que não há de a vida, que foi a mestra de Balzac, apertá-lo em trinta ou
sessenta minutos? (1997 II: 334) (grifos nossos).
O tipo de raciocínio que Machado toma emprestado de Sêneca
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é do
mesmo tipo indutivo utilizado na relação que Freud estabelece entre a análise
de um caso clínico e a construção de uma teoria geral a partir desse caso.
Esses três pensadores – um filósofo (Sêneca), um escritor (Machado) e um
psicanalista (Freud) – acreditam na possibilidade de se chegar à compreensão
do todo a partir da análise de uma parte. Todos eles crêem que a carga
psicológica de um indivíduo, sempre e ininterruptamente, está em
funcionamento. Por isso, a cada passo que damos, escolha que fazemos,
palavra que falamos e atitudes que tomamos, deixamos a marca de quem mais
profundamente somos. Pensando assim, é absolutamente plausível que o
conto e sua brevidade sejam capazes de captar a existência de alguém ou a
complexidade de uma vida, uma vez que ele (particularmente o conto
machadiano) “[...] inclui ainda o exame desse trânsito da parte para o todo, do
particular para o geral: investiga, ficcionalizando-a, a possibilidade de apertar a
vida inteira numa hora, acrescentando-lhe outra: a possibilidade de ver a vida
inteira apertada numa hora” (Baptista 2006: 213).
E, se admitirmos que de fato uma vida pode ser condensada em uma
hora, como saber qual hora seria essa? Toda grande obra de arte é fruto de
uma mente arguta que, de forma pouco comum e muito especial, apreende o
mundo e o transforma em ficção. No caso de um grande contista, sua
genialidade residiria, primeiro, em perceber que nos menores atos e em
pequenos intervalos, somos capazes de demonstrar, mesmo que
inconscientemente, mas intensamente, toda uma estrutura psicológica ou o
sentido de uma vida. Segundo, identificar em quais possíveis horas do dia, dias
da semana, atitudes, escolhas ou olhares, o personagem estaria intensamente
retratado. Por fim, se somente um grande romancista consegue estetizar o
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As idéias de A. B. Baptista, sobre a qual tentamos realizar novas problematizações sobre o
conto, certamente derivam de uma leitura particular do modo como Machado possivelmente se
apropriou do pensamento de Sêneca. Vejamos onde originalmente se encontra esse
pensamento de Sêneca: “Apressa-te a viver, caro Lucílio, imagina que cada dia é uma vida
completa. Quem formou assim seu caráter, quem quotidianamente viveu uma vida completa,
pode gozar de segurança; para quem vive de esperanças, pelo contrário, mesmo o dia
seguinte lhe escapa, e depois vem a avidez de viver e o medo de morrer, medo desgraçado, e
que mais não faz do que desgraçar tudo” (Sêneca. Cartas a Lucílio. Trad. J. A Segurado e
Campos. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 556)