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MARIANGELA CARVALHO CANELLAS SILVA
A IDEALIZAÇÃO E A ATUAÇÃO NA INTERNET
Mestrado em Psicologia Clínica
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO
2008
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MARIANGELA CARVALHO CANELLAS SILVA
A IDEALIZAÇÃO E A ATUAÇÃO NA INTERNET
Mestrado em Psicologia Clínica
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
São Paulo
2008
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MARIANGELA CARVALHO CANELLAS SILVA
A Idealização e a Atuação na Internet
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Prof. Dr. Renato Mezan.
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo
2008
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
Agradecimentos
Agradeço ao Prof. Dr. Renato Mezan, por me aceitar como sua orientanda e ainda
pela crítica e incentivo na discussão do presente trabalho; também, pelas aulas
durante as quais sempre nos presenteia com sua sapiência, sensibilidade e constante
bom humor.
A Marion Minerbo pelas sugestões enriquecedoras no Exame de Qualificação, que
iluminaram minhas idéias. Pela contínua leitura tão atenta, indicando a direção a ser
tomada, amparando-me nos momentos de maior dificuldade, dúvida e angústia.
Interlocutora interessada, constante incentivadora, principalmente nas ocasiões que
me levavam a sentir que o fim era inalcançável. Por sua desenvoltura no campo do
conhecimento para que esse trabalho se tornasse realidade. Por toda ajuda que me
deu, minha eterna gratidão.
A Gina Khafif Levinzon, pelo carinho e incentivo com que, no Exame de
Qualificação, apresentou propostas de novos caminhos, colaborando para ampliar a
inteligibilidade de minha visão sobre a pesquisa. Minha gratidão vai muito além dos
limites desta dissertação. Foi e sempre será uma honra tê-la presente no meu
desenvolvimento acadêmico pela competência profissional, saber, e disponibilidade
constante em ajudar, por seu afeto e sua amizade. Meu muito e sempre, obrigada!
A Rosemary Bulgarão, presença importante na minha vida em tantos anos de
convívio, por ajudar a flexionar minhas rígidas estruturas mentais, me acompanhar
nas alegrias e tristezas, nos erros e acertos, por me amparar nos primeiros
pensamentos, nos rabiscos iniciais da planta em que tentava esboçar esse trabalho, e
contemplar comigo cada momento de êxito. Meu eterno agradecimento.
A Eliana Borges Pereira Leite, pela escuta aguçada e auxílio nos primeiros vôos
deste trabalho, quando ainda sem rumo certo, sem destino traçado. Obrigada pelo
carinho e por me ensinar que, apesar de árduo, o caminho é profícuo.
A Josefina Neves Mello, pela competente revisão que abrilhantou a apresentação do
texto, e a prontidão com que atendeu a meus chamados aflitos. Mas acima de tudo
pelo acolhimento nos momentos difíceis, por sua dedicação e amizade, e por me
transmitir o sentido de que o fim de uma coisa já é o começo de outra. Obrigada por
tudo!
Às colegas de turma do mestrado, em especial à Cláudia A. M. Suannes, por termos
compartilhado momentos de incerteza e insegurança, mas também de risos e
descontração em nossas trocas constantes de e-mail. Espero que essa amizade
continue, mesmo à distância.
Ao Fausto, meu marido, por todas as lamentações que escutou, sempre tendo uma
palavra de conforto para me encorajar a seguir em frente, e ultrapassar os obstáculos
sem temor, por elogiar minha determinação nas leituras e escrita tão solitárias,
torcendo e acreditando na execução deste trabalho. Pela paciência e compreensão
reveladas ao longo desses meses, e por fim, mas também de inestimável valor, por
seu domínio na informática que tanto me ajudou. Presença fundamental!
A meus filhos Leonardo e Fernanda, meus tesouros, pela compreensão frente a meus
momentos reclusos de devoção ao trabalho, e amor sempre manifestados, por me
ajudarem no ir e vir de livros da biblioteca e por vibrarem comigo a cada conquista.
Espero que minha perseverança lhes possa servir de estímulo para que consigam
fazer tudo o que estiver a seu alcance. Obrigada pelos sorrisos mais lindos!
À minha mãe Ruth (in memoriam) que sempre me ensinou a ser perseverante frente
os desafios, e ao meu pai Antônio, por torcer por mim, meu amor e eterna gratidão.
A minha irmã Márcia, por compreender minha ausência e ainda arrumar um
espacinho nas suas atribulações para amparar-me nos momentos de insegurança.
Obrigada, mana!
A Thereza Christina Alves Caichjian, minha amiga de sempre e irmã de coração,
obrigada pelo apoio incondicional e por comemorar comigo cada conquista.
A minha funcionária Cecília Rosa dos Santos Brito, que já faz parte da família e
adivinha até meus pensamentos, obrigada por celebrar com entusiasmo a subida de
mais um degrau em minha vida.
Aos amigos queridos que, de diferentes formas, me auxiliaram para atingir mais essa
etapa, Maria Goreti Wolff Nadolny, Therezinha R. S. Dutra Gomes Soares, Maria
Emília Santos, Maria Elena Menicucci, Sonia Maria Baccari Godoy, Rita de Cássia
Casabona, Cristina Cortezzi, meus sinceros agradecimentos.
E àqueles que a memória não ajudou a lembrar... muito obrigada!
RESUMO
Entre tantas vantagens, a Internet possibilita uma nova maneira de os indivíduos
buscarem parceiros para relacionamentos afetivos. Embora, esse recente processo
seja vantajoso e prático, ocorre uma grande incidência de desapontamento entre
algumas pessoas, e mesmo de comportamentos desmesurados dos indivíduos na rede.
Meu interesse em estudar esses aspectos partiu da constatação de que muitas pessoas
se decepcionam nos relacionamentos iniciados virtualmente porque idealizam o outro
da relação. Além disso, alguns internautas parecem não distinguir fantasia e
realidade, pois se comportam sem a percepção dos possíveis riscos a que ficam
expostos. Sendo assim, a hipótese do presente trabalho foi refletir sobre as
possibilidades oferecidas pela Internet que facilitam a idealização e a atuação em
alguns casos. Por meio de exemplos de relacionamentos que contextualizam esses
fatos constatei que a Internet favorece a emergência do fenômeno da transferência,
pois o anonimato deixa a alteridade suspensa, e possibilita ao indivíduo dizer tudo o
que desejar numa atmosfera artificial semelhante ao que ocorre no setting analítico.
No conduto da investigação constatei que muitos, pela incapacidade de contenção
simbólica, mostram que a excitação pulsional manifesta-se com intensidade no real,
atuando de forma indiscriminada com a contribuição do outro “virtual” que se
oferece para ser vivido como objeto da transferência. Da mesma forma, já que no
espaço virtual há uma superposição entre real e virtual, os indivíduos que têm as
barreiras do eu mal definidas – bordeline –, por indiscriminarem fantasia e realidade,
transitarão nesses dois espaços sem conflitos evidenciando que para esses não há
diferença do que se vive online e offline. Portanto, a Internet, por ser virtual, se
harmoniza com essa forma de subjetividade, e pode ser vivida em conciliação com a
experiência emocional de cada um. O espaço virtual tem um caráter sedutor por
apresentar uma infinidade de possibilidades favorecendo, assim, tanto a idealização
dos parceiros quanto a atuação.
Palavras-chave: ATUAÇÃO; BATE-PAPO; IDEALIZAÇÃO; INTERNET; TRANSFERÊNCIA.
ABSTRACT
Amongst its many advantages, the Internet enables a new way for individuals to find
romantic relationships. As advantageous and practical as this process is, there is a
great incidence of disappointment amongst some people, and also of unrestrained
conduct on the Internet. My interest in studying these aspects stemmed from the fact
that many people are disappointed by relationships that begin virtually because they
idealize the other person in the relationship. Furthermore, some Internet users seem
not to distinguish fact from fantasy, as they behave without perceiving the possible
risks they are exposed to. Hence, the hypothesis of this study was to reflect on the
possibilities offered by the Internet that enable idealization and acting out, in some
cases. Through examples of relationships that put these facts into context, I have
identified that the Internet favors the emergence of transference, as anonymity
suspends alterity and allows the individual to say whatever they want in an artificial
atmosphere similar to that in the analytical setting. In the process of investigation I
discovered that many people, through their incapacity for symbolic contention, show
their drive to be manifested in reality, operating indiscriminately with the
contribution of the “virtual” other who offers themselves to be experienced as an
object of the transference. Likewise, as in the virtual space there is an overlaying of
real and virtual, borderline individuals, in not discriminating between fact and
fantasy, shall move about these two spaces without conflict, illustrating that for them
there is no difference between what they experience online and offline. Therefore, the
Internet, in being virtual, blends with this form of subjectivity and can be
experienced in conciliation with each person's emotional experience. The virtual has
a seductive nature in presenting an infinite range of possibilities, so favoring both
idealization of partners and acting out.
Keyword: ACTING OUT; CHAT; IDEALIZATION; INTERNET; TRANSFERENCE.
“Vivemos num mundo de fantasias e ilusões.
Nossa tarefa mais árdua é encontrar a realidade.”
(Iris Murdock, 1919)
“Não é fácil estudar o novo.
E não é fácil porque o velho tende a atrapalhar, principalmente quando já temos formas
consolidadas de ver e interpretar o que nos cerca.”
(Ana Maria Nicolaci-da-Costa, 1998)
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................01
1.1 Método..................................................................................07
1.2 Adriana.................................................................................09
2 A GÊNESE DA INTERNET..........................................................16
3 A INTERNET E O LÚDICO..........................................................21
4 O VIRTUAL ...................................................................................27
5 REALIDADE PSÍQUICA: ENTRE O REAL E O VIRTUAL......32
6 TRANSFERÊNCIA........................................................................44
6.1 Regressão..............................................................................51
6.2 Transferência: suporte para a idealização.............................54
7 TRANSFERÊNCIA NA SITUAÇÃO ANALÍTICA E
TRANSFERÊNCIA NA INTERNET.............................................66
7.1 Semelhanças.........................................................................66
7.2 Diferenças.............................................................................70
8 ATUAÇÃO .....................................................................................73
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................78
10 REFERÊNCIAS..............................................................................85
11 ANEXO...........................................................................................89
11.1 Anexo A-1 Um depoimento...........................................90
11.2 Anexo A-2 Questionário (modelo).................................91
1 INTRODUÇÃO
No percurso de sua obra, Freud sistematizou com rigor, objetividade e fundamentos
precisos um exame minucioso e atento das condições da alma humana. Para mim, o
instrumental analítico tem se tornado cada vez mais intrigante e instigante, pois, ao
mesmo tempo em que gera dúvidas e questionamentos, amplia espaços e horizontes
no desenvolvimento de minha percepção no que concerne ao estudo do indivíduo e
suas relações com o mundo. Sendo assim, mais uma vez, partindo de uma
necessidade de compreensão, atrevo-me a adentrar um campo em que a leitura
psicanalítica, ainda em dimensões reduzidas, apenas recentemente vem se fazendo
presente no que refere às relações interpessoais na Internet.
Desde seu surgimento, a rede mundial tem sido tomada como objeto de
discussão no que diz respeito às suas implicações no meio social. Sua influência no
comportamento das pessoas se tornou inegável, pelo fato de ela estar presente no
quotidiano das mais variadas formas. Uma delas é o fato de, dentre tantos locais
favoráveis para o encontro de possíveis parceiros, ela ter se tornado um espaço
equivalente aos bares, às boates, à praia. Porém, diferentemente dos outros lugares,
pela Internet pode-se conhecer alguém no instante que desejar como também
dispensar no momento em que se fizer necessário e sem nenhum constrangimento.
Nesse espaço virtual, a possibilidade de iniciar relacionamentos amorosos
está ao alcance de todos; principalmente, daqueles que têm poucas chances de
encontrar parceiros pelos locais que freqüentam, seja pela timidez, seja pela
aparência física desfavorável, ou ainda por terem pouca desenvoltura; estes, dentre
tantos, são aspectos que dificultam o caminho para iniciar namoros. Sendo assim, a
Internet facilita bastante a triagem inicial dos pares, como um meio de acessar
parceiros compatíveis, e possibilita um conhecimento maior entre os indivíduos,
instituindo assim uma nova forma de sociabilidade. Com isso, o ciberespaço se
2
singulariza pelo cunho facilitador no que concerne à busca de relações interpessoais
de forma prática, econômica e lúdica.
Com relação aos pontos de encontro virtual, os mais comuns são os chats,
isto é, as salas de bate-papo, e ainda MSN, Orkut e sites especializados que se
propõem a juntar “almas” solitárias. Esses sites e algumas salas de bate-papo
concentram pessoas que têm o mesmo objetivo e disponibilidade para iniciar um
relacionamento amoroso e aí, pela não possibilidade imediata da troca de imagens, a
aproximação torna-se mais fácil e a rejeição é encarada de forma menos dolorosa do
que nas relações face a face. Como resultado, é cada vez mais expressivo o número
de pessoas que procuram nessa forma de contato a possibilidade de encontrar um par
romântico.
Pela velocidade com que as relações se formam no contexto virtual,
percebemos uma nova configuração no estabelecimento da intimidade, na qual os
indivíduos assumem uma posição ativa em definir com precisão seus interesses. Isto
pode ser verificado nos chats, nos quais o apelido (nick) – elemento que identificará
o usuário em toda conversação – é a maneira inicial de apresentação, que tem a
função inicial de atrair parceiros. Normalmente, para o elemento de identificação
fictício, são utilizadas características físicas e idade, nomes de personagens famosos
e metáforas como forma de despertar a curiosidade e conquistar a atenção do outro.
Tais aspectos, dentre outros, evidenciam o modo pelo qual a Internet abre comportas
para a satisfação imediata das exigências pulsionais, tornando-se um lugar onde as
fantasias e os desejos são externalizados, porém protegidos pelo escudo defensivo do
anonimato. A vida pulsional está sempre agindo de modo a procurar realizações, e o
espaço virtual permite essa prática num encontro de fantasias anônimas.
Nas relações amorosas que se constroem no espaço virtual há o
estabelecimento de fortes vínculos; porém, muitos deles são passageiros e às vezes
frustrantes. A Internet se torna um meio para o indivíduo efetivar a realização do
desejo no aqui e agora, que propõe um modo de socialização mais livre, menos
sujeita às convenções sociais, favorecendo a expressão da realidade psíquica. Essa
forma de viver relações interpessoais tem se mostrado crescente e até predominante
3
para uma parcela cada vez maior de indivíduos. É fato que os encontros se dão
rapidamente, mas na mesma proporção e velocidade estão os desencontros.
Sem dúvida, o sentimento amoroso não tem lugar determinado para surgir, e
esse fenômeno pode se dar nos recantos mais imprevisíveis da vida; o mesmo
acontece com as decepções amorosas. Essas sempre existiram e não podemos limitar
sua ocorrência ao ciberespaço, até porque, para alguns indivíduos que utilizam esse
recurso recém-adquirido, o relacionamento se aprofunda e chega a se realizar. Mas
não é o que acontece em muitos casos, nos quais o relacionamento se sustenta
somente enquanto o encontro real não se realiza. Estamos diante de novos hábitos
que implicam transformações em sua própria processualidade.
Vários estudos têm sido feitos sobre os impactos da rede; são pesquisas que
partem de diferentes pólos acadêmicos, como as ciências da comunicação, a
sociologia, a filosofia, a psicologia, dentre outros. Através dessas diversas vertentes
temos tido a oportunidade de entrar em contato com trabalhos interessantes que
apresentam as transformações desse avanço tecnológico geradas na vida do homem.
Entre alguns exemplos podemos citar Negroponte
1
que apresenta e desenvolve, de
forma otimista, os aspectos técnicos do funcionamento da rede e de vários conceitos,
tais como multimídia, hipermídia, bits superando os átomos; também Baudrillard
2
que, numa visão crítica, discorre sobre temas como morte do real, perda de
referências, Internet como simulação de espaço de liberdade e descoberta, internauta
inserido numa espécie de servidão voluntária e etc.
Nicolaci-da-Costa
3
vem desenvolvendo trabalhos na área das novas
tecnologias e os processos de subjetivação e, numa de suas pesquisas, apresentou o
desenvolvimento e os impactos da Internet e as possíveis modificações geradas na
vida das pessoas em vários contextos, como as novas formas de comunicação e suas
implicações, a virtualidade, discussão de novos conceitos, apresentação de uma nova
linguagem, novas possibilidades de relacionamentos. Nessa mesma vertente, Romão-
1
Negroponte, N. A vida digital. (tradução de Sérgio Tellarali). São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
2
Baudrillard, J. Tela total: mito-ironias da era do virtual e da imagem. 2.ed. (tradução de Juremir Machado da Silva).
Porto Alegre: Sulina, 1999.
3
Cf. Nicolaci-da-Costa, A. M. Na malha da rede: os impactos íntimos da Internet. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
4
Dias
4
nos apresenta uma visão positiva da interação sujeito-Internet, mostrando que
no espaço virtual esses indivíduos podem ter uma experiência de multiplicidade de
“eus” e do brincar criativo, como transformações subjetivas construtivas e favoráveis
à vida das pessoas.
Já Civiletti e Pereira
5
analisaram as relações afetivo-sexuais nas salas de bate-
papo, investigaram e confirmaram, entre outros aspectos, a hipótese de que a Internet
pode ser considerada um prolongamento da vida real. Ou seja, “virtual” e “real” são
considerados, por alguns, como espaços interativos equivalentes. Concluíram que os
internautas que desejam com maior freqüência passar do “virtual” para o “real” são
os que não vêem diferenças entre esses dois espaços. Afirmam que nos chats
convivem preceitos totalmente distintos, e as oportunidades de se encontrar, ou não,
parceiros com as mesmas expectativas são iguais. Por esse motivo, presumem os
autores, quando da passagem do “virtual” para o “real”, o índice de ocorrência para
casos bem-sucedidos e frustrantes é equivalente.
Outra fonte de informação relacionada ao tema, talvez a pioneira, centraliza-
se na mídia. A esse respeito podemos citar Pinheiro, que apresenta uma forma
complexa de relacionamento à qual chama, numa espécie de neologismo, de e-
infidelidade
6
, uma inovação real num campo em que parecia não haver nada de novo,
o campo da infidelidade conjugal. Em seu artigo, a jornalista afirma que os vários
serviços de bate-papo mediados pelo computador criam novos paradigmas de traição,
e que em 60% dos casos a infidelidade virtual termina no encontro real.
Klein
7
expondo os depoimentos dos usuários do Orkut acentua que os
malefícios existentes num relacionamento não são provenientes da rede, mas sim da
própria relação. Sampaio realizou uma pesquisa para desvendar o complexo mundo
4
Romão-Dias, D. Brincando de ser na realidade virtual: uma visão positiva da subjetividade contemporânea. Tese de
Doutoramento pelo Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ). Rio
de Janeiro, 2007.
5
Civiletti, M. V. P. e Pereira, R. Pulsações contemporâneas do desejo, paixão e libido nas salas de bate-papo virtual.
Psicol. Cienc. Prof. [online]. mar.2002, vol.22, n.º1, p.38-49. Disponível em <<http://pepsic.bvs-
psi.org.br/scielo.php>>
6
Pinheiro, D. Trair e teclar é só começar. Revista Veja, edição 1940, ano 39, n
o
3, Editora Abril, 25/01/2006, p.78.
7
Klein, G. Orkut do bem e do mal. AT REVISTA, A Tribuna de Santos, ano 2, edição 68, 19/03/2006.
5
dos encontros amorosos na Internet. Como resultado de seu trabalho, exibe uma
soma de depoimentos sobre relacionamentos iniciados virtualmente, incluindo os
próprios, e suas vicissitudes. Concluiu que poucos são os casos que dão certo, os
quais denomina “ganhar na mega-sena internáutica”
8
.
A matéria feita por Sekeff
9
é ilustrada com seis casos, sendo que cinco deram
certo e terminaram no cartório, e uma história desastrosa que envolveu estelionato.
Ainda nesse mesmo artigo encontramos a opinião do professor de psicologia da
Universidade de São Paulo (USP), D
r
Ailton Amélio da Silva, que considera a
Internet seletiva por proporcionar às pessoas a possibilidade de escolher melhor o
parceiro quando comparada às possibilidades da vida real. Diz ser o meio mais
prático e confortável, ainda com grandes vantagens, como, por exemplo, a seleção se
iniciar pelas afinidades, ao invés de pela atração física.
Certamente, esses estudos e artigos dos meios de comunicação conquistam a
atenção e interesse daqueles que – como eu – se propõem a compreender os
processos de subjetivação que emergem dessa nova tecnologia, no atual modo de
vida do indivíduo. Dentro da perspectiva do que se vive online e offline, certas
observações que tenho feito foi o que despertou minha atenção para realizar o
presente trabalho. Essas observações, algumas já citadas, que se inserem em
depoimentos, em mídia as mais diversas (livros, revistas, televisão), pacientes, e
mesmo de pessoas conhecidas, sugerem que há uma crescente incidência de sujeitos
que se voltam para a Internet quando sofrem algum tipo de decepção amorosa, na
expectativa de resolver o problema e substituir rapidamente o parceiro perdido.
Tais pessoas começam por idealizar os parceiros, que em pouco tempo
passam de virtuais a reais, o que muitas vezes resulta em novos fracassos amorosos.
Pude perceber isso, também, através de algumas observações casuais na própria
Internet, em tópicos do Orkut, questionando os usuários sobre possíveis decepções
nos relacionamentos iniciados virtualmente. As respostas que obtive corresponderam
8
Sampaio, A. Amor na Internet: quando o virtual cai na real. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.16.
9
Sekeff, G. A vid@ como ela é... Artigo disponível em <<http://veja.abril.com.br/especiais/vidadigital/>>
6
à minha percepção, pois os internautas narraram experiências frustrantes, como as
seguintes:
“Na Internet não há contato direto, então, o início do relacionamento virtual
é cheio de fantasias e esperanças, pensamos que essa será a pessoa certa
para nós, imaginamos características que ela nem tem e talvez nem
demonstrasse ter, e depois do verdadeiro encontro descobrimos que aquela
pessoa nunca é o que esperávamos, que a realidade é sempre imperfeita”;
... ou
“Praticamente, em todas as vezes eu me decepcionei, pois os homens que
conheci pessoalmente eram muito desajustados, em busca de elevar seu ego
como conquistadores, alguns até viciados em manter contatos com dezenas
de mulheres ao mesmo tempo fingindo ser bem intencionados”;
... ou
“Confesso que foi uma decepção conhecer a pessoa, depois de 30 minutos eu
tinha vontade de evaporar”.
Diante disso, passei a me questionar a respeito desse fenômeno. Estaria a
Internet facilitando, de alguma maneira, a idealização e a atuação indiscriminada da
sexualidade? Quais conceitos psicanalíticos poderiam me ajudar a entender esse
comportamento? Que hipótese se pode esboçar a respeito do papel da Internet?
Por essa razão, contextualizando uma nova forma de sociabilidade que
resultou em mudanças na vida das pessoas, o objetivo do presente trabalho será
estudar alguns aspectos da idealização e da atuação na Internet, tendo como
fundamento teórico as idéias de Freud e convocando seus seguidores a enriquecer
nossa discussão.
