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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PARECER PEDAGÓGICO: UM GÊNERO TEXTUAL
CONSTRUINDO A PRÁTICA DOCENTE
NORMANDA DA SILVA BESERRA
Recife, dezembro de 2006
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NORMANDA DA SILVA BESERRA
PARECER PEDAGÓGICO: UM GÊNERO TEXTUAL
CONSTRUINDO A PRÁTICA DOCENTE
Orientadora: Profª Drª Angela Paiva Dionisio
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras da UFPE, como
exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Lingüística.
Recife, dezembro de 2006
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Beserra, Normanda da Silva
Parecer pedagógico: um gênero textual
construindo a prática docente / Normanda da Silva
Beserra. - Recife : O Autor, 2006.
176 folhas : il.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CAC. Programa de Pós-Graduação em
Letras, 2006.
Inclui bibliografia e anexos
1. Lingüística aplicada 2. Gêneros textuais 3.
Formação docente Avaliação 4. Parecer pedagógico
I. Título.
801 CDU (2.ed.) UFPE
410 CDD (22.ed.) CAC2007- 8
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
Profa. Dra. Angela Paiva Dionisio – UFPE – Orientadora
____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Lourdes da Trindade Dionísio – Universidade do Minho
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Auxiliadora Bezerra – UFCG
_________________________________________________________
Profa. Dra. Abuêndia Padilha Pinto – UFPE
_________________________________________________________
Profa. Dra.Virgínia Leal – UFPE
Para o meu filho,
Sérgio Bernardo.
AGRADEÇO:
A Deus, que me permitiu essa trajetória.
Aos meus pais, meus irmãos e irmãs, a toda minha família, pelas orações e pelo
amor que nos dedicamos.
A Sérgio Bernardo e Sergio Guimarães, com quem dividi as maiores venturas da
minha vida.
A Ana Cristina, amiga de todas as horas, e a D. Nina, pela dedicada acolhida com
que me brindam todos os dias.
A Alcir de Paula, amigo generoso e iluminado.
À Profa. Angela Dionisio, que acompanhou, estimulou e exigiu meu crescimento
acadêmico e pessoal, nesses últimos anos, emprestando-me seu brilho e energia.
À Profa. Abuêndia Padilha,
delicada e competente leitora, por sua valiosíssima
contribuição, mais uma vez.
Às professoras Maria Auxiliadora Bezerra, pela segunda vez, Virgínia Leal e Maria
de Lourdes Dionísio que compartilham a leitura crítica deste trabalho.
Ao Prof. Luiz Antonio Marcuschi, mestre tão presente, tão querido, tão importante
em nossas vidas.
À professora Cleide Oliveira, que acredita na escola pública e batalha por ela.
Às educadoras de Pesqueira, que se dispuseram a participar desta pesquisa e com
quem partilhei saberes, experiências, expectativas.
Aos amigos do CEFETPE, pela compreensão, pela amizade, pelo estímulo.
A Edna Guedes, amiga presente, amiga para sempre.
A Valéria Gomes e Ana Regina, queridas amigas, pelos pequenos, grandes, gestos
de carinho.
A Carmen Cruz, longa amizade, verdadeira amizade.
A Rosailda, profunda amizade, eterna saudade.
Quando eu nasci para a Pós, um Angelus bravo,
Desses que fazem barulho,
Decretou que eu estava predestinada
A estudar e redigir.
Já de saída a minha voz publicou
E cheguei até aqui.
Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser.
São frames para a ação social. São ambientes para a aprendizagem. São os lugares
onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e
as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os lugares familiares
para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os
outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não-familiar.
Mas a paisagem simbólica que construímos para viver é precisamente aquela
que mais se ajusta a nós e aos outros com quem a compartilhamos. Mesmo quando
achamos que os gêneros (...) estão repletos de conflitos, disfunções ou até
decepções, e queremos buscar alternativas, tais gêneros ainda formam os hábitos
discursivos e cognitivos que carregamos conosco.
Charles Bazerman
RESUMO
Esta pesquisa analisa a emergência de um gênero textual, o Parecer Pedagógico
(PP), e sua repercussão na ação docente de professoras de classes iniciais, a partir
da implantação da organização curricular em Ciclos de Aprendizagem, nas escolas
municipais de Pesqueira/PE. Por requerer um significado qualitativo para o registro
da aprendizagem do aluno, o PP se coloca em oposição tanto ao caráter quantitativo
e classificatório do registro por notas como à vagueza própria dos conceitos. Assim,
o PP representa mudança no conteúdo e forma do registro, exigindo do professor,
no campo pedagógico, uma concepção formativa, diagnóstica de avaliação e no
campo lingüístico, competência comunicativa. Entretanto, é como organizador da
ação pedagógica que esse gênero influencia e desvela a prática do professor. Ao
analisar o desenvolvimento do PP, busco estabelecer a identidade
sociocomunicativa que esse gênero assumiu nessa comunidade, identificar os sinais
de avanço no domínio de sua escritura entre as professoras e verificar os
indicadores de reflexão pedagógica que influenciam a prática docente. Para atender
a esses objetivos, e sob a perspectiva dos estudos de Miller (1984, 1994) e
Bazerman (1994), analiso 15 (quinze) pareceres, produzidos em três momentos
distintos de sua emergência na prática profissional de quatro professoras, todas
participantes do programa de formação relacionado à implantação dos ciclos no
município. O traço predominante da macroestrutura desses textos é a tradicional
organização em introdução, desenvolvimento e conclusão, tendo sido identificada a
predominância de tópicos delimitados pelos componentes curriculares e outros
relacionados a aspectos socioafetivos do aluno. Como tópicos de conteúdo eventual,
encontrei atividades didáticas, relato de intervenção, menção à fase de
desenvolvimento da escrita da criança e referência à freqüência do aluno. No
conteúdo do parágrafo de conclusão, onde mais se evidenciam as concepções
pedagógicas do produtor, as indicações de intervenção surgiram apenas em
produções posteriores ao ano de introdução do PP, como resultado do avanço no
domínio do gênero. Ao discutir as relações de influência entre linguagem/gêneros
textuais e prática profissional, esta pesquisa pode trazer relevante contribuição,
especialmente, para a formação docente.
PALAVRAS-CHAVE: gêneros textuais; avaliação; ação pedagógica; parecer
pedagógico; formação docente.
ABSTRACT
This investigation analyses the emergence of a textual genre called Pedagogical
Report (Parecer Pedagógico-PP) and its repercussions on the practice of teachers
who deal with introductory elementary school classes, in Pesqueira (PE), from the
starting point of the implementation of a new curriculum based on and organized in
“learning cycles”. Since it pursues a qualitative and meaningful register of the
students’ achievement, the PP confronts both the traditional quantitative and
classificatory nature of students’ grades and the vagueness of the use of concepts
which replaces numerical grades on student report cards. This way, the PP
represents a change in content and form of the grade book which, pedagogically
speaking, demands a different view towards student evaluation and assessment – a
more formative and diagnostic approach to it –, and, linguisticly speaking, demands
some communicative competence on the part of the teacher. However, as an
organizer of pedagogic activity, this genre influences and reveals teacher practice.
Through the analysis of the production and development of the PP, I aim to establish
the social-communicative identity that this genre assumes within this community of
practices; to identify possible signs that teachers achieve mastery to produce the
genre; and, finally, to verify the indicators that points to the development of a more
reflective attitude toward teaching. In order to fulfil these objectives, and based on
the perspective of Miller (1984,1994) and Bazerman’s (1994) social account of genre,
I analyse 15 (fifteen) pedagogical reports produced in three different moments along
the period of its emergence within the professional practice of four teachers, all
participants in a teachers’ development program related to the implementation of the
“learning cycles” in the education system of the city. The most predominant feature
which is present in the macrostructure of this text is a traditional type of sequential
organization in introduction, development, and conclusion. It has also been noticed
the recurrency of topics which are either part of the course program or related to
some socio-affective aspects of learning. As samples of topics of accidental content, I
have found some pedagogic activities, some accounts of teacher intervention, some
references to the children in terms of their developmental stage of writing acquisition,
and some mentions to students’ attendance to class. In the content of the final
paragraph of the PPs, where we more clearly perceive the pedagogic conceptions
which underlie teacher practice, some interventions have been suggested by the
teacher, but these only emerge in the second year after the introduction of the PP, as
a result of the development of some competence to produce the genre. Through the
discussion of the relations among language, genres and professional practice, this
research offers a relevant contribution, especially, to teacher development.
Key-words: genres; evaluation; pedagogic activity; pedagogical report; teachers’
development
RESUMEN
Esta pesquisa analiza la emergencia de un género textual, el Parecer Pedagógico
(PP), y su repercusión en la acción docente de profesoras de grupos iniciales, desde
la implantación de la organización curricular en Ciclos de Aprendizaje, en las
escuelas municipales de Pesqueira/PE. Por requerir un significado cualitativo para el
registro del aprendizaje del alumno, el PP se pone en oposición tanto al carácter
cuantitativo y clasificatorio del registro por notas como a la vaguedad propia de los
conceptos. Así, el PP representa cambio en el contenido y forma del registro,
exigiendo del profesor, en el campo pedagógico, una concepción formativa,
diagnóstica de evaluación y en el campo lingüístico, competencia comunicativa.
Ahora bien, es como organizador de la acción pedagógica que ese género influencia
y desvela la práctica del profesor. Al analizar el desarrollo del PP, busco establecer
la identidad sociocomunicativa que ese género ha asumido en esa comunidad,
identificar las señales de avance en el dominio de su escritura entre las profesoras y
verificar los indicadores de reflexión pedagógica que influencia la práctica docente.
Para atender a esos objetivos, y bajo la perspectiva de los estudios de Miller (1984,
1994) y Bazerman (1994), analizo 15 (quince) pareceres, producidos en tres
momentos distintos de su emergencia en la práctica profesional de cuatro
profesoras, todas participantes del programa de formación relacionado a la
implantación de los ciclos en el municipio. El rasgo predominante de la
macroestructura de esos textos es la tradicional organización en introducción,
desarrollo y conclusión, habiendo sido identificada la predominancia de tópicos
delimitados por los componentes curriculares y otros relacionados a aspectos
socioafectivos del alumno. Como tópicos de contenido eventual, he encontrado
actividades didácticas, relato de intervención, mención a la fase de desarrollo de la
escritura del niño y referencia a la frecuencia del alumno. En el contenido del párrafo
de conclusión, en el que se evidencian las concepciones pedagógicas del productor,
las indicaciones de intervención han surgido solo en producciones posteriores al año
de introducción del PP, como resultado del avance en el dominio del género. Al
discutir las relaciones de influencia entre lenguaje/géneros textuales y práctica
profesional, esta pesquisa puede traer relevante contribución, especialmente para la
formación docente.
PALABRAS-CLAVE: géneros textuales; evaluación; acción pedagógica; parecer
pedagógico; formación docente.
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 01: Correspondência ciclos/ fases do desenvolvimento mais
comum no Ensino Fundamental .................................................
71
Quadro 02: Correspondência ciclos/ fases do desenvolvimento no Ensino
Básico da Escola Plural ..............................................................
71
Quadro 03: Critérios de análise do Parecer Pedagógico ............................... 118
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
PP = Parecer Pedagógico
SND = Sistema de Numeração Decimal
L. Oral = Linguagem Oral
L. Escrita = Linguagem escrita
LDBEN = Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Anfope = Associação Nacional pela Formação dos Professores em Educação
LISTA DE EXEMPLOS
Exemplo 1 = Solicitação de Parecer ................................................................ 41
Exemplo 2 = Parecer Neurológico I .................................................................. 41
Exemplo 3 = Parecer Neurológico II ................................................................. 41
Exemplo 4 = Parecer Cólon-proctológico ......................................................... 44
Exemplo 5 = Parecer Jurídico ........................................................................... 46
Exemplo 6 = Plano de Aula ............................................................................... 60
Exemplo 7 = Proposta de Atividade Didática .................................................... 63
Exemplo 8 = Parecer Pedagógico: Márcia ........................................................ 64
Exemplo 9 = Parecer Pedagógico: Michella ...................................................... 65
Exemplo 10 = Parecer Pedagógico: Davi .......................................................... 66
Exemplo 11 = Parecer Pedagógico: Alex .......................................................... 119
Exemplo 12 = Parecer Pedagógico: Érika ......................................................... 123
Exemplo 13 = Parecer Pedagógico: Elaine ....................................................... 126
Exemplo 14 = Parecer Pedagógico: Alynne ...................................................... 128
Exemplo 15 = Parecer Pedagógico: Edson ....................................................... 130
Exemplo 16 = Parecer Pedagógico: Wellington ................................................. 132
Exemplo 17 = Parecer Pedagógico: Anderson .................................................. 133
Exemplo 18 = Parecer Pedagógico: Lindinêz .................................................... 135
Exemplo 19 = Parecer Pedagógico: Ana ........................................................... 137
Exemplo 20 = Parecer Pedagógico: Amanda/2003 ........................................... 140
Exemplo 21 = Parecer Pedagógico: Amanda/2004 ........................................... 143
Exemplo 22 = Parecer Pedagógico: Breno/2003 ............................................... 146
Exemplo 23 = Parecer Pedagógico: Breno/2004 ............................................... 148
Exemplo 24 = Parecer Pedagógico: Adriana ..................................................... 150
Exemplo 25 = Parecer Pedagógico: Daianny .................................................... 152
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16
CAPÍTULO 1: GÊNEROS TEXTUAIS E PRÁTICA PROFISSIONAL .................. 27
1. A relação entre gêneros do discurso e atividade humana em Bakhtin ............. 28
2. Gênero, atividade social e tipificação ................................................................ 33
3. Parecer, pareceres: como um gênero pode regular a vida das pessoas .......... 39
CAPÍTULO 2: GÊNEROS TEXTUAIS NA PRÁTICA DOCENTE
48
1. Gêneros textuais e ensino ................................................................................ 49
2. Gêneros textuais e trabalho docente: com que gêneros se faz um professor? 59
3. Parecer pedagógico: caminhos e descaminhos na construção de um gênero. 63
CAPÍTULO 3: ORGANIZAÇÃO CURRICULAR EM CICLOS PLURIANUAIS
68
1. Conceituação e princípios ................................................................................. 69
2. Currículo por competências................................................................................ 76
3. Avaliação da aprendizagem .............................................................................. 80
4. O significado do registro no processo de avaliação .......................................... 90
CAPÍTULO 4: PARECER PEDAGÓGICO: A CONSTRUÇÃO DE UM
GÊNERO ............................................................................................................... 96
1. O contexto educacional do município de Pesqueira/PE.................................... 97
2. Formação continuada e o exercício da profissão docente ............................... 99
3. A formação continuada no município de Pesqueira ......................................... 101
3.1. Ações de formação continuada: a rede de educadores e seus grupos .... 103
3.2. Leitura e escrita na formação ................................................................... 112
CAPÍTULO 5: PARECER PEDAGÓGICO: UM GÊNERO EM AÇÃO ............. 115
1. Planos de análise do Parecer Pedagógico ............................................ 116
2. A ação docente no Parecer Pedagógico ................................................ 118
REFLEXÕES FINAIS ....................................................................................... 154
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 158
ANEXO I: Exemplos de atividades desenvolvidas no Programa de
Formação Continuada ....................................................................................
166
ANEXO II: Matriz Curricular português e matemática – 1º e 2º ciclos ....... 170
ANEXO III: Autorização de utilização de dados para pesquisa .................. 179
INTRODUÇÃO
O estudo dos gêneros textuais tem possibilitado aos pesquisadores das
ciências lingüísticas um trabalho mais concreto com a linguagem, voltado para as
práticas sociais de uso da língua, que assim é vista na dimensão da interação
humana. A repercussão dessa perspectiva no estudo e ensino do fenômeno
lingüístico bem como no emprego dos gêneros em situações da comunicação
pública formal ainda não está de todo avaliada.
Esta pesquisa tem como foco um gênero textual, o Parecer Pedagógico (PP),
e a sua repercussão na ação docente de professoras de classes iniciais que
trabalham em escolas de organização curricular por ciclos de aprendizagem, em
Pesqueira/ PE. Em virtude de minha participação no Programa de Organização da
Escolaridade por Ciclos de Aprendizagem, no município de Pesqueira, situado no
agreste de Pernambuco, pude acompanhar o desenvolvimento desse gênero textual
entre professoras de classes iniciais em escolas da rede pública municipal daquela
cidade. Essa experiência constitui o principal objeto deste estudo.
O gênero, aqui denominado Parecer Pedagógico, dependendo da instituição,
pode assumir outras denominações como Relatório Pedagógico, Parecer Descritivo,
ou, simplesmente, Parecer. Segundo Corazza (1995, p. 48, apud Melchior, 2003, p.
142),
17
Pareceres descritivos são documentos que têm por propósito aparente
comunicar, aos pais ou responsáveis pela criança, os progressos e as
dificuldades individuais, fornecendo sugestões de como melhorar os
resultados parciais/ finais do processo de aprendizagem da criança.
Na verdade, o PP extrapola bastante esse conceito, tanto no que concerne ao
funcionamento e ao propósito discursivos, como quanto à interlocução,
especialmente, quando se trata da escola com organização curricular em ciclos. Por
exemplo, ao estabelecer comunicação entre docentes membros do Conselho de
Ciclo; entre um docente que deixa aquela turma e o novo docente que a assume;
com o próprio aluno, e até com o mesmo professor, quando este recorre ao PP para
reorientar seu plano de trabalho com determinado aluno. Conforme Silva (2004, p.
71,72):
Esse procedimento (comunicar os resultados) tem como premissas: a) a
importância do diálogo entre os sujeitos envolvidos com o trabalho
pedagógico: professores, alunos, especialistas, pais e secretaria de
educação. (...) Sua principal audiência é o aluno e o próprio professor. (...)
Pareceres sobre o trabalho docente socializado entre esses profissionais
podem facilitar uma discussão propositiva em vista da melhoria da ação
conjunta dos docentes e da própria escola em sua globalidade.
Assim, o PP estabelece outras funções discursivas, ao constituir-se como
forma de registrar eventos de natureza legal e pedagógica, tais como: resultados em
situações do cotidiano; resultados em situações especiais, como progressão do
aluno (o aluno avança de ano de ciclo ou de ciclo para ciclo) e classificação do aluno
(o PP regulariza a situação do aluno que não pode comprovar estudos e indica que
ano de ciclo ou série ele vai cursar). Entretanto, explicitar os saberes e
competências do aluno, assim como as suas dificuldades e os encaminhamentos
indicados para que supere essas dificuldades constituem a função discursiva mais
comum do PP.
Como registro escrito da avaliação escolar, o PP não constitui um gênero
textual novo na prática pedagógica. Na Educação Infantil, tem tomado o lugar das
notas em forma de escala numérica que, com sua severidade, certamente foram, em
algum momento, consideradas inapropriadas a criancinhas recém entradas na
escola; também têm servido para explicitar melhor alguns resultados expressos
através da vagueza dos conceitos. Entretanto, é mais recentemente que o PP tem
se difundido como forma de registro de avaliação escolar, em grande parte, devido à
18
adoção da organização curricular por Ciclos de Aprendizagem, embora esteja
presente em algumas escolas seriadas, tidas como de referência.
Provavelmente, como muitos outros gêneros, o PP tem origem no gênero
carta
1
. É o que indica a analogia feita com o Parecer Médico que nada mais é do
que uma espécie de correspondência entre médicos (visto que pode envolver mais
de um texto entre remetente e destinatário), acerca do estado de saúde de um
paciente, na qual um especialista avalia determinada condição clínica do paciente,
ou o risco de determinado procedimento, ou ainda sugere alternativas de terapêutica
diante de determinado diagnóstico.
No campo médico, é a especialidade clínica que delimita a denominação do
parecer e, assim, há o Parecer Cardiológico, o Parecer Neurológico, o Parecer
Cirúrgico etc. Chamo a atenção para o caráter de avaliação implícito no parecer da
área médica, assim como para a relação de mútua influência (e até de dependência)
estabelecida entre ele e os procedimentos que ajuízam. Por exemplo, um cirurgião
não coloca um paciente na mesa cirúrgica sem que o cardiologista tenha
apresentado a sua anuência, a qual é estabelecida após ponderação sobre a
relação risco/ benefício do ato cirúrgico, com base na avaliação cardiológica do
paciente e considerando as muitas variáveis que envolvem a cirurgia: tipo de
anestesia, tempo cirúrgico etc., além do estado geral do paciente.
De acordo com Bazerman (2005, p. 29), tudo isso segue padrões bastante
tipificados dos quais emergem “formas de comunicação reconhecíveis e auto-
reforçadoras” – os gêneros. Ele observa, ainda, que os traços de um gênero
evoluem para atender contextos diferenciados de prática empírica e também que “o
surgimento de um gênero está intricadamente ligado às mudanças nas relações e
papéis profissionais, às mudanças institucionais, ao surgimento de normas e
identidades profissionais (...)” (p.60).
É nesse sentido que este trabalho se insere, pois que tem a pretensão de
analisar a emergência de um gênero textual, o Parecer Pedagógico, a partir da
implantação da organização curricular em Ciclos de Aprendizagem, nas escolas
municipais de Pesqueira/PE, apreendendo as repercussões desse gênero nos
âmbitos sociodiscursivo e pedagógico e, assim, constituir mais uma contribuição
1
Bazerman (2005) apresenta a carta como gênero prototípico de muitos outros, a exemplo da
patente, letras de câmbio, cartas de crédito, cédula (de dinheiro) etc.
19
para o entendimento do papel dos gêneros textuais nas atividades humanas. A
minha participação no planejamento e implementação dos Ciclos de Aprendizagem
em Pesqueira/PE bem como os estudos sobre gêneros textuais na Pós-graduação
me despertaram o interesse em pesquisar a relação entre essas mudanças
institucionais e os gêneros daí decorrentes, particularmente, o PP.
A organização curricular por ciclos, a qual se contrapõe à tradicional
organização seriada, é conceituada por Krug (2001, p. 17) que enfatiza as fases do
desenvolvimento humano, sem esquecer os aspectos legais de direito à
aprendizagem:
É uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na medida
em que encara a aprendizagem como um direito da cidadania, propõe o
agrupamento dos alunos onde as crianças e adolescentes são reunidos
pelas suas fases de formação: infância (6 a 8 anos), pré-adolescência (9 a
11 anos) e adolescência (12 a 14 anos).
As propostas de ciclo estabelecem o ensino fundamental obrigatório em nove
anos, antecipando o início da escolarização para a idade de seis anos, e criam três
ou quatro ciclos que correspondem aos ciclos da infância, pré-adolescência,
adolescência e juventude. O PP surge na escola em decorrência dessa significativa
mudança na organização curricular, da seriação para ciclos de aprendizagem.
Principal razão da polêmica que cerca os Ciclos, a não-reprovação do aluno está
pautada numa perspectiva inclusiva que supõe que a reconhecida heterogeneidade
do ser humano inclui diferenças no ritmo e modos de sua aprendizagem. Assim, os
Ciclos demandam um sistemático acompanhamento individual para identificar e
corrigir as dificuldades, razão por que assumem a avaliação formativa (processual,
qualitativa e diagnóstica) como imprescindível e rejeitam a avaliação tradicional
(classificatória, baseada em medidas) por ser incapaz de atender a essa exigência.
Em razão dessa posição pedagógica, o Parecer surge para dar uma nova
forma ao registro da aprendizagem do aluno que deixa de ser feito por escala
numérica (de 0 a 10 ou de 0 a 100), ou mesmo, “por conceitos” invariavelmente
traduzidos depois em números. Mediante o parecer pedagógico, pretende-se que
sejam explicitados os saberes e as competências do aluno, assim como as suas
dificuldades e os encaminhamentos indicados pelo professor.
20
Assim, a avaliação deixa de apenas constatar (não sabe, não aprendeu, não
consegue), para compreender (Como chegou a essa resposta? Por que ainda não
aprendeu? O que preciso fazer para que consiga?). Essa mudança de perspectiva
da avaliação, apesar de ser reivindicada e discutida há bastante tempo nos meios
educacionais, representa uma verdadeira revolução não só no aspecto pedagógico,
mas também nas relações de poder da escola. Ao instituir como prioridade a
Educação Básica, a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes de Pesqueira teve
como objetivo romper com a cultura da evasão e exclusão escolar e, ao mesmo
tempo, desenvolver ações capazes de promover uma educação pública de
qualidade.
A organização da aprendizagem em ciclos, definida na política educacional da
rede municipal de ensino de Pesqueira, considerou as diretrizes curriculares
nacionais e os princípios éticos que fundamentam a proposta pedagógica,
mobilizando as ações necessárias à concretização, no cotidiano escolar, dos modos
de organização dos processos de aprendizagem. Esta tomada de decisão política
tem procurado assegurar uma visão integradora da escola, onde todos se percebam
sujeitos sociais componentes da comunidade educativa: os alunos com a garantia
da construção de seu conhecimento, de suas aprendizagens e de seu
desenvolvimento, sendo respeitados em suas diferenças; o professorado,
reconhecendo-se como autor de seu fazer pedagógico, construindo caminhos de
valorização profissional através da formação continuada; e as políticas públicas
educacionais, ressaltando a importância social da educação escolar.
Os princípios teóricos em que me apóio na realização do estudo sobre
gêneros são os formulados por Bakhtin (1986, 1992, 1997), Miller (1984/1994),
Bazerman (1994, 2005, 2006) e Bhatia (1993). Entre as formulações, destaco os
conceitos: língua como atividade sociodiscursiva; dialogismo; gêneros textuais como
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa; dimensão
global e particular da manifestação dos gêneros; gêneros como parte de processos
de atividades socialmente organizadas; recorrência e tipificação.
Na aplicação dessas bases teóricas ao PP, começo por aceitar que o ensino
e sua avaliação são atividades humanas desenvolvidas socialmente e que o PP é
um gênero textual produzido dentro da esfera pedagógica. Como gênero textual, o
PP mostra regularidades nos níveis de conteúdo, funcionalidade e propósitos
21
discursivos, relacionadas principalmente às situações pedagógicas de que trata
assim como regularidades principalmente em nível de organização composicional.
Reconheço também que o produtor do PP, como os produtores de outros
gêneros, seleciona os recursos lingüísticos de que necessita, de acordo seus
propósitos e sua competência discursiva. Acredito, igualmente, ser possível
encontrar exemplares de PP que rompam, pelo menos parcialmente, com as
regularidades estabelecidas para o gênero. Admito, ainda, que como o gênero é
“parte do modo como os seres humanos dão forma às atividades sociais”
(Bazerman, 2005), o PP favorece o desenvolvimento das ações pedagógicas,
incluídas aí a reflexão, a avaliação e a reordenação das ações de ensino. Por fim,
acredito que o surgimento de um gênero textual em uma comunidade está na
dependência das atividades desenvolvidas por essa mesma comunidade, numa
relação de natureza dialética.
A idéia de estudar esse gênero textual, praticado em instituição escolar e
ligado à prática profissional do professor, surgiu a partir do trabalho de formação
docente que passei a desenvolver no município de Pesqueira, juntamente com a
pedagoga Ana Cristina Gomes da Penha, relacionado à adoção pelo município da
organização curricular por ciclos de aprendizagem. Foi assim que me envolvi
entusiasticamente com os estudos sobre currículo em ciclos e avaliação, como parte
integrante do processo de ensino. Descobri que avaliar envolvia mais do que
elaborar provas, aplicá-las e corrigi-las para formalizar a aprovação ou reprovação
do aluno. Ao acompanhar e discutir a formulação de registro discursivo com as
professoras, verificava também quanto de reflexão pedagógica aparecia no discurso
e como o processo de escritura do texto ia dando forma às atividades do professor.
Paralelamente a esse trabalho, fui aprofundando os estudos sobre gêneros
textuais, nesta Pós-graduação, com o Prof. Luiz Antônio Marcuschi. Logo em
seguida, o entusiasmo da Profa. Angela Dionisio com as abordagens sócio-retóricas
dos estudos dos gêneros também me tocaram e passei a colaborar com os projetos
de publicação da obra de Charles Bazerman no Brasil. Cumprindo esse percurso,
entre a Lingüística e a Pedagogia, passei a me interessar por estudar o Parecer
Pedagógico.
22
Como pesquisadora na área de lingüística, estudo o PP como um gênero
textual com propósito discursivo definido, o de registrar de forma significativa o
desempenho escolar do aluno, ao mesmo tempo em que deve fornecer indicações
de reorientação pedagógica para o próprio docente ou para outro professor que
passe a acompanhar aquele aluno. Salientando-se, então, que tais características
discursivas favorecem ou mesmo exigem a reflexão do professor sobre o
desenvolvimento do seu aluno e sobre a sua própria prática, já se vê a
impossibilidade de ter esse gênero como objeto de pesquisa separado do contexto
educativo (e, dentro desse contexto, a avaliação escolar) o qual é a razão mesma de
sua emergência. Em termos discursivos, pode-se afirmar que há aqui uma relação
de mútua influência entre o Parecer Pedagógico e a atividade docente de avaliação,
as quais não deverão passar incólumes por esse processo.
Apesar de o PP substituir o registro por nota ou conceito nas escolas
organizadas em ciclos, esse gênero pode ser acrescentado aos registros
tradicionais. Assim, Melchior (2003, p. 141) recomenda que nas instituições em que
o registro é feito por nota, em ocasiões de substituição de professor, seja juntado a
esse registro “um parecer dizendo o que o aluno já venceu e o que falta vencer”; a
educadora afirma, ainda, que o professor precisa saber “traduzir” as notas em seus
registros pessoais para poder reorientar o seu trabalho. Quanto ao registro por meio
de conceito, a educadora reconhece que tem caráter mais amplo que o feito por
notas, mas não deixa claro o que representa. Essas observações da especialista
indicam indubitavelmente o reconhecimento da relação de influência entre o parecer
e a atividade docente, podendo-se, também, inferir que a natureza dessa influência
é admitida como positiva.
Essa presunção vem ampliando a presença do Parecer, até entre escolas
seriadas, que parecem associá-lo a práticas educativas de maior qualidade no
processo de ensino-aprendizagem. Assim, o Parecer tem chegado a escolas de
referência, mesmo não organizadas em ciclos de aprendizagem, como é o caso,
aqui em Recife, do Colégio de Aplicação da UFPE e do Ginásio Pernambucano, este
pertencente à rede estadual.
23
Neste último caso, a implantação do Parecer mereceu matéria no Diário
Oficial de Pernambuco
2
.
Os efeitos profissionais, legais e pedagógicos desse tipo de registro da
aprendizagem no espaço social em que ele circula, a escola, são imensos. Assim, o
estudo desse gênero textual me interessa pelo que pode significar de relevante na
prática docente de língua, mas, também, pelo que representa para o trabalho de
formação de outros docentes. Durante meu percurso acadêmico na pós-graduação
em lingüística, tenho observado um aumento significativo do número de trabalhos
sobre gêneros textuais, particularmente, os relacionados a produções de alunos em
contexto escolar. O gênero Parecer Pedagógico também surge na escola, porém é
produzido pelo professor e tem relação com a sua prática profissional; no meu
entender, a análise do funcionamento desse gênero pode trazer relevante
contribuição para a formação docente.
Foi assim que, no meu percurso em várias instâncias, (pesquisadora na Pós-
graduação, formadora no município de Pesqueira e participante da equipe de
revisão da obra de Bazerman), surgiram as questões que originaram esta pesquisa:
Quais as propriedades sociocomunicativas do Parecer Pedagógico?
Quais os sinais de evolução na aquisição da competência discursiva em
operar com o Parecer Pedagógico?
É possível verificar no Parecer Pedagógico as concepções teóricas que
estão na base da prática docente?
Há repercussões da escritura do PP na prática pedagógica do docente?
2
CENTRO GINÁSIO PERNAMBUCANO FAZ AVALIAÇÃO DESCRITIVA DE ALUNOS
O Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP) vai adotar, pioneiramente, na rede pública,
uma nova forma de avaliação do desempenho escolar do estudante. (...) O documento (Parecer Descritivo) (...)
não teve nota, mas discriminou o desempenho do estudante em cada um dos conteúdos pedagógicos. O parecer
entregue aos pais faz parte das mudanças educacionais no projeto político pedagógico do CEEGP. “Esta é, na
verdade, uma avaliação formativa. Ela serve como apoio ao processo de aprendizagem de cada um dos
estudantes. Dessa forma, estamos fazendo uma avaliação profunda sobre o aproveitamento de cada um dos
nossos alunos”, disse a gestora administrativa, Theresa Barreto. Ainda segundo ela, essa forma de avaliação
facilita o acompanhamento dos pais no desenvolvimento escolar do filho. “Acredito que assim a família terá um
mapeamento do jovem dentro do ambiente escolar.(...) Para José Roberto Nunes de Vasconcelos, pai de um dos
alunos,“com a iniciativa, a escola está mostrando que tem um compromisso sério com toda a comunidade
escolar, porque para que o alunado seja avaliado dessa maneira, o professor precisa conhecer bem e
individualmente cada estudante”. DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO – PODER EXECUTIVO
Ano LXXXI – n.º 173 – 15/09/2004 – p.2. http://www. fisepe.pe.gov.br/cepe/materias2004/set/exec03150904.htm.
Acesso em 23 de set. de 2004.
24
A pesquisa está organizada em duas vertentes:
Vertente 1: Identificação e descrição das propriedades sociocomunicativas do
Parecer Pedagógico:
traços lingüísticos recorrentes e individuais relacionados à macroestrutura
do texto, distribuição dos tópicos e padrão de textualidade sintática;
aspectos de conteúdo, relacionados às propriedades funcionais,
propósitos discursivos, contexto de produção, situações de uso,
interlocutores explícitos ou presumíveis, presença de outros gêneros.
Vertente 2: Estabelecimento de relações de influência, auxílio, dependência entre
o Parecer Pedagógico e a prática docente, especialmente no que tange a:
ciclos de aprendizagem e prática avaliativa;
concepções de ensino de língua e de avaliação;
aquisição da competência na produção do gênero.
Relaciono, ainda, alguns elementos de análise do PP à construção da
autonomia na escritura do gênero, como a presença de elementos que indiquem que
o produtor dialoga com um interlocutor presumido, um vocabulário que não esteja
restrito aos documentos oficiais e marcas de pessoalidade que apontem a
construção de um estilo, isto é, a construção da individualidade na escrita.
Em relação ao percurso metodológico, a pesquisa foi desenvolvida nas
seguintes fases que se complementaram:
a) Revisão bibliográfica permitiu o estudo da principal categoria da pesquisa
(gênero textual) e a decisão sobre as melhores formas de abordagem teórica
do corpus do trabalho, como também o estudo de outras categorias
importantes para o trabalho, ciclos de aprendizagem e avaliação.
b) Pesquisa de conteúdo 1 – coleta e análise de exemplares de textos de
pareceres de áreas distintas, como, pareceres da área médica, jurídica, além
de pareceres pedagógicos em diferentes instituições. Esse estudo permitiu a
verificação das regularidades macroestruturais desses gêneros para posterior
comparação aos textos do corpus.
c) Pesquisa de conteúdo 2 – Coleta e análise de pareceres pedagógicos
produzidos por professoras participantes do programa de implantação dos
25
ciclos no município, em três momentos distintos: dezembro de 2003, isto é,
após cerca de seis meses da implantação do programa; e em diferentes
períodos de 2004 e 2005. Com isso foi possível levantar a organização
composicional do Parecer Pedagógico em diferentes momentos de sua
introdução nas escolas municipais, apreendendo tanto as suas recorrências
como traços distintivos que surgiram em decorrência de variáveis como o
período escolar em que haviam sido produzidos ou especificidades de quem
os produzira.
O corpus de análise é composto por quinze pareceres, produzidos por quatro
professoras, todas participantes do programa de formação dos ciclos. Então, esse
foi o primeiro critério de seleção do corpus. De uma das professoras, aqui,
identificada pelo nome fictício de “Fernanda’, selecionei 8 pareceres, visto que ela
acompanhou a mesma turma durante todo o período da pesquisa. Outra professora,
“Andréia”, iniciou o programa de formação como coordenadora das primeiras turmas
do ciclo, permanecendo nessa atividade até que, em 2005, assumiu uma turma
como professora regente. Por isso, dessa professora, analisei produções apenas
desse ano. Da professora “Magali”, analisei três exemplares de PP e dois desses
textos referem-se a uma mesma aluna, avaliada no final de 2003 e no final de 2004.
Do mesmo modo, analiso dois pareceres de um mesmo aluno, Breno, produzidos
pela mesma professora, “Aline”, no final de 2003 e no final de 2004.
Na análise dos pareceres, busquei cumprir três objetivos:
a) Identificar as propriedades sociocomunicativas que o parecer pedagógico
assumiu nessa comunidade escolar, incluídos a macroestrutura do gênero, a
distribuição dos tópicos, o contexto de produção e os propósitos discursivos.
Nesta análise, o cotejo dos pareceres é feito, também, entre eles mesmos.
b) Verificar os sinais de avanço no domínio de escritura do parecer: uso da
intertextualidade, marcas de pessoalidade.
c) Identificar indicadores de reflexão pedagógica no discurso e de adesão à
proposta dos ciclos, particularmente, quanto à prática avaliativa reguladora e
ao compromisso com a aprendizagem do aluno.
26
Na busca dos dois últimos objetivos, cotejo as produções de cada professora
com outras produções da mesma professora: produções a respeito de um mesmo
aluno em períodos diferentes ou entre alunos e períodos distintos. Na ordenação
dos pareceres analisados, obedeço a dois critérios: por professora e por ordem
cronológica. Assim, analiso toda a produção disponível de cada professora, das
mais antigas para as mais recentes. Destaco que esta pesquisa não busca
estabelecer índices de freqüência dos fenômenos observados.
Esta tese está organizada em cinco capítulos. O primeiro, Gêneros textuais e
prática profissional, revisa as teorias sobre gêneros e aborda o papel do gênero
parecer como organizador de atividades profissionais da área médica e jurídica. O
capítulo dois, Gêneros textuais na prática docente, estuda alguns gêneros da prática
docente, incluídos o plano de aula, atividade didática e pareceres pedagógicos de
escolas fora do corpus deste trabalho.
