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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CRISTIANE ARAÚJO DE MATTOS
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E INADIMPLÊNCIA:
ALTERNATIVAS FEMININAS PARA A SOBREVIVÊNCIA APÓS O DIVÓRCIO
(VITÓRIA/ES, 1977-1988)
Vitória
2007
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CRISTIANE ARAÚJO DE MATTOS
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E INADIMPLÊNCIA:
ALTERNATIVAS FEMININAS PARA A SOBREVIVÊNCIA APÓS O DIVÓRCIO
(VITÓRIA/ES, 1977-1988)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em História, na área de
concentração História Social das Relações
Políticas.
Orientadora: Prof.
a
Dr.
a
Maria Beatriz
Nader.
Vitória
2007
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M444d Mattos, Cristiane Araújo de.
Dependência econômica e inadimplência: alternativas
femininas para a sobrevivência após o divórcio (Vitória/ES,
1977-1988) / Cristiane Araújo de Mattos. 2007.
114 f.
Orientadora: Beatriz Maria Nader
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Programa de Pós-
Graduação em História.
1. Educação feminina. 2. Casamento. 3. Divórcio. 4.
Mulheres – condições sociais. I. Nader, Maria Beatriz. II. Universidade
Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III.
Título.
CDD 305.4
CRISTIANE ARAÚJO DE MATTOS
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E INADIMPLÊNCIA:
ALTERNATIVAS FEMININAS PARA A SOBREVIVÊNCIA APÓS O DIVÓRCIO
(VITÓRIA/ES, 1977-1988)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História, na área de
concentração História Social das Relações Políticas.
Aprovada em de março de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________
Prof.
a
Dr.
a
Maria Beatriz Nader
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
___________________________________
Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________
Prof.ª Drª. Adriana Pereira Campos
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________
Prof.ª Drª. Eni de Mesquita Samara
Universidade de São Paulo
A todas as “Beatrizes” que tive o prazer de conhecer durante a
elaboração deste trabalho e que me fizeram perceber, dia após
dia, quão feliz fora minha escolha para orientação.
A doce Aninha que foi incentivo ao ingresso e à minha amada
Ligia que tem sido motivação para fechamento.
A meu filho Ricardo Bruno pelos dias de sol cedidos a minha
pesquisa e a meus pais e irmã pela presença constante, ainda
que fisicamente distantes.
A todas as mulheres que, mesmo compondo minoria, são
indispensáveis à escrita da História.
RESUMO
Utilizando o contraste entre história oral e pesquisa documental, resgata
particularidades das relações familiares entre homens e mulheres submetidos ao
ineditismo da aplicação da Lei do Divórcio no Brasil, a partir de 1977. Destaca como
parâmetro temporal, a promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil, em 1988, que atribuiu à mulher uma condição de igualdade com os homens
nunca antes experimentada pelo sistema legislativo brasileiro. Período fortemente
marcado pelos debates acerca da contribuição efetiva da mulher como agente de
transformações sociais, o recorte temporal exibe transformações econômicas,
jurídicas e sociais de grande importância para os estudos de gênero, especialmente
porque mescla abordagens de Direito, História e Educação dentro de um contexto
que analisa a manutenção de condutas socialmente atribuídas a homens e mulheres
mesmo diante da massificação de novos modelos. O direcionamento da mulher ao
mercado do trabalho não deixou de atribuir-lhe a responsabilidade quanto a
manutenção do lar e educação dos filhos, imputando uma sobrecarga de tarefas que
agora inclui o sustento financeiro da unidade familiar. Apesar de recorrente, esse
modelo de comportamento feminino, hoje reconhecível em larga escala, não se
mostra satisfatório a todos os indivíduos, permitindo a co-existência de mulheres que
se direcionam ao mercado de trabalho com aquelas que ainda se direcionam ao
casamento, preceito largamente difundido pela educação até meados do século XX.
Fundamentada no sexismo, tanto a educação formal, quanto a educação informal de
homens e mulheres, reforça preceitos de diferenciação biológica que se afastavam
da realidade exibida pela profissionalização das mulheres e que, apesar de
destoantes, fundamentaram a manutenção de uma legislação difusora de
desigualdades até finais daquele século. O reconhecimento legal de igualdade entre
homens e mulheres não produziu, contudo, a modificação imediata de
comportamentos, permitindo que as concepções assimiladas pelo processo de
socialização androcêntrico permanecessem intactas, apesar de inegáveis
adaptações. As análises de entrevistas e documentos judiciais demonstram a
sobrevivência de um modelo comportamental feminino outrora dominante e que,
respeitadas as particularidades de cada recorte histórico, pode reforçar-se a ponto
de fazer-se plenamente visível, não mais como modelo único, mas como alternativa
aos modelos ora existentes de atuação social da mulher.
Palavras-chave: Gênero. Educação feminina. Direito. Casamento. Divórcio.
Mulheres – condições sociais.
ABSTRACT
Using the contrast between Oral history and documentary research, redeem
particularities from family relations between men and women submitted to inedited of
the appliance of the Divorce Law in Brazil, from 1977 on. Emphasizes, as temporal
parameter, the promulgation of the Federative Republic Constitution of Brazil, on
1988, that imputed the women with a equality condition with the men never before
experimented by the Brazilian Legislative System. A period strongly marked by
debates about the effective contribution of women as agents of social
transformations, the temporal timeline exhibits economic, juridical and social
transformations of great importance to the genre studies, specialty because it merge
approaches from law, history and education inside a context that analyses the
maintenance of social behavior assigned to men and women even in the face of the
massification of the new standards. The directioning of the women to the business
area didn’t exempt her from her duties of home maintenance and child education,
imputing in an overcharge of functions that now includes the financial family
sustenance. In spite of reoccurring, this model of female behavior, today
recognizable at large scale, doesn’t show satisfactory to every individual, allowing
coexistence of women that direct themselves to the business area with those who
still direct themselves to marriage, precept largely disseminated by education until
mid XX century. Based on sexism, as much in formal education as in informal
education from men and women, reinforced precepts of biological differentiation that
deviated from reality exhibited by women professionalization that, although diverging,
grounded the maintenance of a diffusing a unequally legislation until the end of that
century. The legal recognition of equality between men and women didn’t caused,
nevertheless, immediate change of behavior, allowing that the notion assimilated by
the androcentric socialization process remained intact, despite undeniable
adaptations. The interviews analysis and judicial documents show the survival of a
female conduct model formerly dominating and that, respecting the particularities of
each historic period, can reinforce themselves to the point of becoming fully visible,
no more as a lonely model, but as an alternative to the now existent models of social
women performance.
Keywords: Genre. Female Education. Law. Marriage. Divorce. Women – social
conditions.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
2 EDUCAÇÃO FEMININA E CASAMENTO....................................................... 17
2.1 Socialização de condutas e atribuição de papéis .....................................17
2.2 A educação voltada para o casamento...................................................... 27
3 “CASAMENTO ETERNO” E LEI DO DIVÓRCIO: RUPTURA ........................ 43
3.1 O casamento e a garantia de estabilidade financeira permanente..........43
3.2 Discursos divorcistas e antidivorcistas: socialização, convergências
e divergências.............................................................................................. 51
4. EM BUSCA DO NOVO COMPANHEIRO ....................................................... 65
4.1 Padrões comportamentais, instabilidade financeira e relacionamentos
afetivos: a prática cotidiana.......................................................................65
4.2 Outras mulheres, outros percursos, idênticas linhas de chegada ........ 75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 85
6 REFERÊNCIAS.................................................................................................99
7 REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES ..........................................................102
APENDICE – Roteiro de Entrevistas.................................................................107
10
1 INTRODUÇÃO
A evolução de costumes experimentada no Brasil a partir dos anos de 1970, visível
pela maior participação da mulher na educação, profissionalização e política,
permitiu o encobrimento de um grupo sempre restante durante e após grandes
revoluções culturais: aquele outrora dominante.
Com as mulheres não aconteceu diferente. A posição da mulher na família e na
sociedade, com reflexo claro de um sistema de socialização de condutas que tem
como eixo o modelo patriarcal de família, apesar das bruscas alterações sociais e
jurídicas que sofreu ainda se mantém padrão no último quartel do século XX.
A exibição de uma diferença entre homens e mulheres que, longe de ser biológica,
mostrou-se meramente cultural, não conseguiu eliminar os vínculos que essas
últimas mantinham com o casamento, mesmo que agora se reconhecesse uma
idealização em muito distante da realidade.
Não se duvida da diferença entre macho e fêmea, já que visível. O grande problema
se apresenta na destinação de condutas socialmente atribuídas a homens e
mulheres, o que permite verificar a divisão das relações interpessoais em dois
caminhos, o da masculinidade e o da feminilidade. Por mais que as mulheres
tenham se destacado ao ocupar posições no mercado de trabalho, a força da
biologização de papéis exercida pela família, pela Igreja, pela escola e pelo Estado
ainda lhe atribui características de fragilidade, doçura e comprometimento com a
família e criação dos filhos.
As interações familiares e sociais que permitem a construção do ser mulher,
firmadas sobre uma base androcêntrica de destinação de papéis masculinos e
femininos, continuam a desenhar espaços de presença tipicamente femininos, o que
não dissocia comportamento culturalmente moldado de comportamento predefinido
pela natureza. Mesmo que já esteja clara a naturalização de condutas dentro do
sistema de elogio aos acertos e punição pelos erros, característico da moldagem
social, os indivíduos mantêm-se atrelados a um modelo que transforma homens e
mulheres em receptáculos dos padrões de divisão de tarefas.
11
Nesse contexto, a divisão é clara, mesmo diante da massiva participação da mulher
no setor público, universo outrora considerado exclusivamente masculino. A mulher
ocupou o espaço masculino e passou a dividir com o homem a tarefa de provimento
do lar, mas não lhe foi permitido dividir com ele os cuidados domésticos com a casa
e filhos. Esse, portanto, continua tarefa de mulher.
Hoje, direcionada ao mercado de trabalho desde muito cedo, a mulher acumula a
responsabilidade de educar e sustentar os filhos, trabalhando em jornadas iguais ou
superiores às dos homens por salários menores o que, muitas vezes não lhes
garante a sonhada independência financeira e as obriga a uma qualificação
profissional constante na disputa por melhores condições de trabalho.
Ainda assim, por força do modelo de comportamento revolucionário que levou as
mulheres aos espaços públicos, é rechaçado o modelo tradicionalista de esposa,
mãe e dona-de-casa que, destinada ao casamento, ainda que permaneça estudante,
direciona seus esforços exclusivamente para os cuidados com o lar e a família. O
que não quer dizer que tal modelo não tenha sobrevivido. Considerações sobre a
destinação das mulheres à família e conseqüentemente ao casamento mostram-se
de suma importância ao se estudar a questão da dependência econômica feminina,
já que o tema está diretamente relacionado à influência do casamento na vida da
mulher.
Quando o assunto é casamento, mesmo que de forma inconsciente, muitas
mulheres modernas reproduzem comportamentos que demonstram uma simpatia
pela tradicional destinação da mulher ao lar e do homem ao espaço público. Nem
sempre, porém, é permitido à mulher escolher entre a profissão e a dedicação
exclusiva a casa, marido e filhos. Fatores econômicos e pressão social, essa
especialmente massificante, acabam por obrigar a mulher à penosa dupla jornada.
Lado oposto, outras mulheres admitem abertamente sua concordância com a divisão
de tarefas em família e esperam casar-se e deixar a profissão em troca de dedicar-
se tempo integral aos filhos e ao marido. Esse grupo, antes majoritário, enfrenta a
oposição daquele que, antes minoritário, considera que a mulher pode e deve
ocupar todos os espaços possíveis aos homens e, por esse motivo, uma mulher que
se destina exclusivamente ao lar, deixando de lado a possibilidade de ser
12
financeiramente independente, mostra-se incapaz, egoísta e aproveitadora. Discurso
facilmente atribuível a um elemento do gênero masculino.
Cuidar da casa, gerenciar as tarefas da empregada doméstica (caso conte com
uma) e acompanhar de perto a escolarização dos filhos, são desejos comuns de
algumas mulheres, facilmente verificáveis em entrevistas jornalísticas ou analisadas
academicamente. E o casamento é parte indissociável de tal desejo, apesar de ter
recebido, desde a instituição da Lei do Divórcio, em dezembro de 1977, uma
conotação diversa daquela que outrora lhe fora atribuída. De união divina à escolha
pessoal, o casamento só se mostrou instituto civil pragmaticamente após o advento
da dissolução completa do vínculo. Antes daquela data nada mais era que a
transcrição legislativa de um ordenamento da Igreja.
Abertas as fronteiras do espaço público e alterados os conceitos sobre casamento,
as mulheres se encontravam, à época da publicação da Lei do Divórcio no Brasil,
em condições próximas do ideal de igualdade. Desobrigadas de pedir autorização
para o exercício de profissão – como exigia o Código Civil de 1916 – desde a
publicação do Estatuto da Mulher Casada, em 1962 e diante da possibilidade de
desfazerem um casamento que entendessem inconveniente, muitas mulheres,
mesmo após divórcio, continuaram sua busca pelo casamento que pudesse garantir-
lhes o exercício do papel que, desde tenra idade, aprenderam ser-lhes pertinente.
A batalha jurídica pela inscrição legal da equiparação de direitos entre homens e
mulheres estava próxima do fim e evidentes eram os reflexos de sua consolidação
dentro das famílias, no ambiente de trabalho e nas escolas. Em 1988, onze anos
após a instituição do divórcio, e também por força dela, a igualdade entre homens e
mulheres, em sentido amplo, fora grafada na Constituição da República Federativa
do Brasil.
Mulheres que se divorciaram imediatamente à instituição da Lei do Divórcio, em
1977, possivelmente carregavam consigo uma ambigüidade de comportamento que
transitava entre sua formação educacional – formal ou informal – e as novas
configurações sociais.
Até pouco tempo educada para casar, a mulher ainda não abdicara do sonho de ser
a mãe e esposa perfeita mesmo que, em alguns casos, o seu alto nível de
13
escolaridade permitisse perceber que tal sonho não fora construído unicamente por
si, mas por seus familiares, pela escola, pelos brinquedos, livros, canções-de-roda e
histórias infantis.
Não se pode negar a influência que a socialização de diferenças entre homens e
mulheres tem sobre o comportamento do ser adulto. Dependendo da pressão
exercida pelo meio em determinado momento histórico, a crítica e autocrítica pelo
desvio de padrão tendem a potencializar-se mantendo o indivíduo dentro do
comportamento ora esperado ou direcionando-o de volta aos padrões que antes
aprendera como socialmente aceitos.
Entre 1977 e 1988, ano esse de promulgação da Constituição brasileira vigente,
muitas mulheres viram-se diante de uma abertura nunca antes experimentada no
cenário político brasileiro. Reconhecia-se a importância da mulher não somente
dentro do lar e discutia-se a ampliação de seus espaços físicos e intelectuais.
Mesmo assim, não falta na bibliografia referência às mulheres que deixaram de
exercer seu direito ao divórcio por medo de serem mal faladas. Destacam-se os
estudos de Sílvio Rodrigues, Limongi França e Carla Bassanezi. Nos processos
judiciais do período, lacunas quanto à divisão do patrimônio do casal e alimentos
devidos à ex-esposa e filhos equilibram-se em número com acusações de que a
mulher falhara no seu dever de bem preservar o casamento, inclusive quanto ao
chamado débito conjugal, isto é, obrigação de satisfazer as necessidades sexuais do
marido.
Impedida de renunciar expressamente ao direito de alimentos, a mulher tinha
garantida a proteção judicial de seu sustento ao mesmo tempo em que encarava a
reafirmação do entendimento coletivo quanto à sua incapacidade de manter-se.
Nesse cenário de mudanças repentinas fica difícil acreditar que todas as mulheres
abandonaram anos de socialização de condutas que as destinavam ao casamento
e, conseqüentemente à dependência econômica, e partiram para a busca de uma
realização profissional que lhes pudesse garantir o auto-sustento.
Treinadas para o casamento como realização de ser mulher e também no intuito de
sobrevivência pessoal, as mulheres que se mantiveram dentro dos propósitos de
casar-se novamente para garantir sua sobrevivência econômica fora do mercado de
14
trabalho, mesmo que representem uma minoria, são sujeitos significativos na
construção da história das mulheres e, portanto, não devem ser desconsiderados.
Sua história demonstra a força da socialização androcêntrica que, sem dúvida,
reflete ainda hoje, quase vinte anos após a promulgação da “Constituição cidadã”, a
naturalização das diferenças entre homens e mulheres que ainda não permitiu a
esta o exercício da igualdade legislada.
Dentro de tal temática, a segunda parte deste trabalho, intitulada EDUCAÇÃO
FEMININA E CASAMENTO, aborda a socialização de condutas e a atribuição de
papéis sociais para homens e mulheres dentro de um modelo de educação voltado
para o casamento.
Já na terceira parte, CASAMENTO ETERNO E LEI DO DIVÓRCIO. RUPTURA, é
feito um levantamento de todos os debates que precederam a instituição do divórcio
dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Dividido entre divorcistas e antidivorcistas,
o Congresso Nacional discutia, a partir do Estatuto da Mulher Casada (1962), os
direitos inerentes à condição de esposa, como a possibilidade de independência
financeira e ruptura permanente do relacionamento conjugal, de forma que fosse
possível a realização de novo casamento. A força da socialização de condutas,
então, se faz visualizar amplamente pelas fundamentações favoráveis e contrárias à
dissolução do casamento, exibindo o perfil tradicionalista e conservador da
sociedade brasileira.
Vencidos os antidivorcistas, a Lei do Divórcio, a de nº 6.515, de 26 de dezembro de
1977, revogou parte do Código Civil de 1916, ampliando as discussões acerca da
manutenção da dependência econômica da mulher ao estabelecer pensionamento
obrigatório ao cônjuge inocente. A obrigatoriedade legal, entretanto, não representou
garantia de estabilidade à mulher divorciada. Na prática, os juízos de primeira
instância e tribunais não conseguiram evitar as diversas fraudes que dificultavam a
execução da sentença condenatória de alimentos, apesar de a Súmula 379, do
Supremo Tribunal Federal, já prever a inadmissibilidade de renúncia a alimentos
desde sua edição, em 1964.
A terceira parte, portanto, é um estudo das diversas bibliografias e discursos
parlamentares sobre o divórcio em conjunto com as decisões dos tribunais, no intuito
15
de apurar possíveis distanciamentos entre os estudos legislativos e a prática
cotidiana.
A quarta parte, EM BUSCA DO NOVO COMPANHEIRO, aliar-se-á à segunda e à
terceira dentro da proposta de averiguar se a destinação ao casamento, por força da
socialização de condutas ainda se mantém mesmo diante da ruptura do vínculo pelo
divórcio. Para tanto, em primeiro momento, foram consultados os documentos
componentes de vinte e dois cadernos processuais de separação judicial, divórcio e
alimentos arquivados sob guarda do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito
Santo. A análise aprofundada dos processos permitiu ampliar a pesquisa para além
dos pedidos de divórcio já que, percebeu-se, muitas mulheres requeriam apenas
alimentos para sua manutenção e de seus filhos, evitando o divórcio a todo custo.
Neste ponto, a opção por trabalhar documentos em contraste com entrevistas,
aplicando-se os ensinamentos indiciários ao estudo de história oral, permitiu uma
análise mais apurada acerca das motivações para a omissão de muitas mulheres
em assumir a condição de separadas e/ou divorciadas. O que os documentos,
presos ao seu tempo, omitiram, as oito entrevistas escolhidas para estampar este
trabalho expõem sem restrição.
O contraste entre informações trazidas pelas entrevistas e pelos documentos
processuais, ambos referindo-se a um mesmo período histórico, ou seja, a primeira
década de aplicação da Lei do Divórcio no Brasil visa apurar se as decisões do
Judiciário, caso a caso, refletiam o dia-a-dia do processo de desconstituição da
unidade familiar e percepção dos alimentos acordados e/ou judicialmente
estabelecidos.
Na quarta parte, portanto, documentos e entrevistas fornecem informações
imprescindíveis para que se possa averiguar pragmaticamente a importância do
casamento para as mulheres que foram educadas dentro do modelo tradicional de
dedicação aos filhos e ao marido, já que exibem motivações, desejos e frustrações
só possíveis de serem experimentados diante da dissolução daquele vínculo tão
festejado.
O interesse por um novo relacionamento como alternativa de manutenção financeira
a partir da inadimplência dos antigos companheiros, exibe, após a dissolução do
16
casamento, uma nova perspectiva que não exclui o recomeço, ainda que esse se dê
nos mesmos moldes do relacionamento anteriormente desfeito. Interessante se faz,
portanto, a análise dos discursos que indicam essa conformidade.
Assim, partindo do entendimento de que o processo de socialização e a
massificação da propaganda de diferenciação de papéis encaminhariam a mulher
para o casamento, elevando-o ao status de indispensável mesmo diante da ruptura
provocada pelos efeitos da Lei do Divórcio, pretende-se comprovar a adequação de
algumas mulheres a um modelo tradicional de família que condiciona a mulher ao
espaço privado e atribui ao homem a condição de provedor.
17
2 EDUCAÇÃO FEMININA E CASAMENTO
2.1 Socialização de condutas e atribuição de papéis
Segundo Berger,
1
desde o nascimento, o indivíduo constrói sua história por meio de
interação com outras pessoas, mesmo diante de experiências que não apresentam,
por si, componentes sociais. A construção dessa história não depende, portanto,
unicamente do indivíduo. A manutenção de necessidades básicas, ligadas à
fisiologia, apresentam-se, inicialmente, distanciadas do coletivo. São experiências
pessoais que serão vivenciadas desde cedo pela criança em contato com o próprio
corpo e ocorrerão independentemente de sua vontade, ou da vontade dos outros.
Sentir fome, sede e frio, independem do contexto social em que está inserido o
indivíduo. O que se deve considerar são as formas ou meios que o indivíduo adotará
para manutenção de suas necessidades em sociedade.
Para se alimentar – um exemplo de experiência não social – o sujeito necessita, pelo
menos enquanto criança, da ajuda de outros indivíduos que, de uma forma ou de
outra, poderiam, e socialmente podem, cobrar-lhe padronizações de comportamento
em troca dos cuidados despendidos à sua sobrevida.
As construções familiares em subordinação dos filhos aos pais mostram-se, em
certo ponto, portanto, adequadas tanto às formações sustento-obediência quanto às
formações dependência econômica-poder patriarcal, considerando-se que o
ambiente familiar é, de fato, o primeiro grupo social do indivíduo.
No Brasil, a troca de proteção por subordinação, mesmo que essa não deva ser
generalizada, é bem visível desde as construções familiares patriarcais do período
colonial. Samara
2
identifica os benefícios de tal construção para as partes
envolvidas. O patriarca mantinha projeção política, elevando seu prestígio à medida
que aumentava a quantidade de pessoas sob sua influência e, quanto mais poder
emanava, mais respeito era dedicado aqueles que estavam sob sua proteção.
1
BERGER, Peter; BERGER, Brigitte. Socialização: como ser membro de uma sociedade? In:
FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de
introdução à sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1999. p. 200-214.
2
SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
18
Apresentando estrutura dupla, a seu núcleo central – composto pelo patriarca,
mulher e filhos legítimos – se acrescia uma camada periférica composta por diversos
indivíduos que se relacionavam com aquele por laços de sangue (parentes e filhos
ilegítimos) ou parentesco fictício (compadres, afilhados, serviçais, filhos de criação,
dentre outros).
Dentro desse modelo de família, o destaque para a autoridade do marido, exibia
uma esposa submissa que tinha por tarefa o desempenho de atividades restritas ao
espaço físico da casa-grande, onde supervisionava o trabalho doméstico dos
escravos e cuidava das crianças. O que se esperava dessa mulher é que estivesse
preparada para exercer o papel de esposa e mãe da prole legítima do patriarca,
conforme fora treinada sob tutela de seu pai, na sua família de origem.
Sabe-se que esse tipo de família não foi o único existente no Brasil, mas representa
bem a dicotomia dependência econômica x poder, e sua análise será muito útil para
exibir a postura conservadora de muitas mulheres por identificação com o grupo
dominante, em franca rejeição de seu próprio grupo dominado.
Independente do modelo, a família, como primeiro grupo social do indivíduo, imbuída
das formatações culturais do meio e do tempo em que está inserida reproduzirá, em
seu interior, os preceitos externos, condicionando seus componentes a modelos de
comportamento socialmente aceitos ao reafirmar e retransmitir os valores de sua
cultura. Valores esses construídos ao longo do tempo e, no caso do Brasil,
importados do Velho Continente e adaptados ao clima e às particularidades das
diversas etnias que se seguiram em miscigenação.
Os valores, no entanto, não são simplesmente transmitidos, são impostos. E a
imposição não se faz meramente de pais para filhos dentro do microcosmo familiar.
Na verdade, sendo socialmente aceitos, os modelos são socialmente cobrados, ou
seja, a família treina a criança para que ela seja, futuramente, sabatinada em um
macrocosmo que “[...] moldou e definiu antecipadamente todas as experiências com
que ela se defronta em seu microcosmo.”
3
Assim, dentro da leitura linear indivíduo-família-sociedade, a criança deve reproduzir
os condicionamentos internos, característicos de seu ambiente familiar, e os
19
condicionamentos sociais que, por sua vez, definem os valores a serem transmitidos
pela família. Cobrada em ambas instâncias a todo momento, a criança aprende a
reproduzir o modelo socialmente aceito e passa, ela também, a cobrar do pai, da
mãe e dos irmãos, o modelo que aprendeu ser socialmente adequado à posição de
cada um dentro do grupo familiar.