A incidência crescente de adeptos da Internet que se utilizam desse novo
recurso na crença de encontrar a “felicidade” em poucas horas obriga-me a
considerar que esse espaço esteja sendo usado, basicamente, para a projeção de
7
aspectos do psiquismo, pois a difícil aliança entre o real e o virtual só pode ser feita
por um indivíduo que dali se ocupa.
Embora a contemporaneidade e suas características estejam presentes em
muitos estudos que configuram Internet e subjetividade, limitar-me-ei a abordar o
fenômeno que observo em alguns usuários da Internet – idealização e atuação –
utilizando somente conceitos psicanalíticos.
1.1 Método
Para elucidar a proposta do presente trabalho, como estratégias do método
investigativo foram utilizadas vinhetas clínicas extraídas de meu trabalho em
consultório. Concomitantemente, como auxílio à compreensão da pesquisa, uma
comunidade foi criada na Internet, denominada “Nunca te vi, sempre te imaginei”, na
qual se requisitou a participação de voluntários que relatassem algum tipo de
desapontamento ocorrido por meio de uma relação iniciada virtualmente. Com o
intuito de preservar a intimidade dos participantes, visto que numa comunidade de
Orkut qualquer pessoa pode ter acesso, foi produzido um endereço eletrônico
<<[email protected]>> para que participantes pudessem enviar suas respostas. No
entanto, embora todos tivessem correspondido à solicitação, obtive pouca
colaboração efetiva, resultando em quatro depoimentos, dos quais somente um foi
utilizado na pesquisa (Anexo A-1), o que conta um relacionamento que se deu entre
uma moça brasileira e um rapaz norte-americano, residente nos Estados Unidos da
América.
Foram apresentados, também, dois relatos extraídos de uma coletânea de
casos sobre relacionamentos iniciados virtualmente, publicados no livro “Amor na
Internet – quando o virtual cai na real”, escrito pela jornalista Alice Sampaio.
Para coleta de dados, foi elaborado um questionário (Anexo A-2) concernente
ao objetivo da pesquisa e distribuído às pessoas que se propuseram a colaborar,
resultando numa considerável participação. Mas, embora a quantidade de respostas
8
tenha sido significativa, sua qualidade deixou a desejar pelo laconismo, motivo pelo
qual a utilização desse material foi descartada.
Outra possibilidade de contribuir com a coleta de dados, porém também
descartada, foi entrar nas salas de bate-papo e conversar diretamente com os usuários,
expondo o motivo da pesquisa e solicitando cooperação. A tentativa se deu por
diversas vezes; no entanto, a primeira dificuldade foi encontrar alguém que se
dispusesse a responder perguntas para uma pesquisa num ambiente onde o propósito é
o namoro, e, por conseguinte, não ser aquele o assunto em pauta. Por essa razão,
muitos indivíduos foram categóricos em negar colaboração. O segundo obstáculo foi a
impossibilidade de prosseguir conversa com aqueles que se propuseram a colaborar, ou
seja, inicialmente os supostos colaboradores se mostravam solícitos, mas com o
decorrer do tempo mudavam a direção da conversa no sentido de explorar somente o
assunto ‘sexo’. Por esses aspectos, e pelo excesso de tempo despendido na procura de
um participante significativo à proposta em questão, não foi possível efetuar a pesquisa
no ambiente dos chats.
Essa impossibilidade de pesquisar diretamente no ambiente virtual já nos deu
indícios empíricos da liberdade e da intimidade instantânea disposta nesse novo
espaço. Pois, é fato que, fora do âmbito da Internet, muito provavelmente, ninguém
responderia a um pedido de colaboração para uma pesquisa com convites de teor
sexual sem limites de reserva, motivo que caracterizou o abandono também desse
modo de coleta de dados.
Com isso, a Internet se declara um espaço sancionado ao “Eu posso tudo”, no
qual muitos indivíduos vivem no “como se”, buscando novas formas de expressão das
fantasias sexuais e da vida fantasmática.
Na busca de parceiros, em algumas pessoas, o ciberespaço parece produzir um
fascínio, uma atratividade irresistível, onde a idealização se apresenta como moeda
corrente. E, além da idealização, por que tais indivíduos buscam os objetos de
transferência no virtual, muitas vezes, eles também vão ao encontro real desses
(objetos), evidenciando a diferença da relação que se estabelece entre os dois espaços.
9
Dando continuidade ao que foi exposto até aqui, apresentaremos a seguir um
caso que exemplifica o objetivo de nossa investigação. Não se tratando, no entanto, de
um estudo pormenorizado, mas sim de uma ilustração que, como ponto de partida,
configura a questão da idealização e do acting out.
1.2 Adriana
Adriana, uma jovem de 32 anos com nível universitário, foi casada durante
um período de dez, relatou que sua relação conjugal sempre foi marcada por
desentendimentos. Contou que, nos últimos meses de casada, para desfazer o mal-
estar que sentia devido às constantes brigas com o marido, decidiu se envolver com
um rapaz divorciado, um colega de trabalho. Considerando que dessa forma
solucionaria seu problema, resolveu se separar do marido. Porém, segundo ela, esse
novo relacionamento não preenchia suas expectativas, deixava-a angustiada, pois o
rapaz não a assumia. Disse que no início manteve sigilo a respeito do namoro e não
apareciam juntos em público pelo fato de ainda estar casada; no entanto, mesmo após
sua separação, foi impedida de anunciar o novo relacionamento, visto que o rapaz
assim o exigiu. Marcavam vários compromissos e ele praticamente não comparecia a
nenhum, dando como justificativa ter um pai doente que constantemente solicitava
sua presença, e uma mãe que não admitia outra mulher na sua vida a não ser sua ex-
esposa.
Contou que certa vez ele ficou furioso por ela ter telefonado para sua casa e
se identificado, pois a mãe, que desconhecia essa relação do filho, quase o expulsou
de casa. Disse ter agido intencionalmente, pois estava com raiva dele, por ser tão
submisso à mãe. Ao relatar esses episódios, Adriana chorava e não entendia o motivo
que impedia o rapaz de assumir a relação, já que ele se declarava apaixonado por ela.
Apesar disso, ela sempre se mostrou disponível aos habituais convites que o rapaz
lhe fazia, de passarem a noite juntos na casa dela, aos quais, no entanto, poucas vezes
ele compareceu.
10
Sentia-se insatisfeita e com o intuito de ficar mais animada sempre
manifestava a vontade de realizar algo novo, como participar de um curso de dança,
fazer aulas de hidroginástica, exercer trabalho voluntário numa organização não-
governamental (ONG), dentre outras atividades. Adriana executava a maioria desses
projetos, os quais ela iniciava com grande entusiasmo, mas logo os desqualificava,
abandonando-os. Vez por outra, quando estava insatisfeita, lembrava-se de que, na
infância, sentia-se muito bem ao ir à casa de uma tia para brincar com sua prima.
Referia-se a esse lugar com certa nostalgia, pois eram momentos nos quais se sentia
livre das imposições de sua mãe, por quem se sentia tolhida.
Encontrava o ex-marido por motivos profissionais e como o encontro era
cordial começou a convidá-lo para jantar, dizia sentir que ele ainda a amava. A partir
daí, embora mantendo o relacionamento com o colega de trabalho, Adriana deu
início a várias tentativas infrutíferas de reconciliação conjugal, já que o ex-marido
não acreditava que a futura condição fosse diferente pelo fato de estarem separados
por tão pouco tempo. Porém, Adriana não deu trégua, insistiu muito e conseguiu
reatar o casamento, manifestando contentamento com a reconciliação. Por essa razão,
se distanciou do rapaz que namorava; permanecendo somente na relação conjugal.
No entanto, em pouco tempo, a vida de casada retomou seu aspecto
conflituoso, deixando Adriana desolada e com medo de ficar só. Começou então a
freqüentar um centro espírita, pois relatou se sentir aliviada e calma ao receber
passes
10
. Ingressou num curso preparatório para concurso público, visto que decidiu
mudar de emprego; no entanto, apesar de ter boa acuidade intelectual, dizia que não
gostava do que estudava e não conseguia se concentrar nas leituras. Por esse motivo,
desistiu do concurso e foi ministrar aulas em um cursinho preparatório para
vestibular, atividade que lhe proporcionou benefícios gratificantes como, por
exemplo, ser reconhecida pelos alunos e ter um aumento em sua renda. Se, por um
lado, esse fato a fazia se sentir feliz, por outro, sua vida conjugal, que era muito
conturbada, a deixava insatisfeita; sentimento que a ocupava a maior parte do tempo
e a fazia intitular-se de incompetente, já que não conseguia melhorar a situação.
10
Ato de passar as mãos repetidas vezes por diante ou por cima de pessoa que se pretende magnetizar ou curar pela
força mediúnica. (N.A.)
11
Segundo Adriana, para atenuar o sentimento provocado pelos desencontros
com o marido, começou a freqüentar as salas de bate-papo da Internet e encontrou
pessoas com seu mesmo problema, a solidão. Não deixava de se comunicar
virtualmente um dia sequer e passava horas na rede, pois considerava estimulante e
gratificante saber que era desejada, já que se sentia rejeitada pelo parceiro.
Inicialmente, seus contatos se restringiam a palavras textuais e achava muito
interessante poder se manifestar sem ressalvas mantendo a identidade anônima. Dizia
que podia se passar por quem desejasse, ter o corpo ideal, o nome que achasse
interessante, mudar a própria idade; enfim, estava deslumbrada com tantas
possibilidades de jogos.
Após essa etapa inicial, sentiu-se totalmente desinibida e começou a falar
com os homens pelo microfone apresentando-se através da câmera. Dizia que,
rapidamente, logo após a apresentação, a conversa versava num conteúdo erótico
complementada com sua nudez. A cada homem que conhecia, e eram vários ao
mesmo tempo, realizava e pedia que o outro realizasse um desejo sexual, o qual
pudesse ser concretizado e visto através da câmera.
Passado algum tempo, Adriana começou a ir além do encontro virtual, isto é,
para o encontro real. Bastava um primeiro contato, somado à conversa sedutora e à
boa aparência do possível pretendente, que o encontro real se concretizava. Adriana
não media esforços para encontrar os desconhecidos parceiros, ou seja, viajava para
outras cidades, se encarregava de fornecer seu nome no registro de hotéis caso o
outro não quisesse apresentar-se publicamente. Além disso, dava justificativas
plausíveis ao marido quando precisava se ausentar nos horários em que este estava
em casa. Ao mesmo tempo, não se dava conta dos riscos que corria ao se expor, ao
encontrar-se em quartos de hotéis com, muitas vezes, dois homens juntos
conhecendo-os somente pela aparência vista através da câmera e o nome com que
eles se apresentavam. Não tinha a mínima noção do perigo, e chegou a passar um
final de semana dentro de um quarto de hotel em outra cidade com um homem,
conhecido pela Internet, que exigiu manter sua identidade anônima, mesmo após
Adriana ter chorado e insistido para que confiasse a ela seus dados e história pessoal.
12
Esse episódio, como outros, foi relatado com pesar, pois achava que, após
dois dias inteiros de convivência íntima, o desconhecido deveria crer em sua
honestidade e demonstrar mais interesse. Em outras palavras, frustrou-se muito em
perceber que não haveria um relacionamento promissor, que tudo não passou de um
encontro fugaz e despretensioso.
Nesse período dos contatos e encontros com pessoas da Internet, Adriana
faltava com certa freqüência às sessões ou comparecia com atraso. Após uma
ausência em duas sessões consecutivas, retornou muito angustiada, dizendo que na
noite anterior seu marido a surpreendera no momento em que estava despida,
mostrando-se para outro homem na câmera da Internet. Contou que a situação foi
extremamente embaraçosa, discutiram muito, mas como era tarde da noite ninguém
saiu de casa. Seu horário de sessão era o do período da manhã e até aquele momento
eles ainda não tinham se encontrado, já que devido ao desentendimento o casal
dormira em cômodos separados. Queria solução para o impasse, perguntava o que
deveria falar e qual argumento usar para dissuadi-lo, pois receava que o marido
rompesse com ela e a mandasse embora. Nessa semana, ela requisitou duas sessões
extras.
Uma das características de Adriana era sua fala compulsiva: falava sem parar
durante a sessão inteira. Após o último episódio esse aspecto foi acentuado, pois
fazia perguntas e ao mesmo tempo dava possíveis soluções querendo aprovação para
suas propostas. Depois, relatou que após várias discussões conseguiu convencer o
marido de que seu comportamento se encerrava numa fantasia erótica e não ia além
do virtual, alegando ser uma maneira de aliviar a solidão, já que se sentia tão
rejeitada por ele. Contudo, convidou-o para experienciar junto com ela esse tipo de
fantasia, explicando que o intuito era aquecer a relação conjugal. Num primeiro
momento o marido se mostrou refratário, mas Adriana defendendo sua proposta
insistiu com argumentos supostamente favoráveis à união do casal. Por conseguinte,
obteve resultado positivo, pois o marido aceitou compartilhar da nova prática.
Sendo assim, os dois se relacionaram com casais pela Internet que tinham o
mesmo objetivo, ou seja, mostravam-se frente à câmera realizando fantasias sexuais.
13
Em seguida, Adriana sugeriu que fossem para o encontro real e experimentassem a
relação sexual com trocas de casal. E assim partiram para a nova experiência, que se
caracterizou por muitas desavenças, contendo ciúmes e acusações. Isso fez com que
interrompessem essa prática decidindo que a Internet não fosse mais utilizada para
esses fins.
Adriana relatou que não queria destruir seu casamento e que mudaria de vida;
por esse motivo ia aceitar a sugestão de uma amiga que lhe dissera para ter um filho.
Contou ter pensado nos conselhos da amiga e concluído que um filho era o que
faltava em sua relação conjugal. O marido, por sua vez, não se opunha à idéia, mas
também não era tão calorosamente a favor. Dizia-se confusa por não sentir o
empenho do parceiro e questionava o benefício resultante de prosseguir com a
decisão sozinha; porém, ao mesmo tempo, considerava ser uma possibilidade de unir
o casal. Concomitante a isso, sem o conhecimento do marido, continuava se
relacionando com homens pela Internet, porém, dessa vez, sem se exibir na câmera e
sem os encontros pessoais, pois dizia ser muito difícil abandonar aquela sensação
agradável de ser desejada.
Nesse interim, Adriana percebeu que seu marido passava muitas horas da
noite trabalhando na Internet e todas as vezes que ela se aproximava ele minimizava
a tela do computador. Isso despertou sua desconfiança e, assim, começou a investigar
os passos virtuais do parceiro, conseguindo até suas senhas. Descobriu que ele
entrava em sites de relacionamento e que seu MSN continha endereços femininos.
Chegou a se passar pelo marido no MSN e, com o intuito de detectar o grau de
intimidade que ele estabelecia nesses relacionamentos, conversou com uma mulher
que estava conectada. Declarou, com indignação, sua descoberta ao cônjuge, que
negou de forma veemente qualquer tipo de intimidade, afirmando não passar de
amigas virtuais. Esse fato deu origem a acentuados desentendimentos que beiraram a
agressão física, provocando em Adriana sentimentos como depressão, insegurança e
desesperança.
Do ponto de vista clínico, Adriana apresenta um modo de funcionamento que
denota fragilidade psíquica e pobreza de representações, manifestadas na dificuldade
14
em distinguir fantasia e realidade, idealizando as situações que ocorriam no espaço
virtual. O uso da Internet produziu um excesso de excitação que a levou à atuação.
Adriana tinha dificuldade em apreender certos setores da realidade, tais como a
impossibilidade do namorado em assumir a própria vida, sua adesão à Internet e suas
conseqüências, o perigo que corria em se expor e sair com pessoas desconhecidas, a
fugacidade dos encontros e as dificuldades em seu casamento serem pautadas pela
dupla e não por uma questão de competência pessoal.
Adriana não conhece afetos que se configuram em sentimentos
contextualizados nas diferentes “tonalidades”, ou seja, ou o marido a ama ou a
rejeita; na “ausência” deste, rapidamente coloca outro em seu lugar. Esse é um
aspecto encontrado no transtorno borderline denominado cisão.
Segundo Figueiredo, o indivíduo borderline indica falta de delimitação das
fronteiras e funções do ego – controle e processamento das excitações vindas de
dentro e de fora –, dificuldade na construção e sustentação de uma imagem integrada
de si e dos objetos que a cercam, expressas, como resultado de alguma alteração no
sentimento de instabilidade de sua existência.
Face à situação de conflito, inicialmente com o marido, Adriana precisou
recorrer ao namorado, e mais tarde a outros homens, possivelmente, pelo medo de
um desmoronamento interno.
Para esses pacientes, ou os objetos aparecem e desaparecem subitamente,
ou trocam subitamente de valor afetivo, sendo que em cada extremo da
escala bom-mau a valência tende a se absolutizar. Portanto, ora parecem
estar operando vínculos de dependência extrema diante de objetos muito
bons, ora esses vínculos parecem nunca ter existido
11
.
O telefonema de Adriana para a casa do namorado, identificando-se, parece
ter sido uma forma de ataque motivado pela raiva, uma resposta de ameaça narcísica,
resultante do fato de ele não a assumir. No mesmo contexto, encontram-se as
investidas contra a relação conjugal – relações extraconjugais –, a aderência à
11
Figueiredo, L. C. Psicanálise: elementos para uma clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003, p.86.
15
Internet e a razão de sua utilização. Ou seja, todos esses aspectos se inserem numa
dinâmica defensiva devido à fragilidade narcísica de Adriana, que necessita desses
“apoios” como forma de assegurar sua existência.
A Internet “provê” todas essas necessidades apresentadas no caso pelo fato de
ser virtual, ao menos no início do contato, razão pela qual estimula os indivíduos
com essa forma de subjetividade a encontrarem ali um lugar idealizado. No
ciberespaço a realidade pode ficar suspensa, aspecto favorecido pelo anonimato,
permitindo que o prazer – processo primário – predomine fomentando esses
distúrbios.
No entanto, a Internet não surgiu prontamente para o uso da população, muito
menos com os propósitos que atualmente os indivíduos a empregam. Desse modo,
para ampliar nossa compreensão, faremos um breve percurso em seu
desenvolvimento, destacando suas características e atuais funções, como uma nova
forma de sociabilidade.
16
2 A GÊNESE DA INTERNET
O conceito de tecnologia está inserido no âmbito das descobertas, invenções e criações
realizadas pelo homem. O desenvolvimento tecnológico transforma os conhecimentos,
costumes e práticas quotidianas do meio, dinamizando o processo de criação e
aplicação de novas idéias. A presença da tecnologia no mundo é aproximadamente tão
remota quanto o é a existência da humanidade. Inicialmente, o homem utilizou os
recursos naturais convertendo-os em ferramentas. Com o passar do tempo, as
ferramentas foram sendo transformadas e aprimoradas, possibilitando a construção de
objetos, tais como as máquinas, que vêm evoluindo em complexidade. Comumente a
maior parte das novidades e avanços tecnológicos é empregada na engenharia, no ramo
militar, na medicina e, mais recentemente, na informática.
Nos tempos atuais, os chamados sistemas digitais vêm ganhando cada vez mais
espaço entre as inovações tecnológicas, como no caso dos computadores pessoais
(PC). Nesse contexto temos assistido à expansão da Internet, que sofreu mudanças
significativas concernentes aos motivos de seu surgimento. Para compreender as
transformações da concepção de seus primeiros anos e o que vem acontecendo hoje é
preciso voltar um pouco no tempo.
No final dos anos cinqüentas, no auge da guerra fria, o departamento de defesa
dos Estados Unidos criou a ARPA
12
(Advanced Research Projects Agency). Sua
função era ocupar a primeira posição nas pesquisas de ciência e tecnologia aplicáveis
às forças armadas. Um dos objetivos foi desenvolver projetos em conjunto sem a
desvantagem da distância física nem o risco de perder dados de uma base destruída em
caso de combate. A partir daí, em 1969, foi criada a ARPANET
13
(Advanced Research
Projects Agency Network), inaugurando na prática suas atividades com o envio da
primeira mensagem. No ano seguinte a Arpanet foi ampliada com a instalação de
12
ARPA ou agência de projetos e pesquisa avançada (Tradução livre). (N.A.)
13
ARPANET ou rede de comunicação da agência de projetos e pesquisa avançada (Tradução livre). (N.A.)
17
novos pontos em todos os Estados Unidos, incluindo as universidades. Em 1971,
surgiu o modelo experimental do e-mail, aumentando a utilidade da rede, e dois anos
depois foram criadas as primeiras conexões internacionais. O restante da década de
1970 foi marcado pelo crescimento e surgimento de redes paralelas, que se uniram à
Arpanet com o intuito da comunicação recíproca. Em meados de 1984, a área militar
foi separada da Arpanet e o nome Internet começou a ser usado como referência ao
conjunto de redes (liderado pela Arpanet) surgindo os primeiros domínios (.edu; .org;
.gov). Poucos anos após a separação da parte militar, a Arpanet deixou de existir
cedendo exclusivo lugar à Internet.
Nessa época, diferentes sistemas usavam computadores e linguagens diferentes.
E para que a Internet fosse aberta a qualquer tipo de computador ou rede que desejasse
se comunicar foi necessário criar uma forma de comunicação padrão entre
computadores. Com isso, os diferentes sistemas começaram a estabelecer entre si o
tipo de comunicação desejada, mas era difícil e demorado o uso da rede na Internet,
pois somente os especialistas, como programadores e operadores, usufruíam esse tipo
de acesso. Para facilitar a navegação na Internet, foi criada uma rede de alcance
mundial denominada world wide web (www), que rapidamente ficou conhecida,
levando à multiplicação de homepages (páginas de entrada). A adesão de empresas e
pessoas físicas, como usuários, alcançou enormes proporções.
Desse modo, a Internet se transformou num fenômeno de massa e num
conglomerado de milhares de redes eletrônicas interconectadas. Essas redes variam de
tamanho e natureza, bem como diferem em instituições mantenedoras e em tecnologia
utilizada. A Internet proporciona às pessoas comunicação a baixo custo, oportunidade
de novos negócios, o acesso a fontes inesgotáveis de informação, dentre tantas outras
vantagens, mantendo até hoje o alto crescimento de adeptos. Seu desenvolvimento
caminha com grande velocidade, interconectando pessoas para os mais variados fins e
alcançando países dos cinco continentes. A interação dos indivíduos é realizada em
tempo real.
Nesse meio, portanto, o espaço não é mais empecilho para as relações, já que a
barreira geográfica está eliminada, o mesmo ocorrendo com o tempo. Para o usuário da
18
web não há horário-padrão, pois a conexão é ininterrupta. Ela tornou-se o lugar de
todos os encontros.
Essa evolução tecnológica surge remodelando a sociedade num grau de
importância minimamente comparado ao da revolução industrial. Estamos a caminho
de uma redefinição histórica, quando uma nova estrutura social está se configurando,
permitindo novas formas de organização e interação social. A Internet nos apresenta
um mundo novo, sintético, quase que sem limites, produzindo uma cultura emergente,
a cultura da virtualidade.
