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MAYRA TEIXEIRA BAPTISTA
BAÚ TEATRAL: UMA LEITURA SIMBÓLICA DAS MATRIZES PEDAGÓGICAS DO
PROFESSOR DE ARTES QUE MINISTRA A LINGUAGEM TEATRAL
UVIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
UNICID
São Paulo
2008
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MAYRA TEIXEIRA BAPTISTA
BAÚ TEATRAL: UMA LEITURA SIMBÓLICA DAS MATRIZES PEDAGÓGICAS DO
PROFESSOR DE ARTES QUE MINISTRA A LINGUAGEM TEATRAL
UVIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
UNICID
São Paulo
2008
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Mayra Teixeira Baptista
BAÚ TEATRAL: UMA LEITURA SIMBÓLICA DAS MATRIZES PEDAGÓGICAS DO
PROFESSOR DE ARTES QUE MINISTRA A LINGUAGEM TEATRAL
Dissertação apresentada à UNIVERSIDADE
CIDADE DE O PAULO MESTRADO
EM EDUCAÇÃO como exigência parcial para
a obtenção do grau de Mestre em
EDUCAÇÃO junto à UNIVERSIDADE
CIDADE DE SÃO PAULO UNICID sob
orientação da Profª. Drª. Ecleide Cunico
Furlanetto.
São Paulo
2008
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COMISSÃO JULGADORA
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Ao meu filho Antonio, que me ensina a ser mãe todos os dias.
Ao meu marido pelo acolhimento e apoio.
Aos meus pais pelo apoio.
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Meus sinceros agradecimentos:
À Ecleide Cunico Furlanetto, orientadora e parceira desta dissertação, que tão cuidadosamente
me introduziu nos caminhos da individuação.
A todos os professores do Programa de Mestrado da UNICID, pois percebo que esta
dissertação está permeada dos diálogos e das leituras que eles desencadearam.
Ao meu marido, amor e fiel parceiro, que aceitou a minha ausência e dedicação a este
mestrado.
Aos meus pais pelo incentivo e por terem ficado com o meu filho de quatro anos durante
alguns finais de semana para que eu pudesse escrever.
Aos colegas de mestrado que desencadearam em mim processos de reflexão.
À Eliana pela revisão amorosa do texto.
Ao meu filho, que me ensina a ser mãe todos os dias e peço desculpas pelos momentos em
que tive de estar ausente para poder escrever esta dissertação.
Ao Byington que me ensinou a ter uma visão simbólica da vida e da Educação.
Aos colegas de bolsa mestrado que me ajudaram nessa trajetória.
À minha avó pela infância que eu tive.
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Resumo
Essa dissertação tem como foco a formação do professor de Artes e assume como objetivo
principal realizar uma leitura simbólica das matrizes pedagógicas dos professores de Artes da
Rede Estadual de Ensino, que ministram a linguagem teatral. A pesquisa se insere numa
abordagem qualitativa, de cunho simbólico. Ancora-se teoricamente em autores que tratam de
teatro e teatro-educação (Margot, Martins,Courtney, Koudela) e em outros que discutem a
Interdisciplinaridade (Fazenda, Fourez e Bona). Dialoga também com pesquisadores que
investigam o processo de formação dos professores (Gomes, Tardiff, Josso e Furlanetto) e
com autores da Psicologia Analítica (Jung e Byington). A metodologia de produção de dados
teve como referência o estudo de seis casos. Os dados foram gerados por meio de entrevistas
participativas com professores de Artes, bem como por meio de questionário. O corpus da
pesquisa compreende seis entrevistas. A análise dos dados se deu com base na elaboração dos
símbolos que emergiram no contexto da pesquisa e revelou que as matrizes pedagógicas dos
professores começaram a se constituir muito antes deles ingressarem na graduação.
Constatou-se que essas matrizes são ampliadas e transformadas quando o professor reconhece
a necessidade de revê-las. Verificou-se, também, que os processos formativos desses
professores articulam diferentes dimensões, desde teorias que subsidiam o trabalho do
professor em sala de aula até em vivências não teóricas, que se tornaram experiências que se
somam num modo único de ser professor e de se exercer.
PalavrasChave: Matrizes pedagógicas, formação de professores, teatro-educação e símbolo.
Grande Área: Educação
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Abstrat
This dissertation has as focus the formation of the teacher of Arts and assumes as main
objective to realize a symbolic reading of the pedagogical matrices of the teachers of Arts of
the Public School System in the state of São Paulo, that teach the theatrical language. The
research inserts in a qualitative approach, of symbolic characteristic. This anchors itself
theoretically in authors who deal with theater and theater-education (Margot, Martins,
Courtney, Koudela) and others that argue the Interdisciplinarity (Fazenda, Fourez and
Bondía). It is also dialogues with researchers who investigate the process of formation of the
teachers (Gomes, Tardiff, Josso and Furlanetto) and with authors of Analytical Psychology
(Jung and Byington). The methodology of production of data had as reference the study of six
cases. The data had been generated by means of participative interviews with teachers of Arts,
as well as by means of questionnaire. The corpus of the research embraces six interviews. The
analysis of the data has been based on the elaboration of symbols that had emerged in the
context of the research and revealed that the pedagogical matrices of the teachers had started
to constitute very before they entering the graduation. One evidenced that these matrices are
extended and transformed when the teacher recognizes the necessity to review them. It was
also verified that the formative processes of these teachers articulate different dimensions,
since theories that even subsidize the work of the teacher in classroom in experiences not
theoreticians, that had become experiences that add in an only way of being teacher and if
exerting.
Key-words: Pedagogical matrices, formation of teachers, theater-education and symbol.
Great Area: Education
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SUMÁRIO
Introdução: o teatro Experiencial.................................................................................. 13
Capítulo 1 - Das origens do teatro ao teatro-educação................................................. 27
I. O teatro Primitivo...........................................................................................................
28
II. O teatro Grego............................................................................................................... 31
III. O teatro medieval......................................................................................................... 34
IV. Os jesuítas.................................................................................................................... 39
V. Teatro e educação......................................................................................................... 43
VI. Teatro e Educação no Brasil........................................................................................ 47
Capítulo 2 - Paradigmas de formação: da reflexão sobre a prática à construção da
identidade profissional do docente.................................................................................. 51
I. Metáforas docentes......................................................................................................... 52
II. A formação do professor reflexivo................................................................................ 56
III. Do estágio à formação continuada: um novo papel para o supervisor......................... 57
IV. Histórias de Vida e Formação...................................................................................... 61
V. O cuidado de si como caminho para o conhece-te a ti mesmo...................................... 66
VI. Matrizes Pedagógicas................................................................................................... 71
VII. Interdisciplinaridade como relações de conhecimento............................................... 75
VIII. Interdisciplinaridade como relações de trabalho e entre pessoas.............................. 80
IX. Interdisciplinaridade na Educação............................................................................... 83
Capítulo 3: Percurso metodológico: em busca das matrizes pedagógicas.................. 85
I. Cenário............................................................................................................................ 87
II. Questionário................................................................................................................... 88
III. As entrevistas............................................................................................................... 92
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IV. Pesquisa simlica....................................................................................................... 93
V. Baú de histórias............................................................................................................. 97
Capítulo 4: Baú Teatral...................................................................................................
100
Capítulo 5: Remexendo o Baú e tecendo trajetórias................................................... 130
Bibliografia..................................................................................................................... 136
Anexos............................................................................................................................. 139
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Introdução: o teatro experiencial
Aprendemos através da experiência, e
ninguém ensina nada a ninguém
Viola Spolin
Sou professora desde 1997. Venho fazendo teatro desde o ano 2000. Nestes anos,
construí toda uma concepção da docência baseada na relação entre teatro e educação.
Intuitivamente unia esses elementos, formando uma prática docente, em que espaço para
que os alunos se manifestem de corpo inteiro por meio da linguagem teatral, pois acredito que
a Arte tem uma contribuição única a dar à espécie humana.
Ao tentar resgatar a minha relação com o teatro, remeto a minha infância. A primeira
memória que me vem à mente é a do Carnaval na cidade de Guaratinguetá, onde eu nasci.
Era hábito de minha família pular Carnaval na rua e no clube da cidade. Todos se
fantasiavam, adultos e crianças. As crianças vestiam fantasias e, munidas de confete e
serpentina, partiam para a farra.
Tinha mais ou menos três anos de idade. Relembro o preparo para a matinê do clube,
me vestindo de bailarina. Ao colocar aquela fantasia, me sentia a “própria” bailarina dando
saltos e piruetas pelo salão repleto de outros personagens. Eram ladrões, ciganos, sacis,
políticos e outros que desfilavam, dançando ao som das marchinhas.
O Carnaval era um rito em que toda a família se reunia e as distâncias entre os mais
novos e os mais velhos, entre os “certos” e os “errados” desapareciam durante os quatro dias
de folia. Esse ritual me acompanhou até a entrada na faculdade.
Passado o Carnaval, guardávamos as fantasias em um quarto, na casa da minha avó,
que era o cômodo que tinha sido das quatro irmãs (minha mãe e minhas três tias) quando
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solteiras. Era um quarto enorme, com um guarda-roupa que ia de ponta a ponta da parede. Ele
continha seis portas, nas quatro primeiras ficavam as nossas roupas de todo dia, mas as duas
últimas portas se abriam para um baú, onde eram depositadas as fantasias para que, no
próximo ano, elas pudessem ser reutilizadas por quem desejasse fazer uso delas. Esse baú
consistia no meu tesouro encantado, passaporte para o meu mundo de faz de conta.
Ao abrir a tampa do baú, pelos cinco anos, um mundo de possibilidades se
apresentava. Eu e minha prima Letícia pegávamos as peças de roupa e nos fantasiávamos,
criando, a partir dos figurinos, histórias que vivenciávamos. Em uma delas, éramos princesas
raptadas por um príncipe feio e caolho que queria nos obrigar a casar com ele de qualquer
maneira. Em outra, éramos ciganas que líamos as mãos das pessoas e prevíamos o futuro.
Princesas, ciganas, rainhas, deusas eram parte do nosso repertório de histórias.
Passávamos as tardes criando histórias e nos preparando para, no final, apresentarmos
o que tínhamos criado para a nossa platéia de tios e tias que passavam férias na casa de minha
avó. A platéia, muito receptiva, gargalhava com as nossas histórias e nos apoiava em tudo.
O ato de representação era corriqueiro e normal em minha família, porque tínhamos o
hábito de, na noite de Natal, montar ao vivo um presépio, coordenado pela minha tia Regina e
estrelado pelas crianças da família. Letícia, a menor do grupo, fazia Jesus; os maiores eram
José, Maria e os três reis Magos e aos de estatura média cabiam o papel de animais da
manjedoura, estando eu inclusa entre estes últimos personagens.
Lembro-me de que minha mãe mandou fazer uma fantasia de vaca. Era a coisa mais
linda. Uma meia calça malhada, um maiô malhado e uma tiara de orelhinhas de crochê. Tive
a sensação de ser a verdadeira representante dos mamíferos diante do menino Jesus que
acabara de nascer.
Esses três elementos: o carnaval, o baú e o presépio vivo no Natal me colocaram em
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contato muito cedo com a base da arte teatral, que é a criação e recriação artística de histórias.
Aos dez anos de idade, minha mãe se tornou diretora de escola. Ela trabalhava nos três
períodos em que a escola funcionava. Nos finais de tarde, eu e meu irmão ficávamos com ela,
porque a empregada, que nos cuidava, ia embora. Minha mãe, uma diretora diferente,
contratava, com a pouca verba que tinha, oficineiros (artistas) para trabalhar com arte com
aquela comunidade tão carente.
Uma dessas oficinas era de iniciação teatral e trabalhava com máscaras. Eu não
cheguei a fazer parte dela, mas acompanhava o seu desenvolvimento. Além dessas oficinas na
escola, minha mãe e sua equipe de colegas conseguiram, com muita luta, que o governo
estadual abrisse uma oficina cultural no distrito de São Miguel Paulista, a oficina Cultural
Luiz Gonzaga.
Lá, eu acompanhei vários cursos como ouvinte. Não chegava a cursá-los porque era
muito jovem. Apesar de não fazer os cursos, vivia a atmosfera cultural do local, via a entrada
e a saída de oficineiros, percebia os temas das conversas, as motivações de cada um ao
trabalhar com arte. Eu "sentia" o ambiente e construía, aos poucos, concepções sobre o mundo
e sobre arte, a partir dele.
Mas cresci, esquecendo de mim mesma e da minha essência e me afastei por anos do
teatro. Estava preocupada com as descobertas que a adolescência vindoura apresentava para
mim.
Aos vinte anos, em um momento crucial da minha vida, em que eu pensava em
abandonar a faculdade, porque não me adaptava à relação professor-aluno, estabelecida pelos
professores da Faculdade de Letras da USP, me vinham "flashs" dessas aulas de teatro como
lembrança reconfortante e positiva. Eu pensava em largar a faculdade, mas como já lecionava
e gostava muito disso, tinha receio de não poder mais ser professora, caso largasse os estudos.
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Então, decidi procurar um curso de Teatro. O primeiro curso que eu fiz, foi um
“workshop” de mica na Oficina Cultural Luiz Gonzaga. Retorno a minha origem e
descubro um mundo de possibilidades por meio da expressão corporal. Acabado esse
minicurso, fui para as oficinas mais centrais e fiz propriamente um curso de iniciação teatral,
com a duração de um ano. Neste curso, conheci Rita, minha professora, que, como cigana, me
introduz nas artes teatrais da mesma maneira que um ancião introduz o seu jovem nos
mistérios da vida.
Depois disso, sigo para a companhia Art´s de teatro popular, da qual fiz parte por dois
anos, onde aprendo o processo de produção de espetáculos. Não havia mais aquela relação de
cumplicidade como no curso de outrora. Eu me sentia realizada, porque fazia parte de peças,
mas havia um vazio, perguntas que não eram respondidas, processos automáticos e ditatoriais
de concepção de espetáculo. Um dia, saí.
Busquei cursos de interpretação com pessoas renomadas, montei um grupo de cinema,
que existe até hoje, e freqüentei uma escola profissionalizante, de onde tive que sair devido a
minha gravidez.
À medida que fazia os cursos, eu aplicava o que eu aprendia nas aulas de português
com os meus alunos do ensino fundamental e médio do Colégio Interativo. Eu assistia a uma
aula e, no dia seguinte, dava uma aula baseada no que eu havia aprendido. Eu podia perceber
ali que a mesma sensação de descoberta que eu sentia era compartilhada por todos, de
diferentes maneiras, em diferentes níveis, ou seja, todos, de uma forma ou de outra, eram
tocados pelo encantamento. Com o tempo, procurei leituras que me auxiliassem tanto como
atriz, quanto professora. Não eram leituras sistematizadas, surgiam como busca de respostas
às inquietações provocadas pelas descobertas que o teatro promovia.
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Nos anos em que lecionei no Colégio Interativo, uma instituição privada localizada na
Zona Leste de o Paulo, verifiquei que o teatro era usado para tematizar as festas do
calendário escolar, mas essa situação mudou a partir do momento em que a escola começou a
trabalhar com projetos interdisciplinares.
No decorrer de três anos, foram trabalhados os projetos: a) Água, na linha do meio
ambiente, focalizando, em particular, o rio Tietê: seu passado, seu presente e as suas
possibilidades de futuro; b) Picasso: revisão de sua vida e obra, inclusive sua postura política
diante dos acontecimentos marcantes do século XX, acompanhado do desenvolvimento de sua
opção estética diante do ato de pintar; c) Portinari: releitura da diversidade social brasileira.
Foi analisado o tema da miséria social e da migração por meio da série “Os retirantes”; foi
revisitada a infância por meio da série “Os meninos de Brodósqui”; d) Di Cavalcanti:
aprofundamento do tema diversidade étnica brasileira e relações de preconceito existentes na
sociedade.
A maneira como organizamos os projetos interdisciplinares consistia em:
a) uma vasta pesquisa sobre o tema, feita com a participação dos alunos;
b) socialização desta pesquisa a todos os professores;
c) planejamento do trabalho com base na leitura da pesquisa. Cada professor organizava a
forma de abordagem do tema como iria trabalhá-lo e qual agrupamento educativo iria
fazer com qual professor se associaria; se iria trabalhar em conjunto com professores da
mesma série ou com salas multisseriadas;
d) planejamento das atividades permanentes, seqüenciais e independentes;
e) ambientação da escola. No projeto água, foram decorados o interior e o pátio da escola
com fotos e dados do rio Tietê. Já nos projetos sobre a vida e obra dos pintores, foram
emolduradas as reproduções das obras deles, por fase, sendo suas molduras distribuídas por
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toda a escola, de modo que desde o portão de entrada até a sala de aula, tanto os professores e
funcionários, como os alunos “respiravam” o projeto.
f) organização do calendário: marcação da data das mostras para a apresentação dos
resultados do projeto.
Participante deste projeto, eu, enquanto professora de Português e membro de uma
companhia teatral, comecei a desenvolver, em conjunto com a professora de Educação
Artística, Drika Oliveira, um curso de teatro com os alunos. Este curso durava todo o ano
letivo e constava de encontros de uma hora cada, duas vezes por semana.
O curso era organizado em etapas. Primeira etapa: exercícios corporais de localização
espacial e de conhecimento das possibilidades do próprio organismo, exercícios de
socialização e exercícios de improviso sem fala, baseado nos temas abordados pelo projeto ou
em sugestões dos próprios alunos; segunda etapa: exercícios corporais mais elaborados,
exercícios de construção de personagens, preparação vocal dos alunos (exercícios
respiratórios, exercícios de canto e as atividades que desenvolvessem as possibilidades de
entonação de um texto), teatro improvisacional com fala e criação de cenas com base nos
improvisos; terceira etapa: seleção das melhores cenas da segunda etapa e preparação do
espetáculo em cima destas cenas.
Paralelamente às aulas de teatro, a professora Drika, que assistia aos ensaios,
confeccionava com os alunos o cenário e o figurino, de acordo com o material que
dispúnhamos (objetos do cotidiano escolar adaptados, roupas velhas, sucata etc.).
Quando o espetáculo era apresentado para a comunidade como uma das atividades da
mostra de encerramento do projeto, ele era entendido não como uma apresentação elaborada
para o evento em questão, mas como o resultado de um trabalho iniciado com o ano letivo e
que perdurava durante todo o seu percurso.
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Os pais e demais convidados julgavam criticamente a apresentação, comparando esta
com as anteriores (foram feitos quatro projetos que resultaram em três espetáculos e um filme
do qual falaremos a seguir), verificavam se houve progresso quanto ao espetáculo como um
todo, se as encenações progrediram, se os cenários e figurinos estavam de acordo com o
“ambiente” da peça, etc.
Estes comentários serviam como um “feedback” do nosso trabalho, realimentando-o,
de modo que este evento consistia numa espécie de diálogo sobre o modo como estávamos
formando seus filhos. Desta forma, o próprio conceito de “mostra” ou “evento” ganhava
novas proporções à medida que, além de darmos publicidade a um trabalho, pensávamos
sobre todo o percurso que nos levou até ali, ou seja, analisávamos o próprio processo
educativo.
O trabalho com projetos foi se estabelecendo na escola com o apoio da comunidade. A
cada novo projeto, verificava-se um novo avanço em relão ao anterior. Esse avao foi tal
que, no projeto Portinari, eu e o professor de Física, Daniel Luisi Baptista, meu atual marido,
que fazia curso de cinema no Educine (USP), coordenamos a produção de um curta-
metragem, um documentário poético sobre Portinari que misturava ficção e realidade e
envolvia todos os alunos da escola, desde o primeiro ano do ensino fundamental até o último
do ensino médio. Os alunos de primeira a quarta séries atuavam, os de quinta a oitava
produziam e os de ensino médio roteirizavam.
O resultado foi tão positivo, tanto do ponto de vista educacional quanto da qualidade
do filme propriamente dito, que esta experiência veio nos confirmar que optamos
corretamente por trabalhar com arte-educação como um caminho para a formação holística,
total do ser humano. Quando nos refirimos à formação holística, falamos daquela que engloba
o sujeito por inteiro, sua inteligência, sua emoção, os cincos sentidos e a intuição.
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O trabalho com arte exige coletividade, estabelecimento de parcerias e predisposição
para o novo, para a descoberta, de modo que você tenha de, antes de aprender, se preparar
para aprender a aprender, porque sempre neste percurso novas possibilidades se apresentam e
reconfiguram a sua maneira de lidar com o mundo, exigindo de você, sobretudo,
predisposição.
Recordando-me destes momentos, recupero alguns autores de teatro. Constantin
Stanislavski, ator, diretor e criador de um sistema de interpretação que revolucionou o teatro
ocidental no século passado. Lembro-me também de Denise Stoklos, autora, diretora e atriz
que produziu um sistema próprio de interpretação e Viola Spolin, diretora e professora que fez
uma sistematização inovadora do ensino das artes teatrais, baseando-se na improvisação.
Todos eles retomam lembranças de sua primeira infância, em que a arte teatral estava, de
alguma forma, presente.
Guinsburg (1985) ao analisar o teatro de arte de Moscou, liderado por Stanislavski,
recupera a infância deste diretor:
Desde muito cedo, narra Stanislavski em Minha Vida na Arte, o teatro como palco
de metamorfose dos seres e das coisas o fascinava. Muitos de seus jogos de criança
eram tentativas de apresentar ou imitar números de bailado e circo. Menino de
escola, organizou um teatrinho de bonecos onde reproduzia cenas de óperas e balés a
que assistia. Quando renunciou, ainda adolescente, a essas brincadeiras teatrais, foi
para interessar-se por representações efetivas de grupos amadores (GUINSBURG,
1985, p. 19).
Stoklos (1993) ressalta a importância da interpretação na sua infância, relembrando
que “um dos números de maior sucesso era a minha representação de pipoca estourando na
panela. Eu me atirava pela cozinha toda, transformava a cozinha em panela, eu em pipoca e
representava os estouros” (STOKLOS, 1993, p. 38).
Spolin (2005) brincava com seu irmão de jogos de adivinhação e, mais tarde,
estruturou o ensino de teatro a partir de jogos oriundos, inclusive, do repertório popular. Ao
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escrever o prefácio de “Improvisação para o teatro”, a Professora Ingrid Dormien Kouldela,
estudiosa de Spolin, retoma:
O estímulo para escrever este livro [...] remonta às encantadoras “óperas”
espontâneas que eram apresentadas em encontros familiares. Aí, seus tios e tias
‘vestiam-se’ e através de canções e diálogo divertiam os membros da família. Mais
tarde durante os estudos com Neva Boyd, seus irmãos, irmãs e amigos reuniam-se
para brincar de charadas [...], destruindo literalmente a casa, uma vez que as tampas
de panelas serviam como parte do vestuário de Cleópatra e os panos de prato e
cortinas serviam como capa para Satã (KOUDELA, 2005 p. XXVII).
Relembrando disso, sou forçada a pensar que as decisões profissionais dessas pessoas
têm sua origem na infância. Depois, evidentemente, essas pessoas ilustres se intelectualizaram
e produziram conhecimento a partir de bases sólidas, mas essas recordações indicaram algo
que as moveram ou as lançaram na vida artística, como aconteceu comigo.
Será que isso é uma simples coincidência ou é uma realidade da vida da maioria dos
artistas? Essa questão abre um portal para a compreensão mais ampla das razões que nos faz
optar por uma determinada profissão. Ela se abre para as dimensões conscientes e
inconscientes do sujeito ao escolher por um ofício.
Mobilizada por esta pergunta, recupero o meu papel como professora de português do
Colégio Interativo. O que me fez, enquanto docente de língua portuguesa, trabalhar com a arte
teatral? Como esse processo se deu? Por que tive a necessidade de mesclar esse binômio
teatro – educação em minhas aulas de português?
O teatro é um mergulho nas capacidades humanas de superar a si mesmo, pois convida
você a retirar todas as máscaras sociais e a pensar, sem preconceitos ou tabus, sobre o conflito
vivido por determinada personagem, de modo que você se irmana desta pessoa/personagem e,
ao mesmo tempo, reflete sobre ela (distanciamento crítico – Brecht), superando, num processo
altamente dialético, a sua visão de mundo e de si mesmo.
Por meio da reflexão crítica brechtiana e da vivência emocional que a catarse
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proporciona, o ser humano, ao estar exposto a esta forma de arte, pode purgar-se de si mesmo,
experimentando novas sensações, emoções e reflexões sobre o objeto/produto artístico a que
está exposto.
A reflexão crítica proposta por Brecht em seus ensinamentos, textos e montagens se
refere a um distanciamento da platéia em relação ao que ela está passando ao viver a
experiência de assistir a uma peça teatral. A catarse, a experiência emocional em relação ao
objeto assistido, não ocorre sozinha, nem é esse o foco do espetáculo. Não queremos apenas
que a platéia se emocione, mas sim que ela também consiga refletir sobre a problemática
vivenciada por determinado personagem e relacione esta, contextualizando-a em seu processo
histórico. Por exemplo, ao assistir a “Ópera do Malandro” de Chico Buarque, baseada na
“Ópera dos Três Vinténs” de Brecht, penso na situação econômica dos personagens, como o
capitalismo selvagem oprime os indivíduos, como as classes sociais desprivilegiadas acabam
assumindo a responsabilidade e sendo prejudicadas por um sistema econômico desumano, etc.
Essa capacidade de reflexão desenvolvida pelo convívio com a prática teatral
assemelha-se ao que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define como finalidade
da formação de seus educandos. No artigo 2, define que “a educação [...] tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando e o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho. No artigo 35, para o ensino médio, define uma das finalidades
da educação como: “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a sua
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”
(BRASIL, Lei nº. 9394/96, LDB,1996).
De acordo com a minha experiência como docente, dos quase dez anos de caminhada
entre diversas instituições escolares, verifiquei que o teatro, tanto como gênero dramático
quanto expressão artística destinada a encenação, encontra-se, no presente momento,
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praticamente ausente do cotidiano das escolas públicas estaduais de Educação Básica. Quando
muito, aparece de forma esparsa e fragmentada nas aulas de educação artística, de português e
das disciplinas da área de ciências humanas, sem que haja interconexão destas atividades
teatrais com as demais áreas do conhecimento escolar.
Ao teatro reserva-se, ultimamente, um espaço limitado às festas e comemorações do
calendário escolar. Raramente percebe-se o vínculo existente entre estas apresentações
esporádicas e o projeto político pedagógico da escola ou mesmo em relação ao plano de
ensino do docente responsável pelo espetáculo. Estas apresentações feitas na escola têm
apenas a finalidade de ilustrar os temas das festas escolares, como o dia do folclore ou o da
primavera.
Com este tipo de encenação verifica-se que não preocupação pedagógica com o
processo de preparação do espetáculo, que vai desde a seleção ou criação dos textos, criação e
distribuição dos personagens, escolha da linha estética do espetáculo (realista, expressionista,
etc), ensaios, criação de cenário e figurinos; enfim, tudo o que é preciso fazer para encenar
uma peça não foi pensado como uma oportunidade riquíssima de aprendizagem. Os sujeitos
do processo de ensino-aprendizagem (professor aluno) podem, por meio de contínua
pesquisa, descobrir aspectos referentes ao conteúdo da peça (o seu tema, o seu conflito,
quando, onde, como e porquê ela foi escrita, etc.) e refletir sobre os conflitos humanos
vivenciados pelos personagens.
Aqueles que pretendem encenar precisam exercitar a maneira pela qual a personagem
pensa e age em relação a determinado problema (conflito da peça) e para tanto, precisa rever
seus próprios conceitos, derrubar preconceitos para poder tirar a sua máscara empírica e
colocar a dramática, ou seja, fazer de conta que é outra pessoa.
Assim, por meio do processo de criação de um espetáculo teatral, podemos aprender a
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aprender (sobre os conteúdos ditos escolares e sobre o mundo) sempre e continuamente,
olhando o objeto aprendido como parte de um todo muito maior e não como mais uma
disciplina estanque, sem ligação com a realidade e com os desejos de quem aprende.
À medida que eu constatei essa realidade, comecei a desenvolver as minhas aulas de
teatro com os alunos e, paulatinamente, como conseqüência, desenvolveu-se uma rotina de
trabalho com teatro que se associava à proposta pedagógica da escola e ao seu trabalho com
projetos interdisciplinares.
Ao trabalhar teatro com os alunos, eu me apoiava nas vivências práticas das oficinas
que eu cursava, nas leituras que eu fazia e nos espetáculos a que assistia. Aos poucos, eu
construí um referencial do que é ser professor de português que trabalha com teatro e como eu
devia trabalhar, sempre deixando que os educandos chegassem a um resultado estico por
meio da descoberta promovida pelos exercícios corporais, vocais e oriundos dos jogos teatrais
e não por indução partida do orientador. Eu concebia o espetáculo a partir do que eles
apresentavam e da capacidade de cada um naquele instante. Para tanto, eu priorizava o
processo e não o resultado. Este surgia como decorrência das descobertas e aquisições feitas
pelo grupo.
Assim, pouco a pouco, eu construí referenciais pedagógicos apoiados, sobretudo na
prática teatral que eu vivenciava, que nortearam o meu trabalho com teatro em sala de aula.
Eu não sou professora de Artes, sou professora de português que desenvolveu uma
metodologia de trabalho com a linguagem teatral que se baseava no jogo e na improvisação.
Hoje, ao me afastar da sala de aula em virtude do mestrado, desenvolvo junto à
Oficina Pedagógica
1
cursos de formação teatral para professores do ensino fundamental,
séries iniciais, Ciclo I da rede estadual de São Paulo. Esta formação visa proporcionar a
1
A Oficina Pedagógica é um setor da Diretoria Regional de Ensino do Secretaria do Estado da Educação de São
Paulo e tem por função ministrar cursos de formação continuada dos professores.
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25
vivência teatral por meio dos jogos, para que ela se torne experiência. Eu procuro introduzir
esses educadores no universo da linguagem teatral por meio da metodologia de teatro
improvisacional desenvolvida por Viola Spolin. Desenvolvi também o projeto Saci, que
buscou, na diversidade étnica e cultural brasileira, as bases para a formação de projetos que
trabalhassem com a riqueza da cultura popular brasileira em um resgate do folclore, este
entendido como vivo, fruto destas mesmas manifestações.
Ao recuperar a minha trajetória e dos artistas célebres, encontramos as matrizes
pedagógicas; para tanto, recupero Furlanetto (2003) que explora as dimensões
interdisciplinares e simbólicas de formação e descobre que todo docente não é formado
apenas por uma dimensão racional; mas, ao contrário, tem uma espécie de “professor interno
[...], uma base na qual emanam suas ações pedagógicas que não representava somente a
síntese de seus aprendizados teóricos, mas também de suas experiências culturais vividas a
partir do lugar de quem aprende (FURLANETTO, 2003, p. 25). A partir da descoberta desse
professor interno, a autora dá origem ao conceito de “matriz pedagógica”:
As matrizes pedagógicas podem ser simbolicamente consideradas em espaços, nos
quais a prática dos professores é gestada. Conteúdos do mundo interno encontram-se
com os do mundo externo e são por eles fecundados, originando o novo. A matriz,
além de configurar-se como local de fecundação e gestação, também se apresenta
como possibilidade de retorno em busca da regeneração e da transformação. [...] as
matrizes pedagógicas apresentam-se como arquivos existenciais que contém
imagens, conteúdos coletivos e pessoais que são acessados quando o professor se
exerce nos espaços pedagógicos”(op. cit., p. 27-8).
Esta pesquisa visa fazer uma leitura simbólica das matrizes pedagógicas dos
professores de artes que ministram a linguagem teatral no sistema estadual de ensino.
A leitura destas matrizes faz-se urgente no momento em que esta linguagem, o teatro,
tão afastada da sala de aula, é convidada a retornar pelos pesquisadores que elaboraram os
Parâmetros Curriculares Nacionais. No que diz respeito à área de Artes, esta passa a vigorar a
partir da implantação dos PCN Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes (BRASIL,
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26
1997) como área de conhecimento dividida em quatro linguagens artísticas: dança, teatro,
música e artes visuais, que são articuladas em três eixos norteadores: produzir, apreciar e
contextualizar.
Para tanto, após esta introdução, no capítulo um fiz um apanhado histórico das
relações entre teatro e educação, uma análise do teatro-educação como área de pesquisa e suas
vertentes e uma apresentação da luta dos teatro- educadores brasileiros pela legitimação desta
linguagem no âmbito educacional.
No capítulo dois, discuto a formação continuada dos professores e o papel do
supervisor (acompanhante/mestre) nesta formação, visando a ampliação das matrizes
pedagógicas dos professores. Para tanto, propomos a metodologia de auto-formação proposta
por Josso (2004), buscando as transformações das vivências docentes em experiências.
No capítulo três, apresento o percurso metodológico da pesquisa que se pauta numa
visão simbólica de Educação e busco conceituar as matrizes pedagógicas. Descrevo também
todo o processo que me levou ao encontro dos atores entrevistados, em que definimos o
cenário da pesquisa e o perfil dos entrevistados, bem como o procedimento de produção de
dados que se baseou em um questionário e em uma entrevista reflexiva com abertura para a
imaginação dos professores, o que possibilitou o encontro deles com suas matrizes.
No capítulo quatro, fiz uma leitura simbólica das entrevistas, baseando-me nos
arquétipos matriarcal, patriarcal, no de alteridade, de herói e central. Analiso a prática dos
professores com a linguagem teatral, sob o viés da Psicologia Analítica.
No capítulo cinco, teci as trajetórias de alguns dos professores entrevistados, fazendo
analogias e análises delas. Defini as considerações finais, retomando o conceito de matrizes
pedagógicas e as trajetórias destes professores que se vêem se formando enquanto docentes,
muito antes de entrarem nos cursos de graduação.
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27
Capítulo 1: Das origens do teatro ao Teatro-educação:
Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os
atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode
ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no
Maracanã ou em praça pública para milhares de espectadores. Em
qualquer lugar....até mesmo dentro dos teatros.
Augusto Boal
Falar em teatro-educação é se aprofundar em uma área de pesquisa relativamente
nova, se formos considerá-la enquanto produto de educadores e artistas do século passado e
retrasado que mesclaram esse binômio teatro-educação e o desenvolveram, defendendo-o
como forma de conhecimento. Mas podemos e devemos considerar que, na história da
humanidade, o teatro esteve presente desde os seus primórdios e que as questões educacionais
com ele se relacionavam.
Fábio Martins relaciona teatro e educação, questionando se o teatro é objeto ou meio
de Ensino. As duas questões abrem portais para inúmeras respostas que podem chegar até a se
oporem. Uns defendem o teatro como meio para ensinar alguma coisa; outros, querem a sua
inserção no currículo como disciplina a ser aprendida. Com relação a isso, o autor aponta
algumas soluções:
O teatro surgiu como uma espécie de duplo expressivo das atividades humanas. Os
primeiros sinais de teatro, em formato de rituais, danças, celebrações, vestimentas e
máscaras confirmam essa compulsiva necessidade humana de traduzir seu mundo
interior e suas relações interpessoais em expressão criativa.
Através do ensino, ainda que em formatos bem diferentes do nosso, o homem
perpetuou essa arte, ora como tradição transmitida ritualisticamente às futuras
gerações, ora como ensino sistematizado. Entretanto, dada à natureza de sua estética,
de sua forma de narrar e de expressar, o teatro, historicamente, também foi usado
como instrumento de ensino de outras ciências e doutrinas o teatro como meio,
como dócil instrumento de ensino.
Sendo assim, o teatro e a educação são dois campos que interagem desde os
primórdios. Assim, às duas questões postas no início, podemos responder: o teatro
ensina e é ensinado, desde que tais ensinos sejam objetos de reflexão (MARTINS,
2004, p. 8).
Neste capítulo, vamos fazer um apanhado histórico de alguns momentos em que teatro
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e educação estiveram presentes na formação do sujeito que encontra sua expressividade no
espaço cênico, por meio da linguagem teatral.
O termo teatro-educação é um anglicismo, originado devido às influências de teorias
de estudiosos americanos e ingleses do tema. Hoje, este termo é questionado, mas ainda
marca uma área de pesquisa e estudo. Para situá-lo, vamos voltar no tempo, refazendo um
percurso histórico.
I. O teatro primitivo
Margot Berthold, na história Mundial do Teatro, descreve momentos decisivos da
linguagem teatral. É uma autora didática, mas que não perde a complexidade desta
linguagem. No início de seu livro, a autora retoma o teatro primitivo como o germe da
experiência teatral. Ao falar de teatro primitivo, afirma:
O teatro é tão velho quanto à humanidade. Existem formas primitiva desde os
primórdios do homem. A transformação numa outra pessoa é uma das formas
arquetípicas da expressão humana. O raio de ação do teatro, portanto, inclui a
pantomima de caça dos caçadores dos povos da idade do gelo e as categorias
dramáticas diferenciadas dos tempos modernos (BERTHOLD, 2006, p.1).
Podemos entender as manifestações teatrais dos povos primitivos como arquetípicas,
expressões essas ocorridas em rituais religiosos de preparação para a caça ou em festas da
colheita. Essas manifestações reuniam em comum o momento em que esses homens se
personificavam, ou seja, tiravam a máscara empírica e colocavam a dramática e passavam a
representar, representação essa cheia de significações simbólicas, frutos das crenças que
subjaziam às celebrações.
Se pensarmos nos rituais e danças primitivos como aqueles em que, antes da caçada,
os homens se fantasiavam de animais e, em plena comunhão com a natureza, representavam
os animais que caçariam e reuniriam forças para tal empreitada, percebemos que esses
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rituais, que foram eternizados em pinturas nas cavernas, contém o germe da experiência
teatral, visto que estes homens se personificavam e interpretavam um outro ser. Esses rituais
baseavam-se na visão de mundo destes povos, na sua relação com a natureza e, sobretudo, na
sua religiosidade. Assim como os rituais ao Deus Dionísio, na Grécia Antiga, deram origem
ao teatro grego, podemos perceber, naqueles rituais, que o teatro em sua essência surgia.
Essa forma de manifestação se relacionava com os processos formativos desses
homens, basta pararmos para pensar nos rituais de iniciação, em que um adolescente se
prepara para ingressar na vida adulta e é recebido pelos membros da tribo por meio de um
ritual. Neste ritual, ele deixa a infância e passa a fazer parte integrante do grupo de homens,
desde que tenha um bom desempenho nos rituais de iniciação, que é marcado por traços em
que a teatralidade é inerente.
Berthold (2006) considera três fontes essenciais para entendermos o teatro primitivo.
São elas: as tribos aborígines que têm pouco contato com o mundo moderno; as pinturas nas
cavernas e a riqueza de danças e costumes populares. Essas três fontes apresentam pistas que
nos indicam que a arte teatral acompanhou o desenvolvimento da humanidade. Sobre as bases
do teatro primitivo, a autora comenta:
O teatro dos povos primitivos assenta-se no amplo alicerce dos impulsos vitais,
primários, retirando deles seus misteriosos poderes de magia, conjuração,
metamorfose dos encantamentos de caça dos nômades da Idade da Pedra, das
danças de fertilidade e colheita dos primeiros lavradores do campo, dos ritos de
iniciação, totemismo e xamanismo e dos vários cultos divinos.
A forma e o conteúdo da expressão teatral o condicionados pelas necessidades da
vida e pelas concepções religiosas. Dessas concepções um indivíduo extrai as forças
elementares que transformam o homem em um meio capaz de trasncender-se e a
seus elementos (BERTHOLD, 2006, p. 2).
O homem primitivo que se personifica, quase sempre por meio da máscara, está
literalmente possuído pela entidade que representa e o público está imerso neste processo,
visto que ele acredita na personificação, consistindo assim, este encontro, num processo
riquíssimo de formação. Hoje, sabemos que o processo de construção de um personagem não
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permite que o ator seja “possuído” pela personagem, visto que isto consiste num processo de
elaboração estética e de criação. Mas os homens primitivos, ligados a sua religiosidade,
mantinham essa relação mais visceral com a entidade que interpretavam.
Se buscarmos entender o teatro como manifestação estética do homem, fica difícil
relacionar o seu surgimento aos rituais mágicos do homem primitivo; mas, segundo Martins,
podemos dizer que:
[...] o homem primitivo com seus “poderes mágicos”, com sua capacidade lúdica,
com sua luta constante para a garantia da sobrevivência diante de elementos naturais
não domináveis, somada à capacidade de organização para a realização de
cerimônias, perfazem a idéia da origem do teatro. Se analisarmos atentamente os
pensamentos até aqui apresentados, constataremos que existe concordância com a
visão de que o teatro é uma arte que se configura na inerência do homem, portanto
na sua origem (MARTINS, 2004, p. 19).
Esses rituais marcadamente religiosos foram evoluindo e se ampliando até o momento
da passagem da cerimônia ritualística para a expressão dramática, em que havia a separação
entre atores e platéia. Essa separação se deu nas danças dramáticas porque:
Considerando que a dança dramática era uma forma mais elaborada que os primeiros
ritos, alguns dos integrantes das comunidades primitivas começaram a se destacar
diante da execução das danças. Um conteúdo mais elaborado na mímese e uma
técnica mais apurada acabaram propiciando o surgimento dos primeiros atores, pois
a separação entre os mais qualificados representantes miméticos (atores) e
observadores (plaia) começou a existir (op. cit., p. 20).
Essa evolução se deu de forma encantadora na Antiguidade Clássica. Voltaremos
então, após o resgate do teatro primitivo, aos rituais em louvor ao Deus Dionísio, de onde o
teatro ocidental emergiu, visto que no ocidente desenvolveu-se o que Guinsburg considera
fundamental: “Para que o teatro dramático exista, são necessários três elementos operativos
que podemos chamar de ‘tríade essencial’: o texto, o ator e o público” (GUINSBURG, 2001,
p. 21).
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II. O teatro Grego
A Grécia é berço do teatro ocidental. Foi ao som dos ditirambos e das farras dos
sátiros que o teatro grego surgiu, servindo de modelo para todo um continente. Basta-nos
lembrarmos das montagens de Antunes Filho, que revisitou a tragédia grega, para
percebermos que seus ecos persistem até hoje de maneira inominável. Segundo Berthold,
podemos dizer que:
A história do teatro ocidental europeu começa aos s da acrópole, em Atenas, sob o
luminoso céu azul-violeta da Grécia. A Ática é o berço de uma forma de arte
dramática, cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua eficácia
depois de um período de 2500 anos. Suas origens encontram-se nas ações recíprocas
de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, prendem os homens aos deuses e
os deuses aos homens: elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto. Para a
Grécia homérica isso significava os sagrados festivais báquicos, menádicos, em
homenagem a Dioniso, o deus do vinho, da vegetação e do crescimento, da
procriação e da vida exuberante. Seu séqüito é composto por Sileno, sátiros e
bacantes. Os festivais rurais da prensagem do vinho, em dezembro, e as festas das
flores de Atenas, em fevereiro e março, eram dedicados a ele. As orgias
desenfreadas dos vinhateiros áticos honravam-no, assim como as vozes alternadas
dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Quando os ritos dionisíacos se
desenvolveram e resultaram na tragédia e na comédia, ele se tornou o deus do teatro
(BERTHOLD, 2006, p. 103).
Atenas começou a homenagear Dioniso na Dionisa Citadina, a partir do século VI
a.C., em cultos com apresentação de dramatizações que, progressivamente, foram se
desenvolvendo e formando o que chamamos de tragédia. O precursor da tragédia foi
Demódoco, que entoava cânticos de louvor aos deuses, falando de suas iras e de seus favores:
Duas correntes foram combinadas dando à luz a tragédia; uma delas provém do
legendário menestrel da Antiguidade remota, a outra dos ritos de fertilidade dos
sátiros dançantes. De acordo com Heródoto, os coros de cantores com máscaras de
bode existem desde o século VI a.C.. Esses coros originalmente cantavam em
homenagem ao herói Adrasto, o mui celebrado rei de Argos, e Sícion, que instigou a
expedição dos Sete contra Tebas. Por razões políticas, Clístenes, tirano de Sícion
desde 596 a. C., transferiu tais coros de bodes para o culto a Dioniso, o deus favorito
do povo da Ática.
Dioniso, a encarnação da embriaguez e do arrebatamento, é o espírito selvagem do
contraste, a contradição extática da bem-aventurança e do horror. Ele é a fonte da
sensualidade e da crueldade, da vida procriadora e da destruição letal. Essa dupla
natureza do deus, um atributo mitológico, encontrou expressão na tragédia grega
(Op. cit., p. 104).
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Esses cultos foram se desenvolvendo até que, em março de 534 a.C, Psístrato, o tirano
de Atenas, convidou o ator Téspis para as grandes Dionisíacas. E ele inovou. Colocou-se
diante do coro na postura de respondedor, depois ator. Ele respondia às inquietações do coro
e, com a máscara, ele se tornou o primeiro ator. Essa inovação passou a ser utilizada, e os
poetas colocaram dois e, posteriormente, três atores contracenando com o coro. Essa pequena
inovação mudou radicalmente o fazer dramático de então. Com o passar dos anos, nas grandes
dionisíacas, os poetas apresentavam suas tetralogias, ou seja, três tragédias e uma peça
satírica. Vale a pena lembrar que os atores que participavam das Dionisíacas eram do sexo
masculino, as mulheres estavam excluídas deste processo.
A tragédia, tal a conhecemos hoje, foi estilizada por Ésquilo, segundo Berthold:
Os componentes dramáticos da tragédia arcaica eram um prólogo que explicava a
história prévia, o cântico de entrada do coro, o relato dos mensageiros na trágica
virada do destino e o lamento das vítimas. Ésquilo seguia essa estrutura. A princípio,
ele antepunha ao coro dois atores e, mais tarde, como Sófocles, três.
[...]
O que Atossa, Antígona, Orestes ou Prometeu sofrem não é um destino individual.
Sua sorte representa uma situação excepcional, o conflito entre o poder dos deuses e
a vontade humana, a impotência dos homens contra os deuses, amplificada num
acontecimento monstruoso (BERTHOLD, 2006, p.107).
Se Ésquilo fazia valer o poder dos deuses em detrimento da vontade dos homens,
podemos perceber que seus personagens são emblemáticos da condição humana. Sófocles,
trinta anos mais novo do que Ésquilo, recheia esses personagens de alma, dando uma
dimensão mais viva à tragédia. Segundo Berthold:
[...] Ele os despiu da arcaica vestimenta tipificante e trespassou a concha de sua
capacidade individual para o sofrimento. Pôs em cena personalidades que se atrevem
como a pequena Antígona, cuja figura cresce por vontade própria a desafiar o
ditame dos mais fortes: “não vim para encontrar-vos no ódio, mas no amor”.
Os deuses submetem o rebelde ao “sofrimento sem saída”. Amontoam sobre ele
tamanha carga que apenas no tormento consegue ele preservar a sua dignidade. O
homem tem consciência dessa ameaça, mas por suas ações força os deuses a ir até os
extremos. Para o homem defocles, o sofrimento é a dura, mas enobrecedora
escola do “Conhece-te a ti mesmo” (Op. cit., p. 109).
Basta pensarmos na história de Édipo rei. Após saber de seu destino incestuoso, fugiu
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de seu reino para não se casar com a mãe. No caminho, mata o pai por engano. Decifra o
enigma da Esfinge e casa-se com sua verdadeira mãe. Ao saber da verdade, sua vergonha é
tanta que se cega e sai perambulando pelas ruas como mendigo. Mas é perdoado e louvado
pelos deuses em outra peça, cujo título é Édipo em Colona.