No capítulo três, estudo a organização curricular em ciclos plurianuais, seus
princípios, o currículo por competências, a avaliação da aprendizagem e o
significado do registro. O quarto capítulo, Parecer pedagógico, a construção de um
gênero, relata o contexto da formação continuada no município de Pesqueira, a
partir da implantação dos ciclos e a introdução desse gênero na prática docente das
escolas municipais. Finalmente, no capítulo 5, Parecer pedagógico, um gênero em
ação, analiso os textos do corpus de acordo com os critérios já referidos.
27
CAPÍTULO 1
GÊNEROS TEXTUAIS E PRÁTICA PROFISSIONAL
Este capítulo apresenta as bases teóricas que sustentam a principal categoria
deste trabalho: gêneros textuais. Além de apresentar e confrontar os pressupostos
teóricos dos autores estudados, busco estabelecer a relação dessas teorias com os
gêneros textuais estudados na pesquisa, bem como com as práticas sociais em que
estão envolvidos.
Para tanto, parto dos estudos de Bakhtin (1986), no que concernem,
particularmente, à relação entre gêneros do discurso e atividade humana, e, em
seguida, faço uma revisão dos princípios teóricos da Escola Americana da Nova
Retórica (MILLER,1984/1994 e BAZERMAN, 1994a; 1994b; 2005; 2006). Por fim,
tento aplicar as idéias de Miller e Bazerman sobre pareceres da área médica e
jurídica, tentando delimitar a identidade desses gêneros e a relação que
estabelecem com as práticas profissionais que representam.
28
1. A relação entre gêneros do discurso e atividade humana em Bakhtin
A noção de gênero textual surgiu no final da década de sessenta com a
publicação dos estudos de Hugo Steger, que liderava o grupo de Freiburg,
(MARCUSCHI, 2000, p. 4). Entretanto foi a partir dos estudos de Bakhtin (1986) que
adquiriu maior importância na pesquisa lingüística, favorecida, também, pela
evidência de todos os processos de comunicação, orais ou escritos, literários ou
não-literários, ocorrerem através de textos, consubstanciados em um determinado
gênero. Assim, a relação entre gêneros textuais e as práticas discursivas, em seus
contextos situacionais e culturais, faz do tema um campo importantíssimo para a
análise e a compreensão das relações entre linguagem e sociedade, acrescentando
uma relevância e uma significação ainda maior ao ensino de língua, vez que os
estudos da linguagem, a partir do final do século XX, evoluíram de um ponto de vista
sistêmico e estrutural para uma visão centrada nas práticas sociais.
O marco mais importante dessa transformação foram os escritos de Bakhtin.
Conforme Meurer e Motta-Roth (2002, p. 11-12), “a partir de Bakhtin (1986), gênero
é pensado como um evento recorrente de comunicação em que uma determinada
atividade humana, envolvendo papéis e relações sociais, é mediada pela
linguagem”. Considerando, pois, que a linguagem permeia toda a vida social e
exerce nela um papel central na formação sociopolítica e nos sistemas ideológicos,
Bakhtin rejeita o subjetivismo individualista (Humboldt, séc. XIX, e outros) que
defendia a teoria de que língua é atividade (energia) que se materializa nos atos
individuais de fala, estando ligada, portanto, aos atos psicológicos individuais; a
criação lingüística é criação racional e análoga à criação artística; língua é produto
acabado e estável (léxico, gramática, fonética), algo acessório, sendo o mais
importante a sua função como formadora do pensamento. Quanto a essa concepção
de língua, Bakhtin critica especialmente o seu caráter orgânico e monológico:
Assim, a teoria da expressão subjacente ao subjetivismo individualista deve
ser completamente rejeitada. O centro organizador de toda enunciação, de
toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social
que envolve o indivíduo. Só o grito inarticulado de um animal procede do
interior, do aparelho fisiológico do indivíduo isolado. É uma reação
fisiológica pura e não ideologicamente marcada (BAKHTIN, 1997, p.121).
29
A outra teoria criticada por Bakhtin, denominada por ele mesmo de
objetivismo abstrato, tem a língua como um conjunto de regras passíveis de
descrição e está apoiada nas idéias de Ferdinand de Saussure (Curso de Lingüística
Geral, cuja primeira edição data de 1916). A submissão à norma confere a essa
concepção um caráter fechado em que os vínculos se estabelecem apenas entre os
signos, sem envolver o indivíduo e em que os fatos lingüísticos acham-se destituídos
de ideologia. Assim, as variações que marcam os atos de fala individuais
representam alterações das formas normatizadas e não consideram a história do
sistema lingüístico. Essas características dão a essa concepção uma visão de língua
abstrata, porque destituída da realidade social, e homogênea, já que a norma
submete o individual e o social. Bakhtin critica, particularmente, a desvinculação
entre a língua e sua história:
Configurando o sistema da língua e tratando as línguas vivas como se
fossem mortas e estrangeiras, o objetivismo abstrato coloca a língua fora
do fluxo da comunidade verbal. Esse fluxo avança continuamente,
enquanto a língua, como uma bola, pula de geração para geração. (...)
Esse sistema não pode servir de base para a compreensão e explicação
dos fatos lingüísticos enquanto fatos vivos e em evolução. Ao contrário, ele
nos distancia da realidade evolutiva e viva da língua e de suas funções
sociais (...) (BAKHTIN, 1997, p.107-108).
Em síntese, as críticas de Bakhtin incluem as teorias das funções da
linguagem, o locutor sozinho e não na sua relação com o(s) interlocutor(es), o fato
de o papel do interlocutor, quando considerado, ser passivo e limitar-se a
compreender o locutor. Quer dizer, por não se considerar a atitude responsiva ativa
do interlocutor, elaborada durante a audição, e através da qual ele concorda,
discorda, completa etc. Portanto, o enunciado restringe-se ao seu próprio conteúdo,
que é o defendido pelo enunciador, e a língua, assim, requer apenas o locutor e o
objeto do seu discurso, sendo a função comunicativa meramente acessória.
Para Bakhtin, a palavra não pode ser considerada fora de um conteúdo ou de
um sentido ideológico ou vivencial; a verdadeira substância da língua é a interação
verbal, realizada mediante a enunciação ou enunciações, pois:
A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não
no sistema lingüístico abstrato das formas da língua ou no psiquismo
individual dos falantes (ibidem, p. 124).
30
Ao rejeitar o objetivismo abstrato que considera a língua como sistema a-
histórico e abstrato de formas lingüísticas, Bakhtin elege o Dialogismo como
princípio fundador da linguagem: todo enunciado é sempre um enunciado de alguém
para alguém.
Como já referido, em Bakhtin, a categoria “gêneros do discurso” guarda
relação com o caráter e os modos de utilização da língua enquanto atividade
humana. A comunicação humana se dá através de enunciados concretos, orais ou
escritos, que surgem no âmbito de cada atividade, refletindo as suas finalidades e
condições específicas, através do conteúdo temático, do estilo e também da
construção composicional do texto. Embora os enunciados tenham caráter único,
individual, a atividade humana à qual se relacionam os revestem de certas
características comuns que os tornam tipos relativamente estáveis, denominados
gêneros do discurso:
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que
o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias
esferas da atividade humana (...). A utilização da língua efetua-se em forma
de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos
integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado
reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas
esferas, não só pelo seu conteúdo (temático) e (...) pela seleção operada
nos recursos da língua (...), mas também, e sobretudo, por sua construção
composicional. Estes três elementos fundem-se indissoluvelmente no todo
do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma
esfera de comunicação. (...) cada esfera de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que
denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1992, p. 279).
A relação que Bakhtin estabelece entre língua e atividade humana apresenta
a clareza própria das declarações incontestáveis e definitivas, aquelas que são
capazes de, na sua simplicidade, suscitar um “como ninguém tinha pensado nisso
antes?” É através da linguagem (textos, realizados em forma de gêneros) que o ser
humano age no mundo. Destaca-se, também, no conceito de gênero de Bakhtin, a
noção de estabilidade relativa. Há de se observar que se o termo estabilidade
remete à idéia de inalterabilidade ou fixidez dos modelos, o adjetivo que o
acompanha (relativa) indica que esses modelos não são estáticos.
Bakhtin preocupou-se com a interação entre os usuários da língua, ou seja,
com o dialogismo. Para o filósofo, a unidade da comunicação verbal é o Enunciado:
atividade responsiva; orientação para o outro; encadeamento de atos responsivos;
31
situado na vida social. Compreensão responsiva é a fase em que o interlocutor
prepara uma resposta ao discurso do locutor. Este espera que esta compreensão
responsiva seja ativa, ou seja, uma adesão, uma objeção, uma execução etc. Há
uma relação estreita entre a variedade de gêneros do discurso e a variedade das
intenções de quem fala ou escreve. Assim, o locutor é também um respondente,
pois que supõe que seus enunciados representam elos de uma complexa cadeia,
sendo, portanto, conhecidos do interlocutor. Os esquemas lingüísticos que não
consideram o papel ativo do outro no papel da comunicação verbal eliminam os seus
princípios essenciais.
O enunciado, como unidade real da comunicação verbal, representa a forma
concreta de um discurso-fala, o qual só existe porque pertence a um sujeito falante.
A delimitação de cada enunciado se dá pela alternância dos sujeitos falantes; tal
alternância se dá de diferentes formas, mas sempre manifesta o outro, mesmo nas
situações retóricas em que o escritor formula questões e ele mesmo as responde,
pois que representa a simulação convencional do jogo verbal.
A dificuldade para se definir o caráter do enunciado decorre da
heterogeneidade dos gêneros do discurso. Esses podem ser primários (simples) ou
secundários (complexos). Os gêneros primários são os que se constituíram em
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea e por isso têm relação com a
realidade. Já os gêneros secundários do discurso surgem em circunstâncias de uma
comunicação cultural mais complexa, geralmente escrita, como o discurso científico,
sociopolítico etc. Durante a sua formação, os gêneros secundários absorvem os
gêneros primários que, nesse processo, transformam-se e perdem sua relação
imediata com a realidade.
Há um vínculo indissolúvel entre estilo e gênero, evidente, por exemplo, em
cada esfera da atividade humana. Assim, o estilo lingüístico ou funcional é peculiar à
determinada atividade humana. A língua escrita é constituída de estilos os quais
estão em contínua mudança, pois que refletem a própria mudança na vida social.
Assim, em cada época de seu desenvolvimento, a língua escrita é marcada pelos
gêneros do discurso, tanto os secundários como os primários, por isso a ampliação
da língua escrita acarreta um novo procedimento em todos os gêneros que leva à
renovação destes. A literatura recorre aos gêneros do discurso para atualizar-se e
tanto os estilos individuais como os que pertencem à língua tendem para os gêneros
do discurso.
32
Os princípios discutidos por Bakhtin, com destaque especial para conceitos
como dialogismo, interação, e o reconhecimento e aceitação da heterogeneidade
discursiva, fazem desse teórico um dos mais importantes do século XX, presença
marcante em todos os estudos sobre gênero.
Do conceito de gênero proposto por Bakhtin, selecionemos, inicialmente,
esses dois pressupostos:
a) Os gêneros são modelos dinâmicos.
b) Os gêneros relacionam-se às atividades humanas.
Estabelecida que está, de forma inequívoca, a relação entre atividade
humana e língua, pela via dos gêneros (do discurso), podem ser determinados
alguns pressupostos quanto a essa relação:
c) As atividades humanas influenciam ou determinam os gêneros do discurso.
d) A variedade de gêneros do discurso decorre da extrema variedade das
atividades humanas.
e) Os gêneros do discurso têm estabilidade apenas relativa.
Com base nos estudos de Bakhtin, pode-se afirmar que o autor postula uma
concepção de língua como ação social que se dá na interlocução. Nesse sentido, se
admitimos que todas as atividades humanas ocorrem mediante a cooperação entre
várias pessoas e que a linguagem é, possivelmente, o modo mais primário de
cooperação entre os humanos, já podemos estabelecer uma forte relação entre
homens, linguagem e trabalho.
Neste trabalho buscamos reconhecer as relações estabelecidas entre tais
dimensões, particularmente, no campo do ensino.
33
2. Gênero, atividade social e tipificação
Muitos autores, como, por exemplo, Marcuschi (2002) têm conceituado
gênero textual e buscado estabelecer a distinção entre esse conceito e outros mais
tradicionais como o de tipologia textual, além de discutir a sua relação com as
atividades humanas, dentre essas, o ensino. A relação entre gêneros textuais e
atividades humanas, assim como a noção de estabilidade estão presentes, como
maior ou menor ênfase, e também sob outros aspectos e designações, nos
conceitos de outros autores. Assim, “atividade humana” aparece como ação social
em Marcuschi (2002) e como atividade socialmente organizada em Bazerman
(2005). Já a noção de “estabilidade” é substituída, em Antunes (2002), por exemplo,
pela de recorrência a qual, em Bazerman (2005), ao lado da noção de tipificação,
aparece ampliada.
Observe-se, também, que tais noções, conforme o autor, aparecem mais
reforçadas ou mais apagadas (ou menos explícitas). Por exemplo, para Marcuschi
(2002, p. 21, 23), gêneros textuais “são entidades sócio-discursivas e formas de
ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa” ou “realizações
lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas”. Assim, sob a
designação de formas de ação social incontornáveis, os gêneros textuais fazem
parte de todo evento comunicativo, sendo dotados de propriedades
sociocomunicativas específicas, as quais servem, também, para explicitar o seu
funcionamento.
Antunes (2002, p. 69) conceitua gêneros textuais como “classes de
exemplares concretos de textos”, identificando uma “dimensão global de sua
realização, firmada na recorrência de traços e na instauração de modelos” e uma
“dimensão particular de suas manifestações [dos gêneros], em que se dá uma
confluência do homogêneo e do heterogêneo das realizações individuais”. Destaca-
se nesse conceito a noção de dupla dimensão, uma mais ampla, relacionada aos
modelos instituídos, e outra, específica, em que esses mesmos modelos realizam-se
acrescentados de traços próprios, individuais, que conferem heterogeneidade ao
gênero textual. Nesse conceito, a noção de atividade humana está sugerida em
realizações e a de estabilidade aparece como recorrência de traços.
34
O pesquisador americano Charles Bazerman (2005) também destaca a
relação entre gêneros e atividade humana, ao conceituá-los como “fenômenos de
reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente
organizadas” (p. 31, grifo meu):
A definição de gêneros como apenas um conjunto de traços textuais
ignora o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos.
Ignora as diferenças de percepção e compreensão, o uso criativo da
comunicação para satisfazer novas necessidades percebidas em
novas circunstâncias e a mudança no modo de compreender o
gênero com o decorrer do tempo (ibidem, p. 31).
Isso indica que apesar de os gêneros manifestarem-se através de modelos,
essa dimensão não deve ser a única a ser considerada, porque tais modelos não
são estáticos; como salienta Marcuschi (2002: 19), gêneros “são altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos” e “não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa”. Bazerman (2006, p. 23) também afirma: “Gêneros
não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames
para a ação social”.
A noção de recorrência, então, mesmo considerada como essencial para o
reconhecimento e utilização de um gênero, não deve ser tomada como repetições
meramente formais, pois que não se trata da recorrência de traços estáticos, mas de
funções, propósitos e situações similares, incluindo, assim, a recorrência de
padrões, estruturas e, sobretudo, de ações. Na verdade, pode-se dizer que a noção
de estabilidade relativa de Bakhtin, restrita aos tipos de enunciados, amplia-se, na
maioria dos autores contemporâneos, quando passa a referir as atividades
associadas a determinado gênero e recebe a denominação de recorrência.
Em Bazerman (2005), que compreende gêneros como “fenômenos de
reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente
organizados” (p. 31), a noção de recorrência vem ao lado da noção de tipificação:
“os gêneros tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte do modo como
os seres humanos dão forma às atividades sociais” (ibidem, p. 31). Assim, os
gêneros emergem quando as situações em que eles surgem se tornam típicas e
recorrentes. Pode-se afirmar, então, que gêneros são baseados em ações retóricas
tipificadas e situações recorrentes.
35
Bazerman assim como Miller (1984; 1994) e John Swales (1990) inserem-se
na linha teórica americana que desenvolveu a noção de gênero como ação social.
Os estudos de Swales focalizaram também os gêneros como suporte do ensino de
segunda língua como visto no tópico sobre gêneros e ensino, página 49 deste
trabalho.
Esses teóricos fazem parte da chamada “escola americana da nova retórica”
que, ao tratar gêneros como ação social, torna-os dependentes da estrutura de cada
sociedade, situando-os na realidade social. Assim, aprender um gênero não é
aprender um conjunto de padrões formais para atingir certos objetivos e sim, formas
de inserção sociocultural. Assim é que, para Miller, não há uma teoria consistente
dos gêneros, já que todas elas, em maior ou menor grau, são ou parciais ou
intuitivas e não consideram de modo sistemático todos os elementos necessários
para uma teoria completa. É nesse sentido que a autora afirma:
(...) para que o termo “gênero” signifique algo teórica ou criticamente útil,
não deve referir-se a nenhuma categoria ou tipo de discurso. Assim, uma
teoria retórica deveria estabelecer gênero como categoria estável e torná-lo
um conceito retoricamente sólido (MILLER, 1984; 1994, p. 23).
E acrescenta:
uma definição teoricamente sólida de gênero deverá centrar-se não na
substância nem na forma do discurso, mas na ação em que ele é usado
para atuar (p. 24).
O curioso ponto de vista adotado pela autora valoriza sobremaneira as ações,
o que é bastante razoável, já que são estas que invariavelmente acontecem com a
concorrência dos gêneros, e não o contrário. Por exemplo, eu só posso realizar a
ação de avaliar se dispuser de algum gênero mediante o qual eu possa constatar,
refletir sobre o que constatei e comunicar algo acerca de todo o processo. Em outros
termos, se não for para realizar a ação de avaliar o meu aluno, se não for para emitir
um julgamento acerca de seu desempenho, (com todas as implicações pedagógicas,
sociais, institucionais e legais relacionadas a essa ação), não há por que escrever
um parecer pedagógico (ou verificar e comunicar uma nota ou conceito para aquele
aluno).
Assim, a relação entre prática profissional e gêneros textuais, de natureza
dialética, acha-se estabelecida de tal modo que podemos dizer que a prática
profissional, pelo menos socialmente, não existe sem os gêneros; isto é, a prática
36
profisssional só gera efeitos sociais e legais se estiver ratificada pelos gêneros
textuais. O gênero não existiria não fosse pela ação, a qual o precede e o determina.
Por conseguinte, “gênero vai além de uma entidade formal; torna-se pragmático, um
ponto de conexão entre intenção e efeito, um aspecto da ação social (MILLER,
1984, 1994, p. 25)”. A autora defende ainda que é pela análise da situação e das
condições sociais que se conhece melhor o gênero.
A noção de recorrência (de ações e situações) é essencial na teoria de Miller,
como já visto também em Bazerman, pois é mediante a recorrência que os gêneros
vão se consolidando. Considerando o fato de que uma ação, no sentido material, é
única, como estabelecer, então, a recorrência de uma ação? A autora afirma que a
“recorrência é um fenômeno intersubjetivo, uma ocorrência social, e não pode ser
entendido em termos materiais” (MILLER, 1984, 1994, p. 29). O conceito de
recorrência relaciona-se com outro, o de tipificação: “É através do processo de
tipificação pela linguagem que geramos recorrência, analogias, similaridades” (ib. p.
29). Tipificação, portanto, parece ser as formas lingüísticas usuais às quais
recorremos em determinadas situações, mas não apenas essas, que são as mais
típicas, mas outras, as que exigem certo grau de adaptação e savoir-faire, enfim,
aquele discurso resultante da percepção que todo usuário da língua tem acerca do
que deve ser dito em determinada circunstância, incluindo o modo como dizê-lo, ou,
pelo menos, daquilo que não pode ser dito, de nenhum modo. Essa competência, no
meu entender, é desenvolvida pela experiência social com a linguagem que permite
a identificação e seleção adequada de analogias e similaridades entre as ações e os
gêneros que elas inspiram.
Essa questão já extrapola o interesse lingüístico, como bem observa
Bazerman (2005, p. 55):
Os sociólogos também estão procurando saber como regularidades
reconhecíveis de discurso e encontros sociais (isto é, como percebemos
fala e eventos como sendo realizados em gêneros tipificados) não somente
fornecem uma orientação a situações, mas também permitem a realização
dos elementos básicos da ordem social.
Para que um gênero seja identificado e compreendido como tal, Miller propõe
uma hierarquia de compreensão em três níveis. Nessa hierarquia, é necessária a
fusão entre o primeiro nível, a substância, e o segundo, a forma; a substância
37
representa o valor semântico do discurso e a forma é um indicador que orienta a
interpretação do evento.
O terceiro nível dessa hierarquia é o contexto. Este, encerrando ambas,
substância e forma, torna possível que a ação resultante da fusão daqueles níveis
seja interpretada. Contudo, a autora enfatiza que não se deve atribuir um valor
absoluto a cada um desses níveis, já que eles operam juntos e numa relação
relativamente complexa. De qualquer forma, como resultado dessa proposta, e
influenciada pela Teoria dos Atos da Fala (Austin, 1962), a autora sugere uma teoria
geral do gênero, com base num modelo hierárquico.
Neste modelo, o nível mais elevado é o da natureza humana, de caráter
universal, e que dá origem à cultura, produção do ser humano que organiza formas
de vida tipificadas nos gêneros. Estes, mediante estratégias ou episódios,
constituem-se pelos atos de fala produzidos em locuções, enunciados com sintaxe e
semântica, realizados com convenções lingüísticas (linguagem), tendo por base a
experiência individual (onde me situo), nível mais baixo da hierarquia, além do qual
não se pode ir.
A autora frisa que o modelo não deve ser tomado como linear, uma vez que
os gêneros podem influenciar uma investida maior numa ou noutra ponta da
hierarquia. Ao explicitar os traços particulares dos gêneros (MILLER, 1984/1994, p.
37), a pesquisadora refere-se a esses como uma categoria convencional do discurso
baseada numa larga escala de tipificação da ação retórica; como ação, eles
adquirem significação na situação e contexto social; como ações significativas, são
interpretáveis por meio de regras. Assim, os gêneros distinguem-se de forma – são
formas num nível particular, com padrão recorrente de uso da língua, constituindo
recurso retórico para mediar intenções privadas e exigência social.
Miller acrescenta:
essa perspectiva não é precisa o suficiente para permitir a quantificação ou
identificação dos traços formais de um gênero nem para determinar uma
hierarquia completa de suas regras de constituição, mas pode constituir um
guia seguro para sua avaliação (MILLER, 1984/1994, p. 37).
Nesse sentido, uma coleção de discursos pode ser considerada como não
constituindo determinado gênero, se pudermos observar as seguintes falhas:
faltam similaridades formais e substantivas nos níveis mais altos da
hierarquia;
38
a situação retórica não contém todos os elementos recorrentes que
constituem a base do gênero;
faltam os componentes pragmáticos capazes de tornar o gênero uma ação
social.
Em publicação feita dez anos após esse primeiro trabalho, (MILLER, 1994), a
autora afirma que o modelo hierárquico que ela propusera carecia de maior
comprovação (p. 68).
Se é no trabalho publicado originalmente em 1984 que Miller lança os
primeiros pressupostos de sua teoria, dez anos depois, a autora aprofunda-os,
especialmente, no que concerne ao modelo hierárquico proposto anteriormente: a
relação entre o particular (a ação observável) e a sociedade, instituição, cultura; ou
entre os níveis micro e macro. Apoiando-se na teoria da estruturação de Giddens
(1984), a autora reivindica para o gênero, como elemento constituinte da sociedade
e padrão recorrente de usos da língua, o papel de articulador desses níveis:
O que proponho é que vejamos o gênero como um específico, e
importante, constituinte da sociedade, um aspecto maior de sua estrutura
comunicativa, uma das estruturas de poder que as instituições controlam.
Podemos entender gênero especificamente como aquele aspecto da
situação de comunicação que é capaz de reprodução, que pode se
manifestar em mais de uma situação e mais de um espaço-tempo concreto
(...).
Ver gênero como um nexo estruturador do nível intermediário entre a
mente e a sociedade sugere que a sua específica contribuição retórica
coloca o problema numa teoria social (...). A necessidade prática de
ordenar os recursos lingüísticos para o propósito da ação social liga os
níveis micro [individual] e macro [social].
A importância das referências históricas (tempo-espaço concreto) nas práticas
discursivas também aparece em Bazerman (2005, p. 55).
As práticas lingüísticas, organizadas por gêneros, através das quais as
pessoas indicam os traços de tempo, espaço, pessoas, ou seus próprios
corpos, continuamente constroem o que é discursivamente saliente e,
assim, o que forma o contexto relevante para enunciados.
O posicionamento teórico de Bazerman corrobora muitas das concepções de
Miller, contudo o autor amplia, em alguns aspectos, certos fundamentos
apresentados pela pesquisadora. É o caso da noção de atos de fala. Para o autor, a
Teoria dos Atos de Fala apresenta três dificuldades que devem ser consideradas: a
importância das circunstâncias locais na sua identificação, interpretação e
39
realização; a sua polissemia (um mesmo ato em situações diversas pode ter
múltiplas interpretações); a dificuldade de sua aplicação a longos e complexos
documentos escritos (BAZERMAN, 1994, p. 86-89, passim).
É nesse contexto que o autor sugere a adoção do conceito “sistemas de
gêneros” para designar um conjunto de gêneros interligados institucionalmente; tais
gêneros (da ordem legal), mesmo que bastantes estáveis, mudam e adaptam-se às
novas necessidades sociais e guardam entre si uma relação intertextual.
Da teoria de gênero como ação social, como proposta pela escola americana
da nova retórica, destaco alguns pressupostos que julgo pertinentes como ponto de
vista teórico para o estudo sobre o Parecer Pedagógico:
a) Os gêneros emergem quando as situações em que eles surgem se tornam típicas
e recorrentes.
b) Praticamos um gênero quando praticamos ações retóricas tipificadas e
recorrentes com intenções definidas.
c) Os contextos históricos e culturais influenciam os gêneros: tempos diversos e
culturas diversas comportam gêneros diversos.
d) Conjuntos de gêneros interligados institucionalmente formam sistemas de
gêneros que partilham entre si atos de fala, situações, formas interpretativas, numa
relação intertextual.
3. Parecer, Pareceres: como um gênero pode regular a vida das pessoas
A questão da nomeação ou classificação dos gêneros se afigura, no campo
da teoria lingüística, como de difícil solução, assim como, de resto, ocorre em muitas
outras coisas do nosso cotidiano. Segundo Marcuschi (2004), o problema só não é
maior porque ninguém exige, no dia-a-dia, que justifiquemos nossas nomeações.
Acrescento que para nos salvar inventaram os adjetivos: sempre é possível recorrer
a eles quando os substantivos não são suficientes para designar determinada coisa
(ou gênero). Também deveríamos ser gratos a quem nomeia as coisas,
especialmente, os anônimos.
Na verdade, a dificuldade de classificar um gênero, no sentido de inserir um
texto em um ou em outro gênero, decorre da natureza mesma dessa categoria, já
40
que os gêneros não são formas lingüísticas fixas e acabadas, mas estratégias de
ação social (Miller, 1984). Justamente por isso, sob o ponto de vista epistemológico,
já não é prioritário classificar gêneros. Entretanto, dentro da comunidade onde o
gênero é utilizado, sua identidade é necessária e importante, tanto que é na
comunidade que o gênero é nomeado de acordo com a ação retórica em que ele
ocorre. Nem assim deve-se esquecer o caráter provisório dessa identidade.
Os nomes de grande parte dos gêneros carecem de qualificadores para
melhor designá-los. Esses qualificadores podem sinalizar conteúdos, função e, em
muitos casos, a ação que está na base do gênero. Por exemplo, carta de despedida
– alusão ao conteúdo; carta comercial – alusão à função; carta de cobrança – alusão
à ação de cobrar. Evidentemente essas classificações não estão aqui propostas
como fixas. A carta de despedida pode estar aludindo à ação de despedir-se;
cobrança é uma ação, mas também pode representar a função da carta. O que
estou querendo destacar é que a identidade desses gêneros nos permite antecipar o
teor do seu conteúdo e isso é possível por causa do nosso conhecimento cultural a
respeito das ações sociais às quais eles aludem. Além disso, em razão desse
mesmo conhecimento, podemos identificar muitas de suas estratégias discursivas, o
que nos permitiria distingui-los, sem nenhuma dúvida e, até mesmo, em certas
circunstâncias, produzi-los com alguma eficiência. Também podemos dizer que
apesar desses gêneros terem propósitos comunicativos bem diversificados, todos
nós os reconhecemos como cartas. Isso significa que eles possuem similaridades e
obedecem a certas convenções lingüísticas e discursivas, reconhecíveis na
comunidade, que os inscrevem tanto nessa categoria mais geral como nas
específicas. São as atividades relacionadas a cada um desses gêneros mais
específicos que determinam a nomenclatura pela qual eles são identificados na
comunidade. Por isso, acreditamos que a nomeação do gênero ocorre como
resultado de uma necessidade de explicitação de sua função que surge dentro da
comunidade onde ele se desenvolve.
Como já destaquei aqui, o surgimento de um gênero textual em uma
comunidade está na dependência das atividades que ela desenvolve. Entretanto,
além de atender uma necessidade relacionada a uma atividade social, muitos
gêneros se formam a partir de outro já existente. Um gênero não surge do nada, ou
seja, um gênero não é inventado. É o caso do Parecer. Como qualquer gênero, o
Parecer se amolda, se adapta, se harmoniza para atender os propósitos discursivos
41
pretendidos pelo locutor. Por outro lado, nesse processo, ele vai tornando
consistente a sua forma, tipificando-a, pela recorrência de certos traços lingüísticos e
principalmente pela recorrência de ações.
Como a carta, o Parecer se desdobra em especificações que indicam sua
relação com a atividade social que ele representa. Assim, encontramos o Parecer
Médico, o Parecer Jurídico, o Parecer Pedagógico. Mas encontramos também, em
algumas instâncias, o termo Parecer, sem adjetivações, como é o caso dos
pareceres pedagógicos das escolas municipais do Recife. Às vezes, aparece
identificado com a sigla do órgão responsável pela sua emissão, por exemplo:
Parecer CNE/CES (Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Ensino Superior);
Parecer CoBi (Conselho de Bioética). Na área médica, o Parecer Médico é um termo
genérico, um hiperônimo, pois os nomes dos pareceres vêm sempre acompanhados
da especialidade médica que representam: Parecer Neurológico, Parecer
Cardiológico, Parecer Cirúrgico.
É bem provável que, como muitos outros gêneros, o Parecer tenha origem no
gênero carta. É o que parece indicar o Parecer Médico que nada mais é do que uma
espécie de carta de um médico para outro, acerca da condição de saúde de um
paciente, em que é avaliada uma hipótese de diagnóstico ou a conveniência de
determinado procedimento terapêutico. No exemplo abaixo, a correspondência entre
dois médicos sobre uma mesma paciente (G. R. S.) é ilustrativa.
Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3
42
O exemplo 1 é a solicitação do Parecer. O texto vem escrito em formulário
utilizado para receituário ou solicitação de exames em que aparecem impressos, na
parte superior, os dados de identificação da médica (nome, especialidade, número
de registro no Conselho) e, embaixo, o endereço do consultório.
Para
G....... R...... S........
Solicito avaliação
Neurologia Clínica
Paciente portadora de
angiodisplasia de intestino
delgado e cólon e
deveria fazer uso de
Talidomida.
Solicito avaliação para
investigação de Neurite
periférica, pois o efeito
colateral da droga é
esta doença.
[carimbo/ assinatura]
Exemplo 1
(transcrição)
No texto, podem ser observados tópicos bem marcados: a) identificação da
paciente (na figura, apenas as iniciais), antecedido pela preposição “para”. Esta, nos
textos médicos, indica o paciente, alvo da prescrição médica, isto é, a quem se
destina a ordem expressa e formal do médico. b) solicitação objetiva do parecer com
explicitação da especialidade clínica que deverá fazer a avaliação; note-se a
ausência de modalizadores, indicador da autoridade do médico sobre os
procedimentos. c) justificativa da solicitação, com o diagnóstico, a pretensão
terapêutica e a indicação da finalidade da investigação; d) carimbo e rubrica da
médica solicitante.
Em 2, a resposta (o parecer neurológico) que, nesse caso, foi escrito no verso
da solicitação.
Cara colega:
Não evidenciei achados
no exame neurológico
sugestivos de polineuropatia
periférica ou de neurites.
A seu dispor,
[carimbo/ assinatura]
Exemplo 2
(transcrição)
43
Além da objetividade bem marcada do texto, pode-se observar o caráter
epistolar no vocativo e na forma de encerramento. O exemplo 3 é outro Parecer do
mesmo médico, realizado durante internamento da citada paciente.
Exemplo 3 (transcrição):
G.........R........S..........
Cara colega:
Avaliei a pcte acima durante
internamento no HUR II a pedido
de Helena, apresentando quadro
compatível com ataque
isquêmico transitório de tronco
cerebral.
RNM/ Angio RNM. Alterações degenerativas.
Em virtude do antecedente de HDB [hemorragia digestiva baixa], não iniciei
antiagregante, considero
interessante o emprego
de
Sinvastatina.
A seu dispor,
[carimbo/assinatura]
Além dos elementos observados em 2, o texto apresenta: contexto situacional
de atendimento da paciente; achados físicos do exame, justificativa clínica para não
ter iniciado tratamento (que parece convencional, para o estado da paciente);
sugestão terapêutica.
É, porém, pela análise das ações em que cada um desses textos está
envolvido que vamos justificar a sua concretização. Assim, sobre o primeiro texto,
podemos especular: o que fez que a médica precisasse solicitar um parecer de um
especialista? Com que informações ela precisou subsidiar esse especialista? O
Parecer era imprescindível para as suas decisões clínicas? No intervalo de tempo
entre o pedido e a resposta, como ficou o tratamento da paciente? Que decisão a
médica tomaria com base no Parecer)? Com base nesses exemplos (e no nosso
conhecimento cultural a respeito da prática médica), podemos dizer, em síntese, que
a médica buscava subsídios para uma decisão terapêutica importante. É possível
inferir, ainda, que após o Parecer (e somente após), ela tenha prescrito a droga para
a paciente e que antes de receber o Parecer do colega, a médica não tenha tratado
a síndrome da paciente ou que esta tenha sido atendida apenas com alguma
terapêutica paliativa em situação de emergência. Além disso, não seria exagero
admitir que com o Parecer do colega a médica teria mais elementos de defesa num
44
eventual questionamento jurídico (mesmo que ela não tenha pensado a respeito
desse detalhe).
Exemplo 4: Parecer cólon-proctológico
45
Exemplo 4 (transcrição)
Prezado D
Recebi a Sra. C .....G.....
para esclarecimento de dor referida.
Ao exame proctológico,
auriscópico e retoscópico
não evidenciei quaisquer
indicação de patologia ano
retal que sugerisse relacionada
à dor.
Ao exame ano-retal
concluímos: normal.
Às ordens,
com o abraço do amigo
[data/ carimbo/ assinatura]
O exemplo 4 ratifica o caráter epistolar do Parecer, especialmente, na forma
de encerramento. Quanto aos tópicos, evidenciamos: vocativo, identificação da
paciente e finalidade do exame; constatação diagnóstica com referência aos meios
de diagnose; conclusão; encerramento, data e assinatura.
Com base nesses exemplares, verificamos, além do caráter epistolar, que o
Parecer Médico é curto, objetivo e tem léxico bastante especializado. A interlocução
se dá apenas entre um médico assistente (no jargão médico, o que está
acompanhando a evolução clínica do paciente) e outro especialista – não inclui o
paciente ou seus familiares, pois explicita, no vocativo, o nome do médico
destinatário ou a sua condição de pertencente à mesma corporação. A forte
presença dos termos técnicos, inclusive, cifrados através de siglas (Exemplo 3), é
outro indicador dessa interlocução bem particular, revelando, também, que os
interlocutores costumam imprimir, talvez, deliberadamente, um caráter indecifrável
ao seu texto, impedindo que o paciente tenha acesso às deliberações que eles
encerram e ratificando o aspecto confidencial dessa correspondência. É interessante
notar que essa questão pode ter relação, ao mesmo tempo, com a ética médica (o
sigilo profissional) e com a tradição da correspondência pessoal.
Entretanto, se o Parecer Médico guarda certas semelhanças com a carta, seu
propósito comunicativo é bastante diverso: servir de auxílio ao médico assistente em
esclarecimentos diagnósticos e nas decisões terapêuticas sobre o paciente. Esse
46
propósito é atendido na medida em que, mediante o texto, o médico parecerista
emite uma opinião. Ainda podemos acrescentar que na sua elaboração o médico
pode lançar mão de outros gêneros que registram a história clínica do paciente,
como, exames, relatórios, laudos, prescrições. Entretanto, o mais importante é
perceber que todos esses gêneros, que compõem um sistema de gêneros
(Bazerman, 2005), só existem para apoiar a atividade clínica desenvolvida pela
comunidade e também que concretizam a ritualística médica. Parece redundante
frisar como tais textos regulam e decidem sobre a vida do paciente.
Na seqüência, vamos atentar para outro tipo de parecer para verificar se há
elementos comuns.
Exemplo 5: Parecer Jurídico
Parecer Jurídico (processo CODASP. 14.330/2005) – Impugnação do Edital do Pregão nº
2/2005, pela ABRATEC. Alegação de impossibilidade de licitar os serviços técnicos e
especializados de controle de solo través da modalidade licitatória em referência, por se tratar
de serviço de engenharia, esbarrando na vedação do art. 2º, § 2º, do Decreto Estadual
47.247/2002. Improcedência. Os serviços licitados são comuns, porquanto estão cingidos ao
levantamento das condições do solo, mediante análise geológica, não envolvendo nenhuma
interpretação dos dados colhidos e em ação corretiva/interventiva, não se tratando, portanto,
de serviço de engenharia.