Chauí
14
, explanando sobre o homem e a cultura, afirma que para a
Antropologia o instante do surgimento da cultura se dá quando os homens, se
diferenciando da natureza, definem uma lei que, se transgredida, ocasiona a
“destruição” do indivíduo (lei da proibição do incesto). O importante, ressalta Chauí,
é perceber essa lei como universal, como uma necessidade social no sentido de
regular procedimentos e atos, isto é, organizando a vida dos indivíduos e da
comunidade,
(...) determinando o modo como são criados os costumes, como são
transmitidos de geração a geração, como fundam as instituições sociais (...).
A lei não é uma simples proibição para certas coisas e obrigação para
outras, mas é a afirmação de que os humanos são capazes de criar uma
ordem de existência que não é simplesmente natural (física, biológica). Esta
ordem é a ordem simbólica. (...) Quando dizemos que a cultura é a invenção
de uma ordem simbólica, estamos dizendo que nela e por ela os humanos
atribuem à realidade significações novas por meio das quais são capazes
de se relacionar com o ausente
15
.
Isto posto, percebe-se que esse novo paradigma da comunicação institui uma
“nova cultura” que permite outras formas de procedimento e de organização
diferentemente daqueles aos quais usualmente nos submetemos. Ou seja, entre tantas
possibilidades, nessa cultura da virtualidade não há restrição para as palavras, pois
estas estão protegidas pelo anonimato; não há julgamento de valores, pois cada um
14
Chauí, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994, p.294.
15
Op.cit., p.294-295.
19
expõe o que quiser sem nenhum tipo de sanção; no tempo virtual executam-se várias
tarefas simultaneamente, ocorrendo um processo de transformação crucial da
temporalidade.
A superação de barreiras espaciais em grau cada vez mais elevado é o que
torna possível realizar, entre outras atividades, numa velocidade ímpar, o encontro
com pessoas de várias partes do mundo ampliando contatos, como também
proporcionando e obtendo informação.
Outro fator importante é a inserção de situações que possam gerar
constrangimento como, por exemplo, o indivíduo prescindir de boa aparência
livrando-se de sentimentos, como vergonha, inferioridade, insegurança e etc., pois o
corpo pode ficar subtraído, libertando-se a transmutabilidade, e eximindo-se da
apreciação crítica.
No espaço virtual, diferentemente do espaço físico, não há fatores físicos
seletivos. No entanto, é a falta de territorialização corporal da subjetividade por um
corpo físico que possibilita encontros que não teriam lugar de outra forma. Nesse
lugar virtual pode-se combater a solidão, pois há sempre, e a qualquer instante,
interlocutores disponíveis; ao mesmo tempo não há impedimentos para dispensar
àqueles indesejáveis, eximindo-se dos possíveis embaraços do contato pessoal,
bastando apenas um clique no mouse. Aqui, os tropeços, em geral, não têm
conseqüências sérias, e muitos nem as têm, encobertos que são pelo anonimato.
É comum ouvir pessoas dizerem que, no espaço virtual, os indivíduos são
mais sinceros, pois exteriorizam mais sua essência; isso se dá pelo fato de estarem
protegidos pelo anonimato, já citado. Sinceros, não poderíamos afirmar, embora as
mentiras sejam reveladoras; mas é certo que manifestam seus aspectos psíquicos com
mais rapidez e expressão. De fato, o anonimato é a característica mais significativa
do espaço virtual, pois é dessa categoria que derivam todos os outros aspectos que
facilitam os contatos interpessoais.
Desse modo, essa é uma nova forma de subjetividade de uma cultura em que
o indivíduo pode exprimir-se de acordo com sua vontade, na qual o fantasiar é
20
permitido e aceito. E é exatamente com essa liberdade, utilizada por alguns de forma
apropriada e lúdica, que muitos se perdem, manifestando sua desorganização
psíquica.
Assim, dentro dessa nova perspectiva de interação social, e em meio a tantas
possibilidades e proveitos que se pode extrair desse aparato tecnológico, uma
categoria que merece destaque para o propósito de nosso estudo encontra-se numa
atividade em que os indivíduos desempenham papéis, cuja natureza ou finalidade é
recreativa, a saber: o jogo.
21
3 A INTERNET E O LÚDICO
A concepção de que brincar é somente uma diversão difere do que Freud apresenta
num pequeno artigo de 1908 no qual postula a relação de continuidade entre a
brincadeira infantil e a capacidade imaginativa. Em suas primeiras considerações sobre
o brincar, Freud questiona:
Será que deveríamos buscar já na infância os primeiros traços da atividade
imaginativa? A ocupação perfeita e mais intensa da criança é o brinquedo ou
os jogos. Acaso não poderíamos dizer que, ao brincar, toda criança se
comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor,
reajusta os elementos de seu mundo numa nova forma que lhe agrada?
16
Nesse sentido, Freud refere-se ao jogo/ brincadeira como uma qualidade que
confere a inserção da criança no plano simbólico. Em suas conclusões, estabelece uma
relação entre as fantasias dos adultos e o brincar da criança, já que ambos, investidos
libidinalmente, têm a função de alterar a realidade, pois que representam realizações de
desejos. No entanto, é importante enfatizar que, se essa alteração é momentânea, na
qual se mantém a percepção entre realidade e fantasia, essas categorias não se
sobrepõem. Ao mesmo tempo, o autor acentua que as gratificações proporcionadas
pelo brincar infantil não foram abandonadas, mas sim substituídas pelo fantasiar do
adulto, pois o homem nunca renuncia a uma gratificação obtida na realidade.
Outro autor que merece destaque no que concerne à experiência lúdica é
Huizinga
17
. Esse filósofo criou a expressão Homo Ludens
18
para destacar a
importância do jogo/ brincadeira na vida do homem. Explica o fenômeno como um ato
acompanhado de regras, de um sentimento de tensão, diversão e da consciência do que
16
Freud, S. Escritores criativos e devaneio, Vol. IX, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.149.
17
Johan Huizinga (1872-1945), filósofo e historiador neerlandês conhecido por seu trabalho na história da cultura da
Idade Média.
18
Huizinga, J. Homo Ludens. (tradução de João Paulo Monteiro). São Paulo: Perspectiva, 1999.
22
se difere da vida quotidiana. Sua tese é que todas as atividades humanas provêm de
uma experiência lúdica. Na afirmação desse autor, o homem que brinca (ludens) não
substitui o que trabalha (faber) ou o que raciocina (sapiens), apenas define de forma
mais completa o ser humano, sendo que, para pensar racionalmente e trabalhar, é
necessário construir relações lúdicas com a vida.
Da mesma forma Winnicott, em sua teoria sobre objeto transicional e os
fenômenos trasicionais, ressalta o fato de existir uma área intermediária de experiência
– espaço potencial – que confere ao bebê a ilusão – propiciada pela mãe – onde há uma
realidade externa que corresponde a sua própria capacidade de criar.
O brincar implica confiança e pertence ao espaço potencial existente entre (o
que era a princípio) bebê e figura materna, com o bebê num estado de
dependência quase absoluta e a função adaptativa da figura materna tida
como certa pelo bebê
19
.
Isto é, ocorre uma sobreposição àquilo que ele pode criar e conceber, podendo,
portanto, efetuar a transição de uma relação fusional para uma simbolização da
realidade objetal. Assim, o uso pela criança de um objeto transicional, primeira
possessão não-eu, é equivalente ao uso de um símbolo que se traduz como uma
experiência do brincar. Para esse autor, há um desenvolvimento linear dos fenômenos
transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado, e deste para as
experiências culturais. É esse movimento que dará lugar, na vida adulta, ao viver
imaginativo.
“É com base no brincar que se constrói a totalidade da existência experiencial
do homem”.
20
Portanto, para Winnicott, o brincar é uma experiência criativa, de
continuidade espaço-tempo, uma maneira fundamental de viver.
Em sua pesquisa, Romão-Dias
21
chama a atenção do leitor para as
possibilidades positivas e enriquecedoras inseridas no brincar que a Internet pode
19
Winnicott, D. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975, p.76.
20
Idem, p. 74.
21
Romão-Dias, D. Brincando de ser na realidade virtual: uma visão positiva da subjetividade contemporânea. Op.cit.
disponível em: <<http://www.puc-rio.br>>
23
proporcionar. A autora defende a idéia de que a Internet seria um espaço neutro, no
qual o indivíduo fica livre das exigências externas, como também do mundo interno,
ou seja, livre das tensões provenientes desses dois mundos. Em sua definição, Romão-
Dias afirma que o espaço virtual seria um espaço intermediário que se difere do mundo
externo e interno que habitam a vida do sujeito. Apoiando-se nos conceitos de
Winnicott a autora defende a idéia de que a Internet pode servir de espaço potencial,
pois “se, por um lado, o anonimato da Internet possibilita um laço mais frouxo com a
realidade externa, por outro, a fantasia tem um freio a partir do contato com o
outro”
22
. É no espaço entre esses dois aspectos que se insere a Internet, isto é, o
indivíduo não está vivendo sua realidade real nem se perde em suas fantasias. Sendo
assim, na opinião da autora, a Internet se apresenta como um lugar de brincar,
semelhante ao espaço potencial de Winnicott, propiciando uma experiência criativa.
Alguns indivíduos utilizam a Internet como espaço de sociabilidade lúdica,
criativa e saudável, no que concerne à interpretação de papéis, na fantasia
compartilhada de uma história inventada, mas sabendo o momento de retornar à
realidade, principalmente a realidade subjetiva do “quem sou eu”. Num exame sobre
os movimentos do jogo/ brincadeira, Huizinga explica que a liberdade do jogador está
circunscrita às normas estabelecidas e determinantes daquilo que vale dentro de um
mundo temporário. Temporário, pois se trata de uma evasão da vida real, um intervalo
na vida quotidiana se tornando parte integrante da vida em geral.
Nesse contexto e a título de exemplo podemos inserir as festas folclóricas, nas
quais as pessoas passam a representar uma personagem num ambiente específico cujas
regras têm validade temporária, limitando-se a um período e mantendo a percepção de
sua natureza. Ou mesmo o trabalho do ator, que se transporta para a “vida” da
personagem, mas preserva a consciência do caráter lúdico de sua atividade. O valor
expressivo conferido pelo jogo, bem como suas associações sociais, torna-se tão
necessários para o indivíduo, como função vital, quanto para a sociedade pela sua
significação, como função da cultura. Mesmo depois de ter chegado ao fim, o jogo
22
Idem, p.83.
24
fixa-se como um fenômeno cultural, ou seja, como uma criação, como uma riqueza a
ser conservada pela memória, tornando-se tradição.
A capacidade de se tornar outro, no sentido de representar uma personagem,
em geral, compõe-se com aspectos internos da psique do indivíduo, mas a
consciência da realidade habitual no jogo/ brincadeira impede que esses aspectos se
desalinhem para o real. Isto significa que, durante o período de duração do jogo, o
indivíduo pode agir conforme a identidade assumida sem que essa ação tenha
conseqüências em sua vida quotidiana. Esse aspecto nos remete à variedade de “eus
que o internauta pode explorar através dos nicks (apelidos) que utiliza como forma de
caracterizar a personalidade que deseja assumir. Em outras palavras, o sujeito da
Internet pode dar vazão a várias fantasias interpretando inúmeros papéis inacessíveis
à existência no real.
A esse respeito, Romão-Dias afirma que, no indivíduo da Internet,
sentimentos subjetivos emergem por meio da representação de vários papéis, dando
ao sujeito uma sensação de expansão subjetiva, pela forma diferente e nova que
permite o espaço virtual, fenômeno que não é vivido fora da rede. A autora cita e
contesta a opinião de Sherry Turkle que, através de uma pesquisa sobre interações na
rede, vê o sujeito da atualidade com vários “eus” semelhantes aos que ele representa
por meio dos nicks, relacionando essa multiplicidade de “eus” às múltiplas
personalidades (latentes). Romão-Dias verificou, tanto na literatura pertinente quanto
nos resultados de seu estudo, que não há casos em que o nick tenha assumido o
controle da vida do usuário da rede, como é o caso da patologia associada pela
pesquisadora norte-americana. A autora brasileira constatou que, por ser diferente o
sentimento que os sujeitos de sua pesquisa manifestaram ter, há uma descontinuidade
entre a experiência na rede e fora dela. No entanto, afirma que essa descontinuidade
não é uma quebra ou fragmentação no psiquismo do indivíduo, mas sim um agir
diferente do habitual fora da rede como resultado positivo dessa expansão subjetiva.
Há indivíduos que se sentem melhor “vivendo” o papel representado na rede do que
o de sua vida fora dela.
25
Por ser ambíguo, esse espaço virtual traz consigo várias definições e
interpretações. Por isso, o estudo de Romão-Dias revela-se interessante para ampliar
nossa compreensão sobre essa possibilidade do sujeito representar quem desejar,
justificada como uma forma de expansão subjetiva e não uma patologia. Além disso,
no entanto, poderíamos inferir que talvez seja uma forma de o sujeito abrigar-se de
alguma turbulência que possa estar vivendo. O uso da Internet pode servir como
prótese de certas funções psíquicas ausentes, como apoio, contenção ou conduto de
novas realidades com que o indivíduo se depara e “tem” que se identificar, inseridas
nesses múltiplos “eus” que apresentam nos contatos virtuais. São identificações
representadas, muitas vezes, por atos sem mediação que impedem o processo de
simbolização.
Embora o brincar possa ser criativo e terapêutico, pois, nesse caso, há
trabalho psíquico na elaboração de fantasias, muitas vezes o comportamento do
internauta pauta-se por uma suposta brincadeira, indicando uma atividade repetitiva
na busca incessante de um parceiro – algo que escapa à representação. Existem
situações em que a percepção da realidade fica suspensa no espaço virtual, visto que
muitas pessoas deixam-se absorver nesse mundo quase ilimitado de possibilidades,
onde as encenações não são vividas somente como brincadeira e a evasão da vida
real nem sempre é temporária. Nesses casos, a criação de personagens não é
registrada de forma lúdica, mas sim como atuação. Pois, no brincar, há elaboração
simbólica, já na atuação verifica-se o oposto, isto é, ocorre pura descarga pulsional. É
desses casos, isto é, em que o ato é o modo de o indivíduo se expressar, que o
presente trabalho vai se ocupar e que será abordado no capítulo 8.
A forma lúdica e criativa do brincar na Internet tem tempo estabelecido:
quando acaba, quebra-se o “feitiço” e a vida real recomeça. O ciberespaço se
singulariza pela acronicidade, pelo anonimato, pela isenção de regras permitindo a
satisfação imediata das necessidades e dos desejos. Com isso, as conseqüências
provenientes desse exercício tornam-se livres de pena. Motivo pelo qual, um número
considerável de indivíduos ocupa o ciberespaço para interpretar papéis cujas
projeções, idealizações e atuações são vividas intensamente. No jogo, diferentemente
26
do ciberespaço, as regras têm que ser seguidas, caso contrário ele não se efetua. Já no
ciberespaço tudo pode acontecer.
A imaginação, como categoria inserida tanto no contexto do jogo quanto no
da Internet, e como vetor da virtualização, não depende da presença física para
existir; isso vem evidenciar, portanto, que as expressões do psiquismo pertencem à
concepção do virtual. Sendo assim, a seguir, teceremos considerações sobre o
conceito de virtualidade, visto que alguns pontos de vista nos quais ele se inclui,
desde seu surgimento até os dias atuais, se fazem pertinentes para a compreensão e
correlação de nossas idéias no que diz respeito a uma existência potencial.
27
4 O VIRTUAL
Desde o século VI a.C. a investigação filosófica grega ateve-se à questão do
movimento. O conceito de virtual na metafísica aristotélica é a noção analógica do ser,
isto é, o ser constituído por diferentes sentidos. Aristóteles
23
interpretou a noção de ser
não apenas como o que já existe, “em ato; ser é também o que pode ser, a virtualidade,
a potência” – algo que já contém em si. Nesse sentido, esclarece que uma espécie de
matéria pode apresentar características diferentes em distintas ocasiões, por exemplo,
se uma folha verde torna-se amarela, é porque essas duas cores estão na substância da
folha sendo o amarelo uma virtualidade da folha, que num certo momento se atualiza.
Para Aristóteles a principal propriedade da matéria é possuir virtualidade, isto é, ter em
si possibilidade de mudança. O que individualiza e atualiza a virtualidade contida na
matéria é sua forma, que tem como traço ser aquilo que uma essência é num
determinado momento. A força de transformar e fazer existir o que está contido numa
matéria Aristóteles chama de potência, e de ato, a maneira de atualizar.
Como analogia, podemos afirmar que a criança é um adulto em potência – a
criança é a matéria e a potência está contida na matéria – ou seja, o adulto está
virtualmente presente na criança. Portanto, o que constitui o movimento na teoria
aristotélica é essa passagem da potência ao ato. O movimento estará sempre presente
enquanto continuar a virtualidade do ser de cada natureza, cessando quando o ser
expande suas potencialidades e se atualiza plenamente. Em oposição ao atual, o virtual
é potência criando movimento.
Como constatamos, o termo virtual como foco de estudo é uma categoria
pertencente a uma época longínqua. Pierre Lévy
24
acompanhando o sentido filosófico
do conceito explica que “a palavra virtual vem do latim virtualis, derivado por sua vez
de virtus: força, potência”. Sustenta que o virtual não se opõe ao real, e sim ao atual
23
Aristóteles (334 a.C.). Vida e Obra. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p.23.
24
Lévy, P. O que é o virtual? (tradução de Paulo Novaes). São Paulo: Editora 34, 1996, p.15.
28
sendo um processo de atualização, uma mutação, um deslocamento. O virtual
encontra-se antes da concretização efetiva e, exemplificando, cita que a árvore está
virtualmente presente na semente. “(...) e se a produção da árvore está na essência do
grão, então a virtualidade da árvore é real (sem que seja ainda atual)”
25
. Para Lévy, o
virtual e o atual estão contidos na realidade, somente de modos diferentes. Poderíamos
supor que o virtual não é manifesto, é algo em estado de latência e de potencialidade.
Por sua mutabilidade corrente no tempo o virtual não existe no aqui e agora, só o atual
apresenta existência. Assim, o virtual, o possível, o real e o atual se complementam.
Independentemente da época histórica, o senso comum concebe os conceitos de
forma rudimentar. Nesse contexto, esclarece Lévy, o termo virtual é utilizado de forma
simplista para significar a pura e elementar ausência de existência da realidade. Como
algo que só pode ser real ou virtual, sem possuir as duas qualidades ao mesmo tempo.
No final do século XX, esse vocábulo se tornou central para grande parte da
população, pois em conseqüência das comunicações computadorizadas a palavra
“virtual” se difundiu. Houve uma tecnologização do virtual. Sua instrumentalização
ganhou crescente força à medida que deixou de pertencer ao que era somente
imaginado, transformando-se em algo consistente, regrado, e prolongando o espaço da
cultura.
Na informação computadorizada, a virtualização é necessária para que se
realize a provisão de dados. Ao se colocar uma fotografia no ciberespaço, é necessário
tornar a imagem virtual, ou seja, uma representação digital ilusória daquilo que seria
um objeto da realidade, mas que mantém potencialidades suficientes para a imagem
ser entendida como originária de uma foto. Sob esse aspecto, o virtual é uma área de
mediação instantânea que tende a envolver todo o mundo, virtualizando-o.
Na linguagem tecnológica, o virtual não acontece em lugar definido, é
desterritorializado. “(...) quando uma pessoa, uma coletividade, uma informação se
25
Idem, p.47.
29
virtualizam, eles se tornam ‘não presentes’, se ‘desterritorializam’
26
. Mas, ainda que
não se possa fixá-lo numa coordenada espaciotemporal, o virtual é real.
(...) no centro das redes digitais, a informação se encontra fisicamente situada
em algum lugar, em determinado suporte, mas ela também está virtualmente
presente em cada ponto da rede onde seja pedida
27
.
A virtualização não é algo falso, é uma dessubstancialização que predispõe
uma desterritorialização, num efeito Moebius, que é a passagem do interior ao exterior
e vice-versa, das relações entre privado e público
28
. No virtual, lugares e tempos se
misturam, marcando uma nova forma de sociabilidade.
O espaço virtual abre uma nova extensão abstrata de comunicação e
socialização com potencialidades quase infindáveis. O modo interativo das redes
digitais favorece, além da informação, outros movimentos de virtualização. Sem sair
de casa o indivíduo pode surfar nas ondas do Hawai, participar de um jogo com
parceiros invisíveis, viver numa cidade virtual, com apartamento, vizinhos, profissão,
lazer; enfim, ter a possibilidade de ser e fazer o que desejar
29
. O ciberespaço estimula a
comunicação interativa embora já estejamos habituados a esse tipo de interação por
meio de outros instrumentos, como telefone, correios etc.
No entanto, somente as especificidades das ferramentas do ciberespaço
permitem a interação entre várias pessoas em tempo real, independentemente da
localização geográfica e da diferença de horário. Com as funções de visualização, a
pessoa pode se apresentar à outra e vê-la através da tela, comunicando-se por meio de
microfone ou por palavras imagéticas, e sua identidade será exposta somente se assim
26
Idem, p.21.
27
Lévy, P. Cibercultura. (tradução de Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2001, p.48.
28
O trabalhador clássico passava do espaço privado de seu domicílio ao espaço público do lugar de trabalho. Por
contraste, o teletrabalhador transforma seu espaço privado em espaço público e vice-versa. (N.A.)
29
Viver virtualmente uma “segunda vida” ou uma “vida paralela” é a proposta do Second Life. Lançado nos Estados
Unidos em 2006 e no Brasil em abril de 2007, o Second Life é um programa on-line que simula aspectos da vida real
num ambiente tridimensional. Dependendo do tipo de uso pode ser encarado como um jogo, um mero simulador, um
comércio virtual ou uma rede social. Uma vez dentro do ambiente, o usuário pode escolher sua identidade, participar
dos mais variados eventos efetuar transações econômicas (reais), ter relações sexuais, casar etc. Ou seja, tem-se ao
alcance uma gama de escolhas que se relacionam com aspirações nem sempre possíveis na vida real. É um fenômeno
que vem crescendo rapidamente por ser uma rede de relacionamentos numa economia em processo de rápida
expansão que movimenta milhões de dólares por mês. <<www.secondlifebrasil.com.br>> (N.A.)
30
pretender fazê-lo. É deslumbrante e ao mesmo tempo impactante toda essa revolução
cibernética. Porém, são tantas as capacidades e as possibilidades que a cibercultura
oferece que cabe a nós explorar de forma plausível as características que a compõem.
Comentando as idéias de Pierre Lévy, em seu ensaio sobre a virtualidade no
método psicanalítico, Junqueira Filho
30
afirma que, por ser a mais gramaticalizante, a
informática é a mais virtualizante das técnicas, pois todas as mensagens são reduzidas
a apenas dois símbolos elementares, isto é, a informação é traduzida numa linguagem
binária (zero e um). Traçando um paralelo com a trajetória histórica da psicanálise,
esse autor afirma que a economia desse método foi formulada numa interação de
sistemas binários, a saber: Eros e Tânatos, amor e ódio, introjeção e projeção, prazer e
realidade, entre outros.
