idéias, risos, leveza, poesias e pães. “... O encontro é lindo por ser simplesmente
encontro” (Taiguara).
Por fim, agradeço ao sol e às águas frias e caudalosas das cachoeiras do
Cerrado, onde a paisagem forte, cheirosa, vezes colorida, vezes acinzentada, me
inspira à vida!
“Cada vez tem-se gastado mais para
comer-se menos e pior”
(R. C. Aguiar).
RESUMO
O presente trabalho trata da agricultura industrialmente integrada do
Sudoeste de Goiás; agricultura que aqui chamamos de “caificada”, por compor
com os CAI’s (complexos agroindustriais). Partindo da hipótese de que o
crescimento econômico gerado por esta agricultura não é acompanhado de um
processo de desenvolvimento, a pesquisa foi realizada com o objetivo de
demonstrar que a mesma é geradora de riquezas e condutora do crescimento
econômico regional, porém, que isso se dá às custas da expropriação, da
exploração, da exclusão, da segregação e do comprometimento dos recursos
naturais. Por isso, o modelo de exploração agrícola em vigor na região é tratado
aqui como insustentável, vez que além de não representar desenvolvimento
(apenas crescimento), é uma grave ameaça aos recursos naturais, isto é, à saúde
da natureza, incluindo-se aí a saúde humana. A pesquisa e a vivência cotidiana
revelam que há uma contradição, denotando a incompatibilidade entre os índices
de crescimento econômico e os índices de desenvolvimento social. Nos
municípios sudoestinos maiores produtores de grãos, podem ser verificadas a
pobreza e a miséria, contrastando com o luxo e a imponência. O bônus econômico
gerado pela agricultura “caificada” é privilégio de poucos, sendo que à maioria
resta o ônus social e ambiental decorrente da prática agrícola ali desenvolvida.
ABSTRACT
This paper focus on the industrially integrated agriculture from the southeast
of Goiás. This kind of agriculture is locally called “caificada”, adjective derived from
CAIs (“Complexos Agroindustriais” – Agroindustrial Complexes). Based on the
hypotheses that the economic growth generated by this kind of agriculture does not
come with a development process, this research was carried out with the aim of
demonstrating that this very type of agriculture is a generater of wealth and a
booster of the regional economic growth, but that happens at a cost in
expropriation, exploitation, exclusion, segregation, and damage to natural
resources. Therefore, the current agricultural exploration model in the region is
dealt with here as unbearable, due to the fact that, beside not representing
development (only growth), it also means a serious threat to natural resources, that
is, to nature health including human health. The research and daily life reveal that
there is a contradiction, denotating the incompatibility between the econimic growth
indexes and the social development indexes. In the larger grain-producer
southeast counties, one might verify poverty and misery contrasting with luxury and
magnificence. The economic bonus generated by the “caificada” agriculture is a
privilege of an elite, costing to the majority of the population the social and
environmental price originated from the agricultural practice developed there.
COMISSÃO EXAMINADORA ...................................................................
DEDICATÓRIA .…………….......................................................................
AGRADECIMENTOS …………..................................................................
EPÍGRAFE ................................................................................................
RESUMO ………………….........................................................................
ABSTRACT ..……………………….............................................................
ÍNDICE DE FIGURAS ...............................................................................
ÍNDICE DE GRÁFICOS ............................................................................
iii
iv
v
viii
ix
x
xvi
xix
ÍNDICE DE QUADROS ............................................................................. xxii
ÍNDICE DE MAPAS .................................................................................. xxiv
LISTA DE SIGLAS .................................................................................... xxv
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ....................................................................................
28
1. FORMAS DE APROPRIAÇÃO DA AGRICULTURA E DA
ECONOMIA GOIANAS ........................................................................
35
1.1 Goiás: lócus para a acumulação do capital
.............................................. 36
1.1.1 A busca pelo crescimento horizontal e vertical ...........................................
39
1.2 O atraso como prerrogativa na elaboração do moderno.....
.............. 40
1.2.1 Atraso versus desenvolvimento desigual e combinado ............................
44
1.2.2 O determinismo étnico e ambiental e a ocupação dos Cerrados goianos ..
46
1.3 A idéia de um Goiás moderno: instalação do capital produtivo na
agricultura – os campos da revolução verde .....................................
1.3.1 Sudoeste de Goiás: atração para a agricultura mecanizada ......................
1.3.1.1 A gestação da nova elite regional ....................................................
51
54
56
1.4 Goiás: exploração agrícola com base na vocação de políticas
multilaterais ...............................
.................................................................
1.4.1 A financeirização da agricultura no Sudoeste de Goiás ……...…………….
1.5. Goiás em busca da não-especialização produtiva (?) ………....….....
58
60
62
2. O CENÁRIO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO SUDOESTE DE
GOIAS ..................................................................................................
68
2.1 Políticas agrícolas e agrárias
para a agricultura industrialmente
integrada ............................................................................................
2.2 Tecnologias de produção e “construção de solos” .............................
2.3 O uso da terra .....................................................................................
69
73
76
2.4 A pauta de produtos ............................................................................
2.5 Os elementos paisagísticos da agricultura regional ............................
2.6 Condição do produtor: o arrendatário capitalista como mais um
sujeito na exploração agrícola ...........................................................
2.6.1 O arrendamento enquanto estratégia de maior lucratividade .....................
2.6.2 O arrendamento enquanto estratégia de valorização da terra ....................
2.7 Imprevisibilidades da natureza e do mercado: crise regional .............
80
87
96
98
101
106
3. A INTEGRAÇÃO AGROINDUSTRIAL NO SUDOESTE DE GOIÁS ...
3.1 A articulação agricultura/indústria ......................................................
3.1.1 Sudoeste de Goiás: campo fértil para a integração industrial .....................
3.1.2 Atrativos regionais para a agroindústria ......................................................
3.1.3 O sistema de escoamento dos produtos agrícolas regionais .............
3.2 Instalação do Complexo Agroindustrial da Perdigão no Sudoeste de
Goiás ..................................................................................................
3.2.1 Projeto Buriti: Rio Verde-GO .......................................................................
3.2.1.1 Custos de produção do Complexo Buriti Perdigão Agroindustrial
S.A./ Rio Verde-GO ........................................................................
3.2.2 Projeto Araguaia: Mineiros-GO ...................................................................
3.3 Financiamentos via FCO para a Perdigão S.A. ..................................
109
109
113
118
122
129
131
134
151
153
4. A AGRICULTURA REGIONAL E O ÔNUS SOCIAL ........................... 157
4.1 Desenvolvimento agrícola e desenvolvimento rural ............................ 158
4.2 A agricultura contemporânea: sinônimo de riqueza e de
desenvolvimento (?) ...........................................................................
159
4.3 Crescimento econômico e desenvolvimento social ............................
4.3.1 Liderança na produção agropecuária versus aumento de problemas
sociais ........................................................................................................
4.3.1.1 Agricultores sem terra e Trabalhadores sem trabalho ..................
4.3.1.1.1 As promessas (não cumpridas) de trabalho e de riqueza
4.3.1.1.2 A atração de mão-de-obra e o trabalho bóia-fria .............
4.3.1.1.3 A procura e a oferta de empregos em Rio Verde e Jataí
(GO) .............................................................................
4.3.1.2 O aumento da violência em Rio Verde e Jataí (GO) .....................
160
163
164
165
167
173
175
4.3.1.3 Aumento da população urbana: deficiência infra-estrutural e
segregação espacial .......................................................................
4.4 Paradoxo: o luxo e a miséria dividem espaço .....................................
4.4.1 Fatos e imagens da segregação no município de Jataí-GO .......................
4.4.2 Para a periferia e sua população resta o ônus ...........................................
4.5 Migração e a organização econômica e espacial para os “de fora” ....
178
182
184
190
192
5. O USO AGRÍCOLA DOS CERRADOS: especificidades do Sudoeste
de Goiás ...............................................................................................
196
5.1 Da agricultura que degrada à agricultura que enobrece ..................... 196
5.2 Agricultura e (in)sustentabilidade ambiental
...................................... 198
5.2.1 “Solução de mercado” e “solução ecológica” ..............................................
201
5.2.2 A socialização do ônus ambiental ...............................................................
5.2.3 Usos e abusos do discurso de sustentabilidade .........................................
203
204
5.3 A (in)sustentabilidade ambiental da monocultura em áreas de
Cerrado ..............................................................................................
207
5.3.1 Proposições e controvérsias sobre a preservação dos Cerrados ................
211
5.4 Propósitos de reafirmação da agricultura patronal, monocultora, nos
Cerrados ............................................................................................
5.4.1 Agricultura familiar: possibilidades e dificuldades apontadas........................
5.4.2 Pequena produção: possibilidades e dificuldades apontadas .......................
5.5 O uso da terra no Sudoeste de Goiás e a vulnerabilidade ambiental
5.5.1 Desmatamento e perda de biomassa ............................................................
5.5.1.1 Desmatamento: comprometimento da biodiversidade, das águas e
problema de saúde pública .............................................................
5.5.2 O indevido uso agrícola dos solos areno-quartzosos ....................................
5.5.3 A prática do plantio direto ..............................................................................
5.5.4 Insuficiência das estratégias de produção conjugadas à preservação dos
recursos ..........................................................................................................
213
219
222
226
231
236
238
240
245
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................
248
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 253
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 01 - Plantação de soja (Aporé – GO) ......................... 87
FIGURA 02 - Plantação de girassol (Chapadão do Céu – GO) 87
FIGURA 03 - Plantação de sorgo (Jataí - GO) ......................... 88
FIGURA 04
FIGURA 05
FIGURA 06
FIGURA 07
FIGURA 08
FIGURA 09
- Plantação de sorgo, com árvore de cerrado ao
fundo (Jataí - GO) .................................................
- Plantação de milho, com árvore de cerrado ao
fundo (Jataí – GO) ...............................................
- Vista panorâmica de galpão reluzindo sob o sol
(Jataí – GO) ..........................................................
- Galpão de máquinas – plantação de sorgo ao
fundo (Jataí - GO) .................................................
- Silo graneleiro “ARGEPAZ” (Jataí - GO) ............
- Silo graneleiro da Fazenda Colorado (Jataí -
GO) .......................................................................
89
89
90
91
92
92
FIGURA 10
FIGURA 11
- Ema se alimentando na “soqueira” de soja
(Jataí - GO) ...........................................................
- Emas em área destinada a plantio direto (Jataí -
GO) .......................................................................
94
94
FIGURA 12 - Vista parcial das instalações da COINBRA –
fitas transportadoras de grãos (Jataí - GO) .........
114
FIGURA 13 - Vista parcial das instalações da COINBRA
(Jataí - GO) ...........................................................
115
FIGURA 14 - Armazém industrial da Cargill Agrícola (Jataí -
GO) .......................................................................
116
FIGURA 15
- Vista panorâmica das instalações da Cargill
Agrícola (Jataí - GO) .............................................
116
FIGURA 16
FIGURA 17
- Linha de produção da Perdigão, unidade de Rio
Verde – GO ...........................................................
- Linha de produção (II) da Perdigão, Unidade de
Rio Verde – GO .....................................................
120
121
FIGURA 18
FIGURA 19
- Trecho da Ferronorte (Chapadão do Sul - MS)
- Vista aérea da unidade agroindustrial da
Perdigão em Rio Verde (GO) ................................
128
131
FIGURA 20 - Vista parcial da construção do Conjunto
Habitacional COHACOL 5 (Jataí - GO) ...............
182
FIGURA 21 - Vista panorâmica do Conjunto Habitacional
Sebastião Herculano (Jataí – GO) ........................
182
FIGURA 22 - Solicitação de asfalto, reivindicada ao poder
público por parte dos moradores da Vila Luíza
(Jataí - GO) ...........................................................
185
FIGURA 23 - Crianças residentes na Vila Luíza (Jataí - GO) .. 186
FIGURA 24
FIGURA 25
FIGURA 26
FIGURA 27
- Residência de empresário agrícola (Jataí - GO)
- Divisa lateral do “condomínio Barcelona” com a
Vila Luíza (Jataí - GO) ..........................................
- Entrada principal do Condomínio Barcelona
(Jataí - GO) ...........................................................
- Cerca elétrica no muro do Condomínio
Barcelona e vista parcial do interior do mesmo
(Jataí - GO) ...........................................................
187
188
189
190
FIGURA 28 - Plantação de soja em solo areno-quartzoso
(Aporé - GO) .........................................................
202
FIGURA 29
FIGURA 30
FIGURA 31
FIGURA 32
- Plantação de soja em área com declividade
acentuada (Jataí - GO) .........................................
- Vista panorâmica da unidade agroindustrial da
COMIGO (Jataí – GO) ..........................................
- Instalação de carvoaria, com fornos em
funcionamento (Jataí - GO) ..................................
- Plantio de soja em solo areno quartzoso (Aporé
– GO) ....................................................................
202
221
236
242
FIGURA 33
FIGURA 34
FIGURA 35
- Plantação de milheto, a fim de formar “palhada”
para plantio direto (Jataí - GO) .............................
- Área em preparo para plantio direto – “soqueira”
de soja (Jataí – GO) ..............................................
- Área preparada para plantio convencional – solo
nu e gradeado (Jataí - GO) ...................................
245
246
246
FIGURA 36 - Pivô central, em descanso (Rio Verde – GO) ..... 248
ÍNDICE DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01 - Evolução dos principais produtos cultivados
no Sudoeste de Goiás, no período de 1970 a
2000 .................................................................
77
GRÁFICO 02 - Evolução dos principais produtos cultivados
no município de Jataí-GO, no período de 1970
a 2000 ..............................................................
78
GRÁFICO 03 - Evolução dos principais produtos cultivados
no município de Rio Verde-GO, no período de
1970 a 2000 .....................................................
79
GRÁFICO 04
GRÁFICO 05
GRÁFICO 06
- Evolução da área utilizada para lavoura
temporária no Sudoeste de Goiás, no período
de 1970 a 1995 – 96 ........................................
- Evolução da área utilizada para lavoura
temporária no município de Jataí-GO, no
período de 1970 a 1995 – 96 ...........................
- Evolução da área (em ha) utilizada para
lavoura de soja na MRH Sudoeste de Goiás e
no estado de Goiás, no período de 1970 a
2000 .................................................................
81
82
84
GRÁFICO 07
GRÁFICO 08
GRÁFICO 09
GRÁFICO 10
- Custo de produção da ração – R$/ kg ...........
- Custo do milho consumido – R$/ Kg .............
- Custo do farelo de soja consumido ...............
- Custos da fábrica de rações de Rio Verde-
134
135
136
GRÁFICO 11
GRÁFICO 12
GRÁFICO 13
GRÁFICO 14
GRÁFICO 15
GRÁFICO 16
GRÁFICO 17
GRÁFICO 18
GRÁFICO 19
GRÁFICO 20
GRÁFICO 21
GRÁFICO 22
GRÁFICO 23
GRÁFICO 24
GRÁFICO 25
GRÁFICO 26
GO - R$/ Kg .....................................................
- Custos da produção de rações na unidade
de Rio Verde-GO – R$/ Kg ..............................
- Custo de produção do Sistema Vertical
Terminação (SVT) ...........................................
- Participação unitária da ração no custo do
Sistema Vertical Terminação ...........................
- Conversão alimentar do Sistema Vertical
Terminação ......................................................
- Peso final do Sistema Vertical Terminação ...
- Percentual de mortalidade do Sistema
Vertical Terminação .........................................
- Custo da produção de leitão ..........................
- Custo de produção do pinto de um dia ..........
- Custo de produção do frango vivo .................
- Conversão alimentar do frango vivo ..............
- Peso médio do frango vivo ............................
- Custo de produção do ovo próprio ................
- Custo de produção do ovo produzido por
terceiros ...........................................................
- Percentual de aproveitamento de ovos .........
- Origem dos candidatos a postos de trabalho
na Perdigão, unidade de Rio Verde (GO) ........
- Variação populacional e da situação de
domicílio do estado de Goiás, nos anos de
1970 e 2000 .....................................................
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
171
179
GRÁFICO 27 - Variação populacional e da situação de
domicílio do município de Jataí-GO, nos anos
de 1970 e 2000 ................................................
180
ÍNDICE DE QUADROS
QUADRO 01 - Estabelecimentos industriais cadastrados na
Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás
nos meses de jun/91, jun/93, mai/96, mai/99,
jan/01, jan/02 e jan/03 ......................................
65
QUADRO 02
QUADRO 03
QUADRO 04
QUADRO 05
- Uso da terra na microrregião Sudoeste de
Goiás, no período de 1970 – 1995/ 96 .............
- Evolução da produção de soja no Brasil,
Centro-Oeste e Sudoeste de Goiás no período
de 1970 a 2000 ...................................
- Evolução da área de soja (colhida/ha) no
estado de Goiás, na microrregião Sudoeste de
Goiás e nos municípios de Rio Verde e Jataí,
no período de 1970 a 2000 ..............................
- Investimentos do BNDES (desembolso de
recursos) no estado de Goiás (1999, 2000,
2001 e 2002) ....................................................
80
83
85
133
QUADRO 06 - Contratações por programa, com recursos
do FCO no estado de Goiás e na Região
Centro-Oeste, no período de 1989 a
novembro de 2002 ...........................................
157
QUADRO 07
- População economicamente ativa,
população ocupada e taxa de desemprego em
Goiás e no Brasil, nos anos de 1991, 1996,
1997, 1998, 1999, 2000 e 2001........................
163
QUADRO 08 - Valor da produção extrativa vegetal (em mil
R$) por tipo de produto ....................................
237
ÍNDICE DE MAPAS
MAPA 01 - Localização da área de estudo ......................... 33
MAPA 02
MAPA 03
- Localização das PCH’s e UHE’s previstas para
o Sudoeste de Goiás ...........................................
- Estrutura Fundiária do Brasil .............................
63
72
MAPA 04 - Ferrovias no estado de Goiás ........................... 127
MAPA 05
MAPA 06
MAPA 07
MAPA 08
- Distribuição da área original e atual de Cerrado
na região Centro-Oeste ......................................
- Uso do solo e unidades fisionômicas no
Sudoeste de Goiás ..............................................
- Vulnerabilidade ambiental dos solos do
Sudoeste de Goiás ..............................................
- Focos de desmatamento na MRH Sudoeste de
Goiás (2004 – 2005) ............................................
212
230
232
234
LISTA DE SIGLAS
BDI - Confederação das Indústrias da Alemanha
BM & F - Bolsa de Mercadorias e Futuros
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Social
BOVESPA
CAI’s
- Bolsa de Valores de São Paulo
- Complexos Agroindustriais
CBOT
CI
- Chicago Board of Trade
- International Conservation
CNA
COINBRA
- Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária
do Brasil
- Comércio e Indústrias Brasileiras
COMIGO - Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do
Sudoeste Goiano.
CONDEL/ FCO
COS
- Conselho Deliberativo do Fundo Constitucional de
Financiamento do Centro-Oeste
- Centro de Orientação Social
CPR
ECA
- Cédula do Produtor Rural
- Estatuto da Criança e do Adolescente
EIA
EIBH
EMBRAPA
- Estudo de Impacto Ambiental
- Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas
- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
FAT
FCA
- Fundo de Amparo ao Trabalhador
- Ferrovia Centro-Atlântica
FCO - Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-
Oeste
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FIEG
GO
- Federação das Indústrias do Estado de Goiás
- Goiás
IBGE
IDH
IDH - M
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- Índice de Desenvolvimento Humano
- Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IGPM - Índice Geral de Preços Médios
IIRSA
INCRA
IPEA
- Iniciativa de Integração de Infra-estrutura Regional
Sul Americana
- Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária.
- Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
MAB
MG
MODIS
- Movimento dos Atingidos por Barragem
- Minas Gerais
- Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer
MRH
MS
NASA
NDVI
- Microrregião Homogênea
- Mato Grosso do Sul
- Agência Espacial Americana
- Normalized Difference Vegetation Index
ONG - Organização Não Governamental
PCH’s
PD
PIB
PNAD
- Pequenas Centrais Hidroelétricas
- Plantio direto
- Produto Interno Bruto
- Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares
PND
POLOCENTRO
- Plano Nacional de Desenvolvimento
- Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados
PRONAF
- Programa Nacional de Financiamento à Agricultura
Familiar
PRONAF - RA - Programa Nacional de Financiamento à Agricultura
Familiar – Reforma Agrária
RIMA
SA
SAM
SEMARH
SEPLAN - GO
SIAD
SINE
SVT
- Relatório de Impacto Ambiental
- Sociedade Anônima
- Serviço de Atendimento ao Migrante
- Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos
Hídricos
- Secretaria Estadual de Planejamento - Goiás
- Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos
- Sistema Nacional de Empregos
- Sistema Vertical Terminação
UFG - Universidade Federal de Goiás
UFMT
UHE’s
- Universidade Federal do Mato Grosso
- Usinas Hidroelétricas
AGRICULTURA “CAIFICADA”
15
NO SUDOESTE DE GOIÁS: do
bônus econômico ao ônus sócio-ambiental
Apresentação
A agricultura contemporânea desenvolvida no Sudoeste de Goiás, pode ser
identificada e analisada a partir de dois matizes: um que reconhece a importância
e justifica este modelo de exploração, tendo em vista o bônus econômico que
gera; outro que percebe os problemas e prejuízos, sociais e ambientais,
decorrentes da mesma e, por isso, percebe-a como insustentável.
As análises pautadas no crescimento e nas vantagens econômicas são
mais usuais, quando se trata da agricultura regional. Embasadas nos elevados
índices de produção e de produtividade, grande parte das pesquisas e análises
desenvolvidas se preocupa em apresentar as bases tecnológicas, mecânicas,
biológicas, genéticas, sobre as quais a agricultura regional se assenta. Nesta
vertente analítica estão contidos os trabalhos e as teorias que consideram as
possibilidades do crescimento da economia regional apenas por meio da
agricultura do modelo revolução verde. Aí se entende como sucesso produtivo a
agricultura que não apresenta rendimentos decrescentes, que possui custos de
produção reduzidos e produtividade elevada de forma a competir no mercado
internacional de alimentos, fazendo uso, para tal, da tecnologia avançada,
sobretudo a química e a mecânica.
Nesta perspectiva o Sudoeste de Goiás é tido como um el dorado. O “mito
Rio Verde” é um exemplo disso, quando tal município é anunciado, em mídia
nacional, como sendo o lugar onde mais se gera riquezas e empregos no Brasil.
15
A expressão “caificada” é utilizada quando se refere a modelos de exploração agrícola, onde a agricultura é
industrialmente integrada, no formato dos CAI’s (Complexos Agroindustriais).
Se consideradas a contemporaneidade das tecnologias de produção
utilizadas, os níveis de financeirização da agricultura, os crescentes números de
produção, produtividade, área plantada e incorporação de novas áreas e a
instalação de indústrias ligadas ao setor, dentre outras variáveis, nota-se uma
dinâmica real, em toda a região, que é derivada da prática agrícola ali instalada.
É a análise desta dinâmica, significativa do crescimento econômico, que é
considerada por muitos enquanto sinônimo de desenvolvimento. Dessa forma,
entende-se o Sudoeste de Goiás como sendo o lócus do desenvolvimento e da
geração de riquezas.
Em síntese, esta é a análise mais usual quando o foco é a agricultura
praticada no Sudoeste de Goiás.
Na tentativa de trazer uma outra perspectiva analítica, o presente trabalho
busca denotar que a agricultura da região, mesmo sendo geradora de riquezas e
condutora do crescimento econômico regional, e, em parte do estadual, é
concentradora, excludente e responsável pela gênese de problemas sociais e
ambientais, caracterizando-se como insustentável, já que além de não representar
desenvolvimento (apenas crescimento), é uma grave ameaça aos recursos
naturais, isto é à saúde da natureza, incluindo-se aí a saúde humana.
Embasamo-nos em Franco (2002) para afirmar que crescimento e
desenvolvimento não são sinônimos, tampouco podem ser considerados como tal.
Segundo o autor, todo desenvolvimento é desenvolvimento social, se assim não o
for, não se trata de desenvolvimento. Por isso não nos parece coerente afirmar
que há desenvolvimento no Sudoeste de Goiás em virtude da prática agrícola
intensiva em capital e em tecnologia, já que isto não significa alterações
significativas no capital humano e no capital social.
A contradição da existência da falta de empregos, da pobreza reforçada, do
aumento dos índices de violência e do comprometimento dos recursos naturais na
região que mais produz alimentos no estado de Goiás, e uma das maiores
produtoras do Brasil, é um exemplo disso e, ao nosso ver, não pode ser
subliminada.
Mediante isso, nos propomos a apresentar o Sudoeste de Goiás sob outro
prisma, que não o do ufanismo em relação à agricultura ali desenvolvida. Nessa
perspectiva, a agricultura da região é vista como responsável, também, por
problemas e prejuízos, e não apenas como geradora de renda e riqueza, que, nos
parece, se concentram cada vez mais.
A hipótese que norteou a pesquisa pauta-se na idéia de que esta agricultura
gera um bônus econômico que é apropriado por poucos, ao mesmo tempo em que
gera um ônus sócio-ambiental que é compartilhado pela sociedade em geral.
Assim, movidos pelo desejo de investigar o rebatimento sócio-ambiental da
agricultura industrialmente integrada, “caificada”, da microrregião Sudoeste de
Goiás, aqui apresentada no mapa 01, a pesquisa foi conduzida de modo a buscar
as bases sobre as quais tal agricultura de assenta, bem como quais os seus
resultados econômicos, sociais e ambientais.
Para tal foram levantados dados secundários junto ao IBGE, Banco do
Brasil, Perdigão Agroindustrial S.A., Cargill Agrícola, COINBRA, SEPLAN, SINE,
Polícia Militar (GO), Secretarias Municipais de Ação e Promoção Social de Jataí e
Rio Verde (GO); dados primários junto a produtores agrícolas dos municípios de
Jataí e de Rio Verde (GO) e a moradores das cidades de Rio Verde, Jataí e
Chapadão do Céu (GO) e trabalhadores rurais, proprietários de terra,
comerciantes e técnicos agrícolas. Todos os trabalhos de campo foram
programados e orientados por questionários e entrevistas previamente
formuladas.
Os dados coletados, tanto os primários quanto os secundários, foram
investigados e analisados à luz de vasta bibliografia, revisada no decorrer da
elaboração deste trabalho, conforme consta ao final do mesmo, sendo que
diversos dados e informações aqui contidos foram extraídos do material
bibliográfico utilizado. Livros, jornais, revistas, informativos, artigos, sítios
eletrônicos foram os principais recursos bibliográficos utilizados.
O trabalho está organizado em cinco partes. A investigação principiou pela
forma como a economia de Goiás foi apropriada pelo capital, tendo na agricultura
sua base de reprodução e acumulação. Este assunto é tratado no capítulo um,
apontando a articulação da agricultura goiana com o capital, primeiramente o
capital urbano-industrial, depois o capital produtivo e, por último, o capital
financeiro, que, associado à formação do complexo agroindustrial, dá o indicativo
do atual estágio da agricultura e da economia da região.
Dessa forma, os mecanismos econômicos que, historicamente,
apropriaram-se deste espaço de forma a reservá-lo ou a incorporá-lo aos arranjos
da divisão territorial do trabalho foram levantados de maneira a auxiliar na
compreensão de como a agricultura goiana foi, ao longo dos tempos,
metamorfoseada pelo capital, nas suas diversas faces.
Também foi objeto de análise a elaboração dos discursos do determinismo
étnico e ambiental que embalou as construções teóricas que nortearam as formas
de ocupação do território goiano ao longo dos tempos. Elaborações teóricas, de
cunho científico, criaram a idéia do “atraso”, enquanto prerrogativa para a
implementação do “moderno”.
O capítulo dois apresenta o cenário da produção agrícola da região, a partir
das mudanças na pauta de produtos, no uso da terra, nas relações de trabalho e
de produção. A introdução de novos cultivares, com destaque para a soja, e a
ampliação das lavouras temporárias, foram seguidas de novo conteúdo
paisagístico na região, formado nos “mares de soja”, ou “desertos de soja”, que
passaram a compor o cenário, dividindo lugar com os armazéns, silos graneleiros,
agroindústrias, máquinas etc.
O novo cenário produtivo comprometeu o cenário agrícola original da
região, a paisagem se homogeneizou, tornando-se muito semelhante ao que se vê
no Rio Grande do Sul, no Paraná, ou nos Estados Unidos, pois as características
paisagísticas que dão singularidade ao lugar cederam às características
homogeneizadoras da monocultura.
Neste esquema produtivo, a prática do arrendamento capitalista aparece
como indicativo da reorientação da relação do produtor com a terra. Uma relação
mercantil e capitalista, desprovida de qualquer relação extra, cujo objetivo é
aumentar o potencial de exploração e de lucratividade.
O processo de formação do complexo agroindustrial regional é o assunto
tratado no capítulo três. O padrão agrícola da região aparece de forma consoante
com os anseios da integração industrial. Para tal, a sofisticação técnica, os baixos
custos da ração e os investimentos privados e públicos, tendo os recursos do
BNDES e do FCO como elementos-chave, compõem a base do processo.
Neste contexto, a instalação do complexo agroindustrial da Perdigão em
Rio Verde(GO), e o seu projeto de expansão para Mineiros(GO) e Jataí(GO), foi
investigada com o objetivo de identificar as alterações promovidas na região. A
análise do complexo da Perdigão no Sudoeste de Goiás indica que o custo de
produção, juntamente com as políticas de isenção fiscal e financiamentos, tendo o
FCO como o principal expoente, são preponderantes na otimização dos resultados
da empresa.
No capítulo quatro são levantadas as questões tangentes à
correspondência entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social
regional, ou seja: Até que ponto o crescimento econômico é viável socialmente? A
que custas se mantêm? Quais são os grupos que se beneficiam com ele, bem
como quais os excluídos?
Nesta seção procurou-se corroborar as hipóteses de que o bônus
econômico, resultado da agricultura em curso na região, é privilégio de poucos; e
de que não há um correspondente social do crescimento econômico verificado, ou
seja, não há uma transferência de renda para os setores da sociedade que não
estão diretamente envolvidos com o setor agroindustrial. Estas questões foram
elaboradas por meio das variáveis investigadas, a fim de avaliar a qualidade de
vida e o desenvolvimento nos “municípios da soja” do Sudoeste de Goiás.
Por fim, no capítulo cinco o uso da terra no Sudoeste de Goiás aparece
como tema central.
Aqui a investigação caminha no sentido de analisar e avaliar o uso que a
agricultura da região tem feito dos recursos naturais. Questões tangentes à
sustentabilidade e à agricultura que degrada e à agricultura que enobrece são
levantadas no intuito de trazer à pauta de discussão os prejuízos ambientais que
se tem gerado aos Cerrados com a intensificação da monocultura na região.
O desmatamento progressivo, o uso de solos frágeis, a contaminação de
solos e águas, bem como outros aspectos foram trazidos à tona no intuito de fazer
rever a noção (que é quase um decreto) que prevê a intensificação constante da
pressão antrópica, por meio das lavouras, sobretudo de soja, no Sudoeste de
Goiás.
Mapa 01: Localização da área de estudo
1. FORMAS DE APROPRIAÇÃO DA AGRICULTURA E DA
ECONOMIA GOIANAS.
Nesta seção apontamos como a agricultura goiana, ao longo dos tempos, foi
metamorfoseada pelo capital com suas diversas faces. Para tal, nos parece
importante a busca dos mecanismos econômicos que, historicamente,
apropriaram-se deste espaço de forma a reservá-lo ou a incorporá-lo aos arranjos
da divisão territorial do trabalho.
Assim, consideramos o período da produção agropecuária, que atendeu às
necessidades do capital urbano-industrial do Sudeste do país; o movimento da
revolução verde rumo ao Centro-Oeste brasileiro, com a agricultura goiana sendo
apropriada pelo capital produtivo; e, por último, a agricultura goiana apropriada
pelo capital financeiro, num crescente processo de financeirização. Ao final,
tratamos do esforço da economia goiana em não se limitar à especialização
produtiva, buscando mecanismos para ampliar suas possibilidades de produção a
fim de agregar de valor aos produtos agrícolas, ao invés de exportá-los in natura,
conforme historicamente se fez em Goiás.
Deste modo, buscamos compreender as diversas bases que sustentaram o
uso das terras goianas em momentos variados e ao mesmo tempo eleger os
elementos determinantes, os atores principais, que norteiam a produção do
espaço agrário e a ocupação do território goiano. Tais elementos têm sede
principal no capital, que apoiado e incentivado pelo Estado, apropria-se dos
espaços e remodela a estrutura produtiva de acordo com suas intenções de
acumulação, fazendo uso, para isso, dos latifundiários, dos empresários agrícolas
e dos recursos naturais.
Foi objeto de análise a elaboração do discurso do determinismo étnico e
ambiental que embalou as construções teóricas que nortearam as formas de
ocupação do território goiano ao longo dos tempos.
1.1 Goiás: lócus para a acumulação do capital.
Diversos estudiosos consideram o período anterior à incorporação das
tecnologias de produção oriundas do pacote tecnológico da revolução verde como
sendo de não-articulação da economia goiana com o desenvolvimento capitalista
então em curso no país. No entanto, consideramos importante ponderar a
existência de tal desarticulação, vez que a agropecuária goiana servia ao
desenvolvimento capitalista em curso no Sudeste do Brasil, fornecendo alimentos,
principalmente carnes de origem bovina, a baixos preços, contribuindo com a
manutenção do baixo custo da mão-de-obra. Por isso, representou campo fértil
para a acumulação do capital, já que permitia a reprodução do mesmo sem ter ali
desenvolvidas as relações capitalistas de produção, manifestas, sobretudo, no
trabalho assalariado.
A divisão inter-regional do trabalho é identificada no vínculo estabelecido e
articulado entre a especialização agropecuária goiana e a produção capitalista.
Quanto mais o estado de Goiás se especializava na produção de gêneros
alimentícios, mais se inseria na economia capitalista, isto é, apurava sua
participação no processo geral de reprodução do capital.
Assim, não nos parece ser válida essa perspectiva teórica que considera
Goiás como tendo estado na periferia da economia capitalista desenvolvida no
Brasil, mesmo porque desta teoria derivam as concepções de “desequilíbrio
regional” e/ ou “desenvolvimento desequilibrado”. Sobre esta questão Borges
(2000, p.13) afirma que:
a relativa defasagem no desenvolvimento da sociedade agrária goiana é
explicada a partir da concepção do desenvolvimento desigual e combinado
da economia capitalista, a qual produz e reproduz desigualdades sociais e
regionais, estabelecendo ritmos diferenciados de acumulação nos diversos
espaços econômicos integrados ao processo de produção de
mercadorias.
Isto se dá porque é próprio do capitalismo iniciar seu processo de expansão
pela feitura de mercadorias e não, necessariamente, pela implementação de
relações de produção capitalistas, configurando a ausência do trabalho
assalariado. Este procedimento faz parte da fase primeira, de instalação, do
capital.
Disso decorre a apropriação e a manifestação do capital no território de
forma desigual e por vezes contraditória. As diversas regiões são incorporadas de
forma diferenciada e suas especificidades contribuem para completar a
acumulação e a reprodução do capital.
Neste sentido, a articulação da economia goiana à economia capitalista, sem
que se desenvolvessem relações capitalistas de produção, fez com que a
estrutura agrária e as relações sociais de produção permanecessem inalteradas
no agro goiano por longo período. Houve uma incorporação das antigas relações
de produção à nova função do capital, sem que isso representasse qualquer forma
de conflito.
As tradicionais relações de trabalho, baseadas na exploração do trabalhador
agregado, meeiro e/ou parceiro, atendiam, por um lado, aos interesses do capital
urbano-industrial, já que produziam alimentos a baixo custo; e, por outro lado,
atendiam à oligarquia local, reforçando a propriedade da terra e o latifúndio.
Mediante isso, “o capital industrial foi beneficiado, a estrutura agrária tradicional foi
preservada, o latifúndio foi reforçado, garantindo a sobrevivência econômica e
política das oligarquias fundiárias, sua riqueza e seu poder local“ (BORGES, 2000,
p. 126).
O criatório bovino traduzia-se no setor mais dinâmico da economia goiana e
o discurso de vocação pastoril era de grande importância para os latifundiários,
que tinham reforçados o status, o poder e a posse da terra.
Os rumos dados à economia nacional, pela política desenvolvimentista de
Vargas, tinham o caráter de (re)organizar as economias agrárias regionais. Em
Goiás, os anos que se seguiram aos anos (19)30 foram marcados pela
incorporação de novas áreas de fronteira, embalados pelo discurso de ocupação
dos “espaços vazios” ou preenchimento dos “vazios demográficos”.
A política de Vargas reforçou a função da agricultura, de produzir gêneros
alimentícios para atender a demanda urbana, para tal incentivava a expansão da
fronteira agrícola. A Marcha para o Oeste, nos anos (19)40, foi a expressão deste
pensamento e buscou uma nova ocupação e colonização do Oeste brasileiro.
Em Goiás, a fronteira foi ocupada, após 1930, principalmente pelos
imigrantes mineiros e paulistas, trabalhadores pobres ou grandes fazendeiros, à
procura de novas terras que apresentassem preços acessíveis para exploração
agropecuária, na busca de maior rentabilidade com menor custo de produção.
Segundo Borges (2000), a criação da Fundação Brasil Central, em 1943, pelo
governo Vargas, constituiu-se na antecipação do Estado ao movimento
demográfico e ao capital, com abertura do caminho para a ocupação econômica
do Centro-Oeste e da Amazônia. “A Fundação Brasil Central era um órgão que
visava planejar e coordenar o processo de desbravamento e ocupação de áreas
desabitadas pelo homem branco nas regiões Oeste e Central do Brasil”
(BORGES, 2000, p. 79).
A construção de Brasília e de grandes e importantes rodovias ampliaram de
forma substancial as possibilidades de completar a ocupação econômica do
território brasileiro.
Porém, as relações de produção e de trabalho no agro goiano, já
anteriormente ocupado, permaneciam inalteradas. E o lavrador posseiro, quase
sempre migrante, era o principal personagem na nova ocupação da terra de
fronteira. Logo após a desbravada da terra, com o objetivo de produção para
subsistência, o camponês via sua terra sendo apropriada pelo grande fazendeiro,
que fazia da mesma área para pecuária extensiva. No entanto, os espaços
continuavam vazios, já que as grandes propriedades e a atividade pastoril eram as
responsáveis primeiras pela pequena quantidade de empregos no campo e pelo
incipiente uso e exploração do solo.
a “ocupação dos espaços vazios” mantinha inalterada a estrutura fundiária,
aliviava as tensões sociais criadas com o avanço das relações capitalistas
de produção no sudeste [do país] e aumentava a produção agrícola para
o mercado interno sem alterar a arcaica estrutura agrária brasileira
(BORGES, 2000, p.154).
Ou seja, mantinha-se o processo de acumulação primitiva do capital, já que
se perpetuava a produção sem que relações capitalistas de produção se
desenvolvessem. O setor agrário goiano, manteve-se tradicional mesmo com o
discurso progressista que embalou o projeto de expansão da Marcha para o
Oeste”.
Na realidade, a perspectiva de eliminação das antigas relações de trabalho
no campo goiano veio a aparecer somente com a idéia de modernização, no pós
1960, quando da expansão das tecnologias do pacote tecnológico da revolução
verde rumo aos cerrados do Centro-Oeste brasileiro.
1.1.1 A busca pelo crescimento horizontal e vertical.
Os anos (19)70 se transformaram num marco no que tange às
transformações da economia agrária regional. Este é o período no qual se
completou a integração da economia agrária goiana à estrutura capitalista,
mediante o investimento de altas somas de capital e liberação de incentivos
creditícios, por parte do Estado, para que houvesse a incorporação das
tecnologias contidas do pacote tecnológico da revolução verde, cujo resultado foi o
que se convencionou chamar de modernização da agricultura.
No entanto, a questão central teve continuidade. As transformações nas
relações de produção no campo e a expansão das relações capitalistas de
produção às atividades agrícolas goiana não significaram ruptura com a existência
das grandes propriedades e da concentração de terras, o que faz com que esta
modernização também seja conservadora.
Os objetivos da incorporação e da implementação das novas tecnologias de
produção eram o desenvolvimento de um tipo de agricultura que aglutinasse e
exercesse três funções, tidas como básicas, que conduzissem à formação de uma
empresa agrícola: capital, trabalho e administração.
A atividade pastoril, que havia se mantido na posição de carro-chefe do agro
goiano enquanto a estrutura produtiva agrícola tradicional lhe favorecia o
desempenho, cedeu lugar aos novos produtos, com valores nutricionais
requisitados em escala internacional e com maior capacidade de agregação de
valor, principalmente a soja e o milho. A reorientação na forma de inserção da
agricultura goiana na divisão regional do trabalho, com base numa nova pauta de
produtos a ser implementada, requereu alterações nas relações de produção de
forma a atender o novo processo produtivo agrícola.
Dessa forma, tem-se a substituição da idéia de “vocação pastoril” pela idéia
de vocação monocultora. Percebe-se que a primeira idéia, segundo Borges
(2000), interessava aos grandes fazendeiros que controlavam o poder local e
monopolizavam a posse e a propriedade da terra, já que a pecuária extensiva era
a forma utilizada para a ocupação e o domínio de grandes áreas.
Já a segunda idéia, baseada na criação de um novo discurso vocacional para
a agricultura goiana, é representativa do poder de criação que os setores e os
espaços hegemônicos têm, (re)criando conceitos para atender aos seus anseios,
que, neste caso, garantiu o agro goiano enquanto espaço de acumulação e
reprodução.
1.2 O atraso como prerrogativa na elaboração do moderno.
A estrutura produtiva agrícola goiana que vigorou até os anos (19)60,
caracterizada pelo monopólio da terra e pela atividade pastoril, foi favorável à
produção naquele momento, constituindo-se numa aliada à acumulação capitalista
e não num empecilho.
No entanto, uma elaboração teórica, afirmando ser a economia goiana
atrasada e desarticulada em relação à economia brasileira, fundamentou o
discurso da necessidade de transformar a estrutura produtiva agrícola de Goiás. O
objetivo era implementar uma prática agrícola pautada na produção de espécies
de fácil agregação de valor e de fácil comercialização no mercado internacional de
alimentos; a soja e o milho se traduziam no novo gargalo. Para tal, incorporar as
técnicas apresentadas pelo pacote tecnológico da revolução verde era condição
sine qua non.
A concepção do atraso é prerrogativa para a elaboração do moderno e a
formação de uma teoria de (sub)desenvolvimento regional, enquanto justificativa
intelectual, toma lugar central nas rodas acadêmicas e econômicas, apontando a
rusticidade técnica como a responsável por uma suposta estagnação econômica
da região, que só poderia ser superada por meio do conteúdo tecnológico
moderno da revolução verde, com práticas agrícolas intensivas em tecnologias e
em capital.
Estas elaborações teóricas fazem parte do que Guanziroli (2001, p.16) atesta
existir para a agricultura brasileira no geral, diante da estratégia adotada para
justificar “a necessidade de ‘modernizar’ o campo, de superar as estruturas
arcaicas e as limitações associadas à vida rural e aos camponeses, mediante o
estímulo à penetração e difusão de empresas agrícolas capitalistas”.
A integração capitalista da economia agrária goiana, representada pelo
avanço do capitalismo no campo, deu novo conteúdo à terra, que, além de riqueza
se transformou em capital, passando a representar, além de fonte de poder
econômico e político, fator de garantia de poder econômico (BORGES, 2000).
A terra em si passou a configurar reserva de valor, condicionando o acesso
aos meios de produção oriundos do mercado urbano e aos financiamentos. Assim,
se constituiu num produto, dentro do padrão de desenvolvimento capitalista, cuja
riqueza é passível de conversão em dinheiro, ao passo que os recursos naturais
passaram a ser vislumbrados como estoques de riqueza em potencial.
A preparação do território para a aplicação do capital produtivo principiava
pela substituição das técnicas de trabalho e das relações sociais de produção e de
trabalho existentes. Estas passaram a ser enxergadas como arcaicas e obsoletas,
carecendo de reformulação, já que não se enquadravam mais na nova fase de
reprodução do capital. Haviam servido à acumulação do capital até o presente
momento, mas agora passavam a significar empecilho.
A nova teoria atestava que o estágio atrasado e a rusticidade das técnicas
utilizadas na agricultura goiana até se então deviam à exclusão, nas práticas
produtivas desenvolvidas no estado, das atividades capitalistas desenvolvidas no
Sudeste do país. Dessa forma foram definidas as técnicas de manejo
agropecuário como sendo rudimentares, no tempo e no espaço alheios às
técnicas apresentadas pela revolução verde.
No entanto, é notório que a discrepância no nível tecnológico das
ferramentas utilizadas na agricultura nas diversas regiões resulta da apropriação
diferenciada dos espaços por parte do capital e o discurso de “desequilíbrio
regional” e de “atraso econômico”, utilizado para explicar estas diferenciações, se
constitui numa justificativa de expansão da área de atuação deste capital, o que se
traduz num esquema de colonialismo interno.
Assim, a introdução das técnicas da revolução verde na agricultura goiana,
bem como nas áreas de Cerrado do Brasil central, foi baseada na noção de
desenvolvido versus subdesenvolvido, moderno versus atrasado.
Sobre tal questão os estudos de Oliveira Vianna (1987), realizados em 1940,
apontam um traçado da configuração econômica e sociológica do estado de Goiás
e sugere a compreensão das diversas formas de uso do solo, do comportamento
da produção agrícola e da população a ela vinculada, a partir de uma leitura onde
as bases originais da agricultura goiana e das relações de produção, encontradas
no estado pelo capital, nada (ou muito pouco) tinham a ver com a produção
capitalista em curso no Sudeste do país.
Segundo Vianna (1987), o que ocorria é que as relações de produção
gestadas pela agricultura goiana eram alimentadas por ações e características
que, em grande parte dos casos, pouco tinham a ver com a lógica capitalista de
reprodução do capital e obtenção de lucro, funcionando “num esquema
antieconômico e antilucrativista”, incompatível com os padrões de uma empresa
do tipo capitalista.
O autor afirma que o predomínio fazia-se por propriedades, na sua maioria,
verdadeiros latifúndios tipicamente patrimonialistas, que tinham na sua lógica
produtiva a manutenção, por um lado, da propriedade da terra com suas relações
sociais e de trabalho constituídas, e por outro, do prestígio, bem-estar e status que
a posse da terra oferecia. Estas propriedades eram organizadas e funcionavam
para a produção de fartura de gêneros alimentícios e para o destaque, por parte
dos grandes proprietários, na vida social, religiosa e política da região (VIANNA,
1987).
Desta forma, atesta-se um traço cultural não mercantilista, onde um suposto
desinteresse pelo lucro traduz-se na concepção da inexistência de práticas
mercantis e da acumulação capitalista:
nos sertões goianos o que se verifica, ao invés do luxo e ostentação é o
artesanato doméstico; a hospitalidade desinteressada e gratuita; a
despreocupação do lucro; regime generalizado da troca. Isso é tanto
verificado nos latifúndios mais extensos, quanto nas classes inferiores
(VIANNA, 1987, p. 159).
A concepção de atraso e de rusticidade das técnicas e das práticas utilizadas
nas explorações agropecuárias de Goiás avultou-se, enquanto justificativa
intelectual, no momento em que surgiram novos interesses em que o espaço
agrário goiano passasse a representar território para a acumulação do capital não
mais a partir das suas relações de produção e de trabalho tradicionais, e, sim, a
partir da configuração das relações capitalistas de produção.