Quando analisados os modelos comportamentais sob perspectiva de gênero, a
cobrança tende a ser ainda mais intensa já que a interiorização (ou socialização) das
diferenças entre homens e mulheres é enfatizada dentro das famílias, visando um
controle da conduta individual dentro dos modelos masculino e feminino
culturalmente estabelecidos.
Segundo Scott,
4
a partir das diferenças percebidas entre os sexos, são constituídas
relações sociais que tem como elemento o gênero, que, por sua vez, possui quatro
elementos ou aspectos. Os primeiros elementos apontados são “os símbolos
culturalmente disponíveis” dentro de cada espaço físico-temporal que, analisados
sob o conceito de representação da psicologia social
5
permitiria a “leitura” dos
símbolos de acordo com a realidade de cada grupamento humano, de seus
discursos de poder, sempre polarizando as construções representativas em
bem/mal, certo/errado, entre outras.
Ao exemplificar sua subdivisão de gênero, Scott
6
refere-se a Eva e a Maria como
símbolos de mulher dentro da tradição cristã do Ocidente. Considerando que a
representação permite a construção da realidade a partir dos símbolos, torna-se
socialmente inquestionável a existência de dois tipos de mulheres: Eva que
representa o mal, o errado e o pecado, e Maria que representa o bem, o certo e a
virtude.
Certamente que, para se determinar quais mulheres são Eva e quais são Maria, são
necessários conceitos normativos que evidenciem as interpretações dos símbolos
disponíveis, restringindo ao máximo a ampliação de suas determinações. Esses
3
BERGER; BERGER, 1999, p. 201.
4
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade.
Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.
5
CARDOSO, Ciro Flamarion. Introdução: uma opinião sobre as representações sociais. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (Org.). Representações: contribuição a um
debate interdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. p. 9-39.
20
conceitos normativos, expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas,
políticas ou jurídicas, são o segundo elemento de gênero apontado por Scott.
Bourdieu,
7
ao analisar os mecanismos e instituições encarregadas de garantir a
perpetuação da ordem de gêneros, atribui à família, à Igreja e à escola a reprodução
dos conceitos normativos que afirmam e reforçam o sentido do masculino e do
feminino.
A família seria responsável pela demarcação precoce do feminino e do masculino
pela divisão do trabalho amparada na distinção biológica entre homens e mulheres,
limitando o ambiente doméstico e a criação dos filhos à mulher, ao mesmo tempo
em que amplia o espaço do homem, destinando-lhe a tarefa de provedor.
A Igreja, agindo sobre o inconsciente e utilizando-se da simbologia dos textos
sagrados, seria responsável pela implantação e reprodução de uma moral
familiarista baseada na inferioridade da mulher e conseqüente dominação patriarcal.
Diante do antifeminismo da Igreja que entendia a mulher como personificação do
mal, toda e qualquer falta deveria ser considerada para correção e adequação aos
padrões de comportamento feminino ideal. Potencializa-se a condição de Eva em
detrimento do status de Maria já que a elevação só seria possível se a mulher
cumprisse perfeitamente seu papel, o que dependia da vigilância contínua de um
elemento masculino. Dentro das famílias, as mulheres deveriam, por esse motivo,
passar da tutela de seu pai para a tutela de seu marido. Cuidando desse, dos filhos
e da casa, seu campo de atuação restringir-se-ia unicamente ao espaço físico
privado, o que evitaria sua contaminação por influência do mundo externo já que
tendentes ao erro e à má-conduta.
A escola, para Bourdieu,
8
mesmo quando já liberta da tutela da Igreja, ainda
carregaria o modelo patriarcal como ideal nas relações entre homens e mulheres,
determinando distinções entre os conteúdos que seriam ministrados para uns e para
outras.
6
SCOTT, 1995.
7
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
8
BOURDIEU, 1999.
21
Ainda tratando de fatores institucionais, Bourdieu
9
elenca o Estado que “[...] veio
ratificar e reforçar as prescrições e as proscrições do patriarcado privado com as de
um patriarcado público”. Ao legislar sobre as relações interpessoais em contexto
familiar, econômico e social sob princípios androcêntricos, o Estado reafirma a
supremacia dos homens sobre as mulheres. Essa visão política e econômica,
voltada para a organização social é o terceiro aspecto das relações de gênero da
primeira proposição de Scott.
10
Esse terceiro aspecto amplia o campo de leitura das construções de gênero do
sistema de parentesco para a economia e a organização política, permitindo que,
além da família, sejam considerados o mercado de trabalho, a educação e o sistema
político no estudo da aparente permanência eterna na representação binária de
gênero, conforme já proposto por Bourdieu.
11
No quarto aspecto do gênero está a identidade subjetiva que, para Nader,
12
ocorre
muito cedo, firmando-se a partir do momento em que o indivíduo termina o processo
de diferenciação da identidade sexual. Essa diferenciação, retomando Berger,
13
faz
parte do processo de socialização e certamente está carregada de padrões culturais
reproduzidos pela família e introjetados no indivíduo.
Esses padrões, estabelecidos diante das diferenças entre os indivíduos, são o
produto dos quatro aspectos ou elementos elencados por Scott em sua primeira
proposição de gênero. A segunda, que se liga diretamente à primeira, diz respeito ao
modo de dar significado às relações de poder e será analisada mais adiante.
O que se percebe é que, mais uma vez, uma experiência meramente biológica, de
caráter não social – nascer macho (XY) ou fêmea (XX) depende do cromossomo
que fecunda o óvulo – adquire muita importância quando posta em sociedade.
14
A simples notícia de que está para nascer um menino ou uma menina já direciona os
futuros pais para um mundo de preocupações socialmente relevantes que vão desde
9
BOURDIEU, 1999, p.105.
10
SCOTT, 1995.
11
BOURDIEU, 1999.
12
NADER, Maria Beatriz. Mulher: do destino biológico ao destino social. 2. ed. rev. Vitória: EDUFES,
2001.
13
BERGER; BERGER, 1999.
14
BELOTTI, Elena Gianini. Educar para a submissão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
22
a cor do quarto do bebê e de sua vestimenta – azul para meninos e rosa para
meninas – às escolhas pessoais quando adulto. Desde a gestação e durante toda a
infância, a diferença entre meninos e meninas, homens e mulheres é destacada em
casa, na escola, em momentos de lazer, pelos brinquedos, pelas roupas, no
vocabulário e tom de voz.
O processo de socialização está, a todo o momento, relacionado a um sistema de
recompensa pelos acertos e repreensão pelos erros. Assim, a criança aprende
desde cedo a repetir comportamentos adequados ao ensinamento recebido e a
evitar os inadequados. A delimitação de condutas certas e erradas é o marco inicial
da educação de meninos e meninas e conta, em grande parte, com o poder de
identificação e imitação das atitudes de seu pai, se menino, e de sua mãe, se
menina.
A conduta de desempenhar um papel semelhante ao do pai ou da mãe, porém, não
significa simplesmente copiar o que se vê. A criança se reconhece na conduta
reiterada da mesma forma que atribui a outras pessoas a mesma conduta, numa
reprodução em cadeia. A partir desse momento, mesmo que não esteja sob
vigilância ou sob risco de repressão, a criança age dentro da limitação de seu papel,
passando a perceber sua conduta como simplesmente natural e a reprovar em si e
nos outros, qualquer desvio desse padrão.
Identificando-se como homem ou como mulher, a criança passa a estabelecer uma
espécie de lista de condutas, ativas ou omissivas, dentro dos papéis masculino e
feminino que lhes são exibidos desde o nascimento. Por esse motivo, um menino
será repreendido por outro se chorar, porque nos ditames sociais do comportamento
masculino está inscrito que homem não chora (conduta omissiva). À menina não
serão ofertados carrinhos, soldadinhos ou armas de brinquedo como presentes,
porque meninas são dóceis e biologicamente destinadas a acalentar (conduta ativa)
e não a agredir.
15
A definição de um elenco de atitudes masculinas e femininas começa, então, a
particularizar a conduta do indivíduo dentro do próprio lar. A criança não mais imita o
pai ou a mãe como se deles fosse uma extensão. Apesar de identificar-se
23
sexualmente com um ou outro, se reconhece como um ser independente, capaz de
delinear seu futuro.
As decisões individuais são, entretanto, formadas a partir da educação oferecida
pela família, escola e Igreja. Mesmo que não reconheça a força da delimitação social
sobre suas escolhas, a criança acaba reafirmando e fortalecendo a diferenciação
dos papéis delineados para homens e mulheres.
A naturalização de padrões socialmente impostos limita a atuação do indivíduo a
“campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos
em que pode atuar o homem”
16
como se essa destinação não fosse um
condicionamento em sucessão de aprovações/reprovações de condutas, e sim,
conseqüência de se ser macho ou fêmea.
Os sistemas de simbolização culturalmente firmados no intuito de categorizar
homens e mulheres atribuindo-lhes características típicas de machos e fêmeas
acabam por confundir a diferença sexual com aspectos de gênero, reforçando o
argumento da distinção biológica e, conseqüentemente, justificando as
desigualdades. No entanto, as características sexuais não se mostram capazes de,
por si, permitirem a valorização do homem em detrimento da mulher. Faz-se
necessária a interpretação das representações sociais de tais características em
determinado espaço físico e temporal, para perfeita visualização das construções
dos modelos femininos e masculinos de conduta.
A naturalização das diferenças permite legitimar as condutas de homens e mulheres
dentro de padrões biológicos, exibindo-as como inquestionáveis. Assim, o
comportamento refreado de uma mulher ao lado da altivez do homem acabam por
ser considerados naturais, mesmo que sejam, em realidade, fruto da imposição,
repetição e correção da atuação dos indivíduos na família, na escola e em
sociedade. As identidades de gênero socialmente construídas são tomadas,
portanto, como adequações às características físicas do indivíduo. Se corpos de
homens e mulheres são evidentemente diferentes e se a identidade se adequa ao
corpo, incontestáveis se mostram as desigualdades entre eles. A naturalização ou
15
NADER, Maria Beatriz. A condição masculina na sociedade. Dimensões: Revista de História da
UFES, Vitória, n. 14, p. 461-480, 2002.
16
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. O poder do macho. 5. ed. São Paulo: Moderna,1987. p. 8.
24
biologização de identidades em conformidade com o sexo cria, automaticamente, a
formatação de conduta.
Os estereótipos, formados por aquela formatação, ao fazerem referência aos
gêneros masculino e feminino, tendem a se acentuar, aumentando consigo a
diferenciação que distancia homens e mulheres do ideal de igualdade. Dentro de um
grupamento social, cada um dos gêneros desempenha papéis diversos e de
diferentes formas, dependendo da cultura local e do período histórico. Scott,
17
ao
conceituar gênero como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre
as diferenças percebidas entre os sexos, firma sua importância na significação das
relações de poder, permitindo interpretar as relações homem-mulher dentro de um
modelo de hierarquização.
Hierarquizados, ainda em conformidade com o padrão androcêntrico descrito por
Bourdieu,
18
os modelos femininos se atém aos modelos masculinos e a eles se
referem. Como são exercidas e reforçadas socialmente pelos indivíduos, sejam
homens ou mulheres, as desigualdades são perpetuadas não como desequilíbrio,
mas sim como características individuais intrínsecas. Determinados comportamentos
são esperados das pessoas conforme o seu sexo e a sua idade. O desvio do
padrão se mostra como falha no processo de socialização, implicando em
desequilíbrio das relações sociais. A instituição das diferenças nas quais estão
firmadas as relações de poder dividem as relações sociais segundo funções
masculinas e funções femininas, atribuindo nobreza às primeiras e subvalorização
às segundas, concretizando a dominação masculina.
19
O processo biologizante, na
descrição de Bourdieu,
20
se perfaz pela incorporação da dominação masculina,
continuamente legitimada por suas próprias práticas simbólicas que acabam por
reproduzir um sistema de adesão do dominado que, longe de concordância, exibe
uma relação encarada como natural. Adotados, por dominados e dominantes, os
modelos ideais que reproduzem a hierarquização entre homens e mulheres, as
relações decorrem tranquilamente porque todos mantém suas atuações dentro dos
17
SCOTT, 1995.
18
BOURDIEU, 1999.
19
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista.
Petrópolis: Vozes, 1997.
20
BOURDIEU, 1999.
25
padrões esperados.
21
Dessa forma, meninos e meninas, homens e mulheres, são direcionados a mundos
diferentes, com regras diferentes e valores diferentes, tomando para si a obrigação
de facilitar e incentivar o condicionamento de outros indivíduos aos mesmos
padrões, conforme modelos estabelecidos socialmente.
No menino é incentivada a independência, a interação com outros meninos, o gosto
pelo risco, a curiosidade despertada pelo raciocínio, a força física. A menina, mais
frágil, precisa ser protegida dos riscos do mundo para que possa desenvolver sua
afetuosidade e cultivar sua beleza. Dos meninos são esperados bravura, egoísmo,
virilidade. Nas meninas, pelo contrário, são valorizadas a renúncia às aspirações
pessoais e a interiorização das próprias energias, afirma Belotti.
22
Essas características socialmente atribuíveis a homens e mulheres são, segundo
Felipe,
23
reflexos do discurso de essência feminina, presente na literatura médica
ocidental até o século XVII. Pela análise de Bourdieu,
24
tais reflexos não se
extirpariam apenas pela consciência e vontade, ou seja, mesmo consciente da
dominação e contra sua vontade, o indivíduo acaba se submetendo às “censuras
inerentes às estruturas sociais”. Aceitando os limites impostos, por concordar ou
para evitar ser apontado como destoante, o sujeito reitera e reproduz a naturalização
da superioridade do homem sobre a mulher em determinado tempo e espaço.
Certamente – e a História tem mostrado com freqüência – nem todos os indivíduos
acomodam-se ao modelo considerado socialmente adequado, havendo uma
discrepância entre o coletivo e o individual, nos moldes preconizados por
Woodward.
25
Apresentando-se freqüentes, os desviantes, identificando-se entre si,
estabelecem seu próprio modelo, passando a excluir aqueles que antes os excluíam
21
BERGER; BERGER, 1999.
22
BELOTTI, 1983.
23
FELIPE, Jane. Governando corpos femininos. Labrys: Revista de Estudos Feministas, Brasília, n.
4, ago./dez. 2003. Disponível em: <http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys4/textos/jane1.htm>.
Acesso em: 31 maio 2006.
24
BOURDIEU, 1999, p. 51.
25
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 3. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004.
26
e criando mecanismos de diferenciação permanentes.
26
Passando a modelo socialmente adequado, os novos padrões conquistam adeptos
que, mesmo conscientes da imposição e contra sua vontade, mais uma vez
assumem e reproduzem as condutas exigidas sob pena de exclusão. A pressão para
imposição dos novos ditames sociais acaba massificando a idéia da evolução de
costumes e, mesmo que não entendam o porquê ou não concordem com as novas
atitudes ou comportamentos esperados, os indivíduos tendem a seguir as novidades
e acabam adaptando sua atuação social ao padrão moderno.
27
Manter postura e atitudes antes adequadas demonstra inércia diante das mudanças
ora consideradas socialmente relevantes, o que destina o indivíduo ao isolamento
pela estigmatização.
28
O medo do isolamento, ou do não-pertencimento, traduz-se
pela identificação com o grupo social. Sendo assim, diante da possibilidade de ver-
se integrado, o indivíduo renega socialmente seus valores e crenças rumo à exibição
que lhe permita ser reconhecido como membro do grupo agora dominante. Não se
pode dizer que os valores desenvolvidos pelas experiências pessoais se perdem
simplesmente pela adaptação a um novo modelo. As construções dicotômicas de
certo/errado, bem/mal, bonito/feio, dentre outras, permanecem introjetadas no
indivíduo como pré-conceituações
29
que particularizam sua leitura acerca dos
comportamentos socialmente aceitos.
As concepções de gênero que integram a identidade pessoal de cada indivíduo são
originadas socialmente e transformadas pela forma como os valores sociais,
esquematizados nas codificações culturais de um dado momento histórico, são
difundidos. Originária de um processo de socialização, orientado para o
pertencimento a um determinado grupo, a multiplicidade de papéis sociais formados
por símbolos que exibem regras, valores, atitudes e linguagens influenciam na visão
que o indivíduo tem de si e na visão que os outros têm dele. Atuar de forma
26
SILVA, Gilvan Ventura da. Representação social, identidade e estigmatização: algumas
considerações de caráter teórico. In: FRANCO, Sebastião Pimentel; SILVA, Gilvan Ventura da;
LARANJA, Anselmo Langhi (Org.). Exclusão social, violência e identidade. Vitória: Flor&Cultura,
2004. v. 1, p. 13-29.
27
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas
sociedades modernas. São Paulo, UNESP, 1993.
28
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994.
29
GIDDENS, 1993.
27
semelhante aos outros indivíduos que se identificam com os novos modelos
socialmente aceitos não significa sentir-se identificado, significa apenas seguir o
referencial social de conduta.
Nesse contexto, as relações homem, mulher e casamento modificam-se em
conformidade com as transformações sociais e históricas que redefinem seus papéis
de gênero, mas não se restringem a essas, sendo possível a associação a novos ou
mesmo antigos modelos, permanecendo invariável, nas relações de gênero, a
construção de identidades dentro de um processo histórico, social e político que
reproduz as desigualdades e a hierarquia características da dominação.
Por isso, as modificações legislativas referentes à condição da mulher no Brasil, a
assunção ou recusa dos novos modelos e a ruptura das garantias femininas de
estabilidade financeira pelo descumprimento do papel masculino de provedor não
conseguiram eliminar totalmente a existência de indivíduos apegados ao modelo
anteriormente dominante.
As modificações e adequações a novos padrões sociais que incluiam a mulher no
espaço público, por não respeitarem as inadequações dos indivíduos outrora
pertencentes ao grupo dominante, acabaram criando um paralelismo sui generis
entre o tradicional e o novo, permitindo defesas ora convergentes, ora divergentes.
Sempre fundamentadas no conservadorismo pela adequação dos indivíduos do
sexo masculino e feminino em regras diferenciadas de conduta, as alterações
comportamentais experimentadas por homens e mulheres no decorrer do século XX,
mesmo que consideradas revolucionárias, exibem contornos tradicionalistas.
Faz-se importante a análise da construção social daquele modelo tradicional e seu
peso histórico sobre a formação da mulher que, mesmo diante do divórcio e da
ampliação do mercado de trabalho, garantidos pelas novas determinações legais,
mantém-se direcionada ao casamento e dele espera estabilidade financeira.
2.2 A educação voltada para o casamento
No Brasil Colônia, a observação dos conselhos sobre conduta e moral femininas
exibe intensa preocupação com a honra, e essa preocupação permeia toda a
28
educação destinada às mulheres, seja interna, meramente comportamental, ou
institucional. Mas a naturalização dos ditames masculinos
30
– categoria superior –
não estaria perfeita se não fosse reproduzida das mulheres – categoria inferior –
para as mulheres, reforçando uma adequação em cadeia.
As citações feitas por Algranti
31
sobre “O Livro das Três Virtudes”, escrito no início
do século XV, por Christine de Pizan, refletem bem a identificação do sujeito a
modelos pré-estabelecidos e sua reprovação a qualquer desvio de conduta e, mais
ainda, sua identificação com o grupo dominante, rejeitando seu próprio grupo
dominado.
32
Ao informar sobre a tradução do livro de Chistine de Pizan em Portugal,
um século depois de escrito – por ordem de outra mulher, a rainha d. Leonor –
Algranti reforça a repetição de padrões por identificação, legitimando-os no espaço
por força do tempo. Impresso duas vezes em Portugal, o “Espelho de Cristina”
33
determina que sobriedade e castidade são condições indispensáveis para que a
mulher possa ser considerada honrada, sendo a honra tão importante para a mulher
que perdê-la é pior do que perder a própria vida.
Se para ser considerada honrada a mulher precisa, antes, existir, a pregação de
morte pela honra visivelmente atende mais aos interesses dos homens – pais ou
esposos – e de outras mulheres de mesma categoria, do que aos seus próprios
interesses. O condicionamento da mulher a rígidos padrões morais preserva a
honra de seus familiares acima de sua própria existência, o que não quer dizer que
as mulheres não cedessem às pressões socialmente introjetadas em si e não
colocassem, elas também, um ideal de mulher em primeiro plano.
A divisão entre tipos de mulheres – honradas, desonradas e sem honra – estabelece
uma hierarquização que permite que umas sejam superiores a outras de forma
parecida com a hierarquização que exibe a superioridade natural dos homens sobre
as mulheres. Perder a honra significa perder status, perder posição, motivar
comentários degradantes, ser visto com desprezo em um momento da História em
30
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas. Mulheres da Colônia: condição feminina nos
conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil, 1750-1822. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993.
31
ALGRANTI, 1993.
32
D´ÁVILA NETO, Maria Inácia. O autoritarismo e a mulher: o jogo da dominação macho-fêmea no
Brasil. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.
33
Nome pelo qual também ficou conhecida a publicação de Chistine de Pizan a partir de sua segunda
edição, em 1518 (ALGRANTI, 1993).
29
que é comum a defesa constante da reputação diante da opinião pública.
Honra e sexualidade estavam intimamente ligadas e a meta da educação das
mulheres da Colônia perpassava pelo controle incessante dos impulsos. Mantendo-
se casta, enquanto solteira, e fiel ao marido, depois de casada, a mulher estaria
reproduzindo o modelo que durante toda sua vida havia tomado como socialmente
aceito. Para a mulher, a honra, manifestada pela virtude, carrega um não fazer
característico da conduta omissiva, uma passividade. A boa mulher era, portanto,
um ser eminentemente passivo e, por conseqüência, moral e financeiramente
dependente.
A educação feminina familiar direcionava a mulher para o espaço doméstico, em
atuação meramente restrita aos afazeres domésticos. Se o ensino era raro para os
homens, poucas considerações a seu respeito foram feitas quanto às mulheres.
Com a economia colonial brasileira fundada nas grandes propriedades rurais e na
mão-de-obra escrava, a ampliação do ensino formalizado mostrava-se
desinteressante por força do isolamento das unidades habitacionais e da
estratificação social. Aqueles que consideravam importante uma educação
especializada para complementação da educação familiar contratavam instrutores
particulares quando podiam pagar e até mesmo para esses a educação das filhas se
colocava em segundo plano.
Na estrutura familiar patriarcal que centrava o poder nas mãos dos grandes
proprietários de terra, a cultura ibérica, trazida de Portugal para a colônia brasileira,
destinava à mulher uma posição clara de inferioridade ao homem estando, por isso,
dispensada da necessidade de aprender a ler e a escrever. A Igreja Católica
reforçava a idéia de inferioridade feminina ao mesmo tempo em que reafirmava a
supremacia masculina, fortalecendo a idéia de desnecessidade de instrução para as
mulheres.
A partir da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, a sociedade
brasileira esboçou contornos de maior complexidade, intensificada pela diversidade
econômica e pela imigração, o que resultou em maior busca pela educação. Vista
como instrumento de ascensão social, a educação passou, então, a freqüentar as
pautas de atenção do setor público, o que permitiu novas considerações sobre a
30
instrução feminina. A legislação, em fins do Império, estabelecia que o ensino
primário era responsabilidade do Estado e deveria estender-se às meninas, que
seriam, obrigatoriamente, atendidas por professoras. A escassez de professoras
qualificadas, aliada ao desinteresse dos pais, ainda afetos às preocupações quanto
à honra feminina, não permitiu estender o ensino que se propunha a um grande
número de alunas, e poucas mulheres tiveram a oportunidade de ler e escrever.
As primeiras instituições direcionadas à educação feminina, começam a aparecer
durante o século XVIII, exibindo destinações de conhecimentos claramente
sedimentadas nas relações de gênero. Contudo, na segunda metade do século XIX,
a educação feminina restringia-se à instrução primária e se baseava no forte apelo
de seu conteúdo moral e social que direcionava as educandas ao desempenho de
suas futuras tarefas de mães e esposas.
Esse cenário repetiu-se durante o decorrer do século XIX, sempre com ênfase na
restrição da mulher ao ensino primário, ora como aluna, ora como professora. O
acesso ao ensino e a profissionalização da mulher não eliminou sua destinação ao
lar, especialmente porque potencializava as características biológicas das mulheres
e enfatizava os estereótipos socialmente construídos. Segundo Hahner,
34
essa
restrição permaneceu freqüente até os últimos anos do Império, sendo poucas as
escolas normais e poucos os números de matrículas de meninas, além do fato de o
ensino estar sempre voltado para a agulha e não para as letras. Se o
direcionamento da educação das mulheres aos trabalhos manuais e ao espaço
doméstico não permitiam maior ampliação de oportunidades no ensino secundário,
muito menos no ensino superior, ficando as mulheres excluídas dos primeiros cursos
de Direito, Engenharia e Medicina implantados no Brasil na primera década do
século XIX. Somente em 1881 a legislação cogitou o acesso da mulher ao ensino
superior, facultando-lhe a matrícula.
35
Durante todo o século XIX as mulheres mantiveram-se dentro das menores taxas de
alfabetização e tinham acesso restrito aos graus mais elevados de instrução.
36
É
visível a exclusão das mulheres dos cursos secundários e, conseqüentemente dos
34
HAHNER, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
35
ROMANELLI, Otaíza. História da educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 2001.