(...) se observarmos atentamente os desdobramentos teóricos clínicos da
psicanálise, veremos que a virtualidade sempre esteve presente em sua
trajetória, seja como elemento intrínseco aos processos de pensamento, que
configuram seu objeto, seja na operacionalidade da “neurose de
transferência” que configura sua técnica. De fato, a re-encenação dos
conflitos infantis no cenário transferencial, ou seja, sua repetição como disse
Freud, ou sua atualização, como diríamos hoje, constitui o paradoxo central
de nosso método ao apresentar-se como atividade ao mesmo tempo real e
ilusória
31
.
A Internet, como o setting analítico, cria uma atmosfera artificial que favorece
a instalação da transferência. No cenário analítico o paciente revive uma emoção
passada – aspectos da infância, fantasia inconsciente – no tempo presente, através da
pessoa do analista. A ligação emocional de aspectos infantis ocorre no aqui e agora;
aqui no espaço psíquico o objeto da transferência está presente, e existe agora, criado
pela emoção. Portanto, o infantil é virtual e se “materializa”, isto é, se atualiza na
transferência. O mesmo ocorre na Internet, na qual a regra da “neutralidade” também
está presente, já que o indivíduo não conhece nada da vida do interlocutor,
favorecendo, desse modo, a projeção transferencial.
30
Junqueira Filho, L.C.U. A virtualidade no método psicanalítico. Artigo. Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 36,
2002, p.43-44.
31
Idem, p.31.
31
Para a psicanálise, o objeto só se torna um objeto para o psiquismo, e passa a
fazer parte da realidade quando é investido pela pulsão. Por exemplo, para o psiquismo
não importa se se trata de uma maçã real, a pintura, a foto, a holografia ou a fantasia
inconsciente de uma maçã. Todos esses objetos serão reais para o psiquismo, desde
que investidos pulsionalmente.
Até aqui pudemos constatar, primeiramente, que alguns indivíduos, ao
lançarem-se numa situação de jogo, nem sempre conseguem manter-se simplesmente
em uma experiência lúdica; ao contrário, evadem-se da vida real tomando por
verdadeiro o papel que passam a representar. Assim, por meio dessa investigação,
entendemos que para uma parcela de pessoas as inúmeras possibilidades oferecidas
pela Internet permitem que as fantasias, reveladas nesse espaço, tomem grandes
proporções. Em nosso percurso sobre o virtual, como forma de configurar o conceito,
verificamos sua condição uníssona nas categorias apresentadas, valendo acentuar a
importância da virtualidade para o psiquismo.
Partindo de tais considerações é pertinente examinar os conceitos de realidade
psíquica e realidade exterior, para melhor compreendermos a expressão do desejo
inconsciente que surge através da fantasia, aspecto este facilitado pela Internet.
32
5 REALIDADE PSÍQUICA: ENTRE O REAL E O VIRTUAL
Nos relacionamentos interpessoais realizados pela Internet, para alguns indivíduos,
parece não fazer diferença quem está do outro lado na interlocução. Esses indivíduos
se expressam, reagem e criam uma intimidade, indubitavelmente mais veloz, se
comparada a qualquer outra forma de conhecimento mútuo. Por esse motivo, faz-se
pertinente refletir sobre o tipo de realidade presente no intercurso dessas relações tão
íntimas entre pessoas desconhecidas. Na realidade vivida pelo usuário da rede,
embora os interlocutores sejam virtuais não são tidos como meras ficções, eles são
pessoas reais investidas de pulsionalidade para ganharem significação –
representação psíquica –, no entanto, essa significação deve estar determinada por
uma fantasia inconsciente. Atentemos à frase abaixo como um exemplo da
intimidade que ocorre no ciberespaço, para em seguida compreendermos alguns
aspectos concernentes à função da fantasia.
“Hoje estou com fogo na periquita, já conversei com muitos homens na
Internet. Fiquei pelada pra todos, fiz várias poses, estou me sentido uma
Sharon Stone, fiz o maior sucesso.”
É com esse discurso que Alice, uma paciente de 38 anos, chega à sessão.
Alice é casada, só teve o marido como namorado e relata, entre outras coisas, ter,
raríssimas vezes, atingido o orgasmo. Ficou órfã de pai aos dez anos de idade,
permanecendo a mãe como responsável por sua educação, que foi uma pessoa muito
rígida, impondo-lhe acentuados preconceitos morais sempre depreciando muitos os
homens que não fossem da mesma etnia do pai de Alice. Segundo a paciente, ela
começou a freqüentar salas de bate-papo, pois esse era um momento durante o qual
ela podia falar e fazer o que quisesse, sem restrições.
No que tange ao comportamento de Alice podemos supor que,
provavelmente, ela não teria essas atitudes fora da Internet, ou seja, não se exporia
33
em lugar público, para qualquer homem que surgisse a sua frente. O ciberespaço é
um instrumento que facilita essas ocorrências propiciando algo que antes de seu
surgimento não seria possível. A Internet é um dado real, assim como seu uso feito
pela paciente também é um fato; porém, a questão é: “para quem Alice está se
mostrando?”, se ela nem conhece o interlocutor.
Aqui poderíamos imaginar, diante da imperiosidade da pulsionalidade do
infantil, a menina querendo ser mulher e talvez seduzir o pai, mas com uma proteção
contra a atuação do desejo incestuoso, isto é, ela pode se despir o quanto desejar, já
que não vai chegar às vias de fato; tem absoluta certeza de que naquele momento
nada vai acontecer porque ela está fisicamente longe. Ela está representando, mas ao
mesmo tempo é de verdade. A esse respeito Minerbo nos elucida que há uma
“superposição entre brincadeira e realidade”
32
. A autora faz uma leitura
psicanalítica do filme Laranja Mecânica, no qual uma gangue de jovens pratica atos
de extrema violência. É uma brincadeira, mas as pessoas são realmente mortas; a
vítima é um símbolo e ao mesmo tempo é a coisa simbolizada; a dimensão simbólica,
em lugar de substituir a "coisa", paradoxalmente se superpõe à dimensão de
realidade. Alice brinca de seduzir – dimensão de jogo, sabe que não vai transar de
verdade – mas sua nudez é um fato real – dimensão de realidade.
Nesse contexto, a autora menciona o trabalho de André Green sobre o
conceito do negativo, o qual se caracteriza pela capacidade psíquica de sustentar a
não-percepção do objeto, originando nesse espaço, onde não há o objeto, sua
representação. Isto é, a representação deixa presente, para o psiquismo, a “ausência
do objeto”. A partir disso, Minerbo afirma que o neurótico é capaz de fazer o
trabalho do negativo criando símbolos para representar o objeto ausente contando
com uma constelação de representações. Já o não-neurótico, pela incapacidade de
fazer o luto pela perda do objeto, não sustenta psiquicamente sua ausência, pois não
conta com as representações; sendo assim, o símbolo não tem significado, se mistura
com a coisa simbolizada.
32
Minerbo, M. Reality game: violência contemporânea e desnaturação da linguagem, 2007. Artigo disponível em
<<www.abp.org.br/artigos/xxi_cbp_marion.doc>>
34
Constatamos no comportamento de Alice que ela vai às vias de fato, ou seja,
não fica somente nas palavras de sedução – simbolizando – precisa tirar a roupa e se
mostrar, consumar o ato. No caso em questão, parece que há uma fragilidade na
capacidade de simbolizar, visto que, apesar de ela estar “brincando”, a Internet é um
lugar onde há, de fato, alguém real do outro lado, que responde como objeto de
transferência. Alice se utiliza da Internet para a projeção de aspectos de seu
psiquismo; por ser virtual, a Internet é totalmente calcada na ambigüidade entre a
coisa e o símbolo – as coisas são reais e ao mesmo tempo não o são. E, quando diz
“fiz o maior sucesso”, representa a menininha que se sobrepõe à mãe; nesse
momento, ela pôde ser melhor que a mãe diante da atenção de um pai tão enaltecido
e inatingível.
Na escuta analítica, o crucial é entender o que está presente na fala do
paciente – realidade psíquica – isolando o discurso propriamente dito e analisando
suas associações. O trabalho analítico nos oferece a oportunidade de compreender a
expressão de variadas fantasias que podem se apresentar tanto no campo discursivo
do paciente, como em seu comportamento, em suas ações; como pudemos comprovar
na ilustração acima. Mas a compreensão das diversas formas de expressão das
fantasias não esteve presente nos primórdios da psicanálise. Isto é, no início de seus
trabalhos clínicos, Freud não atribuía distinção entre o relato das histórias de seus
pacientes e o conteúdo psíquico ali depositado. Entretanto, no decorrer de suas
observações, Freud começou a perceber que as narrações das histéricas, que
consistiam em cenas de sedução, eram manifestações da sexualidade infantil. A partir
daí, considerou necessária uma investigação no sentido de descobrir a maneira como
isso se processava. Ou seja, tomar conhecimento de qual mecanismo mobilizava essa
atividade psíquica.
Na trajetória progressiva da psicanálise, Freud sempre esteve atento às formas
de contato no que tange ao psiquismo e à realidade exterior. Mas foi com o abandono
da teoria da sedução, expressa na famosa carta de 21 de setembro de 1897, a seu
amigo Fliess, que a fantasia inconsciente surge em suas formulações.
35
Em suas primeiras formulações, a atividade da fantasia aparece em 1899 com
a noção de “lembranças encobridoras”
33
. Nesse texto Freud nos mostra que o passado
pode ser reelaborado na fantasia, mas o que fica registrado como imagem mnêmica
não é o relevante da experiência vivida – essa fica inserida no terreno da resistência –
e sim outro elemento associado a essa mesma vivência que aparece para substituí-la
como uma forma de defesa, porém, com aspecto de algo corriqueiro. Isto é,
elementos essenciais de uma experiência são representados na memória pelos
elementos não essenciais da mesma experiência. Sob esse aspecto, Freud afirma que
o conteúdo de uma lembrança só terá sentido quando é relacionado ao conteúdo que
foi reprimido. As lembranças encobridoras se traduzem num trabalho psíquico no
sentido de fazer com que o material recalcado permaneça no inconsciente em virtude
de seu conteúdo ameaçador. Portanto, o teor das descobertas de Freud, a partir de
quando abandonou a teoria da sedução, parece ter passado por esse registro.
Em suas elaborações teóricas, Freud foi percebendo a influência dos
processos mentais inconscientes, afirmando que, além de não levarem em conta a
realidade exterior, esses processos têm uma realidade própria, a realidade psíquica.
Segundo Pontalis
34
, na natureza mais precisa da expressão “realidade psíquica” está
o desejo inconsciente associado a seu fantasma, que é uma realidade singular que
pertence somente ao psiquismo do sujeito. Freud elucida que a realidade psíquica é o
inconsciente, categoria que de sua natureza não temos conhecimento.
Se olharmos para os desejos inconscientes reduzidos à sua mais
fundamental e verdadeira forma, teremos de concluir, fora de dúvida, que a
realidade psíquica é uma forma especial de existência que não deve ser
confundida com a realidade material
35
.
Além disso, em sua teorização, Freud assinala que os processos inconscientes
dispensam pouca atenção à realidade, e uma de suas características é a “(...)
substituição da realidade externa pela psíquica”
36
. Para o inconsciente não há
33
Freud, S. Lembranças encobridoras. Vol. III, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
34
Laplanche, J. & Pontalis, J. B. Vocabulário da psicanálise. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p.549.
35
Freud, S. A Interpretação dos sonhos. Vol. V, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.658.
36
Freud, S. O Inconsciente. Vol. XIV, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.214.
36
diferença entre realidade externa e psíquica, o que está no inconsciente é porque não
pôde ter representação na realidade externa. Sendo assim, inconsciente e realidade
psíquica são duas categorias que se justapõem.
No mesmo contexto, o termo fantasia se refere em sua totalidade ao conteúdo
mental inconsciente que se traduz, essencialmente, ao que Freud postula como
realidade psíquica. O modo de expressão da fantasia inconsciente vai depender da
maneira pela qual elas foram processadas psiquicamente e o grau de gratificação no
mundo real. Para Isaacs, as fantasias servem a vários propósitos como controle
onipotente, negação, reparação e etc. “Todos os impulsos, todos os sentimentos,
todos os modos de defesa, são experimentados em fantasias que lhe incutem vida
mental e mostram a direção e propósitos daqueles”
37
. São as fantasias que compõem
a realidade psíquica, como, também, é através delas que o desejo inconsciente se
expressa. Poderíamos dizer que as fantasias representam virtualidade como potência
e força para a atualização como realização de desejo. Para o psiquismo não há
irrealidade, há uma realidade com características próprias que diferem da realidade
exterior.
As fantasias inconscientes são as determinantes desses fenômenos que vimos
destacando através do comportamento de pessoas na rede associado ao que esta
propicia. Compreendemos que, nesse contexto, a Internet possa estar sendo usada por
algumas pessoas como cena sobre a qual projetar sua realidade psíquica. Do ponto de
vista psicanalítico, seria incorreto dizer que o procedimento desses usuários da rede é
inadequado ou impróprio. Nosso interesse se insere nos mecanismos que operam a
vida mental do indivíduo, expressos nas várias formas de fantasia inconsciente que,
nos comportamentos de alguns internautas, manifestam desejo e defesa à frustração.
Há pessoas que, pela fragilidade psíquica, são fatalmente atraídas pelas
possibilidades e facilidades do espaço virtual, isto é, numa expressão popular, “são
presas fáceis”. Presas de sua própria desorganização, da dificuldade que têm em
discernir fantasia e realidade.
37
Isaacs, S. A natureza e a função da fantasia. In: Melanie Klein [et all]. Os progressos em psicanálise. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1982, p.97.
37
O exemplo a seguir
38
nos fornece elementos para perceber como a Internet
favorece as fantasias na sua estreita relação com o desejo, e mesmo quando o
encontro dos interlocutores se torna real, constatamos que os afetos demonstrados
são justificados na medida em que assentam na realidade psíquica dos sujeitos.
“Sou do interior e moro em São Paulo desde 1997, pois estudo ciências
sociais na USP. Comecei a usar a Internet no início de 99, mais para enviar
e-mails aos amigos. Até que conheci as salas de chat e gostei, achei diferente.
Comecei a freqüentar e, depois de entrar uma dúzia de vezes, conheci a loira.
Talvez por sempre ter ficado na mesma sala. Meu nick era Boyusp e sempre
comecei os papos com aquela frase altamente criativa: “Oi, alguém quer
tc?”; Era de tardezinha, como de costume. E a loira 20 respondeu, também,
com “extrema” criatividade:
- Tc de onde?
- De São Paulo, da USP, e vc.?
- De Ribeirão Preto. Não costumo usar estas salas, sei q as pessoas inventam
montes...
- Meu nome é André e estou sendo honestíssimo: realmente faço ciências
sociais na USP.
- Vc. escreve muito?
- Na verdade estava querendo desabafar com alguém. Estou muito chateado
porque minha namorada terminou comigo e viajou para Europa. Sou
apaixonado por ela e estou tentando me distrair um pouco.
- Preciso sair da sala, mas vou te dar meu e-mail.
Me dê o seu tb q eu te escrevo.
38
Retirado de Sampaio, A. Amor na Internet: quando o virtual cai na real. Op.cit., p.55-59.
38
Trocamos endereços, ela saiu e eu continuei. Na verdade, estava chateado,
mas não queria desabafar, estava ali para caçar, mesmo. E uma loirinha de
20 anos não era nada mal, se fosse bonitinha.
Ela mandou um e-mail no dia seguinte, ainda tentando me consolar. Eu
queria falar de outras coisas e mudei o rumo da conversa. Contei que era
loiro, alto, de olhos verdes, bonito e bastante religioso, como toda a minha
família. Dei minha altura, quantos quilos eu pesava, como se eu fosse uma
mercadoria. Mas contei que adorava ler sobre História Antiga e curtia
também romances modernos e música de todo tipo. Falei que era romântico,
escrevi coisas que a agradassem – investi nela, embora achasse Ribeirão
Preto meio longe. E suas respostas eram ótimas, sempre inteligentes. Ela
estava no cursinho e não tinha decidido o que prestar. Falei muito de
história, que gostava, e de ciências sociais – mas eu era suspeito por já estar
no terceiro ano. Na verdade conversávamos sobre tudo: trocamos até
receitas de bolo, daquelas da avó!
A freqüência dos e-mails era dois a três por semana, se não houvesse
feriados. Ela logo começou a falar de vir me encontrar em São Paulo,
dizendo estar ansiosa para saber se eu era mesmo bonito. Fazíamos planos e,
talvez por inexperiência, nem toquei no assunto enviar fotos. Ela se
descreveu como loira natural, olhos castanhos, bonita. Gostava bastante de
ler, principalmente poesia – falávamos muito de poesia. Tinha pais
separados e uma curiosidade insaciável: sempre fazia mil perguntas. Como
sou muito tagarela mesmo, não estranhava ela me perguntar tanta coisa e
respondia tudo. E, para não parecer indiscreto, só perguntava o que ela já
tinha me perguntado.
Nossa correspondência durou uns três meses. O sexo não era explicitado,
mas também não havia aquele tom de amizade-igreja. Até que ela contou ter
sonhado comigo e, coincidentemente, que precisaria fazer uma consulta
médica em São Paulo na semana seguinte. Disse que queria me conhecer e
estaria bem gata, super arrumada.
39
Era um dia de semana e marcamos no final da tarde em um prédio famoso da
Avenida Paulista. Fui direto da faculdade. Avisei que ia estar de jeans, blusa
azul-escuro e mochila preta. Ela estaria de branco. De fato, o homem que me
abordou na Avenida Paulista, bem fino, vestia uma camisa branca:
— Com licença, você é o André?
Devo ter ficado branco. Lembrei que tinha falado da história com meu
padrinho, e ele tinha me contado o caso de um homem que foi se encontrar
com uma desconhecida em um restaurante, sabendo apenas que ela estaria
com uma rosa na mão. Ele sentou-se à mesa de uma velhinha, a única mulher
que portava uma rosa, e tratou-a com a maior delicadeza. A moça bonita da
mesa ao lado assistiu a tudo e logo se apresentou como sendo a pessoas que
ele procurava. Ela queria exatamente saber como ele trataria a velhinha – e
ele se casaram. OK, uma história muito bonita, mas parecia ficção. O que
estava se passando ali era tremendamente real! Pensei na mesma hora: ele
não pode ser ela. Ela deve ter pedido para o pai vir dar uma sondada na sua
frente...
- Sou eu, sim. Por quê?
- Muito prazer, fui eu quem marcou com você aqui.
- Ah... Sei...
O choque foi tamanho que eu nem sabia o que dizer, fiquei completamente
sem reação. É bem o lance da confiança: eu fui honesto em tudo que escrevi,
então quando vi a imagem daquele senhor, quebrou-se todo o processo. Ele
estava totalmente constrangido, talvez por ver que eu não tinha mentido em
uma linha. Consegui gaguejar:
- A sua... con...consulta...foi...foi boa?
- Foi, obrigado. Olha, eu vou entender se você quiser ir embora agora. Mas
eu gostaria de conversar. A gente pode sentar um pouco para tomar um café?
40
Fomos a uma cafeteria próxima. Não toquei no assunto e me recusei a
perguntar por que ele tinha feito aquilo. Só indaguei se ele era de Ribeirão
Preto e estava em São Paulo para ir mesmo ao médico. José se sentiu na
obrigação de me contar sua vida e me deixou mais chocado ainda: tinha 67
anos! Era divorciado e começou a história comigo de brincadeira. A coisa
foi ficando séria e ele não sabia como se desmarcarar. Disse também que se
separou justamente por perceber que gostava de homens.
Sessenta e sete anos... Aos meus olhos de 19 ele parecia ter uns 200, e muito
sofridos ainda por cima... Na hora fiquei calmo, dono da situação, não quis
brigar. Até lhe dei um cartão com uma poesia que eu tinha prometido, tratei-
o com gentileza. Mas eu queria a minha loirinha de 20 anos, bonitinha, com
quem eu tinha certeza que ia “ficar” naquela noite. Em menos de 20 minutos
me despedi e tomei um táxi para casa.
Cheguei tremendo de raiva. Se fosse uma mulher de sessenta e sete anos teria
sido o mesmo choque: eu estava empolgado com a loira... Ela falava de
filmes e músicas dos anos 50 a 70, que eu adoro, esse era um super assunto
entre a gente – e fez rolar uma identificação muito grande. Acho que não
acertei um murro na cara do José porque ele era um velho. Eu não
imaginava que as pessoas podiam mentir desse jeito na Internet... Nunca lhe
dei meu endereço e telefone só porque os amigos me preveniram para não
confiar demais... (...) na semana seguinte, José ainda teve a cara-de-pau de
me mandar mais uma mensagem, pedindo desculpas e dizendo que gostaria
de continuar conversando comigo!!! Me achou uma pessoa muito fina, disse
que fui correto demais. Respondi que não desejava conversar mais com ele e
ia abandonar esse lance de e-mails para me dedicar aos estudos. Acho que
ele ficou absolutamente surpreso por eu tê-lo tratado bem – mas eu sou
assim, nunca briguei com ninguém na vida. Ele era um mentiroso, safado,
mas fino. Não posso dizer respeitoso porque respeitoso seria ele não ter feito
nada daquilo.
41
Decidi que nunca mais marcaria um encontro com alguém pela Internet e
parei de entrar nas salas de bate-papo. Pesquiso sites, mando e-mails e
cartões para os amigos, e só. Quando conto essa história, é claro que o povo
racha de rir. Meus amigos dizem que sou de um mundo irreal, civilizado e
educado demais – pois eles teriam descido uma porrada no velho. Talvez.
Mas nada ia trazer minha loirinha de volta... [...].”
[...]
Esse tipo de ocorrência, provavelmente, não se expressaria com tanta ênfase
sem a proteção da Internet que, em alguns casos, se apresenta como um meio
disponível a multiplicar situações embaraçosas de diversas ordens. Por meio desse
auxílio tecnológico esse relato traduz um discurso de sedução na venda de uma
imagem, num lugar onde o prazer não permite o parcial, é absoluto. A Internet
favorece a onipotência do “eu posso tudo”. Esse espaço propicia, como se verifica
nesse relato, a manifestação de aspectos de um psiquismo, no qual o princípio de
realidade parece ter sido mal instalado. André permaneceu por um período no
predomínio do princípio do prazer, em que tudo passou “despercebido” respondendo
a todas as perguntas da “loirinha” sem grandes questionamentos. Pelas infinitas
possibilidades de se apresentar pela Internet, e, também, por estar dissimulando a
verdade quando diz “Na verdade, estava chateado, mas não queria desabafar,
estava ali para caçar, mesmo”, é importante observar o motivo, pelo qual, André,
em nenhum momento do contato virtual, pôs em questão – direta ou indiretamente –
a veracidade dos fatos vindas do interlocutor. José, que “fazia mil perguntas”,
mostrava um traço de domínio na relação incrementado, também, pela sua
experiência. Essa particularidade exerce um fascínio sobre André, pois parece sentir
como o reencontro do objeto que se interessa por ele – narcísico. Desejar ser amado
exatamente como o foi no início da vida e tentar recuperar a plenitude narcísica.