Outro grande autor de tragédia é Eurípedes, que ainda condição mais humana a
seus personagens, diminuindo o poderio dos deuses. Seus personagens são vacilantes, têm o
direito da dúvida e a exercem de forma excitante.
Esses três autores fizeram parte da era de ouro do teatro grego. A eles se soma, que
na comédia, Aristófanes. O período das grandes Dionisíacas marca para sempre a base do
teatro ocidental. É engraçado pensar que, quando os grandes teatros gregos foram construídos,
estes poetas não mais estavam lá para apresentar suas obras.
Mas se pensarmos em educação, qual o papel formativo dessas tragédias na vida dos
cidadãos atenienses? Sobre isso, Berthold responde:
O teatro é uma obra de arte social e comunal: nunca isso foi mais verdadeiro do que
na Grécia Antiga. Em nenhum outro lugar, portanto, pôde alcançar tanta importância
como na Grécia. A multidão reunida no teatron não era meramente espectadora, mas
participante, no sentido mais literal. O público participava ativamente do ritual
teatral, religioso, inseria-se na esfera dos deuses e compartilhava o conhecimento
das grandes conexões mitológicas (BERTHOLD, 2006, p. 104).
Os mitos presentes nas tragédias eram de conhecimento do cidadão grego, eles não
iam ao teatro para saber dos mitos, mas para compartilhar deles, usufruindo das versões
apresentadas pelos dramaturgos. Era um momento de celebração, de comunhão e de
formação, visto que o sofrimento apresentado pelos personagens despertava nos espectadores
um efeito catártico. Segundo Aristóteles, podemos dizer que:
A tragédia é a representação de uma ão elevada, de alguma extensão e completa,
em linguagem adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores
atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem por resultado a
catarse dessas emoções (ARISTÓTELES, 1999, p. 43).
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Martins explica o efeito catártico, dizendo:
[...] Na concepção de Aristóteles a piedade ou a compaixão é causada pela desgraça
das personagens da tragédia e a platéia sente pena e repugnância da ação. A força
destas emoções é causada pela ação mimética destes personagens, que opera como
purgatório de emoções. Desta forma a encenação trágica produz no espectador o
efeito positivo da catarse. Podemos concluir que, neste sentido, Aristóteles admitia o
teatro como um meio educacional, pois o conteúdo apresentado pelas tragédias
intervia diretamente no espectador (MARTINS, 2004, p. 27).
Esses referenciais do teatro como meio de formação acompanha a história do teatro
Europeu, inclusive com a ascensão do Império Romano, que divulgou o teatro, com a ajuda
do filósofo Horácio, com dupla função: estética e educativa.
Com relação à Idade Média, veremos que o teatro inicialmente adormece e depois
retorna embutido de ideais educativos.
III. O teatro Medieval
Ao pensarmos em Idade Média, recorremos quase que imediatamente a
caracterizações como idade das trevas, época tenebrosa, atrasada, etc. Fazemos isso
impiedosamente, mas temos de admitir que nisso um pouco de equívoco. Um período
histórico não é bom ou ruim a priori, ele apenas é e as razões que o levam a ser dessa ou
daquela forma dependem dos fatores que o geraram quase sempre grandes mudanças
ocasionadas por enormes conflitos e das maneiras que o homem inventou para lidar com
estes fatores.
Tendo em vista o homem medieval, partiremos para o teatro, sempre tentando nos
livrar de preconceitos arraigados em nossa cultura, fazendo assim uma análise crítica o mais
isenta e imparcial possível, visto que imparcialidade pura não existe.
Para tanto, voltemos a Roma. A decadência do império romano do ocidente deu-se por
meio de um processo demorado e longo, formado por diversos fatores combinados, como: a)
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as inúmeras invasões bárbaras, ou seja, povos oriundos do norte e leste europeu que desciam
para a Europa meridional em busca de terras melhores, clima favorável e alimentos. Estes
povos cercaram primeiramente as terras periféricas do império, pouco a pouco passaram a
tomar posse delas e assim fizeram até a invasão da capital de Roma pelos germanos; b)
administração e corrupção por parte dos imperadores romanos e seus subalternos, o que
facilitou e muito a decadência; c) crescimento da fé cristã, fazendo com que no século IV d.C.
o imperador Constantino se convertesse ao cristianismo e o transformasse em religião oficial
do império; d) escassez de mão obra escrava e o surgimento do colonato sistema de trabalho
em que a pessoa trabalhava nas terras que um senhor arrendava para ele e, em troca, este
colono trabalhava alguns dias na terra do senhor.
Todos esses fatores combinados geraram a decadência desse império o que, por sua
vez, resultou no isolamento do povo em feudos, a dissolução das cidades, a afirmação da
religião cristã como suprema dentre todas as demais. Enfim, neste período a formação das
relações sociais e econômicas de uma nova época.
Com a descentralização do poder político decorrido da decadência imperial, o feudo
passou a ser a célula motriz desse novo modo de vida, cada senhor feudal era o soberano em
suas terras, devendo apenas respeito e lealdade a um superior, o seu suserano, que havia lhe
entregue essa propriedade. A unidade não era política, mas sim religiosa. Toda a Europa passa
a praticar o catolicismo. Dessa maneira, podemos dizer que nesta primeira fase da época
medieval, conhecida com Alta Idade Média (período que vai do século V ao X), a igreja
católica brilha, no ocidente, como esfera político-religiosa hegemônica aliada aos interesses
comuns entre elas e os senhores feudais e que, para se manterem, reuniam todos os seus
esforços na conversão dos povos pagãos, evitando e proibindo tudo aquilo que pudesse
suscitar numa ameaça ao seu poderio, incluindo a prática teatral. O interesse da divisão social
medieval em estamentos e a solidificação da cristã não são só motivo de interesse da igreja
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enquanto instituição, mas de todos os soberanos que viam na catequese e na submissão do
homem a Deus uma maneira de controlar os seus servos.
Como sabemos, o teatro ocidental teve a sua origem nos rituais dedicados ao Deus
Dionísio, deus do vinho e da vindima. O cortejo de fiéis louvava em coro a esse deus e
desfrutava de suas dádivas em festas dedicadas ao prazer e à liberdade, sobretudo sexual. No
meio destas festividades, ocorriam as encenações das peças teatrais, de modo que o fazer
teatral estava intimamente ligado a uma prática pagã que, por sua vez, continha em seu
próprio rito a celebração da liberdade e do prazer, eventos considerados pecaminosos para o
homem cristão, que crê na rendição e na privação a condição primeira da salvação de sua
alma.
Valendo-se disso, um religioso de nome Tertuliano decidiu escrever toda uma obra,
De Spetaculis, buscando comprovar que nas sagradas escrituras havia trechos que
condenavam o teatro. Ele também costumava dizer que o teatro era o lugar do demônio, pois
neste ambiente os homens prostituíam a alma, e as mulheres os corpos. Enfim, este senhor
disseminou uma série de preconceitos sobre a prática teatral, tornando-a objeto de ódio e
temor por todos aqueles que criam em Cristo e na Santa Madre Igreja. Sendo assim, o teatro
foi pouco a pouco desaparecendo, restando apenas alguns espetáculos de rua, como os jograis,
os espetáculos de mímica, etc. O teatro apenas repousava para voltar, mais tarde, a convite,
pasmem, da própria Santa Madre Igreja.
Se durante a Alta Idade Média o teatro era tido como inimigo da cristã, a partir de
meados do culo X, o próprio clero na prática teatral um recurso didático e ilustrativo.
Isso se dá na Baixa Idade Média, quando os feudos vão se dissolvendo e as catedrais vão
sendo construídas e, em torno delas, as cidades.
Os religiosos poderiam encenar trechos das sagradas escrituras durante as missas que
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eram dedicadas a essas histórias. Por exemplo, durante o período de Páscoa, poderiam
encenar todos os trechos correspondentes à morte e ressurreição de Cristo. Assim, durante
todo o calendário religioso poderiam ocorrer encenações que ilustrassem essas histórias.
Trata-se de um belo recurso didático, visto que as missas eram em latim e pouquíssima gente
dominava essa língua (apenas os homens da mais alta nobreza e o clero). Com esse recurso,
os fiéis pouco ilustrados podiam literalmente ver as histórias que o padre contava naquela
língua estranha. Inicialmente os atores também encenavam em latim; mas, pouco a pouco,
foram adaptando as cenas para a língua materna.
Martins (2004) situa a monja beneditina, Rosvita de Gandersheim, como “responsável
pela reintrodução da composição teatral no ocidente”, uma vez que “reescrevia as peças do
comediante romano Terêncio; porém, modificava seu conteúdo com a função de apresentar
novos valores cristãos” (MARTINS, 2004, p. 31).
Outro defensor da reintrodução do teatro no ocidente foi São Tomás de Aquino, que:
apoiava a representação argumentando que essa respondia pelo entretenimento,
propiciando relaxamento após os trabalhos sérios. Com o apoio de Aquino, o teatro
litúrgico foi criado centrado nas escolas monásticas, pois seu objetivo era claramente
o de ajudar o analfabeto cristão a compreender a fé (Op. cit., p. 32).
Com o decorrer do tempo e da prática, o teatro foi se organizando pouco a pouco, de
modo a produzir um fazer teatral todo especial e até a desenvolver gêneros de peças
religiosas, tais como: a) As laudes este gênero de teatro religioso distinguia-se de todos os
outros por que não era inicialmente representado num palco, mas nas ruas, caminhos e
campos, por onde o povo e os frades caminhavam. As laudes derivam dostropos”: diálogos,
cânticos e rituais que eram realizados alternadamente entre o padre, o povo e o coro nas
missas nas Igrejas. Eram cânticos de louvor cujos principais temas eram as narrações dos
Evangelhos que iam desde o Natal até a Paixão; b) Os mistérios estas representações
tinham como tema principal as festividades religiosas descritas nas Sagradas Escrituras. O
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Natal, a Paixão e a Ressurreição, a Páscoa, eram alguns dos episódios mais freqüentemente
representados. Às vezes, especialmente na Inglaterra, estas representações duravam rios
dias. Eram constituídas por quadros mais ou menos soltos e, numa fase mais avançada, cada
um deles era representado por uma corporação, fazendo num dia, os armeiros, por exemplo, a
expulsão do Paraíso (a espada flamejante); noutro dia, os padeiros, a última ceia; noutro dia
ainda, os pescadores e os marinheiros dramatizavam o dilúvio, etc. O público leigo, não
religioso, passou a fazer parte da montagem do espetáculo por causa do envolvimento que a
sua corporação teve com a festividade religiosa a ser celebrada e assim, pouco a pouco, o
povo tomou conta desta prática e o teatro sai da igreja para a praça; c) Os milagres estas
representações retratavam a vida dos servos de Deus (a Virgem, os Santos, etc.) e nelas, por
vezes, apareciam às pessoas a quem os Santos ajudavam. Mas não se restringiam apenas
naqueles que eram citados nos Livros Sagrados, também podiam referir-se a personagens da
época, o que constituía grande interesse para o público; d) As moralidades são
representações que se desenvolveram mais tarde do que os mistérios e os milagres. Tal como
eles, estavam repletas de ensinamentos cristãos, mas tinham um caráter mais intelectual e, em
vez de utilizar as personagens da Bíblia, serviam-se de figuras que personificavam defeitos,
virtudes, acontecimentos e ações. Eram personagens alegóricas como, por exemplo, a
Luxúria, a Avareza, a Guerra, o Trabalho, o Tempo, o Comércio, a Esperança, etc.
As
moralidades tinham sempre intenção didática, pretendiam transmitir lições morais e religiosas
e até, por vezes, políticas. Por isso, mais do que a mímica e a movimentação, mais do que o
espetáculo que apela principalmente à vista, característico dos mistérios e milagres, as
palavras eram o mais importante. As lições que delas se tiravam eram sempre edificantes, elas
mostravam os bons exemplos que se deviam seguir.
Podemos perceber que neste período histórico o teatro está a serviço da formação do
povo, intimamente ligado a consolidação e a difusão da moral cristã. O teatro como recurso
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didático será também utilizado na renascença e fará parte integrante do projeto pedagógico
das missões jesuíticas.
IV. Os Jesuítas
O plano pedagógico da Companhia de Jesus demorou 50 anos para ficar pronto. À
medida que os colégios se expandiam pela Europa e pelo novo continente a companhia
necessitava de um documento que regulamentasse as diretrizes curriculares e pedagógicas dos
colégios, visto que eles estavam espalhados e precisavam de uma normatização que
assegurasse a sua qualidade:
Acentuava-se, de dia para dia, imperiosa e inadiável a necessidade de um código de
ensino que se impusesse com a autoridade de uma lei e assegurasse a semelhança e a
uniformidade de orientação da crescente atividade educativa da ordem (FRANCA,
1951, p. 36).
Para a elaboração do Ratio Studiorum, que teve sua versão definitiva em 1599,
participaram os jesuítas dos melhores colégios da Companhia de Jesus. Como se deu esse
processo?
Impresso para uso interno. Foi o Ratio Studiorum enviado em 1586 a todos os
Provincais, acompanhado de uma circular de Aquaviva. Nele se recomendava que
em cada Província se nomeassem pelo menos 5 padres abalizados no saber e na
prudência para que, desembaraçados, estudassem a nova fórmula de Estudos,
primeiro em particular, depois em consultas e, por fim, redigissem livremente o seu
parecer, a ser remetido dentro de cinco ou seis meses (Op. cit., p. 20).
Desta forma, todos os melhores pedagogos participaram da elaboração do Ratio
Studiorum e para isso se desenvolveu um processo longo e demorado para que, enfim,
chegassem a uma compilação do que seria o Ratio definitivo. O Ratio Studiorum foi
promulgado e permaneceu sendo usado pelos colégios da Companhia de Jesus por quase dois
séculos. O próprio Ratio Studiorum previa uma flexibilidade na programação para se adequar
às mudanças históricas e culturais de cada colégio sem que, por isso, se desviasse de seu
objetivo primeiro que era a formação do bom cristão.
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O Ratio Studiorum teve várias influências. Passemos a falar sobre elas. Os
companheiros do mestre Inácio, o jesuíta que encabeçou o projeto de construção do Ratio
Studiorum, saíram das melhores universidades européias, dentre elas podemos citar a de Paris:
Não é, pois, de maravilhar que a organização pedagógica da universidade parisiense
influísse profundamente na orientação dos novos educadores que, estudantes,
haviam respirado a sua atmosfera.
Esta influência, porém, não foi uma simples conseqüência de fatos históricos que a
tornaram possível e espontânea; resultou de uma escolha firme e deliberada dos
primeiros jesuítas (FRANCA, 1951, p. 29).
Além da forte influência da Universidade de Paris, os pedagogos se voltaram, como
todo o Renascimento, para a Antiguidade Clássica.
A esse entusiasmo pela antiguidade o se furtaram, nem se podiam furtar, sem
deixar de seu tempo, os jesuítas. Na elaboração prolongada e na redação definitiva
do seu plano de estudos é visível a influência clássica, filtrada através dos autores
contemporâneos, haurida diretamente nos manuscritos antigos (Op. cit., p. 32).
Da idade Média os jesuítas conservaram a filosofia de São Tomás de Aquino e isso
gera profundas mudanças na estruturação do próprio documento.
Alguns historiadores que se opõem aos jesuítas disseram que seu projeto político
pedagógico se assemelhava ao do calvinista Sturm, mas veremos que, apesar das
semelhanças, isto não é verdade. Segundo Franca:
Com sua reconhecida autoridade, Paulsen: “Sturm afirmou uma vez que os jesuítas
podiam ter bebido nas suas fontes. É difícil pensá-lo; as coincidências resultam
essencialmente da semelhança das exigências da época... Sturm e Inácio estudaram
ambos em Paris...o fundador da Companhia conservou da Universidade as mais
gratas recordações; ao seu lado, Lovaina, onde estudou tamm Sturm, gozava de
grande estima. o dúvidas que toda a estrutura externa dos Colégios da Ordem
foi plasmada por estes moldes (Ibid., p. 39, grifos do autor).
Vemos então que os jesuítas preservaram o que de melhor havia na Antiguidade
Clássica, na Idade Média e na Renascença. Sendo pedagogos altamente experientes e
altamente instruídos, o germe central de sua pedagogia se coaduna com o humanismo. Sendo
assim:
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O Ratio, portanto, é filho da experiência, não da experiência de um homem ou de
um grupo fechado, mas de uma experiência comum, viva, ampla de tal amplitude, no
tempo e no espaço, que lhe assegura sua grandeza majestosa, talvez singular na
história da pedagogia.
Nesta prática viva formou-se pouco a pouco uma tradição pedagógica em que os
processos didáticos, assimilados com sábio discernimento entre os mais acreditados
do tempo, passaram a ser aviventados por um espírito novo, próprio da nascente
instituição. A expressão de Farrell, um dos mais abalizados conhecedores
contemporâneos da pedagogia dos jesuítas, resume-lhe com vigor e felicidade as
características dominantes: o currículo humanista, o método e a ordem,
principalmente parisienses; o espírito, inaciano (FRANCA, 1951, p. 42).
Após essa breve descrição das influências do Ratio e de suas características, podemos
concluir que os jesuítas apresentavam e ensinavam a seus alunos o que de melhor havia no
seu tempo. O Ratio, longe de parecer um manual pedagógico, assemelhava-se a um
documento com regras a serem seguidas, mas, nas entrelinhas, havia espaço para que
professores e alunos se entregassem às delícias do aprender. Além da utilização de
metodologias avançadas para a época, os jesuítas faziam uso do teatro como forma de
conhecimento. Vejamos:
A educação dos jesuítas era integral. Ao lado da instrução que desenvolvia e
opulentava a inteligência, a formação de outras aptidões e faculdades que
aparelhavam o homem para a vida. O trabalho das aulas complementava-se
naturalmente com outras atividades que hoje denominaríamos perioescolares. Entre
estas o teatro ocupava um lugar de relevo. [...]
Os abusos correntes não levaram, porém, os jesuítas a abrir mão de um instrumento
educativo de primeiro valor. O teatro escolar foi regulamentado severamente mas
introduzido no Ratio B-13.[...]
As suas vantagens formativas as enumerou Bacon num trecho em que,
precisamente, se refere, com encômios, à pedagogia dos jesuítas. As declamações
teatrais, diz o autor do Novum Organon, “fortalecem a memória, educam a voz,
apuram a dição [sic], aprimoram os gestos e as atitudes, inspiram a confiança e o
domínio de si, habituam os jovens a enfrentar o olhar das assembléias.[...]
Ao lado destas incontestáveis vantagens, e além da própria finalidade recreativa
inerente ao teatro, visavam também os padres a formação cívica, moral e religiosa da
juventude (Op. cit., p. 71-2).
Os jesuítas da Companhia de Jesus chegaram ao Brasil em 1549, acompanhando Tomé
de Souza. Os membros dessa companhia tinham um objetivo tríplice: a) catequizar os índios
(esse era o objetivo principal); b) reconduzir o colono ao caminho do bem, visto que aqui
chegava gente de toda espécie e com os valores mais variados possíveis; c) e finalmente,
educar o estudante dos colégios da Companhia de Jesus.
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Para tanto, para educar e catequizar, os jesuítas tinham uma missão que fazia parte da
organização da Companhia de Jesus. Para cumprir essa missão era necessário aprender a
língua do local onde estavam instalados. Como os jesuítas eram pessoas dotadas da mais alta
formação, eles, logo que chegaram, aprenderam as línguas e delas fizeram verdadeiras
gramáticas.
Como mecanismo para a formação e a catequese, o teatro era utilizado. Baseando-se
na mitologia dos nativos e na visão cristã de mundo, os jesuítas produziam verdadeiras obras
em nome da fé. Estas obras, imbuídas de um forte caráter moral e didático, eram encenadas ao
ar livre, nas praças, nas florestas e nos colégios. Segundo Martins, podemos dizer que:
O plano pedagógico dos jesuítas foi construído a partir das diretrizes sicas do
documento Ratio Studioram. Esse documento continha todos os preceitos inerentes à
formação e educação dos alunos dos colégios jesuítas. A Ratio de 1586 definia a
organização do ensino a ser promulgado na colônia. Pode-se resumir que a Ratio se
tratava de um manual prático que preconizava métodos de ensino e orientava o
professor na organização da sala de aula, mas como finalidade principal estava a
formação do bom cristão. É curioso notar a importância dada ao ensino de teatro,
que era, de fato, uma modalidade pedagógica da companhia de Jesus e introduzida
na Ratio.
Instalados nas principais vilas da colônia, os colégios da Companhia de Jesus
construídos no Brasil adotaram o estudo de teatro como matéria curricular, incluída
nos programas regulares. Com efeito foi dada a partida para o teatro escolar, ou o
ensino formal de teatro no Brasil (MARTINS, 2004, passim, grifos do autor).
Assim, o teatro escolar se desenvolveu ao lado da propagação da cristã. Em suas
peças, não era raro ver os demônios indígenas contracenando com os Santos. Todo recurso era
válido para a catequese e para a formação. As peças eram encenadas em português, na língua
indígena e em Latim.
Mas a febre da catequese diminuiu à medida que os índios foram domesticados, até
que a utilização do teatro foi se dizimando, desaparecendo com a expulsão dos jesuítas pelo
Marquês de Pombal, em 1759.
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V. Teatro e educação
Até agora, vimos a utilização do teatro como meio formativo de um público, mas
pouco falamos das experimentações sentidas por aqueles que atuavam. Que tipo de
aprendizagem as pessoas experimentam? Quais são os alicerces que sustentam essa prática?
Como utilizar a linguagem teatral na aprendizagem de jovens, crianças e adultos? Entramos,
então, no terreno do teatro-educação. Veremos que, na história, segundo Richard Courtney:
Não foi antes da metade do século XIX que o teatro, uma vez mais, começou a ter
uma participação importante na educação. Muito dessa mudança se deve às teorias
evolucionistas que demonstraram que o crescimento era natural, e que cada estágio
de crescimento deveria ser completado antes que o seguinte pudesse ser iniciado
(COURTNEY, 2003, p. 41).
Sendo assim, a teoria evolucionista levou os educadores a olharem as crianças como
crianças e a respeitarem seus estágios de desenvolvimento. A educação passou a ser
gradativamente pedocêntrica, centrada na criança e nas suas necessidades. Segundo esse
mesmo autor, podemos dizer que:
A educação pedocêntrica, ou a educação a partir da criança, foi um termo inventado
por Sir John Adams. Um pouco antes da passagem do século, uma série de novos
métodos e idéias vieram ampliar o dito de Rousseau: “Considerar o homem no
homem e a criança na criança”. Este foi o ponto de vista de John Dewey na
América; [...] a fonte primária de toda atividade educativa está nas atitudes e
atividades instintivas e impulsivas da criança, e não na apresentação e aplicação de
material externo, seja através de idéias de outros ou através dos sentidos; e,
conseqüentemente, inúmeras atividades espontâneas das crianças, jogos,
brincadeiras, mímicas [...] são passíveis de uso educacional, e não apenas isso, são
as pedras fundamentais dos métodos educacionais [87] (Op. cit., p. 42).
A utilização da atividade dramática como método de ensino ocorreu antes da Primeira
Guerra Mundial e seu pioneiro foi Caldwell Cook, com o seu método play way (maneira do
jogo e jogo de regra). A partir de então, o jogo de regras foi introduzido como método para
ensinar outras disciplinas. Mas, com o passar dos anos, os educadores perceberam que o jogo
era importante em si mesmo:
O estágio seguinte foi o conceito de que o jogo era educacionalmente importante em
si mesmo. Embora isso tenha sido dito por diversos pensadores como Platão,
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Rabelais, Rousseau e Dewey, a sua colocação na prática teve de esperar até a
segunda metade do século XX. Nos anos 20 e 30, as escolas estiveram
experimentando o jogo livre, particularmente com crianças de 5 a 7 anos de idade:
na Grã Bretanha, com professores como E. R. Boyce, que escreveu Play in the
Infants´School [38] e nos Estados Unidos com Winifred Ward, que escreveu
Creative Dramatics [374]. Este último, deu seu nome para todo um movimento nos
Estados Unidos [339], e é basicamente uma combinação do play way, jogo livre e
teatro de crianças. Nos anos 30, o movimento avançou rapidamente, com muitas
crianças de 5 a 11 anos de idade, tendo tanto atividade dramática livre como usando
o play way. [...]
A idéia de que o jogo dramático seja a qualidade humana, do indivíduo, levou dois
professores a desenvolverem conceitos que viriam a alterar toda a estrutura da
atividade dramática nas escolas: Peter Slade postulou que o ‘jogo dramático infantil’
era uma forma de arte com direito próprio, tendo seu lugar como disciplina na
escola; e E. J. Burton disse que a atividade dramática era o método de assimilação da
experiência do ser humano e, portanto, fundamental para toda a educação. Aqui nos
defrontamos com dois enfoques do problema, diversos embora complementares, que
permitiram ao sistema de educação da Grã-Bretanha e América avançar da mais
admirável maneira (COURTNEY, 2003, p. 43-4).
Deparamos, então, com duas maneiras de enxergar o ensino dramático. Peter Slade vê
o jogo dramático infantil como Arte e, portanto, uma linguagem a ser desenvolvida com e a
partir das crianças. Já Burton o jogo dramático como método para assimilação de outras
aprendizagens. Essas duas correntes dividem os educadores a respeito da utilização desta
linguagem. Defendemos que o teatro, enquanto linguagem, tem uma contribuição única a dar
à espécie humana e deve ter o seu lugar no currículo escolar. Não defendemos nem
justificamos o ensino de teatro pelas competências e habilidades que ele desenvolve, mas o
defendemos como linguagem artística pautada na criança, é ela, por meio do jogo teatral, que
mobiliza todo o corpo criativamente na resolução do problema dramático proposto pelo
próprio jogo.
Para tanto, nos apoiamos em outra educadora e diretora do teatro improvisacional,
Viola Spolin. Essa grande diretora revolucionou o ensino de teatro.
Nascida em Chicago, no dia 7 de Novembro de 1906, desenvolveu um sistema de
teatro improvisacional por meio de jogos que continham uma situação problema a ser
resolvida pelos próprios jogadores (atores) no ato de jogar, de modo que estes jogadores se
apropriavam dos conceitos inerentes à linguagem teatral por meio do próprio jogo, o que
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tornava orgânico o aprendizado. Ela dividia os grupos em palco e platéia. Todos eram
jogadores e todos eram platéia. Por exemplo, num grupo de dez, cinco sobem ao palco e
fazem um exercício como o espelho, enquanto os outros cinco observam, participando do que
ocorre. Depois, trocam-se as posições e quem estava no palco vai para a platéia e vice e versa.
Deste modo, a platéia tem uma função orgânica dentro do processo teatral, ela participa, o que
elimina crenças antigas do teatro formal, como a quarta parede
2
.
Ao propor um jogo, expõem-se as regras, o aluno as ouve e sabe que tem que segui-
las, mas apesar das regras, ele tem variadas possibilidades de fazer o que foi pedido; por isso,
a autora pede que não se exemplos, pois estes podem fazer com que os alunos passem a
imitar o exemplo com o intuito de agradar ao professor e "fazer bonito" diante da classe,
impossibilitando novas descobertas.
Por exemplo, se pedimos a um aluno para se sentar numa cadeira que representa um
banco de um ponto de ônibus e, ao se sentar, precisa mostrar que personagem ele é e qual a
sua idade, ele deve respeitar as regras (personagem e idade), mas pode fazer isso de mil
formas diferentes, de modo que se tivermos dois alunos com o mesmo personagem e com a
mesma idade, cada um o fará de forma diferente. Essa diferença consiste no espaço de autoria
do ator, tão negligenciado por alguns grupos de teatro formal. Após todos jogarem o exercício
proposto, é feita uma avaliação objetiva sobre as descobertas dos jogadores com a experiência
teatral propriamente dita, em que os elementos que compõem a linguagem teatral são
expostos e absorvidos pelos jogadores. Nesta avaliação, os alunos vão se apropriando dos
conceitos teatrais de forma orgânica, através da vivência que se torna experiência e o pelas
explicações do diretor.
2
Havia uma crença nos atores que, para não enfrentar o público, eles imaginavam uma parede que dividia quem
estava atuando no palco e quem estava na platéia. Hoje, os grupos avançados de teatro querem cada vez mais a
participação da platéia no espetáculo, porque sem ela este não existe.
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Por meio do jogo de regras, os alunos criam um espaço para a negociação,
questionando e alterando, inclusive as próprias regras. Por meio do diálogo horizontal, os
alunos se colocam e são ouvidos pelo grupo. Neste espaço, vemos a vida invadir a escola, os
alunos estão lá inteiros, buscando também a construção de sua autonomia e sua linguagem por
meio do próprio corpo.
Toda a sua metodologia de trabalho de Spolim está descrita em Improvisação para o
teatro (2005), e os jogos por ela inventados, ou jogos tradicionais utilizados para desenvolver
a linguagem teatral estão descritos no Fichário de Viola Spolin (2001). A sua aceitação em
território brasileiro foi imensa e hoje suas obras são obrigatórias em cursos de graduação e
pós-graduação da área.
Utilizando sua metodologia de trabalho, temos a oportunidade de vivenciar a
experiência teatral em seu processo, no qual o educando se apropria do próprio corpo, dos
cinco sentidos e mobiliza todos os seus conhecimentos para dar vida a um personagem. Ao
vivenciar esse processo, ele ativa, sobretudo, o conhecimento intuitivo.
Isso nada tem a ver com pessoas que tenham talento para a linguagem teatral, pois
“todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar.
As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco” (SPOLIN,
2005, p. 3).
Mas o que é jogo teatral?
O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade
pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar.
As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está
jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem
para oferecer é este o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para
recebê-las.
A ingenuidade e a inventividade aparecem para solucionar quaisquer crises que o
jogo apresente, pois es subentendido que durante o jogo, o jogador é livre para
alcançar seu objetivo da maneira que escolher. Desde que obedeça às regras do jogo,
ele pode balançar, ficar de ponta cabeça ou até voar. [...]
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Isto torna a forma útil não para o teatro formal, como especialmente para os
atores interessados em aprender improvisação, e é igualmente útil para expor o
iniciante à experiência teatral, seja ele adulto ou criança. Todas as técnicas,
convenções, etc, que os alunos-atores vieram descobrir lhes são dadas através de sua
participação nos jogos teatrais (exercícios de atuação) (SPOLIN, 2004, p. 4-5).
As influências de Viola Spolin determinaram a maneira como os teatro-educadores
passaram a ver o ensino de teatro. Para que isso fosse possível, tivemos a contribuição de uma
grande pesquisadora, Ingrid Dormien Koudela, que disseminou as idéias de Spolin em
território brasileiro.
VI. Teatro e educação no Brasil
Martins define as relações entre teatro e educação em dois momentos: um, situado no
movimento dos colégios da Companhia de Jesus e; outro, no movimento dos teatro-
educadores da segunda metade do século XX:
O estreitamento de laços entre teatro no Brasil foi esboçado inicialmente pela missão
jesuítica, como vimos anteriormente. [...] Por outro lado, o que existia no país,
antes do descobrimento, era uma educação teatral por meio da tradição dos
cerimoniais indígenas, se considerarmos que o rito indígena possa ser considerado
manifestação teatral (MARTINS, 2004, p. 74).
As metodologias de trabalho que consideram o jogo e o drama infantil começaram a
ser discutidas somente a partir da década de sessenta, em decorrência dos movimentos das
Escolinhas de Arte que visavam liberar o impulso criativo da criança que, por sua vez, foram
inspirados pelos modernistas, como Mário de Andrade, e pelos ideais da Escola Nova.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes elaborados pelo MEC (1998), até a
primeira metade do século XX:
As atividades de teatro e dança somente eram reconhecidas quando faziam parte das
festividades escolares na celebração de datas como o Natal, Páscoa ou
Independência, ou nas festas de final do período escolar. O teatro era tratado como
uma única finalidade: a da apresentação. As crianças decoravam os textos e os
movimentos nicos eram marcados com rigor (BRASIL, 1997, p. 22).
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Como já foi dito na introdução, essas apresentações eram feitas de formas esporádicas
e não tinham proposta pedagógica, nem sequer relação destas apresentações com o plano de
ensino do professor responsável pelo espetáculo ou com o projeto político pedagógico da
escola. Eram apresentações esparsas, ilustrativas de temas das festas comemorativas. A
linguagem teatral era vista como utilitária e seus fundamentos pedagógicos eram
negligenciados. Esses ecos persistem até hoje nas escolas públicas e particulares.
Recentemente, assistimos a uma pecinha na escola de nosso filho onde as crianças, de três a
quatro anos, repetiam mimeticamente os movimentos sob a orientação da professora e
repetiam as falas. Neste momento, pensamos o quanto podíamos fazer por essas crianças se
partíssemos do jogo dramático infantil, da improvisação a partir do mundo de faz de conta
dessas próprias crianças.
A maneira como o ensino de teatro era visto mudou gradativamente da metade do
século XX até hoje. A Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, enxergava o ensino de teatro
como prática educativa. Esta visão gerou polêmica entre os Arte-educadores que, em 1970, se
reuniram para discutir essa questão e transformá-la em pauta de reivindicão. Neste encontro
foram discutidos muitos temas. Segundo Koudela:
Em 1970 é realizado em Porto Alegre oI Encontro Nacional de Professores de Arte
Dramática”. Entre as conclusões do encontro pedia-se a inclusão da Arte Dramática
no currículo da escola como disciplina e não como prática educativa. Nesse encontro
foi apontada a necessidade de estudo dos currículos para a licenciatura em Arte
Dramática (KOUDELA, 1986, p. 17).
Com o depoimento dessa pesquisadora, verificamos o comprometimento dos teatro-
educadores com a linguagem teatral e a luta por uma legitimação dessa linguagem no âmbito
escolar. Mas essas reivindicações foram esmorecidas com a Lei nº. 5692/71, que previa a
obrigatoriedade do ensino de educação artística para o e o graus. Segundo Martins, com
essa nova lei:
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O teatro seria ministrado na disciplina Educação Artística junto com artes plásticas,
música e dança durante cinqüenta minutos por semana, entretanto não existia uma
estrutura para a formação dos “novos” profissionais, pois somente em 1973 foram
criados pelo governo os cursos de licenciatura em Educação Artística com duração
curta de dois anos. O professor tinha que ser preparado em dois anos com a
obrigação de ensinar ao mesmo tempo música, artes visuais e artes nicas
(MARTINS, 2004, p.78).
Estabeleceu-se então a polivalência no ensino de Artes, o professor era uma espécie de
mosaico que tinha conhecimento genérico de tudo, mas nada era aprofundado, o que levou a
uma descaracterização da área. Essa descaracterização fez com que os arte-educadores se
reunissem mais uma vez. Segundo Martins:
A criação do movimento da Arte-educação no início dos anos oitenta, pelos
educadores, pesquisadores e por artistas, fez crescer a reivindicação para a
reformulação do ensino das artes em todos os níveis de escolarização após forte
crítica da classe à lei 5692/71. Esta mobilização resultou, de fato, na organização de
associações de arte-educadores [...]. Uma das iniciativas foi a realização, em 1984,
pela Associação Paulista de Teatro para a Infância e Juventude, do ”1º seminário de
Teatro-Educação”, cuja pauta fazia questão de denunciar um quadro de defasagem
do ensino de teatro em relação às artes plásticas e música (Op. cit., 2004, p. 79).
Assim, sistematicamente foi se desenvolvendo um movimento que defendia o ensino
de teatro pela sua base: o jogo teatral. Essa luta foi reforçada com a Lei nº. 9394/96, com as
Diretrizes Curriculares Nacionais e com os Parâmetros Curriculares Nacionais, que defendem
que a arte deve ser ensinada nas quatro linguagens: (música, dança, teatro e artes visuais).
Além do apoio da legislação, o teatro-educação, enquanto área de pesquisa, vem crescendo
por meio de teses, dissertações e artigos que discutem o tema, ressaltando a sua validade.
Os Ecos dos teatro-educadores remontam à década de sessenta e aos ideais da Escola
Nova que viam no impulso criador da criança as bases para o processo educacional. Muitos
dos avanços nessa área devem-se a atuação das escolinhas de artes do Brasil, que
desenvolviam trabalhos com as quatro linguagens e formaram, além de crianças e jovens,
professores que, devido à sua formação, tinham um trabalho diferenciado.
Além disso, a proposta de autores como Peter Slade e Viola Spolin redimensionou o
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ensino de teatro, abrindo perspectivas para uma nova formação baseada na improvisação e na
absorção das técnicas teatrais de maneira orgânica. Com relação à apresentação desses
teóricos, a atuação de Ingrid Dormien Koudela foi de suma importância no âmbito da
pesquisa e da difusão das idéias sobre o teatro-educação. Seus livros Jogos teatrais e Texto e
Jogo demonstram o profundo comprometimento dessa pesquisadora com o ensino de teatro
no Brasil.
Em meio a essa exposição e como professora de uma escola pública estadual, vemos
um descompasso entre as pesquisas feitas na área e as atuações nas escolas. Ainda vemos
pecinhas ilustrativas de datas comemorativas e quando olhamos os alunos sentados em salas
lotadas, sentimos o corpo deles mutilados, clamando pela descoberta do espaço cênico. Nasce
daí a nossa grande curiosidade de fazer uma leitura simbólica das matrizes pedagógicas do
professor de Artes que ministra teatro. Acreditamos, verdadeiramente, que haja pessoas
engajadas, desenvolvendo trabalhos de qualidade, que devem ser registrados para que sirvam
de inspiração para reorganização do ensino desta linguagem nas escolas.
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Capítulo 2: Paradigmas de formação: da reflexão sobre a prática à construção da
identidade profissional do docente
“[...] aprender não é apenas memorizar informações e um
saber-fazer, mas implica tempo e um trabalho sobre si para mobilizar
os recursos indispensáveis a toda e qualquer aprendizagem”
Josso
Ao longo da história da pesquisa em educação, muitas têm sido as metáforas
relacionadas ao papel do professor, como, por exemplo, as que intitulam o docente como
modelo de comportamento, as que o denominam como executor de rotinas, como técnico,
como profissional reflexivo, como artista, como intelectual crítico, etc. Nenhuma dessas
metáforas podem ser consideradas ingênuas, visto que todas elas carregam em si uma visão e
uma concepção valorativa do que é e como deve ser o processo educacional dos discentes,
definem também visões do que é Educação e de como proceder para atingir determinados
objetivos.
Neste capítulo vamos discutir algumas dessas metáforas, principalmente, as que se
referem ao professor reflexivo e ao professor como técnico, numa tentativa de compreender
esses paradigmas e extrapolá-los, visando entender a formação de professores numa
perspectiva experiencial.
Tentaremos também compreender a metodologia das histórias de vida no processo de
formação, visando atingir o conceito de matrizes pedagógicas, que consiste no eixo norteador
de nossa pesquisa. Abordaremos a interdisciplinaridade, pois percebemos que o professor de
Artes, ao entrar em sala de aula, se vale deste conceito para ministrar as suas aulas. A própria
arte, devido às suas características, se vale do diálogo e do encontro interdisciplinar para
ensinar as linguagens artísticas (dança, música, teatro e artes visuais).
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52
Nossa busca vai ao encontro do processo formativo dos docentes que lecionam Artes
nas escolas públicas estaduais e que trabalham com a linguagem teatral. Como eles se
formam? Quais são as matrizes que apóiam o seu modo de ser professor? Como se desenvolve
o seu trabalho teatral? Em que matrizes se apóiam? São elas teóricas, experienciais ou ambas?
A formação desse professor consiste num processo complexo que merece ser
desvendado. Com relação à formação de professores, Antonio Nóvoa, no prefácio de
“Experiências de vida e formação”, relata:
[...] o formador forma-se a si próprio, através de uma reflexão sobre os percursos
pessoais e profissionais (auto-formação); o formador forma-se com os outros, numa
aprendizagem conjunta que faz apelo à consciência, aos sentimentos e às emoções
(hetero-formação); o formador forma-se através das coisas (dos saberes, das
técnicas, das culturas, das artes, das tecnologias) e da sua compreensão crítica (eco-
formação) (NÓVOA, 2004, p. 16).
I. Metáforas docentes: da racionalidade técnica ao professor reflexivo
Desde a chegada em território brasileiro do livro “Os professores e a sua formação”,
coordenado por Antonio Nóvoa, a metáfora “professor reflexivo” começou a ser ardentemente
discutida pelos educadores, desde os acadêmicos até os professores de educação básica.
Essa nova perspectiva de definição do professor como profissional reflexivo se
apoiava nos trabalhos de Donald Schön, que visava à construção de uma identidade
profissional baseada em um dialogo reflexivo, com situações problemáticas oriundas da
prática cotidiana. Mas, de fato, o que é refletir? E o que é ser um professor reflexivo? E no
que essa metáfora se diferencia das demais?
De acordo com o Dicionário de Filosofia, refletir é “em geral, o ato ou o processo por
meio do qual o homem considera suas próprias ações” (ABBAGNANO, 2000, p. 837). A
reflexão deixa de ser um pensamento abstrato sobre o mundo para tornar-se uma ampliação da
consciência baseada no próprio fazer humano. Gómez (1992) define reflexão como:
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[...] a imersão consciente do homem no mundo de sua experiência, um mundo
carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências
afectivas, interesses sociais e cenários políticos. O conhecimento acadêmico, teórico,
científico ou técnico, pode ser considerado instrumentos do processo de reflexão
se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica,
mas em esquemas de pensamento mais genéricos activados pelo indivíduo quando
interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua própria
experiência. A reflexão não é um conhecimento “puro”, mas sim um conhecimento
contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência
vital (GÓMEZ, 1992, p.103).
Ao definir o professor como prático-reflexivo, Angel Perez Gómez se opõe ao
paradigma da técno-ciência. Com relação ao professor como técnico, o autor situa
historicamente o conceito, que tem sua origem na tradição positivista, transmitindo uma
concepção de trabalho baseada na racionalidade técnica e na organização rigorosa, que divide
o mundo do conhecimento em ciência aplicada e básica. Segundo o autor:
No modelo de racionalidade -se, inevitavelmente, a separação pessoal e
institucional entre a investigação e a prática. Os investigadores proporcionam o
conhecimento básico e aplicado de que derivam as técnicas de diagnóstico e de
resolução de problemas na prática, a partir da qual se colocam aos teóricos e aos
investigadores os problemas relevantes de cada situação (Op. cit., p. 97).
No contexto técnico, cabe ao professor aplicar as teorias aprendidas com os
pesquisadores, transformando-as em procedimentos de trabalho, mas não cabe a ele
transformá-las ou refor-las. O professor fica restrito a um mero aplicador, um
instrumentalizador dessas teorias, as quais ele nem sequer participou da elaboração. Ele é uma
espécie de cumpridor de tarefas que devem ser executadas de acordo com os modelos
aprendidos com os intelectuais produtores de saber. Essa concepção de professor retira desse
profissional a sua capacidade de criação de novos conceitos e metodologias de ensino,
mediante a constatação de problemas da prática, ou seja, segundo essa denominação, não cabe
ao professor recriar o aprendido, adequando-o à sua realidade.
Mas os problemas diagnosticados em uma situação educativa extrapolam os limites da
racionalidade cnica, visto que a quantidade e complexidade de elementos de toda ordem
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(cognitivos, emocionais, políticos, sociais, etc.), envolvidos nesta situação, não permitem que
se aplique uma única solução para a resolução de um problema diagnosticado. Ao mobilizar
conhecimentos para a resolução de um problema em sala de aula, o professor o faz de diversas
formas, utilizando-se de vários conhecimentos oriundos de vários meios, desde o senso
comum até o da ciência aplicada. Daí percebe-se que este modelo torna-se restrito e incapaz
de dar conta da pluralidade de fenômenos existentes em uma sala de aula.
Como proposta de intervenção e mudança a esse paradigma da técno-ciência, Gómez
discute o papel do professor reflexivo, o que, de certa forma, consiste em uma inversão com
relação ao paradigma do professor como técnico.
Enquanto técnico, o professor era um mero aplicador de técnicas aprendidas nos
cursos iniciais de formação. Já o professor reflexivo baseia-se, sobretudo, na sua prática,
levando em consideração todo o ecossistema envolvido, buscando analisar como se pode criar
um universo de respostas aos problemas cotidianos, acessando arquivos de suas experiências
profissionais, os seus conhecimentos teóricos, modificando-os, reformulando-os e adequando-
os ao contexto ao qual estão inseridos e à situação problema que gerou essa reformulação.
Angel Pérez Gomez ressalta quatro categorias de reflexão que devem ser levadas em
consideração no desenvolvimento da reflexão do professor. São elas: conhecimento-na-ação,
reflexão-na-ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação.
Sobre o conhecimento-na-ação, o autor diz que ele o componente inteligente que
orienta toda atividade humana e se manifesta no saber fazer" (GÓMEZ, 1992, p. 104), ou seja,
quando o professor se encontra diante de uma situação determinada e age sobre ela, esse fazer
tem um saber subjacente à ação, que determina todo o seu desenrolar.
Com relação à reflexão-na-ação, podemos dizer que, segundo esse pesquisador:
[...] é um processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento
requeridos pela análise racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das
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múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da improvisação e criação. É
fácil reconhecer a impossibilidade de separar, no processo de reflexão-na-ação, os
componentes racionais dos componentes emotivos ou passionais que condicionam a
ação e a reflexão (GOMEZ,1992 p. 104).
a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão-na-ação são vistas “como a
análise que o indivíduo realiza a posteriori sobre as características e os processos de sua
própria ação. É a utilização de conhecimento para descrever, analisar e avaliar os vestígios
deixados na memória por intervenções anteriores” (op. cit., p.105). Na reflexão sobre a ação
podemos dizer que:
[...] são postas à consideração individual ou coletiva não as características da
situação problemática, mas tamm os procedimentos utilizados na fase de
diagnóstico e de definição do problema, a determinação de metas, a escolha de
meios e, [...], os esquemas de pensamento, as teorias implícitas, as convicções e
formas de representar a realidade utilizadas pelo profissional quando enfrenta
situações problemáticas, incertas e conflituosas. A reflexão sobre a ão supõe um
conhecimento de terceira ordem, que analisa o conhecimento-na-ação e a reflexão-
na-ação em relação à situação problemática e o seu contexto (op. cit., loc. cit.).
Para desenvolvermos a reflexão do professor, o modelo de formação de professores
deve ser repensado, levando em consideração estratégias e mecanismos que desenvolvam
conjuntamente o conhecimento-na-ação, a reflexão-na-ação, a reflexão sobre a ação e a
reflexão sobre a refleo-na-ão. Os professores devem ser formados para saber como reagir
no ecossistema complexo da sala de aula, formulando e reformulando a sua prática, tentando
responder às inúmeras situações problemas que dela emergem. Para tanto, o eixo central do
currículo deve ser a prática do docente, negando a separação entre teoria e prática e agindo
criticamente com relação ao conhecimento-na-ão e à reflexão-na-ação, extraindo deles os
modelos de educação, as crenças subjacentes, as visões de mundo, as concepções de homem,
etc, reformulando-os, se necessário.