Logo, no intuito de instituir um novo padrão de produção e novas relações de
trabalho na agricultura goiana, de cunho essencialmente capitalistas, fortaleceram-
se os discursos da necessidade de superação do “atraso” e da rusticidade. As
relações capitalistas de produção passaram a ser consideradas, então, a única
possibilidade de desenvolvimento para Goiás e, por isso mesmo, tornam-se
justificáveis todas as ações, principalmente do poder público, para implementá-las.
A concepção de atraso é, então, uma elaboração teórica acerca de uma
estrutura produtiva e de um modu vivendi que caracterizaram a exploração
agrícola e o modo de vida rural goiano, anteriores à década de (19)60.
De acordo com Mendonça (2004), o atraso passou a ser condição para a
modernidade. Foi necessário inventar e reforçar o atraso para dar sentido à
modernização que se pretendia instalar.
[...] a vegetação de cerrado tida como pobre e o chapadão como áspero,
serão valorizados ideologicamente para justificar a eliminação, quase que
por completo, do bioma Cerrado e de seus subsistemas, dentre eles as
veredas, predominantes nas áreas de chapada. Se até mesmo os
geógrafos tinham esta visão estereotipada, imagine-se então as
construções teóricas e empíricas, elaboradas pelo Estado e pelo capital,
no processo de incorporação da área às “necessidades” do progresso e da
modernidade
(MENDONÇA, 2004, p. 135).
Motivações de ordens natural e biológica foram tomadas a fim de explicar o
uso de técnicas artesanais e pouco renovadas, desconsiderando o
comportamento sócio-econômico regional e a consonância econômico-territorial
delas com a produção em curso.
1.2.1 “Atraso” versus desenvolvimento desigual e combinado.
Segundo Aguiar (1986) a modernização da agricultura, enquanto processo,
traduz a inserção da agricultura brasileira no sistema produtivo mundial e isto se
deu logo ao fim da Segunda Grande Guerra, quando da expansão do sistema
capitalista, marcada por uma sincronia de centralização e exportação de capital
produtivo, com amplo e crescente processo de internacionalização da produção e
tendência à unificação mundial do progresso técnico e das técnicas produtivas. A
metamorfose na dinâmica do comércio internacional conduz à especialização os
sistemas produtivos nacionais, de maneira a estarem todos perfeitamente ligados.
“A grande empresa multinacional foi o instrumento decisivo deste processo de
internacionalização do capital produtivo” (AGUIAR, 1986, p.60).
Para Aguiar (1986) esse processo internacionaliza, também, as condições de
produção e a homogeneização das técnicas produtivas, por isso a opção
tecnológica faz parte de uma totalidade complexa. E ainda:
a internacionalização da produção implica, também, a transgressão do
espaço em que se dá a acumulação, que passou a assumir uma feição
mundial. A acumulação capitalista, no estágio monopolista, se realiza ao
nível do conjunto do capitalismo internacionalizado, na medida em que se
materializa através de operações localizadas nos países desenvolvidos e
subdesenvolvidos
(AGUIAR, 1986, p. 66).
É, pois, no bojo desta teia econômica mundial que se iniciou a transferência
de tecnologias de produção agrícola para o Brasil. A articulação com o capital
internacional garantiu a entrada e a instalação de empresas forâneas vinculadas
ao setor, implicando na instalação de empresas multinacionais, agentes do
processo.
A agricultura brasileira pautada, sobretudo, nas tecnologias de produção
transferidas dos Estados Unidos passou a se constituir no elo de ligação entre o
processo de especialização do sistema produtivo nacional e a articulação da
divisão internacional do trabalho.
Uma vez propagadas e assimiladas tais tecnologias o mito do atraso é
reforçado, vez que ficam espacialmente combinadas técnicas antigas com as
técnicas mais avançadas do trabalho mundial, sendo estas consideradas
modernas e superiores em relação às primeiras.
Porém estas são manifestações espaciais dos traços do desenvolvimento
desigual e combinado do capitalismo mundial, onde as diferenciações no nível
técnico são inerentes às estratégias de desenvolvimento do modo capitalista de
produzir, diante das quais não é objetivo buscar a homogeneização das técnicas
de exploração agrícola pelo território (SMITH, 1988).
1.2.2 O determinismo étnico e ambiental e a ocupação dos Cerrados
goianos.
A concepção de um determinismo ambiental e étnico na base de análise e
explicação da exploração agrícola das terras de Goiás afirma que há um fator de
ordem natural e cultural determinante das possibilidades e limitações da
exploração agrícola do Cerrado e que este é responsável pelo atraso verificado na
agricultura goiana até a década de 1960.
A concepção eurocentrista de que a agricultura brasileira só conheceu o
êxito por meio da entrada dos imigrantes europeus tem seu reforço nesta teoria.
Essa é uma idéia que menospreza o latino, o mulato, de origem negro - escrava,
frente ao europeu, continuamente colonizador, considerado o inovador. Uma face
desta concepção é utilizada de maneira recorrente para justificar a sofisticação
técnica da agricultura goiana das últimas três décadas, atribuindo aos imigrantes
oriundos das regiões Sul e Sudeste do Brasil, de origem dominantemente alemã e
italiana, o cenário agrícola verificado atualmente. Desta forma, os europeus, e/ ou
seus descendentes, aparecem como sendo natural e biologicamente superiores
aos agricultores goianos, estes vistos como ociosos e acomodados.
Diante disso, dentre as diversas estratégias utilizadas pelo capital para
passar ao seu novo estágio de acumulação em Goiás - a reprodução do capital
produtivo a partir da exploração agrícola, está a elaboração de um discurso
afirmando a subtilização das áreas de Cerrado devido a uma incompetência
técnica, derivada de uma pobreza étnica.
Tal discurso justificava a aplicação de novas técnicas à exploração agrícola
goiana, de maneira a fazer com que aquelas áreas se convertessem em aliadas
do capital produtivo. Para tal foi reforçada a teoria de que o agricultor imigrante
seria o produtor ideal para manusear as novas técnicas e implementar as novas
formas de produzir nos cerrados.
O determinismo étnico conjuga-se ao determinismo ambiental, que juntos se
reforçam.
A idéia de que a agricultura goiana era resultante das possibilidades naturais
dos cerrados foi algo que permeou diversos estudos e serviu para embalar as
análises na perspectiva teórica do dualismo econômico, apontando o Cerrado
como um limitador natural ao desenvolvimento de uma agricultura regional em
escala comercial.
Os estudos de Waibel (1979), realizados no final da década de 1940, foram
utilizados para corroborar tal premissa. Suas explicações, para as formas de
ocupação e de exploração da agropecuária goiana, se davam por meio de uma
análise determinista, que justificava a forma como as atividades agropecuárias
eram desenvolvidas em áreas de Cerrado.
Neste caso, observa-se a existência de um “ricardismo à brasileira”, onde o
rendimento da terra era visto numa perspectiva diagonal, num entendimento mata
- agricultura e cerrado - gado, o que se traduz num determinismo histórico e
geográfico no que tange à exploração das terras de mata versus terras de
Cerrado. Isto em conjunto com o discurso da viabilidade do desenvolvimento
agrícola da região por meio apenas do colono europeu e/ ou de seus
descendentes servia para reforçar as ações tomadas pelo capital produtivo e pelo
Estado a fim de destituir a estrutura produtiva agrícola pré-existente para a
implementação do modelo agrícola da revolução verde.
Ou seja, estudos, como os de Waibel (1979), partindo de análises
deterministas ambiental e cultural, tiveram importância significativa para a
incorporação da agricultura goiana aos anseios da revolução verde, já que,
determinando as condições naturais do cerrado como impróprias para a produção,
sugeria e justificava a incorporação de tecnologias de produção exógenas que
resolvessem a inaptidão agrícola regional.
O clima e os solos da região aparecem aos olhos de Waibel (1979) como
dois elementos amplamente desfavoráveis, uma vez que, na concepção do
mesmo, em nada contribuíam para o povoamento da região, principalmente para a
adaptação da população imigrante de origem européia - que o autor insistia ser
necessária para que houvesse a colonização da região. O clima, segundo o autor,
apresenta caráter tipicamente tropical pela insignificante oscilação diurna e anual
da temperatura. “Se nestas condições uma população européia de pequenos
sitiantes se possa aclimatar, isto é, preservar através de sucessivas gerações a
sua capacidade física e intelectual, é absolutamente duvidoso” (WAIBEL, 1979,
p.308).
Quanto ao relevo, este aparece descrito como sendo muito favorável para o
povoamento e ótimo para as práticas agrícolas, porém, Waibel
(1979) salienta que em geral as chapadas são pobres em água e têm solo pouco
fértil e que isto se expressa pela ocorrência de imensas áreas de campos naturais.
Salienta também que nos estados de Goiás e Mato Grosso há extensas áreas de
mata com solos melhores, mas que estas matas estão separadas umas das outras
por imensas extensões de campo, o que torna um povoamento denso e contínuo,
nos moldes daquele realizado no Centro-Oeste dos Estados Unidos, praticamente
irrealizável. Numa referência à Bacia Amazônica afirma que tanto quanto o clima
os tipos de solos são decididamente desfavoráveis para um povoamento em
massa, principalmente para uma população de raça branca.
Nestes estudos é manifesto o desprezo pelo sertão e pela população mestiça
em contraponto com a extrema valorização das áreas economicamente
avançadas e dos imigrantes europeus.
Waibel (1979) afirma que para uma colonização em bases sólidas o Brasil
precisa do verdadeiro camponês, “segundo o conceito europeu”, cuja virtude é
estar intimamente ligado ao seu torrão e à sua propriedade, passando-a de pai
para filho.
Somente ele (o imigrante), por meio de seus métodos agrícolas intensivos,
será capaz de transformar os solos esgotados do leste em terras
permanentes de lavoura e com isso preencher as grandes lacunas de
distribuição da população na região de povoamento antigo (
WAIBEL,
p.170).
Pode-se verificar a ratificação constante do eurocentrismo.
A elaboração teórica que dá aos imigrantes maior significado em relação ao
brasileiro também é encontrada em Vianna (1987, p.192), este afirma serem os
imigrantes “capitalistas potenciais”:
[...] na verdade, o brasileiro, de classe média ou baixa, é sempre um
homem de “economia de vivência”, isto é, cujo objetivo na vida é ter um
meio de vida, que lhe permita puramente subsistir ou viver com relativo
conforto. Todo nosso povo, do alto abaixo está sob este espírito e vive
nesta forma de economia, mesmo os ricos e abastados. Somente nas
zonas coloniais, ou entre os estrangeiros, que vêm para cá “fazer a
América”, é que encontramos, mesmo entre trabalhadores (operários ou
simples lavradores colonos), o espírito de riqueza e da acumulação.
Além do determinismo cultural, embasando o discurso de que a agricultura
de Goiás, bem como todas as atividades econômicas do Oeste brasileiro, não
poderiam atingir avanço satisfatório em função da predominância da população
mestiça, cabocla e da não adaptação do imigrante europeu, o determinismo
ambiental, afirmando serem improdutivas as áreas de cerrado, serviu, num
primeiro momento, enquanto justificativa para o colonialismo interno, disfarçado
sob o pseudônimo de “desequilíbrio regional”, e, num segundo momento, para a
criação de um novo padrão produtivo agrícola baseado em novas relações sociais
de produção, instituídas pelo capital produtivo.
Waibel (1979) afirmou que o contraste entre a mata e o campo
desempenharia sempre papel decisivo na agricultura e na colonização do Brasil.
Nessa perspectiva apontava obstáculos naturais para certas culturas nas áreas de
campo cerrado.
São relegadas às regiões de campo cerrado algumas plantas pouco
exigentes como a mandioca, o algodão e o abacaxi, que aí se
desenvolvem satisfatoriamente, enquanto outras plantas mais esgotantes
como o milho, o arroz de espigão, a cana-de-açúcar e o café se limitam
apenas a solos de antigas florestas
(WAIBEL, 1979 p.184).
Diante disso, o capital produtivo apresentou, por meio do pacote tecnológico
da revolução verde, um antídoto ao suposto atraso na agricultura goiana, fazendo
surgir ali os mais altos índices de produção e de produtividade de grãos do país,
com destaque para a cultura do milho e da soja.
Logo, fez-se claro que as possibilidades agricultáveis naturais dos cerrados
não compunham o elemento determinante da menor ou da maior utilização
daquelas terras para a agricultura. A busca do espaço agrário goiano pelo capital
produtivo após 1960 comprovou isso, esclareceu que quando se fez necessário as
terras de cerrado passaram a ser utilizadas; foram criados os meios para que elas
se prestassem ao cultivo, isso só não ocorrera em períodos anteriores porque
outras formas de exploração, baseadas na vocação pastoril, atendiam às
necessidades de acumulação do capital.
Quanto ao significado do imigrante para o desenvolvimento econômico do
Oeste brasileiro, não nos parece ter fundamento a afirmação de Waibel (1979), de
que somente o “verdadeiro camponês, segundo o conceito europeu, intimamente
ligado ao seu torrão e à sua propriedade”, poderia impetrar o desenvolvimento de
tal região, uma vez que na agricultura desenvolvida atualmente nos estados de
Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, nota-se que o migrante,
predominantemente de descendência alemã e italiana, não tem tal relação com as
terras ocupadas por ele. Parece-nos que não é, então, a afinidade com a terra que
define os novos rumos produtivos, já que não há uma ligação afetiva dos
produtores com a terra cultivada e sim a intenção de reproduzir e ampliar o capital
aplicado a ela.
Na perspectiva do determinismo causal, limitante, o Cerrado é considerado o
responsável pelas organizações técnica e de trabalho, que se davam a partir das
suas condições naturais, descartando-se assim a articulação da economia
regional com a produção material capitalista, ou seja, não lida com a existência da
exploração capitalista da agricultura goiana anterior à década de (19)60.
Tal entendimento teve importância significativa para as formas de ocupação
que se seguiram e para a constituição da nova estrutura produtiva agrícola em
Goiás, já que atestava ser atrasado e antiproducente o modelo produtivo regional,
carecendo de substituição para que pudesse ocorrer o progresso. Neste caso
progresso é sinônimo da criação de mecanismos para a acumulação do capital
produtivo, por meio da importação de tecnologias, da criação de uma nova
estrutura produtiva e da formação de um novo perfil de produtores, situação esta
que veio a ocorrer com a assimilação do pacote tecnológico da revolução verde e
com o desenrolar do que se convencionou chamar de agricultura moderna.
1.3 A idéia de um Goiás moderno: instalação do capital produtivo na
agricultura - os campos da revolução verde.
Com base na idéia das limitações naturais do Cerrado, da incapacidade da
população regional e da rusticidade das técnicas utilizadas, o capital produtivo
parte para a ocupação do espaço agrário goiano utilizando-se do discurso de
superação do atraso por meio da implementação das técnicas de produção
contidas no pacote tecnológico da revolução verde.
A investida do capital produtivo em Goiás reforça o seu processo de
acumulação e ampliação. Processo este que, segundo Santos (1994, p.73),
é feito sob o pretexto de ajudar a solucionar problemas de abastecimento
de alimentos e de pobreza rural, mas a finalidade verdadeira é modernizar
a economia rural e aumentar a composição técnica e orgânica do capital
na agricultura.
A agricultura proposta para Goiás é um modelo explicado e justificado por
Schultz (1965) como uma agricultura que suplanta a agricultura tradicional,
equilibrada economicamente. Aponta que a agricultura tradicional traduz-se num
tipo particular de equilíbrio econômico e que este
é um equilíbrio a que gradualmente chega a agricultura, através de um
longo período, desde que prevaleçam algumas condições particulares.
Visto em perspectiva, um setor agrícola que no momento não é desse tipo
finalmente, se mantidas as mesmas condições durante um longo período,
chegará ao equilíbrio que caracteriza a agricultura tradicional. As
condições críticas que formam a base desse tipo de equilíbrio, seja
historicamente, seja no futuro apresentam: 1. o estado do conhecimento
permanece constante; 2. o estado das preferências e dos motivos para
manter e adquirir as fontes de renda permanece constante; 3. ambos
esses estados permanecem constantes durante tempo suficiente para que
as preferências e os motivos marginais para obtenção de fatores agrícolas
como fontes de renda cheguem a um equilíbrio com a produtividade
marginal dessas fontes [...]
(SCHULTZ, 1965, p.40).
Nessa perspectiva, Schultz (1965) salienta que o conceito de “tradicional”
está elaborado de acordo com a manutenção das mesmas atividades,
desenvolvidas durante várias gerações, com base na tradição e na experiência. É
tradicional por ser mantida pela repetição e transmissão. Assim, o referido autor
considera que as probabilidades de crescimento, em produção e produtividade,
provenientes da agricultura tradicional são poucas, uma vez que os agricultores já
“esgotaram as possibilidades de produção lucrativas proporcionadas pelo nível
dos conhecimentos de que dispõem” (SCHULTZ, 1965, p.136), isto é, encontram-
se limitadas as possibilidades de inovação.
A agricultura moderna é então, nesta perspectiva, uma conseqüência de
terem os agricultores adquirido e aprendido a usar novos e superiores fatores de
produção.
Considera também que a tradição na repetição, as rotinas há muito
estabelecidas, no que tange às atividades de produção, e o estágio elevado de
consolidação do conhecimento sobre as técnicas utilizadas podem se converter
em resistência, que se opõe a qualquer mudança sugerida ao estágio do
conhecimento verificado. Diante disso,
introduzir um novo fator de produção significaria não somente um
rompimento com o passado, como também ter que enfrentar um problema,
porque as possibilidades de produção do novo fator estarão sujeitas a
riscos e a incertezas até então desconhecidos
(SCHULTZ, 1965,
p.43).
Logo, do ponto de vista econômico, só é vantajoso investir na nova
agricultura, se o produtor que se dedicar a ela tiver o desejo, a oportunidade e o
incentivo para ultrapassar as barreiras da agricultura tradicional que lhe foi
transmitida por gerações anteriores, assimilar novos fatores de produção, e,
romper com o seu equilíbrio. Uma maior margem de lucro passa a ser, então, o
mecanismo atraente para que os agricultores já acostumados com a agricultura
tradicional possam aceitar um novo fator de produção. Não se pode desconsiderar
que por se tratar de um novo fator deve-se estar preparado para os riscos e
incertezas dos resultados.
Diante disso, Schultz (1965) afirma que o aumento na produção agrícola em
diversos países deve-se a reações dos agricultores às novas oportunidades
econômicas, não se originando, necessariamente, de abertura de novas áreas,
nem do aumento relativo dos preços dos produtos agrícolas, mas de novos fatores
agrícolas mais produtivos e da disposição, por parte dos agricultores, em buscá-
los e assimilá-los.
Estas são as perspectivas teóricas que embalaram o pacote da revolução
verde, que no Brasil iniciou-se pelos estados da Região Sul e que, posteriormente,
foi expandida em direção às áreas de Cerrado.
Porém, tal base teórica não nos parece ter consonância com a realidade
agrícola e agrária de Goiás, tendo em vista que o tradicional a que a teoria se
refere não se adequava à agricultura goiana até então praticada, já que esta
estava inserida no modelo plantation, não havendo a mencionada estagnação dos
fatores de produção.
O desenvolvimento das novas técnicas de produção não derivava de um
equilíbrio, ao qual a agricultura goiana havia chegado “por ter mantido constante o
estado de conhecimento e os fatores de produção”. Isto não é materialmente
visível na agricultura de Goiás, já que a agricultura goiana não se encontrava
estagnada e, sim, servindo ao capital em um outro estágio.
A teoria de superação da estagnação, por meio da implementação do novo e
do moderno, serviu para que o capital produtivo ocupasse o território por meio das
novas tecnologias de produção. A partir disso a exploração agrícola goiana
passou a carregar nos seus preceitos a constituição de uma agricultura comercial
ampla em capital e em tecnologias, com base num discurso de superação dos
rendimentos e de aumento da produtividade.
O capital produtivo, para ampliar sua reprodução, promoveu investimentos
em novos fatores de produção, necessários a esta fase, transformando as áreas
de Cerrado em extensos campos de cultivo. Para tal, foram feitos altos
investimentos em tecnologias químicas, mecânicas e biológicas buscando reduzir
os fatores de aleatoriedade da natureza, garantindo dessa forma, altos índices de
produção e de produtividade.
As novas tecnologias de produção estavam conjugadas à reestruturação das
unidades produtivas e à conformação dos Complexos Agroindustriais (CAI’s),
criando uma nova estrutura produtiva, de forma a aproveitar numa escala cada
vez mais ampla as possibilidades de produção e de produtividade agrícola em
terras goianas.
Fica estabelecido, assim, o chamado agribusiness em Goiás. O setor
agrícola passa a ser compreendido enquanto setor dinâmico e articulado ao
conjunto do desenvolvimento econômico nacional e internacional. Estrutura-se,
dessa forma, em Goiás uma cadeia produtiva onde, com o objetivo de dar suporte
à produção,
vinculam-se com o setor agrícola as indústrias de fertilizantes, defensivos,
máquinas e equipamentos agrícolas, financiamento (crédito, rural para
investimento e custeio), pesquisa agropecuária e os transportes desses
insumos. Na fase de distribuição e processamento vinculam-se os
transportadores dos produtos agrícolas, a agroindústria, os agentes
financeiros que apóiam a comercialização, os armazenadores e o
comércio (atacado e varejo), neste último encaixando-se inclusive o
importante subsetor de alimentação comercial (restaurantes, lanchonetes,
bares, etc.)
(COELHO, 2000, p. 28).
Está instalado, por fim, o tão propalado moderno nos campos goianos.
1.3.1 Sudoeste de Goiás: atração para a agricultura mecanizada.
No desencadeamento da tecnificação das atividades agrícolas em Goiás,
sua porção Sudoeste se destacou pela sua topografia e condições edafo –
climáticas favoráveis. O relevo tabuliforme convexo, plano, no máximo
suavemente ondulado, predominante em toda a região foi condição primordial
para a instalação da agricultura que se pretendia, plenamente mecanizada. Os
índices de pluviosidade elevados, com um período de estiagem menor do que o
convencional no estado, também são elementos importantes.
Numa comparação com o Sudeste de Goiás, por exemplo, os chapadões
do Sudoeste são mais vastos e planos, oferecendo uma área infinitamente maior
para a mecanização no que no Sudeste. Quanto à pluviosidade, o rigor da
estiagem, que naturalmente se estende de abril a agosto no Sudeste, no Sudoeste
é quebrado com ocorrência de chuvas, mesmo que esparsas, em alguns anos, até
mesmo nos meses de junho, julho e agosto. Esta condição pluviométrica permite o
cultivo da safrinha, que é o plantio de uma segunda safra logo após a colheita da
safra convencional, de verão.
Soma-se a isso a disponibilidade de fosfato e de jazidas de calcário. Sendo
este um elemento fundamental para a correção dos solos a fim da instalação da
sojicultura, sua disposição em larga escala transformou-se num forte atrativo para
a região.
Historicamente a região já era estratégica para o desenvolvimento de
atividades com fins comerciais, devido à sua proximidade com o estado de São
Paulo, grande centro consumidor e distribuidor de mercadorias. Desde as décadas
anteriores, o Sudoeste de Goiás já mantinha relações comerciais com aquele
estado por meio da venda de gado de corte. Diante disso, a microrregião (MRH) já
era dotada de importância na dinâmica econômica estadual, regional e nacional,
uma vez que possuía papel relevante no abastecimento dos mercados
consumidores de carne bovina.
Junto com o gado de corte, o Sudoeste de Goiás comercializava, também,
a produção agrícola excedente. Além do cultivo em escala comercial do arroz e do
algodão.
O Sudoeste de Goiás, bem como todo o estado de Goiás e a grande
maioria do Centro-Oeste, possui predominância de cerrado. Este domínio,
considerado uma formação savânica tropical, é encontrado numa superfície de
aproximadamente 2 milhões de Km
2
do território brasileiro, correspondendo
originalmente a 23,1% do total territorial. Brum (1988) já apontava o potencial da
produção de super safras em solos de Cerrado. Considerava que, naquele
momento, o Cerrado brasileiro ocupava um quinto do território nacional e que seu
aproveitamento agrícola já estava comprovado.
Estes elementos fizeram com que a região se tornasse alvo das políticas
públicas quando da intenção de expandir as lavouras temporárias rumo à região
dos Cerrados. Soma-se à topografia plana, favorável, a grande disponibilidade de
terras, atraindo investimentos no estabelecimento de lavouras monocultoras
mecanizadas. Estas ações transformaram o Sudoeste de Goiás numa paisagem
fragmentada, descontínua, dividindo espaço as imensas lavouras, as pastagens e
(poucas) áreas de vegetação nativa.
1.3.1.1 A gestação da nova elite regional.
A chegada do moderno não aparece completamente destituída de conflito.
Parte do espaço hoje dominado pela soja estava marcado e demarcado por
pecuaristas quando da introdução desta leguminosa na região. Isso fez com que
emergissem contradições entre a elite tradicional regional e a elite que se gestava
e ali pretendia se instalar.
Porém, estes conflitos não se deram numa escala muito ampla, vez que as
áreas aspiradas pela sojicultura não correspondiam exatamente às terras que
estavam destinadas à pecuária. Isto pode ser corroborado ao se analisar o mapa
06 , de uso do solo (capítulo 5), onde, por meio de imagem de satélite, nota-se
que, ainda hoje, grande parte das terras da região são destinadas à pecuária, ou
seja, não houve uma completa substituição do criatório bovino pela soja. Por isso,
não houve, também, uma substituição completa do pecuarista pelo sojicultor, o
que poderia redundar em conflitos explícitos e tensos.
Mesmo os conflitos não tendo se dado numa escala muito ampla, ainda
assim é possível identificar que dividem espaço, político e econômico, os antigos
agropecuaristas tradicionais e os novos empresários agrícolas modernos. O
conflito aparece, de certa forma velado, entre os novos ricos, migrantes na sua
maioria, dotados de posses e prestígio econômico, e os ricos tradicionais, com
sobrenomes conhecidos e respeitados, que, mesmo em alguns casos tendo
perdido o poderio econômico, continuam mantenedores de prestígio social e
político.
Por parte dos pecuaristas tradicionais há um ar, pautado numa pretensa
superioridade, de quem permitiu a entrada, a instalação e o enriquecimento dos
imigrantes. Estes, por sua vez, denotam, nas suas expressões, uma sensação de
superioridade em relação aos primeiros, por terem impingido à região,
historicamente daqueles, uma nova forma de produzir, que deu à mesma nova
conformação econômica e maior visibilidade no mercado de alimentos.
Como o agronegócio está compreendido como o gargalo da economia
brasileira, acaba por se sobressair a postura dos empresários agrícolas, voltados
à sojicultura. Diante disso, sua forma de agir e de se manifestar política e
culturalmente tem se sedimentado de forma aguda na região. A crescente
assimilação de hábitos e costumes da população forânea por parte da população
regional tem se fortalecido e, em alguns aspectos, chega a desqualificar a cultura
local.
Um exemplo disso são as diversas festas, com motivações agropecuárias,
comuns na região e em todo o estado de Goiás. Nestas têm-se identificado, a
cada ano, menos elementos da cultura regional; o que dá o tom são as músicas,
as comidas, os instrumentos de trabalho, que estão associados aos migrantes, à
forma de vida e ao trabalho dos mesmos.
Espacialmente é possível notar uma cisão na instalação residencial dos
ricos tradicionais e dos novos ricos. Os primeiros se mantêm, na sua maioria, na
região central das cidades, ou nos bairros próximos ao centro. Ocupam
residências imponentes, porém sem o traçado moderno, característico da
arquitetura dos bairros ocupados, na sua maioria, pelos sojicultores, como é o
caso do Setor Planalto, no município de Jataí.
Nos bairros mais novos, elaborados e equipados para os novos ricos, pode
se observar um padrão muito semelhante entre as construções. Todas
imponentes, com áreas de tamanho elevado, trazem no seu traçado arquitetônico
características em comum. Isso indica uma certa consonância dos anseios,
valores, gostos dos migrantes, que quando percebida no seu conjunto nos dá a
noção da força de ação, inserção e mudança no espaço regional impetrada por
este segmento.
1.4 Goiás: exploração agrícola com base na vocação de políticas
multilaterais.
O estado de Goiás, que já teve sua atividade agropecuária explorada com
base na noção de vocação pecuária, na atualidade parece ter sua atividade
produtiva agrícola desempenhada com base na vocação de políticas e
negociações multilaterais, diante das relações estabelecidas entre os produtores,
os fornecedores de todo o aparato produtivo, o capital financeiro e o comércio
mundial de alimentos.
Novas formas de interpretação do setor agrícola em Goiás se deram a partir
da internacionalização dos derivativos padronizados de bolsa, onde se tem a
elaboração dos contratos futuros, sobretudo da soja, que negociam a variação da
inflação com base num índice no futuro Índice Geral de Preços Médios (IGP-M) e,
assim, “oferece ao mercado um instrumento de hedge
16
contra as oscilações de
preços de acordo com a taxa de inflação” (RESENHA BM&F, 2002, p. 63). Desta
forma, o contrato futuro viabiliza a cobertura de riscos de oscilação de preços.
Para Barros (2005) a estratégia de hedge tem que estar mais presente. “É difícil
imaginar alguém que tenha uma escala muito grande e não tenha travado um
pedaço da sua produção em mercado futuro, quando o bushel de soja estava em
US$ 8 e US$ 9” (BARROS, 2005, p. 15).
É, pois, de acordo com esta nova fase que se difunde a produção de
commodities, que são produtos padronizados que não variam consideravelmente
em termos de qualidade e de oferta abundante. As commodities garantem a
16
Hedge: fixação do dólar; garantia de que no futuro o dólar esteja no preço combinado. Ex: em 30
de março de 2004 o dólar estava cotado a $3,20, para garantir que esta cotação se mantenha
pagar-se-á entre 16 e 18% do valor negociado.
continuidade de suprimento de produtos à agroindústria processadora, com a
garantia de preços médios, ao mesmo tempo em que não permitem que os preços
abaixem demais para o produtor nos períodos de colheita concentrada. Isso
significa que o produtor, além de dominar novas técnicas de produção, deve
adotar práticas de gestão financeira modernas.
Isto é realizado por meio de Bolsas de Mercadorias & Futuros, que no
lançamento e na reformulação de seus contratos agrícolas buscam atender as
necessidades e as exigências do mercado, movimentar maior volume de
negócios, atrair investidores estrangeiros e aproximar o preço negociado em bolsa
do valor de exportação (RESENHA BM&F, 2002, p. 58).
As bolsas de mercadoria funcionam, dessa forma, como uma alternativa para
o produtor gerenciar os riscos de investimento e garantir seus lucros. Para Walter
(2004) o mercado futuro é a forma de reduzir os impactos dos problemas
climáticos e de mercado. Já que o seguro agrícola não funciona de forma
adequada no Brasil, e fatores climáticos são impossíveis de serem controlados,
busca-se, no momento da venda, garantir um preço capaz de cobrir os custos de
produção e ainda permitir uma maior margem de lucro.
Tal movimentação só ocorre na medida em que há uma redução significativa
da intervenção do Estado nos mercados agrícolas, o que faz com que a renda
agrícola fique cada vez mais dependente do mercado internacional e menos
dependente da política agrícola oficial.
Para isso o Estado brasileiro mudou sua postura em relação às negociações
internacionais envolvendo a agricultura, vejamos:
o ambiente de proteção comercial, que dominou a economia brasileira até
fins da década de 1980, não colocava as questões relacionadas com o
comércio exterior e as negociações internacionais entre os principais itens
da pauta de prioridades de atuação das organizações empresariais no
Brasil. O interesse pelo intercâmbio com o exterior estava, de modo geral,
mais relacionado com preocupações pontuais de setores ou empresas
quanto ao tratamento que seria dispensado a produtos específicos
(BERALDO, 2000, p. 3).
As mudanças de comportamento do Estado brasileiro, em relação às
negociações agrícolas, estão de acordo com a conclusão da “Rodada Uruguai”,
em 1994
17
, quando se assinou um acordo agrícola enquadrando a agricultura
dentro das disciplinas do comércio. De acordo com Beraldo (2000), a partir daí as
negociações internacionais e a política de comércio exterior passaram a assumir
um papel de destaque no programa de trabalho das organizações empresariais.
Para o mercado interno, esta internacionalização tende a diminuir a volatilidade de
preços, ocasionada pelas condições de safra e entressafra.
1.4.1 A financeirização da agricultura no Sudoeste de Goiás.
Em Goiás a agricultura financeirizada é mais manifesta na sua porção
Sudoeste. Ali já é sabido pelos produtores que algumas estratégias de
comercialização adotadas, como esperar pelo preço mais alto, nem sempre é a
melhor prática. Frente a isso, antecipar a comercialização de parte da safra e
aplicar os recurso obtidos com a venda no mercado financeiro ou utilizar esses
recursos para o custeio das lavouras, negociando melhores preços na aquisição
de insumos, constitui-se numa importante alternativa na busca do preço mais alto.
Para tal a Cédula de Produto Rural (CPR) tem sido uma das melhores
opções.
Uma das principais vantagens da utilização da CPR, como forma de
financiamento do produtor rural, é a possibilidade de aumentar a
rentabilidade da atividade agrícola, mediante obtenção de recursos fora do
período de liberação de recursos oficiais, em que os preços dos insumos e
serviços utilizados têm uma elevação em razão do aumento da demanda.
Outra vantagem é que a cédula, por ser garantida pelo banco, apresenta
maior liquidez do que as outras formas de contratos a termo
(AGUIAR,
2000 apud HONDA; WEYDMANN, 2001, p. 27).
17
Ver BERALDO (2000).
Em pesquisa realizada junto às agências do Banco do Brasil de Rio
Verde/GO e de Jataí/GO, em fevereiro de 2005, verificamos que a CPR é muito
mais eficiente para o produtor e para o capital do que o crédito rural, já que este
atende apenas parcialmente ao custeio da produção. A CPR antecipa os recursos
financeiros pela aquisição de uma mercadoria com entrega futura. Outra vantagem
para o produtor é que os custos de formalização e operacionalização deste tipo de
transação são bem menores do que os de outros tipos de contratos realizados.
Segundo Honda e Weydmann (2001) os compradores remuneram o capital
antecipado, aplicando uma taxa de juros sobre as cotações futuras do produto
para o mês de entrega, obtendo-se um valor presente que será o valor a ser pago
nas aquisições através da CPR. O papel do banco é avalizar as CPR’s emitidas
por seus clientes, produtores rurais, junto aos compradores, podendo, ainda, fazer
a intermediação do negócio, caso o produtor não tenha definido o seu comprador.
Segundo Barros (2005), a CPR começou a ser vista pelo sistema financeiro como
garantia porque tem lastro na produção.
A redução dos juros para a agricultura no ano de 2004 aumentou a busca por
financiamentos, principalmente a CPR. Isto, conjugado à elevação dos custos de
produção e ao difícil acesso a financiamentos em outras fontes, fez com que a
demanda por crédito junto ao Banco do Brasil, na forma da CPR, obtivesse índices
elevados.
O estado de Goiás figura como o segundo estado brasileiro que mais capta
recursos nas operações com a Cédula do Produtor Rural (CPR) no país, seguido
pelos estados do Paraná e de Minas Gerais, estando atrás do Mato Grosso, que é
o estado com a maior captação de recursos nesta operação.
Para os produtores do Sudoeste de Goiás o mercado futuro, enquanto
ferramenta para gerenciamento de riscos, tem sido cada vez mais usado. A
fixação protege os preços dos produtos das oscilações do mercado e pode ser
garantia de maior lucratividade.
O produtor que estabelece um preço para seu produto agrícola, com uma
margem considerável de antecedência, tem melhores condições de planejar suas
atividades ao longo do ano, tendo em vista que terá certo o valor a ser pago pelo
seu produto no momento da comercialização. Este produtor corre menos riscos de
sofrer prejuízos já que o seu produto possui preço projetado e fixado no mercado
futuro, dessa forma não estará sujeito às alterações de preços, tão comuns na
venda à vista.
Esta prática não é comum a todos os produtores da região, já que exige uma
concepção de exploração agrícola que vá além da absorção e domínio de técnicas
avançadas de produção. Exige que se tenha, também, práticas de gestão
financeira avançadas, que, de acordo com Barros (2005, p.16), “mostram o que é
importante, o que o produtor não pode fazer, por isso mesmo é o grande desafio
dos empreendedores do campo”.
Para Walter (2004),
O produtor para negociar e obter sucesso no mercado futuro deve,
necessariamente, seguir tal caminho: definir custo de produção; controlar
fluxo de caixa e ter reserva financeira; analisar cuidadosamente os
contratos de interesse antes de negociar; montar equipe para coordenar a
comercialização; possuir estrutura financeira e de análise de risco; não
fazer hedge de toda a produção; procurar corretora cadastrada na bolsa;
usar a bolsa como garantia de preço; conhecer as regras do jogo; evitar
especulações
(WALTER, 2004, p.28).
No município de Jataí/GO os produtores contam com uma empresa
especializada no ramo e cadastrada junto à Bolsa de Mercadorias e Futuro
(BM&F) e ao Chicago Board of Trade (CBOT) para realizar as transações, a
“Grecco Corretora de Grãos” é responsável pelas negociações dos produtores da
região.
1.5 Goiás em busca da não especialização produtiva (?)
Embora a atividade agrícola dê o tom à economia goiana, os empresários e o
poder público de Goiás vêm lutando para extrapolar a geração de produtos
primários, buscando a não-especialização/ monoprodução. O estado, por meio de
guerra fiscal, busca atrair indústrias beneficiadoras/ processadoras de alimentos,
de forma a não estar monoliticamente dominado por um único setor econômico. O
crescimento da entrada de capital nacional e internacional nas atividades
econômicas desenvolvidas, tendo o Estado como mediador, explicita isso.
Os diversos projetos de construção de Pequenas Centrais Hidroelétricas
(PCH’s) e Usinas Hidroelétricas (UHE’s) no estado podem ser tomados como
demonstrativo do esforço de fugir da característica de produção primária, já que a
ampliação do potencial energético é condição primeira para a instalação de
indústrias.
No Sudoeste do estado estão concentrados vários projetos de construção de
Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCH’s) e Usinas Hidroelétricas (UHE’s),
conforme pode ser verificado no mapa 02. No mapa estão representados todos os
projetos de represamento para os rios Alegre, Aporé, Claro, Corrente e Verde, que
compõem a Bacia do Sudoeste Goiano, que, por sua vez, faz parte da Bacia do
Paranaíba.
Nota-se que, das 29 unidades geradoras de energia previstas, 12 UHE’s e 03
PCH’s estão programadas para serem construídas na microrregião Sudoeste de
Goiás. As demais 14 estão previstas para outros municípios da vizinha
microrregião de Quirinópolis.
Mapa 02: Localização das PCH’s e UHE’s previstas para o Sudoeste de
Goiás.
Os projetos de geração de energia elétrica, sejam os já construídos, os em
construção ou os em estágio de elaboração/planejamento, têm sido recebidos com
muitas críticas e resistência por alguns segmentos da sociedade goiana. Porém,
mesmo com organizações da sociedade civil e manifestações populares contrárias
tais projetos vêm sendo implementados, vez que o poder público considera mais
importante o aumento do potencial energético à disposição das indústrias do que
os problemas sociais e ecológicos ocasionados pela construção das barragens
para fins de geração de energia hidroelétrica.
Outro aspecto que evidencia que o estado de Goiás não está restrito à
monoprodução é o crescimento e a multifuncionalidade da cidade de Goiânia, que
tem se destacado no cenário nacional enquanto cidade polivalente, de diversos
negócios. Goiânia tem sediado grande parte dos principais congressos da
comunidade científica brasileira e encontros empresariais de ramos diversos.
Reuniões, congressos e encontros que vão do agribusiness, à medicina e ao
turismo têm colocado Goiânia na rota dos principais eventos do Brasil.
Reuniões como o 21º Encontro Econômico Brasil – Alemanha, realizado na
cidade de Goiânia em outubro de 2003, corroboram esta premissa. Na ocasião foi
assinado um convênio entre a Federação das Indústrias do Estado de Goiás
(FIEG) e a Confederação das Indústrias da Alemanha (BDI), firmando uma
cooperação para promover o intercâmbio comercial e técnico entre empresários
goianos e alemães, priorizando os setores têxtil, de confecções e calçados,
farmacêutico, de alimentos e bebidas, metal-mecânico, mineração, embalagens,
gráfico, mobiliário e de logística.
Dessa forma, busca-se o reconhecimento e o desenvolvimento do potencial
de produção do estado de Goiás para além da agricultura.
O quadro 01 apresenta a evolução dos estabelecimentos industriais
cadastrados na Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás nos anos de 1991,
1996, 1999, 2001, 2002 e 2003. Pode-se verificar que houve um aumento
considerável em alguns setores, com destaque para materiais elétricos e de
comunicação, material de transporte e transportes, papel e papelão, química,
produtos farmacêuticos e veterinários, produtos de material plástico, têxtil,
vestuários, calçados e artefatos de tecidos, produtos alimentares e bebidas,
editorial e gráfica e borracha.
Quadro 01: Estabelecimentos industriais cadastrados na Secretaria da
Fazenda do Estado de Goiás nos meses de jun/91, jun/93,
maio/96, maio/99, jan/01, jan/02 e jan/03.
Especificação
Jun./
1991
Jun./
1993
Maio./
1996
Maio./
1999
Jan./
2001
Jan./
2002
Jan./
2003
Produtos Minerais Não-
Metálicos
887 1.007 1.013 803 819 916 937
Metalurgia 663 726 700 556 649 695 714
Mecânica 97 110 136 119 125 138 155
Materiais Elétricos e de
Comunicação
61 83 106 81 98 108 122
Materiais de Transporte
e Transporte
83 91 97 86 89 141 143
Madeira 497 505 458 266 296 307 296
Mobiliário 706 759 774 600 627 651 625
Papel e Papelão 33 33 39 40 49 59 63
Couros, Peles e
Produtos Similares
110 123 149 98 111 118 114
Química 122 145 157 148 151 324 299
Produtos Farmacêuticos
e Veterinários
44 51 55 48 57 76 83
Perfumaria, Sabões e
Velas
47 56 84 60 77 87 87
Produtos de Material
Plástico
62 78 90 88 109 138 147
Têxtil 31 40 48 67 83 86 100
Vestuário, Calçados e
Artefatos Tecidos
2.619 2.786 3.358 2.343 2.828 3.289 3.304
Produtos alimentares 2.484 3.074 3.470 2.989 3.116 3.209 3.068
Bebidas,
lcool Etílico e
Vinagre
62 70 85 63 84 153 142
Fumo 6 8 8 6 18 15 14
Editorial e Gráfica 203 271 296 292 301 469 511
Borracha 29 35 33 30 34 55 53
Diversos 415 660 798 637 684 811 832
Total 9.261 10.711 11.954 9.420 10.405 11.845 11.809
Fonte: SEPLAN-GO/SEPLIN. Gerência de Estatísticas Sócio-econômicas, 2003.
Adaptação: Ribeiro, 2005.
A maioria destes setores possui relação direta com a produção agrícola,
tendo suas atividades direcionadas para o suporte agroindustrial. Os
investimentos, financiamentos, construção de infra-estrutura energética e de
transportes evidenciam que Goiás tem buscado, cada vez mais, agregar valor aos
seus produtos dentro do seu território, ao invés de exportar produtos na sua
versão primária, de matéria – prima.
Verifica-se, então, que a economia goiana salta em direção à agregação de
valores. A consolidação do complexo agroindustrial na MRH Sudoeste de Goiás
corrobora tal premissa, já que elabora grande parte dos produtos agrícolas ali
produzidos, fazendo com que parte da exportação seja de produtos derivados e
não dos produtos na sua versão in natura.
2. O CENÁRIO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO SUDOESTE DE
GOIÁS.
A incorporação das práticas tecno-produtivas contidas no pacote
tecnológico da revolução verde promoveu novo arranjo espacial nas áreas alvo
das mudanças propostas. Isso se deu, pois de acordo com Santos (1988), todas
as vezes que o processo produtivo do momento impõe técnicas de trabalho
estranhas à região onde serão utilizadas, inicia-se a desestruturação das
organizações sócio-espaciais.
As terras goianas, diante da expansão e da introdução das frentes
modernas de produção, tiveram suas formas de exploração alteradas, fazendo
delas novos fronts produtivos. Novos cultivares passaram a compor a paisagem
agrícola, como as lavouras de soja e o cultivo do milho em escala comercial.
A incorporação dos novos instrumentos de trabalho e as alterações na
pauta de produtos, no uso da terra e nas relações de produção e de trabalho
inseriram a agricultura goiana num novo arranjo econômico nacional e
internacional, ocasionando uma reestruturação da organização espacial regional
pré-existente.
Neste processo, a MRH Sudoeste de Goiás despontou nos interesses dos
investidores como região propícia para o investimento dos novos equipamentos
produtivos, dada a sua conformação geomorfológica, condições edafo-climáticas,
e localização estratégica de entrocamento. O resultado de tudo isso pode ser
verificado atualmente na região, onde a agricultura intensiva em capital e em
tecnologia, industrialmente integrada, dá o tom à paisagem regional.
As tecnologias utilizadas e os números de produção e de produtividade e de
área plantada e colhida comprovam o avanço técnico e produtivo da agricultura
sudoestina em relação à desenvolvida nas outras regiões goianas. A reorientação
da pauta de produtos e as mudanças no uso da terra corroboram tal premissa e
denotam que mudanças profundas deram outra tônica à agricultura da região.
Neste esquema produtivo, a prática do arrendamento capitalista aparece
como indicativo da reorientação da relação do produtor com a terra. Uma relação
mercantil e capitalista, cujo objetivo é aumentar o potencial de exploração e de
lucratividade.
2.1 Políticas agrícolas e agrárias para a agricultura
industrialmente integrada.
É indispensável, mesmo que breve, uma menção à atuação do Estado no
desenvolvimento de políticas de fomento para o setor agrícola, que conduziram as
mudanças ocorridas no agro brasileiro a partir da década de (19)60. Já foi
ressaltado, por diversos estudiosos da temática, que o Estado brasileiro foi o
principal agente, ao lado do capital, na promoção das transformações ocorridas no
campo brasileiro, dando a sustentação básica à implementação do que se
entendia moderno, conduzindo à consolidação dos Complexos Agroindustriais.
Para Sorj (1986, p.69),
a ação do Estado nesse contexto orienta-se para a modernização da
agricultura, visando a integrá-la ao novo circuito produtivo liderado pela
agroindústria de insumos e processamento de matéria-prima, ao mesmo
tempo em que mantém seu papel de estabilizador entre as necessidades
do mercado interno, e de gerador das condições infra-estruturais
necessárias à expansão do conjunto do setor.
O conjunto de medidas políticas e creditícias implementadas pelo Estado
reformularam as bases infra-estruturais e tecnológicas da agricultura. As ações de
(re)organização do espaço para sua adequação às novidades dos setores
industrial e agropecuário, são, no dizer de Ramos (2001), políticas desenvolvidas
para o recebimento de novos objetos, por meio da criação de fixos e fluxos, para a
adequação do espaço.
Tal esforço redundou, dentre tantos outros procedimentos, no financiamento
e no desenvolvimento de pesquisas para o setor agropecuário, que tiveram papel
preponderante na incorporação das áreas de Cerrado ao modelo de exploração
agrícola que se pretendia.
Quanto ao estado de Goiás, este já vinha sendo alvo de medidas que
ambicionavam o uso mais intenso de seus solos, porém, as políticas agrícolas
implantadas a partir de 1930 e a Marcha para o Oeste atingiram o território goiano,
mas não alteraram a dinâmica da estrutura produtiva. Mesmo a criação de
Colônias Agrícolas, a construção de Goiânia e de Brasília e a construção de
algumas rodovias não se constituíram em fatores determinantes para a alteração
da estrutura produtiva e das relações de produção, o que só veio ocorrer no pós
1960, de acordo com os objetivos do I e II PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento).