A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Construção Civil impugnou o Edital
do Pregão nº 2/2005, que tem por objeto a prestação de serviços técnicos especializados em controle
tecnológico de solo, alegando, em síntese, que os serviços são de engenharia e não poderiam ser
objeto de certame licitatório na modalidade pregão, por força da vedação contida no Decreto Estadual
nº 47.247/2005, art. 2º, § 2º, que proíbe a utilização desta modalidade de licitação para serviços de
engenharia.
A área técnica da Companhia se manifestou considerando comum os serviços licitados.
É o relatório, passo a opinar.
A Impugnante considera em suas razões que a tomada de preços seria o procedimento
licitatório adequado para a contratação dos serviços pretendidos.
Ocorre que, como é cediço, o pregão é modalidade que viabiliza maior participação e a
obtenção de melhores preços, portanto, é mais conveniente para a CODASP que a tomada de
preços, adstrita a empresas cadastradas.
Neste passo, seguindo o parecer técnico constante dos autos, entendo que os serviços objeto
da licitação não devem ser compreendidos de forma extensiva, como serviços de engenharia, mas
sim, diante da sua natureza de mero levantamento, como serviço comum, possível de ser licitado
através do pregão.
E esta é a interpretação que melhor realiza o princípio da ampla competição, sem
comprometer a qualidade dos serviços prestados, por se tratarem de serviços comuns.
Isto posto, opino pelo não acolhimento da Impugnação, devendo no presente caso prevalecer
a modalidade eleita, tendo em vista que, em sentido estrito, os serviços licitados não se enquadram
como serviços de engenharia.
É o parecer.
São Paulo, 13 de abril de 2005.
Diógenes Madeu
Assessoria Jurídica
Disponível em www.iga.br/mapas/cgi/IGA. Acesso em 25 de março de 2006.
47
O texto apresenta-se organizado nos seguintes tópicos:
a) Síntese da demanda que deu origem ao pedido de Parecer Jurídico, com a
conclusão do parecerista e a justificativa técnica. Esse tópico contém ainda a
identificação do processo e está destacado em negrito. (Parágrafo 1)
b) Detalhamento da ação, com a alegação e sua base legal. (Parágrafo 2)
c) Referência à opinião da área técnica (ou seja, a um parecer técnico sobre a
alegação do impugnante). (Parágrafo 3)
d) Fechamento formal da primeira parte do documento, as razões da disputa, e
introdução da segunda parte, o parecer propriamente dito. Tópico
metalingüístico, pois refere o próprio texto (É o relatório, passo a opinar).
(Parágrafo 4)
e) Exposição, deliberação sobre o assunto. (Parágrafos 5 a 8)
f) Julgamento. (Parágrafo 9)
g) Formalização do fechamento da ação – metalinguagem (Parágrafo 10)
h) Data, assinatura, papel social/ legal do locutor.
Sobre a identidade desse texto enquanto Parecer, o que faz dele um
Parecer? Primeiro, ele é reconhecido e aceito como tal na esfera social em que
circula. Segundo, ele representa uma opinião abalizada sobre uma determinada
área de interesse. É esse o principal traço comum que mantém com outros tipos de
parecer. Quanto aos traços específicos, os que fazem que seja jurídico, vai para
além do jargão, guarda relação com os rituais próprios, reconhecidos e aceitos da
esfera jurídica. O texto também faz menção explícita a outros gêneros que
fundamentaram uma e outra parte da demanda (sistema de gêneros). E por fim, foi
produzido na esteira de várias ações sociais, mencionadas ou implícitas, que o
precederam ou lhe sucederão, e que são por ele legitimadas: impugnação, pregão,
interpretação, levantamento das condições do solo, pagamento por serviço realizado
etc.
Nos próximos capítulos, estudo alguns gêneros da prática docente e também
como se deu a introdução do parecer na prática pedagógica de um grupo de
professoras e qual a repercussão desse gênero na ação docente.
48
CAPÍTULO 2
GÊNEROS TEXTUAIS NA PRÁTICA DOCENTE
Neste capítulo, abordo as várias teorias que exploram o gênero textual sob a
perspectiva do ensino e analiso alguns gêneros produzidos por professores em
contexto profissional, incluídos aí alguns pareceres pedagógicos de outras redes de
ensino que não a do corpus desta tese. Começo, no primeiro tópico, por confrontar
tipo e gênero textual e discutir outras noções que julgo importantes para o estudo de
gênero como categoria didática, por exemplo, domínio discursivo e heterogeneidade
tipológica. Também é discutida a questão da identidade do gênero e das suas
potencialidades pedagógicas. Nesse percurso, reviso Swales (1990), Bhatia (1993),
Bronckart (1999) e Schneuwly e Dolz (2004).
No segundo e terceiro tópicos, abordo a prática profissional docente por meio
de três gêneros textuais, um plano de aula e uma proposta de atividade didática (no
tópico 2) e três pareceres de escolas situadas na Região Metropolitana do Recife
(tópico 3). Com a inclusão de pareceres de outras redes de ensino, pretendo mostrar
49
as características formais e discursivas que esse gênero assume em outras
comunidades escolares, e analisar aspectos como concepções pedagógicas
implicadas, nível de qualificação e, sobretudo, como tais gêneros dão forma à ação
docente (BAZERMAN, 2005).
1. Gêneros textuais e ensino
Os estudos sobre gêneros textuais abriram novas perspectivas de exploração
didática no trabalho com a escrita o qual, principalmente com o concurso dos livros
didáticos, se cristalizara em temáticas descontextualizadas e formas textuais fixas,
isto é, descrição, narração, dissertação.
Marcuschi (2002, p. 22-23), baseado em estudos de Adam (1990) contrasta a
terminologia gênero textual com o conceito de tipo textual, alegando para a primeira
“características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica” e para a segunda “construção teórica
definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas}”. Enquanto esta abrange uma quantidade limitada
de tipos (narração, descrição, argumentação, exposição e injunção), aquela tem
uma variedade impossível de definir. Entre os exemplos de Marcuschi para gênero,
aparecem telefonema, sermão, carta pessoal, bilhete, horóscopo, cardápio etc.
O pesquisador discorre, ainda, sobre a noção de domínio discursivo, instância
de produção discursiva que, abrangendo uma determinada atividade humana, não
representa textos nem discursos, mas promove o aparecimento de vários gêneros
dentro de um mesmo domínio, como o domínio do discurso jurídico, em que há
gêneros como petição, alvará de soltura, sentença, parecer jurídico etc.
Um aspecto importante da noção de gênero textual é o da heterogeneidade
tipológica. Trata-se da possibilidade de coexistirem em um mesmo texto de
determinado gênero, seqüências tipológicas diversas, como ilustra muito bem
Marcuschi nesse mesmo trabalho. Assim, em um texto do gênero carta pessoal,
podem ocorrer diversas, ou mesmo, todas as seqüências tipológicas: injunção,
descrição, narração, argumentação, exposição.
50
Antunes (2002, p. 71-72) observa, com propriedade, as vantagens de se
utilizar a noção de gênero como “ponto orientador do ensino“, entre outras, a
superação das dificuldades de produção e recepção de textos, através de uma
progressiva internalização das regularidades típicas de cada gênero.
Cabe, ainda, registrar as dificuldades e a inadequação de se promover uma
tentativa de classificação dos gêneros textuais. Tais dificuldades decorrem da
natureza mesma do fenômeno lingüístico. Assim, Marcuschi (2000) exemplifica com
o termo entrevista, que poderia servir, a princípio, para designar um gênero textual,
mas não é suficiente para dar conta da função do evento e, assim, são necessárias
explicitações, tais como, entrevista médica, entrevista jornalística, entrevista de
emprego etc. Por outro lado, o caso dos inquéritos policial ou judicial não são,
também, entrevistas?
Na verdade, muito mais importante do que a tarefa inglória de classificar os
gêneros é identificar as regularidades de cada prática discursiva, incluindo nestas as
ações sociais a que se relacionam, sempre com vistas a perceber seus propósitos e
sentidos, mas também, verificar o traço específico, individual que cada produtor
pode imprimir ao seu texto. É claro que nessa busca é necessário agruparem-se os
semelhantes para melhor perceber-lhes os traços distintivos. Assim é que vários
autores, e entre eles Marcuschi, propõem dois critérios básicos de agrupamento (e
não de classificação): um, com base na tipologia textual, em que as distinções são
lingüísticas e estruturais; outro, com base na noção de formação discursiva,
indicadores de instâncias discursivas específicas, como, por exemplo, discurso
religioso, discurso jurídico etc.
Uma questão importante sobre gêneros diz respeito às potencialidades
pedagógicas. Afinal, um gênero textual pode ser ensinado e aprendido? Para Hasan,
o aprendizado dos gêneros, por serem eles relacionados às estruturas sociais, é
uma questão de aprendizado social; a aquisição de um gênero é uma experiência
social (1989, passim). Essa observação que destaca a relação entre gênero e ação
social indica, de certa forma, uma espécie de sujeição do gênero à atividade
humana.
O pesquisador John Swales (1990) volta-se para o estudo dos gêneros
acadêmicos e ensino de segunda língua. Entre as suas concepções teóricas
destacam-se:
51
a) Comunidades discursivas – Redes socioretóricas amplas, caracterizadas
por agrupamentos sócio-históricos e determinação funcional do aspecto
comunicativo, ou seja, o discurso faz parte de seu comportamento social, as
quais agrupam indivíduos por interesses sócio-profissionais.
Esse conceito é empregado no ensino de produção de texto como uma
atividade social e sugere que o discurso opera com convenções definidas por
comunidades que têm objetivos públicos comuns e mecanismos próprios de
comunicação. Esses grupos operam com base na troca de informações,
desenvolvem e utilizam um elenco próprio de gêneros com aquisição de um léxico
particular. A comunidade discursiva é legitimada pelos membros que têm um grau
adequado de conteúdo relevante e competência discursiva.
O autor destaca, porém, que a participação em uma comunidade discursiva
não quer dizer, necessariamente, assimilação de sua cultura ou visão de mundo.
Como exemplo dessa difícil relação, Swales cita o caso da espionagem, em que a
assimilação bem sucedida, necessária para o êxito da missão, pode fazer que o
espião infiltrado em uma comunidade desista de trabalhar para apenas um dos lados
e passe a ser um agente duplo. Entretanto, nada impede que os indivíduos
pertençam a várias comunidades e, assim, variem o número de gêneros que
dominam (p. 30, passim).
Notamos uma aproximação teórica entre as noções de comunidade discursiva
e domínio discursivo, especialmente quando se considera a relação estabelecida
entre gênero e atividade social.
b) Gênero – Classe de eventos comunicativos reconhecíveis por sua relativa
estabilidade e pela denominação que recebem, distribuídos tanto na fala como na
escrita e diretamente vinculados aos eventos comunicativos.
Esse conceito de gênero que faz menção à noção de estabilidade relativa de
Bakhtin é, depois, melhor desenvolvido, incluindo conceitos como o de propósito
comunicativo, conteúdo e estilo, protótipo.
Ao explicitar a noção de evento comunicativo, o autor mostra o gênero
(discurso) dentro do seu contexto cultural, histórico e enunciativo:
evento comunicativo compreende não apenas o discurso em si e seus
participantes, mas o papel desse discurso e o entorno de sua produção e
recepção, incluindo suas associações históricas e culturais (SWALES,
1990, p. 46).
52
A noção de propósito comunicativo aparece como critério principal e
determinante para que um texto seja identificado como um ou outro gênero, em
detrimento de semelhanças de forma. Ou seja, um gênero é definido pelo seu
objetivo comunicativo o qual é reconhecido pelos experts da comunidade discursiva;
é essa base reconhecida (a lógica do gênero) que influencia e condiciona a escolha
do conteúdo e estilo. Essa concepção de gênero, entretanto, oferece dificuldades
para precisar o propósito comunicativo de certos gêneros, como, por exemplo, os
textos poéticos.
Swales sugere ainda a noção de prototipicidade, ou seja, a existência de
traços específicos na definição do gênero que são aceitos como tal pela
comunidade; essa aceitação está condicionada à realização das expectativas de
probabilidades mais altas. O autor assinala também que os nomes dos gêneros,
herdados ou produzidos pelas comunidades, carecem de validação posterior.
c) Tarefas – uma dentre um conjunto de atividades orientadas por objetivos,
diferenciadas e seqüenciáveis, extraídas de uma gama de procedimentos cognitivos
e comunicativos relacionados à aquisição de habilidades de pré-gêneros ou
gêneros, apropriadas a situações sócio-retóricas previstas ou emergentes.
(SWALES, 1990, p. 76).
Essa noção está ligada à atividade de ensino e aprendizagem de língua e
está descrita em quatro aspectos: a) etnográfico – observações sobre como a
comunidade discursiva constrói conjuntamente seus textos e controla a
comunicação; b) validação – controle dos materiais de ensino que aparecem nos
livros, se são coerentes com os usos e a cultura em que operam; c) análise do
discurso – validação discursiva dos gêneros; d) metodologia – considera as ações
retóricas e a eficácia comunicativa e discute a textualidade, a situação e a forma. O
autor destaca que não se deve considerar a tarefa desligada do gênero, porque é
esse que indicará o propósito da produção de um texto em seu contexto cultural, ou
seja, a produção de um texto em um determinado gênero é mais do que uma tarefa
lingüística, pois envolve propósitos e cultura definidos.
Para Swales, o elemento que une os três conceitos – comunidade discursiva,
gênero e tarefa – é o propósito comunicativo que conduz as atividades lingüísticas
da comunidade discursiva, serve de critério prototípico para a identidade do gênero
e opera como o determinante primário da tarefa.
53
Em 1990, juntamente com Askehave (Swales & Askehave, 1993), o autor
reviu a noção de propósito comunicativo como critério básico para a conceituação de
gênero, por considerar a dificuldade de identificar claramente essa categoria. Na
área de metodologia de ensino de Segunda Língua, surgiu a noção de esquemas os
quais também contribuíram para o estudo de gêneros. Como parte desse conceito,
surgiram outros componentes como o conhecimento prévio, experiências
assimiladas de atividades cotidianas, ao lado das experiências verbais; o uso dessas
experiências na formação de conceitos e obtenção de informações e a aquisição de
modos de proceder na situação sócio-retórica, com esquemas de conteúdos,
esquemas formais, fatos, verdade, opinião etc.
O pesquisador Vijak Bhatia (1993), partindo da posição de Swales, estuda,
em especial, gêneros em contextos profissionais, em situações institucionalizadas,
especialmente, os da esfera jurídica. Para o autor, o conceito de Swales pode ser
assim explicitado:
um gênero é um evento comunicativo caracterizado por um conjunto de
propósitos comunicativos mutuamente reconhecidos pelos membros da
comunidade profissional ou acadêmica na qual ele regularmente ocorre. Na
maioria dos casos, ele é altamente estruturado e convencionalizado com
restrições quanto às contribuições admissíveis em termos de suas
intenções, forma, posição e valor funcional. As restrições, no entanto, são
muitas vezes exploradas pelos experts da comunidade discursiva para
conseguir intenções particulares no quadro dos objetivos socialmente
reconhecíveis (BHATIA, 1993, p. 13).
Na sua explanação, Bhatia admite que são os propósitos comunicativos que
dão a estrutura interna e moldam os gêneros, mesmo que haja outros fatores que
lhes influenciem a construção, como o conteúdo e o meio ou canal. Também
reconhece que a convencionalidade de um gênero ocorre porque a comunidade que
o produz conhece e respeita suas regras e mesmo que haja variações de estilo,
léxico e estratégias gramaticais, elas são limitadas e ocorrem para obter
determinados efeitos. Entretanto, Bhatia considera que a definição de Swales relega
os fatores de natureza psicológica dos gêneros, conferindo-lhes certa estaticidade. É
nesse contexto que o autor apresenta o próprio conceito de gênero:
Gênero é uma instância de uma realização bem-sucedida de um propósito
comunicativo específico, usando um conhecimento convencionalizado dos
recursos lingüísticos e discursivos (BHATIA, 1993, p. 16).
54
Bhatia destaca, ainda, que os gêneros trabalham a realidade ou experiência
do mundo de modos muito diversificados. Na análise de um gênero, devem ser
considerados dois objetivos bem nítidos: o primeiro, relacionado ao ensino do
gênero, é caracterizar os traços convencionais típicos da forma textual específica de
cada gênero, para identificar as estratégias pedagógicas que permitam correlacionar
formas e funções; o segundo objetivo é explicar essa caracterização no contexto das
condições socioculturais e cognitivas que operam no nível da especialização dos
gêneros, ou seja, tem relação ao modo como o gênero funciona na sociedade.
A ênfase nos “traços convencionais típicos da forma textual específica de
cada gênero” não deve, no meu entender, deixar de lado a dinamicidade própria do
gênero e o fato de que sua estabilidade é apenas relativa (Bakhtin). Por outro lado,
considero pertinente e muito importante a referência às condições socioculturais e
cognitivas dos gêneros que se relacionam ao modo como o gênero funciona na
sociedade.
O método de análise de Bhatia (1993), para atender o objetivo relacionado ao
ensino do gênero, observa os seguintes passos:
a) Situar o gênero de texto num contexto situacional – mapear o gênero;
responde a perguntas como onde se situa, se realiza, se produz, se
inscreve, qual o objetivo do gênero. Para isso, o especialista deve
tomar por base os seus conhecimentos prévios como especialista
daquela área e suas experiências sobre o protótipo do gênero.
Responde principalmente à questão: por que aquele gênero se escreve
na forma como é escrito.
b) Investigar a literatura existente sobre o gênero em estudo – análises e
estudos sobre o gênero, análise da comunidade em questão.
c) Refinar a análise situacional/contextual – definir: autor ou falante e
audiência a que se destina o gênero; aspectos sócio-históricos,
filosóficos e objetivos da comunidade discursiva; identificação dos
tópicos tratados e sua relação com o gênero.
d) Selecionar um corpus – Base: propósitos comunicativos, contexto
situacional de uso e algumas características lingüísticas do gênero;
critério claro para identificar o gênero; tamanho do corpus: para perfil
55
global do gênero, alguns textos; análise de detalhes, selecionar muitos
textos.
e) Estudar o contexto institucional – análise detalhada do contexto
institucional do gênero, incluindo sistema ou metodologia de produção
e uso do gênero, com suas regras e convenções típicas (lingüísticas,
sociais, culturais, acadêmicas). Papel da instituição e do gênero, como
ele se desenvolveu e vem sendo usado, fatores que eventualmente
tenham pressionado a sua forma.
f) Realizar a análise lingüística pela aplicação dos seguintes níveis de
análise: a) análise de traços léxico-gramaticais (nível 1); b) análise de
padrões de textualização (nível 2), com detalhes que generalizam ou
particularizam, estratégias de ordenação sintática; c) interpretação
estrutural do gênero (estabelecer o campo de investigação; sumarizar
a pesquisa prévia; preparar a investigação presente; introduzir a
pesquisa presente).
g) Obter a colaboração de um especialista da área com informações e
análise dos resultados.
Para atender o objetivo relativo ao contexto cultural e cognitivo, Bhatia (1993)
destaca que o gênero, como evento socioculturalmente dependente, obtém sucesso
na sua realização pelo efeito que consegue diante dos propósitos pretendidos em
situações em que se aplica. Bhatia propõe também que se tenha um currículo de
ensino de língua baseado nos gêneros textuais.
Em Genebra, também formou-se uma Escola cujos autores preocupam-se
com uma teoria dos gêneros voltada para o ensino de gêneros. Um de seus
representantes principais é Jean-Paul Bronckart (1999), sociointeracionista, filiado à
teoria de ação soviética, Vigotsky (1935/1985) e Leontiev (1984), no que se
aproxima de Bakhtin (1986). Entretanto, enquanto Bakhtin analisa a atividade
discursiva, Bronckart (1985) tem como material de análise, o texto, razão por que ele
cita mais os lingüistas de texto.
Na construção de sua teoria, Bronckart (1999) toma como ponto de partida
que “toda a produção lingüística é uma ‘ação situada’ e social levada a efeito por
indivíduos singulares em formações sociais específicas (BRONCKART, 1999, p.
13)”. Admite, ainda, que as únicas manifestações empiricamente observáveis das
56
ações de linguagem humanas são os textos ou discursos que se apresentam como
formas de ação social. Bronckart já abandonou a expressão “tipo de texto”, adotando
a noção de gênero de texto como forma comunicativa e de tipo de discurso como
forma lingüística (narração, descrição etc.). Na verdade, Bronckart interessa-se pela
constituição e funcionamento dos gêneros, dentro de uma teoria do texto mais
ampla.
O autor sugere quatro fases na sua proposta de modelo didático:
a) Elaboração de modelo didático: analisar atividades discursivas;
operar com seqüências típicas; dominar mecanismos lingüísticos).
b) Identificação das capacidades adquiridas: testar os alunos quanto ao
gênero escolhido.
c) Elaborar e conduzir atividades de produção: módulos de seqüências
didáticas.
d) Avaliar as novas capacidades adquiridas: analisar as produções
textuais, retornar ao aluno para que prossiga no trabalho com
gêneros similares.
Machado (2005, p. 258) defende que o constructo de análise de texto
proposto por Bronckart seja dominado por crianças e jovens em formação. Nesse
sentido o objeto real de ensino e aprendizagem seriam as operações de linguagem
necessárias que constituem as capacidades de linguagem.
Outros representantes da Escola de Genebra, Schneuwly e Dolz (2004)
também abordam a questão dos gêneros no ensino de língua, particularmente da
oralidade. A base do conceito de gênero, para esses autores, é a noção de
instrumento:
Gênero é um instrumento semiótico constituído de signos organizados de
maneira regular; este instrumento é complexo e compreende níveis
diferentes; (...) E aprender a falar é apropriar-se de instrumentos para falar
em situações discursivas diversas, isto é, apropriar-se de gêneros (1998, p.
64.)
Nessa definição, os autores distinguem três dimensões: os conteúdos, como
decisivos nos gêneros; a estrutura comunicativa dos textos a que pertencem os
gêneros; as configurações específicas de unidades lingüísticas, como traços da
posição enunciativa do enunciador e os conjuntos de seqüências textuais.
57
Esse posicionamento teórico faz do gênero a unidade concreta em que se
deve dar o ensino, relacionando-se à perspectiva do interacionismo social, na
medida em que a atividade é concebida a partir de objetos específicos, socialmente
elaborados, frutos das experiências das gerações precedentes através das quais se
transmitem e se alargam as experiências possíveis. Para os autores, são os
instrumentos que determinam o comportamento do indivíduo, guiam-no, afinam e
diferenciam sua percepção da situação na qual ele é levado a agir. A intervenção do
instrumento, objeto socialmente elaborado dá certa forma à atividade e a
transformação do instrumento transforma as maneiras de o indivíduo se comportar
numa situação.
Assim, um instrumento media uma atividade, dá-lhe determinada forma, mas
também representa esta atividade, materializa-a. Ou seja, as atividades não mais se
concretizam somente em sua execução. Elas existem independentemente da sua
execução através dos instrumentos que as representam e, logo, as significam.
O instrumento torna-se, assim, o lugar privilegiado da transformação dos
comportamentos: explorar suas possibilidades, enriquecê-las, transformá-las são
também maneiras de transformar a atividade que está ligada à sua utilização. Para
tornar-se mediador, para tornar-se transformador da atividade, o instrumento precisa
ser apropriado; ele não é eficaz senão à medida que se constroem, por parte do
sujeito, os esquemas de sua utilização.
Esses esquemas de utilização são plurifuncionais: através deles, o
instrumento faz ver o mundo de certa maneira e permite conhecimentos particulares
do mundo. Ele define classes de ação possíveis através das finalidades que se pode
atingir graças a ele, guia e controla a ação durante seu próprio desenvolvimento. A
apropriação do instrumento pela criança pode ser vista como um processo de
instrumentalização que provoca novos conhecimentos e saberes, que abre novas
possibilidades de ações, que sustenta e orienta estas ações.
Na apresentação de uma metodologia de ensino de língua, os autores
apontam alguns importantes posicionamentos teóricos: alunos não aprendem
naturalmente a produzir os diversos gêneros de uso diário nem os gêneros orais
mais formais; não há indicações de que haja gêneros textuais ideais para o ensino
da língua; é provável que se possam identificar gêneros com dificuldades
58
progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público
e assim por diante; há muito mais gêneros na escrita do que na fala.
Schneuwly & Dolz (2004), no que ficou conhecido como ensino por
seqüências didáticas, enfatizam o ensino de gêneros de modalidade oral, a partir de
alguma situação concreta. Uma seqüência didática é o conjunto de atividades
escolares organizadas de maneira sistemática em torno de um gênero textual oral
ou escrito. São organizadas em módulos, considerando a oralidade e a escrita, em
que os gêneros são distribuídos pelas cinco modalidades retóricas: narrar, relatar,
argumentar, expor, descrever ações. Partem de situações reais e consideram a
produção e circulação do gênero, os produtores e receptores.
O modelo segue alguns princípios de progressão dos gêneros. Essa
progressão se dá por agrupamento de gêneros, obedecendo a uma progressão
espiralada, em que o tratamento dos gêneros varia de acordo com os ciclos de
ensino. Os mesmos textos devem ser produzidos em vários momentos ao longo dos
ciclos e o tratamento do gênero obedece a diferentes níveis de complexidade de
acordo com o nível de ensino.
Marcuschi (2004) observa que os autores preocupam-se apenas com os
gêneros públicos formais, pois partem da hipótese de que os alunos já dominam os
gêneros informais. Quanto à questão da identificação dos gêneros, eles parecem
acreditar que os alunos podem discerni-los por seus contextos de produção.
Entre os constructos teóricos aqui apresentados, julgo que os que mais se
harmonizam com este trabalho são os princípios teóricos defendidos pela Escola
Americana da Nova Retórica, por exemplo, ao observar que os traços de um gênero
evoluem para atender contextos diferenciados de prática empírica e também que “o
surgimento de um gênero está intrincadamente ligado às mudanças nas relações e
papéis profissionais, às mudanças institucionais, ao surgimento de normas e
identidades profissionais (...)” (BAZERMAN, 2005, p. 60). No que se refere à
proposta de análise de gêneros, opto pela de Bhatia, porque, em primeiro lugar, não
se contrapõe à concepção teórica que analisa o gênero como ação social (Miller e
Bazerman). Depois, estuda o gênero no contexto profissional e numa perspectiva
institucional. Por fim, a proposta de Bathia apresenta um componente pedagógico,
com base na correlação de forma e função, e considera o contexto sociocultural que
se realiza no nível da especialização dos gêneros.
59
Das teorias estudadas, destaco o seguinte pressuposto: o surgimento de um
gênero está na dependência das atividades humanas, sendo, em grande medida,
por essas mesmas atividades influenciado.
É nessa perspectiva que estudo o Parecer Pedagógico: verificando o contexto
em que ele surgiu e as práticas sociais e pedagógicas que estabeleceu. Mas antes
disso, farei uma pequena incursão na prática profissional docente, no que tange aos
gêneros textuais.
2. Gêneros textuais e trabalho docente: com que gêneros se faz um professor?
Como já destaquei, os gêneros textuais estão na base das práticas sociais,
dentre essas, o trabalho, que é formalizado, reconhecido e validado mediante
gêneros textuais. Assim, ninguém se torna médico ou vendedor sem que pratique
determinadas ações, as quais são validadas por determinados gêneros.
Fazer o levantamento dos gêneros textuais praticados por determinado
profissional deveria ser o primeiro passo para qualquer professor envolvido em
formação profissional planejar a sua ação docente. Na verdade, planejar é uma ação
que, como todas as outras, mesmo as informais, gera... gêneros textuais.
Bazerman (2006, p. 23) afirma que “(gêneros) são ambientes para a
aprendizagem. São os lugares onde o sentido é construído”. No caso da atividade
docente, a partir do planejamento pedagógico, com sua especificidade, podemos
prever um sem-número de gêneros textuais envolvidos: planos de curso, planos de
unidade, planos de aula; esquemas, resumos, fichamentos; projetos didáticos. A
avaliação da aprendizagem, por sua vez, gera provas e exercícios, textos de
orientação para trabalhos individuais ou coletivos; anotações mais (ou menos)
formais; pareceres. A maioria desses textos são de modalidade escrita, mas se
passarmos para outra ação docente mais geral, ministrar aulas, teremos a
predominância de textos de modalidade oral.
É previsível também que uma apreciação cuidadosa de alguns desses textos
nos permita identificar o perfil profissional de seu produtor, como, concepções
pedagógicas implicadas, nível de qualificação e, eventualmente, até traços de sua
personalidade. Assim, por meio desse viés, podemos não enxergar totalmente, mas,
60
talvez, perscrutar a prática profissional desse professor. Como exemplo,
perscrutemos o plano de aula abaixo, proposto para uma aula de literatura com
alunos de ensino médio.
Exemplo 6: Plano de aula
Escola: ...............................
Plano de aula: Literatura Tema: Prosa romântica brasileira – José de Alencar
Prof. A. V. M. Tempo: 45 min
Objetivos instrucionais Procedimentos
metodológicos
Recursos
utilizados
Avaliação
1. Estabelecer relações
entre as tendências
românticas e a construção
da nacionalidade literária no
Brasil.
2. Analisar as razões pelas
quais José de Alencar é
considerado “patriarca da
prosa romântica brasileira”.
3. Ler e pesquisar obras
literárias.
1. Apresentar a vida e as
tendências da prosa e
seus romances, por meio
de exposição oral, de
análises, debates e
reflexões acerca do
tema.
2. Provocar reflexões
críticas e análogas sobre
características e estilo
do autor nas prosas
românticas.
3. Estimular o aluno a ler
obras e investigar
aspectos intrigantes dos
movimentos literários.
Cartazes
Retroprojetor
Debates
Problematizações
Reflexões
Problematizar
situações que
permitam-me avaliar
os conhecimentos
prévios dos alunos
em relação ao tema.
Verificar se as
construções
conceituais
correspondem as
expectativas.
Perceber, por meio
das atividades orais
propostas, se a
curiosidade foi
despertada para
leitura e pesquisa de
obras e movimentos
literários.
Em primeiro lugar, noto duas escolhas lexicais, a priori, contraditórias:
objetivos instrucionais e conhecimentos prévios dos alunos. A primeira expressão
nos remete aos comportamentos observáveis da pedagogia tecnicista, nos idos da
década de 70. Já a referência aos conhecimentos prévios dos alunos denota certa
afinação com as orientações pedagógicas mais atuais que recomendam considerar
e aproveitar a experiência do aluno na elaboração e sistematização de novos
61
conceitos. Essa contradição, no meu entender, pode ser reveladora tanto de que o
professor vive uma situação muito comum, a resistência em se desfazer de velhos e
arraigados conceitos, como também ser indicadora de insegurança acerca das
concepções pedagógicas. Posso ainda supor que um e outro conceito foram
apresentados ao professor, respectivamente, na sua formação inicial, e em
atividades de formação continuada mais recentes.
Ao mesmo tempo, a análise dos tais “objetivos instrucionais” confirma essa
contradição. Enquanto o objetivo de número 1 propõe a abordagem de um
importante aspecto do tema em questão (Romantismo e formação da identidade
nacional), os objetivos 2 e 3 revelam-se, respectivamente, irrelevante e
inconsistente. Afinal, a importância de Alencar na literatura brasileira não é medida
pelo título a que o professor faz referência. Como também, a vagueza em “ler e
pesquisar obras literárias” e a falta de clareza de “investigar aspectos intrigantes dos
movimentos literários” em nada auxiliam o trabalho docente.
Outra dificuldade observada é a formulação dos procedimentos pedagógicos
que resultou na geração de trechos sem sentido: a) “apresentar a vida e as
tendências da prosa e seus romances (...)”; nesse caso, o termo prosa aparece
personificado; b) “provocar reflexões críticas e análogas sobre características e estilo
do autor nas prosas românticas”; análogas, a quê?
Ao relacionar os itens “debates, problematizações e reflexões” na coluna
recursos utilizados”, abaixo de cartazes e retroprojetor, o professor além de
confundir recursos materiais com recursos retóricos, demonstra insegurança no que
se refere ao processo de ensino como um todo. Por fim, os procedimentos de
avaliação, formulados de modo vago e inconsistente, não permitem que
identifiquemos como o professor vai, efetivamente, avaliar o seu trabalho.
Não vou aqui tecer considerações a respeito do nível de qualificação desse
professor, pois considero mais relevante discutir o que, efetivamente, o texto nos
aponta em relação às ações sociais envolvidas. Então, a primeira pergunta a fazer é
se o plano de aula cumpre seu propósito mais imediato. Nesse sentido, admito como
razoável que um plano de aula especifique, de modo ordenado e articulado, os
objetivos pedagógicos e os procedimentos metodológicos para o desenvolvimento
do tema em questão, servindo como roteiro de orientação para o professor.
Entretanto, o plano de aula não indica como o professor vai “estabelecer
relações entre as tendências românticas e a construção da nacionalidade literária no
62
Brasil” nem como vai “verificar se as construções conceituais correspondem às
expectativas”; nem, ainda, que “atividades orais” vão ser capazes de fazê-lo
perceber se a curiosidade foi despertada para leitura e pesquisa de obras e
movimentos literários”. E então, para que serviu o plano de aula?
É provável que a escritura do texto tenha ajudado o professor a ordenar as
suas idéias a respeito do assunto. Entretanto, é quando informo a situação retórica
em que o plano de aula foi produzido, um processo de avaliação seletiva para
professor, que vamos compreender a ação principal à qual ele está vinculado e
assim perceber que o texto cumpre, plenamente, as formalidades determinadas para
essa ação.
É interessante perceber que este plano de aula, com os seus tópicos bem
marcados e seu conteúdo pouco explicitado, não seria formulado para uma aula
comum, dessas muitas que o professor ministra no seu cotidiano. Mas,
independentemente das sanções que certamente mereceu, este mesmo plano
serviu para ratificar uma parte do ritual que envolve um concurso para professor.
Assim, inserido que está em um evento socioculturalmente dependente (Bhatia,
1993), o texto obtém sucesso nessa situação específica.
Outro aspecto que quero destacar em relação aos gêneros relacionados à
prática docente é a sua capacidade de fornecer indícios das concepções teórico-
metodológicas dos seus produtores. Por exemplo, tomemos o exercício escolar
como um gênero praticado (lido, analisado, selecionado, elaborado...) no dia-a-dia
de todo professor. As escolhas relacionadas aos exercícios propostos certamente
dizem muito a respeito de suas concepções e de sua prática. Assim é que o
exemplo 7, proposto logo abaixo do texto de uma música de Gilberto Gil, Cérebro
eletrônico, que, de resto, poderia ser precedido por praticamente qualquer texto, nos
informa que o professor produtor desse exercício-texto trabalha numa perspectiva
formalista de língua, pois todas as atividades propostas para o texto têm esse viés.
63
Exemplo 7: Proposta de atividade didática
Faz quase tudo
Cérebro eletrônico
(Gilberto Gil)
O cérebro eletrônico faz tudo
Mas ele é mudo
O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas não anda
Só eu posso pensar se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões de carne e osso (...)
Eu falo e ouço
Hum, hum
Eu penso e posso (...)
1. Retire do texto uma palavra formada por derivação prefixal: _______________
2. Uma palavra por derivação parassintética: _____________________________
3. Observe atentamente as palavras abaixo e destaque:
CHORAR PENSAR
Radical ___________________ ______________________
Vogal temática _______________ ______________________
Tema ______________________ ______________________
Mesmo considerando o tópico da aula, o professor poderia ter privilegiado os
aspectos temáticos do texto (se assim quisesse ou soubesse). O fato de não tê-lo
feito, mais do que apontar as concepções teóricas adotadas, indica as limitações da
formação e da prática do professor, lembrando-nos a afirmação de Bazerman (2005,
p. 31): “os gêneros são fatos sociais sobre os tipos de atos de fala que as pessoas
podem realizar e sobre os modos como elas os realizam” (grifos meus). Dentro,
pois, das suas possibilidades, de sua experiência, foi esse texto que o professor
pôde realizar. Isto é, a atividade permite que façamos suposições a respeito da
prática de ensino de língua desse professor, por exemplo, que imaginemos que seja
um professor tradicional, que prioriza a nomenclatura gramatical, que não está
atualizado com as mais novas tendências de ensino de língua etc. etc. Algo como
“me mostra as atividades que aplicaste que eu te direi como é a tua prática”.
3. Parecer Pedagógico: caminhos e descaminhos na construção de um gênero
A introdução do Parecer Pedagógico no cotidiano da prática docente tem
suscitado muitos questionamentos entre os professores que reclamam do aumento
do volume de trabalho e da falta das condições ideais para esse tipo de registro.
Realmente não vejo sentido no uso do PP, sem que algumas condições básicas
64
tenham sido viabilizadas. Entre essas condições, a diminuição da relação número de
alunos por professor, a construção de uma cultura de trabalho em equipe e,
sobretudo, o investimento em formação continuada. Além desses fatores, é
essencial que a prática do PP esteja associada a ações mais amplas como projeto
político-pedagógico e adoção de concepção de avaliação formativa.
Contudo, o PP vem paulatinamente impondo-se na prática pedagógica e,
seguindo esse percurso, o professor vai avançando na construção desse gênero. Ao
percorrer alguns de seus caminhos, notamos, por vezes, a quebra de princípios da
avaliação formativa ou mesmo da organização em ciclos, e flagramos momentos de
hesitação quanto ao que é apropriado colocar no seu conteúdo. Por exemplo, já
encontrei documentos que faziam referência a aspectos de natureza sigilosa que
jamais poderiam ser conteúdo de um texto aberto. É comum, também, o produtor
utilizar esse espaço discursivo para manifestar valores depreciativos a respeito da
criança, talvez, sem muita consciência disso
3
. Entretanto, o que mais se destaca no
PP é a forte presença dos documentos oficiais no texto do professor e evidências
sobre a sua prática pedagógica, ou seja, sobre as ações envolvidas no texto É o
caso do exemplo 8, coletado numa escola municipal do Grande Recife.