A reflexão não deve ser feita de maneira acrítica, mas sim, experiencial, ou seja,
refletindo sobre tudo o que ocorreu, de modo que esse ocorrido seja resignificado e configure
numa proposta de mudança efetiva da própria prática.
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II. A formação do professor reflexivo
Para que haja a formação de um professor reflexivo, é necessário que o curso superior
seja repensado, visto que ainda hoje ele se apóia primordialmente no paradigma da ciência
moderna. Primeiro, aprendemos os componentes curriculares da ciência que estamos
estudando (história, geografia, ciências, etc.) e depois temos as matérias ditas pedagógicas.
Nem sempre há uma relação entre um e outro; quando há, é de forma incipiente. Todo o curso
superior teria de se organizar de maneira que teoria e prática andassem juntas e uma
estimulasse a outra, sendo coerentes entre si. Pensando a transformação da organização do
ensino superior numa perspectiva de buscar a construção de um profissional reflexivo, emerge
a figura de um profissional muitas vezes esquecido e desvalorizado: o supervisor de estágios.
Muitos intelectuais estudiosos do tema recuperam esse profissional e atribuem a ele a
responsabilidade pela formação da capacidade reflexiva nos futuros profissionais. Caberia a
ele desenvolver as habilidades reflexivas no futuro docente?
Sobre a formação do professor reflexivo, João Amaral, Alfredo Moreira e Deolinda
Ribeiro (1996) discorrem sobre o papel do supervisor no desenvolvimento do professor
reflexivo.
Os autores se baseiam na concepção de supervisão dada por Alarcão e Tavares (1987),
que a caracterizam como “o processo em que um professor em princípio, mais experiente e
mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu
desenvolvimento humano e profissional (1987, p.18, grifos dos autores). Sendo assim,o
supervisor surge como alguém que deve ajudar, monitorar, criar condições de sucesso,
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desenvolver aptidões e capacidades no professor, tornando-se por isso numa personagem
semelhante ao treinador de um atleta” (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 1996, p. 93).
Ao aproximar o papel do supervisor do papel do treinador, os autores analisam as
habilidades deste que, além de treinar capacidades e aptidões, deve encontrar caminhos para
desenvolvê-las nos seus atletas, por isso deve monitorar, acompanhar, apoiar e encorajar o
atleta “para que ele seja ele próprio e de o melhor de si” (Op. cit., p. 94).
O supervisor, como treinador, tem a tarefa de despertar o seu professor para o mundo
da docência, desenvolver nele as habilidades e as competências cabíveis. Ao mesmo tempo
que o supervisor proporciona, por meios de estratégias de desenvolvimento, o crescimento
pessoal e profissional do futuro professor, ele também cresce à medida que busca respostas ao
perceber as possibilidades do seu educando e ao elaborar as estratégias que o levarão ao
desenvolvimento.
Acreditamos que o papel do supervisor na formação do futuro docente é de suma
importância para a construção do professor enquanto profissional reflexivo. Mas será que o
estágio, feito no último ano de graduação, consegue “dar conta” desta formação profissional,
fazendo com que ele reflita por toda a sua vida profissional?
III. Do estágio à formação continuada: um novo papel para o supervisor
Mais do que estágios, todo o curso superior tem de ser repensado e mais do que um
supervisor que acompanhe o aluno em seu último ano de graduação, faz-se necessário que um
profissional o acompanhe também durante a sua vida profissional, pelo menos em seu início:
período em que o professor constrói um saber fazer único, apoiado, sobretudo, nas
experiências que vivencia na prática.
Tardiff (2002) inclui a experiência como um dos saberes principais dos professores.
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Segundo o autor, o saber docente se compõe de vários saberes, dentre eles podemos citar os
saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais. O autor valoriza a
experiência e afirma que “o corpo docente tem uma função social estrategicamente tão
importante quanto a da comunidade científica e dos grupos produtores de saberes”
(TARDIFF, 2002, p. 36).
O saber experiencial dos professores se desenvolve, sobretudo, na sua prática
cotidiana e se constitui em um saber-fazer e um saber-ser professor, sendo que estes saberes
fundamentam a sua competência profissional. É a partir do saberes experienciais que os
professores:
[...] julgam a sua formação anterior e a sua formação ao longo da carreira. É
igualmente a partir deles que julgam a pertinência ou o realismo das reformas
introduzidas nos programas ou nos métodos. Enfim, é ainda a partir dos saberes
experienciais que os professores concebem os modelos de excelência profissional
dentro da sua profissão (op. cit, p. 48).
Esse saber experiencial se constitui rapidamente nos primeiros anos da carreira e
consiste num corpo habitual sobre o qual o professor recorre para resolver os seus problemas
cotidianos. É justamente esse saber que deveria ser a base da reflexão do professor, visto que,
ao debruçar-se sobre ela, o docente poderia descobrir todo o mosaico que compõe o seu fazer.
Se o docente, neste começo de carreira, tivesse o acompanhamento de um supervisor
que o auxiliasse a transformar as suas vivências cotidianas em experiências e mais, que o
auxiliasse a refletir sobre ela, isso não seria um mecanismo para a construção de um
paradigma de formação continuada?
Ao lecionar em escolas públicas estaduais, percebemos a grande solidão que invade os
docentes. Os cursos de formação continuada falam, quase sempre, do lugar da ciência
moderna, ou seja, consistem, na sua maioria, em modelos que devem ser aplicados em sala de
aula para que se consiga atingir determinados resultados. Quase nunca espaço para as
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dúvidas, os medos e as angústias dos docentes, muito menos para se ouvir como eles
utilizaram sua criatividade e experiência para resolver os seus problemas profissionais
cotidianos.
Como este espaço não é dado nos cursos de formação inicial, os docentes trocam
experiências entre si e estas consistem, na sua maioria, em lamentos sobre a situão atual do
ensino e críticas às reformas educacionais vigentes. Essas reclamações ecoam pelas paredes
da sala dos professores e se transformam em uma espécie de imunização que o professor tem
a toda e qualquer proposta educacional que venha de fora. Eles estão “vacinados”, como
dizem, e se apegam ao seu conhecimento experiencial, ao seu habitus, no dizer de Tardiff
(2002), e se negam a fazer qualquer alteração em sua prática, porque eles não foram tocados
pelos cursos de formação que falam de um lugar que nada diz aos docentes.
Mas será que se tivéssemos um acompanhamento de um professor mais experiente,
que nos auxiliasse a transformar as nossas dúvidas, os nossos medos e nossas idéias em
intervenções em sala de aula, nós não passaríamos a ter um papel mais criador e nos
apropriaríamos de nossa prática e construiríamos uma nova identidade profissional?
Definimos um professor experiente que exerceria o papel de supervisor como aquele
que tem o seu saber experiencial, mas sabe acolher os saberes de seus discípulos, ouvindo
suas dúvidas, seus dilemas e os ajudando, por meio de um processo de auto-conhecimento, a
transformar estas angústias em intervenções em sala de aula. Quando falamos neste
supervisor, referimo-nos a uma nova função para os educadores experientes, não falamos do
supervisor de escola do sistema estadual de ensino, nem no coordenador pedagógico, pois,
sinto que, devido ao sistema no qual eles estão inseridos, eles não poderiam exercer este papel
de acolhimento. Falamos de uma nova função para estes educadores que querem se entregar à
aventura de formar-se junto ao outro e com o outro por meio de um diálogo inteligente,
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baseado nos problemas que emergem da sala de aula.
Essa proposta do papel do supervisor na formação continuada pauta-se nas
considerações de Roldão (informação verbal)
3
. Ela nos abriu um mundo de possibilidades
sobre essa questão.
Se tivéssemos o acompanhamento do supervisor, poderíamos, em primeiro lugar, nos
apropriar da nossa prática; perceber os seus contornos e no que ela se baseia, poderíamos
também, por meio da reflexão, extrapolar a nossa prática, ou seja, extrapolar o paradigma do
professor como prático e reconstruir o nosso fazer profissional, apoiando-nos na prática e, ao
mesmo tempo, superando-a, buscando novas formas de ser professor. Nessa busca, manifesta
o papel das teorias educacionais, dos livros de autores renomados e de textos que versam
sobre o ser professor.
A apropriação desses conhecimentos, por meio de leituras, não surgiria mais como
imposição dos cursos de formação continuada, mas consistiria em uma indicação dada por
alguém mais experiente (supervisor/colega) que auxilia na busca profissional por respostas,
mudando radicalmente a relação entre texto e leitor.
O texto não seria mais uma espécie de dogma a ser seguido, ou algo escrito por
alguém mais importante ou que sabe mais. O texto seria uma espécie de portal que abriria
caminhos para o professor construir suas próprias respostas, redigindo a sua própria história,
construindo a sua autonomia no momento em que toma conhecimento de sua identidade
profissional, baseada em um modo de ser professor, conseguindo modificar/ampliar, por meio
do auxílio de outros professores, do supervisor ou dos textos.
Buscando em nossas memórias como nos constituímos como professoras, percebemos
que percorremos um caminho solitário; foram poucas as trocas e muitas as dúvidas. Por falta
3
Informação fornecida por Maria do Céu ROLDÃO, em palestra realizada na Uninove, em 2007.
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de interlocutores, buscamos nos textos respostas que nos auxiliassem a nos construirmos
como professora. Sentimos a falta imensa desse supervisor, desse braço amigo que nos
auxiliaria a fazer travessias, a empreender novos caminhos e novas maneiras de ser/estar no
mundo. Acreditamos que não somo as únicas.
Acreditamos que devemos levar essa idéia a frente, não mais como uma bandeira de
luta ou um novo modismo educacional, mas como uma maneira de repensar a formação
continuada dos professores numa dimensão mais humana.
Levando em consideração essa dimensão humana, como o supervisor pode fazer com
que o professor se aproprie de sua prática e dela passe a repensar? Para tanto, seria necessário
um caminho metodológico que fizesse com que o professor passasse a tomar,
necessariamente, conhecimento de si mesmo. Ao tomar conhecimento de si, o professor
também reconhece a dimensão profissional que faz parte de sua vida. Passamos a falar então
de aprendizagem de adultos e da utilização das histórias de vida na formação dos professores.
IV. Hisrias de vida e formação
“Experiências de vida e formação” de Marie-Christine Josso (2004) é um livro
complexo, pois:
[...] conduz-nos por uma série de autores e de teorias que foram inscrevendo as
preocupações autobiográficas no trabalho científico. É uma história escrita a partir
de sua própria experiência, que nos introduz num universo de idéias sem o qual
nada compreenderemos sobre os dilemas educativos e, em particular, sobre os
dilemas da formação de adultos. O seu contributo principal passa pela definição das
histórias de vida como metodologia de pesquisa-formação, isto é, como metodologia
onde a pessoa é, simultaneamente, objeto e sujeito da formação (NÓVOA, 2004,
p.15).
Portanto, iremos navegar por suas páginas com o devido cuidado, tentando rastrear
esse processo de formação visto do ponto de vista do aprendente. Quando falamos em
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histórias de vida enquanto metodologia, falamos da produção de conhecimentos significativa
para o sujeito aprendente, pois no momento em que o docente passa a relatar a sua história,
ele se apropria de si e de seus conhecimentos.
Mas como se esse processo? Como, por meio de uma narrativa autobiográfica,
podemos gerar conhecimentos? Com relação a isso, Josso assegura;
Como objeto de formação e objeto pensado, a formação, encarada do ponto de vista
do aprendente, torna-se um conceito gerador em torno do qual vêm agrupar-se,
progressivamente, conceitos descritivos: processos, temporalidade, experiência,
aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão dialética, consciência,
subjetividade, identidade. Pensar a formação do ponto de vista do aprendente é,
evidentemente, não ignorar o que dizem as ciências do humano. Contudo é, também,
virar do avesso a sua perspectiva ao interrogarmo-nos sobre os processos de
formação psicológica, psicossociológica, sociológica, política e cultural, que tais
histórias de vida, tão singulares, nos contam. Em outras palavras, procurar ouvir o
lugar desses processos e sua articulação na dinâmica dessas vidas.
Os processos de formação o-se a conhecer, do ponto de vista do aprendente, em
interações com outras subjetividades. Os procedimentos metodológicos ou, se
preferirmos, as práticas de conhecimento postas em jogo numa abordagem
intersubjetiva do processo de formação, sugerem a oportunidade de uma
aprendizagem experiencial por meio da qual a formação se daria a conhecer. Dado
que todo e qualquer objeto teórico se constrói graças às especificidades da sua
metodologia, o mesmo também se passa com o conceito de formação, que se
enriquece com práticas biográficas, ao longo das quais esse objeto é pensado tanto
como uma história singular, quanto como manifestação de um ser humano que
objetiva as suas capacidades autopoiéticas (JOSSO, 2004, p. 38).
Essa perspectiva metodológica visa olhar para o processo de formação de adultos de
outro patamar, pois ao relatar a sua história de vida, um professor, em tom anedótico,
consegue extrair as recordações-referências que se consistiram em experiências e, por sua vez,
em momentos de formação. Neste processo, quem está relatando a sua história de vida
aprende duas vezes: uma, ao reconhecer as recordações-referências como processo formativo
e; outra, ao aprender pelo ato de lembrar e refletir sobre estas recordações. Isto consiste num
processo rico de formação.
Segundo essa mesma autora:
Formar-se é integrar-se numa prática o saber-fazer e os conhecimentos, na
pluralidade de registros a que acabo de aludir. Aprender designa, então, mais
especificamente, o próprio processo de integração. [...]
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Começamos a perceber que o que faz a experiência formadora é uma aprendizagem
que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e
significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a
oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de
uma pluralidade de registros (JOSSO, 2004, p. 39).
Segundo a linha de raciocínio de Josso, podemos considerar a metodologia de histórias
de vida como um processo de aquisição de conhecimento, pois:
[...] as recordações-referências podem servir, no tempo presente, para alargar e
enriquecer o capital experiencial. [...] a história da nossa formação e a compreensão
dos nossos processos de formação e de conhecimento podem ser transformadas e
enriquecidas por meio de uma leitura original. Ao retomarmos os materiais da
narrativa sob o ângulo de um itinerário de conhecimentos, e logicamente, de pontos
de vista possíveis sobre realidade de vida, é possível ficarmos atentos aos registros
desenvolvidos ou ignorados, aos interesses de conhecimentos recorrentes, e às
valorizações orientadoras. Enfim, esse modo de reconsiderar o que foi a experiência
oferece a tomada de consciência do caráter necessariamente subjetivo e intencional
de todo e qualquer ato de conhecimento, e do caráter eminentemente cultural dos
conteúdos dessa subjetividade, bem como da própria idéia de subjetividade (Op. cit.,
p. 44).
Particularmente, no nosso caso, fomos convidadas a redigir a nossa história de vida
como um exercício de uma disciplina do mestrado denominada Aprendizagem de Adultos. No
ato de escrever, mobilizamos todas as recordações que compõem a nossa vida e ao decompô-
las, pelo ato de ler, tivemos, pela primeira vez, conhecimento de nós mesmas. Foi como se, a
partir de então, pudéssemos nos apropriar de nossa história e do conhecimento que
acumulamos.
Ao redigir uma história de vida relatamos os momentos marcantes, bons ou ruins,
que nos fizeram crescer, ou seja, momentos que nos desestabilizaram e fizeram com que
mudássemos os nossos referenciais de segurança. Esses momentos se constituem em
processos formativos riquíssimos que devem ser refletidos e aproveitados pelos formadores.
Como podemos fazer para que os educadores mudem os seus referenciais de segurança?
Possibilitando que eles tomem contato com a sua própria história e percebendo como se
delineou o seu processo de formação? E qual o papel do supervisor ou do formador em tudo
isso?
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Acreditamos que possamos propiciar aos docentes vivências que se tornem
experiências, utilizando as próprias histórias de vida como metodologia de formação. Mas
como se delineiam esses processos?
Marie-Christine Josso (2004) apresenta uma metodologia de trabalho que se
caracteriza em três veis: nível 1- evidência do processo de formação; nível 2- evidência do
processo de conhecimento; nível 3- evidência dos processos de aprendizagem.
O nível 1 desdobra-se em quatro fases, sendo duas orais e duas escritas, e caracteriza-
se por uma primeira tomada de conhecimento relativa aos acontecimentos da vida como
processos formativos e tem como objetivos:
o Apresentar o conhecimento da formação de si por meio de recordações
relativas a atividades, contextos e situações, encontros, pessoas significativas,
acontecimentos pessoais, sociais, culturais ou políticos; recordar-se de si para si
mesmo, numa partilha com outros, bem como na diferenciação e na identificação
com as recordações dos outros;
o Revisitar o conhecimento desse “si” por meio do que diz dele a narrativa
considerada no seu movimento geral e nas suas dinâmicas, nas suas periodizações,
nos seus momentos-charneira (processo de formação), a fim de extrair, a partir daí,
as características identitárias e as projeções de si, as valorizações que orientaram as
opções, os elementos de auto-retrato que dão os contornos de uma personalidade;
o Reinterrogar o conhecimento de si mesmo no jogo das
semelhanças/diferenças provocadas pela comparação com as outras narrativas
(JOSSO, 2004, p. 69).
O nível 2 se refere a um processo de conhecimento que se caracteriza por quatro
aspectos:
o Tomada de conscncia dos referenciais (saberes, ideologias, crenças) aos
quais aderimos;
o Tomada de conscncia da cosmogonia na qual nos inscrevemos do seu
caráter cultural e das concepções da causalidade que caracterizam a nossa relação
com a mudança;
o Tomada de consciência da nossa maior ou menor disponibilidade para com
referenciais, e/ou que põem em questão a coerência da nossa hierarquia conceptual;
o Tomada de conscncia das situações, dos acontecimentos, dos encontros que
colocaram em questão ou fizeram evoluir os nossos referenciais, da crise
epistemológica que eles provocaram, assim como os reajustes que tiveram que ser
feitos (op. cit, p.77).
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O nível 3, o mais complexo de todos, se caracteriza igualmente por quatros aspectos:
o Tomada de consciência das suas estragias nos três gêneros de
aprendizagem;
o Tomada de conscncia de sua postura de aprendente;
o Tomada de conscncia de recursos afetivos, motivacionais e cognitivos que
devemos mobilizar para efetuar uma aprendizagem, e das competências genéricas
transversais a mobilizar;
o Tomada de consciência das escolhas de níveis de mestria visados e das etapas
do processo de aprendizagem que lhes correspondem (JOSSO, 2004, p.82).
Esse processo retroativo elucidado em três níveis convoca a pessoa a ser sujeito de si e
a tomar as rédeas de sua vida, entendendo-a como meio para um processo formativo por se
fazer, à medida que se reconhece os meandros pelos quais se foi formado na relação consigo,
com os outros, com a sociedade, com a natureza, ou seja, uma cosmogonia formativa que
apela para a prontidão. É preciso estar pleno para entender a sua própria trajetória de vida
como um processo formativo, que possibilita que transformemos vivências em experiências.
Mas o que é experiência?
Bondía diferencia experiência de vivência e de acontecimento, para ele:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um
gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm:
requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte
do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p.
24).
Josso também compreende experiência de uma maneira semelhante:
No trabalho biográfico esse conceito de experiência é utilizado para articular o
processo de formação e o processo de conhecimento. Entramos, pois, naquilo que se
torna experiência. O primeiro momento de transformação de uma vivência em
experiência inicia-se quando prestamos atenção no que se passa em nós e/ou na
situação na qual estamos implicados, pela nossa simples presença. A nossa atenção
consciente é de algum modo solicitada, quer nos apercebamos de uma diferença que
julvamos já ser do domínio do conhecido segundo a concepção de G. Bateson ,
quer porque uma emoção emerge com suficiente intensidade para que sejamos
afetados por ela. Este primeiro momento de tomada de consciência encaixa-se quase
imediatamente, salvo nos estados de choque, numa atividade mental de tipo
intelectual que tenta rotular a percepção e que, ao fazê-lo, procura também dar
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sentido ao que se passou. É, pois, nesta não relação imediata entre um
acontecimento interior e/ou exterior, na sua classificação na nossa geografia
conceitual e na sua atribuição de sentido que pode constituir-se a experiência
propriamente dita (JOSSO, 2004, p.73, grifo do autor).
Proporcionar que os professores tornem suas vivências em experiências é repensar a
própria formação. É dar voz aos que, durante décadas, foram sufocados por projetos de
formação ditatoriais que falavam em nome da ciência moderna e negavam ao docente o
direito de apropriar-se de sua ppria trajeria, que era desvalorizada.
Propiciar isso aos docentes é inverter a própria ótica da formação como ela tem sido
feita pelas secretarias de estado de educação. É devolver a vida a esses docentes, é extrair
deles a tomada de consciência de si, é visualizar o modo pelo qual ele se tornou o professor
que ele é, é extrair os referenciais de vida que o guiaram, é também proporcionar momentos
de reflexão sobre estes referenciais, possibilitando mudanças que se operam de dentro para
fora, nos momentos em que nos sentimos tocados pelas experiências que estamos vivendo.
Mas as práticas de si que levam a um processo de auto conhecimento são antigas,
remontam à Antigüidade Clássica. Voltaremos a ela sob a perspectiva de Foucault (2004),
fazendo um levantamento histórico dos momentos em que os homens se debruçaram sobre si
mesmos para se autoconhecerem.
V. O cuidado de si como um caminho para o conhece-te a ti mesmo
Em a “Hermenêutica do Sujeito”, Foucault (2004), em um curso dado no College de
France, em 1982, reapresenta o princípio filosófico do cuidado de si que precede o princípio
délfico do conhece-te a ti mesmo. O fisofo afirma que o conceito do cuidado de si fora
marginalizado pelos filósofos, quando estes começaram a privilegiar o conhece-te a ti mesmo
num momento da história que ele denomina como “cartesiano”, em que, por meio do método
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proposto por Descartes, estes filósofos chegavam ao conhecimento, priorizando, sobretudo, a
razão.
Foucault (2004) relata que estes dois princípios estão relacionados entre si e que o
cuidado de si antecede o conhece-te a ti mesmo. O autor situa Sócrates como o homem que
desperta nos sujeitos a preocupação com o cuidado de si. Para tanto, pauta-se no texto de sua
defesa quando da sua morte e no texto platônico Alcebíades. Segundo o autor, a noção do
cuidado de si contém;
∙Primeiramente o tema de uma atitude geral, um certo modo de encarar as coisas, de
estar no mundo, de praticar ações, de ter relações com o outro. A epiméleia heautoû
(cuidado de si) é uma atitude - para consigo, para com os outros, para com o
mundo.
∙Em segundo lugar, a epiméleia heautoû é também uma certa forma de atenção de
olhar. Cuidar de si mesmo implica que se converta o olhar, que se conduza do
exterior para... eu ia dizer “o interior”; deixemos de lado esta palavra (que, como
sabemos, coloca muitos problemas) e digamos simplesmente que é preciso
converter o olhar, do exterior, dos outros, do mundo etc. para si mesmo. O cuidado
de si implica uma certa maneira de estar atento ao que se pensava e ao que se passa
no pensamento. um parentesco da palavra epiméleia com mélete, assunto que
trataremos de elucidar.
∙Em terceiro lugar, a noção de epiméleia não designa simplesmente esta atitude
geral ou esta forma de atenção voltada pra si. Também designa sempre algumas
ações, ações que exercidas de si para consigo, ações pelas quais nos assumimos,
nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos transfiguramos. Daí,
uma série de práticas que são, na sua maioria, exercícios, cujo destino (na história
da cultura, da filosofia, da moral, da espiritualidade ocidentais) será bem longo.
São, por exemplo, as cnicas de meditação, as de memorização do passado, as de
exame de consciência, as de verificação das representações na medida em que elas
se apresentam ao espírito (FOUCAULT, 2004, p. 14-5).
Com relação ao cuidado de si na análise de Foucault do texto Alcebíades, uma
crítica à educação ateniense quando esta é comparada à espartana e a dos persas. Com relação
à educação dos príncipes persas, o autor reconhece quatro tipos de mestres:
Do lado dos persas também e é interessante a passagem a respeito as vantagens
de educação recebida são muito grandes; educação que concerne ao rei, ao jovem
príncipe, que desde a (mais) tenra idade enfim, desde a idade de compreender é
cercado por quatro professores; um que é o professor da sabedoria (sophia), outro
que é o professor de justiça (dikaiosýne) o terceiro que é mestre de temperança
(sophrosýne), e o quarto, mestre de coragem (op. cit., p. 45).
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Estes quatros tipos de mestria (sabedoria, justiça, temperança e coragem) devem fazer
parte da formação do supervisor sobre o qual falamos acima. Mas acrescentaria também a
sabedoria que denominamos de ética e estética. Quando falamos de ética não falamos da ética
neoliberal, mas da ética inerente à formação do sujeito e da estética que permite ao sujeito ver
as feiúras e belezas do mundo (FREIRE, 2003).
Este tipo de mestria colocava a educação ateniense em xeque. Os cidadãos jovens
que iam ingressar na vida política não tinham o menor conhecimento do que é bem governar
a cidade, porque desconheciam a si mesmos. D o papel de Sócrates que interpela Alcebíades
e o conduz a ocupar-se consigo mesmo (FOUCAULT, 2004). Para se ter esse conhecimento é
necessário governar a si e para governar a si mesmo é preciso conhecer a própria alma.
[...] é preciso saber o que é heautón, é preciso saber o que é o eu. Portanto, não
como “que espécie de animal és, qual é a tua natureza, como és composto?”, mas
“[qual é] esta relação designada pelo pronome reflexivo heautón, o que é esse
elemento que é o mesmo do lado do sujeito e do lado do objeto?”. Tens que ocupar-
te consigo mesmo: é tu que te ocupas e, não obstante, tu te ocupas com algo que é a
mesma coisa que tu mesmo, [a mesma coisa] que o sujeito que “se ocupa com”, ou
seja, tu mesmo como objeto (op. cit., p.66).
A formação dada por Sócrates aos cidadãos gregos visa a boa governabilidade da
cidade: é preciso saber como fazê-la mediante um processo que leva ao auto-conhecimento:
Entretanto pode-se dizer que no tipo de cuidado de si do Alcebíades temos uma
estrutura um pouco complexa na qual o objeto do cuidado é o eu, mas a finalidade
é a cidade, onde o eu pudesse ser tanto objeto quanto finalidade, finalidade contudo
unicamente porque havia a mediação da cidade (ibid., p. 103).
Se na Atenas socrática a preocupação era com a falha pedagógica que levou o cidadão
grego a não se conhecer e nem a saber como governar daí a preocupação de Sócrates que o
levou a preocupar-se consigo mesmo –, nos séculos I e II da nossa era, existiu uma difusão de
práticas de si, com outra finalidade:
Primeiro, ocupar-se consigo tornou-se um princípio geral e incondicional, um
imperativo, que se impõe a todos durante todo o tempo e sem condição de status.
Segundo, a razão de ser de ocupar-se consigo não é mais uma atividade bem
particular, a que consiste em governar os outros. Parece que ocupar-se consigo,
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não tem por finalidade última este objeto particular e privilegiado que é a cidade,
pois, se ocupa consigo agora, é por si mesmo e com finalidade em si mesma [...].
[...] Agora, porém, creio que podemos dizer e tentarei lhes mostrar que, no
cuidado de si da forma como foi desenvolvido pela cultura neoclássica no
florescimento da idade de ouro imperial, o eu aparece tanto como objeto do qual se
cuida, algo com que se deve preocupar, quanto, principalmente, como finalidade
que se tem em vista ao cuidar-se de si. Por que se cuida de si? Não pela cidade. Por
si mesmo (FOUCAULT, 2004, p. 103).
Sendo assim, no Alto Império Romano, as práticas de si difundiam-se como um
processo de abertura com finalidade em si mesmo, mas que abrangia uma parcela maior da
população e não apenas o cidadão. As práticas de si não eram apenas destinadas aos jovens
que iam governar a cidade, mas abrangiam também os homens maduros sendo difundidas a
idéia de que o cuidado de si deveria ser uma preocupação para a vida inteira.
Este grupo de homens maduros que buscavam, por meio de técnicas, conhecer-se,
lembra-nos do conceito de processo de individuação postulado por Jung e difundido por Von
Franz (1964). O processo de individuação começa a aparecer na segunda metade da vida e
consiste em um processo no qual o consciente se encontra com o inconsciente e com a
sombra, em que, por meio de uma amplificação da consciência, o sujeito toma conhecimento
de si e modifica-se mediante o processo de reflexão que o levou a ter este conhecimento.
Este conceito faz com que vejamos estas práticas de si como um prenúncio do
conhece-te a ti mesmo, como relação, processo de amplificação da consciência que leva a
uma posterior reconstelação, ou seja, ver a si mesmo de outra forma. Neste contexto, o Self
mostra-se de maneira autêntica:
O pião gira sobre si, mas gira sobre si justamente como não convém que giremos
sobre nós. O que é o pião? É alguma coisa que gira sobre si por solicitação e sob
o impulso de um movimento exterior. Ademais, girando sobre si, ele apresenta
sucessivamente faces diferentes às diferentes direções e aos diferentes elementos
que lhe servem de circuito. E por fim, embora permaneça aparentemente imóvel,
na realidade o pião está sempre em movimento. Ora, contrariamente ao movimento
do pião, a sabedoria consistirá em não se deixar jamais ser induzido a um
movimento involuntário por solicitação ou impulso de um movimento exterior.
Pelo contrário, será preciso buscar no centro de nós mesmos o ponto no qual nos
fixaremos e em relação ao qual permaneceremos imóveis. É na direção de si
mesmo ou do centro de si, é no centro de si mesmo que devemos fixar nossa meta.
O movimento a ser feito de ser então o de retornar a este centro de si para
nele mobilizar-se e imobilizar-se definitivamente (FOUCAULT, 2004, p. 255).
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Concordamos com Foucault no que se refere ao chegarmos ao centro de nós mesmos,
mas, no processo de individuação, essa chegada ou essa busca não imobiliza, mas transfigura
o sujeito para que ele seja ele mesmo, se buscando e se reformulando para o resto da vida.
Se as práticas de si no Alto Império tinham uma finalidade em si mesmas; no
cristianismo, as práticas de si levam a uma renúncia de si. Agora o aprendizado está na
pregação, na palavra, no texto (Bíblia) e as práticas de si visam a salvação e a santificação dos
que as praticam:
Diante deste modelo ou ao lado, ou melhor, tardiamente, em relação a ele -
formou-se, a partir dos culos III-IV o modelo cristão. Melhor seria dizer
“ascético- monástico, de preferência a cristão no sentido geral do termo. Todavia,
para começar, chamemos de cristão. O modelo cristão do qual, se tivermos tempo,
lhes falarei com mais detalhes de que maneira se caracteriza? Pode-se dizer,
creio, que neste modelo o conhecimento de si está ligado, de modo complexo, ao
conhecimento da verdade tal como é dada no Texto e pela Revelação, que este
conhecimento de si é implicado, exigido pela necessidade. De que o coração seja
purificado para compreender a Palavra; que só pelo conhecimento de si ele pode ser
purificado; que a Palavra precisa ser recebida a fim de que se possa empreender a
purificação do coração e realizar o conhecimento de si. Se quisermos promover
nossa própria salvação,devemos acolher a verdade a que nos é dada no Texto e a
que se manifesta na Revelação. Mas não podemos conhecer esta verdade se não nos
ocuparmos com nós mesmos na forma de conhecimento purificador do coração.
Em troca, este conhecimento purificador de si por si mesmo é possível sob a
condição de que tenhamos uma relação fundamental com a verdade, a do Texto
e a da Revelação. É esta circularidade que, ao meu ver, constitui um dos pontos
fundamentais das relações entre cuidado de si e conhecimento de si no cristianismo.
Em segundo lugar, no cristianismo, este conhecimento de si, é praticado atras de
técnicas cuja função essencial consiste em dissipar as ilusões interiores, reconhecer
as tentações que se formam no próprio interior da alma e do coração, assim como
frustrar as seduções de que podemos ser vítimas. E o todo, para tudo isto, é o da
decifração dos processos e movimentos secretos que se desenrolam na alma, dos
quais é preciso apreender a origem, a meta, a forma. Necessidade, portanto, de uma
exegese de si. Este, o segundo ponto fundamental do modelo cristão das relações
entre conhecimento de si e cuidado de si. O terceiro, por fim, é que no cristianismo o
conhecimento de si não tem tanta função de voltar ao eu para, em um ato de
reminiscência, reencontrar a verdade que ele contemplara e o ser que ele é: retorna-
se a si, como lhes disse a pouco, para essencial e fundamentalmente, renunciar a si.
(FOUCAULT, 2004, p. 311).
As práticas de si tinham como preocupação eliminar uma falha pedagógica,
Agora vemos que métodos autobiográficos postulados por Josso (2004) levam os docentes a
terem contato consigo mesmos e, hoje, a pedagogia não se preocupa com os métodos de
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ensinar, mas engloba o sujeito por inteiro e, ao englobar o sujeito por inteiro, traz à luz o
inconsciente e as matrizes pedagógicas destes sujeitos.
VI. Matrizes Pedagógicas
Furlanetto (2003) discorre sobre os processos de formação, abarcando as suas
dimensões conscientes e inconscientes, tentando perceber as nuances, os mosaicos que
emergem nesses processos formativos e que nos conduzem por caminhos singulares numa
busca de ser /tornar-se um professor diferente dos demais ou, pelo menos, do que nós éramos
até então.
Essa busca não se faz de uma hora para outra, nem se trata de um caminho fácil de
seguir, mas se torna imprescindível para alguns que sentem essa necessidade, às vezes por
vontade própria, às vezes por contingências da vida.
Para a autora, a busca de aprendizagem não consiste apenas numa dimensão racional,
mas “engloba-nos por inteiro, configurando-se como um ato profundamente amoroso. É um
ato de amor a si mesmo, de amor à vida e a tudo que ela abarca” (FURLANETTO, 2003, p.
5).
A aprendizagem nos envolve por inteiro, incluindo tanto as dimensões racionais,
conscientes, mas também os sentimentos e as regiões mais obscuras, inconscientes.
Ao entrar numa sala de aula, todas essas dimensões que nos formam como sujeito
aparecem e formam um jogo que, talvez, não conheçamos nem saibamos como jogá-lo. Dar
vazão às dimensões inconscientes dos processos formativos é possibilitar que nós nos
vejamos de outro lugar, trazendo para a consciência outras dimensões que fazem parte de nós
mesmos, inclusive as sombrias, pois:
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[...] quando aprendemos, entregando-nos aos sinais e, lendo os indícios,
transcendemos e descobrimos outros níveis de realidade, que permitem que
estabeleçamos conexões e reinventemos sentidos, recriando-nos nesse processo
(FURLANETTO, 2003, p. 5).
Neste sentido, temos que olhar a formação do professor de outro lugar, incluindo o
papel do professor como aprendiz, entendendo esse professor como sujeito multifacetado,
singular, plural nas atitudes, dotado de subjetividade, de onde se podem extrair vivências,
teorias, valores, visto que:
A subjetividade humana está se reorganizando a partir de outras maneiras de se
perceber, de perceber o real e, também, de aprender. A complexidade, a diversidade,
a fugacidade e a exceção, até então desconsideradas, passam a ser vistas como
desafios a serem compreendidos. Os sujeitos descobrem não serem exclusivamente
racionais, centrados no eu, com uma identidade estática, começam a se reconhecer
como seres paradoxais, com consciência e inconscientes, em processo de recrião
constante pautados nas relações dialéticas que estabelecem consigo mesmo, com
outros sujeitos e com a natureza (Op. cit., p. 14).
Portanto, a subjetividade não pode ser ignorada. O caminho que percorremos, que nos
fez ser quem somos tem de ser lavado em consideração como um viés para o processo
formativo. Trazer esse percurso para a consciência possibilita que o sujeito aprenda novas
possibilidades de ser/estar no mundo.
Ao tentar compreender os processos formativos dos adultos, Furlanetto apóia-se,
sobretudo, em Carl Gustav Jung que:
Concebia a Educação não como um espaço para criar autônomos, mas para
possibilitar que o indivíduo se configurasse como um ser único, capaz de destacar-
se da consciência coletiva, e para isso seria necessário que os professores não
fossem meros repetidores de métodos. Já, em meados do culo XX, percebia a
necessidade da formação do professor ser repensada, na medida em que não deveria
pautar-se somente em conhecimentos técnicos, porém favorecer uma maior
expansão da consciência. [...]
Jung remete-nos a um modo indireto de educar os adultos; ele refere-se ao fato de
que o adulto é responsável pela sua própria educação. O verdadeiro adulto não se
contenta em ser mero repetidor de cultura, mas deseja produzir cultura e faz isso a
partir de seu próprio desenvolvimento. Ao expandir-se no contato com o outro,
transforma-se e transforma o outro. Para que um adulto possa responsabilizar-se pela
sua educação, é necessário que busque se conhecer. Todavia, esse não é um
processo simples, exige a coragem de nos defrontarmos com nossos aspectos
criativos e sombrios. Conhecer-se implica vasculhar nichos de onde emergem
conteúdos confusos contendo falseamentos originados pelo desejo e pelo medo. Para
transpormos essa barreira criada pela nossa consciência, é importante que nos
remetamos a um outro nível de realidade que se mostra a partir dos símbolos que
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emergem, segundo Jung, nos sonhos de maneira mais explícita, mas que também
permeiam toda a nossa vida. [...]
Conhecimentos teóricos e técnicos não seriam suficientes para formar um educador.
Como analista, Jung era um grande conhecedor dos processos existenciais vividos
pelos adultos e sabia que a aprendizagem está profundamente imbricada nos
processos de ampliação da consciência e que esses movimentos não ocorrem sem
que o adulto assuma seus próprios processos de transformação. [...] No entanto, o
autor abre novas possibilidades de pensamento quando nos remete ao fato de que o
adulto contribui para o aperfeiçoamento de sua cultura desenvolvendo-se e para que
isso ocorra, os conteúdos internos necessitam ser acolhidos e compreendidos, pois a
relação estabelecida pelo adulto com seus alunos está permeada por suas vivências
anteriores. Alerta-nos também para a dificuldade que enfrentamos ao buscar
vivenciar processos de ampliação da consciência que poderiam ser traduzidos para
processos de aprendizagem, pois esse movimento implica vasculhar nichos que
articulam conteúdos criativos, mas também defensivos, emaranhados às emoções
que provocam. Ele nos fala da importância de irmos em busca dos símbolos que
transcendem o patamar da consciência, e cuja elaboração pode favorecer a vivência
desse processo (FURLANETTO, 2003, p.21-2).
Esse acolher os conteúdos internos dos professores redimensiona o conceito de
formação, possibilita que o professor se conheça e veja seu percurso, como alguém que se
volta para o espelho e consegue ver através da “persona
4
e dizer: olha, eu sou assim ou foi
assim que a vida, a natureza, as pessoas e eu mesmo fizeram de mim. Esse perceber-se
promove mudanças e permite que olhemos numa outra dimensão, que consideramos mais
humana.
Ao acompanhar os processos formativos de professores, Furlanetto, que não se
contentou em promovê-los num viés apenas da ciência moderna, mas sim em extrapo-los,
conseguiu perceber quão ricos e singulares esses processos são e então, em seu doutoramento,
observou que os professores tinham uma espécie de professor interno e que nesses processos
4
Persona era o nome da máscara que os atores do teatro grego usavam. Sua função era tanto dar ao ator a
aparência que o papel exigia, quanto amplificar sua voz, permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores. A
palavra é derivada do verbo personare, ou "soar através de".
Por extensão, designa um papel social, ou um papel interpretado por um ator.
Neste mesmo sentido, na Psicologia Analítica (Jung), é dado o nome de persona à função psíquica relacional
voltada ao mundo externo, na busca de adaptação social. Nesta acepção, opõe-se à sizígia (animus/anima),
responsável pela adaptação ao mundo interno. No processo de individuação, a primeira etapa é, justamente, a
elaboração da persona desenvolvida, em termos de sua relatividade frente à personalidade como um todo. Nos
sonhos, costuma aparecer sob várias imagens/formas.
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existem as matrizes pedagógicas destes professores, que são espaços reflexivos e
experienciais aonde a prática deles é gestada.
A autora atesta que:
[...] as matrizes pedagógicas de cada professor não começam a se constituir nos
cursos de formação, mas estão enraizadas em instâncias muito mais profundas de
sua psique e o ganhando formas pessoais, conforme ele vivencia situações de
aprendizagem nas quais foi constelado o Arquétipo do Mestre-Aprendiz, o que
ocorre desde o início da vida. Esse arquétipo faz-se presente quando os sujeitos
disponibilizam-se a prender uns com os outros. Ele provoca uma relação que
transcende o Ego, transformando os que dela participam em atores-autores de uma
peça há muito encenada pela espécie humana (FURLANETTO, 2003, p. 29).
As matrizes pedagógicas podem ser compreendidas como nichos, nos quais são
gestados e guardados os registros sensoriais, cognitivos e simbólicos vividos pelos
sujeitos ao transitarem nos espaços intersubjetivos, onde se constela o arquétipo do
Mestre-Aprendiz (Furlanetto, 2001). Ao retornarmos às matrizes pedagógicas,
desconfigurando-as por vezes, reconfigurando-as sempre, acreditamos que podemos
desencadear movimentos de regeneração e transformação. Esse processo pode ser
vivido desde que o sujeito vivencie situações que o levem à investigar esses nichos
para que ele possa retornar transformado dessa exploração (Op. cit., p. 32).
São justamente desses nichos que queremos fazer uma leitura no que diz respeito aos
professores de Artes que trabalham com a linguagem teatral. A leitura das matrizes
pedagógicas desses professores ao trabalharem com teatro constitui-se na pergunta que norteia
a nossa pesquisa.
A linguagem teatral sempre esteve presente em minha sala de aula, não como um
recurso didático, mas como linguagem a ser trabalhada. Ao lecionar português em escolas
particulares, dividia as aulas e sempre deixava pelo menos duas para trabalhar a linguagem
teatral, pois acreditava e acredito que a Arte tem contribuição única a ser dada à espécie
humana. Fazer, fruir e contextualizar Arte é uma modalidade de conhecimento que envolve o
sujeito por inteiro, ativando, sobretudo, a sua intuição.
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As minhas aulas de teatro baseavam-se nas aulas que eu tinha nas oficinas e cursos
que fazia. Minha intenção era proporcionar aos alunos as mesmas descobertas que tinha
nestes cursos, a fim de socializar esse tesouro, que é a capacidade de criação de personagens
por meio do seu próprio corpo. Posteriormente, busquei na literatura sobre esse tema,
embasamento para o meu trabalho Pude perceber, então, que minhas atividades estavam
referendadas em livros de diversos autores. Hoje, referendo minhas aulas em autores que se
dedicaram ao teatro-educação; no entanto, minhas experiências sempre permeiam o meu
planejamento, é impossível dissociá-los.
Sendo assim, compreender as minhas matrizes pedagógicas em relação ao ensino de
teatro me levou a fazer uma leitura das matrizes pedagógicas do professor de Artes que
trabalha com a Arte teatral. Queremos saber como se delineia o mosaico de sua formação,
queremos perceber os seus contornos e registrá-los por meio desta dissertação, mas para tanto,
ao lermos as entrevistas coletadas, percebemos que o discurso e a prática interdisciplinar se
faz presente. Buscaremos igualmente compreender este conceito – a interdisciplinaridade.
Para tanto, discutiremos interdisciplinaridade e seus meandros, mas não buscaremos
definir concretamente a própria interdisciplinaridade, visto que este conceito se amplia à
medida que sua prática vai sendo disseminada. Neste sentido, Fazenda (2003), discorrendo
sobre o processo de formação de parcerias entre sujeitos que querem trabalhar
interdisciplinarmente, revela:
A pesquisa interdisciplinar permite o desvelamento do percurso teórico-pessoal de
cada pesquisador que se aventurou a tratar das questões da educação, portanto,
admite a presença de inúmeras teorizações, o que inviabiliza a construção de uma
única, absoluta e geral teoria da interdisciplinaridade (FAZENDA, 2003, p. 74).
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VII. Interdisciplinaridade como relações de conhecimento
Ao se tratar o termo interdisciplinaridade, precisamos entender o processo social e
histórico que criou as disciplinas e mais, o caminho que a ciência moderna percorreu e que
levou à fragmentação do saber e da maneira de conhecer.
Se hoje se faz necessária a busca da rearticulação entre as áreas do saber e de difusão
de uma prática interdisciplinar iniciada por meio de uma atitude diferenciada diante dos
aspectos do conhecer, é porque isto é uma necessidade das relações com o saber da
atualidade.
Sendo assim, ao se falar de interdisciplinaridade e da sua necessidade, faz-se
necessário falar do movimento histórico que levou à disciplinaridade e à fragmentação do
saber.
O século XVIII foi palco de revoluções históricas (a francesa e a industrial) que
modificaram a maneira pela qual a sociedade se organizava. Se antes os laços de sangue
justificavam a permanência de um individuo em um determinado estamento, com essas
revoluções, o sujeito se descobre senhor de seu próprio destino, capaz de conduzir a sua
trajetória.
Para tanto, para que essas revoluções ocorressem, foi necessária outra revolução,
interna, ocorrida na intelectualidade da época, que serviu de diretriz para ambas.
Tanto a revolução francesa, apoiada nos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade,
quanto à revolução industrial tinham como estofo um modelo de homem pautado na razão.
Este homem é sujeito de si e pensa e, por ser capaz de pensar, pode decidir por si mesmo o
rumo de sua vida.
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A visão mística da realidade que imperava na Idade Média, em que uma entidade
(Deus) onipresentemente guiava os nossos passos e ditava o nosso destino, cede lugar ao
homem racional.
Sendo assim, a maneira medieval de relação com o saber, "as sete artes liberais"
(trivium e quadrivium), desenvolvida nas universidades que primavam pela formação do
espírito do literato, não dava conta de formar o novo homem, reconhecedor de si como sujeito
da história, modificador do seu meio e da natureza.
Então, os intelectuais do século XVIII abrem espaço para a era moderna. Pineau
(2000), ao retratar o Sentido do Sentido, recupera a maneira como as sociedades ocidentais,
nos diversos períodos históricos, viam essa questão. Com relação à era moderna diz;
No século XIX, para colocar ordem nas desordens trazidas pelas revoluções socais e
intelectuais, que, entre outras coisas, tiram a teologia e depois a filosofia de seu
trono, uma outra divisão do górdio é proposta por Augusto Comte e é, em
seguida, amplamente adotada pelo mundo ocidental: a divisão positivista e
disciplinar da hierarquização das ciências, na qual a rainha passa a ser a matemática.
Essa classificação hierárquica das ciências está fundada no seguinte critério: a
dependência das ciências entre si conforme o grau de simplicidade e de generalidade
dos fenômenos estudados [...] a hierarquização positivista das ciências, colocando as
matemáticas no topo, foi construída explicitamente para fundar a razão social numa
racionalidade positiva, isto é, real, útil, certeira, precisa, organizadora. Em 1822,
Augusto Comte intitulou a primeira apresentação de seus trabalhos como 'Planos dos
trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade'. Para ele, essa
reorganização social só poderia ser feita por uma reorganização intelectual que faria
com que a humanidade atingisse a idade adulta científica, depois da idade teológica
da infância e da idade metafísica do adolescente (PINEAU, 2000, p. 32).