As políticas
18
que objetivavam a ocupação dos espaços vazios na realidade
representaram uma forma legal, impetrada pelo Estado, para que outras formas
não capitalistas, clandestinas, não ocupassem as terras, ou, onde estas já se
manifestavam, que não se fortalecessem e/ ou se recriassem. Isto configura o
Estado se antecipando ao capital, organizando a ocupação e a exploração das
terras e, em seguida, disponibilizando-as aos empresários rurais.
Segundo Delgado (2001), no mundo todo, em países com diferentes graus
de desenvolvimento econômico, o Estado tem tradição na intervenção na
agricultura, com o objetivo de regular os mercados agrícolas, de maneira a
garantir preços e rendas para os agricultores, e estimular a produção doméstica,
para que o abastecimento alimentar, principalmente urbano, não seja
comprometido pela escassez de produtos e por preços internos muito elevados.
Delgado (2001, p.21) sugere que quando o tema é intervenção do Estado na
agricultura deve-se ter em mente dois tipos de políticas, a macroeconômica e a
setorial:
18
Sobre políticas públicas para o Centro-Oeste e para a agricultura nos Cerrados ver Ferreira,
2001; Borges, 2000; Belik, 1998; Delgado, 1997.
1. A política macroeconômica busca afetar os grandes agregados da
ECONOMIA, tanto em termos de quantidades - por exemplo, o nível, a
composição e a taxa de crescimento da renda e da demanda agregadas,
da quantidade total de moeda, dos gastos governamentais, das
exportações e das importações, bem como dos fluxos de entrada e de
saída de divisas estrangeiras e de capital externo em geral – quanto de
preços – os chamados preços macroeconômicos básicos, como a taxa de
câmbio, a taxa de juros, a taxa de salários, e o nível geral de preços.
2. A política setorial refere-se à política econômica formulada com o
objetivo de influenciar diretamente o comportamento econômico-social de
um setor específico da economia nacional (indústria, agricultura,
transportes, etc.). Em relação à agricultura, pode-se mencionar três tipos
principais de política econômica setorial: a agrícola, a agrária e a política
diferenciada de desenvolvimento rural.
No pacote das políticas agrícolas estão as questões referentes a preços,
crédito e comercialização, isto é, o mercado de uma forma em geral, e as
questões estruturais tais quais infra-estrutura, disponibilidade de recursos,
pesquisa, extensão etc, que buscam satisfazer necessidades de curto prazo, mas,
também, investir em fatores de ordem estrutural.
Numa agricultura de escala, mercantilizada, integrada agroindustrialmente,
como a agricultura do Sudoeste de Goiás, a política agrícola age no que tange à
regulamentação dos preços, dos fatores de produção aos produtos finais, no
padrão tecnológico adotado, no processo de integração agroindustrial, que quase
sempre quer dizer internacionalização.
Em relação à política agrária, esta é mais específica para a posse e a
propriedade da terra, englobando questões como a reforma agrária e políticas de
colonização.
A política agrária está assentada na concepção de que a propriedade e a
posse da terra – especialmente em economias e sociedades como as
latino-americanas, são fatores especiais que condicionam a estrutura da
produção agrícola, as condições de reprodução de grupos sociais distintos
e as relações de poder no campo, e determinam a distribuição de riqueza
e da renda entre os diferentes tipos de agricultores que coexistem no meio
rural
(DELGADO, 2001, p. 23 – 24).
O significado destes dois tipos de políticas indica que a separação entre as
mesmas não deve existir, ambas devem ser integradas para surtirem efeitos reais,
de forma mais democrática. É arcaico se aplicar estas políticas de maneira
isoladas, disso decorre que os resultados são tendenciosos em direção à elite
rural e/ ou urbana.
No caso das políticas impetradas pelo Estado de forma a alterar a estrutura
produtiva agrícola da Região dos Cerrados, o que se identifica são políticas
agrícolas que beneficiaram as elites em detrimento dos camponeses,
trabalhadores rurais, pequenos produtores e agricultores familiares. Os interesses
das elites urbana e rural orientaram as ações públicas, que trataram de proteger a
propriedade da terra e os interesses da indústria de insumos e de equipamentos
agrícolas.
Como as políticas agrícolas para os Cerrados não vieram acompanhadas de
uma política agrária, o resultado foi a manutenção da concentração da terra,
acompanhada da seleção dos produtores que se enquadrassem no modelo
produtivo proposto, bem como a exclusão dos demais.
As políticas públicas não tiveram o caráter de desconcentrar a estrutura
fundiária. A concentração das terras, característica nos campos brasileiros, é
fielmente representada nas áreas de Cerrado do Brasil Central e as políticas
econômicas, agrária e agrícola, implementadas ao longo dos anos funcionaram
como estímulos ao agravamento desta concentração. A dimensão das
propriedades nas áreas de Cerrado ultrapassa os limites exigidos pela técnica e
pela economia.
O mapa 03 explicita tal questão. Pode-se verificar que a Região dos
Cerrados é marcada pelo predomínio das grandes propriedades, contemplando
não só a Região Centro-Oeste, mas também as áreas de Cerrado dos estados de
São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Tocantins, Bahia e Piauí.
Mapa 03: Estrutura Fundiária do Brasil
2.2 Tecnologias de produção e “construção de solos”.
A absorção de tecnologias avançadas e intensivas em capital permitiu a
incorporação das áreas recobertas por Cerrado à prática agrícola especializada na
monocultura tipo exportação, de forma que a Região dos Cerrados passou a ser a
principal responsável pelo aumento da produção agrícola brasileira. Diante disso,
Cunha (1994) afirma que a agricultura dos Cerrados brasileiros é efetivamente um
produto da tecnologia moderna.
Em se tratando da mudança no padrão tecnológico da agricultura no
Sudoeste de Goiás, as técnicas desenvolvidas para a preparação e o
aproveitamento dos solos foram as que mais se destacaram. Estas ampliaram de
forma acentuada a capacidade de ação do homem sobre a natureza, dando a
áreas consideradas como imprestáveis para o cultivo o status de terras de elevada
produtividade.
Sobre tal questão Cunha (1994) explica o ocorrido nas áreas de Cerrado
afirmando que os solos do Cerrado foram construídos. Salienta, ainda, que além
da melhoria do potencial agrícola destes solos, deve-se considerar a importância
do resultado de diversas pesquisas que redundaram em melhoramento genético e
na elaboração de novas variedades, principalmente no caso da soja, que só
poderiam ser exploradas mediante a redução dos níveis de acidez dos solos.
Cunha (1994, p.124) descreve o processo de construção de solos da
seguinte forma:
Os solos muito ácidos e pobres em nutrientes da região eram imprestáveis
à agricultura. Formas de limpeza e preparo do terreno e correção da
acidez dos solos foram desenvolvidas assim como fórmulas de fertilização.
Pela aplicação de calcário corrige-se a acidez e elimina-se a toxidez do
alumínio. Em parte, por isso, aumenta-se a eficiência do fósforo. O enxofre
ajuda a transportar o fósforo até camadas mais profundas e em velocidade
adequada. Particular importância pelo que representou em termos de
redução de custos de produção, economia de divisas e por seu impacto na
preservação ambiental teve o desenvolvimento de raças de rizóbium
apropriadas ao cerrado. Graças a esse avanço o cultivo da soja, hoje,
dispensa completamente a aplicação de nitrogênio. Para que se passasse
da teoria à prática, equipamentos especiais tiveram de ser desenhados e
mão-de-obra teve de ser treinada [...] De recurso natural, herdado, os
solos dos cerrados transformaram-se em capital artificialmente produzido.
Sobre a evolução técnica na agricultura Graziano da Silva (1978, p.253)
afirma que esta tem o objetivo de libertar as condições de produção do ciclo da
natureza, de corrigi-la e até mesmo de superá-la, minimizando o efeito das secas,
das geadas, dos solos ruins, das pragas, etc. sobre a produção agrícola, de forma
a melhor assegurar a rentabilidade do capital investido. Nesse sentido, o chamado
progresso se revela no fato de que “sob o domínio do capital, transformações que
poderiam levar séculos para serem efetivadas tornam-se possíveis em poucas
décadas”.
Este foi o caráter das transformações ocorridas na agricultura de Goiás,
especificamente na sua porção Sudoeste, e parte do Sul e do Sudeste. As
técnicas aplicadas tiveram a função de transformar a prática agrícola e permitir um
tipo de exploração que até então não se tinha desenrolado.
Deve-se considerar que a exploração que se ansiava viabilizar era a
agricultura pautada nas relações capitalistas de produção, com novos cultivares e
destinos internacionais. Essa agricultura, para se desenvolver nestes moldes,
carecia de novas condições de solos, de sementes, de insumos e de máquinas,
todos dimensionados para produzir grãos em áreas de Cerrado, numa escala
comercial.
Não é válido, pois, afirmar e reproduzir o atestado de que a produção
agrícola, no geral, não era viável em áreas de Cerrado. Absolutamente! As
práticas agropecuárias ali desenvolvidas pela sua população nativa, há séculos,
permitiam boas safras e bons rebanhos, com fartura para o abastecimento local e
comercialização com outras regiões. Os agricultores, homens e mulheres da terra,
dotados de conhecimentos minuciosos sobre o clima regional, os recursos
hídricos, a vegetação, as estações e as variações climáticas, souberam, e ainda o
sabem, aproveitar-se das condições naturais para desenvolver uma exploração
agrícola rica, variada e suficiente para viverem com bonança.
Quando se trata, então, de “viabilização da produção agrícola em áreas de
cerrado goiano”, está se referindo à introdução de técnicas e cultivares exógenos
naquelas áreas, onde o relevo tabuliforme convexo, plano, dos chapadões é ideal
para o uso de máquinas, mas as condições naturais dos seus solos não são
adequadas à formação de grandes lavouras. No afã de se aproveitar os
chapadões, para ali instalar extensas lavouras de soja, milho, algodão, dentre
outras, precisava-se alterar as características químicas dos solos, bem como
desenvolver todo o aparato de suporte para os novos cultivares que entrariam em
cena.
Por isso, as tecnologias de produção, simbolizadas pelas técnicas de preparo
do solo, uso de máquinas, de insumos e de sementes, chegaram ao Sudoeste de
Goiás carregadas de conteúdo revolucionário e, tudo, em termos de prática de
exploração agrícola, que precedeu tal momento foi concebido, como que por
decreto, como atrasado, e, por isso era necessário ser suplantado.
Por conseguinte, o produtor goiano também passou a representar uma figura
arcaica e retrógrada diante do dinamismo trazido pelo produtor gaúcho
19
, este foi
visto enquanto símbolo do progresso e enriquecimento por meio da disposição
para o trabalho e que, por isso, tornou, as áreas de Cerrado no celeiro de grãos do
Brasil, coisa que, reza a regra, o agricultor regional em séculos não conseguira
fazer. Dessa forma, determina-se uma superioridade do gaúcho em relação à
população regional. Tal questão lembra, de certa forma, o “mito Matarazzo”,
tratado por Martins (1990)
20
.
2.3 O uso da terra.
A disseminação das lavouras temporárias de soja, milho, algodão, cana,
sorgo e trigo, dentre outros cultivares, ilustra os novos rumos dados à agricultura,
pintando novo desenho no cenário agrícola regional.
Os gráficos 01, 02 e 03 auxiliam na leitura da evolução da área plantada,
em hectare, dos principais produtos agrícolas na MRH Sudoeste de Goiás e nos
municípios de Rio Verde e Jataí, no período compreendido entre 1970 e 2000.
São apresentadas culturas tradicionais, como a mandioca e o café, ao lado
de novos cultivares, como a soja. O algodão, a cana, o arroz, o feijão e o milho
sempre foram cultivados pela população regional, fazendo parte do consumo
19
A denominação gaúcho e/ou sulista é aplicada a todos os produtores que vieram das Região Sul
e Sudeste e se assentaram em áreas de Cerrado para ali instalarem as lavouras monocultoras
com base em tecnologias modernas e práticas de cultivo outras. Não significa, necessariamente,
que o mesmo seja oriundo do Rio Grande do Sul.
20
Martins (1990) tratou de como a burguesia agrária atestou que o trabalho e a privação levavam
ao enriquecimento do trabalhador. Os imigrantes serviram para a validação desta idéia. O Conde
Francisco Matarazzo destacou-se como “prova absoluta” desta concepção. Matarazzo teria sido
um imigrante pobre e sem recursos que “enriquecera no Brasil graças ao trabalho árduo e à
aspiração de independência”.
desta, com venda do excedente doméstico. Porém, a partir da década de (19)70
novas variedades foram introduzidas e estes cultivares ganharam nova roupagem.
Verifica-se que, exceto o cultivo da soja e do milho, os demais produtos
tiveram suas áreas de plantio reduzidas quase à extinção. Em alguns casos, como
a mandioca, historicamente base na alimentação do brasileiro em geral, não existe
mais o cultivo numa escala que se possa mensurar. Esta tem sua área limitada a
pequenas roças e/ ou quintais, lotes urbanos, corredores das rodovias, etc. O
cultivo do café, que geralmente se dava de forma consorciada com o milho,
também não pode mais ser mensurado devido à sua insignificante área plantada.
O arroz foi bastante utilizado no processo de abertura das áreas de cerrado
para a instalação das grandes lavouras, objetivava-se reduzir a acidez dos solos a
partir do cultivo deste e da aplicação de calagem. Por isso, até a década de 1980
verifica-se que a área deste cultivar ainda era significativa. Porém, na medida em
que os recursos químicos foram sendo aprimorados e disponibilizados os campos
de arroz tiveram suas áreas reduzidas, ao passo que se tornaram crescentes os
campos de soja e de milho. Este último é uma cultura endógena, diferente da soja,
que é um cultivar exógeno à agricultura goiana. Porém, o mesmo só veio a ser
cultivado em grande escala, em quantidade para ser exportada, a partir da
implementação das formas de exploração agrícola calcadas nas tecnologias do
pacote tecnológico da revolução verde, quando passou por transformações
substanciais, de forma a se tornar mais resistente e com maior produtividade,
para, assim, extrapolar o mercado regional de alimentos e trilhar o caminho da
exportação.
Situação semelhante à do milho foi a da cana e a do feijão, que passaram
por processos de melhoramento, isto é adequação aos novos padrões de
produção, sendo que a produção deixou de se dar em conformidade com o
consumo regional.
Esta realidade pode ser verificada no Sudoeste de Goiás como um todo. Do
conjunto da MRH destacamos os municípios de Rio Verde e Jataí por serem estes
expoentes regionais na produção agrícola industrialmente integrada.
Gráfico 01: Evolução dos principais produtos cultivados no Sudoeste de
Goiás, no período de 1970 a 2000.
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
1970 1975 1980 1985 1996 2000
Café
Algodão
Arroz
Cana
Feijão
Mandioca
Milho
Soja
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96; Levantamento
Sistemático da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Organização: Ribeiro, 2005.
Gráfico 02: Evolução dos principais produtos cultivados no município de
Jataí-GO, no período de 1970 a 2000.
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
180000
1970 1975 1980 1985 1996 2000
Café
Algodão
Arroz
Cana
Feijão
Mandioca
Milho
Soja
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96; Levantamento
Sistemático da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Organização: Ribeiro, 2005.
Gráfico 03: Evolução dos principais produtos cultivados no município de Rio
Verde-GO, no período de 1970 a 2000.
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
160000
180000
200000
1970 1975 1980 1985 1996 2000
Café
Algodão
Arroz
Cana
Feijão
Mandioca
Milho
Soja
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96; Levantamento
Sistemático da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Organização: Ribeiro, 2005.
2.4 A pauta de produtos.
As mudanças no que tange ao uso da terra se dão de forma consorciada às
alterações na pauta de produtos. A área cultivada com lavouras temporárias que,
nas décadas de (19)70 e (19)80, se dava em pequenas parcelas, na década de
1990 avultou, tornando-se superior, inclusive, à área utilizada para pastagens
naturais, evidenciando a transição do perfil pecuário para o perfil agrícola na
região, embora a área utilizada para pastagens plantadas também tenha
aumentado, o que evidencia que as tecnologias de produção também se
estenderam ao setor pecuário.
O quadro 02 demonstra a evolução da área utilizada para lavouras
temporárias e permanentes e para pastagens naturais e plantadas nos anos de
1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-6, no Sudoeste de Goiás. Os dados apresentados
indicam que a incorporação de novos cultivares à pauta de produtos promove
alterações no cenário produtivo no que tange ao uso da terra, poiscultivares como
a soja e o milho simbolizam a ampliação da área com cultivos anuais. A
sofisticação técnica que diz respeito à pecuária também se traduz no aumento da
área de pastagens plantadas.
Quadro 02: Uso da terra na Microrregião Sudoeste de Goiás (em ha), no
período de 1970 a 1995-96.
SUDOESTE DE GOIÁS
1970 1975 1980 1985 1995/96
Lavouras
Permanentes
4.561 2.022 3.949 3.752 5.617
Lavouras
Temporárias
180.611 266.077 350.524 643.912 715.787
Pastagens
Naturais
2.593.54 1.759.723 977.518 1.530.139 589.096
Pastagens
Plantadas
618.625 535.813 1.054.183 2.078.539 2.256.415
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96.
Organização: Ribeiro, 2002.
O gráfico 04 apresenta, de forma mais específica, a evolução das lavouras
temporárias no Sudoeste de Goiás. Nota-se o crescimento acentuado no período
em recorte.
Gráfico 04: Evolução da área (em ha) utilizada para lavoura temporária no
Sudoeste de Goiás, no período de 1970 a 1995-96.
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
1970 1975 1980 1985 1995 - 96
Lavouras temporárias
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96.
Organização: Ribeiro, 2005.
É utilizada a referência do mesmo período para diagnosticar as alterações
no uso da terra do município de Jataí, localizado na MRH Sudoeste de Goiás. Este
apresenta crescimento do uso da terra para fins de cultivo de lavouras temporárias
maior do que a média regional, conforme pode ser observado no gráfico 05.
Gráfico 05: Evolução da área (em ha) utilizada para lavoura temporária no
município de Jataí, no período de 1970 a 1995-96.
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
1970 1975 1980 1985 1995 -96
Lavouras temporárias
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96.
Organização: Ribeiro, 2005.
As mudanças no uso do solo em Jataí acompanham as transformações
regionais e estão em consonância com a evolução do cultivo da soja e do milho
em escala comercial. A disseminação do cultivo da soja na região, bem como o
aumento de sua produção e produtividade, são representativas do aumento da
produção do grão objetivada pelo Brasil nestes últimos 20 anos.
A soja se transformou no grão de ouro para a economia brasileira, que tem
neste cultivar, desde os anos (19)80, a base de exportação e de equilíbrio da
balança comercial. Por isso, o poder público e setores privados têm canalizado
seus investimentos, dando à soja e seus derivados prioridade no setor de
exportação.
Observando-se o quadro 03 pode-se verificar a evolução da produção de
soja no Brasil, na Região Centro-Oeste e na microrregião Sudoeste de Goiás nos
anos de 1970, 1975, 1980, 1995-6 e 2000.
Quadro 03: Evolução da produção de soja no Brasil, Centro-Oeste e
Sudoeste de Goiás, no período de 1970 a 2000.
Produção (t.) Ano
Brasil Centro-Oeste Sudoeste de Goiás
Toneladas 1970 =
100
Toneladas 1970 =
100
Toneladas 1970 =
100
1970 1.508.543 100 18.813 100 8.587 100
1975 9.893.008 656 346.016 1.839 70.865 825
1980 15.155.804 1.005 1.908.758 10.146 329.756 3.840
1985 18.278.585 1.212 2.418.001 12.852 933.953 10.876
1995-96 25.682.637 1.702 10.080.110 53.581 1.508.058 17.562
2000 32.820.826 2.176 15.446.445 82.105 2.131.237 24.819
Fonte: Ferreira, 2001 e Levantamentos Sistemáticos da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Adaptação e Organização: Ribeiro, 2005.
Ao observarmos o gráfico 06, numa comparação estabelecida entre a
produção de soja do Sudoeste de Goiás e o total produzido pelo estado, percebe-
se que aquela representa, aproximadamente, a metade da soja produzida em
Goiás, desde 1980. O gráfico 06 apresenta a área utilizada (em ha) para lavouras
de soja no estado de Goiás e na sua porção Sudoeste. Nota-se que o crescimento
da área destinada ao cultivo da soja no Sudoeste de Goiás é maior do que toda a
área restante do estado destinado ao cultivo da leguminosa.
Gráfico 06: Evolução da área (em ha) utilizada para lavoura de soja na MRH
Sudoeste de Goiás e no estado de Goiás, no período de 1970 a
2000.
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
1970 1975 1980 1985 1995 -96 2000
Goiás
Sudoeste de Goiás
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96; Levantamento
Sistemático da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Organização: Ribeiro, 2005.
As mudanças na pauta dos produtos cultivados e na utilização das terras
para fins de lavouras temporárias foram resultantes da incorporação e da
intensificação do uso de novas tecnologias de produção, sendo elas de cunho
biológico, mecânico e químico. Tais novidades se expressam nas novas
variedades de sementes, elaboradas em laboratórios, a fim de se adequarem às
condições naturais dos Cerrados; no uso e dimensionamento de novas e
avançadas máquinas de preparo do solo, plantio e colheita; e na elaboração de
insumos de suporte aos novos cultivares que entraram em cena, com destaque
para os herbicidas e fungicidas.
No Sudoeste de Goiás os municípios que receberam as maiores somas de
incentivos e investimentos, de forma a tecnificar a agricultura, foram Rio Verde e
Jataí, ambos foram amplamente beneficiados com recursos do POLOCENTRO.
Os resultados dos incentivos creditícios foram a completa mudança nos seus
cenários agrícolas, tendo na inserção de novos cultivares na pauta de produtos a
mudança de maior visibilidade. Sabe-se que condição a sine qua non para que
isto ocorresse foram os investimentos realizados, sobretudo na/da EMBRAPA
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), para a elaboração de novas
variedades de sementes e construção dos solos, de forma a preparar os
chapadões para a exploração agrícola em grande escala.
As pesquisas buscando o desenvolvimento de sementes de soja que se
adequassem às condições de solo e clima dos Cerrados foram as que mais
despontaram e obtiveram investimentos. Disso resultou a elaboração de tipos
variados de soja, especificamente desenvolvidas para serem cultivadas nos
Cerrados, gerando um salto na produção da leguminosa em Goiás a partir da
década de (19)80, conforme pode ser constatado no quadro 04.
Quadro 04: Evolução da área de soja (colhida/ha) no estado de Goiás, na
microrregião Sudoeste de Goiás e nos municípios de Rio Verde
e Jataí, no período de 1970 a 2000.
Área de soja colhida (em há)
1970 1975 1980 1985 1995 - 96 2000
Goiás
11.514
61.905 213.487 599.555 863.422
1.333.646
Sudoeste de
Goiás
4.745 4.284 40.271 282.374 425.498 744.328
Rio Verde
1.705 3.713 25.012 73.233 104.747 175.000
Jataí
5 140 1.372 52.120 91.768 157.300
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96; Levantamento
Sistemático da Produção Agrícola Municipal, IBGE, 2000.
Organização: Ribeiro, 2005.
2.5 Os elementos paisagísticos da agricultura regional.
As ações de reorganização da agricultura regional, de modo a adequá-la às
exigências dos setores industrial e agropecuário, significaram a preparação da
região para o atendimento da demanda do mercado internacional de alimentos.
Fizeram com que as áreas de Cerrado se tornassem alvo dos agricultores
capitalistas e empresários do agronegócio, de maneira a desenvolver extensas
lavouras de novos cultivares, mudando, por completo, a paisagem dos Cerrados
do Sudoeste de Goiás.
A paisagem com a qual o olhar do observador se depara atualmente na
região é de extensas lavouras, que, assim como afirma Melo et. al. (2003), mais
se assemelha ao mar, “mar de soja”, que, se considerado o seu poder destrutivo
em termos de biodiversidade, acreditamos ser mais adequado chamá-las de
“desertos de soja”.
Devido à característica plana dos solos, vê-se as lavouras se estendendo
até encontrar-se com a linha do horizonte, numa paisagem muito semelhante ao
que se vê quando se olha o mar, ao mesmo tempo semelhante à imensidão dos
desertos.
As figuras 01, 02 e 03 ilustram tal paisagem. A soja é o principal cultivar na
safra convencional (de verão). O sorgo, o girassol, o milho e outros são os
cultivares que, usualmente, ocupam a área cultivada no plantio de safrinha, após a
colheita da soja.
Figura 01: Plantação de soja (Aporé - GO).
Fonte: Mariano, 2005.
Figura 02: Plantação de girassol (Chapadão do Céu - GO).
Fonte: L. Görgen, 2005.
Figura 03: Plantação de sorgo (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005
Em meio às lavouras percebe-se, vezes aqui, vezes acolá, uma ou outra
árvore (conforme ilustrado nas figuras 04 e 05) que foi deixada, estrategicamente,
para servir de sombra para o descanso, para as refeições ou para estacionar
máquinas, veículos e proteger produtos, enquanto se planta e/ ou se colhe.
Figura 04: Plantação de sorgo, com árvore de Cerrado ao fundo (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 05: Plantação de milho, com árvore de Cerrado ao fundo (Jataí-GO).
Fonte: Freitas, 2005.
O sol intenso faz reluzir as coberturas de zinco dos grandes galpões que
pontilham os chapadões (conforme figura 06). São coberturas construídas a fim de
guardar as máquinas e os produtos nas sedes das fazendas (conforme figura 07),
estas quase sempre cercadas por eucaliptos, os chamados quebras-vento
21
. Tal
paisagem em nada lembra as construções típicas das fazendas goianas,
tradicionalmente cercadas de paiol, curral e extensos pomares, com o gado, e
outros animais domésticos, circulando pelos arredores.
Figura 06: Vista panorâmica de Galpão reluzindo sob o sol (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
21
Os eucaliptos plantados ao redor das sedes, escritórios, silos e galpões servem como barreira contra o vento
que, devido à retirada da vegetação natural, torna-se mais intenso.
Figura 07: Galpão de máquinas - plantação de sorgo ao fundo (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Ao longe também podem ser vistos de forma reluzente os enormes
armazéns e silos graneleiros, instalados para receber e armazenar os grãos
colhidos. A figura 08 ilustra um silo de grande porte situado às margens da
Rodovia GO 184, no trecho entre Jataí e Serranópolis. A figura 09 apresenta o silo
graneleiro da Fazenda Colorado, uma das grandes produtoras de grãos na região,
também localizada às margens da Rodovia GO 184.
Figura 08: Silo graneleiro “ARGEPAZ” (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 09: Silo graneleiro da Fazenda Colorado (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Este conjunto paisagístico faz com que o observador identifique esta
paisagem como sendo um lugar qualquer especializado na monocultura, com
características muito semelhantes ao que se vê nas áreas produtivas do Rio
Grande do Sul, do Paraná, ou mesmos dos Estados Unidos. Em depoimento, uma
visitante (C. F. G, 2004) que nunca estivera antes em áreas de Cerrado, afirmou
que é capaz de se confundir e pensar se encontrar nas extensas lavouras de soja
dos Estados Unidos a caminho do Canadá. Isso ocorre pois as particularidades
paisagísticas que dão singularidade à paisagem do lugar cederam às
características paisagísticas homogenizadoras da monocultura.
Dividem espaço com a lavoura centenas de emas, que andam em bando,
aproveitando-se dos grãos para se alimentarem, conforme pode ser verificado nas
figuras 10 e 11. O transeunte pode vê-las com facilidade ao transitar por qualquer
uma das estradas, pavimentadas ou não, que cruzam as lavouras de grãos do
Sudoeste de Goiás. A ema, maior ave do Brasil, é no único animal do Cerrado que
convive, por ora sem grandes prejuízos, com as lavouras de grãos, já que esta se
aproveita dos mesmos para se alimentar. Os demais animais, típicos da região,
têm sido dizimados e/ ou estão em vias de extinção.
Figura 10: Ema se alimentando na soqueira
22
de soja (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 11: Emas em área destinada a plantio direto (Jataí-GO).
Fonte: Freitas, 2005.
22
A expressão soqueira é utilizada para denominar os restos de vegetação que ficam na lavoura após efetuada
a colheita. No caso das lavouras de grãos estes também sobram e são ingeridos pelas emas.
2.6 Condição do produtor: o arrendatário capitalista como mais um
sujeito na exploração agrícola.
As transformações promovidas na agricultura do Sudoeste de Goiás
recriaram a estratégia do arrendamento, que apareceu como sendo fundamental
para o novo modelo de exploração agrícola regional, pois ao mesmo tempo em
que atende aos objetivos de produção do capitalista agrícola, permite-lhe
mobilidade para buscar novas áreas de produção.
Numa leitura da constituição da cadeia produtiva da soja no município de
Jataí, no Sudoeste de Goiás, verifica-se que a prática do arrendamento capitalista
é corriqueira, no que tange às relações de produção estabelecidas, vez que a
base da produção da soja não exige, necessariamente, a combinação num único
agente das formas do proprietário fundiário e do capitalista agrícola.
Tomamos o município supracitado como base de análise por ser este um
espaço onde é manifesta de forma bastante consolidada a agricultura com
elevados índices de financeirização, intensa em tecnologia e em capital e
industrialmente integrada, com destaque para a cadeia produtiva da soja.
As análises aqui apresentadas são embasadas em pesquisa realizada com
trinta produtores agrícolas do município de Jataí, tendo estes suas atividades
econômicas baseadas na sojicultura. Os dados apresentados vêm de pesquisa
realizada nos primeiros meses de 2005 com os mesmos produtores entrevistados
no segundo semestre de 2001. Retornamos aos mesmos produtores com o intuito
de verificar se ocorreram mudanças ao longo dos últimos 3 anos e meio no que
diz respeito à prática de arrendamento.
Consideramos inicialmente que, de forma geral, a propriedade da terra tem o
maior peso no processo produtivo da agricultura brasileira. No geral, a produção
agrícola passa pela propriedade do solo. Numa estrutura produtiva dominada pela
propriedade da terra, quem não tem a propriedade (ou a posse) da terra deve
buscar mecanismos outros para produzir, mesmo sendo desprovido do que é tido
como o principal fator de produção, a terra. O arrendamento é um destes
mecanismos, onde o produtor pode desenvolver suas explorações agrícolas sem a
necessidade de se tornar proprietário da terra em exploração.
Pode-se identificar dois tipos de arrendamento: o tradicional, realizado por
pequenos produtores, quase sempre de agricultura familiar, buscando a produção
simples de mercadorias e a manutenção da família lavradora; e o arrendamento
capitalista, realizado em grandes áreas, buscando produção e renda elevadas.
Com base no trabalho assalariado permanente, este tipo de arrendamento difere
substancialmente do primeiro, já que busca reprodução do capital com base no
princípio de investimento D – M – D’
23
.
Diversos pesquisadores
24
, amparados pelos censos agropecuários do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirmam que o arrendamento
capitalista não é prática corrente na agricultura brasileira, que só ocorre
esporadicamente, sendo comum a fusão, na pessoa do empresário agrícola, do
proprietário territorial e do capitalista, de modo que o empresário agrícola aufere
lucro e renda da terra ao mesmo tempo.
Rezende (2003, p.182) diz ser generalizada a opinião de que o arrendamento
de terra para a agricultura no Centro-Oeste é muito comum, muitas vezes como
parte de um processo que, no final, deixa para o dono da terra (em geral um
pecuarista) uma pastagem renovada. Não apostando nesta hipótese afirma que
“se isso fosse verdade, então seria menor ainda a imobilização de capital por parte
do produtor”.
Porém, o que podemos perceber, para o município de Jataí-GO, é que o
arrendamento ali é prática corrente por ser altamente lucrativa tanto para o
proprietário quanto para o arrendatário. Os produtores arrendatários naquele
município têm sido bastante eficientes, do ponto de vista econômico, em muitos
casos mais do que os próprios proprietários.
Os arrendatários também conjugam produção em áreas arrendadas e em
áreas próprias, assim não imobilizam todo o capital em aquisição de imóveis na
23
Sobre a equação D – M – D’ e M – D – M’ na agricultura, ver Oliveira, 1990.
24
Sobre tal questão ver Cunha, 1994.
região, visando novas aquisições fundiárias em futuras áreas de fronteira, à
medida em que essas se expandem.
2.6.1 O arrendamento enquanto estratégia de maior lucratividade.
No município de Jataí-GO a instalação das lavouras de soja se desenvolveu
sob o signo de três categorias de produtores: o produtor proprietário, o produtor
arrendatário e o produtor misto, proprietário e arrendatário ao mesmo tempo. Este
conjunto de formas, diversas e distintas, deu condições, também diversas, de
reprodução e acumulação do capital aplicado, sempre dependente da grande
propriedade fundiária, caracterizando a manutenção do latifúndio.
O embrião do sistema de produção da soja baseado no arrendamento
capitalista está na acumulação prévia de capital por produtores, proprietários ou
não, oriundos, principalmente, do Rio Grande do Sul e do Paraná, e na real
condição de obter rentabilidades superiores à taxa média de lucro em relação ao
capital investido e à renda fundiária a ser paga, condições estas derivadas da alta
produtividade alcançada a partir dos investimentos em tecnologias de produção e
na existência de mão-de-obra disponível para a exploração da mais-valia – que,
num momento posterior, se transformará em lucro e em renda da terra. Soma-se a
estes fatores o destino, praticamente integral, da soja produzida para o mercado
externo, o que significa importante fonte de renda agrícola.
De posse da nova lógica para o cultivo dos solos jataienses os produtores
migrantes, sobretudo do Sul do país, adotaram a estratégia de arrendamento
concomitante à de compra de terras, em alguns casos em detrimento desta, de
forma a não imobilizar todo o capital em aquisição fundiária.
É sabido que a aquisição de terras transforma-se em renda fundiária
capitalizada, mas diante do indicativo de buscar, posteriormente, novas áreas de
fronteira para o cultivo da soja, o lucro a partir do arrendamento tende a se realizar
mais rápido do que a capitalização do investimento feito na aquisição de uma
parcela de solo, daí a opção pelo arrendamento e não pela aquisição, num
primeiro momento.
Por outro lado, a disposição em larga escala de terras a serem arrendadas
significa mobilização de pequenas somas de capital aplicadas a tal aluguel,
baixando o custo de produção. Mesmo a prática do arrendamento, no seu
princípio, tendo se consolidado a preços baixos foi rentável também para os
proprietários que possuíam grandes extensões de terra, porém pouco utilizadas
para o cultivo. Isso se deve ao fato de os solos serem naturalmente frágeis para o
cultivo de lavouras devido ao Ph baixo, o que indica acentuada acidez dos
mesmos e, conseqüentemente, a necessidade de altas somas de capital para
disponibilizá-los à agricultura em escala comercial.
Diante disso, estabelece-se a relação entre os produtores migrantes, dotados
de capital e experiência na lavoura monocultora, e os proprietários locais,
possuidores de grandes extensões de terras, porém sem conhecimentos técnicos
para fazê-las produzir.
Dessa forma, num intervalo inferior a uma década, as extensas faixas de
terra do município de Jataí, que eram utilizadas para pecuária extensiva ou
simplesmente funcionavam como status de propriedade, transformaram-se nos
“mares de soja”, ou “desertos de soja” (termo que nos parece mais apropriado),
tendo como uma das características básicas o arrendamento capitalista.
O arrendamento, que embasou a expansão e a consolidação das lavouras
monocultoras nos solos de Jataí, mantém-se ainda hoje como elemento central
nas relações de produção. Em pesquisa realizada em novembro de 2001,
constatou-se que 35% da área cultivada pelos produtores entrevistados eram
arrendados, indicando que o arrendamento significava estratégia de produção na
busca de maior lucratividade por parte dos produtores. Esta realidade foi
confirmada por meio da última pesquisa realizada nos meses de janeiro e
fevereiro de 2005, onde se comprovou que 37% (e não mais 35%) do total da área
cultivada atualmente pelos mesmos produtores são de áreas arrendadas.
Porém, uma das questões centrais que se formam é: quais os motivos que
levam o produtor misto, já proprietário de área por ele cultivada, a tomar em
arrendo outra área a ser plantada, uma vez que ele possui capital para a compra,
caso assim o desejar.
A resposta pode estar numa outra estratégia de produção adotada pelos
capitalistas agrícolas, que se constitui em possuir mais de uma propriedade
fundiária para fins de uso agrícola, na maioria dos casos em mais de um município
e/ ou estado. Com a desconcentração espacial das propriedades e do
arrendamento, vez que também se mantêm propriedades arrendadas em outros
municípios e/ ou estados, ampliam-se as probabilidades de obter maior
lucratividade de acordo com as possibilidades locais de exploração da terra e da
mais-valia, tendo em vista que estas outras áreas produtivas são sempre em
direção ao Norte, tendo como referência o ponto aqui em estudo, onde há grande
disponibilidade de terras e de mão-de-obra para a realização das tarefas
agrícolas.
Dentre os produtores pesquisados 53,33% possuem mais de uma
propriedade, sendo que a localização destas se dá no próprio município, em
outros municípios do Sudoeste de Goiás ou ainda em outros estados,
principalmente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde se obtêm condições
iguais ou melhores de produção e de produtividade.
Partindo do pressuposto de que é a possibilidade de maior lucro o que atrai o
capital, verifica-se, que no caso da monocultura da soja, a prática do
arrendamento continua sendo a forma de investir capital na produção agrícola e
realizar o lucro médio, porém garantindo a possibilidade de expansão da atividade
agrícola para outras áreas, caso isso seja mais rentável. Isto está diretamente
associado à abertura constante de novas áreas para a produção agrícola na
Região Centro-Oeste e Norte do país, considerando ainda o sul da Bahia e o
Maranhão, na região Nordeste, o que permite uma maior realização do lucro.
Assim, afirma-se a não-disposição em imobilizar todo o capital na aquisição de
terra.
Neste caso, de deslocamento espacial da sojicultura em direção a novas
áreas, a renda diferencial obtida é elemento bastante significativo, uma vez que a
disponibilidade de terras e a capacidade produtiva de seus solos apontam a
possibilidade de instalação de lavouras com geração de lucros acima da média,
indicando a obtenção de uma renda diferencial do solo em relação às lavouras
com maior custo de produção ou menor produtividade das regiões já ocupadas e
em exploração para fins da monocultura da soja.
2.6.2 O arrendamento enquanto estratégia de valorização da terra
25
.
Uma vez constituída e consolidada a cadeia produtiva da soja no Sudoeste
de Goiás, a lucratividade elevada se pauta na relação entre os custos da produção
e os preços de mercado, na alta produtividade alcançada em áreas de Cerrado, na
garantia da existência de um mercado consumidor externo, na existência de
recursos para investimento de custeio, produção e infra-estrutura territorial, e na
manutenção da propriedade privada da terra, reforçando a concentração e dando
continuidade à existência dos latifúndios.
Então, verifica-se a elevação da renda da terra, influenciando na elevação do
preço da mesma e sua valorização no mercado fundiário.
Dessa forma a terra torna-se dotada de maior valor venal e de maior
capacidade de geração de renda, resultado da conversibilidade de parte do lucro
do arrendatário (capitalista agrícola) para lucro do proprietário da terra, na forma
de renda capitalista fundiária, que, segundo Wanderley (1979, p.73), é
responsável pela "expressão econômica da propriedade da terra" e quanto mais o
lucro é superior à média, ou seja, quanto maior for o sobrelucro, maior será o
preço reivindicado pelo proprietário para autorizar a exploração da terra, daí maior
será a renda fundiária.
Por isso, as relações de produção na agricultura no município de Jataí, a
partir da constituição da cadeia produtiva da soja, permitiram a continuidade de
25
Este assunto volta a ser tratado no capítulo 5, quando se analisa a prática do PD (Plantio Direto)
em áreas de cerrado.
existência de grandes proprietários de terra, sem, necessariamente, que eles se
tornassem capitalistas agrícolas. Esta característica pôde se manter porque dentro
da lógica da produção para o mercado internacional e para a agroindústria não
existe a necessidade da combinação do proprietário fundiário e do capitalista
agrícola no mesmo agente.
E, também, uma das bases para a constituição da cadeia produtiva da soja
foi a produção em grandes extensões associada ao arrendamento capitalista, o
que, conjugado à disponibilidade de força de trabalho, ao suporte tecnológico e
aos recursos naturais favoráveis, permitiu a formação e expansão da cadeia. Isto
significa que houve disponibilidade de capital para a produção e escoamento e
recursos naturais no volume necessário à produção.
Neste caso a questão que se forma é: Por que os proprietários fundiários dão
continuidade ao arrendamento ao invés de investirem, eles próprios, na produção
agrícola nas suas áreas. Para tratar desta questão faz-se necessário remontar os
estudos à renda fundiária capitalista.
Quanto à renda fundiária, fundamentando-se em Marx (1982), deve-se
considerar tudo o que o arrendatário paga ao proprietário na forma de tributo pela
permissão de explorar a terra. Este tributo, independente da sua composição ou
fonte, tem com a renda fundiária, propriamente dita, alguns pontos em comum.
Um deles é o fato de o monopólio sobre um pedaço de terra capacitar o
proprietário a cobrar um tributo; outro ponto é que esse tributo, como a renda
fundiária, determina o preço da terra, que nada mais é do que a receita
capitalizada do aluguel da terra.
Dessa forma Beskow (1986, p.123), embasado em Flichmann (1977)
26
,
afirma que "a renda do solo é uma parte de mais-valia social, da qual se apropriam
os proprietários fundiários, já que a terra, meio de produção não produzido,
limitado e relativamente não reproduzível, é propriedade privada".
No caso do arrendamento de terras para o desenvolvimento da monocultura
da soja, a renda fundiária capitalista é a apropriação de parte da mais-valia,
26
FLICHMANN, G. Sobre a teoria da renda fundiária. CEBRAP. São Paulo, (20): abri./maio./jun.,
1977.
extraída no momento da produção pelo trabalhador assalariado, pelo proprietário
da terra, mesmo que este não participe diretamente do processo produtivo. É o
que, no dizer de Wanderley (1979), significa a apropriação em segunda mão de
parte da mais-valia que o capital apropriara-se em primeira mão.
Os constantes investimentos em tecnologias de produção aumentam o
montante de meios de produção disponíveis e necessários ao processo produtivo
de forma a aumentar a eficiência do trabalho e a produtividade das áreas
cultivadas, gerando, assim, o excedente econômico que transformar-se-á no lucro
do arrendatário capitalista e na renda fundiária do proprietário da terra.
Diante dos altos custos de produção da soja, seguido do seu alto valor de
mercado, ceder a terra para arrendamento é de maior interesse para grande parte
dos proprietários do que investir no processo produtivo. Se por um lado a
produção demanda grandes somas de capital em tecnologias químicas,
mecânicas e biológicas, representando altos investimentos, por outro, os preços
do mercado internacional de alimentos permitem que o proprietário aumente o
valor do aluguel da terra, ampliando a renda obtida e valorizando a propriedade
fundiária.
Num ano instável para os sojicultores, como o de 2005, fica clara tal questão.
As imprevisibilidades do mercado e do clima, que comprometeram os rendimentos
dos produtores no referido ano, pouco atingiram a renda a ser obtida pelo
proprietário das áreas arrendadas para o cultivo. O preço do arrendamento foi
fixado no contrato de arrendamento e, independentemente da produção e da
produtividade obtida pelo produtor, o proprietário da terra terá seu pagamento de
acordo com o pré-fixado no contrato de cessão da terra.
O arrendatário terá que fazer o pagamento, independentemente da
produtividade alcançada. Porém, mesmo assim o arrendamento ainda é viável
também para o arrendatário, pois é tomado enquanto uma das estratégias de
gestão financeira moderna, já que adquirir novas terras significa contrair novas
dívidas, o que pode vir a comprometer o patrimônio da empresa ou levá-la à
bancarrota em períodos de instabilidade, como o ano agrícola de 2005. O produtor
arrendatário poderá ter dificuldades em saldar os acordos dos contratos de
arrendamento, diante de uma safra prejudicada; passará por um período
financeiramente delicado, mas, ao final, corre menos risco de quebrar do que o
produtor que converteu seu caixa em novas terras e, conseqüentemente, em mais
dívidas.
Por isso, a estratégia de arrendamento aparece como sendo uma
característica de agriculturas avançadas, monetizadas, não se assemelhando, em
nada, a práticas arcaicas. O município de Jataí-GO nos parece um bom exemplo
disso.
Diante disso, explicita-se o interesse em manter a prática do arrendamento
por ambos os lados: o capitalista agrícola, que prefere não investir todo o seu
capital na aquisição de terras, de forma a não imobilizá-lo, tendo em vista a
intenção de deslocamento espacial da sua prática produtiva em direção a novas
áreas agrícolas; e o proprietário fundiário, que não está disposto a investir no
processo produtivo da monocultura da soja, por tudo que ele demanda em termos
de disponibilidade de capital, acompanhamento de tecnologia e de mercado,
investimento em mão-de-obra e relações de trabalho.
Logo, a prática do arrendamento capitalista caracteriza-se como estratégia
de ampliação dos lucros dos capitalistas agrícolas e como forma de ampliação do
preço da terra e de manutenção da propriedade da terra e do latifúndio, e se dá
por meio da aplicação de altas somas de capital no processo produtivo e pela
exploração da mais-valia de trabalhadores que, ao longo do processo de
ocupação e consolidação da área pela exploração agrícola em escala comercial,
foram sendo expropriados, transformando-se em trabalhadores assalariados.
Tal relação é altamente lucrativa para ambos os lados. Para o proprietário,
por um lado, porque a terra tem seu valor venal e de renda aumentado
gradativamente, devido à maior capacidade produtiva a partir dos insumos
aplicados a cada safra; por outro, porque, embora não participando do processo
produtivo, participa dos ganhos econômicos com a venda da produção, uma vez
que o arrendamento se dá mediante o pagamento referente a uma porcentagem
do produto colhido, que tanto pode ser em dinheiro quanto em espécie
(usualmente em espécie). Quanto ao arrendatário, este terá disponível maior
parcela de capital para investir no processo produtivo, vez que não o imobilizou
totalmente na compra de terras, além de ter a flexibilidade de expandir sua
atividade econômica rumo a novas áreas que apresentem maiores e melhores
condições de lucratividade.
Uma relação entre a prática do arrendamento e a concentração da terra
pode ser estabelecida, já que este funciona como um mecanismo de manutenção
e recriação das grandes propriedades.
No que tange aos problemas ambientais gerados pela monocultura, a prática
de arrendamento pode ser apontada como um dos grandes responsáveis pelo
agravamento dos prejuízos ambientais ocasionados nessas áreas. Nem sempre o
arrendatário faz um planejamento de exploração da área a longo prazo, já que a
devolverá ao seu proprietário ao findar o contrato de arrendamento. Isso,
associado aos objetivos imediatistas de maximização dos lucros, submete a área
a explorações intensas, já que, em grande parte das vezes, os ganhos pessoais
do arrendatário são prioridade em relação à conservação ambiental.
Logo, a manutenção da prática de arrendamento para fins de lavouras
monocultoras em áreas de Cerrados aponta para um agravante no que se refere
ao uso dos recursos naturais. A previsão de devolução da terra ao seu proprietário
legal pode gerar a omissão por parte do arrendatário em relação aos prejuízos
ambientais, principalmente no que tange ao cumprimento da legislação ambiental
que reza a manutenção das áreas de reservas legal e permanente, já que nem
sempre a preservação dos recursos fica legalmente a cargo do produtor
arrendatário.