36
ROMANELLI, 2001.
31
cursos superiores, tanto que a primeira médica só se formou 79 anos após a criação
do primeiro curso de Medicina no Brasil, exibindo a formação do sistema
educacional brasileiro dentro dos parâmetros comportamentais de gênero.
37
Em 1891, a Constituição da República descentralizou o ensino ao determinar a
responsabilidade federal pela criação e controle das instituições de ensino superior
ao mesmo tempo em que direcionava aos Estados a obrigação de criação e controle
do ensino primário e do ensino profissional secundário, tanto o normal para as
mulheres, quanto o técnico para os homens. As mudanças implementadas
aumentaram o acesso das moças ao ensino, que não se mostrou de qualidade
porque sempre esteve restrito ao modelo biologizador de diferenças, cabendo à
instrução feminina a reafirmação da destinação natural da mulher ao casamento e à
dependência econômica.
No mesmo período, o pensamento católico reforçava a importância do papel da
mulher para a Igreja, já que dela dependia o projeto reformador destinado a
romanização da Igreja no Brasil.
38
A mulher, destinada ao casamento para que não
sucumbisse à sua natureza pecaminosa, era agora convidada a santificar-se pelo
amor, em submissão e fidelidade ao marido, esmerando-se na educação dos filhos
dentro dos princípios católicos. A campanha da Igreja reforçou uma educação
feminina que direcionava a mulher à família, não à profissionalização.
A entrega e devoção por amor recondicionariam a mulher ao lar, local em que se
processariam suas tarefas de procriação e educação dos filhos, ao mesmo tempo
em que legitimaria a ausência do marido daquele mesmo lar. A idéia de santificação
pelo amor, permitiria à mulher abandonar a condição de Eva e alçar-se à condição
de Maria dentro de um sistema de re-criação simbólica.
39
Assim, por um amor
idealizado, a mulher se manteria depende financeiramente do marido e, por esse
mesmo amor, acreditaria que o marido mantém-se dedicado ao trabalho como
responsável pela manutenção econômica da família. Mais uma vez, a divisão do
trabalho se fazia acentuar em conjunto com uma série de características pessoais
37
Rita Lobato Velho Lopes formou-se em 1887. O primeiro curso de Medicina brasileiro foi criado em
1808.
38
AZZI, Riolando. Família e valores no pensamento brasileiro (1870-1950): um enfoque histórico. In.
RIBEIRO, Ivete. Sociedade brasileira contemporânea: família e valores. São Paulo: Loyola, 1987.
p. 88.
39
SCOTT, 1995.
32
de homens e mulheres que deveriam ser transmitidas aos filhos como requisitos de
um lar feliz. Partindo de tais premissas, verifica-se que o trabalho externo
exemplifica a finalidade da criação dos meninos, enquanto que o casamento e,
conseqüentemente, o trabalho interno, mostra-se como finalidade da criação das
meninas. Nesse sentido, as mulheres não deveriam estudar para proveito próprio e
sim para fortalecer a educação de seus filhos.
Mesmo parecendo, em certo ponto, contraditório e desatualizado frente a presença
feminina que já se faz comum no ambiente externo ao lar, e que representaria uma
libertação para a mulher, o pensamento católico se faz difundir pelas próprias
mulheres que condenavam a presença de outras na rua. A mulher desses novos
tempos, que se mantinha fiel ao ideal de amor difundido pela doutrina católica,
deveria zelar pelo seu bom nome e, mais do que nunca, fazê-lo em prol de sua
família. A assimilação dos ideais católicos pelas mulheres que participavam das
atividades promovidas pela Igreja se mostra visível nos escritos veiculados por elas
mesmas nos periódicos católicos do início do século XX.
40
As mudanças sociais eram, para as mulheres envolvidas com a doutrina católica,
maléficas à família, pois se mostravam potencialmente perigosas quanto a
manutenção da moral, especialmente no que concernia a fidelidade e castidade
femininas. Todo e qualquer comportamento feminino que pudesse trazer riscos à
boa educação das moças deveria ser imediatamente repelido porque poderia reduzir
a possibilidade de que as mesmas fizessem bons casamentos.
Ao mesmo tempo em que se pretendia evitar o desvio de conduta por parte das
jovens educadas dentro dos preceitos cristãos, condenava-se a postura daquelas
que não se adequavam ao padrão e representavam, por esse mesmo motivo, uma
ameaça ao casamento das primeiras. A categorização das mulheres, novamente,
obedecia a dicotomia Eva-Maria. As que não obedeciam aos preceitos da Igreja
enquanto solteiras, casadas e viúvas representavam um risco ao núcleo familiar
sacramentado e, portanto, à ordem conservadora da Igreja.
A manutenção do núcleo familiar pela indissolubilidade do casamento era, para os
ideais cristãos, a melhor arma para se enfrentar as transformações sociais e
40
AZZI, 1987, p. 90.
33
culturais ocorridas durante a primeira metade do século XX. A família cristã deveria,
portanto, resistir às mudanças que ocorriam ao seu redor.
Se a Igreja se mantinha avessa às modificações culturais, mesmo que fossem
inegáveis, não poderia sustentar, por si, a instituição familiar dentro das perspectivas
progressistas difundidas nas primeiras décadas da República. Esse era o principal
argumento do pensamento positivista em oposição ao pensamento católico.
Se a educação católica era carregada de fundamentos míticos, segundo os
positivistas, era também muito rígida, a ponto de coibir afetos entre pais e filhos,
esposos e esposas. Do ponto de vista liberal, essa rigidez prejudicava a educação
dos filhos, tão incentivada pelos pensamentos católico e positivista, porque não
propiciava à mulher cultura suficiente para o desempenho de tão importante tarefa.
41
Uma maior participação na vida social permitiria à mulher libertar-se do poder do
homem, o que só se faria plenamente possível se sua educação não fosse
direcionada apenas para o ambiente doméstico. O pensamento liberal acreditava
que a mulher não era fisicamente mais fraca ou mesmo intelectualmente inferior ao
homem, como pregavam os católicos e positivistas. Antes, pregavam que ela
poderia, tanto quanto o homem, receber educação de qualidade com ênfase na
valorização do corpo, na integração entre os sexos, na participação democrática e
no ensino que atendesse as exigências imediatas da sociedade. Esse tipo de
educação era oferecida pelos protestantes, nos principais centros do Brasil, desde
antes do estabelecimento da República.
42
Azzi,
42
apesar de se dedicar com afinco à exposição de diferenças entre um
pensamento e outro, nada exibe sobre o posicionamento dos liberais acerca das
atividades domésticas, permitindo supor que, diante das críticas destinadas aos
católicos que envolviam “[...] cada vez mais a mulher em práticas e devoções
místicas, que a afastavam dos afazeres domésticos e do aconchego do lar”, o
pensamento liberal ainda entendia caber à mulher tais tarefas, mesmo que essa
pudesse e até mesmo devesse se inserir no mercado de trabalho.
41
AZZI, 1987 e COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal,
1989.
42
“Quando se instalaram em Niterói em 1883, os salesianos já encontraram lá os protestantes em
atividade” (AZZI, 1987, p. 109).
34
Se, para os liberais, a mulher poderia alcançar o mercado de trabalho pela
escolarização apropriada às novas necessidades sociais, para os socialistas, as
mulheres deveriam destinar-se ao lar, conforme esboçado nos pensamentos católico
e positivista. A partir do momento em que o marido pudesse manter a família por seu
próprio trabalho, alcançando um padrão social mais digno, as mulheres não
precisariam trabalhar fora para complementar a renda necessária à manutenção da
unidade doméstica.
As mulheres operárias, por seu turno, não pareciam se opor à formatação de
casamento tradicional em que o marido mantinha o sustento da família enquanto a
esposa permanecia em casa, cuidando do trabalho doméstico e da educação dos
filhos. Desde que o marido ganhasse o suficiente, a mulher não precisaria mais
deixar o ambiente doméstico para complementar sua renda.
Independentemente se ricos ou pobres, se católicos ou protestantes, percebe-se
que, em quaisquer das correntes de pensamentos que intentavam implantar novos
valores na sociedade brasileira entre a última metade do século XIX e a primeira
metade do século XX, à mulher estava destinado o espaço privado.
Apesar da segregação constante pela influência católica e da atenção às
conformações aos papéis sociais, a taxa de alfabetização cresceu durante a
República Velha. Mesmo assim, o avanço na educação feminina formal só se
mostrou após a Revolução de 1930, quando se verifica o direcionamento das
mulheres mais jovens a graus mais elevados de instrução, isto depois de
ultrapassarem os níveis de alfabetização dos homens. As mulheres brasileiras
aumentaram sua entrada no ensino secundário e superior durante a primeira metade
século XX, nesses em proporção muito menor do que os homens.
43
Contrariando as tradições sócio-culturais de um Brasil escravocrata e agrário, a
escolarização passou a exercer um papel de suma importância na formação e
qualificação profissional após a Revolução de 1930. Caracterizada pelo
redirecionamento desenvolvimentista ao setor urbano-industrial e a aplicação de
recursos financeiros às primeiras políticas públicas de massa, a Revolução de 1930,
focada nas exigências da industrialização e da urbanização, influenciou os
43
ROMANELLI, 2001.
35
conteúdos e permitiu a expansão do ensino. Destinando-se a uma demanda
industrial, a ampliação da rede escolar só se desenvolveu nas regiões onde as
relações capitalistas estavam mais aceleradas.
44
O acesso à educação passou a fazer parte do pacto pela reconstrução social o que
resultou em pressões pela democratização do ensino em níveis cada vez mais
crescentes, de forma improvisada e insuficiente. Ainda que se buscasse a ampliação
de oferta do ensino formal, somente em 1961, através da Lei de Diretrizes e Bases,
as mulheres que faziam magistério puderam partir dele diretamente para o vestibular
aumentando as chances de ingresso na educação superior.
Após 1964, com a implantação do governo militar, foram direcionadas ações para
atendimento da demanda crescente pelo ensino e qualificação profissional,
aumentando os números de cursos oferecidos e, conseqüentemente, objetivando a
formação de professores. A partir de então, as mulheres direcionaram-se para as
mais diversas carreiras e passaram a disputar vagas com os homens nas
universidades e no mercado de trabalho, mas não se pode dizer que abandonaram
os ideais de casamento feliz e duradouro, ainda reforçados socialmente. Muito
provável se faz a suposição de que as mulheres realmente mantivessem a crença
secular de que, por uma ou outra forma, estavam destinadas à procriação e ao
espaço doméstico ou, no mínimo, excluídas da vida pública, em um sistema de
socialização de condutas que passava de mães para filhas.
Essa socialização ou condicionamento, nas palavras de Suplicy,
45
receberia status
de entendimento social a partir de uma recorrente propaganda em favor de divisões
de papéis baseados em uma suposta fragilidade feminina e na condição de provedor
atribuída ao homem. Mesmo mulheres bem instruídas, cultas e politizadas poderiam
ceder à pressão da delimitação social de papéis.
Carlota Pereira de Queiroz, primeira mulher a ser membro de um corpo legislativo
nacional no Brasil, não entendia necessária a capacitação da mulher para a
independência econômica. Bertha Lutz, suplente elevada a deputada em 1936,
mesmo que tivesse estudado na Europa, entendia que a proteção aos filhos e o lar
eram interesses predominantemente femininos que deveriam ser supervisionados
44
ROMANELLI, 2001.
36
por um Departamento Nacional da Mulher a ser criado para também cuidar de
assuntos relativos a trabalho.
46
Mostra-se claro o interesse pela manutenção dos
tradicionais papéis masculinos e femininos.
Verifica-se, portanto, que mesmo entre as mulheres mais cultas e engajadas na
movimentação política pelo fim da segregação sexual, ainda restavam vestígios de
uma acomodação que mantinha o lar sob domínio exclusivo das mulheres e seu
provimento financeiro a cargo do homem. Essa postura condiz com entendimento de
Bourdieu
47
acerca das censuras próprias das estruturas sociais já que
[...] a lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina,
que se pode dizer ser, ao mesmo tempo e sem contradição, espontânea e
extorquida, só pode ser compreendida se nos mantivermos atentos aos
efeitos duradouros que a ordem social exerce sobre as mulheres (e os
homens), ou seja, às disposições espontaneamente harmonizadas com esta
ordem que se impõe.
Apesar da longa batalha pelo direito de voto em igualdade de condições com os
homens, foi pequena a quantidade de mulheres que se inscreveram como eleitoras
até o final de 1933. Esse fato pode ser um indício de que grande maioria delas não
se importasse ou já estivesse acostumada com as escolhas políticas – estritamente
afeitas à esfera pública – de seus pais, maridos e filhos.
Nada indica, também, que as mulheres que se inscreveram o fizeram por si, e não a
pedido de homens que pretendessem se utilizar de seu voto. E, se fosse por si, nada
indica que não o tivessem feito na intenção de preservar unicamente o interesse de
seus familiares, mantendo-se distantes, ainda assim, da esfera pública. Tratam-se
de conjeturas que ajudariam a explicar a inércia de muitas mulheres mesmo depois
de iniciados os debates acerca da condição da mulher no Brasil.
Hahner
48
indica que o interesse de umas e outras mulheres pela cultura feminina
poderia seguir finalidades distintas, conforme sua condição financeira. Desse modo,
feministas, como Francisca Diniz, seriam mais ardorosas em seus questionamentos
quanto a condição da mulher porque eram obrigadas a sustentar-se e a suas
famílias, enquanto que outras, como Júlia Lopes de Almeida, de família
proeminente, acentuavam a necessidade de as mulheres serem boas donas-de-
45
SUPLICY, Marta. De Mariazinha a Maria. Petrópolis: Vozes, 1985.
46
HAHNER, 1981.
47
BOURDIEU, 1999, p. 50.
37
casa, além de serem cultas.
Analisando-se por esse ângulo é possível supor que algumas mulheres só se
interessariam por alterações no estado natural de dependência feminina e dedicação
aos filhos e marido se posta em risco sua situação econômica. Não explica a
militância por parte de muitas que mantinham condições financeiras estáveis mas,
certamente, as expressões mais austeras ao lado das mais moderadas, deixam
claras a existência de mulheres conformadas ou satisfeitas com sua condição de
dependente, desempenhando a contento os papéis a elas destinados.
Boa condição financeira poderia propiciar à mulher uma adequação mais fácil ao
modelo de dona-de-casa culta, que seria capaz de tornar o lar um ambiente mais
agradável ao marido ao mesmo tempo em que seria a responsável pela educação
dos filhos. Esse era justamente o modelo oferecido pelo Colégio Sacré-Coeur de
Marie que mantinha um modelo de educação feminina que correspondia aos
interesses da elite vitoriense atordoada pelos efeitos da brusca diversificação
econômica que ocorria na Capital do Estado do Espírito Santo entre o final da
década de 1960 e início de 1970. A crise da cafeicultura no início da década de 1960
e a industrialização que se seguiu, provocou uma urbanização acelerada e fez surgir
uma nova classe média que, por sua vez, intentava aproximar-se dos costumes da
elite.
49
O Colégio Sacré-Couer atendia aos antigos e novos ricos, proporcionando a suas
filhas uma esmerada educação religiosa, literária, social e patriótica que, sob regime
de internato, se mostrava única opção para que as moças do interior do Espírito
Santo pudessem estudar sem comprometer o bom nome de sua família.
Entregar uma criança do sexo feminino aos cuidados de religiosas que têm como
propósito primeiro mantê-las sob estrito domínio religioso-moral, mostrou-se
conveniente às famílias temerosas quanto aos danos que a modernidade pudesse
causar à formação de suas filhas. No colégio as meninas aprenderiam boas
maneiras e, se possível, uma gama de conhecimentos que pudessem ser úteis para
sua destinação a um casamento, preferencialmente, vantajoso.
48
HAHNER, 1981.
49
MARGOTTO, Lílian Rose. Igreja católica e educação feminina nos anos 60. Vitória: EDUFES,
1997.
38
O Sacré-Coeur respondia bem a esses anseios, começando pela formação de seu
corpo discente. A seleção rigorosa de clientela não se prendia apenas a condição
financeira das famílias em manter os custos da educação oferecida a suas filhas.
Considerava-se, ainda, o bom comportamento das candidatas sob ponto de vista
moral. Ser aluna do Sacré-Coeur significava, antes de qualquer coisa, ter
comportamento exemplar e reputação inatacável nos padrões exigidos pela
sociedade local, ainda afeta aos costumes de publicização do privado, “[...] regulado
por murmúrios e boatos que poderiam impossibilitar uma menina ser aluna do
Sacré-Coeur”.
50
A preocupação com o estudo em si era pequena e constratava com a grande
preocupação quanto a moral das moças, o que se faz evidente pela potencialização
dos riscos de más influências trazidos pelo grande número de migrantes que se
deslocaram em direção à Capital.
Os empregos gerados pelo escoamento do minério de ferro a partir do Porto de
Tubarão e pela implantação de parque industrial nas proximidades de Vitória trouxe,
junto com migrantes, grande preocupação às famílias acostumadas à calmaria de
uma capital que ainda mantinha ares interioranos. Segundo Margotto,
51
esse brusco
desenvolvimento urbano e econômico teria “[...] ocasionado a persistência de
hábitos regionais e de uma sociedade avessa a forasteiros, um povo que optava
manter-se à espreita de estranhos”.
O novo é sempre motivo de preocupação por abalar uma ordem natural, socialmente
construída. A necessidade de diferenciação entre o que é costumeiro e o que é
inovador, permite a Margotto utilizar-se de Berger para justificar a preocupação do
colégio e da sociedade local quanto ao desvio de padrões de conduta, da mesma
forma que fora utilizado na abertura desta parte.
A exibição de indivíduos socializados dentro dos padrões refletia a existência
daqueles não socializados. Assim, os que compõem a primeira categoria ostentam
status superior, e os que compõem a segunda categoria, status inferior. Às boas
moças se contrapunham as assanhadas,
52
dentre as quais poderiam estar aquelas
50
MARGOTTO, 1997, p. 93.
51
MARGOTTO, 1997, p. 88.
52
Denominação atribuída às “meninas que namoravam muito, saíam [...]” (MARGOTTO, 1997, p. 95).
39
que estudavam nos colégios protestantes.
O investimento financeiro na educação das filhas, dentro de padrões que ignoravam
a diversidade cultural que se estabelecia fora dos muros do Sacré-Coeur, exibe a
preocupação da família quanto à formação de uma espécie de “patrimônio” não-
financeiro por parte da mulher, mas que poderia ser-lhe muito útil ao futuro
casamento. Se não pela introjeção dos papéis delimitados a elas e reproduzidos
pela educação oferecida pelo Colégio, as egressas já carregariam consigo o bônus
de ter pertencido ao seu corpo discente.
Talvez, por esse motivo, estudassem no Sacré-Coeur moças de famílias que não
eram, necessariamente, religiosas e que tivessem hábitos de disciplina que, mesmo
rígidos, diferenciavam-se daqueles adotados pela instituição católica, considerado
“colégio de elite”. Manter a filha estudando no Sacré-Coeur exibia um capital de
valor superior ao econômico que se pudesse ostentar, exibia a manutenção do
controle dos pais sobre os filhos, refletidos na constante vigilância das irmãs sobre
as alunas.
Moças que estudavam em colégios católicos deveriam exibir um perfil de docilidade,
educação esmerada e respeito aos pais e às autoridades. Nesse contexto,
certamente seriam ótimas esposas e, para isso, eram treinadas durante toda sua
permanência na instituição em
[...] aulas que se destinavam à aprendizagem dos valores e representações
da vida da mulher na unidade doméstica e no meio social. Eram valores aos
quais a mulher devia se moldar de forma a aceitar os preceitos moralistas
instituídos e fundamentados nas diferenciações dos papéis entre os
sexos.
53
Considerando a família como objetivo final da educação, tanto de meninos quanto
de meninas, a educação católica se esmerava em destacar a natureza de um e de
outro para que não houvesse conflito no casamento. Para tanto, deixava-se claro
que o casamento perfeito, seguro e feliz, era aquele realizado entre iguais
54
independente da vontade pessoal ou da realização das fantasias românticas – e
mantido pela assimilação e perpetuação dos papéis de marido e esposa, pai e mãe,
53
NADER, 2001, p. 101.
54
Igualdade entendida no sentido de semelhança sócio-cultural entre marido e mulher, ressalvando-
se que a nivelação, à época, respeitava os conceitos de educação segmentada, ou seja,
diferenciada para homens e para mulheres.
40
dentro da “natureza” de cada um. A união de um casal representava um
compromisso com a família, e poderia “ser chamado de feliz”, nas palavras de
Russel,
55
“se nenhum dos cônjuges dêle [sic] esperar encontrar grande felicidade”.
Para dedicar-se ao marido e aos filhos a mulher devia abster-se do externo, o que
correspondia ao não exercício de profissão. Se ao marido cabia o sustento da
esposa e dos filhos, a essa cabia a manutenção da ordem e moralidade do lar,
dentro e fora dele, sendo suficiente à mulher educar-se apenas o necessário para
casar. Margotto
56
informa que grande parte das ex-alunas do Sacré-Coeur que
entrevistou casaram-se após o curso normal ou colegial e que as que se intentaram
profissionalizar-se foram convencidas de que não precisavam trabalhar porque
tinham boas condições financeiras ou porque atrapalharia seu desempenho como
esposa e mãe.
A boa esposa deveria ter, por formação, qualidades que a distinguissem das demais
e, por isso, a vigilância quanto ao seu comportamento era crucial. O cuidado com a
vestimenta, com os gestos, postura, tom de voz, escrita impecável e leitura
adequada à sua condição de educadora dos filhos, eram alguns tópicos que
permeavam toda a educação católica e que deveriam ser considerados por qualquer
moça que quisesse fazer bom casamento.
A socialização e a reprodução de condutas se mostram visíveis, mesmo fora dos
ambientes em que opera a escola, quando o assunto é bom casamento. Grandes
exemplos são as revistas femininas. Objeto de ira de muitos educadores e
educadoras católicas que as proibiam no recinto escolar,
57
as revistas nada mais
faziam que destacar para as mulheres papéis bem semelhantes ao modelo católico,
sempre direcionando-as ao casamento perfeito.
O ideal, nos anos 1940 e 1950, para o Jornal das Moças, e nos anos 1960, para a
revista Cláudia, reproduzem perfeitamente a educação tradicional católica,
especialmente nos conselhos quanto ao casamento com rapaz de seu próprio
ambiente. A segurança econômica pela função de provedor do marido, que
garantiria à mulher a possibilidade de dedicar-se integralmente à sua função de
55
RUSSEL, Bertrand. O casamento e a moral. São Paulo: Nacional, 1955. p. 96.
56
MARGOTTO, 1997, p. 166-167 e notas de rodapé.
57
MARGOTTO, 1997.
41
esposa e mãe, também se destaca.
Visando agradar e conquistar o homem, a mulher deveria adotar atitudes esperadas
por boas moças. É por isso que “personagens femininas fúteis, ambiciosas, ou
amantes de festas e aventuras, ou ainda ciumentas e inconseqüentes terminam não
se casando”,
58
punição extrema àquelas destoantes da moral dominante da época
que reforçava a destinação da mulher ao casamento.
O estabelecimento de papéis delimitados para homens e mulheres, espaços
públicos e privados, proibições e permissões, se mostram tão enraizados, tão
aculturados, que não se restringem apenas às revistas femininas e à educação
católica. O prospecto de 1951 do Colégio Mackenzie de São Paulo, reconhecido
como liberal, exibe uma experiência de 35 anos em co-educação dos sexos,
afirmando não ter ocorrido nenhum incidente desagradável.
59
Partindo-se da menção direta sobre inexistência de incidente desagradável quando
se trata de educação mista, só se pode concluir tratar-se de referência a sexualidade
que, explicitamente, era refreada nessas instituições. Da mesma forma que a
educação católica, a educação protestante treinava meninos e meninas em oposição
à natureza e em conformidade com a cultura da época, obviamente dentro de seus
próprios parâmetros. Assim, o clima de vigilância sobre a moral e bons costumes
cristãos se mantinha tanto nos estabelecimentos católicos quanto nos
estabelecimentos protestantes, porém, de maneiras diferentes.
Nader
60
destaca que, longe de serem espaços de relacionamento entre meninos e
meninas, moças e rapazes, os colégios mistos se mostraram espaços de
segregação porque os colegas do sexo masculino, considerando-se superiores
[...] insistiam em manter claro que o espaço feminino era o ambiente
doméstico, local onde os sacrossantos deveres da maternidade esperavam
pela mulher. [...] o principal papel da mulher deveria ser desempenhado no
lar e não na vida agitada das tribunas.
Qualquer que fosse o modelo de educação, a destinação da mulher ao ambiente
interno e do homem ao ambiente externo ao lar era socialmente reforçada. Aliando a
58
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações
homem-mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 112.
59
AZZI, 1987.
60
NADER, 2001, p.102-103.
42
escolha do amor a um bom partido que, mesmo não sendo rico fosse trabalhador a
ponto de enriquecer por seus esforços, a mulher ainda se prepara para ser
economicamente dependente do marido mesmo diante da possibilidade de ela
mesma trabalhar e se fazer independente.
61
Feito para durar até que a morte os separe, o casamento garantiria a estabilidade
financeira tão cara à mulher, permitindo-lhe dedicação exclusiva ao marido, aos
filhos e ao lar.