Como conseqüência deste modelo de sociedade, a sociedade moderna especializou os
saberes científicos a tal ponto, que um físico ou químico poderia dedicar a sua vida a estudar
um único aspecto de um átomo, esquecendo-se do átomo como um todo; um lingüista poderia
compreender a língua unicamente pela morfologia, esquecendo-se das demais áreas que
compõem o entendimento de uma língua.
Assim, ao mesmo tempo em que esses saberes especializados levaram a avanços
científicos e tecnológicos surpreendentes, como os vivenciados no culo passado e ainda
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vivenciados hoje, esse mesmo movimento causou forte angústia em relação ao saber; pois, ao
se especializar, o cientista acabava sabendo muito sobre um único aspecto de sua área, mas
perdia a relação com o todo.
De acordo com os positivistas, quem se especializava poderia refazer as ligações entre
o que se estudava e as demais áreas de sua disciplina e desta com as outras áreas do saber.
Mas, na prática, esse distanciamento e essa busca por uma visão mais global não se fez algo
fácil de se atingir.
O próprio avanço científico levara os estudiosos a questionarem as bases que
fundamentaram a prática da ciência moderna, ou seja, a busca da verdade mediante
comprovação empírica. No ramo da física, esse paradigma cai por terra, quando Einstein
descobre que a luz tem uma natureza dupla: ela pode ser considerada tanto como partícula
quanto como onda, de modo que o cientista, ao fazer um experimento, precisa decidir-se se
vai considerá-la como uma ou outra; mas ele sabe, no seu íntimo, que não consegue
identificar o que é a luz em si, tendo de estudá-la segundo uma de suas naturezas.
Essa descoberta abriu caminho para a crítica ao paradigma vigente, em que as
fragmentações produzidas por esse tipo de conhecimento foram reconhecidas como nocivas
ao próprio fazer científico. A busca da verdade universal cede lugar então à busca da verdade
transitória, que pode ser colocada por terra à medida que os estudos na área avancem. O rigor
encontrado nos experimentos e na necessidade de experimentação passa para o campo do
discurso: é ele, o discurso articulado e rigoroso, que assegurará e dará status a um estudo,
considerando-o como científico.
Neste contexto, surge a necessidade de resgatar as relações entre as disciplinas, ou
seja, de buscar uma visão mais holística do saber, em que os cientistas consigam rearticular
o conhecimento de sua especialidade com a área que estuda e desta com as demais.
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A interdisciplinaridade surge como caminho epistemológico de resgate de um saber
global que se aproxima da realidade daquilo que estudamos.
Ao se buscar uma visão globalizante, faz-se necessário rearticular os conteúdos
existentes numa mesma área (como a sintaxe e a morfologia que se fundem no estudo morfo-
sintático da língua) e das diversas áreas entre si (a física e a química que se articulam para
entender, por exemplo, o comportamento das partículas da água).
Mas será que apenas a integração entre os conteúdos é o suficiente para considerarmos
isso uma prática interdisciplinar?
De acordo com o fundador do Institut Jaques Rousseau e seu discípulo Piaget, a
integração entre os conteúdos seria capaz de assegurar a interdisciplinaridade. Mas veremos
que isso é apenas um dos aspectos que constituem este conceito.
Em "Fundamentos epistemológicos para a interdisciplinaridade", o pesquisador belga
Gerard Fourez faz uma interpretação francófona da interdisciplinaridade, baseada na busca de
sentido, faz sua análise do ponto de vista epistemológico e assegura que a mera integração
de conteúdos não responde às urgências teóricas atuais sobre a interdisciplinaridade. Para
tanto, ele se vale dos saberes representativos.
Ao se elaborar um raciocínio lógico sobre determinado problema que queremos
resolver, fazemos uso de conhecimentos representativos, que são modelos, ou seja,
“construções humanas destinadas a substituir fenômenos mais complexos na sua
singularidade” (FOUREZ, s.d., p. 2). Por exemplo, se vamos construir uma casa, podemos
pedir que o engenheiro e o arquiteto façam a planta dessa casa no computador para que nós
discutamos a melhor forma de dispor os cômodos e a melhor maneira de tornar esse projeto
funcional. Essa representação não é a casa real que vai ser construída. Esta é mais complexa
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que o modelo que usamos, mas este modelo é um artefato que nos serve para a discussão e
para que possamos resolver o nosso problema, que é a construção de uma casa.
Faz-se uso de uma planta como representação para construir uma casa, ao se fazer
ciência, utilizam-se representações científicas. Essas representações são construções humanas
e não consistem em verdades absolutas, mas estes modelos possibilitam que possamos intervir
no problema real que queremos resolver cientificamente. Por exemplo, ao analisarmos o
desenvolvimento de uma criança específica, nos valemos do modelo Piagetiano. Este modelo
transmite informações sobre crianças em geral e suas fases de desenvolvimento, de acordo
com a idade. Assim, nos valemos deste modelo para estudar a criança real, mesmo sabendo
que ela é mais complexa do que o modelo, mas sem este, fica difícil desvendar esse objeto de
estudo.
Toda disciplina, por ser constituída de representões, é limitada e, quando queremos
resolver um problema mais complexo, precisamos ir além dos conhecimentos disciplinares,
ou seja, precisamos fazer um estudo interdisciplinar de uma determinada situação.
Em uma abordagem interdisciplinar, os saberes de cada disciplina são respeitados e
serão utilizados em determinado contexto, para a resolução de uma situação singular e
específica. Por exemplo, para se resolver os problemas do “habitat” de uma região, reúnem-se
um biólogo, um geógrafo e um historiador. Os conhecimentos utilizados por cada especialista
serão apenas aqueles necessários para a resolução deste problema específico. A integração
destes saberes também será relativizada em relação à situação. Para tanto, faz-se necessária “a
construção de uma representação de um espaço de racionalidade” (FOUREZ, s.d., p.10)
comum entres os estudiosos, para que eles possam resolver a situação em questão. Este
espaço é o que Fourez chama de ilhas interdisciplinares de racionalidade.
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Então, a interdisciplinaridade é também integração entre sujeitos dispostos a percorrer
um caminho coletivo de construção do conhecimento por meio de pesquisa interdisciplinar.
VIII. Interdisciplinaridade como relações de trabalho e entre pessoas
A palavra relação, segundo o dicionário de ngua portuguesa on line, refere-se, entre
outras coisas, a “conexão; ligação entre pares de elementos; (no pl. ) convivência; (no pl. )
pessoa ou pessoas com quem se convive” e no ramo da psicologia é uma “expressão ligada à
racionalização e organização científica do trabalho, pretendendo, então, traduzir a importância
atribuída aos fatores humanos numa empresa” (Dicionário on line).
Mobilizada por esses sentidos, questionamos como é possível dar-se um
relacionamento profissional interdisciplinar. Quais são as suas características? Quais os seus
meandros?
Para que possamos produzir conhecimento ou projeto profissional interdisciplinar
precisamos nos abrir, como bem diz Fourez (s.d.), para a construção das “ilhas
interdisciplinares de racionalidade”, em que cada especialista poderá contribuir para esse feito
sob a ótica de sua especialidade, mas sabendo mesclar-se aos demais. Para tanto, não basta
boa vontade nem idealismo, é preciso que os sujeitos envolvidos se abram para essa
experiência.
Mas o que é experiência e experiência profissional? Será que é apenas o encontro entre
especialistas que discutem e articulam os seus problemas de trabalho? Veremos que não.
Bondía (2002) trata das questões educacionais não do binômio ciência/técnica, nem do
teoria/prática, mas do binômio experiência/sentido. Para tanto, critica o conceito de
pensamento do homem moderno:
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Pensar não é somente 'raciocinar' ou 'calcular' ou 'argumentar', como nos tem sido
ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos
acontece.[...] A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca
(BONDÍA, 2002, p.1).
E esse acontecimento, que se torna experiência, não parece algo cil de ocorrer na
sociedade baseada no binômio informação/opinião. A toda hora somos bombardeados por
milhares de informações novas e somos forçados, pelo tipo de formação que nos foi dada, a
emitir uma opinião o mais rápido possível sobre a informação que nos foi passada. Esse
processo cria um círculo vicioso em que o sujeito da informação fica imerso e não consegue
possibilitar que algo realmente aconteça para ele, ou seja, não consegue experienciar.
Para que algo lhe aconteça, passe ou lhe toque é preciso remar contra a maré dessa
sociedade. É preciso lutar contra o tempo, o tempo social, em que a velocidade das
informações impera, subjugando o sujeito e o impossibilitando de ter experiências. Faz-se
necessário parar, ver e olhar, ouvir e escutar, sentir, ou seja, mobilizar todas as esferas que
fazem do ser humano um sujeito para que, realmente, a experiência possa emergir e possa
tornar-se um aprendizado.
Neste sentido, as ilhas interdisciplinares de racionalidade seriam o espaço para que a
experiência integradora pudesse ocorrer, mas desde que os sujeitos estivessem dispostos a
isso. Para se construir um conhecimento interdisciplinar, baseado na construção coletiva, por
meio destas ilhas, é preciso que o sujeito se descole daquela sensação de nobreza que o saber
lhes dá. Aquela sensação arrogante que o faz sentir senhor de um conteúdo.
Quando estabelecemos parcerias dentro destas ilhas, entramos no espaço da
intersubjetividade. Nesse espaço, os sujeitos assumem uma postura de humildade ante a
questão do conhecimento. O saber não é mais deste ou daquele sujeito, é mobilizado pela
articulação dos saberes em questão. Temos um problema a ser resolvido e, para tanto,
necessita-se mobilizar os saberes de cada disciplina para resolvê-lo conjuntamente.
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Esse espaço de intersubjetividade se configura como um ambiente que possibilita o
surgimento da experiência, em que todos se aventuram e se deixam tocar pela possibilidade de
se construir algo novo mediante a necessidade de se resolver uma questão.
IX. Interdisciplinaridade na educação
Em termos de prática educacional, como podemos pensar a interdisciplinaridade?
Quem serão os sujeitos formadores das ilhas interdisciplinares? Voltemos à sala de aula.
Neste contexto, a interdisciplinaridade se na construção conjunta e irrestrita entre
professor e aluno. Ao primeiro cabem os seguintes papéis: o de abrir-se ao diálogo, o de
acolher o seu aluno e seus saberes locais, o de planejar e sistematizar com os seus alunos
esses saberes e os inter-relacionar com os saberes científicos. Ao segundo cabe a participação
e a abertura para a descoberta de seus próprios saberes e daqueles que não são seus. Aos dois,
a autoria. Neste processo, a palavra e o diálogo franco são soberanos.
Fazenda (2003) ressalta a importância deste diálogo:
Se a palavra tem sentido, se falar a alguém é, comunicar-se, se a palavra não tem
sentido se esvaziada, um programa de ensino linear que configure disciplinas
isoladas, incomunicáveis não tem sentido, é vazio.
Havendo encontro, havendo revelação de sentido, o homem se antropomorfiza, se
realiza, se universaliza. Se interdisciplinaridade, há encontro e a educação só tem
sentido no encontro, a educação se faz 'avec', ou seja, a educação tem sentido
na 'mutualidade', numa relação educador-educando em que haja reciprocidade,
amizade e o respeito mútuo. Numa educação antidialogicizante, há a frustração, o
bitolamento, a imbecilização. [...] no verdadeiro diálogo, no autêntico encontro,
a real interdisciplinaridade, ou melhor, educando e educador são sujeitos de uma
mesma situação e a eles em conjunto caberá a decifração do mundo (FAZENDA,
2003, p. 39).
Revisitando em nossa memória as salas de aula onde estivemos como professoras,
recordamos momentos em que este diálogo foi aberto. Ao abrir esse espaço, vemos a vida
invadindo a escola. As crianças pulsam com suas descobertas, o professor, feliz pelo interesse,
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pulsa e acolhe seus alunos com animação. Neste espaço, entre o professor e o aluno, produz-
se conhecimento. Este, não é mais velho e empoeirado, recolhido no livro didático, mas
emerge do livro para a vida de cada um dos sujeitos envolvidos.
Saudosas do nosso ofício, recuperamos a nossa razão e vemos que esses momentos,
que são a chave do processo educacional, ainda são raros no dia a dia escolar. Como fazê-lo
emergir mais vezes? Como recobrar o diálogo verdadeiro?
Terminamos este capítulo mobilizadas por estas perguntas, que não procuramos
responder já. Deixemos que estas dúvidas possibilitem que outras apareçam e, por meio delas,
possibilidades de respostas. Elas possibilitam que nos abramos para mais perguntas e que,
por meio do exercício do pensamento, possamos atingir outros patamares e pautar nosso fazer
na ação e não na mera atuação, resposta quase automática a um estímulo externo. É no plano
da ação pensada e refletida que a experncia interdisciplinar e educacional efetivamente se
faz.
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Capítulo 3: Percurso metodológico: em busca das matrizes pedagógicas
Não há vagas
Ferreira Gullar
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema
Não cabem no poema o gás
a luz e o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia a dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
-porque o poema, senhores
está fechado
“não há vagas”
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Em busca das matrizes pedagógicas do professor da rede estadual que ministra teatro,
percorremos uma trajetória de pesquisa que se caracteriza pelo seu aspecto qualitativo.
Segundo dke e André (1986), a pesquisa qualitativa permite ao pesquisador contato direto
com a situação a ser investigada. Nestes estudos, procura-se penetrar nos discursos dos
participantes e “capturar” as suas perspectivas e o significado que dão às suas vidas, a
maneira como encaram os fenômenos que estão sendo estudados. Segundo Lüdke e André:
Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as
evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento
teórico acumulado a respeito dele. Em geral isso se faz a partir de um estudo de um
problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita a sua
atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete
a construir naquele momento. Trata-se, assim, de uma ocasião privilegiada, reunindo
o pensamento e a ação de uma pessoa, ou de um grupo, no esforço de elaborar o
conhecimento de aspectos da realidade que deverão servir para a composição de
soluções propostas aos seus problemas. Esse conhecimento é, portanto, fruto da
curiosidade, da inquietação, da inteligência e da atividade investigativa dos
indivíduos, a partir e em continuação do que já foi elaborado e sistematizado pelos
que trabalharam o assunto anteriormente (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 1-2).
Ao realizarmos uma pesquisa, nos entregamos à questão que a norteou e podemos
verificar se as hipóteses que nos levaram a enfrentar essa empreitada correspondem ou não
àquilo que a pesquisa rigorosamente sistematizada revela. Para tanto, mais do que um
exercício de inteligência, precisamos da intuição e sensibilidade para que possamos rastrear
nos discursos do outro os símbolos que dela emergem.
Durante muito tempo, devido à divisão que o ocidente estabeleceu entre o objetivo e o
subjetivo, entre os produtores de conhecimento fechados em seus departamentos olhando a
realidade de cima de suas torres de marfim e docentes enquanto técnicos, a pesquisa foi
vista como privilégio para poucos, para os escolhidos. Porém, no viés qualitativo, verifica-se
uma inversão nestes valores:
[...] Nossa pesquisa, ao contrário, situa a pesquisa bem dentro das atividades normais
do profissional da educação, seja ele professor, administrador, orientador, supervisor
avaliador, etc. Não queremos com isso subestimar o trabalho da pesquisa como
função que se exerce rotineiramente, para preencher expectativas legais. O que
queremos é aproximá-la da vida diária do educador, em qualquer âmbito em que ele
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atue, tornando-a um instrumento de enriquecimento do seu trabalho. Para isto é
necessário desmistificar o conceito que a encara como privilégio de alguns seres
dotados de poderes especiais, assim como é preciso entendê-la como atividade que
requer habilidades e conhecimentos específicos (LÜDKE; ANDRE, 1986, p. 2).
Captar a complexidade dos fenômenos educacionais nos permite ver a realidade de
forma mais ampla. Ao invés de separarmos variáveis e entendê-las como se fossem estáticas,
podemos penetrar nos fenômenos educativos e perceber a sua fluidez e dinâmica e isso a
pesquisa qualitativa nos permite compreender.
I. Cenário
Como trabalhamos em uma oficina pedagógica, que tem por função a formação
continuada de professores, escolhemos este local como sede para a nossa pesquisa. A Oficina
Pedagógica é um setor da Diretoria Regional de Ensino do Sistema Estadual, no caso da nossa
pesquisa, ela se localiza na Diretoria Regional de Ensino Região Leste Um, da Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo. Essa oficina tem por função ministrar os
cursos organizados pela CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) como
também ministrar cursos criados e elaborados pelos próprios Assistentes Técnicos
Pedagógicos, lotados na Diretoria Regional.
A formação continuada dos professores ocorre de duas maneiras distintas: a primeira
refere-se à formação em servo, na qual o professor, ao invés de ir para a escola ministrar as
suas aulas, ele vai para a Oficina Pedagógica e participa dos processos de formação
desencadeados pelos Assistentes Técnicos Pedagógicos. Isso ocorre sem prejuízo salarial: o
professor recebe normalmente enquanto participa destes cursos de formação; a segunda
refere-se aos cursos desencadeados fora do horário de trabalho, com certificação. Servem para
a evolução funcional do professor, enquanto funcionário público detentor de uma carreira.
Neste cenário, nós, mestrandos e um ATP (Assistente Técnico Pedagógico)
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desenvolvemos um encontro de formação em serviço, que visava despertar o professor de
Artes para a utilização da linguagem teatral em sala de aula e suas possibilidades. Esse
encontro foi dividido em duas partes: uma teórica, que apresentava o panorama do teatro-
educação aos professores e outra, vivencial, em que os professores vivenciavam os jogos
propostos e descobriam empiricamente as possibilidades desta linguagem. Como neste
contexto participaram muitos professores de Artes, optamos por iniciar a seleção dos atores da
pesquisa. Para isto, foram aplicados questionários para a definição do perfil dos entrevistados.
II. O questionário
O questionário
5
foi concebido com perguntas abertas e fechadas, que consistiam em
apreender como o professor de Artes se utiliza do teatro em sala de aula. Queríamos, por
meio do questionário, definir o perfil do entrevistado. O questionário foi entregue aos
professores ao final do encontro sobre a linguagem teatral e vinte e três professores se
disponibilizaram a preenchê-lo. Além destes sujeitos, um docente de Artes da Rede Pública
Estadual que teve conhecimento da pesquisa por meio de um colega que fazia parte do grupo
pediu para participar. Como seu perfil se adequava à pesquisa (era professor de Artes e
desenvolveu um longo trabalho com a linguagem teatral), ele também respondeu o
questionário, totalizando 24 professores.
Por meio da leitura destes questionários pudemos selecionar os sujeitos que
participariam da entrevista. Os critérios de seleção foram:
- Concordância em participar da pesquisa;
- Desenvolvimento do trabalho com Teatro em Sala de Aula.
A partir do questionário, selecionamos 6 atores para a pesquisa. Referimo-nos a estes
professores como atores, porque eles participaram do processo de produção de dados, de
5
Anexo A.
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forma autônoma. Eles não são meros sujeitos, colaboraram e elaboraram os mbolos que
emergiram neste processo. O questionário nos permitiu tamm traçar o perfil inicial desses 6
professores.
Quadro 1 Formação dos professores
Formação acadêmica Formação complementar Especialidade
A1- Educação Artística A1- Ballet Stagium A1- Artes Plásticas
A2- Educação Artística e
Bacharelado em Artes Plásticas
A2 - não respondeu A2- Artes Plásticas
A3- Educação Artística A3- Dança e teatro A3- Música e teatro
A4- Educação Artística A4- não respondeu A4- Artes Plásticas
A5- Educação Artística A5- Circo, música e inglês A5- Artes Cênicas
A6- Educação Artística A6- Desenho, pintura e ballet
A6- Artes Plásticas
No quadro 1 podemos verificar que todos os professores têm habilitação em Educação
Artística, sendo quatro deles especializados em Artes Plásticas, um deles em Artes Cênicas e
outro em Artes Cênicas e Música. Quatro destes atores estão desenvolvendo sua formação
complementar em cursos de formação continuada, como o do Ballet Stagium, fazem também
cursos de sica, inglês e desenho, ou seja, estes quatro professores (A1, A3, A5 e A6) se
caracterizam por investirem em sua formação. Dois deles não participam de cursos
sistematizados de formação continuada ou não quiseram responder esse item do questionário.
Quadro 2 – Redes em que atuam e tempo de magistério
Redes em que atua Tempo de magistério Séries em que atua
A1- Estadual, municipal e
particular
A1- não respondeu A1- da primeira à oitava séries do
Ensino Fundamental
A2- Estadual A2- 16 anos A2- Ensino Fundamental e Médio
A3- Estadual A3- 15 anos A3- Ensino Fundamental e Médio
A4- Estadual e particular A4- 5 anos A4- Ciclo I- da primeira à quarta séries
A5- Estadual A5- 4 anos A5- Ciclo I- da primeira à quarta séries
A6- Estadual A6- 4 anos A6- Ciclo I- da primeira à quarta séries
O tempo de permanência destes professores na rede Estadual varia de quatro a
dezesseis anos. Sendo assim, temos dois professores com ampla experiência na rede Estadual
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e acostumados com suas contingências, enquanto os demais (com exceção de um, que não
respondeu a esse item) estão iniciando a carreira, enfrentando os desafios e delineando um
modo de ser professor, construindo o que, segundo Tardiff (2002), podemos denominar de
“habitus”. Dois destes professores (A1 e A4) acumulam cargo e dividem as atenções nas
diversas redes de ensino. Dois professores atuam tanto no Ensino Fundamental como no
Médio. Um atua no Ensino Fundamental e apenas três no Ciclo I do Ensino Fundamental (da
primeira à quarta séries).
Quadro 3 Freqüência do trabalho com teatro
Sujeitos Esporádico Permanente Bimestralmente
A1 X
A2 X
A3 X
A5 X
A5 X
A6 X
No quadro 3, podemos perceber que a periodicidade do trabalho com a linguagem
teatral é diversa: cada professor delineou a freqüência de trabalho com a linguagem teatral. O
trabalho com essa linguagem não acontece da mesma forma: dois professores trabalham teatro
de forma esporádica, dois de forma permanente e dois bimestralmente. Isto revela as
concepções e a importância que esses professores dão à linguagem teatral. Existe um mito na
Rede de que, para seguir o que diz os Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes, cada
linguagem deve ser trabalhada em um bimestre, o que mostra uma incompreensão do texto
que serve como norteador do trabalho do professor de Artes em sala de aula. Esta
interpretação está incorreta, porque isto não esdito nos Parâmetros.
Quadro 4 Bases teóricas que fundamentam o trabalho com teatro em sala de aula
Teorias teatrais que fundamentam o trabalho do professor com teatro
A1- Peter Slade
A2- Peter Slade, Viola Spolin, Augusto Boal
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A3- Teatro improvisacional
A4- Viola Spolin, Ingrid Dormien Koudela, Alexandre Matte e Olga Revervel
A5- Viola Spolin
A6- não respondeu
No quadro 4 percebemos que os professores de Arte conhecem os principais teóricos
que desenvolveram metodologias de ensino da linguagem teatral. Apenas um ator não fez
menção às referências teóricas.
Quadro 5 – Vivências (Bases não teóricas do trabalho com teatro em sala de aula)
Influências não teóricas no trabalho
A1- Filmes antigos
A2- Cinema e teledramaturgia
A3- não respondeu
A4- Resgate da experiência como ator amador e profissional
A5- Resgate da experiência da faculdade de Artes Cênicas
A6- Resgate da experiência em teatro do tempo de faculdade
Vemos no quadro 5 que as vivências não teóricas formam um fator que influencia a
atividade do professor em sala de aula. Três deles se remetem às experiências vividas a partir
do lugar de quem aprende: remetem às memórias dos cursos de Graduação. A atriz 1 se refere
à filmes antigos; o ator 3, à sua formação como ator amador e profissional e o ator 2, ao
cinema – de modo geral – e a teledramaturgia. Um dos atores não respondeu.
Pela leitura dos questionários, vemos duas vertentes que convergem no trabalho destes
professores de Artes com teatro em sala de aula: uma delas é acadêmica, apoiada na formação
universitária e em livros de figuras renomadas, que sistematizaram o ensino de teatro em sala
de aula; outra é experiencial, trata do lugar das vivências destes professores ao longo de sua
trajetória, tanto como docentes, como alunos, espectadores de teatro, cinema e televisão.
Enfim, percebemos que, ao entrar em sala de aula com uma proposta teatral, esses professores
não se apóiam apenas no ensino acadêmico, mas permitem que sua experiência vivida,
sobretudo do lugar de quem aprende, surja e se configure numa proposta pedagógica de
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utilização da linguagem teatral em sala de aula. Estas experiências parecem emergir numa
confluência que, às vezes, se soma ao estudo teórico que eles obtiveram nos cursos
universitários.
III. As entrevistas
Posteriormente à seleção destes dados, buscamos o relato de experiência coletados
por meio de entrevistas reflexivas. Szymanski (2004) discorre sobre entrevista em educação e
sobre a prática reflexiva que se abre para a compreensão de aspectos objetivos e subjetivos
encontrados nas entrevistas. Sobre esta prática a autora diz:
Foi na consideração da entrevista como um encontro interpessoal no qual é incluída
a subjetividade dos protagonistas, podendo se constituir um momento de construção
de um novo conhecimento, nos limites da representatividade da fala e na busca de
uma horizontalidade nas relações de poder, que se delineou esta proposta de
entrevista, a qual chamamos reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência de
significados durante qualquer ato significativo quanto a busca de horizontalidade
(SZYMANSKI, 2004, p. 14-5).
Sendo assim, a nossa produção de dados se deu em duas etapas, que foram:
a) aplicação de um questionário aos professores de Artes para definição do perfil dos atores
entrevistados;
b) aplicação da primeira entrevista reflexiva que, por sua vez, foi dividida em quatro
momentos diversos: o primeiro caracterizou-se como um aquecimento, no qual os atores
entrevistados falaram livremente sobre como foi construída sua opção por ser professor de
Artes e de sua trajetória como professor; a segunda etapa fez com que os professores falassem
como é o processo de ensino-aprendizagem da linguagem teatral em suas aulas; o terceiro
momento consistiu em um exercício de imaginação em que o entrevistado foi convidado a
imaginar uma cena que descrevesse seu trabalho com teatro em sala de aula e o quarto
momento foi pautado pela escuta destes dados e uma análise deles, feita junto com o
entrevistado, em que ele relaciona suas respostas etapas um a três com a cena que ele
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imaginou. Desta forma, os entrevistados também participaram do processo inicial de análise
dos dados, contextualizando-o e refletindo sobre ele.
c) devolutiva da entrevista aos sujeitos entrevistados para que eles tomem ciência do que eles
disseram;
IV. Pesquisa Simbólica
Em nossa pesquisa, optamos por uma compreensão simbólica dos conteúdos que
emergiram nas entrevistas. Para tanto, nos apoiamos nos trabalhos sobre pesquisa simbólica
de Furlanetto (2007).
Esta pesquisadora, em seu artigo “Pesquisa em educação: diálogos transdisciplinares”,
compreende o sujeito adulto como ser humano multifacetado, plural, que busca em seu
percurso um encontro consigo mesmo, desenvolvendo toda uma trajetória, que Jung
denominou de processo de individuação.
Como coordenadora pedagógica de uma escola de ensino fundamental, Furlanetto
descobriu um interesse particular pelas brechas, os intervalos em que a programação didático-
pedagógica, patriarcalmente programada, cedia lugar a espaços e tempos para vivência onde
professores e alunos se entregavam num processo em que a vida vivida e significativa
adentrava o cotidiano escolar.
Por meio da observação, a autora percebeu que havia professores que lidavam bem
com o “bailado” da sala de aula, mas tinha outros que não conseguiam abrir mão do
planejamento previamente elaborado, com medo de comprometer o conteúdo programático.
Outros se sentiam meio desconfortáveis, sem saber que caminho percorrer, sem saber como
prosseguir na “dança” que se constelava em sala de aula.
Com isso e ao iniciar o mestrado no programa de Psicologia da Educação da PUC,
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essa pesquisadora, se apoiou, entre outros teóricos, em Jung e começou a desenvolver um
processo simbólico de formação em que, mediante a utilização de cnicas expressivas, os
símbolos, nos contextos formativos, emergiam. Ao emergirem os símbolos, a pesquisadora
circundava-os, rodeando, para que eles fossem elaborados pelo grupo e promovendo
amplificação da consciência dos participantes e, com essa amplificação, uma posterior
reconstelação. Em seguida, essa pesquisadora aprofundou-se nos seus estudos simbólicos, ao
ingressar no Programa de Doutorado da PUC. Mas, como podemos elaborar os símbolos que
emergem nos espaços pedagógicos? Segundo a autora:
Procuramos interagir com um grupo de professores partindo de suas dúvidas,
dilemas e necessidades. Esse movimento levou-nos ao encontro de seus alunos, de
suas histórias que desencadearam a recuperação das histórias dos professores.
Símbolos foram emergindo e sentimos necessidade de aprofundar a compreensão
dos processos de elaboração simbólica (FURLANETTO, 2007, p. 11).
Esse processo de elaboração simbólica, como foi dito acima, passa por três fases
que Furlanetto denominou circundação, amplificação e reconstelação. Segundo a autora, o
termo circundação:
indica literalmente o percurso de uma dança ritual que, como tal exerce uma ação
sobre os atores (Pieri, 2002, p. 84). Ele pode ser tecido de forma circular
delimitando um espaço sagrado interno, distinguindo-o do espaço externo profano
ou assumir a forma espiral que aponta para a conjunção de elementos existentes
distintos e visíveis na direção de um elemento central ainda não perceptível
racionalmente a não ser como algo que transcende as partes (op. cit., p. 14).
o conceito de amplificação refere-se ao caminho que Jung percorreu nos seus
processos terapêuticos, sendo “encaminhado a realizar leituras diferentes dos materiais que
emergiam nos espaços analíticos não os reduzindo somente à esfera pessoal, mas pondo-se em
analogia com os mbolos da mitologia e de outras fontes para conhecer os sentidos que eles
pretendiam exprimir” (ibid. p.15, grifo nosso).
Nos processos formativos, os grupos coordenados pela autora também
experimentaram o movimento de reconstelação;
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Um outro patamar de consciência tinha sido atingido pelo grupo que olhava para os
fenômenos educativos de um outro lugar e, dessa forma, podia pensar em novas
maneiras de lidar com ele. Percebemos que as mudanças ocorreram em todos os
envolvidos no processo. Os professores sentiam-se diferentes e também percebiam
diferenças nos alunos e nós pesquisadores também tínhamos nos transformado ao
nos encontrar com os sujeitos da pesquisa (FURLANETTO, 2007, p. 15).
Percebemos que esses três movimentos possibilitam o processo de elaboração
simbólica e, por essa razão, buscamos no próprio conceito de símbolo o fundamento para
nossa pesquisa. Furlanetto descreve o processo de investigação pautado na Psicologia
Analítica e, conseqüentemente, na elaboração simbólica. Para tanto, a autora relata:
Uma pesquisa simbólica busca detectar os símbolos presentes em uma realidade e,
ao elaborá-los, propõe-se a produzir conhecimentos. Eles podem nos permitir a
passagem para regiões ocultas e pouco exploradas dos espaços escolares. Os
símbolos exigem um cuidado muito especial: antes de ser entendidos e explicados,
necessitam ser compreendidos (Op; cit., p. 3).
De acordo com Abbagnano:
Compreender (lat, intelligere; in. Understanding; fr. Compendre; al. Verstehen; it.
Compredere) A noção do C. como atividade cognoscitiva específica, diferente do
conhecimento racional e de suas técnicas explicativas, pode ser considerada em duas
fases históricas diferentes, a primeira na filosofia medieval ou na escolástica em
geral, a segunda na filosofia contemporânea. [...]
2. Na filosofia contemporânea, a distinção racional nasceu da exigência de distinguir
o procedimento explicativo das ciências morais ou históricas do procedimento das
ciências naturais. Essa exigência nasceu da dificuldade de aplicar a técnica causal,
própria da ciência natural do séc. XIX, ao domínio dos eventos humanos, como são
os fatos históricos, e, em geral, ao homem e às relações inter-humanas
(ABBAGNANO, 2003, p. 157).
Pela definição de Abbagnano, percebemos que compreender é mais complexo do que
explicar e exige operar com outras funções que vão além da racionalidade, como a intuição, o
sentimento, a sensação. A mudança e o papel do pesquisador no próprio experimento
redimensionaram o paradigma da ciência e hoje vivemos momentos de enfrentamento do
desafio de redigir e desenhar uma pesquisa, apoiando-se em outros portos seguros. Existem
novas maneiras de se pesquisar, a pesquisa simbólica é uma delas e é a nossa opção para
lermos as matrizes pedagógicas do professor de Artes que ministra teatro.
Ao nos depararmos com o viés da pesquisa simbólica, deparamo-nos com três eixos: o
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saber que não se sabe, a inexistência de um caminho pronto e a reciprocidade do encontro. O
saber que não se sabe lança-nos no território da dúvida, do não sei, que para nós formadas
num paradigma moderno –, às vezes torna-se angustiante, mas também abre brechas para
acolher os relatos obtidos nas entrevistas, circundando-os e deixando que eles se configurem
em possibilidades de resposta. A inexistência de um caminho pronto remete-nos à infância,
em que brincávamos com jogos de faz de conta, alimentados pelo baú de nossa avó que
continha fantasias e roupas velhas que nos impulsionavam a representar histórias. Sem nos
darmos conta, fazíamos uso do jogo teatral, inventando histórias e personificando
personagens que habitavam a nossa imaginação, construindo tudo isso de acordo com a nossa
criatividade e conhecimento. A pesquisa simbólica permite que o pesquisador se utilize de sua
criatividade para delinear a pesquisa, pautando-se num discurso rigoroso, mas aberto às
possibilidades. Para tanto, retomaremos alguns conceitos, sobretudo o de símbolo:
O símbolo é de origem grega, um “sinal de reconhecimento, formado pelas duas
metades de um objeto quebrado que se reaproximam” (LALLANDE, 1996). Jung
transformou o símbolo num conceito básico de sua teoria. Ao desvelar os seus
significados, percebeu sua imensa capacidade transformadora e curativa. O que ele
chamava de símbolo, é algo que pode nos ser familiar, estar presente em nosso
cotidiano, mas possui conotações especiais, além de seu significado evidente e
convencional. Uma palavra, uma idéia ou um objeto é simbólico quando implica
alguma coisa além do significado manifesto e imediato. Apresenta um aspecto
“inconsciente” mais amplo, que nunca é precisamente definido ou explicado
(FURLANETTO, 2007, p. 4).
É esse processo de elaboração simbólica, iniciado por Jung nos processos terapêuticos
que vivenciava, que queremos transpor para esta pesquisa. Nesse processo, lidamos com um
caminho a ser percorrido com coragem, pois a insegurança de não conseguir perceber nas
falas dos professores e na elaboração simbólica que eles mesmos fizeram após terem se
ouvido em suas entrevistas nos persegue. Precisamos mais do que o pensamento, precisamos
ativar todas as funções para perceber e detectar os símbolos destes professores que,
corajosamente, trabalham a linguagem teatral em sala de aula. Começamos, circundando a
nossa pergunta: Quais são as matrizes pedagógicas do professor de Artes que ministra teatro?
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Dançamos ao redor dela, tentamos ampliar essa pergunta, buscando na história momentos em
que o teatro-educação estiveram sempre juntos. Descobrimos que a arte teatral é uma
linguagem inerente ao homem e o acompanha desde os primórdios da humanidade, o que nos
levou a um movimento de amplificação da nossa consciência. Já sabíamos que hoje existem
propostas sistematizadas do ensino de teatro em sala de aula, mas queríamos mais: queríamos
ouvir os professores e elaborar com eles os símbolos que emergem de suas próprias falas. Ao
debruçar nas entrevistas, vemos um universo de estrelas (símbolos) se constelarem e que
merecem a devida elaboração. Encaramo-las como tesouros que foram depositados em nosso
baú existencial. Agora, resta-nos retirá-las uma a uma e analisá-las com a mesma
vivacidade que nós tínhamos quando brincávamos de fazer teatro com nossa prima Letícia.
Como já dissemos sobre a avaliação do questionário, o professor, ao entrar em sala de
aula, tem uma dimensão consciente pautada no ensino acadêmico e outra inconsciente
que fala do lugar de suas vivências. É dessa união do subjetivo com o objetivo que surgem os
símbolos, que são bipolares: opostos que se aproximam, ligando o consciente e o inconsciente
e demais polaridades a eles ligadas. A elaboração deles não consiste em uma síntese, mas sim
em, por meio do confronto entre os opostos, atingir outro patamar da consciência.
Por meio da leitura incessante das entrevistas, decidimos abrir o baú destas histórias,
iniciando pelo símbolo que os professores elegeram como representantes do seu trabalho com
teatro em sala de aula, para, por meio dele, analisar a sua opção por ser professor de Artes, a
sua trajetória profissional, o seu trabalho com teatro em sala de aula e, por fim, terminarmos
com a cena que eles imaginaram como descritiva de sua atuação com a linguagem teatral.
V. O baú de histórias:
Após traçarmos os perfis dos entrevistados, buscamos penetrar no território das
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entrevistas, circundando o seu conteúdo e tentando mapear os mbolos que delas emergiram
para, enfim, compreendê-los e fazer deles uma leitura. Para ampliar o nosso repertório,
buscamos Franco (2003), que relata que a análise do conteúdo pode ser feita por meio de dois
caminhos que se contrapõem: um, o da análise lingüística do conteúdo, em que significantes e
significados são analisados em suas mais diversas vertentes, sobretudo, no que diz respeito ao
seu aspecto semântico; outro, psicológico. Como escolhemos os subsídios da Psicologia
Profunda e o universo da Pesquisa Simbólica para penetrar nas matrizes pedagógicas do
professor de Artes que ministra a linguagem teatral, optamos pelo viés psicológico e
mapeamos as entrevistas, surgindo assim do discurso do ator e eleito por ele próprio os
símbolos. Mas, ressaltamos que, para compreender os conteúdos das mensagens dos
entrevistados, levamos em consideração que:
1. Toda mensagem falada, escrita ou sensorial contém, potencialmente, uma grande
quantidade de informões sobre seu autor: suas filiões teóricas, concepções de
mundo, interesse de classe, traços psicológicos, representações sociais, motivação,
expectativa, etc.
2. O produtor/autor é, antes de tudo, um selecionador e essa seleção não é arbitrária.
Da multiplicidade de manifestões da vida humana, seleciona o que considera mais
importante para “dar o recado” e as interpreta de acordo com o seu quadro de
referência. Obviamente, essa relação é preconcebida. Sendo o produtor, ele próprio,
um produto social, está condicionado pelos interesses de sua época, ou da classe a
que pertence. E, principalmente, ele é formado no espírito de uma teoria da qual
passa a ser o expositor. Teoria que não significa “saber erudito” e nem se contrapõe
ao saber popular, “mas que transforma seus divulgadores muito mais em executores
de determinadas concepções do que seus próprios senhores”.
3. A teoria da qual o autor é o expositor orienta sua concepção de realidade. Tal
concepção (consciente ou ideologizada) é filtrada mediante seu discurso e resulta
implicações extremamente importantes para quem se propõe a fazer análise do
conteúdo (FRANCO, 2003, p. 21-2).
Primeiramente, gostaríamos de ressaltar que o material coletado nas entrevistas
demonstra que, apesar de todos os professores terem em comum o fato de serem funcionários
da Rede Pública Estadual de Ensino e os sujeitos entrevistados apresentarem semelhanças
relativas à sua prática com a linguagem teatral, pode-se verificar divergências, o que
enriquece o conteúdo do material coletado. Fica patente que cada professor, apoiado na sua
experiência, delineou um modo de trabalhar com a linguagem teatral. Vamos apresentar
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inicialmente, como foi dito acima, o mapeamento das entrevistas, tentando iniciar pelos
símbolos que os próprios professores elegeram como àquele que descreve o seu trabalho com
teatro em sala de aula, para, por meio deles, penetrar na sua opção por ser professor de artes,
na sua trajetória profissional e no seu trabalho com linguagem teatral em sala de aula e, por
fim, falaremos da cena que eles mesmos imaginaram como descritiva da sua atuação com a
linguagem teatral, analisando a elaboração simbólica que eles mesmos fizeram.
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Capítulo 4: Baú Teatral
Imaginamos o quarto da casa de nossa avó, abrimos o guarda-roupa que escondia o
baú que dava caminhos para o nosso mundo de faz de conta. Agora esse baú, entendido como
símbolo, está pleno de nossas lembranças e das entrevistas por nós produzidas. Nelas contém
o símbolo que cada professor elegeu como o descritivo de sua prática com a linguagem teatral
em sala de aula. Abramos o baú. Para fazer uma leitura simbólica das matrizes pedagógicas
destes professores, analisaremos os arquétipos que mais predominam na sua fala e na sua
prática com a linguagem teatral. Os arquétipos são as matrizes do inconsciente coletivo.
Todos nós temos todos os arquétipos, mas, em alguns momentos da vida, uns predominam
sobre outros, destacaremos para nossa leitura simbólica aqueles arquétipos que mais ficaram
latente no discurso do professor.
A atriz 1 elegeu como símbolo o coração:
Coração. Quanto tem entusiasmo, tem tudo. É o amor pelo que a gente faz. (ATRIZ 1)
Ela elegeu esse símbolo e o relaciona com o entusiasmo que o aluno tem no processo
de construção de conhecimento dele e esse amor levou-a a aproximar-se de seu trabalho e dos
seus alunos. Esse entusiasmo aprisiona essa professora no processo de ensino-aprendizagem.
É um entusiasmo que extrapola o Ego, abrange as regiões mais profundas de sua psique. Pois
hoje, a docência é uma profissão desvalorizada em diversos sentidos e atribuir um símbolo
como o coração à sua prática pedagógica demonstra o exercício de entrega desta colaboradora
no seu fazer pedagógico. Essa professora tornou-se docente de Artes devido às habilidades
que ela desenvolveu desde a infância:
Eu escolhi essa opção primeiro por causa das minhas habilidades. Eu gosto muito de
pintar, desenhar, dançar, gosto de música. A arte para mim, não seria uma opção
vazia. Então a arte, para mim, foi por causa do lugar que eu gosto mesmo, desde
quando eu era pequena. A minha opção foi essa (ATRIZ 1).
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O contexto sócio-cultural de sua infância levou essa atriz a se aproximar das diversas
habilidades artísticas e ela as desenvolveu, tornando-se uma professora que tem um trabalho
com a linguagem artística diferenciado. Ao ser questionada sobre a sua trajetória profissional,
essa atriz relatou:
Eu sou uma pessoa que eu gosto de trabalhar. Eu trabalho seqüências, mas em cima
das seqüências, eu procuro trabalhar projetos com os alunos e dentro destes projetos
eu trabalho com todas as linguagens artísticas. Eu não trabalho só desenho e pintura,
eu trabalho teatro, música, dança para que ele saiba que a arte não está ligada a
desenhar e pintar (ATRIZ 1).
O compromisso desta docente em provar que a aula de Artes não está relacionada
apenas a desenhar e a pintar mostra-se como um objetivo de sua vida profissional. Para tanto,
essa professora trabalha por projetos. Estes projetos compõem-se de seqüências didáticas que
misturam todas as linguagens artísticas num processo interdisciplinar de integração de
conteúdos. Quando perguntamos como ela descreveria o seu trabalho com teatro em sala de
aula, ela respondeu:
Eu sou formada em Artes Plásticas, não por opção. Na minha faculdade tiraram
Artes Cênicas. A minha primeira opção seria fazer Artes Cênicas. Então ficaram
os cursos de Desenho e Artes Plásticas. Como o curso de Desenho deixava muito a
desejar, eu optei por Artes Plásticas. Eu procuro, eu tenho a base de teatro que seria
jogos dramáticos, improvisão, não seria assim teatro puro para quem se forma em
teatro. Então eu procuro passar para o meu aluno o que seria uma “Inter” que
misture um pouco de cada disciplina, porque eu não sou profissional do ramo
(ATRIZ 1).
Por não ser profissional do ramo, essa professora tenta trabalhar interdisciplinarmente
com as diversas linguagens artísticas, contextualizando a própria linguagem teatral. A
linguagem artística, devido às suas características intrínsecas, é interdisciplinar e essa
professora, intuitivamente, foi reunindo cada um dos elementos dos conteúdos artísticos
(dança, canto, teatro, música) para desenvolver o seu trabalho por projetos.
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Como essa atriz, durante a entrevista, ficou muito presa ao seu trabalho por projetos,
pedimos que relatasse uma cena concreta da utilização da linguagem teatral em sala de aula.
Então, ela disse:
Ontem em uma sala de sexta série teve uma apresentação de teatro. Eles ensaiaram.
De todas as imagens que eu dei para eles, eles escolheram uma e eles tinham que
trabalhar essa imagem por meio de uma técnica expressiva. Essa turma vem
trabalhando teatro desde a quinta série. Então eu percebo que é a habilidade deles. E
nossa, foi maravilhoso, porque elas fizeram uma coisa, a figura era sobre Jesus no
braço da mãe e o que elas fizeram, elas montaram um texto que era uma valorização
da mãe para os filhos. Então elas fizeram uma cena que tinha uma mãe preocupada
com o filho, que levava o filho para a escola e ainda por cima uma das meninas
levou a mãe para assistir. Foi uma homenagem da menina para mãe. Essa cena ainda
não foi filmada. Eu primeiro vejo tudo, peço para ensaiar e depois eu filmo. Eu pedi
para eles ensaiarem mais um pouco que eu vou estar filmando na semana que vem.
Foi criação deles. Eu forneço subsídios e eu deixo eles trabalharem conforme a
habilidade deles. Porque nem todos têm habilidades de desenhar, eu deixo cada
grupo trabalhar de acordo com a habilidade deles. foi apresentado este trabalho
(ATRIZ 1).
Pelo seu discurso podemos perceber que essa atriz reconhece e respeita as habilidades
de seus alunos, o que a aproxima deles. Mas o mérito do sucesso da peça deve-se mais ao
esforço dos alunos do que ao dela própria, visto que eles vinham desenvolvendo essa
habilidade desde o ano passado. Isso nos leva a pensar que esta professora deixa os alunos
trabalharem conforme a habilidade deles, o que é uma forma de respeito, mas não desenvolve
novas habilidades. Seria como se, ao se aproximar do aluno e do seu cotidiano, ela ficasse
aprisionada nele. Isso nos remete às teorias de livre expressão, em que os educadores
deveriam deixar seus alunos manifestar-se artisticamente de maneira livre, sem a intervenção
direta do educador. Sobre os alicerces que sustentam a sua prática, essa professora respondeu:
Eu faço assim, antes de eu montar o meu planejamento, eu faço assim, eu faço um
estudo em cima das necessidades dos meus alunos para ver o que eles têm
necessidade de aprender, porque se eu dou aula numa periferia eu não posso ensinar
um conteúdo de artes que está em um museu na Zona Sul. O que eu faço? Eu
procuro trabalhar o cotidiano do aluno, coisas que estão ligadas a ele, até então eu
também mostro coisas do passado, que eles gostam. Eu tento trabalhar a realidade
dele, eu não posso trabalhar alguma coisa que esteja acontecendo em outra região
(ATRIZ 1).