Exemplo 8: Márcia
Parecer final
Apesar das dificuldades iniciais, Márcia comunica-se adequadamente com o grupo, lê e escreve com
coesão e coerência, é capaz de interagir com fatos e situações vivenciadas. Expõe seus
pensamentos c/ clareza em textos e na oralidade. Situa-se no tempo e no espaço geográfico,
reconhece-se como ser social, parte de um meio. Conhece o SND e o algoritmo da adição, subtração,
multiplicação e divisão. Conhece o conceito de medidas e outras grandezas. Apropriou-se das
linguagens e símbolos matemáticos. Compreende o meio ambiente e tudo o que o influencia e a sua
importância p/ a vida dos seres vivos em geral. É criativa em Arte. Orientação para o ano seguinte:
A aluna está aprovada. 28/12/04. Rubrica
O texto não revela envolvimento do professor no processo de aprendizagem
da aluna. As referências às competências instituídas na rede escolar estão dispostas
de modo a encobrir quase totalmente a voz do professor que permanece distante da
situação de avaliação, cumprindo a tarefa de escrever sobre o desempenho do
aluno de maneira mecânica. Esse padrão está alterado apenas no início do texto:
Apesar das dificuldades iniciais, a aluna comunica-se adequadamente com o grupo.
Entretanto, observe-se que mesmo mencionando as “dificuldades iniciais”, o
professor não explicita que tipo de dificuldade nem explica como trabalhou na
3
“Passou que nem lagartixa, se arrastando”. (trecho de Parecer Pedagógico)
65
superação desses problemas. Na verdade, trata-se de um texto incapaz de retratar a
trajetória da aluna ao longo de um ano, inclusive, pela sua extensão: nove períodos
que formam um pequeno parágrafo.
Além disso, é possível apontar trechos com o sentido comprometido, como
em “ler e escrever com coesão e coerência”, ou vago, como em “capaz de interagir
com fatos e situações vivenciadas”. Em “expõe seus pensamentos com clareza em
textos e na oralidade”, percebe-se que, para o professor, a expressão textos
representa somente os de modalidade escrita, o que constitui um equívoco
conceitual. No tópico “Orientações para o ano seguinte”, a professora limita-se a
classificar a aluna como aprovada, sem fazer observações ou recomendações. Isso
evidencia a permanência de um conceito de avaliação tradicional, comum na escola
seriada, e que se opõe à organização em ciclos, como veremos no capítulo 3 desta
tese.
Em trechos de outro Parecer Pedagógico (Exemplo 9), dessa mesma rede,
veremos como as concepções teóricas aparecem no texto, revelando o exercício da
autonomia docente frente às orientações institucionais.
Exemplo 9: Michella
Parecer Final
Língua portuguesaL. Oral – Michella é introvertida, mas expressa idéias com clareza, transmite
recados, realiza pseudo-leitura de textos verbais e não verbais, respeita a fala do colega.
L. Escrita – Escreve o nome sem a fichinha, identifica, lê e escreve as vogais, enc. vocálicos e
algumas consoantes, encontra-se na silábica quantitativa.
(...)
Orientação – Desenvolver atividades lúdicas e escritas que estimulem a aquisição da leitura, uso e
funções da escrita, o conceito de número, SND e suas especificidades.
28/12/2004 Rubrica
No tópico de linguagem oral, a professora menciona algumas das
competências previstas na proposta pedagógica da rede de ensino, entretanto as
que aparecem relacionadas no tópico de linguagem escrita não constam do
documento oficial e, inclusive, se opõe a essas concepções de ensino que não
prevêem, por exemplo, o trabalho com letras isoladas. Aqui fica claro que o PP
revela a prática do professor, confirmando a relação desse gênero com o exercício
profissional docente e estabelecendo, mais uma vez, a relação entre gênero e ação
social. Nesse texto, o tópico de orientação tem essa perspectiva, mesmo que seja
sucinto, genérico e, até certo ponto, contraditório em relação à primeira parte do
texto. Vejamos agora o PP de um aluno de 5ª série de outra rede de ensino.
66
Exemplo 10: Davi
Objetivos Estabelecidos Comentários
1. Construir conceito de arte na Educação;
2. Identificar formas no entorno;
3. Compor utilizando formas selecionadas,
indicando novas situações para elas no
desenho;
4. Iniciar construção de definição de forma,
5. Identificar imagens a partir de linhas,
delimitando formas variadas;
6. Usar linha de contorno, compondo com riqueza
de detalhes.
7. Experimentar, definir e compor utilizando
impressão e textura – visual e tátil;
8. Arranjar e rearranjar elementos na composição;
9. Observar com atenção, selecionar elementos a
serem registrados e desenhar apreendendo detalhes
fundamentais;
10. Analisar o resultado de seus trabalhos.
11. Elaborar relatório de visita ao Horto de Dois
Irmãos
12. Trabalhar com organização e limpeza.
13. Conceituar figura e fundo
14. Desenhar formas localizando-as no espaço
15. Identificar a Arte na Pré-História.
Davi teve um período confuso em Artes Plásticas.
Iniciou bem, participando, depois passou a ter um
comportamento em sala não muito apropriado à sua
idade e a sua capacidade intelectual. Mas, na última
aula, já demonstrou mudanças. Conseguiu se organizar
melhor e fazer um trabalho com maior concentração.
Tenho dúvidas se já começou a sua construção do
conceito de arte na Educação e de forma, pois não vem
participando das discussões, mas identificou formas no
entorno e compôs trabalhos utilizando formas
selecionadas. Identificou também imagens a partir de
linhas e elaborou composições com elas. Usou linha de
contorno utilizando diferentes materiais e em situações
variadas. Pode ainda organizar melhor sua produção e
ampliar o registro de detalhes em suas composições.
Davi experimentou e utilizou muito bem a impressão e
textura – tanto visual quanto tátil. Realizando tarefas
sobre textura visual, fez uma boa produção com cola
colorida. Trabalhou com arranjo e rearranjo de
elementos na composição. Não realizou, como pedi, os
desenhos de observação como tarefa de casa. Fez
alguns de memória. Vai precisar só colorir os campos.
Não esteve conosco no Horto de Dois Irmãos, e
precisará chegar do recesso com desenhos de
observação feitos para completar as atividades do
próximo período. Completou a maioria dos trabalhos do
período atingindo os objetivos propostos.
Davi vem acompanhando regularmente as atividades e
objetivos propostos, mas falta concluir algumas
atividades.
O texto trata do desempenho no componente curricular Artes Plásticas e
cobre o período de um semestre letivo, organizado em duas unidades de ensino.
Trata-se de uma escola pública e de organização seriada, mas está entre as escolas
de referência no Estado.
O registro do desempenho do aluno (comentários) é discursivo e efetivado por
meio eletrônico. Certamente esse recurso ajuda o professor a fazer registros mais
completos e fidedignos. O formato, com os “objetivos estabelecidos” ao lado,
também auxilia o professor a formular os comentários.
A organização composicional, bem mais complexa que a dos exemplos
anteriores, demonstra desenvoltura e domínio do gênero por parte do produtor. Isso
é confirmado pela integração entre as referências gerais (competências
desenvolvidas) e a apreciação de aspectos do desenvolvimento individual do aluno
que permite que a voz do professor se destaque do texto institucional, salientando,
também, como o professor acompanha de perto todo o processo: “Pode ainda
organizar melhor sua produção e ampliar o registro de detalhes em suas
composições.” Além disso, o texto é todo referências às ações pedagógicas
67
desenvolvidas com o aluno o que faz que constitua um bom exemplo de gênero
dando forma à ação docente.
Mesmo considerando as diferenças entre os exemplos 8 e 9 e o exemplo 10,
(que incluem a realidade de condições de trabalho de cada rede), não é difícil
perceber que nos textos tais distinções vão além da forma e conteúdo, envolvendo,
principalmente, as ações (ou não-ações) docentes. Nesse sentido, o PP expõe de
modo incontestável tanto os avanços quanto as limitações de cada rede de ensino.
Mesmo assim, é possível identificar traços de semelhança entre os textos que
permitem a constatação de que se trata de um mesmo gênero textual. Entre esses
traços, o locutor (em sua posição social de professor), o conteúdo temático
(apreciação do desempenho de alunos), o tópico conclusivo.
Neste capítulo, apreciamos alguns dos gêneros mais formalmente
constituídos que participam da pr ática profissional docente. Entretanto, há gêneros
mais informais e mesmo assim importantes, por representarem valiosas referências
ao trabalho docente. Entre esses estão as anotações pessoais, as comunicações
aos pais etc. Independentemente da extensão e da formalidade, todos estão na
base da ação docente, constituindo-a e dando-lhe forma.
68
CAPÍTULO 3
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR EM CICLOS PLURIANUAIS
Neste capítulo, explicito os princípios básicos da organização curricular em
ciclos plurianuais, tema e razão desencadeadores do processo que resultará no
surgimento do PP na prática profissional das professoras, com ênfase na concepção
de avaliação e de formação continuada subjacente aos ciclos. Em seguida, passo a
relatar a introdução dos ciclos, a partir da política educacional do município, e com
base num programa de formação continuada que não só adotou os princípios dessa
organização curricular, mas acompanhou sistematicamente a prática pedagógica
dessas educadoras e sua influência sobre a aprendizagem dos alunos. Nesse relato,
além de apresentar a concepção, os formatos, temas e metodologias do Programa
de Formação, busco identificar as suas repercussões sobre o processo de aquisição
do PP pelas professoras.
69
1. Conceituação e princípios
Esse tipo de organização curricular originou-se numa reforma proposta para
as escolas francesas após a Segunda Guerra Mundial, que ficou conhecida como
Reforma Langevin-Wallon, em que o sistema de ensino é dividido em graus e ciclos.
De acordo com o principal responsável pela proposta, o psicólogo e educador
francês Henri Wallon, o processo de ensino-aprendizagem deveria assumir
características próprias em cada uma das fases do desenvolvimento humano e
basear-se nos princípios de justiça, direito do aluno ao seu desenvolvimento
completo, igual dignidade de todas as ocupações, orientação escolar e profissional e
acesso de todos à cultura geral. (ALMEIDA, 2000, p. 75) Apesar de a reforma não
ter sido implantada completamente, as idéias de Wallon influenciam até hoje a
educação em todo o mundo. Segundo Almeida (ibidem), foi na década de 60 que
educadores brasileiros, que haviam estagiado no Centro Internacional de Estudos
Pedagógicos de Sèvres, de onde saíram as principais diretrizes para a reforma
pedagógica francesa, trouxeram idéias pedagógicas discutidas ali para escolas
experimentais paulistas da época, particularmente, para os Ginásios Vocacionais e o
Colégio de Aplicação da USP.
No Brasil, a partir da nova LDBEN (1996), vários Estados e Municípios
passaram a implantar os ciclos plurianuais ou reformular propostas já existentes; é
nesse contexto que surgem as várias denominações utilizadas para designar essa
concepção curricular: Ciclos de Formação, Ciclos de Desenvolvimento Humano,
Ciclo Básico, Ciclos de Escolarização e Ciclos de Aprendizagem. Tais
denominações não parecem representar divergências teóricas significativas, mas
constituem marcas de diferentes instituições que assim buscam estabelecer sua
identidade. Evidenciando tal postura, algumas redes de ensino tomaram para si
denominações especiais, como é o caso da “Escola Cidadã”, da Rede Municipal de
Porto Alegre/RS, e “Escola Plural”, da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG.
Independentemente das denominações que assumem, os ciclos plurianuais
estão se tornando uma realidade freqüente nas redes públicas de ensino, já não se
constituindo uma proposta inovadora isolada de algumas escolas ou redes: trata-se
de uma forma cada vez mais comum de organizar os processos educativos,
especialmente com a adoção do Ensino Fundamental em 9 anos.
70
Do ponto de vista legal, essa organização curricular está respaldada na Lei de
Diretrizes e Base da Educação Nacional – 9.394/96, que, acolhendo proposições
presentes no debate nacional, aponta, explicitamente no seu Artigo 23, para a
flexibilização do currículo em séries anuais, ciclos, entre outras formas.
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não-
seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar.
Talvez a noção mais importante das associadas ao conceito de ciclos seja a
de tempo. Fisher (2004, p. 38) define-os como “tempos que pulsam dentro e fora do
espaço escolar” assim, o autor compreende a escola como um espaço de interação
entre os tempos externo (o do relógio, do calendário) e interno (dos afetos e
emoções) de todos os que fazem parte da escola e, em relação aos alunos, esses
tempos estão combinados também com seus tempos biológicos.
Barretto e Sousa (2005, p. 660) conceituam ciclos como alternativas de
organização do ensino básico, que ultrapassam a duração das séries anuais como
referência temporal para o ensino e a aprendizagem, e estão associados à intenção
de assegurar à totalidade dos alunos a permanência na escola e um ensino de
qualidade.
A Secretaria de Educação do Estado do Paraná ressalta os aspectos
pedagógicos dos ciclos de aprendizagem, ao defini-los como
a ampliação do tempo de aprendizagem e aprofundamento do domínio de
conhecimentos, sem interrupção do processo. Além disso, favorece a
abordagem dos conteúdos, possibilitando a apropriação de instrumentos
necessários à formação integral do educando, evitando a excessiva
fragmentação dos saberes escolares. (
[email protected], atualizado em 9
de abril de 2003)
A opção das gestões públicas por organizar o currículo em ciclos indica uma
tendência que vem se expandindo a partir dos últimos 20 anos, em que diversos
estados e municípios do país têm desenvolvido experiências de Ciclos de
Alfabetização e de Ciclos de Escolarização, destacando-se o caso do Estado de São
Paulo (1980), da Prefeitura do Recife (1984/2001), do Estado de Pernambuco
(1989), da Prefeitura de São Paulo (1989) e da Prefeitura de Belo Horizonte (1995).
Em todas essas experiências, a idéia de tempo pedagógico está articulada com a
intenção de superar o fracasso e o abandono escolar.
71
Para compreender melhor os ciclos, é fundamental contrastá-los com as
séries. Nestas, a cada período fixo de um ano, o aluno é classificado como aprovado
ou reprovado em relação a um conjunto de conteúdos disciplinares. Quando
aprovado, vai cumprir novo período igualmente fixo de estudos; se reprovado, fica
retido na mesma série e vai estudar os mesmos conteúdos de novo.
Apesar de a legislação já permitir a promoção parcial, em que o aluno segue
para a série subseqüente e paralelamente cumpre apenas a disciplina em que foi
reprovado no ano anterior, essa alternativa não costuma ser praticada nas séries
iniciais onde, inclusive, com a anuência e até o concurso dos pais, o aluno é
obrigado a realizar o irrealizável, ou seja, repetir o ano
4
.
Nos ciclos, os períodos de escolarização são estruturados em blocos cuja
organização varia, podendo atingir até a totalidade de anos prevista para uma
determinada modalidade ou nível de ensino; este é o caso do ensino médio da rede
municipal de Belo Horizonte, o qual é organizado em um único ciclo com duração de
três anos. Os dois quadros abaixo mostram as correspondências ciclos/séries mais
comuns e a sua relação com as fases do desenvolvimento humano.
Quadro 1: Correspondência ciclos/ fases do desenvolvimento
mais comum no ensino fundamental
Ciclos escolares Ciclos vitais Idade
(anos)
Ano Ciclo
6 1º
7 2º
Infância
8 3º
I
9 1º Infância
10 2º
II
11 1º Pré-adolescência
12 2º
III
13 1º Adolescência
14 2º
IV
Quadro 2: Correspondência ciclos/ fases do desenvolvimento
no Ensino Básico da Escola Plural (Belo Horizonte/MG)
Ciclos vitais Idade
(anos)
Ciclos
escolares
6
7
Infância
8
I
9
10
Pré-
adolescência
11
II
12
13
Adolescência
14
III
15
16
Juventude
(Ensino Médio)
17
IV
4
“Repetir o ano”, significando cursar de novo, é freqüentemente usado com preposição (repetir de
ano) numa relação antonímica com “passar de ano”; entretanto, apesar da oposição semântica,
ambos têm algo em comum, o aspecto paradoxal, uma vez que nem “um tempo” nem “o tempo”
podem ser repetidos ou interrompidos.
72
Observa-se, assim, que, nos ciclos, a ordenação do tempo se dá em unidades
maiores e mais flexíveis; entretanto, é sobretudo por levar em consideração o
desenvolvimento psicossocial do aluno e representar uma tentativa de superar a
excessiva fragmentação do currículo, comum no regime seriado, com seus tempos
seqüenciados, lineares e previsíveis, que os ciclos se diferenciam das séries. Desse
novo enfoque, decorrem mudanças na concepção de conhecimento, de
aprendizagem, de avaliação. De acordo com Krug (2001, p. 23), a primeira ruptura
da escola em ciclos é formar turmas com referência na idade, e não somente no
conhecimento anterior adquirido. Na verdade, a questão da formação das turmas ou
“enturmação” é um dos aspectos mais inovadores na concepção dos ciclos, utilizada
como estratégia de intervenção nos problemas de aprendizagem e possível somente
mediante duas particularidades essenciais dos ciclos: a flexibilização e a
individualização.
É nessa perspectiva que os projetos pedagógicos de ensino, apoiados na
flexibilização dos ciclos e no acompanhamento individual do aluno, se voltam para a
sua permanência com sucesso na escola, possibilitando não só o avanço de ano de
ciclo, mas também diagnosticando os entraves e promovendo a implementação de
projetos e enturmações especiais, que atendam determinados interesses e
necessidades pedagógicas.
Assim, as maiores possibilidades de sucesso escolar dos estudantes nas
organizações em ciclos têm relação com a adequação do tempo escolar aos ritmos
e estilos variados de aprendizagem do aluno, mas deve-se, principalmente, ao
compromisso da equipe com a aprendizagem de todos os alunos e a uma
concepção pedagógica que leva em conta suas experiências, os avanços que já
realizaram e os que estão próximos de serem realizados. Os educadores que
apóiam os ciclos afirmam que essa concepção de educação escolar parece ser
condizente com a própria natureza da aprendizagem humana.
Além isso, como observa muito bem Perrenoud (2004a), “Por que haveremos
de introduzir os ciclos se não for para combater o fracasso escolar e (...) para criar
melhores condições para uma pedagogia diferenciada e para uma individualização
dos percursos de formação?” (p. 17) Dito de outra forma, os ciclos surgem como
uma reação aos desanimadores índices de reprovação escolar (especialmente nas
séries iniciais) e às tradicionais práticas de ensino e avaliação do regime seriado.
73
Em outra publicação (2004b), o autor justifica a introdução dos ciclos plurianuais
com base em cinco razões: maior compatibilidade entre as suas etapas e a
progressão da aprendizagem; planejamento mais flexível das progressões; maior
flexibilidade no atendimento de diversos tipos de grupos e dispositivos didáticos
variados; maior continuidade sob a responsabilidade de uma equipe; o trabalho dos
professores é orientado por objetivos educacionais que incidem sobre vários anos,
constituindo, assim, referência essencial para a escola.
No Brasil, em alguns países da América Latina, e também em um expressivo
número de países europeus, o aumento de propostas e ensaios de organização sob
a forma de ciclos, nos últimos anos, tanto no plano dos estudos e pesquisas
acadêmicas como no das medidas de reestruturação de sistemas educacionais,
parece indicar que está se criando um relativo consenso em torno da idéia de que
esta modalidade de ordenação responde melhor à maneira como os alunos
efetivamente aprendem.
O aumento da institucionalização dos ciclos de aprendizagem por governos
municipais e estaduais no Brasil tem acontecido num momento em que a
universalização do atendimento escolar está praticamente assegurada, pelo menos,
no Ensino Fundamental. Esse fato permite que o princípio da qualidade passe a ser
uma exigência da sociedade como um todo e constitua um dos principais
compromissos defendidos pelas gestões.
Nesse contexto e dentro de um projeto de democratização do ensino, um dos
desafios, no âmbito das instituições educacionais, é privilegiar a aprendizagem dos
educandos, com base em um trabalho pedagógico diferenciado, e resgatar a escola
como espaço de construção da cidadania, na perspectiva da inclusão. Para isso, é
preciso não só promover o acesso da população à escola, como também investir
numa proposta pedagógica que respeite as diferenças, garantindo ao aluno a
permanência, com sucesso, numa escola de qualidade. Portanto, a base dessa
política deve ser além da expansão do parque escolar, o desenvolvimento de
práticas educativas de inclusão.
Os ciclos vêm ao encontro de tais práticas na medida em que tentam superar
uma escola que tradicionalmente tem no fracasso e abandono escolar a sua marca
mais evidente e nos modelos de avaliação quantitativa da aprendizagem, o meio
legitimador de seu sistema excludente. Além disso, essa nova forma de organização
74
do ensino fundamental, ao configurar-se como uma ruptura com os pressupostos
teóricos e metodológicos do regime seriado, aponta para a necessidade de uma
preparação de professores voltada também para as características desta
organização curricular. Estabelece, assim, um novo perfil profissional para os
docentes que, confrontados com novas tarefas que exigem uma qualificação mais
efetiva e fundamentação teórica e metodológica consistentes, tenderão a tornarem-
se agentes principais dessa mudança.
Assim, ao mesmo tempo em que vêm exigir que seja repensada a formação
de professores para o ensino fundamental, os ciclos colocam em discussão, e sob
um olhar crítico, os saberes docentes sistematizados, ao requerer, para sua
solidificação, novas estratégias de ensinar, aprender e avaliar; novas metodologias e
recursos didáticos; novos saberes e habilidades; novas formas de registro e
comunicação e, sobretudo, novos espaços de interação, representando uma nova
instância de trabalho coletivo entre educadores, até agora bastante isolados dentro
das respectivas salas (de aula, da coordenação, da direção).
Ao terem que estabelecer e assegurar uma comunicação constante entre si,
os professores, responsáveis em conjunto pelo aluno ao longo da trajetória escolar,
terão que desenvolver estratégias de registro e discussão dos dados de todos os
alunos. Desse modo terão o ensejo de exercitar suas habilidades de escrita, de
argumentação, de discussão, enfim, de trabalho docente comum, contribuindo para
a construção da sua própria prática e da identidade da escola.
Em que pese o fato de alguns dos pressupostos dos ciclos serem defendidos
desde os anos 20 e de os ciclos estarem presentes em alguns ensaios de inovação
propostos em diversos estados, sobretudo, a partir da década de 60, cada proposta
imprimiu-lhes variáveis, diante do contexto social e educacional da região e do
ideário pedagógico dominante. De qualquer modo, a implantação dos ciclos tem
como objetivo comum regularizar o fluxo de alunos ao longo da escolarização,
eliminando ou limitando a repetência.
Quanto a essa questão, é necessário que se enfatize que os ciclos não
defendem a aprovação do aluno de qualquer modo, mas a promoção de um ensino
comprometido com a aprendizagem de todos, como enfatiza Prado, “Agora a escola
tem a responsabilidade de ensinar sem deixar ninguém para trás”. (Nova Escola, nº
160, mar./2003, p. 39.) Ainda nessa reportagem, Prado afirma que os ciclos serviram
75
para expor o drama da multirrepetência, especialmente nas classes iniciais, e trouxe
à tona a discussão sobre a qualidade.
De acordo com os termos daquela reportagem, quando a seriação foi
implantada no Brasil, com a construção do primeiro grupo escolar em São Paulo
(1893), foi fortemente atacada pelos mestres da época que alegavam que a seriação
acabaria com a atenção individualizada ao aluno. Na verdade, se a seriação permitiu
dar o primeiro passo rumo à expansão do ensino no Brasil, os ciclos podem
representar o mesmo para a sua qualidade.
Contudo, para chegar a essa qualidade e obter sucesso na implantação dos
ciclos, há que se observarem os princípios que estão na base dos ciclos:
1º Inclusão – Todo aluno é capaz de aprender, portanto não se pode “desistir” de
nenhum deles. A escola deve garantir a aprendizagem de todos e tem o dever de
identificar e superar os problemas de aprendizagem, de modo que todos os alunos
continuem avançando no processo de ensino-aprendizagem.
2º Cada fase de crescimento possui características próprias – A compreensão
dessas características e o agrupamento dos alunos conforme essas fases auxiliam e
até determinam o processo de ensino-aprendizagem.
3º Flexibilidade e respeito à individualidade – As pessoas aprendem em ritmos e de
modos diferentes. A equipe deve atentar para as particularidades de aprendizagem
de cada aluno, reunindo-os em grupos de necessidades e interesses distintos e
prevendo atividades diferenciadas que busquem descobrir suas peculiaridades, suas
singularidades, seus modos de raciocinar, de aprender.
4º Formação continuada dos educadores – É indispensável para que a equipe possa
desenvolver um trabalho pedagógico diferenciado e, assim, fazer frente aos novos
desafios da escola em ciclos.
5º Trabalho coletivo – Os ciclos demandam um amplo envolvimento do professor
com a escola; assim, ele não pode mais se manter isolado, inclusive, porque
resultados e decisões sobre os alunos devem ser discutidos em instâncias coletivas,
os Conselhos de Ciclo
5
.
5
O Conselho de Ciclo, integrado pela coordenação pedagógica e pelos demais professores do
mesmo e/ou de outro ciclo, é uma instancia coletiva de avaliação, planejamento, consulta e
deliberação sobre a progressão do aluno bem como de acompanhamento constante e contínuo da
prática pedagógica e de sua organização.
76
6º Currículo por competência – Um currículo que ultrapasse o mero acúmulo de
conhecimentos descontextualizados, memorizados para a ocasião da prova, mas
que permita e estimule a mobilização desse conhecimento em situações do
cotidiano.
7º Avaliação formativa – Essa concepção de avaliação tem caráter processual e
diagnóstico e por isso está a serviço da aprendizagem; assim, a verificação tem por
finalidade auxiliar o professor nas decisões metodológicas, sendo, portanto, parte
integrante do ensino, na medida em que municiará o professor das respostas que
ele busca. É nesse sentido que essa concepção de avaliação ultrapassa a mera
classificação dos alunos (aprovados/ reprovados; aptos/ não-aptos; bons ou
excelentes/ regulares ou fracos).
É evidente que cada sistema dá a esses princípios pesos diferenciados,
conforme seus interesses e possibilidades; é exatamente por isso que as
experiências com os ciclos nem sempre são bem-sucedidas. Há condições
desejáveis, como uma melhor relação número de professores/ número de alunos,
acompanhamento pedagógico, trabalho coletivo e o envolvimento de toda a
comunidade escolar, principalmente, dos professores. Condições essenciais, como a
formação continuada, a superação do tratamento homogeneizado, próprio da
concepção seriada, em prol de um olhar particularizador sobre o aluno, o currículo
por competências. Contudo, o aspecto mais importante e até mesmo indispensável
nos ciclos é o da avaliação formativa.
A seguir, introduziremos outro importante aspecto dos Ciclos, o currículo por
competências.
2. Currículo por competências
O chamado currículo por competências tem sido discutido nos meios
educacionais como alternativa ao currículo tradicional com foco no acúmulo de
conteúdos desarticulados das práticas cotidianas. Nesse sentido, propõe-se que os
conteúdos (ou saberes) sejam mobilizados na perspectiva de permitirem a
construção de competências úteis também fora dos muros da escola. De acordo
com o educador suíço Philippe Perrenoud (2000ª, p. 19), competência é “a faculdade
de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações
etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações” ou ainda
77
“uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada
em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (1999, p. 7).
Essa forma de ver o ensino está, pois, associada à idéia de uma escola mais
eficaz, que tenha como objetivo a formação integral do aluno e, assim, permita e
estimule a capacidade de refletir, o gosto pelo aprender, a competência na vida.
Apesar de se contrapor ao currículo tradicional com foco nos conteúdos
disciplinares, trabalhar com currículo por competências não significa que a escola
não deva trabalhar os fatos e conceitos científicos; ao contrário, esses saberes
assim como outras experiências constituirão o motor que mobilizará a construção
das competências. Assim, é responsabilidade do professor garantir a compreensão
e a sistematização desses saberes, inclusive, porque o aluno só terá desenvolvido
certa competência na medida em que puder utilizar tais conceitos e experiências em
outras situações. É o que Melchior (2003) denomina “capacidade de transferência”.
Nesse sentido, a autora afirma:
Desenvolve-se uma competência através da experiência e da reflexão
sobre a experiência, instrumentos, esquemas e posturas mentais que
podem facilitá-la. A possibilidade de transferência ocorre, em parte, sob
controle do currículo e da ação pedagógica. Assim é importante identificar
práticas pedagógicas que, além de garantirem a aquisição, favoreçam a
transferência. A transferência só se opera se o indivíduo foi preparado para
isso. A sua ocorrência passa por um trabalho mental que supõe o sujeito
confrontando um conhecimento já existente com uma nova situação.
(p.123)
Essa afirmação corrobora a idéia de uma escola que trabalha, mediante uma
ação pedagógica contextualizada, o que tem sido cada vez mais requerido pela
sociedade contemporânea; por essa razão, na atualidade, a noção de competência
tem estado presente em currículos de vários países, a exemplo de Portugal (2004-
2005), onde o Currículo Nacional do Ensino Básico prescreve, no tópico
“Competências Gerais”, que à saída da educação básica, o aluno deverá ser capaz
de “mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a
realidade e abordar situações e problemas do quotidiano.” (p.15)
Perrenoud (2000b, p. 15) relaciona a noção de competência à dos Ciclos ao
afirmar que “inúmeros países orientam-se para a redação de ‘bases de
competências’ associadas às principais etapas da escolaridade” e que nos anos
78
noventa, a noção de competência inspirou programas educacionais no Québec, na
França e na Bélgica.
De acordo com Machado (2002), a idéia de que o objetivo principal da escola
não é o ensino de conteúdos
disciplinares, mas o desenvolvimento de competências
remonta à Grécia Clássica, onde o Trivium, currículo básico composto pelas
disciplinas Lógica, Gramática e Retórica, tinha como objetivo a formação do cidadão
da polis, não a formação de lógicos ou lingüistas. Ainda segundo esse educador,
somente a partir da segunda metade do século XIX, com o entusiasmo gerado pelo
desenvolvimento científico, estudar ciência passou a representar um valor em si. A
partir daí,
Ocorre, então, um certo descolamento entre o conhecimento chamado de
“científico” (...) e o conhecimento em sentido amplo, com a conseqüente
superestimação de uma forma de conhecer, a “científica”. Aos poucos, o
processo de fragmentação do conhecimento caminhou no sentido da
crescente subdivisão da própria ciência em múltiplas disciplinas e a
supervalorização do conhecimento disciplinar. (p. 138)
A escola (básica ou universitária) e o currículo, então, tomam o formato que
conhecemos hoje: centrados em disciplinas distribuídas em uma grade de horário,
em que cada professor dispõe de determinado número desses espaços-tempos.
Hoje parece haver um consenso quanto à idéia de que as ciências não devem ser
vistas como um fim em si, mas como parte do projeto a que servem; nessa
perspectiva, a escola precisa reestruturar-se quanto a seus tempos e espaços.
A organização em ciclos faz parte dessa nova perspectiva de escola que
busca reestruturar seus tempos e espaços. Entretanto, é importante destacar que o
currículo por competências e a organização em ciclos não representam o abandono
das disciplinas. A respeito dessa questão, Machado (2002) afirma:
Nenhuma dicotomia parece mais inadequada ou descabida do que a que
se refere ao par discipina / competência. (...) a organização da escola é, e
continuará a ser, marcadamente disciplinar; os professores são, e
continuarão a ser, professores de disciplinas, não havendo qualquer
sentido na caracterização de um professor de “competências”. No entanto,
urge uma reorganização do trabalho escolar que reconfigure seus espaços
e seus tempos, que revitalize os significados dos currículos como mapas
do conhecimento que se busca, da formação pessoal como a constituição
de um amplo espectro de competências e, sobretudo, do papel dos
professores em um cenário onde as idéias de conhecimento e de valor
encontram-se definitivamente imbricadas. (p. 139)
79
Note-se que ao lado da proposta de reorganização dos tempos e espaços
escolares, a noção de competência implica a de pessoalidade, como explicita o
autor mais adiante:
A pessoalidade é, pois, a primeira característica absolutamente
fundamental da idéia de competência”. (...) a escola organiza-se
basicamente em termos de conteúdos disciplinares (...). Os espaços
curriculares são loteados entre as diferentes matérias, e os tempos são
subdivididos em doses diárias – as aulas. Porém, conhecer é conhecer o
significado, e o significado é sempre construído por pessoas, ou seja, o
conhecimento é sempre pessoal. (p.142)
Em artigo publicado no Jornal Virtual Profissão Mestre, Benedet (2006)
propõe-se a responder a pergunta: O que mudou com o ensino por competências?
Para responder a essa pergunta, a autora contrapõe o currículo tradicional ao
currículo por competências e, assim, explica que enquanto aquele tem foco no
ensino, com transmissão e acumulação de um conhecimento fragmentado,
enciclopédico e memorizador, este tem foco na aprendizagem, é
autosocioconstrutivista, intertransdisciplinar, contextualizado, e privilegia a
construção de conceitos e a criação do sentido. O currículo tradicional tem no
conteúdo um fim em si mesmo, a sala de aula como espaço padronizado de
transmissão e recepção do saber, com atividades rotineiras, de caráter explicativo;
no currículo organizado por competências, o conteúdo é um meio de desenvolver
competências que ampliem a formação dos alunos; a sala de aula é um local
multifuncional de reflexão e de situações de aprendizagem, as quais são centradas
em projetos e resolução de problemas, de caráter desafiador e de pesquisa.
Enquanto no modelo tradicional, temos o professor como detentor do
conhecimento que é transmitido a um aluno memorista, no novo modelo, temos o
professor como facilitador da aprendizagem que estimula o aluno a aprender (a
conhecer, a fazer, a ser, a conviver), um aluno cidadão. Em suma, temos, no modelo
tradicional, uma pedagogia que valoriza os objetivos da educação e que busca
eliminar as diferenças, com base em um currículo fracionado e estático, organizado
em disciplinas; enquanto o modelo por competências supõe uma pedagogia com
ênfase na finalidade da educação, que busca a igualdade sem eliminar as
80
diferenças, a partir de um currículo dinâmico, organizado em áreas de conhecimento
e temas geradores.
Assim, enquanto o modelo tradicional tem como exemplos de palavras-chave
a reprodução e a igualdade, o modelo por competências pode contrapor àquelas a
produção e a multifuncionalidade. Finalmente, na importante questão da avaliação,
temos no modelo tradicional, uma avaliação classificatória e excludente, de lógica
seletiva, enquanto no modelo por competências, a avaliação representa feedback,
busca validar os processos e tem lógica formativa.
Desse modo, a reordenação dos tempos e espaços escolares, proposta nos
ciclos, encontra base no currículo por competências, porém, mais do que essa
sustentação, como afirma Finck (2001/2002, p. 19), “a noção de competência é um
testemunho de nossa época”.
3. Avaliação da aprendizagem
Suassuna (2006) afirma que os modelos de avaliação, de acordo com suas
concepções, objetivos e metodologias, podem ser resumidos a dois grandes
paradigmas: avaliação tradicional ou classificatória e avaliação reguladora ou
formativa. De acordo com a autora, as principais características da avaliação
tradicional são a classificação, a fixidez dos objetivos, a valorização dos
comportamentos observáveis e os referenciais predefinidos de julgamento. Tais
características bem como a idéia de classificação têm origem nas técnicas
quantitativas de mensuração da inteligência e do desempenho humano
desenvolvidas na psicologia de concepção racionalista-empirista, inspirada nas
ciências exatas e da natureza.
O paradigma tradicional acompanhou a educação durante a maior parte do
século XX e muitas de suas concepções estão presentes ainda hoje nas práticas
docentes de professores e escolas. Por exemplo, é a avaliação de concepção
tradicional que orienta a organização de turmas na escola seriada a qual exige que
todos os alunos dominem determinados conteúdos, num mesmo período de tempo,
para que adquiram o direito de seguir em frente dentro do sistema.
81
É também esse paradigma que utiliza a retenção na mesma série como
punição a quem for reprovado, ignorando não só as conseqüências pedagógicas da
baixa auto-estima do aluno (mais fracassos e o abandono à escola), como também
as conseqüências da obstrução do fluxo sobre o sistema educacional. Além disso,
como diz Vasconcellos (2004, p. 5), deixa-se de considerar a necessidade de se
fazer algo diante do fato de o aluno não estar aprendendo. É nesse sentido que o
autor afirma que o papel da avaliação classificatória vai além da exclusão do aluno
do sistema educacional:
Temos ciência de que esta exclusão no interior da escola não se dá
apenas pela avaliação e sim pelo currículo como um todo (objetivos,
conteúdos, metodologias, formas de relacionamento etc.). No entanto, além
do seu papel específico na exclusão, a avaliação classificatória acaba
influenciando todas estas outras práticas escolares. (p. 3)
Disso decorre que a avaliação acaba por constituir o principal fator que
determina as práticas pedagógicas, com ampla repercussão na vida pessoal e
escolar do educando.
Suassuna (2006, p. 32-36) relaciona os questionamentos dos críticos a esse
modelo de avaliação, destacando entre esses: instrumentos objetivos simplificariam
o conhecimento, requerendo basicamente a memorização e, assim, reforçariam o
modelo pedagógico centrado na transmissão; resultados quantitativos não
expressariam o movimento e a temporalidade dos processos educativos complexos;
o ensino inspirado nesse modelo incorporaria práticas de imitação, repetição e
reforço, estando associado aos comportamentos observáveis da pedagogia
tecnicista, em que a avaliação não inclui as particularidades de aprendizagens, mas
concentra-se na medição do desvio entre os desempenhos e nos objetivos dos
programas.
Outra crítica ao modelo tradicionalista de avaliação é que a resposta
esperada pode se impor ao processo de aprendizagem efetivamente vivido pelo
aluno, inclusive, porque os conteúdos curriculares são impostos sem julgamentos;
esse processo de reprodução pode ser estendido também a outras instâncias das
relações sociais de que o aluno participa. O modelo tradicionalista ainda é criticado
por apresentar uma visão negativa do erro, em vez de encará-lo como parte
constitutiva da aprendizagem. Por fim, a autora salienta que a avaliação
82
classificatória, ao longo do tempo, tem funcionado como mecanismo legitimador do
fracasso escolar, expresso nas altas taxas de evasão e repetência, e que
“selecionando alguns alunos e eliminando a maioria, essa prática avaliativa
naturalizou o processo de exclusão social” (p. 36).