2.7 Imprevisibilidades da natureza e do mercado: crise regional.
O ano agrícola de 2005 está marcado por imprevisibilidades de cunho
natural e mercadológico, tais quais: o retorno do preço internacional da soja aos
patamares normais, por volta de U$$ 11,00 a saca, o que muitos consideram
como queda do preço; os altos custos de produção; o aumento da oferta da soja
estadunidense no mercado; as restrições da China à soja brasileira em virtude do
episódio de 2004, quando sementes contaminadas foram encontradas em meio
aos grãos para consumo; a ocorrência de veranico no Sudoeste de Goiás nos
meses de fevereiro e março; a política cambial do governo federal. Isso fez com
que os lucros obtidos, em muitos casos, não fossem compatíveis com os custos
de produção, ocorrendo, desta forma, dificuldade, por parte dos produtores, em
saudarem suas dívidas e cumprirem suas agendas de financiamentos.
Em momentos como estes produtores agrícolas podem ter, e vários têm,
suas máquinas e veículos de trabalho confiscados, deixam dívidas por serem
saldadas no comércio local e financiamentos por serem pagos junto a bancos. No
entanto, mantêm seus carros de luxo e suas residências imponentes, no intuito de
perpetuar o status quo e a superioridade que acreditam ter pelo poderio
econômico.
Diante disso, o discurso corrente nos municípios de Jataí, Rio Verde,
Chapadão do Céu e Montividiu, dentre outros, é de que este será um ano em que
todos os segmentos da sociedade e setores produtivos sofrerão quedas em
detrimento da falta de dinheiro oriundo da agricultura, o que significa redução no
consumo e crise para o comércio local e regional. Na realidade os setores que se
organizam em função da agricultura apresentarão dificuldades financeiras, mas os
setores e a parcela da população que estão fora desta esfera não serão afetados.
Ao contrário, como os bens de consumo são cotados em soja, talvez estes se
tornem mais acessíveis a uma maior parcela da população que, quando o preço
do grão está em alta, não dispõe de recursos para adquiri-los.
A sociedade e o poder público de municípios como Rio Verde, Jataí,
Chapadão do Céu e Mineiros, dentre outros da microrregião (com destaque para
os dois primeiros), desenvolveram ao longo das últimas décadas uma empáfia, a
partir de uma suposta superioridade que julgam ter em função da agricultura ali
desenvolvida. Existe uma certa arrogância e os depoimentos, tanto da sociedade
(de indivíduos envolvidos ou não com o processo produtivo agrícola), quanto do
poder público, indicam uma discriminação de tudo e todos que estão fora do
círculo agroindustrial.
Esta condição psicológica criada faz com que só sejam reconhecidos
enquanto agentes sociais os indivíduos envolvidos com o agronegócio. Por isso,
há um esforço constante, reincidente, ano a ano, por parte dos produtores em
elevar suas áreas plantadas, sendo estas próprias e/ ou arrendadas, renovar e
ampliar sua frota de veículos e investir em novidades para suas residências, já
que tais aspectos funcionam enquanto termômetros, indicando o sucesso de um
dado indivíduo, bem como seu reconhecimento perante a sociedade.
Em momentos como o atual, quando se verificam questões (supracitadas)
que reduzem as margens dos lucros dos produtores agrícolas, ocorrem diversas
tentativas, junto aos organismos financiadores, de renegociação (em alguns
casos, até perdão) de dívidas, redução de juros, busca de novos financiamentos,
mas o que pode ser notado é que não há disposição dos agricultores em reduzir
os seus padrões de consumo.
O mês de junho foi marcado por diversos protestos e manifestações, que
ocorreram em todo o Brasil, objetivando tornar pública a redução dos lucros por
parte dos produtores agrícolas, o que comprometeu o cumprimento da agenda de
pagamento dos financiamentos e gerou dificuldades para plantar as novas safras.
Tais atos culminaram com a chegada de um grupo de aproximadamente 20 mil
pessoas, agricultores e outras ligadas ao agronegócio, a Brasília, no dia 29 de
junho passado (2005).
Esta agenda de manifestações foi seguida pelos produtores do Sudoeste de
Goiás, que saíram às ruas, bloquearam rodovias e foram, em caravana, à capital
federal. Nestes municípios, o comércio se solidarizava, aderindo aos
manifestantes. No entanto, uma imagem, no mínimo curiosa, retratava
caminhonetas e maquinários agrícolas de última geração compondo o buzinaço e
o tratoraço. Nos municípios de Rio Verde e Jataí as manifestações foram regadas
ao “verdadeiro churrasco gaúcho” e enfeitadas com L200, hillux, F250, S10,
pagero, frontier, dakota, X-Terra. Veículos estes que são adquiridos pelos
produtores rurais a juros de 7% ao ano, um juro infinitamente menor dos
apresentados a qualquer outro perfil de consumidor.
Os produtores estão afinados em torno de um discurso único, o da “crise”.
Este é o assunto corrente em todas as rodas de conversa, sejam elas compostas
por quaisquer pessoas, de qualquer segmento da sociedade: a “crise”! Mesmo
muitos indivíduos não sabendo exatamente do que se trata.
Porém, mesmo diante de tal “crise”, o que, segundo os produtores, os
obrigam a não saldar suas dívidas junto aos bancos, comércio e outros
financiadores, mantém-se elevado o padrão de consumo, responsável pela
também manutenção do status quo.
Vale ressaltar que o tratoraço em Brasília, no último mês de junho (2005),
conseguiu R$ 3 bilhões, que se originaram do FAT (Fundo de Amparo ao
Trabalhador), para pagamento de dívidas dos produtores, benefício que foi
estendido, inclusive, aos inadimplentes.
Enquanto isso, os pequenos agricultores, assentados ou não, por vezes são
inadimplentes em R$ 8, 10, 15 mil e por isso não têm acesso a financiamentos. A
maioria destes agricultores não consegue saldar suas dívidas, tampouco obter
liberação de crédito devido à dívida, ao passo que os grandes produtores o
conseguem mesmo devendo, além do que, com recursos do FAT.
Outro aspecto merecedor de menção é que o tratoraço foi estimulado pelas
indústrias de máquinas, de forma a não sofrerem grandes reduções nas suas
vendas e terem o pagamento dos financiamentos garantidos.
3. A INTEGRAÇÃO AGROINDUSTRIAL NO SUDOESTE DE GOIÁS.
Nesta seção tratamos de como a agricultura do Sudoeste de Goiás se inseriu
no contexto da “caificação”, isto é, da formação dos Complexos Agroindustriais
(CAI’s). Damos ênfase à instalação do complexo agroindustrial da Perdigão na
cidade de Rio Verde e ao seu projeto de expansão e instalação nas cidades de
Mineiros e Jataí.
Numa análise do complexo da Perdigão no Sudoeste de Goiás, nota-se que
o custo de produção, juntamente com as políticas de isenção fiscal e
financiamentos, tendo o FCO como o principal expoente, são preponderantes na
otimização dos resultados da empresa. Para tal análise foram utilizados os
números do custo de produção e da conversão alimentar, tanto dos suínos quanto
das aves, da unidade de Rio Vede e das demais unidades da empresa, a fim de
investigar as vantagens que a unidade de Rio Verde tem em relação às demais
unidades de produção da empresa.
Em virtude da consolidação da região como um pólo agroindustrial, as
preocupações com a malha viária têm tomado lugar central na pauta política
regional, podendo ser notada a retomada da discussão de projetos de rodovias,
ferrovias e hidrovias, para, desta forma, dar maior fluidez aos equipamentos
necessários à produção, bem como aos bens produzidos, de forma mais ágil e o
menos onerosa possível.
3.1 A articulação agricultura/indústria
A atual paisagem agrícola do Sudoeste de Goiás, com o predomínio das
extensas lavouras monocultoras, corrobora as teses
27
que afirmam que a
modernização conservadora beneficiou preferencialmente a agricultura de
exportação, reforçando e dando continuidade à grande propriedade e à agricultura
27
Ver BENJAMIM, 1998.
patronal, instalada no Brasil desde os tempos primário-exportador, priorizando a
empresa agrícola, sendo a propriedade da terra privilégio de uma minoria.
Diferentemente do que ocorreu em outros países, sobretudo da Europa e
também o Japão, a agricultura brasileira foi incentivada a se desenvolver em
outros moldes. Enquanto naqueles a preocupação sempre foi com os mercados
internos, aqui a preocupação está voltada para exportação. Foi este o sentido que
a agropecuária goiana e, especificamente, a agricultura do Sudoeste de Goiás
tomou nas últimas três décadas.
Esta situação faz com que a agricultura regional esteja inserida numa
articulação econômico-financeira internacional, que traz no seu bojo diversas
empresas nacionais e internacionais dos vários setores ligados à atividade
agrícola, proprietários e produtores rurais, além do próprio Estado.
O complexo agroindustrial, tal qual é tratado por Moreira (2004) tem presença
marcante no espaço e na economia da região.
É o complexo agroindustrial uma unidade de economia que integra em um
só sistema atividades dos setores primário, secundário, terciário e
quaternário, levando a divisão territorial do trabalho agroindústria
estruturalmente para além da combinação primário-secundária
(agricultura-indústria) a que a agroindústria até então se limitara, rumo a
uma divisão de trabalho estruturada em rede de produção e de trocas de
dimensão e abrangência territorial enormemente diversificada e ampla [...]
É esta estrutura em rede que organiza em toda sua extensão o domínio
espacial da agroindústria, provoca a criação generalizada dos sem-terra e
muda por completo a forma de organização do espaço agrário do Sul,
Sudeste, Centro-Oeste e Norte
(MOREIRA, 2004, p. 143).
Tal articulação é o que expressa a consolidação da agricultura regional, que
pode ser mensurada pela presença da agroindústria, indicando, dessa forma, a
confiança do mercado nos produtos gerados.
Verifica-se, no Sudoeste de Goiás, a formação de um agricluster, que na
definição de Veiga (2000, p. 148) é uma:
concentração geograficamente delimitada de negócios independentes que
se comunicam, dialogam e transacionam para partilhar coletivamente tanto
oportunidades quanto ameaças, gerando novos conhecimentos,
concorrência inovadora, chances de cooperação, adequada infra-estrutura,
além de freqüentemente também atraírem os correspondentes serviços
especializados e outros negócios correlacionados.
Porém, ao mesmo tempo em que tal articulação cria as condições para a
elevação da produtividade cria, também, uma condição de vulnerabilidade,
já que pressionada pelos custos dos insumos que adquire no mercado,
dependente do cálculo capitalista e integrada a complexos agroindustriais,
ela se desorganiza com facilidade, ao contrário do que ocorria com o setor
agrícola tradicional, muito mais auto-suficiente
(BENJAMIM, 1998, p.
83).
Esta fragilidade pode ser verificada atualmente na agricultura industrialmente
integrada desenvolvida no Sudoeste de Goiás. Após dois anos de preços elevados
nos mercados internacionais e obtenção de recordes em exportações, houve uma
queda no preço médio da safra de grãos no ano de 2005. Deve-se tal ocorrido à
grande produção de soja dos Estados Unidos, 27% a mais do que no ano de
2003, ao aumento mundial de outras commodities agrícolas, que fizeram os
preços cair, e ao aumento dos custos de produção, além de outros motivos
supracitados. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) estima
que, devido aos altos custos de produção e aos baixos preços no mercado de
soja, a agricultura brasileira poderá sofrer perdas de mais 1,5 bilhão de dólares no
ano de 2005.
Segundo Barros, (2005) não serão todos os setores do agronegócio que
enfrentarão perspectiva ruim em 2005; mas o algodão, o trigo, o arroz, o milho e a
soja estarão entre os que sofrerão queda, já que todas as variáveis, como câmbio
e preços, se voltaram contra o produtor. Porém, o agricultor que possui uma
gestão estratégica e financeira conseguirá se sobressair à crise.
Castillo (2004) já apontava as possibilidades de “quebra” da soja como um
risco real. Diz que a produção de soja é movida pelo imperativo da exportação,
com parâmetros de produtividade ditados pelo mercado internacional e, em
considerando a tendência que já se anunciava, de ocorrência dos problemas
mencionados, o mercado de soja estaria em baixa no ano de 2005. Neste caso, de
interpretação de estoques, a informação é componente fundamental. A precisão
sobre estoques estratégicos é que definem a formação dos preços e as
tendências do ano agrícola.
Para Castillo (2004) quem menos ganha com a soja (cultivada nos Cerrados)
é o produtor, uma vez que:
o lucro maior fica com as empresas que dominam o circuito. Grupos como
Cargil, ADM, Maggi, Bunge – Ceval e Caramuru começam a lucrar antes
mesmo do plantio, vendendo máquinas, insumos e antecipando créditos
ao agricultor. Depois compram a soja, transportam, armazenam,
processam, comercializam e exportam tanto os grãos como os seus
derivados, sobretudo o farelo da soja e os cremes e óleos vegetais [...]
Com exceção do grupo Maggi deve-se notar que as demais empresas não
possuem terras nem plantam soja
(CASTILLO, 2004, p. 03).
Outra questão a ser considerada, diante da realidade marcada pela
agricultura industrialmente integrada, é que tal modelo não tem nas suas bases
nenhum direcionamento para a pequena produção. A tecnologia foi posta à mesa,
para ser adquirida pelos produtores, mas de forma tal que o pequeno produtor foi
se distanciando cada vez mais da possibilidade de adquiri-la, as políticas públicas
se encarregaram da seleção dos produtores
28
. A policultura tradicional foi
desestruturada, ao passo que a concentração da terra foi reforçada, o que
redundou em mão-de-obra dispensada das atividades agrícolas, sem a sinalização
de uma outra colocação para os trabalhadores.
Benjamim (1998, p.85) ostra ainda que:
O padrão do mundo rural brasileiro se tornou completamente anacrônico.
Aquela agricultura que produzia fundamentalmente bens de exportação e
enviava gente para as cidades era funcional sob outro ponto de vista, na
fase primário-exportadora e nos primórdios da industrialização. Hoje não é
mais. O papel da agricultura, ao contrário, deve ser reter mão-de-obra,
apoiar a rede de pequenas e médias cidades (para desconcentrar as
atividades dinâmicas) e baixar o custo de alimentação (para ampliar o
mercado interno).
28
Sobre objetivos e direcionamentos das políticas públicas para a agricultura ver Gonçalves Neto
(1997).
Os rumos dados à agricultura brasileira pelas políticas públicas no pós 1960
conduziram ao que Rangel (2000) chama de a “modernização da agricultura
expelindo gente”. Nessa perspectiva a dispensa de mão-de-obra pela agricultura
desenvolvida no Sudoeste de Goiás, intensa em tecnologia, se configura em um
problema e sua continuiação poderá gerar problemas sociais e econômicos
diversos, além de agravar os já existentes.
3.1.1 Sudoeste de Goiás: campo fértil para a integração industrial.
O Sudoeste de Goiás é a parcela do território do estado onde é mais visível o
efeito espacial das transformações ocorridas no agro goiano. Ali a produção de
grãos imprimiu a marca dos objetos de que necessita para se fazer existir. Os
efeitos fluídos da produção podem ser identificados na indústria esmagadora de
grãos, no processamento do óleo e do farelo, no estabelecimento de granjas de
produção de aves e suínos, acompanhadas da indústria processadora dos
animais, conjugados a uma eficiente rede de distribuição de insumos que dão
suporte à produção, de forma a buscar a maior eficiência em todos os elos da
cadeia produtiva.
Isto deriva do empenho, tanto do poder público quanto dos demais
envolvidos com o setor agropecuário, em buscar uma maior agregação de valor
aos produtos. Busca-se investir em produtos com demanda elástica, que permitem
a agregação de valor, atrelados à economia de escala e ao processamento
industrial, como é o caso da soja e do milho.
Os programas oficiais visam a atrair agroindústrias e, desta forma, extrapolar
a produção unicamente de matérias-primas. A instalação do complexo
agroindustrial da Perdigão em Rio Verde, maior parque agroindustrial da América
Latina, é um dos resultados concretos desses esforços. O Projeto Buriti, fatura em
torno de 700 milhões de reais por ano, a partir de uma produção de cerca de 6000
toneladas de processados, entre presunto, empanados, massas, hambúrguer,
mortadela e lingüiça (PERDIGÃO, 2005).
Diversas outras indústrias, principalmente de embalagens e distribuidoras de
insumos, se instalaram no município em decorrência da instalação do pólo
Perdigão. Estima-se em torno de 400 empreendimentos industriais.
Já no município de Jataí uma das principais empresas é a COINBRA
(Comércio e Indústrias Brasileira), empresa do grupo francês Louis Dreyfus e uma
das 3 maiores empresas de processamento e industrialização de oleaginosas da
América do Sul. Instalada em Jataí em 1982, atualmente ocupa uma área de
142.525,58 m
2
. Iniciou suas atividades no município com a comercialização de
grãos, posteriormente, em 1989, passou à produção de óleo e de farelo de soja,
com capacidade de processamento de 900 toneladas/dia. Atualmente opera com
capacidade em torno de 2.000 toneladas/dia, o equivalente a aproximadamente
52.000 toneladas/mês. A refinaria opera com capacidade de 400 toneladas/dia. O
processamento da soja gera três subprodutos: farelo, óleo e “casquinha” de soja.
O primeiro, destinado à alimentação animal, obtêm teor protéico de 46%, o último
tem teor de proteína de 12%, sendo vendido no mercado para ser adicionado à
ração animal. No processo de refino do óleo extrai-se, além deste, mais dois
subprodutos, os ácidos graxos e a lecitina de soja.
Os produtos têm destinos variados. A totalidade do óleo refinado é destinada
ao mercado interno e toda a lecitina é destinada à exportação; 95% do óleo bruto
destina-se ao refino; 90% do farelo destina-se à exportação e 10% ao mercado
nacional (COINBRA, 2005).
As figuras 12 e 13 ilustram, parcialmente, as instalações da COINBRA em
Jataí. Na figura 12 pode-se verificar as fitas transportadoras de grãos, que os
levam do local de recebimento ao armazém. Este processo é desenvolvido por
sistema eletrônico. A figura 13 apresenta o armazém de farelo, as instalações de
envaze do óleo, a instalação da refinaria e, ao fundo, a chaminé da caldeira.
Figura 12: Vista parcial das instalações da COINBRA - fitas transportadoras
de grãos (Jataí – GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 13: Vista parcial das instalações da COINBRA (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
A Cargill Agrícola, implantada em Jataí-GO em 1987, também tem
expressividade no setor agroindustrial. Atuando no comércio de soja e de
fertilizantes e no fabrico de óleos industriais, lubrificantes, fertilizantes e adubos, é
hoje uma importante empresa no ramo, tendo recebido, em 2000, 110.000
toneladas de soja em grão, dos quais, parte foi destinada às fábricas em
Uberlândia-MG e Mairinque-SP e parte à exportação (CARGILL, 2005).
As figuras 14 e 15 ilustram parte das instalações da Cargill Agrícola, no
município de Jataí-GO. A figura 14 apresenta o armazém da indústria e a figura 15
apresenta vista panorâmica das instalações da agroindústria.
Figura 14: Armazém industrial da Cargill Agrícola (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 15: Vista panorâmica das instalações da Cargill Agrícola (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Além destas, outras empresas como Caramuru, ADM, Bunge – Ceval,
recebem incentivos diretos e indiretos do poder público para se instalarem e
desenvolverem suas atividades na região. A política de isenção ou parcelamento
de impostos é a mais usual. Além disso, a ineficiência (ou ausência) de leis
ambientais, de leis fiscais e de organização sindical dos trabalhadores fazem com
que as empresas tenham ampliadas suas possibilidades de exploração da mão-
de-obra, abundante e barata, e dos recursos naturais, desprotegidos legalmente,
ampliando as possibilidades de obtenção de lucro e de reprodução do capital.
Para Castillo (2004), as novas regiões da soja são dominadas por grandes
empresas (na maior parte estrangeiras), que influenciam na distribuição das infra-
estruturas, nos investimentos dos governos federal, estadual e municipal. “Os
municípios, em guerra para atrair investimentos, esquecem a política social e
comprometem o orçamento para oferecer isenções fiscais e obras de engenharia
às empresas. Acham que a soja será a salvação da lavoura” (CASTILLO, 2004,
p.03). Esta realidade pode ser identificada na região, onde os bairros das cidades
são carentes de infra-estrutura básica, as escolas e a saúde pública desprovidas
de recursos e repasses de verba, enquanto incentivos e isenções são dadas às
empresas para ali se instalarem e desenvolverem suas atividades produtivas.
A agroindústria se instala e se sedimenta no Sudoeste de Goiás diante da
possibilidade de reduzir custos por meio da integração de instituições, além de
captar economias de escala na produção e no abate de animais. Estas são
possibilidades anunciadas a partir da ampliação de tecnologias, sobretudo no que
tange à criação de suínos e de aves.
3.1.2 Atrativos regionais para a agroindústria.
O promissor enunciado de que os preços dos grãos caem, em áreas de
Cerrado, ao passo que a produtividade tende a aumentar, contribui para que o
Sudoeste de Goiás se torne um pólo estratégico para a implantação do setor
agroindustrial. Há uma projeção sobre os preços no futuro e, de acordo com
Helfand e Rezende (2003), é provável que as decisões estratégicas da indústria
alimentícia levem em conta essas mudanças.
Porém, os autores consideram, ainda, que não são apenas os grãos baratos
(e, conseqüentemente, as rações) os responsáveis pelo deslocamento da
agroindústria de animais para as diversas localidades no Centro-Oeste, senão os
fluxos de comércio das carnes de frango e de porco seriam mais intensos que os
de milho. Afirmam que se assim fosse o desenvolvimento agrícola do Centro-
Oeste apresentaria um impacto muito maior sobre o desenvolvimento industrial
regional e as regiões no Sul do Brasil, onde hoje se concentram atividades de
aves e suínos, teriam que passar por um processo difícil de substituição de
atividades (HELFAND; REZENDE, 2003).
Helfand e Rezende (2003) utilizaram dados, do período de 1980-1995,
obtidos junto à Fundação Getúlio Vargas (FGV), para verificar a hipótese de que a
Região Centro-Oeste estaria atraindo a produção de aves e suínos não apenas
devido a preços baixos do milho e, portanto, da ração. Afirmam o que se segue:
A análise dos diferenciais de preços sugere que pode haver economia
considerável de custos, resultado da transferência da produção de animais
do Sudeste para o Centro-Oeste. O preço do milho nos anos de 1990 foi
em média R$ 25 a R$ 80 mais barato em Goiás que nos quatro estados do
Sudeste. O mesmo não pode ser dito sobre o Sul. Os preços do milho no
Paraná tenderam a ser menores do que em Goiás nos anos 1990 e, com
exceção de alguns anos, a diferença com Santa Catarina e Rio Grande do
Sul não tem sido muito grande. Então, se a produção animal deve migrar
do Sul para o Centro-Oeste, é provável que o seja por outras razões que
não o preço do milho
(HELFAND; REZENDE, 2003, p.25).
Afirmam, ainda, que:
de todos os estados produtores de milho apenas o Mato Grosso e o Mato
Grosso do Sul tiveram taxas maiores de crescimento do que o Paraná e o
Rio Grande do Sul nos anos 1990 e que, ainda assim, o Sul continuou a
ter 45% dos estoques brasileiros em 1995, comparados com 7% no
Centro-Oeste. Então, mesmo havendo um crescimento um pouco maior no
Centro-Oeste, não há evidência – por volta de 1995 – de um êxodo em
massa da produção avícola do Sul para a região, já que no período de
1990/ 1995, no Centro-Oeste, localizava-se apenas 6% das aves e 12%
dos suínos, sendo que Goiás produziu 9,6% do milho produzido no país e
só consumiu 4,1%, ao passo que São Paulo importou 4,2% da produção
nacional do grão
(HELFAND; REZENDE, 2003, p. 36).
Partindo desta premissa conclui-se que uma empresa não faria economia
considerável migrando de estados da Região Sul para Goiás, por exemplo, já que
o custo com o transporte do produto final faria perder parte das vantagens em
relação aos preços do milho e derivados.
Logo, o que parece, é que a realocação da indústria do Sul e do Sudeste
para o Centro-Oeste está baseada, além de no baixo custo da ração, na adoção
de uma nova tecnologia, que, aliada a novas formas de organizar a produção no
Centro-Oeste, tem o potencial de reduzir o custo da carne, para os consumidores,
de inúmeras formas:
Primeiro, a construção de megaabatedouros que integrarão grandes
criadores de animais poderia apropriar economias de escala na produção
e no abate. Segundo, a integração com um número menor de produtores
poderia contribuir para a redução dos custos de logística associados com
o suprimento de insumos, a provisão de ração e serviços veterinários, e a
coleta dos animais quando estiverem prontos para o abate. Apesar de o
modelo de pequenos agricultores integrados do Sul ter contribuído para
um período de excelente crescimento na produção e na produtividade,
está sendo visto como um obstáculo para a continuação do crescimento e
da redução de custos
(HELFAND; REZENDE, 2003, p. 49).
No que tange ao baixo custo da ração, os dados apresentados nos gráficos
adiante, nas páginas 134, 135 e 136 desta seção, indicam que este é um
elemento de fundamental importância a ser considerado no processo de
realocação, juntamente com os outros elementos apontados pelos autores
supracitados.
Quanto às novas tecnologias dos abatedouros e à nova forma de
organização da produção, as figuras 16 e 17 ilustram a linha de produção da
Perdigão, na unidade de Rio Verde. Ali a organização da produção, aliada à
estrutura do megaabatedouro, permite uma otimização do trabalho, e, por
conseguinte, da lucratividade, fazendo com que, além dos baixos custos da ração,
a empresa aproprie-se de uma economia de escala tanto no abate quanto na
produção.
Figura 16: Linha de produção da Perdigão (Frango), unidade de Rio Verde -
GO.
Fonte: Arquivos da Empresa, 2005.
Figura 17: Linha de produção da Perdigão (Suínos), unidade de Rio Verde -
GO.
Fonte: Arquivos da Empresa, 2005.
Porém, mesmo com todas estas vantagens e novidades elaboradas para o
segmento agroindustrial de aves e suínos, no Sudoeste de Goiás, e em todo o
estado, o peso do transporte é bastante significativo no custo do produto final, que
é onerado pelos fretes, já que não se pode transferir, simplesmente, estes custos
aos preços finais dos produtos agrícolas, pois estes são fixados com base nos
mercados internacionais.
3.1.3 O sistema de escoamento dos produtos agrícolas regionais.
Sobre o sistema de transporte, Castro (2003) afirma que as firmas
agropecuárias podem ser vistas como um elo de uma longa cadeia de produção,
armazenagem e transporte. Nessas cadeias surgem várias possibilidades de
complementariedade e de substituição entre transporte e armazenagem, e os
demais insumos e fatores de produção.
Quanto maior a disponibilidade de transporte, em termos de confiabilidade
e freqüência, menores são as necessidades de recursos de
armazenagem, mão-de-obra e outros fatores de produção. Isto se deve à
elevada dependência de variáveis internas e externas aleatórias (a
disponibilidade de equipamentos, o clima, os preços dos insumos e
produtos) que torna ainda mais forte a interação entre o nível de serviço de
transporte, a disponibilidade de armazenagem e o uso de demais insumos
e fatores de produção
(CASTRO, 2003, p. 301).
Castro (2003) sugere a comparação entre a produtividade de máquinas
equivalentes em duas regiões servidas, de forma distinta, de infra-estrutura de
transporte, a fim de esclarecer a importância dos transportes na formação do elo
da cadeia de produção:
Imaginem a diferença de produtividade entre dois tratores iguais
(produtividade média em termos de horas efetivamente trabalhadas por
ano), um operando em Ribeirão Preto (SP), contando com serviços amplos
e acessíveis de manutenção e peças de reposição, e outro operando no
município de Alta Floresta, situado no norte de Mato Grosso. Ou ainda,a
diferença de produtividade de mão-de-obra entre duas fazendas: uma que
conta com transporte próprio para disponibilizar a tempo e a hora,
fertilizantes, adubo, semente, remédio, ração, etc. e outra que depende da
entrega ‘quase sempre fora de hora’ desses insumos. Concluindo, piores
condições de transporte implicam maiores estoques e maiores perdas para
se obter o mesmo resultado em termos de aplicação efetiva de insumos
(CASTRO, 2003, p. 301-302).
Conclui-se, então, que um sistema de transporte confiável e estável significa
diminuição e, em alguns casos, eliminação das perdas e/ ou dos danos aos
produtos agrícolas.
Neste particular, o estado de Goiás tem buscado diversas estratégias de
modo a facilitar o escoamento dos produtos gerados, e, ao mesmo tempo suprir as
empresas rurais e urbanas do suporte técnico de que necessitam para produzir.
O governo do estado de Goiás vem buscando, desde o ano de 2004,
parcerias para investimento, que está orçado em R$ 250 milhões, na construção
de uma plataforma logística em Anápolis, cidade goiana situada no eixo Goiânia –
Brasília. O objetivo, segundo o projeto do governo, é integrar os transportes
intermodais: ferroviário, rodoviário, aéreo e fluvial, além de investir no Porto Seco
Centro-Oeste.
O Porto Seco foi alfandegado em setembro de 1999 e vem desempenhando
papel fundamental no desenvolvimento econômico de Goiás,
Uma nova visão de comércio exterior foi estabelecida em Goiás,
aproximando a região do mercado global. Tendo como missão principal
atender às necessidades de importadores e exportadores, o Porto Seco
assessora seus clientes a otimizarem suas transações nacionais e
internacionais, ganhando, assim, mais competitividade de mercado através
de agilidade e redução de custos de armazenagem dos seus produtos.
A localização do Porto Seco não poderia ser melhor. Situado na cidade de
Anápolis, possui uma ampla e moderna infra – estrutura com área total de
109.707,97 m
2
. A empresa está em uma região estrategicamente
privilegiada, a 55 Km de Goiânia, capital do estado de Goiás, e 171 Km de
Brasília, capital do Brasil. Três rodovias federais se interligam em
Anápolis: as BR’s 060, 153 e 414, formando, juntamente com as ferrovias,
o que pode ser chamado de “Trevo Brasil” [...] Podem ser transportados,
assim, inúmeros tipos de cargas, interligando todo o mercado do Centro-
Oeste a outros pontos do país, transformando grandes distâncias em
distâncias economicamente competitivas
(Porto Seco Centro-Oeste,
2005, p. 01).
Objetiva-se, com tais ações, o barateamento de matérias-primas que chegam
às indústrias situadas em Goiás, ao mesmo tempo que a redução dos custos de
escoamento dos bens produzidos, principalmente dos grãos, que dessa forma
podem se tornar mais competitivos no mercado, vez que terão custos mais baixos.
No que tange às rodovias, a malha viária do Centro-Oeste, de forma geral, é
bastante precária. No estado de Goiás as rodovias responsáveis pelo escoamento
da safra colhida são de péssimas qualidades, o que acaba por encarecer os
custos dos produtos transportados. Apenas uma pequena parte das rodovias,
sejam elas federais ou estaduais, apresenta pistas duplicadas. Poucos, também,
são os projetos de duplicação. No estado, o predomínio é de rodovias estaduais,
estas não possuem acostamentos e a sinalização é insuficiente. Quanto às
federais, no geral, o estado de conservação é de ruim a péssimo.
Transitando-se pelas estradas do Sudoeste de Goiás verifica-se o grande
desperdício dos produtos agrícolas. Os grãos podem ser vistos saltando dos
caminhões e se amontoando nas valetas laterais, de escoamento de águas
pluviais. Nestas laterais forma-se, também, um “cordão” branco, devido ao
algodão caído das carrocerias de transporte.
Isso ocorre, pois, segundo Garçon (2004), nas áreas de fronteira agrícola do
“coração do país”, o cultivo chegou antes do asfalto, por isso,
a maior parte da produção cruza o país chacoalhando em caminhões.
No trajeto para a costa, nas estradas mal conservadas, a trepidação do
veículo faz com que uma quantidade equivalente a cerca de 3% de toda a
safra se extravie [...] no treme-treme da viagem, os grãos e cereais
simplesmente pulam tanto que acabam escapando do baú dos caminhões.
Esse índice já pode estar na casa dos 5% nos trajetos do Centro-Oeste
aos portos. Calcula-se que essas perdas tenham sido de R$ 1 bilhão no
ano de 2004
(GARÇON, 2004).
Além do prejuízo, em relação à perda dos produtos em si, há o prejuízo
provocado aos proprietários dos caminhões e das carretas responsáveis pelo
transporte. A cada quilômetro percorrido depara-se com veículos estacionados,
com problemas diversos (pneus, rodas, amortecedores, eixos). Os proprietários
dos veículos têm seus lucros reduzidos em função da precariedade das rodovias.
Parte do que recebem é investido nos reparos exigidos pelas más condições
rodoviárias.
Soma-se a estes problemas os constantes assaltos que ocorrem nos trechos
onde as rodovias não permitem que os veículos transitem numa velocidade
superior a 30 quilômetros por hora. Aí, quadrilhas se aproveitam da baixa
velocidade para se aproximar dos veículos, fazer reféns os motoristas e roubar
veículos e cargas. Esta situação é corriqueira na rodovia BR 364, na altura dos
municípios de Jataí, Mineiros e Aparecida do Rio Doce; na BR 060, na altura do
município de Rio Verde e na BR 452, na altura dos municípios de Bom Jesus e
Itumbiara, dentre outras rodovias.
Os assaltos também são muito comuns a ônibus que transitam pela região no
período noturno. A cada semana, no mínimo, um ônibus é assaltado. A
impossibilidade de manter a velocidade na média necessária torna os veículos
vulneráveis à ação de quadrilhas que se especializaram em assaltos em regiões
de rodovias precárias.
Diante do custo elevado de manutenção das estradas rodoviárias e/ou da
construção de novas, as soluções buscadas têm sido investir no transporte
hidroviário e ferroviário no Centro-Oeste, uma forma de ampliar as possibilidades
de rendimento por meio da redução dos custos de produção e de transportes.
O transporte hidroviário tem sido apontado como a melhor, mais eficiente e
mais barata forma de escoar os produtos regionais, sobretudo a soja e seus
derivados destinados ao comércio exterior. A Hidrovia Paraná-Paraguai, no
pantanal matogrossense, tem sido veiculada enquanto proposta alternativa de
transporte no ramo. A hidrovia enquanto canal de escoamento da produção
agrícola centroestina, em especial da soja, surgiu dentro das articulações do
Mercosul, proposta pela Iniciativa de Integração de Infra-estrutura Regional Sul
Americana (IIRSA). O projeto foi abandonado em 1998 e deveria ter sido retomado
no início de 2004, porém a falta da realização e da apresentação dos relatórios
dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA),
por parte do governo brasileiro, atrasou a retomada das obras (SILVA, 2004).
Outros dois projetos hidroviários que objetivam reduzir os custos dos
produtos agrícolas da Região Centro-Oeste são as hidrovias Tocantins - Araguaia
e do Tapajós, que encaminharão os produtos aos portos do Norte do Brasil,
também com o intuito de reduzir os custos com transporte.
Por outro lado, a construção de hidrovias vem sendo recebida com receio e
resistência por parte da sociedade regional. Segundo Silva (2004), a hidrovia
traduz uma concepção antiga e ultrapassada de manejo dos rios. Trata-se de uma
visão linear e fragmentada, na medida em que considera as navegações para fins
de transporte como o principal e prioritário uso do rio. A exclusão social e
ecossistêmica da rede integrada de sistemas ecológicos e sócio-cultural
adjacentes ao rio é o principal problema/ prejuízo apontado como conseqüência,
em havendo a construção das hidrovias.
Outro projeto de expansão da capacidade de transporte dos produtos
agrícolas dos Cerrados é a retomada da construção da Ferronorte. Este projeto,
datado de 1989, ambiciona construir 5 mil quilômetros de ferrovia, ligando o
Centro-Oeste e a Amazônia Legal ao Sul do Brasil. A rota original da ferrovia
passa pelo estado do Mato Grosso, tendo nele entrado pelo Oeste Paulista, e vai
em direção a Rondônia. O projeto de expansão prevê a construção de um ramal
da ferrovia que passará pelos municípios de Jataí e Rio Verde, no Sudoeste de
Goiás, em direção a Uberlândia, indo se encontrar com os terminais da Ferroban e
da FCA, no Triângulo Mineiro (GEOCITES, 2003), conforme pode ser verificado no
mapa 04.
De acordo com informações publicadas no Geocites (2003),
a Ferronorte é considerada hoje a ferrovia mais moderna do mundo,
construída a partir de tecnologia avançada, que emprega, entre outros
itens, dormentes de concreto, mais duráveis e ecologicamente corretos. As
suas composições são puxadas por modernas locomotivas Diesel –
Elétricas, com capacidade de transportar volumes próximos a 10 mil
toneladas, em vagões de alumínio, outra novidade que a ferrovia
introduziu no país
(GEOCITES, 2003).
Mapa 04: Ferrovias no estado de Goiás.
Na Figura 18 vê-se ilustração da Ferronorte, no município de Chapadão do
Sul (MS).
Figura 18: Trecho da Ferronorte (Chapadão do Sul – MS).
Fonte: L. Görgen, 2005.
3.2 Instalação do complexo agroindustrial da Perdigão no
Sudoeste de Goiás.
A Perdigão é uma companhia de capital aberto, que, desde de 1994, é
controlada por um pool de fundos de pensão. A valorização dos seus ativos é
ampliada tendo em vista os esforços da companhia em melhorar a relação com os
investidores, por meio da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA)
(PERDIGÃO, 2005).
Baseada numa política de recuperação de renda, a Perdigão S.A. reforçou
seus investimentos na ampliação do mercado interno. A companhia tem buscado
ampliar as vendas de produtos de menor valor, elevando suas vendas nos
pequenos e médios varejos, o que aumenta o capital de giro da empresa.
Estas estratégias contribuíram para o crescimento das vendas e da receita,
que aumentaram substancialmente a partir do segundo semestre de 2003,
colaborando com uma redução de R$ 385,5 milhões da dívida líquida da empresa,
que passou de R$ 899,5 milhões no final de junho de 2003 a R$ 514 milhões em
igual data de 2004. Considerando, ainda, a crise aviária (gripe do frango) que
tomou conta do mercado asiático neste mesmo ano, este conjunto de fatores se
somou para que a ações da Perdigão S.A tivessem uma alta de 3,5% na Bovespa
(www.info.adpt.org.br).
Nessa estratégia de produção e comercialização, a instalação de três
complexos da Perdigão S.A no estado de Goiás parece ser fundamental para
aproximar a produção não apenas dos centros produtores de grãos, mas também
dos centros consumidores emergentes, tendo em vista que a região do Brasil
Central desponta como um novo pólo de desenvolvimento regional, urbano e
industrial. A empresa tem sua capacidade produtiva ampliada em virtude de
incentivos fiscais municipais e estaduais, da disposição regional para a atividade
agroindustrial, da mão-de-obra abundante e da suposta ausência de competidores
no ramo produtivo (idem).
Porém, quando se trata da ausência de competidores o quadro tende a
apresentar mudanças. No ano de 2004, a Sadia, principal concorrente da
Perdigão, adquiriu, com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do
Centro-Oeste (FCO), a “Só Frango Produtos Alimentícios”, de Brasília. Os motivos
que embasaram este negócio são similares aos que levam a Perdigão a expandir
seu parque agroindustrial. A Sadia se interessou pela empresa tendo em vista a
proximidade das regiões produtoras de grãos e o elevado mercado consumidor
local de 3,5 milhões de consumidores, que juntamente com as vantagens de
financiamento oferecidas pelo FCO, fizeram com que se concretizasse a
transação comercial entre as duas empresas (ibidem).
Também, a Sadia concorreu com a Perdigão S. A. à compra da Frango Gale,
de Jataí. De uma proposta inicial de R$ 60 milhões, feita pela Perdigão, a
transação, efetuada na primeira semana de outubro, foi fechada, em prol da
mesma, em R$ 90 milhões, diante da concorrência estabelecida pela Sadia. De
acordo com as intenções de produção da empresa, será feito um investimento de
mais R$ 200 milhões a fim de adequar a estrutura da antiga Frango Gale às sua
organização produtiva.
As negociações entre a Frango Gale e a Perdigão têm sido tratadas no
mais absoluto sigilo, o que faz surgirem diversas especulações. De acordo com a
“Folha do Sudoeste”, jornal de circulação regional, o valor da venda superou a
marca dos R$ 100 milhões e a nova empresa já inicia ampliando o abate para 370
mil aves/ dia e as jornadas de trabalho passam a 24 horas diárias (Folha do
Sudoeste, 2005).
No elo da cadeia produtiva, quando se trata dos produtores integrados à
Perdigão, estes, no ano de 2001, reclamaram o alongamento do prazo de
pagamento do financiamento. O prolongamento foi ampliado de um para três anos
de carência e de um para seis anos para pagamento. Entendemos esta solicitação
dos produtores como uma manifestação de que as facilidades no produzir e os
lucros alardeados não vieram no tempo e na proporção propagandeados.
3.2.1 Projeto Buriti: Rio Verde-GO.
No ano de 2003 foi inaugurada a unidade industrial de Rio Verde, no
Sudoeste de Goiás. Na realidade, as atividades em Rio Verde se acentuaram já
em 1998, quando foi implantado no município um centro de difusão genética,
sendo este um dos maiores centros de inseminação artificial do Brasil.
O projeto Buriti, em Rio Verde, constitui-se no principal investimento da
Perdigão nos últimos anos. A unidade construída é considerada um dos maiores
complexos agroindustriais do mundo, segundo Soares Filho (2002). A figura 19
apresenta a unidade agroindustrial da Perdigão em Rio Verde. Por meio de
fotografia aérea pode-se observar a grande e complexa estrutura da agroindústria.
Figura 19: Vista aérea da unidade agroindustrial da Perdigão em Rio Verde
(GO).
Fonte: Arquivos da Empresa, 2005.
A estratégia de localização tem a ver com o perfil produtivo da região, grande
produtora de grãos, e com a proximidade com os mercados emergentes nacionais.
Além disso a unidade de Rio Verde objetiva desconcentrar a produção das
unidades da Região Sul, que devem se especializar cada vez mais nas demandas
do mercado internacional.
De acordo com dados da empresa, o empreendimento foi dimensionado com
a capacidade de produzir 260 mil ton/ano de carnes, equivalentes a 25% da
capacidade total planejada da companhia e gerar um faturamento de cerca de R$
1 bilhão a partir do ano de 2004. Já no primeiro ano de funcionamento (ainda
parcial), do total produzido pela unidade, 600 toneladas de carne de aves foram
exportadas para a União Européia e para o Japão. Do investimento total, de R$
700 milhões, R$ 412milhões partiram da própria companhia; o restante dos
investimentos foi feito pelos produtores rurais e transportadores integrados.
Segundo Secches (2004), a capacidade de abate da unidade de Rio Verde é
de 281.660 aves e de 3.520 suínos por dia. Além do mercado regional, os
produtos originados da unidade de Rio Verde são destinados aos mercados da
Espanha, Rússia, Alemanha, Holanda, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Hong
Kong e Japão.
Ao final, tem-se, atualmente, uma das maiores companhias de alimentos da
América Latina instalada em Rio Verde, no Sudoeste de Goiás, com uma
capacidade de abate diário de 281 mil frangos e 3.500 suínos (SOARES FILHO,
2002), onde a padronização dos equipamentos e o controle automático da
alimentação e do clima garantem o padrão de qualidade dos produtos.
A companhia goza de privilégios fiscais e financeiros em diversos setores.
Argumentando ser necessário buscar melhorias na infra-estrutura da cidade, a
mesma firmou uma parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico Social (BNDES), na qual para cada real investido pela Perdigão em
benefícios sociais em Rio Verde, o BNDES aplica outro na forma de redução dos
juros. A Prefeitura Municipal colaborou com a cessão de terrenos para a
construção do complexo e ainda operacionaliza diversas ações e garante a
manutenção dos projetos.
O BNDES tem sido um dos maiores investidores na economia do estado de
Goiás. O quadro 05 apresenta os números dos investimentos aplicados no estado
de Goiás pelo BNDES nos anos de 1992, 2000, 2001 e 2002, nota-se que, dos
investimentos realizados, a maior parte tem sido direcionada para a agricultura e/
ou para os setores de comércio e serviços a ela vinculados.
Quadro 05: Investimentos do BNDES (desembolso de recursos) no estado de
Goiás (1999, 2000, 2001 e 2002).
(R$ mil)
Goiás
Especificação
1999 2000 2001 2002
Variação (%)
1999/2002
Agropecuária 75.603 136.549 167.397 291.804 285,97
Indústria
extrativa
301 365 1.158 1.529 407,97
Indústria de
transformação
205.553 170.797 161.657 125.504 -38,94
Comércio/
serviços
191.689 260.276 82.037 593.164 209,44
Op. no mercado
secundário
- - - - -
Total 473.146 567.987 412.249 1.012.001 113,89
Fonte: BNDES, ano 2002, apud SEPLAN-GO/ SEPIN. Gerência de Estatísticas Socioeconômicas,
2003.
Adaptação e organização: Ribeiro, 2005.
3.2.1.1 Custos de produção do Complexo Buriti Perdigão Agroindustrial S.A/
Rio Verde-GO.
Os investimentos da Perdigão S.A no Complexo Buriti, em Rio Verde,
justificam-se tendo em vista fatores de logística, de financiamentos e de custo de
produção conforme já tratado anteriormente.
Aqui vamos nos ater a explicitar os índices que denotam a redução dos
custos de produção, como os custos da alimentação e a conversão alimentar dos
animais, nesta unidade de produção em relação a outras unidades da empresa.
Os dados aqui apresentados foram disponibilizados pela Perdigão
Agroindustrial S.A., unidade de Rio Verde, e permitem uma comparação entre os
custos de produção desta unidade e as unidades de Videira (SC), Herval D’Oeste
(SC), Marau (RS), Carambeí (PR) e Catanduvas (PR).
Os gráficos 07, 08 e 09 demonstram o custo de produção da ração e o
custo do milho e do farelo de soja consumido nas unidades de Rio Verde (GO),
Videira (SC), Marau (RS), Carambeí (PR) e Catanduvas (PR). Nota-se que em Rio
Verde o custo de produção da ração é acentuadamente menor do que nas outras
unidades. O custo do milho e do farelo de soja consumido, em média, também é
bem menor em Rio Verde, mesmo sendo superado em alguns períodos por outras
unidades.
Gráfico 07: Custo de produção da ração – R$/KG.
0,3300
0,3500
0,3700
0,3900
0,4100
0,4300
0,4500
0,4700
0,4900
0,5100
0,5300
0,5500
Videira/ SC
Catanduvas/
PR
Marau/ RS
Carambeí/ PR
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
0,4944 0,4771 0,4453 0,4606 0,4495 0,4472 0,4327 0,4326 0,4117 0,4405 0,4715 0,4476 0,4435
Catanduvas/ PR
0,4986 0,4743 0,4426 0,4587 0,4407 0,4317 0,4241 0,3984 0,4006 0,4362 0,4262 0,4162 0,4241
Marau/ RS
0,5204 0,4917 0,4641 0,4776 0,4522 0,4279 0,4288 0,4220 0,4202 0,4364 0,4574 0,4350 0,4322
Carambeí/ PR
0,5415 0,5289 0,5086 0,4890 0,4687 0,4546 0,4369 0,4261 0,4238 0,4370 0,4749 0,4784 0,4605
Rio Verde/ GO
0,4347 0,4337 0,3995 0,4071 0,3948 0,3723 0,3673 0,3677 0,3441 0,3494 0,3497 0,3641 0,3687
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005
Gráfico 08: Custo do milho consumido - R$ /KG.