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Esta fala revela um aspecto sombrio de seu trabalho. De tanto estudar, contextualizar e
procurar entender o cotidiano do aluno, ela fica aprisionada nele e não dá saltos mais altos que
poderiam levar seus alunos a conhecerem mais sobre Arte. Por que não mostrar um conteúdo
de Arte localizado em outra região de São Paulo? Os alunos da periferia estão fadados ao
conhecimento apenas de seu cotidiano? Nossos alunos têm o direito de ter acesso aos feitos
que a humanidade produziu, estejam eles onde estiverem.
Ao pedirmos que ela imaginasse uma cena que descrevesse o seu trabalho com
linguagem teatral, essa docente imaginou:
Personagens antigos. Eu estou tão inspirada no meu projeto que imaginei uma cena
preta e branca. Está acontecendo mais ou menos nos anos de 1920. Ela não está
atualizada no tempo de agora. Uma cena de cinema mudo com mímica e legendas
(ATRIZ 1).
Ao pedir que ela ouvisse sua entrevista e a relacionasse com a cena imaginada, essa
professora relatou:
Essa cena que eu estou vendo é praticamente o fechamento do meu trabalho. Então,
eu relaciono, a palavra foco de tudo isso é o entusiasmo. Porque eu percebo assim,
diante de fotos, filmagens, DVDs, tudo o que eu tenho, eu percebo que em todo o
processo o aluno mistura entusiasmo na construção do conhecimento dele (ATRIZ
1).
A atriz 1 tem como símbolo o coração e como palavra-chave de seu trabalho o
entusiasmo. Ao se aproximar do aluno, ao acolher suas habilidades, ao acei-las e ao motivá-
los, esta professora está ativando o arquétipo matriarcal, que é o arquétipo do prazer, do
acolhimento, da sedução, da sensualidade (BYINGTON, 2003) e é por esta manifestação
arquetípica latente que ela motiva seus alunos e acolhe seus conhecimentos, mas vemos que
existem também manifestações sombrias; pois, de tanto acolher, ela fica aprisionada no
cotidiano destes alunos, sem extrapolá-los.
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Vamos, a seguir, tratar da concepção de arquétipo que adotamos. Segundo Byington:
Jung descreveu os arquétipos (arque significa primordial) como as matrizes do
Inconsciente Coletivo da espécie humana (Jung, 1934a). As imagens ou temas
arquetípicos, como herói, pai, mãe, criança, mestre, discípulo, busca do tesouro e
luta com o dragão são assim considerados tão picos da nossa espécie como nosso
comportamento biológico de comer, dormir e reproduzir.
Os arquétipos expressam, pelas polaridades dos símbolos, as raízes do Ego e do
Outro, de forma ainda indiferenciada. Os arquétipos são sempre polares [...].
Embora demos importância central às polaridades, um dos grandes problemas da
obra de Jung foi sua descrição do funcionamento dos arquétipos somente no
inconsciente e na segunda metade da vida. Assim, deixou a formação do Ego no
começo da vida para Psicanálise e [...] sem os arquétipos. Hoje, inúmeros seguidores
de Jung perceberam que os arquétipos estão presentes desde o início da vida para
coordenar a formação do Ego na consciência e na Sombra. Podemos até mesmo
dizer que a formação da identidade e a atuação do Ego e do Outro dominantemente
na Consciência e dominantemente no inconsciente, isto é, na Sombra o
constituídas pela elaboração simbólica coordenada por um ou mais arquétipos.
Disso decorre que a identidade e o funcionamento do Ego e do Outro são
inseparáveis dos símbolos e dos arquétipos, que operam sempre sistematicamente e,
por isso, têm o seu sentido deformado quando empregados como entidades que
agem separadamente (BYINGTON, 2003, p. 36).
O conceito de símbolo e os arquétipos permearam a análise das entrevistas, uma vez
que optamos pelo viés da psicologia analítica para fazermos a leitura das matrizes
pedagógicas do professor de Artes que trabalha com a linguagem teatral.
O ator 2 teve dificuldade para eleger um símbolo que descrevesse o seu trabalho com
teatro em sala de aula. No processo de imaginação, ele se recordou de um pormenor do seu
processo de trabalho. Ele só conseguiu simbolizar, depois que ele se ouviu. Vejamos o que ele
disse:
Algo que simbolizar? Eu vou tentar chegar lá, mas eu vou falando um pouquinho do
que eu tenho em mente, para depois me tornar mais claro. Eu fico pensando assim,
sabe aqueles filmes onde as pessoas vão fazer testes para uma peça e tem um
diretor e a pessoa se apresenta e o diretor fala: Não. O próximo. Um diretor com
óculos escuros, coisa parecida. Mas esse diretor com uns óculos escuros me faz
lembrar de uma pintura, não me lembro se era do Jasper Johns. Era de um pintor
Pop. Chama-se “O crítico ”. E era o retrato de um crítico com óculos escuros.
Nem tanto pelo sol, mas pela cegueira dele. Talvez um diretor de teatro sentado na
platéia de óculos escuros, porque não enxerga. Não sei se isso é um símbolo e nem
sei qual o significado disso, mas me veio em mente. Mas isso faz mais sentido do
que a imagem que eu lembrei antes (ATOR 2).
Podemos entender que esse diretor é cego porque não tem a formação teatral
propriamente dita, mas mesmo assim esse ator desenvolveu projetos de teatro que foram bem
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sucedidos dentro do contexto da escola pública estadual. Como lhe faltava a formação, esse
diretor valeu-se da intuição. Ao pedir que esse colaborador relacionasse o símbolo do diretor
cego com o seu trabalho com teatro em sala de aula e com os aspectos intuitivos, esse docente
relatou:
Eu vejo da seguinte forma. Nas artes Visuais, é claro que eu também sou intuitivo,
mas depois de tantas leituras, tanta informação, o caminho que eu busquei, ao longo
de minha trajetória do meu percurso em Artes Visuais foi justamente de buscar o
oposto disso. O intelecto na Arte mais do que a intuição. Não sei se eu cheguei até
onde eu queria, mas a intuição voltou e deu um equilíbrio. Então talvez eu tenha
vontade de resgatar a intuição e em alguns momentos isso aconteceu. No que se
refere ao equilíbrio ou falta de equilíbrio, na fase que eu estou vivendo, que é a do
mestrado, talvez haja o predomínio de novo do intelecto. Mas como artista, alguém
que produz Arte e como professor, acredito que haja uma busca por equilíbrio,
talvez. Mas há momentos em que predomina uma coisa ou outra, conforme o
momento, conforme o que eu tenho por objetivo fazer, tanto no fazer arstico quanto
na atuação em sala de aula. A questão do predomínio do intelecto, da razão, da
intuição, da sensibilidade que convivem dialeticamente. Contrários mesmos que se
complementam em busca de algo, mas que não se resolvem. Está um predominando
em relão ao outro, mas isso éclico (ATOR 2).
A intuição faz parte dos aspectos irracionais da psique. Às vezes pressentimos algo
bom ou ruim que não sabemos explicar logicamente, mas sentimos. Esse professor valeu-se
dos aspectos intuitivos para desenvolver o seu trabalho com teatro em sala de aula. Mas os
aspectos intuitivos só apareciam praticamente nas aulas de teatro:
[...] eu me lembro que até um dia alguém falou que eu trabalhava Educação
Artística ou Artes Visuais como um professor de matemática ou de história, por
conta de excesso de informação, essas coisas. Em teatro, principalmente, ocorre o
contrário. Por ser uma coisa mais intuitiva, por eu não saber quase nada ou pouco
mais que eles, aprendíamos juntos, desenvolvíamos juntos, construíamos juntos a
peça (ATOR 2).
Com relação a sua trajetória profissional, verificamos que a docência não foi uma
escolha feita por vocação ou coisa do tipo. Foi uma opção supostamente racional, por um
emprego que garantisse o seu sustento e permitisse que ele tivesse tempo para fazer outras
coisas. Mas o ofício de mestre foi se consolidando nesse professor, de modo que ele optou
pela efetivação no cargo, mas tinha o desejo de ter tempo livre para fazer outras coisas:
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Quando houve o concurso, me pareceu bastante interessante a idéia de ter um cargo
público no estado como professor e ter tempo para fazer, obviamente, outras coisas.
Quando eu prestei o concurso eu tinha começado a segunda graduação, o
Bacharelado em Artes Plásticas, na Unesp. que também não tinha muita opção
em ter o que fazer, quando eu me formasse em Artes Plásticas, porque aqui é o
Brasil. Então eu tinha que ter uma atividade para cesta básica e aluguel e outras
atividades como artista, porque certamente eu não teria como colher frutos disso,
financeiramente falando. Então, eu optei por Artes Plásticas e, ao prestar o concurso,
eu acredito que tenha feito a opção por uma carreira mesmo, mas eu não pensava
que fosse uma coisa que tomaria praticamente todo o meu o meu dia, eu pensava em
conciliar outras atividades (ATOR 2).
Este depoimento demonstra como a carreira docente foi se consolidando ao longo dos
anos e se solidificou com o concurso de efetivação. Essa escolha, aparentemente tão racional,
acabou levando a uma falta de tempo, pois ao assumir o ser professor, este ator assumiu
também os seus encargos que tomam o tempo do professor fora da escola, como preparação
de aulas, correção de exercícios, etc. Estes encargos levaram esse professor, durante o final
dos anos noventa, a deixar de pintar e a se dedicar plenamente a sua carreira docente, mas ele
retomaria a pintura mais tarde:
Ah, com o passar do tempo, umas mudanças foram ocorrendo, a primeira foi que eu
consegui superar alguns traumas e retomei a pintura de forma bem gradual. Isso
vem ocorrendo uns quatro anos, eu acredito. Essa produção vem aumentando.
Essa retomada da pintura me estimulou, entre outras coisas, a retomar inclusive os
estudos, a pensar em iniciar um curso de mestrado, que era algo que eu já pensava
na época da segunda graduação e que eu acabei adiando, adiando, entre outras
coisas, por causa dessa dedicação exclusiva à minha escola (ATOR 2).
Essa volta da pintura e a vontade de retomar os estudos fizeram com que esse docente
se exonerasse do seu segundo cargo, na rede municipal de ensino. Para ele, era visto como
algo prejudicial porque não concordava com a política do sistema municipal de ensino,
encarando-o como assistencialista e com o excesso de trabalho, que diminuía a qualidade de
suas aulas:
A mudança da postura do professor tem que caminhar na medida que a sociedade
avança e os alunos mudam. Porém, o trabalho na rede pública municipal me obrigou
a acabar com aquela dedicação plena que eu tinha com a minha escola estadual. Eu
tive que dividir as atenções. Eu vejo isso como algo prejudicial. Existem professores
que conseguem conciliar isso bem. Mas eu penso assim, você precisando ter dois
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cargos e a maioria das pessoas precisam porque a soma das remunerações acaba
resultando num salário um pouquinho mais razoável do que num cargo só. Mas o
fato é que você acaba o tendo nenhum, num certo sentido. Vou tentar explicar. Eu
tinha, até com uma certa ingenuidade, uma plena dedicação para com a minha escola
estadual, por gostar mesmo de e por estar fazendo um trabalho muito interessante
e não pude mais ter, porque eu tinha um emprego numa outra rede que tinha também
as suas demandas de coisas e que era um tanto difícil de conciliar.[...] Se pensar em
termos de atuação, de oficio, ele acaba atrapalhando. Pelo menos eu sinto isso,
quanto mais aulas você dá, pelo menos comigo eu sinto isso, a qualidade das aulas
vai diminuindo proporcionalmente.
Posteriormente, eu passei a planejar a retomada dos estudos, ingressei no curso de
Mestrado, retornando a velha casa, no caso a Unesp. Cogitei de início em fazer um
mestrado em arte-educação, que seria algo muito mais próximo de mim, do meu dia
a dia, mas eu fui bem aconselhado e ingressei no programa de poéticas, de
procedimentos artísticos. Ao ingressar no mestrado eu tive uma desculpa mais do
que justa para pedir exoneração na prefeitura (ATOR 2).
Este ator desenvolveu uma metodologia de ensino da Arte pautada na razão, deixando
os aspectos intuitivos para as aulas de teatro. Sua trajetória com a linguagem teatral se divide
em três fases distintas: uma com os alunos do Ciclo I, no início da sua carreira; outra com os
alunos do ensino médio noturno e outra com os alunos do Ciclo II.
Com os alunos do Ciclo I ele fez o seguinte tipo de atividade:
Com as crianças eu me lembro que a gente fazia o seguinte tipo de atividade, meio
que intuitivamente, eu não tinha a mínima idéia de como dar aulas para crianças, não
tive essa preparação mais específica no curso de licenciatura. Então eu fui tentando,
acertando e errando e aprendendo com os erros e assim por diante. Então eu diria
que foi uma construção empírica da coisa. Através da observação, dos acertos e dos
erros. Claro que, com as crianças, eu comecei com desenho e pintura, mas daí um
belo dia um aluninho tinha lido um livro ou visto um desses filmes de conto de fada,
não lembro exatamente, mas ele queria porque queria contar a história, mas deu
deixei ele contar a história, e à medida que ele contava a história, me ocorreu que a
gente podia, paralelo à narração dele, fazer uma espécie de encenação improvisada.
Como se fosse um ensaio para uma peça que não vai acontecer. Isso acabou dando a
base de como trabalhar teatro com eles. Não pensar em uma peça pronta para
apresentar para os pais, isso não. Contar histórias, de preferência histórias do
repertório deles, que inclusive eles sabiam maiores detalhes, me corrigiam. Às vezes
em tom de brincadeira, eu modernizava as histórias, mudando alguns aspectos dos
textos e eles me corrigiam, dizendo que não era assim, que naquela época era
diferente, este tipo de coisa. Eu tentava inserir algum elemento contemporâneo, por
exemplo, a Chapeuzinho Vermelho estava jogando videogame e ela precisava parar
para levar a cesta para a vovozinha. Eles achavam engraçado assim, porque eu trazia
essas improvisações para as histórias, trazendo elementos contemporâneos, mais
próximos deles e fazíamos as encenações e geralmente depois eu pedia para que eles
desenhassem ou fizessem um livrinho aonde havia a história que eles mesmos
escreviam com as ilustrações deles, tentando, na medida do possível, ilustrar as
cenas que nós havíamos ensaiado. E sempre havia ensaio, a gente fazia, aí não ficava
bom, a gente fazia de novo, como se fosse assim, a apresentação de um ensaio até
ficar bom, até melhorar. Mas a gente tentava fazer com que a coisa ficasse bem feita,
nada exaustivo, mas que ficasse o melhor possível. Mas claro que aquilo era um
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ensaio para aquela aula e na aula seguinte a gente podia fazer de novo ou contar uma
outra história, mas eles queriam, porque queriam que houvesse uma competição para
a participação nas histórias. tinha até briga, uns levantavam a mão porque
queriam participar, outros choravam, porque não tinham sido escolhidos, mas a
gente tinha que fazer uma espécie de seleção dia a dia, porque quem não foi nesse
dia, iria, obviamente, no outro dia, porque as salas são muito cheias. Isso com as
crianças (ATOR 2).
No discurso desse professor podemos perceber que a interdisciplinaridade es
presente. Ele começou suas aulas com desenho e pintura, mas um belo dia um aluno ensinou a
esse professor como trabalhar com a linguagem teatral nas séries iniciais. Seu desejo de
dividir com os colegas a história ou o filme que ele tinha era tão grande que o professor
acolheu esse aluno e criativamente desenvolveu uma metodologia de trabalho que respeitava a
faixa etária dos alunos e o seu desenvolvimento. Ao invés de exibi-los para os pais, o que
poderia criar defesas e sentimento de exposição prematuro, este professor, dentro do espaço
da sala de aula, desenvolveu uma técnica de improvisação e de criação de histórias encenadas
pelos alunos e finalizadas com o desenho das cenas que eles tinham dramatizado, uma
metodologia interdisciplinar que respeita o educando e o faz agir criativamente e protegido
dentro do espaço da sala de aula.
Com os alunos do ensino médio noturno, veremos que a interdisciplinaridade enquanto
integração de conteúdos e de relação entre as pessoas também se faz presente:
Com os alunos do noturno a gente fez da seguinte maneira. Engraçado que está
sempre atrelado a algum trabalho com Artes Visuais. Eu tinha passado um trabalho
para eles que consistia no seguinte: ilustrar uma letra de música que contivesse uma
narrativa, como se fosse um storyboard para um videoclipe. O storyboard é um
pretexto para você fazer uma filmagem. No lugar da filmagem, por não haver
recursos nem intenção de se fazer filmes, nós depois reunimos, porque o trabalho era
individual, nós nos reunimos em grupos e eles mesmos escolheram qual trabalho
resultaria melhor numa montagem de uma pequena peça. Então eram peças
relativamente curtas desenvolvidas a partir de um tema inicial que era a letra de uma
canção com narrativa. Por exemplo, “Domingo no Parque” do Gilberto Gil, que tem
o José que trabalha na feira e o João que trabalha na construção e o João, se não me
engano, vai tomar um sorvete com a Juliana que era namorada do José e José
esfaqueia o João e a Juliana. Algo desse tipo. E outros tipos de canção que eles
gostavam. Eu tentava colocar algumas canções mais próximas do meu repertório,
canções de narrativa do Chico Buarque de Holanda e outros mais, mas também
permitia que, na medida do possível, eles usassem as canções que eles mesmos
gostam de ouvir. Encenações muito interessantes. Eu me lembro que uma, muito,
muito boa, foi feita em cima de uma canção chamada “Filme Triste” do Trio
Esperança da época da Jovem Guarda. A garota vai ao cinema, porque o namorado
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dela não podia ir junto e ela encontra o namorado com a melhor amiga. Eles
encenaram e foi uma das melhores, porque havia uma peça dentro da peça. Tinha a
história na qual a menina vai ao cinema e ela encontra o namorado com a melhor
amiga, mas dentro dessa história havia outra, que era uma espécie de um filme de
faroeste, um duelo de cowboys, qualquer coisa desse tipo que era o filme que eles
estariam vendo. Então havia esse tipo de coisa. Esses alunos depois se organizaram,
montaram um grupo de teatro, concorreram em concursos da região (ATOR 2).
A partir de uma canção com narrativa (música) desenvolveu-se um storyboard
(linguagem cinematográfica) e uma peça (linguagem teatral), percebemos então que esse ator,
para desenvolver seus trabalhos, faz uso da interdisciplinaridade não como integração de
conteúdos, mas como relação entre as pessoas. Ao pedir que os alunos se reunissem e
escolhessem os melhores trabalhos que poderiam se constituir em pequenas peças, esse
professor se utilizou das ilhas interdisciplinares de racionalidade (FOUREZ, s.d.). Neste
contexto cada aluno mobilizou o seu conhecimento para escolher a melhor peça e esse
processo foi o estopim para que esse grupo de alunos se organizasse e concorresse em
festivais de teatro dentro e fora da escola.
com os alunos do ciclo II, esse professor desenvolveu o seguinte tipo de trabalho:
Às vezes, ficávamos o bimestre inteiro elaborando isso, formação de grupos,
elaboração de roteiro, formação de roteiros. Os roteiros a gente trabalhava da
seguinte forma. Eu não queria que eles usassem como referência um programa
de televisão, que fosse muito estereotipado. Mas historinhas infantis ou infanto-
juvenis, histórias desenvolvidas por eles mesmos a partir de um tema ou não. Os
grupos escreviam o roteiro, elaboravam ou adaptavam. Às vezes era uma coisa
pronta de algum livrinho ou coisa assim. Daí, tinha a parte de formação dos grupos,
elaboração dos roteiros, escolha de temas para serem trabalhados. E sempre eu
passando de grupo em grupo. Eu sentava com um grupo e a gente conversava e ia
desenvolvendo e assim por diante. Depois eu ia para outro grupo e assim por
diante. Depois, escolha dos personagens, primeira leitura da peça e primeiros
ensaios. Esses primeiros ensaios, muito crus ainda. E a gente ia ensaiando, dando
palpites, mudando uma coisa aqui outra ali, o próprio texto, a entonação. Dos
aspectos práticos do teatro eu não tenho tanta informação, mas do pouco que eu li,
eu não lembro tanto assim. Eu diria que foi uma tentativa bastante intuitiva de
desenvolver atividades de teatro, não sei até que ponto isso pode ser chamado de
teatro, mas que era o que acontecia. [...] Em teatro, principalmente, ocorre o
contrário. Por ser uma coisa mais intuitiva, por eu não saber quase nada ou pouco
mais que eles aprendíamos juntos, desenvolvíamos juntos, construíamos juntos a
peça. Então era assim, essa cena não estava boa, isso tinha que mudar, essa cena
fazia alusão a tal coisa, isso parece o programa de televisão tal, algo muito
esteriotipado. Construíamos a peça. Isso levava muito tempo, era desgastante, mas
era interessante e divertido (ATOR 2).
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Este envolvimento com os alunos e esta abertura para aprender com eles fez com que
esse professor conseguisse realizar mini-festivais de teatro, reunindo todas as suas salas. Ao
ser questionado sobre os alicerces que sustentam a sua prática, esse ator disse:
Alicerces? Eu o sei se poderia chamar de alicerces. Como eu disse, eu li pouco
sobre teatro e tive poucas aulas também na fase do curso de licenciatura. Ah, das
leituras que eu fiz que foi muito, muito tempo, pouco restou depois de tantos
anos. Não sei, na verdade eu não saberia dizer, eu teria que parar, pensar, até reler
algumas coisas para estabelecer algum tipo de relação, para saber se eu assimilei o
que eu li, para saber se eu faço mesmo de uma maneira intuitiva ou não. Se eu ainda
uso aquilo direta ou indiretamente, ou fui buscar outros caminhos que não são
aqueles da formação, da literatura específica, que seria algo que poderia dar
alicerce, sustentação, substância para as atividades de teatro. Então, digamos assim.
Leituras específicas, eu acho que ficou um pouco distante (ATOR 2).
Apesar de seus alicerces serem aparentemente frágeis, este docente tem uma base da
qual emana a sua inspiração para trabalhar com a linguagem teatral:
Não costumo ir muito ao teatro. E tenho referências de dramaturgia de um modo
geral. Direção, encenação, cenário, roteiro, expressão facial, corporal, gesto, ações,
coisas desse tipo. Acho que tudo isso eu tenho mais referência do cinema. E mesmo
a TV, a teledramaturgia, a telenovela. Então, de reparar ações, filmes e ter isso como
referência para poder tirar isso do aluno e fazer isso com o aluno para que o
resultado seja parecido com uma peça. Não sei se chega a ser. [...]
Eu me lembro de uma ocasião de ter visto uma entrevista com o Dennis Hopper
naquele programa “Inside the Actor´s Studio”. E ele, contando do aprendizado dele,
da época que ele estudou lá, ou mesmo quando ele atuou ao lado do James Dean em
“Assim caminha a humanidade”, em que o James Dean que já tinha feito o curso de
Actor´s Studio, assim como o Marlon Brando, e ele contando de umas dicas que o
James Dean dava para ele quando eles estavam filmando. Eu me lembro de ter visto
isso já bem depois de ter feito o curso de Educação Artística e que foi interessante,
porque à medida que o tempo foi passando eu fui tendo uma visão não sei se
objetiva demais de Arte, racional talvez da Arte e eu lembro que isso foi interessante
porque me fez lembrar de como eu pensava a arte quando eu tinha, sei lá, vinte anos.
De uma forma mais intuitiva mesmo e que de uma certa forma isso permanecia,
quando eu trabalhava atividades de teatro, porque como eu não tenho a formação, eu
acabava fazendo as coisas de uma forma intuitiva. E isso não aparecia nas aulas de
Artes Visuais. Interessante eu lembrar disso, de como eu pensava Arte nessa época.
Outra coisa foi uma exposição que eu visitei no MAM, no Ibirapuera sobre Neo-
Expressionismo alemão, que eram pintores dos anos oitenta. A exposição se
chamava “O retorno dos Gigantes” e se baseava numa tela em que o pintor, que eu
não me recordo o nome, retratava o Van Gogh e o Gauguin (ATOR 2).
Este sujeito retira da teledramaturgia e do cinema os alicerces que dão sustentação
para o seu trabalho com teatro em sala de aula e, ao assumir esses alicerces, ele também se
lembrou de acontecimentos e fatos que fizera com que ele resgatasse em si o intuitivo na arte,
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como o programa de TV “Inside the Actor´s Studio” e a exposição do MAM (Museu de Arte
Moderna de São Paulo). Podemos considerar esses dois fatos comombolos deste professor,
pois ao serem por ele elaborados fizeram com que ele resgatasse os aspectos mais intuitivos e
revisse a sua visão de Arte, que se pautava no excesso de racionalidade.
Ao pedir que esse professor imaginasse uma cena que representasse o seu trabalho
com a Arte teatral, esse professor lembrou-se de um fragmento do seu processo de trabalho:
Estão vindo lembranças. Eu imaginei ou lembrei, eu, sentado no meio dos alunos,
na platéia do anfiteatro da escola onde eu leciono. Ah, é um anfiteatro que tem um
espaço relativamente bom, mas as instalações não são tão boas quanto poderiam ser.
E aí vem um grupo de alunos que está no palco. O palco é bom, mas está meio que
se desmanchando. Eu estou falando com eles, dirigindo a cena, certamente. Eu estou
falando e gesticulando e eles estão lá na frente tentando fazer o que eu falo. E m
outros, ao meu redor, como espectadores. Eu sou na cena espectador, diretor e
professor. Acho que é isso. Na verdade vieram na minha mente lembranças dessas
aulas já na sua fase final. A gente ensaiava na sala de aula. A gente ia para o
anfiteatro quando o negócio já estivesse, para o nosso padrão, bom. Parecia que o
palco tinha uma espécie de aura. A classe também tinha um tablado, a gente
ensaiava no tablado da sala de aula, mas assim depois de bastante tempo e de muitos
ensaios, tentativas e erros, a gente descia para o anfiteatro até porque o anfiteatro é
longe, meio labiríntico para você chegar lá. E esse é momento final, praticamente o
desfecho, a gente está próximo dos dias de apresentar a peça, na véspera talvez, eu
estou assim orientando os ajuste finais da peça que eles estão fazendo. Não me veio
nenhum grupo em especial, mas eu lembro, com um pouquinho mais de ênfase, do
pessoal do ensino médio, do noturno. Talvez seja mais marcante (ATOR 2).
Pela cena descrita fica patente que o modo como esse docente trabalha com a
linguagem teatral lembra os processos formais de concepção de espetáculos, em que a figura
do diretor é valorizada e poderosa. O diretor, sentando na platéia, gesticulando e falando
como os seus alunos devem proceder e os alunos, tentando imitar o que o professor/diretor
disse nos remete a uma forte presença do arquétipo patriarcal, em que a organização, a
hierarquia e a ordem são preciosas para que o processo de construção do espetáculo seja bem
sucedido (BYINGTON, 2003).
A atriz 3 elegeu como mbolos dois heróis trágicos: Romeu e Julieta. Ao falar de sua
opção por ser professora de Artes, ela respondeu:
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Acho que eu já nasci assim. Eu sempre gostei dessa parte de Artes, principalmente
Cênicas e Música e assim, desde criança sempre os vizinhos me chamavam para
fazer show, para dublar, para dançar. E dança eu sei muito porque eu gosto, né.
Então eu nasci assim, como é que fala, é um defeito físico. Aí, a minha prima era da
parte de Artes e quando eu estava para entrar na faculdade eu queria fazer
jornalismo, mas daí eu pensei assim: Quer saber eu vou fazer Artes”. E eu fiz, eu
fiz Educação Artística em Música e depois eu fiz Cênicas porque eu já estava
trabalhando com teatro e precisava do diploma de cênicas. Daí eu não consegui mais
sair dela [...]. Para falar a verdade começou tudo na igreja católica, porque tipo
assim, eu com seis anos, se me pedissem para fazer qualquer papel na igreja calica
eu estava dentro. Na terceira série eu tive um professor que foi muito bom, que me
deu mais abertura, eu comecei a fazer teatro na escola, poesia, escrever textos,
interpretar, dança, música, eu canto, eu gosto de cantar. Da terceira série em diante
que eu comecei a entrar de cabeça em tudo que eu podia, se tinha peça e havia vaga,
eu estava dentro (ATRIZ 3).
Esta entrevistada atribui a sua habilidade teatral a um dom, quase a um defeito sico,
de modo que podemos pensar que ela tem uma concepção inatista do ensino de teatro e de
educação. Ela diz ter nascido com essa habilidade, mas esse dom, como o é compreendido
nem acolhido ou não virou uma forma de sustento, tornou-se um defeito físico. Mas ela
própria se contradiz quando fala que ela teve espaços e adultos significativos que
contribuíram para a sua formação, como a sua prima, o seu professor da terceira série e a
igreja católica. Nestes espaços e com estes adultos constelou-se o arquétipo do meste-aprendiz
(BYINGTON, 2003), um espaço onde as pessoas se disponibilizaram a aprender umas com as
outras e ela, desde menina, começou a se apaixonar pela linguagem teatral apresentada por
esses mestres. Segundo Viola Spolin (2005), todos os que quiserem ter valor no palco, podem
fazê-lo mediante um trabalho com a linguagem teatral, introduzida inicialmente por meio dos
jogos de regra e depois do próprio jogo teatral, de modo que aprendemos teatro e ele não é só
para os escolhidos e habilidosos, ele é inerente ao homem, basta prestarmos atenção às
festividades populares em que a teatralização é inerente.
Ao falar de sua trajetória profissional essa atriz relatou os frutos de seu trabalho:
Olha, eu assim, tudo que eu entro eu faço o possível para entrar de cabeça, porque
tipo assim, a gente tem pouco tempo, né. Eu já tive dois grupos grandes de teatro,
que participaram de vários festivais. Eu tenho ex-alunos que já são atores. E fora
isso, eu formei algumas bandas, sabe aquele negócio:Ah, você sabe tocar, você
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também, vamos formar uma banda”. Teve banda de aluno meu que já gravou CD.
Têm alunos meus que dão aula de teatro,o oficinas na prefeitura, por aí. Eu tenho
vários frutos por . Eu acho isso o ximo. Não foi tanto em Artes Plásticas, mas,
naquilo que eu sou formada, eu vejo frutos. Inclusive um deles já fez dois curtas,
que eu ainda não tive o prazer de ver ainda. É assim que a gente se desenvolve. Isso
deixa a gente feliz (ATRIZ 3).
Essa atriz diz que, para ter um trabalho de Arte diferenciado, em sala de aula,
precisamos entrar “com uma força” tamanha:
Acho que é o seguinte, vamos pensar como professores. Quando a gente um tipo
de aula que usa só o que tem na sala de aula, lousa, giz e uma obra de Arte, eu acho
que a gente entra meio morto. Você entra com uma força que você sabe que vai ter
que tirar para poder ter um trabalho diferenciado em sala de aula (ATRIZ 3).
Essa professora é formada em Artes Cênicas e Música; tornou-se professora e, para sê-
la, precisa dessa “força” que nos remete ao arquétipo do Herói. Brandão (2005), em seu livro,
relata que todo professor é um herói e ativa este arquétipo ao entrar em sala de aula. Mas
existem, segundo ela, dois tipos de heróis, o herói moderno e o pós moderno. Vejamos o que
ela fala do herói moderno:
Se o professor é alguém que vivencia o mito do herói, devemos indagar: - mas o que
é ser herói, em um cenário indefinido nos dias atuais, em um campo aberto de
indeterminações.
O conceito de herói aparece amarrado à modernidade alguém com ego estruturado,
vencedor, que faz, realiza e, portanto, está alavancado ao futuro. A consciência
coletiva cobra uma realização heróica da vida em oposição à fraqueza. A sociedade
parece estimular a atitude apolínea, e tudo o que fica fora, é execrado. A luta é pela
força, pelo enfrentar, tomar decisões, ser responsável, identificar-se com Apolo-
Prometeu, o herói típico (BRANDÃO, 2005, p. 120).
Essa professora parece identificar-se com este tipo de herói e luta para impor a
linguagem teatral no interior da escola, uma vez que ela é marginalizada tanto pelos alunos
como pelos professores. Quando perguntei como era o seu trabalho com teatro em sala de
aula, essa professora respondeu:
Eu começo explicando o que é teatro, porque tem gente que acha que teatro é
bagunça, você sabe como é aluno. Então a gente tem que ir devagar. Então eu
começo com improviso, jogo um tema, divido os grupos. Daí eles entram em pânico,
mas daqui a pouco está todo mundo fazendo. Daí, eu começo a formar para os
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festivais, divido os grupos, quem gosta de ser ator vai ser ator, quem gosta de
cenário vai fazer cenário, quem gosta de escrever. Eu vou dividindo a sala. eu
vou formando os grupos devagar. quando chega em agosto, passando o Folclore,
porque sempre a gente tem que fazer alguma coisinha de folclore, aí já solto:
“Festival de teatro. Cada sala vai fazer o seu, cada sala vai escrever, os grupos vão
se organizar”. Aí eles ficam loucos, principalmente o pessoal do cenário, porque eles
gostam de fazer cortininha, coisa de escola mesmo. Nisso daí, sai cada peça
maravilhosa que vofica assim: Caramba, como foi que aconteceu isso. Teve um
diretor que falou assim:
- Caramba, você faz uma bagunça danada e depois dá certo, né?
E eu falei:
- Pois é (ATRIZ 3).
Neste discurso fica patente sua luta para desenvolver projetos de teatro que sejam
respeitados tanto pelos alunos como pela escola. Ela não quer apenas desenvolver aulas de
teatro, mas promover festivais de teatro que envolvam os alunos por inteiro, respeitando as
habilidades de cada um e desenvolvendo outras. Ao lançar a idéia dos festivais de teatro essa
professora faz com que os alunos se responsabilizem pelo seu processo de ensino
aprendizagem e este processo é também interdisciplinar, pois cada membro do grupo mobiliza
seus conhecimentos para a construção do espetáculo. Mas esse trabalho exige muito esforço
dessa professora. Ao pedirmos que ela imaginasse uma cena que descrevesse seu trabalho
com teatro em sala de aula, esta docente se lembrou da cena do cemitério de Romeu e Julieta:
Você não vai acreditar, mas eu acho que é porque eu estou mexendo com esse texto
nesses dias para um amigo meu que vai fazer um teste em Guarulhos. Eu imaginei
uma cena de Romeu e Julieta, a cena do cemitério, onde a Julieta parece morta e
Romeu acha que ela está morta e então se mata. Eu não sei, será que isso tem
alguma coisa com o meu trabalho? Morte, não. Morte não tem nada a ver (ATRIZ
3).
Ao pedirmos que ela elaborasse a cena, a professora relatou:
Então, a cena que eu pensei é triste, mas se você for ver a situação profissional é
triste também. O começo para mim é aquele negócio, os alunos reclamando que vão
ter que fazer isso. Essa é cena que o Romeu entra e pensa que a Julieta está morta.
você pensa: “Caramba, os alunos estão enchendo o saco e eu vou ter que me virar
para fazer com que tudo certo”. Você fica meio assim: “O que vai acontecer?
Depois vai até piorando, porque o Romeu morre e você fica; “Puxa, eu não posso
desistir, tenho que continuar”. a Julieta sobrevive e você tem uma esperança.
Mas depois, infelizmente ela se mata, e você está lá, forçando a barra para que
tudo certo. Mas daí tem as famílias, a do Romeu e a da Julieta, porque eles brigavam
por uma coisa que não tinha necessidade. E, Graças a Deus, comigo acontece isso.
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Tem gente que adora o que eu faço e tem gente que diz assim:Ai credo, mexer com
isso, vai dar tudo errado, vai dar bagunça.” E eu fecho a boca de todas as pessoas
que ficam criticando na hora da apresentação. Eu acho que é esse o final de Romeu e
Julieta, tem aquele sofrimento todo para fazer, porque não é todo mundo que mexe
com isso, porque dá trabalho para caramba e você tem de ir atrás de muita coisa para
os alunos. A gente pena, marca ensaio fora do horário de trabalho. É um sofrimento,
mas que depois tem uma compensação muito grande no final. É isso que é o
pagamento da gente. Não é o salário. É a finalidade do trabalho. Acho que é isso
(ATRIZ 3).
Com essa elaboração simbólica percebemos o esforço e a solidão dessa professora que
corajosamente tem um trabalho de teatro mais ousado. Mas será que a heroína não poderia
tornar-se mais pós moderna? Seu trabalho não poderia ser sem este sofrimento todo, se a
instituição escolar e o Self Cultural acolhessem os saberes e habilidades desta professora de
forma mais harmoniosa? Será que, ao invés de Apolo, ela não poderia invocar Hermes, o
mensageiro e tornar-se um novo tipo de hei? Brandão (2005) fala deste herói pós moderno:
Por isso o herói hoje “tocado” e possibilitado por Hermes permite-se a experiência
da vulnerabilidade, a vivência que ajuda equilibrar poder e impotência e, por
decorrência, esta integração conduz a uma nova matriz relacional muito diferente da
tradição heróica patriarcal.
Por que dar a Hermes o direito de personificar o herói de hoje? Porque ele rege o
herói que se transforma, conforme a realidade não só tem mil faces como dizia
Campbell (1998), mas assume facetas, como se faz necessário. É o mais psicológico
dos deuses que solicita relacionamentos simétricos.
Quando o professor ou professora é tocado pela energia de Hermes, ensinar torna-se
um trabalho criativo; gosta do que faz, tem paixão pelo seu ofício, como um artista
enamorado pela sua arte. Este professor ou professora torna-se um homem
hermético, generoso a oferecer o que sabe, pois está inteiro, integra “Self-Ego”. Em
outras palavras, Hermes possibilita a esse professor ingressar no que poderia ser a
aventura de sua própria individuação, processo este que chamaremos de uma
“intervenção hermética” (BRANDÃO, 2005, p. 124).
Para que o professor invoque Hermes é preciso que as instituições educativas se
tornem mais matriarcais, acolhendo os saberes de seus professores e dando subsídios para que
eles possam realizar trabalhos de sucesso, sem que se sintam tão abandonados e que o peso do
sucesso ou fracasso fique depositado apenas nas suas costas. Precisamos urgentemente reunir
os educadores e fazer com que eles trabalhem em conjunto, colocando em jogo seus dilemas,
suas dúvidas e angustias e que estes encontros se possibilitem em locais de regeneração e de
gestação.
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O ator 4 tem um símbolo que me remete aos oráculos gregos. Seu símbolo é o
conhece-te a ti mesmo:
Eu sou um artista, então eu estou produzindo muito como artista. Eu não estou
produzindo o final. É o meio da concepção de algumas coisas. E eu estou me
conhecendo nesses momentos, nesses meses. Nisso, os meus alunos não estão saindo
perdendo, eles fazem parte deste processo de criação, recebem espaço para isso,
recebem ferramentas para isso. Eu não estou sendo um artista egoísta vendo o
professor trabalhando e criando. Não, porque tem o trabalho dele também. Em todo
o momento aparece esse “conhece-te a ti mesmo”, não teve uma atividade. Isso eu
só consegui entender depois de que eu vim para cá. Eu sei que o tempo todo eu estou
buscando, volta o texto do Fernando Pessoa o tempo todo. É uma busca
fundamentalmente existencial, eu estou procurando a minha essência perdida e a
minha existência amorfa e acho que é isso, mas em determinados momentos, de
extrema angustia, eu sinto que está perdido, mas sei lá. Eu continuo acreditando que
o caminho é a Arte, talvez isso seja tão utópico (ATOR 4).
Essa busca existencial nos remete aos escritos de Josso (2004) que diz que o método
autobiográfico é um caminho para a autonomização e para a auto-formação desse ator que
busca em sua trajetória de vida momentos marcantes, que serviram de marcos de crescimento
e de mudança de postura diante da vida. Durante toda a entrevista este professor se recordou
dos seus momentos “charneira” e foi relacionando-os com sua trajetória e com o tipo de
docente que ele se constituiu, verificamos que, nestes cinco anos de carreira, este professor
está construindo o seu saber experiencial (TARDIFF, 2002). A busca da existencialidade e do
sentido para a vida é a parte mais marcante da entrevista desse professor, que na Arte-
educação o caminho para essa busca de si e o do outro.
A sua opção por ser tornar professor de Artes foi algo que foi se construindo ao longo
dos anos, ao lado de sua formação como ator:
Quando eu comecei entender o que era ser ator, o que era ser um artista. Isso
começou quando eu tinha dez anos, quando eu comecei a fazer teatro. Desde aquele
momento, a pesquisa, você lendo, você conhecendo, eu senti a necessidade de
passar para frente algumas coisas, de trabalhar com grupos. Isso o teatro começou a
despertar. no colégio, já sendo ator, já tendo um trabalho, começaram a pedir
ajuda. A ajuda do professor de Artes (ATOR 4).
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O teatro despertou esse ator para a docência, de modo que, no ensino médio, o
professor de Artes o solicitava para que ele ajudasse durante as aulas. A linguagem teatral
despertou este sujeito a estabelecer relações entre as pessoas e as ampliar, doando o que ele
sabia para os grupos aonde trabalhava.
Este ator teve também adultos significativos na sua vida:
A minha professora da primeira série, tinha uma professora de Artes no ciclo um da
prefeitura na época em que o Paulo Freire foi secretário. Eu nunca esqueci daquela
mulher. Eu nunca esqueci. Era bonita, era inteligente, era viajada, ela era diferente
daquilo que eu estava acostumado a ver. Ela foi uma referência positiva. Ela
despertou muito a minha curiosidade. Eu queria saber onde ela morava, onde era a
casa dela, porque, afinal de contas, ela era uma artista. [...] Ela era artista plástica,
mas para mim era tudo a mesma coisa. Logo depois, a minha tia começou a fazer
Artes Psticas e eu ia às aulas que ela tinha na faculdade. Eu tinha nove anos e era
fascinante aquilo, porque o cheiro da tinta do ateliê era maravilhoso. A sala de
teatro, que era de teatro experimental. No primeiro ano da graduação, ela tinha
teatro e eu não faltei a nenhuma aula de teatro dela. E eles encenaram, eu não
lembro de quem era, o mito do minotauro. E eu acompanhei todo o processo de
construção. Eu achei aquilo a coisa mais maravilhosa do mundo, era tudo muito
lindo e todo mundo fazendo, discutindo, dançando. Era legal, eu como criança ver
adulto dançando, eu não via adulto dançando. Eu acompanhei toda a graduação dela
(ATOR 4).
A professora da primeira série, a sua tia e a graduação dela que ele acompanhouo
jovem despertaram este sujeito para mundo do teatro e fizeram com que ele buscasse cursos
e integrasse, no ensino médio, um grupo de teatro muito forte que o levou a optar por fazer
Educação Artística, com licenciatura em Artes Cênicas:
E não foi no âmbito escola que despertou esse desejo por. Foi de experiências de
observar o que estava ao meu redor. De ficar curioso, de sentir prazer pelo cheiro de
alguma coisa, pela cor de alguma coisa e no colégio, eu estava dando aula de teatro.
No colégio eu fiz parte de um grupo muito forte de teatro. Eu prestei vestibular, o
meu vestibular foi a coisa mais estranha do mundo. Na Fuvest, eu lembro de ter
prestado para História; na Unesp, eu consegui uma isenção pela minha professora de
língua portuguesa, que é a minha grande referência de leitura. Eu prestei e passei nas
duas. E então, o que fazer? A minha mãe queria que eu fizesse História e eu queria
fazer teatro. E então eu menti para a minha mãe falando que eu não tinha passado.
Fiz matrícula na Unesp e depois eu falei para ela que eu passei na segunda fase. Eu
comecei Educação Artística. No currículo antigo da Unesp eram dois anos de Arte
comum, que tinha Artes Cênicas, Música, Dança, Artes Plásticas, Educação e no
segundo ano você tinha que fazer opção de qual linguagem você iria trabalhar
(ATOR 4).
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Mas a academia fez com que ele desistisse deste curso e optasse por Artes Plásticas:
Eu entrei no CPT e no terceiro ano de Unesp em Artes Cênicas. Foi terrível, porque
eu me desapaixonei terrivelmente pela Unesp. Acho os professores intelectualmente
comprometidos com uma visão pobre de Arte, especialmente de teatro. Tinha
professores ali que fizeram história no teatro paulista, por exemplo, a Berenice
Raulino, que ela foi coordenadora do Centro Cultural Vergueiro. Ela fez um registro
incrível do teatro em São Paulo, que é o centro de registro histórico cênico do
Centro Cultural São Paulo. E ela é uma péssima professora, me perseguia. Ela tinha
falado numa aula para todo mundo ouvir que fazer teatro não é fazer teatro para TV.
Eu nunca quis fazer isso (ATOR 4).
Isso nos faz pensar que as aprendizagens fora da escola que este sujeito teve como ator
foram tão ricas que, quando ele entrou na graduação, que é regida por um sistema patriarcal
de organização, o próprio curso, nos moldes como fora moldado, cerceou este aluno. Seria
como se suas vivências como ator, que se tornaram experiências, fossem mais ricas do que o
processo de ensino-aprendizagem da academia, que ao invés de acolher estas experiências,
praticamente, expulsou este aluno do curso de Artes Cênicas, fazendo-o optar por Artes
Plásticas.
Ao falar sobre sua trajetória profissional, este professor diz ter negado tudo o que fora
aprendido na academia:
Em 2003 eu ingressei no Estado, numa das quebradinhas e eu me apaixonei
definitivamente pela Arte-educação.
A primeira escola que passei foi uma escola particular, evangélica, que atrasava o
salário, tudo aquilo que não para o professor de Artes trabalhar, principalmente
uma pessoa jovem que está começando a trabalhar. Fiquei uns cinco meses nessa
escola, fui demitido por insuflar greve, por insubordinação, porque eu questionei
porque o meu salário está atrasado três meses e os dos outros não. Peguei aulas
no Estado, no jardim Pantanal, no meio de uma favela, uma escola que é nova
porque ela pegou fogo, aliás, botaram fogo. Eu tinha aula manhã, tarde e noite. Eu
vivia naquela escola, eu vivia naquela comunidade, uma comunidade abaixo da linha
da miséria. Uma comunidade que não existe nem em filme. Uma escola que não
existe nem no filme “Hotel Huanda”, porque são histórias ali que eu jamais vou
esquecer na minha vida, porque naquela escola eu tinha toda uma teoria de Arte-
educação, de comprometimento dos professores, mas diante daquela grande
situação, a precariedade que é a condição de ser humano nesse mundo de hoje, eu
inverti todas as ordens e revi tudo, todos os valores e eu não aceitava mais o que eu
tinha aprendido na graduação. E foi nessa escola que eu vivi toda essa condição de
ser professor. Saía onze da noite, no meio da favela, acompanhado dos alunos.
Naquela comunidade o Estado não é presente. A única instituição do Estado que é
presente é a escola. Enfim, a escola desempenha um papel de reinserção desses
indivíduos na sociedade, de reconstrução. O maior foco não era nem os alunos em
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idade escolar, era suplência. Eram pessoas das diversas partes do Brasil com as mais
malucas histórias.