61
Bassanezi (1996, p. 194-195) analisa entrevista com 500 moças de São Paulo e Rio de Janeiro
feita pela revista Cláudia e publicada em abril de 1964. Dentre as entrevistadas, 94,4% declaram
“não conceber seu futuro sem casamento”. 385 moças (77%) “pretendem apenas ser donas de
casa, não trabalhar fora.”
43
3 “CASAMENTO ETERNO” E LEI DO DIVÓRCIO: RUPTURA
3.1 O casamento e a garantia de estabilidade financeira permanente
O projeto de colonização traçado por Portugal com relação ao Brasil e a intenção
doutrinadora da Igreja aliaram-se, com perfeição, ao considerar as mulheres "[...]
enquanto mães e esposas, o receptáculo das tradições culturais e das virtudes
morais que se desejava transmitir aos colonos, para que desempenhassem os
esperados papéis de súditos fiéis e bons cristãos".
62
Casando-se com os homens que aqui estavam, as mulheres vindas de Portugal
contribuiriam para o aumento da população de maneira disciplinada. O interesse da
Metrópole na criação de um mecanismo de ordenamento social incluía a destinação
de postos administrativos aqueles que se casassem, exibindo o casamento como
um bom negócio. O casamento servia, portanto, para inserir os habitantes da
Colônia dentro das regras estabelecidas pelo reino, devendo representar um ajuste
entre iguais, modelo que se manteve uma constante no ideal de casamento.
Na sociedade brasileira do século XVIII, a cor da pele, atributo ligado à pureza de
sangue, e a linhagem impecável, ainda se mantinham importantes, assim como o
patrimônio trazido pela noiva para compor o conjunto de bens do casal. Por esse
motivo, um filho casar-se com mulher de nível social inferior representava grande
desapontamento para os pais, reação inteligível num momento em que o patrimônio
da noiva unido ao patrimônio e capacidade de bem administrar do noivo,
representavam tranqüilidade para si e para seus filhos, futuros herdeiros, ao mesmo
tempo em que liberava a família de socorrê-los financeiramente.
Por outro lado, o casamento de uma moça branca de família conhecida, mas
portadora de poucos bens, com um homem bem posicionado financeiramente, mas
de ascendência desconhecida, deveria ser incentivado porque, mesmo que não se
tratasse de um equilíbrio pelo nome em igualdade de sangue, era vantajoso para a
moça, que nele encontrava proteção, e para o marido, que poderia utilizar-se da boa
62
ALGRANTI, 1993, p. 53.
44
linhagem da esposa para desenvolver o patrimônio do casal.
63
A partir do século XIX, porém, tomando contornos de escolha pessoal, o casamento
deixa de beneficiar as famílias de origem e passa, ele mesmo, a originar uma nova
família, essa menos numerosa, composta apenas pelo marido, a esposa e os filhos.
O homem se mantém chefe de família e agora também seu provedor. A perspectiva
de escolher o próprio marido ou esposa, ou recusar-se às escolhas dos pais,
mostrou-se mais preocupante que interessante para rapazes e, principalmente para
as moças, a partir daquele século. Assumindo para si a formação do próprio núcleo
familiar, o casal acabava por afastar o costume que reconhecia como legítimo o
amparo financeiro de suas famílias de origem, sem contar que, enquanto os pais
contratavam o casamento dos filhos, tanto homens quanto mulheres poderiam
culpar-lhes pela infelicidade da escolha.
64
Essa autora assevera que durante o período em que o pacto matrimonial exigia um
dote, o sustento da esposa dependia de seu pagamento. Enquanto se revestia das
características de um contrato, não recebendo o dote combinado, o marido podia
recusar-se a sustentar a mulher. Alegando que não recebera a contrapartida pelo
casamento, sua decisão quanto ao abandono da esposa era firmemente apoiada
pela legislação vigente.
O dote destinado ao casamento da filha, além de representar o interesse de se
incorporar um determinado noivo à família, representava a preocupação com a
manutenção de um padrão que garantisse o sustento da mulher, sendo elevada a
importância dada à capacidade de o marido bem administrar esse patrimônio. Se
ele, além de bom administrador dos bens da esposa, tivesse patrimônio equivalente
ou maior que o valor do dote, o casamento seria considerado perfeito, independente
da vontade dos nubentes.
Contudo, no decorrer do século XIX, à medida que decai a prática do dote, a
63
NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em são
Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p 224. Tal autora cita como
exemplo o casamento de Anna de Lima com um homem de ascendência desconhecida porque era
“[...] filha órfã e precisava de proteção [...]” e “[...] se tratava de um bom casamento, porque ela era
'pobre e desamparada' [...].”
64
BESSE, Susan Kent. A extinção do patriarcalismo. In: BESSE, Susan Kent. Modernizando a
desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil. 1914-1940. São Paulo: EDUSP,
1999. p. 13-40.
45
manutenção financeira da mulher não mais se fixa no patrimônio de sua família de
origem. Preconiza-se a capacidade de o marido sustentar sua futura família. A partir
do momento em que o dote fora repudiado e a estabilidade financeira do novo casal
passou a se construir dentro das expectativas profissionais do noivo, a mulher foi
entregue, definitivamente, aos cuidados do marido que deveria, exclusivamente,
prover seu sustento. Apesar da inegável existência de mulheres que trabalhavam ou
mantinham recursos financeiros próprios, ainda assim, a nova configuração tornou
incontestável a supremacia econômica nas mãos do elemento masculino, obrigando
grande maioria de mulheres a submeter-se a provimento financeiro do marido.
Enquanto se manteve a exigência do dote para o casamento, a filha continuava
ligada a família de origem pelo patrimônio destacado para garantia de seu sustento,
obrigação atribuída aos pais. Se os pais contribuíam com quantia tão significativa –
característica de muitos dotes até fins do século XVIII – é possível imaginar que
exercessem sobre o novo casal um controle muito maior que a simples escolha dos
pretendentes.
A família inteira tinha interesse na boa administração dos bens do casal e
especialmente do dote já que, se o mesmo não mais existisse ao tempo de sua
apresentação ao inventário dos bens deixados pelos pais da mulher,
65
deveria o
casal restituir as diferenças apuradas com bens próprios. Para se evitar a surpresa
de o casal não poder pagar a complementação dos demais herdeiros por causa da
má-administração do dote, esses últimos se empenhavam na vigilância, criando,
inclusive, mecanismos que possibilitassem a dissolução do matrimônio e restituição
do dote à família, se constatada dilapidação.
A possibilidade de o homem sustentar a esposa pelo fruto de seu trabalho,
independente de receber sua herança ou mesmo dote da noiva possibilitou, ao
mesmo tempo, o destaque patrimonial da família de origem e a transformação da
família de unidade de produção em unidade de consumo, alterando ou mesmo
eliminando os arranjos matrimoniais.
65
O dote não representava uma doação, ao contrário, era considerado como uma espécie de
antecipação da herança que seria recebida pela mulher por ocasião do falecimento de seus pais. O
instituto, conhecido como “colação”, obrigava a descrição dos bens dotais como parte do acervo do
falecido, permitindo, assim, a correta divisão de seu patrimônio entre todos os herdeiros.
46
Enquanto unidade de produção, a importância do que se recebia (terras, animais,
escravos, dentre outros bens) estava intimamente ligada ao tamanho da família, seja
formando patrimônio comum ou se estabelecendo negociações entre pais e filhos e
o novo elemento masculino incorporado pelo casamento da filha. A formação de um
patrimônio próprio só se fazia possível a partir de um patrimônio pré-existente,
oriundo da família do noivo ou da noiva.
O crescimento das profissões liberais e do emprego, aliado ao empreendedorismo –
fruto da capacidade de bem administrar exigida à época do dote – permitiram ao
homem distanciar-se financeiramente de sua família de origem e, sendo
independente, tomar por esposa uma mulher que se distanciasse dos interesses de
sua família.
Atentos à mudança, é provável que a preocupação dos pais com a educação das
moças – que viria a substituir o dote – ao mesmo tempo em que tornava a mulher
mais atraente a esse novo homem, financeiramente independente, a afastasse de
pretendentes menos convenientes aos interesses da família. Mesmo que
indiretamente e de uma forma que esta talvez sequer percebesse, a família ainda
decidia o destino matrimonial da filha.
A boa educação ganhou o poder de se sobrepor a grandes dotes e/ou heranças e o
amor passou a ser considerado um importante elemento na relação familiar,
justificando a união dos esposos e a criação dos filhos.
De criatura meramente influenciável a sustentáculo do lar cristão, a mulher via a
possibilidade de deixar sua condição de Eva rumo a condição de Maria, oferecendo
em troca apenas o amor ao marido que ela mesma escolhera e aos filhos, frutos de
sua união.
A partir do momento em que as relações deixaram de ser meramente acordo entre
famílias e a opinião dos noivos passou a ser decisiva, não somente o padre e o
pastor questionavam a livre e espontânea vontade dos nubentes em concretizar o
casamento. A lei civil vigente no início do século XX, bem como a que veio substituí-
la, em 2003, elencam a escolha consciente dos noivos como requisito para
oficialização do matrimônio, tanto que sua inexistência – por erro, dolo ou coação –
torna o ato passível de argüição de nulidade ou anulação.
47
A difusão da livre escolha não representou, entretanto, desinteresse dos pais pelo
casamento dos filhos. A preocupação dos pais quanto às escolhas matrimoniais dos
filhos no século XX ainda se mostra semelhante à esboçada durante o século XVIII.
Nazzari
66
cita que “[...] em 1752, Caetano Soares Vianna, por exemplo, estava muito
contrariado porque seu filho havia se casado sem sua permissão com uma mulher
que não era do mesmo nível social dele”. Enquanto cabia aos pais escolher suas
noras e genros exigindo-se o casamento pela obediência patriarcal socializada, os
filhos desrespeitosos poderiam sofrer o abandono material como forma de punição.
No decorrer do século XX punir os filhos pelo abandono já não mais se faz aceitar.
Se ao filho cabia sustentar a esposa, os pais preocupavam-se com o fato de a
escolhida merecer tal benesse. Se a filha pretendia casar-se, seu futuro marido
deveria ser capaz de garantir-lhe o sustento. Nos dois casos, uma boa escolha
reduziria a chance de a família ter de socorrê-los, obrigação dos pais propagada
pelas idéias higienistas de afetividade familiar.
67
A grande preocupação com tais desvios fazia com que os pais se dedicassem com
mais afinco à educação das filhas adolescentes, o que direcionava suas mães para
dentro do ambiente doméstico no intuito de dedicar-lhes mais atenção desde muito
novas, o que correspondia aos anseios dos pensamentos católico, positivista,
socialista e mesmo liberal. Desde que o marido mantivesse o sustento da esposa,
ela não poderia recusar-se a tarefa tão nobre, especialmente porque, como afirma
Nader,
68
o amor de mãe deveria representar “fidelidade, proteção, renúncia,
cuidados com o futuro social, afetividade pessoal, carinho e entendimento”.
Tanto no casamento religioso, quanto no casamento civil, a mulher deveria dedicar-
se exclusivamente à família, o que representava cuidado com os filhos, com o
marido e a casa, sendo seu dever a formação física e cultural dos filhos dentro das
perspectivas da Igreja e do Estado. Formar cidadãos aptos a tornar o Estado cada
vez mais forte por amor à pátria dentro das disciplinas e preceitos moralizadores
cristãos passou a ser a função primordial da mulher.
Assim valorizada, a mulher tinha o direito de ser sustentada pelo marido, que o fazia
66
NAZZARI, 2001, p. 221
67
COSTA, 1989.
68
NADER, 2001, p.112.
48
por amor, em padrões condizentes com suas posses. A mulher deixara de ser coisa
negociada em contrato de casamento para ser a rainha do lar que ela mesma
formara, por sua livre vontade, conforme afirma Trigo.
69
Para o Estado, que elevara o casamento a objeto de sua especial proteção, esse
significava o marco inicial de formação da família, unidade indispensável para
reprodução de seus interesses. É o Código Civil de 1916, com expressa menção ao
marido como “chefe” da unidade doméstica e, portanto, provedor, que garante
definitivamente o direito da mulher e obrigação do marido quanto a seu sustento. Se
a mulher tinha o dever de permanecer no lar, por outro lado, o marido tinha a
obrigação de mantê-la financeiramente.
Segundo Nader,
70
o Estado defendia uma política de conciliação geral e também
cedia aos anseios femininos, reforçando os papéis sociais estipulados para homens
e mulheres. Se o marido era o responsável pelo sustento da esposa e a essa se
destinavam as obrigações domésticas, livres de valoração econômica direta, os
legisladores republicanos pouco se preocuparam com sua condição social e criaram
para elas uma categoria distinta. Tanto o casamento quanto a maioridade civil,
alcançada aos 21 anos, poderiam habilitar a mulher para o exercício de funções
semelhantes às dos homens, se não fosse a restrição que a alojava, se casada, na
categoria dos relativamente capazes, portanto, dependente.
71
Durante o casamento, mesmo que desenvolvesse alguma atividade financeiramente
lucrativa, a mulher costumava permanecer dependente, mantendo-se assim após a
separação dos cônjuges pelo desquite. Nesse ponto específico, o Código Civil de
1916 difere sociedade conjugal e casamento ao estabelecer, em seu art. 315, que a
primeira poderia se dissolver tanto por morte de um dos cônjuges, quanto por
anulação, nulidade ou desquite, enquanto que o segundo apenas por morte.
Logo, a anulação ou nulidade do casamento, além de viuvez, eram as únicas
69
TRIGO, Maria Helena. Amor e casamento no século XX. In: D´INCAO, Maria Angela (Org.). Amor e
família no Brasil. São Paulo: Contexto, 1989.
70
Para isso foram utilizadas técnicas coercitivas que enfatizavam a responsabilidade feminina sobre
o progresso da humanidade. As mulheres foram induzidas a aceitar como sua obrigação a
constituição de famílias modernas e higiênicas e a assumir o papel de “Rainhas do lar”. Ver
NADER, Maria Beatriz. Mudanças econômicas e relações conjugais: novos paradigmas na
relação mulher e casamento, Vitória (ES), 1970-2000. 2003. Tese (Doutorado em História) –
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
49
situações passíveis de permitir a qualquer um dos nubentes a realização de novo
casamento. A instituição casamento, conforme fora concebida pelos legisladores,
privilegiava a reconciliação, tanto que uma vez desquitado, o casal poderia
restabelecer a sociedade conjugal a qualquer tempo, bastando comunicar a situação
ao juízo que o decretara para restituição do status quo.
72
Dentro desse modelo de desconstituição da sociedade conjugal, a ligação entre
marido e esposa mantinha-se pela impossibilidade de ambos estabelecerem novas
uniões com diferentes indivíduos dentro das especificações religiosas e civis do
casamento que consigo carregavam grande apelo moral.
Para o homem, tradicionalmente reconhecido como ambientado ao público, em nada
lhe manchava a alcunha de desquitado. Mesmo se existisse uma dificuldade quanto
ao estabelecimento de novo relacionamento estável conforme sua escolha, porque a
moça escolhida poderia render-se aos apelos da propaganda pelo casamento
tradicional, “certinho”, recusando-se a viver em concubinato, os dois poderiam casar-
se no Uruguai, México ou outros países. Isso poderia demonstrar à noiva o real
interesse do noivo, mas não tinha validade legal no Brasil.
Para as mulheres desquitadas, no entanto, além de carregarem o peso social de não
terem sabido manter o relacionamento, representavam um risco ao casamento de
outras mulheres. Além de mal vista pela sociedade por ter fracassado como esposa
e por representar uma ameaça aos lares ainda constituídos, sobre a mulher
desquitada que tinha filhos recaíam todas as culpas pela má-formação social que a
criança pudesse desenvolver. No padrão estabelecido para criação de filhos dentro
de um ambiente composto por pai e mãe, a figura da mulher desquitada com filhos
destoava grosseiramente.
73
Para garantir sua permanência com os filhos e ostentar o mínimo de dignidade após
o desquite, a mulher deveria manter-se recolhida ao ambiente doméstico. Além
disso, deveria dedicar-se exclusivamente a educação dos filhos e sobreviver da
pensão acordada com o marido ou judicialmente estabelecida no momento da
dissolução da sociedade conjugal.
71
Artigo 6, inciso II, da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil).
72
Artigo 323, da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 (Código Civil).
73
NADER, 2001.
50
A cultura de restrição de liberdade da mulher e sua inferioridade em relação ao
marido, ao ganharem imposição de legalidade, restringiram a mulher casada ao lar,
mesmo que esse não representasse o modelo de felicidade prometido pela
adequação de cada um a seu papel. O discurso quanto à necessidade de a mulher
evitar a todo custo a separação e segurar o casamento são constantes nas revistas
femininas,
74
sendo comum a esperança de recompensa pelo sofrimento em matérias
de cunho profissional ou mesmo contos fictícios.
A obrigatoriedade de assistência do marido à prática de atos da vida civil e sua
autorização prévia e inequívoca para exercício de profissão, explícito no artigo 233,
inciso IV, do Código Civil de 1916, somente deixou de existir com o advento do
Estatuto da Mulher Casada, de 1962.
75
A condição financeira da mulher continua,
contudo, objeto de especial apreciação pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro,
desde meados de 1964, quando se publicou a impossibilidade de renúncia aos
alimentos.
76
Uma década e meia depois, a introdução da Lei do Divórcio
77
permitiu aos casados
e desquitados, sem distinção entre homens e mulheres, a dissolução total do vínculo
matrimonial. Ainda se manteve vivo, na sociedade brasileira, o ideal de esposa e
mãe dedicada ao lar e, portanto, restrita ao ambiente doméstico, o que exibe uma
mudança legislativa muito mais célere que as relações do cotidiano.
Entre 1977 e 1988, o reconhecimento social de que a mulher casada não deveria
trabalhar se o marido pudesse sustentá-la contrasta, portanto, com a legislação
vigente. Costa,
78
ao analisar entrevista aberta feita com homens e mulheres, em
1980, conclui que “mesmo em relação às solteiras, aparentemente sem
impedimentos para o trabalho de mercado, algumas mulheres, e o dobro dos
homens, condicionam esse trabalho à necessidade econômica”. O trabalho feminino
para complementação da renda doméstica e não para independência financeira
74
BASSANEZI, 1996.
75
Brasil. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso em:
31 maio 2006.
76
A Súmula 379, aprovada em Sessão Plenária de 03/04/1964 e publicada em 08/05/1964,
11/5/1964, e 12/5/1964 afirma que “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos,
que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”.
77
Brasil. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Disponível em: <www.senado.gov.br>. Acesso
em: 31 maio 2006.
51
mostra-se recorrente no entendimento de muitas pessoas, mesmo diante da recente
possibilidade de dissolução do casamento, permitida pela Lei do Divórcio e da
caminhada em direção ao estabelecimento da igualdade real entre homens e
mulheres, inscrita na Carta Magna de 1988.
3.2 Discursos divorcistas e antidivorcistas: socialização, convergências e
divergências
Apesar de a discussão sobre o divórcio parecer recente por preceder em pouco a
convocação da Assembléia Constituinte que elaborou a Carta Magna ainda vigente
no Brasil, verifica-se que tal instituto já existia no Brasil Colonial dos séculos XVII e
XVIII. A Igreja concedia o divórcio, por suas normas, aqueles que comprovassem a
impossibilidade de dividir o mesmo teto, separando os casados e seus bens, mas
não eliminando o vínculo matrimonial, considerado sagrado.
A autorização para não mais coabitar, que só se fez possível a partir do Concílio de
Trento, podia dar-se por tempo determinado ou não, o que permitia a dissolução
permanente do vínculo pessoal e patrimonial entre os casados. Casar-se
novamente, entretanto, era privilégio daqueles que, por sentença de anulação de
matrimônio, retornassem ao estado de solteiro.
Silva
79
observa que, dentre os pedidos de separação da Capitania de São Paulo, a
maior parte das solicitações feitas por mulheres relatavam casos de sevícia e
adultério, situações contempladas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia. Como o adultério masculino não era considerado em larga escala para
ensejar punições, a única forma plausível de conseguir, por sentença, a separação
do casal, eram as alegações de sevícia, mesmo que, por trás dessas, as reais
causas fossem, dentre outras, abandono, falta de alimentos, de vestuário,
dilapidação dos bens, alcoolismo e vadiagem.
Alegando sevícia, a mulher e seus filhos eram depositados em casa escolhida pelo
78
COSTA, Letícia Borges. Participação da mulher no mercado de trabalho. São Paulo: IPE, USP,
1984. p. 146.
79
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. O divórcio na capitania de São Paulo. In: VIVÊNCIA: história,
sexualidade e imagens femininas. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1980.
52
juiz eclesiástico dentre as habitações dos parentes da mulher ou, na falta, em casa
de uma pessoa honesta, onde deveriam permanecer até a sentença. Considerando
que o casal só voltaria a coabitar se o agressor garantisse que não mais cometeria
sevícias, tem-se a perpetuidade da dissolução dos vínculos, já que nem sempre a
palavra do marido se fazia cumprir.
Quanto ao adultério masculino, raramente invocado como único motivo para o
requerimento de divórcio, a punição se fazia mais severa se fosse comprovada a
fornicação com escravas, fato reconhecidamente repudiado pela Igreja.
80
O adultério feminino, que pelas Ordenações do Reino poderia ser punido pelo
próprio marido, reduzia a necessidade de petição por divórcio. Provando o adultério,
o marido podia requerer a prisão da esposa ou seu depósito em um convento e até
mesmo matá-la, caso em que, não tendo filhos, os bens da mulher passariam ao
patrimônio do marido.
O surgimento do divórcio consensual, no final do século XVIII, possibilita a
suspensão dos deveres de coabitação sem a necessidade de acusações mútuas,
permitindo simplificar o processamento dos pedidos de divórcio nos casos em que
marido e mulher entendessem impossível a convivência. Desde que assinassem
juntos a petição, alegando freqüentes discórdias, era concedida a ordem
independente da comprovação de violação de quaisquer preceitos de constituição
do matrimônio. Ainda assim, cumpre salientar que, mesmo suspensos os deveres de
coabitação e separados os bens de um e de outro, os cônjuges mantinham-se
ligados pelo vínculo do casamento, portanto, impossibilitados de contrair novas
núpcias.
Tais regras, impostas pela Igreja, mantiveram-se presentes quando da instituição do
casamento civil pelo Decreto nº 181, de 1890 e exerceram grande influência sobre
as determinações republicanas quanto ao direito de família, especialmente no
Código Civil de 1916. Mesmo a aclamada separação entre Igreja e Estado não foi
capaz de impedir a ratificação civil de preceitos religiosos quanto ao casamento,
mantendo-se, agora como regras da República, as determinações do Direito
Canônico, especialmente no que diz respeito à indissolubilidade do casamento.
80
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil Colônia. Petrópolis: Vozes, 1981.
53
Influenciado pelo Direito Canônico, o Direito Civil de Família na República adotou,
além da indissolubilidade, as condições de invalidade do casamento, os preceitos
inerentes à sua celebração, seus efeitos e requisitos para separação dos consortes,
apesar de a Constituição de 1891 reconhecer apenas o casamento civil, excluindo,
portanto, o casamento religioso de sua esfera de proteção.
Com a proclamação da República em 1889, a dificuldade em determinar o que se
mantém, o que se exclui e o que ganhará nova roupagem na legislação foi
determinante para a demora na promulgação do Código Civil de 1916, mesmo que
já se tivesse, desde meados de 1858, tentado consolidar as leis civis de Direito
Privado. Abandonada a idéia de consolidação, o projeto de elaboração de um
Código Civil totalmente novo foi, finalmente, solicitado à Clovis Beviláqua.
81
Apesar dos esforços de Beviláqua para elaboração de uma legislação mais atenta à
busca pela igualdade nas relações entre homens e mulheres, as correntes
conservadoras mantinham-se fortes e contavam com o apoio da Igreja na discussão
das normas referentes à filiação, casamento e direitos das mulheres. A adequação
social à postura androcêntrica da Igreja e da legislação do Império ainda mantinha
as construções familiares dentro do modelo que tinha o homem como chefe e a
mulher em condições de inferioridade, pensamentos totalmente divergentes dos
esboçados por Beviláqua. Advogando a libertação da mulher, postura recusada pela
comissão revisora do projeto, Beviláqua não conseguiu evitar a reafirmação
conservadora de superioridade do homem. Contrariando seu projeto, o Código Civil
legou à mulher a incapacidade jurídica relativa, equiparando-a aos índios, aos
pródigos e aos menores de idade.
Não se pode negar que tal redação, conforme fora aprovada, guarda resquícios de
influência do Código de Napoleão que, por sua vez, guardava estreita influência do
Direito Romano no que tange ao pater familiae. O dever de obediência da mulher ao
marido, a organização da família sob chefia dele, que detinha poderes sobre a
pessoa e o patrimônio da mulher e filhos, manteve-se na legislação civil brasileira da
81
Clóvis Beviláqua (1859-1944) nasceu em Viçosa/CE e faleceu no Rio de Janeiro. Formou-se em Direito pela Faculdade
do Recife e, além de promotor público, foi advogado, professor, jornalista, escritor e deputado pelo Estado do Ceará. Em
1899 recebeu a incumbência de elaborar o anteprojeto do Código Civil Brasileiro por indicação de Epitácio Pessoa
(Ministro da Justiça) concluindo tal tarefa em seis meses. Além do Código Civil, publicou várias obras nas áreas em que
atuou.