0,2400
0,2500
0,2600
0,2700
0,2800
0,2900
0,3000
0,3100
0,3200
0,3300
0,3400
Videira/ SC
Catanduvas/PR
Marau/ RS
Carambeí/ PR
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
0,3324 0,3067 0,2953 0,2944 0,2884 0,2848 0,2757 0,2676 0,2626 0,3033 0,3332 0,3158 0,3146
Catanduvas/PR
0,3233 0,2955 0,2787 0,2890 0,2806 0,2857 0,2814 0,2656 0,2630 0,3001 0,3239 0,3065 0,3043
Marau/ RS
0,3376 0,3061 0,3007 0,3100 0,3002 0,2784 0,2646 0,2414 0,2824 0,3014 0,3236 0,3144 0,3101
Carambeí/ PR
0,3160 0,2889 0,2890 0,2892 0,2749 0,2699 0,2654 0,2537 0,2482 0,2658 0,3078 0,3104 0,2985
Rio Verde/ GO
0,2534 0,2629 0,2650 0,2649 0,2669 0,2633 0,2708 0,2639 0,2545 0,2520 0,2536 0,2571 0,2585
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 09: Custo do farelo de soja consumido – R$ / KG.
0,3600
0,3900
0,4200
0,4500
0,4800
0,5100
0,5400
0,5700
0,6000
0,6300
0,6600
0,6900
Videira/ SC
Catanduvas/ PR
Marau/ RS
Carambeí/ PR
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
0,6213 0,6124 0,5152 0,5680 0,5460 0,5347 0,5090 0,4896 0,4670 0,4670 0,5205 0,4950 0,4873
Catanduvas/ PR
0,6583 0,6551 0,5821 0,5391 0,5232 0,4964 0,4704 0,4262 0,4623 0,5094 0,4835 0,4638 0,4966
Marau/ RS
0,6277 0,5923 0,5228 0,5442 0,4662 0,4602 0,4486 0,4633 0,4275 0,4748 0,4979 0,4518 0,4527
Carambeí/ PR
0,6717 0,6876 0,6339 0,5633 0,5234 0,5207 0,4750 0,4550 0,4542 0,4562 0,4793 0,4863 0,4672
Rio Verde/ GO
0,5981 0,6037 0,4782 0,4695 0,4487 0,4050 0,3845 0,4118 0,3793 0,4057 0,4082 0,3859 0,4004
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Numa comparação com as demais unidades de produção, a unidade de Rio
Verde apresenta menores custos de produção em virtude de seus custos
específicos terem obtido redução ao longo do último ano. O gráfico 10 demonstra
que os custos da fábrica de rações em Rio Verde sofreuram queda substancial no
farelo de soja, mantendo-se relativamente estável quanto ao milho e ao sorgo a
granel. Como o primeiro é a principal matéria – prima na elaboração da ração,
esta também sofreu redução no seu custo de produção.
Diante disso, pode-se notar por meio do gráfico 11 que o custo de produção
da ração para todos os segmentos (leitões, frangos, sistema vertical terminação –
SVT) obteve redução significativa na unidade de Rio Verde.
Gráfico 10: Custos da fábrica de rações na unidade de Rio Verde – R$/KG.
0,1000
0,2000
0,3000
0,4000
0,5000
0,6000
0,7000
Farelo de Soja
Ração
Milho
Sorgo a Granel
Farelo de Soja
0,5981 0,6037 0,4782 0,4695 0,4487 0,4050 0,3845 0,4118 0,3793 0,4057 0,4082 0,3859 0,4004
Ração
0,4347 0,4337 0,3995 0,4071 0,3948 0,3723 0,3673 0,3677 0,3441 0,3494 0,3497 0,3641 0,3687
Milho
0,2534 0,2629 0,2650 0,2679 0,2669 0,2633 0,2708 0,2639 0,2545 0,2520 0,2536 0,2571 0,2588
Sorgo a Granel
0,1846 0,1747 0,1720 0,1733 0,1745 0,1777 0,1698 0,1720 0,1750 0,1872 0,1956 0,1856
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 11: Custo da produção de rações na unidade de Rio Verde –
R$ / KG.
0,3000
0,3300
0,3600
0,3900
0,4200
0,4500
0,4800
0,5100
0,5400
0,5700
0,6000
0,6300
0,6600
0,6900
Sistema Vertical Terminação
Frangos
Leitões
Total
Sistema Vertical Terminação
0,4329 0,4197 0,3729 0,3822 0,3615 0,3460 0,3402 0,3414 0,3193 0,3111 0,3081 0,3312 0,3363
Frangos
0,4349 0,4393 0,4098 0,4133 0,4053 0,3771 0,3744 0,3744 0,3495 0,3596 0,3629 0,3743 0,3818
Leitões
0,6324 0,6773 0,6432 0,6792 0,6816 0,6245 0,6153 0,6031 0,5829 0,6098 0,6233 0,6196 0,6229
Total
0,4347 0,4337 0,3995 0,4071 0,4071 0,3723 0,3673 0,3677 0,3441 0,3494 0,3497 0,3641 0,3687
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05
mar/0
5
abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
A redução dos custos da ração permite que os custos de produção do
Complexo Buriti Perdigão Agroindustrial S.A. também sejam menores em relação
às demais unidades. Isso pode ser notado tanto no caso dos suínos quanto das
aves.
No caso do Sistema Vertical Terminação (SVT), a fase final de formação
dos suínos, nota-se o menor custo de produção (gráfico 12), sendo que para tal a
participação da ração, com custo de produção reduzido, é elemento
preponderante (gráfico 13).
Gráfico 12: Custo de Produção do Sistema Vertical Terminação.
1,5800
1,6200
1,6600
1,7000
1,7400
1,7800
1,8200
1,8600
1,9000
Videira/SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
1,8252 1,8014 1,7859 1,7882 1,7987 1,7852 1,7858 1,8050 1,7905 1,7778 1,8944 1,8862 1,8756
Herval D´Oeste/SC
1,7470 1,7265 1,7370 1,7558 1,7335 1,7094 1,7391 1,7341 1,7110 1,7358 1,8229 1,8491 1,8302
Marau/RS
1,7640 1,7672 1,7324 1,7188 1,7636 1,7592 1,7482 1,7612 1,7609 1,7775 1,8954 1,8503 1,8518
Carambeí/PR
1,7803 1,7588 1,7712 1,8013 1,7662 1,7542 1,7514 1,6737 1,6209 1,6167 1,6775 1,7132 1,7056
Rio Verde/GO
1,7384 1,7400 1,7023 1,6823 1,6864 1,6808 1,6808 1,6566 1,6684 1,6352 1,6170 1,6208 1,6517
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 13: Participação unitária da ração no custo do Sistema Vertical
Terminação.
0,7000
0,7300
0,7600
0,7900
0,8200
0,8500
0,8800
0,9100
0,9400
0,9700
1,0000
1,0300
1,0600
1,0900
Videira/SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
1,0339 1,0177 0,9669 0,9569 0,9380 0,9161 0,8869 0,8529 0,8208 0,8064 0,8980 0,8953 0,8832
Herval D´Oeste/SC
1,0194 0,9689 0,9389 0,9129 0,8830 0,8449 0,8189 0,7946 0,7516 0,7474 0,8258 0,8280 0,8313
Marau/RS
1,0320 0,9993 0,9496 0,9037 0,9167 0,8944 0,8521 0,8159 0,8053 0,7905 0,9037 0,8713 0,8763
Carambeí/PR
1,0861 1,0555 1,0411 1,0446 1,0370 1,0088 0,9667 0,9213 0,8778 0,8659 0,9221 0,9402 0,9394
Rio Verde/GO
0,9728 0,9683 0,9168 0,8782 0,8536 0,8220 0,8045 0,7982 0,7888 0,7493 0,7318 0,7271 0,7660
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
A conversão alimentar do SVT também é mais eficiente em Goiás do que
nos demais estados, conforme pode ser conferido no gráfico 14 e o peso final dos
animais em Rio Verde é maior do que nas demais unidades da Perdigão
Agroindustrial S.A., de acordo com os dados apresentados no gráfico 15.
Gráfico 14: Conversão Alimentar do Sistema Vertical Terminação.
2,450
2,500
2,550
2,600
2,650
2,700
2,750
2,800
2,850
2,900
2,950
Videira/SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
2,778 2,728 2,727 2,731 2,718 2,695 2,684 2,668 2,657 2,635 2,584 2,628 2,661
Herval D´Oeste/SC
2,769 2,712 2,728 2,730 2,704 2,682 2,670 2,657 2,572 2,544 2,545 2,663 2,718
Marau/RS
2,739 2,690 2,642 2,588 2,604 2,597 2,583 2,514 2,517 2,470 2,517 2,556 2,669
Carambeí/PR
2,833 2,741 2,799 2,877 2,919 2,917 2,845 2,784 2,706 2,667 2,644 2,702 2,735
Rio Verde/GO
2,700 2,756 2,748 2,751 2,734 2,731 2,759 2,795 2,816 2,784 2,787 2,788 2,833
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 15: Peso Final do Sistema Vertical Terminação.
106,00
107,00
108,00
109,00
110,00
111,00
112,00
113,00
114,00
115,00
116,00
117,00
Videira/SC
Herval D'Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
106,94 109,21 107,06 113,13 112,22 112,44 111,41 112,26 113,21 114,78 112,63 112,21 109,67
Herval D'Oeste/SC
115,67 112,08 112,79 111,21 114,83 113,63 111,68 116,40 114,11 114,62 114,14 113,44 112,09
Marau/RS
116,14 113,29 115,41 115,55 115,76 114,73 115,67 115,05 115,30 114,85 114,37 114,08 110,16
Carambeí/PR
112,92 111,87 107,65 108,75 111,26 109,36 108,49 110,01 109,68 109,70 110,29 110,25 110,90
Rio Verde/GO
114,06 113,44 113,62 112,72 111,54 110,74 112,03 114,24 115,08 114,84 115,15 114,91 115,37
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Porém, a unidade de Rio Verde apresenta uma desvantagem, que tem
importância considerável, em relação às demais unidades, que é o índice de
mortalidade do SVT. Em Rio Verde tem-se os maiores índices dentre todas as
unidades de produção,conforme pode ser verificado no gráfico 16.
Gráfico 16: Percentual de mortalidade do Sistema Vertical Terminação.
1,00%
1,25%
1,50%
1,75%
2,00%
2,25%
2,50%
2,75%
3,00%
3,25%
3,50%
3,75%
Videira/SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
3,36% 3,00% 2,78% 2,79% 3,14% 2,76% 3,09% 2,87% 2,44% 2,66% 2,94% 2,49% 2,86%
Herval D´Oeste/SC
1,95% 2,22% 2,22% 2,32% 2,03% 2,00% 2,18% 2,09% 2,33% 2,05% 2,08% 2,33% 2,72%
Marau/RS
2,04% 1,84% 2,09% 2,17% 2,08% 2,11% 1,76% 2,42% 1,69% 1,52% 1,52% 1,71% 1,69%
Carambeí/PR
2,39% 1,89% 2,03% 2,71% 2,77% 2,41% 2,18% 2,35% 2,58% 2,10% 2,02% 1,88% 2,19%
Rio Verde/GO
2,06% 2,58% 2,16% 2,19% 2,12% 2,42% 2,64% 2,77% 3,46% 3,57% 3,16% 3,01% 2,95%
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Um outro elemento desvantajoso, ainda em relação à produção de suínos,
para a unidade de Rio Verde, é o custo de produção do leitão, que nesta unidade
é maior do que na unidade de Carambeí (PR), conforme apresentado no gráfico
17.
Gráfico 17: Custo da produção de leitão.
52,0000
56,0000
60,0000
64,0000
68,0000
72,0000
76,0000
80,0000
84,0000
88,0000
92,0000
96,0000
100,0000
Videira/SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
70,5775 73,4332 79,7558 84,9430 82,8077 85,2858 93,7583 94,5603 94,7251 96,1439 92,2022 80,2961 76,7105
Herval D´Oeste/SC
72,1488 75,7462 81,1326 86,2286 83,7362 86,4827 96,3904 97,2318 96,7118 97,3056 93,6345 82,0466 79,9626
Marau/RS
74,3228 76,2625 80,9656 86,2597 82,8487 84,8263 96,2929 96,2081 96,6285 97,2083 93,0295 80,7574 78,2190
Carambeí/PR
58,1945 57,6182 60,1110 58,0692 56,1745 55,5852 56,2785 56,8604 55,7237 57,7666 63,7859 67,4591 64,4289
Rio Verde/GO
65,6387 67,0927 71,6271 74,4209 74,3673 74,1782 77,4921 77,2032 77,3686 77,0573 76,8427 73,3235 72,1419
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
No que tange à produção de aves a situação de produção não é tão
favorável e vantajosa em relação às demais unidades, como a produção de
suínos.
Quanto ao custo de produção do pinto de um dia, nota-se que a média
obtida está acima da meta pré-fixada para a unidade de Rio Verde, conforme pode
ser verificado no gráfico 18, porém, ainda assim, possui um custo mais elevado do
que Videira (SC), Carambeí (PR) e Marau (RS).
Gráfico 18: Custo de produção do pinto de um dia.
0,3200
0,3300
0,3400
0,3500
0,3600
0,3700
0,3800
0,3900
0,4000
0,4100
0,4200
Videira/SC
Catanduvas/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Meta Rio
Verde/GO
Videira/SC
0,3964 0,3859 0,3694 0,3714 0,3609 0,3586 0,3508 0,3477 0,3381 0,3527 0,3591 0,3680 0,3824
Catanduvas/SC
0,3707 0,3511 0,3442 0,3597 0,3498 0,3459 0,3515 0,3371 0,3311 0,3291 0,3497 0,3505 0,3431
Marau/RS
0,4018 0,4017 0,3953 0,3823 0,3803 0,3747 0,3718 0,3727 0,3702 0,3788 0,3926 0,3645 0,3683
Carambeí/PR
0,4185 0,4027 0,3917 0,3867 0,3843 0,3882 0,3812 0,3678 0,3670 0,3830 0,3749 0,3675 0,3578
Rio Verde/GO
0,3724 0,3718 0,3763 0,3863 0,3858 0,3618 0,3628 0,3733 0,3756 0,3659 0,3625 0,3497 0,3553
Meta Rio Verde/GO
0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600 0,3600
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Quando se trata do custo de produção do frango vivo, este é
consideravelmente menor em Rio Verde do que nas demais unidades de produção
(gráfico 19), diferentemente do pinto de um dia. Porém, sua conversão alimentar é
superada pelas unidades de Herval D’Oeste (SC) e de Marau (RS) (gráfico 20), da
mesma forma que seu peso médio também é maior nestas duas unidades do que
na unidade de Rio Verde, conforme ilustrado no gráfico 21.
Gráfico 19: Custo de produção do frango vivo.
1,0400
1,0800
1,1200
1,1600
1,2000
1,2400
1,2800
1,3200
1,3600
1,4000
Videira/SC
Catanduvas/PR
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/SC
1,3214 1,2936 1,2377 1,2387 1,2420 1,2176 1,2203 1,2033 1,1685 1,1476 1,2335 1,2051 1,1870
Catanduvas/PR
1,3230 1,2669 1,2281 1,2301 1,2081 1,1965 1,1871 1,1768 1,1352 1,1290 1,1960 1,1403 1,1368
Marau/RS
1,3348 1,3050 1,2491 1,2334 1,1976 1,1642 1,1406 1,1537 1,1214 1,0985 1,1909 1,1488 1,1377
Carambeí/PR
1,3904 1,3496 1,3418 1,3056 1,2480 1,2335 1,2197 1,1995 1,2123 1,2079 1,2682 1,2759 1,2857
Rio Verde/GO
1,2090 1,1838 1,1655 1,1618 1,1637 1,1012 1,0880 1,0883 1,0830 1,0612 1,0889 1,1045 1,0866
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 20: Conversão alimentar do frango vivo.
1,550
1,600
1,650
1,700
1,750
1,800
1,850
1,900
1,950
2,000
2,050
Videira/ SC
Herval D´Oeste/ SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/ SC
1,670 1,660 1,653 1,683 1,650 1,699 1,698 1,699 1,690 1,650 1,605 1,628 1,658
Herval D´Oeste/ SC
1,910 1,871 1,884 1,914 1,888 1,943 1,939 1,991 1,952 1,903 1,888 1,888 1,849
Marau/RS
1,917 1,901 1,897 1,915 1,866 1,899 1,900 1,952 1,902 1,869 1,849 1,819 1,843
Carambeí/PR
1,738 1,753 1,784 1,799 1,739 1,741 1,733 1,764 1,751 1,727 1,686 1,658 1,667
Rio Verde/GO
1,777 1,794 1,822 1,802 1,784 1,751 1,752 1,808 1,804 1,799 1,790 1,826 1,782
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 21: Peso médio do frango vivo.
1,3800
1,4800
1,5800
1,6800
1,7800
1,8800
1,9800
2,0800
2,1800
2,2800
2,3800
2,4800
2,5800
2,6800
2,7800
Videira/ SC
Herval D´Oeste/SC
Marau/RS
Carambeí/PR
Rio Verde/GO
Videira/ SC
1,4306 1,4364 1,4282 1,5271 1,4326 1,4858 1,4510 1,4818 1,4641 1,4729 1,4726 1,4789 1,5071
Herval D´Oeste/SC
2,6525 2,5943 2,5943 2,5624 2,6332 2,6332 2,6268 2,6115 2,6137 2,6604 2,7166 2,7483 2,6751
Marau/RS
2,4147 2,4811 2,4659 2,5545 2,5380 2,5394 2,4487 2,4896 2,5351 2,5375 2,6052 2,5566 2,5270
Carambeí/PR
1,5238 1,6091 1,6599 1,6606 1,5498 1,5061 1,4766 1,4824 1,4521 1,4533 1,4484 1,4590 1,4530
Rio Verde/GO
2,0901 2,0717 2,1036 1,9942 1,9955 2,0374 1,9712 2,0631 2,0206 1,9750 1,9350 1,9524 2,0027
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Quanto à produção de ovos a unidade de Rio Verde obtém o menor custo
de produção, sendo que este custo aumenta quando a produção dos ovos é
realizada por terceiros, conforme pode ser verificado nos gráficos 22 e 23.
Gráfico 22: Custo de produção do ovo próprio.
0,2240
0,2310
0,2380
0,2450
0,2520
0,2590
0,2660
0,2730
0,2800
0,2870
0,2940
0,3010
0,3080
0,3150
0,3220
0,3290
Videira/ SC
Herval D'Oeste/SC
Marau/ RS
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
0,2499 0,2420 0,2509 0,2397 0,2385 0,2356 0,2276 0,2254 0,2606 0,2304 0,2397 0,2762 0,2521
Herval D'Oeste/SC
0,3235 0,3037 0,2727 0,2702 0,2530 0,2760 0,2496 0,2646 0,2607 0,2739 0,2814 0,2762 0,2811
Marau/ RS
0,2898 0,2764 0,2641 0,2694 0,2629 0,2695 0,2625 0,2679 0,2834 0,2827 0,2800 0,2453 0,2585
Rio Verde/ GO
0,2659 0,2496 0,2713 0,2532 0,2406 0,2425 0,2594 0,2388 0,2531 0,2398 0,2319 0,2393 0,2490
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Gráfico 23: Custo de produção do ovo produzido por terceiros.
0,2250
0,2300
0,2350
0,2400
0,2450
0,2500
0,2550
0,2600
0,2650
0,2700
0,2750
0,2800
Videira/ SC
Herval D'Oeste/SC
Marau/ RS
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
0,2764 0,2600 0,2562 0,2543 0,2512 0,2513 0,2468 0,2402 0,2474 0,2480 0,2557 0,2609 0,2650
Herval D'Oeste/SC
0,2505 0,2483 0,2534 0,2550 0,2505 0,2471 0,2452 0,2297 0,2396 0,2434 0,2520 0,2452 0,2430
Marau/ RS
0,2686 0,2660 0,2551 0,2603 0,2573 0,2475 0,2473 0,2527 0,2572 0,2473 0,2550 0,2556 0,2516
Rio Verde/ GO
0,2570 0,2700 0,2647 0,2750 0,2652 0,2603 0,2682 0,2566 0,2523 0,2514 0,2490 0,2532 0,2538
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Em relação ao aproveitamento dos ovos, a unidade de Rio Verde apresenta
um índice de aproveitamento substancialmente mais elevado do que as demais
unidades de produção (gráfico 24), fazendo com que, embora o custo de produção
de ovos por terceiros seja maior, ainda assim, ao final, tenha-se maiores
condições de lucratividade.
Gráfico 24: Percentual de aproveitamento de ovos.
93,50
94,00
94,50
95,00
95,50
96,00
96,50
97,00
97,50
Videira/ SC
Herval D'Oeste/ SC
Marau/ RS
Rio Verde/ GO
Videira/ SC
96,49 96,35 95,58 96,04 96,25 95,14 95,29 95,85 95,47 95,40 96,24 95,51 95,00
Herval D'Oeste/ SC
95,88 95,50 95,01 94,72 93,73 94,44 94,26 94,70 94,73 94,99 95,05 95,34 95,69
Marau/ RS
94,60 95,05 95,15 94,40 94,61 94,57 94,62 94,47 95,20 96,03 95,58 94,82 95,34
Rio Verde/ GO
96,51 96,66 96,07 95,97 96,54 97,04 97,11 96,51 96,88 96,35 96,54 96,83 97,19
jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05
Fonte: Perdigão, 2005.
Pode-se concluir, então, que embora em algumas variáveis a unidade de
Rio Verde possua desvantagens em relação a outras unidades produtivas, no
cômputo geral aquela unidade apresenta atualmente melhores e maiores
condições de lucratividade à Perdigão Agroindustrial S.A. Tais condições derivam
de um conjunto de fatores que vão do baixo custo da ração, à infra – estrutura e à
organização do trabalho, aos benefícios fiscais e à fragilidade das leis ambientais
e trabalhistas.
3.2.2 Projeto Araguaia: Mineiros-GO.
Um ano após a inauguração do Complexo Buriti, em Rio Verde, a Perdigão
começou a trabalhar na ampliação de seus investimentos visando implantar no
município de Mineiros, o Complexo Araguaia, especializado no abate e
processamento de peru e chester, consideradas “aves pesadas”. Prevê-se a
construção de dois abatedouros, um incubatório, uma fábrica de ração e um
Centro de Distribuição. O ano de 2006 está marcado para o início das atividades,
buscar-se-á o máximo funcionamento até 2008.
Do investimento total de R$ 510 milhões, cerca de R$ 240 milhões serão
recursos da empresa, que terá financiamento do Programa de Crédito Especial
para Investimentos do Governo de Goiás, ao passo que os outros R$ 270 milhões
serão aplicados pelos produtores parceiros na implantação do Sistema de
Integração da Perdigão.
O Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) aprovou
a liberação de recursos para a construção e instalação do Projeto Araguaia em
Mineiros. Ainda, a Prefeitura Municipal de Mineiros doou uma área de 121
hectares para as instalações do complexo, além de outra área de 989 hectares
onde a empresa se compromete a realizar reflorestamento, cumprindo normas
ambientais. O poder público municipal está empenhado na elaboração e
desenvolvimento de todos os instrumentos necessários para o funcionamento da
unidade da Perdigão, principalmente no que tange à recuperação das vias de
transportes instaladas no território municipal. O município é servido por duas
rodovias federais e duas estaduais (
www.icepa.com.br).
A Perdigão objetiva aumentar a sua capacidade produtiva e, dessa forma,
ampliar suas vendas no mercado nacional e internacional. Sendo Mineiros um
expoente produtor de grãos, isso serve como estímulo para a implantação do
complexo, que deverá consumir 210 mil toneladas de milho e 120 mil toneladas de
farelo de soja por ano.
Segundo declaração do presidente da Perdigão Nildemar Secches (2004), os
fatores que levaram a Perdigão para Mineiros são, principalmente, a
“disponibilidade de grãos, a mão-de-obra abundante, o clima favorável para as
atividades da empresa e a segurança sanitária”.
Segundo Secches (2004), o Projeto Araguaia contará com 207 produtores
parceiros, gerará 2 mil empregos diretos e 6 mil empregos indiretos no município e
na região. Dentre os 2 mil empregos diretos previstos pelo complexo, 700 virão
dos produtores integrados e 1.300 da própria indústria. A companhia busca com
esta medida de expansão abrir novos mercados e reaquecer o mercado interno a
partir de uma política sustentável de recuperação de renda.
Mineiros está localizada no extremo Sudoeste do estado de Goiás, no
caminho que leva a Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul; desta, dista
550 Km e de Goiânia 420 Km. O município possui área de 8.896 Km
2
, com uma
população de 45 mil habitantes, com renda média per capita de R$ 810,25.
Mineiros está a 120 Km de Jataí e a 200 Km de Rio Verde, ao mesmo tempo em
que está no eixo de acesso a outros mercados emergentes em direção ao oeste.
Além da expansão do Projeto Araguaia em Mineiros, a compra da Frango
Gale consolida a instalação de um terceiro complexo da Perdigão no Sudoeste de
Goiás, na cidade de Jataí, que localiza-se entre Rio Verde e Mineiros. As três
cidades estão situadas num intervalo de 180 quilômetros, sendo Rio Verde
distante 80 quilômetros de Jataí, e esta 100 quilômetros de Mineiros.
Dessa forma, a Perdigão S.A. consolida o seu complexo agroindustrial em
meio à maior produção de grãos do estado de Goiás, o que aumenta a vantagem
em termos de custo de produção devido ao baixo custo na produção de ração.
3.3 Financiamentos via FCO para a Perdigão S/A.
Soma-se aos baixos custos da ração a oportunidade de captar economias de
escala na produção e a redução dos custos de transação na instalação deste
porte de empreendimento em Goiás.
Helfand e Rezende (2003) afirmam que essa mudança “tecnológica e
institucional” não é passível de ocorrer no Sul. Daí a busca de espaços na região
Centro-Oeste que ofereçam condições outras que não apenas o baixo preço da
ração.
Em primeiro lugar, a mudança para o Centro-oeste permite às grandes
empresas começarem do zero no redesenho das instituições de
integração. Em segundo lugar, a estratégia de relocalização tem a
vantagem adicional de evitar os custos que poderia ser um processo
penoso politicamente explosivo de ajustamento no Sul. Em terceiro lugar,
as políticas públicas podem estar favorecendo o Centro-Oeste. O Fundo
Constitucional do Centro-Oeste (FCO) beneficia investimentos nesta
região relativamente ao Sul, e incentivos fiscais num nível estadual estão
também induzindo as empresas a se expandirem no Centro-oeste. É
possível que, além disso, restrições ambientais relacionadas com o odor,
com a poluição da água e com o manejo dos dejetos estimulem mais ainda
o abandono das regiões mais densamente povoadas do Sul
(HELFAND;
REZENDE, 2003, p. 50).
Dos fatores apresentados a disponibilização de recursos do FCO tem tido
papel preponderante.
O FCO foi criado pelo governo federal em 1989 e oferece financiamentos
com juros e prazos diferenciados tendo como base, para tal diferenciação, o
tamanho do projeto e/ou propriedade. Os projetos a serem financiados devem ter
a aprovação do Conselho Deliberativo do FCO (Condel/FCO); uma vez aprovados
nesta instância o Banco do Brasil deve liberar os recursos desde que os projetos
estejam em consonância com o “Plano Regional de Desenvolvimento” de cada
estado (
www.seplan.go.gov.br). Diversas áreas podem ser contempladas pelos
recursos do FCO. A agropecuária, a indústria e o turismo são as que mais têm
recebido benefícios, com destaque para as atividades rurais e/ou agroindustriais.
Para a liberação dos recursos há uma exigência no que tange à localização do
empreendimento, que deve estar situado no Centro-Oeste, o que não impede que
o produtor e/ou o empresário tenham origem e/ou residência em outra região.
Um dos segmentos que mais têm se beneficiado dos recursos do FCO no
Sudoeste de Goiás é a suinocultura. Na safra de 2000/2001 o FCO liberou, via
Banco do Brasil, R$ 3,2 milhões para este segmento produtivo em toda a região
Centro-Oeste (idem). O Programa de Desenvolvimento de Sistemas de Integração
Rural tem beneficiado este segmento com financiamentos de empreendimentos
agropecuários, seja instalação ou ampliação, pautados no direcionamento do
processo produtivo para uma unidade integradora. É com a liberação de recursos
para este segmento que a Perdigão mais se beneficia.
O prazo para quitação total dos financiamentos efetuados pelo FCO é de até
12 anos, podendo-se adicionar um período de carência de até 03 anos. Os juros
cobrados variam de 6% a.a. para o micro produtor/empresário a 10,75% a.a. para
o grande produtor/empresário (ibidem).
O projeto de instalação do novo complexo agroindustrial da Perdigão S.A. na
cidade de Mineiros também conta com incentivos do FCO. Os recursos serão
disponibilizados para que os produtores integrados possam cumprir a cota de R$
270 milhões a serem investidos por eles na construção de 200 módulos de
produção (www.seplan.go.gov.br) .
Além do FCO, outra modalidade de crédito vem sendo liberada para os
produtores e empresários da região Centro-Oeste. Foi criada, pelo Banco do
Brasil, uma nova opção de crédito que conta com recursos do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT) para complementar os recursos do FCO. Esta linha de
crédito é destinada aos pequenos e médios produtores rurais e empresas. Uma
outra modalidade de crédito, o FAT/Integrar, foi criado para implantar, ampliar,
modernizar ou relocalizar grandes empreendimentos na região Centro-Oeste.
No ano de 2004 a cidade de Rio Verde sediou a 27ª. reunião do Conselho
Deliberativo (ConDel) do FCO, que contou com a presença do Ministro da
Integração, Ciro Gomes, para discutir a liberação de recursos do FAT para o
Fundo. Além das solicitações de financiamento, da ordem de R$ 20 milhões, feitos
pela Perdigão, foi feito, também, o pedido de R$ 40 milhões pela Mitsubishi
Automotores do Brasil, a serem investidos na unidade de Catalão, localizada no
Sudeste de Goiás (idem).
A seguir, o quadro 06, apresenta as contratações por programa com recursos
do FCO no período compreendido entre 1989 e novembro de 2002. Os números
apresentados referem-se ao estado de Goiás e à região Centro-Oeste, bem como
à participação dos recursos destinados a Goiás no cômputo geral da região. Pode-
se verificar que os programas rurais tiveram a maior quantidade de atendimento e
a maior soma de valor disponibilizado. Dentre os programas rurais subsidiados o
Programa Nacional de Financiamento à Agricultura Familiar (PRONAF) e o
Programa Nacional de Financiamento à Agricultura Familiar - Reforma Agrária
(PRONAF – RA) foram os que menos receberam recursos, o que demonstra o
pouco incentivo que os organismos oficiais têm dado à agricultura familiar e à
reforma agrária no estado de Goiás.
Quadro 06: Contratações por programa, com recursos do FCO no estado de
Goiás e na região Centro-Oeste, no período de 1989 a novembro
de 2002.
Goiás Centro-Oeste
Goiás / Centro
Oeste (%)
Programa
Qtde
Valor
(R$ mil)
Qtde
Valor
(R$ mil)
Qtde Valor
Empresarial 1.752 580.014 6.332 1.361.678 27.67 42,60
Industrial 821 462.910 3.895 903.394 21,08 51,25
Infra-estrutura 17 10.222 438 180.949 3,88 5,65
Turismo 42 9.312 127 31.903 33,07 29,19
Comércio/
serviços
872 97.570 1.872 245.432 46,58 39,75
Rural 43.799 1.442.536 184.196 4.200.323 23,78 34,34
Rural/ integração 22.190 1.330.266 53.375 3.635.977 41,57 36,59
PAPRA 10.893 37.032 86.280 253.064 12,63 14,63
PRONAF – RA 4.795 51.016 15.680 171.635 30,58 29,72
Pronatureza 5.914 23.459 28.846 133.848 20,50 17,53
Giro/ Custeio 7 763 15 5.799 46,67 13,16
Total 46.537 2.063.983 191.841 5.635.379 24,26 36,63
Fonte: Banco do Brasil/FCO, 2003 apud SEPLAN-GO/SEPIN. Gerência de Estatísticas
Socioeconômicas, 2003.
* valores atualizados pela TR, posição 30/11/2002.
Adaptação e organização: Ribeiro, 2005.
4. A AGRICULTURA REGIONAL E O ÔNUS SOCIAL.
Esta seção busca averiguar até que ponto o crescimento econômico
regional é viável socialmente, a que custas se mantém, quais são os grupos que
se beneficiam com ele, bem como quais os excluídos.
Embora os números do IDH – M apontem o crescimento dos índices de
desenvolvimento humano em todos os municípios da MRH, pesquisas de campo,
considerando outras variáveis além das tratadas pelo índice de mensuração
supracitado, tais quais violência, oferta e procura de emprego, demanda por
serviços sociais, segregação espacial, evidenciam uma realidade diferente
daquela sugerida pelo IDH – M.
O IDH, enquanto índice de mensuração, surgiu nos anos 1990, diante do
caráter restritivo do PIB, possibilitando mensurar o desenvolvimento humano e
econômico, captando uma realidade um pouco mais complexa já que considera
expectativa de vida, taxa de alfabetização, escolaridade e PIB per capita. Porém,
mesmo sendo menos restritivo do que o PIB, tal índice não é capaz de dar a real
dimensão do desenvolvimento humano do universo pesquisado.
Diante disso, partimos para a investigação de outras variáveis que
consideramos importantes para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento
nos “municípios da soja” do Sudoeste de Goiás. Por meio de tal pesquisa
corroboramos a tese de que o bônus econômico, resultado da agricultura em
curso na região, é privilégio de poucos; não há um correspondente social do
crescimento econômico verificado, ou seja, não há uma transferência de renda
para os setores da sociedade que não estão diretamente envolvidos com o setor
agroindustrial.
A frustração chega àqueles que ansiaram por melhorias na qualidade de
vida por meio da chegada do moderno e da implantação da rede comercial e
industrial de apoio à agricultura. Os empregos prometidos não chegaram, a
riqueza também não!
4.1 Desenvolvimento agrícola e desenvolvimento rural.
No dizer de Carvalho Filho (2001) não se pode aceitar que desenvolvimento
rural signifique apenas modernização tecnológica e crescimento da produção.
Desenvolvimento inclui distribuição de renda e redução das desigualdades entre
pessoas e regiões.
Nesta perspectiva, vimos a importância de refletir sobre o significado do
crescimento da produção e da produtividade agrícola regional; se estas implicam
em desenvolvimento rural ou apenas em crescimento e desenvolvimento agrícola.
Para tal consideramos que haver desenvolvimento agrícola não significa,
necessariamente, que há ou que haverá desenvolvimento rural. Um exemplo
característico disso é o desenvolvimento agrícola brasileiro verificado nos anos
pós 1970, quando se acentuou o aumento dos índices de produção e de
produtividade na agricultura, via mecanização e industrialização do campo, ao
mesmo tempo em que se elevaram os índices de pobreza rural e urbana
decorrente da expulsão do trabalhador e dos pequenos proprietários das áreas
rurais
29
.
Assim, partimos da premissa de que os números do desenvolvimento
agrícola não são suficientes para afirmar o desenvolvimento rural e social de uma
dada região, já que não é possível avaliar e mensurar o desenvolvimento rural
sem um estudo integrado do desenvolvimento econômico e social.
Outra questão a ser considerada em qualquer estudo que prime pelo
desenvolvimento rural é não considerar que os destinos da agricultura já estejam
definitivamente traçados, já que uma vez aceita esta idéia não há esperança e
esforços no sentido de buscar uma outra possibilidade de prática agrícola.
Neste particular, se compormos com o pensamento, quase unânime,
de que o destino da agricultura brasileira “globalizada” é
predominantemente caracterizado pela proliferação das cadeias
alimentares, pela fusão de capitais, pela desnacionalização da indústria
agroalimentar, pela difusão das tecnologias geneticamente sofisticadas
29
Sobre tal assunto ver Graziano da Silva (1982).
monopolizadas por grandes empresas transnacionais e também pelo
avanço de tecnologia mecânica altamente poupadora de mão-de-obra
haja vista o que vem ocorrendo com a introdução de máquinas em culturas
tradicionalmente trabalho-intensivas
(CARVALHO FILHO, 2001,
p.196),
não encontraremos lugar para outro tipo de exploração agrícola que não esta,
integrada aos mercados internacionais, baseada na monocultura tipo exportação.
Diante disso, consideramos ser necessário ampliar a perspectiva de análise
para, assim, poder captar a realidade para além do desenvolvimento agrícola no
Sudoeste de Goiás.
4.2 A agricultura contemporânea: sinônimo de riqueza e de
desenvolvimento (?)
A agricultura contemporânea no Sudoeste de Goiás é reconhecida como
altamente avançada e considerada o dínamo do desenvolvimento econômico
regional pelo elevado grau de capital e tecnologia aplicadas. Ali existe um certo
deslumbramento quando se faz referência aos elevados índices de produção e de
produtividade alcançados, ao tamanho das áreas cultivadas, à frota de máquinas à
disposição dos produtores capitalizados, e aos lucros obtidos pelos mesmos,
dentre outros aspectos. A dinâmica que a agricultura “caificada” demanda e gera é
tida como sinônimo de riqueza e desenvolvimento.
Desta realidade nos interessa avaliar até que ponto este crescimento
econômico se traduz em desenvolvimento rural e social. Analisada pelo viés da
técnica e do capital a agricultura ali desenvolvida é altamente rentável e
promissora, no entanto envidamos nosso esforço de reflexão na tentativa de
identificar qual a qualidade ambiental, social e humana gerada por tal atividade
econômica.
A questão que se forma é se há uma compensação entre a riqueza e os
ganhos econômicos gerados e os transtornos e desequilíbrios ocasionados, estes
manifestos, sobretudo, nas áreas urbanas, uma vez que a maior parte da renda
gerada não fica na região.
Em parte, esta realidade deve-se à condução que foi dada às políticas
públicas de incorporação dos Cerrados à agricultura moderna (assunto já tratado
no capítulo 2). Tais políticas mantiveram a terra concentrada, além de selecionar
quais produtores se integrariam ao modelo de exploração agrícola (sabe - se que
seleção vem acompanhada de exclusão). Considerando a dispensa de mão-de-
obra pelo uso intensivo de máquinas, a exclusão dos pequenos proprietários e a
manutenção da estrutura fundiária concentrada, a agricultura regional se
configurou em excludente e concentradora, seguindo o perfil das demais áreas
que já haviam passado por tal processo de transformação no país.
Sobre a dispensa de força de trabalho e o expurgo da população rural,
Rezende (2003, p.181) afirma que isto resulta da implementação de políticas não-
agrícolas e agrícolas mal gestadas, que prevêem um desenvolvimento regional
baseado apenas no desenvolvimento econômico, desconsiderando
desenvolvimento humano e social. Diante disso, “o problema da exclusão pela
agricultura patronal intensa em capital e tecnologia é particularmente aguda em
áreas de Cerrado” (Rezende, 2003).
Estas questões, materialmente verificadas na agricultura do Sudoeste de
Goiás, nos conduzem à afirmação de que o desenvolvimento agrícola regional não
é acompanhado do desenvolvimento rural e social. Ao contrário, verifica-se nos
municípios sudoestinos a exclusão social e a segregação espacial dos “de fora”
da agricultura tecnificada, na mesma proporção e intensidade que a ascensão
econômica dos que estão “dentro”.
4.3 Crescimento econômico e desenvolvimento social.
O aperfeiçoamento e o aumento da produção agrícola têm promovido
alterações na estrutura produtiva do Sudoeste de Goiás, tanto no setor agrícola
quanto no industrial, por meio do desenvolvimento do segmento agroindustrial,
com destaque para o complexo soja/milho – carne.
O crescimento econômico verificado na região nos últimos 20 anos, calcado
na expansão da agricultura intensiva em capital e em tecnologia, firmou a
instalação do complexo agroindustrial, atraindo dezenas de novos
estabelecimentos, entre indústria e comércio, para o estado de Goiás como um
todo. Paradoxalmente, este crescimento econômico é acompanhado do também
crescimento dos índices de desemprego no estado.
Esta assertiva pode ser confirmada no quadro 07, que apresenta a
população economicamente ativa, a população ocupada e a taxa de desemprego
do Brasil e do estado de Goiás nos anos de 1991, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e
2001. Observa-se que a taxa de desemprego em Goiás cresceu de 4,48% em
1991 para 8,05% em 2001, tendo um crescimento médio percentual maior do que
a média nacional, que nesses anos apresentou os seguintes índices,
respectivamente: 5,41% e 9,35%. Isto é, enquanto no Brasil a taxa de desemprego
teve crescimento de 3,94% entre 1991 e 2001, em Goiás esta taxa foi de 4,57%.
Isso evidencia que os elevados índices de produção, a instalação de novas
e modernas indústrias no estado e a quebra dos recordes na produção
agrícola,não se traduzem na redução da taxa de desemprego. Ou seja, Goiás, que
tem sua economia historicamente pautada nas atividades agrícolas, não apresenta
redução nos índices de desemprego a partir das suas práticas agroindustriais
recentes, ampliadas e sofisticadas.
Quadro 07: População Economicamente Ativa, População Ocupada e Taxa de Desemprego em Goiás e
no Brasil, nos anos de 1991, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2001.
GOIÁS BRASIL
População
Economicamente
Ativa (Milhões)
População
Ocupada
(Milhões)
Taxa de
Desemprego
(%)
População
Economicamente
Ativa (Milhões)
População
Ocupada
(Milhões)
Taxa de
Desemprego
(%)
1991
(1)
1.656.018 1.581.843 4,48 58.456.128 55.293.311 5,41
1996
(1)
2.145.617 1.986.852 7,40 73.120.101 68.040.206 6,95
1997
(1)
2.325.800 2.169.325 6,73 75.213.283 69.331.507 7,82
1998
(1)
2.417.103 2.225.541 7,92 76.885.732 69.963.113 9,00
1999
(1)
2.418.888 2.203.410 8,91 79.315.287 71.676.219 9,63
2000
(2)
2.399.147 2.105.815 12,23 76.158.531 64.704.927 15,04
2001
(1)
2.611.727 2.401.611 8,05 83.243.239 75.458.172 9,35
(1)PNAD
(2)Censo
Fonte:IBGE
Elaboração: SEPLAN - GO/ SEPIN/ Gerência de Estatísticas Socioeconômicas - 2003.
Adaptação: Ribeiro, 2005.
4.3.1 Liderança na produção agropecuária versus aumento dos problemas
sociais.
Quanto ao crescimento no setor agropecuário e agroindustrial, no conjunto
do estado de Goiás, sua porção Sudoeste é a principal responsável por tal
crescimento, seja na agropecuária per si, seja esta enquanto fornecedora de
matéria-prima para a agroindústria.
O município de Rio Verde lidera o ranking da agropecuária goiana (4,97%),
com o 1º lugar na produção de soja, de tomate e de suínos; o 2º na produção de
bovinos, leite, trigo e sorgo e 3º na produção de milho, feijão e arroz. O seu
vizinho Jataí (4,39%) ocupa o 2º lugar no ranking da agropecuária do estado de
Goiás. É 1º lugar na produção de milho, sorgo e aves; 2º lugar em suínos e soja;
3º em trigo e bovinos.
Especificamente no setor de serviços, Rio Verde representa 3,19% e Jataí
1,92% do total gerado no estado (SEPLAN, 2003). Ambos os municípios estão
muito avançados em termos de produção e de tecnologias aplicadas à
agropecuária em relação aos demais municípios do estado.
No Sudoeste de Goiás, além dos dois municípios supracitados destaca-se
também no ranking da agropecuária goiana o município de Mineiros (2,56%), que
é o 3º produtor de soja e o 4º de leite; o município de Chapadão do Céu (2,15%),
sendo o 1º produtor de arroz, o 2º de milho e o 3º de algodão, além dos
municípios de Montividiu (1,85%), Caiapônia (1,61%) e Santa Helena de Goiás
(1,47%). Diante desta realidade produtiva, o Sudoeste de Goiás apresenta a
segunda maior concentração de riqueza do estado, atrás apenas da região
metropolitana de Goiânia.
No estado de Goiás, cerca de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) gerado
está concentrado em vinte municípios. O ranking é liderado pela capital, Goiânia,
(28,95%), seguida por Anápolis, cidade localizada no eixo Goiânia – Brasília,
(6,04%). Em terceiro lugar está o município de Rio Verde (3,57%), neste o setor
agropecuário é determinante no cômputo da economia municipal.
Especificamente no setor industrial Rio Verde representa 3,41% da indústria
goiana, ocupando o 6º lugar no ranking. A consolidação do cluster agroindustrial e
a instalação da Perdigão no município foram fator preponderante para tal.
Quando se trata especificamente de PIB per capita, os municípios com
atividade econômica expressiva e pequenos em população apresentam melhores
resultados, como no caso dos municípios de Chapadão do Céu e Perolândia,
também situados no Sudoeste do estado (SEPLAN, 2003).
Porém, dados sobre procura e oferta de empregos, obtidos junto ao
Sistema Nacional de Empregos (SINE); sobre índices de criminalidade e
delinqüência, obtidos junto a comandos da polícia militar e sobre solicitação de
serviços e benefícios, obtidos junto a Secretarias Municipais de Ação e Promoção
Social demonstram que nos municípios que mais produzem alimentos no estado
de Goiás os níveis de qualidade de vida não acompanham os índices do
crescimento econômico.
4.3.1.1 Agricultores sem terra e Trabalhadores sem trabalho.
Homens, mulheres e crianças olham, por vezes, sem entender para os
extensos campos de soja; ouvem dizer que isso significa riqueza, mesmo não
participando nada, ou quase nada, da renda que é gerada. Estão/são
marginalizados deste/neste processo produtivo, que foi elaborado às custas da
expropriação das suas terras e de sua expulsão dos seus locais de trabalho no
campo.
A maioria dos exilados, hoje residente nas periferias urbanas, não sabe
explicar muito bem o que ocorreu, porque teve que deixar as terras onde
trabalhava como agricultor camponês. Os que tinham pequenas extensões de
terra também não sabem dizer exatamente porque, de repente, não mais
sustentavam a si e a suas famílias com a produção de sua pequena propriedade.
É comum atribuírem a “quebradeira” a problemas de saúde, quando se gastou
grande soma de recursos, ou à constituição de uma segunda família, por parte do
patriarca, onde uma suposta “amante”, abusando do consumo, escasseou os
recursos financeiros do mesmo.
Dessa forma, alguns excluídos entendem os gaúchos como os salvadores
da situação, pois estes compraram as terras, inclusive os chapadões, que não
tinham valor comercial, por seus solos serem de difícil cultivo. Alguns ex-
proprietários partem da lógica de que a situação poderia estar pior se não
tivessem para quem vender as terras em momento de crise, isto é, se não
tivessem migrado para lá os gaúchos dispostos a comprá-las. O que não
reconhecem, certamente por falta de informação, é que tal crise, seguida da
necessidade da venda da propriedade, é uma invenção para retirá-los dos
campos, deixando livre o espaço para a implementação de um novo modelo de
exploração agrícola, para o qual ele, enquanto produtor, não era apropriado.
Inventar a idéia e elaborar o discurso de incompetência do agricultor
regional era questão fundamental para apresentar o gaúcho como alternativa para
a exploração agrícola nos Cerrados. Faz parte da estratégia, convencer o
agricultor regional da sua incompetência. E isso foi feito, atestando a
incompetência administrativa deste, que, não sabendo administrar a sua
propriedade e/ou produção, “quebrava” diante de qualquer dificuldade. Como um
dos tripés da agricultura capitalista tipo exportação é a administração, este foi o
motivo crucial para expurgar da terra o agricultor regional e apresentar o migrante
do Sul e do Sudeste como o agricultor ideal para os Cerrados.