Verifica-se aí uma transferência do bom objeto que vem suprir suas
necessidades, como nesse trecho do relato “ela falava de filmes e músicas dos anos
50 a 70, que eu adoro, esse era um super assunto entre a gente – e fez rolar uma
identificação muito grande”. Ao abster-se em perguntar para “não parecer
42
indiscreto”, André nos leva a pensar no medo de perder o objeto, talvez, por sentir-se
proveniente de “um mundo irreal”. Esse aspecto também é evidenciado quando,
mesmo após ter visto que a referida “loirinha” se tratava de um homem, disse “Até
lhe dei um cartão com uma poesia que eu tinha prometido, tratei-o com gentileza”.
Mostrou-se impedido em manifestar indignação, sua raiva ficou inibida, embora
tenha mostrado recursos para sobreviver à frustração; não se desorganizou. No
entanto, a raiva só pôde ser mencionada por intermédio da fala dos amigos, como
algo fora dele. A “loirinha” habita a realidade psíquica de André, pois lastimar tal
perda nos remete a sua esperança de encontrar o objeto narcísico.
Observamos que, através dos exemplos citados, a Internet singulariza-se para
os indivíduos de acordo com a demanda interna – suporte da fantasia – num
investimento de pulsionalidade peculiar de cada sujeito. Mezan
39
, ao discutir a idéia
de suporte inconsciente
40
, afirma que o mesmo objeto pode estar depositado em
diferentes suportes, fato que nos leva a considerar a Internet como algo empírico
convertido num objeto imaginário. Contextualizando suas idéias nos certificamos de
que a Internet, nos termos aqui referidos, para alguns, passa a ser um objeto
imaginário ou fantasmático, algo que se supõe assegurar ao seu usuário um estado de
completude, preenchimento e felicidade. Dessa forma, a Internet se apresenta como
suporte físico de objetos psíquicos totalmente diferentes – conteúdos da fantasia de
cada indivíduo – fixando-se como sustentáculo de toda uma atividade imaginária.
Percebemos, com isso, que os internautas são mais “sedutores” como avatares do que
em sua forma humana.
O uso do espaço virtual para a expressão da fantasia de desejo nos remete ao
conceito de transferência. Esse é um conceito expresso por meio de sentimentos,
impulsos e desejos que surgem no momento atual e em relação a uma determinada
39
Mezan, R. A Inveja. In: Sérgio Cardoso [et al]. Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
40
Sobre a idéia de suporte inconsciente podemos citar a noção de “inveja do pênis”. A esse respeito, a psicanálise nos
mostra que no sentido freudiano o pênis não é simplesmente o genital masculino, o pênis invejado na fantasia
estudada por Freud assume significações, ou seja, trata-se de um suporte para o objeto inconsciente que é o falo =
símbolo de prestígio, poder, virilidade. Em outras palavras, há um objeto idealizado nesse suporte material – pênis –
que tem a ver com o mundo fantasmático daquele que projeta. O objeto psíquico não é inerte produz sentimentos, tais
como angústia e desejo, pois está investido de pulsionalidade por ser resultado da história de cada indivíduo. O objeto
tem uma função estimulante no funcionamento psíquico numa determinada direção compondo-se com outras
situações. (N.A.)
43
pessoa. No entanto, essas categorias não podem ser explicadas nos termos de
aspectos reais dessa relação, como pudemos observar no exemplo anterior. A
transferência é um processo que interfere em nossas escolhas e o que deve ser
caracterizado, para uma compreensão dos acontecimentos, é a sua intensidade e os
elementos contribuintes para sua produção. Em seu estudo, Freud define esse
fenômeno como algo que se manifesta espontaneamente em todas as relações
humanas na vida quotidiana através de sonhos, chistes e atos falhos. Destaca a
ocorrência desse fato, em caráter fundamental, como expressão inexorável da relação
analítica.
Passemos, então, a investigar e a explicitar tal conceito para esclarecer sua
relação com o estudo em questão, isto é, seu modus operandi.
44
6 TRANSFERÊNCIA
O termo transferência sempre esteve presente em inúmeros campos, envolvendo uma
idéia de deslocamento, de transporte, de substituição de um lugar por outro.
Transferência é um conceito que foi, paulatinamente, assumindo um papel de
destaque na prática da psicanálise. Em “A psicoterapia da Histeria” a transferência
ainda não está propriamente especificada por Freud, que a apresenta como um
sintoma, considerada um fenômeno localizado, que surge no processo de análise
numa estrutura de “falsa conexão”
41
. “Esta é a primeira vez que aparece a palavra
‘transferência’ (Ubertragung) no sentido psicanalítico, embora venha sendo
empregada aqui muito mais restritamente”
42
.
No capítulo VII de “A Interpretação dos Sonhos”, Freud emprega a palavra
“transferência” para explicar o trabalho do sonho por meio do estudo das neuroses. E
diz que na neurose uma idéia inconsciente só é capaz de ingressar no pré-consciente
através da ligação de uma idéia já existente nesse último transferindo sua intensidade
para ela. Ou seja, é o deslocamento do afeto de uma representação para outra; a
“transferência” aqui está sob o ponto de vista de um deslocamento do investimento
das representações psíquicas.
É na análise do caso Dora que Freud experimenta a materialidade da
transferência e com isso introduzirá uma mudança em sua apreensão do termo.
Explica que as transferências “(...) são as novas edições ou fac-símiles dos impulsos
e fantasias que são criados e se tornam conscientes durante o andamento da análise
(...) substituem uma figura anterior pela figura do médico”
43
.
41
Freud, S. A psicoterapia da Histeria. Vol. II, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.360.
42
Idem.
43
Freud, S. Fragmento da análise de um caso de Histeria. Vol. VII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.113.
45
Foi através dessa experiência que Freud atestou o lugar do analista na
transferência do analisando, isto é, ao “recusar” ser o objeto dos investimentos
amorosos de Dora, ergueu-se uma resistência desencadeada numa transferência
negativa por parte da paciente. Confessa que o erro técnico, que levou à prematura
interrupção da análise em questão, foi não ter percebido o material patogênico que a
paciente lhe pôs à disposição, ou seja, não foi possível interpretar a transferência,
motivo que levou a paciente a atuar uma parte de suas fantasias em vez de reproduzi-
las na análise. “A transferência, que parece predestinada a agir como maior
obstáculo à psicanálise, torna-se seu mais poderoso aliado, se sua presença puder
ser detectada a cada vez, e explicada ao paciente”
44
.
Em “A dinâmica da transferência”, Freud apresenta algumas considerações
destinadas a explicar como a transferência é ocasionada durante o tratamento
psicanalítico. Inicia evidenciando que o analista será inserido nos protótipos que o
paciente formou, será transferida para o analista a libido insatisfeita, tornando-se
substituto dos objetos infantis (das imagos infantis: pai, mãe, irmão etc.).
Prosseguindo com suas idéias, Freud questiona o motivo de a transferência
permanecer à mercê da resistência e diz:
No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada
de seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças
que fizeram a libido regredir erguer-se-ão como “resistências” ao trabalho
da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas
45
.
Em síntese, a transferência surge como uma forma de resistência no momento
em que conteúdos recalcados estão na iminência de se revelar. Freud difere o uso
negativo e o uso positivo da transferência no que concerne tanto a sentimentos
afetuosos quanto a hostis, que servem para levantar as repressões no sentido de
procurar a libido que fugira do consciente. Dando continuidade a suas afirmações, o
autor contextualiza suas idéias da seguinte forma:
44
Idem, p.114.
45
Freud. S. A dinâmica da transferência. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.137.
46
Os impulsos inconscientes não desejam ser recordados da maneira pela
qual o tratamento quer que o sejam, mas esforçam-se por reduzir-se de
acordo com a atemporalidade do inconsciente e sua capacidade de
alucinação
46
.
Com essa explicação Freud já estava apontando para a idéia da compulsão à
repetição. É no artigo “Recordar, repetir e elaborar” que encontramos uma referência
precoce desse processo, no qual ele afirma que o paciente não recorda em absoluto
aquilo que reprimiu, mas sim, expressa por meio da atuação (acting out), isto é,
repete-o por meio de uma ação.
(...) percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da
repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não
apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da
situação atual
47
.
Em “Além do princípio do prazer” é que a compulsão à repetição é definida
por Freud com mais clareza. Como afirma Pontalis, traduz-se numa reprodução “(...)
de um ato, uma frase, uma cena (...) não para desprender-se, mas ao contrário, para
ser sempre mais fiel ao que já está aí, para ficar o mais perto possível do
original”
48
. Nesse texto, Freud percebeu que o paciente não podia recordar o que
estava reprimido e por ser impossível à consciência era, provavelmente, a parte mais
importante. Sendo assim, o material reprimido era repetido segundo a
intemporalidade, isto é, como uma vivência do presente. Embora não admita com
veemência, Freud afirma que a “(...) compulsão à repetição deve ser atribuída ao
reprimido inconsciente”
49
. E conforme a repetição perdura, o material reprimido
permanece inalterado.
Através disso, como bem salientou Freud, podemos notar que algumas
pessoas, em suas relações afetivas, mantêm perpétua recorrência de uma mesma
situação – mesmo que seja uma fatalidade. Portanto, conclui ele que “(...) existe
46
Idem, p.143.
47
Freud, S. Recordar, repetir e elaborar. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.197.
48
Pontalis, J. B. A força de atração. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p.83-84.
49
Freud, S. Além do princípio do prazer. Vol. XVIII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.33.
47
realmente na mente uma compulsão à repetição que sobrepuja o princípio do
prazer”
50
.
Pontalis aponta para o seguinte paradoxo: “A repetição, a ‘verdadeira’
repetição, no sentido freudiano, que a transferência provoca, é o que escapa à
representação, à cena representada e figurada”.
51
Esse aspecto se equipara ao que Mezan confere ao reprimido originário, isto
é, relaciona-se àquilo que jamais foi consciente, pois não pôde ser vinculado aos
signos verbais e pré-conscientes que levariam a uma rememoração. Em relação às
sugestões de Maurice Dayan, Mezan as sintetiza evidenciando que na transferência
há uma dialética entre repetição e recordação:
Aquilo que será recordado (mesmo se de maneira fragmentária ou
transposta) foi uma vez consciente, enquanto aquilo que precisa ser
repetido não transitou nunca pela consciência. Por esse motivo a
transferência terá pouco a ver com o “recordado” ou com o “recordável”,
porém muito a ver com o “repetível”
52
.
Portanto, como o reprimido originário pertence ao inconsciente, os aspectos
infantis – parte da vida psíquica que se separou do restante por meio da repressão –
não podem ser comprovados em termos visíveis nas cenas presentes – se repetem –
passam a se contextualizar na transferência.
A esse respeito, Ivanise Fontes
53
acentua que o infantil está além do
memorizável e aponta para uma distinção entre dois tipos de marcas de experiências
originárias que foram apresentadas por Maurice Dayan, citando-o:
50
Idem, p.36.
51
Pontalis, J. B. Op.cit. p.90-91.
52
Mezan, R. A Transferência em Freud: apontamentos para um debate. In: Abrão Slavutsky (org.). Transferências. São
Paulo: Escuta, 1991, p.68.
53
Fontes, I. Memória corporal e transferência. Fundamentos para uma psicanálise do sensível. São Paulo: Via Lettera,
2002.
48
Quando as marcas das experiências originárias estão presentes na
memória em estado ligado, quando estão aptas a entrar no sistema de
relação que compõe o processo secundário, elas se prestam ipso facto à
formação de lembranças e são parte integrante do memorizável. As marcas
que são, por outro lado, em certa medida, inaptas ao processo secundário
não constituem, propriamente falando, lembranças. São seqüelas de
impressões deixadas pelas experiências “originárias” sofridas por uma libido
não desenvolvida. [...]. Essas marcas, sedimentos de impressões não-
objetais, não são suscetíveis de uma composição mnemônica pré-
consciente. Prestam-se, ao contrário, na ausência de qualquer restrição
temporal, a conjunções anacrônicas com seqüelas de impressões muito
mais tardias, notadamente os “restos diurnos” que põem em ação a
atividade onírica
54
.
Essa abordagem apresenta o que é autenticamente expressado como infantil
na transferência, nos possibilitando atentar para a impossibilidade da existência de
uma série de movimentos contínuos dentro de uma cronicidade de acontecimentos, é
um tempo fora da história do indivíduo.
No que se refere a esse aspecto Freud afirma que:
Ninguém discute o fato de que as experiências dos primeiros anos de nossa
infância deixam traços não erradicáveis nas profundidades de nossas
mentes. Se, no entanto, procuramos averiguar em nossas lembranças quais
as impressões que foram destinadas a influenciar-nos até o fim da vida, o
resultado é: ou absolutamente nada ou um número relativamente pequeno
de recordações isoladas que são freqüentemente de importância duvidosa
ou enigmática
55
.
Mezan destaca que na transferência não se trata simplesmente de reedições ou
experiências do passado – inconsciente –, mas sim do “(...) movimento pelo qual o
infantil se manifesta na análise conforme as matrizes fundamentais do desejo e da
repetição organizadas a partir das experiências da infância”
56
. E conclui explicando
54
Idem, p.60.
55
Freud, S. Lembranças encobridoras. Vol. III, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.333.
56
Mezan, R. A transferência em Freud: apontamentos para um debate. In: Abrão Slavutsky (org.). Transferências. São
Paulo: Escuta, 1991, p.75-6.
49
que essas experiências da infância não são meras reproduções de acontecimentos
passados, mas sim um conjunto extremamente complexo de operações psíquicas.
No que concerne às operações psíquicas, esse algo que se “recusa” à
memória, Pontalis
57
relaciona ao que foi anteriormente chamado de realidade
psíquica. Esse autor mostra que a realidade psíquica visa à inflexibilidade do sujeito
e, retomando Freud, declara que, ao nos deparamos com a presença de desejos
inconscientes, temos que admitir que a realidade psíquica seja uma forma de
existência particular. Conclui que o confronto com essa realidade se dá na repetição
transferencial, “realidade” evocada por esse acontecimento real.
E é um acontecimento: não ocorreu outrora, ocorre agora, advém. Estranho
fenômeno, em que se conjugariam repetição e primeira vez. Quanto mais se
repete, menos se gasta; mais se torna atual, ao contrário. O que se repete
na transferência, age-se na paixão, e, logo não acontecerá, não encontrará
seu lugar psíquico
58
.
Em “Dois verbetes de enciclopédia”, ao fazer uma breve menção à
transferência, Freud aponta que essa relação entre o analista e o paciente varia entre o
amor e seu contrário:
Ela varia entre a devoção mais afetuosa e a inimizade mais obstinada e
[dela] derivam todas as suas características de atitudes eróticas anteriores
do paciente, as quais se tornaram inconscientes. Essa transferência, tanto
em sua forma positiva quanto negativa, é utilizada como arma pela
resistência; porém nas mãos do médico, transforma-se no mais poderoso
instrumento terapêutico
59
.
Pontalis manifesta que o paciente age suas paixões na análise, e questiona o
que vem a se tornar uma análise no momento em que essa estranha e desconhecida
paixão, surda ou declarada, ocupa o terreno analítico. O autor revela que a
transferência se torna algo muito difícil de ser definida e transmitida, mesmo sendo
experimentada quotidianamente.
57
Pontalis, J. B. Op.cit. p.93.
58
Idem, p.94-95.
59
Freud, S. Dois verbetes de enciclopédia. Vol. XVIII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.300.
50
(...) a transferência é um “agir”, a transferência é uma paixão, não um “dizer”
(ou então um “dizer” que não é “fazer”), e é isso que torna tão difícil tanto
para o paciente quanto para o analista falar do assunto
60
.
Freud em seu texto “Amor de transferência” apresenta a importância de
destacar a probabilidade do paciente se enamorar do analista, evidenciando as
dificuldades do manejo técnico dessa ocorrência. Alerta que o enamoramento do
paciente pelo analista não deve ser atribuído pelos encantos deste, mas ser
compreendido pelo efeito que a situação analítica promove. Explicita a reação que
esse fato pode desencadear, ou seja, o tratamento perde seu foco, seu objetivo, pois o
interesse do paciente será centralizado na figura do analista.
Há uma completa mudança de cena; é como se uma comédia houvesse
sido interrompida pela súbita irrupção da realidade – como quando, por
exemplo, um grito de incêndio se ergue durante uma representação
teatral
61
.
Esse texto se insere numa apreciação da técnica e da utilização de princípios e
regras que devem ser seguidas para o bom desenvolvimento da análise. A
transferência é um paradoxo, já que é o motor e ao mesmo tempo o fator que entrava
a cura. O que fica presentificado no outro, na pessoa do analista, entre passado e
presente, como diz Freud, é algo que indica proximidade, mas concomitantemente
certa distância. Porém, não devemos compreender isso como um afastamento
estático, mas sim um jogo de vaivém entre proximidade e distância. Os analistas,
como dito anteriormente, não são os únicos a serem objetos de transferência, esta
também se manifesta em várias circunstâncias da vida na figura de qualquer pessoa
sob todas as suas formas – idealizante, persecutória, de amor e de ódio.
O processo transferencial favorece a compreensão de movimentos regressivos
que nos permitem entender certos comportamentos como expressão da busca de
pontos de fixação que podem ser concebidos como abrigos, e inscrições no ego, que
assumem a modalidade de uma compulsão à repetição.
60
Pontalis, J. B. Op.cit., p.88.
61
Freud, S. Observações sobre o amor transferencial. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.211.
51
Sendo assim, para ampliar a compreensão do que nos é colocado em contato
na transferência, faremos uma breve incursão pelo conceito de regressão.
6.1 Regressão
A noção de regressão é inserida por Freud na “Interpretação dos sonhos”
quando distingue três espécies de regressão, a saber: (a) topográfica, inserida na
noção de uma regressão da libido a um modo anterior de organização psíquica, isto é,
a regressão tópica se manifesta mais especificamente nos sonhos e nas alucinações,
mas também quando usamos a memória e a imaginação; (b) temporal, num retorno a
formações psíquicas mais antigas, isto é, regressão quanto à fase libidinal e evolução
do ego; (c) formal, quando métodos de expressão e representação habituais são
substituídos pelos métodos primitivos, isto é, há um retorno do funcionamento
psíquico do processo secundário para o processo primário. No entanto, segundo
Freud, essas três espécies de regressão se resumem numa só, ou melhor, ocorrem
juntas “porque o que é mais antigo no tempo é mais primitivo na forma e, na
topografia psíquica, fica mais perto da extremidade perceptiva”
62
.
Para Freud, o passado infantil permanece sempre presente no psiquismo do
sujeito podendo ser redespertado em qualquer época e tornando-se assim, para
alguns, a única modalidade de expressão como se o desenvolvimento posterior à fase
primitiva tivesse sido anulado. Com isso, o autor postula que o movimento psíquico
não se dá somente em direção ao desenvolvimento de uma etapa para outra posterior,
mas que também diz respeito à capacidade de regredir a uma etapa anterior
afirmando que: “as etapas primitivas sempre podem ser restabelecidas; a mente
primitiva é, no sentido mais pleno desse termo, imperecível”
63
.
Ainda nesse mesmo artigo, Freud acentua que, no que diz respeito à
patologia, a parte intelectual e mental do indivíduo permanece intacta, e o que
caracteriza o complexo patogênico é um retorno a estados anteriores de
62
Freud, S. A Interpretação dos sonhos. Vol. V, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.584.
63
Freud, S. Reflexões para os tempos de guerra e morte. Vol. XIV, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.323.
52
funcionamento e de vida afetiva. Com isso, o autor esclarece que o conceito de
regressão é uma das maneiras de se compreender a psicopatologia.
Segundo Etchegoyen, Freud, como vimos, aplica o conceito de regressão para
explicar a psicopatologia sem transportá-lo para a situação analítica, e esclarece que,
para alguns psicólogos do ego, estudiosos da regressão, o processo analítico carrega
consigo o desencadear desse fenômeno, sendo esta uma resposta ao setting como
condição necessária para que se estabeleça uma neurose de transferência analisável.
Além disso, o autor afirma que, para esses estudiosos o enquadre, no qual se
desenvolve o processo psicanalítico, é o que provoca o fenômeno da regressão.
Etchegoyen afirma que, na concepção desses psicólogos, Freud instituiu o enquadre
como forma de fomentar a regressão do paciente para que esta pudesse ser
esclarecida pelo analista. No entanto, atesta que a regressão no tratamento
psicanalítico se relaciona à doença, ou seja, a regressão já está contida na
psicopatologia do sujeito, não tem a ver somente com o enquadre. Em outras
palavras, o autor elucida que:
(...) a análise sempre se desenvolve com avanços e retrocessos que se
alternam e se contrapõem. Esse curso lhe é próprio, não é criado pelo
enquadre. Em termos gerais, podemos considerar que este opera como
conflito atual, enquanto a disposição do paciente dará conta dos
fenômenos regressivos que vão aparecendo, conforme a série
complementar
64
.
Para esse autor, o conflito não se intensifica pela regressão transferencial, ele
já existe e está disfarçado nas relações da vida real, porém, sem ser reconhecido.
Diferentemente do que acontece nas experiências da vida cotidiana, o que acontece
na experiência de análise é que a conduta patológica do paciente encontra um lugar
no qual é detectada e contida.
É através dessa concepção de regressão que Etchegoyen nos mostra o
conceito freudiano da primazia do conflito infantil para a compreensão das neuroses.
Pois, na teoria freudiana, o requisito indispensável para o surgimento de uma neurose
64
Etchegoyen, R. H. Regressão e Enquadre. In: R. H. Etchegoyen. Fundamentos da técnica psicanalítica. 2.ed.
(tradução de Francisco Frank Settineri). Porto Alegre: Artmed, 2004, p.312.
53
é que a libido regrida. Freud esclarece esse movimento quando afirma que a
regressão reaviva as imagos infantis.
A libido (inteiramente ou em parte) entrou num curso regressivo e reviveu as
imagens infantis do indivíduo. O tratamento analítico então passa a segui-la;
ele procura rastrear a libido, torná-la acessível à consciência e, enfim, útil à
realidade
65
.
Na percepção de Etchegoyen, o tratamento analítico, o enquadre, tem por
finalidade descobrir, denunciar e conter a regressão. E, além disso, sustenta o que
Freud mostrou através da descoberta da transferência, isto é, que o analista deve ser
“opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que
lhe é mostrado”
66
. Em outras palavras, é importante e necessário o fato de o analista
manter ausentes os aspectos de sua individualidade, pois dessa forma ele vai evitar
no paciente a ocorrência de intensas reações regressivas que podem prejudicar o
andamento da análise.