54
mesma forma como se havia mantido na francesa, apesar dos esforços contrários
que reconheciam as alterações prementes dos papéis daqueles que compunham a
família. Venceram os costumes e a educação conservadora de um país agrário, que
apenas iniciava o processo de urbanização e de industrialização.
Dentro de um sistema de restrição e numeração de poderes e deveres, a legislação
relativa à família inserida no Código de 1916, restringia a atuação dos componentes
da unidade familiar aos preceitos de organização e controle global de interesse do
Estado, de forma semelhante à atuação da Igreja, cada um à sua época, todos
delimitando condutas específicas para homens e mulheres.
Ao marido cabia a chefia da sociedade conjugal, a administração dos bens do casal
e a fixação do domicílio da família, podendo acusar a mulher de abandono do lar
caso se recusasse à sua determinação, o que, mais uma vez, reforça a destinação
da mulher ao ambiente doméstico. A obrigatoriedade de adoção do nome de família
do marido,
82
a restrição quanto ao trabalho feminino – só possível se expressamente
autorizado pelo marido – e a destinação dos bens pessoais da mulher para quitação
de dívidas particulares dele comprovam a submissão ao modelo eclesiástico e
misógino de inferioridade da mulher.
Obrigatoriamente afeto à rua, ao homem foram destinadas prerrogativas e poderes
que, à medida que se acentuavam, exibiam o distanciamento entre os direitos
inerentes aos homens e às mulheres, o que não quer dizer que essas não tivessem
garantias legais. O problema é que tais garantias se perfaziam sob o manto da
proteção, pela condição de inferioridade feminina.
Paralelamente aos registros legais que se seguiam, as manifestações femininas
contra a retomada, pela República, dos modelos impostos pela Igreja, não foram
capazes de se sobrepor ao conservadorismo reinante. Assim, a imagem de esposa,
mãe e dona-de-casa manteve-se grafada no Código Civil de 1916, contrariando os
ideais de busca pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que só seria
reconhecido, ainda assim muito timidamente, em 1962, com o Estatuto da Mulher
Casada, após anos de tramitação de seu projeto.
82
NADER, Maria Beatriz. Violência sutil contra a mulher no ambiente doméstico: uma nova
abordagem de um velho fenômeno. In: SILVA, Gilvan Ventura da; NADER, Maria Beatriz; FRANCO,
Sebastião Pimentel (Org.). História, mulher e poder. Vitória: EDUFES, 2006. p. 235-253.
55
Apesar de a Constituição Federal de 1934
83
ter abordado o princípio democrático do
tratamento igualitário dos cidadãos perante a lei, coerente com a participação da
mulher na vida pública e acentuação de mudança nos costumes, o Código Civil
permaneceu inerte.
Em 1949, a feminista Romy Medeiros da Fonseca, membro do Instituto dos
Advogados do Brasil (IAB), propõe a criação de uma comissão para estudar uma
proposta de alteração do Código Civil, revogando a incapacidade relativa da mulher
casada. Elaborado o anteprojeto de lei, esse fora encaminhado ao senador Mozart
Lago, pela presidente do Congresso da Organização dos Estados Americanos
(OEA), Leontina Licinio Cardoso.
84
Fazendo referência à Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos
Civis às Mulheres e ao Comitê Brasileiro da Comissão Interamericana de Mulheres,
o senador Mozart Lago apresentou o projeto no Senado sob nº29/1952,
argumentando que o Código Civil, como se encontrava, destoava do momento
histórico vivenciado no Brasil. Apesar do apelo pela adequação da legislação à
realidade brasileira, em outubro de 1957, quando Romy Medeiros defendeu o projeto
na Comissão de Justiça do Senado, sua tramitação ainda se encontrava distante do
encerramento.
85
Poder-se-ia pensar, diante da demora na tramitação, que o projeto pretendia alterar
em muito as relações familiares, mas, pelo contrário, mantinha-se restrito às
construções sociais da época
86
e, nem de longe atacava o casamento ou a
autoridade do marido. Em síntese, a modificação proposta se atrelava mais às
mudanças econômicas que se seguiam que ao papel da mulher dentro da família.
Destacam-se no projeto apresentado por Mozart Lago, a igualdade de capacidade
jurídica do homem e da mulher, além da possibilidade de fixação do domicílio por
83
BRASIL. Constituição. Constituições do Brasil: de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas
alterações. Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986.
84
VERUCCI, Florisa. A mulher no direito de família brasileiro. Brasília: Instituto Teotônio Vilela,
1999.
85
VERUCCI, 1999.
86
BRUSCHINI, Cristina. Mulher e trabalho: uma avaliação da década da mulher. São Paulo: Nobel,
1985. Nesta obra, a autora comenta que o Brasil de 1950 mantinha 60% de sua população de 50
milhões de habitantes vivendo em áreas rurais e o percentual de mulheres na força de trabalho
chegava a l4,6%.
56
acordo entre cônjuges – o que permitiria à mulher questioná-la judicialmente. O
trabalho extradoméstico, ponto mais visado no projeto, passaria a independer da
vontade e autorização do marido e os filhos do casamento anterior permaneceriam
sob o pátrio poder da mulher mesmo que essa se casasse novamente. O regime de
bens passaria a ser o da comunhão parcial e não da comunhão total, retirando a
possibilidade de utilização do patrimônio da mulher preexistente ao casamento para
quitação de dívida particular do marido.
O projeto mantinha, entretanto, a dependência econômica da mulher que, mesmo
sob discurso de igualdade e equiparação de direitos, só obrigaria seus rendimentos
próprios se os bens comuns não fossem suficientes para quitação das despesas, ou
seja, o marido continua responsável pela manutenção do lar e o trabalho da mulher
passa a ser considerado um complemento, um algo mais em caso de extrema
necessidade. Não se tocou na obrigatoriedade de acréscimo do nome de família do
marido, ou seja, uma vez casada, à identidade da mulher continuava a se anexar,
automaticamente, a do marido, em perfeita visualização de resquícios patriarcalistas
que ainda não se arriscava questionar legalmente.
Mesmo que, em retrospectiva, tal projeto de alteração do Código Civil pareça
inerente ao processo de industrialização brasileiro, intensificado a partir da década
de 1940, a tramitação durante longos dez anos deixa claro que tais propostas eram
consideradas bastante avançadas na época. Isso sem contar que o projeto original
foi alvo de várias emendas que o alteraram profundamente até a data de sua efetiva
aprovação.
Em 1962, finalmente foi promulgada a Lei 4.121, chamada de Estatuto Civil da
Mulher Casada, e sua incorporação ao Código Civil de 1916 revogou a incapacidade
relativa da mulher. Embora o avanço tenha sido comemorado, a nova lei manteve a
submissão da mulher às regras sociais da época, por exemplo a possibilidade de o
marido devolver a mulher e requerer anulação do casamento por defloramento
prévio dessa. Manteve-se, ainda, a possibilidade de deserdar a filha desonesta,
conceito que, em 1962, ainda fazia referência à moral sexual.
A chefia da sociedade conjugal continuou sob poder do marido mesmo que este
fosse o ponto motivador da apresentação do projeto em 1952. Como chefe, o marido
57
continuava representante legal da família e administrador dos bens comuns e dos
particulares da mulher. No que se refere ao domicílio do casal, a única maneira de a
mulher modificar a decisão seria por via judicial, comprovando prejuízo inoportuno
com a mudança. Da mesma forma se davam as decisões pelo exercício do pátrio
poder pelo pai, cabendo à mulher questioná-las judicialmente.
Compensando a manutenção de tais preceitos, o Estatuto da Mulher Casada
permitiu o exercício de profissão por parte da mulher sem necessidade de
autorização do marido ampliando seu direito de reservar para si o fruto de seu
trabalho o que, mais uma vez, reforça-se, ratificava a dependência feminina e o
dever de sustento da unidade familiar pelo homem, posição claramente
androcêntrica. Aliada a idéia socializada de que a mulher não deveria trabalhar, se
essa o fizesse, seria para cobrir seus gastos extraordinários. As obrigações
financeiras do lar continuavam sob responsabilidade do marido.
Depois do Estatuto da Mulher Casada, de 1962, a primeira alteração legislativa
importante quanto à estipulação de equilíbrio entre direitos de homens e mulheres
só se deu após 15 anos, com a instituição da Lei do Divórcio, em 1977.
Desde a Constituinte de 1891, a possibilidade de instituição do divórcio no Brasil
freqüenta as pautas parlamentares, mesmo que se tenha mantido, por influência da
Igreja, a indissolubilidade do casamento civil nas constituições de 1934, 1946, 1967
e 1969. A intensificação do debate sobre o divórcio se deu, entretanto, a partir da
apresentação do Projeto 786, de autoria do Deputado Federal Nelson Carneiro cujo
primeiro mandato data de 1951.
Um debate tão intenso e tão duradouro reflete, inicialmente, um processo de
acomodação e resistência à mudança, mesmo diante das lutas constantes pelo
reconhecimento de direitos por parte dos movimentos negros e feministas, por
exemplo. Essa adequação a um modelo social de restrição permitiu a introdução e a
manutenção de normas eclesiásticas sob roupagem de normas de direito civil, com
defesa ferrenha por parte dos antidivorcistas.
Mais uma faceta do processo de socialização imposto aos indivíduos desde tenra
idade e cobrado dentro da família e em sociedade é visível na comparação das
teses contrárias e favoráveis à instituição do divórcio. As mudanças nas relações
58
familiares que antecipam a dissolução total dos vínculos entre instituições religiosas
e instituições civis trazem, para os antidivorcistas, temores semelhantes aos
esboçados pelos divorcistas. Os discursos parlamentares em defesa da família, quer
pelo divórcio ou contra, exibem, ambos, natureza conservadora, basta verificar o
enfoque quanto ao papel da mulher e a preocupação de protegê-la econômica e
moralmente.
O Estatuto da Mulher Casada, mesmo reconhecido como importante para a
visibilidade da mulher, reafirmou a ideologia patriarcal ao manter a hierarquia do
marido dentro de uma sociedade conjugal que tinha por colaboradora a mulher.
Neste ponto cabia determinar se essa sociedade conjugal era uma sociedade civil,
estabelecida a partir de um contrato civil ou se concernente a um instituto, ou seja, o
casamento, tese defendida pela Igreja. Se o casamento era um contrato civil, podia,
como qualquer outro, ser desfeito pela vontade das partes, mas, enquanto instituição
era precedido de vontade e por isso indissolúvel. A tais teorias se anexavam as de
independência entre o casamento civil e o casamento religioso que, apesar de
consagrada pelo Decreto 181, de 1890, ainda era pauta de discussão da Igreja que
se mantinha fiel ao projeto de monopólio do casamento.
A separação entre Estado e Igreja expressa na legislação, não foi capaz de eliminar
a vinculação que a sociedade brasileira mantinha com a última, sendo comum a
permanência de princípios canônicos, especialmente no que concerne a Direito de
Família, na legislação estatal. A visão de família como instituição fundamental para a
continuidade da vida em sociedade, originária da doutrina católica, ainda freqüenta a
legislação civil como indispensável à estabilidade social e, portanto, agrega a
indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Por mais que se ensaiasse uma ruptura, o poder da Igreja ainda se fazia sentir
presente. Ensinando e pregando a indissolubilidade do matrimônio por ser instituto
sagrado, essencial à estabilidade social e ao bem comum, a Igreja retira de pauta as
discussões sobre os instintos humanos e estipula a defesa da família acima das
conveniências meramente sentimentais, angariando adeptos. Nesse ponto percebe-
se a influência da educação informal e mesmo da educação formal sobre os
indivíduos elencados no debate acerca da diferenciação entre casamento civil e
religioso e, conseqüentemente, na instituição do divórcio no Brasil.
59
Os ensinamentos da Igreja, mesmo que disfarçados sob pretensos discursos
patrióticos, freqüentam claramente os embates parlamentares que precederam a
instituição do divórcio no Brasil. Não apenas os antidivorcistas, mas também os
divorcistas exibem, em seus discursos a exaltação católica da família e a
importância da divisão dos papéis sexuais para a manutenção da ordem social.
Analisando os discursos atinentes aos papéis do homem, da mulher e dos filhos,
verifica-se que a argumentação divorcista se fundamentava no mesmo viés
conservador sobre o qual se sustentavam as teses antidivorcistas.
Os divorcistas, em seus discursos sobre a unidade familiar, também buscam
proteção e manutenção da família, entendida como célula-base da sociedade. A
manutenção, no entanto, se daria pela proteção da família existente de fato, formada
pelas organizações não reconhecidas pelo Estado, como era o caso das chamadas
uniões concubinárias. Essa teoria se apresentava, e muitas vezes era firmemente
discursada, como uma proposta de perdão social aos desaventurados na escolha do
consorte, com forte apelo de proteção aos filhos que não deveriam sofrer pelo
insucesso da relação dos pais.
A manutenção de um arranjo físico dentro de uma unidade habitacional não era
considerada, para os divorcistas, como uma união conjugal, mesmo diante da
presença de um documento público que a afirmasse, no caso, a Certidão de
Casamento. Por outro lado, havendo entre um homem e uma mulher a estabilidade
afetiva e designação de esforços para o bem comum, ali haveria uma união conjugal
sacramentada pela harmonia, componente inerente a desígnios divinos. Assim, a
proteção à família deveria se dar pela família em si e não pelo registro humano de
sua existência, o que justificava a urgência em torná-la – a família harmônica e não
a registrada – alvo de proteção do Estado.
Uma vez possível o divórcio, as sociedades mal constituídas, definitivamente
desgastadas, dariam espaço aqueles novos arranjos inerentes à busca humana pela
estabilidade das relações familiares. Reconhecida a inevitabilidade de tais arranjos,
a recusa em negar-lhes proteção expressa só atolaria o Judiciário de demandas,
enquanto que o novo casal e os filhos continuariam vivendo sob o estigma do
preconceito.
60
Tais argumentos divorcistas, no entanto, só se faziam uníssonos diante do debate
sobre os casamentos civis. Uma vez casados sob as normas eclesiásticas, a elas os
cônjuges deveriam recorrer para legitimação de uma eventual separação e posterior
contração de novas núpcias, se concedida a anulação. Os valores católicos, imersos
na realidade social da época não permitiriam sequer o debate acerca do divórcio
enquanto instituição religiosa. A estratégia dos discursos divorcistas fora, portanto,
utilizar-se da própria argumentação católica de que o casamento civil não era, em
realidade, um casamento, salvo se acompanhado das bênçãos rituais do
representante da Igreja.
Apesar da diferenciação entre ritual católico e registro civil, o que firmava o debate
em cima de argumentos não religiosos, o discurso divorcista não deixou de se
contaminar pelos ensinamentos e argumentos católicos. Criados e educados dentro
de um sistema de socialização de valores típicos de uma nação católica, nem os
divorcistas escaparam de reproduzir, quanto à família e suas relações, a essência
patriarcal que servia de base ao discurso católico.
A intenção de legalizar a família marginalizada se fazia no visível propósito de
readequar cada um de seus componentes a seus respectivos papéis, permitindo que
aquele núcleo de estrutura ainda patriarcal – e assim deveria ser – fosse
reconhecido e se reconhecesse como instituição fundamental à sociedade. O
enquadramento de homens e mulheres aos papéis de gênero, ao que se esperava
de seu comportamento, era também a base dos argumentos divorcistas.
Divorcistas e antidivorcistas lutavam, a bem da verdade, pela mesma família,
formada pela união de homem e mulher baseada no amor, lugar de procriação e
divisão de funções entre seus membros dentro do espaço doméstico. Construída ou
reconstruída, a família deveria representar a segurança para os filhos e,
especialmente para a mulher. Entendida como vítima do desquite, estava a mulher
impossibilitada de recasar e recuperar o status e a segurança econômica de “rainha-
do-lar”. Como vítima do divórcio, a mulher se sujeitaria a perder as vantagens e a
segurança dedicadas à esposa e à mãe, caso a estabilidade do casamento fosse
ameaçada. Independente do discurso, a mulher continuava sendo vista como frágil,
emotiva, irracional e financeiramente dependente.
61
O foco na proteção da mulher se reforça no entrave entre as duas correntes, ambas
também discutindo a preservação dos filhos. Entre as décadas de 1950 e 1970, quer
se referisse à diferenciação entre enlace civil ou religioso, quer sobre patrimônio, a
proteção da mulher e dos filhos frente ao preconceito social e o abandono material
eram recorrentes.
Sendo indissolúvel, o casamento permitiria à mulher a condição de rainha do lar, de
mãe e de esposa ligada ao marido até a hora de sua morte. Acontecia, porém, de
esta mesma mulher – rainha do lar, esposa e mãe – inspirar os discursos pela
dissolubilidade, só que dentro de um contexto governável. Desquitada, a mulher não
teria reino porque se distanciara do antigo lar, que pertencia ao casamento ora
desfeito, ao mesmo tempo em que se via impossibilitada de formar um novo lar pela
restrição legal a outro casamento. De uma ou de outra forma, não mais ostentando o
status de casada, a mulher se sujeitaria a perder a pureza pela falta daquele que lhe
desse proteção, ou seja, o homem.
Para os divorcistas, a idéia era possibilitar à mulher o direito de ter um novo marido,
salvando-a da condição de simples amante. Seria, por outra visão, uma maneira de
perdoá-la pela perda do título de esposa, possibilitando-lhe uma nova chance de se
mostrar capaz de manter o marido ao seu lado. A sociedade deveria legar à mulher
o direito de recuperar seu status social, de fazer o que fora treinada para fazer, e
não destiná-la à uma subcondição que, tanto quanto destoava de sua destinação
social, contrariava sua condição de inferioridade.
Também focando a mulher, os antidivorcistas afirmavam que sua utilização nos
argumentos adversários se fazia tendente à desagregação da família e não à sua
proteção pessoal. De natureza emotiva e incapaz de pensar e decidir sem o
acompanhamento masculino, o apoio feminino ao divórcio era tido como fruto da
debilidade da mulher, naturalmente vulnerável às idéias alheias.
A visão androcêntrica acerca do papel social da mulher e da família não permite,
sequer ao discurso divorcista, um posicionamento de reestruturação e atribuição de
novos significados à família e reformulação dos papéis construídos a partir de
estereótipos de gênero. Individualismo, trabalho feminino para manutenção própria e
as modificações nos relacionamentos entre membros da família, apesar de
62
prementes, não subiram à pauta. E a família discutida e rediscutida continuou sendo
a família idealizada, ou seja, nuclear, monogâmica, doméstica, fruto do amor
romântico e presa à divisão dos papéis sexuais.
A bandeira do divórcio não pretendia desfazer laços ou modificar papéis, pretendia,
lado contrário, reafirmá-los. À mulher mãe, companheira e dona-de-casa seria
concedido o título de esposa, junto com um documento civil que, pretendia-se,
serviria de proteção. Ao homem, agora marido, a obrigação, de papel passado,
quanto ao futuro daquele núcleo que ele deveria prover. Aos filhos, o fim do
sofrimento pelo preconceito quanto à condição marginal da união dos pais. Tudo
estaria resolvido.
Os antidivorcistas, nesse ponto, esboçavam preocupações quanto aos filhos que se
deixaria no primeiro casamento, à esposa ou marido que, diante da brusca ruptura
de uma união que se pretendia eterna, seriam abandonados por seus consortes e,
pior ainda, com amparo legal. Os dois discursos, ora pela manutenção dos laços
inicialmente construídos, ora pela possibilidade de reconstrução, eram recebidos do
lado de fora das tribunas parlamentares por uma população que, mesmo
vivenciando a intensificação da industrialização e da urbanização da década de
1970, não se desfazia dos antigos valores na mesma velocidade.
A elevação da taxa de escolaridade feminina e o crescimento do número de
mulheres no mercado de trabalho durante a década de 1970, aliados às campanhas
feministas pelo reconhecimento da capacidade da mulher, apesar de parecerem em
primeira análise, interessantes, esbarravam em questões econômicas, motivando
simpatia popular pela manutenção da estabilidade financeira para a mulher. Pelo
divórcio ou contra o divórcio, mesmo que trabalhasse para ajudar em casa ou
manter pequenos luxos, o ideal feminino ainda se atrelava ao casamento estável,
seguro e feliz. Ainda que as economias próprias da mulher fossem capazes de
sustentá-la e a seus filhos, sem necessidade de recursos do marido, a
desvinculação ao casamento era criticada.
Dentro de tal realidade social, reforçada pelo imaginário recorrente de família, os
embates sobre o divórcio, levantados, com ênfase, a partir de 1893,
87
só se findaram
87
Projeto apresentado pelo Deputado positivista Edson Coelho.
63
com aprovação por força de uma manobra política.
Princípio constitucional recorrente desde 1934,
88
uma lei divorcista dependia, antes
de tudo, da alteração do preceito inscrito na Carta Magna de 1967, ainda vigente em
1977. Uma modificação no coeficiente de votos no Congresso para emendas à
Constituição que permitia alteração por maioria de votos ao invés dos dois terços
antes exigido, permitiu a aprovação da Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho
de 1977. A partir de então, sem o empecilho da declaração sistemática de
inconstitucionalidade, começaram as análises dos projetos que originaram a Lei do
Divórcio, aprovada em dezembro de 1977, sob o nº 6.515.
Como se previa pelos debates legislativos e discussões nas ruas, a condição de
dependência da mulher ao provimento do marido permaneceu inalterada. A Lei do
Divórcio possibilitou a dissolução total dos vínculos, facilitou o processamento das
separações consensuais já existentes, marcou obrigatoriedade de separação judicial
prévia, reforçando o viés conservador, com um prazo mínimo de três anos para o
início do processamento do pedido de divórcio.
Novamente conservadora, a limitação do divórcio a uma única concessão, exibia a
característica de perdão pelo erro de escolha do cônjuge, mas punia a reincidência.
A separação prévia ao divórcio, se litigiosa, deveria ser requerida com base na
imputação de culpa ao outro, quer por conduta desonrosa ou qualquer ato que
importasse grave violação dos deveres do casamento a ponto de fazer insuportável
a vida em comum. Se separados extrajudicialmente por tempo superior a cinco anos
consecutivos, poderia ser requerido o reconhecimento da chamada separação de
fato, que também ensejava o divórcio.
O divórcio só se fazia possível, portanto, diante da impossibilidade de reconstituição
do vínculo familiar primário, tentativa imputada pela lei ao magistrado que só poderia
concedê-lo após questionar as partes requerentes sobre a possibilidade de
manutenção do casamento. As causas da separação, a partilha e a definição da
situação dos filhos e da pensão alimentícia eram discutidas na separação judicial,
consensual ou litigiosa, restando para a análise de concessão do divórcio apenas a
comprovação de que os acordos homologados estavam sendo cumpridos e que não
64
restava mais vínculos.
Neste ponto é importante destacar a preocupação com a situação financeira da
mulher divorciada, já que se faziam comuns as negativas de concessão de
conversão da separação judicial em divórcio nos casos em que os acordos sobre os
filhos e pensionamento não se faziam cumprir no lapso temporal exigido pela lei
entre a homologação da separação e o pedido de divórcio. Também eram comuns a
referência judicial a acordos de pensionamento alheio aos autos, especialmente
para reafirmar o direito de sustento da mulher ainda que não determinado pelo juiz.
88
FRANÇA, Rubens Limongi. A Lei do Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1978.
65
4 EM BUSCA DO NOVO COMPANHEIRO
Alheias ou não aos debates divorcistas, muitas mulheres que se separaram logo
após a instituição do divórcio no Brasil viram-se diante de duas realidades distintas,
ora tendente aos modelos introjetados pelo convívio escolar e familiar, ora
direcionada a um novo modelo de formação familiar que se apresentava. Se outrora
os padrões de comportamentos masculino e feminino se mostravam praticamente
imutáveis, tanto quanto o registro de casamento, nesse novo momento em que se
vislumbrava a reversibilidade do estado de casada, também se fazia possível
reverter, ou pelo menos promover adaptações, naqueles comportamentos
reconhecidos como tipicamente femininos e masculinos. E o divórcio, em si, se
mostrava facilitador desse processo.
Por outro lado, entendido como ruptura – o que realmente era – a simples
possibilidade de existência de divórcio nas famílias mais tradicionalistas, abastadas
ou não, trouxe um temor à exposição pública que acompanhou por muito tempo e,
em certos casos ainda acompanha, aquelas mulheres que, rompendo o modelo de
casamento eterno, mostraram-se largadas do marido.
Entrevistas realizadas com mulheres que se separaram definitivamente dos maridos
entre 1977 e 1988, exibe uma preocupação com a exposição ao público de uma
realidade inexistente, ou seja, mesmo diante da ruptura do casamento, a exibição do
modelo aceitável de constituição familiar se faz necessária. Tais preocupações
quanto à exposição da vida íntima e a conseqüente manipulação da realidade que
se permite exibida publicamente, requer tanto desindividualização quanto
desprivatização, conforme estudos de Arendt,
89
o que explicaria o fato de que
muitos dos pedidos de divórcio se deram anos depois da separação definitiva,
judicial ou não, do casal.
Se no espaço público só se permite mostrar informações ou situações convenientes
ao que se traça socialmente como normal, ainda recorrendo a Arendt, observa-se,
inicialmente, que a negação do status de separada no momento em que os
discursos antidivorcistas encontram-se abafados pela imposição legal da realização
do divórcio, exibe uma dupla realidade. Obrigada a aceitar a separação ou o divórcio
89
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.