O educador Cipriano Luckesi também refere-se à avaliação tradicionalmente
praticada nas nossas escolas como “uma prática ameaçadora, autoritária e seletiva”,
destacando ainda:
A prática escolar usualmente denominada de avaliação da aprendizagem
pouco tem a ver com avaliação. Ela constitui-se muito mais de
provas/exames do que de avaliação. Provas/exames têm por finalidade, no
caso da aprendizagem escolar, verificar o nível de desempenho do
educando em determinado conteúdo (entendendo por conteúdo o conjunto
de informações, habilidades motoras, habilidades mentais, convicções,
criatividade etc.) e classificá-lo em termos de aprovação/reprovação. (...)
desse modo, provas/exames separa os “eleitos” dos “não-eleitos”. Assim
sendo, essa prática exclui uma parte dos alunos e admite, como “aceitos”,
uma outra. Manifesta-se, pois, como uma prática seletiva. (...) Ela (a prática
seletiva) está comprometida com o modelo de prática educativa e,
conseqüentemente, com o modelo de sociedade ao qual serve. (LUCKESI,
1999, p. 168-169)
Nessa perspectiva, as práticas avaliativas não têm caráter meramente
técnico, mas assumem também uma dimensão política e ética. Nesse sentido, a
avaliação de concepção reguladora ou formativa que, segundo Suassuna (2006), é
um paradigma ainda em construção, opõe-se às práticas tradicionais de avaliação,
pois coloca seus resultados e informações a serviço da formação do aluno e da
produção de conhecimentos. Portanto, nessa perspectiva, o que vale é o uso que se
faz das informações geradas através das provas, exercícios e tarefas escolares
.
De acordo com Silva (2004), a avaliação na perspectiva formativa-reguladora
tem 8 pressupostos. São eles:
a) Educabilidade – Todos os alunos aprendem, o que os diferenciam são seus
ritmos e formas de aprendizagem os quais resultam de suas realidades de vida.
Cabe ao professor investigar essa relação para adequar o trabalho pedagógico às
singularidades de cada aluno, tornando sua ação mediadora.
b) Pedagogia diferenciada – É a flexibilização da ação pedagógica para atender aos
diferentes perfis de aprendizagem dos alunos. Para tanto, o professor, com base na
83
coleta de informações, antecipa as dificuldades dos alunos para, então, regular sua
ação docente.
c) Pesquisa como princípio do trabalho pedagógico – É essencial para que o
professor possa ter consistência teórica na tomada de decisões pedagógicas.
Devem constituir objeto de investigação pedagógica do professor a natureza
epistemológica e função social dos conteúdos curriculares, bem como o cotidiano
escolar em sua complexidade e singularidade.
d) Centralidade nas aprendizagens significativas – A ação pedagógica deve permitir
a superação das aprendizagens mecânicas, baseadas na memorização e
reprodução, em prol da construção de hipóteses “rumo ao saber ainda não sabido”
(p. 37), que se dá em um processo dialético com os saberes preexistentes.
e) Escola como lócus de aprendizagens, de multiplicidade cultural, de tensão e
aberta a mudanças – Nesse sentido, inclui-se, também, a aprendizagem do
professor; assim, a escola deve ter condições que favoreçam o diálogo, o debate, o
planejamento e a socialização de experiências. Essas condições são muito
importantes, pois devido à complexidade do processo educativo, surgem tensões e
divergências até desejáveis para a dinâmica de mudanças da escola.
f) Currículo flexível e contextualizado – O foco de um currículo flexível e
contextualizado deve ser a aprendizagem significativa, a qual torna a realidade
cerne da problemática educativa, objeto de estudo e integradora de saberes e
competências” (p. 42). Assim, a palavra-chave é a integração (de objetivos, saberes,
competências) que permite que os alunos venham compreender e atuar na
realidade.
g) Projeto político-pedagógico como elemento articulador e orientador da prática
pedagógica – É no projeto político-pedagógico que se evidencia a intencionalidade
da educação escolar daquela unidade de ensino, através da explicitação de
aspectos cruciais, como, o modelo de avaliação adotado, os critérios de promoção, o
plano de ações e de estudo dos docentes, a avaliação institucional. Enfim, é o
projeto político-pedagógico que articula as diversas instâncias da escola e, por
assim dizer, representa “a cara da escola”.
h) Compromisso social – O educador deve ter compromisso com a ética, com a
solidariedade e com o acesso de todos aos bens culturais, econômicos e políticos.
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Nesse sentido, o professor deve ter a reflexão como o ponto de partida para as
transformações de sua prática e para as mudanças mais amplas da sociedade.
Sobre avaliação de concepção formativa, Elizabeth Marcuschi (2004, p. 79)
destaca, com propriedade, a importância de seu caráter regulador:
(...) a tônica da avaliação formativa não se situa na contagem ou não de
erros, na adoção ou não de conceitos, na elaboração ou não de provas, no
desenvolvimento de um ou vários exercícios, mas no significado atribuído a
essas e outras atividades, bem como nas informações que a partir delas
são detalhadamente elaboradas a respeito da aprendizagem do educando.
Dessa forma, a avaliação passa a integrar o processo de ensino, subsidiando
o professor com informações que vão permitir reflexão e tomada de decisões.
Analisando os pressupostos da avaliação de concepção formativa-reguladora à luz
dos princípios defendidos nos ciclos, percebemos que aquele modelo de avaliação é
o elemento de sustentação dessa concepção escolar. Uma escola comprometida
com a formação docente, pressupostos da pesquisa como princípio do trabalho
pedagógico e da escola como lócus de aprendizagens; uma escola que promova
experiências que mobilizem a construção de competências, pressupostos da
centralidade nas aprendizagens significativas e do currículo flexível e
contextualizado; uma escola democrática, pressupostos do projeto político-
pedagógico e da escola como lócus de multiplicidade cultural, de tensão e aberta a
mudanças; uma escola inclusiva, pressupostos da educabilidade, da pedagogia
diferenciada e do compromisso social.
Sobre a questão da avaliação nos ciclos, Vasconcelos (2002. p. 2) afirma:
Um dos pontos de partida para a proposição do Ciclo é justamente a
constatação da não-aprendizagem efetiva e significativa por parte da
totalidade dos alunos que freqüentam a escola, sendo que a avaliação
classificatória, entre outras coisas, contribui para isto. Propõe-se, então, o
fim da classificação como uma forma de favorecer a aprendizagem de
todos.
Desse modo é possível observar que a escola em ciclos, mediante a
avaliação de caráter formativo, estabelece o princípio da inclusão; enquanto a escola
seriada, com a avaliação classificatória, permite uma lógica excludente. Mas não é
só isso. Vasconcelos (ibidem) destaca que a avaliação classificatória acaba por
85
desviar a atenção do professor para “o quanto o aluno merece” em vez de “o que é
preciso fazer para que ele aprenda mais e melhor” (p. 2).
Outros aspectos em que a avaliação classificatória distingue-se da formativa é
a freqüência com que é realizada e o nível de tensão que a acompanha. Todos nós
conhecemos a rotina de avaliação de escola de lógica seriada: a cada bimestre
letivo, em um período predeterminado, todas as aulas são interrompidas e a escola
pára – é a semana de avaliação da unidade. Período tenso para todos, os
professores atarefados com a elaboração, aplicação e correção de instrumentos; às
voltas com contas, médias, décimos a mais e a menos, comunicação de notas a
alunos, pais, secretaria da escola. Os alunos, bem, esses se viram como podem,
tentam memorizar o máximo de informações possível (ou copiá-las minuciosamente
em papeizinhos dobrados com desvelo). A prova é também “de nervos” e o aluno
tem oportunidade de exercitar a competição e a fraude.
A avaliação de caráter formativo não se dá num período especial, na verdade,
a avaliação tem caráter processual e faz parte da rotina de trabalho diário do
professor que precisa organizar-se quanto a uma sistemática de verificação, registro,
estudo, intervenção, registro, e assim por diante. Nesse sentido, a avaliação é
contínua e inerente ao próprio processo de ensino, como afirma Vasconcelos
(ibidem, p. 2-3):
(...) não interromper o movimento inerente à avaliação no seu autêntico
sentido, ou seja, não parar na verificação! Aplicar um instrumento, corrigir
e atribuir um conceito ainda não é avaliação! Constatar a dificuldade do
aluno é muito importante, mas não para poder lhe atribuir “uma nota justa”,
e sim para saber exatamente onde está o problema e intervir a fim de
resgatar a aprendizagem que ainda não se deu a contento. Verificar,
portanto, faz parte da avaliação, todavia não a esgota; no seu sentido
radical, a avaliação implica um posicionamento diante daquilo que foi
constatado.
Assim, para a escola em ciclos, a prática de uma avaliação formativa constitui
elemento fundamental, porque é mediante a avaliação que se aplicam alguns dos
princípios essenciais dos ciclos, como a flexibilização do tempo de aprendizagem e
o acompanhamento individualizado do aluno. A aplicação de tais princípios exige
que a avaliação seja de caráter contínuo e processual e supere a mera constatação
dos avanços e dificuldades dos alunos. Além disso, a inserção e a progressão do
86
aluno em cada um dos ciclos podem ocorrer em qualquer tempo, durante o processo
de aprendizagem, com base na idade e nas competências definidas
institucionalmente e dadas como alcançadas. Tal promoção é definida pela
avaliação dos avanços do aluno, verificado mediante a aplicação de múltiplas
atividades escolares, e decidida em instância coletiva, através do Conselho de Ciclo.
Por outro lado, as dificuldades de aprendizagem devem ser analisadas e
estudadas, para a busca de alternativas de superação. Entre essas, a diversidade
de enturmação constitui uma das propostas mais utilizadas nos ciclos, a exemplo da
Escola Plural de Belo Horizonte. Nesse sistema, o aluno tem uma turma de
referência, aquela em que está matriculado sob o critério da idade, mas pode ser
inserido em outras turmas temporárias e formadas para atender a determinadas
necessidades de aprendizagem ou para desenvolver algum projeto especial.
Nesta perspectiva, a ação de avaliar se define enquanto processo de
constatação dos avanços e/ou entraves na aprendizagem, mas, sobretudo, de
compreensão, de intervenção e de constituição do exercício de aprender a construir
o conhecimento. Portanto, o professor avalia, e o faz continuamente, para
compreender, descobrir e propor soluções de avanço e ampliação do conhecimento.
Assim, ao professor não interessa aplicar provas apenas para legitimar a aprovação/
reprovação do aluno; ele precisa de dados que confirmem ou neguem os seus
processos de ensino com cada um dos alunos. Para obter esses dados, terá que
usar múltiplos e diferentes instrumentos, aplicados em diversas situações
pedagógicas. Tais instrumentos ou atividades constituirão objeto de estudo – não
somente de correção – e, ao mesmo tempo, de interação entre o professor e o
aluno, como afirma Suassuna (2006, p. 13): “As perguntas são, elas próprias, formas
de interação entre aluno e professor; dotadas de intenções didático-pedagógicas,
estabelecem entre ambos uma relação multidimensional”.
Ainda sobre instrumentos de avaliação, a autora afirma:
Ao elaborarmos instrumentos de avaliação, devemos ter em mente que as
questões postas para os alunos precisam ser instigantes, mobilizadoras;
levar à solução de problemas, à tomada de decisões, à elaboração de
justificativas, ao desequilíbrio cognitivo, a desacordos intelectuais, enfim, à
ampliação da aprendizagem. (...) Analogamente, as respostas que os
alunos nos dão fornecem informações sobre como eles pensam e
aprendem, e também como compreendem as perguntas que lhes fazemos,
razão pela qual devemos considerar o efeito dos instrumentos sobre as
formulações apresentadas pelos aprendizes (ibidem, p.113).
87
Para atender a tais condições, e também ao pressuposto da pedagogia
diferenciada, é necessário trabalhar com uma multiplicidade de tipos de atividades,
como testes (que permitam diferentes formas de respostas), pesquisas de campo (e
seus registros, análise e síntese de resultados), debates, e toda uma diversidade de
trabalhos que permitam ao aluno expressar seu conhecimento em diversas
linguagens e também dêem ao professor uma visão mais ampla dos modos de
aprender, e dos avanços e dificuldades do aluno.
A avaliação nos ciclos, portanto, rompe, necessariamente, com os modelos
tradicionais, associados ao conceito de medidas, e centrados nos aspectos
quantitativos, nos resultados, no produto, ou seja, centrados na aprovação ou
reprovação do aluno, responsáveis, de resto, por constatar o sucesso ou fracasso de
sua aprendizagem. Então, a avaliação é entendida como consta na Lei 9.394/96
(Art. 24, inciso v, alínea a): “avaliação contínua e cumulativa (...) com prevalência
dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do
período sobre os de eventuais provas finais”.
Na perspectiva formativa, a avaliação é uma ação pedagógica que se
confunde mesmo com o processo de ensino-aprendizagem, dele sendo parte
integrante, subsidiando o professor com dados e informações que favoreçam a
reflexão e a tomada de decisões pedagógicas, metodológicas e também de gestão
da sala de aula, por exemplo, ao definir o tempo e as formas de promoção do aluno.
No cotidiano escolar, essa perspectiva pedagógica se manifesta em situações
comuns, como a ausência de momentos especiais de avaliação (por exemplo, dia ou
semana de prova, semana de recuperação), mas também significativas, como a
ruptura com a cruel pressão exercida sobre estudantes e professores nesses
momentos de exceção.
Dentro do processo avaliativo e com a mesma caracterização deste, ocorre a
reorganização da prática pedagógica na perspectiva do desenvolvimento
permanente do estudante e do alcance das competências ainda não atingidas. Este
movimento é parte integrante e indissociável da concepção de aprendizagem/
avaliação adotada no ciclo, respeitando-se tempos, espaços e formas adequados às
diferenças e às necessidades de cada estudante. As diferentes modalidades
avaliativas devem estar adequadas à natureza dos componentes curriculares e ter
como referência o elenco de competências de cada área, para cada ciclo,
88
objetivando verificar o desenvolvimento cognitivo, sociocultural e afetivo dos
estudantes.
A progressão do aluno dar-se-á através da passagem de ano para ano,
dentro de um mesmo ciclo, e de um ciclo para o outro. É imprescindível identificar
quais os estudantes que apresentam dificuldades na construção das competências
definidas, ainda durante a sua trajetória, para que se possibilite a reconstrução de
tais competências, de modo a garantir o tempo e as formas de aprendizagens a elas
necessários.
Nos Conselhos de Ciclo, os professores, com base no registro do
acompanhamento do estudante e do grupo, devem refletir sobre as questões de
natureza epistemológica e de transposição didática, avaliando, planejando e
construindo a prática pedagógica desenvolvida em cada área do conhecimento. Este
momento contempla, ao mesmo tempo, as dimensões relativas às atitudes e
valores, e aos saberes específicos, assim como, concomitantemente, analisa de
modo interdisciplinar os diferentes conteúdos curriculares. Além disso, os Conselhos
de Ciclo permitem o surgimento de uma ação coletiva que conduz a uma
responsabilidade compartilhada, favorecendo maior integração da equipe e mais
eficácia nas ações.
Faz-se necessário registrar que nada impede que a concepção formativa de
avaliação seja aplicada ao sistema curricular seriado, ao contrário, qualquer sistema
curricular teria mais chances de sucesso se pudesse superar a natureza
classificatória e sentenciva da avaliação; entretanto, é nos ciclos que a natureza
processual e qualitativa da avaliação formativa assume um viés de obrigatoriedade e
vai ser determinante para o sucesso do sistema. A não-adesão a essa perspectiva
pedagógica rompe com os princípios defendidos nessa forma de organização
curricular.
Entretanto, se a organização em ciclos oferece tantas vantagens, quais as
razões da resistência de muitos educadores e pais a esse sistema e das críticas por
vezes tão contundentes de que são alvo, particularmente, quanto a questões
relacionadas à avaliação?
Uma das críticas diz respeito à progressão mais rápida de alunos que
apresentem desempenho acima de seu grupo-classe. A progressão não levaria a
89
criança a “queimar etapas” importantes do seu desenvolvimento? É preciso destacar
que essa progressão deve constituir uma decisão coletiva do Conselho de Ciclo, o
qual deve fazer uma avaliação muito criteriosa de cada situação. Por exemplo, a
equipe deve discutir se é realmente o aluno que apresenta um desempenho acima
do esperado ou se é o grupo-classe que está com desempenho aquém do
desejável.
Sobre essa questão, Perrenoud (1999-2006), um dos maiores estudiosos dos
ciclos na atualidade, afirmou, em entrevista ao Portal Educacional: “não devemos
nos opor a esses percursos mais rápidos, mas é importante mantê-los dentro de
limites razoáveis, pois não devemos reduzir o desenvolvimento de uma criança às
suas aquisições cognitivas”. Em outras palavras, é sempre importante avaliar outras
variáveis da transferência da criança para outro grupo-classe, como a sua
maturidade afetiva para enfrentar essa mudança e as experiências de aprendizagem
já vivenciadas pela outra turma.
Mas as críticas mais contundentes aos ciclos são as relativas à não-
reprovação de alunos. Dois argumentos se destacam entre os alegados pelos
críticos a esse princípio dos ciclos: a) a progressão automática levaria à queda do
nível de ensino (vai ter aluno que vai passar sem saber a matéria); b) a não-
reprovação levaria à falta de interesse do aluno (se ele passa de qualquer jeito, pra
que vai estudar?).
Muitas relações poderiam ser estabelecidas entre esses argumentos e as
concepções de escola, de ensino e de avaliação desses críticos, entretanto
contentemo-nos com as mais evidentes: a escola não ensina a todos os alunos; a
escola só consegue despertar o “interesse” do aluno, mediante o recurso à ameaça
de reprovação. Então, nessa escola,
(...) parece que tudo anda muito bem no ensino enquanto, no final do ano,
se possa aprovar uns e reprovar outros, ficando suposto que estes últimos
são os culpados por seu infortúnio de não serem aprovados. Mas, basta
falar em aprovar também estes, e já se percebe que algo precisa mudar na
escola (...) (PARO, 2001, p. 54).
Certamente essa é uma escola que precisa rever urgentemente o seu papel
na construção de uma sociedade mais justa. Segundo Paro (ibidem), a expressão
“progressão automática”, hoje pejada de sentido negativo, foi proposta há mais de
90
40 anos por Dante Moreira Leite, sob o argumento de que “sob o ponto de vista do
aluno, a reprovação é (...) inútil” (p. 50). Na verdade, todos os que se posicionam
contra a avaliação classificatória e contra a reprovação deveriam ser a favor da
progressão automática, mas não é o que acontece.
Paro (ibidem) afirma que “parece existir certo preconceito (...) mesmo por
parte daqueles que defendem a organização da escola em ciclos” (p. 52). O autor
explica que parece ser por essa razão que se passou a dotar a expressão
“progressão continuada”, “para indicar que (...) se tomam providências na
organização do ensino que não se restringem à ‘aprovação por decreto’.” Ou seja,
temos que encarar que é direito do aluno não só ser aprovado, mas também ser
aprovado com critérios verdadeiros, uma aprovação, por assim dizer, qualificada.
Portanto, se admitirmos a necessidade de uma escola inclusiva, ou seja, uma
escola que tenha como objetivo a aprendizagem de todos, temos que encarar a
mudança de perspectiva de avaliação da aprendizagem. A avaliação de concepção
formativa sobressai-se como base indispensável na construção dessa escola,
enquanto o sistema de ciclos, sem dúvida, contribui com sua noção de respeito às
diferenças, ampliação do tempo pedagógico e acompanhamento individualizado do
aluno.
Veremos adiante que essas concepções de currículo e de avaliação não
influenciarão apenas os aspectos pedagógicos e sócio-políticos da escola; elas
também terão repercussão sobre o discurso e a produção e uso dos gêneros
textuais da esfera institucional da escola.
4. O significado do registro no processo de avaliação
O registro escrito da avaliação escolar obedece aos preceitos da sociedade
letrada: é necessário e imprescindível para o reconhecimento e validade no âmbito
social e legal.
Naturalmente, as formas de registro sofrem variações relacionadas: às
concepções de currículo e de avaliação; aos níveis e modalidades de ensino; aos
graus de formalidade do registro; ao suporte em que circulam; aos propósitos e
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interlocutores a que se destinam; à cultura em que se inserem produtores e
instituições. Essas variáveis, portanto, é que vão determinar o gênero textual em que
o registro da avaliação será feito, atendendo os critérios de melhor adequação.
Além das influências decorrentes das concepções de currículo e de avaliação,
já mencionadas, o gênero do registro pode mudar de acordo com os níveis e
modalidades de ensino. Assim é que, mesmo numa escola em que o registro
costuma ser feito mediante nota, é muito provável que, na educação infantil, essa
forma de registro não seja considerada adequada para explicitar o desenvolvimento
cognitivo e social das crianças.
O grau de formalidade também é determinante na escolha do gênero do
registro. Em nível informal, temos, por exemplo, as anotações pessoais do professor
as quais podem constar de observações circunstanciais e lembretes, com
organização e suporte particular, e interlocução com ele mesmo.
No nível legal, o registro pode ser feito mediante nota, conceito ou parecer. A
nota e o conceito constituem instâncias discursivas reconhecidas e aceitas
socialmente como capazes de representar uma informação oficial (resultado,
produto) acerca do desenvolvimento escolar do aluno. Entretanto, esse
reconhecimento está condicionado à disposição dessa nota ou conceito em um
suporte ou gênero (por exemplo, boletim escolar, histórico escolar; um exercício,
atividade ou “prova”). O parecer, por outro lado, mesmo que também circule em
suportes como boletim, histórico e caderneta escolar, goza da autonomia de ser
reconhecido como parecer, independente do suporte. A propriedade de ser
reconhecido em sua identidade é própria dos gêneros. De qualquer modo, a nota, o
conceito e o parecer garantem a tipificação exigida em documentos oficiais.
Sobre a interlocução, além de si mesmo, o professor pode ter como
interlocutor o próprio aluno, os seus pais, outros professores ou instâncias
institucionais; em relação aos suportes, além do caderno de anotações pessoais do
professor, é possível encontrar cadernetas escolares muitíssimo diferentes,
conforme o registro adotado, o boletim escolar, o histórico escolar e a agenda da
criança.
O tipo de conteúdo também influencia o gênero de registro, por exemplo, os
atitudinais oferecem mais dificuldade para registros de caráter quantitativo. Assim, é
92
muito comum as escolas usarem tipos distintos de registro, conforme diferentes
modalidades de ensino, conteúdos etc. Há, ainda, instituições que usam mais de um
tipo de registro de desempenho para o aluno. Por exemplo, uma escola pode
registrar notas ou conceitos ao lado de comentários que guardam semelhanças com
um parecer.
Também não é difícil perceber que um mesmo instrumento de avaliação, por
exemplo, uma prova convencional, pode resultar em registros diversos. Isto é, em
documentos oficiais, como, diário de classe, boletim escolar, histórico escolar, essa
prova pode ser registrada em forma de nota, conceito ou parecer. Em nível informal,
no caderno do professor, tais resultados ou observações podem aparecer em forma
de anotações pessoais, recomendações, lembretes; portanto, uma prova não se
confunde com o registro dos seus resultados. Entretanto, esses gêneros, muitas
vezes, são tomados como a própria avaliação. Por que isso acontece?
Cada forma adotada no registro de avaliação, mesmo representando um
gênero textual distinto, dotado de todos os significados textuais e discursivos que
lhes são próprios, têm alguns traços comuns, inscritos, que todos são, na esfera
pedagógica, e guardando, portanto, uma relação dialógica entre si e com as ações
envolvidas no processo de avaliação. Tais gêneros estão de tal modo imbricados
com o processo de avaliação que se plasmam e confundem-se com ele. Assim,
gêneros como, por exemplo, provas, exercícios, anotações sobre a análise de
resultados, observações e registros de atribuição de valor, comunicações informais a
respeito de resultados, registro de notas, pareceres, tudo isso se confunde com o
próprio ato de avaliar, de modo que tais gêneros passam a representar a avaliação
mesma.
No meu entender, esse fato corrobora a visão de Bazerman através do
conceito de sistema de atividades, definido como: “(...) o que as pessoas fazem e
como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo (2005, p. 34)”. Então, na verdade, os
gêneros auxiliam o desenvolvimento das atividades às quais eles se relacionam; ou
seja, a prova (ou outros instrumentos de avaliação) assim como o parecer, ou outras
formas de registro, auxiliam a atividade de avaliação, mas não se confundem com
esta. A força da relação entre tais gêneros e a atividade de avaliar é que faz que o
usuário tome o gênero textual pela ação de avaliar.
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Bazerman também observa que mudanças nas organizações sociais vão
representar a emergência e transformações de formas textuais que também
influenciam tais mudanças. No caso dos Ciclos de Aprendizagem, ao acompanhar o
estudante e o grupo, o professor faz diversos tipos de registros, ao longo do ano
letivo, entre eles, o Parecer Pedagógico.
Esse gênero vem sendo adotado há algum tempo na Educação Infantil e,
mais recentemente, algumas experiências indicam sua efetivação no Ensino
Fundamental e Médio (Hoffmann, 2001; Freire, 2001; 1989; Saul, 2000). Inúmeros
trabalhos têm ressaltado sua importância na avaliação processual, na medida em
que possibilita o acompanhamento do processo de construção do conhecimento e
do desenvolvimento do estudante e do grupo, e como um dos recursos para a
reflexão da prática pedagógica. Nesta sistematização, o professor registra suas
observações sobre os estudantes e organiza sua ação com base nas reflexões
sobre sua própria prática; refletindo e escrevendo, ele desenvolve seu conhecimento
didático e se apropria do seu processo de formação contínua.
Sobre a importância do registro para a avaliação, Hoffmann (2001), afirma
que o registro permite visualizar os caminhos percorridos por cada estudante na
busca dos conhecimentos e do desenvolvimento de valores pessoais e coletivos,
mostrando assim a dinamicidade da ação de conhecer. Desse modo, o registro
viabiliza a sistematização da dinâmica da sala de aula e permite ao professor
estabelecer relações e nexos entre os diferentes processos de intervenção na sua
prática, tornando possível analisar os diversos momentos do percurso escolar do
estudante e de seu desenvolvimento.
É mediante o registro que ficam impressas as competências que o estudante
demonstra já possuir, bem como as que sinalizam estar em construção, indicando a
necessidade de uma intervenção mais precisa por parte do professor, orientando,
assim, seu plano de ação. Uma vez registradas, as competências irão,
posteriormente, servir de indicadores do que já foi alcançado na trajetória do próprio
estudante. Para tal, as informações deverão ir além da mera descrição, permitindo
ao professor o conhecimento para a ação, tornando-o um crítico da sua própria
prática, na medida em que, lendo, buscando informações, escrevendo,
documentando observações, analisando, refletindo e falando sobre as suas próprias
idéias, ele se apropria do seu fazer cotidiano.
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Dessa forma, se evidencia a importância do ato de registrar o cotidiano da
sala de aula, pois o professor, ao revisitar suas memórias, refletirá sobre o
significado das suas próprias ações, avaliando-as e reorientando-as quando
necessário, numa dinâmica reflexiva. Além disso, o registro possibilita o
compartilhamento da prática entre os professores em relação às dúvidas,
inquietações, hipóteses, conquistas e descobertas. As observações sobre as
competências alcançadas por cada estudante nas diversas áreas do conhecimento,
a sociabilidade, seu envolvimento no grupo e nas atividades propostas, iniciativas e
interesses demonstrados, tudo isso compõe informações e referências valiosas para
o docente. Assim é que a dinâmica escolar, bem como as várias formas do aluno
registrar a sistematização do seu conhecimento, através de anotações nos
cadernos, exercícios, produções, pesquisas, entre outros, subsidiam a prática
docente e dão suporte à construção dos registros mais sistematizados e àqueles da
esfera legal.
Ao professor compete apontar os avanços dos estudantes, suas áreas de
maior interesse, seus movimentos na interação com a turma e a inserção na
comunidade, sua postura na construção do conhecimento, o elenco de
competências construídas e as que estão em processo de construção, bem como as
ações propositivas, no sentido de fazer com que o estudante estabeleça as relações
e conexões necessárias ao seu avanço.
Cabe, ainda, destacar que o registro por meio de parecer não é, por si só,
garantia de processo formativo de avaliação. Como afirma Beth Marcuschi (2004, p.
78-79):
Se, ao atribuir uma nota, o professor souber indicar os traços que
distinguem, por exemplo, a nota sete ou oito dada a um aluno, do sete ou
oito recebido por outro, ou seja, se souber descrever os conhecimentos
atingidos por um e por outro e, se com base nesses dados, conseguir
encaminhar ações de formação que permitam ampliar a aprendizagem dos
alunos, levando em conta suas diferenças, então esse docente estará
praticando uma avaliação formativa.
Por outro lado, o registro discursivo não está, de modo algum, livre de tornar-
se uma ação meramente burocrática da atividade docente. Ainda assim, ele dirá
muito mais a respeito da prática do professor.
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Por fim, cabe registrar que a avaliação de concepção formativa não passa a
fazer parte da prática do professor por meio de decreto, mas mediante um demorado
processo de amadurecimento profissional, calcado no estudo, na reflexão, numa
cultura de discussão das práticas cotidianas e, sobretudo, numa política de formação
que supere as burocráticas “capacitações” em prol de estudos mais sistematizados,
mais freqüentes e mais próximos às realidades dos docentes.
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CAPÍTULO 4
PARECER PEDAGÓGICO: A CONSTRUÇÃO DE UM GÊNERO
Este capítulo relata a introdução dos ciclos de aprendizagem em
Pesqueira/PE, a partir da política educacional do município que incluiu um programa
de formação continuada que não só adotou os princípios dessa organização
curricular, mas acompanhou sistematicamente a prática pedagógica dessas
educadoras e sua influência sobre a aprendizagem dos alunos.
Também fazem parte deste relato a concepção, os formatos, temas e
metodologias do Programa de Formação e algumas reflexões teóricas a respeito
desse importante componente da atividade profissional de todo professor, sua
capacitação.
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1. O contexto educacional do município de Pesqueira/PE
O município de Pesqueira está localizado na parte centro-norte-ocidental da
Mesorregião Agreste de Pernambuco, microrregião 183, Vale do Ipojuca, a 200 km
de Recife. De acordo com o Censo Escolar de 2003, atende um contingente de
9.546 alunos, através de 74 escolas municipais, as quais oferecem as modalidades
de Educação Infantil (creche e pré-escolar), Ensino Fundamental, Ensino Médio,
Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos, atuando nas áreas urbana e
rural.
Apesar de cobrir mais de 90% da população em idade escolar, pois a
matrícula é feita por demanda, o município detém altos índices de repetência e
abandono escolar, resultado de uma escola que não consegue trabalhar as
diferenças individuais, o que se evidencia na repetência, sobretudo nas séries
iniciais, e se perpetua no abandono da escola. Como dado mais significativo e
aterrador, há, no município, da 1ª para a 2ª série, uma perda de 856 crianças, ou
seja, 32.9% das crianças matriculadas na 1ª série não chegaram à 2ª série (Censo
de 2001), sendo que 12.3% abandonaram a escola e 20.6% ficaram retidas na 1ª
série.
Quanto ao corpo docente, dados do Censo Escolar de 2003 informam que 2%
dos professores têm apenas o Ensino Fundamental, 54% têm formação em nível
médio e somente 44% tem formação superior.
A partir de 2002, com a análise dos dados sobre o fluxo escolar, a Secretaria
Municipal de Educação passou a planejar a implementação de ações mais regulares
que contribuíssem efetivamente para a correção de uma distorção idade/série que
nesse ano chegou a 69,7%. Dentre as ações implementadas no município, a mais
significativa é o Programa de Organização da Escolaridade por Ciclos de
Aprendizagem. Sua implantação exigiu do município um programa de formação de
educadores que superasse o desgastado formato de encontros de capacitação
periódicos e burocráticos.
Assim, em março de 2003, iniciamos a formação das coordenadoras
pedagógicas, para, alguns meses depois, em julho, lançarmos a nova organização
curricular, nesse momento, apenas com as classes de alfabetização do ensino
regular. É importante salientar que apesar de a nova organização curricular, nesse
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momento, estar restrita às classes de alfabetização e as ações de formação
continuada, com encontros mensais de acompanhamento, envolverem apenas as
alfabetizadoras e coordenadoras, o programa dos ciclos foi lançado para toda a
Rede. Assim, a partir de julho de 2003, os encontros gerais de formação
(semestrais) passaram a ter como tema essa organização curricular e principalmente
a avaliação formativa.
Foi também a partir de então que iniciamos o trabalho de formação e
acompanhamento da prática docente das 25 professoras das classes de
alfabetização. No quadro abaixo, os princípios norteadores dos Ciclos de
Aprendizagem em Pesqueira.
Implantação progressiva:
agosto /2003 – 1º Ano do I Ciclo – 6 anos de idade;
fevereiro/2004 – 2º e 3º anos do I Ciclo – 7/8 anos de idade;
1º e 2º anos do II Ciclo – 9/10 anos de idade
Ensino fundamental com nove anos de duração
Formação continuada dos docentes
Acompanhamento sistemático da prática docente
Acesso escolar a partir dos 6 anos
Avaliação formativa da aprendizagem, de caráter processual e diagnóstico
Retenção no mesmo ciclo apenas por falta
Identificação e recuperação imediata de problemas de aprendizagem
Progressão escolar a qualquer tempo e para qualquer fase, desde que o aluno apresente as
competências estabelecidas construídas, mediante decisão colegiada.
Registro de aprendizagem através de parecer individual
Estabelecimento dos Conselhos de Ciclo: instância coletiva de avaliação, planejamento,
consulta e deliberação sobre a progressão do aluno bem como de acompanhamento
constante e contínuo da prática pedagógica e de sua organização.
Leitura como eixo principal do processo de ensino-aprendizagem, entendida, também, como
promotora do prazer cultural e do estimulo à imaginação e ao desenvolvimento da criança.
Currículo por competência
Número de alunos por turma:
I Ciclo: até 25 alunos;
II Ciclo: até 35 alunos.
Implantação de Projetos Especiais:
Biblioteca infantil;
Espaço de leitura;
Estante do professor.
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Neste relato, darei ênfase ao processo de formação continuada,
particularmente, às questões relativas à avaliação da aprendizagem, vez que esse
aspecto é o que guarda relação mais estreita com o objeto da minha pesquisa sobre
o Parecer Pedagógico.
2. Formação continuada e o exercício da profissão docente
A prática docente e a formação continuada em serviço devem ser
consideradas em relação aos diferentes aspectos da prática educativa. Tanto uma
como outra são indissociáveis das políticas culturais que as condicionam, bem como
da definição de uma carreira mais profissional. Logo, nenhuma prática educativa se
justifica fora do seu contexto político e/ou social.
Para o professor a prática docente e a formação continuada devem constituir
parte de um processo permanente de uma formação profissional mais ampla. A
Anfope
6
(2000, p. 22-23) também relaciona a formação continuada com a formação
profissional e o aprimoramento do trabalho pedagógico. Para essa instituição, a
formação continuada deve proporcionar novas reflexões sobre a ação profissional e
novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico, representando
um processo mais amplo de construção permanente do conhecimento e
desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial.
Ao sustentar a formação continuada como uma dimensão do trabalho de
profissionalização docente e conseqüentemente do trabalho pedagógico, a Anfope
desenvolve a compreensão da formação do professor como resultado de uma ampla
articulação entre os diversos espaços que vão desde a formação inicial e continuada
até espaços político-social-culturais extra-escolares.
É importante salientar que a formação profissional docente não pode ser
concebida a partir de qualquer dos seus aspectos isolados, ou seja, nenhuma
formação continuada pode ser proposta desvinculada de uma forma mais ampla de
se conceber a prática educativa. Especialmente na educação, a formação do
profissional está diretamente relacionada com o enfoque, a perspectiva, a
concepção que se tem do papel atual do professor e deve ser pensada como
6
Associação Nacional pela Formação dos Professores da Educação
100
construção teórica e não como simples aprendizagem de novas técnicas ou das
últimas inovações tecnológicas.
A nova formação, permanente ou continuada, inicia-se pela reflexão crítica
sobre a prática. Examinar as teorias implícitas, estilos cognitivos, preconceitos
(individualismo, intolerância, exclusão...). Como diz Paulo Freire (1996, p. 43), “na
formação permanente dos professores o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática”. E essa reflexão crítica não se limita ao próprio cotidiano na
sala de aula, mas deve se expandir para fora do contexto imediato do professor,
num movimento de abertura para o outro e para o mundo.
Nesse sentido, deve-se ressaltar a importância da troca de experiências entre
pares, através de relatos de experiências, oficinas, grupos de trabalho: quando os
professores aprendem juntos, cada um pode aprender com o outro. Isso os leva a
compartilhar evidências, informação, e a buscar, juntos, soluções para problemas
comuns. Essa prática também fortalece o sentido coletivo, importantíssimo em várias
instâncias, formação, gestão da sala de aula, avaliação, e que é essencial para o
sucesso da organização em ciclos. Por fim, não podemos esquecer o princípio da
interação nas práticas sociais e a sua repercussão em todas as instâncias de
atividades humanas.
Luis e Santiago (2005, p. 9) afirmam, com propriedade, que a transformação
da prática docente acontece através de pequenos movimentos de avanços,
contradições e como parte de suas necessidades, possibilidades, limitações e
ambigüidades. As autoras ainda observam:
Os programas de formação do professor devem levar em conta as práticas
de avaliação institucionalizadas, baseadas no saber da experiência
docente, analisando-as criticamente e propondo reflexões na e sobre a
ação do professor para que seja possível não só transformar o seu quadro
conceitual sobre a ação avaliativa, mas essencialmente transformá-la.
Enquanto o professor não tiver referências reais, práticas de novas
posturas, não poderá abandonar aquelas práticas que já desempenha bem,
embora possam significar fatores de fracasso escolar.
