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possibilidade de sedimentação de significados, em que a força das ideologias e da
própria linguagem ainda não se manifestaram, impedindo, “na pluralidade dos
acessos, a abertura das redes, o infinito das linguagens”. Trata-se de um texto
plural, em que os modelos e as estruturas são incapazes de permitir uma
interpretação totalizadora
30
.
Kadota (1999, p. 64) aponta que a escritura seria o mesmo que um texto
escriptível, que se determina pela possibilidade de se transformar, se reescrever em
novo texto pelo leitor; um texto que exige uma “desconstrução derridiana”. O “algo
novo” estabelecido pela escritura, mediante o rearranjo de textos anteriores, não é
realmente novo, mas uma repetição “diferenciada” do que já existe na língua. Essa
diferenciação manifesta-se como nova possibilidade de se organizarem os
elementos do discurso, tornando o texto ilegível para aqueles leitores não
habituados a associações inusitadas. O problema apontado por Barthes – e causa
primeira da necessidade do texto escritural – é que os experimentos de vanguarda
são, todos eles, incorporados pelo poder ideológico. Isso implica, obrigatoriamente, a
necessidade infindável de mudança, de transformação, contra o estereótipo
31
.
Ao desenvolver o conceito de escritura barthesiana, Kadota (1999, p. 67)
indica que os sentidos gerados na escritura, mediante o trabalho lúdico e trapaceiro
com os significantes (que “se roçam, se chocam e se estilhaçam em cintilações de
significados”), são de uma ordem diferenciada; “produção epifânica de sentidos: a
significância
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, talvez”. A noção de significância estaria associada, então, ao trabalho
inusitado com a materialidade, à produção de sentidos que remonta sempre à
30
A noção de escritura sugere uma crítica transformada e uma concepção de pesquisa que abala as
estruturas científicas, não, simplesmente, porque abole a mais remota possibilidade de uma verdade
totalizadora e integradora, mas, principalmente, porque rejeita a natureza assertiva do discurso
acadêmico-científico. Nesse caso, é inevitável questionar o próprio discurso criador da pesquisa
científica para não cair em contradição: tal exercício, ainda que se preste a regras e modelos, deve
ser livre, e não um portador de verdades ou conclusões, no que esses conceitos têm de categóricos e
incontestáveis no plano do discurso.
31
Barthes (2004, p. 49-50) afirma a necessidade de lutarmos com a linguagem que falamos em nós
mesmos, pois essa linguagem não é nossa, está ideologicamente contaminada. Opõem-se em nós o
prazer das palavras que encontramos (o passado, a tradição, o clássico na literatura) e a fruição do
novo absoluto que “abala (...) a consciência”. O novo seria, por sua vez, o valor, o fundamento da
crítica, pois é a única medida para escapar da alienação social, da linguagem antiga, sempre
comprometida e fruto de uma constante repetição: “toda linguagem antiga é imediatamente
comprometida, e toda linguagem se torna antiga desde que é repetida”. Essa repetição constitui o
estereótipo, “figura principal da ideologia”.
32
O conceito de significância, proposto por Julia Kristeva (apud Perrone-Moisés, 2005, p. 34), opõe-
se ao de significação: este serve à comunicação, ao seu aprisionamento pelo sujeito, com o objetivo
de se transformar em informação; aquele sugere um sentido circulante, disseminado, sem ponto de
partida ou de chegada, “excede ao discurso e ao sujeito, como produção infinita”.