66
por imposição do marido, ou assumindo a escolha de por fim à relação conjugal pela
impossibilidade de convivência, ao preservar-se e aos filhos da punição pública pela
falência de seu casamento, essa mulher exibe, de forma clara, a introspecção
focada nos moldes aprendidos na escola e na família com a consciência
90
de que,
ainda que vítima, fora responsável pelo desfazimento de sua família.
Lançadas à escolha entre o que é permitido legalmente e o que é socialmente
aceitável, as mulheres entrevistadas para este estudo apresentam, ainda, seus
conflitos quanto à educação formal e informal segmentária por elas recebida e a
educação oferecida aos filhos e netos. Mais uma vez o conflito entre permitido e
socialmente aceito se mostra presente, exibindo a delimitação histórica da
interseção entre público e privado.
4.1 Padrões comportamentais, instabilidade financeira e relacionamentos: a
prática cotidiana
Como este estudo visa mostrar que nem todas as mulheres descartaram os modelos
anteriormente adotados, mesmo diante da modificação dos papéis delineados para
homens e mulheres a partir da ampliação dos estudos de gênero no Brasil,
entendeu-se mais adequado partir de um caso, ou indivíduo específico, para a ele
agregar informações dos demais. A escolha se justifica pela possibilidade de
confrontações diretas de realidades (ou recriações de realidades) “[...] com pessoas
consideradas especialmente representativas ou cujo envolvimento com o tema seja
avaliado como mais estratégico [...]”, nas palavras de Alberti,
91
mesmo que suas
histórias não apresentem linha comum. Assim, traçado o parâmetro que fundamenta
esta pesquisa, suas variações podem a ele ser agregadas e, de forma clara e
objetiva, expor à claridade um modelo de comportamento feminino que, mesmo
diante da imposição de novos padrões e novos modelos, não sucumbiu. Esse
modelo se faz bem representado por Azaléia.
Azaléia nasceu no ano de 1954, em Vila Velha, região metropolitana da Grande
90
“Consciência” no sentido de re-criação de realidade passível de exibição, conforme exposto por
Arendht(1981).
91
ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2004,
p. 38.
67
Vitória. Foi criada numa família grande, de 15 irmãos, que teve como pai um homem
muito carinhoso e como mãe uma mulher “ressecada pela criação com a madrasta”
e, portanto, muito tendente à imposição dos parâmetros de comportamento que
acreditava passíveis de permitir a boa criação dos filhos. A mãe de Azaléia casou-se
aos 15 anos.
Apesar de fazer parte de uma família de muitos irmãos, Azaléia estudou até a oitava
série de forma regular, completando o ciclo antes conhecido como ginasial, e cursou
contabilidade em escola técnica no segundo grau, hoje denominado ensino médio.
Para Azaléia, a passagem do ginásio para o segundo grau, em curso técnico, foi um
divisor de águas já que, enquanto no ginásio “[...] era falado para se comportar
direito porque homens gostam de mulheres comportadas pra casar”, no secundário
o foco era o trabalho. Assim, ainda que as moças devessem respeitar os padrões de
comportamento adequados à sua condição de mulher, esses padrões estavam
direcionados a mais de um objetivo, pelo menos imediatamente.
No ensino primário e ginasial, a idéia do que se fazia “coisa de menino e coisa de
menina” permeava as relações dos alunos entre si e desses com os professores,
exibindo claros contornos especialmente nas vestimentas utilizadas nas aulas de
Educação Física, ocasião em que às meninas era permitido trocar as saias
prensadas, usadas no dia-a-dia. Substituia-se por bermudas, que permitiam
liberdade de movimentos.
A marcação exata de postura para as meninas, modo de sentar-se, de falar, o que e
como falar, eram recorrentes na escola e em casa. Mais tarde, numa ocasião de
conflito em família, Azaléia entendeu o porquê. “Meu pai expulsou a tia de casa
porque ficou preocupado com a virgindade da minha irmã. Minha tia não se
comportava direito e meu pai disse que ela [a filha, irmã de Azaléia] tinha que se
preservar pro casamento”.
Não se falava sobre virgindade ou casamento, ou qualquer outra coisa que
lembrasse intimidade entre homens e mulheres. Até mesmo a relação de intimidade
com o próprio corpo era ocultada. Azaléia diz recordar-se o medo que sentiu quando
menstruou e a vergonha quando a “mãe descobriu porque encontrou meus
paninhos. É que, na época, não tinha Modess e a gente usava um paninho que
68
lavava e secava meio escondido”.
Mesmo entre as moças, as experiências eram ocultadas. Quer fizessem ou não
parte da família, quer fossem irmãs ou primas, quer simples conhecidas, pouco se
falava sobre temas que saiam do rotineiro. Interesse por meninos na adolescência
era, por exemplo, negado com veemência. O medo de repressão na escola e na
família era tamanho a ponto de impor um código de silêncio que se mantinha entre
as moças, na maioria das vezes, às custas dos temores das outras. Tais temores
refletiam a preocupação da família com o crescimento das meninas e, portanto,
tornavam ocultáveis até mesmo a ocorrência da menstruação, assunto não
discutido, relegado à alcova. Enquanto criança, havia uma certa liberdade, “coisa
atribuída à inocência”, segundo Azaléia, mas, conforme cresciam, as meninas se
tornavam motivo de apreensão para a família.
Menstruação era, visivelmente, uma preocupação para os pais. Agora, mais do que
nunca, sendo “moça formada”, a filha carecia de mais vigilância para que não se
tornasse desonra para a família. “Não podia andar de conversa com os rapazes”
porque os irmãos logo se apresentavam com posturas agressivas. “Eles tinham
muito ciúme da gente e contavam tudo pro pai e pra mãe”.
A criação das meninas tinha por foco o casamento e, apesar de esse assunto não
ser tratado diretamente, conforme cresciam, a preocupação com a virgindade e,
conseqüentemente, com o comportamento em público, aumentava. Aos irmãos do
sexo masculino – incentivados a manter moral e financeiramente a família de origem
e, posteriormente, a sua própria – cabia zelar pela honra das mulheres, vigiando-as
e punindo-as quando necessário. A vigilância dos irmãos, muitas vezes mais severa
e pontual que a dos próprios pais, trazia temor às moças. Azaléia se recorda que
“era comum as meninas apanharem dos irmãos em qualquer lugar e em qualquer
hora. Eles eram muito ciumentos”.
Mesmo o risco iminente do castigo físico e os xingamentos dos pais e irmãos não
desincentivavam as aventuras das moças. Azaléia “pulava a janela para ir às festas
e namorava escondido, mas morria de medo”. A grande preocupação da família se
concentrava no risco de que as travessuras das meninas interferissem na
possibilidade de um bom casamento futuro, casamento esse que deveria refletir o
69
padrão de família socialmente imposto. No caso de Azaléia, “o pai, a mãe e um
batalhão de filhos”.
Para conseguir alcançar o intento de transformar as meninas em moças capazes de
conseguir um bom casamento, tanto a escola quanto a família impunham diversas
restrições que seguiam da proibição de continuação dos estudos por só haver opção
em curso noturno até o casamento forçado. Azaléia, em momento algum atribui
desamor à desconfiança e sucessivas proibições dos pais, dizendo reconhecer-lhes
a ignorância e a obediência cega à uma “cultura de que mulher era pra casar e
seguir o marido” ao mesmo tempo que do homem era cobrado preparar-se física e
intelectualmente para manter a família.
Se a meta era casar a filha, a preferência se fazia por um rapaz que tivesse
condições de mantê-la financeiramente e aos filhos do novo casal. Nesse ponto, as
condições financeiras ao lado de um bom caráter, atributo da honra masculina,
contavam muito. Quando a moça se interessava por um rapaz que se encaixava no
modelo esperado pela sua criação, a família logo tratava de direcionar o casamento
para o mais breve possível. Caso contrário, a moça era severamente repreendida e
todo o grupamento familiar direcionava esforços para a busca de um pretendente à
altura.
Inicialmente poder-se-ia pensar que as idéias de nivelamento ocorressem apenas
em famílias mais abastadas, mas, o caso de Azaléia, de origem bem modesta, exibe
uma preocupação constante com a manutenção de um status, mesmo que atribuído
unicamente ao nome da família. Por isso, Azaléia acredita que a formação técnica
do namorado em mecânica e o fato de compor o quadro de funcionários da Vale do
Rio Doce influenciou na aprovação da família. Com boas intenções de casamento e
exibindo segurança financeira, não foi difícil para o jovem rapaz apresentar-se de
surpresa à mãe de Azaléia enquanto ela se escondia no armário do quarto por medo
das reações que a atitude do namorado provocaria nos pais e nos irmãos.
Aceito o namoro, demandava-se tempo para firmar melhores condições financeiras
do rapaz, enquanto isso Azaléia permanecia estudando e chegou a fazer curso
técnico em Contabilidade. Casou-se em 1976, com seis anos de namoro e 23 anos
de idade, com formação técnica, sem nunca ter exercido atividade laborativa
70
financeiramente rentável. Após o casamento, Azaléia permaneceu sem trabalhar,
afinal “o marido dava conta” e, mesmo que pretendesse, ele sempre dizia que
“mulher não precisa trabalhar”. Assim, Azaléia era a esposa perfeita que cumpria as
determinações padronizadas. “Queria ser dona-de-casa, boa esposa, boa mãe” e
não via nada de errado em tais desejos já que até mesmo as amigas que
trabalhavam antes de casar deixaram o emprego quando tiveram filhos. “Fico com
muita pena de deixar meu filho”, diziam à Azaléia, e era assim que tinha que ser.
“Acho que era a cabeça da época”, justifica.
Excessivas cobranças familiares quanto ao comportamento levaram Azaléia a adotar
uma postura extremamente protetora perante os filhos. Interrogada sobre o motivo
de tal proteção, ela relembra o trato com a própria mãe sem citar nada específico,
mas deixando clara a preocupação de não deixar os filhos ao desamparo. Afinal, a
mãe era um tanto sofrida por ter sido criada por madrasta. A preocupação em
mostrar-se presente que, sob o ponto de vista de Azaléia, advém da
imprescindibilidade da mãe na vida de uma criança, exibe toda a criação ou re-
criação de realidades estudada por Arendt, tendo por recorte a construção do
materno, tema analisado por Badinter,
92
ao mesmo tempo que reforça a formação
do indivíduo dentro de um processo de socialização que reforça a conformidade
com o padrão androcêntrico legitimado pelas práticas simbólicas.
93
94
Mesmo que a
formação e fortalecimento dos laços familiares se façam de acordo com o convívio e
não pelo sangue, para Azaléia, suas primas e amigas, assim como para a mãe de
Azaléia, as primas e amigas dela, “mãe é mãe e nada substitui”. Mais um peso na
vida de uma mulher. Pior que não ter mãe é ter uma péssima mãe. Se a mãe de
Azaléia – que fora criada sem mãe – conseguiu cumprir seu papel de trazer a filha a
um bom casamento, ela deveria portar-se de igual forma ou ainda melhor. Da
primeira gravidez de Azaléia resultou uma menina.
Nascida no segundo ano de casamento, a filha de Azaléia tornou-se a atração da
família e uniu ainda mais o casal. Mãe superprotetora e orgulhosa por sê-lo. Pai
ciumento e também muito orgulhoso de sua condição. A felicidade estaria completa
quatro anos mais tarde com o nascimento do filho do casal. Para Azaléia, que
92
BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
93
BERGER; BERGER, 1999.
71
considerava que assim a família estava “perfeita”, foi um choque descobrir a traição
do marido.
“Traições”, palavra que ela faz questão de frisar no plural ainda com um tom
amargurado na voz. O casal separou-se em 1983 e ainda assim Azaléia faz questão
de relembrar em detalhes o ocorrido. Expressa sentimento de revolta ao esmiuçar as
circunstâncias em que descobrira que o marido tinha uma amante, as sucessivas
ligações que fez a fim de armar uma maneira de “pegar no flagra” e o medo que
sentiu das conseqüências de encarar a traição do marido. Ela teria que divorciar-se.
Mais revolta parece esboçar-se com a pergunta que interrompe sua divagação.
“Desaprovaram! A minha família acobertou as traições dele. Eles sabiam e não me
falaram nada.” Mesmo traída, Azaléia não saiu como vítima. Para a família e os
amigos mais próximos ela não passava de uma “louca desequilibrada” que ia acabar
com um ótimo casamento por um motivo banal. Questionada sobre a possibilidade
de estabelecer um parâmetro entre sua reação à postura de sua família de origem
observadas pela Azaléia da época e pela Azaléia de hoje, a entrevistada se cala por
um bom período para depois responder em tom de desculpa. “Posso ser sincera,
sincera mesmo? Se eu imaginasse que ia passar por tudo que passei, toda
chateação da família, toda a dificuldade financeira para criar meus filhos, eu teria
ficado casada mesmo com a traição dele.” Sem esforços, Azaléia, por si, havia
chegado ao ápice dos quesitos elaborados para o presente estudo, sua história de
vida a conduzira.
Antes, porém, algo precisava ser esclarecido. Azaléia pedira permissão para dizer a
verdade de uma forma que não lembrava, sequer de longe, a maneira como contara
as peraltices de adolescência. Salvo mais apurada análise, assumir que não teria se
divorciado se soubesse da dificuldade financeira que se apresentaria parecia mais
sancionável que ter colocado sua reputação e o nome da família em risco com as
escapadas corriqueiras para ir às festas, com todos os perigos que rondam as
moças na adolescência. Mesmo criada para o casamento e ainda que nunca tivesse
trabalhado, essa mulher em especial, sentia-se culpada por assumir dependência
financeira. “Hoje a mulher trabalha, tem que trabalhar. Na minha época não era
assim. Muita mulher ainda depende porque não ganha tão bem, mas fica feio dizer
94
BOURDIEU, 1999.
72
isso. Imagina! Essas moças de hoje acham um absurdo. É por isso que fico com
vergonha.”
Como o marido trabalhava empregado, com certa estabilidade, Azaléia nunca
imaginou que teria dificuldades financeiras oriundas de não pagamento de pensão.
Ela ficou com a casa, que alugou para terceiros para “sair de perto dos parentes e
do falatório”, mudou-se para outro bairro, providenciou requerimento judicial de
separação o mais breve possível e passou a receber dez por cento do salário do
marido para si, a título de pensão de alimentos, mais trinta por cento para os dois
filhos. Tanto em separação quanto em divórcio foram firmados acordos patrimoniais
que Azaléia se apressa em reconhecer que lhe trouxeram certo desconforto já que
foram decididos por seu advogado sem sua intervenção, coisa que, segundo ela, era
comum acontecer com as mulheres da época.
Privilegiada ou não, Azaléia sentiu-se financeiramente satisfeita com o acordo
firmado sobre a pensão enquanto o ex-marido trabalhava na Vale do Rio Doce e ela
a recebia em conta bancária. Em 1991 quando abriram processo de divórcio, Azaléia
tinha um namorado e o marido tinha acabado de deixar a empresa em que
trabalhava. Azaléia perdeu a pensão que recebia e a pensão dos filhos foi reduzida
a um salário mínimo para cada. Como a divisão do patrimônio do casal não foi o
bastante para que Azaléia se mantivesse sozinha, a redução de percentuais
provocou uma queda brusca no padrão de vida e cortes imediatos foram feitos.
Nada se compararia, porém, à interrupção do pagamento. Logo depois do divórcio o
marido “relaxou com a pensão e passou a pagar quando queria”. Neste momento a
entrevistada diz entender o motivo de o marido ter-se desligado de uma empresa tão
boa. A pensão deixava de ser paga pela própria Vale, por desconto na folha de
pagamento e depósito em banco, e passava aos cuidados do alimentante. Azaléia
não viu solução judicial para a inadimplência que se estabeleceu pois era difícil fixar
rendimentos do ex-marido agora que ele não trabalhava mais de carteira assinada”,
fato que, segundo Dias,
95
desde longa data se mostra como expediente comum
daqueles que pretendem redução ou cancelamento da obrigatoriedade de
pensionamento. O ex-marido de Azaléia não era o único que resolvera trabalhar por
conta própria para omitir seus reais rendimentos e conseguir, com a cobertura da
95
DIAS, Maria Berenice. Dívida alimentar. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004.
73
legislação, reduzir o pensionamento de ex-esposa e filhos. O mesmo expediente é
denunciado com freqüência por diversas mulheres – sem que sanções práticas
fossem aplicadas aos maridos – em processos judiciais arquivados sob os cuidados
do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, analisados em pesquisa.
O recurso financeiro imediato de Azaléia, bem como o de diversas mulheres que
buscaram, sem sucesso, a proteção judicial, foi sua família. A ajuda dos irmãos foi
crucial para sua manutenção imediata. Apesar de que, a esta altura, Azaléia
trabalhasse como secretária de escola por meio período. Ao mesmo tempo que diz
não saber explicar o porquê de nunca ter procurado emprego mais rentável, ela
reforça o arrependimento por “ter perdido a chance de voltar pro meu marido”. Ele
fez a proposta à época do divórcio e ela chegou a considerar um retorno por conta
da estabilidade financeira que poderia trazer aos filhos, mas descartou a idéia para
morar com o namorado que, até então apresentava-se como a oportunidade de
realização das “expectativas que toda mulher tem”. Viveu com o novo companheiro
por dez anos.
Apesar de não dispor de muitos recursos, a ajuda financeira do novo companheiro
permitiu à entrevistada acomodar-se. A franqueza de Azaléia é surpreendente
quando o assunto é a motivação para ter-se unido ao novo companheiro. “Carência
pessoal e necessidade financeira. Ficava mais barato dividir as despesas”,
assevera. O trabalho de Azaléia não era suficiente para suas despesas pessoais e a
pensão dos filhos, agora rarefeita pela inadimplência do ex-marido, não se fazia
suficiente mesmo que as crianças mantivessem os estudos por bolsa. Não seria
possível negar a ajuda financeira do novo companheiro como variável importante
para a manutenção desse segundo relacionamento. Ela não nega e atribui o fim ao
comportamento do consorte, que “tinha condições de crescer na vida, mas era
relaxado.” Mais uma vez a questão financeira se apresenta, já que o termo “crescer”
assume vinculação estritamente patrimonial, especialmente porque a entrevistada
não se atém muito ao fato de que o novo companheiro fora criado na zona rural e
não tivera acesso à educação formal.
Com a ajuda financeira do filho que mora fora do país e da filha que se mantém
empregada com certa estabilidade, diante da possibilidade de troca vantajosa de
Disponível em: <http://www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=116>. Acesso em: 5 abr. 2005.
74
sua casa em Vila Velha por um apartamento em Vitória, Azaléia abandonou o
companheiro com o apoio dos filhos. Eles ainda se encontram, apesar de não mais
morarem juntos. Chama a atenção o fato de o companheiro ainda colaborar
financeiramente com pequenos valores. Reinquerida sobre a existência de motivos
de cunho patrimonial para o fim do relacionamento, Azaléia nega. Porém,
questionada sobre o interesse em crescimento financeiro do parceiro, a entrevistada
exibe uma contradição. “Sim. Isso afastou mesmo. Ele não era organizado e não era
estável financeiramente”. A dependência sobre o pouco dinheiro do trabalho de
Azaléia para sustento da família também foi motivação. Afinal, se o companheiro
tivesse se esforçado em “crescer”, eles não precisariam do salário dela e ela, apesar
de sentir-se útil trabalhando, não precisaria trabalhar.
Azaléia exibe bem a coexistência de modelos diversos e conflitantes. Criada para o
casamento, viu a filha direcionar-se para o mercado de trabalho. Ao afirmar que
trabalha porque “a pessoa tem que se sentir útil” retira de si uma responsabilidade
financeira que encara como tipicamente masculina ao mesmo tempo em que diz
arrepender-se por ter sido “sempre muito acomodada” já que mantém o “primeiro e
insuficiente” emprego até hoje.
Questionada sobre a possibilidade de a filha abandonar o trabalho após o
casamento, Azaléia é enfática ao afirmar que não apoiaria. Ressalvada a hipótese
de a filha casar-se com um homem de posses que lhe oferecesse garantias
patrimoniais em caso de separação, Azaléia diz que não há garantia bastante,
mostrando-se experiente quando o assunto é queda no padrão financeiro após
separação e divórcio. Mas, havendo divisão patrimonial suficiente para garantia de
futuro da filha, Azaléia admite que “não a reprovaria por deixar de trabalhar, desde
que não ficasse de todo inútil”.
A entrevista terminaria conforme o roteiro previamente elaborado se Azaléia não
tivesse pedido a palavra para, ao final, forçar uma nova análise do mesmo e
complementação nas entrevistas posteriores. Azaléia disse sentir necessidade de
deixar claro que seu próximo relacionamento “não será com homem pobre e ele será
organizado com suas contas. Vamos nos conhecer bem para eu não fazer de novo o
que fiz com esse último, juntar antes de conhecer direito a pessoa. E eu vou morar
com ele, não ele comigo”. O tom de voz enfatiza bem de quem serão as
75
responsabilidades pela manutenção do lar. “Principe Encantado?”, perguntou-se.
“Isso mesmo! Eu ainda vou achar o meu e ele vai cuidar de mim como mereço!”
4.2 Outras mulheres, outros percursos, idênticas linhas de chegada
Dália, Açucena, Margarida, Angélica, Magnólia, Rosa e Petúnia somam-se à Azaléia
como indivíduos representantes do grupo que se pretende exibir com este trabalho.
Com idades que variam de 40 a 63 anos, essas mulheres mostram-se fruto da
educação de sua época que, como se verá, oscila bem próximo do padrão exibido
por Azaléia, de 53 anos. A semelhança exibida pelos padrões de comportamento
introjetados pela escola e pela família das entrevistadas permite concluir que, pelo
menos para esse grupo, pouca alteração houve ao longo de 23 anos, tempo que
separa o nascimento de Margarida, de 63 anos, do nascimento de Rosa. hoje com
40 anos. Considerando-se que Rosa e Dália, de 42 anos, têm idade próxima da
idade dos filhos de Margarida, verifica-se que duas gerações, no mínimo, exibem o
mesmo padrão de comportamento.
A limitação temporal da pesquisa não permitiu ampliação na seleção de indivíduos
que pudesse caracterizar a manutenção por mais gerações, mas esta não se faz
descartar diante de recentes publicações direcionadas ao público feminino que
trazem, como perspectivas de vida para mulheres, o casamento ao lado da carreira.
Pode-se facilmente verificar que as atuais publicações de distribuição massificada
reproduzem conceitos próximos daqueles trazidos pelas publicações das décadas
de 1940 a 1960, citadas ao final da segundo parte deste trabalho. O suposto
fracasso emocional das mulheres profissionalmente bem sucedidas é assunto
recorrente em tais periódicos e exibe uma preocupação com o adiamento do
casamento, ainda considerado sucesso feminino. Se a publicação de uma
determinada revista mensal chega à 202ª edição,
96
há de se considerar a
pertinência de suas matérias ao interesse de suas leitoras, portanto, casamento e/ou
96
A revista Criativa da Editora Globo, exibe na edição datada de fevereiro de 2006, a matéria de capa
intitulada “Bacanas & Sozinhas. Novas pesquisas e auto-ajuda divertidas exploram o enigma: por
que tantas mulheres decolam na carreira e derrapam no amor?”. O título em si exibe a manutenção
de uma perspectiva quanto ao casamento da mulher. A matéria, que trata da dificuldade que as
mulheres bem sucedidas enfrentam na busca pelo parceiro, destaca a persistência da busca pelo
76
estabelecimento de relação afetiva contínua e duradoura ainda permeiam os ideais
femininos.
Somente uma das entrevistadas nega a manutenção de tal perspectiva e até em sua
negação é possível verificar a adequação aos padrões normatizadores já que
assume ter se divorciado ainda amando o ex-marido e considerar casamento como
vínculo eterno, mesmo diante da impossibilidade de convivência. Tal motivação,
apesar de parecer distanciar-se do foco de trabalho, mostra-se extremamente
pertinente, por isso o destaque de sua contribuição. Antes, porém, cabe exibir a
formação educacional formal e informal de cada uma.
Como Azaléia, todas as demais entrevistadas estudaram em escola pública e
deixam clara a constante restrição quanto ao comportamento, que deveria ser de
“obediência aos pais e aos professores e, quando casassem, ao marido”, conforme
destaca Angélica, de 53 anos, que teve como professora das séries iniciais a esposa
de um pastor protestante. Dália, que estudou em escola católica, exibe lembrança
semelhante ao citar que formou concepção de que a mulher deveria cuidar do
marido e dos filhos enquanto que ao homem cabia sustentar a família
financeiramente. Tanto para a escola, quanto para sua família “a mãe era a rainha
do lar, o pai o mantenedor financeiro e os filhos meninos trabalhavam para se casar
e manter a futura família e as meninas procurar um 'bom partido'”. Açucena esboçou
comportamento de extrema adequação ao modelo lecionado pela escola de Dália,
também vivenciado por si.
Ao terminar a quarta série do curso primário, Açucena decidiu que não queria mais
estudar porque queria ser dona-de-casa. Largou a escola para preparar-se para o
casamento, fez cursos de bordados, cursos de direcionamento para execução de
tarefas domésticas e cuidados de higiene pessoal. Dedicar-se à formação
profissional sequer era cogitado. Para Açucena o destino da mulher era cuidar da
casa, dos filhos e do marido, nada além. A decisão pelo retorno à escola só se deu
porque começou a namorar um rapaz que exibia patente de cadete e ela sentiu
vergonha por não ter instrução à altura do namorado. Cabe salientar que o termo
“instrução” é destacado pela entrevistada como sinônimo de nivelamento em séries
“homem certo” e a retomada de “padrões da décadas passadas” no intuito de melhorar “as
possibilidades no amor”.