Assim, o programa de formação deve prever não só um consistente aporte
teórico, mas também a reflexão sobre as práticas cotidianas, aquelas que de tão
arraigadas já assumiram ares de verdade incontestável. Só dessa forma é possível
transformar verdadeiramente a ação do professor.
101
Tardif (2002, p. 124-5) construiu um quadro comparativo entre o trabalho
docente e o trabalho industrial, muito útil para analisar a especificidade da atividade
do professor. De acordo com o autor, o trabalho industrial tem objetivos precisos,
delimitados, coerentes e imediatistas; o trabalho docente tem objetivos ambíguos,
ambiciosos, heterogêneos e de longo prazo. Em relação à natureza do trabalho,
enquanto o industrial é material, seriado, homogêneo, passivo, determinado e
simples, o trabalho docente é humano, individual/social, heterogêneo, capaz de
oferecer resistência, com parcelas de indeterminação e de autodeterminação e
complexo. Enquanto no trabalho industrial a relação com o objeto é de manipulação
e controle direto e total, tendo como resultado um produto material, independente do
trabalhador, que pode ser medido; no trabalho docente, a relação com o objeto é
multidimensional, intersubjetiva, emocional etc., precisa da colaboração do objeto, o
qual nunca é totalmente controlado. O produto resultante do trabalho docente é
intangível e imaterial, dificilmente medido, e dependente do trabalhador.
A conseqüência dessa dimensão fluida da natureza do trabalho docente, ao
mesmo em que permite o surgimento da imprecisão e do subjetivo, vai exigir a
indicação de recursos interpretativos que permitam a construção de referenciais
possíveis de serem aplicados a situações concretas do trabalho docente. Este é,
pois, o grande desafio de um programa de formação.
3. A formação continuada no município de Pesqueira
Desde o início do trabalho, nós, da equipe envolvida na formação,
enfatizamos a necessidade do trabalho coletivo para o sucesso de todas as ações
relativas à implantação dos ciclos. Assim, mesmo trabalhando com dois grupos, o de
coordenadoras pedagógicas e o de professoras alfabetizadoras, “combinamos” que
se tratava de dimensões distintas, mas complementares do trabalho escolar.
Com as coordenadoras visávamos à formação de um grupo de educadoras
que pudesse efetivamente colaborar com os professores da rede municipal nas três
instâncias do trabalho docente, a saber, planejamento pedagógico, gestão da sala
de aula e avaliação da aprendizagem, prestando apoio, especialmente, diante da
nova organização curricular. Quanto às professoras alfabetizadoras, precisávamos
102
prepará-las para atuar no sistema de ciclos, favorecendo o desenvolvimento das
competências profissionais que julgávamos necessárias para que elas pudessem
obter sucesso nessa nova maneira de ver a escola, o ensino, o aluno.
É importante frisar o diferencial que representa um trabalho dessa natureza
em relação aos “encontros de capacitação docente”, os quais, muitas vezes,
constituem ações esporádicas, sobretudo desarticuladas da realidade local, e que
visam apenas a atender as exigências de instâncias burocráticas do poder público.
A natureza do trabalho que iniciamos em março de 2003 era diferente, porque
representava ações planejadas para atender necessidades identificadas no
município, de freqüência regular e acompanhamento sistemático. As primeiras ações
foram planejadas a partir de discussões no âmbito da Secretaria de Educação. A
partir daí, passamos a envolver os grupos na discussão dos temas a serem
trabalhados bem como vivenciar a prática de ouvir e avaliar constantemente com os
grupos cada uma das ações de formação. Um verdadeiro trabalho de educação
continuada no qual almejávamos que o desenvolvimento da competência
profissional permitisse a professoras e coordenadoras uma relação de autonomia no
trabalho, criando propostas de intervenção pedagógica, lançando mão de recursos e
conhecimentos pessoais e disponíveis no contexto, integrando saberes,
sensibilidade e intencionalidade, para responder a uma situação real, complexa,
diferenciada.
Assim, tínhamos uma perspectiva de formação continuada intimamente
ligada à existência de uma política educacional: a construção de uma escola de
qualidade, preocupada em promover a aprendizagem de todos. Acreditávamos
firmemente ser necessário articular conhecimento, valores e competência
profissional para obter êxito no processo de formação e também que os resultados
da formação teriam ampla repercussão no desempenho escolar. Tratava-se, antes
de tudo, de construir uma prática que trouxesse a atuação profissional para o lugar
central da formação, adotando o desenvolvimento da autonomia intelectual e o
compromisso social como princípio. Consideramos que para a construção
progressiva dessas competências, o modo de organizar as situações didáticas
constituía ponto essencial.
É importante destacar que nesse processo, sem desconsiderar de forma
alguma a importância da prática, era preciso ressaltar a importância da teoria não só
103
para a reflexão sobre novas possibilidades do conhecimento como para a análise da
própria prática. Nesse sentido, desde o início do trabalho, assumimos como
verdadeiros os pressupostos teóricos que estão na base dos ciclos, entre os
principais: o compromisso com a aprendizagem de todos os alunos, a avaliação de
concepção formativa, a pedagogia diferenciada, a formação continuada dos
educadores.
Em relação ao ensino de língua, adotamos princípios que se vinculam à
formação de cidadãos leitores e produtores de textos para os mais variados fins
sociais. Tais princípios devem superar o ensino com base em regras e em
classificação de formas gramaticais, trabalhando a linguagem em contexto de
interação, centrada nos textos e seus gêneros e considerando os eixos de
linguagem oral, leitura e compreensão, escrita e reflexão lingüística. Também foi
adotada uma concepção mais ampla para o trabalho com matemática, incluindo,
além dos procedimentos instrumentais, a construção de conceitos associados ao
processo de solução de situações-problema significativas para o aluno e capazes de
mobilizá-lo.
Paralelamente a esses posicionamentos teóricos, mantivemos o olhar sobre a
realidade das professoras e de suas classes, não esquecendo de discutir e analisar
esse contexto. Sobre esse aspecto, o risco da prática reduzir-se a um simples
praticismo, Frigotto (1996, p. 390) chama a atenção para o significado
epistemológico dessa tendência de atribuir à prática a essência lógica do processo
formativo do professor: “a perda da perspectiva teórica e epistemológica tende a
reduzir a formação e a prática do educador a uma dimensão puramente técnica ou
didática”.
Para evitar esse risco, há de se considerar uma dimensão reflexiva para a
formação. Entretanto, como afirma Celani (2003, p. 27), “O processo reflexivo não
acontece sozinho. É, na verdade, um trabalho ativo, consciente que pressupõe
esforço, vontade e que tem lugar quando condições são criadas para isso.”
3.1 Ações de formação continuada: a rede de educadores e seus grupos
O primeiro semestre de 2003 marcou o início desse trabalho na rede
municipal de educação de Pesqueira. Pela primeira vez, o município atrelava as
104
ações de formação a uma política de ensino pensada para atender as suas
especificidades. Tais ações incluiriam todos os professores da rede, com destaque
para o grupo de coordenadoras, cerca de 20 pessoas, e para o grupo de professoras
que trabalhavam com classes de alfabetização, 25 professoras. Para esses dois
grupos, a formação continuada incluiu vários minicursos e, principalmente, o
acompanhamento mediante encontros mensais de discussão da prática docente.
Desse modo, esses grupos eram beneficiados com ações mais amplas e freqüentes.
Ações de formação também contemplaram grupos especiais das unidades
escolares, como dirigentes, secretários e inspetores escolares que estudaram os
princípios da nova organização curricular e as mudanças relacionadas à
documentação escolar. Para os outros professores da rede, realizamos dois grandes
encontros de formação nos meses de julho de 2003 e fevereiro de 2004, nos quais
ampliamos a discussão sobre os ciclos de aprendizagem, avaliação formativa e
planejamento pedagógico.
Grupo de coordenadoras pedagógicas
Esse grupo foi o primeiro a ser contemplado com ações de formação
continuada presencial e encontros de acompanhamento à prática profissional, a
partir de março de 2003, com o Programa de Acompanhamento Escolar. O conjunto
dessas ações envolveu os seguintes aspectos: a amplitude e a especificidade da
atuação profissional; o tratamento dos conteúdos da formação; o compromisso do
coordenador com a formação continuada do professor e com a aprendizagem do
aluno; a relevância da aprendizagem experiencial do professor; o planejamento das
ações de formação, tendo como referência a realidade do sistema de ensino; as
condições institucionais e de trabalho com os professores.
Atividades desenvolvidas:
a) Encontros de sistematização – Dois encontros de 40 horas cada,
serviram para introduzir as linhas gerais da nova política de educação do
município. Assim, a partir da discussão de temas mais amplos como o papel
do Estado na implantação da política de ensino da escolarização básica, foi
apresentado o Programa de Acompanhamento Escolar, como uma forma
diferenciada de atuação da coordenação pedagógica junto aos professores,
assim como a nova política de formação do município.
105
Outros temas pedagógicos de relevância nesses encontros: ensino,
escolaridade e tempo pedagógico; ciclos de aprendizagem, avaliação e
formação continuada; projeto político-pedagógico; o papel do professor como
mediador do conhecimento. Além disso, foram definidas as estratégias de
ação diagnóstica bem como os aspectos a serem observados no
acompanhamento escolar, inclusive, com a elaboração coletiva dos
instrumentos. Quanto aos aspectos metodológicos, destaco que a leitura teve
papel preponderante em todos os encontros, assim como a sistematização
por meio de sínteses e esquemas. Saliento, ainda, que tivemos a
preocupação de trabalhar com textos diversificados tanto em temas como em
gêneros, inclusive, textos literários.
b) Encontros de acompanhamento – com a assessoria pedagógica, oito
encontros de 16 horas cada. Desenvolveram-se ao longo de todo o ano e
tiveram o objetivo de discutir e avaliar os avanços e as dificuldades do
acompanhamento escolar, particularmente, das turmas de alfabetização que
se iniciavam no ciclo de aprendizagem, aprofundando os temas de maior
interesse para a nova organização curricular: currículo por competências;
planejamento e avaliação; letramento e alfabetização; a organização de
atividades didáticas; pedagogia de projetos; o papel do coordenador
pedagógico nos ciclos.
c) Encontros de socialização de experiências – Entre as coordenadoras,
nas diversas escolas municipais, para discussão do trabalho de
acompanhamento escolar, num total de 20 horas.
d) Minicursos: Fundamentos da educação, Contribuições da psicologia no
processo de ensino-aprendizagem e Leitura e produção de textos. Cada
minicurso (detalhados adiante) teve 16 horas horas.
A carga horária total da formação do grupo de coordenadoras foi de 276
horas, distribuídas de março a dezembro de 2003. A contribuição desse grupo se
mostrará muito relevante na implantação da nova organização curricular,
constituindo, às vezes, o diferencial para o sucesso do Programa.
106
Grupo de professoras de classes de alfabetização
Os Ciclos de Aprendizagem, então, em Pesqueira, seriam introduzidos nas 25
classes de alfabetização do município, a partir de agosto de 2003, como projeto-
piloto, nas escolas urbanas e rurais. O projeto seria estendido gradativamente para o
restante do ensino fundamental.
O trabalho com as professoras alfabetizadoras revestia-se de grande
importância para nós que estávamos à frente do planejamento e coordenação da
implantação dos programas de implantação dos ciclos, de acompanhamento escolar
e de formação continuada. Sabíamos que o sucesso desse grupo dependia em
grande parte da nossa capacidade em planejar e implementar ações que, de fato,
fossem capazes de resultar em mudanças significativas na aprendizagem dos
alunos dessas professoras. Além do mais, tratando-se, por assim dizer, de uma
turma-piloto do programa dos ciclos, o seu sucesso ou fracasso determinaria, em
certo grau, a disposição do restante da rede de educadores em relação aos ciclos.
Começamos por levantar alguns dados a respeito das classes de
alfabetização, suas professoras e seus alunos. Com base nesses dados,
elaboramos algumas hipóteses e, diante delas, planejamos as ações que resultaram
no Programa de Formação Continuada.
Devo dizer que nesse momento (e também em alguns outros) não estivemos
tomadas do rigor científico; para compensar, usamos nosso entusiasmo e
experiência pessoal e profissional, além de pesquisa, estudo, leitura. Sobretudo, nos
mantivemos atentas, abertas para ouvir os educadores.
As coordenadoras pedagógicas nos ajudaram na coleta de atividades
didáticas entre as professoras. Comprovamos nossas hipóteses: as atividades
revelavam uma prática que envolvia “leitura” e cópia de sílabas, as famosas famílias;
faziam parte dos exercícios de “escrita”, cobrir numerais, letras e sílabas tracejadas;
grande parte do tempo pedagógico era tomado por jogos e brincadeiras que não
guardavam relação com um planejamento pedagógico adequado.
107
Algumas dessas atividades podem ser vistas abaixo.
Entre as 25 professoras, cerca de seis eram recém-formadas (Normal Médio),
com contrato temporário com o município; quatro freqüentavam curso superior de
pedagogia, na modalidade regime especial (duração de apenas dois anos, dá direito
a ensinar até a 4ª série, ou 2º ciclo, do Ensino Fundamental). As outras 15
professoras tinham o curso Normal Médio e eram docentes do quadro efetivo da
rede municipal.
Quanto aos alunos, a maioria estava na faixa etária dos 6 anos, alguns
incompletos; muitas dessas crianças viviam em situação de pobreza extrema. Em
relação à questão pedagógica, as professoras não tinham expectativa de que
iniciassem o ano seguinte com algum nível de leitura.
108
Diante desse quadro, elaboramos uma proposta de intervenção, mediante
programa de formação continuada e acompanhamento sistemático da prática
docente, o qual envolveu as seguintes atividades:
a) Primeiro Encontro de Professores Alfabetizadores – agosto/2003 –
Apresentação dos pressupostos fundamentais do Ciclo, contrastando-os com
os do modelo seriado, e da proposta de formação para o grupo ao longo do 2º
semestre de 2003. Total de 24 horas.
b) Minicursos – Cinco minicursos com carga horária de 16 horas cada. Os de
número 1, 2 e 3 foram ministrados também às coordenadoras pedagógicas:
Minicurso 1: Fundamentos da Educação – Teve como objetivo
promover a reflexão sobre o papel do educador e sobre a escola como
espaço de vários saberes e de formação de cidadãos. Foram trabalhados os
temas: educação formal X educação informal; saberes da vida X saberes da
escola; escola, sociedade e cidadania; cultura, cultura escolar e níveis de
conhecimento; tempo curricular.
Minicurso 2: Contribuições da Psicologia no Processo de Ensino-
aprendizagem – Foi introduzido no programa com a finalidade de fazer o
grupo estudar as bases epistemológicas da psicologia que corroboram uma
visão de desenvolvimento e aprendizagem infantil com necessidades e ritmos
individuais. Nesse contexto foram trabalhados os conceitos fundamentais,
inclusive a idéia de “construção do conhecimento”, assim como as
implicações educacionais da teoria psicogenética de Piaget; o
sociointeracionismo de Vygotsky; Wallon e a psicogênese da pessoa
completa e suas relações com a Psicopedagogia. Também foram discutidas
as interfaces entre as abordagens dos três teóricos e a contribuição das
teorias psicogenéticas com a avaliação educacional. Entre as atividades
didáticas desse
minicurso, houve a construção de um quadro dos modelos de
ensino e um painel integrado sobre Vygotsky
.
Minicurso 3: Leitura e produção de texto – Consideramos a
temática relevante em face de aspectos como a importância da autonomia
leitora para o desenvolvimento pessoal e profissional e, principalmente, a
necessidade de aumentar a competência discursiva escrita dos
109
coordenadores diante das exigências da nova organização curricular. Assim,
foram realizadas, em vários gêneros, atividades de leitura e estudo das
estratégias discursivas e de elementos textuais que contribuem para a
construção do sentido como o conhecimento prévio, a inferência, a
intertextualidade, a coesão promovida por elementos referenciais e pela
seleção e repetição lexical.
Alguns textos teóricos deram suporte ao trabalho e foram utilizados na
produção de esquemas e/ou no estudo de elementos de compreensão de
textos diversos. Entre esses, Gêneros textuais: definição e funcionalidade,
(Marcuschi, 2002), Compreensão de texto: algumas reflexões, (Marcuschi,
2001) e A análise de textos na sala de aula: elementos e aplicações,
(Antunes, 2000). O minicurso também envolveu a produção dos gêneros:
relatório, parecer pedagógico, notícia e depoimento. O critério adotado na
seleção dos textos lidos e dos gêneros trabalhados foi o de promoverem uma
melhor reflexão sobre o papel da linguagem enquanto atividade
sociodiscursiva, melhorando a compreensão leitora e permitindo um uso mais
eficaz da linguagem escrita.
Minicurso 4: Psicogênese da escrita – Estudo das fases da
psicogênese da língua escrita, conforme Ferreiro (1987). Esse curso
permitiu às professoras discutir, avaliar e propor atividades didáticas
adequadas ao desenvolvimento de cada criança.
Minicurso 5: Letramentos e a prática da leitura na sala de aula – O
principal tema estudado foi letramento X alfabetização. Foram
discutidos, ainda, projetos de leitura e o papel desta na escola e na
vida, além de ter sido verificado o grau de letramento das professoras.
Um trecho do relatório da formadora a respeito desse aspecto.
Em cada início de horário, desenvolvi uma atividade-pesquisa para
perceber o grau de letramento das professoras. A primeira foi fazer a capa
de um livro que tenha marcado sua vida. Muitas professoras expuseram
que não liam, não gostavam de ler, e os títulos apresentados podem
demonstrar um pouco essa ausência de prática da leitura de literatura.
Destaco “Chapeuzinho Vermelho”, “Caminho Suave (uma cartilha)”, e “O
Pequeno Príncipe”, este último foi muito citado, e concluí, pelo trecho do
livro exposto pela professora, que, na verdade, elas não o tinham lido, o
que diziam era fruto da citação do capítulo “Percorrendo a história” do livro
Era uma vez... na escola: formando educadores para formar leitores”.
110
c) Encontros mensais de Acompanhamento do Cotidiano Escolar – 16
horas cada – Meses de setembro a dezembro. Total de 64 horas. Esses
encontros serviam, sobretudo, para discutir atividades pedagógicas, avaliando
a sua pertinência e adequando o planejamento pedagógico. Além disso, as
professoras apresentavam as dificuldades de aprendizagem dos alunos,
quando eram discutidas alternativas de intervenção. Como esses encontros
eram freqüentes, tivemos oportunidade de, paralelamente a essas atividades,
prosseguir com o trabalho de leitura e produção de texto, ampliando a
competência discursiva das professoras nesses aspectos. Outra questão
importante que foi proposta, discutida e até negociada nessas ocasiões foi o
perfil mínimo em língua portuguesa e matemática para os alunos do primeiro
ano do primeiro ciclo. Ao apresentar o rol de competências, as professoras
eram unânimes em afirmar que suas crianças não conseguiriam desenvolver
tais competências ainda no primeiro ano de ciclo. Algumas vezes, foi
necessário “traduzi-las”, outras questionar se realmente nenhuma das
crianças era capaz de distinguir, por exemplo, as falas dos personagens de
uma pequena história. Por fim, em caso de a resistência continuar,
lançávamos como desafio: vamos ver quem consegue trabalhar de modo que,
ao menos, uma criança chegue lá. Foi ótimo acompanhar a alegria das
professoras com o sucesso de seus alunos. Abaixo está o perfil de língua
portuguesa que foi estabelecido nesse momento, apenas para o primeiro ano
do primeiro ciclo. Mais tarde, essas competências foram ampliadas para todo
o primeiro ciclo e também foi feita as do segundo ciclo e as dos outros
componentes curriculares. (Anexo II)
111
Prefeitura Municipal de Pesqueira
Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes
Programa de Organização da Escolaridade em Ciclo de Aprendizagem
Perfil do 1º ano do Primeiro Ciclo
Componente curricular: Língua Portuguesa
A
escola deverá promover situações sociais e pedagógicas que venham estimular o
desenvolvimento da competência lingüística do aluno, incluindo, pelo menos,
I – na Produção do Texto Oral:
1. Respeita a vez de ouvir/falar numa conversação.
2. Expõe um tema de interesse do grupo.
3. Dá instruções.
4. Argumenta a favor de uma idéia.
5. Narra experiências vividas, respeitando a temporalidade.
6. Conta histórias conhecidas ou lidas, mantendo-se próximo do texto original.
II – na Compreensão do Texto Escrito:
1. Associa palavra à figura isolada ou no texto.
2. Complementa o sentido de frase escrita.
3. Complementa o sentido de texto escrito narrativo simples.
4. Identifica palavra que caracteriza figura ou personagem do texto.
5. Interpreta o texto escrito com base em texto não-verbal.
6. Identifica locutor e interlocutor em texto narrativo.
7. Faz inferências.
III – na Produção do Texto Escrito:
1. Atende ao objetivo específico previsto para o texto.
2. Expressa dados, informações e idéias com clareza.
3. Utiliza diferentes recursos de coesão textual.
4. Apresenta continuidade temática.
5. Atribui um título adequado ao texto.
d) I Seminário Municipal de Educação – Tema: Organização Escolar por
Ciclos de aprendizagem – dias 4 e 5 de dezembro de 2003. Com o objetivo
de discutir os primeiros resultados do Ciclo e, sobretudo, divulgar esses
resultados com o restante da rede, já que em 2004 o Ciclo seria estendido às
turmas de 1ª e 2ª série e em 2005 às turmas de 3ª e 4ª séries. Ao planejar o
seminário, pensamos que a melhor forma de fazê-lo era dar espaço às
professoras, para que elas mesmas apresentassem suas experiências e
impressões acerca do Ciclo. Abaixo, o fragmento do texto de apresentação de
uma delas.
Percebo, agora, que devo olhar diferente para os meus alunos. Não posso
mais compará-los uns com os outros, pois cada um é único e tem o seu
próprio desenvolvimento. O meu papel é compreender essas diferenças e
ajudá-los nos diferentes ritmos.
112
Já consigo ver alguns avanços na minha turma como, por exemplo, alunos
que não tinham interesse nem sequer de pegar um livro e agora já lêem,
mesmo que não seja convencionalmente.
Descobri que eles têm mais capacidade do que eu imaginava, pois são
capazes de fazer inferências num texto, o que eu considerava impossível
para eles. Isso contribuiu para me mostrar que é muito pouco, quando
conseguimos que o aluno leia e escreva, porque o seu desenvolvimento
deve ir muito além disso.
Estou com muita esperança de que agora consigamos, com a implantação
dos ciclos, realizar um trabalho que nos traga satisfação como profissionais
pelo fato de ver nossos objetivos alcançados e, sobretudo, compreender
que toda criança é capaz, sim, de aprender. O sucesso de aprendizagem
dos meus alunos fez crescer a minha auto-estima e me fez ter orgulho de
ser professora.
Assim, apenas quatro meses depois de iniciado o programa, já era possível
identificar mudanças efetivas na prática docente e resultados promissores no
desempenho das crianças. Mas o melhor era perceber a animação das professoras
e como conheciam cada um de seus alunos. A cada encontro, chegavam com
novidades (e muitas dúvidas), mas maravilhadas com cada menino “na fase
alfabética”.
3.2 Leitura e escrita na formação
Nos encontros de acompanhamento, um tema aparecia como recorrente:
avaliação nos ciclos. Foi assim que as professoras passaram a ter conhecimento
total a respeito da situação de aprendizagem de seus alunos, individualmente. Aos
poucos, a necessidade de verbalizar com eficiência o desenvolvimento de cada
aluno, atendendo ao desafio que lhes propúnhamos nos termos: “precisam saber
tudo sobre cada um dos seus alunos; tê-los na palma das mãos”, foi impondo outro
tema como uma necessidade para essas professoras: o registro. Foi no trabalho de
formação continuada dessas professoras que eu passei a me interessar pela relação
entre prática docente, avaliação e registro escrito.
Nesse sentido, entre as atividades mais importantes tanto dos Encontros de
Acompanhamento quanto do minicurso de leitura e produção de texto foi a leitura de
pareceres diversos (e de diversas áreas), seguida da discussão de sua
funcionalidade. Ao mesmo tempo, em exercícios de produção textual, era trabalhada
a relação atividade pedagógica/ parecer: O que essa tarefa me revela sobre o
aluno? Como escrever sobre isso? Aspectos lingüísticos, como a organização
textual em seus aspectos macro e microtextual e a identificação de operadores
113
argumentativos do texto, também foram analisados e discutidos, favorecendo um
melhor desempenho lingüístico das professoras. Observações que registrei em
algumas dessas atividades de educação continuada, demonstraram que gêneros
como Matriz de Competências, anotações pessoais sobre o aluno, anotações de
aula (em programa de formação), atividades pedagógicas do aluno constituíam
elementos imprescindíveis para orientar a elaboração do Parecer.
É mister que se destaque que durante a formação um grande número de
gêneros textuais é trabalhado. Alguns desses gêneros foram selecionados porque,
no meu entender, auxiliariam a aquisição de competência na escritura do parecer,
por exemplo, o relato e a carta. Assim, ao trabalhar esses gêneros, meu objetivo era
estabelecer relação entre as diversas formas de registro e práticas docentes com
gêneros que podem auxiliar na aquisição da competência discursiva e lingüística
para a escritura do Parecer Pedagógico.
No início, ao discutirmos a nova forma de registro da avaliação escolar,
observamos uma grande resistência entre as professoras; mas os motivos dessa
resistência sempre estiveram relacionados às dificuldades em promover um
acompanhamento individualizado do aluno e ao aumento da carga de trabalho
docente, não à falta de reconhecimento de que o Parecer era um registro mais
significativo. Para diminuir essa dificuldade, fomos trabalhando as anotações
informais nos cadernos das professoras. A cada encontro, promovíamos rodadas de
leitura dessas anotações que depois seriam transferidas para o parecer.
O trabalho com cartas começou com uma discussão sobre cartas de amor,
aproveitando um tema do universo de interesse feminino, e a partir do poema Todas
as cartas de amor são ridículas, de Fernando Pessoa; uma das professoras
mencionou a carta para acabar namoro, e discutimos se uma carta de despedida
pode ser também chamada de carta de amor. Depois a discussão ampliou para
carta pessoal X carta comercial e daí para as cartas de cobrança. Discutimos as
semelhanças e diferenças de funções e situações de uso, o interlocutor, as
características formais. Por fim, houve produção e leitura de cartas de temas
diversos.
No trabalho com o relato pessoal oral, utilizamos e gravador para, depois de
trabalhar o relato escrito, discutir semelhanças, diferenças, funções, situação de uso
114
das duas modalidades. Algumas das atividades envolvendo leitura, análise e
produção de textos na formação podem ser vistas no Anexo I deste trabalho.
No final do ano de 2003, realizamos a avaliação do Programa, com a
verificação dos PP de todos os alunos e comparação com as respectivas atividades
pedagógicas. Constatamos que das 25 professoras envolvidas, duas não obtiveram
sucesso. Os alunos não tiveram atendimento individualizado e os problemas de
aprendizagem não foram sanados com a devida presteza. Entretanto esses alunos
que, no regime seriado, seriam penalizados com a reprovação, no Ciclo, têm o
tempo de aprendizagem ampliado. Nada mais justo, pois se alguém tivesse que ser
reprovado, certamente, não deveriam ser eles.
Apesar de todas as dificuldades vivenciadas pelas professoras na aquisição
da competência para a escritura do Parecer, tivemos a satisfação de acompanhar a
descoberta, por parte delas mesmas, do potencial pedagógico que o Parecer
encerra. De fato, percebemos, no estudo do desenvolvimento desse gênero textual
entre essas professoras, a realização do fenômeno lingüístico como atividade
sociodiscursiva, a serviço da comunicação e interação entre indivíduos.
A propósito da formação, resta fazer uma observação importante. Para
diminuir o prejuízo decorrente dos muitos afastamentos das professoras para
cumprir o Programa de Formação, fizemos uma parceria com o curso de magistério
de uma escola da rede estadual cujos formandos passaram a substituir as
professoras durante a formação. Essa substituição obedecia a algumas regras,
como por exemplo: o planejamento era realizado pela professora titular e o
estagiário ficava sempre na mesma turma. Os formadores que participaram do
Programa discutiram o planejamento das atividades com a coordenação; todas as
atividades foram objeto de avaliação sistemática.
Por fim, compreendemos que para que se possa desenvolver no docente as
competências conceituais e técnicas, discursivas e éticas necessárias, o programa
de formação há de ser realmente diferenciado, capaz de estimular o compromisso
com o estudo, com a pesquisa e com a reflexão sobre a prática; um docente, enfim,
que esteja comprometido com o sucesso de todos os seus alunos e com a própria
profissão.
115
CAPÍTULO 5
PARECER PEDAGÓGICO: UM GÊNERO EM AÇÃO
Neste capítulo analiso 15 pareceres pedagógicos – PP, produzidos por quatro
professoras, aqui designadas por nomes fictícios, Fernanda, Magali, Aline e Andréa,
de acordo com os critérios explicitados adiante. Os PP foram produzidos em três
diferentes momentos: dezembro de 2003, logo após a introdução do programa dos
ciclos; durante o ano de 2004; no final do ano de 2005. Todas as professoras
participaram do Programa de Formação que foi desenvolvido juntamente com a
implantação dos ciclos no município e uma delas, Fernanda, acompanhou a mesma
turma com a qual estava no início do programa até o ano de 2005, ainda que muitos
dos alunos daquela ocasião já não estivessem na citada turma. Acrescento que os
PP produzidos em 2003 foram objeto de análise, reflexão e reescritura, durante as
atividades de formação desse período.
Em relação à análise dos Pareceres, pretendo, sobretudo, identificar um
possível percurso de desenvolvimento do PP, perceptível no curto período de dois
anos e meio. É com base na evolução da capacidade de produção do PP entre as
116
professoras observadas que buscarei estabelecer o perfil global desse gênero, pelo
estabelecimento dos traços gerais de sua identidade como gênero. Outro foco de
análise são as relações estabelecidas entre o PP e as concepções pedagógicas
evidenciadas no discurso das professoras.
Na análise do PP, enquanto gênero textual do domínio pedagógico, parto dos
pressupostos teóricos de Bakhtin (1986, 1992, 1997), Miller (1984/1994; 1994),
Bazerman (1994, 2005, 2006) e Bhatia (1993). Utilizo-me também de algumas das
concepções acerca da aquisição da escrita apresentadas em Abaurrre, Fiad e
Mayrink-Sabinson (2002). Trabalho, ainda, com as concepções a respeito de
organização curricular em ciclos bem como avaliação nos ciclos de Perrenoud
(1999, 2004a, 2004b) e de Vasconcelos (2000, 2002, 2004). Sobre avaliação, além
de Perrenoud e Vasconcelos, apóio-me, ainda, em trabalhos de Hoffmann (2001 e
2005), Silva (2004), Beth Marcuschi (2004) e Suassuna (2006).
Parto da presunção de que esses textos são efetivamente Pareceres
Pedagógicos, pois que são aceitos como tal nas instâncias institucionais em que
foram produzidos, gerando os efeitos sociais e legais esperados para esse gênero.
Saliento que a natureza dessa análise é eminentemente qualitativa, portanto não
busca estabelecer índices de freqüência dos fenômenos observados, mas
compreender como os sujeitos desenvolvem a competência lingüística de operar em
um novo gênero textual, utilizando-o a favor da atividade que realizam. Desse “posto
de observação”, onde me coloco para observar como se desenvolve o PP entre as
professoras, meu foco dirige-se à linguagem como prática social e, portanto, ao
papel da interação entre os locutores, à importância do contexto de produção e da
experiência da formação, à relação que o gênero estabelece com a atividade
pedagógica. Portanto, não busco investigar aspectos relacionados à cognição.
1. Planos de análise do Parecer Pedagógico
A análise inclui dois planos: o lingüístico e o pedagógico. O plano lingüístico
compreende os níveis de organização composicional e de conteúdo. No nível da
organização composicional, serão apontados a obediência à macroestrutura prevista
para o PP e a distribuição dos tópicos ao longo do texto. No nível do conteúdo,
117
serão analisados: contexto de produção, propósitos discursivos, interlocutores e
sinais de autonomia nas produções dessas professoras. Como sinal de autonomia,
considero, sobretudo, o uso da intertextualidade, ou seja, a maior ou menor
presença de outros textos, como a Matriz Curricular, no PP.
Evidentemente, não estou querendo dizer que o autor só é autônomo se não
utiliza outros textos para produzir o seu, pois reconheço o papel da intertextualidade
na argumentação e na construção dos sentidos dos textos. Refiro-me à transcrição
da lista de competências da Matriz Curricular que apaga totalmente a voz do
produtor, não à presença útil desse e de outros textos no PP. Considero que o uso
que essa professora faz da intertextualidade indica a sua maior ou menor autonomia
na produção do texto. Na análise do emprego desse recurso, avalio a integração
entre os textos institucionais e o discurso da professora.
No plano pedagógico, será analisada a evidência no discurso de dois
aspectos que elegemos como indicadores de reflexão pedagógica do docente: a
prática avaliativa reguladora e o compromisso com a aprendizagem de todos os
alunos através da individualização do atendimento. A escolha desses critérios
deveu-se à sua importância na organização em ciclos. Saliento que todos esses
aspectos serão analisados sob um parâmetro diacrônico – 2003, 2004, 2005 – e
também individual, em cada professora.
Por fim, ressalto que ao analisar cada texto, procuro verificar quais entre
esses critérios apresentam-se realçados para, então, discorrer sobre isso. Assim,
pressupondo que o contexto de produção e o propósito discursivo do PP sejam
comuns à maioria dos textos, discorrerei apenas sobre aquele caso em que esses
critérios estejam realçados por ultrapassarem o usual, como, por exemplo, quanto a
alguma especificidade da situação ou do produtor.
118
Macroestrutura do gênero
Organização
composicional
Distribuição dos tópicos
Contexto de produção
Propósitos discursivos
Interlocutores
Uso da intertextualidade
PROPRIEDADES
SÓCIO-
COMUNICATIVAS
Conteúdo
Sinais de
autonomia
Marcas de pessoalidade
Prática avaliativa reguladora
RELAÇÕES COM
A PRÁTICA
DOCENTE
Indicadores de
reflexão pedagógica
no discurso
Compromisso com a aprendizagem de
todos
Quadro nº 03: Critérios de análise do PP
Esclareço, ainda, que no estabelecimento dos critérios de análise de
conteúdo, uma das referências foi Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (2002, p. 17)
que, em trabalho que discute a aquisição da escrita, afirmam que a adoção de um
paradigma indiciário contribui para uma melhor compreensão da relação entre o
processo de aprendizagem, as características universais dos sujeitos e as
manifestações de sua singularidade. Entre os índices que as autoras estabelecem
como dignos de análise no processo de aquisição da escrita, destacam-se o
contexto, como um dos elementos constitutivos desse processo, o papel do
interlocutor como ponto de referência para o produtor e a emergência do estilo.
Entretanto é na ação pedagógica apontada pelo PP como gênero em ação que dirijo
o meu foco.
2. Ação docente no Parecer Pedagógico
Apresento a seguir a análise dos quinze Pareceres Pedagógicos, agrupados
por professora e ordenados por ano de produção, do mais antigo para o mais
recente, ou seja, de 2003 para 2005. Com isso pretendo perceber melhor a
evolução no domínio de escritura do gênero. Acrescento que não pretendo uma
análise entre as professoras, mas de cada professora consigo mesma.
Em relação à ordenação dos critérios de análise, tento manter a ordem
estabelecida no Quadro nº 03, quando isso não compromete a integração desses
aspectos. Por exemplo, às vezes, uma opção relacionada à macroestrutura resulta
num indicador de posição pedagógica da produtora do texto. Assim, mesmo que no
119
quadro esses dois aspectos encontrem-se em extremos diferentes, analiso-os de
forma integrada.
2.1 Professora Fernanda
Ano: 2003
Exemplo 11: Alex
120
Esse texto foi produzido no final de 2003, quando as professoras, participando
do Programa de Formação Docente, entre escrita e reescrita, produziam seus
primeiros pareceres.
Na sua análise, consideremos primeiro o plano lingüístico nos aspectos
relativos às propriedades da organização composicional. Dentro desta, quanto à
macroestrutura do texto, é possível identificar a tradicional organização textual de
introdução, “Nesta IV etapa Alex tem realizado as atividades com sucesso”,
desenvolvimento, a partir daí, até o final do penúltimo parágrafo e a conclusão, que
equivale ao julgamento.
Em relação à distribuição dos tópicos, Fernanda abre o texto com uma
pequena introdução em que faz uma referência a sucesso. Em seguida, surgem os
outros tópicos que obedecem à ordem dos componentes curriculares: português,
matemática, geografia, história, ciências, artes, mencionando competências da
matriz curricular do município, as alcançadas e, em relação de oposição, as não
alcançadas pelo aluno:
“(...) faz relação da palavra à figura isolada, faz poucas inferências e ainda
não atribui títulos a textos.” “(...) efetua adições sem reserva (...), mas não
consegue resolver subtrações”. (linhas 6-9; 12-14)
121
Segue menção aos aspectos atitudinais e o julgamento:
“Alex é uma criança comunicativa que possui bom relacionamento com o
grupo e com a professora, participa das atividades do grupo com
assiduidade.”
“Apesar de não ter atingido todas as competências do 1º ano do 1º ciclo, a
idade de Alex permite que ele avance para o 2º ano do 1º ciclo.” (os dois
últimos parágrafos do texto)
Quando atentamos para os aspectos de conteúdo do texto, podemos
observar que a presença do texto institucional (a matriz curricular) se evidencia,
sobretudo, na parte de desenvolvimento, mais precisamente, nos tópicos relativos
aos componentes curriculares. Entretanto, mesmo aí, com um olhar mais atento ao
conteúdo, é possível perceber pequenos “pontos de quebra” com o texto da matriz
curricular, como em “faz poucas inferências”. Observe-se como a professora, atenta
às dificuldades do aluno, altera a escrita desse indicador que no documento, claro,
aparece sem o modificador “poucas”. Mas é no conteúdo dos dois últimos
parágrafos que melhor percebemos como Fernanda escapa do texto institucional:
“Alex é uma criança comunicativa que possui bom relacionamento com o
grupo e com a professora, participa das atividades do grupo com
assiduidade.” (penúltimo parágrafo)
“Apesar de não ter atingido todas as competências do 1º ano do 1º ciclo, a
idade de Alex permite que ele avance para o 2º ano do 1º ciclo.” (último
parágrafo)
Ainda em relação aos aspectos de conteúdo, aceitando que um dos traços
essenciais para que um Parecer seja presumido como tal é a expressão de um
julgamento por parte de um especialista, pode-se atribuir ao texto essa identidade,
considerando também que ele cumpre seu propósito comunicativo, o de comunicar o
desenvolvimento pedagógico do aluno. Entretanto, não se identificam
encaminhamentos para a resolução dos problemas de aprendizagem referidos.