4.3.1.1.1 As promessas (não cumpridas) de trabalho e de riqueza.
A cada momento surgem novas propagandas de melhoria na qualidade de
vida da população, por meio da chegada e da instalação de novas empresas, de
indústria e de comércio, de suporte ao agronegócio. Usualmente elas são
anunciadas em períodos eleitorais, funcionando como mecanismo de captação
dos votos da população que concorre a uma vaga no mercado de trabalho. No
entanto, a frustração é recorrente, já que as empresas que se firmam nos
municípios sudoestinos, diante do elevado grau de sofisticação técnica da
agricultura, demandam mão-de-obra de alto nível qualitativo e técnico, o que
significa exclusão, contínua, da mão-de-obra que, historicamente, já se encontra
excluída. Esta, no máximo, pode participar da fase de construção e instalação
física das empresas. Para os postos de trabalho com maiores exigências
profissionais, virão trabalhadores de outros estados, regiões, países, ou serão
recrutados dentre os trabalhadores que, de certa forma, já estão inseridos no
círculo do agronegócio.
De acordo com Castillo (2004), a anunciada criação de empregos no
campo, alardeada pela mídia, não passa de uma retórica cruel.
A produção agrícola moderna é muito exigente em serviços
especializados e pede pouca mão-de-obra barata. Há empregos para
engenheiros, técnicos em informática, pilotos de avião, gente que saiba
lidar com máquinas que custam trezentos mil dólares. Ao contrário da
modernização ocorrida nas regiões tradicionais, em que comunidades
foram se aglomerando e as necessidades urbanas aumentaram
gradativamente, no novo front o campo é que já nasce moderno
(CASTILLO, 2004, p.03).
Considerando as áreas de Cerrado como o novo front agrícola, nesta
região os empregos são direcionados e seletivos do ponto de vista da técnica.
É comum encontrarmos entre os vendedores, atendentes, agrônomos,
assistentes técnicos, administradores, funcionários das empresas rurais e/ou
ligadas ao agronegócio, trabalhadores, geralmente originários do Sul e do
Sudeste, vinculados de diversas formas aos produtores e empresários agrícolas.
Isso significa que a ocupação dos postos de trabalho gerados se dá de
maneira a atender a mão-de-obra oriunda das regiões de partida dos produtores.
As funções que, comumente, são ocupadas por trabalhadores locais estão,
geralmente, nas etapas de construção ou como motoristas e operadores de
máquinas. Estas últimas, dado ao elevado grau de tecnologia, tais como
computadores de bordo, já vêm selecionando os operadores em função do grau
de conhecimento técnico e de informática exigidos, ao mesmo tempo em que vêm
demandando um número cada vez menor de operadores, devido à eficiência
técnica das máquinas.
O número de empregados na operação de máquinas tem se reduzido na
medida em que estas se tornam mais potentes e eficientes. Um relato sobre o
plantio de soja na Fazenda Brasilândia, no município de Rio Verde, corrobora tal
questão: “[...] com 10 plantadeiras e 40 trabalhadores, a Brasilândia entrou em
campo para plantar, em 03 fazendas, 4.300 hectares de soja e 200 hectares de
milho [...]” (BLECHER, 2002, p. 68). Este depoimento evidencia o baixo índice de
emprego gerado pela exploração agrícola intensa em tecnologias e em capital,
desenvolvida no Sudoeste de Goiás.
Estas situações não significam que a população regional não possua
ocupações junto aos postos de trabalho que o agronegócio estimula, indica, isso
sim, que as possui, mas em porcentagem muito menor do que os trabalhadores
de outras regiões.
4.3.1.1.2 A atração de mão-de-obra e o trabalho bóia-fria.
A demanda pelo trabalhador bóia-fria tem aumentado na região Sudoeste
de Goiás; eles são requisitados, principalmente, para o corte de cana e para a
limpeza nas lavouras de algodão e de feijão. Assim como em outras regiões do
Brasil, a maioria destes trabalhadores é trazida de estados da região Nordeste,
principalmente de Alagoas.
Em entrevista com trabalhadores bóias-frias, originários da Bahia e de
Alagoas, em março de 2005 no município de Jataí, os mesmos afirmaram
estarem vindo de lavouras do Mato Grosso para trabalharem em lavouras de Rio
Verde e, posteriormente, de Santa Helena de Goiás. Indagados sobre o
pagamento pelos trabalhos desenvolvidos, disseram que só receberiam ao final
da temporada, por ocasião do retorno às suas cidades. Por enquanto recebem os
víveres necessários e o alojamento do encarregado.
Sobre esta questão a literatura nos mostra o desfecho deste tipo de acordo
de trabalho, onde ao final descontam-se todos os gastos com alimentação,
transporte e alojamento dos trabalhadores, restando-lhes nada ou, quando muito,
muito pouco, enquanto pagamento pelas atividades desenvolvidas ao longo de
meses de trabalho longe de casa, desprotegidos das leis trabalhistas, submetidos
a jornadas de trabalho intensas e a condições de vida árduas.
No ano de 2002, após veiculação de matéria numa emissora de televisão
local (TV Jataí), a Promotoria Pública da Comarca de Jataí abriu processo sobre
investigação de trabalho escravo em uma fazenda especializada no cultivo de
cana no município de Serranópolis. Os trabalhadores bóias-frias lá encontrados
eram originários de Campo Alegre, estado de Alagoas, e haviam sido trazidos por
um encarregado que, na ocasião, exercia o cargo de vereador no município
alagoano.
Num acordo com o proprietário da fazenda, o empreiteiro recrutou 148
trabalhadores para a limpeza e o corte da cana, com a promessa de boa
remuneração e condições de estadia no período combinado. No entanto, os
trabalhadores não estavam recebendo pelos trabalhos prestados, sob a
argumentação de que deviam o transporte, a alimentação e a hospedagem. Por
deverem, não podiam se ausentar do local de trabalho, o que caracterizou a
situação de escravidão.
Estes trabalhadores, segundo entrevista à TV Jataí, dormiam amontoados
em camas improvisadas e trabalhavam, por vezes, até 12 horas por dia,
recebendo para tal, em alguns dias, apenas pão e leite; houve dias em que o
alimento foi leite com sal. A comida, quando era disponibilizada, estava mal
acondicionada e/ou estragada, impossível de ser ingerida, o que os obrigava a
trabalharem com fome durante o dia e irem dormir com fome, à noite (Cezar,
2002).
A Promotoria, acompanhada da Polícia Federal, realizou uma vistoria
surpresa no local, autuando o fazendeiro em flagrante. Uma vez acertados os
direitos trabalhistas, os trabalhadores foram conduzidos de volta às suas cidades.
Porém, este desfecho não é o corriqueiro nestes casos. Na maioria das
vezes a polícia é conivente com a situação e coíbe a tentativa de saída dos
trabalhadores aprisionados, sob o pretexto de que eles seriam devedores dos
seus patrões e se saíssem estariam fugindo à responsabilidade de pagarem o
devido, ou seja, se tornariam ladrões e, por isso, devem permanecer presos. Por
outro lado, retornar às cidades de origem não significa, em nada, o fim desta
condição para estes trabalhadores, já que, certamente, voltarão a sair em busca
de trabalho e estarão sujeitos às mesmas, ou piores, formas de exploração.
Outro caso de trabalho escravo foi identificado na Fazenda Colorado, no
município de Jataí, no ano de 2004. Nesta, uma área de eucalipto foi empreitada
para corte, quando o encarregado recrutou trabalhadores e os submeteu à
exploração e a tratamento considerados escravidão, vez que os mesmos não
recebiam os honorários combinados, nem alimentação suficiente e não
dispunham de condições de trabalho, tampouco de repouso, ideais.
O caso veio a público após um dos trabalhadores procurar serviço médico,
na cidade de Serranópolis, para tratar de um olho lesionado no trabalho
16
. O
mesmo já havia solicitado ajuda ao encarregado, que se negara a auxiliar. O
médico que atendeu o trabalhador fez a denúncia ao Ministério Público, que
tomou as devidas providências.
Neste caso, o proprietário da fazenda não acertou previamente, com o
encarregado, o recrutamento dos trabalhadores (como no primeiro caso citado),
porém, não tomou providências ao perceber que o tratamento a que eram
submetidos configurava-se em regime de escravidão.
O crescimento dos gastos com o “Terminal dos Trabalhadores” (Terminal
Pauzanes e Terminal Santa Cruz), na cidade de Rio Verde, explicita o
crescimento do trabalho de bóias-frias na região. Segundo o Relatório de
Gestão/2004, da Secretaria de Promoção e Ação Social de Rio Verde, o
Programa “Terminal dos Trabalhadores” tem como objetivo fornecer lanches a
trabalhadores bóias-frias que trabalham nas lavouras da região. Em 2003 foram
distribuídos 195.650 lanches, num gasto total de R$ 15.537,04. No ano de 2004
estes números subiram para 202.000 lanches, com gastos de R$ 25.710,16.
A chegada constante de trabalhadores aos municípios do Sudoeste de
Goiás deve-se à propaganda da região como sendo grande gerador de riqueza e
postos de trabalho no Brasil.
Considerando a unidade da Perdigão instalada em Rio Verde como o
principal atrativo de trabalhadores em busca de emprego na região, pode-se
observar, por meio do gráfico 25, que a procura de emprego por parte de
trabalhadores oriundos de outras cidades e de outros estados é substancialmente
maior do que de trabalhadores de Rio Verde e do estado de Goiás.
Gráfico 25: Origem dos candidatos a postos de trabalho na Perdigão,
unidade de Rio Verde (GO).
16
O trabalhador perdeu o olho lesionado.
Fonte: Perdigão, 2005.
No ano de 2004 foi veiculado pela mídia, em cadeia nacional, que Rio
Verde era a cidade brasileira que disponibilizava os maiores índices de postos de
trabalho. Esta declaração, feita no programa “Globo Repórter” da Rede Globo de
Televisão, gerou uma série de transtornos à cidade e à população rioverdense.
No intervalo de poucos dias chegaram dezenas de ônibus à cidade, abarrotados
de trabalhadores de todas as regiões do Brasil, que viam ali a possibilidade de
trabalharem e construirem suas vidas e histórias. No intervalo de uma semana, o
custo de vida em Rio Verde teve aumento significativo. Preços de alimentos,
aluguéis, imóveis e vestimentas, dentre outros, foram elevados, vez que
aumentou a procura por estes bens e serviços repentinamente.
A região, como um todo, sofreu as conseqüências deste ocorrido. Grande
parte dos trabalhadores que se deslocaram para Rio Verde não teve como
retornar aos seus locais de origem e se dispersou por outros municípios da
região, aumentando, ainda mais, a população urbana desassistida e esperançosa
por trabalho e vida digna.
No entanto, a informação veiculada não procedia, tanto que o Prefeito da
cidade e autoridades locais, ligadas ao comércio, à agricultura e à indústria, foram
à mídia, escrita e televisiva, ratificar o que havia sido divulgado, no intuito de
interromper o fluxo migratório intenso que se direcionava para a cidade.
Dados do Relatório de Gestão/2004, da Secretaria de Promoção Social do
Município de Rio Verde, evidenciam que os números de atendimento e os
investimentos realizados pelo SAM (Serviço de Atendimento ao Migrante), da
cidade de Rio Verde, indicam o crescimento do fluxo migratório em direção à
cidade, bem como a não-colocação profissional dos trabalhadores que lá chegam
em busca de emprego. O SAM foi implantado em 2001 e tem seu funcionamento
na rodoviária da cidade. Lá os migrantes obtêm informações, orientações e
concessão de passagens para retornar às suas localidades, no caso de não
obterem os empregos que procuram.
No ano de 2003 foram concedidas 1.375 passagens para pessoas que
desejavam retornar aos seus lugares de origem. No ano de 2004 este número
cresceu para 2.149 passagens, num gasto de R$ 53.334,97 com passagens
rodoviárias.
De acordo com o relatório de gestão/2004 da Secretaria de Promoção
Social de Rio Verde (2004, p. 09),
as pessoas vulnerabilizadas pela pobreza estão cada vez mais saindo dos
seus locais de origem, trazendo consigo a esperança de que em cidades
como Rio Verde as oportunidades e ofertas de trabalho sejam
diferenciadas. Quando aqui chegam percebem que nem sempre é
possível conseguir o emprego desejado e suprir as suas necessidades,
restando como única alternativa retornar.
O crescimento na demanda e no atendimento de mais dois programas da
Secretaria de Promoção e Ação Social de Rio Verde pode ser tomado como
parâmetro para se verificar o aumento dos índices de carência da população
local. Um deles é o programa COS (Centro de Orientação Social), que segundo a
Secretaria de Promoção social, visa “assistir pessoas em risco pessoal e social,
atendendo-as por meio de serviços sociais, na maioria emergenciais”. Neste, os
serviços prestados tiveram um aumento de 53%, passando de 5.082 em 2003
para 9.448 em 2004.
O outro programa, o “Bolsa-Família”, também pode ser tomado como
parâmetro para mensurar o crescimento da pobreza e da carência da população
municipal. Este programa cadastra e concede assistência a famílias com renda
per capita de até ½ (meio) salário mínimo. No ano de 2003 este programa
registrou 7.356 ações de atendimento, ao passo, que em 2004, este número
aumentou para 16.971.
De acordo com o Relatório de Gestão (2004, p.23), estas medidas não são
suficientes, vez que a demanda é constantemente crescente no município e, na
realidade, não há encaminhamento de medidas que visem solucionar
verdadeiramente os problemas sociais gerados e agravados.
Apesar dos esforços para propiciar às famílias empobrecidas o acesso a
políticas públicas, percebeu-se que a demanda tem sido maior que os
benefícios oferecidos.
Constatou-se, também, que as pessoas precisam de outros estímulos e
oportunidades para exercer sua cidadania, como: escola que ofereça
ensino de qualidade; trabalho com remuneração condizente para suprir
suas necessidades básicas; segurança para que as pessoas não fiquem
expostas à violência urbana; assistência médica para que todos tenham
saúde e qualidade de vida; habitação para sua proteção; e os mínimos
sociais para que sem distinção possam usufruir todas as políticas públicas
existentes na Constituição Brasileira.
Para que isso aconteça se faz necessário que os recursos sejam
distribuídos de forma justa, de acordo com a realidade local, para que a
pobreza não continue sendo selecionada e motivada a depender sempre
dos benefícios sociais, favorecendo cada vez mais os oportunistas desses
processos que muitas vezes não atingem aqueles que precisam. Só assim
poderão existir ações que combatam e previnam os desajustes sociais.
4.3.1.1.3 A procura e a oferta de empregos em Rio Verde-GO e Jataí-GO.
Dados sobre a procura e a oferta de emprego, coletados nas unidades do
SINE de Rio Verde e de Jataí corroboram a defasagem entre a oferta e a procura
de emprego. Por meio destes dados pôde-se verificar que a oferta não
acompanha a procura e que os trabalhadores sem emprego reincidem na busca,
ao mesmo tempo em que a maior parte das vagas captadas são de reposição e
não de aumento de quadro, o que significa que a maioria dos empregos gerados
não é em virtude de novos postos de trabalho que têm surgido, e sim, por
necessidade de reposição de trabalhadores em vagas já existentes.
De acordo com a unidade do SINE de Rio Verde, no período compreendido
entre 01 de janeiro de 2001 e 31 de agosto de 2005 (04 anos e 07 meses) um
total de 151.872 pessoas foram atendidas na unidade à procura de emprego.
Destas, apenas 34.696 foram inscritas, das quais 34.468 foram encaminhadas a
um posto de trabalho. Isto é, do total de atendidos apenas 23% obtiveram
encaminhamento para os postos de trabalho. Quanto às vagas captadas, do total
de 17.231 apenas 11.499 receberam novas colocações, o que indica que, nos
postos de serviços anunciados, somente em 66% realizaram-se contratações.
Num balanço geral, para o município de Rio Verde no período de 01 de
janeiro de 2001 a 31 de agosto de 2005, têm-se, de um lado, um número de
151.872 pessoas desempregadas que procuraram os serviços do SINE, e, de
outro, um número de 17.231 vagas oferecidas, o que significa que, neste intervalo
de tempo, a procura por empregos no município foi 881 vezes maior do que oferta
e que apenas 11% dos solicitantes obtiveram vagas no mercado de trabalho.
A mesma pesquisa, realizada no SINE de Jataí-GO, para o período de 09
de novembro de 2004 a 14 de setembro de 2005 (10 meses), apresenta um total
de 17.107 atendimentos, dos quais 12.308 pessoas já haviam procurado a
unidade anteriormente e estavam retornando à procura de emprego, o que
significa que apenas 4.799 estavam procurando o SINE pela primeira vez. Isto
demonstra que 72% dos trabalhadores que procuraram o SINE neste período já o
haviam procurado antes e não obtiveram sucesso na busca de emprego, o que
fez com que os mesmos retornassem à unidade, reincidindo na procura.
Do total de atendimentos efetuados pela unidade de Jataí, 2.002 pessoas
foram encaminhadas a postos de trabalho, isto é, 12% do total. Destas, apenas
523 obtiveram colocações, ou seja, 26% dos encaminhados foram colocados em
vagas de emprego. Das colocações efetuadas somente 76 foram por aumento de
quadro, isto é, 14,5% das pessoas foram colocadas em novos cargos gerados.
No cômputo geral, dos 17.107 atendimentos registrados SINE de Jataí, no
período, apenas 523 pessoas obtiveram colocações, o que significa 3% do total
solicitante na unidade.
Quanto ao aumento no quadro de vagas geradas neste período, o SINE de
Jataí registrou 1.685 vagas captadas, das quais 991 foram para reposição e
apenas 287 corresponderam a aumento de quadro, isto é das vagas oferecidas,
somente 17% significavam novas vagas.
Num balanço geral, para o município de Jataí no período de 09 de
novembro de 2004 a 14 de setembro de 2005, têm-se, de um lado, um número de
17.107 pessoas desempregadas que procuraram os serviços do SINE, e, de
outro, um número de 1.685 vagas oferecidas, o que significa que, neste intervalo
de tempo, a procura por empregos no município foi 11 vezes maior do que oferta
e que apenas 10% dos solicitantes obtiveram vagas no mercado de trabalho.
Nota-se que, embora o período utilizado para a análise tenha sido quatro
vezes e meia maior para o município de Rio Verde (04 anos e 07 meses) do que
para Jataí (10 meses), o índice de colocação para os trabalhadores que
procuraram o SINE foi praticamente o mesmo: 11% para Rio Verde e 10% para
Jataí. Isto indica que, guardadas as devidas proporções do tempo em recorte, do
tamanho da população dos municípios e do grau da procura e da oferta de
empregos, o nível de empregos gerados e de colocações efetivadas não varia de
forma substancial entre os dois municípios.
4.3.1.2 O aumento da violência em Rio Verde-GO e Jataí-GO.
Outro indicativo da não-correspondência do crescimento econômico com o
desenvolvimento social diz respeito ao aumento da violência nos municípios de
Rio Verde e Jataí nos últimos anos.
De acordo com o comando da Polícia Militar de Jataí, os crimes que mais
aumentaram foram contra pessoas e contra o patrimônio.
No ano de 2003 foram registradas 679 ocorrências contra pessoas. No ano
de 2005, até o mês de agosto, foram 510 registros da mesma natureza. Neste
mesmo período, em 2003, haviam sido registrados 453 casos.
De acordo com os relatórios da polícia, há um crescimento acentuado de
roubos, furtos e homicídios. Em Jataí, este último crime apresentou um
crescimento de 300% de agosto de 2003 para agosto de 2005. Na cidade de Rio
Verde, os registros de homicídio também apresentam crescimento substancial,
vez que em setembro de 2005 já se iguala ao total ocorrido no ano de 2003: 14
casos registrados.
Quanto aos crimes contra o patrimônio, os registros da Polícia Militar de
Jataí mostram que em 2003 ocorreram 1.109 registros, número este que em 2004
subiu para 1.118 e até agosto de 2005 alcançou 1.122, sendo que em agosto de
2003 foram registrados 811 ocorrências desta natureza.
Furtos em residência, furtos em veículo e furtos simples foram os que
apresentaram maiores índices de crescimento.
No que tange à violência no trânsito pode-se notar um crescimento
significativo de acidentes e problemas ocasionados. No município de Jataí, os
acidentes de trânsito com vítima aumentaram em 89% nos últimos 2 anos, ao
passo que os acidentes sem vítima reduziram em 12%. O número de óbitos no
trânsito em agosto de 2005 já se iguala ao total do ano de 2003, tendo tido um
crescimento de 75% em igual período de 2003.
Em Jataí, ocorrências envolvendo menores também apresentaram
crescimento nestes últimos 2 anos, principalmente furtos e roubos.
Tal problema se repete em Rio Verde, e de acordo com o Relatório de
Gestão/ 2004, da Secretaria de Promoção e Ação Social de Rio Verde (2004, p.
12)
No município de Rio Verde constantemente nos defrontamos com
situações envolvendo adolescentes furtando, se drogando, vadiando e
matando. Frente a este quadro não é realizada ação pública e privada
eficaz, capaz de sanar efetivamente esta problemática de
responsabilidade de toda a sociedade, pelo efeito cruel que ela
proporciona.
Temos, através da atuação técnica, observado que a criminalidade
envolvendo jovens vem aumentando a passos largos, sendo necessário
que o Delegado, o Ministério Público, o Juiz competente, o Poder Público
e a Sociedade Civil se envolvam para que as medidas sócio – educativas
realmente sejam cumpridas pelos adolescentes, conforme o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA).
Ainda, segundo o mesmo Relatório (p. 30),
O Conselho Tutelar do município não vem atendendo à real necessidade
da criança e do adolescente de forma adequada e satisfatória.
Considerando o número de atendimentos durante o ano, este não é
significativo, dado à quantidade de crianças que estão na rua diariamente
e ao aumento de drogas lícitas e ilícitas consumidas pelas crianças e
adolescentes.
Segundo o Relatório de Gestão/2004, da Secretaria de Promoção Social
de Rio Verde (p. 34), os problemas sociais neste município devem-se, em grande
parte, ao desemprego:
Os problemas sociais existentes no cotidiano da população deste
município não são diferentes do contexto da população brasileira, no
que se refere aos seguintes aspectos: os recursos destinados à área de
assistência social continuam e estão cada vez mais insuficientes para
causar mudanças efetivas na vida da população vulnerabilizada pela
pobreza; atualmente, para a inserção no mercado de trabalho as
exigências têm sido maiores do que anteriormente, pois exige-se
escolaridade e satisfatório nível de qualificação profissional. Devido a
um número considerável da população não atender estas exigências, o
mercado informal tem crescido significativamente e as políticas públicas
não têm conseguido atender a demanda social excluída do exercício da
cidadania.
Esta realidade indica que somados aos recordes de produção de milho e
de soja os municípios do Sudoeste de Goiás apresentam outros números
elevados, só que estes atestando a concentração de renda e o nível de pobreza
de grande parte da população. Dividindo o podium com o município que ocupa o
1º lugar no ranking brasileiro de produção de milho e o 8º lugar na produção
nacional de soja, a população de Jataí não celebra o índice que aponta, segundo
dados do IBGE, que 40% dos chefes de família do município têm uma
remuneração inferior a um salário mínimo.
Isto serve, dentro dos nossos propósitos, para esclarecer que, assim como
afirma Franco (2002), todo desenvolvimento é desenvolvimento social, se assim
não o for, não se trata de desenvolvimento.
Logo, não nos parece coerente afirmar que há um desenvolvimento no
Sudoeste de Goiás em virtude da prática agrícola intensiva em capital e em
tecnologia, já que isto não significa alterações no capital humano e no capital
social. O que parece haver é um crescimento econômico, que difere, na sua
essência, de desenvolvimento social.
4.3.1.3 Aumento da população urbana: deficiência infra-estrutural e
segregação espacial.
Dados da situação de domicílio do estado de Goiás e do município de Jataí
indicam que os índices de crescimento populacional e o aumento da população
urbana se dão numa velocidade bastante elevada, sendo que a mesma não é
acompanhada da elevação da qualidade de vida e das possibilidades de trabalho.
Assim como, por meio de visitas a campo, verifica-se, também, que não há
planejamento urbano de modo a atender às necessidades básicas da crescente
população.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 1970, o estado de Goiás apresentava uma população de 2.997.570
habitantes. Desta, 42,34% tinham residência na cidade, ao passo que 57,66% da
população moravam no campo. No ano de 2000 a população do estado de Goiás
alcançou o número de 4.994.897 habitantes, sendo que, destes, 87,88%
habitantes residiam na área urbana e apenas 12,12% moravam no campo. O
gráfico 26 elucida o aumento populacional, bem como a inversão quanto ao local
de moradia da população goiana.
Gráfico 26: Variação populacional e da situação de domicílio do estado de
Goiás, nos anos de 1970 e 2000
605.789
1.728.535
4.389.108
1.269.035
4.994.897
2.997.570
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
1970 2000
População rural
População urbana
População total
Fonte: IBGE.
Organização: Ribeiro, 2005.
Quanto ao município de Jataí, verifica-se que a população elevou-se de um
total de 41.374 pessoas em 1970, para 75.451 pessoas em 2000. Em 1970, mais
de 35% da população tinham moradia rural e apenas 65%, aproximadamente,
residiam na cidade. Já no ano de 2000, os dados indicaram que apenas 8% da
população residiamm na zona rural, enquanto 92% possuía residência urbana, um
índice mais elevado do que a média estadual e nacional. Tais alterações podem
ser analisadas com auxílio do gráfico 27.
Gráfico 27: Variação populacional e da situação de domicílio do município
de Jataí, nos anos de 1970 e 2000.
6633
68818
75.451
14.672
26.702
41.374
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
1970 2000
População rural
População urbana
População total
Fonte: IBGE.
Organização: Ribeiro, 2005.
O estado de Goiás concentra 43% de toda a população do Centro-Oeste. É
o estado mais populoso da Região, tendo apresentado na década de (19)90 um
índice de crescimento populacional 1,02% maior do que o índice nacional. Porém,
a renda per capita goiana é proporcionalmente inversa a esta realidade. Segundo
o IPEA é a menor renda da Região Centro-Oeste, também inferior à renda média
brasileira.
É sabido que a coexistência de má distribuição de renda e ausência de
desenvolvimento humano e social é realidade comum em regiões de estrutura
fundiária concentrada. Em Goiás isto não é diferente, as grandes propriedades
rurais, com mais de mil hectares, totalizam 47,1% do território goiano, somando
apenas 4,9% dos estabelecimentos agrários. Por outro lado, as pequenas
propriedades, que possuem até 100 hectares, totalizam apenas 9,2% da área do
estado, correspondendo a 60,5% do total das propriedades existentes em Goiás.
Um indicativo dos reflexos sociais da má distribuição de renda é a falta dos
serviços de água e de esgoto e de coleta de lixo, que, em Goiás também, se
encontram abaixo da média nacional.
A precariedade na infra-estrutura urbana e a má qualidade e/ou ausência
de serviços urbanos é ilustrada por meio da figura 20, que demonstra a
construção de um conjunto habitacional na cidade de Jataí, em meio ao
“matagal”; sem que serviços básicos, como asfaltamento, rede de esgoto,
iluminação pública, tenham sido executados. A figura 21 apresenta outro conjunto
habitacional, onde se vê o aglomerado de casas afastado da cidade e ilhado em
meio ao Cerrado, além de sofrer da falta de infra-estrutura, no que tange aos
serviços urbanos.
Figura 20: Vista parcial da construção do Conjunto Habitacional
COHACOL 5 (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 21: Vista panorâmica do Conjunto habitacional Sebastião Herculano
(Jataí -GO).
Fonte: Ribeiro, 2005
4.4 Paradoxo: o luxo e a miséria dividem espaço.
A análise retrospecta da evolução de área colhida, produção e
produtividade, dentre outras variáveis, dos principais produtos agrícolas da MRH
Sudoeste de Goiás e dos principais municípios produtores, como Rio Verde e
Jataí, nos dá a devida dimensão da amplitude técnica da agricultura desenvolvida
na região. No entanto, isso não significa afirmar que o novo padrão produtivo,
intenso em tecnologia e em capital, redunda em ganhos e benefícios para todos
os segmentos da sociedade.
Em contraste, bastante acentuado, verifica-se a segregação social e
espacial nos municípios que apresentam os maiores índices de produção e
produtividade agrícola no estado de Goiás. Em visitas a campo, realizadas nos
meses de abril e maio de 2005, pudemos perceber a miséria convivendo lado a
lado com o luxo, a imponência e a ostentação.
Aliás, ostentação é marca registrada dos agentes envolvidos com o
agronegócio no Sudoeste de Goiás. “As roupas de grife e as caminhonetes de
última geração” são determinantes da identificação das pessoas pela cidade e do
tratamento que elas devem receber, em qualquer ambiente, seja ele público ou
privado.
No desejo de se inserir nas rodas da sociedade e na busca de se fazer
aceitar nos diversos espaços, sobretudo nos de entretenimento, parte da
população excluída do setor do agronegócio investe os seus parcos recursos
financeiros na compra de objetos e instrumentos que a deixem mais próxima
daqueles a quem quer se juntar, de forma a poder se relacionar com eles.
Exemplo disso é que em cidades como Rio Verde e Jataí não se vê na sua
frota de veículos um número significativo de automóveis de modelos antigos e/ou
com aparência envelhecida; porque mesmo os trabalhadores cujos salários são
baixos se endividam para a compra de carros novos ou semi-novos. Não se vê,
também, nestas cidades, um contingente elevado de pessoas transitando pela
cidade, independentemente de dia e de horário, com indumentária e calçados de
modelos antigos e/ou de baixa qualidade. Isso faz com que o observador conclua,
aparentemente, que toda a população tem acesso aos produtos disponibilizados
para consumo, podendo chegar também à conclusão de que há uma distribuição
da renda gerada pelo agronegócio, o que, na essência, não se confirma.
Além dos indivíduos que investem os seus parcos recursos financeiros com
o intuito de se juntar à elite ligada ao agronegócio, existe uma gama de pessoas,
trabalhadores, subempregados e desempregados, vivendo à parte, excluídas de
todo o processo da produção material em curso. Os pobres e miseráveis que
sobrevivem nas periferias das cidades foram, em outros tempos, na sua maioria,
camponeses, que aos poucos foram tendo suas condições de produção e de
reprodução sufocadas e comprometidas pelos moldes da recente exploração
agrícola. Compõem este quadro, também, trabalhadores oriundos de outras
regiões que para lá se deslocam e se fixam em busca de trabalho.
É sobre o retrato que traduz essa realidade que queremos nos debruçar,
na tentativa de evidenciar que o tão alardeado bônus econômico decorrente das
explorações agrícolas no Sudoeste de Goiás não se estende a todos os setores
da sociedade, como afirmam os empresários rurais, os comerciantes e o poder
público, responsável pelo financiamento, isenção fiscal, relaxamento de leis
ambientais e consolidação do complexo agroindustrial nestas mesmas áreas.
4.4.1 Fatos e imagens da segregação no município de Jataí.
As visitas aos bairros periféricos das cidades do Sudoeste de Goiás são
embaladas por muitas histórias de vida que relatam fatos experimentados e
vivenciados por atores sociais antes protagonistas do campo e da agricultura e
que agora estão marginalizados e vivendo do assistencialismo do poder público,
que mantém a indigência assistida no estado de Goiás.
As histórias são regadas pelo saudosismo de um “tempo bom”, de
predomínio de valores considerados, pelos relatores, como elementares, tais
como a ética, a moral, a responsabilidade, a religiosidade, o respeito, além da
fartura de alimentos e das festividades, que segundo os mesmos já não existem
mais.
O desânimo estampado nos rostos destes agricultores sem terra e destes
trabalhadores sem trabalho atesta que a vida é tocada e, não, vivida. A falta de
perspectivas e de expectativas faz com que eles vejam a vida passar sentados
nos bancos nas portas de suas casas, em frente às ruas empoeiradas, que a
cada ano eleitoral recebem nova promessa de asfaltamento.
Na figura 22 pode-se verificar o descrito. Os dizeres “H M Queremos
Asfalto” referem-se a uma solicitação ao prefeito Humberto Machado, Prefeito do
Município de Jataí, no período de 1996 a 2004.
Figura 22: Solicitação de asfalto, reinvidicada ao poder público por parte
dos moradores da Vila Luíza (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
A figura 23 segue retratando a pobreza que acomete os moradores dos
bairros de Jataí. As crianças são desprovidas dos elementos básicos à saúde, ao
crescimento e à existência digna. Pode-se verificar o desânimo estampado nos
seus rostos, a fragilidade dos seus corpos, bem como das suas vestes e
calçados.
Estas crianças, juntamente com os demais moradores, vêem num lance de
olhar, a poucos metros dali, a manifestação da riqueza oriunda da soja. Convivem
lado a lado com a imponência de residências luxuosas, carros importados e
roupas de grife, onde uma outra parcela da população se esconde atrás dos seus
muros eletrificados, dos vidros escuros dos seus carros, dos seguranças que
rondam suas mansões, para a se proteger da miséria e dos miseráveis por ela
criados. São dois lados da mesma moeda, manifesto espacialmente.
Figura 23: Crianças residentes na Vila Luíza (Jataí-GO).
Fonte: Ribeiro, 2005
A figura 24 mostra a fachada da residência de um empresário agrícola, em
cuja calçada transita permanentemente um segurança. Tal residência está situada
a, aproximadamente, três quarteirões das paisagens ilustradas nas figuras 22 e
23.
Figura 24: Residência de empresário agrícola (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
A presença de um forasteiro nos bairros acende uma ponta de esperança
naqueles necessitados de quase tudo, inclusive de atenção. Acostumados a
receberem visitas de pessoas de fora do bairro apenas por ocasião das eleições,
ou por qualquer outro tipo de barganha política, os moradores vêem na presença
do visitante a possibilidade de ter suas reivindicações atendidas e, por isso
mesmo, fazem diversas solicitações, que vão desde roupas a asfalto, dentaduras
e aposentadorias.
Manifestamos, aqui, a tamanha angústia que acomete o visitante diante de
tanta miséria e desprovimento, contrastados com a riqueza opulenta, que pode
ser verificada num lance de olhar, há poucas metros dali.
A figura 25 denota este contraste. O muro à esquerda é o limite de um
condomínio de luxo. A rua empoeirada, sem pavimentação asfáltica, separa o
bairro, logo a direita, e sua população da riqueza e do luxo que se protege por
trás dos muros. A figura 26 ilustra a entrada principal do condomínio supracitado.
Figura 25: Divisa lateral do Condomínio Barcelona com a Vila Luíza
(Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 26: Entrada principal do Condomínio Barcelona (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
As estratégias de separação entre os moradores do condomínio e a
população externa, do bairro que o circunda, podem ser observadas na figura 27.
Além do muro alto, a cerca elétrica com alarmes é o mecanismo utilizado para
hostilizar quem, porventura, se aproxime do muro. Aliás, a cerca elétrica é
bastante comum na cidade de Jataí; pode ser verificada em grande parte das
residências, sobretudo nas mais luxuosas. Nestas, a cerca elétrica é regra. Uma
visita ao Setor Planalto comprova isso. Tal setor, assim como toda a parte alta da
cidade é ocupada, na sua maioria, por casas e edifícios de sojicultores e
empresários ligados ao agronegócio.
Figura 27: Cerca elétrica no muro do Condomínio Barcelona
17
e vista parcial
do interior do mesmo (Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
4.4.2 Para a periferia e sua população resta o ônus.
Em trabalhos de campo realizados na Vila Luíza, nos Conjuntos
Habitacionais, Sebastião Herculano, Mauro Bento, Filóstro Machado, COHACOL
e no Bairro Jacutinga, na cidade de Jataí, nos deparamos com toda sorte de
problemas sociais.
Percebemos que a grande influência que a agricultura exerce sobre estes
Bairros, Conjuntos e Vilas, e seus respectivos moradores, diz respeito aos
17
Lê-se na placa: “PERIGO: cerca elétrica com alarme”.
problemas ambientais e de saúde gerados pelas lavouras que são plantadas até
nos limites dos mesmos. No Bairro Jacutinga, em Jataí, a plantação de uma
lavoura de soja que se estende até a cerca limítrofe com a rua do Bairro gera, no
período de chuvas intensas, alagamentos nas ruas, já que toda a vegetação
natural foi retirada e o solo se encontra em estágio de compactação, dificultando a
infiltração da água, que associada a uma leve declividade do terreno, canaliza a
água para dentro do Bairro, que invade casas, causa erosões nas ruas e
transmite doenças à população. Curiosamente, quando a mesma área é utilizada
para o cultivo de milho (cultivo de safrinha) a lavoura fica afastada cerca de 200
metros da cerca que separa a lavoura do Bairro, isso para dificultar que os
moradores, porventura, se apropriem de parte do milho para consumo.
Nos Conjuntos Habitacionais COHACOL e Mauro Bento, outro problema
diz respeito à contaminação da população por venenos utilizados no combate a
pragas
18
. A proximidade da área plantada com os conjuntos habitacionais faz com
que o vento dissemine as substâncias tóxicas sobre estes e com que os
residentes as recebam de maneira intensa e desprotegida. Problemas
respiratórios e de pele são os mais comuns. Moradores do Bairro Jacutinga
também atestam o surgimento de tais sintomas em períodos de combates aéreos.
Na cidade de Rio Verde os mesmos problemas são recorrentes. E até
mesmo na cidade de Chapadão do Céu, que foi planejada e construída a partir de
um projeto que, segundo seus idealizadores e executores, não permitiria exclusão
e segregação espacial, verifica-se a incidência de tais problemas nos bairros
periféricos.
Na realidade estas contradições são natas do modo capitalista de produzir
e da organização sócio-espacial correspondente. O que colocamos em xeque
aqui é o discurso de que a agricultura tecnificada desenvolvida no Sudoeste de
Goiás e a consolidação do Complexo Agroindustrial estão acima disso, como uma
prática capitalista de exploração que gera riqueza e distribuição de renda para
18
São consideradas “pragas” todas as plantas, animais e microorganismos, visíveis e invisíveis, que
competem com a cultura plantada, por isso são matados com venenos (agrotóxicos), que os produtores e
empresas do ramo chamam de defensivos agrícolas.
toda a sociedade onde se instala. Discurso este preferido nas rodas de
empresários, no poder público e pelos estudiosos e pesquisadores que defendem
o agronegócio enquanto a única possibilidade de se produzir nos Cerrados.
A aplicação de venenos por pulverização aérea é uma das questões que
vemos com maior gravidade, vez que as partículas são disseminadas pelo vento a
longas distâncias, podendo ter efeitos graves sobre a saúde humana, vegetal e de
animais, com manifestações em tempo indeterminado, desde alergias
respiratórias imediatas até cânceres de pele e de pulmão num futuro próximo.
No ano de 2004 um acidente grave ocorreu em uma lavoura de soja no
município de Jataí, de propriedade do Sr. D. G., quando uma criança de
aproximadamente 04 anos recebeu, diretamente, sobre seu corpo o veneno
aplicado por um avião de pulverização. A menina, em estado de saúde
gravíssimo, foi levada para hospitais de Goiânia para tratamento.
Em entrevista com moradores do Acampamento “Gurita”, do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Jataí, às margens da BR 364, no sentido sul, a mãe de
duas crianças relata o deslumbramento dos filhos com os vôos rasantes do avião
pulverizador. Afirma que o avião quase toca o teto do barraco de lona preta e que
as crianças correm acompanhado-o.
É um momento de diversão para as crianças, que estão há anos sob a
lona, aguardado decisão judicial de desapropriação de parte da fazenda ao lado,
onde ocorre a pulverização. Já vítimas da violência do latifúndio, o que estas
crianças não sabem é que estão sendo bombardeadas com substâncias tóxicas
e letais para o ser humano, podendo virem a ter graves problemas de saúde.
4.5 Migração e a organização econômica e espacial para os “de
fora”.
O olhar, ora intrigado, ora admirado, do agricultor regional lançado sobre os
produtores forâneos, que para o Cerrado se dirigiram, não capta a realidade do
arsenal de informações e formações técnicas que estes produtores possuíam,
tampouco as facilidades que tinham para conseguir financiamentos e vantagens
creditícias junto aos órgãos e programas públicos de fomento. Vantagens estas
que o produtor regional na maior parte das vezes não possuía.
A idéia de crescimento econômico pautada no eurocentrismo, conforme
tratado no capítulo 1, já tinha suas bases fincadas nas teorias sobre a exploração
agrícola e o crescimento econômico das áreas de Cerrado e se fortaleceu com a
onda de migração dos “gaúchos” em direção à fronteira agrícola do Centro-Oeste
brasileiro.
Assim, convencionou-se que o produtor migrante era dotado de maior
capacidade para o trabalho do que o produtor goiano, preguiçoso e dotado de
pouca inteligência para assimilar as novas tecnologias. Parte dos produtores
goianos, diante dos imensos campos de cultivo que se formaram em áreas de
chapadão, incorporou o discurso de superioridade do produtor estrangeiro em
relação a si.
Começa aí um círculo de desvalorização do povo, do trabalho, da cultura, da
paisagem, enfim, da forma de vida regional, em face da forma de viver dos
produtores agrícolas migrantes que ali se instalaram.
A chamada de um artigo de Blecher (2002), publicado na Revista Exame,
explicita de forma contundente o que acabamos de apontar. Lê-se: “O
ELDORADO GOIANO: o agricluster transformou a antes modorrenta região de
Rio Verde numa das que mais crescem no interior do país”.
Terra do pequi, da galinhada com quiabo e da guariroba, o sudoeste
goiano incorporou um novo sabor ao cardápio nos anos 70 [...] ‘Pouco
tempo atrás, Rio Verde era uma dessas cidades fantasmas dos grotões
brasileiros, cheia de botecos e cães vadios perambulando pelas ruas
esburacadas’, diz Álvaro Martins Henkes, vice-presidente da COMIGO.
Quem anda hoje pela cidade vê uma paisagem bem diferente, em que se
destacam os novos edifícios em construção. As meninas desfilam suas
roupas de grife no calçadão central, enquanto os jovens agricultores e
pecuaristas exibem suas caminhonetes novas pelas avenidas [...]
(BLECHER, 2002, p. 64-65).
Segundo [Evandro Arantes]
19
Abib foram os estrangeiros, e não os
empresários nativos, os primeiros a investir em Rio Verde. “O pessoal de
fora aproveitou a primeira onda de crescimento da cidade”, afirma. “Os
empresários daqui não percebem que cavalo arriado não passa duas
vezes na sua frente”
20
. Forasteiros não faltam em Rio Verde. Há os que
migraram de outras regiões, principalmente do Sul e do Sudeste, e
também os que vieram de longe, como os holandeses, os menonitas
americanos e russos
(BLECHER, 2002, p. 66).
De acordo com Ferreira (2001) modorra significa prostração mórbida, ou
sonolência, ou preguiça; insensibilidade, apatia. A expressão “modorrenta”,
derivada de modorra, foi utilizada para descrever a paisagem da cidade de Rio
Verde no período anterior à chegada do migrante dotado de “capacidade e de
visão de futuro”, com o intuito de evidenciar que o município e seus moradores
eram preguiçosos e apáticos, não tendo condições de impetrar o desenvolvimento
e o progresso hoje alcançado na região pelos migrantes.
Outra chamada para o mesmo artigo diz: “À PROVA DE CRISE: o dinheiro
do campo irriga o comércio de Rio Verde”.
Investimento é uma espécie de palavra de ordem em Rio Verde. Os 230
apartamentos dos seis prédios em construção foram vendidos ainda na
planta, a preços entre 115.000 e 250.000 reais. A revenda local da
Volkswagen registrou um crescimento de 30% nas vendas de carros
novos de 2000 para 2001. De cerca de 900 unidades comercializadas por
ano passou para 1300. Neste ano, deverá fechar com pequena queda,
mas o resultado final deverá ser bem melhor do que em outros lugares.
“Aqui a crise tem um sabor menos amargo”, diz Evandro Arantes Abib, um
dos donos da revenda. Abib também está investindo na construção de um
hotel na cidade [...].
Empresários urbanos investem no campo, agricultores e pecuaristas no
comércio. É o caso da agrônoma Patrícia Kompier. De manhã ela cuida
do plantel de vacas mestiças da Fazenda Brasilândia, pertencente ao seu
pai, em Montividiu. À tarde, volta à cidade para atender a clientela da
Kompier, loja multimarcas de moda masculina e feminina que trabalha
com grifes como Richrad’s, Brooksfield, Spezzato e Colcci. “Estamos
aprendendo a lidar com moda”, diz Patrícia. A poucas quadras dali,
Lincoln Martins, de 43 anos, bacharel por formação e gastrônomo por
vocação, inaugurou em setembro as novas instalações do Bistrô, o
restaurante mais sofisticado da cidade. Com investimentos de 200.000
19
Grifo nosso.
20
Expressão popular que significa dizer que a sorte não bate duas vezes na mesma porta, ou
seja, que não se deve desperdiçar boas oportunidades.
reais dobrou o número de mesas. “Agora tenho espaço para os eventos
promovidos pelas empresas da cidade”, diz Martins ao lado da mulher
Sandra, que já abriu três franquias de “O Boticário” (BLECHER, 2002,
p.68).
Observa-se que o espaço e a economia desta região estão organizados em
consonância com os segmentos da sociedade representativos do produtor
agrícola capitalista e de fora. Isso é manifesto e de fácil verificação na paisagem
rural e urbana. Cidades como Jataí e Rio Verde têm sua rede de comércio,
restaurantes, escolas e clubes de entretenimento direcionados para uma classe
consumidora predominantemente de empresários rurais, e de categorias de apoio
a estes, oriundas de outras regiões, sobretudo do Sul e do Sudeste.
Os depoimentos coletados pelo artigo supracitado corroboram tal assertiva.
Os apartamentos de 250 mil reais, os carros de última geração, o restaurante
sofisticado, as grifes internacionais não são acessíveis para outros consumidores
que não os ligados à agricultura. E estes consumidores não significam, nem de
longe, a totalidade dos consumidores da cidade; logo, há uma segregação no que
tange ao acesso a este comércio, não podendo haver, então, a noção de que toda
a cidade e sua população se beneficiam com os novos empreendimentos
instalados e estimulados a partir do agronegócio.
Os valores de imóveis, automóveis e outros bens de consumo são cotados
em soja e sofrem oscilação de acordo com os preços do grão no mercado
internacional de alimentos. Isso indica a discriminação, a segregação e a
exclusão dos demais setores da sociedade, não envolvidos com a exploração
agrícola tipo exportação, da vida social, comercial e política, bem como dos
espaços públicos e privados da cidade. Esta realidade se estende, e é de certa
forma padronizada, a outros municípios produtores de grãos do Sudoeste de
Goiás.
Diante disso, nos vimos na obrigação de divergir do Ministro da Agricultura,
Sr. Roberto Rodrigues, quando este afirma que “o agronegócio engloba todo
mundo, que todos os setores da sociedade lucram com ele, dos trabalhadores
rurais sem terra aos segmentos de serviços da cidade” (RODRIGUES, 2004). Isso
não nos parece real, vez que o agronegócio é extremamente seletivo e só
compõem o seu ciclo de produção, processamento, circulação, comercialização e
consumo, os profissionais e setores empresariais e comerciais que estejam
afinados com sua lógica produtiva. Quem não atende a esta lógica está fora do
círculo, e, numa região que quem dá o tom é o setor agroindustrial, quem não se
ajusta a ele é sumariamente.
A segregação e a exclusão têm manifestações espaciais explícitas. Isso por
si só é suficiente para nos contrapormos ao discurso predominante de que a
cadeia produtiva da soja gera renda e riqueza para todos os segmentos nas
regiões em que se desenvolve.