Fiquei um ano e meio. Mais um ano e meio no Parque Ecológico, que era uma
escola parecida com essa, só que um pouquinho melhor. A diferença entre o Parque
Ecológico e essa escola é que os alunos do Pantanal, dessa primeira escola, moram
em barraco e os alunos do Parque Ecológico moram em conjunto habitacional, que é
um barraco de concreto. Era um grande gueto. Parecia um grande gueto da
Alemanha Nazista. Eram prédios uns iguais aos outros, tinha toque de recolher,
tinha um lugar para comprar. Essa coisa toda. Mas enfim, eles tinham uma casinha
para morar, mesmo que essa casinha fosse uma cadeia. Foi no União Vila Nova e
no Parque Ecológico que tive contato com essa dimensão mais humana, do respeito,
de entender, porque aquele aluno, para alguns professores, age de uma forma tão
primitiva, tão bruta, ali eu provei para mim que não é. Graciliano Ramos. Não, não
é Graciliano Ramos. É Augusto dos Anjos. “O homem que vive entre feras,
inevitavelmente tem de virar fera”. Eles agem de uma forma bruta, porque esta é a
forma como o mundo os trata. Olhando eles de soslaio, olhando eles de canto
(ATOR 4).
A rejeição que esse professor teve em relação ao que aprendeu na graduação pode ser
entendida como forma defensiva de encarar aquela realidade tão dura na qual ele foi inserido
recém formado. Sobre a negação da formação acadêmica Pineau relata:
Esta grande bifurcação foi preparada no período precedente, por um tempo de ração
diferente, na mesma situação de partida, criada pela entrada no mercado de trabalho.
Esta situação caracteriza-se por duas importantes descobertas relacionadas com a
formação. A primeira é da existência de um afastamento gigantesco entre as
aprendizagens escolares e as solicitadas na prática profissional. A segunda tem a ver
com a importância, o valor e as desvantagens pela formação pelo trabalho. Mas
perante tais descobertas, a maioria das pessoas nega todo e qualquer valor à
educação formal, ao passo que os pilotos-exceção descobrem e utilizam rapidamente
os cursos de adultos para digerem o afastamento (PINEAU, 2000, p. 6).
O docente 4 programou todo um conteúdo de iniciação teatral que desembocaria na
preparação e apresentação da montagem de uma peça, mas durante as atividades, os alunos
ensinaram ao professor que o processo é melhor que o resultado. Essa questão de valorização
do processo de iniciação teatral é muito defendida por Koudela (2004) e Spolin (2005).
Ambas asseguram que o resultado é condizente com o processo, se este fora rico na
proposição de jogos teatrais e que permitissem ao educando descobrir as capacidades de
interpretação de um personagem por meio de seu próprio corpo, o resultado não seria
diferente disso. Vejamos o relato deste professor:
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As ferramentas estavam com o aluno, era ele que representava. Vou falar de uma
aula de primeira série que eu dei. Eu caí numa besteira. A gente tinha feito vários
jogos teatrais, mas eu falei assim: “Eu quero agora que vocês, em grupo de cinco,
vão fora montar uma história e o apresentar para a gente a história”. Ninguém
terminava o exercício. Não chegavam a apresentar. Porque eles não chegavam a
apresentar? Porque eles estavam criando, mas não criando do jeito que tinha
imaginado. Eu não achava que aquilo fazia parte do exercício. Eles estavam fazendo
teatro, eles estavam jogando, eu só dei a instrução: invente uma história. Eles
estavam inventados, estavam criando e não ia chegar no final, porque aquilo era o
jogo. E eu não entendia isso. Depois de eu ter brigado com eles que veio: “Gente
eles estão fazendo teatro”. Depois que eu entendi isso. Tem uma das fotos de um
menino de seis anos. Eles ensaiavam em um espaço ao ar livre ao redor de uma
árvore. Quando eu fui tirar fotos deles, eles estavam com os galhos da árvore na
boca. E eu briguei com eles porque não era para fazer isso. Eles eram árvores. A
história deles era que eles eram plantas que estavam brigando por espaço. De onde
veio essa idéia. Eles viram galhos que estavam no chão e flores que estavam no
chão. Se eu não tivesse interrompido, eles teriam visto outras coisas. Eles não
entendiam porque havia de ter uma encenação, mas o professor queria que tivesse
uma encenação para formalizar algo que não existe. Depois dessa aula eu vi que isso
é teatro. O teatro é o universo dessas possibilidades. O meu objetivo era: vamos
trabalhar com jogos, vamos trabalhar com a desibinição, vamos trabalhar com dança
para gente conseguir fazer uma improvisação, para a gente conseguir fazer uma peça
Puxa, que chato. Eu aposto que para alguns fica mais marcante aquele momento com
os colegas. Eu não lembro de eu ter seis anos de idade e de estar com um grupo e
falar: “Vamos fazer isso?”. Isso que é o mais importante. A questão da
improvisação, da representação, isso se acontecer, acontece com tempo, é um
resultado (ATOR 4).
Ao imaginar uma cena que descrevesse sua atuação com a linguagem teatral
em sala de aula, esse docente se lembrou de uma aula que ele teve com o professor Alexandre
Matte:
Eu lembrei de um exercício que eu tive no primeiro ano da Unesp, que era um texto
que meu professor, Alexandre Matte, tinha dado para a gente, que era um poema do
Fernando Pessoa chamado Eros e Psique. Quando ele encontra ela e que ela era
ele ali deitado. Então quem ele sempre procurou foi ele. E foi um exercício que ele
deu para a gente, que a gente tinha que esmiuçar, da nossa vida. Era um exercício
em silêncio, sem movimento. A gente tinha que ver o que de verdadeiro aquilo tem,
o que representava aquilo. Toda vez que vejo aquele poema, aquele poema está
falando comigo, mas eu tenho certeza que aquilo fala para mim. E aquilo foi de
frente com o meu trabalho como professor, porque o tempo todo eu estou me
redescobrindo como ator. Vamos falar dos encontros em formação continuada, eu
me reencontro, eu coloco os meus eixos como artista, eu vou em busca do professor
ideal, eu estou me encontrando como professor, estou me refazendo. Quando teve
esse exercício, eu me via como uma pessoa sozinha, uma pessoa sozinha na torre.
Era uma torre que eu imaginei que eu criei. Hoje com certeza a minha torre tem dois
metros de altura. E olha que eu tenho vertigem a altura. Mas eu me sentia sozinho,
porque não era verdadeiro, o que eu estudava de educação não era verdadeiro. Não
representava nada para mim aquilo. Eu tinha a minha memória, as minhas
experiências, mas não era real, hoje é muito mais (ATOR 4).
A busca por uma descoberta de si mesmo faz-se latente no discurso desse ator.
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O poema e metodologia proposta por seu mestre provocou um movimento de reflexão que o
leva ao auto-conhecimento. Este docente, por meio de sua trajetória profissional, buscou
refazer-se e conhecer os seus eixos, fazendo com que ele descesse de sua torre de proteção e
buscasse uma relação mais humana com as pessoas. Seu papel como formador de professores
possibilitou essa descoberta de si e do outro. Ao pedir que ele relacionasse o que ele disse
durante a entrevista com o que ele imaginou, esse professor lembrou-se de textos icônicos:
Nesse momento, eu não vou falar de um momento de sala de aula, de um ser
professor. Eu redescobri em mim a releitura da poesia, especialmente da poesia, o
quanto ela é reveladora, o quanto ela consegue tocar em aspectos que a prosa e o
texto dramático não tocaria. A estrutura dela consegue isso. E esse trabalho com o
professor, essa formação junto dele, o tempo todo eu me deparo como a poesia dá
fundamentos para entender. Não que eu utilize a poesia como um suporte, mas ela,
como um início de algo, um momento inicial de reflexão. É estranho, porque quando
eu estou preparando todo um conteúdo de um encontro, estou com uma poesia na
cabeça. Eu estou falando aqui neste momento de uma imagem, mas eu não consigo
me desvincular da imagem. Ela é muito reveladora também. Mas o texto, o poema,
está sendo muito mais presente. E o Alexandre Matte apresenta isso para os alunos
dele (ATOR 4).
Apesar da experiência com a linguagem teatral e com as diversas linguagens artísticas,
este ator tem um aspecto sombrio em relação à prática teatral:
É bem claro que eu não estou colocando o corpo nas ações. Eu não sei o porquê.
Mas eu não tenho essa percepção do corpo no espaço. Não consigo entender. Eu
acho que discurso, o verbo, eles são tão mais ações que as ações corpóreas. O sentir
e o ouvir é muito mais forte e mais salvador do que o corpo. É um grande erro isso,
porque o corpo também faz parte, mas eu não consigo ver o corpo ainda. O corpo no
teatro. Eu consigo entender a transcendentalidade que o teatro provoca, mas o corpo
não. Talvez o teatro seja tão puro, tão salvador, tão divino que ele não precisasse ter
corpo. Ele precisa de pessoas que o façam, mas não de um corpo físico (ATOR 4).
A arte teatral pode ser entendida como transcendental devido ao efeito catártico que
ela provoca, mas ela é feita por homens e mulheres que se doam, passando por um
treinamento de exercícios corporais e vocais oriundos dos jogos teatrais que fazem com que
estas pessoas consigam, por meio do seu próprio corpo, personificar uma personagem. Esse
treinamento faz parte da aprendizagem da arte teatral e não deve ser negligenciado. O teatro
não é corpo, mas é por meio do corpo dos atores, que humildemente se dedicam a esse
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treinamento, que os personagens surgem e formam o espetáculo teatral propriamente dito.
A atriz 5 tem um grande símbolo que remete à totalidade:
É a roda. Todo mundo de mão dada. Fazendo um ritual sagrado, tudo em prol de um
objetivo que é o fazer teatral (ATRIZ 5).
Todos unidos em prol de um objetivo comum que é o fazer teatral. Esse símbolo é
condizente com o seu trabalho com teatro em sala de aula, essa professora tem mesmo esse
objetivo unificador que é o germe da experiência teatral. A roda é um grande símbolo da
união dos opostos e remete à totalidade, ao arquétipo central. Ao introduzir seus educandos
na linguagem teatral, essa professora busca uma totalidade, um encontro em que, por meio do
jogo de roda, todos possam participar e mais, reconhecerem-se como participantes nesse
grupo. Ao ser questionada sobre a sua relação com o grupo de alunos, essa professora
reafirmou que passa a noção de grupo:
Passo noção de grupo, de conjunto, que teatro não se faz sozinho. Tem o diretor, o
iluminador, não é sozinho. Não é um trabalho individual, é um trabalho coletivo, é
um grupo. Todo mundo num único objetivo (ATRIZ 5).
Com esse objetivo unificador, essa atriz luta contra dois tipos de conflitos: a visão que
as pessoas têm de que teatro é bagunça e o individualismo dos alunos. Sobre a visão de teatro
enquanto bagunça, percebemos que este preconceito vem desde a época da sua faculdade e
esta professora enxerga a linguagem teatral como sagrada:
Sim, é sagrado. o é brincadeira. Tem gente que acha que é brincadeira. Que fala
assim: “Ah, vai brincar de fazer teatro”. Não, não é brincadeira. Eu falo para os
alunos isso: “Eu não estou aqui para brincar. Ninguém está aqui para brincar”. Eu
falo como é o processo mesmo teatral. Até mesmo na faculdade, eu lembro que a
sala de aula da faculdade ficava bem no corredor da reitoria e pessoal quando olhava
para a gente, descalço, o pessoal falava: “Ah, vocês estão brincando. o faz
nada. Sala que não tem carteira”. E eu acho que não é isso até mesmo assim, teve
um Peb I que achou que era brincadeira, mas você tem que mostrar que não é assim
(ATRIZ 5).
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Esta professora luta também heroicamente para inserir a linguagem teatral no
cotidiano escolar e dar a ela status de disciplina que deve ser trabalhada. Ao ser questionada
como ser tornou professora de artes, veremos que esta opção surgiu de uma necessidade de se
sustentar; mas, ao torna-se professora, assumiu a docência e se aprimora por meio de cursos
de formação continuada:
Sim. Porque antes eu nem imaginava ser. Nem passava pela minha cabeça. Eu até
fugia, mas daí quando o pessoal da faculdade foi para a atribuição, eu acabei indo
também. Eu falei: “Eu preciso fazer alguma coisa, eu não posso ficar esperando o
trabalho de teatro, que demora, é difícil. É difícil viver de teatro e então acabei indo
com o pessoal. [...] A cada dia eu estou aprendendo mais, aprendo com os alunos,
vou me capacitando, fazendo cursos. Até ontem eu estava fazendo dança circular
judaica. Faço fotografia. A cada ano eu estou tentando me aprimorar (ATRIZ 5).
Ao falar de seu trabalho com a linguagem teatral em sala de aula, essa docente mostra-
se antenada com os discursos dos teatro-educadores, baseando-se na iniciação teatral, por
meio de jogos:
Eu estou tentando trabalhar o máximo com teatro em sala de aula. Eu trabalho com
jogos teatrais, com performances. Eu procuro trabalhar com eles o início do teatro,
iniciação teatral. Jogos para ter coordenação motora, concentração, noção de grupo,
porque eles são muito individualistas. “Ai, não quero trabalhar com fulano, não
quero trabalhar com cicrano”. não, eu tento juntar todo mundo. Até para dar a
mão, porque eu faço muito jogo com roda. Deles falam: “Ai, não quero dar a mão
para o menino, quero dar a mão para a menina”. Quando eu vejo uma panelinha, eu
separo. Ontem mesmo eu separei. Eu também trabalho ritmo, porque eu acho que até
na vida deles ajuda. Concentração para os estudos. Acho que esse trabalho vai
ajudando. [...] São mais jogos teatrais, jogos da Viola Spolin, até coisas que eu
aprendi na faculdade, em grupos. Eu tento adaptar também de acordo com a
realidade deles, dos alunos, da escola, do espaço. Eu não trabalho na sala de aula, eu
pego um espaço, como o pátio, até reclamaram que estavam fazendo muito barulho,
mas daí eu uso. Eu uso o pátio e uma área que tem árvore, que tem sombra. Às vezes
eu separo a sala, porque eu acho que teatro não para trabalhar com muito aluno.
Então eu divido metade vai ficar na sala e a outra metade vai trabalhar teatro e d eu
revezo. Quando tem sala que os alunos são mais quietos, eu trabalho com a turma
inteira, ontem mesmo eu consegui com 35 alunos. Mas essa sala é mais quieta, nas
demais eu separo, porque tem sempre um ou outro que atrapalha a concentração do
grupo, daí eu separo. Eu acho que teatro tem que trabalhar [...] Menor número,
quanto menor número, melhor (ATRIZ 5).
Além de trabalhar com iniciação teatral, esta atriz que seu trabalho contribui para a
educação do aluno, ensinando-o a ter coordenação motora, concentração para os estudos, etc.
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Parece que ela justifica o seu trabalho, que sofre um forte preconceito, se apegando aos
aspectos que ele desenvolve. Além disso, essa professora, para desenvolver a sua atividade
com teatro em sala de aula, precisa lutar também contra as salas de aula lotadas. Para tanto,
ela divide as turmas, pois do contrário, o trabalho seria inviabilizado. As super lotações das
salas das escolas estaduais são uma das características que mais dificultam o encontro
autêntico entre professor e aluno. Pois, como vamos trabalhar os jogos com quarenta e ou
trinta crianças ao mesmo tempo? Que não conhecem a linguagem teatral, mas a estão
aprendendo? Deveríamos lutar por uma redução de alunos por classe, em nome de uma
qualidade melhor da relação de ensino-aprendizagem.
Ao imaginar uma cena que descrevesse o seu trabalho com teatro em sala de aula,
essa atriz lembrou-se dos jogos de roda tão usados nas aulas de iniciação teatral:
Eu imaginei a minha aula mesmo. Eu imaginei a mim reunindo os alunos para
formar uma roda para fazer exercícios teatrais. Eles no processo de....fazendo
mesmo poque patoque. Meus alunos mesmo da segunda série, fazendo a roda. Todo
mundo participando. “Tumba, Tumba”. Que é uma coisa forte, presente. Todos
participando, batendo os pés. Porque é um ritual. Depois eles fizeram aquele
exercício que você passou outro dia (ATRIZ 5).
Ao elaborar as suas lembranças remete às suas aulas em que a busca da totalidade se
faz por meio dos jogos de roda, dos rituais tão matriarcais que acolhem os alunos pela sua
pujança, mas são articulados por uma vivência de totalidade.
A atriz 6 elegeu como símbolo:
Experimentação. Tentativas. A minha formação é em Artes Plásticas, então você faz
mais com certeza, você sabe por onde está caminhando, lógico que, no meio do
caminho acontecem coisas que você não espera, mas em Artes Plásticas eu sei o
objetivo que vou alcançar, quanto tempo vai levar e numa primeira série eu sei até
onde eles vão chegar e no teatro eu vou meio de olho fechado. Eu não tenho essa
experiência, então eu não sei controlar muito bem uma situação. Eu acho que eu
aprendo com eles. Na faculdade foi tudo muito teórico, não te tanto
embasamento. Vamos ver com quarenta, vamos fazer. Você não vai ler para a
criança, é diferente. Acho que é isso (ATRIZ 6).
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A atriz 6 sente falta de uma formação mais abrangente sobre a linguagem teatral,
achou sua formação acadêmica muito teórica e pouco preparadora para enfrentar os desafios
do cotidiano. Ao falar que é formada em Artes Plásticas e que, por isso, as suas atividades
nesta área são feitas com mais certeza, podemos dizer que essa professora sabe lidar bem com
os saberes fechados: “você sabe por onde está caminhando, lógico que, no meio do caminho
acontecem coisas que você não espera, mas em Artes Plásticas eu sei o objetivo que vou
alcançar, quanto tempo vai levar e numa primeira série eu sei até onde eles vão chegar”. Mas
ela tem dificuldade em lidar com os saberes abertos, não tão articulados como os da
linguagem teatral, então esta professora acha que para aprender a lidar com esses saberes, ela
se torna aluna dos seus educandos num processo de experimentação e tentativas. Sabemos que
em um processo de ensino-aprendizagem em que o padrão de alteridade espresente, o papel
do educador e do educando é preservado, mas existe o espaço do entre, essa brecha para que
cada um possa aprender com o outro, numa relação entre as intersubjetividades presentes.
Esta docente, diferente dos demais, sempre quis a docência. Ao ser questionada pela
sua opção, ela respondeu:
Porque eu sempre me interessei pela linguagem artística e pela educação. Tanto é
que eu comecei a fazer faculdade de pedagogia, que aquilo não me completava,
eu achava que era pouco. Eu tranquei pedagogia no segundo ano e entrei em
Educação Artística, porque eu achava que eu queria educação, mas queria a prática
como artista (ATRIZ 6).
Apenas o curso de pedagogia, nos moldes como ele fora planejado pela academia,
parece não ter sido suficiente para ela tornar-se professora. Para essa entrevistada, a educação
passa pela Educação Artística, que é uma das linguagens que deveria ser trabalhada na escola.
A arte é uma forma de conhecimento e precisa adentrar o espaço escolar, mesmo que para isso
precisemos reestruturá-lo, visto que a escola ainda preza pela organização patriarcal, pelos
horários e pela rigidez do currículo que engessa a interdisciplinaridade, mas a arte, além de
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bagunçar essa estrutura, pode mostrar novas formas de organização mais próximas do
acolhimento, da compreensão, da discussão, da criação e da reorganização em outro patamar.
Ao falar da trajetória do seu trabalho, essa professora relacionou a pergunta com os
resultados obtidos ao longo do processo de ensino-aprendizagem:
Tem sido melhor do que eu esperava, porque a faculdade não te prepara para a sala
de aula. Ela é muito teórica; porém, no dia a dia, você descobre trabalhando mesmo.
Apesar de você fazer estágio, as dificuldades do dia a dia você descobre trabalhando.
A gente tem criar soluções no dia a dia. Eu acredito que eu tenho um resultado muito
satisfatório do meu trabalho. Eu vejo resultado do meu trabalho. Eu acho que
trabalhar com Educação é bom por isso, você vê resultado. Imediato. Você vê no seu
aluno o resultado. Eu acho isso bom (ATRIZ 6).
Mais uma vez essa atriz se queixa sobre a sua formação acadêmica e a caracteriza
como muito teórica. Essa docente é jovem e está lecionado recentemente, de modo que está
construindo o seu fazer profissional, seu corpus de vivências que vão tornando-a na
professora que ela é (TARDIFF, 2002).
Seu trabalho com teatro em sala de aula se baseia em jogos artísticos:
Bom, teatro, na verdade eu trabalhei com eles jogos artísticos. Eu nunca montei uma
peça, tenho vontade de montar. Eu não me sinto preparada, eu me sinto sozinha,
porque a gente sabe que numa escola de Peb I a gente não pode dizer: “eu vou
montar uma peça com esses dez alunos”. Votem de lidar com os quarenta alunos.
E as professoras da sala de aula não se incentivam muito. E você sozinha lidar com
os quarenta. “Ah, você vai fazer figurino”. Eu não sei distribuir a sala, eu tenho essa
dificuldade, como que eu sozinha vou distribuir para montar. Eu gostaria de ter uma
equipe, um grupo para montar.[...] Mas eu já trabalhei com eles exercícios teatrais,
alguns eu aprendi com a Neryssa, de repetição, o toque patoque. Eu tenho Cds de
música infantis que eu levo e eles fazem a interpretação dasica na frente da sala.
Eu dei, por exemplo, o cravo e a rosa, e eles vão interpretar porque o cravo brigou
com a rosa. Eu gosto muito até, na primeira e segunda séries, eu conto muitas
histórias para eles e eles encenam. Isso é uma brincadeira, não é uma peça, o tem
figurino, nada. para eles desenvolverem a criatividade e a improvisação. Mas
nada de uma peça montada. Eu também faço com eles o seguinte; eu levo umas
imagens grandes e eles vão olhando as imagens e vão contando a hisria,
interpretando. Mas isso é um exercício de sala de aula, em círculo, não é um
exercício de palco. Palco nós não fizemos ainda, eu gostaria (ATRIZ 6).
Percebemos que essa docente se esforça para trabalhar com a linguagem teatral e a faz
interdisciplinarmente. Sentimos neste momento da entrevista uma imensa solidão invadindo a
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fala dessa professora e resolvemos perguntar se ela sentia falta de parceiros. Neste contexto,
ela respondeu:
Muito. Muito. Muita falta eu sinto. A escola não se preocupa com isso. O ano
passado eu tinha texto, eu queria montar, que sozinha, eu como a dar para as
crianças e quarenta! Se um não se interessa, ele tumultua. Eu me sinto, sozinha,
incapaz de fazer um trabalho tão grande (ATRIZ 6).
A questão da parceria torna-se um imperativo para essa professora e acredito que para
a escola. Se a equipe de professores se engajasse em um trabalho comum, com objetivos
próprios, a qualidade do trabalho não seria diferente? A insegurança dessa professora não
poderia tornar-se segurança e ela não poderia desenvolver projetos incríveis? Sobre a questão
da consolidação do sujeito coletivo Silva (2003) afirma que:
A existência de autênticos sujeitos nas unidades escolares é possível quando ocorre a
re-humanização das relações entre as pessoas e, para além do funcionário, surge a
pessoa do educador, o que pode acontecer em um clima próprio, que é o
comunitário, isto é, um ambiente no qual haja grupos de referência dos quais seja
possível participar e desenvolva o sentido de “nós-ético”. A dinâmica das
organizações burocráticas, para ser superada, pede a existência de sujeitos coletivos
que não visem unicamente a seus interesses corporativos, mas que tenham também
uma atitude e atuação pluralistas (SILVA, 2003, p. 68).
Ao imaginar uma cena que descrevesse o seu trabalho com a linguagem teatral, essa
professora respondeu:
Eu lembrei de uma cena que fiz recentemente na segunda série. Eu levei o CD com
as músicas, cantamos a música o cravo e a rosa. Eles não sabem o que é uma sacada.
Eles cantam por repetição. Eles nunca tinham pensando porque eles tinham brigado.
E eles falaram das brigas que eles vêem em casa, porque brigaram, porque que
briga, do cotidiano deles que tem briga de pai e mãe, que briga por ciúme. Um
cotidiano às vezes muito mais realista do que o nosso. Porque traiu, porque saiu com
o vizinho. Umas coisas que você fala: “Não, vamos devagar”. E com essa música
eles inventaram a história. “Ah, o cravo viu a rosa conversando com o vizinho, “Ah,
porque está conversando”. E eles se empolgam. Aí, no final, por mais trágico que
seja, sempre tem um final feliz.Ah, ele perdoou e eles foram embora juntos, O
casal teve mais filhinhos”. E sempre são eles que criam o final. Eu falo: “Não tem
final, vocês que criam”. Mas eles criam. [...] Eles que inventaram. A música é um
meio,o tem finalização. Eles que criam o porquê que chegou nessa briga e o final
que não tem. Daí eu peço para eles ilustrarem, sempre eu peço isso. Então eles
fazem como se fosse uma história em quadrinhos, com começo, meio e fim, do
cravo e da rosa (ATRIZ 6).
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O processo usado por essa colaboradora da pesquisa se assemelha muito ao utilizado
com o ator 2 com as atividades com os alunos do Ciclo I. Só que ele partia do desenho e da
pintura e a partir do repertório de histórias dos discentes. Esta professora parte de música
infantil para a improvisação, num processo riquíssimo e interdisciplinar. Ela fornece os
subsídios e os alunos improvisam a história, manifestando-se de corpo inteiro.
Ao pedir que ela relacionasse essa cena com o que ela disse na entrevista, esta
professora refletiu:
Então, eu gostaria de ter um trabalho, eu percebo que eles se interessam. A cena que
eu imaginei foi uma cena muito gratificante, que é o momento que eles se soltam,
que eles perdem um pouquinho a timidez, até porque o só entre os colegas da sala
de aula. Não sei como seria a reação deles diante de um público. Mas eu sinto que
eles sentem falta. Eles ficam perguntando: “A gente vai fazer de novo”. Então a
coisa para eles é gratificante, que, por outro lado, fica limitado, não tem
aprofundamento. Apesar de fazer o toque, patoque taque também, oito para cá, oito
para lá. Eles trabalham em sincronia. que são cinqüenta minutos e você vai
trabalhar em sincronia, oito para cá, oito para lá. “Não está errado”. Acabou a aula
São só cinqüenta minutos, não é como na faculdade. Isso é um exercício de iniciação
para começar alguma coisa. Na sala de aula é um aquecimento e acabou. Na semana
que vem vai ter que começar tudo de novo. Acho que deveria ter projetos, fora do
horário de aula, para a gente pegar alunos que se interessam realmente. Tem aluno
que não se interessa, que atrapalha, que é hiperativo. Eu acho que deveria ter um
espaço de tempo maior, porque é limitado. Então sentar em círculo, vamos para o
pátio, você explicar, um levanta, eles fazem e acabou o tempo, bebe água e volta
para a sala. Talvez falte em mim também, talvez quem tenha a técnica de teatro
consiga controlar melhor a agitação deles. Tem dias em que você fala: “Nossa eu
estou tão cansada”. É lógico que eu acho mais desgastante trabalhar com teatro do
que trabalhar com Artes Plásticas, caderno. É mais tranqüilo. Eu tenho um objetivo
de fazer uma coisa maior. Eu conversei com o professor de Educação Física da gente
fazer uma coisa com a quarta série, porque eles são maiores. É difícil fazer com
primeira e segunda, porque eles nem lêem direito ainda. Como você vai dar um texto
na mão deles e falar: “Decora”. Existem vários fatos limitadores (ATRIZ 6).
Neste depoimento vemos que essa solidão invade essa professora, mas ela está
procurando, construindo soluções para trabalhar com teatro em sala de aula e, neste processo,
estão surgindo parceiros. Então torcemos que sua insegurança e falta de preparação por meio
de uma parceria bem estabelecida se torne segurança e em trabalhos com a linguagem teatral
mais bem elaborados.
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Retiramos do nosso baú existencial o relato destes docentes e fizemos uma leitura
simbólica de suas entrevistas. Após este mapeamento, vemos quão singulares e diferentes são
as soluções encontradas por cada um ao trabalhar com linguagem teatral, mas existem
semelhanças como a interdisciplinaridade que percorre o discurso de todos os atores e
queremos ver isto mais de perto. Para tanto vamos remexer o baú e abrir mais um capítulo.
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Capítulo 5: remexendo o baú e tecendo trajetórias
Quem é que assim nos inverteu a rota, para,
em tudo o que fazemos, assumirmos a atitude
de quem está de partida? Tal como ele, no alto
da última colina que lhe dá a ver uma vez mais
todo o seu vale, se volta, pára, se demora
assim vivemos nós em permanente despedida.
Oitava elegia
Rainer Maria Rilke
Após o mapeamento das entrevistas, percebi quão singulares são os caminhos do
professor ao desenvolver seus projetos com a linguagem teatral. Pautado nas suas matrizes
pedagógicas, que têm uma dimensão consciente e inconsciente, ele delineia os contornos
desta atuação profissional e configura um jeito único de ser docente. Essa individualidade e
não o individualismo deve ser preservada para que o professor continue a ser autêntico em
suas atuações e que, em seu processo de formação, busque a sua individuação no encontro
amoroso com os alunos.
Apesar de as práticas pedagógicas serem diferentes, percebemos algumas semelhanças
como a prática e a atitude interdisciplinares que estão presentes de forma explícita e implícita
no discurso dos entrevistados. O positivismo conseguiu fragmentar o saber, inclusive
subdividindo as próprias disciplinas entre si, mas estes professores buscam religar os saberes
artísticos entre si e até entre as demais disciplinas, tecendo um processo de ensino-
aprendizagem rico e abrangente, que se aproxima mais do paradigma pós-moderno. A
interdisciplinaridade não se faz só pela interligação de conteúdos, mas também pelas relações
entre as pessoas que se disponibilizam a colocar em jogo os seus saberes e produzir o novo,
constelado de união dos sujeitos e de seus conhecimentos, onde vemos a regência do
arquétipo do mestre-aprendiz (BYINGTON, 2003).
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Outra analogia que foi feita é em relação à prática destes professores. Referimo-nos ao
seu compromisso com a relação de ensino-aprendizagem. Apesar de cada um ter o seu modo
próprio de trabalhar com as linguagens artísticas, o compromisso com o aprendizado fica
latente no discurso do professor. Mesmo os que optaram pela profissão docente por serem
artistas (A2 e A5) e não terem outra forma de se sustentar foram aprisionados pela docência,
tornando-se professores comprometidos com os seus alunos e com os processos de
aprendizagem.
Outras características que ficam claras no discurso dos atores entrevistados são as
soluções criativas que eles operaram para se exercerem enquanto sujeitos na sala de aula.
Salas de aula lotadas, falta de espaço adequado para a realização das aulas de teatro são
problemas cotidianos destes professores, que parecem “driblá-los”, promovendo mudanças no
espaço escolar. Se a escola não os acolhe, eles acolhem a escola, transformando-a. O ator 4
procurou uma área arborizada para dar suas aulas de iniciação teatral; as crianças criaram
histórias a partir dos galhos, das folhas e gravetos que viam no chão, se reinventando em
comunhão com a natureza. A atriz 5 também se utiliza de uma área arborizada, mas também
transforma o pátio em espaço para a linguagem teatral. Os demais atores transformam a sala
de aula, reconfigurando-a e arrancando-a de seu lugar tão patriarcalmente organizado. Esses
professores conseguem imprimir vida à escola, tão desprovida disso e a deixam entrar por
meio das improvisações, dos jogos e dos festivais de teatro.
Percebo que são nestas práticas que o professor se orienta, se inventa e reinventa para
atender às necessidades de seus alunos, da escola e da comunidade, formando o que
BYINGTON (2003) chama de Self Pedagógico:
O Self pedagógico é a totalidade das reações psíquicas do conjunto formado pelo
professor e pelos alunos. O Vaso Pedagógico é a relação de ensino construída
racional e emocionalmente durante o convívio professor-aluno, dentro do qual são
elaborados os símbolos e funções estruturantes do Self Pedagógico (BYINGTON,
2003, p. 77).
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Mesmo estando inserido em um sistema de ensino que, por suas características
ambíguas, como a remuneração do professor, as salas lotadas, a alta exigência dos órgãos
centrais por uma educação de melhor qualidade e a falta de infra-estrutura adequada para que
estas exigências sejam cumpridas, percebemos que esses professores conseguem desenvolver
propostas de trabalhos com a linguagem teatral de qualidade, apesar das contingências
contrárias. São professores heróis que não se acomodaram ao sistema, mas pelo contrário,
driblam o sistema, reinventando o processo de ensino-aprendizagem. Isso se deve ao processo
de entrega ao ofício de lecionar e ao encontro destes professores com seus alunos que
constroem juntos um processo de aprendizagem regido pela democracia.
Como professoras da mesma rede que esses professores, sabemos o quanto são difíceis
esses momentos democráticos, regidos pelo arquétipo da alteridade, pois são muitos os
impeditivos do próprio sistema que, às vezes, afastam os professores de seus alunos e vice-
versa, criando uma espécie de apatia pedagógica, em que a descrença e a falta de perspectiva
invadem o discurso do professor. Mas esses docentes não se integraram a esse processo; pelo
contrário, “lutam contra a maré” para serem eles mesmos e poderem desenvolver seus
projetos em um sistema de ensino em que o desânimo e a descrença nos processos
educacionais são características sombrias presentes no discurso de muito dos professores que
conheçemos.
Esses atores usam criativamente as limitações encontradas e constroem soluções para
os problemas cotidianos, mesmos os que se sentem mais sozinhos (A6) usam a solidão
criativamente na busca do encontro com o outro, por meio de um processo de parceria.
Os aspectos sombrios encontrados em alguns dos depoimentos dos sujeitos
entrevistados servem como uma espécie de aviso para que esses professores procurem
elaborar suas sombras, trazendo-as para a consciência. A atriz 1 se assemelha à galinha com
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133
seus pintinhos, que os protege, os motiva, mas não deixa que eles alcem vôos mais altos fora
do terreiro. O ator 4 não reconhece o corpo na linguagem teatral, dando a esta linguagem uma
característica mais transcendental. Mas ao não reconhecer o corpo, ele nega o instrumento
pelo qual o teatro torna-se vivo. É por meio dos corpos dos atores, devidamente orientados e
preparados para a utilização desta linguagem que o teatro se manifesta. Temos cenários,
figurinos e trilha sonora em um espetáculo teatral, mas sem o trabalho do ator que se entrega
ao processo de construção dos personagens, a peça ou o espetáculo não passariam de engodo
ou de um festival de luzes e sombras desprovido de significado.
Ao se trabalhar com a linguagem teatral, percebemos um exercício de entrega ao
processo que enreda professor e aluno numa trajetória construtiva para a formação ampliada
dos sujeitos. O teatro, entendido como forma de conhecimento, adentra o espaço escolar e se
manifesta vivo trazendo a pujança dos rituais matriarcais, que foram banidos da escola pela
dissociação do objetivo do subjetivo. A expulsão do arquétipo matriarcal tornou o ensino
extremamente racional e, inclusive, baniu o corpo dos processos de aprendizagem. Por meio
da manifestação deste arquétipo que, ao se constelar, traz junto a totalidade, pois ela a
totalidade é regida pelo arquétipo central, que acolhe todos os arquétipos e demais
polaridades.
E assim vemos um novo “bailado” em sala de aula, onde espaço para que os
educandos se manifestem de corpo inteiro, acionando os cinco sentidos e a consciência no
processo de construção do conhecimento. A aula se torna viva e significativa e o aprendizado
jamais será esquecido. Lembramos o ator 2 que, por meio de suas aulas de teatro, plantou o
germe da experiência teatral em seus alunos que se organizaram em grupos e concorreram em
festivais da região. Lembramos também da atriz 3, que por meio dos festivais de teatro que
promove na escola, acolhe seus alunos e traz a comunidade para dentro da escola, mesmo que
isso crie problemas com os demais professores de Artes:
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134
Você quando trabalha com teatro, acaba causando uma confusão com outros
professores de Artes que não trabalham. Porque você chama a comunidade para
dentro da escola e os outros não. E o diretor acaba cobrando dos outros e você acaba
fazendo o papel de má. Mas não é porque você é malvada, é porque você está
fazendo o que você gosta. aconteceu isso mil vezes comigo. Se eu fosse dar
Artes Psticas, eu acho que eu enlouquecia. Hoje em dia, o aluno não tem material,
não tem dinheiro para comprar material para pintar o quadro e com teatro a gente faz
a peça com o que a gente tem em casa. Acho que é mais fácil trabalhar com Artes
Cênicas. Essa é a realidade da gente (ATRIZ 3).
Mais uma vez o teatro surge como solução possível. Podemos, dentro do processo de
concepção de um espetáculo, criar soluções que possibilitem que o trabalho com esta
linguagem artística seja bem sucedido sem ter que pedir demais para os que pouco podem dar.
Basta a criatividade e o conhecimento das características inerentes à linguagem teatral, para
que o espetáculo seja feito sem que seja necessário lançar mão de recursos mirabolantes. O
teatro é simples, como o homem, em sua essência, também o é.
A busca de simplicidade foi uma das coisas que mais demoramos a aprender como
atriz. Ao iniciar a nossa trajetória, buscávamos caminhos de construção de personagens
mirabolantes, criávamos verdadeiras histórias de vida para nossos personagens para que
pudéssemos personificá-los. Com o passar do tempo, percebemos que bastava compreender o
personagem e, por meio de jogos de improvisação, podíamos construí-los, pautados mais na
intuição do que numa construção puramente racional. O teatro abria espaço para essa
construção e nós nos redescobrimos enquanto atrizes, largando mão dos aspectos mais
patriarcais, como as gêneses dos personagens e nos lançando de corpo inteiro nos processos
de improvisação para depois irmos ao encontro do texto, texto este criado mediante as
improvisações feitas. Ao desvendarmos esse processo nós nos redescobrimos como pessoas e
acreditamos que a atriz 3 igualmente possibilita estas descobertas a seus alunos, pautando-se
na simplicidade inerente à linguagem teatral. Ser simples não quer dizer ser menos, ser
simples, neste contexto, refere-se a preservar as características principais da linguagem
teatral, abandonando os adornos e atributos que às vezes só atravancam o processo de
construção da peça.
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Por fim, esta dissertação não procura detectar respostas, mas pelo contrário, abrir
espaços para mais perguntas. No desenvolvimento da pesquisa observamos que a formação
dos professores se iniciou muito antes deles ingressarem na graduação, é ativada toda vez que
se constela o arquétipo do mestre-aprendiz (Byington, 2003). Os processos formativos
articulam diferentes dimenes, desde teorias que subsidiam o trabalho do professor em sala
de aula até em vivências não teóricas que se tornaram experiências que se somam num modo
único de ser professor e de se exercer nesta atividade lúdica que é prática com a linguagem
teatral. Ao procurar reconhecer as matrizes pedagógicas destes professores, nós buscamos
compreendê-los e, para isso, foi necessário um processo de imersão nos discursos produzidos
no contexto da pesquisa. Analisamos um a um sob o ponto de vista da psicologia analítica e
saímos deste processo revigoradas, pois vemos que há pessoas que permitem que a arte teatral
se manifeste e se mantenha viva no cotidiano escolar. Tecemos essas considerações finais
com esperança de que, por meio da leitura do foi escrito aqui, mais professores de Artes se
entreguem à aventura que é o processo de ensino de teatro nas escolas públicas estaduais.
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136
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139
Anexos
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140
ANEXO A – questionário aplicado aos professores de Artes da rede pública estadual.
Questionário para professores de Artes
Nome:
Endereço:
Fone/fax:
Formação acadêmica:
Formação livre:
Tempo de magistério:
Rede:
Séries em que atua:
1. A sua especialidade é:
( ) Artes Visuais
( ) Música
( ) Teatro
( ) Dança
2. Você trabalha coma linguagem teatral em sala de aula?
( ) Sim
( ) Não
3. Em caso afirmativo, você trabalha com a linguagem teatral de forma:
( ) esporádica
( ) bimestralmente
( ) permanente
4. Em seu plano de ensino, qual o espaço destinado às Artes Cênicas?
5. A linguagem teatral aparece no cotidiano de sala de aula:
( ) respeitando o plano de ensino
( ) como flexibilização do conteúdo abordado na aula.
( ) ambas
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6. Você trabalha com jogos teatrais?
( ) Sim
( ) Não
7. Na sua concepção, o trabalho com os jogos teatrais auxilia na apresentação do educando ao
mundo das Artes Cênicas?
( ) Sim
( ) Não
8. Você trabalha teatro em sala de aula apoiado em:
( ) em sua experiência
( ) em teorias da área
( ) em ambas
9. Em quais teorias você se apóia ao trabalhar com linguagem teatral em sala de aula?
10. Ao trabalhar com a linguagem teatral você se apóia nas suas experiências?
11. Ao trabalhar com a linguagem teatral, como você registra as suas experiências?
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12. Você daria uma entrevista sobre o seu trabalho com teatro em sala de aula?
( ) Sim
( ) Não
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143
ANEXO B: entrevista da atriz 1
1. Como foi construída a sua opção por ser professor de Artes?
Eu escolhi essa opção primeiro por causa das minhas habilidades. Eu gosto muito de pintar,
desenhar, dançar, gosto de música. A arte para mim, não seria uma opção vazia. Então a arte,
para mim, foi por causa do lugar que eu gosto mesmo, desde quando eu era pequena. A minha
opção foi essa.
2. Como vem se construindo a sua trajetória profissional?
Construindo? Eu sou uma pessoa que eu gosto de trabalhar. Eu trabalho seqüências, mas em
cima das seqüências, eu procuro trabalhar projetos com os alunos e dentro destes projetos eu
trabalho com todas as linguagens artísticas. Eu não trabalho só desenho e pintura, eu trabalho
teatro, música, dança para que ele saiba que a arte não está só ligada a desenhar e pintar.
3. Como você descreveria o seu trabalho com teatro em sala de aula?
Eu sou formada em Artes Plásticas, não por opção. Na minha faculdade tiraram Artes
Cênicas. A minha primeira opção seria fazer Artes Cênicas. Então ficaram os cursos de
Desenho e Artes Plásticas. Como o curso de Desenho deixava muito a desejar, eu optei por
Artes Plásticas. Eu procuro, eu tenho a base de teatro que seria jogos dramáticos,
improvisação, não seria assim teatro puro para quem se forma em teatro. Então eu procuro
passar para o meu aluno o que seria uma “Inter” que misture um pouco de cada disciplina,
porque eu não sou profissional do ramo.
4. Quais são as bases que sustentam a sua prática?
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Eu faço assim, antes de eu montar o meu planejamento, eu faço assim, eu faço um estudo em
cima das necessidades dos meus alunos para ver o que eles têm necessidade de aprender,
porque se eu dou aula numa periferia eu não posso ensinar um conteúdo de artes que está em
um museu na Zona Sul. O que eu faço? Eu procuro trabalhar o cotidiano do aluno, coisas que
estão ligadas a ele, até então eu também mostro coisas do passado, que eles gostam. Eu tento
trabalhar a realidade dele, eu não posso trabalhar alguma coisa que esteja acontecendo em
outra região.
5. Você se utiliza do jogo dramático em sala de aula?
Às vezes sim, às vezes não, dependendo da minha proposta de trabalho. Eu vou dar uma idéia.
Se eu estou trabalhando Artes Visuais e eu vou puxar para um trabalho de expressão corporal.
Então eu vou estar passando para o aluno um mínimo de expressão corporal. Depois de toda
uma extrapolação, de uma contextualização, ele, o aluno, vai ver como trabalhar aquela
imagem através do próprio corpo dele. Se vou trabalhar o jogo dramático, eu não vou
trabalhar separadamente, entendeu?
6. Você vai fechar os olhos e imaginar uma cena com começo meio e fim que descreva o seu
trabalho com teatro em sala de aula. Quais são os personagens? Qual a ação dramática? Qual
o enredo?
Personagens antigos. Eu estou tão inspirada no meu projeto que eu imaginei uma cena preta e
branca. Está acontecendo mais ou menos nos anos de 1920. Ela não está atualizada no tempo
de agora. Uma cena de cinema mudo com mímica e legendas.
7. Agora que você ouviu o que você disse, como você relaciona essa cena com o seu trabalho
com teatro em sala de aula?
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Essa cena que eu estou vendo é praticamente o fechamento do meu trabalho. Então eu
relaciono, a palavra foco de tudo isso é o entusiasmo. Porque eu percebo assim, diante de
fotos, filmagens, DVDS, tudo o que eu tenho, eu percebo que em todo o processo o aluno
mistura entusiasmo na construção do conhecimento dele.
8. Essa cena que você imaginou era uma cena teatral?
Foi.
9. E você se utiliza dessa linguagem, da mímica, em sala de aula?
Diariamente não. Mas já trabalhei. Tenho vários trabalhos com isso. Não por causa do
projeto que eu desenvolvi. Mas eu já cheguei a trabalhar com os temas transversais através da
mímica. Eu tenho tudo isso filmado. Mas os alunos eram de uma instituição particular, o Sesi,
o que não quer dizer que eu não venha a trabalhar isso no Estado. Fora o Charles Chaplin, eu
trabalho com quinta e sexta série o Mazzaropi, para que eles entendam como o cinema
progrediu dos tempos antigos até agora. Eu faço uma “inter”, eu trabalho geografia,
português, tudo para que eles possam contextualizar.
10. Então você trabalha com a linguagem corporal em sala de aula?
Eu trabalho com todas. Eu procuro envolver todas. No caso do Charles Chaplin, além de
trabalhar com a mímica, eu procuro trabalhar com as músicas que ele mesmo compôs para o
filme Luzes da Ribalta. Eu estou trabalhando com uma terceira série que uma menina, sem eu
pedir nada, pesquisou tudo sobre o Charles Chaplin na internet. Eu achei isso fabuloso. Eu
dou aula para todas as idades, desde a primeira série, e eu percebo que mistura, e eles sabem
que em todos os projetos eu procuro motivá-los. Eles não fazem por fazer. Têm alunos
procurando filmes do Charles Chaplin em locadora. Eles tão buscando coisas, por curiosidade,
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porque para eles isso é novo. Então, até a mãe e o pai entram no jogo. Isso para mim é
fantástico.
11. Você poderia eleger um símbolo que descreve o seu trabalho com teatro em sala de aula?
Coração. Quando tem entusiasmo, tem tudo. É o amor pelo que a gente faz.
12. Você poderia descrever uma cena que relata o seu trabalho com teatro em sala de aula?
Ontem, em uma sala de sexta série, teve uma apresentação de teatro. Eles ensaiaram. De todas
as imagens que eu dei para eles, eles escolheram uma e eles tinham que trabalhar essa imagem
por meio de uma técnica expressiva. Essa turma vem trabalhando teatro desde a quinta série.
Então eu percebo que é a habilidade deles. E nossa! Foi maravilhoso, porque elas fizeram uma
coisa, a figura era sobre Jesus no braço da mãe e o que elas fizeram, elas montaram um texto
que era uma valorização da mãe para os filhos. Então elas fizeram uma cena que tinha uma
mãe preocupada com o filho, que levava o filho para a escola e, ainda por cima, uma das
meninas levou a mãe para assistir. Foi uma homenagem da menina para mãe. Essa cena ainda
não foi filmada. Eu primeiro vejo tudo, peço para ensaiar e depois eu filmo. Eu pedi para eles
ensaiaram mais um pouco que eu vou estar filmando na semana que vem. Foi criação deles.