77
ou ciclos escolares, não necessariamente de conhecimento. Aos 14 anos, Açucena
retomou os estudos, Dália acabara de nascer.
Açucena fez admissão para o ginásio e seguiu estudando até formar-se no curso de
Magistério do Instituto de Educação, em dezembro de 1974. Casou-se em maio de
1975. Azaléia casou-se também em maio, no ano seguinte. Com exceção de
Margarida, que se casou em 1962, Dália e Rosa, que se casaram em 1982 e 1983,
respectivamente, as demais registram data de casamento entre 1975 e 1976.
Ao contrário de Açucena, Magnólia, de 49 anos, decidira por estudar e trabalhar
talvez influenciada por sua mãe que fora trabalhar sob protestos do marido.
Magnólia chegou a fazer admissão para o ginásio, mas como se tratava de curso
noturno, o pai não permitiu que estudasse. Trabalhar só era possível em casa,
fazendo a unha das amigas, atividade que o pai não considerava laborativa por
entender como “coisa de mulheres”. Na verdade, nem a própria entrevistada
reconhece que trabalhava nessa época, exibindo a situação como uma travessura
que visava desafiar o poderio paterno. Ao final, Magnólia acabou por realizar as
aspirações do pai. Como “todas as amigas de infância, sem exceção”, casou-se
“muito bem” e foi morar “numa casa grande, com dois carros na garagem e
empregada”. “Eu era muito bonita”, apressa-se em destacar o motivo de um
casamento tão vantajoso. Logo após o casamento, Magnólia parou de trabalhar e
passou a dedicar-se exclusivamente ao marido.
Rosa, que se dedicava apenas a pequenas atividades domésticas antes de casar,
afirma que, após o casamento – imposto pelo pai com homem que ela mal conhecia
– abandonou toda e qualquer atividade para dedicar-se exclusivamente aos filhos,
função que, relembra, era imposta pela própria família de origem. Quando tratada a
função do marido, em comparação com a função da esposa, Rosa assume que não
gostava do marido arrumado para si pelo pai, mas explica que o que motivou sua
saída de casa foi, na verdade, o fato de que ele “não assumiu as responsabilidades”.
A entrevistada entendia como absurda a impossibilidade de o marido não ser capaz
de providenciar seu sustento e dos filhos. Petúnia, de 50 anos, portanto 10 anos
mais velha que Rosa, é mais enfática quando o assunto é a responsabilidade do
marido em prover o lar conjugal. “Quando é homem de verdade, é dele sim!”.
78
Margarida, com 23 anos a mais que Rosa e 13 a mais que Petúnia, exibe postura
semelhante ao afirmar que cabe ao homem sustentar financeiramente a esposa e os
filhos, devendo a mulher “procurar uma pessoa que sirva para casamento porque o
homem tem que ser capaz de sustentar a mulher”. Questionada sobre o trabalho
feminino, Margarida destaca que a mulher pode trabalhar desde que não prejudique
os filhos. A postura de Margarida exibe claramente a educação sexista por ela
apreendida em casa e na escola. A mulher deveria cuidar-se em “não se perder para
poder conseguir um bom casamento” e dedicar-se em preservar o futuro dos filhos –
que deveriam profissionalizar-se – e das filhas, destinadas, como ela, ao casamento.
Dentro da educação que recebera, o fato de que o futuro marido mantinha a Carteira
de Trabalho assinada por muito tempo fora crucial para a aprovação do enlace pela
família. Como tinha origem humilde, Margarida considerou-se privilegiada pelo
casamento já que poderia manter-se dentro de um nível razoável de estabilidade. A
estabilidade financeira, porém, não foi capaz de manter o casamento que, da
mesma forma que o casamento de Azaléia, findou-se pela traição do marido.
Enquanto que a separação de Azaléia tomou as proporções de discussão de família,
a de Margarida, só se fez conhecer após três anos. Separada do marido desde
1977, apenas em 1980 Margarida assumiu a possibilidade de desfazimento concreto
da união. O pai não aceitava a separação da filha e “falava para todo mundo que o
meu marido tinha voltado para o Rio, para trabalhar.”
A desaprovação quanto ao fim do casamento é recorrente no discurso das
entrevistadas. Angélica afirma que saiu como vilã, já que “até hoje minha mãe
considera que eu deveria voltar para meu ex-marido. É que, mesmo sofrendo, tem
que viver junto.” Angélica, de família pomerana, fora criada para estudar somente
até a quarta série do ensino primário. Somava-se à escola regular, quatro anos de
estudo do idioma Alemão e “o Pomerano era falado em casa”. Além de traída,
Angélica foi vítima de violência por parte do marido que – irritado pelas reclamações
da esposa acerca da presença constante de amantes na residência do casal –
efetuou diversos disparos de arma de fogo em sua direção. Na ocasião, o marido
estava alcoolizado e dormira com a amante no quarto da frente, cômodo que ela
usava para costurar. Angélica afirma que ainda gostava do marido à época da
separação e que o deixou tão somente porque ele havia colocado uma placa de
79
venda no imóvel de moradia do casal, bem doado pelo pai dela. Diante da
possibilidade de não ter onde morar com os três filhos, Angélica optou por requerer
judicialmente a dissolução do vínculo no intuito de preservar a casa. O imóvel
passou para a propriedade dos filhos do casal com reserva de usufruto vitalício para
a entrevistada.
A reserva de bens ou de direitos sobre bens, ao que parece, foi expediente
largamente utilizado pelas mulheres para fazerem frente à inadimplência de seus ex-
maridos no pagamento da pensão. Muitos dos processos sob análise exibem tal
prática, muitas vezes expressa em acordos de dispensa de pensão, quer com
manifestação direta ou não, do juiz. Azaléia ficara com a casa e, assim como
Angélica, manifestou certo alívio ao dizer o quanto foi importante ter um imóvel
próprio quando os recursos financeiros dos ex-maridos deixaram de chegar para si e
para os filhos. Todas as entrevistadas, independente da existência de filhos ou não,
oriundos do primeiro casamento, destacam a importância de o pai manter, pelo
menos, o imóvel de moradia para os filhos. Dália, por exemplo, não teve filhos com o
primeiro marido, mas destaca a hombridade do segundo marido, com quem teve
duas filhas, por ser um bom pai, que não deixa faltar nada para as meninas, mantem
para as três um ótimo apartamento, uma empregada diurna e uma babá noturna,
além de pagar escola particular para as filhas e a faculdade da ex-esposa, que cursa
o último período de Pedagogia em conjunto com a especialização lato sensu. Dália é
aluna dedicada, tem bom contato com seus professores e não pretende dedicar-se a
qualquer outra tarefa até a colação de grau. Depois de formada, diz que não terá
pressa quanto à colocação profissional porque fez “um curso bem feito que tem seu
valor”.
Quando perguntada sobre a coincidência de ter recebido pensão tanto do primeiro,
quanto do segundo marido, Dália destaca que, nos dois casos, a condição financeira
de ambos foi elemento crucial para a união. Na única vez em que visou amor e
felicidade, sem atentar diretamente para o nível social e intelectual do companheiro,
sofreu imensa decepção. A união em questão deu-se entre os dois casamentos. Não
houve filhos, nem pensão.
Petúnia, que separou-se do marido por causa das agressões físicas de que foi
vítima, retornou para a casa dos pais onde permaneceu sob seus cuidados, sem
80
trabalhar e, por desejo de seus genitores, sem receber qualquer tipo de
pensionamento do ex-marido. Petúnia nunca trabalhou porque tanto na família de
origem, quanto nos dois relacionamentos que teve, fora desaconselhada e acabou
por acomodar-se. Só deixou a casa dos pais para morar com um novo companheiro
que se responsabilizou por seu sustento. Estão juntos até hoje.
Como sabia que não poderia contar com o apoio da família – já que fora o próprio
pai quem a obrigara ao casamento – e menos ainda com a pensão do ex-marido,
que não mantinha a família nem mesmo durante do casamento, Rosa seguiu
caminho diferente, resolvendo sua dificuldade financeira iminente pela união com um
novo companheiro no qual, ao lado de características como apresentação social e
nível educacional, considerou a condição patrimonial. Assim como Rosa, Magnólia
também buscou imediatamente um novo companheiro, unindo-se com um ex-noivo
dois meses depois que deixou o marido. Finda a segunda união em 1982, Magnólia
buscou amparo financeiro na família e morou com o irmão até unir-se a um terceiro
companheiro, em 1984, com a clara intenção de ser mãe. “Engravidei com três
meses de casada. Eu já tinha 24 anos. Minhas amigas tiveram filhos aos 17, 18
anos.” Além da filha biológica, Magnólia tem uma filha de criação da qual diz
orgulhar-se muito, fato comprovado pelo tempo tomado em elogios à moça que é
“uma ótima dona-de-casa”, casada há oito anos, tem uma filha de seis, e “não
precisa trabalhar fora porque o marido, que trabalha como motorista, faz questão de
não deixar faltar nada”. Apesar de mostrar-se extremamente favorável ao trabalho e
profissionalização da mulher, Magnólia deixa claro o sentimento de dever cumprido
diante do casamento da filha, talvez como forma de compensar algo que parece
entender como um fracasso pessoal. Seu último casamento terminou no final do ano
de 2004 e a divisão dos bens do casal, pensionamento e documentação do divórcio
encontra-se sob processamento judicial. Diante do questionamento brusco sobre a
veracidade do sentimento de inveja que pareceu esboçar-se quando o assunto
mudou do casamento da filha para o seu próprio, Magnólia fez uma pausa, respirou
fundo e disse que, na verdade, só quer um homem que a ampare e a proteja. “Será
que eu encontrei, finalmente, meu Príncipe Encantado?”, pergunta, referindo-se ao
namorado que a aguarda na sala ao lado.
Azaléia e Magnólia, por fim, não se diferenciam, mesmo com histórias tão distintas.
81
As duas buscam a estabilidade prometida pelo idealizado casamento eterno, ainda
que às custas de sucessivas decepções. A elas junta-se Margarida que há um ano
separou-se do último companheiro, com quem viveu cinco anos. “Ele foi o melhor de
todos. Ele lia a Bíblia e procurava uma mulher crente mesmo que ele não fosse
batizado.” O destaque para o fato de mostrar-se religioso exibe, por parte da
entrevistada, uma necessidade de vivenciar o comportamento padrão masculino que
Margarida aprendeu ser pertinente, mas que não experimentou nos relacionamentos
anteriores. Ao final de três anos muito felizes, nos quais ele foi provedor,
responsável e dedicado, o novo companheiro começou a beber e Margarida
descobriu seu histórico de alcoolismo. Ela tentou “recuperar” o companheiro por dois
anos, mas com a mãe cega e portadora de Alzheimer sob seus cuidados, “uma
pessoa bêbada do lado só ia prejudicar, como prejudicou. Quando ele bebe, ele fica
louco.” A solução foi abandoná-lo.
Margarida, que ainda se recupera do desfazimento da última união, questionada se
apoiaria a decisão de uma filha que resolvesse parar de trabalhar para casar, diz
que “se o marido tivesse condições de sustentar”, ela apoiaria, reforçando que a
mulher deve mesmo parar de trabalhar para cuidar dos filhos. “As minhas noras não
trabalham. A primeira esposa do meu filho mais velho recebe pensão e não se
casou de novo. A segunda não trabalha fora. O mais novo casou-se com a primeira
namorada [...]. Depois de casada, ela nunca trabalhou fora.”
Azaléia, da mesma forma que a primeira nora de Margarida, permaneceu sozinha,
sem assumir compromisso de coabitação com namorado enquanto recebia a pensão
do ex-marido regularmente, o que ocorreu até que o mesmo deixou a empresa em
que trabalhava. A dificuldade financeira coincidiu com a decisão de ter o
companheiro morando consigo, decisão repensada por Azaléia em momento futuro.
Nesse aspecto, em particular, Dália não parece diferenciar-se. Não assume
publicamente os seus namoros, mantendo-os restritos aos amigos mais íntimos sob
argumento de não querer expor as filhas. Considerando que o último ex-marido
responsabiliza-se por suas despesas pessoais e que, diante do estabelecimento de
nova relação da ex-mulher, ele poderia desobrigar-se, é bem possível que Dália não
queira por em risco sua estabilidade financeira sem, antes, poder contar com um
novo companheiro. Seu nível de seleção, ainda mais rigoroso conforme se aproxima
82
a data de conclusão dos estudos, já permitiu excluir o último namorado, com quem
já estava há mais de um ano. “Ele não vai crescer nunca. Vai ficar sempre na
mesma. Tem potencial, mas tem preguiça de crescer. Parece que não quer ganhar
dinheiro! Eu não quero um homem assim do meu lado. Consigo coisa bem melhor.”
Angélica diz não acreditar “em coisa melhor” e não sentir a necessidade, ou mínima
falta, como frisa, de um companheiro. “Meu filho disse que fica comigo. Não preciso
de outra pessoa.” Questionada sobre a supressão de papéis imposta por ela ao filho,
Angélica se mostra, mais uma vez, determinada em suas convicções. “De todas as
mulheres que se casaram de novo, que eu conheço, só uma fala que é feliz. Mas
falar é fácil, eu também falava.” Para ela, os filhos são a estabilidade de que precisa
e não pensa em “estragar isso com outro homem”. E afirma que se o homem certo
existe, ela perdeu “a oportunidade de conhecer na época certa. Agora não dá mais.”
Se a opinião esboçada por Dália difere da opinião de Angélica, assemelha-se, e
muito, à de Açucena, que afirma não pretender relacionamento sério com um
homem “que não vale à pena” pois decepcionou-se muito com o ex-marido tanto
como esposa, quanto como mãe. Logo após o fim de seu casamento, Açucena
arrumou um namorado pelo qual apaixonou-se. “Ele era atencioso comigo e levava
coisas para as meninas. Parecia que ia dar certo porque ele era responsável”,
relembra com um sorriso no rosto. O relacionamento terminou quando Açucena
descobriu que o namorado era casado. “Não podia fazer com a outra o que eu não
queria que fizessem comigo. Não é certo ser feliz às custas da infelicidade dos
outros.”
A preocupação do namorado em “comprar as meninas com pequenos agrados”,
segundo a entrevistada, foi o que mais a atraiu, especialmente porque a filha mais
nova, nascida após a dissolução do casamento de Açucena, sequer considera a
filiação paterna pelo ínfimo contato do pai, o que deixa a entrevistada “muito triste
por não ter dado nem um pai decente para as filhas”. Açucena aparenta guardar
muita culpa por não ter escolhido um bom companheiro para marido e pai de suas
filhas, o que reforça sua adequação aos papéis sociais delineados para as mulheres
de seu tempo. Para Açucena, é obrigação de toda mãe dedicar-se à proteção dos
filhos, o que inclui a responsabilidade por uma família estável e acolhedora. Apesar
de considerar que tudo, ao final, acabou bem, ela acredita que poderia ter sido uma
83
mãe melhor se tivesse escolhido um bom marido para si. O bom marido, segundo
concepção de Açucena deveria ser, obrigatoriamente, um bom pai. Nessa tarefa
Açucena sente que falhou.
O sentimento de Açucena se faz visível durante a entrevista. Concedida em sua
casa, com horário de início e de término predeterminados, essa acabou sendo a
mais demorada. Açucena se mostrou falante e empolgada com o evento que se
aproximava. “Vou casar minha última filha, o namorado vai pedir a mão dela hoje. Eu
já estou sabendo. Ele veio me falar antes de falar com ela.” A ocasião se faz
especial não porque a filha vai casar, mas porque, "apesar de tudo" todas as filhas
se casaram. Açucena admite que entende a responsabilidade pela manutenção
financeira do casal como atributo masculino e é por isso que faz questão de
conhecer bem o rapaz e sua família antes de aprovar a união. Com visível prazer,
ela afirma que casou muito bem as três filhas. "Eu. Eu casei as três".
Apesar de entender o homem como provedor, Açucena reconhece que, tendo
condições de trabalhar, a mulher deve ajudar o marido e só deve se separar se a
convivência for mesmo impossível. Fazendo referência expressa à filha mais velha,
que, segundo ela, “ela está brincando de separar". Açucena questiona: "Como que
ela pode dizer que não está feliz?” E responde, fiel aos seus princípios, "um marido
bom, não deixa faltar nada para ela e para suas filhas. É trabalhador, tranqüilo e tem
emprego estável". Mais uma vez, a manutenção do casamento atém-se à
estabilidade financeira e, em nome dessa, deve ser preservado.
Açucena pretende arrumar um outro companheiro, mas diz não ter pressa e promete
a si mesma ser mais seletiva, da mesma forma que Azaléia. Pretende, agora que se
vê mais experiente, observar melhor antes de envolver-se com alguém, mas não
descarta sua dificuldade diante da majoração do grau de expectativas. “Quando eu
era mais nova, um homem qualquer me servia. Hoje já não serve mais. Apesar tudo,
o coração é burro. Prefiro nem pensar nisso.”
Açucena destoa do foco inicial desta pesquisa por um motivo bem planejado. Como
a intenção fora exibir a preservação da socialização de condutas, introjetadas pela
educação, como delimitador permanente de papéis sociais, seria muito simples
concluir que, uma vez economicamente desfavorecidas, as mulheres pudessem
84
arrepender-se de sua ousadia em divorciar-se, como Azaléia, ou buscassem a
estabilidade financeira em outro homem, tal como um objeto.
O caso de Açucena reforça a manutenção dos padrões estabelecidos por sua
educação sexista, conservadora e voltada para o casamento, quando exposta ao
lado de sua condição atual. Ela está prestes a aposentar-se, com histórico de
complementações salariais em bônus por produtividade e assiduidade como
funcionária pública, mantendo situação financeiramente estável, tanto que diz ser
exemplo de mulher de sucesso no mercado de trabalho. Ainda assim, assume ter
criado as filhas para casar, ter-se arrependido pela postura inadequada como
esposa – tanto que tentou, sem sucesso, reconciliar-se com o ex-marido – e pela
impossibilidade de ter sido uma mãe mais presente.
Cumpridora de sua “missão” diante da possibilidade imediata de casamento da
terceira filha, a entrevistada direciona-se para assuntos de sua vida particular,
informando que pretende viajar tão logo se aposente. Ao final da entrevista, mais de
quatro horas depois de iniciada, Açucena surpreende ao perguntar sobre a
possibilidade de ela, com tal idade e formação profissional, ainda conseguir um bom
companheiro. “Você acha que eu ainda encontraria um bom marido?” Açucena
também parece buscar o Príncipe dos contos que disse ter ouvido na infância.
85
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção da história de cada indivíduo, como já salientado, apresenta-se
possível por meio de experiências extraídas da interação com outras pessoas que,
por sua vez, ajustam-se aos preceitos estabelecidos em convivências próprias
adequando-se a um contexto de comportamento socialmente aceito e formando,
assim, uma cadeia seqüencial de condutas. Essa cadeia apresenta tanto
comportamentos aceitáveis quanto não aceitáveis pelo grupo, respeitando, ainda, os
quesitos temporais e espaciais, ou seja, o comportamento humano é analisado
conforme o ambiente e o momento histórico vivenciado por determinado indivíduo.
São as experiências pessoais de cada um que, entendidas como aceitáveis pelos
demais, formarão o conjunto de comportamentos socialmente adequados e este, por
sua vez, servirá de norteador das condutas esperadas por aqueles que se
agregarem ao grupo, quer sejam adultos ou crianças. Assim, o elenco de condutas
aprovadas ou reprováveis será apresentado para qualquer indivíduo que pretenda
pertencer aquele grupamento e às crianças, fatalmente, será imposto. Por esse
motivo, a vivência da criança em contato com outras crianças e com os adultos que
as cercam será delimitada por um conjunto de comportamentos aceitáveis que serão
esperados destes e impostos àquelas. A imposição, contudo, ganha um contorno
mais suave quanto visualizada sobre o prisma do cuidado. A criança, como ser em
formação, é vista frequentemente como objeto de atenção pelo foco em seu futuro.
Uma criança bem cuidada, alvo d e atenção de sua família, muito dificilmente
apresentará problemas de desvio de padronização no futuro, ou seja, moldando-se o
comportamento conforme os padrões socialmente aceitos desde tenra idade, a
probabilidade de desvio será mínima. O que se deve considerar, entretanto, são as
formas ou meios que o indivíduo adotará para manutenção de suas necessidades
pessoais em sociedade, o que inclui sua perspectiva sobre o padrão imposto.
Os sistemas sociais de permuta disponíveis aos componentes de determinado grupo
vão desde o temor religioso que estabelece regras de conduta impostas pelo divino,
passando pelo respeito reverencial, como nos casos das relações patriarcais, até
simples relações de troca comuns no cotidiano em que, como exemplo, se troca
86
simpatia por privilégios de atendimento comercial ou os elogios direcionados a uma
criança considerada bem educada em detrimento ao tratamento despendido àquela
que não se mostra agradável. O fato é que cada indivíduo depende da ajuda de
vários outros de seu grupo que, de uma forma ou de outra, poderiam, e socialmente
podem, cobrar-lhe padronizações de comportamento. E tais cobranças se fazem
muito comuns, especialmente no ambiente familiar.
É dentro de casa que os primeiros contornos de hierarquia e delimitação de poder
são experimentados. A subordinação dos filhos aos pais exibe adequação de
comando ao mesmo tempo em que se apóia numa perspectiva de proteção. O
sustento alimentar e intelectual que exibe contornos de dependência, demonstra
também um modelo a ser seguido ou, no mínimo, respeitado. Como primeiro grupo
social do indivíduo, a família representa o primeiro nicho de padronização de
condutas e é termômetro das aspirações sociais de seu tempo e espaço. É dentro
da família que as diferenciações entre homens e mulheres são identificadas e
potencializadas, permitindo-se a pré-construção da história individual conforme o
gênero. Dentro da família patriarcal, por exemplo, verifica-se uma construção que
exibe uma autoridade masculina que ultrapassa o núcleo familiar central e se
estende a uma camada periférica de vinculação sanguínea ou não. A esposa,
submissa por função, cabe a supervisão dos cuidados com a casa-grande e o trato
com as crianças. Dividindo-se a família em dois outros núcleos, de um lado
masculino e de outro feminino, aos filhos só cabia ser espelho do pai e às filhas,
espelho da mãe, ou seja, meninos são criados para exercer seu papel de homem
em comando para auxílio do pai e substituição em caso de sua morte e as meninas
são criadas para que se dediquem à casa do pai e seus familiares até que se casem
e, após, ao marido e aos membros da casa deste, pelo resto de sua vida. Dessa
mulher, nascida e criada para servir e ser protegida, esperava-se que estivesse
preparada para exercer o papel de esposa e mãe, conforme padronização
estabelecida sob tutela de seu pai.
Tomando-se como referencial a educação recebida pela mulher na família e nas
instituições formais de ensino, este trabalho direcionou o estudo do estabelecimento
e manutenção de padrões de conduta comportamentais socializados por oito
mulheres, moradoras da Grande Vitória, em confronto com novos modelos
87
estabelecidos pela ruptura que a Lei do Divórcio impôs ao casamento eterno por
elas idealizado. Uma primeira análise, destinada a apurar a educação transmitida a
uma e outra, permitiu a constatação de que o papel biologizador desempenhado
pela escola não se alterou, independente se a freqüência escolar da primeira se
distanciasse duas décadas da segunda ou se uma tivesse estudado no interior ou na
capital. A mensagem pouco mudara em pouco mais de vinte anos, quer no vilarejo
ou na cidade grande, lugar de mulher era dentro de casa, cuidando do marido e dos
filhos enquanto que ao homem cabia o sustento, bem nos moldes patriarcais de
atuação dos membros da unidade doméstica.
Mesmo que a família patriarcal não tenha sido o único modelo existente, sabe-se de
sua influência na representação de uma postura conservadora por parte de muitos
homens e mulheres, em especial quando se trata de estudos de gênero. Não é por
menos que ainda se buscam políticas sociais de igualdade de direitos entre homens
e mulheres fazendo-se comparações entre tratamento jurídico, educacional e
profissional dispensado a ambos. Mesmo que as mulheres estejam galgando altos
postos no mercado de trabalho e tenham rompido as fronteiras da educação formal,
ainda são vítimas de uma padronização de comportamentos que eleva o homem à
chefia e, consequentemente, retira delas um poder de competição intelectual e
profissional que, antes de serem analisadas sob o signo da formação deste ou
daquele indivíduo, são identificadas pelas relações de gênero. São os estudos de
gênero que permitem visualizar o descompasso entre a legislação de proteção ao
exercício de direitos das mulheres e a prática cotidiana. Analisando o problema que
se apresenta dentro das perspectivas de gênero, não se pode negar que muitas das
formações familiares contemporâneas, palcos das formatações culturais de seu
meio e tempo, mantêm o condicionamento de seus componentes a modelos de
comportamento socialmente aceitos ao reafirmá-los e retransmiti-los.
Esse conjunto de comportamento, ou valores, são construídos e reconstruídos ao
longo do tempo e sua transmissão, iniciada na família, tem seqüência na escola, na
igreja, no ambiente de trabalho e em todo lugar que reúna duas ou mais pessoas.