5. USO AGRÍCOLA DOS CERRADOS: especificidades do Sudoeste
de Goiás.
Nesta seção trata-se de como o uso agrícola dos Cerrados está pautado
nas previsibilidades, na confiabilidade e, para tanto, nos comandos técnicos.
A agricultura praticada reforça o predomínio do patronato, da monocultora
e da exclusão, tornando-se, também, a principal ameaça àquele domínio.
Pode-se notar por meio dos mapas de uso do solo, de vulnerabilidade
ambiental e de desmatamento, bem como junto a outros dados e informações,
que a exploração agrícola no Sudoeste de Goiás nos moldes atuais é
insustentável no que tange aos recursos naturais, vez que utiliza os seus
estoques de energia de forma absorvente e contínua, sinalizando para o seu
esgotamento num futuro próximo.
5.1 Da agricultura que degrada à agricultura que enobrece.
A terra, e as criaturas nela existentes, estão sendo encaradas como
nada mais que “fatores de produção”. Elas são, naturalmente, fatores de
produção, o que quer dizer meios para alcançar fins, mas esta é sua
natureza secundária, não a primária”
(SCHUMACHER, 1977,
p.92).
Schumacher (1977) retornou a Herber (1968) para afirmar que, já naquele
período, nas cidades modernas, o morador urbano estava mais isolado do que
seus ancestrais o estavam na região rural: “O homem da cidade em uma moderna
metrópole atingiu um grau de anonimato, atomização social e isolamento
espiritual praticamente sem precedentes na história humana” (SCHUMACHER,
1977, p.99).
Na sua economia “que leva em consideração os pequenos” o autor
preconiza que a vida tende a se tornar intolerável para todos, exceto para os
muito ricos. Para mudar tal quadro afirma que só há uma possibilidade: a da
modificação urgente na agricultura. Esta reconciliação do homem com o meio
natural se tornou uma necessidade, e não apenas um desejo. Schumacher (1977)
sugere que deveríamos buscar políticas para reconstruir a cultura rural, em vez de
procurar meios para acelerar a fuga da agricultura; abrir a terra para ocupação
lucrativa por maiores números de pessoas, em regime de tempo integral ou
parcial e orientar todas as nossas ações no campo no rumo da tríplice idéia de
saúde, beleza e permanência.
A estrutura social da agricultura, que foi produzida (e é geralmente
sustentada para obter sua justificação por ela) pela mecanização em
grande escala e uso exagerado de produtos químicos, impossibilita
manter o homem em contato real com a natureza viva; com efeito, ela
suporta as mais perigosas tendências modernas de violência, alienação e
destruição ambiental. Saúde, beleza e permanência são dificilmente
assuntos respeitáveis para debate, e isto é outro exemplo ainda de
desrespeito pelos valores humanos – o que significa desrespeito pelo
homem – que inevitavelmente resulta da idolatria do economismo
(SCHUMACHER, 1977, p.99 – 100).
Ocorre que a agricultura amplamente tecnificada acaba por padronizar e
degradar o habitat do homem, gerando exatamente o contrário do que deveria se
dar com a prática agrícola. De fato, a atividade agrícola deveria promover o
enobrecimento do homem e do seu meio ambiente, a partir da simbiose entre
ambos. A agricultura brasileira, em especial a desenvolvida na região dos
Cerrados, não difere ao perfil apontado. Ao contrário, esta é fidedigna do perfil
agrícola descrito por Schumacher (1977) como sendo a agricultura que
desrespeita o homem e os demais níveis da natureza. As posturas políticas,
empresariais e públicas aplaudem a agricultura intensiva em capital e em
tecnologias, por conseguinte, pobre em mão-de-obra, e o desenvolvimento rural,
no seu sentido real, é secundarizado. A reforma agrária, por sua vez, se tornou
instrumento de jogatina política.
Estas formas de exploração agrícola, do tipo patronal, fundamentadas na
monocultura, cuja literalidade pode ser verificada no Sudoeste de Goiás, se
desenvolveram aniquilando o camponês, a pequena propriedade e o trabalho
familiar, se constituindo excludentes e concentradoras.
Por isso, naquela região o que pode se verificar é um desenvolvimento
econômico que não é consoante com o desenvolvimento humano e social, pois
existem duas outras modalidades de capital que devem ser criadas para se obter
um desenvolvimento que vá além do econômico: o capital humano e o capital
social, que dizem respeito à qualidade dos recursos humanos e ao
compartilhamento de elementos qualitativos, como a cultura, o lazer, o bem-estar,
de maneira que todos os cidadãos possam agir e produzir bens sociais.
Nesta perspectiva Abramovay, (apud VEIGA, 2000) afirma que é somente
por meio da criação de capital social que se pode ter a construção de um novo
sujeito coletivo capaz de exprimir a capacidade de articulação das forças
dinâmicas de uma determinada micro ou mesoregião, o que não tende a se dar
por meio da agricultura patronal, fundamentada na grande propriedade. Ao
contrário, sugere ser a prática agrícola desenvolvida em pequenas propriedades a
mais eficiente do ponto-de-vista do capital humano e social, extrapolando o
desenvolvimento agrícola rumo ao desenvolvimento rural.
5.2 Agricultura e (in)sustentabilidade ambiental.
Sustentabilidade, em si, é um conceito que possui incontáveis vertentes,
não sendo nosso objetivo apresentá-las e discuti-las aqui.
A questão da sustentabilidade é algo que vem ocupando os principais
espaços no debate sobre o desenvolvimento agrícola e rural no Brasil. Neste caso
sustentablidade pode ser compreendida como sendo a ampliação das
possibilidades de desenvolvimento agrícola e rural, sem que haja o
comprometimento dos estoques de recursos naturais, havendo conservação dos
mesmos, sendo que a ampliação na disponibilidade de bens e de serviços deve
estar em consonância com o uso dos recursos naturais.
No que tange ao desenvolvimento rural sustentado este deve apresentar
crescimento da produção e da produtividade agrícola, nivelando a distribuição de
renda, ao mesmo tempo em que não comprometa os estoques de recursos
naturais, tampouco as gerações vindouras, das populações de todas as espécies.
Partindo desta noção, deve-se considerar, para o desenvolvimento agrícola
sustentável, alguns aspectos fundamentais e co-relacionados, a saber: a técnica
utilizada no processo de exploração; a sustentabilidade econômica; a estabilidade
social e a coerência ecológica. Tais elementos são básicos para a definição de
medidas que visem a exploração agrícola em bases sustentáveis, de forma a
haver crescimento local associado à conservação dos recursos.
Porém, uma questão recorrente é o fato de, mesmo de posse dos
conhecimentos que conduzem à agricultura em bases sustentáveis, grande parte
dos agricultores fazer suas opções de produção baseadas no esgotamento dos
recursos naturais, que sustentam suas práticas agrícolas.
Isto é facilmente identificável, bastando, para tal, observar as áreas
destinadas às atividades agropecuárias para se visualizar a incoerência ecológica
dos processos produtivos
21
. É muito comum nos depararmos com campos de
cultivo e/ou pastagens em áreas de preservação permanente ou em áreas
suscetíveis à erosão e à desertificação, encostas íngremes etc.
Neste particular nos interessa mais de perto a implantação de lavouras
monocultoras nas áreas de Cerrado do Sudoeste de Goiás. As figuras 28 e 29
demonstram procedimentos inadequados na prática agrícola regional. Na primeira
vê-se uma plantação de soja instalada num solo areno-quartzoso, cuja
conseqüência é o surgimento de voçorocas, lixiviação, assoreamento de leitos
d’água; na segunda, observa-se uma plantação de soja em área de declividade
acentuada, em que a lavoura chega às margens de um leito d’água, cuja mata
ciliar foi parcialmente retirada.
Nos dois casos tem-se uma tentativa de otimizar a área de cultivo,
apropriando-se, para tal, de áreas que deveriam ser e estar preservadas, com
suas vegetações naturais, para, desta forma, protegerem as águas e evitarem a
lixiviação e o surgimento de voçorocas.
Figura 28: Plantação de soja em solo areno-quartzoso (Aporé - GO).
21
Pádua (2001), utilizando-se de dados da PNUD, apresenta a realidade de degradação promovida pela
agricultura desenvolvida no estado de São Paulo, área tradicional e tecnologicamente bastante avançada da
agricultura brasileira: “O balanço da agricultura de São Paulo, a mais capitalizada e empresarial do país, é
uma mostra eloqüente dos impactos negativos da chamada ‘agricultura moderna’ no Brasil. Dos 18 milhões
de hectares utilizados, cerca de 4 milhões estão em estágio avançado de desertificação. A perda agregada de
solos é de 200 milhões de toneladas por ano e o balanço negativo de certos produtos é enorme: para cada
quilo de soja produzido perde-se 10 quilos de solo. Para cada quilo de algodão, 12 quilos de solo” (Pádua,
2001, p.21)
Fonte: C. Görgen, 2005
Figura 29: Plantação de soja em área com declividade acentuada (Jataí -
GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
5.2.1 “Solução de mercado” e “solução ecológica”.
As incoerências identificadas nos processos produtivos agrícolas não são
casuais, ao contrário, denotam que “solução de mercado” e “solução ecológica”
não se entrecruzam, mas, sim, correm paralelamente de forma dissociada. Ambas
concorrem entre si, pois o tempo do retorno econômico é diferente entre as
mesmas. A “solução de mercado” apresenta benefícios e menores custos em
curto prazo, ao passo que a “solução ecológica” tem seus benefícios econômicos
esperados a longo prazo. Diante disso, pode-se afirmar que a agricultura
desenvolvida no Sudoeste de Goiás é baseada num curto prazismo, que prioriza
as “soluções de mercado” em detrimento das “soluções ecológicas”.
É uma agricultura que parte do pressuposto de que romper com as leis da
natureza é mais barato e mais rápido. Porém, a longo prazo isto se manifesta
altamente inseguro e perigoso, já que o poder de transformar a natureza, dado ao
homem pela ciência, não consegue repor os estoques naturais nem prover a
natureza de novos elementos.
Um discurso corrente, e comumente aceito, justifica a assimilação da
“solução de mercado” em detrimento da “solução ecológica”, em função de que a
conservação ambiental redundaria em baixos índices de produção,
comprometendo desta forma os estoques de alimentos exigidos pela demanda
mundial
22
.
Porém, tal justificativa não é plausível. Quantitativamente falando, existem
alimentos suficientes para suprir a demanda; no entanto, milhões de pessoas
sofrem a falta de alimentos no mundo todo; da mesma forma, é cientificamente
comprovado que explorações agrícolas em pequenas dimensões e em maior
consonância com os recursos naturais são mais produtivas do que a agricultura
em escala, do tipo patronal, intensiva em capital e em tecnologias (Veiga, 2000).
Assim, este discurso quer atender às exigências do capital e da geração de lucros
e não à exigência de quantidade de produção de gêneros para alimentar a
população mundial.
Ou seja, tem-se buscado a sustentabilidade da produção, que não deve ter
seus custos aumentados, para poder continuar competitiva e viável. Esta
sustentabilidade não se traduz em sustentabilidade ambiental, ao contrário:
Ambas são antagônicas.
Os recursos naturais, concebidos como insumos, com valores decorrentes
da capacidade que têm de gerar renda na forma de um fluxo de bens destinados
ao mercado, é um entendimento tido pela maioria dos produtores agrícolas.
Assim, os recursos são explorados com maior ou menor intensidade dependendo
de como essa decisão vá influir no fluxo de renda (Cunha, 1994).
5.2.2 A socialização do ônus ambiental.
Apesar de se tornar objeto de apropriação privada, o solo, pelo uso que
seus proprietários passaram a fazer dele, continua afetando indiretamente
o bem-estar coletivo, seja pela interligação que estabelece com os
recursos hídricos, seja pela fertilidade que encerra, e da qual dependem
as gerações futuras de proprietários e não-proprietários de terra, seja pelo
uso que é feito dos recursos biológicos vegetais e animais que contém
(ACSELRAD, 1992, p. 22).
Cunha (1994) alerta para a socialização dos problemas que a apropriação
privada dos recursos naturais pode trazer: considerando que a natureza é um
bem público, para o qual não há mercado, nos casos em que recursos naturais
são apropriados de maneira privada, tendo a terra como exemplo disso, sua
exploração gera deseconomias que recaem sobre o conjunto da coletividade.
A socialização do ônus sócio-ambiental pode se dar de diversas maneiras,
todas elas perversas, já que o bem-estar coletivo passa a ser afetado pelo tipo de
exploração privada que se faz de parcelas do solo. É a apropriação, por alguns,
do bônus econômico e a socialização, para todos, do ônus sócio-ambiental.
O comprometimento dos recursos hídricos, do potencial fértil dos solos, da
biodiversidade em geral e a dispersão de poluentes, entre outros ônus, dizem
respeito a todos os indivíduos, indiscriminadamente, sendo eles produtores ou
não, proprietários ou não de áreas agricultáveis; significa toda a sociedade, de
forma involuntária e compulsiva, dividir os prejuízos com quem os provocou.
Trabalhadores excluídos do processo produtivo e de consumo e pequenos
proprietários e produtores expropriados das suas terras e dos seus meios de
produção se vêem atingidos pelos problemas gerados pela prática agrícola
responsável pelas suas expulsões e expropriações.
São os problemas gerados por alguns recaindo sobre a coletividade,
comprometendo a democracia e a liberdade.
Nem sempre isso se traduz em conflito social, pois para este ocorrer faz-se
necessário que a sociedade se dê conta de que o bônus econômico de alguém,
ou de alguns, está se dando às custas do comprometimento da qualidade de vida
de todos, isto é, que a natureza e a sociedade estão se onerando para custear os
22
Sobre tal questão ver Conway (1997).
lucros e o enriquecimento de uma minoria, consciência esta que quase não
ocorre.
No Sudoeste de Goiás o ufanismo predominante, manifesto num orgulho
exacerbado por parte da sociedade em ter na região elevados índices de
produção e de produtividade, faz com que os conflitos sociais não eclodam, ou
caso eclodam se dêem na forma de conflitos implícitos.
Ali se nota a dificuldade da geração de uma consciência crítica em relação
à prática agrícola desenvolvida e aos malefícios gerados. Há uma idéia comum
que sugere um crescimento estendido a toda a sociedade em decorrência da
agricultura industrialmente integrada. No entanto, mesmo isto não sendo
realidade, conforme tratado no capítulo 4, a sociedade não se dá conta desta
mitificação formada, a ponto de não identificar e não questionar os problemas
consequentes pela exploração agrícola em curso.
5.2.3 Usos e abusos do discurso de sustentabilidade.
Na atualidade a sociedade desenvolveu um ambientalismo simplista, pelo
qual tornou-se moda ser consumidor de produtos orgânicos, participar de
Organizações Não-Governamentais (ONG’s) voltadas para a conservação
ambiental e se considerar defensor da natureza. Estas atitudes nem sempre têm
a ver com saberes reais sobre o equilíbrio da biosfera, e a prova maior de que,
em grande parte dos casos, é um movimento panfletário vem da exigência que
esta mesma sociedade faz aos recursos naturais, quando os pressiona em busca
de novos produtos para novos e elevados padrões de consumo. Ao mesmo tempo
em que assume o discurso em defesa do meio ambiente, a sociedade
contemporânea busca o padrão de consumo estadunidense, altamente
individualista, elevado em consumo e em desperdícios.
A maioria destas ações parte de noções superficiais, que não dão a
dimensão real da questão ecológica. De acordo com Acselrad (1992), ter a
dimensão implica discutir, tanto as formas e o controle sobre a propriedade,
quanto os modelos de produção e consumo e as formas e a organização do
processo de trabalho e tecnologia.
Para Sachs (1990), deve-se estar atento para se ponderar o “economismo
selvagem” e o “ecologismo excessivo”, de forma a não cair nas armadilhas dos
discursos progressistas que encaram os recursos naturais como sendo bens de
capital, disponíveis para o processo capitalista de produção e acumulação e, ao
mesmo tempo, não absorver os discursos ambientalistas superficiais e
panfletários, tão em moda nos últimos tempos.
No Brasil a temática do ecologismo eclodiu na década de 1990, porque,
segundo Ferreira e Ferreira (1995), até a década de 1970 o mito do
desenvolvimentismo não permitia que a questão ambiental tivesse lugar de
destaque na sociedade e fosse tratada como antítese ao desenvolvimento
nacional; ao longo dos anos (19)70 veio a público a verdadeira face do mito
desenvolvimentista que, não se realizando concretamente e funcionando apenas
como proclamação ideológica, passou a ser encarado pelo lado da devastação; a
década de (19)80 foi marcada por um caloroso debate sobre a qualidade
ambiental; a partir da década de (19)90 a temática foi incorporada ao discurso
político do Estado, do movimento sindical e de candidatos a cargos eletivos em
geral, isso acompanhado da disseminação de Organizações Não-Governamentais
(ONG’s).
Porém, as empresas e o Estado só passaram a se preocupar e a
implementar medidas de contenção quando o desperdício e a poluição
extrapolaram os problemas referentes às condições de vida e de consumo das
populações humanas e passaram a dizer respeito à própria base de reprodução
da esfera produtiva (ídem).
Assim, os problemas ambientais foram incorporados à agenda, colocados
na pauta de organismos públicos, privados e de diversos organismos e
segmentos da sociedade, porém, nem sempre se traduzindo, na prática, numa
redução do comprometimento dos recursos naturais.
Na questão específica das práticas de exploração agrícola, é dever ter
cautela diante dos discursos que afirmam que determinados projetos, estratégias
e obras são desenvolvidos com o intuito de preservar as características naturais
das áreas em exploração. Na maioria dos casos eles são desenvolvidos com
objetivos outros, que se traduzem em ampliar as possibilidades de otimização da
exploração. Exemplos disso são as contenções de erosão e a exclusão, para o
cultivo de grãos, das áreas de encosta. No primeiro caso evita-se que sejam
desperdiçados os nutrientes naturais e os que já foram acrescentados ao solo. Já
no segundo a questão central está na dificuldade (mecânica, principalmente) em
explorar as áreas de declividade acentuada. Não é o equilíbrio do ecossistema,
em si, que induz à implementação desses projetos, estes são, na realidade,
mecanismos de ampliação das possibilidades de exploração agrícola e otimização
do uso dos recursos naturais.
Nesse sentido, os recursos naturais só passam a ser considerados pelo
produtor, nas suas tomadas de decisão, quando se tornam fator limitante à
exploração agrícola. A inviabilidade de se produzir em determinadas áreas ou a
escassez de recursos geram uma motivação econômica que cria mecanismos de
conservação, que acaba por ser confundida com uma motivação ecológica.
Segundo Acselrad (1992),
O tipo de ordem estabelecida na sociedade está hoje, sem dúvida,
gerando desordem na natureza. A desorganização das leis da natureza
parece estar refletindo as injustiças da vida social. A crise ambiental
coloca, portanto em questão, o próprio modo de organização da
sociedade e as leis que regem sua reprodução [...] Se investigarmos na
presente crise ambiental os elementos que refletem processos de
destruição de direitos e de produção de desigualdades, estaremos,
também, identificando nas lutas ambientais os caminhos que levam, ao
mesmo tempo, ao restabelecimento do equilíbrio da natureza e à
construção da democracia na sociedade
(ACSELRAD, 1992, p.18 –
19).
Na perspectiva deste autor defender os direitos ambientais das populações
significa lutar pela democratização de controle sobre os recursos naturais. A luta
contra a degradação do meio ambiente é, antes de tudo, luta pela preservação
dos direitos dos cidadãos à vida e ao trabalho, já que o meio ambiente é o suporte
natural da vida e do trabalho. Sendo as relações das populações com o meio
ambiente formas culturais específicas de existência dos grupos sociais, a
degradação ambiental é, via de regra, um processo de destruição de modos de
vida, do direito à diversidade cultural e do relacionamento das comunidades com
a natureza (ACSELRAD, 1992).
Quando se trata especificamente da destruição dos laços constituídos entre
os camponeses e a terra percebe-se que fica comprometida a existência social
daquele grupo, já que é da terra, por meio do trabalho, que os camponeses
retiram seus alimentos (ídem).
Em agricultura não é possível desconsiderar o meio ambiente, vez que este
é fator de produção. Meio ambiente é, então, um recurso natural a ser utilizado
em prol da produção agrícola, sendo que, com base nas atuais formas de
exploração, as leis de mercado e a produção de lucros orientam em que medida
se aproveitará e se respeitará as leis da natureza.
Nas explorações agrícolas do Sudoeste de Goiás, a maneira como os
agricultores, conhecidos como modernos, percebem os recursos naturais e os
utilizam denota que, na perspectiva racional (do lucro), não vale a pena preservá-
los. Enquanto a racionalidade monetária
23
for dominante, este quadro não sofrerá
alterações, já que a partir da racionalidade ambiental a expectativa de ganhos é
em longo prazo, o que se torna contraditório com o interesse que vigora, que é o
retorno em curto prazo.
5.3 A (in)sustentabilidade ambiental da monocultura em áreas de
Cerrado.
Sobre a sustentabilidade econômica da agricultura desenvolvida no
Cerrado, Cunha (1994) faz uma análise pormenorizada das possibilidades e dos
mecanismos desenvolvidos e utilizados para a exploração agrícola em escala. O
pesquisador aponta quais estratégias devem ser adotadas para que a agricultura
nos Cerrados seja sustentável, do ponto de vista econômico.
23
Sobre “racionalidade monetária” ver Pádua (2001).
No que tange à avaliação da sustentabilidade econômica seguimos o
estudo de Cunha (1994) que diz ser necessário analisar quatro aspectos,
considerando suas dimensões técnicas, para avaliar a sustentabilidade
econômica da agricultura nos Cerrados; são eles, na íntegra:
1. O comportamento dos rendimentos físicos da terra.
Deve-se verificar até que ponto a degradação do meio ambiente, não
compensada pela mudança tecnológica, se faz refletir no comportamento
da produtividade média da terra para diferentes culturas. Este indicador
requer interpretação adequada: é que, em resposta à própria queda de
rendimentos, a área cultivada não é mantida constante. Mas não importa.
Sustentabilidade não é um conceito estático. Pressupõe adequação. Se a
mudança da área cultivada é a forma que se encontra para evitar os
rendimentos decrescentes, presumivelmente enquanto se regenera o solo
cuja capacidade produtiva se reduziu, então, a manutenção dos níveis de
produtividade, seja por que meios, será um indicador da sustentabilidade;
2. As possibilidades de crescimento da produtividade da terra.
Este é um determinante do produto potencial. Quanto maior a diferença
entre o produto potencial obtido mais segurança se terá da
sustentabilidade da produção;
3. As possibilidades oferecidas pela tecnologia para reparar danos.
Os problemas ambientais serão tanto menos graves quanto maior for a
capacidade da tecnologia de reparar os danos a custos que não
comprometam a viabilidade econômica da atividade;
4. A capacidade das instituições de pesquisa de responder aos desafios
da sustentabilidade
(CUNHA, 1994, p.07 – 08).
Estes aspectos segundo Cunha (1994), garantem a relação sustentável
entre o meio ambiente e o tipo de exploração dele, fazendo com que a agricultura
dos Cerrados possa se tornar competitiva com a agricultura de outras regiões e
com a de outros países, por ser uma atividade sustentável.
Tal análise parece ser necessária para avaliar a relação existente entre a
sustentabilidade econômica e a sustentabilidade ambiental, ou seja, se há
coerência entre ambas. Ao que tudo indica as tecnologias utilizadas para
aumentar os índices de produção e de produtividade não respondem aos
requisitos de preservação e de conservação dos recursos naturais.
Para Ruttan, apud Cunha (1994), a incompatibilidade entre economia e
ecologia é algo próprio do processo de produção de alimentos, já que a
agricultura tradicional, que poderia atender às exigências de um meio ambiente
mais saudável, não é capaz de atender às exigências de crescimento da
demanda de produtos agrícolas a preços compatíveis com a capacidade de
aquisição da maioria da população. Considera, desta forma que a agricultura
poluidora continuará existindo ainda por muito tempo. O que, ao nosso ver, se
dará de maneira a alimentar o capital produtivo e financeiro e não, exatamente,
pela pressão humana por alimentos
24
.
Assim, aspectos nocivos à saúde do meio ambiente, incluindo aí a
sociedade humana, resultantes da prática agrícola intensiva em tecnologia e em
capital, são tomados como males necessários e, portanto, que devem ser
tolerados. Estes problemas manifestam-se no que tange aos solos (compactação,
erosão, lixiviação, desertificação, perda da capacidade produtiva), às águas
(assoreamento, contaminação) e à biodiversidade (destruição do habitat natural
das espécies, novas doenças, destruição de germoplasma). Todos estes
prejuízos possuem valor econômico incalculável.
Em áreas de Cerrado problemas como os supracitados podem ser
facilmente identificados. Estimativa da Organização Não-Governamental
International Conservation (CI – Brasil) mostram que o Cerrado brasileiro pode
desaparecer até 2030, caso o ritmo do desmatamento continue em 1,5% por ano,
o que significa 3 milhões de hectares de Cerrado desmatado a cada ano. Esta
estimativa foi elaborada a partir da análise de imagens de satélite do ano de 2002,
que indicavam que, dos 204 milhões de hectares originais de Cerrado, 57%
tinham sido totalmente destruídos; imagens do ano de 1998 indicavam que, neste
ano, esse índice era de 49%; e imagens de 1985, indicavam que, neste ano, o
índice de desmatamento era de 37%. Numa comparação, pode-se afirmar que “o
Cerrado brasileiro perde 2,6 campos de futebol por minuto de sua cobertura
24
Josué de Castro, nos idos dos anos 1950, alertava para a questão de que a carência de alimentos
disponíveis para todos os indivíduos, bem como a presença da fome, não se dava devido à quantidade da
população e à incapacidade de se produzir alimentos na quantidade necessária para suprir a pressão por
gêneros alimentícios. “A humanidade produz o suficiente para que todos possam satisfazer suas necessidades
básicas há pelos menos 40 anos. A verdade é que o mundo produz mais do que necessita para a alimentação,
mas nem sempre o produz onde é preciso” (CASTRO, 1965).
É certo que a população mundial aumentou, e muito, após a publicação de tal estudo, no entanto, a
capacidade de produzir alimentos tomou rumos antes inacreditáveis, considerando-se aí as tecnologias
químicas, mecânicas, biológicas, biogenéticas. Logo, a assertiva de Josué de Castro é tão atual quanto há
meio século.
vegetal. Essa taxa é dez vezes maior que a da Mata Atlântica, que é de um
campo a cada quatro minutos” (MACHADO, 2004).
Pode-se notar a dimensão dos números apresentados, por meio do mapa
05, que ilustra o grau de comprometimento de áreas de Cerrado. A monocultura
de soja e as pastagens plantadas são as principais responsáveis pela
devastação.
Mapa 05: Distribuição das áreas original e atual de Cerrado na região
Centro-Oeste.
5.3.1 Proposições e controvérsias sobre a preservação dos Cerrados.
O tema “projetos ambientais que visem recuperar áreas agredidas e
preservar e manter as não-agredidas nos Cerrados” é ponto de pauta há bastante
tempo e continua sendo alvo de análises, proposições e controvérsias.
Segundo Rezende (2003), o custo de preservação no cerrado, em geral, é
alto, exceto nas áreas de baixa aptidão agrícola. Estas, segundo o autor, somam
um total de 77 milhões de hectares, o que supera o mínimo de 20% requerido
para preservação pelo Código Florestal. Por isso, sugere a adoção de um
zoneamento, na política ambiental, no caso específico do Cerrado, que leve em
conta a biodiversidade, já que pode haver regiões com grande potencial agrícola,
mas também muito importantes do ponto de vista da biodiversidade. Dessa forma
,restringir-se-ía a “essas regiões de baixa produtividade agrícola a proibição de
desmatamento e de abertura de novas áreas à atividade agrícola, criando-se
grandes parques nacionais onde se preservaria o meio ambiente e a
biodiversidade” (Rezende, 2003, p.202).
O autor insiste que não se pode continuar com a política atual de proibição
de não desmatar20% da área de todo e qualquer estabelecimento agrícola,
independentemente de seu tamanho ou localização, tampouco se pode aumentar
essa proibição (para 35% da área dos estabelecimentos), como consta em projeto
de lei em discussão no Congresso Nacional.
Sobre esta mesma questão Cunha (1994, p.197) faz os seguintes
questionamentos:
Se a sociedade deseja que 20% da área dos Cerrados seja preservada,
por que não fazê-lo precisamente nas áreas com aptidão para
preservação permanente? Não faz qualquer sentido obrigar o proprietário
a preservar sua terra de cultura, só para preencher a quota dos 20%,
enquanto outro, cuja propriedade localiza-se em área de aptidão para a
preservação, tem licença para cultivar terras cujo melhor uso seria
justamente a preservação. Será a criação de pequenas “ilhas” de
vegetação nativa a melhor maneira de garantir a sobrevivência de
espécies animais e vegetais? 20% de um estabelecimento grande pode
ser um espaço suficiente à sobrevivência de espécies; mas 20% de uma
propriedade pequena não passará de um ponto de disseminação de
pragas. Nada garante que essas áreas tenham qualquer valor ecológico;
entretanto, preservá-las ociosas representará um ônus ao proprietário.
Questões presentes na “Carta de Montes Claros”, como a proposta de
moratória, que sugere um período de, no mínimo cinco anos, para a não-abertura
de novas áreas de Cerrado para a agricultura e pecuária, são vistas com
ressalvas por parte dos segmentos empresariais, governamentais e, muitos,
teóricos.
De acordo com Theodoro, Leonardos e Duarte (2002, p. 154),
O efeito imediato desta moratória seria o estancamento, pelo menos
temporário, do avanço da fronteira agrícola e, portanto, a possibilidade de
se redimensionar e reavaliar a importância de determinados produtos no
mercado mundial. Vale dizer que seria uma parada estratégica, com a
finalidade de repensar um novo rumo para a produção e a relação do
homem com a Terra.
No entanto, cabe mencionar que esta diretriz ainda não conta com o apoio
da grande maioria dos segmentos empresariais e mesmo governamentais
envolvidos com a questão rural. No entendimento destes setores, tal
medida comprometeria os atuais níveis de produção, além de inviabilizar
temporariamente a busca por terras mais baratas e férteis. Outro
argumento dos representantes deste segmento refere-se aos altos custos
de recuperação das áreas já degradadas devido ao uso intenso. Este
embate é recente, mas poderá provocar mudanças significativas na forma
de uso e, conseqüentemente, de recuperação de grandes áreas da região
do Cerrado.
Sobre a proposta de “moratória”, Rezende (2003) afirma que ela não
diferencia as regiões em função de seu potencial agrícola e da própria
biodiversidade e que a restrição de construção de solo
25
pela abertura de novas
áreas em vez da incorporação de terras já utilizadas para pastagens, mesmo que
degradadas, fará o preço da terra do cerrado subir, pois:
a produção de terra agrícola superior a partir de terra de pastagem,
mesmo degradada, resulta em uma terra mais cara do que a alternativa
da conversão de terra virgem, pois, a terra de pastagem tem um preço
próprio, enquanto a terra virgem, não-passível de uso agrícola, não tem
esse preço próprio, sendo, portanto residual. Aliás, não é à toa que se
observa, hoje, uma contínua expansão da agricultura em direção às terras
virgens, em vez de intensificar o uso das áreas já ocupadas, mediante a
25
Sobre “construção de solos” no Cerrado ver Cunha (1994).
conversão de áreas de pastagens (degradadas ou não) em áreas de
lavouras
(REZENDE, 2003, p.203).
Tal questão, abordada desta forma, sugere a transferência, para a política
ambiental de preservação do Cerrado, da responsabilidade de um possível
aumento do preço da terra na região, em função da restrição da ocupação de
novas áreas, o que, segundo o autor, pode comprometer o potencial competitivo
do Brasil no mercado mundial de alimentos e aumentar os preços dos produtos no
mercado doméstico, o que prejudicaria, sobretudo, as populações de baixa renda,
os pequenos agricultores e os trabalhadores rurais sem terra, já que um aumento
no preço das terras dificulta o acesso a elas por parte dos pequenos agricultores,
ao mesmo tempo em que os programas de reforma agrária também podem ter
menor sucesso (REZENDE, 2003).
Porém, mesmo que o preço das terras venha a aumentar, não é este o fato
primordial que dificulta o acesso à terra por parte dos pequenos agricultores, nem
a não execução dos programas de reforma agrária. A exclusão destes segmentos
se dá em virtude da condução do processo de tecnificação das atividades
agrícolas e da integração agroindustrial, que exclui os agricultores despossuídos
do perfil moderno.
Dessa forma, sugere-se uma atribuição de responsabilidades às políticas
ambientais, no que tange a problemas de perda da biodiversidade, de exclusão
social e de encarecimento das terras, defendendo, a partir disso, a não-ampliação
das áreas de reserva legal por propriedade.
Ao nosso ver, este raciocínio teórico pode se configurar num apoio à
abertura de novas áreas de Cerrado à agricultura monocultora tecnificada.
5.4 Propósitos de reafirmação da agricultura patronal,
monocultora, nos Cerrados.
Rezende (2003) afirma que, seja em função do relevo mais plano e das
boas características físicas do solo, seja porque o preparo da terra no Cerrado é
também feito de maneira mais barata e mais adequada com a máquina, seja
ainda pelo baixo preço da terra, o fato é que, devido a tudo isso, a produção em
grande escala se torna mais competitiva no Cerrado – ou seja, tem o custo
unitário menor vis - a - vis à produção em pequena escala.
O predomínio da produção em grande escala no Cerrado está associado
às maiores vantagens econômicas da mecanização e à própria estrutura
agrária preexistente, fundada na grande propriedade. Apontou-se que
essa maior “aptidão à mecanização”, num país onde se procura fugir da
mão-de-obra assalariada na agricultura, tornou a região mais competitiva,
reforçando-se ainda mais o importante papel exercido pelo baixo preço da
terra. Essa maior competitividade regional já se expressa na migração de
agricultores americanos para produzirem no Cerrado
(REZENDE,
2003, p.181).
Análises como esta, que apontam a inviabilidade da produção realizada em
pequenas explorações em áreas de Cerrado, corroboram o pensamento unânime
que considera a agricultura regional somente sob o prisma da agricultura
“caificada”, isto é, industrialmente integrada, só enxergando as possibilidades e o
destino da agricultura regional a partir da consolidação e da proliferação das
cadeias alimentares, integrada aos mercados internacionais, não vendo espaço
para as pequenas explorações agrícolas, familiares ou outras.
Considerada dessa forma, há um elevado grau de desvantagem que a
pequena produção vai tendo, em relação à grande propriedade, na medida em
que se direciona para o mercado. A desvantagem não se limita à superfície
cultivada e ao tamanho da área; se estende, principalmente, à falta de incentivos/
financiamentos, o que se traduz na geração de produtos mais caros, pouco
competitivos no mercado. Um exemplo destas dificuldades é a inexistência de um
mercado de aluguel de máquinas. No Sudoeste de Goiás a ausência de tal
mercado inviabiliza a produção por parte dos pequenos produtores. O aluguel de
máquinas seria uma forma de ampliar as oportunidades produtivas para além dos
empresários dotados de capital para custear a aquisição das tecnologias
mecânicas necessárias ao processo produtivo. Em entrevista realizada em maio
de 2005, o Sr. S.D
26
. reitera as dificuldades que o pequeno produtor encontra em
virtude da insuficiência de máquinas disponíveis, a serem alugadas:
a maior dificuldade é quando chega o tempo da colheita. Aí, só tem uma
máquina na cidade p’ra gente alugar e ainda é velha, quebra toda hora. A
gente tem que ficar na fila de espera e pode demorar chegar a nossa vez.
Os prejuízos ficam grandes
(S.D, 2005).
Não são, então, as áreas de Cerrado incompatíveis com as pequenas
explorações agrícolas; a orientação produtiva e mercadológica, que domina a
agricultura regional, é que dificulta as pequenas explorações, priorizando um perfil
produtivo intensivo em capital e em tecnologias, realizado em grandes extensões,
de maneira a tornar os produtos competitivos no mercado internacional de
alimentos.
Logo, conclui-se que diante da exigência de recursos financeiros, e mais
particularmente de recursos humanos, quase não há espaço para pequenos
agricultores no Sudoeste de Goiás. Isto se dá, pois, de acordo com Cunha (1993),
sem um substancial aporte de capital não se tem como tornar os solos de áreas
de Cerrados produtivos, e, estes, uma vez recuperados, exigem, para a mesma
produtividade, quantidade de fertilizantes equivalente à das áreas mais férteis do
país.
Partir do pressuposto da inviabilidade da pequena agricultura em áreas de
Cerrado serve também para defender o insucesso da reforma agrária na região.
Pois, segundo Rezende (2003), o público da reforma agrária é composto, na sua
maioria, por pequenos produtores e trabalhadores assalariados, e estes são
incompatíveis com os requisitos técnicos e de capital necessários para a
agricultura nos Cerrados se desenvolver em bases competitivas.
26
O Sr. S. D. é agricultor no município de Jataí, proprietário de uma área de 40 ha.
O mesmo autor enfatiza que as terras de Cerrado não são passíveis de
utilização na política de assentamentos de reforma agrária do governo, pelo
menos da forma como essa vem sendo exercida, já que as características
peculiares da dotação de recursos naturais, da tecnologia e o próprio baixo preço
da terra, “e não as supostas políticas agrícolas inadequadas (o crédito rural, por
exemplo), como alguns autores argumentaram”, pressupõem a expansão agrícola
do Cerrado em padrões claramente concentradores, como indicado pela fraca
absorção de mão-de-obra e pela estrutura agrária apoiada na produção em
grande escala.
A verdade, entretanto, é que assentamentos de tipo tradicional, em que o
governo se limita a dividir a área e “‘assentar” os beneficiários – que
passam então a explorar a terra dentro de condições muito limitadas no
que se refere aos recursos financeiros e à capacitação tecnológica - são
totalmente inviáveis em áreas de Cerrado, que requerem não só uma
“construção de solo” inicial, mas, posteriormente, uma manutenção desse
solo, sob pena de ocorrer uma reversão à situação inicial de baixa aptidão
agrícola
(REZENDE, 2003, p.205).
Segundo Rezende (2003), a possibilidade de se instaurar uma reforma
agrária no Cerrado poderia se dar a partir de duas questões: 1) a formação de um
mercado de aluguel de máquinas, de forma que os pequenos produtores tivessem
acesso às tecnologias mecânicas sem que precisassem imobilizar capital nelas; e
2) um sistema de viabilidade da comercialização da produção.
Porém, a par da realidade agrícola vigente nos Cerrados, Rezende (2003)
não vê a possibilidade do desenvolvimento da agricultura familiar; ao contrário,
considerando muito difícil o desenvolvimento desta, sugere o fomento do trabalho
assalariado.
Para o pesquisador, uma reforma agrária com as características usuais é
tão necessária nas condições do Cerrado quanto difícil de ser implementada.
Além de ser muito cara e muito exigente em termos de um programa de
treinamento dos assentados, ela requer uma capacitação técnica e administrativa
do órgão executor (o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -
INCRA) que simplesmente não existe. “Em face dessas dificuldades, é mais
adequado fomentar o emprego assalariado agrícola, atuando nas restrições que
hoje pesam sobre o mercado de trabalho agrícola” (REZENDE, 2003, p.205 –
206).
Tais argumentos explicitam que não são, então, as condições naturais do
Cerrado que inibem a pequena produção, a agricultura familiar e os
assentamentos de trabalhadores rurais sem terra. Na realidade os motivos são o
que o próprio autor está sinalizando: “a inexistência de políticas de reforma
agrária que tragam no seu bojo um treinamento adequado, com capacitação
técnica e administrativa”. O assentamento de trabalhadores e o fomento e o
desenvolvimento de pequenas explorações agrícolas, familiares ou não, em áreas
de Cerrado é, então, um problema de ordem burocrática, política e técnica e, não,
de ordem natural.
Sobre tal questão Helfand (2003) chama a atenção para a necessidade de
se reduzir as escalas de análise, já que o setor agrícola é por demais
heterogêneo, e faz um convite de forma a rever o decreto que aponta a
impossibilidade da pequena produção e do trabalho familiar em áreas de Cerrado.
Quanto às possibilidades de sucesso da pequena produção e de assentamentos
de reforma agrária considera o seguinte:
Se fosse possível criar um ambiente tal que os estabelecimentos
pequenos e médios (20 - 200 ha, por exemplo) tivessem o mesmo acesso
às instituições que aumentam a produtividade, e acesso facilitado a
modernas tecnologias e insumos, então esses estabelecimentos poderiam
produzir de forma mais eficiente que os estabelecimentos no intervalo
2.000 – 20.000 ha. Portanto, mesmo no Centro-Oeste do Brasil, uma
região caracterizada por imensas propriedades e níveis relativamente
altos de tecnologia, a reforma agrária continua oferecendo uma
possibilidade de aumentar ao mesmo tempo a equidade e a eficiência.
Seu sucesso, porém, é fortemente condicionado pelas instituições
complementares, investimentos e serviços que permitem que os
estabelecimentos pequenos e médios possam competir com as mesmas
condições
(HELFAND, 2003, p.352).
Aqui, as formas de investimento aparecem como responsáveis pelo não-
favorecimento do aumento da produtividade nas pequenas propriedades, na
realidade, impedindo o aumento da produtividade destas. Os investimentos são
destinados às grandes propriedades. Por isso as dificuldades encontradas para o
crescimento e para o fortalecimento da pequena produção em áreas de Cerrado
aparecem mais como resultante da falta de investimentos do que da questão
natural.
Isto só ocorre por que o capital não percebe na produção de alimentos
básicos uma atividade rentável, tendo em vista o mecanismo de fixação de preços
,que potencializa os ganhos dos produtos de exportação e de commodities.
Assim, os incentivos e investimentos são direcionados para as grandes
explorações, do tipo exportação, ao passo que a produção de alimentos para o
consumo interno fica a cargo dos pequenos produtores desprovidos de terra,
capital, assistência e tecnologias de produção.
A estes produtores restam proletarizar-se ou migrar em direção às áreas de
fronteira agrícola.
A não inclusão dos pequenos produtores, bem como a proletarização dos
mesmos, é algo materialmente explícito nas cidades da soja do Sudoeste de
Goiás. Conforme tratado no capítulo 4, os problemas decorrentes deste processo
são manifestos, sobretudo, no espaço urbano e afetam o conjunto da sociedade.
Uma outra possibilidade que usualmente é aventada pelos produtores que
não são reconhecidos pelo modelo produtivo é a criação de cooperativas ou de
associações. Porém, no caso da agricultura do Sudoeste de Goiás, o surgimento
das cooperativas se deram dentro da lógica da revolução verde, de acordo com
os estímulos dados pelo Estado, que incentivou a criação de cooperativas com a
missão de auxiliar na transição da agricultura regional para a agricultura
industrialmente integrada. Por isso, as cooperativas criadas neste período se
configuraram em grandes empresas, daí não têm características e funções
cooperativistas reais diante de seus cooperados.
Este é o caso da COMIGO (Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do
Sudoeste Goiano), a maior cooperativa da região Centro-Oeste, com faturamento
de aproximadamente R$ 1 bilhão no ano de 2004. Esta já nasceu, em 1975,
distante das características de uma cooperativa, no seu sentido lato,
assemelhando-se muito mais a uma empresa, na realidade uma grande
agroindústria. A COMIGO, atualmente, se traduz numa cooperativa de
beneficiamento, industrialização e comercialização de produtos agrícolas.
Em Rio Verde encontram-se a sede administrativa, o complexo industrial,
o centro tecnológico de transferência de tecnologias agropecuárias, lojas,
fazendas florestais para fins energéticos e armazéns. Em mais oito
municípios vizinhos, a COMIGO marca presença diretamente por meio de
lojas agropecuárias e de armazéns
(COMIGO, 2004).
Essa teia produtiva apresenta a COMIGO essencialmente enquanto
empresa. Abaixo, a figura 30 apresenta parte das instalações da COMIGO, em
Jataí-GO, onde possui armazéns e beneficia e industrializa derivados de soja.
Figura 30: Vista panorâmica da Unidade Agroindustrial da COMIGO (Jataí-
GO).
Fonte: Ribeiro, 2005
5.4.1 Agricultura familiar: possibilidades e dificuldades apontadas.
Investigando, não a partir do já mencionado pensamento unânime,
consideramos que a agricultura familiar não é sinônimo de pobreza e
subdesenvolvimento. Ao contrário, a existência de extensas propriedades e de
trabalhadores assalariados nas atividades agrícolas é que indica pobreza, já que
denotam uma estrutura produtiva agrícola altamente concentrada e
discriminatória, conforme sinaliza Veiga (2000):
na Europa é fácil encontrar assalariados agrícolas em Portugal, Espanha
ou Grécia. Mas é preciso muita paciência para localizá-los na França,
Alemanha ou Grã-Bretanha. Na América do Norte, ainda são numerosos
nas áreas próximas ao México, tornando-se cada vez mais raros à medida
que se sobe para o Canadá. No Japão e em suas ex-colônias será
necessária uma lupa para descobrir assalariados agrícolas. Ou seja, a
citada crença de que o caminho do campo é o da grande empresa e do
trabalho assalariado só faz sentido se esse for o caminho do sub
desenvolvimento”
(VEIGA, 2000, p.100).
O mesmo autor aponta que bem-sucedido é o padrão característico de
sociedades que valorizam a agricultura e o espaço rural em vez de muitas favelas
e um punhado de “reis”, sejam eles do gado, da soja, da cana ou da laranja. No
padrão bem-sucedido há uma clara opção preferencial pela agricultura familiar. A
opção inversa é o cerne do padrão de “expulsão prematura do trabalho, que
parece tão inevitável aos entusiastas do patronato agrícola brasileiro” (VEIGA,
2000, p.90).
Isso é tão verdade que, de acordo com pesquisa do IBGE, sobre índices de
desenvolvimento humano no Brasil, os municípios rurais que têm o predomínio do
trabalho familiar na agricultura são os que registram os maiores índices de
desenvolvimento humano. Estes estão localizados na região Sul do Brasil.
O trabalho familiar tende a ser um setor mais homogêneo, disso decorre
uma produtividade média maior, ao mesmo tempo em que se reduz a
concentração de renda. Por sua vez, se a renda é distribuída de maneira mais
ampla os índices de consumo também têm suas taxas elevadas, envolvendo um
número maior de pessoas, o que aquece e movimenta o comércio local. Então,
ainda que a produtividade do trabalho familiar obtivesse índices menores do que
os da agricultura patronal, se considerado o conjunto, a primeira ainda seria mais
interessante para a sociedade, já que a segunda é concentradora de renda e de
riqueza.
É, pois, necessário acabar com o mito de que o trabalho familiar significa o
“pobre do campo alimentando o pobre da cidade”; tese tão defendida por
estudiosos de diversas áreas. A agricultura baseada no trabalho familiar pode ir
além do abastecimento das feiras e das mercearias da cidade mais próxima.
Pode ir além do achatamento dos salários urbanos, por fornecer alimentos a baixo
custo. Além destes fatores, existe potencial em gerar e distribuir renda e elevar a
qualidade de vida dos envolvidos no processo produtivo.
Ocorre, porém, que os agricultores familiares encontram diversas
dificuldades, que os debilitam enquanto tal. As políticas governamentais são um
dos principais problemas, principalmente quando se trata da adoção ou não de
inovações por parte destes agricultores. De acordo com Veiga, é sabido que
em qualquer processo de modernização agrícola são os menos aptos a
adotar novas tecnologias os condenados a desistir [...] O que não é
intrínseco a qualquer processo de modernização é que sejam os
agricultores familiares os menos aptos a adotar inovações e os grandes
fazendeiros os mais aptos a adotá-las. Também não é obrigatório que
somente os grandes fazendeiros estejam capacitados a comprar os ativos
postos à venda pelos que saem. Isso tudo é que depende das políticas
governamentais
(VEIGA, 2000, p.89).