Eu forneço subsídios e eu deixo eles trabalharem conforme a habilidade deles. Porque nem
todos têm habilidades de desenhar, eu deixo cada grupo trabalhar de acordo com a habilidade
deles. Aí foi apresentado este trabalho.
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ANEXO C: entrevista do ator 2
1. Como foi construída sua opção por ser professor de Artes?
Bom, não havia essa opção quando eu era bem jovenzinho. Não passava pela minha cabeça
me tornar professor. Voltando às lembranças da época do vestibular, eu diria que eu tinha
outros planos, mas que não estavam claros para mim na época. Eu achava que eu tinha que
fazer alguma coisa na PUC. O meu sonho de consumo era uma graduação na PUC. Nisso, eu
me lembro de ter prestado vestibular para publicidade e propaganda na FUVEST, que eu não
passei. Eu lembro de ter comprado um jornal para ver o resultado da prova e lá eu vi o
anúncio da Faculdade Belas Artes de uma licenciatura em dois anos, que não existe mais, mas
na época existia o curso de licenciatura curta para você dar aulas em nível de primeiro grau.
Dar aula em ensino fundamental. Daí, eu pensei em termos práticos em fazer licenciatura
curta e dar aulas, porque dar aulas seria mais interessante que o emprego que eu tinha que era
de bancário. Eu lembro assim, eu terminando o colégio, tinha um emprego de meio período
no banco que eu detestava e eu estava tentando aprender contrabaixo elétrico. Mesmo no
curso superior eu não tinha clareza que eu poderia estudar coisas que eu gostava como
música, cinema. Eu pensei em termos práticos em fazer um curso superior e dar aulas e depois
eu pensava em fazer um outro curso superior numa coisa que eu gostava.
2. E você fez, não é?
Eu vim a fazer posteriormente na Unesp. Quando eu estava acabando o curso de licenciatura,
eu tinha mais ou menos em mente que eu deveria fazer algo ligado a música ou cinema. Daí,
eu conclui que o melhor para mim seria arquitetura. Então ficou uma espécie de frustração por
não ter feito arquitetura. Buscando opções em o que fazer, eu acabei fazendo Bacharelado em
Artes Plásticas na Unesp, no Instituto de Artes.
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Bom o começar a dar aulas. Isso foi durante a minha primeira graduação. Eu me lembro que,
na época, era relativamente fácil começar a dar aulas. Mais fácil do que é hoje. As aulas
bateram na minha porta. Tinha uma diretora que era amiga de minha e e ela foi à minha
casa, e na escola dela estava precisando de professor. Nós conversamos. Eu fui à escola,
tinha umas aulinhas e eu comecei a lecionar.
3. E onde era essa escola?
Em Ermelino Matarazzo. Escola Estadual Benedita de Rezende. Eu tinha pouquíssimas aulas
à noite. Eu tinha as duas últimas aulas. Era um horário que ninguém, em sã consciência, faria,
mas eu lembro que vinha do banco e era longe, mas era o horário que dava mesmo. Então eu
comecei a dar aulas, mas não tinha certeza que essa seria a minha carreira. Era uma espécie de
emprego a mais, como o banco era um emprego a mais, que passaria na hora que eu
conseguisse ter uma clareza do que eu poderia vir a fazer. Só que daí, teve essa primeira fase,
que foi interrompida por um ano, porque teve, no ano seguinte, uma atribuição e eu não tinha
pontuação para pegar as aulas. Eu fiquei sem vínculo e deixei de dar aulas. Nesse meio tempo
eu terminei o curso de licenciatura que acabou sendo de licenciatura plena, e não os dois anos
que eu tinha planejado inicialmente e consegui finalmente sair do banco, porque aquilo me
prendia desde muito jovem. Aquele negócio de você ter um emprego e pensar mil vezes antes
de deixar por não saber que outro emprego você arranjaria. Nisso, em 1992, eu achei que seria
o caso de fazer um cadastro de professor para admissão para tentar retomar as aulas, porque
nesta altura eu não tinha mais nenhum emprego mesmo, eu pensava em retomar a carreira de
professor. Fiz o cadastro, participei da atribuição e escolhi pouquinhas aulas na Escola
Estadual Deputado Silva Prado. E depois, surgiram mais aulas, mediante você fazer uma
espécie de cadastro nas escolas, que voconseguia um número maior de aulas. Um mero
suficiente para você ter uma remuneração suficiente. Daí eu fiquei dois anos na Escola
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Estadual Deputado Silva Prado, mas eu tinha outras escolas, em média três por ano, onde eu
complementava as aulas. Depois de dois anos naquela escola, eu perdi as aulas, porque havia
uma professora mais antiga que eu, uma professora estável e ela escolheu todas as aulas
possíveis. Eu fiquei sem aula de novo. Mas nesse meio tempo tinha acontecido o concurso, o
primeiro desde que eu havia me formado. Nesse concurso, eu lembro que o processo de
seleção foi bastante lento, eu lembro que a inscrição foi em 1992, a prova foi 1993 e a posse
foi em 1994. Prestei o concurso e passei e acredito que, se a posse fosse no comecinho do
ano, eu ficaria no deputado Silva Prado, porque eu estava acostumado. Nesse meio tempo
houve uma quebra, eu fiquei sem aulas e fui para uma outra escola, o Dom Miguel de
Cervantes.
4. Você acha que quando você prestou o concurso para ser efetivo do estado, você optou por
essa carreira?
Acredito que foi um momento assim crucial, porque eu não imaginava isso como carreira e eu
não pensava que eu fosse ficar tanto tempo assim. Quando houve o concurso, me pareceu
bastante interessante a idéia de ter um cargo público no estado como professor e ter tempo
para fazer, obviamente, outras coisas. Quando eu prestei o concurso eu já tinha começado a
segunda graduação, o Bacharelado em Artes Plásticas na Unesp. que também não tinha
muita opção em ter o que fazer, quando eu me formasse em Artes Plásticas, porque aqui é o
Brasil. Então eu tinha que ter uma atividade para cesta básica e aluguel e outras atividades
como artista, porque certamente eu não teria como colher frutos disso, financeiramente
falando. Então, eu optei por Artes Plásticas e, ao prestar o concurso, eu acredito que tenha
feito a opção por uma carreira mesmo, mas eu o pensava que fosse uma coisa que tomaria
praticamente todo o meu...o meu dia, eu pensava em conciliar outras atividades.
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Quando eu fui escolher, finalmente, as aulas, eu acabei escolhendo em outra escola, na E.E.
Professora Maria de Carvalho Senne, uma escola que não fazia parte dos meus planos, mas a
qual eu me adaptei muito bem. A posse foi em agosto de 94. Então são quase treze anos que
eu estou lá, com um desconto de um semestre que eu fiquei adido numa outra escola, mas
sobre isso a gente pode conversar depois. Acredito que o momento em que eu fui para o
Carvalho Senne foi o momento em que eu optei por uma carreira de ser professor. Até aquele
momento eu tinha a certeza de que isso não seria uma carreira. Paralelo ao Carvalho Senne,
eu fazia a minha segunda graduação e acreditava que seria sempre possível conciliar as duas
atividades diferentes.
4. A de pintor e a de professor?
Na época de estudante de pintura e de professor, eu imaginei que pudesse conciliar as duas
carreiras. Isso de fato aconteceu. Quando eu terminei o curso da Unesp, eu vinha fazendo
constantemente exposições de pinturas. Imaginei que isso fosse de fato possível de se
conciliar. Porém, não sei o que aconteceu, mas algumas coisas aconteceram que fizeram que
eu aumentasse a minha dedicação ao Carvalho Senne, ao ponto de tomar todo o meu tempo,
se não em horas de aula, na maior parte do meu pensamento e do tempo fora da escola. Então
foi uma fase, no final dos anos noventa, de plena dedicação a minha escola, de deixar para
segundo plano a minha carreira como pintor e qualquer outra coisa que eu viesse a fazer. Eu
lembro que foram uns quatro ou cinco anos que eu fiquei praticamente sem pintar, eu faço
pintura a óleo, mas lembro que, nessa época, eu fiz uns exercícios com tinta acrílica e com
nanquim. Foram exercícios que eu acabei jogando tudo fora depois, quando eu retomei a
pintura tradicional como eu costumo fazer, óleo sobre tela. Houve essa fase de dedicação
plena ao Carvalho Senne, por gostar bastante da escola, dos professores, do ambiente de
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trabalho. Eu diria que foi uma dedicação bem na ingenuidade, hoje eu diria isso, mas que na
época eu achava muito divertido trabalhar lá. Bastante. Ah, com o passar do tempo, umas
mudanças foram ocorrendo, a primeira foi que eu consegui superar alguns traumas e retomei a
pintura de forma bem gradual. Isso já vem ocorrendo uns quatro anos, eu acredito. Essa
produção vem aumentando. Essa retomada da pintura me estimulou, entre outras coisas, a
retomar inclusive os estudos, a pensar em iniciar um curso de mestrado, que era algo que eu já
pensava na época da segunda graduação e que eu acabei adiando, adiando, entre outras coisas,
por causa dessa dedicação exclusiva a minha escola. Paralelo a isso, houve, já como prova da
consolidação da carreira de professor, o ingresso na rede pública municipal. Houve um
primeiro concurso em 98, mas que a posse foi em 99, que eu prestei e passei, mas eu escolhi
meio às cegas, eu não sabia onde era a escola, qual o horário de trabalho, essas coisas. E
soube depois na hora da posse, que o horário de aulas era o mesmo que eu tinha no
Carvalho Senne, d eu abri mão desse concurso. Posteriormente, houve um outro concurso
em 2001 ou 2002. Eu sei que o ingresso foi em Julho de 2002. Dessa vez eu fui mais
preparado, no sentido de saber antes onde era a escola, qual o horário de trabalho, essas
coisas. Uma espécie de planejamento prévio para que eu não tivesse que abrir mão de novo de
algo que as pessoas sonham tanto e que eu, simplesmente, eu estava me desfazendo como se
fosse qualquer coisa. Eu ingressei na rede municipal, isso proporcionou uma série de
mudanças na minha concepção de professor, do ofício de lecionar, para o bem e para o mal,
principalmente para o mal. Mas algumas mudanças foram positivas, adquiri uma maior
maleabilidade, não sei se é essa a palavra, de qualquer forma, de estar em sintonia com essas
tendências mais contemporâneas de ensino. Algumas eu não entendo, outras eu me recuso a
aceitar; mas, enfim, elas estão e eu sou um funcionário. A mudança da postura do professor
tem que caminhar na medida que a sociedade avança e os alunos mudam. Porém, o trabalho
na rede pública municipal me obrigou a acabar com aquela dedicação plena que eu tinha com
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a minha escola estadual. Eu tive que dividir as atenções. Eu vejo isso como algo prejudicial.
Existem professores que conseguem conciliar isso bem. Mas eu penso assim, você precisando
ter dois cargos e a maioria das pessoas precisa, porque a soma das remunerações acaba
resultando num salário um pouquinho mais razoável do que num cargo só. Mas o fato é que
você acaba não tendo nenhum, num certo sentido. Vou tentar explicar. Eu tinha, até com uma
certa ingenuidade, uma plena dedicação para com a minha escola estadual, por gostar mesmo
de e por estar fazendo um trabalho muito interessante e não pude mais ter, porque eu tinha
um emprego numa outra rede que tinha também as suas demandas de coisas e que era um
tanto difícil de conciliar. Claro, as aulas eram em períodos diferentes. Mas a gente sabe que
não é a aula, existe todo um planejamento prévio que se precisa ter para tentar desenvolver
um bom trabalho. E esse acúmulo de cargo, nesse sentido, eu considero prejudicial. Mas ele é
necessário por conta de uma remuneração um pouquinho mais razoável. Se pensar em termos
de atuação, de oficio, ele acaba atrapalhando. Pelo menos eu sinto isso, quanto mais aulas
você dá, pelo menos comigo eu sinto isso, a qualidade das aulas vai diminuindo
proporcionalmente.
Posteriormente, eu passei a planejar a retomada dos estudos, ingressei no curso de Mestrado,
retornando a velha casa, no caso a Unesp. Cogitei de início em fazer um mestrado em arte-
educação, que seria algo muito mais próximo de mim, do meu dia a dia, mas eu fui bem
aconselhado e ingressei no programa de poéticas, de procedimentos artísticos. Ao ingressar no
mestrado eu tive uma desculpa mais do que justa para pedir exoneração na prefeitura. Eu pedi
exoneração da prefeitura, porque eu achava que aquilo me atrapalhava, um sistema repleto de
papéis para preencher e coisas deste tipo. Além do foco, que eu vejo como algo muito
voltado para a assistência social. Eu não sou assistente social, sou meramente um professor. O
ingresso no mestrado foi um pretexto para que eu pudesse pedir minha exoneração. Na rede
estadual, me afastei da sala de aula por conta do mestrado durante dois anos, eu estou na
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metade deste prazo, mas sinto falta da minha escola e dos meus alunos. Existe uma série de
expectativas, mas eu não sei como vai ser.
5. Como você descreveria o seu trabalho com teatro em sala de aula?
A minha formação é em Artes Plásticas, Artes Visuais, como se diz hoje e embora eu tenha
tido, na época em que eu fazia o curso de licenciatura, momentaneamente, um interesse
maior por Artes Cênicas. Acho que, na época, eu estava tendo aula de teatro ou algo assim. Eu
me lembro de ter lido um dos livros do Stanislavski, de qualquer forma era uma leitura que
me interessava. Me lembro de ter até cogitado, o que foi motivo de riso pelos colegas, fazer a
licenciatura plena em Artes Cênicas, pensando não em atuação, porque nunca tive jeito para
isso, pensando em bastidores. Direção, dramaturgia, coisas desse tipo. Claro que isso foi logo
abandonado, pelas risadas dos colegas eu percebi que isso era mesmo nada que pudesse
combinar comigo. Li Stanislavski no ônibus, eu lia bastante no ônibus e comecei a dar aulas.
Paralelo às atividades de Artes Visuais, ou complementando as atividades de Artes Visuais a
gente tem ou deveria ter também atividades relacionadas a teatro e à sica. Então, houve a
tentativa de desenvolver alguma coisa com teatro. Eu vou tentar dividir, porque como é uma
carreira bastante longa e isso aconteceu várias vezes em contextos diferentes, eu vou tentar
resumir, o que se destaca em cada período. Eu diria, por exemplo, que teve uma fase inicial de
trabalhar teatro com crianças, quando eu lecionei para a primeira e segunda séries, logo no
comecinho da minha carreira. Quando eu fui para a escola na qual eu sou titular, eu trabalhava
com alunos do noturno e também desenvolvemos um trabalho de teatro lá. Posteriormente, eu
vim a trabalhar, que foi onde se consolidou a coisa, no meu desenvolvimento, no período
diurno, com as crianças da quinta série, oitava série. Só que essas turmas eu dividiria em duas,
porque houve uma primeira fase e depois uma retomada.
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Com as crianças, eu me lembro que a gente fazia o seguinte tipo de atividade, meio que
intuitivamente, eu não tinha a mínima idéia de como dar aulas para crianças, não tive essa
preparação mais específica no curso de licenciatura. Então, eu fui tentando, acertando e
errando e aprendendo com os erros e assim por diante. Então, eu diria que foi uma construção
empírica da coisa. Através da observação, dos acertos e dos erros. Claro que, com as crianças,
eu comecei com desenho e pintura, mas dum belo dia, um aluninho tinha lido um livro ou
visto um desses filmes de conto de fada, não lembro exatamente, mas ele queria porque queria
contar a história, mas daí eu deixei ele contar a história, e à medida que ele contava a história,
me ocorreu que a gente podia, paralelo à narração dele, fazer uma espécie de encenação
improvisada. Como se fosse um ensaio para uma peça que não vai acontecer. Isso acabou
dando a base de como trabalhar teatro com eles. Não pensar em uma peça pronta para
apresentar para os pais, isso não. Contar histórias, de preferência histórias do repertório deles,
que inclusive eles sabiam maiores detalhes, me corrigiam. Às vezes em tom de brincadeira, eu
modernizava as histórias, mudando alguns aspectos dos textos e eles me corrigiam, dizendo
que não era assim, que naquela época era diferente, este tipo de coisa. Eu tentava inserir
algum elemento contemporâneo, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho estava jogando
videogame e ela precisava parar para levar a cesta para a vovozinha. Eles achavam engraçado
assim, porque eu trazia essas improvisações para as histórias, trazendo elementos
contemporâneos, mais próximos deles e fazíamos as encenações e geralmente depois eu
pedia para que eles desenhassem ou fizessem um livrinho aonde havia a história que eles
mesmos escreviam com as ilustrações deles, tentando, na medida do possível, ilustrar as cenas
que nós havíamos ensaiado. E sempre havia ensaio, a gente fazia, não ficava bom, a gente
fazia de novo, como se fosse assim, a apresentação de um ensaio até ficar bom, até melhorar.
Mas a gente tentava fazer com que a coisa ficasse bem feita, nada exaustivo, mas que ficasse
o melhor possível. Mas, claro que aquilo era um ensaio para aquela aula e na aula seguinte
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a gente podia fazer de novo ou contar uma outra história, mas eles queriam, porque queriam
que houvesse uma competição para a participação nas histórias. Aí tinha até briga, uns
levantavam a mão porque queriam participar, outros choravam, porque não tinham sido
escolhidos, mas a gente tinha que fazer uma espécie de seleção dia a dia, porque quem não foi
nesse dia, iria, obviamente, no outro dia, porque as salas são muito cheias. Isso com as
crianças.
Com os alunos do noturno a gente fez da seguinte maneira. Engraçado que está sempre
atrelado a algum trabalho com Artes Visuais. Eu tinha passado um trabalho para eles que
consistia no seguinte: ilustrar uma letra de música que contivesse uma narrativa, como se
fosse um storyboard para um videoclipe. O storyboard é um pretexto para você fazer uma
filmagem. No lugar da filmagem, por não haver recursos nem intenção de se fazer filmes, nós
depois reunimos, porque o trabalho era individual, nós nos reunimos em grupos e eles
mesmos escolheram qual trabalho resultaria melhor numa montagem de uma pequena peça.
Então eram peças relativamente curtas desenvolvidas a partir de um tema inicial que era a
letra de uma canção com narrativa. Por exemplo, “Domingo no Parque” do Gilberto Gil, que
tem o José que trabalha na feira e o João que trabalha na construção e o João, se não me
engano, vai tomar um sorvete com a Juliana, que era namorada do Joe José esfaqueia o
João e a Juliana. Algo desse tipo. E outros tipos de canção que eles gostavam. Eu tentava
colocar algumas canções mais próximas do meu repertório, canções de narrativa do Chico
Buarque de Holanda e outros mais, mas também permitia que, na medida do possível, eles
usassem as canções que eles mesmos gostam de ouvir. Encenações muito interessantes. Eu me
lembro que uma, muito, muito boa, foi feita em cima de uma canção chamada “Filme Triste”
do Trio Esperança da época da Jovem Guarda. A garota vai ao cinema, porque o namorado
dela não podia ir junto e ela encontra o namorado com a melhor amiga. Eles encenaram e
foi uma das melhores, porque havia uma peça dentro da peça. Tinha a história na qual a
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menina vai ao cinema e ela encontra o namorado com a melhor amiga, mas dentro dessa
história havia outra, que era uma espécie de um filme de faroeste, um duelo de cowboys,
qualquer coisa desse tipo que era o filme que eles estariam vendo. Então havia esse tipo de
coisa. Esses alunos depois se organizaram, montaram um grupo de teatro, concorreram em
concursos da região. Eles sempre perdiam para a Escola Estadual Deputado Silva Prado que
tinha um grupo mais estruturado na época. Hoje eu não sei como é que está. Então tinha uma
professora de português, a Cida Macedo que tinha um grupo estruturado de teatro que sempre
vencia as competições. Ah, que nesse meio tempo houve a primeira, digamos, quebra. Foi
quando, no ano seguinte eu fiquei adido e fui para a escola Gabriel Ortiz. Esse trabalho que eu
tinha com esse grupo continuou sem mim. Quando eu voltei, os alunos estavam bastante
empenhados, havia montagem de peças, houve um evento na escola, organizado pelo nosso
coordenador, que havia, entre outras coisas, montagem de peças. A essa altura ex-alunos meus
haviam montado grupos e vinham ensaiando peças e assim por diante. No Gabriel Ortiz, eu
tentei fazer algo parecido, ficou quase tão bom quanto, mas não teve continuidade, porque eu
lembro de ter ficado lá até o tempo de eu conseguir retornar para a minha escola, até o tempo
de eu conseguir a remoção. Foi um tempo relativamente curto. Voltei para a escola, os grupos
vinham fazendo esse trabalho de teatro, vinham se inscrevendo, se apresentando e
concorrendo nesses concursos que havia entre as escolas da região. Eu lembro que, no projeto
da escola, havia dois grupos distintos. Um era o grupo da Michele, que fazia umas peças
muito parecidas com novela, com um certo romantismo, uma coisa meio água com açúcar,
mas que era interessante. E tinha o grupo de um aluno meu, que eu não lembro o nome, mas o
apelido dele era Geléia, mas que eu achava que ele era uma espécie de Plínio Marcos da
Escola Estadual, porque ele escrevia umas peças muito pesadas, repletas de palavrões e
densas até para um garoto. Ele escrevia o roteiro e entregava para eu avaliar, para ver qual
eles iriam ensaiar e havia inúmeros erros de português, mas não que fosse uma adequação à
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fala do personagem, mas era que ele mesmo escrevia errado, mas eu achava isso muito
espontâneo. E ele era uma usina de produzir peças, porque toda semana ele me vinha com
uma peça e eu lia. Os professores perguntavam como eu tinha paciência para ler tantas peças,
mas eu lia porque eu achava que tinha coisas muito interessantes. duas peças dele foram
montadas por falta de tempo. Então, nesse evento, eu me lembro que pelo menos duas peças
do grupo do Geléia foram apresentadas e uma do grupo da Michele. As tramas giravam em
torno do mesmo tema que era o tema do projeto.
6. Qual era o tema do projeto das peças com o ensino médio?
Prevenção a Aids. Então houve a semana de prevenção a Aids na escola.
7. E o Plínio Marcos tem a peça Mancha Roxa.
Mas eu não conheço essa peça. Então, as peças falavam sobre prevenção, sobre namoro, sobre
os adolescentes e tudo mais. As peças da Michele pareciam um pouco seriado de TV, tipo
“Malhação”. Isso também é válido. E as do Geléia eram um pouco mais densas, tocavam um
pouco mais na ferida. De qualquer forma esse evento foi uma espécie de desfecho da minha
atuação, dessa primeira fase, no Carvalho Senne, porque esses alunos terminaram o ensino
médio e saíram de e, paralelo a isso, eu fui mudando gradualmente o meu horário de
trabalho. Eu atuava à noite e passei a atuar principalmente à tarde com o ensino fundamental.
Houve uma mudança do perfil dos alunos, das peças e do trabalho que eu passei a
desenvolver. Mas eu considero uma fase muito interessante, essa foi a segunda. A primeira foi
com as crianças, a segunda foi essa com os alunos do ensino médio à noite e a terceira foi
com os alunos de quinta a oitava, à tarde, que eu divido em duas partes: uma turma em que a
gente se empenhou para fazer umas peças logo na quinta série e retomou na sexta série.
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Às vezes ficávamos o bimestre inteiro elaborando isso, formação de grupos, elaboração de
roteiro, formação de roteiros. Os roteiros a gente trabalhava da seguinte forma. Eu não
queria que eles usassem como referência um programa de televisão, que fosse muito
estereotipado. Mas historinhas infantis ou infanto-juvenis, histórias desenvolvidas por eles
mesmos a partir de um tema ou não. Os grupos escreviam o roteiro, elaboravam ou
adaptavam. Às vezes era uma coisa pronta, de algum livrinho ou coisa assim. Daí, tinha a
parte de formação dos grupos, elaboração dos roteiros, escolha de temas para serem
trabalhados. E sempre eu passando de grupo em grupo. Eu sentava com um grupo e a gente
conversava e ia desenvolvendo e assim por diante. Depois eu ia para outro grupo e assim por
diante. Depois, escolha dos personagens, primeira leitura da peça e primeiros ensaios. Esses
primeiros ensaios, muito crus ainda. E a gente ia ensaiando, dando palpites, mudando uma
coisa aqui outra ali, o próprio texto, a entonação. Dos aspectos práticos do teatro eu não tenho
tanta informação, mas do pouco que eu li, eu o lembro tanto assim. Eu diria que foi uma
tentativa bastante intuitiva de desenvolver atividades de teatro, não sei até que ponto isso pode
ser chamado de teatro, mas que era o que acontecia. O que não ocorre, com o meu trabalho
em Artes Visuais, eu me lembro que até um dia alguém falou que eu trabalhava Educação
Artística ou Artes Visuais como um professor de matemática ou de história, por conta de
excesso de informação, essas coisas. Em teatro, principalmente, ocorre o contrário. Por ser
uma coisa mais intuitiva, por eu não saber quase nada ou pouco mais que eles, aprendíamos
juntos, desenvolvíamos juntos, construíamos juntos a peça. Então era assim, essa cena não
estava boa, isso tinha que mudar, essa cena fazia alusão a tal coisa, isso parece o programa de
televisão tal, algo muito estereotipada. Construíamos a peça. Isso levava muito tempo, era
desgastante, mas era interessante e divertido. Daí, apresentávamos. Eu lembro que a gente fez
uma atividade que era assim: depois de muitos ensaios, de mexer muito no texto, nas
atuações. Engraçado, porque assim, eu mexia nas atuações através da repetição e não através
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de exercícios que possam vir a melhorar a expressão corporal, porque é algo que eu não tenho
e não soubesse muito bem como passar. Eu me lembro que eles falavam muito, muito baixo
e a gente fez um exercício. Eles riram muito, mas daí eu disse que era sério e eles fizeram.
Que era virar para a parede e tentar projetar a voz, usando o diafragma até furar a parede. E
eles fizeram um tempo para ver se conseguiam projetar a voz um pouquinho mais, porque o
problema deles era justamente esse. Adoram falar, justamente quando não deve, mas na hora
de falar para todo mundo ouvir, eles falam para dentro e ninguém ouve o que eles falam. Daí,
fizemos o exercício de furar a parede e nenhuma parede foi furada, não acabamos com o
patrimônio público; mas, enfim, o exercício foi feito. Acho que o único exercício que eu tenha
passado para eles foi esse, meio em tom de brincadeira. No mais era repetição, vamos fazer de
novo, não está bom, enfim, até ficar bom. Isso levou dias, aulas, semanas. No final,
apresentamos as peças. Eles tinham um certo receio de apresentar para a outra classe, por
exemplo. Então a gente fez apresentações entre eles próprios, cada classe em separado. Daí,
eles mesmos fizeram a votação para ver qual peça da classe iria representá-los para a outra
classe. Cada classe teria a sua peça eleita para representar a sala para fazer uma espécie de
mini-festival de teatro. Por exemplo, havia cinco ou seis classes fazendo um trabalho e cada
classe escolheu sua peça, alguém que não se sentisse muito à vontade para representar diante
de público, a gente fez trocas de elenco. Por exemplo, alguém que se destacou muito numa
peça que não foi escolhida, mas que gostaria muito de atuar e por sua vez, alguém da peça que
foi escolhida não queria atuar. Acho que tinha que respeitar a vontade de cada um. Então
havia alguns remanejamentos, alguns acertos, alguns ajustes para deixar a coisa no ponto.
fizemos uma espécie de mini-festival de teatro com todas as classes, cada classe com a sua
peça escolhida e isso para aproximadamente duzentas pessoas, todas as classes juntas. Depois,
quando eles foram para a sétima serie, acabamos não retomando o teatro. Depois eu me
lembro que tinha uma outra turma, que por adequação de calendário, a gente acabou fazendo
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os ensaios, mas não conseguimos fazer as apresentações como eu tinha planejado. Aí, teve, no
outro ano, três turmas de quinta série que a gente conseguiu fazer de novo o mini-festival de
teatro. que com menos alunos envolvidos, porque o número de salas da escola diminuiu.
Então, eu diria que foram esses três momentos, bem diferentes, desde contar a história e
improvisar em cima disso, ter grupos de alunos mais velhos, do ensino dio, que tinham
mais condição deles mesmos fazerem e a gente ia coordenando e depois numa idade, de
quinta a oitava, onde a gente direcionou bastante o trabalho, mas havia espaço para a
espontaneidade, onde a gente conseguiu organizar essas trocas de experiências de vivências.
De não ficar fechado naquela classe, mas abrir para as demais classes e todos poderem ver
o que eles estavam fazendo.
8. Quais são os alicerces que sustentam a sua prática?
Alicerces? Eu não sei se poderia chamar de alicerces. Como eu disse, eu li pouco sobre teatro
e tive poucas aulas também na fase do curso de licenciatura. Ah, das leituras que eu fiz que
foi muito, muito tempo, pouco restou depois de tantos anos. Não sei, na verdade eu não
saberia dizer, eu teria que parar, pensar, até reler algumas coisas para estabelecer algum tipo
de relação, para saber se eu assimilei o que eu li, para saber se eu faço mesmo de uma maneira
intuitiva ou não. Se eu ainda uso aquilo direta ou indiretamente, ou fui buscar outros
caminhos que não são aqueles da formação, da literatura específica, que seria algo que
poderia dar alicerce, sustentação, substância para as atividades de teatro. Então, digamos
assim, leituras específicas, eu acho que ficou um pouco distante.
9. É intuitivo o seu trabalho com teatro?
Bastante. Até porque a minha experiência como espectador de teatro também não é das
maiores. Não costumo ir muito ao teatro. E tenho referências de dramaturgia de um modo
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geral. Direção, encenação, cenário, roteiro, expressão facial, corporal, gesto, ões, coisas
desse tipo. Acho que tudo isso eu tenho mais referência do cinema. E mesmo a TV, a
teledramaturgia, a telenovela. Então, de reparar ações, filmes e ter isso como referência para
poder tirar isso do aluno e fazer isso com o aluno para que o resultado seja parecido com uma
peça. Não sei se chega a ser. Então, acredito que essas sejam as referências que uso, não sei se
isso pode ser chamado de alicerce. Eu me lembro de uma ocasião de ter visto uma entrevista
com o Dennis Hopper naquele programa “Inside the Actor´s Studio”. E ele contando do
aprendizado dele, da época que ele estudou lá, ou mesmo quando ele atuou ao lado do James
Dean em “Assim encaminha a humanidade”, em que o James Dean que já tinha feito o curso
de Actor´s Studio, assim como o Marlon Brando, e ele contando de umas dicas que o James
Dean dava para ele quando eles estavam filmando. Eu me lembro de ter visto isso já bem
depois de ter feito o curso de Educação Artística e que foi interessante, porque à medida que o
tempo foi passando eu fui tendo uma visão, não sei se objetiva demais de Arte, racional,
talvez, da Arte e eu lembro que isso foi interessante porque me fez lembrar de como eu
pensava a arte quando eu tinha, sei lá, vinte anos. De uma forma mais intuitiva mesmo e que
de uma certa forma isso permanecia, quando eu trabalhava atividades de teatro, porque como
eu não tenho a formação, eu acabava fazendo as coisas de uma forma intuitiva. E isso não
aparecia nas aulas de Artes Visuais. Interessante eu lembrar disso, de como eu pensava Arte
nessa época. Outra coisa foi uma exposição que eu visitei no MAM, no Ibirapuera sobre Neo-
Expressionismo alemão, só que eram pintores dos anos oitenta. A exposição se chamava “O
retorno dos Gigantes” e se baseava numa tela em que o pintor, que eu não me recordo o nome,
retratava o Van Gogh e o Gauguin. Que talvez tenha sido os últimos gigantes pintores,
porque depois o pintor acaba diversificando as suas atividades e acaba se transformando no
que a gente chama hoje de Artista Plástico. E aí, aquelas pinturas, tanto o material quanto o
suporte que eles utilizavam, parecia muito com as coisas que eu fazia bem no comecinho.
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Então eu me identifiquei e resgatei essa questão de como eu pensava Artes antes. Acho que
eu havia esquecido justamente de enfoque mais intuitivo. Eu praticamente tinha, tenho
nas aulas de teatro. Então é aquilo que você falou, é intuitivo.
10. Feche os olhos e imagine uma cena com começo, meio e fim que traduza o seu trabalho
com teatro em sala de aula. Quais são os personagens? Qual a ação dramática? Qual o enredo?
Respire e Imagine. Agora descreva.
Na verdade, eu estou pensando assim, lembrando do que era a minha aula nessa época.
11. Imagine.
Estão vindo lembranças. Eu imaginei ou lembrei, eu, sentado no meio dos alunos, na platéia
do anfiteatro da escola onde eu leciono. Ah, é um anfiteatro que tem um espaço relativamente
bom, mas as instalações não são tão boas quanto poderiam ser. E aí vem um grupo de alunos
que está no palco. O palco é bom, mas está meio que se desmanchando. Eu estou falando com
eles, dirigindo a cena, certamente. Eu estou falando e gesticulando e eles estão lá na frente
tentando fazer o que eu falo. E têm outros, ao meu redor, como espectadores. Eu sou na cena
espectador, diretor e professor. Acho que é isso. Na verdade vieram na minha mente
lembranças dessas aulas na sua fase final. A gente ensaiava na sala de aula. A gente só ia
para o anfiteatro quando o negócio já estivesse, para o nosso padrão, bom. Parecia que o palco
tinha uma espécie de aura. A classe também tinha um tablado, a gente ensaiava no tablado da
sala de aula, mas assim depois de bastante tempo e de muitos ensaios, tentativas e erros, a
gente descia para o anfiteatro, a porque o anfiteatro é longe, meio labiríntico para vo
chegar lá. E esse é momento final, praticamente o desfecho, a gente está próximo dos dias de
apresentar a peça, na véspera talvez, eu estou assim orientando os ajustes finais da peça que
eles estão fazendo. o me veio nenhum grupo em especial, mas eu lembro, com um
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pouquinho mais de ênfase, do pessoal do ensino médio, do noturno. Talvez seja mais
marcante.
12. Então, você com os alunos no anfiteatro, naquela aura mágica do teatro.
Um palco. Mesmo em condições precárias, o palco tem uma certa aura. Eu me lembro bem
disso. Eu, nos ajustes finais, momentos finais dos ensaios de uma peça. Mas veio mais em
mente os adolescentes, embora eu tenha me divertido mais com as crianças. Mas enfim, foi o
que me veio a mente.
13. Agora que você se ouviu, como você relaciona o que você falou com a cena que você
imaginou?
Na verdade, o que eu fico pensando com relação ao que eu disse antes. Da impressão que tive
ouvindo a entrevista, que eu considerei bastante enfadonha, inclusive a parte que fala da
minha história e não propriamente a parte que fala do teatro. Isso em relação à cena que eu
vejo. A cena era parte do que acontecia. Eu vi, imaginei e lembrei da ppria prática. De como
se dava essa prática de aula de teatro, de preparão, de apresentação, ensaios e repetições
que foi o que me veio na memória e na imaginação. Mas que é um recorte, um pormenor
desse processo como um todo. Não sei se é isso que poderia fazer como associação. Mas na
hora de imaginar, me veio a mente um pedaço, um pormenor.
14. Mas esse pedaço era um pedaço significativo, que era a preparação final, no anfiteatro
para a apresentação?
Era quase fim do processo de preparação e antecipação do produto final. Mas você fala em
relação ao processo de trabalho?
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15. Não. Quando voimaginou uma cena, você imaginou uma cena no anfiteatro. Você
ensaiava os alunos na sala de aula e levava os alunos para o anfiteatro no momento em que a
coisa já estava pronta.
Eram os ajustes finais.
16. Seria uma espécie de pré-estréia?
Ensaio aberto. Pré-estréia, este tipo de coisa.
17. Então era um momento de pré-estréia, em que eles iam ensaiar no lugar aonde eles iam
apresentar a peça.
Isso.
18. Como você relaciona isso?
Não sei. Talvez, além de eu ter imaginado um pedaço do processo. De eu não ter imaginado
uma cena de uma peça, enfim. Talvez eu seja levado a pensar que pudesse, essa lembrança,
fazer analogias com o próprio modo como eu trabalho ao longo dos anos, como isso tem se
desenvolvido, porque, ao mesmo tempo, que havia uma ênfase na elaboração, na construção
da coisa para que de fato ficasse bom, havia até uma espécie de controle da minha parte. Em
contrapartida, a coisa estava suficientemente aberta para tentativas e erros, influências,
mudanças, pelo menos no que se refere, acho, que eu menciono isso ao longo da entrevista,
ao como eu trabalhava o teatro, que era mesmo uma coisa intuitiva. Não era algo tão baseado
em conhecimento que eu tivesse construído através de leituras e pesquisas. Daí, essa questão
de lidar com algo intuitivo e com o improviso ali na hora quando esta dirigindo. Daí, o meu
repertório ajudasse a achar qual a melhor solução para cada cena. Uma coisa muito imediata.
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O aluno estar apresentando algo e eu ter respondido logo em seguida e não ter tido uma
elaboração tão prévia, pelo menos não da minha parte.
19. Então eu vou dar uma ajuda para você, você falava que nessa cena tinha uma aura e o
teatro tem uma aura.
Você falou da aura do palco eu só concordei.
20. Foi você que falou.
É. Está gravado, né. Bom eu lembro assim, eu sentado na platéia, dirigindo os alunos e eles lá
no tablado representando. Isso é algo diferente evidentemente do que você estar dentro de
uma sala de aula, mas na sala de aula havia um tablado mais modesto. Agora, talvez mais para
eles do que para mim, o fato de fazer a peça num palco dava ao trabalho um aspecto mais
sério, solene. Mais para eles do que para mim. Talvez houvesse para mim também que eu
não me dou conta disso, pelo menos não agora.
21. Essa cena que você lembrou, traduz como era o seu trabalho com teatro em sala de aula?
Como eu não imaginei uma cena de uma peça, sei lá, Otelo com ciúme da Desdêmona. Eu
não imaginei nada assim. Eu imaginei a mim, ali, dirigindo os grupos. Até me veio em mente
um ou dois grupos em especial que eu comentei com você. Nisso, é um pedaço do processo de
trabalho que traduz. Fica mais bonito, poético a gente falar da aura do palco. Mas, é como eu
falei, eu acho que isso talvez fosse muito significativo para os grupos que estavam ensaiando,
para mim, talvez, nem tanto. Não tenho certeza.
22. Se você fosse eleger um símbolo do seu trabalho com teatro em sala de aula, que símbolo
seria esse?
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Algo que simbolizar? Eu vou tentar chegar lá, mas eu vou falando um pouquinho do que eu
tenho em mente, para depois me tornar mais claro. Eu fico pensando assim, sabe aqueles
filmes onde as pessoas vão fazer testes para uma peça e tem um diretor e a pessoa se
apresenta e o diretor fala: Não. O próximo. Um diretor com óculos escuros, coisa parecida.
Mas esse diretor com uns óculos escuros me faz lembrar de uma pintura, não me lembro se
era do Jasper Johns. Era de um pintor Pop. Chama-se “O crítico vê”. E era o retrato de um
crítico com óculos escuros. Nem tanto pelo sol, mas pela cegueira dele. Talvez um diretor de
teatro sentado na platéia de óculos escuros, porque não enxerga. Não sei se isso é um símbolo
e nem sei qual o significado disso, mas me veio em mente. Mas isso faz mais sentido do que a
imagem que eu lembrei antes.
23. Talvez ele esteja de óculos escuros porque ele não enxerga, porque ele não tenha a
formação teatral propriamente dita, mas esse diretor tem uma coisa muito valiosa que é o
intuitivo na Arte.
É.
24. Apesar de ser cego esse diretor, ele tem uma coisa muito forte que é o intuitivo na Arte.
Como você relaciona isso?
Eu vejo da seguinte forma. Nas artes Visuais, é claro que eu também sou intuitivo, mas depois
de tantas leituras, tanta informação, o caminho que eu busquei, ao longo de minha trajetória
do meu percurso em Artes Visuais foi justamente de buscar o oposto disso. O intelecto na
Arte mais do que a intuição. Não sei se eu cheguei até onde eu queria, mas a intuição voltou e
deu um equilíbrio. Então talvez eu tenha vontade de resgatar a intuição e, em alguns
momentos, isso aconteceu. No que se refere ao equilíbrio ou falta de equilíbrio, na fase que eu
estou vivendo, que é a do mestrado, talvez haja o predomínio de novo do intelecto. Mas como
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artista, alguém que produz Arte e como professor, acredito que haja uma busca por equilíbrio,
talvez. Mas momentos em que predomina uma coisa ou outra, conforme o momento,
conforme o que eu tenho por objetivo fazer, tanto no fazer artístico quanto na atuação em sala
de aula. A questão do predomínio do intelecto, da razão, da intuição, da sensibilidade que
convivem dialeticamente. Contrários mesmos que se complementam em busca de algo, mas
que não se resolvem. Está um predominando em relação ao outro, mas isso é cíclico.
25. E no teatro havia a predominância do intuitivo?
Claro. Não dei se para colocar isso em números, mas noventa e tantos por cento. Mas, eu
digo assim, um predomínio muito grande dos aspectos mais intuitivos.
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ANEXO D: entrevista da atriz 3
1. Como foi construída a sua opção por ser professor de Artes?
Acho que eu já nasci assim. Eu sempre gostei dessa parte de Artes, principalmente
Cênicas e sica e assim, desde criança sempre os vizinhos me chamavam para fazer
show, para dublar, para dançar. E dança eu sei muito porque eu gosto, né. Então eu nasci
assim, como é que fala, é um defeito físico. Aí, a minha prima era da parte de Artes e
quando eu estava para entrar na faculdade eu queria fazer jornalismo, mas daí eu pensei
assim: “Quer saber eu vou fazer Artes”. E eu fiz, eu fiz Educação Artística em Música e
depois eu fiz Cênicas porque eu estava trabalhando com teatro e precisava do diploma
de cênicas. Daí eu não consegui mais sair dela.
2. Como foi a educação na sua vida?
Para falar a verdade começou tudo na igreja católica, porque tipo assim, eu com seis anos,
se me pedissem para fazer qualquer papel na igreja católica eu estava dentro. Na terceira
série eu tive um professor que foi muito bom, que me deu mais abertura, eu comecei a
fazer teatro na escola, poesia, escrever textos, interpretar, dança, música, eu canto, eu
gosto de cantar. Da terceira rie em diante que eu comecei a entrar de cabeça em tudo
que eu podia, se tinha peça e havia vaga, eu estava dentro.
3. Como vem se desenvolvendo a sua trajetória profissional?
Olha, eu assim, tudo que eu entro eu faço o possível para entrar de cabeça, porque tipo
assim, a gente tem pouco tempo, né. Eu tive dois grupos grandes de teatro, que já
participaram de vários festivais. Eu tenho ex-alunos que são atores. E fora isso, eu
formei algumas bandas, sabe aquele negócio: “Ah, você sabe tocar? Você também?
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Vamos formar uma banda”. Teve banda de aluno meu que já gravou CD. Tem alunos
meus que dão aula de teatro, dão oficinas na prefeitura, por aí. Eu tenho vários frutos por
aí. Eu acho isso o máximo. Não foi tanto em Artes Plásticas, mas, naquilo que eu sou
formada, eu vejo frutos. Inclusive um deles fez dois curtas, que eu ainda não tive o
prazer de ver ainda. É assim que a gente se desenvolve. Isso deixa a gente feliz.
4. Mas como você desenvolve o seu trabalho com teatro em sala de Aula?
Eu começo explicando o que é teatro, porque tem gente que acha que teatro é bagunça,
você sabe como é aluno. Então a gente tem que ir devagar. Então eu começo com
improviso, jogo um tema, divido os grupos. Daí eles entram em pânico, mas daqui a
pouco está todo mundo fazendo. Daí, eu começo a formar para os festivais, divido os
grupos, quem gosta de ser ator vai ser ator, quem gosta de cenário vai fazer cenário, quem
gosta de escrever. Eu vou dividindo a sala. Aí eu vou formando os grupos devagar.
quando chega em agosto, passando o Folclore, porque sempre a gente tem que fazer
alguma coisinha de folclore, aí já solto: “Festival de teatro. Cada sala vai fazer o seu, cada
sala vai escrever, os grupos vão se organizar”. eles ficam loucos, principalmente o
pessoal do cenário, porque eles gostam de fazer cortininha, coisa de escola mesmo. Nisso
daí sai cada peça maravilhosa que você fica assim: “Caramba, como foi que aconteceu
isso?”. Teve um diretor que falou assim:
- Caramba, você faz uma bagunça danada e depois dá certo, né?
E eu falei:
- Pois é.
Isso é coisa minha mesmo, é instinto, acho que a gente nasce com esse dom mesmo.
Graças a Deus.
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5. Então você começa com o improviso e depois vai dando mesmo a parte do teatro
formal?
Assim eu dou uns exercícios para eles terem mais contato mesmo, porque tem aquele
negócio deles não poderem se tocar. Coisas que assim, os adultos, mesmo as crianças têm
mais carência mesmo. Então aconteceu assim, durante um exercício, as pessoas
chorarem, porque isso mexe muito com o emocional delas. Aquela coisa de se dedicar
mesmo aos exercícios. Mas assim, eu vou devagar e depois eu solto a bomba: “Vocês vão
fazer uma peça, vai ser tal semana, vocês vão ensaiar”. eles entram em pânico: “Como
a gente vai fazer o personagem tal”. Essas coisas, E também tem aquilo que todo mundo
quer ser o personagem principal. Então eu faço teste. E eles se divertem. E depois eles
mesmos vão escolhendo quem vai fazer o quê. Se eu vejo que numa sala tem pouca gente
que quer ser ator então eu junto as salas ou faço uma peça menor. Mas assim, eu procuro
tirar o máximo deles, não assim, eu fazer a peça. Eu quero que eles entrem no clima, que
eles sintam o que é o teatro, porque se a gente tudo na mão. “Olha vocês vão fazer
Romeu e Julieta”. Daí eles vão assistir filme, tem até um laboratório fácil. Eu procuro
deixar com que eles criem, tem peça de rua, de família, geralmente o que eles têm mais
problema é o que puxa a peça.
6. Quais são os alicerces que fundamentam a sua prática?
Como assim?
7.Quais são as suas bases?
Olha, eu acho o teatro, a sica, a dança, mesmo as Artes Plásticas. O aluno que se
dedica nessa parte em uma entrevista para um emprego. Em vendas que hoje o campo é
muito grande, hoje a empresa quer um profissional que crie para a empresa progredir que
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evolua conforme o mundo está evoluindo. Então, Artes Cênicas, Músicas, coisas que
façam com que a pessoa se mexa, que façam com que ela fale, com que ela crie, eu acho
que isso ajuda muito. Então eu explico qual o motivo de eu dar essa parte de Cênicas,
porque Cênicas envolve tudo, não é teatro, tem o texto, tem o figurino, tem o cenário.
Então Cênicas, para mim, é a matéria mais completa.
8. Agora eu vou fazer um exercício de imaginação com você. Você vai imaginar uma
cena com começo, meio e fim que descreva o seu trabalho com teatro em sala de aula.
Quais são os personagens? Qual a ação dramática? Qual o enredo?