Portanto, constatamos que a regressão não é exclusiva do processo analítico e
que esse fenômeno pode ocorrer em situações quotidianas do sujeito; a diferença
radical é que na análise a conduta patológica do paciente recebe tratamento. Isso
posto, podemos dizer que a regressão também ocorre no espaço virtual pela
disposição do interlocutor em receber e atender à demanda do outro da rede. É nesse
“acolhimento” do retorno daquilo que ficou impresso no passado primitivo que a
regressão se atualiza na Internet. E, como observa Freud, por mais dolorosa que seja
a repetição, nela não há a intenção de se desvencilhar daquilo que pertence ao
arcaico; a reprodução se faz necessária para que se mantenha a tônica do que ficou
registrado no inconsciente.
Podemos inferir que a Internet é o espaço onde as fantasias do usuário se
apresentam; um lugar imaginário em que os desejos podem se satisfazer. No que
concerne à Adriana, paciente apresentada no início do trabalho, esse aspecto
regressivo, que se traduz na atuação, fica perceptível pela maneira como ela
65
Freud, S. A dinâmica da transferência. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.136-137.
66
Freud, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.157.
54
procurava e se relacionava com parceiros conhecidos na Internet. O fenômeno
regressivo em Adriana é expresso por meio de seu comportamento que denota uma
insuficiência representacional, isto é, atuou aquilo que não pôde ser reconhecido por
estar recalcado.
Nesse caso, o intuito com que a Internet foi usada nos mostra o inefável, o
inconsciente que em seu silêncio nos fala o impensável, o irrepresentável. A
regressão está intimamente ligada ao retorno do que está recalcado, que consiste por
sua vez no fracasso em manter o material recalcado que irrompe em forma de
sintoma. Em suas observações sobre o fracasso da repressão, Freud destacará a
importância da fixação quando acentua que “esta irrupção mostra seu impulso do
ponto de fixação, e implica uma regressão do desenvolvimento libidinal a esse
ponto”
67
.
Podemos inferir que, no caso de Adriana, a psique não foi capaz de nomear e
significar representações de antigas marcas, fazendo da repetição um dispositivo para
evitar o contato com experiências precoces conflituosas.
6.2 Transferência: suporte para a idealização
A Internet parece potencializar o fenômeno da transferência, já que, nos
relacionamentos virtualmente instituídos, alguns indivíduos, protegidos pelo
anonimato, estabelecem com pessoas desconhecidas um alto grau de intimidade. E
embora, muitas vezes, conheçam-se apenas pelo pseudônimo e pela expressão das
reações textuais, cria-se um “vínculo” numa rapidez sem igual, na qual a pessoa do
outro lado passa a ser alguém “ligada” por laços de profunda afeição e de reservas
sem limites. É construído, então, um mundo onde a alteridade não se impõe no real,
talvez pela falta de contato visual e corporal. O outro pode ser usado como suporte
para a transferência idealizada no qual a comunicação se processa mais com partes
de si do que propriamente com as do outro, acarretando abolição da distinção entre
67
Freud, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro:
Imago, 1974, p.91.
55
sujeito e objeto. O espaço virtual possibilita ao indivíduo desnudar-se do temor do
julgamento alheio, sem a necessidade de se defrontar com os imprevistos da sedução
e dos encontros reais. A possibilidade de dizer tudo é, em si mesma, muito sedutora
tornando propícia a ocorrência da transferência em todas as suas formas de
expressão. Esse tipo de relação, muitas vezes, assume uma importância maior na vida
de alguns, a ponto de eclipsar aspectos cruciais, cujos resultados são confusos,
frustrantes e dolorosos.
Para ilustrar esse processo, apresentaremos a seguir o depoimento de uma
participante da pesquisa, já anunciada anteriormente, que se relacionou virtualmente
durante meses com um rapaz nativo e residente nos Estados Unidos da América.
“Bom preciso ser sincera, na época era bem legal, a ansiedade de esperar
até de noite para se falar, os telefonemas de 3 horas de duração de
madrugada. Os pacotinhos pelo correio. E como você idealiza muito a
pessoa, tem aquela sensação de que finalmente encontrou a pessoa com quem
sonhava. Pelo menos era isso que eu sentia (...) eu imaginava uma pessoa
que tinha os mesmos ideais e valores que eu. Tinha o mesmo senso de humor,
eu podia até sentir uma química, tanto que me dava frio na barriga só de
pensar em falar com ele. Era perfeito. O que na realidade aconteceu, quando
ele chegou aqui, foi totalmente o contrário disso, não tinha química
nenhuma, não tínhamos o que conversar e não nos divertimos juntos. Foi
uma coisa fria e vazia, literalmente. Hoje penso que foi até bem bizarro,
porque parecia que o rapaz com quem eu tinha conversado durante aqueles
10 meses não era o mesmo que agora estava em minha casa (...) foi uma
experiência bem chata, por toda a expectativa envolvida, foram meses de
conversa, não só online como pelo telefone, madrugadas e madrugadas. E
finalmente quando ele veio (ficou aqui 10 dias na minha casa) foi bem
decepcionante. (...) Acho que nutrimos um relacionamento online, criamos
muito do que a pessoa é, moldamos a pessoa ao nosso gosto. Acredito que,
até certo ponto, fazemos isso em pessoa tb, mas quando vc. conhece uma
pessoa fora da net, é mais difícil se enganar.”
56
Esse depoimento comprova que o uso da Internet na busca do par romântico,
para alguns, se sustenta pela transferência, servindo de suporte para a idealização. No
sentido de compreendermos o processo dinâmico desse tipo de relação possibilitada
pela Internet, é pertinente investigarmos o curso dessa organização.
Maria Rita Kehl
68
, no texto “A psicanálise e o domínio das paixões”,
descreve que há um momento na vida do infante em que o desejo do absoluto – vida
intra-uterina – está intacto, isto é, ainda não foi abandonado, nem abalado em sua
onipotência. Em relação ao desejo, a autora explica que este anseia pelo absoluto,
exatamente como fora a vida intra-uterina, e em seguida perdido, mas permanecendo
sempre presente nas fantasias inconscientes. A força do desejo nos impulsiona de
volta à fusão total com o ser amado, mas nos impulsiona somente porque a realidade
se impõe e se contrapõe à onipotência do desejo.
A conservação do narcisismo primário é a manutenção ilusória desse estado
antigo que impede o movimento do desejo para outras satisfações que podemos obter
na vida. Kehl afirma que a castração expôs nossa incompletude diante do universo,
impossibilitando a manutenção do estado narcísico. A castração é a perda de uma
encantadora ilusão, perda de um privilégio que já se usufruiu em troca da
possibilidade de continuar vivendo e de viver o novo. Para essa autora, as demandas
pulsionais vividas pela criança em seus primeiros contatos (narcisismo primário) são
revividas na paixão amorosa. Ou seja, a esperança dos apaixonados é a de encontrar
o ser que os complete, que salve da solidão inerente à condição humana, onde não há
divergência dos desejos, pois as fantasias do início de uma relação apaixonada não
permitem que o outro tenha existência própria, tornando-se um depósito das fantasias
arcaicas. O ser apaixonado representa a possibilidade de recuperar o narcisismo, a
condição de onipotência do indivíduo. Porém, ao fim desse momento inicial de
felicidade absoluta que, segundo Kehl, também pode ser, na mesma intensidade, de
angústia, já que, por experiência, o objeto mostrará singular existência, a paixão
amorosa terá que reviver a decepção do recém-nascido. Em outras palavras, é a
percepção de que o outro não pode nem dar tudo nem estar sempre presente; há uma
68
Kehl, M. R. A Psicanálise e o domínio das paixões. In: Sérgio Cardoso... [et al]. Os sentidos da Paixão. São Paulo: Cia.
das Letras, 1987.
57
existência concreta que ultrapassa as fantasias do apaixonado, é a realidade, inimiga
da satisfação absoluta do desejo, que se instala. No entanto, é a partir da instalação
do princípio de realidade que o narcisismo primário cede lugar aos caminhos para a
vida e para o amor.
Na reedição das primeiras decepções infantis, revividas na paixão amorosa, o
outro ganha independência para além do desejo onipotente; isto significa que é dessa
frustração que o amor pode advir. A Internet evita a frustração que toda realidade
impõe. Por ser virtual, a ilusão pode ser mantida por muito tempo. Em alguns casos,
nos relacionamentos iniciados no ciberespaço, como pudemos observar no relato
precedente, o indivíduo regride ao modo arcaico de funcionamento narcísico.
Idealiza o outro porque ele é fruto de uma construção narcísica. Enquanto a relação
se mantém no virtual, isto é, enquanto não há a existência concreta do outro, essa
sensação de prazer perdura, pois a Internet possibilita a negação da castração, não há
limite imposto à onipotência do desejo. Aqui o desejo só é satisfeito na fantasia sob o
domínio absoluto do princípio do prazer, mas quando a realidade se apresenta – o
encontro se dá no real – as pessoas se decepcionam por perceberem a alteridade que
estava sendo negada, a natureza humana. Podemos, então, afirmar que a Internet
propicia a regressão do narcisismo, em que alguns pares, que dela se ocupam,
buscam aí reencontrar o estado de completude de modo a formar um todo narcísico.
O valor do sentimento amoroso, difundido culturalmente, carrega consigo
alguns credos eficientes e, principalmente idealizados, regidos pela impossibilidade
representada pelos obstáculos que os indivíduos têm de transpor, como retratam, por
exemplo, as célebres histórias de Triso e Isolda, Romeu e Julieta. O amor
romântico mantém a fantasia do par idealizado, pregando a fusão de duas pessoas
onde tudo é feito em nome do outro (eu) idealizado, outro (eu) como objeto mais que
completo terminando seu curso, como conseqüência natural no desencanto pelo
esvaziamento narcísico do ego em função da magnificação libidinal do objeto. Nesse
contexto, a distância é um fator fundamental para que o amor perdure, o obstáculo ao
seu alcance é imprescindível para que haja interesse e exaltação, pois dessa forma a
alteridade fica suspensa, visto que, pela distância, a renúncia à distinção entre o eu e
o outro permanece ativa.
58
Na Internet a distância física não é mais empecilho para as relações
interpessoais, mas cremos que, muitas vezes, impede que a alteridade entre os pares
se faça presente. Ou seja, algumas pessoas, nem sempre conscientes, se comportam
de forma a preencher a expectativa do outro sobre sua pessoa, a idealização que está
sendo projetada lhe serve como um casaco novo sob medida – elemento de sedução.
E passam, então, a um relacionamento com o primoroso e perfeito – narcisismo –,
isto é, a repetição do infantil. Para ilustrar esse aspecto relataremos uma situação
69
que vem ao encontro de nossa questão.
“Eu sempre tive paixão por Portugal e já conheço Lisboa. Inclusive entrava
muito nos canais do mIRC de lá para conversar com portugueses. Sou tímida,
caseira, nunca gostei de “ficar”. Só tive dois namorados, um deles conhecido
por meio da Internet – experimentei dois sites de encontros. Os dois duraram
poucos meses. Trabalhando como pesquisadora de sites para um grande
portal, conheci um terceiro site desses. Para avaliá-lo de uma forma mais
perfeita, me cadastrei. Achei-o diferente, mais minucioso que os outros. Fiz
meu perfil como “eu mesma”: 20 anos, estudante de história, 1,68m, 61kg,
cabelos longos e cacheados num tom castanho (...) Meu nick era Alfacinha
justamente porque é como os lisboetas chamam os de fora. Procurando
pessoas de outros países, encontrei um jovem português com o nick
Caminhando. Ele queria um relacionamento estável e pensava parecido
comigo. Fiz um contato e recebi a primeira mensagem dele em 4 de abril,
dizendo: / <<Tua entrada em minha caixa de correio esteve simplesmente
espetacular! Ainda mais partindo de alguém que nasceu e vive no Brasil –
pois vocês são muito diferentes de nós aqui em Portugal. Eu adoro a vossa
maneira de ser e de encarar a vida. Tenho 26 anos, 1,56m de altura e peso
uns 58 quilos. Uso óculos e tenho cabelos castanhos. Sou formado em
informática, mas atualmente trabalho como técnico de instalação de TV por
cabo. Tenho pouco tempo para sair ou passear. Não gosto de discotecas,
bares ou cafés. Adoro música clássica e um pouco de pop. Sou escorpião...
Minhas áreas preferidas de estudo e de conversa são a psicologia,
69
Referência a Sampaio, A. Amor na Internet: quando o virtual cai na real. Op.cit., p.295-304.
59
vulcanologia, astronomia e espiritismo. Não sei se tens interesse em saber
algo a respeito, mas estou aberto a todo tipo de questões. Não olho a meios
para ser sincero e manter a verdade sempre em primeiro lugar, mesmo que
por as vezes me custe ou aos meus que me rodeiam. Odeio que as pessoas
falem da vida dos outros e detesto as injustiças perante os mais fracos. Estou
a tirar um curso de Esperanto e a pensar em reciclar meu curso de
informática, devido a novos sistemas operativos. Detesto televisão e jornais,
só trazem violência. Não vou escrever mais nada... pois este é o meu defeito:
quando começo a escrever ou falar, nunca mais me lembro de quando
acabar. Beijos cheios de carinho e de coisas boas, e que a felicidade seja
sempre a máxima de tua existência... ATÉ BREVE!>> / A partir daí
começamos a contar histórias de nossas infâncias e nossos países em e-mails
diários. Depois de um mês de e-mails, (...) Ele mandou fotos dele (...) Eu
enviei fotos minhas (...) bastante produzida. Antes de completarmos o
segundo mês de “conversa” ele me telefonou. Achei sua voz linda, adoro
aquele sotaque. Eu gostava dele, mas não tinha percebido que ele gostava
tanto de mim. (...) Em junho ele começou a falar que queria um compromisso
mais sério. Indecisa, fui levando. Até que aceitei seu pedido de namoro (...)
Em agosto estávamos nos falando pelo telefone todo dia (...). No início de
setembro começamos a fazer planos para o casamento.”
O projeto do casal era realizar o matrimônio em São Paulo, mas por motivos
financeiros resolveram que ficaria mais econômico se casarem em Portugal.
Alfacinha comprou passagem só de ida por meio de um convênio de passagens para
estudantes, e despachou os objetos que havia adquirido para a vida conjugal.
“(...) Ele alugou um apartamento de três quartos, com varanda, e montou
toda a cozinha e o nosso quarto. Instalou também aquecedor, telefone e TV a
cabo. Eu não ‘deixava’ ele tirar fotos para me enviar, queria que fosse
surpresa total. Inclusive não dava palpites. Só resolvemos que juntos íamos
comprar a sala e as cortinas. (...) Chegamos a ter uma crise, e eu acredito
que isso aconteceu por diferenças de costumes. Ele é ansioso e exigente
demais comigo. Pedia para ver algumas coisas e, se eu não fazia logo, ele
60
ficava possesso. Não entendia esse nosso jeitinho de deixar tudo para a
última hora. Eu me sentia cobrada e me fechava. Ele parou de cobrar, com
medo de me magoar. Até que consegui mostrar a ele que só precisávamos
mesmo dialogar bastante. Tenho certeza de que o conheço plenamente, e ele
também (...) Nossa ligação é muito forte, nosso contato é muito próximo. Não
tenho o menor receio do primeiro encontro, do primeiro abraço, do primeiro
beijo – sou virgem, inclusive. Já conversamos bastante sobre isso e nunca
tivemos medo, não entendemos por que todo mundo nos pergunta tanto sobre
a questão física. (...) Acho que se não der certo com ele nunca mais vou me
relacionar com outro homem. Meu noivo é inteligente, tem muita força de
vontade e uma memória incrível, além de ser simples e amoroso. Por que vou
só com passagem de ida? Porque não acredito que vá chegar lá, não gostar e
voltar. Se por algum acaso acontecer de a gente não se entender, arranjo um
emprego e fico em Portugal. (...). A gente simplesmente não se coloca a
hipótese de não nos entendermos e termos de desmontar a casa. Nós vamos
nos entender. E eu vou adorar torcer pelo Benfica ao vivo!”
E Caminhando relata:
“Entrei no site apostando que ali encontraria o amor. (...) Moro em Torres
Novas, pequena cidade a 100 quilômetros de Lisboa (...) Tive algumas
namoradas, mas esse é um assunto em que nunca tive sorte. (...) Tive somente
uma namorada firme, com quem pensei em me casar, mas não foi possível
devido aos pais dela. Sempre achei que sexo deveria acontecer com a pessoa
amada e no momento certo e apropriado; quando se transmite todo o amor e
o carinho e quando podemos falar sem palavras e nos libertar de sermos nós
próprios. Tive muitas oportunidades, mas só fiz sexo com essa namorada
citada. Para falar a verdade, até tinha grande vontade de conhecer uma
brasileira, porque sempre tive enorme paixão pelo Brasil. Cadastrei-me num
site brasileiro sabendo que era um risco, mas apostando tudo nisso, pois
achava ser minha última hipótese de encontrar o outro lado da minha
felicidade. Se não o encontrasse deixaria de uma vez por todas de procurar o
amor e me dedicaria a alguma missão. Após algum tempo apareceu
61
Alfacinha, a me convidar para uma amizade e para teclar. Fui ver seu
cadastro e encontrei nele a veracidade das palavras e o outro lado que
buscava. Quando comecei a amar Alfacinha? Posso garantir que desde que li
as primeiras palavras dela, em que ela se apresentava de uma forma linda,
pura, real e singela. Meu coração palpitou muito forte, senti uma energia
pura de amor e carinho nas palavras escritas (...). Como Alfacinha, eu
também não suporto quando me perguntam: / “Mas, e se vocês se
“estranharem” ao se conhecerem pessoalmente?.”/ (...). Conheço-a melhor
que ela própria, e tenho a certeza de que será para nós a maior felicidade
não mais precisarmos de palavras para expressar ou definir o tão lindo e
puro sentimento de amor que temos um pelo outro: nossos olhos saberão ler
bem no fundo da alma e reconhecer nosso amor verdadeiro e sincero. (...)
Medo em nosso amor não existe: [nós] nos conhecemos profundamente.
Falam que abraçar e beijar é diferente. É verdade. Mas abraçar e beijar será
o reforço desse nosso amor... A troca precisa e carinhosa de comunicar e
doar este amor, e de falar sem palavras, e de sentir o quão verdadeiro é o
sentimento. Para nós não será estranho nos encontrarmos frente a frente.
Nosso amor é capaz de transcender a tudo e a todos e até ao próprio tempo
cronológico. Nós nos amamos em nível espiritual, e quando nos conhecermos
o amor físico será o complemento de um grande e verdadeiro amor, que será
durável por toda a eternidade. Posso garantir que quem ama primeiro
espiritualmente nunca terá problemas em amar fisicamente. O amor
espiritual é puro, sem mentiras nem segredos. Amar somente fisicamente é a
desgraça de todos os males que existem no mundo e de tantos
desentendimentos, tantos problemas e doenças. Amar é sublimação. É
pureza. É felicidade. É equilíbrio. Amar espiritualmente é a fonte vital e
inesgotável dessa verdadeira energia cósmica que une os seres numa única
comunhão. Amor espiritual é eterno e imutável. É esse o amor que tenho por
Alfacinha e que ela tem para comigo. Amar, para nós, é a mais bela
recompensa que Deus nos deu por todo o nosso esforço em querermos ser
unos. Não sabemos ainda quando será o casamento aqui em Portugal, pois
que existem burocracias devido ao processo ser feito conjuntamente ao
62
Brasil. Mas penso que se tudo correr bem, em breve estaremos casados. Eu e
Alfacinha já estamos adaptados um ao outro. Para nós tudo tem sido difícil:
a distância, a saudade, o desejo de querermos ficar juntos para sempre, a
oposição dos familiares. Mas temos superado tudo. (...) Já nos consideramos
marido e mulher desde que assumimos nos casar. Vou devotar toda a minha
vida à felicidade e ao amor de Alfacinha e sempre lutarei para realizar todos
os seus sonhos. (...) Ela é como um sol para mim, sem ela eu murcho como
uma flor murcha sem a luz solar. Ela é meu alimento e o meu sustento, sem
ela definho e morro. (....) Isso transcende a todas as consciências comuns
deste mundo.”
Ao se encontrarem, no aeroporto de Lisboa, Alfacinha e Caminhando se
abraçaram longamente sem nenhum estranhamento, segundo ela. Casaram e a partir
daí a verdadeira história iria começar...
Alguns aspectos interessantes projetados virtualmente (virtualmente por
pertencerem à realidade psíquica de cada um e por ser, também, propriedade da
tecnologia), merecem ser observados para determinarmos seu significado. Alfacinha
inicia seu relato falando sobre sua paixão por Portugal e, da mesma forma,
Caminhando diz sempre ter tido enorme paixão pelo Brasil – representação de uma
boa transferência que foi projetada e identificada reciprocamente. Alfacinha tinha um
grande desejo de morar em Portugal e Caminhando foi um “meio” para sua
realização quando ela diz: “Se por algum acaso acontecer de a gente não se entender,
arranjo um emprego e fico em Portugal”. O casal não cogitava a hipótese de não se
agradarem com o encontro face a face, aspecto que nos leva a relacionar ao conceito
que Freud chamou de narcisismo.
O narcisismo na obra freudiana é convocado a compreender várias
articulações, mas no que concerne a nosso interesse buscamos o aspecto no qual esse
conceito se estabelece basicamente como o resultado da relação entre pais e filhos,
sendo um momento na vida do indivíduo quando os pais atribuem todas as perfeições
ao filho – “Sua Majestade, o Bebê”.
70
Momento em que não há deficiências e, sim,
70
Freud, S. Introdução ao Narcisismo. Vol. XIV, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.108.
63
um estado de onipotência, estado em que o ego infantil se acha imbuído de toda
perfeição. Para o homem é difícil fazer uma renúncia a essa situação, mas com o
desenvolvimento ele não pode mais mantê-la, “a conseqüência direta disso é a de
um sentimento de incompletude e o penoso reconhecimento de que ele depende e tem
necessidade do outro”
71
, projetando, portanto, diante de si um substituto desse
narcisismo – ego ideal – e, dessa forma, vir a investir outros objetos.
O ego ideal é uma instância que vem substituir aquela imagem perfeita que o
indivíduo tem de si quando lhe foi imposta pela realidade a dura verdade da finitude,
da sexualidade e da falibilidade. Mas nem sempre a renúncia é possível, pois os
obstáculos dessa evolução em diversas condições interferem no desenvolvimento
psíquico do indivíduo, muitas vezes traduzidos na negação das diferenças, na
“persistência de núcleos de simbiose e ambigüidade – uma lógica do tipo binária (o
sujeito é o melhor ou o pior...)”
72
. Característica de uma etapa de indiferenciação, na
qual o bebê sente como sendo suas as respostas de sua mãe, e o funcionamento
psíquico assim caracterizado está fixado no registro do imaginário.
Chasseguet-Smirgel, compartilhando dessa concepção, afirma que o fracasso
no acesso a esse ideal leva o indivíduo a regredir a um modo arcaico de
“restabelecimento narcísico”
73
. E prossegue declarando que em cada etapa do
desenvolvimento da criança deve haver gratificações suficientes para que ela não
volte a nenhuma etapa anterior e a frustrações essenciais para que não haja fixação.