Na verdade, as políticas governamentais, na sua maioria, não contemplam
a atividade agrícola desenvolvida pelos pequenos proprietários, familiares ou não,
ou pelos não-proprietários camponeses, posseiros, arrendatários e/ou parceiros.
Contrariando esta assertiva, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues
(2004), afirma que o agronegócio não é o inimigo dos pequenos agricultores e
trabalhadores rurais sem terra, já que considera que este ramo produtivo é a
soma das cadeias produtivas do setor, nas quais estão incluídos "todos os
produtores rurais". O ministro afirma que não há qualquer razão para separar do
agronegócio a agricultura familiar ou o pequeno produtor.
No entanto, a afirmação enfática do Sr. Ministro não nos parece ter
fundamento material, vez que é notável a deficiência de políticas agrícolas e
agrárias, que não as direcionadas para a agricultura patronal, preferencialmente
a monocultora, tipo exportação. Ao contrário do que se afirma, os pequenos
proprietários, os produtores familiares e os trabalhadores rurais sem-terra são
pouco, ou nada, contemplados pelas políticas públicas direcionadas à agricultura
no Brasil.
O que urge em ser compreendido é que, em havendo políticas públicas
adequadas, a agricultura familiar é altamente viável e que o desenvolvimento de
uma “vitalidade social” em regiões agrícolas, tais quais o Sudoeste de Goiás, está
intrinsecamente vinculada à agricultura familiar já que esta promove, além do
desenvolvimento agrícola, o desenvolvimento do capital humano e social,
distribuindo renda e elevando a qualidade de vida.
5.4.2 Pequena produção: possibilidades e dificuldades apontadas.
Ariovaldo Queda, prefaciando Graziano da Silva (1978), faz a seguinte
observação: “de acordo com a versão oficial a ‘pequena produção’ é ineficiente e
improdutiva. Daí a conclusão imediata: é preciso eliminá-la (por decreto?)”. Tal
observação abre a questão sobre a tentativa de eliminação sumária, quase que
por decreto, da pequena produção.
Este pensamento deriva de um simplismo no que tange ao tema latifúndio
versus minifúndio. É preciso ter claro que grande propriedade não significa,
necessariamente, eficiência de cultivo em grandes campos; e que pequena
propriedade não significa pequena produção ineficiente.
A concepção de que é apenas a partir de uma grande área, fundamentada
no trabalho assalariado, que se constitui uma empresa agrícola traduz um
pensamento limitado sobre a prática agrícola. Áreas pequenas podem apresentar
produção bastante elevada, em função das técnicas desenvolvidas e aplicadas à
exploração agrícola e da utilização sistematizada do trabalho, neste caso a área
em si, se menor ou maior, não tem peso primordial.
A diferença crucial entre a prática agrícola no Brasil e nos países citados
por Veiga (2000) está nesta questão, já que aqui a extensão da terra ainda tem a
importância predominante, dando à agricultura brasileira um caráter extensivo. “A
distribuição da propriedade da terra torna-se, então, elemento essencial que irá
condicionar as principais características dessa agricultura. A estrutura agrária
torna-se, por assim dizer, o ‘pano-de-fundo’ sobre o qual se desenrola o processo
produtivo” (REZENDE, 2003, p.36). Essa forma de perceber a propriedade da
terra faz com que a estrutura fundiária do Brasil apresente os elevados níveis de
concentração verificados, conforme ilustrado no mapa 03.
No Brasil, é muito difícil dissociar grande produção (em termos de renda
bruta) de grandes áreas. As propriedades de rendas mais elevadas são, também,
as de extensões maiores. No caso da agricultura desenvolvida no Sudoeste de
Goiás, pautada na monocultura, isso é evidente. Ali as lavouras possuem, em
média, área de 1000 hectares. Na região, é comum justificar a dimensão das
lavouras a partir do custo de produção, sobretudo o mecânico, onde para se
pagar uma máquina no valor de US$ 300 mil dólares, esta deve trabalhar, no
mínimo, 700 hectares de lavoura. Porém, sabe-se ser perfeitamente possível
produzir em menores extensões utilizando-se, para tal, tecnologias mecânicas
mais baratas e acessíveis.
O que ocorre é que o predomínio do pensamento que concebe o rural
como sinônimo da prática agropastoril não permite perceber os outros diversos
usos e formas que pode ser produzido no campo. Se deixarmos de lado tal
concepção e considerarmos a diversidade das atividades rurais, concluiremos que
a pequena produção tende a ser mais eficiente do que a grande produção.
Para tal é necessário considerar a amplitude da rentabilidade da atividade
agrícola e o quanto os resíduos agrícolas podem e devem ser utilizados. Neste
sentido Sachs (1990, p.122) mostra que:
a agricultura brasileira subutiliza os resíduos agrícolas, com exceção do
bagaço da cana-de-açúcar e dos resíduos de produção de suco de laranja
[...] O potencial energético dos resíduos agrícolas é superior às
necessidades em energia rural da maioria dos países do terceiro mundo.
A utilização dos resíduos precisa ser otimizada, levando em consideração
quatro possibilidades: energia, adubos, alimento para o gado e matéria-
prima industrial.
Uma análise deste porte leva o debate para além do tema latifúndio versus
minifúndio, voltando-o para a perspectiva de exploração e de rentabilidade que
oferecem as pequenas extensões.
A concepção de que a pequena produção é ineficiente tem lugar garantido
entre os diversos segmentos ligados ao setor agrícola, sejam eles o de comércio,
o setor produtivo, o financeiro, o de políticas públicas ou de pesquisas.
Porém, a pequena produção existe em grande escala nos campos
brasileiros e tem papel a cumprir na sociedade e na economia do país. O que
deve ser considerado não é o tamanho da propriedade em si, e, sim, o valor da
produção desenvolvida na área. Sua renda bruta é maior ou menor de acordo
com o seu grau de inserção no mercado, independente da escala deste.
Na perspectiva de Graziano da Silva (1978), a tecnologia não está posta
para o pequeno produtor, e sua busca pela sobrevivência e reprodução acaba por
gerar mais e novas possibilidades de rentabilidade para o capital. O autor afirma
isso a partir do seguinte:
à medida que aumenta o número dos pequenos agricultores, colocados
ao lado dos grandes, multiplica-se o número de braços postos à
disposição destes últimos. Aumentam, então, por conseqüência, a
vitalidade da grande empresa e sua superioridade em relação à pequena
(GRAZIANO da SILVA, 1978, p.04).
O autor supracitado enfatiza que o pequeno produtor é penalizado em
diversos aspectos. No que tange às terras, as suas são de pior qualidade, com
pequenas possibilidades de formação de lucro médio, enquanto as melhores já
foram apropriadas pelos grandes produtores capitalistas. Em relação à venda dos
produtos, estes acabam por serem vendidos em períodos de preços baixos, por
falta de infra-estrutura de estocagem.
Tudo isso reforça, segundo Graziano da Silva (1978), o processo de
expropriação, cujo resultado é o endividamento que, no caso do produtor-
proprietário, pode levar à hipoteca e à perda da propriedade.
Em relação ao uso da terra, o mesmo autor mostra que há um paradoxo na
agricultura brasileira, porque, de um lado estão as grandes propriedades,
explorando a terra de maneira extensiva, obtendo uma alta produtividade do
trabalho, e do outro estão as pequenas propriedades, explorando a terra de
maneira intensiva, porém, obtendo uma baixa produtividade do trabalho.
Sobre este tema Rezende (2003) aponta que a pequena produção em
áreas de Cerrado é inviável diante do rigor climático da região, o que dificulta a
geração de renda no período seco. Assim, os custos fixos, representados pelas
despesas de consumo da família, não podem ser mantidos.
O mesmo autor afirma que a inviabilidade histórica da pequena produção
na região dos Cerrados (devido à baixa fertilidade das terras) e a existência da
grande propriedade territorial - única compatível com a pecuária extensiva
associada à agricultura itinerante, de baixa produtividade - facilitaram a rápida
adoção, pela agricultura regional, do novo padrão tecnológico caracterizado pela
produção em grande escala.
Porém, esta assertiva nos parece duvidável, já que historicamente a
grande propriedade foi viabilizada e mantida de forma a beneficiar o patronato
rural do Centro-Oeste brasileiro, e não por ser “a única passível de
desenvolvimento em áreas de Cerrado”, uma vez que, mesmo diante das
dificuldades encontradas, o pequeno produtor, proprietário e/ou camponês,
desenvolveu estratégias de produção em áreas de Cerrado e, assim, viviam com
abonança, até a chegada das técnicas de produção oriundas do pacote
tecnológico da revolução verde.
A perspectiva analítica de Rezende (2003) só procede se se considerar a
exploração agrícola nos Cerrados exclusivamente nos moldes atuais,
monocultora, intensiva em tecnologias e em capital, buscando a produção em
grande escala para comercialização no exterior. Dentro desta lógica produtiva,
realmente, os espaços são reservados para o agricultor dotado de grandes somas
de capital e de recursos tecnológicos.
No entanto, se consideradas as possibilidades de exploração agrícola
calcada em outras bases, que não a monocultura tipo exportação embasada em
tecnologias avançadas, a pequena produção é perfeitamente viável, já que pode
utilizar-se de outras técnicas de exploração menos intensivas em capital.
Técnicas estas que o agricultor natural do Cerrado desenvolveu e transmitiu aos
seus descendentes, de forma altamente eficiente ao longo de décadas. O
agricultor teve que compreender o Cerrado, aprender a lidar com ele, a retirar
dele as possibilidades de produzir o seu alimento. E o compreendeu e aprendeu!
Por isso, as dificuldades de exploração agrícola verificada em áreas de Cerrado
não podem, e não devem, ser utilizadas como pano de fundo para justificar a
exclusão da pequena produção do atual processo de exploração agrícola, vez que
o agricultor regional sabe lidar com tais dificuldades e superá-las nos momentos
necessários.
Técnicas de cultivo simbióticas foram criadas e recriadas pelos agricultores
ao longo dos tempos, de forma a retirar do cerrado o alimento e a (re)produção
das suas condições materiais de existência, ao mesmo tempo em que
respeitavam as necessidades de o Cerrado se reestabelecer e se (re)vigorar.
Logo, afirmar que as pequenas explorações são inviáveis em áreas de Cerrado é
tentar passar um atestado de que o agricultor regional não domina técnicas de
exploração agrícola e é incompetente diante da realidade natural que se tem. Isso
não procede, e pode ser verificado na existência e manutenção do povo
cerradeiro, vivendo nos campos, com autonomia e fartura de gêneros
alimentícios, até que se viu expurgado pelos novos moldes exploratórios do pós
1970.
5.5 O uso da terra no Sudoeste de Goiás e a vulnerabilidade
ambiental.
A análise do uso da terra, bem como da vulnerabilidade ambiental dos
solos utilizados, nos parece ser um importante mecanismo de averigüação do real
uso agrícola que se tem impingido ao Sudoeste de Goiás.
Ao investigar o mapa 06 pode-se verificar que a maior parte das terras do
Sudoeste de Goiás são utilizadas a fim de instalar lavouras temporárias (cultivos
anuais). Nota-se que, ao lado dos cultivos anuais, a pastagem ainda hoje ocupa
grandes extensões de terra, porém em áreas mais descontínuas, o que indica que
a pecuária divide espaço com a monocultura no Sudoeste de Goiás, gozando de
importância no cenário econômico regional, porém numa escala menor do que a
da soja, já que esta funciona como commoditie no mercado internacional de
alimentos.
No que tange à vegetação nativa, a área ocupada por florestas estacionais,
cerrado denso, cerradão, campo limpo úmido, cerrado ralo e veredas compõe
parte muito pequena em relação ao total da área da microrregião, estando a
vegetação mais, ou menos, presente em alguns municípios, dependendo do uso
agrícola específico dos solos de cada um. Os municípios de Rio Verde, Montividiu
e Chapadão do Céu possuem quase a totalidade de suas áreas destinadas a
lavouras temporárias. Neste último não há registro de vegetação reservada,
exceto umas poucas manchas margeando os cursos d’água que funcionam como
limite com os municípios de Serranópolis e Aporé.
Numa análise dos cursos d’água que cruzam a microrregião em destaque,
pode-se observar que em áreas circundantes de diversos leitos não há
vegetação, o que, de acordo com a legislação ambiental vigente, é
expressamente proibido. As margens do rio Claro, na altura dos municípios de
Jataí e Aparecida do Rio Doce, e as do rio Corrente, na altura dos municípios de
Chapadão do Céu e Aporé, são elucidativas deste evento. De acordo com o mapa
07 (de vulnerabilidade ambiental), tais áreas, cuja vegetação nativa foi retirada,
estão classificadas como sendo de grau vulnerável, ou seja, são áreas que
obrigatoriamente e legalmente, deveriam estar preservadas devido à sua
vulnerabilidade, mas estão antropizadas, expostas ao comprometimento, com
possibilidades reais de rápido desgaste e degradação.
Observa-se que a existência de culturas que demandam irrigação por meio
de pivô central está concentrada, sobretudo, no município de Rio Verde, onde
podem ser encontrados aproximadamente 20 aparelhos.
Quanto ao uso dos solos para fins de lavoura temporária, pode-se
averiguar ainda, com auxílio do mapa 08 (de desmatamento), a intensificação de
tal uso e a ampliação da área a ser cultivada nos municípios de Jataí, Mineiros e,
sobretudo, no município de Caiapônia, onde foram identificados 14 pontos de
desmatamento no último ano.
Mapa 06: Uso do solo e unidades fisionômicas no Sudoeste de Goiás.
Julgamos importante esclarecer que toda a área intensivamente
antropizada e explorada para fins agropecuários no Sudoeste de Goiás possui
considerável grau de vulnerabilidade, sendo classificada como moderadamente
vulnerável, medianamente estável/vulnerável e vulnerável, conforme pode ser
conferido no mapa 07. Nas regiões nas quais têm sido promovidos
desmatamentos em níveis mais expressivos, tais como nos municípios de
Caiapônia, Jataí e Mineiros, o grau de vulnerabilidade é mais acentuado, são
áreas consideradas vulneráveis.
Disso decorre a preocupação com a qualidade ambiental, gerada a partir
da anexação de novas áreas à exploração monocultora na região, em prol do
crescimento horizontal do processo produtivo em curso.
Mapa 07: Vulnerabilidade ambiental dos solos do Sudoeste de Goiás.
5.5.1 Desmatamento e perda de biomassa.
No Sudoeste de Goiás o desmatamento tem se acentuado. O mapa 08
indica o número e a localização dos desmatamentos na região. De acordo com a
Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Goiás (SEMARH,
2005), a detecção e o mapeamento efetuados para a confecção do mapa de
desmatamento basearam-se fundamentalmente na comparação consecutiva de
imagens obtidas pelo sensor MOD13Q1 (imagens NDVI – índices de vegetação,
com resolução espacial de 250 m). Esta comparação entre as imagens, realizada
pixel a pixel, se deu em função de um determinado limiar de mudança (10%) na
imagem NDVI, verificado pela redução de biomassa verde. O sistema utilizado
para detecção (Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos/SIAD–GO) foi
ajustado para detectar desmatamentos acima de 25 ha.
Ainda segundo a SEMARH (2005), uma das principais bases de dados
para o SIAD - Goiás é composta por imagens de satélite obtidas, diariamente,
pelo sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer). Este
sistema de “imageamento” é o carro-chefe de um programa institucional da NASA
(Agência Espacial Americana) que, a bordo das plataformas orbitais TERRA e
AQUA, está voltado, desde 1999, para o monitoramento global da Terra, incluindo
os ambientes terrestres, aquáticos e atmosféricos. O sensor MODIS opera com
36 bandas espectrais, as quais propiciam recobrimento global e contínuo a cada
dois dias, com resoluções espaciais de 250, 500 e 1000 metros (resoluções
identificadas pelos códigos Q1, A1 e A2, respectivamente). Entre os vários
produtos MODIS, destaca-se o MOD13Q1 (250 metros), contendo, entre outras
informações, os índices de vegetação Normalized Difference Vegetation Index
(NDVI) (SEMARH, 2005).
Pode-se notar, por meio do mapa, a ocorrência de 48 pontos de
desmatamento no Sudoeste de Goiás no intervalo de 2004 a 2005; os municípios
de Caiapônia, Jataí e Mineiros são os que apresentam as maiores incidências. De
acordo com dados da SEMARH (2005), o menor desmatamento possui área de
aproximadamente 27 ha e o maior, área de aproximadamente 306 há. No total o
desmatamento neste período destruiu uma área de aproximadamente 2.700 ha na
microrregião.
Mapa 08: Focos de desmatamento na MRH Sudoeste de Goiás (2004 – 2005).
O desmatamento acentuado e acelerado no Sudoeste de Goiás pode ser
corroborado pelas inúmeras carvoarias na região, cada uma delas com dezenas
de fornos, onde se faz carvão a partir das árvores derrubadas. Os caminhões
carregados com sacas de carvão vegetal podem ser vistos diariamente nas
rodovias. Estes caminhões, na sua maioria, possuem placas de registro de Bom
Despacho (MG) e de Pitangui (MG), como de outras localidades próximas à
região metropolitana de Belo Horizonte. O carvão produzido é levado às
siderúrgicas mineiras, para abastecimento das caldeiras.
Pode-se contabilizar, pela figura 31, aproximadamente, 50 fornos que, de
acordo com os vestígios da fumaça, estão em pleno funcionamento
27
. A área que
aparece em primeiro plano já é tradicional de lavoura e a que aparece ao fundo
está sendo desmatada para ampliar, a partir da próxima safra, a área plantada.
O proprietário de terras empreita o cerrado para o carvoeiro limpar. Ele
recolhe as árvores, depois de derrubadas, usualmente por correntão
28
, e produz o
carvão em fornos construídos para esta finalidade, conforme pode ser verificado
na figura 31.
27
Não tivemos permissão para entrar na propriedade sede da carvoaria. Sendo a propriedade de dimensão
bastante elevada, a imagem foi captada a uma distância média de 10Km, por isso a qualidade da mesma não
nos permite identificar com precisão os detalhes do processo de funcionamento da carvoaria.
28
A prática do “correntão” é a mais agressiva utilizada no desmatamento do Cerrado. Uma corrente grande e
resistente tem suas extremidades presas a dois tratores, um em cada extremidade, que quando colocados em
movimento arrastam a corrente derrubando todas as plantas encontradas no percurso. A resistência da
corrente faz com que nenhuma planta resista, não permanecendo nenhum exemplar de qualquer espécie onde
tal método é aplicado. Por sua agressividade, tal método de desmatamento é proibido por lei, porém continua
sendo utilizado em larga escala no Cerrado.
Figura 31: Instalações de carvoaria com fornos em funcionamento (Jataí-
GO).
Fonte: Ribeiro, 2005
Segundo relatório do Estudo Integrado de Bacias Hidrográficas do
Sudoeste Goiano (EIBH, 2005), o extrativismo vegetal é uma importante atividade
comercial nos municípios da região. O Estudo Integrado foi realizado para as
Bacias dos rios Aporé, Corrente, Verde, Alegre e Claro e contempla os municípios
de Aparecida do Rio Doce, Aporé, Caiapônia, Chapadão do Céu, Jataí, Mineiros,
Perolândia, Portelândia, Rio Verde e Serranópolis, na microrregião Sudoeste de
Goiás, além de outros municípios vizinhos a estes, pertencentes à microrregião
de Quirinópolis. Segundo tal relatório,
em função da expansão das áreas de pastagens e agricultura é comum a
presença de carvoarias por toda a região, conforme constatado em
sobrevôo realizado nas Bacias em janeiro de 2005. O produto do
desmatamento é comercializado na forma de madeira em tora, lenha e
carvão vegetal
(EIBH, 2005, p.67).
No quadro 08 pode-se observar o quão rentável tem sido o desmatamento
para alguns municípios sudoestinos. Além de abrir a área para pastagem e/ou
lavoura, as árvores são utilizadas enquanto matéria-primas variadas.
Quadro 08: Valor da produção extrativa vegetal (em mil R$) por tipo de
produto.
Município
Carvão
vegetal
Lenha Madeira/
Tora
Produtos/
Lenha
Aparecida do Rio Doce 60 01 00 00
Aporé 00 05 00 00
Caiapônia 132 123 118 00
Chapadão do Céu 00 00 00 00
Jataí 340 213 90 00
Mineiros 290 144 29 00
Perolândia 00 06 215 00
Portelândia 00 46 26 00
Rio Verde 08 32 01 609
Serranópolis 00 36 10 00
Fonte: EIBH, 2005.
Adaptação: Ribeiro, 2005.
O fato de Aporé e Serranópolis não apresentarem produção significativa
registrada não significa que os mesmos possuam baixos níveis de desmatamento.
Nestes municípios torna-se difícil avaliar a quantidade de carvão e de lenha
produzidos e exportados, devido ao escoamento ilegal efetuado pelas estradas do
Mato Grosso do Sul. “Esta informação de escoamento ilegal de carvão, com
documentação do estado vizinho, foi prestada e confirmada por vários carvoeiros
da região” (EIBH, 2005, p.69).
Nota-se que apenas Rio Verde possui algum processamento de madeira.
De acordo com relatório do EIBH (2005), a maioria da matéria-prima, na forma de
lenha ou carvão vegetal, é vendida para usinas e destilarias, para alimentação de
caldeiras.
5.5.1.1 Desmatamento: comprometimento da biodiversidade, das águas e
problema de saúde pública.
O relatório do EIBH (2005) mostra ainda o crescimento do desmatamento
no entorno do Parque Nacional das Emas (que também pode ser verificado no
mapa 08):
As carvoarias presentes nos trechos a montante das Bacias dos Rios
Aporé, Corrente e Verde são bastante numerosas. O desmatamento das
áreas ainda preservadas de mata nativa no entorno do Parque Nacional
das Emas vem sendo realizado agressivamente, fato que pôde ser
constatado nos dois sobrevôos efetuados na região: o primeiro, em
meados de 2003, voltado para os trabalhos do Estudo da Bacia do Rio
Verde, realizado para a complementação do EIA/Rima dos
empreendimentos Salto e Salto do Rio Verdinho e o segundo, em janeiro
de 2005, objetivando fornecer subsídios para o diagnóstico do EIBH.
Comparando-se as imagens destes dois sobrevôos, registradas em
filmagens, pode-se constatar que as áreas desmatadas e a presença de
carvoarias aumentaram significativamente
(EIBH, 2005, p. 68).
A retirada da vegetação do entorno do Parque Nacional das Emas, embora
esteja além dos limites deste, compromete a vida e o equilíbrio ecossistêmico do
mesmo, já que impede a formação dos corredores de biodiversidade. Dessa
forma, o Parque se torna uma área descontínua e, por isso, não consegue
cumprir seu objetivo de elemento preservador dos Cerrados.
Da área remanescente de Cerrado do Sudoeste de Goiás a maior parte já
passou por alterações, o que significa que esta não é mais a ideal para a
conservação da biodiversidade. Isso compromete a mais rica savana do planeta,
caso prossiga a sua exploração para fins de monocultura na escala em que está
se dando atualmente.
O fato de a vegetação do Cerrado não ser caracterizada por densas
florestas tropicais, como as Floresta Amazônica e Mata Atlântica, faz com que, de
forma ignorante, os empresários, os proprietários de terra, os produtores e o
poder público defendam o desmatamento com o objetivo da instalação de
lavouras monocultoras, principalmente de soja.
Além de graves prejuízos para a biodiversidade e sobrevivência de
milhares de espécies, a destruição do Cerrado compromete as principais bacias
hidrográficas da América do Sul, já que nele estão as nascentes de importantes
bacias como a Platina, a do São Francisco e a Amazônica. A exploração
indiscriminada desencadeia o assoreamento dos cursos d’água, provoca erosões
e processos de contaminação no que é considerado o berço das águas.
Diante dessa situação, Machado (2004) alerta para a necessidade urgente
de frear este processo de degradação. A sugestão feita pela International
Conservation (CI – Brasil), no ano de 2004, foi de que o Governo Federal
destinasse parte dos recursos previstos para a financiar a safra de 2005 para a
constituição de um fundo, cujas verbas seriam utilizadas para a manutenção de
unidades de conservação, para a recuperação de áreas degradadas e para a
proteção de mananciais hídricos.
No entanto, tal sugestão não foi aceita, evidenciando que as políticas de
produção não são conjugadas com as políticas ambientais.
Quanto aos prejuízos acarretados pelo desmatamento intensivo, o EIBH
(2005) afirma que o aumento de casos da enfermidade leishmaniose, em alguns
municípios, possui relação direta com a redução da vegetação nativa, pois os
intensos desmatamentos e a conseqüente perda de habitat do seu transmissor
gera um desequilíbrio fazendo com que tal enfermidade se manifeste nas áreas
urbanas.
Entre 2001 e 2004 os casos de leishmaniose aumentaram em vários
municípios sudoestinos. No período foram registrados os seguintes números da
doença: Mineiros, 64 casos; Jataí, 50 casos; Caiapônia, 44 casos; Rio Verde, 35
casos; Serranópolis, 07 casos; Portelândia, 07 casos; Chapadão do Céu, 04
casos; e Aparecida do Rio Doce, Aporé e Perolândia, 01 caso cada um.
Nota-se que há uma correspondência entre os municípios alvo do
desmatamento e os que apresentam os maiores índices da doença. Os
municípios de Caiapônia, Jataí, Mineiros e Rio Verde, mais afetados pela doença,
são os que apresentam mais focos de desmatamento (conforme mapa 08).
5.5.2 O indevido uso agrícola dos solos areno-quartzosos.
A realidade agrícola do Sudoeste de Goiás nos conduz à conclusão de que
em havendo alterações na legislação ambiental, relativizando a porcentagem a
ser deixada enquanto área de reserva nas propriedades, como sugerido por
Rezende (2003) e Cunha (1994), o nível do desmatamento e do
comprometimento do Cerrado se dará em patamares mais elevados, pois não há
nenhuma garantia, tampouco indicativos, de que as áreas frágeis e vulneráveis
serão poupadas.
A expansão das lavouras de soja em áreas de solo areno-quartzoso é um
exemplo disso.
Estes solos não são adequados para o cultivo devido à sua estrutura física;
há pouca retenção de umidade devido à rápida infiltração. Ainda assim os
agricultores têm, a cada ano, estendido o plantio nos mesmos, o que,
invariavelmente, acarreta problemas de erosão, lixiviamento, voçorocas e
assoreamento dos rios. Ou seja, não há limites para a racionalidade monetária,
em havendo área disponível esta será utilizada para o plantio. Logo, se flexibiliza
a legislação, que prevê 20% da área para fins de reserva legal pautada na idéia
de que haverá propriedades que averbarão áreas maiores que essa cota por
motivos de impedimentos naturais. Mas isso faz com que as áreas
comprometidas aumentem, vez que serão utilizadas para o cultivo áreas
disponíveis, mas frágeis, que deveriam ser preservadas.
O plantio nos solos areno-quartzosos tem aumentado no Sudoeste de
Goiás, como uma forma de anexar mais áreas ao cultivo. Neste caso o
arrendamento
29
está na base do cultivo, vez que nestas áreas os preços do
arrendamento são mais baixos do que nas áreas de latossolo; nestas,
geralmente, o contrato prevê o pagamento de 04 a 05 sacas/ha no primeiro ano,
06 sacas/ha no segundo ano, 07 sacas/ha no terceiro ano e 08 sacas a partir do
quarto ano, até o final do contrato.
29
Especificamente sobre a prática do arrendamento agrícola no Sudoeste de Goiás retornar ao capítulo 2.
No caso dos contratos de arrendamento em áreas areno-quartzosas, que
ainda não foram abertas com utilização de pastagem, ou seja, área virgem, prevê-
se o não-pagamento de renda no primeiro ano, o pagamento de 1 saca/ha no
segundo ano, 2 sacas/ ha no terceiro ano e assim sucessivamente. No caso de
uma área já aberta, utilizando pastagem, o contrato apresenta variações, podendo
começar com o pagamento da renda com 1 ou 2 sacas/ha e ampliar o pagamento
em 1 ou 2 sacas/ha, a cada ano. Esta variação deve-se ao fato de onde já houve
a pastagem existir uma pequena quantidade de matéria orgânica, possibilitando
uma produtividade maior dos solos.
Ao final do contrato de arrendamento, que em média se dá em 5 anos,
podendo chegar a 08 e até a 10 anos, o proprietário da área recebe seus solos
com matéria orgânica acumulada, decorrente da palhada resultante dos cultivares
ali introduzidos, além dos benefícios oriundos do tratamento com calcário,
alumínio, gesso, enxofre, fósforo e potássio, dentre outros, fazendo com que a
partir daí sejam ampliadas as possibilidades de obter melhores safras.
O proprietário da área pode assumir o plantio, depois de encerrado o
primeiro contrato de arrendamento, obtendo lucros maiores do que o arrendatário
teve, como pode arrendá-la novamente, agora com valores maiores, vez que a
capacidade produtiva dos solos foi elevada.
Neste caso, de exploração agrícola dos solos areno-quartzosos, os
problemas ambientais gerados devem-se ao fato de se deixar exposto um solo
que é estruturalmente muito frágil. Em havendo chuva, o material, transportado,
será depositado no leito dos rios, assoreando-os, perder-se-á a embrionária
camada de solo existente, além de, a enxurrada, produzir erosões e voçorocas.
A figura 32 ilustra o plantio de soja num solo areno-quartzoso. Nota-se o
aspecto arenoso do solo exposto. Esta é uma área suscetível aos problemas
descritos acima.
Figura 32: Plantio de soja em solo areno-quartozo (Aporé - GO).
Fonte: Mantelli, 2004.
Nesta perspectiva, as sugestões de alteração da legislação ambiental
vigete, no que tange à flexibilização do tamanho da área a ser averbada enquanto
reserva, podem se tornar um aparato teórico para justificar a anexação de áreas
frágeis e inadequadas à prática agrícola do Cerrado.
5.5.3 A prática do plantio direto.
Desde o desenvolvimento das tecnologias contidas no pacote da revolução
verde, a agricultura vem sendo aprimorada para se aumentar constantemente a
produtividade dos solos e do trabalho e, portanto, aumentar lucros e rentabilidade;
porém, tal tecnologia, se utilizada de forma inadequada, pode se transformar,
conforme Cunha (1994), numa verdadeira “caixa de Pandora”, trazendo à tona
problemas incalculáveis, tanto quanto incontroláveis.
No Sudoeste de Goiás as tecnologias avançadas são aplicadas em busca
da sustentabilidade econômica, que para ocorrer exige que a atividade agrícola se
mantenha em condições de competitividade. Os problemas de degradação e de
comprometimento dos estoques de recursos naturais ocorrem como
conseqüência desta busca constante, que exige cada vez mais a exploração
intensiva por meio de novas técnicas.
Mediante a tecnologia disponível, a produtividade elevada é manifesta
rapidamente e os problemas só vêm num prazo mais longo, e só aí poder-se-á
dizer se a produção é, realmente, sustentável econômica e ambientalmente.
É comum citarmos os problemas que atingem os solos, as águas, a
biodiversidade, enquanto exemplos de degradação. Estes são os chamados
“problemas de primeira geração”, diretamente causados pela prática agrícola em
si, como o uso intenso de agrotóxicos
30
, a redução da diversidade biológica e os
desequilíbrios ecológicos. Existem, também, os “problemas de segunda geração”,
que surgem como desdobramento dos primeiros ou em conseqüência da tentativa
de solucioná-los. A ocorrência da segunda geração de problemas traduz a
gravidade dos impactos gerados, que se manifestam não apenas local e
momentaneamente e dão a real dimensão do comprometimento ambiental gerado
por práticas de exploração inadequadas. Os problemas se desdobram e alcançam
elementos, espaços e indivíduos que, aparentemente e espacialmente, não estão
envolvidos com a exploração agrícola.
Considerando que as lavouras são as atividades que mais intensamente
utilizam a terra no complexo agrícola regional e que estão na ponta desta cadeia,
conforme já verificado no mapa 06, tecnologias poupadoras de recursos e menos
degradantes estão em voga, para garantir a continuidade da exploração. São
tecnologias que nascem apenas de motivação econômica, buscando potencializar
a prática exploratória.
A prática do plantio direto (PD) é um exemplo disso. Prevê o plantio da
semente diretamente sobre a palhada de forma a não ser necessário revolver o
30
O uso de agrotóxicos nas lavouras monocultoras em áreas de Cerrado é intenso, mesmo sendo baixo o grau
de umidade, o que contribui para uma maior salubridade das plantas.
solo. Isso diminui as chances de ocorrer erosões e compactação, preservando
parcialmente a estrutura física dos mesmos, também porque é uma prática de
cultivo com menos movimentação de solo, por demandar pouco uso de máquinas.
Por isso, o desenvolvimento deste método de plantio conjuga a maior
rentabilidade com a proteção dos solos.
O que levou os produtores do Sudoeste de Goiás a iniciarem os
experimentos de PD, há aproximadamente duas décadas, foi o fato de que nesta
modalidade de plantio têm-se os custos de produção reduzidos. No plantio
convencional gradea-se o solo e aplica-se veneno, logo em seguida efetua-se o
plantio e aplica-se veneno novamente; e se caso ocorrer chuva intensa, após o
plantio e a segunda aplicação de veneno, as sementes e o veneno podem ser
levados pela enxurrada.
No sistema de plantio direto, a palhada funciona como matéria orgânica.
Logo após a colheita (ou a maturação, no caso do plantio de outras culturas
somente para a formação da palhada, como o milheto) aplica-se veneno
(dessecante) para murchar e secar os restos da vegetação e, logo em seguida,
efetua-se a plantação das sementes sobre a palhada, que recebem maior
quantidade de veneno no processo de tratamento, mas ainda assim numa escala
menor do que para o plantio convencional. No PD não há o processo de
gradeamento, por isso as máquinas são menos utilizadas, o que significa
menores custos com combustível, peças e manutenção e mão-de-obra. A
palhada protege o solo do calor do sol e permite a concentração de umidade por
mais tempo, além de dificultar a germinação de outras espécies vegetais,
concebidas como pragas, reduzindo a presença de espécies competidoras com
as sementes plantadas, por isso diminui, também, o uso de venenos para “folhas
largas” e “folhas estreitas”. Já o uso de venenos de combate à ferrugem e às
lagartas ocorre de forma semelhante, tanto no plantio direto, quanto no plantio
convencional.
A figura 33 mostra o preparo do solo para o plantio direto a partir do cultivo
do milheto. Observa-se a área ainda recoberta por este cultivar, em processo de
secagem. Neste caso é aplicado um dessecante para agilizar a decomposição do
vegetal, que tem por objetivo formar a palhada. Uma vez seca a vegetação, faz-se
o processo de calagem, nas áreas que demandam a aplicação de calcário. Na
figura 34 pode-se observar, pelo aspecto esbranquiçado do solo, que a área
passou por um recente processo de calagem. Nesta, a palhada foi formada a
partir da soqueira da soja colhida na safra anterior.
A fim de propor uma análise comparativa, a figura 35 mostra uma área
preparada para o plantio convencional, onde o solo está nu, tendo passado por
processo de gradeamento. Nota-se que a exposição do solo é maior quando a
área é submetida a preparo para o cultivo convencional.
Figura 33: Plantação de milheto, a fim de formar palhada para plantio direto
(Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 34: Área em preparo para plantio direto - soqueira de soja (Jataí -
GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Figura 35: Área preparada para o plantio convencional - solo nu e gradeado
(Jataí - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
5.5.4 Insuficiência das estratégias de produção conjugadas à preservação
dos recursos.
O plantio direto é tido, atualmente, como a estratégia mais avançada em
termos de aumento de produtividade associada à preservação dos recursos,
neste caso os solos. Porém, as estratégias de conjugação do aumento de
produção e produtividade com a preservação dos recursos ainda são insuficientes
e a exploração agrícola regional continua a promover problemas de ordem
ecológica, tanto pela opção do crescimento horizontal quanto pela do vertical da
produção. O primeiro significa anexação de novas áreas à prática agrícola, com
perturbação dos sistemas até então não-ocupados. Já o crescimento vertical
requer intensificação do uso dos solos e das tecnologias utilizadas, aumentando a
pressão sobre os recursos explorados.
Tal questão pode ser identificada de diversas formas, que vão do
desmatamento indiscriminado de áreas de Cerrado, com o comprometimento das
espécies animais e vegetais típicas deste domínio, à contaminação de nascentes
e leitos de rios, retirada de matas ciliares e vegetação nas nascentes e olhos
d’água, gradeamento de áreas de covais (campos de murunduns), contaminação
do ar, por aplicação de agrotóxicos, descarte inadequado de vasilhames de
venenos, plantio de lavouras até as margens dos cursos d’água e ao
comprometimento das reservas hídricas em virtude do uso indiscriminado para
irrigação.
Em relação ao escasseamento da água admite-se que a Região dos
Cerrados tende a apresentar mais problemas, e num espaço de tempo mais curto,
do que outras regiões do Brasil, tendo em vista a intensidade da irrigação, que
vem sendo cada vez mais utilizada na busca de compensar os longos períodos de
estiagem
31
.
31
Na Região dos Cerrados as estações do ano são bem definidas, caracterizadas por um longo período
chuvoso, que se estende de outubro a março, seguido de um outro longo período de estiagem, quando se
registra baixíssimos índices de pluviosidade, este compreende os meses de abril a setembro, podendo ser
ainda mais intenso dependendo da região e das condições específicas de cada ano.
No Sudoeste de Goiás, pode-se encontrar aproximadamente 40 pivôs
centrais instalados, a maioria deles nos municípios de Rio Verde e Jataí,
conforme apresentado no mapa 06. A figura 36 ilustra pivô central, em descanso,
no município de Rio Verde.
Figura 36: Pivô central, em descanso (Rio Verde - GO).
Fonte: Ribeiro, 2005.
Sobre o uso da água, as propostas que têm surgido, propondo o uso
devidamente correto, têm um caráter extremamente enviesado. Propõe-se a
compra do direito ao seu uso. Esta medida, se levada a cabo, configurar-se-á em
mais um mecanismo de exclusão dos pequenos produtores e dos camponeses
das possibilidades de produzir, já que estes, certamente, não disponibilizarão de
grandes somas de recursos para adquirir sua cota de água.
Se o problema tem surgido em conseqüência do uso intensivo e/ou do
desperdício pelas grandes lavouras, cujos proprietários querem manter elevada a
produtividade, mesmo em períodos de baixa pluviosidade, não nos parece correto
que, mais uma vez, os pequenos produtores, proprietários ou não, sejam
onerados com as medidas de racionamento e pagamento pelo uso da água.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se muito bem, hoje em dia, que a revolução verde não ajudou nem
os agricultores, nem a terra, nem os consumidores. O uso maciço de
fertilizantes e pesticidas químicos mudou todo o modo de se fazer
agricultura, na mesma medida em que as empresas agroquímicas
convenceram os agricultores de que poderiam ganhar dinheiro plantando
um único produto agrícola em áreas enormes e controlando as pragas e
ervas daninhas com agentes químicos. A prática da monocultura, além de
acarretar o forte risco de que uma grande área plantada seja destruída
por uma única praga, também afeta seriamente a saúde dos lavradores e
das pessoas que moram nas regiões agrícolas[...] A verdade nua e crua é
que a maioria das inovações na área da biotecnologia alimentar foram
motivadas pelo lucro e não pela necessidade
(Capra, 2002, p. 196).
A microrregião Sudoeste de Goiás é a parcela do território goiano que mais
recebeu fixos, fluxos e investimentos financeiros para a tecnificação da
agricultura. A região recebeu incentivos diretos do POLOCENTRO, por meio da
constituição do pólo Rio Verde – Jataí, sendo preparada, a partir disso, para os
objetos tecnificados disponíveis no pacote tecnológico da revolução verde. A
partir de então, a MRH é tida como sinônimo da agricultura no seu estágio mais
bem elaborado, tendo sua capacidade produtiva reconhecida nacional e
internacionalmente, o que cria um certo ufanismo, ao se exaltar os recordes da
produção regional.
A integração industrial da agricultura regional, que aqui chamamos de
“caificação”, gera um fluxo de produção e de capital responsável pela interligação
da região com as bolsas de valores, empresas, capitais e investidores do mundo
todo.
As formas assumidas pelo capital se manifestam na territorialização de
diversos agentes, como a Perdigão, a Cargill, a COMIGO, a COINBRA, a ADM, a
Bünge Alimentos, o Banco Safra, a Caramuru e diversos armazéns, escritórios e
lojas.
Os níveis de produção e de produtividade alcançados elevam-se a cada
safra, elevando, também, o lucro dos agentes envolvidos no processo produtivo
agrícola e no seu suporte. Por isso, o crescimento econômico resultante da
agricultura regional, industrialmente integrada, é passível de ser notado, seja pela
observação dos objetos dispostos no território, seja por meio dos dados
disponíveis.
A partir disso, criou-se uma noção de desenvolvimento regional, pautada
na riqueza gerada pela agricultura. No entanto, por meio da pesquisa realizada,
esta noção nos parece equivocada, vez que, como também pode ser notado, seja
pela paisagem, seja pelas estatísticas, o crescimento econômico verificado não se
traduz em desenvolvimento. Ao contrário, é um crescimento que se dá às custas
da expropriação, da exploração, da exclusão, da segregação e do
comprometimento dos recursos naturais, o que é antagônico ao verdadeiro
desenvolvimento.
Há uma contradição, denotando a incompatibilidade entre os índices de
crescimento econômico e os índices de desenvolvimento social. Nos municípios
sudoestinos maiores produtores de grãos, podem ser verificadas a pobreza e a
miséria ao lado do luxo e da imponência. O bônus econômico gerado pela
agricultura “caificada” é privilégio de uma minoria; à maioria resta o ônus social e
ambiental decorrente da prática agrícola ali desenvolvida.
Nestes municípios, recordistas em produção e produtividade, sobretudo, de
soja, não foram encontrados índices de desenvolvimento de capital humano e
social compatíveis com esses recordes, corroborando a tese de que o bônus
econômico resultado da agricultura regional, é privilégio de poucos.
Ao longo do trabalho foram enumeradas razões desta afirmação. O
crescimento da violência, da procura por emprego, não acompanhada da oferta
destes, a precariedade dos bairros periféricos, o aumento da solicitação de
assistência social e de menores desassistidos são algumas delas.
Além do ônus social, também foi identificado o ônus ambiental,
conseqüente da exploração agrícola predatória, que é socializado para todo o
conjunto da sociedade.
O uso inadequado dos recursos naturais e a anexação ao cultivo de áreas
de preservação promovem desequilíbrios, tais como a contaminação das águas, o
assoreamento dos leitos e drenagens, a poluição do ar, o comprometimento da
biodiversidade, a lixiviação dos solos e o surgimento de erosões e voçorocas,
problemas estes que recaem sobre a sociedade como um todo.
As informações sobre o uso da terra na MRH corroboram essa tese,
porque mostram claramente a pouca remanescência da vegetação nativa, que em
alguns municípios já foi extinta, quase por completo, como é o caso de Chapadão
do Céu, e a predominância, na grande maioria da área de cultivos temporários e,
numa escala um pouco menor, de pastagens plantadas.
A gravidade do problema é reafirmada quando se analisa os dados sobre
desmatamento, pois vê-se que a área de vegetação nativa tem sido
comprometida rapidamente a fim da instalação de novos cultivos temporários, ao
passo que as árvores derrubadas viram carvão, que vai se transformar, por meio,
principalmente, das siderúrgicas mineiras, no aço que vai para o Canadá.
Dessa forma, considera-se que a agricultura que se pratica na região dista,
completamente, da agricultura que deveria ser praticada, porque reforça o
predomínio do patronato, da monocultora e da exclusão, além de comprometer os
estoques de energia e de recursos naturais.
Grande parte dos produtores e da população regional foi decretada
inadequada para compor esse processo produtivo, e, por isso, não participa do
bônus econômico gerado por ele. Porém, mesmo estando excluída do processo
de produção e da renda gerada, a população é onerada com os prejuízos que
esse processo ocasiona.
O “decreto” de exclusão da pequena produção e da agricultura familiar,
conjugado à abertura e anexação de novas áreas para o cultivo, está pautado
numa, de certa forma, contemporaneidade do discurso malthusiano. Justifica-se,
aí, a agricultura excludente e predatória em nome da “pressão mundial por
alimentos”. Porém, sabe-se que o volume dos alimentos mundialmente
produzidos, e passíveis de serem produzidos, é suficiente para alimentar a
população mundial. Isto mostra que a exploração agrícola predatória está pautada
na fome do capital, ao passo que nem sempre sacia a fome de alimentos,
paradoxalmente, promove a falta destes.
O aumento da população de indigentes, pedintes e mendigos pelas ruas
das cidades sudoestinas corrobora tal assertiva. Se a agricultura ali desenvolvida
é pautada na intenção de suprir a demanda por alimentos, como pode coexistir
com os extensos campos de cultivo e com a renda gerada por eles, o crescimento
da população esfomeada? (Esta realidade nos faz lembrar Vandré: “Pelos
campos há fome em grandes plantações”).
É bem certo que, em virtude da especialização monocultora regional, não é
possível que a alimentação se paute nos cultivares ali produzidos, porém, dever-
se-ia ter a renda gerada distribuída de forma a contemplar todos os segmentos da
sociedade, para, assim, poder se tratar de um desenvolvimento regional.
Dessa forma, nos esforçamos para apresentar o Sudoeste de Goiás, e a
agricultura ali instalada, a partir do olhar que capta a realidade espacial,
paisagística e econômica para além dos cifrões gerados pela agricultura
“caificada”. Esta também constrói, destrói e reconstrói elementos outros,
usualmente escamoteados no intuito de fazer sobressair a noção de riqueza, e de
eles servirem à legitimação da exploração dos recursos naturais e humanos para
a reprodução do capital.
No entanto, mesmo partindo da premissa de que o capital, associado ao
Estado, redefine as relações de produção e a ocupação do espaço, buscamos
estar atento ao uso diferenciado do território. A territorialização do capital, e a
consolidação da agricultura industrialmente integrada, não excluem, na sua
totalidade, a existência de relações de produção não capitalistas e/ou práticas
alternativas de exploração agrícola na região.
Co-existem com a agricultura empresarial agrícola na região, embora numa
escala pequena, explorações com base no trabalho familiar e na pequena
propriedade. Por isso, acreditamos que investigar a administração, a disposição
de tecnologias e de capital, a organização do trabalho e o uso de mão-de-obra
nas explorações agrícolas que não estão industrialmente integradas é uma forma
de demonstrar que não há impedimentos de ordem natural e étnica, para as
pequenas explorações agrícolas e para o trabalho familiar em áreas de Cerrado.
Há, sim, dificuldades de ordem financeira e burocrática, vez que todas as
atenções e esforços são envidados na direção da agricultura industrialmente
integrada.
Logo, acreditamos que uma outra forma de exploração agrícola é possível,
pautada na relação sadia entre os elementos da natureza, incluindo-se aí o
homem; onde um ser humano mais evoluído e consciente aja na natureza para a
co-existência e não para a exploração, conforme orienta Altieri (2002).
Acreditamos, também, que tal transformação é urgente, já que o modelo
atual de exploração agrícola em curso no Sudoeste de Goiás não só compromete
a distribuição de renda e os recursos naturais, como torna impossível a dignidade
dos trabalhadores e dos produtores não inseridos no modelo em curso, e sem
garantias a continuidade do domínio dos Cerrados.
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