A interlocução está apagada em praticamente todo o texto, entretanto é
possível recuperá-la contextualmente no parágrafo relativo ao julgamento o qual, por
seu conteúdo relacionado à cultura escolar, deixa implícita a interlocução com essa
instância social. O texto também está marcado por um vocabulário técnico que
contribui para o apagamento da voz da professora e cuja presença está garantida
pelo processo de “colagem” da matriz curricular ao PP. Desse modo, o uso da
intertextualidade, restrito a um processo de cópia da matriz curricular, acaba por
122
contribuir para o apagamento da voz de Fernanda e somente quando ela escapa
dessa cópia (nos dois últimos parágrafos), é possível se perceber a sua voz.
Em relação aos aspectos de ordem pedagógica, o parágrafo de julgamento
limita-se à constatação das dificuldades da criança, ou seja, Fernanda não faz uso
das informações da avaliação para o planejamento ou recomendação de atividades
que favoreçam o avanço de aprendizagem da aluna. Naturalmente não podemos
esquecer que nesse momento a professora acha-se em pleno processo de
construção de novos paradigmas pedagógicos.
Também quanto a aspectos de ordem pedagógica, encontramos alguns
índices de posicionamento pedagógico no seu discurso que apontam para a adesão
à nova organização. Por exemplo, em “ainda não atribui títulos aos textos”, o uso do
marcador temporal “ainda” indica a sua confiança e expectativa de que o aluno
venha a superar essa dificuldade. Em outro exemplo de 2003, essas características
também aparecem.
É interessante e significativo perceber que a qualidade e credibilidade desse
texto, mesmo considerando as limitações de um produtor que está no início do
processo de construção de sua experiência com o gênero, está indelevelmente
associado às ações que a professora desenvolvera com o seu aluno. Nesse sentido,
vale lembrar o que afirma Bazerman (2006: 59): “A experiência textual acumulada e
socialmente contextualizada aumenta o repertório formal e o comando processual de
cada escritor e leitor”. É como se reconhecêssemos: o texto diz o que você faz.
123
Ano: 2003
Exemplo 12: Érika
124
A macroestrutura textual é semelhante à do texto anterior; neste caso, a
introdução está um pouco maior e mostra indícios ainda tímidos de uma avaliação
que já supera a simples classificação, movimentando-se no sentido de apreciar o
desenvolvimento da criança com um olhar mais particularizador e volta a mencionar
uma palavra positiva na abertura do texto, nesse caso, interesse:
“Durante o segundo semestre, Érika demonstrou mais interesse na
realização das tarefas o que contribuiu muito para o seu desenvolvimento
nos componentes curriculares do 1º ano do 1º ciclo.” (1º parágrafo)
O desenvolvimento inclui o desempenho da aluna nos diversos componentes
curriculares: língua portuguesa, matemática, geografia, história, ciências, artes e nos
aspectos socioafetivos ou atitudinais. A conclusão, com o julgamento, mais uma vez,
não inclui recomendações e limita-se a emitir juízo de classificação do aluno:
Em vista disso encontra-se apta a cursar o 2º ano do 1º ciclo.
Como no exemplo anterior, o tópico de desenvolvimento do parecer é onde
mais está evidente o texto institucional:
125
“Em língua portuguesa, respeita a vez de ouvir e falar numa conversação,
narra experiências vividas, expõe temas e idéias ao grupo, mas não
argumenta sobre elas, consegue associar palavras a figuras isoladas, mas
ainda não consegue associá-las em textos escritos.” (2º parágrafo)
Mas, ainda assim, é possível apontar a voz da professora, manifesta através
de algumas marcas retóricas. É o caso, nesse exemplo, do articulador temporal (por
enquanto ainda) que ao mesmo tempo em que faz sobressair a voz da professora, é
indicador de sua expectativa em relação à superação das dificuldades da aluna,
constituindo, assim, um indício de posicionamento pedagógico coerente com a
concepção dos ciclos. Observe-se como a aparente redundância desse marcador,
na verdade, tem caráter reforçador do compromisso da professora com o
aprendizado de sua aluna, constituindo-se, portanto, como índice de seu
posicionamento pedagógico. Considerando a filosofia da organização curricular dos
ciclos de a escola/professor não trabalhar com a hipótese de reprovação, mas com a
aprendizagem de todos os alunos, podemos concluir pela adesão da professora ao
novo currículo. Entretanto, destaco que a conclusão que Fernanda formulou no PP
(Em vista disso encontra-se apta a cursar o 2º ano do 1º ciclo) é indicadora de que a
professora ainda não formou (ou não tem consciência) uma concepção de avaliação
formativa.
Vamos a outro exemplo ainda de 2003.
126
Ano: 2003
Exemplo 13: Elaine
127
O exemplo 13 repete as características dos exemplos anteriores, entre essas,
uma introdução que comenta alguns aspectos atitudinais, seguida das competências
por componente curricular, as desenvolvidas e, em relação de oposição, as em
processo de desenvolvimento. Também, como nos casos anteriores, o penúltimo
parágrafo concentra aspectos socioafetivos e o último apresenta o julgamento que
não inclui recomendações de superação.
Como novidade, encontrei a menção ao estágio de desenvolvimento da
criança quanto à escrita:
Elaine encontra-se na fase silábica quantitativa. (linhas 15 e 16)
A voz da professora só aparece destacada no parágrafo em que descreve os
aspectos socioafetivos:
Elaine é uma criança muito sociável que se dá bem com o grupo e a
professora. (penúltimo parágrafo)
Como nos exemplos anteriores, Fernanda faz uso do marcador ainda para
referir as competências não desenvolvidas pela aluna. Não evidenciei nesse texto
128
outros aspectos relacionados ao discurso pedagógico nem há marcas de autoria que
mereçam destaque especial. Por isso mesmo, esse texto contribui para confirmar
algumas recorrências do estilo da professora, a saber:
a) utilizar, na introdução, palavras positivas para referir-se ao aluno:
sucesso, interesse, avanços;
b) na distribuição dos tópicos, mencionar os aspectos socioafetivos
como último tópico antes do julgamento;
c) manifestar afetividade e interesse pelos alunos;
d) expectativa e comprometimento com a aprendizagem do aluno.
Essas recorrências representam indicativo seguro de que o PP firma-se como
um gênero que apóia a prática docente da professora. Vamos ver, agora, como se
deu a evolução da produção de Fernanda em 2004 e 2005.
Ano: 2004
Exemplo 14: Alynne
129
Apesar de confirmar algumas das recorrências já identificadas no estilo da
professora, essa produção de 2004 mostra diferenças marcantes em relação às de
2003.
Quanto à organização macroestrutural do texto, a mudança mais significativa
é a ausência do parágrafo de conclusão em decorrência da opção da professora em
não definir um julgamento. Observe-se que a professora rompe com um modelo
estabelecido ao optar por não ser ainda conclusiva, presumo, pelo fato de esse
Parecer referir-se ao primeiro semestre. Essa opção da professora, no meu
entender, é também reveladora do avanço de sua autonomia na escritura, pois
rompe com uma regra estabelecida que costumava praticar, como também é
indicadora de sua adesão a uma prática avaliativa de concepção formativa, vez que
abre mão de fechar, por meio de registro, a evolução da aprendizagem da aluna
nesse momento.
O texto de Fernanda inova em outros aspectos de conteúdo, por exemplo, na
introdução, ao começar por mencionar os componentes curriculares em que a aluna
teve melhor desempenho, matemática e história, o que confirma um olhar
particularizador sobre a estudante, outro índice de adesão à proposta dos ciclos.
“Durante o I semestre, Alynne prosseguiu realizando todas as tarefas com
mais ênfase na área de matemática e história.” (linhas 1-3)
O texto inova também em relação ao padrão textual, com a adoção de
orações com verbos no gerúndio. Esse uso que indica o aspecto imperfectivo em
curso, de traço mais durativo e que expressa processo, pode ser influência da
avaliação formativa (a qual tem caráter processual) também evidencia avanço na
autonomia da escrita da professora.
Na verdade, Fernanda já produz um texto bem mais solto, isto é, liberto da
“colagem” dos textos institucionais que realça a voz da professora na medida em
que integra os seus comentários ao texto institucional e relata com alguma precisão
o desempenho da estudante.
“Ela continua realizando a pseudoleitura de livros e textos com segurança,
assim como escreve seu nome completo e reproduz palavras significativas
como também as lê.” (linhas 3-7)
“(...) mas às vezes ainda necessita de estímulos e dos colegas na realização
das atividades”; “Ela sempre revelou muita alegria nas aulas de Educação
Física e nas rodas de leitura e música, demonstra grande interesse por arte,
130
pois sempre revela pequenos detalhes em seus desenhos e textos orais”.
(linhas 11-13 e 23-28)
São tópicos que não constam da matriz curricular e assim revelam a voz da
professora, sobrepondo-se aos documentos institucionais e não apenas
reproduzindo-os, o que demonstra certo avanço em direção à sua autonomia como
produtora do PP. Esses tópicos são reveladores, ainda, dos valores da professora,
impondo-se como marcas de sua autoria e deixando implícito um posicionamento
pedagógico de interesse pelo desenvolvimento da aluna.
Nunca é demais destacar como esses textos representam a ação docente.
Vamos a outro exemplo desse mesmo período.
Ano: 2004
Exemplo 15: Edson
131
Fernanda mantém a macroestrutura do exemplo 4, suprimindo o parágrafo
conclusivo, pelo visto, ela acha mesmo que final de primeiro semestre não é para
concluir, ou seja, tem muita coisa ainda para acontecer, o que indica o
posicionamento pedagógico da professora.
Entre as recorrências encontradas nesse texto, temos a palavra positiva na
introdução: entusiasmo.
Neste primeiro semestre, Edson tem realizado a maioria das atividades
com entusiasmo (...). (linhas 1 e 2)
Em relação à distribuição dos tópicos, não há alteração: a professora continua
a adotar os componentes curriculares como principal roteiro na disposição das
informações.
O traço durativo do gerúndio, indicador da avaliação processual, continua
evidente no texto da professora, o que mostra também que Fernanda assume cada
vez mais a escritura do seu texto, já que essa estrutura não é de uso comum nos
documentos institucionais.
“(...) lê e escreve pequenos anúncios, bilhetes e cartas, apresentando um
pouco de dificuldade necessitando de ajuda da professora (...)”. (linhas 5-7)
Quanto aos aspectos de conteúdo, observe-se, nesse mesmo trecho, que a
formação continuada influencia a prática da professora, pela menção ao trabalho
com gêneros textuais e o fato de Fernanda introduzir um tópico diferenciado que
deixa evidente a atenção individualizada que presta ao aluno, o que ratifica a sua
adesão ao programa dos ciclos.
Fernanda parece firme na direção de sua autonomia, pois o
PP também está
inconcluso e o parágrafo sobre os aspectos socioafetivos, com a retirada do
julgamento, passa a ser o último.
132
Ano: 2004
Exemplo 16: Wellington
O texto não apresenta muitas diferenças em relação aos outros desse mesmo
período. Esse fato é indicador de que a professora está firmando um padrão de
recorrência, uma marca de estilo. Por exemplo, iniciar o texto com uma ligeira
menção a “sucesso” (exemplo 11), “interesse” (exemplos 12 e 13), “entusiasmo”
(exemplo 15), “interesse e sucesso” (exemplo 16). Esse léxico é indicador da
expectativa que a professora tem a respeito do desempenho de seus alunos e, ao
mesmo tempo, guarda relação com a idéia de superação do fracasso escolar
preconizada na organização curricular por ciclos; isto é, a professora mostra-se
identificada e estimulada com as mudanças que estão ocorrendo na escola.
133
Fernanda confirma, ainda, o emprego de gerúndio dos outros textos desse
mesmo período. Outra recorrência em Fernanda é mencionar os aspectos
socioatitudinais no final do texto (antes do julgamento, quando este aparece). Neste
texto, Fernanda confirma a sua opção de não fechar com um julgamento pareceres
de meio de ano.
Ano: 2004
Exemplo 17: Anderson
134
Este texto confirma as opções de Fernanda quanto à macroestrutura dos PP
desse período (apenas introdução e desenvolvimento dos tópicos), bem como um
padrão textual com emprego de gerúndios. A distribuição dos tópicos está menos
marcada pelos componentes curriculares e isso pode ser observado pela não
explicitação do primeiro componente (língua portuguesa) e também porque essa
distribuição não se acha bem marcada nos parágrafos, (comparar com o exemplo
16). Esse aspecto também é indicador de uso da intertextualidade de modo mais
integrado ao próprio texto.
De resto, ela segue confirmando seu padrão de recorrência: menciona a
palavra “interesse”, no conteúdo da introdução e salienta o maior interesse do aluno
por determinados conteúdos, confirmando um olhar particularizador sobre o aluno.
“Neste I semestre, Anderson tem realizado a maioria das atividades,
apesar de necessitar de estímulos dos colegas, revela um interesse maior
por matemática, ciências e arte.” (linhas 1-4)
O padrão textual segue com muito uso de gerúndio e Fernanda continua
mencionando os aspectos atitudinais no final do texto e o emprego do advérbio
ainda, para indicar as dificuldades do estudante ao lado da expectativa de
superação.
A opção por não escrever o julgamento do parecer, longe de ser um mero
detalhe, é muito significativa, porque indica o avanço da autonomia da professora na
construção de seu texto e, sobretudo, evidencia a ação nos processos da escrita.
Assim, ao admitir que a avaliação seja processual, a opção da professora por não
fechar o julgamento do desempenho do aluno no meio do ano é uma opção retórica
perfeitamente coerente com o seu posicionamento.
Vejamos um Parecer de final de ano escrito em 2005.
135
Ano: 2005
Exemplo 18: Lindinêz
136
Neste PP os aspectos socioafetivos aparecem abrindo o texto e esse início
não apresenta as marcas usuais que a professora utilizou em introduções anteriores
(neste primeiro semestre, nesta quarta etapa). Note-se como, a rigor, esse trecho de
abertura poderia figurar em qualquer parte do texto:
“A aluna demonstra afetividade pelos colegas e professora e tem um
comportamento tranqüilo.” (linhas 1-3
)
Talvez isso indique que Fernanda esteja mais à vontade na produção do PP,
menos presa aos aspectos formais do texto. Quando atentamos para o conteúdo,
verificamos que além de listar os indicadores na já recorrente forma “competência
construída” X “dificuldades apresentadas”, a professora ratifica as suas concepções
pedagógicas, ao indicar a crença nas possibilidades de superação das dificuldades
da aluna, por exemplo, em “ainda não consegue ler” (destaque meu), e também
quando assume que cabe ao professor promover as atividades necessárias para
que a aluna avance, como em a produção escrita (...) certamente ajudará Lindinêz
no desenvolvimento das competências”.
Na verdade, este foi o principal avanço na produção de Fernanda, a indicação
da intervenção que é necessária para promover a superação das dificuldades da
aluna. Outro aspecto é que ela cresce também na qualidade dessa indicação,
quando prescreve a ênfase na oralidade e na produção escrita.
Nesse PP Fernanda introduz um relato de intervenção, ao informar que após
o primeiro conselho de ciclo, ocasião em que relatara as dificuldades da aluna, tinha
tentado um trabalho diferenciado com a mesma. Observe-se como a introdução
desse tópico quebra a seqüência das competências desenvolvidas ou não
desenvolvidas pela aluna.
“Em arte utiliza a música como linguagem artística e cria formas artísticas
demonstrando alguma habilidade. Durante o primeiro conselho de ciclo
relatei que Lindinêz necessitava de trabalhos e atividades diferenciadas
para desenvolver a leitura propriamente dita. Então passei a trabalhar com
a aluna de forma mais direta, dando-lhe atividades com textos
diversificados, leitura de rótulos, embalagens, palavras por ordem
alfabética, mas mesmo assim ainda pude perceber que a aluna não está
totalmente alfabetizada e que há necessidade de se fazer um trabalho que
desperte maior interesse pela leitura e escrita de modo que ela possa vir a
desenvolver essas competências.” (linhas 27-44)
137
Essa parte do texto da professora indica a presença de interlocutores
presumíveis (a família, a escola, futuros professores da aluna), pessoas, enfim, com
quem ela precisa explicar-se, e, ao mesmo tempo, é indicador de seu grau de
autonomia, já que esse tópico não é parte costumeira ou usual do PP.
Apreciando a produção de Fernanda, podemos perceber que os PP
constituíram a prática pedagógica da professora, servindo mesmo de elemento
estruturador de suas ações, nas quais cada aluno é único, é diferente.
2.2 Professora Magali
Ano 2003
Exemplo 19: Ana
138
O texto, em relação à macroestrutura, é introduzido com um comentário
genérico, seguido de apreciação acerca da área afetiva/atitudinal:
Durante o ano letivo de 2003, Ana desenvolveu todas as competências nos
diversos componentes curriculares. É bastante criativa, extrovertida e
alegre. Apresentou ótimo relacionamento com a professora e com o grupo.
(linhas 1-3)
Segue-se o desenvolvimento, com tópicos apresentando a seguinte
seqüência: aspectos relativos à área de língua, ordenados pelos eixos curriculares
(produção de texto oral, compreensão do texto escrito, produção do texto escrito), no
final dos quais a professora insere uma atividade (um ditado de palavras isoladas,
139
sem comentário explícito), de valor argumentativo. No caso, Magali parece que
deseja provar que a aluna “encontra-se na fase alfabética (...) e compreende tanto o
processo de escrita como o processo de leitura”. Seguem os tópicos projeto especial
(Folclore e Vida), matemática, ciências naturais, ciências da sociedade e conclusão
ou julgamento.
Em relação aos aspectos de conteúdo, a interlocução é somente presumida e
a intertextualidade com a matriz curricular se dá como uma cópia, em que os
indicadores de desempenho sucedem-se, apagando quase totalmente a voz da
professora. Contudo, há alguns poucos momentos em que se percebem ecos de sua
prática. Um desses momentos é a introdução da atividade no texto e outro é a
referência ao desenvolvimento de um projeto didático:
No projeto “Folclore e Vida” mostrou-se engajada na realização das
atividades propostas como colagens, pinturas, montagens do cenário Sítio
do Pica Pau Amarelo, confecção de maquete, produção de livros
ilustrativos e produção de papel coletivo. (no parágrafo logo após a
atividade).
Além disso, a referência à fase de escrita da criança, não constituindo uma
competência da matriz, indica que a professora achou importante colocar esse dado
de diagnóstico do desenvolvimento da aluna. É interessante observar que é
justamente quando a professora se solta um pouco do texto institucional que se
percebem melhor as ações pedagógicas de sua prática. Contudo, o tópico de
conclusão não aponta orientações e revela que Magali ainda tem uma concepção
classificatória de avaliação, pois usa as informações colhidas na avaliação apenas
para a classificação da aluna (apta para cursar o 2º ano do 1º ciclo), não tecendo
recomendações para o avanço da criança.
Dessa mesma professora, vejamos outro PP de 2003.
140
Ano: 2003
Exemplo 20: Amanda
141
Magali segue a macroestrutura do texto anterior, inclusive, a inserção de
atividade. Mas o que chama a atenção no caso deste PP é a sucessão de
competências da matriz curricular que aparecem em orações de conteúdo negativo
nos parágrafos 3 e 4, os quais envolvem compreensão e produção de texto escrito,
como no trecho:
142
Na compreensão do texto escrito ainda não associa palavra à figura isolada
ou no texto, não complementa o sentido de frase escrita, não complementa
o sentido de texto narrativo simples, nem identifica palavra que caracteriza
figura ou personagem no texto. (...) (par. 3)
Na produção do texto escrito não atende ao objetivo previsto para o texto,
não expressa dados, informações e idéias com clareza, (...) (par. 4).
Fica claro que o texto representa o desempenho da aluna na leitura e escrita
e também indica que Magali acompanha de modo individual os seus alunos, pois a
comparação com o texto anterior (Ana) mostra a diferença do desempenho entre as
duas crianças:
Exemplo 19: Ana Exemplo 20: Amanda
consegue fazer dobraduras consegue fazer algumas dobraduras
comunica de modo expressivo as músicas comunica de modo tímido as músicas
identifica o sucessor e antecessor até 50 identifica o sucessor e antecessor até 10
Entretanto, a listagem negativa é também reveladora da forte dependência de
Magali do texto institucional, já que é possível identificar as suas dificuldades na
construção do texto, quando não está “colando” trechos da matriz, como em:
Continua com algumas deficiências em reproduzir palavras significativas,
embora consiga reproduzir seu nome próprio e muitas vezes repete as
vogais. (par. 4)
As orações negativas também podem ser indicadoras de uma concepção de
avaliação tradicional, em que a professora apenas constata os problemas de
aprendizagem da aluna, sem se comprometer com a superação desses problemas.
É o que parece comprovar o parágrafo cinco, em que Magali consegue, com algum
sucesso, relatar as dificuldades de produção de texto escrito de sua aluna,
reforçando sua argumentação, mais uma vez, com a estratégia de inserir uma
atividade no PP, agora, acompanhada de transcrição. No parágrafo de conclusão, a
professora reconhece a necessidade de “fazer intervenções”, mas não relata nem
indica estratégias de enfrentamento dos problemas referidos, como também não
toma como parâmetro o desenvolvimento da aluna com ela mesma, apenas com a
turma e com a matriz curricular, o que fere os princípios do currículo em ciclos.
Como Magali seguiu acompanhando essa turma no ano seguinte, vamos ver
como ela avalia a mesma aluna no final de 2004.
143
Ano: 2004
Exemplo 21: Amanda
144
Nesse PP, Magali segue uma macroestrutura tradicional no seu texto
(introdução, desenvolvimento e conclusão) e abandona a estratégia de inserção de
atividade didática no PP. Os tópicos apresentam uma ordenação relativa aos eixos
de trabalho de língua portuguesa: produção de texto oral, leitura e compreensão do
texto escrito, produção do texto escrito, determinados na matriz curricular do
município. Não há referência aos outros componentes curriculares. As competências
alcançadas e não alcançadas continuam a aparecer meio que “listadas”; as orações
que expressam as competências não alcançadas sucedem-se em estrutura negativa
(parágrafo 3), por exemplo, “Não utiliza adequadamente o dicionário quando
necessário”.
O texto mostra que a criança não apresentou evolução em importantes
indicadores de desempenho. Ou seja, de acordo com a professora, a aluna não
avançou quase nada nos eixos de compreensão e produção do texto escrito e,
inclusive, continua na mesma fase de desenvolvimento da escrita de um ano atrás:
Amanda, no final de 2003 Amanda, no final de 2004
não complementa o sentido de texto
narrativo simples
não complementa o sentido do texto
narrativo lido
não associa palavra à figura isolada ou no
texto
ainda não associa palavra à figura isolada
ou no texto
não identifica palavra que caracteriza figura
ou personagem no texto
não caracteriza figura ou personagem do
texto
não atende ao objetivo específico previsto
para o texto
não atende ao objetivo específico previsto
para o texto
não expressa dados, informações e idéias
com clareza
não expressa dados, informações e idéias
com clareza
Na produção do texto escrito encontra-se
na fase PRÉ-SILÁBICA – a escrita não
apresenta qualquer correspondência com
os sons da fala. No momento que lê,
geralmente o faz sem segmentação desta
escrita, isto é, sem fazer as pausas
silábicas do que lê. Escreve as mesmas
letras mudando a combinação para
palavras diferentes.
Na produção do texto escrito encontra-se
na fase PRÉ-SILÁBICA – a escrita não
apresenta qualquer correspondência com
os sons da fala. No momento que lê,
geralmente o faz sem segmentação desta
escrita, isto é, sem fazer as pausas
silábicas do que lê. Escreve as mesmas
letras mudando a combinação para
palavras diferentes.
145
O parágrafo de conclusão (julgamento) está exatamente igual ao de um ano
atrás, com exceção da indicação do ano de ciclo:
Parágrafo de conclusão (Amanda),
no final de 2003
Parágrafo de conclusão (Amanda)
no final de 2004
Apesar das dificuldades apresentadas no
componente curricular Língua Portuguesa,
a criança está apta para cursar o ano do
1º ciclo, sendo necessário fazer
intervenções para sanar tais dificuldades.
Apesar das dificuldades apresentadas no
componente curricular Língua Portuguesa,
a criança está apta para cursar o ano
do 1º ciclo, sendo necessário fazer
intervenções para sanar tais dificuldades.
O texto confirma a postura pedagógica da docente de avaliar para classificar,
mas não para se envolver num projeto de superação dos problemas de
aprendizagem de sua aluna. Um ano e meio depois de implantado o ciclo, a
professora cumpre apenas burocraticamente as orientações do programa.
Vasconcelos (2002) comenta a importância do professor para o sucesso de uma
política educacional:
O sucesso ou fracasso de qualquer política educativa dependerá sempre
do professor, do seu grau de consciência, do seu compromisso, do seu
envolvimento. Neste sentido, o fim da reprovação pode significar um
avanço ou um retrocesso, de acordo com a posição que o professor
assume diante dele (...) Avanço: quando o professor entende que com isto
se acaba com um dos condicionantes da distorção da prática pedagógica
que é a avaliação classificatória (...).
A falta de engajamento da professora evidencia-se no PP, porque, como
gênero, esse texto estrutura e organiza as atividades profissionais de Magali, pois,
como afirma Bazerman (2005), os gêneros focalizam o que as pessoas fazem e
ajudam-nas a fazê-lo. Sem dúvida, se o registro fosse feito em formato de nota ou
conceito, poderíamos, também, concluir pela falta de empenho da professora.
Entretanto, pela via do PP, é possível lançar um olhar perscrutador sobre a sua
prática e construir uma análise mais consistente a respeito de sua ação (ou não-
ação) pedagógica.
146
2.3 Professora Aline
Ano: 2003
Exemplo 22: Breno
147
O texto da professora Aline, em relação à macroestrutura, apresenta uma
pequena introdução, na qual a docente anuncia evolução do aluno no seu processo
de alfabetização. Os tópicos do desenvolvimento seguem organizados por
componente curricular em que as competências da matriz estão destacadas e
encobrindo a voz da professora, mas é possível identificar tópicos em que o discurso
de Aline está ressaltado:
Na área de produção do texto escrito Breno escreve seu nome sem ficha,
escreve palavras e frases ditadas. Breno está na fase alfabética. (linhas 7-
9)
Foi observado que o aluno tem dificuldade na compreensão do sistema de
numeração decimal. (linhas 13-14)
Em relação à freqüência Breno apresentou assiduidade regular. (linhas 24-
25)
Nesses trechos, Aline introduziu tópicos novos, assim como considerou
pertinente informar a fase de desenvolvimento da escrita do aluno e fazer menção à
sua freqüência. Os aspectos de socialização da criança aparecem mencionados
ligeiramente no período imediatamente anterior ao parágrafo de julgamento o qual
apenas menciona a progressão do aluno, não aponta recomendações.
A interlocução é apenas presumida e a intertextualidade com a matriz
curricular só raramente se faz de forma integrada ao discurso da professora (caso
do trecho das linhas 13 e 14 referidos acima). Em relação aos aspectos
pedagógicos, Aline dá mostras de estar atenta aos aspectos do desenvolvimento
individual da sua aluna, mas ainda não demonstra uma concepção de avaliação
formativa, pois que seu texto não menciona atividades de superação das
dificuldades da aluna, tão somente comunica a sua progressão no parágrafo
conclusivo.
No ano de 2004, Breno continuou estudando com Aline. Então, vejamos
como a professora registra o desempenho desse aluno no final desse ano.
148
Ano: 2004
Exemplo 23: Breno
149
A análise do PP não revela novidades na macroestrutura do texto. A
recorrência da estrutura pode indicar que Aline já tem firme uma organização para
esse gênero textual. Contudo, o texto tem mais informações e permite perceber que
a criança avançou no seu processo de aprendizagem e superou dificuldades
mencionadas no ano anterior, por exemplo, “compreende o agrupamento do sistema
de numeração decimal”. Em relação aos aspectos pedagógicos, Aline continua sem
atentar para a avaliação formativa, limitando-se a informar a progressão do seu
aluno.
A análise das produções de Aline confirma que é possível olhar a prática
profissional pela via dos gêneros textuais que produzimos no exercício de nossas
atividades.
2.4 Professora Andréia
Quando iniciamos o trabalho no município, em março de 2003, a professora
Andréia era uma das coordenadoras do Programa de Acompanhamento Escolar,
mediante o qual formávamos educadores para auxiliar escolas e professores na
implantação dos ciclos de aprendizagem. Dois anos depois, em 2005, Andréia
assumiu uma turma do 1º ano do 2º ciclo. Os dois PP que vêm a seguir são de
alunos dessa turma.
150
Ano: 2005
Exemplo 24: Adriana
O texto de Andréia tem macroestrutura organizada em uma introdução,
seguida de parágrafo com menção a aspectos atitudinais; na seqüência, as
competências referentes aos componentes curriculares língua portuguesa e
matemática (a professora não menciona os outros componentes curriculares), e a
conclusão com o julgamento.
Em relação ao conteúdo, a professora inclui alguns tópicos que não estão na
matriz (por exemplo, não revela domínio na ortografia) e consegue com algum
sucesso integrar o texto institucional ao próprio discurso, superando aquele jeito de
“cópia”. Nesse percurso, Andréia acaba por cometer uma contradição em:
Quanto ao componente curricular língua portuguesa, em linguagem oral,
compreende o sentido das mensagens orais de que é destinatário,
apresenta seqüência lógica de fatos e idéias oralmente. Tem ainda um
pouco de dificuldade em oralizar as suas idéias e expressar-se diante do
grupo. (linhas 6-11)
151
Todavia, essa incoerência é esclarecida no parágrafo conclusivo, onde a
professora faz uma recomendação a respeito da inibição da criança “em expor suas
idéias e opiniões”. Assim, apesar de incorrer em outra incoerência, ao restringir a
necessidade de acompanhamento ao fato de a aluna “ser bastante esforçada”, o
parágrafo conclusivo, além de ressaltar a voz da professora, contém uma reflexão
mesmo que elementar a respeito do desenvolvimento da aluna, com algumas
indicações para a superação das suas dificuldades.
Ao analisar o desenvolvimento de Adriana, concluo que por ser bastante
esforçada, a mesma necessita de acompanhamento sistemático. Com
relação a leitura e escrita, acredito que ao apresentar mais livros e formas
de leitura, a mesma terá avanço garantido. Um pouco mais de treino
ortográfico e incluí-la nas apresentações da escola vai contribuir para que
perca a inibição em expor suas idéias e opiniões. (último parágrafo)
Mesmo considerando certa inconsistência teórica e as dificuldades de
expressão escrita da professora nesse texto, é possível identificar uma reflexão
pedagógica indicadora de uma avaliação comprometida com a aprendizagem de sua
aluna. Vamos ver mais um exemplo da produção dessa professora.
152
Ano: 2005
Exemplo 25: Daianny
No exemplo 25, Andréia reitera a organização macroestrutural que elegeu
para o gênero e mostra avanço na competência discursiva de escritura do PP. O
emprego da intertextualidade se dá de forma integrada ao discurso da professora
que introduz com desenvoltura comentários que julga pertinentes para relatar o
desempenho da aluna. Por exemplo:
153
Ao resolver situações-problema, já consegue analisar, interpretar e
solucionar problemas, inclusive, problemas não convencionais. (linhas 31-
33)
Há, também, certa naturalização no estilo do PP, que pode ser indicador de
que esse gênero firma-se na prática cotidiana de Andréia. Por exemplo, observe-se
o parágrafo conclusivo:
Diante do que foi exposto, Daianny demonstra estar cada dia evoluindo
mais em suas habilidades, não tendo no momento muitas interferências a
fazer, no mais é dar incentivo para a leitura, para que a escrita evolua
mais. (último parágrafo, grifo meu)
O texto também confirma um posicionamento pedagógico afinado com as
concepções de avaliação formativa e com os princípios do ciclo e, nesse sentido,
serve de elemento de sustentação à prática pedagógica da professora.
A amostra aqui reunida manifesta a relação entre atividade humana/ ação
social e os gêneros textuais e também é representativa do perfil geral que identifica
esse o Parecer Pedagógico na comunidade discursiva em que ele se desenvolveu.
É nesse sentido que Bazerman (2006, p. 52) afirma em seu artigo “Onde está
a sala de aula?”:
Quaisquer que sejam os efeitos dos processos e das pedagogias de
empoderamento na sala de aula, aquilo que aprendemos sobre a escrita
deveria nos fazer pensar fundamentalmente sobre o local sócio-político-
intelectual da sala de aula. Sempre soubemos que escrever é um ato
social, mas, recentemente, começamos a examinar com mais atenção as
implicações disso para a anatomização das atividades, da localização, da
dinâmica social de cada instância da escrita. Começamos a perceber como
a sala de aula é um cenário particular da escrita. (...) Cada um desses
cenários sugere gêneros da comunicação, gêneros de modos de ser/estar
nesse contexto.
Assim, é pertinente admitir: os gêneros nos formam como pessoas, os
gêneros nos formam como profissionais.
154
REFLEXÕES FINAIS
Nós criamos os nossos textos a partir do
oceano de textos anteriores que estão à
nossa volta e do oceano de linguagem
em que vivemos. E compreendemos
os textos dos outros dentro desse
mesmo oceano.
Charles Bazerman
Nesta pesquisa pretendi “espiar” a prática docente por meio do discurso de
avaliação do professor dentro da perspectiva de gênero como ação social. A
recorrente questão da qualidade do ensino no Brasil passa pelas políticas públicas
de educação e de formação docente, mas, sobretudo, passa pelo envolvimento do
professor com a possibilidade de sucesso de seu trabalho. É essa crença na
permanência com sucesso do aluno na escola que me fascinou na proposta dos
ciclos. Então, junto com a minha amiga Ana Cristina a quem acompanhei nessa
aventura no Agreste de Pernambuco, nos perguntávamos se seria possível
“contaminar” essas professoras com as idéias de sucesso dos ciclos. Os achados
dessa jornada, nenhuma surpresa, apontaram amplas possibilidades de interação
entre a pedagogia e o trabalho com linguagem que, afinal, é poder, é ação. Então,
ao mesmo tempo em que estudava e ensinava “o agir pela linguagem”, aprendi que
155
avaliação também é ensino. Foi assim, “navegando por mares nunca dantes
navegados”, que construí, construímos, os resultados que passarei a expor.
Começo por retomar os objetivos do trabalho, o primeiro, identificar as
propriedades sociocomunicativas que o Parecer Pedagógico assumiu na Rede de
Educação de Pesqueira. Nesse sentido, o PP apresenta macroestrutura organizada,
predominantemente, na tradicional estrutura de introdução, desenvolvimento e
conclusão, em que a introdução costuma trazer indicações quanto ao
desenvolvimento global do aluno e o desenvolvimento é formado por tópicos
delimitados pelos componentes curriculares. Aparecem, ainda, tópicos relacionados
a aspectos socioatitudinais, localizados em pontos de extremidade do PP, antes ou
após as referências às disciplinas curriculares.
Como tópicos de conteúdo eventual dentro do PP, encontrei atividades
didáticas, relato de intervenção, menção à fase de desenvolvimento da escrita da
criança e referência à freqüência do aluno às atividades escolares. O conteúdo do
parágrafo de conclusão é onde mais se evidenciam os indicadores das concepções
pedagógicas do produtor. Entretanto, essa variável pode estar relacionada ao
processo de aquisição de competência em operar o gênero, pois, mesmo entre os
docentes que se mostraram mais comprometidos com o trabalho, só nas produções
a partir de 2004, encontrei indicações de prática avaliativa reguladora.
Os pareceres pedagógicos são finalizados em períodos específicos,
determinados institucionalmente. Alguns professores iniciam a produção do PP,
através de anotações informais que, paulatinamente, vão sendo transcritas para o
documento oficial. Há professores que só redigem o PP no final dos prazos
estabelecidos institucionalmente e é comum, nesses casos, a presença de textos
repetidos que não indicam a individualização da avaliação. É possível que concorra
para essa prática o fato de o professor ainda estar reproduzindo os mecanismos da
seriação com a avaliação periódica e não processual.
Em relação aos propósitos discursivos do PP, todos os que analisei
tensionavam, presumivelmente, discorrer sobre o desempenho do aluno. Não
encontrei referências explícitas a interlocutores, contudo é possível inferir a
presença de interlocutores presumíveis, relacionados, sobretudo, aos níveis
institucionais.
Quanto ao segundo objetivo, a verificação de sinais de avanço no domínio da
escritura do PP, tomamos por base indícios de maior ou menor integração entre o
156
discurso institucional e o da professora. Nesse sentido, foi perceptível, ao longo do
tempo, a evolução de um processo de “colagem” de trechos da matriz para a
emergência de um estilo pessoal. É interessante perceber que essa evolução foi tão
mais perceptível quanto mais engajada estava a professora no seu trabalho, talvez,
porque estas, sim, tinham o que dizer.
Mas é quanto às relações com a prática docente que o PP firma-se como
gênero que efetivamente integra, constrói, enfim, reflete a prática docente. É nesse
sentido que a sua introdução e estudo mostra-se mais relevante no ensino em todas
as áreas.