Para essa autora o ideal do ego é um conceito articulador entre o princípio do prazer
e o princípio da realidade, resultante da cisão entre o ego e o objeto. Sob essa
perspectiva podemos especificar a ruptura da relação narcísica no contexto do grau
de discriminação entre sujeito e objeto, concebendo a intersubjetividade das relações,
isto é, o “eu” e o “outro” compreendidos como subjetividade e alteridade. O sujeito
da relação apresenta ao outro aquilo que subjaz ao discurso verbal, isto é, seu ente
enunciativo.
71
Zimerman, D. E. Fundamentos Psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre:
Artmed, 1999, p.158.
72
Zimerman, D. E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001, p.278.
73
Chasseguet-Smirgel, J. O Ideal do Ego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1977, p.31.
64
Assim, as relações interpessoais, formadas a partir de dinâmicas inconscientes
originárias da história individual, são determinadas pela percepção subjetiva do outro
que contribui para uma nova realidade, a realidade da dupla. Ou seja, a subjetividade
individual está dentro do contexto intersubjetivo no sentido de uma experiência
conjunta, na qual fenômenos inconscientes, a partir daí, são recriados.
Partindo dessas considerações, e voltando nossa atenção ao exemplo
apresentado, indagamos: se a alteridade foi construída por projeção, que tipo de
experiência conjunta pôde existir dessa relação via Internet? Sob a ótica narcísica,
esse processo se expressa no seguinte enunciado: o outro me alimenta e me gratifica,
e através dele [re]encontro a plenitude. Retomando Freud, Mezan expõe que o
narcisismo se refugiou no ideal do ego em algumas manifestações do ser humano
como, por exemplo, no sentimento dos apaixonados nos quais apenas as qualidades
são enaltecidas, pairando a idealização do ser amado.
(...) projetamos nele nosso ego ideal, relíquia do narcisismo infantil, e nos
sentimos felizes e eufóricos porque um ente tão extraordinário nos ama
também: o que não percebemos é que o ente amado é assim magnífico
porque nós o fizemos assim; que, como Narciso, nos miramos num espelho
que nos devolve nossa própria face
74
.
Verificamos que a Internet se oferece como suporte para idealização do
encontro com o gratificante e prazeroso, aspectos relacionados com o mundo
fantasmático de Alfacinha e Caminhando. Não menos importante é o desejo de fusão
que eles revelam, desejos arcaicos de proteção traduzidos pelo desamparo original –
fantasias narcísicas de fusão com a mãe. O “esforço” para que a completude
narcísica se dê por meio da sublimação, via progressiva natural do desenvolvimento
e equilíbrio narcísico, perde seu caráter, pois o que a Internet põe à disposição é a via
regressiva fusional. Ao mesmo tempo em que esses conteúdos pertencentes ao
psiquismo dependem do nível de organização de cada um para manifestarem-se,
assenta a idéia de que a Internet fomenta o desencadear de tais fenômenos pela
disposição em que se apresenta viabilizada na possibilidade sem limites de realização
do desejo.
74
Mezan, R. A Vingança da Esfinge. Ensaios de Psicanálise. 3.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p.296.
65
Sob essa perspectiva, a Internet favorece ao indivíduo condições para expor
seus pensamentos sem ressalvas e reservas, torna-se um espaço no qual o sujeito se
depara com um convite subjacente a projetar as fantasias mais arcaicas e primitivas
depositadas no inconsciente sem resultar em perda ou dano de qualquer natureza.
Isso nos leva a refletir sobre os aspectos facultados ao analisando no processo
analítico que se aproximam das mesmas condições reveladas no ciberespaço.
Articulando os dois espaços concluímos que o espaço virtual e o espaço analítico
apresentam semelhante estatuto no que concerne a permitir e “solicitar” que o
indivíduo “fale tudo o que lhe vier à cabeça”. Isso nos leva a pensar que a
contratransferência primordial nos dois casos estimula a transferência.
Como vimos percebendo nos exemplos apresentados, o indivíduo da Internet
se diz enamorado por alguém que ele conhece através das palavras expressas na
escrita e que, muitas vezes, após o encontro pessoal, as palavras apresentam-se
díspares de seu suposto dono. Suposto, pois constatamos que é no sentido e no
significado das fantasias contidos na realidade psíquica manifestando-se no terreno
transferencial que se encontram “as razões do coração”.
Paralelamente, mas guardando algumas diferenças, esse fenômeno também se
manifesta no processo analítico, isto é, o paciente acredita estar apaixonado por seu
analista, como já salientamos na referência ao texto “amor de transferência”. Para
explicitarmos as semelhanças e as diferenças, presentes nesses ambientes tão
distintos, porém, nos quais a transferência genuinamente ocorre, é importante uma
investigação mais detalhada.
66
7 TRANSFERÊNCIA NA SITUAÇÃO ANALÍTICA E
TRANSFERÊNCIA NA INTERNET
75
A transferência na análise é colocada em marcha pela postura do analista, receptiva,
interessada e não-crítica, que possibilita a emergência do inconsciente. Sua presença
“virtual” se atualiza no campo transferencial. A ocorrência desse fenômeno guarda
semelhanças, em diferentes proporções, com as relações interpessoais que se
estabelecem na Internet. Isto é, a reciprocidade de interesses, em alguns casos, faz
com que a dinâmica da relação na rede desencadeie certos aspectos presentes na
situação analítica.
Por outro lado, a diferença se destaca em caráter essencial, pois fora do
setting analítico as distorções perceptivas permanecem imutáveis, já que a
transferência não é trabalhada. Isto posto, passemos a comparar esses dois espaços
naquilo que lhes é peculiar.
7.1 Semelhanças
O primeiro elemento comum desses dois espaços é o lugar
constratransferencial. Esse lugar é um aspecto essencial da dinâmica do trabalho
analítico e se refere a uma condição significativa do modo como o analista coloca-se
diante do analisando ou, nas palavras de Figueiredo, “(...) um deixar-se colocar
diante do analisando e ser por ele afetado”
76
. É uma disponibilidade do ser humano
75
Minerbo (2008). Título sugerido pela psicanalista Marion Minerbo.
76
Fiqueiredo, L. C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003, p. 127. A esse
respeito, é pertinente aludir à concepção do autor quanto à maneira como o termo contratransferência vem sendo
referido. Para esse psicanalista, o vocábulo não abrange todas as possibilidades de compreensão das diversas posições
do analista dando margem à idéia equivocada de que a atitude deste seja somente uma reação às transferências das
quais é alvo. Em vista disso, Figueiredo desenvolve a hipótese de que, anterior à tradicional concepção do termo –
resposta do analista às transferências do analisando – há uma condição necessária à dinâmica do trabalho analítico,
denominada contratransferência primordial. Ao supor que a disposição ao estabelecimento de relações transferenciais
67
de se situar como suporte de transferências, e também de profundas e primitivas
demandas afetivas, tornando-se um dos elementos fundamentais de cura. Esse
processo é denominado por Figueiredo de contratransferência primordial que se
traduz como,
(...) um deixar-se colocar diante do sofrimento antes mesmo de se saber do
que e de quem se trata (...) vindo a ser um deixar-se afetar e interpelar pelo
sofrimento alheio no que tem de desmesurado e mesmo de incomensurável,
não só desconhecido como incompreensível
77
.
A tela em branco, em que podemos imaginar do outro lado um objeto
receptivo, acolhedor, aguardando que o sujeito escreva e “fale” de si, pode facilitar o
surgimento da transferência. Sob esse aspecto, em suas investigações, Nicolaci-da-
Costa
78
nos contribui com a idéia de que a escrita online entre os interlocutores é
usualmente uma forma de os indivíduos falarem sobre si e, como resultado disso, o
sujeito tem diferentes retornos sobre o que diz. Para essa autora, o fato de falar sobre
si na Internet, tendo como retorno a reação do outro, faz com que os aspectos
subjetivos inseridos no discurso dos interlocutores se tornem conscientes. Isso, sem
deixar de considerar que devemos salvar os propósitos com que esse aspecto
constratransferencial se desenvolve em cada uma dessas duas modalidades.
Em outras palavras, o indivíduo da Internet, muitas vezes, serve como suporte
para as transferências de seu interlocutor, porém, atendendo e respondendo,
preferentemente, a uma necessidade pessoal sem ter deveras uma sensibilidade
contratransferencial contida numa disposição subjetiva, de depositário dos afetos,
como é destaque essencial da posição do analista. Contratransferencialmente, muitas
vezes, a resposta do internauta se dá pela introjeção de aspectos projetados por seu
interlocutor ativando estados que constituem conluios entre a dupla, proporcionando,
é inerente ao psiquismo humano, Figueiredo sugere que, na mesma proporção, se contextualiza o estado de suporte
do sujeito como destinatário das transferências. Em acréscimo, propõe a idéia de que essa disposição faça parte do
processo de singularização explicando que “(...) é preciso admitir um nível de afetação pelo outro anterior à entrada deste outro em
nosso mundo, onde ele se configura e pode ser nomeado”. Idem p. 129. Para esse autor, a contratransferência primordial vai além
da condição de psicanalisar, proporcionando ao sujeito um vir-a-ser, um existir em sua subjetividade. (N.A.)
77
Idem, p.128.
78
Nicolaci-da-Costa, A. M. Primeiros contornos de uma nova ‘configuração psíquica’, pesquisa Google. (s/d)
68
assim, condições para assegurar mais um caráter psicótico do que neurótico da
relação.
A Internet parece propiciar a instalação de um campo transferencial com um
colorido idealizante, assim como o espaço analítico. Tanto o amor que o analisando
sente pelo analista como o mantido no ciberespaço, é real, porém, o objeto de amor –
analista/ internauta – é que é “virtual”. Visto que, nessas duas categorias de amor
[transferencial] se desconhece quem, de fato, é a outra pessoa. Conseqüentemente, a
comunicação se processa mais com partes de si do que propriamente com o outro,
acarretando, muitas vezes, a anulação da distinção entre sujeito e objeto.
Outro aspecto a ser considerado nesses dois espaços é que ambos convidam à
expressão do desejo, à fantasia, ao que vier à cabeça, pois não há censura. Como a
alteridade está em suspensão pela ausência do olhar, nesses dois lugares, há um
chamado à construção projetiva do outro.
Quem está do outro lado tem uma atitude, podemos asseverar, de
acolhimento, de escuta, e esse conjunto favorece o processo de regressão, conceito
que expusemos anteriormente, no qual surge a emergência do infantil – repetição dos
padrões infantis. Esse aspecto também se deve à suspensão do ato, e ao fato de a
comunicação ser exclusivamente verbal. Nesse momento tem-se o fenômeno que
Freud descreve em “Recordar, repetir e elaborar”, já citado, que é a repetição no aqui
e agora daquilo que é o infantil, o inconsciente. Portanto, em ambos os espaços há
um convite à repetição.
Um componente fundamental e constituinte presente nessas duas modalidades
é a sedução. Essa categoria é representada através da figura da mãe caracterizada
pelo sentimento de acolhimento. Isto é, o procedimento, nos dois espaços, se
configura da mesma maneira como ocorre com a mãe, que permanece totalmente
disponível para acolher a expressão do filho, o que este vai falar de si e das suas
questões. É através dessa dinâmica que tanto o internauta quanto o analista são
representados psiquicamente nas respectivas relações. O indivíduo pode imaginar, no
outro lado do teclado, o que ele quiser e precisar. Portanto, a transferência, a
repetição, faz com que o sujeito imagine a pessoa de seus sonhos, ou seja, aquele que
69
vai entender tudo; projeta-se ali o que corresponde ao desejo e passa a relacionar-se
com o “maravilhoso” – narcisismo – porque é o narcisismo da criança que faz com
que ela imagine os pais perfeitos (como na fase em que, sob nossos olhos, nossos
pais são “super-heróis”).
Na Internet pode-se brincar de ser outra pessoa mantendo-se a experiência
psíquica de “como se”, mas pode-se apoderar da brincadeira sustentando-a na
realidade e, a partir disso, mudando o rumo da vida real. É sob esse prisma que se
contextualiza o uso que o psiquismo individual vai fazer desta possibilidade
oferecida pela Internet. O mesmo fato ocorre na transferência, isto é, o neurótico se
apaixona pelo analista, mas sabe que há uma dimensão de “como se”; o analista
representa a mãe ou o pai. Já o borderline se apaixona de verdade, ou seja, o analista
não representa a mãe, ele “é” a mãe. Assim como o analisando borderline pode ser
tentado a atuar seu amor de transferência, o borderline na Internet pode fazer o
mesmo. No borderline, a pulsionalidade não-ligada (a excitação sexual produzida
pelo encontro com o outro via Internet) tende à descarga.
Tanto a Internet quanto o divã só proíbem uma única coisa: no divã o
indivíduo não pode passar ao ato e na Internet não pode fazer pornografia infantil.
Exceto esse impedimento, a possibilidade de se apresentar como quiser, nos dois
espaços, faz com que o sujeito mobilize e possa colocar em cena, num “como se” que
também é “de verdade”, o repertório psíquico, ocorrência que não se verifica no dia-
a-dia. Ou seja, os vários aspectos do amplo repertório psíquico não são convocados
no quotidiano, pois a pessoa não sai por aí falando qualquer coisa para qualquer um,
porém, na Internet e na sessão de análise isso é permitido.
E o último ainda que não menos importante elemento semelhante entre o
analista e a Internet é o ritmo. Isto é, na Internet o interlocutor comparece aos
encontros marcados todos os dias e até várias vezes, não deixa o sujeito na mão,
como na sessão de análise na qual o objeto está lá onde é esperado; o internauta cria
e encontra o objeto.
70
7.2 Diferenças
Contudo, apesar das semelhanças apontadas, há importantes diferenças entre
a situação analítica e a transferência na Internet. Enquanto na Internet a idealização é
recíproca, na análise ela é uma categoria unilateral, pertence ao paciente. Isto é,
espera-se que o analista não idealize seu paciente, nem tente seduzi-lo. O analista,
diferentemente dos internautas, trata de não seduzir além da conta; ele contém,
interpreta, auxilia o paciente a elaborar e principalmente a conter as tentativas de
passagem ao ato, pois o objetivo é que o paciente simbolize todas as questões infantis
que se atualizam e se repetem na transferência. Nesse processo é como se o analista
dissesse: “a criança que habita você deseja tudo de mim, nós teremos que investigar
tudo o que deseja; nós vamos falar disso, mas não vamos fazer isso”.
No relacionamento pela Internet o indivíduo se vê solicitado pelo sujeito do
outro lado da interlocução, mas confunde a natureza da relação pela convicção de
que a necessidade e a busca do interlocutor são pela pessoa dele. Ou seja, ele se
coloca pessoalmente no lugar do ausente, daquele que está sendo visado pela
transferência. O analista tem um treino para saber que aquela demanda que vem do
divã não se dá porque ele seja uma pessoa fascinante, mas sim porque se trata da
repetição do infantil. Porém, o sujeito da Internet acredita, de fato, que ele é
admirado e que corresponde plenamente à demanda do outro. Além disso, ele
também está fazendo demandas; portanto, sendo recíproco o decurso desses
acontecimentos, as pessoas se tomam pelo objeto da transferência.
O lugar transferencial não é ocupado pela pessoa do analista, o que difere da
Internet onde o indivíduo o ocupa concretamente, motivo pelo qual a questão é
estimulada numa excitação crescente que em algum momento vai passar ao ato, isto
é, as pessoas vão se encontrar. E a partir desse encontro descobrem a alteridade, o
limite imposto à onipotência do desejo pela impossibilidade de manter o estado
narcísico. Em outras palavras, não vão encontrar nem a mãe, nem o pai idealizados
naquela pessoa, o que significa que a desidealização é abrupta. No campo
transferencial essa desigualdade é acentuada entre o ciberespaço e o espaço analítico.
71
Na análise também há a desidealização; porém, esta vai acontecendo
paulatinamente quando o trabalho analítico está para terminar. O paciente se
desenvolve psiquicamente e diminui sua demanda no sentido de “querer” coisas do
analista. Começa a entender que suas solicitações não são relacionadas à pessoa do
analista, mas sim que pertencem a outras personagens, outras cenas provenientes da
infância. O analista só empresta o corpo e a voz. É uma desidealização gradual que
marca o fim da análise. Diferentemente da Internet, na qual, após o encontro, para
alguns, a desidealização é imediata. Até porque o outro, por não atender às
demandas, ele falha, isto é, o interlocutor também passa a ter demandas e com isso
sai da contratransferência primordial.
É importante esclarecer que os aspectos que estão sendo salientados nas
diferenças entre o espaço analítico e o ciberespaço dificilmente ocorreriam com uma
pessoa de estrutura neurótica. O neurótico sabe que toda a dinâmica que se
estabelece pela Internet não passa de fantasia; ele se mantém no nível do jogo do
“como se”, já que tem uma dimensão mais crítica. No entanto, o borderline tem essa
indiscriminação: ele realmente acredita que o outro é quem atende e preenche o que
sente como ausente em si. É aquele paciente que coloca o analista na posição de
quem tem a obrigação de suprir tudo aquilo que a mãe não supriu. O borderline não
maneja muito bem a diferença entre realidade e fantasia, confunde dentro e fora
quando faz suas identificações projetivas e, sendo assim, a Internet se torna oportuna
para tomar sua fantasia por realidade.
A Internet facilita essas relações visto que deixa a alteridade e o ato entre
parênteses, exatamente como a transferência que também mantém a alteridade do
analista desviada momentaneamente. A Internet ajuda a dar voz ao recalcado e,
também, nos termos aqui citados, se caracteriza como a prática da ilusão e a
psicanálise, a da desilusão.
O amor de transferência no neurótico raramente passa ao ato, porque nessa
posição o indivíduo tem a capacidade de simbolizar. Pode-se concluir que o outro na
Internet funcionaria como um analista atuador e que, como sabemos, a conseqüência
disso é desastrosa. Portanto, em alguns casos, a Internet é um meio facilitador de
72
atuações, já que a transferência não é trabalhada e, por conseguinte, continuando a
percepção sem sofrer mudanças.
Através das observações feitas até aqui, podemos afirmar que o sujeito
freudiano é traduzido pela luta entre o desejo e a sua proibição. Esse conflito entre
exigências antagônicas se dá pelos diferentes modos de funcionamento do aparato
psíquico que se caracterizam pelas manifestações pulsionais. Há certos tipos de
relacionamentos interpessoais iniciados virtualmente que denotam um ato não
simbolizável cuja pulsão parece ficar sem continência como, por exemplo, o caso de
Adriana, citado no início do trabalho. Essa paciente utiliza a Internet como meio para
expressar suas fantasias inconscientes, mas necessita vivê-las no real de forma
indiscriminada, isto é, não se restringe somente à fantasia, precisa atuá-la.
Traçando um paralelo com a situação analítica, isso se aplica àqueles
pacientes, nos quais a fantasia em relação ao analista não permanece apenas na
transferência, eles vão às vias de fato, passam ao ato, pois fantasia e realidade, nesses
casos, são fenômenos justapostos. Em vista disso, é pertinente investigarmos esse
agir inconsciente favorecido pelo fascínio que a rede oferece ao sujeito nessa forma
de relação com sua fantasia.
73
8 ATUAÇÃO
A idéia de repetição no percurso de Freud surge rumo ao desenvolvimento do
conceito de transferência. É um momento da obra, no qual o autor introduz o
conceito de “compulsão à repetição” ampliando sua teoria e mostrando que “o
paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas o expressa pela
atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como
ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo”
79
. Para Freud, essa
compulsão à repetição perdurará por todo o tratamento e deve ser compreendida
como um modo de o paciente recordar um passado que necessita ficar esquecido. Em
outras palavras, o autor sustenta que o acting out é uma forma de resistência como
fenômeno identificável na transferência, sendo ainda uma expressão da transferência,
uma parte da situação transferencial em movimento, isto é, uma ação do indivíduo
que substitui a tarefa de alcançar o insight.
Segundo Etchegoyen
80
, o acting out e a transferência têm praticamente a
mesma “genética” por derivarem da compulsão à repetição, mas que diferem em
estrutura e significado. Isto é, todo acting out é uma transferência, mas não o
contrário; o que se repete no acting out é para se afastar do objeto, já na transferência
vai-se ao encontro deste. Na transferência há comunicação, no acting out não, não há
investimento libidinal, mas sim narcísico. O acting out, como diz Laplanche e
Pontalis
81
, é uma tentativa de ignorar a transferência, é um sinal da emergência da
pulsão recalcada.
O acting out é um dizer sem palavras, é um dizer pré-verbal, são
comunicações primitivas, é o agir de um ato não simbolizável cujo senso de
79
Freud, S. Recordar, repetir e elaborar. Vol. XII, E.S.B. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p.196.
80
Etchegoyen, R. H. Das vicissitudes do processo analítico. In: R. H. Etchegoyen. Fundamentos da técnica
psicanalítica. 2.ed. (tradução de Francisco Frank Settineri,). Porto Alegre: Artmed, 2004.
81
Laplanche, J. & Pontalis, J. B. Vocabulário de psicanálise. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
74
realidade mostra-se particularmente insuficiente. Retomando as afirmações de
Etchegoyen, esse autor acentua que a característica do acting out é a descarga e que
consiste basicamente na substituição da comunicação pela ação.
Ainda, o acting out é uma das características das estruturas borderline.
Estruturas em que, na concepção de Figueiredo
82
, as fronteiras internas e externas do
eu mostram-se frágeis por falta, ou precariedade, de investimento narcísico; é um
distúrbio na constituição do narcisismo. Disso decorre um mecanismo próprio no
qual a identificação projetiva opera como defesa, quando a repressão fracassa e os
limites do eu tendem a se desfazer. Isto é, através desse mecanismo defensivo são
evacuados os conteúdos libidinais e agressivos que deveriam permanecer
inconscientes – repressão –, mas, pela instabilidade das fronteiras, ficam livres
produzindo efeitos nocivos ao indivíduo. E, para livrar-se desse sentimento
indesejado, esses conteúdos precisam ser projetados no mundo exterior; sendo assim,
o sujeito atua.
No entanto, como nos mostra Figueiredo, essa expulsão não tem o efeito
desejado, pois as barreiras do eu estão mal definidas, deixando fora e dentro
justapostos. Ou seja, a realidade se comporta de acordo com o projetado produzindo
turbulência porque se torna ameaçadora. Para esse autor, na atuação compulsiva do
borderline a capacidade perceptiva da realidade externa ficou anulada pela força das
identificações projetivas. Em outras palavras, quando o indivíduo age não percebe o
que está fazendo, e mesmo quando percebe não consegue fazer nada com isso.
A partir do caso apresentado no início deste trabalho, da paciente Adriana,
podemos usar este conceito psicanalítico para tentar entender certas situações que
acontecem com usuários da Internet. Se, como estamos propondo, a relação virtual
favorece a expressão da regressão e da transferência, levando a uma relação de
objeto narcísica e idealizada, se não houver um objeto que contenha a pulsionalidade
assim excitada, o sujeito pode passar ao ato.