Você não vai acreditar, mas eu acho que é porque eu estou mexendo com esse texto nesses
dias para um amigo meu que vai fazer um teste em Guarulhos. Eu imaginei uma cena de
Romeu e Julieta, a cena do cemitério, onde a Julieta parece morta e Romeu acha que ela
está morta e então se mata. Eu não sei, será que isso tem alguma coisa com o meu
trabalho? Morte, não. Morte não tem nada a ver.
9. Agora que você se ouviu, você vai relacionar a cena que voimaginou com o seu
trabalho com teatro em sala de aula. Tudo bem?
Acho que é o seguinte, vamos pensar como professores. Quando a gente um tipo de
aula que usa o que tem na sala de aula, lousa, giz e uma obra de Arte, eu acho que a
gente entra meio morto. Você entra com uma força que você sabe que vai ter que tirar
para poder ter um trabalho diferenciado em sala de aula. Então a cena que eu pensei é
triste, mas se você for ver a situação profissional é triste também. O começo para mim é
aquele negócio, os alunos reclamando que vão ter que fazer isso. Essa é cena que o
Romeu entra e pensa que a Julieta está morta. você pensa: “Caramba, os alunos estão
enchendo o saco e eu vou ter que me virar para fazer com que tudo certo”. Você fica
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meio assim: “O que vai acontecer?”. Depois vai até piorando, porque o Romeu morre e
você fica; “Puxa, eu o posso desistir, tenho que continuar”. a Julieta sobrevive e
você tem uma esperança. Mas depois, infelizmente ela se mata, e você está lá, forçando a
barra para que tudo certo. Mas daí tem as famílias, a do Romeu e a da Julieta, porque
eles brigavam por uma coisa que não tinha necessidade. E Graças a Deus comigo acontece
isso. Tem gente que adora o que eu faço e tem gente que diz assim: “Ai credo, mexer com
isso, vai dar tudo errado, vai dar bagunça”. E eu fecho a boca de todas as pessoas que
ficam criticando na hora da apresentação. Eu acho que é esse o final de Romeu e Julieta,
tem aquele sofrimento todo para fazer, porque não é todo mundo que mexe com isso,
porque trabalho para caramba e você tem de ir atrás de muita coisa para os alunos. A
gente pena, marca ensaio fora do horário de trabalho. É um sofrimento, mas que depois
tem uma compensação muito grande no final. É isso que é o pagamento da gente. Não é o
salário. É a finalidade do trabalho. Acho que é isso.
10. Tem mais alguma coisa que gostaria de falar?
Bom, esse trabalho vai da quinta rie até o ensino dio. Este ano eu estou mais com o
ensino médio. E a resposta você vê assim quando você fica mais tempo na escola. No ano
passado eu dei o festival de teatro e este ano, logo no começo, os alunos perguntaram do
festival. Começaram a cobrar o festival de teatro. Aí, eu disse que era em Agosto, mas
que eles podiam ir preparando alguma coisa para a gente montar depois. Você que
quando tem uma seqüência as coisas vão ficando mais fáceis, porque eles sabem o que
vai acontecer e então eles ficam preparados. Várias salas estão preparando a peça,
então quando eu chegar vai ser mais fácil do que no ano passado. Nesta escola, não tem
anfiteatro, então eu tenho que pegar uma sala de aula e dividir em cenário e público. Os
alunos sabem de tudo agora, então está mais fácil. Tem o Teatro do primário, que é o
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Peter Pan. As crianças sonhavam com essa peça desde o ano passado. Então, eu decidi
fazer para apresentar para os pais. Eles fizeram e foi emocionante, os pais choraram.
Você diferencia um pouco o trabalho, porque a criança não tem vergonha mesmo, os
adolescentes e os adultos têm. É isso aí. A minha vida é essa.
Você quando trabalha com teatro, acaba causando uma confusão com outros professores
de Artes que não trabalham. Porque você chama a comunidade para dentro da escola e os
outros não. E o diretor acaba cobrando dos outros e você acaba fazendo o papel de má.
Mas não é porque você é malvada, é porque você está fazendo o que você gosta. Já
aconteceu isso mil vezes comigo. Se eu fosse dar Artes Plásticas, eu acho que eu
enlouquecia. Hoje em dia, o aluno não tem material, não tem dinheiro para comprar
material para pintar o quadro e com teatro a gente faz a peça com o que a gente tem em
casa. Acho que é mais fácil trabalhar com Artes Cênicas. Essa é a realidade da gente.
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ANEXO E : entrevista com o ator 4.
1. Como foi construída a sua opção por ser professor de Artes?
Quando eu comecei entender o que era ser ator, o que era ser um artista. Isso começou
quando eu tinha dez anos, quando eu comecei a fazer teatro. Desde aquele momento, a
pesquisa, você lendo, você conhecendo, eu senti a necessidade de passar para frente
algumas coisas, de trabalhar com grupos. Isso o teatro começou a despertar. Já no
colégio, já sendo ator, já tendo um trabalho, começaram a pedir ajuda. A ajuda do
professor de Artes.
No ginásio eu tinha uma professora muito ruim A minha professora da primeira série,
tinha uma professora de Artes no Ciclo I da prefeitura, na época em que o Paulo Freire foi
secretário. Eu nunca esqueci daquela mulher. Eu nunca esqueci. Era bonita, era
inteligente, era viajada, ela era diferente daquilo que eu estava acostumado a ver. Ela foi
uma referência positiva. Ela despertou muito a minha curiosidade. Eu queria saber onde
ela morava, onde era a casa dela, porque, afinal de contas, ela era uma artista.
2. Ela era atriz?
Não. Ela era artista plástica, mas para mim era tudo a mesma coisa. Logo depois, a minha
tia começou a fazer Artes Plásticas e eu ia às aulas que ela tinha na faculdade. Eu tinha
nove anos e era fascinante aquilo, porque o cheiro da tinta do ateliê era maravilhoso. A
sala de teatro, que era de teatro experimental. No primeiro ano da graduação, ela tinha
teatro e eu não faltei a nenhuma aula de teatro dela. E eles encenaram, eu não lembro de
quem era, o mito do minotauro. E eu acompanhei todo o processo de construção. Eu achei
aquilo a coisa mais maravilhosa do mundo, era tudo muito lindo e todo mundo fazendo,
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discutindo, dançando. Era legal, eu como criança ver adulto dançando, eu não via adulto
dançando. Eu acompanhei toda a graduação dela.
3. Então a arte te acompanha desde cedo?
Desde sempre. E não foi no âmbito escola que esse despertou esse desejo por. Foi de
experiências de observar o que estava ao meu redor. De ficar curioso, de sentir prazer pelo
cheiro de alguma coisa, pela cor de alguma coisa e no colégio, eu estava dando aula de
teatro. No colégio eu fiz parte de um grupo muito forte de teatro. Eu prestei vestibular, o
meu vestibular foi a coisa mais estranha do mundo. Na Fuvest, eu lembro de ter prestado
para História, na Unesp, eu consegui uma isenção pela minha professora de língua
portuguesa, que é a minha grande referência de leitura. Eu prestei e passei nas duas. E
então, o que fazer? A minha mãe queria que eu fizesse História e eu queria fazer teatro. E
então eu menti para a minha mãe falando que eu não tinha passado. Fiz matrícula na
Unesp e depois eu falei para ela que eu passei na segunda fase. Eu comecei Educação
Artística. No currículo antigo da Unesp eram dois anos de Arte comum, que tinhas Artes
Cênicas, Música, Dança, Artes Plásticas, Educação e no segundo ano você tinha que fazer
opção de qual linguagem você iria trabalhar. Isso era final de 2001. Eu fiz escolha para
Artes Cênicas. Eu entrei no CPT no começo de 2002. Entrei no CPT e comecei a grade de
Artes Cênicas na Unesp. Tinha dezoito anos.
4. Era um moço ainda.
Era uma inconseqüência tamanha aquilo. Foi a coisa mais maluca que aconteceu na minha
vida, porque eu não conseguia acordar de manhã. Eu precisava trabalhar. Eu fiz um
estágio numa escola de Artes aqui na zona Leste, na Viveka. Uma escola de Artes
Plásticas, mas a minha intenção era fazer Artes Cênicas, mas eu queria passar por Artes
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Plásticas por acreditar que todo o contexto de estética é muito mais claro nas Artes
Plásticas do que no teatro. Metodologicamente é mais fácil. Então eu fiz essa opção por
fazer estágio em Artes Plásticas. Eu entrei no CPT e no terceiro ano de Unesp em Artes
Cênicas. Foi terrível, porque eu me desapaixonei terrivelmente pela Unesp. Acho os
professores intelectualmente comprometidos com uma visão pobre de Arte, especialmente
de teatro. Tinha professores ali que fizeram história no teatro paulista, por exemplo, a
Berenice Raulino, que ela foi coordenadora do Centro Cultural Vergueiro. Ela fez um
registro incrível do teatro em São Paulo, que é o centro de registro histórico cênico do
Centro Cultural São Paulo. E ela é uma péssima professora, me perseguia. Ela tinha falado
numa aula para todo mundo ouvir que fazer teatro não é fazer teatro para TV. Eu nunca
quis fazer isso. Ela não gostou de mim e eu não gostei dela e tivemos alguns problemas.
Eu tinha professores maravilhosos, Alexandre Matte, que foi um dos seres humanos que
eu mais briguei na minha vida, porque ele tem uma visão muito amarga das coisas, mas
muito verdadeira. Foi ele que me apresentou Nietzche. Ele é um dos melhores professores
de história do teatro que conheci, melhor inclusive que o Antunes Filho. O Alexandre
Matte foi aluno do Antunes também. Eu comecei a me desencantar com a Unesp e nesse
mesmo ano eu saí do CPT, porque era muito forte para mim, eu não estava agüentando.
Eu precisava trabalhar e estudando de manhã na Unesp e tendo curso a noite, não tinha
como. Eu sai do CPT e no segundo semestre de 2002 eu me matriculei em algumas
disciplinas da Eca. Eu fiz algumas disciplinas lá. De História da Arte e também fiz
disciplina na faculdade de Educação da USP e foi que eu comecei a me apaixonar pela
Arte-educação. Em 2003 eu ingressei no Estado, numa das quebradinhas e eu me
apaixonei definitivamente pela Arte-educação.
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5. Você acha que essa sua construção de ser professor é uma coisa que vem de muito
tempo, da influência da sua professora da primeira série, da sua tia e outras coisas mais?
Sim. Claro. A minha grande formação não foi na graduação. Olha que eu passei por três
Universidades. Passei pela Unesp, pela Eca e fiz algumas disciplinas na Uffi em Niterói.
A grande formação foi ao longo desse processo, não em quatro anos de graduação, nem
um pouco. Ao longo desses doze anos.
6. Como você caracterizaria a sua trajetória profissional?
A primeira escola que passei foi uma escola particular, evangélica, que atrasava o salário,
tudo aquilo que não para o professor de Artes trabalhar, principalmente uma pessoa
jovem que está começando a trabalhar. Fiquei uns cinco meses nessa escola, fui demitido
por insuflar greve, por insubordinação, porque eu questionei porque o meu salário está
atrasado há três meses e os dos outros não. Peguei aulas no Estado, no jardim Pantanal, no
meio de uma favela, uma escola que é nova porque ela pegou fogo, aliás, botaram fogo.
Eu tinha aula manhã, tarde e noite. Eu vivia naquela escola, eu vivia naquela comunidade,
uma comunidade abaixo da linha da miséria. Uma comunidade que não existe nem em
filme. Uma escola que não existe nem no filme “Hotel Huanda”, porque são histórias ali
que eu jamais vou esquecer na minha vida, porque naquela escola eu tinha toda uma teoria
de Arte-educação, de comprometimento dos professores, mas diante daquela grande
situação, a precariedade que é a condição de ser humano nesse mundo de hoje, eu inverti
todas as ordens e revi tudo todos os valores e eu não aceitava mais o que eu tinha
aprendido na graduação. E foi nessa escola que eu vivi toda essa condição de ser
professor. Saía onze da noite no meio da favela, acompanhado dos alunos, naquela
comunidade o Estado não é presente. A única instituição do Estado que é presente é a
escola. Enfim, a escola desempenha um papel de reinserção desses indivíduos na
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sociedade, de reconstrução. O maior foco não era nem os alunos em idade escolar, era
suplência. Eram pessoas das diversas partes do Brasil com as mais malucas histórias.
7. Você ficou lá quanto tempo?
Fiquei lá um ano e meio. Mais um ano e meio no Parque Ecológico, que era uma escola
parecida com essa, que um pouquinho melhor. A diferença entre o Parque Ecológico e
essa escola é que os alunos do Pantanal, dessa primeira escola, moram em barraco e os
alunos do Parque Ecológico moram em conjunto habitacional, que é um barraco de
concreto. Era um grande Gueto. Parecia um grande gueto da Alemanha Nazista. Eram
prédios uns iguais aos outros, tinha toque de recolher, tinha um lugar para comprar.
Essa coisa toda. Mas enfim, eles tinham uma casinha para morar, mesmo que essa
casinha fosse uma cadeia. Foi no União Vila Nova e no Parque Ecológico que tive
contato com essa dimensão mais humana, do respeito, de entender, porque aquele aluno,
para alguns professores, age de uma forma tão primitiva, tão bruta, ali eu provei para mim
que não é. Graciliano Ramos. Não, não é Graciliano Ramos. É Augusto dos Anjos. “O
homem que vive entre feras, inevitavelmente tem de virar fera”. Eles agem de uma forma
bruta, porque esta é a forma como o mundo os trata. Olhando eles de soslaio, olhando eles
de canto.
Eu saí do Parque Ecológico porque eu consegui aulas em uma outra escola. Isso era
2005. Uma escola de primeira a quarta na Vila Císper que era numa região melhorzinha.
Nisso, eu tinha um pseudo casamento em São Bernardo do Campo. Me separei. Entrei em
depressão. Fiquei sem dinheiro, só tinha dinheiro para a gasolina. Roubaram o meu carro.
Comprei outro. Bateram no meu carro. Sofri um acidente e me fechei durante três meses.
Não saí de casa durante três meses. Por conta do acidente, por conta da separação, enfim.
Repensei, repensei muitas coisas, inclusive ser professor, trabalhar com Arte. Houve uma
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chamada de um concurso que eu tinha feito, um concurso do Estado e eu ingressei como
efetivo e caí no paraíso.
Eu caí numa escola de primeira a quarta, onde as professoras regentes eram
extremamente receptivas, elas abraçavam tudo. Eu tinha uma amizade muito forte com a
secretária. A secretaria disse que a primeira vez que ela me viu, ela me viu andando
arrastado e um mês depois eu era outra pessoa. Trabalhando com crianças numa escola de
tempo integral, eu ficava manhã e tarde, a escola é muito antiga e muito boa e tinha várias
salas ociosas Tinha um prédio ocioso com uma árvore gigante. Lá, eu dava aula de dança
em volta da árvore, dança circular. Eu dava aula de escultura. Não era uma comunidade
muito rica nem muito pobre, mas tudo que pedia os pais providenciavam. A gente tinha
aula de escultura, de argila ao ar livre, a gente pintava ao ar livre. Uma das salas era toda
de vidro e assoalho era muito bom, a gente fazia alongamento ali, tinha aula de teatro ali,
ali a gente brincava. Era um paraíso. Foram cinco meses dando aula para essas turmas. E
nesses cinco meses você via o desenvolvimento dessas crianças. Na primeira série, elas
chegavam com seis anos, bebês e no final de cinco meses eram crianças. Elas eram muito
independentes naquela sala de Artes. Sabiam que ali ficavam os pincéis, que ali ficavam
as tintas e que a pia era ali. Eles sabiam que podiam usar, mas que tinham que lavar e
deixar do mesmo jeito. Nas primeiras semanas era um horror. Eles não queriam arrumar:
“o tio é chato”. Para algumas crianças era muito clara a figura do pai que elas projetavam
em mim. Tinha um aluno que me chamava de pai mesmo, o que revela uma carência de
comunicação e distância que essas crianças têm com a família. Foi muito forte para mim
como educador, porque era uma experiência incrível, porque é muito tido o
desenvolvimento de uma criança quando a gente trabalha educação com Arte. Se eu tinha
dúvida da educação como grande chave de construção de conhecimentos, de
possibilidades, foi ali naquela escola que foi respondido para mim.
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Infelizmente ou felizmente, eu virei ATP. No primeiro momento foi assim. A primeira
coisa foi aquela coisa ridícula de “Ah, eu virei ATP, vou trabalhar com formação, vou dar
curso”. De uma pobreza de espírito tamanha. E com o passar dos dias, eu vi que o grande
negócio não é esse. Na rede Estadual você têm professores incríveis, têm trabalhos lindos,
pessoas maravilhosas, pessoas altamente competentes, que tinha um porém, elas
estavam muito distantes de discussões e não entendem que o trabalho delas era
fundamental para a escola. Eu fui apresentado para essa questão da formação continuada
do professor. Faz um ano que estou aqui. Nós tivemos crescimentos com os professores.
O professor não vê mais Artes como disciplina qualquer, como uma atividade que
complementa. Teve uma mudança do pensamento desse professor. Esse pensamento desse
professor fica a mercê de uma política educacional. Essa política educacional é partidária.
Eu lembro do primeiro encontro que eu tive com os professores e lembro do último e o
crescimento deles. Como ele se propõe a fazer, a refletir. Na semana que vem começa o
curso de Suporte e Imagem e eu estou apostando todas as fichas nele, porque eu acho que
vai ser um momento de crescimento do professor, no sentido de produção mesmo, de
produzir algo que lhe faça bem. O que eu fiquei mais feliz em trabalhar com essa
formação continuada foi poder ter tido a chance de ver esses trabalhos acontecendo e eu
fiquei muito feliz porque eu voltei a estudar, porque era uma coisa que, há muitos anos, eu
deixei. Eu comecei a ler. Eu transformei a pesquisa em hábito. E isso, eu estou doido para
voltar para a sala de aula, porque eu sei que isso está incorporado em mim.
8. Como você descreveria o seu trabalho com teatro em sala de aula?
É muito difícil trabalhar com teatro em sala de aula. que, quando acontece, quando
começa a acontecer, é muito rico, é muito prazeroso, é maravilhoso, é construtor, é
inesquecível. É difícil, no tempo da barbárie que a gente vive, trabalhar com teatro-
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educação. Quando acontece, acontece de uma forma mágica como o teatro é. Primeiro de
tudo foi a minha formação, não foi a formação acadêmica. Foram as minhas vivências
como aluno de teatro. Não foi a metodologia de teatro que me ajudou, elas me auxiliaram
depois quando eu comecei a ler sobre registro de processo, referências bibliográficas, mas
como metodologia, como didática, não me ajudou. Vamos falar de Viola Spolin, ela me
deu um subsidio incrível de como trabalhar, mas ela não tinha dado um subsídio reflexivo
do meu trabalho. Eu só encontrei quando eu comecei a ver o trabalho do meu aluno.
9. Então o trabalho do seu aluo era um espelho daquilo que você está fazendo, servia
como reflexo?
Muito. As ferramentas estavam com o aluno, era ele que representava. Vou falar de uma
aula de primeira série que eu dei. Eu caí numa besteira. A gente tinha feito vários jogos
teatrais, mas eu falei assim: “Eu quero agora que vocês, em grupo de cinco, vão fora,
montar uma história e vão apresentar para a gente a história”. Ninguém terminava o
exercício. Não chegavam a apresentar. Porque eles não chegavam a apresentar? Porque
eles estavam criando, mas não criando do jeito que tinha imaginado. Eu não achava que
aquilo fazia parte do exercício. Eles estavam fazendo teatro, eles estavam jogando, eu
dei a instrução: invente uma história. Eles estavam inventado, estavam criando e não ia
chegar no final, porque aquilo era o jogo. E eu não entendia isso. Depois de eu ter brigado
com eles que veio: “Gente eles estão fazendo teatro”. Depois que eu entendi isso. Tem
uma das fotos de um menino de seis anos. Eles ensaiavam em uma espaço ao ar livre ao
redor de uma árvore. Quando eu fui tirar fotos deles, eles estavam com os galhos da
árvore na boca. E eu briguei com eles porque não era para fazer isso. Eles eram árvores. A
história deles era que eles eram plantas que estavam brigando por espaço. De onde veio
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essa idéia. Eles viram galhos que estavam no chão e flores que estavam no chão. Se eu
não tivesse interrompido, eles teriam visto outras coisas. Eles não entendiam porque havia
de ter uma encenação, mas o professor queria que tivesse uma encenação para formalizar
algo que não existe. Depois dessa aula eu vi que isso é teatro. O teatro é o universo dessas
possibilidades. O meu objetivo era: vamos trabalhar com jogos, vamos trabalhar com a
desibinição, vamos trabalhar com dança para gente conseguir fazer uma improvisação,
para a gente conseguir fazer uma peça. Puxa, que chato. Eu aposto que para alguns fica
mais marcante aquele momento com os colegas. Eu não lembro de eu ter seis anos de
idade e de estar com um grupo e falar: “Vamos fazer isso?”. Isso que é o mais importante.
A questão da improvisação, da representação, isso se acontecer, acontece com tempo, é
um resultado. É uma continuidade. Infelizmente é meio precário, porque não teve
continuidade.
10. Feche os olhos e imagine uma cena com começo, meio e fim que descreva o seu
trabalho com teatro em sala de aula. Qual o enredo da peça? Quais os personagens? Qual a
ação dramática, feche os olhos e descreva.
Eu lembrei de um exercício que eu tive no primeiro ano da Unesp que era um texto que
meu professor, Alexandre Matte, tinha dado para a gente, que era um poema do Fernando
Pessoa chamado Eros e Psique. Quando ele encontra ela e que ela era ele ali deitado.
Então quem ele sempre procurou foi ele. E foi um exercício que ele deu para a gente, que
a gente tinha que esmiuçar, da nossa vida. Era um exercício em silêncio, sem movimento
A gente tinha que ver o que de verdadeiro aquilo tem, o que representava aquilo. Toda vez
que vejo aquele poema, aquele poema está falando comigo, mas eu tenho certeza que
aquilo fala para mim. E aquilo foi de frente com o meu trabalho como professor, porque o
tempo todo eu estou me redescobrindo como ator. Vamos falar dos encontros em
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formação continuada, eu me reencontro, eu coloco os meus eixos como artista, eu vou em
busca do professor ideal, eu estou me encontrando como professor, estou me refazendo.
Quando teve esse exercício, eu me via como uma pessoa sozinha, uma pessoa sozinha na
torre. Era uma torre que eu imaginei que eu criei. Hoje com certeza a minha torre tem dois
metros de altura. E olha que eu tenho vertigem a altura. Mas eu me sentia sozinho, porque
não era verdadeiro, o que eu estudava de educação não era verdadeiro. Não representava
nada para mim aquilo. Eu tinha a minha memória, as minhas experiências, mas não era
real, hoje é muito mais.
11. Então eu posso colocar que, apesar de você ter feito Artes Cênicas na Unesp e depois
ter mudado para Artes Plásticas, que foi no que você se formou. A sua verdadeira
formação vem da primeira infância? As suas matrizes pedagógicas, o seu lugar de gestação
está nesse nicho aí.
Foi. E olha só agora falando de matrizes. Não foi repetição do que eu vi quando pequeno,
mas lembro do prazer da criação. Eu me sentia muito feliz, eu me sentia único, realizado.
As minhas matrizes estão muito relacionadas a esse prazer que eu sentia em ver. Não são
repetições daquilo. Eu tenho muita saudade da minha infância, deste momento, dos oito
aos onze anos. Como aquelas pessoas que minha tia me apresentava eram diferentes
daquilo que eu pensava que eram as pessoas. A minha família é muito fechada. As
famílias da Zona Leste viviam numa estrutura muito parecida com a minha. A minha
escola era muito igual, as salas eram ambiente. Quando eu vi, um homem de blusa
vermelha. Quando eu vi isso, eu pensava que homem não podia usar vermelho. Mas da
onde vinha isso? Porque todos os homens que via usavam camisas brancas e azuis. Eu
lembro a primeira vez que vi uma mulher de cabelo curto, bem curto, a minha avó
usava cabelo curto, que era de queda de cabelo. Então conhecer, de descobrir. A primeira
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vez que eu fui ao Brooklin na casa de uma amiga dela para pegar umas telas para fazer
uma exposição na faculdade. Nós fomos a pé e nós fomos andando pelo Brooklin e aquilo
era o lugar mais lindo do mundo, porque era arborizado. As árvores eram altas, os carros
ficavam parados na rua, era muito silencioso, era muito tranqüilo. Mas isso não é algo fora
do normal, mas para uma criança que vive em um aglomerado que é a Zona Leste, aquilo
ali era o lugar mais incrível do mundo. Eu me referia ao Centro de São Paulo ou a Zona
Sul como a cidade. E hoje eu acho São Paulo uma cidade acessível a todo o momento, eu
transito por ela. E antes era uma coisa gigante.
12. Você vai ouvir o que você disse e vai relacionar o que você disse com a cena que você
imaginou.
Nesse momento, eu não vou falar de um momento de sala de aula, de um ser professor. Eu
redescobri em mim a releitura da poesia, especialmente da poesia, o quanto ela é
reveladora, o quanto ela consegue tocar em aspectos que a prosa e o texto dramático não
tocaria. A estrutura dela consegue isso. E esse trabalho com o professor, essa formação
junto dele, o tempo todo eu me deparo como a poesia, dá fundamentos para entender. Não
que eu utilize a poesia como um suporte, mas ela como um início de algo, um momento
inicial de reflexão. É estranho, porque quando eu estou preparando todo um conteúdo de
um encontro, estou com uma poesia na cabeça. Eu estou falando aqui neste momento de
uma imagem, mas eu não consigo me desvincular da imagem. Ela é muito reveladora
também. Mas o texto, o poema, está sendo muito mais presente. E o Alexandre Matte
apresenta isso para os alunos dele.
13. O Alexandre Matte era professor de que disciplina?
Era professor de fundamentos de expressão e comunicação cênica.
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14. E ele usou o gênero lírico nas aulas?
O tempo todo. Todos os exercícios dele tinham o texto, ou a poesia ou a prosa, mas o
tempo todo. E não era só nessa disciplina. E era incrível a presença do texto, da palavra
escrita. Da poesia do texto. Sabe, o movimento dele. E o era por uma questão de uma
prática. “Nós vamos trabalhar um texto para a nossa prática”. Vamos ter esse suporte
inicial para as nossas primeiras reflexões, para depois ir para uma prática, para depois ter
uma contextualização. Vamos para esse momento quase intuitivo, extremamente sensível,
daquele momento. Eu lembro bem disso, que a gente tinha um texto, por exemplo,
Moliére. Ele recolhia um texto de um artista contemporâneo, extremamente sarcástico e
a gente ia para Moliére. Depois que eu fui entender, especialmente sobre aquele poema do
Fernando Pessoa naquela aula, o quanto isso fazia parte. Estou com uma frase do
Benjamim que era mais ou menos assim que a imagem tende a desaparecer, porque ela é
criada no presente e olhada no futuro e ela tende a desaparecer, o que fica são resquícios
de um presente. Só isso. Pensando naquele exercício do Fernando, o texto, o grande signo
ou o grande símbolo é o texto. No meu caso foi o texto, textos icônicos. Momentos muito
importantes de uns artistas.
15. Como que esse signo se traduz no professor de Artes ao trabalhar com a linguagem
teatral?
Porque o tempo todo eu estou tentando me redescobrir. Eu estou buscando, buscando.
Deve estar por aí, esperando, me esperando.
16. Eu acho que isso que o Alexandre Matte fez e o que a tragédia grega fez é “o conhece-
te a ti mesmo.”
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É Isso mesmo.
17. Como que essa busca se traduz na sala de aula?
Acho que isso está aparecendo especialmente nos últimos meses. Eu sou um artista, então
eu estou produzindo muito como artista. Eu não estou produzindo o final. É o meio da
concepção de algumas coisas. E eu estou me conhecendo nesses momentos, nesses meses.
Nisso, os meus alunos não estão saindo perdendo, eles fazem parte deste processo de
criação, recebem espaço para isso, recebem ferramentas para isso. Eu não estou sendo um
artista egoísta vendo o professor trabalhando e criando. Não, porque tem o trabalho dele
também. Em todo o momento aparece esse “conhece-te a ti mesmo”, o teve uma
atividade. Isso eu consegui entender depois de que eu vim para cá. Eu sei que o tempo
todo eu estou buscando, volta o texto do Fernando Pessoa o tempo todo. É uma busca
fundamentalmente existencial, eu estou procurando a minha essência perdida e a minha
existência amorfa e acho que é isso, mas em determinados momentos, de extrema
angustia, eu sinto que está perdido, mas sei lá. Eu continuo acreditando que o caminho é a
Arte, talvez isso seja tão utópico. Eu continuo acreditando no teatro como solução
remediadora de barbárie. E esse teatro é o mais puro e simples que há. Não é o teatro da
apresentação do ano, não é o teatro do figurino. E algo muito mais invisível,
profundamente amador, profundamente pobre, escasso. Daí eu estou falando da minha
formação como ator, de um teatro que não tinha extremamente nada, que o palco era uma
mesa. E era real aquilo. Aquilo era de verdade. Os amigos que eu tive ali são os amigos
que eu tenho hoje. As primeiras experiências verdadeiramente humanas, de tocar o outro,
de não ter medo de abraçar alguém, foram ali. Acho que isso é muito mais rico do que
qualquer curso de Educação Artística. Eu sempre passo de carro ali na marginal e tem o
teatro “Olho Vivo” e eu fico pensando que ali estava tendo uma apresentação. Ali é pobre.
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Que lugar feio, que lugar lindo, que lugar verdadeiro. Sabe, que lugar de gente ridícula,
muito ridícula. O quanto aquilo fala, o quanto aquilo toca, o quanto aquilo tem
significado. Para mim, aquilo não tem significado aparente, mas eu vim de algo parecido.
Eu sou daquilo, eu nego o tempo todo, mas como aquilo me provoca estranhamento, mas
também me provoca uma paixão. É esse teatro que eu acredito, que é o teatro de escola.
Não estou falando de nada grandioso, do grande ator da década, da grande atriz de
qualquer coisa. Não, porque isso daí não existe mais. volta o prazer. Algumas pessoas
conseguem ser tão reacionárias que conseguem dizer que o prazer é condenável. Um dia
eu espero que o teatro não seja para o aluno que quer ser ator, que o teatro não seja uma
ilustração bonitinha, mas que seja uma coisa tão presente na vida das pessoas, tão
intrínseca, que elas nem percebam a existência do teatro. Mas que esteja presente. Que
seja uma forma de conhecimento, que seja uma forma de comunicação, que seja uma
forma de relação social, de entender os indivíduos críticos que o cercam, de uma forma de
entender que ele não é único. E isso é muito diferente daquilo que a gente tem como
imagem de teatro, mas eu consigo entender que isso é teatro. O que nos falta neste
momento é esse sentido de existência. O teatro e a poesia me tiram dessa imersão pós-
moderna. Colocam-me em outra imersão, mas me colocam nessa racionalidade. Ele me
propõe uma imersão, mas ele não me deixa imóvel, é uma imersão diferente. É uma
imersão para a ação. É diferente. O teatro é contestador, mas ele é mais do que isso. Você
pode utilizar qualquer forma de expressão à guisa de qualquer coisa. Especificamente, o
teatro pode ser usado para uma mobilização. Mas que ação é essa? Será que uma política
reacionária? Não quero falar de posicionamentos, não quero falar do texto teatral ou de
concepções de artistas. Vamos falar de Brecht, ele tinha um ideal comunista. Ele esqueceu
do que é o teatro. Ele esqueceu do próprio homem. E hoje o que a genteé esse homem
sendo pinçado. Eu não sei se o teatro épico consegue resgatar isso. A gente é fragmento de
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umas coisinhas e essas coisinhas devem ser trabalhadas. É algo para a gente questionar. O
teatro para mim é alvo de questionamento. Eu consigo entender o teatro como aquilo que
fala comigo, que é realmente um diálogo. O espectador obra e o grupo, o coletivo. Eu
fico feliz que o Brecht, no final da vida dele, fala algo parecido como “Se ele conseguir
mudar ele mesmo, isso já está de bom tamanho”. Qual é o meu símbolo?
18. Ah, querido, eu acho que é “o conhece-te a ti mesmo”
É bem claro que eu não estou colocando o corpo nas ações. Eu não sei o porquê. Mas eu
não tenho essa percepção do corpo no espaço. Não consigo entender. Eu acho que
discurso, o verbo, eles são tão mais ações que as ações corpóreas. O sentir e o ouvir é
muito mais forte e mais salvador do que o corpo. É um grande erro isso, porque o corpo
também faz parte, mas eu não consigo ver o corpo ainda. O corpo no teatro. Eu consigo
entender a transcendentalidade que o teatro provoca, mas o corpo não. Talvez o teatro seja
tão puro, tão salvador, tão divino que ele não precisasse ter corpo. Ele precisa de pessoas
que o façam, mas não de um corpo físico.
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ANEXO F: entrevista com a atriz 5
1. Como foi construída a sua opção por ser professor de Artes?
Então, eu sou formada em Artes Cênicas pela Universidade São Judas e eu acabei caindo
meio de “pára-quedas” nessa área de ser professor. Eu falava: “Eu não quero ser professora,
ai, eu não quero”. Mas daí como eu sou atriz e não tem muito trabalho nesse campo, eu acabei
virando professora de Artes.
2. Como vem se construindo a sua trajetória profissional?
A cada dia eu estou aprendendo mais, aprendo com os alunos, vou me capacitando, fazendo
cursos. Até ontem eu estava fazendo dança circular judaica. Faço fotografia. A cada ano eu
estou tentando me aprimorar.
3. Então você assumiu o ser professora?
Sim. Porque antes eu nem imaginava ser. Nem passava pela minha cabeça. Eu até fugia, mas
daí quando o pessoal da faculdade foi para a atribuição, eu acabei indo também. Eu falei: “Eu
preciso fazer alguma coisa, eu não posso ficar esperando o trabalho de teatro, que demora, é
difícil. É difícil viver de teatro e então acabei indo com o pessoal.
4. E você conseguiu as suas aulas nessa atribuição?
Não. Na primeira vez eu não consegui, porque deu problema na documentação. Mas quando
abriu de novo e eu fui e acabei pegando aulas.
5. Como você descreveria o seu trabalho com teatro em sala de aula?
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Eu estou tentando trabalhar o máximo com teatro em sala de aula. Eu trabalho com jogos
teatrais, com performances. Eu procuro trabalhar com eles o início do teatro, iniciação teatral.
Jogos para ter coordenação motora, concentração, noção de grupo, porque eles são muito
individualistas. “Ai, não quero trabalhar com fulano, não quero trabalhar com cicrano”. “Aí
não, eu tento juntar todo mundo”. Até para dar a mão, porque eu faço muito jogo com roda.
Daí eles falam: “Ai, não quero dar a mão para o menino, quero dar a mão para a menina”.
Quando eu vejo uma panelinha, eu separo. Ontem mesmo eu separei. Eu também trabalho
ritmo, porque eu acho que até na vida deles ajuda. Concentração para os estudos. Acho que
esse trabalho vai ajudando.
6. Se você fosse me descrever quais alicerces sustentam a sua prática, quais você descreveria?
Base? A linha que estou seguindo assim?
7. É.
São mais jogos teatrais, jogos da Viola Spolin, a coisas que eu aprendi na faculdade, em
grupos. Eu tento adaptar também de acordo com a realidade deles, dos alunos, da escola, do
espaço. Eu não trabalho na sala de aula, eu pego um espaço, como o pátio, até reclamaram
que estavam fazendo muito barulho, mas daí eu uso. Eu uso o pátio e uma área que tem árvore
que tem sombra. Às vezes eu separo a sala, porque eu acho que teatro não para trabalhar
com muito aluno. Então eu divido, metade vai ficar na sala e a outra metade vai trabalhar
teatro e daí eu revezo. Quando tem sala que os alunos são mais quietos, eu trabalho com a
turma inteira, ontem mesmo eu consegui com 35 alunos. Mas essa sala é mais quieta, nas
demais eu separo, porque tem sempre um ou outro que atrapalha a concentração do grupo, daí
eu separo. Eu acho que teatro tem que trabalhar... Menor número, quanto menor número,
melhor.
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8. Você vai fechar os olhos e imaginar uma cena com começo, meio e fim que descreva o seu
trabalho com teatro em sala de aula. Quais são os personagens? Qual a sua ação dramática?
Qual o enredo?
Eu imaginei a minha aula mesmo. Eu imaginei a mim reunindo os alunos para formar uma
roda para fazer exercícios teatrais. Eles no processo de....fazendo mesmo poque patoque.
9. Poque patoque taque tíquete tíquete tumba, tumba?
É. Eu imaginei todo mundo, a minha sala e a outra sala.
10. Que sala é essa?
Meus alunos mesmo da segunda série, fazendo a roda. Todo mundo participando.Tumba,
Tumba”. Que é uma coisa forte, presente. Todos participando, batendo os pés. Porque é um
ritual. Depois eles fizeram aquele exercício que você passou outro dia.
11. Que exercício?
Aquele que são oito para cá, oito para lá?
12. O de roda?
Isso. Aquele euo conhecia. É diferente.
Aí, outro que eu faço também é todo mundo frente, pulando, um, dois, três, quatro, cinco,
seis, sete, oito e vira. Para frente e para trás. eu imaginei todos exaltados, cansados
também. Eu imaginei os jogos teatrais. Eles estão contentes, alegres, concentrados.
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13. Agora que você se ouviu. Você encara o teatro como um trabalho, para você o teatro é
sagrado?
Sim, é sagrado. o é brincadeira. Tem gente que acha que é brincadeira. Que fala assim:
“Ah, vai brincar de fazer teatro”. Não, não é brincadeira. Eu falo para os alunos isso: “Eu
não estou aqui para brincar. Ninguém está aqui para brincar”. Eu falo como é o processo
mesmo teatral. Até mesmo na faculdade, eu lembro que a sala de aula da faculdade ficava
bem no corredor da reitoria e pessoal quando olhava para a gente, descalço, o pessoal falava:
“Ah, vocês estão brincando. Não faz nada. Sala que não tem carteira”. E eu acho que não é
isso até mesmo assim, teve um Peb I que achou que era brincadeira, mas você tem que
mostrar que não é assim.
14. Você acha que o teatro na escola pública é marginalizado?
Tem pouco. Não o teatro, a Arte em si tem um certo preconceito. A gente sofre um pouco
de preconceito.
15. Então você acha que a cena que você imaginou e o que você disse se relacionam?
Sim.
16. E você tem um grande símbolo? Que símbolo é esse?
É a roda. Todo mundo de mão dada. Fazendo um ritual sagrado, tudo em prol de um objetivo
que é o fazer teatral.
17. Então para você, esse é o seu símbolo?
É. Eu acho.
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18. E você passa isso para os alunos?
Passo. Passo noção de grupo, de conjunto, que teatro não se faz sozinho. Tem o diretor, o
iluminador, não é sozinho. Não é um trabalho individual, é um trabalho coletivo, é um grupo.
Todo mundo num único objetivo.
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ANEXO G: entrevista com a atriz 6
1. Porque você optou por ser professor de Artes?
Porque eu sempre me interessei pela linguagem artística e pela educação. Tanto é que eu
comecei a fazer faculdade de pedagogia, só que aquilo não me completava, eu achava que era
pouco. Eu tranquei pedagogia no segundo ano e entrei em Educação Artística, porque eu
achava que eu queria educação, mas queria a prática como artista.
2. Aonde você fez Educação Artística?
Pedagogia na PUC e Educação Artística na FMU.
3. Como vem se desenvolvendo a sua trajetória profissional?
Tem sido melhor do que eu esperava, porque a faculdade não te prepara para a sala de aula.
Ela é muito teórica, porém, no dia a dia, você descobre trabalhando mesmo. Apesar de você
fazer estágio, as dificuldades do dia a dia você descobre trabalhando. A gente tem de criar
soluções no dia a dia. Eu acredito que eu tenho um resultado muito satisfatório do meu
trabalho. Eu vejo resultado do meu trabalho. Eu acho que trabalhar com Educação é bom por
isso, você vê resultado. Imediato. Você vê no seu aluno o resultado. Eu acho isso bom.
4. Como você descreveria o seu trabalho com teatro em sala de aula?
Bom, teatro, na verdade, eu trabalhei com eles jogos artísticos. Eu nunca montei uma peça,
tenho vontade de montar. Eu o me sinto preparada, eu me sinto sozinha, porque a gente
sabe que numa escola de Peb I a gente não pode dizer: “eu vou montar uma peça com esses
dez alunos”. Você tem de lidar com os quarenta alunos. E as professoras da sala de aula não
se incentivam muito. E você, sozinha, lidar com os quarenta. “Ah, você vai fazer figurino”.
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Eu não sei distribuir a sala, eu tenho essa dificuldade, como que eu sozinha vou distribuir para
montar. Eu gostaria de ter uma equipe, um grupo para montar.
5. Então você sente falta de parceiros?
Muito. Muito. Muita falta eu sinto. A escola não se preocupa com isso. O ano passado eu
tinha texto, eu queria montar, só que sozinha, eu começo a dar para as crianças e quarenta! Se
um não se interessa, ele tumultua. Eu me sinto sozinha, incapaz de fazer um trabalho tão
grande. Mas eu já trabalhei com eles exercícios teatrais, alguns eu aprendi com a Neryssa, de
repetição, o toque patoque. Eu tenho Cds de músicas infantis que eu levo e eles fazem a
interpretação da música na frente da sala. Eu dei, por exemplo, o cravo e a rosa, e eles vão
interpretar porque o cravo brigou com a rosa. Eu gosto muito, até na primeira e segunda séries
eu conto muitas histórias para eles e eles encenam. Isso é uma brincadeira, não é uma peça,
não tem figurino, nada. Só para eles desenvolverem a criatividade e a improvisação. Mas nada
de uma peça montada. Eu também faço com eles o seguinte; eu levo umas imagens grandes e
eles vão olhando as imagens e vão contando a história, interpretando. Mas isso é um exercício
de sala de aula, em círculo, não é um exercício de palco. Palco nós não fizemos ainda, eu
gostaria.
6. Quais são os alicerces que sustentam a sua prática?
Eu tenho a base de faculdade, que seriam os exercícios teatrais e tenho atividades como
professor mesmo, você sente a necessidade de ver os seus alunos se expressando. Não só você
falando. De eles falarem também e essa necessidade faz com que você jogue. De eles criando
não só no desenho, mas ele criando com qualquer coisa, com a voz, com o corpo.
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7. Você vai fazer o seguinte exercício. Você vai fechar o olho e vai imaginar uma cena com
começo, meio e fim, que traduza o seu trabalho com teatro em sala de aula. Imagine. Quais
os personagens? Qual o enredo? Qual a ação dramática? Abra os olhos e descreva.
Eu lembrei de uma cena que fiz recentemente na segunda série. Eu levei o CD com as
músicas, cantamos a música o cravo e a rosa. Eles não sabem o que é uma sacada. Eles
cantam por repetição. Eles nunca tinham pensando porque eles tinham brigado. E eles
falaram das brigas que eles vêem em casa, porque brigaram, porque que briga, do cotidiano
deles que tem briga de pai e mãe, que briga por ciúme. Um cotidiano às vezes muito mais
realista do que o nosso. Porque traiu, porque saiu com o vizinho. Umas coisas que você fala:
“Não, vamos devagar”. E com essa música eles inventaram a história. “Ah, o cravo viu a rosa
conversando com o vizinho”, “Ah, porque está conversando”. E eles se empolgam. Aí, no
final, por mais trágico que seja, sempre tem um final feliz. “Ah, ele perdoou e eles foram
embora juntos”, “O casal teve mais filhinhos”. E sempre são eles que criam o final. Eu falo:
“Não tem final, vocês que criam”. Mas eles criam.
8. A partir de uma música eles improvisaram uma história?
Eles que inventaram. A música é um meio, não tem finalização. Eles que criam o porquê que
chegou nessa briga e o final que não tem. Daí eu peço para eles ilustrarem, sempre eu peço
isso. Então eles fazem como se fosse uma história em quadrinhos, com começo, meio e fim,
do cravo e da rosa.
9. Então você mistura as linguagens?
Eu misturo sempre. É um jeito de concluir, até porque não é uma coisa que é finalizada no
palco. Eles pedem. Criança pequena é muito concreta, precisa dessa finalização e eu faço
assim. Aqui a gente conclui. Daí conclui com o desenho, com a ilustração.
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10. Agora que você se ouviu. Como você relaciona o que você disse antes com a cena que
você imaginou?
Então, eu gostaria de ter um trabalho, eu percebo que eles se interessam. A cena que eu
imaginei foi uma cena muito gratificante, que é o momento que eles se soltam, que eles
perdem um pouquinho a timidez, até porque são entre os colegas da sala de aula. Não sei
como seria a reação deles diante de um público. Mas eu sinto que eles sentem falta. Eles
ficam perguntando: A gente vai fazer de novo?”. Então a coisa para eles é gratificante,
que, por outro lado, fica limitado, não tem aprofundamento. Apesar de fazer o toque, patoque
taque também, oito para cá, oito para lá. Eles trabalham em sincronia. Só que são só cinqüenta
minutos e você vai trabalhar em sincronia, oito para cá, oito para lá. “Não está errado”.
Acabou a aula. São cinqüenta minutos, não é como na faculdade. Isso é um exercício de
iniciação para começar alguma coisa. Na sala de aula é um aquecimento e acabou. Na semana
que vem vai ter que começar tudo de novo. Acho que deveria ter projetos, fora do horário de
aula, para a gente pegar alunos que se interessam realmente. Tem aluno que não se interessa,
que atrapalha, que é hiperativo. Eu acho que deveria ter um espaço de tempo maior, porque é
limitado. Então, sentar em círculo, vamos para o pátio, você explicar, um levanta, eles fazem
e acabou o tempo, bebe água e volta para a sala. Talvez falte em mim também, talvez quem
tenha a técnica de teatro consiga controlar melhor a agitação deles. Tem dias em que você
fala: “Nossa eu estou tão cansada”. É lógico que eu acho mais desgastante trabalhar com
teatro do que trabalhar com Artes Plásticas, caderno. É mais tranqüilo. Eu tenho um objetivo
de fazer uma coisa maior. Eu conversei com o professor de Educação Física, da gente fazer
uma coisa com a quarta série, porque eles são maiores. É difícil fazer com primeira e
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segunda, porque eles nem lêem direito ainda. Como você vai dar um texto na mão deles e
falar: “Decora”. Existem vários fatos limitadores.
11. Se você fosse eleger um símbolo que traduza o seu trabalho com teatro em sala de aula,
que símbolo seria esse?
Experimentação. Tentativas. A minha formação é em Artes Plásticas, então você faz mais
com certeza, você sabe por onde está caminhando, lógico que, no meio do caminho
acontecem coisas que você não espera, mas em Artes Plásticas eu sei o objetivo que vou
alcançar, quanto tempo vai levar e numa primeira série eu sei até onde eles vão chegar e no
teatro eu vou meio de olho fechado. Eu não tenho essa experiência, então eu não sei controlar
muito bem uma situação. Eu acho que eu aprendo com eles. Na faculdade foi tudo muito
teórico, não te tanto embasamento. Vamos ver com quarenta, vamos lá fazer. Você não vai
ler para a criança, é diferente. Acho que é isso.
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