Por outro lado, esse estudo mostrou que nem a organização em ciclos nem a
avaliação formativa ou o registro por meio de parecer são capazes de promover o
sucesso da escola ou do aluno. Isso porque as práticas avaliativas de uma escola
não podem ser analisadas fora do foco das práticas pedagógicas que ocorrem nas
salas de aula nem das crenças e ideais dos professores. Do mesmo modo, não há
política educacional que se sustente sem que os professores sejam levados a
acreditar no projeto e a militar por ele insistentemente, cotidianamente. Como afirma
Luckesi,
o ser humano precisa de metas definidas, clareando o que deseja, para
agir em função delas. Caso não seja precedida e monitorada por um forte e
explícito desejo, a ação poderá se tornar mecânica e não produzirá os
resultados esperados. O desejo consciente e explícito coloca as forças
necessárias a seu serviço. (1999, p. 152)
Para que teorias ou projetos educacionais representem sucesso para a escola
e para a sociedade, há que se percorrer um caminho que parta das escolas, passe
pela pesquisa, pela formação inicial e continuada do professor, e chegue de novo às
escolas, às salas de aulas, aos alunos. A questão dos gêneros textuais é um desses
temas que emergem das pesquisas na área da Lingüística Aplicada e revela-se de
grande potencial pedagógico, dado o fato de o estudo de seu funcionamento
promover uma melhor capacidade na recepção e produção de textos que é, em
última análise, essencial na formação de um cidadão crítico e lingüisticamente
competente.
É nesse sentido que os documentos oficiais, a exemplo dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), já indicam o texto como principal eixo do trabalho do
professor de língua. Além disso, o atual contexto sócio-histórico exige uma formação
em leitura e escrita capaz de possibilitar “a interação participativa e crítica no mundo
157
de forma a interferir positivamente na dinâmica social” (Meurer e Motta-Roth, 2002,
p. 10). Tal afirmação indica o interesse por uma escola que supere o meramente
didático e se volte para as necessidades da sociedade contemporânea.
Considerando a estreita relação entre atividades humanas e gêneros textuais, o
estudo do funcionamento desses, sem dúvida, pode contribuir para a constituição de
uma escola em que a dinâmica da linguagem como prática discursiva e social seja
efetivamente destacada.
158
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166
ANEXO 1
EXEMPLOS DE ATIVIDADES
DESENVOLVIDAS NO PROGRAMA DE
FORMAÇÃO CONTINUADA
167
Prefeitura Municipal de Pesqueira
Minicurso: Leitura e produção de texto
O (des)classificado
Aquele anúncio deixado sobre o assento me perturbou muito. Eu sabia que haveria uma
mudança. A situação era difícil. As coisas ultimamente estavam complicadas demais, principalmente
depois da morte de Jonas. Donana já não sabia o que fazer para manter a casa. Vendeu várias jóias
de família. Não deu. E agora mais essa.
Não esperava que isso fosse acontecer tão cedo. Há quanto tempo estava naquela casa. Já
me considerava da família. De repente, tudo girou à minha volta. Tudo ficou de pernas para o ar.
No início, éramos só nós três: Jonas, Donana e eu. Quantas vezes as roupas foram jogadas
no tapete e entre nós aquela cumplicidade silenciosa do encontro. De corpos entrelaçados. Coração
batendo junto. Só respiração. O corpo saciado. A alma leve. Quantas noites. Dias sem culpas. Medo...
Não demorou muito vieram as crianças: Joana e Douglas. Nova etapa. Eu era
constantemente amassado, pisado. Brinquedos espalhados por todo canto. "Não pise aí, menina.
Olha essa mão suja de chocolate. Xixi?" E eu ali, acompanhando de perto todas as estrepolias:
topadas, tampinhas engolidas, corte no dedo, primeiro dia de aula... Primeiro namorado. O beijo
escondido. As noites sem fim. "Gente, onde anda Joana? Três horas. A hora não passa." Os quinze
anos. A festa. Luzes por todos os lados. A valsa. O falatório. A risadaria. Fim de noite. E eu dividi com
eles o cansaço de tudo. A ressaca agridoce de quem mergulhou fundo na felicidade. A vida foi
passando. As coisas foram passando. As pessoas.
O vestibular.
O noivado. Aborrecimento.
Casamento.
Separação.
As noites vazias: quantas lágrimas recolhi e continuam guardadas em mim. Silenciosamente.
No aconchego das almofadas. Na maciez dos meus braços. Sempre abertos. À espera.
Pudesse eu parava o tempo. Certamente enfrentaria outras tempestades. Romperia novos
nevoeiros. Descortinaria outra cenas. Mas o tempo... O tempo é breve.
Jonas morreu. A vida ficou sem graça. Meu companheiro de todas as tardes se foi. O silêncio
era doloroso mas suportável. Donana foi perdendo o controle das coisas. Das pessoas. Da alegria. A
casa parecia ninho sem filhotes. Mesmo assim, ali estava eu, quieto no meu lugar. Na (aparente)
calma – de quem nasceu para servir.
Triiiim! Triiiim! Alguém chamava.
– É aqui que estão vendendo (...)?
(PEREIRA, Gil Carlos. In: A palavra: expressão e criatividade. São Paulo: Moderna, 1997)
O texto e os esquemas do leitor
I. Após a leitura, sem voltar ao texto, escreva (ou desenhe) as lembranças que o texto provocou
em você: imagens, lugares, pessoas, situações, outras leituras etc.
II. Concentrando-se, agora, no texto, releia-o e responda:
1. Quem é o narrador?
2. Em “E agora mais essa”, a que fato o narrador se refere?
3. Qual a relação existente entre o narrador, Donana e Jonas?
4. De quem eram as roupas jogadas no tapete?
5. De que tipo de serviço trata o fragmento "(...) de quem nasceu para servir?".
6. Formule uma hipótese sobre o objeto à venda.
7. Redija um anúncio de venda do objeto em questão que atenda as características do
gênero textual “anúncio de jornal” e que indique, também, a sua percepção sobre ele.
III. Apresentação/ discussão das atividades propostas.
IV. Apresentação das partes omitidas do texto (ilustração e anúncio).
V. Conclusão:
1. As suas expectativas/previsões sobre o texto foram confirmadas?
2. Se não foram confirmadas:
a) Em que experiências externas ao texto ou pistas do próprio texto você se baseou
para formular suas hipóteses?
b) Houve coincidência entre as suas inferências e as de outros leitores? Compare suas
respostas com as deles, verificando os pontos de contato quanto às pistas do texto.
3. Se foram confirmadas:
a) Localize no texto as pistas que permitiram as inferências que você fez.
b) Houve experiências externas ao texto que ajudaram na formulação das hipóteses?
168
Prefeitura Municipal de Pesqueira
Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes
Programa Organização da Escolaridade por Ciclos de Aprendizagem
ACOMPANHAMENTO DO COTIDIANO ESCOLAR I
Trabalhando o gênero: o relato escrito
I – Relato escrito – características gerais:
registro de fatos e informações, vividos por uma pessoa e suas conseqüências;
seqüência do tipo narrativo;
organização discursiva ou em tópicos;
dirige-se a um ou a vários interlocutores;
função informativa, legal, memória ou pedagógica (lição de vida);
em 1ª pessoa ou impessoal;
apoio de documentos ou gráficos;
simples ou complexos;
linguagem objetiva, clara, precisa, sintética.
II – Leitura:
A 28 de fevereiro de 1955, soube-se que oito tripulantes de um navio da Marinha de Guerra da
Colômbia que viajava de Mobile, Estados Unidos, para o porto colombiano de Cartagena, haviam
caído no mar e desaparecido por causa de uma tormenta no mar do Caribe. A busca dos náufragos
iniciou-se assim que o navio chegou a seu destino, duas horas depois do acidente. Depois de quatro
dias, desistiu-se da busca e os marinheiros desaparecidos foram declarados mortos. Dez dias depois,
o marinheiro Luís Alexandre Velasco, de 20 anos, apareceu moribundo numa praia deserta do norte
da Colômbia. O livro Relato de um náufrago é a reconstituição jornalística do que Luís contou ao
autor Gabriel García Márquez, na época jornalista do El Espectador, um jornal de Bogotá.
O texto que segue é um fragmento desse livro. Leia-o e, a seguir, responda às questões propostas.
Eu era um morto
Não me lembro do amanhecer do sexto dia. Tenho uma idéia nebulosa de que, durante toda a
manhã, fiquei prostrado no fundo da balsa, entre a vida e a morte. Nesses momentos, pensava em
minha família e a via tal como me contaram agora que esteve durante os dias do meu
desaparecimento. Não fiquei surpreso com a notícia de que tinham me prestado homenagens
fúnebres. Naquela sexta manhã de solidão no mar, pensei que tudo isso estava acontecendo.
Sabia que haviam comunicado à minha família o meu desaparecimento. Como os aviões não
voltaram, sabia que tinham desistido da busca e que me haviam declarado morto.
Nada disso era errado, até certo ponto. Em todos os momentos, tratei de me defender.
Encontrei sempre um meio de sobreviver, um ponto de apoio, por insignificante que fosse, para
continuar esperando. No sexto dia, porém, já não esperava mais nada. Eu era um morto na balsa.
À tarde, pensando que logo seriam cinco horas e os tubarões voltariam, fiz um desesperado
esforço para me levantar e me amarrar à borda. Em Cartagena, há dois anos, vi na praia os restos de
um homem destroçado por tubarão. Não queria morrer assim. Não queria ser repartido em pedaços
entre um montão de animais insaciáveis.
Eram quase cinco horas. Pontuais, os tubarões estavam ali, rondando a balsa. Levantei-me
penosamente para desatar os cabos do estrado. A tarde era fresca. O mar, tranqüilo. Senti-me
ligeiramente fortalecido. Subitamente, vi outra vez as sete gaivotas do dia anterior e essa visão
infundiu em mim renovados desejos de viver.
Nesse instante teria comido qualquer coisa. A fome me incomodava. Mas o pior era a
garganta e a dor nas mandíbulas, endurecidas pela falta de exercício. Precisava mastigar qualquer
coisa. Tentei arrancar tiras de borracha dos sapatos, mas não tinha com que cortá-las. Foi então que
lembrei dos cartões da loja de Mobile. Estavam num dos bolsos da calça, quase completamente
desfeitos pela umidade. Rasguei-os, levei-os à boca e comecei a mastigar. Foi um milagre: a
garganta se aliviou um pouco e a boca se encheu de saliva. Lentamente continuei mastigando, como
se aquilo fosse chiclete. [...] Pensava continuar mastigando os cartões indefinidamente para aliviar a
dor das mandíbulas e até achei que seria desperdício jogá-los no mar. Senti descer até o estômago a
minúscula papa de papelão moído e desde esse instante tive a sensação de que me salvaria, de que
não seria destroçado pelos tubarões. [...]
169
Afinal, amanheceu o meu sétimo dia no mar. Não sei por que estava certo de que esse não
seria o último. O mar estava tranqüilo e nublado, e quando o sol saiu, mais ou menos às oito da
manhã, eu me sentia reconfortado pelo bom sono da noite. Contra o céu cinza e abaixo passaram
sobre a balsa as sete gaivotas.Dois dias antes eu sentira uma grande alegria vendo as sete gaivotas.
Mas quando as vi pela terceira vez, depois de tê-las visto durante dois dias consecutivos, senti o
terror renascer. "São sete gaivotas perdidas", pensei, com desespero. Todo marinheiro sabe que, às
vezes, um bando de gaivotas se perde no mar e voa sem direção, durante vários dias, até encontrar
e seguir um barco que lhes indique a direção do porto. Talvez aquelas gaivotas que vira durante três
dias fossem as mesmas todos os dias, perdidas no mar. Isso significava que eu me distanciava cada
vez mais da terra.
(Gabriel García Márquez. Relato de um náufrago. 3
a
ed. Rio de Janeiro: Record, 1970. p. 70-3.)
II – Características identificadas no texto:
• narra um episódio marcante da vida pessoal;
• predomínio do tempo passado;
• apresenta os elementos básicos da narrativa: seqüência de fatos, personagens, tempo e espaço;
• o narrador é protagonista; verbos e pronomes em 1ª pessoa;
• presença de trechos descritivos.
In: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Tereza Cochar. Português: linguagens. 3. ed. São
Paulo: Atual, 1999. vol. 1. p. 178-180. Adaptado
III – Atividade de Produção de Texto
Faça um relato pessoal, em prosa e por escrito, sobre a sua experiência como alfabetizadora. Para
facilitar a elaboração do seu texto, apresentamos um pequeno roteiro que pode servir como guia.
Entretanto, você não é obrigada a segui-lo passo a passo e, naturalmente, pode alterar ou
acrescentar algum dado relevante que, porventura, tenha ficado de fora do roteiro.
1. Reflita sobre a experiência que você deseja relatar e organize-a cronologicamente. Por exemplo: a
primeira turma em que você atuou como alfabetizadora; a segunda ...; a turma deste ano, antes da
implantação do ciclo, após a implantação do ciclo.
2. Liste os tópicos que você deseja abordar. Por exemplo, experiências significativas (de sucesso ou
insucesso; engraçadas ou dramáticas); tentativas de acerto, seguidas ou não de erro; pessoas ou
situações que contribuíram no processo; alunos ou situações que ficarão para sempre na sua
lembrança etc.
3. Concentre-se na sua experiência mais recente. Liste as mudanças de concepção sobre o ensino, a
metodologia, as dificuldades dos seus alunos, o processo de evolução que você acompanhou. Pense
nas alterações de rumo que você precisou fazer. Compare, de um modo geral, o resultado dos seus
alunos diante das alterações de concepção e metodologia de trabalho que você implementou.
4. Comece a escrever o seu relato, observando as características lingüísticas e discursivas desse
gênero textual (ver Trabalhando o gênero: o relato pessoal escrito)
5. Faça um parágrafo de conclusão com uma reflexão sobre o seu próprio desempenho profissional e
o de sua turma.
6. Consulte os seus registros sempre que precisar de dados para o seu relato.
170
ANEXO 2
MATRIZ CURRICULAR
PORTUGUÊS E MATEMÁTICA
1º E 2º CICLOS
171
PREFEITURA MUNICIPAL DE PESQUEIRA
Competências de Língua Portuguesa para o 1º Ciclo
EIXOS CONTEÚDOS COMPETÊNCIAS
A relação oralidade/escrita
Oralizar as idéias contidas em seus desenhos para que o
professor possa registrá-las através da escrita.
Identificar versos, estrofes, palavras e rimas iniciais e finais
auxiliado pela leitura.
Memorizar e recitar parlendas, adivinhas, poemas, músicas,
mesmo sem dominar a leitura, ajustando o texto falado
ao escrito.
Articulação das palavras Respeitar a vez de ouvir e falar numa conversação.
Respeitar as diferentes formas de articulação das palavras,
compreendendo a necessidade de melhorá-las para a
eficácia da comunicação.
A instrução e seus elementos Dar instruções adequadas em situações específicas como
jogos, receitas culinárias e atividades escolares.
Explicar regras de convívio em diferentes contextos sociais
como na família, na escola, na igreja e na rua.
A narrativa e seus elementos Narrar experiências vividas, respeitando a temporalidade.
Contar histórias conhecidas ou lidas, mantendo-se próximo
ao original.
A descrição e seus elementos Desenvolver as habilidades de falar e ouvir com ênfase na
troca de informações através da descrição oral.
Coesão e coerência Estruturar textos orais coesos e coerentes.
Estabelecer coerência entre os fatos.
A argumentação e seus
elementos
Defender pontos de vista com argumentos apropriados.
Respeitar a opinião de colegas e de professores, mesmo
contra-argumentado-a.
A exposição e seus elementos Expor um tema de interesse do grupo.
Expor com clareza um ponto de vista.
Expressividade (entonação,
intensidade, altura, timbre, ritmo,
musicalidade etc.)
Tomar consciência de que o modo de falar expressa
sentimentos e estados de espírito.
Recursos sonoros (onomatopéia,
aliteração, assonância)
Perceber as relações entre sons e letras.
Perceber a repetição de sons como recurso de sugestão de
certas imagens.
1 Linguagem oral
Variações sociodialetais Identificar características próprias da linguagem coloquial e
da linguagem formal.
Perceber as variações sociodialetais, respeitando-as e
valorizando-as como traços da identidade individual e
social.
Determinação temática e
estrutural do texto narrativo
Recuperar o tema e estrutura do texto narrativo.
Analisar criticamente e interpretar os fatos narrados.
Complementar o sentido de texto narrativo lido, atendendo
critérios relativos à coerência narrativa.
Caracterizar figura ou personagem do texto.
Identificar locutor e interlocutor em texto narrativo.
Compreensão e expressão de
idéias acerca do texto lido
Compreender e demonstrar, através do desenho ou da
escrita, o assunto do texto lido.
Complementar o sentido de frase escrita, atendendo
critérios semânticos e sintáticos compatíveis com o
texto.
Ampliação e adequação vocabular Perceber a possibilidade do uso de sinônimos para
substituir palavras.
Inferir o significado de uma palavra através de seu uso num
contexto lingüístico.
Discutir a significação de palavras e expressões
encontradas nos textos.
Utilizar adequadamente o dicionário quando necessário.
Apropriar-se do conceito de verbete e usar as informações
obtidas nele.
2 Leitura e
compreensão de texto
Representação de idéias por meio
de desenhos, símbolos e sinais
(texto verbal, não-verbal e misto)
Fazer leitura de desenhos, símbolos e sinais que circulam
na sociedade.
Associar palavra à figura isolada ou no texto.
Interpretar o texto escrito com base em texto não-verbal.
172
Gêneros, portadores e
contextualizadores
Reconhecer a forma de organização e/ou apresentação e
função de diversos gêneros, portadores e
contextualizadores textuais.
Identificar as informações contidas nas capas de livros e
revistas.
Efetuar leitura informativa apresentada de forma não linear
e não seqüencial.
Inferências Construir, reformular e expressar hipóteses que contribuam
para a compreensão do texto.
Fazer inferências a respeito do texto através do paratexto
(autor, título, ilustração, palavras que antecedem o
texto).
Antecipação e confirmação Ativar os conhecimentos prévios sobre o assunto.
Encontrar no texto a informação desejada.
Diagramação textual Observar as ilustrações, variações nas formas de escrita,
cores e tamanho das letras.
Conceito de tempo (antes, depois,
passado, presente, futuro)
Desenvolver o conceito de tempo, com base na
organização temporal dos fatos de uma narrativa.
Paragrafação Identificar graficamente os parágrafos.
Identificar uma idéia ou um conjunto de idéias contidas em
um parágrafo.
Unidade temática Associar o tema de textos lidos ou ouvidos a outros
conhecidos ou discutidos em sala.
Compreender a idéia principal dos textos lidos.
Usos e funções sociais da escrita
(orientar, informar, divertir,
emocionar, instruir, registrar etc.)
Utilizar a escrita em diferentes funções sociais, atentando
para a especificidade da linguagem.
Diferenciar a escrita de outros símbolos, desenhos,
imagens e ilustrações.
Produção de diferentes gêneros
textuais: listas, regras, anotações,
cartazes, receitas, quadros de
horário, fichas de identificação
pessoal, convites, anúncios
classificados, legendas,
instruções etc.
Produzir textos, atendendo à função específica
prevista para aquele uso social da escrita.
Coesão e coerência
Estruturar textos escritos com coerência e utilizando
diferentes recursos de coesão textual.
Adequação do texto à situação de
interação
Utilizar a escrita para se comunicar espontaneamente
com colegas, professores, jornais e revistas,
autoridades etc.
Expressar dados, informações e idéias com clareza.
3 Escrita
Adequação argumentativa
Defender pontos de vista com argumentos
apropriados.
Onomatopéia
Perceber as relações entre sons e letras.
Pontuação
Relacionar a entonação dada pela leitura do professor
aos sinais de pontuação utilizados no texto impresso.
Utilizar alguns sinais de pontuação, demonstrando
compreender sua necessidade para melhor veicular
suas idéias.
Adequação ao tema proposto
Atender ao objetivo específico previsto para o texto.
Atribuir um título adequado ao texto.
Progressão e continuidade
temática
Apresentar progressão e continuidade temática na
produção de textos.
Sistema ortográfico (letras,
número de letras, identificação de
letras, sílabas, número de sílabas,
letra inicial, sílaba inicial, número
de letras de uma sílaba,
seqüência alfabética, diferentes
modos de escrever uma mesma
letras)
Distinguir a ocorrência de vogais e consoantes na
grafia das palavras.
Diferenciar letras, números e outros símbolos
utilizados na escrita.
Perceber semelhanças e diferenças sonoras e gráficas
na composição das palavras.
Observar que as palavras são compostas de diferentes
números de sílabas e as sílabas são compostas de
diferentes números de letras.
Letras maiúsculas e minúsculas
Perceber a necessidade do uso de letras maiúsculas
em seu próprio nome.
4 Reflexão
lingüística
Ortografia
Observar que as letras podem representar diferentes
sons.
Verificar a formação de dígrafos.
Perceber a formação de palavras por sufixação.
Reconhecer a inadequação de grafia de palavras nas
reestruturações e produções coletivas e sugerir a
correção ortográfica.
173
Espaçamento entre as palavras
Perceber o processo de formação de palavras.
Observar como a escrita segmenta o que na fala não é
segmentado.
Perceber a existência de espaços entre as palavras.
Sugerir espaçamento adequado nas produções
coletivas.
Competências de Língua Portuguesa para o 2º Ciclo
EIXOS CONTEÚDOS COMPETÊNCIAS
A relação oralidade/escrita Oralizar as idéias contidas em seus desenhos para que o
professor possa registrá-las através da escrita.
Identificar versos, estrofes, palavras e rimas iniciais e finais
auxiliado pela leitura.
Memorizar e recitar parlendas, adivinhas, poemas, músicas,
mesmo sem dominar a leitura, ajustando o texto falado ao
escrito.
Articulação das palavras
Respeitar as diferentes formas de articulação das
palavras, compreendendo a necessidade de melhorá-las
para a eficácia da comunicação.
Coesão e coerência
Estruturar textos orais coesos e coerentes.
Estabelecer coerência entre os fatos.
Consistência argumentativa
Defender pontos de vista com argumentos apropriados
Respeitar a opinião de colegas e de professores, mesmo
contra-argumentado-a.
A exposição e seus elementos
Expor com clareza um ponto de vista.
Expor um tema de interesse do grupo.
Fazer exposições orais com base em anotações.
Expressividade (entonação,
intensidade, altura, timbre,
ritmo, musicalidade etc.)
Tomar consciência de que o modo de falar expressa
sentimentos e estados de espírito.
Recursos sonoros
(onomatopéia, aliteração,
assonância)
Perceber as relações entre sons (fonemas) que são
grafados como palavras e letras e sons que são ruídos e
podem ser representados por letras.
Perceber a repetição de sons como recurso de sugestão
de certas imagens.
1 Linguagem oral
Variações sociodialetais
Identificar características próprias da linguagem coloquial
e da linguagem formal.
Perceber as variações sociodialetais, respeitando-as e
valorizando-as como traços da identidade individual e
social.
Determinação temática e
estrutural do texto narrativo
Recuperar o tema e a estrutura do texto narrativo.
Analisar criticamente e interpretar os fatos narrados.
Complementar o sentido de texto narrativo lido, atendendo
critérios relativos à coerência narrativa.
Caracterizar figura ou personagem do texto.
Identificar locutor e interlocutor em texto narrativo.
Compreensão e expressão de
idéias acerca do texto lido
Compreender e demonstrar, através do desenho ou da
escrita, o assunto do texto lido.
Ampliação e adequação
vocabular
Perceber a possibilidade do uso de sinônimos para
substituir palavras.
Inferir o significado de uma palavra através de seu uso
num contexto lingüístico.
Discutir a significação de palavras e expressões
encontradas nos textos.
Utilizar adequadamente o dicionário quando necessário.
Apropriar-se do conceito de verbete e usar as informações
obtidas nele.
Selecionar o significado que melhor se adapte ao contexto
estudado.
Perceber os diferentes sentidos de uma mesma palavra.
2 Leitura e
compreensão de texto
Representação de idéias por
meio de desenhos, símbolos e
sinais (texto verbal, não-verbal
e misto)
Fazer leitura de desenhos, símbolos e sinais que circulam
na sociedade.
Interpretar o texto escrito com base em texto não-verbal.
Identificar logomarcas como uma estratégia de leitura de
textos publicitários.
Identificar os recursos próprios do gênero história em
quadrinhos.
174
Gêneros, portadores e
contextualizadores
Reconhecer a forma de organização e/ou apresentação e
função de diversos gêneros, portadores e
contextualizadores textuais.
Identificar as informações contidas nas capas de livros e
revistas.
Efetuar leitura informativa apresentada de forma não
linear e não seqüencial.
Inferências
Construir, reformular e expressar hipóteses que
contribuam para a compreensão do texto.
Fazer inferências a respeito do texto através do paratexto
(autor, título, ilustração, palavras que antecedem o texto).
Antecipação e confirmação
Ativar os conhecimentos prévios sobre o assunto.
Encontrar no texto a informação desejada.
Indicar no texto os trechos que fundamentam as
respostas.
Diagramação textual
Observar as ilustrações, variações nas formas de escrita,
cores e tamanho das letras.
Decodificar a forma gráfica dos poemas.
Intertextualidade (cruzamento
de textos)
Perceber a inserção de outros textos no texto lido.
Realizar leitura não-linear (jornais, revistas, livros,
hipertextos (Internet)).
Paragrafação
Identificar graficamente os parágrafos.
Identificar uma idéia ou um conjunto de idéias contidas em
um parágrafo.
Unidade temática
Associar o tema de textos lidos ou ouvidos a outros
conhecidos ou discutidos em sala.
Compreender a idéia principal dos textos lidos.
Interpretação de expressões
metafóricas
Interpretar metáforas.
Estratégia de leitura
Prever o conteúdo do texto com base no seu título e na
forma de apresentação.
Identificar pistas sobre o assunto do texto na introdução.
Usos e funções sociais da
escrita (orientar, informar,
divertir, emocionar, instruir,
registrar etc.)
Utilizar a escrita em diferentes funções sociais, atentando
para a especificidade da linguagem.
Expressar dados, informações e idéias com clareza.
Produção de diferentes
gêneros textuais: dissertações,
jogos, poemas, anotações,
descrições-narrativas,
instruções, notas de rodapé,
endereçamento de cartas,
cartas, roteiro de exposição
oral, notícia etc.
Produzir textos, atendendo à função específica prevista
para aquele uso social da escrita.
Registrar pontos de vista sobre um tema para organização
do pensamento e apoio à memória.
Produzir resumos.
Produzir esquemas com as idéias principais de um texto.
Coesão e coerência
Estruturar textos escritos com coerência e utilizando
diferentes recursos de coesão textual.
Adequação do texto à situação
de interação
Utilizar a escrita para se comunicar espontaneamente com
colegas, professores, jornais e revistas, autoridade etc.
3 Escrita
Adequação argumentativa
Usar argumentos apropriados para defender as idéias
colocadas.
Seqüência e parágrafo
Organizar o texto em parágrafos.
Pontuação e sinais gráficos
Usar os recursos gráficos e a pontuação para expressar,
na língua escrita, aspectos prosódicos da língua oral.
Utilizar os sinais de pontuação, demonstrando
compreender sua necessidade para melhor veicular suas
idéias.
Adequação ao tema proposto
Atender ao objetivo específico previsto para o texto.
Atribuir um título adequado ao texto.
Progressão e continuidade
temática
Apresentar progressão e continuidade temática nos textos
orais e escritos.
Seqüência alfabética
Organizar nomes em ordem alfabética, considerando as
duas ou três primeiras letras do nome.
4 Reflexão
lingüística
Letras maiúsculas e
minúsculas
Perceber a necessidade do uso de letras maiúsculas em
nomes próprios.
Observar a ocorrência de letras maiúsculas no início de
frase.
175
Ortografia
Observar que as letras podem representar diferentes
sons.
Verificar a formação de dígrafos.
Perceber a formação de palavras por prefixação e
sufixação.
Reconhecer a inadequação de grafia de palavras nas
reestruturações e produções coletivas e sugerir a correção
ortográfica.
Espaçamento entre as
palavras
Utilizar espaçamento adequado nas produções escritas.
Variações lingüísticas
Identificar variações históricas do léxico no uso da língua.
Identificar variações regionais do léxico.
Identificar variação de pronúncia entre dialeto urbano e
dialeto rural.
Identificar variações de registro coloquial e formal.
Classes de palavras
Verificar a função discursiva que determinadas palavras
exercem no uso da língua.
Concordância verbal
Perceber a precisão dos verbos em determinados trechos.
Reconhecer, em textos lidos, as diferenças de tempo,
futuro, passado e presente.
Justificar porque certos verbos estão sendo utilizados no
plural e outros no singular.
Flexionar tempos e pessoas verbais, mantendo a
coerência e a concordância verbal do texto.
Concordância nominal
Justificar porque certas palavras estão sendo utilizadas no
plural e outras no singular, em textos impressos.
Sugerir a concordância de certas palavras: substantivos,
artigos, adjetivos, pronomes nas produções coletivas.
Acentuação
Inferir algumas regras de acentuação, através da
observação de seu uso em textos lidos.
Formas de tratamento
Distinguir as formas de tratamento mais formais das mais
coloquiais.
Competências de Matemática para o 1º Ciclo
EIXOS TEMÁTICOS
CONTEÚDOS
COMPETÊNCIAS
NÚMEROS E
OPERAÇÕES
Números Naturais
Sistema de Numeração
Decimal
Operando com Números
Naturais
Números Racionais
Utilizar diferentes estratégias para identificar
números, em situações que envolvam
contagem.
Reconhecer números no contexto diário.
Utilizar diferentes estratégias para quantificar
elementos de uma coleção: pareamento
(pares e ímpares), estimativa e
correspondência de agrupamento.
Comparar coleções pela quantidade de
elementos.
Ordenar coleções pela quantidade de
elementos (ordem crescente e
decrescente, antecessor e sucessor).
Compreender o agrupamento do sistema de
numeração decimal (SND): ordens e valor
posicional dos números.
Ler e escrever os números do SND em
situações diversas.
Compor e decompor os números fazendo uso
de recursos auxiliares (ábaco, material
dourado, quadro valor lugar (QVL)).
Adicionar, subtrair , multiplicar e dividir por
meio de estratégias pessoais.
Fazer cálculo numérico com as quatro
operações por meio de técnicas
convencionais.
Utilizar procedimentos para soma e controle
de pontos obtidos em jogos.
Resolver situações-problema de estruturas
aditivas (adição e subtração isoladas,
adição e subtração combinadas e
operações inversas).
Resolver situações-problema de estruturas
176
multiplicativas (divisão e multiplicação
isoladas).
Utilizar a decomposição da escrita numérica
para a realização do cálculo mental e
aproximado.
Representar simbolicamente os números
fracionários e decimais.
Comparar e estabelecer equivalências entre
números fracionários.
Resolver situações-problema de adição e
subtração com números decimais.
2 GRANDEZAS E MEDIDAS
Comprimento, Massa e
Volume
Tempo e Valor Monetário
Comparar as grandezas de mesma natureza
por meio de estratégias pessoais e do uso
de instrumentos de medidas (fita métrica,
balança, recipiente de 1 litro etc).
Relacionar unidades de tempo (dia, semana,
mês, bimestre, semestre, ano).
Resolver situações que envolvam as unidades
de medida de tempo (dia,mês, ano).
Ler e comparar horas em relógios digitais e de
ponteiros.
Reconhecer cédulas e moedas que circulam no
Brasil.
Fazer possíveis trocas entre cédulas e moedas
em razão de seus valores.
3 ESPAÇO E FORMA
Localização e
Movimentação no
espaço
Figuras geométricas
Diferentes visões do
objeto
Simetria
Dominar suas relações com o espaço para
localizar-se e descrevê-lo.
Localizar pessoas ou objetos no espaço, com
base em diferentes pontos de referência e
algumas indicações de posição.
Localizar pessoas ou objetos no espaço, com
base em diferentes pontos de referência e
algumas indicações de direção e sentido.
Descrever a localização e movimentação de
pessoas e objetos no espaço usando sua
própria terminologia.
Reconhecer semelhanças e diferenças entre
objetos em diferentes posições.
Classificar as figuras sólidas quanto à forma e
ao deslocamento (as que rolam, as que
não rolam, as que rolam em todos os
sentidos...).
Estabelecer comparações entre objetos do
espaço físico e objetos geométricos
(esféricos, cilíndricos, cônicos, piramidais
e prismáticos), sem o uso obrigatório da
nomenclatura.
Reconhecer as figuras planas (as quadradas,
as triangulares etc).
Identificar a vista frontal, superior, inferior e
lateral de objetos simples e compostos de
várias formas.
Observar as formas geométricas, simétricas ou
não, presentes em elementos naturais e
nos objetos criados pelo homem.
4 TRATAMENTO DA
INFORMAÇÃO
Levantamento de dados
Classificação de dados
Tabelas de uma entrada
Gráficos de barras
Gráficos de setores
Coletar dados em situação-problema
vivenciada.
Organizar os dados coletados, classificando-os
em informações.
Registrar de várias formas as informações
coletadas em uma situação-problema.
Construir e interpretar tabelas de uma entrada
(simples).
Construir gráficos de barras utilizando tabela
de uma entrada.
Interpretar as informações contidas em
imagens.
Resolver situações-problema em que
aparecem gráficos, tabelas, esquemas
etc.
Ler informações contidas em imagens em
gráficos de setores;
177
Competências de Matemática para o 2º Ciclo
EIXOS TEMÁTICOS
1 NÚMEROS E OPERAÇÕES
CONTEÚDOS
Números Naturais
Sistema de Numeração
Decimal
Operando com Números
Naturais
Números Racionais
COMPETÊNCIAS
Reconhecer números no contexto diário.
Utilizar diferentes estratégias para quantificar
elementos de uma coleção: estimativa e
correspondência de agrupamento.
Ordenar coleções pela quantidade de
elementos (ordem crescente e
decrescente, antecessor e sucessor).
Reconhecer e escrever a seqüência de
múltiplos de um número natural.
Compreender o agrupamento do sistema de
numeração decimal (SND): ordens e
classes e valor posicional dos números.
Ler e escrever os números do SND em
situações diversas.
Compor e decompor os números fazendo
uso de recursos auxiliares (ábaco,
material dourado, quadro valor lugar
(QVL)...).
Adicionar, subtrair , multiplicar e dividir por
meio de estratégias pessoais.
Fazer cálculo numérico com as quatro
operações por meio de técnicas
convencionais (com e sem reserva).
Resolver situações-problema de estruturas
aditivas (adição e subtração isoladas,
adição e subtração combinadas e
operações inversas).
Resolver situações-problema de estruturas
multiplicativas (divisão e multiplicação
isoladas, multiplicação e divisão
combinadas e operações inversas).
Utilizar a decomposição da escrita numérica
para a realização do cálculo mental e
aproximado.
Representar partes especiais de um todo e
certos resultados de medidas por meio
de frações, com desenhos.
Representar partes especiais de um todo e
certos resultados de medidas por meio
de frações, na forma A/B.
Ler e escrever frações identificando e dando
significado ao denominador e o
numerador.
Obter uma quantidade, com base em uma
fração dada.
Identificar e obter frações equivalentes a uma
fração dada.
Comparar frações.
Adicionar e subtrair frações de mesmo
denominador.
Adicionar e subtrair frações de
denominadores diferentes.
Resolver situações-problema envolvendo
frações e suas operações.
Representar números decimais na forma A/10
= 0,A.
Resolver situações-problema de adição e
subtração com números decimais.
Conceituar e representar porcentagem na
forma A/100 = A%.
Resolver situações-problema de porcentagem
simples.
178
2 GRANDEZAS E MEDIDAS
Comprimento, Área ,
Massa e Volume
Tempo e Valor Monetário
Comparar as grandezas de mesma natureza por
meio de estratégias pessoais e do uso de
instrumentos de medidas (fita métrica,
balança, recipiente de 1 litro etc).
Identificar grandezas de comprimento, área e
volume.
Registrar medidas de comprimento usando
unidades de medidas padronizadas ou
não.
Medir formal e informalmente o contorno de uma
figura geométrica.
Medir superfície usando unidades de medida
padronizadas ou não.
Calcular área de retângulos e quadrados.
Relacionar unidades de tempo (dia, semana,
mês, bimestre, semestre, ano).
Reconhecer o calendário como um instrumento
de medida de tempo, utilizando as
informações nele contidas de forma
adequada.
Resolver situações-problema que envolvam
compra e venda.
Registrar a equivalência entre medidas de
tempo.
3 ESPAÇO
E FORMA
Localização e
Movimentação no
espaço
Figuras geométricas
Simetria
Elaborar e interpretar representações gráficas
para comunicar posições ou trajetos em
espaços reduzidos.
Localizar pessoas ou objetos no espaço, com
base em diferentes pontos de referência e
algumas indicações de posição.
Localizar pessoas ou objetos no espaço, com
base em diferentes pontos de referência e
algumas indicações de direção e sentido.
Estabelecer comparações entre objetos do
espaço físico e objetos geométricos
(esféricos, cilíndricos, cônicos, piramidais e
prismáticos), com o uso obrigatório da
nomenclatura.
Reconhecer as figuras planas diferenciando das
não-planas.
Resolver situações que envolvam noções
básicas de geometria (segmento de reta,
paralelismo, perpendicularismo, ângulo
reto,...).
Classificar as figuras geométricas em diversos
tipos de polígonos;
Identificar o eixo de simetria nas formas
geométricas, presentes em elementos
naturais e nos objetos criados pelo homem.
4 TRATAMENTO DA
INFORMAÇÃO
Levantamento de dados
Classificação de dados
Tabelas de duas
entradas
Gráficos de barras
Gráficos de setores
Coletar dados em situações- problema
vivenciadas.
Registrar de várias formas as informações
coletadas em uma situação-problema.
Construir e interpretar tabelas de duas
entradas.
Localizar informações específicas em tabelas de
duas entradas.
Construir gráfico de barras integrados com outra
área de conhecimento.
Resolver situações-problema em que apareçam
gráficos, tabelas etc.
Inventar perguntas ou problemas, para serem
respondidos com a informação contida em
gráfico de setores.
179
ANEXO 3
AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO
DE DADOS PARA A PESQUISA
180
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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