82
Figueiredo, L. C. O caso-limite e as sabotagens do prazer. In: Luiz Carlos Figueiredo. Psicanálise: elementos para a
clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003.
75
Adriana fez da Internet uma maneira de expressar aquilo que estava ainda
impossível de ter representação, quando atua seu descontentamento conjugal, indo ao
encontro real com homens desconhecidos para sentir-se desejada. Podemos inferir
que neste caso as possibilidades oferecidas pela Internet foram utilizadas em função
da necessidade de sair do terror da solidão, do vazio, estabelecendo “trocas” com o
outro do espaço virtual somente no sentido de descarga pulsional. Em outras
palavras, Adriana fez uma descarga de aspectos psíquicos que não podiam ser
contidos e tolerados, utilizando a Internet como um lugar para que esses fenômenos,
qual rio caudaloso, desembocassem em busca de realização.
A virtualidade, que deixa em suspenso a alteridade, faz com que, em alguns
casos, a fantasia predomine a ponto de o indivíduo não distingui-la da realidade. Em
vista disso, o sujeito vai ao encontro do objeto idealizado da transferência, isto é,
atua. Como conseqüência, muitos se decepcionam descartando a possibilidade de
relacionamentos dessa natureza, pois se dão conta da elevada qualidade que
conferiram ao interlocutor. Provavelmente, essas pessoas se decepcionam por
apresentarem uma condição psíquica mais organizada que os possibilita a uma
distinção mais rígida entre o real e o virtual. No entanto, outros indivíduos mantêm
essa dinâmica através da imperiosidade da sexualidade trocando incessantemente de
parceiros de forma indiscriminada, indicando a urgência da pulsão nessa forma de
descarga. É uma regressão do pensamento à ação.
Os indivíduos que apresentam formas de subjetividade de um aparelho
psíquico em que certas realidades não são processadas podem transitar sem conflito
nesses espaços, aparentemente [in]conciliáveis, por indiscriminarem fantasia e
realidade. Nesses casos os objetos serão vividos de acordo com o que o indivíduo é
capaz de “ver”, isto é, o sujeito se relacionará com objetos criados por identificação
projetiva e com isso a realidade não é reconhecida. Nesses casos, como não há
diferença entre online e offline para esses sujeitos, o “carpe diem” é tomado no
sentido estrito, ao pé da letra, sua dimensão não é processada psiquicamente. Como
vimos, as fronteiras desses indivíduos estão frágeis e por conta disso são
“capturados” pela gama de possibilidades disponíveis na Internet.
76
Isto posto, poderíamos compreender essa dinâmica como uma forma de
subjetividade à qual a Internet se ajusta por ser virtual, e por se apresentar como um
mundo que pode ser visto e vivido de acordo com a experiência emocional de cada
um. Nesse mundo virtual e anônimo parece que tudo é possível, a realidade que ali se
insere é a realidade psíquica do indivíduo que pode ou não ter contato e fazer ajustes
com a realidade externa.
Provavelmente, a Internet propicia e facilita a atuação pelo fato de haver uma
superposição de real e virtual. É fato que a tendência à atuação já existe no
indivíduo; a Internet não é o fator determinante, mas parece que essa superposição
favorece esse fenômeno. Esse aspecto associa-se ao que Minerbo considera uma
“brincadeira de verdade”
83
, ou melhor, um brincar com a obscuridade de sentido
entre a coisa e sua representação. Isso pode ser demonstrado quando o indivíduo, ao
se caracterizar por um nick, contracena com seu interlocutor reproduzindo aspectos
desse nick, como vimos no exemplo da paciente Alice que, sentindo-se uma ‘Sharon
Stone’, se despe frente à câmera expondo-se para homens.
Para a autora, em certas situações, a representação já não tem mais a função
de significar e estar no lugar da realidade; pela falta ou pela fragilidade de
representação simbólica, a realidade é convocada a dar suporte à representação. Com
isso, para o psiquismo, a representação só é válida quando é a própria coisa,
havendo, portanto, uma nova relação entre a coisa e o símbolo que denota a
fragilidade psíquica dos indivíduos.
Em outro estudo intitulado “A Lógica da Corrupção: um olhar
psicanalítico”
84
, Minerbo demonstra que a fragilidade do símbolo é determinante de
uma série de fenômenos inseridos nos tempos atuais. Entre eles, apresenta sua
reflexão psicanalítica sobre o programa reality show, como um espetáculo, como
uma encenação que ao mesmo tempo é “de verdade”, afirmando que não se sabe ao
certo quanto de realidade e de representação existe nesse tipo de apresentação. Aqui,
mais uma vez, parece surgir a impossibilidade de construir a ausência enquanto
83
Minerbo, M. Reality game: violência contemporânea e a desnaturação da linguagem. Op.cit.
84
Minerbo, M. A lógica da corrupção: um olhar psicanalítico. Artigo publicado na Revista Cebrap, 2007.
77
sendo esta uma presença em potencial – o indivíduo representando a si próprio –,
pois o laço simbólico entre o significante e o significado não se sustenta, deixando o
símbolo enfraquecido, sem representação.
Segundo a autora, por sua fragilidade, o laço simbólico tende a se desfazer
frente a qualquer tipo de tensão, propiciando livre trânsito à violência pulsional. Pela
falta da rede simbólica, portanto, a violência pulsional circula livremente fazendo
com que o indivíduo atue no real. Esse parece ser um tipo de composição que ocorre
na Internet, pois da mesma forma que o indivíduo está representando uma fantasia,
no sentido de aliviar angústias de diversas ordens, pode passar ao ato em função das
falhas ou fragilidade na função simbólica.
78
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como ponto de partida inquietações que foram surgindo ao
perceber, através de meu trabalho clínico, por depoimentos em mídia e no círculo de
amigos, uma busca indiscriminada das pessoas por um parceiro via Internet, com
resultados decepcionantes, na maioria das vezes. Dessa forma, meu objetivo
principal foi compreender o papel da Internet como possível agente facilitador da
idealização e da atuação indiscriminada da sexualidade, investigando os conceitos
psicanalíticos que poderiam me auxiliar no entendimento das relações de objeto que
se estabelecem na rede.
O caso clínico apresentado no início deste trabalho tem o intuito de
demonstrar ao leitor a maneira como a Internet, por suas possibilidades, vem sendo
utilizada, buscando compreender o sentido desse uso na economia psíquica de alguns
usuários da rede.
Outrossim, considerei importante recorrer à origem dessa nova tecnologia
percorrendo seu desenvolvimento para demonstrar a dimensão atingida nos dias de
hoje, concomitantemente os grandes benefícios que vieram remodelar a vida do
homem, permitindo formas de organização impossíveis no passado. São novas
maneiras de relações sociais sancionadas que surgem, para o que o sujeito, protegido
pelo anonimato, se componha de acordo com sua vontade.
Nesse contexto, no qual o fantasiar é permitido e os indivíduos podem
representar diferentes papéis de forma lúdica, apresentei o significado do brincar
como uma experiência criativa, apontando que alguns indivíduos utilizam a Internet
para interpretar papéis inacessíveis de existência no real. A pesquisa de Romão-Dias
mostrou que essa possibilidade de representar vários papéis proporciona ao
indivíduo, na Internet, uma emersão de sentimentos subjetivos como uma forma de
expansão subjetiva.
79
Minerbo (2008), em um artigo intitulado “Sexo Virtual”
85
, sugere que a
Internet facilita ou mesmo induz alguns fenômenos que conhecemos na sala de
análise, isto é, transferência, regressão e atuação da sexualidade perverso-polimorfa
que caracteriza o infantil. Sugere também que, além das relações narcísicas que
podem ser estabelecidas com objetos encontrados na rede, e que se caracterizam pela
indiscriminação fantasia-realidade, o relacionamento com a própria rede traz
especificidades que facilitam atuações. A autora lembra que a ambigüidade do
espaço virtual dificulta ao sujeito saber “quem é”, “onde está”, “fazendo o quê”,
“com quem”, pois o espaço virtual se caracteriza pela superposição de três lógicas: a
do show, a da brincadeira e a da realidade. O artigo citado muito contribuiu no
desenvolvimento de minha dissertação, uma vez que, em minha clínica, pude
comprovar várias das idéias ali esboçadas.
Através de minhas observações, comprovei que há situações em que essas
representações de papéis não são vividas como brincadeiras, mas sim como pura
descarga pulsional. São casos em que a encenação de uma personagem não pode ser
considerada jogo, divertimento, passatempo ou distração, pois verifiquei que não há
elaboração simbólica caracterizando o acting out.
Sobre este aspecto, creio que foi o que Alice explicitou quando dizia sentir-se
uma ‘Sharon Stone’ ao desnudar-se para homens como se estivesse encenando o
papel de mulher sedutora. No entanto, essa paciente não evidenciava um brincar
como algo lúdico, mas de forma compulsiva, pois repetia esse comportamento com
vários interlocutores. Essa necessidade de sentir-se sedutora era para suplantar uma
condição interna extremamente desvalorizada como mulher, já que sexualmente se
percebia com dificuldades de satisfação; e ainda, somado a isso, o marido só a
requisitava, na maioria das vezes, para masturbá-lo. Sempre que esses aspectos se
manifestavam, Alice dizia sentir-se um “lixo de mulher”. Portanto, esses objetos
eram convocados para dar conta de seu narcisismo, ou seja, o investimento libidinal
no objeto era feito para que retornasse ao eu e ela se sentisse valorizada; assim,
85
A ser publicado na Revista contemporânea (2008).
80
mostrava-se para homens na certeza de ser enaltecida, pois a sedução é uma
ocorrência constatada de modo indiscutível na Internet.
Portanto, pude perceber no caso de Adriana que o uso da Internet funcionava
como suporte para a projeção de objetos internos, já que era a possibilidade de sentir-
se “acolhida” por alguém, talvez a única forma de atenuar a angústia advinda de sua
condição de solitária. Da mesma maneira, a Internet parecia ser um lugar identificado
simbolicamente com a casa da tia, onde ela podia viver livre das imposições e
proibições maternas. O fato de a mãe ter sido distante das necessidades dessa filha,
parece ter significado para Adriana a falta de um olhar narcisante que a valorizasse,
de um acompanhamento e acolhimento em suas necessidades. Essa difícil relação
teve como conseqüência para Adriana uma estrutura psíquica frágil, que recorria à
Internet como defesa para mitigar a falta. Embora ela estivesse em busca de proteção
e amparo, não conseguia discriminar fantasia e realidade, pois vivia tudo de forma
indistinta e patológica.
Adriana ficava extremamente frustrada ao perceber que os encontros
iniciados na rede não passavam de uma relação sexual sem compromisso, quando
almejava por romance, por uma relação promissora. Mas não se dava conta da
maneira como as coisas eram feitas, não tinha a mínima noção do perigo que corria
indo ao encontro de homens desconhecidos, em lugares em que ficava totalmente
desprotegida. Muitas vezes, eu tinha que lhe mostrar os riscos que a situação lhe
trazia, pois ela parecia uma menina perdida que de nada sabia nem qual rumo tomar,
não conseguia fazer a ligação entre seus atos e suas conseqüências. No entanto,
parece que, ao se arriscar na Internet, ela conseguiu criar na situação transferencial
um objeto que cuidava e se preocupava com ela – a analista. Penso que talvez ela
tenha tido pela primeira vez na vida a experiência emocional de ser cuidada, a de ter
alguém que lhe mostrava onde e por que aquilo que estava fazendo poderia ser
perigoso.
Notei, também, que acronicidade, anonimato e isenção de regras propiciam
que as projeções, idealizações e atuações, já existentes na economia psíquica de
alguns indivíduos, se manifestem intensamente. Ou seja, essas categorias já existem
81
potencialmente como vetor da virtualização, pois não dependem da realidade física
para se mostrarem presentes, sendo ainda que as possibilidades da Internet fomentem
sua manifestação. Para explicar melhor esse fenômeno, achei pertinente explanar
sobre o conceito de virtualidade, partindo da concepção aristotélica no sentido de
enfatizar que o termo virtual é uma categoria estudada desde séculos passados como
algo que não se opõe ao real, e sim ao atual. Somado a isso, apresentei a concepção
de Pierre Lévy, que destitui o caráter popular do termo virtual – ausência de
existência de realidade – conceituando-o como algo real, porém, situado antes da
concretização efetiva. Esse autor, acompanhando o pensamento de Aristóteles,
mostrou que o virtual e o atual estão contidos na realidade, porém de maneira
diferente, isto é, a virtualidade está contida na matéria que se desenvolve para se
atualizar. Sendo assim, supus que o virtual é algo em estado de latência e de
potencialidade, exatamente como ocorre na atualização dos conflitos infantis
percebidos no cenário transferencial do setting analítico, ou seja, o infantil é virtual e
se atualiza na transferência.
Apontei ainda que a Internet parece favorecer a projeção transferencial pela
atmosfera artificial na qual as situações ocorrem, pois, da mesma forma que na
sessão de análise, o indivíduo nada conhece da vida de seu interlocutor. Foi por meio
da fala da paciente Alice, que se despia frente à câmera para qualquer homem com
quem viesse a conversar, que surgiu a necessidade de esclarecer, do ponto de vista
metapsicológico, o que estava acontecendo, já que ela não conhecia tais pessoas.
Assim, indiquei que, para o psiquismo, esses objetos são reais, já que são
investidos pulsionalmente para adquirir significação e representação psíquica
devendo ser estabelecida por uma fantasia inconsciente. Como a Internet facilita a
fantasia de seus usuários, facultando a expressão do desejo inconsciente, busquei
elucidar os conceitos de realidade psíquica e realidade exterior demonstrando que,
para o inconsciente, não há diferença entre essas duas realidades, pois o que está
inconsciente é porque não pôde ter representação. Tentei explicitar, através dos
exemplos, que para alguns internautas a Internet é usada como cena sobre a qual
projetar sua realidade psíquica, favorecendo as fantasias que, muitas vezes, se
encerram na manifestação de desejo e defesa à frustração. Observei que a Internet
82
particulariza-se, para alguns indivíduos, como um objeto imaginário, isto é, como
suporte físico de conteúdos da fantasia de cada um.
A expressão da fantasia no espaço virtual me levou a examinar o conceito de
transferência, por ser um processo que não pode ser explicado nos termos reais da
relação em que se estabelece. Exatamente como acontece, muitas vezes, com as
relações estabelecidas ou iniciadas na rede, onde o indivíduo busca alguém para
contracenar e sentir-se, por exemplo, acolhido e amparado. E é através desse
“acolhimento”, que retoma o que ficou impresso no passado primitivo, que a
regressão se atualiza na Internet. Com isso apontei que a Internet parece potencializar
a transferência em todas as suas formas de expressão, fenômeno proporcionado,
também, pelo anonimato, pois a possibilidade irrestrita de tudo dizer é o que atrai as
pessoas. Percebi que, no espaço virtual, muitas vezes, a alteridade fica suspensa e o
outro é usado como suporte para a transferência idealizada – regressão do narcisismo
–, já que a Internet evita a frustração que a realidade impõe, pois, por ser virtual,
enquanto não há existência concreta do outro, a ilusão pode perdurar. Portanto, ao
afirmar que Internet convoca o indivíduo a projetar suas fantasias mais arcaicas,
exatamente como ocorre numa sessão de análise, tentei articular estes dois espaços,
apresentando as semelhanças e diferenças, já que ambos permitem que o indivíduo
“fale tudo o que lhe vier à cabeça”.
Enfim, ao mencionar o caso que abre o trabalho, procurei mostrar que, além
da idealização, há situações que indicam falta de simbolização, ficando a pulsão sem
contenção e, desse modo, o indivíduo não permanece só na fantasia, precisa atuá-la.
Esse fenômeno é favorecido pelo aspecto sedutor da Internet, contido na
possibilidade de que tudo é permitido nesse clima de suposta aparência lúdica.
Penso que o uso da Internet favorece a idealização, por se sustentar, para
alguns, pela transferência levando a uma relação narcísica de objeto, como tamm
se oferece como um campo que isenta o sujeito de lidar com as interdições da
castração, pois a realidade não se lhe impõe deixando livre a onipotência do desejo.
Da mesma forma, a incompletude do sujeito permanece suspensa, possibilitando a
preservação do estado narcísico. Por esses motivos, creio que uma grande parcela de
83
pessoas, na tentativa de recuperar o narcisismo, se decepciona no encontro real, já
que o objeto mostrará uma existência concreta diferente das fantasias nele projetadas.
Estou convencida de que a Internet intensifica a atuação, fenômeno que
provavelmente já existe offline, já que a liberdade que a contextualiza conduz à
satisfação pulsional. Isto é, quando a excitação pulsional não pode ser contida pela
simbolização, ela precisa estar presente na realidade. E, como no espaço virtual há
uma superposição entre real e virtual, os indivíduos que têm as fronteiras internas e
externas frágeis – aqueles que não diferenciam ‘dentro’ e ‘fora’ – agem sem perceber
os riscos, perigos e insucessos de seus atos. Como foi observado na citação da
paciente Alice, que, de certa forma, saiu do anonimato quando começou a se mostrar
frente à câmera; no entanto, apesar de estar representando, sua figura real estava
presente. É o que Minerbo
86
aponta em seu estudo sobre reality game, no qual há
uma sobreposição entre a representação e a realidade, isto é, as pessoas representam
um papel, mas ao mesmo tempo essas representações têm resultados reais.
Vale ainda dizer que, embora não faça parte da abordagem no presente
trabalho – e deixo como proposta para se ampliar esta pesquisa, eu considero
importante lembrar que as características que salientei se devem, em parte, às
transformações psicológicas que o indivíduo vem sofrendo, resultantes das
transformações sociais vigentes. A Internet acaba sendo necessária, para alguns, pois
ocupa um lugar na estruturação afetiva que “protege” o sujeito das vicissitudes de
uma nova realidade.
A autonomia do indivíduo contemporâneo finda num desregramento, gerando
fragilidade pela perda de suas referências, organizadoras sociais. As demandas
sociais, que se definem pela velocidade com que tudo tem de acontecer, acabam por
impulsionar o indivíduo à descarga diante do ameaçador, do incompreensível, das
normas sem precedentes na tradição, da falta de contorno nos limites, entre tantos
outros fenômenos sociais que vigoram na atualidade e parecem provocar atos sem
mediação, paralisando o processo de simbolização.
86
Minerbo, M. Reality game: violência contemporânea. Op.cit.
84
Estamos vivendo um contexto social no qual tudo é efêmero, dinâmico e
veloz. Uma das características da sociedade nos dias atuais é a tendência a considerar
o prazer imediato como finalidade de vida. Esse traço se manifesta por meio de um
discurso pelo qual se propaga a liberdade, no sentido de se obter prazer a qualquer
custo. Somos seduzidos para uma volta ao narcisismo. Atualmente, surge um
hedonismo com a concepção de uma cultura em que a bem-aventurança humana se
resolve no prazer per se, e o sentido das experiências perde valor, importando
somente sua intensidade, diante da qual, atos transformam-se em fontes de excitação.
Nessa cultura, portanto, em que o indivíduo fica direcionado apenas para
maximizar seu gozo, o desejo deve ser realizado no aqui e agora. Estamos às voltas
com a degradação do questionamento e com a demanda pelo produto terminado. É a
proposta narcisista para a qual somos hoje seduzidos que impede o contato com a
falta e com o outro, gerando a incapacidade para simbolizar.
85
10 REFERÊNCIAS
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Cultural, 2004.
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Frank Settineri). Porto Alegre: Artmed, 2004.
Etchegoyen, R. H. Regressão e Enquadre. In: R. H. Etchegoyen. Fundamentos da
técnica psicanalítica. 2.ed. (tradução de Francisco Frank Settineri). Porto
Alegre: Artmed, 2004.
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89
11 ANEXOS
11.1 Anexo A-1 – Um depoimento
11.2 Anexo A-2 – Questionário (modelo)
90
11.1 Anexo A-1 – Um depoimento
Eu tenho 22 anos. Aqui vão as respostas para as perguntas:
1– Como é se relacionar com alguém que você não conhece? Qual a sensação?
Qual a vantagem?
Bom, preciso ser sincera, na época era bem legal, a ansiedade de esperar até de noite
para se falar, os telefonemas de 3 horas de duração de madrugada. Os pacotinhos
pelo correio. E como você idealiza muito a pessoa, você tem aquela sensação de que
finalmente encontrou a pessoa com quem sonhava. Pelo menos era isso que eu sentia.
Se tiver alguma vantagem, não vejo hoje, o que posso dizer é que talvez a Internet te
dê acesso a mais pessoas, podendo assim talvez encontrar uma que combine mais
com você. Mas não acredito que o relacionamento online ofereça algo que aquele
com uma pessoa não ofereça. Acho que é bem o contrário.
2– Como você imagina essa pessoa? Qual sua expectativa?
Eu imaginava uma pessoa que tinha os mesmos ideais e valores que eu. Tinha o
mesmo senso de humor, eu podia até sentir uma química, tanto que me dava frio na
barriga só de pensar em falar com ele. Era perfeito. O que na realidade aconteceu
quando ele chegou aqui foi totalmente o contrário disso, não tinha química nenhuma,
não tínhamos o quê conversar, não nos divertíamos juntos. Foi uma coisa fria e vazia,
literalmente. Hoje penso que foi até bem bizarro, porque parecia que o rapaz com
quem eu tinha conversado durante aqueles dez meses não era o mesmo que agora
estava na minha casa.
3– Você acha que o poder de sedução e conquista é igual na Internet e fora dela?
Por quê?
Não, não acredito que seja, justamente porque online você não pode usar várias das
armas que usa em pessoa. O olhar, o sorriso, etc. Mas acho que se você faz um
primeiro contato online e já sai pra se conhecer, aí tudo bem. Acredito que o meu
problema foi que fiquei muito tempo só na Internet. Teve muitos meses para castelar.
4– O que você acha da convivência imediata, proporcionada pela Internet?
Acho que até certo ponto é legal, supre uma necessidade de conversar, de ter alguém
pra te "escutar". Tira um pouco da solidão. Mas esta convivência não quer dizer uma
real intimidade; é uma coisa de certa forma superficial, mesmo que não seja essa a
sensação que você tem.
5– Qual sua opinião sobre pessoas casadas mantendo relacionamento virtual?
Vc. considera traição? Por quê?
Considero traição, não importa que não tenha contato físico. Acredito que o mero
fato de você estar investindo seu tempo em um outro relacionamento romântico,
mesmo que seja só na conversa, é traição.
91
11.2 Anexo A-2 – Questionário (modelo)
01- O que o leva a procurar parceiros pela Internet?
02- Com qual freqüência isso ocorre?
03- Você se identifica ou prefere manter-se no anonimato? Por quê?
04- Você cria uma personagem? Utiliza sempre a mesma? Modifica? Por quê?
05- Com que assiduidade utiliza a personagem?
06- Quais as características de sua personagem? Muda de sexo? Há algum fetiche?
07- Já teve algum relacionamento dessa natureza, sendo casado?
08- Você encontra a pessoa fora da Internet?
09- Já se decepcionou alguma vez?
10- Qual a diferença entre um relacionamento pela Internet e fora dela?
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