Sendo socialmente aceitos, os modelos são socialmente cobrados desde o
nascimento até a morte do indivíduo e, como se pode perceber até mesmo antes e
depois de sua existência. O indivíduo, conforme identificação de gênero, deve
88
reproduzir os condicionamentos internos, característicos de seu ambiente familiar, e
os condicionamentos sociais que, por sua vez, definem os valores a serem
transmitidos pela família. A cobrança persistente de adequação ao modelo acaba
por criar um indivíduo que também cobra o modelo do outro transformando a
experiência de individualização em uma experiência coletiva. Dentro da família, cada
indivíduo cobra de si, de seus pais e demais familiares que respeitem as
delimitações de condutas que lhes foram impostas por esses mesmos indivíduos.
Tais condutas, por sua vez, exibem os contornos da hierarquia e da diferenciação de
papéis atribuíveis a homens e mulheres.
Criadas dentro deste sistema de padronização e delimitação hierárquica, as
entrevistadas exibiram uma tendência à reprodução de condutas no trato com seus
filhos e filhas mesmo diante de uma nova realidade que modificou sobremaneira a
clara visualização de papéis masculinos e femininos. Questionadas sobre a relação
que guardam entre casamento e trabalho feminino em confronto com os
ensinamentos transmitidos por si aos filhos, todas as mulheres exibiram a
preocupação quanto às escolhas destes. Quando questionadas especificamente
sobre a possibilidade de uma filha deixar o trabalho para dedicar-se exclusivamente
ao casamento, mesmo aquelas que se disseram contrárias justificaram sua resposta
na incerteza da manutenção do vínculo pela possibilidade de divórcio. Como não
desejam que as filhas passem pelas dificuldades financeiras que enfrentaram, essas
mulheres preferem não considerar o abandono dos estudos o u do trabalho por parte
das filhas. Se inexistente a possibilidade de desfazimento da união talvez a resposta
fosse outra. Pelo menos quatro delas foram enfáticas em afirmar que se a filha
tivesse recursos próprios para se sustentar, não se incomodariam que se dedicasse
ao casamento. Uma delas exibiu como correta a conduta das noras que deixaram de
trabalhar após o casamento. Todas, sem exceção, deixaram clara a concepção de
que cabe ao marido o provimento da família e à mulher o dever de ajudá-lo, se
necessário. Salvo momentos de dificuldade financeira enfrentada pelo casal, o
trabalho da mulher deve, segundo as entrevistadas, servir-lhe de amparo moral – em
reconhecimento à importância do trabalho – e os rendimentos obtidos devem ser
revertidos em seu próprio benefício já que ela acumularia, neste caso, uma função
interna e outra externa.
89
Essa interiorização, ou socialização de diferenças entre homens e mulheres,
experimentada na família será, fatalmente, exposta por aquele indivíduo que a
vivencia dentro de outros grupamentos sociais de que faça parte, e é neste
momento que a experimentação cognoscitiva microcósmica permite interação e,
tanto acrescenta valores ao macrocosmo quanto readapta as informações recebidas
no núcleo de origem. Faz-se impossível, portanto, separar as vivências de cada
indivíduo de acordo com os grupamentos que freqüenta, ou seja, as experiências
familiares serão transmitidas na escola e no trabalho da mesma forma que as
experiências de trabalho servirão de norte nas relações familiares. Qualquer que
seja a ambientação, os modelos de comportamento masculino e feminino
culturalmente estabelecidos serão foco de controle da conduta individual.
Se a família se faz responsável pela demarcação precoce do feminino e do
masculino, a Igreja utiliza a simbologia dos textos sagrados para reproduzir uma
adequação familiar que se baseia na inferioridade da mulher e na superioridade
patriarcal. Os preceitos familiares em interação com os preceitos da Igreja
reproduziriam a tutela da mulher ao seu pai e, deste, ao marido, destinando-se ao
espaço privativo do ambiente doméstico. Depois de receber os primeiros contornos
da família, a educação dos indivíduos perpassava tanto pela Igreja quanto pela
escola e esta, mesmo depois de passada para a tutela do Estado, ainda guardava
os preceitos religiosos de reprodução do modelo patriarcal como ideal nas relações
entre homens e mulheres e, por esse mesmo motivo faziam-se distinções entre os
conteúdos destinados ao seu público feminino e masculino conforme interpretações
dos símbolos disponíveis.
Essas realidades sociais que são construídas sobre símbolos permitem as análises
de cada grupamento humano e sempre permitirão a identificação de
comportamentos considerados adequados e inadequados, certos e errados. Dentro
da análise do comportamento feminino – não destacado da interação com o
masculino pela impossibilidade sócio-cultural de análise individualizada – verifica-se
a potencialidade de tal subdivisão. Conforme o tempo e o grupamento algumas
mulheres terão seus comportamentos identificados como inadequados enquanto
outras se mostrarão cumpridoras dos preceitos preestabelecidos, ou seja, sempre
existirão mulheres boas e más mesmo que o contexto sob análise se diferencie. O
90
trabalho feminino e a dependência econômica, tomados como variáveis, exibem
dicotomia de modelos ao serem reconhecidos como impraticáveis em alguns
momentos e inquestionáveis ou até mesmo socialmente obrigatórios em outros.
Aqui reside o questionamento quanto à eficácia da socialização de condutas.
A partir do momento em que um modelo de comportamento não se faz mais
aceitável é impossível não elencá-lo dentre as condutas socialmente reprováveis.
Não se pode olvidar, no entanto, a representação simbólica introjetada nos
indivíduos que vivenciaram a repetição e retransmissão daquele modelo outrora
inquestionável. Se a adequação à dependência financeira de mulheres a seus pais e
esposos foi, por muito tempo, vivenciada socialmente como aceitável pela família,
escola, Igreja e outros tantos grupamentos, não se pode considerá-la simplesmente
extinta porque houve uma revolução nos costumes que passou a considerar a
profissionalização das mulheres e sua destinação ao mercado de trabalho. Por mais
que exista um infindável número de pesquisas identificando quem são e onde estão
as mulheres que trabalham, ao mesmo tempo que exibem a formação continuada e
a assunção de tarefas antes consideradas essencialmente masculina por parte de
muitas mulheres, ainda existem aquelas que direcionam-se e reproduzem para seus
filhos e filhas o modelo de destinação ao casamento conforme fora concebido e
reproduzido por sua família. O presente estudo possibilitou sua identificação sob
análise mista ao conflitar os dois modelos dentro de um período de intensa
transformação. Este período, compreendido entre a publicação da Lei do Divórcio
(1977) e a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), é
marcado por quebra de paradigmas, movimentos de igualdade de direitos entre
homens e mulheres, rompimento com o modelo de casamento religioso que fora
incorporado às determinações estatais e experimentação social de
profissionalização da mulher e destinação ao mercado de trabalho que contrastava
visivelmente com a imposição legal de autorização do marido ainda vigente até
meados do século XX.
A ruptura com o modelo socialmente prescrito e reproduzido não se mostrou
inovador já que historicamente se reconhece a readequação ou organização de
modelos de condutas desviantes como novos e adequados modelos de conduta
social passando-se, por óbvio, a exclusão dos padrões ora dominantes e
91
reafirmação de mecanismos de diferenciação permanentes para os novos modelos.
A imposição de novos modelos exige a adaptação dos componentes do grupamento
social sob pena de sua imediata exclusão e é sob pressão que ocorre a
massificação de comportamentos reconhecidos, naquele momento, como modernos.
A não concordância com as novas atitudes relega o indivíduo a um status de
inferioridade notadamente marcado pela impossibilidade de reconhecer o novo como
benéfico – mesmo que os benefícios não sejam reconhecidos de imediato. Cientes
do isolamento iminente, os indivíduos tendem a seguir as novas aspirações e
acabam por adaptarem-se aos novos padrões. A entrevistada Azaléia exibe exemplo
claro de readequação por imposição de isolamento social ao mostrar-se
desconfortável por assumir dependência financeira, ainda que ela mesma reconheça
que fora criada para o casamento e, portanto, excluída de aspirações quanto ao
mercado de trabalho. Ao dizer que se sente envergonhada porque ficaria feio dizer
que muita mulher ainda depende do marido, Azaléia põe em cheque o que
reconhece como realidade e o que se permite exibir como realidade, admitindo que
seu discurso cotidiano não condiz com suas crenças e que, em troca de ser
considerada moderna prefere manter o discurso.
Como se percebe no depoimento de Azaléia, a severa pena de isolamento por não-
pertencimento acaba por recriar grupamentos de sujeitos adequados à nova
realidade, ao mesmo tempo em que relega ao esquecimento aqueles que não se
adaptaram ou não acreditam na evolução propagada, estes vistos como minoria.
Diante da experimentação do rompimento do casamento e das aberturas legislativas
que possibilitaram à mulher o domínio de sua formação intelectual e destinação
profissional, muitos indivíduos acreditaram, realmente, em evolução – ou do
contrário não teria havido mudança – e outros simplesmente renegaram suas
convicções, seus valores e crenças, no intuito de serem reconhecidos como
pertencentes ao novo grupo dominante o que não quer dizer que as construções
dicotômicas de certo e errado outrora apreendidas não tenham permanecido
introjetadas e que, mais ainda, não tenha m sido transmitidas para outros indivíduos
em formação.
Nesse contexto, a análise dos debates que precederam a publicação da Lei do
Divórcio no Brasil são imprescindíveis por exibir discursos de grupos dominantes em
92
conflito com outros discursos que, naquele momento, não pertencem,
necessariamente a uma minoria, apesar de ainda fazerem-se ocultos pela não
difusão em massa. A análise dos discursos favoráveis e contrários à instituição do
divórcio civil teve que, antes, dar espaço à análise do que se entendia por
casamento em contexto ampliado e, em segundo momento, para verificação do
reconhecimento do casamento civil como instituto individualizado e, finalmente, em
análise microcósmica, a distinção dos dois institutos – casamento civil e casamento
religioso – dentro do microssistema familiar. A concepção de um casamento eterno,
que teve sua indissolubilidade ratificada pelo Estado ao assumir o modelo de
casamento religioso como modelo de casamento civil, entra em choque com o
questionamento quanto à possibilidade de se estabelecer uma segunda união entre
pessoas que não estejam desimpedidas, conforme ditames da Igreja, à constituição
desta união. Os discursos divorcistas e antidivorcistas exibem, ambos, argumentos
plausíveis tanto para a dissolução quanto para a manutenção do modelo ora
dominante e seu foco se atém à postura e à proteção da mulher.
A dedicação exclusiva da mulher à família mantém-se inconteste tanto no
casamento religioso, quanto no casamento civil. Para Igreja e Estado, a mulher
deveria dedicar-se exclusivamente aos cuidados com os filhos, com o marido e a
casa, atentando para a formação física e cultural dos filhos dentro das perspectivas
de seus instituidores, ou seja, o casamento deveria permitir a formação de cidadãos
aptos a fortalecer o Estado ao mesmo tempo em que transmitiria os preceitos
moralizadores cristãos. Restrita ao espaço doméstico por força do casamento, a
mulher deveria ser sustentada pelo marido, entendido por Igreja e Estado como
provedor e chefe da unidade doméstica. O Código Civil de 1916 se faz cristalino
quanto a tais interesses, especialmente quando oferece ao homem o direito de
decidir sobre o trabalho feminino fora do lar, ou seja, para profissionalização, a
mulher deveria contar com a autorização expressa do marido e, se este não
permitisse, manter-se sob estrita dependência econômica ainda que tivesse
patrimônio próprio já que seus bens pessoais também saiam da tutela do pai para a
tutela do marido e a este competia administrá-los. Tais determinações, que refletiam
preceitos de Direito Canônico, a este se igualam quanto à indissolubilidade do
casamento, suas condições de validade e celebração, bem como seus efeitos e
requisitos para separação dos consortes. A delimitação de papéis se manteve
93
especificando a chefia da sociedade conjugal, a administração dos bens do casal e a
fixação do domicílio da família como atributos masculinos cabendo à mulher a
administração das tarefas domésticas e o cuidado com os filhos.
Se as mudanças econômicas ocorridas ao longo da primeira metade do século XX
recriaram o conceito de trabalho, estendendo-o à inclusão maciça do trabalho
feminino, a legislação brasileira deveria acompanhar tais necessidades, por esse
motivo, em 1962, fora promulgado o Estatuto da Mulher Casada, sob a Lei 4.121.
Incorporado ao Código Civil de 1916, o Estatuto revogou a incapacidade relativa da
mulher permitindo-lhe a opção pelo trabalho independente de autorização do marido,
mas manteve a submissão da mulher à chefia do marido na sociedade conjugal,
podendo este administrar os bens comuns e particulares da daquela, além de decidir
sobre o domicílio do casal e exercício do pátrio poder sobre os filhos.
Mesmo que a lei permitisse o trabalho da mulher, o ideal de casamento em
dedicação exclusiva da mulher ao marido e filhos ainda fazia com que grande
maioria delas se direcionassem ao casamento antes mesmo de qualquer
experiência laboral ao mesmo tempo em que justificava o abandono dos postos de
trabalho daquelas que estavam empregadas tão logo marcava-se a data do
casamento. Açucena, que ao terminar o curso primário decidiu que pararia de
estudar para preparar-se para o casamento fazendo cursos de execução de tarefas
domésticas é exemplo inconteste da discrepância entre a legislação aplicada e a
prática cotidiana que, em muitos casos, permanecia alheia a movimentação feminina
pelo reconhecimento do direito ao trabalho. Dália, nascida em plena vigência do
Estatuto da Mulher Casada, contraiu matrimônio em 1982 – vinte anos após seu
estabelecimento e a seis anos da determinação constitucional de igualdade de
direitos entre homens e mulheres – considerando que à mulher cabia a
administração do lar e ao marido o provimento financeiro da família. Este segundo
exemplo exibe não só a movimentação pelos direitos femininos, mas também o
exercício de sua conquista e ainda assim destoa da proteção legislativa em direção
à manutenção de uma prática de dependência já condenada à época. Cumpre
salientar que ambas residiam, e ainda residem, na capital do Estado do Espírito
Santo.
Para muitas mulheres, mesmo que o Estatuto da Mulher Casada permitisse o
94
trabalho externo ao lar, este era tomado como simples concessão e que à mulher,
ainda assim, cabia a organização das tarefas domésticas e educação dos filhos, não
devendo afastar-se do lar mesmo quando assumisse compromisso de trabalho
externo. Este foi o entendimento dos Tribunais brasileiros durante todo o século XX,
legitimando-se, quase sempre, na impossibilidade de a mulher, por si, suprir o
próprio sustento, sendo inevitavelmente dependente do homem mesmo que se
estabelecesse no mercado de trabalho. Ainda hoje tais determinações guardam
resquícios no imaginário coletivo e podem ser identificados neste trabalho de
pesquisa quando, ao referir-se ao trabalho feminino e aos filhos, muitas mulheres
identificam o provimento econômico como atributo masculino mesmo que a mulher
trabalhe e a determinação de perda patrimonial e de direitos sobre a criação dos
filhos como pena aplicável à mulher que abandona o lar ainda que a legislação
brasileira os tenha excluído da lista de condutas civilmente sancionáveis desde a
penúltima década do século XX.
Essa marcante dependência feminina exibe contornos claros quando se verifica o
distanciamento entre as normas legislativas sob análise o que possibilitou a
massificação das condutas de dominação e dependência no interior das famílias sob
o manto de proteção do Estado. À Constituição de 1891 seguiu-se o Código Civil de
1916, atento a seus preceitos, este alvo de significativa modificação somente em
1962, pelo Estatuto da Mulher Casada. Em grau de importância semelhante, seguiu-
se a Lei do Divórcio, de 1977. Depois do casamento civil, até então, o vínculo entre
os cônjuges permanecia intacto como no casamento religioso, ainda que o casal não
vivesse mais sob o mesmo teto. Somente a viuvez, a anulação ou a nulidade do
casamento permitiriam sua desconstituição. Esse vínculo não se fazia romper
sequer pelo desquite que permitia, tão somente, a separação do patrimônio pessoal
do casal. Em termos pessoais, o desquite mostrou-se prejudicial especialmente às
mulheres que, ainda estigmatizadas pela dependência econômica, viram-se
desligadas do primeiro companheiro sem possibilidade de formalizar sua união com
um outro. Além do peso socialmente imposto pelo fim de seu casamento,
carregavam ainda a alcunha de ameaça ao casamento de outras mulheres já que,
de alguma forma deveriam buscar seu sustento em outro provedor. Se a mulher
desquitada tinha filhos, já se pré-concebia a impossibilidade destes adequarem-se
aos modelos socialmente padronizados de comportamento. A proteção desta mulher
95
e, consequentemente, das crianças e do próprio casamento estavam em debate.
O questionamento quanto ao destino dos relacionamentos entre homens e mulheres
e sua influência na família e na sociedade exibia um processo de resignação em
conflito com um processo de resistência às mudanças sociais e econômicas ora
experimentadas. A perspectiva de dissolução total dos vínculos entre instituições
religiosas e instituições civis mostra-se motivo de preocupação tanto para divorcistas
quanto para antidivorcistas e a defesa da família, com enfoque no papel da mulher e
na preocupação de protegê-la econômica e moralmente, são argumentos defendidos
igualmente, cada um dentro de um sistema de concepções próprias.
Divorcistas e antidivorcistas exibem em seus discursos a pregação católica acerca
da importância da família e da divisão dos papéis sexuais para perfeita manutenção
da ordem social. Analisando os discursos atinentes aos papéis do homem, da
mulher e dos filhos. Os divorcistas, no entanto, apegam-se à proteção da família
existente de fato ou uniões consideradas concubinárias, não reconhecidas, ainda à
época, pelo Estado, e defendia nova escolha do companheiro que permitiria a
formação de uma união eterna. Até então, a proposta de divórcio se fazia no sentido
de permitir uma única repetição de escolha. Se existiam uniões firmes e duradouras,
estas deveriam ser reconhecidas. Os antidivorcistas, por sua vez, tomavam como
argumento a possibilidade de dissolução os casamentos ainda existentes, o que
poderia desestabilizar os arranjos familiares, legando uma maior quantidade de
mulheres e crianças ao desamparo financeiro e moral. Independente do discurso, se
divorcista ou não, a mulher continuava sendo vista como financeiramente
dependente e frágil, ainda que não mais estivesse impedida de trabalhar e
freqüentasse com certa facilidade os bancos acadêmicos.
Para as mulheres que estavam casadas ou prestes a se casar entre os anos de
1962 (promulgação do Estatuto da Mulher Casada) e 1977 (Lei do Divórcio), os
debates traziam certa inquietação quando à possibilidade de dissolução do vínculo
ao mesmo tempo que possibilitava repensar a condição de casada, conforme se
apurou neste estudo. Favoráveis ou contrárias à instituição do divórcio e mesmo que
trabalhassem para ajudar em casa ou manutenção pessoal, ainda mantinham como
objetivo o casamento, nos moldes dos ensinamentos que receberam.
96
Aprovada a Lei do Divórcio, a condição de dependência da mulher ao provimento do
marido permaneceu inalterada, tanto legislativa, quanto pragmaticamente.
Entretanto, a garantia legal de percepção de rendimentos sobre a renda do ex-
marido para manutenção própria e dos filhos não foi capaz de garantir a subsistência
da mulher diante da inadimplência, tal fato, apurado pela análise dos cadernos
processuais arquivados sob guarda do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito
Santo e confirmados pelas entrevistas analisadas neste trabalho, exibem a
necessidade premente de buscar soluções para os problemas financeiros que se
apresentavam. Se, dentre os processos analisados, foram unânimes as reclamações
de perecimento financeiro após o divórcio para, por parte das mulheres, requerer a
manutenção de pensionamento e, por parte dos homens, diminuir ou exonerarem-se
do compromisso, as entrevistas permitiram uma ampliação do que se vislumbrava
como único ao exibirem negociações patrimoniais, escolhas direcionadas quanto ao
companheiro, ameaças do marido quanto ao exercício de direito de execução de
pensão alimentícia e dependência econômica direcionada à família de origem, fatos
que permitiram eliminar o entendimento inicial de que o baixo número de execuções
alimentícias frente ao grande número de divórcios do período se justificava pela
presença maciça da mulher no mercado de trabalho. Na verdade, como foi apurado,
diante da inadimplência dos maridos, muitas mulheres buscaram alternativas que
incluíam respaldo por parte de sua família, administração dos bens colhidos por
divisão patrimonial em partilha dos bens do casal, ajuda financeira dos filhos adultos
e, como pretendia demonstrar esta pesquisa, o estabelecimento de novos
relacionamentos.
Não se pretendeu identificar mulheres que buscam, pura e simplesmente, um
companheiro no qual possam escorar-se sem o mínimo esforço, porque não fora
esta a educação recebida por tais indivíduos e que, a este estudo, serve de
parâmetro. Buscou-se identificar mulheres que, mesmo diante do fracasso inicial de
um casamento idealizado dentro de um sistema de socialização em repetição de
condutas e papéis atribuíveis a homens e mulheres, ainda entendem o casamento
como passível de realização pessoal, o que inclui, conforme os ensinamentos que
ainda guardam, a proteção financeira por parte do companheiro. Mesmo que
representem minoria, tais mulheres ainda entendem o casamento como foco de
realização pessoal e passível de garantir-lhes estabilidade financeira.
97
Grupos que direcionam seu trabalho para defesa de crianças e adolescentes
frequentemente atribuem à ineficácia de vigilância e acompanhamento dos pais o
crescimento do número de infrações cometidas pelos filhos e esta é também a
justificativa que ampara a decisão de muitas mulheres que abandonaram a carreira
profissional para dedicarem-se ao casamento e aos filhos. Tais decisões, ainda alvo
de ataques por parte de mulheres que optaram por dedicar-se à carreira, são
discutidas abertamente em comunidades de sites de relacionamento e agregam
adeptos tanto entre mulheres quanto entre homens. Não se trata, como se percebeu
no desenvolvimento desta pesquisa, de mera acomodação a uma fonte de renda. As
entrevistadas exibiram seu desejo de estabelecimento de uma união com um
companheiro que ainda permanece em seu imaginário conforme fixado durante a
infância e adolescência. Em momento algum o roteiro de entrevistas sugeria a figura
do Príncipe Encantado mas, diante do questionamento quanto ao estabelecimento
de relacionamento com um novo companheiro, pelo menos três mulheres afirmaram
ainda pretender realizar o sonho infantil de viver feliz para sempre ao lado de um
cavalheiro bravo, bem apessoado e que lute por ela.
Experimentando vivências múltiplas que variavam entre um modelo secular de
conduta socializado e transmitido para si pela escola e família e a experimentação
de uma revolução de costumes impostas pelas mudanças jurídicas ocorridas na
segunda metade do século XX, as mulheres que se divorciaram dentro do período
marcado pela publicação da Lei do Divórcio e promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil tiveram que, em nome da necessidade de
pertencimento social, abandonar toda uma trajetória de educação destinada ao
casamento e se preparar e a seus filhos e filhas para conviver – e sobreviver – à
determinação legal de dissolubilidade de um casamento idealizado como eterno. A
ruptura, e conseqüente exposição pública a uma realidade ainda não introjetada, de
maneira tão brusca, não permitiu a imediata re-construção de trajetória de muitas
mulheres que tiveram uma educação de destinação ao ambiente doméstico. Este
estudo, que mescla análise documental e entrevistas realizadas com oito mulheres
que se divorciaram entre 1977 e 1988, exibe uma realidade diferente daquela
hodiernamente propagada. Ao estampar o desejo de realização do ideal do
casamento eterno, as mulheres que tiveram suas histórias analisadas nesta
pesquisa permitem identificar a permanência de modelos de conduta teoricamente
98
superados pela revolução de papéis sociais experimentada no período. Os
movimentos pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, a proteção destas
no mercado de trabalho e a extinção do vínculo que mantinha o casamento civil
atrelado ao casamento religioso são frutos da história de muitas mulheres, dentre
elas estão, inclusive, aquelas que não se adequaram ou não concordaram com o
novo modelo socialmente imposto. Novas leis de proteção contra a violência física,
direcionadas especificamente à punição dos agressores de mulheres, permite a
constatação de que vinte anos após a determinação constitucional de igualdade de
direitos entre homens e mulheres, estas ainda encontram-se submissas a um
modelo de dominação masculina que perpassa a imposição de isonomia e se
sobrepõe à sanção estatal estabelecida. Estudos sobre a participação da mulher no
mercado de trabalho e sobre as modificações que trabalho feminino impõe aos
arranjos familiares são de suma importância para a análise acerca da condição
feminina atual mas não se deve descartar a pesquisa sobre a manutenção dos
modelos de imposição de condutas que se firmam sob perspectivas androcêntricas.
A educação, formal ou informal, da mesma forma que reproduz conceitos de
submissão, é capaz de reproduzir os ideais de igualdade pragmáticos que permeia
m o texto constitucional vigente. Espera-se que este trabalho seja útil no estudo de
identificação de modelos dicotômicos de conduta e que permita a compreensão, em
apuração mais minuciosa, dos fenômenos que justificam a postura salarial do
mercado de trabalho, as decisões judiciais que ainda tomam como pertinentes a
conduta sexual da mãe em ações de guarda sem considerar o mesmo quanto à
conduta do pai e todas as demais posturas sociais que, mesmo diante de um novo
modelo aceitável de delimitação de papéis que pugna pela igualdade de gênero,
permitem reproduzir e sustentar uma condição de inferioridade atribuída à mulher.
Se as mudanças sociais não acompanham, na mesma velocidade, os preceitos
legislativos, este é o momento de questionar o porquê.
99
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107
APÊNDICE
(ROTEIRO DE ENTREVISTAS)
108
109
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111
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113
114
115
Livros Grátis
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